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Lamarca tornou-se um dos mais polêmicos personagens da luta armada durante os
duros anos de repressão do Regime Militar, quando, junto com o Sargento Darcy
Rodrigues, com o Cabo José Mariane
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e o Soldado Carlos Roberto Zanirato
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,
protagonizou, em 24 de janeiro de 1969, um episódio que marcou aquele conturbado
período: Em uma Kombi carregada com 63 fuzis, três metralhadoras e várias
munições, o grupo liderado por Lamarca fugiu do quartel em Quitaúna, 4º Regimento
de Infantaria de Osasco, Grande São Paulo, desertando do Exército e ingressando
todos na VPR, organização clandestina que desde 1968 lutava contra o Regime
Militar.
O Exército Brasileiro jamais tinha enfrentado a situação difícil de aplicar na prática
aquilo que só conhecia nos manuais: as operações de contraguerrilha. O Capitão
Carlos Lamarca transformou-se num personagem dual: Por um lado, tornou-se
símbolo da resistência armada ao Regime Militar, por sua disponibilidade para a
causa revolucionária, pelo desprendimento e pelo ato de coragem de abrir mão de
uma carreira promissora e de sua vida familiar e pessoal; por outro lado, para o
Regime Militar, tornou-se um símbolo repugnante do desrespeito aos preceitos
basilares das Forças Armadas, quais sejam: a ética castrense
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; a hierarquia e a
disciplina militar, sendo por isso considerado um traidor do Exercito e da Nação
brasileira
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, além de representar uma ameaça real ao regime, pois não se tratava de
um rebelde qualquer, e sim de um inimigo com grande potencial, líder e profundo
conhecedor da doutrina militar, exímio atirador e especialista em combates de
operações de contraguerrilha.
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“Em 29 Dez 1969, o Cabo José Mariane foi preso na cidade de Nanuque, Minas Gerais. Sua prisão
foi importante para os Órgãos de Segurança, pois possibilitou o descobrimento de ligações de
militares da ativa com a VPR”. PROJETO ORVIL: As tentativas de tomada do poder, 1987, p. 400.
Disponível em www.averdadesufocada.com, acesso em maio de 2007.
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Cinco meses depois de sua fuga, o soldado Zanirato foi preso por agentes do DOPS/SP, no dia
23/06/1969, quando saia de sua casa para ir ao cinema. Teria morrido por suicídio, na versão oficial,
no dia 29/06/1969. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. (Brasil)
Direito à Memória e à Verdade: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
(CEMDP). Brasília: 2007, p.97.
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Para melhor compreensão do conceito de “ética castrense”, ver: Tavares, Kleber da Silva. A ética
castrense e a intervenção militar como recurso de manutenção da ordem institucional.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós -
Graduação em História Social das
Relações Políticas, do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória,
2009.
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Setenta dias depois, o então presidente da República, Artur da Costa e Silva (1967-1969), desligou
Lamarca do Exército com base no AI-5, "por ter cometido atos de natureza desonrosa à dignidade
militar, sem prejuízo das sanções penais cabíveis". (disponível em www.cpdoc.fgv.br, acesso em 20
Dez 07).