
nós, somos nós mesillos, aquelles que temos um pouco de conhecimento dos nossos
direitos e de dignidade. Ora os anarquistas são dos nossos, e muitas vezes expõem a
vida contra uma fera... E por isso é que os ricos e graudos dizem mal delles e
procuram arranjar que os ignorantes lhes tenham odio: os patrões e governantes não
querem ser incomodados nas suas empresas, querem explorar à sua vontade. Olha os
socialistas e anarquistas que conheces e olha os patrões: verás logo quaes são os
nossos. Vê as burguesas da fabrica, como andam todas no luxo... a nossa custa.
- É verdade, tens razão. Bem dizia o padre, outro dia, na Igreja, quando fez o
sermão: quando nós morrermos, ficaremos vingados. Soffremos com paciencia em
vida: mas depois se verá que tem razão... Disse coisas tão bonitas! Para falar não há
como aquelles padres!
- Ah! Joanna! É por essas e outras que nos vemos neste estado... Pois tu ainda
acreditas nos padres?! Queres que te diga?
Padres, frades, bispos, toda essa canalha da Igreja, tudo isso é um bando de
alcoviteiros dos patrões. Ajudam os patrões a explorar e vivem também á custa do
nosso suor, vendendo-nos muito caro, os seus latinorios e suas mentiras... Dizem
que devemos soffrer em vida, porque querem gozar sem trabalho, á nossa custa, em
companhia dos patrões. Não vês como são amigos. Não vês como os ricos são
religiosos? Se o prazer e a riqueza levam ao inferno, por que é que os padres, os
bispos, o papa, não tratam de converter os ricos religiosos... á pobreza e não são
pobres?...
- Sim... mas escuta, Mariquinhas, sempre devemos respeitar os padres porque são
ministros de Deus, e é preciso ir á missa, ir á confissão...
- E de que te serve tudo isso? E como podes tu, acreditando em Deus, que, como
dizem os crentes, não se engana, nunca erra, não pode mudar de resolução, é sempre
justo, como podes pensar que os teus pedidos sirvam para fazer mudar de ideias? Se
é Deus, se é como dizem, que tem de julgar sempre do mesmo modo não dando
ouvidos nem aos insultos nem as suplicas, não se deixando arrastar nem pela lisonja
nem pelo despeito. Sabes por que ha Igrejas? Pelo mesmo motivo que ha vendas:
porque ha negociantes que vivem dellas... E todos que se deixam roubar. Os padres,
os negociantes da religião, amparam a Igreja que é o seu ganha-pão. E a confissão?
Vês esses espiões que o nosso patrão mantem para nos vigiarem, para lhes contarem
os nossos protestos as nossas palavras de descontentamento? Pois os padres fizeram
ainda melhor: inventaram a confissão. Assim, surprehendem os segredos, dirigem as
almas, governam as casas, apanham heranças. É uma boa polícia!...
- Então os anarquistas e os socialistas não vão á Igreja? Não tem santos?
- E tu confias nos santos? Não tens de trabalhar constantemente para ganhar um
pouco de pão? O que devem fazer todos é esperar tudo de si mesmo... Se nós
confiassemos só nos nossos braços e na nossa união, não precisavamos de nos
ajoelhar diante de qualquer santo de pau ou carne, nem o nosso trabalho seria tão
duro e tão pouco proveitoso...
- Sabes uma coisa? Eu também, desde que comecei a ler os jornaes que tens me
dado e que dizem tantas verdades, e um livrinho chamado “Porque somos
anarquistas” tenho perdido a minha fé nos santos e, quando vou á Igreja, já nem
rezo: ponho-me a pensar, a pensar...
- Que aquillo tudo é uma mentira e os padres são uns ladrões, não é?
- Tanto não digo, mas... Ah! É verdade Mariquinhas: sabes o que me disse a mim e a
outras companheiras um anarquista?... Chegou-se a nós, com bons modos, e assim,
em conversa, disse-nos que os patrões, os governos e os trabalhadores ignorantes e
traidores que os ajudam estão todos aliados contra os pobres; que os anarquistas
querem que as terras, as máquinas, as casas, as estradas de ferro, todas as coisas que
servem para produzir e transportar, sejam de todos e administrados pelos mesmos
que, se servem dellas; que assim se produzirá muito mais do que hoje, porque não
haverá quem tenha interesse em parar o trabalho só pra vender mais caro, e porque
não se trabalhará para um patrão, mas para satisfazer os consumidores, que todos
trabalharão e todos consumirão não sendo preciso de dinheiro; que hoje as fábricas e
as terras só dão em quanto haja quem compre e depois param e não servem para
nada, ainda que haja muita gente com fome, nua e sem casa; que os homens são
muito estupidos, consentindo isto; que a mulher terá os mesmos direitos que o