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Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Artes
Mestrado em Multimeios
Mariana Pamplona
Clandestina, a vida de Iara Iavelberg em dois roteiros
Dissertação apresentada à Universidade
Estadual de Campinas para a obtenção
do título de Mestre em Multimeios
Orientador: Antonio Fernando Passos da Conceição
Campinas, 2009
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v
Dedico este trabalho aos meus avós David e Eva Iavelberg.
vii
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Fernando Passos, que acolheu com generosidade a minha proposta
e me conduziu durante a sua concretização.
À minha querida mãe Rosa que me apoiou durante todo o processo de escrita.
Ao meu marido Flavio Frederico, cineasta e parceiro que desde o começo
acreditou nos dois filmes sobre a Iara e os levou para serem filmados na sua
produtora Kinoscópio.
A todos os depoentes que me ajudaram imensamente na reconstituição dos
fatos.
viii
RESUMO
Esta dissertação de Mestrado consiste na elaboração de dois roteiros (um de ficção e outro de
documentário) sobre a guerrilheira Iara Iavelberg.
O roteiro de ficção vai narrar a vida de Iara, uma das líderes do movimento estudantil dos anos 60.
Estudante de Psicologia da USP e, posteriormente, professora do cursinho do Grêmio e da própria
Universidade, Iara militou na POLOP (Organização Revolucionária Marxista-Política Operária),
VPR (Vanguarda Popular Revolucionária, organização simpatizante de Che Guevara), VAR-
PALMARES e no MR-8. Durante o período mais radical da ditadura militar no país, ela entrou para
a clandestinidade, participou ativamente da luta armada e viveu um intenso romance com Carlos
Lamarca. Iara foi cruelmente assassinada em agosto de 1971, mas na época, a versão oficial foi que
ela teria cometido suicídio durante um cerco policial em Salvador (BA). Tanto os documentos de
sua autópsia, quanto os que relatam a cena do crime desapareceram.
Este é um filme de personagem, que acompanha a trajetória de Iara sem querer dar explicações
didáticas sobre o momento político. Os fatos históricos são mostrados quando estes se relacionam
diretamente com o movimento dos personagens, como é o caso da montagem do cerco que
provocou a queda do aparelho de Iara. O longa vai se tornando cada vez mais claustrofóbico e mais
centrado nas oscilações emocionais de Iara, na medida em que o cerco vai se fechando, e ela e
Lamarca ficam cada vez mais procurados e isolados. E, sobretudo, é um filme de amor, dentro do
qual as cartas de Iara e Lamarca são fundamentais na estruturação do roteiro.
No roteiro, o personagem Iara é construído por intermédio da intersecção de múltiplas
representações, entre elas: contexto político e ideológico, perfil biográfico, vida familiar, relações
interpessoais e vida afetiva. Também foram utilizados: fotos de arquivo, trechos de filmes, jornais e
noticiários da época; e fragmentos do diário de Carlos Lamarca, com cartas escritas para Iara, pouco
tempo antes da morte do capitão.
Nos últimos anos de suas vidas Iara e Lamarca se apaixonaram. Nesta época Iara passou por
diversos aparelhos, localizados em diferentes cidades do Brasil, utilizou uma infinidade de nomes
de guerra e disfarces, fez treinamento no Vale do Ribeira, soube da tortura e morte de muitos
amigos. Apesar do medo e da evidente desestruturação que o regime militar impôs aos movimentos
revolucionários, Iara optou junto com Lamarca a ficar no país e resistir até o fim.
O roteiro do documentário Suicídio? é construído a partir de uma linha narrativa principal, que
trata das questões sobre a exumação do corpo de Iara Iavelberg, e investiga as reais circunstâncias
de sua morte; que jamais foram de fato esclarecidas: nem através da imprensa, e muito menos
ix
através dos livros. Este filme não será uma biografia sobre uma personalidade histórica; mas uma
investigação, um processo de busca atual e inédito que busca esclarecer para o grande público um
episódio que aconteceu na história brasileira, no auge da ditadura militar e que até hoje permanece
cercado de mentiras, lacunas e contradições.
Todos os livros sobre este tema publicados até hoje (que foram na sua grande maioria escritos nos
anos 80), não fazem uma investigação detalhada sobre a morte da guerrilheira. E mais: de acordo
com estas publicações, Iara se suicidou; fato que não é compatível com o recente resultado da
exumação de seu corpo. Como exemplo destas publicações estão os livros: Lamarca, de Emiliano
José; Iara, de Judith Patarra; e A Ditadura Escancarada, de Elio Gaspari; no qual apesar do autor
de maneira sutil não se comprometer com a versão de suicídio, ele confirma a versão da ditadura
ao aceitar a história de um suposto garoto que encontra Iara em um quarto. Também no filme
Lamarca, de Sérgio Rezende, a personagem de Iara (Clara) comete suicídio.
Esta linha narrativa do roteiro também é composta por depoimentos de personalidades históricas
que conviveram intimamente com Iara, principalmente na sua fase de mudança da VPR para o
MR-8, e da viagem para Salvador (local no qual ela morreu). Este período final da vida de Iara foi
escolhido pelo fato dele nunca ter sido retratado com exatidão. Através dos depoimentos, serão
investigados os motivos pelos quais Iara e Lamarca viajaram para a Bahia, como foi organizado
este deslocamento e porque o aparelho de Iara caiu. Os entrevistados também vão falar sobre como
era a personalidade dela, desenhando assim uma segunda linha narrativa que surgirá no filme
sempre fragmentada, intercalada com o desenvolvimento das investigações sobre a morte da
guerrilheira. Além disso, fazem parte desta segunda linha, fotos de Iara e material de arquivo da
época (imagens e fotos).
x
ABSTRACT
This Master’s dissertation consists of the elaboration of two scripts (one is a fiction and the other
one is a documentary) about the guerrilla fighter Iara Iavelberg.
The fiction script will narrate the life of Iara, one of the leaders of the student movement in the 60’s.
A Psychology student at USP and later a teacher of the preparation course of Grêmio and the
University itself, Iara was active at POLOP (Working Political-Marxist Revolutionary
Organization), VPR (Popular Revolutionary Vanguard), a Che Guevara sympathizing organization),
VAR-PALMARES and at MR-8. During the most radical period of military dictatorship in the
country, she entered clandestinity, participated actively in the armed fight and had an intense affair
with Carlos Lamarca. Iara was cruelly murdered in August 1971, but back then the official version
was that she had committed suicide during a police raid in Salvador (BA). Both the documents
related to her autopsy and the ones that report the crime scene have disappeared.
This is a movie on the character, which follows the path of Iara without the intention of giving
didactic explanations about the political moment. The historical facts are shown when they relate
directly to the movement of the characters, which is the case of the raid that caused the fall of Iara’s
hiding place. The full-length movie becomes increasingly more claustrophobic and more focused on
Iara’s emotional oscillations as the raid closes up, and Lamarca and herself are more and more
wanted and isolated. And it is mostly a love story, in which Iara’s and Lamarca’s letters are
essential to structure the script.
In the script, Iara’s character is built through the intersection of multiple representations, to wit:
political and ideological context, biographic profile, family life, interpersonal relationships and love
life. The following were also used: photos in files, parts of movies, newspapers and news from that
time; and fragments of Carlos Lamarca’s journal, with letters written to Iara shortly prior to the
captain’s death.
In the last years of their lives, Iara and Lamarca fell in love. At that time, Iara went through several
hiding places, located in different cities of Brazil, used countless nicknames and disguises, took a
training course at Vale do Ribeira, heard about the torture and death of many friends. Despite the
fear and clear collapse the military regime imposed to the revolutionary movements, Iara chose,
together with Lamarca, to stay in the country and fight to the end.
The script of the documentary Suicide? is built based on a main narrative line, which discusses
issues related to Iara Iavelberg’s body exhumation and investigates the true circumstances of her
death; which were never actually clarified: not by the press and much less by the books. This movie
will not be a biography of a historical personality; it will be an investigation, an up-to-date and
never seen search process that tries to clarify to the audience an episode that took place in Brazilian
history, at the height of the military dictatorship and that up until today remains surrounded by lies,
gaps and contradictions.
All books on this theme published up to today (which were mostly written in the 80’s) are not part
of a detailed investigation on the death of the guerrilla fighter. Furthermore, according to these
publications, Iara committed suicide; a fact that is not compatible with the recent exhumation of her
body. As an example of these publications are the books: Lamarca, by Emiliano José; Iara, by
Judith Patarra; and A Ditadura Escancarada, by Elio Gaspari; in which, although the author subtly
does not commit to the suicide version, he confirms the dictatorship story when he accepts the story
of an alleged boy that finds Iara in a room. Also in the movie Lamarca, by Sérgio Rezende, Iara’s
character (Clara) commits suicide.
This narrative line of the script is also composed of testimonies from historical personalities that
xi
were close to Iara, especially in her phase of change from VPR to MR-8, and the trip to Salvador
(where she died). This final period of Iara’s life was chosen due to the fact that it was never
accurately portrayed. Through testimonies, the reasons why Iara and Lamarca traveled to Bahia will
be investigated, as well as how this displacement was organized and why Iara’s hiding place fell
down. The people interviewed will also describe her personality, thus outlining a second
narrative line which will appear in the movie always fragmented, merged with the development of
the investigations related to the fighter’s death. Besides, photos of Iara and material filed from that
time (images and photos) are also part of this second line.
xii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO página 01
FOTOS DE REFERÊNCIA página 05
ESCALETA ROTEIRO DO LONGA DE FICÇÃO página 08
ROTEIRO DO LONGA DE FICÇÃO página 14
ROTEIRO DO LONGA DE DOCUMENTÁRIO página 110
BIBLIOGRAFIA página 120
FILMOGRAFIA página 122
xiii
INTRODUÇÃO
Título: Clandestina, a vida de Iara Iavelberg em dois roteiros.
Esta dissertação de Mestrado consiste na elaboração de dois roteiros (um de ficção e outro de
documentário) sobre a guerrilheira Iara Iavelberg.
O roteiro de ficção vai narrar a vida de Iara, uma das líderes do movimento estudantil dos anos 60.
Estudante de Psicologia da USP e, posteriormente, professora do cursinho do Grêmio e da própria
Universidade, Iara militou na POLOP (Organização Revolucionária Marxista-Política Operária),
VPR (Vanguarda Popular Revolucionária, organização simpatizante de Che Guevara), VAR-
PALMARES e no MR-8. Durante o período mais radical da ditadura militar no país, ela entrou para
a clandestinidade, participou ativamente da luta armada e viveu um intenso romance com Carlos
Lamarca. Iara foi cruelmente assassinada em agosto de 1971, mas na época, a versão oficial foi que
ela teria cometido suicídio durante um cerco policial em Salvador (BA). Tanto os documentos de
sua autópsia, quanto os que relatam a cena do crime desapareceram.
O corpo de Iara ficou durante um mês em uma gaveta do IML de Salvador, sendo usado como isca
para atrair Lamarca. Posteriormente, ela foi enterrada numa espécie de operação militar na ala dos
suicidas, no Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo. De acordo com a religião judaica, o
suicida não merece ser enterrado como os outros mortos: a cabeça deve ficar do lado oposto ao da
lápide, uma vez que, ele cometeu o pior dos crimes.
Em Novembro de 2002 o tribunal de Justiça do Estado, depois de uma série de intercorrências
religiosas e políticas, determinou a exumação, que foi concretizada em setembro de 2003, sob muita
tensão e resistência da coordenação do cemitério. As cenas da exumação foram veiculadas pela TV
e divulgadas pela imprensa .
Paralelamente a este fato, dia 2 de dezembro de 2004 a Comissão Especial de Direitos Humanos,
situada no Ministério da Justiça em Brasília, por intermédio da Lei 9140/95 concedeu, independente
do resultado da exumação, uma indenização à família, considerando que de qualquer forma Iara foi
compelida ao suicídio coagida pelas circunstâncias, o que configurou responsabilidade do Estado.
O resultado da exumação foi divulgado em 16 de maio de 2005, após uma perícia feita pelo
professor Daniel Romero Munõz, do Departamento de Medicina da Universidade de São Paulo.
Para realizar seu trabalho, Munõz também utilizou um rascunho do laudo da autópsia de 1971,
escrito pelo médico legista Charles Pittex por ocasião da morte de Iara, e encontrado apenas
recentemente, Neste documento Pittex questiona se Iara cometeu suicídio, e descreve
detalhadamente o tamanho e o tipo de perfuração encontrados nos restos mortais da guerrilheira.
O resultado da exumação concluiu que o tipo de perfuração presente no corpo de Iara é
incompatível com um tiro dado a curta distância, fato que descarta a hipótese de suicídio. Para fazer
os testes de tiro, Munõz utilizou armas e munições da época, além reproduzir o tecido da blusa que
Iara usava e a pele humana. Em todos os testes para tiros dados a curta distância, as perfurações
encontradas tinham características de tamanho e contornos completamente diferentes daquelas
descritas no laudo de Pittex.
Como as partes envolvidas não contestaram o laudo, dia 11 de junho de 2006 os restos mortais de
Iara foram enterrados na área comum do mesmo cemitério, desta vez ao lado de seus pais. Para
Rose Nogueira, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, depois de 35 anos fez-se
“justiça política, religiosa e moral”.
A ficção que estruturamos vai contar a vida de Iara em linguagem cinematográfica, permitindo que
1
sua história pessoal e o contexto de sua época possam ser conhecidos por um público mais amplo. O
filme vai se configurar como objeto de preservação da memória e da História do período. O
esquecimento é o avesso da consciência, a negação de nós mesmos, do nosso passado e um vácuo
no projeto de futuro. Pior, é uma porta aberta à repetição dos horrores da ditadura militar brasileira.
Em um tempo entre o passado e o futuro o cinema pode, por intermédio da poética, narrar e
documentar para a geração contemporânea e para futuras gerações, histórias que nos pertencem e
consolidam nossa identidade. A história de Iara fala sobre a juventude de uma época, cujos ideais
levaram jovens de vários países a lutarem por eles. Este trabalho também tem o objetivo de
colaborar no esclarecimento sobre as razões que levaram tantos jovens brasileiros a darem suas
vidas por um ideal político.
O filme não pretende transformar estes jovens em heróis ou fazer um elogio rasgado aos dogmas de
uma concepção de mundo socialista, o que seria tapar os olhos para a queda do muro de Berlim e
para a história de alguns países que se proclamam (ou se proclamavam) socialistas dentro da
concepção marxista-lenista como: Coréia do Norte, Cuba e Rússia. Outrossim, o trabalho visa a
orientar o olhar para este período histórico tentando humanizar seus personagens ao buscar
compreender a luta armada dentro de um período de repressão e cerceamento das liberdades,
produzidos pelo golpe de 64.
Este é um filme de personagem, que acompanha a trajetória de Iara sem querer dar explicações
didáticas sobre o momento político. Os fatos históricos são mostrados quando estes se relacionam
diretamente com o movimento dos personagens, como é o caso da montagem do cerco que
provocou a queda do aparelho de Iara. O longa vai se tornando cada vez mais claustrofóbico e mais
centrado nas oscilações emocionais de Iara, na medida em que o cerco vai se fechando, e ela e
Lamarca ficam cada vez mais procurados e isolados. E, sobretudo, é um filme de amor, dentro do
qual as cartas de Iara e Lamarca são fundamentais na estruturação do roteiro.
No roteiro, o personagem Iara é construído por intermédio da intersecção de múltiplas
representações, entre elas: contexto político e ideológico, perfil biográfico, vida familiar, relações
interpessoais e vida afetiva. Também foram utilizados: fotos de arquivo, trechos de filmes, jornais e
noticiários da época; e fragmentos do diário de Carlos Lamarca, com cartas escritas para Iara, pouco
tempo antes da morte do capitão.
As diferentes documentações sobre sua vida e atuação política compõem um roteiro que passa pela
adolescência, vida adulta e os dias de hoje, não necessariamente nesta ordem. Sua história pessoal
tem significados sociais muito amplos, pois ela lutou como mulher pela desconstrução de
preconceitos que limitavam a liberdade e, como militante, por uma sociedade mais justa. Portanto, o
interesse histórico, político e social do roteiro e sua futura transformação em Longa Metragem
parece substantivo, na medida em que se configuram como meios de recuperação da memória,
ressignificação do período histórico e de seus atores por intermédio de uma ótica contemporânea .
Iara
1
nasceu dia 7 de maio de 1944, seus pais eram judeus de famílias imigrantes radicados na
cidade de São Paulo no início dos anos 30. Em 1963, Iara ingressou no Instituto de Psicologia que
era, em sua origem, parte integrante da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo, na rua Maria Antônia. O segundo ano do curso de Iara começou tumultuado, direita e
esquerda alardeavam a iminência do socialismo, capitalizando o clima de incertezas de um governo
enfraquecido desde a renúncia de Jânio Quadros. Após o golpe de 64, Iara entrou para a POLOP
(Organização Revolucionária Marxista- Política Operária), dando o seu primeiro passo rumo a uma
vida na clandestinidade. Ela fugia do estereótipo da militante da época, era vaidosa, gostava de se
vestir bem, se cuidar. Teve muitos namorados porque era uma figura extremamente carismática,
bela e alegre. Por muitos , foi considerada musa do movimento estudantil. Era forte, porém muito
1 Iara Iavelberg é irmã de minha mãe . Eu não a conheci, pois nasci sete meses após sua morte.
2
carinhosa. Gostava de Literatura, Teatro, Cinema, Música e Poesia. Ficou amiga de vários
intelectuais e artistas da época como: Cláudio Willer, Chico Buarque, Dina Sfat, Paulo José, Décio
Bar e Sergio Ferro. Estes aspectos da personalidade de Iara foram trabalhados no roteiro, numa
tentativa de abrir uma outra perspectiva sobre o período, que muitas vezes é retratado apenas pelo
lado da dor e da tristeza.
Nos últimos anos de suas vidas Iara e Lamarca se apaixonaram. Nesta época Iara passou por
diversos aparelhos, localizados em diferentes cidades do Brasil, utilizou uma infinidade de nomes
de guerra e disfarces, fez treinamento no Vale do Ribeira, soube da tortura e morte de muitos
amigos. Apesar do medo e da evidente desestruturação que o regime militar impôs aos movimentos
revolucionários, Iara optou junto com Lamarca a ficar no país e resistir até o fim.
Antes e durante a escrita do roteiro realizamos diversas entrevistas com historiadores, jornalistas,
familiares, amigos, militantes e alguns militares. Deste trabalho, gostaríamos de destacar os
depoimentos feitos junto a alguns guerrilheiros que conviveram com Iara. Entre eles: César
Benjamim (LAERTE), João Salgado (FIO), José Carlos Sousa (KID) , Jaileno Sampaio (CAL) e
Carlos Alberto Muniz.(antigo dirigente do MR-8). As entrevistas foram fundamentais para que
pudéssemos compreender e reconstruir em detalhes o período em que Iara viveu na clandestinidade
e as circunstâncias de sua morte. Ou seja, graças a estes depoimentos, pode-se entender com
profundidade como se estruturavam as organizações clandestinas nas quais Iara militava, bem
como a ordem dos acontecimentos que provocaram a queda do aparelho e o seu assassinato.
O roteiro do documentário Suicídio? é construído a partir de uma linha narrativa principal, que
trata das questões sobre a exumação do corpo de Iara Iavelberg, e investiga as reais circunstâncias
de sua morte; que jamais foram de fato esclarecidas: nem através da imprensa, e muito menos
através dos livros. Este filme não será uma biografia sobre uma personalidade histórica; mas uma
investigação, um processo de busca atual e inédito que busca esclarecer para o grande público um
episódio que aconteceu na história brasileira, no auge da ditadura militar e que até hoje permanece
cercado de mentiras, lacunas e contradições.
Todos os livros sobre este tema publicados até hoje (que foram na sua grande maioria escritos nos
anos 80), não fazem uma investigação detalhada sobre a morte da guerrilheira. E mais: de acordo
com estas publicações, Iara se suicidou; fato que não é compatível com o recente resultado da
exumação de seu corpo. Como exemplo destas publicações estão os livros: Lamarca, de Emiliano
José; Iara, de Judith Patarra; e A Ditadura Escancarada, de Elio Gaspari; no qual apesar do autor
de maneira sutil não se comprometer com a versão de suicídio, ele confirma a versão da ditadura
ao aceitar a história de um suposto garoto que encontra Iara em um quarto. Também no filme
Lamarca, de Sérgio Rezende, a personagem de Iara (Clara) comete suicídio.
Esta linha narrativa principal também é composta por depoimentos de personalidades históricas
que conviveram intimamente com Iara, principalmente na sua fase de mudança da VPR para o
MR-8, e da viagem para Salvador (local no qual ela morreu). Este período final da vida de Iara foi
escolhido pelo fato dele nunca ter sido retratado com exatidão. Através dos depoimentos, serão
investigados os motivos pelos quais Iara e Lamarca viajaram para a Bahia, como foi organizado
este deslocamento e porque o aparelho de Iara caiu. Os entrevistados também vão falar sobre como
era a personalidade dela, desenhando assim uma segunda linha narrativa que surgirá no filme
sempre fragmentada, intercalada com o desenvolvimento das investigações sobre a morte da
guerrilheira. Além disso, fazem parte desta segunda linha, fotos de Iara e material de arquivo da
época (imagens e fotos).
Alguns jornais publicaram notícias sobre a exumação e o seu resultado, mas em nenhum momento
voltaram no tempo para tentar reconstituir o que de fato ocorreu. Divulgou-se o resultado da
exumação, mas jamais (e isso pode ser facilmente averiguado)jornalistas ou historiadores
trabalharam com profundidade para responder as perguntas: mas então, o que de fato aconteceu?
3
Como ela foi assassinada? Por quem? Em que situação?
Apenas o jornalista Bernardino Furtado escreveu, em 1996, para o jornal O Globo, uma matéria
com alguns depoimentos que contestam a versão que Iara se suicidou. Bernardino ouviu uma
confissão do médico do Hospital Naval de Salvador Lamartine Andrade Lima, segundo a qual, um
antigo paciente, o então sargento Rubem Otero, muito amargurado e envergonhado por ter sido
membro ativo da repressão confessou ao médico ter atirado com uma metralhadora contra a porta
do banheiro de empregada onde Iara se escondera. No entanto, a investigação de Bernardino parou
por aí, e ninguém nunca mais levou o assunto adiante.
Muitas questões não foram esclarecidas: como aconteceu o assassinato de Iara? De quem partiu a
ordem? Como foi forjada a versão do suicídio? Quem atirou? A versão que Iara pulou de um
apartamento para o outro durante o cerco policial é verdadeira? Seria possível esta “passagem” em
pleno cerco policial? Por que alguns personagens que compõem a versão da ditadura simplesmente
desapareceram ou não tem nome? Este é o caso de um suposto garoto de aproximadamente 12 anos,
vizinho ao aparelho de Iara, que dizem ter voltado para o seu quarto durante o cerco para buscar
um livro escolar. De acordo com esta versão, ao entrar no seu quarto(que era um quartinho de
fundos) ele teria encontrado com Iara, se assustado e fugido; não sem antes fechar a porta cujo
trinco estava quebrado e “coincidentemente” só poderia ser destrancada por fora. Este menino
existiu? Como, se, além de ser difícil acreditar nesta história, nunca mais ninguém conseguiu
encontrá-lo, nem descobrir seu nome ou quem são seus pais. No entanto, a versão do menino
aparece, até os dias de hoje, em todos os livros que se propõem a contar a vida de Iara.
O filme vai procurar na Bahia e em diversas partes do país, a maior parte dos personagens
envolvidos. (como pessoas que conviveram com o médico legista que fez a exumação de Iara, os
antigos moradores do edifício Santa Teresinha -cenário da morte-, militantes das organizações de
esquerda, militares, o médico Lamartine Lima, o jornalista Bernardino Furtado, antigos
funcionários do IML de Salvador e muitas outras testemunhas para tentar reconstruir estes fatos
históricos.
Na Faculdade de Medicina da USP o médico legista Romero Munõz será filmado fazendo a
reconstituição do processo de exumação e dos testes de tiro que foram feitos para a conclusão final
do laudo.
Será feito um depoimento com a jornalista Mariluce Moura, que nos anos 80 fez uma reportagem
com a antiga zeladora do edifício, Evandir Rocha Costa, que disse ter ouvido Iara gritar: “Eu me
rendo! Eu me entrego!”. Depois dos gritos, Evandir ouviu tiros.
Além disso, haverá uma entrevista com a antiga moradora Shirley da Silveira moradora do
apartamento 202, que vai contar como foi o dia do cerco e como a sua família presenciou o
episódio. Shirley afirma que na época ela tinha duas filhas ( portanto nenhum menino morava no
apartamento), e que, além disso, Iara foi assassinada no seu apartamento, no banheiro dos fundos,
que ficou, durante alguns dias, com marcas de bala na parede.
O filme vai buscar em Salvador o antigo diretor do Instituto Medico Legal Nina Rodrigues com o
objetivo de obter o maior número de informações possíveis sobre o que aconteceu com o corpo de
Iara durante os dias que ele ficou no local.
Serão feitas entrevistas com os ex- militantes do MR-8 César Benjamim (Laerte), Carlos Alberto
Muniz e José Carlos Sousa (O Kid), que estruturaram a ida de Iara e Lamarca para a Bahia e
conviveram com eles até seus últimos dias.
Outro depoente é Jaileno Sampaio, que estava no mesmo aparelho de Iara no dia de sua morte, e
que presenciou o enorme cerco policial. Ele vai visitar o prédio com Mariana para mostrar como
foi a movimentação dos militantes e militares na madrugada do dia 20 de agosto de 1971.
4
5
6
7
ESCALETA ROTEIRO DO LONGA DE FICÇÃO
Clandestina , a Vida de Iara Iavelberg
*** Escaleta – 12 de Janeiro de 2009***
Número
Seq Cabeçalho Sequência Descrição Pág
1A Rua do centro de São Paulo/ Meio Dia/ Ext
Iara caminha rápido, como se estivesse sendo
perseguida. 23
1B
Restaurante do centro de São Paulo/ Meio Dia/ Int
e Ext Iara entra em um restaurante popular. 23
1C Banheiro do Restaurante/ Dia/ Int Iara se tranca no banheiro. 23
2 Congregação Israelita Paulista/Sinagoga / Dia / Int
Iara casa-se, aos 16 anos, com o médico Samuel
Haberkorn. 24
3 Congregação Israelita Paulista/Salão / Tarde / Int Festa do casamento da Iara.Sua família se diverte. 24
4 Clube Hebraica/Piscina / Dia / Ext
Iara toma sol na piscina e lê um livro com sua amiga
Anete. 24
5 Clube Hebraica/Vestiário / Dia / Int Iara reclama do uniforme escolar. 25
6 Apto de Iara e Samuel / Sala / Noite / Int
Samuel chega.Iara estuda preocupada com sua
prova. 25
7
Rua Maria Antônia / Faculdade Filosofia USP / Dia/
I nt/Ext Iara e suas amigas discutem sobre política. 26
8 Casa do Claudio – Festa / Noite /Ext e Int Iara se diverte na festa da casa do Claudio. 27
9 Rua do Fusca / Dia / Int
Iara, dirigindo, escuta notícia sobre o Golpe de 64,
tensa. 28
10 Faculdade de Filosofia USP/ Fachada / Dia / Ext
Cartazes de protesto na faculdade.Estudantes
fazem a guarda. 28
11 Faculdade de Filosofia USP / Portaria / Dia / Int
30 Policiais do DOPS invadem a faculdade com vio-
lência. 28
12 Faculdade de Filosofia USP / Corredores / Dia / Int
Os policiais caminham pelos corredores soltando
tiros. 29
13 Faculdade de Filosofia USP / Sala de aula/ Dia / Int
Aluno que fazia a guarda entra correndo e pede
para fingir aula. 29
14 Faculdade de Filosofia USP /Escadas / Dia / Int 6 Policiais sobem as escadas com armas nas mãos. 29
15
Faculdade de Filosofia USP / Corredores e Salas /
Dia / Int
Alunos e professores fingem acontecer aulas. Iara
observa. 29
16
Faculdade de Filosofia USP / Sala do Grêmio/ Dia /
Int
O Grêmio da faculdade está completamente destrui-
do. 30
17
Faculdade de Filosofia USP / Corredorer Saída /
Dia / Int
Policiais batem nos alunos e os obrigam a cantar o
hino. 30
18 Apto de Iara e Samuel / Quarto / Noite / Int
Iara toma chá e grifa um livro de Marx, Samuel
dorme. 30
19 Rua Augusta / Café / Dia / Ext
Iara distribui sacos, lenços e bolinhas de gude no
café. 31
20 Rua Augusta / Café / Dia /Int
Iara toma um café com Maria Lúcia e pergunta
quem falta. 31
21 Arquivo/ Passeatas da Setembrada Imagens das passeatas da setembrada. 32
22 Parque Ibirapuera/ Prédio da Bienal / Dia / Ext
Iara conversa com Ecléa sobre sua separação com
Samuel. 32
23 Teatro do Tusp / Noite / Int Iara ensaia a peça “ Os Fuzis da Senhora Carrar”. 33
24 Sala de Cinemateca / Noite / Int
Iara assiste “Hiroshima Mon Amour” com um rapaz
no cinema. 34
25 Rua em frente a um prédio/ Dia/ Ext 3 policiais a paisana espiam. 35
26 Apto do Silvério / Dia / Int Silvério e Iara são surpreendidos pela polícia. 36
27 Delegacia / Noite / Int
Iara tem os dedos sendo pintados. Ficha verdadeira
do DOPS. 36
28 Delegacia / Corredor/ Noite / Int Iara é colocada em uma solitária. 36
8
29 Apartamento dos Iavelberg/ Tarde/ Int
A mãe de Iara conversa com o advogado por tele-
fone. 37
30 Tela Preta + Túnel + Tela Branca
Noticiário da época anuncia a implementação do
AI-5. 37
31 Rua próxima à agência bancária / Dia / Ext
7 Jovens descem dos 2 carros. Alguns amigos de
Iara. 37
32 Restaurante no 3º andar/ Terraço / Dia / Ext
Iara observa discretamente a ação do assalto na
agência. 38
33 Agência bancária/ Fachada / Dia / Int
Subjetiva de Iara: Dois carros fazendo cobertura do
assalto. 38
34 Restaurante no 3º andar/ Terraço / Dia / Ext Iara observando a agência fica nitidamente nervosa. 38
35 Agência bancária/ Fachada / Dia / Int
Subjetiva de Iara: Os 7 jovens assaltantes fogem
disparado. 38
36 Restaurante no 3º andar/ Terraço / Dia / Ext
Iara coloca o dinheiro na conta e sai antes do
garçom voltar. 39
37 Restaurante no 3º andar/ Terraço / Dia / Ext
POV da altura do restaurante: 3 viaturas esta-
cionam. 39
38 Arquivo/ Tabletop Jornal O Globo
Matérias e fotos sobre a fuga de Lamarca com ar-
mas do Exército. 39
39 Arquivo / Noticiário de TV
Um noticiário de TV mostra a fulga de Lamarca do
Exército. 39
40
Bar numa rua de SP próxima ao Morumbi / Dia /
Ext
Iara tem notícias de Maria Lúcia e fica em estado de
choque. 39
41 Rua que Iara chora contida / Dia / Ext
Iara caminha chorando e verifica se não está
sendo seguida. 40
42
Aparelho do Lamarca / Sala +Quarto Lamarca / Dia
/ Int/Ext
Lamarca elogia as aulas de Iara como sendo funda-
mentais. 40
43A Aparelho do Lamarca / Sala /Tarde / Int Iara e Lamarca discutem um texto na sala. 41
43B Aparelho do Lamarca / Sala / Final da Tarde / Int
Lamarca se envergonha por fazer um carinho em
Iara. 42
44 Estrada para o RJ / Dia / Int e Ext
Lamarca comenta sobre a plástica que irá precisar
fazer. 43
45 RJ / Rua na Baixada Fluminense / Dia / Int e Ext
O carro entra na Baixada Fluminense.Casas po-
bres. 44
46 RJ / Avenida Presidente Vargas / Dia / Int e Ext
Lamarca pede para passar em frente à rua dos seus
pais. 44
47 RJ / Estácio / Sapataria Pai Lamarca / Dia Int e Ext
Lamarca se emociona ao ver o pai em sua sap-
ataria. 44
48 RJ / Apto de Recuperação Iara ajuda Lamarca a se recuperar da plástica. 44
49 RJ/ Banco de um Calçadão / Dia / Ext Iara encontra Lúcio e explica a sua partida 46
50 Vale do Ribeira / Rio com chuva / Dia / Ext
Lamarca e seu grupo atravessam um rio na chuva
forte 47
51 Vale do Ribeira / Acampamento / Noite / Ext
Lamarca passa pomada em Iara, inchada de aler-
gia. 48
52 Vale do Ribeira / Acampamento / Madrugada / Ext Iara não consegue dormir com os barulhos. 49
53 Ipiranga / Quarto dos pais de Iara / Dia / Int
Iara pede à sua mãe pra passar perfume e vê sua
banguela. 49
54 Vale do Ribeira / Acampamento / Manhã / Ext
Lamarca acorda Iara e fala com ela sobre a adap-
tação. 50
55
Vale do Ribeira / Caminho Barrento + Rio / Dia /
Ext Iara toma banho e sente um alívio. 51
56 Vale do Ribeira / Beira do Rio / Dia / Ext
Iara se olha no espelho para se pentear e se acha
horrível. 51
57 Vale do Ribeira / Acampamento / Dia / Ext
Lamarca e 6 militantes do grupo praticam tiro ao
alvo. 52
58 Ipiranga / Sala da Casa dos Pais de Iara / Dia / Int
Iara (criança) e seus irmãos (crianças) brincam na
sala. 52
59 Vale do Ribeira / Acampamento / Noite / Ext
O grupo escuta no rádio notícias da queda de com-
panheiros. 53
60 Vale do Ribeira / Mata / Noite / Ext Iara conta para Lamarca que pode estar grávida. 54
61 Rodoviária / Dia / Int
Na rodoviária cartazes de Lamarca e Iara “procura-
dos” 55
62 Rua da Evelise / Dia / Ext Iara pede à Evelise para ficar na casa dela. 55
9
63 Sala do Apto da Evelise / Dia / Int
Iara conta para Evelise sobre sua relação com
Lamarca. 56
64 RJ / Ruas do Táxi / Dia / Int / Ext
Iara Lê matéria, indignada, sobre a plástica de
Lamarca. 58
65 RJ / Esquina no Bairro do Flamengo / Dia / Ext
Iara sai do táxi e chega num prédio no bairro de Fla-
mengo. 58
66 RJ / Prédio No Bairro do Flamengo / Dia / Int Iara paga um quarto adiantado para Deusa. 58
67 Rua Dona Veridiana / Arredores Dia / Int / Ext
Lamarca e Iara de carro. Param próximo a Rua
Dona Veridiana 59
68 Rua Dona Veridiana / Noite / Ext Iara engana o porteiro para visitar os pais dela. 59
69
Prédio Rua Dona Veridiana / Corredor do Prédio/
Noite / Int
Os pais de Iara se emocionam ao vê-la. Ela os in-
strui. 60
70 Avenida Paulista / Noite / Ext Eva e David entram num táxi na Av. Paulista. 61
71 Pizzaria / Noite / Int
Os pais tentam convencer Iara a sair fora do país.
Ela resiste. 61
72A
RJ / Aparelho No Subúrbio / Sala + Quarto / Noite /
Int
Iara e Lamarca assistem notícias sobre o sequestro
na tv. 62
72B RJ / Aparelho no Subúrbio / Quarto / Noite / Int.
Embaixador Suíço joga baralho com um militante
encapuzado. 63
73
Pensão em SP / Quarto + Banheiro/ Fim de Tarde /
Ext
Iara dorme ouvindo música e lembrando palavras
de Lamarca. 63
74 RJ / Aparelho No Subúrbio /Sala / Noite / Int Lamarca lê um jornal. Ouvindo Iara em off. 64
75 Pensão no RJ / Quarto / Dia / Int Iara separa identidade falsa, dinheiro, arma e sai. 64
76 RJ / Boteco no Subúrbio / Dia / Int
Muniz avisa que Iara ficará mais segura na casa
dele. 65
77 RJ/ Casa em Laranjeiras/ Quintal / Noite/ Ext Lamarca joga futebol com garotos. 66
78 RJ / Casa em Laranjeiras / Quarto / Noite / Int
Helena chama Iara pra ver o que está passando na
tv. 66
79 RJ / Casa em Laranjeiras / Quintal / Noite / Ext
Lamarca continua jogando bola com os dois meni-
nos. 67
80
RJ / Casa em Laranjeiras / Corredor + Sala / Noite /
Int
Iara e Helena assistem tv falando do MR-8. Iara
corre. 67
81 RJ / Casa em Laranjeiras / Quintal / Noite / Ext Iara chama Lamarca correndo, que está todo suado. 67
82 RJ / Casa em Laranjeiras / Sala / Noite / Int
Iara e Lamarca assistem tv dizendo que eles são
terroristas. 68
83 Estrada RJ – Bahia / Dia / Int e Ext
O comboio de Lamarca segue em direção à Sal-
vador. 68
84
Estrada RJ – Bahia / Fusca Mot. Simpatizante /
Dia / Int
O fusca segue na estrada, seguido pela kombi
creme. 68
85A Estrada RJ – Bahia / Fim de Tarde / Int e Ext Iara dirige o fusca com Kid ao seu lado. 69
85B Estrada RJ – Bahia / Fim de Tarde / Int e Ext Motorista dirige o fusca com Iara ao seu lado. 69
85C Estrada RJ – Bahia / Restaurante /Dia / Int
Os cinco almoçam em um restaurante de beira de
estrada. 69
85D Estrada RJ – Bahia / /Dia / Int Kid dirige o fusca com Silvio ao seu lado. 69
86 Rua de Terra / Meio da Tarde / Ext
O Motorista se despede. O comboio continua na
Kombi. 69
87 Rua de Terra / Fim de Tarde / Ext
O fusca e a Kombi partem na estrada em direções
opostas. 69
88 Jequié / Noite / Int / ext
O comboio segue sentido Jequié. No rádio ouvimos
política 70
89 Jequié / Hotel / Fachada / Noite / Ext
O comboio caminha visivelmente cansado em di-
reção ao hotel. 70
90 Jequié / Hotel / Quarto / Manhã / Int Iara e Lamarca namoram. 70
91 Rodoviária De Vitória Da Conquista /Manhã / Ext
A Kombi estaciona próxima à rodoviária de Vitória
da Conquista. 71
92A Rodoviária de V. C. / Kombi Creme / Dia / Int / Ext
Iara e Silvio se despedem rapidamente. A Kombi
parte. 71
92B Rodoviária de V. C. / Ônibus / Dia / Int Iara procura o seu lugar. 72
93
Salvador / Hotel / Janela de um Quarto / Manhã /
Int / Ext
Subjetiva de Iara: O dia amanhece através do vidro
embaçado. 72
10
94 Salvador / Hotel / Quarto / Manhã / Int / Ext
Silvio dorme. Iara olha o movimento do porto pela
janela. 72
95 Salvador / Largo Dois de Julho / Dia / Ext Iara e Silvio encontram com Kid. 72
96 Salvador / Restaurante / Apolo / Dia / Int
Iara desconfia dos 4 policiais federais sentados
numa mesa. 73
97
Estrada Salvador – Feira de Santana / Dia / Int /
Ext
Subjetiva de Iara: Casinhas na estrada, vegetação
árida... 74
98 Feira de Santana / Próximo à Rodoviária / Dia / Ext Iara e Kid descem. Silvio segue viagem. 74
99 Salvador / Aparelho / Noite / Int
Fio sugere à Iara voltar para Feira de Santana. Ela
topa. 75
100 Feira de Santana / Casa do Félix / Quintal / Dia / Int
Iara escreve desabafando para Lamarca. Félix a ob-
serva. 76
101 Serrinha / Consultório Médico / Dia / Int Lúcio dá uma nota cortada para Dr. Hamilton 77
102 Serrinha / Consultório Médico / Dia / Int
Dr. Hamilton sugere à Iara fazer reposição hormon-
al. 77
103 Salvador / Praça/ Dia/ Ext Kid e Cal conversam embaixo de uma árvore 78
104 Salvador / Av. 7 de Setembro / Dia / Ext
Laerte e Kid brigam com policiais. Kid é rendido.
Laerte foge. 79
105 Feira de Santana / Quarto de pensão / Noite / Int Fio fica preocupado pensando que o Kid caiu. 80
106
Feira de Santana / Pensão / Quarto Do Fio /
Madrugada / Int
Fio percebe os policiais com o dono da pensão, e
sai do quarto. 80
107
Feira de Santana / Pensão / Portaria / Manhã / Ext
e Int
Fio passa. Os policiais percebem que perderam
uma chance. 81
108 Feira de Santana / Rua da Pensão / Manhã /Ext
Os 2 policiais à paisana olham para o Fio e continu-
am falando. 81
109
Feira de Santana / Rua Próxima à Pensão / Manhã
/ Ext Fio pega o primeiro táxi que passa e parte. 81
110
Feira de Santana / Rua Táxi do Fio / Manhã / Int /
Ext
Fio escapa aliviado e pede para o motorista tocar
pro Paraguassu 82
111
Feira de Santana / Banco de Ponto de Ônibus / Dia
/ Ext Iara pega um ônibus para Serrinha 82
112 Serrinha / Ponto de Ônibus/ Dia/ Ext Iara desce do ônibus. Hamilton a espera próximo. 83
113
Feira de Santana / Casa do Félix / Quintal / Noite /
Ext
Laerte conta que Kid caiu e combina de ir para Sal-
vador com ela. 84
114 Salvador / Rua Barraca de Acarajé / Dia / Ext
Nilda vai buscar Iara com Laerte numa barraca de
acarajés. 85
115A Salvador / Rua 1 do Táxi 1 Nilda / Dia / Ext Iara e Nilda pegam táxi na rua. 86
115B Salvador / Rua 2 Do Táxi 1 Nilda / Dia / Ext Iara e Nilda descem do Táxi. Andam pela rua. 86
115C Salvador / Rua do Táxi 2 Nilda / Dia / Ext Elas entram em uma rua e tomam outro táxi. 86
115D Salvador / Rua do Táxi 3 Nilda / Dia / Int / Ext
Nilda pede ao taxista para parar. Elas pagam e de-
scem. 86
116
Salvador / Bairro da Pituba / Rua Minas Gerais /
Dia / Ext Iara e Nilda chegam no edifício Santa Terezinha. 87
117
Salvador / Rua Minas Gerais / Ed. Sta. Terezinha /
Dia / Int Nilda e Iara entram no apto da Nilda. 87
118
Salvador /Ed. Santa Terezinha /Sala Apto Nilda /
Dia / Int
Nilda apresenta Iara para sua irmã Lúcia como
Liana. 87
119 Salvador / Apto Nilda / Cozinha / Dia / Int
Nilda apresenta Iara à empregada Benedita como
Liana. 88
120 Salvador / Apto Nilda / Área de serviço / Dia /Ext Iara e Nilda chegam na área de serviço. 89
121
Salvador / Apto Nilda / Quarto Empregada /
Manhã / Int
Iara desperta. O colchão de Benedita já está arru-
mado. 89
122 Salvador / Apto Nilda / Cozinha / Manhã / Int Iara senta para tomar café com Lúcia e Benedita. 89
123A Salvador / Apto Nilda / Sala / Meio da Tarde / Int Toca a campainha. Iara angustiada. Lúcia espia. 91
123B
Salvador / Ed. Sta Terezinha / Corredor Predio Nil-
da / M. Tarde / Int Vemos Laerte através do olho mágico da porta. 91
123C Salvador / Apto Nilda / Sala / Dia Int
Lúcia abre a porta para Laerte e chama Iara para
vê-lo. 91
124
Salvador / Apto Nilda / Sala + Cozinha + Quarto /
Dia / Int
Benedita espia Iara e fuça as coisas dela. Acha 2
armas. 92
11
125
Salvador / Apto Nilda / Quarto Empregada / Madru-
gada / Int Benedita tem um pesadelo com Iara e acorda Nilda. 92
126 Salvador / Apto Nilda / Cozinha / Manhã / Int Nilda e Iara conversam sobre Benedita. 93
127 Salvador / Apto Nilda / Sala / Noite / Int Laerte se despede. Lúcia chega. A campainha toca 94
128 Salvador / Apto Nilda / Sala / Noite / Int Lúcia abre a porta. É seu namorado Cantídeo 95
129 Salvador/ Apto Nilda / Área de Serviço / Noite / Ext Lúcia chama Iara (Liana) para voltar para sala. 95
130
Salvador / Apto Nilda / Quarto Empregada / Noite /
Int
Iara guarda o revólver e destranca a porta do quart-
inho. 96
131 Salvador / Apto Nilda / Dia / Int
Iara entra no banheiro e, pela janela, observa a pra-
ia. 96
132
Salvador / Quartel da Polícia / do Exército / Noite /
Int Movimento de viaturas saindo e policiais entrando. 96
133 Salvador / Quartel da Polícia / Sala/ Noite / Int
O Major Nilton pergunta ao Kid sobre o Jaileno
Sampaio. 97
134 Salvador / Sala do Apto da Pituba / Noite / Int Iara e Nilda conversam. 99
135
Salvador / Apto Nilda / Banheiro da Empregada /
Noite / Int Laerte enxuga o rosto e olha-se no espelho. 99
136
Salvador / Apto Nilda / Quarto Empregada / Noite /
Int Iara e Laerte conversam sobre o perigo de Kid e Fio 99
137
Salvador / Apto Nilda / Banheiro Grande do Apto /
Manhã / Int Iara e Lúcia dão banho no neném. 100
138 Salvador / Quartel da polícia do Exército / Dia / Ext Alguns sargentos vigiam o quartel. 101
139 Salvador / Quartel da Polícia / Sala / Dia / Int
Motorista cagoeta que pegou uns móveis no apto da
Nilda. 101
140
Salvador / Apto Nilda / Quarto Empregada / Noite /
Int
Laerte dorme. Iara lê e tosse de asma.Claustrofo-
bia. 102
141 Salvador / Apto Nilda / Quarto Lúcia / Manhã / Int
Lúcia amamenta. Benedita avisa que tem um vizin-
ho. 102
142
Salvador / Apto Nilda / Quarto Empregada /
Manhã / Int Iara tenta escutar o que se passa na sala. 103
143A Salvador / Apto Nilda / Sala / Manhã / Int
Alceu entra procurando um banheiro e vai para a
cozinha. 103
143B Salvador / Apto Nilda / Cozinha / Manhã / Int Benedita e Alceu chegam na cozinha. 103
144A Salvador / Apto Nilda /Cozinha / Manhã / Int
Alceu dá uma rápida olhada e vai pro quarto da Nil-
da e Cal. 104
144B Salvador / Apto Nilda / Quarto Cal / Manhã / Int Alceu encontra dinheiro e arma. 104
145 Salvador / Apto Nilda / Cozinha / Manhã / Int Iara pergunta pra Benedita quem estava lá no apto. 104
146
Salvador / Apto Nilda / Quarto Empregada / Final
da Tarde / Int
Iara se diz preocupada com o vizinho. Laerte vai
embora. 105
147 Salvador / Apto Nilda / Cozinha / Noite / Int
Iara tem uma crise de asma e Nilda chama Can-
tídeo. 106
148
Salvador / Rua em Frente ao Prédio da Nilda /
Noite / Ext Iara, Nilda e Cantídeo vão à farmácia. 107
149 Salvador / Sala da Farmácia / Noite / Int Iara toma uma injeção. 107
150
Salvador / Área de Serviço / Prédio da Nilda / Noite
/ Ext Iara observa a praia. 108
151
Salvador / Apto Nilda / Quarto Empregada / Noite
/Int
Iara desperta de madrugada e tem uma crise de
asma. 108
152
Salvador / Apto Nilda / Quarto E. + Banheiro /
Madrugada / Int Iara escuta os sons de sirenes, gritos e explosões. 108
153 Salvador / Apto Nilda / Sala +Escadas / Manhã / Int
Lúcia acha que o gás explodiu. Três sargentos in-
vadem. 109
154A
Salvador / Apto Nilda / Quarto E. + Banheiro E. /
Madrug. / Int
Iara, vestida e com os revólveres na mão, vai para o
banheiro. 109
154B
Salvador / Apto Nilda/ Area de Serviço / madruga-
da/ Int / Ext Iara pula de um apto para o outro 201 para 202. 109
154C
Salvador / Area Ext. Do Apto 202 e Banheiro E. /
madrugada / Int/ Ext
Iara se esconde no quarto de empregada do apto
202. 110
155
Salvador / Apto Nilda /banheiro grande / Madruga-
da / Int / Ext
Cal (Jaileno) tenta fugir e toma um tiro de raspão e
volta. 110
156 Salvador / Apto Nilda / Sala + Corredor / madruga- Cal (Jaileno) entra pela sala e sai pro corredor do 110
12
da / Int prédio.
157
Salvador / Ed. Sta Terezinha / Corredor +
Escadas /Madrugada / Int Cal (Jaileno) sobe para o 3º andar. 111
158
Salvador/ Banheiro Empregada 202 / madrugada /
Int /
Iara tenta respirar através da blusa. Olhos lacrime-
jam. 111
159
Salvador/ Apto Nilda / Área de Serviço / madru-
gada / Ext
Vemos Lúcia e Benedita dentro da caminhonete
da policia 111
160
Salvador/ Apto Nilda / Banheiro Empregada /
Dia / Int / Iara tenta se manter firme 112
161
Salvador/ Área de Serviço 202 / Dia
Amanhecendo /Ext
Agentes da Polícia Federal tiram fotos da prisão
de Jaileno 112
162
Salvador / Apto Nilda / Escadas / Dia Aman-
hecendo / Int Policiais tocam a campainha do 2002. 112
163A Salvador / Sala apto 2002 / Dia / Int Carlos espia através do olho mágico. 113
163B Salvador/ Cozinha da Pituba/ Dia/ Int Policiais verificam a cozinha. 113
163C
Salvador / Área de Serviço Apto 2002 / Dia /
Ext Policiais olham a área de serviço. 113
163D
Salvador / Quartinho de empregada Apto 2002 /
Dia / Int Policiais batem na porta do banheiro. 113
163E
Salvador / Área de Serviço Apto 2002 / Dia /
Ext Policial chega na área de serviço. 114
164 Salvador / Banheiro Apto 2002 / Dia / Int
O coronel instrui os policiais a dizerem que foi suicí-
dio. 114
165 Sertão da Bahia / Dia / Ext
Lamarca , doente e abatido, é carregado por Ze-
quinha. 115
166A
Salvador / IML Nina Rodrigues/ Corredores / Dia /
Int
Cenas dos corredores do Instituto Médico Legal
Nina Rodrigues 116
166B Salvador / IML Nina Rodrigues /sala/ Dia / Int
O corpo morto exposto de Iara. Legista escreve
“Suiicídio?”. 166
167 Salavador / IML Nina Rodrigues / Sala / Dia / Int
O coronel obriga o legista a esconder o caso da
morte de Iara. 166
168
Salavador / IML Nina Rodrigues /Fachada / Dia
/Ext
Plano fixo da fachada do antigo casarão do Instituto
Médico Legal. 117
169
Salavador / IML Nina Rodrigues / Necrotério / Dia /
Int
Doan Eva e David reconhecem o cadáver de Iara
pelo rosto. 117
170 Cemitério Israelita do Butantã / Dia / Ext
Os pais e a irmã de Iara assistem emocionados o
caixão descendo. 117
171
Escadaria e pátio Externo do estádio do Pacaem-
bu/Dia/Ext
Cenas de Iara, Evelise, Ecléia, Maria Lúcia e dois
amigos em 1966 118
13
ROTEIRO DO LONGA DE FICÇÃO
Título do Filme: “Clandestina
SEQ 1
A- RUA DO CENTRO DE SÃO PAULO/ EXT/MEIO DIA
Iara, aos 25 anos, caminha rápido e olhando algumas vezes para trás, como se estivesse sendo
perseguida, mas em nenhum momento vemos de quem ela foge. Ouvimos claramente o som de sua
respiração ofegante. A imagem também tem uma textura diferente do resto do filme. Esta cena
pode ser tanto um pesadelo da personagem, como pode estar acontecendo de fato, isso não se
define...
B- RESTAURANTE DO CENTRO DE SÃO PAULO /EXT/ INT/MEIO DIA
Da calçada Iara um restaurante popular e entra rapidamente. O lugar está cheio e o almoço está
sendo servido.. OUVIMOS OS SONS distorcidos.
C- BANHEIRO DO RESTAURANTE/INT/DIA
Ela vai em direção ao banheiro e se tranca. Fica esperando alguns segundos apreensiva.
Sua respiração continua ofegante. Seu nariz começa a sangrar. SUPER DETALHE DE um fio de
sangue escorrendo do nariz e pingando no chão.
Ela limpa o nariz com papel higiênico e fica alguns segundos com a cabeça deitada para trás.
Depois sai com cuidado e espia detalhadamente o salão principal, e não encontra quem a persegue.
D- Iara atravessa o salão principal e vai embora do restaurante.
CRÉDITOS INICIAIS
14
SEQ 2
SINAGOGA DA CONGREGAÇÃO ISRAELITA PAULISTA/INT/DIA
Lettering sobre imagem: 1960.
Um tradicional casamento judaico.
Iara casa-se, aos dezesseis anos com o médico SAMUEL HABERKORN na sinagoga da
Congregação Israelita Paulista. Ela está vestida como uma noiva convencional.
A cerimônia está terminando. Uma música judaica de casamento é cantada ao vivo com
acompanhamento instrumental.
Vemos o rabino e os convidados.
Os noivos se beijam.
SEQ 3
SALÃO DE FESTAS DA CONGREGAÇÃO/INT/FIM DE TARDE
Os convidados circulam, comem, bebem, conversam.
Uma banda toca ao vivo músicas judaicas. Iara dança com o pai DAVID IAVELBERG. Os irmãos
de Iara, ROSA, SAMUEL e RAUL conversam, enquanto observam as pessoas dançando, mas
apenas escutamos a música..
A mãe de Iara, dona EVA, se aproxima dos filhos com um pequeno prato de doces. A música acaba
e inicia outra mais animada.
Iara beija o pai e sai animada pelo salão. Rosa e Raul entram na pista.
Iara conversa com três amigas da sua idade.
Cenas dos convidados dançando, bebendo e circulando.
SEQ 4
PISCINA DE CLUBE /EXT/DIA
Iara toma sol deitada em uma cadeira, ao lado de sua amiga ANETE.
Anete observa o movimento, enquanto Iara lê Perto do Coração Selvagem, de Clarisse Lispector.
Ouvimos sua voz em OFF.
OFF IARA
15
“Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do
selvagem coração da vida.”
Ela usa como marcador de livros um folder já amassado da VI Bienal de São Paulo.
SEQ 5
VESTIÁRIO DO CLUBE/INT/DIA
Iara passa rimel na frente do espelho, enquanto Anete guarda roupas em uma sacola.
Iara veste o uniforme do colégio. Ao arrumar a saia, comenta irônica:
IARA
Que patético! É incrível que as meninas ainda sejam
obrigadas a usar isso! (coloca a mão quase no
calcanhar , as duas riem). E eu encurtei quase quatro
dedos! Óbvio que já vieram me encher o saco , puro
moralismo!
Iara penteia os cabelos molhados. Anete pega a bolsa e a coloca no ombro.
ANETE
Vamos pegar um cineminha à noite?
IARA
(animada) Claro!
SEQ 6
APARTAMENTO DE IARA E SAMUEL/INT/NOITE
LETTERING: SETEMBRO DE 1962
Na sala, Iara estuda concentrada. Tudo está meio desarrumado. Em uma mesinha, vemos uma foto
dos pais e irmãos de Iara, no dia do casamento.
Sobre a mesa está a biografia de Freud, escrita por Ernest Jones. Além disso, outros livros de
16
Psicologia.
Samuel chega do trabalho com jaleco de médico. Os dois se cumprimentam com frieza.
IARA
Oi, Sá.
Ele se aproxima de Iara e lhe beija a testa. Existe um explícito clima de distanciamento entre eles.
SAMUEL
Tudo bem?
IARA
Tudo. (pausa) Amanhã tenho uma prova dificílima!
Samuel sorri e sai andando em silêncio em direção ao quarto.
Iara fica pensativa, deprimida.
SEQ 7
RUA MARIA ANTÔNIA E FACULDADE DE FILOSOFIA DA USP/EXT/INT/DIA
Iara muito bem vestida caminha com as amigas MARIA LÚCIA, ECLÉA e EVELISE.
Do saguão térreo elas começam a subir a escadaria da Faculdade.
MARIA LÚCIA
A coisa é a pequena burguesia está em pânico. É a
paranóia de perder tudo, o imóvel, o carro, as cuecas ...
IARA
(irônica) É o pavor da reforma agrária, é o pavor de
qualquer tipo de transformação.
ECLÉA
Um mundo um pouco mais justo não vale uma
17
batedeira de merda!
IARA
(concordando e mudando de assunto) Pelo menos eu
tenho quase certeza que a UNE vai decretar a greve
contra essa politica reaça do Adhemar. O encontro vai
ser amanhã, no centro acadêmico.
MARIA LÚCIA
A gente vai!
IARA
(colocando braços nos ombros de Evelise
carinhosamente ) E eu posso ir estudar na sua casa
hoje a noite?
EVELISE
(bem humorada) Pode!
Uma estudante passa entregando panfletos.
No corredor, dois rapazes olham interessados para Iara.
Um estudante sorri, ela retribui. Em um mural estão colados cartazes de exposições de artes
plásticas e peças de teatro do Oficina e do do Arena.
SEQ 8
CASA DE CLAUDIO/INT/EXT/NOITE
Festa lotada em uma casa decorada com vários quadros e obras de arte de jovens artistas dos anos
60. Os convidados bebem, conversam, dançam.
Close de algumas obras.
Uma banda só de mulheres toca ao vivo.
Em uma parede, um filme é projetado em Super 8.
Em uma pista de dança Iara conversa gesticulando, enquanto dança com um rapaz. Os dois riem.
Ele faz um carinho em seus cabelos, ela lhe dá um beijo.
Através de um vidro, vemos um jardim com alguns convidados.
No meio da pista Iara se diverte.
18
SEQ 9
FUSCA/INT/DIA
lettering sobre imagem: 31 de março de 1964.
Iara dirige um Fusca azul claro.
No banco de passageiro estão livros de Psicologia. Fumando tensa, Iara tenta sintonizar uma estação
no rádio. Ela pára em uma. O Repórter Esso está dando notícias sobre o Golpe de 64 (material de
arquivo). Ela escuta indignada.
LOCUTOR
Atenção Brasil, Atenção Brasil! Atenção Minas
Gerais: As tropas do II Exército do general Gruel
já sitiaram o Estado da Guanabara!
O rádio começa a falhar.
Iara irritada tenta sintonizar, mas não adianta.
Ela dirige tensa.
Close de seu rosto.
FADE OUT.
SEQ 10
ENTRADA DA FACULDADE NA MARIA ANTÔNIA/EXT/DIA
Na frente da Faculdade estão colocados vários cartazes: “GREVE GERAL”, “ASSEMBLÉIA
PELA RATIFICAÇÃO DA GREVE GERAL”, “GREVE GERAL EM APOIO A JANGO”.
Um grupo de estudantes guarda a entrada principal.
SEQ 11
FACULDADE NA MARIA ANTÔNIA/ INT/DIA
Toda esta passagem será filmada com uma câmera na mão, que acompanha investigativa as ações.
Tudo muito realista. Trinta policiais do DOPS entram pela portaria, machucando os estudantes que
estão na entrada. Confusão e pancadaria.
19
SEQ 12
FACULDADE NA MARIA ANTÔNIA/INT/DIA
Os policiais caminham através dos corredores. SOM forte das botas no assoalho. Os policiais dão
alguns tiros, deixando marcas nas paredes e no teto.
SEQ 13
SALA DE AULA/INT/DIA
Em uma sala cheia de estudantes e com alguns professores; um aluno (que fazia guarda na entrada)
entra ofegante:
ESTUDANTE
Rápido, pessoal, eles estão invadindo! É pra fingir que
estamos tendo aulas!
Professores e alunos se movimentam rapidamente, numa tentativa de simular uma aula comum.
SEQ 14
ESCADAS DA FACULDADE/INT/DIA
Seis policiais sobem as escadas com armas na mão. Mais uma vez, ouvimos o SOM forte das botas.
SEQ 15
SALAS DE AULA E CORREDORES/INT/DIA
A câmera percorre os corredores rapidamente.
Em três salas alunos e professores fingem que acontecem aulas.
Vemos Iara sentada em uma carteira olhando um professor falar. Ela está tensa.
A polícia entra nas salas atirando nas paredes, quebrando objetos e expulsando alunos com socos e
pontapés. Tensão e gritaria.
Um policial manda um aluno se ajoelhar, apontando uma arma para sua cabeça.
20
POLICIAL 1
Se ajoelha, baderneiro filho da puta! Anda, porra!!
ALUNO
Tá legal, calma, calma!
A câmera passeia por algumas salas e corredores: tudo está quebrado.
SEQ 16
SALA DO GRÊMIO/ INT/DIA
Vemos as instalações do Grêmio, que estão completamente destruídas.
Detalhes de pedaços de móveis e tiros nas paredes. A câmera está sempre em movimento.
SEQ 17
CORREDOR PRÓXIMO A SAÍDA/ INT/DIA
Alguns alunos tentam fugir, mas a policia os impede com pancadas e coronhadas.
Dois policiais apontam os revólveres para três alunos:
POLICIAL 2
É para cantar o Hino Nacional, porra! Ouviram do
Ipiranga....
Os estudantes se entreolham humilhados.
FADE OUT.
SEQ 18
QUARTO DO APARTAMENTO DE IARA E SAMUEL /INT/ NOITE
Iara, de camisola, toma uma xícara de chá deitada na cama, com um livro no colo, e com o abajur
acesso. Samuel dorme. Ele muda de lado. Ela olha um pouco desanimada para o marido, faz um
21
carinho maternal nos seus cabelos e volta a ler.
SEQ 19
RUA AUGUSTA, CAFÉ/EXT/DIA
Lettering sobre imagem: 1966
Iara caminha pela rua Augusta. Está arrumada, usando sua capa estilo “Casablanca”.
Um pequeno grupo de cinco estudantes está parado em frente a um café . Eles fumam e conversam.
Iara sorri e fala tentando ser o mais discreta possível.
IARA
Oi, tudo bem? A Maria Lúcia já chegou?
ESTUDANTE
Tá lá dentro tomando um café.
IARA
Vou dar uma palavrinha com ela. Daqui a cinco
minutos a gente sai.
SEQ 20
CAFÉ/ INT/ DIA
Iara entra. Maria Lúcia está no balcão. Elas se cumprimentam.
MARIA LÚCIA
Quer um café?
IARA
Quero. (fala para o garçom) Mais um café por favor.
Quem tá faltando?
22
MARIA LUCIA
Veio quase todo mundo!
As duas sorriem discretamente.
Iara abra a bolsa atrás do balcão.
IARA
Olha aqui!
A bolsa está lotada de bolas de gude.
IARA
(sussurrando) Para fazer os cavalos escorregarem!
Séria, Maria Lúcia olha cúmplice.
Close das bolas de gude.
SEQ 21
IMAGENS DE ARQUIVO E FOTOS P & B
Som forte de bolas de gude caindo no chão.
Imagens reais e fotos das passeatas da ‘setembrada’, em 1966, contra a ditadura: jovens nas ruas de
São Paulo carregam faixas e cartazes, gritam contra o governo.
Cenas de policiais jogando gás e batendo em estudantes.
Em OFF ouvimos notícias de rádio da época sobre a passeata.
SEQ 22
PARQUE DO IBIRAPUERA/ EXT/ DIA
Iara e Ecléa caminham pela marquise do Parque do Ibirapuera em direção ao prédio da Bienal.
23
IARA
Mas é engraçado ... na época, não imaginei que fosse
sentir tanta falta do Sá...
ECLÉA
E aquilo era mesmo um casamento?
IARA
Não sei...
ECLÉA
Ah Iara, vai! Era uma relação sem perspectiva....
Idéias muito diferentes... Em todos os sentidos! E
você se casou com dezesseis anos, tinha outra cabeça!
Tava na cara que ia gorar! (pausa). Era óbvio! (pausa)
Você está é se sentindo sozinha... Mas com ele
também não era assim?
IARA
(Firme) Era! (pensativa) E não era... De qualquer jeito
eu não aguentava mais aquela vida tão reduzida...
Minha opção jamais seria por aquela vidinha
burguesa!
Elas estão bem próximas ao prédio.
Vemos a entrada da Bienal com um enorme cartaz da IX Bienal de São Paulo.
SEQ 23
TEATRO DO TUSP/ INT/ NOITE
Entra uma trilha da época.
Cartaz (material de arquivo) da peça Os Fuzis da Senhora Carrar, de Brecht, encenada pelo
TUSP (dirigida por Flávio Império, em 1967), na qual Iara interpretou uma das mães Carrar.
Câmera sai do cartaz e revela Iara com um grupo de teatro do TUSP ensaiando.
Todos estão sentados em círculo, enquanto Iara e outro ator passam o texto no centro da roda.
24
OPERÁRIO
Teresa, você não tem o direito de esconder os fuzis do
Carlos!
MÃE CARRAR (IARA)
(embrulhando os fuzis) Com direito ou sem direito, a
vocês eu não entrego! Não tem cabimento vocês
virem até aqui levantar o meu assoalho para tirar
qualquer coisa contra a minha vontade.
OPERÁRIO
Não se trata de qualquer coisa que pertença à sua casa
Na presença de seu filho eu não quero dizer o que
estou pensando de você, nem o que estaria pensando
do seu marido: ele era um homem de luta. Imagino que
você perdeu a cabeça, temendo por seus filhos. Mas é
claro que não vamos entrar nesse tipo de
considerações....
MÃE CARRAR
Que está querendo dizer?
OPERÁRIO
Estou dizendo que sem os fuzis eu não saio daqui:
disso você pode ter certeza.
MÃE CARRAR
Só se passar por cima do meu cadáver!
OPERÁRIO
Não vou passar, não sou o General Franco.
SEQ 24
SALA DE CINEMATECA/INT/NOITE
Sala de cinema cheia.
25
Iara está acompanhada de um bonito rapaz moreno. O filme ainda não começou. Iara come um
chocolate.
O rapaz implica com outro garoto que está sentado algumas poltronas na frente. O garoto se vira
duas vezes para olhar Iara.
RAPAZ
Que coisa mais chata, aquele cara não para de olhar
pra cá!
Iara sorri.
IARA
Isso é delírio persecutório!
Bem humorado ele responde:
RAPAZ
Delírio nada, olha lá! O cara tá dando uma puta
bandeira! Psicólogo tem mania de achar todo mundo
neurótico!
Iara acha graça.
O filme começa. Trata-se de "Hiroshima Mon Amour", de Alain Resnais.
Iara fala baixinho:
IARA
Sou louca por este filme!
Close da tela do cinema.
SEQ 25
RUA EM FRENTE A UM PRÉDIO/EXT/DIA
26
Três policiais disfarçados fingem fazer um conserto de encanamento na calçada próxima a um
pequeno prédio de uma rua muito movimentada.
Iara e SILVÉRIO aparecem caminhando rápido e conversando.
Os policiais se entreolham.
Iara nem percebe e entra com o rapaz pela portaria.
Um deles faz sinal afirmativo para um quarto policial que está parado um pouco mais a frente
dentro de um fusca creme.
SEQ 26
APARTAMENTO DO SILVÉRIO/EXT/DIA
Iara e SILVÈRIO recolhem nervosos documentos e livros sobre marxismo e Che Guevara em um
pequeno apartamento.
A campainha toca.
Eles se entreolham.
Silvério vai até a porta e olha pelo olho mágico.
Vemos através do buraco o porteiro e os quatro policiais à paisana.
Silvério, nervoso, vira-se para Iara e fala sussurrando:
SILVÉRIO
Sujou!
SEQ 27
DELEGACIA/INT/NOITE
Close dos dedos de Iara sendo pintados de preto.
Imagens reais de documentos do DOPS: a ficha de Iara com sua assinatura dizendo que ela
foi presa por subversão. Na parte de baixo da folha vemos suas impressões digitais.
SEQ 28
CORREDOR DA DELEGACIA/INT/NOITE
Iara é levada algemada e colocada em uma cela solitária.
27
SEQ 29
APARTAMENTO DOS IAVELBERG/INT/TARDE
Dona Eva está sentada tensa ao lado do telefone. Ela disca um número e espera ser atendida.
O marido Davi e a filha Rosa estão apreensivos no sofá ao lado.
DONA EVA
Doutor Eduardo, aqui é a dona Eva. Olha, minha filha
mais velha, a Iara, foi presa, está em uma
solitária....eles alegam subversão... Eu preciso
conseguir um habeas-corpus o mais rápido possível!
SEQ 30
TELA PRETA:
Ouve-se um noticiário da época anunciando a implementação do AI-5, e explicando
detalhadamente o que fica estabelecido com este ato institucional; enquanto se um túnel com
poucas luzes passando, como se estivéssemos sentados no banco de passageiro de um carro.
Antes que a explicação termine, a voz do locutor some lentamente.
Quando chega o fim do túnel a luz estoura, deixando a TELA BRANCA.
SEQ 31
RUA/EXT/DIA
Dois carros estacionam próximos a uma agência bancária.
Descem sete jovens, dois ficam esperando na função de motoristas.
É possível reconhecer entre eles alguns colegas de faculdade de Iara.
Na porta do banco os jovens olham rapidamente se não estão sendo vigiados, tiram armas de dentro
de bolsas e entram.
SEQ 32
28
TERRAÇO DE RESTAURANTE NO TERCEIRO ANDAR/EXT/DIA
Iara, de peruca e óculos escuros, toma café e finge ler jornal, sentada em uma mesa de um
restaurante, no terceiro andar de um edifício que fica quase em frente à agência bancária. Apenas
um casal de namorados e um executivo, que um jornal concentrado, estão sentados em mesas
mais afastadas. Ninguém percebe a movimentação.
Iara observa a ação muito discreta, e acende um cigarro.
SEQ 33
PORTA DE AGÊNCIA BANCÁRIA/EXT/DIA
Subjetiva de Iara: os dois carros estão parados próximos à agência fazendo cobertura
SEQ 34
TERRAÇO DE RESTAURANTE NO TERCEIRO ANDAR/ EXT/DIA
A câmera acompanha um garçom (pelas costas) sair do balcão e levar a conta até o casal. Ele deixa
a conta na mesa e sai. À distância, desta mesa vemos Iara terminar de fumar, enquanto finge ler o
jornal.
Em um plano sequência a câmera vai se aproximando dela.
Close das mãos de Iara apagando a terceira ‘bituca’ de cigarro.
Ela olha para a agência. Pega o café e dá um gole.
Close de suas mãos nervosas colocando a xícara e derrubando no pires um pouco de café.
SEQ 35
SAÍDA DO BANCO/EXT/DIA
Subjetiva de Iara: os rapazes saem do banco, todos entram nos carros que partem em disparada.
Alguns passantes olham assustados.
SEQ 36
29
TERRAÇO DE RESTAURANTE NO TERCEIRO ANDAR/ EXT/DIA
Iara coloca algumas notas de dinheiro sobre a conta. Antes que o garçom volte, ela se levanta e
parte.
SEQ 37
TERRAÇO DE RESTAURANTE NO TERCEIRO ANDAR/ EXT/DIA
Da altura do restaurante, ouvimos sirenes de polícia e vemos três viaturas estacionando
rapidamente.
SEQ 38
TABLETOP/ FOTOS DE ARQUIVO P & B
Fotos do jornal O Globo do dia 25 de janeiro de 1969. O texto informa que: O capitão do
Exército Carlos Lamarca fugiu do 4
o
Regimento de Infantaria onde servia, levando 63 fuzis
FAL, 10 metralhadoras e farta munição”.
SEQ 39
IMAGENS DE ARQUIVO DE TELEVISÃO/ P & B
Noticias de uma televisão da época (material de arquivo) anunciando que o Capitão Lamarca
desertou o Exército fugindo do quartel de Quitaúna, juntamente com o sargento Darcy Ribeiro, um
soldado e um cabo, levando consigo munições e 63 fuzis FAL.
SEQ 40
RUA DE SÃO PAULO, PRÓXIMA AO MORUMBI/EXT/DIA
Iara, de peruca e óculos escuros, fala de um telefone em um bar.
O lugar está praticamente vazio, apenas três homens animados tomam cerveja em uma mesa.
Ela está encostada no balcão e segura uma pasta.
IARA
(discreta) A Maria Lúcia? Mas como foi que
aconteceu? (pausa). Sei, sei. Bom, depois a gente
30
conversa melhor. Tchau.
Em estado de choque, Iara desliga o telefone. Fica imóvel, pensativa.
SEQ 41
RUA/ EXT/ DIA
Iara caminha pela rua enquanto chora contida.
Seus passos se tornam mais rápidos.
Ela verifica se não está sendo seguida e entra por um portão.
SEQ 42
CASA/EXT/DIA
Ela tira as chaves da bolsa e abre a porta de uma casa simples, de classe média.
Iara entra. Deixa a peruca e os óculos escuros no sofá e sobe uma escada com a pasta.
Bate na porta:
IARA
Cid, é a Claudia!
Com um sorriso Lamarca abre a porta. Ela entra.
Vemos no chão uma garrafa de leite cheia de bolas de cortiça, um canivete ao lado e pedaços de
rolhas destruídas no chão.
IARA
Quase não consegui vir, mas o Jorge cobriu meu
ponto. Acabei de saber que uma grande amiga caiu...
Estou muito triste! (pausa) Sei que muita gente não
concorda, mas sabe, não acho um absurdo que as
pessoas falem sob tortura. Não tudo, claro! O sujeito
precisa saber preservar certas informações!
LAMARCA
31
É difícil julgar ...
IARA
É delicado... Bom, trouxe alguns textos pra gente
discutir.
Iara abre a pasta e retira alguns livros. Mostra-os para Lamarca.
Ele manuseia os livros. Sorrindo diz:
LAMARCA
Suas aulas têm sido fundamentais! E não falo isso só
para te estimular, não. A VPR precisa de quadros
como você!
Iara responde brincalhona apontando para a garrafa com cortiças.
IARA
(simpática e irônica) Estou vendo que você tem feito
muitos progressos!
Os dois sorriem.
SEQ 43
Cenas editadas que se passam em diferentes horários do dia (a passagem do tempo fica evidente).
Em alguns momentos, uma TRILHA SONORA cobre as ações, em outros, podemos ouvir algumas
frases.
A- SALA/INT/ TARDE
Sentados em uma mesa, Iara e Lamarca discutem um texto.
Iara fala, gesticula. Lamarca fuma concentrado, responde e anota. Depois toma um gole de café.
32
B-SALA/INT/FINAL DE TARDE
Lamarca e Iara estão um ao lado do outro, lendo um trecho de um mesmo livro.
Lamarca serve-se de mais café.
Iara acende um cigarro enquanto continua a leitura.
Ouvimos, muito sutilmente, barulhos de carro e gente falando.
De repente, eles percebem que algo acontece na rua e se levantam.
Lamarca saca um revólver do bolso da calça, pede com um gesto para Iara não fazer barulho e vai
junto com ela para a janela.
Ele espia através das cortinas. Os barulhos param.
Os dois ficam próximos, na mesma posição, por mais alguns instantes.
LAMARCA
Não era nada!
Eles saem da janela. Ouvimos um cachorro latir lá fora.
IARA
Sabe que eu tenho pavor de cachorro?
LAMARCA
(sorrindo) É mesmo?
IARA
Desde pequena, ainda não consegui descobrir porque!
Até acho simpático, mas longe!(pausa). Acho que
preciso ir.
LAMARCA
Não que tomar mais um café?
IARA
Tenho um ponto daqui a uma hora.
33
Iara começa a guardar os livros e papéis.
Lamarca se aproxima e tímido faz um carinho nos seus cabelos. Ela se assusta um pouco.
LAMARCA
Me desculpe, me desculpe! Foi uma falha de
conduta... que vergonha!
Iara gargalha. Depois faz um carinho no rosto dele.
Ele começa a rir de si mesmo, ela também continua dando risada. Os dois se olham sorrindo. Ele
faz um carinho em seus cabelos e depois lhe beija calorosamente a boca. FADE OUT.
SEQ 44
CARRO/INT/DIA
Dia claro, de sol. Um carro corre na estrada que leva ao Rio de Janeiro.
Melo dirige. No banco da frente está MIRIAM, a mulher de Melo.
Atrás vemos Iara e Lamarca de mãos dadas. O rádio está ligado, quando termina uma canção, o
locutor entra:
LOCUTOR
Bom dia, caros ouvintes!Daqui alguns minutos, vamos
interromper a nossa programação para dar mais
notícias das investigações sobre o roubo do cofre do
falecido ex- governador de São Paulo, Adhemar de
Barros. Estima-se que foram roubados 2 milhões e 500
mil dólares. A ação aconteceu na casa de Ana
Capriglione que, de acordo com algumas fontes, seria
a amante do ex- governador. Até agora, a polícia não
prendeu os bandidos e prossegue numa intensa
investigação. Mais detalhes em instantes.
Eles entreolham-se sorridentes. No rádio, começa tocar uma música da época.
Lamarca observa a estrada, pensativo comenta:
LAMARCA
No dia da plástica vou ter que passar por cabeleireiro
34
(irônico), pra justificar a vaidade! Logo eu!
Iara gargalha.
IARA
você sabe quantos dentes vão arrancar?
LAMARCA
Uns dezesseis!
Iara faz uma careta imitando Lamarca banguela. Todos riem.
LAMARCA
Não se preocupe, vou usar dentaduras!
SEQ 45
RUA/EXT/DIA
O carro entra na Baixada Fluminense.
Cenas de casas muito pobres passando através da janela do carro.
SEQ 46
CARRO/INT/ EXT/DIA
O carro entra na Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio.
Através do vidro do pára-brisa, vemos a Igreja da Candelária ao fundo.
Lamarca encosta a mão no ombro de Melo.
LAMARCA
Entre na Estácio. Quero passar em frente à casa dos
meus pais.
MELO
35
Tá legal, me fala o caminho.
LAMARCA
Pode virar na segunda à esquerda!
Melo obedece. Lamarca continua dando as coordenadas.
LAMARCA
(apontando) Agora entra aqui!
SEQ 47
RUA SAPATARIA PAI DE LAMARCA/EXT/DIA
Melo entra em uma pequena rua.
Do carro, vemos um senhor, o pai de Lamarca, sentado na porta de uma pequena sapataria. Ele
conversa com outro senhor.
Lamarca se emociona.
Iara o abraça.
LAMARCA
Pode seguir!
SEQ 48
APARTAMENTO/INT/DIA
A luz do sol atravessa uma cortina.
Em um quarto, Lamarca se recupera da plástica.
Ele está deitado com o rosto inchado e cheio de bandagens.
Iara entra trazendo uma refeição líquida.
IARA
Vamos comer?
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LAMARCA
(sentando-se) Não tenho o menor apetite.
IARA
Mas é importante ingerir alguma coisa! Vou ligar o
rádio.
Iara liga o rádio que toca uma música romântica da época .
Iara sorri, vai até ele e com cuidado lhe beija a boca.
Depois começa ajudá-lo a beber de canudinho.
SEQ 49
RIO DE JANEIRO/EXT/DIA
Banco de um calçadão no Rio de Janeiro, dia de sol. Iara, de peruca chanell, toma água de coco e
observa a paisagem.
Um cachorro vira lata se aproxima para cheirá-la. Iara fica tensa. Tentando disfarçar o medo, ela o
espanta.
IARA
(baixo) Passa, vai! Sai!
O cachorro fica mais alguns segundos e vai embora.
LÚCIO, um jovem militante se aproxima de chinelos e bermuda, como um típico carioca,
carregando uma sacola de praia. Os dois se cumprimentam.
Ele senta deixando a sacola entre os dois.
Ela acende um cigarro, sempre olhando se não está sendo seguida.
IARA
O ônibus sai amanhã cedo. Já tá tudo certo, alguém vai
me buscar no ponto.
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LÚCIO
A grana e as armas estão em cima. Mandaram um
pouco mais por prevenção.
IARA
Tá legal.
LÚCIO
Boa sorte!
IARA
Vou precisar!
Ele se despede discretamente.
Levanta-se deixando a sacola.
Iara espera mais um pouco, olha o movimento e sai levando a sacola.
SEQ 50
VALE DO RIBEIRA /EXT/ DIA
Chuva forte. Um grupo liderado por Lamarca (com o rosto modificado pela plástica e algumas
pequenas cicatrizes), de 8 homens e 2 mulheres, entre eles Iara e o sargento Darcy Rodrigues.
Todos caminham pelas densas matas do Vale do Ribeira.
Eles estão com boné bico de pato, botas, bússolas, mochilas, armas, mosquetões e rádios.
O grupo chega à margem de um rio. Lamarca é o primeiro a entrar e atravessar.
Os outros fazem o mesmo, com a água batendo na altura do peito. Enquanto vemos estas ações,
ouvimos em OFF a voz de Lamarca lendo um trecho de texto extraído do seu documento “Ano
Novo”:
OFF LAMARCA
“Que o ano de 1970 seja o ano da guerrilha urbana, o
ano da guerrilha rural, o ano do rompimento do
isolamento político entre a vanguarda e as massas no
Brasil. O ano em que honramos a morte dos nossos
companheiros que tombaram em campo de batalha:
Carlos Mariguella, João Lucas Alves... Zanirato, João
38
Domingues, Eremias, Escoteiro, Chael, e o sacrifício
de todos os nossos companheiros que cumprem seus
papéis de revolucionários nas prisões da repressão.
Ousar lutar, ousar vencer.”
Todos chegam ensopados do outro lado.
Cansada Iara diz:
IARA
Puxa vida, isso aqui acaba com a moral de qualquer
um!
RAPAZ
Esse aqui é o “Lava-Cu”!
Todos riem.
SEQ 51
ACAMPAMENTO NO VALE DO RIBEIRA /EXT/ NOITE
Na mata, redes de nylon com cobertura, estão dispostas em semicírculos embaixo de árvores. Ao
todo são dez redes que compõem este grupo.
Iara está deitada em uma delas. Seu rosto e suas orelhas estão muito inchados, quase transfigurados.
Lamarca se aproxima trazendo um tubo de pomada. Ela sorri, ele começa delicadamente a passar o
antialérgico em seu rosto.
IARA
Dói até pra fechar o olho. Meu rosto tá quente...
preciso melhorar para amanhã!
LAMARCA
Você vai melhorar! Tem que tentar dormir um pouco,
recuperar as forças. (brincando) Isso é castigo por
ficar fazendo gozação da minha plástica!
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Iara ri, imitando novamente Lamarca banguela, mas sente dor ao mexer a boca.
IARA
Aí!
SEQ 52
VALE DO RIBEIRA /EXT/ MADRUGADA
Madrugada. Close da chuva caindo nas plantas.
Iara não consegue dormir devido ao assustador barulho dos animais, dos galhos quebrando, da
chuva.
Os mosquitos não param. Deitada , ela tenta espantá-los.
Irritada, cobre a cabeça com a rede.
Vemos o brilho dos seus olhos no escuro da rede. Os barulhos continuam.
SEQ 53
QUARTO DOS PAIS DE IARA NO IPIRANGA (1950) / INT / DIA
Close dos olhos de Iara criança. Câmera se afasta e vemos Dona Eva terminando de colocar um laço
na cabeça de Iara, com seis anos.
Ela está com um ‘vestido de domingo’. Eva arruma Iara em frente à penteadeira.
EVA
Está linda!
IARA
Quero passar um pouco de perfume!
Eva pega um frasco de perfume na penteadeira e coloca um pouco no pescoço da filha.
40
Iara sorri. Vemos que ela está totalmente banguela.
IARA
Mais um pouco!
EVA
Chega Iara. Já passei bastante!
Eva sai em direção à porta.
Iara espera sua mãe sair e coloca mais perfume.
Depois examina sua banguela no espelho.
SEQ 54
VALE DO RIBEIRA /EXT/ DIA
Seis da manhã. Iara dorme.
Lamarca se aproxima e carinhosamente tenta acordá-la.
Iara, ainda com o rosto inchado desperta.
IARA
Nossa, que horas são!?
LAMARCA
Seis e pouco.
IARA
Demorei pra pegar no sono...
LAMARCA
É uma questão de adaptação, neguinha. Sua presença é
importante. Você é a única daqui que fez um curso de
enfermagem. E têm conhecimento das aulas... (faz um
carinho nos cabelos dela). É só ficar na sua que as
coisas vão funcionar.
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IARA
Não sei se todos pensam o mesmo...(levantando-se)
Acho que preciso de um banho !
Ela se levanta da rede e começa a arrumar suas coisas.
LAMARCA
Por causa do frio e da umidade a gente não precisa
tomar banho todos os dias. Alguns até dizem que o
banho não é bom: abre os poros e aumenta o suor!
IARA
(risonha) Ah, vai? Isso é pura teorização do fedor!
SEQ 55
VALE DO RIBEIRA/ EXT/ DIA
Iara desce com uma pequena bolsa através de um caminho barrento e escorregadio.
Alcança um rio.
Tira as roupas.
Close nos seus pés machucados.
Ela mergulha. Vemos seu rosto saindo da água com expressão de alívio.
SEQ 56
VALE DO RIBEIRA/ EXT/ DIA
Na beira do rio, enrolada em uma toalha, Iara pega um pequeno espelho para pentear os cabelos.
Olha-se demoradamente.
IARA
42
Nossa, estou horrível!
SEQ 57
A-VALE DO RIBEIRA/ EXT/ DIA
Iara (com o rosto menos inchado), Lamarca e mais seis militantes, praticam tiro ao alvo.
Lamarca mira o alvo e acerta.
Dois rapazes fazem o mesmo.
Um quase acerta. Outro erra.
Iara e outro guerrilheiro apontam as armas para o alvo.
De repente, começa a sentir uma forte cólica.
Ela coloca as mãos na barriga, tomando cuidado para que ninguém perceba.
SEQ 58
CASA DOS PAIS DE IARA NO IPIRANGA (1953) / INT / DIA
Na sala da casa, Melo e Raul (com oito e quatro anos) brincam com revólveres de brinquedo. Raul
atira, Melo cai.
Na mesa de jantar, Iara (com nove anos) desenha.
Plano do seu desenho: é uma floresta.
Eva chega trazendo um prato cheio de maria- mole:
EVA
Raul, Melo , ficou pronto !
Os meninos chegam correndo, se servem e voltam para brincar com os doces nas mãos. . Da
cozinha ouvimos Rosa, com três anos, chamar:
ROSA
Mãe! Mãe!
43
EVA
Já vai Rosinha!
Ela se dirige à cozinha para atender a filha. Antes de sair, aponta para o prato de doces.
EVA
Pega uma Iara!
Iara pega uma maria- mole. Olha com estranheza. Balança o doce de um lado para o outro. Aperta-
o.
IARA
Mãe! Eu não vou querer!
SEQ 59
MATA / ACAMPAMENTO NO VALE DO RIBEIRA / EXT / NOITE
Câmera na altura do olhar de uma pessoa (como se fosse SUBJETIVA) avança pela mata. Em off
escutamos o locutor da Rádio Havana dando as últimas notícias sobre a luta armada brasileira:
LOCUTOR
(EM ESPANHOL)
No início deste mês, em Campinas, cidade de São
Paulo, a polícia estourou um aparelho da ALN e
prendeu alguns militantes que estavam sob o comando
de Virgílio Gomes da Silva, o Jonas. De acordo com
algumas informações, Jonas faleceu. Também caíram
os dirigentes do PCBR. Além disso, nestes últimos
meses foram presas no Brasil mais de 300 pessoas de
diferentes organizações. A lista quase completa será
lida mais uma vez, hoje, às 22 horas.
Ao longo da narração chegamos ao acampamento. Deitados em redes, os guerrilheiros escutam as
notícias de quedas de companheiros. Todos ficam calados. Lamarca desliga o rádio, um potente
rádio de ondas curtas: o Transglobe.
Alguns se levantam em silêncio para caminhar outros continuam deitados.
44
Iara está abalada.
De onde está, Lamarca pode observá-la.
Ele se levanta e vai até ela.
LAMARCA
Vamos dar uma volta?
SEQ 60
MATA/ EXT/ NOITE
Ela e Lamarca se afastam do grupo. Tudo está muito escuro.
Quando estão distantes, Lamarca abraça Iara e lhe dá um beijo no rosto.
IARA
Eu tô preocupada...já faz uns dias que não me sinto
bem: tenho enjôos, cólica... dor de cabeça forte...
Também tive um sangramento leve. (chateada) É
impressionante, que azar...
LAMARCA
Neguinha, pelo que eu conheço, você pode estar
grávida!
IARA
Será? (pensativa)... De qualquer jeito, preciso de um
médico!
LAMARCA
Acho mais seguro você e o Mini (coloca a mão sobre o
ventre dela) irem embora... Pensei na casa de Tercina,
em Peruíbe... de lá alguém te leva para São Paulo.
Iara consente. Muda de assunto.
IARA
Quando a gente ouvia o rádio, fiquei apavorada só de
pensar que o Melo ou o Raul pudessem ter caído.
45
Claro que todas as quedas são horríveis. É que quando
é alguém muito próximo....
LAMARCA
Eu já te falei, talvez fosse bom você sair do país por
um tempo... Só por um tempo! Ainda mais se estiver
grávida!
IARA
(firme)Por enquanto vou ficar. Se eu estiver grávida,
quem sabe?
Emocionados os dois se olham. Close dos olhos de Iara. FADE OUT.
SEQ 61
RODOVIÁRIA /INT/DIA
Na parede de uma rodoviária vemos um típico cartaz que o governo espalhava com as fotos de Iara,
Lamarca e mais quatro militantes. Em cima das fotos podemos ler: Terroristas procurados. Ajude
proteger sua vida e a de seus familiares. Avise a polícia.
SEQ 62
RUA/ EXT/ DIA
De peruca loira e óculos escuros, Iara está parada fumando em uma rua tranqüila, próxima e na
frente a um edifício. Evelise (colega de faculdade) se aproxima caminhando.
IARA
Evelise?
Ao perceber que é Iara, Evelise corre para lhe dar um forte abraço.
Elas se abraçam longamente.
IARA
Desculpa o susto! Vamos caminhando.
46
Evelise fica surpresa. As duas começam a caminhar, Iara sempre alerta.
IARA
Posso ficar alguns dias na sua casa?
EVELISE
É claro que sim! Mas o que está acontecendo?
IARA
Olha, quanto menos você souber, melhor. São regras
de segurança!
EVELISE
Então vamos subir!
IARA
Eu não posso mais voltar pro lugar onde eu estava.
Deixei tudo lá: roupas, dinheiro perucas... tudo! Mas
eu só preciso ficar aqui alguns dias!
EVELISE
Vem!
Evelise segura no braço de Iara. As duas mudam de direção e voltam para o prédio.
SEQ 63
SALA DO APARTAMENTO DE EVELISE/ INT/ DIA
Sentadas no sofá, Iara e Evelise tomam café.
IARA
(terminando de dar um gole). E ele é uma pessoa
incrível, humano, de uma sinceridade.. A única coisa
que me grila, é que ele é casado. Mas parei de pensar
nisso.
47
EVELISE
Você conhece a mulher?
IARA
(acendendo um cigarro) Não. Ela está com os dois
filhos em Cuba... (angustiada) É uma coisa super
complicada para ele, e difícil pra mim também...
Aconteceu... agora não tem volta, a gente tá muito
envolvido. Até achei que estivesse grávida, mas foi
alarme falso... Incrível a minha dificuldade de
engravidar!
EVELISE
Olha, não sei muito bem como você foi se entregando
assim, desse jeito, para a política... mas agora você
precisa sair do país! Quando tudo melhorar você
volta!
IARA
Às vezes eu penso em sair.(angustiada) Eu sei que as
coisas estão ficando cada vez mais difíceis... Mas, e
depois? Pode ser que eu tenha que ficar anos e anos lá
fora! (fala bem baixo) Não é agora que vou
desbundar, deixar tudo pela metade! E a gente sabe
que pode morrer, é óbvio... Ninguém e tão ingênuo
assim...
Iara mexe o café com a colher, enquanto reflete sobre as próprias palavras. Fala olhando nos olhos
de Evelise.
IARA
Mas também não sei... talvez você tenha razão...
FADE OUT.
48
SEQ 64
RIO DE JANEIRO/ EXT/ INT/ DIA
Dia nublado. Dentro de um táxi Iara, de peruca e de óculos grande e claro, tira da bolsa, uma
edição (da época) da revista Veja do dia 3 de junho de 1970, cuja matéria de capa tem o título
“A Nova Face do Terror”.
Close das páginas: a matéria, entre outras coisas, revela que Lamarca fez uma plástica.
Iara vira as páginas irritada.
SEQ 65
RIO DE JANEIRO/ EXT/ DIA
O táxi estaciona em uma esquina do bairro do Flamengo.
Iara caminha e chega em frente a um pequeno prédio.
Toca a campainha.
SEQ 66
PRÉDIO/ INT/ DIA
Uma simpática mulata gorda mostra um pequeno quarto para Iara. Abre um armário.
DEUSA
Aqui você pode deixar as roupas.
IARA
Tá legal.
Iara tira da bolsa algumas notas de dinheiro, conta e entrega para DEUSA.
DEUSA
Não precisa pagar agora não!
IARA
(interrompendo) Prefiro deixar adiantado. Vou pegar
49
minhas coisas em São Paulo e volto logo.
DEUSA
Se você prefere... (pegando o dinheiro) O que você
veio fazer no Rio, Isa?
IARA
Estudar balé! (convincente) Sempre quis ser bailarina,
desde muito pequena!
DEUSA
Engraçado, achei que toda bailarina fosse magra,
magra (mostra o dedinho), um palitinho...
IARA
(rindo) Eu faço dança contemporânea, é diferente!
Uma criança pequena aparece a abraça as pernas de Deusa.
IARA
(sorrindo) Oi, meu nome é Isa.
SEQ 67
RUA DE SÃO PAULO/ EXT/INT/ DIA
Lettering sobre imagem: Final de 1970
Lamarca dirige de óculos escuros, bigode, e uma arma na cintura. Iara está sentada ao seu lado. Usa
uma peruca de cabelos longos e castanhos. Ele estaciona o carro próximo à rua Dona Veridiana, em
Santa Cecília.
SEQ 68
RUA DONA VIRIDIANA/EXT/NOITE
Iara toca a campainha na portaria de um prédio. O PORTEIRO, magro e mal humorado, olha de sua
guarita e vai até ela.
50
IARA
(simpática) Boa noite. Meu nome é Márcia, vim fazer
uma visita para a Dona Eva e o Seu David, do 403.
Sou sobrinha deles, acabo de chegar do interior!
O porteiro olha para Iara e abre a porta.
SEQ 69
CORREDOR DO PRÉDIO/INT/ NOITE
Iara toca a campainha.
Dona Eva, sua mãe, abre a porta.
Trêmula, dona Eva, mal consegue falar. Iara entra rápido e tranca a porta. Emocionada, ela abraça a
mãe longamente. Ouvimos um BARULHO de TV vindo do quarto.
O pai aparece, seus olhos se enchem de lágrimas.
DAVID
Iarinha!
IARA
(colocando o dedo sobra a boca) Pssiu!
Iara abraça o pai. Diz tensa:
IARA
Tenho que ir logo! Vocês devem esperar dez minutos
antes de sair... Peguem um táxi, desçam na Paulista e
andem um quarteirão. Depois peguem outro táxi até a
pizzaria Michelluchio da Aclimação.
EVA
Tá certo!
IARA
(saindo) Mãe, por favor, leve todas as minhas jóias que
eu preciso vender. Até já!
51
Eva, tremendo, balança a cabeça consentindo.
Iara rapidamente destranca a porta e sai.
SEQ 70
AV PAULISTA/ EXT/ NOITE
Eva e David andam alguns segundos pela Paulista e chamam um táxi. O carro para e eles entram.
SEQ 71
PIZZARIA/ INT/ NOITE
Iara espera os pais em uma mesa de canto tomando suco de laranja.
Eles entram, procuram a filha e se sentam.
IARA
Oi! O que vocês vão beber?
EVA
Uma tônica e sem gelo.
DAVID
Meia cervejinha.
O garçom se aproxima com o cardápio. Ele o entrega para seu David.
IARA
Enquanto a gente escolhe, traga uma água tônica sem
gelo e meia cerveja, por favor.
GARÇOM
Pois não.
O garçom anota e sai.
Eva, sentada ao lado de Iara, lhe entrega um pequeno pacote por baixo da mesa.
52
Close do pacote sendo entregue.
Rapidamente ela abre a bolsa, guarda o pacote e pega um maço de cigarros. Iara olha em volta
discreta e acende o cigarro.
EVA
(falando muito baixo) Filha, pense no futuro. O Melo e
o Raul já saíram, se salvaram. Você pode escolher o
lugar que quiser, a gente te dá o dinheiro, te ajuda!
DAVID
Você não tem a mínima chance... ficando você é uma
mulher morta! Outro dia tinha uma foto sua na capa
do jornal!
Iara fica angustiada, mas disfarça. O garçom se aproxima com as bebidas. Serve a mesa.
DAVID
Obrigado.
Quando o garçom se afasta Iara diz firme, porém doce:
IARA
Alguém tem que ficar. Esta foi a escolha que fiz. Lá
fora é que me sentiria uma mulher morta.
Os três se entreolham e enchem os olhos de lágrimas., mas tudo é muito discreto.
SEQ 72
A-APARELHO NO SUBÚRBIO DO RIO/INT/NOITE
Iara, Lamarca e dois jovens militantes assistem uma TV velha na sala de uma casa de subúrbio.
Close da televisão: um repórter (notícia de TV / imagens de arquivo P & B)informações sobre
as buscas pelo embaixador suíço.
A câmera caminha até o quarto ao lado.
53
B- QUARTO DE APARELHO NO SUBÚRBIO DO RIO/INT/NOITE
No quarto, o EMBAIXADOR suiço joga baralho com outro militante encapuzado, que mantêm
um revólver em cima da mesa. Os furos do capuz são grandes, e é possível ver nitidamente seus
olhos claros e sua boca. Ambos estão concentrados no jogo. Ao fundo, está um sofá com um
travesseiro e um ventilador ligado.
O embaixador é gordo de pele muito clara e avermelhada. Ele está de bermudas e camiseta, fuma e
transpira. Em cima da mesa, ao lado do embaixador, vemos um cinzeiro cheio de ‘bitucas’ e um
maço de Benson & Hedges longos. O som da televisão vasa para o quarto, mas não se pode
entender exatamente o que está sendo dito.
Close de uma carta de baralho sendo colocada na mesa pelo embaixador.
SEQ 73
QUARTO DE PENSÃO EM SÃO PAULO/ EXT/ FIM DE TARDE
Porta sendo aberta. Iara entra em um quarto de pensão muito simples.
Depois que tranca a porta tira a peruca e balança os cabelos, aliviada.
Abre uma pequena geladeira e pega uma garrafinha pequena de cerveja. Bebe.
Vai até um rádio velho e tenta sintonizar uma estação. Entra uma típica propaganda do governo da
época: “Pra frente Brasil, ninguém mais segura este país! Brasil, terra das oportunidades,
potência emergente!”.
Iara sorri irônica e muda de estação.
Pára em uma música que gosta.
Vai até o banheiro, cantando alguns trechos da música.
Vemos em cima de uma mesinha próxima à pia uma frasqueira aberta com alguns cremes, perfumes
e bons produtos de maquiagem.
Iara abre a torneira da pia.
Lava o rosto.
Olha-se no espelho.
Pega a cerveja que deixou apoiada na pia e sai bebendo até a cama.
Deita-se de roupa para descansar.
A música do rádio vai sumindo e entra um OFF de Lamarca.
OFF LAMARCA
54
Neguinha, como você já sabe, as divergências com a
linha política e os métodos de direção da VPR
chegaram ao limite do insuportável, principalmente,
depois dos acontecimentos com o embaixador. Tenho
pensado muito sobre o que fazer, queria te ver para
decidirmos juntos. Discuti com alguns integrantes do
MR-8. O que mais me agrada é o fato de que para eles,
a luta armada não está desvinculada dos movimentos
de massa.
Os olhos de Iara se fecham lentamente. Ela dorme.
SEQ 74
SALA /INT/ NOITE
Em uma sala de um aparelho no subúrbio do Rio, Lamarca jornal. Ouvimos a voz em OFF de
Iara.
OFF IARA
Ainda tenho algumas dúvidas em relação ao MR-8.
Precisamos falar mais. Gosto da idéia de romper o
isolamento e montar um foco guerrilheiro no campo;
abrir caminho para conscientização da população rural.
Mas tudo precisa ser muito discutido e analisado. Por
outro lado, sei que sou um quadro que funciona melhor
na cidade. (pausa) Mas tenho força interna para
continuar na direção do que for decidido... Precisamos
marcar um encontro urgente.
SEQ 75
QUARTO DE PENSÃO NO RIO/ INT/DIA
Quarto muito pequeno e simples. Iara, em outro quarto disfarça-se e prepara-se para sair. Em frente
a um espelho, penteia os cabelos fazendo um rabo de cavalo e coloca uma peruca de cabelos
escuros.
Pega de uma bolsa uma identidade falsa com o nome Cláudia. Guarda o documento em outra
bolsa. Depois tira de uma sacola uma arma, testa seu funcionamento e também a coloca na bolsa.
Pega um maço de dinheiro que está enrolado em papel de jornal dentro de uma mala, retira algumas
55
notas, devolve o maço e coloca as notas no bolso da calça. Enquanto vemos estas ações, ouvimos o
OFF de Lamarca.
OFF LAMARCA
Depois da nossa última reunião, tive mais um encontro
com os dirigentes do 8. Aprofundamos a discussão
sobre o nosso deslocamento para a zona rural e
concluímos que ainda é arriscado. As estruturas são
precárias e não suportariam qualquer tipo de investida
da repressão. Mas em breve, vai acontecer! Sei que
será uma prática dolorosa, dura, mas não vejo outra
maneira de ser concretizada. A saudade que sinto de
você me dá forças para seguir. Refleti bastante sobre o
que você falou da minha culpa em relação a você
estar arriscando tanto a própria vida. (pausa) Vou
respeitar a sua decisão, apesar de estar muito
preocupado com a sua segurança.
Iara destranca a porta do quarto e sai. FADE OUT.
SEQ 76
BOTECO NO SUBÚRBIO DO RIO DE JANEIRO/INT/DIA
MUNIZ (Carlos Alberto Muniz), um rapaz magro e calvo com grandes olhos azuis, dirigente do
MR-8, toma uma cerveja em uma mesa no canto de um boteco muito simples e isolado. Ele está
tenso.
O lugar está praticamente vazio, apenas uma mesa é ocupada por dois homens com uniforme de
construção que tomam cerveja, enquanto o garçom traz dois pratos de comida. O rádio está ligado.
Iara entra de peruca castanha e uma roupa discreta.
Muniz dá um sorriso.
Ela vai em sua direção e se senta simpática.
IARA
Olá.
MUNIZ
Achou fácil? (colocando cerveja para ela)
56
IARA
(sorrindo) Mais ou menos...
MUNIZ
(olhando em volta) O P2 caiu, vocês não podem mais
voltar prá lá!
Iara se assusta.
MUNIZ
Você vai ficar na minha casa. Por enquanto é mais
seguro.
IARA
Que merda! (Iara fica alguns segundos pensativa e
pergunta firme) E por que na sua casa é mais seguro?
SEQ 77
QUINTAL DE CASA EM LARANJEIRAS/ EXT/NOITE
Lettering sobre imagem: um mês depois
Em um quintal gramado com uma trave improvisada, Lamarca joga futebol com dois garotos de 10
e 8 anos. Ele está muito animado, corre, dribla. Os meninos também se divertem.
Um dos garotos sai correndo com a bola e faz um belo gol.
GAROTO
Gooolll!!
LAMARCA
Que golaço!!
SEQ 78
QUARTO DA CASA DE LARANJEIRAS/INT/NOITE
57
Sentada em uma escrivaninha Iara lê e faz anotações concentrada.
De repente ouvimos a voz de HELENA, a mãe dos meninos e simpatizante do MR-8
HELENA
Corre aqui na sala, vem ver o que tá passando na TV!
IARA
(abrindo a porta) O que é?
HELENA
Vem!
SEQ 79
QUINTAL DE CASA EM LARANJEIRAS/ EXT/NOITE
No quintal Lamarca continua jogando futebol com os meninos.
SEQ 80
CORREDOR E SALA DA CASA EM LARANJEIRAS/INT/NOITE
Iara e Helena caminham rápido através do corredor e chegam na sala.
A televisão está ligada.
Close da TV: o Jornal Nacional (material de arquivo) faz uma longa matéria sobre o MR-8.
Iara corre até o quintal.
SEQ 81
QUINTAL DA CASA EM LARANJEIRAS/ EXT/NOITE
Ela chama Lamarca, que está bastante suado e continua jogando futebol.
IARA
Vem aqui um minuto!
Ele percebe rapidamente que é algo importante e sai correndo em direção a ela.
58
SEQ 82
SALA DA CASA EM LARANJERAS/ INT/NOITE
Os dois entram na sala. Helena continua imóvel na frente da TV.
Na televisão a reportagem revela os principais membros do MR-8, entre eles Muniz. Também
anuncia a prisão de alguns militantes, e afirma que Iara Iavelberg e Carlos Lamarca entraram para a
organização. Os dois são apresentados como terroristas extremamente perigosos para a sociedade.
SEQ 83
ESTRADA RIO BAHIA/ EXT/INT/ DIA
Lettering sobre imagem: Junho de 1971.
Um fusca corre na estrada para a Bahia. Atrás, vemos uma Kombi creme dirigida por SILVIO.(um
paraquadro do MR-8)
O Fusca é dirigido por UM MOTORISTA SIMPATIZANTE. Ao seu lado está KID(José Carlos
Souza). No banco de trás, Lamarca encosta a cabeça no ombro de Iara. Os dois estão calados e um
pouco tensos.
Na beira da estrada Rio-Bahia, surge uma placa indicando a direção de Salvador
O comboio passa em alta velocidade.
SEQ 84
FUSCA/ INT/DIA
O Fusca é dirigido por Kid, e Iara está ao seu lado.
No banco de trás, estão Lamarca e o motorista simpatizante. O rádio toca uma canção.
Iara e Lamarca namoram através do espelho, e ficam de mãos dadas entre os encostos.
Vemos a Kombi, dirigida por Sílvio os seguindo através do espelho do retrovisor.
SEQ 85
ESTRADA/INT/EXT/FIM DE TARDE
59
Esta seqüência é coberta por uma TRILHA de MPB da época, mas numa versão contemporânea.
Vemos fundos diferentes, com luzes diferentes, que indicam a passagem de tempo.
A-Iara dirige o Fusca com Kid ao seu lado. Lamarca e o motorista simpatizante estão no banco de
trás.
B- O motorista simpatizante dirige o Fusca, Iara está ao seu lado. Lamarca e Kid no banco traseiro.
RESTAURANTE DE BEIRA DE ESTRADA/INT/DIA
C – Os cinco almoçam em um restaurante simples de beira de estrada. Parecem felizes, conversam
amenidades.
D- Kid dirige o Fusca com Silvio ao seu lado. Iara e Lamarca estão no banco de trás. Os quatro
conversam. Na medida em que eles vão chegando mais próximos do destino, percebemos que todos
ficam mais relaxados e tranquilos.
A Kombi vem atrás dirigida pelo motorista simpatizante.
Vemos uma placa indicando a direção de Vitória da Conquista.
SEQ 86
RUA DE TERRA/ EXT/ MEIO DA TARDE
Estas cenas são cobertas pela mesma TRILHA da cena anterior. Não ouvimos o que os personagens
falam.
Os carros estacionam em uma rua de terra, próxima à Vitória da Conquista (a disposição dos
motoristas e passageiros é idêntica à da cena anterior). Todos descem.
O Motorista simpatizante se despede e entra no Fusca.
Os quatro entram na Kombi. Lamarca (que está fumando) e Iara vão atrás, Silvio e Kid na frente.
SEQ 87
RUA DE TERRA/EXT/ FIM DE TARDE
O Fusca e a Kombi partem em direção à estrada, mas entram em sentidos opostos.
SEQ 88
60
JEQUIÉ/ INT/EXT/NOITE
De dentro da Kombi que corre a estrada vemos uma placa indicando a direção de Jequié. No rádio
ouvimos notícias sobre política.
SEQ 89
HOTEL DE JEQUIÉ/ EXT/NOITE
Close da fachada do Hotel Palace. Iara, Lamarca, Silvio e Kid, visivelmente cansados, caminham
com poucas bagagens em direção a um pequeno hotel azul. O local é simpático.
SEQ 90
QUARTO DE HOTEL/INT/MANHÃ CEDO
Os primeiros raios de sol atravessam a cortina.
Iara e Lamarca estão deitados nus em uma cama de casal. Eles estão acordados. Os dois estão
felizes.
Lamarca e Iara estão em posições invertidas, se olhando. Ela está virada de bruços, mas troca de
posição e se deita de barriga pra cima.
Ele beija a barriga de Iara e continua beijando o seu corpo inteiro, até chegar na boca (tudo muito
carinhoso e apaixonado).
Eles se beijam longamente.
Lamarca passa a mão no colo de Iara. Super detalhe dos dedos de Lamarca na pele branca de Iara.
A voz de Lamarca fica onipresente: todos os outros sons somem.
LAMARCA
Adoro estas pintinhas... E estas (passa os dedos no
ombro dela)... E estas (aponta para o nariz dela)!
Iara ri. Ele faz um carinho na barriga dela.
Ele olha demoradamente nos olhos dela.
Iara faz um carinho no rosto dele. (Super detalhe das mãos dela)
Os dois se beijam e começam a se acariciar. A câmera fica sempre próxima, com movimentos
61
suaves, SOM amplificado, dando a impressão que estamos dentro da cena.
SEQ 91
RUA PRÓXIMA A RODOVIÁRIA/ EXT/MANHÃ CEDO
A Kombi estaciona próximo à rodoviária de Vitória da Conquista.
SEQ 92
A-RODOVIÁRIA/INT/EXT /MANHÃ CEDO
Dentro da rodoviária, Kid caminha conversando ao lado de Silvio, que segura uma pequena mala.
Um pouco mais adiante, Iara e Lamarca. Ele caminha segurando as bagagens dela com uma mão e a
abraçando pelo outro lado.
Os dois param quase na frente de uma plataforma. Kid e Silvio ficam esperando a certa distância.
Vemos o movimento de passageiros subindo em um ônibus. Um funcionário controla as passagens.
IARA
Tchau, meu amor.
LAMARCA
A gente se encontra logo. (fala baixinho) Vou ter você
na cabeça e no corpo.
Eles se abraçam e se beijam rapidamente.
Lamarca lhe entrega as malas.
Iara faz um gesto simpático para Kid.
IARA
Até mais!
Kid responde com um aceno carinhoso.
Silvio se aproxima.
Iara e Silvio começam a subir as escadas do ônibus.
Iara dá uma olhada carinhosa para Lamarca, que acena sorrindo.
62
Ela entrega sua passagem para o funcionário, que confere rapidamente e a libera. Silvio faz o
mesmo.
A-ONIBUS/INT/DIA
Iara começa a procurar o seu lugar, Silvio está logo atrás.
Close do rosto tenso de Iara conferindo o número do acento.
Close do número 54 do acento.
SOM fica distante. Silêncio.
SEQ 93
JANELA DE HOTEL EM SALVADOR/ EXT/DIA AMANHECENDO
Subjetiva de Iara: O dia amanhece através do vidro embaçado da janela de um quarto de hotel em
Salvador.
SEQ 94
QUARTO DE HOTEL NO CENTRO DE SALVADOR /INT /DIA
Em um pequeno quarto de hotel em Salvador, Silvio dorme em uma cama de solteiro. A uma
distância de aproximadamente dois metros, vemos a cama desarrumada de Iara.
Ela, de banho tomado, olha o dia amanhecer através do vidro da janela. Está deprimida, pensa em
Lamarca.
Olha o movimento dos barcos no porto.
SEQ 95
LARGO DOIS DE JULHO EM SALVADOR/ EXT/ DIA
Iara e Silvio esperam em frente ao Cine Capri. Kid, de óculos escuros, chega para encontrá-los.
IARA
Oi, tudo bem?
63
KID
Tudo.
Iara sorri aliviada.
IARA
Que bom!
SEQ 96
RESTAURANTE APOLO DE SALVADOR/ INT/DIA
Iara, Kid e Silvio estão sentados em uma mesa do restaurante Apolo, lugar freqüentado por
comerciários de melhor renda.
O restaurante está cheio. Enquanto olham o cardápio, Kid divide uma cerveja com Sílvio e Iara
toma um suco de laranja.
Ela observa uma mesa de canto, com quatro policiais federais a paisana. Fica desconfiada com os
tipos, mas continua tranquila. Silvio também nota a presença dos federais.
Kid, que já havia visto os policiais, percebe a troca rápida de olhares.
IARA
Salvador está linda! (olhando discretamente para os
policiais) O calor é que é duro!
KID
Aqui isso é normal!
Ela não se convence totalmente.
O GARÇOM se aproxima.
GARÇOM
Já escolheram?
IARA
(simpática) Uma moqueca para três!
64
O garçom começa a anotar.
SEQ 97
ESTRADA DE SALVADOR –FEIRA DE SANTANA/ INT/ENT/DIA
A Kombi corre a estrada. Kid dirige, Silvio vai sentado na frente e Iara no banco traseiro. Subjetiva
de Iara: a estrada passa, imagens de algumas casinhas simples, de um camponês andando de
bicicleta e da vegetação árida.
Enquanto vemos estas cenas, ouvimos o OFF do diário de Lamarca (real), escrito para Iara
enquanto ele estava no sertão:
OFF LAMARCA
Não pretendo fazer um diário- mas sinto a necessidade
diária de te falar. Resolvi escrever e eis-me: a mesa
uma pedra, a cadeira, o chão, a cuca aí contigo e aqui
também.(pausa) Te respeito muito e sou feliz por ser o
teu amor, sinto saudades de tudo e me alimento das
lembranças. Penso adoidadamente em ti- é
impressionante- nunca pensei amar tanto. Fico
imaginando e me delicio com a tua lembrança, toda
viva, junto a mim. Pra falar mais só entrando pela
cafonice.
SEQ 98
FEIRA DE SANTANA/ EXT/DIA
A Kombi estaciona em Feira de Santana próxima à rodoviária. Iara e Kid descem.
Fora do carro Iara e Kid se despedem.
IARA
Boa viagem!
KID
Tchau!
Silvio sorri e segue viagem.
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Os dois caminham em direção à rodoviária.
KID
Agora a gente volta para Salvador (pausa). Ninguém
pode saber o nosso destino, nem o Silvio!
IARA
De ônibus?
KID
É bom a gente se apressar para não perder o horário!
SEQ 99
APARELHO DE KID EM SALVADOR/ INT/TARDE
Na sala de uma pequena casa, Iara, Kid, FIO (João Salgado) e LAERTE (César Benjamim), um
garoto magro de 17 anos, com cara de criança e olhar muito inteligente, discutem. Por motivos de
segurança, Laerte, Iara e Fio estão sentados em cadeiras viradas para a parede. Kid é o único que
pode ver todos.
FIO
Cirilo acha que é imprudente sua ida a curto prazo. Eu
também. Seu deslocamento para o Sertão é muito
perigoso, tanto para você, quanto para ele. Fora que as
condições de acomodação são péssimas, péssimas
mesmo! .
IARA
Eu sei. E existe alguma previsão?
FIO
Vamos esperar mais um pouco. Achamos que você
deve voltar para Feira de Santana e ficar na casa de
Felix, um operário veterano do PC. Você pode
perfeitamente passar por filha dele.
66
A câmera vai se afastando do rosto de Iara, que está voltado para a parede. Enquanto ela fala, a
câmera faz um movimento circular e enquadra os outros 3.
IARA
(calma ) Tudo bem. Acho que agora a gente deve
seguir com a reunião de conjuntura política. Se der
tempo também gostaria de discutir a questão exposta
no nosso último documento, sobre a ação armada pela
ação armada. O que está em jogo aí é a idéia da luta
armada ser algo auxiliar, episódico, e não central.
SEQ 100
CASA DE FÉLIX EM FEIRA DE SANTANA/ INT/ DIA
Iara e faz anotações em uma pequena mesa em um pátio interno da casa. Ao fundo, através de
uma grande porta, vemos a ESPOSA de Félix, de 45 anos, loira e de pele clara, varrendo o interior
da casa. Ouvimos o OFF de Iara.
OFF IARA
Meu amor. as coisas não andam muito bem aqui na
casa do Felix. Ele vive me olhando feio, não quer
saber de papo. Já fiz mil coisas para tentar mudar o
clima, mas nada funciona. Acho que na cabeça dele
não passo de uma mulherzinha bem tratada demais
para fazer a revolução. Estou me sentindo triste,
isolada... Mas fico na minha e procuro não pensar
nisso... Ontem terminei de escrever o segundo
documento sobre as condições subjetivas dentro da
vanguarda. Fora isso, estudo, estudo, estudo....
Um gato anda no muro estreito do quintal.
Iara dá uma olhada, mas não para de escrever.
OFF IARA
Queria que vocês fizessem outra avaliação sobre as
possibilidades da minha ida para a área. Além de
contribuir com a educação política dos militantes,
posso trabalhar como enfermeira. Não me importo que
as condições ainda sejam precárias! (indignada) Aqui
sou totalmente inútil.
67
FÈLIX, um senhor de cinquenta e poucos anos, um pouco acima do peso e com barba por fazer, se
aproxima do pátio, observa Iara com seriedade por alguns instantes e sai.
Ela não percebe a presença dele.
O gato pula para o pátio.
OFF IARA
Outro ponto, é que já encontramos um ginecologista.
Fio me falou de um ótimo médico simpatizante na
Serrinha. Se tudo der certo ele vai acertar o dinheiro e
minha viagem. Outro dia sonhei com o nosso Mini, é
como você disse: “enquanto existirmos, ele existirá
nas nossas cucas”. Saudade infinita.
Ela tosse e sente um pouco de dificuldade de respirar por causa da asma.
SEQ 101
CONSULTÓRIO MÉDICO (SERRINHA/BA) / INT / DIA
Na sala de consultas, O médico HAMILTON SAFIRA conversa em e de portas fechadas com
LÚCIO, um militante do MR-8. Lúcio tira da carteira uma nota cortada ao meio.
LÚCIO
Daqui a alguns dias vai aparecer uma mulher com a
outra metade dessa nota. É ela que o doutor deve
atender.
Lúcio entrega a metade da nota para Hamílton. Ele caminha até sua mesa e abre uma gaveta.
HAMILTON
(guardando a meia nota dentro de um caderno) Pode
deixar!
SEQ 102
CONSULTÓRIO MÉDICO (SERRINHA/BA) / INT / DIA
Vemos as mãos de Iara pegarem uma blusa que está pendurada em um biombo.
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Ela coloca rapidamente a blusa e sai caminhando em direção à mesa de Hamílton, que es
sentado fazendo algumas anotações enquanto espera.
IARA
(simpática) Pronto.
Ela puxa uma cadeira e senta-se em frente ao médico.
HAMÍLTON
Olha, como você não pode, por razões óbvias, fazer os
exames laboratoriais, fica difícil te dar uma avaliação
precisa... Mas levando em consideração tudo o que a
gente conversou sobre as fortes dores , as alterações
no ciclo, e a sua dificuldade para engravidar; é
provável que você tenha algum tipo de desequilíbrio
hormonal.
Iara escuta séria.
IARA
E qual é o tratamento?
HAMILTON
O que a gente pode fazer é tentar uma terapia de
reposição hormonal. O grau de solução de problema
varia muito de paciente para paciente. Mas por
enquanto, só quero que você anote, todos os dias, a
sua temperatura basal.
Iara balança a cabeça concordando.
SEQ 103
PRAÇA EM SALVADOR/EXT/DIA
Em uma movimentada praça Kid e CAL,um homem de 25 anos, alto, magro, moreno e de bigodes,
também militante do MR-8, conversam embaixo de um árvore.
KID
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É pouca coisa mesmo. Algumas cadeiras, um fogão
pequeno e uma mesinha.
CAL
Tudo bem.
KID
Então vou combinar com o motorista para amanhã às
nove. Eu carrego os móveis, te encontro no meio do
caminho, caio fora e vocês seguem sozinhos.
Cal consente com a cabeça.
KID
Mas é certeza que você vai sair desse aparelho logo?
CAL
É!
Kid sorri simpático.
KID
Então tá. Vamos só marcar o ponto.
SEQ 104
AVENIDA SETE, TRECHO PRÓXIMO IGREJA DO ROSÁRIO/ EXT/ DIA
Kid e Laerte caminham pela Avenida 7 de Setembro, no centro de Salvador. O lugar está bastante
movimentado e barulhento: camelôs, carros e pessoas circulam.
De repente, eles são abordados por policiais a paisana.
Quatro partem para cima de Kid, que corre em direção a um muro, enquanto dois partem para cima
de Laerte.
Ele cai no chão lutando com um deles, o outro fica de pé dando cobertura.
A pasta de Laerte que estava com a arma cai, ele luta e pega a arma do policial que está sobre ele,
com um coldre amarrado à cintura.
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O policial se assusta ao perceber que Laerte pegou sua arma e, imediatamente, levanta-se num
pulo.
Laerte imediatamente aponta a arma de baixo para cima para o outro policial, que está atento
olhando a luta com Kid.
O policial sem arma grita e alerta o colega. Ao se dar conta da sua situação, ele também se assusta.
Laerte levanta mancando e retrocede pela avenida atirando, os policias também atiram nele
Ninguém acerta ninguém e Laerte recua até a esquina descarregando todo o pente de balas. Ainda
troca um olhar cúmplice com Kid, que já está preso, e desce correndo uma rua transversal, saindo
da linha de tiro dos policiais.
SEQ 105
QUARTO DE PENSÃO EM FEIRA DE SANTANA/ INT/NOITE
Em um quarto de uma pensão simples, sem janela, Fio está sentado na cama preocupado. Vemos
dois revólveres em cima da mesa de cabeceira.
Ele toma água e olha para o relógio demoradamente.
Fica pensativo. Levanta-se e anda pelo quarto preocupado.
SEQ 106
QUARTO DA PENSÃO EM FEIRA DE SANTANA/ INT/ MADRUGADA
Fio dorme, mas de repente acorda assustado às 5 da madrugada ouvindo uma intensa movimentação
próxima à portaria. Pega um revólver e encosta o ouvido na porta.
Espia através do buraco de uma fechadura antiga, feita para chaves grandes. Ele está de calça e sem
camisa.
FIO
Puta que o pario! O Kid caiu!
Visão subjetiva de Fio através do buraco da fechadura: do quarto vemos a sala de recepção, que é
ao mesmo tempo a sala em que se serve o café. Vemos uma discussão entre cinco policiais a
paisana e o dono da pensão.
POLICIAL
Em vinte minutos o meu pessoal revista todos os
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quartos e vai embora.
O dono da pensão está nervoso e fala alto:
DONO DA PENSÃO
O senhor não está entendendo! Só quem fica aqui é
cliente antigo, gente que precisa descansar para
trabalhar. Não posso acabar com o sossego deles, não.
De jeito nenhum!
POLICIAL
É coisa muito rápida!
Fio sai da fechadura. Rapidamente coloca a camisa e os sapatos, guarda uma arma na cintura e
guarda a outra em uma sacola. Checa se a carteira está no bolso da calça e põe a sacola com a arma
embaixo do braço. Mais uma vez ele espia e abre a porta do quarto.
SEQ 107
PORTARIA DA PENSÃO/EXT/DIA AMANHECENDO
Fio passa rapidamente pelos policiais que ainda discutem efusivamente com o dono. Ele faz um
gesto discreto para cumprimentá-los. Os policiais o ignoram e continuam discutindo, mas não
ouvimos o que dizem, apenas escutamos o burburinho. Quando Fio passa, eles nem imaginam que
acabaram de perder um “peixe grande”.
SEQ 108
RUA DA PENSÃO/EXT/DIA AMANHECENDO
Fio sai da pensão. Do outro lado da rua tem uma espécie de terreno baldio com uma C-14
estacionada. Um policial a paisana está encostado conversando com outro dentro da perua.. Ele
uma olhada para Fio, mas continua a falar.
SEQ 109
RUA PRÓXIMA A PENSÃO/EXT/AMANHECENDO
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Fio anda rápido pela rua e pára o primeiro táxi que passa. Ele entra e o carro parte.
SEQ 110
TAXI/INT/EXT/ AMANHECENDO
Do banco de trás, Fio coloca a mão no ombro do motorista:
FIO
Toca pro Paraguassú!
Ele mal pode acreditar que conseguiu escapar. Olha pela janela aliviado.
SEQ 111
BANCO DE PONTO DE ÔNIBUS EM FEIRA DE SANTANA/ EXT/DIA
Iara sentada em um banco próximo a um ponto de ônibus: algumas pessoas esperam a condução,
uma vendedora oferece doces, dois carros passam.
Iara (de óculos escuros e uma bolsa) espera sentada.
Vemos que ela está tensa, observando atenta alguns ônibus que param no ponto, enquanto entra um
OFF do Diário de Lamarca.
OFF LAMARCA
Uma coisa é absoluta, certa, inexorável - você é minha
mulher - isso é o que de mais lindo me aconteceu na
vida. Não sei explicar toda essa imensa necessidade-o
importante é que existe. Sei que a presença é
necessária, que lutaremos pela oportunidade de
estarmos juntos, mas enquanto separados pelo tempo
que for, e em qualquer situação - você é minha mulher-
só você, sempre.
Um ônibus escrito SERRINHA pára no ponto. Enquanto Iara sobe, continuamos ouvindo o OFF.
OFF LAMARCA
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Se é antidialético crer no absoluto, no amor, eis-me
nesse caso um antidialético ferrenho. Saudades
imensas, muito amor teu só teu.
SEQ 112
A- PONTO DE ÕNIBUS EM SERRINHA/EXT/DIA
Três pessoas descem do ônibus, Iara vem atrás.
Hamilton a espera próximo.
Ela percebe e caminha até ele. Iara continua tensa.
IARA
Oi.
HAMÍLTON
Olá. O almoço já está quase pronto!
Iara sorri. Discretos eles começam a caminhar em direção à casa de Hamilton, que fica a três
quadras de distância.
IARA
Não tenho certeza, mas acho que meus contatos em
Feira caíram!
HAMÍLTON
A situação está crítica. Uma conhecida da minha
família, que é ligada aos militares, ouviu dizer e
contou para minha mulher, que um peixe grande caiu,
e que vem muito mais coisa pela frente.
Iara escuta Hamilton.
HAMILTON
(pausa) Eu posso te levar para milagres e de lá você
toma um ônibus para São Paulo ou qualquer outra
cidade grande. Nas cidades grandes é mais fácil se
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misturar no meio da multidão! Você inventa uma boa
fachada... muda a cor do cabelo... (pensa) Outra
possibilidade é você dar um tempo na fazenda de um
amigo meu, que te receberia muito bem.
IARA
É arriscado... mas vou ficar! Eu sei que você não
acredita na luta armada... (sorri com ironia) quer dizer:
não acredita, mas, continua colaborando. É uma forma
estranha de descrença!
HAMÍLTON
Não posso deixar de ajudar, é diferente... Vou tentar
descobrir alguma coisa. Mas sou contra que você
continue aqui, que fique claro!
IARA
No final as coisas acabam dando certo!
Os dois continuam caminhando.
SEQ 113
QUINTAL DA CASA DE FELIX/ INT/ NOITE.
Iara e Laerte chegam caminhando no quintal. Tudo está escuro e silencioso. Uma fraca luz de
parede e a lua iluminam o lugar.
LAERTE
(pensativo) Tenho uma notícia que não é nada boa: o
Kid caiu em Salvador.
Iara fica muito assustada.
IARA
O Kid?(pensativa) Bem que eu imaginei...
LAERTE
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Por sorte consegui escapar..No meio de um tiroteio,
em plena Avenida Sete!
IARA
O Cirilo precisa saber disso imediatamente! Ele está
correndo um risco absurdo!
LAERTE
Eu sei. Ele vai ser avisado e deve sair da área
comprometida!
IARA
(desconfiada) Espero que sim!
LAERTE
E você vai comigo para Salvador. É perigoso demais
continuar na casa do Félix!A gente vai ficar em um
aparelho que ninguém da organização sabe o endereço,
só eu... risco zero. Quem mora lá é um casal de
militantes com vida legal.
Iara olha tensa para o lado.
SEQ 114
RUA EM SALVADOR/ EXT/ DIA
Em uma rua movimentada, Iara termina de beber uma água de coco, em uma barraca de acarajé. Ela
está acompanhada de Laerte.
NILDA (Nilda Cunha), uma bonita e simpática militante baiana, de 17 anos, se aproxima. Ela tem
os cabelos repicados, curtos e usa um óculos preto de grau.
NILDA
(meiga) Liana?
IARA
Oi.
76
NILDA
Eu vim te buscar!
Iara sorri.
SEQ 115
A- RUA DE SALVADOR /EXT/DIA
Iara e Nilda caminham por uma rua.
Chamam um táxi.
B- RUA DE SALVADOR/EXT/DIA
Iara e Nilda descem do táxi. Andam pela rua.
C- RUA DE SALVADOR/ EXT/DIA
Elas entram em uma rua e tomam outro táxi.
D- TAXI/INT/DIA
Iara e Nilda estão no banco de passageiro de um terceiro táxi. Nilda indica:
NILDA
O senhor pode estacionar aqui.
Nilda olha pelo taxímetro para ver quanto é. Abre a carteira e retira o dinheiro.
IARA
Deixa que eu pago!
NILDA
Não precisa. (dando o dinheiro para o taxista)
Obrigada. Pode ficar com o troco.
As duas descem do táxi.
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SEQ 116
BAIRRO DA PITUBA, RUA MINAS GERAIS/ EXT/DIA
Vemos uma placa escrito Rua Minas Gerais.
Iara e Nilda caminham pela rua. Andam em direção a um pequeno prédio.
Close da fachada do prédio: Edifício Santa Terezinha.
SEQ 117
PRÉDIO DA PITUBA/ INT/DIA
Iara e Nilda terminam de subir uma escada.
Vemos o número 201.
Nilda pega uma chave.
NILDA
(abrindo a porta) Você vai conhecer a minha irmã,
Lúcia, muito gente boa, você vai ver!
Iara sorri.
SEQ 118
SALA DO APARTAMENTO DA PITUBA/INT/DIA
Elas entram na sala de um apartamento de classe média, com poucos móveis.
Lúcia está sentada no sofá segurando um bebê recém nascido. Ela é bonita, morena e está de
cabelos soltos. Levanta-se e vai simpática até elas.
NILDA
Essa é a Lúcia, minha irmã. E essa é a Liana.
LÚCIA
Olá, como vai? Entrem.
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IARA
Tudo bem. (olhando para o bebe). Ele é lindo!
Diz baixinho para ele:
IARA
Oi! Tudo bom?
SEQ 119
COZINHA/INT/DIA
Iara e Nilda entram na cozinha. Ouvimos o choro do bebê que vem do quarto. BENEDITA, a
empregada, uma mulher de trinta e cinco anos, magra, baixa e morena clara, está cozinhando.
NILDA
Benedita, quero te apresentar a Liana. Ela vai passar
uns dias aqui com a gente.
IARA
Como vai?
BENEDITA
(tímida) Bem.
Iara sorri cumprimentando.
IARA
O cheiro da comida tá ótimo! Morro de inveja de quem
sabe cozinhar direito!
Benedita fica sem jeito.
NILDA
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Benedita é fera na cozinha! Vem, vou te mostrar seu
quarto!
SEQ 120
ÁREA DE SERVIÇO/ EXT/DIA
Iara e Nilda chegam na área de serviço, que fica ao ar livre. O local, do lado oposto da portaria, fica
em frente a um terreno baldio, que vai até a praia da Pituba.
Iara olha o terreno e coqueiros ao fundo.
As duas vão até a porta do quartinho.
De fora, vemos um quarto de empregada, com um basculante.
NILDA
Cal fica aqui. É mais seguro, tem o terreno perto!
(sorrindo) Ele é meu namorado.
Iara sorri cúmplice.
NILDA
Quando Laerte chegar pode ficar aqui também. Vem,
vou mostrar o quarto que você vai ficar com Benedita.
Close no rosto de Nilda.
SEQ 121
QUARTO/INT/MANHÃ
Iara desperta na cama com o sol que entra através da janela.
O colchão de Benedita já está arrumado no chão.
Iara se espreguiça, fica pensativa na cama.
SEQ 122
COZINHA/INT/MANHÃ
Iara entra na cozinha de banho tomado.
80
Lúcia e Nilda tomam café da manhã.
Benedita passa um café. O bebê dorme em um carrinho.
IARA
Bom dia.
LÚCIA
(simpática) Olá.
CAL
Bom dia
NILDA
(levantando-se para pegar uma cadeira) Dormiu bem?
IARA
Ontem eu desmaiei, tava muito cansada! Oi Benedita!
BENEDITA
(neutra) Oi.
NILDA
Senta pra tomar café.
Iara uma olhada no bebê e se senta. Cal levanta-se para sair e um rápido beijo na boca de
Nilda.
CAL
Preciso ir. Tchau para vocês.
Iara e Lúcia falam juntas:
IARA
Tchau.
LÚCIA
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Até!
Enquanto ele sai, Benedita coloca o café sobre a mesa. Iara pega a jarra de leite.
Close da xícara com o leite quente sendo servido.
A fumaça embaça a tela.
SEQ 123
A- SALA DO APARTAMENTO/ INT/ MEIO DA TARDE
Iara lê jornal. Está inquieta, angustiada.
Levanta-se, dá uma espiada pela janela.
Não vê nada de mais na rua.
Volta para o sofá e abre novamente o jornal. A campainha toca.
Iara levanta-se rápido do sofá e vai em direção ao quarto.
Benedita aparece para abrir a porta. Lúcia vem na sequência com o bebê no colo.
LUCIA
Pode deixar que eu abro!
Benedita volta para a cozinha.
Lúcia espia pelo olho mágico.
B- CORREDOR DO PRÉDIO/INT/MEIO DA TARDE
Vemos Laerte através do olho mágico segurando uma pequena bolsa de roupas.
C-APARTAMENTO/INT/MEIO DA TARDE
Lúcia abre a porta simpática.
LAERTE
Olá, A Nilda tá em casa?
82
Laerte olha com carinho para o bebê.
LÚCIA
Entre. Ela me avisou que você vinha.
Ele entra. Lúcia fala alto enquanto tranca a porta.
LUCIA
Liana, venha ver quem chegou!!
Iara aparece na sala. Ao ver Laerte fica contente e corre para abraçá-lo.
IARA
(aliviada por reencontrar o amigo) Que bom que você
veio!
Ele sorri.
SEQ 124
COZINHA/SALA/DIA
Da cozinha, Benedita espia Iara lendo Carta a Um Refém, de Antoine de Saint- Exupéry, sentada
na cadeira de balanço.
Ela passa rapidamente, vai até o quarto e começa a vasculhar as coisas de Iara.
Abre sua sacola de roupas, depois pega a bolsa.
Rápida, vira a bolsa no colchão. Fica apavorada quando vê dois revólveres.
Guarda tudo de volta.
SEQ 125
QUARTO DO APARTAMENTO/ INT/MADRUGADA
Quarto escuro.
Iara e Benedita dormem. Iara está em uma cama de solteiro e Benedita em um colchão.
O sono de Benedita é agitado. De repente, ela se senta na cama ainda dormindo e começa a gritar
alto.
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BENEDITA
Tira essa mulher, tira essa mulher! Ela não presta!
IARA
Benedita? Que foi?
BENEDITA
Não presta!
Nilda, que acaba de despertar, aparece assustada de camisola na porta do quarto.
NILDA
Que houve?
IARA
(andando em direção a Nilda) Ela teve um pesadelo!
Benedita desperta nervosa.
BENEDITA
Foi nada não...
SEQ 126
COZINHA DO APARTAMENTO/INT/MADRUGADA
Close de uma xícara de chá sendo servida.
Iara e Nilda estão de camisola na cozinha tomando um chá.
NILDA
Acho melhor deixar Benedita dormindo na sala.
IARA
Não. Não quero atrapalhar a rotina da casa! Isso não é
legal prá ninguém. Eu durmo numa boa com o Laerte
no quartinho. Até prefiro. E Cal passa para dentro.
84
NILDA
É?
IARA
É!!
NILDA
Será que ela viu as armas?
IARA
Óbvio!
Iara dá um gole de chá.
SEQ 127
SALA DO APARTAMENTO/INT/NOITE
Iara está no sofá lendo o livro A Guerrilha vista por Dentro, de Wilfred Burchett. Ela está um
pouco abatida. Ao seu lado, o bebê dorme no carrinho. Laerte entra na sala.
LAERTE
Tô indo lá. (despede-se com um beijo no rosto)
IARA
Se cuida!
Ele olha nos olhos de Iara e balança a cabeça consentindo.
LAERTE
Volto logo mais.
IARA
Tchau.
Ele sai pela porta da frente.
85
Iara olha para o bebê e volta a ler.
Logo Lúcia chega de banho tomado:
LÚCIA
Deu muito trabalho?
IARA
Nada! Só dormiu.
Iara faz um carinho na mão do bebê.
IARA
Ele tem uma mão tão pequena...
A campainha toca. Iara se levanta assustada pega o livro e sai rapidamente da sala.
SEQ 128
SALA DO APARTAMENTO/INT NOITE
Lúcia abre a porta. Vemos CANTÍDEO, o namorado de Lúcia, de terno e gravata, com uma pasta
na mão. Lúcia lhe beija.
LÚCIA
Vai ficar aí fora?
SEQ 129
PORTA DO QUARTINHO/EXT/ NOITE
Lúcia bate na porta do quarto de Iara.
LUCIA
Liana? Pode vir. É Cantídeo, meu namorado que
chegou de viagem!
86
SEQ 130
QUARTINHO/INT/NOITE
Iara escuta segurando uma arma. Ela guarda o revólver dentro da bolsa e destranca a porta.
LÚCIA
Não precisa se preocupar. Vem, quero te apresentar!
IARA
Já vou!
SEQ 131
APARTAMENTO/INT/DIA
Iara está sozinha no apartamento. Caminha pensativa pelo corredor. Seu rosto está ainda mais
abatido, com fortes olheiras.
Ela entra no banheiro interno e vai até uma pequena janela, que tem uma vista para a praia da
Pituba.
Subjetiva de Iara: ela observa o movimento da praia:
Banhistas, vendedores ambulantes, crianças jogando futebol.
Um casal de namorados toma sol.
Close dos olhos tristes de Iara.
SEQ 132
QUARTEL DA POLÍCIA DO EXÉRCITO DE SALVADOR/INT/NOITE
Vemos a fachada do quartel com um pequeno movimento de viaturas saindo e policiais entrando.
Dois tiras conversam fumando. O coronel LUIZ ARTHUR DE CARVALHO está de saída e passa
por eles. Eles o cumprimentam com respeito e medo.
SEQ 133
SALA DO QUARTEL DA PE/ INT/ NOITE
87
Em uma minúscula sala, Kid está sentado em uma cadeira.
Seu rosto está bastante machucado, com cortes e inchaços, sinais claros de tortura. Também vemos
queimaduras recentes nos braços e mãos. Sua boca ainda sangra um pouco.
Na sua frente está o major NÌLTON, um homem magro alto e grisalho. O major está acompanhado
de dois policiais e do CORONEL LIMA ARAÚJO, um sujeito forte e careca, que masca
compulsivamente um chiclete e usa uma aliança exageradamente grossa.
MAJOR NÍLTON
Meu saco já estourou faz tempo! Vou perguntar mais
uma vez: onde está João Salgado?
KID
Não sei. Nunca soube onde ele fica!
O major se aproxima e lhe dá um soco no rim.
MAJOR NÍLTON
Cadê o Fio, porra!
KID
(sentindo muita dor) Não sei. É verdade!
MAJOR NÍLTON
Você nunca sabe de nada, seu merda?
Kid fica calado. O major se aproxima, tira uma caneta Bic com bocal do bolso e a espeta, como um
punhal, várias vezes no pescoço de Kid.
Kid geme de dor.
KID
Ele já deve saber que fui preso e não está mais no
estado!
O major caminha irritado durante alguns segundos. Depois vai até Kid e outro tapa no mesmo
lugar.
88
MAJOR NÍLTON
E Jaileno Sampaio, o “Rocha” ou “Cal”, namorado de
Nilda Cunha (com ironia) a Adriana? Cadê?
KID
(olhando para a aliança do coronel Lima) Eu não sei
onde ele está agora. Já disse.(encara o major) É
verdade! A última coisa que sei é que quando eu ia me
mudar de Caixa D’água, eu ofereci meus móveis e ele
aceitou. Mas eu não sei para onde foram! Uma
caminhonete fez a mudança. Eu aluguei no Largo de
São Miguel, na Cidade Alta!
O coronel Lima fala pela primeira vez.
MAJOR LIMA
Se você estiver blefando de novo a gente te mata.
KID
Tratei com um motorista que eu não me lembro o
nome. Carregamos a caminhonete na minha casa,
pegamos Cal no meio do caminho e lá mesmo eu
saltei. O motorista foi com ele até o lugar. Só ele sabia
do endereço. Eu não estou mentindo! Mas acho que o
lugar já foi desativado; ele também iria se mudar logo.
Foi isso o que ele me disse.
MAJOR NÍLTON
Odair, chama o Osmar, vamos mandar o pessoal ir
atrás desse motorista!
O policial Odair sai da sala.
Close dos olhos do major. (parece que ele está sob o efeito de alguma droga excitante)
MAJOR NÍLTON
Vamos ver se o filha da puta do Salgado também não
vem junto, na bandeja!
SEQ 134
89
SALA DO APARATAMENTO DA PITUBA/INT/INÍCIO DA NOITE
Iara está sentada sozinha no sofá da sala escrevendo um texto. Pára de escrever quando escuta o
barulho das chaves abrindo a porta.
Nilda entra séria, de lenço na cabeça e outro óculos de grau.
IARA
Tava te esperando.
NILDA
Furaram o meu ponto.
IARA
(pensativa) Quanto tempo você esperou?
NILDA
Meia hora a mais. Vou avisar o Laerte!
Iara consente com a cabeça.
Elas se entreolham sérias.
SEQ 135
BANHEIRO DE EMPREGADA DA PITUBA/INT/NOITE
Laerte termina de lavar o rosto. Enxuga-se com uma toalha e dá uma rápida olhada no espelho.
SEQ 136
QUARTINHO DE EMPREGADA NA PITUBA/INT/NOITE
Laerte entra no quartinho. Iara está encostada na cama de solteiro, com um livro aberto sobre as
pernas. Assim que ele entra, ela diz:
IARA
Acho sim que você deve ir para o Rio avisar o
comando sobre o Kid. A gente não tem garantia
90
nenhuma que Fio alertou a área! E se ele caiu antes?
LAERTE
Provavelmente eu já saberia!
IARA
Isso é uma coisa que está me deixando muito
angustiada... A gente precisa ter certeza que Lamarca
sabe! É loucura a gente ficar sem saber o que vai ser
decidido!
LAERTE
Também acho! Não tenho a menor dúvida que tenho
que ir para o Rio! Amanhã termino de desarticular os
pontos do Kid e viajo na sequência.
IARA
É isso!.(sorri carinhosa para Laerte). Mas você é peixe
grande, precisa ser super cuidadoso nessa viagem...
Seu grau de queimação em Salvador é alto!
LAERTE
(sério) É!
SEQ 137
BANHEIRO GRANDE DO APARTAMENTO DA PITUBA/INT/MANHÃ CEDO
Os raios de sol da manhã entram através da janela e batem suavemente em uma banheira de bebê.
Iara ajuda Lúcia a dar banho no recém nascido.
O bebê está calmo. Lúcia ensaboa sua barriga.
LÚCIA
Agora jogue água!
Iara, sorridente, joga água e passa a mão carinhosa para tirar a espuma. Ela repete o movimento
mais algumas vezes.
91
LÚCIA
Você leva jeito!
Iara sorri olha para a criança com admiração.
IARA
Ele é uma coisa!
SEQ 138
POLÍCIA FEDERAL/EXT/FINAL DA MAN
Em frente à Polícia Federal vemos duas caminhonetes de mudança estacionadas. Alguns sargentos
vigiam o pátio.
SEQ 139
SALA DO QUARTEL/INT FINAL DA MANHÃ
Kid está sentado em uma cadeira. Ainda apresenta os sinais de tortura, agora um pouco menos
visíveis. Ao seu lado estão o coronel Lima Araújo e cinco policiais.
Os dois motoristas das caminhonetes entram na sala acompanhados de dois sargentos.
CORONEL LIMA
Um do lado do outro!
Os motoristas se posicionam. Eles estão visivelmente assustados.
Kid os observa tenso.
CORONEL LIMA
(apontando para Kid) Algum dos dois já viu este
homem?
Um dos motoristas, um homem magro e de aparência humilde, o reconhece.
MOTORISTA
92
Conheço sim senhor! Eu fui buscar uns móveis na casa
dele.
Kid está tentando controlar o nervosismo.
CORONEL LIMA
E onde você deixou estes móveis?
MOTORISTA
Em um apartamento na Pituba.
CORONEL LIMA
Você lembra do endereço?
MOTORISTA
Lembro, sim senhor!
O coronel pergunta para Kid com ódio.
CORONEL LIMA
E então, é ele ou não é?
SEQ 140
QUARTINHO/INT/NOITE
Um abajur simples está aceso. Close de uma página do livro Sete Ensaios sobre Economia
Brasileira, de Antônio Bastos de Castro, grifada com lápis. Iara está sentada no colchão com o livro
no colo. Ela olha para as paredes do minúsculo quarto. Laerte dorme no colchão do chão. Iara tosse
sentindo a asma, forte sensação de claustrofobia.
FADE OUT.
SEQ 141
QUARTO DE LÚCIA /INT/MANHÃ
Benedita abre a porta que estava encostada do quarto de Lúcia. Vemos Lúcia amamentando o bebê.
93
BENEDITA
Dona Lúcia, um homem que disse que trabalha pro
dono do apartamento de baixo. Veio falar que tá tendo
um vazamento. Ele tá lá fora. Perguntou se pode dá
uma olhadinha.
Ela olha para a patroa. Lúcia fica pensativa.
LÚCIA
Vazamento? Pode ser...Vá, abra a porta.
SEQ 142
QUARTINHO DE EMPREGADA/INT/MANHÃ
Com uma arma na mão e de camisola Iara tenta escutar o que se passa na sala.
SEQ 143
A-SALA/INT/MANHÃ
Benedita caminha pela sala e abre a porta. ALCEU entra segurando uma mala de ferramentas.
ALCEU
Bom dia.
BENEDITA
Bom dia.
ALCEU
Onde fica a cozinha? (olhando em volta)
BENEDITA
Lá dentro. Venha.
B-COZINHA/INT/MANHÃ
94
Benedita e Alceu chegam na cozinha.
ALCEU
Pode deixar, vou dar uma olhada, qualquer coisa te
chamo.
BENEDITA
Tá certo.
Benedita sai. Alceu começa a trabalhar.
SEQ 144
A-COZINHA/INT/MANHÃ
Uma hora mais tarde(câmera em registro), Alceu está mexendo embaixo da pia. A luz e a posição
das ferramentas são diferentes das da cena anterior. De repente, pára, olha em volta, e entra
rapidamente no quarto de Cal e Nilda, que fica quase em frente.
B-QUARTO DE CAL/INT/MANHÃ
Alceu entra no quarto. Olha tudo rapidamente.
Vê em um porta retratos uma foto de Nilda e Cal.
Vai até a cama e começa a vasculhar dentro de uma pequena sacola. Encontra um maço de dinheiro
e um pouco mais abaixo, um revólver.
SEQ 145
COZINHA/INT/ FINAL DA MANHÃ
Benedita está arrumando louças na pia escutando rádio, quando Iara entra.
IARA
Oi Benedita.
BENEDITA
95
(seca) Oi.
Iara vai até a mesa , serve-se de café e pergunta com naturalidade.
IARA
Quem tocou a campainha logo cedo?
BENEDITA
O dono do apartamento de baixo, disse que tinha um
vazamento.
IARA
E tinha?
BENEDITA
Sei não... ele conversou com dona Lúcia.
SEQ 146
QUARTINHO DOS FUNDOS/INT/FINAL DA TARDE
Laerte está no quartinho terminando de guardar todas suas coisas na sacola. Iara chega.
IARA
Posso entrar?
LAERTE
Entra!
Ela entra e fecha a porta.
IARA
De manhã o proprietário do apartamento de baixo
mandou um encanador dizendo que tinha um
vazamento. Fiquei encucadíssima! Lúcia acha que era
verdade... Mas sei lá... pode ser... pode não ser...
LAERTE
A princípio tudo é. Mas acho difícil...Ele te viu?
96
IARA
Não!
LAERTE
Iara, a única pessoa que pode por em risco este
aparelho sou eu, mais ninguém!
IARA
(pensativa) Que horas você vai para o Rio?
LAERTE
Agora.
IARA
Já?
LAERTE
Já.
Ela vai até ele e lhe dá um forte abraço. Os dois se emocionam.
IARA
Assim que puder, mande notícias.
LAERTE
Vou mandar.
SEQ 147
COZINHA/INT/NOITE
A água da chaleira ferve. Ouvimos a tosse de Iara. Vemos que ela está na cozinha com Nilda.
Iara pega a chaleira para servir as xícaras. Ela sente dificuldade para respirar.
Larga a chaleira na pia.
Nilda levanta-se e se aproxima.
NILDA
97
O que foi?
IARA
(com falta de ar) Crise de asma.
NILDA
Quer que eu chame o Cantídeo para a gente dar um
pulo na farmácia da esquina?
IARA
(sem ar) Quero.
Nilda sai em direção à sala.
NILDA
Cantídeo!
SEQ 148
RUA EM FRENTE AO PRÉDIO DA PITUBA/EXT/NOITE
Iara, Nilda e Cantídeo caminham em direção à farmácia de esquina. Iara usa um sobretudo escuro,
apesar do calor. Seus cabelos estão presos e ela continua respirando com dificuldade. Nilda segura o
seu braço carinhosa e preocupada.
Eles passam em frente a uma kombi que está sendo consertada por um homem deitado em baixo do
motor.
Cantídeo olha para o homem, que finge continuar o serviço. Iara também olha, mas está tomada
pela falta de ar.
Subjetiva do homem: ele os três quase que completamente de costas. Fica observando eles
se afastando.
SEQ 149
SALINHA DA FARMÁCIA/INT/NOITE
98
Close de uma agulha de injeção entrando no braço de Iara.
Vemos o farmacêutico aplicando o remédio.
Iara respira fundo. Está visivelmente abatida.
SEQ 150
SACADA DOS FUNDOS DO APARTAMENTO DA PITUBA/ EXT/ MADRUGADA
Da sacada próxima ao quartinho, Iara olha pensativa e deprimida.
Subjetiva de Iara: vemos um terreno baldio. Tudo está absolutamente deserto e calmo. Ouvimos
as ondas do mar quebrando ao longe, o barulho de alguns insetos e o latido de um cachorro. A
escuridão é quase total.
SEQ 151
QUARTINHO/ INT/ MADRUGADA (2:00 HORAS DA MANHÃ)
Lettering sobre imagem: 20 de agosto de 1971.
Iara desperta de madrugada.
Sente novamente dificuldade para respirar. Senta-se na cama.
Tosse. Respira fundo e volta a deitar.
Close de seu rosto no travesseiro.
FADE OUT.
SEQ 152
QUARTINHO/ INT /MADRUGADA ( 4:45 DA MANHÃ)
Iara dorme inquieta. Enquanto esta ação acontece, ouvimos o OFF de Lamarca, lendo um trecho
real do seu diário.
OFF LAMARCA
Aqui os companheiros te consideram muito como a
companheira que me deu condições políticas para
trabalhar- e acho que esta é a visão nacional e
internacional de você. Também no Chile e Cuba seu
nome foi lançado. Acho que - como representante da
mulher brasileira- escolheram bem. Não estou
99
estimulando a motivação, apenas relatando. (pausa)
Como tivemos discussão ontem só pude ler duas vezes
a tua carta, dormi com ela e amanheci lendo-a.
Iara levanta-se assustada com três fortes explosões.
Começa a vestir-se rapidamente. Pega as armas, coloca uma no bolso. Ouvimos burburinhos
distantes de pessoas falando e carros.
SEQ 153
SALA/ESCADAS/ INT/MAGRUGADA
Lúcia está na sala, de camisola e muito assustada, com o bebê enrolado em uma coberta. Grita:
LÚCIA
Nil, Nilda! O gás explodiu!!
Antes que ela termine de chamar, Nilda aparece ofegante, também de camisola.
Lúcia abre a porta rápida e se depara com TRÊS POLICIAIS próximos à escada, apontando
metralhadoras na direção da sala.
Um deles agarra Lúcia pelo braço, o outro segura Nilda.
Benedita vem do corredor em direção à porta.
SEQ 154
(A, B , C SÃO UM PLANO SEQUÊNCIA)
A- QUARTINHO DE EMPREGADA/INT/MADRUGADA
Iara, de manga comprida escura e calça preta, um revólver no bolso e outro na mão,
encosta o ouvido na porta. Depois fica de quatro e abre alguns milímetros a porta. Um holofote que
se move ilumina a parte de trás do edifício. O dia ainda está completamente escuro.
B- ÁREAS DE SERVIÇO DO DOS APARTAMENTOS 201 E 202/EXT/INT/MADRUGADA
Assim que a luz se desvia de sua direção ela anda de quatro para a sacada e, segurando-se na
parede, passa, em pouquíssimos segundos, para a área de serviço do apartamento vizinho.
100
Enquanto estas ações acontecem ouvimos o OFF de Lamarca:
OFF DE LAMARCA
Estejamos onde estivermos haverá sempre uma
realidade a transformar, agora e sempre. Criar
condições para isso é a nossa tarefa de revolucionários.
O nosso amor também é uma realidade que veio para
ser transformada - hoje atinge um nível nunca por
mim sonhado, mas vamos continuar transformando.
C- AREA EXT DO 202 E BANHEIRO DEEMPREGADA/EXT/INT/MADRUGADA
Iara pula na área e entra rapidamente no quarto de empregada, que funciona como um depósito. Ela
o atravessa e entra no banheiro de empregada. Ofegante, encosta-se na parede, tira a arma do bolso
e fica com um revólver em cada mão.
Ouvimos mais explosões.
Mais bombas explodem, ouvimos sons de sirene e a VOZ do Coronel gritar pelo alto falante:
VOZ DO CORONEL LUIZ ARTHUR
O quarteirão está cercado! Estamos invadindo! Todos
os ocupantes do apartamento 201 devem se entregar!
Moradores do apartamento 201, rendam-se!
SEQ 155
BANHEIRO GRANDE DO APARTAMENTO DA PITUBA/INT/DIA AMANHECENDO.
Cal, segurando um revólver, espia através da janela do banheiro que de frente para o terreno
baldio. Ele um policial atrás de um coqueiro. De repente, recebe uma rajada de metralhadora
vinda do terreno baldio.
Recebe um tiro de raspão nas costas, que imediatamente começa a sangrar.
Rápido, deixa a arma embaixo do cesto de roupa suja e sai do banheiro.
SEQ 156
CORREDOR DO APARTAMENTO/SALA/INT/DIA AMANHECENDO
Ouvimos o som de bombas explodindo. Cal passa correndo pelo corredor e chega na sala, que está
101
com a porta aberta e lotada de gás lacrimogêneo. Anda de quatro para a porta que está aberta.
SEQ 157
CORREDOR E ESCADAS DO 201 E 202/INT/DIA
Com os olhos lacrimejando, Cal, ainda de quatro, começa a subir as escadas para o terceiro andar.
SEQ 158
BANHEIRO DO 202/INT/DIA AMANHECENDO
Iara, com as duas armas na mão, começa a sentir o efeito do gás lançado sem parar. Ao longe,
ouvimos a voz do coronel gritando pelo megafone:
VOZ DO CORONEL LUIZ ARTHUR
Atenção: os moradores devem deixar as janelas abertas
para o ar circular! Mas afastem-se das janelas, pode
haver tiroteio! Todos devem trancar as portas de seus
apartamentos para evitar que os terroristas façam
algum refém!
Iara agacha-se perto da pia.
OFF LAMARCA
Existencialmente não sou seu apêndice, nem você é o
meu – somos um só – este é o amor que sentimos os
dois. (pausa). O nosso amor não está isolado na
realização de nós dois nem nos milhares de filhos que
teremos...
Ela começa a sentir a asma. Está encostada em uma parede lateral.
Ouvimos vários tiros de armas de curta distância.
SEQ 159
A-AREA DE SERVIÇO/EXT/ MAGRUGADA
Da altura do apartamento 202, vemos Lúcia com o bebê e Benedita dentro de uma caminhonete,
102
olhando na direção do apartamento.
Vemos vários policiais armados e carros, entre eles viaturas da PE e da PF, e uma ambulância.
Fumaça de gás envolve o edifício. O coronel Luiz Arthur está na portaria do prédio, dando ordens
através do rádio.
SEQ 160
BANHEIRO/ INT/ MADRUGADA
Iara está assustada, mas tenta se manter firme.
Close de seus olhos atentos.
OFF LAMARCA
Quero que você tenha cada vez mais interiorizado que
te amo muito, que preciso encontrar com você, pois
morro de saudade (pausa). Vou te ver, nem que seja a
última coisa na minha vida.
SEQ 161
ÁREA DE SERVIÇO/ EXT/ DIA AMANHECENDO
O dia começa a amanhecer.
Da altura do apartamento 202 vemos Cal algemado, sangrando, e acompanhado de três policiais.
Seus olhos quase não conseguem enxergar por causa do efeito do gás.
Agentes da Polícia Federal tiram fotos da prisão.
Barulho e confusão na rua.
SEQ 162
ESCADAS DO PRÉDIO/ INT/ DIA AMANHECENDO
Um grupo de quatro policiais sai do apartamento 201. Eles tocam forte a campainha do 202.
POLICIAL
Abra a porta, é a polícia!
SEQ 163
103
SALA DO APARTAMENTO 202/INT/DIA
A- CARLOS, um homem de aproximadamente 35 anos, o dono do apartamento, espia através do
olho mágico.
Subjetiva de Carlos: ele vê os policiais armados de revólveres e metralhadora.
Imediatamente abre a porta.
O grupo entra. Assustados estão sentadas no sofá, a esposa de Carlos e duas meninas, de sete e nove
anos.
POLICIAL 1
Alguém entrou aqui?
CARLOS
Não senhor, ninguém!
Ele caminha em direção ao quarto que fica próximo a sala e entra.
POLICIAL 1
(verificando rapidamente se não tem ninguém) Todo
mundo para esse quarto, rápido! Tranquem a porta,
ninguém deve sair!
A família apavorada obedece e sai em direção ao quarto.
Ele e outro policial partem em direção ao interior da casa. A câmera acompanha, em um plano
sequência, os outros dois policiais (2 e 3) andando em direção a cozinha.
B- COZINHA DA PITUBA/INT/DIA
Os policiais armados entram na cozinha e verificam rapidamente se não tem ninguém. Depois saem
em direção à área de serviço.
C- AREA DE SERVIÇO 202/ EXT/DIA
Os policiais chegam na área de serviço. Olham e não encontram nada.
D-QUARTINHO DE EMPREGADA 202/INT/DIA
104
Entram no quartinho de empregada e um deles força algumas vezes a maçaneta da porta do
banheiro adjacente.
POLICIAL 2
(batendo na porta) Tem alguém aí? Alguém está aí
dentro? Abra a porta!
Ele faz um gesto para que o outro policial dê a volta para verificar.
O outro policial sai correndo em direção à área.
E- ÁREA DE SERVIÇO 202/EXT/DIA
O policial 3 chega correndo na área, olha rápido em direção à parede e vai até o basculante do
banheiro de empregada. Os outros dois policiais (1 e 4), que estavam dentro da casa, aparecem.
O policial 3 espia sem ser visto através do vidro basculante.
Subjetiva do policial: ele vê Iara em pé, ao lado da pia, segurando duas armas.
Ele faz um gesto para os outros indicando que tem alguém lá dentro e que está armada.
O policial 1 manda o 4 dar cobertura na porta do banheiro. Ele obedece.
O policial 1, armado, vai espiar apontando a arma.
O policial 3 faz o mesmo.
SEQ 164
BANHEIRO 202/INT/DIA
Iara, vê as armas sendo apontadas. Ela está com as duas armas em punho, atenta.
Subjetiva de Iara vendo a arma.
O policial 1 dá um tiro no teto para assustá-la.
POLICIAL 1
Quem é você?
IARA
Eu me rendo! Me entrego!
105
Na hora exata em que ela vai abaixar um pouco as armas o policial 1 mira e atira.
Iara cai agonizando. É um tiro que transpassa o coração e o pulmão. A Câmera fica parada em Iara,
que em poucos segundos morre.
VOZ POLICIAL1
(gritando) Está tudo bem, ela está morta!
A câmera continua em Iara.
VOZ DO POLICIAL 1
Quem é ela?
VOZ DO POLICIAL 3
Não sei...
A câmera não sai de Iara. Ouvimos uma movimentação de policiais.
De repente ouvimos dois tiros serem dados no trinco da porta.
Vemos o Coronel Luiz Arthur de Carvalho dando um pontapé na porta e entrando. Ao seu lado
estão vários policiais.
CORONEL LUIZ ARTHUR
Quem é essa mulher?
Ninguém responde. Ele pensa alguns segundos olhando friamente para o cadáver.
CORONEL LUIZ ARTHUR
Foi suicídio, entenderam? Quando derem a entrada é
para dizer que foi suicídio, fui claro?
SEQ 165
SERTÃO DA BAHIA/ EXT/DIA
LETTERING SOBRE IMAGEM: APROXIMADAMENTE VINTE DIAS DEPOIS
106
No árido sertão da Bahia, Lamarca muito doente, magro e abatido, é carregado nas costas pelo seu
companheiro ZEQUINHA.
A câmera fica parada, filmando os dois de costas para o espectador, até eles sumirem
completamente da imagem.
SEQ 166
A-CORREDORES DO IML DE SALVADOR/INT/ DIA
Cenas dos corredores do Instituto Médico- Legal Nina Rodrigues, de Salvador.
B- SALA DO IML DE SALVADOR/INT/ DIA
Em uma sala o corpo de Iara está sobre uma mesa, com um pano que deixa o tiro e os seios
expostos. (ver referência em foto do cadáver publicada em jornais)
O médico legista, Charles Pittex, está sentado em uma mesa ao lado fazendo anotações.
Close de sua mão escrevendo no laudo: SUICÍDIO?
SEQ 167
IML DE SALVADOR/INT/ DIA
Em uma pequena saleta, o coronel Luiz Arthur conversa com o DIRETOR DO IML. Os dois
estão em pé.
CORONEL LUIZ ARTHUR
O senhor entendeu? Aqui ninguém sabe nada sobre a
morte de Iara Iavelberg. Aliás, aqui ninguém nunca
ouviu falar em Iara Iavelberg! Ela não morreu,
entendeu? Se vier imprensa, jornalista, o escambáu,
diz que aqui não tem nenhum corpo. Avisa pro seu
pessoal que isso é coisa muito séria! O doutor Fleury
ficou furioso quando soube dessa morte! Se vazar vem
bala!(pausa) O defunto vai ficar aqui, bem guardado
na gaveta! (fala com sadismo). Essa é a nossa pequena
isca pro filha da puta do Lamarca!
DIRETOR
Pode deixar, Coronel Luiz Arthur!
107
.
SEQ 168
FACHADA DO NECROTÉRIO/EXT/DIA
Plano fixo da fachada do antigo casarão do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.
SEQ 169
FACHADA DO IML DE SALVADOR/EXT/DIA
Leterring sobre imagem: um mês depois.
No necrotério, os pais de Iara estão debruçados sobre um caixão, reconhecendo o corpo da filha. O
caixão está lacrado, e o reconhecimento é feito através de um visor que mostra o rosto. Quatro
militares e dois funcionários do IML acompanham o reconhecimento.
Eva e David ficam em estado de choque, a dor é tão aguda que praticamente os imobiliza. Eles não
conseguem desviar o olhar do rosto da filha. Eva balança a cabeça afirmativa.
SEQ 171
CEMITÉRIO ISRAELITA DO BUTANTÃ.
LETTERING SOBRE IMAGEM: Setembro de 1971. ALA DOS SUICÍDAS DO CEMITÉRIO
ISRAELITA DO BUTANTÃ.
Iara é enterrada em um caixão lacrado, sem qualquer tipo de cerimônia, na ala dos suicidas, no
Cemitério Israelita do Butantã.
O enterro só conta com a presença dos pais, da irmã Rosa, e pouquíssimos familiares. Além de
aproximadamente vinte policiais, a maioria à paisana. (no entanto, pelos tipos, é possível identificar
que são tiras).
Rosa e seus pais assistem emocionados o caixão descer. FADE OUT lento enquanto entra
LETTERING:
35 ANOS DEPOIS, ATRAVÉS DE UMA EXUMAÇÃO, FOI PROVADO NA JUSTIÇA QUE
IARA FOI ASSASSINADA. EM MAIO DE 2006 SEUS RESTOS MORTAIS FORAM
ENTERRADOS AO LADO DOS SEUS PAIS.
SEQ 172
108
ESCADARIA E PÁTIO EXTERNO DO ESTÁDIO DO PACAEMBÚ/ EXT/ DIA
Cenas filmadas em SUPER 8 de Iara, Evelise, Ecléia, Maria Lúcia e dois amigos, em 1966, se
divertindo com uma SUPER 8. Um dos amigos de Iara opera a câmera, enquanto vemos as
mesmas imagens que ele filma:
Elas descem a escadaria conversando e fazendo caretas para a câmera.
Todos sentados em uma mureta lendo.
Iara e Evelise comprando pipoca de um carrinho.
Todos passeando no pátio enquanto conversam
Só Iara desce a escadaria sorridente.
FINAL
109
ROTEIRO DO LONGA DE DOCUMENTÁRIO
Título do filme: “SUICÍDIO?”
SEQ 1
IMAGENS DE ARQUIVO / P&B
Cenas do Documentário Universidade em Crise, de Renato Tapajós. Ouvimos um pequeno
trecho em off original do filme, no qual Tapajós nos fala sobre o movimento estudantil. Em uma
das cenas, vemos Iara, em 1965, participando de uma assembléia de estudantes.
Imagem em slow de seu rosto. A voz de Tapajós também fica em slow.
SEQ 2
Ouvimos a voz em OFF de Mariana, enquanto uma câmera subjetiva anda pelos corredores do
aeroporto de São Paulo. Depois a câmera atravessa o finger e entra no avião.
Vemos Mariana entrar no avião e sentar na poltrona.
O avião decola , enquanto ela observa pela janela.
OFF MARIANA
Desde pequena ouço as histórias sobre minha tia, a
guerrilheira Iara Iavelberg. Sempre soube que as
circunstâncias de sua morte, em agosto de 1971, na
cidade de Salvador,na Bahia permaneceram obscuras;
e que a versão de suicídio dada pelos militares era
altamente questionável.
Eu nunca consegui me esquecer de uma foto muito
triste, de meus avós reconhecendo o corpo de Iara no
IML de Salvador, só um mês depois da sua morte. Isso
porque, durante este período, o corpo dela ficou
escondido em uma gaveta do IML, sendo usado como
uma espécie de isca para atrair Lamarca. Só depois da
morte do Capitão é que a morte de Iara pôde ser
divulgada.
Continuamos a ouvir a narração, enquanto entra uma seqüência de fotos de momentos históricos
próximos aos que serão narrados a seguir. Por exemplo: foto de Iara e Samuel Iavelberg
110
participando de uma assembléia no grêmio da Faculdade de Filosofia em 1967; foto de uma
passeata da Setembrada, em 1966; foto de uma manifestação pelos excedentes, em 1967, na antiga
Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antônia, foto de um atentado praticado pela VPR, .
Fotos do Diário de Carlos Lamarca
2
escrito para Iara, pouco tempo antes de sua morte. :
OFF MARIANA
No início dos anos sessenta, Iara foi estudante de
Psicologia da USP, e depois se tornou professora do
cursinho do Grêmio da própria Universidade. Ela
militou na POLOP, na VPR, na VAR-PALMARES e
no MR-8. Durante o período mais radical da ditadura
militar no país, Iara entrou para a clandestinidade,
participando ativamente da luta armada. Nos últimos
anos de sua vida, ela e o Capitão Carlos Lamarca se
apaixonaram. Nesta época, Iara passou a viver em
diversos aparelhos, localizados em diferentes cidades
do Brasil, fez treinamento no Vale do Ribeira, soube
da tortura e morte de muitos companheiros. Apesar do
medo e da evidente desestruturação que o regime
militar impôs aos movimentos revolucionários, ela
decidiu junto com Lamarca ficar no país e resistir até o
fim.
Durante a narração, ainda vemos fotos de arquivo com matérias dos principais jornais que
circulavam em 1971, nos quais aparece a versão oficial sobre a morte de Iara veiculada pelo regime
militar. De acordo com estas matérias, Iara, a companheira de Carlos Lamarca, suicidou-se com um
tiro no peito.
SEQ 3
FOTO DE ARQUIVO P&B
Foto de um típico cartaz que o governo espalhava por delegacias, aeroportos e rodoviárias: nele
vemos fotos de Iara, Lamarca e mais dois militantes. Em cima das fotos podemos ler: Terroristas
procurados. Ajude a proteger sua vida e a de seus familiares. Avise a polícia.
SEQ 4
2 - Documento histórico publicado na íntegra pelo Folhetim em 10.07.1987.
111
Vemos um fragmento de papel (documento de arquivo) com o título do filme: “SUICÍDIO?”
Este pedaço de papel foi suprimido do documento da autópsia original pelos militares, mas foi
encontrado posteriormente. A interrogação expressa a dúvida do então médico legista, Charles
Pittex, sobre a causa da morte.
SEQ 5
FOTOS DE ARQUIVO / P&B
Fotos do corpo de Iara no IML de salvador em 1971.
SEQ 6
RIO DE JANEIRO/RUA NO JARDIM BOTÂNICO/EXT/DIA
Mariana chega na entrada do prédio de César Benjamim. Entra no prédio e espera o elevador.
Mariana sobe junto com a equipe. Enquanto vemos estas ações ouvimos o off.
OFF MARIANA
César Benjamim era comandante do MR-8 em
Salvador, em 1971. Foi ele quem tomou a decisão de
levar Iara para o aparelho da Pituba, depois que um
importante quadro da organização (José Carlos Sousa,
o Kid) caiu, colocando em risco o antigo aparelho da
guerrilheira. César conviveu com Iara até um dia antes
de sua morte.
SEQ 7
APARTAMENTO DE CÉSAR BENJAMIM (RIO) / INT / DIA
Depoimento de César Benjamim: ele vai contar para Mariana alguns detalhes inéditos deste
deslocamento. Além disso, conta que o aparelho da Pituba foi pensado para ser um local de recuo,
que praticamente ninguém deveria saber do endereço; e que seria utilizado em casos de extrema
necessidade. Os militantes do MR-8, Nilda Cunha e Jaileno Sampaio criaram este aparelho na
residência da irmã de Nilda, que tinha um bebê e empregada, para que a fachada “de família”
ficasse evidente,
Na realidade, devido à queda de Kid, César tomou a decisão de levar Iara para este local. Ele
pensava que lá, Iara estaria segura (todos estes detalhes jamais foram narrados em nenhum livro ou
112
jornal). No entanto, as coisas não aconteceram como o planejado: devido a um erro fatal, assim que
o local foi montado, um guerrilheiro (José Carlos Sousa, o Kid) doou seus móveis para ajudar o
amigo Jaileno, e a organização contratou um motorista desconhecido para fazer a mudança. Quando
foi preso, José Carlos não sabia do endereço e muito menos que Iara seria levada para lá. Mas a
repressão foi atrás de diversos motoristas até achar aquele que fez a mudança. Deste modo, quando
José Carlos caiu, poucos dias depois este aparelho também caiu.
César Benjamim também fala sobre o fato de achar que Iara morreu pensando que foi ele quem
abriu o aparelho; uma vez que um dia antes disso acontecer, ambos tiveram uma conversa na qual
César disse à Iara, que a única pessoa que sabia o endereço da Pituba era ele.
César também nos conta, que depois que havia sido preso, os militares lhe mostraram uma foto
com o cadáver de Iara, dizendo “nós matamos Iara”.
Em alguns momentos a voz de César fica em OFF e vemos fotos de Iara e Lamarca.
SEQ 8
CASA DE CÉSAR BENJAMIM/ INT/DIA
Depoimento de João Salgado, antigo militante do MR-8, um dos organizadores do deslocamento
de Iara para a Bahia e companheiro de Lamarca nos seus últimos meses de vida. Salgado narra
detalhes sobre a estadia de Iara na Bahia e nos fala sobre sua personalidade. Além disso, faz
afirmações sobre o forte sentimento de amor de Lamarca por Iara e vice-versa, uma vez que
Salgado ouviu confidências dos dois lados.
SEQ 9
ESCRITÓRIO DE CARLOS ALBERTO MUNIZ, NO RIO DE JANEIRO/INT
Depoimento de Carlos Alberto Muniz, que era o antigo dirigente do MR-8, e responsável pela
segurança de Iara e Lamarca logo após a passagem deles da VPR para o MR-8. Além de
acompanhar todo este processo de transição, Muniz abrigou os dois durante alguns meses que
antecederam a viagem para a Bahia. Ele conta como e porque a organização montou a viagem: a
presença de Iara e Lamarca no Rio tornou-se extremamente perigosa, uma vez que o MR-8 estava
sofrendo quedas em cadeia (entre elas a de Stuart Angel), o que fez com que o deslocamento dos
dois para a Bahia fosse antecipado. Ele também fala sobre como foi a estadia de Iara e Lamarca em
diversos aparelhos no Rio de Janeiro, e dá suas impressões sobre a personalidade de Iara.
113
SEQ 10
CASA DE JOSÉ CARLOS SOUSA / INT/DIA
Mariana entrevista José Carlos Sousa (o KID), militante que participou da viagem de Iara e
Lamarca para Salvador. Ele conta alguns detalhes inéditos de como foi a viagem de Iara e Lamarca
para Bahia, fala sobre a personalidade da guerrilheira, e explica como os militares, após fazê-lo
passar por diversas torturas, chegaram ao aparelho no qual estava Iara (estas informações não
estão nos livros). Enquanto José Carlos fala sua voz fica em OFF e vemos cenas de Mariana
dentro de um carro passando por locais que Iara e Lamarca passaram durante a viagem.
SEQ 11
fotos do cadáver de Iara no IML de Salvador.
FOTOS E CENAS INÉDITAS DA EXUMAÇÃO DE IARA IAVELBERG. ALGUMAS
DESTAS IMAGENS MOSTRAM O TÚMULO SENDO QUEBRADO E O CAIXÃO
SENDO ABERTO.
SEQ 12
DEPARTAMENTO DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO/DIA
Depoimento do professor Daniel Romero Munõz, do Departamento de Medicina da Universidade
de São Paulo, e responsável pela perícia feita nos restos mortais de Iara.
Câmera subjetiva percorre seus corredores até chegar em uma sala.
Mariana entra e encontra o médico.
Munõz explica e demonstra todos os passos da perícia: ele refaz para o filme os testes com armas
para identificar os possíveis tipos de perfurações e fala detalhadamente sobre todos os
procedimentos técnicos. Depois comenta o resultado: o tipo de perfuração encontrada no corpo de
Iara é incompatível com um tiro dado a curta distância (como ocorre nos casos de suicídio).
SEQ 13
ESCRITÓRIO DE LUIZ EDUARDO GREENHALGH / INT / DIA
Mariana entra no escritório de Luiz Eduardo Greenhalgh, o advogado que representou a família
de Iara na justiça nos processos de indenização e de exumação. Mariana vai conduzindo as
114
perguntas. Ele deve ter liberdade total para se movimentar ou mexer nos arquivos para ilustrar o
que diz com documentos e fotos. Greenhalgh conta quais foram as principais dificuldades
enfrentadas junto ao Cemitério Israelita e a justiça. Comenta a decisão favorável dada pelo Tribunal
de Justiça do Estado. Além disso, explica outro processo que correu paralelo na justiça: o pedido
de indenização. Ele conta como e porque a Comissão Especial do Mortos e Desaparecidos,
concedeu, a partir da Lei 9140/95, independente do resultado da exumação, uma indenização à
família Iavelberg, na qual o Estado se responsabilizou pela morte da Iara ocorrida em 1971. Por
fim, Greenhalgh comenta o resultado da exumação e faz uma comparação entre a versão dada pela
ditadura e as descobertas recentes.
SEQ 14
FOTOS / P&B
Trilha sonora da época com fotos de Iara em diversas fases de sua vida: criança, adolescente e
adulta.
DOCUMENTOS DE ARQUIVO
A trilha continua e vemos fotos de arquivo de documentos do DOPS do dia em que Iara foi
presa, acusada de subversão. Vemos sua ficha policial e suas impressões digitais.
Vemos fotos de arquivo de outros documentos do DOPS nos quais Iara é citada. Através
destes documentos podemos entender o quanto Iara era procurada pela polícia.
SEQ 15
AVIÃO POUSANDO EM SALVADOR / EXT / DIA
De dentro do avião, vemos Mariana sentada olhando a cidade de Salvador.
SEQ 16
ORLA DE SALVADOR/EXT/DIA
Mariana percorre a orla de Salvador dentro de um carro.
SEQ 17
FACHADA DO PRÉDIO DE LEÔNIA/ EXT/DIA
115
Mariana e equipe chegam no prédio de Leônia.
OFF MARIANA
Leônia é irmã de Nilda Cunha e Lúcia Bernadete. Na
época do cerco da Pituba, Lúcia tinha um bebê de
apenas um mês. Apesar de não se envolver com
política, ela abrigou a irmã Nilda, Iara e outros
militantes em seu apartamento. Nilda também foi
presa naquele cerco; e quando morreu, tinha 17 anos.
As circunstâncias de sua morte nunca foram totalmente
esclarecidas.
SEQ 18
APARTAMENTO DE LEÔNIA/ SALVADOR/INT/DIA
Depoimento de Leônia Cunha, conta como foram os últimos dias da sua ir Nilda, que ao que
tudo indica, morreu envenenada na prisão, depois de ser torturada e violentada sexualmente. Leônia
também fala tudo o que sabe sobre o cerco, e sobre o dia em que mostraram para Nilda o cadáver de
Iara dentro de uma gaveta.
SEQ 19
CASA DE DIVA/SALVADOR/INT/DIA
Depoimento da atual diretora do grupo Tortura Nunca Mais, de Salvador, ela fala sobre o que leu
em documentos secretos da Polícia Militar sobre a Operação Pajussara, mega esquema montado
para capturar Lamarca , Iara e outros militantes do MR-8. De acordo com Diva, estes documentos
internos apresentam uma série de contradições em relação à versão de suicídio. Diva explicita estas
diferenças.
Enquanto Diva fala, vemos fotos do banheiro onde Iara morreu. O local tem tiros na parede.
SEQ 20
CASA DO MÉDICO LAMARTINE LIMA (SALVADOR) / INT / DIA
Depoimento com o médico do Hospital Naval de Salvador, hoje contra-almirante reformado,
Lamartine Andrade Lima. Mariana o questiona sobre a sua declaração feita para o jornal O
Globo, em julho de 1996, na qual ele afirmou que um antigo paciente (já falecido), que na época era
sargento do corpo de Fuzileiros Navais. Disse Lamartine: “Com muita amargura e dizendo-se
membro ativo da repressão, o sargento assegurou ter atirado com uma metralhadora contra a porta
116
do banheiro de empregada onde Iara se escondera. Segundo ele, logo depois dos tiros, ao perceber
que não havia movimento dentro do cômodo, abriu a porta com um pontapé e se deparou com uma
mulher agonizando. Dias depois soube que se tratava da companheira de Lamarca”.
Mariana pergunta mais detalhes sobre as circunstâncias desta confissão. E o questiona sobre o por
quê que dias depois de ter feito tal declaração para o Globo, Lamartine decidiu negar tudo o que
disse.
SEQ 21
CASA DO JORNALISTA BERNARDINO FURTADO (BELO HORIZONTE)/ INT/DIA
Mariana conversa com Bernardino Furtado, que em 1996 era jornalista do Jornal O Globo. Nesta
época ele foi para a Bahia e, além de ouvir pessoalmente a confissão de Lamartine Lima, também
ouviu alguns depoimentos de antigos moradores do prédio da Pituba, que contestaram a versão de
suicídio.
SEQ 22
CASA DA JORNALISTA MARILUCE MOURA/ /EXT/DIA
Depoimento da jornalista Mariluce Moura, que nos anos 80 fez uma reportagem sobre Iara e
Lamarca e ouviu o depoimento da antiga síndica do prédio da Pituba Evandir Rocha Costa (já
falecida) que afirmou que no dia do cerco ouviu Iara gritar: “Eu me rendo! Eu me entrego!
SEQ 23
IML DE SALVADOR / EXT E INT / DIA
Depoimentos de Maria Teresa Pacheco, ex assistente de Charles Pittex e ex diretora do IML de
Salvador. Ela fala sobre o sumiço dos documentos do caso Iara”; e sobre o método extremamente
rigoroso e perfeccionista de Pittex (que fez autópsia de Iara em 1971): o médico legista marcava
cada arranhão, cada milímetro de um furo de tiro, etc...
SEQ 24
CASA DO MÉDICO HAMÍLTON SAFIRA/SALVADOR/INT/DIA
Mariana conversa com o médico simpatizante que tratou de Iara durante a sua estadia na Bahia.
Segundo ele, os dois ficaram muito amigos, inclusive Iara passou alguns dias em sua casa na
Serrinha. Hamílton fala sobre como era a sua personalidade, e conta que, devido ao grande risco,
algumas vezes pediu que ela saísse o mais rápido possível da Bahia.
117
SEQ 25
FACHADA DA CASA PRÓXIMA AO PRÉDIO DA PITUBA/SALVADOR/EXT/DIA
Depoimento do escritor Ivan Pugliesi, que no dia do cerco estava em uma casa vizinha que foi
invadida pelos militares e usada como base para a invasão. Ivan conta que ficou preso em um
aposento, mas que conseguiu escutar muitas coisas, principalmente, diversas rajadas de bala. Depois
que o cerco terminou, Ivan saiu e viu como ficou a fachada do edifício: muitas marcas de bala eram
visíveis nas paredes.
SEQ 26
RUA MINAS GERAIS /BAIRRO DA PITUBA/ SALVADOR/EXT/DIA
Na fachada do edifício da Pituba Mariana conversa com Jaileno Sampaio, guerrilheiro que estava
no mesmo aparelho de Iara, e foi preso no mesmo cerco que resultou na morte da guerrilheira. Ele
conta detalhes de como foi o cerco.
Jaileno e Mariana entram no antigo apartamento que serviu de aparelho. dentro eles percorrem
todos os aposentos e ele explica como as coisas aconteceram e o que ocorreu com ele (antes de ser
preso, quando tomou um tiro de raspão).
SEQ 27
CASA DE SHIRLEY DA SILVEIRA/SALVADOR/INT/DIA
Mariana conversa com Shirley da Silveira, antiga moradora do apartamento 202 (vizinho ao
aparelho de Iara). Ela conta como foi o dia do cerco, e como a sua família presenciou o episódio.
Shirley afirma que na época ela tinha duas filhas (portanto, nenhum menino morava no
apartamento, o que desmonta parte da versão oficial), e que, além disso, Iara foi assassinada
apartamento onde estava morando, no banheiro dos fundos, que ficou, durante alguns dias, com
marcas de bala na parede.
SEQ 28
A Câmera na mão se aproxima do edifício onde Iara morreu com uma visão subjetiva de Mariana.
Depois vemos ela caminhando em direção ao prédio e observando o local.
118
SEQ 29
IMAGENS DE ARQUIVO COR
Imagens inéditas filmadas na cerimônia de enterro dos restos mortais de Iara, pós exumação, no
Cemitério Israelita do Butantã, na ala comum do cemitério (agora não mais na ala dos suicidas) em
junho de 2006. Muitos amigos e familiares estão presentes.
FINAL
119
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