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Como o imaginário, para se constituir, precisa dos fragmentos concretos tirados do
mundo, convém investigar de que modo, mais concretamente se processou essa
associação. Parece haver uma ligação com o fato de que, tradicionalmente, se
atribuía à mulher burguesa a dimensão do privado, da casa, da intimidade e, por
conseguinte, com mais disponibilidade de tempo para leitura de romances. É comum
também ligá-la ao mundo dos afetos, dos sentimentos e emoções e assim, os livros –
romances, essencialmente- ao trabalharem com as emoções, com a intimidade,
encontravam nelas seu público preferencial. [...] É, principalmente, pela via literária
que a leitura de romances sentimentais enquanto hábito feminino aparece como tema
constante; grandes leitoras são mostradas ao público pelo próprio romance uma vez
que “os romances sentimentais tendem a ser reservados às mulheres, os bons
sentimentos transformam-se em sentimentalismo”. (CUNHA, 1999, p. 25).
Contudo, é possível afirmar que, no século XIX, a leitura, em particular a das
mulheres, torna-se um assunto inquietante, passando a apresentar anseios humanos mais
profundos, pois, como menciona Cunha, a literatura preserva ou defende dimensões da vida,
principalmente feminina, reprimidas pelos poderes econômicos ou sociais.
Em estilo considerado romântico, M. Delly proporcionava, por meio de seus livros,
certo encantamento para o público feminino, das primeiras às últimas páginas. Esse
encantamento, conforme Cunha, propiciava um clima de conto de fadas, mesmo sem a
presença de tais seres. Cabe salientar, neste ponto, que os romances de M. Delly, de certa
forma, foram peça fundamental para nortear, em parte, a formação leitora da mulher
brasileira, de camada média urbana, em uma determinada época.
De uma maneira geral, os enredos do casal de irmãos – pois M. Delly não é uma
madame, e sim de um casal de irmãos franceses que usavam tal pseudônimo – seguiam uma
estrutura bem definida: o herói, nobre e rico, e a heroína, plebeia e pobre, vivem uma trama
criada por tias megeras e madrastas sinistras. Após um tormentoso caso de amor, finalmente,
tudo acaba sendo resolvido – os que se amam unem-se pelos sagrados laços do matrimônio e
os malvados são punidos com justiça.
Representantes da alta aristocracia europeia realizavam feitos heroicos, viagens
exóticas, festas memoráveis nas obras, sempre envolvidas num ambiente de fantasia e
mistério:
Vislumbrava-se esse clima de conto de fadas a partir das capas dos livros e de seus
títulos. Prosseguia-se através das tramas das estórias que mostravam, sempre, um
jogo de tramóias e falsificações dos laços sangüíneos e das identidades narradas no
mais clássico estilo romântico/dramalhão. (CUNHA, 1999, p.107).