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Cascalho 10 de agosto de 1893
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Os abaixo assignados residentes no Núcleo colonial do Cascalho, vem
representar a V. Ex.ª. no sentido de lhes ser facultada a necessária licença
para a construção de uma capella na praça da colônia, e um cemitério no
local que V. Ex.ª. for mandado designar e a construção d´uma escola. (...)
ponderamos a V. Exª. que este núcleo colonial, conta hoje não menos de
trezentos fogões, e que o número de seus habitantes se eleva a cerca de
mil almas, neccessitando para commodidade de todos da realização dos
melhoramentos que impetram, e que os habitantes do núcleo
comprometem a realizar por si
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.
E se nossa pergunta era sobre o significado presente nessa solicitação dos habitantes
de Cascalho, este é o momento em que caberia mesmo especificar ainda mais de que modo ia
tomando forma – “auto-configurando”, como mencionou Stein – um estilo próprio, em termos
de usos e costumes que requeriam a construção dos lugares de significado segundo a herança
cultural recebida. O pedido é indicativo de que a vida comum tem início a partir das
disposições dos sujeitos e do dirigir-se a algo que tem particular relevância para o
desenvolvimento da própria comunidade. A igreja, a escola e o cemitério são símbolos por
excelência das necessidades fundamentais do ser humano. Todos eles são lugares para se
fazer memória
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. Pelo movimento em torno da edificação do lugar onde eles mesmos moram,
os membros da comunidade demonstram o seu gosto pelo existir, o prazer em agir e, de fato,
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Segundo Tamiazo (2005, p. 24): “(...) Paradoxalmente, 1893 é a data do fim de uma fase do Núcleo. Por
decreto de 30 de dezembro daquele ano, o governo do Estado emancipou o núcleo, isto é, retirou-se dele como
autoridade, interrompendo os recursos financeiros. Assim, de 1894 em diante, Cascalho passou a ser uma
população como outra qualquer, vinculada aos poderes locais e municipais”.
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Arquivo do Estado de São Paulo, Manuscritos, doc. n° 641. Documento proveniente da Inspetoria de terras,
colonização e imigração do Estado. Por sua vez, a resposta ao pedido da população foi positiva com a
demarcação das terras para a construção da capela, da escola e do cemitério em documentos emitidos pela
Inspetoria de terras n°. 495 e 496 respectivamente de 30/10/1893 e 20/11/1893 (BOTTEON, 2005, p. 36-37).
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Ricoeur fala que o agir ético em uma comunidade comporta três aspectos interdependentes: supõe o cuidado
consigo mesmo (ou estima de si); o desejo de viver bem com os outros (ou solicitude, amizade) dentro de
instituições justas. Este último aspecto, como será entendido por Ricoeur? Ele afirma que são todas as estruturas
do viver de uma comunidade histórica. É ação conjunta de uma comunidade, nas suas diversas esferas, que gera
obras que podem ultrapassar as gerações e servir para a constituição de uma história (RICOEUR, 1991, p. 211).
Assim é que, para Ricoeur (2003, p.62), como ele afirma no capítulo 1 de La memoria, la storia, l´oblio: “os
lugares permanecem como as inscrições, os monumentos, potencialmente os documentos, enquanto as
recordações transmitidas oralmente, só com a voz, voam como as palavras”, fazendo perceber, por conseguinte,
a possível parentela entre recordação e lugares, como uma espécie de ars memoriae. Erigir o templo, a escola,
etc., significa continuar a luta contra a tendência ao esquecimento.