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proclamação da República e substituiu Dom Antonio Maria Correa de Sá e Benevides (1876-
1896) que, atacado por várias enfermidades, teve que entregar o comando da diocese
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Foi sob o báculo de Dom Silvério que a Igreja de Juiz de Fora passou de um catolicismo
tradicional e popular
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para um catolicismo romano e clericalizado. Quando em 1922 veio a
falecer, a Igreja local já se encontrava em total sintonia com o movimento reformador, de forma
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PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.72.
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Alberto Antoniazzi assim define o catolicismo tradicional: "É o catolicismo trazido de Portugal, basicamente
medieval, ainda não profundamente marcado pela reforma tridentina. É um catolicismo leigo, não apenas pela
escassez histórica do clero (particularmente no interior rural), mas pela própria estrutura da experiência religiosa
em que se baseia, onde o fiel pode se dirigir diretamente ao santo, sem a necessidade de uma mediação sacerdotal
ou clerical" (ANTONIAZZI, Alberto. O catolicismo no Brasil. In: LANDIM, Leilah (org.) Sinais dos Tempos:
tradições religiosas no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos da Religião (ISER), 1989, p.13-14). É esse
modelo de catolicismo que se desenvolveu em Juiz de Fora. Um catolicismo onde cada indivíduo se tornava um
agente ativo na construção de uma realidade simbólica da qual participava de acordo com a sua experiência social.
Um catolicismo onde a fé, a crença e a religiosidade se realizavam a todo instante. Nas palavras de J. B. Libânio: é
um catolicismo que passeia muito mais à vontade no espaço do simbólico, do maravilhoso, do fantasioso, do
imaginativo que do racional (...) e da rigidez fria da ortodoxia (LIBÂNIO, J. B. Deus e os homens: os seus
caminhos. Rio de Janeiro: Vozes, 1990, p.44-45) e é justamente este modelo de vivência da fé que o clero
romanizado buscou combater. Optou-se nesta dissertação pelo uso do termo tradicional ao invés do termo popular
por este último termo sofrer um desgaste diante da associação indiscriminada deste conceito ao de povo. O próprio
conceito de povo traz complicadores em sua percepção haja vista que a expressão sugere um pluralismo de sentido
que poderia prejudicar a presente análise. Dessa forma, popular pode significar aquilo que é próprio do povo ou
feito para ele; algo que tem a simpatia do povo e ainda, aquilo que é vulgar, trivial e ordinário. Riolando Azzi
qualifica o conceito catolicismo popular como uma expressão ampla, complexa e ainda não muito delimitada. Da
mesma forma Peter Burke, em seu estudo sobre a cultura popular na Idade Moderna, destacou a imprecisão e a
dificuldade de delimitar o que viria a ser popular (COMBLIN, José. Para uma tipologia do catolicismo no
Brasil. Revista Eclesiástica brasileira. Petrópolis: Vozes, v. 28, n. 1, mar. 1968, p.47. Ver também: BURKE, Peter.
Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989 e AZZI,
Riolando. Elementos para a história do catolicismo popular. In: Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis:
Vozes, V.36, 1976). Buscando assim evitar ambigüidades optou-se por trabalhar com o conceito de catolicismo
tradicional. Entretanto sabemos da limitação do termo tradicional apontada, por exemplo, por Pedro A. Ribeiro de
Oliveira, J. Edênio Valle e Alberto Antoniazzi que consideram que esse conceito se tornou vago por ter sido
definido por aqueles que não o praticavam, isto é, a própria hierarquia. Estes autores preferem adotar em seus
trabalhos o termo catolicismo do povo que reflete, segundo eles, o conjunto de crenças e práticas como sendo a
maneira do povo - independente do status social ocupado - praticar seu catolicismo (OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro
de; VALLE, J. Edênio e ANTONIAZZI, Alberto. Evangelização e comportamento religioso popular.
Petrópolis: Vozes, 1978, p.23). Tal compreensão está em consonância com a de Francisco C. Rolim que
desvincula a compreensão do termo popular de uma determinada classe social (ROLIM, Francisco Cartaxo.
Condicionamentos sociais do catolicismo popular. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes, v.36, n.141,
1976, p.144). Ao adentrarmos por esses conceitos, percebemos que a problemática que envolve o catolicismo está
além de uma terminologia dicotômica que não dá conta de explicar a riqueza das formas pelas quais o catolicismo
é praticado pelos fiéis. Tanto o oficial quanto o popular apresentam em seu interior um intricado jogo de diferenças
e conflitos. Longe de constituírem campos estanques, revelam-se instâncias movediças e de influência recíproca.
Qualquer tentativa de se classificar as práticas rituais do catolicismo em categorias está fadada ao fracasso.
Consciente do problema inerente às terminologias empregadas para se explicar às relações que estruturaram o
catolicismo no Brasil, usa-se o termo tradicional na presente dissertação por ele ter um sentido bem delimitado
referindo-se ao conjunto de práticas religiosas anteriores ao Concílio de Trento, mas que foram transferidas para o
Brasil colonial, imperial e até hoje se manifesta na religiosidade praticada pelos leigos (QUIOSSA, Paulo Sérgio.
Ministério da Fé: A irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz de Santo Antônio de Juiz de Fora (1854-
1962). Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião), Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de
Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2004, p. 46-48).