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Considerando tudo isso, compreende-se o alarde que se formou em torno do seu
nome, bem como a “mitificação popular” advinda de uma construção política atrelada ao
surgimento do Estado Novo. Vargas foi projetado para a sociedade brasileira como um
símbolo de renovação e de desenvolvimento. Segundo Baczko
102
, são as ações dotadas de
valor simbólico que conduzem as pessoas à criação de “modalidades específicas de acreditar,
sentir e pensar”. A criação do Departamento de Imprensa e Propaganda – um órgão
responsável pela legitimação do Estado Novo a partir do cerceamento da imprensa, rádios,
jornais, cinema e cultura popular – parece ter obedecido a esse imperativo. Enfim, nada
escapava aos olhos desta máquina governamental. Seu objetivo era a “exaltação do ditador”,
conferindo-lhe uma imagem de “protetor da nação”.
103
Partindo desta produção de efeitos é
que, aos poucos, se foi criando um imaginário político e social associado aos direitos sociais.
Imaginário esse que, nas palavras de Baczko, se torna uma peça efetiva e eficaz do dispositivo
de controle da vida social, em especial do exercício da autoridade e do poder. Ao mesmo
tempo ele torna-se o lugar e o objeto de conflitos sociais.
104
Foi o departamento de propaganda que efetivamente construiu a figura do “mito
Vargas”, enaltecendo o nome do presidente nas várias regiões do país, atrelando-o aos feitos e
realizações de seu governo. Foram estabelecidas datas especiais em que o presidente se dirigia
à sociedade, fortalecendo a relação massa/líder, ganhando, assim, os contornos de uma
liderança do tipo carismático. Muitos são exemplos: dia do índio, aniversário do presidente,
dia do Trabalho, dia da Raça e da Pátria. E dessa forma, por meio de símbolos, ritos, crenças
ia-se construindo um imaginário social em torno do político Vargas. Segundo Maria Celina
105
,
este “mito Vargas” só foi construído porque a política passou a ser uma atividade central na
qual o poder se fazia legitimar.
Conforme nos lembra Baczko, todo poder tem de se impor não como poderoso,
mas como legítimo
106
. Mas, na verdade, o que está por trás deste enredo relaciona-se à
102
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi. Portugal: Imprensa Nacional / Casa da
Moeda, v. 5, 1985, p. 309. Ainda sobre o imaginário, ver TRINDAD, Liana e LAPLATINE, François. O que é
imaginário. São Paulo: Brasiliense, 1997. Também podemos ter uma referência sobre o imaginário e as
representações em PESAVENTO, Sadra Jatahy. Em busca de uma outra história: imaginando o imaginário. In:
Revista Brasileira de História. São Paulo, Contexto, v. 15, nº29, 1995, p. 9-25.
103
Para maiores informações sobre a atuação do DIP, ver: FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso.
Op. Cit., p. 115-128. Assim como o trabalho da CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena.
Propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas, SP: Papirus, 1998.
104
BACZKO, Bronislaw. Op. cit., p. 310.
105
Cf. ARAÚJO, Maria Celina D’. A Era Vargas. Op. Cit. Para uma abordagem sobre esta construção mítica
ver ABREU, Luciano Arone de. Getúlio Vargas: a construção de um mito: 1938-1930. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1996. Neste o autor busca entender a construção do mito Vargas partindo do contexto regional para
o nacional, onde privilegiou seus estudos a partir do Rio Grande do Sul.
106
BACZKO, Bronislaw. Op. cit., p. 310.