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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
GERCIANE MARIA DA COSTA OLIVEIRA
CHICO DA SILVA
Estudo sociológico sobre a manifestação de um talento artístico
FORTALEZA
2010
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GERCIANE MARIA DA COSTA OLIVEIRA
CHICO DA SILVA
Estudo sociológico sobre a manifestação de um talento artístico
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Sociologia.
Orientadora: Maria Auxiliadora de Abreu
Lemenhe
FORTALEZA
2010
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GERCIANE MARIA DA COSTA OLIVEIRA
CHICO DA SILVA
Estudo sociológico sobre a manifestação de um talento artístico
Dissertação submetida à Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Sociologia, da
Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Sociologia.
Aprovada em_____/______/_____.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Auxiliadora de Abreu Lemenhe (Orientadora)
___________________________________________________
Profª. Drª. Andréa Borges Leão
____________________________________________________
Profª. Drª. Kadma Marques Rodrigues
4
Dedico este trabalho a todos aqueles que de
forma direta, ou indireta, contribuíram para
sua realização, em especial a meus familiares,
amigos e professores.
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AGRADECIMENTOS
No ano que se comemora o centenário de nascimento deste grande artista, Chico da
Silva, realizar um trabalho de pesquisa que requer tamanha responsabilidade e cuidado se
fez possível graças à ajuda de muitas pessoas. Pessoas estas que neste breve espaço desejo
expressar toda a minha gratidão e reconhecimento.
Gostaria, portanto, de agradecer a meus familiares, meus pais Pedro Paulo e Maria
Rosimar e minhas irmãs, Rosa Emilia, Rosana e Rosalia, sempre presentes nos principais
acontecimentos de minha vida.
À minha orientadora, Profa. Dra. Maria Auxiliadora de Abreu Lima Lemenhe, por seu
direcionamento preciso e suas observações oportunas, tão caras à concretização deste
trabalho.
Às professoras que integram a banca examinadora, Profa. Dra. Kadma Marques
Rodrigues e Profa. Dra. Andréa Borges Leão, pelo aceite do convite e pelas contribuições que
se fizeram permanentes, desde o momento da qualificação até este último ato da defesa.
Ao professor, e também diretor do Museu de Arte da UFC (MAUC), Pedro Eymar pela
disponibilização do material do acervo do museu e por suas informações ricas em detalhe,
próprias de quem presenciou alguns dos eventos importantes do meio artístico e cultural
cearense.
Agradeço, ainda, ao fotógrafo do MAUC Pedro Humberto, por sua atenção e
receptividade.
Ao artista, e também biógrafo de Chico da Silva, Roberto Galvão, pelos dados e
conhecimentos desprendidamente compartilhados.
Sou grata ao José Guedes, artista e diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC),
pela intermediação junto à administração do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, que
tornou possível a realização da visita ao acervo do pintor naif, de responsabilidade da
Secretaria da Cultura do Ceará (SECULT), que ali se encontra resguardado.
A todos do Centro Popular de Pesquisa Documentação e Comunicação (CPDOC) do
Pirambu, por tornar acessível materiais diversos como fotos, jornais e entrevistas registradas
em fita cassete.
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Agradeço também aos meus amigos “silvícolas” que próximos ou à distância me deram
sempre força e ânimo. São eles: Chico, Alana, Cláudia, Ivna, Mário e Ana Paula Rodrigues.
Agradeço ainda à Aline, à Emanuelle Kelly, à Juliana, ao Jefferson, à Ana Lúcia, à
Fabiana e à Mayara pelos dias felizes que construímos nestes dois anos.
Um agradecimento especial para minha amiga Fátima, companheira no percurso e nos
percalços do mestrado.
Também agradeço ao meu namorado, Rafael, por seu incentivo e confiança.
Por fim, mas não menos importante, quero agradecer ao apoio financeiro do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq), sem o qual a realização e
desenvolvimento desta pesquisa teria sido muito mais difícil.
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“Me chamo Chico da Silva,
De fala branda e macia,
Passo na água, não molho,
Piso na folha e não chia.”
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RESUMO
O presente trabalho tem como intuito principal compreender, sob a perspectiva
sociológica, a manifestação do pintor naif Chico da Silva no contexto artístico cearense dos
anos 40. Nascido no Alto do Tejo, cidade do Acre, Francisco Domingos da Silva, filho de pai
indígena e mãe cearense chega a Fortaleza em meados dos anos 30. Tendo seus trabalhos
muralistas “descobertos” pelo crítico e pintor suíço Pierre Chabloz, em 1943, Chico passa a
produzir telas, sob a interferência e orientação do estrangeiro, que levadas aos circuitos locais,
nacionais e internacionais despertam grande interesse e admiração dos pares, da crítica e do
público. Contudo, tal aceitação local não se deve, exclusivamente, aos valores e propriedades
intrínsecas à suas obras, mas ao espaço dos possíveis objetivamente inscrito, que se delineia
no modernismo tardio e no processo de autonomização do campo artístico cearense dos anos
40. A ruptura com os padrões artísticos europeus advindos principalmente da França e as
afinidades formais e de idéias que se tecem nessa configuração entre arte “moderna” e arte
“primitiva” viabilizam a paradoxal inscrição dos trabalhos independentes de Chico da Silva
no campo artístico cearense, que no seu estado de autonomização não oferece lugar aqueles
que renegam e desconhecem sua história.
Palavras-Chave: CHICO DA SILVA, ARTE, CAMPO ARTÍSTICO, CEARÁ.
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RÉSUMÉ
Ce travail a comme intention principal comprendre, du point de vue sociologique, la
manifestation du peintre naïf Chico da Silva dans le contexte artistique du Ceara des annés 40.
à Alto do Tejo, la ville du Acre, Francisco Domingos da Silva, fils du père indien et mère
cearense arrive à Fortaleza dans la motié des annés 30. En ayant ses travaux muralistes
"découverts" par le peintre suisse et critique Pierre Chabloz, en 1943, Chico a commencé à
produire des peintures, sous la direction et l'ingérence de l'étranger, qui ont été conduites au
circuit locale, nationale et internationale suscitent un grand intérêt et l'admiration de ses pairs,
de la critique et du public. Toutefois, tel acceptation locale ne se doit pas, exclusivement, aux
propriétés et aux valeurs intrinsèques à ses ouvres, mais à l'espace des possibles
objectivement enregistrés, qui se décrive dans la modernité tardive et le processus
d'autonomisation du champ artistique du Ceara des annés 40. La rupture avec les standards
artistiques européens qui viennent essentiallement de la France et les affinités idéalistes et
formelles qui sont tissées dans cette configuration entre l’art “moderne” et l'art “primitive” a
permis la paradoxale entrée du travail indépendant de Chico da Silva dans le champ artistique
du Ceará, qui dans son état d’autonomisation n’offre pas de place à ceux qui nient et ignorent
son histoire.
Mots-Clé: CHICO DA SILVA, ART, CHAMP ARTISTIQUE, CEARÁ.
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Lista de ilustrações
Figura 1. Chico da Silva executando seus trabalhos muralistas (MAUC). ..............................38
Figura 2. Chico da Silva perfomatizando a “descoberta” (MAUC)...........................................1
Figura 3. Pintando em tela (MAUC). .........................................................................................1
Figura 4. Desenho representativo do ciclo das artes feito pelo próprio Chabloz. (1944). .......53
Figura 5. “Os três mosqueteiros do pincel”: (da esquerda para a direita) Antônio Rodrigues,
Paula Barros e Ramos Cotoco, 1910 (MIS). ............................................................................63
Figura 6. O encontro de Chico da Silva e o scapiano Antônio Bandeira (MAUC)..................88
Figura 7. Oriodime, 1945; guache s/papel 20 X 44,5 cm (SECULT). .....................................96
Figura 8. O pássaro longo e sua jibóia. Guache sobre cartão. 96,5 x 66,0cm. Acervo:
MAUC/UFC .............................................................................................................................98
Figura 9. O pára-quedista na prova da bomba, 1959; guache sobre cartão 73,7 X 94,5 cm
(MAUC). ................................................................................................................................100
11
Sumário
INTRODUÇÃO........................................................................................................................12
CAPÍTULO 1. ARTISTA, OBRA E SOCIEDADE. ...............................................................19
1.1. O estatuto coletivo da arte. ................................................................................................20
1.2. Percursos do olhar: o desafio de se fazer sociologia das artes visuais ..............................24
CAPÍTULO 2. DOS MUROS ÀS TELAS: A INSERÇÃO PARTICULAR DE CHICO DA
SILVA NO MEIO ARTÍSTICO CEARENSE.........................................................................29
2.1. O ingresso peculiar. ...........................................................................................................30
2.2. Seguindo o rastro biográfico..............................................................................................33
2.3. A “descoberta” de um talento............................................................................................38
2.4. Efeitos do encontro com Chabloz......................................................................................43
2.5. O Olhar do “descobridor”..................................................................................................48
CAPÍTULO 3. AUTONOMIZAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO CEARENSE: UM
ESPAÇO DOS POSSÍVEIS SE DELINEIA. ............................................................................58
3.1. Os antecedentes do campo artístico cearense....................................................................59
3.1.1. Artes plásticas nos anos 20 e 30: a transposição pictórica do “real”. .....................62
3.1.2. Um passo a diante: as primeiras mostras de arte.....................................................69
3.2. A “Fase renovadora” da pintura cearense na década de 40...............................................72
3.2.1. As entidades artísticas e o modernismo tardio........................................................76
3.2.2. Chico da Silva e o movimento “renovador”............................................................86
CAPÍTULO 4. A OBRA SINGULAR DE CHICO DA SILVA: AFINIDADES ENTRE O
“PRIMITIVO” E O “MODERNO”..........................................................................................95
4.1. O “pulo do gato”................................................................................................................96
4.2. Rupturas e subversões: as relações entre arte “primitiva” e arte “moderna” ..................102
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................117
ANEXOS................................................................................................................................125
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INTRODUÇÃO
As motivações que me levaram a eleger este universo de estudo a arte - e o tema
específico “Chico da Silva”, poderiam ser expostas aqui de forma quase autobiográfica.
Afinal, não é este muitas vezes o tom que ganha tais justificativas de escolha? Buscando
estabelecer o elo entre a experiência vivida (seja ela acadêmica ou não) e o tema de estudo, o
pesquisador é tentado a fazer uma espécie de retrospecto, compilando fatos que indiquem
potencialmente a futura escolha do assunto. Sendo assim, ao olhar para trás, poderia dizer que
meu gosto infanto-juvenil pelo desenho encontra ressonância nesta inquietação por perscrutar
o universo artístico, fato que não é de todo falso, mas nem por isso determinante.
Como bem nos ensina a sociologia, muito do que achamos natural é construção, e com
o objeto de pesquisa não poderia ser diferente. Mais do que um achado – idéia enfatizada pela
própria expressão “encontro com o objeto” a temática de estudo é elaborada, constituída e
fomentada por diversos fatores. Em muito, ela projeta marcas que denunciam nosso percurso,
e neste sentido, afirmaria que ela corresponde a uma trajetória. Portanto, é sob esta
perspectiva que circunscrevo meu interesse pela temática. Não propondo neste espaço fazer
auto-análise de trajetória aos moldes do sociólogo Bourdieu
1
, não é este o intuito. Trata-se,
antes de tudo, de colocar em suspenso a própria natureza das escolhas, rompendo desta forma
o discurso romantizado e puramente subjetivo.
No ano de 2004 um ano depois de meu ingresso no Curso de Ciências Sociais tive
a oportunidade de ser bolsista arte do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará
(MAUC). Reformulada sob as novas diretrizes do recém fundado ICA (Instituto de Cultura e
Arte), a bolsa oferecia em estágio inicial, uma verdadeira imersão nas atividades artísticas e
culturais de nossa cidade. Palestras, oficinas, visitas: foi um período intenso de formação
sobre arte em suas múltiplas manifestações (dança música, pintura e etc.) e suas mais
diferentes fases.
1
Em um inusitado exercício sociológico, Bourdieu em Esboço de auto-análise (2005) lança olhar sobre sua
própria trajetória e conseqüentemente a produção de suas obras contextualizando-as em meio ao jogo de
disputas simbólicas que animavam e definiam o campo intelectual de sua época. Longe de aventurar-me em tal
empreitada, exigente de um alto nível de objetivação e racionalização, a recorrência ao termo trajetória visa
neste momento reavaliar, de forma rasa, as “escolhas” tidas como inconsciente.
13
Nessas vivências cotidianas, em um movimento de felizes descobertas, tive a
oportunidade de me aproximar da história das artes plásticas cearense, até então desconhecida
para mim. Surpreendi-me de forma positiva e negativa -, com o curso paradoxal de muitas
trajetórias de nossos artistas que, gozando de certo prestígio no estrangeiro, quase não tinham
reconhecimento da crítica e do público local.
Esses percursos individuais, que pelas dificuldades e obstáculos encontrados, mais se
assemelhavam a sagas homéricas, me ofereciam, neste sentido, um quadro panorâmico das
realidades e condições que se impunham àqueles que desejavam viver de arte nesse Estado,
nas décadas passadas. Confesso que a visão desse conjunto não era lá muito boa.
O que pude perceber é que por muito tempo o Ceará apresentou um ambiente inóspito
para a pintura, desfavorável em termos estruturais e pictóricos para o florescimento de seus
talentos. A sorte é de que nessas terras os artistas possuem duas características principais as
quais o jornalista Jeovah Motta bem denota: a tenacidade e a energia (apud LEITE, 1949).
Portanto, contrariando a todas as determinações materiais e até climáticas a questão da
representação da luz peculiar do Ceará sempre fora um problema para nossos pintores surge
composições como: os abstratos enérgicos de Bandeira; os figurativos majestosos de
Raimundo Cela; as imagens delineadas a traço forte de Aldemir Martins e os bichos surreais
de Chico da Silva.
Assim, paralelo a estas experiências de cunho mais específico proporcionadas pela
bolsa, procurei contemplar, através do curso de disciplinas: Estética, Filosofia da Arte,
História da Arte - e leituras individuais, meu interesse pela área especial. Neste momento,
ainda que de forma introdutória, tentava estabelecer aproximações às perspectivas teóricas de
estudo da arte presentes; principalmente, na obra de Theodor Adorno, Pierre Bourdieu e
Norbert Elias. Resultantes deste exercício de interligação entre experiência de bolsista e
experiência acadêmica, os trabalhos finais das disciplinas remetiam-se constantemente a
temáticas da arte cearense. E um assunto em especial mostrava-se recorrente em minhas
articulações: a carreira artística peculiar de Chico da Silva.
Figura ambígua, polêmica, dona de um percurso bastante singular, Chico da Silva, em
meio a condições adversas pobreza, analfabetismo, ausência de técnica aos moldes
acadêmicos- insere-se no campo artístico cearense projetando-se para o cenário nacional e
14
internacional como “um dos artistas primitivos
2
entre os maiores do mundo”
3
. Seus quadros
irão compor o acervo de Louvre em Paris e integrar coleções particulares de figuras ilustres
como o ex-presidente Figueiredo, o ex-presidente americano Jimy Carter e a Rainha
Elizabeth. Seu estilo inaugura a tendência plástica que coloca o Ceará como um dos mais
importantes pólos de manifestação da arte naif
4
no mundo.
Dos muros da Praia Formosa às renomadas galerias de arte: é possível explicar esta
ascensão pelas propriedades intrínsecas e específicas a obra de Chico da Silva? Deve-se ao
seu traço despreocupado e a sua resolução “instintiva” o fascínio exercido por suas telas no
público e na crítica? Inúmeros pensadores teorizaram sobre esta questão estética, mesmo
assim ela parece inesgotável.
Kant (1993),