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ARTE DA MEMÓRIA e ARQUITETURA
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ARISTÓTELES. In: YATES, F. A. The Art of Memory. Chicago: The University of Chicago Press, 1984, p. 32
Renata La Rocca
Orientadora: Profa. Dra. Anja Pratschke
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo do Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos, da
Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para
obtenção do Título de Mestre em Arquitetura, São Carlos, 2007.
ARTE DA MEMÓRIA e ARQUITETURA
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Ficha catalográfica preparada pela Seção de Tratamento
da Informação do Serviço de Biblioteca – EESC/USP
La Rocca, Renata
R671a Arte da memória e arquitetura / Renata La Rocca;
orientadora Anja Pratschke. –- São Carlos, 2007.
Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo e Área de Concentração em Teoria
e História da Arquitetura e do Urbanismo -- Escola de
Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo.
1. Arquitetura. 2. Processos de design. 3. Arte da
Memória. 4. Mnemônica. 5. Cultura digital. Título.
AGRADECIMENTOS
Desde o início da pesquisa em 2004, muitas foram as pessoas que, em diversos momentos,
contribuíram para a construção deste trabalho e para minha formação como pesquisadora.
Em âmbito internacional, a abertura e o prazer em colaborar do artista e pesquisador Robert
Edgar, da Universidade de Stanford, Califórnia, foram surpreendentes. Foram fundamentais as
conversas via incontáveis e-mails numa contribuição ímpar para o desenvolvimento do Capítulo 03.
Ainda, a contribuição através da entrevista realizada via e-mail, e o envio de seu portifólio em
DVD, com vídeos dos anos 1980 em que explica seu Memory Theatre One, foram muito importantes.
Além, Edgar contribuiu através da indicação do contato de outros pesquisadores, dentre os quais
Kirsten Wagner, com quem trabalha atualmente na produção de um trabalho que, certamente,
merecerá investigações futuras, e que aguardo ansiosamente – Memory Theatre Two.
Foram cruciais as interlocuções com os pesquisadores Kirsten Wagner e Peter Matusseki, da
Universidade de Humboldt, em Berlim, sobretudo pelas entrevistas realizadas e pelo envio de
materiais que ajudaram a construir nossa abordagem. Sem a ajuda de Kirsten seria impossível
compreender em detalhes o ambiente de Realidade Virtual do Memory Theater VR de Agnes
Hegedüs.
As conversas com Monika Fleischmann, do Fraunhofer Institute for Media Communication, em
Sankt Augustin, foram substanciais, ajudando a desvendar o papel da Arte da Memória no
processo de criação dos projetos do grupo MARS.
Nas conversas via e-mail, foram valiosas as colocações do Prof. Ranulph Glanville, da Bartlett
School of Architecture, sempre pronto a esclarecer minhas dúvidas e aberto à interlocução.
Os congressos da SiGraDi - Sociedade Ibero-americana de Gráfia Digital, dos quais participei
desde 2005, foram importantes pela oportunidade de troca de experiências nos mais diversos
campos de interesse. Dentre os colegas com os quais tive a oportunidade de dialogar, agradeço
aos professores José Ripper Kós da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Julio Bermúdez da
University of Utah, Estados Unidos, que contribuíram através de suas orientações como editores
do IJAC – International Journal of Architectural Computing.
Em âmbito nacional, agradeço à CAPES pelo suporte através da bolsa de estudos concedida no
último ano da pesquisa.
Na Universidade de Campinas, foi essencial a interlocução com o Professor Milton José de Almeida.
O contato teve início com uma visita ao grupo Olho, do qual é coordenador, em 2004. Foram ainda
basilares para o desenvolvimento dessa pesquisa, as contribuições do professor na banca de
qualificação.
Na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, as contribuições do
professor Azael Rangel Camargo, coordenador do grupo E-URB, com seu apoio incondicional e
abertura à interlocução, foram essenciais para entender uma área de pesquisa um tanto ‘oculta’.
Também pesquisador do E-Urb, o amigo Rodrigo Firmino foi uma grande incentivador da pesquisa, e
colaborador nas intermináveis revisões do IJAC.
No Departamento de Arquitetura da Escola de Engenharia de São Carlos pude contar com o apoio
incondicional de colegas, que se tornaram realmente amigos no decorrer desses anos em que
trabalhamos em conjunto, aos quais agradeço pela paciência, pela ajuda e pelas divertidas
conversas: Evandro Bueno, do Laboratório de Ensino de Informática, Zanardi e Paulo Ceneviva,
responsáveis pelo Midimagem; Oswaldo, responsável pelo Laboratório de Informática da Pós-
Graduação; Sérgio, Fátima, Geraldo e Marcelinho, secretários da Graduação e da Pós-Graduação.
No decorrer da pesquisa foi importante a colaboração dos funcionários da Biblioteca Central da
EESC dentre os quais agradeço em especial à amiga Lili pelo suporte e pelo incentivo.
Agradeço ainda, a amizade dos alunos do primeiro ano do Curso de Arquitetura e Urbanismo da
EESC, USP, da turma de 2005, que foram meus colegas-alunos no estágio de docência do programa
PAE. Durante o estágio, sob a supervisão da professora Anja Pratschke, aprendi muito sobre a
atividade docente na disciplina Informática para Arquitetura.
Ao Nomads USP que, no locus da 001, me possibilitou armazenar muitas imagines através das quais
me recordarei de informações valiosas sobre Arquitetura, Arte, cultura digital, comunidades on-
line, design com mídias integradas, modos de morar, modos de vida. Imagines que lembram olhares,
músicas, risadas, Amigos. Amigos da Crew e ex-Crew, presentes em vários momentos, Guto
Requena, Gabi Carneiro, Cynthia Nojimoto, Mayara Dias, Varlete Benevente, Rodrigo Peronti, Nilton
Nardelli, Marcos Marchetti, Denise Tahan, Nilton Trevisan, Sandro Canavezzi, Luisa Paraguai,
Tatiana Sakurai.
Agradeço em especial aos amigos Fabio Abreu e Ana Siluk, nomads como eu, pela amizade e pelos
momentos compartilhados. Agradeço ainda a esses grandes amigos pela ajuda em traduções e
correções de inglês. Além, agradeço à Fernanda Borba pela ajuda na revisão das traduções e ao
querido IC Ricardo Spósito, que ajudou a desvendar os mistérios da Arte da Memória no Medieval.
Agradeço em especial ao professor Marcelo Tramontano, pela paixão com que coordena o Nomads
e, mais, pelas conversas instigantes nos fins de tarde na 001. Vou sentir saudades.
À querida família Flores – Ralf, Dada e Isabella, pelas brincadeiras, conversas, momentos de
desabafo, de companheirismo... agradeço a grande amizade.
À grande amiga e sócia Clarissa Ribeiro, minha ‘gratitude’ por construir esse trabalho ‘that which
was woven together’, descobrindo as conexões entre a Arte da Memória e a Complexidade. Além,
gostaria de agradecer imensamente sua contribuição em todos os momentos da pesquisa, com
entusiasmo, sempre pronta a ajudar, sobretudo nas leituras, na correção, no projeto gráfico e na
finalização dos trabalhos. Agradeço ainda pela grande amizade e incetivo.
À Anja Pratschke, minha gratidão por compartilhar comigo a paixão por um tema tão inspirador.
Agradeço pelos ensinamentos e orientações nas incansáveis reuniões e pelas descontraídas
conversas, cheias de dicas de lugares onde comer, tomar um chá ou um café, meditar, ler,
interagir, aprender. Além, agradeço por sua amizade e apoio.
À minha Grande Família La Rocca, pelo apoio incondicional em todos os momentos. À Solange, pela
valiosa ajuda na correção dos textos e pela amizade. Ao meu estagiário Rodrigo, por escanear
várias imagens, por se privar da Internet e pelo companheirismo. Aos sócios-proprietários da
Xpprint, Beto e Gilberto La Rocca, pelo suporte logístico nos assuntos gráficos e pelo carinho. À
Margot e à Gina pela amizade e incentivo. À minha irmã Denise, e à Gisele, pela ajuda nos
momentos de correria e pela alegria. À Letícia pela compreensão e paciência, pelo amor com que
cuidou de mim nos momentos de ‘dedicação exclusiva à pesquisa’. Ao meu pai Neuzo La Rocca pela
preocupação e incentivo e, além, pelo exemplo de vida e de luta por ideais.
“(A arte da memória
fornece um ESQUEMA
p a r a o p r e s e n t e
e PREVÊ o futuro)
CEDRIC PRICE. In: PRICE, C. Re:CP. Basel, Switzerland: Birkhäuser - Publishers for Architecture, 2003,
Resumo | Arte da Memória e Arquitetura
Partindo da hipótese de que o uso da Arte da Memória pode ser compreendido como um
sistema-processo de design para a concepção de espaços no contexto da cultura digital, o
objetivo do presente trabalho é construir uma compreensão ampliada do design de espaços
que dão suporte ao armazenamento estruturado de informações, relacionando imagens e
lugares. A investigação contempla o uso da Arte da Memória na concepção de espaços e
seus princípios fundamentais desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais, através de
exemplos, construindo um entendimento do desenvolvimento e das conexões estabelecidas
por essa Arte em três momentos: das origens como parte da retórica na Antiguidade
Clássica à sua apropriação pela Escolástica Medieval, passando à sua apropriação pela
tradição Hermético-Cabalística no Renascimento, com os modelos de Teatros da Memória, à
sua incorporação no processo de concepção de espacialidades por arquitetos e mídia
artistas contemporâneos. A intenção é contribuir para o entendimento da Arte da Memória
como auxiliar à criação de espaços como sistemas da memória.
Abstract | Art of Memory and Architecture
Assuming that the use of the Art of Memory can be understood as a system-design
process for the conception of spaces in the context of digital culture, the present work
goal is to construct a base understanding of design of spaces that give support to
structured information storage by connecting images and places. The research
contemplates the use of the Art of Memory, concerning the conception of spaces, from its
fundament, of the Classical Antiquity to the present days, by examples, building an
understanding of the development and connections concerning three moments of this Art:
from its origins as a part of Rhetoric in the Classical Antiquity to its assimilation by the
Middle Ages Scholastics, to its appropriation by Hermetic-Cabalistic tradition in the
Renaissance and its Memory Theatres models, and finally to its contemporary
incorporation in the space design processes by architects and media artists. The aim is to
contribute to the understanding of the Art of Memory as an aid to the conception of
spaces as memory systems.
SUMÁRIO
Prefácio 13
Introdução 17
1_ Memorizar-Discursar: a Arte da Memória Clássica 27
1.1_ Ars memoriae: origens 30
1.2_ Ars memoriae: o efeito simônides
32
1.3_ Imagines et loci: memorização espacial
36
1.4_ Arte da Memória e Escolástica: Arquitetura como medium 41
1.5_ Arte da Memória e Arquitetura
52
1.5.1. Arte da Memória: Diagramas e estruturação espacial
62
2_ Combinar: Teatros como Sistemas da Memória 67
2.1_ A Arte da Memória no Renascimento 70
2.1.1_ Da Escolástica ao Hermetismo
71
2.1.2_ A tradição Hermética
76
2.1.3_Movimento: sistemas ‘dinâmicos’ da memória
81
2.1.4_Rodas da Memória: máquina da memória universal
87
2.2_ Giulio Camillo Delminio
91
2.2.1_ O Teatro da Memória de Giulio Camillo na Renascença
94
2.2.2_ O Sistema da Memória de Camillo
103
2.3_ Robert Fludd
112
2.3.1_ O Teatro de Fludd: Sistema da Memória
120
2.3.2_ Globe Theatre como ‘fictitious place’
125
3_ Experimentar: aplicações contemporâneas 133
3.1 ars memorativa: ars contemporânea.
135
3.2_A idéia do Teatro
138
3.3_ MACHINA RATIOCINATRIX
144
3.3.1_ Efeito Simonides: o Spatial Data Management System’, MIT 145
3.3.2_ O processo criativo do grupo MARS: Arte como processo
152
3.3.3_ Teatros da Memória: exemplos de aplicação
155
3.3.3.1_‘Memory Theatre One’ | 1985
155
3.3.3.1.1_‘A Estrutura ‘Memory Theatre One160
3.3.3.1.2_‘O ‘sistema’ Memory Theatre One
166
3.3.3.2_Memory Theater VR | 1997
172
3.3.3.2.1_A estrutura do Memory Theater VR
173
3.3.3.2.2_
Os Quatro Cômodos da Memória no Memory Theater VR 177
_Fludd’s Room
177
_Sutherland’s Room 186
_Boccioni’s Room 192
_Alice’s Room
199
3.3.3.2.3_Memory Theater VR e os Teatros da Memória
205
Considerações Finais 209
Referências 227
Iconografia 235
PREFÁCIO
“Nós vivemos em um mundo povoado por estruturas – uma mistura
complexa de construções geológicas, biológicas, sociais, e lingüísticas que
não são mais que acumulações de materiais moldados e endurecidos pela
história. Imersos como estamos nessa mistura, nós não podemos ajudar
mas interagir em uma variedade de caminhos com as outras construções
históricas que nos cercam, e nessas interações nós geramos novas
combinações, algumas das quais possuem propriedades emergentes.”
1
[DE
LANDA, 2000, p. 25-26, tradução nossa]
Sempre acreditamos que a arquitetura comunica mais que a construção física, residindo
sua riqueza na possibilidade de incorporar significados e conteúdos diversos, que se
articulam com a dimensão física desde a concepção dos projetos. Ainda na graduação em
Arquitetura, na Universidade Federal de Viçosa, sempre nos atraiu a possibilidade de
investigar interconexões entre os mais diversos campos disciplinares, como forma de
repensar a arquitetura e o processo de design. A conexão mais fascinante, para nós, era
com as artes, por sua riqueza de significados, de experimentações livres e pelo invariável
caráter de vanguarda capaz de traduzir nuances do pensamento científico, tecnológico, do
contexto social e cultural do momento em que é concebida. Assim, a investigação das
interconexões entre arquitetura e arte, focalizando a possibilidade de agregar conteúdos,
informação, ao espaço, sempre constituiu uma das questões cruciais em nosso processo de
trabalho. Além disso, a preocupação primordial era a de entender e, sobretudo, aprender,
como pensar e produzir uma arquitetura que fosse capaz de traduzir, de representar o
espírito da época em que foi concebida; como produzir uma arquitetura capaz de ‘contar a
história’ do seu tempo? Ou além, uma arquitetura visionária capaz de enxergar além de
seu tempo? Assim, sempre estivemos entre o interesse por questões atuais e o fascínio
pelo caráter histórico de questões que perpassavam as abordagens contemporâneas.
Esse interesse foi o estímulo à investigação iniciada no desenvolvimento da Monografia
que constituiu a parte teórica do Trabalho Final de Graduação, onde construímos, sob o
tema ‘Espaço para abrigar a Arte’, uma reflexão paralela sobre os desdobramentos da
Arte interativa desde suas origens até as aplicações atuais no contexto da mídia digital,
além de uma abordagem histórica acerca dos museus desde seu surgimento, definido
inicialmente como templo das musas, até o entendimento presente do museu, como ‘espaço’
para abrigar artes tão diversas das que originalmente habitavam o ‘templo das musas’.
Como elaboração a partir das investigações teóricas, o projeto realizado, um ‘Espaço para
Abrigar a Arte’, constituiu uma exploração das possibilidades em arquitetura de abrigar a
arte digital contemporânea.
Assim, partindo das investigações do trabalho final de graduação, o desenvolvimento da
presente pesquisa iniciou-se com o interesse em instalações de arte digital, algumas delas
1
Do original em Inglês: “We live in a world populated by structures – a complex mixture of geological, biological, social,
end linguistic constructions that are nothing but accumulations of materials shaped and hardened by history. Immersed
as we are in this mixture, we cannot help but interact in a variety of ways with the other historical constructions that
surround us, and in these interactions we generate novel combinations, some of which possess emergent properties.” [DE
LANDA, 2000, p. 25-26]
abordadas anteriormente no trabalho final de graduação, que tinham como característica a
estruturação dos espaços como modelos mentais e cujas referências eram de caráter
histórico, resgatando princípios da Arte da Memória grega.
No grupo de pesquisa Nomads.USP encontramos, na linha de pesquisa orientada pela
Professora Dra. Anja Pratschke e em especial sobre o uso da mnemônica na concepção de
espaços de conhecimento, interessante possibilidade de interlocução para dar continuidade
à investigações que privilegiam as conexões entre processos de concepção da arte e da
arquitetura.
O fato de a ‘entrada’ para a pesquisa ser a partir de instalações de arte digital, nos
levou inicialmente a pensar em abordar apenas a questão do design de espacialidades
virtuais com características relacionadas a espaços e conteúdos a eles associados. Ao
confrontarmos outras fontes bibliográficas, resolvemos ampliar o tema proposto
inicialmente, abrangendo espacialidades híbridas – misto de concreto e virtual – e, além,
espaços mentais, partindo de um resgate histórico do tratamento dos espaços. Esse
resgate se torna possível a partir de exemplos significativos desde a Antiguidade
Clássica, passando pelo Medieval e Renascimento, chegando ao momento atual, numa
reflexão da Arte da Memória como processo no contexto da cultura digital.
A investigação que permitiu ampliar a presente abordagem foi pautada na leitura de vários
autores, tecendo assim, uma rede de conexões entre a Arte da Memória na Antiguidade,
seu resgate em outros momentos históricos, incluído o atual. Nesse contexto, foi
fundamental o contato com várias publicações adquiridas pela biblioteca do Nomads.usp,
dentre as quais destaco um livro ‘The Art of Memory’ [1966], de Frances Yates, uma das
mais importantes e influentes publicações do século XX sobre a Arte da Memória, que
reúne as principais informações sobre os tratados de retórica que deram origem aos
desdobramentos da mnemônica, além de traçar um histórico do uso da Arte da Memória
desde a Antiguidade até o Barroco, onde Leibniz vai abordá-la a partir da lógica
combinatória. Ainda, publicações contemporâneas como o livro ‘Virtual Art. From illusion
to immersion’ de Oliver Grau, tratando de instalações de arte digital, algumas com
referências mnemônicas, ou o livro ‘Sub-urbanism and the art of memory’, de Sebastian
Marot que, apresentando brevemente as origens da mnemônica, a partir do livro de Yates,
investiga seu uso como moldura conceitual em projetos de jardins ao longo de vários
séculos, focalizando discussões contemporâneas relacionadas ao espaço urbano.
Diversas outras publicações têm contribuído para enriquecer nossa abordagem e para
articular as diversas entradas que mapeamos. Destacam-se entre essas, aquisições como
‘A chave universal’ de Paolo Rossi, importante referência como base dos princípios da
Arte da Memória, ‘Cinema, a Arte da Memória’ e ‘O Teatro da memória de Giulio Camillo’ do
Professor Dr. Milton José de Almeida, da Universidade de Campinas, Unicamp, muito
importantes para a construção de nossos referenciais. Publicações como estas foram
basilares no contexto de nossa pesquisa diante do fato de que, no Brasil, são raras as
publicações relacionando a Arte da Memória à Arquitetura. Diante disso um grande
facilitador de nossa pesquisa bibliográfica foi a possibilidade de acessar conjuntamente as
bibliotecas das universidades USP, UNESP e UNICAMP, em vários departamentos e
institutos, unificados pelo sistema UNIBIBLIWEB, não sem o empenho de busca dos
exemplares, de visitas a várias bibliotecas, num esforço de reunir materiais como o
periódico Architectural Association Quarterly, publicado em 1980 pela Architectural
Association, com o tema Description: Invention: Reality, que apresentou o artigo
Architecture and the Art of Memory de Frances Yates, fundamental em nossa
abordagem.
Porém, uma grande dificuldade encontrada no decorrer de nosso trabalho, foi localizar
fontes que trabalhassem com publicações mais antigas. A maioria dos pesquisadores a que
tivemos acesso, que se aventuraram pelo campo de pesquisa da Arte da Memória baseou-
se na pesquisa de Frances Yates. Exceções como a do Professor Milton José de Almeida
que foi à Itália, num trabalho de pesquisa quase que arqueológico para rastrear os textos
antigos apresentam-se como contribuições importantíssimas para a pesquisa, por
proporcionar uma outra visão sobre o assunto.
Além do esforço por acessar uma bibliografia ampla, capaz de dar suporte às
investigações, foi prioritária a participação em atividades do grupo Nomads.USP, onde
integramos a linha de pesquisa ‘Processos de Design’, privilegiando a troca de experiências
com outros pesquisadores e ampliando as perspectivas das discussões. Dentre as trocas,
é importante destacar conexões interessantes entre a nossa pesquisa e a pesquisa de
mestrado ‘Entre e Através: Complexidade e Processos de Design em Arquitetura’ finalizada
recentemente pela MSc. Clarissa Ribeiro Pereira de Almeida, que focaliza a relação entre a
complexidade, ou um pensar complexo que emerge com a Cibernética, a Teoria Geral dos
Sistemas e Teoria da Informação, nos anos 1940, e os processos de design em arquitetura
em dois períodos – décadas de 1960 e 1970, e décadas de 1990 e 2000. Encontramos ainda
interfaces com a pesquisa em desenvolvimento pela arquiteta e cientista computacional
Fernanda Borba Januário, que trata da relação entre a cibernética de primeira e segunda
ordem o os processos de design propostos por arquitetos nas décadas de 1960 e 1970,
como Cedric Price, por exemplo. Pesquisas essas, orientadas pela Professora Anja
Pratschke, dentro da linha de pesquisa Processos de Design. Ainda no Nomads.USP, a
participação em atividades do grupo como palestras e discussões em treinamentos para
graduandos e o contato com pesquisadores visitantes de renome nacional e internacional
das áreas de arquitetura e arte digital, foram extremamente valiosos para o
enriquecimento do processo da pesquisa.
No sentido de construir as interconexões de nossa abordagem, a pesquisa aqui
apresentada tem a intenção de ampliar a compreensão acerca dos processos de design em
Arquitetura, a partir do resgate da Arte da Memória como processo. Nossa abordagem
tem um caráter histórico, com o intuito de entender as origens da Arte da Memória, e o
modo como foi transmitida, reinterpretada e apropriada em diversos momentos históricos
nos períodos: Medieval, Renascimento, Barroco e no momento atual do contexto da cultura
digital.
Por que estudar o resgate dessa Arte como processo relacionado aos espaços? De que
maneira o acesso a tecnologias e meios computacionais pode influenciar nossa maneira de
pensar e de organizar conteúdos? Essas são perguntas que perpassam a construção de
nossa abordagem.
Acreditamos que, atualmente, no que se refere ao desenvolvimento das mídias e
tecnologias computacionais, no contexto de uma cultura digital difundida globalmente, seja
essencial repensar o processo de design em arquitetura. É um momento em que diversas
abordagens privilegiam uma valorização dos processos em detrimento dos produtos e
nesse contexto a Arte da Memória pode ser entendida como uma ‘chave’ para enriquecer
esse processo.
Renata La Rocca, Primavera de 2006, Inverno de 2007.
19
INTRODUÇÃO
Partimos do resgate da Arte da Memória no momento atual
onde, inseridos no universo da cultura digital, os modos de
vida incorporam as tecnologias de informação e
comunicação. Nesse contexto, nos questionamos sobre como
o acesso a tecnologias e meios computacionais pode
influenciar nossa maneira de pensar e de organizar
conteúdos e de fazer comunicá-los dentro de
espacialidades arquitetônicas. Além, nos indagamos sobre
como os meios podem influenciar a abordagem da Arte da
Memória como processo.
Diante dessa compreensão, Frances Yates julga mais
adequado o uso da expressão ‘Arte da Memória’, para
definir o que é na verdade um processo, mais que uma
técnica. Yates é enfática ao dizer que prefere
“[...] usar a
expressão ‘Arte da Memória’ para este processo.”
1
[YATES, 1984, p.
4, tradução nossa]
Compartilhando o entendimento da autora,
opta-se aqui por referir a esse ‘processo’ como Arte, o
que confere postura de aproximação afinada com uma
compreensão da arquitetura – que é afinal o principal
objeto de estudo desta pesquisa - mais como processo que
como produto, e mais como sistema do que como objeto,
numa visão que se coloca no âmago de um pensar
complexo em arquitetura.
Nesse sentido, nos questionamos sobre o porquê de se
estudar a Arte da Memória como processo na concepção de
espaços atualmente. Para responder a essa indagação,
nossa construção, que também apresenta um caráter
histórico, trás em sua trama um plano de fundo que conduz
a abordagem da Arte da Memória ao longo do tempo
através dos meios e tecnologias disponíveis. Cada época
vai ser influenciada e refletir os meios de que dispõe: é
assim com a oralidade, com as mudanças da imprensa e
mais recentemente, com os meios computacionais. Esse
‘plano de fundo’ serve como base para o entendimento das
1
Do original em inglês: “[...] to use the expression ‘art of memory’ for this process.” [YATES,
1984, p. 4].
mudanças pelas quais passaram ao longo do tempo, os
reflexos da Arte da Memória na concepção de
espacialidades arquitetônicas.
A pesquisadora Frances Yates, em palestra proferida na
Architectural Association, em Londres, para estudantes e
pesquisadores de arquitetura, faz uma colocação que
sintetiza nosso interesse na Arte da Memória relacionada à
Arquitetura:
“Desde que a clássica arte da memória utilizava a
arquitetura em suas técnicas, sua exposição tocará em seus
interesses arquitetônicos. Assim, mergulhamos na clássica arte da
memória, e deve-se estar entusiasmado para procurar possíveis
pontos de relevância para seus estudos.”
2
[YATES, 1980, p. 4,
tradução nossa]
Para a definição de nosso objeto, pensamos na Arte da
Memória relacionada ao design de espaços que dão suporte
ao fluxo dinâmico de informações, exemplos apresentados
na Arte e na Arquitetura; de espaços que podem ser
acessados, articulados por sujeitos em processos de
interação com espaços estruturados de acesso a
conteúdos.
Assim, propomos entender a mnemônica como Arte e, além
como processo, estudando-a desde as origens da
concepção e da aplicação desses métodos, e seus princípios
fundamentais, na antiguidade e nos períodos medieval,
renascentista, e do barroco em direção ao contemporâneo
para mapear e analisar seu resgate e adaptação como
processo e ao mesmo tempo como sistema para a
concepção e uso de espaços, numa abordagem avessa à
redução e simplificação do objeto. Como afirma Morin,
“O
sistema tomou o lugar do objeto simples e substancial e ele é rebelde
à redução em seus elementos; o encadeamento de sistemas de
sistemas rompe com a idéia de objeto fechado e auto-suficiente.
Sempre se trataram os sistemas como objetos; trata-se de agora em
diante conceber os objetos como sistemas.“ [MORIN, 2003, p.129]
Deste modo, o objeto do presente trabalho é a
investigação do uso da Arte da Memória como processo e
ao mesmo tempo como sistema na concepção de espaços
desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais, para
2
Do original em inglês: “Since the classical art of memory used architecture in its techniques,
the exposition of it will touch on your architectural interests. So here goes; we plunge into the
classical art of memory, and you must be keenly on the look out for possible points of
relevance to your studies.” [YATES, 1980, p. 4]
20
21
construir uma compreensão das possibilidades e do caráter
do emprego desse método como processo no contexto da
concepção espacial arquitetônica e artística.
A hipótese formulada inicialmente foi a de que o uso da
Arte da Memória pode ser compreendido como um sistema-
processo de design para a concepção de espaços no
contexto da cultura digital.
Para confrontar essa hipótese, o objetivo geral, do
presente trabalho foi construir uma compreensão acerca do
processo de design de espaços que dão suporte ao
armazenamento estruturado de informações e o acesso
dinâmico num processo que articula a interação entre
sujeitos e espaço. O objetivo teórico específico consistiu na
investigação do uso da Arte da Memória como processo na
concepção de espaços e de seus princípios fundamentais
desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais, para
construir um entendimento do desenvolvimento e das
conexões estabelecidas por essa Arte ao longo do tempo e
seus reflexos atualmente, obtendo subsídios para a
definição de critérios para seleção e análise de exemplos
de utilização da Arte da Memória relacionada a
espacialidades arquitetônicas. O objetivo empírico consistiu
na seleção e análise, a partir de critérios estabelecidos
dentro de uma estratégia metodológica, de exemplos da
aplicação da Arte da Memória como processo na concepção
de espaços.
Da Natureza dos Espaços: recortes histórico-temporais
A Arte Memória será o nosso “fio de Ariadne”, o que vai
nos conduzir dentro de uma estrutura que se articula das
origens do uso desse modo de construir espaços de
conhecimento como espaços mentais na Antiguidade Clássica
à sua apropriação pelo clero europeu medieval
estruturando conteúdos nas catedrais góticas e mosteiros
entre outros, passando à sua apropriação para a
construção de espaços concretos no Renascimento, e à sua
incorporação no processo de concepção de espacialidades
mescladas, concebidas por arquitetos e artistas da arte
mídia contemporânea.
A presente abordagem propõe uma relação espaço-temporal
de caráter glocal, ou seja, com a ausência de um recorte
temporal específico, mas com vários recortes formulados a
partir do tempo da formulação da mnemônica como arte-
processo desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais e
os modos de usar esse processo, tempos do uso efetivo
dessa arte-processo na concepção de espaços em vários
períodos históricos pinçados no tempo, analisando uma
rede de interconexões e emergências de um modo de
pensar através dos séculos, da Antiguidade Clássica aos
dias atuais.
Optamos por estruturar a presente Dissertação
apresentando a Arte da Memória, desde suas origens,
através dos principais acontecimentos que se construíram
e que se interconectam ao longo do tempo.
Partiremos da Antiguidade Clássica, ou Idade Antiga,
focalizando Roma e Grécia, que são a base da Arte da
Memória. Com a desintegração do Império Romano do
Ocidente, no século V (476 d.C.), passamos ao início da
Idade Média, e de uma abordagem da Arte da Memória
pautada pela influência da Escolástica. A seguir temos o
Renascimento na Europa, entre os séculos XIV e XV que
vai resgatar a Arte da Memória a partir das influências do
Hermetismo nesse período até chegar ao período Barroco,
entre os séculos XVI e XVII, com as influências da lógica
combinatória, em direção às abordagens atuais.
Ao fazermos a opção por um recorte temporal ampliado,
tentamos eliminar o perigo de redução e mutilação de
nosso objeto, e aceitamos o desafio de analisar a relação
entre a parte [os exemplos] e o todo [a Arte da Memória]
ao longo do tempo.
Assim, a partir de uma compreensão da Arte da Memória
como processo, procedemos a seleção para análise de
exemplos de seu emprego na concepção de espaços do
conhecimento em grandes momentos – a Antiguidade
Clássica que nos fornece a base para entender as
22
23
aplicações e ocorrências no período Medieval; o
Renascimento e o Barroco e posteriormente, seu resgate
no período contemporâneo, a partir dos indícios de
ocorrências de aplicações da Arte da memória evidenciadas
em nossas leituras. Esse recorte, de certa maneira
fragmentado, visa sustentar a abordagem diante da
impossibilidade, frente aos objetivos propostos, de recortar
um único momento, ou um tempo local, um único tempo
como parte – para confrontar o todo da hipótese
formulada.
As Diversas Artes da Memória: parâmetros de análise
A partir da hipótese e dos objetivos apresentados, temos
um conjunto de parâmetros principais que balizaram a
seleção e análise dos exemplos, focalizando o uso da Arte
da Memória como processo estruturado de concepção
espacial.
A pesquisadora da Universidade de Humboldt, Kirsten
Wagner faz uma abordagem definindo parâmetros para uma
comparação entre diferentes projetos de arte digital.
Segundo Wagner,
“As circunstâncias atuais pelas quais o histórico
Teatro da Memória pode tornar-se tão virulento no contexto de
novas mídias e da tecnologia computacional, é multifacetado.”
3
[WAGNER, 2006, tradução nossa]
Com base nessa consideração, e
a partir de uma comparação entre diferentes projetos de
arte digital, Wagner elabora 4 [quatro] parâmetros onde
revela aspectos da tecnologia computacional no que esta
parece corresponder ao Teatro da Memória e à mnemônica
em última instância.
Propomos aqui, numa adaptação dos parâmetros de Wagner,
como princípios básicos da seleção e análise dos exemplos,
4 [quatro] parâmetros que relacionam aspectos dos
processos de concepção espacial à mnemônica.
3
Do original em inglês: “The actual circumstances, why the historical memory theatre could
become so virulent in context of new media and computer technology, are multi-faceted.”
[WAGNER, 2006]
(1) Aspecto de armazenagem: relacionado ao espaço
como estrutura de armazenagem pensada para ser
universal.
(2) Aspecto multimídia: esse aspecto se refere à
estruturação do acesso e armazenagem de imagens,
textos e sons a que o espaço é capaz de dar
suporte.
(3) Aspecto espacial: o foco aqui está no uso do espaço
como um princípio de organização que determina o
gerenciamento de dados suportado por tecnologia e
meios computacionais ou não.
(4) Aspecto combinacional: esse último aspecto se
aproxima do princípio do hipertexto, baseado na
capacidade do espaço de dar suporte a um fluxo
dinâmico e não-linear de gerenciamento de conteúdos
hipermídia.
Cada um desses parâmetros contempla ainda
características que, observadas em um sistema, podem
ajudar a classificá-lo como complexo, funcionam aqui como
‘medidas sistêmicas de complexidade’.
Estrutura da dissertação
A dissertação estrutura-se em três capítulos que
representam, a partir de seus títulos, uma abordagem da
arquitetura como verbo no infinitivo, evidenciando o fato
de nossa abordagem priorizar os processos em detrimento
dos produtos.
Assim, Memorizar-Discursar, Combinar e Experimentar, são
os verbos que representam essa estrutura, onde
abordaremos, desenvolveremos e contemplaremos os
seguintes conteúdos:
O Capítulo 01, Memorizar-Discursar: a Arte da Memória
Clássica, onde procuramos mapear os primeiros indícios do
surgimento das técnicas de memorização na civilização
ocidental, abordando a Antiguidade Clássica, ou Idade
Antiga, focalizando Roma e Grécia, que são a base do
pensamento da Ars memorativa no ocidente, em direção ao
período Medieval, focalizando no design de espaços em
cada um desses períodos, de modo a dar suporte para um
entendimento da Arte da Memória relacionada aos espaços
24
25
e de suas mudanças ao longo do tempo. A abordagem se
estrutura em quatro partes: 1. A contextualização da
abordagem a partir do surgimento da Arte da Memória,
através do que chamamos de ‘efeito Simônides’ e de como
se configurava a sociedade da época, pautada na oralidade.
2. A abordagem da Arte da Memória de Imagines et loci e
da memorização espacial, já relacionada à arquitetura. 3.
Arte da Memória e Escolástica, onde são apresentadas as
mudanças na Arte da Memória, sob os preceitos do clero
medieval. 4. A Arquitetura Gótica e a Arte da Memória a
partir das catedrais e dos modelos de Diagramas espaciais
como estruturadores de conteúdos.
O Capítulo 02, Combinar: Teatros como Sistemas da
Memória, que trata do período em que os sistemas
mnemônicos passaram a ser, mais que pensados,
imaginados, construídos, na época do Renascimento na
Europa, entre os séculos XIV e XV que vai resgatar a
Arte da Memória a partir das influências do Hermetismo. A
abordagem se estrutura em três partes: 1. A
contextualização da Arte da Memória no Renascimento sob
influência do Hermetismo e os sistemas dinâmicos da
memória. 2. Apresentação do exemplo do Teatro da
Memória de Giulio Camillo, com a abordagem da vida e obra
de Camillo e de seu Teatro enquanto estrutura espacial
para memorização, enquanto sistema da memória. 3.
Apresentação do exemplo do Sistema Teatro da Memória
de Fludd, com a abordagem da vida e obra de Robert Fludd
e de seu Sistema da Memória, imaginado para o Teatro de
Shakespeare.
O Capítulo 03, Experimentar: aplicações contemporâneas,
que trata do resgate da Arte da Memória a partir dos
anos 1970, com as abordagens contemporâneas, muitas
delas realizadas com o auxílio de um novo meio – o
computador – e potencializadas pela difusão dos
computadores pessoais, numa abordagem da Arte da
Memória como processo. O capítulo se estrutura em quatro
partes: 1. Contextualização do resgate da Arte da Memória
e dos Teatros da Memória na era dos computadores, onde
ocorrem os desdobramentos da Combinatória em direção à
Cibernética, a partir de discussões que relacionam a
abordagem da Arte da Memória com as tecnologias
computacionais. 2. Abordagem da Arte da Memória
relacionada a espaços, enquanto processo, com a
apresentação de um panorama de aplicações da Arte da
Memória contemporânea, com exemplos de processos de
artistas e arquitetos. 3. Apresentação do exemplo do
teatro Memory Theater One, de Robert Edgar, com
abordagem da vida e obra de Edgar e do projeto Memory
Theater One enquanto estrutura espacial para armazenar
conteúdos. 4. Apresentação do exemplo do teatro Memory
Theater VR, de Agnes Hegedus, com abordagem da vida e
obra de Hegedus e do projeto Memory Theater VR
enquanto estrutura espacial pensada como espaço de
aprendizagem e armazenamento de conteúdos.
Em todos os capítulos que compõem a dissertação fomos
motivados a buscar entradas que dessem subsídios para
um entendimento da Arte da Memória relacionada à
Arquitetura, num esforço de seu entendimento enquanto
processo que, com certeza abre várias frentes para
outras abordagens desse tema.
Assim, numa aproximação ao que Jacques Le Goff [LE GOFF,
2003, p.437] define como operações da retórica, queremos
convidá-los a percorrer a estrutura desse trabalho com o
olhar de uma estrutura retórica, que partiu da inventio
[encontrar o que dizer], na seqüência enfrentou a
dispositio [colocar em ordem o que se encontrou]; teve
seus momentos de elocutio [acrescentar o ornamento das
palavras e das figuras], na intenção de chegar à
construção de uma actio [recitar o discurso como um ator,
por gestos e pela dicção]. Além, convidamos a percorrer
essa estrutura com a mente aberta, receptiva para
armazenar os conteúdos a partir da quinta operação da
retórica, que é a memoria [memoriae mandare, “recorrer à
memória”]. E que a Arte da Memória possa transformá-los
assim como nos transformou.
26
29
A questão da Arte da Memória, e de sua relação com uma
abordagem espacial, bem como o resgate dessa Arte como
referência para projetos contemporâneos são centrais em
nossa pesquisa. Para tanto, faz-se necessário entender o
caminho que a Arte da Memória percorreu, desde o seu
surgimento, até os dias atuais. Com isso, tentaremos
responder: quais foram suas origens? Como se deu sua
relação com os espaços, com a Arquitetura? Numa
tentativa de responder a essas questões, nos propomos,
neste capítulo, a apresentar a Arte da Memória, desde
suas origens, como mnemônica ou técnica de memorização, e
seu entendimento enquanto Arte. Essa construção
representa o embasamento, os pilares de uma construção
que se inicia na Antiguidade Clássica, com o ‘efeito
Simônides’ e os modelos mentais (virtuais) de memorização,
seguindo pela Idade Média, onde esses modelos passam a
ser construídos, se materializam, sob os preceitos da
Arquitetura Gótica. Com essa construção, pretendemos
fornecer as bases para o entendimento da Arte da
memória nos capítulos posteriores, com os desdobramentos
no Renascimento em direção a uma apropriação
contemporânea da Arte da Memória.
1.1_Ars memoriae: origens
“Os gregos da época arcaica fizeram da memória deusa,
Mnemosyne. É a mãe das nove musas, que ela procriou no
decurso de nove noites passadas com Zeus. Lembra aos
homens a recordação dos heróis e de seus altos feitos,
preside a poesia lírica. O poeta é, pois, um homem possuído
pela memória, o aedo é um adivinho do passado, como o
adivinho o é do futuro. É a testemunha inspirada dos ‘tempos
antigos’, da Idade Heróica e, por isso, da idade das origens.”
[LE GOFF, p.433]
A Arte da Memória, segundo Frances Yates
1
[YATES, 1984],
foi inventada pelos gregos e transmitida à Roma e de lá
para a tradição européia. Ao iniciar uma pesquisa com a
temática da Arte da Memória, é bastante comum
encontrarmos nas publicações sobre o assunto, várias
denominações para essa ‘Arte’, em função de traduções,
períodos históricos, etc. Arte da Memória, mnemônica,
mnemotécnica – qual desses termos deve ser adotado
como representativo desse conteúdo tão rico? Numa
tentativa de responder a essa questão, voltaremos nosso
olhar para as origens etimológicas dos termos mnemônica e
mnemotécnica, e para seus significados nos contextos em
que foram utilizados.
A palavra mnemônica (do grego μνημονικό), a partir de
sua etimologia, vem do radical ‘mnem(o)-
2
, de origem grega
–‘mnêsé,és’–, que significa: 'memória, lembrança' e
mnêmón,onos 'que se lembra', vocábulo já originalmente
grego como mnemônico (mnémonikós). A palavra
mnemotécnica ou mnemotecnia é construída a partir da
junção do radical ‘mnem(o)-‘ (antepositivo) com o
pospositivo ‘-tecnia’, também de origem grega –‘tékhné,és
– que significa 'arte manual, indústria, artesanato'.
1
Frances Yates. É uma das principais referências no estudo da Arte da Memória. Sua Publicação
The Art of Memory, consiste num dos mais completos trabalhos publicados sobre a Arte da
Memória.
Frances Amelia Yates (1899-1981) A Historiadora Frances Yates nasceu em 1899 na Inglaterra.
Ela teve uma associação íntima com o Warburg Institute da University of London que começou
logo após a Segunda Guerra Mundial. Yates era ‘Reader in the History of the Rennaissance’ até
1967, quando se tornou um Membro Honorário. Suas publicações incluem: Giordano Bruno e a
Tradição Hermética e The Art of Memory. Yates morreu em 1981. Disponível em:
<http://www.biogs.com/famous/yates.html>. Acesso em 17 nov. 2006.
30
2
mnem(o)-. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em:
<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=mnem%28o%29-&cod=129603>. Acesso em 13 jun.
2007.
31
Niccola Abbagnano
3
, em seu Dicionário de Filosofia, no
verbete ‘mnemotecnia, mnemotécnica’ coloca algumas
traduções para a palavra de origem grega: em latim ars
memoriae, inglês mnemonics, francês mnémonique, alemão
Mnemonik, Mnemotechnik e italiano mnemónica.
Um outro caminho para entender a origem dos termos é a
partir da Mitologia, através da deusa Mnemosine. Como
coloca Jacques Le Goff
4
[LE GOFF, 2003, p.433], os gregos
personificaram a memória sob a forma de uma deusa –
Mnemosine – a deusa da memória e a mãe das nove
musas
5
, filhas também de Zeus, que lembra aos homens a
recordação dos heróis e seus feitos e preside a poesia
lírica. A origem da palavra mnemosine, deriva do verbo
mimnéskein, que significa ‘lembrar-se de’. Como coloca Rosário,
“A titânida Mnemosine, assim, vem a configurar no universo mitológico
grego a própria personificação da Memória.” [ROSÁRIO, 2006]
Mnemosine, na mitologia grega, era a memória
personificada, filha de Urano (Céu) e de Geia (Terra), sendo
uma das titânidas – Tia, Reia, Témis, Mnemosine, Febe e
Tétis. Da união de Mnemosine com Zeus durante nove
noites em Piéria, nasceram as nove musas. As musas eram
cantoras divinas que, além de inspirar os poetas e os
literatos em geral, tinham a atribuição de regular o
pensamento em suas variadas formas: sabedoria,
eloqüência, persuasão, história, matemática, astronomia.
A partir de Mnemosine a memória aparece, segundo Le
Goff, como
“[...] um dom para iniciados, e a anamnesis, a
reminiscência, como uma técnica ascética e mística.” [LE GOFF,
2003, p.434] A reminiscência, que também aparece no
3
ABBAGNANO, N. Diccionário de Filosofia. México: Fondo de Cultura Econômica, 1986. p.810.
4
Jacques le Goff Ainda menino, aluno em Toulon, cidade do sul da França onde nasceu em janeiro
de 1924, o futuro historiador encontrou o seu destino. Depois de ter lido Ivanhoé, a mais
famosa novela histórica de Walter Scott, nunca mais deixou de interessar-se pela Idade Média.
A tal ponto que, ao completar 80 anos em 2004, foi universalmente reconhecido, juntamente com
Georges Duby e Le Roy Ladurie, como um dos maiores Medievalista da França do após-Segunda
Guerra Mundial. Disponível
em:<http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2004/07/05/001.htm> Acesso em 23 nov.
2004.
5
As nove filhas de Mnemosine e Zeus, as nove musas são: Calíope, a musa da poesia épica;
Clio, a musa da História; Euterpe, a musa da Música; Erato, a musa da Poesia lírica; Terpsícore,
a musa da Dança; Melpomene, a musa da Tragédia; Talia, a musa da Comédia; Polímnia, a musa
dos Hinos sagrados e Urânia. In: KURY, M. G. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 1990, p. 405.
tratado de Aristóteles De memoria et reminiscentia, faz
parte da distinção colocada por ele entre
“[...] a mnemê, mera
faculdade de conservar o passado, e a reminiscência, a mamnesi,
faculdade de evocar voluntariamente esse passado.” [LE GOFF, 2003,
p.435]
No que concerne à reminiscência, há a possibilidade da
criação de técnicas de aprendizagem para evocação da
memória. Nesse sentido, a palavra mnemotécnica originada
a partir da junção dos radicais que formam a palavra:
mnem+técnica significa técnica de memorizar, ou ainda,
segundo Niccola Abbagnano [ABBAGNANO, 1986, p.810],
significa a arte de cultivar a memória, ou simplesmente
Arte da Memória.
1.2_Ars memoriae: o efeito simônides
A Arte da Memória tinha o objetivo de aperfeiçoar a
memorização de conteúdos a tal ponto que as pessoas
pudessem proferir longos discursos de cor, com precisão
infalível. Segundo Frances Yates,
“O primeiro fato básico que o estudante da história da
clássica arte da memória deve lembrar é que a arte pertence
à Retórica como uma técnica através da qual o orador pode
aperfeiçoar sua memória, a qual pode possibilitar a ele
proferir longos discursos de memória com precisão infalível.”
6
[YATES, 1984, p. 2, tradução nossa]
Em tempos em que havia poucos registros através da
escrita, a memorização era fundamental não apenas para
proferir discursos, mas também para declamar poesias e,
sobretudo, para transmissão de conhecimento por muitas
gerações, rompendo barreiras de espaço e tempo.
O primeiro registro do uso da mnemônica no ocidente foi
atribuído ao poeta grego Simônides de Céos
7
[cerca de
556-468 d.C.]. Segundo Frances Yates, no tratado De
6
Do original em inglês: “The first basic fact which the student of the history of the classical
art of memory must remember is that the art belonged to rhetoric as a technique by which the
orator could improve his memory, whichwould enable him to deliver long speeches from memory
whith unfailing accuracy.” [YATES, 1984, p. 2]
32
7
Simônides de Céos [cerca de 556-468 a.C.] pertenceu à era pré-socrática. Foi um dos admirados
poetas líricos gregos. [YATES, 1984]
33
Oratore, Cícero
8
conta a invenção da mnemônica por
Simônides,
“Num banquete oferecido por um nobre da Tessália chamado
Scopas, o poeta Simonides de Ceos declamou um poema lírico
em honra de seu anfitrião, mas incluindo uma passagem em
louvou a Castor e Pólux. Scopa deu a entender ao poeta que
ele apenas iria pagar metade da soma acordada para o
panegírico e que ele deveria obter o restante dos deuses
gêmeos aos quais ele tinha devotado metade do poema. Pouco
depois, uma mensagem foi trazida a Simonides, de que dois
jovens homens que desejavam vê-lo, estavam aguardando do
lado de fora. Ele levantou-se do banquete e foi para fora,
mas não encontrou ninguém. Durante sua ausência, o teto da
sala do banquete desabou, esmagando Scopa e todos os
convidados, morreram sob as ruínas; os corpos estavam tão
mutilados que os parentes que foram chamados para levá-los
embora para sepultamento, foram incapazes de identificá-los.
Mas Simônides recordou os lugares nos quais eles tinham
estado sentados na mesa e foi portanto, capaz de indicar aos
parentes qual era seu morto. Os visitantes invisíveis, Castor
e Pólux tinham generosamente pagado por sua parte no
panegírico, tirando Simonides do banquete instantes antes do
acidente. E essa experiência sugeriu ao poeta os princípios da
arte da memória da qual ele é tido como inventor. Notando
que isso foi através da sua memória dos lugares nos quais os
convidados tinham estado sentados que ele tinha sido capaz
de identificar os corpos, ele compreendeu que, organização
metódica é essencial para boa memória.”
9
[YATES, 1984, p. 2,
tradução nossa].
8
Cícero. Marco Túlio Cícero (Marcus Tullius Cicero em latim) nasceu em Arpino, 3 de Janeiro 106
a.C. e morreu em Formies, 7 de Dezembro 43 a.C. Foi filósofo, orador, escritor, advogado e
político romano. Cícero nasceu numa antiga família do Lácio, a quem tinha sido dada a cidadania
romana somente em 188 a.C. O pai proporcionou aos dois filhos, Marco, o mais velho, e Quinto,
uma educação muito completa, sendo Marco Túlio entregue aos cuidados do célebre senador e
jurista romano Múcio Cévola. Viveu num período especialmente turbulento da história de Roma.
Cícero é, com Demóstenes, o melhor expoente da oratória clássica. Pela sua voz, postura, gênio,
paixão e capacidade de improvisação está dotado para o exercício da eloqüência. São famosos os
seus discursos contra Verres, em prol da Lei Manilia, contra Catilina, em favor de Milão e de
Marcelo e contra Marco António. É autor de diversos tratados filosóficos sobre o Estado, o
bem, o conhecimento, a velhice, o dever, a amizade, etc., que transmitem a tradição do
pensamento grego. As suas próprias idéias sobre a arte da oratória, assim como uma história
desta, expressam-se em tratados escritos de forma dialogada, como De Oratore, Brutus,
Orator, etc.
9
Do original em inglês: “At a banquet given by a nobleman of Thessaly named Scopas, the poet
Simonides of Ceos chanted a lyric poem in honour of his host but including a passage in praise
of Castor and Pollux. Scopas meanly told the poet that he would only pay him half the sum
agreed upon for the panegyric and that he must obtain the balance from the twin gods to
whom he had devoted half the poem. He rose from the banquet and went out but could find no
one. During his abscence the roof of the banqueting hall fell in, crushing Scopas and all guests
to death beneath the ruins; the corpses were so mangled that the relatives who came to take
them away for burial were unable to identify them. But Simonides remembered the places at
which they had been sitting at the table and was therefore able to indicate to the relatives
Quando Simônides faz a associação entre a lembrança das
pessoas – as imagens – e a lembrança do local onde
estavam sentadas – os lugares –, confere grande
importância à organização metódica para a mnemônica,
fixando, como afirma Le Goff,
“[...] dois princípios da memória
artificial, segundo os antigos: a lembrança das imagens, necessária à
memória, e o recurso a uma organização, uma ordem, essencial para
uma boa memória.” [LE GOFF, 2003, p.436].
Esse tratamento da
memória pela entrada da organização apresenta-se como
peça chave no entendimento da Arte da Memória como
processo de organização conteúdos.
Dentro desse contexto de desenvolvimento da Arte da
Memória, podemos apontar três principais tratados de
retórica que versam sobre as questões da memória:
Instituto Oratório de Quintiliano [do fim do primeiro século
de nossa era], De Oratore, de Cícero [55 a.C], e o livro
texto anônimo Ad Herennium [entre 86 e 82 a.C]. Segundo
Le Goff,
“Esses três textos desenvolvem a mnemotécnica grega,
fixando a distinção entre lugares e imagens, precisando o
caráter ativo dessas imagens no processo de rememoração
[imagens agentes] e formalizando a divisão entre memória das
coisas [memória rerum] e memória das palavras [memória
verborum]”. [LE GOFF, 2003, p.437]
Apesar de a Grécia ser considerado o berço da Arte da
Memória, os três textos acima referidos, que desenvolvem
a mnemotécnica grega, são romanos. Estes são os tratados
mais antigos que sobreviveram e chegaram até nossos dias,
escritos originalmente em latim e constituem a teoria
clássica da memória artificial.
Em um desses tratados, o De Oratore, Cícero descreve a
memória como uma das cinco partes da retórica e introduz
uma breve descrição da mnemônica relacionando ‘lugares e
imagens’ – ‘loci et imagines’. Segundo Cícero,
“[...] pessoas desejando treinar essa faculdade, devem
selecionar lugares, formar imagens mentais dos fatos que
34
which were their dead. The invisible callers, Castor and Pollux, had handsomely paid for their
share in the panegyric by drawing Simonides away from the banquet just before the crash. And
this experience suggested to the poet the principles of the art of memory of which he is said
to have the inventor. Noting that it was through his memory of the places at which the guests
had been sitting that he had been able to identify the bodies, he realised that orderly
arrangement is essential for good memory.” [YATES, 1984, p. 2].
35
elas desejam lembrar e armazenar essas imagens nos lugares,
com o resultado que a organização dos lugares vai preservar
a ordem dos fatos, e as imagens dos fatos vão designar os
fatos eles mesmos, e nós devemos empregar os lugares e
imagens respectivamente como uma placa de cera de escrever
e as letras nela escritas.
10
[CICERO, 1988, p. 467, tradução
nossa]
Ao estudar esses textos clássicos e as descrições e
apropriações feitas a partir deles, constatamos uma
tendência de utilização das técnicas de memorização
fortemente relacionada à Arquitetura, ao espaço.
Referindo-se ao tratado De Oratore, de Cícero, o
historiador Paolo Rossi
11
coloca a questão de uma ordem
relacionada aos espaços, como sendo fundamental para a
Arte da Memória, afirmando que,
“A ordem com que os lugares são dispostos dará a
capacidade de lembrar os fatos. A arte de memorizar parece,
portanto, assim comparável e análoga ao processo da escrita:
os lugares compreendem a mesma função da tabuleta de
encerada, e as imagens têm a mesma função das letras. O uso
das imagens parece baseado na necessidade de um recurso do
sentido e na maior persistência da memória visual. Os lugares
terão de ser muitos, evidentes e situados em pequenos
intervalos (modicis intervalis); as imagens resultarão tanto
mais eficazes quanto mais aptas a atingir as faculdades
imaginativas.” [ROSSI, 2004, p.45]
A partir dos tratados clássicos da Arte da Memória, é
possível compreender de que forma uma disposição
ordenada de espaços e das imagens relacionadas aos
lugares constitui elemento chave para o processo de
memorização – um processo de memorização espacial.
De acordo com a abordagem e o contexto do uso da
mnemotécnica, esta é definida como uma técnica de
10
Do original em inglês: “He inferred that persons desiring to train this faculty must selected
localities and form mental images of the facts they wish to remember and store those images
in the localities, with the result that the arrangement of the localities will preserve the order
of the facts, and the images of the facts will designate the facts themselves, and we shall
employ the localities and images respectively as a wax writing tablet and the letters written on
it.” [CICERO, 1988, p. 467]
11
Paolo Rossi: nascido em Urbino, Itália, em 1923, lecionou História da Filosofia na Universidade
de Florença. É sócio nacional da Academia dos Linces. Em 1985 foi condecorado pela American
Histiry of Science Society com a medalha Sarton por sua obra sobre história da ciência.
‘memorização espacial’, o que atesta a relação íntima entre
Arte de Memória e Arquitetura desde suas origens. Nossa
pesquisa parte dessa abordagem da Arte da Memória como
processo de memorização espacial, da relação entre Arte
da Memória e Arquitetura.
1.3_Imagines et loci: memorização espacial
“Existia um tipo especial de mnemônica, ou treinamento-
memória, o qual era usado pelos oradores Romanos: ele era
chamado de memória artificial; ele consistia em lugares e
imagens. Você memorizava uma série de lugares usualmente
em um edifício. Você circulava pelos cômodos de sua própria
casa, talvez, ou algum outro edifício, memorizando aquela
porta, aquela estátua, aquela coluna, imprimindo firmemente
na sua memória esses lugares, na ordem na qual eles
ocorriam no edifício. Então você escolhia imagens para te
lembrar dos pontos do seu discurso, e você colocava essas
imagens, na sua imaginação ou sua memória, nos lugares os
quais você tinha memorizado.”
12
[YATES, 1980, p.4, tradução
nossa]
O uso de artifícios mnemônicos era bastante recorrente na
Antiguidade, relacionando, muitas vezes, imagens a lugares
arquitetônicos, como na definição mnemônica de Quintiliano,
autor de um dos três tratados clássicos da Arte da
Memória. Quintiliano desenvolveu um sistema de informação,
onde instruía o usuário a percorrer mentalmente os
cômodos de um edifício, para que fosse capaz de recordar
os conteúdos (textos) que deveriam ter sido previamente
associados àqueles cômodos (lugares) sendo vinculados a
imagens neles armazenadas. Assim, tendo-se construído
mentalmente um espaço arquitetônico, ou mesmo
reconstruído mentalmente um edifício existente, dever-se-
ia associar a ele as idéias que se pretendia recordar.
Quando fosse necessário lembrar os conteúdos
armazenados, vinculados às imagens, bastaria revistar
mentalmente esse edifício. Ao descrever o ‘exemplo da
36
12
Do original em inglês: “There was a special type of mnemonic, or memory-training, which was
used by the Roman orators: it was called the artificial memory; it consisted in places and
images. You memorised a series of places, usually in a building. You walked round the rooms of
your own house, perhaps, or dome order building memorise that door, that statue, that column,
imprinting firmly on your memory these places, in the order in which they occurred in the
building. Than you chose images to remind you of the points of your speech, and you placed
these images, in your imagination or your memory, on the places which you had memorised.”
[YATES, 1980, p.4]
37
âncora’, Yates supõe que o sistema de Quintiliano
funcionava do seguinte modo:
“No discurso o qual você preparou tão cuidadosamente com
antecedência, seu quinto ponto, deixe-nos dizer, será
concernente com assuntos navais. Enquanto você profere seu
discurso, você está andando na imaginação [mentalmente]
circulando pelos cômodos da sua casa, retirando dos lugares
memorizados, as imagens, as quais você memorizou neles.
Quando você vai para o quinto lugar, uma coluna no átrio,
deixe-nos dizer, você vai ver nela a âncora que você colocou
lá. Então você vai lembrar o quinto ponto no seu discurso:
‘Agora nós nos voltaremos para assuntos navais’.”
13
[YATES,
1980, p.4, tradução nossa
]
Dentre os três tratados clássicos da Arte da Memória, o
texto de Quintiliano é o que apresenta de forma mais
clara, exemplos de aplicação da mnemônica. Quintiliano
chega mesmo a descrever a necessidade de se escolher
imagens marcantes para facilitar a memorização como, por
exemplo, imagens grotescas ou de beleza extrema, de modo
a chamar a atenção, por serem exóticas, incomuns, para o
conteúdo a ser memorizado. Quintiliano reafirma a eficácia
desse artifício explicando que, o motivo de não nos
esquecermos de fatos da infância, se explica por estarmos
vendo as imagens relacionadas a estes pela primeira vez
sendo, aos nossos olhos de criança, exóticas e
impressionantes pela novidade.
Pode-se afirmar que as regras contidas nos três tratados
clássicos da Arte da Memória – De Oratore, Instituto
Oratorio e Ad Herennium –, constituíram a base para
todos os desenvolvimentos posteriores relativos à Arte da
Memória ao longo dos séculos. Posteriormente aos três
tratados, outros textos aparecem como referência em
diversos momentos na História ocidental, como os textos
13
Do original em inglês: “In the speech which you have prepared so carefully before hand, your
fifth point, let us say, will be concerned with naval matters. As you deliver your speech, you
are walking in imagination round the rooms of your house, drawing from the memorised places,
the images, which you have memorised on them. When you come to the fifth places, a column in
the atrium, let us say, you will see on it the anchor which placed there. So you will remember,
the fifth point in your speech: ‘Now we turn to naval matters’.” [YATES, 1980, p.4]
de Santo Agostinho
14
, com forte conotação religiosa, numa
apropriação da Arte da Memória no contexto do
cristianismo. No século XIII, Alberto Magno
15
e Tomás de
Aquino
16
, escrevem seus estudos a partir das colocações de
Santo Agostinho, acrescentando a referência explícita ao
Tratado de Aristóteles De memoria et reminiscentia, um
tratado que remonta à antiguidade clássica como os – De
Oratore, Instituto Oratoria e Ad Herennium – mas que
apresenta uma abordagem distinta da memória artificial,
não a partir da mnemotécnica, ou uma técnica para
14
Santo Agostinho: Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta, cidade da Numídia, de uma família
burguesa, a 13 de novembro do ano 354. Seu pai, Patrício, era pagão, recebido o batismo pouco
antes de morrer; sua mãe, Mônica, pelo contrário, era uma cristã fervorosa, e exercia sobre o
filho uma notável influência religiosa. Indo para Cartago, a fim de aperfeiçoar seus estudos,
começados na pátria, desviou-se moralmente. Caiu em uma profunda sensualidade, que, segundo
ele, é uma das maiores conseqüências do pecado original; dominou-o longamente, moral e
intelectualmente, fazendo com que aderisse ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial
tanto ao bem como ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu a solução do problema do
mal e, por conseqüência, uma justificação da sua vida. Tendo terminado os estudos, abriu uma
escola em Cartago, donde partiu para Roma e, em seguida, para Milão. Afastou-se
definitivamente do ensino em 386, aos trinta e dois anos, por razões de saúde e, mais ainda,
por razões de ordem espiritual. Entrementes - depois de maduro exame crítico - abandonara o
maniqueísmo, abraçando a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a
negatividade do mal. Destarte chegara a uma concepção cristã da vida - no começo do ano 386.
Entretanto a conversão moral demorou ainda, por razões de luxúria. Finalmente, como por uma
fulguração do céu, sobreveio a conversão moral e absoluta, no mês de setembro do ano 386.
Agostinho renuncia inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimônio; retira-se, durante alguns
meses, para a solidão e o recolhimento, em companhia da mãe, do filho e de alguns discípulos,
perto de Milão. Aí escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com
o filho Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o batismo em Milão das mãos de Santo Ambrósio,
cuja doutrina e eloqüência muito contribuíram para a sua conversão. Tinha trinta e três anos de
idade. Depois da conversão, Agostinho abandona Milão, e, falecida a mãe em Óstia, volta para
Tagasta. Aí vendeu todos os haveres e, distribuído o dinheiro entre os pobres, funda um
mosteiro numa das suas propriedades alienadas. Ordenado padre em 391, e consagrado bispo em
395, governou a igreja de Hipona até à morte, que se deu durante o assédio da cidade pelos
vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de idade. Santo Agostinho.
Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm>. Acesso em 13 dez. 2006.
15
Alberto Magno (Lauingen, c. 1193-Colonia, 1280) Filósofo e teólogo alemão. Descendendo talvez
dos condes de Bollstädt, estudou filosofia, matemática e medicina em Paris e em Pádua e cursou
teologia em Bolonha. Foi professor em Colônia e outros lugares. Reitor da Universidade de
Colônia (1249), bispo de Ratisbona (1260), renunciou ao episcopado; em 1274 pregou na Alemanha
e em Boêmia a cruzada de Gregório X e assistiu ao Concílio de Lyon. Sem sua contribuição
enciclopédica (servindo os filósofos, teólogos, matemáticos e médicos muçulmanos e judeus), a
síntese de seu discípulo Tomás de Aquino teria sido impossível. Distinguiu e exigiu delimitar os
âmbitos da fé e da razão, se dedicou a estudos experimentais e foi um grande investigador
(sobretudo em química, campo no qual realizou descobertas). Conhecido como Doutor universalis,
e doutor da Igreja e foi canonizado em 1931. Disponível em:
<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/a/alberto.htm> Acesso em 23 nov. 2004.
38
16
Tomás de Aquino: Nasceu Tomás em 1225, no castelo de Roccasecca, na Campânia, da família
feudal dos condes de Aquino. Era unido pelos laços de sangue à família imperial e às famílias
reais de França, Sicília e Aragão. Recebeu a primeira educação no grande mosteiro de
Montecassino, passando a mocidade em Nápoles como aluno daquela universidade. Depois de ter
estudado as artes liberais, entrou na ordem dominicana, renunciando a tudo, salvo à ciência. Tal
acontecimento determinou uma forte reação por parte de sua família; entretanto, Tomás
triunfou da oposição e se dedicou ao estudo assíduo da teologia, tendo como mestre Alberto
Magno, primeiro na universidade de Paris (1245-1248) e depois em Colônia. Em 1252 Tomás voltou
para a universidade de Paris, onde ensinou até 1269, quando regressou à Itália, chamado à corte
papal. Em 1269 foi de novo à universidade de Paris, onde lutou contra o averroísmo de Siger de
Brabante; em 1272, voltou a Nápoles, onde lecionou teologia. Dois anos depois, em 1274, viajando
para tomar parte no Concílio de Lião, por ordem de Gregório X, faleceu no mosteiro de
Fossanova, entre Nápoles e Roma. Tinha apenas quarenta e nove anos de idade. Tomás de
Aquino. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/aquino.htm>. Acesso em 13 nov.
2006.
39
memorização de conteúdos com finalidade prática. Ao tratar
da abordagem de Aristóteles, Paolo Rossi em seu ‘A Chave
Universal’, como, mesmo não sendo pensado como um
tratado sobre a mnemotécnica, o De memoria et
reminiscentia influenciou muitos teóricos no período
medieval, sendo referência para novos desenvolvimentos
naquele período como o eram os três tratados clássicos.
Segundo Rossi,
“Os teóricos da técnica de memorizar fazem referência às
seguintes doutrinas aristotélicas: a) A tese da presença
necessária da imagem ou fantasma (fántasma [fántasma])
visando ao funcionamento da memória (mnéme [mnéme]). O
recurso necessário à imagem (que é uma espécie de sensação
sem matéria ou de sensação enfraquecida) faz com que entre
a memória e a imaginação (fantasía aístetiké [fantasía
aístetiké]), de um lado, e a memória e a sensação, do outro
lado, ocorram relações muito estreitas. b) A tese de que a
lembrança ou memória reflexa ou efetivação da memória
apagada da consciência (anámnesis [anámnesis]) seja facilitada
pela ordem e pela regularidade, como ocorre por exemplo no
caso da matemática, ao passo que, o que é confuso e
desordenado dificilmente pode ser lembrado. c) A formulação
de uma lei da associação com base na qual as imagens e as
idéias se associam em virtude da semelhança, da oposição ou
da contigüidade.” [ROSSI, 2004, p. 42-43]
A experiência da memória em Aristóteles
17
, é mais que a
relação entre imagens e lugares com objetivos práticos
porque implica em uma transformação do sujeito pela
experiência. Em Aristóteles está presente a relação entre
17
Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C) Este grande filósofo grego, filho de Nicômaco, médico de
Amintas, rei da Macedônia, nasceu em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional
do mar Egeu, em 384 a.C. Aos dezoito anos, em 367, foi para Atenas e ingressou na academia
platônica, onde ficou por vinte anos, até à morte do Mestre. Nesse período estudou também os
filósofos pré-platônicos, que lhe foram úteis na construção do seu grande sistema. Em 343 foi
convidado pelo Rei Filipe para a corte de Macedônia, como preceptor do Príncipe Alexandre,
então jovem de treze anos. Aí ficou três anos, até à famosa expedição asiática, conseguindo um
êxito na sua missão educativo-política, que Platão não conseguiu, por certo, em Siracusa. De
volta a Atenas, em 335, treze anos depois da morte de Platão, Aristóteles fundava, perto do
templo de Apolo Lício, a sua escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola, também chamada
peripatética devido ao costume de dar lições, em amena palestra, passeando nos umbrosos
caminhos do ginásio de Apolo. Esta escola seria a grande rival e a verdadeira herdeira da velha
e gloriosa academia platônica. Morto Alexandre em 323, desfez-se politicamente o seu grande
império e despertaram-se em Atenas os desejos de independência, estourando uma reação
nacional, chefiada por Demóstenes. Aristóteles, malvisto pelos atenienses, foi acusado de
ateísmo. Preveniu ele a condenação, retirando-se voluntariamente para Eubéia, Aristóteles
faleceu, após enfermidade, no ano seguinte, no verão de 322. Tinha pouco mais de 60 anos de
idade. Aristóteles. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/aristoteles.htm>. Acesso
em 13 dez. 2006.
memória e imaginação, entre memória e sensação. Existe,
contudo, semelhantemente ao que se verifica nos tratados
clássicos aqui citados, a referência à relação entre ordem
e facilidade de recordação. Além, está também presente a
relação entre imagens e idéias em virtude da semelhança,
da oposição ou da contigüidade
.
Essas relações – entre ordem e facilidade de recordação,
entre imagens e idéias –, que aparecem no texto de
Aristóteles, no entanto, não são apresentadas com
propósito de orientar a memorização de conteúdos, com
objetivos práticos. A ordem colocada por Aristóteles, diz
respeito à ordem das coisas, ou à ordem em que a
informação é armazenada ou acessada, através do
‘movimento’, que se faz pela memória a partir de um ‘início’
até chegar ao assunto que se queira lembrar. Como afirma
Aristóteles,
“O lembrar é, com efeito o ter em si uma capacidade
que move. E isso de modo a ser movido a partir de si mesmo e dos
movimentos que se têm [...] Mas é preciso tomar um início [i.e. ponto
de partida].” [ARISTÓTELES, 2002, p. 35-36].
Completando esse
pensamento, Aristóteles afirma que,
“Por isso, algumas vezes parece que [os homens]
rememorem a partir de lugares. E a causa é o fato de
irem rapidamente de uma coisa para outra: por exemplo,
de leite para branco, de branco para ar, disto para
fluido, a partir do qual [alguém] lembrou de outono, se
estava procurando por esta estação.” [ARISTÓTELES,
2002, p. 36]
No processo de memorização, seguindo o pensamento de
Aristóteles, imagens estão relacionadas a idéias. Assim, se
temos a intenção de lembrar de outono (uma idéia),
podemos memorizar ou relacionar uma seqüência de
elementos que facilitem recordação, como no exemplo
citado, a partir da figura do leite (uma imagem), movendo-
se em direção à idéia outono, ou seja: de leite para
branco, de branco para ar, disto para fluido, até chegar a
outono, que é o que se quer lembrar.
40
41
1.4_Arte da Memória e Escolástica: Arquitetura
como medium
“A voz fica-me na garganta e os soluços interrompem-me ao
ditar estas palavras. Foi conquistada a cidade que conquistou
o universo’. Assim São Jerônimo [c. 347-420) anuncia a
invasão e a pilhagem de Roma, em 410, pelos visigodos [...].”
[ABRÃO, 2004, p. 103]
A queda do Império Romano, em um período marcado pelas
invasões bárbaras, marca o início da Idade Média. O período
medieval traz mudanças na incorporação e utilização da
Arte da Memória, no contexto de uma Europa dominada por
uma Igreja que se empenha em difundir a fé católica, em
difundir a fé dos católicos apostólicos romanos. É nesse
período que se desenvolve a Escolástica
18
cujo
desenvolvimento, segundo Bernadette Siqueira Abrão,
“[...]
vale-se, além da Igreja e a sua imposição da unificação da fé cristã,
do emprego do latim, tornado universal, embora restrito a pequenos
círculos de letrados.” [ABRÃO, 2004, p. 105]
O empenho da Igreja Católica medieval em difundir os
preceitos de sua fé vai além de ideais religiosos. É esse
empenho que garante a sobrevivência da cultura e da
língua do Império Romano que deixava de existir como
império naquele momento, através dos séculos, no interior
de mosteiros, protegidos das pilhagens dos bárbaros.
Emergem nesse momento, esforços no sentido de preservar
a essência do sistema educacional da antiguidade clássica.
Durante essa era de colapsos, entre 410 e 430, Martianus
Capella escreveu um livro chamado De nuptiis Filologiae et
Mercurii, um trabalho que, segundo Yates
“[...] preservou
durante a Idade Média a essência do sistema educacional da
antiguidade, baseado nas sete artes liberais (gramática, retórica,
18
Escolástica: pensamento cristão da Idade Média, baseado na tentativa de conciliação entre um
ideal de racionalidade, corporificado esp. na tradição grega do platonismo e aristotelismo, e a
experiência de contato direto com a verdade revelada, tal como a concebe a fé cristã;
escolasticismo. Etimologia: prov. fem.substv. de escolástico (sc. filosofia); o voc. registra-se no
lat. scholastíìca, mas no sentido de 'declamação'; JM supõe um gr. skholastikê, de
skolastikós,ê,ón 'que tem descansos, ócios, desocupado; que consagra os momentos livres aos
estudos ou à escola, estudioso, relativo ao estudo ou à escola, próprio da escola'.
ESCOLÁSTICA. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em:
<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=escol%E1stica&stype=k&x=8&y=9>. Acesso em 13
dez. 2006.
dialética, aritmética, geometria, música, astronomia).”
19
[YATES, 1984, p.
50]
Desde a antiguidade, a Retórica
(do grego rhetoriké), uma
das sete artes liberais, está intimamente associada ao
desenvolvimento da Arte da Memória. É interessante
observar o modo como Aristóteles inicia o seu ‘Retórica’,
escrito em
350 a.C.. Nas palavras de Aristóteles,
“Retórica é o complemento da Dialética. [...] Todos os homens
fazem uso adequadamente, mais ou menos, de ambas; até
certo ponto todos os homens tentam discutir declarações e
as manter, se defender e atacar outros. Pessoas ordinárias
ou fazem isto ao acaso ou por prática e hábito adquirido.
Ambos modos sendo possíveis, o assunto pode ser claramente
dirigido de forma sistemática, por isso é possível inquirir a
razão pela qual alguns oradores têm sucesso por prática e
outros espontaneamente; e todos concordar imediatamente
que tal investigação é a função de uma arte.”
20
[ARISTOTLE,
Book I, Part 1, 2007, tradução nossa]
Essa compreensão da Retórica como arte permanece na Idade
Média. Uma arte do discurso, da argumentação, essencial em um
contexto em que a Igreja se empenhava em difundir sua fé.
Nesse contexto, a língua e a forma de expressão
apresentam grande importância relacionada ao conhecimento
e, utilizar estruturas de memorização como forma de
estruturar o conhecimento, era prática bastante
recorrente.
Durante a Idade Média, a memória desempenhava um papel
fundamental no mundo social, cultural e escolástico.
Segundo Le Goff,
“A idade Média venerava os velhos, sobretudo
porque via neles homens-memória, prestigiosos e úteis”. [LE GOFF,
2003, p.444]
É na Idade Média também que podemos observar
um renascimento das idéias da retórica enquanto um
sistema.
19
Do original em inglês: “[...] preserved for the Middle Ages the outline of the ancient
educacional system based on the seven liberal arts (grammar, rhetoric, dialectic, arithmetic,
geometry, music, astronomy).” [YATES, 1984, p. 50]
42
20
Do original em inglês: “Rhetoric is the counterpart of Dialectic. […] Accordingly all men make
use, more or less, of both; for to a certain extent all men attempt to discuss statements and
to maintain them, to defend themselves and to attack others. Ordinary people do this either at
random or through practice and from acquired habit. Both ways being possible, the subject can
plainly be handled systematically, for it is possible to inquire the reason why some speakers
succeed through practice and others spontaneously; and every one will at once agree that such
an inquiry is the function of an art.” [ARISTOTLE, Book I, Part 1, 2007]
43
“A memória é a quinta operação da retórica: depois da
inventio [encontrar o que dizer], a dispositio [colocar em
ordem o que se encontrou], a elocutio [acrescentar o
ornamento das palavras e das figuras], a actio [recitar o
discurso como um ator, por gestos e pela dicção] e, enfim, a
memoria [memoriae mandare, “recorrer à memória”]. [LE GOFF,
2003, p.437]
Martinianus foi estudante de retórica em Cartago e como
todos os estudantes de retórica do seu tempo, conhecia as
técnicas da memória artificial em um tempo em que a
civilização clássica européia ainda não tinha sido totalmente
obliterada pelas invasões bárbaras. Posteriormente, na
Europa dominada pelos bárbaros, como afirma Yates,
“[...] as
vozes dos oradores foram silenciadas. Não havia mais segurança para
os encontros pacíficos para discursar. O aprendizado se recolheu aos
monastérios, e a Arte da Memória para retórica se tornou
desnecessária, apesar de talvez ainda existir utilidade para a
memorização Quintilianista de uma página preparada (elaborada).”
21
[YATES, 1984, p. 53, tradução nossa]
As invasões bárbaras iniciaram uma mudança social que foi
refletida na Arte da Memória. O medo e a insegurança
fizeram com que a ‘Arte’ fosse deslocada da figura do
orador que proferia seus discursos em público, para
espaços religiosos, como os monastérios e posteriormente
as catedrais.
Paralelo a essas mudanças, os estudiosos da Arte da
Memória continuaram pesquisando os manuscritos e as
poucas fontes que existiam sobre o assunto, já que o
conhecimento da Arte da Memória era pautado na tradição
oral. Entre eles está Alcuíno, que compilou a sua retórica
a partir de duas fontes: De inventione de Cícero e a
retórica de Julius Victor, mesclando algumas poucas
referências de Casiodoruss
22
e Isidore
23
, que não
mencionavam a memória artificial em seus estudos.
21
Do original em inglês: “[...] the voices of the orators were silenced. People cannot meet
together peacefully to speeches when there is no security. Learning retreated into the
monasteries and the art of memory for rhetorical purposes became unnecessary, though
Quintilianist memorising of a prepared written page might still have been useful.” [YATES, 1984,
p. 53]
22
Casidoruss foi um dos fundadores do monasticismo e segundo Yates não mencionava a
memória artificial na seção sobre a retórica em sua enciclopédia sobre as artes liberais.
Nesse período, tais trabalhos ficaram mais populares e a
procura por manuscritos como o Ad Herennium – uma das
fontes mais utilizadas – atingiu o seu ápice entre os
séculos XII e XIV, período em que apareceu um grande
número de manuscritos, até mesmo pelo fato de ser o
início de uma nova fase de propagação da mídia escrita.
Até essa época não se sabia de nenhum manuscrito
completo do Ad Herenium, que contivesse a parte da seção
sobre a memória, o que confirma o fato de ele ser um
tratado anônimo. Porém, durante o período medieval, sua
autoria foi, muitas vezes atribuída a Cícero, ou Túlio,
referindo-se ao seu sobrenome: Cícero Marco Túlio. Sobre
a profusão dos tratados nesse período, Paul Zumthor
coloca que,
“[...] Mesmo que os autores desses tratados e o público ao
qual se dirigem pertençam ao meio restrito dos iniciados da
escritura, a concepção da memória que transmitem implica a
idéia de uma presença real dos corpos: um laço, em particular,
entre a memória e a vista, fundado sobre a função da imagem
e suas relações com a palavra.” [ZUMTHOR, 2001, p. 141]
Essa relação colocada por Zumthor, entre a memória e a
vista, pode ser comparável à memória verborum, memória
das palavras pela associação entre imagens e palavras,
num paralelo entre imagens e lugares. Zumthor fala ainda
do conceito de “rememoração” que, nesse contexto, se
apresenta como um passo além da simples recordação, na
medida em que a pessoa ao se lembrar, lança mão de
diversos sentidos, partindo do conhecimento, passando pela
inteligência e pelo talento de elaborar essa relação entre
as palavras e as imagens de maneira tão breve.
Na Idade Média o tratado De inventione, de Cícero era
descrito pelos estudiosos da Arte da Memória como
apresentando a ‘Primeira Retórica’, ou a ‘Retórica Antiga’ e
era imediatamente seguido pelo Ad Herennium que seria a
‘Segunda Retórica’ ou a ‘Retórica Nova’ (então atribuído a
Cícero). Como mostra Yates,
“Existem muitas provas de que essa classificação era
universalmente aceita. Dante, por exemplo, certamente a toma
como certa, quando fornece ‘prima rethorica’ como a
44
23
Assim como Casidoruss, Isidore de Sevilha não mencionava a memória artificial nos seus
escritos.
45
referência para uma citação do De inventione.”
24
[YATES,
1984, p. 55, tradução nossa]
Essa relação entre os dois tratados ainda permaneceu
quando foi publicada a primeira versão impressa dos
mesmos em 1470, em Veneza, sob o título Rethorica Nova
et Vetus.
Entender a associação entre os dois livros nesse período é
muito importante para compreender o que vem a ser a
chamada memória artificial na Idade Média. No tratado De
inventione a atenção maior era dada à ética e à virtude
como as ‘invenções’ ou ‘coisas’ com as quais o orador
deveria lidar para estruturar seu discurso. A segunda
oratória (Ad Herennium) dava as regras de como essas
coisas inventadas seriam armazenadas, regras de
memorização de conteúdos a partir da relação entre
imagens e lugares.
No medieval, a seção que tratava da memória no Ad
Herennium foi muitas vezes lida sem a relação com as
outras duas fontes da memória clássica – Instituto
Oratório de Quintiliano e o De Oratore de Cícero – o que
resultou no que Yates classifica como
“[...] a transformação
medieval de uma arte clássica.”
25
[YATES, 1984, p. 55, tradução
nossa].
É em conseqüência dessa postura que as regras
mnemônicas eram compreendidas de forma dissociada da
prática dinâmica da oratória, como descrito no Instituto
Oratório de Quintiliano. A associação era restrita ao
trabalho do Cícero na sua primeira retórica, tratando da
ética, e de uma referência quase que exclusiva ao Ad
Herennium – a ‘Retórica Nova’ ou ‘Segunda Retórica’ –,
atribuído por muitos também a Cícero.
Assim, a Arte da Memória ensinada e utilizada pelo clero
como ‘artifício’ didático se restringia em grande parte à
relação entre imagens e lugares (loci et imagenes). Por
24
Do original em inglês: “Many proofs could be given as to how this classification was
universally accepted. Dante, for example, is obviously taken it for granted when he gives ‘prima
rethorica’, as the reference for a quotation from De inventione.” [YATES, 1984, p. 55]
25
Do original em inglês: “[...] the medieval transformation of a classical art.” [YATES, 1984, p.
55]
esse motivo, para compreender a transformação dessa
Arte da Memória no medieval, Yates recomenda a leitura
da seção da memória do Ad Herennium, que está
diretamente relacionada à descrição de Quintiliano do
processo mnemotécnico:
“[...] o caminhar no entorno do edifício,
escolhendo os lugares, as imagens recordadas dos lugares para
lembrança de pontos do discurso.”
26
[YATES, 1984, p.77, tradução
nossa]
Nas catedrais góticas, a relação entre imagens e lugares
se estruturava de acordo com as orientações do Ad
Herennium, que era utilizado em prol do pensamento
didático medieval. As coisas que se pretendia lembrar
percorrendo um edifício, não se relacionavam mais a
extensos discursos que eram proferidos em público, e sim
a um doutrinamento dos fiéis nos preceitos da religião.
Esses conteúdos esculpidos em lugares nessas catedrais,
Segundo Yates,
“Certamente eram coisas relacionadas à salvação
ou condenação, os artigos da fé, as estradas para o céu através das
virtudes e para o inferno através dos vícios.”
27
[YATES, 1984, p.55,
tradução nossa]
É assim que, no contexto da Escolástica, a memória passa
a ser considerada como uma das três partes da Prudência,
que é uma das quatro virtudes (prudência, justiça, coragem
e temperança). Além da memória, as outras duas partes da
Prudência eram a intelligentia e providentia, como mostra
Yates [YATES, 1984, p.54] a partir de Alcuino. Nesse
contexto, destacam-se as idéias de Boncompagno de Signa,
que fazia parte da escola de Bolonha.
001 | 1_ À esquerda:. Justiça e Coragem. À direita: Temperança e Prudência
26
Do original em inglês: “[...] the progress round the building choosing the places, the images
remembered of the places for reminding of the points of the speech.” [YATES, 1984, p.77]
46
27
Do original em inglês: “Surely they were the things belonging to salvation or domination, the
articles of the faith, the roads to heaven through virtues and to hell through vices.” [YATES,
1984, p.55]
47
Na escola de Bolonha, no início da Idade Média, a clássica
tradição da Retórica tomou a forma de Ars dictaminis
28
. A
escola tinha ainda uma tendência a colocar a retórica, como
comenta Yates, numa esfera de quase santidade para
competir com a teologia. A seção sobre a memória do Ad
Herennium era bem conhecida na tradição do Ars
dictaminis.
Boncompagno de Signa, um dos expoentes dessa escola,
escreveu um dos primeiros tratados sobre a Arte da
Memória do período medieval – Rhetorica Novisssima –,
onde faz uma definição de memória natural e artificial um
pouco diferente da definição do Ad Herennium. Para
Bomcompagno, a memória natural,
“[...] surge exclusivamente
como um dom da natureza, sem auxílio de nenhum artifício.”
29
[BOMCOMPAGNO apud YATES, p. 58, tradução nossa]
e a memória
artificial
“[…] é chamada ‘artificial’, derivando de ‘arte’, pois é obtida
através de sutilezas da mente.”
30
[BOMCOMPAGNO apud YATES, p. 58,
tradução nossa]
No que se refere à memória natural e artificial em
Boncompagno, a diferença de sua abordagem é que ele
inclui na seção sobre a memória de seu Rhetorica
Novissima, a memória do Paraíso e do Inferno, o que pode
ter sido, segundo Yates,
“[...] a base sobre a qual Albertus e
Tomás formularam suas cuidadosas revisões das regras de
memorização.”
31
[YATES, 1984, p. 58]
Entender essa colocação de Boncompagno sobre as
memórias natural e artificial é importante para o
entendimento da abordagem de Alberto Magno e Tomás de
Aquino e de suas regras de memorização no contexto da
igreja, com suas visões de Paraíso e Inferno. Alberto
28
Ars dictaminis: é uma arte de escrever cartas e de estilo para ser usada em procedimentos
administrativos. Um dos mais importantes centros dessa tradição era Bolonha e, no final do
século XII e início do XIII, a escola bolonhesa de dictamen era reconhecida através da Europa.
Um famoso membro dessa escola foi Boncompagno de Signa, autor de dois trabalhos sobre a
retórica, o segundo dos quais o Rhetorica Novíssima, foi escrito em Bolonha em 1235. [YATES,
1984, p. 57].
29
Do original em inglês: “[...] comes solely from de gift of nature, without aid of any artifice.”
[BOMCOMPAGNO apud YATES, p. 58]
30
Do original em inglês: “[…] is called ‘artificial’ from ‘art’ because it is found artificially
through subtlety of mind. ”[BOMCOMPAGNO apud YATES, 1984, p. 58]
31
Do original em inglês: “[...] the background against which Albertus and Tomás formulated their
carefull revisions of the Memory rules.” [YATES, 1984, p. 58]
Magno estudou na escola Dominicana em Bolonha, antes de
tornar-se um membro da ordem Dominicana em 1223 e
Tomás de Aquino foi treinado por Alberto. Para Alberto e
Tomás, paraíso e inferno são considerados lugares de
memória. Como coloca Yates,
“Além disso, pode-se observar que em tratados de memória
tardios, que certamente se originam na ênfase escolástica
sobre a memória artificial, Paraíso e Inferno são tratados
como ‘lugares de memória’, em alguns casos com diagramas
destes lugares, para serem usados na ‘memória artificial’.”
32
[YATES, 1984, p. 60, tradução nossa]
Além dessa influência de Boncompagno para recordar o
Paraíso e o Inferno, Alberto Magno e Tomás de Aquino
utilizavam o Ad Herennium, como fonte de referência para
a Arte da Memória. Os tratados deles não constituem
partes de um tratado de retórica como as fontes antigas,
pois a memória artificial para os dois não tratava mais de
retórica, mas de ética – memória como parte da Prudência
Sobre essa questão, Yates acredita que:
“A memória artificial se deslocou da retórica para a ética. É
considerando memória como parte da Prudência que Albertus e
Tomás a tratam; e isso é, certamente, uma indicação de que a
memória artificial medieval não é exatamente o que chamamos
‘mnemotécnica’, o que, mesmo sendo útil eventualmente,
deveríamos evitar de classificar como uma parte da uma das
virtudes cardinais.”
33
[YATES, 1984, p. 57, tradução nossa]
Tomás e Alberto liam as regras, não as associando com a
prática da oratória, mas com foco nos ensinamentos sobre
ética da Primeira Retórica. Para que seja possível
entender a postura desses dois escolásticos, é
interessante relacioná-los ao pensamento de Boncompagno,
do início da Idade Média, que propunha tomar virtudes e
vícios como notas memoriais através das quais seria
possível recordar os caminhos para o céu e para o inferno.
Como sugere Yates, as imagenes agentes,
“[...] que haviam
32
Do original em inglês: “Moreover we shall find that in later memory treatises which are
certainly in the tradition stemming from the scholastic emphasis on artificial memory, Paradise
and Hell are treated as ‘memory places’, in some cases with diagrams of those ‘places’ to be
used in ‘artificial memory’ [YATES, 1984, p. 60]
48
33
Do original em inglês: “The artificial memory has moved over from rhetoric to ethics. It is
under memory as a part of Prudence that Albertus and Tomás treat of it; and this is in itself,
surely, is an indication that medieval artificial memory is not quite what we should call
‘mnemotechnics’, which, however useful at times, we should hesitate to class as a part of one
of the cardinal virtues. [YATES, 1984, p. 57]
49
sido moralizadas em belas ou hediondas figuras humanas como
corporeal similitudes’ de intenções espirituais para alcançar o
Paraíso ou evitar o Inferno, e memorizadas alinhadas ordenadamente
em algum edifício sagrado.”
34
[YATES, 1984, p. 77, tradução nossa]
As regras para lugares, formuladas por Tomás Aquino e
Alberto Magno transpareciam, não uma compreensão das
mesmas como no Ad Herennium, mas uma deturpação
dessas regras para preservar a igreja, utilizando a piedade
medieval com um senso de devoção, na forma do que
definem como ‘corporeal similitudes’.
Alberto e Tomás defendiam o exercício da memória
artificial como parte da Prudência. Eles se empenharam
numa revisão geral, reexaminando as regras antigas da
memória artificial nos aspectos que diziam respeito às
virtudes e aos vícios, estimulados pela recuperação dos
textos de Aristóteles, como o De memoria et
reminiscentia.
Como colocado anteriormente, Aristóteles, em seu De
memoria et reminiscentia, aborda a memória artificial de
um modo distinto, onde a parte da Retórica que
corresponde à memória artificial se torna, não apenas
parte das virtudes cardinais, mas, além, um valoroso objeto
de análise dialética. E essa abordagem de Aristóteles se
apresenta como mais uma chave para o entendimento da
Arte da Memória no período medieval, onde os textos de
Aristóteles eram lidos juntamente com as regras de Cícero.
Para Alberto Magno
35
, como afirma em seu De anima, “[...]
memória é o tesouro, não apenas das formas ou imagens (como é a
34
Do original em inglês: “[...] whould have been moralised into beautiful or hideous human figures
as ‘corporeal similitudes’ of spiritual intentions of gaining Heaven or avoiding Hell, and
memorized as ranged in order in some ‘solemn’ building.” [YATES, 1984, p. 77]
35
Alberto Magno (Lauingen, c. 1193-Colonia, 1280) Filósofo e teólogo alemão. Descendendo talvez
dos condes de Bollstädt, estudou filosofia, matemática e medicina em Paris e em Pádua e cursou
teologia em Bolonha. Foi professor em Colônia e outros lugares. Reitor da Universidade de
Colônia (1249), bispo de Ratisbona (1260), renunciou ao episcopado; em 1274 pregou na Alemanha
e em Boêmia a cruzada de Gregório X e assistiu ao Concílio de Lyon. Sem sua contribuição
enciclopédica (servindo os filósofos, teólogos, matemáticos e médicos muçulmanos e judeus), a
síntese de seu discípulo Tomás de Aquino teria sido impossível. Distinguiu e exigiu delimitar os
âmbitos da fé e da razão, se dedicou a estudos experimentais e foi um grande investigador
(sobretudo em química, campo no qual realizou descobertas). Conhecido como Doutor universalis,
e doutor da Igreja e foi canonizado em 1931. Disponível em:
<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/a/alberto.htm> Acesso em 23 nov. 2006.
imaginação), mas também das intentiones extraídas delas pelo poder
estimativo.”
36
[MAGNUS apud YATES, 1984, p. 64, tradução nossa]
Assim, as imagens continham em si as intenções: a imagem
de um lobo, exemplo dado pelo próprio Alberto, já contém
em si a intentio de que um lobo é um animal perigoso da
qual se apreende que ele pode te atacar.
No que se refere ao uso da metáfora em lugar de uma
descrição da imagem, Alberto vai além de Cícero
(metaphorica minus repraesentant rem quam propria) e
mostra como a própria (uma descrição da coisa ela mesma)
pode ser traduzida em metaphorica (uma metáfora que diz
respeito à coisa), ampliando as possibilidades de relembrar.
Como coloca Yates, para Alberto,
“[...] mesmo que a propria dê
uma definição mais exata sobre a coisa em si, ainda assim a
metaphorica ‘move mais a alma e assim auxilia melhor a memória’.”
37
[YATES, 1984, p. 64, tradução nossa]
A decisão de Alberto pelo uso de metáforas como imagens
da memória (metaphorica) deixa transparecer uma influência
do pensamento de Aristóteles em seu Metaphysics. A
razão pelas quais as metáforas podem auxiliar de maneira
mais eficiente a recordação reside no fato de serem mais
marcantes se escolhidas adequadamente. É acreditando
nesse potencial, que os filósofos da Antiguidade Clássica
se expressavam através de poesia. Nas palavras de
Aristóteles,
“[...] a fábula, que é composta de maravilhas, sensibiliza
mais.”
38
[ARISTÓTELES apud YATES, 1984, p. 66, tradução nossa]
Atestando ainda a forte influência do pensamento de
Aristóteles em sua pesquisa, Alberto Magno produz um
comentário sobre o tratado De memoria et reminiscentia. O
seu interesse maior nesse comentário, estava na distinção
aristotélica entre memória e reminiscência e seus
argumentos em favor da memória artificial.
Tomás Aquino, que foi discípulo de Alberto Magno, assim
como seu mestre, tratava a memória artificial como uma
parte da virtude da Prudência, como pode ser constatado
36
Do original em inglês: “[...] memory is the thesaurus not of the forms or images alone (as is
the imagination) but also of the intentiones drawn from these by the estimative power.”
[MAGNUS apud YATES, 1984, p. 64].
37
Do original em inglês: “[...] although the propria give more exact information about the thing
itself, yet the metaphorica ‘move the soul more and therefore better help the memory’.”
[YATES, 1984, p. 64]
50
38
Do original em inglês: “[...] the fable, which is composed of wonders, moves the more.
[ARISTÓTELES apud YATES, 1984, p. 66]
51
no seu Summa Theologiae e também produziu um
Comentário sobre o tratado De memoria et reminiscentia
de Aristóteles. Falando a respeito da memória, Yates
explica que, para Tomás Aquino, a partir da influência de
Cícero, a memória está
“[...] na parte sensitiva da alma que toma
imagens das impressões dos sentidos; portanto, pertence às mesmas
partes da alma que a imaginação, mas está também per accidens na
parte intelectual, já que a inteligência da abstração trabalha nela no
phantasmata.”
39
[YATES, 1984, p. 71, tradução nossa]
O conceito de ‘phantasmata’ (imagens) de Tomás Aquino
está ligado ao de Cícero em sua Retórica e constitui uma
ligação com a teoria do conhecimento de Aristóteles.
Segundo Aquino,
“O homem não pode compreender sem imagens
(phantasmata); a imagem é a similitude de uma coisa corpórea, mas o
entendimento é do universal que é abstraído do particular.”
40
[AQUINO
apud YATES, 1984, p. 71, tradução nossa]
Essa compreensão de Aquino confirma a importância das
imagens para a memória e também coloca a relação entre o
todo – universal – e as partes que compõe esse todo.
Nessa época e durante o renascimento, vários sistemas
visuais conceituais da memória foram construídos a fim de
permitir a recordação da informação. Nessa época, sob
influência da escolástica, há a construção de modelos
mentais como diagramas bastante utilizados na época, e
modelos construídos como catedrais góticas estruturadas
mnemonicamente.
A abordagem dos textos de Aristóteles trás mais uma
chave para o entendimento da Arte da Memória como
‘Arte’, na medida em que, como afirma Rossi,
“[...] o texto
aristotélico abordava questões conexas com o problema da sensação
(não por acaso os comentários medievais ao tratado De memoria et
reminiscentia aparecem sempre conexos com os tratados De sensu et
sensatu), e da imaginação, bem como da alma sensitiva e alma
intelectiva.” [ROSSI, 2004, p.50]
39
Do original em inglês: “[...] in the sensitive part of the soul which takes the images of sense
impressions; it therefore belongs to the same parts of the soul as imagination, but is also per
accidens in the intellectual part since abstracting intellect works in it in the phantasmata.”
[YATES, 1984, p. 71]
40
Do original em inglês: “Man cannot understand without images (phantasmata); the image is a
similitude of a corporeal thing, but understanding is of universals who it are to be abstracted
from particulars.” [AQUINO apud YATES, 1984, p. 71]
A abordagem da alma se apresenta como elemento chave
para se entender a Arte da Memória, como na definição de
Milton José de Almeida, que coloca a diferença entre a
Arte da Memória e a Mnemônica
41
. Almeida nos coloca que a
mnemônica está ligada à informação, à didática, a fazer as
pessoas recordarem, se lembrarem de coisas de maneira
mais prática. Por outro lado, a Arte da Memória está
ligada a uma reconstrução da pessoa que pratica. Nesse
sentido, a Arte da Memória vai além da mnemônica, na
medida em que opera uma transformação em quem a utiliza.
Na mnemônica, afirma ele, temos uma conotação mais
técnica, que seria uma mnemotécnica, ou nas palavras de
Paolo Rossi,
“[...] os textos de Cícero, Quintiliano e do pseudo-Cícero
procederam em um nível típica e exclusivamente “retórico”,
referindo-se à arte da memória como uma técnica cujas
tarefas e cujos problemas se esgotavam no plano de uma
funcionalidade, visando objetivos particulares perseguidos pelo
orador.” [ROSSI, 2004, p.50]
Vale ressaltar ainda que apesar de os textos retóricos
apresentarem esse caráter técnico, eles constituíram a
base do pensamento da Arte da Memória, principalmente
pela relação entre imagens e lugares e também sua relação
com os espaços, abordada no contexto desta pesquisa.
1.5_Arte da Memória e Arquitetura
A associação da Arte da Memória à Arquitetura começa a
se desenhar quando é inventado o sistema de lugares,
onde ocorre a associação entre imagens e lugares.
A abordagem relacionando imagens e lugares, pode ser
considerada um método através do qual seria possível
construir um sistema-espaço mental como forma de
estruturar um conhecimento que se quisesse recordar ou
adquirir, dependendo do caráter da proposição desse
sistema. A associação de imagens a espaços se apresenta
como uma das razões do porque de se estudar a Arte da
Memória relacionada à Arquitetura. Falando a respeito das
regras da memória a respeito dos ‘lugares’, Yates coloca
que,
52
41
Definição feita oralmente em nosso exame de qualificação e transcrita da gravação em DVD,
em 31 de janeiro de 2007.
53
“As regras dizem: o despertar dos lugares de memória; que
devem ser obscuros ou pouco claros; a distância entre os
lugares de memória; o tamanho dos lugares de memória. Tem-
se a impressão de memórias cuidadosamente construídas com
arquitetura de memória, com lugares arquitetônicos refletidos.
A arte da memória é uma arte invisível; ela reflete lugares
verdadeiros, mas não é sobre estes lugares e sim sobre o
reflexo deles na imaginação.”
42
[YATES, 1980, p. 5]
002 | 1_ Tema da publicação AA Quarterly, n. 4, 1980.
No contexto de nossa construção da relação entre Arte da
Memória e Arquitetura, temos como elemento chave uma
palestra proferida por Frances Yates, na Architectural
Association – AA, Londres, em 1980, a convite do então
professor Ranulph Glanville
43
, que se intitulou:
Architecture and the Art of Memory’. Nesse mesmo ano,
foi publicado um texto de Yates relacionado a esta
palestra, no número 4, volume 12, da publicação AA
Quarterly, cujo tema foi Description: Invention: Reality.
Segundo o professor Ranulph Glanville,
42
Do original em inglês: “The rules discuss: the lighting of memory places; that they must to be
too obscure or no bright; the distance between memory places; the size of memory places. One
has the impression of memories most carefully built up with memory architecture, with
architectural places reflected within. The art of memory is an invisible art; it reflects real
places but is about, not the places themselves, but the reflection of these within the
imagination.” [YATES, 1980, p. 5]
43
RANULPH GLANVILLE nasceu em 13 de junho de 1946, em Londres. Estudou a arquitetura na
Architectural Asssociation e seguiu suas pesquisas na área de cibernética (seu PhD foi
examinado por Heinz von Foerster, seu supervisor era Gordon Pask), e então pela aprendizagem
do ser humano (PhD examinado por Gerard de Zeeuw, supervisor Laurie Tomás). Ensinou em
universidades em todo o mundo. Ensina atualmente em programas de pós-graduação (cursos em
cibernética e supervisão de doutorado) na Bartlett School of Architecture da University College,
London, UK, Londres, Reino Unido, e é professor adjunto e pesquisador visitante sênior
associado no Royal Melbourne Institute of Technology University, Melbourne, Australia.
Disponível em: <http://people.i-dat.org/edit/?csrg>. Acesso em: 21 jun. 2007.
“O artigo de Yates se relaciona com o uso do ambiente físico
(especificamente a arquitetura), um mundo mentalístico. A
senhora Frances Yates conclui seu artigo declarando
“edifícios podem ser menos sólidos do que parecem”, como
fazer outra mensagem de uma mídia que é em si mesma uma
mensagem.”
44
[GLANVILLE apud SHARP, 1980, comentário do
editor, tradução nossa]
Com esta observação, Glanville coloca a visão de uma
Arquitetura como processo, como um meio que trás em si
mesmo uma mensagem. A reflexão de Yates, de que os
edifícios são menos sólidos do que parecem, associada ao
comentário de Glanville de uma Arquitetura como sistema
de comunicação, podem ser tomados como pontos de partida
relevantes para o estudo da relação entre Arte da
Memória e Arquitetura. Uma relação construída desde os
primórdios da utilização da Arte da Memória ligada à
retórica. A colocação de Yates atesta essa ligação e deixa
uma abertura para a busca e a construção de novas
conexões entre a Arte da Memória e a Arquitetura. Uma
conexão interessante foi anteriormente mencionada nesse
capítulo – entre a Arte da Memória, no contexto da
Escolástica medieval, e a Arquitetura Gótica desse período.
A relação entre a Arquitetura Gótica e a Escolástica foi
apontada por Erwin Panofsky, em seu livro ‘Arquitetura
Gótica e Escolástica’, onde afirma que
“Existe uma relação
concreta de causa e efeito entre a Arquitetura Gótica e a
escolástica.” [PANOFSKY, 1991, capa]
Panofsky, afirma que essa
relação pode ser confirmada pelo fato de o surgimento da
Arquitetura Gótica – marcado pelo projeto do abade Suger
para a igreja de Saint-Denis –, coincidir com o início da
Escolástica.
54
44
Do original em inglês: “The Yates paper is concerned with the use of the physical
environment (specifically architecture) a mentallistic world. Dame Frances Yates concludes her
article by stating, “Buildings may be less solid than they seem”, how to make another message
from a medium that in itself is a message.” [GLANVILLE apud SHARP, 1980, comment the editor]
55
003 | 1_ Catedral de Saint Denis.
A afirmação de Panofsky foi bastante contestada por
vários teóricos na época de sua publicação, alegando
insuficiência de evidências para a construção dessa relação.
É interessante observar nesse contexto, o fato de o livro
de Panofsky ter sido publicado em 1961, quando ainda não
havia sido publicado o livro de Frances Yates ‘The Art of
Memory’. Apesar de Panofsky apresentar a influência da
Escolástica na sociedade e também na Arquitetura,
sobretudo através da figura de Tomás de Aquino, ele não
menciona diretamente a influência da memória como parte
da Prudência, e da Arte da Memória nesse contexto.
Para Panofsky, as catedrais góticas eram estruturadas a
partir do conceito de Summa – ou sumário – utilizado na
época como forma de estruturação a partir de tópicos. Foi
inclusive esse summa, que deu origem à estruturação de
textos como conhecemos e utilizamos hoje, divididos em
capítulos, seções, ordenados segundo uma lógica. Falando a
respeito da estruturação das catedrais a partir da Summa
de Tomás Aquino, Panofsky coloca que,
“Mas o observador não se daria por satisfeito se a
estruturação do edifício não lhe tivesse permitido retratar o
processo de composição arquitetônica, do mesmo modo como a
estruturação da Summa lhe permitia retraçar com precisão o
processo do pensamento.” [PANOFSKY, 1991, p. 42]
A influência de Aquino com relação à estruturação da
Summa é também ratificada por sua publicação Summa
Theologiae e por toda a sua pesquisa sobre a Arte da
Memória. Segundo Yates,
“[...] agora emerge o pensamento extraordinário de que se
Tomás Aquino memorizou sua própria Summa através de
‘similitudes corpóreas’ dispostas em lugares seguindo a ordem
de suas partes, a Summa abstrata pode ser corporificada na
memória como algo como a catedral Gótica cheia de imagens
ordenadas em lugares.“
45
[YATES, 1984, p. 79, tradução nossa]
A ordem, elemento fundamental para a memorização, é
sistematizada a partir da Summa de Aquino como um
“[...]
sistema de partes, distinctiones, quaestiones e articuli [...]”
[PANOFSKY, 1991, p. 42].
Falando a respeito da adoção do uso da perspectiva como
fundo material de pinturas e desenhos, Panofsky coloca
que nesse período há um novo modo de ver, onde se passa
a descrever não apenas o que é visto, mas como é visto.
Nesse sentido, a perspectiva fixa o intuitus
46
diretamente
do sujeito sobre o objeto, modificando o modo de ver e
além, levando em conta o processo visual. Como afirma
Panofsky,
“Os escultores e os arquitetos começaram a conceber as
formas que criavam não tanto do ponto de vista de volumes isolados
e sim como um ‘espaço imagético’ abrangente.” [PANOFSKY, 1991, p. 12]
A relação entre a Arquitetura Gótica e a escolástica
apontada por Panofsky, torna-se mais concreta, segundo
ele, no período entre 1130-1140 e 1270, quando ocorre uma
verdadeira relação de causa e efeito resultando num
processo de difusão genérico, formado pelo que ele
45
Do original em inglês: “[…] now arises that if Tomás Aquinas memorised his own Summa
through ‘corporeal similitudes’ disposed on places following the order of its parts, the abstract
Summa might be corporealised in memory into something like a Gothic cathedral full of images
on its order at places.“ [YATES, 1984, p. 79]
56
46
Intuitus conceito formulado por Ockham
57
denomina “[...] hábito mental – através do qual aqui compreendemos
esse surrado lugar-comum em seu sentido exato, escolástico, como
‘princípio que rege a ação’
47
.” [PANOFSKY, 1991, p. 14, nota nossa]
Como já observamos, quando da publicação de Arquitetura
Gótica e Escolástica por Panofsky, em 1951, Frances Yates
ainda não havia publicado seu ‘The Art of Memory’. É
importante observar que as colocações de Panofsky sobre
o Summa de Aquino, podem tornar-se mais claras à luz da
pesquisa apresentada por Yates, abordando a questão da
Arte da Memória. Nesse caso, a Arte da Memória
apresenta-se como uma ‘chave’ para o entendimento da
Arquitetura Gótica, pautada pela escolástica.
Da mesma forma que a escolástica se estabeleceu diante
da formação intelectual, o estilo gótico foi promovido nos
mosteiros beneditinos, tendo seu apogeu na construção de
grandes catedrais. Como coloca Panofsky,
“É significativo o
fato de que os nomes mais conhecidos da história da Arquitetura no
período românico provenham de abadias beneditinas, os do apogeu
gótico de catedrais e os do gótico tardio de igrejas paroquiais.”
[PANOFSKY, 1991, p. 14]
Sobre esse contexto Yates coloca
que,
“A era da escolástica foi uma era na qual o conhecimento
aumentou. Essa foi também uma era da Memória, e nas eras
da Memória novas imagens tinham que ser criadas para
lembrar novo conhecimento. Embora os grandes temas da
doutrina Cristã e o ensinamento moral permaneceram,
certamente, basicamente os mesmos, eles se tornaram mais
complexos. Em particular, o esquema virtude-vício cresceu
completamente e foi mais estritamente definido e organizado.
O homem moral que desejava escolher o padrão da virtude,
ainda também lembrando e evitando o vício, tinha mais para
imprimir na memória que nos primeiros tempos mais simples.”
48
[YATES, 1984, p.84, tradução nossa]
47
‘princípio que rege a ação’ refere-se à idéia de principium importans ordinem actum colocada
por Tomás de Aquino em seu Summa Theologiae.
48
Do original em inglês: “The age of scholasticism was one in which knowledge increased. It was
also an age of Memory, and in the ages of Memory new imagery has to be created for
remembering new knowledge. Though the great themes of Christian doctrine and moral teaching
remained, off course, basically the same, they became more complicated. In particular, the
virtue-vice scheme grew much fuller and was more strictly defined and organised. The moral
man who whished to choose the path of virtue, whilst also remembering and avoiding vice, had
more to imprint on memory than in earlier simpler times.” [YATES, 1984, p.84]
Essa possibilidade de ensinamento e manutenção do
conhecimento a partir das regras da Arte da Memória pode
ser mais bem compreendida à luz do que colocamos a
seguir. Posteriormente a Tomás de Aquino e Alberto
Magno, Giovani di San Gimignano e Bartolomeo da San
Concordio citaram em seus trabalhos as regras da memória
de Tomás e contribuíram para a divulgação da
transformação medieval da Arte da Memória. O tratado de
Bartolomeo, Ammaestramente degli antichi foi escrito em
italiano, uma língua considerada vulgar, numa época em que
a língua oficial para a igreja era o latim. Diante desse
fato, Yates nos coloca a pergunta:
“Por que o erudito
dominicano apresenta seu tratado semi escolástico sobre ética em
italiano?”
49
[YATES, 1984, p.89] A essa pergunta, Yates
responde considerando que,
“Certamente a razão deve ser que ele estava se dirigindo ao
mundo leigo, para devotos que não conheciam o latim e
queriam saber sobre os ensinamentos morais dos antigos, e
não para o clero. Com este trabalho no volgare associou-se
Tullius sobre memória, também traduzido para o volgare. Isso
sugere que a memória artificial estava aparecendo fora do
mundo, estava sendo recomendada aos leigos como um
exercício de devoção.”
50
[YATES, 1984, p.89, tradução nossa]
Nesse contexto, Panofsky, falando a respeito da
Arquitetura Gótica coloca que, é pouco provável que os
arquitetos do gótico tenham lido os textos escolásticos
originais, como os de Tomás Aquino. Porém, coloca o fato
de que
“[...] entraram em contato com o ideário escolástico por
inúmeros outros, sem perceber que, por força de sua atividade,
tinham de trabalhar com quem esboçava os programas litúrgicos e
iconográficos.” [PANOFSKY, 1991, p. 15]
Eles haviam freqüentado a
escola e tinham a oportunidade de ouvir sermões e entrar
em contato com eruditos. Segundo Panofsky, o arquiteto
profissional desse período,
“[...] aprendia seu ofício desde o início e supervisionava suas
obras pessoalmente. Nesse processo progredia até o ponto de
se tornar um homem do mundo, muito viajado e com freqüência
49
Do original em inglês: “Why did the learned Dominican present his semi-scholastic treatise on
ethics in Italian?” [YATES, 1984, p.89]
58
50
Do original em inglês: “Surely the reason must be that he was adressing himself to laymen,
to devout persons ignorant of Latin who wanted to know about the moral teachings of the
ancients, and not primarily to clerics. With this work in the volgare became associated Tullius
on memory, also translated into the volgare. This suggests that the artificial memory was
coming out into the world, was being recommended to laymen as a devotional exercise.” [YATES,
1984, p.89]
59
bastante letrado, que gozava de um prestígio social nunca
antes visto e que jamais foi superado.” [PANOFSKY, 1991, p.
17]
Através dos tratados escolásticos em italiano e de outros
que os sucederam, abriu-se a possibilidade de
popularização, de disseminação das regras da memória
artificial, que passou a ser recomendada pelos freis como
uma disciplina laica de devoção. Assim, a Arte da Memória
passou a fazer parte do cotidiano de uma sociedade laica e
floresceu sendo incorporada na criação artística, literária
e arquitetônica. Os espaços das grandes catedrais góticas
eram espaços de conhecimento, espaços de aprendizagem
da moral e da ética cristãs, onde os fiéis poderiam
memorizar, o que transparece nas palavras de
Boncompagno com uma ênfase na seção sobre memória de
sua retórica,
“[...] OS PRAZERES INVISÍVEIS DO PARAÍSO E OS
ETERNOS TORMENTOS DO INFERNO.”
51
[BONCOMPAGNO apud YATES, p.
93, tradução nossa]
Assim, a transformação medieval da Arte da Memória e a
disseminação dos princípios dessa arte-sistema
transformada em textos escritos em língua laica,
produziram uma poderosa transformação nas próprias
estruturas de pensamento e representação medievais. É
nesse contexto que, como coloca Sebastian Marot,
“A concepção e fabricação de dispositivos mnemônicos não se
utiliza mais apenas de receitas secretas de um orador, mas
se torna parte e parcela da representação e comunicação do
discurso em si. Desta forma, são apresentadas todas as
condições para que estes lugares mnemônicos e imagens
comecem a existir concretamente – para serem descritos,
pintados, esculpidos e finalmente construídos.”
52
[MAROT,
2003, p.16, tradução nossa]
51
Do original em inglês: “[...] THE INVISIBLE JOYS OF PARADISE AND THE ETERNAL TORMENTS OF
HELL.” [BONCOMPAGNO apud YATES, p. 93]
52
Do original em inglês: “The conception and fabrication of the mnemonic devices no longer
simply appeals to the secret recipes of an orator, but becomes part and parcel of the
representation and communication of speech itself. In this way, all the conditions are presented
for these mnemonic places and images to begin existing concretely – to be described, painted,
sculpted and finally constructed.” [MAROT, 2003, p.16]
Marot fala de como essa arte que auxilia a recordação de
conteúdos específicos relacionando imagens a lugares foi
transformada no medieval através, não só de tratados
como o e Aquino e Alberto, mas também através da arte
cristã e, sobretudo, da Arte integrada à Arquitetura cristã
do período escolástico. A própria Frances Yates é
simpática a essas idéias, citando inclusive as afirmações de
Erwin Panofsky que aponta uma correspondência direta
entre a Arquitetura gótica e o pensamento escolástico,
tendo sido por isso, inclusive, muito criticado em seu
tempo. Como confirma Marot,
“[...] ela oferece uma nova referência para a apreciação da
estrutura e decoração de edifícios construídos, estendendo a
hipótese de Erwin Panofsky de uma correspondência ponto a
ponto entre a arquitetura Gótica e a filosofia escolástica
(basílica de St Denis = Summa Theologica), e desta forma
dando mais pertinência à famosa frase de Victor Hugo, ‘Ceci
tuera cela’ (‘um matará ao outro’), que designava o livro
impresso como o coveiro do livro construído, i.e, a catedral.”
53
[MAROT, 2003, p.16, tradução nossa]
No livro de Victor Hugo ‘Notre Dame de Paris’, traduzido
para o português como ‘O Corcunda de Notre Dame’, o
arquidiácono responsável pela catedral de Notre Dame em
Paris externa na trama a sua preocupação com a
possibilidade de uma ‘mudança de pensamento’, trazida com
a invenção da prensa por Gutenberg e com a distribuição
facilitada de material impresso. Essa passagem do livro de
Hugo se situa no Renascimento (a trama se passa em
1482). O temor do personagem era de que a imprensa,
enquanto tecnologia, trazia em si o germe de uma mudança
no modo de divulgar, ensinar, disseminar conhecimentos.
Esse era o temor da própria Igreja enquanto uma
instituição consolidada que detinha a séculos o poder sobre
o conhecimento e o controle sobre o ensino.
No texto de Victor Hugo vemos como esse temor se
estende à própria destituição do status das catedrais,
enquanto espaços de conhecimento – poderosos
60
53
Do original em inglês: “[...] she offers new framework for appreciating the structure and
decoration of constructed edifices, extending Erwin Panofsky’s hypothesis of a point-by-point
correspondence between Gothic architecture and scholastic philosophy (basilica of St Denis =
Summa Theologica), and thereby lending new pertinence to Victor Hugos’s famous phrase, ‘Ceci
tuera cela’ (‘the one will kill the other’), which designated the printed book as the gravedigger
of the built book, i.e., the cathedral.” [MAROT, 2003, p.16]
61
instrumentos, verdadeiras ‘mídias espaciais’ para divulgação
da doutrina cristã e manutenção do poder da igreja. No
livro de Hugo, o sacerdote expressa com seu temor, nas
palavras do narrador,
“[...] uma visão toda filosofal, não mais do padre somente,
mas do sábio e do artista. Era o pressentimento de que uma
idéia humana, mudando de forma, ia mudar de moda a
expressão; de que a idéia capital de cada geração não se
escreveria tão sólida e tão duradoura, indo ceder lugar ao
livro de papel, mais sólido e mais duradouro ainda que o livro
de pedra, não mais da mesma matéria nem do mesmo feitio.
Sob esse aspecto, a vaga fórmula de arquidiácono tinha um
segundo sentido; significava que uma arte ia destronar outra
arte. Queria dizer: ‘a imprensa matará a arquitetura’. [HUGO,
1973, p.139-140]
Tanto os layouts esquemáticos dos manuscritos medievais,
quanto os ‘espaço de conhecimento’ das catedrais tem sua
importância modificada, transformada com a invenção da
imprensa, cujo significado para a tradição cristã, ainda no
renascimento, pode ser apreendido das palavras de Aquino
como
“[...] a tentativa de lembrar a intenção através da similitude.”
54
[AQUINAS apud YATES, 1984, p.124].
Assim, com a possibilidade
inaugurada por Gutenberg de produção de cópias de livros
indefinidamente, a necessidade de memorização de
conteúdos para que esses fossem transmitidos perdia um
pouco da sua importância. Como mostra Yates,
“O livro
impresso produzirá tais imensas memórias construídas, povoadas com
imagens, desnecessárias. Vai afastar hábitos de uma antiguidade
imemorial pelos quais uma ‘coisa’ é imediatamente investida com uma
imagem e armazenada em lugares de memória.”
55
[YATES, 1984, p.124-
125, tradução nossa]
54
Do original em inglês: “[...] the attempt to remember a spiritual intention through a similitude.”
[AQUINAS apud YATES, 1984, p.124].
55
Do original em inglês: “The printed book will make such huge built up memories, crowded with
images, unnecessary. It will do way habits of immemorial antiquity whereby a ‘thing’ is
immediately invested with an image and stored in the places of memory.” [YATES, 1984, p.124-
125]
1.5.1_Arte da Memória: Diagramas e estruturação
espacial
A utilização de uma Arte da Memória transformada, para
educar nos preceitos da religião através de estruturas
espaciais, que tanto podiam ser construídas quanto
metáforas literárias ou diagramáticas de espaços
construídos, difundiu-se no período medieval. Segundo Lucy
Freeman Sandler,
“Edifícios metafóricos e construir metáforas
era comum nos manuscritos medievais, particularmente porque
eram precedentes bíblicos.”
56
[SANDLER, 2002, p. 215]
004 | 1_ Diagrama de Representação das teorias cristãs. “[...] como uma
‘representação de nossa Igreja', [...] isso é um resumo das teorias éticas e
históricas Cristãs expressas em linguagem geométrica. O uso de ilustrações
62
56
Do original em inglês: “Metaphorical buildings and building metaphors were common in medieval
writings, particularly because there were biblical precedents.” [SANDLER, 2002, p. 215]
63
diagramáticas para expor idéias teóricas assim como fatos científicos eram
característicos da Idade Média.”
57
Sandler dedica um de seus estudos à Torre da Sabedoria –
Turris sapientiae – um diagrama que faz parte de uma
coleção reunida por John de Metz
58
, no final do século XIII,
sob o título de Espelho da Teologia – Speculum
theologiae. A Torre da Sabedoria de Metz era um diagrama
que não estava associado diretamente a nenhum texto
específico e era na verdade uma estrutura moral
compreensível onde, como mostra Sandler, verifica-se
“[...] a
atribuição de sentido moral a seus componentes físicos – degraus,
colunas, portas, baluartes, etc.”
59
[SANDLER, 2002, p. 218]
Ao desenho da Torre está relacionada uma explicação
verbal de seu propósito, ou seja, da sua construção à
maneira de uma Torre concreta, onde o visitante acessando
o edifício e ascendendo através dos andares, atravessaria
as ‘virtudes’ ordenadas de acordo com a seqüência das
letras do alfabeto. Na explicação de Sandler,
“De modo geral, a Torre da Sabedoria tem 131 unidades. Estas
são apresentadas em um único plano, isto é, de um ponto de
vista completamente frontal e plano, sem ilusão de terceira
dimensão – ou seja, diagramaticamente. O design das
características estruturais é Gótico, parecido com as
esplendidas estruturas em torre que sobrevivem como
prefeituras em Florença e Veneza, com arcadas no térreo que
conduzem a jardins da corte com escadarias, pesadas paredes
de pedra, baluartes fortificados, e portas e janelas em
arco.”
60
[SANDLER, 2002, p. 218, tradução nossa]
57
Do original em inglês: “[...] as a ‘representation of our Church’; […] it is a summary of
Christian ethical and historical theories expressed in a geometrical idiom. The use of
diagrammatic illustrations to expound theoretical ideas as well as scientific facts was
characteristic of the Middle Ages.” In: EVANS, M. The geometry of the mind. In: DESCRIPTION:
INVENTION: REALITY. Architectural Association Quarterly. London: Londsale Universal Printing.
Volume 12, number 4, 1980, p. 33.
58
John de Metz, no final do século XIII um franciscano que foi discípulo de St. Bonaventura
59
Do original em inglês: “[...] the attribution of moral meanings to its physical components –
steps, columns, doors, ramparts, etc.” [SANDLER, 2002, p. 218]
60
Do original em inglês: “All in all, the Tower of Wisdom has 131 named units. These are
presented on a single plane, that is, from a completely flat and frontal point of view, with no
illusion of the third dimension – in short, diagrammatically. The design of the structural
features is Gothic, familiar from the kind of formidable tower structures that survive as the
city halls of Florence and Venice, with arcaded ground floors leading to courtyards with flights
of stairs, heavy stone walls, crenelated ramparts, and arched doors and windows.” [SANDLER,
2002, p. 218]
O uso de ‘Torres da Sabedoria’ para passar mensagens ou
ensinar conteúdos relacionados à religião era recorrente no
período medieval. Outras representações da Torre da
Sabedoria são ‘habitadas’ por figuras humanas como
personificações das virtudes, posicionadas em colunas,
portas e janelas.
005 | 1_ Diagrama. Torre da Sabedoria.
“[...] a imagem chamada A Torre de Sabedoria, que foi inventada no final do
século XIII é um edifício esquemático no qual a função das partes
arquitetônicas aumenta o significado de informações tabuladas.”
61
64
61
Do original em inglês: “[…] the image called The Tower of Wisdom, which was devised in the
later thirteenth century, is a schematic building in which the function of architectural members
enhances the meaning of tabulated information”. In: Fonte: EVANS, M. The geometry of the mind.
In: DESCRIPTION: INVENTION: REALITY. Architectural Association Quarterly. London: Londsale
Universal Printing. Volume 12, number 4, 1980, p. 41.
65
“Para seus leitores, a Torre da Sabedoria poderia ser uma
ferramenta mnemônica onde sua sabedoria está disposta de
modo a facilitar a absorção pela memória. De fato, a forma da
torre, com suas pedras retangulares é a própria imagem das
estruturas mentais da mnemotécnica medieval, com seus
cômodos, ou ‘lugares’ (loci) contendo matéria (res) para ser
aprendida. O próprio John de Metz utilizou a palavra loci para
as pedras de sua torre”
62
[SANDLER, 2002, p. 221, tradução
nossa]
A relação entre as regras mnemônicas loci et imagines e a
Arquitetura utilizada como um espaço de conhecimento, é
claramente ilustrada por esse exemplo da ‘Torre da
Sabedoria’ de Metz. John de Metz aplica princípios
mnemônicos para ordenar o conteúdo que deve ser
apreendido numa ordem definida (assim como nas regras do
Ad Herennium), relacionando os procedimentos de
construção de uma torre concreta, um edifício arquitetônico
ao processo de leitura das imagens na Torre da Sabedoria.
Essa torre funcionava como um diagrama arquitetônico e,
no período medieval, o uso de diagramas com propósitos
mnemônicos foi amplamente difundido. Segundo Mary
Carruthers esses diagramas,
“[...] podem servir de ‘marcas’ para
o armazenamento de memória, ou como pistas para começar o
processo de lembrança. A função é pedagógica, onde o diagrama
funciona como um esquema informacional; a ordem é meditativa.”
63
[CARRUTHERS, 2001, p. 253, tradução nossa]
Assim, as grandes catedrais góticas podem ser
compreendidas como verdadeiros diagramas espaciais, aos
quais se poderia efetivamente percorrer com o objetivo de
aprender ou de meditar, uma experiência intensa, que
poderia ser chamada de imersiva, nos preceitos da doutrina
cristã, com a prática da ‘Arte da Memória’, a partir da
transformação de quem realiza essa experiência de
imersão.
62
Do original em inglês: “For its readers, the Tower of Wisdom could be a mnemonic tool in that
its ‘wisdom’ is set out in away that facilitates absorption into memory. Indeed, the tower form
with its boxlike stones is the very image of the mental structures of medieval mnemotechnique,
with their rooms, or ‘places’ (loci) containing ‘matter’ (res) to be learned. John of Metz himself
used the word loci for the stones of his tower” [SANDLER, 2002, p. 221]
63
Do original em inglês: “[...] can serve as ‘fixes’ for memory storage, or as cues to start the
recollective process. The one function is pedagogical, in which the diagram serves as an
informational schematic; the order is meditational.” [CARRUTHERS, 2001, p. 253]
No texto de Frances Yates sobre Arquitetura e Arte da
Memória publicado na ‘AAQ – AA Quarterly’, em 1980,
referido anteriormente, a pesquisadora coloca a questão da
Arquitetura não apenas como elemento sólido e visível,
“[…]
um edifício não é apenas sua existência visível, mas também seu
reflexo invisível na memória de gerações de homens.”
64
[YATES, 1980,
p. 12, tradução nossa]
confirmando, não apenas, a experiência
imersiva como elemento importante no contexto de
utilização dos edifícios, mas também influenciando o
desenho dos mesmos. Nas palavras de Yates,
“Como Alberti diz, a função do arquiteto é produzir o design
do edifício, e isso não é material, mas existe na mente do
arquiteto, e se baseia em considerações abstratas de
matemática e proporção. O design do edifício é anterior a sua
execução como coisa material.”
65
[YATES, 1980, p. 12, tradução
nossa]
Com essa afirmação de Alberti, reforçamos o caráter da
Arquitetura enquanto elemento imaterial, Arquitetura
produzida a partir do que ele denomina ‘considerações
abstratas’. Assim, podemos retomar a afirmação de Yates,
considerando que os edifícios podem ser menos sólidos do
que parecem e pensar a Arquitetura a partir de seus
processos.
64
Do original em inglês: “[…] that a building lives, not only by its actual visible existence, but by
its invisible reflection in the memories of generations of men.” [YATES, 1980, p. 12]
66
65
Do original em inglês: “As Alberti says, the function of architect is to produce the design of
the building, and this is not material, but exists in the mind of the architect, and is based on
abstract considerations of mathematics and proportion. The design of the building is prior to its
execution in material stuff.” [YATES, 1980, p. 12]
69
A Arte da Memória no Renascimento sofre influências do
pensamento vigente nesse período, com o homem colocado
como centro de todas as coisas. Além disso, o hermetismo,
com o estudo e a prática da magia e da filosofia oculta,
vai ser o pensamento basilar para a Arte da Memória
desse período. Nesse contexto, o Teatro da Memória de
Giulio Camillo, tem na nossa compreensão uma conexão
interessante entre o passado e o futuro. Passado, porque
incorpora em sua essência as bases da Arte da Memória
Clássica e futuro, porque representa um possível ponto de
partida para melhor entender o uso contemporâneo da
mnemônica no contexto da cultura digital em arte e
arquitetura. Além disso, o Renascimento é uma época que
representa um diferencial na Arquitetura, pelo fato de
alguns sistemas mnemônicos como o Teatro da Memória de
Giulio Camillo e o Teatro Sistema da Memória de Fludds,
exemplos que abordaremos, terem, como o Teatro da
Memória, sido parcialmente construídos, ou terem alguma
relação com ambientes construídos, no caso de Fludd.
2.1_ A Arte da Memória no Renascimento
Para tratar da questão da Arte da Memória no
Renascimento, devemos voltar nosso olhar à época clássica
onde, como relata Yates, os oradores utilizavam a
Mnemônica tal qual é descrita no Ad Herennium e a que
Cícero e Quintiliano se referiam. Essa Arte refere-se, por
exemplo, à memorização de uma série de lugares de um
edifício, com a associação de imagens aos lugares do
edifício já memorizados. Procedendo assim, o orador podia
pronunciar seu discurso, enquanto passava mentalmente e
de forma ordenada, por cada cômodo do edifício – os
lugares; retirando dali os conteúdos, associados às
imagens. Essa Arte Clássica da Memória viria a sofrer
diversas alterações ao longo do tempo. Sobre a transição
da Arte da Memória, Yates coloca que,
“Essa arte clássica, por hábito, considerada puramente
mnemotécnica, teve uma longa história na Idade Média, e foi
recomendada por Alberto Magno e Tomás de Aquino. Na
Renascença, tornou-se moda entre os neoplatônicos e
hermetistas. Era entendida como um método destinado a
imprimir na memória imagens arquetípicas básicas, tendo como
‘lugar-sistema’ a própria ordem cósmica, uma espécie de modo
íntimo de conhecer o universo.” [YATES, 1995, p. 217]
É no Renascimento, a partir da abordagem cósmica, que
temos o que Yates chamou de ‘modo íntimo de conhecer o
universo’, a partir de imagens arquetípicas básicas, como
imagens planetárias ou as cores. Segundo Yates, a
experiência hermética, está na raiz da memória mágica
renascentista, onde
“[...] a mnemônica clássica, com lugares e
imagens, é agora compreendida, ou aplicada, tal como um método de
realizar essa experiência imprimindo na memória imagens arquetípicas
ou magicamente ativadas”. [YATES, 1995, p. 217].
Partiremos então, do final da Idade Média, na transição
para o Renascimento, para entender o pensamento que
estava por trás de quem praticava a arte da memória.
Faremos em seguida a análise de dois exemplos
significativos do Renascimento [séc. XV e XVI]. O Teatro da
Memória de Giulio Camillo, exemplo do auge do Renascimento
e o ‘Theatre Memory System’ de Robert Fludd, que
70
71
chamaremos ‘Teatro Sistema da Memória’, exemplo do fim
do Renascimento, em direção ao Barroco [séc. XVI e XVII].
2.1.1_ Da Escolástica ao Hermetismo
“A partir do fim da Idade Média, marcando o início do
Renascimento, a insatisfação com o velho sistema escolástico
impotente e rígido diante da nova problemática que se
avolumava desde o século XIV – associado à entrada de um
vasto material em assuntos ligados ao hermetismo e ao
neoplatonismo (entre estes, trabalhos em magia, alquimia e
astrologia) – iria ajudar a formar uma corrente oposta ao
pensamento estabelecido, tendo como bandeira a chamada
‘magia natural’ (magia naturalis) renascentista.” [ALFONSO-
GOLDFARB, 2001 p. 223]
O Renascimento é um dos períodos com maior quantidade
de material publicado sobre a Arte da Memória. O
pesquisador Paolo Rossi [ROSSI, 2004, p. 50], em seu livro
‘A Chave Universal’, fala a respeito dessa profusão de
textos sobre a Arte da Memória nesse período, e coloca
ainda que na maioria dos tratados havia citações de
Aristóteles, de Cícero, de Quintiliano, do Ad Herennium, de
Alberto Magno, de Tomás de Aquino e de Santo Agostinho
1
,
entre outros.
1
Santo Agostinho: Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta, cidade da Numídia, de uma família
burguesa, a 13 de novembro do ano 354. Seu pai, Patrício, era pagão, recebido o batismo pouco
antes de morrer; sua mãe, Mônica, pelo contrário, era uma cristã fervorosa, e exercia sobre o
filho uma notável influência religiosa. Indo para Cartago, a fim de aperfeiçoar seus estudos,
começados na pátria, desviou-se moralmente. Caiu em uma profunda sensualidade, que, segundo
ele, é uma das maiores conseqüências do pecado original; dominou-o longamente, moral e
intelectualmente, fazendo com que aderisse ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial
tanto ao bem como ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu a solução do problema do
mal e, por conseqüência, uma justificação da sua vida. Tendo terminado os estudos, abriu uma
escola em Cartago, donde partiu para Roma e, em seguida, para Milão. Afastou-se
definitivamente do ensino em 386, aos trinta e dois anos, por razões de saúde e, mais ainda,
por razões de ordem espiritual. Entrementes - depois de maduro exame crítico - abandonara o
maniqueísmo, abraçando a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a
negatividade do mal. Destarte chegara a uma concepção cristã da vida - no começo do ano 386.
Entretanto a conversão moral demorou ainda, por razões de luxúria. Finalmente, como por uma
fulguração do céu, sobreveio a conversão moral e absoluta, no mês de setembro do ano 386.
Agostinho renuncia inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimônio; retira-se, durante alguns
meses, para a solidão e o recolhimento, em companhia da mãe, do filho e de alguns discípulos,
perto de Milão. Aí escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com
o filho Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o batismo em Milão das mãos de Santo Ambrósio,
cuja doutrina e eloqüência muito contribuíram para a sua conversão. Tinha trinta e três anos de
idade. Depois da conversão, Agostinho abandona Milão, e, falecida a mãe em Óstia, volta para
Tagasta. Aí vendeu todos os haveres e, distribuído o dinheiro entre os pobres, funda um
mosteiro numa das suas propriedades alienadas. Ordenado padre em 391, e consagrado bispo em
395, governou a igreja de Hipona até à morte, que se deu durante o assédio da cidade pelos
vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de idade. Santo Agostinho.
Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm>. Acesso em 13 dez. 2006.
Segundo Frances Yates, “O primeiro dos tratados de memória
impresso aparece inaugurando o que veio a ser um gênero popular ao
longo do século XVI e início do XVII.”
2
[YATES, 1984, p. 106, tradução
nossa]
Como Yates confirma, a maioria desses tratados,
manuscritos ou impressos, seguiam as regras para lugares
e imagens do Ad Herennium.
Existiam nos tratados, diferenças no que se refere à
interpretação das regras para imagens e lugares, que
seguiam o plano do Ad Herennium. Aqueles que descendiam
da tradição Escolástica descreviam as mnemotécnicas de um
tipo clássico que eram mais mecânicas e que retomavam as
primeiras raízes medievais. Além dos tipos de tratados de
memorização, na linha principal dos que descendiam da
tradição escolástica existiam outros tipos, provavelmente
de outras origens. Finalmente a tradição da memorização
nesse período sofreu mudanças devido à influência do
humanismo e o desenvolvimento de diversos tipos de
memória renascentistas.
Nos tratados que seguiam a tradição escolástica, o uso
mais mecânico de memorização podia ser usado com
propósitos religiosos como, por exemplo, os praticados nos
mosteiros para memorizar a repetição de salmos e preces,
ou ainda, para relembrar a ordem total do universo e os
caminhos para o céu e para o inferno. Segundo Yates,
“Tais
tratados impressos vieram de uma tradição manuscrita originada
principalmente dentro da Idade Média.”
3
[YATES, 1984, p. 108, tradução
nossa]
O primeiro tratado impresso desse período chama-se
Oratoriae artis epitome de Jacobus Publicius [1482] e não
consiste, como era de se esperar num sintoma de um
resgate da clássica Arte da Memória no contexto do
renascimento da retórica na Renascença, mas é fortemente
ligado à tradição medieval. Segundo Yates,
2
Do original em inglês: “The first of the printed memory treatises appears inaugurating what
was to be a popular genre throughout the sixteenth and early seventeenth centuries.” [YATES,
1984, p. 106]
72
3
Do original em inglês: “Such printed treatises came out of a manuscript tradition leading back
into the Middle Ages” [YATES, 1984, p. 108]
73
“Longe de nos introduzir para um mundo moderno da clássica
retórica revivida, a seção de memória de Publiciu’s pareciam
mais nos transportar de volta para um mundo Dantesco no
qual o Inferno, o Purgatório e o Paraíso são lembrados nas
esferas do Universo, um mundo Giotesco com sua
expressividade aguçada de figuras da memória da virtude e do
vício.”
4
[YATES, 1984, p. 110, tradução nossa]
001 | 2_
As Esferas do Universo como um Sistema da Memória de Jacobus
Publicius, do livro Oratoriae artis epitome, publicado em Veneza em 1482.
Outro importante tratado ocidental sobre a Arte da
Memória, com influências da Clássica Arte da Memória é o
de Johannes Romberch
5
, um dominicano alemão. O tipo de
4
Do original em inglês: “Far from introducing us to a modern world of revived classical rethoric,
Publiciu’s memory sections seems rather to transport us back into a Dantesque world in which
Hell, Purgatore, and Paradise are remembered on the spheres of the universe, a Giotesque
world with its sharpened expressiveness of virtue and vice memory figures.” [YATES, 1984, p.
110]
5
Host von Romberch, Johann (c.1480-c.1532). nasceu em uma fazenda em Romberg, ou Romberch,
em Westphalia aproximadamente em 1480, e morreu ao fim de 1532 ou no começo de 1533. À
idade de dezesseis anos ele entrou na Ordem Dominicana, e estudou na Universidade de Bolonha
de 1516 a 1519. Em 1520 ele foi designado à Faculdade Teológica da Universidade de Cologne.
Host von Romberch's Congestorium de Romberch utiliza uma variedade larga de fontes, inclusive
Rhetorica ad Herennium, Quintiliano, Francesco Petrarca, e Pedro de Ravenna. Ele dá ao uso
habitual de loci de memória (lugares mentais por armazenar dados) uma torção moderna, o de
empregar o Inferno de Dante, Purgatório, e Paraíso. Discutindo imagens mentais ou símbolos de
informação a ser recordado, ele oferece para o leitor uma seção sobre alfabetos visuais nos
memória artificial utilizado por Romberch, segundo Yates,
“[...] pode ser chamado de tipo Dantesco, não porque o tratado
Dominicano seja influenciado pela Divina Comédia, mas porque Dante
foi influenciado por tal interpretação da memória artificial [...].”
6
[YATES, 1984, p. 116, tradução nossa]
002 | 2_ As Esferas do Universo como um Sistema da Memória de Johannes
Romberch, Congestorium Artificiose Memorie, da edição de 1533, publicado em
Veneza. (o tratado foi originalmente publicado em 1520)
A interpretação que Romberch faz da Arte da Memória,
leva-o a utilizar o método do sistema de lugares,
memorizando lugares reais em edifícios reais, como no
exemplo de seu sistema da memória da Abadia em que, a
partir de duas imagens esquemáticas mostra na primeira a
Abadia e suas dependências anexas, e na segunda imagem,
os objetos de memória, imagens que serão empregadas nos
edifícios.
quais as imagens usadas se assemelham à forma de cartas. Host von Romberch, Johann.
Disponível em: <http://www.polybiblio.com/philobiblon/7.html>. Acesso em: 13 dez. 2006.
74
6
Do original em inglês: “[...] may be called the Dantesque type, not because the Dominican
treatise is influenced by the Divine Comedy, but because Dante was influenced by such an
interpretation of artificial memory [...].”
6
[YATES, 1984, p. 116]
75
003 | 2_ À esquerda. Sistema da memória da Abadia de Johannes Romberch,
Congestorium Artificiose Memorie, da edição de 1533, publicado em Veneza.
(o tratado foi originalmente publicado em 1520). À direita: Imagens para
serem utilizadas no Sistema de Memória da Abadia, de Johannes Romberch,
Congestorium Artificiose Memorie, da edição de 1533, publicado em Veneza.
(o tratado foi originalmente publicado em 1520)
Segundo Yates, o primeiro autor de tratados no início da
Renascença a se desvincular de uma tradição escolástica
trazendo a mnemotécnica, enquanto uma técnica de sucesso
para o universo secular foi Pedro de Ravena. Seu tratado,
Phoenix, sive artificiosa memoria, publicado em Veneza em
1491, tornou seu autor famoso, tendo sido traduzido em
várias línguas. A perspectiva difundida por Ravena em seu
tratado era de que uma pessoa de visão poderia se valer
da mnemotécnica para se destacar em um mundo
competitivo.
Yates coloca ainda que,
“As pessoas desejavam uma arte da
memória que pudessem ajudá-las de forma prática, e não no sentido
de lembrá-las de que o Inferno poderia levar ao Phoenix de Pedro de
Ravenna.”
7
[YATES, 1984, p. 112-113, tradução nossa]. Assim, foi
fornecendo orientações práticas em seu tratado que Pedro
de Ravenna laicizou e popularizou a Arte da Memória,
ressaltando o seu lado puramente mnemotécnico. Muito do
sucesso e popularidade de Pedro de Ravena, conhecido por
7
Do original em inglês: “People who wanted an art of memory to help them practically, and not
in order to remember Hell could turn to the Phoenix of Peter of Ravenna.” [YATES, 1984, p.
112-113]
uma memória excepcional na Itália e na Europa, deve-se ao
fato de que ele era um exemplo vivo da validade da Arte
da Memória, esperança para os que almejavam conquistar
uma boa memória.
Obras como as de Romberch e de Pedro de Ravenna tinham,
como afirma Paolo Rossi,
“[...] objetivos eminentemente ‘práticos’
[...]” [ROSSI, 2004, p. 70],
mas também faziam associações a
imagens no contexto da cultura Renascentista.
De um modo geral, em sua transformação no contexto
medieval, a Arte da Memória, como atestam os tratados,
pode ter perdido sua antiga força. Com o renascimento da
oratória na renascença era de se esperar um culto
renovado da Arte da Memória como uma técnica secular.
Ainda que as condições sociais favorecessem a boa memória
dos homens que proferiam discursos, e conseqüentemente
influenciando um resgate da Arte da Memória, existiram
forças no humanismo renascentista desfavoráveis a essa
arte.
2.1.2_ A tradição Hermética
“Durante o Neoplatonismo Renascentista, com seu conteúdo
Hermético, a arte da memória foi novamente transformada,
desta vez dentro de uma arte oculta ou Hermética, e nesta
forma continuou a tomar uma posição central na tradição
européia central.”
8
[YATES, 1984, p. 128, tradução nossa]
No Renascimento, a Arte da Memória ganhou nova vida.
Para que essa nova abordagem da Arte da Memória fosse
possível dentro das principais correntes filosóficas da
época, o movimento neoplatônico, principal movimento
filosófico do período, inaugurado por Marsílio Ficino
9
e Pico
8
Do original em inglês: “Through Renaissance Neoplatonism, with its Hermetic core, the art of
memory was once more transformed, this time into a Hermetic or occult art, and in this form it
continued to take a central place in a central European tradition.” [YATES, 1984, p. 128]
76
9
MARSILIO FICINO (1433-99). Filósofo, filólogo, médico, nascido em Florença, em 19 de outubro de
1433; falecido em Correggio, em 1 de outubro de 1499. Filho do médico Cosmo de' Medici, serviu
aos Medici por três gerações. Estudou em Florença e em Bolonha e foi especialmente protegido
em seus primeiros trabalhos para Cosmo de Medici, que o escolheu para traduzir as obras de
Hermes Trimegisto e de Platão para o latim. Para Ficino as artes visuais eram de especial
importância. Sua função era recordar à Alma sua origem divina, em um mundo divino, ao criar
mediante a arte, aparências daquele mundo. Foi devido, principalmente, à insistência de Ficino e à
importância que atribuía à arte visual, que a posição dos pintores Florentinos na sociedade se
elevou aquela do poeta. Disponível em:
<http://www.ficino.cl/Marsilio%20Ficino%20Biograf%EDa.htm>. Acesso em 13 dez. 2006.
77
della Mirandola
10
, desempenhou papel crucial. Os
neoplatonistas renascentistas não eram avessos à Idade
Média, não depreciavam a Arte da Memória e assim como a
Escolástica medieval resgataram-na adaptando-a à sua
época.
Nesse contexto de resgate, Frances Yates, em seu livro
‘Giordano Bruno e a tradição hermética’, falando a respeito
dos movimentos de vanguarda da Renascença coloca a
questão do olhar que esses movimentos dirigiam ao
passado, com uma visão de tempo cíclico. Segundo Yates,
“A visão de um tempo cíclico, como um perpétuo movimento
que partia da prístina e dourada idade da pureza e da
verdade, e passava sucessivamente pelas épocas do bronze e
do ferro, ainda vigorava, e a busca da verdade, portanto,
implicava necessariamente a busca do ouro antigo, original e
primitivo [...]” [YATES, 1995, p. 13]
Esse trecho citado por Yates, mostra uma tendência de
valorização do passado; passado esse que não podia ser o
imediatamente anterior, já que os novos movimentos vinham
como forma de ‘negar’ alguns princípios do pensamento
vigente, daí a preferência pelas idéias reinantes na
Antiguidade Clássica em detrimento das da Escolástica, com
os textos da era de Cícero e outros textos que eles
acreditavam ser da Antiguidade.
Essas práticas da Renascença, de voltar seu olhar ao
passado, segundo Yates, remonta à era de Cícero, à idade
de ouro da literatura clássica e aos primeiros séculos do
Cristianismo. A historiadora coloca ainda que o movimento
renascentista
“[...] do retorno à pura idade de ouro da magia, está
10
Pico della Mirandola nasceu em 1463 em Florença, e morreu em 1494. Humanista e filósofo
italiano, estudou direito na Universidade de Bolonha e nos mais importantes centros da Itália e
França. Em pleno auge do Renascimento, publicou em Roma suas célebres novecentas teses,
intituladas Conclusões philosophicas, cabalísticas e theologicas (1486). Nelas manifestou a
intenção de demonstrar a verdadeira natureza do cristianismo, considerando-o como o ponto de
confluência de todas as tradições filosóficas anteriores, incluídas a filosofia grega, a
astrologia, a cabala e a magia. Suas teorias foram combatidas duramente pela cúria romana e
sete de suas teses foram condenadas pelos teólogos da época, motivo pelo qual foi perseguido
e passou três meses preso na torre de Vincennes. Depois desse período, encomendou a
proteção de Lorenzo o Magnífico, em Florença. Em 1489 publicou Heptaplus, comentário
cabalístico sobre o livro do Gênesis, e em 1492 De ente et uno, uma crítica ao platonismo de
Ficino. Faleceu depois de ser envenenado por seu secretário. Disponível em:
<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/p/pico.htm>. Acesso em: 20 nov. 2006.
baseado num radical erro de datas. As obras inspiradoras dos magos
da Renascença, e que eles acreditavam da mais rêmora antiguidade,
haviam sido escritas no século II ou III d.C.“ [YATES, 1995, p.13]
Um personagem interessante nesse contexto de equívocos
com relação às datas e também às autorias de publicações
retomadas na Renascença é Hermes Trimegisto. Ele era o
Deus egípcio Tot, doutor da lei dos deuses e divindade da
sabedoria, chamado pelos gregos de Hermes Três Vezes
Grande e pelos latinos de Mercúrio. Segundo Yates,
Cícero, em seu tratado De natura Deorum, explicou que
havia cinco Mercúrios, dos quais o quinto fugiu para o
Egito, adotando o nome de Tot e propagando seus escritos.
Assim, houve uma profusão de textos inspirados em
Hermes Trimegisto, escritos na língua grega, com a
temática da astrologia e das ciências ocultas.
004 | 2_Hermes Trimegisto. Mosaico do Pavimento do Duomo de Siena,
entalhe em mármore, ca. 1482.
78
79
Os escritos atribuídos a Hermes Trimegistus, com a
abordagem do estudo e da prática da filosofia oculta e da
magia, tiveram grande influência na sabedoria oculta
européia, especialmente na Renascença. Os dois principais
tratados da Hermética filosófica que chegaram às nossas
mãos, segundo Yates, foram o Asclépio
11
e o Corpus
Hermeticum
12
, provavelmente escritos entre 100 e 300d.C.
Discorrendo a respeito dessas obras, Yates coloca que,
“[...] decerto não foram escritas na antiguidade remota por um
onisciente sacerdote egípcio, como acreditavam os
renascentistas, e sim por vários autores desconhecidos, todos
possivelmente gregos, e o que contém é a filosofia grega
popular de seu tempo, mescla de platonismo e estoicismo,
combinada com influências hebraicas e talvez persas.” [YATES,
1995, p.15]
Falando a respeito dos temas tratados nessas obras,
Yates nos coloca a mistura de influências e referências
que elas carregavam. A tradução do Corpus Hermeticum se
deu por volta de 1464, e foi feita por Ficino, que chamou o
primeiro tratado de Corpus Hermeticum de Pimandro, nome
pelo qual a obra ficou conhecida durante a Renascença.
Frances Yates, no capítulo II de seu livro ‘Giordano Bruno
e a tradição hermética’, faz uma apresentação das duas
obras – Corpus Hermeticum e Asclépio, mostrando
resumidamente os conteúdos de alguns volumes do Corpus
Hermeticum e algumas considerações sobre o Asclépio. Em
nossa abordagem não entraremos nos detalhes dessas
obras especificamente, a fim de não nos desviarmos de
nosso objeto de pesquisa, que é a questão do espaço
relacionado à Arte da Memória. Trataremos de alguns de
seus aspectos nos exemplos que serão apresentados no
decorrer desse texto.
Nesse contexto de textos utilizados como referência para
os renascentistas, Robert Klein coloca a distinção entre
11
“O Asclépio pretende descrever a religião dos egípcios e os ritos e processos pelos quais
eles atraíam as forças do cosmos para as estátuas de seus deuses. Esse tratado chegou aos
nossos dias através da tradução latina antigamente atribuída a Apuleio de Madaura.” [YATES,
1995, p.15, grifo nosso]
12
“O Pimandro (primeiro tratado do Corpus Hermeticum), uma coletânea de quinze diálogos
herméticos, traz um relato da criação do mundo, reminiscente, em parte, do Gênese.” [YATES,
1995, p.15, grifo nosso]
três linhas de pesquisa científica, utilizadas como
referência na Renascença. Segundo Klein,
“Pode-se dizer, em linhas gerais, que a pesquisa científica do
Renascimento possui três fontes nitidamente distintas: (a) a
tradição medieval, árabe e cristã; (b) os textos antigos
recentemente descobertos ou restabelecidos; (c) as
necessidades práticas dos artesãos, dos militares, do
comércio. As duas primeiras explicam o aspecto mágico da
ciência renascentista [...].” [KLEIN, R.; ZERNER, H., 1998, p. 320]
Além das referências apontadas por Klein, observamos uma
mudança na conduta do homem renascentista, em relação
ao homem medieval. No que se refere a essa mudança, Pico
della Mirandola é um personagem, um ator chave nesse
processo. Segundo Yates,
“A profunda significação de Pico della Mirandola na história
da humanidade não pode ser subestimada. Foi ele quem
primeiro formulou, com ousadia, uma nova situação para o
homem europeu, o homem como mago, utilizando a magia e a
cabala para agir sobre o mundo e controlar seu destino por
meio da ciência. E em Pico pode ser estudado na fonte o liame
orgânico da emergência do mago com a religião.” [YATES, 1995,
p. 138]
Ao tocar nos assuntos da magia Renascentista e sua
ligação com a ciência, Yates nos coloca que a visão de
mundo dos homens desse período não difere muito da visão
dos homens medievais. A grande mudança está justamente
no Homem, que segundo relata Yates,
“[...] já não era o piedoso
espectador das maravilhas de Deus na criação, bem como o adorador
do próprio Deus, acima da criação; era o homem operador, o homem
que buscava extrair forças da ordem divina e natural.” [YATES, 1995,
p. 166, grifo nosso]
Um expoente desse momento de mudanças na visão de
mundo dos homens da Renascença é Giulio Camillo, ‘homem
operador’ que, no contexto da Arte da Memória, concebe o
projeto do Teatro da Memória.
80
81
2.1.3_Movimento: sistemas ‘dinâmicos’ da memória
“Comparando-se a Camillo, ele era infinitamente mais ousado
no uso de imagens e sinais notoriamente mágicos ma memória
oculta. Em Sombras, ele não hesita em utilizar as imagens
[supostamente] mais poderosas dos decanos do zodíaco; em
Circe, ele introduz a arte da memória com encantamentos
mágicos impetuosos articulados pelo feiticeiro. Bruno
objetivava poderes muito maiores que o moderado leão
domesticado ou o oratório planetário de Camillo.”
13
[YATES,
1984, p.208, tradução nossa]
Contrariando a questão temporal, iremos pouco adiante ao
tempo de Giordano Bruno a fim de entender uma linha de
pensamento da Arte da Memória voltada mais para a
questão científica, em direção ao Barroco de Leibniz, mas
com as mesmas influências da tradição Hermético-
cabalística.
13
Do original em inglês: “As compared with Camillo, he was infinitely more daring in the use of
notoriously magical images and signs in the occult memory. In Shadows he does not hesitate to
use the (supposedly) very powerful images of the decans of the zodiac; in Circe he introduces
the art of memory with fiercely magical incantations uttered by the sorceress. Bruno aimed at
very much greater powers then the mild lion taming or the planetary oratory of Camillo.”
[YATES, 1984, p.208]
005 | 2_ Sistema da Memória de Giordano Bruno’s De umbris idearum
(Shadows), Paris, 1582
No século XVI, cresceu e se ampliou o interesse em
conectar, inter-relacionar e, em última instância, conciliar, o
sistema clássico da memória, descrito em tratados como o
Ad Herennium, baseado nas relações mnemônicas entre
imagens e lugares e o Lulismo, com suas figuras e letras
móveis, um desafio que
"[...] estimulou um bom volume de
interesse geral, comparável ao interesse popular nas máquinas da
mente de hoje.”
14
[YATES, 1984, p.208, tradução nossa].
Compartilhando os interesses do momento Giordano Bruno
foi, segundo Yates, o especialista em Lulismo que
‘solucionou’ o desafio conseguindo conciliar os sistemas
clássicos da Arte da Memória com o sistema medieval de
Ramón Llull, ou Raimundo Lúlio em suas ‘Rodas da Memória’
(1582). Como coloca Yates,
"[...] quando lista os trabalhos de Lull,
Bruno inclui o De auditu kabbalistico como um deles. Estas indicações
82
14
Do original em inglês: “[...] have excited a good deal of general interest, comparable to the
popular interest in the mind machines of today.” [YATES, 1984, p.208].
83
sugerem que Lull, o alquimista, e Lull, o Cabalista, entrariam na idéia
de Bruno de Lullismo."
15
[YATES, 1984, p.209, tradução nossa].
A arte de Raimundo Lúlio constitui uma nova síntese a
partir da Arte Clássica da Memória. Assim, é importante
compreender em que medida o Lulismo medieval se difere
da Clássica Arte da Memória e como é absorvido dentro
das interpretações Renascentistas da Arte Clássica. Como
afirma Paolo Rossi,
“O antigo sonho luliano de uma arte que fosse ao mesmo
tempo lógica e metafísica, e que, ao contrário da lógica
tradicional, fosse capaz de tratar não das segundas
intenções, mas sim das primeiras, em condição de mostrar a
correspondência entre o ritmo do pensamento e o ritmo da
realidade, e descobrir, por meio de combinações mentais, o
verdadeiro sentido das relações reais, tinha encontrado
expressão, nos séculos da Renascença, nos perturbados
escritos sobre técnica da memorização de Giordano Bruno.”
[ROSSI, 2004, p. 40]
Raimundo Lúlio não baseia sua Arte na tradição retórica
clássica, mas na tradição filosófica do Platonismo
Agostiniano. Essa tradição filosófica reivindica o
conhecimento das causas primeiras a que ele chama
‘Dignidades de Deus’ – Dignitates Dei – que são nomes ou
atributos divinos. Designa esses conceitos – entre os quais
Bonitas, Magnitudo, Eternitas, Potestas, Sapientia,
Voluntas, Virtus, Veritas e Gloria – por notações de
letras como por exemplo a que se refere a esses nove
conceitos apresentados: BCDEFGHIK.
15
Do original em inglês: “[...] when listing Lull’s works, Bruno includes the De auditu kabbalistico
as one of them. These indications suggest that Lull, the alchemist, and Lull, the Cabalist, would
come into Bruno’s idea of Lullism.” [YATES, 1984, p.209].
006 | 2_ Figura ‘A’. Do R. Lull’s Ars brevis
Essa abordagem está em contraste com a interpretação
Escolástica da Arte da Memória, vigente na época de Lúlio
que vem da tradição retórica, apesar de Lúlio ter vivido na
grande era do Escolasticismo – o período Medieval. Isso
reafirma sua postura platonista contrária ao platonismo
cristianista adotado pelos escolásticos, o que confere às
suas idéias mais afinidade com o Renascimento do que com
a Idade Média. Segundo Yates,
“Para o próprio Lull, o grande objetivo da Arte era um
objetivo missionário. Ele acreditava que se ele pudesse
persuadir Judeus e Muçulmanos para fazer a Arte com ele,
eles seriam convertidos ao Cristianismo. A Arte estava
baseada em concepções religiosas comuns a todas as três
grandes religiões, e na estrutura elementar do mundo de
natureza universalmente aceita na ciência do tempo. A partir
de premissas comuns a estas religiões, a Arte demonstraria a
necessidade da Trindade.”
16
[YATES, 1984, p.176, tradução
nossa].
84
16
Do original em inglês: “For Lull himself, the great aim of the Art was a missionary aim. He
believed that if he could persuade Jews and Muslims to do the Art with him, they would become
converted to Christianity. For the Art was based on religious conceptions common to all the
three great religions, and on the elemental structure of the world of nature universally
85
Com essa intenção, Lúlio elabora uma Arte de caráter
científico, que se distancia da Arte Clássica de caráter
artístico, que introduz conceitualmente uma notação
algébrica ou cientificamente abstrata. O aspecto mais
característico da proposta é a introdução do movimento em
seu sistema de memória.
007 | 2_Figura Combinatória. Do Lull’s Ars brevis. [Yates, p.183]
Diferentemente da mnemônica clássica ou de suas
interpretações medievais em sistemas enciclopédicos onde
os conteúdos eram organizados em estruturas estáticas
utilizando os edifícios para estocar imagens, baseia sua
arte em novas combinações – concebendo sistemas com
rodas giratórias’ e inserindo movimento na sua Arte da
Memória.
Além do caráter religioso, a sua concepção das ‘rodas
giratórias’ evidencia uma base elementar cosmológica. Como
accepted in the science of the time. Starting from premisses common to all, the Art would
demonstrate the necessity of the Trinity.” [YATES, 1984, p.176].
afirma Yates a partir de Thorndike, “[...] a derivação do ‘rotae'
cosmológico das rodas da Arte é óbvia [...]."
17
[YATES, 2004, p.178,
tradução nossa]
É importante ressaltar ainda o ponto em que
o Lulismo se torna intrinsecamente associado ao cabalismo,
uma associação feita por Pico della Mirandola. Segundo
Yates,
“Ao discutir a Cabala nas suas Conclusões e Apologia, Pico
estabelece que um tipo de Cabala é uma ars combinandi, feita
com alfabetos rotativos, e depois explica que esta arte é do
tipo ‘que é chamada entre nós de ars Raymundi’, ou seja, a
arte de Ramon, ou Raimundo Lullio. Se corretamente ou
erroneamente, Pico considera, conseqüentemente, que a arte
Cabalista de combinações de letras era como o Lulismo.”
18
[YATES, 2004, p.179, tradução nossa]
Os neoplatonistas renascentistas concordavam com a visão
de Pico, da identificação da ars combinante cabalística com
a chamada ars Raymundi, uma relação particularmente
importante na renascença, por permitir a assimilação do
Lulismo pela tradição hermético-cabalística do
neoplatonismo renascentista.
É importante considerar ainda que, sob um aspecto a arte
de Raimundo Lúlio é uma Arte da Memória em seu sentido
Clássico, dado que as Dignitates Dei, que constituem a sua
base fundadora, conformam-na enquanto sistema em uma
estrutura trinitária – um reflexo da Trindade: Intellectus,
Voluntas e Memoriae. Segundo Yates, uma dessas partes
da estrutura é reminiscente das formulações escolásticas
referentes às três partes da Prudência – Memoriae,
Intelligentia e Providentia. Essa Trindade, como coloca
Paolo Rossi,
“Na sua plenitude, consta de três fases e aspectos
[...]” [ROSSI, 2004, p. 40].
Partindo da primeira delas, o
Intellectus se realiza mediante a combinatória ou pela nova
lógica, agindo a partir do intelecto. A segunda, Voluntas,
como o próprio nome diz, age de acordo com a vontade, a
partir da qual são realizadas as obras místicas de Lúlio.
17
Do original em inglês: “[...] the derivation from cosmological ‘rotae’ of the wheels of the Art is
obvious [...].” [YATES, 2004, p.178]
86
18
Do original em inglês: “When discussing Cabala in his Conclusions and Apologie, Pico states
that one type of Cabala is an ars combinandi, done with revolving alphabets, and he further
states that this art is like ‘that which is called amongst us the ars Raymundi’, that is, the Art
of Ramon, or Raymond Lull. Whether rightly or wrongly, Pico therefore thought that the
Cabalist art of letter combinations was like lulism.” [YATES, 2004, p.179]
87
Finalmente a terceira delas Memoriae, “[...] transforma toda a
arte em um grande sistema de técnica de memorização.” [ROSSI, 2004,
p. 40]
2.1.4_Rodas da Memória: máquina da memória
universal
Durante a Renascença, o interesse pela cabala, pelas
escritas artificiais e universais e pela descoberta de
princípios de todo saber possível, são elementos
importantes no que se refere à
“[...] Arte da Memória e a
referência constante a uma lógica entendida como ‘chave’ capaz de
abrir os segredos da realidade [...].” [ROSSI, 2004, p.84]
Esses
temas vão se articular durante a Renascença, com o
renascimento do Lulismo. Nesse contexto está o
pensamento de Giordano Bruno
19
onde, segundo Paolo Rossi,
“[...] No pensamento de Bruno a temática do Lulismo e da ars
reminiscendi aparece conexa com as aspirações dos ideais da magia.
[ROSSI, 2004, p.189]
Giordano Bruno usa sua transformação peculiar do Lulismo
em substituição ao Cabalismo. Segundo Yates,
“Sua ‘Trindade’
como Dignitis de uma Arte Luliana, passa acima e abaixo através do
mundo inferior, o mundo celestial, o mundo divino, aumentando a
escada entre todos os níveis..”
20
[YATES, 2004, p.229, tradução
nossa]
O sistema de Bruno baseado nas estrelas que inclui os
mundos vegetal, animal e mineral, compreendendo ainda nos
níveis seguintes ou rodas, todas as artes e ciências,
19
Segundo Frances Yates, Giordano Bruno nasceu em Nola, pequena cidade nas fraldas do
Vesúvio, em 1548. Jamais perdeu os traços da sua origem vulcânica e napolitana, orgulhava-se
de ser conhecido como ‘o nolano’, nascido sob um céu cordial. Entrou para a ordem dominicana
em 1563, e tornou-se habitante do grande convento dominicano em Nápoles, onde está enterrado
Tomás de Aquino. Em 1576 ficou em apuros por heresia e fugiu, abandonando o hábito de
dominicano.Daí em diante, começou uma vida errante através da Europa. Depois de visitar a
Genebra de Calvino, da qual não gostou, sendo que tampouco gostaram dele os calvinistas, e de
fazer conferências sobre a Esfera de Sacrobosco, durante dois anos em Toulouse, Bruno chegou
a Paris pouco depois do ano de 1581. Fez conferências públicas, entre as quais trinta palestras
sobre os trinta atributos divinos, atraindo com isto a atenção do rei Henrique III. Em Paris,
publicou dois livros sobre a arte da memória, que traíram sua condição de mago.” [YATES, 1995,
p.216, grifo nosso]
20
Do original em inglês: “His ‘Thirty’ like Dignitis of a Lulian Art, pass up and down through the
lower world, the celestial world, the divine world, strengthening the ladder between all levels.“
[YATES, 2004, p.229]
assemelha-se ao sistema de Camillo dos graus
subseqüentes do mais baixo até Prometeu.
No sistema da memória de Giordano Bruno denominado
Sombras
21
existem rodas concêntricas divididas em trinta
segmentos principais, cada um subdividido em cinco,
resultando um total de cento e cinqüenta divisões, com
inscrições em todas elas. Essas rodas baseavam-se no
modo Luliano de combinação sendo nomeadas de A a Z, com
letras dos alfabetos hebreu e grego, que marcam as
agens fornecidas no livro referente a esse diagrama.
Segund
os seus movimentos na passagem pelas influências zodiacais e
na, onde parece explicar,
gundo Yates, o segredo do uso das rodas lulianas no
Sombra
ianas, mas as imagens eram imagens mágicas
e as rodas eram rodas mágicas."
23
[YATES, 2004, p.211,
tradução nossa]
im
o Yates, nessa lista de imagens de Bruno,
“[...] a imagem de Draco lunae em conjunto com as vinte e oito
imagens das mansões da lua, que são as estações da lua para
cada dia do mês. Estas imagens expressam o papel da lua e
planetárias.”
22
[YATES, 2004, p.214, tradução nossa]
Nas páginas introdutórias das Sombras, Bruno apresenta a
Arte da Memória como um segredo hermético que será
revelado. Ainda nesse volume, Bruno cita várias vezes um
outro trabalho de sua autoria que não chegou aos dias
atuais chamado Clavis Mag
se
s. Como coloca Yates,
“A brilhante realização de Bruno em encontrar uma forma de
combinar a arte clássica da memória com Lulismo se apoiou em
um extremo 'ocultamento’ tanto da arte clássica como do
Lulismo. Ele pôs as imagens da arte clássica nas rodas
combinatórias Lul
21
A denominação Shadows ou Sombras é colocada por Yates, como forma de resumir seu título
original: De umbris idearum ... Ad internam scripturam, ε non vulgares per memoriam
opeartiones explicatis, Paris, 1582.
22
Do original em inglês: “[...] the image of the Draco lunae together with images of the twenty-
eighth mansions of the moon, that is the stations of the moon on each day of the month. These
images express the role of the moon and her movements in passing on the zodiacal and
planetary influences.“ [YATES, 2004, p.214]
88
23
Do original em inglês: “Bruno’s brilliant achievement in finding away of combining the classical
art of memory with Lullism thus rested on an extreme ‘occultising’ of both the classical art and
of Lullism. He put the images of the classical art on the Lullian combinatory wheels, but the
images were magic images and the wheels were conjuring wheels.” [YATES, 2004, p.211]
89
008 | 2_ Rodas da memória. Do G. Bruno, The Umbris idearum, 1582.
Em seu Ars memoriae, Bruno discute vários tipos de
imagens da memória seguindo a tradição do Ad Herennium
de imagens e lugares. As imagens mais poderosas nesse
sistema da memória de Bruno são as da roda central. O
objetivo do sistema da memória de Bruno é estabelecer
uma ascensão mágica através da memória baseada nas
mágicas imagens de estrelas, e ainda estabelecer na
psyché o retorno da unidade do intelecto através da
organização de imagens significantes. Segundo Paolo Rossi,
“Entre lógica e arte da memória, na concepção de Bruno não
ocorrem diferenças substanciais. A lógica memorativa que
está no cume das suas aspirações tem um parentesco muito
estreito com a metafísica: a arte é um certo hábito da alma
raciocinante que abrange desde aquilo que é o princípio da
vida do mundo, até o princípio da vida de todos os indivíduos
particulares.” [ROSSI, 2004, p.182]
Giordano Bruno substitui em seus sistemas da memória as
relações tradicionais de
“imagens caseiras dos objetos de uso”
[ROSSI, 2004, p.181]
por imagens mitológicas e astrológicas
mais complexas, a partir da tradição hermética. Segundo
Paolo Rossi, isso lhe oferece:
“[...] a possibilidade de uma representação visual não só do
sujeito, mas também das relações que ocorrem entre o sujeito
central e todos os caracteres e as noções que são conexos a
eles segundo uma ordem sistemática [...].” [ROSSI, 2004, p.181]
Podemos relacionar partindo das afirmações de Paolo
Rossi, o sistema de Bruno a um sistema complexo onde o
sujeito integra como parte um todo sistêmico, podendo o
próprio sujeito ser compreendido como um subsistema nesse
sistema maior.
Segundo Yates,
“[...] a arte da memória clássica na transformação
renascentista e hermética verdadeiramente extraordinária, que
vemos no sistema de memória de Sombras, se transformou no
veículo de distorção da psique de um místico hermético e
Magus. O princípio hermético da reflexão do universo na
mente como uma experiência religiosa é organizado através da
arte da memória como uma técnica mágico-religiosa para
compreender e unir o mundo das aparências através de
arranjos de imagens significantes.”
24
[YATES, 2004, p.229,
tradução nossa]
Tanto Bruno quanto Camillo pertencem a uma corrente da
Renascença que tem afinidades com a tradição oculta,
compartilhando a convicção de que o
“[...] homem, a imagem do
mundo maior, podem se envolver, e o homem entender o mundo maior
através do poder de sua imaginação.”
25
[YATES, 2004, p.230, tradução
nossa]
“Raimundo Lúlio acreditou que sua Arte, com suas notações
de letras e figuras geométricas giratórias, poderia ser
aplicada a todos os assuntos da enciclopédia, e isto poderia
convencer os Judeus e os Maometanos das verdades de
Cristianismo. Giulio Camillo tinha produzido um Teatro de
Memória no qual todo o conhecimento seria sintetizado
através de imagens. Giordano Bruno, colocando as imagens em
24
Do original em inglês: “[...] the classical art of memory in the truly extraordinary Renaissance
and Hermetic transformation of which we see in the memory system of Shadows has become
the vehicle for deformation of the psyche of a Hermetic mystic and Magus. The Hermetic
principle of reflection of the universe in the mind as a religious experience is organized through
the art of memory into a magico-religious technique for grasping and unifying the world of
appearances through arrangements of significant images.” [YATES, 2004, p.229]
90
25
Do original em inglês: “[...] man, the image of the greater world, can grasp hold, and
understand the greater world through the power of his imagination.” [YATES, 2004, p.230]
91
movimento nas rodas combinatórias Lulianas, viajara por toda
a Europa com suas fantásticas artes da memória. Leibniz é o
herdeiro do século dezessete desta tradição.”
26
[YATES, 1984,
p.383, tradução nossa]
Essa colocação de Yates sintetiza os caminhos trilhados
pelos principais personagens da trajetória da Arte da
Memória a que nos propomos investigar no presente
capítulo, a partir dos estudos de casos de Camillo e Fludd
analisados a seguir e Leibniz é um expoente do século
XVII, época em que a Arte da Memória já havia sofrido
muitas transformações.
2.2_ Giulio Camillo Delminio
“Os mais antigos e sábios escritores sempre tiveram o
costume de esconder os segredos de Deus em seus escritos
sob obscuros véus, para que só fossem entendidos por
aqueles que (como diz Cristo) tem ouvidos para ouvir.”
[CAMILLO, 2005, p. 219]
Giulio Camillo Delminio [1480-1544] foi um mnemonista e
Retórico italiano, professor de grego e latim, profundo
conhecedor da cabala e das tradições míticas hebraicas,
versado em filosofias egípcias, tinha muitas
potencialidades, reconhecidas pelos Reis da época. Seu
Teatro da Memória era conhecido por toda a Itália e
França. Objetivava escrever seu grande livro, que o faria
ainda mais famoso e pelo qual gostaria de ser lembrado
pela posteridade, porém não conseguiu. Deixou apenas um
pequeno livro em que descrevia as idéias de seu Teatro,
L’Idea Del Teatro’.
Camillo não pertencia ao renascimento florentino do final
do século XV, mas ao renascimento veneziano, do início do
século XVI. Segundo Yates,
26
Do original em inglês: “Ramon Lull believed that his Art, with its letter notations and
revolving geometrical figures, could be applied to all the subjects of the encyclopedia, and that
it could convince Jews and Mohammedans of the truths of Christianity. Giulio Camillo had formed
a Memory Theatre in which all knowledge was to be synthesized through images. Giordano
Bruno, putting the images in movement, on the Lullian combinatory wheels, had traveled all over
Europe with his fantastic arts of memory. Leibniz is the seventeenth-century heir to this
tradition.” [YATES, 1984, p.383]
“[...] Camillo é um típico acadêmico Veneziano. É dito que ele
próprio fundou uma academia; alguns de seus escritos
literários sobreviventes provavelmente foram originados como
discursos acadêmicos; e o seu Teatro ainda estava sendo
discutido mais de quarenta anos depois de sua morte em uma
academia Veneziana.”
27
[YATES, 1984, p.167]
Na época de Camillo aconteceu uma proliferação de
academias em Veneza, num contexto de plena efervescência
cultural. O Teatro da Memória de Camillo emerge nesse
contexto, contemplando em sua proposta, muitos dos
produtos desse momento da renascença veneziana, como a
oratória e a própria arquitetura. É nesse momento que
Camillo propõe como base de seu Teatro, o modelo clássico
do Teatro Vitruviano.
"O Teatro está assim no meio do Renascimento Veneziano,
organicamente relacionado a alguns de seus mais
característicos produtos, sua oratória, sua imagética, e pode
se acrescentar, sua arquitetura. A revivificação de Vitruvius
pelos arquitetos Venezianos, culminando em Palladio, é
seguramente é uma das características mais distintivas do
Renascimento Veneziano, e aqui, também Camillo com sua
adaptação do teatro Vitruviano para seus propósitos
mnemônicos é algo central."
28
[YATES, 1984, p. 170, tradução
nossa]
Como descrito por Vitruvius, o teatro clássico reflete as
proporções do mundo, sendo que a posição das sete
passagens no auditório do teatro vitruviano e das cinco
entradas no palco são determinadas por pontos de quatro
triângulos eqüiláteros inscritos num círculo, com o centro
desse círculo sendo o centro da orquestra. Segundo Yates,
“O Teatro é assim uma visão do mundo e da natureza das
coisas vistas do alto, das estrelas elas mesmas e até mesmo
27
Do original em inglês: “[...] Camillo is a typical Venetian academician. He is said to have himself
founded an academy; several of his surviving literary remains probably originated as academic
discourses; and his Theatre was still being discussed more than forty years after his death in
a Venetian academy.” [YATES, 1984, p.167]
92
28
Do original em inglês: “The Theater thus stands in the midst of the Venetian Renaissance,
organically related to some of its most characteristic products, its oratory, its imagery, and it
may be added, its architecture. The revival of Vitruvius by the Venetian architects, culminating
in Palladio, is surely one of the most distinctive features of the Venetian Renaissance, and
here, too Camillo with his adaptation of the Vitruvian theatre to his mnemonic purposes is at
the centre.” [YATES, 1984, p. 170]
93
das fontes supercelestiais de sabedoria através delas.”
29
[YATES, 1984, p. 144, tradução nossa]
As imagens básicas do Teatro de Camillo são as dos
deuses planetários, com apelos para auxiliar o processo de
memorização, como características emocionais, referentes
ao temperamento desses deuses planetários. Como afirma
Yates,
“O apelo afetivo ou emocional de uma boa imagem da memória
– de acordo com as regras – está presente nessas imagens,
expressivas da tranqüilidade de Júpiter, da ira de Marte, da
melancolia de Saturno, do amor de Vênus.”
30
[YATES, 1984, p. 144,
tradução nossa]
A escolha de Camillo pelas imagens planetárias se deve ao
fato de ele acreditar que, se fosse utilizar imagens de
Deus, seu sistema da memória ficaria muito complicado.
Segundo Camillo
,
“Dessa maneira, ainda que falemos de planetas, voltam à
mente aqueles princípios de onde extraíram sua própria
virtude. Esta alta e incomparável colocação serve não
somente para conservar as coisas, palavras e artefatos a ela
confiados que ficam à nossa mão para que possamos logo
encontrá-las conforme necessitamos, mas também nos dar a
verdadeira sabedoria das suas fontes, trazendo à nós o
entendimento das coisas a partir das razões, e não pelos
seus efeitos. Mais claramente o exprimiremos como um
exemplo. Se estivéssemos num grande bosque e tivéssemos o
desejo de vê-lo todo bem, não poderíamos satisfazer nosso
desejo, porque, mesmo olhando para todos os lados não
poderíamos ver senão uma pequena parte,m impedindo-nos a
vegetação ao redor, de vermos mais ao longe. Mas, se perto
dali houvesse uma elevação que nos conduzisse sobre uma
colina alta, ao sairmos do bosque, da elevação começaríamos
a ver grande parte da sua forma; depois, tendo subido a
colina, poderíamos perceber o todo por inteiro. O bosque é
este nosso mundo inferior, a elevação são os céus, e a colina
o mundo sobreceleste. E, para bem entender essas coisas
inferiores, é necessário ascender às superiores e, olhando lá
de cima, delas poderemos ter mais entendimento.” [CAMILLO,
2005, p. 226-227]
29
Do original em inglês: “The Theatre is thus a vision of the world and of the nature of things
seem from a height, from the stars themselves and even from the supercelestial founts of
wisdom beyond them.” [YATES, 1984, p. 144]
30
Do original em inglês: “The affective or emotional appeal of a good memory image – according
to the rules – is present in such images, expressive of the tranquility of Jupiter, the anger of
Mars, the melancholy of Saturn, the love of Venus.” [YATES, 1984, p. 144]
Os planetas, metáfora que Camillo usou para representar o
que chama de
“[...] altíssimas medidas, e tão longe do nosso
entendimento, que até agora só foram tocadas de maneira escondida
pelos profetas.” [CAMILLO, 2005, p. 226]
Essas altíssimas medidas
são referências de Camillo ao nono provérbio de Salomão,
onde consta que a sabedoria construiu sua casa fundada
sobre sete colunas, que significam a eternidade, e são as
sete Sefirot
31
do mundo sobreceleste, ”[...] as sete medidas da
estrutura do celeste e do inferior, nas quais estão compreendidas as
idéias de todas as coisas que pertencem ao celeste e ao inferior.”
[CAMILLO, 2005, p. 226]
2.2.1_ O Teatro da Memória de Giulio Camillo na
Renascença
A etimologia da palavra teatro
32
tem sua origem no
vocábulo grego théatron, que é o lugar onde se assiste a
um espetáculo, os espectadores, ou o próprio espetáculo; o
radical théa, significa espetáculo, vista, visão, derivando do
verbo theáomai-theômai, que quer dizer 'contemplar, olhar
como espectador' e do substantivo ‘vista’ theo no sentido
de panorama, local de onde se vê [platéia], lugar onde se
assiste a um espetáculo. O sufixo -tron diz respeito ao
'instrumento', à 'máquina de espetáculo'. Pela origem latina,
theátrum,i , significa 'teatro, lugar para jogos públicos,
reunião de espectadores ou ouvintes, ajuntamentos,
assembléia, auditório'.
A origem grega da palavra teatro revela uma propriedade
fundamental desta arte: teatro é o local de onde o público
olha uma ação que lhe é apresentada num outro lugar.
Assim, o teatro pode ser entendido como um ponto de
vista sobre um acontecimento, um olhar, um ângulo de
31
Segundo Milton José de Almeida, “As sete colunas sobre as quais está apoiado o mundo são
as sete Sefirot. [...] As Sefiroth são:.1. Keter-Elion, a ‘suprema coroa’ de Deus; 2. Hochmá, a
‘sabedoria’, ou idéia primordial de Deus; 3. Biná, a ‘inteligência’ de Deus; 4. Hessed, o ’amor’, ou
misericórdia de Deus; 5. Din ou Guevurá, o ‘poder’ de Deus, que se manifesta principalmente
como poder de julgamento e punição severos; 6. Rahamin, a ‘compaixão’ de Deus, a qual incumbe
a tarefa de mediar entre as duas Sefirot anteriores, o nome Tiferet é usado raramente; 7.
Netzach, a ‘constância duradoura’ de Deus; 8. Hode, a ‘majestade’ de Deus; 9. Iessod, a ‘base’ ou
‘fundação’ de todas as forças ativas em Deus; 10. Malkut, o ‘reino’ de Deus, comumente descrito
no Zohar como a Knesset Israel, o arquétipo místico da comunidade de Israel ou como a
Schechiná, a visão da glória de Deus.” [ALMEIDA, 2006, p. 223, nota do autor]
94
32
Teatro. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em:
<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=teatro&stype=k>. Acesso em 20 nov. 2006.
95
visão: pelo deslocamento da relação entre olhar e objeto
olhado é que ocorre a construção, onde tem lugar a
representação.
O teatro renascentista, a partir de seus construtores e
cenógrafos, como afirma Robert Klein
33
[KLEIN, 1998, p. 287]
no artigo ‘Vitruvio e o Teatro do Renascimento Italiano’,
dispunha de duas linguagens novas: a perspectiva e a
reconstituição arqueológica. Essas duas linguagens eram
antagônicas entre si, com públicos e meios diferentes; por
um lado simples admiradores do espetáculo, pessoas mais
ou menos cultas, mecenas, e por outro lado os humanistas,
artistas arqueólogos, num conflito entre o amador e o
teórico. Esse cenário se apresenta como um panorama do
que Klein coloca como uma questão que perpassa todo o
Renascimento. Segundo Klein,
“Foi em meados do século XV que se começou a projetar a
‘ressurreição’ do teatro antigo, entre tantas outras coisas
que se procurava fazer ressurgir. Alberti (De re aedif., VIII,
7) fala do teatro como de algo desaparecido, mas retoma,
diríamos que com certa nostalgia, a descrição vitruviana do
edifício, e destaca a utilidade da instituição.” [KLEIN, 1998, p.
288]
Essa colocação a respeito da ‘ressurreição’ do teatro
antigo, faz parte da tendência vigente na época, de
retorno ao passado. Falando sobre a história do homem e
sua evolução, Yates coloca que,
“A história do homem não representa uma evolução da
primitiva origem animal para a complexidade e progresso,
sempre crescentes; o passado era sempre melhor que o
presente, e o progresso era a revivescência, o renascimento
da Antiguidade. O humanista clássico recuperava a literatura
e os monumentos da Antiguidade clássica com os sentimentos
de retornar ao ouro puro de uma civilização melhor e mais
elevada que a sua.” [YATES, 1995, p.13]
33
Robert Klein nasceu em 09 de setembro de 1918 em Timisoara, Romênia. Após graduar-se
Filosofia na Universidade de Bucareste em 1947, foi para Paris onde viveu refugiado. Em 1953,
obteve o diploma de estudos superiores de estética na Sorbonne, com um trabalho sobre tekhne
e arte na tradição de Platão a Giordano Bruno.
Como já dissemos anteriormente, para os neoplatônicos
renascentistas, ‘voltar’ suas idéias para a Antiguidade
Clássica era a possibilidade de retorno ao eventual ouro
puro. Assim, encontraram no Teatro Vitruviano, a base
conceitual e formal para muitos dos teatros construídos
na Renascença. Entre eles podemos apontar arquitetos que
seguiam os princípios vitruvianos como Serlio em Vicenza
[1539], Bertano em Mântua [1549], Palladio em Veneza [1565]
e Scamozzi em Sabionetta [1588-1589].
A idéia vitruviana de um teatro construído sobre um plano
circular tem afinidade com a idéia clássica, concretizada no
Teatro Olímpico de 1580, iniciado por Palladio e concluído
por Scamozzi que, como ressalta Robert Klein,
“[...] é o
teatro mais fiel ao espírito de Vitrúvio [...].” [KLEIN, ZERNER, 1998,
p.300]
009 | 2_Teatro Olímpico, Vista Geral
O Teatro da Memória de Camillo, segundo Frances Yates,
era baseado no Teatro Vitruviano, conhecido como um
exemplo clássico de harmonia da forma e bastante
difundido no Renascimento. Segundo relata Yates,
“Nós ouvimos alguns contemporâneos de Camillo descrever seu
trabalho como um anfiteatro, mas essas indicações tornam
realmente certo que ele estava pensando no Teatro Romano
96
97
como descrito por Vitruvius.”
34
[YATES, 1984, p. 136, tradução
nossa]
Para entendermos de que maneira Camillo utilizou o Teatro
Vitruviano como referência para a construção de seu
teatro, é importante compreendermos como era estruturado
o Teatro de Vitruvius. Robert Klein, falando a respeito do
referido teatro coloca que,
“Vitruvio explica longamente como o teatro se inscreve num
círculo, ou, melhor, num dodecágono, em que as escadas das
arquibancadas correspondem às portas da frons scaenae; é
um conjunto bem fechado, e mesmo sua perspectiva não é
aquela do taglio da pirâmide, familiar aos homens do
Renascimento. As duas passagens sobre a perspectiva (I, II e
VII, Praef.)
35
Não falam do olho do espectador, mas de um
misterioso ‘centro do círculo’ a que devem ‘corresponder’
todas as linhas.” [KLEIN, 1998, p. 298]
O próprio Vitruvius, no volume V, dos seus dez livros do
tratado De Architettura, faz uma descrição do que seria
para ele um modelo ideal de teatro, pensando no espaço da
cena e no espaço da platéia sob a forma de arquibancada.
1. A forma de um teatro será ajustada de tal modo que, do
centro da dimensão dividida à base do perímetro um círculo
será descrito no qual são inscritos quatro triângulos
eqüiláteros, em distâncias iguais um do outro, cujos pontos
tocam a circunferência do círculo. Este é o método também
praticado por astrólogos para descrever os doze signos
celestiais, de acordo com a divisão musical das constelações.
Destes triângulos, o lado deles que está mais próximo à cena
determinará em que parte a face do triângulo corta a
circunferência do círculo. Então através do centro uma linha
paralela a isso é desenhada, que separará o pulpitum do
proscenium da orchestra. [...] 3. Os ângulos apontando para
as arquibancadas serão sete em número, os cinco restantes
marcarão certos pontos na cena. Isso no meio, por exemplo,
34
Do original em inglês: “We have heard some of Camillo’s contemporaries describe his work as
an amphitheatre, but these indications make it quite certain that he was thinking of the Roman
Theatre as described by Vitruvius.” [YATES, 1984, p. 136]
35
Em nota de rodapé, Klein coloca a respeito do Praef.VII: “...como, estando fixado em um lugar
central para o olhar e a divergência dos raios visuais, as linhas devem, seguindo um princípio
natural, relacionar-se de tal modo que imagens definidas de objetos definidos [ou, com a var.
incerta: de objetos imaginários] reproduzam as aparências dos edifícios nas pinturas das cenas,
e o que está desenhado em superfícies planas e verticais pareça ora recuar, ora
avançar.”[KLEIN, 1998, p. 298]
marcará a localização das portas reais, essas à direita e
esquerda, as portas de convidados, e essas nas extremidades,
os pontos nos quais o caminho se fecha. Os assentos
(gradus) nos quais os espectadores se sentam não serão
menos que vinte polegadas em altura, nem mais que vinte e
dois. A largura deles não deve ser mais de dois pés e meio,
nem menos de dois pés.”
36
[POLLIO, 2006, Book V, cap 6,
parágrafo 1 e 3, tradução nossa, grifo nosso]
No Teatro de Vitruvio, na parte de trás do palco, a frons
scaenea, tinha cinco portas decoradas através das quais
os atores saíam e entravam. Camillo usa o plano do teatro
Vitruviano clássico, mas adapta-o às suas propostas
mnemônicas: as passagens imaginárias ou portas são seus
lugares de memória ou lugares mnemônicos. Diferentemente
do teatro Vitruviano, Camillo dá novas funções às portas
de acesso dos atores, transferindo a idéia dessas portas
decoradas para as suas sete imaginárias portas acima das
alas no auditório, utilizando-as para guardar os conteúdos
[textos e imagens] a serem apreendidos.
Além disso, o Teatro de Giulio Camillo contraria a proposta
de um teatro tradicional composto pela cena no palco e a
platéia nas cadeiras. Em sua proposta, a função normal do
Teatro está invertida. Não existe platéia sentada nos
assentos assistindo uma peça no palco. O espectador
solitário do teatro está de pé, onde seria o palco e olha
para o auditório, apreciando as imagens dos sete tempos,
sete passagens, nas sete arquibancadas elevadas, onde
pode acessar os “lugares” da platéia, o que constitui uma
escolha muito curiosa, já que o teatro, em geral, é um
espaço de recepção.
98
36
Do original em inglês:1. The form of a theatre is to be adjusted so, that from the centre of
the dimension allotted to the base of the perimeter a circle is to be described, in which are
inscribed four equilateral triangles, at equal distances from each other, whose points are to
touch the circumference of the circle. This is the method also practiced by astrologers in
describing the twelve celestial signs, according to the musical division of the constellations. Of
these triangles, the side of that which is nearest the scene will determine the face thereof in
that part where it cuts the circumference of the circle. Then through the centre a line is
drawn parallel to it, which will separate the pulpitum of the proscenium from the orchestra.
[...] 3. The angles thus pointing to staircases will be seven in number, the remaining five will
mark certain points on the scene. That in the middle, for instance, will mark the situation of
the royal doors, those on the right and left, the doors of guests, and those at the
extremities, the points at which the road turns off. The seats (gradus) on which the spectators
sit are not to be less than twenty inches in height, nor more than twenty-two. Their width
must not be more than two feet and a half, nor less than two feet.” [POLLIO, 2006, Book V,
cap 6, parágrafo 1 e 3, grifo nosso]
99
A despeito de ter utilizado, simultaneamente distorcendo, o
tipo de teatro teorizado por Vitruvius, o foco central da
leitura de Camillo do teatro Vitruviano estava na teoria
astrológica por trás desse modelo. Segundo Yates, Camillo
“[...] pensaria no seu Teatro da Memória do Mundo como magicamente
refletindo as proporções do mundo divino em sua arquitetura assim
como em sua imagem.”
37
[YATES, 1984, p.171, tradução nossa]
No espaço, tradicionalmente da platéia, muitas imagens são
mostradas e muitas vezes repetidas em posições
alternadas gerando diferentes significados. Nesse sentido,
a mesma imagem pode dar suporte para diversos
ensinamentos. O Teatro da Memória é um espaço
inicialmente construído em madeira, que se eleva
basicamente sobre sete pilares. O espaço, mencionado
anteriormente, que seria tradicionalmente da platéia,
ergue-se em sete degraus, divididos em sete alas
representando os sete planetas. O espectador estará no
palco, frente à disposição das sete medidas do mundo ‘in
espettaculo’.
A estrutura proposta pelo teatro é um sistema de lugares
da memória que interpreta o trabalho do sistema clássico
de memorização para oradores, tal qual colocado por
Cícero no livro De Oratore. Havia um lugar para cada
figura e ornamento individual, para que os espectadores
pudessem decorar os escritos dentro das sete ordens,
relacionando as imagens aos lugares que visitava, segundo
princípios mnemônicos. Os oradores da antiguidade
confiavam as partes de seus discursos que queriam
lembrar a lugares, assim como Camillo desejou guardar
eternamente a natureza de todas as coisas que podiam ser
expressas em palavras, associando-as a lugares eternos.
Na série de Saturno, por exemplo, a associação com o
tempo é expressa sob a caverna na imagem das cabeças de
um lobo, um leão e um cachorro, representando passado,
presente e futuro. Segundo Yates,
37
Do original em inglês: “[...] would think of his Memory Theatre of the World as magically
reflecting the divine world proportions in its architecture as well as in its imagery.”[YATES,
1984, p.171]
“Uma vez que o método é compreendido, ele pode ser seguido
em todas as outras séries planetárias. O Luna aquático tem o
Netuno para água como elemento simples abaixo do Banquete,
com as variações usuais da mesma imagem em outros graus, e
o tipo usual de alusões ao temperamento Lunar e ofícios. As
séries de Mercúrio trabalham de modo muito interessante os
dons e aptidões Mercurianos. As séries de Vênus fazem o
mesmo para o lado Venusiano da vida. Semelhantemente, as
séries de Marte que usam Vulcano como a imagem do fogo
nos vários graus, aludem ao temperamento e aos ofícios
Marcianos.”
38
[YATES, 1984, p. 143, tradução nossa]
010 | 2_ Tiziano, Alegoria do tempo governado pela prudência, ca. 1565.
100
38
Do original em inglês: “Once the method is understood, it can be followed in all the other
planetary series. The watery Luna has Neptune for water as simple element under the Banquet,
with the usual variations of the same image on other grades, and the usual type of allusions
to the Lunar temperament and occupations. The Mercury series works out very interestingly the
Mercurial gifts and aptitudes. The Venus series does the same for the Venereal side of life.
Similarly the Mars series, which uses Vulcan as the image of fire on the various grades, alludes
to the Martial temperament and occupations.” [YATES, 1984, p. 143]
101
O uso que Camillo fez da mnemônica era já neoplatônico e
não escolástico, apesar de ainda relacionar lugares e
imagens, de acordo com as regras. Camillo é influenciado
pelo Hermetismo de Marsílio Ficino, que traduziu para o
latim o Corpus Hermeticum, acreditando ser de autoria do
sábio egípcio Hermes Trimegistus, que representava uma
tradição de antiga sabedoria, anterior a Platão, que
supostamente influenciou Platão e, por conseguinte, os
neoplatonistas. Segundo Yates,
“O Corpus Hermeticum como um
livro sagrado da mais antiga sabedoria era quase mais importante
para o Neoplatonista da Renascença que o próprio Platão.”
39
[YATES,
1984, p. 145]
Camillo no seu ‘A idéia do Teatro’ cita um trecho do
primeiro tratado do Corpus Hermeticum, atribuído por
Ficino a Hermes – o Pimandro, que fala sobre a criação do
mundo, onde para a pergunta de Hermes, “Mas os
elementos da natureza, de onde saíram?”, tem a seguinte
resposta:
“Da vontade de Deus que, tendo nela recebido o Logus e
visto o belo Cosmo, imitou, compondo como um mundo
ordenado, segundo seus elementos e as suas criaturas, que
são as almas. O intelecto divino, isto é, o sumo deus, sendo
de natureza masculina e feminina, vida e luz ao mesmo tempo,
gerou mediante o Logus um intelecto demiurgo que, sendo o
deus do fogo e do éter, criou sete ministros, os quais
fecharam o mundo sensível em círculos, e seu governo é
chamado destino.” [TRIMEGISTO apud CAMILLO, 2006, p. 224]
A representação da criação do homem no teatro de Camillo
é também influenciada pela noção relacionada à descrição
do Pimandro da criação do homem, diferente da
apresentada pelo livro do Gênesis da Bíblia Sagrada.
Segundo o Corpus Hermeticum, o homem é criado à imagem
e semelhança de Deus no sentido de que tem o poder
divino de criação. No teatro de Camillo, segundo Yates,
39
Do original em inglês: “The Corpus Hermeticum as a sacred book of most ancient wisdom was
almost more important to the Renaissance Neoplatonist them Plato himself.” [YATES, 1984, p.
145]
“[...] a criação de homem se dá em dois estágios. Ele não é
criado corpo e alma juntos como no Genesis
40
. Primeiro há o
aparecimento do ‘homem interior’ no grau das Irmãs de
Gorgon, a mais nobre das criaturas de Deus, feito à sua
imagem semelhança. Então no grau de Pasiphe e o Touro
homem assume em um corpo as partes que estão sob a
dominação do zodíaco. Isto é o que acontece ao homem no
Pimander; o homem interior, sua mens
41
, criada divina e tendo
os poderes das regras das estrelas, ao cair dentro do corpo
se torna submetido à dominação das estrelas, de onde ele
escapa na experiência religiosa Hermética de ascensão
através das esferas para recuperar sua divindade.”
42
[YATES,
1984, p. 146-147, tradução nossa, nota de rodapé nossa]
É essa noção Hermética da criação do homem muitas vezes
referida por Camillo no seu ‘A idéia do Teatro’, é o que
transforma o seu sistema da memória, em relação ao modo
como eram usados na Antiguidade Clássica. Segundo Yates,
"É assim porque ele acredita na divindade do homem que o divino
Camillo faz seu estupendo clamor por ser capaz de se lembrar do
universo através de um menosprezo sobre cada um a respeito das
causas primas, como se ele fosse Deus."
43
[YATES, 1984, p. 147-148,
tradução nossa].
Um trecho do ‘Idéia do teatro’ que ilustra
essa relação construída por Camillo, está no capítulo onde
explica a estruturação do Quarto Grau de seu Teatro da
Memória, pertencente ao homem interior que, segundo ele,
“[...] foi a última e a mais nobre criatura feita por Deus à sua imagem
e semelhança” [CAMILLO, 2006, p. 279].
Segundo Camillo, no
referido trecho, onde descreve a relação entre os
elementos (imagens) colocados por ele no Quarto Grau:
40
Genesis. O livro do Génesis ou Gênesis é o primeiro livro da Bíblia. Faz parte do Pentateuco,
os cinco primeiros livros bíblicos, cuja autoria é, tradicionalmente, atribuída a Moisés (em
hebraico,
משה, Moshe). nesis (que significa “Origem; Nascimento”) é o nome dado pela
Septuaginta ao primeiro destes livros, ao passo que seu título hebraico Bereshit (No Princípio)
é tirado da primeira palavra na sua sentença inicial.
41
Mente. Etimologia: do latim mens,méntis 'faculdade intelectual, inteligência, espírito, alma,
razão, sabedoria, juízo, discernimento, caráter, índole'. MENTE. Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa. Disponível em:
<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=mente&stype=k&x=9&y=2>. Acesso em 13 dez.
2006.
42
Do original em inglês: “[...]the creation of man is in two stages. He is not created body and
soul together as in Genesis. First there is the appearance of the ‘interior man’ on the grade of
the Gorgon Sisters, the most noble of God’s creatures, made in his image and similitude. Then
on the grade of Pasiphe and the Bull man takes on a body the parts of which are under the
domination of the zodiac. This is what happens to man in the Pimander; the interior man, his
mens, created divine and having the powers of the star-rulers on falling into the body comes
under the domination of the stars, whence he escapes in the Hermetic religious experience of
ascent through the spheres to regain his divinity.” [YATES, 1984, p. 146-147]
102
43
Do original em inglês: “It is because he believes in the divinity of man that the divine Camillo
makes his stupendous claim of being able to remember the universe by looking down upon each
from above, from first causes, as though he were God.” [YATES, 1984, p. 147-148].
103
“E para chegarmos aos detalhes das portas sob as Górgonas
da Lua estará a imagem da taça de Baco, que está entre o
Câncer e o Leão. E, segundo dizem os platônicos, as almas
que vêm a este mundo descem pela porta do Câncer e ao
voltar, ascendem pela do Capricórnio. E a porta de Câncer é
dita porta dos homens, para descer as almas nos corpos
mortais, e aquela de Capricórnio é dita porta dos deuses,
para elas retornarem acima da divindade, segundo a natureza
do animal, que é signo daquela. E é o Câncer casa da Lua,
cuja inteligência é Gabriel. E por ele descer muitas vezes a
mando de Deus, a escritura chama-o homem, dizendo: ‘Eis o
homem Gabriel’. E, voltando aos platônicos, dizem que as
almas ao descer bebem da taça de Baco, e esquecem de todas
as coisas lá de cima, alguns mais outros menos, segundo o
quanto cada um beba. Imaginaremos portanto um Zodíaco, de
modo que na sua parte mais alta e visível veja-se o Câncer e
o Leão, e a taça no meio com uma virgem inclinada bebendo.
Esta imagem conservará sob ela o volume concernente ao
esquecimento humano (qualquer que seja), com seus
conseqüentes necessários, como a ignorância e a torpeza. E
esta imagem pertence à Lua, por ser (como dissemos) o
Câncer a sua casa, significando essa jovem a relação da
homem com tudo aquilo que dissemos sobre as três almas”
CAMILLO, 2005, p. 290, grifo nosso]
Nesse mesmo capítulo Camillo cita um trecho do Corpus
Hemeticum, partindo da afirmação de que no Pimandro,
imagem e semelhança são uma mesma coisa. Esse trecho do
Corpus Hermeticum, fala sobre a criação por Deus do
homem à sua imagem e semelhança. No trecho citado por
Camillo do Pimandro,
“O intelecto, pai de todos os seres, sendo
luz e vida, procriou um homem semelhante a ele, pelo qual se
apaixonou como pela primeira criatura; de fato era muito belo, pois
tinha o aspecto do pai; na verdade, Deus apaixonou-se por sua
própria imagem, ele confiou ao homem todas suas obras.” [TRIMEGISTO
apud CAMILLO, 2006, p. 280]
2.2.2_ O Sistema da Memória de Camillo
A divindade do intelecto do homem é reafirmada amiúde nos
doze tratados do Corpus Hermeticum, que era, segundo
Yates [YATES, 1984, p.148], o tratado da memória preferido
de Giulio Camillo e o qual ele citou inúmeras vezes no
texto do seu A Idéia do Teatro. Assim, os ensinamentos
herméticos do Corpus Hermeticum, que incluem a noção de
que o mundo é a imagem de um grande Deus, sendo também
divino, ou que o intelecto do homem vem da substância de
Deus, estão refletidas no sistema da memória de Camillo.
Nesse sistema, assim como Deus está no homem e no
mundo do qual o homem é parte, o microcosmo pode
lembrar e compreender completamente o macrocosmo – o
que implica a noção de uma relação complexa entre parte e
todo. No que se refere a esse sistema do Teatro de
Camillo, como considera Yates,
“Um sistema da memória baseado em tais técnicas como essa,
ainda que utilize lugares e imagens antigas, deve claramente
ter implicações bem diferentes para seu usuário, desses dos
tempos antigos, quando era permitido ao homem usar imagens
na memória como uma concessão à sua fraqueza.”
44
[YATES,
1984, p.148, tradução nossa]
Contribuindo diretamente para a construção dessa
interpretação da antiga Arte da Memória, Pico della
Mirandola juntou à influência do Hermetismo a partir da
filosofia de Ficino, influências da cabala judaica em sua
forma cristianizada, que tinham afinidades mútuas,
formando então uma tradição Hermético-Cabalística. Essa
tradição constituiu-se como uma poderosa influência no
Renascimento posteriormente a Pico. No que concerne ao
teatro de Camillo é interessante observar a força dessa
influência. Segundo Yates,
“Que existe uma forte influência Cabalística no Teatro é
óbvio. Os dez Sephiroth como medidas divinas no mundo
supercelestial correspondendo às dez esferas do universo
tinham sido adotadas por Pico do Cabalismo. Para Camillo, isso
é a correspondência das sete medidas planetárias do mundo
celestial com o Sephiroth supercelestial que confere ao
Teatro sua prolongação para dentro do mundo supercelestial,
dentro do abismo da sabedoria divina e os mistérios do
Templo de Salomão.”
45
[YATES, 1984, p.148, tradução nossa]
44
Do original em inglês: “A memory system based on such teachings as this, though it uses the
old places and images, must clearly have very different implications for its user from these of
the old times, when man was allowed to use images in memory as a concession to his
weakness.” [YATES, 1984, p.148]
104
45
Do original em inglês: “That there is a strong Cabalist influence on the Theatre is obvious.
The ten Sephiroth as divine measures supercelestial world corresponding to the ten spheres of
the universe had been adopted by Pico from Cabalism. For Camillo, it is the correspondence of
the seven planetary measures of the celestial world with the supercelestial Sephiroth which
105
Seguindo essa tradição Hermético-Cabalística, Camillo
utilizou como base na construção da estrutura mnemônica
de seu teatro as sete medidas dos sete planetas,
construindo uma correspondência com fins mnemônicos
entre os sete planetas, sete anjos e sete Sefiroth do
judaismo em sua forma cristianizada. A relação, segundo
pensada por Camillo se estrutura da seguinte maneira,
como mostra Yates:
Planets Sephiroth Angels
Luna (Diana) Marcut Gabriel
Mercury Iesod Michael
Venus Hod and Nisach Honiel
Sol Tipheret Raphael
Mars Gabiarah Camael
Jupter Chased Zadchiel
Saturn Bina Zaphkiel
[YATES, 1984, p.148]
Além dessa forte evidência da influência de uma tradição
Hermético-Cabalística Neoplatônica na concepção do Teatro
da Memória, essa relação se evidencia ainda quando
observamos diversos outros aspectos apresentados por
Camillo no ‘A Idéia do Teatro’. A estrutura mnemônica do
teatro idealizado por Camillo, se apoia evidentemente no
que Yates chama de
“[...] o mundo espiritual de Pico della
Mirandola.”
46
[YATES, 1984, p.150, tradução nossa], mas não
somente – o sistema mnemônico de Camillo mescla as
influências de Pico e de Ficino nesse duplo Hermético-
Cabalista Neoplatônico. Segundo Yates, é na série do Sol
do teatro que a influência de Ficino se torna mais
evidente, pois sua série – Sol, Lux, Lumen, Splendor,
Calor, Generatio – encontra similar na hierarquia De Sole,
de Ficino [YATES, 1984, p.152]. A versão que Camillo
articula no Segundo Grau de seu teatro – O Banquete
relaciona os raios de sol à influência de Deus em todas as
gives the Theatre its prolongation into the supercelestial world, into the abyss of the divine
wisdom and the mysteries of the Temple of Solomon.” [YATES, 1984, p.148]
46
Do original em inglês: “[...] the spiritual world of Pico della Mirandola.” [YATES, 1984, p.150]
esferas, do mais alto ao mais inferior, como os raios do
sol. Camillo cita trechos de Trimegistus que falam da
essência de Deus, e em seguida propõe a relação:
Sol Lux, Lumen, Calor Splendor, Generatio
Artifex Exemplar hyle
Deus Verbum Materia Prima
[CAMILLO, 2005, p.241]
Camillo comenta suas colocações nesse quadro de relações
explicando que
“O primeiro é o autor de todas as coisas, o segundo
é a luz verdadeira e sapiência de Deus, no qual estão as idéias de
todas as coisas, e o qual irradia o espírito vivificante. E a terceira é
a matéria, na qual se imprimem as diversas formas da aparição, as
quais chamamos geração, que é uma conseqüência e não um princípio.”
[CAMILLO, 2005, p.24].
A partir dessa referência é que Camillo
constrói a relação mnemônica entre imagens posicionadas
em lugares definidos no espaço tridimensional do seu
Teatro da Memória e conteúdos relacionados ao que essas
imagens representam dentro de uma tradição neoplatônica
Hermético-Cabalística. Assim no teatro de Camillo, como ele
relata no ‘A Idéia do Teatro’ no capítulo – O Banquete,
“No celeste, tratar-se-á do próprio Sol, da luz, do lume, do
esplendor e dos raios. Nas fábulas, do deus Apolo e daquilo a
ele pertencente. Sob o Banquete de Marte haverá duas
imagens, um Vulcano, e uma boca do Tártaro aberta e que
devora as almas, como se vê nas pinturas flamengas. Vulcano
significará, sob esta porta, o fogo simples. Sob a Caverna, o
etéreo, o fogo elemental, o incêndio universal, o nosso fogo,
o incêndio particular, a fagulha, chama, carvão e as cinzas.”
[CAMILLO, 2005, p.248-249]
Apesar de ser no Primeiro Grau de seu teatro que Camillo
estrutura que chama de ‘O Banquete do Sol’, nesse
banquete, no lugar em que deveria estar a imagem de
Apolo está o próprio Banquete. Assim, onde no Segundo
Grau, deveria estar o Banquete, Camillo coloca a imagem de
Apolo; o que podemos considerar, se relembrarmos as
‘antigas regras’ da Arte da Memória, como um artifício
mnemônico – articulações de relações entre imagens e
conteúdos a lugares a partir de situações propositalmente
inusitadas, incomuns. Em um trecho do Ad Herennium,
atribuído por muitos a Cícero,
106
107
“Quando nós vemos na vida cotidiana coisas que são
insignificantes, ordinárias e banais, nós geralmente não nos
lembramos delas, porque a mente não está sendo estimulada
por nada novo ou maravilhoso. Mas, se nós vemos ou ouvimos
algo excepcionalmente fundamental, desonroso, extraordinário,
formidável, incrível, ou cômico, é provável que nós nos
lembremos por um longo tempo. [...] Devemos então selecionar
imagens de um tipo que pode aderir por muito tempo na
memória.”
47
[AD HERENNIUM, 1989, p.219-221, tradução nossa]
Esse estranhamento diante de imagens caracterizadas para
serem percebidas como inusitadas, permeia todo o processo
mnemônico de concepção do Teatro por Camillo. Além, são
estruturadas interconexões entre imagens e diversos
conteúdos a elas relacionados, focalizando a memorização
dos conteúdos pelo possível orador. Um exemplo
interessante se relaciona à imagem de Apolo:
“A conexão das formas certas e perfeitas e
conseqüentemente mágicas de oratória com a imagem mágica
da memória, pode ser através da interpretação das estátuas
mágicas, por meio de seu poder, é devida à sua reflexão da
harmonia celestial pelas suas proporções perfeitas. Assim as
proporções perfeitas da, deixe-nos dizer, imagem mágica de
Apollo, poderia produzir o perfeitamente proporcionado, e
conseqüentemente mágico, discurso sobre o sol.”
48
[YATES,
1984, p.168, tradução nossa]
Esse tipo de relações entre ‘imagens e conteúdos’ era
cabível no contexto de uma tradição oculta da Veneza
renascentista, que formulou interpretações da Arte da
Memória relacionando seus conceitos à magia. No seio da
academia Veneziana onde o Teatro da Memória foi
amplamente discutido mais de quarenta anos após a morte
de Camillo – a Accademia degli Uranici, fundada em 1587
47
Do original em inglês: “When we see in everyday life things that are petty, ordinary and
banal, we generally fail to remember them, because the mind is not being stirred by anything
novel or marvelous. But, if we see or hear something exceptionally base, dishonorable,
extraordinary, great, unbelievable, or laughable, that we are likely to remember a long time. [...]
We ought then, to set up images of a kind that can adhere longest in the memory.” [AD
HERENNIUM, 1989, p.219-221]
48
Do original em inglês: “The connection of the right and perfect and therefore magical forms
of oratory with the magic memory image might be through the interpretation of the magic
statues whereby their power is due to their reflection of celestial harmony through their
perfect proportions. Thus the perfect proportions of, let us say, the magical Apollo image,
would produce the perfectly proportioned, and therefore magical, speech about the sun.”
[YATES, 1984, p.168]
por Fabio Paolini –, foi publicada uma obra que, como
afirma Yates
“[...] possa tomar o lugar do grande trabalho que
explica as bases de seu Teatro, o qual o próprio Camillo nunca
escreveu.”
49
[YATES, 1984, p.168, tradução nossa] Essa obra,
intitulada Hebdomades, compunha-se de sete volumes,
contendo sete capítulos, sendo assim o número ‘sete’ o
tema místico da obra como um todo. Em um trecho do
Hebdomades, fica evidente a relação com a concepção de
Camillo do seu Teatro:
“Hebdomades (1589): 'Algumas pessoas afirmam que os
sentimentos e concepções sobre nossas almas podem pela
força da imaginação se tornarem voláteis e corpóreos, de
forma que, de acordo com sua qualidade, eles podem ser
elevados até certas estrelas e planetas [...] e [...] irão
retornar para baixo novamente e nos obedecer em tudo que
desejamos.“
50
[HEBDOMADES apud WALKER, 1958, p.136,
tradução nossa]
Como mostra o trecho acima citado por Walker no seu
Spiritual and Demonic Magic from Ficino to Campanella
51
(1958), o Hebdomades mostra que uma espécie de ‘oratória
planetária’ [YATES, 1984, p.168] foi imaginada, a qual
poderia causar efeitos em sua audiência desde que as
palavras do orador fossem ativadas por influências
planetárias, como os lendários efeitos atribuídos à música
da antiguidade. Além, no que se relaciona à interconexão
entre essas noções e a concepção de Camillo para seu
Teatro, segundo Yates
,
"O Hebdomades descobre para nós um 'segredo’ do Teatro de
Camillo que, caso contrário, nunca teríamos adivinhado. Assim
como provendo um sistema de memória para oradores
magicamente ativado, por ser baseado no Sete fundamental, o
Teatro também magicamente ativado, no qual o orador se
lembrou por isto inspirando então com virtude planetária pela
49
Do original em inglês: “[...] might take the place of the great work explaining the background
of his Theatre which Camillo himself never wrote.” [YATES, 1984, p.168]
50
Do original em inglês: “Hebdomades (1589): 'Some people assert that the feelings and
conceptions of our souls can by the force of the imagination be rendered volatile and corporeal,
so that, in accordance with their quality, they can be carried up to certain stars and planets
[...] and [...] will come down again to us and will obey us in whatever we want'.” [Hebdomades
apud WALKER, 1958, p.136]
108
51
WALKER, D. P. Spiritual and Demonic Magic from Ficino to Campanella. London: The Warburg
Institute, 1958.
109
qual eles teriam efeitos mágicos nos ouvintes."
52
[YATES,
1984, p.168, tradução nossa]
No Teatro de Camillo, a Arte da Memória volta à sua
posição clássica como parte da retórica. Camillo em seu
Teatro propunha utilizar essa arte como utilizada por
Cícero, proposta que emergia no contexto de um fenômeno
renascentista – o resgate da Oratória Ciceroniana. Camillo,
no entanto, como integrante de uma corrente neoplatônica,
mistura, como já vimos, em sua proposta, elementos do que
Yates [YATES, 1984, p.166] refere como uma ‘memória
artificial mística-mágica’ a partir da tradição Hermético-
Cabalística. Milton José de Almeida [ALMEIDA, 2005, p.92-
95], apresenta de forma resumida a estrutura do Teatro
da Memória, como o concebe o próprio Camillo, o que ilustra
sua posição como emergência no contexto de uma tradição
Hermético-Cabalística neoplatônica:
Primeiro Grau – Os Sete Planetas: Lua/Diana; Mercúrio; Vêrnus;
Sol/O Banquete; Marte; Júpter; Saturno.
[...]
Segundo Grau – O Banquete, que o Oceano oferece aos seus
deuses, representa a ‘água da sabedoria’, na qual se colocam as
idéias, os elementos primários.
[...]
Terceiro Grau – A Caverna, em que as ninfas tecem panos
purpúreos e as abelhas fabricam o mel, representa os
elementos no nível do mundo natural e suas misturas.
[...]
Quarto Grau – As Górgoras, as três irmãs de um só olho,
representam as três almas do homem, sua dimensão interior.
[...]
Quinto Grau – Pasifaé, com o touro, representa a descida da
alma no corpo e portanto, o homem exterior, a sua dimensão
física.
[...]
Sexto Grau – As Sandálias, que representam as operações
neturais do homem, aquelas que ele cumpre sem a ajuda de
instrumentos ou técnicas.
52
Do original em inglês: “The Hebdomades discovers for us a ‘secret’ of Camillo’s Theatre which
otherwise we would never have guessed. As well as providing a magically activated, because
based on the fundamental Seven, memory system for orators, the Theatre also magically
activated which the orator remembered by it, infusing then with planetary virtue through which
they would have magical effects on the hearers.” [YATES, 1984, p.168]
[...]
Sétimo Grau – Prometeu, que representa todas as artes e as
ciências, e seus produtos.
011 | 2_ Esquema mostrando os Graus do Teatro da Memória de Giulio
Camillo.
Assim, o sistema do Teatro de Camillo, a partir de
influências da Cabala apóia-se nos sete pilares da casa da
sabedoria de Salomão, que encontram seus equivalentes
nos sete anjos, nas sete idéias platônicas, – o mundo
sobreceleste, que foram colocados por Camillo na base dos
degraus. Subindo para a primeira ordem dos graus, temos o
mundo celeste dos sete planetas, situados por Camillo no
Primeiro Grau, cada um em uma fileira. O mundo terrestre
elementar, do Segundo Grau ao sexto. O símbolo do
Segundo Grau era o Banquete, o do Terceiro, a Caverna
das Ninfas homérica, o Quarto as três Górgonas
hesiodianas, o Quinto é o símbolo de Passifaé e do Touro
e no Sexto as Sandálias de Mercúrio. No Sétimo, enfim o
símbolo de prometeu.
Analisando sistematicamente o ‘Teatro da Memória de
Camillo’ a partir de cada um dos princípios de nossa
estratégia metodológica, que contempla características que,
observadas em um sistema, podem ajudar a classificá-lo
como complexo, podemos considerar que:
110
111
(1) No que se refere ao Aspecto de armazenagem
(relacionado ao espaço como estrutura de armazenagem
pensada para ser universal), o Teatro da Memória de
Camillo é concebido como um sistema para armazenagem
e acesso a conteúdos que representavam todo o
conhecimento do mundo – um Teatro da Memória do
Mundo. O que Camillo concebe é verdadeiramente um
sistema-lugar da memória’ imaginado para guardar
eternamente a natureza de todas as coisas que podiam
ser expressas em palavras, associando-as a lugares
eternos.
(2) No que se relaciona ao Aspecto multimídia (esse aspecto
se refere à estruturação do acesso e armazenagem de
imagens, textos e sons a que o espaço é capaz de dar
suporte) o Teatro da Memória de Camillo constitui um
sistema de lugares da memória que, como interpretação
do sistema clássico de memorização para oradores,
relaciona um lugar para cada figura e ornamento
individual. É esse sistema da memória que estrutura a
armazenagem das informações, e o acesso, possibilitando
decorar os escritos guardados dentro das sete ordens.
(3) No que se refere ao Aspecto espacial (o foco aqui está
no uso do espaço como um princípio de organização que
determina o gerenciamento de dados) o Teatro de
Camillo, enquanto um espaço construído para armazenar
informação seguindo princípios mnemônicos – sistema da
memória construído –, é ele mesmo o princípio
organizacional que determina como acontecerá o acesso
e o gerenciamento das informações armazenadas.
(4) No que se relaciona ao Aspecto combinacional (esse
último aspecto se aproxima do princípio do hipertexto,
baseado na capacidade do espaço de dar suporte a um
fluxo dinâmico e não-linear de gerenciamento de
conteúdos hipermídia) o Teatro da Memória de Camillo é
ele mesmo, enquanto espaço-sistema (mais que espaço-
objeto), uma estrutura invisível, tessitura, rede de
inter-relações e interconexões não lineares, que
organiza a combinação de conteúdos, a partir de signos
e significados a eles relacionados. Na série de Saturno,
por exemplo, a associação com o tempo é expressa sob
a caverna na imagem das cabeças de um lobo, um leão e
um cachorro, representando passado, presente e futuro.
2.3_ Robert Fludd
“O Teatro de Camillo abriu nossa série de sistemas da
memória Renascentistas; o Teatro de Fludd vai fechá-la.”
53
[YATES, 1984, p.321, tradução nossa].
Durante a Renascença inglesa, as influências do
Hermetismo encontraram seu auge e Robert Fludd, como um
filósofo oculto ou hermético, estava interessado na Arte
da Memória. Já em seus primeiros escritos Fludd se auto
define como discípulo da Irmandade da Rosa-cruz
54
. A
despeito de esta sociedade ter realmente existido, no
século XVII, os manifestos anunciando sua existência
causaram grande interesse nas pessoas.
Podemos dizer que seu ‘Teatro Sistema da Memória
constitui o último monumento no contexto das
interpretações Renascentistas da Arte da Memória,
elaborado no trabalho em que Fludd apresenta sua
Filosofia de forma mais completa e característica –
Utriusque Cosmi, Maioris scilicet et Minoris, metaphysica,
physica, atque, technica, Historia’. Nesse trabalho, Fludd
tem a intenção de contemplar todos os grandes mundos do
53
Do original em inglês: “[...] Camillo’s Theatre opened our series of Renaissance memory
systems; Fludd’s Theater will close it.” [YATES, 1984, p.321].
54
Segundo Yates, “[...] rosa-cruz, a misteriosa seita ou sociedade secreta aparentemente
originária da Alemanha e de um meio luterano. A evidência quanto às idéias dos rosa-cruzes é
torturantemente imprecisa, não havendo nenhuma certeza de que eles tenham sido uma seita
organizada. Os rosa-cruzes representam uma tendência do hermetismo renascentista e de
outros ocultismos que caíram na clandestinidade, no século XVII, transformando o que havia sido
um modo de ver o mundo, associado às filosofias dominantes, em preocupações de sociedades
secretas e grupos minoritários.” [YATES, 1995, p.449, grifo nosso]
112
ROSA-CRUZ A Ordem Rosacruz é uma Ordem que foi pela primeira vez publicamente conhecida no
século XVII através de três manifestos. Segundo a lenda constante nesses manifestos, teria
sido fundada por Christian Rosenkreuz, peregrino do século XV; no entanto, a assunção desta
datação é discutível devido ao simbolismo e hermeticismo do conteúdo dos manifestos,
principalmente nos aspectos numéricos e nas concepções geométricas apresentadas. Enquanto
que, por um lado, alguns metafísicos consideram que a Ordem Rosacruz pode ser compreendida,
de um ponto de vista mais amplo, como parte, ou inclusive a fonte, da corrente de pensamento
hermético-cristã patente no período dos tratados ocidentais de alquimia que se segue à
publicação de "A Divina Comédia" de Dante (1308-1321); por outro lado, alguns historiadores
sugerem a sua origem num grupo de protestantes alemães, entre 1607 ou 1616, quando três
textos anônimos foram elaborados e lançados na Europa: Fama Fraternitatis R.C., Confessio
Fraternitatis Rosae Crucis e Núpcias Alquímicas de Christian Rozenkreuz Ano 1459. A
influência desses textos foi tão grande que a historiadora Frances Yates denominou este
período do século XVII como o período do Iluminismo Rosacruz.
113
macrocosmo – o universo – e o microcosmo, fazendo
várias alusões ao Pimandro de Hermes Trimegitus e ao
Asclépius ou Asclépio. Segundo Yates,
“Com sua perspectiva
Hermética mágico-religiosa ele unifica o Cabalismo, completando
assim o panorama do Magus Renascentista mais ou menos como
encontramos muitos anos antes no Teatro de Camillo.”
55
[YATES,
1984, p.322, tradução nossa]
Fludd, que era alemão, estava vivendo na Inglaterra quando
aconteceu a primeira publicação do primeiro volume do seu
Utriusque Cosmi...Historia’, em alemão no ano de 1617. A
primeira parte desse volume é aberta com duas citações
curiosas: a primeira a Deus e a segunda ao Rei James I,
como representação de Deus na Terra. A dedicação do
primeiro volume ao Rei James I, se explica pela necessidade
de Fludd de conseguir proteção contra ataques freqüentes
num momento em que os modos do pensamento hermético
mágico estavam sob ataque da geração nascente de
filósofos do século XVII. Em 1619, é publicado o segundo
volume, dedicado somente a Deus e onde, segundo Yates,
"[...] a Deidade é definida com muitas citações de Hermes
Trimegistus.”
56
[YATES, 1984, p.322, tradução nossa] o que deixa
evidente a proximidade de Fludd com a tradição Hermética.
55
Do original em inglês: “With his magico-religious Hermetic outlook he unites Cabalism, thus
completing the world view of the Renaissance Magus more or less as we found it many years
earlier in Camillo’s Theatre. [YATES, 1984, p.322]
56
Do original em inglês: “[...] the Deity is defined with many quotations from Hermes
Trimegistus.” [YATES, 1984, p.322]
012 | 2_Primeira página do Ars memoriae em Robert Fludd’s ‘Utriusque
Cosmi...Historia’, Tomus Secundus, Oppenheim, 1619
O ‘Utriusque Cosmi...Historia’ se insere na tradição
Hermético-Cabalística Renascentista e, segundo Yates,
"[...] isso esbarra na tradição no tempo do furor
‘Rosacruciano’, [...] Devido a esta significante situação
histórica do livro, é significante descobrir que isso contém um
sistema oculto de memória, uma memória 'Selada’, a
complexidade e mistério dos quais é merecedor o próprio
Bruno.”
57
[YATES, 1984, p.325, tradução nossa]
114
57
Do original em inglês: “[...] It taps the tradition at the time of the ‘Rosicrician’ furore; [...] In
view of this significant historical situation of the book, it is significant to find that it contains
115
Todos os trabalhos de Fludd deixam evidente a importância
das ilustrações como representações gráficas, visuais, de
sua filosofia. Segundo Yates,
“As ilustrações e hieróglifos de
Fludd são freqüentemente extremamente elaborados e significaria
muito para ele que eles correspondessem com precisão a seu texto
intrincado.”
58
[YATES, 1984, p.324, tradução nossa] Para que
fossem encaminhados seus desenhos e textos para
publicação na Alemanha, Fludd contou com um emissário que
pertenceu aos círculos do imperador Rudolf II, Michael
Maier, que foi quem o incentivou a publicar um tratado
dedicado aos irmãos da rosa-cruz, o seu – Tractatus
Theologo-Philosophicus. É relacionada à questão das
ilustrações que emerge uma importante questão, colocada
por Yates:
“[...] até que ponto uma dessas ilustrações pode ser
influenciada por, como refletindo um palco real em Londres.”
59
[YATES,
1984, p.325, tradução nossa].
Um palco real que poderia ser o
Globe Theatre da Companhia de Shakespeare.
Fludd devota ainda um capítulo longo do seu ‘Utriusque
Cosmi...Historia’ à polêmica contra a utilização do que
chama ‘fictitious places’ na sua ‘arte quadrada’ (ars
quadrata). ‘Arte quadrada’ na concepção de Fludd, soa
como uma Arte da Memória ordinária,
“[...] usando as imagens
ativas do Ad Herennium."
60
[YATES, 1984, p.327, tradução nossa] Em
contrapartida, o que Fludd chama de ‘arte redonda’ (ars
rotunda) utiliza imagens magicizadas, ou talismânicas,
efígies das estrelas,
“[...] ‘estátuas’ de deuses e deusas animadas
com influências celestiais [...].”
61
[YATES, 1984, p.327, tradução nossa]
Como explica o próprio Fludd,
“Para a perfeição completa da arte da memória a fantasia
opera de dois modos. O primeiro modo é por meio de idéias
que são formas separadas de coisas corpóreas, tais como
espíritos, sombras (umbrae), almas e assim por diante,
também anjos, os quais nós usamos principalmente em nossa
an occult memory system, a memory ‘Seal’, the complexity and mystery of which are worthy of
Bruno himself.” [YATES, 1984, p.325]
58
Do original em inglês: “Fludd’s pictures and hieroglyphics are often extremely complicated and
it would matter very much to him that they should correspond accurately with his complicated
text.” [YATES, 1984, p.324]
59
Do original em inglês: “[...] how far one of these illustrations can be depended on as
reflecting a real stage in London.” [YATES, 1984, p.325]
60
Do original em inglês: “[...] using the active images of Ad Herennium.” [YATES, 1984, p.327]
61
Do original em inglês: “[...] ‘statues’ of gods and goddesses animated with celestial influences
[...].” [YATES, 1984, p.327]
ars rotunda’.“
62
[FLUDD apud YATES, 1984, p. 327, tradução
nossa]
Com esta colocação, Fludd explica o caráter da sua ‘ars
rotunda’ e seus objetivos de adquirir a perfeição da Arte
da Memória, mostrando sua abordagem a partir da raiz da
memória mágica renascentista. Nesse contexto a mnemônica
clássica, a partir de imagens e lugares, tem agora uma
compreensão outra, a partir da impressão na memória de
imagens arquetípicas ou magicamente ativadas. Falando a
respeito dessa nova conotação para a Arte da Memória,
Yates afirma que,
“[...] Pelo uso de imagens mágicas ou talismânicas como
imagens ativadoras da memória, o mago esperava adquirir
conhecimento universal e também poderes, obtendo, graças à
organização mágica da imaginação, uma personalidade
magicamente poderosa, afinada, assim por dizer, com as
forças do cosmos.” [YATES, 1995, p.217-218]
As imagens citadas por Yates encontram correspondência
na descrição do tipo de imagem colocada por Fludd para
explicar sua ‘ars rotunda’. Voltando à questão dos lugares
fictícios da ‘ars quadrata’, o trecho polêmico da obra em
que Fludd se opõe ao uso dos ‘fictitious places’ na ‘arte
quadrada’, pode ser compreendido relembrando fontes
clássicas como o Ad Herennium ou o Institutio Oratoria de
Quintiliano, onde são apresentadas distinções entre
lugares da memória reais e ficcionais. Os ficcionais são
imaginários; os reais são edifícios construídos. De acordo
com um trecho do Institutio Oratoria de Quintiliano,
“[...]
nós podemos até mesmo imaginar tais lugares por nós mesmos.
Requeremos, portanto, lugares, reais ou imaginários, e imagens ou
símbolos, os quais nós devemos, obviamente, inventar para nós
mesmos.”
63
[QUINTILIAN, 1998, p.223, tradução nossa]
Fludd se opõe, especificamente, aos tipos ficcionais de
lugares da memória na ‘arte quadrada’ e defende a
utilização de edifícios reais a serem utilizados para fins
mnemônicos na utilização dessa ‘arte’. Partindo dessa
62
Do original em inglês: “For the complete perfection of the art of memory the fantasy is
operated in two ways. The first way is through ideas, which are forms separated from
corporeal things, such as spirits, shadows (umbrae), souls and so on, also angels, which we
chiefly use in our ‘ars rotunda’. [FLUDD apud YATES, 1984, p. 327]
116
63
Do original em inglês: “[...] we may even imagine such places to ourselves. We require,
therefore, places, real or imaginary, and images or symbols, which we must, of course, invent
for ourselves.“ [QUINTILIAN, 1998, p.223]
117
discussão temos que o sistema da memória de Fludd,
mescla em sua concepção as artes ‘redonda’ e ‘quadrada’.
Segundo Yates,
“A característica notável e estimulante do sistema da
memória de Fludd é que as construções da memória que serão
colocadas nos céus nesta nova combinação das artes
redondas e quadradas, é o que ele chama ‘teatros’. E por
esta palavra 'teatro' ele não quer dizer o que nós
deveríamos chamar um teatro, um edifício que consiste em um
palco e um auditório. Ele quer dizer um palco.”
64
[YATES, 1984,
p 329, tradução nossa]
Ao falar de sua ‘ars quadrata’, Fludd vai definir o que
seriam para ele os ´lugares’ da memória, e nessa definição
ele emprega a palavra teatro que já nos sugere, à primeira
vista, algumas características arquitetônicas, além de
relações dentro de um espaço de visão e vista, palco e
auditório, relações entre a cena e o público, num
espetáculo. O ‘teatro’ a que Fludd se refere é composto
apenas pelo palco. O espaço que Fludd propõe para ser
utilizado como um ‘sistema-lugar da memória’, a ser
utilizado para memória de palavras e memória de coisas, é
o que ele define como um teatro.
Esse teatro para Fludd é um lugar no qual “[...] todas as
ações de palavras, de orações, de particularidades de um discurso ou
de assuntos são mostradas, como em um teatro público no qual são
encenadas comédias e tragédias.”
65
[FLUDD apud YATES, 1984, p. 331,
tradução nossa]
A partir dessa colocação de que o seu
teatro é comparado a um teatro público onde são
representadas comédias e tragédias, Yates coloca a
seguinte questão:
“Esses grandes teatros de madeira nos quais os trabalhos de
Shakespeare e de outros eram encenados, foram tecnicamente
conhecidos como 'teatros públicos’. Diante das fortes
64
Do original em inglês: “The striking and exciting feature of Fludd’s memory system is that the
memory buildings which are to be placed in the heavens in this new combination of the round
and the square arts, are what he calls ‘theatres’. And by this word ‘theatre’ he does not mean
what we should call a theatre, a building consisting of a stage and an auditorium. He means a
stage.” [YATES, 1984, p 329]
65
Do original em inglês: “[...] all actions of words, of sentences, of particulars of a speech or
of subjects are shown, as in a public theatre in which comedies and tragedies are acted.
[FLUDD apud YATES, 1984, p. 331]
convicções de Fludd sobre a indesejabilidade de usar 'lugares
fictícios’ na memória, podemos assumir que é um palco real
em um teatro público que ele está nos mostrando?”
66
[YATES,
1984, p. 331, tradução nossa]
A partir dessa questão, Yates vai investigar a obra de
Fludd e as suas relações com os relatos e descrições do
Globe Theatre, já que não foram encontrados materiais
gráficos ou ilustrações a respeito da construção desse
teatro, que pegou fogo em 1613. A investigação consistiu
em aproximar os escritos e descrições de Fludd, dos
desenhos publicados sobre os teatros da época, como é o
caso da cópia do desenho do ‘Teatro Del Cisne’ feita
originalmente por De Witt. Numa tentativa de construir
essa teia de relações, Yates contou com a colaboração de
sua irmã R. W. Yates, que elaborou um desenho do Palco
do teatro Globe Theatre baseando-se em Fludd. Yates
relata no prefácio de seu livro ‘The Art of Memory’ que,
“O plano sugerido do Globo é em grande parte o trabalho dela. Nós
compartilhamos a euforia da reconstrução do Globe a partir de Fludd
durante semanas memoráveis de colaboração íntima.”
67
[YATES, 1984,
p. XIV-XV, prefácio, tradução nossa]
66
Do original em inglês: “Those great wooden theatres in which the works of Shakespeare and
others were played were technically known as ‘public theatres’. In view of Fludd’s strong
convictions about the undesirability of using ‘fictitious places’ in memory, can we assume that
this is a real stage in a public theatre which he is showing us?” [YATES, 1984, p. 331]
118
67
Do original em inglês: “The suggested plain of the Globe is very largely her work. We shared
together the excitement of the reconstruction of the Globe out of Fludd during memorable
weeks of close collaboration.” [YATES, 1984, p. XIV-XV, prefácio]
119
013 | 2_ Desenho de Witt do Teatro dos Cisnes. Library of the University
of Ultrech .
Assim, os elementos que compõe a estrutura do sistema da
memória que Fludd define como um Teatro, são utilizados
no livro de Yates para recriar o Globe Theatre da
Companhia de Shakespeare na Inglaterra Elisabetana
68
.
68
O Período Elisabetano é o período associado ao reino da rainha Elizabeth I (1558-1603) e
considerado freqüentemente uma era dourada da história inglesa. Esta época corresponde ao
ápice da renascença inglesa, na qual se viu florescer a literatura e a poesia do país. Este foi
também o tempo durante o qual o teatro elizabetano cresceu e Shakespeare, entre outros,
escreveu peças que rompiam com o estilo a que a Inglaterra estava acostumada. Foi um período
2.3.1_ O Teatro de Fludd: Sistema da Memória
Na descrição do teatro de Fludd, tal qual é representado
em seu desenho ‘The theatre’, publicado no seu Ars
Memoriae, temos que, o teatro compreende apenas o palco.
Palco esse que faz analogia com a frons scaenea, com
cinco entradas, assim como a frons scaenea clássica,
porém essas cinco entradas, diferentemente do modelo
clássico são dispostas em vários níveis.
014 | 2_ O Teatro. De Robert Fludd’s Ars memoriae
de expansão e da exploração no exterior, enquanto no interior a Reforma Protestante era
estabelecida e defendida contra as forças católicas do continente. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Per%C3%ADodo_Elisabetano>. Acesso em: 13
120
dez. 2006.
121
Junto à ilustração do teatro, Fludd faz uma descrição do
mesmo, relacionando aspectos temporais em seu sistema da
memória, dividindo-o em teatro do leste e teatro do
oeste, com características peculiares, representando no
leste o dia, brilhante que deveria ter associadas a ele
ações pertinentes ao dia e no oeste, diferenças de cor
representando a noite, sombria e escura, com ações
pertinentes à noite. Segundo Yates,
“Os teatros ‘oriental’ e ‘ocidental’ ou teatros dia e noite,
introduzem tempo em um sistema que está ligado à revolução
dos céus. É claro que é um sistema altamente oculto ou
mágico, baseado na crença na relação macrocosmo-
microcosmo.”
69
[YATES, 1984, p. 331, tradução nossa]
Fludd caracterizou o seu Teatro como um ‘lugar comum’ da
arte redonda’, como uma parte etérea do mundo,
“[..] que é
a orbes celestial numerada a partir de oito esferas e terminando com
a esfera da lua.”
70
[FLUDD apud YATES, 1984, p. 331, tradução nossa]
E ilustra suas colocações com um diagrama mostrando o
Zodíaco, marcado com os signos, incluindo sete signos que
representam a esfera dos planetas, e no centro, outro
círculo representando a esfera dos elementos. Esse
diagrama de Fludd representa uma ordem dos lugares da
memória onde o tempo também se apresenta como entrada
importante, na medida em que ele considera o movimento
das esferas do zodíaco em relação com o tempo.
69
Do original em inglês: “The ‘eastern’ and ‘western’ or day and night theatres introduce time
into a system which is attached to the revolution of the heavens. It is of course a highly
occult or magical system, based on belief in the macrocosm-microcosm relationship.” [YATES,
1984, p. 331]
70
Do original em inglês: “[...] that is the celestial orbs numbered from eight sphere and ending
the sphere of the moon.” [FLUDD apud YATES, 1984, p. 331]
015 | 2_ O zodíaco. Do Robert Fludd’s Ars memoriae.
Esse diagrama aparece representado no centro do teto do
palco do desenho do Globe Theatre representado no livro
de Yates.
016 | 2_Desenho do palco do Globe Theatre baseado em Fludd.
122
123
No sistema de Fludd, representado pelo Teatro, temos a
divisão em cinco portas, que servem como loci de memória,
relacionando-se com cinco colunas desenhadas apenas na
sua base, a saber: a primeira redonda, a segunda quadrada,
a central hexagonal e na seqüência outra quadrada e mais
uma redonda. Além dessa descrição geométrica, Fludd
insere no contexto da Arte da Memória a associação de
cores, elemento que não foi abordado nos tratados da
Arte da Memória Clássica. A respeito da descrição de seu
sistema da memória Fludd diz que,
“Estas colunas, […] são de diferentes cores, correspondendo
às ‘cores das portas dos teatros opostas a elas’. Estas
portas serão usadas como cinco loci da memória e serão
distinguidas umas das outras por meio da lembrança de suas
diferentes cores. A primeira porta será branca, a segunda
vermelha, a terceira verde, a quarta azul, a quinta negra."
71
[FLUDD apud YATES, 1984, p. 332, tradução nossa]
Quando Fludd faz essa associação a partir de dez
elementos – cinco portas e cinco colunas – nos demonstra
uma provável utilização de referências do Ad Herennium, a
partir da associação de imagens e lugares, representados
por coisas e palavras, formas e cores, em seu sistema
mágico da memória. Nesse contexto segundo Yates,
“Esse ‘teatro’ ou palco com suas cinco portas a serem usadas
como cinco lugares da memória é o motivo condutor do
sistema como um todo. Nós podemos ver isto delineado na
ilustração introdutória do homem que vê com o olho de
imaginação cinco lugares da memória com suas cinco
imagens.”
72
[YATES, 1984, p. 335, tradução nossa]
71
Do original em inglês: “These columns, […] are different colours, corresponding to ’the colours
of the doors of the theatres opposite to them’. These doors are to be used as five memory
loci and are to be distinguished from one another by being remembered as different colour. The
first door will be white, the second red, the third green, the fourth blue, the fifth black.”
[FLUDD apud YATES, 1984, p. 332]
72
Do original em inglês: “This ‘theatre’ or stage with its five doors to be used as five memory
places is the leading motif of the whole system. We can see it adumbrated in the introductory
illustration of the man seeing with the eye of imagination five memory places with their five
images.” [YATES, 1984, p. 335]
017 | 2_ Teatro Secundário. Do Robert Fludd’s Ars memoriae.
Assim, o sistema da memória de Fludd, baseado na tradição
Hermética vê na associação dos cinco ‘lugares’ de memória,
uma possibilidade de representação de um todo
representado pela associação das partes: colunas, portas,
imagens do zodíaco, cores, entre outros. Além disso,
segundo Yates, em Fludd,
“[...] ‘teatros como cômodos da
memória, como o lado arquitetônico ou ‘quadrado’ de um sistema usado
em conjunção com os ‘céus’ redondos.”
73
[YATES, 1984, p. 335,
tradução nossa]
E aqui reside uma chave para entender o ‘Teatro Sistema
da Memória’ de Fludd. Ele não projeta Teatros, em sua
dimensão arquitetônica; o que Fludd define como Teatro é
nada mais que um sistema da memória. Onde o palco ocupa
lugar central como ponto de referência onde acontecem
ações – a partir de onde todas as informações
armazenadas podem ser acessadas e combinadas. A partir
das interações e interconexões no ‘Teatro Sistema da
Memória’ de Fludd diferentes narrativas constituem
emergências. O ‘Teatro Sistema da Memória’ de Fludd pode
ser classificado assim, a partir dos parâmetros de nossa
estratégia metodologia como um sistema complexo.
124
73
Do original em inglês: “[...] ‘theatres as memory rooms, as the architectual or ‘square’ side of
a system used in conjunction with the ‘round’ heavens.” [YATES, 1984, p. 335]
125
Apesar de o foco central de Fludd não ser evidentemente
o projeto arquitetônico de um teatro, o sistema que
concebe está intrinsecamente vinculado a uma concepção
espacial, tridimensional, arquitetônica. E é esse o interesse
central da nossa pesquisa – compreender como o espaço
pode ser estruturado, pensado, concebido em arquitetura,
não somente como ‘objeto’, mas como um ‘sistema’. E o
‘Teatro Sistema da memória’ de Fludd é uma chave para
nos ajudar a construir essa compreensão. No sistema de
Fludd, o espaço armazena de maneira estruturada,
conteúdos ‘secretos’ ligados mnemonicamente através de
códigos originados em uma tradição mágico-hermético-
cabalística renascentista. As narrativas, o conhecimento
que pode emergir na e pela combinação dessas informações
inscritas no espaço, é, enquanto emergência do sistema,
uma forma, uma configuração possível do próprio sistema.
2.3.2_ Globe Theatre como ‘fictitious place’
Dentro do contexto do Renascimento inglês, foram
construídos grandes teatros públicos em madeira, dos
quais podemos citar o Globe Theatre que pertencia à
companhia de atores de Shakespeare, a Cia. Lord
Chamberlain, que foi construído em 1599, destruído por um
incêndio em 1613 e reconstruído em seguida no mesmo lugar
e com as mesmas características.
Na época em que Yates escreve o seu livro ‘The Art of
Memory’, ela relata o grande interesse naquele momento
em reconstruir as ‘playhouses’ elisabetanas e jacobinas e,
em particular o Globe Theatre. Esse interesse específico
com relação ao Globe Theatre, se deve à sua associação
com Shakespeare. Segundo Yates, naquele momento,
“Não obstante, muito progresso em compreender com o quê o
Globe pode ter sido parecido tem sido feito. Nós sabemos que
a parede de parte de trás do palco era constituída pela
parede da ‘tiring house’, o edifício no qual os atores
trocavam de roupas, mantinham seus pertences, e assim por
diante."
74
[YATES, 1984, p. 343, tradução nossa]
Yates coloca a possibilidade de o Globe ter sido feito fiel
à sua construção original, porém aponta uma grande
dificuldade de analisar essa fidelidade, em virtude de não
ter restado praticamente nenhum material visual gráfico
sobre o teatro. Coloca ainda que as reconstruções do
Globe se basearam em uma cópia do esboço do Teatro do
Cisne de De Witt [Figura 13] e em relatos escritos.
Em virtude dessa ausência de comprovações e além, da
presença de vários indícios de ligações entre o teatro de
Fludd e o Globe Theatre, Yates nos chama a atenção para
um ponto no sistema da memória de Fludd, onde ele afirma
ter preferência por edifícios construídos, concretos, em
detrimento de lugares imaginados. Uma possibilidade de
edifício construído utilizado para ‘armazenar’ seu sistema
poderia ser o Globe Theatre. No contexto de suas
investigações concernentes a Fludd, Yates pondera que,
“As únicas características na gravura do Theatrum Orbi que
Fludd menciona em seu texto e as quais ele faz uso na sua
mnemônica, são as cinco portas ou entradas na parede do
palco e as cinco colunas 'opostas’ a ele das quais as bases
só são mostradas na gravura. Ele nunca menciona no texto,
nem sequer utiliza na mnemônica as outras características
descritas tão claramente na gravura – a bay window, o
terraço de batalha, as paredes laterais com essas aberturas
na sua parte mais baixa. […] O que seria o objeto para exibir
todas estas características na gravura, a qual ele nem usa
nem menciona no texto sobre mnemônicas, a menos que elas
fossem ‘características reais' ou um palco ‘real’ ao qual ele
quis fazer uma alusão?”
75
[YATES, 1984, p. 346-347, tradução
nossa]
74
Do original em inglês: “Nevertheless much progress in understanding of what the Globe may
have been like has been made. We know that the back wall of the stage was formed by the
wall of the ‘tiring house’, the building within which the actors changed clothes, kept properties,
and so on.” [YATES, 1984, p. 343]
126
75
Do original em inglês: “The only features in the engraving of the Theatrum Orbi which Fludd
mentions in his text and of which he makes use in his mnemonics are the five doors or
entrances on the stage wall and the five columns ‘opposite’ to them of which the bases only
are shown in the engraving. He never mentions in the text nor uses in the mnemonics the other
features so clearly depicted in the engraving – the bay window, the battlement terrace, the
side walls with those openings in their lower part. […] What would be the object of showing all
these features in the engraving, which he does not use nor mention in the text about the
mnemonics, unless they were ‘real’ features or a ‘real’ stage to which he wanted to make
allusion?” [YATES, 1984, p. 346-347]
127
A partir das constatações evidenciadas nos escritos de
Fludd, com a ausência de referências específicas às
características arquitetônicas de seu teatro, além da
observação das características espaciais descritas do
teatro onde Shakespeare apresentava suas peças, Yates
nos coloca que,
“Apesar de distorções mnemônicas, influências alemãs, e os
esplendores que o segundo Globe pode trazer até certo
ponto entre a gravura de Fludd e o teatro original de
Shakespeare, não pode existir nenhuma dúvida de que este
filósofo Hermético nos mostrou mais do Globe do que já
tínhamos visto antes. Fludd é de fato a única pessoa que nos
deixou qualquer registro visual de todo o palco no qual as
peças teatrais do maior dramaturgo do mundo foram
encenadas.”
76
[YATES, 1984, p. 352, tradução nossa]
A partir das conclusões a que Yates chegou a respeito da
relação entre Fludd e o Teatro de Shakespeare, ela propõe
a construção de um ‘modelo’ do Teatro, a partir das
colocações do próprio Fludd sobre o seu teatro. Segundo
Yates, ele dá base para essa construção através de:
“[...]
primeiro pelas formas das cinco bases das colunas as quais ele
menciona; e em segundo lugar pela sua forte insistência de que
haveria cinco entradas para a frons scaenae.
77
[YATES, 1984, p.
354-355, tradução nossa]
Yates continua a construção a partir das figuras
geométricas sugeridas por Fludd nos desenhos de suas
colunas e se volta para a descrição do Teatro Vitruviano
Clássico para dar seqüência ao seu plano do teatro
através de quatro triângulos inscritos em um círculo, que
por sua vez está inscrito num hexágono.
76
Do original em inglês: “Though mnemonic distortions, German influences, and the splendors of
the second Globe may come to some extent between Fludd’s engraving and Shakespeare’s
original theatre, there can be no doubt that this Hermetic philosopher has shown us more of it
than we have ever seen before. Fludd is in fact the only person who has left us any visual
record at all of the stage on which the plays of the world’s greatest dramatist were acted.”
[YATES, 1984, p. 352]
77
Do original em inglês: “[...] first through the shapes of the five column bases which he
mentions; and secondly through his strong insistence that there were five entrances to the
frons scaenae”. [YATES, 1984, p. 354-355]
018 | 2_ Plano sugerido do Globe Theatre
No quadrado representado por Yates, está tanto o palco,
como a ‘tiring house’ como um possível espaço para
atuação. Segundo Yates,
“[...] a parte disto em frente à frons scaenea é um
retângulo que sobressai para fora no meio do pátio. A frente
do palco está no diâmetro do pátio, da mesma maneira que o
proscenium do palco clássico
78
estava no diâmetro da
orquestra.”
79
[YATES, 1984, p. 358, tradução nossa, nota de
rodapé nossa]
Esse modelo se assemelha em muitos pontos ao teatro
vitruviano, tal qual apresentado como modelo de referência
para o teatro de Giulio Camillo. No contexto de Fludd é
interessante observar que,
“No Renascimento italiano, essa
imagem Vitruviana do Homem dentro do quadrado ou do círculo se
tornou a expressão favorita da relação do microcosmo ao
macrocosmo.”
80
[YATES, 1984, p. 359, tradução nossa] Uma referência
para Fludd que se reflete, por exemplo, nas suas elaborações
78
Refere-se ao teatro de Vitruvius.
79
Do original em inglês: “[...] the part of it in front of the frons scaenea is a rectangle jutting
out into the middle of the yard. The front of the stage is on the diameter of the yard, just as
the proscenium of the classical stage was on the diameter of orchestra.” [YATES, 1984, p. 358]
128
80
Do original em inglês: “In the Italian Renaissance, this Vitruvian image of Man within the
square or the circle became the favourite expression of the relation of the microcosm to the
macrocosm.” [YATES, 1984, p. 359]
129
acerca das ‘arte redonda’ (ars rotunda) e ‘arte quadrada’ (ars
quadrata).
A crença numa correspondência do macrocosmo e do
microcosmo, de uma estrutura harmônica do universo,
estaria relacionada às idéias pertencentes às antigas
raízes da Arte da Memória clássica e às suas
interpretações na filosofia e teologia medievais que
adquiriram novas expressões visuais no renascimento.
Nesse contexto, segundo Yates,
“O sistema Teatro da memória de Fludd surge dentro de uma
filosofia que é intrinsecamente derivada da mais primeira
Tradição Renascentista. E ele usa o tipo de teatro que tinha
abrigado a suprema realização de um Renascimento tardio.
Quando refletimos o melhor que podemos acerca desta
comparação, começa a parecer depois de tudo historicamente
correto depois de tudo que o sistema Hermético da memória
de Fludd deveria se espelhar no Globe.”
81
[YATES, 1984, p.
367, tradução nossa]
O ‘Teatro Sistema da Memória’ de Fludd, apresenta-se
como o último expoente mais significativo da Arte da
Memória Renascentista e de tradição Hermética.
Analisando sistematicamente o ‘Teatro Sistema da
Memória’ a partir de cada um dos princípios de nossa
estratégia metodológica, que contempla características que,
observadas em um sistema, podem ajudar a classificá-lo
como complexo, podemos considerar que:
(1) No que se refere ao Aspecto de armazenagem
(relacionado ao espaço como estrutura de
armazenagem pensada para ser universal), o Teatro
– que é na verdade para Fludd um palco,
representa o próprio ‘espaço-lugar da memória’ de
armazenagem de conteúdos. Ainda, esse teatro-
sistema de Fludd constitui uma estrutura universal
de armazenagem de conteúdos inscritos como
81
Do original em inglês: “Fludd’s Theatre memory system arises within a philosophy which is very
closely derivative from the earlier Renaissance Tradition. And it uses the type of the theatre
which had housed the supreme achievement of a very late Renaissance. When we meditate as
best we can on this comparison, it begins to seem after all historically right that Fludd’s
Hermetic memory system should reflect on the Globe.” [YATES, 1984, p. 367]
códigos: não existe um teatro específico, o sistema-
teatro de Fludd é um modelo universal.
(2) No que se relaciona ao Aspecto multimídia (esse
aspecto se refere à estruturação do acesso e
armazenagem de imagens, textos e sons a que o
espaço é capaz de dar suporte) os artifícios
mnemônicos utilizados por Fludd como relacionar às
cinco portas – entradas para conteúdos
armazenados –, cinco diferentes cores, é o que
estrutura o acesso à informação armazenada.
(3) No que se refere ao Aspecto espacial (o foco aqui
está no uso do espaço como um princípio de
organização que determina o gerenciamento de
dados) o Teatro de Fludd, enquanto um sistema
universal para armazenar informação, utiliza o
espaço como suporte, como meio que determina como
acontecerá o acesso e o gerenciamento dos dados,
das informações armazenadas. O espaço é sem
dúvida o princípio de organização do ‘Teatro
Sistema da Memória’, um verdadeiro sistema-
organização. Nesse sistema, podemos medir a
organização, por exemplo, pela evidência das
relações de condicionalidade entre os elementos, ou
seja, uma função das relações entre os elementos –
entre as informações armazenadas e os elementos
inscritos no espaço relacionados a partir de
princípios mnemônicos.
(4) No que se relaciona ao Aspecto combinacional (esse
último aspecto se aproxima do princípio do
hipertexto, baseado na capacidade do espaço de dar
suporte a um fluxo dinâmico e não-linear de
gerenciamento de conteúdos hipermídia) o palco do
Teatro Sistema da Memória’ de Fludd se apresenta
como o lócus concebido sistema que organiza, em
uma rede de inter-relações e interconexões não
lineares, a combinação de conteúdos, a partir de
signos e significados a eles relacionados
incorporados de uma tradição mágico-hermético-
cabalística renascentista.
130
131
Os teatros de Fludd e Camillo são basilares para nossa
abordagem da relação entre Arte da Memória e
Arquitetura. A análise dos projetos do Renascimento
proporcionou um entendimento da lógica dos Teatros da
Memória, a partir da entrada da Arquitetura, evidenciando
o caráter espacial como elemento fundamental no processo
de memorização. Além, permitiu construir uma base do
entendimento da Arte da Memória nesse período,
preparando nossa próxima abordagem.
135
3.1_ars memorativa: ars contemporânea
“Assim que damos os primeiros passos no ‘data space’,
descobrimos que existiram muitos prévios ocupantes. Artistas
estiveram aqui antes. O Teatro da Memória de Giulio Camilo (o
qual ele realmente construiu em madeira, chamando-o um
‘corpo e alma construído’) é um exemplo. A Divina Comédia de
Dante é outro. Relações fascinantes entre tecnologias antigas
e modernas se tornam evidentes.“
1
[VIOLA, 2002, p. 106,
tradução nossa]
Estamos vivendo atualmente, num contexto de profundas
mudanças nas formas como pensamos, agimos, nos
comunicamos, vivemos. Muitas dessas mudanças estão
relacionadas ao contexto da cultura digital, que vem nos
apresentar outras formas de percepção e ação, em
detrimento das que estamos acostumados, através de
nossos olhares disciplinares.
Junto a esse cenário, observa-se atualmente uma
tendência de resgate de tradições antigas, como é o caso
da Arte da Memória em aplicações de Arte digital, mais
especificamente em instalações de realidades mescladas
2
,
visando à estruturação de instalações de caráter espacial,
com relações bastante estritas entre tecnologia, ciência e
arte.
Relacionando conteúdos a representações espaciais
esquemáticas, através do uso de modelos mentais
estruturados, a Arte da Memória, utilizada desde a
antiguidade clássica, tem sido resgatada e aplicada em
explorações artísticas e arquitetônicas, enriquecendo o
1
Do original em inglês: “As we take the first steps into data space, we discover that there
have been many previous occupants. Artists have been there before. Giulio Camilo’s Memory
Theater (which he actually constructed in wood, calling it a ‘constructed body and soul’) is one
example. Dante’s Divine Comedy is another. Fascinating relationships between ancient and
modern technologies become evident.“ [VIOLA, 2002, p. 106]
2
‘Realidades mescladas’: tradução livre da autora do termo ‘mixed realities’ que, segundo Oliver
Grau “[...] centraliza-se correntemente na conexão entre espaços reais, incluindo suas
conformações em ação social e cultural, com processos imagéticos de ambientes virtuais.” [GRAU,
2003, p.245] (Do original em inglês: “[...] currently center on connecting real spaces, including
their forms of cultural and social actions, with image processes of virtual environments.”
[GRAU, 2003, p.245]. Ver: [GRAU, 2003, p.266]: Fleischmann and Strauss (2001); Ohta (1999) e
Broll (2001).
processo de percepção
3
, a aprendizagem, a memorização de
conteúdos, as possibilidades de construção de narrativas
não-lineares e a construção de memórias individuais e
coletivas em ambientes de realidades mescladas.
Podemos vislumbrar a partir do final dos anos 1960 e início
dos anos 1970, um cenário – impulsionado pela difusão dos
computadores pessoais – propício à explorações de
ambientes virtuais. Esse cenário representava a
possibilidade de investigações, por parte de arquitetos e
artistas, em um novo espaço – o ciberespaço
4
, que os
convidava a experimentações, muitas delas de caráter
espacial.
São diversos os exemplos de arquitetos de formação que
migraram para as artes digitais como forma de encontrar
um campo amplo de possibilidades de experimentação
relacionada a espaços híbridos, ambientes de realidade
mesclada. Muitos trabalhos produzidos desde os anos 1980,
chegando aos dias atuais, utilizam referências que vão da
Arte da Memória, passando pela cibernética e chegando às
ciências da complexidade. Um movimento de migração que
deixa evidente uma lacuna, uma falta na formação
convencional oferecida pela maioria das escolas de
Arquitetura – pensar processos para conceber
espacialidades híbridas no contexto da cultura digital.
Sobretudo a partir dos anos 1980, evidencia-se entre
artistas que utilizam os meios computacionais, um interesse
no uso da Arte da Memória como base referencial para a
produção artística. Uma exploração que tem suas raízes
nos anos 1960, nesse universo que mescla arte,
arquitetura, ciência e tecnologias, em compasso com o
desenvolvimento das tecnologias e meios computacionais,
como ilustra a exposição ‘Cybernetic Serendipity: The
3
Percepção: do latim perceptìo,ónis 'compreensão, faculdade de perceber'. Faculdade de
apreender por meio dos sentidos ou da mente; função ou efeito mental de representação dos
objetos; sensação, senso. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em:
<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=percep%E7%E3o>. Acesso em 20 nov. 2006.
136
4
Esse ‘novo espaço’ viria a ser chamado ciberespaço, termo cunhado por William Gibson no livro
Neuromancer, de 1984. William Ford Gibson nasceu em 17 de março de 1948 em Conway, Carolina
do Sul. Mudou-se dos Estados Unidos para o Canadá, aos dezenove anos. Desde 1972, vive em
Vancouver, Columbia Britânica. Gibson começou a escrever ficção enquanto freqüentava a
University of British Columbia, onde se graduou no Bacharelado em Literatura Inglesa.
Disponível em: <http://www.antonraubenweiss.com/gibson/gibson0.html>. Acesso em: 06 mar. 2006.
137
Computer and The Arts
5
, que teve curadoria de Jasia
Reichardt
6
.
Artistas contemporâneos e arquitetos, dentre os quais os
artistas Bill Viola
7
, Agnes Hegedüs, Jeffrey Shaw
8
, Monika
Fleischmann e Wolfgang Strauss, Tjebbe van Tjen
9
, e os
arquitetos Daniel Libeskind, Neil Spiller, Ranulph Glanville,
têm explorado o uso da Arte da Memória como processo
para estruturar e permitir acesso dinâmico a conteúdos
informacionais relacionados a espaços em trabalhos de arte
digital e arquitetura e também como processo de
aprendizado em escolas de arquitetura. São trabalhos,
5
Exposição internacional ‘Cybernetic Serendipity’, que explorava as relações entre tecnologia e
criatividade, realizada no Institute of Contemporary Arts, Nash House, The Mall, Londres, de 2
de agosto a 20 de outrubro de 1968. A exposição foi projetada por Franciska Themerson e
organizada por Jasia Reichardt em parceria com Mark Dowson (acessor tecnológico) e Peter
Schmidt (acessor musical). In: REICHARDT, J. Cybernetic Serendipity: the computer and the arts.
Studio Internacional. New York: Frederick A. Praeger Publishers, 1969.
6
Jasia Reichardt: escritora e curadora, Jasia Reichardt foi diretora assistente do Institute of
Contemporary Arts (1963-1971) e diretora da Galeria Whitechapel (1974-1976). Seus interesses se
concentraram nas relações das artes visuais com a ciência, a música e a literatura. Ela também
é conhecida por ter organizado a famosa ‘Cybernetic Serendipity’ (1968), uma das primeiras
exposições a explorar conexões entre arte e tecnologia. In: INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Emoção
Art.ficial 3.0: interface cibernética – participantes. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br.
Acesso em: 18 jul. 2006.
7
Bill Viola [1951 – ] Viola é amplamente reconhecido como um dos principais vídeo artistas na
cena internacional. Por mais de 30 anos ele criou vídeos, vídeo instalações arquitetônicas,
ambientes sonoros, performances de música eletrônica, e trabalhos para transmissão televisiva.
As vídeo-instalações de Viola envolvem o espectador [viewer] em imagem e som empregando
tecnologias de ponta e são distinguidas por sua precisão e simplicidade direta. Desde o início
dos anos 1970s, Viola usou vídeo para explorar o fenômeno do sentido da percepção como uma
via para o autoconhecimento. Seus trabalhos enfocam as experiências universais humanas,
nascimento, morte, o desdobramento de consciência e tem raízes na arte Oriental e Ocidental
assim como nas tradições espirituais, incluindo Zen Budismo, Sufismo islâmico, e misticismo
Cristão. Disponível em: <www.billviola.com>. Acesso em 02 jun. 07.
8
Jeffrey Shaw nasceu em Melbourne, Austrália em 1944. De 1962 a 1964 estudou arquitetura e
história da arte na University of Melbourne. Estudou escultura na Accademia di Belle Arti de
Brera em Milão e na St. Martin's School of Art, em Londres. Desde os anos 1960s Shaw foi um
dos pioneiros no uso da interatividade e da virtualidade em suas muitas instalações de arte.
Seus trabalhos foram exibidos nos principais museus e em festivais. De 1991 até 2003, foi
diretor do Institute for Visual Media no ZKM Center for Art and Media Karlsruhe, Alemanha.
Desde 2003 foi fundador e é co-diretor do Center of Interactive Cinema Research (iCinema) na
University of New South Wales, Sydney, Austrália. Disponível em: <http://www.jeffrey-
shaw.net/html_main/frameset-biography.php3>. Acesso em 02 jun. 2007.
9
Tjebbe van Tijen nasceu em Den Haag (Netherlands) 1944. Estudou escultura em Den Bosch,
Milano e London. Vários happenings e projetos de cinema expandido em London e cidades em
Netherlands 1965-1968. Fundou e foi curador do Documentation Center of Social Movements na
University Library of Amsterdam, 1973-1998 (agora International Institute of Social History em
Amsterdam). Nos anos setenta e oitenta ele projetou exibições em Vienna, Milano, Copenhagen,
Dortmund e Hamburg sobre ecologia, conflitos urbanos e cultura alternativa. Instalações
interativas que dramatizam assuntos históricos desde a metade dos anos oitenta: Imaginary
Museum of Revolution com Jeffrey Shaw (1988-1989), Orbis Pictus Revised com Milos
Vojtechovsky (1994-1996) e Neo-Shamanism com Fred Gales (1997-1998), Digital Papua com Fred
Gales (2003) exibida em Paris, Linz, Karslruhe, Amsterdam, Prague e Tokyo. Projetos de pesquisa
atuais e conferências sobre ' psico-geografia literária', bombardeio aéreo, mapeamento de
violência humana, linguagem visual, história das mídias e sistemas de ensino. Disponível em:
<http://imaginarymuseum.org/TJCV.html>. Acesso em: 20 jun. 2007.
alguns de caráter exclusivamente teórico e outros,
explorações práticas.
Arte da Memória, que foi assimilada de maneiras distintas
em cada época ao longo dos séculos, passou por várias
transformações, mas conservou em sua essência ao longo
do tempo, a questão da inter-relação de imagens e
lugares, como base para estruturar processos de
concepção e o próprio sistema onde usuários, espaços e
imagens são partes em um todo organizado para
estruturar e permitir acesso a conteúdos.
3.2_A idéia do Teatro
“A idéia de uma máquina, conceitual ou mecânica, que produza
saber inédito, é velha como o mundo. Agora a máquina existe,
se também não existe ainda o saber, se retorna aos modelos
primitivos.”
10
[ECO, 1988 apud Turello, 2006, tradução nossa]
A partir das observações a respeito da Arte da Memória
ligada a espaços, pretende-se construir um entendimento
inicial de aplicações contemporâneas que exploram a
questão do espaço utilizando a Arte da Memória como
referência. Construir um entendimento das conexões entre
a Arte da Memória e aplicações que utilizam meios e
tecnologias computacionais.
Um personagem importante para entender o resgate da
Arte da Memória é Giulio Camillo. Peter Matussek
11
,
pesquisador da Universidade de Humboldt, que se dedica a
estudos relacionados à Arte da Memória, explica que
Camillo
“[...] alimentou a visão de um Sistema universal de
Armazenagem e Recuperação [...]”
12
[MATUSSEK, 2006, p. 1, tradução
nossa].
O Teatro de Camillo pode ser ainda compreendido
como um sistema simultaneamente aberto e fechado,
passível de atualização.
10
Do original em italiano: “L’idea di una macchina, concettuale o meccanica, che produca sapere
inedito, è vecchia come il mondo. Ora la macchina c’è, anche se non c’è ancora il sapere, e si
torna ai modelli primitivi.” [ECO, 2006]
11
Peter Matussek. Dr. Phil. Peter Matussek nasceu em 1955. Estudou Filosofia, Literatura,
Psicologia e Pedagogia. Desde 1994, é professor no Kulturwissenschaftlichen da Humboldt
Universität Berlin. Disponível em: <http://www.perlentaucher.de/autoren/757.html>. Acesso em 20
nov. 2006.
138
12
Do original em Inglês: “[...] cherised a vision of a universal Storage and Retrieval System [...].”
[MATUSSEK, 2006, p. 1].
139
Conforme vimos no Capítulo 02, Camillo idealizou o projeto
de seu Teatro da Memória, pensado como um objeto que
constituía um sistema de aprendizado, a partir da
memorização espacial. Ele acreditava que, a partir do
acesso aos conteúdos armazenados e estruturados no
teatro as pessoas poderiam adquirir conhecimento
universal.
001 | 3_ Esquema do Teatro da Memória de Giulio Camillo. Athanasius
Kircher.
Mais recentemente, foi no contexto do desenvolvimento de
computadores que o nome de Camillo voltou à cena como
importante referência para se pensar a estruturação dos
espaços no ambiente dos computadores. Segundo Matussek,
“Foi apenas na era do computador que o nome de Camillo
reapareceu do esquecimento – primeiro esporadicamente em
uns poucos artigos especializados nos anos 1950, então com
crescente intensidade e entusiasmo até Camillo tornar-se um
verdadeiro herói de livros e congressos e mesmo em
programas de televisão
13
e publicações na internet.”
14
[MATUSSEK, 2006, p. 1, tradução nossa]
Um episódio teve papel decisivo nesse interesse revigorado
pela Arte da Memória e por Giulio Camillo nesse contexto.
Matussek relata que foi Ernest Gombrich, então diretor do
13
Bolzoni, Lina: Il Teatro della Memoria; television film, 1990.
14
Do original em Inglês: “It was only in the computer age that Camillo’s name reappeared out of
oblivion – at first sporadically in a few specialized articles in the fifties, then with increasing
intensity and enthusiasm, until Camillo became a real hero of books and congresses, and
television programmes and Internet appearances. [MATUSSEK, 2006, p.1]
Warburg Institut
15
, em Londres, quem forneceu o tratado
onde Camillo descreve seu Teatro da Memória à
historiadora Frances Yates. O estudo sobre o Teatro de
Camillo, com um desenho em planta de sua estrutura
baseado na descrição do tratado fornecido por Gombrich,
integrou a publicação a publicação do livro ‘The Art of
Memory’ por Frances Yates, em 1966, que se tornaria a
principal referência no século XX sobre a Arte da Memória.
O livro de Yates, que trata da história da Arte da
Memória, influenciou muitos autores e também artistas e
arquitetos, o que pode ser confirmado a partir do contato
com pesquisadores e artistas, no contexto da presente
pesquisa, em entrevistas realizadas. Uma das questões
direcionadas aos pesquisadores e artistas, indagava sobre
como haviam conhecido a Arte da Memória e quais eram
suas principais referências. Todas as respostas obtidas
indicaram Frances Yates e o livro The Art of Memory
como sua principal referência. Em resposta à referida
questão, o arquiteto e cibernético inglês Ranulph Glanville
afirmou:
“Quando eu era um estudante, o livro de Frances Yates The
Art of Memory era um dos que mais se falava a respeito. Eu
consegui fazer com que ela desse uma conferência
16
e de fato
organizei a última série de conferências que ela fez. Ela
escreveu uma versão reduzida para mim que está publicada na
AAQ.”
17
[GLANVILLE, 2007, tradução nossa, nota nossa]
Comentando ainda sobre a influência do trabalho de
Frances Yates, Glanville ao ser indagado sobre artistas ou
arquitetos que utilizam a Arte da Memória em seu
processo, afirmou:
15
Warburg Institute. O Warburg Institute é uma instituição de pesquisa vinculada à University of
London, School of Advanced Study. O instituto pesquisa principalmente os estudos da tradição
clássica, dos elementos do pensamento, da literatura, da arte e das instituições Européias que
se derivam do mundo antigo. Seu foco está no estudo das influências da antiguidade clássica
sobre todos os aspectos da civilização Européia. Abriga um Arquivo, uma Biblioteca e uma
Coleção fotográfica. Disponível em: <http://warburg.sas.ac.uk/institute/about.html>. Acesso em
21 jun. 2007.
16
O Professor Glanville refere-se à conferência proferida por Frances Yates, na Architectural
Association – AA em Londres em 1980, que se intitulou:Architecture and the Art of Memory’.
Posteriormente essa palestra fez parte de um número da publicação AAQ – Architecture
Association Quarterly Volume 12, n. 4, 1980, cujo tema foi: DESCRIPTION: INVENTION: REALITY.
140
17
Do original em inglês: “When I was a student, Frances Yates book The Art of Memory was one
of the most talked about books. I managed to get her to give a lecture and in fact organised
the last lecture series she did. She wrote a short version for me that is published in AAQ.”
[GLANVILLE, 2007]
141
“Eu conheço muitos que se referem a Yates, em particular.
Todo mundo que estudava comigo faz! E isso são muitas
pessoas ao redor do mundo, mas talvez especialmente na AA
e na Bartlett
18
em Londres. Claro que, também as pessoas
que não estudavam comigo usam a referência e alguns dos
conceitos.“
19
[GLANVILLE, 2007, tradução nossa, nota nossa]
Nesse cenário de resgate do uso da Arte da Memória
atualmente, está sendo realizado um interessante trabalho
através de um Projeto de Pesquisa Interdisciplinar da
Universidade de Humboldt, chamado ‘Kulturen des
Performativen’.
Segundo os pesquisadores responsáveis, o projeto de
pesquisa interdisciplinar, ‘Kulturen des Performativen'
“[...]
objetiva investigar a relação entre performatividade e textualidade.”
[SFB-PERFORMATIV, 2006].
O projeto investiga em particular a
significância e funções performativas adquiridas durante as
transformações principais na história das mídias. De um
modo geral, o trabalho de pesquisa dos projetos individuais
dos integrantes do Departamento Especial de Pesquisa,
procura responder a questões maiores que concernem às
relações da performatividade com as mídias: a percepção,
os rituais, o gênero, o conhecimento e a ciência. Esses
assuntos são explorados dentro de grupos de
funcionamento interdisciplinares para os quais todos os
membros contribuem.
Uma das ramificações do grupo realiza um trabalho de
pesquisa chamado Computers as Theatre of Memory,
coordenado pelos pesquisadores Peter Matussek e Kirsten
Wagner. Um dos interessantes produtos da pesquisa é um
banco de dados chamado Theatri della MemoriaTheatres
of Memory
20
. O grupo formulou um banco de dados que
gerou uma linha do tempo com vários trabalhos
18
Aqui Glanville refere-se à Architectural Association School e à Bartlett School of
Architecture, duas importantes instituições de vanguarda no ensino de arquitetura sediadas em
Londres.
19
Do original em inglês: “I know of many who refer to Yates, in particular. Everyone I was a
student with does! That's a lot of people around the world, but perhaps specially at the AA
and at the Bartlett in London.
Of course, people who weren't student with me also use the reference and some of the
concepts.” [GLANVILLE, 2007]
20
O banco de dados Theatri della MemoriaTheaters of Memory está disponível online no
endereço: http://peter-matussek.de/Pro/F_04_Synopse/GT_Overview.html.
relacionados à Arte da Memória, englobando projetos e
publicações referentes ao tema.
Nesse trabalho foi feita uma divisão temporal que começa
no ano 1 e vai até 2004 e uma classificação em três
categorias: história das idéias, história da técnica e
teatros implícitos e explícitos, onde estão catalogados
textos, tratados, projetos e instalações, de acordo com as
categorias.
002 | 3_ Banco de Dados Theatres of Memory disponível online.
É interessante observar, a partir de uma análise preliminar
dessa tabela, que temos a emergência, a partir da década
de 1980, de vários projetos, com a temática dos teatros da
memória utilizada como metáfora computacional, talvez
impulsionados pela difusão dos computadores pessoais
nesse período. Segundo Kirsten Wagner,
“As primeiras
aplicações computacionais e instalações de mídia a qual resgataram o
histórico Teatro da Memória como modelo apareceram já no início dos
anos 1980”
21
. [WAGNER, 2006, tradução nossa]. Além dessa linha do
tempo, o grupo de Kirsten Wagner e Peter Matussek
promoveu em 2003, um workshop chamado: ‘The
Renaissance of Theatre of Memory’, e prosseguem
desenvolvendo pesquisas relacionando a Arte da Memória
aos meios computacionais.
A partir da ligação do resgate da Arte da Memória à
computação, Matussek completa apontando que, todavia, o
142
21
Do original em inglês: “The first computer applications and media installations which took up
the historical memory theatre as model have already appeared in the early 1980s.” [WAGNER,
2006]
143
que torna o estudo de Yates tão fascinante não é apenas
sua tentativa de desvendar os mistérios da Arte da
Memória, mas também uma hipótese que ela coloca em um
cauteloso aparte, em que sugere
“[...] a conexão essencial entre
essa combinacional construção de dados dos eruditos Renascentistas
e a operação dos atuais calculadores [computadores] digitais.”
22
[MATUSSEK, 2006, p. 2, tradução nossa].
Alguns pesquisadores como Umberto Eco
23
e Lina Bolzoni
24
,
citados por Matussek, concordam com essa hipótese de
Yates. Eco por exemplo, rotulou Camillo como um
‘programador cabalístico’ [ECO, 1988 apud
MATUSSEK, 2006,
p. 2] enquanto Lina Bolzoni chamou sua construção de
dados, com possibilidades infinitas de combinação entre
esses dados, de ‘o computador final’. [BOLZONI, 1991 apud
MATUSSEK, 2006, p. 2]
A relação apontada por Yates, conecta a Arte da Memória
à Combinatória de Leibniz e seu cálculo infinitesimal
diretamente relacionado ao desenvolvimento dos
computadores em meados do século XX. Segundo Norbert
Wiener,
22
Do original em inglês: “[...] the essential connection between this Renaissance scholar’s
combinational data construction and the operation of today’s digital calculator. [MATUSSEK,
2006, p. 2].
23
Umberto Eco, escritor italiano (Alessandria, Itália, 1932). A princípio, dedicava-se
principalmente a trabalhos de estética, com aceitação por parte dos estudiosos. Na ficção,
obteve grande êxito com o romance O Nome da Rosa (1981). Trabalhou como professor de
Comunicação Visual em Florença e de Semiótica em Milão. Nessa época, escreveu muitos ensaios
e livros sobre semiótica. Em 1971, tornou-se professor de Semiótica da Universidade de Bolonha.
Organizou o primeiro congresso da Associação Internacional para Estudos da Semiótica em 1974.
Ao longo de sua carreira, lecionou como professor visitante em instituições de ensino de vários
países. Disponível em: <www.themodernword.com/eco/eco_biography.html>. Acesse em: 20 jul.
2007.
24
Lina Bolzoni nasceu em Soresina (Cremona), foi graduada em 1970. É professora ordinária
desde 1987. Foi diretora do Instituto de Literatura italiana e do Departamento de Studi
italianistici da Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Pisa. Desde 2000 dirige o
Centro para “Elaborazione Informatica di Testi e Immagini nella tradizione letteraria" da Scuola
Normale. Desde 2001 coordena o projeto de internazionalizzazione ARTE. Foi convidada como
professora visitante da University of Harvard, da University of California em Los Angeles, da
New York University, do Collège de France e como aluna visitante do The Getty Center for the
History of Art and the Humanities, em Santa Monica (California). Em 1989 foi curadora da parte
inicial da mostra La fabbrica del pensiero. Dall'arte della memoria alle neuroscienze (Firenze,
Forte Belvedere; 1990 Parigi, Cité des Sciences et de l'Industrie). Desde 1993 é “pesquisadora
associada” da Villa I Tatti, The Harvard Center for Italian Renaissance Studies, Firenze. É
correspondente associada da Classe di Filologia e Critica Letteraria della Accademia Toscana di
Scienze e Lettere “La Colombaria” e sócia honorária da Società italiana para o estudo do
relacionamento entre ciência e literatura. Em 2005 foi eleita “membro honorário” da Modern
Language Association of America. Disponível em:
<http://www.sns.it/en/lettere/menunews/docenti/bolzoni/curriculum/>. Acesso em: 20 jun. 2007.
“As máquinas computadoras de Leibnitz eram apenas uma
derivação de seu interesse por uma linguagem de computação,
um cálculo raciocinante, que, por sua vez, era, em seu
espírito, apenas uma extensão da idéia de uma completa
linguagem artificial. Dessarte, mesmo no concernente à sua
máquina computadora, as preocupações de Leibniz eram
principalmente lingüísticas e comunicacionais.” [WIENER, 1954,
p.19]
Leibniz pensava nas máquinas computadoras, como
elementos que poderiam facilitar o conhecimento universal.
Nas palavras de Wiener, a filosofia de Leibniz,
“[...]
concentra-se em dois conceitos intimamente relacionados – o de um
simbolismo universal e de um cálculo de raciocínio. Destes descendem
a notação matemática e a lógica simbólica da atualidade. Pois bem,
assim como o cálculo da aritmética presta-se a uma mecanização que
vai do ábaco e da máquina de calcular de mesa às ultra-rápidas
máquinas de computar de nossos dias, do mesmo modo o calculus
ratiocinator de Leibniz contém os germes da machina ratiocinatrix, a
máquina de raciocinar”.[WIENER, 1970, p.37].
Wiener faz a ponte entre o cálculo de raciocínio de
Leibniz, que era a base para sua Machina Ratiocinatrix e a
notação simbólica e a lógica simbólica intimamente
relacionadas ao desenvolvimento do computador no século
XX – a machina computatorium.
3.3_MACHINA RATIOCINATRIX
25
A Arte da Memória, a associação de imagens e lugares a
conteúdos apresenta-se como mais uma chave para o
enriquecimento do processo de projeto no contexto da
Cultura Digital. Ratificando essa colocação, o professor
Glanville lecionando em uma escola com tradição de
vanguarda arquitetônica nos coloca que, sempre se refere
à Arte da Memória com seus alunos e que,
“Parece que, a
cada ano, isto, e conceitos relacionados ao teatro da memória etc.,
tornam-se mais pertinentes.”
26
[GLANVILLE, 2007]
25
Referência ao termo utilizado por Norbert Wiener referindo-se à maquina de raciocinar, em
alusão ao termo calculus ratiocinator utilizados por Leibniz. WIENER, N. Cibernética; ou contrôle
e comunicação no animal e na máquina. Tradução de Gita K. Ghinzberg. São Paulo: Polígono e
Universidade de São Paulo, 1970, p.37. [copyright, 1948]
144
26
Do original em Inglês: “It seems that each year it, and concepts related to memory theatre
etc, become more relevant.” [GLANVILLE, 2007]
145
O uso da Arte da Memória pode ser visto como uma
tentativa de se construir conexões interdisciplinares que
extrapolem os limites metodológicos da Arquitetura e da
Arte, contribuindo para uma ampliação da compreensão e
das possibilidades de intervenção criativa de arquitetos e
artistas, no design de espacialidades, sejam elas concretas,
virtuais ou de realidade mesclada.
Para tanto, é necessário estudar modelos que expressem
conexões interdisciplinares, como é o caso dos exemplos
selecionados no contexto da presente pesquisa.
Primeiramente, estudamos trabalhos em que se verifica o
uso da Arte da Memória como referência para estruturar o
acesso dinâmico a conteúdos, tratando de aplicações e
processos. As aplicações selecionadas incluem a descrição
do projeto Spatial Data Management System e o relato da
entrevista com a artista Monika Fleischmann, do grupo
MARS, sobre o seu processo criativo. Em seguida,
apresentamos dois exemplos selecionados que se destacam,
principalmente pela organização espacial e por utilizar como
base o modelo do teatro, o que sugere uma aproximação
com a Arquitetura. Os exemplos são: Memory Theatre One
de Robert Edgar e Memory Theater VR de Agnes Hegedüs,
ilustrando o caráter das abordagens em duas décadas do
século passado – 1980 e 1990.
3.3.1_Efeito Simonides: o Spatial Data
Management System’, MIT
“[...] por algum tempo agora, estivemos capazes de observar
uma mudança no modelo prevalente da memória humana assim
como da digital: de um repositório a um palco teatral.”
[BAARS apud MATUSSEK, 2006, p. 3, tradução nossa].
Essa colocação a respeito da memória nos remete a um
contexto, iniciado pelos campos de investigações da
Cibernética, da Teoria Geral dos Sistemas e Teoria
Matemática da Informação, nos anos 1940 e 1950, de
reflexões acerca dos desenvolvimentos das tecnologias de
informação e comunicação. Segundo Pierre Lévy
27
,
“Os primeiros computadores (calculadoras programáveis
capazes de armazenar os programas) surgiram na Inglaterra e
nos Estados Unidos em 1945. Por muito tempo reservados aos
militares para cálculos científicos, seu uso civil disseminou-se
durante os anos 60. Já nessa época era previsível que o
desempenho do hardware aumentaria constantemente. Mas que
haveria um movimento geral de virtualização de informação e
da comunicação, afetando profundamente os dados
elementares da vida social, ninguém, com a exceção de alguns
visionários, poderia prever naquele momento.” [LÉVY, 1999, p.
31]
Os desenvolvimentos acerca das tecnologias e usos dos
computadores representaram transformações no modo como
a informação é tratada. Matussek observa que a memória
deixa de ser um depositório passivo para depósito e
retirada e além, a memória passa a se comportar de forma
muito mais dinâmica como num ‘palco teatral
28
’, passível de
atuações. Falando a respeito da memória digital, Matussek
afirma que,
“No despertar dos avanços em aplicações interativas, a
função da Tecnologia digital é não mais descrita meramente
em termos de ‘armazenagem e recuperação’, mas propriamente
em termos de desempenho de imagens em movimento”
29
.
[MATUSSEK, 2006, p. 3, tradução nossa].
Essa transformação na própria noção de memória artificial
– de depositório inerte a de organizações dinâmicas, como
verdadeiros sistemas –, implica interconexões no tempo de
fluxos de informações e de atualização de dados, que
podem se apresentar como imagens em movimento ou como
sons. Essa transformação só torna-se possível no
contexto do desenvolvimento das tecnologias
computacionais como meios para transmissão de mensagens
27
Pierre Lévy, nasceu em 1956, é Filósofo e Professor do Departamento de Hipermídia da
Universidade de Paris VIII. É também professor da Universidade de Ottawa, Canadá, e pensador
dos movimentos da tecnociência na atualidade. Tem formação em História das Ciências, Sociologia
e Filosofia com uma experiência técnica na realização de sistemas de informação inteligentes,
participou dos trabalhos da missão para a "Universidade da França" sob a responsabilidade de
Michel Serres.. In: LÉVY, P.. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora
34, 1999. (Coleção TRANS)
28
Uma publicação bastante influente tratando dos computadores a partir da metáfora do teatro
é o livro Computer as a Theatre, de Brenda Laurel, publicado em 1991.
146
29
Do original em inglês: “In the wake of advances in interactive applications, the function of
digital technology is no longer described merely in terms of ‘storage and retrieval’, but rather
in terms of the performativeness of images in motion. [MATUSSEK, 2006, p. 3].
147
tratando a memória [computacional] como organização
dinâmica. As mudanças que se iniciam nos anos 1940 com a
Cibernética, a Teoria dos Sistemas e a Teoria da
Informação e Comunicação, fazem a ponte entre os
conhecimentos da Arte da Memória, dos loci et imagines
através do pensamento de Leibniz, em um primeiro
momento, e as explorações em aplicações interativas
criadas em sistemas computacionais, que emergiram a partir
dos anos 1960, em centros de pesquisa como, por exemplo,
o Massachusetts Institute of Technology, vinculados ao
Silicon Valley
30
, nos Estados Unidos.
É nos anos 1970 que mudanças nas aplicações
desenvolvidas para os meios computacionais, começam a
estimular experimentação de caráter interativo. Essas
alterações devem-se muito a um movimento nascido na
Califórnia, Estados Unidos, que como afirma Lévy,
“[...]
apossou-se das novas possibilidades técnicas e inventou o
computador pessoal.” [LÉVY, 1999, p.31]
O desenvolvimento do computador pessoal, principalmente
Apple 2, de 1976, proporcionou a possibilidade de
realização de experiências artísticas a partir da
computação, já que permitia ao usuário duas atividades
principais: programar em Basic e jogar. Além disso, ele
trazia a possibilidade de uso de disquetes que, segundo
Lévy,
“[...] tinham uma capacidade de memória infinitamente superior
às das fitas cassete.” [LÉVY, 2001, p. 47]
Com estas facilidades foram otimizados os tempos de
leitura e acesso às informações em relação às
possibilidades disponíveis na época. Assim, afirma Lévy,
“Como resultado, numerosos programadores, tanto aprendizes como
mestres, começaram a produzir programas no e para o Apple 2.”
[LÉVY, 2001, p. 47-48]
Esse contexto se mostrou propício para
30
Silicon Valley se irradia em torno da Stanford University em direção às cidades adjacentes de
Palo Alto e Menlo Park. Estão estabelecidas nessa área, aproximadamente 2000 empresas de
eletrônicos e tecnologia da informação, junto das quais numerosas firmas de serviços e
suprimentos. O vale apresenta a concentração mais densa de indústrias inovadoras que existe
em qualquer lugar no mundo, inclusive companhias que são os líderes na área de computadores,
semicondutores, laser, fibra ótica, robótica, instrumental médico, gravação magnética, eletrônicos
educacionais e de consumo In: TAJNAI, Carolyn E. FRED TERMAN, THE FATHER OF SILICON
VALLEY. Stanford Computer Forum, Stanford University. Stanford, California, May, 1985.
Disponível em: <http://www.siliconvalley-usa.com/about/terman.html>. Acesso em: 20 jul. 2007.
diversas explorações desse novo meio que estava se
configurando.
Abordando a questão do desenvolvimento das tecnologias
de interfaces ao resgate do uso da Arte da Memória
aplicada a esses desenvolvimentos, temos um marco
importante justamente nesse período dos anos 1970. No
final dos anos 1970, foi desenvolvido o ‘Spatial Data
Management System’ [Sistema Espacial de Gerenciamento
de Dados], por Richard Bolt
31
e Nicholas Negroponte
32
no
MIT. Segundo Randall Packer e Ken Jordan, editores do
livro ‘Multimedia: From Wagner to Virtual Reality’, o
psicólogo Richard Bolt é uma das figuras mais influentes
no campo das interfaces multimodais – interfaces que
possibilitam ao usuário interagir com um computador
através de gestos manuais e falar, preferivelmente a um
teclado e um mouse. Bolt integrou o corpo de
pesquisadores do Arch-MAC – Architecture Machine Group
do Massachusetts Institute of Technology, na década de
1970, que mais tarde deu origem ao MIT Media Lab. O
Architecture Machine Group constituiu um centro onde
emergiram diversos avanços tecnológicos e paradigmas
conceituais que definem a interface humano-computador. Foi
no Arch-MAC que Bolt projetou o ‘media room’ sob a
direção de seu colaborador Nicholas Negroponte. Assim
como Negroponte, Richard Bolt foi um dos membros
fundadores do MIT Media Lab, onde continuou seus
trabalhos liderando o Advanced Human Interface Group.
31
Richard A. Bolt foi um dos membros fundadores do MIT Media Lab, chefiando o Advanced
Human Interface Group, ajudando a lançar depois o Lab's Things That Think (TTT) Consortium.
Antes disso, foi membro do Architecture Machine Group, precursor do atual Media Lab. Ele
dissertou nacional e internacionalmente sobre tópicos de computador, e é autor de The Human
Interface, publicado por Van Nostrand. Disponível em: <http://web.media.mit.edu/~bolt/>. Acesso
em: 20 jun. 2007.
148
32
Nicholas Negroponte é o fundador e presidente da associação não-lucrativa OLPC - One
Laptop per Child. É professor do MIT onde foi co-fundador e diretor do MIT Media Laboratory.
Diplomado do MIT, Nicholas é pioneiro no campo do design auxiliado por computador, e é membro
da faculdade do MIT desde 1966. Concebido 1980, o Media Laboratory abriu suas portas em 1985.
Ele também é autor do best-seller de 1995, Being Digital que foi traduzido em mais de 40
idiomas. In: NEGROPONTE, N. Biography. Disponível em:
<http://web.media.mit.edu/~nicholas/>.Acesso em: 20 jun. 2007.
149
003 | 3_ Experiência de um interator no ‘Media Room’ do Architecture
Machine Group, MIT, 1980.
Nicholas Negroponte em seu livro ‘A vida digital’, coloca
que o objetivo do projeto era produzir uma interface que
fosse capaz de
“[...] levar computadores diretamente a generais,
presidentes de companhias e crianças de seis anos de idade.”
[NEGROPONTE, 2000, p. 100]
Nessa proposta o usuário – ao
mesmo tempo interator –, era colocado em um ambiente
que podia ser definido como uma interface computacional
que reagia a comandos de voz, gestos e olhar. Sentado em
uma cadeira, apontando para objetos que apareciam em uma
tela projetada, e falando comandos que moviam objetos
gerados por computador para localizações específicas, ao
que chamaram sistema ‘put-that-there’ [‘pôr-isso-lá’]. O
usuário desse sistema tinha a possibilidade de
“[...] visitar
arquivos pessoais, cartas, livros eletrônicos, mapas produzidos por
satélites e toda uma gama de novos tipos de dados (como por
exemplo, um videoclipe de Peter Falk em “Columbo” ou uma coleção de
54 mil fotos de arte e arquitetura).” [NEGROPONTE, 2000, p. 108]
Para pensar essa estrutura, segundo relata Bolt,
“[...] tentamos radicalmente reajustar as configurações como
um 'envoltório informacional’ no qual o usuário está
diretamente comprometido com dados incorporados diante da
visão, som, e toque, dados que habitam um mundo ‘virtual'
espacialmente definido que pode ser interativamente
explorado e navegado.”
33
[BOLT, 2002, p.190, tradução nossa]
Nesse artigo de 1979, Bolt descreve a interface pensada, o
media room’s spatial data-management system’ [SDMS]. O
SDMS, como era denominado o sistema, foi o primeiro
sistema hipermídia a organizar informação para recuperação
dentro de um ambiente tridimensional virtual. Segundo
Packer e Jordan,
“SDMS adquiriu uma aproximação significativamente diferente
da hipermídia do que aquela adotada por Vannevar Bush, Ted
Nelson, e Douglas Engelbart, que tinham concebido isto como
um modo de unir objetos de mídia a um outro por meio de um
índice. Alan Kay continuou nesta tradição quando apresentou
o GUI, que usava ícones organizados em uma superfície
desktop’ achatada para representar corpos de informação.
SDMS, no entanto, instigou desenvolvimentos em realidade
virtual, os quais levaram Bolt e Negroponte a considerar como
dados poderiam ser apresentados como símbolos dentro de
um insinuante, multisensório, ambiente navegável.”
34
[PACKER,
JORDAN, 2001, p.186, tradução nossa]
O SDMS contava com o que Bolt chamou de ‘Efeito
Simonides’. Bolt relata que o ‘segredo de Simonides
[BOLT, 2002, p.188], o qual, como professor de retórica
compartilhou com seus estudantes, consistia em
“[...] ligar a
cada sucessiva parte de um poema a ser recordado ou um discurso, a
um local específico dentro de um pavimento mental de um templo real
ou imaginado. Ao redor do pavimento do templo estavam estátuas,
servindo para aumentar a imagem de nichos ou esquinas específicos.”
35
[BOLT, 2002, p.188, tradução nossa].
O Architecture Machine
Group propôs em 1976 ao Cybernetic Technology Office da
United States Defense Advanced Research Projects
Agency (ARPA) um programa de pesquisa estruturado sob
o título ‘Augmentation of Human Resources in Command
33
Do original em inglês: “[...]we have attempted radically to recast the setting as an
‘informational surround’ wherein the user is directly engaged with data bodied forth in vision,
sound, and touch, data inhabiting a spatially definite ‘virtual’ world that can be interactively
explored and navigated.” [BOLT, 2002, p.190]
34
Do original em inglês: “SDMS took a significantly different approach to hypermedia than the
one pursued by Vannevar Bush, Ted Nelson, and Douglas Engelbart, who had conceived of it as
a way to link media objects to one another through an index. Alan Kay continued in this
tradition when he introduced the GUI, which used icons arranged on a flat ‘desktop’ surface to
represent bodies of information. SDMS, however, drew on developments in virtual reality, which
led Bolt and Negroponte to consider how data might be presented as symbols within an
engaging, multisensory, navigable environment.” [PACKER, JORDAN, 2001, p.186]
150
35
Do original em inglês: “[...] to tie each successive part of a to-be-remembered poem or speech
to a specific locale within the mental floor plan of either an actual or imagined temple. Around
the floor of the temple were statues, serving to augment the imagery of specific niches or
corners.” [BOLT, 2002, p.188]
151
and Control through Multiple Media Man-Machine
Interaction’ onde, intrínseco ao conjunto de estudos
esboçados no projeto, estava um estudo que recordava os
antigos princípios do uso de alusão espacial como um
auxílio ao desempenho e à memória – era esse o ‘Efeito
Simonides’ com o qual contava o SDMS. Segundo Bolt,
“O mundo espacial do SDMS consiste em um único plano. A
superfície chamada ‘Datalândia', é apresentada ao usuário em
dois aspectos: (1) ela é continuamente visível ao usuário em
sua totalidade em uma vista ‘aérea’, de topo exibida em um
dos monitores, arbitrariamente situado à direita do usuário,
chamou de monitor ‘world view'; e (2) Simultaneamente, um
pequeno subsetor da superfície Datalândia é exibido na tela
de dez pés de diagonal na frente do usuário, imensamente
aumentada e com lucro apreciável em detalhes.”
36
[BOLT, 2002,
p.190-191, tradução nossa]
Segundo Oliver Grau, para utilizar a Arte da Memória no
processo de estruturação do espaço virtual do ‘data-
management’, Bolt
“[...] tenta fundamentar o princípio de
distribuição espacial de dados em tradições estabelecidas da história
da arte, citando uma autoridade nada menos que Francis A. Yates e
seu distinto livro A Arte da Memória neste esforço."
37
[GRAU, 2003,
165-166, tradução nossa].
No que concerne à proposta do
Arch-MAC, é interessante observar que, a relação lógica
entre os aspectos (1) e (2) da ‘Datalândia’ se assemelha a
uma chave, que coloca uma imagem particular dentro de um
lugar amplo, e assim, a tela funciona simultaneamente como
uma janela e um espelho. Ainda, o monitor ‘world view
serve especificamente como um apoio navegacional à
movimentação do usuário-interator na ‘Datalândia’.
A interface do spatial data-management system, coloca
um novo uso, resgatando a antiga compreensão dos
manuais de retórica romanos, com a eficiência mnemônica
36
Do original em inglês: “The spatial world of SDMS consist of a single plane. The surface
called ‘Dataland’, is presented to the user in two aspects: (1) It is continuously visible to the
user in its entirety in an ‘aerial’, top-on view displayed on one of the monitors, arbitrarily
situated to the user’s right, called the ‘world view’ monitor; and (2) Simultaneously, a small
subsector of the Dataland surface is displayed on the ten-foot diagonal screen to the user’s
front, vastly enlarged and with appreciable gain in detail.” [BOLT, 2002, p.190-191]
37
Do original em inglês: “[...] tries to ground the principle of spatial distribution of data in
established traditions of art history, citing no less an authority than Francis A. Yates and her
distinguished book The Art of Memory in this endeavor.” [GRAU, 2003, 165-166]
envolvendo organizações topográficas de imagens mentais
[loci et imagines] e ‘inaugura’ uma série de obras
artísticas que retomam os conceitos da clássica Arte da
Memória, associada às tecnologias computacionais.
3.3.2_O processo criativo do grupo MARS: Arte
como processo
No campo das artes digitais, pode ser apresentado como
exemplo o processo criativo do grupo MARS, Frauenhofer
Institut, coordenado pelos pesquisadores e artistas
Wolfgang Strauss e Monika Fleischmann. Em entrevista
exclusiva concedida à presente pesquisa, Monika
Fleischmann relatou a influência da Arte da Memória no
processo de trabalho do grupo. Monika Fleischmann nasceu
na Alemanha em 1950. Estudou artes visuais, teatro e
computação gráfica. Desde 1992 ela é diretora artística do
Institute for Media Communication e desde 1997 é diretora
do MARS, um laboratório de explorações em mídias no
Fraunhofer Institute for Media Communication em Sankt
Augustin. Em 1999 iniciou com Giaco Schiesser e o grupo
Knowbotic Research um departamento de novas mídias na
University for Art and Design em Zurich. Em 1988 foi co-
fundadora do Art+Com em Berlin. O Art+Com era um
instituto de pesquisa para Mídia Arte assistida por
computador, Arquitetura e Design. Sua formação
multidisciplinar tem possibilitado seu trânsito no campo das
artes, ciências da computação e tecnologia de mídias.
De um modo geral, as pesquisas envolvem o design de
interfaces e novas formas de comunicação. Em sua
biografia disponibilizada pela organização Netzspannung –
media arts and electronic culture
38
, é relatado que o
trabalho da artista envolve
“O design de interfaces como um
brinquedo, uma ferramenta, um espaço e uma situação, é a base da
ação comunicativa e é a motivação para as explorações dela em
realidades mescladas – a ligação entre o espaço físico e o virtual.”
39
[NETZSPANNUNG, 2007, tradução nossa]
38
netzspannung.org é uma plataforma da Internet para produção artística, projetos de mídia, e
pesquisa intermídia. Com uma interface entre arte mídia, tecnologia das mídias e sociedade, ela
funciona como uma rede de artistas, designers, cientistas da computação e cientistas culturais.
Disponível em: <http://netzspannung.org/about/?lang=en>. Acesso em 22 jun. 2007.
152
39
Do original em inglês: “The design of interfaces as a toy, a tool, a space and a situation is
the bases of communicative action and is the motivation for her exploration of mixed realities –
the linking of physical and virtual space.” [NETZSPANNUNG, 2007]
153
Ela focaliza na interface entre corpos, arte e tecnologias,
ampliando a idéia de interação e comunicação combinando
com ambientes virtuais interativos, baseados em processos
perceptivos. Nas palavras da artista,
“Quero visualizar o
impacto da tecnologia na sociedade, entender que cada vez mais nós
habitamos dois mundos: um em que vivemos com nossos corpos e
outro dentro do computador.”
40
[FLEISCHMANN, 2007(a), tradução
nossa]
O interesse de Fleischmann pela Arte da Memória, ou mais
especificamente como ela mesma afirma na entrevista,
pelas ‘técnicas espaciais mnemônicas’, objetiva a construção
de espaços virtuais e visa dar orientação ao visitante
desse espaço. A intenção central é construir um ‘espaço de
conhecimento’ (space of knowledge) que possa ser
facilmente compreendido. Nas palavras da artista, ela
encontrou a Arte da Memória na busca por
”[…] conceitos e
idéias que são construídos por intuição. Ver alguma coisa e
compreender imediatamente o que fazer. Conceitos e idéias sobre
‘movimento’ porque a realidade virtual está em movimento
constante.”
41
[FLEISCHMANN, 2007, tradução nossa]
Questionada sobre como conheceu a Arte da Memória e
quais suas referências, Fleischmann relata que conheceu as
‘Metamorfoses’ de Ovídio, livro onde o poeta explorava o
conceito de metamorfose como um princípio universal que
explicava a natureza do mundo, o fato de que nada é
permanente. A artista também construiu uma compreensão
da Arte da Memória como um ‘sistema mnemônico espacial’
(spatial mnemonic system). Nas suas palavras, essa
compreensão implica em ter a noção de que
“estamos
predispostos a recordar coisas no contexto do espaço, mesmo onde
não existe conexão significante entre a coisa a ser recordada e o
lugar onde ela está localizada, então, recordar o espaço é um
poderoso desencadeador para relembrar a informação associada.
42
40
Do original em inglês: “I want to visualize the impact of technology on society, to understand
that increasingly we inhabity two worlds: the one we live in with our bodies and one inside
computers.” [FLEISCHMANN, 2007]
41
Do original em inglês: “[…] concepts and ideas which are built on intuition. See something and
understand immediately what to do. Concepts and ideas about "movement" because virtual
reality is ongoing movement.” [FLEISCHMANN, 2007]
42
Do original em inglês: “We are predisposed to remember things in the context of place, even
where there is no significant connection between the thing remembered and the place where it
is located, so that recalling the space is a powerful trigger to the recall of the associated
information.” [FLEISCHMANN, 2007]
[FLEISCHMANN, 2007, tradução nossa]. No que concerne ao uso do
método de loci, a pesquisadora faz referência ainda, ao De
Oratore e à história de Simônides de Ceos, inventando a
antiga mnemônica clássica – a relação entre imagens e
lugares. A respeito da relação entre imagens e lugares,
relata ainda que usou esse princípio
“[...] em Home of the Brain
para mostrar que você pode conseguir se orientar na Realidade
Virtual com formas e cores.”
43
[FLEISCHMANN, 2007], No entanto, na
entrevista concedida à presente pesquisa a artista afirma
que,
“Depois que construímos Home of the Brain (1989-92) nós
aprendemos que no Renascimento, neo-Platonistas
construíram templos virtuais da memória, teatros da memória,
espaços de pensamento, e espaços de armazenamento do
conhecimento para a sabedoria reunida de seu tempo, onde
muitas e várias - teoricamente infinitas – associações entre
objetos e lugares da memória poderiam ser combinadas e
pensadas. Navegação mental, imaginária através desses
espaços que também facilitavam processos combinatórios: a
ars combinatoria’ era o princípio intelectualmente produtivo
destes teatros da memória, por exemplo, o de Giulio Camillo,
de aproximadamente 1550, que se tornou novamente conhecido
através de Frances A. Yates e seu livro ‘The Art of
Memory’, Chicago, 1966. Aby Warburg tentou mostrar no seu
Mnemosyne-Atlas com agrupamentos visuais de vizinhanças
próximas, 1924-1929, como o mundo antigo ainda está vivo na
cultura européia. Tentamos fazer algo semelhante no Home of
the Brain sem saber sobre o Mnemosyne-Atlas de Aby
Warburg (foi reconstruído pela primeira vez em 1993/94). A
pergunta principal no Home of the Brain (1989-92) era: Como
estruturar o espaço virtual? A instalação de arte de
realidade virtual antecipou paradigmas que hoje ainda estão
no âmago das discussões relativas à comunicação de mídia.
Essas incluem a organização da informação, informação unindo
e interagindo com espaço virtual e telepresença, como também
orientação, navegação através do espaço virtual. Em 2004 nós
aprendemos com Peter Matussek sobre ‘A mudança
performativa: sabedoria como jogo’. Com isso em mente
trabalhamos em ‘Murmuring Fields’ e também ‘Knowledge
Space to enter’, ‘Energy-Passages’ e ‘Media flow’ […].”
44
[FLEISCHMANN, 2007, tradução nossa]
43
Do original em inglês: “[...] in Home of the Brain to show that you can get orientation in
virtual reality with forms and colors.” [FLEISCHMANN, 2007],
154
44
Do original em inglês: “After we had built Home of the Brain (1989-92) we learned that in the
Renaissance, neo-Platonists constructed virtual temples of memory, memory theaters, spaces of
thought, and storage spaces of knowledge for the collected wisdom of their time, where many
and various—theoretically infinite— associations between objects and memory locations could be
combined and thought. Mental, imaginary navigation through these spaces that also facilitated
combinatory processes: ‹ars combinatoria› was the intellectually productive principle of these
memory theaters, for example that of Giulio Camillo, circa 1550 who became known again through
155
Duas referências centrais para o trabalho do grupo MARS
são a obra de Aby Warburg
45
, ‘Mnemosine Atlas’ e o
Teatro da Memória de Giulio Camillo. De um modo geral, a
artista afirma ter utilizado as noções da Arte da Memória
nos seguintes trabalhos: Murmuring Fields, Knowledge
Space to enter, Media flow, Semantic Map,"Matrix-
Browser with PointScreen, netzspannung.org, e Energy-
Passages.
A artista afirma ainda que utilizam a Arte da Memória
‘intuitivamente’ para conceber o que chama ‘sistemas
mnemônicos espaciais’,
“[...] estruturar para ajudar o usuário a
não se perder.”
46
[FLEISCHMANN, 2007, tradução nossa] Afirma ainda
que o objetivo central dos trabalhos desenvolvidos pelo
grupo são ‘interatividade e comunicação’.
3.3.3_Teatros da Memória: exemplos de
aplicação
3.3.3.1_‘Memory Theatre One’ | 1985
Robert Edgar foi um dos primeiros artistas a utilizar
programação em computadores pessoais para a prática de
arte. Entre seus principais trabalhos artísticos feitos no
Frances A. Yates and her book The Art of Memory, Chicago, 1966. Aby Warburg tried to show
in his Mnemosyne-Atlas with visual clusters of next neighbours, 1924-1929, how the ancient
world is still alive in european culture. We tried to do something similar with Home of the Brain
without knowing about Aby Warburgs Mnemosyne-Atlas (it was reconstructed the first time in
1993/94). The main question in Home of the Brain (1989-92) was: How to structure virtual
space? The virtual reality art installation has anticipated paradigms that today are still at the
very heart of discussions relating to media communication. They include the organisation of
information, information linking and interacting with virtual space and telepresence as well as
orientation in and navigation through virtual space. In 2004 we learned from Peter Matussek
about ‘The performative turn: wisdom as play’. With this in mind we worked on ‘Murmuring
Fields’ and also the ‘Knowledge Space to enter’: ‘Energy-Passages’ and ‘Media flow’ […].”
[FLEISCHMANN, 2007]
45
Aby M. Warburg. Nasceu em 1866 em Hamburgo. Morreu em 1929 em Hamburgo. Em 1886 estudou
em universidades em Bonn, Munich e Straßburg. Em 1891, concluiu o PhD em Straßburg sobre
Botticelli. De 1893-1895 estudou em Florença. Seguindo Jakob Burckhardt, passou a sentir
crescentemente as limitações de uma abordagem estilística à história da arte e buscou contato
com emergente Kulturwissenschaft dos antropólogos. Em 1900 funda a ‘Warburg-Library for
Cultural Science’ e em 1912 é nomeado Professor da recém estabelecida University of Hamburg.
Disponível em: <httphttp://www.medienkunstnetz.de/artist/warburg/biography/>. Acesso: 03 jun.
2007.
46
Do original em inglês: “[...] to structure in order to help the user not to get lost.”
[FLEISCHMANN, 2007]
computador estão, Memory Theatre One (1985), Living
Cinema (1988), Sand, ou How Computers Imagine Truth in
Cinema (1994), e Memory Theatre Two ainda em
desenvolvimento (2003-atual).
Em entrevista concedida para a presente pesquisa, Edgar,
falando sobre sua formação e influências, conta que
cresceu na Flórida, em Cocoa Beach, numa pequena ilha que
incluía Cabo Canaveral (hoje Cabo Kennedy) durante o início
do programa espacial norte americano. Sua mãe era artista
e professora de Artes e ele foi seu aluno no segundo
grau, juntamente com Robert Polidori
47
, que viria a tornar-
se fotógrafo.
O fotógrafo Robert Polidori teve um papel importante no
que se refere ao desenvolvimento das referências
artísticas de Edgar relacionadas à prática de arte e
especificamente da Arte da Memória. Ao ser questionado
sobre como conheceu a Arte da Memória, Edgar afirmou
que,
“Um amigo meu, Robert Polidori, me enviou uma cópia do "The
Art of Memory" de Frances Yates. Isto era início dos anos 1970. Eu
fui ler a maioria dos livros de Yates, junto com vários textos de
Giordano Bruno, e alguns outros.”
48
[EDGAR, 2007, tradução nossa]
Edgar cursou a Syracuse University's College of Visual
and Performing Arts, onde teve como mentores Dr. Larry
Bakke
49
e Dr. O. Charles Giordano, do extinto Department
of Synaesthetic Education. Segundo Edgar,
“A influência
desses professores sobre muitos artistas, incluindo Chuck Close
50
e
Bill Viola, não é trivial.”
51
[EDGAR, 2005, tradução nossa].
47
Robert Polidori. Nasceu em 1951, em Montreal, Canadá. Mudou-se para Nova Iorque em 1969,
onde começou a trabalhar como assistente do produtor de filmes Jonas Mekas na Anthology Film
Archives, produzindo vários filmes da avant-gard nos anos 1970. Em 1980 recebeu o M.A. pela
State University of New York em Buffalo, e passou a se dedicar à fotografia. Polidori cria
fotografias meticulosamente detalhadas, em grande escala de cor. Vive em Nova Iorque, tem
exibido seu trabalho nos Estados Unidos, França e Alemanha. Disponível em:
<http://www.flowerseast.com/FE/Artists_Originals.asp?Artist=POLIRO>. Acesso em: 20 jun. 2007.
48
Do original em inglês: “A friend of mine, Robert Polidori, sent me a copy of "The Art of
Memory" by Frances Yates. This was in the early 1970s. I went on to read most of Yates'
books, along with several texts by Giordano Bruno, a few others.” [EDGAR, 2007]
49
Larry Bakke. Larry Bakke nasceu em 1932, em Vancouver, Columbia Britânica, Canadá.
Trabalhou como educador de arte e pintor. Disponível em:
<http://www.askart.com/AskART/artists/biography.aspx?artist=10002363>. Acesso em: 20 jun.
2007.
50
Chuck Close (1940 - ) Nascido em Monroe, Washington, é um dos principais nomes associados
com Pop Art e Foto-Realismo. Ele é conhecido por seus retratos em preto e branco com grid,
"cabeças" das faces de pessoas que não são idealizadas, e desde o início dos anos 1960 esteve
entre os principais artistas da cena de arte contemporânea. Disponível em:
<http://www.askart.com/AskART/artists/biography.aspx?searchtype=BIO&artist=25837>. Acesso
em: 20 jun. 2007. Mais informações: http://www.chuckclose.coe.uh.edu/life/index.html.
156
51
Do original em inglês: “Their influence on many artists, including Chuck Close and Bill Viola, is
non-trivial.” [EDGAR, 2005]
157
Nessa época, Edgar era um estudante independente (o
primeiro no College of Visual and Performing Arts da
Syracuse University) e optou por fazer uma mudança para
‘cinegrafista principal’ no primeiro ano em que essa
modalidade de estudo foi oferecida. Ele se concentrou em
filme, música eletrônica, educação sinestética e vídeo, que
no momento era um novo meio para jovens artistas, como
ele mesmo relata. Foi nesse período em que era estudante
da Syracuse University que Robert Edgar teve acesso a
filmes cedidos pelo amigo Robert Polidori, que na época
trabalhava no recém inaugurado ‘Anthology Film Archives
em Nova York, que o influenciaram em sua formação.
Segundo o artista, que estava
“[…] especialmente atraído pelas
estratégias materialistas estéticas comuns a muitos desses filmes.”
52
[EDGAR, 2005, tradução nossa], eles o atraíam por existir um foco
“[…] na sensualidade do meio ele mesmo, rejeitando o foco usual no
conteúdo e na ação”
53
[EDGAR, 2005, tradução nossa]. Entre os
filmes cedidos por Polidori a Edgar estão trabalhos de
Harry Smith, Gregory Markopoulos, Michael Snow e Stan
Brakhage. Numa interessante reflexão do artista ele coloca
que, as técnicas utilizadas nesses filmes,
“[...] podiam ser e
foram usadas como as estratégias compositivas implicando algo único
para seus sentidos para além do meio. Uma vez que uma estratégia
compositiva tão formal é isolada em um trabalho de arte, ela se
torna parte do conteúdo do mundo;”
54
[EDGAR, 2005, tradução nossa].
Confirmando a influência dessas abordagens experimentais
em seu trabalho, em entrevista para a presente pesquisa,
Edgar relata que,
“Há uma tradição de filmes experimentais "diários", como
vários de Jonas Mekas e Stan Brakhage. Meu Memory Theatre
One ampliou aquela tradição para o estado da arte de
computadores pessoais de 1985. Eu capturei textos e (puxei)
imagens e os coloquei na arquitetura de minha obra, onde eu
poderia os revisitar e tentar entender por que eu sentia que
52
Do original em inglês: “[…] especially attracted to the aesthetic materialist strategies common
to many of these films” [EDGAR, 2005]
53
“[...] on the sensuality of the medium itself, avoiding the usual focus on content and acting.”
[EDGAR, 2005]
54
Do original em inglês: “[…] could be and were used as compositional strategies teasing
something unique from the medium out to your senses. Once such a formal compositional
strategy is isolated in an artwork, it becomes part of the content of the world;” [EDGAR, 2005]
eles estavam ambos inter-relacionados e importantes.”
55
[EDGAR, 2007, tradução nossa]
Em 1977 Edgar lecionou por um semestre na University of
South Florida (USF), em Tampa, substituindo o cineasta Will
Hindle. No entanto, não encontrando um trabalho
permanente como professor, Edgar trabalhou com o
psicólogo Bill Deterline por algum tempo criando cursos de
treinamento autodidático para as máquinas de ensinar
Beseler Cue/See”. Segundo Edgar,
“O Beseler era "interativo", mas o processo de desenvolver o
conteúdo para elas (as máquinas) era longo e caro. Tinham um
cartucho de película super-8 dentro, ao longo do qual uma
audiocassette e um microprocessador. O estudante assistia a
uma tela, escutava o áudio, e quando alertado, clicava uma
das quatro teclas para responder a perguntas de múltipla-
escolha. Bem, a interatividade era um tanto leve, mas para a
época era seminal.”
56
[EDGAR, 2005, tradução nossa]
O trabalho com Bill Deterline levou Edgar em 1978 ao
Silicon Valley. Por volta de 1982, Edgar compra a partir de
um anúncio da Sinclair na Scientific American, um
computador pessoal pequeno e barato, o ZX-81
57
. É nesse
momento que começa a produzir trabalhos experimentais
utilizando a tecnologia do ZX-81 - 16K de memória RAM, um
gravador cassette para aplicativos e armazenamento de
dados, e um livro - Sinclair BASIC. Os resultados de suas
experimentações nessa época, segundo o artista,
“[..] eram duas pequenas animações: “As almofadas” (2' 20",
1982) e “Anfíbio” (4'30", 1982). Eu mostrei estes em uma
mostra da faculdade no New College of California, onde eu
lecionei produção de filmes e estética. Quando ainda não podia
55
Do original em inglês: “There is a tradition of "diary" experimental films, such as several by
Jonas Mekas and Stan Brakhage. My Memory Theatre One extended that tradition to the 1985
state of the art of personal computers. I captured texts and (drew) images and placed them in
the architecture of my piece, where I could revisit them and try to figure out why I felt they
were both interrelated and important.” [EDGAR, 2007]
56
Do original em inglês: “The Beseler was "interactive", but the process of developing content
for them was long and expensive. They had a super-8 film Cartridge inside, along with an
audiocassette and a microprocessor. The student watched a screen, listened to the audio, and
when prompted, clicked one of four buttons to answer multiple-choice questions. Well, the
interactivity was a bit light, but for the time it was seminal.” [EDGAR, 2005]
158
57
ZX-81. O ZX-81, sucessor do ZX80, teve 8K ROM com 30 funções adicionais e algumas
instruções para o drive de impressão. O ZX-81 custava £30 libras a menos do que o ZX-80. O
console de plástico também era diferente, agora fabricado em plástico ABS preto. Além disso,
ele podia armazenar dados em fitas cassete. Disponível em: <http://www.old-
computers.com/museum/computer.asp?c=263>. Acesso em: 20 jun. 2007.
159
capturar imagens, isso foi interessante.”
58
[EDGAR, 2005,
tradução nossa]
Quando Neal Margolis
59
apresentou a Edgar a linguagem de
programação GraForth, que tinha sido usada por seu autor,
Paul Lutus
60
, em um trabalho onde conseguiu produzir
gráficos 3-D animados e música que rodava em um Apple II
de 1-mhz, Edgar comprou um ‘Apple //e’ e iniciou uma nova
fase de experimentações. É nessa época que começa a
trabalhar no projeto do seu ‘Memory Theatre One’.
58
Do original em inglês: “[…] were two small animations: *The Pads* (2' 20", 1982) and
*Amphibian* (4'30",1982). I showed these in a faculty show at New College of California, where I
taught filmmaking and aesthetics. While I still wasn't able to capture images, this was
interesting.” [EDGAR, 2005]
59
Neal Margolis, consultor de “human performance”. Foi editor convidado do Performance
Improvement Journal de fevereiro de 2004. In: The Silicon Valley Chapter of ISPI – International
Society for Performance Improvement, vol. 21, no. 6, June 2003. Disponível em: <
http://www.svispi.org/networker/2003/0603.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2007.
60
PAUL LUTUS nasceu em 1945. Em 1959 construiu sua primeira rádio pirata com a partir de
peças velhas de televisão. Em 1973 projetou a parte eletrônica do Space Shuttle da NASA. Em
1975 mudou-se para Oregon. Em 1977 comprou um Apple II, apenas para se divertir. Em 1978 criou
a primeira versão da ferramenta de edição de texto "Apple Writer". Em 1985 foi nomeado
cientista do ano pela Oregon Academy of Science. Disponível em:
<http://vps.arachnoid.com/lutusp/bio.html>. Acesso em 20 jun. 2007.
3.3.3.1.1_‘A Estrutura ‘Memory Theatre One
A idéia inicial de Robert Edgar para o seu ‘Memory
Theatre One’, que foi finalizado pelo artista e
programador em 1985, era a de capturar textos e iluminar
imagens, contrastando textos encontrados e meditações
pessoais.
004 | 3_Robert Edgar apresentando o Memory Theatre One em 1985.
A estrutura física do ‘Memory Theatre One’ consistia em
um anel de dois pavimentos com 12 pares de cômodos,
através dos quais o espectador poderia navegar vendo
imagens e lendo textos. Com a intenção de justapor um
texto e uma imagem estática, causando impacto, os textos
vinculados deveriam ser curtos. No entanto, o artista tinha
a intenção de disponibilizar textos longos vinculados às
imagens sendo acrescentada ao projeto uma biblioteca que
o espectador podia acessar e ler longas seleções e ainda o
que chamou de um ‘elemento de materialismo estético’ – um
‘Cômodo da Memória Adicional’.
160
161
005 | 3_ Estrutura do Memory Theatre One. Rotunda: Anel de dois
pavimentos com 12 pares de cômodos.
O artista Fred Truck
61
se refere ao ‘Memory Thetre One
de Robert Edgar como ‘uma metáfora interativa pós-
moderna’ em ensaio de 1986 sob o sugestivo título de
‘Meditações em uma Metáfora Interativa Pós-Moderna’.
Truck inicia a parte do ensaio em que trata
especificamente do trabalho de Edgar com as seguintes
colocações:
“Consideremos o Memory Theatre One: Uma Metáfora
Interativa Pós-Moderna por Robert Edgar como uma bem sucedida
aplicação artística no microcomputador.”
62
[TRUCK, 1987, tradução
nossa]
Edgar programou seu Memory Theatre One em uma
linguagem de programação Forth chamada GraFORTH
63
. O
61
Fred Truck, artista de Des Moines, Iowa, diretor do Electric Bank, uma base de dados online
de documentação de arte performance, design de sistemas para o ArtCom Electronic Network
produzido por LaMammelle em San Francisco. In:
<http://www.robertedgar.com/RBEGrid/Articles/MTREVIEW.HTM>
62
Do original em inglês: “Let us consider Memory Theatre One: An Interactive Postmodern
Metaphor by Robert Edgar as one successful artistic application of the microcomputer.” [TRUCK,
1987]
63
GraFORTH (ID: 7000/gra034) linguagem para o Apple ][ com AV primitives. Escrita por Paul
Lutus. Usada por Robert Edgar para sua obra de arte no computador "Memory Theatre One", foi
liberada para uso freeware por Lutus em 1992. Do manual: “Uma língua de gráficos reescrita
para a velocidade máxima. Traçar, linha, exposição do texto, imagem de caracteres e gráficos 3-
D de alta velocidade, com variedade de cores e de opções de desenhos. Inclui o sintetizador da
música”. Disponível em:
<http://hopl.murdoch.edu.au/showlanguage.prx?exp=7000&language=GraFORTH>. Acesso em: 13 jun.
2007.
Projeto estava contido em dois disquetes 5.25”
64
para o
computador ‘Apple ][‘ ou ‘Apple //e’, grafias para o nome
Apple II utilizadas para divulgação pelo fabricante à época
do desenvolvimento do trabalho de Edgar, o início dos anos
1980. O Apple II era um computador pessoal com 64K de
memória RAM, que requeria um monitor monocromático, dois
drives de disco e um manche ou um ‘Koalapad
65
conectados
à porta de jogos do computador.
006 | 3_ Configuração do Sistema. Destaque para os dois disquetes que
armazenavam o projeto.
007 | 3_ Robert Edgar manipulando o Koala Pad, conectado ao seu Apple II.
64
disquetes 5.25”: Unidade de disco de 5,25 polegadas
162
65
KoalaPad. O KoalaPad, projetado pelo Dr. David Thornburg, era muito popular nas escolas e
casas devido a seu preço baixo e facilidade de utilização. Era um suporte para desenho gráfico
digital produzido pela Koala Technologies. Foi projetado para os computadores Commodore, Apple
II, e Atari. Disponível em: <http://www.applefritter.com/node/149>. Acesso em 13 Jun. 2007.
163
O Memory Teatre One foi concebido para explorar os
recursos tecnológicos do Apple II mas, simultaneamente,
constitui uma subversão ao uso convencional dessa mesma
tecnologia. Edgar, como os fotógrafos experimentais a que
Villém Flusser se refere no livro ‘A filosofia da caixa
preta’
66
, deixa de ser ‘funcionário do aparelho’, subverte-o.
Segundo a pesquisadora Kirsten Wagner, com as
características pensadas por Edgar para seu teatro da
memória,
“[...] o Memory Theatre One se opõe a um modelo de memória
estático e passivo que é sugerido pelo próprio computador.
Para o modelo de memória do computador isso é o de um
simples mecanismo de armazenamento-recuperação. A esse
respeito, o Memory Theatre One é bastante subversivo. Usa
o computador como um dispositivo de armazenamento mecânico,
mas instala nele processos de recordação altamente
associativos, dinâmicos, e construtivos.”
67
[WAGNER, 2004,
tradução nossa]
Edgar inter-relaciona informações verbais e visuais, e
animação utilizando uma estrutura não-linear, incorporando
o acesso randômico às informações. Às imagens e aos
espaços está vinculada a animação. É possível alterar as
imagens mudando sua forma e utilizar essa estrutura
visual para, como coloca Truck,
“[...] acrescentar claridade e
especificidade aos seus textos verbais.”
68
[TRUCK, 1987, tradução
nossa]
Na estrutura concebida por Edgar, os dados estão
vinculados a uma estrutura espacial e são acessados pelo
usuário durante seu percurso pelos diversos cômodos e
pelas imagens e ícones contidos em cada um dos cômodos.
Depois que o programa é carregado, o usuário se encontra
em um cômodo com três portas, uma à esquerda, uma à
66
FLUSSER, V. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de
Janeiro: Relume Dará, 2002.
67
Do original em inglês: “[…] the Memory Theatre One opposes to a static and passive memory
model which is suggested by the computer itself. For the memory model of the computer is that
of a simple storage-and-retrieval-mechanism. In this respect, the Memory Theatre One is quite
subversive. It uses the computer as a mechanical storage device, but installs on it highly
associative, dynamic, and constructive processes of remembering.” [WAGNER, 2004]
68
Do original em inglês: “[…] to add clarity and specificity to his verbal texts, a clarity that the
poets often lack.” [TRUCK, 1987]
direita e a terceira na parede de trás. Esse cômodo onde
se inicia a interação é o Átrio do ‘Memory Theatre One’.
A porta à esquerda é a da Biblioteca, onde estão
armazenados volumes de diversos autores, dentre os quais
Claude Lévy Strauss e Frances Yates. A porta à direita
conduz ao ‘Cômodo da Memória Adicional’ onde há uma
estrutura como a de um relógio analógico à qual estão
vinculados 12 (doze) selos. Cada um dos selos representa
uma das primeiras 12 (doze) letras do alfabeto e quando o
cursor é colocado em cima de um selo, um texto é
revelado. A terceira porta, na parede posterior do átrio
conduz a um anel de cômodos no nível superior. A
estrutura funciona da seguinte maneira: o anel de dois
andares, cada andar com 12 cômodos, gira ao redor do
Átrio do Teatro da Memória, da Biblioteca e do ‘Quarto da
Memória Adicional’.
Os cômodos do topo têm, em cada um, imagens diferentes.
Navegando pelo cômodo, o usuário pode fazer com que um
texto apareça. Esses textos têm como relata Fred Truck,
“[…] notas autobiográficas curtas e memórias que são conectadas com
as imagens.”
69
[TRUCK, 1987, tradução nossa] Cada um dos
cômodos do anel superior tem três portas. As portas da
direita e da esquerda conduzem aos quartos adjacentes, e
a terceira porta, no chão do cômodo, leva aos cômodos no
nível inferior.
Os cômodos do anel inferior também têm três portas: a da
direita e a da esquerda levam aos cômodos adjacentes; a
terceira, no teto, leva ao cômodo correspondente no anel
superior. Os quartos no anel inferior têm dois pedestais,
cada um com um ícone. Como os quartos de topo, estes
têm também textos pequenos, mas eles são tirados de
livros e jornais, quer dizer, fontes objetivas se comparadas
às recordações mais pessoais e subjetivas do anel de topo.
As portas da esquerda e da direita vão para quartos
adjacentes, enquanto a porta no teto leva o usuário de
volta ao anel de topo.
Tanto aos cômodos do anel superior quanto aos do anel
inferior estão vinculados textos curtos. Os dois cômodos
164
69
Do original em inglês: “[...] short autobiographical notes and memories that are connected with
the images.” [TRUCK, 1987]
165
inferiores se referem a fontes mais objetivas como livros e
jornais. Os dos cômodos do anel superior são de caráter
mais subjetivo, referindo-se a memórias mais pessoais e
subjetivas. No que concerne à interação do usuário no
Memory Theatre One’, Fred Truck considera que,
“Um dos efeitos mais maravilhosos [...] acontece quando o
usuário vai de um cômodo para outro. Através de uma série
interessante de mudanças animadas, os cômodos se
comprimem, giram e se expandem. Isto acrescenta um ritmo
previsível que pontua os lapsos irregulares que o usuário
cria quando explorando os vários cômodos.”
70
[TRUCK, 1987,
tradução nossa]
O usuário navega através da estrutura concebida utilizando
um cursor, um avatar, a que Edgar chamou de ‘Ego’. O Ego
muda de forma de cômodo para cômodo em cada uma das
seguintes sessões da arquitetura – no anel superior, no
anel inferior, no ‘Cômodo da Memória Adicional’ e na
biblioteca. Como explica Truck,
“Por exemplo, uma forma do Ego (cursor) é a Lua. No ‘Quarto
de Memória Aditivo’, o texto revelado é: ‘B é decapitado, ela
agora lua em mim’. Na biblioteca, a forma da Lua de Ego
corresponde ao volume L. Strauss, no qual uma história
bastante longa é contada. Brevemente, uma mulher jovem jura
à uma mulher mais velha que ela nunca casará. A mulher mais
velha a decapita, e a cabeça da mulher jovem se torna
eventualmente a lua. Concluindo, a história tenta explicar a
criação das várias raças. No anel de topo, esta interessante
memória autobiográfica está relacionada através da forma da
lua: "Meu pai era um engenheiro em Cabo Canaveral. Minha
mãe era uma professora de arte. Os artistas têm
freqüentemente o mais alto respeito pela tecnologia,
considerando que os engenheiros freqüentemente não
acreditam que cultura existe."
71
[TRUCK, 1987, tradução nossa]
70
Do original em inglês: “One of the most wonderful effects of The Memory Theatre occurs
when the user goes from one room to another. Through an interesting series of animated
changes, the rooms compress, rotate and expand. This adds a predictable rhythm that
punctuates the irregular spans the user creates when exploring the various rooms.” [TRUCK,
1987]
71
Do original em inglês: For example, one Ego (cursor) shape is the moon. In the Additive Memory
Room, the text revealed is: “B is beheaded, she now moons at me”. In the library, the moon ego
shape corresponds to the volume L. Strauss, in which a rather long story is told. Briefly, a
young woman swears to an older woman that she will never marry.The older woman beheads
her, and the young woman's head eventually becomes the moon. In conclusion, the story
attempts to explain the creation of the various races. In the top ring, this interesting
autobiographical memory is related through the moon shape: “My father was an engineer at
No ‘Cômodo da Memória Adicional’, o Ego é resultado da
impressão em Exmode dos 12 (doze) ícones. Segundo Robert
Edgar,
“Quando você move o ego sobre um dos selos, a diferença -
que se torna visível - é o ícone que está faltando." [EDGAR, 2005].
Edgar esclarece ainda que impressão em Exmode era um
método lógico para combinar os pixels das imagens quando
uma é impressa sobre a outra –
“Se você usar isso para
imprimir duas imagens, a imagem resultante é a diferença entre as
duas.” [EDGAR, 2005].
008 | 3_ Ego. Avatar controlado pelo joystick.
3.3.3.1.2_‘O ‘sistema’ Memory Theatre One
“Diferentemente de Bruno e antigos criadores de teatros da
memória, eu não tenho um sistema metafísico que eu quero
ilustrar. Eu não estou movendo da metafísica à ilustração. Eu
uso o loci e modelo de cômodo como um sistema de andaimes
para segurar elementos que eu quero considerar em conjunto.
O teatro da memória é então para mim um lugar para meditar
sobre elementos anteriormente dissimilares. Uma parede do
teatro da memória para mim é semelhante a uma emenda em
um filme.”
72
[EDGAR, 2007, tradução nossa]
Edgar utiliza os antigos Teatros da Memória referenciados
no livro e Frances Yates, mas de modo algum, produz uma
Cape Canaveral. My mother was an art teacher. Artists often have the highest respect for
technology, whereas engineers often do not believe that culture exists.” [[TRUCK, 1987]
166
72
Do origina em inglês: “Unlike Bruno and earlier memory theater creators, I don't have a
metaphysical system that I want to illustrate. I am not moving from metaphysics to illustration.
I use the loci and room model as a scaffolding to hold elements that I want to consider
together. The memory theatre is then for me a place to meditate on formerly desparate
elements. A memory theatre wall for me is similar to a splice in a film.” [EDGAR, 2007]
167
tradução literal de seus princípios na sua proposta para o
Memory Theatre One. Em relato, o próprio artista declara:
“[...] O que eu pedi emprestado da história de Teatros de
Memória foi o processo de fabricação de sentido de meu
ambiente [...], parecia para mim que o que eu poderia levar dos
históricos teatros da memória – e outras artes mnemônicas e
artistas – eram procedimentos e idéias arquitetônicas.”
73
[EDGAR, 1985 apud WAGNER, 2004, tradução nossa]
O título que Robert Edgar escolhe para o início da
descrição de seu projeto Memory Theatre One
‘TRABALHO
NOVO EM UM MEIO NOVO’
74
[EDGAR, 2005, tradução nossa] é
bastante apropriado, sobretudo para ilustrar esse período
de novidades nas experimentações de projetos feitos a
partir de programação em computadores pessoais.
As observações de Edgar sobre as possibilidades
viabilizadas pelo computador para a realização da sua
proposta para o Memory Thatre One, ajudam a
compreender a relação entre a estrutura do Teatro da
Memória de Camillo e a sua proposta na década de 1980.
Como relata o artista,
“Usando um computador eu poderia criar as arquiteturas
contendo imagens com textos que as explicavam. Este era um
meio perfeito para realizar os teatros da memória medievais
no livro de Yates. Naturalmente, quando o ‘L'Idea del
Theatro’ de Giulio Camillo [...] foi publicado em 1550, a
filosofia consistiu na criação de sistemas fechados e
perfeitos, com geometrias simples e etapas aritméticas. Hoje,
nosso universo era permeável e nossos conceitos
"permanentemente" perfurados. Eu não acreditei que poderia
comunicar uma cosmologia fechada.”
75
[EDGAR, 2005, tradução
nossa]
73
Do original em inglês: “(...) What I borrowed from the history of Memory Theaters was the
process of making sense of my environment (...), it seemed to me that what I could take from
the historical memory theaters—and other mnemonic arts and artists—were procedures and
architectural ideas.” [EDGAR, 1985 apud WAGNER, 2004]
74
Do original em inglês: “NEW WORK IN A NEW MEDIUM” [EDGAR, 2005]
75
Do original em inglês: “Using a computer I could create architectures containing images with
texts that explicated them. This was a perfect medium for realizing the medieval memory
theatres in Yates' book. Of course, when Giulio Camillo's *L'Idea del Theatro dell “eccellen” was
published in 1550, philosophy consisted of the creation of closed and perfect systems, with
simple geometries and arithmetic steps. Today, our universe was leaky and our concepts
"always already" perforated. I didn't believe I could deliver a closed cosmology.[EDGAR, 2005]
Edgar em suas colocações contrapõe os teatros da memória
documentados no livro de Frances Yates enquanto
‘sistemas’, do período medieval e o de Camillo já no
Renascimento, às perspectivas trazidas com os sistemas
digitais no contexto de um ‘pensar digital’. A filosofia
Renascentista idealizou a criação de sistemas fechados. Os
sistemas da sociedade em rede, da cultura digital, são
sistemas simultaneamente abertos e fechados, são
sistemas complexos. É essa compreensão que se apreende
das colocações de Robert Edgar. No entanto, diferenças a
parte, Edgar utiliza os teatros descritos no livro de Yates
como referências explícitas para sua proposta. No que se
refere a essa relação, é interessante considerar as
colocações da pesquisadora Kirsten Wagner sobre o
Memory Theatre One’ de Edgar em comparação com seus
predecessores:
“O que pode ser dito sobre o Memory Theatre One, é também
valido para seus precursores históricos. Já o teatro de
Camillo mostra como as imagens justapostas e textos abrem
um jogo hipertrófico de significado que transcende o sistema
dos 49 loci.”
76
[WAGNER, 2004, tradução nossa]
Wagner continua sua análise do Memory Theatre One
procurando apontar as relações com as referências
extraídas do livro de Frances Yates. Segundo a
pesquisadora, o projeto se apresenta como
“[...] uma colagem
de teatros da memória anteriores que Robert Edgar veio a conhecer
através do livro de Yates sobre a Arte da Memória.”
77
[WAGNER,
2004, tradução nossa].
A referência principal de Edgar não é o
Teatro de Camillo, mas o ‘Sistema Teatro da Memória’ de
Robert Fludd, apresentado no capítulo anterior [Capítulo
2]. O sistema de Fludd em seu tratado sobre o microcosmo
e o macrocosmo era composto pela ars rotunda e a ars
quadrata, ambas descrevendo sistemas de loci onde os
palcos da ars quadrata estavam ancorados ao diagrama
esférico da ars rotunda. Na proposta do Memory Theatre
One, como relata Kirsten Wagner,
76
Do original em inglês: “What can be said about the Memory Theatre One, is also valid for its
historical forerunners. Already Camillo’s theatre shows how the juxtaposed images and texts
open up a hypertrophic play of meaning that transcends the system of 49 loci there.”
[WAGNER, 2004]
168
77
Do original em inglês: “[..] collage of former memory theatres Robert Edgar came to know
about Yates’ book on the art of memory.” [WAGNER, 2004]
169
“Robert Edgar adotou ambos sistemas. Os palcos de Fludd
deram o layout do hall de entrada do Memory Theatre One e
todos os outros cômodos da memória. A rotunda de dois
níveis para a qual os cômodos da memória estavam compostos
se referia em vez disso à ars rotunda. Isso se torna
extremamente claro quando olhando para o chamado ‘cômodo
da memória adicional’. Ele contêm um corte transversal da
rotunda e mostra doze sessões, que representam doze
cômodos da memória e ao mesmo tempo aludem aos doze
signos do zodíaco.”
78
[WAGNER, 2004, tradução nossa]
Uma das principais relações da proposta de Edgar com a do
Teatro da Memória de Giulio Camillo, está relacionada ao
espectador. Como no teatro de Camillo, no Memory Theatre
One, o usuário é, simultaneamente, ator e espectador.
Como coloca Kirsten Wagner,
“Ela/ele se encontra no palco olhando para e interagindo com
os objetos da memória e do conhecimento também depositados
ali. Além disso, o usuário observa-se a si mesmo fazendo
isso. O que está e atua no palco visualizado não é o usuário
fisicamente presente, mas apenas sua representação em
forma do cursor pelo qual a navegação através do Memory
Theatre One é guiada.”
79
[WAGNER, 2004, tradução nossa]
No entanto, a despeito das inúmeras semelhanças com os
teatros da memória utilizados como referência por Robert
Edgar para o seu Memory Theatre One, sua proposta se
diferencia da de seus predecessores por, essencialmente,
não apresentar qualquer referência a questões
metafísicas. Segundo Wagner, Edgar chega mesmo a
questionar em um dos ‘Cômodos da Memória’ de seu teatro
uma questão central ao trabalho e que ilustra essa
diferença de seus predecessores –
"A que, eu desejei saber,
poderia uma arte de memória se assemelhar hoje, quando nenhuma
78
Do original em inglês: “Robert Edgar adopted both systems. Fludd`s stages give the layout
for the entrance hall to the Memory Theatre One and all other memory rooms. The two-storey
rotunda to which the memory rooms are composed refers instead to the ars rotunda. This
becomes extremely clear when looking at the so-called “additive memory room”. It contains a
cross-section of the rotunda and shows twelve sections, which represent twelve memory rooms
and at the same time allude to the twelve signs of the zodiac.” [WAGNER, 2004]
79
Do original em inglês: “She/he finds herself/himself on the stage looking at and interacting
with the memory and knowledge objects also deposited there. Beyond that, the user observes
herself/himself while doing so. For what is and acts on the visualised stage is not the bodily
present user, but only her/his representation in form of the cursor the navigation through the
Memory Theatre One is steered with.” [WAGNER, 2004]
cosmologia pode resumir um único texto?”
80
[EDGAR, 1985 apud
WAGNER, 2004, tradução nossa]
Existe ainda uma importante diferença de objetivos entre o
teatro de Edgar e as propostas de seus precursores. Uma
diferença que se reflete na própria estrutura do teatro e
da interação entre sujeitos e objetos na arquitetura
concebida. Em entrevista concedida para a presente
pesquisa, o artista relata:
“Eu não estou fornecendo uma série para memorizar, como
muitos fizeram nas antigas artes da memória. Eu forneço uma
coleção de elementos para se caminhar entre. O que uma
pessoa executa em sua cabeça não é um emparelhando de
metafísica preconcebida, é uma fabricação do próprio
significado da pessoa.”
81
[EDGAR, 2007, tradução nossa]
O teatro de Edgar é uma arquitetura-sistema onde a
justaposição de textos e imagens a espaços, nesses
mesmos espaços, entre eles e além deles, transcende o
sistema da antiga Arte da Memória que relaciona loci et
imagines, produzindo continuamente novos significados
através da navegação e interação não-linear entre sujeito,
objeto e espaço/ambiente.
Analisando sistematicamente o ‘Memory Theatre One’ de
Robert Edgar, a partir de cada um dos princípios de nossa
estratégia metodológica, que contempla características que,
observadas em um sistema, podem ajudar a classificá-lo
como complexo, podemos considerar que:
(1)
No que se refere ao Aspecto de armazenagem
(relacionado ao espaço como estrutura de armazenagem
pensada para ser universal), o Memory Theatre One é
uma estrutura finita de dados, porém com a possibilidade
de alteração e acréscimo de conteúdos. O espaço da
rotunda foi pensado como estrutura para armazenamento
de dados, com a possibilidade de inserção de conteúdos
nos cômodos projetados para disponibilizar o acesso aos
conteúdos. Em virtude dos meios e tecnologias
disponíveis, seus gráficos eram bem simples, e Robert
80
Do original em inglês: “What, I wondered, would an art of memory be like today, when no
cosmology can summarize a single text?” [EDGAR, 1985 apud WAGNER, 2004]
170
81
Do original em inglês: “I am not providing a series to memorize, as did many of the early
memory arts. I provide a collection of elements to walk among. What one performs in one's head
is not a matching of a preconceived metaphysic, it is a making of one's own meaning.” [EDGAR,
2007]
171
Edgar relata que, ‘desenhar no Apple 2 era como
desenhar com uma colher de sopa’.
(2) No que se relaciona ao Aspecto multimídia (esse aspecto
se refere à estruturação do acesso e armazenagem de
imagens, textos e sons a que o espaço é capaz de dar
suporte) O projeto de Edgar é bastante arrojado
considerando a época e as condições tecnológicas
disponíveis para sua realização. O espaço suporta
apenas a justaposição de textos e imagens, não sendo
mencionada a presença de som. Ainda assim, o acesso à
informação armazenada se apresenta de forma dinâmica,
explorando o caráter espacial da estrutura de acesso
para permitir a combinação dos conteúdos por parte do
usuário. Esse acesso é feito a partir do Átrio de
distribuição, que leva aos cômodos onde estão
armazenados textos e imagens.
(3) No que se refere ao Aspecto espacial (o foco aqui está
no uso do espaço como um princípio de organização que
determina o gerenciamento de dados) A estrutura do
Memory Theatre One foi pensada de modo que seu
acesso seja feito a partir da modulação espacial dos
cômodos da memória nos dois andares. O projeto foi
pensado para se ter um acesso aos conteúdos
organizado espacialmente e esse espaço é o princípio
que organiza esses conteúdos. Nele os dados, são
vinculados à estrutura espacial, ou seja, é uma
estrutura arquitetônica que armazena os dados e
estrutura ou orienta seu acesso.
(4) No que se relaciona ao Aspecto combinacional (esse
último aspecto se aproxima do princípio do hipertexto,
baseado na capacidade do espaço de dar suporte a um
fluxo dinâmico e não-linear de gerenciamento de
conteúdos hipermídia) No Teatro de Edgar, o conteúdo é
acessado de forma não linear permitindo ao usuário
(sujeito) escolher o que e de que maneira acessar os
conteúdos. Como o próprio Edgar define, é uma estrutura
não-linear com acesso randômico, pensada para ser
aberta, ou seja, passível de transformação a partir de
múltiplas combinações por parte do usuário.
3.3.3.2_Memory Theater VR | 1997
Agnes Hegedüs
82
nasceu em Budapeste, Hungria em 1964.
Estudou fotografia e Vídeo Arte na Budapest Academy of
Applied Arts de 1986 até 1988. Continuou seus estudos na
Minerva Academy em Groningen, Kunstakademie - AKI em
Enschede e no Institute of New Media na Städelschule em
Frankfurt/Main. Em 1992 foi artista residente no ZKM -
Center of Art and Media Karlsruhe
83
. Como vídeo-artista
multimídia, desenvolveu instalações interativas inovando em
aspectos fundamentais no que se refere à percepção e
conceitos de realidade virtual. Entre elas podemos destacar
Memory Theater VR, Between-the-words e Handsight.
Em Between-the-words
84
, Hegedüs propõe uma instalação
que constitui uma modalidade específica de comunicação
remota entre duas pessoas onde expressão facial e gestos
manuais são suas ações essenciais. Duas pessoas são
colocadas frente a frente diante de uma abertura em uma
parede onde um sistema óptico de espelhos
semitransparentes viabiliza a projeção de imagens virtuais
geradas por computador. Os usuários podem colocar as
suas mãos em buracos em cada lado da parede para
manipular joysticks multi-axiais que controlam estes dois
pares de mãos virtuais. Como estas mãos se movem
interativamente, seus gestos mudam continuamente. Isto
pode ser alcançado por uma metamorfose algorítmica das
linhas que constituem cada mão, criando uma interpolação
de transições entre cada gesto. Os dois espectadores
experimentam a possibilidade de comunicação visual através
desta meta-linguagem de permutação gestual. Face a face,
82
http://www.zkm.de/futurecinema/hegedues_cv_e.html.
83
ZKM - Center for Art and Media em Karlsruhe. Como uma instituição cultural, o Centro para
Arte e Mídia (ZKM) em Karlsruhe ocupa uma posição única no mundo. Responde aos
desenvolvimentos rápidos em tecnologia de informação e às variáveis estruturas sociais atuais.
Seu trabalho combina produção e pesquisa, exibições e eventos, coordenação e documentação.
Para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares e promoção de colaborações internacionais,
o Centro para Arte e Mídia (ZKM) têm recursos múltiplos a sua disposição: o Museum of
Contemporary Art, o Media Museum, o Institute for Visual Media, o Institute for Music and
Acoustics e os novos departamentos - o Institute for Media, Education, and Economics, e o
Filminstitute. Sob direção do Prof. Peter Weibel desde 1999, o Centro para Arte e Mídia (ZKM)
sonda novas mídias em teoria e prática, testa seu potencial com desenvolvimentos de in loco,
apresenta possíveis usos de forma exemplar e promove debate sobre a forma com que nossa
sociedade de informação está caminhando. Trabalhando juntamente com a State Academy for
Design em Karlsruhe e outros institutos, o ZKM provê um foro para ciência, arte, política e
finanças. O Centro é uma plataforma para experimentação e discussão, com uma missão de
participar ativamente trabalhando para o futuro e se ocupar do debate contínuo sobre o uso
sensato e significante de tecnologia. Disponível em: <http://on1.zkm.de/zkm/e/about>. Acesso
em: 22 jun. 2007.
172
84
http://www.medienkunstnetz.de/works/between-the-words/
173
os usuários manipulam interativamente mãos virtuais, para
articular um diálogo não-verbal, ainda eloqüente.
A instalação Handsight é um ambiente interativo gerado
por computação gráfica, criado em 1990. Esse trabalho cria
uma correlação de espaços entre o mundo concreto e o
virtual. Um frasco que consiste seu próprio mundo fechado
que envolve a montanha Golgotha com uma estrada
representa o mundo físico. O mundo virtual é um ambiente
gerado por computador que é projetado numa parede, numa
sala escura, e é acionado pela interação do espectador
através de uma esfera transparente. A esfera é
posicionada no meio da sala. Uma vez que o espectador
insere sua mão dentro desse globo transparente, envolve
um objeto capaz de manipular um “olho” dentro do ambiente
virtual projetado na parede. O olho projetado na tela se
abre no mundo virtual. Esse artefato, o olho que pode ser
envolvido com as mãos na esfera transparente constitui
uma metáfora do olho humano, com suas respectivas
funções. Movendo este olho o espectador pode explorar o
ambiente virtual.
O frasco foi escolhido pelo seu valor como objeto
etnológico que evoca a crença numa representação visual
dada. Esse tipo de frasco era usado no final do século XIX
para guardar imagens representativas de cenas sacras. O
mundo do frasco e o mundo virtual visualizados na tela
constituem uma metáfora da percepção. Essa percepção do
ambiente virtual não é ligada ao ambiente concreto, mas é
uma vista de um “olho-mental” de uma imaginação
exteriorizada. Ao mesmo tempo, expõe uma lógica dessa
construção que participa na ilusão.
3.3.3.2.1_A estrutura do Memory Theater VR
(Virtual Reality)
A instalação da artista Agnes Hegedüs, Memory Theater
VR (Virtual Reality), foi comissionada pelo ZKM - Center
of Art and Media Karlsruhe sendo desenvolvida
exclusivamente para o Media Museum
85
desse centro
inaugurado em 1997 e construído in locu. A instalação
consiste em um ambiente de ‘realidades mescladas
combinando à arquitetura do espaço concreto – uma
espécie de rotunda de madeira –, com quatro cômodos da
memória – exibindo quatro perspectivas da realidade virtual
para serem recordadas. Segundo a pesquisadora Kirsten
Wagner, a rotunda de madeira,
“[...] não só nos faz lembrar do
modelo de teatro de madeira de Camillo, mas também de um panorama
e com isto já associa um precursor da Realidade Virtual. Colocado em
um pedestal na rotunda de madeira escurecida está um modelo em
Plexiglas
86
da rotunda original.”
87
[WAGNER, 2003, tradução nossa,
nota nossa]
No que concerne ao suporte físico da instalação, um mouse
3D
88
– o Mini Pássaro (Mini Bird) – como nomeia Hegedüs,
é utilizado como dispositivo de entrada (input) para que o
usuário possa navegar através dos quatro cômodos da
memória cujas imagens correspondentes são projetadas
sobre a tela do lado interno da rotunda de madeira. O
usuário manipula o mouse interagindo concretamente com o
modelo em Plexiglas da rotunda que está localizado sob o
pedestal no centro da instalação de modo que, inserindo o
mouse em um dos quatro diferentes ambientes da rotunda
em miniatura, o correspondente ‘Cômodo da Memória’
aparece na tela na rotunda original. A cada cômodo da
instalação física corresponde um específico cômodo da
memória em Realidade Virtual. A navegação através da
relação entre o modelo concreto da rotunda em miniatura e
os cômodos da memória virtuais acontece, como escreve
Wagner, da seguinte forma:
85
ZKM | Media Museum é o primeiro museu do mundo exclusivo para arte interativa. Seu
espectro temático cobre áreas tais como filme interativo, técnicas de simulação para o
Ciberespaço e o uso das mais recentes aplicações de software para Internet. No Media Museum
nós vemos a justaposição de mídia arte com games populares ou projetos de pesquisa com
espaços de trabalho didáticos - e o debate crítico que cerca os produtos da cultura comercial.
Um ponto focal é a galeria de arte mídia interativa onde exemplos desta nova forma
documentam claramente seu desenvolvimento. Instalações e ambientes mostram várias
estratégias utilizadas para envolver o espectador nos trabalhos e demonstrar o emprego
criativo das novas tecnologias. Disponível em: <
http://on1.zkm.de/zkm/e/institute/medienmuseum>. Acesso em 22 jun. 2007.
86
Plexiglas: um tipo de resina acrílica. In: www.plexiglas.com
87
Do original em inglês: “[…] reminds us not only of Camillo`s wooden theatre model but also of
a panorama and with it already associates a precursor of Virtual Reality. Placed on a pedestal
in the darkened wooden rotunda is a plastics model of the original rotunda.” [WAGNER, 2003]
174
88
Mouse 3D: é um dispositivo de Realidade Virtual bastante interessante de ser utilizado em um
ambiente 3D em função de fornecer ao usuário seis graus de liberdade (DOFs-Degrees of
Freedom) de movimento. In: VASCONCELOS, A. B. et al. Seleção de objetos em ambientes virtuais
em mouse 3D. Disponível em:
<http://www.inf.ufrgs.br/~bohlke/cmp510/ArtigoSelecaoMouse3D.pdf>. Acesso em 20 jun. 2007.
175
“Quando o espectador tira o mouse do modelo, uma vista
‘olho-de-pássaro’
89
da rotunda pode ser observada. Deste
ponto de vista a rotunda é coberta por um disco e uma
bússola. Os quatro pontos da bússola mostram ao mesmo
tempo a localização dos quatro cômodos da memória.
Localizado no Norte está o Boccioni’s Room, no Sul está o
Sutherland’s Room, no Leste Alice’s Room, e finalmente no
Oeste Fludd’s Room.”
90
[WAGNER, 2003, tradução nossa, nota
nossa]
009 | 3_ Bússola com a localização dos quatro cômodos da memória. Ao
Norte o Boccioni’s Room, no Sul o Sutherland’s Room, no Leste Alice’s
Room, e no Oeste Fludd’s Room.
Através dessa interação, Hegedüs leva o usuário a imergir
em um ambiente de realidade mesclada, dentro dessa
rotunda-panorama, onde a tela circular marca o limite do
ambiente de realidade virtual, formando uma espécie de
teatro virtual’ [GRAU, 2003, p.232]. O usuário pode
construir uma narrativa particular podendo, inclusive,
construir mesmo um filme sobre a história da ilusão
89
Vista ‘olho-de-pássaro’: corresponde à perspectiva militar ou cavaleira.
90
Do original em inglês:
“When the viewer takes the mouse out of the model, a bird’s-eye view
can be seen of the rotunda. From this view the rotunda is covered by a dial and compass. The
four points of the compass show at the same time the location of the four memory-rooms.
Found in the North is Boccioni’s Room, in the South Sutherland’s Room, in the East Alice’s
Room, and finally in the West Fludd’s Room.”
[WAGNER, 2003]
espacial e controlar sua projeção. A experiência nessa
estrutura interativa, na visão de Oliver Grau,
"[...] é um experimento com imersão criativa, ativa, que
encoraja rápida interação combinatória entre os campos
associativos de imagens e promove divertida exploração de
processos epistemológicos. É uma tentativa de permitir
produção ativa de memória através da justaposição de
elementos disparatados, heterogêneos, até mesmo não
convencionais , apesar de uma total imersão sensória na
construção da mídia.”
91
[GRAU, 2003, p.233, tradução nossa]
No elaborado panorama criado por Agnes Hegedüs, o
usuário tem a possibilidade de construir uma rede complexa
de conexões e associações entre diversos conteúdos
selecionados, relacionados à história da arte e da mídia,
estruturados sob a temática da virtualidade. Os conteúdos
incluem, como é exemplo do Boccioni’s Room, as visões da
virtualidade no futurismo, no maneirismo e no
deconstrutivismo. Essa experiência, segundo Grau,
"[…] representa uma destilação de pontos de mudança
histórica e intelectual decisivos, ou emblemáticos, que são
configurados antes do olho interno em combinações variáveis
que permitem ao visitante formar memórias individuais das
imagens.”
92
[GRAU, 2003, p.232, tradução nossa]
Sob uma perspectiva mais ampla, o trabalho Memory
Theater VR pode ser compreendido como uma estrutura
que implica navegação e interação numa rede complexa de
conexões. Essa estrutura visa a construção de narrativas
complexas baseadas no acesso a conteúdos hipermídia –
sons e imagens –, por parte dos usuários. Um teatro de
realidade mesclada que une arte e tecnologia, ampliando a
compreensão dos processos de construção e
armazenamento de memórias.
91
Do original em inglês: “[...] is an experiment with creative, active immersion that encourages
rapid combinatory interaction between the associative fields of images and promotes playful
exploration of epistemological processes. It is an attempt to allow active production of memory
thorough the juxtaposition of disparate, heterogeneous, even deviant elements, in spite of total
sensory immersion in the media construction.” [GRAU, 2003, p.233]
176
92
Do original em inglês: “[…] represents a distillation of decisive historical intellectual turning
points, or media emblemata, which are configured before the inner eye in changing combinations
allowing the visitor to form individual memories of the images.” [GRAU, 2003, p. 232]
177
3.3.3.2.2_Os Quatro Cômodos da Memória no
Memory Theater VR
010 | 3_ À esquerda acima: Alice’s Room; À direita acima Fludd’s Room; À
esquerda abaixo Boccioni’s Room; À direita abaixo Sutherland’s Room.
_Fludd’s Room
No Fludd’s Room é criada uma referência entre o Teatro
da Memória e os ‘Gabinetes de Curiosidades’’
93
ou ‘quartos
das maravilhas’ do Renascimento e Barroco por um lado, e
por outro lado, a Realidade Virtual. A referência aos
Gabinetes de Curiosidades se refere à organização dos
conteúdos e à reunião de vários conteúdos, ou ‘coleções’,
representativas de conhecimento, possivelmente todo o
conhecimento da humanidade, como no caso dos Wunder-
kammer, a partir da associação dos diversos conteúdos
93
Gabinetes de Curiosidades’ ou ‘Quartos das Maravilhas’: em inglês, ‘Curiosity Cabinet’ ou
‘Wonder Chambers’. Os ‘gabinetes de curiosidades’ existiam na Itália desde o início do século
XVI. Estes foram os primeiros museus e abrigavam o museu familiar e o museu de espécimes
naturais, minerais e moedas, assim como objetos como relicários religiosos, entre outros. Estas
coleções tiveram vários nomes, um dos principais era o Wunder-kammer, também chamado
Studiolo, um dos mais inclusivos que eram como respresentações completas do mundo. Disponível
em: <http://www.wunderkammer.com.au/aboutus01.html>. Acesso em: 22 jun. 2007.
armazenados. Segundo os pesquisadores Bruce Robertson e
Mark Meadow
94
,
“O conhecimento em um Gabinete de Curiosidades não era
segregado em disciplinas separadas como é na educação
moderna. A aquisição de conhecimento era uma atividade
sintetizadora, baseada mais em comparação qualitativa que em
análise quantitativa. Estética e ciência, matemática e
misticismo, éticas e história natural eram todas
interconectadas, entrelaçados em um sistema todo
compreensivo, de correspondência visual e ressonância poética.
Qualquer número de associações entre objetos poderia ser
feita em um Gabinete de Curiosidade, e os objetos
participaram assim simultaneamente em uma variedade de
categorias.”
95
[ROBERTSON, B.; PRADO, M., 2007, tradução
nossa]
A estrutura do Gabinete privilegiava um aprendizado
baseado em associações, a partir de um sistema de
correspondência visual, onde os objetos não eram vistos
isoladamente, mas acessados num todo, interconectando as
partes.
Nos ‘Gabinetes de Curiosidade’ Renascentistas e Barrocos,
os objetos formavam um microcosmo – um mundo em
miniatura, que fornecia discernimento sobre a natureza do
macrocosmo – o cosmo em sua totalidade, retratando uma
das preocupações centrais da filosofia antiga. Segundo Bill
Viola,
“[...] Uma das fundações da filosofia antiga é o conceito da
correspondência entre o microcosmo e o macrocosmo, ou a
convicção de que tudo na ordem superior, ou escala, da
existência reflete e está contido na manifestação e operação
das ordens inferiores. Isto foi expresso no pensamento
religioso como a correspondência simbólica do divino (os céus)
e o mundano (a terra), e também encontra representação nas
teorias da física contemporânea que descrevem como cada
partícula de matéria no espaço contém informação sobre o
94
Pesquisadores do Departamento de História da Arte e da Arquitetura da Universidade da
Califórnia, e diretores do grupo de pesquisa: MICROCOSMS: Objects of Knowledge.
178
95
Do original em inglês: “Knowledge in a Curiosity Cabinet was not segregated into separate
disciplines as it is in modern scholarship. The pursuit of knowledge was a synthesizing activity,
based more on qualitative comparison than on quantitative analysis. Aesthetics and science,
mathematics and mysticism, ethics and natural history were all interconnected, intertwined into
an all-encompassing system of visual correspondence and poetic resonance. Any number of
associations between objects could be made in a Curiosity Cabinet, and the objects thus
participated in a variety of categories simultaneously.” [ROBERTSON, B.; MEADOW, M., 2007]
179
estado do universo inteiro.”
96
[VIOLA, 2002, p.42, tradução
nossa]
Esse cômodo do Memory Theater VR trata do sonho de
construir uma estrutura capaz de armazenar todo
conhecimento da humanidade. No Fludd’s Room estão alguns
dos sistemas cuja concepção foi inspirada por esse ideal,
como o Teatro da Memória de Giulio Camillo, os ‘Gabinetes
de Curiosidade’ e, sob o termo ‘Ciberespaço’, a Internet e a
Realidade Virtual. Segundo a pesquisadora Kirsten Wagner,
“[...] o sonho enciclopédico de uma coleção de todo o
conhecimento se rejuvenesceu no contexto da Internet.
Introduzidos em conjunto sob o termo Ciberespaço, Realidade
Virtual e Internet foram imaginadas para ser um espaço
exorbitante de comunicação eletrônica que contém um
conhecimento mundial objetivado exibido tridimensionalmente.
Uma interpretação semelhante já foi mencionada em conexão
com o Museum of the Future de Tjebbe van Tijen e Jeffrey
Shaw.”
97
[WAGNER, 2003, tradução nossa]
O Museum of the Future (1991) é uma apresentação
dramatizada de várias interpretações do passado, com base
em coleções existentes, através de portadores compactos
de informação interativos (CD ROM, CDs de vídeo e áudio,
etc.) Dentre estas coleções públicas e privadas, estão
bibliotecas, museus, videotecas e mediatecas, por exemplo.
No trabalho desenvolvido por Tjebbe van Tijen e Jeffrey
Shaw o visitante pode mais que seguir itinerários
programados, fazer suas próprias escolhas. Segundo os
artistas,
96
Do original em inglês: “[...] One of the foundations of ancient philosophy is the concept of the
correspondence between the microcosm and the macrocosm, or the belief that everything on the
higher order, or scale, of existence reflects and is contained in the manifestation and operation
of the lower orders. This has been expressed in religious thought as the symbolic
correspondence of the divine (the heavens) and the mundane (the earth), and also finds
representation in the theories of contemporay physics that describe how each particle of
matter in space contains information about the state of the entire universe.” [VIOLA, 2002,
p.42]
97
Do original em inglês: “[…] the encyclopedic dream of a collection of all knowledge has
rejuvenated itself in context of the Internet. Together introduced under the term Cyberspace,
Virtual Reality and Internet have been imagined to be an exorbitant space of electronic
communication, which contains a three-dimensional displayed, objectified world knowledge. A
similar interpretation has already been touched on in connection with the Museum of the
Future by Tjebbe van Tijen and Jeffrey Shaw.” [WAGNER, 2003]
“O Museum of the Future é baseado em conexões entre
imagem, som e outros bancos de dados por cabos de fibra de
vidro, linhas de telefone e satélites. Quase em todos lugares
também é possível conectar bancos de dados existentes com
dispositivos compactos de armazenamento interativos da
própria pessoa (ou que obteve emprestado). Em outras
palavras, o Museum of the Future está alojado no espaço
eletrônico imaterial e têm corredores de exibição e depósitos
em todos os lugares onde imagens, som e textos podem ser
enviados e recebidos.”
98
[SHAW; TIJEN, 1988, tradução nossa]
011 | 3_ Museum of the Future.
Os principais elementos expressivos do Museum of the
Future são montagem e colagem a partir de imagens, como
sobreposição de projeções, além de deformações, fusão de
imagens, simulação tridimensional, entre outros. Outro
elemento expressivo é o toque, utilizado para manipular
objetos. Segundo os artistas,
“Mover sobre a superfície de um
objeto com luva eletrônica ou descrever um objeto no espaço com uma
caneta de luz estabelecem uma cadeia de pontos que podem ser
convertidos em uma figura.”
99
[SHAW; TIJEN, 1988, tradução nossa]
Durante a interação no Museum of the Future, o visitante
cria uma sucessão de figuras, textos e sons, particular e
única. Não existe nenhuma configuração fixa prévia; cada
visitante cria sua re-estruturação pessoal desse trabalho,
98
Do original em inglês: “The Museum of the Future is based on connections between image, and
other data bases through glass fibre cables, telephone lines and satellites. Almost everywhere
it is also possible to connect existing data bases with one's own (or borrowed) compact
interactive storage devices. In other words, The Museum of the Future is housed in immaterial
electronic space and has exhibition halls and depots in all places where images, sound and texts
can be sent and received.” [SHAW; TIJEN, 1988]
180
99
Do original em inglês: “To move over the surface of an object with electronic glove or to
describe an object in space with a light pen establishes a network of points that can be
converted into a picture.” [SHAW; TIJEN, 1988]
181
construído para o Museum of Science and Technology, La
Villette, Paris.
Na proposta de Hegedüs, no Fludd’s Room, ao longo da
parede interna da rotunda, há uma série de
compartimentos, como numa ‘cabine de curiosidades’, ou no
Teatro da Memória de Camillo, onde estão guardados dois
grupos de objetos – trabalhos de artistas, dentre os quais
Marcel Broodthaers
100
, Marcel Duchamp
101
, Masaki Fujihata
102
,
Matt Mullican
103
, Perry Hoberman
104
, Bill Seaman
105
, Peter
100
Marcel Broodthaers. Nasceu em 1924 em Bruxelas e morreu em 1976 em Cologne. Broodthaers,
originalmente um poeta, foi o primeiro artista que dedicou seu trabalho à exploração do
contexto da arte. Em 1969 abriu seu próprio museu privado em seu apartamento, em Bruxelas,
exibindo objetos inteiramente feitos de caixas pregadas. Em sua obra são exploradas a
semântica e sintaxe de idioma e imagem em um contexto sistemático novo. Partindo
analiticamente da herança de Magritte, Broodthaers vai além, incorporando meios artísticos
novos como fotografia e filme. Ele também foi influenciado pelas estéticas de Rimbaud e
Mallarmés que tentaram fazer da vida cotidiana uma experiência poética. Disponível em:
<http://www.medienkunstnetz.de/artist/broodthaers/biography/>. Acesso: 03 jun. 2007.
101
Marcel Duchamp. Nasceu em 1887 em Blainville, próximo a Rouen; morreu em 1968 em Paris.
Estudou na Académie Julian de Paris. Desenvolveu o conceito seminal de ‘Readymades’. Em 1917
foi editor da revista ‘The Blind’. Por volta de 1920 realizou experiências com filmes abstratos
tendo colaborado com os surrealistas e na organização da primeira grande mostra sobre
Surrealismo em 1938. Deixou a França para viver nos E.U.A. em 1941. É considerado um dos
maiores expoentes da vanguarda artística do século XX. Disponível em:
<http://www.medienkunstnetz.de/artist/duchamp/biography/>. Acesso: 03 jun. 2007.
102
Masaki Fujihata. É um dos pioneiros da nova mídia arte japonesa e começou a carreira
trabalhando com vídeo e imagem digital no início dos anos 1980s. Como experimentalista das
tecnologias no processo artístico, foi um dos primeiros artistas a usar stereolitografia, uma
técnica na qual o laser polimeriza uma resina líquida enquanto varre sua superfície. Criou as
menores esculturas do mundo usando técnicas industriais para circuitos integrados, que são
visíveis através de microscópio eletrônico. No entanto, Fujihata é mais reconhecido pelas suas
sofisticadas instalações de trabalho em rede interativo. Disponível em:
<http://www.medienkunstnetz.de/artist/fujihata/biography/> . Acesso: 03 jun. 2007.
103
Matt Mullican. Nasceu em 1951 em Santa Mônica, Califórnia. Concluiu o Bacharelado em Artes
em 1974 no Califórnia Institute of the Arts, Valencia, B.F.A. Vive e trabalha em Nova York.
Disponível em: <http://www.artnet.com/artist/12240/matt-mullican.html>. Acesso em: 03 jun.
2007.
104
Perry Hoberman. Nasceu em 1954 em Cambridge, Massachusetts. Atualmente mora e trabalha
em Nova Iorque. Artista, Perry Hoberman ensinou no Graduate Computer Art Department na
School of Visual Arts em New York. Foi representado pela Postmasters Gallery e tem
apresentado instalações, espetáculos, esculturas e performances nos Estados Unidos e Europa.
Trabalha com uma variedade de tecnologias. Sua instalação ‘Timetable’ foi premiada com o Grand
Prix na ICC Biennale de 1999 em Tokyo, e o trabalho ‘Systems Maintenance’, ganhou o Award of
Distinction do Prix Ars Electronica de 1999. Disponível em:
<http://framework.v2.nl/archive/archive/leaf/other/.xslt/nodenr-67633>. Acesso: 03 jun. 2007.
105
Bill Seaman. Nasceu nos Estados Unidos em 1956. Estudou desenho e artes. Foi professor
Associado e Diretor do Graduate Program Imaging and Digital Arts, University of Maryland,
Baltimore, Maryland. De 1999 a 2002 foi Professor do Department of Design and Media Arts,
UCLA, Los Angeles, e Diretor do Digital Media Department, Rhode Island School of Design,
Providence. De 1993 a 1994 foi artista residente no ICC Tokyo e no ZKM em Karlsruhe. Em 1995,
foi artista residente no C3-Center for Culture & Communication, em Budapest. Concluiu seu PhD
na University of Wales, Centre for Advanced Inquiry into Interactive Art. Em seus trabalhos
desenvolve uma linguagem visual única, explorando em seus primeiros vídeos a combinação de
texto e imagens. As instalações interativas dos anos 1990 confrontam o visitante com um
grande potencial de textos e ainda imagens em movimento na tentativa de oferecer um acesso
paralelo à narrativa. Disponível em: <http://www.medienkunstnetz.de/artist/seaman/biography/>.
Acesso: 03 jun. 2007.
Weibel
106
e Aby Warburg, e objetos do universo da alquimia,
como vasilhames e símbolos alquímicos.
012 | 3_Fludd’s Room. Destaque para o painel com Liquid Light Show e a
referência aos Gabinetes de Curiosidade dedicados aos artistas (na imagem
Weibel, Mullican e Hoberman)
Dentre essas referências selecionadas por Hegedüs para
integrar o Fludd’s Room, está o nome de Aby M. Warburg,
que produziu uma série de trabalhos intitulada
‘Mnemosyne-Atlas’. Frances Yates foi pesquisadora do
Warburg Institute, tomando conhecimento do trabalho de
Warburg através de Gertrud Bing
107
. O ‘Mnemosyne-Atlas’ é
fundamentalmente a tentativa de combinar uma abordagem
filosófica com uma imagem-histórica. Presas em tábuas de
madeira cobertas com pano preto, estão fotografias de
imagens, reproduções de livros, e materiais visuais de
jornais ou da vida cotidiana, agrupados de forma a ilustrar
uma ou mais áreas temáticas. O ‘Mnemosyne-Atlas’ de 1929,
106
Peter Weibel. Nasceu em 1944 em Odessa. Estudou Literatura, Filosofia, Medicina, Lógica e
Cinema em Paris e Viena. Desde 1966 explora foto-literatura conceitual assim como peças de
áudio – textos, objetos e ação. No final dos anos 1960 ele trabalhou no campo do ‘Expanded
Cinema’, ‘action art’, performances, filmes, junto de seu parceiro Valie Export. Suas atividades
interdisciplinares incluem trabalhos científicos, artísticos, literários, fotográficos, gráficos,
plásticos e trabalhos digitais. Atuando como teórico e curador, foi curador da Neue Galerie,
Graz e Professor na Hochschule für Angewandte Kunst, Vienna, entre outros. Desde 1999 é
diretor do the ZKM Zentrum für Kunst und Medientechnologie, Karlsruhe. Trabalha e vive em
Karlsruhe. Disponível em: <http://www.medienkunstnetz.de/artist/weibel/biography/>. Acesso: 03
jun. 2007.
182
107
Gertrud Bing foi assistente de Fritz Saxl e, posteriomente, diretora do Instituto Warburg. In:
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 41, p. 131-165, 2004. Editora UFPR. Disponível em: <
http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/viewFile/4631/3583>. Acesso em: 20
jun. 2007.
183
representa um modelo de ‘gabinete de curiosidade’,
referência para o modelo escolhido por Hegedüs para o
Fludd’s Room.
Além da representação dos compartimentos, há na tela, a
projeção de um show psicodélico de luzes ao estilo dos
liquid light show
108
da década de 1960.
013 | 3_ Exemplo de projeção dos Liquid Light Show.
No pedestal está o ‘Ape of Nature’ de Robert Fludd,
representado em vários dos gráficos do seu ‘Utriusque
Cosmi, Maioris scilicet et Minoris, metaphisica, phisica,
atque, technica, Historia’, sobre o micro e o macrocosmo,
segurando varas que apontam para cima e para baixo.
Segundo a pesquisadora Kirsten Wagner,
“O Ape of Nature de Fludd se encontra no Memory Theater
VR […] porque os escritos de Fludd espelham a mentalidade
do Renascimento, variando entre ocultismo e ciência natural
empírica, para as quais a criação de uma segunda natureza se
torna programática.”
109
[WAGNER, 2003, tradução nossa]
108
Shows com projeções de vídeos psicodélicos.
109
Do original em inglês: “Fludd’s Ape of Nature has found its way into the Memory Theater VR
[…] because his writings mirror that mentality of the Renaissance, ranging between occultism
and empirical natural science, for which the creation of a second nature becomes programmatic.”
[WAGNER, 2003]
014 | 3_ Ape of Nature Robert Fludd.
Ainda, no centro do Fludd’s Room, um alto cilindro
espelhado reflete em sua superfície a anamorfose que
cobre o chão numa referência à obra de Jeffrey Shaw
Anamorphoses of Memory’ (1986), onde o artista explora a
técnica óptica da anamorfose
110
. Como descreve Jeffrey
Shaw,
Anamophoses of Memory estava localizada no quarto
disperso e desordenado de um estudante. Um monitor foi
colocado em um colchão no chão com a tela voltada para cima.
Na tela do monitor, filas móveis de texto eram
anamorficamente refletidas sobre um cilindro espelhado que
se levantando verticalmente no centro da tela. Estes textos
se moviam para fora do centro da tela em círculos
concêntricos. Refletidos no cilindro, eles se tornavam
184
110
Anamorfose. Representação de figura (objeto, cena etc.) de maneira que, quando observada
frontalmente, parece distorcida ou mesmo irreconhecível, tornando-se legível quando vista de
um determinado ângulo, a certa distância, ou ainda com o uso de lentes especiais ou de um
espelho curvo. Etimologia: anamorf(o)- + -ose; cp. gr. anamórphósis 'formado de novo'. Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em:
<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=anamorfose&stype=k&x=10&y=9>. Acesso em 21 jun.
2007.
185
sentenças que podiam ser lidas pelos espectadores.”
111
[SHAW,
1986, tradução nossa]
015 | 3_ Anamorphoses of Memory. Monitor sobre colchão.
Computergraphic/video installation (Jeffrey Shaw).
De um modo geral, os objetos no Fludd’s Room se
relacionam à ação mágico-oculta de idéias que, de certa
forma, serviram de fundo ideológico para o Teatro da
Memória de Camillo e que, através do pensamento de
Leibniz e das suas máquinas de raciocinar do período
Barroco, por exemplo, foram referências para o
desenvolvimento do computador, como atesta Norbert
Wiener em seu livro de 1948 ‘Cibernética, ou controle e
comunicação no animal e na máquina’.
112
111
Do original em inglês: “Anamorphoses of Memory was located in a sparse and untidy student's
bedroom. A monitor was placed on a mattress on the floor with its screen facing upwards. On
the monitor screen moving rows of text were anamorphically reflected onto a mirrored cylinder
standing upright in the centre of the screen. These texts moved outwards from the centre of
the screen in concentric circles. Reflected on the cylinder, they became vertically scrolling
sentences which could be read by the viewers.” [SHAW, 1986]
112
WIENER, N. Cibernética; ou contrôle e comunicação no animal e na máquina. Tradução de Gita K.
Ghinzberg. São Paulo: Polígono e Universidade de São Paulo, 1970. [copyright, 1948]
016 | 3_Fludd’s Room. Acima: Destaque para painéis do artista Bill Seaman
e de Aby Warburg numa referência ao seu Mnemosyne Atlas.
_Sutherland’s Room
O Sutherland’s Room apresenta os precursores técnicos e
as primeiras aplicações da Realidade Virtual. Entre os
precursores selecionados por Hegedüs, também está o
cinema e sua capacidade de imergir o espectador em um
enredo por meio de imagem em movimento e som. Entre os
ícones selecionados pela artista para integrar o
Sutherland’s Room, o projeto Sensorama (1955), de Morton
Heilig
113
tem destaque especial.
186
113
MORTON HEILIG. Nasceu em 1926 e morreu 1997. Heilig estudou Filosofia University of Chicago
(USA). Em 1950 obteve a graduação em direção de filme no um grau no sentido da película no
Centro Experimentale di Cinema in Rome (Italy). Em 1958 terminou o mestrado em Communication
Arts na University of Pennsylvania (USA). No final dos anos 1950s, o cineasta, cameraman e
inventor começaram a fazer a pesquisa sobre as máquinas capazes de simular experiências
humanas com sons. Em 1962, inspirado por filmes 3-D e Cinerama, Heilig apresentou o
“Sensorama multisensorial”. Disponível em:
<http://www.medienkunstnetz.de/artist/heilig/biography/>. Acesso em: 22 jun. 2007.
187
017 | 3_Sensorama machine.
Segundo Randall Packer e Ken Jordan,
"Morton Heilig através de uma combinação de ingenuidade,
determinação, e teimosia abrupta, foi a primeira pessoa a
tentar criar o que chamamos agora realidade virtual. Nos
anos 1950 ocorreu a ele que todo o esplendor sensório da
vida pudesse ser estimulado com ‘máquinas de realidade’.
Heilig era um cineasta de Hollywood e era como uma extensão
do cinema que ele pensou que uma tal máquina poderia ser
realizada."
114
[PACKER; JORDAN, 2002, p. 240, tradução nossa]
114
Do original em inglês: “Morton Heilig through a combination of ingenuity, determination, and
sheer stubbornness, was the first person to attempt to create what we now call virtual
reality. In the 1950s it occurred to him that all the sensory splendor of life could be stimulated
with ‘reality machines’. Heilig was a Hollywood cinematographer and it was as an extension of
cinema that he thought such a machine might be achieved.”[PACKER; JORDAN, 2002, p.240]
Heilig chegou a produzir uma versão do sensorama para
grandes platéias, o ‘Teatro da Experiência’, que foi
patenteado em 1969. O ‘Teatro da Experiência’ consistia em
um cinema com uma grande tela semi-esférica mostrando
imagens 3D em movimento, com imagem periférica e som
direcional, aromas, vento, variações de temperatura e
movimentação do assento.
018 | 3_ Experience Theater (patent # 3,469,837).
No Sutherland’s Room, outro ícone no desenvolvimento da
realidade virtual, selecionado por Hegedüs, se encontra na
parede interna da rotunda – cenas típicas de simulações
de vôos militares. Utilizados desde a Segunda Guerra
188
189
Mundial (1939-1945) em treinamentos para pilotos, os
simuladores de vôo ganharam realismo com a Realidade
Virtual gerada por computador.
Outro ícone apresentado é o trabalho do pesquisador que
dá nome a esse Cômodo da Memória, o Head-Mounted
Displays de Ivan Sutherland, onde as telas e os prismas
estão montados diretamente na frente dos olhos. No
Sutherland’s Room está um dos primeiros Head-Mounted
Displays.
019 | 3_ Ivan Sutherland, Head-Mounted Display.
No que concerne à estrutura do Sutherland’s Room, na
tela de projeção no ambiente de Realidade Virtual, está um
filme mostrando o fundador da Silicon Graphics, James H.
Clark
115
, usando um Head-Mounted Display de Sutherland.
No pedestal está um modelo 3D do logo do primeiro
browser de Internet por Marc Andreesen
116
. Ainda, como
relata Agnes Hegedüs,
“Três grandes signos 3D – ‘A’, ‘2’, ‘Z’,
retirados do ‘Virtual Museum’ de Jeffrey Shaw – também saltam
randomicamente dentro deste quarto ‘wire frame’.”
117
[HEGEDÜS, 1998,
apud WAGNER, 2004].
O espaço interior é ainda ocupado por
uma reprodução do modelo da equipe de Scott Fisher
118
do
NASA Lab que foi produzida para ser visualizada no Head-
Mounted Display.
020 | 3_ Virtual Museum. Vista da Instalação.
115
James H. Clark. Nasceu em 1944, em Plainview, Texas, Estados Unidos. Ele abandonou o
colegial para se alistar na marinha. Recebeu seu Ph.D. em Ciência da Computação pela University
of Utah e lecionou na UC–Santa Cruz (1974–78) e em Stanford (1979–82). Ele fundou a empresa
Silicon Graphics em 1981 e trabalhou como seu diretor de 1982–94, transformando-a numa
companhia bilionária que produziu estações de trabalho para aplicações gráficas de alta
qualidade. Em 1994 ele foi co-fundador da Netscape Communications, da qual a interface gráfica
do Web browser revolucionou a Internet tornando fácil o acesso a documentos online. Disponível
em: <http://concise.britannica.com/ebc/article-9360897/James-H.-Clark>. Acesso em 22 jun. 2007.
116
Marc Andreessen. Cientista da Computação, nasceu em 9 de julho de 1971, em Cedar Falls,
Iowa. Foi co-fundador e o principal mentor da companhia de Internet Netscape. Foi ainda
estudante pesquisador na University of Illinois em Urbana-Champaign em 1993 quando participou
da criação do primeiro browser de Internet popular, conhecido como Mosaic. Depois da graduação
mudou-se para a Califórnia e associou-se a James Clark [da Silicon Graphics] para fundar a
Netscape. Disponível em: <http://www.answers.com/topic/marc-andreessen>. Acesso em: 02 jun.
2007
117
Do original em inglês: “Three large 3D signs – ‘A’, ‘2’, ‘Z’, taken from Jeffrey Shaw’s ‘Virtual
Museum’ - also bounce randomly about inside this wire frame room.”
[HEGEDÜS, 1998, apud
WAGNER, 2004].
190
118
Scott S. Fisher é um media artista e designer da interação cujo trabalho focaliza
primeiramente em ambientes interativos e em tecnologias de presença. Conhecido por seu
pioneiro trabalho abrindo caminho no campo da realidade virtual na NASA, a experiência de
Fisher com a indústria das mídias inclui também Atari, Paramount, e suas próprias companhias
Telepresence Research e Telepresence Media. Graduou-se no MIT's Architecture Machine
Group (hoje Media Lab), lecionou no MIT, UCLA, UCSD, e foi professor de projeto na Keio
University no Japão. É atualmente professor de Interactive Media Division na School of Cinematic
Arts, na University of Southern California. Disponível em: <http://www.itofisher.com/sfisher/>.
Acesso em 02 jun. 2007.
191
Assim a partir do acesso a essa estrutura montada por
Hegedüs, o usuário pode ter acesso às origens da
Realidade Virtual e de seus desenvolvimentos, do ponto de
vista técnico.
021 | 3_ Sutherland’s Room. Destaque para modelo 3D do logo do primeiro
browser de Internet.
022 | 3_ Sutherland’s Room.
023 | 3_ Sutherland’s Room. Vista.
_Boccioni’s Room
No Boccioni’s Room a Realidade Virtual está relacionada
aos espaços ilusionários em Arquitetura, espaços que se
estruturam a partir de relações espaciais complexas,
relações complexas entre tempo e espaço. Hegedüs faz
referência ao arquiteto e escritor barroco Hans Vredeman
de Vries
119
, ao pintor e escultor futurista Umberto
Boccioni
120
e ao arquiteto, que ela classifica como
119
Hans Vredeman De Vries (1527-1606) Pintor e Arquiteto Holandês, nasceu em Leeuwarden e
cresceu em Friesland, em 1546 foi para Amsterdã e Kampen. Em 1549 mudou-se para Mechelen
onde a Suprema Corte estava assentando. Vredeman de Vries projetou ornamentos para as
festas de Charles V e Philip II. Estudando Vitruvius e Sebastiano Serlio, traduzidos por seu
professor Pieter Coecke van Aelst ele tornou-se um especialista em perspectiva conhecido
internacionalmente.Vredeman de Vries é conhecido por sua publicação em 1583 sobre projeto de
jardim e seus livros com muitos exemplos sobre ornamentos (1565) e perspectiva (1604). Seu
livro sobre perspectiva se tornou um dos principais guias sobre perspectiva para arquitetos,
desenhadores e pintores. Disponível em: <http://www.relewis.com/devrieslist/devries.pdf>.
Acesso em: 22 jun. 2007.
192
120
Umberto Boccioni. Nasceu em 1882 em Reggio, Calábria, Itália e morreu em 1916 em Sorte,
Verona, Itália. O pintor e escultor Umberto Boccioni foi o mais importante teórico do Futurismo.
Formou-se em Roma, com Gino Severini, no ateliê de Giacomo Balla, nos primeiros anos do século
XX. Aprendendo a pintura neo-impressionista, tornou-se um mestre menor do divisionismo
italiano. Fixou-se em Milão, onde conheceu Marinetti, em 1908, e, em 1909, aderiu ao Futurismo,
com Balla, Carlo Carrà e Luigi Russolo, assinando com eles o Manifesto dos pintores futuristas,
em 1910; no mesmo ano, redigiria o Manifesto técnico da pintura futurista. Convocado para lutar
na Primeira Grande Guerra, serviu na artilharia, em Sorte, próximo a Verona, onde morreu após
uma queda de cavalo durante exercícios militares. Sua produção artística e intelectual fluiu até
1916, ano em que publicou em Nápoles O Manifesto dos Pintores Meridionais. Expôs em Paris,
Londres, Roma e nos Estados Unidos (São Francisco). Foi inovador na escultura, rompendo com a
tradição de Rodin e procurando solucionar todos os aspectos da forma dinâmica na linguagem
tridimensional. Suas esculturas ultrapassaram a questão do movimento absoluto para um
movimento relativo, estabelecendo uma tensão e fusão da forma e do espaço, que se
193
deconstrutivista, Daniel Libeskind
121
. Como coloca Kirsten
Wagner,
“Como a história da utopia em arquitetura mostra, uma tal
arquitetura estimulou a imaginação dos mestres construtores
muito tempo antes da Realidade Virtual acontecer. Porém, com
Realidade Virtual as fantasias dos arquitetos pareciam ser
viáveis pela primeira vez. Essa técnica ao menos abriu
espaços, nos quais o assunto exibido pode ser reestruturado
à vontade, justamente porque estes espaços não são espaços
físicos, mas espaços pictóricos gerados por computador.”
122
[WAGNER, 2003, tradução nossa]
Essa colocação de Wagner aponta a viabilidade de um novo
meio que se apresenta, não como nova forma de pensar,
mas como nova possibilidade de experimentação, de
viabilidade de criação de espaços que antes eram apenas
imaginados e a partir da realidade virtual passaram a ser
construídos no ciberespaço.
Assim, com o objetivo de relacionar Realidade Virtual e
Arquitetura, no Boccioni`s Room a proposta é a de um
espaço onde há a conjunção de elementos do Barroco, do
Futurismo e do Deconstrutivismo. No pedestal, uma
animação da escultura de Boccioni de uma figura em
movimento – Formas únicas da Continuidade no Espaço. Na
parede circular, um ‘trompe-l’oeil
123
com perspectiva
interpenetram. Disponível em:
<http://www.mac.usp.br/projetos/seculoxx/modulo1/construtivismo/cubismo/futurismo/boccioni/ind
ex.html>. Acesso em: 22 jun. 2007.
121
Daniel Libeskind, nascido em 1946 na Polônia, estudou música em Israel e Nova York antes de
licenciar-se em Arquitetura em 1970, matéria na qual desenvolveu edifícios como os Museus
Judeus de Copenhague e Berlim. É cidadão norte-americano desde 1965. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq070/arq070_00.asp>. Acesso em: 20 jun. 2007.
122
Do original em inglês: “As the history of architecture utopia shows, such an architecture has
stimulated the imagination of the master builders long before Virtual Reality came into being.
However, with Virtual Reality the fantasies of the architects seemed to be feasible for the
first time. At least this technique has opened spaces, in which the displayed matter can be
restructured at will, precisely because these spaces are no physical spaces, but computer-
generated pictorial spaces.” [WAGNER, 2003]
123
Trompe l'oeil. Recurso técnico-artístico empregado com a finalidade de criar uma ilusão de
ótica, como indica o sentido francês da expressão: tromper, "enganar", l'oeil, "o olho". Seja pelo
emprego de detalhes realistas, seja pelo uso da perspectiva e/ou do claro-escuro, a imagem
representada com o auxílio do trompe l'oeil cria no observador a ilusão de que ele está diante
de um objeto real em três dimensões e não de uma representação bidimensional. O objetivo do
procedimento é, portanto, alterar a percepção de quem vê a obra. O termo, ainda que de início
aplicado à pintura de períodos em que predomina o naturalismo - por exemplo, na Grécia Antiga
e no Renascimento italiano, se generaliza no vocabulário crítico e passa a referir-se a qualquer
forma de ilusionismo acentuado empregado nas artes. Na arquitetura, a decoração ilusionista em
que a pintura de forros e paredes altera a percepção do tamanho do espaço (denominada
arquitetônica clássica de Hans Vredeman de Vries.
Vredeman de Vries publicou em 1604 e 1605 um livro em
dois volumes sobre a arte da perspectiva. O Boccioni`s
Room é ainda povoado de elementos arquitetônicos
desconstruídos, estáticos e em movimento, numa referência
ao trabalho do arquiteto Daniel Libeskind.
024 | 3_ Boccioni’s Room. Destaque para os elementos arquitetônicos numa
referência ao Deconstrutivismo e ao arquiteto Daniel Libeskind.
Como explica Hegedüs,
“[...] estas formas angulares intercaladas
são texturas mapeadas com textos de James Joyce
124
.”
125
[HEGEDÜS,
1998, apud WAGNER, 2004, tradução nossa, nota nossa].
quadratura), é considerada um tipo de trompe l'oeil. Trompe l'oeil. Enciclopédia Itaú Cultural de
Artes Visuais. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto
&cd_verbete=5358>. Acesso em 22 jun. 2007.
124
James Joyce. Nasceu em Rathgar, Dublin em 1882 e morreu em Zurique, 1941. Escritor irlandês.
De educação judaica, passou grande parte da sua vida fora da Irlanda, trabalhando como
professor. Aos vinte e dois anos instalou-se em Trieste, Itália, e começou a escrever poesia
(Chamber Music) e contos (Gente de Dublin). Em 1914-15 publicou Dedalus, romance autobiográfico
de grande complexidade construtiva. O interesse de Joyce pela linguagem e pelo mito
manifestam-se na sua obra-prima, Ulisses. É um romance com poucos acontecimentos. Joyce
passou os seus últimos dezessete anos fazendo experiências com a linguagem e a escrita.
Dedicou-se a fazer e refazer um pequeno conto utilizando elementos léxicos, sintácticos e
gráficos de diversas línguas. O resultado, Finnegans Wake, é duma complexidade que o tornam
inabordável. Disponível em: <http://www.vidaslusofonas.pt/james_joyce.htm>. Acesso em: 22 jun.
2007.
194
125
Do original em inglês: “[…] these angular interleaving forms are texture mapped with texts by
James Joyce.”
[HEGEDÜS, 1998, apud WAGNER, 2004].
195
025 | 3_ Boccioni’s Room. Destaque para as texturas com textos de James
Joyce.
Outra referência é a obra do arquiteto francês Claude-
Nicolas Ledoux
126
– a partir de uma famosa gravura coupe
d’oeil que produziu enquanto projetava o Teatro de
Besançon
127
. Segundo Wagner, “A gravura mostra um olho
colossal onde dentro da pupila está refletido o auditório vazio do
teatro Besançon. Metaforicamente falando, o órgão da visão reflete o
teatro como “Schauplatz” (theatron).”
128
[WAGNER, 2004, tradução
nossa]
126
Claude Nicolas Ledoux. Nasceu em 21 de março de 1736 em Dormans-sur-Marne, França e
Morreu em 19 de novembro de 1806 em Paris. O arquiteto francês desenvolveu uma arquitetura
eclética e visionária ligada aos ideais sociais pré-Revolucionários nascentes. Seu imaginativo
trabalho em madeira em um café trouxe-o à observação da sociedade, e transformou-o logo no
arquiteto da moda. Nos anos 1760s e no início dos anos 1770s projetou muitas casas privadas
em estilo inovativo Neoclássico para os círculos sociais mais elevados na França. Disponível em:
<http://www.britannica.com/eb/article-9047584/Claude-Nicolas-Ledoux>. Acesso em: 22 jun. 2007.
127
Teatro de Besançon. O Theatre of Besançon (1771-73) de Ledoux era um projeto
revolucionário em sua provisão dos assentos para o público ordinário assim como para as
classes superiores. Disponível em: <http://www.britannica.com/eb/article-9047584/Claude-
Nicolas-Ledoux>. Acesso em: 22 jun. 2007.
128
Do original em inglês: “The engraving shows a colossal eye where inside the pupil the empty
auditorium of the Besançon theatre is mirrored. Metaphorically speaking, the organ of sight
reflects the theatre as “Schauplatz” (theatron).”[WAGNER, 2004]
026 | 3_"COUP D'OEIL" Teatro de Besançon.
Todos os exemplos selecionados por Hegedüs ajudam a
construir uma conexão entre a arte da perspectiva e a
Realidade Virtual, na construção de um espaço pictórico
tridimensional a que está relacionada a experiência da
imersão.
196
197
027 | 3_ Boccioni. Formas únicas da continuidade no espaço, 1913.
028 | 3_ Boccioni’s Room. Panorama – vista externa.
029 | 3_ Boccioni’s Room. Panorama – visto de cima.
198
199
_Alice’s Room
O ambiente virtual criado para o Alice`s Room é um quarto
de criança, com brinquedos, imagens e figuras fantásticas.
Entre as imagens, a seqüência do espelho do filme
‘Testamento de Orfeu’
129
de Jean Cocteau. Entre as
referências que constroem esse universo hipermídia
fantástico, estão uma obra da própria Agnes Hegüedus – a
Fruit Machine’ (1991) e outra obra de Jeffrey Shaw o
Golden Calf’ (1994). Sobre a parede circular do cômodo da
memória estão ainda ilustrações do livro de Lewis Carroll
‘Alice no País das Maravilhas’ intercaladas com desenhos
de Antonin Artaud, além de desenhos de crianças do jardim
de infância. No chão do cômodo da memória, imagens de
diversos brinquedos infantis e uma cama de criança, sobre
a qual está sentado o Homem de Lata do filme ‘O Mágico
de Oz’, e em cujo lençol está uma imagem da instalação
Telematic Dreaming’ (1992) de Paul Sermon.
030 | 3_ Telematic Dreaming, Paul Sermon, 1992.
129
Testamento de Orfeu (1959), Jean Cocteau: Neste filme, o legendário escritor, artista e
cineasta Jean Cocteau retrata um poeta do século dezoito que viaja através do tempo em busca
da sabedoria divina. Em um misterioso lugar ele encontra diversos fantasmas simbólicos que
trazem sua morte e ressurreição. Com elenco eclético que inclui Jean-Pierre Léaudi, Pablo
Picasso e Yul Brynner, Testamento de Orfeu traz a exploração do torturante relacionamento
entre o artista e as suas criações. Disponível em:
<http://dvdworld.com.br/dvdworld.hts?+CO21129+acha>
Entre as referências do campo da arte mídia, A obra
'Telematic Dreaming' de Paul Sermon é uma instalação que
existe dentro da rede ISDN de telefone. São localizadas
duas interfaces individuais em localizações separadas. São
sistemas de instalação dinâmicos que funcionam como
unidades de videoconferência customizadas. Camas de casal
são posicionadas dentro de ambas as localizações, um local
está escurecido, o outro iluminado. A cama no espaço claro
tem uma câmera situada diretamente sobre ela, enviando
uma imagem de vídeo ao vivo da cama, de um
espectador/usuário deitado sobre ela, para um vídeo
projetor localizado sobre a outra cama no quarto
escurecido. A imagem ao vivo é projetada sobre a cama
onde outra pessoa está deitada. Uma segunda câmera,
próxima ao vídeo projetor, envia de volta uma imagem ao
vivo da projeção na cama para uma série de monitores que
cercam a cama no ambiente iluminado. Segundo o artista,
“Simplificadamente, as imagens de telepresença funcionam como um
espelho que reflete uma pessoa dentro do reflexo de outras
pessoas.”
130
[SERMON, 2007, tradução nossa]
031 | 3_ Alice’s Room. Em destaque o berço e as ilustrações de Artaud.
Hegedüs apresenta conceitos heterogêneos de Realidade
Virtual através de trabalhos de nomes como Lewis Carroll
– Alice no País das Maravilhas –, e Ivan Sutherland – HMD
- Head-Mounted Display.
200
130
Do original em inglês: “Quite simply, the telepresent image functions like a mirror that
reflects one person within another persons reflection.” [SERMON, 2007]
201
O fundamento do livro de Lewis Carrol, segundo Margareth
Mattos
131
, é o realismo mágico, onde o fantástico e o
abstrato se fundem com o mundo concreto. Alice vive
diversas aventuras em um universo surreal, relacionando-
se com personagens fantásticos. Dos encontros de Alice
com esses personagens, como afirma Mattos,
“[...] originam-se
diálogos e situações que se caracterizam pelo nonsense, pelo
inusitado, pelo quase absurdo.”[MATTOS, 2007]
Ivan Sutherland escreveu em 1965 o ensaio «the ultimate
display» onde produziu o primeiro avanço no sentido de
unir o computador ao design, construção, navegação e
habitação de mundos virtuais imersivos. O pesquisador do
MIT acreditava no potencial dos computadores de
transformar a natureza abstrata de construções
matemáticas em ambientes ‘habitáveis’, como o mundo de
Alice Através do Espelho de Lewis Carroll.
Nesse ensaio de 1965, Ivan Sutherland faz uma comparação
direta entre os mundos virtuais possíveis de serem
gerados por computadores e o mundo fantástico em que
Alice se encontra, atravessando o espelho. Uma
compreensão da relação entre a experiência do espelho e a
experiência de imersão em ambientes de realidade mesclada
pode ser feita a partir das considerações de Michel
Foucault
132
no ensaio ‘De outros Espaços’, onde descreve a
experiência do sujeito que se vê no espelho, onde o
espelho, segundo Foucault,
“[...] é, afinal de contas, uma utopia, uma vez que é um lugar
sem lugar algum. No espelho, vejo-me ali onde não estou, num
espaço irreal, virtual, que está aberto do lado de lá da
superfície; estou além, ali onde não estou, sou uma sombra
que me dá visibilidade de mim mesmo, que me permite ver-me
ali onde sou ausente.” [FOUCAULT, 2005, p.2]
131
Margareth Silva de Mattos. Mestre em Literatura Brasileira pela UFF. Professora da
UFF/PROALE (Programa de Alfabetização e Leitura).
132
Michel Foucault (1926-1984), historiador francês e filósofo, associado aos movimentos
estruturalista e pos-estruturalista. Ele não só teve ampla influência em filosofia mas também
em um grande número de disciplinas científicas humanísticas e sociais. Disponível em: <
http://plato.stanford.edu/entries/foucault/>. Acesso em: 20 jun. 2007.
Foucault descreve dois tipos de espaços para elaborar a
compreensão do que vem a ser a experiência do espelho –
os espaços ‘utópicos’ e os ‘heterotópicos’. Os ‘utópicos’
seriam
“[...] lugares sem lugar real, [...] lugares que têm uma relação
analógica direta ou invertida com o espaço real [...] espaços
fundamentalmente irreais” [FOUCAULT, 2005, p.2].
Já os
‘heterotópicos’ seriam
“[...] espaços reais – espaços que existem e
que são formados na própria fundação da sociedade - que são algo
como contra-lugares, espécies de utopias realizadas [...]” [FOUCAULT,
2005, p.2].
Para além dessa relação direta com o contexto de
desenvolvimento da tecnologia da Realidade Virtual trazida
pelo próprio nome do ‘cômodo da memória’, constrói-se a
partir das demais referências que compõe o universo visual
fantástico do Alice’s Room uma linha que conduz ao
universo da arte mídia. Segundo a pesquisadora Kirsten
Wagner,
"Com instalações multimídia e o uso de tecnologias de
Realidade Virtual, a concepção de teatro de Artaud, incluindo
diretamente o espectador na obra de arte, foi continuada lá.
Como elucidado no contexto de Sutherland e seu Head-
Mounted Display, esta concepção é significante para Realidade
Virtual baseada em computador em geral. Também a esse
respeito, Artaud pode ser lido como seu profeta.”
133
[WAGNER,
2003, tradução nossa]
O Alice’s Room representa a virtualidade inerente ao
universo infantil utilizando uma rede complexa e elaborada
de referências que incluem arte mídia, literatura, cartoon,
cinema e poesia. Nos mundos virtuais do universo infantil a
imaginação é ilimitada, tudo é possível.
202
133
Do original em inglês: “With multi-media installations and the use of Virtual Reality
technologies Artaud`s theatre conception of directly including the viewer in the work of art has
been continued there. As elucidated in context of Sutherland and his Head-Mounted Display,
this conception is significant for computer-based Virtual Reality in general. Also in this respect,
Artaud can be read as its prophet.” [WARGNER, 2003]
203
032 | 3_ Acima: Alice’s Room. Panorama – vista externa.
Abaixo: Alice’s Room. Vista interna. Destaque para os desenhos de Artaud e
para referências como o homem de lata e os brinquedos.
033 | 3_ Alice’s Room. Panorama – visto de cima.
204
205
3.3.3.2.3_Memory Theater VR e os Teatros da
Memória
O Memory Theater VR, como os teatros da memória que o
precederam historicamente, torna possível a construção de
uma rede de relações infinita entre conteúdos relacionados
a cada uma das nuances da Realidade Virtual e das
inúmeras referências relacionadas ao universo de seu
desenvolvimento técnico e da experiência de imersão em
imagens que produzem a ilusão do tridimensional. No
entanto, a construção do significado de cada imagem, a
leitura dessa imagem, está intrinsecamente vinculada ao
ambiente a que está ligada, ou seja, ao seu contexto. Em
estudo realizado pela pesquisadora Kirsten Wagner, ela
afirma que o projeto pressupõe um extensivo conhecimento
anterior por parte do espectador, afirmando que,
"Este conhecimento de fundo não só contém o
desenvolvimento tecnológico da Realidade Virtual, mas também
as idéias de utopias que se desdobraram dentro de seu
contexto. Também inclui a história do Renascimento e Teatro
da Memória barroco. Afinal de contas, os sistemas de Teatro
da Memória históricos, nomeadamente os de Giulio Camillo e
Robert Fludd, foram o modelo para o Memory Theater VR."
134
[WAGNER, 2003, tradução nossa]
A associação entre o antigo Teatro da Memória e os
ambientes virtuais, segundo a pesquisadora já era
recorrente nos laboratórios em que foi desenvolvida a
tecnologia da Realidade Virtual
135
, como atestam publicações
134
Do original em inglês: “This background knowledge contains not only the technological
development of Virtual Reality, but also the ideas of utopias that have unfolded within its
context. It also includes the history of the Renaissance and baroque memory theatre. After all,
the historical memory theatre systems, namely those of Giulio Camillo and Robert Fludd, have
been the model for the Memory Theater VR.” [WAGNER, 2003]
135
VR (Virtual Reality): Segundo Frederick P. Brooks Jr., Para o bem ou para o mal, o termo
realidade virtual vinculou-se a esta área particular da computação gráfica. Eu defino uma
experiência de realidade virtual como qualquer outra na qual o usuário está efetivamente
imerso em um mundo virtual responsivo. Isto implica controle dinâmico do ponto de vista por
parte do usuário. [BROOKS JR., 1999, p.16, tradução nossa] Do original em inglês: “For better or
worse, the label virtual reality stuck to this particular branch of computer graphics. I define a
virtual reality experience as any in which the user is effectively immersed in a responsive
virtual world. This implies user dynamic control of viewpoint.” [BROOKS JR., 1999, p.16] |
Frederick P. Brooks Jr é Professor de Ciências da Computação na University of North Carolina
em Chapel Hill, onde fundou o departamento de Ciências da Computação em 1964. Sua pesquisa
atual é em computação gráfica 3D. Recebeu seu PhD em 1956 no que hoje em dia pode ser
chamado de ciência da computação sob orientação de Howard Aiken em Harvard.
de diversos pesquisadores, dentre os quais, Nicholas
Negroponte e o mídia artista Jeffrey Shaw, que estão
entre as influências para o Memory Theater VR de
Hegedüs.
Assim como seus predecessores, como atestam as
propostas de Fludd e Camillo, o projeto, com as infinitas
possibilidades de associações complexas entre conteúdos
em contexto, transcende o método de loci a partir do qual
se estrutura enquanto um ‘sistema da memória’. O teatro
pode ser compreendido como um espaço de conhecimento,
espaço para a produção de significado, a construção de
memórias.
Analisando sistematicamente o ‘Memory Theater VR’ de
Agnes Hegedüs, a partir de cada um dos princípios de
nossa estratégia metodológica, que contempla
características que, observadas em um sistema, podem
ajudar a classificá-lo como complexo, podemos considerar
que:
(1) No que se refere ao Aspecto de armazenagem
(relacionado ao espaço como estrutura de
armazenagem pensada para ser universal), o Memory
Theater VR de Hegedüs foi projetado,
principalmente para armazenar conteúdos que
pudessem ‘educar’ os usuários sobre a história da
realidade virtual. O espaço, ainda, utiliza a própria
Realidade Virtual como suporte para exibir os
conteúdos. Essa estrutura utilizada com esse
propósito, relacionado à Realidade Virtual, pode ser
pensada como uma estrutura universal para
armazenamento de dados, visto que os ‘cômodos da
memória’ são elementos definidos espacialmente na
rotunda, podendo ter outros conteúdos relacionados
à sua estrutura.
(2) No que se relaciona ao Aspecto multimídia (esse
aspecto se refere à estruturação do acesso e
armazenagem de imagens, textos e sons a que o
espaço é capaz de dar suporte) o projeto de
Hegedüs apresenta um sistema complexo de acesso
à informação, que permite o acesso a diversos
conteúdos, dentre eles, imagens, textos e sons,
206
207
baseados na associação entre imagens e lugares,
mas fazendo essa associação de forma não linear,
permitindo ao usuário fazer interconexões entre os
conteúdos e a partir das relações obtidas, construir
sua própria narrativa.
(3) No que se refere ao Aspecto espacial (o foco aqui
está no uso do espaço como um princípio de
organização que determina o gerenciamento de
dados) o teatro de Hegedüs parte da própria
metáfora do teatro e dos panoramas enquanto
estrutura espacial utilizada para a organização e
distribuição dos conteúdos, além da referência dos
Gabinetes de Curiosidade como espaço onde se
guardam vários elementos de um certo tipo ou
espécie. Além disso, o gerenciamento dos dados é
feito a partir da divisão dos mesmos em quatro
cômodos – os ‘Cômodos da Memória’, que recebem,
em cada um deles uma temática para seu enfoque.
(4) No que se relaciona ao Aspecto combinacional (esse
último aspecto se aproxima do princípio do
hipertexto, baseado na capacidade do espaço de dar
suporte a um fluxo dinâmico e não-linear de
gerenciamento de conteúdos hipermídia) o teatro de
Hegedüs se apresenta como um espaço em que os
conteúdos armazenados são acessados de forma não
linear e randômica. A complexidade das referências e
dos conteúdos armazenados torna os ambientes
propícios à exploração por parte de qualquer
usuário, porém de acordo com os conhecimentos
prévios de cada usuário, sua apreensão será
diferente, já que a estrutura foi pensada de modo a
dar liberdade ao usuário para construir suas
próprias narrativas e caminhos dentro do espaço
proposto.
Os exemplos aqui apresentados ilustram o resgate da Arte
da Memória em aplicações de arte digital como processo
para a estruturação de espaços de conhecimento,
evidenciando as relações bastante estritas entre
tecnologia, ciência e arte. Através dos exemplos é possível
observar como, através do uso de modelos mentais
estruturados, a Arte da Memória, utilizada em explorações
artísticas e arquitetônicas, pode enriquecer o processo de
percepção, a aprendizagem, a memorização de conteúdos, as
possibilidades de construção de narrativas não-lineares e a
construção de memórias individuais e coletivas em
ambientes computacionais ou de realidade mesclada.
208
211
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa dissertação se estruturou em torno do objetivo de
conhecer as relações entre a Arquitetura e a Arte da
Memória, buscando aproximações com os processos de
concepção de espacialidades e de organização de conteúdos.
O esforço compreende ainda a intenção de entender como
esta Arte foi utilizada ao longo do tempo em momentos
históricos específicos, como elemento estruturador do
processo de organização de conteúdos a partir de espaços
onde estão intencionalmente relacionados imagens e
lugares.
Para percorrer as conexões entre imagens e lugares,
conteúdo informacional e espaço, e para compreender o
processo de concepção desses espaços que, mais que
espaços, são sistemas da memória, estruturamos as
considerações finais em três partes. Na primeira parte
estão as considerações sobre características específicas
dos chamados espaços de conhecimento concebidos a partir
do uso da Arte da Memória como processo – Espaços
Mentais, Espaços Concretos e Espaços Híbridos.
Na segunda parte, analisamos comparativamente o uso da
Arte da Memória nos diversos períodos em foco a partir
dos parâmetros definidos em nossa estratégia
metodológica: aspecto de armazenagem, aspecto
multimídia, aspecto espacial e aspecto combinacional. Na
terceira e última parte – Desdobramentos e
Interconexões–, sintetizamos as reflexões e lançamos um
olhar para possíveis conexões.
Da Natureza dos Espaços: classificações
Podemos inicialmente considerar uma distinção entre os
espaços concebidos a partir da utilização da Arte da
Memória, classificando-os de acordo com sua natureza
como:
Espaços Mentais. Seriam Espaços imaginados segundo as
regras dos três tratados que definiram a Arte da Memória
Clássica, e que recomendavam a construção, na mente, de
espaços arquitetônicos para memorização de conteúdos,
associando imagens e lugares.
Espaços Concretos. Seriam os Espaços arquitetônicos
construídos, estruturados a partir da Arte da Memória com
a finalidade de permitir a aquisição de conhecimento por
parte de seus usuários/espectadores, a partir do acesso a
conteúdos armazenados, relacionando imagens e lugares.
Espaços Híbridos. Seriam mistos de Espaços Mentais e
Concretos, onde os espaços arquitetônicos concretos,
físicos, seriam a base para o acesso aos espaços mentais,
estruturando o processo de memorização de conteúdos,
relacionando imagens e lugares.
Lançando um primeiro olhar sobre todos os períodos em
que se desenvolveram aproximações da Arte da Memória e
que são tratados na presente dissertação, talvez caiba
classificar cada um desses períodos a partir de aparentes
predominâncias no que concerne ao enfoque do uso dessa
Arte como processo de concepção de espaços para a
mente. Poderíamos concluir à primeira vista que na
Antiguidade Clássica, a Arte da Memória, que estava
intrinsecamente conectada à retórica, era uma Arte de
construção de Espaços Mentais, para a memorização de
extensos discursos e para a apresentação e defesa de
idéias em público. Poderíamos afirmar que a Arte da
Memória no período Medieval era uma Arte híbrida de
estruturação de espaços de conhecimento, mistos de físico
e mental. Poderíamos afirmar que no Renascimento, a Arte
da Memória era a Arte de concepção de espaços de
conhecimento concretos e que, em sua versão
contemporânea, fortemente influenciada pela leitura
Barroca dessa Arte – Arte Combinatória da Machina
Ratiocinatrix de Leibniz que se inspirou nas rodas de
Raimundo Lulio – é a Arte de conceber espaços de
conhecimento para imersão, híbridos de concreto e virtual.
Mas, no entanto, se nosso olhar atento de pesquisadores
perscrutar com maior profundidade cada um desses
212
213
momentos em que se desenvolve o uso da Arte da
Memória, certamente concluiremos que a questão é
infinitamente mais complexa. Os espaços para a mente dos
oradores romanos eram espaços da arquitetura clássica,
com seus cômodos cheios de luz e aberturas fartas para
que fosse possível ver com clareza os objetos, as imagens
armazenadas em cada cômodo com fins de memorização de
conteúdos. Esses espaços da mnemônica clássica, nas
origens do uso dessa Arte, eram sem dúvida, espaços
híbridos, por que se alimentaram de exemplos concretos de
arquiteturas da época. Assim como o eram os espaços
concebidos segundo reinterpretações dos tratados
clássicos da Arte da Memória pelos monges medievais que
utilizavam essa arte para transmitir e incutir na mente dos
fiéis os preceitos de sua fé. Eram híbridos, com a luz que
permitia focalizar e iluminar aspectos de vários pontos de
vista, luz que atravessava as rosáceas transcendendo o
espaço das catedrais góticas construídas em pedra, com
seu interior cravejado de múltiplos signos. Eram espaços
híbridos o Teatro da Memória de Giulio Camillo e o
Sistema Teatro da Memória de Fludd, que utilizavam a
Arte da Memória como forma de criar complexos espaços
para armazenar ‘segredos’ para iniciados na tradição
hermético-cabalística. São híbridos os espaços das
instalações de arte digital interativa de Agnes Hegedüs,
onde o espectador é ator do processo de conhecimento
como no teatro de Camillo. Ator de processos de
construção de narrativas pessoais, de memórias a partir de
interconexões e relações complexas entre conteúdos no
ambiente de realidade virtual acessível a partir de um
suporte construído fisicamente, palpável. É híbrido, como
eram os espaços onde caminhavam mentalmente os
oradores romanos, o Memory Theatre One de Robert
Edgar, concebido para a interface do Apple II em meados
dos anos 1980.
Podemos assim concluir que, a Arte da Memória não é uma
Arte de espaços ora mentais, ora concretos, mas uma Arte
da construção de espaços híbridos. Uma Arte
essencialmente ligada a outra Arte, nem maior nem menor
que ela, mas certamente basilar para a Arte da Memória –
a Arquitetura. Arquitetura, na origem do termo: arché mais
techné, arte e técnica da concepção de espaços. Espaço
não só para o corpo físico. Espaços híbridos para abrigar
o corpo, por onde se desloca, transita, esse corpo, mas
também, espaço por onde navega a mente. Como coloca
Libeskind,
“[...] existe uma outra dimensão em arquitetura, talvez a
mais tradicional, na qual a arquitetura conta a história.”
1
[LIBESKIND,
2004, tradução nossa]
Arquitetura como Arte de contar
histórias, amalgamando nesses espaços híbridos por
natureza imagens e lugares, espaços para percorrer
construindo narrativas, espaços mnemônicos.
As Diversas Artes da Memória: comparações
Com o objetivo de construir uma compreensão ampliada da
complexidade dos espaços produzidos a partir do uso da
Arte da Memória como processo, realizamos aqui uma
análise comparativa a partir dos exemplos apresentados em
cada um dos capítulos. Essa análise se estrutura a partir
dos parâmetros definidos em nossa estratégia metodológica
aspecto de armazenagem, aspecto multimídia, aspecto
espacial e aspecto combinacional.
Aspecto de Armazenagem
No que se refere ao aspecto de armazenagem, relacionado
ao espaço como estrutura de armazenagem pensada para
ser universal:
No período que se refere à Antiguidade Clássica, as
estruturas de armazenagem são espaços arquitetônicos,
lugares imaginados que podiam ser edifícios ou conjuntos
de cômodos, onde eram guardados todos os conteúdos que
se pretendesse recordar, associando a esses espaços
imagens representativas. Essas arquiteturas – verdadeiras
estruturas de armazenagem de dados podiam incorporar
modificações infinitas em sua conformação. Podia-se, de
acordo com a necessidade, aumentas o número de cômodos,
de andares, ou até mesmo de edifícios, em função dos
conteúdos a serem recordados. Esses espaços poderiam ser
baseados em Arquiteturas que realmente existiam
fisicamente, construídas nas cidades onde os praticantes
1
Do original em inglês: “I’ve always thought there is another dimension in architecture, perhaps
the more traditional one, in which architecture tells the history.” [LIBESKIND, 2004]
214
215
dessa Arte da Memória caminhavam cotidianamente, ou
podiam ser espaços arquitetônicos concebidos mentalmente
exclusivamente para fins mnemônicos.
Comparativamente, na abordagem de Robert Fludd, em seu
Sistema Teatro da Memória, temos uma estrutura de
armazenagem não relacionada necessariamente a um espaço
físico específico. A estrutura de armazenagem de dados de
Fludd é mais um modelo, um ‘sistema de armazenagem
mnemônico’, que um espaço. Esse sistema baseia-se, no
entanto, em um modelo espacial que tem o palco de um
teatro como elemento estruturador. Assim como os espaços
utilizados pelos retóricos da antiguidade clássica, o
Sistema Teatro da Memória de Fludd era flexível enquanto
modelo universal, adaptável. a diferentes conteúdos.
O Teatro de Camillo, por outro lado, baseava-se numa
estrutura física de armazenagem de conteúdos. Camillo
partiu do modelo do teatro vitruviano, invertendo a posição
do espectador com finalidade de dar acesso aos conteúdos
armazenados. O teatro era a própria estrutura de
armazenagem onde os conteúdos estavam dispostos,
ordenados e inter-relacionados ao longo de uma série de
degraus onde normalmente estaria sentada a platéia no
modelo de Vitruvius.
As imponentes Catedrais Góticas, sob o aspecto da
armazenagem, eram estruturas físicas, construídas,
assemelhando-se de certa forma ao modelo de Camillo. No
entanto, nessas catedrais, os conteúdos, as imagens,
estavam relacionadas ao espaço, aos lugares, de um modo
diferente. Eram códigos não expostos explicitamente, em
ordem clara e linear, mas integrados ao espaço seguindo
uma lógica propositalmente misteriosa. Lógica misteriosa
como os próprios preceitos da fé que ajudavam a incutir na
mente dos fiéis e a propagar os conteúdos.
No Memory Theatre One de Robert Edgar, o espaço
arquitetônico gerado computacionalmente e acessível
através da interface do Apple II, não é a própria
estrutura de armazenagem onde estão guardados
conteúdos, mas sim, um conjunto de espaços onde estão as
entradas para acesso a conteúdos armazenados sob a
forma de dados pelo computador.
O ambiente do Memory Theater VR de Agnes Hegedüs, com
seus vários cômodos, é a cópia virtual de um modelo
concreto, construído em miniatura na própria instalação. A
estrutura física funciona como uma entrada para uma
experiência de imersão em um espaço de conhecimento em
Realidade Virtual. Na proposta de Hegedüs o ambiente em
Realidade Virtual é a própria estrutura de armazenagem.
Essa estrutura espacial composta de mundos virtuais
imersivos, gerados computacionalmente, pode incorporar
infinitas modificações, assim como os espaços
Arquitetônicos imaginados pelos retóricos da antiguidade
clássica.
Aspecto Multimídia
Com relação ao aspecto multimídia, que se refere à
estruturação do acesso e armazenagem de imagens, textos
e sons a que o espaço é capaz de dar suporte, pudemos
observar que:
Na Antiguidade Clássica, as imagens desempenhavam um
papel fundamental no processo de recordação. Eram
utilizadas, segundo recomendação dos tratadistas,
principalmente representando fatos marcantes que
facilitassem a recordação. As imagens eram âncoras para
relacionar a textos que seriam recordados; eram âncoras
posicionadas em espaços. As imagens eram âncoras em uma
estrutura espacial hipertextual ou, mais, hipermediática:
lugar que dá acesso a imagens que dão acesso a
conteúdos.
No ambiente medieval das Catedrais Góticas, as imagens
estavam relacionadas aos preceitos da fé católica. Frescos,
esculturas, vitrais, eram mensagens gráficas incrustadas
no corpo físico das catedrais. Imagens eram entradas
relacionadas a conteúdos bíblicos. Essas imagens,
incorporadas aos espaços das catedrais, eram entradas
para recordar com a finalidade de ensinar, de transmitir
essa fé, de catequizar. Nas catedrais, imagens eram
entradas para a construção de narrativas.
216
217
Diferentemente, no teatro de Giulio Camillo, apesar de
manter-se a relação entre imagens e lugares, as imagens
não funcionavam como entradas para conteúdos. A
estrutura imaginada por Camillo possibilitava relacionar
numa trama hipermediática, textos a desenhos, pinturas,
esculturas e símbolos. Imagens eram conexões para textos
que eram conexões para uma imagem esculpida ou um
símbolo, que era por sua vez conexão para outro texto,
levando à construção de uma rede de relações complexa
pelo espectador/ator visando a aquisição de conhecimento
universal.
Fludd, por sua vez, introduz um elemento novo na sua
proposta para o Sistema Teatro da Memória. Há a relação
entre imagens e lugares, mas, além, Fludd propõe um novo
elemento em seu sistema, que era a associação de cores
como entrada para os conteúdos armazenados. Cores como
elementos simbólicos de acesso aos conteúdos.
Robert Edgar relaciona signos a espaços arquitetônicos
como forma de possibilitar o acesso a conteúdos
armazenados computacionalmente. O modo como Edgar
estrutura o acesso aos conteúdos, muitos deles sob a
forma de textos, se assemelha ao modo clássico de
associação entre imagens e lugares com a finalidade de
recordação. A experiência no Memory Theatre One é como
a experiência de percorrer um espaço mental, arquitetura
construída ou reconstruída mentalmente, para recordar um
discurso. O fato de o Memory Theatre One ter sido
concebido para o ambiente computacional, reforça ainda seu
caráter multimídia: espaços que guardam signos que são
entradas para conteúdos. A navegabilidade é, no entanto,
limitada pelos recursos tecnológicos da época.
No Teatro de Hegedüs, imagens bidimensionais e
tridimensionais incorporadas ao espaço virtual do ambiente
de Realidade Virtual, são entradas para a construção de
narrativas. Nesse sentido, na proposta de Hegedüs, o modo
como utiliza a relação entre imagens e lugares, se
assemelha ao modo como as imagens eram utilizadas nas
catedrais góticas. O espaço de Hegedüs é hipermediática em
essência. Conectados, em uma rede complexa de relações a
partir de significados e referências de diversas naturezas,
estão textos, imagens e sons. O usuário, imerso no
ambiente virtual, navega criando narrativas pessoais,
memórias.
Aspecto Espacial
No que se refere ao aspecto espacial, em relação ao uso
do espaço como um princípio de organização que determina
o gerenciamento de dados, podemos considerar que:
Os modelos selecionados em todos os momentos são
representados pelo uso de lugares arquitetônicos como
elemento estruturador de acesso a conteúdos. Desde a
Antiguidade Clássica, a partir dos tratados que originaram
a Arte da Memória, havia a orientação de se associar
imagens a lugares arquitetônicos com fins de recordação
de conteúdos. Nesse período essa associação era feita a
partir da imaginação de cômodos ou edifícios preexistentes
ou não, onde, segundo Yates, “Você circulava pelos
cômodos de sua própria casa, talvez, ou algum outro
edifício, memorizando aquela porta, aquela estátua, aquela
coluna, imprimindo firmemente na sua memória esses
lugares, na ordem na qual eles ocorriam no edifício.”
2
[YATES, 1980, p.4, tradução nossa] Os espaços eram
claramente o princípio organizador dos conteúdos a eles
associados para a memorização. Já no Sistema Teatro da
Memória, apesar de pensar seu sistema para ser aplicado
numa estrutura arquitetônica teatral – mais
especificamente o palco –, Fludd não determina um espaço
físico especifico. O espaço no Sistema Teatro da Memória
de Fludd, assim como na Antiguidade Clássica, funciona
como elemento organizador do acesso a conteúdos que
podem ser armazenados em diversos lugares.
Nas Catedrais Góticas, por sua vez, os espaços eram
utilizados como elemento cênico, para despertar nos fiéis o
temor a Deus e a subserviência aos ensinamentos da igreja.
Nesse sentido, a própria presença ou ausência de luz e as
paredes cobertas pelas pinturas que representavam os
2
Do original em inglês: “You walked round the rooms of your own house, perhaps, or dome
order building memorise that door, that statue, that column, imprinting firmly on your memory
these places, in the order in which they occurred in the building.” [YATES, 1980, p.4]
218
219
conteúdos a serem memorizados, apresentam-se como
elementos de cenografia que organizavam o acesso aos
conteúdos.
No Teatro da Memória de Camillo, uma estrutura que
também possuía o caráter de lugar arquitetônico – modelo
‘invertido’ do teatro vitruviano –, o próprio espaço era o
fio condutor que estrutura o acesso às informações.
Encontramos semelhante abordagem nos teatros de Agnes
Hegedüs e Robert Edgar.
O Teatro de Robert Edgar possui um modelo arquitetônico
– a rotunda – como elemento espacial, dividido em doze
‘Cômodos’ da Memória, para organizar e conduzir o acesso
estruturado aos conteúdos. Essa estrutura da rotunda
está restrita ao espaço virtual, ao ambiente do
computador.
De modo semelhante, o Memory Theater VR, também utiliza
o modelo arquitetônico da rotunda, mas difere-se pelo fato
de ter uma navegação manual em sua versão física
relacionada à experiência de imersão no ambiente de
Realidade Virtual. O modelo físico da rotunda estruturador
do acesso aos conteúdos armazenados, numa sobreposição
de espaço virtual projetado e espaço físico, concreto. A
rotunda é dividida em quatro ‘cômodos’ da memória, o que
se assemelha aos modelos da antiguidade propostos por
Quintiliano e pelo Ad Herennium, da utilização de cômodos
como lugares da Memória.
Aspecto Combinacional
No que se relaciona ao aspecto combinacional, que se
aproxima do princípio do hipertexto, baseado na capacidade
do espaço de dar suporte a um fluxo dinâmico e não-linear
de gerenciamento de conteúdos hipermídia, podemos
considerar que:
Na Antiguidade Clássica, a Arte da Memória, utilizada
principalmente pelos oradores, valia-se da chamada
memória artificial, uma memória treinada a partir da
associação de imagens e lugares, numa rede de relações
onde eram escolhidas imagens para se lembrar dos
conteúdos, numa ordem determinada. Nesses casos, como
coloca Paolo Rossi, “A ordem com que os lugares são
dispostos dará a capacidade de lembrar os fatos.” [ROSSI,
2004, p.45].
Assim, do modo como a Arte da Memória era utilizada na
Antiguidade Clássica, os espaços imaginados possibilitavam
a combinação de conteúdos a partir das imagens
relacionadas aos espaços. Essa possibilidade de suportar
acesso a conteúdos de forma não linear é também
observada nas Catedrais Góticas, onde o acesso aos
conteúdos poderia ser feito a partir da associação das
imagens nas Catedrais, como forma de adquirir
conhecimentos sobre a doutrina cristã.
No Renascimento com os modelos de teatro, o aspecto
combinacional se potencializa tendo como exemplo
expressivo o Teatro da Memória de Giulio Camillo, que
incorpora também em sua estrutura elementos da arte
combinatória. O teatro de Camillo é um espaço pensado
como uma estrutura que suporta um fluxo dinâmico de
acesso aos conteúdos possibilitando aos usuários fazer
combinações de imagens e textos de forma não linear,
permitindo a escolha de conteúdos para a construção de
narrativas.
Essa possibilidade de acesso dinâmico e não linear aos
conteúdos é também observada no Memory Thetre One de
Robert Edgar, onde a estrutura possibilita acesso aos
conteúdos hipermídia, a partir de imagens e textos,
combinados aleatoriamente, formando narrativas pelos
próprios usuários/interatores no modelo.
Exemplo semelhante, mas com essas possibilidades
potencializadas, o Memory Theater VR de Agnes Hegedüs,
possibilita o acesso dinâmico aos conteúdos de maneira
não-lienar. Isso se torna possível por sua estrutura
intrinsecamente hipermediática complexa. Nos ambientes dos
cômodos da memória, o usuário constrói narrativa,
memórias, a partir do acesso aos conteúdos multimídia.
220
221
Comparando informações relativas aos exemplos nos
diversos períodos estudados, a partir dos aspectos
armazenagem, multimídia, espacial e combinacional,
percebemos que a Arquitetura, a organização espacial, se
apresenta como elemento chave. É a partir da Arquitetura
que se estrutura em todos os diversos momentos o acesso
aos conteúdos e a combinação entre estes. Essa relação
com o espaço é essencial no processo de memorização
humano, como afirma Pierre Levy,
"A memória humana é
estruturada de tal forma que nós compreendemos e retemos bem
melhor tudo aquilo que esteja organizado de acordo com relações
espaciais. Lembremos que o domínio de uma área qualquer do saber
implica, quase sempre, a posse de uma rica representação
esquemática”. [LÉVY, 2001, p. 40]
É a partir dessa perspectiva
que se torna possível pensar a Arquitetura não apenas
como estrutura física, mais techné que arché, mas,
sobretudo, como espaço hipermediático que dá suporte à
construção de relações complexas entre conteúdos.
Nesse sentido, a possibilidade de o sujeito experimentar a
sensação de presença em ambientes de realidade mesclada,
a experiência de imersão - de poder agir, interferir em um
ambiente gerado computacionalmente –, apresenta-se como
elemento potencializador do processo de interação com
espaços sistemas da memória. Segundo Oliver Grau,
“Imersão pode ser um processo intelectualmente estimulante; contudo,
no presente assim como no passado, na maioria dos casos, imersão é
mentalmente absorvente e um processo, uma mudança, uma passagem
de um estado mental para outro. Isso é caracterizado por uma
distância crítica recusada em relação ao que está sendo mostrado e
acréscimo de envolvimento emocional no que está acontecendo.”
3
[GRAU, 2003, p. 13, tradução nossa]
Esse acréscimo de envolvimento emocional no processo de
relação com o ambiente que caracteriza a imersão, pode
funcionar como potencializador do processo de
memorização, de construção de narrativas relacionando
imagens e lugares. Essa possibilidade fica mais evidente
em ambientes de Realidade Virtual, que tornam possível a
3
Do original em inglês: “Immersion can be an intellectually stimulating process; however, in the
present as in the past, in most cases immersion is mentally absorbing and a process, a change,
a passage from one mental state to another. It is characterized by diminishing critical distance
to what is shown and increasing emotional involvement in what is happening.” [GRAU, 2003, p.13]
construção de espaços e imagens, antes só possíveis de
serem concebidos e percorridos mentalmente, com objetivos
de recordação de conteúdos. Além, mais do que em espaços
concretos como o Teatro de Giulio Camillo, nesses espaços
de Realidade Virtual é possível, pela imersão, percorrer os
lugares, tendo a sensação de presença, interagir com
vários elementos – como sons, imagens em movimento –,
que podem tornar o processo de memorização mais
interessante, na medida em que, pode operar uma
transformação no usuário que experimenta esses
ambientes. Além, nesses espaços a experiência sensorial se
potencializa a partir de vários estímulos, onde a
experiência se dá, não apenas com os olhos da mente, mas
também com o sentido da visão, do tato, com a
possibilidade de sensação de presença nesses espaços
mentais, que podem ser realmente construídos e
potencializados pelos meios computacionais.
Desdobramentos e interconexões
“Eu penso que estamos procurando modelos. O problema é, que eles
vêem o modelo como de alguma maneira uma verdade, uma realidade, não
um postulado explicativo! (Eu não acredito que a Arte da Memória é uma
questão de memória, mas um dispositivo e uma construção que nos
ajudam a entender e usar.”
4
[GLANVILLE, 2007, tradução nossa]
A partir dessa afirmação do Professor Ranulph Glanville,
podemos pensar na seguinte questão: atualmente, como se
configuram os usos da Arte da Memória relacionada à
Arquitetura? Glanville nos dá uma pista quando fala da
Arte da Memória como um elemento que nos ajuda a
entender e usar, e não como uma verdade absoluta, um
modelo pronto a ser aplicado. Esse pensamento se afina
com nossa abordagem na presente dissertação, entendendo
a Arte da Memória como processo.
Ainda, podemos considerar nesse sentido, como coloca
Yates [YATES, 1984, p.4], que a palavra ‘mnemotécnica’ mal
comunica o que a memória artificial de Cícero pode ter
sido, como se movia entre os edifícios da Roma antiga,
vendo os lugares, vendo as imagens, com uma profunda
4
Do original em inglês: “I think we are looking for models. The trouble is, that they see the
model as somehow a truth, an actuality, not an explanatory postulate! (I don't believe the art
of memory is a fact of memory, but a device and construction that helps us understand and
use.” [GLANVILLE, 2007]
222
223
visão cortante que imediatamente trazia a seus lábios os
pensamentos e as palavras de seu discurso.
Nesse contexto, considerando mais a fundo a questão
dessa Arte como processo, é instigante percorrer as
possíveis conexões entre a Arte da Memória e a
Complexidade, enquanto ciência ligada ao desenvolvimento
do computador, mas, sobretudo, enquanto pensamento ou,
mais, modo de pensar.
Esse caminho pode ser trilhado a partir da aproximação
que Yates faz entre a Arte da Memória e as operações
computacionais, além da conexão a que Norbert Wiener se
refere entre a teorização da machina ratiocinatrix por
Leibniz e os desenvolvimentos da Cibernética
5
e, por
conseguinte, do próprio computador. Caminhando mais à
frente nessa rede de conexões, temos a emergência das
ciências da complexidade e, por conseguinte, de uma
pensar complexo, que se constrói inicialmente, a partir de
três teorias: teoria da informação, teoria dos sistemas e
cibernética. Teorias essas que, dialogando, permitiram
desenvolver sistemas artificiais que imitam a lógica dos
sistemas naturais, emergentes, auto-organizados,
complexos.
Assim torna-se possível construir uma teia de relações
entre os desenvolvimentos científico-tecnológicos do pós-
segunda guerra que confluíram na emergência de um
pensar complexo partindo das ciências, o desenvolvimento
dos meios e tecnologias digitais e a Arte da Memória como
processo, com suas adaptações e releituras desde a
Antiguidade Clássica até o período Barroco.
5
“Decidimos designar o campo inteiro da teoria da comunicação e controle, seja na máquina ou
no animal, com o nome de Cibernética, que formamos do grego
χυβερνητης
ou timoreiro. Ao
escolher este termo, quisemos reconhecer que o primeiro trabalho significativo sobre mecanismos
de realimentação foi um artigo sobre reguladores, publicado por Clerk Maxwell em 1868, e que
governor [regulador] é derivado de uma corruptela latina de
χυβερνητης
. Desejávamos também
referir ao fato de que os engenhos de pilotagem de um navio são na verdade uma das primeiras
e mais bem desenvolvidas formas de mecanismos de realimentação. Embora o termo cibernética
date tão somente do verão de 1947, julgamos conveniente usá-lo com respeito a épocas
anteriores da evolução do campo.” [WIENER, 1970, p.36-37]
Considerando a Arte da Memória como fio condutor dessa
teia de relações, essa Arte, mais que compreendida como
processo, pode ser compreendida como sistema. Edgar
Morin em seu livro ‘O Método 1’, faz um mapeamento da
definição de sistema no meio científico, colocando duas
questões que permearam as definições de sistema desde o
século XVII:
“a primeira é a inter-relação dos elementos, a segunda
é a unidade global constituída por esses elementos em interação”
[MORIN, 2003, p. 131].
Morin coloca que essas duas questões
são encontradas na maioria das definições de sistema por
ele mapeadas, como na definição de Leibniz que diz, em
1666, que um sistema é ‘um conjunto de partes’. Uma das
definições mais interessantes segundo ele, é a de Ludwig
Von Bertalanffy, que liga o caráter global e o aspecto
relacional dos sistemas. Bertalanffy afirma, nos anos 1940,
que
“Um sistema pode ser definido como um complexo de elementos
em interação.” [BERTALANFFY, 1977, p.84].
A partir destas e
outras definições, Morin coloca sua visão a respeito do
conceito de sistema, englobando a questão da organização.
Segundo Morin,
“Com efeito, não basta associar inter-relação e totalidade, é
preciso ligar totalidade à inter-relação pela idéia de
organização. [...] A organização, conceito ausente na maioria
das definições do sistema, estava até agora como que
sufocada entre a idéia de totalidade e a idéia de inter-
relações, sendo que ela liga a idéia de totalidade à de inter-
relações, tornando as três noções indissociáveis. A partir daí
pode-se conceber o sistema como unidade global organizada
de inter-relações entre elementos, ações ou indivíduos.
[MORIN, 2003, p. 131-132]
Assim, um Sistema Arte da Memória implicaria mais que
ordem, organização. O processo que consiste em relacionar
imagens e lugares só é eficiente porque se estrutura em
inter-relações entre diversos elementos desse sistema-
organização: entre imagens, lugares, e conteúdos
relacionados. Segundo Yates,
“A memória artificial é estabelecida para lugares e imagens
(Constat igitur artificiosa ex locis et imaginibus), a definição
do estoque para ser eternamente repetida através dos
tempos. Um locus é um lugar facilmente compreendido pela
memória, como uma casa, um espaço entre colunas, uma
esquina, um arco, ou algo do gênero. Imagens e formas,
marcas ou simulacros (formae, notae, simulacra) do que
224
225
desejamos lembrar. Por exemplo, se desejamos relembrar o
gênero de um cavalo, de um leão, de uma águia, devemos
colocar suas imagens em loci definitivos.
6
[YATES, 1984, p. 6,
tradução nossa].
Essa é a compreensão da Arte da Memória do Ad
Herenium, um dos textos base da retórica, que não apenas
descrevia essa relação entre imagens e lugares, mas
também ensinava procedimentos para efetuar as inter-
relações entre loci e imagenes.
Compreender a Arte da Memória como processo e como
sistema, implica ainda em focalizar o ator/observador
desse processo, como mostra Morin ao referir-se a
sistemas complexos. O conceito de sistema, para Morin, só
pode ser construído na e pela transação sujeito/objeto, e
não na eliminação do sujeito pelo objeto. Segundo Morin,
“A
noção de sistema assim entendido conduz o sujeito não apenas a
verificar a observação, mas a integrar a auto-observação ao
sistema.” [MORIN,2003, p. 179]
Como exemplo, no Memory
Theater VR de Agnes Hegedüs, o usuário, imerso no
ambiente de Realidade Virtual, passa a integrar o próprio
sistema espaço de conhecimento construído pela artista e,
dessa forma, como parte do sistema, observa o próprio
sistema – integra a auto-observação ao sistema. O mesmo
acontece com o orador na Antiguidade Clássica que
percorre mentalmente os espaços. Ele é a parte do sistema
que conecta imagine et loci. O espectador de Camillo é
também parte do sistema do Teatro da Memória, assim
como o é o interator que utiliza o mouse ou o chamado
koala pad para navegar no Memory Theatre One de
Robert Edgar, ou ainda os fiéis e clérigos que percorriam
as Catedrais Góticas construindo narrativas.
Robert Edgar nos fala da existência de muitas ‘Artes da
Memória’,
“[...] Da colocação dos antigos Gregos de imagens
imaginadas em corredores imaginados, para as constelações de Bruno,
6
Do original em inglês: “The artificial memory is established from places and images (Constat
igitur artificiosa ex locis et imaginibus), the stock definition to be forever repeated down the
ages. A locus is a place easily grasped by the memory, such as a house, an intercolumnar
space, a corner, an arch, or the like. Images and forms, marks or simulacra (formae, notae,
simulacra) of what we wish to remember. For instance if we wish to recall the genus of a
horse, of a lion, of an eagle, we must place their images on definite loci.” [YATES, 1984, p. 6].
para os rumores (mas não verificados) da existência de cômodos
construídos e preenchidos de pinturas e textos."
7
. [EDGAR, 2007,
tradução nossa]
Essa existência de várias ‘Artes da Memória’,
conforme constatamos nos diversos períodos, conserva em
sua essência a relação entre imagine et loci, e pode ser
considerada uma chave para o desenvolvimento de
processos criativos, como um dispositivo capaz de auxiliar
a criação de espaços.
Esperamos ter contribuído, com o presente trabalho, para
uma compreensão ampliada do que possa ser o processo de
concepção de espaços, não estritamente no que se
relaciona ao uso da Arte da Memória, mas aos próprios
processos de concepção espacial em Arquitetura.
Acrescentando mais esse cômodo ao multifacetado edifício
da Teoria e História da Arquitetura, esperamos que os
conteúdos nele guardados sejam entradas para a produção
de outros conteúdos. Que esse nosso espaço da memória
estimule a construção de muitos novos espaços no edifício
Arquitetura, estimule a construção de muitos novos
cômodos e andares. Que sejam construídos espaços como
processos, Arquiteturas como sistemas.
7
Do original em inglês: “[…] Early Greek placement of imagined images in imagined hallways, to
Bruno's constellations, to the rumored (but not verified) existence of rooms built and filled with
paintings and texts.”. [EDGAR, 2007]
226
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