Download PDF
ads:
SÔNIA FILIÚ ALBUQUERQUE LIMA
APRENDIZAGEM COOPERATIVA EM UMA SALA DE
AULA: UMA ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA DAS
POSSIBILIDADES E LIMITES
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
Campo Grande - MS
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
SÔNIA FILIÚ ALBUQUERQUE LIMA
APRENDIZAGEM COOPERATIVA EM UMA SALA
DE AULA: UMA ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA
DAS POSSIBILIDADES E LIMITES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Mestrado em Educação da
Universidade Católica Dom Bosco como parte
dos requisitos para obtenção do grau de Mestre
em Educação.
Área de Concentração: Práticas
Pedagógicas e Formação de Professores
Orientadora: Drª Ruth Pavan
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
Campo Grande - MS
2007
ads:
3
APRENDIZAGEM COOPERATIVA EM UMA SALA
DE AULA: UMA ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA
DAS POSSIBILIDADES E LIMITES
SÔNIA FILIÚ ALBUQUERQUE LIMA
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________
Prof. Dr.
_______________________________
Prof. Dr.
_______________________________
Prof. Dr
Campo Grande, .........de.......de 2007
4
“Temo que metade das pessoas considere que qualquer
programa educacional de algum valor ou integridade
seja uma panacéia sem valor, e que a outra metade
considere que toda panacéia sem valor seja uma
promessa de excelência educacional”.
Matthew Lipman
5
A todos aqueles que acreditam no potencial humano “escondido”.
6
AGRADECIMENTOS
A concretização deste trabalho contou com a colaboração de várias pessoas e instituições,
mas em primeiro lugar, agradeço ao Deus Criador, doador das forças e da sabedoria e
inseparável companheiro de interação nos momentos nunca solitários de estudo.
Sou ternamente grata ao meu esposo Erasmo pelo apoio incondicional e aos meus filhos
Gustavo, Carolina e Juliana por suportarem com relativa paciência as minhas ausências.
Em especial agradeço à Professora Drª Ruth Pavan, minha orientadora com quem muito
aprendi, pela paciência, apoio e orientações precisas essenciais para a conclusão dessa etapa
final.
Meus especiais agradecimentos ao Professor Dr. José Camilo Santos Filho, orientador na
primeira etapa desta caminhada que com sua vasta experiência e conhecimentos profundos,
conserva o dom de permanecer humano.
À Profª. Drª. Leny Teixeira, com quem muito aprendi nas aulas, meus agradecimentos
pelas análises minuciosas e recomendações pertinentes na banca de qualificação.
Agradecer às Professoras Drª. Jeanete Liasch Martins de Sá e à Drª. Maria de Lourdes
Ramos da Silva Carvalho pelos pareceres criteriosos.
Ao Professor Dr. Celso Ferrarezi Jr., Diretor da UNIR-GM, agradeço não só pelas
leituras aguçadas e questionamentos profundos mas sobretudo pela atitude instigadora, humana e
ética que me serviu de desafio e inspiração.
Agradeço à Professora Doutora Wany Sampaio, da UNIR, pelas sugestões e à amiga Drª
Carmelita Domingues, pelo tempo dispensado, por poder compartilhar as incertezas e ansiedades.
Agradeço também a diretora da escola onde foi aplicado o Projeto, pela sua disposição,
dedicação, apoio, pela leitura do trabalho e pela amizade que surgiu desta experiência.
De maneira muito especial, agradeço às professoras da escola, a quem cabe o real mérito
dessa experiência, que tiveram coragem de enfrentar o novo, com dedicação de muitas horas de
reunião, estudo e planejamento, com paciência para recomeçar sempre que necessário. Obrigada
pela oportunidade de eu haver crescido com vocês.
7
LIMA, Sônia Filiú Albuquerque Lima. Aprendizagem Cooperativa em uma sala de aula:
uma análise sócio-histórica das possibilidades e limites. Campo Grande, 2007. 254p Dissertação
(Mestrado) Universidade Católica Dom Bosco.
RESUMO
Esta pesquisa é um estudo de caso da implantação da aprendizagem cooperativa em
uma sala de aula, vinculada à Linha de Pesquisa: Práticas Pedagógicas e Formação
Docente. O objetivo do estudo foi analisar, sob a perspectiva sócio-histórica, os limites e as
possibilidades da metodologia da aprendizagem cooperativa aplicada em uma sala de aula.
A investigação qualitativa teve como principal instrumento a observação participante e a
análise de dados foi interpretativa. Foi possível concluir que a formação docente, sua
concepção epistemológica da aprendizagem compatível com a aprendizagem cooperativa,
a incorporação dos seus princípios e a instrumentalização metodológica foram causas
primárias identificadas das condições favoráveis e das dificuldades. As condições
favoráveis secundárias foram os acordos sobre as regras, organização do tempo, atividades
de auto-avaliação do grupo, formação de grupos de acordo com os objetivos desejados e
atividades interativas desafiadoras. Os obstáculos secundários foram problemas de
disciplina, conflitos entre os alunos, atividades individuais e passivas, dependência do
aluno em relação a seus colegas e reprodução do erro do outro. As reflexões deste estudo
levam a implicações para a formação docente, pois as articulações entre aprendizagem
cooperativa e perspectiva sócio-histórica somente serão factíveis se ocorrerem nas
concepções do professor.
PALAVRAS-CHAVE: aprendizagem cooperativa, perspectiva sócio-histórica,
formação de professores.
8
LIMA, Sônia Filiú Albuquerque Lima. Cooperative Learning in a classroom: an social-
historic analyse of the possibilities and limits. Campo Grande, 2007. 254p Paper (Master´s)
Dom Bosco Catholic University - UCDB.
ABSTRACT
This research is a case study about the implantation of the cooperative learning in a
classroom, linked at research line: Pedagogical Practical and Teaching Formation. The
research objective was to analyse, in socio-historic perspective, of the possibilities and
limits of the cooperative learning methodology applied in a grouped grades. The
qualitative investigation had participative observation as main instruments. The teacher’s
formation, his epistemological conception of learning in harmony whit cooperative
learning and the incorporation of the its principles and the methodological
instrumentalization were the primaries causes of the favorables conditions and the
difficulties identified. The secondary favorable condition identified were common
agreement on the rules, organization of time, self-evaluation of the group, interactivies
with challenge activities with controversial questions. The secondary obstacles were
discipline problems, conflicts among students, individual and passive activities, noxious
dependence on the performance of the students of this friendship and reproduction other’s
error. The reflections of this study conduct to teacher’s formation implications, because
the articulations inter cooperative learning and social-historic perspective as soon as will
be feasible if to happen in the teacher’s conceptions.
KEYWORDS: Cooperative learning, social-historic perspective, teacher’s
formation.
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Quadro sumário das dificuldades observadas na implantação da
Aprendizagem Cooperativa................................................................................................
Figura 2 - Quadro sumário das condições favoráveis observadas na implantação da
Aprendizagem Cooperativa................................................................................................
Figura 3 - Quadro sumário das dificuldades no processo cognitivo da Aprendizagem
Cooperativa.........................................................................................................................
Figura 4 - Quadro sumário das condições favoráveis aos aspectos psicológicos da
Aprendizagem Cooperativa................................................................................................
131
133
171
173
10
LISTA DE TABELA
Tabela 1 - Diferença entre percentuais de acertos individuais e de acertos em grupo, em
atividade de interpretação de texto com dez
questões..............................................146
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Comparação entre grupos de trabalhos tradicionais e grupos de Aprendizagem
Cooperativa
......................................................................................................41
12
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1. Grupo grande com a presença da
professora..................................................................100
2. Grupo de formação por
afinidades..................................................................................102
3. Alunos participando de jogos
educativos........................................................................164
13
LISTA DE ANEXOS
Anexo1 - Questionário Respondido pela Professora.....................................................
Anexo 2 - Entrevista Semi-estruturada com a Professora Janeiro de ........................
Anexo 3 - Desenvolvimento do Espírito de Equipe......................................................
Anexo 4 - Técnicas Específicas de Aprendizagem Cooperativa...................................
Anexo 5 - Duplas Cooperativas.....................................................................................
Anexo 6 - Jogo “The Flash”..........................................................................................
Anexo 7 - Jig-Saw…………………………………………………………………….
Anexo 8 - KWL……………………………………………………………………….
Anexo 9 - A Formação dos Grupos...............................................................................
Anexo 10 - Como Formar Grupos Heterogêneos..........................................................
Anexo 11 - (In) Disciplina.............................................................................................
213
214
215
220
222
223
224
225
226
229
232
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................
1
CAPÍTULO 1
1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...............................................................................
11
1.1 - Perspectiva Sócio-Histórica: Contexto da Origem.......................................................
12
1.1.1 – Perspectiva Sócio-Histórica................................................................................
15
1.1.1.1 – Aprendizagem na Perspectiva Sócio-histórica.......................................... 19
1.1.1.2 - Desenvolvimento na Perspectiva Sócio- Histórica.................................... 28
1.1.1.2.1 - Lei Genética Geral do Desenvolvimento Cultural...................................
32
1.1.1.2.2 - Zona de Desenvolvimento Proximal....................................................... 34
1.1.1.2.3 - Zona de Desenvolvimento Proximal entre o Tédio e a Ansiedade..........
37
1.2 - Aprendizagem Cooperativa..........................................................................................
38
1.2.1 - Conceitos da Aprendizagem Cooperativa............................................................
40
1.2.2 - Histórico da Aprendizagem Cooperativa............................................................
42
1.2.3 - Princípios Básicos da Aprendizagem Cooperativa.............................................. 43
49
1.2.4 - Formação Básica: Grupos Heterogêneos.............................................................
1.2.5 - Resultados de Pesquisas sobre a Aprendizagem Cooperativa
51
1.3 - Articulação entre Aprendizagem Cooperativa e Perspectiva Sócio-
Histórica................................................................................................................................
52
1.3.1 – Da Democracia Liberal para os Fatores Sociais , Culturais e Históricos............
53
1.3.2 - Behaviorismo versus Perspectiva Sócio-Histórica...............................................
54
1.3.3 - Os Educandos com a Palavra e o Desenvolvimento da Consciência...................
60
1.3.4 - Formação Docente para a Aprendizagem Cooperativa........................................
64
1.4 - Sumário do Capítulo.....................................................................................................
67
CAPÍTULO 2
2.PERCURSO METODOLÓGICO........................................................................
74
2.1 - A Pesquisadora e a Pesquisa........................................................................................ 75
2.2 - A Escola e os Sujeitos..................................................................................................
77
2.2.1 - A Diretora............................................................................................................
78
2.2.2 - A Professora........................................................................................................
79
15
2.2.3 - A Sala de Aula Estudada.................................................................................... 81
2.2.4 - Os Alunos e Suas Famílias..................................................................................
82
2.3 - Instrumentos............................................................................................................... 85
2.4 - A Coleta de Dados.......................................................................................................
86
2.5 - A Análise dos Dados................................................................................................... 88
2.6 - Sumário do Capítulo.................................................................................................... 89
CAPÍTULO 3
3. PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA AC: CONDIÇÕES FAVORÁVEIS E
DIFICULDADES................................................................................................................
92
3.1 - Problemas de Disciplina.............................................................................................. 93
3.2 - Formação dos Grupos.................................................................................................. 100
3.2.1 - Grupos Grandes de Séries Separadas..................................................................
100
3.2.2 - Grupos de Afinidades..........................................................................................
102
3.2.3 - Grupos de Formação Aleatória............................................................................
104
3.2.4 - Grupos de Formação Direcionada.......................................................................
105
3.2..5 - Cooperação Espontânea..................................................................................... 106
3.3 - Conflitos entre os Alunos.............................................................................................
111
3.4 - Mudanças nas Atividades Propostas............................................................................ 126
3.5 – Sumário do Capítulo....................................................................................................
129
CAPÍTULO 4
4. O PROCESSO COGNITIVO NA AC: CONDIÇÕES FAVORÁVEIS E
DIFICULDADES................................................................................................................
137
4.1 - Natureza da Relação Horizontal.................................................................................. 138
4.2 - Maior Desempenho Acadêmico na Aprendizagem Cooperativa................................ 144
4.3 - Heterogeneidade dos Alunos nos Grupos.................................................................... 151
4.4 - Natureza das Atividades na Aprendizagem Cooperativa.............................................
163
4.5 - Sumário do Capítulo.....................................................................................................
170
CAPÍTULO 5
5. POSSIVEIS IMPLICAÇÕES PARA SALA DE AULA CONVENCIONAL...........
177
5.1 - Possíveis Dificuldades: A Indisciplina.........................................................................
180
5.2 - Atividades (in) Apropriadas.........................................................................................
182
5.3 - Conflitos Pessoais entre Alunos.................................................................................. 185
16
5.4 - A Heterogeneidade da Sala de Aula.............................................................................
186
5.5 - A Formação Docente....................................................................................................
189
5.6 - Sumário do Capítulo.....................................................................................................
192
CONCLUSÃO.....................................................................................................................
196
REFERÊNCIAS .................................................................................................................
203
17
INTRODUÇÃO
Solto a voz na estrada, já não posso parar, meu
caminho é de pedra, como posso sonhar?
Milton Nascimento
Desde muito cedo, em minha experiência como professora, tenho acreditado no
valor da interação social no processo de elaboração do conhecimento. No entanto, o tema
ganhou relevante significado para mim, após ter entrado em contato com a metodologia
denominada Aprendizagem Cooperativa
1
, cujos aspectos formativos e procedimentos
foram focalizados tanto na formação acadêmica como profissional.
Nessa metodologia de ensino e aprendizagem os alunos estudam em pequenos
grupos e diante deles são colocadas situações favoráveis à construção compartilhada de
conhecimentos, como questões desafiantes para serem resolvidas ou tarefas para serem
desempenhadas em conjunto. Nas atividades compartilhadas, os alunos interagem em
níveis heterogêneos de aprendizagens específicas, possibilitando a construção de novos
significados e o desenvolvimento em vários aspectos. Acredita-se, dessa perspectiva, que
1
A Aprendizagem Cooperativa no Brasil está mais associada à modalidade da Educação à Distância
(Martins, 2000 e Griebler, 2002). Nessa modalidade, Aprendizagem Cooperativa denomina a interação entre
aprendizes ao utilizarem ferramentas tecnológicas que permitem uma construção de conhecimento de forma
compartilhada, tais como: discussão on-line, fórum e correio eletrônico. No entanto, neste trabalho refiro-me
a Aprendizagem Cooperativa desenvolvida em sala de aula, no ensino presencial.
18
tal interação desencadeie desenvolvimentos cognitivos, sociais e afetivos mais eficazes que
nas formas individualizadas de aprendizagem.
Acreditando nas vantagens dessa metodologia, iniciei em 1998, nos Estados de
Rondônia e Acre, junto com alguns professores, um programa de capacitação para a
aplicação da proposta da Aprendizagem Cooperativa aos docentes das Escolas Adventistas,
às quais prestava orientação pedagógica. Não era nossa pretensão que tal prática fosse
adotada como procedimento padrão. Objetivamos alcançar uma adoção gradativa, a partir
da consciência e segurança dos professores sobre esse fazer pedagógico e seus
fundamentos teóricos.
Aparentemente, muitos deles motivaram-se para a execução da referida prática.
Entre estes, alguns evidenciavam a incorporação dos fundamentos da metodologia,
buscando maior preparo e crescimento na experiência. Outros iniciavam, contudo, depois
de algum tempo, retornavam à prática na qual estavam mais seguros. Outros ainda nem
tentavam mudar.
A questão da Aprendizagem Cooperativa tornou-se instigante para mim. Quais
seriam os fatores levavam os professores a incorporá-la ou a rejeitá-la em suas
experiências? Procurei levantar as pesquisas específicas realizadas sobre tal metodologia
no Brasil encontrando poucos estudos sobre o assunto, tais como Domingos (1998) e Melo
(1997).
Apesar de não tratarem especificamente da Aprendizagem Cooperativa, os
estudos de Góes (1997) sobre o papel do outro na elaboração do conhecimento e de
Smolka & Wertsch (1994) sobre a construção coletiva do conhecimento diante das
múltiplas vozes na sala de aula, chamaram-me a atenção por estarem, de certa forma
também relacionados ao tema estudado.
19
Encontrei referências a mais de duzentas pesquisas (Kagan, 1985, Johnson et
al, 1981 e Slavin, 1983) sobre a Aprendizagem Cooperativa que foram revisadas nos
Estados Unidos e os resultados apontam para um maior efeito positivo no desempenho
acadêmico para os métodos cooperativos, em relação a outros métodos. No entanto,
algumas constatações, a partir da minha observação das experiências dos professores,
mostravam-se problemáticas.
Interessei-me por estudar o tema da Aprendizagem Cooperativa, nesta
pesquisa, ao participar da construção e do acompanhamento de uma proposta pedagógica
específica para uma das escolas à qual prestava assessoria pedagógica e que privilegiava a
Aprendizagem Cooperativa como sua característica definidora. Pareceu-me pertinente e
relevante estudar o tema de forma empírica, a partir da referida experiência da qual eu
deveria acompanhar a execução.
No início de 1999, essa escola estava na iminência de interromper
temporariamente seu funcionamento, pois o pequeno número de alunos não a tornava
viável do ponto de vista da sua manutenção financeira. Por consenso e solicitação do
Conselho Escolar, professores e pais, a escola passou a funcionar com os alunos em séries
agrupadas, tendo o projeto pedagógico para esse fim, sido aprovado pelo sistema de
ensino. A adoção das metodologias da Aprendizagem Cooperativa constituiu-se no
principal diferencial do projeto.
Nas salas da escola em que a proposta foi aplicada, ficou bem evidente a
heterogeneidade dos alunos. Parti do pressuposto de que os alunos de séries diferentes, por
estarem em níveis de desenvolvimento distintos, ao interagirem trocando experiências,
ensinando e aprendendo, podem oferecer ajuda mútua, representando assim, um benefício
comum. Como muitos conteúdos entre as duas séries são similares, nessas atividades, os
20
“mais adiantados” poderiam ajudar os “menos adiantados” nas atividades e, por sua vez, ao
ensinarem, estariam aprendendo mais.
Após os primeiros meses de aplicação e acompanhamento da proposta,
algumas perguntas intrigantes foram surgindo: os alunos estariam aprendendo efetivamente
dessa forma? Seria possível assegurar a abordagem mínima dos conteúdos básicos para
cada série? E a disciplina, como ficaria? Os professores estariam entendendo o porquê de
sua prática? O entusiasmo de alguns professores que adotam tal proposta não sinalizaria
mais um modismo em educação?
Um dos principais objetivos da proposta era propiciar aprendizagem de
qualidade. Por aprendizagem de qualidade, entendíamos um processo que fosse além da
aquisição de conhecimentos estandardizados e por vezes apenas em nível de memorização.
Entendíamos que o conhecimento deveria ser elaborado a partir da realidade vivenciada
pelo aluno, e estar relacionado aos seus conhecimentos prévios. Buscávamos, em suma,
propiciar condições para a construção de aprendizagens significativas.
Diante dos objetivos propostos, surgiram surpresas, frustrando expectativas ou
superando-as. Percebi que estava diante de um caminho novo. Lembrei-me de trechos de
uma nova estrada que conduzia ao colégio interno no qual trabalhei há alguns anos atrás.
Em algumas partes não pavimentadas havia muitas pedras. Eram as dificuldades do
caminho pelas quais devíamos passar com cuidado, parar para retirar as pedras da
passagem ou, se muito grandes, fazer um desvio por outro caminho. Para viagens noturnas,
era necessária uma boa iluminação, pois se as pedras não fossem visualizadas poderiam
causar sérios acidentes e danos, mas não só de pedras era o caminho. Havia também
elementos que favoreciam a viagem: a aprazível paisagem da floresta amazônica. Floresta
21
já não tão virgem, mas ainda salpicada de ipês cobertos de flores amarelas. Tal visão
repousante parecia tornar o caminho mais fácil, a despeito das pedras.
Assim como as pedras e as flores daquele caminho, as dificuldades e as
condições facilitadoras que se descortinavam na prática da Aprendizagem Cooperativa
chamaram-me a atenção. Percebi que estava diante de várias questões intrigantes, que por
fim, configuraram-se como problemas desta pesquisa:
? A aprendizagem cooperativa poderia ser positiva na formação dos
alunos? Qual a sua aplicabilidade em uma sala de aula de séries agrupadas?
Diante destes problemas, pareceu-me pertinente e relevante estudar o tema de
forma empírica, desvelando a realidade de uma sala de aula. O objetivo desta pesquisa,
portanto, foi:
? Analisar os limites e as possibilidades da metodologia da aprendizagem
cooperativa aplicada em uma sala de aula de séries agrupadas.
Os objetivos específicos, que concorreram para a obtenção do objetivo geral,
foram assim definidos:
a) Identificar e analisar as condições favoráveis e as dificuldades apresentadas
no processo de implantação da metodologia da Aprendizagem Cooperativa em uma sala de
séries agrupadas;
b) Identificar e analisar as condições favoráveis e as dificuldades à construção
de aprendizagem, considerando seus aspectos psicológicos.
c) Analisar as possíveis implicações para a prática educativa convencional
decorrente das constatações das condições favoráveis e das dificuldades na aplicação da
proposta e na aprendizagem dos alunos que participam em uma sala de séries agrupadas da
metodologia da Aprendizagem Cooperativa.
22
Por que realizar este estudo em uma sala de séries agrupadas e não em uma
sala de aula convencional? Por algumas razões: o funcionamento daquelas salas, devido à
sua contingência, dependia da aplicação do referido projeto pedagógico. Ou seja, ali, a
Aprendizagem Cooperativa seria aplicada sistematicamente. Por outro lado, pressupõe-se
que toda sala de aula convencional, por mais homogênea que possa parecer, sempre será de
fato heterogênea, em menor ou maior grau. Sendo assim, à medida que o professor
conseguisse perceber essas diferenças de nível de aprendizagens específicas entre seus
alunos e soubesse promover situações de cooperação entre eles, mais enriquecedor e
efetivo poderá ser o processo de aprendizagem de tais alunos. Desta forma, algumas
conclusões desta pesquisa poderiam ter implicações para uma sala de aula convencional.
O objeto de estudo desta pesquisa foi se definindo no decorrer das observações.
Em princípio, pensava estudar a construção do projeto ou a prática docente nela inserida.
Finalmente, o objeto de estudo foi delimitado na prática da Aprendizagem Cooperativa.
Ficou decidido, também, que o espaço estudado seria a sala de aula onde funcionava
terceira e quarta séries e ali, focalizei minhas observações nas interações dos alunos,
buscando entender a dinâmica de suas relações na construção da aprendizagem.
O que justifica esta pesquisa?
Espera-se hoje em dia, que os profissionais saibam trabalhar em equipe. As
habilidades sociais e de cooperação são fundamentais também nos ajustamentos
acadêmicos, familiares e nos relacionamentos pessoais. Além do que, dentro dos ideais de
democracia, o homem tem a necessidade de participação nas discussões e soluções de seus
problemas.
De acordo com as pesquisas americanas os estudantes aprendem mais
eficazmente nas diversas áreas de estudo quando trabalham de forma cooperativa do que
23
quando o fazem individualmente ou de forma competitiva. Suas atitudes éticas são
desenvolvidas, passam a lidar melhor com os conflitos e a perspectiva do outro, além de
desenvolver a autonomia e a responsabilidade. Ao trabalhar em equipes heterogêneas, os
alunos aprender a lidar com as diferenças pessoais e culturais.
Do ponto de vista de uma ética solidária, a proposta da Aprendizagem
Cooperativa estaria em vantagem em relação a outros métodos de ensino, tanto
conservadores como progressistas, que acabam reforçando, muitas vezes de forma
inconsciente, a competição e o individualismo.
Entre as propostas metodológicas que reforçam o individualismo, há as
conservadoras que concebem um sujeito passivo, receptor de conteúdos a serem
reproduzidos, geralmente em um contexto disciplinar rígido em que o silêncio é
privilegiado em detrimento da troca de idéias. Há, por outro lado, aquelas práticas
derivadas de uma visão progressista em que o sujeito deve ser visto como um ser ativo,
interagindo com o objeto do conhecimento, porém em uma construção individual, na qual
a participação do professor é apenas indireta.
A escola reforça a competitividade ao prestigiar individualmente os alunos
mais adiantados com boas notas, recompensas e destaques, como se nenhuma
responsabilidade eles tivessem para os que estão menos adiantados. Nesta visão, a
cooperação entre colegas nem sempre é bem vista, uma vez que alguns alunos se
limitariam a reproduzir mecanicamente o que os colegas fizeram sem, nesse caso,
aprenderem de fato.
A Aprendizagem Cooperativa seria, então, uma proposta alternativa às
metodologias citadas, ao mesmo tempo em que, seria uma proposta mais coerente com os
valores como solidariedade, respeito mútuo, cooperação, eqüidade, justiça, cidadania,
24
enfim. Se for da competência da escola ensiná-los, ela tem perdido ótimas oportunidades,
relegando ao nível de discurso o seu papel na formação da cidadania.
Partindo-se então do pressuposto que a metodologia proposta seja uma prática
vantajosa e, portanto desejável, que dificuldades se interporiam entre a constatação de seu
valor e uma maior adesão por parte dos docentes? Que condições a facilitariam? O
desvelamento e a análise desses elementos parecem ser fundamentais para o planejamento
e a construção de pontes e novos caminhos. A visão de tal possibilidade justifica esta
pesquisa.
No primeiro capítulo apresento um breve referencial da teoria vigotskiana, seus
conceitos e construtos pertinentes a esse estudo, bem como a fundamentação, conceitos e
princípios da Aprendizagem Cooperativa e uma proposta de articulação entre as duas
teorias. A perspectiva sócio-histórica de Vigotski e as orientações da Aprendizagem
Cooperativa originam-se, em uma primeira análise, de bases teóricas divergentes e
mutuamente excludentes. Podem ser consideradas também, como oriundas de escolas
psicológicas distintas. Proponho, contudo, a possibilidade de articulação entre as duas
teorias e procuro demonstrar as razões para essa aproximação.
No segundo capítulo, descrevo o método da pesquisa. A apresentação e a
discussão dos dados foram divididas em três capítulos. Mesmo incorrendo na possibilidade
de cometer erros de precisão na categorização dos dados, por estarem estreitamente
relacionados, procurei agrupar, no terceiro capítulo, os dados relativos ao processo de
implantação da Aprendizagem Cooperativa, relacionados de forma relativamente indireta à
aprendizagem dos alunos. No quarto capítulo, os dados foram agrupados por ligação mais
direta com a aprendizagem, considerando seus aspectos psicológicos. No quinto capítulo
25
são discutidas possíveis implicações dos resultados levantadas para um contexto
educacional convencional.
26
CAPÍTULO 1
27
1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O aprendizado humano pressupõe uma natureza social
específica e um processo através do qual as crianças
penetram na vida intelectual daqueles que a cercam.
Vigotski
O objetivo deste capítulo é apresentar um sucinto quadro da perspectiva sócio-
histórica de Vigotski bem como esboçar conceitos e fundamentos da Aprendizagem
cooperativa segundo seus principais teóricos. Em um primeiro momento, apresento o
contexto histórico e filosófico que influenciou a teoria vigotskiana e seus conceitos e
construtos teóricos que trazem luz a esse trabalho. Por último, são apresentados os
fundamentos da Aprendizagem Cooperativa e sua relação com a perspectiva adotada.
Vários estudiosos da educação valorizaram e recomendaram a construção
social da aprendizagem escolar, tais como Jean Piaget (1994) e Célestin Freinet (1985).
Contudo, Lev Semenovich Vigotski
2
(1896-1934) foi escolhido como principal teórico
desta pesquisa por ter ele priorizado a interação social no processo de elaboração do
conhecimento. Seus conceitos e argumentos nos remetem a reflexões e inspiram pesquisas
em áreas relacionadas à prática pedagógica. Contudo, a descoberta de parte de suas idéias
2
A ortografia do nome de Vigotski é diferente nas várias línguas ocidentais, de acordo com a transliteração
da grafia do alfabeto cirílico. Optei por essa forma por ser a mais freqüente na literatura pesquisada no Brasil.
28
no Ocidente e ainda recente e sua teoria carece de uma maior estruturação. Por isso, há o
risco de que seu pensamento seja mal interpretado. Consciente disso, procurei recorrer não
somente às suas obras, disponíveis em português e inglês, como também aos escritos que
chegam até nós, através dos seus discípulos Luria e Leontiev que continuaram suas
pesquisas e a outros especialistas em sua teoria como Wertsch, Smolka, Oliveira, Cole,
Scribner, Davidov, Saxe, entre outros.
As concepções teóricas de Vigotski, pertinentes a esse trabalho, precisam ser
compreendidas dentro do escopo da abordagem Sócio-Histórica em psicologia
caracterizada como marxista. Mas, que aspectos do marxismo caracterizam sua
perspectiva? O que significa o histórico cultural para Vigotski? Para esclarecer essas
questões, mesmo de forma concisa, é preciso revisitar o contexto sócio-histórico da Rússia,
o pensamento que “fervilhava” em sua época e que o influenciou, e ainda, considerar o
momento delicado que atravessava a Psicologia como ciência.
1.1 - Perspectiva Sócio-Histórica: Contexto da Origem
A produção intelectual intensa de Vigotski desenvolveu-se em dez anos,
compreendidos de 1924 a 1934, quando faleceu de tuberculose. Esse período, chamado de
pós-revolucionário, sucedeu a Revolução de 1917, que mudou radicalmente a história da
Rússia e influenciou seu pensamento.
No início do século XX, a Rússia tinha a maior população da Europa, a mais
extrema pobreza e falta de escolaridade para cerca de 80% de sua população. Luria (1992),
companheiro de pesquisas e discípulo de Vigotski, explica que a natureza repressiva do
regime ditatorial dos czares refletia-se no sistema educacional, elaborado para manter o
29
lugar de cada um em sua classe social. As desigualdades e a opressão social tornaram-se
insustentáveis. Entre várias correntes políticas, o marxismo destacou-se como um conjunto
de idéias desenvolvidas por Karl Marx (1818-1893) que criticava a exploração capitalista e
propunha um sistema mais igualitário: o socialismo. Segundo Luria, toda a sua geração,
mesmo os que não estavam envolvidos diretamente na revolução, foi inspirada pela energia
revolucionária na expectativa de realizar um progresso tremendo, em um intervalo de
tempo pequeno (LURIA, 1992, p. 23).
Em 25 de outubro de 1917 - no calendário russo - a oposição, formada pela
maioria oprimida (bolcheviques), deflagra a chamada revolução vermelha e toma o poder.
A revolução russa pôs abaixo as barreiras de classe, libertando especialmente a geração
mais nova, para discussão de novas idéias, novas filosofias e sistemas sociais.“A revolução
nos libertou”, sintetiza Luria (1992, p. 24). Vigotski e Luria viveram mudanças imediatas
em seus estilos de vida, de forma mais radical ainda, por serem filhos de judeus, para
quem, as oportunidades de estudo e trabalho eram mínimas, antes da revolução.
Cipolla (1992) em epílogo biográfico sobre Luria, explica que na ocasião, a
maioria dos estudantes, companheiros de Luria, não tinha familiaridade com o marxismo,
mas percebia as oportunidades que o movimento lhe oferecia. Todos os psicólogos russos
apregoavam a relação de suas teorias com o marxismo: “nenhuma teoria psicológica que
não tomasse o marxismo como ponto de partida poderia obter sucesso” (CIPOLLA, 1992,
p.206).
No entanto, seria um engano de interpretação a inclusão do marxismo na
psicologia soviética como uma pressão política. Havia um espírito de entusiasmo e
otimismo que os motivava, apesar das incertezas: “Fomos arrebatados por um grande
30
movimento histórico. Nossos interesses pessoais foram consumidos em favor das metas
mais amplas de uma nova sociedade coletiva” (LURIA, 1992, p. 25).
Havia uma crença extremada na ciência e um grande otimismo em relação à
escolarização, acreditando-se que esses dois fatores trariam a solução para os problemas
sociais e econômicos do povo soviético (COLE e SCRIBNER, 1998). A crença nos
poderes da educação foi traduzida na frenética elaboração de programas educacionais
eficientes que erradicassem o analfabetismo e oferecessem melhores oportunidades a todos
os cidadãos. Segundo Luria (1988, p. 26): “Instrumentos culturais especiais como a escrita
e a aritmética, expandem enormemente os poderes do homem.
Vigotski (1998) surge nesse cenário propondo, também, uma psicologia
marxista. Mas a que aspectos do marxismo ele se refere? Vigotski parece não querer fazer
uso oportunístico de Marx, como disse:
Não quero descobrir a natureza da mente pela colagem de um conjunto de
citações. Quero saber como a ciência deve ser construída para abordar o
estudo da mente tendo aprendido todo o método de Marx (VIGOTSKI, 1998,
p.10, grifo do autor).
Interessava especialmente, para ele, a dialética de Marx como método de
pesquisa e explicação dos processos da mente. Segundo Cipolla, (1992), é especialmente
pelo método dialético - incorporado por influência de “Dialética da Natureza” de Engels e
do “Das Kapital” de Marx que sua Psicologia se caracteriza como marxista.
Smolka, estudiosa brasileira do pensamento vigotskiano, confirma que a
influência do marxismo é mais visível no método de Vigotski que em seu desenvolvimento
teórico para a Psicologia. A autora percebe a ausência de um maior desenvolvimento de
implicações das concepções de Vigotski sobre as relações sociais, para um contexto mais
31
amplo da sociedade, como as questões de consciência de classe, por exemplo - questões
levantadas no cenário social e filosófico em que sua teoria foi desenvolvida. Em vez disso,
Vigotski “centrou sua atenção em questões de interação social concreta, talvez envolvendo
duplas ou outros pequenos grupos”, observa Smolka e complementa:
O resultado é que, embora o discurso de Vygotsky sobre “relações sociais”
soe muito parecido com frases empregadas nos textos marxistas, nos quais ele
se baseou, seus estudos empíricos quase sempre estiveram restritos a
interação social de duplas ou pequenos grupos. Em nossa opinião isso
constitui uma deficiência da abordagem de Vygotsky (SMOLKA, 1994,
p.126).
Considerando o objeto deste estudo - a Aprendizagem Cooperativa - é
precisamente o seu desenvolvimento teórico/empírico, relativo à interação social de
pequenos grupos, que torna relevante essa abordagem para trazer luz aos dados desta
pesquisa e alcançar o objetivo aqui proposto. Sintetizando essa questão, a conotação da
interação social, em Vigotski, é explorada, mais visivelmente, para explicar a origem dos
processos mentais, especificamente humanos, e mesmo fazendo analogias entre alguns
conceitos do marxismo e categorias psicológicas, a relação com a dimensão política não
fica bem destacada, como era de se esperar de uma Psicologia denominada marxista. Na
aplicação do método, porém, a relação fica mais evidente.
1.1.1 - Perspectiva Sócio-Histórica
Referente à chamada crise na Psicologia, Luria (1992) explica que, na década
de 20, havia cerca de 40 anos que a Psicologia havia sido incluída no rol das ciências
naturais e ainda era discutível se ela podia ou não ser uma ciência objetiva, experimental.
Para alcançar esse “status”, a psicologia havia reduzido o objeto de seu estudo a sensações
32
elementares - aquelas comuns a homens e animais - que pudessem ser demonstradas em
laboratório através de um esquema simples de estímulos e reflexos. Ainda segundo Luria
(1988), embora essa Psicologia fosse valorizada cientificamente, pouco ou nada contribuía
para resolver ou minimizar os problemas existenciais humanos como se manifestam na
escola, no trabalho ou na clínica.
Por outro lado, os processos mentais mais complexos: a atenção voluntária, a
emoção, a memorização ativa, as ações conscientemente controladas, o pensamento
abstrato, chamados de funções psicológicas superiores, ficaram relegados à filosofia, com
estudos descritivos, fenomenológicos, não reconhecidos, então, como científicos. No
máximo, essas funções eram explicadas como uma seqüência complexa de associações do
tipo estímulo-resposta.
Estava criada uma cisão artificial entre a Psicologia, como ciência natural, e a
“Psicologia” encarregada dos processos mentais superiores, especulativa, na opinião
vigente. Em meio ao emaranhado de disputas entre escolas psicológicas rivais, variantes do
naturalismo científico ou do idealismo alemão, Vigotski (1998) propôs, através da dialética
de Marx e Engels, a criação de um sistema que sintetizasse essas abordagens conflitantes.
Dito de forma bem sucinta, ele acreditava que com métodos apropriados de pesquisa e
observação, o estudo dos processos psicológicos superiores, que abarcavam o conceito de
“consciência poderia também ser objeto de demonstração e explicação científica.
Vigotski explica que “o elemento-chave do nosso método [...] decorre
diretamente do contraste estabelecido por Engels entre as abordagens naturalística e
dialética para a compreensão da história humana” (VIGOTSKI, 1998, p.80).
Na abordagem naturalística de análise histórica, supõe-se que somente a
natureza afeta o homem e que somente as condições naturais são determinantes do
33
desenvolvimento histórico. A abordagem dialética admite a influência da natureza sobre o
homem, mas afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza, provoca-lhe
mudanças, criando condições para sua existência. Oliveira (1997) explica que esse
movimento dialético possibilita uma síntese. E a síntese, nesse caso, significa mais que a
justaposição ou a soma de dois elementos, significa a emergência de algo novo,
anteriormente inexistente.
Para Vigotski, uma abordagem metodológica adequada para estudar as funções
psicológicas superiores compreendia o estudo do processo em uma abordagem dialética
entre o indivíduo e o meio na constituição e na origem de tais funções. Isso significa
estudar os processos de desenvolvimento, de aprendizagem, de mudanças enfim, não
apenas verificando o comportamento final, mas o histórico de sua constituição.
Transcorre desse pensamento o sentido do termo “histórico
3
dentro de sua
proposta de Psicologia. Segundo ele,
O conceito de uma psicologia historicamente fundamentada é mal
interpretado pela maioria dos pesquisadores que estudam o desenvolvimento
da criança.(...) Estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no
processo de mudança: esse é o requisito básico do método dialético. Numa
pesquisa, abranger o processo de desenvolvimento de uma determinada coisa,
em todas as suas fases e mudanças do nascimento à morte significa,
fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência, uma vez que ‘é em
movimento que um corpo mostra o que é’. Assim o estudo histórico do
comportamento não é um aspecto auxiliar do estudo teórico, mas sua
verdadeira base (VIGOTSKI, (1998, pp. 85-86, grifo do autor).
3
Conforme Oliveira também explica, Vigotski trata da interação em vários planos históricos: “a história da
espécie (filogênese), a história do grupo cultural, a história do organismo individual na espécie (ontogênese)
e a seqüência singular de processos e experiências vividas por cada indivíduo” (OLIVEIRA, 1997, p. 38). Em
se tratando do contexto pedagógico da escola, o “histórico” deve ser entendido, aqui, no ultimo plano citado,
ou seja como a seqüência particular das mudanças e fenômenos próprios da vivência de cada pessoa.
34
Com esse objetivo, Vigotski realizou várias experimentações com crianças
pequenas, envolvendo situações de interação através da linguagem nas quais certas funções
mentais emergiam-se, evidenciando-se mudanças.
O aspecto social ou cultural da sua teoria psicológica refere-se aos meios
socialmente estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefas que a crianças
enfrentará e os tipos de instrumentos, tanto físicos como mentais, especialmente a
linguagem, com os quais ela dominará aquelas tarefas. “É através da interiorização dos
meios historicamente determinados e culturalmente organizados, que a natureza social das
pessoas tornou-se igualmente sua natureza psicológica” (LURIA, 1988, p. 49). Vigotski
(1998) concluiu que as origens das formas superiores de comportamento consciente
estavam nas relações sociais do homem com o meio ambiente.
O ser humano cresce em um ambiente social e a interação com as outras
pessoas é essencial ao seu desenvolvimento. Por exemplo, crianças que crescem em um
ambiente de surdos-mudos, não desenvolvem a linguagem oral por mais que tenham as
condições inatas necessárias, comenta Oliveira e ainda diz: “O desenvolvimento fica
impedido de ocorrer na falta de situações propícias ao aprendizado” (OLIVEIRA, 1997, p.
57).
O desenvolvimento humano, a aprendizagem e as relações entre
desenvolvimento e aprendizagem são temas centrais no trabalho de Vigotski (OLIVEIRA,
1997). Vigotski concebeu a aprendizagem como “um momento intrinsecamente necessário
e universal para que se desenvolvam essas características humanas não naturais, mas
formadas historicamente” (VIGOTSKI, 1998, p.115). As características humanas de que
fala envolvem especificamente a linguagem e as funções do pensamento decorrentes dela e
que são alteradas qualitativamente nas sociedades escolarizadas. A aprendizagem,
35
portanto, foi concebida como fator indispensável ao desenvolvimento humano. Mas qual a
concepção de aprendizagem para Vigotski?
1.1.1.1 - Aprendizagem na Perspectiva Sócio-Histórica
Vigotski refere-se à aprendizagem de forma direta ou indireta em momentos
distintos em seus escritos referindo-se a diversas pesquisas e temas da Psicologia.
Analisando tais referências, especialmente sobre o que ele denomina de internalização
(1998), o processo de formação de conceitos na criança (2003), as questões da afetividade
(1998), as características das funções mentais superiores (2003), a relação entre
aprendizagem e desenvolvimento e o conceito de zona de desenvolvimento proximal
(1998), busquei elencar os elementos característicos desse processo para ele, esboçando o
que, no meu entendimento, vem a ser o seu conceito de aprendizagem. Antes, porém, faz-
se necessário definir, mesmo em termos genéricos, algumas categorias formuladas pelo
autor como mediação, instrumento, signo e significado.
Oliveira (1997, p. 26), clarificando o conceito vigotskiano de mediação,
exemplifica: quando o indivíduo aproxima sua mão de uma vela e a retira imediatamente
ao sentir a dor, a relação estabelecida entre o calor do fogo (estímulo - “S”) e a reação de
retirar a mão (resposta - “R”) é direta. Mas, se em outra ocasião, retirar sua mão de perto
do fogo pela simples lembrança da dor sentida anteriormente, a relação estímulo-resposta
passa a ser mediada pela lembrança da dor. Se em outro caso, o indivíduo retira sua mão,
porque alguém lhe adverte que pode se queimar, a intervenção dessa pessoa passa a mediar
a relação. No primeiro caso, a mediação “X” se dá pela lembrança da dor e, no segundo
36
caso, pela intervenção da outra pessoa. Vigotski (1998, p. 53) representa essa relação de
mediação da seguinte forma:
S R
X
Esse elo intermediário “X” é um estímulo de segunda ordem que, colocado
no interior da operação, cria uma relação entre organismo e meio e permite ao indivíduo
controlar o seu comportamento (VIGOTSKI, 1998). As relações mediadas passam a
predominar sobre as relações diretas ao longo do desenvolvimento do indivíduo. Esses
mediadores podem ser de dois tipos: os “instrumentos” e os “signos”. Falando sobre a
mediação, Luria diz que “as funções superiores incorporam os estímulos auxiliares que são
tipicamente produzidos pela própria pessoa. Ela não somente responde aos estímulos, mas
também altera ativamente aquele estímulo e usa suas modificações como um instrumento
de seu comportamento” (LURIA, 1988, p. 26). Em outras palavras, o homem,
diferentemente dos animais, tem a capacidade mental de alterar o que seriam respostas
diretas a estímulos do meio. Esse conceito de “mediação através de instrumentos (mentais)
do próprio comportamento” é fundamental para entender o processo de interação social na
construção do conhecimento, e o porquê de a perspectiva de Vigotski ser denominada de
sócio-histórica.
O “instrumentoé um elo interposto entre o homem como trabalhador e o seu
ambiente, ampliando suas possibilidades de transformar a natureza. É, portanto, um objeto
social e mediador da relação indivíduo/meio. Da mesma forma, também, o homem utiliza
mediadores psicológicos. Por exemplo, ele não precisa estar vendo uma determinada
quantidade para operar matematicamente. Basta ter a representação mental da quantidade -
o número para realizar tal operação. Essa representação mental é o signo.
37
O “signo” é um “instrumento psicológico” que representa ou expressa outros
objetos, eventos ou situações. A palavra para representar um objeto, um número para
representar uma quantidade, uma cartola na porta para indicar o sanitário masculino, são
exemplos de signos (OLIVEIRA, 1997). “O signo age como um instrumento da atividade
psicológica de maneira análoga ao papel do instrumento no trabalho [...]. A analogia básica
entre signo e instrumento repousa na função mediadora comum aos dois e que os
caracteriza” (VIGOTSKI, 1998, p. 70). A capacidade de operar com signos ou de utilizar a
função semiótica é uma das diferenças básicas entre a aprendizagem dos homens e dos
animais.
É através dos signos que os significados são elaborados. E para Vigotski
(2003a, p. 181), “significado está relacionado ao “sentido”, subjetivo, ou seja, pode ser
entendido como a concepção individual de um objeto de conhecimento que encontra em
uma relação dialética entre o significado subjetivo, de base cultural, e o significado formal,
objetivo. Ou seja, é a síntese entre a lógica formal sobre determinado objeto e o sentido
subjetivo para quem o concebe. Dessa forma, os significados objetivos ao serem
internalizados passam por uma re-significação, a partir dos contextos individuais de cada
sujeito.
Vigotski (2003a) concebeu a linguagem como elemento constitutivo da
consciência. A palavra é o pensamento em ação e só tem sentido se tiver significado. “Uma
palavra sem significado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da palavra,
seu componente indispensável” (VIGOTSKI, 2003a, p. 150).
O contexto individual significa o conjunto das experiências da cultura de cada
um, sobre o qual é formado o sistema de representação dos signos. Oliveira (1997, p. 50)
apresenta o exemplo da palavra carro, um signo que representa (significa) objetivamente
38
“automóvel de quatro rodas, movido a combustível, utilizado para o transporte de
pessoas”. No entanto, para o motorista de táxi, carro é um instrumento de trabalho,
enquanto que para o adolescente que gosta de dirigir, é uma forma de lazer; para um
pedestre que já foi atropelado tem um sentido ameaçador, que lembra uma situação
desagradável, e assim por diante.
Vigotski deu especial atenção à questão da afetividade na construção do
significado. O intelectual e o afetivo são indissociáveis e não devem ser estudados
separadamente. A “análise em unidade [...] demonstra a existência dinâmica de
significados em que o afetivo e o intelectual se unem. Mostra que cada idéia contém uma
atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento da realidade ao qual se refere”
(VIGOTSKI, 2003, p. 190).
Pode se entender que, quando Vigotski (1998a, pp. 74, 75) refere-se à
internalização de formas culturais de comportamento, ele esteja falando da natureza da
aprendizagem: “Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação
externa [...] a internalização de formas de comportamento envolve a reconstrução da
atividade psicológica tendo como base a operação com signos” (VIGOTSKI, 1998, pp. 74,
75).
Portanto, a aprendizagem para Vigotski é um movimento do âmbito externo
para o interno que inclui uma reconstrução individual e isso supera qualitativamente a idéia
de transmissão passiva e automática dos instrumentos fornecidos pela cultura.
Segundo Castorina (1998), autores situados na tradição vigotskiana referem-se
a essa internalização como “apropriação” da matéria prima cultural (Rogoff, 1990), ou
como “transformação” (Lawrence e Valsiner, 1993), ou mesmo como “domínio” ou
também “apropriação” (Wertsch, 1992) desses instrumentos.
39
Dentro dessa perspectiva, aimitação para Vigotski (1998) não é uma mera
cópia de um modelo, mas a reconstrução individual daquilo que se observa. Essa
reconstrução é possível pela utilização dos instrumentos psicológicos estímulos
auxiliares produzidos pela própria pessoa de quem realiza a imitação e constitui em algo
novo, re-elaborado a partir do objeto imitado (VIGOTSKI, 1998).
A formação de conceitos constitui uma das formas de aprendizagem cognitiva,
processo próprio das funções mentais superiores. Essas funções eram, para Vigotski,
elementos constitutivos do que entendia por consciência”. Vigotski contrapôs-se às
explicações da Psicologia baseada em elos associativos do tipo estímulo/reflexo por não
explicarem, a contento, todos os processos mentais. Para esses processos ou funções
diferentes há tipos diferentes de aprendizagens. E segundo Vigotski (2003a, p. 121), essas
diferenças os associacionistas ignoraram.
As aprendizagens alcançadas através de exercícios mecânicos, que resultam em
hábitos inconscientes, como no exemplo dos exercícios repetitivos de datilografia, ativam
apenas as funções elementares ou inferiores.
Vigotski rejeitou também a transmissão mecânica através de explicações
artificiais pelo professor, a memorização compulsiva e conseguida pelo aluno por
repetição:
Um professor que tenta fazer isso, geralmente não obtém qualquer resultado,
exceto o verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança,
semelhante à de um papagaio, que simula um conhecimento dos conceitos
correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo (VIGOTSKI, 2003a,
pp. 104 -105).
Isso se aplica, por exemplo, ao ensino de fórmulas matemáticas sem que haja o
entendimento de sua construção. O que pode resultar, no máximo, é uma “aprendizagem”
em nível de memorização superficial por parte do aluno, sem a desejada construção de
40
significados, sendo a memorização de conteúdos sem significado, passível de ser
esquecida rapidamente. Portanto, só ocorre aprendizagem de fato quando ela é provida de
significado construído por aquele que aprende.
Os elementos encontrados no mundo real são ordenados em categorias,
possuem significados e são nomeados na língua de um grupo. Desde muito cedo, a criança
entra em contato com esses elementos, no seu cotidiano, observando, experimentando,
imitando e recebendo orientações de pessoas mais experientes de sua cultura. Ao vivenciar
um conjunto de experiências, começa a operar sobre todo o material cultural, os conceitos,
as idéias, objetos concretos, concepções de mundo, enfim os elementos a que tem acesso.
Vigotski (2003a) diferenciou os conceitos cotidianos dos conceitos científicos,
ou, como também são denominados de conceitos espontâneos e conceitos não espontâneos.
Os conceitos cotidianos são construídos a partir da observação, da manipulação e vivência
direta da criança. No seu dia-a-dia, a criança constrói, por exemplo, o conceito de
“cachorro”. A palavra generaliza as características desse animal, não importando sua raça,
cor ou tamanho. Essa palavra o distingue de outras categorias tais como flor, mesa ou bola.
“A linguagem do meio ambiente, com seus significados estáveis e permanentes, indica o
caminho que as generalizações infantis seguirão” (VIGOTSKI (2003a, p. 84).
Os conceitos científicos, no entanto, relacionam-se àquelas categorias que não
estão diretamente acessíveis à observação ou ação imediata da criança. São chamados
também de conceitos verdadeiros ou apenas conceitos. No exemplo dado, o conceito de
cachorro adquire sistematização quando incluído, nas aulas de ciências talvez, em outras
abstrações graduais com diferentes graus de generalizações, como o conceito de mamífero,
animal vertebrado, e outros. E conforme se amplia a abrangência do conceito, maior seu
grau de abstração.
41
Os dois tipos de conceitos estão intimamente relacionados, conforme Vigotski
(2003a). Diante do conceito de mamífero apresentado à criança, ela busca significá-lo
através de sua aproximação com outro conceito já conhecido, o conceito de cachorro, no
exemplo citado. Desta forma, um conceito mais genérico, aproximado de um conceito
cotidiano, estrito e correspondente, adquire significado mais amplo.
Para aprender um conceito científico, faz-se necessário então, que ele seja
relacionado a um outro conceito espontâneo já desenvolvido. “É preciso que o
desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado certo nível para que a criança
possa absorver um conceito científico correlato” (VIGOTSKI, 2003a, p. 135). Um
exemplo de aplicação deste princípio é a proposta de alfabetização desenvolvida por Paulo
Freire (1987), adaptando seu método educacional ao contexto histórico e cultural de seus
alunos, possibilitando que seus conceitos espontâneos, baseados na prática social, fossem
relacionados com os conceitos a serem aprendidos.
Vigotski acredita que é necessário haver um mínimo de maturidade de
determinadas funções mentais para que ocorra o aprendizado: “o desenvolvimento tem que
completar certos ciclos antes que o aprendizado possa começar. A verdade dessa afirmação
é óbvia; existe, de fato, um nível mínimo necessário” (VIGOTSKI, 2003a, p. 118). Esse
desenvolvimento mínimo envolve não somente condições de maturação biológica, mas
também certas aprendizagens cognitivas prévias.
No entanto, para Vigotski o aprendizado atua modificando o curso do
desenvolvimento, caso esse desenvolvimento já exista em potencial, em forma de funções
mentais em amadurecimento, como explica:
Portanto, o único tipo positivo de aprendizado é aquele que caminha à frente
do desenvolvimento, servindo-lhe de guia; deve voltar-se não tanto para as
funções maduras, mas principalmente para as funções em amadurecimento.
42
Continua sendo necessário determinar o limiar mínimo em que, digamos, o
aprendizado de aritmética possa ter início, uma vez que este exige um grau
mínimo de maturidade das funções. Mas devemos considerar, também, o
limiar superior; o aprendizado deve orientar-se para o futuro, e não para o
passado (VIGOTSKI, 2003a, p. 130).
Para Vigotski, a aprendizagem de determinada tarefa ou habilidade não deve
acontecer somente quando a criança já consegue realizar individualmente essa tarefa ou
habilidade. Ao conseguir certo desempenho, interagindo com outra criança mais capaz ou
um adulto, seu aprendizado pode adiantar-se ao desenvolvimento. Neste ponto, encontra-se
um aspecto fundamental da mediação, dentro da sua concepção sobre aprendizagem. A
aprendizagem é um fenômeno que além de ser mediada pelos signos, é necessariamente
mediada pelo outro, ou seja, a aprendizagem é necessariamente um processo social e
cultural.
Se há um nível de desenvolvimento em que a criança consegue dominar certa
habilidade ou conceito somente com assistência de outro mais capaz, e há outro nível de
desenvolvimento, em que ela consegue o mesmo desempenho já de forma independente, a
distância entre esses dois níveis é o espaço de possibilidades, ou o seu potencial para a
aprendizagem através da interação social. A distância entre esses dois níveis, Vigotski
denominou de zona de desenvolvimento proximal ZDP. Pode-se dizer, metaforicamente,
que essa distância é o “palco de negociações” de significados socialmente compartilhados,
onde a construção de novas aprendizagens ocorre pela interação humana. Vigotski
acreditou que “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um
processo através do qual as crianças penetram na vida social daquelas que as cercam”
(VIGOTSKI, 1998, p. 115).
A escola muda qualitativamente o curso do aprendizado humano, não somente
porque o ensino é sistematizado, mas também porque a escola propicia os conhecimentos
43
que não estão associados ao campo visual da criança ou à sua vivência direta. Ela
possibilita o acesso ao conhecimento científico acumulado historicamente pela
humanidade e que, de outra forma, não poderia, ou dificilmente seria aprendido
espontaneamente (VIGOTSKI, 2003a).
A formação de um conceito científico leva não só à consciência desse conceito
mas também à consciência do processo de sua apropriação. O que pode ser chamado de
processo metacognitivo ou ainda de autoconsciência. Assim, uma criança pode ter um
conceito cotidiano de “bola”, mas se lhe pedirmos para dizer o que é bola, ela pode dizer
para que serve ou como é a bola, mas provavelmente não saberá dar uma definição
elementar. Ela tem consciência do que é bola, mas não tem consciência do domínio desse
conceito. Ao dominar os conceitos científicos de “esfera”, por exemplo, não só passa a
conceituar bola, mas adquire a consciência do processo da formação desse conceito. O
aprendizado escolar desempenha um papel decisivo na conscientização da criança de seus
próprios processos mentais. Vigotski conclui que “a consciência reflexiva chega à criança
através dos conceitos científicos” (VIGOTSKI, 2003a, p. 115).
Na perspectiva de Vigotski (1998), a aprendizagem impulsiona o
desenvolvimento. A abordagem genética, em Psicologia, estuda o desenvolvimento
humano. O termo é relativo á origem (gênese) dos fenômenos psicológicos ao longo do
desenvolvimento. A preocupação de Vigotski é tanto com a gênese dos processos
psicológicos ao longo do desenvolvimento da espécie humana (filogênese), como com o
desenvolvimento do indivíduo durante sua vida (ontogênese). Neste trabalho me reporto
aos pressupostos do autor sobre a ontogênese, ao referir-me à sua teoria genética, e que são
pertinentes a essa pesquisa.
44
1.1.1.2 - Desenvolvimento na Perspectiva Sócio-Histórica
Vigotski concebeu o desenvolvimento cognitivo não como um processo apenas
biológico, previsível, universal e linear:
Nosso conceito de desenvolvimento implica a rejeição do ponto de vista
comumente aceito de que o desenvolvimento cognitivo é o resultado de uma
acumulação gradual de mudanças isoladas. Acreditamos que o
desenvolvimento da criança é um processo dialético, complexo, caracterizado
pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções,
[...] imbricamento de fatores internos e externos, e processos adaptativos que
superam os impedimentos em que a criança se encontra (VIGOTSKI, 1998,
pp. 96-97).
O desenvolvimento não é linear ou gradual, mas se dá através de trocas
recíprocas entre fatores internos, biológicos e individuais e fatores externos, o ambiente
social. Segundo Vigotski o “bom aprendizado é somente aquele que se antecipa ao
desenvolvimento” (VIGOTSKI, 1998, p. 117). Para entender essa relação, que parece
inaceitável para muitos, é preciso contra-la a outras concepções da relação
aprendizagem/desenvolvimento analisada por ele.
Em uma primeira concepção, o “desenvolvimento independe da
aprendizagem”, ou seja o desenvolvimento deve antecipar-se à aprendizagem (Ibid, p.103).
Segundo Smith, “nos últimos cinqüenta anos, a maioria dos psicólogos e educadores
ocidentais manteve este ponto de vista” (SMITH, 1998, p. 119). As aprendizagens
possíveis dependem de uma seqüência invariável de estágios atrelados à idade cronológica.
A teoria de Piaget (por exemplo, 1976) é um exemplo dessa forma de entender o
desenvolvimento humano, sendo este um ponto fundamental de divergência entre os
pensamentos de Piaget e Vigotski. Nessa visão, o desenvolvimento é pré-requisito para o
aprendizado, mas este, pouco ou nada tem a ver com o desenvolvimento.
45
Sob este ponto de vista, são supervalorizados os aspectos hereditários e
maturacionais do desenvolvimento e concebe-se que o ser humano já nasce com suas
capacidades basicamente prontas, potencialmente determinadas, necessitando apenas do
amadurecimento para manifestar-se.
O problema deste raciocínio é que ele se apóia de forma extremada nos
aspectos biológicos do desenvolvimento e relega as determinações sociais e culturais a
uma influência mínima. Apenas os aspectos biológicos são suficientes para fazer surgir as
características humanas do desenvolvimento?
O caso real das duas crianças, chamadas de meninas-lobo, citada por Capalbo
(1984), é um exemplo extremo que demonstra que o indivíduo precisa do contato com
outros seres humanos, para desenvolver seu modo de agir, sentir, pensar, seus valores,
conhecimentos, enfim seu desenvolvimento humano. Ao serem encontradas na Índia, em
1920, vivendo entre lobos, não apresentavam características humanas. Não conseguiam
permanecer em pé, andavam como os lobos, comiam, uivavam, viviam como os lobos e
não falavam. Mesmo com oito anos, idade superior à normal para a aquisição da
linguagem, não haviam aprendido a falar, embora tivessem todos os requisitos inatos para
isso.
Segundo Vigotski, a noção corrente de maturação como um processo passivo,
não pode descrever, de forma adequada os fenômenos complexos do comportamento
humano, “sendo ela, per se um fator secundário no desenvolvimento”(VIGOTSKI, 1998,
p. 26, destaque do autor).
Em uma segunda concepção sobre a relação aprendizagem e desenvolvimento,
acredita-se que ambas ocorram ao mesmo tempo. Essa posição inspirada na filosofia
empirista atribui exclusivamente ao ambiente a promoção do desenvolvimento. O
46
desenvolvimento é visto como um conjunto de reflexos condicionados, não importando se
o processo é ler, escrever ou contar. A experiência e o treinamento são fontes de
conhecimento e o comportamento é regido por hábitos. Assim, o desenvolvimento será
determinado pelos fatores externos ao indivíduo, no ambiente (VIGOTSKI, 1998).
O problema de conceber o desenvolvimento como resultado da aprendizagem é
o excessivo valor conferido às influências do ambiente a ponto de essas influências
tornarem-se opressoras e justificativas para o fracasso. Não se concebe, deste ponto de
vista, o aluno contextualizado, já detentor de aprendizagens anteriores e que possa trocar
experiências, contribuir, ajudar os colegas, interagindo não só com o conhecimento, mas
também com o professor e com seus pares.
Vigotski (1998) rejeitou essa teoria de que aprendizagem e desenvolvimento se
identificam, pois ela se baseia na associação estímulo-reflexo que uma vez acumulados
gradualmente resultam no desenvolvimento intelectual.
Uma terceira posição teórica sobre a relação desenvolvimento aprendizagem
considerada eclética, tentava conciliar as duas anteriores, reconhecendo uma certa
interdependência entre os dois fatores: maturação por um lado e ambiente ou treinamento
por outro. Embora essa tentativa de conciliação fosse um avanço, ela não tocava na
essência da relação, reduzindo-a a uma influência mútua.
A posição de Vigotski (ibid) sobre a relação entre aprendizagem e
desenvolvimento é diferente das concepções acima. O biológico e o social, para ele, não
estão dissociados. Porém, mais do que estarem associados, o autor concebeu uma relação
dialética entre aspectos maturacionais e ambientais. O homem é transformado em sua
interação social, na sua cultura, ao mesmo tempo em que a transforma. A interação do
47
indivíduo com o meio é a característica principal da constituição humana, na perspectiva
sócio-histórica.
O que difere a abordagem de Vigotski da terceira teoria apresentada é que a
relação entre fatores inatos e fatores adquiridos não é uma mera influência mútua ou
somatória dos dois fatores. É antes de tudo, uma interação dialética do indivíduo com o
meio social e a cultura na qual está inserido e que acontece desde muito cedo na vida,
sendo a infância considerada um período de determinação dos sistemas funcionais.
Quanto aos estágios universais de desenvolvimento, Vigotski admite que
podem haver semelhanças em certos estágios de desenvolvimento, porém, eles não são
idênticos de uma criança para outra e são mais determinados por fatores sociais e culturais.
As constantes mudanças históricas mudam as oportunidades humanas, não podendo haver
um esquema universal que represente adequadamente a relação entre aspectos internos
(orgânicos) e externos (culturais) do desenvolvimento, (STEINER e SOUBERMAN,
1998).
Portanto, Vygotsky considera que a aprendizagem “acelera”
4
o
desenvolvimento: “...o ‘bom aprendizado’ é somente aquele que se adianta ao
desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1998, p. 147).
Dentro desse universo teórico, dois conceitos são cruciais para a análise dos
dados dessa pesquisa: A “lei genética geral do desenvolvimento cultural” e o conceito de
zona de desenvolvimento proximal”.
4
O termo “acelera” aqui tem o sentido de antecipar o desenvolvimento ainda não consolidado, distingui-se
da acepção do termo como é empregado ultimamente no Brasil em propostas do Ministério de Educação,
quando se faz referência à “aceleração da aprendizagem” no sentido de recuperar aprendizagens consideradas
defasadas na relação idade/série.
48
1.1.1.2.1 - Lei Genética Geral do Desenvolvimento Cultural
A perspectiva sócio-histórica do desenvolvimento das funções mentais
superiores está vinculada à “lei genética geral para o desenvolvimento cultural”. Todas as
formulações teóricas do seu autor estão nela fundamentada. Uma descrição mais
compreensível dessa lei, entre as fontes pesquisadas encontra-se no texto de “The gênesis
of higher mental functions”:
Qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes,
ou em dois planos. Primeiro aparece no plano social e, em seguida, no plano
psicológico. Primeiro entre as pessoas, como categoria interpsicológica e,
depois, no interior da criança, como categoria intrapsicológica. Isso também é
verdadeiro no que diz respeito à atenção voluntária, à memória lógica, à
formação de conceitos, e ao desenvolvimento da vontade...É evidente que a
internalização transforma o próprio processo e altera a estrutura e suas
funções. As relações sociais e as relações entre as pessoas embasam
geneticamente todas as funções superiores e suas relações (VYGOTSKY,
1981, p.163 apud SMOLKA, 1994, p.124).
Deriva dessa lei a concepção segundo a qual, o desenvolvimento humano
ocorre essencialmente pelo contato da criança com os adultos e outras crianças, no seu
convívio diário. Esse contato assume uma natureza social e interativa específica quando se
torna intencionalmente dirigido para a aprendizagem nos anos escolares.
A força dessa afirmação nos remete a alguns pontos importantes. Fica bem
evidente a forma como o autor concebe a construção do conhecimento. O conhecimento é
construído nas interações sociais. O conhecimento também não é apenas produto, uma
cópia simples e direta do que o outro faz e fala, mas é dialeticamente produto e processo,
considerando as transformações ocorridas na internalização.
Smolka ressalta a advertência de Vigotski sobre essa natureza transformadora
da internalização, embora a mesma função apareça nos dois planos, os processos
intramentais não são meras cópias dos processos intermentais.
49
Essa lei, segundo a autora, coloca em dúvida alguns pressupostos da Psicologia
contemporânea. Um pressuposto bem difundido hoje é que o indivíduo pode construir,
sozinho, o próprio conhecimento. No discurso da Psicologia ocidental contemporânea, os
termos como “cognição”, “memória” e “atenção”, “a menos que seja indicado o contrário,
aplicam-se automaticamente ao indivíduo no plano intramental.” Em caso de referência a
um processo social, novos rótulos são criados como “cognição socialmente partilhada”.
Essa é uma concepção individualística da construção do conhecimento, e, uma concepção
tão fortemente arraigada no pensamento ocidental que explica, em parte, algumas
dificuldades encontradas em abarcarmos, imediatamente, a profundidade do pensamento
vigotskiano (SMOLKA, 1994, p.125).
Outro ponto importante da lei genética de Vigotski, apontado por Smolka é
que, segundo seu autor, “mesmo efetuados por um indivíduo isoladamente, os processos
mentais permanecem ‘quase sociais’”. O que se costuma chamar hoje de “processamento
de informações” ou “processos cognitivos”, seriam para ele a fala interior ou o que o
semiólogo Ivanov (1974) denomina de “diálogo interior” (SMOLKA (1994, p. 126).
Isso significa que mesmo em processos realizados isoladamente, como ler um
livro ou refletir sobre uma idéia, o indivíduo dialoga com uma outra voz, o autor do livro
ou com o outro “eu”. Evidentemente, a qualidade desse diálogo não é plenamente social,
mas “quase social”, conforme Smolka salientou.
Decorre da referida lei que os pensamentos de uma pessoa, em termos de
forma e conteúdo, correspondem ao que ela ouve, verbaliza e faz no mundo, ou seja,
corresponde às suas relações entre as pessoas e ao modo como interage com elas e com o
mundo, sendo depois internalizado. Essa internalização ocorre na zona de
desenvolvimento proximal.
50
1.1.1.2.2 - Zona de Desenvolvimento Proximal ZDP
Ao apresentar o conceito da zona de desenvolvimento proximal, Vigotski
(1998a) toma um exemplo hipotético de duas crianças de dez anos de idade. Em um exame
para determinar sua idade mental, as duas crianças realizam as tarefas de forma
individualizada e os resultados mostram que ambas têm idade mental de oito anos.
Supostamente, baseando-se unicamente no resultado idêntico de suas idades mentais, elas
teriam o mesmo percurso de desenvolvimento e o aprendizado escolar deveria ser o
51
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob
a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes (VIGOTSKI, 1998a, p. 112).
Uma determinada tarefa ou domínio de um conceito, por exemplo, que uma
criança não consegue realizar ou dominar sozinha, mas que o consegue com a colaboração
do professor ou de um colega com nível maior de aprendizagem naquele domínio de
conhecimento, será desempenhada, porque houve a interação entre o potencial para a
realização da tarefa ou para o domínio do conceito em desenvolvimento e a assistência do
colega ou professor.
A ZDP compreende os estágios de desenvolvimento que estão em processo de
formação, como as “flores” ou “embriões” e que uma vez completados tornam-se em
“frutos” (VIGOTSKI, 1998, p. 113). Embora Vigotski use estas metáforas da Biologia, a
ZDP não pode ser tomada apenas como um conjunto de condições biológicas em
maturação. Tal pensamento aproxima-se da primeira teoria aqui apresentada, segundo a
qual a aprendizagem seguirá o curso que o biológico permitir.
Várias interpretações contemporâneas da ZDP, segundo Góes (1997),
subentendem a idéia de uma esfera de prontidão para aprender ou de uma sensibilidade
para novas formas de aprender ou de formação de novas capacidades a partir de
“andaimes” fornecidos pelo outro. Góes explica que Valsiner e Van der Veer (1991)
sugerem que estas expansões teóricas não correspondem de fato ao pensamento
vigotskiano, “exemplo disso é a presença de noções implícitas maturacionistas, que deixam
margem para se deduzir que a atuação do outro contribui para realizar o potencial que já
está na criança, supostamente por condições de maturação” (GÓES, 1997, p. 25).
52
A ZDP também não é apenas o somatório dos aspectos maturacionais em
desenvolvimento com o aprendizado. Este pensamento constitui-se na concepção eclética
da relação aprendizagem/desenvolvimento. Embora não se possa negar algumas
semelhanças das idéias de Vigotski com essa teoria eclética, ele concebe uma relação
interativa e dialética entre esses aspectos e essa relação modifica a natureza do processo,
como já foi visto.
Sem desconsiderar que a ZDP pressupõe condições biológicas em maturação e
os necessários aspectos cognitivos em desenvolvimento, Vigotski (2003a) vai além
postulando que a ZDP é, antes de tudo, um potencial de desenvolvimento que só pode ser
concretizado na interação dialética entre o indivíduo - com seu conjunto de significados,
diante de suas condições biológicas e o social, em uma situação de aprendizagem. Aqui
também pode-se perceber a influência do método de Marx.
O conceito da ZDP, portanto, amplia a forma de ver as possibilidades para o
aprendizado como Vigotski esclarece:
53
Sendo esse aprendizado de natureza social, as interações do professor com os
alunos e destes entre si, ganham uma nova dimensão. Nessa perspectiva, quando os alunos
trabalham individualmente, a sua aprendizagem arrasta-se atrás do desenvolvimento, ou
seja, ela só ocorrerá quando houver a integração dos processos maturacionais e os
processos cognitivos construídos individualmente pelo aluno. O que o aluno consegue
desempenhar sozinho será menos do que conseguiria na interação social. O
desenvolvimento alcançado em nível da ZDP é maior não apenas pelo que o aluno ouve,
vê, enfim recebe, mas especialmente, pela natureza ativa da sua participação na interação.
1.1.1.2.3 - ZDP: Entre o Tédio e a Ansiedade
Vigotski (2003) situou a ZDP entre dois limiares: inferior e superior. O
desempenho que o aluno já consegue apresentar independentemente está aquém do limiar
inferior da ZDP.
Por outro lado, aquelas aprendizagens que estão fora do alcance do potencial
do aluno, naquele momento de sua história, estão além do limiar superior de sua ZDP.
Considerando sua aprendizagem, se aquilo que o aluno faz não lhe acrescenta nada de
novo, essa atividade não pode lhe trazer nenhum desafio. Nesse caso, pode-se dizer que o
aluno está trabalhando em certo nível mental de tédio. Tal aprendizado não atua na ZDP
como afirmou Vigotski: “na medida em que oferecia à criança problemas que ela era capaz
de resolver sozinha, esse método foi incapaz de utilizar a zona de desenvolvimento
proximal e de dirigir a criança para aquilo que ela ainda não era capaz de fazer”
(VIGOTSKI, 2003a, p. 115).
54
Vigotski exemplifica também, o ensino que está além do limiar superior da
ZDP de uma criança: “Se, o professor solucionasse um problema usando a Matemática
superior, a criança seria incapaz de compreender a solução, não importando quantas vezes
a copiasse”. Tentar compreender algo que se encontra para além desse limiar pode causar
ansiedade. Considerando os prováveis estados emocionais presentes nas aprendizagens
para além dos limiares da ZDP, pode-se dizer que o estado emocional do aprendizado na
ZDP estaria entre os estados emocionais de tédio e ansiedade.
A aprendizagem na ZDP significa ir além das conquistas anteriores, ou seja, o
aluno vai além do ponto em que já havia alcançado seu desempenho individual. A
qualidade da atenção nesse caso deve ser altamente concentrada, bem diferente de quando
se está cansado, entediado ou com ansiedade e raiva. O entendimento do conceito de ZDP
e sua caracterização são relevantes para o entendimento da aprendizagem dos alunos na
Aprendizagem Cooperativa.
1.2 - Aprendizagem Cooperativa
A metodologia da Aprendizagem Cooperativa que doravante será designada
neste trabalho pela sigla AC e literatura a respeito estão relacionadas aos pesquisadores
Johnson & Johnson (1975), Slavin (1983a, 1983b e 1989) e nos últimos anos a Kagan
(1985 e 1994). Pode ser considerada uma tradição de ensino nos Estados Unidos
5
.
Segundo Johnson & Johnson (1992), infelizmente, muitos estudantes
concebem a escola como lugar predominantemente de competição. Eles se esforçam para
5
Para se ter uma idéia, basta procurar na internet o título “aprendizagem cooperativa” no portal de busca
www.google.com.br e o título “cooperative learning” no portal www.google.com e comparar o número de
referências. Por ocasião deste estudo não encontrei também, estudos de metodologia de ensino com esse
nome, aplicada em sala de aula, em referências científicas brasileiras.
55
ser melhores que outros estudantes ou ficam desmotivados por duvidarem de suas chances
de competir.
Quando se solicita dos estudantes predominantemente um trabalho
individualizado, em que cada um tem o seu material, produz as próprias respostas e os
outros são ignorados, o foco é colocado nos interesses pessoais. O sucesso ou o fracasso do
outro tende a ser irrelevante para os alunos.
Johnson & Johnson explicam que a AC objetiva desenvolver competências e
habilidades na área estudada, desenvolver a compreensão de conceitos lógico-matemáticos
e o uso apropriado da linguagem e de habilidades de resolver problemas.
É necessário destacar que os alunos não necessitam aprender apenas a ser
cooperativos e tampouco devem trabalhar todo o tempo juntos. Os objetivos a serem
alcançados determinam as formas com as quais os estudantes irão interagir com os outros
colegas e como professor durante o processo de aprendizagem. Dessa forma, os estudantes
deverão aprender a como ser colaborativos com os outros, como competir de forma
saudável e como trabalhar também de forma autônoma. O trabalho individualizado, então
deve, deve interpor-se ao trabalho cooperativo, regularmente.
56
1.2.1 - Conceitos da Aprendizagem Cooperativa
Segundo Johnson & Johnson (1992), a AC é a forma de organizar o ensino
em pequenos grupos de tal forma que os estudantes trabalhem juntos para maximizar a
aprendizagem de todos, inclusive a própria. As idéia é simples: “o esforço cooperativo
resulta em participantes motivados pelo benefício mútuo que todos os membros recebem
pelo esforço de cada um” (JOHNSON & JOHNSON, 1992, p. 1:5). Dito de outra forma, a
AC é o termo convencional para indicar a organização dos alunos em grupos sob a
orientação de procedimentos específicos, direcionados a incentivar, favorecer a interação
dos alunos entre si como sujeitos que estão partilhando, ajudando, portanto, ensinando, ao
mesmo tempo em que estão sendo ensinados. Concomitantemente, são sujeitos que
ensinam (mediadores) e sujeitos que aprendem (cognoscentes).
Johnson & Johnson (1992, p. 1: 14) destacam que AC e “trabalho em grupo”
são substancialmente diferentes e explicam ainda o que não é a AC:
a) pedir para que o estudante mais rápido ou mais "esperto" ajude os outros;
b) a simples divisão de uma atividade de modo que cada estudante faça apenas
uma parte da tarefa;
c) grupos de pesquisa onde todos obtêm a mesma avaliação (nota), mesmo que
apenas um membro do grupo tenha feito todo o trabalho;
d) uma maneira dos professores ministrarem menos aulas expositivas.
Johnson & Johnson (ibid) fazem uma comparação entre grupos de trabalho
tradicionais e grupos de AC, conforme apresentado no quadro a seguir:
57
Quadro 1: comparação entre grupos de trabalho tradicionais e grupos de
Aprendizagem Cooperativa:
Grupos de Trabalho Tradicionais Grupos de AC
- Baixa interdependência.
- Os membros são responsáveis apenas
por si mesmos. O foco é na performance
individual apenas.
- Alta interdependência positiva.
- Os membros são responsáveis pelo seu
aprendizado e pelo dos colegas. O foco é na
performance do grupo.
- Responsabilidade individual apenas. - Os membros são responsáveis por todos para
que se atinja um resultado de maior qualidade
- Pouca ou nenhuma atenção à formação
do grupo. Grupos normalmente grandes
(5-10 membros).
- Formação deliberada do grupo. Grupos
pequenos (2-4 membros).
- Os assuntos são discutidos com pouco
comprometimento entre os membros.
- Os membros se preocupam com o aprendizado
dos colegas, executando todos os trabalhos juntos,
ajudando e dando suporte uns aos outros.
- As habilidades do grupo são ignoradas.
Um líder é designado.
- As habilidade do grupo são enfatizadas. Os
membros ensinam e usam habilidades
cooperativas. Liderança compartilhada por todos
os membros.
- Não há avaliação pelo grupo da
qualidade do trabalho realizado.
- O grupo sempre avalia a qualidade de seu
trabalho e como os membros estão trabalhando. O
aprimoramento contínuo é enfatizado.
Fonte: JOHNSON & JOHNSON, 1992, p. 1:14)
A tradição da AC nos Estados Unidos está relacionada a serviços de formação
docente e assessoria pedagógica - como Kagan Cooperative Learning, por exemplo - com
o desenvolvimento de técnicas que visam instrumentalizar os professores para promover
essa proposta de ensino. Uma das primeiras iniciativas de capacitação e assessoria em AC
no Brasil atualmente, foi desenvolvida dentro de um modelo peculiar adaptado por
Carvalho (2000)
6
. Alguns dos procedimentos orientados por Johnson & Johnson e Kagan
serão apresentados neste trabalho, como Jig-saw e o Penso, quero, aprendo” - PQA
7
entre outros.
6
Para maiores detalhes pode ser consultada a obra de Carvalho (2000).
7
Esses procedimentos estão descritos detalhadamente no anexo 8.
58
1.2.2 – Histórico da Aprendizagem Cooperativa
A idéia da cooperação na aprendizagem é antiga e já podia ser encontrada nos
escritos de Aristóteles e Platão na Grécia, na Filosofia educacional romana com Marco
Aurélio, na educação cristã no período medieval com Tomás de Aquino e depois na
renascença com Johan Amós Comenius (JOYCE e WEIL, 1992).
Segundo Johnson & Johnson “a capacidade cooperativa tem sido o maior fator
de contribuição para a sobrevivência da espécie” (JOHNSON & JOHNSON, 1992, pp. 1:
6-8) e conta que, desde o primeiro século, a.D., Quintiliano argumentava que os estudantes
podiam ser beneficiados por outros estudantes. Em meados do século XVIII, Joseph
Lancaster e André Bell fizeram uso extensivo de grupos de AC na Inglaterra e a idéias
chegou aos estados Unidos quando uma escola lancasteriana foi aberta em Nova York no
início do século XIX com grande ênfase na AC. Ainda segundo Johnson & Johnson, John
Dewey promoveu o uso da AC como parte de suas proposições educativas e um grande
defensor da Ac nos estados Unidos nas últimas décadas foi Colonel Francis Parker. Como
superintendente de escolas públicas, Parker fez mais de 30.000 visitas para acompanhar a
aplicação do método (JOHNSON & JOHNSON, 1992).
Kurt Lewin (1975), em 1946, concluiu que reunir grupos de pessoas era uma
das formas ideais de expor as áreas de conflito. Conhecido como o pai da dinâmica de
grupos, ele demonstrou que, quando participamos de atividades em grupos com liderança
democrática, melhora-se a produtividade, a satisfação e os relacionamentos com os outros
membros, o grupo pode tornar-se autônomo em suas tarefas, mesmo na ausência do líder.
59
Fundamentado nas idéias de Kurt Lewin sobre os grupos sociais, Morton
Deutsch desenvolve na década de 40 proposições teóricas sobre cooperação e competição
na educação. As pesquisas de Johnson & Johnson têm sido fundamentadas nas proposições
de Deutsch (Ibid).
Para que a aprendizagem seja de fato cooperativa, ela deve conter princípios
básicos, como serão descritos a seguir.
1.2.1 - Princípios Básicos da Aprendizagem Cooperativa
Johnson & Johnson (1992) desenvolveram os cinco princípios básicos da AC:
a interdependência positiva, a responsabilidade individual, a interação face a face, as
habilidades interpessoais de grupos pequenos e a processamento do grupo.
Interdependência positiva: a primeira condição para o sucesso do grupo é a
percepção por parte de seus membros de que eles não poderão ser bem sucedidos se os
colegas do grupo não o forem. Ou seja, se eles percebem que nadam ou afundam juntos,
procurarão coordenar seus esforços com os esforços do grupo para que alcancem os
objetivos juntos. Johnson e Johnson equiparam essa percepção de mútua responsabilidade
com a percepção que os jogadores de um time de futebol, por exemplo, devem ter para
chegar à vitória. Essa percepção deve levar os alunos a procurar maximizar a
aprendizagem de todos os membros e à celebração do sucesso de forma conjunta. Para que
isso aconteça:
a) o esforço de cada membro do grupo é condição indispensável para o
sucesso do grupo. Todos necessitam participar;
60
b) cada membro do grupo tem uma contribuição a fazer, pela qual será
responsável;
c) cada membro do grupo deve empenhar-se em aprender o material designado
e fazer com que os outros membros aprendam também, assegurando-se disso.
Visando a aplicação desse princípio, Johnson e Johnson (1992) sugerem, por
exemplo, que cada aluno do grupo seja “recompensadocom cinco por cento de “bônus”
(pontos adicionais) se todos os membros de um grupo atingirem uma determinada
porcentagem em avaliações individuais. Desse modo e para exemplificar, se todos
atingirem oitenta por cento ou mais em uma escala de avaliação individual, cada aluno do
grupo receberia meio ponto adicional. Sugere também, que sejam divididos os recursos ou
tarefas entre os alunos do grupo, de tal forma que, cada um tenha apenas parte da
informação requerida, dessa forma, eles necessitarão interagir para ter a informação
completa ou para alcançarem o objetivo do grupo e ainda, que sejam designadas funções
complementares (e rotativas) entre os membros do grupo, tais como: relator, redator,
avaliador, encorajador, entre outras. Kagan (1994, p. 4:8) desenvolveu uma série de
técnicas de aprendizagem cooperativa, o que ele denomina de estruturas de ensino
8
e
estruturas de habilidades sociais (KAGAN, 1994, p. 4:8), que instrumentalizam o
professor a promover a interdependência positiva de seus alunos nos grupos que incluem,
além de algumas desenvolvidas por Johnson e Johnson, a designação de um alvo único
para o time, como construir o mural do time, um texto coletivo, uma maquete, ou outros
bem como que as recompensas
9
e o reconhecimento do grupo devem ser baseados na
contribuição de todos.
8
Algumas dessas estruturas estão incluídas nos anexos.
9
Observa-se, na literatura americana da aprendizagem cooperativa, referências freqüentes às recompensas
para os grupos.
61
2. Responsabilidade individual: O propósito da aprendizagem cooperativa é
proporcionar condições e incentivos para que cada membro seja um efetivo construtor da
própria aprendizagem. Ao final de cada tarefa ou estudo, cada estudante deve ser capaz de
desempenhar outra tarefa similar ou de dominar determinado conhecimento por ele
mesmo, de forma independente. A responsabilidade individual é um princípio importante
para assegurar que não aconteça nos grupos cooperativos que um ou poucos alunos
trabalhem e outros não se envolvam. Para isso, faz-se necessário que os grupos sejam
pequenos, preferencialmente quatro ou três membros. Quanto maior o grupo, mais a
responsabilidade fica difusa ou concentra-se em um ou alguns. Johnson e Johnson (1992),
Kagan (1994) e Slavin (1983a) sugerem formas comuns de desenvolvimento das atividades
em uma aula: as atividades compartilhadas em um grupo cooperativo antecedem o
desenvolvimento independente. Isso sugere a necessidade de avaliações individuais, os
alunos podem também, segundo propõem os autores citados, ser solicitados aleatoriamente
para representar o grupo. Desta forma, a prática inclui a participação individual do aluno
explicando, verbalizando o que aprendeu.
Kagan (1994) aponta sugestões, tais como: que no trabalho realizado pelo
grupo, cada aluno assinale com uma cor diferente as partes referentes à sua participação ou
que sumarize a sua participação, se auto-avalie e assine abaixo da sua contribuição. Uma
técnica largamente usada pelos praticantes da aprendizagem cooperativa para promover a
responsabilidade individual e o que Kagan denomina de Juntando Cabeças
Numeradas
10
.
3. Interação face-a-face: Johnson e Johnson (1992, p. 1:11) afirmam que a
interdependência positiva não acontece de forma mágica se não houver um certo padrão de
10
A descrição de Juntando Cabeças Numeradas está no anexo 4.
62
interação e intercâmbio verbal entre os estudantes. Para isso, o professor deve maximizar
as oportunidades de os alunos promoverem cada um a aprendizagem do outro ajudando,
assistindo, dando suporte, encorajando e reconhecendo os esforços dos colegas. Os efeitos
dessa interação pessoal e próxima, segundo os autores, são os seguintes:
a) troca mais eficiente e efetiva de recursos, materiais e informação
necessários;
b) ocorrência de dinâmica interpessoal positiva quando os estudantes explanam
a explicação de um problema, discutem a natureza de um novo conceito aprendido com
outro aprendido anteriormente;
c) influência social e afetiva fornecendo novos modelos de atitudes sociais
devido à ajuda, à assistência e à demonstração de responsabilidade pelo outro;
d) feedback constante e imediato do desempenho de cada um proporcionado
pelas respostas verbais e não verbais dos colegas;
e) incentivo ao esforço de alguém do grupo que esteja desmotivado;
f) relações de confiança entre colegas pelo fato de submeter o trabalho à
apreciação do grupo;
g) descentralização de suas próprias idéias e desafio a raciocinar para
contrapor-se devido ao confronto com idéias diferentes dos colegas.
Maximizar as oportunidades de interação supõe a necessidade de o professor
tomar tempo para planejar as atividades que os alunos realizarão na sala de aula e propor
essas atividades direcionando-as para os objetivos da interação.
4. Habilidades interpessoais de um grupo pequeno: Dispor os alunos em
grupo e solicitar que sejam cooperativos não assegura que haverá cooperação efetiva.
Segundo afirmam Johnson e Johnson, “não nascemos sabendo instintivamente como
63
interagir efetivamente com os outros; as habilidades sociais não surgem magicamente
quando delas necessitamos” (JOHNSON E JOHNSON, 1992, p. 1:13). As pessoas devem
ser ensinadas quanto às habilidades sociais que lhes serão requeridas na vida para um alto
grau de cooperação e os alunos precisam ser motivadas para utilizarem essas habilidades se
desejam que seus grupos sejam produtivos. Para alcançar alvos comuns, os estudantes
devem coordenar seus esforços para:
a) conhecer e confiar no outro;
b) comunicar as idéias claramente, evitando sentido duplo;
c) aceitar o colega com suas virtudes e defeitos apoiando e ajudando-o;
d) resolver conflitos de forma construtiva.
Os estudantes são encorajados e ajudados a desenvolver e praticar liderança,
tomar decisões, comunicar-se, resolver conflitos e desenvolver habilidades e intuições para
reconhecer e reagir aos sentimentos das pessoas. Johnson et al (1988) apresentam técnicas
especificas para desenvolver habilidades sociais nos grupos de AC. Kagan (1994), por sua
vez, estruturou técnicas especificas para desenvolver o que denomina de teambuilding
11
,
ou seja, para desenvolver o espírito de equipe entre os membros do grupo. Ele sugere o uso
dessas técnicas quando o grupo é formado pela primeira vez ou na presença de conflitos ou
não aceitação de algum colega. Essas técnicas incluem atividades lúdicas e possibilitam o
conhecimento dos colegas, o desenvolvimento de uma identidade do grupo, oportunidade
de oferecer su4 Tt2dtugru43o 3o aceitaçessoide oresenlitosas, o desenvolvimentor eergiça,
64
a) criar um clima de cooperação na sala de aula;
b) promover oportunidades de aprendizagem de resolução de conflitos que
envolvam debates entre alunos, divergência de idéias, contestação, defesa de pontos de
vista divergentes seguido de inversão de perspectiva, síntese dos melhores argumentos e
finalmente, da elaboração de uma conclusão;
c) orientar os alunos a resolverem suas divergências por eles mesmos.
Geralmente as divergências nessas atividades giram em torno da disputa pela posição de
estar com a razão;
d) ensinar os alunos a recorrer a um colega-mediador, entendido aqui como um
árbitro para ajudar a resolver o conflito. Caso o colega-mediador não consiga leva-los a um
acordo, o professor será o mediador, cuja intervenção será solicitada como último recurso
(JOHNSON & JOHNSON, 1987).
5. Processamento de grupo: Ocorre quando os membros do grupo tomam
alguns minutos para refletir e avaliar o funcionamento do grupo. Nessa sessão de reflexão,
a contribuição de cada membro do grupo é avaliada em termos de seus aspectos positivos e
negativos e em seguida são levantadas sugestões especificas de atitudes e ações de cada
membro a serem mantidas ou modificadas. O processamento do grupo realizado de forma
efetiva:
a) permite que as atividades do grupo mantenham o foco em preservar o bom
relacionamento entre seus membros;
b) facilita a aprendizagem de habilidades cooperativas;
c) assegura aos membros o feedback de suas participações;
d) possibilita que os estudantes tomem consciência do próprio processo de
aprendizagem (metacognitivo);
65
e) assegura meios para o sucesso e o esforço sejam reconhecidos;
f) provê oportunidade para os alunos desmotivados sejam “cobrados” pelos
próprios colegas.
Kagan apresenta o que ele acredita serem os quatro princípios básicos da AC,
acrescentando à Interdependência Positiva e à Responsabilidade Individual apresentadas
anteriormente, os princípios por ele denominados de Interação Simultânea e Participação
Igualitária (Kagan, 1994). Em uma aula expositiva geralmente o professor fala sozinho.
Quando a aula é dialogada, alguns podem falar, mas em uma porcentagem de tempo muito
pequena. Observa-se geralmente que serão sempre os mesmos. Na AC, principalmente
quando os alunos trabalham técnicas como “Juntando cabeças numeradas” por exemplo, as
oportunidades de Interação Simultânea multiplicam-se, quer seja falando, ensinando ou
fazendo perguntas ao colega. A Participação Igualitária, embora esteja relacionada à
interação Simultânea, é em essência, diferente. Enquanto a primeira se refere à interação de
vários alunos ao mesmo tempo, a Participação Igualitária assegura que não apenas os
mesmos estudantes de sempre, os mais faladores, monopolizem a participação, mas que os
mais introvertidos tenham garantido sua oportunidade de participação, como na técnica
“Duplas Cooperativas”
12
.
1.2.4 – Formação Básica: Grupos Heterogêneos
Embora os grupos possam se formar de várias formas
13
e seja recomendado
que haja algumas variações ocasionalmente na formação dos grupos, Kagan afirma que
várias pesquisas e teorias sobre AC consideram a formação heterogênea dos grupos como
12
O detalhamento da técnica “Duplas cooperativas” está no anexo 05
13
As orientações de Kagan sobre as várias formas de se organizar os grupos estão no anexo 9.
66
uma característica que a define. Segundo ele, os times heterogêneos são normalmente
formados por um estudante de nível mais avançado, dois estudantes considerados de nível
mediano e um estudante com maiores dificuldades. Sugere que o time seja composto de
duas alunas e dois alunos, que haja uma mistura de raças
14
nos grupos (KAGAN, 1994).
A heterogeneidade dos grupos pode resultar bem melhores resultados
acadêmicos pela troca de experiências, aproximar os alunos de classes sociais distintas e
sexos opostos, facilitando o manejo de sala pelo professor. Em geral os times heterogêneos
têm sido preferidos pelas seguintes razões:
a) possibilitam oportunidade de que um ensine o outro;
b) possibilitam a interação entre alunos de classes e sexos diferentes;
c) facilitam o manejo de sala pelo professor, tendo um alunos em um nível de
aprendizagem mais adiantada em cada grupo, pode significar, de certa forma, ter um
auxiliar do professor para cada três estudantes (KAGAN, 1994).
A constituição dos grupos pode ser aleatória ou ainda de forma espontânea,
com escolha dos próprios alunos, segundo seus interesses e afinidades. Todos os modos de
formação dos grupos apresentamfq3t65 6 Tc3as ales65 6 Tc3ao outr33.Tj272.25 5.25 TD /F1 8.25 Tf0.375 Tc 5 Tw (14) Tj9 -5.25 TD /F1 121124-0.06170 Tc 3.416sessorre66 essauxile ss 0 Tw (05 Tj-251.25 -27.75 TD -0.0331 Tc 0.08aut Tw seofesapr Tw (dos times hetero352lgue s vezes op8 Tssoreral oode ser aledes.ucomposto de ) Tj0 -27.75 24D -0.005962Tc 0.08asses e afinPoa ca1ms alunos, Kagan de cerw (formas times heteras grupos put Twzr paofessa queirêneos ) Tj81TD -0.14269Tc 2.29r Tw (dobas alaanejo, ter um) Tj0 Tc 0 Tw114( ) Tj3.7 0 64D -0.148 Tc -0.3rupaujo e6 w (têm0 Tw115) Tj256.5 0 7TD -0.168 Tc(modosa) Tj396 0 0 TD -0.2.789Tc 0.22sido aformaSeg e6ormamuitscolhar do pes 0 Tw 236 Tj-251.25 -27.7510TD -0.132 TTc 2.16roca des estna AC, 199491e) Tj46.5 0 TD 0 Tc 0 Tw128 Tj-259 -5.20 TD /F1(posto de ) Tj0 -27336 Tw ( ) Tj-319 -5.25 TD /F1( 0 Tw120 Tj46.( 0 TwET T8 e) 144 ) Tj343fBT243 146 Tj9 -c 0 Tw ( 4 -8 Tj9 -5.25 6Tj0 - 8.25 Tf0.c 0 Tw 7 Tj ( )9 -5.25 9Tj0 - 8.2 TD -0.03341 Tc 0.25 NscoEses re Uno prea e sexosra deeguassl evtesperio outro7m) Tj59.336 24D7 0 TD 0 Tc-6 Tc (;) Tj3.059D -0.083353Tc 0.22s ale ss fi92 re alimigr2s estortuiversasstura de . Ns Brasiltânea20 Tj0-11 Tj9 -5 0 43 -0.033418Tc 5.99al ca1malaae sexosra deeguassl352storo, uas difi classes do squede sm52stdadstntes reguassi . Seofesapo entre aluno47ã27.
67
1.2.5 - Resultados de Pesquisas Sobre a Aprendizagem Cooperativa
Segundo Kagan (1994), a AC é a inovação educacional mais extensivamente
pesquisada de todos os tempos com resultados claros. Centenas de pesquisas experimentais
e de campo demonstram sua eficácia (KAGAN, 1994). Os mais importantes apontam para:
a) Benefícios acadêmicos, principalmente para alunos que apresentam mais
dificuldades na aprendizagem. Segundo Kagan (1994), David e Roger Johnson (1975)
revisaram 122 estudos sobre o tema e Robert Slavin (1983b) revisou 46 pesquisas
longitudinais em escolas elementares e secundárias. Entre os estudantes examinados por
Slavin, 63% demonstraram resultados superiores na AC; 33% não apresentaram diferença
e 4% mostraram melhores resultados na forma tradicional de estudo. Quando os elementos
do grupo atuam com responsabilidade individual, os ganhos acadêmicos sobem para 89%
em relação à forma individualística ou competitiva de estudar (KAGAN, 1994).
b) Melhor relacionamento entre alunos de culturas diferentes. Kagan (1985)
realizou cerca de 1000 estudos sobre as relações étnicas, comprovando um melhor
relacionamento entre alunos de raças diferentes na AC; Slavin (1983a) examinou 14
experiências envolvendo estudantes no método Jig-Saw
16
, comprovando um melhor
relacionamento entre eles na AC que nas formas mais rígidas de organização da sala de
aula.
c) maior desenvolvimento social e afetivo entre estudantes; a habilidade de
comunicação e de ajustamento social só pode ser aprendida através da interação. Nesse
sentido, a escola está preparando o profissional do futuro ao promover a AC. Johnson et
16
A descrição da técnica Jig-Saw está no anexo 07.
68
al.(1981) e Slavin (1983a) resumem suas pesquisas afirmando que a AC pode trazer os
seguintes benefícios:
- maximização do uso da linguagem;
- maximização do aprendizado da matéria;
- maximização do desenvolvimento social.
1.3 - Articulação entre Aprendizagem Cooperativa e Perspectiva Sócio-Histórica
Se considerarmos as origens teóricas da AC e da perspectiva sócio-histórica
concluímos que em um primeiro momento ambas se mostram incompatíveis.
A AC teve, como já foi apresentado, um forte impulso nas concepções teóricas
e orientações pedagógicas de John Dewey (1961), um dos principais precursores da escola
nova, com objetivo de educar os alunos para a democracia liberal nas décadas em que o
capitalismo norte-americano confirmava a sua solidificação. A sala de aula seria uma
miniatura da sociedade democrática e nela, aprendendo-fazendo, os alunos deveriam
discutir a resolução de seus problemas, praticarem a participação no exercício escolar da
cidadania, cidadania essa necessária para a vida adulta em sociedade. As discussões
deveriam levar a consensos úteis futuramente para a harmonia na democracia, à americana
(BERGER e LUCKMAN, 1976). Enfim, o cenário de fundo apresenta uma visão
conservadora quanto à relação escola-sociedade.
Vigotski viveu e desenvolveu a sua teoria em um ambiente histórico bem
oposto: o mundo revolucionário, mundo das grandes esperanças da Rússia no inicio do
século XX. Bruner (2002) ressalta o caráter libertador do marxismo de Vigotski. Todo o
seu contexto cultural e histórico marcou o desenvolvimento de suas idéias. A educação
69
tinha como objetivo libertar os homens de suas superstições e transformar a sociedade
patriarcal e feudal. “Que instrumento melhor que a ZDP de Vygotsky para cumprir a
promessa de um crescimento quase sem limites?” (BRUNER, 2002, p. 220). A visão da
relação escola-sociedade de Vigotski, diferentemente de Dewey, é portanto de
transformação social.
1.3.1 - Da Democracia Liberal para os Fatores Sociais, Culturais e Históricos
Com base em Bertrand (1991) faço a articulação entre as duas teorias que
inicialmente se apresentavam incompatíveis. Bertrand (1991), categorizando as teorias
contemporâneas em educação, situa a AC dentro da linha sociocognitiva e situa Vigotski
entre os teóricos dessa linha. Segundo ele, com o passar do tempo, o foco da democracia
foi sendo substituído pelos fatores culturais e sociais da aprendizagem.
As teorias sociocognitivas abordam as condições culturais e sociais da
aprendizagem. Os dois princípios fundamentais deste movimento são, em
primeiro lugar, a constatação dos pedagogos da necessidade de levar em
consideração estas condições, se considerarmos o que é aprendizagem. Em
segundo lugar, estão as influências de outras áreas do conhecimento como a
antropologia e a psicologia social que se destacam cada vez mais. As noções
de cultura e contexto assumem, de ora em diante, um lugar importante nas
reflexões sobre educação (BERTRAND, 1991, pp. 105 e 106 ,grifo do autor).
Cultura nesse caso, tem o sentido das concepções do antropólogo Geertz
(1973), segundo o qual, ela pode ser entendida como um “conjunto de proposições, de
regras e de crenças ou como um conjunto de elos associativos e de imagens que descrevem
em parte nossas relações” (apud BERTRAND, 1991, p. 108) e acrescenta que “o ser
humano é como uma aranha que tece e se suspende numa teia de significações. Esta teia é
a sua cultura” (ibid).
70
Bruner (1986) insere-se nessa linha sociocognitiva e sustenta que “o eu nunca é
independente de sua existência sociocultural” (apud BERTRAND, 1991, p. 109). Para
Vigotski (1998) o indivíduo constitui-se a partir de uma enorme gama de instrumentos que
é a sua cultura. Ele interpreta o mundo, mas essa interpretação é feita através de uma
negociação com os outros. O contexto cultural, social e histórico passa a ser considerado
decisivo nas ações pedagógicas. Bertrand ressalta a influência de Vigotski em modelos
sociocognitivos de educação e aponta o ensino cooperativo como uma forma apropriada a
essa tendência educativa.
Segundo Bertrand, o ensino cooperativo está muito em voga nos Estados
Unidos e marcará o final do século XX. Apenas Johnson & Johnson haviam formado mais
de 30.000 professores em estratégias de AC pela Universidade de Minnesota até o final da
década de 80. A explicação para esse fenômeno, segundo Bertrand, tem como ponto de
partida a tomada de consciência por parte dos professores da necessidade de se levar em
conta as condições culturais e sociais da aprendizagem. Acredito que essa mudança de foco
e novas perspectivas viabilizam as aproximações e articulações da AC com a teoria
vigotskiana.
1.3.2 - Behaviorismo versus Perspectiva Sócio-Histórica
Um outro fator relevante a considerar, dentro das fundamentações teóricas da
AC, diz respeito à corrente psicológica que parece ter inspirado alguns procedimentos
adotados pelos pesquisadores e divulgadores americanos desta forma pedagógica. Johnson
& Johnson e, especialmente Kagan, em técnicas como “Pairs Check e Flashcards
71
Games
17
”, enfatizam o uso de reforços positivos, como foi dito anteriormente, através de
recompensas, pontos adicionais e elogios enfáticos por parte dos colegas do grupo para
cada acerto nas tarefas ou comportamento a ser reforçado.
A ênfase em recompensas para comportamentos desejáveis na educação está
inserida, de uma forma implícita, dentro de uma concepção de que a aprendizagem se
baseia em estímulo e resposta, influenciada pela escola psicológica behaviorista, cuja
teoria foi anunciada por John B. Watson (CABRAL e NICK, 2000). Watson, seguindo as
idéias do psicólogo russo Pavlov, acreditava que o comportamento humano é o resultado,
em grande medida, de reflexos condicionados. Segundo Knight, os princípios behavioristas
postulam que:
a) os seres humanos são animais altamente desenvolvidos e aprendem como
animais;
b) a educação é um processo de engenharia comportamental; as atividades que
recebem reforço positivo tendem a ser repetidas e as que recebem reforço negativo tendem
a extinguir-se;
c) o principal papel do professor é criar um ambiente eficaz de aprendizagem
através do reforço positivo (KNIGHT, 2001).
Nessa perspectiva, o comportamento é visto como uma forma de resposta (R) a
estímulos (S) e pode ser assim esquematizado:
S R
Essa concepção da relação estímulo-resposta para explicar o comportamento
humano, foi criticada por Vigotski. Ela seria própria para descrever a aprendizagem do
comportamento animal e as funções elementares nos seres humanos, tais como as
17
Estão detalhadas no anexo 05 em seus equivalentes que denominei de “Duplas Cooperativas” e o jogo
“The Flash”.
72
aprendizagens através de exercícios repetitivos. Esse tipo de relação não é suficiente para
explicar as chamadas funções mentais superiores, entre as quais está a consciência e que
são típicas dos seres humanos. Para as funções mentais tipicamente humanas, como já foi
apresentado anteriormente, Vigotski concebeu um estímulo de segunda ordem, “X”,
posteriormente designada de medição semiótica, que colocado no meio da relação
S R, se interpõe entre o estímulo (meio) e a resposta do indivíduo, permitindo a este
controlar o seu próprio comportamento, de forma autônoma.
Essa era uma de suas principais contestações às explicações da psicologia
“científica” de seu tempo. Quase um século depois, essas concepções, talvez tacitamente,
parecem inspirar algumas ações pedagógicas como o são algumas atitudes e posturas na
aplicação de provas, no emprego das notas, na aplicação de punições, no uso
indiscriminado de recompensas e “quadros de honra
18
”, entre outros, que podem ser formas
impositivas e manipulatórias de controle.
Tentar manipular o outro através de recompensas e punições seria no mínimo,
subestimar a capacidade desse outro de utilizar suas habilidades mentais mais complexas: a
reflexão, a capacidade volitiva e o poder criativo e construtivo.
Alguns procedimentos técnicos sugeridos por Kagan (1994) enfatizando os
reforços positivos diante da influência da Psicologia behaviorista na educação americana
podem deixar margem para se considerar que sua proposta de AC estaria dentro de uma
perspectiva psicológica também behaviorista.
18
Tenho observado em várias escolas o procedimento de afixar em mural a cada final de bimestre uma lista
dos melhores alunos, em notas e/ou comportamento. Tenho percebido que tal procedimento, entre uma série
de problemas, desestimula a maioria que prevê não conseguir ter o seu nome lá inserido, motivando apenas
aqueles poucos que, geralmente, já presumem que se destacarão nos requisitos avaliados.
73
Kagan (1994), tem observado que a utilização do reforço positivo tais como o
elogio dos pares no grupo - exaggerated praise
17
- recomendado em algumas de suas
técnicas - é inserido como sendo uma das regras de um jogo e conferem a algumas
atividades em sala de aula um aspecto lúdico e divertido que traz prazer às atividades
escolares. Esse reforço, que age como um motivador extrínseco no começo e cuja
aplicação deve diminuir com a prática, segundo ele, leva à motivação intrínseca, ou seja,
permite com o passar do tempo que o foco da atenção do aluno mude da recompensa para
o próprio processo de aprendizagem.
Acredito que se as técnicas da AC forem aplicadas com base no uso
indiscriminado de recompensas para os grupos, a participação dos alunos em atividades
cooperativas poderiam ser forjadas em função dessas recompensas. O problema do uso
indiscriminado das recompensas para se conseguir o que se deseja dos alunos são as
conseqüências a médio e longo prazo. Nesse caso o aluno pode:
a) agir governado por outro, para agradar e ganhar a recompensa;
b) conseqüentemente, não desenvolver a habilidade e capacidade de tomar
74
g) colocar o foco do processo educativo na recompensa e não na
aprendizagem.
No entanto, a aprendizagem é uma atividade essencialmente social e humana,
que envolve o intelectual e o afetivo de forma associada, como alertou Vigotski e não se
pode conceber aprendizagens significativas e prazerosas, que considerem a auto-estima do
aluno, sem haver reconhecimento e demonstração de atitudes de aprovação.
Acredito que o professor pode assumir uma postura behaviorista tanto usando a
AC quanto usando outra forma de ensino, quer seja competitiva ou individualística, como
pode escolher também não ser manipulador em qualquer metodologia de ensino.
Onde estaria, então, a tênue linha divisória entre o saudável reconhecimento e o
uso indiscriminado de recompensas como forma de manipulação? É necessário tratar essa
questão com equilíbrio. A visão do professor da existência e presença do estímulo “X” - no
qual poderíamos incluir a capacidade volitiva, criadora, reflexiva, entre outras - no interior
da relação estímulo-resposta, pode ser crucial na busca de tal equilíbrio.
Há que se considerar o risco de se tomar as técnicas da AC, da forma como são
detalhadamente estruturadas, como receitas prontas sem se considerar os porquês e os fins
últimos que tais práticas subvertem. Tal risco parece potencializar-se se a cultura docente
for moldada em ações pouco refletidas, o que pode tornar essa prática mais uma panacéia
educacional a despeito de todas as suas vantagens em potencial.
É necessário ressaltar, então que, teorias consideradas divergentes e até
mutuamente excludentes podem dar origem a práticas pedagógicas aproximadas. Observe-
se que, não por acaso, preferi empregar o termo “aproximadas” e não “semelhantes”, uma
vez que, embora acredite que a perspectiva sócio-histórica, especialmente, as concepções
75
de Zona de Desenvolvimento Proximal possam fundamentar psicologicamente as ações
pedagógicas na AC, o enfoque, na prática, pode ser tacitamente distinto.
Se as atividades interativas forem desenvolvidas dentro de uma Psicologia de
perspectiva Behaviorista, elas poderiam incentivar a responsabilidade individual e a
interdependência positiva baseadas em reforço positivo para os grupos. Nesse caso, o
tempo, os espaços e as tarefas dos alunos seriam controlados com base em motivações
externas. Um dos problemas desse tipo exclusivo de motivação reside no fato de que, ao
serem retirados os incentivos, desaparecem também as respostas.
A Psicologia sócio-histórica pode, na minha concepção, também inspirar os
processos interativos, também chamados de AC, dentro da abordagem dialética que
pressupõe que o homem não é apenas modificado pelas forças do meio, mas o modifica
com os instrumentos de sua mente, mediadores na relação estímulo-resposta e procurará
desenvolver a tomada responsável de decisões, uma vez que a autonomia é um fim a se
alcançar.
A AC, nesse caso, propiciará situações que privilegiem o confronto de idéias, a
contestação, o conflito, como geradores de pensamento autônomo e vigoroso,
considerando que cada aluno tem a capacidade de pensar de forma diferente, reconstruir a
aprendizagem, criar seus significados (intrapessoal) novos, particulares e distinto do
coletivo, em um processo dialético com o interpessoal.
76
1.3.3 - Os Educandos com a Palavra e o Desenvolvimento da Consciência
A perspectiva sócio-histórica de Vigotski como fundamento teórico para a AC
pode originar praticas educativas que venham ao encontro de posturas docentes
comprometidas com a transformação social.
Vivemos em tempos difíceis. Em uma época de crescentes possibilidades de
exploração do homem, de exclusão e de privação. Uma época de exploração da terra com
possibilidades de melhor qualidade de vida para uma parcela da humanidade, enquanto
muitos convivem com a miséria, a violência, com a anulação de sua dignidade humana.
Em um mundo que combina relações de poder, interesses econômicos, ideologias e
inconsciente coletivo, percebe-se a fórmula para o crescimento da alienação e das
desigualdades sociais.
Em um tempo assim, ainda predominam relações entre professores e alunos
marcadas pela concepção “bancária” de educação (FREIRE, 1987). Segundo essa
concepção, o educador é o que sabe, o que pensa, o que tem o poder da palavra, aquele que
disciplina, que escolhe o conteúdo, que tem sua autoridade medida pela sua função; aos
educandos cabe o escutar, ser passivo e memorizar para repetir o conteúdo “depositado”.
Dentro dessa concepção, diz Freire (ibid) a educação aliena o educando, reflete
a sociedade opressora, sendo ela dimensão da cultura do silêncio. Dessa forma “tanto
menos (os educandos) desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua
inserção no mundo como transformadores dele. Como sujeitos” (FREIRE, 1987, p. 60).
A perspectiva dialética de Vigotski (1998) encontra ressonância na concepção
dialógica de educação de Freire e ambas podem materializar-se na AC, na medida em que
o trabalho didático seja organizado, estando os alunos em pequenos grupos e sejam-lhes
77
propiciadas condições de participação igualitária e se estimule o debate, a confrontação da
palavra. Para Vigotski (2003) a palavra significativa é o elemento constitutivo e
constituinte do pensamento, ou da consciência, processo mental típico das funções mentais
superiores. O modo fundamental pelo qual os seres humanos unem-se e confrontam-se uns
com os outros é a própria linguagem. Nela é que se estabelecem as relações propriamente
humanas, entre humanos.
Vigotski (2003), no auge do ultimo capitulo do texto “Pensamento e
Linguagem”, ditado em seu leito de morte, segundo Blanck (1984) insiste em tomar a
consciência como objeto de uma psicologia cientifica e debruça-se sobre uma construção
teórica mais elaborada sobre o papel das relações sociais e da linguagem na sua
constituição.
De acordo com Delari Junior (2000), a obra de Vigotski “Michlienie i riech”,
foi traduzida para o inglês como “Though and Language” e depois em língua portuguesa
como “Pensamento e Linguagem”. No entanto, segundo Delari, o termo “linguagem” não
traduz exatamente o significado de “riech” que no original russo significa palavra ou fala.
Uma versão americana mais recente deste livro buscou uma tradução talvez mais precisa,
substituindo seu titulo anterior por “Thinking and Speech”
19
.
Ora, se “riech” significa com mais precisão “fala”, Vigotski está se referindo à
palavra posta em movimento, no próprio processo de interlocução. Quando Vigotski
(2003) trata da relação entre pensamento e linguagem mediado pelo significado da palavra
é mais provável que ele esteja se referindo especificamente a relação entre “pensamento e
fala”.
19
Ver Vigotski, 1987.
78
Na palavra ou na fala o que parece essencial é seu caráter de estar em
movimento, essencial também é que ela tenha significado. “Uma palavra sem significado é
um som vazio; o significado, portanto, é um critério da palavra, seu componente
indispensável” (VIGOTSKI, 2003, p. 150). Este trecho na versão americana das Obras
Escolhidas de Vigotski foi colocado de forma mais enfática: “The word without meaning is
not a word but an empty sound [...]” (VIGOTSKI, 1987, p. 244, destaque acrescentado).
Considerando o significado como um critério essencial à palavra para “ser
palavra”, segundo Vigotski, infere-se que na aprendizagem como um processo social e de
cooperação, a interlocução entre aprendizes deve ser “provocada” a partir dos contextos
culturais e históricos dos educandos com temas e questões que lhes dizem respeito, que
lhes sejam significativos.
Sendo assim, na AC em uma perspectiva sócio-histórica os conteúdos a serem
aprendidos devem ser problematizados para gerar confronto de idéias, conflitos
sociocognitivos que induzam a uma confrontação entre as soluções divergentes dos
parceiros.
Organizar situações desafiantes que provoquem a fala nos pequenos grupos em
que os alunos necessitem de forma ativa, argumentar e defender as suas posições, significa
conceder o poder da palavra aos alunos.
O poder da palavra, em ação, desperta as funções intrapsíquicas constituintes
da consciência. Sabemos reconhecer no dia-a-dia o poder da palavra em expressões tais
como “dar a palavra”, “pedir a palavra”, “palavra de honra”, “liberdade da palavra”. A
palavra é tratada assim como uma realização da significação humana por excelência.
Acredito que conceder a liberdade da palavra aos alunos seja uma das formas de permitir-
79
lhes desenvolver a sua autonomia, “a difícil passagem ou caminhada da heteronomia para a
autonomia” (FREIRE, 2004, p. 70).
Na perspectiva sócio-histórica os cinco princípios básicos da AC somente
fazem sentido, na medida em que propiciem condições para uma relação dialética mais
enriquecedora entre os alunos, maximizando os benefícios da interação social. Da mesma
forma, a heterogeneidade dos grupos pode intensificar as trocas, considerando os contextos
sócio-históricos distintos, entre perspectivas distintas e divergentes.
Dessa forma acredito ser viável a concretização de uma educação crítica,
transformadora, em que com a palavra, os educandos possam ter oportunidade de pensar
por si mesmos, posicionando-se desde pequenos a partir da problematização dos temas
estudados, desatando assim aos poucos, as amarras da alienação cultural e social.
Conforme já argumentei anteriormente, embora distintas em sua origem,
acredito na possibilidade de articulação da teoria sócio-histórica à prática da AC. Acredito
que outro aspecto também relevante na articulação pretendida neste estudo seja a
possibilidade da troca de contribuições e de discussão das concepções teóricas sócio-
históricas, dentro da perspectiva vigotskiana com a estruturação de propostas pedagógicas
da AC - tradição de ensino com vasta massa de pesquisas que apontam para sua efetividade
e considerável volume de técnicas e procedimentos desenvolvidos. Acredito ser uma
condição sine qua non para essa articulação que o professor seja consciente das razões de
seus procedimentos a partir de suas concepções dos processos psicológicos da
aprendizagem e comprometido com uma prática emancipadora.
80
1.2.6 – Formação Docente para a Aprendizagem Cooperativa
A articulação até aqui proposta levam a implicações necessárias sobre a
formação docente, pois elas somente serão possíveis se ocorrerem nas concepções dos
professores. A formação para AC pode representar uma mudança até certo ponto radical
na prática do professor, dependendo da sua formação escolar e inicial
20
obtida. Ocorre, no
entanto, que professores podem alterar a sua prática sem, contudo alterar suas concepções
mais profundas e o seu habitus (Bourdieu, 1996), ou seja, formas duradouras de resolver os
problemas do dia-a-dia, graças às transferências analógicas de esquemas, integrando todas
as experiências acumuladas. Nesse caso, como uma maquiagem, as novas práticas são
postiças e não resistem às intempéries do tempo.
Nos países do hemisfério norte, especialmente, Canadá e Estados Unidos e
vários países da Europa, a formação para a AC tem contribuído para desenvolver uma
forma de ensino que se apresenta como uma das possíveis alternativas para o ensino
tradicional e tem resistido à passagem do tempo, há mais de quatro décadas (BERTRAND,
1991). Segundo Bertrand (1991), milhares de professores foram formados nos Estados
Unidos para o ensino cooperativo nas últimas décadas na Universidade de Minnesota
(Johnson & Johnson) ou em uma complexa estrutura de formação continuada (Kagan)
21
.
Em que consiste essa formação? Os estudiosos da AC se debruçaram sobre a questão.
Dentre as produções sobre o tema, apresento aqui algumas considerações de Johnson &
Johnson (1994) sobre a formação de professores para a AC. Para que o professor seja
formado na AC é necessário alguns pontos fundamentais, dentre eles:
a) deve acreditar nas vantagens do ensino cooperativo;
20
Formação inicial aqui é entendida como a formação universitária ou em outro nível, especifica para o
exercício do magistério.
21
Para maiores informações sobre essa formação continuada ver http://www.kaganonline.com
81
b) decisão pessoal, comprometimento em se desenvolver na AC;
c) formação teórica e prática;
d) formar duplas entre professores para aprendizagem compartilhada e apoio
mútuo;
Segundo Johnson & Johnson (1994), o professor estará seguro e experiente
para a prática da AC quando:
consegue desenvolver suas próprias estruturas de aula (técnicas)
cooperativa a partir de seus cinco princípios básicos [...]; desenvolve a
AC de forma rotineira (habitual ou mais ou menos automática)
[...];utiliza a AC em cerca de no mínimo 60% do tempo” (Johnson &
Johnson, 1994, p. 1:16);
Os autores afirmam que o professor poderá conseguir essa segurança após um
ou dois anos de prática ininterrupta e persistente. No Brasil experiências alternativas têm
sido desenvolvidas e algumas serão apresentadas ao final desta sessão. Contudo, sabemos
que a organização do trabalho didático em muitos casos, tem se baseado no desempenho
individual e/ou na competição de seus alunos e para muitos professores essa é a forma, a
única e melhor forma na qual devem organizar o ensino. A sociedade e sua cultura escolar
estão estruturadas dessa maneira.
Se em países onde a AC já vem se tornando em uma tradição, a formação do
professor demanda um ou dois anos, quanto tempo necessitaríamos para uma formação
efetiva nessa prática em nosso país?
Antes de apontar algumas possibilidades não podemos desconsiderar que a
formação dos professores não ocorre em um vazio. Mesmo em sua formação inicial o
professor possui muitos saberes docentes em sua experiência escolar e experiência de vida.
É a partir dos saberes docentes já construídos que os novos conhecimentos serão validados
82
ou negados e amalgamados.
É necessário considerar ainda que de forma sucinta, a sistematização teórica
dos saberes docentes. Embora vários pesquisadores tratem da questão, selecionei as
contribuições de Maurice Tardif (2000), por focalizar a problemática dialogando com
campos mais amplos da pesquisa e ao mesmo tempo apoiando-se em pesquisas empíricas.
Tardif considera que os saberes docentes são temporais, plurais e heterogêneos,
personalizados e situados e originam-se de quatro fontes:
a) saberes da formação profissional - das ciências da educação e ideologias
pedagógicas transmitidas pelas instituições de formação;
b) saberes disciplinares -sistematizados nas universidades;
c) saberes curriculares - conhecimentos a serem transmitidos às futuras
gerações;
d) saberes da experiência - desenvolvido no exercício da profissão.
O autor argumenta sobre a necessidade dos programas de formação
concederem maior relevância aos saberes da experiência, pois os mesmos constituem-se
fonte de referência para a prática docente. Os estudos mostram que os outros saberes
parecem ser validados no exercício do cotidiano e permitem aos professores um
distanciamento de outros conhecimentos adquiridos fora de sua prática. Colocam ainda em
evidencia que é nos saberes da experiência que os demais saberes são amalgamados.
Dessa forma, a formação para a AC, muitas vezes pode vir de encontro com
as crenças mais profundas dos professores, com os saberes da experiência do professor.
Considerar tais saberes e possibilitar que a AC seja desenvolvida na experiência parecem
ser condições básicas para essa formação.
83
No Brasil a AC não tem sido muito divulgada e aplicada. Carvalho (2000)
de forma mais intensiva desenvolveu um programa de formação continuada para a AC em
escolas privadas e algumas públicas, algumas vezes pude estar junto no desenvolvimento
dessas formações continuadas.
Quanto à publicações no Brasil sobre formação docente na AC, além da
obra de Carvalho, Lowman (2004) em sua recente obra publicada, ao tratar sobre técnicas
de ensino enfatiza a interação em sala de aula através de formas alternativas de organizar
as aulas e enfatiza a aprendizagem cooperativa. No Brasil ainda, tivemos nos últimos anos,
a tradução da publicação de Monereo e Duran (2004) sobre o tema que propõe uma
formação docente através de breves tramas e narrativas que transcorrem entre os
personagens de uma escola de ensino médio, apresentando diferentes maneiras de aplicar a
AC. Mas, ainda é fora do Brasil onde ocorre uma maior disseminação da formação docente
e publicações sobre a AC como Aguado (2003), por exemplo, em Portugal, que enfatiza a
AC como uma forma de educação intercultural. Nos últimos anos muitas dessas
publicações têm fundamentado o desenvolvimento da AC na perspectiva sócio-histórica,
com a qual compartilho como McCafferty et al (2006), Adams e Hamm (2005), entre
outros. Tais publicações reforçam a possibilidade de articulação aqui proposta.
1.4 - Sumário do Capítulo
O escopo teórico de Lev Semenovich Vigotski, especialmente sua Lei Genética
de Desenvolvimento e a Zona de Desenvolvimento Proximal, foram tomados como
suportes teóricos psicológicos para fundamentar a presente pesquisa por ter ele priorizado a
interação social no processo de construção do conhecimento.
84
Na abordagem dialética para formular sua teoria psicológica, Vigotski
apropriou-se do método de Marx, acreditando que não somente a natureza e as condições
naturais afetam o homem como determinantes do desenvolvimento histórico, mas de uma
forma dialética, a natureza influência o homem e o homem, por sua vez, age sobre a
natureza, provoca-lhe mudanças com os instrumentos de sua mente, os signos. Desta
forma, as ações e pensamentos do homem não são apenas o somatório de relações
estímulo-resposta, mas o homem, diferentemente dos animais, produz um estímulo “X”
que interfere na relação, permitindo-lhe interagir com o meio, modificando-o.
A partir da análise de referências dos escritos de Vigotski relacionadas à
aprendizagem, é possível esboçar um conceito vigotskiano desse termo. Pode-se dizer que,
para Vigotski:
a aprendizagem constitui-se na reconstrução significativa e mediada de
instrumentos fornecidos pela cultura que podem ser, desde as habilidades mais
elementares, a formação espontânea de conceitos cotidianos, até a operação
deliberada, consciente das funções superiores como a formação dos conceitos
científicos mais abstratos.
Percebe-se ainda que, para ele:
a) essa apropriação é uma reconstrução individual, portanto não é reprodução e
não é passiva;
b) a imitação não é mera cópia de um modelo, mas a reconstrução daquilo que
se observa;
c) a aprendizagem que leva a uma repetição mecânica de palavras, a um
verbalismo vazio, a uma simples memorização sem compreensão não é aprendizagem
significativa.
85
d) na aprendizagem de conceitos científicos faz-se necessário a correlação de
conceitos cotidianos ou aprendizagens prévias de outros conceitos científicos
correspondentes;
e) a aprendizagem, para efetivar-se, precisa de certo nível mínimo de
desenvolvimento tanto maturacional como cognitivo;
f) por outro lado, a aprendizagem pode impulsionar níveis mais elevados de
desenvolvimento, adiantado-se a ele;
g) isso se torna possível através da interação com adulto ou criança mais
experiente que atua exemplificando, explicando, demonstrando, ajudando enfim, quem
aprende;
h) a aprendizagem, portanto, é um processo social. Pressupõe um outro, de
forma direta (presencial) ou indireta (lendo um livro escrito pelo outro, por exemplo);
i) é um processo interativo, dialético, pois a pessoa ao aprender, reconstrói
essa aprendizagem e atua modificando-a e modificando aquele com quem interage.
O desenvolvimento não é apenas um processo biológico previsível, universal
e linear, mas um processo dialético, complexo e se dá através de trocas recíprocas entre
fatores internos, individuais e biológicos e fatores externos, o ambiente social. O homem é
transformado em sua interação social, em sua cultura, enquanto a transforma. Portanto,
para Vigotski, a aprendizagem é um processo social que modifica o curso do
desenvolvimento, antecipando-se a ele. O conceito de desenvolvimento está vinculado à
sua Lei Genética de Desenvolvimento, segundo a qual, qualquer função no
desenvolvimento cultural da criança aparece em dois planos: primeiro no
interpsicológico, entre as pessoas, depois no intrapsicológico. A internalização
transforma o processo e as funções. Isso significa dizer que:
86
a) o saber (intrapsicológico) é constituído nas relações sociais;
b) se o saber ou conhecimento é transformado na internalização ele é ao
mesmo tempo, produto e processo, considerando a natureza transformadora da
internalização;
c) mesmo em processos mentais isolados, o indivíduo dialoga com uma outra
voz;
d) os pensamentos de uma pessoa corresponde ao que ela ouve, verbaliza e faz
no mundo.
Sendo construído nas relações sociais, o desenvolvimento não deve ser
determinado apenas pelo que o indivíduo consegue realizar ou aprender sozinho, de forma
independente, ou seja, em seu nível de desenvolvimento real. Deve ser considerado
principalmente em seu nível de desenvolvimento potencial verificado através do
desempenho e da aprendizagem construída através da cooperação com outros mais
capazes. A distância entre o nível real e o nível potencial de desenvolvimento constitui-
se na Zona de Desenvolvimento Proximal. Quando os alunos estudam apenas
individualmente, não utilizam tal zona e seu desenvolvimento não alcança níveis mais
elevados ou retarda-se em relação ao que poderia alcançar na interação social.
A AC é uma proposta metodológica consolidada por vasta experiência e
pesquisas que objetiva intensificar e tornar efetivas as interações sociais dos alunos
canalizadas para a aprendizagem dos saberes escolares e para o desenvolvimento de
habilidades e valores éticos. Os alunos são organizados em pequenos grupos, diante de
situações que objetivam a construção do conhecimento através da interação social. São, ao
mesmo tempo, sujeitos mediadores, que ensinam, e sujeitos cognoscentes, que aprendem.
87
Para que a metodologia seja de fato caracterizada como AC, deve atender a
princípios básicos:
a) Interdependência positiva: a percepção de cada membro do grupo de que
o sucesso individual depende do sucesso de todos.
b) Responsabilidade individual: objetiva-se que todos devem, ao final, poder
responder por sua aprendizagem.
c) Interação face-a-face: a relação entre os alunos necessita ser pessoal e
próxima;
d) Habilidades interpessoais: desenvolvimento de uma identidade do grupo,
de suporte mútuo, de aceitação das diferenças e de sinergia.
e) Processamento do grupo: é a auto-avaliação periódica do funcionamento
do grupo, de seu desempenho e de suas relações internas.
f) Interação simultânea: o objetivo desse princípio é assegurar que o maior
número de alunos estejam, ao mesmo tempo, sendo ativos e interativos.
g) Participação igualitária: visa garantir que todos tenham oportunidades
iguais de participar na interação.
h) Formação básica de grupos heterogêneos: as diferenças de sexo, raça,
nível social e nível de desenvolvimento são fatores que podem ser positivos para o
desenvolvimento na interação.
A aplicação da AC na escola estudada nesta pesquisa não teve sua
fundamentação, a princípio, na perspectiva sócio-histórica. Contudo, a partir do
desenvolvimento desta pesquisa, especialmente o conceito de ZDP forneceu pontos de
reflexão e apoio em reuniões de estudo e planejamento. No decorrer do relato do terceiro e
88
quarto capítulos busco a possibilidade de articulação da teoria a essa prática em uma
experiência de tentativa de aplicação da AC no Brasil.
89
CAPÍTULO 2
90
2 - PERCURSO METODOLÓGICO
Como a situação escolar é um processo sempre em
movimento, e a transformação é o resultado
desejável desse processo, métodos de pesquisa que
permitam captar a transformação são os métodos
mais adequados para a pesquisa educacional. A
contribuição de Vygotsky nesse aspecto é muito
relevante.
Marta Kol de Oliveira
Descrevo neste capítulo como a pesquisa foi realizada. Busquei um caminho
metodológico de investigação que me possibilitasse recolher os dados do objeto em seu
ambiente natural e cotidiano. Que permitisse não somente identificar os resultados finais,
mas que, penetrando nas sinuosidades do caminhão de uma sala de aula, pudessem
identificar, na dinâmica dos processos de mudanças ali ocorridos, as condições favoráveis
e as dificuldades. E, finalmente deveria considerar e analisar os significados que os sujeitos
estudados atribuem às suas experiências. A abordagem e a metodologia empregada,
portanto, é característica de uma investigação qualitativa.
Trata-se de um estudo de caso, segundo Bogdan & Bicklen (1994) e André
(2005) de uma tentativa de aplicação metodológica da AC em uma escola durante o ano de
1999, especificamente, em uma sala onde estudavam juntos alunos de terceira e quarta
séries do Ensino Fundamental.
91
Algumas referências numéricas do desempenho dos alunos, que a princípio
poderiam ser tomadas como evidencias da diferença entre o desempenho individualizado e
o desempenho no grupo cooperativo, são tomadas como ponto de partida para uma
interpretação qualitativa.
A AC, como objeto deste estudo, é um recorte da realidade e, como tal, precisa
ser considerada dentro do contexto em que está inserida: a escola e os sujeitos
protagonistas, antes porém, é necessário esclarecer sobre quem era, qual a função e limites
da pesquisadora na escola.
2.1 - A Pesquisadora e a Pesquisa
Na escola estudada, tive dupla função: profissional e como pesquisadora. Como
profissional exercia a função de coordenadora pedagógica, porém meu campo de atuação
se estendia à 17 Escolas Adventistas dos Estados de Rondônia e Acre, sendo 5 escolas
com cerca de 800 a 1000 alunos, 9 escolas com cerca de 200 a 400 alunos e 3 escolas de
poucos alunos como esta da pesquisa que possuía, em 1999, 72 alunos. Como
coordenadora pedagógica da rede, além das atividades burocráticas junto aos órgãos
normativos, formação docente continuada, entre outros, minha responsabilidade era prestar
assessoria pedagógica de maneira mais presente às pequenas escolas. Nestas escolas, a
responsabilidade desse acompanhamento pedagógico era compartilhada com o seu diretor.
Na escola do estudo, pela sua especificidade histórica, como será descrita a seguir,
foi desenvolvido um Projeto Pedagógico de caráter experimental
22
. Tal projeto foi
submetido e aprovado pelo Conselho Estadual de Educação de Rondônia. As professoras,
22
Projeto experimental previsto em legislação do Conselho Estadual de Educação de Rondônia.
92
diretora e eu construímos o projeto juntas. Contudo pela minha parcela de cumplicidade na
sua construção, por contemplar a AC como seu aspecto diferencial e, por acreditar na
proposta metodológica, estive mais presente nesta escola que nas demais, no ano da
pesquisa. O número de visitas e de reuniões aumentou consideravelmente por haver essa
experiência se tornado o objeto da presente pesquisa.
Delimitando de certa forma minhas duas funções, consciente de que uma
delimitação precisa é impossível, como coordenadora da escola e do projeto, reunia-me
uma vez por semana com as professoras para ouvir, trocar experiências, para estudo,
discussão e planejamento. Por três vezes ao longo do ano, tivemos encontros extras mais
demorados para planejamento de atividades, técnicas especificas da AC e para selecionar e
preparar materiais didático-pedagógicos.
A formação especifica para a AC ocorreu em dois momentos distintos. Em
outubro do ano anterior os professores da rede participaram de um programa de formação
para a AC e posteriormente, nesta escola, antes do início do ano letivo, realizamos algumas
reuniões de estudo e planejamento para adequar a proposta à realidade da escola.
Como pesquisadora, havendo já delimitado o estudo em uma sala de aula,
realizei visitas de observação, entrevistas especificas para este fim, como relato mais a
frente no item 2.3. No entanto, alguns dados úteis à pesquisa foram obtidos em reuniões
com as professoras ou de outra forma, que como coordenadora das escolas tive acesso.
Como uma experiência nova, em uma nova trajetória a percorrer, não
conhecíamos os percalços do caminho e fomos pegas de surpresa muitas vezes, como no
caso da complexidade da formação dos grupos que parecia ser algo tão simples. Tentamos
várias formas de agrupar os alunos como serão detalhadas no capítulo 3. Dessa forma,
93
vários procedimentos da pesquisa foram sendo elaborados e executados ao longo do ano,
ao longo da pesquisa, como assim é permitido à uma pesquisa qualitativa.
2.2 - A Escola e os Sujeitos
A escola está localizada em um bairro de periferia de uma cidade de médio
porte, em Rondônia. A escola estudada situa-se ao lado da igreja que a mantém. A
comunidade dessa igreja construiu há dez anos a maior parte das dependências da escola,
com o objetivo de servir também para as crianças da própria comunidade se reunirem nas
programações religiosas.
Ao fundo do terreno, há um bloco com três salas de aulas, tendo à frente dessas
salas uma área coberta de aproximadamente noventa metros quadrados. As dependências
administrativas ficam noutro bloco, à frente do terreno. A escola não tem quadra. Entre um
bloco e outro, há um pátio calçado de cerca de cem metros quadrados, onde os alunos
participam de recreações e jogos. Ao lado desse pátio, existe um parquinho infantil cercado
com madeira tendo alguns brinquedos simples.
Desde a sua criação a escola vem desenvolvendo-se lentamente, tendo passado
por alguns períodos de maior depressão financeira em 1994 e 1997. As dificuldades
econômicas do país e, especialmente, do Estado, ocorridas no final de 1998, podem ter sido
causa da grande evasão de alunos para a rede pública, na ocasião. Em 1999, todas as três
turmas funcionaram no período da manhã, sendo uma de Educação Infantil, uma de
primeira e segunda séries e outra de terceira e quarta séries. No ano 2000, a escola voltou a
funcionar com sua capacidade máxima. Não houve mais necessidade das séries estarem
94
agrupadas, voltando a funcionar hoje, uma em cada sala, permanecendo, no entanto, a
prática da AC.
2.2.1 - A Diretora
A diretora é habilitada em Administração Escolar com especialização em
Psicopedagogia. Já atuou como vice-diretora e diretora em outras sete escolas. Segundo
informações da comissão administrativa regional das Escolas Adventistas, da qual eu era
membro, por onde ela passou, deixou uma imagem de boa administradora, sempre atenta
não só aos aspectos administrativos, mas também aos pedagógicos. Na última escola
trabalhada, teve certo preparo e experiência com a AC, mostrando-se favorável a essa
prática. Nos textos dos alunos, eles citam a vinda da “nova diretora” entre as coisas boas da
escola. Sua maior preocupação ao assumir a direção da escola foi a de resgatar a integração
escola/comunidade. Para isso envolveu os pais nas programações escolares e todo o
pessoal em visitação às famílias dos alunos. Por essa atuação carismática e empreendedora,
os pais se manifestaram, de forma geral, satisfeitos com a diretora, de acordo com a
avaliação que responderam por escrito. Sua formação e experiência com a prática
estudada, bem como o apoio à aplicação da proposta, foram fundamentais para viabilizar
sua execução. Procurou oferecer uma estrutura adequada e esclarecer aos pais questões
pertinentes que fossem surgindo. Os pais, em geral, apoiaram e demonstraram confiança na
proposta e esta foi uma condição básica para sua aplicação. Isso influenciou para que
houvesse uma atitude favorável por parte da professora e dos alunos.
95
2.2.2 - A Professora
A professora é formada há quatro anos em curso de Magistério de nível médio
e atua na sala de aula desde então, tendo trabalhado um ano com terceira série e, nos três
últimos anos, anteriores a esta pesquisa, com a segunda série. Parece ter aceitado com
disposição o desafio de trabalhar nesta nova experiência, sempre pronta para as reuniões de
planejamento e preparo de materiais didáticos, no período da tarde, tomando várias vezes
todo o período. Demonstrou interesse, quando conversamos sobre as fundamentações
teóricas pertinentes à experiência, apoiando e realizando os procedimentos que planejamos,
mesmo quando o objetivo foi apenas criar um tipo de avaliação ou organizar os alunos em
posições estratégicas nos grupos, de acordo com o aspecto a ser observado. Por outro lado,
talvez, tenha se sentido constrangida, questionando pouco, não discordando ou
contrapondo, quem sabe, considerando nossas posições. Nesse caso, posso ter ficado
privada de ter sua perspectiva real.
Sendo que a prática docente é construída a partir dos saberes profissionais
docentes (Tardif, 2000) e esses saberes são personalizados, ou seja “um professor tem uma
história de vida, é um ator social, tem emoções, um corpo, poderes, uma personalidade,
uma cultura [...]” (TARDIF, 2000 p. 15), esses saberes são subjetivados. Sendo assim,
apresento aqui algumas breves observações sobre alguns traços característicos da
professora da pesquisa. O que mais a caracteriza é a sua calma, com tom de voz não muito
alto. Esse traço parece colaborar para que ouvisse com paciência os alunos, em suas
respostas e histórias. Por outro lado, acredito que devido à preocupação com o
cumprimento do programa, senti falta de uma maior intervenção, tanto na promoção de
uma certa ordem na classe, quanto em determinados momentos em que poderia aproveitar
96
as falas dos alunos, pois possui a habilidade de conduzir discussões, formulando perguntas
apropriadas que poderiam levar os alunos a refletir e construir respostas interessantes. Seu
relacionamento com os alunos é amigável marcado pelo respeito e pela paciência.
Em entrevista semi-estruturada, ao final do ano, sobre seus pontos de vista,
disse: “olha! O que eu aprendi!... se precisar repetir a experiência o ano que vem, eu
aceito, mas fazendo um bom planejamento no início do ano”. O fato de estarmos lidando
com uma experiência nova fez com que o planejamento da professora fosse reconstruído
algumas vezes durante o ano.
Apesar do maior trabalho que tivemos em fazer e refazer diversas vezes o
planejamento, a professora parece ter reconhecido, como disse, uma oportunidade de
crescimento pelo fato de estarmos regularmente estudando, refletindo e buscando novas
soluções. Creio que aprendemos muito, uma com a outra, além do que aprendemos com os
alunos.
O fato de ser para nós a primeira experiência com essas peculiaridades, já
representou uma dificuldade. Fomos aprendendo durante o processo. Isso resultou em
tentativas frustradas, retrocessos e recomeços. Alguns resultados positivos, como
esperávamos, foram surgindo relativamente tarde, o que não deixou de refletir no alcance
dos objetivos finais.
A instabilidade no plano de trabalho e a impossibilidade de previsão a médio
ou longo prazo do que se vai executar podem ter gerado insegurança na professora. Fazer o
que já se sabe fazer, ou que se estava acostumado, é sem dúvida, mais confortável, e isso
parece ser mais verdadeiro para alguns tipos de personalidades que para outras. Aquelas
que apreciam o desafio, fogem da rotina e querem crescer, podem sentir-se estimuladas
diante dessas situações.
97
No entanto, não foi isso o que me pareceu ter acontecido, talvez pela forma
como a professora tenha percebido seu grau de responsabilidade na situação nova e
instável. Acredito que se sua visão fosse de principal responsável pela classe, tanto a
ansiedade como o envolvimento e o comprometimento teriam sido mais evidentes, em
alguns momentos, as atitudes e iniciativas da professora caracterizavam sua percepção de
coadjuvante, pois a ansiedade, que até seria esperada, dava lugar a uma certa acomodação.
Consciente do risco de que tal atitude interferisse negativamente na sua
disposição, confiança e comprometimento, procurei não interferir em sala no
direcionamento da prática pedagógica e deixei a professora livre para decidir o que fazer
diante das sugestões apresentadas. Busquei esclarecer que minha função, na sala de aula,
era de pesquisadora. Como auxiliar restringia-me a discutir o andamento e sugerir alguns
procedimentos à professora em outro horário e local. Apesar disso, em determinados
momentos, o fato de a professora aguardar para tomar algumas iniciativas, em sala de aula,
parecia resultar da perspectiva de ser apenas colaboradora do projeto, acrescido,
evidentemente, pelos seus traços característicos.
2.2.3 - A Sala de Aula Estudada
O critério da escolha da sala estudada foi a relativa similaridade entre os
conteúdos propostos para a terceira e a quarta série. O agrupamento de séries diferentes em
uma sala é uma situação típica de classes multisseriadas, comumente organizadas de tal
forma nas zonas rurais em muitas regiões do território brasileiro. É, contudo, uma realidade
atípica nas áreas urbanas, onde está localizada a escola estudada. O funcionamento desta
98
forma de organização escolar tornou-se possível mediante a aprovação pelo Conselho
Estadual de Educação de Rondônia do Projeto Pedagógico já referido anteriormente.
A viabilidade de inferências das implicações para a prática pedagógica em uma
sala de aula convencional, a partir dos resultados observados na sala estudada, pode ser
questionada em função da situação desta última ser considerada atípica. No entanto, a
invulgaridade da situação, evidenciada na heterogeneidade dos alunos - considerados os
fatores: série, idade, nível de aprendizagem, realidades individuais e até certo ponto,
conteúdos estudados - parece, por outro lado, nos lembrar e nos propiciar uma
oportunidade singular de fazer-nos lembrar e reconhecer que toda sala de aula
convencional, na realidade, é composta por seres individuais e distintos nos mesmos
fatores considerados. Tão individuais e tão distintos quanto o número deles.
O pequeno número, dezesseis alunos na classe, constituiu-se em uma das
condições favoráveis para viabilizar melhor qualidade na aprendizagem, pois possibilitou
atendimento individualizado pela professora e menos problemas quanto a uma relativa
ordem da classe, embora esta fosse normalmente ruidosa. O número razoavelmente
pequeno de alunos constituiu-se, tanto uma razão, como uma condição para a execução
dessa proposta.
2.2.4 - Os Alunos e Suas Famílias
A diretora, as professoras
23
e eu desenvolvemos uma reunião para conhecer o
perfil dos alunos e de suas famílias. As informações foram baseadas nas impressões das
23
Embora fosse apenas uma professora na sala estudada, a outra professora da 1ª e 2ª séries fez parte desta
reunião pois ela já havia lecionado para a maioria dos alunos em anos anteriores e que agora estavam na 3ª e
4ª séries portanto, conhecia detalhes importantes sobre esses alunos.
99
professoras, a partir do convívio na sala e das visitas que faziam às casas dos alunos. Além
de seus depoimentos, analisamos os documentos pessoais de cada aluno, constantes do
arquivo escolar.
Apresento, aqui, a realidade sócio-econômica da classe, de forma coletiva.
Uma descrição mais detalhada de alguns alunos específicos encontra-se junto ao relato das
interações.
A maioria dos alunos vem de famílias de baixa renda, com alguns poucos
alunos em condições financeiras acima da média de outros alunos. Tomamos
conhecimento de alguns conflitos e até fatos que podem ter sido traumáticos em suas
histórias familiares, como separações dos pais, abandono, violência, o caso de um pai
preso ou, em outros casos uma aparente falta de atenção por parte dos pais. Poucos dentre
os alunos, pelo que pudemos saber, têm trajetória familiar aparentemente estável, com pais
que demonstram acompanhar sistematicamente seus filhos na escola. Alguns alunos
apresentam problemas emocionais facilmente observáveis. Um dos meninos é portador de
necessidades especiais. Sua família evidencia poder aquisitivo superior à media dos
colegas. Quanto ao desempenho acadêmico, quatro alunos têm muita dificuldade, três
podem ser considerados com desempenho acima da média da classe e a maioria tem
desempenho mediano. A classe é naturalmente heterogênea, mesmo entre os alunos da
mesma série a heterogeneidade é clara.
Até então, a experiência que tiveram como alunos, esteve, relativamente,
dentro do padrão de estudo individual e passivo. Participar da aprendizagem cooperativa
foi, então, algo bem diferente de tudo que tinham vivenciado.
A constatação do perfil social e econômico da classe nos leva a algumas
considerações. A escola, com sua especificidade confessional e sua proposta de ensino que
100
privilegia a formação de valores éticos e morais, não deixa de desenvolver nos pais
algumas expectativas quanto à satisfação das necessidades afetivas especiais de seus filhos.
Muitos desses alunos vêm de famílias carentes, para as quais a escola pública poderia ser
mais viável economicamente falando. Porém, talvez a expectativa dos pais em relação à
escola justifique o sacrifício que algumas famílias fazem, pagando, mesmo que seja
parcialmente
24
, para ter seus filhos estudando ali.
A visão contextualizada do aluno possibilita compreender as possíveis razões
de seus comportamentos, suas necessidades sociais, afetivas e intelectivas. Cada criança já
chega à escola com uma experiência acumulada (Vigotski, 1998a). Sabe-se que suas
experiências sociais anteriores determinam, em grande parte, seu modo de interagir com o
mundo. Ela só pode interagir com os novos saberes a partir dos conceitos cotidianos e dos
conceitos científicos construídos previamente em anos escolares anteriores. Sua
experiência com sua cultura possibilitou a criação de um sistema de signos, instrumentos
psicológicos com os quais construirá novas aprendizagens. A nova relação com as outras
pessoas e com os saberes escolares possibilita a construção de novos significados ou
adquire sentidos próprios a partir dessa experiência prévia.
Poderia a interação social proporcionada pela escola alterar de forma positiva,
do ponto de vista social, ético e cognitivo, o curso da história dessas crianças? Ou apenas
reforçar possíveis estigmas? Poderia enriquecê-las através de trocas positivas ou seria
apenas uma experiência conflitante?
24
A escola possibilita de que grande parte dos pais dos alunos pague apenas parcialmente o valor das
parcelas da anuidade e alguns nada pagam, tendo bolsa de estudo integral.
101
2.3 - Instrumentos
Primeiramente, utilizei-me da análise dos documentos dos alunos como um
instrumento que somado aos depoimentos das professoras e da diretora possibilitou-me
conhecer um pouco do perfil e da história de vida de cada aluno.
O principal instrumento usado foi a observação participante realizada por sete
meses, de abril a junho e de agosto a novembro de 1999 em uma freqüência de uma a três
dias por semana. A observação variou em um contínuo, nos diversos momentos da
pesquisa, da observação total à observação participante (LUDKE M. e ANDRÉ, 1986), ou
seja nas primeiras visitas ative-me somente a observar, esperando que a turma e professora,
de certa forma, se habituassem e aceitassem melhor a minha presença. Posteriormente, agi,
em alguns momentos, prestando uma ajuda moderada quando percebia a necessidade da
professora, o que contribuiu para uma maior aproximação dos alunos. Procurei, no entanto
ter em mente que minha meta prioritária era a coleta de dados.
Associadas à observação, utilizei entrevistas
25
abertas e semi-estruturadas com
os alunos e com a professora. A fim de conseguir que os alunos se sentissem seguros e
livres para falar de suas experiências e pontos de vista, participei várias vezes com eles de
brincadeiras e jogos, de sua confecção e do preparo de materiais para ilustrar operações
com frações. As entrevistas abertas ocorreram na sala de aula, após algumas atividades, ou
no horário do recreio, ou ainda, em passeios, em situações naturais. Certa entrevista
sucedeu algumas brincadeiras de gravar anedotas e ouvi-las em seguida, como será
relatado no próximo capítulo.
25
As questões das entrevistas constam nos anexos. Os depoimentos pertinentes e relevantes serão discutidos
nos próximos capítulos.
102
Com a professora, utilizei entrevistas abertas em situações corriqueiras quando
planejávamos, avaliávamos, e preparávamos atividades. Depois que a entrevista estava
escrita, solicitava que a professora lesse o manuscrito para avaliar e dar o seu parecer.
Realizamos duas entrevistas semi-estruturadas: uma próxima ao final do ano letivo em que
a experiência foi realizada; outra, após o encerramento do ano seguinte - 2000 - quando a
professora já trabalhava em uma sala de aula convencional de segunda série, aplicando a
AC. Esta última entrevista foi realizada com a finalidade de identificar, a partir da ótica da
professora, quais foram os obstáculos e as condições favoráveis à sua prática da AC em sua
sala de aula convencional, tendo como referência sua experiência no ano anterior.
Algumas técnicas especificas da AC podem ser consideradas como
instrumentos desta pesquisa por serem aplicadas também com essa finalidade, como é o
caso do Jig-Saw, do KWL, das avaliações do funcionamento do grupo e das atividades de
Português e de Matemática como serão descritas nos próximos capítulos.
2.4 - A Coleta de Dados
Os primeiros contatos foram feitos com a diretora e posteriormente com as
professoras. Para a diretora foi explicado o objetivo da pesquisa e a contribuição que tal
pesquisa visava oferecer, no sentido de identificar obstáculos e caminhos facilitadores à
prática da AC. Foi garantido sigilo da identidade da escola e dos sujeitos pesquisados.
Tendo conseguido a aceitação dos sujeitos em relação à pesquisa e a sua
colaboração, iniciei a coleta de dados. As primeiras visitas à sala de aula não tinham ainda
objetivos bem definidos. Posteriormente, fui focando minha observação às interações da
aprendizagem cooperativa. Durante essas primeiras visitas, solicitei à diretora que pudesse
103
analisar as fichas individuais dos alunos, as quais continham dados sobre a situação
familiar, financeira, o endereço e sobre a saúde do aluno de forma geral. Não se pode
deixar de considerar que tal acesso foi facilitado pelo meu vinculo indireto com a escola.
No entanto, mantive a consciência do prejuízo que esse vínculo poderia resultar para a
pesquisa, inibindo a autenticidade das manifestações e depoimentos e mascarando os
resultados, e, procurei não me valer dele. Acredito que a solicitude em me atender,
decorreu de um clima de confiança, cumplicidade e interesse genuíno nos resultados da
pesquisa, uma vez que além de me colocarem, às mãos, as pastas individuais dos alunos, as
professoras, voluntariamente, se acercaram de mim para acrescentar outras informações
obtidas em suas visitas às casas dos alunos.
Procurei anotar em vários diários de campo o máximo de descrições,
impressões, reflexões e intuições que me pareciam ser pertinentes. Em poucas vezes, fazia
as anotações dentro da sala de aula. Era mais freqüente que logo ao sair da classe e dentro
do carro ainda, anotasse tópicos importantes e frases-chave. O mais breve possível, no
mesmo dia procurava recuperar a riqueza dos detalhes, registrando-os a partir dos tópicos
anotados. Se por um lado, perdia alguns dados importantes fazendo assim, pareceu-me que,
principalmente, devido ao fato de a sala ser pouco numerosa, uma pessoa estranha, estando
freqüentemente a fazer anotações, poderia inibir manifestações mais autênticas dos
pesquisados.
Por duas vezes, obtive a coleta de depoimentos dos alunos gravada em fita K7.
Mesmo tendo as falas gravadas, procurei anotar as impressões que o gravador não pode
captar como as expressões faciais, a descrição do ambiente. Ao transcrever as falas,
acrescentava os comentários que julgava pertinentes e importantes. As entrevistas com a
104
professora foram também gravadas. As aplicações de técnicas especificas da AC que
também foram desenvolvidas como coleta de dados serão descritas nos capítulos seguintes.
2.5 – Análise dos Dados
Depois de escrever os dados na forma e a medida que as impressões e idéias
surgiam, organizei essas anotações, tendo o cuidado de relacionar em colunas distintas para
o texto descritivo, o texto reflexivo e a aproximação teórica. Os dados foram divididos e
organizados dentro de categorias consideradas pertinentes.
Para facilitar a compreensão do leitor, optei por estruturar a apresentação e
análise dos dados na seguinte seqüência:
a) apresentação dos dados precedida por breve contextualização dos sujeitos,
quando necessário;
b) análise dos dados e interpretação com base na teoria;
c) implicações educacionais para a prática pedagógica convencional, quando
possíveis.
Os dados compõem-se da descrição de episódios e depoimentos e são
interpretados à luz das concepções sócio-históricas de Vigotsky e das orientações
metodológicas de Johnson & Johnson e Kagan, teóricos da AC. A leitura de Vigotski abre
caminho para duas análises que coexistem. Numa primeira leitura, seu pensamento está
relacionado à luta cultura e política influenciado pelo marxismo. Em uma segunda
interpretação. O social e a interação teriam implicações para o contexto pedagógico. O
105
presente estudo, focaliza a interpretação de Vigotski na segunda leitura, embora não deixe
de considerar a relação da escola com um contexto maior da sociedade.
Acredito que é mais fácil perceber a relação teoria/empiria, realizando a
discussão teórica à medida que os dados vão sendo relatados e analisados. Pretendo
realizar essa discussão nos próximos capítulos.
2.6 - Sumário do Capitulo
A presente pesquisa é um estudo de caso da implantação da metodologia
denominada de Aprendizagem Cooperativa em uma escola em Rondônia.
A escola, com setenta e dois alunos em 1999, teve naquele ano seu
funcionamento com séries agrupadas em caráter contingencial, para possibilitar sua
continuidade, uma vez que o número de alunos não viabilizava sua manutenção. Para a
execução da proposta, foi elaborado um projeto pedagógico que privilegiava a prática da
AC sendo submetido a análise e aprovação do Conselho Estadual de Educação.
As interações dos alunos através da metodologia constituíram-se no objeto
deste estudo. Os sujeitos estudados são nove alunos da terceira série, sete alunos da quarta
série, todos em uma mesma sala, bem como a professora.
A abordagem da investigação é qualitativa. Os instrumentos foram entrevistas
abertas e simi-estruturadas e principalmente a observação participante ao longo de sete
meses. A coleta de dados foi registrada em diários de campo e fita K7 e posteriormente
organizada para análise em categorias que depois de serem definidas foram descritas neste
relatório. A análise dos dados foi interpretativa, seguida das discussões empírico-teóricas.
106
Na dupla função co-autora e co-executora do projeto experimental de um lado
e, de outro lado, de pesquisadora, estive consciente dos riscos para a pesquisa, procurando
autodisciplinar minha participação na colaboração fora da sala de aula, direcionando minha
atenção em sala para a observação e coleta dos dados.
107
CAPÍTULO 3
108
3. PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA AC: CONDIÇÕES
FAVORÁVEIS E DIFICULDADES
Estudar alguma coisa historicamente significa estuda-la no
processo de mudança: esse é o requisito básico do método
dialético. Numa pesquisa, abranger o processo de
desenvolvimento de uma determinada coisa, em todas as suas
fases e mudanças do nascimento à morte significa,
fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência, uma
vez “ que é em movimento que um corpo mostra o que é”.
Vigotski
Neste capítulo apresento a descrição dos dados observados no processo de
implantação da AC na escola estudada. Os relatos precedem as discussões teórico-
empíricas. Ao longo da descrição e discussão, procuro identificar condições favoráveis e
dificuldades na construção de aprendizagem significativa dos alunos. Dentre os dados
registrados no diário de campo referentes ás observações e aos depoimentos, foram
relacionados para análise, aqueles que considerei prototípicos e que são pertinentes ao
problema levantado neste trabalho. A apresentação dos dados foi organizada visando
evidenciar as condições favoráveis e as dificuldades na aprendizagem dos alunos dentro
das seguintes categorias:
109
a) disciplina;
b) formação de grupo;
c) conflitos;
d) mudanças nas atividades.
3.1 - Problemas de Disciplina
Embora a AC aparentasse ser simples em suas orientações teóricas, foi a partir
da prática que se desvelaram as dificuldades de se lidar com uma situação nada familiar
na experiência das professoras. Em uma das primeiras reuniões do ano, as dificuldades
começaram a ser expostas e discutidas.
“O que eu não estou gostando é da conversa. Eles estão conversando como
nunca!” (Prof. 01).
“É mesmo! Parece que eles querem tirar o atraso(em relação ao tempo que
trabalhavam individualmente, Prof. 02)
“De vez em quando tem um reclamando: ‘professora, o fulano está copiando de
mim!’” (Prof. 01).
E ainda:
“Teve uma aluna... essa foi boa!..., nova aqui na escola, que quando eu disse
para eles discutirem uma questão do livro (didático), ela veio perguntar se podia discutir na
escola, porque ‘a gente não deve discutir’” (Prof. 02).
O barulho dos alunos, sua agitação, a oportunidade sem precedentes de poder
conversar, instaurou uma nova situação em sala de aula. Segundo as professoras, a
conversa incomoda por estar, para elas, fora dos limites toleráveis e por não se saber lidar
110
com tal situação. A observação da aluna relatada pela professora 02, mostra que a falta de
familiaridade com o trabalho escolar socializado, fazia com que o conceito de “discussão”,
como debate, significasse conflito e, conflito possivelmente na visão dessa aluna
significasse algo a ser evitado. A sua visão representa uma concepção muito comum na
escola dentro de uma orientação de educação liberal e conservadora. No entanto como já
vimos, em Vigotski (2003), a palavra em ação, a confrontação de idéias é um elemento
essencial na constituição da consciência.
Pareceu-me que a compreensão das professoras sobre as razões que levavam os
alunos a estarem sentados juntos, tentando ser cooperativos, não ia além da iminência da
escola ser fechada. A estranheza das professoras e dos alunos às decorrências naturais da
interação, como o diálogo e o debate de idéias, por exemplo, mostra que eles enxergavam
nessa prática apenas uma troca de lugares das carteiras na sala.
Ficou evidente, neste relato, que o simples fato de os alunos estarem sentados
juntos, não garante que haverá AC. Assim, os primeiros obstáculos com os quais nos
deparamos foram: um novo clima de desordem inaugurado na sala, a dificuldade de os
alunos serem cooperativos a despeito de estarem sentados juntos e a falta de preparo
suficiente das professoras para lidarem com a nova situação.
Na experiência desenvolvida, embora as professoras houvessem participado de
capacitação específica e tivéssemos estudando sobre a AC, na sala de aula acabava
predominando, pelo menos nos primeiros meses, a forma de ensinar que estava bem
arraigada no hábito desenvolvido por cada uma, em sua formação e experiência. As
mudanças conseguidas foram surgindo lentamente.
Pude constatar que as interações sociais de uma sala de aula não serão
plenamente educativas se não houver objetivos bem estabelecidos, direcionamento e
111
preparo para fazê-lo. Sem essas condições, a atuação do outro - sujeito mediador - pode ser
nula, ou ambígua, tanto podendo contribuir como dificultar a construção dos
conhecimentos científicos, cuja transmissão é da competência da escola. Embora Vigotski
tenha declarado que “o aprendizado desperta vários processos internos de
desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com outras
pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros” (VIGOTSKI,
1998, p. 118), não há em seus escritos, que chegam até nós, informações de como
imaginava a dinâmica dessas interações sociais na sala de aula.
Se, por um lado, em Vigotski não encontramos a orientação requerida de como
tornar a sala de aula um espaço de interação, sem qua a organização necessária à
aprendizagem se perca no processo, por outro lado os estudiosos da AC, a partir de estudos
empíricos, debruçaram-se sobre a questão, considerando as diferenças de uma sala de aula
voltada para a AC e uma sala de aula tradicional. Segundo Kagan,
Muitos professores relatam que seus problemas de manejo de sala diminuíram
sensivelmente logo que eles mudaram para a aprendizagem cooperativa. A
razão é que na aula tradicional existe um descompasso entre a necessidade
dos estudantes e a estruturação da sala de aula. A natureza do estudante é
ativa e interativa: os estudantes querem “fazer” e “falar”. E a sala de aula
tradicional requer que os estudantes estejam passivos e isolados.
Naturalmente, os estudantes não satisfazem suas necessidades básicas e lutam
por isso [...] a aprendizagem cooperativa, ao contrario, está em melhores
condições de atender essas necessidades dos estudantes. Ela é baseada na
premissa de que a aprendizagem ocorre no fazer e no interagir. Os estudantes
são encorajados a interagir, a mudar, criar e fazer. Sentindo suas necessidades
básicas satisfeitas a disciplina não será mais o maior problema dos alunos
(Kagan, 1994, p 7:1).
.
O que observávamos, porém, na sala de aula até ali, era o oposto: as questões
de disciplina passaram a ser o problema central das professoras. Tais como pedras no
caminho essa dificuldade levava as professoras a desejarem voltar à forma de trabalho
anterior. Parecia haver desconhecimento, incompreensão ou não familiaridade com
112
orientações práticas que, junto com a fundamentação teórica, poderiam instrumentalizar as
professoras a maximizar as oportunidades de aprendizagem de seus alunos na interação.
Como explica Kagan
Todavia as habilidades de manejo de sala, necessárias na aprendizagem
cooperativa, são diferentes das habilidades para o manejo de uma sala
26
de
aula tradicional. Aliás, o manejo de sala de aula na aprendizagem cooperativa
diverge radicalmente do manejo de uma sala de aula tradicional [...] o sistema
é instituído para desencorajar os alunos para a conversa e para a interação.
Em contraste, na aprendizagem cooperativa os estudantes são encorajados a
interagir com outros estudantes e assim o manejo de sala envolve habilidades
diferentes (Kagan, 1994, p 7:1).
A partir dessa reunião, percebi a necessidade de maior compreensão dos
fundamentos, dos princípios básicos e de procedimentos específicos da AC. Combinamos
que nas próximas reuniões estudaríamos a AC e o que poderia ser redirecionado e
aplicado à realidade de cada sala.
Os primeiros resultados desta experiência já evidenciam os riscos de uma
aplicação mal fundamentada das propostas da AC: a aplicação de “pacotes educativos
prontos para o consumo”, ou seja, projetos pedagógicos que emanam dos sistemas
superiores de ensino para serem executados pelas escolas, embora não sendo o pretendido
para a escola estudada, ou de aplicação imatura da AC decorrente de entusiasmo a partir de
receitas de técnicas dinâmicas sem a devida compreensão dos seus princípios. Apesar das
reuniões de estudo e planejamento da proposta para atender as especificidades da situação,
elas não foram suficientes e necessitamos retornar nossas reuniões para repensar o
processo.
26
Algumas das formas de manejo de classe relativas à introdução dos times, incluindo organização dos
assentos, nível de ruído, direcionamento das atividades, distribuição e recolhimento do material do time e
métodos de desenvolver o comportamento do grupo estão nos textos “A Formação dos Grupos” e
(In)Disciplina” que se encontram nos anexos 9 e 10 respectivamente.
113
Minha primeira visita, como pesquisadora, foi no mês de Marco. Percebi que
minha “intromissão” à sala despertou a curiosidade dos alunos... em mim. Perguntei-me
por alguns momentos quem observaria quem, pois mesmo que disfarçassem, eles dirigiram
a atenção para a minha direção. Havia uma exceção: Andrei
27
que parecia não se importar
com a minha presença, fazendo “gracinhas” o tempo todo. Havia combinado com a
professora para que não me apresentasse como orientadora - função que eu exercia nas
escolas - muito menos como supervisora, termo que acredito ter a conotação negativa de
“superior” ou de “fiscal”. Eu me apresentaria. Infelizmente, nosso acordo não alcançou
seus resultados, pois, mais do que imaginava, alguns já me conheciam e enquanto me
apresentava, alguns cochicharam: “é a supervisora!” - Embora, tenha explicado que estava
ali para desenvolver algumas atividades novas junto com a professora e que os resultados
dessas atividades fariam parte de um estudo que estava realizando, alguns ficaram pouco à
vontade com a minha presença, o que aliás, já era esperado.
Percebi nesta visita, que os grupos eram bem grandes e as atividades não
estavam sendo direcionadas para alcançar os objetivos da AC. Por exemplo, as atividades
prendiam-se muito ao livro texto e os grupos esperavam a orientação da professora, grupo
por grupo. Enquanto esperavam, a desordem prevalecia. Como os grupos eram grandes,
para os alunos se escutarem precisavam falar alto.
Ficou decidido, em reunião posterior com as professoras, que os grupos seriam
compostos por quatro alunos, eventualmente cinco ou três. Com essa mudança, percebi,
nas próximas visitas, que o ruído havia diminuído, os alunos não precisavam mais falar tão
alto. Percebi, também, que a linguagem visual e facial entre eles havia melhorado sua
comunicação.
27
Os nomes dos alunos em todos os relatos são fictícios.
114
Nessa formação, não houve critérios determinados pela professora para a
composição dos grupos. Mas, para os alunos, havia sim, e bem claros. Suas escolhas foram
baseadas em afinidades pessoais: os amigos se escolhiam. Aqueles sem muitos amigos
acabavam ficando juntos, pois não tinham outra escolha.
Durante cerca de dois meses, os alunos trabalharam desta forma, pois nesse
período nossa atenção, minha e da professora, concentrou-se na re-elaboração dos
objetivos e reorganização da apresentação dos conteúdos, considerando a especificidade da
sala. Agrupamos conteúdos semelhantes às duas séries para possibilitar a apresentação e
estudo, de forma concomitante.
Posteriormente, agrupamos vários conteúdos programáticos em grandes blocos
temáticos, como propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais, e esses blocos puderam
ser estudados em forma de projetos. Cada projeto tinha um problema específico a ser
resolvido ou respondido coletivamente e, deste fio condutor, derivavam os conteúdos
relacionados e necessários para a solução do problema. Esses conteúdos eram, então,
distribuídos aos alunos de acordo com o programa oficial para cada série. Os grupos
trabalhavam os temas específicos do programa curricular para cada série ou eram formados
grupos mistos com alunos das duas séries, quando o assunto era comum às duas.
Durante esse período, dois fatores foram acrescentados e contribuíram como
condições favoráveis para melhorar a ordem da sala. O primeiro foi a elaboração de regras
básicas formuladas pela professora com a colaboração dos alunos. Elas incluíam: controlar
o tom de voz para não atrapalhar o grupo vizinho, a convenção do sinal de levantar a mão
que a professora usava para comunicar que precisava do silêncio e da atenção dos alunos e
o mesmo sinal usado pelo aluno para ter a palavra quando todos os alunos queriam falar ao
115
mesmo tempo em uma. O que dava legitimidade a essas regras e facilitava seu
cumprimento era o fato de serem construídas junto com os alunos.
Outro procedimento que a professora iniciou nesse período foi a delimitação de
um tempo para boa parte das tarefas nos grupos, o que representou um elemento
facilitador. A professora dizia quantos minutos os alunos teriam para desenvolver a tarefa.
Ao aproximar-se dos minutos finais, eles eram avisados de quanto tempo restava. Ao
perceber que o tempo não havia sido suficiente, a professora perguntava quem precisava de
mais alguns minutos e, então, esses minutos eram concedidos. Apesar de parecer um
detalhe sem muita importância, as tarefas não “cronometradas”, geralmente eram
interrompidas com divagações e a falta de objetividade levava o grupo à não conseguir,
em tempo, o resultado desejado. Novamente, os grupos dos alunos que menos
apresentavam os resultados esperados pela escola, nessa formação por afinidades pessoais,
levavam desvantagem.
Acredito que esses alunos que não demonstravam o desempenho esperado pela
escola, podem ter intensificado as dificuldades demonstradas em virtude da rejeição social
que evidenciava-se em tais instâncias interativas.
Devido à dinâmica das relações sociais, intensificadas nas práticas interativas,
foi necessário que o planejamento da organização do tempo, do espaço e das atividades
realizadas fosse rico e também dinâmico. Era, talvez, de esperar por alguns, que essas
regras tivessem restringido a liberdade dos alunos e empobrecido as interações na sala.
Porém, notava-se que, em condições de organização e respeito às participações dos alunos,
estes demonstravam maior motivação e envolvimento nas atividades.
116
3.2 - Formação dos Grupos
Os grupos de alunos variavam de acordo com a sua formação. Quatro tipos de
formação foram observados durante o ano. Segue-se uma rápida descrição da forma de
composição desses grupos e seus principais pontos negativos e positivos. Antes, porém é
necessário considerar que, quando Vigotski (1998) fala da ZDP, ele refere-se a crianças
que aprendem com um adulto ou outra criança mais adiantada. Obviamente, não
ignorando os determinantes históricos sociais e culturais, Vigotski está falando do
desenvolvimento que subjaz a idéia de um contnuum com níveis distintos, portanto a noção
implícita de que há níveis mais adiantados em relação a outros, referindo-se sempre a
aprendizagens especificas e, é nesse sentido, que apresenta-se neste texto refencias a
alunos mais adiantados ou menos adiantados, sem desconsiderar que os indivíduos podem
ser mais adiantados em determinadas aprendizagens e menos adiantados em outras, como
será discutido no próximo capítulo, e sem desconsiderar o potencial humano presente em
de cada criança. O que se pretende mostrar no texto é a heterogeneidade nos níveis de
aprendizagem dos alunos.
3.2.1 - Grupos Grandes de Séries Separadas
Nos dois primeiros meses, os alunos estavam em grupos relativamente grandes:
um grupo de nove alunos da terceira série e outro de sete alunos da quarta. O objetivo da
professora era “facilitar” a transmissão dos conteúdos separadamente para cada série, uma
vez que estava muito arraigado o hábito convencional de ensinar, “passando” a matéria. Na
realidade, seu trabalho havia duplicado, fazendo para duas séries o mesmo trabalho que
117
faria para uma série apenas. Nessa situação, seus esforços aumentavam e os resultados
diminuíam.
Esse tipo de formação pareceu válido, no entanto, para debates de alguns
assuntos que só diziam respeito ao conteúdo de uma série e para os quais a professora
devia ser a mediadora. Posteriormente, tornou-se um procedimento regular somente para
discutir as questões de interpretação de textos de Língua Portuguesa. A proposta do
material adotado ajudava, pois trazia questões bem elaboradas que privilegiavam a
oralidade dos alunos, desencadeavam debates e reflexões sobre pontos explícitos e
implícitos nos textos. A intervenção da professora foi fundamental para “alimentar” esses
debates.
Contudo, a formação de grupos grandes, sem a presença da professora, não
pareceu ideal para a interação social. Nestes grupos grandes, os alunos acabavam
Ilustração 1 Grupo grande com a presença da professora
118
trabalhando isoladamente ou, se precisavam conversar, levantavam muito a voz para se
ouvirem.
3.2.2 - Grupos de Afinidades
O tipo de formação de grupo por afinidades, de três a cinco alunos, colaborou
para melhorar a qualidade da comunicação e diminuiu o ruído. Porém, segregava
naturalmente alunos que mais atendiam à expectativa da escola daqueles que menos
atendiam e as implicações sociais, afetivas e cognitivas dessa segregação não podem ser
desconsideradas. Observei Winny e Sam trabalharem juntos num exercício de Matemática.
Winny tem onze anos, é da quarta série. Mora com os pais em outro bairro e
vem de ônibus para a escola. O pai é camelô e a mãe é professora. Faltou quase todo o
primeiro bimestre. Tem muita dificuldade para aprender. Dificilmente terminava as
atividades em sala, pois fazia as tarefas bem devagar.
Sam tem nove anos, é bem franzino, cursa a terceira série. Vive só com a mãe
que, segundo depoimentos da professora, parece ser ausente da vida escolar do filho pois,
não comparece às reuniões e não vem à escola, quando solicitada. Ele apresenta grandes
dificuldades para aprender e falta muito à escola. Estes dois alunos, na avaliação da
professora e no meu ponto de vista, também, eram os alunos que mais apresentavam
dificuldades para aprender. Inclusive, Sam, ao final do ano, não pode ser promovido para a
série seguinte.
Pode ser que Sam tenha sido retido na série por excesso de faltas ou porque o
conselho considerou suas visíveis dificuldades um impedimento para que acompanhasse o
programa da série seguinte. O fato é que às vicissitudes de seu contexto social e histórico,
119
foi acrescentado mais uma experiência frustrante. Até que ponto Sam foi paciente, no
sentido de aceitar as determinações históricas das circunstâncias em seu entorno? O que
essa reprovação incorporou à sua subjetividade? O que poderíamos ter feito e não fizemos
para propiciar a Sam que desenvolvesse autonomia e a fim de que começasse a ser o autor
da sua história?
Quando os alunos se agrupavam espontaneamente, Sam e Winny sempre
sentavam juntos, apesar de serem de séries diferentes. Observei que quando não
conversavam outros assuntos, pouco trocavam idéias sobre a atividade, demorando muito
para fazê-la, não representando, um ao outro, apoio mútuo significativo, direcionado à
aprendizagem escolar. Não se pode desconsiderar no entanto o apoio psicológico que essa
interação representava.
Ilustração 2
Grupos de f
ormação por afinidades
120
Contudo, segundo a professora, tal formação era necessária em determinados
momentos. Por exemplo, isso era praticado na recuperação paralela, quando ela podia
intervir em dificuldades específicas dos alunos. A essa altura, ainda, a noção do potencial
que os alunos mais adiantados representavam e dispunham para ajudar seus colegas com
tais defasagens não era bem clara.
3.2.3 - Grupos de Formação Aleatória
A formação aleatória dos grupos somente começou a ser praticada no início do
segundo semestre. A preocupação relativa aos problemas de segregação observados
conduziu a essa forma de agrupar os alunos. A professora confeccionou cartões com os
nomes dos alunos e esses cartões eram escolhidos aleatoriamente até todos os grupos de
três a cinco alunos serem formados. Havia grupos de formação aleatória da mesma série
para atividades do programa específico da série. E em outras ocasiões, havia grupos de
formação aleatória de séries diferentes, que eram formados para atividades de assuntos
seac 00 vo aec 1.61esma s\340s duas séries através de jogos matemáticos, desafios,
elaboração de textos coletivos, exercícios de Matemática, exercícios ortográficos e outros.
Apesar de a professora ae justificado a importância de “todos serem amigos de
todos’, de “aprenderem coisas diferentes com colegas diferentes”, houve alga salunos que
demonstraram desagrado por deixar o grupo de afinidades. Ficaram evidentes algamas
relações antagônicas. Entre estas, algamas atenuaram-se com os dias. Mas, no caso de dois
alunos, a professora preferiu separá-los: “se não, não conseguem fazae nada, só brigam”.
E 1.61grupos heterogêneos, após alga sdias de adaptação e mesmo sem desaparecer todos
os seus antagonismos, representaram a possibilidade de trocas de experiências, de
121
compartilhar significados a partir de perspectivas tão distintas considerando seus contextos
sócio-históricos particulares.
3.2.4 - Grupos de Formação Direcionada
Com o objetivo de obter a colaboração dos alunos mais adiantados em relação
aos menos adiantados, a partir do suposto conhecimento das habilidades específicas desses
alunos, planejamos a formação de grupos compostos por alunos menos adiantados com os
alunos mais adiantados. A atividade compunha-se de exercícios escritos de multiplicação.
Percebi que, nas primeiras vezes que isso aconteceu, eles não ficaram à vontade, nem
quem explicava, nem quem recebia explicação. Embora não manifestassem abertamente
seu desagrado, ao observar a atividade, pude perceber que o nível de motivação com que
participaram dessa “colaboração” foi visivelmente baixo.
Depois da primeira experiência desse tipo de grupo, conversei informalmente
com os alunos, no mesmo dia, à tarde. Estávamos reunidos num círculo grande antes de
participarmos de alguns jogos. Perguntei o que acharam da forma como fizeram os
exercícios de Matemática pela manhã. A maior parte disse que não havia gostado. Alguns
disseram que preferiam voltar a trabalhar em fila, referindo-se ao trabalho individual.
Houve a exceção de três alunos que, depois de algum tempo sem querer falar, disseram
timidamente que gostaram sim. Dois deles eram alunos de baixo rendimento. Percebi que
para a maioria, a compulsoriedade de tal “colaboração” artificializava uma relação de
cooperação. Nessa situação específica observada, a formação de grupos sugeridos pela
professora não foi produtiva para boa parte dos alunos e esse tipo de formação foi pouco
usado.
122
As atitudes dos alunos foram mudando no decorrer do tempo, e os fatores que
colaboraram, segundo me pareceu, foram: o fato de perceberem aos poucos os resultados
que a ajuda mútua representava, as tarefas em grupo terem se tornado mais desafiadoras e
eles começarem a trabalhar mais sincronizados como grupos. Mesmo assim, essa formação
dependia de ser planejada de acordo com os objetivos a alcançar e não era tão tranqüila
como a formação espontânea dos grupos de afinidades.
Através de questionário elaborado, quase ao final do ano, foi perguntado à
professora: o que você acha que deu mais certo, os grupos espontâneos ou aqueles que
você escolhia os alunos? Por que acha assim? Sua resposta foi:
Os grupos espontâneos. Porque sempre existe os coleguinhas mais chegados,
eles assim trabalhavam com mais vontade, tinham gosto em ajudar os outros,
se sentiam mais à vontade em fazer não só o que a professora queria.
Comparando a preferência da professora à qualidade da interação na formação
sugerida em algumas situações, parece, que ela estaria, em sua afirmação, privilegiando a
questão da harmonia entre os alunos, o que tornava menos trabalhosa sua condução da
aula.
3.2.5 - Cooperação Espontânea
No dia seguinte, depois de vários meses trabalhando, bem ou mal, em
atividades cooperativas, os alunos voltaram a trabalhar individualmente por uma manhã.
Nosso objetivo era, aproveitando o pedido da maioria, feito no dia anterior, observar qual
seria sua reação no caso de um retorno ao trabalho individualizado.
123
Ao voltar a trabalhar individualmente, percebia-se uma certa ansiedade por
parte de vários alunos. Embora alguns, em princípio, parecessem estar mais satisfeitos, não
foi a conclusão final a que chegaram. Confidenciaram-me depois que é “mais legal
trabalhar em grupo”, “sabe... tô arrependida do que falei ontem..., vários disseram em
coro: “é melhor em grupo mesmo.”
A satisfação dos alunos não era tudo o que desejávamos, embora essa fosse
uma condição necessária para eles agissem motivados. Nosso objetivo, na aplicação da
proposta, era também, desenvolver a atitude de cooperação e observar a como a
aprendizagem seria construída em decorrência dessa cooperação. Pensamos, então, que se
de alguma forma os alunos pudessem constatar por si mesmos o quanto podem oferecer em
colaboração mútua, isso poderia favorecer para desenvolver-lhes a atitude de cooperação.
Elaboramos uma forma
28
pela qual os alunos pudessem auto-avaliar seus
desempenhos antes e depois das atividades interativas. De posse desses resultados,
conversamos com alguns grupos para avaliar qualitativamente suas respostas, ou seja,
procurar entender o processo pelo qual haviam chegado às respostas. Depois de algumas
dessas atividades, percebemos que vários alunos se prontificavam a ajudar os colegas
quando precisavam. Ao terminar suas tarefas, vários deles perguntavam se alguém
precisava de ajuda. Não eram todos, eram quatro ou cinco alunos que terminando o que
faziam antes dos colegas dispunham-se a ajudá-los. Eram poucos, mas a cooperação era
espontânea.
Pude perceber que na aplicação da aprendizagem cooperativa, a formação dos
grupos não é um problema de menor relevância. A formação dos grupos espontâneos,
formados com base na afinidade que os colegas têm entre si, aparentemente, e a princípio,
28
Um exemplo dessa forma de atividade, o PQA ou também KWL, está no quarto capítulo. A descrição
mais detalhada dessa atividade consta no anexo 8.
124
pareceu ser a formação menos conflituosa. Os alunos ficam satisfeitos de estarem com seus
colegas prediletos e não se pode negar o fator emocional favorável presente nesse tipo de
relação. Esse fator pode ser interessante, principalmente para o desempenho dos alunos
considerados “estrelas”, que geralmente são os primeiros a se escolherem.
Nesse tipo de formação, se os alunos que apresentavam mais dificuldades em
relação às expectativas da escola, não tivessem a assistência da professora, tampouco
tinham ajuda significativa dos colegas. O problema observado nos grupos de afinidade
evidencia que essa formação torna-se predominante e os alunos considerados mais
adiantados, geralmente, insistiam para isso. Até que ponto essa segregação não seria
também um obstáculo ao desenvolvimento desses alunos que historicamente a escola se
omitiu de acolhê-los? Por outro lado, o agrupamento direcionado entre alunos que não se
afinam, forçando uma cooperação compulsória resulta em visível desmotivação para
alguns, o que pode refletir-se como uma dificuldade na construção de sua aprendizagem.
Tal complexidade das interações sociais presentes na AC e os problemas que
dela resultam, poderiam ser algumas das razões pelas quais a proposta não contar com a
adesão popular e imediata da parte dos professores.
Como foi apontado por Johnson & Johnson (1992), as habilidades sociais não
nos são legadas no nascimento nem surgem instintivamente como em um passe de mágica
quando nos começamos a nos relacionar com as pessoas. Elas precisam ser ensinadas. E
segundo Kagan (1994) comenta, quanto mais avançada a série dos alunos, mais
dificuldades e resistência eles apresentam para trabalhar em grupos. Por outro lado, quanto
menos avançada a série, menor será a resistência, havendo, no entanto, dificuldades
diferentes.
125
Conforme foi apresentado anteriormente, na AC os alunos podem ser
agrupados de várias formas, mas a formação de grupos heterogêneos, nos quais os
professores escolhem os membros dos grupos é considerada mais produtiva como grupo de
base, embora seja, nas pesquisas americanas e neste estudo, aquela para qual há mais
resistência dos alunos, pelo menos inicialmente. Se a professora deste estudo houvesse
persistido nessa formação, transpondo os primeiros obstáculos e, predominantemente,
formando grupos heterogêneos, posicionando em cada grupo um aluno que fosse mais
adiantado; se esses alunos fossem incentivados a interagir; se fosse desenvolvida a
interdependência positiva, a responsabilidade individual e as habilidades sociais, o
resultado poderia ser que a professora teria em cada grupo, no mínimo, um aluno que seria
uma espécie de auxiliar da professora. Seu trabalho ficaria facilitado. Os alunos seriam
ativos e interativos e essa participação interativa seria a própria fonte de motivação para
aprender. Seria sonhar demais? Seria uma visão idealista? Uma utopia? Se for um sonho
possível de ser realizado, como fazer essa combinação heterogênea sem um
direcionamento compulsório? O professor não estaria comunicando aberta ou tacitamente
aos alunos seu conceito estereotipado, que pode até ser equivocado, de quem seja o “forte”
e quem seja o “fraco”? Como deveria ser o preparo do professor para lidar com a formação
dos grupos?
É preciso identificar as dificuldades que, tal como pedras, se interpõem no
caminho entre o sonho e a realidade. Em uma tentativa de identifica-los e a partir da
observação das aulas da professora e de seus depoimentos percebi que, quando ela
utilizava a maior parte do tempo em sala explicando, corrigindo, lendo, ditando, enfim,
sendo a protagonista da cena, embora houvesse outras opções de atividades de maior
interação entre os alunos, quando o trabalho do aluno é de caráter passivo, individual e
126
pouco interativo, embora estejam sentados em grupo, talvez, as concepções da professora
sobre a natureza do processo da aprendizagem na interação social e de como o
conhecimento é construído, não fossem muito claras ou fossem incompatíveis com a
proposta de ensino adotada.
Somada a falta de uma maior compreensão dos processos interativos pela
professora existe a carência de pesquisa no Brasil para a instrumentalização de
procedimentos específicos para o desenvolvimento da prática. A literatura sobre AC no
Brasil ainda é mínima. Nossos subsídios para procedimentos próprios da prática foram os
textos de Carvalho (2000)
29
, as pesquisas em sites americanos de divulgação e assessoria
pedagógica para a AC e, posteriormente, a literatura dos estudiosos americanos da referida
metodologia e algumas outras obras foram publicadas no Brasil, como foi apresentado no
item 1.2.6.
O programa de implantação da AC apresentado por seus estudiosos e
divulgadores compreende uma série de orientações e procedimentos direcionados para
desenvolver os aspectos sociais do grupo. Kagan (1995, p. 8:1) recomenda procedimentos
de teambuilding
30
, dinâmicas para desenvolver o espírito de equipe, para a primeira vez
que a classe vai trabalhar em grupos, para quando o professor direciona a formação dos
grupos heterogêneos ou para quando houver conflitos entre os alunos. Esses procedimentos
voltarão a ser discutidos adiante.
Embora a professora não tenha praticado procedimentos específicos para
desenvolver a afinidade dos alunos nos grupos, a aplicação de algumas atividades de
29
Na ocasião utilizamos seus manuscritos cedidos e que originaram posteriormente o livro “Pedagogia da
Cooperação: uma introdução à metodologia da aprendizagem cooperativa”.
30
Teambuilding são atividades desenvolvidas especificamente para desenvolver o espírito de equipe. O maior
detalhamento pode ser encontrado no anexo 3.
127
processamento de grupo acabaram tornando-se condições favoráveis à percepção de apoio
mutuo o que resultou em elemento facilitador de suas aprendizagens em interação social.
As dificuldades sociais e as questões emocionais envolvidas não podem deixar
de receber atenção especial na AC. Segundo Vigotski, o intelectual e o afetivo são
indissociáveis. As atitudes afetivas, para ele, estão contidas em cada idéia, na esfera de
seus significados (VIGOTSKI, 2003a). Ao estudar os processos interativos, é necessário
que os conflitos evidenciados e sua relação com a aprendizagem sejam discutidos.
3.3 - Conflitos Entre os Alunos
A relação entre Sujeito cognoscente (S), Sujeito mediador (S) e Objeto de
conhecimento (O), fundamentada em Vigotski, é denominada por Góes (1997) de modelo
“SSO”. As considerações e análises teóricas, encontradas e criticadas por Góes na
literatura e em revisões de pesquisas, sobre o modelo SSO, apontam para uma visão
harmoniosa entre sujeito cognoscente e sujeito mediador. Nessa visão, o outro teria um
papel homogêneo, em essência pedagógico, prevalecendo relações de ajuda, partilha, guia,
suporte. Os sujeitos não contestam, não discordam em suas opiniões, não entram em
conflito. Enfim, observa-se que a interação social, restringe-se a uma visão idealista. Não
é isso que pude constatar nos episódios e depoimentos que apresento a seguir.
Estávamos, a professora, os alunos da quarta série e eu, em uma entrevista não
estruturada, em uma situação o mais natural possível, para obter impressões fiéis desses
alunos sobre a experiência da AC. Começamos brincando e fazendo algumas charadas e
desafios, gravando nossas conversas e em seguida, ouvindo-as, motivo de muita graça para
alguns. Relato um pequeno trecho da entrevista, porém, apresento antes uma rápida
128
descrição do perfil das alunas que aqui aparecem. A conversa se dá entre Luan, Maru e
Carol.
Luan tem nove anos. Estuda na escola desde a primeira série e aparenta sentir-
se bem à vontade ali, não hesitando em fazer perguntas freqüentes à professora. Ao
surgirem as menores dúvidas, chama a professora, “Ah! Professora, não sei isso, não!” ou
repete várias vezes: “Não entendi nada!” sua habilidade em monopolizar a atenção da
professora era antes, no trabalho individualizado, revertida em benefício próprio. Com a
proposta do trabalho socializado não está sabendo lidar com a situação. Por isso, faz
questão de repetir “preferia antes, as carteiras em fila”. Sua impetuosidade leva-a a tomar a
dianteira, precipitadamente, ao dar as respostas aos colegas, muitas vezes sem que estejam
querendo, discorda logo dos outros, sem refletir melhor sobre o que falou. Ao monopolizar
a atenção da professora, andar pela sala e falar bastante, chama a atenção, ao mesmo tempo
que parece despertar sentimentos antagônicos em alguns colegas. Seu desempenho
acadêmico é relativamente bom.
Maru é uma juvenil de treze anos. Não mora com os pais que são separados e o
casal com quem mora, adotou-a como filha, mas eles quase não comparecem à escola,
embora morem perto. Na sua história escolar, foi reprovada na primeira série e desistente
em outros dois anos. Disse ter vergonha de sua aparência física, por estar acima do que
seria seu peso ideal, revela sua baixa auto-estima: “eu sou feia”. Procura ser simpática e
falante. Segundo a professora, seu desempenho nas tarefas é razoável, demonstrando uma
certa dificuldade para aprender, mas esforçando-se bastante.
Carol tem dez anos e mora com seus tios, comerciantes que possuem duas lojas
de confecções não muito grandes. Seu desempenho acadêmico é muito bom, pode ser
considerada a aluna mais aplicada da classe, tanto do ponto de vista do ensino tradicional
129
como na AC. Pareceu-me segura e mostrava-se geralmente solícita e paciente para ensinar
os colegas.
Leny tem dez anos e mora com os pais, pequenos comerciantes. Seu
desempenho na sala é bom, e gosta de participar e falar pelo grupo. Apesar de não saber
sempre responder todas as questões, quando está ao lado de quem sabe menos, repete
freqüentemente: “tu é burro, é?”
Na entrevista, após algumas perguntas do tipo “o que você faria se...?”
perguntei a cada um, se achavam que trocando idéias com os colegas em grupos na sala de
aula, haviam aprendido de fato.
Maru: “Aprendi, mas... algumas coisas assim... as pessoas não têm paciência de
explicar as coisas pros outros.. aí, ficam dizendo que a outra é burra... é, fica gritando com
a outra. Aí..., é muito ignorante; é melhor fazer as coisas sozinha mesmo do que ficar
recebendo rebaixamento dos nossos colegas, dos nossos próprios colegas.”
Você mesmo se rebaixa, Maru (Carol, com tranqüilidade).
Vocês... (Maru: incompreensível).
Vocês, não, a Leny (Carol).
A Leny fala bem assim: ‘Ah Luan, tu é toda burra’. Dá uma raiva! Aí,
eu fico lá...” (Luan).
Maru demonstra uma reação afetiva aos maus tratos dos colegas nas atividades
em grupo. Luan reage à agressividade que Leny lhe dirige. Luan apresenta certa falta de
algumas habilidades sociais básicas que a façam ser bem aceita no grupo, como foi
descrito seu perfil anteriormente. O que fica evidente em Luan é sua simploriedade e
desejo de colocar-se em evidência, desejo este reforçado pelas repetidas manifestações de
atenção exclusiva por parte da professora, cedendo às suas solicitações. Em ambos os
130
casos, ficam visíveis as reações afetivas, carregadas de negatividade, decorrentes de
situações conflituosas nas atividades interativas.
Andrei é outro aluno que demonstra visível dificuldade nas relações sociais.
Ele tem quatorze anos, apesar de aparentar ter dez. Está na terceira série. Estava morando
com a avó e sem estudar há alguns anos, quando a mãe, ao assistir um programa da escola,
decidiu “assumir o filho”, segundo ela, e matriculá-lo ali. O padrasto, que é mecânico, acha
que o filho deve parar de estudar para trabalhar. A família é muito carente de recursos
materiais.
Em uma tarde, estavam os alunos participando de um animado jogo educativo,
na hora de reforço, sob uma área coberta, no pátio, quando ele chegou de bicicleta e foi
tomar água. Insisti para que ficasse, mesmo vestido com um macacão sujo de graxa, mas
ele disse “Não, tenho que trabaiá!”. Embora não tenha tanta dificuldade em Matemática e
em assimilar conceitos em geral, não consegue expressar-se por escrito, sendo quase
indecifrável o que escreve.
Estava observando as atividades interativas entre os alunos, certa manhã.
Andrei acabou sentado sozinho no fundo da sala, trabalhando na construção de uma
paródia, atividade que as duplas ou grupos de três alunos faziam de forma coletiva. Na
maior parte do tempo designado para essa tarefa, ele estava sentado com mais dois alunos.
Percebi que os dois colegas rejeitaram várias vezes as falas de Andrei, com seu jeito
impetuoso e errado de falar e sua escrita indecifrável. Ignoravam suas idéias ou diziam
“não, não! vamos fazer desse jeito aqui que é melhor”, referindo-se às idéias deles.
Quando percebi, minutos depois, Andrei já estava sozinho no fundo da sala. Perguntei a
um colega do seu grupo, por que estava sentado lá e ele me explicou que “um dia a
professora colocou ele lá de castigo, e agora sempre, ele gosta de ficar lá”. Na vez de
131
Andrei apresentar a sua paródia, os alunos deram risadas da letra que compôs: “eu quero é
mais cachaça, meu pai me dá cachaça... eu quero é mais cachaça...” Pude entender, que
Andrei, por meio de sua paródia desejava chamar a atenção da classe e protestar contra as
orientações e a atitude aceita pela maioria no grupo a respeito do alcoolismo. A professora
aproveitou para conversar com a classe sobre a bebida alcoólica. Mas, a possível causa do
comportamento de Andrei não mereceu atenção, pelo menos, não naquele momento.
Conhecendo um pouco da história de vida de Andrei, percebi que sua rejeição
trazida de casa, parecia repetir-se na sala de aula. Em outro dia, na ausência de Andrei,
alguns colegas disseram que a pior coisa que havia acontecido na escola, naquele ano, foi
seu ingresso ali. Alguns comportamentos de Andrei pareciam ser desencadeadores da
rejeição a ele manifestada pelo grupo:
a) tomava a dianteira cedo demais ou entrava abruptamente nas conversas,
discordando logo dos outros;
b) procurava chamar a atenção para si, falando alto, fazendo “gracinhas” e
paradoxalmente, apesar de alguma atenção momentânea, acabava sendo ou rejeitado ou
ignorado.
Dos alunos mencionados, alguns se destacam mais por apresentarem certas
dificuldades ou conflitos ao se relacionarem socialmente na sala de aula. O caso de Andrei,
no entanto, parece ser mais gritante. Seu contexto social não pode ser ignorado. A história de
sua infância apresenta rejeição, carência material, afetiva, falta de incentivos para os estudos,
atraso escolar provavelmente devido à repetências e/ou evasões. Enfim, é um juvenil
marcado pelos determinantes sociais e históricos de uma sociedade injusta e desigual. Os
maus tratos evidenciados em sua história foram a “escola da vida” de Andrei para sua
adaptação social. Sua dificuldade social e afetiva parecia ficar mais afloradas nas situações
132
de interação social, apenas reforçando sua rejeição, que por sua vez, acentuava sua pouca
habilidade social, fechando um círculo vicioso.
A preferência pelo trabalho individualizado foi declarada por Leny e por Luana
e algumas vezes por Carol. Essas alunas apresentavam um desempenho escolar
independente, considerado bom, me disseram:
O que eu não gosto de trabalhar em grupo é que tem gente que só
copia, não faz nada (Leny).
Eu não gosto quando alguns bagunçam e a professora vira para ver
quem foi, daí todos ficam quietinhos, como ninguém bagunçou nessas
horas, todos ficam sem recreio (Carol).
É mais rápido sozinho (Leny).
Leny e Carol sentiam-se prejudicadas ao trabalharem com colegas que
apresentavam mais dificuldades. Ambas aparentam não haver ainda experimentado os
benefícios de ensinar e cooperar. Ao fazerem as atividades junto com os colegas menos
adiantados, quando o ritmo deles era mais lento, Leny reclamava que, fazendo as
atividades em grupo, com esses alunos, era mais demorado que faze-las individualmente.
Luana ao trabalhar individualmente recebia a atenção da professora em muitos
momentos, exclusivamente para ela. Ao trabalhar em grupo, a professora sugeria que os
alunos trocassem idéias e se ajudassem em suas dúvidas. Luana muitas vezes não confiava
na explicação do colega ou não conseguia entender da forma como ele explicava.
As crianças têm maior capacidade de ser autênticas, expressando o que sentem
sem muita preocupação com as conseqüências sociais, principalmente, na relação com seus
“pares”, o que resulta em conflitos e antagonismos, nem sempre resolvidos, ou nem
sempre bem resolvidos. Percebe-se que as habilidades sociais, tais como apresentadas no
item 1.2.1, ou a falta delas, bem como a afetividade dos alunos, fica mais aflorada e
evidente na AC.
133
Observa-se que o processo de aprendizagem presente nessas relações
conflituosas, de forma alguma pode ser concebido como harmonioso, não correspondendo
à visão idealizada, mencionada anteriormente. Por esta constatação, no modelo SSO
sujeito cognoscente, Sujeito mediador e Objeto de conhecimento - muito mais que na
relação SO - Sujeito e Objeto de conhecimento - os conflitos surgem e/ou ficam mais
evidentes.
Como foi dito, as habilidades sociais precisam ser desenvolvidas. Os conflitos
que surgem na AC podem ser uma oportunidade de promover esse aprendizado como pode
ser também uma experiência que nesses aspectos seja frustrante, não trazendo
conseqüências muito positivas como o reforço da hierarquia do status dos alunos na sala,
prejudicando a auto-estima dos alunos pelas ofensas pessoais que tornam hostil o clima
emocional da aprendizagem.
Vigotski não desenvolveu implicações práticas para a questão embora
entendesse a relação indissociável da dimensão do intelectual com o afetivo. Os teóricos da
AC elaboraram propostas técnicas que visavam especificamente desenvolver a integração
do grupo e suas habilidades sociais. Elas poderiam ser desenvolvidas a médio ou longo
prazo pelo próprio convívio das crianças, mas algumas dinâmicas de teambuilding
31
podem
evitar muitos conflitos e acelerar o desenvolvimento das habilidades sociais. Segundo
Kagan (1994, p. 8:1):
Se há tensões ou divisões entre os estudantes, essas atividades são uma
necessidade. Continuar com a prática da aprendizagem cooperativa, sem
resolver essas questões, seria algo como fazer uma corrida com grandes
pedras no tênis.
31
Veja exemplo nos anexos sob o título: “Desenvolvendo o Espírito de Equipe”. Maiores informações podem
ser encontradas em Kagan (1994).
134
Tais atividades são dinâmicas animadas que além de entusiasmarem os alunos
são direcionadas para atingir os seguintes objetivos:
a) promover o conhecimento mútuo;
b) construir a identidade do grupo;
c) desenvolver o senso de apoio mútuo;
d) promover a aceitação e a valorização das diferenças;
e) desenvolver a sinergia.
Johnson et al desenvolveram, em mais de trinta anos estudos, teoria e prática,
várias orientações e procedimentos para a aplicação dos princípios da AC. Dentre tais
princípios, o teambuilding e o processamento do grupo tem o objetivo de desenvolver
algumas habilidades sociais e o espírito de equipe (Johnson et al, 1992). Algumas
atividades de processamento de grupo foram aplicadas em processos que denominamos de
auto-avaliação do grupo. Tais atividades parecem ter contribuído para o desenvolvimento
de atitudes de cooperação.
Os procedimentos específicos da AC, como a auto-avaliação do grupo foram
aos poucos sendo introduzidos e algumas dificuldades foram sendo superadas no decorrer
do ano. A primeira reação, por parte da maioria, diante de situações de discussão dos temas
foi de inibição. Quando começaram a discutir sobre os assuntos propostos, era muito
comum, também, atitudes de agressividade por parte da alguns como a de Leny ao dizer
para a colega: “tú é toda burra!” Alguns procedimentos foram sendo introduzidos pela
professora para amenizar os conflitos dos alunos nos grupos e a fim de desenvolver-lhes
atitudes de cooperação.
Por várias vezes, depois de atividades que deveriam envolver os alunos em
discussão ou participação de todos, eles fizeram um ou outro dentre dois tipos específicos
135
de auto-avaliação: um para avaliar o desempenho do funcionamento do grupo ou outro
para avaliar algumas habilidades sociais desenvolvidas. Essas auto-avaliações parecem ter
favorecido decisivamente a reflexão e a tomada de consciência da necessidade dessas
habilidades. Dentre as questões da avaliação do funcionamento do grupo, algumas eram as
seguintes:
a) Incentivamos uns aos outros?
b) Houve cooperação entre nós?
c) Falamos com a voz moderada?
d) Cada um de nós participou com a sua idéia?
e) Escutamos e avaliamos as idéias dos colegas?
A primeira vez que essa avaliação foi realizada houve algumas agressões e
acusações do tipo “o Winny não fez nada”. Foi uma oportunidade então de a professora
intervir, assim que esses conflitos evidenciavam-se, discutindo e dando exemplos de como
resolvê-los.
Quando os alunos participavam de debates de idéias antagônicas, as
possibilidades de agressões pessoais aumentavam. Para essas situações, a auto-avaliação
do funcionamento do grupo era específica e constava de questões como:
a) Critico as idéias, mas não os colegas?
b) Procuro achar a melhor idéia e não fazer apenas com que a minha idéia
ganhe?
c) Penso em todas as idéias, mesmo as que eu não aprovo?
d) Mudo minhas idéias assim que encontro outra melhor?
Essas questões, que o grupo discutia foram de grande valia para desenvolver
habilidades sociais e atitudes de respeito com os colegas. Uma diferença notável foi a
136
evolução do nível de participação dos alunos durante o ano nessas discussões. A princípio
alguns ficavam inibidos em participar, apenas concordando com quem falava. No segundo
semestre, observava-se um nível bem maior de participação dos alunos nas discussões.
Na última avaliação descrita acima, a professora pedia para que cada um
respondesse individualmente as questões e depois discutisse com os colegas o porquê de
cada resposta. Lentamente, o antagonismo de alguns, em relação ao trabalho em grupo, foi
diminuindo.
O KWL
32
, um exemplo de auto-avaliação do desempenho individual, que os
alunos fizeram algumas vezes antes e depois das atividades em grupos, pareceu-me ser um
procedimento que influenciou de forma decisiva para favorecer a interdependência positiva
entre os alunos, levando-os a perceber de alguma forma que a cooperação poderia ser
recíproca, surpreendendo alguns como a Carol e a Leny que não imaginavam que
pudessem aprender com os alunos mais “fracos”.
A atitude de solidariedade ficou evidente algumas vezes, segundo pude
perceber, quando alguns alunos terminavam suas atividades e perguntavam se alguém
precisava de sua cooperação, sendo bem recebidos por outros que estavam com algumas
dificuldades.
Em entrevista gravada quase ao final do ano, os alunos deram alguns
depoimentos demonstrando como enxergavam a cooperação recíproca que prestavam.
Perguntei-lhes se gostavam mais de “ajudar” os colegas ou de serem “ajudados”:
Melhor é ajudar os colegas (Luana).
Os dois, os dois (Vários).
Não. Melhor é ajudar (Maru).
32
Um modelo de ficha KWL encontra-se no anexo 8.
137
Alguns se referiam a ajuda mútua como “cola”. Um deles foi o Winny:
Dar cola pro colega e ele ajudar (Winny).
Ajudar é dar cola? (Perguntei).
Não! (Peter).
Não... (Winny, mostrando-se um tanto confuso).
Ajudar é dar um pouco dos nossos conhecimentos aos colegas
(Maru).
Eu gosto de ajudar, pelo menos eu aprendo mais (Luana).
Perguntei: Você aprende?
É que quando eu entendo... eu falo... daí fica mais gravado...
(Luana).
À pergunta “o que você faria se tivesse que fazer o seu trabalho e seu colega
estivesse precisando de ajuda?” eles disseram:
Eu faria o meu e depois ajudava (Luana).
Mas e se o tempo não fosse suficiente para tudo? (Insisti na questão).
Ah! Mas na hora do recreio eu dava uma mãozinha (Luana).
Quase todos do grupo disseram que tinham aprendido com a Carol:“Aprendi
frações próprias... impróprias e aparente com a Carol” (Luana). E vários outros disseram:
“Eu também”.
Por sua vez, Carol diz que também havia sido beneficiada por todos:
Recebi ajuda de todos, até do Winny”. E explicou: “é que tem uma
coisa que eu sei e meu colega não sabe. Tem uma coisa que eu não sei
e ele sabe. Aí, quando eu ajudo ele, ele me ajuda (Carol).
Perguntei à professora o que havia achado do fato dos alunos ajudarem seus
colegas: “Eles aprendiam muito mais. Aprendiam a compartilhar, algo que era muito difícil
para alguns. Ficaram até mais amigos”.
Observa-se nesses depoimentos alguns pontos interessantes. Os alunos
percebem suas colaborações mútuas. Mesmo os mais adiantados descobrem que podiam
138
aprender com os menos adiantados. Apesar da “cola” ser considerada algo
institucionalmente errado, entre eles, ela parecia ser um procedimento moralmente correto,
como uma atitude de solidariedade, embora Winny e Peter negassem, parecendo confusos
com a questão: cooperar é “dar cola”? se for, cooperar é errado. Ou colar é certo? Apesar
da aparente confusão, havia disposição de ajudar até na hora do recreio, a despeito do
sacrifício que isso representasse para eles. Tanto a professora como alguns alunos
reconheceram que, quem ensinava aprendia mais.
A sala de aula é um ambiente tanto intelectual como social e a dimensão social
fica mais evidente na aprendizagem cooperativa. As atitudes de solidariedade ou
individualismo, os sentimentos de amizade ou de rejeição ficam bem mais evidentes que
na nas formas mais individualizadas de aprendizagem. Para Vigotski, a dimensão social é o
elemento essencial na aprendizagem: “o aprendizado humano pressupõe uma natureza
social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual
daquelas que a cercam” (VIGOTSKI, 1998, p. 115).
Vigotski (2003a) relaciona o intelectual e o afetivo como indissociáveis. As
atitudes afetivas, para ele, estão contidas em cada idéia, ou seja, os pensamentos, na esfera
de seus significados, estão impregnados de afetividade originados da realidade ao qual se
formaram.
Não é o objetivo deste trabalho analisar a questão afetiva das interações
sociais, que por sua natureza complexa, reclamaria um estudo específico. No entanto,
torna-se impossível descrever a dinâmica da AC, sem considerar esse aspecto patente e
aflorado justamente em virtude da prática interativa. Meu objetivo, ao descrever o que foi
observado nesse aspecto e fazer uma breve interpretação, é evidenciar que quando se
objetiva o desenvolvimento cognitivo do aluno na AC, não se pode desconsiderar os
139
aspectos afetivos presentes, pois estes, que até poderiam ocupar uma posição secundária
em outra metodologia, torna-se aqui um aspecto fulcral.
Para Vigotski, a consciência é constituída a partir da intersubjetividade, ou
seja, das constantes “negociações” das informações, conceitos e significados entre os
sujeitos. O significado, na concepção de Vigotski encontra-se em visível relação entre
aspectos cognitivos e afetivos, nos processos psicológicos (VIGOTSKI, 2003a).
Ao contrário de se considerar a emoção como “zona proibida” conceito legado
pela Psicologia Behaviorista, os estudos científicos sobre a aprendizagem não podem
prescindir da influência dos fatores emocionais. As emoções dos alunos ficam mais
visíveis na AC que no trabalho individualizado. Torna-se, portanto, impossível
desconsiderar suas reações emocionais, surgidas a partir das dificuldades sociais e a sua
inter-influência na aprendizagem.
Como foi visto, as observações e análises pertinentes às questões afetivas e
sociais na sala de aula na AC nos remetem a algumas considerações:
a) a construção de significados está subordinada ao sentido afetivo que este
adquire para cada sujeito no processo; dito de outra forma, o que se aprende depende da
conotação emocional presente no objeto de conhecimento e/ou no contexto de
aprendizagem;
b) o sujeito reage afetivamente às expressões de pensamentos e de sentimentos
do outro sujeito, na interação;
c) a dinâmica da AC proporciona oportunidades para a expressão de
pensamentos e sentimentos, em maior grau, que nas formas individualizadas de
aprendizagem;
140
d) as circunstâncias interativas, especialmente entre as crianças, nem sempre
são harmoniosas, podendo, muitas vezes, evidenciar e ampliar relações conflituosas nem
sempre resolvidas ou nem sempre bem resolvidas;
Em suma, a mesma espontaneidade entre os alunos, que possibilita uma relação
horizontal
33
na discussão de idéias e no aprofundamento do nível da interação, pode tornar-
se também, um obstáculo à aprendizagem dos alunos em práticas interativas, quando os
alunos com poucas habilidades sociais, evidenciam seus problemas no processo da AC,
aumentando o grau com que são rejeitados ou ignorados pelos colegas. Essa rejeição ou
indiferença pode desencadear reações emocionais fazendo emergir comportamentos como
o exibicionismo de Andrei ou a impetuosidade de Luan que, por sua vez, só agravam a
rejeição ou indiferença recebida dos colegas.
Se um dos objetivos da AC, na sala de aula, é promover a elaboração
compartilhada de significados, há que se considerar os sentidos que esses significados
adquirem, a partir dos sentimentos evocados nessas instâncias interativas. Se os
significados podem estar subordinados aos sentidos afetivos presentes na sua construção, a
afetividade evidenciada nessas situações pode representar tanto condições facilitadoras
como obstáculos à essa construção e o desenvolvimento cognitivo decorrente dela. Isso
implica na necessidade de maior sensibilidade e habilidade do professor a esses fenômenos
inerentes às relações sociais e, exige dele habilidades específicas para essas situações.
Por outro lado, observou-se a princípio, que o hábito de trabalhar
individualmente estava muito arraigado em vários alunos e os que conseguiam maior
desempenho sozinhos, foram os que mais se opuseram ao trabalho cooperativo. Para
desenvolver atitudes de reciprocidade e cooperação, foi necessário intencionalidade,
33
A distinção entre relação horizontal e relação vertical tem aqui o sentido dado por Piaget (1994) para
distinguir a relação entre crianças (horizontal) que contrapõe à relação entre adulto e criança (vertical).
141
planejamento, direcionamento, persistência e principalmente a persistência na prática, em
meio às disputas e às pacificações dos alunos, e mesmo assim, não se pode dizer que
tenhamos alcançado plenamente nossos objetivos nesse sentido.
Tomar algum tempo das aulas para desenvolver atividades como as que são
propostas pelos teóricos da AC pode ser considerado como um desperdício de tempo. A
preocupação em se cumprir o currículo proposto parece mais importante que tais
atividades.
No relógio escolar arranja-se tempo para o que se considera importante, a
questão então parece não ser propriamente a falta de tempo em si, mas, a desconsideração
da importância das referidas atividades, de suas razões, seus objetivos e seus resultados. A
falta de percepção da inter-influência da aprendizagem em relação ao elemento afetivo nela
presente parece ser o cerne para a sua não realização.
Acredito que nem a professora nem eu compreendemos na ocasião a real
necessidade de se tirar tempo para as atividades de desenvolvimento do espírito de equipe
no inicio do ano e poderíamos ter desenvolvido mais atividades de auto-avaliação dos
grupos e outras para desenvolver o espírito de equipe.
Segundo Kagan e Johnson et al, esse tempo tomado acaba sendo recuperado e
trazendo maiores ganhos quando os alunos, então, desenvolvem sinergia e podem
maximizar suas aprendizagens. Sem dar atenção ao desenvolvimento da sinergia e das
habilidades sociais, a AC pode tornar-se como disse Kagan, uma pedra no tênis do
corredor.
142
3.4 - Mudanças nas Atividades Propostas
Um importante elemento que facilitou ou algumas vezes se configurou como
obstáculo ao alcance dos objetivos propostos dentro da AC, na classe estudada, foi relativo
às atividades propostas aos alunos. Determinadas atividades dificultavam a cooperação e a
troca de idéias entre os alunos. Entre elas, algumas remetiam os alunos ao trabalho isolado,
quando divididas entre eles, levando-os a interagir somente na etapa final quando deveriam
reunir os resultados parciais, sem muito interagirem durante o processo de construção
desses resultados. A forma de apresentar as questões, igualmente podia levar a respostas
diretas e mecânicas quando não conduzia à discussão. A ausência de atividades planejadas
ou os recursos pedagógicos elaborados de forma a problematizar o conteúdo,
desenvolvendo um debate ou propondo um desafio que envolvesse a participação de todos,
resultava em uma interação pouco proveitosa.
Pude observar uma certa pressão implícita em priorizar o cumprimento de
atividades propostas nos livros didáticos. Como, na maior parte, essas atividades não
conduzem à discussão e cada aluno precisa ter o seu livro, o trabalho tende a ser, nesse
caso, individualizado. A preocupação em cumprir todo o livro didático foi um obstáculo à
aplicação de atividades mais desafiantes. Parece haver uma expectativa por parte dos pais e
uma certa ansiedade da professora em relação aos livros didáticos que uma vez adotados,
deveriam ser plenamente respondidos em seus exercícios como garantia do cumprimento
do programa curricular anual. Entretanto, atividades que não conduzem à discussão e à
reflexão, com exercícios mecânicos, repetitivos e sem significados para o aluno aparecem
com freqüência em vários livros didáticos, enquanto muitos objetivos curriculares
143
poderiam ser mais bem alcançados com atividades concretas, criativas e que
possibilitassem participação interativa do aluno com outros materiais e com os colegas.
Quando as atividades são mecânicas e o aluno deve faze-la individualmente,
não trazem ao aluno nenhum desafio. Se aquilo que faz não lhe acrescenta uma nova
aprendizagem, tal atividade não instiga, não motiva: cansa. O aluno estaria então
provavelmente trabalhando em um nível mental de tédio e, portanto, essa “aprendizagem”
não estaria atuando em sua Zona de Desenvolvimento Proximal: “na medida em que
oferecia à criança problemas que ela era capaz de resolver sozinha, esse método foi
incapaz de utilizar a zona de desenvolvimento proximal e de dirigir a criança para aquilo
que ela ainda não era capaz de fazer” (Vigotski, 1998, p. 130).
As atividades que envolvem discussões desencadeiam processos mentais
significativos que favorecem a participação ativa do aluno em processos de elaboração de
sua linguagem e que impulsionam a sua aprendizagem. Esse processo dialético presente na
interação possibilita o alcance de aprendizagens em níveis mais profundos e avançados
adiantando-se ao desenvolvimento real do aluno. Esse tipo de aprendizagem atua,
desenvolve e cria a ZDP.
A contribuição dos teóricos da AC no desenvolvimento de técnicas específicas
objetiva aumentar a participação e a interação dos alunos nessas atividades de interação.
Através de técnicas como “Juntando Cabeças Numeradas”, Duplas Cooperativas”, Mesa
Redonda”, “Jig-Saw”, Resolução de Problemas”, para citar algumas, a participação dos
alunos é maximizada de tal forma que, em algumas atividades, 50% deles estão
participando falando concomitantemente. O principio é o seguinte: os alunos aprendem
melhor quando estão refletindo e falando sobre sua aprendizagem. Por ser um processo
144
ativo, elimina o tédio presente nas atividades passivas. As atividades em equipe, quando
existe sinergia, em si mesmas são desafiantes.
Ao perceber a crença e a defesa entusiasta dos teóricos da AC sobre as
vantagens da aprendizagem na interação social, percebo também a falta de uma maior
fundamentação teórica que possa contribuir para formar professores mais consciente de
suas ações com argumentos e reflexões de profundidade. A teoria psicológica da ZDP de
Vigotski pode oferecer a sustentação desejada.
Além da carência de profundidade teórica, o pouco conhecimento da
professora sobre atividades específicas para criar situações de interação entre alunos
impede que estes canalizem seu potencial de cooperação para a aprendizagem. O tempo
valioso de proximidade entre os alunos pode ser perdido, quando o professor continua se
prendendo em propor as mesmas atividades individuais como se os alunos estivessem em
fila.
Refletindo sobre as possíveis razões mais profundas de tal dificuldade, percebi
que o ponto fulcral da questão poderia ser uma possível concepção da aprendizagem como
um processo passivo do aluno e sua concepção de conhecimento como um conjunto de
informações a serem transmitidas. Se a professora concebesse o conhecimento como um
conjunto de informações prontas e “embaladas” no livro didático a serem “passadas” e a
aprendizagem como um processo de assimilação passiva desse conhecimento, sua função e
responsabilidades seriam, então, dar conta dessa transmissão.
Concepções sobre o conhecimento e a aprendizagem conflitantes com a prática
da AC, podem estar fortemente arraigadas. Tais concepções podem representar como uma
grande pedra a obstruir o caminho para alcançar os objetivos propostas na AC.
145
Quando as concepções sobre a natureza do conhecimento e da aprendizagem
na interação social são clarificadas, elas resultam em novas posturas, sendo necessários
novos caminhos. Novos procedimentos práticos necessitarão ser criados. Se técnicas
especificas para essa forma de aprendizagem foram desenvolvidas ao longo de dezenas de
anos de estudos e práticas, o conhecimento de tais técnicas e a compreensão dos princípios
que as fundamentam podem ser úteis na transposição das primeiras dificuldades
encontradas.
3.5 - Sumário do Capítulo
Percebe-se que algumas condições favoráveis e dificuldades parecem ser mais
perceptíveis que outros. Problemas como a indisciplina dos alunos, as dificuldades de
interagir e outros são rapidamente revelados aos nossos olhos, sendo aqueles que primeiro
se evidenciam. No entanto, em uma análise mais profunda, percebe-se que tais obstáculos
se originam de outros problemas que não parecem estar diretamente relacionados à
aprendizagem dos alunos. Essas primeiras dificuldades observadas podem ser
denominados de dificuldades secundárias.
Sendo dificuldades secundárias, são sintomáticos de outro mal: sua causa
primária. Como sintomas podem ser remediados por paliativos e panacéias, mas sua
solução definitiva depende da definição e tratamento da causa.
Transpor as primeiras dificuldades identificadas na AC somente através de
técnicas prática, como “receitas prontas” ou “paliativos” pode trazer solução rápida e
simples. No entanto se a causa não for tocada, o efeito se torna efêmero.
146
Portanto é necessário identificar quais seriam as dificuldades de origem para
saber se podem ser transpostas e se possível, como fazê-lo. Tais dificuldades podem ser
denominadas de dificuldades primárias. Analisando os dados apresentados, foram
identificadas as seguintes dificuldades primárias:
1. Formação docente não direcionada para o trabalho cooperativo. Essa
lacuna na formação docente pode dificultar que o professor compreenda a importância da
interação social na aprendizagem e que tenha meios para utiliza-la. Tal lacuna pode ocorrer
em três momentos distintos:
a) através da forma como os professores foram ensinados, ou seja , pelo
exemplo legado daqueles com os quais aprenderam;
b) em sua formação específica e, preponderantemente teórica para o
magistério, com pouca ênfase para a construção social do conhecimento;
c) através de cursos de formação contínua em serviço, que no caso estudado,
não haviam sido suficientes em termos de material de pesquisa, de duração e de
profundidade.
d) Dessa formação não apropriada pode resultar o desenvolvimento de
concepções fundamentais tais como “aprendizagem” e”conhecimento” não muito coerentes
ou conflitantes à prática da AC.
2. Resistência a mudanças. A segurança é uma das necessidades básicas do
ser humano. As atividades realizadas com segurança tendem a produzir menos estresse e
facilitar a ordem da classe, a despeito da metodologia adotada. Lidar com situação pouco
familiar pode resultar em que as primeiras dificuldades, mesmo pequenas, sejam tomadas
como referências para a invalidação da proposta.
147
Essas dificuldades primárias parecem estar na gênese das seguintes
dificuldades secundárias:
a) aumento da indisciplina na classe;
b) falta de habilidade especifica no manejo da sala na AC;
c) dificuldade em elaborar atividades orientadas para promover a interação
entre os alunos;
d) tendência para priorizar atividades individualizadas, mecânicas e passivas;
e) tendência do professor continuar sendo o transmissor do conhecimento-
produto;
f) falta da devida consideração ás questões afetivas decorrentes da interação
social;
g) restringir o conteúdo ao que está apresentado no livro didático.
As dificuldades primárias e secundárias estão representados no Quadro Sumário
na Figura 1.
148
149
Da mesma forma que as dificuldades, as condições favoráveis se hierarquizam
em primárias e secundárias. Algumas condições primárias parecem possibilitar o
desenvolvimento de outras. Duas condições primárias puderam ser identificadas:
1. Vontade administrativa. A administração da escola, entendendo que a AC
poderia ser positiva para a aprendizagem dos alunos, propiciou condições e apoio à prática.
Não acredito que a experiência e o crescimento na prática fossem possíveis sem tal apoio.
2. Formação em serviço. Por estar acompanhando a aplicação da proposta de
caráter experimental e pela constatação dos obstáculos iniciais, as professoras e eu tivemos
ao longo do ano, muitos encontros de avaliação, estudo, re-planejamento da proposta. Esse
processo dialético entre estudo e prática propiciou notável crescimento para nós duas.
Dessas condições facilitadoras básicas surgiram outras diretamente
relacionadas á aprendizagem dos alunos:
a) crescente segurança da professora sobre o porquê, quando e como aplicar a
AC;
b) planejamento de algumas atividades especificas da AC;
c) acordo com a classe sobre regras básicas;
d) previsão e acordo sobre o tempo (flexível) para cada atividade;
e) auto-avaliação do funcionamento do grupo que desenvolveu aos poucos a
sinergia;
f) variação na formação do grupo de acordo com os objetivos a serem
alcançados;
g) revezamento entre momentos de atividades individuais e momentos de
interação social;
As condições favoráveis na implantação da AC estão representadas na Figura 2.
150
Formação em serviço
Vontade administrativa
Condições
Processo dialético de estudo, planejamento, prática e avaliação.
Crescente segurança quanto ao porquê, quando e como aplicar a AC
Acordo
sobre
regras
Organização
do tempo
com
flexibilidade
Auto
-
avaliação
do grupo
Formação dos
grupos de
acordo com os
objetivos
Atividades
individuais
e
interativas
alternadas
Percepção dos primeiros resultados positivos: aceitação do trabalho cooperativo ,
primeiras atitudes de solidariedade
Figura 2. Quadro sumário das condições favoráveis na implantação da AC
151
Estas parecem ser as dificuldades e as condições favoráveis observados na
implantação da AC na classe estudada e que diretamente ou indiretamente influenciaram
na construção de aprendizagens dos alunos. Porém, em se tratando da análise do próprio
processo cognitivo da aprendizagem ocorrido nessa metodologia quais seriam ass
dificuldades e as condições favoráveis para que a aprendizagem fosse de fato significativa?
No próximo capítulo será esboçada uma análise desse processo em seus aspectos
psicológicos.
152
CAPÍTULO 4
153
4. O PROCESSO COGNITIVO NA AC: CONDIÇÕES FAVORÁVEIS E
DIFICULDADES
As pessoas parecem concentrar-se melhor quando o que
lhes é exigido é um pouco mais que o habitual, e elas
podem dar mais que o habitual. Se as exigências são
poucas demais, elas se entediam. Se tiverem que lidar
com coisas demais, ficam ansiosas.
Goleman
34
O objetivo deste capítulo é identificar as condições favoráveis e as dificuldades
especificamente observadas no processo cognitivo característico da aprendizagem nas
situações de interação dentro da classe estudada. O capítulo constitui-se da descrição e
interpretação de alguns episódios interativos na sala de aula entre alunos em grupos de níveis
heterogêneos de séries diferentes. Busco interpretar os dados à luz da teoria psicológica do
desenvolvimento cognitivo de Vigotski. A interação entre alunos é denominada de relação
horizontal pelo fato de os alunos estarem, relativamente, entre seus pares. A aprendizagem
dos alunos será analisada qualitativamente, no processo de sua construção. As falas dos alunos
são tomadas como indicadores de tal aprendizagem. Os dados foram selecionados para essa
apresentação e agrupados em quatro categorias:
34
(1994)
154
a) natureza da relação horizontal;
b) desempenho acadêmico na AC
c) heterogeneidade dos alunos
d) atividades na AC.
4.1 - Natureza da Relação Horizontal
Em uma das minhas visitas à sala de aula no mês de abril, já estando os alunos
menos preocupados com a minha presença, observei as falas entre professora e alunos.
Uma aluna
havia lido uma história e a professora, em seguida, fez algumas perguntas:
Como é o nome da moça da história? (professora).
Janine (só alguns alunos respondem).
Muito bem (professora).
É certo julgar pelas aparências? (professora).
Nãão... (Alunos, alguns estavam distraídos, respondendo junto em coro, mas
evidentemente, de forma mecânica).
Ok. (professora).
Pode se observar que o objetivo da professora é conferir, através das respostas de
meras constatações, algumas informações do texto lido. O diálogo que acontece aqui, não
pode ser considerado como uma estratégia que conduza à reflexão e muito menos como
criador de novos significados. As perguntas não levam os alunos a um envolvimento com o
assunto em questão, nem desenvolve-se-lhes o interesse por formular outras questões. A
avaliação da professora em relação às respostas dos alunos é simples, expressa em pequenas
frases aprovativas. As respostas dos alunos não são tomadas como um enunciado que pode ser
155
aproveitado para gerar outras perguntas e construir novos significados. O diálogo da
professora e alunos ocorre numa relação vertical que não favorece o questionamento, a crítica, ou
a contestação.
É possível observar, também, que só a fala da professora tem originalidade e os
alunos respondem aparentemente sem muita reflexão. Pior ainda é que têm entre si, o
comportamento dos colegas como padrão, embora haja exceções, respondendo da mesma
forma que os colegas respondem, por isso alguns falam "não" mecanicamente.
Entre os alunos, a forma de diálogo é diferente. Observei ainda nos primeiros meses,
uma situação em que os alunos estavam trabalhando em grupo. Minha atenção concentrou-se,
por alguns minutos, em um grupo de cinco alunos. As visitas à sala, aparentemente, já eram
vistas com naturalidade para a maior parte deles. Procurava intercalar os momentos de
participação junto com os alunos, nos grupos, com momentos de registro em um canto discreto da
sala. As situações mais interessantes e autênticas pareciam acontecer quando estava
participando com os alunos em alguma atividade. Tratava então, logo que possível, de relatais no
diário, para não perder a riqueza dos detalhes.
No próximo exemplo, aparece uma situação interativa em que os alunos tentam
juntos resolver algumas expressões aritméticas. Segue o diálogo:
Como é esse aqui? (Luan).
É assim: multiplique sete vezes doze e aqui resolve primeiro esses
dois...(Maru).
Claro que não! (Luan. Tenta resolver sozinha mas não consegue).
Faz assim... (Maru explica para Luan que tenta fazer mas acha que está
errado. Olha em direção à professora).
Ih, ela está ocupada... (Luan).
Outra colega que estava no grupo, porém mais distante, levanta-se, chega do lado e
diz:
156
Você resolve primeiro esses dois, depois o que está no parêntese e daí....
(Carol).
Ah, tá, tá, já entendi... (Luan).
Tchau! Tchau!. (Carol).
Obrigada. (Luan).
Observa-se aqui alguns pontos interessantes. As relações de antagonismo estão bem
marcadas. Alguns podem contestar e dizer que essa interação não se caracteriza exatamente
como uma Aprendizagem Cooperativa. Isso pode ser verdadeiro dentro de uma visão
idealizada, harmoniosa, em que a aprendizagem cooperativa é tida como um produto acabado. Isto
não acontece aqui. Por outro lado, pode-se afirmar que é uma aprendizagem cooperativa em
processo, considerando-se que a cooperação, com suas atitudes e habilidades embutidas, tem que
ser construída, desenvolvida, e, como todo desenvolvimento humano está sujeita a
avanços e retrocessos.
Comparando com o exemplo anterior, observa-se que, aqui há também a intenção de
transmitir informações, mas existem diferenças. Nesse episódio, observa-se mais animação
entre as falas dos sujeitos. As falas prestam-se como ponto de partida para discussões,
questionamentos, explicações, enfim, criam significados. Luan parece pensar em voz alta, em sua
espontaneidade, ao expressar suas dúvidas. A ajuda de Maru é imediata, embora não conte com a
credibilidade de Luan que, não hesita em expressar seu desacordo em relação à explicação
de Maru.
A relação entre as crianças parece expressar o pensamento, consciente ou não, do
tipo: "você sabe mais ou menos tanto quanto eu sei, assim como eu erro você também pode
errar". A visão da criança sobre seu colega, a partir desse ângulo, coloca-lhe o direito de
aceitar ou não a explicação. Caso a professora estivesse explicando a expressão aritmética, no
quadro, mesmo quando errou na explicação, como vi acontecer uma vez, os alunos poderiam
confiar em sua explicação, como o fizeram naquela ocasião. Eles poderiam confiar na
157
autoridade da professora. Neste último caso, a autoridade da professora dificulta a abertura para
o questionamento.
Observa-se que Luan desiste de pedir a ajuda da professora por vê-la ocupada, mas
não hesita em perguntar à colega. Entre eles, as disputas e negociações fluem espontaneamente,
por isso nem sempre são harmoniosas. Neste tipo de diálogo, a linguagem é bem característica
do grupo e da circunstância. É comum dizer-se que, nesses casos, os alunos, entre si "falam a
mesma linguagem".
A explicação da forma de pensar que se desenvolve nos alunos que participam da AC
é pouco explorada nos teóricos dessa metodologia. Neles encontramos resultados de pesquisa e
discussão que apontam para o desenvolvimento da linguagem e de ganhos acadêmicos.
Obviamente, o objetivo desses estudiosos não era desenvolver uma teoria
psicológica do processo de aprendizagem na AC. Justamente nesse aspecto, é que considero a
contribuição teórica de Vigotski sobre a origem das funções mentais superiores próprias da
aprendizagem humana, como legitimadora, enquanto teoria psicológica, dos procedimentos
interativos, permeados de linguagem verbal na AC.
A lei genética de Vigotski (1981), segundo a qual as funções mentais ocorrem
primeiramente no plano social, interpsicológico, para depois aparecerem no plano individual,
intrapsicológico (VIGOTSKI, 1998), significa, grosso modo, que os pensamentos de uma
pessoa e as relações entre esses pensamentos correspondem ao que essa pessoa ouve, verbaliza e
faz no mundo, ou seja, corresponde ao modo como interage com as pessoas e com o mundo.
Essa lei genética tem implicações diretas para a prática da AC. A linguagem verbal, presente
nas interações entre os alunos presta-se à troca de informações, que tem sua inegável
importância. A heterogeneidade entre alunos, em termos de suas experiências prévias, estágios
de aprendizagens alcançados, pode enriquecer essa troca. Mas, além disso, essa comunicação
158
entre as crianças consideradas "pares" é diferenciada da relação adulto/criança. Por isso
mesmo, essas interações são mais facilmente caracterizadas pela espontaneidade nas falas, o
que, apesar de não ser impossível de ocorrer, é menos provável na relação vertical
adulto/criança.
Essa maior espontaneidade nas falas das crianças entre si, presente na AC, pode
servir de pontos de partida que levem à criança a pensar e como geradora de novos
significados. Os alunos interagem entre si, em discussões que fluem mais livremente.
Apesar dessa interação não ser muito harmoniosa, há no relato apresentado
anteriormente, mais alguns pontos valiosos que precisam ser ressaltados. Um dos objetivos da
escola estudada é formar seres pensantes e não meros reprodutores do pensamento alheio. Ora,
entre os dois tipos de diálogos, observa-se, no primeiro, onde a relação tende a ser mais
vertical, a afirmação mecânica das respostas que todos os alunos deram e que se julgava ser da
vontade da professora ouvir. Portanto, respostas que reproduzem informações prontas. No
diálogo presente no segundo relato, Luan, quando não concorda, não hesita em dizê-lo. Ao
entender a explicação de Carol, toma consciência do novo conhecimento, pensa e, só então,
concorda "Ah! tá, tá, já entendi!" Portanto, é questionável que a primeira forma de diálogo
contribua para formar sujeitos pensantes. A segunda forma de diálogo, presente na relação
mais horizontal entre alunos, parece melhor atender o objetivo proposto.
A lei genética de Vigotski (1981) sobre o desenvolvimento leva-nos, diante
dessas constatações, a outras implicações para a prática pedagógica:
a) a forma como ocorre o interpsicológico, na interação social, vai determinar a
forma como ocorrerá o intrapsicológico, ou seja, a forma de o sujeito pensar;
b) os dois tipos de interação podem ser tomados como bons ou ruins, dependendo
da perspectiva adotada; porém, a qualidade em termos de funcionamento
159
intrapsicológico, ou intramental, não pode ser ignorada. No primeiro caso, não
fica evidente a reflexão por parte dos alunos que não são instigados na resolução
de nenhum conflito; no segundo caso, há um nível, qualitativamente diferente de
consciência sobre o conteúdo estudado, objeto de conhecimento;
c) a escola é o lugar privilegiado para o desenvolvimento da criança, que nela passa
grande parte de sua vida. O contexto é social, essencialmente formativo, para o
bem ou para o mal. A forma como o pensamento no plano social é constituído e
configurado no ambiente escolar precisa ser redimensionada; =
d) se somente a palavra do professor é autoridade absoluta e apenas ele tem a
originalidade ou pensamento de reflexão, os alunos serão meramente reativos e hesitantes em
mostrar iniciativa intelectual.
Tomando a lei genética de Vigotski (1981) , fica mais claro entender porque tantas
crianças depois de passarem um bom tempo na escola, apresentam tanta dificuldade em organizar
seu pensamento ou pensar com maior autonomia. Tal dificuldade de pensar, apenas reflete as
formas de relações interpessoais da sala de aula, do comportamento passivo e reprodutivista
dos colegas, a quem não se foi permitido que pensassem de forma reflexiva.
Os pensamentos dos alunos e as relações que eles vão estabelecer
correspondem ao que esse aluno diz e faz no mundo. A participação do aluno falando,
verbalizando seus significtoridadz no mundo. 0.027 Tc0 0 rgi -0.84 v5t2.41s05Tw 351nespbelece130ridadz no munTc 6.8489 7c 6.8202orma re0.84capazesuldade de tendo s slaectual.66 Tj85.5 0 TD 0 Tc 0 Tw ( ) TjET1 1 1 rg 
160
Embora haja um discurso generalizado pela participacao e cidadadania, a prática
social nos ambientes escolares ainda está marcada pelo autoritarismo e pelo individualismo. A
aprendizagem cooperativa, ao desenvolver a participação ativa do aluno, a discussão, a
autoconfiança e outras habilidades pessoais e sociais, instaura formas de relações
interpsicológicas que segundo Vigotski passam a ser as funções intrapsicológicas, as
formas de pensar conscientemente, com autonomia.
Considerando a forma de contestação mais livre e mais consciente como os alunos
interagem em algumas discussões na relação entre seus pares e tomando como referência a lei
genética de desenvolvimento de Vigotski, pode-se afirmar que tal forma de interação
seria uma condição favorável à construção de pensamento - e por conseguinte de aprendizagem
- vigoroso, autônomo e significativo.
4.2 - Maior Desempenho Acadêmico na Aprendizagem Cooperativa
Na próxima análise, o ponto de partida para a discussão é uma comparação
quantitativa entre o desempenho individual e o desempenho posterior na AC, tendo, nesse
caso, a auto-avaliação dos alunos como indicativo desse desempenho. O objetivo dessa
apresentação numérica não é simplesmente quantificar os ganhos na AC. Os dados
numéricos são redimensionados em interpretação qualitativa do processo no qual tais
desempenhos foram apresentados.
Certamente, esta análise não esgota todos os aspectos envolvidos na trama das
interações. Na observação do processo, algumas vantagens apresentadas na comparação
numérica do desempenho final da atividade mostraram-se problemáticas. A situação é uma
atividade de interpretação de texto entre alunos de séries separadas, sendo três grupos de
161
terceira série e dois grupos de quarta série. Embora cada grupo fosse de uma série apenas,
havia nesses grupos uma marcada heterogeneidade, ou seja, os alunos, considerados de alto
desempenho, interagiam com aqueles que apresentam maiores dificuldades. Para esta análise,
focalizei a minha atenção em um dos grupos cuja aprendizagem será discutida.
Na interpretação de texto, a professora explicou aos alunos que aquela atividade,
tinha o objetivo de verificar o que conseguiam fazer sozinhos e em que os diferentes
colegas podiam colaborar. Quando esse tipo de auto-avaliação foi realizado pela primeira vez,
alguns meses antes, o objetivo foi levá-los a refletir sobre as possibilidades de cooperação mútua
que representavam uns aos outros. O fato de poderem auto-avaliar-se e comparar seus
desempenhos individuais e o desempenho em grupo, propiciou elementos para que
vários assumissem posição favorável às práticas interativas diante da constatação da
colaboração mútua. Naquele dia especificamente, meu objetivo era, também, verificar e interpretar
como se processava a construção da aprendizagem a partir da interação.
A atividade aqui analisada foi proposta para a quarta série. Era a interpretação de um
poema narrativo. O poema compunha-se de vinte e nove estrofes e o título era "Natal
Duradouro"
35
. Primeiramente, os alunos tentavam responder a dez questões, individualmente. Em
seguida, relacionavam em uma ficha
36
própria para esse fim, todas as questões para as quais
conseguiram elaborar uma resposta. Na mesma ficha, relacionavam, também, as questões
cujas respostas eles ignoravam.
Terminada esta etapa, os alunos foram organizados por escolha sugerida da
professora em dois grupos de três alunos. A essa altura, no mês de outubro, grande parte dos
35
O poema "Natal Duradouro" e as questões relativas de interpretação constam no anexos 11.
36
Essa ficha é parte de uma adaptação da técnica K-W-L que também consta no anexos.
162
alunos já estava acostumada com a rotatividade dos grupos e a maioria se relacionava sem
grandes antagonismos.
Discutiram, então, as respostas que cada um havia dado às questões. Após a discussão,
registraram as respostas desenvolvidas nessa última etapa. Das dez questões, a primeira pedia o
significado de quatro expressões do texto. O significado não deveria ser buscado, de
imediato, no dicionário, mas evocado a partir do sentido próprio, subjetivo e construído por
cada um. Posteriormente seriam discutidos entre os alunos e finalmente confrontados com o
significado formal, "dicionarizado" (Vigotski, 2003a, p. 181), apresentado pela professora.
Para uma das quatro questões seguintes, a resposta era pessoal e para outras, as respostas não
estavam explícitas no texto. As cinco últimas questões propunham o debate de opiniões sobre os
temas violência, amor e miséria ou eram relativas à vivência dos alunos, sendo necessário o relato
de suas experiências cotidianas.
163
Tabela 1 - Diferença entre percentuais de acertos individuais e de acertos em grupo, em atividade
de interpretação de texto com dez questões.
Alunos Resolução individual Resolução em grupo
RC % RC %
Carol
Maru
Peter
Leny
Luana
Winny
5 50
8 80
7 70
7 70
5 50
6 60
9 90
9 90
9 90
9 90
9 90
9 90
Parecem dizer mais acerca do quanto os alunos estavam enxergando sua cooperação recíproca e
isso teve o seu valor, uma vez que a sinergia favorece a disposição em cooperar.
Existe a possibilidade de que as respostas desenvolvidas nos grupos fossem
inadequadas, incoerentes e mesmo assim, tenham sido consideradas pelos alunos como
corretas. Poderia ter ocorrido a aceitação passiva da resposta do colega, sem compreensão ou
Sendo: RC
Respostas certas.
Nota: A coluna “Resolução em grupo” considera a soma dos acertos das questões respondidas em
grupo somados aos acertos individuais anteriores.
Considerando os percentuais de questões respondidas na interação social em
relação aos percentuais de questões respondidas pelos alunos de forma isolada, verifica-se um
aumento que não pode ser desconsiderado. Observa-se que nenhum aluno sozinho conseguiu
responder com acerto ao percentual de 90%, conseguido em seguida no momento de troca de
idéias e discussão, acrescendo assim aos acertos individuais anteriores.
Porém, estes números, por si só, não são suficientes para uma conclusão sobre as
vantagens da AC. A amostra é apenas um grupo e em uma situação específica. As
porcentagens não traduzem a qualidade das respostas ou dos significados construídos, no grupo.
164
reflexão. Portanto, esses números não podem ser considerados isoladamente. Considerando
essas possibilidades, esse resultado deve ser confrontado com outras observações e análise
interpretativa do processo.
Um ponto a ressaltar na atividade foi a etapa de respostas individuais que ocorreu
antes da interação. Essa atividade individual alterou os resultados na interação, à medida que
todos fizeram ou deveriam ter feito as suas respostas para depois poder partilhá-las ao grupo.
Esse momento de trabalho individual é fundamental para desenvolver a responsabilidade
individual, um dos princípios básicos da AC, segundo seus teóricos.
Para poder interpretar os dados numéricos apresentados, relato algumas falas que
observei entre os alunos de um grupo formado por dois alunos e uma aluna enquanto estavam
interagindo nesta atividade de interpretação de texto. Carol é uma menina de dez anos, parece
segura e seu desempenho é muito bom. Tinha paciência para ensinar e ajudou vários colegas
na sala. Peter tem dez anos também, é um aluno que procura fazer todas as suas tarefas e
tem um desempenho satisfatório. Tanto Carol quanto Peter, vinham de um contexto familiar sócio-
economicamente estável, segundo a professora. Winny tem onze anos e apresenta
dificuldades consideráveis como foi apresntado anteriormente.
O enunciado da questão que discutiam era: "qual o significado do segundo verso da
primeira estrofe?" O verso a que se refere é "num país de muita areia" e o significado no texto
é o deserto de Israel, lugar onde se dá o acontecimento.
O que vocês responderam nessa primeira aqui? (Carol).
era malvado de medo... (Winny).
Deserto (Peter e Winny falam ao mesmo tempo).
Deserto? Onde você viu deserto aí? Aqui ó... mostra outro verso em outra
estrofe. (Winny).
Não é esse não, Winny.... (Carol).
É esse aqui ó... num país de muita areia... é num deserto, não to falando?
(Peter).
Isso mesmo! Lugar de muita areia... é num deserto... Você nunca viu um
filme daqueles de deserto? A outra., como é que ficou? (Carol).
Ah!... (Winny).
165
Winny não titubeia em perguntar e em contestar, mesmo não tendo a resposta devida:
"Deserto? Onde você viu deserto aí? Aqui ó..." Novamente, percebe-se aqui a espontaneidade nas
falas entre os alunos. Essa espontaneidade, que parece ser própria dessa relação mesmo entre
alunos de níveis heterogêneos, é mais horizontal que na relação entre aluno e professora.
Pela expressão facial de Winny ao por a mão na boca enquanto declina de leve a
cabeça para o lado direito levantando as sobrancelf7 0 rg -0.3295 Tc 0.07951 1 rgpbó.. 9o leva89.curada. P TD -irópr meva, d.." Nsmo dia306 0em c deg, mseus novetencs sos dec97.5 591.75 442.5 27.7536e fBT99 691.5 TD0 0 0 r553-0.2633 Tc 1.0133 T1 (se aq1 de T1 1 1idfesificaluno e prod) Tjst9.25 j3versog 97.5167 Tw ( ) T(-) Tj4.5 0 TD -0.308 Tc 0.1205 T1881abeça00 1 1 rg o mest -sferis hocão nove significa3o nst9u." Nd bocdg 97.5 646.5 442.5 27.75508 fBT99 663.75 TD0 0 0 56 -0.4678 Tc 0.4101 w (nas )0 TD -indicar.246 T 0.1205 T4499se aqui a8ssãoróa nst9u."no e prod079r aa dendizagmo nsolidou.246 216 Tc -0.168 T Tj4.5 0 TD -0.308 3 Tc -0.168 T4817alunos d817aluntaneimo umqui mpenho independfese.97.5164 Tw ( ) TjET1 1 1 rg 97.5 619.5 442.5 27 red81BT156 636 TD0 0 0 rg 443o t78 Tc 0.4101 1612inny nÉpara o Nndo amsegui306 0nversei0nm-0.grupo TD -fesendfr0nmo haviao nheg,d b e 0g 97.5 674.25 442.5 27.7453e fBT99 609 TD0 0 0 rg 4 (s. 95 Tc 0.0795 T356abeç648níve) TjETidaHaviast is hsrstlaes343o eingu." 1mqui te.grupo cdg
166
meninos haviam registrado duas questões na ficha de auto-avaliação tanto na coluna do que
conseguiam fazer sozinhos como na coluna do que aprenderam depois no grupo. Disse-lhes
que eu não havia entendido o porquê daquelas questões estarem assinaladas duas vezes. Peter
respondeu-me que "tinha depois uma resposta melhor", Winny não soube responder. O que
me levou a acreditar que Peter havia respondido as questões de uma forma e depois, na
interação, considerou que as respostas do outro eram corretas. Quanto a Winny, poderia ter
ocorrido que, não tendo certeza de suas primeiras respostas, copiou as respostas do outro. Por
não saber dar a razão dessas respostas pode tê-las copiado sem compreender ou refletir sobre
os seus significados. De qualquer forma, perdi a oportunidade de compreender melhor sobre a
construção dessa aprendizagem por não haver conversado em seguida com Winny.
Quando Vigotski se refere à aprendizagem por imitação, ele diz que ela é mais que
uma cópia sem significado. Imitação seria para ele a aprendizagem reconstruída a partir do que
é observado no colega. Nesse caso, reproduzir sem compreensão, sem significado, não é
aprender. A aprendizagem subentende a reconstrução, que poderia ser entendida também como
a transferência de tal aprendizado para outras situações, de forma independente.
Se a aprendizagem for baseada apenas na cooperação do colega, percebe-se o risco
do aluno copiar uma resposta de forma irrefletida ou confiar na resposta equivocada do colega.
Nesses casos, o papel do outro, na realidade não ajudou, representando , dessa forma, um
obstáculo à aprendizagem. Percebe-se que não é qualquer colaboração do outro que irá resultar em
aprendizagem na ZDP. Em discussão de episódios apresentados mais adiante voltarei a essa questão.
Quando depois dessa etapa a professora retomou as perguntas, uma delas ninguém
havia conseguido a resposta e outra, vários deles haviam chegado a uma resposta equivocada,
entendendo "Dia de Confraternização Nacional" como "Natal". A mediação do colega, nesse
caso, mostrou-se nula ou até negativa. O papel do outro na AC, ness e caso, pode tanto
167
representar uma condição facilitadora de aprendizagem como pode tornar-se, nessa última
questão, fonte de informação distorcida para essa aprendizagem.
A intervenção da professora foi fundamental, retomando a discussão, levando os
alunos a perceber a incoerência de suas respostas, esgotando todas as possibilidades, ou
mesmo dando a informação. No entanto, mesmo a transmissão de informação já não era mais
recebida de forma mecânica pelo aluno, quando ele tentando achar a resposta através da
discussão, havia iniciado um processo construção do conhecimento na interação com os
colegas.
Embora haja vantagens, já apresentadas, na relação horizontal aluno/aluno, há
o risco de os alunos serem abandonados a si próprios, comprometendo sua
aprendizagem. Percebi que a intervenção da professora torna-se indispensável na AC.
Kagan explica que o papel do professor na AC é estar presente nos grupos
observando e dando assistência, evitando atitude de examinador dos grupos, no
sentido classificatório do termo, ou atitude de direcionamento das respostas. Ele deve intervir
instigando e alimentando a discussão, atento à construção coerente dos conhecimentos
essenciais. A devida intervenção cria condições favoráveis ou sua omissão dificulta que se
alcancem os objetivos da AC. Sem essa devida intervenção, as vantagens nos escores
quantitativos, aparentemente maiores na AC, tornam-se duvidosos.
4.3 - Heterogeneidade dos Alunos nos Grupos
A heterogeneidade de contextos na interação pode favorecer para que
significados subjetivos, produzidos a partir de cada contexto individual sejam re-
significados. Peter descobriu ao interagir com os colegas, que "depois, tinha resposta melhor".
168
A partir de suas experiências de vida, seus significados construídos anteriormente serão os
instrumentos com os quais poderá interagir com o objeto de conhecimento e construir novos
significados. O domínio de tarefas, das quais os alunos conseguem desincumbir-se
individualmente, estão situadas, para Vigotski, dentro do seu nível de desenvolvimento real. O
domínio independente de um determinado conceito científico - o significado da palavra
que designa objeto de conhecimento sistematizado culturalmente marca esse nível consolidado
de desenvolvimento (Vigotski, 2003a).
Embora Winni tenha se confundido quanto aos conceitos de estrofe, verso e
deserto, inicialmente, na interação com os colegas, seus significados inadequados - em um
sentido formal - passam por uma re-significação. O fato de Winni parecer haver construído um
novo significado desses termos indica haver nele um potencial "escondido" engendrado na
interação social: sua zona de desenvolvimento proximal.
Na literatura pesquisada de e sobre Vigotski (1998), há citações sobre a
aprendizagem de crianças com outros "companheiros mais capazes". Mas, percebe-se que
Vigotski não teve como seu objetivo ou nao teve tempo para explicitar como imaginava esse
aprendizado que ocorre no outro "mais capaz" ao interagir ensinando, mostrando, ajudando
enfim, o outro "menos capaz". Na interação observada, a aprendizagem parece, em certos
momentos, ter ocorrido em duas vias, como se constata no próximo depoimento.
Transcrevo um trecho de uma longa entrevista realizada com os alunos em
novembro. Tratava-se de um final de semana em que os alunos estavam passando juntos na casa
da diretora. A entrevista gravada foi continuidade de brincadeiras e conversas informais que
realizamos no domingo à tarde, sentados no piso da varanda. Perguntei se os alunos teriam alguém
que os havia ajudado e a quem quisessem agradecer. Carol lembrou-se da atividade de
interpretação de texto que foi relatada acima e disse ter aprendido com o Winny:
169
Não tem um só, não. Tem todos. Porque é...quando eu... eu já pedi
informações de todos, até do Winny eu já pedi (Carol).
Eu? - perguntou surpreso (Winny)
Perguntei: Por que o Winny ajudou?
Porque ele mais recebe ajuda... porque ele deixava tudo pela metade...
(Maru, risadas de todos).
Mas quando eu... fala aí, Carol... você já falou Maru! Em que foi que
eu te ajudei? (Winny pergunta, duvidando).
É, uma vez ele... acho que ele estava de bem com a vida, por causa que ele
respondeu tudo de português... que era até aquele dia que eu não acertei
todas as coisas, que eu coloquei lá naquela folha. Ele me disse uma
coisa que eu não sabia...foi até...eu me esqueci agora (Carol).
Nesta mesma entrevista, Luan havia observado que: "Eu gosto de ajudar, pelo
menos eu aprendo mais". É que quando eu entendo... eu falo... daí fica mais gravado...”.
Mesmo os alunos considerados mais atrasados podem dar contribuições na
construção de significados compartilhados no grupo. Carol, que demonstrava um nível mais
adiantado de aprendizagens reconheceu ter aprendido "até" com o Winny.
Apesar de Winny ter colaborado na aprendizagem de Carol dizendo algo que ela
talvez não houvesse pensado antes, o ganho de Carol pode ter sido maior pelo próprio
processo mental ativo de reorganização do conhecimento exigido para se ensinar, como foi
constatado por Luan na última fala citada.
O ato de explicar algo ao colega para lhe ensinar pressupõe uma organização ativa do
pensamento, intensificando a atividade neuronal em torno de tal pensamento, clarificando-o,
facilitando novas relações e maximizando a sua própria memorização. O ato de ensinar o outro na
AC, destaca-se como uma relevante condição favorável à intensificação da aprendizagem
significativa do próprio ensinante.
170
Quando os alunos são devidamente colocados diante de situações de trocas de
experiências, a heterogeneidade constitui-se em condição favorável à sua aprendizagem. A
dificuldade de Winny parece evidenciar-se principalmente diante de Carol que geralmente tem
facilidade para fazer as atividades. Ao ver as dificuldades de Winny, Carol, em um ato
imediato, com paciência ou não, lhe ensina. A possibilidade de ensinar Winny parece exercer
também uma influência benéfica em Carol, no sentido de se sentir bem consigo mesma por
poder ser útil, demonstrando assim segurança e disponibilidade em ensinar. Se a emoção está
intimamente relacionada à dimensão cognitiva na aprendizagem, os sentimentos positivos que
surgem nesse e desse processo podem ser um elemento de automotivação para a aprendizagem
de Carol e, por conseguinte, uma condição favorável à essa aprendizagem.
No caso em que os alunos de séries distintas interagiam em um mesmo grupo,
a heterogeneidade entre eles ficava acentuada em virtude da diferença de seus supostos níveis de
desenvolvimento maturacional e de possíveis diferenças de nível em aprendizagens prévias.
Algumas atividades de Matemática envolviam vários conteúdos similares às
duas séries. Tomei como indicativo dessa aprendizagem o desempenho dos alunos observado
na realização das tarefas, seus depoimentos e também o parecer da professora.
Perguntei à professora: "o que funcionava melhor, quando os assuntos para as
duas séries eram semelhantes, grupos com alunos da mesma série ou grupos de alunos em que
havia as duas séries juntas? E por que?". Sua resposta foi:
As duas séries juntas. Os alunos da terceira série acham o máximo
trabalhar com os da quarta, achavam-se muito capazes em fazer
atividades que a quarta série fazia também. Os da quarta gostavam muito
de ajudar os da terceira e acabavam aprendendo juntos, descobriam mais
coisas.
171
Essa interação só era viável quando os conteúdos às duas séries eram semelhantes.
Alguns conteúdos programáticos de Matemática apresentavam similaridades nas duas séries,
variando em certo grau de complexidade. Partindo de materiais concretos e desafiadores como os
jogos, a complexidade das tarefas de quarta séries era dominada pela maior parte dos alunos da
terceira série.
Quando o ponto de partida eram situações lúdicas e/ou concretas, a maior parte dos
alunos de terceira série e os alunos de quarta séries, com dificuldades nessa disciplina,
participavam das atividades sem demonstrar grandes problemas em acompanhar. Havia
algumas exceções: Joni, um menino de bom relacionamento com onze anos, portador
de necessidades especiais, recebendo assistência especializada fora da escola; Delai,
de nove anos, parecendo ter dificuldade em concentrar-se em exercícios mais
abstratos; Sam, que demorava mais que outros alunos em atividades abstratas, para fazer as
contas mais elementares, precisa fazer "risquinhos" no papel, tem nove anos. Os problemas
podem ser de causas diversas, desde a ausência de aprendizagens prévias (compreensão e o
mínimo de automatismo necessário à multiplicação), e/ou até os distúrbios congênitos, no caso de
Joni. Os demais alunos, mesmo de séries distintas, pareciam poder trocar seus conhecimentos
em algumas atividades.
A idéia da ZDP sugere a existência de uma "janela de oportunidade" em cada
momento do desenvolvimento cognitivo de cada aluno considerado individualmente. Essa
"janela" pode variar em sua abertura, sendo mais ou menos estreita. Pode-se considerar que, em
um grupo heterogêneo de alunos, todos únicos, não exista uma única janela para um
determinado tipo de aprendizagem, mas tantas quantas os alunos, e todas tão individualizadas
quanto eles.
172
O conceito implica que, em uma sala de aula heterogênea - e sempre elas o são em
menor ou maior grau - as ZDPs dos alunos para os diferentes aprendizados podem ser
diferentes não só em quantidade, como o teste hipotético de Vigotski (1998) quis mostrar,
mas também em qualidade. Ou seja, um aluno pode não ser tão "bom" em Português, mas
pode ajudar o colega em atividades de Matemática que domine.
As habilidades desenvolvidas também são diferentes, de acordo com as experiências
e contextos de cada um. Assim um aluno, mesmo de uma série menos avançada, pode não
saber um conceito científico de "bípedes", mas ter em sua casa galinhas, patos, passarinhos e
pode numa discussão com os colegas, caracterizar e exemplificar o que sãos bípedes, se a
interação for conduzida para isso.
No exemplo hipotético usado por Vigotski para explicar o conceito de ZDP,
como foi apresentado anteriormente, as crianças apresentaram maior capacidade de
resolução das tarefas a partir de uma certa intervenção do examinador em relação a
quando respondem ao teste individualmente. O desempenho e a ZDP foi maior em uma das
meninas. As tarefas que as crianças fizeram de forma independente e depois de forma assistida
seriam as tarefas específicas daquele teste. Pergunto-me, entretanto, a respeito da possibilidade de
resultados diferentes, se eventualmente Vigotski tivesse escolhido outras tarefas para testá-las?
Digamos, se houvesse escolhido tarefas nas quais a criança de ZDP menor fosse quase perita e
a criança de ZDP maior fosse apenas uma iniciante? O resultado não poderia ser inverso?
Evidentemente, Vigotski referia-se às tarefas padronizadas nos testes de Quociente
de Inteligência, largamente usados em sua época. Os escritos de Vigotski não nos legam
considerações pedagógicas estruturadas sobre aplicações do construto teórico da ZDP. No
entanto, a aplicação do conceito de ZDP para situações pedagógicas é possível (Vigotski,
1998). Uma implicação direta para a sala de aula a partir das questões levantadas neste estudo com
173
base no conceito da ZDP é o redimensionamento das potencialidades dos alunos, nem
sempre reveladas gratuitamente aos nossos olhos e que podem ser distintas como são distintos
os indivíduos.
A heterogeneidade é apontada por Kagan como a melhor forma de agrupar os alunos.
Em um grupo onde todos sabem resolver as tarefas facilmente ou em um grupo onde todos não
estão sabendo resolvê-las, as oportunidades para interagir ensinando e aprendendo são
mínimas. Ou eles não precisam se ajudar porque já sabem ou eles não têm como se ajudar
porque não sabem. Kagan sugere, então, que os alunos "mais adiantados" sejam colocados
juntos com os alunos que apresentam maiores dificuldades.
Ao tentar agrupar alunos tidos como mais adiantados ou menos adiantados, o
professor pode fazê-lo segundo a percepção do que lhe é revelado no desempenho individual dos
alunos. Algumas surpresas podem surgir, no entanto, quando na interação, esses alunos
passam a processar a aprendizagem dentro da ZDP. Esse potencial "escondido" é alcançado
mais facilmente em uma interação heterogênea pelas oportunidades de interação social
na construção da aprendizagem que se instaura.
Nas atividades relatadas, os grupos são heterogêneos, mas há uma certa similaridade
na experiência presente de cada um que lhes possibilita compartilhar significados. Talvez Carol
esteja falando de um mesmo filme que Winny tenha assistido em que aparecia um deserto; os
jogos, as atividades concretas de Matemática podem evocar alguns significados comuns. Essa
proximidade parece ser uma condição favorável à aprendizagem dos alunos.
Se tivessem um grau excessivo de heterogeneidade, um aluno bem menos adiantado
que outro poderia acreditar cegamente nas respostas do colega percebido como mais
adiantado, não se considerando capaz de duvidar, de discutir suas respostas ou mesmo, não
sendo capaz de fazê-lo por carecer de significados comuns necessários a sua inteligibilidade.
174
Isso parece ter acontecido quando, em outro dia, Carol "ensinava" Sam a fazer
algumas expressões aritméticas. Como Carol estava sendo mais rápida, na explicação, que o
ritmo em que ele poderia acompanhar, percebi que Sam não discordava, não a interrompia
para perguntar, mas também não parecia acompanhar seu raciocínio. Percebi que ao tentar
fazer exercícios semelhantes depois, continuava tendo as mesmas dificuldades, levando-me a
crer que a explicação de Carol não havia ajudado muito.
Tal dificuldade em construir uma determinada aprendizagem a despeito de quanto
o outro intervenha ensinando, mostrando, exemplificando, pode decorrer do fato de esta
habilidade específica a ser desenvolvida estar além dos limiares superiores do
desenvolvimento potencial, além dos limites da zona de desenvolvimento proximal, segundo
Vigotski (1998a). Quando à heterogeneidade entre os níveis de desenvolvimento dos alunos é
muito grande, a interação para a construção de determinada aprendizagem que não esteja
dentro dos limiares seria improfícua?
As versões brasileiras e americanas dos escritos de Vigotski, que revisei, apresentam
o termo criar designando o tipo de influência da aprendizagem na ZDP: "We propose that an
essential feature of learning is that it creates the zone of proximal development;" (VYGOTSKY,
1978, p. 90, grifo acrescentado). A força do termo implica a concepção de que a aprendizagem faz
emergir uma ZDP inexistente apriori.
Esse entendimento difere de algumas interpretações contemporâneas apontadas como
problemáticas por Góes (1997) sobre a natureza da relação aprendizagem/ZDP. De acordo
com essas interpretações, a aprendizagem atuaria desenvolvendo um potencial pré-existente,
pré-originado maturacionalmente.
Apesar de Vigotski (1998, p. 113) utilizar as metáforas da biologia "flores" ou
"embriões" e "frutos" referindo-se aos estágios de desenvolvimento, a ZDP não pode ser
175
entendida apenas como um conjunto de condições biológicas em maturação. A relação
aprendizagem/desenvolvimento é interativa e dialética e isso modifica a natureza do processo.
Quando o texto fala em criar uma ZDP, Vigotski está enfatizando sua crença de que
os fatores sociais e culturais, principalmente o processo de escolarização (Cole e Scribner, 1998)
expande qualitativamente o desenvolvimento humano e parece refletir o pensamento de que, se o
indivíduo não tem o limiar mínimo para interagir com determinado conhecimento hoje, de
maneira plena ou mesmo rudimentar, esse mesmo aprendizado (ensino, instrução, exemplo)
impulsiona, desperta processos internos que embora não constituam uma ZDP hoje, poderão criá-
la. Dentro desse entendimento entendo que o processo pode ser esboçado, para melhor elucidá-
lo, em quatro estágios:
a) os colegas realizam, verbalizam, mostram exemplificando determinada tarefa.
Alguém que não sabe aquela tarefa - não tendo, portanto, o desenvolvimento real e talvez nem
potencial específico - observa e interage, tentado realizá-la, sem contudo consegui-lo;
b) mesmo não tendo conseguido realizar a tarefa, essa demonstração de um modelo
pode impulsionar o desenvolvimento de processos que, na seqüência, possibilitarão esse aluno a
realizar determinar a tarefa com assistência do outro.
c) esse processo rudimentar de tentativa de interação com o objeto de conhecimento,
a partir da assistência do outro, desperta os processos de desenvolvimento potencial e cria uma
ZDP;
d) na continuidade da interação, a realização da tarefa assistida ou a apropriação
parcial de um conhecimento torna-se tarefa independente ou conhecimento
apropriado individualmente, autônomo. Ou seja, diante da interação desse
potencial com o outro e com o objeto de conhecimento, o desenvolvimento torna-se
real, independente. ,
176
Diante desse raciocínio, a explicação que Carol oferecia a Sam não teria alterado em
nada seu processo de desenvolvimento? Não teria criado "brotos" de um potencial a originar
uma ZDP? Que alterações no potencial de desenvolvimento dos alunos de terceira série teriam
ocorrido por conta de conviverem diariamente com alunos de quarta série, supostamente mais
adiantados? Os alunos de terceira teriam criado ZDPs para aprendizagens mais complexas ao
observar discussões de temas específicos de quarta série? Seria essa convivência social uma
condição favorável à aprendizagem dos alunos? Alguns relatos e episódios observados neste
estudo parecem indicar que os alunos de terceira série podem ter construído algum tipo de
aprendizagem diferenciado resultante da interação na AC com alunos considerados mais
adiantados. O objetivo deste estudo não é demonstrar que a interação social com alunos mais
adiantados, por si, já seria uma condição favorável suficiente à aceleração do desenvolvimento
daqueles alunos. Essa influencia é complexa e como foi visto envolve uma gama de outros
fatores que podem concomitantemente corroborar ou dificultar.
Um ponto a ressaltar dentro do conceito da ZDP de Vigotski reside no fato deste
construto chamar a atenção para a plasticidade do cérebro. O cérebro é para ele um sistema
aberto e em constante interação com o meio e que transforma suas estruturas mentais (sem
alterar as estruturas físicas) a medida de sua cultura e a medida de interação com essa cultura e
está preparado para realizar funções diversas dependo das formas de inserção social. A
experiência de interação de alunos de terceira série com alunos mais adiantados à luz do
raciocínio sobre criação da ZDP parece nos indicar uma possível aceleração do
desenvolvimento dos primeiros. No entanto, conclusões mais precisas sobre esta questão,
implícita no bojo da teoria vigotskiana, carecem de outras comprovações empíricas.
177
Quando Vigotski coloca que o aprendizado acelera o desenvolvimento é necessário,
contudo, cautela para evitar algumas interpretações impróprias, como é o caso referente à
alfabetização de crianças com idade precoce.
Mesmo não pretendendo tocar o assunto em sua profundidade, não sendo esse o
objetivo deste trabalho, algumas considerações tornam-se pertinentes, para ilustrar a questão.
Sabe-se por exemplo dos riscos que podem surgir diante de algumas interpretações sobre o
aprendizado acelerar o desenvolvimento e suas aplicações à prática da alfabetização.
Percebi que Rego (1994), mesmo fazendo uma retomada ampla do pensamento
vigotskiano, ao falar da alfabetização, parece sugerir a idéia de que a prontidão no
desenvolvimento infantil é desnecessária, sendo o próprio processo de alfabetização suficiente para
a aprendizagem dos mecanismos da leitura e da escrita. O resultado desta interpretação, diante de
comuns solicitações de pais que desejam ver seus filhos "adiantados", pode levar à antecipação de
alguns anos no processo de alfabetização da criança.
Mas, é possível essa aceleração? As pesquisas de Luria (1988) e Montessori que
Vigotski (1998a) cita, sugerem que sim. Contudo essa aceleração seria interessante? Seria
vantajoso do ponto de vista do desenvolvimento do aluno durante sua vida até a fase
adulta? A experiência tem mostrado sérios problemas decorrentes da alfabetização precoce,
como posteriores distúrbios de aprendizagem e cansaço intelectual também precoce.
Se o homem pós-moderno já vem acumulando neuroses em seu frenético cotidiano,
seria interessante encurtar alguns anos de sua infância, no sentido de adiantar processos
mentais abstratos, em uma fase em que a criança poderia estar desenvolvendo seu lado direito do
cérebro (MENDES, 2001), tão necessário ao equilíbrio posterior diante das pressões da vida
adulta sobre seu lado esquerdo do cérebro? E ainda, se a criança não está amadurecida como
seus colegas, poderá esta perceber-se em maiores dificuldades que seus colegas mais
178
amadurecidos. O sentimento de fracasso, como uma das primeiras impressões de
aprendizagem escolar, não deve ajudar muito na aceleração dessa aprendizagem. Em outras
palavras, a possibilidade de aceleração em termos de alfabetização existe, mas, na minha
concepção, ela normalmente é desvantajosa e pode ser traumática para a criança.
Entendo que quando Vigotski (1998) está falando na aprendizagem como fator de
desenvolvimento ele não estava concebendo um sujeito ansioso diante de desafios demais,
buscando a aceleração do desenvolvimento como um fim em si mesmo.
É necessário, portanto, entender como o aprendizado impulsiona o desenvolvimento
e qual o papel que a interação heterogênea da escola desempenha nesse processo para tratar a
questão com equilíbrio. Não se deve interpretar que a função da escola seja simplesmente
desafiar os alunos apresentando maiores dificuldades do que eles conseguem fazer sozinhos,
deixando-os ansiosos.
A questão da relação de antecedência da aprendizagem sobre o desenvolvimento é
complexa e, na minha concepção, não deve ser entendida ipsis litteris sem considerar essa
dialética que Vigotski tanto frisou. Em outras palavras, o aprendizado que visa anteceder o
desenvolvimento do indivíduo, sem que esse indivíduo (em suas condições maturacionais e
cognitivas) tenha condições de interagir com o conhecimento, não é aprendizado de
fato. E uma das razões para o indivíduo não interagir pode ser o fato de o desafio da
aprendizagem estar além do limiar superor da sua ZDP, como já foi apresentado.
A ênfase de Vigotski na aprendizagem, um processo de transmissão do saber cultural
que transforma e adianta o desenvolvimento, como um fator determinante para expandir os
poderes da mente, podendo ser a solução para os problemas sociais, deve ser entendida dentro de
seu contexto histórico: a crença extremada nos poderes da educação para resolver os
problemas da sociedade.
179
Feitas as ressalvas, pode-se dizer que se o aprendizado é de natureza social, as
interações do professor com os alunos e destes entre si ganham uma nova dimensão. A
heterogeneidade entre os que interagem será um fator que possibilitará o desencadeamento de
tal interação.
4.4 - Natureza das Atividades na Aprendizagem Cooperativa
Não é qualquer cooperação do colega que pode conduzir à aprendizagem. O tipo de
atividade parece desencadear um grau maior ou menor de interação entre as crianças, o que
pode influenciar ou dificultar na construção da aprendizagem em nível de suas zonas de
desenvolvimento proximal. No início do ano, os alunos estavam estudando juntos, em grupos
grandes, mas o grau de interação era mínimo.
Observa-se a diferença do tipo de atividades interativas na aprendizagem de Sam:
Ele demonstra grandes dificuldades em relação às expectativas da escola nas operações
abstratas. Para fazer as contas mais elementares, precisa fazer "risquinhos" no papel. Em um
dia, quando Carol tentava ensiná-lo a fazer as contas de multiplicação, mostrando e falando,
pela falta de atenção demonstrada, ele parece não ter acompanhado de fato o raciocínio da
colega. No entanto, quando Sam participou de atividades como jogos ou outra atividade
criativa com materiais concretos e em grupo, seu envolvimento foi maior, evidenciando que
aquelas atividades lhes eram significativas. Ao participar em um desses jogos de multiplicação,
notei em Sam um nível diferente de interesse e satisfação. Mesmo não acertando todas as suas
vezes no jogo, as contas realizadas "de cabeça" parecem ter adquirido outro significado para ele.
Depois, confessou-me alegre: "Agora estou gostando de Matemática... estou sabendo a tabuada e
antes eu não sabia". Seus olhos brilhavam.
180
Apesar das grandes dificuldades de Joni, observei que seu envolvimento emocional e
social nas atividades em que participava ativamente ficava visível e, dentro de seu contexto, as
atividades socializadas adquiriam um significado próprio. Sam e Delai participavam nas
atividades como jogos ou outra atividade que envolvia o manuseio de materiais concretos com um
envolvimento evidente de que aquelas atividades lhes eram significativas.
Observa-se que quando as atividades são específicas para facilitar a interação entre
os alunos heterogêneos, algumas dificuldades mais acentuadas puderam ser superadas. Os
alunos menos adiantados pareceram aprender com menor dificuldade entre seus colegas,
quando as atividades favoreceram a interação social, de forma instigadora.
Gradativamente, a professora foi aplicando algumas atividades, desafios e jogos que
favoreciam a interação entre os alunos. Respondendo a um questionário, ela falou do seu
ponto de vista sobre as vantagens dos jogos:
A facilidade em aprender, mesmo sem saber exatamente o que
estavam fazendo quanto ao conteúdo. Ao fazer as atividades escritas
depois, eles diziam: ah! eu sei isso, nós fizemos com os jogos!
Sobre o que dificultava a aplicação de mais jogos: "A pressa em terminar todos os
livros em tempo, pois demorávamos com freqüência nos jogos".
181
Pude perceber como as crianças ficavam absortas no que estavam fazendo no
momento do jogo. Os alunos foram unânimes em afirmar que gostavam dos jogos e
aprendiam mais jogando que escrevendo no caderno. A professora disse que a vantagem de se
aprender mais facilmente com os jogos. Carol afirmou: "com os jogos é que eu aprendi a fazer
contas assim... direto...de cabeça".
No jogo educativo, o nível de interação dos alunos entre si e com o conhecimento é,
por vezes, qualitativamente superior à aprendizagem individualizada ou passiva. No jogo, cada
um tem a sua vez de participar, as regras são as mesmas para todos, as dificuldades estão em
nível da compreensão do aluno, ou seja, partem de seus significados e não de elementos
Ilust
ração 3
-
Alunos participando de jogos educativos
182
desconhecidos e isso exclui, ou minimiza, a ansiedade própria de quando o aluno é colocado
diante de uma tarefa para a qual se acha incapaz.
Vigotski atribuiu um papel fundamental ao brinquedo no desenvolvimento da
criança. Segundo ele (1998, p. 134), "o brinquedo (que na idade escolar transforma-se em
jogos com regras) "cria uma zona de desenvolvimento proximal" e ainda diz: "a criação de
uma situação imaginária pode ser um meio para desenvolver o pensamento abstrato" (Ibid,
p. 136).
O jogo, em si, assim como a discussão de um tema em grupo, já é um desafio. Parte
de elementos significativos para outros desconhecidos para os quais o aluno terá que achar a
resposta e que ele sabe que terá como conseguir. Esse elemento desafiante elimina o tédio que
existe comumente em muitas tarefas mecânicas para as quais o aluno não precisa fazer
esforço mental algum, pois são automatizadas, como as cópias sem significado, os
questionários com respostas que são apenas transcritas do texto ou ainda a cópia de exercícios que
a professora explica no quadro, mas que o aluno não compreende plenamente.
O desenvolvimento de técnicas específicas que visam aumentar a participação e a
interação dos alunos em sala têm sido uma relevante contribuição dos teóricos da AC, como foi
visto.
Além dos jogos, outros três tipos de atividades aplicadas a partir do segundo
semestre e que favoreceram a discussão e o pensamento crítico foram o conflito sócio-
cognitivo proposto em pequenos projetos, o "Jigsaw" e "K-WL"
37
. Em um exemplo de
projeto, os alunos foram desafiados a debater no grupo duas posições controversas, por
exemplo: "nosso bairro está se desenvolvendo" e "o desenvolvimento do nosso bairro está
parado". A professora descreveu os passos a serem seguidos; as funções de cada um e os
37
A descrição mais detalhada dessas atividades consta nos anexos 07 e 08.
183
prazos foram combinados; ela relacionou os conteúdos a serem dominados e relacionou as
fontes de pesquisa. Dentro do grupo, dois alunos defenderam uma posição e outros dois
defenderam a posição contrária. Para isso, deveriam preparar uma apresentação persuasiva e
dominar o conteúdo com seus conceitos. Na apresentação, cada dupla teve a sua vez e,
depois, as duplas inverteram as posições tentando da melhor maneira possível, defender a
posição contrária. Finalmente o grupo preparou um relatório tentando sintetizar as duas posições.
Na primeira vez, os alunos tiveram muitas dúvidas, alguns achavam que não
conseguiriam. Na hora do debate várias dificuldades foram observadas: alguns tinham
vergonha de falar, havia os que levavam a discussão para o nível pessoal ou aqueles que
perdiam o foco da discussão. Contudo, procurando ajudar os alunos nessas dificuldades, os
conflitos cognitivos passaram a ser uma atividade de grande envolvimento e aprendizagem. As
atividades desafiadoras que pareciam pedir-lhes mais do que aparentemente poderiam fazer,
como os projetos e debates e que eles deveriam fazer em grupo tornaram-se condição
favorável à aprendizagem dos alunos. Essas atividades pareciam instigá-los modificando sua
absorção à atividade.
As atividades com materiais concretos, tais como colagens com frações,
supermercado
38
, ou com jogos eram seguidas de exercícios escritos no livro didático ou no
caderno. Os alunos de terceira série conseguiam, com exceção de alguns, acompanhar os
colegas de quarta série, em exercícios que envolviam a complexidade desta série mais
avançada. Percebe-se que o grau de envolvimento e o nível de aprendizagem parecem
depender também do tipo de atividade desenvolvida na interação social.
38
Atividade realizada em um cantinho da sala onde se simula um supermercado. Com embalagens vazias e dinheiro de
brinquedo, as crianças criam problemas envolvendo as quatro operações matemáticas.
184
Como foi visto, quando as atividades são mecânicas e sua complexidade está dentro
daquilo que o aluno consegue fazer sozinho, possivelmente, e dependendo dessa atividade, o
aluno pode estar trabalhando em seu nível mental de tédio.
Se por um lado, as atividades muito fáceis ou mecânicas entediam, por outro, tarefas
muito difíceis, que os alunos não conseguem realizar causam ansiedade. Quando os alunos
prevêem que vão fracassar, sua reação comum é a fuga da atenção para outra atividade,
se distraindo com outro objeto de atenção, quem sabe "brigando e pintando o sete", uma
espécie de defesa natural da mente contra a ansiedade. Quando percebem que não
conseguem fazer uma tarefa e têm de enfrentá-la, como em uma prova ou em um exercício para
nota, a alternativa é lutar, mas com ansiedade. A reação e sentimento comuns dos alunos diante
do que não conseguem fazer são fuga ou ansiedade.
As atividade que conduziam à discussões animadas, como os jogos, os desafios
matemáticos, as tarefas com materiais concretos e os debates como os conflitos sócio-
cognitivos dos projetos tinham, em comum, o fato de despertarem nos alunos um nível de
concentração e envolvimento emocional de absorção entre o tédio e a ansiedade. As atividades
passavam a ter um significado para os alunos. Ao passarem para as atividades mais abstratas
relacionadas, pode ocorrer, então, aquela dialética desejável entre o "conhecimento sobre" e a
"familiaridade com", resultando em uma síntese significativa entre o abstrato e o concreto.
Pode-se entender nesse ponto a preocupação de Vigotski quanto à necessária correlação entre os
conceitos científicos a serem ensinados pela escola e os conceitos cotidianos ou outros
conceitos científicos prévios. As aprendizagens significativas estariam, então, sendo construídas
entre os estados emocionais de tédio e ansiedade.
A qualidade da interação social parece ser determinante de quanto e de como se
desenvolverá o aluno em sua ZDP. As atividades que envolvem discussões desencadeiam
185
processos mentais significativos que favorecem a participação ativa do aluno - o estímulo de
segunda ordem a que Vigotski se referiu - em processos de elaboração de sua linguagem e que
impulsionam o seu desenvolvimento no sentido de:
a) clarificar e elaborar seus pensamentos para usar a linguagem;
b) transformar o pensamento em palavras, figuras, construções ou outro
instrumento que fará o aluno acreditar que o colega o entendeu;
c) considerar os diferentes aspectos de uma idéia ou tarefa e tomar a perspectiva do
outro colega, descentrando-se da sua;
Para que eles expressem seus pensamentos sobre determinado conhecimento, esse
conhecimento deve ter sido reconstruído, sendo revestido de um significado próprio. Quando o
aluno apenas reproduz, sem compreensão, poderá facilmente se contradizer na sua fala, não
poderá transferir para outras situações o conhecimento reproduzido e por ser este superficial, será
facilmente esquecido.
É compreensível, também, que para a reconstrução, a aprendizagem passe por níveis
mais profundos que aqueles conseguidos pelo aluno quando em uma aprendizagem
individualizada ou passiva. Para verbalizar seus significados sobre uma determinada
informação e para ser entendido, espera-se que tal informação tenha para ele um significado,
ainda que inadequado. Antes de verbalizá-la, com seu significado, essa informação pode ter
passado por processos mais elaborados, reorganizando-a a ponto de poder ser expressa da
forma que julgue ser compreensível.
Ao verbalizar o significado de determinada aprendizagem, este pode ser confrontado
dialeticamente com o significado do outro, que, por sua vez, pode ter passado por um
processo que o tenha levado a conclusões diferentes. Através da interação social, muitos
significados podem ser negociados e passar por uma re-significação, uma nova síntese.
186
O que o aluno consegue desempenhar sozinho parece ser menos do que conseguiria
na interação social considerando que o desenvolvimento alcançado em nível da ZDP é maior não
apenas pelo que o aluno ouve, vê, enfim recebe, mas especialmente, pela natureza ativa da sua
participação na interação. Considerando o processo mental ativo e interativo que é
desencadeado através da verbalização, a lei genética do desenvolvimento das funções
superiores para Vigotski (1981) torna-se mais visível e compreensível.
4.5 - Sumário do Capítulo
Da mesma forma que no capítulo anterior, a análise dos processos psicológicos
presentes da AC apresentam dificuldades e condições favoráveis à aprendizagem, em uma
relação de causa e efeito, podendo ser primários ou secundários. Aqui também, a sólida
formação docente para organizar o processo de aprendizagem interativa e facilitar os
processos psicológicos da aprendizagem na AC parece ser uma condição facilitadora básica ou
primária. Por conseguinte, a ausência dessa formação apresenta-se na gênese como elemento
dificultante ou facilitador, portanto, também primário. Da ausência de sólida formação
docente para trabalhar com a AC resultam nas seguintes dificuldades:
1. indefinição da função docente na AC: pode ocorrer a idéia de que basta que os
alunos estejam juntos para que possam interagir em suas aprendizagens.
2. dessa indefinição da função docente pode ocorrer inadequada ou insuficiente
intervenção do professor. No caso da intervenção inadequada, o professor pode, por exemplo,
oferecer respostas prontas aos alunos, podendo vir a alimentar uma relação de dependência do
aluno ao professor ou de reprodução sem contestação do conhecimento transmitido pelo adulto.
187
3. não havendo intervenção adequada, pode ainda ocorrer que informações
equivocadas sejam compartilhadas, a partir das respostas incoerentes do outro ou resulte em
pouca ou nenhuma responsabilidade individual do aluno por sua aprendizagem, acrescida
da reprodução sem significado da aprendizagem do outro.
As dificuldades primárias que dão origem às dificuldades secundárias
estão representa, dos no quadro sumário na figura 3.
188
Formação docente não suficiente para trabalhar com a AC.
Momentos de indefinição da função e papel docente na AC
Intervenção docente
inadequada
Fornecimento de
respostas prontas
Intervenção docente não
suficiente
Reprodução sem
contestação do erro do
outro
Dependência do aluno e
reprodução do conteúdo sem
significado
Figura 3. Quadro sumário das dificuldades no processo cognitivo na AC
189
Quanto às condições facilitadoras dos processos psicológicos de aprendizagens
significativas presentes na AC, estas parecem ter, também como condição básica, a formação
docente. Dessa formação o professor adquirirá segurança sobre o processo psicológico da AC, seus
princípios, métodos e técnicas. Essa segurança diminui o estresse do professor e transmite
segurança aos alunos. Dentro de sua função de propiciar situações interativas procurará
organizar grupos heterogêneos, maximizando assim as oportunidades de interação. Da
importância que confere à construção de aprendizagem de forma interativa, e a partir do
conhecimento de como fazê-lo, procurará propiciar aos alunos atividades desafiantes e que
conduzam à interação. De tal formação e da segurança desenvolvida pelo professor resultam os
seguintes elementos favoráveis aos processos psicológicos de aprendizagens significativas:
1. A interação horizontal permeada de expressão verbal espontânea e vigorosa que
caracteriza o pensamento no processo interpsicológico.
2. O processo interpsicológico vigoroso e autônomo que origina pensamentos
vigorosos e autônomos: o intrapsicológico.
3. A organização do pensamento através da verbalização e a solidificação do
conhecimento por parte daquele que ensina.
4. A aprendizagem por modelação (imitação) e assistência pelos alunos mais
adiantados em aprendizagens específicas.
5. A aprendizagem significativa e mais avançada, em nível da ZDP, que os níveis
de desempenho independente para quem ensina e para quem aprende, embora, em níveis
diferentes.
Na figura 4 estão as condições favoráveis aos processos psicológicos de
aprendizagens significativas dentro da hierarquia na qual foram concebidos neste trabalho.
190
Figura 4. Quadro sumário das possíveis condições favoráveis aos aspectos psicológicos da AC.
Formação docente para a AC
Conhecimento dos processos psicológicos, princípios e técnicas
Formação de grupos
heterogêneos
Propostas de atividades
desafiantes e instigadoras
Interação horizontal, espontânea e vigorosa
(interpsicológico)
Pensamento autônomo,
criativo e vigoroso
(intrapsicológico)
Organização
do pensamento
e fixação da
aprendizagem
por aquele que
ensina
Aprendizagem
por modelação
e assistência
com quem está
“mais
adiantado”
Possibi
lidade
aprendizagem mais
avançada que nos níveis
de desempenho individual
- ao nível da ZDP
191
Percebe-se então, que na análise dos processos psicológicos observados e
possivelmente ocorridos na AC, há várias evidências de condições favoráveis e algumas
dificuldades à construção, pelo aluno, de aprendizagens significativas. Percebe-se também que
isso parece estar vinculado à segurança da prática pedagógica e à credibilidade do professor nas
vantagens de tal prática. A compreensão por parte do professor dos aspectos psicológicos da
construção do conhecimento dentro dos processos interativos parece ser básica em sua
formação. A contribuição de Vigostski pode ser relevante nesse ponto como foi apresentado.
192
CAPÍTULO 5
193
5 - POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES PARA SALA DE AULA
CONVENCIONAL
Relutei em reunir possíveis implicações da experiência realizada para uma sala
de aula convencional. A primeira vista, essas implicações parecem óbvias, mas podem também
se aproximar de generalizações simplistas. Diante de tal risco, convém recordar que o
presente estudo tem sua especificidade e a situação é evidentemente atípica. Como o
contexto de cada sala de aula convencional é particular e único, não seria apropriado
transferir os resultados dessa pesquisa para uma sala de aula qualquer, sem maiores cuidados.
Na medida que tentava escrever, percebia os vazios deixados por esse estudo no sentido de
poder fornecer elementos para generalizações. As tentativas de levantar as implicações do
presente estudo para outra sala de aula devem ser vistas como possibilidades e não se pode
pretender que os resultados desse estudo de caso isolado possam ser generalizados ipsis
literis. As tentativas de levantar as implicações, no entanto, talvez possam ser viáveis se o
leitor, a cada passo da leitura do presente relatório, observar as especificidades do
contexto e procurar avaliar em que essas especificidades assemelham-se ou diferem-se à sua
realidade.
Da experiência estudada ao relato deste capítulo transcorreu-se cerca de um
ano e meio e, nesse ínterim, pude refletir sobre a questão enquanto observava outros
194
contextos de aplicação da AC. Além disso, voltei a entrevistar a professora deste estudo
quando ela já se planejava para o seu segundo ano de aplicação da AC em uma sala de aula
convencional, por opção pessoal e a partir de sua experiência com a AC na sala de aula com
séries agrupadas.
Ao longo do ano de 2000, a professora havia lecionado para uma classe de
segunda série com vinte e seis alunos. As diferenças básicas de seu trabalho neste ano
foram as seguintes:
a) a proposta da AC não precisava ser necessariamente aplicada. O projeto
experimental do ano anterior havia encerrado e a professora estava livre para adotar o seu
próprio método de trabalho;
b) a aplicação da AC parece ter sido um processo mais consciente e seguro.
Ao tentar tecer discussão sobre prováveis implicações deste estudo para uma
sala convencional, a partir das constatações dos obstáculos e das condições favoráveis às
aprendizagens significativas dos alunos, não poderia deixar de considerar essa última
entrevista com a professora, na qual ela relata como foi sua experiência de aplicação da AC
em uma sala convencional.
Era final de janeiro de 2001. Dentro de alguns dias eu estaria sendo transferida
para São Luis, no Maranhão e estava me desligando da função de assessoria pedagógica da
sua escola. Achei relevante que ela se cientificasse disso. Se a diferença de nossas funções
profissionais, ainda que inconscientemente, pudesse representar-lhe alguma ameaça à
autenticidade dos seus depoimentos, minha transferência agora minimizava tal preocupação.
Aproveitei, também, para recordar meus objetivos como pesquisadora e que buscava
conhecer a realidade acima da realização das minhas naturais e óbvias expectativas pessoais.
195
Interessava-me descobrir sua real perspectiva sobre a aplicação da AC em uma sala
convencional.
Chegando à sua casa, lugar combinado, dois dias depois, contou-me que estava
estudando o livro "A Pedagogia da Cooperação" (Carvalho, 2000), um manual para professores
sobre o tema da AC, recém publicado. Percebi que vários fragmentos do texto do livro
estavam sublinhados. A professora havia trabalhado com AC em 2000, soube ali da
sistematização do seu trabalho ao longo do ano:
Esse ano foi bem melhor porque em 99 foi assim... eu estava
aprendendo. Em 2000 eu queria saber mais sobre a aprendizagem
cooperativa. Queria saber por mim mesma como meus alunos se sairiam
e eu acho que tive um bom resultado.
O interesse voluntário da professora em descobrir por si própria os resultados
da AC parecia alimentar-se pelo feedback positivo dos bons resultados que, aos seus olhos,
estava conseguindo. Sobre sua opção por trabalhar dessa forma, disse:
Para mim foi diferente, porque antes (1999) eu achava que estava ali
uma pessoa me observando e quando você está na sala e não tem
ninguém te observando... sei lá... é diferente.(...) Agora, o ano passado
(2000) não, eu já fazia a aprendizagem cooperativa, já tinha aprendido e
porque tinha gostado da aprendizagem cooperativa. O ano passado pra
mim foi fácil, foi gostoso.
Considerando sua própria opção de adotar a AC em 2000, pareceu-me que, se
em 1999 ela não sentia que a responsabilidade da experiência com o método era toda sua,
tampouco havia rejeitado essa prática, vindo em 2000 a realizar sua "própria experiência" de
forma que, segundo me pareceu, estava mais autônoma e responsável. Sobre sua segurança
196
com a forma de trabalhar: "Foi mais tranqüilo. Eu já achava, assim, que eu já sabia mais
coisas, e eu queria verificar por mim mesma o desenvolvimento da aprendizagem cooperativa".
Também não se pode desconsiderar que ensinar para uma série apenas teria sido
mais tranqüilo que para duas séries. Mas a tranqüilidade mencionada refere-se à
organização da classe e das atividades da AC.
5.1 - Possíveis Dificuldades: a Indisciplina
A primeira dificuldade observada na aplicação da AC diz respeito à indisciplina
em sala de aula. Alunos que antes eram incentivados a ficarem quietos deparam-se com uma
situação favorável para que possam falar. Essa nova ordem (ou desordem) que se instaura
pode tornar-se um problema? Poderia ser um obstáculo à aprendizagem dos alunos se a AC
fosse aplicada em uma sala convencional?
Primeiramente, é preciso identificar a concepção de disciplina. Se disciplina
significa o silêncio dos alunos e o controle dos seus corpos inertes no espaço da sala de
aula, a organização dos alunos em grupos vai redundar em "indisciplina" ou o professor
continuará incentivando o silêncio da classe e para alcançá-lo, os alunos deverão trabalhar
individualmente e quietos a despeito de estarem juntos. Nesse caso, a promoção da disciplina
caminha na contramão do processo que levaria aos objetivos da AC.
Se disciplina significa autocontrole e autodisciplina, a partir de acordos
estabelecidos e da compreensão da necessidade de tais acordos e se o conceito está ligado à
noção de responsabilidade e desenvolvimento da autonomia, a participação ativa do aluno é
um objetivo desejável. A discussão e a verbalização, enfim o envolvimento passa a ser
incentivado.
197
Quanto ao estabelecimento da ordem em uma sala de aula de AC, fatores
como a personalidade do professor, sua segurança e sua habilidade de relacionar-se
podem ser determinantes. É possível afirmar que tais fatores são determinantes de uma relativa
ordem em qualquer metodologia adotada. No entanto, quando se trata da AC, além desses
fatores determinantes faz-se necessário que o professor desenvolva atitudes específicas
para que os alunos sejam, ao mesmo tempo, incentivados a falar e a participar ativamente e
incentivados a desenvolver uma atitude responsável e organizada. Para isso, pressupõe-se
um preparo específico.
Depois de dois anos procurando praticar a AC a professora já poderia estar em
condição de avaliar a sua trajetória passada. Pedi que falasse especialmente das dificuldades
encontradas na sua experiência: "Outra coisa é a conversa... Se a gente for para sala sem
muitas atividades para eles fazerem,... a bagunça rola solta..."
Perguntei sobre o que fazia para diminuir a conversa: "Você tem que levar
muitas atividades diferentes... quando o grupo termina uma, começa outra..."
A professora faz referência às atividades direcionadas para o trabalho ativo e
interativo dos alunos. Quando eles percebem que as atividades são "diferentes", no sentido de
demandar-lhes maior participação e que o tempo é bem administrado, pode-se ver que ficam
concentrados no que fazem, trocam idéias entre si e por vezes nem percebem que a professora,
em eventuais necessidades, não está presente na sala de aula. O preparo de tais atividades
direcionadas para a interação dos grupos parece ser relativamente mais tranqüilo à medida que
a professora desenvolve sua segurança e entendimento do processo.
198
5.2 - Atividades (In) Apropriadas
As dificuldades na experiência realizada, quanto ao desenvolvimento de
atividades adequadas à interação dos alunos no grupo, indicam ter, como uma de suas causas
principais, o hábito arraigado na prática pedagógica tradicional que privilegia o
cumprimento da transmissão do conteúdo quantitativo, ditado por vezes pelo livro
didático. O apego a tais valores parece estar mais vinculado à concepção do professor sobre
a aprendizagem como um processo de assimilação do conhecimento e a concepção de
conhecimento como um produto a ser transmitido, que à característica ou peculiaridade da sala
de aula onde ocorre o processo.
A professora fala sobre algumas mudanças nas atividades que passou a propor
aos alunos, com as quais D 0.643j41.6999aa40io
199
um processo de transição como esse. Quando o professor, na forma anterior de ensinar atua
como tendo a responsabilidade e função de transmitir o conhecimento aos alunos, seu
planejamento centra-
200
humanidade, nem de subestimar o valor de sua intervenção no processo da aprendizagem
dos alunos e Vigotski (1998) resgata a importância da intervenção do professor ao chamar
atencao para o seu papel na ZDP. A questão parece estar na centralização do foco. Na AC o
foco do processo deve ocorrer na interação do grupo.
Se o professor, consciente ou inconscientemente, não valoriza a construção social
do conhecimento, se ele se vê como protagonista do processo ensino-aprendizagem e não
considera o desenvolvimento da autonomia do aluno como um alvo a ser perseguido, ou ainda,
se valoriza tudo isso, mas, não consegue desenvolver estratégias específicas de como
promover essa interação e autonomia, os alunos dificilmente agirão de forma cooperativa,
mesmo que a escola de forma até impositiva decida adotar a AC. Portanto, outra causa para a
não promoção de atividades adequadas à AC pode ser o desconhecimento de procedimentos
específicos à AC que podem indicar pistas para a criação de novos procedimentos.
Quando o professor na AC promove o desenvolvimento de habilidades sociais,
da interdependência positiva, da responsabilidade individual e de processamento do grupo,
os alunos passam a depender menos do professor. Se dependem menos do professor e se para
ele a promoção dessa autonomia é um objetivo a alcançar, sua função deve ser coerente com
esse fim. Na proposta da AC, espera-se do professor outras posturas e outras funções:
planejar atividades direcionadas para favorecer a cooperação entre os alunos, fomentar a
interação social no grupo, organizar o tempo, o currículo e as estratégias dentro de um
modelo no qual a atenção dos alunos será direcionada para seus pares e para o próprio
processo de aprendizagem. Isso exigiria do professor rupturas na perspectiva do próprio
papel de foco central do processo de ensino-aprendizagem. Esse processo dolorido de
ruptura pode, talvez, ser entremeado de momentos de crise de identidade.
201
5.3 - Conflitos Pessoais entre Alunos
Em uma sala convencional poderia haver atritos pessoais entre os alunos nos
grupos na aplicação da AC? Mudar de um processo de trabalho individualizado e por vezes
competitivo para trabalhar coletivamente exige um aprendizado direcionado para esse
objetivo. O aprendizado envolve rupturas também com modos de pensar e agir isoladamente
para aprender a viver com o diferente, ter que por vezes mudar de idéias, cedendo às idéias
do outro por serem mais coerentes ou buscar consensos. Pela própria autenticidade observada
nas crianças, acrescida da ausência, por vezes, de habilidades sociais, elas se expõem aos
conflitos na interação nos grupos. Pode-se dizer que, independente do tipo de sala de aula,
os conflitos podem surgir ou evidenciar-se na aplicação da AC, em maior ou menor grau, de
acordo com os contextos individuais de cada aluno e da forma como o professor se antecipa
a esses conflitos pessoais.
Na experiência realizada, a professora pouco ou tardiamente aplicou atividades
direcionadas para desenvolver o espírito de equipe. Por outro lado, ela utilizou mais
freqüentemente de grupos de afinidades onde os conflitos são menos intensos.
Pode-se dizer que, se o professor em qualquer sala convencional decide
trabalhar com a metodologia da AC, acreditando nos aspectos idealistas de cooperação,
solidariedade e união entre seus alunos, possivelmente se desencante ao deparar-se com os
possíveis dificuldades entre seus alunos e isso poderá fazê-lo desistir desta metodologia.
Prever esses conflitos pode ser útil à medida que sejam antecipadas atividades
com objetivos de desenvolver o espírito de equipe e a integração social dos alunos antes
que tais dificuldades surjam ou se avolumem. Desenvolver atividades que proporcionam a
interdependência positiva e a responsabilidade individual pode ser necessário para que
202
os alunos desenvolvam a sinergia. Essas atividades se não eliminam todos os
conflitos próprios da convivência humana, podem propiciar elementos emocionais para que
os conflitos sejam mais bem administrados.
Posteriormente, ao trabalhar com a AC em uma sala de aula convencional, a
professora deparou-se também com esses tipos de conflitos entre os alunos: "No começo
(do ano de 2000) surgiram aqueles problemas no grupo... Algum aluno não era aceito no
grupo ou quando só tinha um menino junto com as meninas..." . A professora descreve
como transpôs esse obstáculo:
Então têm aquelas atividades, primeiro pra desenvolver o espírito de
equipe... Jogos...Atividades pra serem feitas com a colaboração de
todos...ah! o grito de guerra.... o cumprimento do grupo eles gostavam
muito.
Percebe-se que em 2000, a professora se antecipou a esses tipos de conflitos.
Antes que eles se avolumassem, algumas atividades para integrar o grupo foram realizadas.
Os dados das observações e dos depoimentos parecem indicar que as atividades
direcionadas para desenvolver as habilidades sociais e a sinergia dos grupos podem ser
benéficas ou talvez até indispensáveis se a formação dos grupos for heterogênea e
direcionada pelo professor. Se os aspectos afetivos podem agir contra ou a favor da
aprendizagem, utilizá-los de forma positiva passa a ser uma arte, especialmente, na AC.
Esse fator parece também não estar limitado à sala ser convencional ou não.
5.4 - A Heterogeneidade da Sala de Aula
Como já foi dito, acredita-se que toda sala de aula seja heterogênea, embora
não da mesma forma que a sala estudada. Quais seriam as dificuldades e as condições
203
favoráveis à aprendizagem dos alunos quando considerada a sua heterogeneidade? Que
implicações as constatações dessa heterogeneidade teriam para uma sala convencional?
A sala de segunda série trabalhada pela professora em 2000, embora sendo de
apenas uma série, não deixava de ser heterogênea. Perguntei-lhe como percebia a influência
de um colega "mais adiantado" em determinado aspecto sobre os outros. Ela foi dizendo que
achava que "parece que um inspira o outro... inspira para o que não é bom também, por isso
a gente tem que acompanhar...". Segundo a professora, a interação entre os alunos
influencia-os à imitação mútua. A professora percebe que alguns parecem copiar o que o
outro tem de mais forte, ou segundo ela no que são "mais adiantados". A segurança em
dominar determinada aprendizagem pode ser um elemento de prestígio, o que não deixa de
influenciar os colegas positivamente. A infância parece ser uma fase da vida crucial para a
aprendizagem por imitação, segundo Vigotski (1998).
No entanto, a vantagem da heterogeneidade do grupo vai além do fato de os
alunos se influenciarem mutuamente. Quando todos no grupo dominam determinada
habilidade ou conhecimento, ou ninguém os domina, as possibilidades de interação são
reduzidas. As diferenças de níveis de conhecimentos e habilidades específicas proporcionam
oportunidades de interação.
Perguntei-lhe então, se nesse sentido, a diferença percebida entre os níveis de
desenvolvimento dos alunos da segunda serie de 2000 teria alguma relação com as
diferenças entre os alunos da terceira e quarta séries observadas na sala trabalhada em 1999?
Como eu estava dizendo, os alunos são mais adiantados que outros em
algumas coisas e isso também acontecia entre os alunos de segunda
série, só que estudando o mesmo conteúdo. Ah! Eles diziam "o fulano
é bom cm Matemática, mas, em Português eu tenho que ensinar". (...)
Então não tem esse negócio: "ah! Ele sabe mais do que eu" (em tudo).
Então, em 2000 eu não tive esse problema, enquanto que cm 99 eu
tinha muito esse negócio de que "ah! ele sabe mais". Eles ficavam se
204
comparando em 99. Em 2000 não. Aí, acho que passei essa segurança
para eles também para que eles fizessem de maneira diferente. E o
resultado foi bem melhor também... assim... eu nem esperava que
fosse
daquele jeito.
A classe com a qual a professora trabalhou em 2000 era também reconhecida
pela professora como heterogênea. Uma diferença, porém, foi destacada em relação à
heterogeneidade: os alunos da classe de duas séries pareciam evidenciar que essas diferenças
sobressaíam para eles, comentando: "ele sabe mais". A heterogeneidade parece ter sido vista
de forma diferente pelos alunos na classe de uma única série: "o fulano é bom em Matemática,
mas, em Português eu tenho que ensinar". Essa heterogeneidade vista em termos de
compensações poderia ter duas possíveis explicações:
a) um nível maior de segurança da professora em relação à AC que, segundo
ela, pode ter sido transmitida aos alunos através de suas atitudes deliberadas ou não;
b) uma relação mais horizontal que aquela presente entre alunos de séries
diferentes.
O fato de serem da mesma série contribuía para que se enxergassem mutuamente
como "pares", com aprendizagens aproximadas.
A heterogeneidade em uma sala convencional pode ser duplamente positiva, pois
se a interação entre alunos de níveis heterogêneos de habilidades e conhecimentos
específicos propicia a troca de idéias, a relação horizontal não bloqueia a espontaneidade das
contestações e do diálogo vigoroso.
A professora parece ter verificado por si mesma as vantagens da AC e a visão
dessas vantagens parece estar atrelada à percepção de que os alunos têm opiniões, contextos e
níveis diferentes em aprendizagens específicas e a troca de seus saberes os enriquece
mutuamente. A visão dessa heterogeneidade parece fundamental para que o professor
acredite nas vantagens da AC, mas não é suficiente. É preciso criar situações de interação
205
entre pares heterogêneos. Ou seja, se a classe é heterogênea, mas os grupos são formados
apenas espontaneamente, com base em suas afinidades é possível que os alunos com
habilidades (ou falta delas) semelhantes se aproximem uns dos outros, segregando
grupos "fortes" de grupos "fracos". Nesse caso a heterogeneidade que poderia ser
canalizada em favor da interação e da aprendizagem é desperdiçada e mal empregada.
A heterogeneidade dos grupos é apontada pelos autores da AC como um de
seus princípios básicos. A constatação dessa realidade parece ter implicação imediata para
qualquer sala de aula convencional.
5.5 - A Formação Docente
As dificuldades poderão ser maiores ou menores dependendo da especificidade
de cada sala de aula. Mas acredito que o fator decisivo para a sua transposição seja a
formação docente. Se a formação dos professores nos cursos de licenciatura ou nos cursos de
formação contínua não for adequada ou suficiente, a eficácia na aplicação da proposta pode
ficar comprometida. Acredito que a formação em serviço quando bem estruturada, de
forma que permita que teoria e prática possam ser confrontadas dialeticamente, pode
favorecer o amadurecimento de uma prática pedagógica reflexiva amadurecida considerando
que essa formação deve partir dos saberes da experiência do professor (TARDIF, 2000).
Se o professor estiver decidido e comprometido em promover a construção do
conhecimento dos alunos através de processos interativos e, com o devido preparo, for
conhecedor do seu papel na AC, sua intervenção pode ser oportuna no sentido de se evitar que:
a) sejam oferecidas respostas prontas ao aluno;
b) a passividade do aluno seja reforçada pela sua dependência do professor;
206
c) o aluno se acomode com a produção do colega do grupo e não desenvolva a
responsabilidade individual;
d) "aprendizagens" sem significados sejam mecanicamente reproduzidas.
No transcorrer da experiência realizada pode-se perceber que o diferencial nos
resultados obtidos esteve, em grande parte, relacionado ao desenvolvimento da segurança
da professora, obtida através do crescimento da experiência em sua prática, aprendendo com
os próprios erros e acertos e, através dessa experiencias, os saberes advindos do estudo
pessoal, nas discussões em reuniões e em leituras puderam ser validados (TARDIF,.
LESSARD, e LAHAYE, 1991). Essa formação em serviço, no entanto, apenas é possível
quando são proporcionados tempo e condições, o que depende também da vontade
administrativa. Esse elemento pode ser, junto com a formação e comprometimento do
professor, determinante do sucesso ou fracasso de qualquer proposta.
À formação do professor, é necessário que se considere como o aluno aprende,
que se considerem os processos cognitivos presentes na AC. Acredito que as concepções
teóricas de Vigotski, embora apenas esboçadas, sobre a ZDP e a lei genética de
desenvolvimento favorecem à compreensão dos processos psicológicos da AC. A
concepção de uma delicada área de aprendizagem que só pode ser desenvolvida em um
contexto de interação social é uma metáfora que redimensiona o papel do professor, de cada
aluno como promotor de aprendizagem de seus colegas e da própria visão do potencial
escondido de cada aluno. Diante da consideração sobre a ZDP. aqueles alunos vistos
como atrasados, fracos parecem dizer-nos "eu não sei isso, mas 'consigo' aprender se
interagir devidamente com quem já sabe". A interação com colegas que estão em níveis
aproximados de desenvolvimento, por compartilharem significados, parece colaborar com
suas aprendizagens. O papel do professor criando situações interativas desafiadoras e dos
207
colegas como agentes interativos adquire um valor maior: eles têm o poder de intervir e
mudar o curso da aprendizagem de seus alunos ou colegas.
Quanto aos resultados obtidos, na última entrevista, a professora falou sobre as
vantagens que percebeu no desenvolvimento dos alunos ao estudarem dessa forma, sobre sua
motivação para o estudo que, segundo ela, teria aumentado e sobre sua habilidade de
comunicação que teria melhorado:
Eles passaram a ser mais participativos nas aulas. Alguns que tinham
vergonha de falar ficaram mais desinibidos. Eles fazem cada pergunta!
Querem saber o porquê das coisas e não têm mais aquela vergonha de
dar a opinião deles e quando não aceitam alguma coisa... eles falam
mesmo...são mais críticos.
Se o professor tiver condições para propiciar atividades interativas coerentes com
os objetivos da AC, a interação horizontal poderá ser canalizada para que o diálogo vigoroso
desenvolva o intrapsicológico vigoroso. Quando o pensamento se organiza para ser
verbalizado, quando o pensamento se organiza para esclarecer uma linha de raciocínio ou para
ensinar, o nível de aprendizagem pode ser mais profundo e essa aprendizagem torna -se
significativa. Essa aprendizagem significativa, construída na interação social estaria ocorrendo
ao nível da ZDP, nível, portanto, superior àquele que o aluno alcançaria em um trabalho
individualizado. Quando as atividades são desafiantes e pedem mais do que aquilo que o aluno
poderia conseguir facilmente sozinho, elas instigam e o cérebro trabalha como estando em
fluxo. Essa possibilidade parece estar além da distinção da sala de aula ser ou não ser
convencional.
Apesar dessas possíveis implicações levantadas para uma sala convencion al, o
presente estudo evidencia a necessidade de outras pesquisas sobre os intrincados processos
interativos de uma sala de aula no processo de elaboração do conhecimento. Por exemplo, é
208
necessário desvendar outros possíveis obstáculos que dificultam a apl icação da AC
evidenciados a partir da ótica dos professores em estudos comparativos entre várias realidades.
Outro possível estudo esclarecedor poderia identificar a relação existente entre concepções de
aprendizagem e de conhecimento pelos professores e s ua prática pedagógica, especialmente na
criação de situações de interação social.
Enfim, os resultados deste estudo não conduzem a implicações fechadas para salas
de aula convencionais, mas abrem possibilidades e necessidades de outras pesquisas
esclarecedoras sobre o assunto.
5.6 - Sumário do Capítulo
Selecionei algumas categorias mais relevantes neste estudo para identificar
possíveis implicações para uma sala de aula convencional. No levantamento dessas
implicações foi levado em consideração o depoimento da professora da sala pesquisada após
haver utilizado a AC durante o ano de 2000 em uma sala convencional podendo a essa altura
fazer leituras distintas das duas experiências e tendo aplicado a prática a partir da experiência
do ano anterior. Outras implicações podem ser extraídas dos resultados obtidos e relatados
nos capítulos três e quatro deste relatório.
Primeiramente quanto à disciplina pode-se dizer que:
a) a concepção de disciplina, a personalidade do professor (TARDIF, 2000),
sua segurança e habilidade de relacionar-se são mais determinantes do nível de disciplina
que o tipo de sala;
b) o manejo de sala na AC é específico. É necessário conhecê-lo e saber aplicá-lo
209
c) é necessário planejar atividade para manter os alunos ocupados sendo ativos e
interativos.
Em relação às atividades da AC:
a) para a prática da AC devem ser planejados procedimentos específicos;
b) esses procedimentos devem requisitar a reflexão dos alunos, a interação e
sempre que possível a contestação de idéias em debates;
c) planejar para uma série é menos trabalhoso que para duas, contudo a
heterogeneidade não pode ser perdida de vista em qualquer tipo de sala de aula;
d) é necessário que o professor conheça e desenvolva técnicas específicas para a
AC;
e) propor atividades para desenvolver a interação e a autonomia requer rupturas
do professor com sua perspectiva de foco do processo. Isso pode até produzir certa crise de
identidade. Quanto aos conflitos pessoais entre os Alunos:
a) podem surgir em qualquer tipo de sala. É necessário que o professor se
antecipe;
b) os grupos heterogêneos poderão ser mais evitados por serem mais conflituosos;
d) é necessário propor atividades para desenvolver o espírito de equipe
Quanto à: heterogeneidade dos alunos:
a) toda e qualquer sala de aula é heterogênea;
b) na sala convencional citada os alunos reconhecem que sua heterogeneidade é
relativa em termos de aprendizagem;
c) o professor precisa ter em mente essa heterogeneidade;
d) é necessário canalizar essa heterogeneidade para intensificar a interação dos
alunos.
210
Quanto à formação docente.
a) a formação docente em serviço pode concorrer significativamente para uma
prática refletida e efetiva;
b) a vontade administrativa é imprescindível para oferecer condições básicas;
c) para uma prática consciente e segura é preciso tentar entender os processos
psicológicos envolvidos na AC.
As concepções de aprendizagem e de conhecimento precisam ser coerentes
com a proposta apresentada. Dependendo da concepção do professor, se concebe o
conhecimento como um produto a ser transmitido e se enxerga a aprendizagem como
recepção, assimilação e reprodução desse conhecimento é possível que nunca consiga
aplicar a AC de forma a alcançar seus reais objetivos. Pode se encantar com a
proposta, com seus resultados já comprovados em outras experiências e até tentar colocá-
la em prática, mas por certo o abandono da metodologia será apenas uma questão de tempo.
CONCLUSÃO
212
CONCLUSÃO
Ao longo deste trabalho, foi apresentada um caso de aplicação da metodologia da
aprendizagem cooperativa, como principal característica de uma proposta experimental para o
funcionamento de séries agrupadas.
O objetivo desta pesquisa foi analisar os limites e as possibilidades da
metodologia da aprendizagem cooperativa aplicada em uma sala de aula de séries
agrupadas a partir da identificação das dificuldades e condições favoráveis.
As condições favoráveis primeiramente identificadas na implantação da
proposta são as intervenções do professor no estabelecimento de acordos sobre regras, na
organização do tempo, nas propostas de atividades de auto-avaliação do grupo, na
organização dos grupos de acordo com objetivos desejados e nas propostas de atividades
interativas desafiadoras, com conteúdos problematizados e contextualizados, intercaladas com
atividades individuais, condições estas que facilitam o desenvolvimento da interdependência
positiva e da responsabilidade individual. Não basta dispor os alunos em grupo para
garantir que haverá interação ou cooperação na construção da aprendizagem.
As primeiras e principais dificuldades foram observadas na implantação da
proposta e estão relacionadas às questões de disciplina, aos conflitos pessoais entre os
213
alunos e à postura do professor como transmissor do conhecimento e ao emprego privilegiado
do tempo com atividades individualizadas, mecânicas e passivas ditadas pelo livro didático.
Quanto às questões de disciplina, dificuldades identificadas apontam para a
necessidade de uma organização do trabalho escolar específico para lidar com elas, sob a
perspectiva de que disciplina está relacionada mais à participação ativa dos alunos,
desenvolvendo cada qual a sua responsabilidade e autodisciplina que ao silêncio e à inércia
destes na sala de aula. Quando disciplina significa somente a quietude da sala, o professor
poderá criar soluções rápidas propondo atividades individualizadas e mecânicas, nas quais
os alunos trabalharão isolados um do outro, a despeito de estarem juntos.
O afloramento de conflitos pessoais pré-existentes entre os alunos ou seu
surgimento a partir da interação social, especialmente nos grupos heterogêneos, é uma
dificuldade que pode levar o professor, sem o devido preparo, a buscar soluções paliativas,
apenas trocando os alunos de grupo ou voltando a dispô-los em grupos de afinidades ou
ainda, retornando cada um ao trabalho isolado, em fila. A formação de grupos heterogêneos
intensifica os conflitos entre os alunos por isso alunos e professora evitam tal formação. A
concepção de maior possibilidade de utilização e de criação da zona de desenvolvimento
proximal nos grupos heterogêneos e do desenvolvimento de procedimentos específicos para
desenvolver o espírito de equipe e de habilidades sociais e afetivas são fundamentais para
tratar essa questão. Os alunos não nascem com habilidades sociais e afetivas. Elas precisam
ser ensinadas. Os conflitos podem ser oportunidades para esse aprendizado.
As condições favoráveis primeiramente observadas no processo da construção da
aprendizagem dependem de situações criadas em sala com propostas de atividades
desafiadoras em uma interação horizontal, espontânea e vigorosa entre pares
heterogêneos. Tal forma de interação pode gerar pensamento criativo e vigoroso. Aquele que
214
ensina, por sua vez, constrói a própria aprendizagem de forma significativa ao passar pelo
processo de organização do pensamento para expressar-se e solidifica sua aprendizagem por
haver ensinado. Atividades desafiadoras que conduzem a discussões desencadeiam
aprendizagens em nível da zona de desenvolvimento proximal ao contrário daquelas atividades
em que o aluno consegue fazer sozinho.
As dificuldades identificadas no próprio processo da aprendizagem tais como a
dependência nociva do aluno em relação ao desempenho de seus colegas e a reprodução
sem contestação do erro do colega podem ser suficientes para invalidar os melhores
argumentos em favor da proposta. Tais dificuldades parecem ser a causa pela qual o
trabalho tradicional de grupo não conta ainda com muitos adeptos. Buscar formas de
desenvolver a interdependência positiva e a responsabilidade individual é imprescindível para
transpor essas dificuldades.
As condições favoráveis e as dificuldades facilmente evidenciadas, na
realidade, são sintomas de condições favoráveis e dificuldades mais profundas e
complexas, por isso estes foram aqui denominados de primários enquanto aqueles foram
chamados de secundários.
A formação docente adequada seguida da disponibilidade do professor a
mudanças e, de certa forma, do apoio administrativo são condições favoráveis primárias
geradoras de outras condições favoráveis secundárias e mais visíveis. A disponibilidade a
mudanças e a formação docente insuficiente ou inadequada constituem-se, por sua vez,
em dificuldades primárias ou causas das dificuldades secundárias observadas.
A apropriação das condições favoráveis e a superação das dificuldades exigem
do professor mais que informação sobre as vantagens da metodologia e seu domínio
metodológico. Faz-se necessário uma formação que desenvolva concepções de aprendizagem
215
e de conhecimento compatíveis com as práticas da AC, ou seja, o professor deve estar
consciente do processo psicológico presente na AC que justifique seus procedimentos para
finalmente incorporar os princípios e adquirir a instrumentalização metodológica.
Professores podem se lançar à experiência com a AC baseados em uma crença
ingênua de suas vantagens sem estar bem fundamentados e preparados para sua execução.
Ao se deparar com as primeiras dificuldades podem retroceder em sua experiência e nem
sequer chegar a se apropriar das condições favoráveis à aprendizagem dos alunos.
As implicações desses resultados para uma sala convencional são possíveis à
medida que se considere que toda sala convencional é também heterogênea e sua
heterogeneidade pode ser um recurso entre outros a ser utilizado pelo professor na sua
prática. Os resultados indicam que o preparo do professor é mais determinante das
dificuldades e das condições favoráveis à aprendizagem dos alunos que o tipo de sala.
Este estudo levanta indagações e inquietações que podem gerar outras
pesquisas. Por exemplo, seria relevante estudar sobre danos da segregação social nas
interações dos alunos em situações de aprendizagem escolar. Outros estudos poderiam
contribuir na compreensão dos estados emocionais situados entre o tédio e a ansiedade
buscando identificar contextos de aprendizagem que possibilitam o desenvolvimento em
nível da ZDP. Ainda poderiam ser feitas investigações para ampliar a compreensão da
influência de crianças de idade mais avançadas sobre o desenvolvimento de crianças mais
novas quem sabe tomando linguagem como indicativo desse desenvolvimento. E, entre
outras pesquisas relacionadas ao tema, seriam valiosos estudos de caso de crianças que
passaram por casos de alfabetização precoce que pudessem identificar ganhos e perdas de tal
aceleração.
216
Considerando as condições favoráveis à construção de aprendizagens
significativas que podem ser utilizadas por professor e alunos, as dificuldades encontradas e
as formas de superá-las, tanto a superação quanto a apropriação reclamam formação teórica
psicológica e epistemológica concreta do professor para tratar as práticas interativas. É
possível afirmar que onde houver esses elementos na formação docente, aliados ao seu
compromisso de buscar melhores formas de propiciar aprendizagens significativas, a
prática poderá solidificar-se. Por outro lado, é questionável a adoção da proposta sem esse
devido preparo do professor.
Professores mal preparados podem encantar-se com promessas de excelência
educacional, principalmente quando advêm de uma cultura que se arroga superior. A
despeito de quanto um programa educacional possa ser consistente, quando mal refletido e
mal aplicado, seu destino não será outro, senão, mais cedo ou mais tarde, ser considerado
apenas mais uma panacéia sem valor. As constatações concorrem para que se acredite que o
sucesso ou fracasso na aplicação da AC depende do que os professores pensam e acreditam.
Parece ser tão simples e tão complexo como isto.
Em suma, pode-se dizer que o ideário da proposta da aprendizagem cooperativa é
factível, sendo esta pesquisa uma a mais a se somar com milhares de ourtras, ainda que em
outros países, que apontam para ganhos na aprendizagem dos alunos, no desenvolvimento de
habilidades sociais e nas habilidades comunicativas, quando a proposta é aplicada atendendo-se
aos seus principios básicos.
O arcabouço teórico sócio-histórico de Vigotski, em especial o conceito de zona
de desenvolvimento proximal e a determinação da linguagem sobre o pensamento parecem
apropriadas para desencadear reflexões e estudos sobre os processos mentais presentes nas
práticas interativas e as contribuições dos teóricos da AC sobre formas de organizar o ensino
217
direcionadas para que se ampliem as oportunidades de interação social na elaboração do
conhecimento precisam ser consideradas e, quando necessário, passarem por adequações
sem que se percam os princípios, de acordo com as diversas realidades de sua aplicação.
Nesse sentido, ambas as teorias podem ser articuladas. A teoria vigotskiana legitima,
sedimenta e reforça que para além dos ganhos apontados, as formas vigorosas e espontâneas
da linguagem intrapsicológica geram pensamento autônomo.
As possibilidades apontadas, contudo, podem esbarrar em limites para além da
formação docente. Mesmo havendo uma formação docente que se considere sólida, o que os
professores pensam e acreditam não é apenas subjetivo, mas intersubjetivo. E nessa
intersubjetividade existem propulsões de forças de uma cultura escolar tradicional milenar e
sedimentada, cujos poderes não podem ser desconsiderados. Qual foi o programa de proposta
de mudança na estrutura da forma de ensinar que não tem esbarrado na tradicional estrutura
de organização do trabalho didático adequado à essa escola que temos?
Mesmo assim, apesar das limitações que ora se interpõem em nossa realidade,
prefiro optar pela esperança, apoiada na concepção dialética da história, acreditando que o
professor formado para a aprendiazem cooperativa em uma perspectiva sócio-histórica
reconhece que a cultura escolar que aí temos foi historicamante construída e mais do que estar
em um pretérito perfeito, ela está no presente contínuo, ou seja está sendo contruída, está em
movimento. Há possibilidades de mudanças. A história não acabou.
218
REFERÊNCIAS
219
REFERÊNCIAS
ADAMS, D. M. e HAMM, M.. Redefining Education in the Twenty-First Century:
Shaping Collaborative Learning in the Age of Information. New York, Prentice Hall,
2005.
AGUADO, M. J. D. Educação Intercultural e Aprendizagem Cooperativa. Porto:
Editora Porto, 2003.
ANDRÉ, M. E. D. Estudo de Caso em Pesquisa e Avaliação Educacional. Brasília:
Liber Livros, 2005.
BASSET, W. P. Aprendizagem Cooperativa. Revista de Educação Adventista. n. 8,
General Conference of Seventh-day Adventists, Silver Spring, 1998.
BERGER, P. L. e LUCKMANN, T. A construção Social da Realidade: Tratado de
Sociologia do Conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis:
Vozes, 1976
BERNSTEIN, B. Prefácio In: Vygotsky em Foco: Pressupostos e Desdobramentos.
Campinas: Papirus, 1994.
BERTRAND, Y. Teorias Contemporâneas da Educação. Trad. Elisabete Pinheiro e
Clementina Nogueira. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.
BERTRAND, Y. & VALOIS, P. Paradigmas Educacionais: Escola e Sociedade. Lisboa:
Instituto Piaget, 1994.
BLANCK, G. Vygotski: memoria y vigencia. Buenos Aires: Cognición, 1984.
BOGDAN, R. C. & BIKLEN, S. K. Investigação Qualitativa em Educação. Porto: Codex,
Porto Editora, 1994.
BOURDIEU P. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Tradução de Mariza Corrêa.
Campinas: Papirus, 1996.
220
BOVIN, Madaline. Let's Learn Together: Six Cooperative Learning Units. New York:
Spiral-bound, 2006.
BRASIL, CAPES. Banco de Teses. Disponível em
http://servicos.capes.gov.br/capesdw/Teses.do Acessado em 02 de janeiro de 2007.
BROWN, Marzella Writing And Cooperative Learning. New York: Paperback, 2005.
BURGESS, T. Ler Vygotsky. In: Vygotsky em Foco: Pressupostos e Desdobramentos.
Campinas: Papirus, 1994.
BRUNER, J. Celebremos a diferença. In: HOUDE
221
COLE, M. e SCRIBNER, S. Introdução. In VIGOTSKI, L. S. A Formação Social da Mente:
desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
COOPER, J. et al. Cooperative learning and college instruction. California State:
University Foundation, Long Beach, 1990.
DELARI JR. A. Consciência e Linguagem em Vigotski: Aproximações ao debate sobre a
subjetividade. Dissertação de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 2000.
DANIELS, H. (org.) Vygotsky Em Foco: Pressupostos e Desdobramentos. 4 ed.
Campinas: Papirus, 1994.
DEWEY, John. Democracy and education: an introduction to the philosophy of
education. New York: Macmillan, 1961.
DOMINGOS, J. R. V. Um Estudo Sobre Aprendizagem Cooperativa. Dissertação de
Mestrado em Matemática. Pontifícia Universidade Católica Do Rio De Janeiro, 1998.
DUARTE, N. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas:
Autores Associados, 2001.
ECO, U. Como Se Faz Uma Tese. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. 12 ed. São
Paulo: Perspectiva, 1995.
______. Metodologia Científica em Ciências Sociais. 1 ed. São Paulo: Atlas, 1985.
EVANS, R. Construtores da Psicologia. São Paulo: Editora Summus, 1979.
FALCÃO, G.M. Psicologia da Aprendizagem. 9 ed. São Paulo: Ática, 1996.
FAZENDA, I. (org.) Metodologia da Pesquisa Educacional. 3 ed. São Paulo: Editora Cortês,
1994.
FREINET , C. As Técnicas Freinet na Escola Moderna. Lisboa: Estampa, 1975.
___________. Pedagogia do Bom Senso. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 23 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
_________. Pedagogia da Autonomia. 30 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003
GAMBOA, S.S. (org) e SANTOS FILHO, J.C. Pesquisa Educacional: quantidade-
qualidade. São Paulo: Editora Cortês, 1995.
222
GAMBOA, S.S. A Dialética na Pesquisa em Educação: elemento de contexto. In: Fazenda, I.
(org.) Metodologia da Pesquisa Educacional. 3 ed. São Paulo: Editora Cortês, 1994.
GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro: Editora LTC, 1973.
GÓES, M.C.R. As relações intersubjetivas na construção de conhecimentos. In: GÓES,
M.C.R. e SMOLKA A. L. B. (orgs.) A Significação nos Espaços Educacionais: interação
social e subjetivação. Campinas: Papirus, 1997.
GOLEMAN, D. Inteligência Emocional: a teoria que redefine o que é ser inteligente. 25 ed.
Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1995.
GRIEBLER V. R. Aprendizagem Cooperativa na Internet. Dissertação de Mestrado em
Ciências da Computação. Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, 2002
HETANO, G. Social and motivational bases for mathematical understanding In: SAXE,
M. G. (ed) Children 's Mathematics. São Francisco: Jossey-Bass, 1988.
HOLT, D.D. et al. Cooperative learning in the secondary school: maximizing language
acquisition, academic achievement and social development. NCBE Program Information
Guide Series, n.12. Disponível em http://128.164.90.197/ncbepubs/pigs/pigl2.htm, acessado
em 12 de outubro de 2000.
IVANOV, V.V. The significance of M.M. Bakhtin's ideas on sign, utterance, and dialogue
for
modern semiotics. In: BARAN, H. (ed.) Semiotics and structuralism: reading from the
Soviet Union. White Plain: International Arts and Sciences Press, Inc., 1974.
JOHNSON, D.W. & JOHNSON, R. Learning Together and Alone: cooperative,
competitive and individualization. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1975.
___________. Cooperation in the Classroom. Minnesota: Interaction Book
Company, 1992.
JOHNSON, D.W. et al. Effects of Cooperative, Competitive, and Individualistic Goal
Structures on Achievement: A Meta-Analysis, In: Psychological Bulletin 89 n. l Jan., 1981.
JACOBS, G.M. et al. Teacher's Sourcebook for Cooperative Learning: Practical
Techniques, Basic Principles, and Frequently Asked Questions. New York: Paperback,
2002.
JOYCE, B. e WEIL, M. Models of Teaching. Needham Heights: York Production Services,
1992.
223
KAGAN, S., et al. Classroom Structural Bias: Impact of cooperative and competitive
classroom structures on cooperative and competitive individuals groups. In: SLAVIN R. E.
(Org.) Learning to Cooperate, Cooperating to Learn. New York: Plenum, 1985.
___________. Cooperative Learning and Sociocultural Factors in Schooling. In Bilingual
Education Office, Evolution, Dissemination e Assessment Center, Los Angeles: 1986.
___________. Cooperative Leaning. San Juan Capistrano, CA: Resources of Teachers, Inc.,
1994.
___________. Disponível em www.kaganonline.com. Acessado em 28/12/2006
KNIGHT, G. R. Filosofia e Educação: Uma introdução da perspectiva cristã. Engenheiro
Coelho, SP: Imprensa Universitária Adventista, 2001.
KOZULIN, A. et al. Vygotsky's Educational Theory in Cultural Context (Learning in
Doing: Social, Cognitive and Computational Perspectives) New York: Paperback, 2003.
LAWRENCE, J. & VALSINER, J. Conceptual roots in internalization from
transmission to transformation. New York, Human Development, 1993.
LA TAILLE, Y. (org.) Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão.
São Paulo: Summus, 1992.
LEONTIEV, A N., VYGOTSKY, L.S. LURIA A. R. et al. Psicologia e Pedagogia:
bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Editora Moraes,
1991.
LEONTIEV, A N., Uma Contribuição à Teoria do Desenvolvimento da Psique Infantil.
In: Vigotski L. S. et al. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo:
Ícone, 1988.
LERNER, D. O Ensino e o Aprendizado Escolar: argumento contra uma falsa oposição.
In: Piaget-Vygotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática, 1998.
LEWIN, K. Teoria Dinâmica da Personalidade. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo:
Cultrix, 1975.
LIMA, M. B. A. de. A Inserção da Dimensão Ambiental no Currículo: Analisando a
Trajetória de uma Comunidade de Aprendizagem Cooperativa. Mestrado. Universidade do
Vale do Itajaí, 2003.
LIPMAN, M. Natasha: diálogos vigotskianos. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1997.
LOWMAN, Joseph. Dominando as Técnicas de Ensino Editora: Atlas, 2004.
224
LUDKE M. e ANDRÉ , M. E. D. Pesquisa em Educação: Abordagem Qualitativa, EPU
Editora, 1986.
LURIA. R. Desenvolvimento Cognitivo: Seus fundamentos culturais e sociais. 2 ed.
São
Paulo: Ícone, 1990.
__________. A Construção Social da Mente. São Paulo: Ícone, 1992.
__________.Vigotskii. In VIGOTSKI L. S. et al. Linguagem, Desenvolvimento e
Aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988.
MACEDO, L. A influência da interação social sobre o desenvolvimento cognitivo: a
perspectiva de Piaget. São Paulo: Instituto de Psicologia da USP, 1989.
___________. Ensaios Construtivistas. 3 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
MARTINS R. X. Aprendizagem Cooperativa Via Internet: A Implantação de
Dispositivos Computacionais para a Viabilidade Técnica de Cursos On-Line. Dissertação
de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, 2000.
MELO, J. R. Assimilação Solidária dá Certo? Mestrado Educação Matemática.
Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho/Rio Claro, 1997.
MENDES, M. R. P. Avaliação psicomotora em crianças com lesão cerebral.
Dissertação de mestrado. Campinas: UNICAMP, 2001.
MCCAFFERTY S. G. et al. Cooperative Learning and Second Language Teaching:
Cambridge Language Education. New York: Cambridge University Press, 2006.
MICHELS, Michael, Cooperative Learning and Science: High School Activities. New
York:Paperback, 2003.
MINAYO, M.C. (org) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes,
1994.
MONEREO, Carles e DURAN, David. Tramas: Procedimentos para a Aprendizagem
Cooperativa. Porto Alegre: Editora Artmed, 2004.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky e os Processos de Formação de Conceitos. In LA TAILLE,
I. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.
_____________. O Problema da Afetividade em Vygotsky. In: LA TAILLE, I. Piaget,
Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.
_________.Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São
Paulo: Editora Scipione, 1997.
225
_________.Pensar a Educação: contribuições de Vygotsky. In: Piaget-Vygotsky: Novas
Contribuições para o debate. 5 ed., São Paulo: Editora Ática, 1998.
PEREIRA, M. A. A. Técnicas emergentes de aprendizagem cooperativa com ênfase no
trabalho em equipe. Mestrado em Engenharia de Produção. Universidade de São
Paulo/São Carlos, 2001.
PIAGET, J. A Linguagem e o Pensamento da Criança. São Paulo: Martins Fontes, 1976.
_________. O Juízo Moral da Criança. Trad. Elzon Lenardon. São Paulo: Editora
Summus, 1994.
RAPPORT, C. R., FIORI, W. R. e DAVIS, C. Teorias do Desenvolvimento: conceitos
fundamentais. v. 1. São Paulo: EPU, 1991.
REGO, T. C. Vygotsky: Uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis:
Vozes, 1995.
ROGOFF, B. Apprenticeship in thinking: cognitive development in social context. New York, Oxford
University, 1990.
ROY, Jim. Cooperative Education Necessary Toll for Teaching and Lcarning. In The Journal
of Adventist Education, v. 57. n. 5 April/May, Keene, TX: General Conference of SDA,
1995.
SAXE, G.B. et. al. As Interações de Crianças e as Compreensões Lógico-matemáticas:
uma nova estrutura para a pesquisa e a prática educacional. In: DANIELS, Harry (Org.)
Vygotsky em Foco: Pressupostos e desdobramentos. 4 ed., Campinas: Papirus, 1994.
SLAVIN, R. E. Cooperative Learning. New York: Longman, 1983a.
____________. When Does Cooperative Learning Increase Student Achievement? In:
Psychological Bulletin, n. 94, p. 429-445, New York: 1983b.
_____________.Cooperative Learning and Student Achievement, School and
Classroom Organization. Erlbaum: Ed. Hillsdale, 1989.
SISTO.F. (org.)
O Cognitivo, o Social e o Afetivo no Cotidiano Escolar
.
Campinas:
Papirus,
1999.
SMITH, H. A. Da homogeneidade Biológica à Heterogeneidade Cultural: o papel da
construção de significados no desenvolvimento humano. In: Educar n. 14 Curitiba: Editora
da UFPR, 1998.
SMITH, K. A. Cooperative learning: effective teamwork for engineering classrooms.
University of Minnesota. Disponível em http://mwus.mokwon.ac.kr/-
mis/research/download/2b54.htm. Acesso em 12 de novembro de 1999.
226
SMITH, K. A.; WALLER, A. A. Cooperative learning for new college teachers.
Disponível em http://aral.cps.msu.edu/CPS101FS97/CPSIOIStaff/CommomToAllTracks/
CoopLearning.html. Acesso em 19 de outubro de 1999.
SMYSER, B. M. Active and cooperative learning. Disponível em http://www.wpi.edu/
~isg501/bridget.html. Acesso em 15 de novembro de 1999.
SMOLKA, A L. B. e WERTSCH, J. V. Continuando o Diálogo: Vigotsky, Bakhtin e Lotman.
In.: DANIELS, Harry (Org.) Vygotsky em Foco: Pressupostos e desdobramentos.
Campinas: Papirus, 1994.
SMOLKA, A L. B. Esboço de uma Perspectiva Teórico-metodológica no estudo de
Processos de Construção de Conhecimento. In GÓES, M.C.R. e SMOLKA A.L.B. (orgs) A
significação nos Espaços Educacionais: interação social e subjetivação. Campinas:
Papirus, 1997.
STEINER, V. e SOUBERMAN , E.. Posfácio In: VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da
Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
TARDIF, M. LESSARD, C. e LAHAYE, L. Os professores face ao saber: um esboço de
uma problemática do saber docente. Teoria e educação: Porto Alegre, n. 4, 1991.
TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários:
elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas
conseqüências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação.
Jan/Fev/ Mar/ Abr., n. 13, 2000.
THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa -Ação. 6 ed. São Paulo, Cortez, 1994.
____________. Crítica Metodológica, Investigação Social e Enquete Operária. 5 ed.
São Paulo: Editora Petrópolis, 1987.
VALSNER, J. E VAN DER VEER. The encoding of distance: The Concept of the Zone
Proximal Development and its Interpretation. In: COCKING, R. e RENNINGER, K. A. (orgs.)
The Development and Meaning of Psychological Distance. Hilsdale: Erlbaum, 1991.
VYGOTSKY, L. S. Thought and Language. New York: Wiley, 1962.
______________. Mind in Society: Development of Higher Psychological Processes.
New York: Plenum Press, 1978.
______________. The Genesis of Higher Mental Functions. In: WERTSCH, J. V. (ed)
The concept of activity in soviet psychology. Armonk, NY: Sharpe, 1981.
______________. Thinking and Speech. In: Problems of General Psychology. The
collected Words, vol. 1, New York: Plenum Press, 1987.
227
VIGOTSKI, L. S. A Formação Social da Mente: desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. 2 ed. Martins Fontes, São Paulo: 1998.
VIGOTSKII L. S. LÚRIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e
Aprendizagem. São Paulo: Ícone, Editora da USP, 2001.
VIGOTSKI, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003a.
_______________.Psicologia Pedagógica. Porto Alegre: Editora: Artmed, 2003b.
______________. O Problema da Consciência. In: VIGOTSKI, L. S. Teoria e
Método em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
WERTSCH, J. V. Comentary. LAWRENCE, J. & VALSINER, J. Conceptual roots in
internalization from transmission to transformation. New York, Human Development,
1993.
WERTSCH, J. V.e SMOLKA, A. E. Continuando o Diálogo: Vygotsky, Bakhtyin e
Lotman. In: Vygotsky em Foco: Pressupostos e Desdobramentos. Campinas: Papirus,
1994.
228
ANEXOS
Anexo 1
229
Questionário respondido pela professora - Novembro de 1999
1. Quais foram as principais mudanças em seu trabalho neste ano?
2. No ano passado você lecionava apenas para a segunda série e tinha quinze alunos. Neste ano
são duas séries juntas e dezesseis alunos. Qual a forma em que você preferiu trabalhar? Por que?
3. Houve aspectos no seu trabalho que foram facilitados pela forma como os alunos trabalham
neste ano?
4. Especifique o que dificultou seu trabalho neste ano pelo fato dos alunos estarem em grupos e
serem de duas séries diferentes?
5. Como você avaliaria a cooperação dos alunos entre si?
6. Segundo a sua avaliação, como foi a responsabilidade individual dos alunos nos grupos?
7. O que foi feito para desenvolver a responsabilidade individual e do grupo?
8. Como foi o nível da aprendizagem dos alunos, de uma forma geral?
9. Quais são as vantagens de trabalhar com jogos educativos?
10. Quais são as vantagens da aprendizagem dos alunos nos jogos educativos?
11. Como avaliaria a aprendizagem dos alunos nos jogos?
12. O que dificulta, na sua opinião, a aplicação de mais jogos?
13. O que você acha que funcionou melhor: os grupos de afinidades ou aqueles que você
escolhia os elementos para a sua formação? Por que acha assim?
14. O que foi mais produtivo: grupos de 8 ou 9 alunos ou de 4 ou 5 alunos? Por que?
15. O que foi mais produtivo: grupos de 4 ou 5 alunos ou duplas? Por que?
16. Como você avaliaria o fato de ter determinado um tempo para os alunos concluírem as
tarefas?
17. Em linhas gerais como foram os procedimentos de avaliação?
18. Quando haviam alunos mais adiantados trabalhando com alunos menos adiantados em
habilidades específicas, quem saía lucrando?
19. Houve vantagem para aqueles que mais ensinavam? Que tipo de vantagem?
20. Quando o assunto era semelhante para as duas séries, o que você acha que foi mais
produtivo, grupos de alunos da mesma série ou grupos em que haviam as duas séries juntas? Por
que?
21. Se fosse trabalhar no próximo ano com uma classe organizada da mesma forma, o que
pretenderia mudar?
Anexo 02
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM A PROFESSORA - JANEIRO DE 2001
1. Em 2000, você usou na sua sala a aprendizagem cooperativa. Fale sobre sua experiência:
230
2. Hoje, depois de ter trabalhado a aprendizagem cooperativa todo o ano de 2000, em uma
sala de aula convencional tendo como base a experiência em uma sala de séries agrupadas,
o que significa para você a aprendizagem cooperativa?
3. Você acha que foi fácil, natural para os alunos partilharem o que sabem com os seus
colegas?
4. Como foi para você o trabalho com a aprendizagem cooperativa em 2000?
5. Foi mais tranqüilo?
6. Também tem o fato de ter sido apenas uma série para trabalhar, não é?
7. Os alunos trabalharam em 2000 o tempo todo em grupos, ou eles tinham momentos em
que trabalhava individualmente?
8. Você disse para mim há pouco que às vezes eles queriam trabalhar individualmente.
Essa vontade era assim, uma espécie de capricho deles, eles estavam cansados do trabalho
cooperativo ou era em atividades que era necessário realmente o trabalho individualizado?
9. Quais são, por exemplo, as atividades, conteúdos, disciplinas em que é mais fácil
trabalhar a aprendizagem cooperativa?
10. Onde você acha que os professores podem encontrar dificuldades na aplicação da
aprendizagem cooperativa?
11. Fale da sua própria experiência, especialmente no começo, quando você começou a
prática, onde você encontrou as maiores dificuldades?
12. Por exemplo, se você der uma atividade da mesma forma que é proposta no livro
didático, ou seja, geralmente, atividades para serem feitas individualmente, de que forma
os alunos irão interagir?
13. Mesmo trabalhando com uma série apenas, você percebeu que seus alunos são bem
diferentes em níveis de aprendizagem. Qual a implicação dessas diferenças na
aprendizagem cooperativa, do seu ponto de vista?
14. Você acha que o exemplo de um colega mais adiantado inspira o outro a ser igual?
15. Então, nesse sentido, a experiência com uma classe de alunos com níveis diferentes de
aprendizagem, como aquela de terceira e quarta série que você trabalhou em 99, pode ser
útil para uma sala de aula convencional?
16. Como eram feitas as avaliações?
17. Quais as vantagens na aprendizagem dos alunos que trabalharam dessa forma? Estão
mais preparados depois de terem estudado através da aprendizagem cooperativa ou eles
estariam mais preparados se estivessem estudado sozinhos?
18. E a habilidade deles se comunicarem também melhorou?
19. Fazendo um balanço do seu trabalho em 2000, trabalhando a aprendizagem cooperativa
em uma sala convencional que conselho ou orientação você daria a outros professores?
Anexo 03
231
DESENVOLVIMENTO DO ESPÍRITO DE EQUIPE
Traduzido de Spencer K. 1994
O tipo, a freqüência e o momento para serem feitas atividades para promover
espírito de equipe ou a construção de uma identidade para o grupo dependem das
necessidades, das características de seus estudantes e de seus próprios valores. Há
professores que utilizam a aprendizagem cooperativa com poucas ou nenhuma atividade
específica para promover o espírito de equipe do grupo. Há outros que enfatizam as
atividades de fortalecimento do grupo, especialmente, quando se trata da primeira
formação dos times. Repetidamente, eu escuto dos professores que quando eles usam um
bom tempo nessas atividades, esse "tempo perdido" resulta em maiores c melhores
realizações acadêmicas. O aparente paradoxo tem uma explicação real: as atividades de
construção de uma identidade do time entusiasmam, criam confiança e desenvolve o apoio
mútuo os quais, no decorrer do tempo irão favorecer o trabalho acadêmico mais eficiente.
Se há tensões ou divisões entre os estudantes, essas atividades são uma
necessidade. Continuar com a prática da aprendizagem cooperativa, sem resolver essas
questões, seria algo como fazer uma corrida com grandes pedras em seu tênis. Lembre-se,
se você fez uso da formação heterogênea (direcionada), você colocou os alunos junto com
outros que talvez eles jamais escolheriam como colegas do time... e assim, alguma
atividade para ajuda-los a se tornar uma equipe pode ser necessária.
Nem todas as atividades para unir o time serão tempo perdido ou não serão
relacionadas ao currículo. Há muitos conteúdos que podem ser abordados através dessas
atividades e que servem aos dois propósitos: unir o grupo e abordar o conteúdo a ser
estudado. Por exemplo, quando eu vou introduzir uma lição sobre a História da Grécia a
alunos que nunca antes trabalharam em grupos, primeiro peço que eles façam uma mesa
redonda listando vários esportes que eles puderem se lembrar. Em seguida segue-se uma
lista com programas de televisão. Então, introduzo os termos "comédia" e "tragédia"
pedindo aos grupos para que discutam para identificar quais são os programas que são
alegres e quais os que são tristes. Eles irão desenhar um rosto triste ao lado do programa
que consideram triste, um rosto feliz ao lado dos programas alegres e um rosto triste e feliz
ao lado dos programas que são os dois. Essas simples atividades são uma ponte para que
eles também relacionem os esportes que eles listaram com as formas de esportes da
Olimpíadas da Grécia e como os programas de televisão de hoje que se originaram na
tragédia e comédia desenvolvidas primeiramente na forma de teatro da Grécia.
Se a aprendizagem cooperativa for aplicada usando técnicas como o jogo dos
cartões The Flash ou Juntando Cabeças Numeradas
39
, normalmente pouco ou nenhuma
atividade específica de construção de identidade do grupo será necessária. Se por outro
lado, a lição envolve atividades que potencializam conflitos e nas quais existem
desacordos (escolher a forma de trabalhar um projeto) é importante que seja criada antes
uma forte e positiva identidade do grupo. Geralmente, os estudantes primários mostram
pouca hesitação em trabalhar em grupos. E infelizmente, nas escolas em que se trabalha de
forma tradicional, quanto mais avançados os anos escolares, maior a necessidade de se
proporcionar atividades para desenvolver o espírito de equipe e a identidade do grupo.
Objetivos para promover o espírito de equipe:
1. Possibilitar o conhecimento do outro.
2. Construir a identidade do time.
39
Nomes designados pela tradutora para os originais Flashcard Game e Numbered Heads Together.
232
3. Oferecer apoio mútuo.
4. Valorizar as diferenças.
5. Desenvolver a sinergia
1.1 - Entrevistando o Time
Cada aluno é entrevistado pelos colegas de seu grupo por um tempo determinado.
Algumas perguntas podem ser.
- Qual é o seu nome? O seu nome está relacionado a alguma história familiar?
Você gosta do seu nome? Sc você pudesse ter outro nome que nome gostaria de ter? Você
tem um apelido? Há algum fato interessante associado ao seu nome?
- Onde você já esteve? Por onde cada um já viajou e para onde gostaria de viajar?
- O que você quer ser? Que carreira deseja seguir e quais são seus alvos na vida?
- Quem você gostaria de ser? Se você pudesse ser um personagem de um filme
ou de uma história, quem gostaria de ser? Por que?
As entrevistas são muito úteis na aprendizagem cooperativa como atividades de
conhecimento, mas, além disso, podem ser usadas como lições do conteúdo a ser
estudado, levantando os conhecimentos prévios sobre um assunto ou avaliando os
conteúdos e a opinião sobre o tema estudado.
Uma outra forma de entrevista é que cada par se entreviste e depois se
apresentam ao outro par.
1.2 - Rodadas de Arremesso
Existem dezenas de formas de os alunos apresentarem seus nomes. Rodadas de
Arremesso é uma das minhas favoritas. Seguem os passos dessa técnica interessante para
serem aprendidos os nomes:
Passo l - os membros do grupo aprendem os nomes: um aluno do grupo faz uma
bola de papel e joga para outro, olhando cm sus olhos, enquanto diz. Oi meu nome c
Carlos c o seu?" o estudante pega a bola e diz: meu nome é Mara, e qual é o seu?'
1
passando a bola de papel para o terceiro colega c assim por diante até que a bola tenha
passado várias vezes por cada estudante.
Passo 2 - os membros do grupo começam a usar os nomes de seus colegas.
Depois de todos os estudantes terem se apresentado várias vezes, eles começam a usar os
nomes. Um estudante diz: "Prazer em conhecê-lo Carlos", olhando nos olhos de Spencer c
passa para ele a bola de papel. Spencer então diz: "Estou feliz em estar nesse time, Mara".
E assim por diante.
Passo 3 - os membros do grupo fazem a cada um a pergunta: na terceira rodada
os alunos usam os nomes dos colegas para perguntar algo como: Spencer, você gosta da
escola? Ou outra pergunta. Sc o estudante não gosta da pergunta, pode responder com uma
questão que gostaria que lhe tivessem perguntado.
1 - CONHECENDO o OUTRO
As atividades que possibilitam o conhecimento do
outro ajudam os membros do grupo a se sentirem mais
confortáveis c satisfaz sua necessidade de pertencer a um grupo.
Ë importante que cada um se sinta parte do grupo c aceito como
um de seus membros.
233
1.3 - Rodada pela Esquerda: (para alunos das séries iniciais)
Cada aluno apresenta o seu colega da esquerda, tomando e levantando a sua mão.
Depois que todos se apresentam, eles se aplaudem de pé. Na apresentação podem ser
acrescentadas informações sobre o carro do sonho de cada um, seu sonho de férias.
1.4 - O que só nos temos em comum:
Os alunos fazem uma lista de suas preferências (alimentos, disciplina, esporte,
passatempo), de lugares onde estiveram, de onde não estiveram, do número de pessoas de
cada família, de tipo de brinquedo, animal de estimação... Se todos gostam de sorvete, mas
as pessoas de outros grupos também gostam de sorvete então essa é uma característica
comum. Porém se todos os alunos de um grupo preferem sorvete de abacaxi com creme,
essa é uma peculiaridade daquele grupo. Descobrir o que só o grupo tem em comum, ajuda
a construir a identidade o time. "Nós somos o grupo em que todos preferem sorvete de
abacaxi com creme e todos sonham em visitar o Beach Park”, por exemplo.
1.5 - Construindo Janelas:
Trata-se de outra técnica para os estudantes identificarem o que eles tem em
comum.
Passo l - um estudante desenha um retângulo no centro de uma folha de papel e
passa o papel para o seu colega da esquerda.
Passo 2-o próximo estudante desenha uma linha do ângulo superior direito do
seu retângulo até o ângulo superior direito da folha.
Passo 3-5 - o processo continua até que passando pela mão de cada aluno todos
os cantos do retângulo estejam ligados aos cantos mais próximos da folha.
Passo 6 - as quatro sessões de fora são numeradas: l, 2, 3 e 4.
Passo 7 - o estudante um sugere alguma coisa que todos podem ter em comum
tais como: "Todos nós gostamos de sorvete de chocolate?" se todos gostam, ele escreve
sorvete de chocolate na sessão 4. Se somente dois estudantes gosta então o estudante um
escreve na sessão dois. Em seguida, o estudante dois sugere algo que possivelmente os
alunos do grupo tenham em comum e registra na janela apropriada. A Mesa Redonda
continua e eles descobrem que eles têm em comum e em que característica são únicos.
Eles verificam especialmente as qualidades que eles têm que os fazem distintos de outros
grupos. Mais tarde, eles criam um nome do time baseado nas suas qualidades comuns e a
parte central do retângulo é usada para registrar o nome.
234
2 - CONSTRUINDO A IDENTIDADE DO TIME
O time pode desenvolver sua identidade ao definir por si mesmos seu nome, uma
saudação ou descobrindo junto a solução para um problema. A conclusão bem sucedida de
um projeto do time aumenta o seu senso de identidade se ao time é permitido completar o
projeto com liberdade para tomar algumas decisões por eles mesmos.
2.1 - Projeto do time: Quem nós somos?
O nome do time: quando o time é formado, pode ser solicitado que eles façam
um mural de seu time contendo o seu nome. Duas simples regras:
a) cada membro do grupo deve dar sua sugestão;
b) nenhuma decisão deve ser tomada sem ter o consentimento de cada um;
Chapéu do time (séries iniciais) - o time poderá fazer um chapéu de papel. Cada
time fará seu chapéu de uma forma que os distinga dos demais grupos.
Saudação do time: (um aperto de mão diferenciado) os estudantes desenvolvem
uma saudação que seja relacionada ao se nome. De novo a mesma regra: nenhum logotipo
do time ou grito de guerra ou saudação deve ser criado, a menos que todos estejam de
acordo.
Grito de guerra do time: A saudação do time e seu grito de guerra geralmente
estão relacionados ao seu nome.
3- OFERECENDO APOIO MUTUO
Não basta o aluno conhecer cada um do seu grupo e sentir que faz parte do grupo.
O grupo ganha força quando os membros sabem que podem contar o apoio de cada um.
Uma situação de interdependência positiva cria um sentimento de apoio mútuo quando eles
sabem que estão lutando do mesmo lado. Algumas sugestões de atividades:
1. Trator cego: os colegas formam uma fila cada um com as mãos na cintura do
outro que está à frente. O líder tem os seus olhos tapados e "puxa" os outros pela sala que
o orientam e indicam a direção em que ele deve ir. Depois de um certo intervalo de tempo
o professor diz: "muda", então o líder passa para o último lugar da fila. Esta atividade
produz um sentimento de confiança. Depois que cada aluno tiver sido o líder, os alunos
voltam para as suas carteiras e comentam sobre como eles se sentiram como líder e como
seguidores do líder e sobre o apoio recebido e dado.
2. Caminho do Cego: um estudante tem os seus olhos tapados e um outro o
tome pela mão enquanto passeiam pela sala. O aluno sem venda nos olhos "mostra" ao
colega com os olhos tapados a sala através do toque colocando as mãos do colega nos
objetos. Depois de alguns minutos, os estudantes trocam as funções. Depois desse
exercício de apoio, os alunos discutem como eles se sentiram ao oferecer e receber
cuidado.
3. Jogo das palmas:
Passo l - Uma pessoa de cada time sai da sala por alguns momentos.
Passo 2 - Enquanto isso os três colegas que ficaram escolhem um objeto
qualquer da sala que o colega que está fora deverá encontrar e tocar.
Passo 3 - inicia-se a busca. Os colegas que retornaram para a sala começam
simultaneamente a andar e tocar nos objetos para descobrir qual foi determinado.
Passo 4 - Os colegas do time mudam a intensidade das palmas conforme o
colega chegue perto do objeto determinado.
235
Passo 5 - Quando o colega tocar no objeto, os colegas o aplaudem de pé e o
convidam para fazer parte do grupo novamente.
4. ACEITANDO E VALORIZANDO AS DIFERENÇAS
As atividades de clarificação de valores são orientadas para três objetivos:
1. Clarificar aos membros do grupo seus próprios valores
2. Clarificar para eles os valores dos colegas;
3. Leva-los a refletir que um aluno não deve impor seu ponto de vista ao outro.
As diferenças mostram aspectos a serem aceitos e com os quais os alunos devem aprender
a conviver. Seguem algumas formas de clarificação de algumas escala de valores:
1. Onde me apoio: os estudantes marcam suas posições em uma escala de
valores indicando suas preferências. Depois todos do grupo discutem com os colegas com
o objetivo de apreciar as diferenças.
2. Que valores são mais importantes? Em uma escala que marca da maior para
a menor importância os alunos assinalam o que para eles é mais importante: um mundo de
paz, segurança familiar, felicidade, uma vida excitante, inteligência, respeito próprio,
salvação, harmonia interior. Em uma segunda parte do exercício, são marcados outro tipos
de valores tais como: honestidade, amor, alegria, perdão, ambição, intelectualidade,
obediência, imaginação, independência, lógica e responsabilidade. Depois de trabalhar
individualmente os estudantes comparam seus resultados e comemoram suas
individualidades reveladas em suas diferenças.
3. Projeto: Você precisa de um coração: o time deve fazer uma decisão crucial.
Eles devem assinalar cm um número de um a cinco qual seria a prioridade para cinco
pacientes que estão aguardando um coração artificial. Uma breve descrição de cada
paciente está na folha de atividade que os alunos irão receber. Depois que cada um tomou
sua decisão individual e fez suas anotações, os alunos discutem suas ordens de prioridades
e tentam chegar a um consenso. A regra é a seguinte: antes que um estudante expresse sua
opinião, ele deve dizer algo que demonstre sua valorização pelo pensamento e sentimento
do outro que tem uma opinião diferente da sua.
5- DESENVOLVENDO SINERGIA
Sinergia é o termo que se refere ao aumento de energia liberada quando
indivíduos estão trabalhando em cooperação. Havendo sinergia no grupo, o produto do
grupo será melhor que todos o produtos, mesmo do melhor trabalho feito individualmente.
A soma das partes interagindo é maior que a soma das partes quando se trabalha
individualmente. Há várias atividades de interação que estimulam e produzem o
refinamento das idéias. Seguem algumas:
Mesa Redonda:
1. Arte em Rabiscos: cada pessoa desenha uma linha em um pedaço de papel e
passa esse papel para o colega da direita dentro do time. O papel roda e cada estudante
acrescenta alguns traços sobre os traços do papel que recebeu para criar uma figura.
2. Arte de Cegos: os alunos tentam construir uma figura enquanto está com os
olhos tapados. Cada estudante recebe uma folha e tenta fazer o esboço de uma casa. Eles
todos passam o papel para o colega à direita dentro do time. Em seguida eles tentam
desenhar uma janela ainda com os olhos tapados (a maioria, geralmente, desenha a janela
em um lugar estranho e isso é o divertido da atividade). O papel c passado e eles tentam
fazer a porta. Finalmente, a chaminé é colocada na casa. Quando os estudantes destapam
seus olhos, eles dão uma grande risada.
236
4. Projeto de Sobrevivência no Deserto: o professor prepara uma folha com
esta atividade e entrega para cada aluno. Trata-se de uma situação hipotética em que os
alunos estão perdidos em um deserto e devem marcar em uma lista de 15 itens necessários
à sobrevivência, qual seria a ordem de prioridade.
Passo l - cada membro marca a sua folha individualmente ordenando a prioridade
dos 15 itens.
Passo 2-os estudantes conferem as suas respostas e procuram chegar a um
consenso sobre a prioridade do time.
Passo 3 - os resultados individuais c do grupo são comparados com uma folha
onde está ordenada a prioridade pela Força Aérea Americana.
Passo 4 - Quase sempre o grupo obtêm um melhor resultado que o melhor
resultado individual. Sinergia é a percepção de que a soma das partes em interação é
superior à soma das partes tomadas isoladamente.
Perdido na Lua: esta é uma atividade semelhante a anterior.
237
ANEXO 4
TÉCNICAS ESPECÍFICAS DE APRENDIZAGEM COOPERATIVA
É difícil de assimilar os princípios da aprendizagem cooperativa e aplicá-los
em várias situações do ensino no cotidiano? No começo pode ser bem difícil.
Conceitos tais como: interdependência positiva e responsabilidade individual parecem
não significar muito, no entanto, quando no treinamento, os professores participam de
técnicas como "Juntando Cabeças Numeradas" ou “Duplas Cooperativas”, esses
princípios parecem ficar mais claros.
JUNTANDO CABEÇAS NUMERADAS
A estrutura desta técnica é bem simples c consiste de quatro passos:
1°. Passo: Cada aluno do grupo "canta" o seu número de um a quatro. Para
grupos de três, o número três pode também responder pelo número quatro. Para grupos
de cinco o número cinco e o número quatro podem responder quando o número quatro
for chamado
2°. Passo- O professor anuncia uma questão e dá um tempo limite. Por
exemplo: "baseado no exemplo explicado, resolva este problema..." ou "depois de ter
lido o texto, responda a primeira questão".
As questões podem ser de respostas objetivas para as quais os alunos
chegariam a um acordo rapidamente. Por exemplo, o professor diz: "coloquem suas
cabeças juntas e pensem no nome do elemento químico que combina com o cloro para
formar o sal de cozinha." Ou podem ser questões mais complexas para as quais não
exista um consenso imediato, como por exemplo: "Como você pode prever o
comportamento da economia brasileira, baseado na lei da oferta e da
procura?"
O tempo será determinado de acordo com a complexidade da questão.
3º. Passo Os estudantes literalmente põem junto as suas cabeças, discutem a
resposta e asseguram-se de que cada um saberá reponde-la. O avaliador do grupo
exerce claramente a sua função neste momento. Por que colocar as cabeças juntas? Há
nesta técnica uma competição saudável entre os grupos, não para verificar quem é o
melhor, mas para motivar os alunos. Eles põem suas cabeças juntas como nos jogos
esportivos quando o técnico pede tempo para combinarem algumas novas estratégias
de jogo.
4°. Passo: o professor chama uni número aleatoriamente, retirando um cartão
do bolso, por exemplo. Os estudantes com o número chamado levantam suas mãos
para responder. Esta técnica proporciona alto nível de motivação aos alunos, pois se
assemelha a um jogo de rodar a roleta, por exemplo. Nunca se sabe qual o número que
será chamado. Os números que já foram chamados poderão ser chamados novamente.
Se a resposta está dentro da capacidade da maior parte dos grupos, mas
somente um ou dois estudantes levantam suas mãos o professor pode dizer: "nem
todos levantaram a mão, vou dar mais um minuto para que todos os números dois
saibam responder".
238
Sc a resposta tem várias partes como, por exemplo, dar o nome das quatro partes de
um átomo então o professor dará a oportunidade de participação para vários alunos:
Para o numero um o nome de uma parte, para o número dois o nome de outra c assim
por diante. Se o aluno der uma resposta parcial, o professor pode perguntar: "O
número três pode concluir a resposta?
Outras variações de Juntando Cabeças Numeradas podem ser criadas: Uma
das melhores formas para melhorar a técnica Juntando cabeças numeradas e
proporcionar um tempo para que cada aluno reflita individualmente em sua resposta
antes de juntar as cabeças para compartilhar. Esse é um passo muito importante.
Através dele há uma maior participação igualitária dos alunos permitindo que cada
um formule sua própria resposta antes de compartilhar as idéias.
1.2 - Juntando cabeças numeradas simultaneamente
Há um mínimo de participação dos estudantes, quando somente um é chamado
para responder. Quando o número ó chamado c o estudante responde corretamente, o
professor não tem uma forma de determinar se os outros estudantes sabem a resposta certa
ou não, enquanto um fala os outros ficam calados. Esta variação da técnica permite que
todos os estudantes que tenham o número chamado respondam ao mesmo tempo. Há
quatro formas de faze-lo:
a. Resposta na Lousa:
Ao ser apresentado um problema de matemática, se o número três é chamado,
todos os números três podem ir há lousa para resolver o problema. Alguns professores
reservam um espaço para cada grupo colocar sua resposta na lousa.
b. Positivo ou negativo.
Se a questão for de verdadeiro ou falso e o número dois for chamado, todos os
números dois que acham que a resposta e verdadeira, fazem um sinal de positivo com o
dedo polegar, se acham que é falsa, fazem um sinal de negativo.
Uma variação desta mesma técnica pode ser o uso de bandeiras verde ou
vermelha, observando a regra de que ninguém deve tocar na bandeira, até um número ser
chamado. Só o número chamado levanta a bandeira. Se as questões forem de alternativas,
os números chamados podem usar os dedos da mão para demonstrar o número da
alternativa.
c. Placas do grupo. Se a resposta é curta, os estudantes podem escreve-la em
tira de papel e o número chamado levanta-a.
239
Aplicações:
"Juntando cabeças numeradas" pode ser usada para o ensino de fatos, conceitos e
procedimentos, em diversas disciplinas e para o alcance de inúmeros objetivos. Pode ser
usada para revisão antes de um teste. O método pode ser usado também para introduzir e
motivar os alunos para uma nova lição. Por exemplo, o professor pode perguntar: "levante
três razões para a importância da eletricidade" antes de introduzir o conteúdo sobre
eletricidade.
Cada resposta certa equivale a pontos que o grupo adquire c podem ser marcados
na lousa ao lado do nome do grupo ou em um registro do professor. Esses pontos podem
ser acrescidos à nota ou apenas servir como um componente lúdico para motivar os
alunos.
240
ANEXO 5
DUPLAS COOPERATIVAS
Essa técnica aumenta a participação dos alunos na maior parte do tempo (participação
igualitária e interação simultânea) e tem grande efeito motivador devido aos momentos de
celebração que ela contém. Pode-se observar aqui que a Interdependência Positiva é
facilitada. Os passos são os seguintes.
1° Passo: os times de quatro são divididos em dois pares.
Cada par trabalha com uma folha de questões ou com as
questões do livro ou do caderno. Enquanto um responde, o
colega-par atua como professor, acompanha observando e
ajudando, se necessário.
2° Passo, terminada a primeira questão o monitor do par a
examina. Caso não cheguem a um consenso sobre a
resposta, o par vizinho é consultado. Sc os quatro do time
não chegarem a um conceito, os quatro levantam a mão. O
professor saberá que a dúvida é do grupo todo e irá intervir,
ajudando.
Para a segunda questão, trocam-se as posições dentro do
par. Quem ensinou resolve a questão e quem estava
resolvendo antes passa a ensinar. Antes de passar para a
terceira pergunta, conferem-se as
respostas dos dois pares.
3º Passo: se o colega monitor (no par) concorda com a
questão, o aluno que executou a tarefa é parabenizado. Os pares avaliam
suas respostas e se concordam sobre seus acertos, celebram juntos com um
aperto de mão ou outro sinal combinado para o time.
Essa técnica pode ser usada em várias disciplinas e inúmeros
objetivos: Exemplo:
a) Analisar uma sentença gramatical;
b) Questões de Estudos Sociais;
c) Exercícios e problemas matemáticos.
Os exercícios podem ser tarefas de casa que são
avaliados em duplas na sala de aula. Vantagens da "Dupla
Cooperativa":
1. Feedback e o reconhecimento vêm do próprio colega.
2. A tarefa do professor é facilitada.
3. As relações com os colegas são de ajuda e encorajamento.
4. As oportunidades para a correção são muitas, imediatas orientadas para o sucesso.
5. A conversa dos alunos c voltada para a aprendizagem e para a assistência.
6. Os alunos tomam consciência do próprio processo de aprendizagem.
241
ANEXO 6
JOGO “THE FLASH”
Este jogo é indicado para facilitar a memorização de informações.O conteúdo
pode variar dependendo da série c da matéria estudada, grau de conhecimento. Antes de
brincar com o jogo os estudantes fazem os cartões incluindo os assuntos que são mais
difíceis de ser memorizados. Os cartões podem ter muitas formas:
a) A figura e uma maçã de um lado do cartão c a letra M atrás, usado para
relembrar a inicial da
letra;
b) Uma palavra do vocabulário de um lado e uma definição de outro;
c) O nome de uma fórmula de matemática, física ou química de um lado e a
fórmula de outro;
e) Uma questão de matemática (tabuada) de um lado c a resolução de
outro.
Rodadas do jogo:
1. O máximo de dicas. Uma vez que os cartões estejam prontos os estudantes
sentam cm pares. Um estudante entrega cinco de seus cartões a outro. O aluno-assistente
toma um cartão, mostra e lê o título de frente do cartão (questão ou dica) e então mostra ou
lê a resposta no verso. Para alunos das series iniciais ou estudantes sinestésicos, o título
pode dar uma indicação da resposta ou ser escrita a resposta. O aluno assistente, então, vira
o cartão novamente, mostrando a frente c perguntando pela resposta a ser memorizada. O
aluno assistido tenta adivinhar uma resposta. Se a resposta for certa o assistido c
parabenizado, assim como: você é um aluno fabuloso! Bom trabalho! Ele ganha aquele
cartão. À esta altura, 90% das respostas devem ser corretas pois os estudantes perceberam c
mostraram a resposta imediatamente antes de se serem perguntados. Se, de qualquer forma
o aluno assistido não acertar na resposta, ele recebe uma ajuda particularmente. Ajudas
podem ser dadas, uma dica, mostrando e falando sobre o cartão novamente, uma
oportunidade para tentar ou escrever, relembrar, responder junto com o tutor, relacionando
com as imagens a serem relembradas daquilo que é mais fácil de ser esquecido. Se o aluno
assistente ajuda o aluno assistido não ganha o cartão. Mas os cartões voltam par a pilha
onde estavam e posteriormente ela será retirada novamente. Nota: esse jogo leva o tempo
que é necessário para se memorizarem as informações. As respostas fáceis vão retornando
ao aluno c as mais difíceis vão ficando com o assistente até que as respostas sejam
acertadas pelo aluno l. Quando o aluno l ganha de volta todas os seus cartões os dois trocam
as posições.
2. Rodada 2 - poucas dicas: depois que ambos os estudantes ganharam de volta
todos os seus cartões na primeira rodada, eles vão para a rodada 2. Nesta rodada, os
mesmos procedimentos da rodada l são seguidos mas pouca agora poucas dicas ou ajudas
são dadas c os
242
ANEXO 7
Preparo das tarefas:
Distribua um jogo, um texto ou uma série de problemas para cada grupo. O
material distribuído necessita ser divisível pelo número dos membros do grupo (2, 3 ou 4
partes). Dê a cada membro uma parte do material, tema ou exercícios.
Estágio de preparação:
Proporcione a cada estudante o tempo suficiente para rever, estudar ou preparar
individualmente a sua tarefa até ter certeza de que está perito no assunto. Cada um irá
procurar na classe outros alunos que tenham a mesma tarefa e formar grupos secundários
para preparar a tarefa e encontrar a melhor maneira de resolve-la para ser ensinada depois
ao grupo primário.
Pares ou grupos da preparação:
Cada aluno desse grupo secundário participará com a sua idéia e todos do grupo
deverão elaborar a melhor maneira de ensinarem posteriormente os colegas do grupo
primário. Eles praticam, revisam e planejam o que ensinar e como ensinar ao grupo
primário. As melhores idéias dos alunos dos grupos ou dos pares são incorporadas a
medida que cada um dá a sua participação.
Grupos Cooperativos:
Os estudantes retornam aos seus grupos cooperativos de origem e cada um
tem a tarefa de ensinar sua parte, que se tornou perito, aos outros membros do grupo e de
aprender a parte que será ensinada por eles.
Avaliação:
Observe o grau de envolvimento dos estudantes, o preparo das tarefas e verifique
se todos tornaram-se realmente peritos nos grupos secundários. Os estudantes auto-
avaliarão a participação própria e dos colegas e como se desenvolveram as explicações nos
grupos primários, se cada um ouviu ativamente a explicação dos colegas, se as explicações
foram claras. Jig-saw é uma maneira flexível de
desenvolver a interdependência positiva entre membros do grupo e os professores podem
criar muitas variações. Estão aqui diversas modificações que são úteis em circunstâncias
diferentes:
1. Dê aos estudantes sub-tópicos e encarregue-os de procurar referências
para pesquisa na biblioteca. Isso facilita também o professor.
2. Proponha que o grupo escreva um relatório ou apresente à classe o
resultado da tarefa de todo o grupo primário com a especificação dos sub-
tópicos estudados.
3. Prepare esboços ou guias de estudo sobre cada sub-tópico e traga pronto
para ser distribuído aos estudantes. Com isso, ganha-se um tempo que
seria empregado na distribuição e explicação de cada parte.
243
ANEXO 8
De acordo com Donna Ogle, o originador de K-W-L, o conhecimento prévio é um
aspecto fundamental que determina como nós interpretamos o que lemos ou fazemos e
influencia no quanto os estudantes aprenderão de uma leitura ou outra atividade.
Infelizmente, a maioria dos professores não emprega o que seus estudantes já sabem a
respeito de um tema. O procedimento de K-W-L apóia-se em um princípio básico da
psicologia cognitiva de que é sobre as aprendizagens prévias que novos conceitos
relacionados poderão ser construídos. O procedimento consiste em três
etapas cognitivas: avaliando o que nós sabemos, determinando o que nós queremos aprender,
e recordando o que nós aprendemos. Ogle denominou o nome da folha da estratégia de K-W-
L, a qual os estudantes podem usar enquanto lêem um novo texto, por exemplo.
São apresentadas, aqui as características essenciais de cada etapa no procedimento de
K-W-L em um exemplo de uma aula sobre terremotos.
Etapa K: O que Eu Sei. Esta é uma típica sessão de brainstorming termo sem um
equivalente exato em português, traduzido freqüentemente como “tempestade cerebral”, ou
seja, um levantamento das idéias que vêm imediatamente à mente quando se aborda um tema.
O que os estudantes sabem pode ser escrito no quadro ou pelos estudantes que trabalham em
grupos pequenos. O foco neste estágio deve ser específico. Se os estudantes forem ler depois
um texto sobre terremotos, pergunta-se: " o que você sabe sobre terremotos? " não " o que
você sabe sobre catástrofes naturais? " "manter a pergunta no foco ajuda os estudantes a
trazerem a lembrança o que sabem previamente”.
Uma segunda parte da etapa K consiste em propor aos estudantes que categorizem as
informações geradas durante a sessão do brainstorming. Por exemplo, no tema terremoto, o
professor pôde sugerir que os estudantes agrupem sua informação nas seguintes categorias:
causas dos terremotos, como os terremotos são medidos, e danos causas dos por terremotos.
Etapa W: Que eu quero aprender? Esta etapa ajuda os estudantes a ficarem atentos
ao foco na leitura que se seguirá. Esta etapa deve ser executada nos grupos. O professor deve
pedir que os estudantes escrevam na segunda coluna da folha de K-W-L quais são as
questões de seu interesse e que gostariam que fossem respondidas ao ler o texto, em
conseqüência da sessão prévia da discussão e do brainstorming. Uma vez que as perguntas já
estiverem escritas, o professor propõe aos estudantes que elas sejam compartilhadas nos
pequenos grupos, antes de iniciar a leitura.
Etapa L: O que eu aprendi. Os estudantes podem escrever na terceira coluna da
folha da estratégia de K-W-L. O que aprenderam após a leitura. Nesse momento, verificarão
se suas perguntas forem respondidas, e se algum de seus conhecimentos prévios foi
confirmado. Os estudantes devem trabalhar em grupos pequenos e discutir suas perguntas
para determinar se suas perguntas forem respondidas.
244
ANEXO 9
A FORMAÇÃO DOS GRUPOS
1
Várias pesquisas c teorias sobre a aprendizagem cooperativa consideram a
heterogeneidade dos grupos como uma característica que a define. A heterogeneidade pode
maximizar a troca de experiências, aproximar alunos de classes sociais distintas e sexos
opostos c facilitar a disciplina para o professor. No entanto, se o professor sempre usar os
grupos heterogêneos, os alunos que estão mais adiantados não terão a oportunidade de
interagir com outros de nível aproximado e perderão chances de avançarem mais. Enquanto
isso, os que estão menos adiantados, se não interagirem entre eles, perderão a oportunidade de
desenvolver uma maior liderança. Há, portanto, a necessidade de variar a formação dos
grupos através de vários métodos. Os três métodos mais comuns de associação dos grupos são
os seguintes:
a) Formação direcionada pelo professor de grupos heterogêneos;
b) Formação aleatória de grupos pelo professor;
c) Formação pêlos alunos por afinidades;
Quando for designada a primeira atividade em grupos, uma identificação dos
nomes dos componentes de cada grupo poderá já estar na mesa dos grupos indicando onde
cada um vai sentar. Isso evita muita confusão. Melhor do que o professor ler o nome de
cada aluno e seu respectivo grupo, é colocar uma lista dos quatro nomes nas mesas onde
os alunos sentarão e ao entrarem, cada um deverá andar pela sala e procurar o seu lugar.
Móbiles numerados sobre cada mesa dos grupos possibilita também informação rápida
aos professores e estudantes.
A preferência pela heterogeneidade e suas razões
Os times heterogêneos são, normalmente, formados por um estudante de
nível mais avançado, dois estudantes considerados de nível medianos e um estudante com
maiores dificuldades. Deve também ser garantindo que o time seja composto de duas
alunas do sexo feminino e dois alunos do sexo masculino c que sejam de classes distintas.
Em geral os times heterogêneos têm sido preferidos pelas seguintes razões:
a) Aumentam as possibilidades de trocas dos alunos entre si;
b) Possibilitam a interação entre alunos de classes, raças e sexos diferentes;
c) Facilitam o manejo de sala pelo professor; tendo um aluno mais avançado em
cada grupo, é como ter um auxiliar do professor para cada três estudantes;
A formação não heterogênea pode ser feita pêlos próprios estudantes, sendo que
cada um escolhe os colegas com quem quer trabalhar ou através de formação aleatória, por
exemplo, os estudantes tiram um número de 01 a 08 para serem formados oito times. Os
times de afinidades, no entanto, potencializam o risco de promover ou reforçar o status
hierárquico dentro da sala de aula. (grupo dos "fortes" e grupo dos "fracos”); a formação
1
Os anexos 8, 9 e 10 são textos e ilustrações extraídos de "Cooperative Learning" (Specer Kagan) e de
"Cooperati
ve
in the Classroon" (Johnson, Johnson e Holubec). Tradução: Sônia Filiú Albuquerque Lima.
245
aleatória diminui o risco de se ter essa diferença de hierarquia, mas pode acabar
acontecendo que os quatro alunos mais fracos da sala fiquem juntos, por exemplo.
Então a formação heterogênea tem sido a mais preferida e, como foi dito, algumas
teorias apontam os grupos heterogêneos como um dos princípios básicos da aprendizagem
cooperativa.
Certamente, cada um dos métodos tem seus benefícios importantes. Ainda assim,
Kagan prefere os grupos heterogêneos como grupo base da sala de aula sendo muito
benéfico separar o grupo heterogêneo algumas vezes, formando times aleatórios ou de
afinidades.
Por quê quatro membros no grupo?
Alguns objetivos da aprendizagem cooperativa estão baseados nos benefícios da
participação ativa. Em uma sala de aula de 30 alunos, quando um aluno é chamado, 1/30
da classe estará participando ativamente. Se formarmos 2 grandes grupos de 15 alunos e
deixamos uma pessoa por vez falar dentro do grupo, a participação ativa aumenta para
1/15 da classe participando. Com grupos pequenos a porcentagem de participação é bem
maior. Grupos de quatro pessoas possibilitarão que % de toda classe esteja participando
ao mesmo tempo. Da perspectiva da participação eles são duas vezes melhor que nos
grupos de 8 pessoas. Sendo assim, por que não formar grupos de 03 ou até mesmo de dois
(duplas)? Há pelo menos três razões:
1. Há a possibilidade de se formarem duplas dentro do grupo de quatro; dobra-se
assim o tempo de participação dos alunos no grupo. "Duplas Numeradas" ou O jogo dos
"Cartões The Flash", como serão explicadas adiante, são algumas das técnicas possíveis
de serem aplicadas quando podem ser formadas duplas, maximizando a interação
simultânea através do trabalho dos pares.
2. Evita-se que sobre um. Segundo a Psicologia Social, quando os alunos
trabalham em três, existe maior probabilidade de apenas dois estarem
trabalhando.
3. Há maior aprendizagem entre os pares; comparado com o grupo de três, o grupo
de quatro dobra a possibilidade de discussão verbal.
4. Em um grupo de três, existe a possibilidade de se formarem três pares
diferentes; em um grupo de quatro existe a possibilidade de se serem formados seis pares
diferentes.
Quando a classe não se divide por quatro
Se o número de alunos da classe, eventualmente, não se divide por quatro, há as
seguintes possibilidades:
246
- Quando sobra um estudante. Procure ao redor um grupo com o qual ele possa
melhor aprender ou ensinar, formando assim um grupo de cinco elementos.
- Quando sobram dois estudantes, observe os grupos de quatro e então
retire um dos estudantes de um grupo de quatro e faça um grupo de
três. Quando três estudantes sobraram forma-se, então, com eles um
grupo de três.
Mais Meninas ou Mais Meninos Se
no grupo há um menino junto com três meninas, ou vice-versa, geralmente um irá receber
muita atenção ou então ser ignorado no grupo. Minha sugestão é que se faça a formação
dos times agrupando, até quando for possível, dois meninos e duas meninas. Quando
terminarem as possibilidades, formam-se então times só de meninas ou só de meninos.
247
ANEXO 10
COMO FORMAR GRUPOS HETEROGÊNEOS
Método 1: O Professor Designa os Grupos
Passo l - fazer uma lista ordenada dos alunos iniciando do aluno que está mais
adiantado terminado naquele que apresenta as maiores dificuldades. A lista não precisa
ser exata. Para ser feita a lista, pode ser feita uma avaliação diagnostica ou tomar como
base o rendimento anterior verificado pelo professor.
Passo 2 - tome o aluno do topo da lista, o último da lista c dois do meio,
assegurando-se que: sejam dois de cada sexo; sejam de classes sociais mistas; não sejam
os maiores inimigos nem os maiores amigos.
Passo 3 - seguir a seqüência para os demais grupos.
Nota: Para facilitar alguns professores têm escrito os nomes dos meninos de
azul e das meninas de rosa.
FORMANDO EQUIPES HETEROGÊNEAS
Etapa 1: ordenando Etapa 2: formando equipe l Etapa 3: formando outras
equipes
1. Sue
2. Dave
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
12.
13.
14.
15. Pete
16. Mary
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29. John
30. Jack
Diagrama extraído de Kagan, S. "Cooperative Learning".
248
Uma variação desta formação pode ser feita considerando as preferências dos
alunos, identificadas através de uma escala sócio-métrica. O professor tenta na medida do
possível agrupar os alunos incluindo nos grupos alguma preferência dos alunos.
Método 2 - Formando Times a partir de Lideranças
Este método é uma versão de um método desenvolvido por Richard Shctlcy (Alta
Loma Júnior Hight School, Alta Loma, CA). ,
Passo l - o professor escolhe 7 ou 8 líderes entre os alunos que parecem ser os
mais adiantados. Um por grupo.
Passo 2 - o professor se reúne com os líderes dos grupos e explica que o sucesso
do grupo depende de que cada grupo tenha um mistura de nível de habilidades. Combina-
se, então, com os líderes que cada um escolha um entre os 7 ou 8 estudantes com mais
dificuldades para ficarem cm cada time. Explique o que eles irão fazer no próximo dia.
Passo 3 - os líderes começam escolhendo os colegas menos adiantados da sala -
no próximo dia c anunciado que os alunos irão se organizar os grupos e são anunciados os
líderes de cada grupo. Cada líder, por sua vez, chama um aluno para o seu grupo. Esse
primeiro aluno chamado está entre os que apresentam menos habilidades. O líder dirá
algo como: "eu quero que você seja do meu time".
Esteja preparado. Segundo Kagan, muitos alunos pouco habilidosos geralmente
não são escolhidos para nada. Nesse momento alguns poderão até ter seus olhos molhados
de lágrimas de emoção.
Passo 4 - o par de alunos (o mais "forte" c o mais "fraco") escolhem um colega
(entre os alunos "medianos"). Os dois sentam-se c decidem juntos que aluno chamarão.
Passo 5 - os três alunos do grupo decidem juntos qual o último aluno que fará
parte do grupo. Os estudantes são informados de que eles não podem escolher todos do
mesmo sexo. O professor monta as opções finais e faz os ajustamentos que forem
necessários. Essa c uma forma desenvolvida para quê os alunos formem seus times de tal
forma que a heterogeneidade seja garantida e eles possam também participar da escolha
de seus melhores colegas.
Variação. Outro método envolve a formação de times heterogêneos quanto à sua
posição sobre um assunto específico de tal forma que para o debate de alguns assuntos
estejam agrupados alunos que concordam de forma absoluta sobre determinado tópico,
outro que discorda veementemente e outros dois que não têm opinião tão formada sobre o
assunto ou têm dúvidas. Nesses times ocorre a possibilidade de uma discussão mais rica
sobre o assunto tratado.
COMO FORMAR ALEATORIAM ENTE OS GRUPOS
Método l - Cartões Coloridos
Passo l - são distribuídos aleatoriamente entre os estudantes cartões de várias
cores de tal forma que para cada cor haja quatro cartões.
Passo 2 - os alunos andarão pela sala à procura das pessoas que têm os cartões
da mesma cor que a sua. Encontrando-as estará formado o grupo.
249
Método 2 - Quebra-cabeça Humano
Passo l - cada estudante recebe um pedaço de uma gravura que foi anteriormente
rasgada em quatro pedaços.
Passo 2 - os estudantes começarão a andar pela sala a procura de quem tem as
peças que completam o seu quebra-cabeça. Encontrando-as estará formado o novo grupo.
Versões alternativas: use quatro sentenças em seqüência de determinado
conteúdo divididas aleatoriamente entre os alunos, ou quatro linhas de um provérbio ou
poema.
Método 3 - Círculos de Dentro e de Fora
Trata-se de uma técnica bem interessante e também uma maneira de agrupar os
alunos aleatoriamente;
Passo l - Entrevista divertida: as carteiras são arrumadas em dois grandes
círculos, um dentro do outro.O grupo de dentro voltado para fora e o de fora voltado para
dentro, de tal forma que uma carteira de dentro fique de frente a uma carteira do grupo de
fora. Os estudantes sentam-se. Os estudantes do grupo de dentro mudam para a próxima
carteira à direita e os estudantes do grupo de fora mudam, cada um, para sua carteira mais
próxima à direita. O grupo de dentro gira em sentido horário c o grupo de fora gira em
sentido anti-horário.
Passo 2 - cm cada rodada o estudante estará à frente de um colega diferente.
Uma música que está sendo tocada inesperadamente para. Neste momento os pares que
estiverem de frente um do outro fazem uma entrevista sobre "maior sonho na vida" ou
"comida favorita" ou "que profissão deseja exercer".
Passo 3 - os estudantes que estiverem de frente, ao pararem, formam um par que
será associado ao outro par do lado. Saem então do círculo e formam um grupo.
Passo 4 - assim sucessivamente os grupos vão se formando. Quando sentados em
um grupo fora cada uma apresenta ao grupo o colega entrevistado.
Grupos Heterogêneos versus Grupos de Formação Aleatória
A esporádica formação aleatória dos grupos pode proporcionar que a classe saia
da rotina através de uma atividade divertida, c é uma oportunidade de trocar experiências e
habilidades variadas a um novo grupo. Por outro lado, a formação aleatória pode colocar
juntos quatro alunos com grandes dificuldades em comum. Então, o time formado
aleatoriamente não deveria estar junto por um longo período de tempo. O time designado
para estar junto por um longo período de tempo tem a vantagem de amadurecer o seu
relacionamento e espírito de equipe, maximizando suas colaborações e facilitando o
manejo de sala pelo professor. Então, para aproveitar o melhor de todas os modos de
formar os grupos, Kagan recomenda usar um time básico, heterogêneo, por um longo
tempo c ocasionalmente quebrar a rotina com uma formação aleatória.
250
ANEXO 11
ANEXO 11
(IN) DISCIPLINA
Extraído de “Cooperative Learning" de Specer Kagan.
Muitos professores relatam que seus problemas
de manejo de sala diminuíram sensivelmente
logo que eles mudaram para a aprendizagem
cooperativa. A razão é que na aula tradicional
existe um descompasso entre as necessidades dos
estudantes e a estrutura de funcionamento da sala
de aula. A natureza do estudante é ativa e
interativa: os estudantes querem "fazer" e "falar".
E a sala de aula tradicional requer que os
estudantes estejam passivos e isolados.
Naturalmente, os estudantes não satisfazem suas
necessidades básicas sem brigar por isso. E assim
grande porção de energia é despendida para
manter os alunos em seus lugares "não
perturbando os colegas", e quietos.
A aprendizagem cooperativa, ao contrário, está mais bem alinhada com as
necessidades dos estudantes. Ela c baseada na premissa que a aprendizagem ocorre
fazendo c interagindo. Os estudantes são encorajados a interagir, mudar, criar e fazer.
Sentindo suas necessidades básicas satisfeitas a disciplina não será mais o maior problema
dos alunos.
Todavia, as habilidades de manejo de sala necessárias na aprendizagem
cooperativas são diferentes das habilidades para o manejo de uma sala de aula tradicional.
Aliás, o manejo de sala na aprendizagem cooperativa diverge radicalmente do manejo de
uma sala de aula tradicional. Em uma sala de aula tradicional os estudantes devem falar c
interagir muito pouco, dessa forma, controlar o comportamento dos estudantes é
relativamente simples. O sistema tradicional ó direcionado para desencorajar os estudantes
para a conversa c para a interação. Em contraste, na aprendizagem cooperativa os
estudantes devem ser encorajados a interagir com os colegas c assim o manejo de sala
envolve habilidades diferentes. Algumas das formas de manejo de classe relativas à
introdução dos times, incluindo organização dos assentos, nível de ruído, direcionamento
das atividades, distribuição c recolhimento do material do time e métodos de desenvolver
o comportamento do grupo estão no texto "A Formação dos Grupos".
Ao introduzir os times para fazer um projeto complexo, são necessárias
habilidades diferentes que aquelas necessárias para dizer para cada estudante abrir o seu
livro à página 293 e fazer os problemas do l ao 10. Uma lição de Aprendizagem
Cooperativa pode incluir um número de técnicas e cada uma pode ter muitos passos. O
professor deve conduzir seqüências detalhadas de instruções de forma sucinta c cm ordem
251
para maximizar o tempo dos estudantes com os outros na interação. Uma lição de
Aprendizagem Cooperativa bem direcionada pode tomar algo como 1/5 da aula do
professor, salvando o precioso tempo do estudante para a interação e a aprendizagem. Um
dos meus exemplos favoritos da diferença de técnicas de manejo ocorreu cm uma manhã
quando eu estava observando como os professores, depois de um seminário de iniciação
em Aprendizagem Cooperativa, mudavam seus estudantes para os grupos no primeiro dia.
Na primeira aula que observei, o professor leu a lista dos alunos e seus respectivos grupos
e o lugar onde eles iriam sentar. Ela leu a lista da classe cm ordem alfabética. Suzan
Aragão, você irá para o time 4; Peter Birch, você irá para o time 7...". Quando ela terminou
de ler a lista, como era de se esperar, havia um número de perguntas: "Qual é o número do
meu grupo? Onde eu vou sentar? Um tanto irritada, ela leu novamente a lista, chamando a
atenção dos alunos para ouvirem com cuidado. No entanto, havia novamente algumas
questões quando ela terminou a leitura da lista pela segunda vez. E ela terminou quase
carregando alguns estudantes até seus grupos designados. Com o tempo, ela finalmente
teve os estudantes nos grupos, mas cerca de 20 minutos passaram de sua aula.
Quando eu observei a próxima sala de aula, a professora estava exatamente no
mesmo ponto fazendo a formação dos grupos. Ela disse o seguinte: "Garotos c meninas,
nas suas mesas estão alguns cartões com uma lista de nomes virados para baixo. Não os
vire até eu mandar. Quando vocês virá-los vocês irão achar 04 nomes cm cada cartão.
Vocês irão, então, silenciosamente, tomar seus livros e procurar a mesa que tem o seu
nome. Vamos ver como rapidamente c silenciosamente vocês podem achar seus novos
times c sentar para ler c aprender sobre a construção do espírito de equipe."
Os estudantes estão cm seus novos times e lêem para o trabalho em certa de 2
minutos.
Um professor tem tenta organizar a sala da Aprendizagem Cooperativa usando
uma estrutura seqüencial (lendo nomes um por vez) enquanto a outra professora usou uma
estrutura simultânea (cada um levanta-se e procura o seu lugar ao mesmo tempo) A
técnica do manejo simultâneo foi claramente superior.
UM SINAL DE SILÊNCIO
Os professores gastam uma enorme quantidade de tempo e
energia tentando fazer a classe ficar quieta, tentando alcançar a atenção
de todos os seus alunos. "Posso ter a atenção de vocês, por favor".
"Silêncio, por favor." São frases freqüentemente repetidas com respostas
inadequadas.
Há uma solução simples. Um sinal de silêncio. Escolas inteiras
têm adotado o sinal de silêncio, uma mão levantada. Ele dá bons
resultados no ônibus da escola, no pátio, na cantina, na capela ou na sala
de aula. Quando o professor levanta sua mão os alunos acostumam com
o tempo a prestar total atenção ao professor.
Uma pequena explicação aos estudantes pode ser necessária
quando o sinal de silêncio é introduzido: Depois que os grupos
estiverem formados o professor explana que há uma tendência natural para a classe com
times se tornar também ruidosa (barulhenta). Como um time fala, o time mais próximo
precisa falar mais alto para ser escutado o que força o primeiro time a falar mais alto
252
ainda. Assim, o nível de ruído pode aumentar. O professor não quer c nem deve levantar a
voz mais alto que os estudantes para ter a atenção da classe.
O professor explica que a classe pode resolver esse problema se ela puder aprender
a responder com silêncio a um sinal.
O sinal de silêncio é um sinal para os estudantes parem de falar e prestem total
atenção ao professor e fiquem quietos. O professor escolhe diferentes sinais para seus
alunos. Um pode ser simples podido de atenção dizendo: “posso ter sua atenção, por
favor?" Outros podem ser um leve piscar da luz, desligando e ligando novamente. Outro:
tocar um sino. O sinal que mais gosto é aquele quando o professor levanta sua mão. Esse
sinal parece ser mais conveniente porque o professor não tem que falar em nível mais
elevado que o nível do barulho da classe, c porque ele ou ela não tem que caminhar até o
sino ou até a tomada das lâmpadas. Um fator adicional positivo de levantar a mão com o
sinal é que o professor pode indicar que assim como ele levanta suas mãos para ter a
atenção os alunos poderão fazer o mesmo para quando querem falar. Então quando o
professor precisa de atenção da classe, ele ou ela levanta as mãos. Isto é rapidamente
atendido pêlos estudantes que estão mais próximos do professor, que pedem a atenção dos
colegas. A mão levantada do professor è como uma pedra que toca a superfície de um
lago: a atenção silenciosa se espalha do professor para toda a classe como ondas.
Algumas variações do sinal de silêncio:
Diferentes sinais: palmas na horizontal abaixando vagarosamente para abaixar o
nível da voz.
Cartões coloridos: o professor coloca na mesa do grupo um cartão verde se
estiverem falando cm um bom nível; amarelo se precisam falar mais baixo c
vermelho se precisam ficar quietos.
Capitães do silêncio: cada grupo tem um capitão do silêncio que trabalha
lembrando os estudantes para abaixarem o tom da voz. Ele pode usar um sinal, ou
cartões coloridos.
REGRAS DE CLASSE
As regras de classe podem ser muito úteis. Eu gosto mais quando as regras são
derivadas dos alunos, do que quando são impostas. Elas se tornam mais poderosas.
Geralmente, a forma como os estudantes participam das regras c o resultado de sua
própria interação nos grupos.
Um importante elemento para o sucesso do manejo na Aprendizagem Cooperativa
c a comunicação clara de suas expectativas (dos objetivos). O professor define
antecipadamente aqueles comportamentos que serão necessários para o funcionamento
com sucesso da sala de aula c aqueles comportamentos que são desejáveis.
Necessariamente os comportamentos apreciados envolvem ajuda ao colega, o
reconhecimento do seu avanço, a atenção para as suas necessidades, suas opiniões c seus
desejos.
Linhas gerais para regras na sala de aula:
1. As regras devem ser positivas (não começar com palavras negativas)
2. Seja realista (o que pode ser cumprido).
3. Use palavras simples.
4. Limite o número a poucas regras.
253
ORGANIZAÇÃO DAS CARTEIRAS.
Princípios para organização da sala. Organize as carteiras de tal forma que cada
estudante possa:
1) Facilmente ver a frente (professor e a lousa)
2) Facilmente ver seus colegas dos grupos;
3) Ter igual proximidade de frente com
cada um do grupo.
4) Os grupos podem estar de frente para
cada colega sem atrapalhar que o colega
possa se movimentar livremente pela
sala de aula.
Melhor é quando quatro cadeiras estão
arranjadas ao redor de uma mesa. Mas se há
carteiras, elas podem ser arrumadas de tal
forma que os seus tampos estejam juntos formando uma mesa em comum.
DANDO DIRECIONAMENTO:
Alguns estudantes são melhores aprendizes visuais enquanto outros são melhores
aprendizes auditivos. Seria mais produtivo falar e escrever na lousa ou projetar, mostrar,
etc.,
Parte por parte - pouco a pouco. Dar poucas instruções por vez e não dar mais
instruções ate que todos os alunos possam executar sem pedir esclarecimentos. Se você
der uma longa seqüência de instruções, os alunos não irão completar a seqüência sem
necessitar de explicações e clarificações.
Oferecendo modelos:.Também freqüentemente os professore tentam ensinar algo
novo através de instruções faladas. A mais eficiente forma c oferecer um modelo. Os
estudantes entendem melhor se eles vêem c fazem. Eles levam grande tempo para
entender se eles apenas ouvem. Algumas vezes eu oriento aos professores a mostrar c não
apenas dar instruções.
Há várias formas de oferecer exemplos: você mesmo pode ser um exemplo do que
quer ensinar. Você pode simular ser um membro de um gruo c encenar a função de
membro; você pode trabalhar com um par ou um grupo c eles terão um modelo para a
classe; ou você pode esperar que um comportamento ou função do grupo aconteça
espontaneamente e então pedir aos estudantes que façam novamente o que acabou de fazer
para que toda a classe veja.
Avaliando a compreensão Depois de dar instruções, avalia a compreensão. Tenha
certeza que os alunos entenderam o que foi designado e também algumas técnicas para
avaliar a compreensão e pode ser: resposta cm coro, sinal com o polegar de positivo ou
negativo, explicação para o par ou "juntando cabeças numeradas". Se a instrução envolve
uma seqüência de passos, você pode usar a "mesa redonda" escrita ou falada na qual, todos
estudantes na sua vez, escrevem e passam a folha para o colega da direita.
254
Estruturando. Quando o professor não estrutura as tarefas dos alunos passo a
passo, os estudantes podem acabar trabalhando sozinhos nos grupos, com pouco ou
nenhum desenvolvimento cognitivo e lingüístico, pouca interação ou desenvolvimento de
habilidades de resolver conditos. Assim que além do professor planejar as estruturas de
aula passo a passo, é necessário explanar um pouco e cada vez, garantindo-se assim, que os
passos serão seguidos c a participação será igualitária com responsabilidades divididas.
Dar Atenção para o Comportamento Positivo. Reconheça, parabenize e destaque
o comportamento desejado. O reconhecimento tem maior efeito positivo se for imediato e
público.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo