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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MARIA DO SOCORRO DIAS PINHEIRO
CURRÍCULO E SEUS SIGNIFICADOS PARA OS
SUJEITOS DE UMA ESCOLA RIBEIRINHA,
MULTISSERIADA NO MUNICÍPIO DE CAMETÁ -
PARÁ.
BELÉM-PA
2009
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MARIA DO SOCORRO DIAS PINHEIRO
CURRÍCULO E SEUS SIGNIFICADOS PARA OS
SUJEITOS DE UMA ESCOLA RIBEIRINHA,
MULTISSERIADA NO MUNICÍPIO DE CAMETÁ
PARÁ.
Dissertação apresentada como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Educação, a
Banca Examinadora do Programa de s-
Graduação em Educação, linha Currículo e
Formação de Professores, da Universidade Federal
do Pará.
Orientador: Profº. Dr. Salomão Antônio Muffarrej
Hage.
BELÉM-PA
2009
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Biblioteca Profa. Elcy Rodrigues Lacerda/Instituto de Ciências da Educação/UFPA, Belém-PA.
Pinheiro, Maria do Socorro Dias.
Currículo e seus significados para os sujeitos de uma escola
ribeirinha multisseriada do Município de Cametá - Pará; orientador,
Prof. Dr. Salomão Antônio Muffarrej Hage. _ 2009.
Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Pará,
Instituto de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em
Educação, Belém, 2009.
1. Educação rural Currículos Cametá (PA). 2. Comunidade e
escola Cametá (PA). 3. População rural Cametá (PA). 4. Escola rural -
Cametá (PA). I. Título.
CDD - 21. ed. 370193460718115
MARIA DO SOCORRO DIAS PINHEIRO
CURRÍCULO E SEUS SIGNIFICADOS PARA OS
SUJEITOS DE UMA ESCOLA RIBEIRINHA,
MULTISSERIADA NO MUNICÍPIO DE CAMETÁ
PARÁ.
Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Educação, linha Currículo e Formação de Professores, á Banca
Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade
Federal do Pará.
Avaliado em: ____/____/____ Conceito: ______________
Banca Examinadora.
____________________________________________
Professor Doutor Salomão Antônio Muffarrej Hage.
Orientador
Universidade Federal do Pará.
____________________________________________
Professora Doutora Mônica C. Molina.
Examinadora
Universidade de Brasília UNB.
___________________________________________
Professor Doutor Sérgio Cardoso de Moraes.
Examinador
NUMA/Universidade Federal do Pará
____________________________________________
Professora Doutora Ney Cristina M. de Oliveira.
Examinadora
Universidade Federal do Pará
Dedico este à memória póstuma de meu pai,
Abel Dias Leite. Á minha mãe, Rita Maria da
Conceição. Os primeiros colaboradores de
minha educação, que me incentivaram e
apoiaram desde cedo, para que eu adquirisse
os ensinamentos escolares.
AGRADECIMENTO
Agradeço em primeiro lugar a Deus pela graça da vida, pela fé e a coragem
concedida para ousar cursar um mestrado em Belém oportunizando-me desvelar os
primeiros passos para construção da pesquisa.
Ao meu esposo Edir Gonçalves Pinheiro que desde o 2º. Grau tem me
apoiado na aventura da descoberta, do conhecimento e particularmente no mestrado
assumiu todas as responsabilidades de pai, mãe e a administração do lar. Foi um
grande incentivador dos meus estudos e por ser um ribeirinho, auxiliou-me na
interpretação do vocabulário destes, e por ser bastante conhecido no município
devido seu trabalho pastoral, articulou os primeiros contatos com alguns sujeitos
sociais do local e organizava minhas viagens à localidade pesquisada, a ele minha
eterna gratidão.
À minha amada filha, Miriam Dias Pinheiro, a quem estive ausente em
momentos que necessitou do carinho, da atenção ou de uma bronca de mãe. Mas,
ela em todo o período do mestrado, me apoiou e assumiu os afazeres domésticos,
deixando-me inteiramente à disposição para estudar e escrever. Muito obrigada filha
por tudo, especialmente, pelas frases de incentivo, confiança, e otimismo a mim
depositado.
Aos meus familiares pelo apoio, mesmo à distância. Especialmente, minha
mãe, Rita Maria da Conceição, aos meus irmãos, José Luciano Dias, Alexandra
da Silva Leite e Alex Dias, a quem deixo expresso aqui, todo meu carinho, respeito
e gratidão. Mas, especialmente as minhas irmãs, Francisca Vânia Dias e
Conceição Eliane Dias Leite, muito obrigada por compartilharmos momentos
alegres descontraídos, naquele período difícil no inicio do mestrado em Belém e
ainda, pela contribuição financeira, bem como pelo carinho e o incentivo. Sou uma
admiradora de vocês, duas mulheres de coragem e de garra.
Ao professor orientador Salomão A. M. Haje uma pessoa que tem
contagiado outros pelo seu comprometimento e seriedade nas atividades que
desenvolve com a educação do campo. Fui testemunha de sua dedicação com a
pesquisa nesta área. Sou grata a ele, pelas diversas vezes em que me incentivou a
continuar os estudos e, principalmente, por ter me aceitado para orientação durante
o mestrado, pelo aprendizado a mim proporcionado, bem como pela atenção nos
momentos dessa construção. De fato, para quem almeja descobrir os caminhos por
onde o conhecimento científico tem circulado, sem dúvidas enfrentará alguns
obstáculos, mas nada que não nos faça compreender que nesta vida somos eternos
aprendizes. Quanto mais conhecemos, mais precisamos conhecer. E quando temos
a alegria de entrecruzar caminhos com pessoas como o professor Salomão, essa
condição de aprendiz acadêmico se transforma. Ele foi sem vidas, mais que um
orientador, um amigo. “Meu amigo de fé, meu irmão, camarada”.
À Natalina por ter renunciado oportunidades melhores, para ficar conosco.
À irmã Orlanda e Fátima Santos duas pessoas maravilhosas que encontrei
a muitos anos na minha trajetória e que, durante o período das disciplinas do
mestrado, acolheram-me em sua residência. A elas, meu carinhoso agradecimento.
À coordenação do PRONERA, pela oportunidade de desenvolver algumas
atividades no projeto, principalmente pela contribuição financeira, pois, devido estar
desempregada me auxiliou meus nos estudos no primeiro ano do mestrado.
Quero agradecer a dona Rita Cordeiro, professora aposentada, a
referência especial no local da pesquisa. Muito obrigada, pelo acolhimento, a
hospitalidade, e, sobretudo, por toda contribuição oferecida para que a pesquisa de
fato se materializasse.
À professora Jessisandra, por ter aceitado a realização da pesquisa em
sua escola, por ter disponibilizado materiais, informações diversas vezes, e,
efetivamente por ter se comprometido como protagonista da pesquisa.
Aos pais e comunitários minha gratidão pela receptividade em suas casas
e pelos seus depoimentos afinal, eles foram os atores principais desse estudo.
Quero agradecer os familiares dos estudantes da escola por aceitarem
seus filhos participar deste estudo; mas sou grata especialmente aos alunos dessa
escola que, como principais protagonistas da pesquisa, proporcionaram-me
inúmeras aprendizagens do seu contexto escolar e da sua cultura de ribeirinho.
À Sargia, Franciney e Roberto pelo fornecimento de dados estatísticos e
informações da Secretaria de Educação de Cametá.
Ao padre Geraldão um amigo querido, uma referência para nossa vida,
mesmo tão longe contribuiu diretamente na compra de livros favoráveis à pesquisa.
A ele meu apreço e gratidão.
Agradeço aos meus colegas/amigos da graduação, Marileuza Baia,
Marivaldo Araújo e Odilena Barbosa que sempre me apoiaram nas minhas
conquistas.
Não poderia deixar de agradecer aos professores da graduação do
Campus Universitário do Tocantins em Cametá - UFPA, especialmente, Professor
Gilmar Pereira da Silva, meu orientador de TCC, com quem iniciamos uma
pesquisa pioneira, sobre: Os movimentos Sociais em Cametá: um resgate de suas
experiências educativas e formação política. Ele sempre me incentivou a dar
continuidade aos meus estudos; à professora Ney Cristina M. de Oliveira pela
concepção de gestão educacional que a mim proporcionou na época da graduação
e veio contribuir na realização do trabalho no município; ao professor Genilton
Rocha, pela insistência em 2006, para que eu me inscrevesse no mestrado.
Ao padre Silvio que me levou de moto à área de terra firme de Cametá,
para conhecer de perto algumas localidades e dialogar com aqueles sujeitos sociais,
me auxiliando na definição do lócus de estudo.
Aos colegas da turma 2007 e em particular os da linha de currículo e
formação de professores que oportunizaram por meio do diálogo e dos
questionamentos ficar atenta ao entendimento de quais caminhos realmente seriam
percorridos durante o novo aprendizado. E, aos professores com os quais estudei
durante o mestrado. Muito obrigada pela valiosa contribuição que deram para minha
formação e para realização desta atividade.
Quero agradecer aos grupos GEPERUAZ, especialmente ao rgio Corrêa
e Ana Claudia Favacho, que auxiliaram com valiosas contribuições na identificação
dos caminhos da pesquisa. E ao GEPECART que me apoiou sempre que eu
necessitei utilizar a internet, agradeço particularmente, a Vergiliana Corrêa,
Bárbara Danielle, Amarílis, Fred e Laércio, pelos momentos de escuta e as
contribuições por eles oferecidas, frente às dificuldades vividas nesse trajeto.
Ao CNPq por ter me ofertado uma bolsa de estudo no último ano do
mestrado. Isso sem dúvidas auxiliou-me na realização da pesquisa proporcionando
preocupação financeira menor.
Aos parentes pela hospedagem nas diversas viagens vindas a Belém; e
especialmente agradeço, ao Adinor Junior e ao Anderson por realizarem alguns
serviços, em prol dessa construção.
Assim, agradeço a todos que contribuíram para concretização dessa
dissertação, aos que efetivamente não aparecem na lista dos nomes outrora citados,
sintam-se contemplados, afinal, uma produção escrita, é um exercício individual que
resulta, da ação coletiva compartilhada pela participação de outros sujeitos sociais.
Talvez pudéssemos avançar mais se ouvíssemos os
alunos, além dos pais de nossos alunos, em geral
impedidos de dizer o que esperam da escola. Em nossa
escola autoritária como na sociedade da qual é parte,
falam apenas os que percebem como tendo direitos e são
assim reconhecidos. Fala a professora ou o professor e
os alunos devem ouvir. Fala a diretora ou o diretor e os
professores e professoras devem obedecer. Fala a
Secretaria de Educação e a Universidade e a escola deve
atender. Falam os governantes e o povo deve aplaudir.
Falam os poderosos e os subalternos devem se curvar.
Os que rompem com essa histórica relação
autoritarismo/subserviência são acusados de esquerda
burra. (COSTA, 1996, p. 148).
RESUMO
A presente pesquisa investiga o Currículo e seus significados para os sujeitos de
uma escola ribeirinha, multisseriada no município de Cametá - Pará, no qual se
objetivou analisar como se define e materializa-se o currículo na escola
multisseriada ribeirinha, identificando quais significados são atribuídos ao currículo
escolar pelos alunos, pais, comunitários e a professora. Esse estudo se
desenvolveu na Ilha Joroca, na localidade Jorocazinho de Baixo, uma comunidade
com uma base organizacional relevante, que tem despertado curiosidade cientifica
em outras áreas; foi beneficiada com vários projetos do governo federal e poss
quatro escolas em seu entorno. A investigação ocorreu na Escola Municipal de
Ensino Fundamental Jorocazinho, onde se buscou conhecer inicialmente o contexto
da comunidade ribeirinha no campo das organizações e suas práticas educativas
observando quais experiências de currículo perpassam esse cenário e, em seguida
priorizou-se compreender a materialização do currículo e seus significados na voz
dos sujeitos da escola. Nesse sentido, os educandos, pais, comunitários e a
professora foram os principais interlocutores da pesquisa e suas narrativas
destacaram-se como objeto de estudo e análise. Os aportes teóricos utilizados para
análise dos depoimentos coletados pautaram-se nos estudos de Apple, Arroyo,
Vygotsky, Freire, Vasconcelos e Cagliari. Os dois primeiros autores se incluem no
texto relacionando-se aos depoimentos dos sujeitos ribeirinhos ao currículo e sua
materialização, enquanto os demais serviram de base, para a análise das falas
referentes aos significados do currículo. O estudo, as análises focaram os
seguintes eixos temáticos: A materialização do currículo na escola multisseriada
ribeirinha; O currículo e seus significados para as lideranças comunitárias,
pais de alunos e a professora; O significado do currículo escolar para os
educandos; O significado do “aprender a ler” para educandos ribeirinhos.
Essa discussão fundamenta-se numa abordagem qualitativa, e se desenvolveu
através de uma pesquisa exploratória seguida da observação participante.
Empregaram-se como procedimentos técnicos metodológicos: entrevistas narrativas
e semi - estruturada, a análise documental do planejamento curricular da escola, do
livro didático utilizado para leitura dos educandos em sala de aula; de imagens
fotográficas e de desenhos dos estudantes. Como resultado, identificamos que a
escola ribeirinha multisseriada necessita de mais atenção do governo municipal e os
educadores de melhor acompanhamento e orientação em suas práticas educativas;
as práticas de alfabetização devem assumir como dimensão prioritária nas séries
iniciais do ensino fundamental; Existe um descaso em relação às questões de: infra-
estrutura, didático/pedagógico e financeira; as políticas públicas de educação do
município para a escola ribeirinha é precarizada; o que se tem enquanto currículos
na escola multisseriada, são: uma “listagem de conteúdos” descontextualizados e a
forma de organização da educação ribeirinha é fundamentalmente “urbanocêntrica”.
Indica-se, portanto que, a educação ribeirinha precisa ser valorizada enquanto
espaço de construção do conhecimento, a partir da valorização dos saberes
culturais ribeirinhos, despertando-os para uma leitura de mundo e para construção
de novos sujeitos políticos e sociais sintonizados com a sua territorialidade e
identidade cultural.
Palavras-chave: Currículo. Multissérie. Identidade Ribeirinha. Educação do Campo.
ABSTRACT
The present research investigates the Curriculum and its meanings for the citizens of
a riparian, multisseries school in the city of Cametá-Pará, in which if it objectified to
analyze how is defined and materialized the curriculum in the multisseries riparian
school, identifying which meanings are attributed to the pertaining school curriculum
for the pupils, parents, communitarian and the teacher. This study was developed in
the Joroca Island, in the locality Jorocazinho de Baixo, a community with a good
organizational base, that has been interesting for scientist in other areas; it was
benefited with some projects of the federal government and possessed four schools
around it. The inquiry occurred in the Elementary Municipal School Jorocazinho,
where was searched to initially know the context of the riparian community in the
field of the educative practical organizations and its observing which curriculum
experiences they have been living and, after that was prioritized to understand the
materialization of the curriculum and its meanings in the voice of the citizens of the
school. In this direction, the learners, parents, communitarian and the teacher had
been the main interlocutors of the research and its narratives had been distinguished
as object of study and analysis. The theoretical bases used for analysis of the
collected depositions were the studies of Apple, Arroyo, Vygotsky, Freire,
Vasconcelos and Cagliari. The two first authors are included in the text becoming
related it the depositions of the marginal citizens to the curriculum and its
materialization, while the others had served of bases, for the analysis of the
depositions referring to meanings of the curriculum. The study, the analyses focused
the following thematic axles: The materialization of the curriculum in the multisseries
riparian school; The curriculum and its meanings for the communitarian leaderships,
parents of pupils and the teacher; The meaning of the pertaining curriculum school
for the learners; The meaning of “learning to read” for riparian learners. This
discussion is based on a qualitative boarding, and was developed through an
exploratory research followed by the observation of the participants. Are used as
methodologist technician procedures: half structuralized and narratives interviews,
the documentary analysis of the curricular planning of the school, the used didactic
book for reading of the learners in classroom; of photographic images and drawings
of the students. As result, we identify that the multisseries riparian school needs
more attention of the municipal government and the educators of better educative
accompaniment and orientation in its practical; the practice of literation must assume
as priority dimension in the initial series of basic education; An indifference in relation
to the questions exists of: infrastructure, financial pedagogical didactic/and; the
public politics of education of the city for the riparian school are precarious; what
exist in thee multisseries school curriculum are a “listing of non contextualied
contents” and the organization of the riparian education is basically “urbanistic”. It is
indicated, therefore, the riparian education must be valued while space of
construction of the knowledge, from the valuation of knowing cultural messengers to
them, showing them for a reading of world and construction of new social and
politicians citizens and syntonized with their territoriality and cultural identity.
Key-Words: Curriculum. Multisseries. Riperian identity. Country Education.
LISTA DE ILUSTRÇÕES
Figura 01: Imagem via satélite do arquipélago Joroca formado pelas ilhas
Jorocazinho de Baixo, Joroca Grande e Jorocazinho de Cima, Jenipapo e Ovídio. . . 46
Figura 02: Diversas ilhas a montante e a jusante do rio Tocantins e a direita, na
parte superior, localidades da Ilha do Joroca. ............................................................. 46
Figura 03: Mapa dos municípios do Baixo Tocantins/Pará no qual Cametá está com
a legenda numérica 03. ............................................................................................... 55
Foto 01: O rio Tocantins, sua vegetação e a nuvem carregada de chuva. ................. 47
Foto 02: Uma das embarcações que trafega para as comunidades da ilha do
Joroca lotada com pessoas, madeira em tábuas e outros produtos. .......................... 48
Foto 03: Casa coberta de palha de buçu, cercada pela vegetação. ............................ 50
Foto 04: Embarcações e construções com cobertura de telhas de barro. .................. 50
Foto 05: O ribeirinho e seus instrumentos de trabalho. ............................................... 57
Foto 06: Algumas espécies de peixes: caratinga, tainha, jacundá e outros, no
paneiro. ....................................................................................................................... 57
Foto 07: O jovem com tabuletas de mel, ao lado da centrífuga de extração do
produto. ....................................................................................................................... 74
Foto 08: Mel produzido sem a interferência humana. A extração é manual e
preferencialmente noturna. .......................................................................................... 75
Foto 09: Casa construída pelo projeto de assentamento de Reforma Agrária para
áreas agroextrativistas em Cametá/PA. ...................................................................... 87
Foto10: Ribeirinhos e alguns materiais oriundos do recurso do projeto de
assentamento. ............................................................................................................. 88
Foto 11: O antigo prédio escolar. ................................................................................ 91
Foto 12: Prédio escolar em construção ........................................................................ 95
Foto 13: Alunos e professora e o desenvolvimento do conteúdo em sala de aula. ..... 97
Foto 14: Recursos didáticos da sala de aula. ............................................................. 97
Foto 15: Turma de alunos da manhã .......................................................................... 98
Foto 16: Turma de alunos da tarde. ........................................................................... 99
Foto 17: Fachada da frente do novo prédio escolar. .................................................. 100
Foto 18: Fachada de trás do novo prédio escolar. ..................................................... 101
Foto 19: Turma da manhã no final do ano letivo de 2008. ......................................... 101
Foto 20: Local de entrada da escola com a maré seca. ............................................. 104
Foto 21: Os educandos e uma mãe retornando para casa, maré enchendo. ............ 104
Foto 22: Estudantes da tarde chegando à escola. .................................................... 105
Foto 23: Desenho de um aluno sobre a cultura local. ............................................... 120
Foto 24: Texto/ atividade para educandos da educação infantil a 2ª série. ................ 130
Foto 25: Leitura e escrita das palavras. .................................................................... 161
Foto 26: Meninas construindo palavras em grupo. .................................................... 162
Foto 27: Educandos escrevendo palavras com sílabas móveis. ............................... 162
Foto 28: Colagem de gravuras de animais vertebrados e invertebrados. ................. 164
Foto 29: Resultado final da colagem de gravuras. .................................................... 164
Foto 30: Educanda escreve nomes de animais da sua cultura. ................................ 165
Foto 31: Leitura das fichas de palavras construídas pelos educandos. .................... 165
Foto 32: Resultado final das palavras escritas pelos educandos. ............................. 165
Foto 33: Crianças brincando em um casco, no rio, em um final de tarde. ................. 168
Quadro 01: Informantes da pesquisa. ....................................................................... 36
Quadro 02: Relação de conteúdos do ensino de geografia e história para as séries
iniciais do ensino fundamental. ................................................................................. 116
Quadro 03: As sílabas, na disciplina de português nas séries iniciais do ensino
fundamental. .............................................................................................................. 132
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Matrícula da Educação Básica de Cametá, nos anos 2005/2006. ........... 59
Tabela 02: Matrícula da Educação Básica de Cametá, nos anos 2007. .................... 60
Tabela 03: Níveis de ensino, escolas, alunos, docentes e turmas do sistema de
ensino em Cametá, ano 2008. ................................................................................... 64
Tabela 04: Projetos de assentamento agroextrativista criados em Cametá, ano
2006. ......................................................................................................................... 81
LISTA DE SIGLAS
COOPACAM Cooperativa Agro-Extrativista dos Produtores Familiares Rurais de
Cametá.
CAMTA - Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-u.
CC - Comunidade Cristã.
CVRD - Companhia Vale do Rio Doce
EMEF - Escola Municipal de Ensino Fundamental
FNO - Fundo Constitucional de Financiamento do Norte
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
FETAGRI/PA/AP - Federação dos Trabalhadores na Agricultura Pará/Amapá
GEPERUAZ Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia.
GEPECART Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Região
Tocantina
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IDEAS Instituto de Desenvolvimento Ambiental Sustentável.
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio Teixeira
LDBEN Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
MMA Ministério do Meio Ambiente
MODERT - Movimento em Defesa da Região Tocantina
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola
PNTE Programa Nacional de Transporte Escolar.
PNE - Plano Nacional de Educação
PDA Subprograma de Projetos Demonstrativos.
SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
SOME Sistema Modular de Ensino.
SENAI Serviço Nacional da Indústria.
UHT - Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
URE Unidade Regional de Educação.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO. ........................................................................................................ 16
1. Inquietações que emergiram do movimento das águas tocantinas. .............. 16
1.2 Objetivos do estudo. .......................................................................................... 26
1.3 Orientações metodológicas da pesquisa. ........................................................ 27
1.4 Local da pesquisa. ............................................................................................. 28
1.5 Sujeitos da pesquisa. ......................................................................................... 33
1.6 Estrutura da dissertação. .................................................................................. 42
2. CENÁRIO DA COMUNIDADE RIBEIRINHA, SUAS ORGANIZAÇÕES E
PRÁTICAS EDUCATIVAS. ........................................................................................ 44
2.1 Singularidades de um percurso vivido na travessia das águas tocantinas. . 44
2.2 Identidade histórica da comunidade ribeirinha. .............................................. 51
2.3 A comunidade Jorocazinho de Baixo na cartografia do município de
Cametá - Pará. .......................................................................................................... 54
2.4 Contexto educacional do município de Cametá. ............................................. 58
2.5 Os movimentos sociais do campo ribeirinho e suas práticas educativas. ... 66
2.5.1 O surgimento da comunidade cristã e a associação dos moradores. ............... 68
2.5.2 O cooperativismo na Ilha do Joroca. ................................................................. 76
2.6 Como se configura a educação ribeirinha e multisseriada em Cametá. ....... 89
2.6.1 A organização do espaço pedagógico na escola ribeirinha. .............................. 94
3. A MATERIALIZAÇÃO DO CURRÍCULO E SEUS SIGNIFICADOS PARA OS
SUJETOS RIBEIRINHOS. ......................................................................................... 107
3.1 A materialização do currículo na escola multisseriada ribeirinha. ................ 107
3.2 O currículo e seus significados para as lideranças comunitárias, pais de
alunos e a professora. ............................................................................................. 134
3.2.1 O significado do currículo escolar para os educandos. ..................................... 148
3.2.2 O significado do “aprender a ler” para educandos ribeirinhos. .......................... 151
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O percurso que movimenta o currículo das águas
tocantinas. .................................................................................................................. 170
Glossário com Expressões do Léxico Ribeirinho. ................................................ 179
REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS. ........................................................................... 185
APÊNDICE. ................................................................................................................ 196
INTRODUÇÃO
1. Inquietações que emergiram do movimento das águas tocantinas
As águas do rio Tocantins produzem correntezas que impulsionam o
navegar para a montante ou para a jusante. Motivada por este movimento, me
propus realizar a escrita desta dissertação com a possibilidade de colocar em
evidência um olhar sobre o Currículo e seus significados para os sujeitos de
uma escola ribeirinha, multisseriada no município de Came- Pará”, para o
qual foi necessário enfrentar desafios e limitações pessoais para navegar rumo ao
desejado e gradativamente ir me aproximando desta nova realidade. É evidente que
para isso, contei com a colaboração de outros sujeitos sociais, alguns deles
pertencentes à pesquisa, outros não.
Quando me reporto ao termo desafio, quero dizer que foi árduo realizar a
pesquisa, pois pesquisar não é algo muito simples. Sou principiante não somente no
campo da pesquisa, mas, sobretudo um aprendiz deste contexto social ribeirinho
que, a princípio, causou-me incertezas e estranhamento. Sempre vivi em uma
realidade de terra firme onde não se dependia com tamanha freqüência, de
transportes (casco, barco, etc.) e as distâncias podiam ser percorridas a ou em
animais, como cavalo, por exemplo. Contudo, essa não é a realidade das populações
ribeirinhas. Para transitar de um lado para o outro ou mesmo ir à residência de uma
família vizinha noutra propriedade, faz-se necessário ainda que pequena à distância
o uso de um transporte aquático. E, para mim que não sei remar e muito menos
nadar, a preocupação era maior por parte de quem me acolheu e por mim mesma.
Com essa situação, sentia-me como se estivesse atrapalhando a vida das
pessoas e incomodava-me a dependência freqüente do outro, para sair de onde me
alojei. Imaginava que podia conhecer e saber mais, no entanto, a limitação pessoal
fez-me perceber que para avançar no meu propósito, sem vida alguma precisava
do outro, na busca do novo. No momento em que fecho este texto, penso que não
teria conseguido efetivar essa atividade se não fosse à hospitalidade, a atenção e a
disponibilidade daquela gente. Foi muito gratificante conviver naquela realidade
16
desconhecida e aprender tantas coisas. Aliás, esse deve ser um dos objetivos do
mestrado, nos possibilitar diferentes olhares e, principalmente, novas aprendizagens.
É óbvio que poderia ter definido outra realidade do campo mais “cômodae
“confortável” para mim, em um contexto social de terra firme, afinal o município de
Cametá, possui as duas realidades. Mas, após o contato direto com ambas as
situações, deixe-me envolver pela curiosidade de conhecer e ao mesmo tempo
apreender como se efetiva a vida escolar de estudantes de comunidades ribeirinhas.
Para saber um pouco mais sobre a vida de um grupo populacional em uma
localidade ribeirinha foi necessário fazer várias viagens, compartilhando com eles
desde o momento de entrada e saída dos barcos do porto da cidade de Cametá até
a chegada ao local de destino, pois, como retrata Costa (2006), “o rio Tocantins é
bastante utilizado pelos moradores como via de transporte e apresenta seu curso
bastante longo e navegável”. (p. 148). Assim, numa das viagens para o lócus de
pesquisa indaguei-me: de onde surgiu essa idéia de estudar a realidade do campo e
o currículo escolar? E nesta busca interior recordei que desde a infância tenho
galgado o trajeto entre cidade e campo ou vice e versa.
Sou nordestina, filha de agricultores sem terra, que cultivavam a lavoura em
propriedades de terras de latifundiários, em um processo denominado pelos
lavradores cearenses de meieiro uma palavra, que segundo o dicionário de Cearês,
significa “agricultor que arrenda a terra pagando com a metade da produção”.
(GADELHA, 2007, p. 101). E, no meu ponto de vista, isso era uma exploração
grandiosa uma vez que, o proprietário entrava apenas com a terra e a família com as
sementes e todo o trabalho da lavoura. Com isso, antes de conhecer o mundo da
leitura e escrita ou freqüentar a escola, aprendi, ou melhor, aprendemos a cultivar o
solo para a agricultura, especialmente a capinar a roça, semear e cultivar produtos
agrícolas como o feijão, arroz, milho, café, cacau, banana, mandioca, abacaxi, e
outros produtos, no solo do Ceará e depois do Pará.
O nordeste é uma das regiões brasileira marcada não somente pelo
problema da pobreza, mas também, pela baixa pluviosidade. E, conforme Passador
(2006, p. 89, 90) na década de 50 atingiu cerca de 10,8 milhões de pessoas, das
áreas rurais do país e destes, quase metade pertenciam ao nordeste brasileiro. Esse
processo de migração reduziu-se nas décadas subseqüentes e na década de 1980,
para as famílias pobres como a minha, foi bastante difícil, devido à seca que se
17
alastrou em muitos lugares do Ceará. Esse fenômeno é um dos responsáveis por
situações nefastas para populações empobrecidas daquela região. E, essa situação
influenciou nossa migração para o Norte, um fato que ocorre com muitas famílias
nordestinas. Ninguém sai de sua terra natal sem um bom motivo. O nosso motivo,
bem como o de muitas outras famílias (que são expulsas de sua terra natal), se
justificou pela ausência de condições de sobrevivência, fato costumeiro no Nordeste
brasileiro, afinal quem quer morrer, ou ver seus filhos morrer de fome?
Com o agravamento da fome no Nordeste, meus pais decidiram migrar para
o sudeste, mas um tio os convenceu a retirar-se para o Norte, o Estado do Pará. Isso
impediu-nos, de concluir aquele ano escolar. Naquele período, eu cursava a série.
Mas sem as mínimas condições para sobreviver na terra natal, em setembro de 1983
reuniram-se as duas famílias em transporte conhecido como “pau de arara” e
migramos do nordeste brasileiro. A viagem durou sete dias para chegar ao município
de Pacajá, na vicinal do km 320, localizada a sete quilômetros de distância da
margem da rodovia Transamazônica. Ao nos instalarmos nessa localidade, a vida
melhorou em vários aspectos, a alimentação era abundante, as chuvas
possibilitavam a germinação propícia dos grãos e de outras plantações, porém, as
dificuldades eram outras, entre elas, à ausência de escola de a série e ensino
médio, falta de estradas apropriadas para o escoamento da produção e o difícil
acesso a um posto de saúde.
Embora não tivesse escola para estudar, outras oportunidades de
conhecimento e aprendizagem surgiram para mim. Uma se deu com capacitação
para atuar como alfabetizadora do Mobral, que me proporcionou vivenciar uma
experiência de seis meses numa atividade voluntária na educação de jovens e
adultos da comunidade. Outra experiência significativa se deu, ao participar da ação
de alfabetização de jovens e adultos, desenvolvida pela Paróquia de Pacajá, a partir
dos princípios pedagógicos de Paulo Freire. Uma atividade diferente daquela
vivenciada no Mobral. No final de 1985, fizeram-me um convite para trabalhar numa
escola, localizado na rodovia Transamazônica, km 320B e após o aceite de meus
pais, iniciei outra experiência de educadora leiga e, aos dezessete anos de idade,
conheci o desafio de ser educadora de uma escola pública do campo no Estado do
Pará, em uma turma multisseriada.
A escola foi construída no período de colonização da Transamazônica, o
prédio encontrava-se bem conservado, tinha carteiras suficientes, uma cantina para
18
guardar os materiais (fogão, panelas, vassouras e a merenda) e naquele espaço
fazia-se a merenda escolar. Havia uma servente, que preparava a merenda pela
manhã para os dois turnos. No meu caso, que lecionava à tarde, a merenda era
constantemente requentada e servida aos alunos por mim. Não se construiu
sanitário; não tinha água encanada e durante o período de minha docência naquele
estabelecimento de ensino (três anos) não recebi nenhum recurso pedagógico, nem
mesmo o livro didático. Não tive maiores dificuldades por que trabalhei inicialmente
com alunos da alfabetização, e série os quais se encontravam mais ou menos
na mesma situação em relação ao domínio da leitura e da escrita.
Naquela região havia acompanhamento pedagógico por parte do Estado aos
professores leigos do campo. A supervisora visitava a escola uma vez ao ano e no
período de férias geralmente havia cursos de formação para os professores da rede.
Vários dos quais participei foram realizados no Centro Nazaré, atualmente, município
de Anapú e no município de Uruará.
Nestes cursos, a oferta de formação era a mesma para educadores do
campo e da cidade e as orientações pedagógicas e curriculares utilizadas, às vezes,
eram contraditórias. Orientavam-se os educadores na construção de recursos
pedagógicos como, por exemplo, o globo terrestre feito de revistas e jornais para o
ensino da geografia e história. Mas, na realidade do campo, tínhamos dificuldade em
adquirir esses materiais e quem os tinha, utilizava para outros fins.
Discutíamos sobre os princípios pedagógicos da educação freireana, mas
orientavam-nos a construção de um planejamento distorcido dos propósitos
incorporados por Paulo Freire. Construíram uma cartilha para alfabetização de
crianças a partir da realidade da Transamazônica, denominada “Pés no chão”. Ela
estava fundamentada nos princípios pedagógicos freireano, muito interessante não
restam dúvidas, mas somente aos professores foi-lhes dado um exemplar. Nesse
sentido, se identifica que, na “verdade não existe educação rural, mas, sim,
fragmentos da educação escolar urbana introduzida no meio rural”. (PASSADOR,
2006, p. 115).
Entretanto, durante a realização dos cursos, éramos incentivados a estudar,
inclusive a Unidade Regional de Ensino - URE
1
- de Altamira oferecia o curso
supletivo modular para quem quisesse continuar os estudos. Depois se instalou no
1
Um órgão que representa a Secretaria Estadual de Educação do Pará, em diversas regiões
paraense.
19
Centro Nazaré, o curso de magistério para os educadores da rede, em período
intervalar, custeado pelo Estado. Esse incentivo proporcionou-me em exercício da
docência continuar com o grau, à época nos moldes ofertados pelo estado, com o
estudo dos módulos em casa e a realização das provas no município de Altamira,
aonde gradativamente cheguei à conclusão do Ensino Fundamental.
Quando estive no Ceará freqüentava assiduamente a Igreja Católica e
participava de um grupo de São Vicente de Paulo onde se desenvolvia a prática de
“Experiência da Oração”. No Pará, ingressei ativamente na Comunidade Eclesial de
Base, denominado Comunidade Cristã (C.C.) em toda a Prelazia de Cametá. Esse
movimento pastoral tinha um posicionamento a partir da teologia da libertação.
Ingressei depois, em movimentos sociais do campo, nos quais uma de nossas
conquistas foi retirar o sindicato dos trabalhadores rurais do grupo que não tinha
compromisso com a categoria. Articulamos o plebiscito para emancipação de Pacajá,
que naquele período pertencia ao município de Portel. Realizamos a criação de um
partido político que como outros, concorreram à primeira eleição municipal.
Neste percurso de participação em movimentos pastorais e sociais conheci
um caboclo ribeirinho tocantino, com o qual casei e voltei a residir em espaço
urbano, na cidade de Cametá. A partir de então fui desafiada a conhecer e conviver
com uma nova realidade histórica e social de um povo de cultura própria da
Amazônia paraense, com uma identidade caracterizada pela histórica relação com as
águas movimentadas pelo rio Tocantins. Quando me reporto ao movimento do rio
Tocantins, não me refiro ao sentido metafórico, porque de fato o rio tem um
movimento, dialético, natural, próprio de enchente e vazante. Mas existem nele,
outros tipos de movimentos, que diferem do seu circuito natural que é o movimento
realizado pelos sujeitos sociais que nele vivem, sobrevivem e/ou nele trafegam. Ele é
bastante movimentado pelos povos que estão a sua margem. Foi neste município
cortado pelo imenso rio Tocantins que concluí o Ensino do 2º Grau em Magistério e a
graduação em Pedagogia.
Em 2001, o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu a gestão municipal e
convidaram-me a assumir a direção da Escola Municipalizada de Ensino
Fundamental Santa Maria. Eu havia concluído o curso de graduação em pedagogia
no final de 2000 no Campus Universitário de Cametá UFPA, ao assumir a
administração escolar e tinha expectativas de transformar a educação daquela
escola, fundamentando-me em algumas teorias relevantes que havia aprofundado na
20
universidade, no campo educacional. Entretanto, para discutir algumas dessas idéias
com o professorado de uma instituição onde predominava o currículo tradicional não
foi simples e nem fácil. Realizamos uma discussão e a construção do relatório inicial
do Projeto Político Pedagógico que, ao apoiar-se ao pensamento de Veiga (2003)
“dará indicações necessárias a organização do trabalho pedagógico, que incluí o
trabalho do professor na dinâmica interna da sala de aula”. (p. 14). Mas,
lamentavelmente, em nossos interesses coletivos, éramos barrados pela péssima
infra-estrutura escolar e a Secretaria de Educação na qual dependíamos
financeiramente não estava pleiteando este tipo de discussão, nem as ações dela
originada. Somente na Primeira Conferência Municipal de Educação ocorrida no final
de 2001, esse propósito entrou em pauta e aprovou-se como um dos princípios e
diretrizes da educação municipal.
Na escola de Santa Maria criamos um projeto de leitura, organizamos jogos
estudantis, feira pedagógica, proporcionou-se a participação dos pais na escola,
organizamos palestras para os educandos com o Conselho Tutelar, mas a
experiência durou apenas um ano, por não conseguir aprovação no concurso público
municipal.
Em 2002, assumiu a gestão educacional do município um novo Secretário,
Raimundo Epifânio. Ele convidou-me para assumir a chefia de seu gabinete. Mas, ao
vivenciar o cargo por trinta dias, descobri que essa função não caberia a mim.
Solicitei então, transferência ou demissão da função e com isso, me foi ofertada a
Coordenação do Ensino Fundamental da Rede Municipal. Aceitei o novo desafio, e
dei início à outra jornada profissional articulada com quase todos os setores
pedagógicos da Secretaria de Educação canalizando em ações que favoreciam a
formação contínua para os educadores do campo, da cidade e para os que atuavam
em escolas multisseriadas, de forma diferenciada.
Na gestão surgiram as primeiras inquietações referentes à educação do
campo e nos primeiros meses de atividade nos deparamos com um número
expressivo de professores de multissérie que nos procuravam semanalmente para
solucionar as inúmeras dificuldades vivenciadas no dia-a-dia da escola. Eles
solicitavam material pedagógico, cursos para formação continuada, merenda escolar,
orientação do preenchimento do diário de classe, como também, o desenho
curricular das disciplinas com os conteúdos a serem ministrados na sala de aula.
Eles também almejavam encontrar soluções imediatas para combater o
21
analfabetismo dos alunos da primeira fase do ensino fundamental, que se
encontravam na multissérie.
A nossa dificuldade se deu em função da não existência de um desenho
curricular para o Ensino Fundamental seriado e menos ainda para turmas ou escolas
multisseriadas. Logo quando chegamos, à rede municipal, constatamos que a
maioria dos arquivos da Secretaria Municipal de Educação havia sido queimada pela
gestão anterior. A confusão foi tamanha, que fomos obrigados pelas circunstâncias,
a elaborar um desenho curricular para o ensino fundamental da rede municipal
naquele momento.
Tínhamos clareza, que a iniciativa de elaboração do currículo, naquelas
circunstâncias, era provisória. De fato, pretendíamos proporcionar momentos de
construção de um currículo coletivo, o que de certa forma ocorreu com muitos
professores de escolas seriadas e alguns de multissérie. Mas, constatamos a
necessidade de estabelecer outro tipo de diálogo com o grupo de professores de
turmas ou de escolas multisseriadas do município para identificar as possibilidades
de se construir uma dinâmica educacional e curricular própria para aquela realidade,
pois, entendíamos que era necessário iniciar uma discussão e a consolidação de
uma “educação adequada à cultura do homem do campo”. (PASSADOR, 2006, p.
115).
A primeira iniciativa foi realizar o levantamento da localização geográfica
desses profissionais e nesse processo, constatamos que os mesmos atuavam em
duas realidades muito características do meio rural no município, denominadas:
áreas de ilhas e de terra firme (SOUSA, 2002, p. 22-23).
A partir desse entendimento, iniciamos a realização de encontros semestrais
com os professores de turmas ou escolas multisseriadas e no primeiro encontro,
surgiram muitas propostas de ação para a equipe de Ensino Fundamental da
Secretaria de Educação e para os professores, entre as mais significativas e
assumidas por nós, destacamos: a formação continuada específica para professores
de multissérie, a criação do “Baú de livros” para suprir à ausência de bibliotecas, a
distribuição de merenda regionalizada, de material pedagógico, a construção de
algumas escolas e a nucleação - reunião de várias escolas, numa única comunidade,
para transformar turmas multisseriadas em seriadas - de algumas delas.
Tomamos conhecimento naquele momento de que no estado do Pará estava
surgindo um grupo com atuação junto às escolas multisseriadas e através de
22
informações entramos em contato com o coordenador do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ), da Universidade
Federal do Pará, com o qual articulamos assessoramento e parceria.
Com a aproximação da Secretaria de Educação ao GEPERUAZ, novas
possibilidades se manifestaram como a participação da equipe de coordenação da
Secretaria de Educação nos estudos realizados pelo grupo e posteriormente se
estendeu a formação para os educadores de escolas multisseriadas. Uma das
estratégias da gestão democrática e participativa da Secretaria foi a de ouvir o
público alvo. Por essa iniciativa se pensou em saber: o que os docentes de escolas
multisseriadas poderiam dizer de suas experiências educativas? Evidentemente
seria possível fazer a descoberta, perguntando aos educadores como pensam e
sente-se neste contexto educativo.
Com o propósito de conhecer o que pensam e sentem os educadores de
escolas multisseriadas no primeiro semestre de 2003 se concretizou a primeira
formação através do “I encontro de professores das escolas multisseriadas de
Cametá”, cujo enfoque era naquele momento diagnosticar os problemas e traçar um
debate coletivo de possíveis soluções para essa realidade do campo. Abordaram-se
os temas: “Análise conjuntural/estrutural das escolas multisseriadas; e Novos olhares
para as escolas multisseriadas: organização, planejamento e didática pedagógica na
escola rural de Cametá”. O “II encontro dos professores de escolas multisseriadas”
realizou-se em agosto de 2003 e contou com mais de 180 educadores, tendo como
temas de estudo: “A desconstrução do paradigma seriado de ensino” e “Classes
multisseriadas numa perspectiva de educação libertadora”. No primeiro tema
apresentou-se um quadro panorâmico da educação do campo no país onde se
observou a supremacia da educação urbana em relação à educação do campo,
caracterizada pelo modelo de precariedade existente na oferta e no atendimento à
educação rural, no qual se expuseram naquele momento, os seguintes dados
referentes a educação do campo no Brasil:
Em torno de 6% das crianças de 7 a 14 anos estão fora da escola na
zona rural; dos jovens de 15 a 18 anos, 65% estão matriculados, mas
85% deles apresentam defasagem de idade/série, permanecendo no
ensino fundamental. O número médio de anos de escolarização da
população adulta (com 25 anos ou mais) residente na zona rural é de
apenas três anos; aproximadamente um terço (36%) da população
adulta é considerada analfabeta (Instituto Nacional de Estudos e
23
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP 2002). 64% das
escolas que oferecem o ensino fundamental de a séries são
exclusivamente multisseriadas. Essas escolas atendem 1.751.201
alunos e possuem um único professor para duas, três e até sete
séries diferentes. Na Região Amazônica 71,7% das escolas
multisseriadas que oferecem o ensino fundamental de a série
são exclusivamente multisseriadas e atendem 394.948 alunos
(46,6%). (HAGE, 2003).
Com esses dados identificamos os percentuais de problematização na
educação do campo, mas aumentaram as expectativas de que poderíamos estar
traçando caminhos significativos para melhorar a qualidade de ensino do campo, e
este deveria perpassar pela formação continuada dos educadores de escolas
multisseriadas. Isso contribuiu para realização do III encontro onde se discutiu o
tema: “O planejamento educacional na perspectiva libertadora e sua elaboração” e
fez-se a “Avaliação e proposta da formação de professores”. Este ocorreu em janeiro
de 2004, durante uma semana. Os educadores saíram do encontro com as
orientações teóricas e práticas de como desenvolver um planejamento com estes
fundamentos.
Na avaliação foi proposto pelos educadores, que almejavam dar
continuidade a encontros espeficos para estudo e debate sobre uma educação
mergulhada nos anseios de uma demanda constituída exclusivamente em Cametá,
na realidade do campo. Ao elencar a possibilidade de se encontrarem, os
professores descobrem desafios e perspectivas, estudam concepções curriculares,
metodologias, relatam experiências, cujo enfoque primordial perpassa, pela melhoria
do fazer pedagógico e da qualidade de educação, reconhecendo que a escola
sozinha o poderá mudar a face do país, conforme relata Padilha: “A escola que
Paulo Freire propõe, baseada numa relação dialógica e dialética entre educadores e
educandos, é um instrumento importante para construção de uma nova sociedade,
mas ela sozinha não poderá salvar o Brasil” (2002, p. 25).
Ao final de 2004 encerrava a gestão municipal. O grupo ao qual me
encontrava vinculada perdeu as eleições no município e uma inquietação brotava na
equipe sobre como poderíamos dar continuidade às atividades educativas voltadas
para o campo. Na ocasião, fui aprovada na seleção para professora substituta da
Universidade Federal do Pará, Campus Universitário do Tocantins, localizado em
Cametá. Enquanto estive na docência do ensino superior, possibilitamos o contato
direto da universidade com a realidade do campo, ao oportunizar o estágio dos
24
estudantes de pedagogia na escola pública urbana, provocamos momentos de
estudos e reflexões, em sala de aula e em outros espaços da Universidade a
respeito da educação do campo, (inclusive alguns educandos, foram visitar escolas
do campo na região de terra firme) por considerar que o futuro profissional da
educação, necessita compreender as diversidades educacionais existentes nestes
dois contextos sociais.
Ao constatarmos com mais abrangência a problemática que envolve a
educação na realidade do campo no município de Cametá compreendemos que
seria relevante à criação de um grupo de pesquisa no Campus Universitário do
Tocantins, que possibilitasse estudos sobre a realidade do campo na região
Tocantina. Surgiu assim, o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na
Região Tocantina (GEPECART) que tem realizado ações significativas, conectadas a
grupos como: GEPERUAZ
2
, EDUCAMAZÔNIA
3
, governos e movimentos sociais de
alguns municípios vizinhos. Motivada por este movimento dinâmico dos sujeitos
sociais que residem às margens do rio Tocantins, lancei-me em outro desafio ao
ingressar no mestrado em 2007, que foi realizar uma pesquisa a partir da
problemática: Currículo e seus significados para os sujeitos ribeirinhos,
orientada por duas questões norteadoras: Qual currículo se materializa em uma
escola ribeirinha, no município de Cametá? Que significados são atribuídos ao
esse currículo, pelos educandos, professora, pais de alunos e comunitários da
escola ribeirinha, em Cametá?
Penso que, a partir dessas interpelações, podem surgir respostas, reflexões,
ou novas indagações que venham contribuir na discussão relacionada à educação
do campo no município. E essa contribuição pode emergir sim, de um lugar que é
considerado área do campo/rural, o contexto social dos povos que vivem na região
2
GEPERUAZ como foi mencionado anteriormente é um grupo de pesquisa em educação do campo
na Amazônia, formado por uma ampla equipe de pesquisadores e estudantes. Desenvolveu o
programa de extensão Educação cidadão na transamazônica financiado pelo programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária e dentre outras atividades, em 2005 desenvolveu a pesquisa Currículo
e inovação educacional: transgredindo o paradigma multisseriado do campo na Amazônia, participam
do Fórum Paraense de Educação do Campo e desenvolveu um trabalho muito relevante no interior
do Estado do Pará com o EDUCAMAZÔNIA.
3
Um programa apoiado pelo UNICEF. Nasceu com a finalidade de construir ações inclusivas e
multiculturais no campo e no seu propósito objetivava a efetivação de ações de intervenção que
contribuísse para melhoria das condições de ensino oferecidas nas escolas do campo presentes em
algumas localidades da Amazônia Paraense. Esse programa desenvolveu várias ações significativas
em Cametá envolvendo grupos, governos e instituições de diversas localidades da região Tocantinas,
dentre os quais se destacaram os municípios de Cametá e Mocajuba, com ações mais intensas por
conta do apoio dos governos e grupos participantes do programa.
24
da Ilhas de Cametá na comunidade rural ribeirinha. Então, mediante essa
argumentação, foram definidos para este estudo, os seguintes objetivos:
1.2 Objetivos do estudo
Objetivo Geral
Analisar qual o currículo se materializa em uma escola ribeirinha,
multisseriada e os significados a ele atribuídos pelos educandos, professora, pais de
alunos e comunitários.
Objetivos específicos
Identificar como se configura o cenário da comunidade
ribeirinha e qual o currículo se materializa no contexto escolar da
multissérie, em Cametá.
Analisar que significados o atribuídos ao currículo escolar, pelos
educandos, professora, pais de alunos e comunitários de uma comunidade ribeirinha
no município de Cametá.
Nessa perspectiva, concordando com Caldart (2004, p 45) “a escola
tradicional ou sua pedagogia desrespeita ou desconhece os saberes do povo e sua
forma de aprender e ensinar”. A escola sabe muito bem que existem outros saberes
em seu entorno. Aceitá-los ou não como conhecimentos relevantes para a formação
humana, é uma discussão que precisa ser provocada no espaço da escola e da sala
de aula. E mais adiante, ela se reporta a escola como um “direito constitucional que
deve ajustar-se, em sua forma e conteúdo aos sujeitos que dela necessitam; é a
escola que deve ir ao encontro dos educandos e não ao contrário.” (p.46).
1.3 Orientações metodológicas da pesquisa
Para traçar o percurso metodológico da pesquisa procurei inicialmente
compreender o que vem sendo discutido sobre a pesquisa qualitativa na visão de
alguns pesquisadores. E na concepção de Maria Oliveira (2007, p. 60), para
compreender quais características fundamentam uma pesquisa qualitativa é
relevante se fazer uma reflexão de que uma abordagem qualitativa pode ser
caracterizada como um estudo detalhado sobre um determinado fato, objeto, grupo
de pessoas ou ator social e fenômenos da realidade. A pesquisa qualitativa exige do
pesquisador a busca de informações fidedignas para expor com profundidade as
características de cada contexto no qual se encontra o objeto de estudo.
Esclarece ainda que uma abordagem qualitativa:
Exigem uma relação dinâmica entre o mundo real, objetivo, concreto
e o sujeito; portanto uma conexão entre a realidade cósmica e o
homem, entre a objetividade e a subjetividade ou mais precisamente,
na abordagem qualitativa o pesquisador deve ser alguém que tenta
interpretar a realidade dentro de uma visão complexa, holística e
sistêmica, visto que, todos os conceitos, teorias e descobertas são
limitados e aproximados. (Ibidem, 2007, p. 60).
Ao direcionar o pensamento para este ponto de vista comecei a refletir sobre
a seriedade que deve ter os que realizam uma pesquisa qualitativa. Ela é uma
pesquisa exigente que ao aproximar o pesquisador do objeto pesquisado possibilita
um contato aproximado da realidade pesquisada, mesmo sabendo que nossas
descobertas são limitadas e que um mesmo objeto de estudo pode ser investigado
em diferentes ângulos e a partir de diversas áreas do conhecimento. Por conta
dessas circunstâncias, me propus dentro de limites e possibilidades aproximar o
melhor possível, mesmo reconhecendo que ainda assim, existem elementos que
escapam ao olhar do pesquisador.
Para Antonio Chizzotti (2006, p. 82), na pesquisa qualitativa o pesquisador é
parte fundamental e este deve “despojar-se de preconceitos, predisposições para
assumir uma atitude aberta a todas as manifestações que observa, sem adiantar
explicações nem conduzi-las pelas aparências imediatas, a fim de alcançar uma
compreensão global dos fenômenos”.
Antes de realizarmos a pesquisa de campo possuímos a ilusão de dois
horizontes. Um que nos faz pensar que conhecemos o suficiente sobre dada
realidade e outro, que pouco ou nada sobre ela, sabemos. Todavia, ao nos
depararmos com o mundo real, constatamos ser necessário evitar a elaboração de
conceitos e explicações sem consistência, afinal para produzir argumentos
consistentes, carece envolver-se numa produção. Mas para ela fluir, é necessário:
Ir aos livros, é contactar pessoas, é realizar experimentos. É também
analisar e interpretar diferentes idéias e pontos de vista. É,
finalmente, expressar os resultados em forma de uma produção,
geralmente escrita. (MORAES E LIMA, 2004, p. 17).
São muito interessantes os elementos levantados pelos autores. De fato, se
não tivermos essas condições, a pesquisa dificilmente acontecerá. Não se constrói
uma produção do nada. É necessário sim, estudar os livros, dialogar com as
pessoas, às vezes realizar experimentos, para que se possa efetivar a análise e
interpretação dos dados de uma pesquisa.
1.4 Local da pesquisa
Procurei colocar em evidência, o universo da realidade educacional da
Escola Municipal de Ensino Fundamental Jorocazinho, localizada na região das
Ilhas do município de Cametá, por ser a escola mais antiga e muitos moradores
terem estudado nela, mas também por apresentar outro dado importante: a oferta de
uma turma multisseriada nas séries iniciais do ensino fundamental, com a docente
concursada e ainda por ter naquele espaço, alunos de diversas idades e em diversos
processos de desenvolvimento de aprendizagem e compreende os educandos da
educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental e portadores de
necessidades especiais.
Nesta perspectiva, a pesquisa configurou-se numa escola multisseriada com
dois níveis de ensino, no qual se optou em aprofundar o conhecimento da situação
dos educandos das séries iniciais do ensino fundamental. Com isso, os educandos e
27
a professora foram os principais sujeitos da pesquisa in lócus, onde se constatou
como dificuldade latente, o analfabetismo, seguido da repetência e defasagem idade
e série. Mesmo assim, não se deixou de observar e conversar com os da educação
infantil, até por que eles estavam juntos no horário da manhã, com pelo menos a
série. E nesse caso, observou-se também, a freqüência diária de alguns pais e
outros familiares das crianças da educação infantil e diante da possibilidade de estar
numa escola com a presença freqüente dos familiares, em uma ocasião convidei
duas mães para me fornecer informações, representando a categoria de sujeitos,
caracterizada como pais de alunos.
Para conhecer a realidade da comunidade ribeirinha reuni depoimentos de
comunitários, pais de alunos, educandos e duas professoras, uma aposentada e
outra, em exercício, para assim, explorar diferentes pontos de vista relacionados ao
objeto de estudo e identificar como esses interlocutores concebem os significados do
currículo no seu cotidiano. Parti dessas reflexões por entender a pesquisa qualitativa
com um enfoque de expressiva relevância social.
Para Bauer e Gaskell (2002, p. 30) “os enfoques qualitativos têm como
referência a pesquisa social que muitas vezes poder à voz das pessoas”. Dar o
poder de voz ao sujeito que fala, significa escutar a descrição do seu olhar, de
práticas e vivências experimentadas a partir de um lugar e de um determinado tempo
histórico e social diferente. Essa idéia também está relacionada ao pensamento de
Paulo Freire, quando escreveu sobre a importância de escutar os vocábulos
contados e narrados na fala daqueles, cuja história não se encontra nos livros, mas
na vida. E mais precisamente quando expressa: “Se a vocação ontológica do homem
é a de ser sujeito e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que refletindo
sobre suas condições espaços-temporais, introduzir-se nelas, de maneira crítica”
(FREIRE, 1979, p. 61).
Quando escutava os sujeitos sociais da pesquisa fui descobrindo referências
marcadas por aquela condição humana, de homem, mulher ou criança ribeirinha. A
maneira de expressar sua condição social às vezes variava entre o pensamento dos
adultos e da infância. A criança tem outro jeito de expressar sobre a materialização
do currículo e seus significados, às vezes, diferente da forma como os adultos
interpretam a mesma situação. Com essas constatações, identifiquei como foram se
envolvendo na pesquisa e assim, me oportunizaram conhecer suas vivências e
experiências no cotidiano escolar e social daquela comunidade.
28
Ao escutar os sujeitos da pesquisa e ao observar suas vivências e
experiências dentro e fora da escola compreendi melhor o que os autores discutiam
sobre a pesquisa qualitativa e refleti que o presente estudo pertence a uma
abordagem qualitativa por considerar que a mesma dispõe de um processo de
reflexão e análise da realidade utilizando-se de métodos e técnicas propícias à
compreensão pormenorizada do objeto de estudo de um determinado contexto
histórico social. Para este fim, optei inicialmente pela pesquisa exploratória que, na
percepção de Severino (2007, p. 123), “busca levantar informações sobre um
determinado objeto, delimitando assim seu campo de trabalho, mapeando as
condições de manifestações desse objeto”. Ela me permitiu maior familiaridade com
o problema, através do contato com a população e possibilitou ampliar o
conhecimento em torno da investigação que neste caso ocorreu pelo contato direto
com os sujeitos sociais da localidade para compreender a materialização do
currículo naquela escola ribeirinha e seu significado para aqueles sujeitos.
No primeiro contato identifiquei que era necessário realizar a entrevista com
duas professoras para que narrassem sobre suas experiências com a escola
ribeirinha multisseriada, pois tenho aprendido com os autores (LUDKE, 2004;
OLIVEIRA, 2007; HAGUETTE, 2007) que nenhum instrumento de pesquisa é
completo. No percurso de construção dos conhecimentos empíricos pode ocorrer a
redução de informações por causa das abstrações pessoais durante a observação
ou análise documental. Limites e desafios metodológicos existem na pesquisa, mas é
preciso exercitar a vigilância epistemológica e conscientizar-se das possíveis
distorções e da necessidade de progressão.
Dessa forma, a entrevista narrativa realizada com as professoras aproximou-
se melhor das trilhas enveredadas pelas perceptivas iniciais em conhecer por
intermédio dessa técnica, a experiência docente de duas professoras da escola e a
escolha deste instrumento fundamentou-se no pensamento indicado por Bauer e
Gaskell (2002) que expõem ser a entrevista narrativa um instrumento de pesquisa
muito bem definido nas Ciências Sociais que trazem no seu bojo uma forma própria
de evidenciar os fatos. Ela propõe maior liberdade do entrevistado para relatar sem
interrupção, situações que instigam reflexões relevantes para um objeto de estudo.
“A entrevista narrativa é classificada como um método de pesquisa qualitativa. Ela é
considerada uma forma de entrevista não estruturada, de profundidade, com
características especifica” (BAUER; GASKELL, 2002, p. 95). Para Stela Caputo
29
(2006) a entrevista é o que de melhor existe no campo do jornalismo e da pesquisa.
Argumenta Severino (2007), que a entrevista é uma:
Técnica de coleta de informações sobre um determinado assunto,
diretamente solicitado aos sujeitos pesquisados. Trata-se, portanto,
de uma interação entre pesquisador e pesquisado. Muito utilizada nas
pesquisas da área das Ciências Humanas. O pesquisador visa
apreender o que os sujeitos pensam, sabem, representam, fazem, e
argumentam. (p. 124).
O pensamento dos autores emite referência à entrevista como uma técnica
relevante numa pesquisa qualitativa e na visão de Severino (Ibid, 2007) a entrevista
é um instrumento que proporciona maior aproximação do objeto pesquisado mediada
pela interação entre os sujeitos da pesquisa e o pesquisador. Considerando a
importância dessas idéias, em um momento posterior, compreendi que deveria ir
para sala de aula conhecer de perto os alunos e a professora para observar como se
dava a relação pedagógica na sala de aula, como estava sendo fomentada a
mediação do conhecimento, ou seja, como o currículo se materializa naquele
pequeno espaço. Meu objetivo era compreender a escola enquanto espaço onde o
currículo se materializa. Observar as ações dos sujeitos no interior da sala de aula, o
jeito como a professora desenvolvia as aulas, como trabalhava os conteúdos; como
os alunos reagiam, respondendo às diferentes situações, desde a chegada na
escola, no transporte escolar com a maré do rio cheia ou de vazante, ao momento
final da aula. Essa situação nos remete ao pensamento de Moraes e Lima (2004)
que assim, enfatizam sobre os responsáveis pelo processo educativo:
Quando falo de sujeitos do processo educativo, estou referindo-me
não aos alunos, mas também ao professor, e a todos os demais
sujeitos que participam efetivamente desse processo. Os alunos
devem ser capazes de argumentar sobre os conteúdos, objeto de seu
estudo, o que caracteriza momentos de comunicação e validação e,
enfim, de aprendizagem. (p. 45).
Para compreender o processo educativo na escola ribeirinha, utilizei a
observação in lócus, acompanhado do diário de campo, também conhecido como
diário de bordo, um caderno de registro dos acontecimentos ocorridos na escola ou
30
na comunidade. Registrar num caderno informações relevantes da observação
contribuiu para melhorar a aproximação com a comunidade e a escola.
Nas abordagens qualitativas dentre as mais importantes técnicas ou
instrumentos de pesquisa que ajudam a desvendar os fenômenos e
fatos destacam-se: a observação, histórias de vida, questionários e
entrevista semi-estruturada, a qual facilita a comunicação quanto à
obtenção de dados qualitativos (OLIVEIRA, 20007, p. 78).
Existem dois elementos empregados pela autora que chamam atenção
quanto ao fenômeno pesquisado que ao ser utilizado de forma rigorosa, oferece uma
contribuição grandiosa no desvelamento da problemática. Um se refere ao papel das
entrevistas na pesquisa qualitativa, outro a observação dos fatos pesquisados. Isso
certamente culmina com o pensamento de Vienna (2007) que, ao elaborar um estudo
sobre a observação na pesquisa educacional assim enfatizou que a observação é:
Uma das mais importantes informações em pesquisas qualitativas em
educação. Sem acurada observação, não ciência. Anotações
cuidadosas e detalhadas vão constituir os dados brutos da
observação [...] ao observador não basta simplesmente olhar. Deve
certamente saber ver, identificar e descrever diversos tipos de
interações e processos humanos (p. 12).
A observação inicialmente na sala de aula não ocorreu de forma atuante,
participativa. Mas gradativamente, as crianças foram se aproximando, algumas
solicitavam auxílio nas atividades de escrita e leitura, outras mostrando seus
cadernos, seus desenhos, falavam de suas dificuldades, após a merenda, três vezes
desenvolvi algum tipo de atividade com as turmas da manhã e da tarde; ajudei na
arrumação dos materiais pedagógicos da professora depois da aula, limpei e
organizei a sala de aula, viajamos no transporte escolar para entrevistar uma mãe,
inclusive almocei com ela, lavei a louça da merenda escolar, participei da rifa para
arrecadar recursos para construção do prédio escolar e inclusive ganhei o premio e
doei novamente para instituição, fiz fichas de leituras, mas a contribuição mais
31
interessante foi orientar a professora a alfabetizar seus alunos a partir do que ela
sabia fazer e, a última coisa, foi cedinho do dia, desenhar com o filho da professora,
vários símbolos natalinos para aula daquela manhã. Assim, não teve como a
pesquisadora não envolver-se com os sujeitos da pesquisa.
Mas, esse contato direto com os sujeitos da escola, foi relevante para a
definição de outros informantes da pesquisa. E ao definir quem seriam os
informantes da escola, resolvi desenvolver a entrevista semi-estruturada, na qual
formulei questões gerais aplicadas para todos os entrevistados e questões
específicas, para uns e outros não. (ver roteiro de entrevistas em anexo).
As pesquisadoras Haguette (2007) e Oliveira (2007) têm argumentado que a
entrevista semi-estruturada necessita de um roteiro prévio que deve ser estabelecido
de acordo com os objetivos da problemática pesquisada. Daí a necessidade de
solicitação do entrevistador para a gravação das informações do entrevistado.
Entretanto, para efetivação desse tipo de entrevista decidi realizar uma relação dos
que seriam os sujeitos da pesquisa na escola e na comunidade.
1.5 Sujeitos da pesquisa
Constitui-se a relação de sujeitos entrevistados: educandos, professoras,
mães, representando a categoria de pais de alunos e comunitários, assim definidos:
quatro alunos, duas mãe que mais freqüentam a escola, duas professoras e cinco
comunitários. E, na Secretaria de Educação de Cametá o Departamento de
Documentação Escolar e o Departamento de Estatística forneceram os dados
estatísticos e o documento que rege sobre a organização das escolas no município,
contemplando um total de treze informantes.
A escolha desses sujeitos na comunidade ocorreu baseada em
determinados critérios para os quais as professoras também contribuíram na
definição. Para os informantes comunitários observaram-se os seguintes critérios:
ser morador daquela comunidade pesquisada, uma condição para todos os
informantes do estudo; ser preferencialmente idoso; conhecer a história da escola e
do local, ser integrante de movimentos sociais ribeirinho. Alguns destes critérios
eram flexíveis e raramente alguém tinha todas as características.
32
Na escola a seleção ocorreu com a participação da professora e a partir da
aceitação dos educandos. Foram utilizados como critérios: cursar as séries iniciais
do ensino fundamental de a séries, devido à 4ª série ter somente uma aluna;
assim distribuído: um aluno da 1ª, dois da e uma da 3ª. Mas, para definição desta
seleção, a professora encaminhou um bilhete aos pais, solicitando autorização para
que se pudessem entrevistar seus filhos e os que esqueceram de enviar a resposta
por escrito, fomos a casa fazer a solicitação direta e pessoal ou confirmar o recado
oral trazido pelo educando. Assim, houve entrevistas com os educandos realizadas
nas suas residências com a presença dos pais; outras, no local onde eu estava
hospedada, pois a mãe se comprometeu de levar a filha lá. Foram convidadas a
prestar informações duas mães que freqüentavam a escola, mas uma o aparelho não
registrou as informações. Contudo, ao contar para a mãe do aluno o acontecido, ela
se prontificou a refazer novamente a entrevista e foi procedido. Entrevistou-se ainda,
por duas vezes a professora atual da escola. E efetivamente para essas entrevistas
utilizou-se de um gravador.
Convém destacar que ocorreu um procedimento especial em relação às
entrevistas dos educandos. Essa atitude foi tomada por respeito e, sobretudo
afirmando seus direitos garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente que
indica que de forma alguma, se podem utilizar suas informações na pesquisa sem a
autorização de seus responsáveis. Informações também efetivadas por estudo sobre
ética e educação:
Na relação conhecimento, ética, educação tem sido ignorada,
subalternizada a história da formação intelectual e ética dos “outros”.
Como conseqüência tem sido omitida ou secundarizada na teoria
cognitiva e moral as questões de raça, etnia, gênero, território,
culturas, religiões, classe, gerações. Têm sido omitidas as questões
das diferenças de experiências dos sujeitos das cidades frente aos do
campo, dos sujeitos masculinos frente aos femininos, dos brancos
frente aos negros e indígenas, dos adolescentes e jovens frente aos
adultos. Inclusive os diferentes processos de produção do
conhecimento, dos valores, da constituição de identidades morais, do
exercício da liberdade de fazer escolhas não são incorporados nos
processos de aprendizagem e de formação reconhecidos como
válidos pela pedagogia e pelas teorias de desenvolvimento humano.
(ARROYO, 2007, p.16).
33
Ignorar e subalternizar a formação intelectual e a ética dos sujeitos
diferentes, dos povos do campo em relação à cidade é uma postura que ainda
precisamos persistir em sua transformação, uma vez que, essa não pode ser uma
postura adequada ao tratamento de sujeitos de direitos em nosso entorno. Por esse
motivo, a todos os participantes da pesquisa foi solicitado permissão para ceder à
entrevista, gravar seus depoimentos e percebeu-se uma atitude de grande satisfação
destes sujeitos em contribuir.
Constituíram-se, portanto, como informantes da investigação os sujeitos,
assim, distribuídos:
34
Quadro 01: Informantes da pesquisa
Sujeitos
entrevistados
Apresentação
Professoras: (A, B)
01. Rita Cordeiro
Está aposentada, é integrante dos movimentos sociais, esteve à frente
da organização e implementação dos benefícios do projeto de
assentamento e de outras atividades sociais coletivas.
02. Jessisandra
Atual docente da escola, com formação em ensino médio normal,
membro da associação de moradores e fabrica peças de artesanato
para o grupo de mulheres da comunidade.
Comunitários: (A, B, C, D, E).
03. Maria Rola
Uma ribeirinha aposentada, uma das mulheres respeitada, por ser uma
pessoa que tem mais tempo de moradia na comunidade.
04. Orisvaldo
Um ribeirinho que nasceu na comunidade e guarda na memória fatos da
história do lugar de um tempo de abundância dos alimentos, das festas
na localidade, relembra a ladainha em latim e o retrato de uma escola
que o ensino da série tinha, segundo ele, “o valor de um ensino
médio hoje”. Lembra-se de que a parte ruim dessa escola eram os
castigos e a palmatória.
05. José.
Não nasceu naquela comunidade, mas é outro morador mais antigo no
local; apresenta fatos decorrentes da realidade política, econômica e
social da comunidade relacionando ao município como poder local.
06. João Rola.
Integra os movimentos sociais ribeirinhos locais e a nível municipal,
articulador da luta ambiental, um crítico fervente das políticas atuais de
educação.
07. Jair.
É membro fervoroso da organização comunitária ligada à igreja católica,
apóia a educação baseada nos princípios humanos e atualmente é
presidente da associação de moradores, um dos responsáveis pela
continuidade da casa própria no projeto de assentamento.
Pais de alunos: (A, B).
08. Rosinete.
Mãe de três alunos, uma mulher de garra que enfrenta qualquer
dificuldade para seus filhos estudar. Questiona os problemas da escola,
a administração do município pela não construção do prédio. É uma
artesã em paneiros, e membro de movimentos sociais.
09. Ana Lúcia
Mãe de três alunas da escola freqüenta sempre a escola e permanece
durante toda a aula.
Educandos (A, B, C, D).
09. Eduardo
Tem 09 anos, cursa a série, tem mais dois irmãos que estudam na
escola. Deseja ser um bombeiro
10. Paulo Sérgio
Aos 09 anos cursa a 2ª série, filho único pensa em ser um médico.
11. Filomena
Tem 12 anos, cursa a 3ª série, almeja ser professora.
12. Darlei
Aos 11 anos cursa a série, tem dois irmãos na escola e deseja ser
goleiro.
Secretaria Municipal de Educação de Cametá.
13. Sargia e
Franciney
São responsáveis pela organização dos dados estatísticos da educação
na rede municipal de ensino.
14. Roberto
É um dos responsáveis pela orientação sobre documentação escolar no
município, especialmente no que diz respeito, às escolas multisseriadas
e/ou Anexas.
35
Os informantes da Secretaria de Educação o foram entrevistados. Eles
forneceram outros dados relevantes à pesquisa tais como: as estatísticas da escola,
e um documento que trata sobre o Regimento Interno das escolas do campo e da
cidade no município de Cametá.
Outro importante instrumento utilizado para o registro do espaço e de seus
sujeitos, foi o registro com a máquina fotográfica, que possibilitou a captação de
imagens em diversas situações. A fotografia capta imagens que às vezes é difícil
descrever ou passam despercebidas ao olhar da pesquisadora.
Para Peter Loízos (2002, p. 137-147), a fotografia é um instrumento utilizado
para representar aspectos sociais e culturais de diferentes grupos sociais, algumas
vezes, caracterizados como um registro histórico. Ela oferece um registro das ações
temporais e dos acontecimentos reais - concretos materiais. Podem apresentar
dados primários e informações visuais que não necessitam da escrita ou da
explicação numérica.
As fotografias presentes nesta pesquisa apresentam informações que
caracterizam o espaço ribeirinho do município de Cametá desde o porto das
pequenas embarcações, as imagens do transporte que sai para a localidade, a
entrada na ilha pesquisada, suas residências, o transporte escolar e o fluxo do rio
(enchente e vazante), além dos sujeitos da pesquisa, a escola e algumas formas de
representação do currículo escolar expresso no espaço da sala de aula como:
desenhos, pinturas, colagens, cartazes, mural, quadro magnético, materiais na
estante e cadernos dos alunos, entre outros.
Concomitante a essas ações foi coletado material para análise documental
da escola e da comunidade bem como da Secretaria de Educação de Cametá, entre
os quais podem ser citados: Regimento Unificado das Escolas Municipais de
Cametá; Dados estatísticos de matriculas da educação básica de 2005 a 2008 do
município. Plano de Uso Agroextrativista da Ilha do Joroca, Documento dos Acordos
de pesca da comunidade, Planejamento dos conteúdos escolares da escola, livro
didático de leitura. E para conhecer os aspectos históricos e geográficos da
população de Cametá, em particular da área rural ribeirinha, realizei o levantamento
e o estudo de algumas obras e dissertações produzidas sobre o município entre
2002 a 2008, no qual assumiu grande relevância para compreensão da pesquisa
fundamentada a partir do arcabouço teórico existente.
36
Para compreender melhor o objeto de estudo em discussão foi necessário
adentrar na literatura educacional para averiguar os argumentos construídos na
trajetória da educação do campo, no que diz respeito ao currículo na educação do
campo e seu significado para os sujeitos sociais ribeirinhos. Isso me remeteu
dialogar com os escritos de autores que estudam a realidade do campo e o currículo,
tais como: Arroyo (1999; 2000; 2003; 2004a; 2004b; 2006; 2007), Aplle (1999; 2003;
2006; 2008), Molina (1999; 2004a; 2004b; 2008), Caldart (2001; 2002; 2004), Hage
(2005; 2006;), Freire (1987; 2001; 2006a; 2006b; 2007) e ainda alguns estudos que
focalizam os povos e a cultura das águas, os quais podem ser citados: Canto (2007),
Moraes (2007), Ferreira (2007), Costa (2006), Boneti (2003), Catalão e Rodrigues
(2006), etc. E para análise das narrativas dos sujeitos, além de alguns autores
mencionados, os estudos de Vygotsky, Vasconcelos e Gagliari, foram fundamentais
para interpretação dos dados.
Neste sentido, currículo e seus significados para os sujeitos são
elementos centrais da discussão aqui abordada. Mas, esteve centrado numa
situação específica a multissérie ribeirinha que representa uma imagem ou um dos
retratos da educação do campo na Amazônia paraense. Os autores que contribuíram
na interpretação sobre o currículo e educação do campo são pesquisadores que
provocam indignações, reflexões e indagações sobre a educação especialmente
quando estudados a partir da realidade do contexto social local. Ao situar os saberes
no âmbito do currículo educacional identificam o currículo como um instrumento
básico, elementar para toda e qualquer realidade educacional brasileira. E como tal,
muitos são os especialistas (políticos e economistas, etc.) incumbidos em
caracterizar qual currículo pode ser ou não apropriado para o ensino escolar.
Argumenta Arroyo (2003, p. 17) que as classes dominantes projetam “uma
educação única para todos, e um sistema de educação escolar único.”
Uniformizaram a educação para todas as realidades e sujeitos pela padronização
homogeneizada. Esse pensamento tem priorizado os saberes de uma única cultura
que intermediada pela política de dominação tornou-se predominante.
Entretanto, por mais que tenham preconizado o conhecimento escolar como
um saber único e predominante na realidade brasileira, esse pacote sofre alterações
não somente na base educacional, mas também existem diferenças entre o
conhecimento escolar ofertado aos filhos dos trabalhadores e aos filhos dos ricos. E,
a escola dos trabalhadores não vem munida das mesmas regalias quando oferecidas
37
aos filhos dos ricos. “Esse sistema escolar, não foi montado para servir as classes
trabalhadoras, mas aos futuros dirigentes, executivos, profissionais e teóricos da
burguesia”. (ARROYO, 2003, p. 18).
As escolas ricas estão geralmente centralizadas no contexto urbano
enquanto que, as escolas pobres são destinadas uma parte aos filhos de
trabalhadores do campo e outra aos da periferia urbana. Molina e Jesus (2004)
argumentam que essa é uma postura do paradigma moderno que coloca a ciência
como única e capaz de produzir verdade e prever o futuro. E acrescentam:
Os marcos epistemológicos desta ciência são tomados para
selecionar outros saberes e conhecimentos como legítimos ou
ilegítimos. Esta ciência se desenvolve pela fragmentação do
conhecimento em disciplinas isoladas e pela hierarquização do que
julga ser mais ou menos importante de acordo com as exigências
hegemônicas econômicas e de poder (Ibidem, 2004, p. 121).
Essa configuração de currículo como legítimo e ilegítimos “coisifica” os
sujeitos do campo pela concepção de que a escola urbana é melhor do que a rural. E
o elemento que regula esta ideologização está ancorado pelo determinismo
geográfico campo/cidade, como um critério equivocado. Enfatiza o autor que: “a
burguesia agrária, industrial ou financeira, tradicional ou moderna, sempre teve um
projeto educativo específico para as classes subalternas, para fazer delas, cidadãos
e trabalhadores submissos a seus interesses” (ARROYO, 2003, p. 17).
Nas investigações educacionais que focaliza o cenário da Amazônia rural
apresentavam-se como temáticas de proeminentes debates e discussões os
territórios quilombolas, os movimentos sociais como o MST e as escolas
multisseriadas. Insere-se neste campo, a compreensão que as escolas
multisseriadas são uma representação específica de precariedade, oriunda também
da ausência de um currículo que atenda os interesse e necessidades educacionais
da comunidade do campo, especialmente ocasionado pela negligência de políticas
públicas.
Desde o ano de 2002 pesquisas sobre escolas do campo configuram-se
como foco de interesse do Grupo de Estudo em Educação do Campo na Amazônia
(Geperuaz), da Universidade Federal do Pará. No decorrer deste período as
pesquisas desenvolvidas pelo referido grupo demonstram que o maior número
38
dessas escolas no estado no Paencontra-se em: Breves: Mesorregião do Marajó -
398 escolas, Santarém: Mesorregião Baixo Amazonas - 286 escolas, Cametá:
Mesorregião do Nordeste do Pará - 279 escolas, Moju: Mesorregião do Nordeste do
Pará - 217 escolas, Marabá: Mesorregião do Sudeste do Pará - 210 escolas e
Barcarena: Mesorregião Metropolitana - 112 escolas. Embora esse fenômeno não
seja específico do Pará, somos o segundo estado, com maior número de escolas
multisseriadas do país (8.675 escolas) “perdendo somente para a Bahia, que tem
14.705 escolas. O mesmo se repete em relação às turmas multisseriadas, que
totalizam 11.231” (HAGE, 2005, p. 161).
Para compreender a referência de ensino em escolas multisseriadas foi
imprescindível saber em que ela estava fundamentada. E para isso foi necessário
retomar ao pensamento expresso anteriormente, de que a educação do campo
recebeu influências da escolarização urbana e industrial, onde se organizou a
estrutura do sistema de ensino em seriação.
A palavra multisseriada, de acordo com Arroyo (2004) - multi = vários;
seriado = ries - pode ser caracterizada por um conjunto de séries dentro de uma
única sala de aula. Ela funcionava em algumas escolas do estado com até sete
séries dentro do mesmo espaço, ou seja, com três séries da educação infantil e as
quatro primeiras séries do ensino fundamental com um único professor.
As escolas multisseriadas constituem-se na modalidade predominante de
oferta do primeiro segmento do ensino fundamental no meio rural do estado do Pará
e da Região Amazônica. Elas se encontram excluídas dos debates e das reflexões
sobre educação rural no país e nem mesmo “existiam no conjunto de estatísticas que
compõem o senso escolar oficial”. (HAGE; 2004).
A multisseriação segue a mesma lógica da seriação quanto à organização
dos conteúdos por série, planejamento, etc. Uma das diferenças se na prática do
trabalho docente que ao invés de desenvolver o ensino e a aprendizagem para
alunos de uma única série, o faz com várias séries no mesmo espaço e ao mesmo
tempo.
Outro elemento característico da prática docente em escolas multisseriadas
está relacionado ao acúmulo de tarefas exercidas pelos professores que assumem a
docência nessas escolas. Muitos deles exercem a função de professor, diretor,
secretário, merendeiro e servente. Para dar conta dos desafios curriculares, divide o
único recurso didático disponível - o quadro de giz - de acordo com o número de
39
séries para transmitir os conteúdos de ensino, uma situação constatada na gestão do
ensino fundamental de 2002 a 2004, em algumas escolas localizadas nas áreas do
campo do município de Cametá. (PINHEIRO, 2004, p. 55).
A respeito do município de Cametá, outros pesquisadores têm escrito na
área ambiental, histórica, lingüística, etc. de forma que existe uma literatura
significativa, produzida por autores locais e de outros municípios. Essas pesquisas
proporcionaram informações históricas a respeito do município. Sousa (2002) com
sua obra “Campesinato na Amazônia: da subordinação à luta pelo poder”, traz como
referência histórica do município a organização dos camponeses nas cadas de
1980 e 1990, um período nos quais os trabalhadores rurais do Pamobilizaram-se
para garantir o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO). Na época
seiscentos trabalhadores rurais exclusivamente de Cametá, acamparam em frente ao
Banco da Amazônia S. A. (BASA), em Belém do Pará.
O livro é resultado da Dissertação de Mestrado no Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA) e expõe como se deu
o “processo de reprodução camponesa, as relações de crédito e as organizações
coletivas a partir do caso de Cametá” (SOUSA, 2002, p. 20). Ele é um dos primeiros
a descrever especificamente a situação dos camponeses e traz informações das
duas regiões rurais (ilhas e terra firme) de Cametá. Mas se detém na análise
detalhada desses sujeitos sociais, na região rural de terra firme.
Seguindo a trilha do campesinato amazônico da região das ilhas, Gilson
Costa (2006) discute o desenvolvimento rural sustentável com base no paradigma da
agroecologia. E dentro de seu estudo apresenta a situação de cinco comunidades
ribeirinhas no município de Cametá. Dentro desta abordagem se refere à educação,
em um subtítulo do quinto capítulo no qual expõe:
[...] o processo ensino aprendizagem nas escolas das comunidades
em questão, se desenvolve formalmente onde a figura do professor é
central e os alunos são espectadores, caracterizando uma forte
“educação bancária”, acrítica, ahistórica onde a escola não leva em
conta seus aspectos institucionais interativos [...] muitas escolas não
contam com instalações adequadas para acomodar confortavelmente
os estudantes, as crianças. Vale registrar que o ensino nas escolas
das ilhas não é diferente das demais escolas públicas da região, e de
maneira geral, do país, uma vez que a lógica positivista nestas
desenham um estigma que fortemente enraizou-se, no ensino, na
educação formal, reproduzindo sistemas simbólicos que são
40
instrumentos de conhecimento poder e dominação [...]. (COSTA,
2006, p. 206 e 208).
A educação do campo em Cametá, de acordo com a caracterização da
pesquisa, está direcionada para um paradigma de educação tradicional no qual o
professor é o centro do saber e o aluno o centro da ignorância que precisa ser
moldado de acordo com os interesses de uma economia dominante e capitalista que
emprega um currículo de fora para dentro. Para Apple (2003, p. 45) “o que sustenta
essa postura é uma visão dos alunos como capital humano”. Um currículo
desfacelado que ignora os saberes dos alunos e de sua comunidade de origem. Que,
nem sequer construíram os prédios escolares na maioria das comunidades rurais
onde a escola funciona.
A maioria das escolas do campo deste município lamentavelmente funciona
graças aos barracões comunitários da Igreja católica, ou residências comunitárias.
Isso se constatou no estudo de Gilson Costa (2006), quando informou existir
inúmeras escolas do campo em Cametá, sem instalações apropriadas para os
alunos estudarem como é o caso da escola Jorocazinho que desde 2000 possuí o
prédio interditado e até junho de 2008 a escola funcionou na residência da
professora.
Certamente, uma educação de qualidade no campo, perpassa por várias
condições entre as quais, deve ser considerado o espaço escolar e o conhecimento
curricular como elementos significativos para formação iniciada na infância e tenha
consideração com a vida e a cultura do povo ribeirinho. Portanto, a construção desse
referencial sobre: Currículo e seus significados para os sujeitos ribeirinhos de
uma Escola no Município de Cametá/Pará requereram-me não esforço teórico,
mas enfrentar as limitações em relação à insegurança pessoal frente às águas
tocantinas e assim adentrar numa investigação que me possibilitasse evidenciar as
nuances que permeiam esta realidade educacional.
1.6 Estrutura da Dissertação
A dissertação está organizada em duas seções, ancoradas a mesma
realidade, conduzida pela discussão do currículo enquanto prática educacional nas
41
organizações sociais da comunidade e no contexto da escola ribeirinha
multisseriada. Nessa perspectiva, o contexto social das águas tocantinas e as
narrativas atribuídas aos significados ao currículo escolar, foram refletidos e
analisados a luz da fundamentação de pesquisas efetivadas no campo da educação.
Com isso, estruturaram-se o presente texto, em duas sessões denominadas:
2. “CENÁRIO DA COMUNIDADE RIBEIRINHA, SUAS ORGANIZAÇÕES E
PRÁTICAS EDUCATIVAS.” Onde se realiza a contextualização da comunidade
Jorocazinho de Baixo enfatizando seus aspectos históricos, sociais, organizativos e
educativos, interligando a cultura ribeirinha à realidade educacional do município e às
políticas de educação do país que reflete na localidade.
3. “A MATERIALIZAÇÃO DO CURRÍCULO E SEUS SIGNIFICADOS PARA OS
SUJEITOS RIBEIRINHOS”. Incluem-se argüições de como são construídos a
definição e a implantação do currículo para a escola ribeirinha multisseriada com
base num panorama que desqualifica os saberes culturais desse povo. Desenvolve-
se ainda, análises sobre os significados do currículo, expondo-se como os diferentes
sujeitos conceituam e interpretam o sentido dos saberes produzidos e ensinados
numa escola daquela comunidade.
A título de CONSIDERAÇÕES FINAIS - encerra-se o texto da Dissertação,
não com a pretensão de concluir a discussão dessa temática, mas sim, para expor
uma reflexão inconclusa sobre: O PERCURSO QUE MOVIMENTA O CURRÍCULO
DAS ÁGUAS. Pois, como sabemos o rio normalmente perfaz sua trajetória. E às
vezes, por conta do lixo e da poluição, suas águas deixam de produzir a vida. Trás
as doenças e a morte. Assim, como o rio, a educação também tem seus percursos.
Um dos percursos da educação é o currículo. É ele que mobiliza os saberes
educacionais do ribeirinho que decorrem em diferentes espaços, e, certamente, a
escola é um, desses espaços. Nela se forja e também se materializam
conhecimentos. Mas, às vezes, esses conhecimentos em quase nada se aproveita
na realidade dos que vivência a cultura das águas. Portanto, com base neste debate
expõem-se dificuldades e perspectivas de um currículo que se materializa na
multissérie e constitui significados diversos, diferentes e divergentes para os sujeitos
ribeirinhos.
42
2. CENÁRIO DA COMUNIDADE RIBEIRINHA, SUAS
ORGANIZAÇÕES E PRÁTICAS EDUCATIVAS
Abordam-se nesta seção aspectos históricos da comunidade, com ênfase
nas questões relacionadas à organização e inicialmente tece-se sobre o perfil
histórico e educacional local e sua relação com o contexto municipal. Expõe-se
como a comunidade está organizada e interage via os movimentos sociais
ribeirinhos destacando as experiências de currículo nas práticas educativas dessas
organizações comunitária. E, na parte final, encontram-se o cenário especifico da
escola. Com isso, objetiva-se identificar que currículo circula a escola e como este
influência no contexto escolar da multissérie ribeirinha de Cametá. Nessa
perspectiva, a análise dos dados baseou-se na observação in lócus, entrevista com
os ribeirinhos e nos documentos.
2.2 Singularidades de um percurso vivido na travessia das águas tocantinas
Busca-se nesse momento expor o cenário da comunidade ribeirinha
4
,
compreendendo que esse povo possui singularidades próprias construídas no
dinâmico contexto das relações sociais (indígenas, africanos, portugueses, turcos,
franceses, etc.) e compõe hoje características identitária que integraram o jeito de
ser e de viver do grupo social que habita a comunidade. Essa identidade se revela e
se consagra a partir do espaço no qual o sujeito participa. Neste caso, trata-se de
uma comunidade ribeirinha, certamente com aspectos diferentes de outras
realidades do campo.
Mas, para compreender o cenário histórico e social da comunidade
demandou não somente escutar por meio das entrevistas as narrativas históricas
sobre essa identidade ribeirinha, mas conviver e acompanhar a dinâmica do dia-a-
4
A categoria comunidade foi largamente utilizada pelo Movimento de Educação de Base (MEB)
desenvolvido pela Igreja Católica na década de 1960 no Brasil e evidentemente na Amazônia. Em
Cametá, esse trabalho ainda persiste nas localidades situadas em todo município. No entanto, o
termo comunidade será aqui empregado como uma “unidade espacial física com a sua população e
a sua dinâmica sócio-econômica-cultural”. (CANTO, 2007, p.17).
43
dia daquele povo, especialmente a rotina das crianças e da professora de uma das
escolas do local.
Desse modo, para acompanhar o processo cotidiano daquela comunidade e
da escola a priori realizei uma viagem seguindo o percurso geográfico formado pelo
rio e seu povo, viajando pela trilha fluvial do rio Tocantins por mais ou menos duas
horas para adentrar na ilha do Joroca que congrega as comunidades: Joroca
Grande, Jorocazinho de Cima, Jorocazinho de Baixo, Jenipapo e Ovídio, que
compõem parte da região das ilhas de Cametá. Nesse trajeto observa-se que as
“ilhas aparecem por toda extensão do rio [...], que cumpre um papel estruturante na
vida de todo complexo ecológico, é fundamental para sobrevivência da região e
condiciona quase que totalmente a vida dos ribeirinhos”. (COSTA, 2006, p.148).
Canto (2007, p. 18), explica que, ribeirinho é um conceito empregado para
designar um grupo populacional distantes dos núcleos de povoamentos ou aqueles
que residem em vilas, nas margens dos rios. Outras pesquisas acrescentam a essa
conceituação que:
O termo ribeirinho é usado na Amazônia, para designar os
camponeses que vivem as margens das águas e vivem da extração
e manejo de recursos florestais, aquáticos e da agricultura em
pequena escola. (HIRAOKA, apud COSTA, 2006, p.150).
Com base nessa argumentação, os ribeirinhos constituem os habitantes
das ilhas no município de Cametá. E conforme os mapas a seguir, se observam que,
geograficamente a ilha do Joroca como um espaço cercado pelas águas do rio
Tocantins, com a vegetação visivelmente verde, sem vestígios de muito
desmatamento e de queimadas, demonstrado na Figura 01. Na Figura 02 expõe-se
de forma pormenorizada o mapeamento de cada ilha a montante ou a jusante do rio
Tocantins com a identificação de seus nomes. Fez-se um recorte na figura para
melhor visualização da ilha do Joroca, situada à esquerda, na parte inferior do mapa.
44
Figura 01: Imagem via satélite da Ilha Joroca.
Fonte: imagem2008TerraMetricsmplink/TelesAtlas Google.
Figura 02: Diversas ilhas a montante e a jusante do rio Tocantins e a direita, na parte superior às
localidades da Ilha do Joroca.
Fonte: Colônia dos Pescadores Z 16 de Cametá.
A partir do mapeamento apresentado foi possível perceber o percurso do rio
e imaginar enquanto viajava, o quanto eu, como professora, pouco conhecia da
geografia que envolve o município de Cametá onde vivo e imaginava o quanto às
vezes, adquirimos conhecimentos supérfluos do mundo em nossa volta. Raras
45
vezes estive viajando por aquele espaço e não havia percebido o que agora
começava a identificar fora e dentro do barco.
Enquanto o barco navegava nas águas do imenso rio Tocantins, observava-
se a natureza com uma imagem que à distância percebia uma vegetação própria,
específica, nas margens do rio; enquanto o tempo se modificava por uma
pretensiosa nuvem negra como aparece na foto abaixo, que logo descarregou
gotículas de chuva, abafando e esquentando o barco que foi fechado nas laterais
por uma lona de plástico para nos proteger da chuva.
Foto 01: O rio Tocantins, sua vegetação e a nuvem carregada de chuva.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, abril de 2008.
Conforme a imagem fotográfica a seguir, as pessoas na embarcação
estavam desde a noite anterior viajando, algumas eram mulheres com crianças
acompanhadas de seus esposos ou sozinhas, outras grávidas; também é percebível
uma fisionomia de cansaço no semblante das pessoas. Muitos não tinham almoçado
e o barco muito estreito e lotado apertava a todos. No transporte não havia água
para beber, colete salva-vidas e nem banheiro. A troca de roupa era feita por meio
da improvisação com lençóis. Disputavam espaço conosco, mercadorias como:
carnes, frutas, verduras e outros mantimentos, em uma das viagens, madeira em
tábuas.
46
Foto 02: Uma das embarcações que trafega para as comunidades da ilha do Joroca lotada com
pessoas, madeira em tábuas e outros produtos.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, abril de 2008.
Certamente, eu nunca havia viajado nesse tipo de transporte, por isso ficava
surpresa a cada coisa nova que surgia na viagem. Enquanto pensava sobre as
dificuldades que aquela gente passava para freqüentar a cidade, ia refletindo e
indagando-me interiormente se o que meus olhos enxergavam podia dar o nome de
dignidade.
Quando dirigia meu olhar para fora ou para dentro da embarcação ia
aprendendo novidades e ao mesmo tempo identificava o quanto a minha ignorância
não permitia perceber que tudo que meus olhos conseguiam ver e observar era rico
de significado para o povo ribeirinho. Na viagem, alguns faziam questão de me falar
sobre a entrada do rio, a localização da escola, das igrejas, de suas casas, enfim
sua relação com este mundo, sua adaptação, respeito e cuidado para com o
mesmo.
Do agrupamento de comunidades presentes na Ilha Joroca, estabeleci
como foco de estudo a caracterização da educação a partir da comunidade
Jorocazinho de Baixo. Essa comunidade apresenta um contingente populacional
formado por 106 (cento e seis) famílias. As características geográficas do rio Joroca
guardam especificidades desde o início do percurso: ora estreita-se na corrente de
um rio, inicialmente encurvado, ora fecha-se pelo sombreamento da vegetação, para
finalmente mostrar-se num formato bastante enlarguecido.
47
Enquanto o barco navegava, paisagens surgiam a cada momento revelando
imagens de uma vegetação variada composta de aningueiras, palmeiras,
trepadeiras, aturiás, mangues e tantos outros vegetais nativos ou plantados pelas
mãos do homem amazônico, ribeirinho que séculos habita aquelas terras. Assim,
ia se atribuindo o retrato humano a um lugar onde se mesclou sua forma de viver, ao
conjunto de tantos outros elementos naturais em seu entorno.
Conforme retrata a imagem 03 suas construções (casas, escolas, igrejas,
barracões, etc.) são de madeira (palafitas), construídas alguns metros de altura
do nível do rio, adaptadas às condições de enchente e vazante das marés, que a
cada seis horas enche e depois retorna com uma vazante de sete horas. As
construções são cobertas por palheira de buçu, ou telhas de barro, com trapiches
compridos na frente, sendo umas de madeira beneficiada, outras de tronco rústicos
de palmeiras de buriti ou açaizeiro, ou simplesmente um esteio com pequenos
degraus.
Envolta a essas construções há uma vegetação com predominância de
palmeiras especialmente o açaizeiro. Algumas famílias possuem água encanada,
motor gerador de energia, eletrodomésticos (TV, freezer, liquidificador, aparelho de
som etc.); mas a lamparina com querosene ainda é um instrumento de iluminação
utilizada por todos. De acordo com a imagem 04, existem também embarcações de
pequeno e médio porte, assim como famílias, que nem o casco possui para se
locomover de um lugar pra outro.
48
Foto 03: Casa coberta de palha de buçu, cercada pela vegetação,
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, abril de 2008.
Encontram-se na comunidade comércios, posto de saúde, uma escola
nucleada
5
, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Dulce Ferreira Pacheco, com
atendimento a educação infantil, ensino fundamental e o ensino médio modular.
5
São conhecidas como “escolas reunidas” que juntam estudantes e profissionais da educação de
diversas pequenas escolas (multisseriadas) de localidades próximas em uma escola maior e
organizam os estudantes em turmas seriadas.
Foto 04: Embarcações e construção com cobertura de teias de barro.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
49
também, quatro escolas multisseriadas localizadas no entorno da comunidade, uma
delas constitui o lócus de estudo dessa pesquisa.
2.2 Identidade histórica da comunidade ribeirinha
Informam os moradores da comunidade Jorocazinho de Baixo que ela
começou a ser habitada antes de 1930, e naquele período era pouco povoada, pois
as terras da ilha Joroca pertenciam a grandes proprietários de terras - denominado
patrão e alguns destes se apossavam das propriedades dos outros por qualquer
serviço prestado a um ribeirinho que não podia pagar pelo usufruto do serviço.
Parte das terras de Jorocazinho de Baixo pertencia ao Sr. Laudelino
Vasconcelos. Este cedeu algumas de suas propriedades para trabalhadores
ribeirinhos sem terra que em troca tinham como obrigação recolher as sementes
oleaginosas e entregar parte delas para o responsável pelas suas propriedades que
na época era o Sr. José Ramalho. Por conseguinte podemos afirmar que algumas
propriedades foram comercializadas, outras divididas entre os familiares, de forma
que, no atual momento histórico, esses proprietários conseguiram suas propriedades
por meio de compra, outros por doações, e outros através de bens herdados de
seus antepassados como relata uma ribeirinha em entrevista:
Essa propriedade aqui era do patrão Laudelino Vasconcelos e uma
senhora que tomava conta dessa terra dele, não podia mais cuidar
da terra, por que tinham outras pra ela cuidar. Então, ela chamou a
mamãe e nos deu a terra pra gente trabalhar e disse que tudo que
colhesse aqui, metade era pra entregar pro seu Ramalho e que
nós podíamos ficar aqui até quando quiséssemos. Depois o patrão
se desgostou, largou tudo e foi embora pra Belém e nós ficamos
aqui. Moro mais de cinqüenta anos aqui. Vim pra muito moça.
(Comunitária A).
A comunidade em evidência foi habitada por ribeirinhos, migrantes do
Nordeste brasileiros e imigrantes portugueses, turcos, entre outros. Com baixo poder
econômico, parte desses povos sobrevivia da extração de produtos da floresta, tais
50
como as sementes de andiroba, ucuúba, cacau, o látex da seringueira; e da criação
de aves (galinha caipira e pato) e suínos.
O cacaueiro é uma planta nativa da região ribeirinha, atualmente em menor
quantidade, pois no século XVIII as sementes do cacau nativo, produzidas na
Região Amazônica, eram apreciadas na Europa para a produção do chocolate.
Nesse período foi introduzido na região o incentivo à cultura do cacau, uma vez que,
a população sobrevivia da coleta do produto (Secretaria de Estado da Educação do
Pará, 1992, p. 13).
Outro vegetal de valor econômico significativo para as famílias ribeirinhas
era a seringueira que conforme expõe Dionísio Hage (2003, p. 71) “as seringueiras
foram descobertas na metade do século XVIII pelos índios amáguas do grupo tupi-
guarani. A árvore era lanhada com o facão e aparado por uma tigela colocada no
tronco”. No Jorocazinho de Baixo a prática da coleta do látex se dava pela lanhada
com um machadinho na árvore e o látex escorria para a casca de uruá que era
colada à seringueira com argila, depois de cheia era depositada num paneiro
empalhado. Para guardar o produto abriam uma cavidade no solo e os cobriam com
uma terra enlameada. Com esse procedimento o látex coletado pelo ribeirinho não
passava pelo processo de defumação.
Dessa forma, contribuía-se para que o mercado internacional utilizasse a
borracha como um produto amazônico e especialmente com o crescimento da
indústria, houve o aproveitamento do produto para a fabricação de pneus, criação de
brinquedos, e produtos como sapatos, garrafas, entre outros. Contudo, ao ribeirinho
da Amazônia paraense restou à depredação de seus recursos naturais e plantações
como o cacau nativo, quase não se mais na região. Quem lucrou e enriqueceu
com esses produtos, foram certamente os grandes comerciantes e os latifundiários.
Os que viviam do comércio dos produtos da floresta naquela época
enriqueciam ainda mais devido os produtos de valor comercial internacional ser
trocados por produtos de baixo custo como: farinha, feijão, arroz e material escolar
e, estes não supriam todas as necessidades básicas do ribeirinho.
O açaí, um alimento essencialmente básico na alimentação, e o pescado
eram abundantes. No entanto, com o crescimento populacional, houve uma drástica
redução destes alimentos, pois aumentou a procura e ao mesmo tempo não havia
políticas de incentivo a produção do açaí ou a piscicultura, algo que ocorreu
51
posteriormente, em decorrência do fortalecimento dos ribeirinhos via sua
organização em movimentos sociais e na Colônia dos Pescadores.
A partir desta reflexão, evidencia-se que uma das referências econômicas,
dessa comunidade muito tempo, está baseada no extrativismo de produtos
naturais. E essa prática quando realizada com um planejamento que não agride o
meio ambiente é interessante, pois contribui para a sobrevivência humana e a
preservação da floresta e de sua biodiversidade. Mas, com o passar dos anos a
população cresceu bastante e hoje na geografia do rio há famílias residentes em
suas duas margens, constituindo outra paisagem. Uma paisagem caracterizada por
uma relação intrínseca entre o ribeirinho e a natureza, uma vez que, essas
populações têm o rio Tocantins no centro do seu universo geográfico, econômico e
cultural, estão cercados por uma vegetação própria e compreendem o rio, a terra e a
floresta como elementos naturais significativos para a sobrevivência, como espaços
de trabalho.
Com isso, constatamos que o rio é outra referência econômica dessas
populações. Ele é fundamentalmente essencial à sobrevivência desses povos. Eles
capturam no rio, o pescado para a alimentação de suas famílias e para
comercialização. A base alimentar do povo ribeirinho de Cametá é o pescado e o
vinho do açaí extraído da floresta, seguido de outros alimentos como:
Carne fresca, carne charqueada, frango, suínos, e enlatados.
Enquanto leite, frutas legumes e verduras quase não estão
presentes na dieta alimentar do ribeirinho, bem como a exceção do
buriti, banana e manga, outras frutas são mais raras nas mesas
camponesas. De modo geral a alimentação das famílias é
balanceada em termos calóricos e protéicos. (COSTA, 2006, p.
217).
Diante dessas considerações, contatamos que a identidade ribeirinha está
intrinsecamente relacionada ao rio, a terra e a floresta, como espaços de trabalho
das famílias, as quais alternam entre a colheita dos frutos e das sementes, a captura
de animais da floresta e dos peixes do rio. Assim, encontramos entre esse grupo
populacional do município de Cametá, importantes práticas produtivas, exercidos por
pescadores artesanais e extrativistas que buscam estratégias para tentar
adaptarem-se as condições atuais de sobrevivência especialmente, com a
diminuição significativa na fauna aquática na região da ilhas.
52
2.3 A comunidade Jorocazinho de Baixo na cartografia do município de
Cametá Pará
O Jorocazinho de Baixo é uma pequena comunidade situada na área do
campo no município de Cametá, localizado no Pará, segundo maior Estado do Brasil,
constituído por 143 municípios. Esse município localiza-se à margem esquerda do rio
Tocantins, pertencendo a segunda maior bacia hidrográfica mais importante do país, a
bacia Araguaia - Tocantins, foi fundado em 24 de dezembro de 1617, compõe a
mesorregião do Nordeste do Estado e a microrregião de Cametá, abrangendo uma área
de 3.108,2 km
2
.
Cametá compõe um grupo de municípios do Tocantins. É o terceiro mais antigo
do Pará seguido de Belém e Vigia. Encontra-se no mapa, o município de Cametá
ilustrado pela tonalidade róseo pinque, legenda 03, faz fronteira com os municípios de
Mocajuba, Oeiras do Pará, Limoeiro do Ajurú e Igarapé-Miri. Atualmente esses
municípios foram inseridos na cartografia de integração Regional denominada região do
Tocantins, compõe o total de onze municípios paraenses, dentre os quais ainda não foi
aqui mencionado Abaetetuba, Acará, Baião, Barcarena, Moju e Tailândia.
Figura 03: Mapa dos municípios do Baixo Tocantins, Pará, no qual Cametá está com a legenda
numérica 03.
Fonte: Webcarta.net/carta/mapa.phpa.
53
Cortado pelo rio Tocantins no sentido sul-norte, o município de Cametá ocupa
uma área de 2.487 km
2
, sendo formado por 20,3% de rios e baías, 36,4% de campos
naturais, 26,2% de várzea e ilhas e 17,1% de terra firme. Segundo Sousa (2002), o
município de Cametá em sua formação geográfica, pode ser dividido em duas porções
distintas de terras: a região das ilhas e a região de terra firme, dispostas nas duas
margens do rio Tocantins.
A população do município, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) Agência de Cametá (2007) é formada por 110.323 habitantes,
sendo que 47.984 estão na área urbana, e 62.339 na área do campo. Destes 43% são
populações urbanas e 56% estão no campo. Isso revela uma tendência mais acentuada
das populações que vivem no campo e identificam-se como: migrantes, estrangeiros,
quilombolas, ribeirinhos e agricultores. Muitos residem nas ilhas espalhadas às
margens do rio Tocantins, e outros, em ramais ou à margem das rodovias Transcametá
ou Translimoeiro.
Para Sousa (2002), a área ribeirinha ou das ilhas, como comumente é
chamada, concentra muitas espécies de vegetação de valor econômico, como
açaizeiro, buritizeiro, andirobeira, pracuúbeira, mututizeiro, ucuubeira, etc. As ilhas
abastecem a cidade com pescado, carne suína e objetos artesanais feitos de vegetais
como paneiros, peneiras, bolsas e outros produtos utilizados como instrumento de
trabalho no campo ou na cidade. Os transportes fluviais de pequeno, médio e grande
porte são responsáveis pela locomoção da população das ilhas bem como, tem servido
para transportar passageiros da cidade e de outras localidades do município para a
capital do estado ou para outros municípios da região Norte, ligados a Cametá através
do rio Tocantins.
Na área das ilhas existe uma diversidade de espécies de animais terrestres e
aquáticos. Entre as espécies terrestres mais comuns estão às aves e os mamíferos,
nos quais se destacam no grupo das aves: garça, japiim, papagaio, periquito, patos,
galo e galinha, caraxué, tucano, coroca, curió, bem-te-vi, beija-flor etc. No que se refere
aos mamíferos: os porcos domésticos, cachorro, preguiça, mucura, cuandu, veado,
paca, tatu, porco do mato etc. e alguns ovíparos como camaleão, tartaruga, tracajá, e
etc.
Existem ainda animais que rastejam como as cobras, sendo que algumas são
venenosas outras não. Entre essas espécies não venenosas algumas se destacam por
seu tamanho: a jibóia e a sucurijú. A última pode medir entre oito e nove metros de
54
cumprimento. Entre as cobras venenosas encontram-se: a jararaca e a combóia a
última é muito venenosa e sua reprodução se dá no período do inverno.
As espécies de peixes mais conhecidas na comunidade do Jorocazinho são:
caratinga, tucunaré, mapará, tainha, acari, pescada, filhote, boto, arraia, sarda,
sardinha, aracu, traira, madubé, jacundá, etc. O tambaqui é uma espécie criada em
cativeiro, vinda do baixo Amazonas, não existindo sua espécie nas águas do rio
Tocantins. O camarão é um crustáceo muito apreciado na alimentação ribeirinha. Como
demonstra a Foto 05, o ribeirinho retorna após a captura de peixes e camarão sendo
possível perceber pela imagem alguns instrumentos essenciais à sua sobrevivência,
entre os quais se destacam: o casco com o remo, o paneiro e os utensílios de pesca
tais como: a malhadeira, caniço
6
, matapí, espinhel
7
, paneiro, entre outros.
6
É mais um instrumento de fisgar peixes, muito utilizado por pescadores que estão iniciando a
atividade. Prepara-se um caniço com galhos de caniceira, uma árvore indicada por sua flexibilidade e
resistência. Outras madeira como envira e jatuá também servem para caniços. (MORAES, 2007, p.
36).
7
É composto de uma seqüência de anzóis destinados a fisgar peixes, pendurados por fios presos por
uma grande corda que os sustenta. Os fios que prendem os anzóis são denominados filames. (IDEM,
p. 37).
Foto 05: O ribeirinho e seus instrumentos de trabalho.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
.
55
As espécies de peixes que estão no paneiro, foto 06 foram capturadas através
da técnica denominada tapagem em igarapé ou pesca de tapagem, é uma prática
exercida para capturar um volume maior de peixes e essa atividade é utilizada em
pequenos rios e igarapés da Amazônia e de acordo com o autor, a tapagem de igarapé:
Caracteriza-se usualmente por atravessar com uma rede o fluxo d’
água. Pode ser classificatória quando são empregadas malhas de
tamanhos grandes e proporciona a fuga de pequenos peixes ou
predatória quando são empregadas malhas finas e provocam a
captura indiscriminada de peixes de tamanhos variados.
(FURTADO, 1993 apud MORAES, 2007, p. 44).
As áreas de terra firme, situadas nas duas margens do rio Tocantins,
possuem solo apropriado para o plantio e cultivo da agricultura familiar e criação de
animais. A vegetação é formada por campos naturais e floresta ombrófila densa -
tipo de vegetação que ocorre na Amazônia e matas costeiras. Caracteriza-se por
apresentar temperatura média de 25 ºC e alta precipitação, bem distribuída durante
o ano. (IBAMA, 2007).
Os povos destas comunidades vivem em meio a uma diversidade sócio-
cultural-territorial, cultivando uma variedade de produtos como: farinha, milho, arroz,
pimenta do reino, melancia, gerimum, açaí e a criação de peixes, aves, entre outros.
Foto 06: Algumas espécies de peixes: caratinga, tainha, jacundá em um paneiro.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
56
São territórios formados por campos naturais, alagados etc., de longas distâncias e
precárias condições de locomoção. Utilizam transportes como: carro de boi, trator,
bicicleta, moto, etc., para realizar o trajeto entre campo e cidade. E nas duas áreas
rurais (ilhas e terra firme) do município de Cametá, concentram uma parte
significativa de escolas multisseriadas, que ofertam as séries iniciais do ensino
fundamental e estas realidades do campo, sem dúvida alguma, possuem
características culturais própria.
2.4 Contexto educacional do município de Cametá
O município de Cametá oferece a escolarização para sua população desde
a educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos, para os
portadores de necessidades especiais, ensino médio e nível superior na rede de
ensino pública e privada. A procura de oferta da educação em todas estas
modalidades tem crescido anualmente na rede pública. Conforme os dados do
Censo escolar expostos nas tabelas, à educação básica no município de Cametá
alcançou os seguintes resultados referentes às matrículas realizadas entre os anos
de 2005 a 2007.
Tabela 01: Matrícula da Educação Básica em Cametá, nos anos 2005/2006.
Matrícula Inicial
Ano
2005
2006
Rede de ensino
Estadual
Municipal
Privado
Total
Estadual
Municipal
Privado
Total
Creche
-
1.129
-
1.129
-
1.219
-
1.219
Pré-escolar
-
6.523
255
6.778
-
6.804
182
6.986
a série do
Ensino
fundamental
-
20.301
318
20.619
-
20.130
277
20.407
Anos finais do
ensino
fundamental
-
10.504
307
10.811
-
10.554
303
10.857
Educação
especial
-
295
-
295
-
314
-
314
Educação de
jovens e adultos
-
3.630
-
3.630
-
3.012
88
3.100
Ensino médio
4.754
-
1.173
5.927
5.752
-
168
5.920
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
57
Tabela 02: Matrícula da Educação Básica de Cametá, em 2007.
Matrícula Inicial
Ano
2007
Rede de ensino
Estadual
Municipal
Privado
Total
Creche
-
742
-
742
Pré-escolar
-
6.522
121
6.643
1ª a 4ª série do ensino fundamental
-
19.273
328
19.601
Anos finais do ensino fundamental.
-
10.077
317
10.394
Educação especial (creche, pré-escolar e anos iniciais do
fundamental).
-
366
01
367
Educação de jovens e adultos (fundamental e médio)
312
1.989
40
2.341
Educação profissional (nível técnico).
119
-
-
119
Ensino médio
6.226
-
147
6.373
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
A partir do referencial exposto nas tabelas constata-se que, a educação
infantil está distribuída entre creches e pré-escolar e esse atendimento se deu na
rede pública municipal correspondendo a 97% das matrículas em 2005; no ano
seguinte, aumentou para 98% e manteve-se o mesmo percentual em 2007.
Identificamos assim, que a procura da educação infantil na educação pública
municipal cresceu, ainda que seja insuficiente o número de escolas com esse
atendimento e a infra-estrutura não esteja apropriada para este ensino.
No que se refere ao ensino fundamental dividiu-se em duas fases: uma de
a séries e outra de 5ª a 8ª. Nesse entendimento, os números relacionados à
primeira fase em 2005 foram de 98%; cresceu consideravelmente para 99/% em
2006 e decresceu para 98% em 2007. Para a segunda fase, encontram-se nos
dados analisados, o mesmo percentual, ou seja, 97% de matrículas para o triênio
2005 a 2007.
Esse indicador do INEP caracteriza um crescimento significativo das
matrículas entre 2005 e 2006, no qual se atingiu um percentual próximo aos 100%.
Entretanto, ocorreu uma queda em 2007, que possibilitou a permanência dos
mesmos dados decorrentes de 2005, nas ries iniciais do ensino fundamental. Isso
revela oscilações no crescimento das matrículas que efetivamente podem aumentar
ou diminuir; é um procura razoavelmente significativa, mas não totalmente
satisfatória. Para os números referentes de a séries manutenção de 97%
16
58
para o triênio de 2005 a 2007 e indica que ocorreu certa estagnação referente a
procura nessa fase do ensino fundamental em Cametá.
Na modalidade de educação para os portadores de necessidades especiais
foram atendidos somente educandos do ensino fundamental durante 2005,
equivalente a 266 matriculados exclusivamente no sistema de educação pública; em
2006 aumentou para 314; e em 2007 houve alterações no atendimento desde a
educação infantil com 37 alunos e o ensino fundamental nos anos iniciais com 329
matriculados no ensino blico e 01 na rede de ensino privada. Conforme os dados
constatam-se na rede pública, um atendimento de aproximadamente, 100% das
matrículas no triênio aqui estudado.
No que diz respeito à educação de jovens e adultos em 2005 houve uma
procura no ensino fundamental com 3.630 exclusivamente na rede pública; no ano
seguinte, decaiu para 3.100; em 2007 surge nesta modalidade a oferta no ensino
privado com 40 alunos matriculados para ensino fundamental, mas na rede blica
houve um atendimento de 98% e com o aparecimento da educação de jovens e
adultos para o ensino médio a procura foi de 312 alunos matriculados.
Ao observar os meros referentes ao ingresso do ensino médio durante os
anos de 2005 a 2007 percebemos que no primeiro ano a rede estadual de ensino
público inserida no município de Cametá correspondeu a 80%; no segundo ano foi
de 97% e em 2007 obteve-se um percentual de 98% das matrículas e ainda
ocorreram 119 matriculados para o ensino profissional. Ao analisarmos os dados a
partir de 2005 percebemos um crescimento consideralvemente significativo das
matrículas nesse nível de ensino na rede pública.
Identificou-se também, que a educação do município seja esta na rede de
ensino municipal ou estadual o número de escolas é insuficiente para atender a
população e partes das instalações escolares especialmente nas áreas do campo
funcionam em barracões comunitários da Igreja Católica. também, turmas na
cidade que se utilizam da estrutura do SENAI pela ausência de um espaço
apropriado a estes.
Outra questão que necessita ser ressaltado em relação ao ensino da rede
municipal é a concentração de escolas no centro da cidade e as poucas escolas
presentes nos bairros periféricos, são superlotadas e algumas destas, funcionam em
quatro turnos, com um horário intermediário e isso dificulta cumprir a carga horária
59
de quatro horas diárias nas séries iniciais do ensino fundamental garantida pela Lei
de Diretrizes e Base da Educação Nacional de 2006.
Com esse referencial, interpreta-se que as matrículas na educação básica,
analisadas a partir de dados específicos de cada nível de ensino, permitem-nos
compreender que a rede pública estadual ou municipal, salvo algumas exceções,
parece se aproximar dos 100% em relação ao número de matrículas. Mas ao
analisarmos as matrículas de 1ª a 4ª série em relação aos números do ensino médio
nesse mesmo período, constata-se que, para 2005 matriculou-se 20.301; Em 2006,
obteve-se 20.130 e em 2007 realizou-se 19.273 matrículas na primeira fase do
ensino fundamental enquanto que, a procura para o ensino médio constou de 4.754
no período de 2005; para 2006 correspondeu a 5.752 e, em 2007 obteve-se 6.226.
Ao analisarmos as matrículas efetivadas nesses dois níveis de ensino, no
triênio supracitado, identifica-se que ficaram fora da escola de ensino médio, em
2005, 15.547 cametaenses que corresponde a 77%; em 2006 estima-se que não
entraram cerca 14.378, ou seja, 71%. E no ano seguinte, 13.047 não ingressou no
ensino médio, o equivalente a 68%.
Ao considerarmos as referências expostas anteriormente, é possível
interpretar que, houve no município de Cametá, um afunilamento de matrículas, ou
seja, ocorreu uma procura maior nas séries iniciais do ensino fundamental do que,
no ensino médio de forma que por diversos fatores ao compararmos os dados entre
a primeira fase do fundamental e do ensino médio constatamos que
lamentavelmente muitos adolescentes, jovens e adultos ficaram fora da escola,
especialmente na rede estadual que tem se obtido um número de matrículas
reduzidas, o que nos permite compreender que, muitos educandos ingressaram na
escola do nível fundamental, mas, infelizmente, não tiveram a oportunidade de
ingressar ou concluir o ensino médio,
no município a oferta para o ensino superior contemplado por duas
universidades públicas, a Universidade Federal do Pará com o Campus Universitário
do Tocantins/Cametá com cursos de pedagogia, letras, história e matemática e um
núcleo da Universidade Estadual do Pará com os cursos de tecnologia agroindustrial
e ciências naturais e ainda algumas universidades particulares. Entre as quais estão
a Universidade Vale do Acaraú UVA; Universidade Estadual do Maranhão
UEMA; e a Universidade do Tocantins UNITINS, entre outras.
59
Segundo Delza Carvalho (1998, p. 36) o ensino superior foi instalado no
município de Cametá em 1987, cuja finalidade era ampliar as ações da Universidade
Federal do Pará na Amazônia paraense e na região Norte; e ao mesmo tempo
elevar o nível de formação escolarizada no interior do estado. “E a duras penas
estão instalados, os seguintes cursos: História, Geografia, Pedagogia, e Ciências
Naturais”. (p. 37).
Contudo, a educação em Cametá está distribuída em escolas das áreas do
campo e da cidade constando de 19 escolas municipais, 05 estaduais localizadas na
cidade e 374 exclusivamente municipais estão no campo. Na área do campo
existem escolas do sistema municipal que funcionam como seriadas, multisseriadas,
uma casa familiar rural com a pedagogia da alternância e o ensino médio
denominado Sistema Modular de Ensino - SOME que funciona em prédios das
escolas do campo da rede municipal, em regime modular.
A educação brasileira estruturou-se no ensino da educação básica e
superior e conforme a Lei 9394/96 os níveis da educação infantil e fundamental
tornou-se uma atribuição dos municípios, o ensino médio, do Estado e o superior da
União. (BRASIL, Lei de Diretrizes e base da Educação Nacional, 9394/96).
Desse modo, uma proposta inserida na legislação educacional é a de
universalizar o ensino como direito de todos e de qualidade. No entanto,
concretamente se percebe nas áreas ribeirinhas de Cametá a ineficiência dessa
legislação quando se constatou a existência de analfabetos, e a presença de
crianças, adolescentes, jovens e adultos fora da escola. E efetivamente, ensino de
qualidade ainda não se materializou na escola e pouco aparece nas proposições das
políticas educacionais do município e do Estado. Relembra Mônica Molina (2008)
que:
A educação é um direito. E como tudo que diz respeito a nós, seres
humanos, a idéia da educação como um direito humano e, mais que
isso, a idéia dos direitos humanos é fruto de uma longa construção
histórica da luta de milhares de pessoas, até nós chegarmos a essas
conquistas. [...]. Eles o são dados, eles são construídos, são uma
invenção humana, e estão em permanente processo de construção,
reconstrução. (p. 21).
Com esse pensamento reafirma-se o direito a educação e ao mesmo tempo
identifica-se que a construção histórica do direito não está estagnada. Movimenta-se
60
permanentemente em um processo dialético de construção e reconstrução. E nessa
perspectiva penso que os coletivos escolares podem retomar a história do direito a
educação, refazer, criar novas e melhores ferramentas de ensino que possibilite um
ensino de qualidade e os responsáveis pelos diferentes níveis de ensino assuma a
escola pública, do campo ou da cidade com mais responsabilidade e compromisso
político, pedagógico e financeiro, posto que, ao retomar os dados pertencentes a
rede municipal de ensino constatamos que, de acordo com as informações
fornecidas pelo Setor de Estatística Educacional do Município (2008), assim está
estabelecido os dados dos alunos, docentes, e escolas por nível de ensino referente
ao sistema de ensino municipal.
Tabela 03: Níveis de ensino, escolas, alunos, docentes e turmas do
sistema de ensino em Cametá, ano de 2008.
Fonte: Setor de Estatística da Secretaria de Educação de Cametá, agosto de 2008.
Ao observar o quadro com dados referentes ao ano de 2008
8
, constata-se o
perfil da educação municipal de Cametá indicando como a Secretaria de Educação
distribuiu no geral a população estudantil e os educadores dos diferentes níveis de
ensino. Mas a referência relacionada aos educadores é oscilante devido às vezes
8
Vale se ressaltar que esses elementos fornecidos pela Secretaria de Educação ainda não o
conclusivos e podem ter alterações até o final de setembro de 2008, quando encerra o prazo de
formatação das informações do Censo Escolar desse mesmo ano.
NIVEIS DE ENSINO
NÚMERO DE:
Escolas
Alunos
Professores
Turmas
Educação Infantil (Creche).
17
612
22
26
Educação Infantil (Pré-
Escola).
123
5.305
241
251
Educação Infantil (Total
geral).
140
5.917
263
277
Ensino fundamental a
4ª séries - (multissérie).
121
3.353
147
153
Ensino fundamental
Jardins a séries -
(Multietapas).
148
3.743
167
164
Ensino fundamental a
4ª séries - (Seriado)
113
13.499
462
521
Ensino fundamental a
8ª séries.
71
10.599
630
384
Total
733
43.028
1932
1776
61
desenvolverem o exercício do magistério em duas modalidades de ensino.
Entretanto, de acordo com as informações contidas no quadro, a educação infantil
atende atualmente a infância em creche e pré-escola com 140 escolas para atender
277 turmas e 5.917 alunos; os dados relacionados ao ensino fundamental estão
classificados em quatro grupos distintos: um descreve que, na multissérie estão os
alunos de a 4ª séries, distribuídos em 121 escolas, 153 turmas, incluindo 3.353
estudantes; ao reunir os jardins à série do ensino fundamental, denominou-se
multietapas, que funciona em 148 escolas, abrange 164 turmas com 3.743
educandos; e sobre o ensino seriado de 1ª a série, funcionou em 71 escolas
contemplando 521 turmas e 13.499 discentes. E por fim o ensino fundamental de
a 8ª séries, estavam em 71 escolas com 384 turmas e 10.599 alunos.
Nessa perspectiva, uma informação interessante contida na tabela me
chamou atenção; e se refere à palavra “multissérie” no qual se identifica que o
Setor de Estatística da Secretaria de Educação de Cametá, informa a situação das
escolas multisseriadas e segundo a coordenação desse setor, a nível municipal,
esses dados vem sendo assim organizados desde 2003 e nos últimos anos essa
referência entrou para base de dados do INEP, responsável pelo censo escolar de
todo país e este órgão solicita atualmente que a multissérie seja subdividida para
sistema do censo escolar, como Multietapas para o conjunto de educandos na
mesma sala de aula, nos dois níveis de ensino, ou seja, da educação infantil e do
ensino fundamental; e a multissérie propriamente dita, caracterizaram-se como
uma turma de alunos, das séries iniciais do fundamental na mesma sala de aula.
Portanto, encontram-se representado no gráfico, dois grupos de multissérie. Uma
com estudantes exclusivamente, das séries iniciais do ensino fundamental e outra
com dois níveis ensino, denominado multietapas.
Assim, a partir desse panorama a rede municipal de ensino de Cametá
durante o percurso do primeiro semestre de 2008 dispunha de 733 escolas com
1.776 turmas composta de 43.028 estudantes em todo município. Esses discentes
foram atendidos por 1.932 docentes. Destes 147 estão exercendo a docência com a
multissérie e 164 com a multietapas, contabilizando assim, 311 educadores em
escolas multisseriadas.
Mediante as informações dispostas na tabela configuram-se dados que ora
complementam, ora divergem as proposições aprovadas na legislação educacional.
Um que complementa e se materializou está obvio, refere-se às divisões
62
administrativas que cada instância governamental assumiu. Uma proposição que
não aparece legitimada pela LDBEN nem pelo o PNE, é a definição das séries
iniciais do ensino fundamental, em multissérie ou em multietapas. Contudo, essa
referência fornecida pela Secretaria de Educação e constatada no documento de
solicitação do censo escolar do INEP contribuiu de forma direta, para retirar a escola
multisseriada do anonimato.
2.5 Os movimentos sociais do campo ribeirinho e suas práticas educativas
O povo ribeirinho da comunidade Jorocazinho de Baixo, tem uma identidade
histórica e cultural de lutas por seus direitos que à princípio foi marcada pelos
aspectos da religiosidade que culminou no processo de formação e organização
desses sujeitos em comunidade cristã, (Igreja Católica) os quais se reuniam não
somente para rezar, mas para discutir e buscar soluções para os problemas sociais
da localidade, mas, essa busca de direitos sociais, está registrada na história do
povo paraense, desde a “Cabanagem
9
”, um movimento insurrecional e popular
ocorrido no culo XIX. De forma que, antes do surgimento dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais, na década de 1970, existiam as Sociedades Rurais que
organizavam os mutirões com grupos de trabalhadores.
Esses movimentos de luta por políticas públicas para as populações
ribeirinhas intensificaram-se, sobretudo, quando os recursos naturais ficaram
escassos com a exploração inadequada dos produtos naturais, como exemplo, o
desmatamento de açaizais para extração do palmito e, principalmente, após a
implantação da hidrelétrica de Tucuruí
10
, um empreendimento construído para o
desenvolvimento da região, provocou uma baixa produtividade dos solos de várzea,
a queda de produtividade dos açaizais e cacaueiros, o desaparecimento ou a
9
Foi uma guerra civil que agitou a terra paraense na primeira metade do culo XIX. O nome
“cabanagem se deriva das condições humildes dos revolucionários, que habitavam cabanas,
palhoças ou ranchos de sapé. (HAGE, 2003, p. 36).
10
Concebida segundo as estratégias estabelecidas pela política do Governo Federal para o
desenvolvimento da região Norte, a partir da década de 60, em busca do crescimento econômico da
região. Seu objetivo foi atender o mercado de energia elétrica polarizado por Belém e as elevadas
cargas instaladas em decorrência da implantação eletros-intensivos, como base o complexo
alumínio-alunina. Sua construção foi iniciada em 1976 pela Eletronorte.
http//pt.wikipedia.org./wiki/Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
63
diminuição de várias espécies de pescado, a poluição das águas, e o assoreamento
do rio.
Diante das circunstâncias abordadas, a partir da década de 1990 a região
tocantina, através dos movimentos sociais do campo, mobilizou-se em torno de
suas organizações para fortalecer uma organização social mais ampla, que pudesse
melhor representá-los. A essa organização foi denominada de Movimento em
Defesa da Região Tocantina (MODERT), o qual naquele período conseguiu
conquistar através do “Grito do Campo”, os primeiros financiamentos do Fundo
Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), através do Banco da Amazônia
para a pequena produção familiar (COSTA, 2006, p. 281).
Enfatiza ainda o autor que, essas conquistas desencadearam o surgimento
de associações e cooperativas de produtores do campo com a finalidade de
assegurar linhas de crédito agrícola para os trabalhadores rurais e pescadores.
Essas entidades têm assegurado à organização de diversos segmentos sociais do
campo de tal forma que, seguramente não há um registro de quantas cooperativas e
associações se constituíram no município. (Ibid, p. 283).
Em relação à organização sindical, a população do campo no município de
Cametá tem se organizado em duas entidades. Uma é o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR), a outra é a Colônia dos Pescadores Z-16. Dentre
essas instituições a Colônia Z-16 congrega maior percentual de associados, ou seja,
“60% das famílias ribeirinhas são sócias desta instituição enquanto que o STR
congrega um percentual de 21% das famílias e 16% não se encontra ligada a
nenhuma organização de trabalhadores”. (Ibid, p. 209).
Identificamos com isso que a comunidade Jorocazinho de Baixo tem uma
cultura de participação em movimentos sociais que historicamente emergiu a partir
da influência da Igreja Católica e os integrou posteriormente, a outras forças
organizativas. Ela tem uma base organizacional relevante e tem despertado
curiosidade científica na área ambiental, foi beneficiada com vários projetos do
governo federal devido a sua participação em movimentos sociais, pois “apesar de a
participação ser uma necessidade básica, o homem não nasce sabendo participar.
A participação é uma habilidade que se aprende e se aperfeiçoa”. (BORDENAVE,
1994, p. 47). E a comunidade Jorocazinho de Baixo no seu percurso histórico tem
destacado-se como uma referência por conta da sua organização em movimentos
sociais do campo.
64
2.5.1 O surgimento da comunidade cristã e a associação dos moradores
Os registros históricos realizados por Joana Amorim revelam que antes de
1979, Jorocazinho de Baixo não possuía organização comunitária religiosa e Rita
Cardoso Cordeiro, hoje professora aposentada, exerceu a função do magistério
muitos anos na multissérie, foi quem iniciou essa organização. Na escola, ela
começou a desenvolver práticas religiosas com seus alunos, onde emergiu outros
interessados e assim fundaram a primeira organização local. Sobre a questão, assim
expõe a entrevistada:
Começamos o nosso trabalho da comunidade cristã dentro da
escola, com os alunos. A gente conseguiu fundar a comunidade
cristã [...] nós levamos pros pais e depois com a comunidade em
geral [...] oferecemos a infra-estrutura da escola para a comunidade
se reunir, assim não, nos dias de serviço, fora disso, sábado e
domingo, era cedido até ela cumprir o prazo de fazer o barracão
comunitário. Hoje, não é das melhores, mas nós temos a pastoral da
criança, temos o movimento de mulheres, o movimento de jovem e
[...] conseguimos trazer pra a capatazia
11
da colônia dos
pescadores (professora A).
A comunidade cristã (CC) nasceu dentro da escola. Depois construíram
outras formas de organização. Observamos no depoimento, que algumas atividades
são exclusivamente do campo religioso, mas, a delegacia sindical estava ligada ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a capatazia era uma coordenação local
responsável pela organização dos pescadores e representava a Colônia dos
Pescadores Z-16 na localidade Jorocazinho de Baixo.
A partir da comunidade cristã e dos cursos de formação educativa por ela
desenvolvidos, os ribeirinhos se detiveram a observar o mundo em seu entorno e
identificaram que, por exemplo, a construção da hidrelétrica de Tucuruí causara
diversos problemas ambientais para a localidade entre os quais estava o aumento
de doenças, como a diarréia, o pescado escasso, pois muitas espécies ficaram
presas à montante da barragem. Iniciou-se no rio a retirada de alevinos de acari
11
Segundo a Colônia dos Pescadores Z 16 (2003, p. 27), as colônias estão distribuídas em zonas.
(...) Cada município é uma zona. Cada zona tem suas estruturas organizadas de diversas formas:
capatazias, secretarias, núcleos. Em Cametá são as coordenações, antes chamadas de capatazias,
distribuídas nas ilhas como forma de descentralizar a administração.
65
para a comercialização. “Iam buscar no fundo do rio, na casa do peixe, nos paus
podres o acari, para vender como espécie ornamental. Faziam isso, por que aqui
tem rias espécies de acari, tem o acari avião, o famoso, que é caro. Depois
observamos que quando a água quando começava a encher era uma lama
(Professora A). Utilizavam instrumentos pesqueiros predatórios, como puçá,
malhadeira, ceboleira, entre outros.
Devido aos impactos ambientais que vinham ocorrendo e a necessidade de
repensar práticas educativas para realização do pescado e a preservação do rio,
alguns ribeirinhos convidaram os moradores para uma discussão sobre aquela
situação de depredação ambiental. Contaram com a orientação de uma comunidade
do Paruru que havia vivenciado a mesma problemática e que decidiu partir para uma
experiência de preservação ambiental e com isso tornou-se referência para as
localidades circunvizinhas, bem como para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) Projetos Demonstrativos (PDA),
Colônia dos Pescadores Z-16, Prefeitura e Câmara de Vereadores de Cametá,
Fórum Judiciário da Comarca de Cametá e diversas entidades. Assim, fundaram a
Associação de Preservação do Meio Ambiente do Rio Jorocazinho. E a partir de
19 de dezembro de 1993 começou a elaboração e a realização do Acordo de Pesca,
entre os quais retrata um documento da Associação:
A referida Associação, usando de suas atribuições legais, decreta a
seguinte nota: Todos os moradores da área em preservação têm o
dever de colaborar pelo bem-estar da população, ajudando na
educação ambiental, preservando junto ao meio ambiente. Para que
os objetivos sejam alcançados devem ser obedecidas às normas
estatutárias como:
Pescar no rio sem usar instrumentos predatórios como:
malhadeira de arrastão, ceboleira, tarrafa, fisgadeira e puçá;
Não será permitida a exportação de alevinos (peixe miúdo)
tiração de acari, venda de pássaro e animais silvestres.
É proibido também o acesso de pessoas no local onde seja
feito a pesca do mapará evitando assim a invasão e proteção
aos mergulhadores.
Não é permitido corte de aturiá na área preservada assim como
baque de água com vara na beira do rio.
A bacia do poço da rampa é intocável.
Observação: as malhadeiras a serem usadas serão limitadas da
seguinte forma: malha 30 mm e com 30 metros de
cumprimento.
Vamos desenvolver sem depredar!
66
Jorocazinho de Baixo, 21 de junho de 2001. Acopremarj, IBAMA,
Colônia Z- 16 e PDA (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2005, p.
36).
O documento descreve inicialmente sobre quais instrumentos de pesca o
considerados predatórios. A malhadeira de arrastão o próprio nome sugere, é uma
malha que arrasta espécies menores e maiores, trazendo tudo que conseguir do
fundo do rio. A ceboleira é uma sacola fina fechada geralmente de cor vermelha,
utilizada pelos produtores para embalagem de cebola. A sacola de ceboleira
também trás os peixes menores assim como a tarrafa e o puçá. A fisgadeira é um
instrumento de pesca utilizado diretamente na morada do peixe.
É evidente que ao trazer do rio, diversos tamanhos de pescado certamente
ocasionarão a extinção da espécie ou sua escassez, um fato que vem acontecendo.
Em entrevista alguns comunitários idosos se reportam ao passado como um tempo
de fartura de pescado, daí a importância de manejar a pesca na comunidade. Ao
tratar do manejo de pesca assim expõe o texto:
Manejar a pesca significa controlar a captura para que os peixes
continuem se reproduzindo e se mantenham estáveis em quantidade
e em tamanho. Assim, as comunidades de pescadores vão ter peixe
por mais tempo e não só em períodos curtos (OVIEDO, 2003, p. 5).
Os acordos de pesca proíbem ainda, o corte do “aturiá”, uma planta com
espinho que fica a beira-rio e evita a erosão da ilha. Serve de moradia para alguns
tipos de pescado. Então com o “baque da água com vara” próximo do aturiá o
pescador captura espécies de peixes desordenadamente sem pensar nas
conseqüências posteriores, pois, uma espécie animal expulsa de seu habitat pode
provocar, por exemplo, a escassez da espécie naquele local. Dessa forma, o
documento ao se referir à proibição do “baque de água com vara” define
coletivamente a não utilização de um instrumento predatório que expulsa os peixes
de seu habitat que atordoados pelo barulho caem na rede de pesca ou mudam de
moradia. Mediante essa idéia, identifica-se a existência de uma cultura de saberes
que também se expressa pela significação da vida para a organização coletiva e
demonstram conhecer a relevância de toda uma cadeia natural da vida, não
67
somente para as populações ribeirinhas, mas também para a sobrevivência humana
e da natureza em seu entorno.
Conforme relato dos entrevistados, no Jorocazinho de Baixo existem quatro
bacias ou poços são locais de maior profundidade onde ocorre a reprodução de
muitas espécies e se aglomeram alguns cardumes - e a “Bacia do Poço da Rampa”
é uma dessas áreas que não pode ser tocada por três a quatro anos.
O IBAMA, por meio do Projeto Pró-Várzea (2003), produziu uma cartilha
intitulada Acordos de pesca: a comunidade é quem faz. Um material educativo,
didático e ilustrativo com procedimentos a serem desenvolvidos na concretização
dos acordos de pesca. Na cartilha registraram-se vários elementos para articulação
e realização dos acordos de pesca e, enfatizaram-se quais instrumentos limitam e
proíbem a pesca, entre os quais se destacam.
Proíbem ou limitam o uso de aparelhos de pesca, como malhadeiras,
lanterna de carbureto, tamanho das malhas, jeito de pescar que
possa prejudicar o meio ambiente etc.; Proíbem a pesca durante o
período do “defeso”, de 01 de janeiro a 28 de fevereiro, época em
que algumas espécies mais procuradas se reproduzem, como o
tambaqui, matrinxã, pacu, marapá, curimatá, branquinha, aracu e
pirapitinga; Limitam a quantidade de pescado que se pode capturar
por viagem; Podem ainda, proibir a pesca em lagos onde os peixes
se reproduzem para povoar outros lagos na cheia, reservando estas
áreas para servir de criadouro natural. Os acordos também podem
estabelecer zonas de pesca, que podem ser: áreas de preservação
total, onde é proibido pescar; áreas de preservação temporária -
nesse caso, a pesca é permitida apenas durante uma parte do ano; e
também áreas de conservação. Aqui é muito importante a
participação da comunidade. Porque, nessas áreas, se pode
pescar com regras definidas antes. E quem define essas regras são
os comunitários, com os acordos de pesca (OVIEDO, 2003, p. 8,
9).
Os acordos de pesca promovem intercâmbios entre os pescadores de
diversos municípios, geram articulação entre as áreas de preservação do mesmo
município e os aproxima dos órgãos governamentais criando canais de participação
da população ribeirinha. Essas formas de participação dos ribeirinhos locais
tencionam a regulamentação dos recursos pesqueiros, restringem as capturas do
68
pescado na região tocantina que por sua vez está interligado a questões sociais,
econômicas das populações ribeirinhas do baixo Tocantins.
A Gestão Participativa da pesca que ora vem sendo implementada
pelo IBAMA, baseia-se nos acordos de pesca comunitários
realizados pelas comunidades ribeirinhas na tentativa de organizar a
pesca em seus respectivos lagos, a partir da intensificação das
atividades pesqueiras. Está fundamentada no documento
"Administração Participativa: Um desafio à Gestão Ambiental", e na
portaria nº07/96, do IBAMA. De acordo com os dados do próprio
IBAMA, os acordos de pesca na sua origem foram fomentados,
principalmente, pela Igreja Católica, através do Movimento de
Educação de Base (MEB) e do estabelecimento de Comunidades
Eclesiais de Base (CEB´s). Posteriormente, outras iniciativas
governamentais deram seqüência a esse processo. (ALMEIDA,
[2005 ou 2006] p. 09).
A partir da criação da associação do Jorocazinho de Baixo e da elaboração
dos acordos de pesca, os ribeirinhos da localidade organizaram-se para recuperar e
proteger o meio ambiente. Uma organização que permanece atenta e segundo o
comunitário, os acordos de pesca modificam-se conforme a necessidade da
comunidade. Os acordos realizados em 1993 sofreram algumas alterações. Muda de
acordo com a necessidade da população daqui”. (Comunitário E).
Mas ao questionar um ribeirinho se o papel da escola na educação
ambiental tem sido significativo, ele se refere à escola como uma instituição ausente
das discussões a ela pertinente, distante de cumprir seu papel de educadora do
meio ambiente. E acrescenta: “Se a escola cumprisse seu papel, seria maravilhoso
para nós e as futuras gerações”. (Comunitário D).
Quando a escola se ausenta de participar dos problemas sociais que
integram a realidade do ribeirinho, acaba revelando o lado da negligência dos
direitos à vida digna, expõe uma posição que se caracteriza expressivamente pelas
políticas hegemônicas de poder, que no baixo Tocantins foram marcadas pela
dominação das oligarquias rurais e em Cametá, atividade extrativista e da pesca
artesanal esteve sob a influência de grupos políticos locais que pressionavam o
ribeirinho a contrair dívidas pela compra de apetrechos de pesca. “A escola precisa
demonstrar a que veio e a serviço de quem está, disse uma mãe em conversa
informal realizada durante a pesquisa.
68
16
Conflitos ideológicos ocorrem em diferentes espaços sociais e na
Associação não é diferente. Algumas pessoas para compreenderem determinadas
“situações como verdades” precisam constatar os fatos. Neste sentido em acordo
com todos os moradores daquele rio, deixou-se de pescar por 90 dias no Corredor
do Batelão
12
. Entretanto, antes de completar o período exato, decidiram abrir a
pesca no local e capturaram mais de duas toneladas de peixe, foi quando a
confiança na preservação aumentou e, outros conflitos surgiram.
Contudo, a iniciativa de Jorocazinho de Baixo é um reflexo de que a
população amazônica tem demonstrado preocupação com os rios e a biodiversidade
da região, motivo pelo qual, através dos movimentos sociais tem pressionado o
governo brasileiro para aprovação de medidas que possam também regularizar
ações coletivas da população. É evidente que o governo reconhece sua
incapacidade de fiscalizar todo território aquático da Amazônia brasileira, e como
alternativa tem apoiado iniciativas de caráter organizativo e popular como os
acordos de pesca, aprovados pela Portaria n. 029, de 31 de dezembro de 2001.
Com essa normativa reconhecimento público e aparato legal dessa iniciativa
social, educativa e ambiental.
Com a Associação cadastrada em Belém, aumentaram as oportunidades de
aprovação de projetos de geração de trabalho e renda para as famílias ribeirinhas
junto ao Ministério do Meio Ambiente. O fato se efetivou por meio do Projeto
Demonstrativo (PDA) - que tem emitido apoio técnico e financeiro às comunidades
organizadas na região e no Jorocazinho o apoio tem se efetivado desde a formação
dos pequenos produtores familiares. E, no lócus desse estudo, foram
implementados os projetos: piscicultura em gaiola e poços, criação de aves,
construção de viveiro para o manejo florestal. Para 2008, está previsto a liberação
de recurso via Colônia Z-16 para criação de abelhas, que conta com experiência
profissional de um jovem, formado em técnico agrícola, cuja primeira etapa de sua
formação foi na Casa Familiar Rural de Cametá e a conclusão do ensino médio no
estado do Piauí; também faz parte desse projeto a construção da Casa do Mel, cuja
formação para os produtores está ocorrendo sob o gerenciamento de formadores
da Colônia de Pescadores Z-16.
12
Nome atribuído ao um poço ou bacia de reprodução, área de preservação do rio do Jorocazinho de
Baixo.
69
As Fotos 07 e 08 retratam a produção de mel na região das ilhas. Uma
demonstra a extração desse produto obtido a partir de um campo experimental de
criação de abelhas, um processo diferente demonstrado na segunda imagem que
Foto 07: O jovem com tabuletas de mel, ao lado da centrífuga de extração do produto.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, fevereiro de 2008.
Foto 08: Mel produzido sem a interferência humana. A extração é manual e preferencialmente
noturna.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro. Abril de 2008.
70
representa a extração do mel oriundo de uma produção própria da natureza. Para os
ribeirinhos a produção do mel é uma alternativa de trabalho e renda que está
surgindo. Mas, para fortalecer essa experiência na comunidade, necessitam passar
por um processo de formação, uma vez que, a produção de mel para
comercialização exige que se aprenda como aplicar essa atividade na região das
ilhas, visto que pelas imagens fotográficas identificamos duas formas diferenciadas
de produção do mel. Uma, a colméia realizou a produção do mel num período
prolongado, o que obviamente, não ocorre no primeiro caso. Para obter a produção
de mel visto na primeira fotografia, as colméias tiveram acompanhamento técnico e
produziram uma quantidade maior de mel, num período de curta duração, sem
perder a qualidade e ainda, obtivera maior produção, o que certamente, favorece a
comercialização do produto em maior quantidade.
A prática de experiências alternativas de trabalho e renda a partir da
natureza ampliaram-se com o processo de formação e participação dos ribeirinhos
em organizações de caráter religioso e estendeu-se para a criação de uma
associação de moradores vinculada às condições de sobrevivência humana e de
seus recursos naturais para adentrar posteriormente na organização cooperativista,
ou seja, a organização dos ribeirinhos em movimentos sociais não se limitou ao
campo religioso. Enfatizo esse aspecto, como um crescimento político e social
marcado por um currículo diferenciado existente dentro dos movimentos sociais do
campo que, como foi visto anteriormente, os influenciou partir para o enfrentamento
ou resistência aos diversos problemas, por meio da formação educativa de suas
organizações bastante presente em seus cursos, encontros, seminários, oficinas etc.
Para Molina e Jesus (2004, p. 22), os movimentos sociais são educativos e
estão provocando processos sociais de mudança na cultura do campo contribuindo
na transformação de um novo jeito de ser humano, bem como no modo de vida no
campo e ainda favorecendo para que se tenha outra compreensão da história e
ainda gere outras maneiras de pensar o trabalho do campo, respeitando as
especificidades locais e a biodiversidade nela existente. Uma situação bastante
interessante quando se identifica as práticas dos movimentos sociais do campo,
inclusive com as iniciativas cooperativistas em áreas ribeirinhas.
2.5.2 O cooperativismo na Ilha do Joroca
71
O cooperativismo ou Economia Solidária tem sido indicado por Singer
(2005, p. 14) como um modo de produção que torna possível a divisão da sociedade
em uma classe proprietária sem que exista uma classe de proprietários subalternos.
A ferramenta fundamental desse modelo econômico é a propriedade coletiva dos
meios sociais de produção (além da união em associações ou cooperativas dos
pequenos produtores). Num empreendimento solidário, “todos que nela trabalham
são seus donos por igual, ou seja, têm os mesmos direitos de decisão sobre o seu
destino. E todos os que detêm a propriedade da empresa necessariamente
trabalham nela”.
Nessa perspectiva, a cooperativa é considerada um tipo de economia
solidária, um empreendimento sem fins lucrativos de tal maneira que, a mesma é
isenta de impostos de renda. Numa cooperativa, o associado possui
responsabilidades coletivas e independentes do número de suas quotas, tendo
direito a único voto. Pode ainda participar de qualquer cargo de direção e usufruir
dos benefícios determinados pela organização cooperada. As relações sociais de
produção, no interior da Economia Solidária, pautam-se pela prática da democracia
na tomada de decisões”. (Idem, p. 14).
Uma cooperativa qualquer para funcionar pressupõe que os associados
entrem com um capital inicial que pode ser em moeda ou em produto, distribuído em
cotas partes. E à medida que vai crescendo o capital investido, a organização
deverá captar recursos para capitalização e ampliação das atividades. Para a
criação de uma cooperativa o necessários: reunir pessoas interessadas e com
objetivo comum, bem como realizar cursos de formação para orientação sobre o
funcionamento e a organização da cooperativa. Fazer um estudo da viabilidade
econômica e estrutural com intuito de identificar se a realidade da região tem
condições de garantir os anseios dos cooperados e quais seriam outras
possibilidades de avanço.
Para a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Pará/Amapá
(Fetagri/PA/AP) (1998), uma cooperativa necessita:
Conhecer a realidade da região, definir os objetivos da cooperativa,
os dados sobre a produção, dados sobre as operações efetuadas
pelos sócios, disponibilidade de recursos humanos, orçamentos de
72
custos e receitas, financiamentos, investimentos e condições de
mercado. (p. 10).
Esses o elementos relevantes para o desenvolvimento de uma
organização de caráter social, econômico, coletivo, como as cooperativas que vem
transformando a situação de alguns grupos e no caso da comunidade Jorocazinho
este movimento se constituiu após a materialização da associação; tem recebido
apoio de Projetos Demonstrativos PDA, da Colônia Z-16, que tem contribuído com
o grupo por intermédio dos diferentes cursos de formação ambiental bem como,
voltados para o cooperativismo, entre outros.
As práticas educativas vivenciadas nesta formação têm proporcionado
apropriação de conhecimentos baseados em outro paradigma curricular, pautado
numa fundamentação teórica que propicia a organização coletiva como indicativo
primordial para estruturação econômica política e social das famílias ribeirinhas. Isso
evidentemente é gerado por meio de um processo de interação dos sujeitos do
campo, com essa outra dimensão pedagógica. Essa dimensão pedagógica tem
fortalecido e incentivado as perspectivas dos ribeirinhos com aprendizagem mediada
pelo diálogo entre os que aprendem e os que ensinam.
A consciência gerada pela participação num movimento social leva ao
reconhecimento das condições de vida de parcelas da população, no presente e no
passado. Os cursos, encontros e seminários contribuem para formação desta visão
que historiciza os problemas (GOHN, 2005, p. 20).
A cooperativa no Jorocazinho nasceu do processo educativo provocado no
interior da Associação e na sua formação que conjuntamente com outras
associações se organizaram para criação de uma instituição que viabilizasse a
comercialização de sua produção. Ao fundar a cooperativa se depararam com
dificuldades em relação à documentação, mas a parceria com o Instituto de
Desenvolvimento Ambiental Sustentável - IDEAS
13
contribuiu para legalização e o
assessoramento técnico do grupo.
Em decorrência da articulação com organizações não governamentais e
governamentais, o grupo conseguiu não somente aprovações de projetos, mas
13
Uma organização não governamental de apoio e assessoramento as iniciativas de trabalho e renda
dos ribeirinhos.
73
também, muitos cursos de formação dentre os quais uns foram, financiados pelo
PDA, conforme expõe uma representante da cooperativa:
Fizemos cursos na teoria e na prática sobre os projetos financiados
pelo PDA, é o maior, muito grande [...] faz parte da cooperativa no
qual a gente vai fazer seis anos e nosso objetivo é colocar setenta
mil mudas no reflorestamento da nossa Ilha; tem também apicultura
e agora entramos no programa do governo federal, com o projeto da
casa própria [...] conseguimos através da coorporativa [...] quem
buscou esse assentamento foi nossa cooperativa. (Comunitário).
Para concretização dos cursos de formação, os técnicos da Colônia dos
Pescadores de Cametá Z 16, por exemplo, organizam reuniões para articular o
estudo dentro das necessidades de um determinado grupo, elaboram a pauta de
interesses coletivos e depois, organizam o planejamento da formação e o material
que fundamentará a discussão teórica do estudo que efetivamente são
referenciados por uma concepção pedagógica (geralmente muito participativa) em
um currículo com suporte teórico/prático que possibilita desenvolver uma ação
pedagógica acessível à compreensão dos participantes do curso, no campo da
piscicultura, apicultura e outros.
Essa prática educativa é relevante e foi a forma na qual a comunidade
Jorocazinho de Baixo foi construído suas experiências organizacionais e está
atualmente inserida na cooperativa denominada Cooperativa Agroextrativista dos
Produtores de Cametá (Coopacam) composta por pequenos produtores que
comercializam o açaí (Euterpe oleracea) com a cooperativa de Tomé Açu. E no ano
de 2007 forneceram aproximadamente 28 toneladas desse fruto. Esses produtores
utilizam técnicas apropriadas para a colheita do produto na floresta e para
armazenamento antes de ser entregue à empresa que, segundo os associados, lhes
paga no valor de mercado. Esse modelo de atividade gerou-se pelas relações
educativas e sociais que ultrapassam as fronteiras territoriais demarcadas pela visão
economicista, como expressa o autor:
Produzir é gerar relações sociais de produção. A produção
comunitária, portanto, “supõe” uma intencionalidade e um modelo
social de desenvolvimento. O desenvolvimento não é tão somente
um fenômeno econômico e sim um aspecto de criação contínua do
homem em todas as suas dimensões, desde o crescimento
74
econômico até a concepção do sentido, dos valores e metas na vida
(GUTIÉRREZ, 2005, p. 28).
O desenvolvimento é uma construção socialmente educativa e produtiva
que se dá não somente pela atividade produtiva e pela práxis em que essa atividade
assume, mas na forma dinâmica e criativa cujos sujeitos sociais constroem sua
história. Essa é a dimensão educativa proporcionada pelos movimentos sociais do
campo, que por meio do acúmulo de experiência resgata o imaginário coletivo dos
cooperados transformados pela força coletiva organizada. Em outras palavras o
desenvolvimento social de determinado meio de produção, se fortalece pelas
aprendizagens adquiridas no interior dessas organizações.
Para Gohn (2005, p. 52) dentro dos movimentos sociais gestam-se
diferentes manifestações de domínio educacional e os mais relevantes destes é a
natureza das relações sociais, que trata não apenas da aprendizagem individual,
mas também do processo de politização do sujeito pelo plano coletivo. Isso aparece
claro no depoimento do entrevistado, membro da diretoria da cooperativa que
retrata:
Tem gente que pensa que a gente tem que se organizar somente
quando pega no lucro. Muita gente que era contra a preservação,
hoje está ficando do nosso lado porque estão vendo que vai ser
beneficiado não somente uma pessoa. Na organização todos vão
ser beneficiados. Quando eu vendo o peixe num valor x, outro vende
no mesmo preço; quando recebo vinte quilos de peixe o outro
recebe a mesma quantidade. Tem comunidades aqui perto que
devido sua organização estão bem melhor de vida. (Comunitário D).
O processo da organização em movimentos sociais possibilitou maior
politização entre a população ribeirinha e pode ser considerada uma forma de
resistência às alterações sofridas nas relações de exploração, em decorrência de
um “processo econômico e político que provocou rápida modernização na
agricultura” (GRZYBOWSKI p. 290). E conseqüentemente se aprofundou com a
reprodução das desigualdades sociais nas regiões do país e em Cametá, para os
ribeirinhos considerados extrativistas e não produtores agrícolas, as conseqüências
do processo de modernização da agricultura se intensificaram.
75
No tocante a essa questão, vale ressaltar que as cooperativas surgem
mediante as duras condições sociais e econômicas nas quais esses trabalhadores
do campo vêm historicamente vivenciando no seu cotidiano. Como expressaram os
entrevistados anteriormente, a cooperativa lhes proporcionou diversos benefícios
entre os quais, está à conquista das propriedades como área de assentamentos em
comunidades ribeirinhas.
Esse fato ocorreu na quinta-feira, 10 de abril de 2008 quando a
Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária
publicou no Diário Oficial da União as Portarias de 13 projetos agroextrativistas para
região das ilhas do município de Cametá, em andamento desde 2007 e em nota
divulgam: “Criados assentamentos agroextrativistas em Cametá/PA”. No texto
descrevem que esses projetos garantem à região das ilhas: a posse de terras, infra-
estrutura, créditos para produção agrícola e extrativista. Segundo a instituição cerca
de R$ 20,8 milhões estão sendo empenhados pelo órgão fundiário federal para a
concessão dos créditos, que permitirão a construção de casas próprias e a aquisição
de materiais de apoio à produção para os novos trabalhadores assentados.
A Tabela 04, divulgada pela Superintendência Regional do Instituto Nacional
de Colonização de Reforma Agrária de Belém, fornece informações referentes a
nome das ilhas, a área de abrangência dos assentamentos ribeirinhos e o número
de famílias a serem atendidas nos projetos. Conforme expressa o texto da tabela
fornecida pelo INCRA, esses projetos foram criados desde final de setembro de
2006, pela Portaria MDA/Nº. 69, de 19.10.2006 e publicada no Diário Oficial da
União em 20.10.2006 no qual se inserem no II Plano Nacional de Reforma Agrária
para as populações ribeirinhas tradicionais. São 13 projetos de assentamento agro-
extrativista aprovados para o município de Cametá entre os quais está o da Ilha de
Joroca, situada no item três, quando conferido de cima para baixo na tabela.
76
Tabela 04: Projetos de Assentamento Agroextrativista criados em Cametá,
ano 2006.
Ilhas
Área
(hectares)
Famílias
beneficiadas
Grande Cametá
7.628
651,00
Cuxipiari
3.786
522,00
Joroca
2.324
413,00
Manoel Raimundo
1.174
324,00
Cacoal
520
188,00
Jaituba
976
142,00
Jaracuera
825
135,00
Jacaré Xingu
960
103,00
Guajará
490
92,00
Mapeuá
413
80,00
Moiraba
267
65,00
Tabatinga do
Carapajó
541
58,00
Total
19.904
2.773,00
Fonte: INCRA Pará.
Em entrevista, um dos sujeitos da pesquisa, relata que para serem
beneficiados com o projeto da casa própria a cooperativa reuniu as cinco
associações em assembléia geral para que o INCRA pudesse esclarecer sobre a
finalidade do projeto. Compareceram mais de mil pessoas. Mas, um evento que
tinha por finalidade a política organizativa, naquele dia se tornou espaço de disputa
de política eleitoral com a presença de alguns candidatos à eleição, um fato que
fugiu ao controle da cooperativa. Importunou alguns presentes que se retiraram
desacreditando na possibilidade de inserção ao projeto.
A política partidária está em todos os espaços ainda que não explicitamente.
A direção da cooperativa compreende o caso, mas entende que não deveria ser o
momento propício para manifestação político-partidária e explicitam sobre o ocorrido
com lastimação. “De um ponto de vista político, a maior importância dos movimentos
populares rurais reside no que ele significa de mudança de um padrão de ação dos
trabalhadores rurais e das comunidades em que vivem” (GRZYBOWSKI, 2004, p.
292). Isso significa que é necessário mudar também o jeito de fazer política
partidária dentro das organizações sociais e não com os mesmos parâmetros das
velhas oligarquias que outrora se criticou.
77
Não se descarta que o movimento social tenha um caráter político que
inclusive tem historicamente abalado às estruturas dominantes e elitistas como
também não se pode negar a sua influência, sobretudo nos partidos políticos de
esquerda, mas como retrata GrzybowskI (2004, p. 292) existe uma crise dentro dos
movimentos sociais que é a crise gestada pelo próprio projeto que os animou a
chegar até aqui. Entretanto, a crise está não somente dentro das entidades que
representam os trabalhadores do campo, evidencia-se também na esfera
governamental e outras instâncias em virtude dos novos valores éticos disponíveis
na sociedade atual. Contudo ele aborda:
O certo é que os trabalhadores rurais que participam dos
movimentos sociais até aqui operaram mudanças de particular
importância para eles mesmos. Trata-se de mudança político-cultural
que resgatou a dignidade de muitos, apesar da pobreza a que foram
relegados. Aos movimentos sociais rurais em gestão na atual
conjuntura impõe-se a tarefa de dar continuidade a este processo
educativo, de aprendizado da cidadania (Idem, 2004, p. 293).
Este processo educativo de que fala o autor, se refere à formação originada
no próprio movimento social, que gradativamente vem crescendo dentro do cenário
brasileiro e incorporando à sociedade contemporânea experiências educacionais
fora dos padrões de ensino das instituições escolares, mais articuladas no sentido
de estabelecer conexão entre os princípios educativos do movimento e os interesses
coletivos.
Ao que tudo indica, essa é a referência na qual, ações são desenvolvidas na
cooperativa, a exemplo da casa própria quando em março de 2007 realizam o
mapeamento da ilha com o INCRA e em conjunto com os beneficiados e outras
instituições governamentais e não governamentais elaboraram e aprovaram o
documento que retrata sobre o Plano de Uso do Projeto Agro-extrativista do Joroca,
que normalizou a área de Assentamento e a utilização dos recursos naturais para
moradores e pescadores externos.
O documento dispõe de algumas normas que regularizam as ações
humanas em relação àquela área de assentamento dentre os quais se descreveu a
finalidade do projeto como um guia a nortear as atividades dos moradores dentro de
critérios de sustentabilidade econômica, ecológica e social. Como filosofia e
78
estratégia produtiva destacam uma combinação de fontes produtivas de base
ecológica que permita a sobrevivência dos moradores sem a destruição da natureza.
E no que se refere à titulação das propriedades assim descreve o texto:
Não hátulos individuais de terra, mas concessões de uso que
legalizam a ocupação tradicional dos moradores em propriedades.
Conseqüentemente comercialização de terras com pessoas
estranhas ao projeto é proibida, sendo que a cessão de benfeitorias
entre os beneficiários poderá ocorrer, desde que com a
intermediação da associação (BENEFICIÁRIOS, et al., 2007, p. 3).
Para os ribeirinhos esta foi uma de suas maiores conquistas. Pois, há
muitos anos residem em propriedades não demarcadas, sem legitimação de posse,
que possibilitasse adquirir outros benefícios para investimento na produção. A
reforma agrária era uma perspectiva dos ribeirinhos. É uma reforma agrária tardia,
porém necessária. É uma discussão que tem norteado os debates dos movimentos
sociais do campo em todo país. Pois, eles sabem muito bem da importância de estar
em uma propriedade regularizada. E têm conhecimento das inúmeras possibilidades
para os pequenos e médios produtores agrícolas.
É preciso avançar na prática de execução do Plano Nacional de Reforma
Agrária e assumir uma postura crítica e política em relação à função social destinado
aos imóveis rurais ribeirinhos para reforma agrária em virtude de que, o princípio
fundamental para direcionamento de uma política agrária alternativa para Amazônia
ribeirinha necessita realmente ser bem programado e projetado tendo em vista a
sobrevivência ambientalmente sustentável das populações e da biodiversidade
natural. Em vista disso, retrata Francisco G. Neto:
Quanto à Amazônia propriamente dita, a ação fundiária correta
consiste nos assentamentos extrativistas, oriundos da
desapropriação de seringais ou de glebas de terras adquiridas com
fins meramente especulativos. Em tais reservas não se permite a
divisão da propriedade rural, apenas regulariza a posse e a
exploração auto sustentada da floresta. Fora disso o governo deve
impedir, a qualquer custo à ocupação do solo amazônico,
preservando nossa maior riqueza natural. (2004, p. 251).
79
Em outras palavras, o que foi exposto por Francisco Neto, é o que rege o
Plano de Uso da Ilha do Joroca. O documento demarca quatro itens referentes às
formas de intervenção na área das ilhas onde é demonstrado como pode ser
executada a exploração agroextrativista, a fauna, a pecuária e subsolo. Ainda se
dispõe a forma de fiscalização e a penalidade para os que deixarem de cumprir com
seus deveres diante das obrigações relativas à área da ilha do Joroca.
Com isso identificamos que a função dos movimentos sociais no Brasil tem
sido a da resistência que se fortalece pelas lutas na qual se reivindica políticas
públicas de interesse coletivo como, por exemplo, o movimento de mulheres que
historicamente tem conquistado diversos espaços na sociedade brasileira, graças a
sua organização; e naquela localidade elas têm assumido a coordenação
comunitária, estão na direção da cooperativa, participam da comercialização do açaí
e desenvolvem diversas práticas de artesanato cuja matéria prima é retirada da
floresta ou do rio e esta produção, também é comercializada.
Os produtos extrativistas da ilha do Joroca têm interessado não somente à
cooperativa de Tomé Açu, mas os atravessadores e ao que tudo indica uma
empresa multinacional parecia ser outra interessada nos produtos agroextrativistas
da localidade, posto que, durante a primeira semana de abril de 2008, estando em
Jorocazinho de Baixo fui convidada a participar de uma reunião na comunidade
organizada pela equipe do Centro Miriti, uma organização não governamental que
desenvolve ações com o movimento de mulheres do município e na ocasião haviam
solicitado uma reunião com o grupo de mulheres daquela localidade.
A finalidade da reuno era apresentar um grupo de pessoas da empresa
multinacional ao movimento de mulheres para que dialogasse sobre a produção, a
colheita dos produtos locais tais como açaí, taperebá, o mel de abelha, entre outros.
A empresa esteve representada por seis pessoas de São Paulo em uma reunião
com o movimento de mulheres e outros integrantes da comunidade, com o intuito de
“conhecer” diretamente os produtores amazônidas ribeirinhos, a forma de coletar os
produtos agro-extrativistas, as possibilidades de produção, os tipos de produtos
locais, entre outros. E quando questionados pelos participantes da comunidade
Jorocazinho de Baixo, sobre qual interesse da empresa, um representante da
instituição, assim expressou: A empresa tem interesse em comercializar seus
produtos com frutas amazônicas como: o açaí, buriti, cupu, taperebá, entre outros. A
nossa finalidade aqui é conhecer as capacidades produtivas da comunidade”.
80
Com isso, se observou que os participantes da comunidade, estavam
interessados em compreender os propósitos da empresa bem como que
contribuições sociais poderiam ser viabilizadas para a população local, como
prevenção de uma possível negociação futura. Isso resulta do processo de
conscientização de seus direitos coletivamente adquiridos por meio do
conhecimento vivenciado no envolvimento com as organizações sociais e da
experiência de exploração do trabalho humano e de suas riquezas naturais a que o
povo amazônico vem sofrendo no processo histórico social.
Cametá, como os demais municípios do nordeste paraense, vem
historicamente sendo influenciado por ameaças externas de comercialização de
produtos como borracha, ucuúba, andiroba, o palmito do açaizeiro, enfraquecendo a
floresta e empobrecendo a população ribeirinha. Com a construção da hidrelétrica
de Tucuruí ocorreram inúmeros impactos ambientais provenientes da área florestal
submersa que ao entrar em decomposição liberou gás metano e o óxido de enxofre,
tornando a água acida. A acidez e a proliferação das algas alteraram os aspectos
físicos e químicos da água, provocando impactos na reprodução de algumas
espécies e o desaparecimento de outras. (COLÔNIA DOS PESCADORES Z 16,
2003, p. 12).
Para Gilson Costa (2006) a situação do campo no baixo Tocantins se
agravou com o aparecimento dos grandes projetos como a instalação da Hidrelétrica
de Tucuruí (UHT), o pólo industrial minero metalúrgico da Vila do Conde, a Albras e
Alunorte, no município de Barcarena, pertencente à Companhia Vale do Rio Doce
(CVRD) assim como as demais empresas periféricas a estas que juntas constituem-
se um enclave na região. É fundamental explicitar que esses projetos transformaram
não somente a paisagem geográfica do baixo Tocantins, mas eventualmente a
situação econômica, cultural, social e ambiental dos municípios localizados nas
proximidades destes projetos. Para o autor, “Cametá por estar no centro dos dois
projetos (Tucuruí e Barcarena) vem sofrendo graves conseqüências” (2006, p. 157).
Uma dessas conseqüências é o desaparecimento de espécies da flora nativa como
os cacaueiros e, no decorrer da pesquisa no Jorocazinho, esse problema foi
novamente enfatizado por uma moradora ribeirinha que assim explicita-se: “aqui
antigamente tinha muito cacaueiro, a gente tirava a semente e fazia muito chocolate
e ase vendia muito pros comerciantes. Agora desapareceu tudo. É mais difícil ver
essa planta”. (Comunitária A). O mapará, um dos principais alimentos da população
81
do município, foi outra espécie bastante afetada pela ausência de fito e zooplâncton
um componente básico na alimentação dessa espécie. (COLÔNIA DOS
PESCADORES Z 16, 2003, p. 12).
Outro elemento destacado pelos ribeirinhos diz respeito à redução dos
componentes nutricionais da várzea que vem afetando diversas plantações,
especialmente a produção dos açaizais. A partir da participação nos cursos de
formação em movimentos sociais do campo em particular na Colônia Z-16 e no
Sindicato dos Trabalhadores Rurais, outras iniciativas vêm sendo tomadas em
função da sobrevivência humana e dos recursos naturais.
Essas conseqüências nos fazem refletir sobre a importância da Reforma
Agrária e a elaboração coletiva do Plano de Uso Agroextrativista para os projetos de
assentamento ribeirinho para que se possa efetivar outro direcionamento em relação
às políticas públicas locais do povo amazônico. E neste caso, a casa própria tem se
constituído uma referência de significação para muitas famílias de baixa renda que
residiam em espaços ribeirinhos com precárias condições infra-estruturais.
Nesse sentido a cooperativa tem se empenhado em auxiliar as famílias
beneficiadas pela construção da casa própria realizando constantes reuniões para
orientação desde a importância do comparecimento para a entrevista com o INCRA,
o preenchimento do cadastro, negociação com a construtora da casa própria para
que o serviço seja realizado pelos carpinteiros ribeirinhos locais, e, que a compra do
fomento seja efetivado em comércio regularmente cadastrado na cidade de Cametá.
Estão cadastradas para o projeto da casa própria na área de assentamento
Ilha do Joroca, 413 famílias. A quantidade de famílias beneficiadas inicialmente são
um total de 150 que serão atendidas. A estimativa inicial de 60 casas e
posteriormente outras 90. Cada casa custa o valor de sete mil reais, acrescido de
dois mil reais para o fomento, a um custo total de nove mil reais.
82
Foto 09: Casa construída pelo projeto de assentamento de Reforma Agrária para áreas
agroextrativistas em Cametá/PA.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, fevereiro de 2008.
Como na maioria dos projetos de casas populares financiados pelo governo,
as casas próprias das áreas de assentamentos ribeirinhos, são construções
idênticas de madeira compostas de uma sala, um quarto e uma cozinha. O recurso
destinado ao fomento possibilitou aos beneficiados adquirirem não os produtos
alimentícios, como também: freezer, máquina de açaí, motores para o transporte,
instrumentos para pesca, fogão, botijão a gás, panelas e etc., conforme a imagem
fotográfica a seguir se constata bens materiais resultantes do recurso destinado às
famílias ribeirinhas e na ocasião estava sobre a coordenação da cooperativa.
83
Foto 10: Os ribeirinhos e alguns materiais adquiridos pelo recurso do projeto de assentamento.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, fevereiro de 2008.
Com isso compreende-se que a cooperativa em áreas ribeirinhas assume
também outras funções sociais, em benefício da população local motivo pelos quais
alguns pesquisadores têm concebido a cooperativa com uma ferramenta
articuladora, pautada em interesses fundamentados nos princípios de uma economia
solidária.
A Economia Solidária foi concebida como um modo de produção
que tornasse impossível a divisão da sociedade em uma classe
proprietária dominante e uma classe sem propriedade subalterna.
Sua pedra de toque é a propriedade coletiva dos meios sociais de
produção (além da união em associações ou cooperativas dos
pequenos produtores). (SINGER, 2005, p. 14).
A cooperativa da Ilha do Joroca reúne associações de várias localidades,
devido sua ocupação estar centrada na produção e comercialização do açaí. A sua
preocupação prioritária é a organização dos associados em prol de uma economia
solidária o qual compartilham despesas, lucros e trabalho. Essa forma de
organização para o trabalho difere da que é vivenciada na empresa capitalista,
posto que, na empresa, os trabalhadores direcionam seus esforços para
potencializar os lucros dos proprietários e as relações de produção são autoritárias
84
e os lucros não são compartilhados, mas as despesas, às vezes, são dividas entre
os trabalhadores. (Ibid, 2005, p.14).
Então, a partir desse panorama é possível estabelecer uma compreensão
sobre como se organizam os ribeirinhos inseridos no contexto da comunidade
Jorocazinho de Baixo e perceber que a materialização dos direitos sociais por
intermédio das políticas públicas, não são dádivas que caem do céu. São resultados
de lutas por políticas blicas, haja vista que, lutar por políticas públicas significa
lutar pelo alargamento da esfera pública; em defesa dos direitos outrora abstratos e
negados, para efetivação de direitos concretos. (MOLINA, 2008, p. 27). E um,
desses direitos a que as populações do campo têm labutado, diz respeito à
educação como “uma das dimensões fundamentais para o desenvolvimento
territorial”. (FERNANDES, 2008, p. 41).
2.6 Como se configura a educação ribeirinha e multisseriada em Cametá
A educação é uma característica inerente aos seres humanos e constituiu-
se como elemento fundamental na construção de instrumentos e técnicas que
possibilitaram durante o percurso histórico, a garantia da sobrevivência humana,
caracterizada pela relação entre o trabalho e a natureza. Nesse sentido,
identificamos um homem que cria e recria um sujeito dinâmico, que produz e
transforma a cultura. Na construção do pensamento de Paulo Freire, encontram-se a
afirmação de que “a educação é possível para o homem, porque este é inacabado e
sabe-se inacabado” (2007, p. 27 e 28). É um ser que tem convicção de sua
incompletude e tem consciência de suas limitações. Essa situação não é diferente
entre a população da comunidade em estudo.
A comunidade Jorocazinho de Baixo possui uma identidade educacional
com características relevantes que atravessam todo um cenário histórico-sócio-
cultural e está enraizada na forma de vida que a comunidade vem traçando no
tempo e no espaço das lutas organizadas pela sobrevivência. Isso é notório na
formação educativa dos sujeitos sociais envolvidos nas organizações e ao mesmo
tempo nas ações desenvolvidas pela participação nos movimentos sociais do
campo, seja este de caráter religioso, associativista ou cooperativista, na qual as
85
famílias ribeirinhas se inserem, na busca por políticas blicas dignas para o campo
ribeirinho.
Entretanto, a matriz educativa existente dentro da conjuntura dos
movimentos sociais, no qual a comunidade participa, difere dos processos
educativos vivenciados nas instituições escolares presentes naquele espaço
geográfico que como fora mencionado são constituídos de quatro escolas dentre as
quais, três são multisseriadas, sendo que duas, surgiram recentemente e a outra é a
mais antiga da localidade, pertencia à rede estadual de ensino antes do processo de
municipalização, e constitui o foco desse estudo.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Jorocazinho como mais antiga
da comunidade, tem aproximadamente quarenta anos e ao observarmos a imagem
fotográfica número 11, identifica-se seu antigo prédio escolar com uma estrutura
desgastada e sem condições de funcionamento. Este prédio localizava-se ao lado
da residência da atual professora e não apresentava a mínima segurança por ser
uma construção de madeira antiga e segundo informações da educadora, desde o
ano de 2000, não sofrera nenhuma reforma em sua estrutura física.
Por conta desses problemas, a escola passou a funcionar na residência da
professora e, mesmo não sendo um espaço propício ao ensino, as crianças não
corria o perigo de ver a estrutura de um prédio escolar, desabar sobre suas cabeças.
E mesmo em condições de precariedade a escola funcionou na casa da docente até
o final do primeiro semestre de 2008, em um espaço impróprio, para o ensino de
crianças e adolescentes da educação infantil, educação especial e das séries iniciais
do ensino fundamental.
87
Foto 11: Antigo prédio escolar.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, fevereiro de 2008.
A precariedade na escola ribeirinha multisseriada é visível não apenas na
estrutura inadequada dos prédios das escolas, mas na ausência de materiais de
incentivo a leitura, áreas de recreação, brinquedos e especialmente carteiras
suficientes para todos os alunos, entre outros. Pois, segundo informações da
docente, realizada no final de 2007, muitos estudantes sentavam ou deitavam no
assoalho para escrever. E na ocasião (início da pesquisa) havia um quadro de giz
razoavelmente conservado, uma estante com livros didáticos, sobras de materiais
pedagógicos como: giz de cera e lápis de cor. Numa outra estante (própria da casa
da professora) havia novos materiais adquiridos com recurso do Programa Dinheiro
Diretos na Escola - PDDE
14
, tais como: giz de cera, lápis de cor, cola branca, tintas
coloridas que seria utilizado coletivamente pelas crianças e adolescentes no novo
ano letivo.
14
Um programa criado pela Resolução nº. 12 de 10 de maio de 1995, com o nome Programa de
desenvolvimento do Ensino Fundamental. Posteriormente passou a se chamar PDDE com a edição
da medida provisória nº. 2.178-36 de 24 de agosto de 2001. Sua finalidade é prestar assistência
financeira, em caráter suplementar, as escolas públicas de Ensino Fundamental das redes estaduais,
municipais e do Distrito Federal e as escolas privadas de educação especial mantidas por entidades,
sem fins lucrativos, registradas no Conselho Nacional de assistência Social como beneficentes de
assistência social, ou outras similares de atendimento direto e gratuito ao público. O recurso do
programa é transferido de acordo com o número de alunos extraídos do censo escolar do ano
anterior, e destinam-se a despesas de custeio, manutenção e pequenos investimentos. (BRASIL,
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2008, p. 01).
88
Nessa escola, ainda não há, água encanada e energia elétrica. Quando
merenda escolar à professora acorda às cinco horas da manhã para deixar a
merenda pronta, antes do início das aulas, que deveria ocorrer num período de
quatro horas de aulas por turno. Um fato que não aconteceu em nenhum dia durante
a pesquisa e tem agradado e desagradado alguns pais.
A docente é também a responsável pela limpeza da escola, pela matrícula e
preenchimento de notas nos boletins, responde por todo e qualquer problema da
escola, com uma única diferença: não pode assinar nenhum documento escolar do
alunado, pois, o mesmo é responsabilidade de outra escola que fica localizada na
cidade de Cametá, a Escola Dom Romualdo Coelho. Este fato decorre da Resolução
Estadual, nº. 813 de 11.12. 2000 que regulamenta a nucleação das escolas do
campo no Pará, bem como a organização da documentação escolar do alunado da
multissérie. E de acordo com o texto escrito no documento, assim se referem às
escolas anexas ou multisseriadas:
Art. - O sistema de nucleação ou de Escolas Anexas consiste
em um conjunto de escolas localizadas na capital ou em municípios
do Interior do estado, que funcionam sob a responsabilidade
administrativa de uma mesma mantenedora e vinculada
pedagógica e tecnicamente a uma Escola de onde emanam as
diretrizes curriculares e normativas gerais.
Art. - As escolas Anexas poderão funcionar com sua
determinação original ou com a mesma denominação da escola
matriz devendo ser acrescentada aos nomes dos Anexos a
localidade na qual se situa (CEE, 2000, p. 106).
No Regimento Unificado das Escolas Municipais de Cametá, essa idéia de
Escola Anexa está retratada no artigo que se reportam as atribuições do diretor:
Art. 7º - Compete ao diretor:
XII Enviar relatório de aproveitamento anual dos alunos de
Unidade Educativa e Escolas Anexas ao setor competente no
prazo de (90) dias após o termino do ano letivo.
XIX Garantir condições para que os arquivos da Unidade
Educativa e Escolas Anexas estejam atualizados e bem
conservados. (CAMETÁ, Secretaria de Educação, 2005, p. 4).
89
Ao observar o documento do estado, no qual se baseia o município de
Cametá, identificou-se que, pelo desdobramento dessa lei regimental, o Pará
considera as escolas multisseriadas como Escolas Anexas a uma unidade escolar
com suporte técnico e administrativo. Essa consideração se materializa ao analisar
o Regimento Unificado das Escolas Municipais de Cametá, entre os nove títulos e
os cento e vinte artigos nele descritos, encontram-se o artigo supracitado a
expressão textual do termo adotado pelo estado.
Constatou-se este fato na observação de um boletim e o histórico escolar de
uma aluna que passou para a série e não aparecia na sua documentação escolar
o nome da escola de origem rural ribeirinha na qual ela havia estudado durante as
séries iniciais do Ensino Fundamental e menos ainda o nome de sua professora,
mas sim, o da diretora da EMEF Dom Romualdo Coelho.
Outra questão observada no final de 2007, diz respeito ao calendário
escolar, naquele ano era único para todas as escolas do município e nele estavam
distribuídas todas as atividades pedagógicas, as comemorações nas quais as
escolas deveriam cumprir. Dessa forma, ao analisar o calendário identificou-se o
desconhecimento da Secretaria de Educação e da docente, em relação às Diretrizes
Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo, aprovada em abril de
2002, que no artigo 7º, retrata:
É de responsabilidade dos respectivos sistemas de ensino, por meio
de seus órgãos normativos, regulamentar as estratégias específicas
de atendimento escolar do campo e a flexibilização da organização
do calendário escolar, salvaguardando, nos diversos espaços
pedagógicos, os princípios de política de igualdade. § O ano
letivo, observado o disposto nos arts. 23, 24, 28 da LDB, poderá ser
estruturado independentemente do ano civil (Brasil, Ministério da
Educação, 2002, p. 39).
Mesmo com a aprovação de documentos que orientam a elaboração de um
calendário escolar adequado à realidade do campo, isso ainda não se consolidou na
prática pedagógica da educação do campo no município de Cametá, pois se
construiu um calendário escolar único para a realidade urbana e rural
desrespeitando a legislação e as especificidades das áreas rurais ribeirinhas.
Para Ilma Passos (1975), o calendário escolar é um instrumento pedagógico
que permite à organização do tempo escolar no qual pode hierarquizar e ritualizar as
90
relações sociais, impedindo outras possibilidades de integração do currículo. Daí a
necessidade de reformular o tempo escolar, “estabelecendo períodos de estudos e
reflexão das equipes de educadores, fortalecendo a escola como instância de
educação continuada” (p. 30), e de um currículo que estabeleça uma relação
intrínseca com o tempo escolar da comunidade ribeirinha que por sua vez possui um
tempo próprio, que varia de acordo com as marés do rio que enche e vaza.
Essa escola ribeirinha multisseriada vem se mantendo com o recurso do
Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, que chegou ao final de 2007. Ele é
utilizado para compras de materiais pedagógicos do ano seguinte. E o valor recebido
naquele período, equivaleu a R$: 900,00 (novecentos reais). Veio por meio de outra
escola da comunidade, a EMEF Dulce Ferreira Pacheco, uma escola nucleada
(criada para agregar todos os alunos das localidades próximas e funcionar no
sistema de seriação) responsável em receber e prestar contas. E a função do
recurso é somente para compras de material escolar que tem auxiliado a prática
docente durante o ano letivo em atividades de colagem, pintura, confecção de
cartazes e recursos pedagógicos (fichas de leitura, sílabas móveis, jogos
pedagógicos, etc.) e, de acordo com o pensamento da professora, a escola não
recebe outra contribuição financeira ou material. Essas são algumas características
de como se configura a educação ribeirinha no nosso município, particularmente nas
escolas multisseriadas.
2.6.1 A organização do espaço pedagógico na escola ribeirinha
Seria incoerente discorrer a tessitura textual de um contexto pedagógico
sem mencionar os problemas relacionados às questões financeiras e de infra-
estrutura física e material da escola ribeirinha. Nesse sentido, afirmamos que se
trata de um estudo numa escola multisseriada cercada pelas águas do rio Tocantins
situado na comunidade Jorocazinho de Baixo, município de Cametá, Pará.
Atualmente registrada como Escola Municipal de Ensino Fundamental Jorocazinho
foi fundada desde 1964, no governo Manoel Barata, pertencia ao Estado e durante
alguns anos lhe atribuiu o nome de Nazaré Ferreira em homenagem a professora
pioneira que havia trabalhado naquela escola.
91
Em face da implementação do processo de municipalização do ensino,
ocorrido no final de 2000, na gestão do governo municipal Emmanuel Cunha, as
escolas estaduais passaram a ser gerenciadas pela administração pública municipal.
E, um dos entendimentos que existem sobre “a municipalização é certamente, a
transferência de encargos de uma esfera para a outra” (OLIVEIRA, 2007, p.177),
algo que realmente ocorrera com a educação municipalizada em Cametá.
No inicio da pesquisa encontrou-se a estrutura de um prédio escolar,
abandonado por conta da insegurança presente em sua estrutura física. Constatou-
se também através do testemunho de alguns pais da escola, que a comunidade
escolar tem reivindicado reforma da estrutura do prédio junto ao governo municipal
desde a gestão de 2000, mas nada foi realizado.
Foto 12: Prédio escolar em construção.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
Assim, por conta do descaso das administrações públicas municipais, as
famílias atendidas pela escola reuniram-se com a professora e resolveram organizar
rifas, bingos para arrecadar recursos financeiros para compra da madeira, (inclusive
participei e acompanhei um destes momentos) e na última vez que estive no local,
haviam realizado um mutirão com os pais de alunos para afincar os esteios de
madeira para construção do novo prédio escolar. Por conseguinte, essa constatação
pode ser confirmada na imagem acima e, enquanto a construção não finalizou, a
92
escola funcionou em dois compartimentos da residência da professora: a sala da
frente e uma anti-sala (espaço onde é servida a merenda). A escola tem como
trapiche, troncos de dois buritizeiros (na região conhecido como miritizeiro) que
flutuam quando a maré está cheia. A escola está coberta de telhas de barro, sua
construção é de madeira e possui: onze carteiras; três bancos de assento, duas
mesas com bancos de assento, um armário de parede, uma mesa com cadeira da
professora e dois quadros: um magnético (adquirido com o recurso do programa
dinheiro direto na escola - PDDE, comprado pela professora um pouco antes do
inicio das aulas de 2008) e outro de giz. Na anti-sala têm: um filtro com água pra
beber e uma mesa com a bandeja de copos.
Ao chegar à escola, nos deparamos com uma frase na anti-sala que acolhe
os visitantes com votos de boas vindas. Na sala de aula encontra-se em exposição
espalhadas no varal o resultado de várias atividades de colagem e pintura realizadas
pelas crianças. O quadro de giz que substituído pelo quadro magnético tornou-se um
mural onde se encontram expostos cartazes com letras, sílabas, palavras, imagens
do escalpelamento, etc. Abaixo do quadro magnético, existe um mural de TNT, com
letras confeccionadas em material emborrachado colorido. Esse cenário pode ser
observado nas imagens a seguir, ressignificando o espaço da sala de aula, com o
desenvolvimento do conteúdo e com a presença dos recursos supracitados.
Foto 13: Alunos e professora e o desenvolvimento do conteúdo em sala de aula.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
16
93
Ao lado do quadro magnético há um pequeno pote de garrafa plástica
enfeitado, com pincéis de escrever no quadro, longe do alcance das crianças.
Encontram-se na mesma sala de aula, educandos da educação infantil (jardim I,
jardim II), séries iniciais do ensino fundamental (1ª, 2ª, 3ª, séries) e educação
especial (não compareceu), compreendendo o total de 36 alunos. Como foi
mencionado anteriormente na tabela 04 dos níveis de ensino de Cametá, esses
dados, configuraram-se para os dados censitários do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisa Anísio Teixeira INEP em uma multi-etapa (educação infantil e séries
iniciais do ensino fundamental) e não uma multissérie, posto que, a multissérie é
atualmente compreendida somente o ensino das séries iniciais do ensino
fundamental. (BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, 2008).
A escola funciona em dois turnos sendo que 25 destes estudam em horário
matutino (os da educação infantil, 1ª, e séries); e 11 em horário vespertino (2ª, 3ª,
séries); conforme apresentado nas fotografias abaixo, encontram-se na primeira
imagem, os educandos do turno da manhã e na segunda, os do horário da tarde.
Dessa forma observa-se que o turno da manhã compõe maior número de
estudantes do que o horário da tarde. Contudo, esse quadro de alunos representado
nas imagens modificou-se no segundo semestre de 2008.
Foto 14: Recursos didáticos da sala de aula.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
16
93
Ainda em relação à escola multisseriada ribeirinha objeto desse estudo, algo
peculiar que ocorre em relação a outras escolas, é a freqüência diária de alguns
familiares dos alunos entre os quais podemos citar: duas mães, um pai (o
barqueiro), um tio, uma tia e um irmão que permanecem durante todo horário da
Foto15: Turma de alunos da manhã.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
Foto16: Turma de alunos da tarde.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
94
aula. Eles auxiliam/colaboram com os alunos (parentes), nas atividades de classe
resolvendo as atividades expostas no quadro, sendo que isso ocorre exclusivamente
no horário matinal com as crianças da educação infantil.
Contudo, durante a realização da pesquisa, as es foram as que
estiveram mais presentes. Assim, quando vi a primeira pessoa, imaginava que fosse
uma auxiliar da professora, contratada pelo município. Mas, soube em seguida que
eram familiares das crianças e uns vêem a escola por insegurança em enviar as
crianças no transporte escolar sem um responsável da família, especialmente as
que não sabiam nadar. E outros almejam ajudar os seus filhos ou parentes no
desenvolvimento da leitura e escrita. Essa é uma situação interessante e nova a
meu ver, e nos permite compreender a preocupação da família com a educação
escolar das crianças, pois freqüentam a escola para contribuir no desenvolvimento
da aprendizagem e garantir a segurança dos que não sabem nadar, posto que,
orientavam seus parentes (educandos) nas atividades e os mais apressados,
algumas vezes, realizam as tarefas escolares das crianças.
Sobre a professora da escola, é interessante notar que, como muitas
mulheres das comunidades rurais do município, ela, migrou para área urbana a fim
de estudar e após concluir o curso do magistério em Belém do Pará, retornou ao seu
local de origem, construiu uma família e lá exerce a função docente, há oito anos, na
escola multisseriada ribeirinha em estudo nessa pesquisa.
Essa situação descrita anteriormente apresentou-se durante o primeiro
semestre do ano de 2008, no entanto, durante o segundo semestre desse mesmo
ano a escola mudou da residência da professora e passou a funcionar no “novo
prédio”, que pode ser visualizado nas imagens abaixo.
95
No novo prédio, os alunos da série, que estudavam pela manhã,
passaram para o horário da tarde e com isso, a turma do horário matutino finalizou o
ano letivo com a educação infantil e a série e a da tarde, com os educandos da
2ª, 3ª e 4ª séries. A partir dessas alterações, em face do remanejamento dos alunos,
um novo quadro estudantil passou a configurar-se, podendo ser observado nas fotos
abaixo.
Foto 18: Fachada de trás do novo prédio escolar.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
Foto 17: Fachada da frente do novo prédio escolar.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
96
Convém destacar ainda que, para se obter maior freqüência dos alunos nas
escolas ribeirinhas é indispensável o transporte escolar, o qual não tem sido muito
considerado nas pesquisas em educação atualmente desenvolvidas, pois quem
conhece verdadeiramente as áreas ribeirinhas e a pobreza existente ao longo dos
rios da Amazônia, tem a noção dessa necessidade. Sem o transporte escolar muitos
dos educandos não freqüentariam a escola, e outros, mesmo se matriculando,
terminam por se evadir, devido às longas distâncias existentes entre suas
residências e a escola.
Conforme informações do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação, o Programa Nacional do Transporte Escolar PNTE, foi criado pela
Portaria Ministerial nº. 955 de 21 de junho de 1994 para contribuir com o transporte
dos alunos no trajeto residência escola residência. (BARROS, 2001, p. 3).
Inicialmente o programa contemplou os municípios priorizados pela
comunidade solidária da primeira dama Ruth Cardoso, mas a partir de 1997 o
atendimento direcionou-se aos municípios que comprovassem consolidação,
aglutinação ou nucleação de escolas. Em 1999 o programa não foi executado por
razões orçamentárias e em 2000 ocorreu uma retomada significativa. Em 2001 a
Resolução FNDE/CD nº. 28 de 28 de junho de 2001 estabeleceram as orientações e
diretrizes para o financiamento aos projetos voltados para o PNTE. O programa visa
prioritariamente atender aos alunos do campo (ibidem, p. 4).
Foto 19: A turma da manhã no final do ano letivo.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
98
Atualmente o Ministério da Educação executa dois programas de
atendimento ao transporte escolar: O Programa Caminho da Escola e o Programa
Nacional de Apoio ao Transporte Escolar. O primeiro consiste na concessão de linha
de crédito via o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES,
para que estados e municípios possam adquirir transportes novos. O segundo
contempla as diversas despesas com reforma, seguro, licenciamento, serviços de
mecânica, combustível e lubrificante, assentos, e pagamentos de serviços
contratados entre outros para os transportes terrestres e fluviais. (BRASIL/ FNDE,
2008, p. 1).
Mas, infelizmente o transporte escolar não abrange todas as populações
estudantis das áreas ribeirinhas ou de terra firme. A escola Jorocazinho foi
contemplada com o transporte escolar somente em 2008. Nos anos anteriores as
crianças trafegavam sozinhas ou os pais às levavam para a escola. Segundo os pais
ter atualmente o transporte escolar para as crianças, lhes é de grande ajuda.
Os estudantes da escola Jorocazinho são atendidos pelo transporte escolar
responsável por sua locomoção de ida e vinda ao estabelecimento de ensino, um
benefício certamente muito relevante para a rotina dessas populações, o que
evidentemente facilita o acesso à educação para os educandos ribeirinhos
especialmente para as famílias de baixa renda que às vezes não possuem
transporte ou quando os tem necessitam freqüentemente para o trabalho diário.
Desse modo, os que vivem na e das águas, tem o transporte (casco, por
exemplo) como um instrumento de sobrevivência e ocupá-lo para o trajeto das
crianças à escola impossibilita, de certa forma, o trajeto no rio em busca do que lhes
garante o sustento. Por conta dessas circunstâncias, identifica-se a importância das
escolas ribeirinhas terem o transporte disponível para garantir não somente o direito
a educação das crianças, mas dar condições para as famílias ribeirinhas desloque-
se para suas áreas de trabalho, uma vez que, existe um transporte que facilita o
acesso do alunado à escola, possibilita a redução da evasão escolar, haja vista, em
muitas comunidades do campo, na ausência do transporte escolar, os educandos
ribeirinhos, ao se dirigirem ao espaço escolar enfrentam dificuldades, entre elas, a
ausência de transporte próprio, da família, bem como, alguns para estudar, são
obrigados a remar longas distâncias, às vezes contra maré, ou ainda com fortes
ventos e chuvas. Devido a estas dificuldades, é possível compreender que, para se
99
ter crianças freqüentando a escola ribeirinha, a utilização do transporte escolar é
imprescindível.
As imagens abaixo evidenciam a situação do rio com a maré seca e com a
maré cheia. Geralmente, na chegada ou saída, os educandos ribeirinhos enfrentam
essa rotina do rio. Na maré seca, por exemplo, encontram dificuldades para entrar
ou sair do transporte por conta da altura do mesmo; pisam na lama, embora os
menores de cinco anos sejam auxiliados pelo barqueiro que os carrega no colo;
os troncos de buritizeiros (utilizados como trapiche ou ponte que dá acesso ao
espaço escolar) que, quando a maré está seca, ficam firmes no solo e facilita
transitar em cima, mas quando a maré enche, ficam na superfície da água flutuando
e quem não possui habilidades para andar em cima deles pode cair na água.
Todavia, as crianças ribeirinhas, em sua maioria, possuem habilidades para
caminhar sem problemas sobre os troncos das árvores. Entretanto, no que diz
respeito às crianças freqüentarem a escola com auxílio do transporte escolar,
mesmo que seja algo significativo para a pequena escola do campo, ainda tem-se
muito a refletir sobre a segurança, dentro da política pública educacional.
Foto 20: Local de entrada da escola quando a maré está seca.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
100
Ao que tudo indica, lamentavelmente ainda não existe uma preocupação do
poder público municipal voltado para a segurança dos estudantes ribeirinhos, uma
Foto 22: Estudantes do turno da tarde, chegando à escola.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
Foto 21: Os educandos e uma mãe retornando pra casa, maré enchendo.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
101
vez que, o transporte escolar não dispõe de instrumentos de seguranças como os
coletes salva-vidas e nem o material utilizado para os primeiros socorros. Essa é
uma preocupação que deveria estar inserida na pauta de discussão nas política de
educação de Cametá, para a contratação desses serviços, pois, caso ocorra um
acidente envolvendo barcos que trafegam com estudantes no município, na situação
que se encontram hoje (falta de equipamentos de segurança para navegação e
excesso de lotação), os que não conseguem nadar dificilmente teriam condições de
sobrevivência.
A maioria das famílias ribeirinhas ensina os filhos desde muito cedo a
nadar. Isso evidentemente é muito relevante. Mas, se evidência na cultura ribeirinha
certa despreocupação quanto ao uso do instrumento de segurança, sobretudo o
colete salva vidas que ao que tudo indica as populações ribeirinhas de Cametá,
ainda não despertaram para essa necessidade, visto que, muitos pensam e dizem
ser desnecessário o uso do colete salva vidas para quem sabe nadar. Essa pode ser
uma demanda que precisa ser mais questionada e refletida na escola para que se
possa fazer uma reeducação e se reconheça a importância dos instrumentos de
segurança no tráfego fluvial, a começar pelo uso desses instrumentos de segurança
no transporte escolar. Pois, saber nadar sem dúvidas, ajuda muito, mas o veículo
transporta muitas crianças que não sabem nadar. E mesmo para os que sabem
nadar, caso ocorra um ataque de “câimbras”, por exemplo, a situação pode ser fatal.
Na cultura dos povos ribeirinhos o uso do transporte fluvial é imprescindível,
seja este casco com o remo, barco a motor, lanchas, voadeiras, rabeta ou rabudo.
Mas, incorporar temáticas da cultura ribeirinha no currículo escolar pode não ser
uma tarefa muito simples, posto que, a construção do currículo escolar não pertence
exclusivamente à escola, ou a docente e seus alunos. Entretanto, o transporte
escolar deveria ser incorporado ao currículo escolar de comunidades ribeirinhas
posto que, os sujeitos que freqüentam a escola nessas áreas usufruem deste
veículo diariamente. E, sendo os transportes fluviais extremamente necessários a
essas populações, eles têm o direito e o dever de conhecer desde a infância as
vantagens e implicações em trafegar num veículo com as devidas precauções.
102
3. A MATERIALIZAÇÃO DO CURRÍCULO E SEUS SIGNIFICADOS
PARA OS SUJEITOS RIBEIRINHOS
Esta sessão se propõe responder a uma das indagações orientadoras
desse estudo “como o currículo se materializa em uma escola ribeirinha no município
de Cametá”, explicitando e analisando os seus significados para os educandos, a
professora, pais e lideranças comunitárias. A partir desse propósito, adentrou-se na
análise do documento que contêm a listagem de conteúdos trabalhados na escola e
nos depoimentos referentes ao significado do currículo para os sujeitos ribeirinhos.
3.1 A materialização do currículo na escola multisseriada ribeirinha
A educação é uma ação eminentemente humana. “Ninguém escapa da
educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos
nós envolvemos pedaços da vida com ela” (BRANDÃO, 1991, p. 7). A partir dela
aprendemos, ensinamos, ou ensinamos e aprendemos. Neste contexto, a educação
durante muitos séculos se desenvolveu fora da escola, e as crianças aprendiam com
os adultos em diversos espaços. Nos campos de lavoura e pastoreio, nas oficinas de
fabricação de utensílios, em volta dos velhos mestres, etc. Mas, com o advento da
escola, incorporou-se o ensino das primeiras letras à educação das crianças e
desde então, essa ação incorporou-se à instituição escolarizada.
Nessa dinâmica, o currículo gradativamente articulou-se e materializou-se
no campo escolar. Curriculum é uma palavra de origem latina e significa o curso,
trajetória, a rota, caminho percorrido durante uma vida ou que se vai percorrer. Para
Ana Pereira (2005, p. 103), “currículo em educação significa a organização das
atividades escolares que serão realizadas pelo professor e seu grupo de alunos”.
Não estamos afirmando que o currículo escolar limita-se a uma grade
curricular com um conjunto de conteúdos e disciplinas distribuídas em séries, anos
seqüenciais e cargas horárias estabelecidas para alunos e professores. “O currículo
não se constitui numa base curricular para um determinado curso ou uma listagem
103
de conhecimentos e conteúdos para serem ensinados na sala de aula”.
(MENEGOLA e ANNA, 1991, p.50). Referimo-nos a um currículo que se constituiu
como um território conflituoso, de disputa, contestação e poder. Nesse sentido,
expõe Silva (2002), que para as teorias críticas, o currículo constitui-se como
reprodutor da estrutura capitalista e sua função ideológica é inculcar a credibilidade
social de que este sistema é bom, portanto, aceitável e desejável. Nessa direção, o
currículo é uma invenção socialmente construída, portanto, ele é histórico e
movimenta-se num campo contraditório, dialético e, a consciência por ele constituída
para o dominante ou dominado se configura no campo social.
Com essa postura, fica óbvio que o currículo não se caracteriza somente no
contexto escolarizado. E para ampliar nossa compreensão, cita Arroyo (2006,
p.156): “há uma cultura vivida, traduzida em práticas, na qual acontece o processo
educativo, tanto nas famílias, nas igrejas, no trabalho e nas ruas quanto nas
escolas”. Contudo, essas práticas aparecem na escola ribeirinha num currículo
desfigurado ou com pequenas evidências de um currículo fundamentado na cultura
vivida, ou seja, as políticas educacionais do município, bem como, os conteúdos
programáticos e os currículos, estão descolados da cultura dos povos ribeirinhos.
A partir desse pensamento, me coloquei nessa trajetória fluvial tocantina
para compreender o longo e desconhecido mundo ribeirinho recolhendo falas e
indícios que me ajudassem entender essa cultura e seu distanciamento do contexto
escolar. E na busca das incertezas, manifestou-se no decorrer da pesquisa um
currículo que tem como base fundamental a repetição do conhecimento estabelecido
na estrutura dominante, no qual condicionam os educandos e a educadora a
reprodução dos conhecimentos propostos nos conteúdos dos livros didáticos, “uma
atividade desprovida de sentido e significado do conhecimento e sua vinculação com
a realidade não é trabalhada”. (VASCONCELOS, 2004, p. 27). A educação
vinculada ao livro didático, à cultura dominante não propicia o resgate dos conceitos
da cultura dos educandos para que se possa constituir o sujeito crítico. De acordo
com o pensamento de Apple:
O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos
que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aulas de uma
nação. Ele é sempre parte de uma visão seletiva, resultado da
seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja
104
conhecimento legítimo. É um produto das tensões, conflitos e
concessões culturais políticas e econômicas que organizam e
desorganizam o povo. (APPLE, 2006, p. 59).
Sendo o currículo parte de uma ação seletiva o que conta como
conhecimentos a serem abordados na sala de aula, resultam de interesses de uma
política de educação, que geralmente tem como partícipes grupos de especialistas
no campo do currículo. Mas, os conflitos em relação ao currículo são tencionados no
conjunto da escola e na sala de aula. É a política e o poder da escola e do professor
que redefine, distingui e separa quais conhecimentos devem ou não ser
desenvolvidos na sala de aula.
Para Silva (2002, p. 14), “o pano de fundo de qualquer teoria do currículo é
o de saber qual conhecimento deve ser ensinado”. E na definição desses
conhecimentos, certamente ocorrem conflitos, concessões entre os formuladores de
currículo e se estende nas secretarias de educação, bem como no contexto escolar
e efetivamente na sala de aula. Constatou-se essa situação, na informação de uma
docente que assim opina sobre o currículo:
Para mim, currículo são os conteúdos que a Secretaria de Educação
propõe para a escola e em minha opinião, essa proposta às vezes
ajuda, mas muitas vezes atrapalha. Ele é bom, por que nos uma
base do que se deve trabalhar na sala de aula, mas se formos nos
basear somente nele, a gente perde o sentido da nossa realidade.
(Professora B).
Muitos educadores compreendem o currículo como sendo uma listagem de
conteúdos elaborados por eles mesmos, ou pela Secretaria de Educação. Ao
observar o depoimento da docente encontramos pontos que convergem, ao
concordar que a proposta de listagem de conteúdos às vezes ajuda. E divergem
quando ela se reporta a esta listagem como algo que às vezes atrapalha. Em outras
palavras, ela enfatiza que para se ensinar, deve ter como referência uma base de
conhecimentos a ser ensinado. E essa base não deve pauta-se em desenvolver os
conhecimentos alheios aos da realidade cio-cultural ribeirinha, visto que, a escola
105
multisseriada ribeirinha pode ser comparada a um livro aberto, repleto de novidades,
conhecimentos e informações úteis à aprendizagem humana.
Estando na localidade permitiu-me essa possibilidade de conhecer e
aprender os conhecimentos emanados dos saberes culturais daquela comunidade e
de sua realidade social. No meu ponto de vista, uma forte inspiração curricular
circulando no entorno da escola. Existe um currículo que se apresenta de formas
diferentes. Manifesta-se um currículo no colorido exacerbado da natureza, exposta
nos tipos de vegetação, nas espécies de animais, na forma do solo, no fluxo das
águas do rio Tocantins (idas e vindas das marés) e especialmente, nos modos de
vida dos seres humanos que lá habitam.
Identifica-se o currículo também, na luta do povo, que se organiza em
diversos movimentos sociais da comunidade e se apropriam dos saberes oriundos
dessa relação entre a natureza e a luta de classe, como ferramenta educativa, de
base curricular relevante e no entorno da escola como força significativa para a
sobrevivência no atual mundo capitalista e dominante. Vários ribeirinhos são
envolvidos em associações, cooperativas, movimentos religiosos, grupos de
mulheres, participam de organizações de relevância social e municipal como: a
Colônia dos Pescadores Z 16, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, entre outros.
Essas evidências nos reportam a obra denominada: “Alternativas
Emancipatórias em Currículo”, organizado por Inês de Oliveira (2007), e diversos
autores no qual, em um dos capítulos da referida obra, se referem à temática do
currículo para além da escola e discutem sobre um currículo que perpassa não
somente pela universidade, mas também pelos movimentos sociais. Nesse estudo,
os autores manifestam como alguns movimentos sociais do campo e da cidade vêm
construindo práticas educativas diferenciadas, por exemplo, dentro do Movimento
dos Sem Terra e em eventos como o Fórum Social Mundial no qual o último me
chamou atenção por apresentar o relato de como um professor desenvolveu um
estudo em sala de aula com as imagens fotográficas que ele próprio tirou durante a
realização do evento, e ainda os resultados obtidos dessa experiência com seus
alunos e, embora o evento não tenha sido do conhecimento de todos os alunos
daquele professor, na ação descrita, é notório que o evento tem possibilitado
questionamentos, críticas ao modelo de educação dominante, retratado em diversos
momentos, como expõe um dos autores, em um dos capítulos, ao citar:
106
Inúmeros textos e artigos já foram escritos e mostrados a respeito do
movimento que conduz milhares de pessoas anualmente a Porto
Alegre. Muitas delas envolvidas pela frase: “um outro mundo é
possível”. Essa breve idéia repleta de significado é complementada e
alimentada por outros que se materializam nos cartazes, faixas,
camisetas, trajes e fantasias, durante os dias que transformam Porto
Alegre na capital mundial dos resistentes e utópicos das diferentes
tendências. [...] “Encontramos em várias línguas, frases e palavras
como: “Paz”, “Petróleo gera guerra”, “independência sim”,
“Globalização solidária sim, neoliberalismo não”, “Dignidade é ter
casa para morar”, [...] “Nossa união transforma o mundo”, [...]
“Mulher, liberta-te,” etc. (REIGOTA, 2007, p.192).
Ao ler as frases acima nota-se um currículo permeando todo o universo
daquele cenário. Um universo onde as pessoas desejam ser sujeitos de sua história
e ao mesmo tempo sujeitos coletivos por compreenderem que uma organização
isolada não tem a mesma repercussão social. Identifica-se nas frases também, um
currículo carregado de significados e ainda um conjunto de reivindicações e
protestos, um currículo que transcende o espaço da sala de aula, mas que de forma
alguma deixa de ter uma posição educacional bastante diferente do que comumente
se constata no sistema escolar.
São por intermédio dessas organizações sociais e, inspirados pelos fóruns,
encontros, seminários e cursos de formação de caráter organizativo, que muitos
ribeirinhos têm adquirido conhecimentos relevantes para a sua vida, a de seus
pares, e para a biodiversidade natural que lhes cercam. Esses conhecimentos
oriundos do processo organizacional têm favorecido a conscientização dos sujeitos
fortalecendo suas lutas na conquista dos direitos e dos deveres dos povos
ribeirinhos e tem lhes possibilitado conquistar alguns benefícios sociais para a
população local, como retrata o comunitário.
Nós conseguimos fazer uma casa comunitária de uns vinte mil reais
[...], nós temos um barquinho, no valor de cinco mil reais, um tanque
de criação de peixe; um celular da organização social. [...] nós temos
a casa da associação, nós temos o projeto da casa própria, que veio
através da associação e da cooperativa. Se fossem avaliar tudo [...].
(Comunitário D).
107
O depoimento apresenta como os ribeirinhos do Jorocazinho de Baixo,
conquistaram alguns direitos via a organização social da comunidade. Isso não
surgiu do nada, são resultados de uma prática educativa e curricular coerente com
os interesses dessas populações e tem gerado uma formação conscientizadora que
possibilita aos sujeitos organizados realizarem lutas coletivas em prol da melhor
qualidade de vida.
“O campo está em movimento”, com essa frase Caldart (2001, p. 41), nos
diz que, o campo não é um espaço de estagnação, de atraso, pelo contrário, é um
espaço onde as pessoas trabalham, produzem conhecimentos, cultura; dialogam
sobre suas conquistas e dificuldades, se organizam em diversas instâncias sociais e
assim nesse lugar de lutas e de conflitos os trabalhadores do campo, sejam estes
ribeirinhos pescadores, agricultores, extrativistas, caboclos, quilombolas, povos da
mata ou da floresta, vão transformando sua forma de ver o mundo e modificam
também o jeito da sociedade olhar para o campo e seus sujeitos.
Os movimentos sociais do campo compreenderam que teriam lugar na
escola se buscassem transformá-la. Isso ocorreu quando foram descobrindo que
nas escolas tradicionais não tem lugar para os povos do campo devido sua estrutura
formal ou a sua pedagogia que, desrespeita, desconhece a realidade, os saberes e
a forma de aprender e de ensinar no campo. (ibidem, 2001, p. 45 - 47).
Mediante tais constatações identificam-se diferentes posicionamentos de
currículo que baseado no pensamento de Menegolla e Anna (1991), assim se
reportam:
O currículo se refere às todas as situações que o aluno vive dentro e
fora da escola. Por isso o currículo escolar o se limita a questões
ou problemas que se relacionam ao âmbito escolar. Ele não se
restringe às paredes da escola e não surge dentro da escola. Nasce
fora da escola. Seu primeiro passo é dado fora da escola, para
poder entrar nela. Esse procedimento se justifica por que o currículo
é constituído por todos os atos da vida de uma pessoa: do passado,
do presente e tendo, ainda, uma perspectiva de futuro. (p. 51)
Com esse pensamento amplia-se a dimensão conceitual de currículo. Não
de um currículo que nasce ou se esgota na escola, mas de um currículo que
acompanha a vida do sujeito. Ele existe antes de entrar na escola e compartilha das
mais variadas experiências culturais do sujeito. É desse entendimento de currículo
108
que compartilho. O currículo não é exclusividade da escola. Ele surge fora e
dentro da escola.
Compartilham desse pensamento Arroyo (2000) e Apple (2006), pois para
eles, existe um currículo que circula fora da escola e que como tal exerce função
relevante na qualidade de vida dos sujeitos e os tem impulsionado à conquista por
políticas públicas de direitos outrora negados pelas elites dominantes brasileiras.
Conforme Apple, essas elites produzem paradigmas curriculares que visam
interesses da cultura dominante, ou seja, “o estudo do conhecimento educacional é
um estudo ideológico, a investigação do que determinados grupos sociais e classes,
em determinadas instituições e em determinados momentos históricos consideram
legítimo (sejam esses conhecimentos do tipo lógico “que”, “como” ou “para”).” (Idem,
p. 83). São elas que projetaram e introduziram a política curricular para maioria das
escolas brasileiras presentes no campo ou na cidade. Dessa forma, ao reconhecer
que existe um currículo que se movimenta na conjuntura política educacional
nacional se reconhece também as limitações da escola multisseriada ribeirinha. E
essas limitações ampliam-se no contexto da escola multisseriada ribeirinha, quando
ela não tem autonomia, poder de decisão e depende criteriosamente de
determinações da Secretaria de Educação e de outras duas escolas, que como foi
mencionado na Seção anterior, uma escola assina e guarda a documentação
escolar, outra é responsável pelo recebimento e prestação de contas do recurso a
ela destinado.
Outra limitação da escola ribeirinha se no campo dos conhecimentos
desenvolvidos, que tem como base, os conteúdos escolares selecionados e
definidos pela Secretaria Municipal de Educação que entregou uma listagem do que
se deveria trabalhar em sala de aula desde 2005, sem qualquer participação dos
sujeitos envolvidos no processo, antes, durante ou após a realização desta escolha.
Esses conteúdos foram organizados por níveis de ensino e disciplinas, e os
assuntos encontram-se distribuídos em unidades para as turmas da educação
infantil, como a disciplina de Português do Jardim I, apresentados a seguir:
1. UNIDADE:
Coordenação viso motora.
Vogal A, E, I, O, U.
Revisão das vogais.
109
Encontros vocálicos.
Introdução das consoantes.
Alfabeto
15
Para as séries iniciais do ensino fundamental, organizou-se a listagem de
conteúdos em tópicos frasais, às vezes, com uma numeração que se destaca dos
outros pelo sublinhamento, o qual nos permite interpretar como uma temática ampla
se desdobra em outros sub-tópicos, como demonstra o tópico frasal da série,
referente à disciplina de Português:
Gramática aplicada:
Alfabeto, letras maiúsculas e minúsculas;
Sílabas;
Classificação de sílabas;
Sílabas tônicas;
Encontros vocálicos;
Encontro consonantal;
Dígrafos;
Antônimos e sinônimos.
Observa-se assim, que o tópico frasal denomina-se gramática aplicada e
na seqüência são expostos os sub-tópicos a ele relacionados, definidos como os
conhecimentos da disciplina de português, para serem desenvolvidos com as
crianças ribeirinhas da série do ensino fundamental; conhecimentos estes,
compreendidos dentro de uma estrutura disciplinar, nos moldes da educação urbana
que, em sua organização estrutural identificamos elementos relevantes à formação
da infância ribeirinha, desde que, contextualizados em relação à realidade dos
sujeitos; posto que, não é possível concordar com uma proposta de conteúdos que
ignora e/ou nega a cultura do sujeito. É evidente que a criança ribeirinha precisa
reconhecer na formulação ou na leitura de um texto escrito, os elementos
estruturantes contidos, mas necessariamente eles não precisam ser
apresentados de forma isolada, fragmentada e descontextualizada.
15
Essa listagem foi retirada da cópia do documento que contêm os conteúdos programáticos da
escola, desde 2005 e este material foi a mim fornecido pela professora da escola em janeiro de 2008.
110
Contudo, não é somente a disciplina de português que apresenta esta
configuração. Ao observar toda a programação dos conteúdos disciplinares
inseridos nessa listagem identificamos a mesma organização; alguns contendo
maior ou menor quantidade de assuntos a serem explorados, mas demarcando
todos os conhecimentos por níveis de ensino, ou seja, os pertencentes à educação
infantil e os das séries iniciais do ensino fundamental, sendo esses últimos, a
prioridade desta análise e reflexão.
Nas séries iniciais do ensino fundamental da escola em análise, apresenta-
se em seu currículo, uma relação de disciplinas agrupadas em: português,
matemática, ciências sendo a proposta de ensino para geografia e história
unificadas por série e, somente os conteúdos de artes constituem componentes
únicos de ensino para os educandos de a 4ª séries do ensino fundamental.
Identificam-se com isso, alterações nos componentes curriculares. Mas ainda assim,
é intrigante, e também “curioso que a defesa dos conteúdos gradeados e
disciplinados venha em um momento em que as diversas áreas do conhecimento se
repensam à luz de novos paradigmas” (ARROYO, 2000, p. 70).
No desenho curricular das disciplinas encaminhado pela Secretaria de
Educação à escola ribeirinha, identificaram-se também conteúdos que possibilitam
estudo, debate em sala de aula relacionando a realidade ribeirinha. E isso pode ser
visualizado na listagem dos conteúdos indissociáveis para o ensino de geografia e
história explicitado a seguir:
111
Quadro 02: Relação de conteúdos do ensino de geografia e história
para as séries iniciais do ensino fundamental.
1ª série:
2ª série
3ª série
4ª série
Qual é a sua história?
Qual é a sua
história?
Você e sua história.
O espaço paraense.
Como você é?
Algumas
comunidades.
O município.
Os primeiro habitantes
do Pará.
Como é seu abrigo?
Você e sua família
O país.
Representação do
espaço.
Você e sua família.
Você e a escola.
Geografia do
município de Cametá.
Os movimentos
populares.
Você e sua escola.
Você e a rua:
localização espacial.
Localização e a
representação do
município.
História do Brasil.
O trabalho na sua vida.
Você, o bairro e sua
história.
A economia e sua
importância.
A economia paraense
e sua importância.
Meios de transporte.
A cidade e o
município.
O meio ambiente do
estado do Pará.
Meios de comunicação
Meios de transporte.
Espaço brasileiro.
Símbolos Nacionais.
Meios de
comunicação
Datas comemorativas.
O transito
Elementos produzidos pela
natureza e sua
importância.
Datas
comemorativas.
Símbolos Nacionais.
Fonte: Planejamento dos conteúdos escolares da Escola de Ensino Fundamental
Jorocazinho.
Cada tópico frasal contido na tabela se desdobra em sub-tópicos, que
considerando as informações nela contidas, constatam-se conteúdos significativos
para o sujeito ribeirinho e seu contexto social, mas ainda assim, existem questões
complexas de se compreender. Em minha opinião, uma delas é: como pode os
educandos falar de si mesmo, da sua história, sem interligar esse pensamento, a
um determinado conceito que possuem sobre a família, casa e o lugar onde vivem,
por exemplo? Questões como essas, não se encaixam, exatamente por se
apresentarem separadas, como se a história da vida da criança fosse algo
dissociados dessas e de outras circunstâncias. Observa-se também, repetição de
conteúdos, para dois ou três anos de ensino seriado. Como ex-professora das
séries iniciais de ensino fundamental, penso ser exaustivo a repetição de assuntos,
tanto para os docentes, quanto para os discentes. E mais desestimulante ainda,
deve ser para os sujeitos que estudam ou ensinam numa escola multisseriada.
112
Todavia, por trás de uma proposta curricular, existe um ideal de formação
humana. Ao considerar o pensamento de Arroyo (2000, p. 81), identificamos que
“todo profissional do ensino-aprendizagem de qualquer conteúdo esteve sempre e
esa serviço de um ideal de ser humano. Faz parte do nosso ofício. Ignorar esse
traço é tentar abafar uma consciência histórica que nos persegue”.
Expõe ainda Arroyo:
O que leva o docente a se dedicar com eficiência em uma matéria?
É a crença, o valor dado, a importância dada a essa aprendizagem
para um dado ideal de ser humano, para um projeto de sociedade.
Um ser humano competitivo para uma sociedade competitiva ou um
cidadão participativo para uma sociedade igualitária. O que está em
jogo são conteúdos referidos a um ideal de ser humano e de
sociedade. (2000, p. 81).
Os docentes conhecem o currículo escolar e reconhecem a postura de
formação humana que nele tramita. O que geralmente acontece é que uns
defendem estes princípios. E outros, mesmo tendo um posicionamento contrário e
crítico, entendem que não podem deixar de mencioná-los. Em depoimento relata a
entrevistada: Eu não gosto de seguir a risca esses conteúdos, porque estão fora da
nossa realidade. Trago para a sala de aula, às vezes, assuntos da nossa realidade
como, por exemplo, aqui não tem fábrica, então falo do trabalho do povo ribeirinho,
dos pescadores”. A professora entrevistada não ignorou o assunto trabalho/fábrica.
Ela redimensionou para a compreensão do discente ao discutir o trabalho do povo
ribeirinho, dos pescadores. Assim, embora a Secretaria de Educação selecione um
padrão de conteúdos que às vezes, ignoram os saberes culturais dos sujeitos da
escola, a professora quando deseja, altera, realiza outra seleção de conteúdos
pertinentes à comunidade. Todavia, essa atitude da Secretaria de Educação está
impregnada por uma visão de currículo pautada em grades curriculares, não
conseguindo acompanhar e avançar em relação ao que vem se construindo entre os
diversos campos do conhecimento em relação ao currículo escolarizado, mantendo-
se numa concepção fechada, conforme trata o autor:
113
Os novos paradigmas da ciência tocam nos conteúdos da docência
e terminam pondo em cheque a própria docência. Somos o que
ensinamos. Nossa auto-imagem está colada aos conteúdos do
nosso magistério. Essa imagem será mais fechada se os conteúdos
se fecham, será mais aberta se os conteúdos se abrem [...] A
questão não é secularizar o conhecimento socialmente construído,
mas incorporar dimensões perdidas, visões alargadas,
sensibilidades novas para dimensões do humano secularizadas.
(ARROYO, 2000, p. 71).
Os paradigmas curriculares não são os mesmos no discurso das ciências.
Assim como a concepção de mundo entre os educadores vem se reformulando e os
conteúdos fechados e padronizados em lógicas lineares, anos letivos, semestres,
graus, níveis de ensino, incorporados pelo sistema de seriação/multisseriação,
seqüenciada, rompem gradativamente as fronteiras do conhecimento
mercadológico, globalizado que compreende o humano como mercadoria de compra
(força de trabalho) para adentrar com este sujeito nas diversas e diferentes
dimensões humanas.
Entretanto, essa visão de conteúdos padronizados ainda é predominante na
educação ribeirinha e os reflexos dessa prática se manifestam quando a política
educacional não faz o acompanhamento pedagógico à escola do campo, nem
realiza a formação continuada, ou encontros pedagógicos com os educadores. No
caso de Cametá, raramente a supervisão aparece na escola e quando se efetiva é
para assinar o diário de classe. Contudo, muitos educadores preocupados com sua
formação buscam alternativas para ampliar sua base de conhecimento como a
professora participante dessa pesquisa que, embora tenha somente a formação em
nível médio, magistério normal, sempre que tem oportunidade, participa de cursos
de formação continuada ofertada por outras instituições educacionais e compra
livros didáticos e pedagógicos para auxiliar sua prática educativa.
Ao questioná-la sobre quais recursos lhe ajudam a desenvolver o conteúdo
em sala de aula, uma de suas respostas foi a utilização do livro didático, e destacou:
não gosto desse livro, [referindo-se aos livros distribuídos em 2005; ele é cheio de
coisas de São Paulo, prefiro meus livros velhos. Essa expressão focaliza sua
crítica aos especialistas produtores dos livros didáticos que formulam e constroem
materiais para serem utilizados em qualquer região do país, sem sintonia com as
114
diversidades brasileiras e suas pluralidades regionais. Por outro lado, me intriga no
discurso da docente, quando ela diz preferir, os “livros mais velhos”.
Por que esta preferência? Pus-me a indagar. Qual o significado dessa
expressão para a professora? Em outro momento, a docente expõe que se referia
com preferência aos “livros mais velhos”, devido estes conter conteúdos simples,
textos curtos e de fácil assimilação para as crianças que encontravam inúmeras
dificuldades em relação à leitura, escrita e cálculos matemáticos. Essa foi uma
escolha que facilitou sim, no desenvolvimento da escrita no quadro pela docente e a
cópia destes conteúdos praticados pelas crianças em seus cadernos. No entanto,
registrou-se no percurso do primeiro semestre, que elas não conseguiam ler e
entender o significado da grafia das quais tanto tinha que copiar.
Marta Kohl de Oliveira, uma importante estudiosa da teoria Vygotskyano no
Brasil demonstra a partir de seus estudos, como o mentor desta teorização
desenvolveu suas pesquisas pautadas no campo da evolução da escrita da criança.
Fundamentada no pensamento Vygotskyano expressa Oliveira (2006), que a escrita
é mediada pela cultura de forma que a criança antes mesmo do contato com a
escrita no mundo escolar, se relaciona com a cultura letrada exposta nos diferentes
usos da linguagem escrita e seu formato, atribuindo concepções variáveis desse
objeto cultural ao longo do seu desenvolvimento. Nesse sentido, destaca a autora:
A principal condição necessária para que uma criança seja capaz de
compreender adequadamente o funcionamento da língua escrita é
que ela descubra que a língua escrita é um sistema de signos que
não tem significados em si. Os signos representam outra realidade;
isto é, o que se escreve tem uma função instrumental, funciona
como um suporte para a memória e a transmissão de idéias e
conceitos. (p. 68).
Esse processo de aquisição da escrita antes da intervenção escolar parte
do contexto cultural da criança o que eventualmente, se confirma na comunidade
ribeirinha quando as crianças fazem leitura de sistemas de signos em embalagens,
conceituam os objetos de sua cultura ou quando conseguem decodificar a leitura de
uma imagem como se tivesse lendo um texto escrito. Entra nessa reflexão, a
facilidade que adquiriram para desenhar. Em um período em que, não dominavam a
115
leitura e a escrita correta das palavras, guardava na memória o registro de diversos
objetos de sua cultura no qual conseguiram assim representar:
Em vista dessas circunstâncias, “poderíamos dizer que o que se deve fazer
é ensinar às crianças a linguagem escrita e não apenas a escrita de letras”. (Ibidem,
p. 72). Identifica-se desse modo, uma política curricular que se materializa na
escola, de forma deslocada da vida cultural da infância e adolescência ribeirinha
emerso em um contexto favorável à aprendizagem, com uma variedade de
conhecimentos a serem explorados na sala de aula. Mesmo inserida numa
localidade onde os sujeitos sociais vivem e vivenciam diversas experiências, nem
sempre as experiências significativas da comunidade ribeirinha são temas de estudo
dentro da sala de aula. E, na maioria das vezes, quando esses conhecimentos vão
para sala de aula, o explorados superficialmente e sem conexão com os
conhecimentos sistematizados.
A base política da educação ribeirinha está influenciada pelo paradigma
seriado, disciplinar e conta ainda, com uma estrutura física precarizada. Ao se refletir
sobre o currículo nesse contexto, e analisarmos a presença de uma diversidade
social, educacional e cultural, concordamos com o pensamento de Apple (2006) que
Foto 23: Desenho de um aluno da 2ª série, sobre a cultura local.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, abril de 2008.
115
na obra ideologia e currículo discute como se formulam as políticas curriculares e
como se materializa a dominação pela via do conhecimento.
Como foi dito repetidamente aqui, o conhecimento que chegava às
escolas no passado e que chega hoje não é aleatório. É selecionado
e organizado ao redor de um conjunto de princípios e valores que
vem de algum lugar, que representam determinadas visões de
normalidades e desvio, de bem e de mal, e da forma como as boas
pessoas devem agir. (p. 103).
Nessa perspectiva, constatou-se um currículo que se materializa nos murais
expostos na sala de aula, no varal onde estão em exposição os desenhos xerocados
juntamente com a pintura e a colagem produzidos pelos educandos; que está nos
cadernos dos alunos e no planejamento da professora, no livro didático, no
significado do que se encontra no quadro de giz ou magnético. Está, sobretudo nos
conhecimentos que os sujeitos sociais daquele espaço (sala de aula) conseguiram
acumular em diferentes espaços de convivência social e nas suas relações
cotidianas que lhes possibilitaram uma amplitude significativa de saberes culturais,
às vezes, considerados saberes ou conhecimentos não científicos, acadêmicos,
mas, muito úteis à sobrevivência fora do contexto escolar.
Essa leitura da sala de aula possibilita-nos compreender que o currículo não
são apenas os conteúdos programáticos, ou “a listagem de conhecimentos ou
conteúdos das diferentes disciplinas para serem ensinadas de forma sistemática, na
sala de aula” (MENEGOLLA e ANNA, 1991, p. 50), mas todo o conjunto da sala de
aula, da escola e do seu entorno. Conjunto este que se materializa desde a seleção
dos conteúdos significativos ou não, as relações sociais, a produção do
conhecimento e dos materiais pedagógicos, o envolvimento da escola com as
questões sócias da comunidade, entre outros. De acordo com o pensamento de
Apple (2006), o currículo alcança uma dimensão que se estende para além dos
aspectos econômicos. Então, ao descrever anteriormente, o espaço e o contexto da
escola ribeirinha, nossa intenção era evidenciar o quanto a sala de aula significa não
somente como um espaço para se dar aulas ou para exposição de desenhos,
colagens, letreiros, cartazes, murais e frases, mas como o local do encontro dos
mais importantes sujeitos do ensino e da aprendizagem, o professor e o aluno.
116
A sala de aula é um espaço significativo para os envolvidos no processo de
desenvolvimento do conhecimento. Ela é o centro do acontecimento da educação
escolarizada, pois a formação básica escolar do educando se neste espaço de
interação entre sujeitos mediados pela realidade. Expõe Vasconcelos (2004, p. 12)
que é dentro da sala de aula, que ocorre o ato de educar, é no contato com os
educandos, o educador sente os problemas cotidianos, muitos destes, sem
soluções, percebe a desvinculação da formação acadêmica que muitas vezes não
conta da vida escolar. Esse pensamento do autor se evidenciou na observação
em sala de aula e estão expressos nos relatos do alunado quando descrevem sobre
sua dificuldade com a aprendizagem da leitura, como também está expresso na fala
da professora que reconhece o problema, mas não conseguiu encontrar os
caminhos mais adequados para auxiliar os educandos na dificuldade com a leitura.
E de fato é muito difícil resolver o problema da leitura numa sala no qual o
único instrumento de leitura existente é o livro didático. Que prazer pode ter o aluno
ribeirinho, com uma única fonte de acesso a leitura? A escola não dispõe de outros
instrumentos de leitura que não seja o livro didático. E aquando são passados
outros textos que não estão nos livros dos educandos, são na sua maioria, textos
oriundos de outros livros didáticos, próprios da docente. A professora também não
tem outros recursos. Os livros de literatura infânto - juvenil distribuído pelo Ministério
de Educação não atendem as populações que estudam nas escolas, multisseriadas.
Os que usufruem desses instrumentos de leitura são as escolas urbanas e do
campo com maior número de alunos. Em entrevista a professora assim se
manifesta: outro dia, estavam dando uns quites [livros de literatura] na cidade, mas
era para escola reunida
16
, escola com diretor, não era pra „escola isolada‟
17
,
multisseriada. que eu briguei, briguei, consegui um quite de literatura”.
16
Escolas reunidas ou nucleadas possuem a mesma significação no município de Cametá. São
denominações conceituais, atribuídas à escola seriada que aglutina educandos e educadores de
escolas multisseriadas de localização próximas numa única comunidade e acima de cem alunos, lhes
garante um administrador escolar para unidade de ensino e outros profissionais como: secretário,
merendeira e servente.
17
É uma das palavras denominada a escola que aglutina crianças de várias séries e idades da
educação infantil ou das séries iniciais do ensino fundamental ou ainda de ambos os níveis, num
mesmo espaço com único professor para desenvolver o ensino e a demais tarefas necessárias em
uma escola, como: a merenda, limpeza da escola, organização do material da secretaria e
administração da escola. Essa mesma palavra está empregada no Plano Nacional de Educação
2001 como uma diretriz a ser perseguida pelos objetivos e metas nº. 16 que assim trata: “Associar as
classes isoladas unidocentes remanescentes a escolas de pelo menos quatro séries” (MEC, 2001).
Significa também escola multisseriada e conforme o regimento da educação municipal e a portaria
estadual (mencionados na sessão anterior) essa denominação caracterizou-se de escolas anexas.
118
Constata-se pelo relato da professora, como vem ocorrendo à distribuição de livros
essenciais à prática da leitura. E significa que essa distribuição lamentavelmente,
não está à disposição de todos os estudantes de tal maneira que, tem deixado sem
acesso as escolas ribeirinhas multisseriadas.
Entretanto, nas políticas educacionais, estão inseridos programas que
avaliam a educação básica e recentemente instituiu-se a Provinha Brasil,
responsável pela avaliação nacional dos estudantes das séries iniciais do ensino
fundamental, um fato que torna implicitamente a partir de então, a ser uma exigência
dos governos municipais juntos aos docentes, que apresentem melhores resultados,
como o caso de Cametá que está com um índice
18
de desempenho educacional
baixo, o governo municipal por meio da Secretaria de Educação tem exigido dos
educadores das séries iniciais do ensino fundamental maior disponibilidade de
tempo escolar para o ensino da leitura, da interpretação e dos cálculos matemáticos
e os educadores precisavam controlar o desempenho de seus alunos por meio de
uma ficha avaliativa, distribuída pela Secretaria de Educação no primeiro semestre,
e nem mesmo os educadores compreenderam o que precisam fazer com o
documento.
O fato é que ao final do ano letivo, os alunos precisam dominar
fluentemente a leitura, interpretação de textos por meio da escrita, os cálculos
matemáticos, para aumentar os dados quantitativos do Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica - IDEB. No entanto, quais condições estão sendo ofertadas aos
educandos e educadores da educação básica do campo; ou mesmo aos das séries
iniciais do ensino fundamental para que possam efetivar experiências significativas
de cálculos matemáticos e de leitura e escrita? O que de fato se evidencia, é a
inexistência de formação continuada para os educadores, ausência de recursos
financeiros e didáticos, bem como, fontes de leitura que os desperte para o prazer
de ler na fase infanto-juvenil em escolas multisseriadas ribeirinhas.
Nota-se por outro lado, que existem inúmeras possibilidades de aperfeiçoar
o ensino da leitura nas séries iniciais do ensino fundamental. Mas, não são todos os
professores do campo, que tiveram acesso a esses mecanismos. Alguns deles mal
completaram o curso do magistério e quatro anos não lhes o ofertados cursos
18
Conforme o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDEB, que mede a qualidade da
educação no país, apresentou como resultado geral da educação de Cametá nas iniciais do ensino
fundamental no ano de 2005 correspondeu a 2,4 e em 2007 equivaleu a 2,6.
119
de formação continuada pela Secretaria de Educação do município. Carece ainda
ser destacado que, poucos são os educadores do campo que tem acesso aos livros
acadêmicos ou a bibliotecas para pesquisa, de tal maneira que parte destes
docentes quando tem oportunidade, adquirem livros pedagógicos que auxiliam na
prática cotidiana da sala de aula como é o caso da professora deste estudo. Esse
fato é decorrente de uma formação docente ineficaz que não lhes oportunizou
conhecer melhor as teorias educacionais. Pois como sabemos, não se aplica a
teoria pedagógica sem conhecer sua metodologia, ou seja, não é possível aplicar a
teoria educacional de Dewey, Paulo Freire, Montessori, Piaget, Vygotsky, Wallon ou
qualquer outro teórico da educação, sem conhecer as matrizes pedagógicas que
fundamentam sua base curricular.
Paulo Freire (1987), por exemplo, evidência que, antes de se proceder a
leitura das palavras escritas, o sujeito necessita saber fazer a leitura de mundo. Isso
significa que a criança e o adolescente ribeirinho terem acesso a outras fontes
leituras. A leitura de sua realidade, do mundo que o cerca. Pode partir da leitura de
sua cultura, das ferramentas presentes no seu contexto social. Uma vez que, o
contexto social onde esses sujeitos estão inseridos é bastante sugestivo para outras
leituras e, a cultura ribeirinha por si mesma, é criativa e caso fosse escrito, reescrito
e refletido seus textos na sala de aula, poderia contribuir na construção de outros
instrumentos de leitura com referência na cultura local.
Com base nessa argumentação, ao entrevistar os educandos, questionou-
se a respeito dos conhecimentos nos quais eles conseguiram acumular acerca da
sua realidade social e as respostas foram muitas e surpreendentes para um
aprendiz, como eu. Conseguiam explicar muito bem sobre suas aprendizagens fora
da sala de aula. Um deles expôs sobre quais conhecimentos básicos são
necessários para capturar o camarão:
Pra pegar camarão, a gente pega com a tarrafa, o matapí e com
paneiro. Com tarrafa, eu tenho uma tarrafa lá em casa, a gente joga,
depois vai puxando o camarão vem tudo pra dentro. A água
precisa estar baixa, quando ela enche fica ruim pra pegar. A outra
forma de pegar o camarão é com o matapí. O matapí eu não sei
120
fazer. Mas, a gente bota uma poqueca
19
dentro amarrada, bota uma
corda nele e deixa lá. Vai ver no outro dia um bocado de camarão
dentro. Outra forma de pegar o camarão é com o paneiro. É fácil. É
encontrar um toco assim, de pau grande e mete o paneiro e faz
assim com a mão [faz o gesto] e vem todinho pra dentro. a gente
puxa. (Educando D).
Este estudante cursa a série do ensino fundamental e tem 11 anos de
idade. No período dessa entrevista (1º semestre de 2008) ele tinha muita dificuldade
com a leitura das palavras, não conseguia realizar a leitura de sílabas simples, ou
seja, sílabas de palavras sem os grafos lh, nh, rr, ss, sc, xc, entre outras. Mas, se
comunicava bem e fez uma exposição como essa, numa seqüência lógica, clara dos
fatos, se utilizando do dialeto próprio manifesta conhecer o vocabulário circulante da
sua cultura, mas não tem a mesma facilidade com a leitura das lições de textos
escritos contidos no livro didático. Essa dificuldade nos provoca uma reflexão: O que
faz uma criança inteligente, com facilidade de comunicação, não dominar o mundo
da leitura de palavras, frases e textos escritos?
Às vezes as preocupações maiores da escola e de alguns educadores se
concentram em “[...] “dar o conteúdo” e defender sua sobrevivência”.
(VASCONCELOS, 2004, p. 12), sem muita atenção ao que os educandos estão
conseguindo realmente apreender. Para Rubem Alves (2003), o conhecimento
precisa ter sentido e significado para nossa vida cotidiana. Mas, geralmente as
aprendizagens se fazem desconectadas da realidade social do sujeito. Estudam-se
na escola diversas disciplinas sem relação alguma com a vida dos estudantes.
Pensa o autor, que os conhecimentos disciplinares presentes nos conteúdos da
matemática, química, física, história, linguagem e outras, precisariam estar
relacionados à vida e mistura-se com as necessidades práticas do cotidiano.
Esse ponto de vista nos faz refletir, sobre o pensamento do educando
outrora citado, pois se identifica um relato significativo de sua realidade e constata-
se na fala: “Pra pegar camarão à gente pega com a tarrafa, o matapí e com paneiro.”
Ele manifesta conhecer três formas de capturar camarão. Estas informações
revelam conhecimento de cálculos matemáticos, leitura de mundo, domínio de
conceitos, oriundos da aprendizagem vivida, da luta pela sobrevivência própria da
19
Uma porção de farelo ou babaçu que é colocado em pedaços de saco plástico ou em folhas de
árvores e em seguida são amarrados e colocados dentro dos matapis. Eles são pequenas porções
de isca utilizada quando se vai capturar camarão com esse instrumento.
121
cultura ribeirinha. Com essa frase expõe explicitamente conhecer e distinguir os
instrumentos dessa atividade: a tarrafa, o matapí e o paneiro.
Mais adiante ele relata sobre o domínio das técnicas de captura desse
crustáceo, ao exemplificar: com tarrafa, a gente joga depois vai puxando o
camarão vem tudo pra dentro. A água precisa estar baixa, quando ela enche fica
ruim pra pegar”. Retrata-se neste contexto, qual deve ser a “situação da água do
rio”, na captura do camarão com a tarrafa e, mediante tal definição, evidencia-se a
relação dos educandos com as águas do rio Tocantins e constata-se que isso
resulta da somatória de conhecimentos que estes adquirem da relação com a
natureza desde a tenra infância. Confirma-se o domínio do “como fazer” na
exposição da segunda técnica: “Com o matapí, bota uma poqueca dentro amarrada,
bota uma corda nele e deixa lá. Vai ver no outro dia”. As crianças ribeirinhas
observam e auxiliam seus pais nas atividades diárias e aprendem desde cedo a
fazer algumas atividades como as poquecas para capturarem o camarão em
matapis; acompanham e ajudam os pais a colocarem e retirarem esses instrumentos
de pesca, entre outras. Dessa forma, aprendem com os adultos as técnicas
essenciais à sobrevivência ribeirinha.
“Com paneiro, é encontrar um toco assim, de pau grande e mete o
paneiro e faz assim com a mão [faz o gesto] e vem todinho pra dentro; a gente
puxa”. Ao mencionar a última técnica identifica-se a amplitude do saber fazer do
educando ribeirinho e seus conhecimentos por meio da observação da experiência
dos pais e este descobriu e ensinou-me que troncos de árvores emersas, abrigam
espécies de camarão. E uma forma de capturá-lo é conhecer o habitat onde este
crustáceo se abriga. São diversas as informações contidas nas expressões e
evidentemente se formos prolongar a análise do sentido e significado das falas verá
que elas perpassam por várias áreas do conhecimento científico. São saberes que
estão na cultura popular e não em um currículo fechado. Mas, a professora talvez
ainda não tenha despertado para pensar, refletir e alfabetizar seus educandos a
partir daquele contexto social, ampliando a relação do conhecimento vivido
cotidianamente na cultura ribeirinha, com o saber da academia.
Com a utilização de um currículo pronto e acabado, os saberes da cultura
vivida não conseguem adentrar com facilidade no espaço escolar, particularmente
quando ele esorganizado em uma listagem de conteúdos distribuídos em séries e
disciplinas. E, de acordo com os estudos desenvolvidos por autores e professores
122
do campo da didática “selecionar e organizar conteúdos não se confunde com mera
listagem dos mesmos, mas envolve a apresentação dos conteúdos inter-
relacionados de forma orgânica e dinâmica”. (MARTINS, 2005, p. 80).
Divulgou-se na Revista Escola em janeiro de 2008, um artigo sobre currículo
e nele se referia que, “não é de estranhar, portanto, que muitos ainda acreditem que
um currículo seja apenas uma lista de disciplinas e conteúdos”. (ARAÚJO, 2008, p.
32). A partir dessas reflexões, identificou-se que a escola ribeirinha tem sido
influenciada em suas práticas educativas por esse pensamento que insiste em
compreender a organização curricular como uma listagem de disciplinas e
conteúdos posto que, se constatou uma listagem contendo os temas ou assuntos
que indicam ter sido retirado de livros didáticos, visto que, certa facilidade de
encontrá-los neste recurso. Isso facilita a elaboração do plano de aulas; no entanto,
é uma referência que tem se estabelecido por meio de parco diálogo entre os
educandos e educadores. Contudo:
A transmissão do conhecimento que se realiza no interior da escola
possui uma força que é sem dúvida diferente daquela que se realiza
no interior da família. Há uma escolha do que merece ser transmitido
e os critérios para essa escolha estão veiculados á transformação
ou a conservação de certa ordem social que promove certa cultura
como única, como legítima. (CAPORALINI, 2005, p. 130).
Observou-se em sala de aula, que os assuntos/conhecimentos são
extraídos algumas vezes do caderno de planejamento docente, ou diretamente do
livro didático, sobretudo, quando a educadora não conseguiu elaborar seu plano de
aula, e os repassa em forma de texto/atividade aos alunos, que por sua vez,
escrevem bastante e são menos motivados a aprenderem a ler. Com isso os
educandos copiam e escutam os resultados de uma ação pedagógica
desinteressante sem tanta relevância para sua vida sócio-cultural.
Hoje a nossa aula é sobre números pares e ímpares”. Expôs a professora
no primeiro dia da minha observação em sala de aula após ter decorrido as
atividades de rotina, freqüentemente realizadas pelos educadores da educação
infantil e séries iniciais do ensino fundamental, entre as quais estão: o conto de uma
música, a verificação do calendário do dia, a situação do tempo, a chamada, entre
123
outros; ela convida alguns alunos para frente, coloca-os nas laterais da sala de aula
em números iguais, entrega-lhes papéis contendo uma numeração correspondente
de 1 a 20. Entre os alunos um “tapete de papelão” dividia os grupos ao meio. Era
confeccionado com cola e revistas, e proporcionou ótima visualização na sala.
Após distribuir papéis contendo a numeração de 1 a 10, a docente
questionou quem estava com o número 1, 2, 3, assim sucessivamente, e os que não
conheciam a numeração solicitada, ela lhes falou o número. Desse modo, quando
retomou novamente o questionamento quem tem o número 1”? O aluno com aquela
numeração mostrava e a professora a todos explicava: O número 1 é um número
ímpar e um mero primo. Os números impares não pode ser dividido”. Em seguida
ela os convidou a cantar uma melodia que expressava a significação central
par/ímpar, passou a cola no papel contendo a numeração 01, solicitou que o aluno
colasse no papel (xamequinho) exposto na parede. Quando o segundo educando
falou, ela disse: o 2 é um número par. Ele é um número divisível. Pode ser divido”,
acrescenta a docente. E novamente voltam a cantar. Esse indicativo permaneceu
até que todos tinham se manifestado. Ao final solicitou que sentassem, e então
começou a passar no quadro um texto denominado: Pares e ímpares assim,
descritos:
“Observe”: Foram desenhados no quadro magnético, conjuntos circulares.
Os dois primeiros continham desenhos de dois pares de meia sem tópico frasal; o
segundo comando, a frase: “2 pares de luvasem três conjuntos; a terceira questão
destaca: “4 pares de brincos” em três conjuntos. Todos os conjuntos possuíam
ilustrações referentes ao comando das questões. Encerrou-se o texto com a frase:
“As meias, as luvas e os brincos formam conjuntos”. Mas esta sem ilustração. Para
envolver os educandos da educação infantil que não conseguiam copiar no caderno
o que estava escrito no quadro, distribui-lhes desenhos os quais sentaram em cima
do “tapete de papel” uma vez que, o material utilizado para realização da pintura, era
de uso coletivo.
Ao refletir sobre a aula acima identificamos que os conhecimentos utilizados
naquele dia, pertenciam ao campo da matemática e são significativos para a infância
uma vez, que se convive constantemente com esses conceitos. Um geralmente mais
verbalizado do que o outro. A maioria das pessoas, freqüentemente se utiliza do
termo: “pares” e de sua materialização. Verbaliza-se a expressão: pares de
sandálias ou de meias e concretiza-se essa ação e no nosso corpo temos pares de
124
olhos, ouvidos, mãos, etc. É interessante a familiaridade que construímos com os
pares. Ele apresenta um referencial que se aproxima do coletivo e numa visão
antropológica do eu e o outro; ao passo que, o significado do número impar, mesmo
o valor maior que um, atribui-se logo um significado diferente, de não distribuição
total, divisão desigual, noção de acúmulo e individualismo.
Contudo, esse assunto poderia ter alcançado maior amplitude de significado
se tivesse sido explorado inicialmente situações próprias da comunidade ribeirinha.
No entanto, os processos de aprendizagens no qual a escola tem se edificado,
perpassam por uma concepção em que, os sujeitos centrais da ão educativa - os
educandos - são condicionados pelos conhecimentos a serem aprendidos em
lógicas e tempos predefinidos.
O currículo vem conformando os sujeitos da ação educativa -
docentes e alunos. Conforma suas vidas produz identidades
escolares: quem será o aluno bem sucedido, o fracassado, o
aprovado, o reprovado, o lento, o desacelerado, o especial.
(ARROYO, 2007, p. 22).
Compreende o autor que a escola produz um ordenamento curricular e
legitima a reprodução de conhecimentos hierarquizados em componentes
curriculares, às vezes dispersos e, os sujeitos centrais da ação educativa o
ordenados em categorias de classificação. Com isso “durante o percurso escolar
aprendemos a ser alunos como a escola quer, ou espera que sejamos”. (Idem, 2007,
p. 22)
Na imagem abaixo, por exemplo, está escrito um texto da disciplina de
português cujo assunto Sílabas compõe a referência prioritária do conhecimento
ensinado às crianças. O texto que aparece na imagem fotográfica foi passado no
horário da manhã aos alunos da educação infantil, aos que conseguem retirar
textos/atividades escritas do quadro magnético e aos educandos da e série. O
texto é ilustrado com a imagem do felino em estudo, demonstrado por meio de um
desenho feito pela professora. Observou-se que a professora escreveu o texto no
quadro e após alguns minutos, (enquanto escrevia nos cadernos da educação
infantil) efetivou a leitura do texto sem a participação dos educandos. E enquanto
realizava a leitura das sílabas escritas no quadro, identificou-se que as sílabas
125
expostas foram lidas como se a pronuncia fosse idêntica para todos os fonemas, ou
seja, ao produzir os fonemas ga, go, gu, identificamos que estes produzem sons que
difere do ge e do gi. No entanto, estes foram lidos como se todas as pronúncias
fossem iguais ao primeiro grupo citado. Foi explicado aos educandos que,
aparecem palavras no texto com uma diferenciação entre as letras maiúsculas e
minúsculas e que as letras maiúsculas, foram utilizadas no início de frases e em
nomes próprios, como o nome do gato “Gigi” e “Gilda”, sua dona.
Foto 24: Texto/atividade para educandos da educação infantil a 2ª série.
Fonte: Maria do Socorro D. Pinheiro, abril de 2008.
Enquanto a professora discorria a leitura do texto que aparentemente
parecia simples fiquei a imaginar que certamente aquele felino em nada parecia com
os que eu havia visto na casa dos ribeirinhos. Era um animal bonito, macio que não
consumia ratos e certamente só poderia ser de uma dona que lhe tratava com ração.
Seria ele um animal de estimação de madames ricas que o tratava com requintes
finos? Os animais domésticos na comunidade degustavam a sobra de alimentos da
mesa de famílias ribeirinhas e de outros encontrados na natureza. Eram animais
bem cuidados, mais não lhes era dado nenhum tratamento refinado. Com isso
comecei a imaginar qual o sentido de um texto como aquele, para educandos
ribeirinhos? Seria para enfatizar como alguns gatos são tratados ou para provocar o
diálogo sobre por que alguns animais domésticos alimentam-se de ração enquanto
126
outros das sobras? Não sei certamente qual seria a intenção do autor. Consegui
observar que o texto não suscitou nenhum tipo de interpelação a não ser a
complementação exatamente expressa no texto, quando desenvolvido sua
interpretação.
Entretanto, aquela aula não surgiu dos interesses educativos dos sujeitos do
processo ensino e aprendizagem e sim, de um documento contendo a listagem de
conteúdos programáticos fornecido pela Secretaria Municipal de Educação de
Cametá, aos educadores do campo, que exercem o magistério em escolas
multisseriadas. E seu desdobramento em disciplinas e conteúdos está distribuído
nas diferentes ries iniciais e certamente, é o mesmo para as escolas seriadas
urbanas.
A cultura escolar tende a curricularizar, gradear, disciplinar e
normatizar saberes sociais, relações até ciclo de desenvolvimento.
(...) a tentação mais atraente, porque mais fácil, é administrar
carteiras e material, crianças e mestres, cargas horárias. Tudo como
objeto quantificado, cortados e recortados, unidos ou separados.
Nivelar tudo e todos. Nem sempre o mais fácil é o mais pedagógico.
(ARROYO, 2000, p. 65).
Desse modo, para compreender melhor a argumentação explorada por
Arroyo, recorreu-se ao documento para observar como o assunto Sílabas se
desdobra na listagem de conteúdos de português e ao observar a tabela elaborada a
partir dessa listagem percebe-se o assunto sílabas para as quatro séries iniciais do
ensino fundamental e conforme mostra o quadro, constatou-se que, o conteúdo
desenvolvido na aula daquele dia, aparece da seguinte maneira, para diversas
séries iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª).
127
Quadro 03: As sílabas, na disciplina de português, nas séries iniciais
do ensino fundamental.
Séries
Disciplina Português.
1- Leitura análise e interpretação de texto.
Sílabas complexas;
2- Gramática
Sílabas complexas;
Sílabas: número e tonicidade;
2- Gramática aplicada
Sílabas
Classificação de sílabas: monossílaba, dissílaba, trissílaba
e polissílaba;
Sílaba tônica;
2- Gramática aplicada
Sílabas;
Classificação de sílabas: monossílaba, dissílaba, trissílaba
e polissílaba;
Sílaba tônica: oxítona, paroxítona e proparoxítona.
Fonte: Planejamento escolar da E.M.E.F. Jorocazinho.
Conforme a tabela, o assunto Sílabas aparece enquanto conteúdo
significativo para as ries supracitadas nove vezes para ser estudado, com
acréscimo de alguns complementos repetitivos como o caso de sílabas complexas
para a e 2ª séries e as sílabas quanto ao número e a tonicidade se repete com
outras palavras desde a 2ª até a 4ª série. Mas a palavra sílaba sem complemento
surge como uma atribuição conteudista a ser ministrada a 3ª e 4ª, ou seja, o texto
escrito anteriormente, no quadro magnético é, de acordo com o documento, um
conteúdo específico a ser estudado na 3ª e 4ª séries.
Pode-se interpretar que, a docente preferiu utilizá-lo de outra forma quando
apresentou o mesmo texto para todas as séries. Pois, as sílabas são elementos
essenciais na formação das palavras e possibilita a leitura por meio de uma proposta
metodológica que no caso, baseou-se no processo da silabação. Indaga-se por que,
um texto aparentemente simples quase nada foi explorado no sentido interpretativo?
Pode ser porque, são poucos os que lêem e os que conseguem são como se ainda
estivessem no início da alfabetização. Assim, para melhor compreender é relevante
visualizar a forma como procedeu a organização do texto:
Assunto: Sílabas.
128
GA GE GI GO GU
ga, ge, gi, go, gu
Gato Gigi.
Este é o gato Gigi.
Gigi é o gato da Gilda.
Gigi é bonito e seu pêlo é macio.
Seus olhos são verdes e grandes.
Gigi não gosta de ratos.
O texto está composto por frases curtas e palavras de sílabas simples e
complexas. Estava acessível ao conhecimento de educandos de e 2ª rie e
relacionado ao assunto proposto (sílabas), porém não foi exercitada a prática de
leitura com os alunos para que estes pudessem estar descobrindo o significado das
sílabas na formação de palavras e as palavras para formação de frases que
culminou na elaboração do texto. Com isso, finalizou-se a aula, tendo como fio
condutor daquela manhã, um processo de ensino baseado na condição do domínio
da escrita, do escrever, o ato de copiar no caderno, o que estava escrito no quadro.
O ato de copiar sem conhecer o significado daquilo que está sendo copiado
é uma prática pedagógica que permanece arraigada na história da educação
brasileira e evidencia-se na escola ribeirinha a remanescência de uma pedagogia
bancária que, de acordo com o pensamento freireano:
Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu
real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos
conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da
realidade, desconectados da totalidade em que se engendram e cuja
visão ganharia significação. [...] quatro vezes quatro, dezesseis;
Pará, capital Belém, que o educando fixa, memoriza, repete, sem
perceber o que realmente significa quatro vezes quatro. O que
verdadeiramente significa capital Belém, Belém para o Pará e Pará
para o Brasil. (FREIRE, 1987, p. 57-58).
Na sala de aula quando supervalorizamos a quantidade de conteúdos
escritos nos cadernos dos educandos e trabalhamos com conteúdos sem
significação para vida dos alunos estamos impedindo que o sujeito da aprendizagem
se torne cidadão de direito. Não basta receber conhecimentos prontos e acabados.
129
Estes precisam conter requisitos que possibilite ao sujeito que aprende compreender
o verdadeiro significado das coisas e do mundo. Nisso, o pensamento freireano
colabora para que possamos pensar e refletir sobre os conteúdos significativos,
norteados pela realidade local e tenha como ssola a totalidade do conhecimento.
Desse modo, para o autor o educando necessita conhecer o verdadeiro significado
dos cálculos matemáticos para sua vida, assim como, não basta conhecer os nomes
das localidades geográficas, faz-se necessário compreender o nosso espaço como
pertencimento de um contexto social mais amplo, o significado e a influência de um
sobre o outro e ainda, o reflexo disso nas nossas vidas cotidianas.
3.2 O currículo e seus significados para os comunitários, pais de alunos e a
professora
As reflexões teóricas acerca do currículo nos permitem compreendê-lo
dentro de uma conjuntura analítica que se fundamenta pelos processos estruturais
da sociedade constituindo-se como parte integrante da formação humana. Visto
nesta ótica, o currículo materializa-se fora e dentro da escola. Retrata Apple (2003,
p. 72), ser necessário examinar os programas curriculares não somente fora, mas,
particularmente no interior da escola, para identificar quais relações sociais são
incorporados pelo currículo escolar.
O currículo decorrente do contexto escolarizado pode ser ou não
influenciado por uma política ideológica dominante ou como uma definição pleiteada
pela organização da escola em conjunto com a comunidade, movimentos sociais, e
outros. Contudo, “parte das determinações ideológicas e políticas caracterizam qual
o tipo de conhecimento vale mais”. (APPLE, 2006, p. 39). Em função disso, os
conhecimentos da cultura ribeirinha têm sido colocados à parte.
Para o autor, a “educação está profundamente implicada na política da
cultura”. (Idem, Ibidem, p. 42). E essa política cultural dominante considera,
determina e seleciona os conhecimentos a serem desenvolvidos nas séries iniciais
do ensino fundamental via disciplinas e estes conhecimentos são fragmentados e
decompõem-se às vezes, em uma listagem de conteúdos que legitima o processo
avaliativo, as cargas horárias nas quais disciplinas consideradas prioritárias, em
130
virtude de outras; com carga horária superior, como o ensino da matemática, por
exemplo.
Janete Carvalho (2005) considera o currículo escolar como concebido ou
vivido. O primeiro denominou-o como currículo formal, representado em nosso país
nos parâmetros curriculares nacionais, nos documentos que discorrem sobre “o
projeto político pedagógico, ou nas propostas curriculares de caráter regional
(planos, propostas estaduais e municipais) em nível local (da escola)”. (p. 96). O
segundo se materializa ou não na concretização do concebido de forma que, “o
currículo praticado, envolve as relações entre poder, cultura e escolarização
representando o mesmo, nem sempre explicita, o jogo de interações e/ou as
relações presentes no cotidiano escolar”. (p. 96).
É relevante perceber, que embora o currículo represente aspectos de
expressões de poder caracterizado pelos interesses da política oficial, “o currículo
como representação dos interesses do poder constitui identidades individuais e
sociais que ajudam a reforçar as relações de poder existentes, fazendo com que
grupos subjugados continuem subjugados”. (MOREIRA E SILVA, 2006, p. 29).
Nas palavras de Apple:
O controle social e econômico ocorre nas escolas não somente sob
a forma de disciplinas ou dos comportamentos que ensinam as
regras e rotinas para manter a ordem, o currículo oculto que reforça
as normas de trabalho, obediência e pontualidade, etc. O controle é
também exercido por meio das formas de significados que a escola
distribui: o corpus formal do conhecimento escolar” pode tornar-se
uma forma de controle social e econômico. As escolas não apenas
controlam as pessoas; elas também ajudam a controlar o
significado. Pelo fato de preservarem e distribuírem o que se
percebe como “conhecimento legítimo” o conhecimento que “todos
devemos ter” - as escolas conferem legitimidade cultural aos
conhecimentos de determinados grupos. (2006, p. 103-104).
Chama atenção o autor para um aspecto relevante em relação ao
significado do currículo escolar e, nessa perspectiva, as escolas controlam o
significado, ao preservarem e distribuírem determinados conhecimentos culturais em
detrimento de outros. A escola legitima e materializa quais conhecimentos são
necessários a todos. Mediante essas constatações, formata-se um currículo
131
homogêneo, às vezes, sem pensar nas situações históricas e sociais vivenciadas na
cultura do sujeito, conforme as informações dos ribeirinhos:
A escola ensina muita coisa boa, mas quando passa para a questão
humana, é um desastre. Os conteúdos tinham que estar ligados à
realidade da família. Às vezes, a família ensina uma coisa aí quando
ele [filho] se depara com a escola é diferente. Isso gera um
problema entre o que você ensinou na família e o que ele aprendeu
na escola. Pra mim, o conteúdo ensinado na escola, tem que estar
ligado com o que às famílias ensinam aos filhos. (Comunitário E).
Eu penso que, para nós que vivemos aqui cercados pelas águas do
rio, conhecer a questão ambiental é muito necessário. Se a escola
envolvesse mais os alunos nessa questão, nós estávamos de
cabeça fria. Nossa água está quase poluída. Mas hoje, se a senhora
for numa escola aqui, do município vai ver uma quantidade de
dejetos jogados no rio. A gente vive aprendendo o significado da
educação ambiental no movimento, mas a escola parece não se
mexer. (Comunitário D).
Em virtude dessas considerações, Vasconcelos (2004, p. 68) aborda que,
para “desenvolver uma educação significativa implica em atividades que tenham
relevância para o educando para o educador - vinculadas a alguma necessidade,
finalidade, plano de ação do educando”. Em outras palavras, a educação escolar
tem que se pautar na realidade social do sujeito contextualizando-se numa situação
mais ampla. Entretanto, a cultura dominante ainda se vincula de forma acentuada e
dissemina um currículo com aspectos de uma cultura única; e os valores dela
extraídos não condizem ou não se aplicam na mesma proporção de interesses,
necessidades e significados à cultura dos povos indígenas, dos negros ou a cultura
das populações ribeirinhas da Amazônia paraense.
Para compreender a realidade que constitui as relações sociais dos
ribeirinhos e o universo de conhecimentos dentro e fora da escola constataram-se
na linguagem circulante dessa cultura, aspectos significativos de um currículo que
se pautam nos depoimentos não dos comunitários, mas também na análise das
informações dos sujeitos diretamente ligados a escola: pais, professora e os alunos.
Dentre esses aportes, os comunitários, expressam nas narrativas abaixo, o que
significa estudar, adquirir conhecimentos escolarizados.
131
Estudar pra mim é importante. Eu cheguei a estudar até a série.
Daí quando surgiu no governo do Quaresma, o Projeto Came
Tapera, eu fiz a série, aprimorei meus estudos. Essa escola sim
era muito interessante. Era uma escola diferente. Então, um cara
com um pouco mais de estudo, tem mais inteligência, mais
conhecimento e vai dando passo para frente. Quando comecei a
estudar eu não dei valor aos meus estudos porque se eu fosse uma
pessoa que tivesse dado valor aos meus estudos talvez estivesse
um pouco melhor. Mas, eu não me arrependo do pouco estudo que
tenho, pois, com ele, me meto num bocado de movimento. (...) o que
me deu mais instrução, nesta questão foi a prática da comunidade,
dos grupos que participei e temos ligação. (Comunitário D).
A educação é uma coisa muito importante no velho sentido; de
trazer melhoria na educação dos filhos e não cabe aos pais, mas
ao professor e, também a comunidade deve contribuir. Ela, é
significativa para os ribeirinhos, traz um beneficio muito grande no
sentido de reorientar como é que anda as coisas. Uma das coisas é
o aprendizado, não ser analfabeto, saber escrever teu nome e
conhecer a realidade. Mas cada escola tem um conteúdo diferente
da realidade. (Comunitário E).
Os depoentes não conseguiram completar o ensino fundamental; no
entanto, não se eximem em expor suas considerações em relação aos estudos.
Compreendem que, por meio dos estudos amplia-se a capacidade intelectual do ser
humano e seu universo de conhecimento. E conforme uma das expressões, não ter
valorizado o estudo no início de sua escolarização o impediu, talvez, em ter hoje,
uma vida melhor. E, tudo indica que embora a escola não tenha cumprido sua
função relevante na vida desse sujeito, em outros espaços, lhes proporcionaram
novas e diferentes possibilidades de conhecimento, ao participar das experiências
educativas da comunidade e dos movimentos sociais. Como diz Caldart, (2004, p.
33), “quando dizemos que os movimentos sociais o educativos é exatamente
compreendendo que estão provocando processos sociais que ao mesmo tempo
reproduzem e transformam a cultura”.
Na voz do sujeito que fala está explicito sua trajetória educativa seja ela, no
campo escolarizado ou fora dele. Uma trajetória de idas e vindas. Sua volta à escola
para cursar a série, “tanto pode ser um incentivo para acreditar que tem sentido
ser sujeito de novos percursos, como pode ser a última tentativa de saída”.
(ARROYO, 2004, p.107).
134
Observa-se também, o significado que ele atribui aos estudos. E ao falar da
educação desenvolvida pelo projeto Cametá Tapera
20
, seus gestos, a forma de se
expressar em relação aos conhecimentos desenvolvidos no projeto, se aflorava de
prazer, satisfação, posto que, o currículo nele desenvolvido, valorizava os aspectos
da cultura ribeirinha. Assim, “para que o sujeito se debruce, coloque sua atenção
sobre o objeto, esse deve ter um significado ainda que mínimo no primeiro
momento”. (VASCONCELOS, 2004, p. 62). Com isso, constatamos uma postura
frente ao currículo escolar e se complementa ao entrelaçar-se à consciência, no
qual se consegue perceber os limites e horizontes dos que tiveram ou não
oportunidades de estudar.
A escola, o estudo aparece no imaginário social e docente como um
impulso certo para longos vôos, mas e aqueles a quem desde a
infância cortavam-lhes as asas? (...) Quando tudo são sombras não
será fácil caminhar para a claridade que o estudo anuncia. A
educação não é uma promessa abstrata. Sempre anda colada a
uma expectativa e a uma orientação de vida, minimamente possível.
(ARROYO, 2004, p.103).
Essa idéia, de que a educação gera expectativas na vida das pessoas, está
muito presente nas narrativas dos entrevistados particularmente por que muitos
adultos que permaneceram na localidade não conseguiram ampliar sua
escolarização. As políticas públicas de educação municipal, às vezes chegam
tardiamente às populações ribeirinhas adultas. E quando isso ocorre, o currículo
desenvolvido, não consegue despertar muito interesse da população. Não é como o
projeto de educação que vivenciaram no Projeto Cametá Tapera, os educando a ele
se refere com satisfação de ter estudado em um projeto que lhes despertara o
prazer em conhecer.
Interpreta outro entrevistado que a educação escolar é uma referência para
os alunos, e essa responsabilidade devia ser compartilhada com os pais, e a
20
Projeto de elevação de escolaridade de jovens e adultos, realizado na gestão do governo do
Quaresma do PT, entre os anos de 2000 a 2004. Foi a maior experiência educacional desenvolvida
naquele período com jovens e adultos. Seu eixo curricular construiu-se a partir dos sujeitos e sua
cultura. A maior demanda estava no campo, mas na cidade havia algumas turmas envolvendo garis
e outros trabalhadores. Os temas foram organizados em redes temáticas e eram problematizados
numa dimensão ampla dos conhecimentos sistematizados e de significação social. Dessa a forma, a
matriz pedagógica curricular prioritária do projeto, era freireana.
135
comunidade. E na sua acepção, o currículo escolar precisaria estar relacionado à
vida e à realidade da família ribeirinha possibilitando absorção de uma
aprendizagem mais significativa.
No tocante ao significado do currículo na concepção dos pais de alunos,
constatou-se que estes sujeitos almejam que seus filhos tenham uma trajetória
educacional diferente da que eles tiveram. Parte deles, concluiu o ensino
fundamental, outros não conseguiram nem chegar ao término das séries iniciais do
fundamental. Desse modo, quando se referiam ao currículo, um termo recorrente
empregado em suas narrativas, denominou-se conhecimento escolar:
O conhecimento escolar é importante para a vida das pessoas
porque através dele as pessoas vão aprendendo. [...] aqueles que
não conheciam nada [se referindo aos analfabetos] estão
aprendendo. Isso é um sonho que ela está realizando. Então vejo
que o conhecimento ensinado na escola, tem sentido e significado
para a vida das pessoas, de qualquer pessoa. Tenho três filhas na
escola. Coloquei na escola para conhecerem mais, para se
desenvolverem e mais tarde possam ser pessoas melhores. Melhor
assim, que no futuro possam aprender e se formar em qualquer
coisa que venha ser pro bem delas. (Mãe de aluno B).
O conhecimento escolar é uma referência no discurso da pessoa que fala.
E mesmo quando ela emprega o verbo aprender, está emitindo o sentido de
conhecimento, visto que, de acordo com o dicionário Aurélio (1996, p. 148),
aprender significa: tomar conhecimento de; reter na memória mediante estudo;
tomar conhecimento de algo, retê-lo na memória em conseqüência de estudo, etc.
Então, em sua acepção, o conhecimento oportuniza o outro a conhecer. E, quem
tem conhecimento tem saber, e quem sabe, pode ter outras oportunidades. Não
importa a idade, ou a condição social do sujeito. O conhecimento pode ou não
tornar as pessoas melhores e lhe oportunizar uma vida futura melhor, visto que, o
conhecimento propícia/possibilita a aprendizagem e, se materializa dentro e fora da
escola ribeirinha. Para Vasconcelos (2004) o ato de conhecer se efetiva por meio da
construção.
Conhecer é construir significados (“produto”), através do
estabelecimento de relações (“processo”) no sujeito, entre as
136
representações mentais (“matéria prima”) que visam dar conta das
diferentes relações constituintes, ou das diferentes relações do
objeto de conhecimento com outro(s). (p. 47).
Nota-se que o conhecimento de um determinado objeto, se efetiva por meio
do sujeito, em contato com a realidade. E, embora o conhecimento escolar seja uma
construção historicamente acumulada pela humanidade e se apresente na escola
ribeirinha multisseriada através conhecimentos matemáticos, lingüísticos,
geográficos, históricos, artísticos e do ensino de ciências, entre outros; não se
conhece ou se cria algo a partir do nada.
De acordo com o pensamento Vygotskyano, a zona desenvolvimento
proximal, permite ao sujeito ampliar, negar ou superar um conhecimento a partir do
conhecimento anterior, ou seja, para a psicologia histórico-cultural o aluno em
contato com sua cultura, adquire conhecimentos que podem ser ressignificados no
contexto escolar ou construírem-se novos significados.
Nesse sentido, construir tem como significado: elaborar, conceber, edificar,
etc. (AURÉLEO, 1986, p. 461). Com essa definição, é possível compreender o
significado da palavra, e interpretar que, o ato de conhecer, é prescindível da
realidade, de um conhecimento existente para construir/elaborar outro. Em outras
palavras, as teorias são elaboradas/construídas a partir de uma dada realidade.
Portanto, construir é uma palavra significativa que pode designar o lugar de onde
conhecimento parte, ou seja, um biólogo ao adentrar numa área florestal ainda não
explorada cientificamente, é possível com o conhecimento que ele adquiriu na
academia, construir um conhecimento daquela floresta. Com isso, ele elabora o
conhecimento acadêmico com a construção de um novo conhecimento encontrado
na floresta. Em outras palavras, ele partiu de algum lugar.
Se fossemos distinguir qual o lugar do conhecimento na relação professor e
aluno, poderia se dizer que, está na ação mediada. Essa relação professor/aluno é
mediada pelo diálogo e se processa no desenvolvimento de um conhecimento. Com
isso, ao retomar o pensamento do autor, em relação ao conhecimento, observa-se
que:
A construção do conhecimento é sempre do sujeito, mas nunca dele
sozinho; o homem é sempre formado pelo social (podemos dizer
que ninguém aprende nada absolutamente sozinho); na relação de
137
conhecimento tanto o sujeito como o objeto são plasmados,
determinados pelo social. (VASCONCELOS, 2004, p. 103).
Essa abordagem vem dar ênfase relevante, a idéia de conhecimento
desenvolvida no relato da família, onde se constatou como as mães dos alunos
compreendem a relevância social, da educação escolar. Elas sabem que a escola
não é o único espaço educativo. Todavia, reconhece ser a escola, o espaço
legitimado pela sociedade para elaboração do conhecimento. É a escola que
designa e legitima a formação profissional do sujeito do campo ou da cidade. Em
vista disso, as famílias enfrentam qualquer dificuldade para que, seus filhos tenham
oportunidades diferentes de seus pais. Esse fato está explicito na narrativa a seguir
apresentado:
Quero que meus filhos tenham a oportunidade que eu não tive de
estudar. Quero um futuro melhor pra eles, que arrumem um
trabalho. Sabemos que com o estudo se consegue o trabalho. Mas a
gente sabe também, que nem todos que tem estudo conseguem
trabalho. Mas estudar é muito importante. Eu enfrento tudo, pra eles
irem para a escola. Cedinho eu acordo, chamo meus filhos cedo
ponho para tomar banho, tomar cae aguardar o transporte para ir
para a escola. Quando não tinha o transporte escolar, eu enfrentava.
Um dia a gente ia se alagando. Eu ia levar eles todos os dias para a
escola no casco, remando, por que tu viste a distância. Então, não ia
mandar meus filhos sozinhos. Ia com eles e voltava no final da
aula. Era quando ia fazer o almoço e cuidar das coisas. Faço isso,
não é por causa de bolsa família. Meus filhos nem bolsa família têm.
É por que sei a importância do estudo, do conhecimento escolar
para a vida deles. Hoje ninguém quase não consegue nada sem
estudo. Imagine quando eles estiverem adultos. Então, eu falo pros
meus filhos, olhem estudem, aprendam bem na escola, que isso é
importante para o futuro de vocês. (Mãe de aluno A).
Com a entrevista acima, a depoente demonstra conhecer por experiência
própria, quais são os princípios que norteiam a sociedade capitalista. Princípios
estes de inclusão ou exclusão social dos sujeitos e na voz do sujeito que fala o
sentimento por não ter estudado é atribuído ao significado de pobreza, situação
difícil, não lhe foi oportunizado conseguir trabalho renumerado. Por conseguinte, se
nota que, o anseio da depoente se enaltece nos desafios que enfrenta/enfrentou
para que os filhos estudem. Ela é muito determinada. Sabe muito bem que, estudar
138
é um direito das crianças e faz tudo que está ao seu alcance. Questiona o governo
municipal por não construir a escola e a professora por não cumprir com a carga
horária diária na escola. É uma pessoa que se empenha para que os seus filhos e
os dos outros tenham uma educação de qualidade.
Os pais enxergam que a aprendizagem dos saberes escolarizados pode
proporcionar uma vida adulta melhor aos seus filhos. Essa é a perspectiva das
famílias. Que o conhecimento escolar torne seus filhos melhores, tanto no sentido
humano, como na capacitação intelectual. Não somente para terem uma carreira
profissional, mas para enfrentar a concorrência desigual no mundo do trabalho.
Essa é a perspectiva prioritária que os pais atribuem ao currículo desenvolvido na
escola. A ampliação do conhecimento que possibilite uma vida mais digna, para
seus filhos.
Essas idéias expostas no relato dos pais nos remetem ao significado e
controle histórico do currículo, discutido por Apple (2006, p. 82-87), onde expõe que
as escolas em sua organização escolar apresentam uma significação social e
econômica. E na sua acepção, o alicerce dessa significação curricular sustentou-se
na centralização do controle social e tomou forma no início do século XX assumindo
um conjunto de procedimentos para seleção e organização do currículo.
Oriundo da sociologia, o controle social passa a ser um mecanismo de
dominação no campo escolarizado onde, especialistas do currículo como Bobbitt e
W. Charters influenciaram fortemente esta concepção pautando-se nas idéias de
administração cientifica de Frederick Taylor. Com a centralidade do controle social,
determinaram-se critérios de seleção de significados com os quais os alunos
entrariam em contato nas escolas. Esses critérios e procedimentos demarcavam
interesses da produção econômica que se empregava de uma linguagem de
produção, do funcionamento ajustado e das habilidades burocráticas. Assim, um
grupo de significados adicionados a um consenso normativo e ao ajuste econômico
formatou-se na estrutura da educação formal. Esses fatores determinam por que
alguns significados sociais e não outros são usados no currículo escolar.
No que diz respeito ao significado social do currículo escolar exposto por
Apple, anteriormente, pode se dizer, que essa situação o é uma problemática
vivenciada somente nos Estados Unidos durante o final do século XIX e XX. São
constatações do século XXI, que ainda persistem no Brasil, na conjuntura
educacional do município de Cametá e se materializa na educação ribeirinha
139
multisseriada, quando a Secretaria de Educação centraliza e exerce o controle
social do currículo, se utilizando de uma listagem de conteúdos programáticos que,
embora contenha alguns aspectos referentes à cultura do sujeito ribeirinho ou ao
contexto municipal/paraense, estes se apresentam de forma fragmentada e
descontextualizada.
Essa significação social do currículo escolar também é latente no
pensamento atribuído à concepção de educação escolarizada pela família ribeirinha,
até porque, segundo Vasconcelos (2004), estes sujeitos estão inseridos numa
cultura do senso comum, que muitas vezes os impede de enxergar além do
estabelecido.
Também há de convir que, a superação deste modelo de currículo se
perfaz na contramão da história dos sujeitos inseridos numa cultura. Segundo
Vygotsky (2006), a cultura não pode ser considerada como um sistema estático. A
cultura está em um movimento histórico de transformações. São os sujeitos nela
inseridos os mobilizadores desse processo de mudanças. “Eles criam, recriam,
interpretam e reinterpretam as informações, conceitos e significados”. (p. 38).
Nessa dinâmica, os conceitos e significados se transformam no campo
psicológico dos sujeitos históricos, através da “interação entre o mundo cultural e o
mundo subjetivo de cada um”. (Idem, 2006, p.38). Em vista dessa possibilidade, o
conceito e o significado do currículo escolar, por exemplo, tem alcançado diferentes
interpretações entre os sujeitos de um mesmo grupo cultural. Isso é perceptível no
posicionamento de sujeitos engajados nos movimentos sociais que às vezes,
compartilham opiniões divergentes daquelas estabelecidas na sociedade ou das
freqüentemente recorrentes nas narrativas dos pais.
Com isso, identifica-se outro posicionamento em relação ao currículo
escolar e nos permite compreender o conhecimento numa perspectiva, além do
comumente esperado pela sociedade.
Discutimos na semana passada sobre a troca da direção da
cooperativa e na cooperativa tem muitas pessoas que querem pegar
esta vaga. Mas, infelizmente, tem que ter estudo. Por que, hoje a
senhora sabe que, até um representante de uma entidade forte
como a cooperativa tem que ter estudo, saber mexer com a internet,
saber sobre a produção, vender a produção, pagar uma pessoa, [...]
140
debater sobre a produção com o produtor, [...] hoje nós trabalhamos
com o açaí, mas, amanhã podemos trabalhar com outras frutas,
aliás, nós estamos plantando taperebá, abacaxi e várias coisas nós
estamos fazendo. Temos que ter uma produção maior tem que
mexer com essas frutas para criar mercado. Estamos pensando em
fortificar o trabalho para adquirir uma polpadeira e fazermos o
armazenamento do açaí no final da safra. Então, para tudo tem que
ter o estudo, conhecimento. (Comunitário D).
Pelo discurso emitido nas narrativas anteriores, visualizamos a concepção
de uns depoentes que, o significado de estudar seja válido especialmente, para
alcançar uma perspectiva melhor de trabalho. Evidentemente, isso também, é
coerente. No entanto, necessariamente, não deve ser o objetivo final da educação,
posto que:
Se continuarmos vendo os educandos desde a educação infantil e,
sobretudo no ensino médio e nas séries finais do ensino
fundamental, como recursos humanos a serem carimbados para o
mercado segmentado e seletivo, seremos levados a privilegiar e
selecionar as habilidades e competências segundo a mesma lógica.
(ARROYO, 2007, p. 24).
Outros sujeitos, por outro lado, compreendem que estudar é importante
porque facilita no enfrentamento diário da vida em sociedade, ou seja, compartilham
do pensamento em que, dominar o conhecimento escolar está para além do
mercado de trabalho. Isso é perceptível na concepção de currículo expresso pelo
comunitário acima, quando retrata que um “representante de entidade precisa ter
estudo”, dominar instrumentos de comunicação, tecnologias de mercado de
produção para, por exemplo, poder administrar uma cooperativa.
Com isso, identifica-se que a essencialidade do saber escolar não é
meramente para inserir o sujeito no mercado de trabalho, mas para que ele possa
exercer toda e qualquer atividade social que desses conhecimentos necessitem. Na
entrevista, o depoente se reporta à importância do conhecimento escolar para
melhor articular o direcionamento de uma cooperativa, uma entidade que política e
economicamente difere de uma empresa capitalista. Essa idéia do informante
relaciona-se ao que Arroyo (2007, p. 26), vem discutindo sobre o currículo e o
trabalho. E em suas abordagens nos relembra que: “o direito ao trabalho é inerente
141
à condição humana, é um direito humano”. Com isso, propõe ele como ponto de
partida, questionar os currículos. E prossegue: “ter como referente ético o direito dos
educandos ao trabalho e o direito aos conhecimentos e saberes dos mundos do
trabalho, irá além do referente mercantil, do aprendizado de competências”.
Essa é uma idéia interessante e contribui para atualizar a critica que o
informante tece a educação ribeirinha e universitária cuja prioridade tem se
constituído em formar, um quadro de profissionais para atuar fora da localidade.
Enfatiza-se com isso, o que Paulo Freire chamou de consciência vivida e
experimentada na realidade social, ou seja, quem vive o problema, sabe muito
bem onde “o sapato aperta”. E, de fato, muitos ribeirinhos saem para estudar na
cidade e os que conseguem se formar dificilmente retorna ao lugar de origem.
Entretanto, sabe-se da necessidade de diversos profissionais para atuar nas áreas
ribeirinhas, enquanto o cenário que se concebe no campo escolar é outro, como
afirma a narrativa abaixo:
Olha! Nós temos aqui na escola grande que está [se referindo à
Escola Dulce Ferreira Pacheco] com uns trezentos e poucos alunos
[...] e eu acredito que não tenha nenhum, que queira mexer ao
menos com a agricultura. As pessoas estão se formando para serem
outras coisas. Nós precisamos aqui de médico, por que nossa saúde
está muito baixa, mas hoje dentro do contexto escolar, das
universidades a senhora pode ver quantas pessoas se formam na
questão da medicina. Mas, nós precisamos desses alunos para
ajudar nosso país. Outra coisa tem gente que quer se formar na
universidade, mas comprado. Tem gente que compra o seu diploma.
É uma tristeza a educação do nosso país. (Comunitário D).
O ribeirinho tem conhecimento de que, somente por intermédio da
escolarização um adulto consegue se profissionalizar e ser aceito/reconhecido como
tal pela sociedade. Entende ele que, uma tarefa fundamental da “escola é certificar
a competência de um adulto. Uma perspectiva que tira a escola do seu ambiente,
que é o de uma relação maior e mais poderosa com as instituições econômicas e
políticas que lhes confere significado”. (APLLE, 2006, p. 82). Concordo com a
opinião de que ainda prevalece com maior influência na sociedade brasileira, a
política de formação, pautada nos interesses de mercado industrial capitalista e não,
142
nas necessidades gerais da população. Por isso, a ausência de vários profissionais
para atender a população do campo. Isso ocorre, por que:
A nossa economia necessita de níveis elevados de conhecimento
técnico e administrativo para expansão dos mercados, para criação
artificial de necessidades de novos consumidores, para o controle e
a divisão do trabalho e para a inovação de cnicas de modo a
aumentar ou sustentar a própria cota de mercado ou aumentar as
margens de lucro. Escolas e universidades ajudam na produção de
tal conhecimento. (Idem, 2003, p. 69).
Dar relevância superior ao conhecimento escolarizado é uma política da
cultura dominante que tem se disseminado a toda sociedade. Para eles, não é
suficiente fazer apenas alterações curriculares no campo educacional. Suas idéias
tendem a se expandir como pensamento comum a todos e se imergir numa
concepção ideológica em que o conhecimento discutido na escola tornou-se
reconhecido/legitimado de modo que, essa idéia se materializou no pensamento da
população de diversas categorias sociais. E, não são somente os pais de alunos de
uma escola ribeirinha, que tem impregnado na sua cultura essa idéia dominante.
Também se identifica esse pensamento na fala da depoente, expresso de forma
diferente, quando expõe a sua concepção sobre o significado do currículo escolar:
Para mim, é quando a gente conhece a vida escolar do aluno.
Quando está apto a ensinar e também a aprender. [...] Quando tem
os conteúdos da escola e observa se o aluno conheceu aquilo. Se
ele aprendeu. Se ele conseguiu aprender, conhecer, aquilo que a
gente repassou, como por exemplo, trabalhei um assunto, que o
aluno não conhecia antes e de repente vou trabalhar com ele, ai ele
já passa a conhecer aquilo. (Professora B).
Encontra-se nesta narrativa, dois aspectos significativos para compreender
a materialização do currículo escolar. E um destes, apresenta-se na idéia de que os
conhecimentos são para repasse e não de construção dos saberes sistematizado.
Outro focaliza, os conteúdos escolares como instrumento de referência significativa
para a aquisição e apropriação do conhecimento por parte dos alunos.
143
Com isso constata-se no primeiro caso, que a concepção de currículo da
professora perpassa pela mesma significação na qual vem sendo discutido. Entre as
palavras citadas pela docente, se destacam como mais significativas para o debate
curricular, as palavras: aprender, conhecer, repassar. O sentido e significado de
conhecer, aprender mais uma vez, é a referência prioritária na fala dos sujeitos e
como já se teceu uma reflexão em torno delas, não vou a elas, me referir no
momento. No entanto, quero frisar que a idéia de repassar é um pensamento
educacional cuja compreensão se dá no sentido da transmissão.
Repassar ou transferir conhecimentos constituem uma discussão no campo
do currículo, criticado por diferentes pesquisadores. Foi uma denominação frisada
no contexto curricular da concepção de educação bancária, desenvolvida por Freire
em sua obra Pedagogia do Oprimido, no qual na sua acepção, a cultura dominante
concebe o conhecimento escolarizado como um saber culturalmente transferível.
Dentro dessa significação, depositava-se o conhecimento da mente do professor
para a mente do aluno. Com isso, materializou uma postura educacional, onde o
aluno era visto somente, como receptor do saber escolarizado. “Desta maneira a
educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e
o educador o depositante”. (FREIRE, 1996, p. 58).
O segundo aspecto conduz focos de uma fala que retrata a função
prioritária da educação - identificar se “o aluno conseguiu aprender, conhecer”. Ora,
o papel fundamental do processo ensino aprendizagem é gerar condições para que,
as crianças se apropriem dos conhecimentos. Poderíamos dizer baseados no
pensamento de Vasconcelos (2004), que:
O ponto de partida do trabalho do educador para possibilitar a
aprendizagem é esta capacidade de indução, de provocação, de
estímulo para motivação; quem vai conhecer é o sujeito, porém o
outro sujeito, o educador faz acompanhamento na perspectiva de
despertar, de provocar o sujeito para tal. (p. 76).
O sujeito é alguém que necessita do empenho e da convicção daquele que
ensina, e sabe que este saber é de suma relevância para a vida da infância e da
adolescência ribeirinha. Mas, necessariamente, isso não significa que a criança ou o
adolescente tenha que isolar os conhecimentos significativos de sua cultura.
144
3.2.1 O significado do currículo escolar para os educandos
Tem-se observado na educação ribeirinha a ausência ou a presença
superficial, fragmentada desta relação dos saberes acadêmicos, científicos, com os
aspectos significativos da cultura ribeirinha. Isso é repercutido na voz dos
educandos entrevistados, quando se referem aos conhecimentos apreendidos na
escola, e assim, relatam:
Sei desenhar, escrever, pintar. Não sei ler direito, aprendi a soletrar,
sei fazer conta de mais e menos. (Educando A).
Sei soletrar: pipoca, cabelo, vassoura, tapete, porta. Sei escrever,
tirar do quadro, sei fazer conta, desenhar. Quero muito aprender a
ler. (Educando B).
Aprendi a tirar do quadro, a lição: a canoa virou não deixou de virar
foi por causa da Maria que não soube remar. Se eu fosse um
peixinho que soubesse nadar eu tirava a Maria do fundo do mar.
Sei escrever. Ler é o que mais, quero aprender. (Educanda C).
Aprendi muita coisa, escrever. Ainda não sei ler. Sei escrever
números. Conta não sabia quando ela passava no quadro, agora,
aprendi um pouco. Quando é para completar algumas coisas, dou
conta. Outras não. Já estudei esse negócio de órgãos, as plantas. Às
vezes estudamos as plantas daqui e de outros lugares. (Educando
D).
Elvira Lima (2007, p. 34) revela que, o aluno constrói conhecimentos por
meio de estratégias especificas e se modificam em função dos conteúdos
aprendidos e conforme o período de desenvolvimento da infância, essas estratégias
podem ser relevantes. Cita ainda que: “observar, imitar, desenhar, registrar, levantar
hipóteses sobre os fatos e as coisas, testá-las são atividades que a escola pode
desenvolver com a criança”. (p.35). Dentre as estratégias mencionadas por Lima,
somente uma aparece no discurso dos depoentes desenho. Dentre os
entrevistados três são da série, sendo dois com nove anos e um com 11 anos.
Uma é da série e tem doze anos. Entre eles, temos dois repetentes por mais de
uma vez. Esses alunos criaram estratégias importantes para não desistir de estudar.
145
Outro fator chama atenção entre as falas dos educandos, e diz respeito ao
que eles aprenderam e não aprenderam. Dentre o que aprenderam, consta:
escrever, pintar, desenhar, soletrar, copiar do quadro, conta (operações
matemáticas), completar frases, os órgãos e as plantas daqui e de fora. No que se
refere ao que não aprenderam aparece enfatizadamente, em todas as falas: não
saber ler. Em outras palavras, ao analisar os depoimentos das crianças e
adolescentes da pesquisa, constatou-se o surgimento de palavras elucidadas
inúmeras vezes. Conforme Freire (2007, p. 73), “em uma investigação inicial as
palavras constituem vocábulos carregados de significação e estão vinculadas ao
universo existencial e fazem parte da situação concreta do analfabeto”. Para esse
autor, “a alfabetização não deve ser feita de cima para baixo ou de fora para dentro,
mas de dentro para fora”. (p. 72). Em vista dessa fundamentação, buscou-se
organizar o pensamento dos educandos conforme os temas significativos para
análise do currículo escolar na concepção destes sujeitos. Assim, caracterizaram-se
os dados da infância e adolescência ribeirinha.
1. Aprender; (14 vezes)
2. Ler; (13 vezes)
3. Escrever e ler: (11 vezes)
4. Aprender a ler; (10 vezes)
5. Estudar; (07 vezes)
As palavras acima são enfatizadas em frases curtas relacionando-as a um
verbo que expressa uma significância relevante não somente na fala do sujeito,
mas, nos seus gestos, no tom da voz, no jeito de comunicar ao outro aquilo que lhe
alegra ou reprime, o que almeja. Para exemplificar, essa informação coerentemente,
observou-se as frases relacionadas às palavras supracitadas, e constatou-se que,
esses verbos emergiram inúmeras vezes em frases curtas ou longas dos
educandos, nos quais se expõem aqui, algumas delas, para melhor ilustrar o nosso
propósito:
Quanto ao verbo aprender tem-se: “Pra aprender”; “Quero aprender”;
“Tem que aprender”; “Aprender é uma obrigação”. Referente ao verbo ler: “Não sei
ler”; “Quero ler”; “ler estou aprendendo a ler”; “O que mais quero, é ler”. Ligado a
palavra escrever: “escrever todos sabe, não sabem ler”; “Escrever eu sei, mais
quero muito saber ler”; “Gosto de escrever, não sei ler”. No que diz respeito à
146
frase, aprender a ler: “Pra aprender a ler”; “Quero aprender a ler”; “Por que tenho
que ler”. “Tenho vontade de aprender a ler”. Em relação ao verbo estudar tem-se:
“Gosto de estudar”; “A gente tem que estudar”; “Estudar serve pra gente trabalhar”;
“Estudar muitas coisas”;
Então, conforme os dados abordados encontraram-se como destaque
significativo nas falas das crianças e adolescentes, expressões outrora
mencionadas pelos sujeitos da pesquisa (pais, comunitários e a professora). Cada
palavra tem relevância conceitual e se destacam na voz do sujeito que fala. Ao
tratar a palavra da criança e do adolescente no sentido conceitual Vygotsky (2005,
p. 72), afirma que “a formação de conceitos começa na fase mais precoce da
infância [...] mas a formação de conceitos amadurece, se configura e se desenvolve
somente na puberdade”. Desse modo, os destaques considerados pelas crianças e
adolescentes, da pesquisa são: Aprender; Ler; Escrever e ler; Aprender a ler e
Estudar, são falas recorrentes nos depoimentos das crianças e adolescentes e ao
observarmos o desdobramento da palavra LER identificamos como um “novo”
elemento dentre os demais depoimentos, e veio enaltecer o sentido do verbo
aprender. Concordo com Freire (2007, p.73) que “as entrevistas revelam desejos,
frustrações, desilusões, esperanças, desejos de participação e, freqüentemente,
certos momentos altamente estéticos da linguagem popular”.
Com base nesse cenário, penso ser fundamental para discussão que
estamos desenvolvendo, analisar um dado a mais, emitido pelos educandos
ribeirinhos que, na minha interpretação, envolve uma reflexão sobre o currículo
escolar, relacionando ao significado do “aprender a ler”, para educandos ribeirinhos.
Essa discussão possibilita compreender com mais abrangência o significado do
currículo na perspectiva do sujeito em processo de desenvolvimento da
aprendizagem escolar.
3.2.2 O significado do “aprender a ler”, para educandos ribeirinhos
Inicialmente é procedente indagar: Por que, a expressão recorrente nas
narrativas dos educandos é aprender a ler? Com a pesquisa realizada no primeiro
semestre de 2008, constatou-se que os alunos de a série copiavam do quadro
148
e de livros didáticos, mas não conseguiam ler o que escreviam. Somente uns
conheciam o alfabeto e a junção de sílabas simples. Enquanto outros, nem isso
conseguiam. Aprender a ler as palavras escritas na escola é a base fundamental
para apreensão de qualquer conhecimento escrito e o elemento mais significativo do
currículo escolar. “A alfabetização é mais do que o simples domínio de técnicas para
escrever e ler. É entender o que se lê e escrever o que se entende” (FREIRE, 2007,
p. 72).
Para definir a palavra significado, apoiou-se no pensamento de Vygotsky
(2006, p. 48), que diz entre o pensamento e a linguagem existe o significado que
compreende um elemento primordial, básico para decifrar a essencialidade da
palavra. É em virtude do significado da palavra que o pensamento e a linguagem
unificam-se. É o significado que permite aos sujeitos de um mesmo sistema de
linguagem a comunicação entre eles e assim, possam representar sua realidade,
seu mundo real.
Mas, do ponto de vista da psicologia, o significado de cada palavra
é uma generalização ou um conceito. E como as generalizações e
os conceitos são inegavelmente atos do pensamento, podemos
considerar o significado como fenômeno do pensamento. (Idem,
2005, p. 151).
Com base nessa exposição, a expressão “aprender a ler”, podem ser
compreendidas tanto no sentido conceitual individual de cada palavra, como no
conjunto da frase: aprender a ler; devido comporem significados histórico-cultural,
construídos tanto nas relações sociais do eu com o outro, quanto na relação destes
com a natureza. Com isso, pode-se dizer que, por exemplo, aprender é uma
necessidade humana e ao mesmo tempo, é uma questão de sobrevivência. A
capacidade de aprender é uma das funções psicológicas humanas que
historicamente se desenvolveu graças à relação mediada do homem como o mundo
e com os seus pares sócio-culturais. Nas palavras da teoria Vygotskyano, o
desenvolvimento das funções psicológicas se dá pela mediação, ou seja:
Os elementos mediadores na relação entre o homem e o mundo
instrumentos, signos, e todos os elementos do ambiente humano
carregado de significação cultural são fornecidos pelas relações
149
entre os homens. Os sistemas simbólicos, e particularmente a
linguagem exercem um papel fundamental na comunicação entre os
indivíduos e no estabelecimento de significados compartilhados que
permitem interpretações dos objetos, eventos e situações do mundo
real. (Idem, 2005, p. 40).
Conforme essa teorização, a mediação apresenta-se por uma lembrança
memorizada pelo sujeito em suas experiências, ou pela relação entre estes. Isso é
significativo por que, a criança que nasce e se desenvolve na cultura ribeirinha, por
exemplo, adquire uma aprendizagem cultural muito rica, são internalizados como
sistema simbólico “signos internos, isto é, representações mentais que substitui os
objetos do mundo real”. (Idem, Ibidem, p. 35), e são depois socializados,
compreendidos, interpretados e/ou transformados na relação entre os sujeitos da
mesma língua. Em outras palavras, o idioma oficial do nosso país é o português. No
entanto, na linguagem regionalizada brasileira, encontram-se um dialeto próprio de
determinados grupos populacionais e a população ribeirinha em estudo, é
certamente, um destes exemplos.
Nessa perspectiva, a pesquisa nos possibilita ampliar nosso
conhecimento em várias dimensões. Uma delas ocorreu com o depoimento do
educando, quando diz: Conheço dourado grande e o douradinho, mandubé, arraia
e o mergulhão”. Dentre as palavras mencionadas pelo educando uma delas era a
mim desconhecida - o mergulhão. Fiquei perplexa diante da palavra, não
conseguia assimilar ou relacionar a qualquer coisa que não fosse um animal que
mergulha uma espécie, de peixe. Mas, não sabia direito sobre esse mergulho. Seria
um mergulho que vinha de fora/cima para dentro, ou inverso. Todavia, acrescentou
o sujeito: O mergulhão é da água. Então, fiquei a pensar: Será que se trata de um
animal que mora na água? Será ele, um peixe ou outro animal? O garoto não havia
mencionado a palavra mora. Então, será que ele vive da água, na água, ou as duas
coisas? Se viver na água, se alimenta de que? De restos mortais? Se for de restos
mortais, são os de origem animal ou vegetal? Mas, pode esse animal degustar de
alimentos frescos. Se for esse o caso, são de origem animal ou vegetal? Foi quando
o sujeito que se apropriou daquele conhecimento, explicou-me: o mergulhão é um
pássaro, que se alimenta de peixe. Parece com um pato, mais não é um pato.
Sua cor é preta, tem um pescoço fino e engole dourado. Ele pega qualquer
150
peixe. O bico dele é incrível e muito amolado. Com essas informações, ampliam-
se o nível de conhecimento relacionado ao mergulhão.
Então, de acordo com Vygotsky (2006, p. 26-27), o educando faz aqui o
que ele chama de “relação mediada pela lembrança da experiência anterior, ou seja,
entre o homem e o mundo existem mediadores, ferramentas auxiliares da atividade
humana” e se desenvolve nas funções psicológicas da criança e do adolescente.
De acordo com Vygotsky, quando uma pessoa aprende o significado de
uma palavra esse conceito é internalizado no sujeito e compartilhado pelos sujeitos
da mesma língua, passa a ser uma representação mental e serve como signo
mediador na compreensão de mundo. (2006, p. 36).
Conforme essa perspectiva, o educando ribeirinho ao mencionar a palavra
mergulhão, não precisa está em contato direto com este animal, posto que, a
palavra mergulhão foi mentalmente internalizada e toda vez que essa palavra for
mencionada irá recordar daquele animal por conta da experiência vivenciada
anteriormente no processo de apropriação de conhecimento de sua cultura.
Para Vygotsky (2006, 42-47), a partir do desenvolvimento do pensamento e
da linguagem as crianças e adolescestes classificam os objetos por categorias.
Neste caso, o educando compreende que o mergulhão pertence ao grupo dos
pássaros, portanto, sabe-se coberto de penas. Mas, ao descrever sobre o bico
amolado, pescoço fino e, se alimenta de peixes, diz-se mais de um tipo de pássaro.
Com essa classificação ele consegue conceituar e distinguir o significado de
pássaros diferenciando, por exemplo, das palavras gato Gigi, estudado na seção;
sabe também que o mergulhão não é uma cobra, não é um pato, mesmo sendo
semelhante a este, trata-se de um animal diferente.
Quantas perguntas e informações podem surgir daquilo que se
desconhece? Quais aprendizagens podem-se adquirir de nossas curiosidades?
Daquilo que imaginamos saber/conhecer por estar próximo de nós? Quantas coisas
se aprendem com o outro. A criança com os saberes e o vocabulário de sua cultura
nos ensina o que Vygotsky dizia a respeito da aprendizagem. E segundo sua teoria
ela se processa por meio da interação do homem com o mundo, pelas relações
históricas e sociais entre os sujeitos. Nesse sentido, o professor é na escola o
mediador não só para ensinar os conteúdos programáticos sistematizados pela
secretaria municipal de educação, mas em meu ponto de vista, para proporcionar a
leitura e a escrita de mundo.
151
No debate educacional e mais precisamente no campo curricular, aprender
a ler e escrever é uma das ferramentas, mais relevantes para entrar em contato com
as diversas formas de pensamento nos diferentes campos de conhecimento no
mundo dos letrados. É a necessidade básica, do estudante. Sem o domínio da
leitura, dificilmente se conseguirá ler os textos escritos ou escrever textos próprios.
Nas séries iniciais do ensino fundamental, necessita-se ler tudo, pois nem mesmo
os conteúdos da matemática são formados somente de números e também
precisam ser lidos. Neles, contêm frases e textos, assim como os demais conteúdos
nas outras áreas de conhecimentos. Portanto, ler e escrever foram e ainda continua
a ser fundamentalmente, necessário a vida. Segundo Ferreiro (2005):
Os verbos ler e escrever não tem uma definição unívoca. São
verbos que remetem a construções sociais, a atividades socialmente
definidas. A relação dos homens e das mulheres com a escrita não
está dada de uma vez por todas nem foi sempre igual; foi se
construindo no transcurso da história. Ler não teve nem terá o
mesmo significado no século XII e no século XXI. (p. 40).
Ler e escrever são construções sociais que tem se transformado com o
avanço da ciência e da tecnologia. Entretanto, decifrar os códigos da escrita por
meio da leitura, não é tarefa fácil. Nem para os que ensinam, e muito menos, para
quem aprende. Pesquisas de diversas áreas têm enfatizado que, a alfabetização
dos sujeitos torna-se complexa quando os educadores optam em alfabetizar com
utilização de cartilhas ou livros didáticos. Conforme Cagliari (2002, p. 102), a
utilização das cartilhas de alfabetização é uma prática largamente difundida entre os
educadores e se utilizam desse instrumento como todo de ensino da leitura para
uma programação anual.
Constatou-se essa prática de alfabetização, também na escola ribeirinha
que tem como instrumento de alfabetização o livro intitulado: Alegria do Saber,
distribuído pelo Ministério da Educação em 2005. Seu sistema gráfico compõe-se
de: imagens, palavras, textos, sugestões de atividades diversas, com ênfase maior,
nas letras e sílabas que são destacadas pela cor vermelha. Um recurso pedagógico,
sem o mínimo significado para a cultura cametaense e menos ainda, para os
ribeirinhos.
152
No entanto, esse recurso era o único instrumento de leitura, empregado
para a alfabetização dos educandos, algumas vezes durante a semana (numa
semana duas vezes, noutra, uma), próximo ao horário de saída da escola, a
professora toma a lição de cada um em sua mesa, local onde estes ficam
enfileirados, aguardando sua vez. Para o autor, “o método da cartilha destrói a
habilidade do aluno de lidar com a linguagem na sua forma plena e natural como
fazia antes, quando apenas falava”. (CAGLIARI, 2002, p. 101).
Com esse processo de aquisição da leitura e da escrita, o currículo de uma
cultura elitista, dominante ganha forma e espaço para influenciar o pensamento da
cultura ribeirinha. Concordo com o autor que:
Os educandos não têm sido esquecidos nas políticas e propostas
curriculares nem poderão ser esquecidos em qualquer reorientação
curricular. Um olhar crítico, sobre essas imagens é um caminho para
uma postura critica perante os currículos. (ARROYO, 2007, p. 22).
Para aprender ler e escrever fundamentado por uma postura de currículo
crítico, Freire (2006) propõe como alternativa pesquisar o universo cultural dos
sujeitos e no contexto educativo provocar a descoberta dos temas significativos para
não somente alfabetizar os educandos, mas para explorar os conhecimentos
significativos construídos pela humanidade despertando nestes o senso crítico.
“Para mim seria impossível engajar-me num trabalho de memorização mecânica do
ba-be-bi-bo-bu, dos la-le-li-lo-lu. [...] reduzir a alfabetização ao ensino puro da
palavra, das sílabas ou das letras”. (p. 19).
O autor fala de uma leitura significativa, critica e sobre esse aspecto,
ressalta:
A leitura de mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura
desta implica a continuidade da leitura daquele. [...] este movimento
do mundo a palavra e da palavra ao mundo está sempre presente.
[...] podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é
apenas precedida pela leitura de mundo, mas por uma certa forma
de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo
através de nossa prática consciência. (Idem, Ibidem, p. 20).
153
A consciência crítica desperta o educando para uma leitura crítica de
mundo e dos conhecimentos historicamente construídos pela humanidade. É um
debate que se provoca entre a cultura do educando e a cultura dominante. Isso
devia ser decorrente do diálogo entre educando e educador que analisam, refletem
e questionam a realidade, os conhecimentos sistematizados e amplia esse debate
para o contexto municipal, estadual, nacional, latino americano e planetário.
Os conhecimentos estão para serem estudados, questionados,
construídos ou reconstruídos à luz da realidade, ou seja, a realidade é o lugar onde
o alfabetizando conhece, se ele a conhece pode ser ela, a fonte básica para a
apropriação da leitura e da escrita bem como para decifrar outros
entendimentos/discernimentos. Por isso, o propósito dessa concepção é buscar os
conhecimentos presentes na cultura do sujeito para problematizar e assim provocar
primeiro a leitura de mundo (contextualizada) e, por conseguinte a leitura da
palavra. Pois, “suas falas, cheias de palavras, que, por sua vez, são contaminadas
de significados e de sentidos existenciais, constituem as tessituras das veias e das
teias do discurso dentro e fora da sala de aula”. (FREITAS, 2005, 74).
Na cultura ribeirinha essa leitura de mundo, está na ponta da língua das
crianças e adolescentes ao dizerem sobre seus conhecimentos culturais
possibilitou-nos um alargamento de idéias, as quais se priorizaram aqui, somente
uma narrativa de cada entrevistado que assim retratam:
Conheço bem o rio e os peixes. Já peguei dez caratinga. Sei nadar e
remar com o casco. Gosto de tapar ai, a beira com malhadeira e
pegar peixe. Peguei com a malhadeira: tucunaré caratinga, piranga e
aracu. Sei tirar açaí. E conheço as plantas: aningueira, serirubeira e
os bichos mucura, tamanduá, a preguiça, o cuandu. E os pássaros:
bem-te-vi, sabiá, periquito, curió. E no quintal tem porco e galinha.
(Educando A).
Conheço o jambeiro, mas o papai derrubou, era enorme, ele tinha
medo de cair em cima da casa. Temos dois abiuzeiro, bananeiras e o
açaí. O açaí está bom para tomar quando ele fica preto. Eu sei
ajudar na casa, encher água, cuidar de peixe. Conheço peixes:
caratinga, pescada, mapará, bacu, jacundá e tainha. Gosto muito de
caratinga e mapará com açaí, farinha e paçoca de mapará assado.
(Educanda B).
Conheço: andirobeira, açaizeiro e os bichos: boto, tucunaré, golfinho,
tucano, papagaio, macaco, e as árvores: goiabeira, mangueira e
cacaueiro. (Educando C).
154
Olha, eu conheço muita coisa. Perto da minha casa, tem casas e
plantas: açaizeiro, coqueiro, taperebá, abacaxi, jambeiro, turanja,
limão, goiabeira. Só sei os animais que moram aqui. Mas sei que, no
nosso município não tem o leão. Vou falar por casa, tem: pato,
marreco, porco, galinha, cachorro, dois gatos tem um carachué. A
gente fala carachué pra ele. que o nome dele, é sabiá. Na casa
da vovó tem dois periquitos, pata e galinha, Na casa do tio, tem:
porcos e galinha. No mato tem: mucura, preguiça, gavião e pavão. O
pavão está extinto. Ta extinto, porque é pouco da raça dele. O
papai me falou que extinto, é pouco da raça. Tem o tucano,
tamanduá, uns é bandeira. O papagaio nós temos ainda muito aqui.
que tem gente que não pensa que a natureza pode se acabar.
Tem gente que mata muito os animais da natureza. (Educando D).
As narrativas dos educandos sobre seus saberes culturais dizem de sua
sabedoria sobre a natureza uma vez que estão diretamente a ela relacionadas. “As
suas falas são impregnadas de significados e dos sentidos das vivências simbólicas,
míticas, cnicas, tecendo as teias de saberes encharcados das relações com o
ecossistema”. (FREITAS, 2005, 74).
Retoma-se aqui, o que foi dito na seção anterior, sobre significado da
fauna, flora e o rio para essas populações. São três grandes elementos refletidos
pelos educandos que se problematizados na sala de aula provocaria não somente
uma leitura de mundo, mas outro tipo de alfabetização, de leitura e escrita das
palavras, sem soma de dúvidas mais relevantes que as contidas no livro
mencionado anteriormente.
Assim, com base nessa argumentação, relata o autor que, “ao contrário do
que muita gente pensa, inclusive professores de alfabetização, para alguém ser
alfabetizada, não precisa aprender a escrever, mas sim aprender a ler”. (CAGLIARI,
2002, p. 113). Encontra-se também em Vygotsky (2006, p. 30), os achados das
formas de comunicar-se e, ao mesmo tempo de ler o mundo, uma vez que, homens
e mulheres criam signos para representar ou substituir alguma coisa. Assim, “a
palavra mesa, por exemplo, é um signo que representa o objeto mesa”. Acrescenta,
ele que, “a imagem, as figura de um dado objeto permite a qualquer pessoa letrada
ou não um tipo de leitura”.
Os educandos ao narrar sobre suas aprendizagens oriundas da cultura
vivida revelam processos de construções de um grupo social que constitui sua
identidade pessoal e de seus pares. São conhecimentos socialmente construídos na
prática e na convivência com outras experiências. Por conta disso, retrata Freire
155
(2001), ser dever da escola e do educador não somente respeitar os saberes dos
educandos, mas “discutir com eles a razão de ser de alguns desses saberes em
relação com o ensino dos conteúdos”. (p. 33).
Pensar nos educandos e educadores como sujeitos responsáveis pela
construção do conhecimento implicam pensar e refletir criticamente sobre a visão de
currículo predominante na cultura escolar e compreender que como sujeitos, dessa
construção, o nosso compromisso é mobilizar-se para desconstruir, essa concepção
pejorativa, materializada de um magistério centralizado na disseminação de uma
cultura fragmentada, homogênea, e entender que o nosso referencial sobre o que
ensinar e aprender devia, de acordo com o autor:
Partir do conhecimento e da cultura, dos valores da memória e
identidade na diversidade a que os educandos têm direito.
Significará inverter prioridades ditadas pelo mercado e definir
prioridades a partir do imperativo ético do respeito ao direito dos
educandos. (ARROYO, 2007, p. 37).
Com essa abordagem, revelam-se a necessidade de reconhecer os
educandos como sujeitos de direitos para que se possam ter condições de
“questionar o trato seletivo e segmentado em que, ainda se estruturam os
conteúdos”. (Idem, Ibid, p. 37). Tem gerado o analfabetismo entre os estudantes.
Este é um caso sério, e está não na escola ribeirinha multisseriada, como retrata
a pesquisa, “que 64% dos alunos de série não aprenderam a ler e escrever
conforme dados do Saeb”. (LIBÂNEO, 2006, p. 72). Porém, combater esse
problema é uma necessidade que precisa de orientação, acompanhamento e
efetivamente, condições para que essa possibilidade se manifeste na escola e na
sala de aula. No caso da escola em estudo, a docente reconhece o fato, como um
problema vivenciado por seus alunos e em entrevista, relatou: sei que a maior
dificuldade dos meus alunos está relacionada à leitura. que eu também, não sei
o que fazer. Não sei por onde começar”.
Sabemos que das narrativas dos educandos surgiram idéias interessantes
para se explorar o conhecimento como ferramenta de ensino da leitura e da escrita,
posto que, os educandos têm um conceito desses sentidos e significados
internalizados no seu psíquico. Todavia, para alfabetizar um grupo de educandos
156
nesses princípios, demanda conhecimento da concepção de educação, bem como a
organização e a preparação antecipada do educador. E ninguém muda de uma
prática para outra sem consciência do que esta fazendo. Isso se dar segundo Freire
(2001), na necessidade da conscientização e na sua constante atualização dessa
conscientização.
A referência de currículo pautada numa postura crítica exige um processo
de amadurecimento para apropriação desse conhecimento posto que, o educador
“participa de um processo de alienação imposta a todo cidadão, uma vez que, não
domina mais nem o processo, nem o produto do próprio trabalho. Está submetido à
hierarquia do sistema educacional”. (VASCONCELOS, 2000, p.35). Mesmo
submetido a um sistema hierarquizado, os educadores constroem experiências
pedagógicas e não estão registradas em nenhum lugar.
Essas experiências pedagógicas são construídas na relação entre
educandos e educador e podem fazer ou não a diferença no desenvolvimento dos
conteúdos curriculares e na alfabetização dos educandos. Com isso vale ressaltar
que, a experiência da docente em desenvolver o currículo escolar numa multissérie
sem distinguir quem são os educandos e seus conteúdos por série, por si só, é
um avanço e têm a possibilidade de alavancar outras mudanças, especialmente
para combater com o analfabetismo de seus educandos. Então, a partir daquilo que
se observou em sua prática de sala de aula, foi possível dialogar e sugerir pequenas
contribuições baseado no que percebi que ela sabia fazer de melhor, para
desenvolver um trabalho de alfabetização das crianças e adolescentes. Pois,
compreendo que às vezes, faltam aos educadores ribeirinhos da multissérie,
momentos de encontros e diálogo para compartilhar saberes, experiências e
dificuldades, posto que, um dos compromissos do educador é desenvolver aulas
propícias à aprendizagem dos educandos, mas para isso, necessita-se muitas
vezes, de orientação e acompanhamento. E ainda, segundo o autor:
O professor tem o dever de dar aulas, de realizar sua tarefa docente.
Para isso, precisa de condições favoráveis, higiênicas, espaciais,
estéticas, sem as quais se move menos eficazmente no espaço
pedagógico. Ás vezes as condições são de tal maneira perversas
que nem se move. (FREIRE, 2001, p. 73).
157
De fato, é difícil se mover em meio a tantas precariedades a que a escola
vem se submetendo frente às políticas de educação dominante e hierarquizada.
Mas, pior será se os educandos continuarem sendo ignorados nas suas dificuldades
e saírem das séries iniciais do ensino fundamental sem terem se apropriado da
leitura. Contudo, essa era a configuração de um currículo materializado na escola
ribeirinha durante o primeiro semestre do ano 2008.
Ao retornar a escola no final do segundo semestre observou-se desde o
primeiro dia muitas diferenças nas turmas. Primeiro reorganizou-se os educandos da
manhã com a educação infantil e série. À tarde reuniu os da 2ª a série. E as
atividades realizadas naqueles dias, envolviam os educandos e percebi que alguns
da educação infantil e série conseguiam ler e escrever sílabas e palavras como
ilustram as imagens de uma das aulas.
Foto 25: Leitura e escrita das palavras.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
159
No horário da tarde, antes de começar a aula, um dos educandos
entrevistados, ao me encontrar, disse:
Foto 26: Meninas construindo palavras no grupo. Fonte:
Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
Foto 27: Educandos escrevendo palavras formadas com sílabas móveis.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
160
Tenho uma grande novidade pra te contar. Respondi: diga-me qual é
a novidade. Ele, com um semblante cheio de alegria, disse: Eu já sei
ler. Não eu, quase todos meus colegas sabem ler. Tu vai ver
quando começar a aula. Depois que comecei a ler, um dia fui à
cidade. Eu lia tudo que via. Então, uma hora passou um carro perto
de mim e estava escrita uma palavra que eu li ta-xi. Daí quando
cheguei aqui na escola, disse para professora que vi um carro
escrito em cima ta-xi. Ela perguntou se na palavra não tinha um
acento agudo. Eu disse que sim. Então ela me fez lembrar que a
palavra que li no carro na cidade era táxi e não ta-xi, por que tinha o
acento agudo. Então depois disso comecei a pensar, que nós como
falante da ngua portuguesa temos que aprender a ler as palavras
da nossa língua corretamente. (Educando D).
É muito relevante o depoimento do educando e muito difícil explicar a
sensação que senti naquele momento ao ouvir este relato. O mesmo educando que
descreveu-nos sobre as técnicas para capturar camarão, constrói agora o seu relato
a respeito do currículo escolar. Ele diz da sua satisfação de saber ler, mas, também
do exercício dessa experiência e das dificuldades de um leitor, principiante.
Dificuldades estas que não o incomoda. Depois de uma jornada de três
anos seguidos, tentando aprender a ler o básico, esquecer um acento agudo é
apenas um detalhe que evidentemente, um falante/leitor da língua portuguesa não
pode deixar de compreender e exercitar. No que diz respeito aos demais educandos,
inclusive os que contribuíram com a pesquisa, confirmou-se a aprendizagem da
leitura o somente pela observação, mas por uma entrevista coletiva com todos os
educandos da turma da tarde, dentre os quais somente um não conseguiu alcançar
esse objetivo. Constatou-se também, maior interesse e participação efetiva nas
aulas, no qual pode ser mais bem observado nas imagens fotográficas de uma das
aulas.
161
Foto 29: Resultado final da colagem de gravuras.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
Foto 28: Colagem de gravuras de animais vertebrados e invertebrados.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
162
Foto 30: Educanda escreve nomes de animais, da sua cultura.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
Foto 31: Leitura das fichas de palavras, construídas pelos educandos.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
163
Foto 32: Resultado final das palavras escritas pelos educando.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
Ao observarmos as fotografias identificam-se dois grupos de imagens. Um
se refere ao turno da manhã e o outro, ao da tarde. Nas primeiras imagens
constata-se como ocorreu o desenvolvimento da leitura, construção de palavras e
sua escrita. Foi um assunto de português: Formação de palavras com sílabas
móveis. Utilizou-se de um recurso pedagógico, construído e denominado: sílabas
móveis (feito de papel cartão, pincel piloto e plastificado), onde a docente apresenta
uma palavra às crianças, solicita que leiam as sílabas e diga qual palavra foi
formada. Depois de lida, eles escrevem no caderno. Após a leitura e escrita de
várias palavras os educandos foram divididos em grupos de meninos e meninas e
passam eles mesmos a formar as palavras e escrevê-las no quadro.
O segundo grupo de fotografias refere-se a uma aula da disciplina de
ciências com o conteúdo denominado: Animais vertebrados e invertebrados.
Nesse caso, foram solicitados antecipadamente aos educando que, trouxessem
recortes de animais e naquele dia, montaram com a professora um painel conforme
a classificação dos animais e, em seguida os educandos foram agrupados com
nomes de animais e orientados a escreverem palavras de animais por eles
conhecidas. Cada um escreveu três nomes e de frente para turma cada grupo leu
suas palavras e colaram no painel dos animais.
Combater o analfabetismo na escola não é algo simples, nem fácil de fazer.
Mas, é uma função do educador, especialmente nos primeiros anos de
164
escolarização dos educandos. E, ao que tudo indica essa foi à prioridade da
docente após um simples diálogo que resultou em encorajamento e determinação
profissional. Nessa história todos se sentem de alguma forma beneficiados. Mas
certamente os educandos foram mais bem contemplados.
Para Vygotsky (2006, p. 60), o desenvolvimento da aprendizagem se
entre a zona de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento potencial. A
primeira concretiza-se quando a criança consegue realizar uma tarefa sem auxílio
de outras pessoas. Enquanto que a segunda, efetiva-se com orientação de um
adulto ou colaboração dos colegas. Essas duas áreas de desenvolvimento são
responsáveis pela maturidade psicológica dos seres humanos e possibilita-os a
alcançar o desenvolvimento proximal. Em suas palavras “o desenvolvimento
proximal é, pois, um domínio psicológico em constante transformação: aquilo que
uma criança é capaz de fazer com a ajuda de alguém hoje, ela conseguirá fazer
sozinha amanhã”. Quer se dizer com isso que, entre estes educandos, a zona de
desenvolvimento real apresenta-se pelo domínio de conceitos vivenciados ou
experimentados na realidade ribeirinha ou na sala de aula e expresso pela
linguagem oral. Mas, a zona de desenvolvimento potencial está em constante
movimentação e mesmo alcançando-se certo nível de aprendizagem da leitura
necessitam eles ainda, da orientação do educador, a colaboração dos colegas, pais
e a comunidade, para melhor qualificar a leitura e a escrita. Para Freire (2006, p.
19): “O analfabeto é capaz de sentir a caneta, de perceber a caneta, e de dizer
caneta. Eu, porém, sou capaz de não apenas sentir a caneta, perceber a caneta,
mas também escrever caneta e conseqüentemente, de ler caneta”.
Os educandos ao escrever e ler as palavras produzidas na atividade das
sílabas móveis ou na elaboração dos nomes de animais vertebrados e
invertebrados dentro de seus conhecimentos transcende a técnica mecanicista do
copiar sem decodificar e juntamente com a docente avançam no entendimento de
que o ensino de ciências também permite leituras não somente dos textos escritos,
mas a leitura das figuras e da realidade dos educandos, ao possibilitar-lhes a escrita
e a leitura das palavras: tucunaré, mapará, jabuti, entre outras. Contudo, isso é um
processo que apenas começou para os novos aprendizes da infinita aprendizagem
de leitura, das palavras escritas. Percebe-se aí, um significado do aprender a ler
no currículo escolar, entrelaçando-se lentamente a vida dos educandos, aos
conhecimentos historicamente construídos pela humanidade.
165
Vida esta que, durante a realização da pesquisa, se observou no entardecer
da comunidade ribeirinha, diante da maré cheia crianças pulando na água,
brincando, ou conversando umas com as outras, enquanto a água é agitada pelo
movimento do seu corpo. O rio, naquele momento parece ser o ponto de encontro
das crianças ou de adolescentes. É naquele espaço, que eles comentam muitas
experiências adquiridas ao longo do dia. Com o majestoso rio, elas aprendem
diversas coisas que a escola ainda não entendeu ser fundamental a sua vida. E
quanto mais elas exploram este manancial cultural aquático, mais familiaridades vão
constituindo nessa relação da infância e da adolescência com as águas tocantinas.
Águas que lhes ensinam do seu movimento de enchente e vazante. Águas
que lhes ensinam sobre os mais variados tipos de pescado. Águas que lhes
ensinam da vida, mas também da morte. Águas que higieniza o corpo, mas suja a
alma do homem, que mata a vida das águas indiscriminadamente, sem controle.
Águas que lhes ensinam que podem no percurso da vida, remar contra ou a favor
da maré. Águas que lhes dão lição de gratuidade, dando-lhe gratuitamente o
alimento de cada dia. Águas que lhes ensinam mitos e lendas: da mãe d’água, do
boto, da cobra grande, da matinta pereira. Ensina-lhes, que crianças e
adolescentes ribeirinhos precisam: nadar, brincar, cuidar, respeitar, preservar e
temer pela sua vida e dos outros...
Foto 33: Crianças brincando em um casco, no rio, em um final de tarde.
Fonte: Maria do Socorro Dias Pinheiro, dezembro de 2008.
166
Desse finito laboratório de pesquisa e conhecimento, absorvidos pela
convivência em um percurso movimentado pelas águas tocantinas, podemos dizer
que, o currículo que ora se materializa disputa espaço com os saberes da cultura
vivida, que embora seja negligenciada pelas políticas de educação municipal e pela
própria instituição escolar ela faz parte da vida destes sujeitos, tem um significado
imprescindível em suas vidas e são seus conhecimentos culturais que tem garantido
a sua sobrevivência e de muitos que residem na cidade. Por conseguinte, se
constata também que o currículo escolarizado é contestado, criticado pelos
ribeirinhos ao mesmo tempo em que reconhecem sua importância e seu valor. Há,
portanto, uma disputa desigual. E nesse jogo conflituoso quem tem o poder de
definir qual tipo de currículo deve ser materializado leva vantagem. Mas, parte dos
ribeirinhos por outro lado persistem na resistência. Com isso, podemos pensar que
a materialização de um currículo mesmo sendo uma imposição da cultura, sobre a
outra, dependendo das condições e da articulação do educador o currículo
desenvolvido na sala de aula, pode ser dimensionado para o horizonte da formação
plena dos educandos.
167
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: PERCURSO QUE MOVIMENTA O CURRÍCULO
DAS ÁGUAS TOCANTINAS
As águas do rio Tocantins têm como finalidade desaguar no Oceano
Atlântico. Antes, porém, ele tem vários percursos ao longo dessa jornada. Esses
percursos movimentam suas águas para direção final de forma que por onde ele
passa vai deixando marcas, de transformação da vida. Por ser um elemento da
natureza, abriga seres vivos (animais e vegetais) que nascem, crescem, se
desenvolvem, reproduzem-se e morrem ou mal nascem e logo morrem. O percurso
das águas transforma a vida quando alimenta e mata a sede de espécies animais,
vegetais e humanas, quando consegue garantir a sobrevivência de todo um
ecossistema natural no qual também o homem e a mulher fazem parte.
Não somente o rio tem o seu percurso. A comunidade, a escola e o
currículo também têm uma trajetória, um caminho a seguir que se construiu
anteriormente, por outros sujeitos, e no momento atual, continuamos a traçar nosso
percurso, construindo a nossa história. Quando se fala em currículo das águas é
para enfatizar a idéia de currículo a partir de um lugar e proporcionar a reflexão de
que, entre as populações desse habitat, também tem seu currículo. uma
trajetória de saberes e conhecimentos que não estão somente na escola, mas na
forma de ser e viver na cultura ribeirinha. Dessa forma, o currículo é um elemento
crucial na vida dos seres humanos dentro ou fora da escola e tem acompanhado
todo o trajeto educacional da humanidade.
Em vista disso, continuo a refletir no final desse estudo sobre o percurso
que movimenta o currículo das águas daquela comunidade. E na trajetória histórica
da educação, a escola perfaz seus caminhos. E esses caminhos foram e são
movimentados por currículos que ela traçou como processo de movimento do
ensino e da aprendizagem. Isso quer dizer que o currículo não é estático. Ele se
movimenta para a direção que os sujeitos quiserem que ele prossiga. Portanto, o
currículo tem um trajeto, um caminho uma direção a seguir e nesse processo ele
pode ou não ser movimentado conforme os interesses das culturas. No caso da
cultura da águas da localidade pesquisada, o movimento que o currículo perfaz na
comunidade é um, e na escola é outro.
168
O percurso que movimenta o currículo das águas da escola multisseriada é
atravessado por várias dificuldades. Nela se encontra uma educação fragilizada
pelo abandono e descaso por parte das políticas que atendem esse nível de ensino
no campo. Trata-se de políticas públicas de educação precarizada, da ausência de
um atendimento qualificado para as questões de infra-estrutura,
didático/pedagógicas e financeiras, de formação continuada para os educadores de
escola multisseriada, no município de Cametá.
A escola investigada funciona atualmente em um prédio “novo”, não
concluído. O que se denomina prédio escolar é uma estrutura com dois cômodos
sem espaço para armazenar ou fazer a merenda, não tem água encanada, nem
banheiro. As portas e janelas não foram colocadas e as carteiras são insuficientes.
Por conta de situações como a que, encontramos em nossa investigação, indicamos
que a escola multisseriada ribeirinha necessita de mais atenção do governo
municipal. É um absurdo criar escolas no meio rural e não oferecer condições
dignas e propícias ao seu funcionamento.
Criam-se escolas do campo sem investir na formação continuada dos
educadores com dificuldades que às vezes, persistem por longo tempo na profissão
por não terem com quem dialogar sobre suas dúvidas. Os que poderiam auxiliar na
superação dessas dificuldades se encontram na cidade ou em localidades distantes
e quando aparecem não conseguem escutar os desafios da docência na escola
multisseriada. Nesse sentido, identificamos que estes educadores carecem de
melhor acompanhamento e orientação contínua em suas práticas educativas.
Nas práticas de docência nas séries iniciais do ensino fundamental, um
elemento que não convêm adiar é a prática de alfabetização das crianças e dos
adolescentes. Para Freire (2007, p. 72) a alfabetização deve estar vinculada a um
universo existencial e não ocorrer pela memorização seqüencial das palavras em
sílabas. Prepara-se o aluno para ser um agente desta aprendizagem pelo processo
de alfabetização. Por essa razão, alfabetizar deve ser uma das dimensões
prioritárias nas séries iniciais do ensino fundamental.
Não podemos duvidar que, as experiências nos ensinam e muitas coisas
das quais conhecemos são graças as nossas práticas. A prática da alfabetização
precisa ser encarada como uma necessidade original. Para Cagliari (2002), “se
formássemos de maneira correta nossos professores alfabetizadores, teríamos
neste país, em pouco tempo uma outra realidade em termos de analfabetismo”. (p.
169
34). Relacionada à dificuldade em desenvolver a prática da alfabetização com os
educandos da multissérie, está à forma como o currículo se materializa na escola
ribeirinha.
Nesse processo, o currículo das águas se movimenta por pelo menos, dois
percursos. Um se apresenta no bojo das organizações sociais da comunidade como
reflexo da cultura que movimenta os saberes ribeirinhos e o outro que se no
campo do conhecimento socializado pela escola. Com isso, identificamos
prioritariamente duas matrizes pedagógicas e curriculares circulantes na
comunidade.
A primeira matriz se materializa no processo de formação e nas práticas
educativas e curriculares desenvolvidas pelas organizações ribeirinhas e
fundamentam seus postulados educacionais a partir do principio e dos interesses
coletivos, pensando na sobrevivência humana e da natureza. Essas experiências
educativas têm proporcionado uma formação crítica que questiona a realidade e
possibilita reflexão, discussão e tomada de decisões frente aos problemas sociais
da comunidade na qual organizam ações ou reivindicações frente às instituições
governamentais, como por exemplo, os Acordos de Pesca - uma ação coletiva da
comunidade, para o controle das populações de pescados.
São formações que envolvem as necessidades dos sujeitos coletivamente
em relação aos conhecimentos científicos. Não se ensina o ribeirinho à prática da
piscicultura sem lhe fornecer as orientações adequadas para construção do poço e
os cuidados necessários para a criação do peixe no cativeiro. Assim, como não se
cria abelha sem a orientação de um profissional com domínio dos conhecimentos
que envolvem a apicultura. Com isso, eles têm alcançado diversos e significativos
benefícios para a população. Isso não significa que tudo ocorra a contento. Seria um
absurdo pensar assim, posto que, em qualquer grupo humano sempre se enfrentam
conflitos entre os pares ou relacionados às questões estruturais, administrativas e
financeiras.
A segunda matriz pedagógica e curricular pauta-se numa pedagogia de
inspiração capitalista que viabiliza uma formação baseada nos interesse do
mercado de trabalho e fundamenta-se pelo principio individualista. Ela é direcionada
por especialistas em currículo, que elaboram e definem junto aos governos, o
currículo oficial que se desdobra nas políticas públicas de ensino para educação
estadual e municipal de modo que, este chega ao cenário da escola, ao professor e
170
finalmente ao aluno. É um currículo que perpassa por toda uma hierarquia
desenvolvida em volta dos conhecimentos a ser ensinado.
Trata-se de um currículo encharcado de ideologias da classe dominante,
definido em disciplinas, acompanhado pelo livro didático, fragmentado, preso às
cargas horárias, anos letivos, e as avaliações. Esse currículo atrelado ao livro
didático dificulta na aprendizagem interpretativa e na articulação de uma formação
questionadora, mesmo nos momentos em que se materializa o desenvolvimento de
um conteúdo voltado para as questões reais da cultura vivida pelos sujeitos. É um
currículo que representa os interesses de uma cultura homogeneizada que tenta
fortalecer e disseminar um conhecimento único que deve ser o mesmo para todos.
É um currículo implementado de fora pra dentro, que ganha legitimidade e controla
esses significados nos espaços escolares. E é exatamente neste contexto onde ele
se materializa, como um currículo descontextualizado, pronto e acabado,
diretamente para ser inculcado na mente de discentes e docentes.
Mediante tais circunstâncias, compreendemos que “os trabalhos
pedagógicos vêm reproduzindo práticas de ensino que não dialogam com as
famílias, com os ltiplos trabalhos e com os conhecimentos que surgem dessas
práticas produtivas”. (BARROS, 2005, p.157). Parte-se de um currículo livresco,
organizado em forma de uma listagem de conteúdos e que tem, entre tantas
possibilidades, gerado analfabeto das letras e do mundo. Mais do que isso, tem-se
implantado na mente das pessoas, um pensamento no qual as faz sentir-se sempre
fracassados. Fracassaram na escola e vão fracassar na vida também. Os que,
continuam a freqüentar a escola depois de muitas tentativas, com a vontade de
seguir em frente, o às vezes, rotulados como os atrasados, menos capazes, com
problemas, lentos, ou deficientes.
Arroyo (2007) nos adverte de que uma incongruência no campo escolar
quando se parte da convicção de que os alunos são desiguais para aprender.
Existindo, portanto, capacidades desiguais para a aprendizagem dos conteúdos
escolares. No entanto, organiza-se para a escola um currículo homogêneo, tendo
como base educandos capazes, iguais. “Esses são os parâmetros de conhecimento
a serem consagrados como currículo de qualidade desde o pré-escolar”. (p.30).
Por outro lado, não podemos omitir que:
171
Existe uma tradição de explicação de significados e de construção
de uma moldura teórica para a docência escolar. Que está na
ausência de uma articulação coletiva para se construir projetos de
área do conhecimento, de escola e de rede. A cultura escolar está
dominada pela prática solitária de sala de aula. Uma prática solitária
que dificulta questionar sobre os significados, as bases teóricas e
vivencias do nosso fazer. (ARROYO, 2004, p. 183).
Esses pontos abordados pelo autor nos permitem refletir que de fato, numa
escola com diversos docentes, o solitarismo de cada um na sua área, é perceptível,
cabendo, portanto, questionar essa prática solitária, tanto no sentido das áreas de
conhecimentos, como no espaço de sala de aula, ou da escola. Mas, e na escola
multisseriada? O docente parece não ter saída, uma vez que, baseado na
argumentação do autor, o docente da multissérie é um solitário literalmente no
sentido da palavra. Não tem outros colegas para pensar numa articulação de
projetos educativos, nem mesmo para elaborar um planejamento educativo pautado
nos interesses da cultura vivida. Então, este docente não pode de forma alguma,
transformar a realidade de um currículo livresco, baseado numa listagem de
conteúdos originados na Secretária de Educação.
Esse é concretamente, um modelo de pensamento, que o sistema de
dominação capitalista, deseja que aceitemos. Existe alguma possibilidade de uma
construção pedagógica coletiva, para uma escola multisseriada? Há condições de se
abolir a experiência de uma educação solitária na multissérie, posto que, essa é uma
escola com um único professor?
O educador da escola multisseriada é um solitário sim, até o momento em
que perceber que nunca esteve sozinho. Pois, como dizia Paulo Freire em sua obra,
Pedagogia do Oprimido “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, os
homens se educam em comunhão”, ou seja, o docente da multissérie devia contar
na empreitada de transformação do ensino na sala de aula, com os educandos, os
pais de alunos e ainda envolver, a comunidade e os movimentos sociais em seu
entorno, para construir um projeto diferente para a escola, posto que, de acordo com
os dados utilizados nesta pesquisa, está eminentemente explicito na concepção
destes sujeitos, a importância da educação ribeirinha e do currículo.
Os comunitários, pais de alunos e educandos, reconhecem qual o
verdadeiro currículo se materializa na escola ribeirinha e sabem que este paradigma
curricular é um fracasso. Ele não é bem sucedido justamente por que, não lhes
172
oportunizaram uma aprendizagem significativa, que fizesse perceber criticamente a
sua condição de sujeito de direitos; e não possibilitou-lhes o despertar em suas
consciências para se organizarem coletivamente e reivindicar dos gestores
municipais e estaduais políticas blicas de educação básica para os que
desejassem concluir os estudos.
A comunidade tem vários movimentos sociais organizados, pessoas
engajadas na luta por direitos, mas parece que a escola não lhes pertence, é algo à
parte, que está fora do seu alcance. Eles sabem o caminho para se construir uma
educação diferenciada, dentro dos seus interesses, mas parecem imóveis. Criticam
o papel da escola, mas ficam nisso mesmo. Reconhecem suas necessidades sociais
e profissionais no campo da saúde, agricultura, da educação ambiental, da formação
para atuar na cooperativa ou na associação, etc., mas parecem que perderam ou
nunca encontraram o percurso que deveria movimentar o currículo das águas na
comunidade do Jorocazinho de Baixo. Contudo, “sabemos que a escola não nasceu
para o meio rural, senão nas cidades e por uma necessidade das cidades. Desde
sua origem a escola se configurou como um elemento estranho e, inclusive,
agressivo ao mundo rural”. (VENDRAMINI, 2000, p. 181).
Entretanto, existem movimentos sociais no Pará e no Brasil que vem
conseguindo desconstruir essa concepção de educação e reconstruindo outra leitura
da escola. Essa outra leitura tem se afirmado, por exemplo, na trajetória histórica de
luta e organização do Movimento dos Sem Terra - MST - quando compreenderam
que a escola é um lugar e precisa ser ocupado pelas populações do campo.
Segundo Caldart (2001), eles se mobilizaram para garantir o direito à escola, que
tivesse sentido e significado em suas vidas presentes e futuras; articularam para
construir uma proposta pedagógica especifica; mobilizaram-se para formar
educadores capazes de trabalhar naquela proposta, de forma que, iniciaram lutando
pelo ensino das séries iniciais do ensino fundamental e atualmente a luta e a
reflexão pedagógica se estendem da educação infantil à universidade. Destaca a
autora que, “aos poucos o conceito de escola foi sendo ampliado, tanto na
abrangência como no significado”. (p. 44)
É obvio que essa iniciativa parte de uma organização social diferente e de
uma realidade do campo também diferente da situação investigada por esse estudo.
A situação enfrentada pelos sujeitos que vivem em áreas ribeirinhas guarda suas
especificidades próprias, mas, isso não significa que os comunitários ou os
173
movimentos sociais ribeirinhos compreendam a escola como algo à parte, distante.
Muito pelo contrário, a educação ribeirinha tem uma relevância social muito grande e
as mães dos alunos, por experiência própria, denuncia em seus depoimentos,
relatando o que a ausência de um currículo escolar implicou em suas vidas e ao
mesmo tempo compreendem que possuir um diploma, pode não ser uma garantia
de obtenção de um posto no mercado de trabalho, mas um consenso social
legitimado na sociedade que reconhece o conhecimento escolarizado como válido; e
é obvio que a escola, ao reconhecer a validade de um conhecimento, termina por
negar e excluir outros.
A negação dos conhecimentos de uma cultura se pelo domínio e
aprendizagem de referências de outra cultura, e, sua materialização no campo
educacional ocorre, por exemplo, quando se prioriza os conhecimentos abordados
nos livros didáticos em detrimento dos saberes e experiências acumuladas na
cultura dos próprios sujeitos; uma referência onde se define qual conhecimento os
educandos ribeirinhos devem aprender no campo da leitura, escrita e dos cálculos
matemáticos, da geografia, história, artes e religião, excluindo-se os saberes
expressos e construídos em sua própria cultura. Essa ação se torna concreta a partir
de questionamentos que indagam: para que serve aprender a ler, escrever, contar e
interpretar o que os sujeitos conhecem? O importante é aprender o desconhecido,
aprender sobre outras realidades, destituindo de significado os saberes que
envolvem a realidade dos sujeitos, apresentando-os como supérfluos.
O estudo realizado evidenciou que os saberes ribeirinhos não são
supérfluos, e que há conhecimentos legitimados pela sociedade e institucionalizados
como válidos ou não. Nesse sentido, na contramão de uma educação que não
valoriza os saberes próprios dos sujeitos, penso ser possível encontrar outros
significados, novas perspectivas para a escola multisseriada ribeirinha, pois em
concordância com o que afirma VASCONCELOS (2004, p. 92), “Precisamos estar
atentos ao significado real dos conhecimentos, sob pena de criamos [...] conteúdos
que não tem relevância social” para infância e adolescência ribeirinha.
A escola multisseriada possui uma rejeição por parte das políticas
governamentais e no município de Cametá negligencia-se inclusive o termo “escolas
multisseriadas”, passando a denominá-las de “escolas Anexas”. Sendo, portanto um
modelo de escola estereotipada. Mas, na contramão dessas perspectivas, os
educadores e educadoras desses espaços estão procurando fazer a sua parte, sem
174
orientação pedagógica por parte da Secretaria de Educação, sem um salário digno,
sem receber formação continuada e ainda, com precária estrutura física, pedagógica
e financeira. E, nesse contexto muito desfavorável, são demandados a apresentar
resultados satisfatórios de aprendizagem e aprovação no final do ano letivo.
Particularmente, no caso de nossa pesquisa, constatamos a necessidade desses
educadores e educadoras construírem um currículo diferenciado, com base na
cultura dos sujeitos ribeirinhos e não fundamentado num paradigma dominante,
com conhecimentos fragmentados, descontextualizados em uma “listagem de
conteúdos” ou numa organização educacional caracteristicamente “urbanocêntrica”.
Para cumprir com essa demanda, ressaltamos a necessidade de que escola
localizada no meio rural, particularmente, aquela localizada nas comunidades
ribeirinhas deve ser valorizada enquanto espaço de construção do conhecimento no
qual se formate um currículo para a infância e adolescência ribeirinha, valorizando
os saberes culturais locais, despertando-os para uma leitura de mundo ampliada e
para a construção de sujeitos críticos, cidadãos de direitos.
Com a realização dessa pesquisa, evidenciou que a infância e adolescência
ribeirinha desfrutam de um espaço onde biologicamente e socialmente a vida brota
em múltiplos sentidos. No rio a vida ressurge constantemente, é um manancial
natural de conhecimentos a serem explorados assim como a floresta em volta de
sua casa. E estes elementos são referências culturais relevantes para essas
populações, é parte integrante de suas vidas e as crianças aprendem com os mais
velhos que a vegetação das ilhas evita a erosão e o cuidado com a vida presente no
rio e na floresta têm garantido a manutenção da vida humana e de outras espécies.
Conforme o pensamento de Larraia (2006, p. 56), “para se perceber o significado de
um símbolo é necessário conhecer a cultura que o criou”. Com isso para identificar o
significado da cultura ribeirinha é necessário conhecer a linguagem empregada por
seus sujeitos.
É por meio da linguagem que as crianças e adolescentes ribeirinhos
interagem e desenvolvem-se. Criam formas de relacionar-se com mundo e com os
outros. Com isso esses sujeitos desenvolvem o pensamento, refletem sobre si
mesmos e sobre as coisas em sua volta. Para Oliveira (1992, p. 28), “é o grupo
cultural onde o individuo se desenvolve que vai lhe fornecer, pois, o universo de
significados que ordena o real em categorias (conceitos), nomeados por palavras da
língua desse grupo”. A partir da sua realidade, ocorre um enlarguecimento do
175
conhecimento infantil, caracterizado pela abrangência de aprendizagens nos
diferentes espaços. Mas os saberes advindos do contexto social local, na maioria
das vezes, são silenciados na escola, em virtude do conhecimento escolarizado.
Ressaltamos que, embora o conhecimento cultural seja negligenciado na escola,
continua a exercer sua função diariamente na vida das crianças.
Portanto, identifica-se que nesse emaranhado contexto de dificuldades,
existem perspectivas elucidadas através das experiências e práticas de suas
organizações; nas narrativas da família e dos comunitários; mas, sobretudo, os
educandos nos ensinaram o quanto o currículo de sua cultura é rico de
possibilidades. E as perspectivas não param . Elas aparecem também na escola,
com raros momentos de desenvolvimento dos conteúdos cuja referência foi à
realidade; no carisma da professora ao assumir uma jornada de trabalho que exige
competência não do magistério, mas de outras funções educacionais. Não se
pode deixar de mencionar, que sua atitude frente à pesquisa, possibilitou-lhe encarar
os desafios do analfabetismo, o qual seus educandos, vinham sofrendo.
Contudo, enceramos o texto intitulado: Currículo e seus significados
para os sujeitos de uma escola ribeirinha, no município de Cametá/ Pará”, não
com respostas definitivas e acabadas, até por que a realidade pesquisada é
dinâmica, dialética e o que está aqui escrito, pode ter se alterado na comunidade e
na escola pesquisada. Por conta disso, optou-se por finalizar este texto inconcluso,
com uma proposição: Que os conhecimentos culturais ribeirinhos sejam as
referências curriculares significativas a nortear as aprendizagens escolares, da
infância e da adolescência ribeirinha, no município de Cametá, no Estado do Pará,
ou em qualquer outro cenário onde existam comunidades rurais ribeirinhas.
176
Glossário de Expressões do Léxico Ribeirinho
Açaí tuira fruto bastante maduro, que fica com uma tonalidade acinzentada. Nem
todo açaí escuro fica tuira quanto está maduro. Bem maduro, fica tuira com o caroço
embranquecido.
Aturiá - árvore leguminosa de ramos compridos e tortuosos do baixo Amazonas e
litoral do Pará, de campo de várzea da Amazônia. Esta planta ribeirinha arbusta
vinga no estuário. Vive em família, debruçada na borda dos canais e ilhas. Tem o
sinal da maré alta deixado pelo sedimento fluvial na ramaria. (Cametá).
A
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a
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são cerca de 500 espécies, encontradas em quase todas as bacias
hidrográficas da América do Sul. O corpo achatado e em forma de disco faz das
arraias peixes extremamente exóticos, escondem na parte menos vistosa do corpo,
a cauda, um potente ferrão. Quando nadam em liberdade, não são capazes de
atacar uma pessoa. Mas, se forem tocadas, disparam por reflexo uma espécie de
chicotada, ferroando o corpo da vítima e provocando dores terríveis que persistem
nos casos mais graves, por até dois dias.
Andirobeira - árvore de grande porte chega a atingir 30 metros de altura. O fuste
(parte que vai do solo aos primeiros galhos) é cilíndrico e reto. A casca é grossa,
tem sabor amargo e desprende-se facilmente em grandes placas. Copa de tamanho
médio e bastante ramosa. A inflorescência é uma panícula (espécie de cacho). As
flores têm cor creme e o fruto é uma cápsula que se abre quando cai no chão,
liberando de quatro a seis sementes. Floresce de agosto a outubro na Amazônia e
frutifica de janeiro a maio. Porém, muitas variações dependendo da região. É
nativa da Amazônia. O óleo e as gorduras são extraidos e utilizados para a produção
de: repelentes de insetos, antissepticos, cicatrizantes e antiinflamatorios.
Aningal um tipo de vegetação formada pela planta aninga. Uma planta herbácea
com fibras grossas e compridas, da haste é empregada na fabricação de cordas. É
uma planta que fica nas margens dos rios e igarapés, cresce na periferia de
manguezais e tem propriedades vermífugas e cicatrizantes. Não pode ser usada
internamente, por ser altamente tóxica.
177
Buçu - é uma palmácea encontrada em países da América Central e do Sul e na
Região Amazônica, onde suas folhas são muito usadas na cobertura de casas.
Pode ser encontrado nas matas das várzeas e ilhas da Região Norte, especialmente
na Amazônia, Pará e Amapá
.
A árvore de ubuçu em geral mede de 3 a 6 metros de
altura. Suas folhas são grandes e quase inteiras, muito semelhantes as das
bananeiras, medindo de 4 a 8 metros de comprimento, por 1,5 metros de largura
.
A
palmeira possui frutos que são protegidos por um invólucro constituído por um saco
de tecido fibroso, flexível e resistente denominado "tururi", que apresenta cor natural
castanho escuro. Utilizam essa fibra na confecção de peças artesanais como bolsas
sacolas. Adornos, etc.
Cacuri armadilha feita de tala paxiúba ou de jupati utilizada para pegar peixes.
Caratinga - Aparece em cardumes e quando a primeira é ferrada, logo muitas outras
virão. A caratinga é um peixe de pequeno porte, atingindo em média 40 cm de
comprimento e a pesar 1,5kg.
Casca de uruá No norte/nordeste do Brasil, uruá é o nome dado pelos índios, a
vários moluscos de água doce. São animais cuja concha (seis cm de comprimento)
pode chegar a atingir quase o tamanho de um punho. É globosa, cor castanho-
amarelada que varia de clara a escura, com listras escuras de largura variável.
Apresentam um opérculo ("tampa" protetora) na parte inferior do corpo. Proteção do
uruá, utilizado na colheita do látex de seringueira. Em tupi-guarani o nome aruá
significa caracol (grande); uruaí ou aruaí = caracol pequeno.
Carachué são aves que se adaptam bem a habitats diversos, desde as estepes da
Sibéria à floresta tropical da Amazônia. Preferem zonas arborizadas e podem ocupar
com sucesso ambientes urbanos. Têm alimentação omnívora. Pássaro também
conhecido como sabiá.
Dourado - Peixes de escamas. São bastante semelhantes, sendo que uns
apresenta uma coloração dourada com reflexos avermelhados, enquanto outros têm
nadadeiras alaranjadas. Cada escama apresenta um filete negro no meio, formando
178
riscas longitudinais da cabeça à cauda, do dorso aabaixo da linha lateral. Podem
alcançar mais de 1m de comprimento e 25 kg. São espécies piscívoras, predadores
vorazes, alimentam-se de pequenos peixes nas corredeiras e na boca das lagoas,
principalmente durante a vazante quando os outros peixes migram para o canal
principal. Nadam em cardumes nas correntezas dos rios e afluentes e realizam
longas migrações reprodutivas.
Mangues - são vegetais das regiões litorâneas do Brasil. Nestas áreas, a água do
mar ou dos rios, avança no solo, formando regiões alagadiças. É um vegetal que
possui raízes externas (aéreas). Como o solo do mangue é pobre em oxigênio, este
é obtido pelas plantas fora do solo. Em função da diversidade da região, os
mangues podem ser classificados em: mangue-branco, mangue-vermelho e mangue
siriúba. As plantas possuem sementes compridas, finas e pontudas e se reproduzem
com facilidade em solo úmido e na água doce elas localizam-se na beira dos rios e
protege o solo contra erosão.
Mandubé - peixe de couro com o corpo alto e um pouco comprimido; cabeça larga e
achatada; e boca muito grande. O olho é lateral e a abertura branquial pequena.
Espécie carnívora alimenta-se de peixes e invertebrados (camarões e insetos). Vive
ao longo dos rios, nos remansos entre as corredeiras. É muito apreciada como
alimento em algumas regiões.
Mergulhão é uma ave com bico longo, fino, serrilhado e recurvo é adaptado para
capturar peixes com mergulhos de extrema destreza. Penacho nucal desenvolvido e
preto (preto esverdeado no macho, menor e cor de chocolate na fêmea). Silhueta
baixa quando nada. Grande marca dividida na asa. Pés vermelhos. Vive em rios ou
ribeirões com corredeiras, em regiões serranas. Sobe e desce rios encachoeirados à
procura de peixes. É uma espécie exigente, a água tem que ser clara e limpa. Voa
baixo ao longo do rio, pousando em rochas e troncos caídos na água. É uma
espécie rara. Uma das poucas aves brasileiras adaptadas a rios de regiões
montanhosas. Criticamente em perigo. Tamanho populacional reduzido e em
declínio, com probabilidade de extinção da natureza.
179
Mututi nome comum a duas espécies de árvores da família das leguminosas
sendo que uma produz uma madeira de lei muito utilizada na construção naval. A
segunda produz uma madeira de qualidade inferior empregada como estaca na
construção civil. A escarificação da sua casca faz gotejar uma resina líquida,
vermelha e adstringente que logo coagula.
Meieiro agricultor que arrenda a terra pagando com a metade da produção.
Matapí uma armadilha feita de fibras vegetais. É como uma gaiola de formato
cilíndrico, com 40 cm de comprimento e 25 cm de diâmetro. Nas extremidades,
apresenta uma espécie de funil que facilita a entrada dos camarões e dificulta a
saída. Instrumento de pesca de tala de jupati. Pelo sistema tradicional de captura, os
espaços entre as “talas” do matapi são bastante estreitos, impedindo que os
camarões de menores dimensões passem por eles. nos matapis adaptados, os
espaços são alargados de forma a reter apenas os camarões maiores.
Mapará - peixe teleósteo, siluriforme, encontrado na Amazônia e no rio Paraná, de
dorso azulado, ventre esbranquiçado, olhos situados sobre a articulação mandibular,
e cuja carne é considerada de boa qualidade. Sinonímia: cangata, mandubi, mapará-
de Cametá, mapurá.
Mandubé - peixe de couro; corpo alto e um pouco comprimido; cabeça larga e
achatada; e boca muito grande. O olho é lateral e a abertura branquial pequena
(características da família). A coloração é azul escuro no dorso, sendo que o flanco
é amarelado, clareando em direção ao ventre. Espécie de médio porte alcança cerca
de 50 cm de comprimento total e 2,5kg. Espécie carnívora alimenta-se de peixes e
invertebrados (camarões e insetos). Vive ao longo dos rios, nos remansos entre as
corredeiras. É muito apreciada como alimento em algumas regiões.
Palafitas sistemas de construção usados em regiões alagadiças cuja função é
evitar que as casas sejam arrastadas pela correnteza dos rios. São construções de
madeira muito utilizada nas margens dos rios, na Amazônia. Comuns em todos os
continentes sendo que, em áreas tropicais e equatoriais de alto índice pulviométrico
é maior.
180
Poqueca são iscas feitas com farelo de babaçu ou outro farelo vegetal (milho ou
arroz) que o embrulhados com a folha de bananeira ou plástico. Utilizado para
atrair o camarão para o matapi.
.
Paneiro cesto de trama aberta, feito de cipó titica/uambé/arumã, forrado de folhas
de arumã ou de sororoca, onde se acondiciona a farinha de mandioca para uso e
para venda. Tem sido usada como embalagem descartável.
Pracuúba uma árvore cujas tábuas são utilizadas para assoalho, Embarcação,
habitação, lenha e ponte.
Pau de arara caminhão coberto, com varras longitudinais na carroceria, as quais
os passageiros se agarram. È usado principalmente no transporte de retirantes
nordestinos.
Pacu - peixe de escamas; corpo romboe comprimido. Espécie onívora, com
tendência a herbívora: alimenta-se de frutos/sementes, folhas, algas e, mais
raramente, peixes, crustáceos e moluscos. É considerado um dos peixes importante
comercialmente.
Trapiche construção, na maioria das vezes, de madeira que adentra o limite do rio
ou do mar, utilizada para embarque e desembarque de passageiros ou mercadorias
bem como o pescado. Conhecida popularmente em outros estados como: porto;
dique; ponte.
Traíra - predador voraz, solitário, que pode ser encontrado em águas paradas,
lagos, lagoas, brejos, matas inundadas, e em córregos e igarapés, geralmente entre
as plantas aquáticas, onde fica a espreita de presas como peixes, sapos e insetos. É
mais ativo durante a noite. Apesar do excesso de espinhas, em algumas regiões é
bastante apreciado como alimento.
Tucunaré - peixes de escamas; corpo alongado e um pouco comprimido. Existem
pelo menos 14 espécies de tucunarés na Amazônia. Podem medir 30 cm ou mais de
1m de comprimento. Todos os tucunarés apresentam uma mancha redonda (ocelo)
no pedúnculo caudal. Espécies sedentárias (não realizam migrações), que vivem em
181
lagos/lagoas (entram na mata inundada durante a cheia) e na boca e beira dos rios.
Formam casais e se reproduzem em ambientes lênticos, onde constroem ninhos e
cuidam da prole. Têm hábitos diurnos. Alimentam-se principalmente de peixes e
camarões. o as únicas espécies de peixes da Amazônia que perseguem a presa,
ou seja, após iniciar o ataque, não desistem até conseguir capturá-las.
Rabeta é um tipo de transporte fluvial de construção simples, aclopados aos
motores estacionários dois tempos e quatro tempos ou dissel cuja hélice trabalha
próximo à superfície da água.
Siriubeira - Árvore com raízes horizontais, dispostas radialmente, que emitem
prolongamentos com geotropismo negativo, pneumatóforos, com lenticelas, cuja
função é permitir as trocas gasosas.
Ucuúba árvore de grande porte, atingindo até mais de 30 m de altura por 1,0 m de
diâmetro; tronco provido de sapopemas; casca fina acinzentada.
Folhas coriáceas, oblon-go-lanceoladas ou lanceoladas, acuminadas. Inflorescência
em panículas axilares ou subaxilares; as masculinas em fascículos com 8-15 flores;
as femininas poucas, dispostas em rácemos curtos e sésseis. Fruto elipsóide, curto-
estipitado, quando jovem inteiramente semi-veludoso, mais tarde glabro, bivalvar.
Madeira leve (0,45 a 0,55 g/cm3); cerne bege levemente rosado; grã direita; textura
média; sem gosto e cheiro distintos. Fácil de trabalhar, macia, recebendo bom
acabamento.
182
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193
APÊNDICE
194
APÊNDICE A: ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM PAIS.
Identificação:
Nome: _____________________________
Idade:_____________ Formação:______________
Profissão:___________________
Questões:
1. Suas crianças aqui estão em que séries?
2. Você freqüenta a escola? Por quê?
3. O que você pensa da escola? Qual a importância dela pra vida dos
teus filhos?
4. Qual o significado do conhecimento escolar para a vida dos teus filhos?
5. Em que você espera que a escola venha a contribuir com teus filhos?
6. O que os teus filhos aprendem aqui na escola, tem alguma relação com
os conhecimentos da vida cotidiana ribeirinha? Se afirmativa em que? Se
negativa você pensa que devia ter? Por quê?
7. Você está satisfeita com a escola ou querias uma escola melhor? Por
quê?
8. O que você pensa sobre o transporte escolar e a merenda escolar?
195
APÊNDICE B: ROTEIRO PARA ENTREVISTA PROFESSORA.
Identificação:
Nome: _________________________________
Idade: _____________ Formação: ______________
Tempo de atuação no magistério: __________________________
Séries de atuação: _______________
Questões:
1. O que você entende por currículo?
2. O que são os conhecimentos escolares? Pra que servem?
3. Qual o significado do conhecimento escolar para você? E para os teus
alunos?
4. Para que serve o que se aprende na escolar?
5. O que se ensina na escola tem relação com a vida cotidiana ribeirinha?
Explique.
6. Quais dificuldades você identifica nos teus alunos? O que você tem
feito em relação a as dificuldades encontradas?
7. Como você pensa e percebe seus alunos?
8. Você tem sido auxiliada pela Secretaria de Educação?
9. O que significa pra ti trabalhar com uma escola multisseriada
ribeirinha?
10. Quem são os teus alunos? Do que vivem suas famílias?
11. Há evasão no período da colheita do açaí?
12. Você está satisfeita com a escola, o transporte e a merenda escolar?
Explique.
196
APÊNDICE C: ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS COMUNITÁRIOS.
Identificação:
Nome: _________________________________
Idade: _____________
Formação: ______________ Profissão: ___________________
Questões:
1. Quais as organizações ou movimentos sociais existem na comunidade
Jorocazinho de Baixo?
2. Como acontece essa participação nos movimentos sociais?
3. É importante a organização do povo em movimentos sociais? Por quê?
4. Quais benefícios foram adquiridos para o Jorocazinho de baixo via os
movimentos sociais? Exemplifique.
5. O que você pensa da escola? Ela é importante? Por quê?
6. Qual o significado da escola pra vida do povo deste lugar?
7. Pra que serve o que se aprende na escola?
8. Os ensinamentos oferecidos pela escola têm alguma relação com a
realidade local? Explique.
9. Qual a importância da escola para os movimentos sociais ribeirinho?
197
APÊNDICE D: ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM ALUNOS.
Identificação:
Nome: .............................................................
Série: ......................... Idade: ...........................
Questões:
1. Você gosta da escola? Porque você vai à escola?
2. O que você faz/ou já aprendeu na escola?
3. Você gosta de estudar? Por quê?
4. O que você mais gosta de fazer na escola?
5. Pra que serve a escola?
6. Você deseja estudar numa escola diferente?
7. O que desejas ser?
8. O que você conhece/sabe da tua localidade? (em relação às
plantas/floresta, rio, animais, etc.)
9. Essas coisas, vocês estudam na escola?
10. Você conhece alguma história, lenda, conto contado na escola ou pelos
teus pais a respeito da realidade ribeirinha? Se afirmativo, perguntar se pode
contar.
11. O que você pensa sobre a merenda escolar? Você aprecia os
cardápios da merenda?
12. Como você deseja que fosse a merenda?
13. O transporte escolar é importante para os alunos ribeirinhos? Por quê?
14. Qual segurança o transporte escolar apresenta?
198
APÊNDICE F: ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS COMUNITÁRIOS
(REMANECENTES).
Identificação:
Nome: _________________________________
Idade:________________________________
Formação:__________________________
Profissão:____________________________
Questões:
1. Qual a origem do lugar?
2. Quem foram os primeiros moradores a povoar a área do Jorocazinho
de Baixo? Como adquiriam as propriedades?
3. Qual era a base econômica da população? E atualmente essa base
econômica sofreu transformações? Explique.
4. Em que trabalhavam o povo do Jorocazinho e atualmente?
5. Qual o significado do rio para a população ribeirinha?
6. Quais eram os aspectos culturais do povo do Jorocazinho? E
atualmente?
7. Quando surgiu a primeira escola no Jorocazinho de Baixo? Quem
foram os professores? Quais séries funcionavam? Quantos turnos? Era
multisseriada?
8. Como era tratado o ensino na escola?
9. Os pais participavam da escola? Explique.
10. A comunidade tem posto de saúde? Quando surgiu? Qual atendimento
é dado?
11. Quando surgiram as primeiras manifestações religiosas? Quais existem
atualmente?
12. Quais foram os primeiros movimentos sociais da comunidade
Jorocazinho de Baixo?
13. Quais as primeiras conquistas do povo por meio das lutas em
movimentos sociais?
APÊNDICE G: DA OBSERVAÇÃO IN LÓCUS.
199
TÍTULO: Currículo e seus significados para os sujeitos de uma escola ribeirinha
multisseriada no município de Cametá/Pará.
QUESTÕES NORTEADORAS DA PESQUISA:
Qual o currículo se materializa, em uma escola ribeirinha multisseriada no município
de Cametá? Que significados são atribuídos a esse currículo pelos educandos,
professora, pais de alunos e comunitários de uma escola ribeirinha, em Cametá?
OBJETIVOS DA PESQUISA:
GERAL:
Analisar qual o currículo se materializa em uma escola multisseriada ribeirinha e os
significados a ele atribuídos pelos alunos, pais de alunos, professora e
comunitários.
ESPECÍFICOS:
Identificar como se configura o cenário da comunidade e
qual o currículo se materializa no contexto da multissérie em
Cametá.
Analisar que significados são atribuídos ao currículo escolar, pelos os
educandos, professora, pais de alunos e comunitários de uma comunidade
ribeirinha no município de Cametá.
TIPO DE OBSERVAÇÃO: Observação participante.
SUJEITOS DA OBSERVAÇÃO: Pessoas da comunidade que freqüentavam a casa
da professora aposentada (secretaria da cooperativa e membro da associação dos
moradores do Jorocazinho de Baixo) bem como o ambiente em volta. Os sujeitos
que freqüentam a escola diariamente: alunos professora e pais.
TEMPO DE OBSERVAÇÃO: aproximadamente 20 dias. (Iniciado em dezembro de
2007, estendendo-se de abril a dezembro de 2008).
ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL “JOROCAZINHO”.
ROTEIRO DA OBSERVAÇÃO
200
A OBSERVAÇÃO OCORREU EM DOIS MOMENTOS:
1º MOMENTO:
Definir o cenário da observação a localidade Jorocazinho de Baixo
especificamente a escola Jorocazinho.
Apresentei-me na localidade e expus sobre o curso que estava fazendo e que no
final deveria realizar uma pesquisa;
Foi exposto o objetivo da pesquisa e que havia pensado em realizar naquela
localidade caso a professora da escola aceitasse.
Uma vez aceite, a observação in lócus iniciou-se na casa de uma professora
aposentada muito freqüentada no período da pesquisa de forma que,
observou-se neste espaço:
Quem são os sujeitos que freqüentam a casa? O que dizem na casa? Por que
freqüentam tanto a casa? Como se processa a comunicação entre os sujeitos? Que
informações buscam e trazem? O que dizem e fazem na casa? Como se as
relações neste espaço? escutava e observava atentamente o que circulava nas
conversas sobre o assunto do momento: o projeto de assentamento a construção
da casa própria.
Durante as conversa também indaguei sobre como conseguiram o projeto e eles
revelavam suas formas organizativas, números de famílias beneficiada pelo projeto,
diziam sobre outras conquistas locais via suas organizações.
Na casa freqüentavam crianças da escola e naturalmente ia me falando sobre a
realidade do lugar, o nome de plantas, peixes, pássaros, entre outros que constituía
elementos de sua realidade.
Dialoguei com a professora na qual se disponibilizou contribuir para pesquisa.
Foram planejadas as primeiras entrevistas para conhecer a experiência da
professora aposentada e da professora atual da escola em estudo: no qual se
utilizou da entrevista narrativa.
Conheci a estrutura escolar e obtive acesso ao calendário escolar de 2007, o
planejamento anual da escola, os relatórios de avaliação final da escola em 2007.
2º MOMENTO:
Observar: a escola.
201
Quadro da observação na escola.
Quem?
O que?
Como
observar?
A partir da
observação:
Os sujeitos da
escola: a
professora, os
alunos, pais
presentes na
escola e o
barqueiro;
O espaço;
As relações entre os
sujeitos, entre o ensino e
aprendizagem.
A efetivação do
conhecimento escolar;
Registrar toda a aula desde
a chegada no transporte
escolar até a saída
Realizar
anotações do que
se observa;
Questões que
tenha dúvida
pedir informações
aos sujeitos
observados;
Utilizei registro
fotográfico.
Definir os sujeitos
da entrevista e
encaminhei
documento
escrito de
solicitação aos
pais no caso
dos alunos.
Organizava o relatório as noites sobre o que havia registrado durante o dia.
202
APÊNDICE H: DOCUMENTO DE AUTORIZAÇÃO DOS PAIS PARA O ALUNO
PARTICIPAR DA PESQUISA.
Cametá, ______ de___________ de, 2008.
Senhores pais.
Estou escrevendo um livro sobre a escola que seu filho (a) estuda e gostaria
de saber se você me autoriza realizar uma entrevista com seu filho (a) para obter
informações importantes para a realização desse trabalho. Peço que devolva este
documento com a sua assinatura e a confirmação ou negação do pedido.
Atenciosamente,
Socorro Dias
203
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