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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO
AS FILHAS DE MARIA: UMA HISTÓRIA SOCIAL DA PIA UNIÃO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Religião
como requisito parcial à obtenção do
título de mestre em Ciência da Religião
por Ioneide Maria Piffano Brion.
Orientadora: Prof. Dra. Célia Maia
Borges.
JUIZ DE FORA
2009
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Dissertação defendida e aprovada em 13/03/2009, pela banca constituída por:
___________________________________
Presidente: Prof. Dr. Riolando Azzi
___________________________________
Titular: Prof. Dr. Robert Daibert Júnior
___________________________________
Orientador: Prof. Dr. Célia Maia Borges
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AGRADECIMENTOS
Ao iniciar a escrita destes agradecimentos pude perceber o quanto a solidariedade e a
compreensão de amigos e de pessoas desconhecidas foram vitais para que este trabalho,
depois de uma longa caminhada, chegasse ao fim.
Assim agradeço, primeiramente, as associadas a Pia União das Filhas de Maria que
tanto me ensinaram em nossas saborosas e agradáveis conversas. Agradeço a paciência, a
atenção e o carinho que me dispensaram, além do entusiasmo de compartilhar comigo suas
memórias. Agradeço, especialmente, minha madrinha Ioneide Antônia que ainda que não
mais esteja fisicamente conosco foi a grande incentivadora desta pesquisa. Lamentável que
seu tempo entre nós tenha se esgotado antes do término desta dissertação.
Sou grata ao apoio do Centro de Memória da Igreja de Juiz de Fora representado pelo
padre João e pela professora Mabel Salgado Pereira. À professora Mabel dedico um carinhoso
agradecimento pelo incentivo dado à pesquisa do tema e ao meu ingresso no programa de pós-
graduação em Ciência da Religião.
Agradeço aos professores membros da banca examinadora por aceitarem o convite
de participarem da defesa da minha dissertação.
Meus agradecimentos aos professores do PPCIR com quem cursei as disciplinas que
tanto me ajudaram no direcionamento da pesquisa. Um agradecimento para de especial aos
professores Francisco Pereira Neto, Fátima Tavares e Fabiano Fernandes.
Devo também um agradecimento especial ao professor Alexandre Mansur Barata
professor do programa de pós-graduação em história da Universidade Federal de Juiz de Fora.
As aulas da disciplina Seminário de Linha de Pesquisa ministradas pelo professor foram
fundamentais para me apresentar uma bibliografia importante para o caminhar da pesquisa.
Agradeço também a minha orientadora Célia Borges. Quão valiosas foram suas
correções, sugestões e opiniões as quais enriqueceram este trabalho. Obrigada também pelas
constantes palavras de incentivos e pela paciência em me ajudar a desatar os nós que foram
aparecendo ao longo da pesquisa.
Meu sincero agradecimento aos colegas de trabalho da Escola Estadual Cônego
Joaquim Monteiro pelo apoio, incentivo e compreensão pelos dias de ausência que sei que
provocaram transtornos no dia a dia da escola. Especialmente agradeço a diretora Maria
Aparecida Reis (Cidinha), a vice-diretora Cacilda e a supervisora pedagógica Lenir Faria, os
anjos da guarda desta dissertação, já que foram estas mulheres incríveis que possibilitaram
que as entrevistas ocorressem na escola e que muitas vezes ficaram com os meus alunos para
que eu pudesse me dedicar à pesquisa. Obrigada.
Ao meu amigo Hermenegildo com quem compartilhei minhas variadas versões para
os capítulos, minhas lamúrias, desesperos, expectativas, medos, choros e conquistas.
Aos meus pais e ao meu noivo Luciano, que sem sombra de dúvida foram as pessoas
que mais sofreram nestes dois anos, pois tiveram que lidar com uma pessoa com alternância
de humor, estressada, desatenta e em alguns momentos chata. Esta tríade, maravilhosa, foi
responsável por me animar a hora que a vontade de desistir batia. Eles confiaram mais em
mim do que eu mesma. À minha mãe agradeço por ter se tornado minha “monja copista”
que incontáveis vezes me ajudou em fichamentos ou em serviços da escola para aliviar a
carga que pesava sobre meus ombros. Ao Luciano agradeço por entender o quão importante
era este trabalho para mim e, por isso, sacrificar seus finais de semana e folgas para me
ajudar.
A todos o meu muito obrigado.
Aos meus pais que são minha fortaleza.
Ao meu noivo que é o raio de sol que aquece e
ilumina a minha vida.
A memória de minha madrinha, Gaúcha, aquela
que me apresentou as Filhas de Maria e foi o ponto
de partida desta pesquisa.
A todas as Filhas de Maria por manterem viva a
memória desta Associação.
“Quando pela vez primeira a tua imagem vi,
Vi o cravo e a rosa, o lírio e o jasmim;
Fiquei extasiado! Nem sei mesmo o que senti!
O embevecimento, o sonho ideal, que jamais senti assim
Era a aurora boreal, o suave luar de prata;
O arminho, o brocado, a púrpura, o cetim;
O diamante, a esmeralda, a safira e a ágata,
O fogo da ametista, da rosa o carmim!
Eis o que vi: do mármore pentélico a alvura!
Comparei tua beleza à de toda criatura!
E disse: Mais bela que todas elas, gentil e graciosa
És Tu, Maria, Mãe de Jesus, lírio de Nazaré,
Casta filha e esposa, mulher a mais formosa;
Viçosa tige brotada da haste de Jessé!”
(Epígrafe contida no Manual da Pia União das Filhas de Maria)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------01
CAPÍTULO 1: A ASSOCIAÇÃO DA PIA UNIÃO DAS FILHAS DE MARIA --------
10
1.1. Origem Histórica ---------------------------------------------------------------------------------
10
1.2. O catolicismo romanizado -----------------------------------------------------------------------
12
1.2.1. Romanização em Juiz de Fora ----------------------------------------------------------
17
1.2.2. Filhas de Maria: um papel para o feminino ------------------------------------------
31
CAPÍTULO 2: A PRÁTICA ASSOCIATIVA -------------------------------------------------
44
2.1. Organização da associação ---------------------------------------------------------------------
44
2.2. O comportamento desejado ---------------------------------------------------------------------
56
CAPÍTULO 3: SER FILHA DE MARIA: UMA IDENTIDADE PARA A MULHER
LEIGA CATÓLICA ---------------------------------------------------------------------------------
69
3.1. Guardiãs da fé e da moral: o controle social --------------------------------------------------
69
3.2. Interiorização de modelos e a resignificação --------------------------------------------------
82
CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------------
93
FONTES E BIBLIOGRAFIA --------------------------------------------------------------------
98
ANEXOS ---------------------------------------------------------------------------------------------
113
RESUMO
O objeto desta dissertação é um estudo da construção e da redefinição da identidade
das mulheres integrantes da Pia União das Filhas de Maria, em Juiz de Fora e cidades
vizinhas, no período compreendido entre 1907 a 1954, no processo denominado de
romanização instaurado pela Igreja Católica no Brasil. O primeiro capítulo fornece um
panorama sobre a origem deste grupo leigo católico na Europa e no Brasil. Discute o papel
desempenhado pela organização da Pia União no contexto da romanização e o discurso do
clero sobre o papel social da mulher. O segundo capítulo discorre sobre o funcionamento da
associação e as normas internas que regem a vida das associadas bem como o controle moral
exercido sobre as Filhas de Maria. No terceiro capítulo é abordada a relação entre o normativo
e o vivido buscando evidenciar como as normas da associação foram internalizadas e
relativizadas pelas participantes da Pia União das Filhas de Maria.
ABSTRACT
The object of this dissertation is to make a study of the construction and redefinition of
the identity of women belonging to the Pious Union of the Daughters of Mary in Juiz de Fora
and neighbor cities, in the time between 1907 and 1954, during the process named
Romanization initiated by the Catholic Church in Brazil. The first chapter offers a view on the
origin of this laic catholic group in Europe and Brazil. It discusses the roll performed by the
Pious Union organization inside the context of the Romanization and the clergy's speech on
the social roll of women. The second chapter relates the functioning of the association and the
internal rules which govern the lives of the associated and also the moral control inflicted
upon the Daughters of Mary. In the third chapter the relation between normative and life is
approached in order to search for evidences on how the rules of the association were
internalized and put on relativity by the members of the Pious Union of the Daughters of
Mary.
INTRODUÇÃO
A identidade criada para a mulher católica no Brasil traz em si dois aspectos que, se
inicialmente parecem contraditórios, quando analisados mais detidamente deixam
transparecer a sua complementaridade. O primeiro destes aspectos está pautado pela visão da
Igreja que representava o caráter pecador, degenerado e desobediente da mulher, fruto da
herança deixada por Eva, que ao ceder à tentação da serpente permitiu a introdução do pecado
na vivência humana e o conseqüente afastamento do paraíso
1
.
O segundo aspecto diz respeito ao poder civilizatório atribuído à mulher, sobretudo,
nas novas terras “descobertas”. Era necessário consolidar uma civilização cristã que afastasse
os primeiros colonos do encontro, segundo o clero católico, pecaminoso e degradante com as
negras africanas e com as negras da terra. Para tanto o matrimônio tinha que ser incentivado e
nos primeiros tempos, os casamentos foram consolidados com a “importação” de mulheres da
Metrópole. Contudo, posteriormente, com a constituição de núcleos familiares se fez
necessário desenvolver uma moral repressiva e controladora para a mulher na Colônia com
vistas à constituição de uniões aprovadas pela Igreja e pelo Estado
2
.
É da junção destes dois aspectos, o caráter pecador e o poder civilizatório, que nasce
o discurso sobre a identidade feminina no Brasil Colônia. A mulher, por ser propensa a
luxúria, devia ser mantida resguardada entre as paredes da casa da família e depois, da casa do
marido. Segundo o pensamento da época havia três momentos do contato da mulher com o
mundo público: o primeiro ocorria no dia do seu batismo, o segundo no seu casamento e por
fim, o último era no seu funeral
3
.
Ao ser restringida à esfera privada, a mulher ficava responsável pelos cuidados da
harmonia do lar e a capacidade procriadora através da maternidade. Nestes dois pontos era
que consistia o poder civilizatório do papel feminino: gerar descendentes saudáveis e educá-
los na fé cristã para que, desta forma, a nova terra fosse ao mesmo tempo povoada e
civilizada. Esta mulher, sobre quem não pesava o destino da família como também o
destino de toda Colônia, devia possuir qualidades como a castidade, a pureza, e a obediência
1
REIS, Adriana Dantas. Cora: lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX. Salvador: Centro de
estudos baianos, 2000, p. 68-71.
2
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. 2.
ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993, p. 23-28.
3
ARAÚJO, Emanuel. A Arte da Sedução sexualidade feminina na colônia. In: DEL PRIORE, Mary.
Mulheres no Brasil Colonial. São Paulo: Contexto, 2000, p. 47-48
2
para com os homens. Desejava-se, com isso, fechá-la em uma armadura de aparências que a
levasse a desempenhar e a se identificar com o papel social a ela destinado
4
.
Para a mulher católica e leiga do final do século XIX e início do século XX o
discurso sobre o seu lugar na sociedade pouco foi alterado com o novo regime e o novo status
do catolicismo. O papel reservado para o feminino continuou restrito à esfera do privado e a
sua função na sociedade permaneceu a de filha que alegrava e distraía, a de esposa que
auxiliava e consolava e a de mãe que velava e educava. A mulher era identificada como a
“rainha do lar” e a “santa-mãezinha” modelos de feminino que deveriam ser inculcados nas
mulheres
5
.
No entanto, com a emergência dos valores burgueses novos critérios de conduta
social, bitos e costumes acabaram se somando ao que se esperava da mulher. O novo
currículo incluía, além da maternidade, a polidez e a ilustração. A polidez e a ilustração, por
sua vez, deviam servir para tirar a mulher da fraqueza mental” em que se encontrava e
instigar-lhe a inocência e a pureza, que alegavam os discursos médicos
6
.
Se até então o papel social da mulher estava restrito somente à esfera doméstica,
agora para ela também se abriam novos espaços para a socialização, como salões, os teatros e
mesmo as associações religiosas, como no caso da Pia União das Filhas de Maria. Mas, se as
mulheres participavam do espaço público era ainda na condição de capital simbólico para a
família ou para o marido, que possuir uma filha ou esposa virtuosa era sinal de prestígio
social e de possibilidade de ascendência política e até econômica
7
.
Em meio às mudanças e permanências do lugar da mulher na sociedade, dois
discursos travavam uma luta pela consolidação do ideal de mulher que devia ser exaltado
neste momento. De um lado, tinha-se o discurso dos republicanos positivistas que, sob a
inspiração do modelo francês, queriam identificar o feminino com a alegoria da república
Marianne que representava a humanidade, a pátria e a família, enfim, uma virgem-mãe.
Porém, os descaminhos pelos quais o novo governo passara e a própria história da mulher
brasileira, que está mais atrelada à esfera do privado do que a do público, fariam com que este
modelo não obtivesse sucesso no imaginário da população. Por outro lado, havia o discurso
4
Ibidem, p. 47-50.
5
BERNARDES, Maria Tereza C. C. Mulheres de ontem? Rio de Janeiro século XIX. o Paulo: T. A.
Queiroz, 1989, p.6-10.
6
Idem, p.26.
7
D’INCÃO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary. Mulheres no Brasil colonial.
São Paulo: Contexto, 2000, p. 223.
3
anti-republicano do clero romanizado cujos bispos, principais incentivadores da romanização
no Brasil, elegeram Maria
8
como a arma contra a figura laica de Marianne
9
.
Maria reabilitava a mulher do pecado de Eva já que pela maternidade havia gerado o
Salvador da humanidade e se tornava um ideal de mulher com amplos poderes sobre a
formação identitária do feminino leigo católico da romanização. De maneira que, em 1854, o
papa Pio IX (1846-1878) buscou incentivar a devoção mariana proclamando o dogma da
Imaculada Conceição. Posteriormente, foi estabelecido o mês de maio como o mês de Maria e
a festa de coroação da Virgem passou a ser estimulada pelas hierarquias católicas, de forma
que no pontificado do papa Pio XII (1939-1958) culminou o que se chamou de a era
mariana
10
.
Mas talvez o fato mais significativo para a construção do papel feminino católico
brasileiro tenha sido a coroação, em 1904, de Nossa Senhora Aparecida como rainha do
Brasil. Além de ela superar qualquer símbolo cívico, de deitar raízes na profunda tradição
católica e mariana, Aparecida era a representação da tríade mãe-mulher-santa, mas uma tríade
encontrada em um feminino genuinamente brasileiro. Da mulher leiga católica brasileira
passou a ser cobrado um modelo que exigia ser mãe virtuosa, protetora, acolhedora e perfeita.
Modelo quase inatingível que, por isso, exigia um controle e uma vigilância social muito
maior que no período colonial uma vez que ser Eva, no discurso dos padres romanizados, era
qualidade de todas as mulheres, mas ser Maria era possibilidade para poucas
11
.
Assim a presente dissertação pretendeu investigar a construção e a redefinição da
identidade das mulheres dentro da Igreja católica no período denominado de romanização
12
8
Cabe ressaltar que um dos princípios do processo de romanização é o incentivo ao culto mariano. Apenas o que
o clero brasileiro faz é se utilizar de um discurso que era próprio da transformação que se operava em alguns
setores da Igreja católica para poder tentar estabelecer uma representação da nação que ainda estivesse atrelada
ao catolicismo. Desta forma, o catolicismo romanizado tentava dar mostras que mesmo afastado do Estado
tinha amplos poderes de influência simbólica sobre a nova nação. (CARVALHO, José Murilo de. A
formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p.81 e
93-94).
9
Cabe aqui ressaltar que não é o objetivo desta dissertação trabalhar com a comparação destes modelos. Eles são
citados para demonstrar que discursos sobre o feminino neste período não eram feitos apenas pela Igreja
Católica. Na presente dissertação apenas abordaremos o feminino através de uma instituição católica
almejando compreender como a mulher se relacionava com um dos discursos a respeito do feminino existentes
na sociedade.
10
DICIONÁRIO DE MARIOLOGIA. São Paulo: Paulus, 1995, p. 403.
11
BOFF, Clodovis. Maria na cultura brasileira. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 28-33.
12
Compreende-se por romanização o movimento de centralização com vistas a uma uniformização da Igreja
romana na vida eclesial e eclesiástica da Igreja no Brasil. Esta ação assumia os objetivos da Reforma Católica
Tridentina. Por isto mesmo, tanto a Romanização quanto a Reforma Católica partiam dos bispos auxiliados
pelo clero, com o objetivo de enquadrar a vida dos fiéis nas diretrizes de um novo modelo de catolicismo e de
Igreja, denominado ultramontanismo, no qual a Igreja devia ser compreendida como uma sociedade
hierarquizada e autônoma, sob a chefia do Pontífice Romano”. (MONTES, Maria Lúcia. As figuras do
4
através das associadas a Pia União das Filhas de Maria durante o período que se estendeu de
1907 a 1954. A pesquisa buscou conhecer a história, a organização e a dinâmica da
associação bem como, suas estratégias de sobrevivência dentro de uma sociedade laicizada e
misógina. Para isso, buscou-se verificar quais os efeitos das representações de modelos de
feminino, difundidos tanto por setores do clero romanizado como por setores do estado
republicano, para as associadas.
Desta maneira, almejou-se também dar uma contribuição para o entendimento de
algumas questões dentro da história do catolicismo no Brasil, a saber: de que forma
identidades religiosas são construídas; como são elaboradas, através da religião, identidades
sociais; de que forma as mulheres ao longo da história do catolicismo romanizado
qualificaram o seu modo de ser, e o dos outros; e de que maneira, por meio destas mulheres,
o catolicismo romanizado se pôs em contato com o contexto no qual estava imerso.
Assim, o recorte temporal da pesquisa se estende de 1907 a 1954. A data de início
para a pesquisa pode ser justificada por ser o primeiro ano no qual se encontram registros da
associação para a cidade de Juiz de Fora. a data de 1954 foi selecionada por ser o último
ano de referência que aparece nas atas da associação. Trabalho com a hipótese de que, em
termos formais, este seria o ano de término da Pia União na cidade de Juiz de Fora. No
entanto, a finalização do registro nas atas não corresponde ao término efetivo da associação,
visto que se constata a existência de associadas até o presente ano na cidade. O que não se
encontrou mais foram as reuniões formalizadas.
No desdobrar da pesquisa foi necessário abordar o contexto político, econômico e
religioso de Juiz de Fora tanto no que se refere ao período que antecede a implantação da
romanização na cidade quanto àquele que se desenrola concomitantemente com o processo.
Isso porque este contexto contribuiu para a compreensão do catolicismo romanizado que foi
implantado na cidade de Juiz de Fora, bem como para a própria compreensão do
comportamento das mulheres para as quais o discurso moralizador da romanização irá se
dirigir. Contribuiu também para clarificar o contexto no qual foi definida e redefinida a
identidade leiga católica.
Esta dissertação ao se propor uma análise de história social buscou reafirmar o
princípio de que, para esta filiação teórica, os grupos sociais se constituem na dinâmica social.
O grupo que daí advém é fruto de uma junção da necessidade de compartilhamento de uma
sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (org.) História da vida privada no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 76. [v.4].p.75).
5
cultura que determine uma possibilidade de sociabilidade
13
nos agrupamentos humanos
possibilitando uma inteligibilidade dos comportamentos sociais com as práticas discursivas
concorrentes que almejam moldar o comportamento do grupo
14
.
Desta maneira, parte-se da idéia de que a vida social se apresenta como uma
realidade que é interpretada pelos homens para quem esta realidade é dotada, subjetivamente,
de sentidos os quais tendem a formar um mundo coerente que molda a vida e as ações do
indivíduo no mundo
15
.
Assim, de acordo com Erving Goffman, quando este indivíduo (ou no caso desta
dissertação um grupo social representado pelas Filhas de Maria) projeta na sociedade aquilo
que adveio da sua organização interna e passa a desempenhar um papel social no qual contém
a concepção de que é uma pessoa de determinado tipo, este indivíduo ou grupo passa a agir
sobre os outros, obrigando-os a valorizá-lo e a tratá-lo como ele se projetou. Com isso,
fazendo com que a existência na vida social passe a depender da interação e comunicação
com outros grupos da sociedade
16
.
Pode-se afirmar, então, que a identidade do grupo que advém desta interação
possuiria duas dimensões: a pessoal (individual) e a social (coletiva). Estas duas dimensões
estariam interconectadas a partir de um código de valores culturais compartilhados que
permitiriam compor um campo de comunicação e interação a partir do qual os membros dos
grupos se identificam e também são identificados pelos outros
17
. Mas para que isso ocorra é
necessário que o papel social desempenhado interaja com os valores oficialmente
reconhecidos pela sociedade. Neste sentido, eles seriam uma reafirmação dos valores morais
daquela comunidade
18
.
Este código compartilhado, no entanto, tende a se exprimir como um sistema de
oposições ou contrastes criando uma identidade contrastiva. Esta identidade implicaria na
afirmação “do nós” diante dos outros". Segundo Roberto Cardoso de Oliveira, quando uma
pessoa ou grupo se afirmam como tais, o fazem como meio de diferenciação em relação a
13
Entende-se por sociabilidade o conjunto de interesses que transforma um mero agregado de indivíduos
isolados em formas específicas de ser com e para um outro visando através da interação a satisfação de seus
interesses. Para uma leitura mais aprofundada deste conceito ver FILHO, Evaristo de (org.) Georg Simmel:
Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
14
CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da
História: Ensaios de Teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p.45-59.
15
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. 6 ed. Rio de Janeiro: Vozes,
1973, p.35.
16
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1985, p.21.
17
LASK, Tomke (org.) O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa,
2000, p.19-20.
18
GOFFMAN, Erving. op.cit., p. 41.
6
alguma pessoa ou grupo com que se defrontam. É uma identidade que não se afirma
isoladamente, ao contrário, ela se afirma negando a outra identidade através dos seus valores.
Desta maneira, ela não julga os valores dos outros, mas os outros. No entanto, não a
diluição do grupo porque este mantém um complexo organizador de comportamentos e
relações que marca as fronteiras entre “os de dentro” e “os de fora”
19
.
O complexo organizador e aglutinador desta comunidade, cuja criação por uma
representação é delicada e frágil podendo ser partida por minúsculos contratempos, seria a
religião e especificamente o catolicismo romanizado
20
. A religião que nada mais seria do que
uma estrutura de poder é, na presente dissertação, usada em conformidade com a definição de
religião de Pierre Bourdieu. Este autor compreende a religião enquanto um sistema simbólico
de comunicação e de pensamento capaz de dar a uma dada sociedade a ordenação lógica de
seu mundo ao inscrevê-la enquanto integrante de uma ordem cósmica que não permite
questionamento. Com isso, a religião asseguraria um consenso moral capaz de transfigurar
instituições e grupos sociais em instituições e grupos sociais frutos do desígnio divino
21
.
Assim, a função simbólica da religião consistiria em inscrever seus esquemas de
pensamentos nas consciências individuais que, para esta pesquisa, seria a consciência das
associadas às Filhas de Maria. As moças pertencentes a esta associação estavam inseridas em
todo um sistema simbólico do catolicismo romanizado que visava distinguir os leigos
católicos do restante da sociedade. Desta maneira, de acordo com Goffman, ser uma
determinada espécie de pessoa não se resumia meramente em possuir os atributos necessários,
mas também em manter os padrões de conduta e aparência que o seu grupo social e os demais
lhe atribuíam
22
. No caso desta dissertação, estes padrões de conduta viriam dos valores
propagados pelo clero envolvido no processo de romanização.
Os estudiosos da história do catolicismo definem como catolicismo romanizado todo
o processo dentro da Igreja católica que, pautado nas diretrizes do Concílio de Trento, visava
a moralização tanto de religiosos quanto de leigos objetivando o fortalecimento da fé católica.
O processo romanizador era, assim, um movimento de centralização, com vistas à
uniformização da Igreja romana na vida eclesial do Brasil. Esta ação partia dos bispos,
auxiliados pelo clero, objetivando enquadrar a vida dos fiéis nas diretrizes de um novo
19
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pioneira, 1976, p. 4-6.
20
GOFFMAN, Erving.op.cit., p. 58.
21
BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas simbólicas. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 30.
22
GOFFMAN, Erving. op.cit, p. 74.
7
modelo de catolicismo. Neste movimento a Igreja devia ser compreendida como uma
sociedade hierarquizada e autônoma, sob a chefia do pontífice romano
23
.
A romanização criou, então, uma série de mecanismos de enquadramento dos fiéis
que iam desde o ensino, passando pela publicação de periódicos e revistas até a fundação de
associações leigas como a Pia União das Filhas de Maria; tudo isso visando criar uma
identidade católica para a associação que contrastasse com o restante da sociedade. Desta
maneira, ao desempenharem os papéis que lhes foram atribuídos, as integrantes da associação
participavam de um mundo social. Ao interiorizar estes papéis o mesmo mundo tornava-se
subjetivamente real para elas
24
.
A metodologia utilizada partiu da análise de uma documentação pública que trazia
informações sobre o grupo estudado, a saber: as anotações do livro de tombo da paróquia de
Juiz de Fora, as Atas da Associação, o Manual da Instituição e o jornal Lar Cathólico. A
totalidade desta documentação foi encontrada no Arquivo Histórico Padre Henrique Oswaldo
Fraga, que faz parte do Centro de Memória da Igreja de Juiz de Fora situado no Seminário
Arquidiocesano Santo Antônio.
Em complementaridade à análise documental, colheu-se, com algumas
remanescentes da associação, memórias
25
de sua experiência enquanto Filha de Maria. A
23
Sobre o processo de romanização ver: PEREIRA, Mabel Salgado. A presença do catolicismo em Juiz de Fora:
do modelo tradicional ao reformado (1741-1924). In: TAVARES, Fátima R. G.; CAMURÇA, Marcelo A.
(org.). Minas das devoções: diversidade religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Editora da UFJF/PPCIR,
2003, p.16; PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de
Fora (1890-1924). Juiz de Fora: Livraria e Editora Notas e Letras, 2004; BRION, Ioneide Piffano. A ação
reformadora e romanizadora na Igreja católica de Juiz de Fora (1890-1924). Trabalho de Conclusão de
Curso (Bacharelado em História). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz
de Fora, 2005; TAVARES, Mauro Dillman. Irmandades religiosas, devoção e ultramontanismo em Porto
Alegre no bispado de Dom Sebastião Dias Laranjeira (1861-1888) Dissertação (Mestrado em História),
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2007; TAVARES, Mauro Dillman. Progresso e
civilização à luz ultramontana: jornais católicos no sul do Brasil, Porto Alegre –século XIX. Revista
Histórica, São Paulo, ano 2, n.12, julho de 2006; OLIVEIRA, Pedro Ribeiro. Catolicismo popular e
romanização do catolicismo brasileiro. Revista Eclesiástica Brasileira. Vol.36, fasc.141, p.131-141, março
de 1976; GOMES, Francisco José Silva . A reforma tridentina e a Cristandade: entre o mito e a utopia. In:
XVII Simpósio Nacional de História - ANPUH, 1993, o Paulo. Anais do XVII Simpósio Nacional de
História - ANPUH. São Paulo : ANPUH, 1993.
24
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. op.cit., p.103.
25
Aqui cabe se fazer algumas ressalvas: neste projeto se tem consciência de que trabalhar com a memória é
registrar apenas um fragmento de uma vida, de uma história. Um fragmento que muitas vezes está preocupado
em transmitir uma gica, esconder decepções, criar uma identidade. Enfim, narrar os acontecimentos em
seqüências ordenadas segundo relações de inteligibilidade. Desta maneira, tem-se consciência de que o ato de
lembrar, de puxar pela memória”, não envolve apenas reviver, mas também reconstruir e repensar o vivido.
Mas isto, não torna o que vai ser narrado sem valor, pelo contrário, esta pesquisa se interessa justamente em
confrontar o que oficialmente deveria ser a associação das Filhas de Maria e o que as participantes
compreendiam que era ser uma associada. Daí a necessidade de ouvi-las e saber qual a memória que elas m
para apresentar. Para esta discussão ver: BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velho. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994; BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes;
AMADO, Jandina. Usos e abusos da História oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p.183-191 e ALBERTI,
Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p.9-31.
8
opção pela história oral se deu por se acreditar que um dos grandes méritos desta metodologia
consiste em permitir que, de acordo com Verena Alberti, fenômenos subjetivos se tornem
inteligíveis. Isto é, reconhecer nas memórias das associadas a Pia União das Filhas de Maria
um estatuto tão concreto, capaz de incidir sobre a realidade, e por isso considerar tais
lembranças como fatos relacionados às suas vivências. Desta maneira, a constituição da
memória para este trabalho está diretamente relacionada à construção da identidade já que ela,
na maioria das vezes, resiste à alteridade e à mudança. Além disso, é a memória que leva a
percepção de si e dos outros enquanto um resultado de um trabalho de seleção e organização
daquilo que é importante para o sentimento de pertença, de continuidade e de coerência, isto
é, de identidade
26
.
Assim, coletamos depoimentos de mulheres das associações de Juiz de Fora e
também de mulheres filiadas a outras associações congêneres, de cidades próximas a Juiz de
Fora, tais como Matias Barbosa e Simão Pereira, já que nosso objetivo era conhecer o
significado de ser Filha de Maria no contexto do catolicismo reformado. Estas cidades foram
escolhidas em função dos nomes aparecerem nas fontes bibliográficas consultadas e, também,
por existir um contato constante entre as associadas destas três cidades que as permitiram
criar laços de sociabilidade visando a propagação dos ideários do clero romanizado para as
mulheres.
As fontes secundárias (bibliografia) ajudaram a pesquisa a constituir um contexto
mais amplo do que é seu objeto, além de fornecer um suporte teórico-metodológico. Para
facilitar a pesquisa e a exposição das idéias, as obras foram divididas em dois tipos, de acordo
com a temática que possuem. O primeiro tipo se refere à contextualização histórica da
pesquisa abarcando a história do catolicismo, o contexto sócio-político-econômico juizforano
vigente durante o período de tempo delimitado e também a questão do feminino neste
período. No segundo tipo estão os trabalhos que podem ajudar em uma formulação teórica
pertinente a Área de Ciências Sociais da Religião.
A dissertação se divide em três capítulos. No primeiro, A Associação da Pia União
das Filhas de Maria, buscou-se abordar a origem da associação bem como a sua relação com
o processo de romanização vivenciado pelo catolicismo e o discurso que este mesmo processo
elaborava sobre o feminino. O segundo capítulo, A Prática Associativa, foi reservado para a
apresentação do funcionamento da associação sendo discutida a organização interna da Pia
União. No terceiro e último capítulo, Ser Filha de Maria: uma identidade para a mulher leiga
26
ALBERTI, Verena. op.cit., p.27.
9
católica, procurou mostrar as normas como eram praticadas e como estas mesmas normas da
associação foram vividas e internalizadas pelas participantes da Pia União das Filhas de
Maria.
CAPÍTULO 1: A ASSOCIAÇÃO DA PIA UNIÃO DAS FILHAS DE MARIA
1.1. Origem Histórica
A reunião de fiéis com o objetivo de venerar Maria remonta ao período medieval. A
primeira referência que se tem sobre uma organização fraternal, tendo como patrona a e de
Cristo, data do século XII, criada por Pedro de Honestis, em homenagem à «madona grega». Esta
irmandade situada na Igreja de Santa Maria do Porto congregava homens e mulheres, religiosos e
leigos, denominados de filhos e filhas de Maria. Os associados traziam pendendo do pescoço
uma medalha e na cintura uma faixa azul
1
. Esta seria a provável origem da associação
denominada Pia União das Filhas de Maria.
Após o Concílio de Trento (1545-1563) criou-se em parte do clero da Igreja Católica
uma preocupação em reformar a prática religiosa do catolicismo fazendo com que as decisões do
Concílio penetrassem na vida cotidiana dos fiéis, levando-os a compreender a necessidade da
observância dos sacramentos, principalmente a confissão e a comunhão, e da prática das virtudes
cristãs, sobretudo, a castidade. Neste sentido, a reforma proposta a partir do Concílio de Trento se
estendeu pelo mundo nos séculos posteriores
2
.
Mas, para que os desígnios de Trento pudessem regular a sociedade era necessário
empreender uma “reconquista católica” e, para esta finalidade, a figura da Virgem Maria aos
poucos foi propagada como a condutora dos “exércitos católicos” que deveriam se opor a tudo
que pudesse contrariar os ideários da Igreja Reformada. Então, no século XVI, uma irmandade
baseada naquela fundada por Pedro de Honestis no século XII, chegou à França
3
.
É assim, que no transcorrer dos anos de 1594 a 1640 Pedro Fourier (um Cônego regular
como Pedro Honestis), objetivando fomentar a piedade mariana na juventude feminina francesa,
fundou na paróquia de Mattaicourt, a Congregação da Virgem Imaculada para as suas jovens
paroquianas. Nesta associação as mulheres traziam como distintivo um escapulário de cor celeste
que tinha impresso de um lado a imagem da Imaculada Conceição e de outro a inscrição Maria
1
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.3. e A PIA União das Filhas de
Maria. Disponível em: <http://www.catolicosempre.org.br/associa/fmaria.htm> . Acesso em: 20 dez. 2004.
2
CALIMAN, Cleto. Teologia e Devoção Mariana no Brasil. São Paulo: Paulinas, 1989, p.73-79.
3
GIL, Benedito Miguel. Os cursilhos e a reprodução do catolicismo europeu nas Américas. Disponível em:
<http://www.assis.unesp.br/bmgil/trabal03.htm.>. Acesso em: 01 jan. 2005.
11
concebida sem pecado. Esse escapulário se assemelhava com a fita que as Filhas de Maria
ostentariam
4
.
Porém, a fundação de associações denominadas de Associação das Filhas de Maria só se
daria com Catarina de Labouré para quem, no dia 27 de novembro de 1830, a Virgem Maria teria
aparecido e a ordenaria que fundasse uma associação que recebesse o nome de Filhas de Maria
5
.
A associação fundada por Catarina de Labouré estava voltada para as mulheres religiosas. Estas
mulheres deveriam ostentar em seus pescoços uma fita azul celeste da qual penderia uma
medalha com a imagem da Virgem Maria sobre um globo, com os braços abaixados e as palmas
das mãos viradas para frente. Ao redor desta imagem aparecia a frase: Maria concebida sem
pecado (frase encontrada na medalha utilizada nas associações fundadas por Pedro Fourier).
Mas além desta frase havia o seguinte acréscimo: rogai por nós que recorremos a vós. Na parte
posterior da medalha foi cunhada a letra M, encimada por uma cruz tendo um traço na base e, por
baixo do monograma de Maria, dois corações representando o de Jesus (cercado por uma coroa
de espinho) e o de Maria (com uma espada atravessada). A parte de trás da medalha ainda era
adornada por 12 estrelas
6
.
A primeira desta associação foi estabelecida em 8 de setembro de 1837 na paróquia de
Saint Pierre de Gros, em Paris com o nome de Associação das Filhas de Maria Imaculada. Em 20
de junho de 1847, o papa Pio IX aprovou a associação que teve seu primeiro manual tornado
público em 1848. Nesse manual se encontrava os objetivos da associação. Entre esses objetivos
estavam manter o louvor a Maria Imaculada, a santificação pessoal das associadas e o exercício
do apostolado
7
.
Em 23 de janeiro de 1864 o pároco da igreja de Santa Inês, em Roma
8
, Alberto Passèri
fundou uma associação de Filhas de Maria seguindo o estilo daquelas que se desenvolveram nas
casas das Filhas da Caridade na França. Passèri fez com que a associação fosse erigida com o
título de Pia União das Filhas de Maria e que, além de estar sob o patrocínio da Virgem
4
Ibidem.
5
DICIONÁRIO de Mariologia. São Paulo: Paulus, 1995, p.164.
6
MANUAL das Pias Uniões de Maria do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Vozes, 1959. Disponível em:
<http://geocities.yahoo.com.br/mariacomjesus/santa_ines/ines/vida_e_martirio_de_santa_ines.2html> . Acesso em
01 jan. 2005
7
DICIONÁRIO de Mariologia. op. cit, p.164-165.
8
Ver imagem da Igreja no Anexo 1. (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org /wiki/Santa_ Ines>. Acesso em: 15
mar. 2007).
12
Imaculada, também estivesse sobre o patrocínio de Santa Inês
9
que era a padroeira de sua igreja.
Esta associação passou a ser de moças cristãs que tinham por finalidade evitar a proliferação do
“mal” fazendo progredir a piedade cristã na honestidade dos costumes e na observância dos
próprios deveres
10
.
Esta Pia União foi enriquecida com indulgências e privilégios concedidos por Pio IX em
16 de janeiro de 1866
11
. Em fevereiro do mesmo ano, Pio IX acabou elevando a associação à
dignidade de primária concedendo a Alberto Passéri o direito de agregar todas as outras, em
qualquer parte do mundo, concedendo-lhes os mesmos privilégios de que gozavam a Primária.
Foi Leão XIII que em 1879 instituiu Alberto Passéri como o diretor geral de todas as
congregações das Filhas de Maria
12
.
A associação criada na Itália tinha por finalidade a promoção da glória de Deus, o
aumento da devoção à Virgem Imaculada e a proteção da “inocência” das jovens levando-as, por
meio de conselhos e práticas religiosas, ao cumprimento exato dos deveres para com Deus.
Desta maneira, o objetivo desta associação era fazer com que as jovens tornassem
obedientes e respeitosas para com seus pais, de forma que quando fossem solicitadas por Deus
fossem capazes de reconhecer a sua vocação e cumpri-lá da melhor forma possível, independente
de serem esposas, ótimas mães, religiosas no claustro, ou como leigas piedosas no meio do
mundo. Importante era que fossem capazes de fomentar o amor, a virtude e a piedade
13
.
1.2. O catolicismo romanizado
A partir do século XV o mundo vivenciou uma revolução comercial fruto da emergência
progressiva da burguesia e do desenvolvimento urbano que geraram significativas mudanças na
esfera sócio-religiosa. Sentindo a perda de sua influência no mundo ocidental, a Santa Sé reagiu
se opondo às novas perspectivas de vida apresentadas pelo progresso científico.
Concomitantemente, a Igreja Católica procurou revitalizar antigos valores da sociedade medieval
apregoando a necessidade de subordinação do homem à ordem sobrenatural e à hierarquia
9
Sobre a hagiografia de Santa Inês ver o anexo 2.
10
MANUAL das Pias Uniões de Maria do Rio de Janeiro. op.cit..
11
Ver as relações de indulgências no anexo 3 e 4. (MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p. 10-
19).
12
Idem, p. 4-5.
13
Idem, p.7.
13
eclesiástica. Com isso, tentou abalar a confiança nos valores da razão e da experiência então
difundidos na sociedade
14
.
Neste sentido a Reforma Católica foi, em parte, uma resposta a angústia da passagem do
século XIV para o século XV onde uma série de acontecimentos (Guerra dos Cem Anos, Peste
Negra, o Cisma do Ocidente, para citar alguns) desorientou o ser humano levando-o até, segundo
Jean Delumeau, a se sentir culpado diante de tantas catástrofes. Nesta atmosfera de pessimismo e
inquietação a justiça eclesiástica buscou ser mais dura condenando o pecado e os pecadores
visando eliminar o mal que, para os homens daquele tempo, pairava sobre a Europa
15
.
Assim a reforma do catolicismo, antes de ser só uma resposta às críticas protestantes, era
uma resposta à desagregação do mundo no qual a Igreja estava imersa e contaminada. Eram
inúmeros os casos de bispos e padres que se envolviam em política e esqueciam suas funções;
Papas que se comportavam como príncipes seculares usando o dinheiro de cristãos para fins
puramente terrenos. Era imprescindível confiar em uma autoridade infalível e a melhor de todas
era o próprio Deus. Além disso, buscou-se refúgio na Virgem que teve seu culto, a partir da
segunda metade do século XV, amplamente difundido
16
.
Com a derrubada do Antigo Regime e a racionalização do mundo, advindas da
Revolução Francesa no século XVIII, as inquietações do catolicismo são ampliadas que as
mudanças na sociedade são completadas de forma que a religião passou a ser entendida, por
alguns críticos e intelectuais, como fator de obscurantismo e ignorância. Setores da Igreja
Católica, então, frente às ameaças representadas pelo crescente processo de racionalização,
reagiram assumindo uma postura religiosa mais severa e vendo qualquer afirmação que
contrariasse as suas posições como heterodoxa. Desta forma, ao longo do século XIX e até
meados do XX, a Igreja Católica se viu rodeada de novas idéias e costumes que reconstruíram os
padrões sociais e que, gradativamente, foram engendrando novos modelos de conduta para a
sociedade
17
.
14
AZZI, Riolando. O Altar Unido ao Trono: um projeto conservador. São Paulo: Paulinas, 1992, p.7-8.
15
DELUMEAU, Jean. La Reforma. Barcelona: Labor, 1967, p.5-11.
16
Idem, p.10-11.
17
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora (1890-
1924). Juiz de Fora: Livraria e Editora Notas e Letras, 2004, p.69-70.
14
No Brasil a modernidade que aqui estabelecia surpreendeu a instituição católica que se
encontrava pouco preparada para os embates que lhe estavam sendo apresentados
18
. Sendo assim,
sob pena de perder seu status e influência, alguns membros da Igreja Católica sentiram
necessidade de se organizarem já que não podiam mais contar com o apoio do Estado, como
havia sido durante o regime do padroado. Estes membros do clero compreendiam que era preciso
se afirmar frente ao novo governo para poder lutar pela reconquista dos espaços perdidos
19
.
Contudo, para ser combativa a Igreja Católica tanto mundial quanto brasileira, tinha que
encontrar uma unidade e coesão tanto interna quanto externa. Mas semelhante processo
demandava a instauração de um modelo eclesial autoritário e antiliberal, no qual tanto clérigos
quanto leigos estariam submetidos à mesma obediência à hierarquia institucional
20
.
A idéia de reformar a prática católica não era novidade no Brasil. Já no século XVI, os
primeiros jesuítas, ao chegarem à Colônia, em 1549, além da preocupação com a evangelização
dos nativos, simultaneamente, conceberam um projeto de reforma da vida dos colonos. Este
projeto atingia diretamente os clérigos seculares que, a exemplo dos demais habitantes,
mantinham concubinas
21
. No século XVIII, alguns bispos procuraram reformar a ão do clero,
controlar a vida dos colonos e as práticas católicas exercidas na Colônia. As Constituições do
Bispado da Bahia são, nesse sentido, um exemplo pois atualizavam as diretrizes tridentinas para a
Colônia.
Posteriormente, o projeto seria retomado por Dom Romualdo de Souza Coelho (1819-
1841) bispo do Pará que ainda contou com o apoio de Dom Romualdo Antônio Seixas (1827-
1860), arcebispo da Bahia, e Dom Marcos Antônio de Souza (1827-1842), bispo do Maranhão.
Entretanto, a continuidade do movimento e sua real implantação somente se dariam com o bispo
de Mariana, Dom Antonio Ferreira Viçoso e com o bispo de São Paulo, Dom Joaquim de Melo,
em meados do século XIX
22
.
18
OLIVEIRA, Simone G. de. A Igreja Católica e o século XX: impasses entre a tradição e os tempos modernos
registrados no primeiro congresso católico mineiro. In: MIRANDA, Beatriz V. Dias; PEREIRA, Mabel S. (org.).
Memórias Eclesiásticas: documentos comentados. Juiz de Fora: EDUFJF/CMIJF/ CEHILA- Brasil- Núcleo
Minas Gerais, 2000, p.53.
19
Idem, p. 54.
20
PEREIRA, Mabel Salgado. Orientações episcopais por meio de escritos pastorais: circular reservada de Dom
Silvério Gomes Pimenta (1919) e Carta Pastoral de Dom Justino Jode Santana (1949) In: MIRANDA, Beatriz
V. Dias; PEREIRA, Mabel S. (org.) Memórias Eclesiásticas: documentos comentados. Juiz de Fora:
EDUFJF/CMIJF/ CEHILA - Brasil- Núcleo Minas Gerais, 2000, p.72-73.
21
AZZI, Riolando. O clero no Brasil: uma trajetória de crises e reformas. Brasília: Ser, 1992, p.5-17.
22
HOORNAERT, Eduardo. História Geral da Igreja na América Latina . Rio de Janeiro: Vozes, 1992, v.2, p.83-
84.
15
Esse movimento por parte dos bispos de centralização com vista a uma uniformização e
autonomia da Igreja Católica ficou conhecido como romanização e tinha por premissa a
vinculação e sujeição aos desígnios da Sé Romana. Sob certo aspecto, a reforma da Igreja no
Brasil era, na realidade, um esforço de modernização das suas estruturas
23
.
Pode-se sintetizar a mentalidade dominante no episcopado em quatro itens principais:
uma mentalidade clericalista contra o laicismo da República, um sentido pessimista contra o
otimismo racionalista, uma postura conservadora frente ao progresso e uma reafirmação do
espiritualismo em oposição às tendências materialistas da época
24
.
Desta forma, gradativamente, o alto clero no Brasil procurava deslocar o catolicismo
leigo para o clerical, o familiar para o templo, as rezas para a missa, do terço para o sacramento,
sob o controle da Igreja. A estratégia era substituir o catolicismo popular por um catolicismo
romanizado que eliminasse antigas devoções, irmandades e confrarias. Com isso, visava elevar o
prestígio da instituição eclesiástica tornando-a um poder ao lado do Estado
25
.
A partir daí, o horizonte básico da romanização passou a ser a concepção de um mundo
dividido em duas sociedades marcadamente hierarquizadas: a civil e a eclesiástica. Ambas são
autônomas em suas finalidades e com tarefas bem distintas. Ao poder civil, competiam as
questões de ordem temporal enquanto, a esfera religiosa passou a ser exclusiva do poder
espiritual
26
.
Assim, as principais ações da romanização foram uma tentativa de reforma do clero, um
aumento das ordens e congregações religiosas, a expansão missionária, a centralização de todo
poder em Roma e uma subordinação das associações leigas aos clérigos. Dom Silvério Gomes
Pimenta (1890-1922) foi o sucessor de Dom Antônio Ferreira Viçoso e coube a ele dar
continuidade fiel a essas ações da romanização tão difundidas por seu antecessor
27
.
Dom Silvério Gomes Pimenta assumiu a diocese de Mariana no ano de 1890 quando a
reforma eclesiástica não sofria mais as ingerências do Estado, uma vez que a separação da Igreja
e do Estado acabara de se consolidar com o advento da República em 1889 e com o decreto de
separação de janeiro de 1890. O novo bispo de Mariana foi o primeiro bispo sagrado após a
23
Ibidem, p.141-143.
24
AZZI, Riolando. O estado leigo e o projeto ultramontano. São Paulo: Paulus, 1994, p.17.
25
AZZI, Riolando. O Altar Unido ao Trono... op.cit, p. 34.
26
Idem, p. 57.
27
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: a Igreja católica em Juiz de Fora (1850-1950). Juiz de Fora: CMIJF,
2000, p. 95-96.
16
proclamação da República e substituiu Dom Antonio Maria Correa de e Benevides (1876-
1896) que, atacado por várias enfermidades, teve que entregar o comando da diocese
28
.
Foi sob o báculo de Dom Silvério que a Igreja de Juiz de Fora passou de um catolicismo
tradicional e popular
29
para um catolicismo romano e clericalizado. Quando em 1922 veio a
falecer, a Igreja local se encontrava em total sintonia com o movimento reformador, de forma
28
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.72.
29
Alberto Antoniazzi assim define o catolicismo tradicional: "É o catolicismo trazido de Portugal, basicamente
medieval, ainda não profundamente marcado pela reforma tridentina. É um catolicismo leigo, não apenas pela
escassez histórica do clero (particularmente no interior rural), mas pela própria estrutura da experiência religiosa
em que se baseia, onde o fiel pode se dirigir diretamente ao santo, sem a necessidade de uma mediação sacerdotal
ou clerical" (ANTONIAZZI, Alberto. O catolicismo no Brasil. In: LANDIM, Leilah (org.) Sinais dos Tempos:
tradições religiosas no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos da Religião (ISER), 1989, p.13-14). É esse
modelo de catolicismo que se desenvolveu em Juiz de Fora. Um catolicismo onde cada indivíduo se tornava um
agente ativo na construção de uma realidade simbólica da qual participava de acordo com a sua experiência social.
Um catolicismo onde a fé, a crença e a religiosidade se realizavam a todo instante. Nas palavras de J. B. Libânio: é
um catolicismo que passeia muito mais à vontade no espaço do simbólico, do maravilhoso, do fantasioso, do
imaginativo que do racional (...) e da rigidez fria da ortodoxia (LIBÂNIO, J. B. Deus e os homens: os seus
caminhos. Rio de Janeiro: Vozes, 1990, p.44-45) e é justamente este modelo de vivência da que o clero
romanizado buscou combater. Optou-se nesta dissertação pelo uso do termo tradicional ao invés do termo popular
por este último termo sofrer um desgaste diante da associação indiscriminada deste conceito ao de povo. O próprio
conceito de povo traz complicadores em sua percepção haja vista que a expressão sugere um pluralismo de sentido
que poderia prejudicar a presente análise. Dessa forma, popular pode significar aquilo que é próprio do povo ou
feito para ele; algo que tem a simpatia do povo e ainda, aquilo que é vulgar, trivial e ordinário. Riolando Azzi
qualifica o conceito catolicismo popular como uma expressão ampla, complexa e ainda não muito delimitada. Da
mesma forma Peter Burke, em seu estudo sobre a cultura popular na Idade Moderna, destacou a imprecisão e a
dificuldade de delimitar o que viria a ser popular (COMBLIN, José. Para uma tipologia do catolicismo no
Brasil. Revista Eclesiástica brasileira. Petrópolis: Vozes, v. 28, n. 1, mar. 1968, p.47. Ver também: BURKE, Peter.
Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989 e AZZI,
Riolando. Elementos para a história do catolicismo popular. In: Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis:
Vozes, V.36, 1976). Buscando assim evitar ambigüidades optou-se por trabalhar com o conceito de catolicismo
tradicional. Entretanto sabemos da limitação do termo tradicional apontada, por exemplo, por Pedro A. Ribeiro de
Oliveira, J. Edênio Valle e Alberto Antoniazzi que consideram que esse conceito se tornou vago por ter sido
definido por aqueles que não o praticavam, isto é, a própria hierarquia. Estes autores preferem adotar em seus
trabalhos o termo catolicismo do povo que reflete, segundo eles, o conjunto de crenças e práticas como sendo a
maneira do povo - independente do status social ocupado - praticar seu catolicismo (OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro
de; VALLE, J. Edênio e ANTONIAZZI, Alberto. Evangelização e comportamento religioso popular.
Petrópolis: Vozes, 1978, p.23). Tal compreensão está em consonância com a de Francisco C. Rolim que
desvincula a compreensão do termo popular de uma determinada classe social (ROLIM, Francisco Cartaxo.
Condicionamentos sociais do catolicismo popular. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes, v.36, n.141,
1976, p.144). Ao adentrarmos por esses conceitos, percebemos que a problemática que envolve o catolicismo está
além de uma terminologia dicotômica que não conta de explicar a riqueza das formas pelas quais o catolicismo
é praticado pelos fiéis. Tanto o oficial quanto o popular apresentam em seu interior um intricado jogo de diferenças
e conflitos. Longe de constituírem campos estanques, revelam-se instâncias movediças e de influência recíproca.
Qualquer tentativa de se classificar as práticas rituais do catolicismo em categorias está fadada ao fracasso.
Consciente do problema inerente às terminologias empregadas para se explicar às relações que estruturaram o
catolicismo no Brasil, usa-se o termo tradicional na presente dissertação por ele ter um sentido bem delimitado
referindo-se ao conjunto de práticas religiosas anteriores ao Concílio de Trento, mas que foram transferidas para o
Brasil colonial, imperial e até hoje se manifesta na religiosidade praticada pelos leigos (QUIOSSA, Paulo rgio.
Ministério da Fé: A irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz de Santo Antônio de Juiz de Fora (1854-
1962). Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião), Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de
Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2004, p. 46-48).
17
que seu sucessor, Dom Helvécio Gomes de Oliveira pôde, em primeiro de fevereiro de 1924,
criar a diocese de Juiz de Fora
30
.
1.2.1. Romanização em Juiz de Fora
A implantação da Reforma Católica em Juiz de Fora se deu tardiamente quando
comparada com outras cidades de Minas Gerais. Foi somente após a morte de padre Tiago
Mendes Ribeiro (1890) que a cidade começou a se alinhar dentro do modelo difundido por
Mariana. A implantação pode ser analisada a partir de três eixos que lhe deram sustentação: a
ação do clero diocesano, a força das congregações religiosas e a participação dos leigos orientada
pelos cleros. Foi a junção destes três elementos que criaram para a cidade uma nova identidade
católica, agora reformada e romanizada
31
.
A preocupação com a situação religiosa da cidade por parte de Dom Silvério Gomes
Pimenta pode ser traduzida por uma passagem da Crônica da Casa Redentorista de Juiz de Fora
(1894-1923): Juiz de Fora é uma paróquia muito extensa com mais ou menos 30.000 almas. A
própria cidade, (...) neste tempo, desenvolveu-se muito (...) e está crescendo cada vez mais (...).
Em geral é o povo bom e pacífico, mas o indiferentismo religioso é grande (...)
32
.
Nesse sentido, se durante o episcopado de Dom Antonio Ferreira Viçoso as visitas do
bispo a Juiz de Fora não foram freqüentes, com Dom Silvério Gomes Pimenta esta situação foi
alterada. Fazer-se presente frente a seu rebanho, não descuidar do zelo pastoral e prestigiar a
cidade como sede de encontros importantes era preocupação constante do bispo. Além disso,
havia uma preocupação de enquadrar o clero na construção de uma nova identidade católica para
a cidade de Juiz de Fora. No modelo pretendido o padre devia mostrar-se diante do povo como
um verdadeiro homem de Deus
33
. Para isso, afirmou-se a observância do celibato e a não
participação na vida política
34
.
Uma das atribuições mais importantes do padre devia ser sua preocupação com o
exercício de suas funções eclesiásticas e com o culto divino. O seu lugar era o recinto das igrejas
30
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.73.
31
Idem, p.74.
32
CMIJF AHPHOF. Cronica da Casa Redentorista de Juiz de Fora (1894-1923): História da Fundação. v I.39,
25/01/1911, p.13-14.
33
AZZI, Riolando; BEOZZO, José Oscar (org.). Os religiosos no Brasil: enfoques históricos. São Paulo:Paulinas,
1986, p.46.
34
Idem, p.46.
18
onde ele devia atuar no altar, no púlpito e no confessionário. No púlpito devia exortar o povo à
observância das regras morais, importantíssimas para uma cidade que estava vivenciando o ápice
de sua Belle-Époque. Já no confessionário, deveria perdoar os pecados e orientar o fiel na prática
dos deveres cristãos. Por fim, na missa o padre devia efetivar a mediação entre a divindade e a
humanidade considerada pecadora. Seria neste momento que os cristãos leigos deviam perceber a
distância que os separavam do clérigo consagrado
35
.
Assim padre João Emílio dirige-se aos seus irmãos de fé:
Appliquem a isto os misterios sagrados todas as forças de sua alma e todas as
industrias de seu zelo; e, que sob a auctoridade de vossos exemplos, Veneraveis
Irmãos, não cessem de incutir nos homens de todas as classes as regras evangelicas da
vida christã; com todo o seu poder trabalhem para a salvação dos povos, e mais que
tudo se esforcem por nutrir em si mesmos e em excitar outros a caridade, rainha e
mestra de todas as virtudes
36
.
Desta forma, a escolha de padres em sintonia com o processo reformador foi desde o
início do bispado de Dom Silvério Gomes Pimenta sua grande preocupação. Essa escolha se
iniciou com três sacerdotes que deveriam impulsionar a Reforma Católica na cidade: padre
Venâncio Ribeiro de Aguiar Café, padre Júlio César de Moraes Carneiro e o padre João Emílio
Ferreira da Silva
37
.
Padre Venâncio Ribeiro de Aguiar Cafoi nomeado vigário para a paróquia em 1890
quando a presença metodista já era forte na cidade. A intenção do padre era manter as elites na
tradição católica. Por isso, sua principal tarefa foi a criação do jornal Lar Cathólico. O primeiro
número circulou em fevereiro de 1891 e teve curta duração. Porém, foi através deste jornal que as
idéias renovadoras e reformadoras de padre Venâncio Ribeiro de Aguiar Café puderam se
espalhar pela cidade
38
. Segundo Henrique Oswaldo F. de Azevedo a finalidade da criação do
jornal era a seguinte: (...) levar às famílias católicas de Juiz de Fora a doutrina da Igreja, os
35
AZZI, Riolando. O Altar Unido ao Trono... op.cit, p.75.
36
CMIJF AHPHOF. Documentos Pontifícios: Carta Encíclica Da Condição dos Operários” do Papa Leão XIII.
Roma: 15/05/1891, p.50.
37
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.77.
38
PEREIRA, Mabel Salgado. A presença do catolicismo em Juiz de Fora: do modelo tradicional ao reformado
(1741-1924). In: TAVARES, Fátima R. G.; CAMURÇA, Marcelo A. (org.). Minas das devoções: diversidade
religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Editora da UFJF/PPCIR, 2003, p.22-23.
19
documentos pontifícios e episcopais, defendendo-as dos avanços dos protestantes que haviam se
instalado em Juiz de Fora e progrediam a olhos vistos
39
.
Além destas finalidades o jornal serviu também para que o padre fizesse uma defesa
contundente dos dogmas, sobretudo, no que diz respeito à disciplina do clero com ênfase na
observância do celibato: O sacerdote, com efeito, que pertence a uma mulher não pertence mais
a seu rebanho, nem bastantemente a si próprio. Como cuidado em seus filhos não se deixaria
jamais levar pelos movimentos de seu coração: a esmola, a atenção, o conselho às ovelhas, tudo
seria prejudicado
40
.
O segundo padre no modelo romanizado presente em Juiz de Fora que merece destaque
foi padre Júlio César de Moraes Carneiro, ou simplesmente padre Júlio Maria como ficou
conhecido na cidade. Seu pensamento e ação não se restringiam ao espaço da sacristia.
Apresentava-se como parte de um clero culto e audacioso que discutia no púlpito qualquer uma
das exigências dos tempos modernos. Dedicou-se muito à catequese e participava sempre das
colunas da imprensa diária
41
. Assim ele definia sua atuação na cidade: Hei de evangelizar, se
Deus me ajudar, até morrer, e a maior prova de amor que posso dar à cidade em que resido, é
dizer-lhe a verdade
42
.
A evangelização de padre Júlio Maria se orientava para dois temas centrais. O primeiro
era uma ênfase na eucaristia e na comunhão sacramental, denunciando a falta de consistência da
devoção popular. Já o segundo, enaltecia o valor da graça e ressaltava a necessidade da confissão
sacramental. Essa sua ação evangelizadora era direcionada às elites locais para quem acreditava
oferecer um substrato racional para sua crença religiosa
43
: quase três anos que, quanto tem
comportado os meus pequenos recursos, procuro evangelizar esta cidade e, de modo consoante
às necessidades de nossa época, dar as classes letradas a convicção científica das verdades
católicas, tão mal compreendidas pela ignorância de uns, tão desnaturados pela meia ciência de
outros
44
.
39
AZEVEDO, Henrique O. F. de. A evolução do catolicismo em Juiz de Fora (1741-1925). Rhema, n.10, 1997,
p.116.
40
CMIJF – AHPHOF. Jornal Lar Cathólico, n.14, 05/11/1891.
41
PEREIRA, Mabel Salgado. A presença do catolicismo em Juiz de Fora... op.cit , p.23.
42
MARIA, Júlio. O Deus Desprezado. Rio de Janeiro: [s.n.], 1897, p. 62-63.
43
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: a Igreja católica em Juiz de Fora (1850-1950). Juiz de Fora: CMIJF,
2000, p. 105.
44
MARIA, Júlio. O Deus Desprezado. Rio de Janeiro: [s.n.], 1897, p.9.
20
Completa o quadro dos três primeiros padres reformadores da paróquia de Juiz de Fora
o padre João Emílio Ferreira da Silva que, desde 1888, se encontrava na cidade exercendo a
função de capelão da igreja de São Sebastião. Assumiu interinamente o governo da paróquia
quando do falecimento de padre Tiago Mendes Ribeiro. Fundou o externato 15 de novembro que
teve vida efêmera em Juiz de Fora. Considerava como sua grande ação a construção do Asilo de
Mendigos que seria a principal finalidade da associação Protetora da Pobreza que ele mesmo
havia fundado. As obras do Asilo iniciaram-se em 1890, sendo concluídas em 1895
45
.
Desta forma se estruturou em Juiz de Fora o esquema eclesiológico tridentino: o papa
em Roma, Dom Silvério Gomes Pimenta em Mariana e os padres reformadores na cidade. Mas,
esse esquema durou pouco tempo que a administração da paróquia pelos padres diocesanos foi
efêmera. Então, Dom Silvério Gomes Pimenta achou melhor, para consolidar o movimento
reformista na cidade, deixar toda a atuação pastoral a cargo dos religiosos europeus que
estavam amoldados ao espírito tridentino
46
.
Na Carta Pastoral de 25 de janeiro de 1895 Dom Silvério assim explica a escolha pelo
clero europeu:
A mingua sempre crescente e cada vez mais aterradora do clero nacional, deixando o
nosso povo sem doutrina e sem sacramentos, e trazendo a perda de inúmeras almas,
obrigou-me a empenhar todos os esforços para obter ordens e congregações que
viessem animar e auxiliar o clero diocesano, viessem doutrinar o nosso povo,
evangelizar nossos pobres, e contrabalançar tantos esforços que faz o espírito das
trevas para levar-nos à perdição eterna
47
.
Por isso, Dom Silvério Gomes Pimenta passou a solicitar a presença em Juiz de Fora das
congregações européias que, ao longo das duas primeiras décadas do século XX, foram se
estabelecendo na cidade. Vieram três congregações masculinas (redentoristas holandeses,
salesianos italianos e verbitas alemães) e quatro congregações femininas (irmãs francesas do
Sion, irmãs alemãs de Santa Catarina, irmãs alemãs Servas do Espírito Santo e irmãs francesas do
Bom Pastor). Tanto os religiosos Salesianos como as religiosas de Sion permaneceram pouco
tempo na paróquia de Juiz de Fora
48
.
45
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal... op.cit, p. 106.
46
Idem, p. 117.
47
TRINDADE, Raimundo. Arquidiocese de Mariana. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 1929, p.113.
48
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal... op.cit, p. 118.
21
A presença dos religiosos europeus foi uma das principais características da Reforma
Católica no Brasil. Em Juiz de Fora as congregações que se estabeleceram tiveram como função a
transformação da prática religiosa preocupada com as necessidades imediatas da vida terrestre
para uma religião sobrenatural de salvação eterna
49
. Com isso, deviam criar uma nova
mentalidade católica na cidade que se sobrepusesse à imagem de Manchester, Atenas ou Nínive
mineira
50
.
Então, a vinda das congregações européias podia ser entendida, de acordo com a
Pastoral Coletiva de 1901, da seguinte maneira:
É de maximo proveito para o progresso espiritual das dioceses, do clero e do povo, a
existencia de ordens e congregações religiosas, principalmente das que se dedicam às
missões urbanas e ruraes; por conseguinte os Srs. Bispos procurarão os meios práticos
de ter em suas dioceses residenciais esses missionarios e lhes prestarão todo auxilio
moral que haja mister para bem se dedicarem ao seu sancto ministerio
51
.
Com isso preces, orações e cantos trazidos da Europa passaram a ser valorizados
acentuando ainda mais o distanciamento do catolicismo de suas raízes luso-brasileiras. Esse
distanciamento se tornou mais evidente em Juiz de Fora quando em 1900, por solicitação de Dom
Silvério Gomes Pimenta, os verbitas alemães assumiram a direção da paróquia
52
.
O primeiro membro da Congregação do Verbo Divino à frente da paróquia foi padre
Frederico Hellenbrock que manteve sua administração até 1908 quando assumiu padre Leopoldo
Pfad. Este pároco manteve o cargo até 1917. Nesta data o pároco viu-se obrigado a deixar a
direção da paróquia em virtude da Primeira Guerra Mundial que apregoava que todos os alemães
fossem considerados inimigos. Padre Leopoldo Pfad retornaria à chefia da paróquia em 1920 em
uma breve atuação. Em seguida, assumiram padre Teodoro Herberck e padre Nicolau Simon. Em
1923, padre Leopoldo Pfad reassumiria a paróquia permanecendo no cargo até 1925 quando os
verbitas deixariam a direção da mesma
53
.
Assim, no processo de romanização da Igreja Católica em Juiz de Fora, os religiosos
europeus passaram a ser os mediadores entre o episcopado e os fiéis. No entanto, num primeiro
49
PEREIRA, Mabel Salgado. A presença do catolicismo em Juiz de Fora... op.cit, p.24.
50
Loc. Cit.
51
CMIJF AHPHOF. Documentos Episcopais: Carta Pastoral Collectiva de 1901. Rio de Janeiro: Typografia
Leuzinger, 1902, p.70-71.
52
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal ... op.cit., p.124-125.
53
Idem, p.131-132.
22
momento, eles tiveram dificuldades em compreender as práticas devocionais presentes no
catolicismo tradicional e popular e passaram a considerar que as pessoas que habitavam na cidade
ainda estavam mergulhadas na noite da ignorância religiosa e da superstição, cuja mentalidade
manifestava certa confusão entre as fronteiras do sobrenatural e das realidades terrestres
54
.
Esse processo implicou na desvalorização do catolicismo tradicional e popular
acentuando a clericalização tanto das devoções quanto das suas manifestações, principalmente,
daquelas consideradas de cunho profano. As festas foram classificadas de acordo com os
interesses do grupo responsável por realizá-las, de forma que os fogos, bailes e leilões poderiam
ser reprovados ou aceitos de forma moderada, dependendo da festa e de seus organizadores
55
.
Porém, a exteriorização da não era bem vista pelos padres reformadores, podendo se
perceber tal postura na observação de um dos membros dos redentoristas: “Hoje é a festa de
Santo Antônio, padroeiro da paróquia. na véspera soltaram-se por toda parte foguetes. Aqui
fazem tudo para a exterioridade, solenidades, procissões etc. Oxalá assistissem antes a missa aos
domingos”
56
. O desejo de controlar o profano das festas religiosas pode ser encontrado também
nos registros dos padres da Congregação do Santíssimo Redentor:
No domingo, dia 17 de dezembro leu-se em todas as missas o seguinte aviso: Na festa
de Natal, por especial licença do Sr. Bispo, haverá Missa do Galo à meia-noite. Pede,
porém, o revmo. Pe. Superior encarecidamente o favor que não se queimem fogos
naquela noite, que deve ser uma noite sagrada sem barulho. Tinha o pedido também no
ano passado, mas apesar disso um desconhecido depois da missa queimou muito fôgo,
o que sentiu o Pe. Superior muito. Torna, pois, a pedir a todos a boa vontade de
concorrer para que não haja fogo à ocasião da Missa do Galo. Senão no ano que vem
absolutamente não haverá missa de meia noite na festa de Natal
57
.
Assim, observando a nota acima se pode concluir que para implantar o catolicismo
romanizado e reformado em Juiz de Fora os padres tinham que suplantar o catolicismo
tradicional e popular, ainda que para suplantá-lo fossem necessárias ameaças. Os padres
54
PEREIRA, Mabel Salgado. Festa do catolicismo juizforano: expressões de liberdade social e controle eclesiástico.
In: PEREIRA, Mabel Salgado; CAMURÇA, Marcelo Ayres (org.). Festa e Religião: Imaginário e sociedade em
Minas Gerais. Juiz de Fora: Templo, 2003, p. 78-79.
55
Idem, p.79-80.
56
CMIJF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas, p.14.
57
Idem, p. 105.
23
reformadores se valeram dos mais diversos mecanismos para enquadrar o fiel, sua e suas
manifestações religiosas no novo modelo de Igreja
58
.
Para enquadrar o povo em uma vida religiosa mais adequada aos padrões tridentinos os
padres romanizados tinham que desenvolver uma nova mentalidade para os juizforanos. Essa
nova mentalidade deveria atingir desde cedo a comunidade levando ensinamentos doutrinais e
práticos através do catecismo, convertendo “católicos batizados” em “católicos praticantes”. Com
isso, o clero romanizado visava disciplinar o povo católico evitando a concorrência religiosa e
criando em torno de seus fiéis um cordon sanitaire que os afastassem da influência, dita
perniciosa, dos “inimigos da fé” (maçonaria, protestantismo, espiritismo, comunismo)
59
.
Na Carta Pastoral Coletiva de 1904 pode-se perceber a ênfase dada à catequese como
um dos principais deveres do pároco: A obrigação de ensinar a doutrina christã aos meninos e
aos que a ignoram, e procurar, a todo seu poder, a educação christã das crianças, arredando-as
do peccado e dos vicios, e firmando-as no sancto temor de Deus, desde os primeiros annos
60
.
Entretanto, havia uma constante dificuldade de material didático uniformizado e que
atingisse as crianças em todo território nacional. Isso levou em 1904 o episcopado brasileiro a
anunciar a publicação de um texto único. Na ocasião foram redigidos os seguintes manuais: O
Catecismo Resumido da Doutrina Cristã e o Primeiro e o Segundo Catecismo da Doutrina
Cristã. Em 1905 foi publicado O Terceiro Catecismo da Doutrina Cristã que ficou conhecido
como catecismo maior, enquanto o primeiro e o segundo redigidos no ano anterior, passaram a
ser designados como catecismos menores
61
. A pedagogia adotada era a divisão por faixa etária,
mas essa não se preocupava em integrar os elementos culturais e religiosos de cada comunidade.
Esperava-se era que esse catecismo extirpasse o catolicismo tradicional e popular por isso era
necessário difundi-lo
62
.
58
PEREIRA, Mabel Salgado. Festa do catolicismo juizforano: expressões de liberdade social e controle eclesiástico.
In: PEREIRA, Mabel Salgado; CAMURÇA, Marcelo Ayres (org.). Festa e Religião: Imaginário e sociedade em
Minas Gerais. Juiz de Fora: Templo, 2003, p. 82.
59
FERENZINI, Valéria Leão. Aspectos culturais e religiosos dos imigrantes alemães e italianos no contexto da
romanização em Juiz de Fora. (1894-1920). In: MIRANDA, Beatriz V. Dias; PEREIRA, Mabel S. (org.).
Memórias Eclesiásticas: documentos comentados. Juiz de Fora: EDUFJF/CMIJF/ CEHILA Brasil - Núcleo
Minas Gerais, 2000, p 96.
60
CMIJF AHPHOF. Documentos Episcopais: Carta Pastoral Collectiva de 1904. Rio de Janeiro: Typografia
Leuzinger, 1905, p.22.
61
PASSOS, Mauro. Os contornos Históricos do Movimento Catequético. In: ______ (org.). Uma História Plural:
500 anos do movimento catequético brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1999, p.44.
62
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.106.
24
No registro dos padres da Congregação do Verbo Divino consta o seguinte balanço dos
vários centros urbanos destinados à catequese em 1915
63
:
Catecismo Parochial 7 centros
Matriz 190 centros
Rosário 180 centros
S. Sebastião 175 centros
S. Mateus 150 centros
Avenida D. R. H 70 centros
Julio Modesto 160 centros
Botanagua 180 centros
Além dos centros urbanos de catecismo existiu também o catecismo das missões que
buscava atingir as crianças do interior. Mesmo antes da chegada dos redentoristas a Juiz de Fora,
a cidade já era alvo desta prática. As missões tinham duas finalidades: instruir melhor o povo a
respeito das verdades religiosas e ao mesmo tempo comprometer os cristãos com os valores
éticos que integravam a cosmovisão tridentina. Com isso elas buscavam afirmar a primazia do
espírito sobre o corpo
64
.
com a chegada dos redentoristas na paróquia, a jornada missionária ganhou grande
impulso. Em 1895, foram pregadas três missões na cidade: em Grama, São Pedro e Benfica. As
três tiveram a duração de aproximadamente dez dias. No ano seguinte o número subiu para vinte
e nove que foram distribuídas por todo o território de Minas Gerais, numa área que partia de Juiz
de Fora em direção a Belo Horizonte. Nos anos de 1900 e 1902 a área de atuação foi ampliada
em direção ao norte, Curvelo e Diamantina, e em direção ao oeste, para a região de Uberaba
65
.
63
CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora (1900-1925), p.64.
64
AZZI, Riolando. O Altar Unido ao Trono... op.cit, p.74.
65
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.109.
25
A duração das missões era, geralmente, de quinze dias durante os quais organizavam-se
algumas solenidades e comunhões gerais. Os sermões obedeciam a uma ordem de assuntos
abordados que começavam com a salvação e seguia com pecado, morte, juízo final, inferno e
impureza. Na segunda semana os temas giravam em torno do juízo final, eternidade, protelação
da conversão, casamento e os deveres dos pais
66
.
Nos dias das missões a comunidade vivia em função dos seus acontecimentos: os
horários, temas, maneiras de falar eram sugeridos nos manuais da missão. Com isso, o clero
almejava alcançar todos os grupos sociais ensinando-lhes as orações básicas, o costume do exame
de consciência e difundindo o medo do pecado, do inferno, do purgatório e do juízo de Deus.
Criando assim, o hábito da confissão e a aproximação do povo com o missionário
67
.
Neste contexto de enquadramento dos fiéis ocorreu também uma clericalização das
devoções. A estratégia era substituir o catolicismo dos leigos por um mais romanizado. O efeito
prático dessa ação foi o desmantelamento e substituição das antigas irmandades voltadas para os
santos “tradicionais” (como por exemplo, Santo Antônio, São José, São Sebastião, Santa Bárbara
e São Benedito) por novas associações religiosas leigas que introduziram a devoção ao Sagrado
Coração de Jesus e as devoções Marianas. Estão incluídas nestas novas associações: o
Apostolado da Oração, a Pia União das Filhas de Maria, a Liga Católica, a Cruzada Eucarística, a
Congregação Mariana e a Conferências Vicentinas para citar apenas algumas destas novas
associações
68
.
As novas associações religiosas distinguiam-se das antigas irmandades pela posição que
nelas ocupavam os leigos. Esses foram destituídos da liderança dos movimentos que passaram
para as mãos dos párocos. Com isso o clero assumiu as funções de direção das atividades
religiosas incluindo, nestas funções, a guarda das imagens dos santos de devoção que foram
levados para os templos paroquiais (matriz ou capela)
69
.
66
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal... op.cit, p. 144-145.
67
PEREIRA, Mabel Salgado. A presença do catolicismo em Juiz de Fora... op.cit, p.27.
68
OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. Catolicismo Popular e Romanização do Catolicismo Brasileiro. Revista
Eclesiástica Brasileira, v.36, f.141, 1976, p.138.
69
Idem, p.139. Pode se perceber este controle clerical sobre os novos movimentos ao se observar o artigo sexto do
Estatuto da Pia União das Filhas de Maria: Art.6 - A directoria da Pia União compoe-se: do director, que deve ser
o sacerdote da Congregação do Verbo Divino, actualmente pela autoridade diocesana reconhecido Vigario da
Freguezia de Sto. Antonio de Juiz de Fora, ou outro sacerdote da mesma Congregação, designado pelo Vigario a
approvado pela autoridade eclesiástica (CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da paróquia de Santo Antônio de
Juiz de Fora (1900-1925), p.44-45).
26
A partir deste momento, os leigos de cada associação passaram a ser estimulados pelo
assistente eclesiástico a freqüentar a missa, a participar dos sacramentos, a praticarem atos de
piedade próprios a sua associação, a fazerem leituras religiosas e a cumprirem seus deveres
morais. Neste sentido, os padres da Congregação do Verbo Divino registraram os frutos do seu
desempenho junto aos fiéis
70
:
ASSOCIAÇÕES RELIGIOSAS E IRMANDADES
Irmandade do S.S. Sacramento
Activos 60
Confrades de S. Vicente
Activos 48
Subescriptores Diversos
Obra especial casa da
Avenida
27 viúvas e uma família
com 83 pessoas
Apostolado da Oração
Zeladoras 84
Associados 2.575
Associadas 3.353
Confraria do Puríssimo e Imaculado Coração de Maria
Zeladoras 59
Associados 196
Associadas 990
Damas da Caridade
70
CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora (1900-1925), p.44-45.
27
Activas 22
Honorárias 45
Contribuintes 9
Famílias Pobres 19
Socorridos 57
Congregação Mariana dos Jovens Católicos
Sócios 48
Aspirantes 44
Pia União das Filhas de Maria
Filhas 57
Aspirantes 37
Obra da Santa Infância
Activos 250
Obra dos Tabernáculos
Sócias Activas 33
Sócias protetoras 1
Sócias Contribuintes 25
Ordem Terceira
Professas 13
Noviças 10
Noviços 4
Pão de Santo Antônio
[Nada foi registrado além
do nome]
28
Dentro do mesmo processo de enquadramento dos fiéis percebe-se que a ação
reformadora não se restringiu a ação dos verbitas na Matriz de forma que, através dos dados
expostos abaixo, percebe-se uma forte ação dos redentoristas holandeses no Curato da Glória que
almejavam também despertar nos fiéis uma maior aproximação das novas devoções
71
:
Arquiconfraria de N. S. do Perpétuo Socorro 3.839 membros
Liga Católica Jesus, Maria, José 500 membros
Pia União das Filhas de Maria 300 membros
Obra de S. Geraldo 11.739 membros
Círculo São José 500 membros
Apostolado da Oração 1.700 membros
Na realidade, o efeito imediato das novas associações foi ocasionar que as antigas
irmandades começassem a perder suas funções e, gradativamente, aquelas que não se adaptassem
ao novo momento do catolicismo fossem se extinguindo. Como foi o caso da Irmandade de Santo
Antônio e da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Ambas a partir de 1900 já não constavam
mais nos registros da paróquia
72
. O que se pretendia era fazer com que os leigos agissem em
conformidade com as propostas dos padres reformadores criando um suporte para a construção de
um novo imaginário católico que para J. B. Libânio ocupasse o interior das consciências e do
inconsciente dos indivíduos e da coletividade católica. Sustentasse por dentro a identidade.
Dando-lhe consistência, validade, força
73
.
Dentro deste contexto de criação da identidade do católico tridentino que Dom Silvério
Gomes Pimenta, em sintonia com a estratégia de seu antecessor Dom Viçoso, passou a incentivar
a promoção da educação católica por parte dos religiosos europeus que estavam se instalando na
cidade. Com isso se procurava evitar que a população juizforana, sobretudo a elite, buscasse os
71
WERNET, Augustin. Os redentoristas no Brasil. São Paulo: Santuário, 1995, v.1, p. 145.
72
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.114-115.
73
LIBÂNIO, J. B. Volta à grande disciplina. São Paulo: Loyola, 1983, p.75.
29
colégios protestantes que nesse momento eram grandes atrativos para uma sociedade que estava
vivenciando o ápice de seu progresso
74
.
Dom Macedo Costa referia-se a criação de estabelecimentos educacionais católicos da
seguinte maneira:
exortasse todos os prelados a desenvolver [os estabelecimentos educacionais
católicos] (...) para assim evitar às famílias católicas a dura necessidade de por falta de escolas
e colégios católicos, enviar seus filhos a colégios protestantes, onde ou a protestante ou
nenhuma religião se ensina
75
.
A educação católica estava voltada para a erudição e para a preocupação com as
etiquetas. Eram ministradas aulas de oratória, literatura, música erudita e língua latina e francesa.
Buscava-se fortalecer os padrões de civilidade, mas uma civilidade onde o catolicismo guiasse a
elite para uma “boa educação” que a permitisse dirigir não só o destino da cidade mas também, o
do país. Destacava-se na educação católica no período os colégios Santa Catarina, Stella Matutina
e Academia do Comércio
76
.
Ordem, disciplina e respeito às autoridades esse era o eixo básico da educação tridentina
que diferenciava em uma educação ministrada para as moças e outra para os rapazes. Eles tinham
que estar preparados para atuação profissional, enquanto elas deviam ser preparadas para “rainhas
do lar”. Se aos rapazes ensinavam uma sólida educação cívica, física e literária por sua vez, as
moças recebiam uma cultura ornamental onde se acentuava o ensino das «prendas domésticas, da
simplicidade e da purez
77
.
Rachel Jardim assim entende a influência da educação católica na sociedade juizforana:
Uma religião com refinamento, polida, bem educada, fanática, debaixo de sua capa de
polidez. Família mineira tão típica a contenção, o quase ascetismo a sobriedade. A
sensualidade e a luxúria encobertas (...). O importante não é ser direita, é parecer
direita (...). Parecer direita. Era frase-chave. Todas aquelas vidas plasmadas por ela
[religião católica]. Nossas vidas plasmadas por ela. No fundo, o ser não importava
muito
78
.
Completando o enquadramento dos fiéis em Juiz de Fora se tinha a presença de uma
imprensa católica que, além de doutrinar os fiéis ainda pouco romanizados, visava também
74
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal... op.cit, p.162.
75
CMIJF. Pastoral Coletiva dos Arcebispos e Bispos das Províncias Eclesiásticas de 1911, p.342.
76
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Europa dos pobres: a belle-époque mineira. Juiz de Fora: editora da UFJF,
1994, p.59.
77
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal... op.cit, p.169.
78
JARDIM, Rachel. Os anos 40. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1979, p.4.
30
divulgar os documentos de Roma e do Episcopado Nacional. É nesse sentido que, em fevereiro
de 1891, padre Café fez circular o primeiro exemplar do jornal Lar Cathólico que duraria até
setembro do seguinte ano
79
.
Padre Café em seu jornal encontrou um campo fértil no sentido da defesa dos interesses
católicos em Juiz de Fora. Isso porque a cidade se encontrava “infestada” por aqueles que a
Igreja considerava seus “inimigos”. É assim, que o tom assumido pelo jornal é apologético e
guerreiro. Pode-se perceber tal afirmação em um trecho do jornal de 1891: Liberdade de cultos, é
um termo equivoco, um laço armado, contra a religião cathólica (...). Um governo, pois, que
admitte a liberdade de cultos, admitte a confusão, consagra a perseguição contra a religião
cathólica, e se colloca, em relação a religião – em estado atheu
80
.
O jornal também reagiu às novas leis como o casamento civil visto pelo redator como
“mancebia civil
81
, e a secularização dos cemitérios. Outro ponto abordado era a defesa aos
dogmas e à disciplina da Igreja onde se alertava, principalmente, para a observância do celibato
eclesiástico. Outros elementos estruturais da reforma, como a luta pela prática religiosa dos fiéis,
mereceram ser abordados em vários artigos intitulados “Deveres Christãos”
82
. Em um deles padre
Franco argumentava: Eu sou christão porem o pratico. A referida maxima é mais que uma
contradição, é um atheismo practico, porque quem, professando-se catholico, não exercita as
praticas do culto de sua religião, por qual outra maneira honra a Divindade?
83
.
O jornal destacou também a tese da infalibilidade da Igreja e do Papa, que é uma das
tônicas principais do catolicismo ultramontano. Os princípios são desta forma expostos: A
infallibilidade da Egreja é o dom sobrenatural que Nosso Senhor Christo lhe fez, em virtude do
qual ella não pode errar em materias de doutrina e crença. A infallibilidade da Egreja é o signal
supremo da divindade de sua missão
84
.
Na mesma linha afirma-se: A infallibilidade doutrinal do Chefe da Egreja acha-se tão
claramente ensinada no Evangelho, que realmente não se pode conceber, como a não viram
79
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal... op.cit, p.101-103.
80
CMIJF – AHPHOF. Jornal Lar Cathólico, 19/03/1891, p.3.
81
Loc.cit.
82
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.79.
83
CMIJF – AHPHOF. Jornal Lar Cathólico, 11/06/1891, p.3.
84
Loc. cit.
31
certos espiritos sérios. Para semelhante evidencia, foi mister lançar mão de todas as sutilezas da
trapaça, de todas as argucias manhosas do orgulho, que se não quer submetter
85
.
Os verbitas ao assumirem a paróquia incentivaram a imprensa não enviando quantias
anuais para a diocese em auxílio à Boa Imprensa
86
como também, criando um jornal católico
semanal para a cidade. O novo jornal recebeu o nome de O Lar Catholico, mas ao longo do
tempo adquiriu outros nomes como A Bússola, Sacrário do Amor e, retornando ao primeiro
nome, afirmou-se como um semanário católico. O jornal estava voltado para a formação da
família trazendo regras de civilidade, normas sobre moda e cinema. Na realidade, pretendia-se
inculcar idéias, sistemas de valores e padrões comportamentais que estivessem em consonância
com os objetivos reformadores
87
.
Assim através do enquadramento dos fiéis consolidou-se na paróquia de Santo Antônio
de Juiz de Fora o processo de reforma do catolicismo. Quando em 1922, Dom Silvério Gomes
Pimenta veio a falecer seu sucessor, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, através da bula Ad
Sacrosanti Apostolatus Officium, datada de 1 de fevereiro de 1924, incentivou a diocese de Juiz
de Fora. O primeiro bispo da cidade foi Dom Justino José de Sant’Anna que assumiu em 1 de
fevereiro de 1925 o governo da diocese
88
.
Dessa forma havia se consolidado em Juiz de Fora o processo de romanização e de
reforma do catolicismo. A cidade se encontrava em sintonia com o novo momento da história da
Igreja Nacional. Esse momento foi denominado por alguns historiadores de Restauração Católica
em virtude da aproximação entre a Igreja Católica e o Estado no sentido de uma maior
colaboração entre as duas instituições
89
.
1.2.2. Filhas de Maria um papel para o feminino
O Concílio católico convocado pelo papa Paulo III na cidade de Trento se reuniu pela
primeira vez em 1545 objetivando fortalecer o catolicismo em locais onde o protestantismo ainda
não havia se estabelecido com firmeza. Para tanto seu propósito doutrinal era claro: reafirmar os
85
CMIJF – AHPHOF. Jornal Lar Cathólico, 24/09/1891, p.3.
86
A obra da Boa Imprensa foi criada na primeira década do século XX pelos franciscanos de Petrópolis tendo por
objetivo se opor à imprensa liberal e maçônica. (CMIJF-AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo
Antônio de Juiz de Fora 1900-1925, p.50).
87
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.95 e 123.
88
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal... op.cit, p.196-198.
89
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana... op.cit, p.125.
32
dogmas e sacramentos que a Igreja católica defendia desde os séculos XII e XIII com a Reforma
Gregoriana
90
. Desta forma, a nova disciplina com respeito à hierarquia eclesiástica, a
homogeneização da pastoral e da prática sacramental junto aos fiéis e o reforço da autoridade
episcopal se assemelhavam mais a mudança de atitude em relação aos velhos códigos do que uma
renovação legislativa no catolicismo
91
.
O Concílio de Trento procurou melhorar a máquina administrativa da Igreja. Os poderes
dos bispos foram reforçados e estabelecidas certas qualificações mínimas para a sua sagração: ser
filho de união legítima, “versado em letras”, de idade madura, possuir um título acadêmico em
teologia ou direito, residir na diocese, não ter cargo governamental ou desempenhar outras
funções dentro da igreja. os párocos, detentores de conduta irrepreensível, dedicar-se-iam a
pregar, e a ensinar doutrina e moralidades
92
.
Desta maneira a Reforma Católica não se esgotou no episódio do Concílio; foi antes a
reforma de uma Igreja inquieta, sobretudo a partir do século XIV, com a distância em que se
encontrava dos seus fiéis. Esta distância era, na maioria das vezes, fruto do próprio despreparo do
clero e neste sentido, alguns reformadores - no final do século XIV - reforçavam a idéia de
pertença a Devotio Modernna na qual era reafirmada a importância da meditação pessoal, da
introspecção da fé e da difusão do cristianismo entre o povo
93
.
Foi assim, que o catolicismo adentrou o século XV tendo como certo que a Republica
Christiana corria alheia à lei de Cristo. Então, fazia-se necessário uma reordenação da sociedade
à luz dos valores cristãos e o matrimônio passou a ser defendido enquanto sacramento e
instituição, um remédio para os que não conseguiam viver castos. Além do matrimônio, a Igreja
católica passou a intervir mais diretamente na vida das famílias, fosse nas relações entre pais e
filhos, fosse nas relações maridos e esposas. Para a Igreja tridentina a família era o lugar
privilegiado da vida cristã e o que a transgredia (adultérios, incestos, violações, bestialidades,
sodomia, masturbações, sonhos eróticos, toques íntimos, poluções noturnas) devia ser punido
severamente. Para isto, a confissão auricular e a penitência serviram como mecanismos de
controle das consciências e comportamentos
94
.
90
DAVIDSON, N.S. A contra-reforma. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p.10-11.
91
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Campus,
1989, p.7.
92
DAVIDSON, N.S. op.cit, p.24-25.
93
DELUMEAU, Jean. op.cit, p. 100-106. e VAINFAS, Ronaldo. op.cit, p. 8.
94
VAINFAS, Ronaldo.op.cit, p. 9-12.
33
O controle social sobre as práticas culturais levou a uma vigilância especial sobre as
mulheres visto que estas eram consideradas o portão para a entrada do mal na sociedade cristã.
Este fato estava associado ao episódio bíblico da queda da humanidade que resultou da fraqueza
da mulher em não resistir à tentação da serpente. Eva introduzira o pecado no mundo e toda
mulher, conseqüentemente sua filha e herdeira, era um caminho para a perdição da alma. O corpo
feminino era compreendido como um obstáculo ao exercício da razão, uma presa fácil das
tentações do Diabo
95
.
O discurso disseminado pelo catolicismo tridentino apontava para alguns traços que
seriam característicos do ser mulher. Esta, além de ser considerada a origem do mal e da
infelicidade, era descrita como incapaz de pensar sem a ajuda do homem, fraca em sua fé, infiel,
fútil, viciosa e namoradeira. Em tudo era inferior, inclusive seu corpo que era mais frágil, suas
carnes mais moles, possuindo mais líquidos, seu tecido celular mais esponjoso e cheio de gordura
o que refletia, tanto para os médicos quanto para o clero, um palco obscuro onde Deus e o Diabo
se digladiavam. Desta maneira, para garantir a família como cleo da sociedade cristã era
preciso vigiar e adestrar a mulher, principalmente sua sexualidade, que o sexo era sinônimo do
mal, do perverso devendo somente ser praticado dentro do matrimônio e com intuito da
procriação
96
.
A mulher era entendida como o mais magnífico dos males e por isso letal. O prazer
proporcionado por elas era funesto. Em si a mulher era traiçoeira e seu corpo induzia o sono da
alma empurrando o homem gradativamente para a decrepitude. Culpada pela queda da
humanidade, então, restava ao feminino se dedicar a pagar seus pecados pela continência e
pela domesticação do seu desejo
97
.
Todo este imaginário tridentino europeu chegou aos trópicos com os “descobrimentos”
que trazem consigo, ao longo dos primeiros anos, as resoluções do Concílio de Trento. No
ultramar ibérico, a expansão do catolicismo esteve presente desde o começo da colonização
estimulada, não por Roma, mas pelos chamados reis católicos que, através do padroado, exerciam
absoluto controle sobre as Igrejas católicas espanholas e portuguesas. Nos domínios portugueses
95
NOGUEIRA, Carlos Roberto Figueiredo. Bruxaria e História: as práticas mágicas no ocidente cristão. São
Paulo: Ática, 1991, p. 104.
96
DUBY, George. Eva e os padres: damas do século XII. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.11.
97
DEL PRIORE, Mary. Viagem pelo imaginário do interior feminino. Revista Brasileira de História, São Paulo,
v.19, n.37, p.1-20, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script>. Acesso em: 23 dez. 2004, p.3-
4.
34
foram sempre os jesuítas que lograram a primazia no campo missionário. Para estes “homens de
Deus” as terras do Brasil eram o reino do excesso de liberdade, da falta de lei moral, de pecados
monstruosos nos quais incorriam tanto os índios e, posteriormente, negros como os próprios
portugueses
98
. Estes últimos, segundo Gilberto Freyre, mal saltavam em terra se “atracavam a
uma ou mais índias” e estas se entregavam em troca de um pente gasto ou de um caco de espelho.
Por serem degradadas as índias, ou negras da terra como seriam chamadas, estavam aptas para a
fornicação em troca de alguma paga assim justificavam muitos colonos os seus atos
99
. Caberiam
às mulheres de cor o papel de meretrizes ou amantes na história da colonização. As negras, tanto
a índia quanto a africana, a ladina, a cabocla ou a mulata foram transformadas em objeto sexual
dos portugueses, todas inferiorizadas por sua condição feminina, racial e servil. Elas, para os
“conquistadores”, eram mais desonradas que as mulheres públicas do Reino porque além de
prostitutas eram de cor
100
.
Diante de semelhante desregramento os inacianos suplicavam às autoridades
metropolitanas o envio de mulheres brancas que seriam o alicerce para a construção de uma
ordem familiar cristã. A situação destas mulheres pouco importava, podiam ser órfãs, meretrizes,
mulheres erradas, enfim qualquer tipo de mulher desde que branca e casadoura. Com isso, se
evitariam os escândalos, segundo os jesuítas, de uniões promíscuas e poligâmicas. Então, único
remédio para tanta libertinagem era o estabelecimento de uniões estáveis através do casamento,
não por amor, mas sim por respeito e admiração do sexo feminino aquele que seria seu
cônjuge
101
.
Se o discurso tridentino soava misógino no tocante à escolha do cônjuge, sê-lo-ia ainda
mais no que se referia a regulamentação da vida marital. As relações sexuais teriam por
finalidade única a procriação devendo ao marido o governo absoluto do leito conjugal: a ele cabia
o poder de requisitar a esposa conforme seus próprios desejos e também o poder de reconhecê-
los, ou não, quando manifestados pela mulher. Este governo masculino era justificado pelos
médicos em função de ser o homem menos escravo do sexo já que não sofriam como as mulheres
de “sufocações uterinas” que as faziam ser governadas por um desejo incomensurável
102
.
98
VAINFAS, Ronaldo. op.cit, p. 14 e 28.
99
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal,
50. ed. São Paulo: Global, 2005, p. 161 e 538.
100
VAINFAS, Ronaldo. op.cit, p. 64-65.
101
Idem, p. 32.
102
Idem, p. 117.
35
O discurso médico complementava o da Igreja ao apregoar que a melhor maneira para se
domesticar o desejo feminino era o casamento o qual permitia a mulher fazer a única coisa que
ela era capaz de fazer, segundo o discurso médico: conceber e procriar. O útero feminino é
erigido como o altar da procriação e quando em funcionamento apontava que ali havia uma
mulher normalizada, ou seja, aquela que cumpria o papel que lhe tinha sido atribuído. Dentro do
útero também era travado uma luta entre Deus e Satã. Procriar era garantir a vitória do divino, era
sufocar Eva e permitir que se regenerasse um corpo que em sua origem era decaído
103
.
Assim, as mulheres deviam se casar bem cedo para evitar que pecassem, e os maridos
escolhidos pela família. Em todas as camadas as meninas eram obrigadas a aceitar os casamentos
arranjados com homens mais velhos do que elas; motivos para este “comércio matrimonial” não
faltavam e iam desde a desonra da jovem até a finalização de tratados comerciais que uniriam
duas famílias
104
.
Arranjado o marido, este deveria levar em conta o caráter diabólico da mulher e ter
muito cuidado e paciência no governo de sua esposa. O esposo deveria evitar discussões com sua
mulher porque isso seria conceder-lhe igualdade no juízo e opinião. A ela caberia apenas
obedecer e fazer executar as ordens do marido. No mais, devia evitar que a mulher tivesse
qualquer contato com o mundo exterior a sua casa o que poderia desviá-la do caminho correto.
Devia ser proibido para uma boa esposa ler, sobretudo romance e comédia, de receber adivinhas,
gentes extravagantes, músicos, poetas, professores, frades, de ser apresentada aos amigos do
marido, falar demasiado, suspirar, gesticular ao falar, risos em público e sair de casa. Obediência,
conformismo e medo: estes eram os ensinamentos para as meninas que queriam se casar. E assim
seria ao longo de todo o período colonial
105
.
Com a chegada do culo XIX irrompe uma nova ordem econômica, política, social e
cultural no ocidente europeu onde o capitalismo, ao se consolidar, fez brotar um conjunto de
idéias liberais que, no âmbito do domínio político público, pretendeu reduzir a influência do
poder religioso. Esse também seria abalado pela onda de nacionalismos que culminaram na
formação dos estados alemão, italiano e porque não, do brasileiro. Enfim, ao longo do século
103
DEL PREIORE, Mary.Viagem pelo imaginário do interior feminino... op.cit., p. 14-15.
104
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados... op.cit, p. 125.
105
Idem, p. 118-119.
36
XIX, uma nova sociedade, de tendência liberal-burguesa, afirmava-se provocando mudanças no
âmbito das relações sociais, das crenças religiosas e das práticas culturais
106
.
O novo contexto histórico forçou a Igreja a repensar o seu estar na sociedade o que resultou
em um processo, que se estendeu do pontificado de Pio IX (1846) até a Primeira Guerra Mundial
(isso para a Europa), denominado de romanização. Este período foi marcado, sobretudo, por uma
maior preocupação com as questões de ordem espiritual já que a Igreja perdia credibilidade frente
às críticas laicas. Além disso, a Igreja buscou promover uma reforma do clero e um crescimento
das ordens e das congregações religiosas, bem como das associações dos leigos. Um reflexo desta
necessidade de se afirmar como um sustentáculo da verdade frente a uma sociedade laica pode
ser visto com o Concílio do Vaticano I (1870) onde é confirmado o dogma da infalibilidade do
papa cuja autoridade tornou-se inquestionável
107
.
Nesta tentativa de reorganização, a Igreja católica buscou apoio na mulher que com o surgir
do século XIX teve reforçado três papéis que desempenhava: a de filha que alegra e distrai, de
esposa que auxilia e consola e a de mãe que vela e educa. Estes três papéis estavam restritos ao
lar que este era seu mundo onde reinava absoluta. A mulher do século XIX, enquanto “rainha
do lar”, devia ser sustentada por seu esposo cuja ação era voltada para o mundo público
108
.
Este século e o progressivo processo de laicização que se instaurava levaram a se
evidenciar uma sociedade cada vez mais dessacralizada e logo mais centrada no indivíduo. Este
fato ocasionou uma “perda da centralidade” do catolicismo e, conseqüentemente, da capacidade
deste de conferir significado à existência humana e a sua experiência de vida dando respostas a
situações-limites nas quais o homem se via obrigado a recorrer a um outro mundo
109
.
De acordo com Paula Montero, o processo de modernização que resultou da
emancipação da esfera secular das instituições religiosas trouxe como resultado a separação
jurídica entre Estado e Igreja mas, no entanto, não nos pode levar a pensar em uma retração do
106
LIMA, Raquel dos Santos S. A Igreja Católica e o discurso sobre a mulher no século XIX: questões de gênero na
santidade de Rita de Cássia. In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS
RELIGIÕES, 7; SIMPÓSIO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, 1; CICLO DE PALESTRAS E DEBATES DO
NÚCLEO DE ESTUDOS EM TEOLOGIA DA PUC MINAS, 19, 2005, Belo Horizonte, Anais Eletrônicos...,
Belo Horizonte: PUC/MG, 2005. p.2, 1 CD-ROM.
107
Idem,p.2-3.
108
BERNARDES, Maria Tereza C. C. Mulheres de ontem? Rio de Janeiro século XIX. São Paulo: T. A.
Queiroz, 1989, p.23.
109
MONTES, Maria Lúcia. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz.
História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras,
1998, p.71. [v.4].
37
religioso. Desta forma, a autora encara a secularização que ocorria como apenas mais um
elemento dentro de um processo histórico mais amplo onde a principal diferenciação não era a
que ocorria entre Estado e Igreja, mas sim a distinção entre a esfera pública do Estado e a esfera
privada da sociedade. É neste sentido que a religião ao ser excluída da esfera do Estado se
privatizou
110
.
É assim que a Igreja católica, ao tentar se reorganizar institucionalmente para conciliar o
desejo de voltar a gozar dos laços com o poder político e ao mesmo tempo obedecer aos
desígnios de Roma, entra no século XX sob a romanização. Este movimento organizado por parte
do clero buscava expurgar das práticas católicas o devocionário popular considerado uma
exteriorização “vazia” da e uma expressão de ignorância do povo, já que estava impregnado
por elementos culturais indígenas e africanos e repletos de elementos mágicos que permitiam ao
sagrado resolver as mazelas da vida cotidiana
111
.
Esta nova forma de vivenciar o catolicismo, que a partir da década de 1920 passou a se
denominar restauração, almejava uma interiorização intimista da no âmbito privado e familiar
que serviria de modelo para organizações sociais mais amplas. Daí o catolicismo buscar manter
sua influência sobre a vida pública controlando instituições sociais capazes de formar o caráter e
moldar as atitudes do homem (ensino, jornais, Congregações Marianas, Filhas de Maria, ão
Católica). A nova expressão de era marcada pela adequação, conveniência, moderação, recato,
a modéstia de roupas e dos modos, pelo controle da moralidade, da liberalidade sexual e da
perturbação da ordem. Assim, objetivava uma transformação espiritual do fiel para consolidação
da Igreja católica na sociedade e para o triunfo da civilização que atingiria seu ápice nas décadas
de 1930 e 1940 quando o catolicismo buscou recriar um Brasil católico cujas maiores expressões,
segundo Maria Lúcia Montes, foi à inauguração da estátua do Cristo Redentor (Rio de Janeiro) e
o II Congresso Eucarístico Nacional
112
.
Podemos dizer que o primeiro resultado do processo de romanização foi a retomada dos
modelos de mulher construídos na Idade Média. Até então, grande parte do discurso da Igreja
Católica tinha sido embasado pelo mito da criação o qual apresentava a mulher como derivada do
homem, logo inferior. É esta inferioridade que a tornava propensa a desobediência, a malícia,
110
MONTERO, Paula. Religião, Pluralismo e esfera pública no Brasil. Novos Estudos, março de 2006, p.49.
111
MONTES, Maria Lúcia. As figuras do sagrado... op.cit, p. 112.
112
Idem, p. 73-76.
38
enfim, ao seu caráter pecador. Eva era a degenerada que, ao ceder à tentação da serpente, deixou
de herança à suas filhas a dor, o sofrimento e a perdição
113
.
No entanto, o pensamento teológico se encarregou de introduzir uma antítese de Eva, a
Nova Eva. Maria ao esmagar a cabeça da serpente e ao gerar aquele que seria o Salvador da
humanidade, reabilitou a mulher que passou a ser tida como ser puro e respeitável. A Virgem
Maria, apesar de ser venerada desde o cristianismo primitivo, não integrava o rol dos santos
principais. Contudo, a partir do século XII o culto a Maria floresceu ganhando força na passagem
do período medieval para a era moderna, sobretudo, com a Reforma Católica que via no feminino
uma possibilidade de ação entre os fiéis na tentativa de fazer os desígnios do Concílio de Trento
surtirem efeito
114
.
Maria aparecia como a antítese de Eva. Era o modelo de mulher ideal, virgem, pura e casta.
Nela estava à mediação entre Deus e os seres humanos, principalmente, para o feminino que
havia sido reabilitado por ela. Foi com base nas histórias dessas duas figuras (Eva e Maria) que a
Igreja do século XIX se voltou para o feminino. Eva era aquilo que as mulheres eram por
natureza e Maria era aquilo que elas deveriam se tornar para cumprirem seu papel social de
criaturas modestas e ponderadas que, enquanto “rainhas do lar”, tinham por obrigação
desenvolver e fortificar no coração dos filhos e do esposo as virtudes sociais e cristãs. Então, a
Igreja Católica passou a repensar o caráter feminino dentro da Igreja já que essas mulheres
representavam, na nova conjuntura, uma chave importantíssima que a Igreja deveria saber usar
para voltar a triunfar no espaço público
115
.
Então o catolicismo pretendeu criar um ideal de mulher que abandonasse a figura de Eva e
que se espelhasse na Virgem Maria. Com isso o culto a Maria passou a ter um papel
preponderante para o desenvolvimento devocional a partir desse século. De maneira que, em
1854, o papa Pio IX (1846-1878) buscou incentivar a devoção mariana proclamando o dogma da
Imaculada Conceição. Posteriormente foi estabelecido o mês de maio como o mês de Maria e a
festa de coroação da Virgem passou a ser estimulada pelas hierarquias católicas, de forma que no
pontificado do papa Pio XII (1939-1958) culminou o que se chamou de a era mariana. O culto a
113
REIS, Adriana Dantas. Cora: lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX. Salvador: Centro de
estudos baianos, 2000, p. 68-71.
114
DELUMEAU, Jean. op.cit., p.10.
115
RIBEIRO, Silvana Mota. Ser Eva e dever ser Maria: paradigmas do feminino no cristianismo. In: Congresso
Português de Sociologia, 4, 1999, Coimbra. Anais eletrônicos... Coimbra, 2000. Disponível em:
<http://www.aps.pt/seccoes_s_publica.htm>. Acesso em: 05 ago. 2004, p. 1-12.
39
Maria devia despertar na mulher a vontade de se devotar e de se entregar totalmente a família e a
religião.
116
Desta maneira, pode-se falar que a cultura católica do período da romanização se voltou
para o feminino, mas fosse Eva ou Maria, na realidade, a mulher continuou sendo associada a
uma biologia e a uma estratificação social inferiorizada. Ela não era mais vista como diabólica,
porém não deixava de ser submissa: passava da tutela do pai para a do marido. Este devia ser
considerado por ela uma dádiva de Deus que a conduziria à santidade. Na encíclica Arcanum
Leão XIII (1878-1903) reitera a autoridade marital, apontando que a mulher devia ser submissa e
obediente ao marido, como uma fiel companheira contribuindo para o crescimento do lar
117
.
Na carta pastoral de 1875 o bispo Macedo Costa fazia recomendações às mulheres, jovens,
casadas e viúvas para se santificarem e se salvarem. Ás jovens, os bispos aconselhavam modéstia
em todas as suas ações e a permanecer em casa e ajudar à mãe, a quem deviam confiar os seus
segredos. A dedicação a exercícios de piedade compunha ainda o rol da orientação do bispo que
aconselhava que rejeitassem os divertimentos e as vaidades. Quando se tratava de mulheres
casadas, a primeira recomendação da carta pastoral era amar o marido respeitando-o e
obedecendo-o. Além disso, a esposa deveria servir seu esposo com desvelo tolerando seus
defeitos e amando os seus parentes, sobretudo o sogro e a sogra. Uma última recomendação à
casada era educar catolicamente os filhos. Por fim, à mulher viúva aconselhava viver pura como
as virgens e vigilante como as casadas. Para evitar “ficar falada” a viúva deveria ser amiga do
retiro, inimiga dos divertimentos mundanos e aplicada à oração. Nestas recomendações ficava
explícito que, no pensamento da Igreja neste período, a mulher tinha que ser enquadrada em uma
ordem social rígida onde pudesse reagir contra as novas aspirações liberais
118
.
Neste contexto, a Igreja passou a difundir e cobrar da mulher características como
fragilidade, recato, religiosidade e, acima de tudo, castidade. A polidez e a ilustração, por sua
vez, deviam servir para tirar a mulher da “fraqueza mental” que se encontrava e instigar-lhe a
inocência e a pureza. Sacralizou-se o feminino porque se compreendeu que ele podia exercer uma
116
DICIONÁRIO DE MARIOLOGIA... op.cit, p. 403.
117
GIORGIO, Michela. O modelo católico. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. (org.) História das
mulheres. Porto: Afrontamento, 1991, v.4, p. 203-206.
118
CARTA PASTORAL DE 1875 apud MARCÍLIO, Maria L. (org.) A mulher pobre na história da Igreja latino-
americana. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 100-101.
40
influência perniciosa ou salutar dentro da família e que através dele podia se moldar condutas que
formassem um bom cidadão cristão
119
.
A “santa-mãezinha” começava por se inscrever em um padrão de sentimentos ascéticos e
espiritualizados onde o amor não era material e nem físico. Giorgio aponta, em seu artigo, que na
Ação Feminina católica italiana a pedagogia anti-sentimental aconselhava às mulheres que o
êxito matrimonial não ocorria se a escolha fosse guiada pelos olhos ou pelo coração. O êxito
estava em escolher um esposo que fosse bom cristão e que construísse com ela uma família
imersa na católica. Ser boa mãe não era para qualquer uma que apenas desejasse ser. Era
preciso ter uma preparação espiritual e cristã e que admitisse a necessidade do sacrifício. A
maternidade foi transformada na “essência social do feminino
120
.
Com isso, a mulher passava a abandonar as relações com seu corpo erotizado e prazeroso
para se voltar as orações, aos cuidados com os filhos e com o lar. Na realidade, a mulher se
transformava em um agente institucional da Igreja agindo sobre a mentalidade de seus
familiares
121
. Um agente institucional da Igreja, tinha padrões a seguir, entre estes estavam a
proibição da leitura de romances que apenas serviam para despertar sentimentos tolos e devaneios
perigosos. Por isso, recomendava-se que a educação feminina fosse mais mnemônica. Fora isso, a
mulher cristã deveria conservar sua virtude e ostentá-la com orgulho e o vestuário era uma peça
chave. Daí Bento XV aconselhar que a integridade feminina devesse ser medida pelo
comprimento das saias e do cabelo. A Igreja Católica criava, no período da romanização, um
mundo à parte para as suas militantes, não obstante, atuassem na sociedade.
122
Para a nova mulher católica também foram criadas novas práticas de devoção nas quais
assumiram grande importância àquelas vinculadas ao Sagrado Coração de Jesus e a figura de
Maria. Estas práticas caracterizaram-se por efetuar nos recintos dos templos e por concentrarem
suas forças na beneficência. As principais associações deste período e que eram apoiadas pela
Igreja são as seguintes: o Apostolado da Oração, a Guarda de Honra do Sagrado Coração de
Jesus, as Congregações Marianas, a Pia União das Filhas de Maria, as Associações das Senhoras
119
D’INCÃO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. IN: DEL PRIORE, Mary. Mulheres no Brasil colonial.
São Paulo: Contexto, 2000, p. 223-230.
120
GIORGIO, Michela. O modelo católico... op.cit.,p.207.
121
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colonial. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1995, p. 309-310.
122
BENTO XV, Allocuzzione alle donne italiane, 1919 apud GIORGIO, M. op. cit., 226.
41
da Caridade, as Associações das Mães Cristãs, a Confraria do Puríssimo e Imaculado Coração de
Maria, a Obra da Santa Infância, a Obra dos Tabernáculos
123
.
No entanto, à margem da tentativa de controle e moralização por parte da Igreja, as
associações, muitas vezes, constituíram um lugar de construção de laços de sociabilidade que, a
revelia da intenção do clero, permitiam a mulher uma participação na vida pública, ainda que
cerceada pelos olhos vigilantes do padre responsável. Eram os locais onde elas podiam esquecer
que suas vidas, neste momento, estavam restritas a dois véus brancos: o véu da primeira
comunhão e o véu nupcial
124
.
Com isso, no avesso do papel que lhes era delegado pelas instituições de poder masculino
(seja Igreja ou Estado), as mulheres bordavam as características do seu gênero, amarrando suas
práticas culturais. Assim, elas criavam um espaço de ação e influência que as permitiam transitar
por uma sociedade misógina que insistia em atribuir à mulher um caráter maléfico e pecador que,
conseqüentemente, a fazia ser submetida a medidas repressivas constantes e a “aceitaçãode sua
inferioridade na hierarquia social
125
.
Foi este modelo de mulher que chegou a Juiz de Fora em 1890 com o início do processo
de romanização na cidade. Também foi a este modelo de feminino que as associadas a Pia União
das Filhas de Maria estariam relacionadas. Acredita-se que as mulheres que pertenciam a esta
associação passaram a ser mediadoras no processo de romanização da cidade ao estabelecerem a
ponte entre os objetivos moralizantes do clero romanizado e uma sociedade que se pretendia
moderna e progressista
126
.
Os primeiros registros que encontramos da Pia União das Filhas de Maria em Juiz de
Fora datam do ano de 1907, momento em que a associação foi fundada no Asilo das Órfãs e
sendo, no mesmo ano, agregada a Prima-primária em Roma. A associação deveria ser dirigida
pelos capelães do asilo e atender, primeiramente, as internas. Posteriormente, entraram as
meninas da cidade e das fazendas vizinhas que passaram a participar das reuniões juntamente
com as internas
127
.
123
MARCÍLIO, Maria Luiza. A mulher pobre na História da Igreja Latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1984,
p.105-110.
124
GIORGIO, Michela. O modelo católico... op.cit., p.221.
125
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo... op.cit, p. 16-17.
126
ZANLOCHI, Terezinha. Mulheres Leigas na Igreja de Cristo. São Paulo: Edusc, 2001, p.20-23.
127
LIVRO DE ATAS I da Pia União das Filhas de Maria da Catedral de Juiz de Fora 1910/1922. JF: Centro da
Memória da Igreja de Juiz de Fora, p.1.
42
Porém, a distância do asilo até o centro da cidade fez com que o vigário da paróquia de
Santo Antônio, padre Leopoldo Pfad, SVD
128
, desmembrasse as jovens da cidade das jovens do
asilo. É desta forma que em 1909 o vigário dirigiu ao bispo de Mariana o pedido de instalação
canônica da associação na Igreja Matriz. O pedido foi atendido no mesmo mês por Dom Silvério
Gomes Pimenta que tinha interesse na concretização do processo de reforma e romanização da
Igreja de Juiz de Fora. A associação da Matriz seria administrada pelo vigário da paróquia de
Santo Antonio o padre Conrado Knies. A associação foi agregada à Prima-Primária em 16 de
março de 1910
129
.
Assim, as meninas da cidade que pertenciam a Pia União do Asilo passaram a pertencer
a Pia União da Matriz que logo no seu princípio já contava com 35 Filhas de Maria, 33 aspirantes
e 13 postulantes. A primeira diretoria foi composta por Maria Luiza Serrano (diretora), Zilda
Maria Moreira (vice-diretora), Marcolina de Souza (presidente), Felicina Rubiol (vice-
presidente), Maria do Carmo Leal (secretária) e Clothilde Gaio (tesoureira). Os cargos de diretora
e vice-diretora foram estabelecidos como perpétuos e os demais, teriam vigência até 8 de
dezembro de 1910
130
. A primeira deliberação da diretoria foi que no dia 15 de agosto seria feita
uma festa para a Assunção de Nossa Senhora na qual seriam admitidas mais 9 Filhas de Maria,
15 aspirantes e 2 postulantes
131
.
A Pia União das Filhas de Maria na cidade foi erguida sobre o patrocínio de Maria
Santíssima e de Santa Inês, como aconselhava o Manual da Primária de Roma. A associação em
seu início buscou seguir, de maneira mais fiel possível, o Manual visando facilitar a sua
instalação na cidade
132
. A associação teve seu estatuto tornado público em 1911 e passou a ter
por sede a capela do Espírito Santo, anexa ao Colégio Stella Matutina, embora algumas reuniões
pudessem ocorrer na Igreja Matriz, sobretudo, as mensais
133
. Integrariam a Pia União das Filhas
128
O padre Leopoldo Pfad, SVD, membro da Congregação Verbo Divino, esteve presente à frente do processo de
reforma e romanização da Igreja Católica de Juiz de Fora. A congregação, além de atuar educando as elites no
colégio Academia, esteve à frente dos trabalhos da Igreja matriz durante os anos de 1900 a 1925. (AZZI,
Riolando. Sob o Báculo Episcopal: a Igreja católica em Juiz de Fora (1850-1950). Juiz de Fora: CMIJF, 2000,
p. 131-132).
129
LIVRO DE ATAS I da Pia União das Filhas de Maria da Catedral de Juiz de Fora 1910/1922. JF: Centro da
Memória da Igreja de Juiz de Fora, p.1-2.
130
Idem, p.3.
131
Idem, p.4.
132
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria... op.cit, p.25.
133
O colégio Stella Matutina era destinado exclusivamente à educação feminina. Foi fundado em 1903 pelas Servas
do Espírito Santo tornando-se o estabelecimento católico mais importante do nero. O colégio teve
inicialmente suas instalações no Alto dos Passos sendo transferido em 1905 para as proximidades da Avenida
43
de Maria as melhores alunas dos colégios femininos católicos, bem como as demais moças ditas
piedosas da cidade
134
.
Rio Branco. Hoje ele se encontra na Avenida Independência e ainda se conserva sob a direção da mesma
congregação religiosa de sua fundação. (AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal... op.cit, p. 158).
134
LIVRO DE TOMBO da paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora 1900/1925. JF: Centro da Memória da
Igreja de Juiz de Fora, p. 48-49. Para saber sobre o número de associadas no auge da associação veja anexo 5.
CAPÍTULO 2: A PRÁTICA ASSOCIATIVA
2.1. Organização da Associação
A Pia União das Filhas de Maria regia-se por um estatuto que exigia a eleição de
uma mesa diretora responsável por administrar a vida da associação, composta pelo diretor e
dignitárias. Os estatutos recomendavam que o diretor da associação fosse o pároco da
freguesia e em igrejas e capelas afastadas, o superior responsável por estas instituições. No
entanto, nos mosteiros, conservatórios e colégios, o diretor seria indicado pela superiora
1
.
O vigário da freguesia assumiu este papel em Juiz de Fora. Por volta da década de
1930, a nomeação passou a ser incumbência da diretora nas associações nascidas nos colégios
católicos, como no caso do Stella Matutina, e a atribuição ficou reservada aos párocos quando
estes erigissem grupos de Filhas de Maria na sede das suas paróquias
2
.
De acordo com o Manual da Pia União, aquele que assumia a direção respondia pela
alma da associação pois competia a ele manter em todas as congregadas o espírito de piedade
e fervor, consagrando, deste modo, todos os cuidados e tempo que lhe fosse possível à sua
função. O descaminho de uma associação era compreendido como culpa de sua
irresponsabilidade e de sua fraqueza de espírito que o impediu de desviar do lodaçal o sexo
frágil, numa idade que o demônio redobra seus ataques e aparecem mil obstáculos à virtude
3
.
O Manual, além de atribuir ao pároco todo o destino da organização, apresentava a
este conselhos no sentido de manter-se afastado do convívio com as associadas e, sempre que
visse real necessidade de falar com alguma jovem, em particular, o fizesse no confessionário
ou, preferencialmente, diante da diretora e da vice-diretora para evitar maus entendidos que
deporiam não só contra ele e a associada, senão contra a própria Igreja
4
.
Com estas medidas o catolicismo romanizado pretendia marcar sua diferença frente
às práticas feitas até então por seus fiéis e também por seu clero: falta de decoro,
envolvimento em assuntos não religiosos e até constituição de família, o que feria a opção
pelo celibato para os membros da Igreja. Os religiosos tridentinos pretendiam ser um exemplo
para seu rebanho através da pureza, da dignidade de suas vidas e da integridade moral
5
.
Assim, o contexto no qual a Pia União das Filhas de Maria está imersa é um momento de
1
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.31.
2
LIVRO DE TOMBO da paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora 1900/1925. JF: Centro da Memória da
Igreja de Juiz de Fora, p. 45-46.
3
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.59.
4
Idem, p.60.
5
DAVIDSON, N.S. A contra-reforma. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p.26.
45
moralização e reorganização do catolicismo que abarca não os fiéis como também os
religiosos.
As dignitárias, que completavam a diretoria, compreendiam os seguintes cargos:
diretora, vice-diretora, presidente, vice-presidente, secretária, tesoureira, de duas a quatro
conselheiras e mestra das aspirantes (escolhida pelo diretor entre as conselheiras). A vice-
diretora tinha dentre as suas funções, auxiliar a diretora, além de poder ocupar qualquer outro
cargo, exceto o de presidente. Se necessário, a diretora tinha a prerrogativa de acumular
funções, desde que não a de tesoureira
6
. Competiam às dignitárias estar a par de tudo que
ocorresse na associação, conhecendo, ao menos de nome, todas as associadas e, à época da
promoção de alguma na hierarquia da organização, saber sobre seus comportamentos a fim de
melhor intervir
7
.
O cargo das Mesárias era escolhido através de uma eleição com voto secreto
realizada todos os anos no primeiro domingo depois do dia da festa de Imaculada Conceão.
Reeleições eram possíveis e inclusive incentivadas quando a ocupante do cargo tivesse
desempenhado de forma correta o seu papel. Isto resultava em um investimento maior das
dignitárias, promovendo um maior autocontrole e dedicação em suas tarefas terrenas e
espirituais, além de vigiar as companheiras buscando nelas virtudes maiores ou menores que
as suas
8
.
As eleições dentro da associação funcionavam assim como um mecanismo, não
explícito, de controle do comportamento das associadas que, ao se vigiarem, colaboravam
com as intenções do clero romanizado de manter o domínio sobre a mulher. Ao mesmo
tempo, pelo fato das associadas poderem escolher elas mesmas as suas representantes (já que
somente os cargos de diretora e vice-diretora eram de responsabilidade do pároco) criava,
ainda que momentaneamente, a idéia de independência e de autonomia, o que era negado à
mulher na sociedade fora da Pia União. Lembremos que o sufrágio feminino só seria
permitido no Brasil em 1932 quando Getúlio Vargas, através do código eleitoral brasileiro,
estabeleceu que o cidadão maior de 21 anos, independente de sexo, poderia votar. No entanto,
no mesmo código citado era posto que todo cidadão maior de 60 anos e as mulheres em
6
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit, p.30.
7
Idem, p.61.
8
Idem, p.42.
46
qualquer idade podiam se isentar de votar, ou seja, a não obrigatoriedade do voto do sexo
feminino demonstrava o quão desnecessário era a opinião das mulheres na esfera pública
9
.
A eleição no interior da associação realizava-se de duas maneiras, em observância ao
grau de alfabetização das participantes. A primeira, mais usual nas associações, consistia na
indicação de duas candidatas para o cargo, pelo diretor, diretora e vice-diretora. As jovens,
inclusive as candidatas, votavam naquelas que julgassem mais prudentes. Vencia a associada
que obtivesse o maior número de votos na função a qual fora indicada. A segunda forma,
escolhida quando pelo menos uma associada não sabia ler e/ou escrever, consistia na
proposição pelo diretor do nome de uma candidata para cada cargo. As demais aprovavam ou
não as indicações, através do depósito de um grão de feijão branco para as aceitas e um grão
de feijão preto para as rejeitadas
10
. Terminada a eleição, a secretária lia em voz alta os nomes
das eleitas. Caso as postulantes e aspirantes não estivessem presentes no primeiro encontro
onde todas as integrantes da Pia União se encontrassem reunidas, novamente seria lido o
nome das vencedoras e o diretor procedia a entrega das fitas
11
.
No Manual uma ressalva no que diz respeito às eleições das dignitárias: a escolha
não podia partir da simpatia ou antipatia, e sim do julgamento da responsabilidade e
exemplaridade da candidata. Desta forma, aquelas que demonstrassem capacidade intelectual,
prudência, zelo e piedade sincera mereciam ser eleitas o que acabava por gerar, entre as
associadas, um controle de sua própria conduta, já que, a mesma estava sendo avaliada.
Assim, o investimento no padrão moral exigido pela associação, identificado com aquele
defendido pelos católicos reformadores, podia gerar o sentimento de um dia a jovem assumir
um lugar de destaque na organização e dessa forma também adquirir poder sobre as demais.
Cabe aqui chamar a atenção para o papel atribuído às jovens que participavam dos
cargos de dignitárias. Elas se sobressaiam não perante as companheiras da associação
como também perante a sociedade da qual faziam parte. Com isso, ao mesmo tempo em que
elas se libertavam do papel de mulheres submissas e incapazes de tomar decisões e que,
portanto, deviam ficar resguardadas entre as paredes de suas casas, elas assumiam um outro
papel: de jovens de comportamento mais irrepreensível, portanto mais aptas a seguir o
9
MARQUES, nia. A recuperação do passado e do presente como ressurreição da mulher. In: AUAD, Sylvia
Maria Von Atzingen Venturoli Mulher: cinco séculos de desenvolvimento na América, capítulo Brasil. Belo
Horizonte: CREZ/ MG, 199, p.558-559.
10
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op. cit, p.42-43.
11
Durante a entrega das fitas o padre dizia a cada membro da nova diretoria algumas palavras, para vê-las
consultar anexo. Cabe aqui ressaltar que para as associadas tanto de Juiz de Fora quanto as de Matias Barbosa
a fita das dignitárias era um centímetro mais larga que as das demais companheiras e a cerimônia de entrega
destas podia ou não ocorrer junto com a admissão das postulantes, aspirantes e Filhas de Maria (MANUAL da
Pia União das Filhas de Maria. op. cit., p.43).
47
exemplo de Maria. Jovem para quem os olhos de suas companheiras, da sua comunidade, do
clero e os seus próprios olhos estariam atentamente voltados e prontos para denunciar o
menor deslize.
Desta maneira cada ato e cada palavra eram meticulosamente pensados pelas
associadas, as quais tinham sua conduta constantemente testada, uma vez que, enquanto Filha
de Maria devia ainda estar integrada à sociedade que moldaria e controlaria seu
comportamento. Era o estar no mundo, participando da sociedade ativamente e tendo sua
diariamente testada, o que garantiria a associada o ser e o pertencer a uma outra esfera de
realidade a qual, na visão dos religiosos da romanização, estava mais próxima do sagrado.
Esta visão apregoada pelo clero romanizador reforçava uma das prerrogativas do catolicismo
tridentino para o qual uma das maneiras de melhor o indivíduo vivenciar a cristã era na
atividade terrena
12
. Sobre a necessidade de vivenciar a fé no mundo o Manual apresenta o
seguinte argumento:
Não restrinjais a vossa vida cristã dentro, apenas, do âmbito das igrejas, fazendo
orações materiais, saídas, apenas, dos lábios e que o coração não sente. Muito mal
pensais julgando que, pela prática de devoções afetivas, pela recepção dos
Santos Sacramentos, alcançareis o reino dos céus, abandonando a prática das
virtudes evangélicas, únicas marcas que distinguem os verdadeiros filhos de Deus,
dos que o são, apenas do mundo. Mas para isso, bondosas Filhas de Maria, esteais
no mundo
13
.
Eleita e empossada a diretoria iniciava o processo de escolha das primeiras aspirantes
que, se detentoras de uma conduta irrepreensível, seriam logo admitidas como Filhas de
Maria
14
. Tanto nos processos de admissão e expulsão quem deliberava era o denominado
Conselho Secreto composto pela junção das dignitárias, diretor, diretora e vice-diretora
15
.
Durante as decisões do Conselho o diretor não votava e caso ocorresse empate, o voto da
diretora era usado como critério de decisão. Ao diretor, permitia-se expressar sua opinião
quando da admissão de alguma jovem sem a solenidade de entrega das fitas, como foi
constatado no primeiro Livro de Ata da Pia União das Filhas de Maria da Catedral de Juiz de
Fora:
12
DAVIDSON, N.S. op.cit., p. 39.
13
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op. cit., p.287.
14
LIVRO DE TOMBO... op.cit., p. 45-49.
15
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.45.
48
Elvira Lopes foi admitida sem a solenidade de recepção por se achar gravemente
enferma no dia 10 de agosto vindo a falecer no dia 26 de outubro. no dia 30 de
outubro foi admitida Maria da Conceição Rocha também por se achar enferma
16
.
No entanto esta forma de admissão, normalmente direcionada a jovens muito
enfermas, era evitada que as admitidas por este modo não podiam desempenhar alguma
função ou cargo dentro do grupo
17
.
Fora estes casos excepcionais, a recém-ingressa passava pelo posto de postulante
e/ou aspirante e para tanto, o era exigida uma idade mínima e nem mesmo a primeira
Eucaristia. No entanto, como os estatutos gerais das Filhas de Maria não são claros a este
respeito, a admissão variava de associação para associação. Em Juiz de Fora a idade mínima
exigida para as candidatas à Filhas de Maria era de 14 anos e estas tinham que possuir a
primeira Eucaristia
18
. para Matias Barbosa, a única regra a ser cumprida a este respeito era
a jovem poder comungar. Na tradução do Manual do italiano para o português uma nota
sobre as idades mínimas e máximas a serem observadas:
Embora os estatutos gerais não prescrevem idade determinada é sempre
conveniente que haja um limite mínimo e máximo de idade em cada Congregação.
Para as Congregações eretas fora dos colégios o limite mínimo deveria ser a idade
de dezesseis anos e o ximo de quarenta anos, como acontece nas congêneres de
Portugal. O limite mínimo deve ser mantido nos dezesseis anos completos porque
assim com mais um ano que podem ter de provação no grau de aspirantes haverá
mais possibilidades de se ter Filhas de Maria mais exemplares nas virtudes. Assim,
o mínimo deve ser fixado numa idade em que as paixões são mais fortes e começa
a custar as práticas das virtudes e o máximo em uma idade em que as paixões
começam a esmorecer
19
.
Independente da idade estabelecida como mínimo e máximo, as jovens que
desejassem ser Filhas de Maria e que não se enquadrassem nestas balizas eram incorporadas
como Filhas de Maria por devoção, no caso da idade ultrapassar o limite máximo. para a
idade mínima, as meninas iam para a Congregação dos Santos Anjos que inclusive no Manual
é sugerida como caminho a ser trilhado pelas postulantes antes de pleitearem pertencer a Pia
União
20
.
O que distinguia as aspirantes das associadas à Congregação dos Santos Anjos eram
as fitas: as primeiras portavam uma fita de seda roxa, na ponta do qual pendia uma medalha
16
LIVRO DE ATAS I da Pia União das Filhas de Maria da Catedral de Juiz de Fora1910/1922. JF: Centro da
Memória da Igreja de Juiz de Fora, p.5-6.
17
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.47.
18
LIVRO DE TOMBO... op. cit., p. 24 e LIVRO DE ATAS I.. op.cit., p.17.
19
Idem, p.32.
20
Loc. cit..
49
do anjo da guarda e as associadas propriamente ditas, no lugar da fita roxa, usavam uma de
seda vermelha. A jovem nesta última categoria, com a primeira eucaristia feita, estaria apta a
ser admitida como aspirante à Filha de Maria ou como postulante, caso a diretoria achasse
necessário observar mais seu comportamento
21
.
Outros critérios para a admissão à Pia União foram apontados pelas associadas,
durante as entrevistas, como imprescindíveis: ser solteira, mostrar singular devoção a Maria
Santíssima, deter uma conduta virtuosa, requerer através de carta escrita e endereçada a
diretoria o pedido para fazer parte da associação
22
, ter freqüentado o grupo ao qual tivesse
feito pedido ao menos durante um s (se nele houvesse reuniões semanais) ou ido a uma
reunião mensal e por fim, obter sua aceitação pela maioria dos votos da diretoria
23
.
A recepção das postulantes e das aspirantes era feita em qualquer tempo, todavia
devia se dar prioridade para os dias de festas a Nossa Senhora e sempre que houvesse reunião.
para a recepção das novas Filhas de Maria eram escolhidas, preferencialmente, as festas de
Imaculada Conceição, de Santa Inês e o dia da conclusão do mês de Maria. O Manual
aconselhava que, por ano, fossem realizadas somente duas admissões de aspirantes
24
.
A associação em Juiz de Fora, no princípio de suas atividades, estabelecia duas datas
de recepção, uma em 15 de agosto e outra no dia 8 de dezembro; além das recepções
extraordinárias em função de enfermidades. No entanto, no Livro de Atas I da Pia União das
Filhas de Maria da catedral de Juiz de Fora, o número de admissão a partir de maio de 1914
foi limitado a uma vez ao ano. A recepção, tanto das postulantes e aspirantes, quanto das
Filhas de Maria, era feita no dia da festa de Imaculada Conceição, no dia 8 de dezembro, logo
após o retiro anual obrigatório que começava no dia 2 de dezembro e encerrava-se no dia 6 do
mesmo mês. Já para as associadas de Matias Barbosa não havia uma data pré-definida,
buscava-se fazer as admissões durante as celebrações da associação
25
. Desta forma, no que se
refere a admissão cada associação seguia o que lhe era mais conveniente.
As aspirantes observavam todas as regras da associação. No entanto, o detinham voz
ativa na direção e em todos os atos ocupavam lugar inferior às Filhas de Maria. Para mudarem
de fita exigia-se a primeira comunhão, passar no mínimo três meses e no máximo um ano
21
Ibidem, p.32-33.
22
A partir de primeiro de junho de 1917 para as associadas de Juiz de Fora e Matias Barbosa, além do pedido
por carta, a candidata devia dirigir-se a zeladora da sessão onde morava para que essa a apresentasse para a
diretoria (LIVRO DE TOMBO... op.cit., p. 24-25 e LIVRO DE ATAS I... op.cit., p.20 e 46.)
23
Após aprovado o pedido a candidata poderia passar a freqüentar a associação após ter seu nome lido em
uma reunião geral, que tanto para Juiz de Fora quanto para Matias Barbosa, era sempre no primeiro domingo
do mês (MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.32-33).
24
Idem, p.33.
25
LIVRO DE ATAS I... op.cit., p.17-18.
50
como aspirante (caso este prazo fosse superado seria excluída da associação, não podendo
mais tornar a entrar nesta posição), dar provas de sua devoção, apresentar conduta exemplar e
obter o maior número de votos da diretoria
26
.
A solenidade de admissão das aspirantes iniciava com uma invocação do espírito santo
e uma oração
27
, depois o diretor interrogava a candidata sobre seu desejo de ser Filha de
Maria
28
Em seguida a candidata fazia o ato de consagração após o qual, o diretor levantava-se,
benzia a medalha ou medalhas e colocava, uma a uma, nas candidatas, recomendando-as
fidelidade no cumprimento dos deveres, tanto da associação quanto nos do seu dia a dia. Isto
porque, a partir deste momento, ela não seria apenas mais uma jovem, mas sim uma Filha de
Maria cujos atos afetariam não somente ela, mas também toda a associação. Em seguida se
fazia a reunião como de costume
29
.
A passagem de aspirante a Filha de Maria também começava com a invocação do
Espírito Santo e uma oração. Então, a candidata, acompanhada da diretora e da mestra das
aspirantes, aproximava-se do altar de Nossa Senhora, e tendo uma vela acesa na mão,
ajoelhava-se e respondia ao diretor perguntas para saber se estava convicta em ser uma Filha
de Maria
30
. A candidata, em voz alta, respondia –assim como aquela que se candidatava a
aspirante - com o ato de consagração à Maria Santíssima
31
.
Findo o ato de consagração, o pároco benzia as medalhas e as colocava uma a uma
nas novas Filhas de Maria lembrando-as de honrar a insígnia que recebiam já que esta
representava a sua promessa à “sagrada Mãe”. Depois entregava o Manual da associação que
na sua primeiragina continha o diploma de admissão
32
.
Para a diplomação o Manual sugere que o pároco pronuncie as seguintes palavras:
Recebei este diploma da vossa recepção como Filha de Maria, nesta Pia União;
nunca o desonreis com vosso comportamento; conservai-o com todo cuidado em
26
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria... op.cit., p.34-35.
27
INVOCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO: Vinde Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei
neles o fogo do vosso amor. Enviai o vosso espírito e tudo será criado e renovareis a face da terra. ORAÇÃO:
Deus que instruístes os corações dos fiéis com a ilustração do Espírito Santo fazei com que regulemos segundo
o mesmo Espírito e gozemos sempre da sua consolação. Por Cristo Senhor Nosso, amém. (Idem, p.66).
28
Para perguntas feitas e ato de consagração das aspirantes ver anexo 7.
29
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.68.
30
Para palavras proferidas neste ritual ver anexo 8.
31
Ver anexo 8. Cabe ressaltas que há pequenas distinções entre o ato de consagração à Maria feito pelas jovens
que receberiam a fita de Filha de Maria para aquele feito pelas jovens que pretendia vir a ser aspirantes da
associação. Daí, a apresentação dos dois atos neste trabalho.
32
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.73. Ver no anexo 9 e anexo 10 o modelo de manual
e diploma de admissão.
51
lugar decente de vossa casa, e, ao olhardes para ele todos os dias, lembrai-vos das
virtudes de Maria para imitardes. Seja ele para vós um bilhete de entrada no céu!
33
Exigia-se ainda para a cerimônia de admissão, tanto das aspirantes quanto das Filhas
de Maria, a indumentária branca. Com os cabelos presos e uma grinalda de rosas brancas,
artificiais, cingindo a fronte das que receberiam a fita azul, vinham primeiro aquelas que
portariam o título de aspirantes, seguidas pelas Filhas de Maria
34
.
Estes rituais de admissão eram ritos de passagem
35
que transmutavam uma simples
jovem em uma seguidora de Maria e, como tal, um modelo de conduta exemplar. Nesse
sentido, estes rituais acabavam por sintetizar os valores em evidência na cultura do período
36
.
A santidade da mulher era definida pelo ritual coletivo que transportava a jovem iniciada para
um mundo que fazia questão de marcar suas fronteiras que acreditava que seus membros
estavam mais próximos do sagrado do que o restante da sociedade
37
. Desta maneira, entende-
se que o ritual de admissão para o grupo estudado contribuía para a sua formação identitária
ao mantê-lo coeso através de um sistema de crenças, atitudes e comportamentos que eram
transmitidos de forma dinâmica através do rito e é neste que os símbolos, indispensáveis a
sobrevivência daquela cultura, são repassados permitindo a perpetuação do grupo cultural.
Neste sentido, os símbolos evidenciados no processo de admissão a associação criavam este
sentimento de pertença e de distinção social que eram expressos através dos códigos de
conduta e da vestimenta das associadas
38
.
Uma vez admitida Filha de Maria a jovem continuaria pertencendo à associação
ainda que contraísse matrimônio. Porém, agora, ocuparia um outro status dentro do grupo:
deixava de ser uma militante para ser uma associada por devoção. Contudo, a jovem
33
Ibidem, p.103.
34
Idem, p.76-77.
35
Adoto o conceito de rito de passagem de Victor Turner que define este conceito como sendo aqueles ritos que
acompanham toda mudança de lugar, estado e posição social e que possuem três fases: separação (que abrange
o afastamento do indivíduo de um ponto fixo da estrutura social, de um conjunto de condições culturais ou de
ambos - momento de postulante da associada), liminaridade o momento no qual o indivíduo o se situa
nem aqui e nem lá, não possui status e seus atributos o ambíguos e indeterminados durante o período de
aspirante) e por fim, a fase de reincorporação na qual se consuma a passagem (o sujeito ritual permanece agora
em um estado relativamente estável em virtude disso m direitos e obrigações perante os outros. Espera-se
deste indivíduo que ele se comporte de acordo com certas normas e padrões éticos relativos a sua posição
social Filhas de Maria propriamente ditas). TURNER, Victor. O processo ritual. Petrópolis: Vozes, 1974,
p.116-117.
36
SEGALEN, Martine. Ritos e Rituais Contemporâneos. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p.13-14.
37
GENNEP, Arnold Van. Os Ritos de Passagem. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 123.
38
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p.56.
52
continuaria gozando dos bens espirituais da Pia União e ainda ostentaria a medalha distintiva
deste grupo leigo
39
.
A medalha (símbolo que torna visível o ritual de passagem) era a identificação mais
imediata das integrantes da Pia União e das aspirantes que, com uma fita de cetim azul em
volta do pescoço, da qual pendia uma medalha prateada, esculpida com a imagem da Virgem
Maria, em todas as atividades da Igreja Católica comunicavam que não estavam ali simples
devotas e sim exemplos de virtudes a serem seguidos. Para as postulantes a fita verde de cetim
as colocavam duplamente em evidência: eram jovens que por pleitearem a condição de Filhas
de Maria permitia pressupor serem detentoras de um comportamento diferenciado e logo
passível de ser seguido, observado e vigiado. No entanto, ultrapassar o tempo necessário para
galgar o próximo nível na associação depunha contra a moral desta jovem, apresentando-a
como um perigo eminente para a sociedade a qual redobraria sua vigilância e punição sobre
esta “má influência”
40
.
A historiadora Maria Lucélia de Andrade, em artigo para o Simpósio Nacional
Estado e Poder ocorrido em São Luís do Maranhão, defende a idéia de que a medalha,
símbolo principal da devoção, ficava em segundo plano, ofuscada pelo azul da fita que
identificava uma Filha de Maria dando-lhe uma posição de destaque dentro da sociedade na
qual estava imersa. A fita azul permitia a associada desfrutar do privilégio de participar dos
principais eventos sociais e religiosos da sua comunidade. Desta maneira, a fita tinha o poder
de metamorfosear uma jovem mulher, anônima ou nem tanto, em uma jovem respeitada, um
modelo de conduta para as demais jovens da cidade
41
. Ela representava mais que um adorno
religioso, era a entrada em um grupo social específico que fazia questão de demarcar as
fronteiras entre os de dentro e os de fora tanto por suas regras como pela indumentária de suas
associadas
42
.
A medalha da Pia União (tanto para as postulantes, aspirantes e Filhas de Maria)
tinha esculpida na frente a figura da Virgem Imaculada, no ato de acolher suas filhas que lhes
são apresentadas por Santa Inês. Nesta face da medalha a inscrição: Mater tuos oculos ad
nos convert. No verso está gravado o nome de Maria sobre o seu coração e o de Jesus com
doze estrelas rodeando. Também uma inscrição: Sadalitas Filliarum Maria sub Patrocínio
39
LIVRO DE ATAS II da Pia União das Filhas de Maria da catedral de Juiz de Fora - 1922/1931. JF: Centro da
Memória da Igreja de Juiz de Fora, p. 11-17.
40
Loc.cit.
41
ANDRADE, Maria Lucélia de. O encanto da fita azul: memórias trajadas” das Filhas de Maria. In:
SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS, 4, 2007, São Luís, Maranhão. Anais
Eletrônicos... Disponível em: <http://www.outrostempos.uema.br/curso/poder/2.pdf>. Acesso em: 22 mar.
2008. p.1.
42
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pioneira, 1976, p. 5.
53
B. V. Immaculatae et S. Agnetis V.M. – Romanan ad S. Agn. Pius IX Primarian Dixit,
indulgentis dituvit. Desde o decreto de 24 de agosto de 1907 foi determinado que as medalhas
das Pias Uniões fossem iguais às usadas pela Primária de Roma sob pena de nulidade das
indulgências bem como, do descrédito da associação que descumprisse esta norma. Além
disso, a partir de 15 de novembro de 1905 coube aos diretores das Pias Uniões agregadas à
Primária a faculdade de benzer as medalhas que fossem dadas às associadas
43
.
Ao usar a indumentária as jovens assumiam para a sociedade os valores veiculados
pela instituição, tais como o de pureza e respeitabilidade. Por isso eram-lhes exigidos os trajes
em todas as solenidades: o vestido de cor branca, mangas largas e sem decotes, com uma fita
de seda azul presa à cintura e com uma ponta pendente do lado esquerdo. Meias grossas e
brancas completavam o traje. Os sapatos brancos e sem saltos conferiam um ar infantil às
jovens. Sobre a cabeça, o véu branco cobria os cabelos, presos em um coque muito bem
alinhado, sinal de respeito à Virgem Maria. A diretora e a vice-diretora distinguiam-se das
demais pela adoção de indumentárias pretas
44
.
No entanto este modelo sofria variações. As associadas de Matias Barbosa e Simão
Pereira não usavam a fita azul na cintura. Em Simão Pereira esta fita azul era ostentada pela
diretora e vice-diretora, em substituição a roupa de cor preta reservada às casadas e viúvas.
Podemos interpretar estas diferenças como uma resposta às necessidades do catolicismo em
cada lugar. Exemplo: O fato da Igreja Católica de Juiz de Fora se encontrar mais ameaçada,
quer pelo advento de outros grupos religiosos ou pela pretensa modernidade
45
que sua elite
queria ostentar, exigia um rigor maior de suas associadas, ao contrário de Matias Barbosa e de
Simão Pereira. Por isso, necessitava muito mais de regras e padrões de diferenciação entre o
que era sagrado/puro e o que era profano/impuro do que suas congêneres.
A Pia União das Filhas de Maria se reunia para eleger suas dignitárias, cumprir suas
práticas de piedade e resolver assuntos relativos à organização e administração do grupo
46
. As
reuniões mensais (presididas pelo diretor e geralmente no primeiro domingo do mês)
começavam com uma invocação ao Espírito Santo
47
e seguia com uma oração de
43
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit, p.36-37. Ver o modelo de medalha no Anexo 11.
44
Idem, p. 35.
45
Sobre este assunto ver: PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica
em Juiz de Fora (1890-1924). Juiz de Fora: Livraria e Editora Notas e Letras, 2004 e BRION, Ioneide Piffano.
A ação reformadora e romanizadora na Igreja católica de Juiz de Fora (1890-1924). Trabalho de
Conclusão de Curso (Bacharelado em História). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz
de Fora, Juiz de Fora, 2005.
46
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p. 39-40.
47
Vinde Espírito Santo aos corações de vossos fiéis e acendei neles o fogo de vosso amor, enviai-nos senhor e
tudo será criado e renovareis a face da terra.
54
agradecimento a Deus por permitir que a associação se reunisse para glorificar a Virgem
Maria e Santa Inês. A presidente lia o Ato de Renovação da Consagração a Maria
48
, seguida
pela antífona,
49
e, mais uma oração, caso houvesse alguma associada enferma. O encontro
mensal finalizava-se com rezas e leitura do Salmo 129, em intenção das congregadas falecidas
e das almas no purgatório
50
. As reuniões semanais, mais breves e organizadas pela diretora,
seguiam à mensal, exceto pelo fato de não se recitar o Ato de Renovação da Consagração à
Maria. Em ambas as reuniões cabia à secretária, ao término, elaborar a ata. Embaixo, nas
últimas linhas da gina, deixava-se um espaço para a assinatura da diretoria
51
. Pelo menos
uma vez ao ano o diretor reservaria um tempo desta reunião para explicar o conteúdo do
Manual da associação.
Em algumas congregações de Filhas de Maria, como foi constatada nas de Matias
Barbosa e Simão Pereira, nas reuniões mensais, logo após a oração ao Espírito Santo, o padre
chamava à frente a Filha de Maria que ia deixar o grupo para contrair matrimônio
52
. A
associada, então, voltada para o altar e ajoelhada, lia o Ato de Protesto de Fidelidade ao
serviço de Jesus e de Maria
53
. Feito isso, a presidente diante do altar dizia, em nome de todas
as Filhas de Maria, o Memorare de São Bernardo para implorar a graça, a fortaleza e a
perseverança para aquela que se despedia
54
. Em seguida, orava-se a Santa Inês para, então,
continuar com as práticas da reunião mensal
55
.
As entrevistadas, quase na totalidade, concordaram que pertencer à Pia União era
uma estratégia que garantia bons pretendentes, visto que estas jovens tinham para a sociedade
uma conduta irrepreensível. De acordo com Lourdes:
48
Durante a leitura do Ato de Consagração à Maria as associadas poderiam ter nas os velas brancas acesas
simbolizando sua fé. Estas velas deveriam ser usadas nas renovações seguintes. Sendo substituídas apenas
aquelas que não dessem mais para o uso. (MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.105). Ver
Ato no Anexo 12.
49
Ver Antífona no Anexo 13.
50
Cabe aqui uma ressalva para se falar dos rituais fúnebres dentro da Associação. A Filha de Maria falecida
deveria ir para a sepultura trajando a roupa da associação. Na mão direita, estendida, seria colocado o diploma
de Filha de Maria; na esquerda, posta sobre a cintura, viria um ramo de açucenas artificiais e o manual da
Pia União. No acompanhamento fúnebre a congregação iria à frente do cortejo levando a sua bandeira. Caso o
pároco achasse conveniente, as jovens poderiam levar velas acesas, as quais deveriam ser apagadas
imediatamente após a companheira descer a sepultura. (MANUAL da Pia União das Filhas de Maria.
op.cit., p.104-105). Ver Salmo e oração as almas no purgatório no Anexo 14.
51
Idem, p. 80-94.
52
Algumas associadas também podiam seguir a vida religiosa. No entanto, encontrei mais mulheres que se
casaram.
53
Ver Ato de Protesto de Fidelidade ao serviço de Jesus e de Maria no Anexo 15.
54
Ver Memorare de São Bernardo e a oração de Santa Inês no Anexo 16.
55
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.101-102.
55
Muitas companheiras além da devoção a Virgem Maria procuravam as Filhas de
Maria porque ali se tinha uma garantia de se conseguir casar. Quando a gente
passava os moços ficavam olhando. Ali estavam mocinhas de família. Nenhuma
desavergonhada ia ser Filha de Maria. Minha vizinha sempre que me via dizia que
eu sim era moça para casar, moça direita, criada na e de bons costumes. Eu
ficava com as maças do rosto vermelhas, mas achava bom. Como ela quanta gente
não devia pensar o mesmo?
56
Desta maneira, muitas congregadas aguardavam ansiosas o momento de substituir o
vestido branco da irmandade pelo traje completo da noiva. A Filha de Maria representava o
ideal da futura esposa e mãe de família e a moça sonhava com o sacramento matrimonial. A
preparação para o casamento envolvia uma seqüência de atos que marcavam a separação da
jovem da congregação. Estes acontecimentos evidenciavam a mudança de estado da associada
que culminava no dia do casamento com a devolução da fita à presidente como símbolo de
passagem a uma nova vida e um penhor de continuidade na vida cristã, atestado na pronúncia
do Ato de Protesto de Fidelidade ao Serviço de Jesus e Maria, por aquela que partia
57
.
A preparação para o matrimônio de um membro da associação não se limitava ao
ritual de despedida. A Filha de Maria era amparada pelas outras na preparação do enxoval, da
festa e na escolha do vestido (simples e sem ostentações, digno de uma serva de Maria). E no
ato da celebração a noiva recebia apoio de suas companheiras e o sacerdote, em seu sermão,
lembrava o exemplo de conduta da jovem nubente. As moças do grupo, à frente dos noivos,
portavam nas mãos um ramalhete de rosas brancas. Era aconselhado que as alianças fossem
carregadas pela Filha de Maria mais jovem. Ao final, os noivos deixavam a igreja sob uma
chuva de arroz e pétalas de rosas brancas e vermelhas, que simbolizavam os desejos de
felicidade, fertilidade, amor e paz para o novo casal
58
.
A recém-casada, caso quisesse, no grupo de Matias Barbosa, continuaria a freqüentar
as reuniões mensais como associada por devoção ou, se em Juiz de Fora, a diretoria a
recomendaria a outras associações, como as Damas da Caridade ou para a Obra dos
Tabernáculos
59
. Mas independente do caminho tomado, o véu branco das Filhas de Maria era
substituído pelos filós e rendas pretas que marcavam uma nova etapa na vida da jovem. Etapa
56
M.F, do lar, 75 anos, residente em Simão Pereira. (Atendendo ao pedido da entrevistada o nome não será
revelado. Durante o texto identificarei a associada com o nome fictício de Lourdes).
57
A fita era retirada com a ajuda da presidente no ato solene do matrimônio. A devolução da fita à presidente
tinha caráter simbólico. Na verdade, a recém-casada a conservava consigo como atestado permanente de sua
filiação a Maria.
58
N. G., aposentada, 80 anos, residente em Juiz de Fora. (Atendendo ao pedido da entrevistada o nome não será
revelado. Durante o texto identificarei a associada com o nome fictício de Maria).
59
Na cidade de Juiz de Fora era comum encaminhar as jovens recém-casadas para as Damas da Caridade ou para
a Obra dos Tabernáculos.
56
tão importante quanto a primeira que ela continuaria a ser exemplar, segundo o discurso
dos reformadores, para bem orientar os filhos e ser o esteio forte do lar.
2.2 - O comportamento desejado
O objetivo da Pia União das Filhas de Maria era promover os ideais propagados pela
romanização de freqüência aos sacramentos, principalmente, a confissão e a comunhão, e a
prática das virtudes cristãs, como a caridade, a piedade e a castidade. Cabiam às moças desta
associação a organização de retiros fechados, a promoção da reza diária do terço, a
fomentação em si e nos outros de um amor filial ao santo padre e a obediência irrestrita e
dócil à hierarquia da Igreja
60
.
As Filhas de Maria ainda tinham como incumbência o trabalho em prol da
comunidade: catequizar, ajudar na preparação do batismo, do crisma, do matrimônio; arrumar
os andores das procissões, limpar e decorar a igreja. Eram estimuladas para o trabalho no lar,
mas também atuavam ativamente nas quermesses das festas religiosas elaborando quitutes,
providenciando brindes, prendas e angariando fundos. Aconselhavam pessoas, visitavam
doentes e eram portadoras de palavras de conforto e solidariedade
61
.
O Manual da associação define as atribuições de uma associada:
Serdes humildes, afáveis e benevolentes para com todos, - resignadas em meio de
todos e dos mais acerbos sofrimentos físicos e morais que vos pungirem,
aceitando-os como expiações justas devidas as faltas e imprudências cometidas na
vida; - serdes tolerantes e indulgentes para com todas as faltas, fraquezas e defeitos
do vosso próximo, bem como em manifestardes sempre uma simpatia ativa e
delicada para com todos os vossos irmãos e irmãs, em meio também, de todos os
seus sofrimentos físicos e morais, - perdoardes sempre, do fundo dos vossos
corações todas as injúrias e ofensas recebidas, esquecê-las completamente, de
modo que a recordação do passado fique morta, apagada inteiramente tanto no
pensamento quanto no coração
62
.
Assim, para conseguir ser uma Filha de Maria nos moldes do Manual era necessário
proporcionar às jovens uma vida muito regrada. A disciplina, palavra de ordem da associação,
é reiterada constantemente no Manual, tanto que, mais da metade deste é dedicado a explanar
as regras a serem seguidas pelas congregadas, além de justificar o porquê de segui-las:
Uma regra bem observada conduz a uma grande perfeição, livra da condenação
eterna, e prepara no céu uma esplêndida coroa de glória. E todos os mestres da vida
60
MAIA, Pedro Américo. História das Congregações Marianas no Brasil.o Paulo: Loyola, 1992, p.75.
61
Idem, p.76.
62
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.282.
57
espiritual são conformes em afirmar que quem vive segundo a regra, vive em Deus.
Se é necessário um regulamento de vida para qualquer cristão, muito mais é para
vós, Filhas de Maria si desejais passar os dias da vida no temor de Deus e na
devoção a Maria
63
.
As regras se dividem em regras para todos os dias, semanas e meses, para todo o
tempo de vida na prática e de vida espiritual. Totalizam nove as regras para todos os dias e
consistem em orientar as congregadas do despertar até o dormir. O Manual aconselhava que
fossem fixados horários regulares para o descanso do corpo; que as orações fossem sempre
feitas de joelhos, com os trajes de dormir e diante de um crucifixo, onde seriam rezadas três
Ave Maria, além das orações próprias visando orientar um exame de consciência no qual se
evidenciasse os perigos diários para a alma da congregada. Neste exame a jovem atentaria
para os perigos cotidianos tomando a resolução de evitá-los. Se possível, a associada deveria
assistir a primeira missa celebrada a fim de comungar e se fortalecer para as intempéries do
dia
64
.
As orações, fossem elas mentais ou orais, eram importantes, de acordo com o
Manual, porque constituíam um exercício para a salvação uma vez que clareava a inteligência
e o juízo livrando as jovens do pecado, fazendo-as sábias em distinguir o bem do mal
65
. O
ritual diário obedecia a um conjunto detalhado de regras a serem seguidas. As orações da
manhã começavam com o sinal da cruz, um gole de água benta e o oferecimento das obras do
dia
66
. Depois, a associada deveria oferecer seu coração à Maria, invocar o seu anjo da guarda
e fazer os atos de fé, esperança, caridade, contrição e atrição
67
.
Caso a associada estivesse com pouco tempo, substituíam-se os atos de fé, esperança,
caridade, contrição e atrição por palavras que expressassem a devoção, a esperança e o
arrependimento da jovem. No entanto esta substituição não poderia se transformar em um
hábito corriqueiro senão a associada arriscava-se a ser acusada de desleixada com sua fé o que
a comprometeria perante suas companheiras de associação e perante seu pároco confessor. De
acordo com o Manual, as palavras a serem proferidas pelas Filhas de Maria, quando não
houvesse tempo de fazer os atos, eram: Meu Deus, eu creio em Vós, mas avivai a minha fé,
espero em Vós, mas fortificai a minha esperança; amo-vos mas aumentai o meu amor, pesa-
me de ter pecado, mas fazei que aumente mais e mais o meu arrependimento
68
.
63
Ibidem, p. 110.
64
Idem, p.110-1110 e 113.
65
Idem, p.155.
66
Ver no anexo 17 a oração em oferecimento às obras do dia.
67
Para estas orações ver o anexo 18. As orações são apresentadas de acordo como foram citadas no texto.
68
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.129.
58
Prosseguindo nas orações matutinas, as jovens fariam uma oração de Consagração a
Maria: Ó Senhora minha, ó minha Mãe, eu me ofereço toda a Vós; e, em prova da minha
devoção para convosco, vos consagro neste dia os meus olhos, os meus ouvidos, a minha
boca, meu coração, e inteiramente todo o meu ser. E porque assim sou vossa, ó incomparável
Mãe, guardai-me e defendei-me como coisa e propriedade vossa.
69
Em seguida recitariam o
Memorare de São Bernardo
70
acompanhado da jaculatória para obter a castidade: Pela vossa
Conceição, ó Maria Imaculada, tornai bem puro o meu corpo, minha alma santificada. Feitas
estas orações, rezava-se três Ave-Marias e, em seguida, a São José, a Santa Inês e, caso
houvesse, a alguma Santa homônima de alguma das integrantes
71
. As orações da manhã eram
finalizadas com um apelo a Deus para se conhecer a vocação no mundo e uma outra com
intenções diversas
72
.
As orações da noite eram mais breves, devendo a jovem, de joelhos, recitar uma
oração pedindo a Deus força para reconhecer os erros cometidos ao longo do dia
73
. Após, esta
oração seria feito o exame de consciência em busca de faltas cometidas durante o dia, através
de pensamentos, palavras, obras e omissões contra Deus, contra o seu próximo ou contra a si
mesma. Para tanto, atentaria para o fato de ter cometido irreverências e distrações durante as
rezas e na igreja, omissões nos atos de piedade, quebrado promessas e juramentos, praticado
murmurações, queixas, realizado juízos temerários, ter sentido invejas, ira, desejo de
vingança, desejos contrários à pureza, faltado com respeito, obediência, caridade e fidelidade,
perdido tempo e tido preguiça
74
. Realizado o exame de consciência, far-se-ia uma oração de
arrependimento acompanhada de uma breve reflexão sobre a brevidade da vida e a
necessidade então, de se conservar fiel aos princípios da fé cristã
75
.
Compondo ainda às orações noturnas, a Filha de Maria faria o Ato de Contrição, o
Ato de renovação da consagração à Nossa Senhora, o Memorare de São Bernardo, a
jaculatória para obter a castidade e a oração a Santa Inês. Oraria pelos agonizantes, pelos
vivos e pelos defuntos
76
.
Um Pai Nosso, uma Ave Maria e um credo também eram recomendados para as
orações noturnas. Em seguida, a jovem levantaria e se despiria, com o maior recato e
brevidade, enquanto pronunciaria alguma jaculatória. Então, beijaria o crucifixo, a medalha de
69
(Antes e após a oração de consagração deveria ser rezada uma Ave-Maria). Loc. cit.
70
Ver anexo 16.
71
Ver orações no anexo 19. MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.130-131.
72
Ver orações no anexo 20.
73
Ver oração no anexo 21.
74
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p. 137-138.
75
Ver anexo 21.
76
Ver anexo 22.
59
Nossa Senhora e os seus escapulários, pondo embaixo de seu travesseiro o seu terço. Antes de
se deitar a jovem aspergiria o leito e a si mesma com água benta dizendo: A benção de Deus
se interponha entre mim e os meus inimigos, e a Virgem Imaculada me cubra com seu manto
virginal
77
. Deitada, a Filha de Maria recitaria a seguinte jaculatória: No coração
amorosíssimo de Jesus que me remiu, e no coração amantíssimo de Maria, trespassado pelas
setas da dor por meu amor, quero dormir e repousar em paz
78
. A posição de dormir mais
indicada, segundo o Manual da associação, para uma jovem cristã era de barriga para cima,
com as mãos cruzadas sobre o peito
79
.
Com relação às orações, há no Manual da Associação a seguinte ressalva:
É preciso, porém, advertir que não basta orarmos, pedirmos uma só vez, ou dez, ou
vinte, ou até cem vezes, as graças do Nosso Senhor, para logo termos a certeza de
sermos ouvidos. Não é assim. A principal qualidade da oração e nisto está seu
verdadeiro mérito e eficácia – consiste em orarmos sempre e perseverantemente em
todos os dias da nossa vida ainda mesmo que sempre nos pareça que Nosso Senhor
em nada do que lhe pedimos nos atende compassivo. Nosso Senhor não está surdo.
Ele está simplesmente experimentando a nossa perseverança
80
.
O objetivo das orações feitas pelas associadas é a sua santificação e aproximação de
Maria Santíssima. No entanto, as orações diárias não tornariam as jovens da associação
melhores do que os outros a ponto de poderem censurar o próximo. A Filha de Maria que
assim agia fugia do ideal de humildade e caridade, virtudes a serem contempladas e desejadas
pelas seguidoras de Maria, sendo considerada detentora de um comportamento reprovável:
Uma Filha de Maria que sendo uma árvore do campo de Jesus, não produz os
frutos de benção da árvore do Evangelho, torna-se muito mais culpada aos olhos do
Senhor, do que os próprios ímpios e pecadores, pois pratica diariamente atos de
hipocrisia e fanatismo que podem enganar os homens mas jamais poderão enganar
a Deus, que os rejeita e reprova, privando do seu amor e das suas divinas
recompensas todos aqueles que os praticam
81
.
Ainda no Manual se encontra:
Quereis ganhar o céu sem carregardes a vossa cruz? Quereis comprar a
bemaventurança com o oiro falso das devoções materiais, feitas e sempre com
toda a comodidade do corpo e da alma, sem vos ocupardes do que é principal na
77
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.140.
78
Idem, p.140-141.
79
Idem, p.141.
80
Idem, p.176.
81
Idem, p.288.
60
Lei , como diz Jesus, que é a justiça, a bondade, a caridade, a misericórdia e o amor
do próximo? Ai de vós! Funesta ilusão vos domina; chegareis aos pés do Senhor
com as mãos vazias e ouvireis da boca do retíssimo Juiz a terrível sentença: na
verdade vos digo que vos não conheço
82
.
Assim, uma pessoa verdadeiramente piedosa deve[ria] aprender a calar e a falar só
quando é[fosse] preciso, a sofrer com paciência um defeito alheio, desculpando-o, sendo
porém, rigorosa com seus próprios defeitos
83
. A oração era vista como uma forma de agradar
a Deus, de humildade, de caridade, de perdão, de benevolência e acima de tudo de amor para
com todos. Não eram apenas atos de devoção passional, mas sim o complemento de uma vida
inteira devotada ao Senhor e a Maria
84
.
Cabe aqui ressaltar que as regras para todos os dias além de reforçarem a necessidade
das orações também estabeleciam normas cotidianas tais como a necessidade da adoção de
horas fixas para efetuar as refeições as quais não deviam ser feitas às pressas e nem exceder a
medida exata para o bom funcionamento do corpo. Censuravam as bebidas alcoólicas, tidas
como incentivadoras das impurezas do mundo. E apontavam que com a suas obrigações
diárias uma Filha de Maria deveria ser exatíssima, fazendo-as sempre com presteza, zelo e
agilidade. Para tanto, fazer o sinal da cruz e pronunciar algumas jaculatórias eram
imprescindíveis
85
.
A primeira das regras para todas as semanas tratava da aquisição do hábito de se
fazer, sempre aos domingos, uma consagração, através do sacramento da penitência, à Virgem
Maria. Estas regras ainda apregoam a brevidade das confissões, a freqüência à comunhão e às
reuniões da associação, a necessidade de assistir ao catecismo, se não todos os domingos, pelo
menos na maioria deles, e a aquisição do bom costume de no sábado fazer um jejum em honra
a Maria
86
.
Sobre a confissão o Manual enfatizava que esta servia para se alcançar o perdão após
o batismo, uma forma de se obter a graça santificante de Deus e por isso, aconselhada as
Filhas de Maria pelo menos uma vez por semana:
Ninguém pode alcançar o perdão de pecados mortais cometidos depois do
batismo.Quem quer conservar-se na graça santificante, deve procurar a confissão,
não só quando tiver a desgraça de cair num pecado mortal, mas amiudadas vezes; é
mais fácil varrer uma casa que se varre a miúdo, do que a que está por varrer a
82
Ibidem, p.290.
83
Idem, p.199-200.
84
Idem, p.208.
85
Idem, p.112-113.
86
Idem, p.113-115.
61
muito tempo. Como Jesus é bom! O pecador despreza o seu Salvador e Jesus longe
de castigar imediatamente com uma eternidade de tormentos, proporciona-lhe este
meio tão suave, para sair do estado de pecado e evitar a condenação eterna
87
.
O sacramento da confissão colocava o leigo em um contato direto, individual e
repetido com o seu confessor e permitia que a Igreja educasse o indivíduo na doutrina católica
permitindo a supervisão da assimilação gradual da religião tal como prescrita e da eliminação
dos resquícios do catolicismo popular. Também com este sacramento o padre podia investigar
a vida moral do crente e influenciar seu comportamento
88
, por isso as Filhas de Maria eram
incitadas a se confessarem regularmente.
Para que a confissão produzisse efeito e “purificasse a alma” a jovem que quisesse se
confessar suplicaria a Deus para conhecer os seus pecados e para detestá-los; examinaria sua
consciência pondo sua alma em um estado extremo de contrição e propósito; declararia
humilde e sinceramente todos os seus pecados ao seu confessor e não esqueceria, de após a
confissão, agradecer a Deus a sua bondade e misericórdia
89
.
A confissão também seguia regras estabelecidas. Enquanto esperava sua vez, a
Filha de Maria devia se manter afastada do confessionário para não ouvir outras confissões,
sem risos, conversas ou olhares para os lados. Concentrada em seus pecados, faria um
minucioso exame de consciência
90
, precedido por uma oração na qual a jovem assumia sua
posição de pecadora, mas expressava também sua vontade de não mais pecar
91
. Durante o
exame de consciência a associada Filha de Maria levaria em conta os deveres para com Deus
e avaliaria se seguiu os sacramentos, se duvidou de sua fé, se desprezou as coisas religiosas,
ou ainda se fez todas as orações necessárias, se seus pensamentos a todo instante eram para
Deus, se leu ou emprestou livros e revistas proibidos pela Igreja e pecou confiando no perdão.
Em seguida, mentalmente, listaria se seguiu ou não os deveres para com o seu próximo: se
levantou falso testemunho, sentiu ódio ou inveja, desejou vingança, proferiu injúrias ou
calúnias, deixou de falar ou saudar alguém, blasfemou ou fomentou a discórdia, desrespeitou
pais e irmãos, escandalizou alguém com palavras ou atitudes. Realizado o exame dos deveres
para com próximo, então era a vez de examinar os deveres para consigo mesma e para com a
associação: se cumpriu com diligência os deveres de seu estado evitando a preguiça, teve
paciência, foi obediente, não foi ociosa, participou de conversas desonestas, teve namoricos e
87
Ibidem, p.346-347.
88
DAVIDSON, N.S. op.cit., 1991, p.48.
89
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.348.
90
Idem, p.349-350.
91
Ver esta oração no anexo 23.
62
curiosidades a respeito de assuntos maliciosos, praticou ões contrárias à pureza, participou
de bailes e teatros sedutores, foi vaidosa ou soberba, dedicou a prática das virtudes cristãs
pouco ou nenhum tempo e cumpriu as regras da congregação. Por fim, vinha o exame do
cumprimento dos mandamentos de Deus e dos da Igreja
92
. Após vasculhar sua consciência, a
Filha de Maria se concentrava em fazer uma seqüência de orações: o ato atrição, o ato de
contrição e o ato de firme propósito de emenda
93
.
Chegada ao confessionário, a jovem, ajoelhada, devia se confessar, de maneira
franca, objetiva e o mais breve possível. A ordem para a apresentação das faltas ia da mais
grave para a menos grave. Caso a Filha de Maria não tivesse nenhum pecado grave, terminada
a exposição de suas faltas, pronunciaria: sujeito a esta confissão todos os pecados da minha
vida passada, principalmente os que cometi contra a virtude. Dita a confissão a associada
cobria a cabeça com o véu e falava: de todos estes pecados e dos que não me recordo, peço
perdão a Deus de todo o meu coração e a vós reverendíssimo padre peço a penitência e a
absolvição se dela digna for. Louvado seja Nosso Senhor. Após estas palavras, a jovem
ouviria atenciosamente o que o sacerdote teria a lhe falar
94
. Saída do confessionário era
recomendada a Filha de Maria orar pedindo misericórdia e compaixão
95
.
Após serem apresentadas as regras da semana o Manual arrola as regras para os
meses, as quais enfatizavam a necessidade das associadas, pelo menos uma vez por mês,
praticarem um ato que elevasse sua virtude e requeria das jovens uma atenção especial para a
leitura constante do manual da associação. Existiam também as regras para todo o ano que
versavam sobre a importância dos retiros espirituais, da participação nos festejos para a
Virgem Maria e para Santa Inês e enfatizavam, principalmente, a participação ativa nos
festejos e celebrações durante o mês de maio, mês consagrado pelo catolicismo como mês de
Maria
96
.
Para além das regras citadas acima, as Filhas de Maria possuíam outros deveres, a
serem cumpridos durante todos os dias de sua vida (regras da vida prática). Estes deveres não
versavam sobre o comportamento dentro da associação como também buscavam
influenciar o estar no mundo das jovens que sempre deveriam se apresentar no teatro da vida
92
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.360-373.
93
Para o ato de firme propósito de emenda ver anexo 24.
94
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.352-353.
95
Ver anexo 25.
96
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p. 116-117.
63
adornadas com as flores viçosas das virtudes da mansidão, da paciência, do desinteresse, da
resignação, da renúncia e da obediência
97
.
Assim sendo, eram orientadas a amar o trabalho, a executá-lo da maneira ágil e
correta, arrancar de seu coração as contrariedades, aflições, angústias, injúrias, perseguições,
orgulho, vaidade, inveja e egoísmo, eram estes alguns dos deveres diários das Filhas de
Maria. Somente assim, de acordo com o Manual, a obediência, o recato, a modéstia, a
caridade e a humildade germinariam e acompanhariam a jovem associada em tudo que ela
viesse a fazer
98
.
O Manual é objetivo no que diz respeito às virtudes a serem cultivadas pelas Filhas
de Maria: possuirdes a verdadeira pureza de coração, pureza adquirida não pela
abstenção de todas as más palavras e ações, como de todos os maus pensamentos, de forma
que ela só existe quando não vos abstendes da prática do mal, mas praticais ainda ativa,
incessantemente e diligentemente todo o bem, na ordem física, moral e intelectual
99
.
Desta maneira, segundo o Manual, a boa associada era o oposto da menina leviana,
cuja contemplação não agradava ao Senhor pois pensava em si e não nos outros. A leviana
seria aquela que quando estava bordando, costurando ou fazendo outro serviço doméstico e
até mesmo quando ao orar pensava somente em trivialidades como na cor do cabelo do noivo
ou no vestido novo da amiga. Era acima de tudo vaidosa, uma jovem sem juízo, informava o
Manual. Já a Filha de Maria que seguia as regras, não era teimosa e, tão pouco caturra, sabia
que Nosso Senhor não estava para aturar falsas santas, pessoas patetas e cabeças tontas
100
.
Também sabia que a vaidade devia ser evitada, que, segundo o Manual da Associação, a
donzela vaidosa é uma enviada do demônio, porque a vaidade é mais que irmã da impureza,
ela é sua mãe
101
.
Para controlar a leviandade, as vontades e limpar a mente dos desejos insuflados pelo
mundo, a jovem Filha de Maria devia adotar a mortificação como sua companheira, ter um só
confessor e, principalmente, restringir o número de amigas ao círculo de participantes da
associação e mesmo assim, ser rigorosa em suas escolhas. Uma donzela procurará com
sóbria desconfiança encontrar uma amiga virtuosa, que é dum preço inestimável,
97
Ibidem, p.283.
98
Idem, p.117-118.
99
Idem, p.283.
100
Idem, p.189.
101
Idem, p.118.
64
acautelando-se de não cair no perigo e encontrar uma amiga cuja convivência seja
dissipadora, aconselhava o Manual
102
.
As associadas são incentivadas, segundo o Livro de Atas, a evitar acima de tudo o
pecado que vinha disfarçado de festejos, como o carnaval e qualquer festa onde houvesse
jogo. Deviam recusar participar de bailes não familiares, evitar praças e jardins públicos, os
ambientes e companhias suspeitas bem como o contato com pessoas de outro sexo. Se
tivessem necessidade de sair de casa, estas deviam ser acompanhadas por pessoas da própria
família
103
. No livro de Atas da Associação da Pia União das Filhas de Maria da Matriz
encontramos a seguinte observação sobre o carnaval:
o carnaval é um divertimento pecaminoso, muitíssimas vezes sempre existe perigo
naqueles dias de folia e se e ouvi coisas que offendem o pudor e por isso uma
jovem que ama a sua virtude não vai assistir ao Carnaval por mais motivos não
deverá assistir uma Filha de Maria. Quem tomar parte activa mascarando-se e
bailando não poderá continuar na Pia União
104
.
Prosseguindo sobre a conduta da associada, o Manual enfatizava que a conversa
com o confessor devia ocorrer preferencialmente no confessionário, ou em lugares onde
ambos pudessem ser vistos a fim de evitar que o amor espiritual se transformasse em amor
carnal, pondo na lama o nome da Associação e da Igreja
105
. Aqui vemos presente a
preocupação do catolicismo romanizado de se afastar do catolicismo tradicional e da
modernidade. Isto pode ser percebido na seguinte passagem do Manual:
Guardai-vos de assistir aos arraiais e romarias dos nossos dias, hoje quase
paganizadas, a bailes e espetáculos e outras reuniões clamorosas e fugi da leitura de
romances e de outros livros maus e perigosos. Evitai toda espécie de superstição,
não dando crédito a sonhos e a visões; evitai igualmente os namoros
inconvenientes, as cantigas imodestas. Tende horror a todas as conversas pouco
edificantes
106
.
O Manual da associação ainda recomendava que as Filhas de Maria o ficassem
penduradas nas janelas de suas casas tal como papagaios, o saíssem à rua sem ter
necessidade, fosse de dia e principalmente à noite, fugissem da ambição, da preguiça e da
102
Ibidem, p. 119.
103
O namoro só seria consentido se houvesse intenção de casamento, com permissão dos pais e dentro de casa.
(LIVRO DE ATAS I..., op.cit., p. 67-70).
104
Idem, p. 71.
105
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.122.
106
Idem, p.122-123.
65
ociosidade. O manual também regulava o comportamento no que diz respeito ao sentimento
de alegria. Gargalhadas, gritos, corridas desvairadas pelas ruas, saltos e os gestos
inconvenientes não condiziam com uma Filha de Maria. A felicidade, segundo o Manual,
podia ser esboçada em um breve e cometido sorriso
107
.
Às Filhas de Maria se recomendava a devoção ao Santo Rosário (Psaltério de Maria),
visto pela Igreja romanizada como um templo sagrado. Composto de cento e cinqüenta Ave-
Marias, divididas em quinze dezenas, precedidas de um Pai Nosso, o rosário tinha de ser
rezado pelo menos uma vez na semana e todos os dias, pela manhã. A jovem devota devia
recitar as seguintes palavras
de respeito e fé
108
:
Eis-me aqui, ó bom e dulcíssimo Jesus, de joelhos em tua divina presença; com o
maior fervor da minha alma, eu te oro e suplico que infundas em meu coração os
mais vivos sentimentos de fé, esperança e caridade, e o arrependimento mais
sincero de todos os meus pecados, conjuntamente com a mais firme e decisiva
vontade de me emendar deles. Contemplando com o mais enternecido afeto as tuas
cinco chagas, eu repito o que da tua paixão sacratíssima, o santo profeta David
vaticinava: trespassaram as minhas mãos e os meus pés e contaram todos os meus
ossos
109
.
Um assunto sobre o qual o Manual da Pia União dedica longas páginas é o que diz
respeito aos retiros, mensais e anuais, que as associadas realizavam. O retiro mensal era feito
na casa da própria associada e a qualquer tempo. Já o anual, ocorria em uma casa de religiosas
e podia ser no mês de maio ou em dezembro, à época das comemorações do dia de Imaculada
Conceição. Para a associação de Juiz de Fora o retiro anual era realizado no dia oito de
dezembro, dia de Imaculada Conceição, e precedia a cerimônia de recebimento de novas
associadas. Na mesma data ocorria o retiro do grupo de Matias Barbosa cuja preferência pela
data é justificada por ser a Imaculada Conceição padroeira da cidade. Na cidade de Simão
Pereira foi constatado que o retiro anual era realizado no mês de maio, antes da abertura das
comemorações do mês de Maria.
O retiro mensal durava um dia e mesmo dele participando a Filha de Maria não
estava liberada de suas orações diárias e de ouvir, em algum horário, a missa. O retiro
começava com uma oração ao Divino Espírito Santo, seguida do Memorare de São Bernardo.
Após, eram realizados o exame de consciência e a confissão
110
. Neste dia o jejum era
recomendado bem como devia a jovem reservar pelo menos uma hora para fazer a preparação
107
Ibidem, p.124.
108
Idem, p.287.
109
Idem, p.281-282.
110
Idem, p.399.
66
para a morte, ajoelhada diante do crucifixo
111
. Após, um terço seria rezado e o ato de
resignação à morte pronunciado
112
.
O retiro anual, organizado pelo diretor, tinha horário mais rígido a ser respeitado. No
Manual há um forte pedido para que as Filhas de Maria obedecessem aos horários, que
buscassem estar a sós para fazer um verdadeiro exame de seu comportamento, de seus atos e
palavras
113
. O início do retiro anual se dava com uma oração ao Senhor onde se pedia o maior
zelo possível na execução dos exercícios espirituais, proteção a Maria Santíssima, ao anjo da
guarda e a Santa Inês para que juntos iluminassem as associadas para que estas tivessem
perfeito entendimento e aproveito de tudo que fosse proposto no retiro. Sua duração variava
de quatro a oito dias nos quais algumas horas eram gastas na reflexão dos seguintes temas: a
salvação da alma, o pecado mortal, os castigos do pecado, o inferno, a morte, o juízo
universal, o respeito humano, o escândalo, a infância de Jesus, Jesus no deserto, Maria ao
da cruz, Jesus crucificado, o caminho do paraíso, o paraíso, o amor de Deus e a devoção a
Nossa Senhora. Os temas de reflexão eram apresentados nesta ordem visando criar a idéia de
que todo humano é pecador, mas com o arrependimento a benevolência e misericórdia
divina. No entanto, achando o pároco conveniente, as temáticas poderiam ser agrupadas desde
que se respeitassem a ordem de sua apresentação
114
.
De todas as regras e deveres que são passadas às Filhas de Maria pelo Manual, a
observância da vivência do mês de maio, considerado pelo catolicismo o mês consagrado a
Nossa Senhora, é a que mais cuidados recebem. As recomendações versam sobre a
necessidade de se comungar todos os dias do mês, de redobrar a atenção durante o dia com as
horas das orações a Maria (seis da manhã, meio dia e seis da tarde), de dedicar integralmente
os sábados a santa e de expor uma imagem da e de Jesus, rodeadas de flores frescas, no
cômodo da casa onde a família inteira tivesse acesso e de ser as celebrões do mês mariano
feitas, preferencialmente, em público para que todos pudessem ver e compartilhar do amor a
Maria
115
.
Para além das orações e cânticos
116
realizados durante o mês de maio, a cada dia as
associadas se reuniriam para discutir os seguintes temas: a salvação da alma, a preciosidade
da alma, o pecado mortal, os castigos do pecado, a morte, o juízo universal, o inferno, o
111
Ver anexo 26 a oração de preparação para a morte.
112
Para o ato de resignação à morte ver anexo 26.
113
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.405.
114
Idem, p.407-410.
115
Idem, p.411-413.
116
Para conhecer alguns dos cânticos usados pela associação, o no mês de maio, mas durante todas as suas
reuniões ver anexo 27.
67
escândalo, o respeito humano, o paraíso, o caminho do paraíso, a devoção a Maria Santíssima,
o exemplo de Jesus Cristo, o exemplo de Jesus Cristo no deserto, a crucificação de Cristo,
Maria ao pé da cruz, o amor de Cristo, o tempo, a saúde do corpo, a presença de Deus, a ajuda
de Maria as suas Filhas na hora da morte, Maria provendo as necessidades temporais de suas
Filhas, a fuga do pecado, como Maria obtém para suas Filhas a perseverança final, a imitação
das virtudes de Maria, o amor à pureza, a prática da humildade, o pensamento sempre em
Maria, o santo rosário, mortificações por Maria e a importância de perseverar no amor a
Maria. No trigésimo primeiro dia de maio, o último do mês dedicado a Maria, era feita uma
consagração a Santíssima Virgem seguida de uma novena a Imaculada Conceição que
encerravam as comemorações do mês de maio
117
.
A leitura de jornais e revistas católicas era incentivada para afastar as associadas de
outras leituras, nas palavras dos padres romanizadores, menos puras como, por exemplo, os
romances que incutiam idéias de amores desvairados e tornavam as jovens presas fáceis e
jornais de outras religiões. Cabiam às Filhas de Maria da cidade de Juiz de Fora assinar, pelo
menos, um jornal católico. Na reunião de julho de 1924 o diretor da associação faz a seguinte
observação sobre a imprensa católica:
Hoje em dia é a imprensa um elemento poderossissimo para espalhar as boas com
mas ideaes; é um meio de alimentar com a verdade o espírito humano e encher os
corações dos mais nobres sentimentos, é também um meio nefasto para envenenar
os espíritos fracos com o erro das heresias e supertições”. É dever das Filhas de
Maria promover a difusão da boa Imprensa mormente em seus lares para que haja
ahi um jornal cathólico. O Mensageiro da Fé, o Lar Cathólico ou outro qualquer. É
também dever de uma Filha de Maria afastar de sua casa todo jornal, revista ou
livro anticathólico, que seja protestante, espírita ou outra qualquer seita, este nosso
trabalho deve se estender à casas de parentes, amigos conhecidos
118
.
Assim, era esperado das associadas um comportamento que as destacassem do
restante da sociedade. Ser Filha de Maria era ser um exemplo a ser seguido pelos demais e
esta idéia fica mais evidente na explanação do diretor da associação na reunião de agosto de
1924:
Quanto mais uma pessoa se distingue pela sua posição na sociedade, pelo cargo
que ocupa nas associações religiosas e de caridade das quaes faz parte, tanto mais
são observadas pelos olhares de todos e mais podem ser observadas como exemplo
que edifica ou escandalisa o próximo. Por este motivo devem as Filhas de Maria,
que todos observam, por pertencerem a uma associação de destaque, ser modelos
117
Ver anexo 28 a oração de consagração pelo fim do mês de maio.
118
LIVRO DE ATAS II..., op.cit., p. 42.
68
dando a sociedade optimo exemplo na prática da virtude, mas se assim não
proceder levam muitas ou todas as moças para o peccado com seu exemplo mau
119
.
No entanto, mesmo a diretoria da Pia União buscando seguir o mais fielmente
possível o Manual não foi capaz de evitar que entre o normativo e o vivido ocorressem
rupturas, distinções e adaptações. É justamente nestes pontos de confronto que a identidade
das associadas a Pia União foi sendo gestada.
119
Ibidem, p. 43-44.
CAPÍTULO 3: SER FILHA DE MARIA, UMA IDENTIDADE PARA A
MULHER LEIGA E CATÓLICA
3.1. Guardiãs da fé e da moral: o controle social
A identidade das Filhas de Maria foi elaborada em meio a um processo de resistência
conservadora por parte de setores do clero diante de um mundo, no caso o ocidental, que se
deixou secularizar
1
. Na carta convocatória para o congresso diocesano das Filhas de Maria,
realizado em 1930, o bispo de Campinas, dom Francisco de Campos Barreto, assim ressaltava
sua importância na conservação dos valores morais femininos:
É de todo sabido que infelizmente o plano diabólico judeu-maçônico do século
XIX já foi atingido em parte.
Visava ele descristianizar a mulher, afastando-a da prática religiosa, para lançá-la
aos prazeres do mundo, tornando a escrava da moda, dos teatros, dos romances e
que, sem gosto nem pelos filhos, nem pelo lar, se constituísse em uma família
precária, vivendo sob a constante ameaça do maldito divórcio, a mais perfeita
invenção diabólica para contrariar os interesses de Jesus na sociedade.
A quem incumbe uma firme e decisiva cooperação com a Igreja senão à jovem
cristã que, como depositária esclarecida, cheia de virtudes e de recato religioso,
deve ser a garantia do futuro da família e da sociedade, segundo o ideal divino?
E de modo particular repetimos é à Filha de Maria que, especialmente, compete a
reação contra os ataques de impiedade, nesse afã de arrancar Jesus do coração
feminino
2
.
A batalha entre o “sagrado” e o profano” foi se estabelecendo à medida que o
homem foi tomando consciência de sua autonomia no mundo juntamente com o
desenvolvimento de uma confiança cada vez maior nos dados científicos
3
. Neste sentido,
setores do catolicismo se viram obrigados a “dialogarem” com os novos tempos visando
delimitar para a Igreja Católica um espaço nesta sociedade. Era preciso buscar frestas no muro
que se pretendia criar para enclausurar o religioso e a brecha encontrada pela Igreja
romanizada foi o feminino, sobretudo, aquele arregimentado nas associações religiosas.
1
Aponto como contribuições para esta secularização o Renascimento, as Reformas, o Iluminismo, o Capitalismo
(Via Revolução Industrial), o Liberalismo (Via Revolução Francesa) e o cientificismo. Cabe aqui também
destacar que quando me refiro a secularização não compartilho da idéia de fim da religião enquanto norteadora
da sociedade, mas a compreendo como parte de um processo histórico que fez com que a religo, no caso a
católica, reformulasse a sua maneira de estar e de justificar o mundo. Neste sentido, vejo a secularização como
uma adaptação do religioso a um momento onde o homem acredita poder explicar o mundo sem a presença de
Deus.
2
Primeiro Congresso Mariano de Campinas. São Paulo, Esc. Prof. Sal., 1932 apud AZZI, Riolando. Família,
mulher e sexualidade na Igreja do Brasil (1930-1964). In: MARCÍLIO, Maria Luiza (org.) Família, mulher,
sexualidade e Igreja na história do Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 1993, p.115-116.
3
ARAÚJO, José Carlos Souza. A Igreja Católica no Brasil: um estudo de mentalidade ideológica. São Paulo:
Paulinas, 1986, p.11.
70
A ênfase nas mulheres leigas ocorria em função do catolicismo romanizado
necessitar de pessoas que se empenhassem em levar a Igreja católica ao encontro do mundo.
Sendo assim, o leigo se diferenciava do sacerdote pelo fato de ser aquele que, em seu ser
cristão, conserva as determinações de sua inserção no mundo. De acordo com Bernhard
Haring os cristãos leigos por viverem no mesmo nível de seus irmãos, têm certa aptidão
específica para evangelizá-los. É justamente a sua presença no temporal que confere ao seu
apostolado originalidade e o torna insubstituível. E este autor continua: mais eloqüente será o
testemunho de santidade e de transcendência da moral cristã, dado pelo simples leigo,
quanto mais corrompido estiver o mundo em meio ao qual ele se ergue
4
.
Desta forma o início do século XX, no Brasil, foi marcado por um novo contexto da
sociedade brasileira que punha em cena um novo personagem: a mulher. Esta embora
estivesse (ainda que somente os setores mais subalternos da sociedade) no mercado de
trabalho e que lutasse pelos seus direitos e por instrução, era ainda vista com uma sublimação
que tornavam indignas a ela as atividades extra-familiares. Assim, à mulher eram reservados
os afazeres domésticos e a criação dos filhos ou a virgindade “consagrada”. Aparentemente o
feminino que entrava em cena o fazia como um coadjuvante já que à mulher lhe era negado o
direito do exercício da política e de uma educação que objetivasse a sua emancipação. O
pouco de instrução que as mulheres recebiam era para conseguir gerir o espaço no qual eram
soberanas (rainhas), o lar
5
.
Cada vez mais era reforçada a idéia de que a mulher estava vocacionada à casa,
desempenhando a função de mãe dedicada e esposa atenciosa. Ao reservar para o feminino
papéis restritos ao interior doméstico, pretendia-se afastá-las da esfera pública
6
. E para dar
legitimidade ao seu discurso, os homens buscaram respaldo tanto na filosofia quanto no
discurso médico. No primeiro, pautados nos seguidores de Rousseau e Voltaire, apregoavam
que a inferioridade da razão entre as mulheres era fato incontestável por isso elas deviam
obedecer ao marido e cuidar dos filhos. O discurso médico, por sua vez, contribuía para esta
visão ao representar a mulher destacando o seu caráter afetivo e frágil, de extrema doçura e
indulgência, tendo, por isso mesmo, seu cérebro comprometido pois dominado pelos
caprichos e instinto de coqueteria
7
.
4
HARING, Bernard. A lei de Cristo: teologia moral para sacerdotes e leigos. o Paulo: Herder, 1960, vol 3,
p.168-170.
5
ALMEIDA, J. S. Mulher e Educação: a paixão pelo possível. São Paulo: Edunesp, 1998, p.114.
6
D’INCÃO, Maria Ângela. Mulher e Família Burguesa. In: DEL PRIORE, Mary. (org.) História das mulheres
no Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2002. , p. 230.
7
TELLES, Norma. Escritora, Escritas e Escrituras. In: DEL PRIORE, Mary (org.) História das Mulheres no
Brasil. São Paulo: Contexto, 2002, p. 429.
71
Esse estereótipo criado sobre a mulher (mãe, esposa e dona-de-casa) encontrou no
discurso religioso, cada vez mais, uma acentuada valorização de Maria. Nesta personagem
bíblica se uniam tanto a maternidade e a virgindade consagrada. Maria era o modelo de
feminilidade ideal, no sentido de exaltação das virtudes que deveriam ser próprias das
mulheres: modéstia e aceitação resignada de sua realidade
8
.
Portanto, a partir desta época só se compreendia uma atitude devocional que
trouxesse como conseqüência uma freqüência sacramental na qual os cristãos, principalmente
as Filhas de Maria, deviam se mostrar particularmente piedosos. Segundo José Comblin, o
que importava era o sujeito, o homem religioso. Sendo assim o bastava ser; as mulheres
tinham que se demonstrar, isto é, ostentar, sua natureza piedosa, devota e religiosa
9
.
Através de uma pesquisa realizada na revista Família Cristã, publicação da editora
Paulina a partir da década de 1930, José Reginaldo Prandi assim caracteriza a visão católica a
respeito da atuação da mulher no âmbito familiar:
Inicialmente recomenda-se padrão de conduta no qual a mulher desempenha papéis
que a afastam da participação integral da sociedade, dedicando-se à vida religiosa e
familiar. O ideal feminino e seu destino natural –alheamento do mundo, perene
sofrimento e renúncia configura-se através de virtudes como pureza, bondade,
paciência e abnegação. Alcança a mulher com essa conduta a recompensa da
salvação eterna
10
.
Desta forma, foi no contexto acima mencionado que muitas das associadas da Pia
União das Filhas de Maria foram criadas e tiveram sua identidade moldada. Identidade que
muitas, como Maria Pinto, possuem orgulho de deixar transparecer:
Eu fui Filha de Maria e apesar de tudo gostava muito. Para a gente ajudou muito.
Era bom porque a gente podia fazer o bem. Além disso, a gente ajudava nas
procissões, ajudava nas celebrações e ajudava nas coroações de Nossa Senhora e na
Semana Santa. Tudo era com a gente. Era muito bom ser Filha de Maria. Participar
do grupo fez a gente crescer na fé. A gente deve muito a associação, a gente deve
muito enquanto cristão. Tudo que era lugar tinha Filha de Maria. A gente sempre
estava fazendo algo de ação social. Era uma atividade boa para a gente e boa para a
família da gente também
11
.
8
LEÓN, Maria A. Rodriguez. A discriminação da mulher na Igreja católica. In: MARCÍLIO, Maria Luiza
(orgs.) A mulher pobre na História da Igreja Latino Americana. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 55.
9
COMBLIN, José. Situação histórica do catolicismo no Brasil. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis:
Vozes, n. 3, 1976 [texto xerocado sem paginação].
10
PRANDI, JoReginaldo. Catolicismo e família: transformação de uma ideologia. Cadernos Cebrap. o
Paulo, 1975, p.30.
11
Maria Pinto, auxiliar de servos gerais, residente em Matias Barbosa.
72
Assim, toda a educação conferia um ideal feminino o qual tinha como propósito
convencer as mulheres de um lugar social, onde sua participação condicionava-se à submissão
ao poder masculino, fosse este poder do pai, irmãos, marido, filhos ou do pároco. Porém,
para algumas das associadas ao grupo das Filhas de Maria esta submissão era relativizada,
visto o depoimento de Maria Pinto, uma antiga associada, para quem pertencer a Pia União
era algo muito bom e mais do que submissão representava ação na sociedade, ainda que esta
fosse regrada e vigiada. Podemos constatar que as discussões presentes nas atas da associação
das Filhas de Maria giravam sempre em torno do bom comportamento feminino. E sobre este
comportamento, Maria Pinto afirma, demonstrando ter interiorizado o discurso dos
reformadores:
A gente cuidava do modo de falar, do palavreado. Não tinha esse negócio de
palavrão não. A gente procurava viver mais ou menos perfeitamente. Falo mais ou
menos porque perfeitamente Nossa Senhora. A gente buscava seguir o manual,
ser pontual, ser assídua, freqüentar as reuniões, passar para os outros a fé na mãe de
Jesus e principalmente, dar bom exemplo.
E Maria Correa completa:
Tinha que ter comportamento. Não adiantava andar toda bonitinha de branco se
não pegava amor e respeito aquele livrinho [Manual da associação]
12
.
Ao criar regras para as mulheres, e regras que eram muitas vezes difundidas pelos
manuais religiosos, objetivava-se conformar as associadas enquanto mulheres com uma
imagem idealizada e criar-lhes uma identidade de “sexo frágil” onde a incapacidade de gerir
por si mesmas as suas vidas era sempre lembrada
13
. A mulher devia aceitar o comando,
natural, do homem e dedicar-se inteiramente à família e à maternidade porque desde a criação
do mundo Eva fora feita para ser companheira de Adão e ao se rebelar condenou a
humanidade ao pecado, bradavam os padres romanizadores nos púlpitos.
14
Desta maneira, refletindo o consenso da sociedade, a Igreja católica ensinava a
mulher que ela deveria aceitar a natureza dada por Deus. Natureza esta que impunha a mulher
12
Maria Pinto, auxiliar de serviços gerais, residente em Matias Barbosa e Maria do Carmo Côrrea, aposentada,
residente em Matias Barbosa.
13
SILVA, Michelle Pereira e INÁCIO FILHO, Geraldo. Mulher e Educação Católica no Brasil (1889-1930):
do lar para a escola ou a escola do lar? Disponível em: http://www.histdbr.fae.unicamp.br. Acesso em: 08 set.
2008, p.3-4.
14
BRION, Ioneide Maria Piffano. A presença da Pia União das Filhas de Maria na Cidade de Juiz de Fora. In:
SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES, 7; SIMPÓSIO DE
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, 1; CICLO DE PALESTRAS E DEBATES DO NÚCLEO DE ESTUDOS EM
TEOLOGIA DA PUC MINAS, 19, 2005, Belo Horizonte, Anais Eletrônicos..., Belo Horizonte: PUC/MG,
2005, 1 CD-ROM, não paginado.
73
ser pura, ser submissa e exercer as atividades típicas do seu sexo: cuidar da casa, do marido,
dos filhos, costurar, bordar, enfim, desenvolver prendas que a tornassem valiosa. O
catolicismo formulava, assim, imagens que visavam enclausurar a mulher no espaço
doméstico o que corroborava com o discurso laico que poucas alterações teve com a
Proclamação da República:
Desde o decreto de 15 de outubro de 1827, o governo imperial havia estabelecido
um currículo não profissionalizante para a educação feminina, voltado para
formação de donas-de-casa, compostas das seguintes disciplinas: leitura, escrita,
doutrina católica e prendas domésticas
15
.
Com isso, cabia a “boa” Filha de Maria atentar para os mínimos detalhes do dia a dia
de seu lar. A ela cabia vigiar e integrar cada membro da família. Contudo, não devia perder a
sua fragilidade, a sua abnegação e a sua honestidade, características que a separavam da
degenerada. Aquela que para a sociedade, havia abandonado seus indefesos filhos e seu
devotado esposo, pondo em risco a harmonia do lar e sua honra, em troca de longas horas de
trabalho.
16
A apresentação da Legislação Trabalhista deixa evidente a relação mulher e mundo
do trabalho:
Somos todos concordes em considerar que o trabalho é o aviltamento e a
escravidão da mulher, porque é o fim da solidariedade conjugal, da família. O
verdadeiro reino da mulher é o lar. Se ela o abandona, se ela não sabe servir ao
homem e aos filhos, acabou-se o seu poder, foi-se sua influência
17
.
Sem sombra de dúvida, a construção do papel da mãe devotada ao lar implicou na
completa desvalorização profissional, política e intelectual da mulher. Uma desvalorização
que partia do pressuposto de que a mulher em si não significava e não era nada. Sua
realização viria através dos êxitos do marido e dos filhos e não por meio de sua vida
profissional que a maioria das profissões femininas foi estigmatizada e associada à imagem
de perdição moral, degradação e prostituição
18
.
A mulher, para o clero reformado, que trabalhava fora do lar era associada à mulher
fatal, e sem pudor, aquela que trocava a segurança do lar pelo lupanário do trabalho,
15
MANOEL, I.A. A Igreja e Educação feminina (1859-1910): uma face do conservadorismo. o Paulo:
Edunesp, 1996, p.23.
16
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: a utopia da cidade disciplinar, Brasil: 1890-1930. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985, p.62-63.
17
DOCUMENTOS Parlamentares apud MOURA, Esmeralda Blanco B. Mulheres e menores no Trabalho
Industrial: os fatores do sexo e idade na dinâmica do capital. Petrópolis: Vozes, 1982, p.132.
18
RAGO, Margareth. op.cit., p.65.
74
aquela que permitia que influências consideradas perniciosas pelos clérigos adentrassem no
seu lar. No pensamento da Igreja neste período, a mulher devia ser enquadrada em uma ordem
social rígida onde pudesse reagir contra as novas aspirações liberais
19
.
Na carta pastoral em que o bispo Dom Macedo Costa anunciou para a sua diocese o
jubileu de 1875 um anexo no qual vem resumido o que haveria de fazer um cristão para se
salvar. Esse catecismo de conduta moral explicita, de modo bem significativo, os valores que
o clero romanizado desejava impor às mulheres neste período:
Obrigações de uma jovem
1º
Ser muito modesta em todas as suas ações.
2º
Andar acautelada a cada passo.
3º Ser grave e sempre decente
4º Gostar de estar em casa e ajudar a sua mãe.
5º Aplicar-se de contínuo ao trabalho.
6º Raras vezes sair, e só por necessidade.
7º Aborrecer as vaidades nos vestidos e enfeites.
8º Evitar conversações indiscretas com pessoas
9º Detestar dissipações e profanos divertimentos.
10º Amar os exercícios de piedade.
11º Ser muito franca, leal e amorosa para com a sua mãe e não ter segredos para
ela.
12º Edificar com bom exemplo e doutrina seus irmãozinhos menores
20
.
Portanto, no pensamento do clero romanizado a mulher devia se enquadrar em uma
ordem social conservadora que reagia fortemente às aspirações liberais. A presença feminina
dentro da Igreja neste momento se afirmava em três aspectos fundamentais e que se
complementavam: na prática sacramental, na prática devocional e nas associações religiosas
como a Pia União das Filhas de Maria
21
.
Então, podemos dizer que a partir do processo de romanização a religião foi
considerada, de certa forma, coisa de mulher e para mulher, pois somente essa tinha a
fragilidade e a sensibilidade aguçada para compreender uma religião que se pretendia tão
espiritualizada como o catolicismo romanizado
22
.
19
CARTA PASTORAL DE 1875 apud MARCÍLIO, Maria L. (org.) A mulher pobre na história da Igreja
latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 100-101.
20
Carta Pastoral do Exmo. E Revmo. Sr. Bispo do Pará e Amazonas publicando o jubileu em sua diocese no ano
de 1875, p.225. apud AZZI, Riolando. A participação da mulher na vida da Igreja do Brasil (1870-1920). In:
MARCÍLIO, Maria Luiza, op.cit., p.102.
21
AZZI, Riolando. A participação da mulher na vida da Igreja do Brasil (1870-1920). In: MARCÍLIO, Maria
Luiza (orgs.) op.cit., p.103.
22
LIMA, Raquel dos Santos S. A Igreja Católica e o discurso sobre a mulher no século XIX: questões de gênero
na santidade de Rita de Cássia. In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS
RELIGIÕES, 7; SIMPÓSIO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, 1; CICLO DE PALESTRAS E DEBATES DO
75
Pode-se assim dizer, que a clericalização do catolicismo foi ao mesmo tempo um
processo de sua feminização no qual a incorporação do feminino pela instituição se deveu a
pretensão de diminuir ou anular o poder do laicato masculino. Assim sendo, esta feminização
do catolicismo não significava um investimento no feminino, mas a reafirmação de seu
estatuto subordinado. De acordo com Maria Rosado Nunes, é justamente porque o
catolicismo romanizado manteve práticas e discursos restritivos em relação às mulheres, que
ele pode incorporá-las em sua estratégia de reforma institucional fosse através das religiosas
ou através das associações leigas como a Pia União das Filhas de Maria
23
.
O modelo europeu representado pela associação das Filhas de Maria era fruto de um
projeto moralizante do catolicismo romanizado que estava interessado em disciplinar o sexo
feminino que sempre foi considerado mais suscetível aos apelos da religião, no caso da
católica. Este projeto moralizador se ancorava na tríade de virtudes: pureza/castidade,
penitência/obediência e caridade. Tanto que as padroeiras dessa irmandade, principais
modelos a serem seguidos pelas associadas, eram ícones católicos dessas virtudes: Maria,
modelo inatingível de pureza, obediência e caridade e Santa Inês, virgem e mártir, que em
vida sofreu inúmeras perseguições sem jamais abdicar a estas virtudes, especialmente a
castidade
24
.
Michelle Perrot afirma que a virgindade das moças é cantada, cobiçada, vigiada até a
obsessão. A Igreja, que a consagra como virtude suprema, celebra o modelo de Maria,
virgem e mãe. (...) Preservar e proteger a virgindade da jovem solteira é uma obsessão
familiar e social
25
. Assim, para o clero romanizado, especialmente no que se refere às
associadas da Pia União, era preferível a morte a macular esse precioso tesouro. Por isso, nas
reuniões mensais a pureza era sempre lembrada: Para conservar a alma intacta, o coração
puro, a consciência isenta da mais leve sombra da impuresa, é preciso ter vontade apostada
a antes quebrar e torcer, e uma constancia inquebrantavel ao firme proposito de antes
morrer que manchar-se
26
.
NÚCLEO DE ESTUDOS EM TEOLOGIA DA PUC MINAS, 19, 2005, Belo Horizonte, Anais
Eletrônicos..., Belo Horizonte: PUC/MG, 2005. p.2, 1 CD-ROM, p. 8-10.
23
NUNES, Maria José Rosado. Freiras no Brasil. In: PRIORE, Mary Del. História das Mulheres no Brasil. São
Paulo: Contexto, 2002, p.491.
24
ANDRADE, Maria Lucélia de. O encanto da fita azul: “memórias trajadas” das Filhas de Maria. In:
SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS, 4, 2007, São Luís, Maranhão. Anais
Eletrônicos... Disponível em: <http://www.outrostempos.uema.br/curso/poder/2.pdf>. Acesso em: 22 mar.
2008. p.7.
25
PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2007, p.45.
26
LIVRO DE ATAS IV da Pia União das Filhas de Maria da Catedral de Juiz de Fora 1943/1954. JF: Centro
da Memória da Igreja de Juiz de Fora, p.69.
76
De acordo com o Manual da Pia União, era a pureza virginal a virtude predileta de
Maria e de Jesus. Desta maneira era de suma importância para a Filha de Maria se resguardar:
Mas, como esta virtude é tão bela e preciosa, facilmente perde seu brilho. Ela é
como um lírio mimoso que ao menor toque se murcha; é como cristal que ao menor
hálito se embacia; é como um tesouro precioso encerrado num frágil vaso que se
quebra ao menor choque. Um simples olhar, um brinquedo, uma palavra, um
pensamento, podem manchar essa bela virtude! E desgraçada de vós se perdestes!
Embora tenhais todas as outras virtudes, se não sois casta, não podereis agradar a
Maria, antes ela vos olhará com horror e indignação
27
.
Nas palavras de Maria Lucélia de Andrade:
Um tesouro a ser guardado, um tesouro constantemente ameaçado por todos os
sentidos do corpo. Ameaçado pela vontade de saber, pela possibilidade, mesmo
mínima, de perda da inocência. O amor a Maria e o respeito pela sociedade
segurados apenas por uma tênue linha que separa essas jovens dos sons, imagens,
toques, sussurros e tentações do mundo
28
.
Nas palavras de Lagrance e Garrigou:
La castidad no es solamente aquella laudable disposición natural que se llama
pudor; (...) es una virtud todavía superior, ya que ofrece a Dios, de por vida, la
integridad corporal y la del corazón que le consagra. (...) La castidad se pierde, en
efecto, por los sentidos externos, por los pensamientos y por los deseos del
corazón. (...) Descender es muy cil. Todavía la castidad, practicada en su modo
más perfecto, hace que, dentro de una carne sujeta a la muerte, vivamos una vida
espiritual que es como preludio de la eterna. Hace el hombre semejante, en cierto
modo, al angel, y le libera de la materia. Y hasta consigue hacer a nuestro cuerpo
más semejante al alma, y a nuestra alma más semejante a Dios. (...) esta virtude es
de una fuerza superior
29
.
A virtude da obediência deveria transformar as mulheres em criaturas mais dóceis e
passíveis de dominação. A obediência das associadas demonstrava aos pais e aos membros da
27
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.460.
28
ANDRADE, Maria Lucélia de. O encanto da fita azul: “memórias trajadas” das Filhas de Maria. In:
SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS, 4, 2007, São Luís, Maranhão. Anais
Eletrônicos... Disponível em: <http://www.outrostempos.uema.br/curso/poder/2.pdf>. Acesso em: 22 mar.
2008. p.8.
29
A castidade não é somente aquela saudável disposição natural que se chama pudor. (...) é todavia uma virtude
superior, que oferece a Deus, em vida, a integridade corporal e a integridade de coração. (...) A castidade se
perde pelos sentidos externos, pelos pensamentos e pelos desejos do coração. (...) Descer é muito fácil. Porém
a castidade praticada em sua maneira mais perfeita, faz com que dentro de uma carne sujeita a morte se viva
uma vida que é o prelúdio da eterna. Faz o homem semelhante, de certa maneira, ao anjo e o libera da matéria.
E até consegue fazer nosso corpo mais semelhante a alma e a nossa alma mais semelhante a Deus. (...) Esta
virtude é de uma força superior. (LAGRANCE, O. P.; GARRIGOU, R. Las tres edades de la vida interior.
Buenos Aires: Dedebec Ediciones Desclée de Brower, 1944, p. 659-664).
77
própria Igreja católica, a sensação de controle sobre o sexo feminino. E para as Filhas de
Maria a desobediência era punida com a expulsão da associação e a difamação frente todas as
integrantes e frente à sociedade. No Manual da associação temos:
Toda culpa que causa escândalo as suas companheiras ou a outras pessoas, deve ser
objeto de aviso, repreensão, castigo ou expulsão da Congregação. (...) A exclusão
será aplicada depois que delinqüente tiver recebido do diretor, da diretora ou da
presidente, três admoestações formais, e não se corrigir (...) cobrirá completamente
com um traço preto o seu nome ou o tirará do quadro respectivo (...) As associadas
não poderão entreter relações de amizade com as que tiverem sido excluídas, sob
pena de incorrerem na mesma exclusão; apenas poderão saudá-las como exige a
caridade cristã e nada mais
30
.
Maria assim confirma como a expulsa era tratada:
A expulsa deveria ser esquecida. Ela não pertencia mais aquele mundo. Era
perigoso falar com ela. Era perigoso porque se você anda com quem faz coisas
erradas, você também está errada. As Filhas de Maria eram o que tinha de melhor
na nossa cidade. Se foi expulsa é porque não prestava mesmo. E a desobediência
não podia ser tolerada. Estávamos lutando contra inimigos vorazes
31
.
Eram considerados motivos para a expulsão: a desobediência formal às ordens dos
superiores, injúrias às outras associadas, caçoar dos membros da diretoria ou das práticas da
associação, manter amizades perigosas com pessoas levianas, faltar a reuniões sem justo
motivo, ler romances ou livros perigosos
32
, dançar com pessoas de outro sexo as danças
proibidas
33
, ter namoros por passatempo, usar trajes imodestos ou seguir modas escandalosas
e se aspirante passar mais de um ano sem serem admitidas à categoria de Filhas de Maria
34
.
Mesmo com tantos motivos para a expulsão e com forte vigilância, o clero
romanizado sabia que suas estratégias poderiam apresentar falhas. Por isso, em seus discursos
e práticas os padres romanizadores não deixavam de ratificar o quanto era inadmissível a
desobediência aos mandamentos (da Igreja e por que não da sociedade?). Os padres buscavam
30
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.56-58.
31
(Grifo meu. Os inimigos vorazes para a cidade de Juiz de Fora neste período eram: o protestantismo, a
maçonaria e o espiritismo. Para mais informações sobre este embate ver: BRION, Ioneide Piffano. A ão
reformadora e romanizadora na Igreja católica de Juiz de Fora (1890-1924). Trabalho de Conclusão de
Curso (Bacharelado em História). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz
de Fora, 2005 e PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz
de Fora (1890-1924). Juiz de Fora: Livraria e Editora Notas e Letras, 2004.) N. G., aposentada, 80 anos,
residente em Juiz de Fora. (Atendendo ao pedido da entrevistada o nome o será revelado. Durante o texto
identificarei a associada com o nome fictício de Maria).
32
Aqui os livros perigosos são considerados os livros espíritas, protestantes ou maçons.
33
Eram consideradas danças proibidas pelo clero romanizado a valsa, as polcas, os galopes, o bolero, o tango,
enfim, todas as danças em que houvesse contato do corpo feminino com o masculino. Também era proibido o
samba por suas letras serem consideradas indecentes e a dança muito sensual.
34
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. op.cit., p.58.
78
apresentar essa desobediência como algo que transformava a existência da associação em um
verdadeiro vazio: É mil vezes melhor não existir uma Pia União de Filhas de Maria, do que,
em lugar dum corpo cheio de vigor e vida espiritual, como ela deve ser, ver-se um frio
cadáver, estado a que a levou a tibieza
35
.
Fechando a tríade do controle sobre o corpo e a mente feminina vinha à virtude da
penitência que incumbia cada Filha de Maria de se vigiar. A autovigilância era um eficaz
controle porque denunciava e afastava os pensamentos e atos astuciosos que não podiam ser
descobertos pela família ou pela Igreja. É por isso que o Manual da associação reserva para o
exame de consciência e a penitência boa parte de suas ginas. Ao incentivar a penitência, o
clero romanizado buscava criar uma relação de culpa da jovem católica com seu corpo e com
o mundo e assim, tornava-se mais fácil impor-lhe modelos de comportamentos considerados,
pelos religiosos, próprios do feminino.
No entanto, se este feminino no caso as Filhas de Maria- sofreu influências das
imagens do que se esperava da mulher, principalmente, daquela que seguia uma religião - não
o fez no papel de marionete. Pelo contrário, as mulheres desempenharam um destacado
protagonismo na revitalização e na fermentação espiritual do catolicismo, sobretudo, através
das suas práticas devocionais. Com isso, as associações do período da romanização, como a
Pia União, cumpriram um duplo papel: se por um lado deviam moldar o feminino e lhes dar
uma pretensa liberdade por outro, acabaram permitindo que as associadas recriassem suas
identidades enquanto mulheres e tomassem posições que se opunham ao modelo criado.
Desta maneira, fazer parte da Pia União e utilizar a fita azul – distintivo identitário da
Filha de Maria apontado por todas as entrevistadas - era uma escolha feita pelas jovens onde
vantagens e desvantagens de ser uma associada eram consideradas, mas postos em segundo
plano uma vez que o que norteava a opção pela associação -de imediato- era a possibilidade
de se destacar na sociedade ao usar a fita de cetim azul e a roupa branca. Maria Pinto assim
coloca sua opinião sobre o fazer parte da associação:
Eu fui ser Filha de Maria porque gostava muito quando via as Filhas de Maria
todas de branco nos festejos da Igreja e da cidade ou então, quando nos domingos
elas passavam pra ir à missa. Todas de branco e com a fita azul pendurada no
pescoço, a medalha brilhando... Além disso, eu também era muito devota da
Virgem Maria. Pra mim, vestir a roupa branca era sinal de pureza, de amor. Era
muito bonito servir a Nossa Senhora. Eu achava lindo tudo aquilo e queria ser.
em casa éramos duas, mas tinha famílias que eram mais de duas. Tinham até quatro
na mesma casa
36
.
35
Idem, p.44.
36
Maria Pinto, auxiliar de servos gerais, residente em Matias Barbosa.
79
No entanto, se de imediato a escolha o era racionalizada e partia apenas do desejo
de usar a fita azul e o vestido branco, com o transcorrer de tempo dentro da associação as
jovens percebiam que ser Filha de Maria era bem mais que vestir branco e usar uma medalha.
A fita azul demarcava a entrada em um grupo social específico, fechado e regido por
inúmeras regras e singularidades
37
.
Nas memórias dessas mulheres a fita azul era a transformação de simples jovens em
soldados da Virgem Maria, de acordo com Maria Correa
38
. A fita azul era o centro das
atenções, o objeto dos sonhos. O orgulho de usá-la sobrepujava as limitações às quais as
jovens eram submetidas, e principalmente sobressaia-se ao fato que, mesmo fazendo parte de
um grupo de grande destaque na sociedade local, dentro dele muitas das associadas
participavam anonimamente
39
.
Várias Filhas de Maria ocuparam papéis secundários na sociedade. Sua projeção
ocorria enquanto participante do grupo, sozinhas lhes restavam a fita azul como instrumento
comunicador de que ela não era uma jovem comum como tantas outras de sua cidade. Era o
pequeno pedaço de cetim azul que transportava aquelas jovens para uma outra dimensão
dentro da sociedade. Ornadas com suas fitas as jovens o faziam mais parte do “povo em
geral”, isto é, elas agora possuíam uma identidade, ainda que a meu ver com tendências
homogeneizante: pertenciam a Pia União das Filhas de Maria. Eu era Filha de Maria. Eu não
era mais a menininha filha do seu fulano. Ou a parente de não sei quem. As pessoas me
reconheciam. Eu era alguém, desabafa Maria
40
.
A outra dimensão aberta pela pequena fita dava acesso as Filhas de Maria ao
universo da leitura. Universo criticado tanto por dicos quanto por padres. Estes últimos
aconselhavam as mulheres não lerem assiduamente para impedir que os sonhos da imaginação
ocupassem suas cabeças. No entanto, a leitura para as associadas às Filhas de Maria estava
presente desde o ritual de iniciação, com a entrega do Manual das Filhas de Maria, e se
tornava cada vez mais importante e presente. A leitura era parte primordial das reuniões
mensais do grupo, quando o sacerdote que presidia a sessão sempre a encaminhava a partir de
uma leitura, que depois era debatida e explicada pelo referido padre
41
.
37
ANDRADE, Maria Lucélia de. op.cit., p.6.
38
Maria do Carmo Correa, aposentada, residente em Matias Barbosa.
39
ANDRADE, Maria Lucélia de.op. cit., p.13.
40
N. G., aposentada, 80 anos, residente em Juiz de Fora. (Atendendo ao pedido da entrevistada o nome não será
revelado. Durante o texto identificarei a associada com o nome fictício de Maria).
41
ANDRADE, Maria Lucélia de.op. cit., p.10.
80
Claro, não se tratava de um debate propriamente dito, mas de uma certificação de a
leitura oferecida àquelas mulheres não seria desvirtuada por suas interpretações. Entretanto,
não podemos nos certificar até que ponto essa estratégia era realmente eficaz, mas na fala de
Lourdes esta atitude lhe despertou o interesse pela leitura:
Eu não lia quase nada, em casa o pai dizia que a leitura enfraquecia a cabeça,
mas eu fui para as Filhas de Maria tudo era leitura e eu queria saber se o que o
padre estava falando era aquilo. Foi que com outras que nem eu, com algum
conhecimento das palavras, nós começamos a ajudar umas as outras com boa
vontade fomos melhorando. Já conseguia ler por mim, se não fosse à associação até
hoje estaria dependendo dos homens: meu marido ou meu filho
42
.
Além do universo da leitura, as Filhas de Maria tinham acesso ao locus privilegiado
da Igreja e podiam se inserir, mesmo que somente com o suporte do grupo, nos
acontecimentos sociais de destaque na cidade. Dentro da Igreja ou fora dela, em meio a seus
rituais e obrigações, a fita e também a vestimenta faziam das Filhas de Maria fiéis superiores.
Acreditando-se mais puras e dedicadas à religiosidade, estas jovens se revestiam de uma aura
de merecimento que lhes conferia um sentimento de respeito, admiração e, porque o, a
crença de serem invejadas por aquelas que o pertenciam ao grupo e que ocupavam um
espaço menor e secundário: os bancos detrás da Igreja ou as partes finais das procissões.
Maria Correa relembra o que sentia nas procissões:
Nas procissões a gente ia na frente levando o estandarte e a bandeira. De roupa
branca e véu. Tempo bom. Eu acho que a gente ficava aum pouco metidinha.
Não de ser metido, de achar que é melhor que os outros, mas de ficar entusiasmada,
alegre porque quando a gente ia na igreja tinha nossos bancos na frente. A gente
se destacava. As pessoas olhavam. Aí, a gente sentava no banco marcado para a
gente e estávamos todas juntas. Era bom.
43
Assim, estas associações que deviam enclausurar “o sexo frágil” e utilizá-lo na
reorganização do catolicismo frente aos novos tempos permitiram, de certa forma, mais
mobilidade na sociedade para os membros da associação e com isso, tomadas de posturas que
contrariavam a idéia da santa mãezinha, de imagem de Maria e de rainha do lar. A
espiritualidade desenvolvida na associação acabou incorporando o dualismo existente no
pensamento católico. Dualismo que consistia no titubear entre o sagrado e o profano. Além
disso, as associações do período da romanização, como a Pia União das Filhas de Maria,
42
M.F, do lar, 75 anos, residente em Simão Pereira. (Atendendo ao pedido da entrevistada o nome não será
revelado. Durante o texto identificarei a associada com o nome fictício de Lourdes).
43
Maria do Carmo Côrrea, aposentada, residente em Matias Barbosa.
81
vieram entremeadas por concepções burguesas que embora incentivassem que as associadas
deviam ter grande zelo com o seu lar, também incentivava o não afastamento das realidades
terrenas já que era o viver no mundo que punha o fiel em prova
44
.
O viver no mundo sem deixar se contaminar por suas impurezas permitiu as
mulheres da associação das Filhas de Maria se perceberem como agentes privilegiadas de sua
própria salvação, bem como heróicas servidoras da Igreja católica. Na fala de Maria podemos
verificar que as associadas entendiam que estavam dotadas de atribuições constitutivas de sua
identidade sócio-religiosa: tudo dependia de nós, porque era a gente que dirigia esta obra
pia, era a gente que trazia ao padre um braço forte naqueles tempos difíceis
45
. Desta
maneira, podemos dizer que as Filhas de Maria atuaram decisivamente na constituição de suas
identidades e de novas sociabilidades no espaço religioso não reproduzindo apenas o que o
clero romanizado queria.
A noção de identidade usada aqui está de acordo com a trabalhada por Roberto
Cardoso de Oliveira, para quem a identidade contém duas dimensões que estão
interconectadas: a dimensão social (coletiva) e a pessoal (individual). Para que a dimensão
coletiva se concretize é necessário que antes se forme a dimensão individual que seja capaz de
se atrelar a outra. Para isso, é fundamental a apreensão de mecanismos de identificação que
reflitam uma identidade em processo que seja assumida por indivíduos e grupos em diferentes
situações e que desta forma nos leve a emergência de uma identidade étnica
46
.
A necessidade de apreensão de mecanismos que lhe dirão que você pertence a um
grupo e não a outro tem como fundamento o conceito de cultura como uma maneira de
descrever o comportamento humano. Segue-se disso, que grupos delimitados de pessoas,
isto é, que grupos étnicos que correspondem a cada cultura. Por grupo étnico Barth definia
todo aquele que compartilhasse de valores culturais fundamentais postos em um campo de
comunicação e interação que os identificassem ao mesmo tempo em que os distinguia de
outras categorias da mesma ordem
47
.
Assim, tanto a identidade social quanto a pessoal possuiria um conteúdo
marcadamente reflexivo e comunicativo, posto que supõem relações sociais tanto quanto um
código de categorias destinado a orientar o desenvolvimento dessas relações. Dentro das
44
BUARQUE, Virgínia A. Castro. Práticas femininas no projeto de restauração católica (1922-1942).
In:ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA HISTÓRIA E BIOGRAFIAS, 10, 2002, Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro. Anais Eletrônicos... Disponível em: <http: //www.rj.anpuh.org/Anais/2002/Comunicacoes>.
Acesso em: 20 set. 2008. p.1-10.
45
N. G., aposentada, 80 anos, residente em Juiz de Fora.
46
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pioneira, 1976, p.4-5.
47
BARTH, Fredrick. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa,
2000, p. 27.
82
relações interétnicas este código tende a se exprimir como um sistema de oposições e
contrastes, isto é, segundo Roberto Cardoso de Oliveira através de uma identidade contrastiva
que implica a afirmação do nós diante dos outros e que necessita do contato (fricção)
interétnico,ou seja, do contato social
48
Segundo Roberto Cardoso as categorias étnicas seriam como papéis [onde] para
cada relação de identidade culturalmente possível há[veria] uma correspondente relação de
status constituído por direitos e deveres
49
. Nesse sentido, essa “cultura do contato” poderia
ser mais do que um sistema de valores, sendo um conjunto de representações que um grupo
étnico faz da situação de contato em que está inserido e nos termos da qual identifica a si
próprio e aos outros
50
. Na realidade, o contato é fundamental já que segundo Berger e
Luckman, a existência na vida social somente ocorre quando interações e comunicações
com os outros
51
.
Assim, este capítulo ao trabalhar com a identidade das jovens associadas a Pia União
das Filhas de Maria buscou entrelaçar a imagem que o coletivo tinha sobre o papel que as
mulheres, principalmente as que seguiam uma religião, deveriam desempenhar na sociedade
(o que foi trabalhado nesta primeira parte) e como estas jovens interiorizavam este papel (o
que é o assunto da segunda parte do capítulo). Acredita-se que é somente deste
entrelaçamento que surge a Filha de Maria aquela que tinha que marcar seu espaço em meio a
um momento turbulento do catolicismo no Brasil.
3.2. Interiorização de modelos e a resignificação
Quando lançamos um primeiro olhar sobre a associação da Pia União das Filhas de
Maria pensamos em se tratar de um grupo unido e coeso em torno da devoção a Virgem
Maria. Um grupo onde o trabalho de criação de uma identidade em conformidade com os
padrões do catolicismo romanizado surtiu o efeito desejado. A roupa branca, a medalha, a fita
azul, as reuniões de domingo e as rígidas regras do Manual criam, em um primeiro momento,
a idéia de uma homogeneidade de pensamentos e ações entre as associadas. Além disso, as
anotações sempre tão esmeradas das Atas não passam, de imediato, nenhum conflito.
Corroborando para este clima de harmonia da vivência deste grupo as primeiras falas das
associadas entrevistadas apontam para a conformidade as regras e para um comportamento
irrepreensível destas mulheres. Será, então, que o catolicismo conseguiu inculcar neste
48
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. op.cit., p.6.
49
Idem, p.8.
50
Idem, p.26.
51
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. 6 ed. Rio de Janeiro: Vozes,
1973, p.40.
83
feminino a imagem da mulher dócil, boa esposa-mãe e devotada cristã? Não houve
comportamentos discordantes?
As respostas às indagações anteriores surgiram no caminhar das entrevistas quando
lentamente os fios da memória foram sendo puxados deixando transparecer, ainda que em
lampejos, fissuras nesta pretensa homogeneidade. Quando se descentrou do coletivo e passou-
se a prestar atenção nas individualidades se percebeu pequenas ousadias como desejar
“brincar” carnaval, dançar e ler revistas de moda, como também grandes ousadias que
resultaram no afastamento da associação. Também foram percebidos conflitos, conchavos e
solidariedades que ultrapassavam a simples participação em uma associação religiosa
devocional.
Desta forma, a observação da tríade de virtudes (pureza, obediência e penitência) não
era posta em prática completamente. Mesmo porque essa visão idealizada somente encontrava
acolhida nas famílias urbanas das classes médias e abastadas. As mulheres pertencentes a
camadas mais humildes da sociedade, e que através de estratégias conseguiram entrar na Pia
União, viram sua realidade entrar em choque com os ideários do catolicismo romanizado. A
idealização passada de dona de casa, mãe, esposa, guardiã do lar, transmissora da religião e da
virtude não coincidia com o seu dia a dia que além de terem de lidar com as coisas da casa,
muitas vezes, eram obrigadas a trabalhar fora do lar para complementar à renda familiar
52
.
Dinorah assim coloca:
Eu vinha de uma família com poucos recursos. Queria ser Filha de Maria.
Consegui com a ajuda da madrinha, mas as vezes era estranho. Eu não conseguia
entender porque nós mulheres não podíamos trabalhar. O padre sempre batia nesta
parte: lugar de mulher era em casa e não trabalhando, ainda mais se fosse uma
jovenzinha como eu. Ele sempre me apontava. Fui muito repreendida. Mas como
não trabalhar? Tinha que ajudar a mãe com os irmãos e eu tinha que agradecer a
madrinha por ter realizado um sonho meu. Mas eu não era bem vista por algumas
meninas e hoje, acho que nem pelo padre
53
.
Outros desvios e ousadias como freqüentar o espiritismo ou o metodismo e discordar
da posição da diretoria também existiam. Assim, resistências e transgressões brotam quando
analisamos as entrelinhas da associação mostrando que havia entre as associadas e entre as
associadas e o clero uma tensão em torno sobre as idéias a seguir e sobre a funcionalidade da
associação das Filhas de Maria. A funcionalidade da associação ultrapassava o projeto dos
52
AZZI, Riolando. Família, mulher e sexualidade na Igreja do Brasil (1930-1964). In: MARCÍLIO, Maria Luiza
(org.) op.cit., p.104.
53
N. C. S. aposentada, 82 anos, residente em Juiz de Fora. (Atendendo ao pedido da entrevistada o nome o
será revelado. Durante o texto identificarei a associada com o nome fictício de Dinorah).
84
reformadores. Para além disso, havia o interesse por parte das associadas e de seus familiares
em se projetar, em ver e serem vistas. Nas palavras de Lourdes:
escolhi pertencer às Filhas de Maria não porque era devota da Virgem Maria.
Este era o motivo principal, mas também porque a menina que era da associação
era tida como boa moça, moça de família, sabe como é. Assim, a gente tinha
destaque na cidade. Quantas conhecidas de colégio tinham inveja da gente. As
famílias gostavam porque além da gente estar resguardada dos perigos da
adolescência também era uma forma de conseguir bons casamentos. Assim, eu fui
Filha de Maria como todas as minhas irmãs. Era bom
54
.
Então, se a prática das virtudes cristãs e a devoção a Virgem Maria eram buscadas
pelo clero romanizador para justificar a pertença à associação das Filhas de Maria pelas
jovens candidatas, porém nem sempre este era o único motivo para estas jovens. A distinção
nas procises, nas celebrações e nos festejos promovidos pela Igreja atraía e muito estas
moças. Assim, embora a associação tenha sido erigida com o objetivo de fomentar e manter o
fervor religioso católico romano entre as mulheres, outros interesses mobilizaram a Pia União
como o de se destacar na sociedade, de ser diferente, e com isso, ganhar respeito na sociedade
e porque não, conseguir realizar um bom casamento.
Porém, para Maria Lucélia de Andrade apesar da associação das Filhas de Maria ser
uma instituição religiosa, com forte influência clerical, e que por princípios evangélicos
deveria acolher a todos que nela desejassem participar, na prática era um lugar que se
pretendia seletivo e excludente marcando fortemente as fronteiras entre quem estava dentro e
quem estava fora deste grupo. Embora não houvesse uma determinação explícita
especificando o perfil sócio-econômico da candidata, implicitamente havia uma seleção
prévia que a mesma deveria ser indicada por duas Filhas de Maria que tinham que atestar a
“boa família” da qual pertencia a aspirante. Ao fazer isso, a Filha de Maria tornava-se
“fiadora” da aspirante e empenhava a sua boa reputação perante o grupo e perante a
sociedade.
55
.
Mas, se intencionalmente ou não, ao limitar a participação na associação à indicação
de membros participantes limitando assim o acesso ao grupo criou-se uma estratégia muito
prática para mistificar as Filhas de Maria, torná-las diferentes do restante da sociedade e com
isso fazer destas meninas modelos e/ou objetos de desejos. Sendo assim, a entrada de novas
54
M.F, do lar, 75 anos, residente em Simão Pereira. (Atendendo ao pedido da entrevistada o nome não será
revelado. Durante o texto identificarei a associada com o nome fictício de Lourdes).
55
ANDRADE, Maria Lucélia de. Vitrine das virtudes: a irmandade das Filhas de Maria em Limoeiro CE (1915-
1945). In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, Ceará. Anais Eletrônicos... Disponível em:
<http://www.anpuhceara.org/anais_pdf/vitrine_das_ virtudes.pdf.> Acesso em: 22 mar.2008, p. 5.
85
associadas estava limitada a um círculo restrito de convivência social e ao mesmo tempo,
fugindo do controle clerical, criava um laço de dependência entre aspirantes e Filhas de
Maria. Uma relação marcada por negociações, conchavos e cumplicidades que influenciavam
inclusive no tempo passado enquanto aspirante ou na sua possibilidade de participação da
diretoria. Segundo Lourdes o tempo que você ia ser aspirante dependia de nossa amizade com
a diretoria. Eu fui pouco tempo aspirante. Outras por não serem do agrado demoraram mais.
A presidente disse que por merecimento e por me conhecer que eu ia receber a fita logo. Ela
atestava que eu era de boa família
56
.
Comumente as moças que não pertenciam às ditas “boas famílias”
57
e que
desejavam fazer parte da Pia União das Filhas de Maria deveriam buscar o “amadrinhamento”
de algumas das moças já pertencentes à associação ou de senhoras que já haviam passado pela
Pia União. Com isso, criava-se uma rede de solidariedade e troca de favores entre os membros
da associação que extrapolavam o limite da Pia União. Os favores feitos pelas “madrinhas”
tanto podiam ser pagos com a lealdade e confirmação dentro do grupo de tudo que a
“madrinha” ou sua filha falasse e fizesse, quanto através de prestação de serviços domésticos.
Fosse como fosse, o que pode ser constatado era que aquelas jovens que entravam para as
Filhas de Maria utilizando do apadrinhamento não chegavam a ocupar lugares de destaque
dentro da associação e sua opinião e vontade eram sempre manobradas por aquela que lhe
prestou o favor. Dinorah assim coloca:
Eu não tinha como participar da associação. o era falta de dedicação ou devoção
a Virgem. Sabe como é, minhae era doméstica e meu pai pedreiro. Gente
importante que a gente conhecia era a família da patroa da mãe. todas as
meninas eram da associação. Nossa! Como eu queria ser! [a associada faz uma
pausa em sua fala, um suspiro e seus olhos se enchem de grimas, para então
continuar] A madrinha [a patroa da mãe] escreveu uma carta para a zeladora ela
me chamou. A vestimenta eu usei as velhas das meninas. Falaram para mim que eu
não tentasse os cargos da diretoria. Eu era grata por participar.
58
Nas palavras de Maria vem a complementação do exposto por Dinorah:
Devido a minha posição na associação eu não podia participar da diretoria. Eu
sabia que mesmo não concordando com algumas coisas eu tinha que dizer sim. Eu
56
M.F, do lar, 75 anos, residente em Simão Pereira.
57
Entende-se aqui como “boa família” aquelas que detinham posses e nome de respeito. No Manual da
associação não se faz nenhuma menção a questão financeira. No entanto, conversando com as associadas
pudemos constatar, que ainda que não de forma explícita, a questão financeira e o sobrenome pesavam muito
na hora da aceitação da associada, sobretudo, na cidades de Juiz de Fora e Simão Pereira.
58
N. C. S. aposentada, 82 anos, residente em Juiz de Fora. (Atendendo ao pedido da entrevistada o nome o
será revelado. Durante o texto identificarei a associada com o nome fictício de Dinorah).
86
tinha uma gratidão grande por está ali. Se eu gostava? Eu gostava de estar no
grupo. Ali eu era alguém. Tinha aceitação. E pela Virgem valia o sacrifício de às
vezes concordar não concordando muito
59
Então, para ser alguém estas meninas se submetiam inclusive a se tornarem reféns de
uma dívida de gratidão, que por mais que os anos passassem, elas não conseguiriam pagar.
Além disso, elas estariam sendo mais vigiadas que as demais, uma vez que não só tinham que
observar os códigos da associação como também se o que faziam não manchava o nome e a
respeitabilidade daquela que lhe havia amadrinhado.
Assim, as Filhas de Maria estavam sob um constante olhar disciplinador que as
vigiava tanto nos espaços públicos, como nas intimidades da esfera privada. A vigilância se
dava de várias formas: clero, sociedade, companheiras de associação e, talvez a mais eficaz, a
auto-vigilância
60
. Aquela que fazia com que a Filha de Maria - fosse por respeito às regras,
medo de perder a posição privilegiada ou desagradar alguém - controlasse seus impulsos e
desejos. Afinal, havia muito para se perder saindo da associação, você ficava mal vista e mal
falada
61
.
Uma forma de vigilância e controle que as associadas souberam utilizar foi à
premiação com uma admissão extraordinária
62
o que quebrava as regras para aquela que
apresentasse excelente comportamento. Esta premiação criava para a jovem agraciada a idéia
de singularidade, de maior aproximação com a Virgem e com isso, ela ganhava maior
respeitabilidade de suas companheiras de associação e da sociedade e maior confiança e
liberdade por parte do clero e de seus familiares. Este prêmio, a meu ver, tinha uma dupla
significância: ao mesmo tempo em que reforçava o laço de dependência da premiada com a
diretoria - que era esta que aprovava o nome daquela a ser premiada - também criava
rupturas na rede de solidariedade formada, sobretudo entre as aspirantes, uma vez que
somente as melhores receberiam o prêmio. Assim sendo, além de se destacar a aspirante tinha
que apontar as falhas das demais.
Independente da forma a ser utilizada a premiação não deixava de ser um mecanismo
de barganha que tanto era usado pelo clero romanizado, como pela diretoria e pela própria
agraciada. Dinorah assim coloca:
59
N. G., aposentada, 80 anos, residente em Juiz de Fora.
60
ANDRADE, Maria Lucélia de. Vitrine das virtudes... op.cit., p. 7.
61
M.F, do lar, 75 anos, residente em Simão Pereira.
62
Assim vemos na sessão do dia 01/05/1914 à regulamentação pelo clero desta medida: ficou deliberada que a
partir de agora será feita apenas uma recepção por ano. No entanto, poderá ter uma recepção extraordinária
como prêmio para aquelas que apresentarem bom comportamento (LIVRO DE ATAS I da Pia União das
Filhas de Maria da Catedral de Juiz de Fora 1943/1954. JF: Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora,
p.17.).
87
Ser admitida pela forma extraordinária era o sonho de todas as aspirantes. Eu o
fui, mas depois de mim tiveram meninas que foram. Elas contavam que os pais
confiavam mais nelas. Elas podiam sair desacompanhadas para ir à missa ou a
reunião. Elas tinham mais liberdade. As danadinhas me contavam que
aproveitavam para flertar com os moços que as olhavam. Claro além de ser Filhas
de Maria elas tinham sido agraciadas por bom comportamento. Era casamento bom
com certeza. Também elas ainda sempre se destacavam nas procissões e nos
festejos. Tudo o padre confiava a elas. Posso falar: dava até uma pontadinha de
inveja...
63
Apesar da aparente eficácia da rede de vigilância não devemos pensar nela de
maneira unilateral e estática; pois a mesma que representava um espaço de tensões e conflitos
também apresentava cumplicidades. Portanto, era uma rede aberta às solidárias trocas de
silêncios e dissimulações. Neste sentido, as transgressões ocorriam tanto de forma ostensiva
como de forma camuflada. A carta circular da Arquidiocese de Fortaleza, do ano de 1933,
citada por Maria Lucélia de Andrade é ilustrativa de como as Filhas de Maria também faziam
uso de táticas para driblar o sistema de vigilância imposto a elas em suas cidades:
Governo Archiodiocesano
D.Manoel da Silva Gomes, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, Arcebispo
da Fortaleza.
Tendo chegado ao nosso conhecimento que algumas Filhas de Maria, quer da
capital, quer do interior, quando fora da sede de suas associações, julgam-se
dispensadas dos deveres essenciaes da piedade e não freqüentam bailes e
divertimentos perigosos, mas ainda usam vestidos indecentes,e, em logares onde há
associações congêneres, escandalizam as associadas chegando a affrontal-as,
dizendo que não soa como ellas sujeitas a regulamentos estreitos e que prohibem
divertimentos do mundo.
Fortaleza, 4 de agosto de 1933.
Manoel, Arcebispo Metropolitano
64
.
Com a leitura das atas vimos que as advertências à freqüência a bailes, parques,
praças eram recorrentes
65
sinalizando para a resistência entre as associadas de acatarem as
solicitações do diretor da associação. No entanto, Maria Pinto e Maria Correa relatam que os
Congressos Marianos eram momentos especiais para elas pois podiam ter um pouco mais de
63
N. C. S. aposentada, 82 anos, residente em Juiz de Fora.
64
Carta Circular do arcebispo de Fortaleza, transcrita no Livro IV de Atas das Filhas de Maria. Ata do dia
03/09/1933, p. 3V e 4F. Apud ANDRADE, Maria Lucélia de. Vitrine das virtudes: a irmandade das Filhas de
Maria em Limoeiro CE (1915-1945). In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, Ceará. Anais
Eletrônicos... Disponível em: <http://www.anpuhceara.org/anais_pdf/vitrine_das_ virtudes.pdf.> Acesso em:
22 mar.2008, p. 7.
65
No livro de Ata I das associadas as ginas de 67 a 73 são marcadas por advertências a freqüência a lugares
ditos desonestos.
88
liberdade, mas não que isso fosse sinônimo de fazer coisas ruins, mas era a oportunidade para
as associadas aproveitarem para “paquerar”, principalmente, os moços bonitos dos
Congregados Marianos. Não havia mal nisso, não era como hoje
66
. Com referência ainda aos
congressos Dinorah assim coloca: a gente aproveitava o Congresso para namorar, uma não
podia falar sobre a outra. A nossa liberdade estava ali
67
.
Em se tratando de vestimenta e moda, Maria Pinto relata o seguinte: podíamos vestir
tudo, desde que nada escandaloso, muito curto ou decotado
68
. Maria complementa, o
podíamos seguir as modas indecentes, tínhamos que vestir aquilo que combinasse com a fita.
Acho que não ficaria bem combinar o cintilante da fita azul da nossa associação com
decotes, ausência de mangas, vestidos transparentes ou cores chamativas. Isso nem era
elegante
69
.
Cyrillo Mattiello ao escrever a biografia de padre Félix Bussata, padre romanizador
que agiu na paróquia de São Brás do Paraí (Rio Grande do Sul), expõe a opinião deste padre,
opinião que, no entanto, era compartilhada por outros religiosos, sobre a moda:
Não queria saber de modas. Dizia que Nossa Senhora nunca seguiu as modas. Se
as moças usassem saias pouco acima dos tornozelos dizia: Dighe a la to mamma
che la zenza vergogna da farte che le robe li. (pergunta à tua e se não tem
vergonha de fazer-te esta roupa). Não aceitava que as mulheres entrassem na igreja
sem véu na cabeça, ou de mangas curtas
70
.
Assim, a vestimenta tinha um caráter ostensivo, por isso era difícil disfarçar diante da
sociedade quando o padrão de recato de uma Filha de Maria era desrespeitado. No entanto,
isso não impedia que ocorressem quebras neste suposto “bom modo” tanto que, nas atas,
ainda que o conste registro de transgressões, a partir da reunião de agosto de 1924 e com
mais intensidade nas décadas de 1930 e 1940, são constantes a ênfase na moda feminina:
Devem ter muito cuidado com os trajos modernos e não se deixarem escravizar
pela moda.
De acordo com o padre Conrado Knies a Santa Igreja ensina, quer e manda que
para nella entrar ou receber os sacramentos deve-se estar decentemente vestido e
segundo o direito eclesiástico as senhoras devem trazer as cabeças cobertas e
estarem descentemente vestidas para entrar na igreja .
66
Maria Pinto, auxiliar de serviços gerais, residente em Matias Barbosa e Maria do Carmo Côrrea, aposentada,
residente em Matias Barbosa.
67
N. C. S. aposentada, 82 anos, residente em Juiz de Fora.
68
Maria Pinto, auxiliar de servos gerais, residente em Matias Barbosa.
69
N. G., aposentada, 80 anos, residente em Juiz de Fora.
70
MATTIELLO, Cyrillo. Padre Félix, santo pastor. Paraí-Araçá: Prefeituras Municipais, 1990, p.127.
89
As Filhas de Maria devem se afastar da moda já que são elas responsáveis por dar o
bom exemplo a sociedade. Além disso, advertiu que o modo de vestir de qualquer
candidata a associação influi em sua admissão ou não
71
.
A acessibilidade à leitura permitida as associadas de publicações católicas ao mesmo
tempo em que as permitia seguir os desígnios da associação, também criava possibilidades de
questionamentos e tensões sobre os atos da diretoria ou sobre o que se falava de outras
religiões. Maria assim coloca:
eu não concordava com tudo que era lido, por isso demorei receber a fita. Eu sabia
ler. Tinha minhas opiniões. Eu lia outras coisas para além dos jornais católicos.
Gostava de romance e cheguei a ter contato com livros espíritas. Porém, aprendi a
não falar sobre isso na associação já que devia o gosto pela leitura aos incentivos
da Pia União
72
.
Na 39ª sessão da Ata I a diretoria decidiu se dirigir a postulante Joaquina de Moreira
a carta abaixo por esta ter discordado das repreensões feitas pela diretoria a postulantes e
aspirantes que tentaram opinar na interpretação das leituras feitas durante as reuniões:
Senhorita Joaquina de Moreira,
Nós, as do Conselho da Pia União, de accordo com um sacerdote fomos obrigadas
a fazer lhe esta reprehensão, afim de que aquillo que a Senhorita praticou não fique
como exemplo entre as Filhas de Maria, nos cientificamol-a que Senhorita em
virtude da última ocorencia, não poderá receber a fita de Aspirante na próxima
recepção, devido ter a Senhorita emittido conceitos na reunião de Aspirantes
offensivos a Directoria.
Como a Senhorita deve saber, nenhuma das Filhas de Maria tem o direito de tratar
de qualquer assumpto nas reniões, senão a mando do Director ou Directora. Si a
Senhorita desejava ou precisava de alguma coisa devia dirigir-se à Directora, e isso
mesmo com bons modos, e não como fez na reunião das Aspirantes, que, com
inconvenientes palavras offendeu muito a Directoria.
Admiramos muito tal procedimento, talvez a Senhorita não pesasse taes abhusos
quando as pronunciou.
Aconselhamol-a para o futuro ser mais prudente
73
.
A leitura também abria portas para um universo que o catolicismo romanizado
tentava ocultar e abafar: as novas crenças. No mesmo livro de ata encontramos que se uma
Filha de Maria o tivesse uma conduta que fosse digna de pertencer a Pia União, isto é,
desrespeitasse um dos “conselhos” da diretoria ou se envolvesse com os ditos inimigos da
71
LIVRO DE ATAS II da Pia União das Filhas de Maria da Catedral de Juiz de Fora – 1910/1922. JF: Centro da
Memória da Igreja de Juiz de Fora, p.44, 58 e 70.
72
N. G., aposentada, 80 anos, residente em Juiz de Fora.
73
LIVRO DE ATAS I da Pia União das Filhas de Maria da Catedral de Juiz de Fora – 1910/1922. JF: Centro da
Memória da Igreja de Juiz de Fora, p. 50-51.
90
presentes em Juiz de Fora (protestantismo, espiritismo, maçonaria e comunismo) cabia a
diretoria expulsá-la da associação, retirando seu nome do livro de membros. Uma vez expulsa
a jovem não mais podia se filiar a nenhum outro grupo de Filhas de Maria existente no país
74
.
Na 28
O
sessão, de 1
O
de julho de 1916,
das Filhas de Maria da Matriz, encontramos
no livro de ata a seguinte anotação: O conselho resolveu de acordo com as penas do nosso
manual fazer desaparecer do livro os nomes das seguintes Filhas de Maria: Palmira Mattos
Pereira, Maria Ronhi, Florisbella Alves de Carvalho e a aspirante Antonia Ronhi, pelo
desprezo que tem denotado possuir pela nossa bela associação
75
. Já na 66
O
sessão, que
ocorreu no dia 3 de fevereiro de 1922, a expulsão foi assim registrada: Foram expulsas por
freqüentarem centros espíritas, abandonarem as práticas devotas de nossa Pia União e por
completo desleixo no cumprimento dos deveres religiosos, a todo cristão as seguintes moças:
Georgina de Carvalho, Maria d’Agosto e Francisca [o sobrenome não foi registrado]
76
.
A leitura incentivada na associação também permitia que as jovens tivessem acesso
aos livros de romances tão abominados pela Igreja católica. Para Lourdes era uma aventura
ler os livros desaconselháveis [romances]. O coração chegava a palpitar. Ter acesso a um
universo proibido. Mas tinha que fazer sem o padre saber senão vinha sermão.
77
Maria
Pinto entendia a leitura da seguinte maneira: A gente não tinha que ler coisas católicas, a
gente devia ler coisas católicas e coisas que desse para a gente boa formação. Ih! Nossa li
muito “O Lampadário”. Tinha boa informação. Agora romances? Claro que a gente lia,
não podia era fazer o que estava no romance, né?[risos]
78
.
Outro ponto de discórdia entre as associadas e o padre responsável pela instituição
era a opinião sobre o divórcio. O setor romanizado do clero católico entendia o divórcio como
o triunfo da devassidão. No entanto, algumas das associadas vinham de lares desfeitos ou
tinham presenciado entre membros de sua família o divórcio e discordavam do que era
bradado nos púlpitos. Padre Júlio Maria apresenta os seguintes argumentos contrários ao
divórcio:
Católicos do Brasil inteiro, protestai contra a infâmia do divórcio, porque:
É a decadência de um país; é a lei da libertinagem; é o código da escravidão; é a
ruína da pátria; é o cancro da sociedade; é a perversão da moralidade; é o triunfo da
devassidão; é a porta do adultério; é o inimigo da paz doméstica; é a
74
Idem, p. 18-19.
75
Por desprezo a associação aqui entende-se o fato das associadas citadas estarem lendo livros e revistas para
além das católicas que eram as leituras permitidas e incentivadas. (Idem, p. 20).
76
Idem, p.50.
77
M.F, do lar, 75 anos, residente em Simão Pereira.
78
Maria Pinto, auxiliar de servos gerais, residente em Matias Barbosa.
91
desmoralização da família; é a morte da fidelidade conjugal; é a extinção do amor
mútuo; é o rebaixamento da mulher; é a escravidão da esposa; é o desterro da mãe;
é a desgraça dos filhos; é excitação ao suicídio; é a provocação ao assassínio; é a
causa de infanticídios; é o abandono dos filhos; é a devassidão dos maridos; é a
recompensa da infidelidade; é o veneno do matrimônio; é a suspeita dos esposos; é
o entorpecimento do amor nobre; é o desamparo da orfandade; é o ciúme, o ódio e
a vingança; é a limitação da natalidade; é a sanção do crime; é a beira do abismo; é
a perda do pudor; é o reino da imoralidade; é a entrada do amor livre; é o interesse
da brutalidade; é a divisão das famílias; é a ilegitimidade dos filhos; é o ideal do
egoísmo sensual; é a lama da voluptuosidade; é o lodo fedorento das paixões; é o
ideal do bolchevismo; é a chegada do anticristo
79
A posição do catolicismo romanizado em favor da família tinha como objetivo a
manutenção da ordem social, ou seja, a hierarquia eclesiástica desejava construir uma força
que se opusesse às mudanças socioculturais que vinham ocorrendo no Brasil e que vinha
trazendo problemas para dentro das próprias associações católicas, como no caso a Pia
União
80
. Na Pastoral coletiva de 1927 os bispos da Paraíba declaravam formalmente:
A família, irmãos e filhos caríssimos, do ponto de vista católico, em suas relações
com a ordem social, é a segunda alma da humanidade, é a fonte única dos povos
fortes e puros, é o santuário das tradições e dos costumes, onde se retemperam as
virtudes sociais, é sobretudo o centro gerador e o grande fator da ordem em uma
nação [...] por isso, infelizmente a desordem sob o teto doméstico vem pousar, faz-
se logo sentir a sua repercussão nas massas populares, porque estas participam
fatalmente do meio onde foram formadas. Daí, um grande perigo para a sociedade
civil e religiosa. Entre nós [...] este perigo não vai sendo uma palavra vã. Ele
existe e nos ameaça
81
.
Portanto, a partir do exposto acima na pastoral coletiva podemos dizer que as
mudanças nos valores no âmbito familiar faziam com que a Igreja romanizada se colocasse na
preservação dos valores morais da família vista como a célula-mater da pátria. Família e
ordem social constituíam, pois, um binômio inseparável e um assunto constante nas reuniões
da Pia União e um assunto muito polêmico de acordo com o depoimento de Lourdes:
Tínhamos vários assuntos que eram discutidos, mas a constituição da família ia e
vinha. A família tinha que ser igual à sagrada família: Maria, Jesus e José. Família
não podia se separar era para a vida toda. Eu lembro que no grupo das aspirantes
do ano que eu entrei tinha uma menina que o pai e a mãe não estavam se entendo
muito bem. Em uma das reuniões o padre estava falando que o divórcio era uma
79
Maria, Júlio. Sexo e vínculo, manhumirim, O Lutador, 1962, p.70-71. apud AZZI, Riolando. Família, mulher e
sexualidade na Igreja do Brasil (1930-1964). In: MARCÍLIO, Maria Luiza (org.) op.cit., p.108-109.
80
Idem, p. 110.
81
Pastoral Coletiva dos Exmos. e Revmos. arcebispos e bispos da província Eclesiástica da Paraíba do Norte.
Ao cabido, clero e aos fiéis de suas dioceses sobre as bases fundamentais da sociedade. Paraíba: A Imprensa,
1927; p.17.
92
devassidão, que os filhos acabavam se perdendo. Ela retrucou e foi severamente
punida. Não recebeu a fita naquele ano. A diretora mais tarde disse que ela largou a
associação o que para a diretora era de se esperar que vinha de um lar
desregulado. Ela só podia ser uma jovem desajustada
82
.
Jovens que desobedeciam às regras impostas pela a associação, que discordavam dos
padres ou que ousavam levantar-se contra eles eram castigadas com a expulsão e tornavam-se
um contra-ideal para as outras Filhas de Maria. Elas também passavam a figurar como uma
ameaça que exigia cuidados muito especiais dos sacerdotes. As expulsões das Filhas de Maria
que não tivessem “boa conduta” foram, desta maneira, justificadas na sessão de fevereiro de
1922: Uma Filha de Maria não pode ser igual as outras jovens, com seu exemplo e abstendo-
se de ocasiões perigosas chamará muitas outras moças para aumentar a falange da Virgem
no meio em que vive
83
.
Uma jovem que fazia parte da Pia União das Filhas de Maria era vista como um
modelo de pureza, recato e retidão moral. Assim, era motivo de honra para as famílias terem
suas filhas respaldadas pela medalha da associação. Era a garantia de ter, para além do âmbito
familiar, uma vigilância mais assídua sobre as jovens. Contudo, as Filhas de Maria não eram
receptáculos passivos de mandamentos e regras de conduta moral. Apesar de todo o rigor
imposto pela associação visando moldar a identidade feminina, pudemos perceber que estas
jovens buscaram encontrar meios de construírem ou pelo menos resignificarem suas
identidades. Desta maneira, as mulheres pertencentes a Pia União eram mulheres de carne e
osso que assim sendo, buscaram dar sentido ao que lhes era passado, adaptando-o da melhor
forma possível aos seus cotidianos. A vivência da fé, por mais que desejassem os padres
romanizadores, era-lhes algo próprio, que ultrapassava o projeto dos agentes da Igreja.
82
M.F, do lar, 75 anos, residente em Simão Pereira.
83
LIVRO DE ATAS I... op.cit., p.50.
CONCLUSÃO
O catolicismo por quatro séculos no Brasil definiu de modo coerente as explicações
para a existência humana além de ter posto os limites e as interseções entre a vida pública e a
vida privada, entre o que era sagrado e o que era profano. Formalmente ligada, enquanto
instituição, ao Estado até o final do Império, a Igreja pode centralizar as definições dos
valores, das crenças e das práticas
1
.
No entanto, o início do culo XX, marcou para o catolicismo no Brasil a perda da
centralidade com relação à capacidade de conferir significado à existência do homem e a sua
experiência de vida. A partir de então, não competia mais apenas ao catolicismo criar
símbolos, práticas, ritos, valores e regras de conduta (um sistema cultural) que regesse a vida
das pessoas e lhes dessem plausibilidade diante de situações limites. Em uma sociedade que
buscava ser cada vez mais dessacralizada e centrada na figura do indivíduo outras instituições
(maçonaria, espiritismo, protestantismo, dentre outras) surgiam como fornecedoras de
significado para a explicação do mundo
2
.
Assim, a religião católica adentrou o novo século sob o signo da romanização. Um
momento que punha o catolicismo diante de um dilema: a religião católica tinha que, ao
mesmo tempo em que buscasse a recuperação de seus laços privilegiados com o poder
político, se reorganizar institucionalmente encontrando para si um novo lugar na sociedade
3
.
Com isso, os primeiros anos do século XX foram marcados por uma postura
defensiva do clero romanizado no que dizia respeito à pretensa modernidade que a sociedade
juizforana e das regiões próximas queria aparentar existir. Porém, a partir da década de 1920,
o catolicismo abandonaria sua posição defensiva frente ao avanço da laicização do Estado e
engajar-se-ia na implementação da Restauração Católica
4
que culminaria, nas décadas de
1930 e 1940, no projeto de criação de um Brasil católico, isto é, uma nação perpassada pelo
espírito cristão. Neste “novo-velho” projeto o catolicismo romanizado buscava manter a
influência da religião católica na vida pública mediante um retorno privatizante sobre si
1
MONTES, Maria cia. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz.
História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998, p. 66. [v.4].
2
Idem, p. 64.
3
Idem, p. 65.
4
Riolando Azzi definiu como o período de restauração da Igreja Católica no Brasil o momento a partir da década
de 1920 quando a Igreja buscou ter uma atuação mais significativa no contexto da vida do país aproximando-
se do Estado, objetivando com isso criar uma sociedade que respeitasse os valores morais defendidos pelo
catolicismo. Assim, a Restauração Católica não foi uma ruptura com o movimento de Romanização e
Reforma, mas apenas uma evolução dessa concepção de Igreja. (AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: a
Igreja católica em Juiz de Fora (1850-1950). Juiz de Fora: CMIJF, 2000, p. 190-191).
94
mesma. Com isso, este catolicismo procurava controlar instituições sociais capazes de formar
o caráter e moldar as atitudes do ser humano. Era o momento de crescimento da imprensa
católica, do sistema educacional e das associações religiosas como é o caso da Pia União das
Filhas de Maria
5
.
A fundação da Pia União das Filhas de Maria representava para a região estudada um
importante meio de transição do catolicismo tradicional e popular para um catolicismo
reformado e romanizado, mas também representava um mecanismo para que a Igreja católica
pudesse se reorganizar frente aos novos tempos. Além disso, com a associação a Igreja na
região ganhou mais um aliado para combater os “inimigos da fé”. Assim, a Pia União ajudou
na construção do cordon sanitaire que devia ser erguido em torno do catolicismo
6
.
Notamos a presença ativa da associação na cidade de Juiz de Fora até por volta de
1954, algo que é também notado em suas congêneres de Matias Barbosa e Simão Pereira, as
quais tiveram suas reuniões escasseadas e por fim terminadas entre a década de 1950 e 1960.
Nas falas de três associadas da Pia União assim vemos como o fim da associação foi
percebido: porque acabou assim, eu o sei. sei que acabou. Mas ainda tem muita Filha
de Maria na cidade. Mas acabou!
7
E Maria Correa assim complementa: Foi acabando ué!
Tinha reunião às vezes vinha umas, mas não vinham outras. Aí começaram a faltar muitas. Ai
Acabou. Tem muita gente que fala que foi o padre Antônio que acabou, mas não foi ele não.
As Filhas de Maria mesmo que deixaram acabar. Acabou como ia ficar [uma lágrima brota
no canto dos olhos]
8
. E Maria assim expõe: os tempos tinham mudado, os desejos eram
outros, as necessidades também. Com o tempo as reuniões foram diminuindo e diminuindo
até que um dia não tinha mais. Era estranho, mas as Filhas de Maria, enquanto um grupo,
não pertencia mais aquele tempo, mas a gente ainda existia e só sobraram
as lembranças...
9
.
O fim da Pia União, enquanto formalmente institucionalizada para a região estudada,
pode ser ligada ao novo momento que o catolicismo brasileiro a partir da década de 1950, e
nas décadas subseqüentes, iniciou dentro de sua história: o catolicismo começava a ter um
engajamento em questões sociais e políticas que teriam seu ápice na década de 1960 quando é
feita sua opção pelos pobres. Este engajamento acabou por levar o catolicismo a pender cada
vez mais para uma vertente pública da vida social do que para a interioridade da e da vida
5
MONTES, Maria Lúcia. Op.cit, p. 66.
6
FERENZINI, Valéria Leão. Aspectos culturais e religiosos dos imigrantes alemães e italianos no contexto da
romanização em Juiz de Fora. (1894-1920). In: MIRANDA, Beatriz V. Dias; PEREIRA, Mabel S. (org.)
Memórias Eclesiásticas: documentos comentados. Juiz de Fora: EDUFJF/CMIJF/ CEHILA- Brasil- Núcleo
Minas Gerais, 2000, p. 96.
7
Maria Pinto, auxiliar de serviços gerais, residente em Matias Barbosa.
8
Maria do Carmo Côrrea, aposentada, residente em Matias Barbosa.
9
N. G., aposentada, 80 anos, residente em Juiz de Fora.
95
privada. Assim, não havia mais espaço para a Pia União da forma como ela era. Em
localidades onde a associação conseguiu se adaptar aos novos tempos (Rio de Janeiro,
Pernambuco - especificamente a cidade de Goiana – para citar alguns exemplos) ela perdurou,
no entanto, em Juiz de Fora, Simão Pereira e Matias Barbosa a associação foi gradativamente,
desde a década de 1930, perdendo espaço, principalmente para a Ação Católica
10
.
A perda gradativa de espaço foi fruto da própria restauração católica que fez com
que os bispos, a partir da década de 1930, incentivassem outros movimentos femininos que
dessem às mulheres a possibilidade de colaborarem com o apostolado. Em Juiz de Fora, a
Ação Católica chegou à cidade, em junho de 1935, atraindo muitas jovens, inclusive as do
colégio Stella Matutina, principal formador de Filhas de Maria na cidade. A primeira
presidente da Juventude Feminina Católica em Juiz de Fora foi Maria Madalena Ribeiro de
Oliveira
11
. A Ação Católica Feminina não se restringia a afirmar as práticas devocionais e a
freqüência sacramental sem aprofundamento teológico, como era feito pela Pia União das
Filhas de Maria. A Ação Católica assumia uma formação religiosa mais intensa e esclarecida
e buscava tratar de questões sociais
12
.
Porém, ainda que a associação não mais recebesse membros e não mais tivesse suas
reuniões realizadas com tanta freqüência, a idéia de que uma Filha de Maria não podia jamais
ser igual às outras jovens permaneceu viva nas associadas. Estas até no último momento de
vida buscavam mediar os desígnios da Igreja para a sociedade
13
. Inferimos que os ideais da
romanização, embora elaborados pela Igreja e apresentados às Filhas de Maria, passaram pelo
filtro da mentalidade e da visão de mundo destas jovens.
Assim, podemos levantar duas proposições que não faziam parte do objetivo do clero
romanizado. Em primeiro lugar, mesmo a Pia União das Filhas de Maria tendo um caráter
normatizador, ela foi um espaço de conquista para o público feminino (participação de
quermesses, assistência aos doentes, incentivo a leitura) à medida que a associação permitia às
jovens se afastarem do culto restrito a esfera do lar e as possibilitavam organizar uma
associação de mulheres e para mulheres que as permitiam, ainda que sob a tutela do clero,
interagir com a sociedade.
10
Para a cada de 1950 podemos apontar uma retomada da preocupação com o comunismo expresso nos
ideários dos intelectuais através do marxismo e do socialismo. Os trabalhos da ação católica e de Dom Hélder
Câmara na discussão de questões relativas à Amazônia e ao Nordeste. a partir de 1960 temos o Concílio do
Vaticano II, as Conferências do Episcopado Latino-americano Medellín e Puebla,as Comunidades Eclesiais
de Base e a teoria da libertação só para citar alguns movimentos nesta mudança de orientação do catolicismo.
11
AZZI, Riolando. op.cit., p. 271.
12
Idem, p. 272.
13
LIVRO DE ATAS I da Pia União das Filhas de Maria da Catedral de Juiz de Fora – 1910/1922. JF: Centro da
Memória da Igreja de Juiz de Fora, p. 50.
96
Em segundo lugar a Pia União criou laços de solidariedades, ainda que frágeis, que
deram condições para que as associadas driblassem os anseios sociais e usassem os
mecanismos de controle e punição da associação a seu favor. Foi assim que entre as
representações desejadas para o feminino - as quais sempre insistiam na limitação dos direitos
civis, na negação de sua sexualidade, na abnegação absoluta na criação e educação dos filhos,
na submissão completa ao masculino (pai, irmãos, marido, padre), na manuteão da
harmonia familiar e no resgate do espaço de influência da religião católica na esfera pública -
que as mulheres associadas a Pia União moldaram suas identidades criando, a partir da
interação com estas representações a sua identidade.
Podemos dizer que as jovens associadas cooptaram para si o papel de agente do
processo de reforma da fé católica em Juiz de Fora resignificando, desta forma, os modelos de
comportamentos difundidos e reforçados pelo catolicismo de acordo com suas experiências.
Com isso criaram uma identidade que, longe de vitimizá-las, as apresentavam como
construtoras de um espaço de ação e influência dentro do discurso da Igreja Católica.
Sendo assim, não se pode dizer que a identidade de Filha de Maria enquanto grupo
foi homogênea já que mesmo com toda a rede de vigilância e disciplina ainda existiram vozes
dissonantes. Porém, podemos dizer que a identidade criada individualmente, seja em Juiz de
Fora, Matias Barbosa ou Simão Pereira faz com que estas senhoras ainda hoje se identifiquem
como
membros da Pia União das Filhas de Maria e tenham consciência que, assim sendo, têm
por dever serem diferentes e fazerem a diferença que possuem um compromisso selado
com o sagrado, com a Virgem Maria. Assim, Maria Pinto e Maria Correa justificam porque
serão para sempre Filhas de Maria, recorrendo ao seguinte hinário:
Oh! Prometi, sou Filha de Maria
Do meu Jesus por Mãe a recebi,
Ama-la-ei na dor e n’alegria,
É minha mãe, amá-la prometi
Oh! Prometi, fiel serei
Por toda vida a minha mãe querida
Oh! Prometi, fiel serei
Que ditosa alegria – Filha sou de Maria
14
.
Observando a música citada pelas entrevistadas podemos inferir que mesmo a
associação não existindo mais formalmente ela deixou raízes profundas em seus membros
uma vez que segundo Maria Correa durante o ritual de entrada na Pia União o voto que todas
14
Maria Pinto, auxiliar de serviços gerais, residente em Matias Barbosa e Maria do Carmo Côrrea, aposentada,
residente em Matias Barbosa (Para o hino na íntegra ver anexo 14).
97
as jovens faziam era com o sagrado, representado na figura da Virgem Maria e não com
instituições terrenas
15
. Por isso, o sentimento de pertença a algo maior perdura nestas senhoras
que se orgulham de terem sido um exemplo para a sociedade e sonham em um dia reerguer a
associação em suas cidades para retornarem a ocupar as posições de destaque e influência que
detinham e assim continuarem a espalhar a mensagem da Virgem.
15
Maria do Carmo Côrrea, aposentada, residente em Matias Barbosa.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
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ANEXOS
114
ANEXO 1
1
Igreja de Santa Inês ExtraMuros, 1911
1
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org /wiki/Santa_ Ines>. Acesso em: 15 mar. 2007).
115
ANEXO 2
2
Exemplo de texto de leitura fornecido as associadas a Pia União das Filhas de Maria
Santa Inês viveu no século III. Ela vinha de uma nobre família romana, a família
Cláudia. Desde pequena foi educada pelos pais na cristã. Assim, cresceu virtuosa e decidiu
consagrar sua pureza a Deus. No entanto, seus cabelos longos e vermelhos a tornavam
possuidora de uma sedutora beleza que despertava desejos nos jovens romanos que insistiam,
as vezes de forma aviolenta, em pediá-la em casamento. A todos Inês respondia que seu
coração já pertencia a um esposo invisível a olhos humanos. Desta maneira, a jovem resistia
às investidas de seus admiradores sempre orando a Jesus pedindo-lhe que a protegesse para
que ela pudesse cumprir a promessa de se manter casta.
Aos 13 anos foi desejada por Procópio filho de Semprônio (prefeito de Roma). Como
o rejeitou este a denunciou como cristã. A maneira por que o juiz a tratou para conseguir que
abandonasse a religião obedeceu ao programa costumeiro em tais ocasiões: elogios, desculpas,
galanteios e promessas. Experimentada a ineficácia destes recursos, entraram em cena,
imposições, ameaças, insultos, brutalidades. O juiz fez a Inês saborear todos os recursos da
força inquisitorial da justiça romana.
Sendo assim, prenderam-na e a torturaram para que ela passasse a cultuar os deuses
romanos. Inês não se perturbou. Mesmo quando lhe mostraram os instrumentos de tortura,
cujo simples aspecto era bastante para causar espanto ao homem mais forte. A jovem os olhou
com indiferença e desprezo. Arrastada com bruteza ao lugar onde se achavam imagens dos
deuses romanos foi intimada a queimar incenso. Neste momento a donzela levantou as os
puríssimas ao céu, para fazer o sinal da cruz.
Como mesmo diante de tais injúrias a jovem se recusava a obedecer, o juiz vendo
malogrados todos os esforços e tendo sua autoridade exposta ao ridículo condenadou Inês a
ser exposta nua em um prostíbulo no Circo de Domiciano (hoje praça Navona, onde se ergue
a Basílica de Santa Inês). Inês respondeu-lhe: “Jesus Cristo vela sobre a pureza de sua esposa
e não permitirá que lh’a roubem. Ele é meu defensor e abrigo. Podes derramar o meu sangue.
Nunca, porém, conseguirás profanar o meu corpo, que é consagrado a Jesus Cristo”.
2
Os textos foram retirados de documentações da associação pertencentes à Filha de Maria de Matias Barbosa
Ioneide Antônia Piffano. Para mais informações sobre a hagiografia de Santa Inês ver: Santa Inês. Disponível
em: <http://www. paginaoriente.com/santosdaigreja/jan/ines2101.htm> e <http://pt.wikipedia.org /wiki/Santa_
Ines>. Acesso em: 15 mar. 2007.
116
no prostíbulo, Inês foi protegida por um anjo que cegou com um forte clarão
o
homem que tentou violentar a jovem. Os companheiros, tomados por um grande pavor,
tiraram o corpo do infeliz e levaram-no para outro lugar. Compadecida de seu agressor Inês
rezou sobre ele e a cegueira desapareceu.
Este ato deixou mais enraivecido o juiz que a condenou a ser queimada a fogueira.
Segundo hagiografia desta Santa, quando a fogueira foi acessa as chamas o tocaram Inês e
acabaram se voltando contra seus algozes. Fracassado o uso da fogueira Inês foi colocada para
ser desmembrada por cavalos, como os seus punhos eram muito pequeninos e não havia
grilhões de ferros para ela. Tentaram amarrá-la com correntes, mas as correntes escorregaram
em seu corpo, e as que ficavam simplesmente arrebentavam. Finalmente, foi decapitada com
uma espada.
Por causa da influência de sua família seu corpo não foi atirado no rio (como era
costume). Seus pais sepultaram seu corpo num terreno próximo da Via Nomentana, onde a
princesa Constança, filha do imperador Constantino, mandou erguer a majestosa basílica de
Santa Inês Fora dos Muros. Oito dias depois de sua morte, Inês apareceu em grande glória aos
pais que rezavam em seu túmulo, segurando um cordeirinho branco e cercada de muitas
virgens e anjos anunciando-lhes sua grande felicidade no céu.
Santa Inês é padroeira das Filhas de Maria por causa da sua pureza Angélica. Como
Maria Santíssima é chamada hortus conclusus, horto fechado. Do nome Inês duas
interpretações, a grega e a latina. Inês em grego é Hagne, isto é, pura; em latim, agna
significa cordeirinho.
117
ANEXO 3
INDULGÊNCIAS PLENÁRIAS
3
1- No dia em que as associadas são recebidas na Pia União como aspirantes e admitidas
como Filhas de Maria, se verdadeiramente contritas se tiverem confessado e
comungado neste dia (Pio IX e Leão XIII).
2- Em artigo de morte, com tanto que verdadeiramente contritas, se tenham confessado e
comungado, ou, o podendo fazer, ao menos contritas invocarem, devotamente e do
coração, o Santíssimo nome de Jesus.
3- Nas festividades do Natal e Ascenção do Senhor, se tiverem cumprido as condições
mencionadas no número 1, visitarem a igreja ou a capela da Pia União, ou no caso de
não o poderem fazer pela distância, qualquer outra igreja ou capela pública e aí orarem
pela concórdia entre os príncipes cristãos, pela estirpação das heresias e cismas e pela
exaltação da Santa Igreja.
4- Nas duas festividades da Pia União, isto é, da Imaculada Conceição da Virgem Maria
e de Santa Inez, Virgem e Mártir.
5- Nas festas da Natividade, Anunciação, Purificação e Assunção de Nossa Senhora.
6- Na solenidade do Santo Rosário de Nossa Senhora.
7- Na solenidade de Todos os Santos.
8- Uma vez por mês, em dia à escolha, em que verdadeiramente arrependidas e
confessadas, fizerem a Sagrada Comunhão, e, visitando a igreja ou a capela da Pia
União, nela orarem pelas intenções acima indicadas (número 3), com tanto que não
faltem às reuniões que se fizerem durante o mês. (As associadas podem escolher o dia
da comunhão mensal).
9- Finalmente, se com devoção assistirem aos exercícios espirituais ou Retiro, que se
costumam fazer todos os anos na Pia União, ao menos mais de metade do tempo que
estes exercícios durarem, cumprindo as condições expostas nos números 1 a 3, isto é,
confessando-se, comungando, visitando a igreja ou capela da Pia União e não o
podendo fazer pela distância, outra igreja ou capela pública, e orarem segundo as
intenções da Santa Igreja.
3
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p. 10-12.
118
ANEXO 4
INDULGÊNCIAS PARCIAIS
4
As associadas receberão a indulgência de sete anos, a saber:
1- Na festa das Dores de Nossa Senhora (na sexta-feira da semana da paixão)
2- Na festa da visitação (2 de julho)
3- Na festa de Nossa Senhora do Carmo (16 de julho)
4- Na festa de Nossa senhora das Neves (5 de agosto)
5- Na festa do santo nome de Maria (domingo dentro da oitava da sua Natividade)
6- Na segunda festa das Dores (terceiro domingo de setembro)
7- Na festa de Nossa Senhora das Mercês (24 de setembro)
8- Na festa de apresentação de Nossa Senhora (21 de novembro)
As associadas receberão a indulgências de sessenta dias, a saber:
9- Se assistirem aos ofícios divinos, pregações, exortações e quaisquer devoções que se
fizerem nas reuniões semanais.
10- Se intervierem nas reuniões em que se trata da admissão de alguma candidata, ou da
eleição das associadas para algum cargo; ou de negócios da Pia União.
11- Se ouvirem missa nos dias semanais ou úteis.
12- Se visitarem o Santíssimo Sacramento e orarem à Santíssima Virgem e a Santa Inez,
ao menos na sua habitação, não podendo ir à Igreja.
13- Se recitarem cinco salmos em honra do nome de Maria, ou a Coroa da Imaculada
Conceição, ou três Ave-Marias e um Padre Nosso em honra de Santa Inez.
14- Se cantarem hinos em honra a Nossa Senhora, abstendo-se de cantos profanos.
15- Se forem diligentes em fazer todos os dias a meditação, a leitura espiritual e o exame
de consciência.
16- Se praticarem as virtudes cristãs principalmente a caridade, a pureza, a humildade e a
obediência.
17- Se desviarem o próximo do mal com salutares admoestações ou com orações.
18- Se consolarem os aflitos e procurarem reconciliar os inimigos.
19- Se, ao som do sino pela morte de alguma associada ou de qualquer fiel, rezarem por
sua alma.
4
Ibidem, p. 12-14.
119
20- Se acompanharem o enterro de alguma associada ou de qualquer outro fiel.
21- Se visitarem os enfermos ou encarcerados ou darem esmola aos pobres.
22- Se usarem de particular modéstia no trajar ou evitarem os bailes, teatros e outras
reuniões clamorosas e divertimentos perigosos.
23- Se beijarem devotamente a medalha da Pia União que trouxerem ao pescoço.
120
ANEXO 5
No Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora
5
encontramos em
1925, no auge da associação na cidade, a presença das Filhas das Maria distribuída da
seguinte maneira:
Filhas de Maria em Juiz de Fora - 1925
145
180
100
Passos Catedral Stella Matutina
Como se pode observar, o maior número de Filhas de Maria encontra-se na Catedral no
primeiro ano da elevação da cidade à Diocese. Este dado demonstra a atividade positiva
da Congregação do Verbo Divino no que se refere ao enquadramento dos fiéis nas novas
associações, no período que denominamos reformador.
5
LIVRO DE TOMBO da paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora 1900/1925. JF: Centro da Memória da
Igreja de Juiz de Fora, p. 83.
121
ANEXO 6
Palavras ditas pelo pároco responsável durante a entrega das fitas da
diretoria
6
:
À Presidente: recebei esta fita e esta medalha como distintivo do vosso cargo de presidente
desta Pia União de Filhas de Maria; lembrai-vos, ao olhar para ele, que sendo a primeira em
dignidade, deveis também ser a primeira em fervor e piedade, em amor à Congregação,
edificando as vossas companheiras, cumprindo pontualmente os vossos deveres e o
regulamento da Congregação, zelando os seus interesses espirituais e temporais, e dando o
melhor exemplo em tudo.
À vice-presidente: recebei esta fita e esta medalha como distintivo do vosso cargo de vice-
presidente desta Pia União de Filhas de Maria; lembrai-vos, ao olhar para ele, que, igualmente
como a presidente, deveis salientar-vos na Congregação por vossa piedade e fervor, pelo amor
e dedicação à Pia União e pela rigorosa e pontual observância ao seu regulamento, edificando
a todas as vossas companheiras.
Às Assistentes: recebei esta fita e esta medalha como distintivo do vosso cargo de assistente
desta Pia União das Filhas de Maria; lembrai-vos ao olhar para ele, que tendo de substituir a
presidente e a vice-presidente, nos seus impedimentos, tendes igualmente obrigação de, como
elas, serdes as primeiras a dar bom exemplo na Congregação, zelando o seu bom nome e os
seus interesses materiais e espirituais.
À Mestra das Aspirantes: recebei esta fita e esta medalha como sinal do vosso cargo de
mestra das Aspirantes desta Pia União de Filhas de Maria; sede cuidadosa no cumprimento
dos vossos deveres e lembrai-vos do cuidado especial que deveis ter com as Aspirantes a
Filhas de Maria. Da devoção e piedade que elas ganharem no seu tirocínio como Aspirante a
Filhas de Maria, dependerá o aumento espiritual desta Pia União.
Às Consultoras: recebei esta fita e esta medalha como sinal do vosso cargo de consultora
desta Pia União de Filhas de Maria; sede cuidadosa no cumprimento dos vossos deveres,
dando em tudo bom exemplo, cumprindo exatamente o regulamento da Congregação para
aumento da piedade e fervor desta Pia União.
À Secretária: recebei esta fita e esta medalha como sinal do vosso cargo de secretária desta
Pia união de Filhas de Maria; sede cuidadosa no cumprimento dos vossos deveres para o
aumento temporal espiritual desta Congregação.
6
MANUAL da Pia União... op. cit., p.107-109.
122
À Tesoureira: recebei esta fita e esta medalha como sinal do vosso cargo de tesoureira desta
Pia União de Filhas de Maria; sede cuidadosa no cumprimento de vossos deveres e zelando os
interesses materiais desta Congregação, nunca descureis os espirituais.
123
ANEXO 7
Palavras proferidas durante ritual de admissão de aspirantes
7
:
PADRE. Jovem Cristã o que desejais?
ASSOCIADA. Desejo ser admitida como aspirante a Pia União das Filhas de Maria.
P. Conheceis o estatuto e o regulamento desta Pia União e estais disposta a observá-los para
depois merecerdes ser admitida no número de Filhas de Maria?
A. Sim, conheço-os e espero com a graça de Deus e intercessão de Maria Santíssima
Imaculada e da nossa protetora Santa Inês, observá-los com exatidão.
P. Deus abençoe as vossas justas intenções. Dedicai-vos, pois, desde ao serviço da vossa
carinhosa Mãe, fazendo-lhe do coração o vosso ato de consagrão.
Em seguida, a aspirante fazia o ato de consagração à Maria:
Eis-me prostrada aos vossos pés, ó Maria Imaculada, para vos agradecer o benefício de ser
recebida no número das Aspirantes a Pia União das vossas Filhas, e para vos expor o grande
desejo que sinto em meu coração de ser um dia admitida entre elas as vossas Filhas prediletas.
Para merecer tão insigne favor, eu tomo na vossa presença, ó terníssima Mãe a firme
resolução de envidar todos os meios para chegar a ser, pela minha devoção, caridade e
obediência, a edificação das minhas companheira e para alcançar as virtudes que das vossas
Filhas exigis. Mas, ó Maria, vós conheceis a minha volubilidade e inconstância; vinde, pois,
em meu auxílio, ó minha poderosa advogada, e obtendo-me do Vosso Divino Filho a
perseverança nas boas resoluções e a graça de vos ser fiel por toda a minha vida, para assim
merecer a graça de ser vossa digna Filha, aqui sobre a terra e lá no céu. Assim seja.
7
MANUAL da Pia União... op.cit., p.67-68.
124
ANEXO 8
Palavras proferidas durante ritual de admissão das Filhas de Maria
8
PADRE. Jovem cristã, que motivo vos traz aos pés do altar de Maria Imaculada?
ASSOCIADA. O ardentíssimo desejo de ser admitida no número das Filhas de Maria.
P. Prometeis observar fielmente os estatutos e regulamento das Filhas da Virgem Imaculada e
todas as práticas devotas da nossa Pia União?
A. Sim. Prometo com a graça de Deus e a proteção de Maria Santíssima e da Virgem Santa
Inês ser fiel na sua observância durante todo o tempo da minha vida.
P. Prometeis além disso esforçar-vos por adquirir as virtudes em que se devem assinalar as
Filhas de Maria, especialmente a pureza, a humildade, a obediência e a castidade?
A. Sim. Prometo aplicar todas as forças em praticar estas virtudes, à imitação da nossa Mãe
Santíssima e Imaculada.
P. Estais disposta a fazer vosso o ato de consagração a Maria?
A. Sim, pois que durante todo o tempo da minha provação foi este sempre o meu único desejo.
P. Pois bem, visto os fervorosos desejos e as boas disposições que mostrais, nós vos
admitimos com prazer no número das Filhas de Maria. E para que sejam mais sagradas e
solenes as vossas promessas, fazei na presença das vossas irmãs espirituais o ato de
consagração à Virgem Imaculada.
Ato de consagração a Maria dito pela jovem que receberia a fita de Filha de Maria
Ó Maria concebida sem pecado, eu querendo hoje colocar-me sob vossa especial proteção,
vos elejo por minha protetora e advogada, por minha Mãe e Senhora. Prostrada aos vossos pés
prometo firmemente empregar todos os esforços em promover a vossa glória e propagar o
vosso culto. De hoje em diante quero fazer profissão de ser toda vossa, de seguir vossas
pisadas e de imitar as vossas virtudes, especialmente a vossa angélica pureza virginal, a vossa
profundíssima humildade, a vossa perfeitíssima obediência e a vossa incomparável caridade.
Isto prometo solenemente junto ao vosso altar em presença de toda a corte celeste. Obtende-
me, ó terna Mãe, a graça de ser fiel a esta promessa durante toda a minha vida, para merecer a
graça especial de ser vossa Filha, por toda a eternidade. Assim seja.
8
MANUAL da Pia União... op.cit., p.70-71.
125
ANEXO 9
Edição do Manual de 1926 Diploma encontrado no Manual
126
ANEXO 10
Imagem cedida por Maria Pinto Filha de Maria de Matias Barbosa
127
ANEXO 11
9
Medalha da Pia União. Modelo presente no Manual da Associação
.
Modelo das medalhas de aspirante e Filhas de Maria
10
9
MANUAL da Pia União... op.cit., p. 38.
10
Imagem encontrada nos materiais da associação pertencentes à Ioneide Antônia Piffano, Filha de Maria de
Matias Barbosa.
128
ANEXO 12
Ato de Renovação da Consagração à Maria
11
Ó Maria Imaculada, nossa poderosíssima Advogada e terníssima Mãe, nós vimos ao
do vosso altar para renovarmos, toda juntas, o ato com que nos consagramos ao vosso
serviço, no momento da nossa entrada na vossa família. Aceitai, ó Maria, esta nova
consagração de todo o nosso ser. Para vós são todos os nossos pensamentos e afetos, para vós
todo o nosso amor e toda a nossa vida.
Queremos que mais uma vez, ajoelhadas, aos vossos pés, atestar-vos a gratidão de
que se acham possuídos os nossos corações pelo insigne favor de nos terdes recebido no
número de vossas Filhas e por todas as graças durante este mês tendes concedido a cada uma
de nós, e a toda Pia União. Completai, ó Mãe misericordiosíssima, completai a obra por vós
tão bem começada e obtende-nos do vosso divino Filho Jesus a graça de correspondermos
fielmente a tanto amor e a tantos benefícios.
Perdoai-nos as culpas e as negligências que em tão grande número temos cometido
contra Vós, e apesar da nossa indignidade, continuais a derramar sobre nós as vossas bênçãos
maternais.
Rejeitareis Vós a nossa oferta e as nossas súplicas? É verdade que tem sido grande a
nossa ingratidão; mas, porventura, mãe alguma rejeitou já uma filha que, arrependida, se lança
em seus braços?
Ah! Se somos indignas dos vossos favores, lembrai-vos, ó Doce Maria, que sois a
Virgem clementíssima, o Refúgio dos pecadores, a Mãe da misericórdia, a nossa terna Mãe! E
nós estamos agora aqui prostradas aos vossos pés, nós, a vossa porção e herança, para
fazermos uma doce violência ao vosso coração materno!
Ó Maria, puríssima entre as virgens, ouvi agora e sempre as vossas Filhas, e das
alturas do vosso glorioso trono, velai com ternura materna sobre nós e protegei-nos de todos
os nossos inimigos. Ao vosso coração imaculado confiamos as nossas consolações e as nossas
penas, os nossos temores e as nossas esperanças; sede a nossa paz nas tempestades da vida, o
nosso escudo nos combates e o nosso refúgio em todas as nossas necessidades. Ah! Sede em
tudo e sempre nossa Mãe, sede-nos propícia no decurso da nossa vida, mas principalmente
não nos abandoneis na hora de nossa morte, para que, depois de vos havermos honrado e
servido fielmente na terra, tenhamos a felicidade de nos acharmos todas unidas a Vós, e de
gozar convosco a terna felicidade. Assim seja.
11
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p. 82.
129
ANEXO 13
Antífona
12
A vossa proteção recorremos, ó Santa Mãe de Deus, não desprezeis as nossas
súplicas em nossas tribulações, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa
e bendita. Assim seja.
Fazei-nos dignas de vos louvar, ó Virgem sagrada.
Protegei-nos e dai-nos força contra os vossos inimigos.
Lembrai-vos da vossa Congregação.
Que desde o princípio vos pertenceu.
Oremos pelos nossos benfeitores.
Concedei, Senhor, por vossa misericórdia, a vida eterna aos que nos fazem bem por
amor de vós. Assim seja.
Oremos pelas nossas irmãs ausentes.
Protegei, Senhor as vossas servas que em vós põem toda a sua esperança.
Senhor, escutai a nossa oração.
E chegue até vós meu clamor.
Nós vos suplicamos, Senhor, que pela intercessão da Bem-aventurada sempre
Virgem Maria nos livreis de toda a adversidade; e por vossa infinita bondade ponde-nos ao
abrigo das cilada dos nossos inimigos.
Ó Deus onipotente e eterno, que escolheis o que é fraco para confundir os fortes,
concedei propício, que, pela intercessão da Vossa Virgem e Mártir Santa Inês,
experimentemos os efeitos do seu poderoso patrocínio em nosso favor, por Nosso Senhor
Jesus Cristo, que convosco e o Espírito Santo vive e reina por todos os séculos dos séculos.
Assim seja.
12
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p. 84-86.
130
ANEXO 14
13
Salmo 129
Dos abismos em que estou clamei a vós, Senhor.
Senhor, escutai a minha voz.
Prestai ouvidos atentos á voz da minha oração.
Se examinardes as nossas iniqüidades, Senhor.
Senhor, quem poderá subsistir diante de Vós?
Mas em Vós se acha a misericórdia e por amor da vossa lei, esperei em Vós, Senhor.
A minha alma esperou em sua palavra,
A minha alma esperou no Senhor.
Desde a primeira luz do dia até a noite.
A minha alma esperou o Senhor.
Porque no Senhor está à misericórdia e nele é copiosa a redenção.
E ele mesmo há de redimir Israel de todas as suas iniqüidades.
Após lerem o salmo era feito a seguinte exortação:
O descanso eterno lhes daí, Senhor. E a luz do perpétuo resplendor. Das portas do
inferno. Desviai, Senhor as suas almas. Que elas descansem em paz. Assim seja. Senhor,
escutai a voz de minha oração. E chegue até vós o meu clamor.
13
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.88-89.
Em Bíblias de publicação mais recente este Salmo aparece como 130. No entanto, no Manual da Pia União das
Filhas de Maria ele vem indicado como 129. Optei por adotar a identificação do Manual uma vez que na
Bíblia Sagrada – Edição pastoral - publicada pela editora Paulus em 1990, aparece uma referência a este salmo
como já tendo tido a nomenclatura constante no Manual.
131
ANEXO 15
Ato de Protesto de Fidelidade ao Serviço de Jesus e Maria
14
Ó Maria, minha terníssima mãe, é chegado o momento, para mim tão doloroso, em
que devo ausentar-me desta Pia União e da companhia destas vossas queridas filhas. que o
dever e a necessidade me obrigam a esta separação, eu me resigno com a vontade do vosso
queridíssimo Filho. Dignai-vos, porém, eu vo-lo peço, ó Virgem poderosíssima, assistir-me
em todos os perigos e guardar-me dos laços que os meus inimigos não cessam de armar à
minha inexperiência. Até hoje, tendes vós velado pela minha alma; bem sei e o confesso; mas
agora, ó Mãe amorosa, eu tenho necessidade de uma proteção especialíssima. Ah! Fazei, eu
vo-lo rogo, fazei que eu me porte sempre como vossa verdadeira Filha.
Sim, ó Virgem puríssima e imaculada, eu prometo ser fiel ao vosso serviço e fugir
das máximas e afetos mundanos. Porei sempre a minha felicidade e aminha glória em vos
servir e amar e em excitar o próximo ao vosso amor. Virei, as mais vezes que puder, junto ao
vosso altar, pedir a força de que tiver necessidade para me conservar constante na prática da
virtude. Eis, ó querida Mãe, as minhas resoluções. Dignai-vos apresentá-las, vós mesma, ao
Vosso Divino Filho, nosso Salvador. Digne-se a Santíssima Trindade abençoar-me, também.
Abençoai-me também, Vós, ó Virgem Santíssima, e comigo todas aquelas que aqui se acham
reunidas em vosso nome, obtende-nos a graça de nos encontrarmos um dia unidas convosco
no Paraíso para cantarmos os vossos louvores por toda a eternidade. Assim seja.
14
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p. 101-102.
132
ANEXO 16
Memorare de São Bernardo
15
Lembrai-vos, ó Puríssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que alguns
daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorando a vossa assistência e reclamado o
vosso socorro, fosse por vós, desamparado. Animadas, nó, pois, com igual confiança, a Vós
Virgem entre todas singular como Mãe recorremos, de Vós nos valemos e, gemendo sob o
peso dos nossos pecados, nos prostramos a vossos s. Não desprezeis as nossas súplicas, ó
Mãe do Filho de Deus humanado, mas dignai-vos de as ouvir propícia e alcançar o que vos
rogamos. Assim seja.
Oração a Santa Inês
16
E vós Santa Inês, que sois a nossa protetora especial, protegei esta nossa irmã,
assisti-lhe em toda as suas necessidades, infundi-lhe parte daquela fortaleza e coragem com
que soubeste desprezar as seduções e as perseguições dos ímpios, fazei que conservando-se
fiel ao Senhor aqui na terra, possa um dia alcançar o prêmio das suas virtudes no Céu. Assim
seja.
15
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p. 102.
16
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p. 102-103.
133
ANEXO 17
Oração em Oferecimento às obras do dia
Deus Padre, Deus Filho, Deus Espírito Santo eu vos ofereço todos os meus pensamentos,
palavras, obras e ações desse dia; tudo quanto eu fizer e padecer, seja tudo ó meu Deus, em
desconto dos meus pecados e pelas almas do Purgatório. Ofereço-vos, ó Meu Deus, em união
com o Santíssimo coração de Jesus, por meio do coração Imaculado de Maria, as orações,
obras e sofrimento deste dia, em reparação de todas as ofensas, e por todas as intenções pelas
quais o mesmo Divino Coração está continuamente intercedendo e sacrificando-se nos nossos
altares. Eu vo-las ofereço dum modo particular pelas intenções recomendadas aos associados
do Apostolado da Oração, neste mês e neste dia
17
.
17
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.126.
134
ANEXO 18
18
Oração de oferecimento do coração da associada à Maria
Ó Virgem Maria, Mãe de Deus e minha Mãe, eu vos ofereço o meu coração; aceitai-
o, vos peço, fazei-me digna de ser do número de vossas Filhas prediletas, obediente, humilde,
casta, modesta e laboriosa, para que um dia possa estar convosco no paraíso. Assim seja.
Invocação ao Anjo da Guarda
Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina
sempre me rege, me guarda, governa e ilumina.
Ato de
Creio firmemente, porque Deus, infalível Verdade, assim o revelou à Santa Igreja
Católica, e por meio dela o revela a nós, que há um só Deus, em três pessoas Divinas, iguais e
distintas que se chamam Padre, Filho e Espírito Santo; que o Filho se fez homem, tomando
por obra do Espírito Santo, carne e alma humana no seio da puríssima Virgem Maria, e que
morreu por nós na cruz, ressuscitou, subiu ao Céu, e de lá há de vir no fim do mundo julgar os
vivos e os mortos, para dar eternamente aos bons o Paraíso e aos maus o inferno. Pelo mesmo
motivo, creio tudo o que crê e ensina a mesma Santa Igreja.
Ato de Esperança
Meu Deus, porque sois onipotente, e infinitamente bom e misericordiosos, eu espero
que pelos merecimentos da Paixão e Morte de Jesus Cristo, Nosso Salvador, me dareis a vida
eterna, a qual Vós fidelíssimo prometestes a quem fizer obras de bom cristão como proponho
fazer com o vosso santo auxílio.
Ato de Caridade
Meu Deus, porque sois o sumo Bem, eu vos amo de todo o meu coração e sobre
todas as coisas e prefiro perder tudo a ofender-vos e por vosso amor, amo também e quero
amar o meu próximo, como a mim mesmo.
18
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.126-129.
135
Ato de atrição
Ó Jesus, meu Senhor e meu Deus! Vós tendes sido bom para comigo. Desceste do Paraíso,
passastes uma vida sempre pobre e sempre aflita, morrestes numa cruz por meu amor! E eu?
Eu tenho correspondido a tanto amor com tamanha ingratidão, amargurando o vosso
dulcíssimo coração, e renovando todas as dores da vossa dolorosa Paixão e morte! Ah,
perdoai-me pelos méritos do vosso Sangue precioso! Eu me arrependo, de toda a minha alma,
de vos ter ofendido, a Vós que sois tão amável e tão amante! Prometo, com vossa graça,
nunca mais tornar a ofender-vos, e evitar as ocasiões e perigos do pecado.
Meu Deus, pesa-me e arrependo-me de todo o meu coração de vos ter ofendido. Pesa-me pelo
inferno que mereci e pelo Paraíso que perdi; mas pesa-me ainda mais porque pecando ofendi
um Deus tão bom, tão grande como Vós sois. Antes tivesse morrido do que vos tivesse
ofendido, proponho firmemente não tornar a pecar para o futuro e evitar as ocasiões próximas
ao pecado.
Ato de Contrição
Senhor meu Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro, Criador, Redentor e Salvador meu, por
serdes Vós quem sois, sumamente bom, digno de ser amado sobre todas as coisas, e porque
vos amo e estimo, me pesa Senhor, de todo o meu coração de vos ter ofendido e agravado;
mas proponho firmemente, ajudado com os auxílios da vossa divina graça, emendar-me e
nunca mais vos tornar a ofender, e espero alcançar o perdão de minhas culpas pela vossa
infinita misericórdia. Assim seja.
136
ANEXO 19
19
Oração de São José, Santa Inês e de Alguma Santa Homônima
Ó glorioso São José, Pai protetor das virgens, guarda fiel a quem Deus confiou Jesus, a
própria inocência, e Maria, a Virgem das Virgens, eu vos peço e suplico por Jesus e Maria,
por este duplo tesouro que tão querido vos foi, fazei que preservada de toda a mancha, pura do
coração e casta de corpo, eu sirva constantemente a Jesus e Maria na mais perfeita castidade.
Assim seja.
Ó gloriosa Santa Inês, minha especial protetora, protegei-me e assisti-me em todas as minhas
necessidades, infundi-me a aparte daquela fortaleza e coragem com que soubestes desprezar
as seduções e as perseguições dos ímpios, e fazei que, conservando-me fiel ao Senhor aqui na
terra, possa um dia alcançar no Céu o prêmio das boas obras que praticar.
Gloriosa Santa (NOME DA SANTA), de quem me glorio de ter o nome, protegei-me, pois o
Céu me concede em vós uma especial protetora. Rogai por mim para que possa servir a Deus
como vós o servistes na terra e glorificá-lo convosco na bemaventurança.
19
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.131.
137
ANEXO 20
20
Oração Para conhecer a vocação no mundo
Ó meu Deus, Deus de sabedoria e de conselhos que vedes em meu coração a vontade de
agradar só a Vós, e de seguir, na escolha de um estado, vossos justos desígnios a meu respeito,
concedei-me por intercessão de Santíssima Virgem Maria, minha mãe, e de meus santos
protetores, especialmente São José e São Luiz Gonzaga, a graça de conhecer o estado que
devo abraçar e de o seguir depois de o ter conhecido, afim de que eu possa nessa situação
procurar a vossa glória, conseguir a minha salvação e merecer a recompensa que prometeste
àqueles que cumprirem a vossa vontade. Assim seja.
Oração com intenções variadas
Meu bom Deus e Senhor! Peço-vos por todas as necessidades da Santa Igreja e pela
restauração do poder temporal do Sumo Pontífice; recomendo-vos todos os meus inimigos; os
pecadores, principalmente os da minha freguesia e dum modo especial os da minha idade e de
meu sexo, os hereges e os infiéis; peço-vos por meus pais, irmãos, parentes, amigos e
benfeitores; pelos agonizantes e pelas almas santas do purgatório; recomendo-vos o Sumo
Pontífice, todos os bispos da cristandade, e em especial o desta diocese, o diretor desta Pia
União, o meu confessor, o meu pároco, todos os sacerdotes e dum modo especial os que
tomam a peito promover o culto de vossa Mãe Santíssima.
Fazei, Senhor, que todos os sacerdotes sejam a luz do mundo e o sol da terra; que todos sejam
exemplaríssimos no cumprimento de seus deveres religiosos e sociais, e nos guiem para o Céu
com a sua palavra e bons exemplos. Ao diretor desta Pia União, dai-lhe Senhor, as luzes
necessárias para o bem dirigir esta pia União, para se defrontar com todos os inimigos desta
associação.
Protegei e santificai a família real portuguesa exilada e fazei raiar para a nossa Pátria, novos
dias de felicidade, que a tornem o Portugal doutora: católico na sua fé e rico nas suas finanças.
Peço-vos por todas as associadas desta Pia União, e de todas as outras Pias Uniões agregadas
à Primária; ajudai-a em todas as suas empresas, assisti-lhes nos seus perigos e fazei que todas
façam, em tudo e em toda parte, somente a vossa divina vontade para terem como prêmio a
glória eterna. Assim seja.
20
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p. 132-135.
138
ANEXO 21
Preparação para o exame de consciência
21
Meu Deus e meu criador, eu vos adoro profundamente e vos dou graças pelos inúmeros
benefícios que me tendes concedido, especialmente neste dia. Maria Santíssima, e vós, minha
querida protetora, Santa Inês, Anjo da minha guarda, Santo do meu nome e todos os santos do
céu, louvai, bendizei e glorificai por mim o Supremo Doador de todos os bens. Espírito Santo,
iluminai meu entendimento e fortificai a minha vontade para que eu conheça e deteste as
culpas que cometi durante este dia afim de emendar-me.
Oração de arrependimento e breve reflexão sobre a brevidade da vida
22
Senhor, pesa-me muito de vos ter ofendido, pois sois meu verdadeiro Deus, que me criastes à
vossa imagem e semelhança; sois meu Redentor, e com o vosso precioso sangue e com tantas
dores e angústias mês remistes; peço-vos, Senhor, por vossa sagrada Morte e Paixão, que me
queiras perdoar, e proponho firmemente com a vossa graça nunca mais vos ofender, e apartar-
me de todas as ocasiões que me fizeram cair em pecado. Assim seja.
Talvez eu morra esta noite... Que me assegura o contrário? Quantos e quantos que morreram
improvisadamente em pecado, e do leito se precipitaram no inferno? Quem sabe se será esta
para mim a última noite da minha vida? O que seria de ti, ó alma minha, se tal sucedesse? Em
que estado te achas?
21
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.137.
22
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.138.
139
ANEXO 22
23
ORAÇÃO PELOS AGONIZANTES
Ó Clementíssimo Jesus, tão amante das almas, eu vos suplico, pela agonia do vosso
sacratíssimo coração, e pelas dores da vossa Mãe Imaculada, que purifiqueis no vosso sangue
todos os pecadores, que estão em agonia e que neste momento hão de morrer. Coração
agonizante de Jesus, tende piedade dos moribundos.
ORAÇÃO PELOS VIVOS E DEFUNTOS
Derramai, Senhor, as vossas bênçãos sobre o Sumo Pontífice, os Bispos e sacerdotes da
cristandade, o meu prelado, o diretor desta Congregação, o meu confessor, o meu pároco;
sobre meus pais, parentes, amigos e inimigos, e minhas companheiras da Pia União, e por
todas as associadas de todas as Pias Uniões agregadas à Primária de Santa Inês e por todos os
seus diretores.
Socorrei os pobres, aflitos e cativos, os viajantes e os enfermos. Convertei os hereges,
esclarecei os infiéis e tocai o coração dos pecadores.
Deus de bondade e de misericórdia, tende piedade das almas dos fiéis, que estão no purgatório!
Ponde fim às suas penas e dai-lhes o repouso e a luz eterna, sobretudo aquelas por quem sou
obrigada a pedir.
23
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.139.
140
ANEXO 23
Oração para antes da confissão
24
Supremo Senhor do céu e da terra, não rejeiteis da vossa presença esta pobre filha, que a vós
se apresenta, e profundamente vos adora. É uma pecadora, Senhor, mas que deseja
reconciliar-se convosco. Sim, eu quero lavar a minha alma nas águas salutares da penitência;
peço-vos, pois, que me auxilies com a vossa graça de modo que alcance todos os preciosos
efeitos pelos quais instituístes os vossos sacramentos. Ah! Senhor, Vós, que sois o pai das
luzes, fazei-me conhecer todos os meus pecados e a sua enormidade, para que os confesse
todos com sinceridade e os deteste fortemente. Excitai no coração desta pobre filha uma viva
dor de os ter cometido e a resolução de os não cometer mais, e ao mesmo tempo o espírito de
penitência. Vós, que ordenastes a Moisés que ferisse a rocha do deserto e a mudastes em uma
fonte de águas vivas, fazei que, ao toque de vossa graça, brotem deste meu duro coração
lágrimas de compunção; mas para que essas grimas sejam um banho salutar que restitua a
vida à minha alma, uni-as com as lágrimas e com o sangue que Jesus Cristo, vosso Filho, por
mim derramou; e acendei em meu coração o fogo do vosso amor. Virgem Santíssima, refúgio
dos pecadores, anjo da minha guarda, minha amável Santa Inês, a vós recomendo esta súplica:
recebei-a e apresentai-a perante o trono de Deus, e por vossa intercessão, obtende-me este
favor.
24
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p355-356.
141
ANEXO 24
Ato de firme propósito de emenda
25
está feita a resolução, ó meu Deus, de nunca mais vos ofender. O último pecado que tive a
desgraça de cometer será verdadeiramente o último da minha vida. Desde este momento,
começo a amar-vos sinceramente, e vós sereis o único objeto de todos os meus afetos. Estou
pronta para tudo sofrer e tudo perder, antes do que consentir outra vez que o pecado entre em
meu coração e o despoje da vossa graça. E tudo isso, ó Senhor, não somente, para o me
expor aos golpes da vossa justiça, mas ainda para não abusar da vossa misericórdia, não tanto
para poupar à minha alma a ruína eterna, como, principalmente, para não ofender mais ao
meu sumo Bem. Aceitai, Senhor, estas resoluções e tornai-as eficazes com o auxílio de vossa
divina graça. Ó Maria, minha boa Mãe e refúgio dos pecadores, a vós me socorro, para que,
por vossa intercessão, possa fazer uma boa confissão. Anjo da minha guarda, minha amável
Santa Inês, ajudai-me e rogai por mim: e vós todos meus advogados, santos e santas da corte
do u, impetrai-me o perdão dos meus pecados, afim de que possa fazer esta confissão tão
inteira e perfeita, como se fosse a última da minha vida.
25
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.356-359.
142
ANEXO 25
Oração após sair do confessionário
26
Amabilíssimo Salvador, Pai das misericórdias e Deus de toda a compaixão! OH! Como se
expande a minha alma em vossa presença! Como estou satisfeita de ter aceitado o vosso
amoroso chamamento e descoberto as minhas chagas espirituais ao vosso ministro no
sacramento da penitência! Quão doces e salutares me desceram até o coração aquelas solenes
e divinas palavras: eu te absolvo dos teus pecados; vai em paz e não queiras mais pecar! Ó
minha alma bendiz ao senhor, que te perdoou todos os teus pecados. Não pecarei mais Senhor
e meu Deus. Vós acabais de curar as enfermidades da minha alma; remiste-a da morte e me
restituíste acalma do espírito, a paz do coração. Como pois não hei de exaltar a vossa infinita
bondade? Como não hei de amar-vos com os mais vivos sentimentos de gratidão e de
adoração? Ah! Sim, ó meu Jesus, vós sereis agora o objeto dos meus pensamentos e afetos,
das minhas palavras e ações. Eis-me aos vossos s qual outra Madalena penitente, beijando-
os e lavando-os com minhas lágrimas, crucificada à carne, ao mundo e ao demônio para viver
ocupada, somente para vós. Quem podeseparar-me de vós? Quem poderá esfriar o amor
que vos prometi? Quero ser toda vossa, ó meu Deus; por amor a vós, odiarei o pecado e
fugirei dele, como de uma serpente venenosa, esquivar-me-ei de todas as ocasiões perigosas,
abster-me-ei até da aparência do mal. Ah! Sim, tudo isto farei com vossa divina graça. E
porque não farei eu o que puderam fazer tantas das vossas filhas? Virgem Santíssima, minha
Mãe amorosíssima, bendizei e rendei ações de graças a Deus por mim. Vós que sois o refúgio
dos pecadores, impetrai-me a graça de emendar-me e de preservar neste santo propósito.
Santa Inês, intercedei por mim.
26
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.359-360.
143
ANEXO 26
Oração de preparação para a morte
27
Hei-de morrer! Ai! Um dia com certeza hei de deixar tudo, pai, irmãos, parentes,
amigos, prazeres, bens! Tudo hei-de deixar, e talvez mais cedo do que penso! E para sempre
quatro taboas, umsudário e alguns palmos de terra, eis qual será toda a minha riqueza. O meu
corpo, que hoje com tanto cuidado e vaidade cuido em adornar se pasto dos vermes
voltará a terra donde foi tirado. Será sepultado num esquecimento eterno, poucos dias depois
nem se lembrarão mais se eu existi, eis qual será a sorte reservada a este montão de carne, a
qual tenho prestado uma certa idolatria. Que loucura o tem sido a minha! E a minha alma,
isto é, eu mesma, quando se separar do corpo comparecerá diante do juiz supremo para dar-
lhe conta de toda a minha vida, de todos os meus atos, de todos os exercícios de piedade, de
todas as graças que ele me tem concedido, de todo o bem e mal que tenho praticado; de todos
os meus pensamentos, afetos, palavras e obras! E aquele juiz é inflexível; nem a beleza, nem a
nobreza, nem as riquezas são capazes de abalá-lo. Depois ele lavrará a minha sentea, que
decidirá da minha sorte eterna. Oh! Meu Deus, como posso crer todas estas verdades e viver
na indiferença?!
E quando hei-de morrer? Não sei, morre-se em todas as idades?! Jesus virá como
quem assalta uma casa para roubar ele mesmo o disse, isto, é, quando menos eu esperar;
talvez quando estiver menos preparada. Será amanhã? Daqui a poucos dias? Ou daqui alguns
poucos minutos? E, se assim for, estou preparada para isso? Poderia morrer tranqüilamente
agora? Ah! Louca que tenho sido! Eu, que jamais desejaria que a morte me apanhasse no
estado em que me acho, e entretanto com ela sempre ao meu lado esperando soa ordem do
Criador! Meu Deus! Quão falta estou de méritos para poder comparecer na vossa presença
quando vos aprouver chamar-me! Quão rica poderia estar com as comunhões e orações que
tenho feito, e entretanto com as mãos vazias! Ah! Senhor, tende piedade de mim; daí-me
ainda algum tempo para fazer penitência para servir-vos, e assim merecer a minha salvação.
E como hei-de morrer? Subitamente sem poder me preparar? Ou de uma
enfermidade lenta que me tempo para fazer uma boa confissão e receber todos os
sacramentos? Não sei e ninguém é capaz de me dizer. Do resto, pouco me importa sabê-lo,
porquanto sem um milagre, a morte não é senão um eco da vida. Para ter uma boa morte, é
necessário ter vivido santamente, isto sim, é que importa refletir e meditar! O meu Deus,
27
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.400-402.
144
transpassai-me o coração com o vosso santo temor. Fazei-me viver de modo que eu possa
morrer da morte dos justos: eu vo-lo suplico pelos méritos do sangue de Jesus Cristo.
Ato de resignação à morte
28
Meu Senhor e meu Deus, soberano dispensador da vida e da morte, que em castigo do pecado
condenastes todos os homens a morrer, eis-me prostrada diante de vós para submeter-me
voluntariamente a esta lei e adorar a vossa infinita justiça. Com os pecados sem números que
tenho cometido, mil vezes tenho merecido esta condenação: aceito-a portanto da vossa
paternal mão, como uma justa punição dos meus delitos. Sim, meu Deus, seja feita em mim a
vossa vontade, que estou pronta para a ela me submeter. Aceito, pois a morte, porque vós o
ordenais; aceito-a no tempo e lugar, e do modo que for de vosso agrado. Mas, ó Pai
amorosíssimo, tende compaixão da alma desta vossa miserável filha. Fazei que eu morra da
morte dos vossos eleitos; que eu expire pronunciando e invocando os dulcíssimos nomes de
Jesus, de Maria e de José. D’ora em diante faço firme propósito de consagrar toda a minha
vida em merecer de vós esta graça. Assim seja.
28
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p.402.
145
ANEXO 27
Canções citadas pelas associadas como as mais executadas pela Pia União das Filhas de
Maria
29
1- Consagração a Maria Santíssima
A Maria ofereço louvores
Qu’é Mãe minha, Mãe do nosso Deus;
Emprestai-m’Anjo vossos ardores,
Vós da Terra e do Céu servos seus.
Coro
De respeito e d’amor penetrada,
Vos consagro, ó Mãe, meu coração,
ser-vos-ei dócil e dedicada,
Ter-vos-ei filial afeição.
A seguir sempre vossas pisadas
Mais feliz que em serviço dos reis,
da alma as forças estarão empregadas,
cumprirei com amor vossas leis.
Se do mundo escutando as doutrinas,
Por um tempo hei seguido o prazer,
Já confusa d’ações tão indignas,
Só de Deus e de vós quero ser.
Por um culto constaante e sincero
Por ardente e generoso amor,
Mostrarei que respeito e venero
A Mãe minha e de Deus meu Senhor.
Fiel serva hei de ser e zelosa,
De Maria a glória hei de exaltar;
Hei de ser filha sua amorosa,
Que se esmere em a Mãe imitar.
Meu refúgio, ó Mãe, ó Maria,
No perigo a vós recorrei,
Vossa luz será sempre meu guia,
E jamais outro procurarei.
Buscarei em vós, ó Mãe querida
Meu consolo em amarga aflição
E nos duros trabalhos da vida
29
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p. 490-590.
146
Clamarei por vossa proteção.
2- Consagração à Nossa Senhora
Desde os anos mais virentes
Co’a a mais terna devoçã
Ofertamos-te, inocentes,
Ó Maria, o coração!
Coro
Para ti, Filhos, devotos,
Maria, q’eremos viver.
Mãe querida: os nossos votos
Não dedignes receber.
Pois agora a mesma oferenda
Entendemos renovar,
Mãe querida: melhor prenda
Não podemos ofertar.
Somos fracos, e o inimigo
Contra nós sempre a bramir;
Pois os filhos no perigo
Com teu manto vem cobrir.
Quem por ti for protegido,
Como rocha firme está;
Sempre alegre e destemido,
Paz tranqüila gozará.
Nossa glória, nossa dita
É que somos filhos teus,
Quando ao fim, Mãe bendita,
Te veremos lá nos Céus?
Entretanto nos conforte
Tua benção maternal,
P’ra guardarmos até à morte
A candura virginal.
3- Hino das Congregações de Nossa Senhora
Bendita te cantem
Mãe, Virgem, Senhora,
Do sol diva Aurora,
Cécem d’Israel,
147
Bendita ressoe
C’os Anjos em coro
O eco sonoro
Da terra fiel.
Mil hinos, ó jovens,
À Virgem mil hinos,
Que os olhos divinos
Em nós empregou.
Colheu-nos mimosa,
Quais flores do prado;
E no horto cerrado,
Seu horto plantou.
Que viste, Senhora,
Nas frágeis boninas,
Que a elas t’inclinas,
Cultivas assim?
Bondade foi quando
Dissestes: florinhas,
D’agora sois minhas
Sois d’outro jardim;
Ó dita! No grêmio
Estarmos dos Santos!
Sorver-lhe os encantos
Do místico odor.
Ser logo abrazados
Em celica chama!
Ser qual timiama
No altar do Senhor!
Mas, ai da florinha
Sem doce corrente!
Dá, Mãe, dá-lhe enchente
Das graças do Céu!
Tu és fonte selada:
Pois corre pr’a os filhos!
Seu viço, seus brilhos
E aroma é só teu.
Dá, mãe, que em nós todos
Primor tal se veja.
Que mate d’inveja,
Quem vir teu vergel;
Mas cândida inveja
Que dê noutras flores,
De ter os favores
Da flor d’Israel.
148
E como hoje fazes
Que em número aumente,
Tu dá que se ostente
Florrido e loução:
E as tenras vergônteas,
Que esperanças verdejam,
Indignas não sejam
Da provida mão.
Recebam gososas
Teu almo rocio,
Sinão fero estio
As há de murchar,
Não creiam fagueira
Do gozo a linguagem,
Que soe falsa aragem
A flor ciciar.
Ai, quantas, ó Virgem,
Deste ar sacudidas
Esperanças perdidas,
Perdidas em flor?
Quão bem vicejarem,
Que frutos não deram,
Se as auras beberam
Do teu casto amor!
Que vale à florinha,
Que o mundo a acalente
Com tabido ambiente
De gozo em festim?
Que o mundo a acalente
Que val’à florinha?
Um dia é rainha,
Mas ai do seu fim!
Por isso lá quando,
Já n’haste adultos,
Sofremos insultos
Do irado tufão,
Maria, teu manto
Abrigue estas flores,
Não murchem verdores
Que teus, teus são!
Primeiro que um’hora
De ti esquecidas,
Ao mundo rendidas
Os viços dêem seus,
Despede, Maria,
149
Alento de morte
Que n’haste as corte
P’ra ti, para Deus.
4- Eu sou Filha de Maria
Eu sou Filha de Maria
De Maria quero ser
Porque ela é minha Mãe.
Há de ser até morrer.
Coro
Salve! Imaculada
Mãe singular do senhor;
Neste dia abençoado
Vos consagro meu amor!
Eu sou Filha de Maria
Já lhe dei meu coração,
Antes que m’o leve o mundo
Vou pô-lo na sua mão.
Eu sou Filha de Maria
De Maria e de Jesus
Eles são quem me ajudam
A levar minha cruz.
Eu sou Filha de Maria
De Maria e de Jesus;
Nos trabalhos da vida
Eles são a minha luz.
5- Adeus a Maria
Coro
Um eterno adeus de saudade
Te dão hoje os Filhos teus,
Adeus, ó Mãe de bondade!
Rainha do Céu, adeus!
Mês de cantos e de flores,
Maio ditoso findou;
Mas não cessem os favores
Que teu carinho outorgou.
Deste mês os mil encantos,
150
O teu coração sem par,
Sempre nossos rudes cantos,
Saudosos, hão de lembrar.
Ateus filhos, que, na vida,
Teu amor cativos tem,
Por saudosa despedida
A benção dá, Virgem Mãe!
6- Hino de Maio
Sois cheia de graça,
Sem culpa gerada,
Para ser dos homens
A terna advogada.
Coro
Ouvi nossos rogos,
Mãe do Redentors!
Daí-nos santa vida.
Morte do Senhor!
Para sermos gratos
A vossos favores
Aqui nos juntamos
Neste mês das flores.
Não trazemos flores
P’ara vos oferecer:
Só louvores queremos
Hoje aqui render.
Flores há imensas
Que os campos matizam,
Mas bem mais virtudes
Em vós se divisam.
As flores perfumes
Lançam sem cessar;
Mas ao vosso trono
Não podem chegar.
O que lá se escuta
São os mesmos brados
Que os homens enviam
No mundo exilados.
Em penhor de afeto
151
E de gratidão,
Aceitai, Senhora,
Nosso coração.
7- Hino de Santa Inês
Ó Inês, a ti se eleve
Desta filhas a homenagem,
Que na mais terna linguagem
Ao teu culto vem prestar;
Tu és nossa protetora
Junto ao trono de Maria,
Nossas súplicas lhe envia,
P’ra seus dons nos alcançar.
Coro
Ó Inês somente um voto
As tuas aras nos conduz;
Como tu, só desejamos,
Ser esposas de Jesus.
Aos treze anos de idade
Já vencias ao tirano,
Que te arma embuste e engano
Para conquistar-te o amor;
Mas amante da pureza
E de Jesus protegida,
Não deste a menor guarida
Aos ardis do tentador.
Aos mentidos simulacros
Recusastes o culto indigno,
E por isso o algoz maligno
Co’a nudez te injuriou;
Mas entre o esplendor e o bril
De uma aureola celeste,
Divinal cândida veste
Os teus membros adornou.
Entre as chamas da fogueira
Que p’ra te queimar se acende,
Te protege, te defende,
Com seu manto um querubim.
E logo as fragoas se espalham
Sobre as turbas violentas,
Se sobre a pira te assentas
Como em róseo jardim.
Como a flor que nas campinas
152
Desabrocha pura e bela,
Sem recear da procela
Que os tufões e vendavais;
Assim tu robusta e cândida
Entre os bárbaros tiranos
Sem temor vences seus danos
Arrostando os vis punhais.
Qual rochedo entre os marulhos
Foste invicta, ó Virgem forte.
Abraçando a própria morte
Como um tálamo nupcial!
Qual pombinha sobre a terra;
Adejaste o vôo sidéreo;
Foi de luz raio etéreo
Tua pureza virginal.
Da tua candura o brilho
Torne puro o nosso afeto;
Só a virtude seja o objeto
Da nossa predileção,
E por prêmio da vitória,
Dissipadas nossas dores,
Da tua glória entre os fulgores,
Nos conduz a essa mansão.
8- Oh! Prometi
Oh! Prometi, sou Filha de Maria
Do meu Jesus por Mãe a recebi,
Ama-la-ei na dor e n’alegria,
É minha mãe, amá-la prometi
Coro
Oh! Prometi, fiel serei
Por toda vida a minha mãe querida
Oh! Prometi, fiel serei
Que ditosa alegria – Filha sou de Maria
O’ prometi, ó Mãe Imaculada!
De vão prazer fugir quero o ardor;
Com teu poder ó Virgem ilibada,
Quebrantarei do inferno o furor.
O’ prometi, evitarei ser presa
Da tentação que sempre expelirei!
A bela flor da virginal pureza,
Com minha Mãe, feliz eu amarei!
153
O’ prometi, ó Mãe da formosura,
Sereis para mim espelho de fervor,
D’ardente fé, d’humanidade e candura,
De mansidão, de puro e santo amor.
O’ prometi,ó doce e casta Virgem!
No coração com filial ardor,
Conservarei a vossa bela imagem,
Antes de morrer, que perder tal favor!
O’ prometi, em última agonia
Chamar-vos-ei, ó Mãe do Coração,
E voarei, que dita! Que alegria!
Em vosso nome, à celeste mansão!
154
ANEXO 28
Abaixo segue transcrita na íntegra a Consagração pelo fim do mês de maio
30
:
Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa; Rainha do Céu e da terra; obra prima
das os do Onipotente, digno objeto das complacências da Santíssima Trindade, espelho
admirável de todas as virtudes, princípio de toda a salvação, asilo de todos os que recorrem a
Vós; Arca de Noé preservada do dilúvio do pecado original; Rainha castíssima isenta de toda
mácula; nosso alento em todos os males; permiti que no fim deste mês de salvação e de graça
nos lancemos a vossos pés, para vos oferecermos as homenagens do nosso reconhecimento e
da nossa inteira consagração. Queremos corar os exercícios do mês de maio com uma última
homenagem e com uma última expressão do nosso filial amor para convosco. Na presença do
nosso Anjo da Guarda e de toda a corte celeste, diante do vosso divino Filho Sacramentado,
vos escolhemos por nossa Rainha, nossa Soberana Senhora, nossa Padroeira e nossa Mãe, e
vos consagramos por uma diva inteira e irrevogável os nossos bens, o nosso corpo, os
nossos sentidos, as nossas faculdades, as nossas pessoas, todo o nosso ser, para sempre e até
no último suspiro. Nas vossas os colocamos as nossas alegrias e os nossos sofrimentos, as
nossas esperanças de santificação e salvação, e, por cima de tudo, o nosso amor para com
Jesus e para convosco. Consagramo-nos a nossa vida com tudo que pode alegrar ou entristecer
a sua curta duração. Volvei compassiva para nós, ó Virgem Imaculada, vossos olhares
maternais, reparai em nossas almas, para que nos reconheçais no dia em que entrarmos na
eternidade, e fazei que nada possa roubar-nos o fruto desta solene consagração. Abençoai esta
congregação, ó Mãe do puro amor, fazei que nunca se nela o menor escândalo, e que todos
os seus membros se compenetrem bem dos seus deveres e julguem nunca poderem encontrar
maior honra para uma donzela que vive no mundo do que o título de Folha de Maria. De cada
congregada fazei uma extrema defensora das vossas congregões; amante de suas reuniões,
nunca as trocando por coisa alguma, nem as deixando sem gravíssima causa, zelosa do seu
bom nome e fiel imitadora de todas as suas virtudes. Oh! Que estas cresçam em sua alma, ó
Virgem Santíssima! Mas principalmente que aumentem a olhos vistos nelas a virtude da
pureza, da obediência, da humildade e da caridade. Não permitais que o demônio entre em seu
coração formando nele seu trono, mas que só Vós sejais sua Rainha e o vosso divino Filho seu
Rei e Senhor! Se alguma estiver perto do precipício, apontai-lho com vossos olhares
misericordiosos, chamai-a ao bom caminho, tomai-a pela mão, amparai-a e não a deixes tocar
30
MANUAL da Pia União das Filhas de Maria. Rio de Janeiro: Casa Cruz, 1926, p. 472-477.
155
o declive do pecado! Que nenhuma destas vossas congregadas se deixe em dia alguma
dominar pela cegueira da alma, mas que todas vejam alumiadas pelo facho luminoso da e
guiadas por vós, o caminho reto a seguir para a bemaventurança! Mãe de todos os cristãos
como sois, tendes, Mãe do bom conselho, para honra e glória vossa e de vosso divino Filho,
dupla obrigação de aumentar o vosso cuidado e a vossa misericórdia, para quem se colocou à
sombra benéfica e salvadora da bandeira desta vossa Congregação, que vos tem por Padroeira
e primeira Presidente! Ao seu coração, fraco por natureza e por índole do seu sexo, vacilante e
indeciso pelas ilusões próprias da sua idade, fortalecei-o sempre, para se deixar dominar
somente pelo vosso amor; tornai-o refletido e resoluto para o dar ouvidos ao desalento,
para seguir com passo firme e ligeiro o caminho da virtude, custe o que custar, de modo que
ele não palpite, não pense, não sinta, não faça senão o que a levar segura para junto de vós no
Céu! Nas horas do desalento, dai-lhe ânimo e coragem, força e vigor; por entre os espinhos da
tentação, fazei desabrochar os louros da vitória. Abençoai todos os fiéis que quiserem prestar-
vos esta pública homenagem de respeito e veneração. Cumulai-os de graças e benefícios
mesmo neste mundo, sem prejuízo da felicidade eterna, única e verdadeira. Aos pais de
família, fazei-os compenetrarem-se dos seus deveres para com seus filhos e filhas, criando-os
e educando-os par o Céu, para que foram criados, e não par o inferno, formando seu coração
na virtude e na piedade. Aos filhos e filhas fazei-os respeitosos e humildes, obedientes,
submissos à vontade justa e reta de seus pais, quando eles o como devem ser, porque então
representam a autoridade de Deus. Que uns e outros fujam dos prazeres ilícitos e harmonizem
todo o seu modo de proceder com o desejo de alcançar o Céu. Abençoai as nossas famílias, os
nossos amigos; abençoai os pobres e aflitos da vida; abençoai o sumo Pontífice; abençoai o
nosso prelado, abençoai o Diretor desta Congregação, o nosso pároco e todos os sacerdotes e,
dum modo especial, os que tomam a peito promover e propagar o vosso culto. Abençoai a
nossa pátria, outrora tão florescente e hoje tão decadente; fazei que seja em breves dias uma
realidade a união do clero e dos católicos, para que todos pondo de parte a paixão partidária e
os vis e mesquinhos interesses, que só levam a nossa pátria à ruína completa e a nossa religião
católica ao menosprezo, trabalhem com afinco e cuidado para o engrandecimento e o bom
nome da terra que os viu nascer, e para o florescimento e aumento da religião que lhes aponta
o u como coroa do cumprimento dos seus deveres, e o inferno como castigo das suas
infidelidades à voz da graça! Que nunca envergonhemos, ó Virgem Santa, de propagar o
vosso culto, de defender vossa honra contra os que quiserem atacá-la na nossa presença, de
nos gloriarmos sempre de ser vossos fiéis servos, filhos obedientes e submissos, e, como tais,
não deixemos passar um dia sem vos testemunharmos o nosso amor, não com palavras,
1
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dirigindo-vos preces fervorosas, mas com obras, copiando em nós vossas preclaras virtudes!
Que nos aproximemos freqüentes e amiudadas vezes, com reta e pura intenção, da Sagrada
Mesa Eucarística, devidamente preparados, a exemplo vosso, que depois da gloriosa ascensão
do vosso divino Filho ao Céu, recebíeis todos os dias das os dos discípulos amado aquele
Maná celeste, aquele Pão que gera as virgens, tão desprezado pela maioria dos homens, que,
procurando somente alimento do corpo, não querem alimentar a alma, deixando-lhe desfalecer
as forças e vencer-se pelos seus inimigos! Nós vos saudamos em união dos cristãos vossos
filhos, como Rainha dos Céus e Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa! Filhos
de Eva, filhos do desterro, erguemos para vós os nossos brados! A vós enviamos nossos
suspiros, gemendo e chorando neste desgraçado vale de lágrimas! Ó poderosa advogada nossa!
Volvei para nós vossos olhos tão cheios de misericórdia, e deixai-nos ver a Jesus; depois de o
vermos com os olhos da sob as sagradas espécies eucarísticas, que recebemos amiudadas
vezes, pedindo-lhe conselho para as nossas dúvidas, forças para as nossas fraquezas, coragem
para os nossos perigos, deixai-no-lo ver a face , no termo do nosso desterro, sempre
acompanhados por vós, como agora vos procuramos, ó Imaculada padroeira desta
Congregação, ó piedosa, ó compassiva, ó doce Virgem Maria.
157
ANEXO 29
Textos de leitura das Filhas de Maria entregues durante o retiro anual de 1942
31
31
Os textos foram retirados de documentações da associação pertencentes à Filha de Maria de Matias Barbosa
Ioneide Antônia Piffano.
158
159
160
ANEXO 30
Convite para participação da Pia União das Filhas de Maria
32
32
O texto foi retirado de documentações da associação pertencentes à Filha de Maria de Matias Barbosa Ioneide
Antônia Piffano.
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