Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ARTE, EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE:
Possibilidades de vivências transdisciplinares
pela leitura de imagem
Daniela Radel Bortoli Patrzykot
Joaçaba/SC
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
DANIELA RADEL BORTOLI PATRZYKOT
ARTE, EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE:
Possibilidades de vivências transdisciplinares pela leitura de imagem
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Educação, do Centro de Ciências da Educação,
Humanas e Letras, da Universidade do Oeste de Santa
Catarina (UNOESC), como um dos requisitos para a
obtenção do grau de Mestre em Educação, sob
orientação do Professor Drº. Roque Strieder.
Joaçaba/SC
2009
ads:
DANIELA RADEL BORTOLI PATRZYKOT
ARTE, EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE: POSSIBILIDADES DE
VIVÊNCIAS TRANSDISCIPLINARES PELA LEITURA DE IMAGEM.
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Educação, do Centro de Ciências da Educação,
Humanas e Letras, da Universidade do Oeste de Santa
Catarina (UNOESC), como um dos requisitos para a
obtenção do grau de Mestre em Educação, sob
orientação do Professor Drº. Roque Strieder.
Aprovada em _________________de _____________2009
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr°. Roque Strieder – Orientador
Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC
______________________________________________
Profª. Drª. Ortenila Sopelsa – Examinadora Interna
Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC
_______________________________________________
Profª. Drª. Graciela Rene Ormezzano – Examinadora Externa
Universidade de Passo Fundo - UPF
Dedico este trabalho à minha família, instituição na qual
acredito. Marido, pais, irmãos, sogros, cunhados, todos
igualmente importantes, pelo incentivo, mesmo que não tenha
sido explícito. Aos meus filhos Luiz Ricardo e Gustavo
Francisco, por que deles vêm a minha inesgotável vontade de
acertar e acreditar na educação.
AGRADECIMENTOS
Agradeço incessante e incansavelmente...
A Deus Pai e a Deusa-Mãe, por ensinar meus limites, pela energia, por manter acesa a
chama quando essas mencionavam apagar, pelos momentos de luz, reflexão e sabedoria e por
chegar até aqui.
À minha mãe, cujo exemplo de força e amor, acreditando em mim, mostrou-me a
tarefa de educar. Ao meu pai, por ser colaborador conjunto deste processo. Ambos são minhas
referências de amor em família! Abençoados sejam por me trazerem à vida e ensinar o que é
amar!
Aos meus irmãos Luciana, Larissa e Luiz Octávio, pelas suas presenças de vida no
mundo e por serem elos fortes de ligação com minha origem. Irmandade em sangue e
coração!
Ao meu filho Gustavo Francisco, que nasceu em meio ao turbilhão de idéias que este
estudo causou, agradeço a luz e a inspiração para conclusão deste. Amo você!
Ao Luiz Ricardo, filho querido, que inúmeras vezes reclamou a minha ausência e nem
por isso deixou de me esperar com os braços abertos e sorriso lindo no rosto. Amo-te
infinitamente!
Ao meu esposo Richard, por torcer por mim, do seu modo, mesmo reclamando da
ausência imposta pelos períodos de execução desta pesquisa. Obrigada pelo estímulo para
conclusão deste trabalho nos momentos de angústia.
À amiga Maria, a quem confiei meus filhos, muitas vezes, quando precisava
distanciar-me para concluir este estudo. Agradeço o carinho com que “cuida” deles até hoje.
Ao professor e orientador Dr. Roque Strieder, por aceitar, e pela coragem de assumir
comigo este estudo e temática. Por sua condução paciente e compreensiva, por saber “chegar
e distanciar quando foi preciso e, principalmente, por me deixar ser quem sou. Sou grata pelas
importantes contribuições e, acima de tudo, por ser o “vento” que soprou reacendendo as
chamas da minha curiosidade e me ensinando a “aprender a aprender”.
Aos professores do programa de Mestrado em Educação da Universidade do Oeste de
Santa Catarina, por me colocarem em contato com inúmeras mentes brilhantes, muitas das
quais utilizo neste estudo.
Às professoras integrantes desta banca examinadora: Dra. Graciela Ormezzano, pela
disposição e pelas contribuições no aprimoramento deste trabalho, pelas palavras de incentivo
no parecer de qualificação. Minha gratidão pelas indicações bibliográficas que permitiram
maravilhosos momentos, especialmente as suas, que provocaram espanto e reflexão, pelo
quanto nossas almas comungam, e quanto nossos sonhos se parecem; Dra. Ortenila Sopelsa,
pela leitura deste estudo e de minha vida. Pelas afetuosas contribuições, por seu sorriso aberto
e sincero no momento da qualificação e por demonstrar interesse pela temática, revelado em
momentos de troca de saberes. Agradeço a oportunidade de convívio com a rica pessoa que é.
Almejo ser um pouco do que és como educadora!
Aos colegas acadêmicos, pela troca de conhecimento e pelos momentos vivenciados
dentro e fora da sala de aula. Boas lembranças!
Aos professores entrevistados, pela disposição para participar desta pesquisa, e a todos
aqueles que, como eu, acreditam na “espiritualização” do mundo e da educação.
Aos educandos com os quais convivo e convivi, e que me constituíram “educadora”. A
todos aqueles que passam por minha vida e de alguma forma contribuem para que eu me torne
um SER melhor.
Hoje nos encontramos numa fase nova na humanidade. Todos estamos regressando à Casa
Comum, à Terra: os povos, as sociedades, as culturas e as religiões. Todos trocamos
experiências e valores. Todos nos enriquecemos e nos completamos mutuamente. [...]
[...] Vamos rir, chorar e aprender. Aprender especialmente como casar Céu e Terra vale dizer,
como combinar o cotidiano com o surpreendente, a imanência opaca dos dias com a
transcendência radiosa do espírito, a vida na plena liberdade com a morte simbolizada como
um unir-se com os ancestrais, a felicidade discreta nesse mundo com a grande promessa na
eternidade. E, ao final, teremos descoberto mil razões para viver mais e melhor, todos juntos,
como uma grande família, na mesma Aldeia Comum, generosa e bela, o planeta Terra.
Leonardo Boff
RESUMO
O presente trabalho integra a linha de Pesquisa, Processos Educativos e se propõe um estudo
qualitativo. Objetiva pensar arte, educação e espiritualidade, tendo na leitura de imagem uma
proposta transdisciplinar como alternativa para vivenciar a espiritualidade. Tem por objetivo
conhecer e entender o processo de leitura de imagem realizada em aulas de artes e verificar se
a mesma pode ser fonte educativa para vivenciar a espiritualidade. Dentro dessa perspectiva,
buscou-se compreender e propiciar situações de reflexão acerca da atitude transdisciplinar e
de uma educação holística. Visa conhecer e propor uma nova postura para educação em arte e
para vivência da leitura de imagem. No referencial teórico destacou-se a revisitação ao
histórico do ensino da arte e o papel da imagem neste contexto, uma vez que, parte do
conhecimento humano encontra-se sob forma de arte e, em sua maioria, associado às imagens.
Destacou-se a transição paradigmática na visão de alguns estudiosos como Boff, Capra,
Morin. Para eles, na crise civilizacional e também educacional, torna-se primordial refletir a
necessidade de valorizar o estudo da espiritualidade reconhecendo-a como constitutiva do ser
humano. Dentro desta perspectiva, a prática da espiritualidade em educação precisa assumir
um papel diferenciado, o de estimular a harmonia e o desenvolvimento humano e não
vinculada a práticas religiosas ou doutrinas. A pesquisa de campo, de caráter qualitativo, foi
desenvolvida tendo a entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados
empíricos. Procuramos saber de professores de artes as concepções e conhecimentos sobre a
leitura de imagem, espiritualidade de atitude transdisciplinar, ensejando uma reflexão sobre
sua práxis. Os dados foram organizados em categorias e para sua compreensão fez-se uso da
análise do discurso. Os resultados revelaram a fragilidade conceitual e a existência de
preconceito do tema espiritualidade ligado à educação. Também mostra desconhecimento da
atitude transdisciplinar como abordagem educacional para leitura de imagem. Diante dessas
fragilidades sugere-se formação continuada com priorização dos temas leitura de imagem,
espiritualidade e atitude transdisciplinar. Aposta-se na necessidade de ruptura com os modelos
tradicionais e na construção de outra visão de mundo e visão relacional muito mais
colaborativa e comprometida com a dignificação da vida dos seres humanos.
Palavras chave: arte-educação, espiritualidade, transdisciplinaridade, leitura de imagem,
processos educativos.
ABSTRACT
The work included in this line of research: educational process, makes a qualitative study in
perspective of phenomenological method, which proposes think art, education and spirituality,
and the reading of a proposed cross image as an alternative to experience the spirituality .
Objective know and understand the process of reading the image taken in the arts classes in
schools and see if it can be educational source to consolidate spirituality. Within this
perspective sought to understand the situations and provide reflection on the principles of
transdisciplinarity and a holistic education in order to insert a new position for education in
art and experience of reading the image. In the theoretical framework noted to revisitação to
the teaching of art history and the role of image in this context, as part of human knowledge is
in the form of art, and most of them associated with the images. It is also to consider the
paradigm shift which some scholars as Boff, Capra, Morin, and others report the civilization
and the crisis that we humans are going through, especially with regard to education,
becoming mister reflect the need to promote the study of spirituality in art as a constituent of
the human being. Within this perspective the practice of spirituality in education to assume a
different role, to encourage harmony and human development and not tied to religious
practices or doctrines. This study therefore sought to include spirituality in education through
art and how this can manifest itself in the cross way of reading images. The semi-structured
interview procedure was used to collect empirical data, which sought review from the
conceptions of participants in all, six teachers of art, their knowledge about the topic of this
research, opportunity also a reflection on their practice . The understanding of the information
from the interviews were made possible by the method of discourse analysis. Analysis of the
interviews could reflect the ways in which art and design educators the processes of education
in art and plea with them across the spirituality and the resulting contributions of the theories
previously studied. The results and analysis revealed the fragility of the issue and prejudice
spirituality connected to education and the lack of transdisciplinarity and educational
approach to the teaching of art. The lack of ready answers or definitive, the final
considerations are an elaboration of the way and new directions for a possible continuation of
that walk.
Keywords: art education, spirituality, transdisciplinarity, reading of image, educational
processes.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Identificação dos sujeitos de pesquisa..............................................................111
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................
12
CAPÍTULO I - EDUCAÇÃO: TRILHANDO CAMINHOS EM BUSCA DE UM
NOVO CAMINHAR ........................................................................................................
19
1.1 Educar na Era da incerteza: do ensino à aprendizagem ..................................
19
1.2 Princípios transdisciplinares e suas contribuições educacionais ......................
30
1.3 Sonhando uma educação holística: a plenitude do ser ......................................
42
1.4 Da educação artística a arte-educação e o papel da imagem neste contexto ..
51
CAPÍTULO II - ARTE E ESPIRITUALIDADE CAMINHOS
TRANSDISCIPLINARES ...............................................................................................
59
2.1 Cultura visual: o mundo das imagens e as imagens do mundo ........................
61
2.2 Leitura de imagem numa abordagem transdisciplinar: a complexidade e a
subjetividade da imagem ...........................................................................................
66
2.3 Espiritualidade: significações e concepções .......................................................
81
2.4 Arte, educação e espiritualidade: a transdisciplinaridade possível no
encantamento com a imagem ....................................................................................
94
CAPÍTULO III - PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DE
PESQUISA ............... ........................................................................................................
107
3.1 Opção metodológica .............................................................................................
107
3.2 Sujeitos da pesquisa – os entrevistados ..............................................................
109
3.3 Identificação dos entrevistados ............................................................................
109
3.4 Reflexão e análise dos dados ................................................................................
111
3.5 Análise das entrevistas .........................................................................................
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................
144
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................
150
APÊNDICE........................................................................................................................
160
12
INTRODUÇÃO
Caçador de Mim
Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu caçador de mim
Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu caçador de mim
Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito à força numa procura
Fugir as armadilhas da mata escura
Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Luiz Carlos Sá - Sergio Magrão
Como a arte e a espiritualidade tocaram minha vida?
O que sou hoje é reflexo das minhas preferidas brincadeiras de criança, aquelas que
me faziam feliz e que remetem à minha escolha profissional: ser professora! A atividade de
“brincar de escolinha” me assegurava uma dimensão mágica, especialmente quando colocava
minha irmã mais nova e um amigo para copiar incessantemente as coisas que eu passava na
lousa.
Os relatos de minha mãe sobre essa deliciosa etapa de vida reafirmam que ela mesma
sempre achou que seria assim que seguiria minha vida, pois eu “levava jeito” como
professora, mesmo que em meio às brincadeiras.
Lembro-me também das muitas idas e vindas acompanhando minha mãe à escola,
também professora, na década de 1980, em que as classes multisseriadas eram comuns.
Fazíamos um longo trajeto para que ela pudesse ministrar suas aulas e ser, ao mesmo tempo, a
diretora, a professora, a merendeira, a faxineira e também a grande conselheira dos seus
alunos, dos seus pais e de toda aquela comunidade rural onde a escola estava localizava. Ela
13
era vista com outros olhos”; olhos de quem reconhecia o trabalho árduo e o conhecimento.
Todos tinham por ela grande admiração e respeito.
Cresci vendo minha mãe levar consigo a responsabilidade de ser educadora e pude
viver a escola mesmo antes de ser aluna. A rotina de preparação das aulas, das correções e os
discursos que ela proferia acerca de seu trabalho também fizeram parte desta minha
caminhada na escolha profissional.
Minha mãe sempre foi um ser muito sensível e posso crer que talvez seja este um dos
motivos que me inclinaram a seguir no magistério e buscar ser um pouco do que ela é e
representa em sua profissão.
Posso também responsabilizá-la por outras escolhas que fiz na minha vida
profissional, como minha formação inicial. Fiz minha graduação por intermédio e apoio dela.
Casei “muito nova”, como dizia minha avó paterna, e parei de estudar assim que soube que
estava grávida. Precisei trabalhar logo que meu filho nasceu, e foi então que através de minha
mãe consegui vaga para ministrar aulas de artes e geografia na escola em que ela trabalhava,
onde na época ela exercia a função de secretária. Nesse período, em que estava trabalhando
como professora ACT
1
, surgiu a oportunidade de ingressar na faculdade e freqüentar o curso
que me faria hoje a profissional que sou: educadora.
A história dessa relação com minha mãe se estende até o reconhecimento de ela ter
“mãos de fada”, denominação comum entre amigos e familiares ao se referirem aos seus
trabalhos artesanais, principalmente em épocas festivas.
Meus avós maternos também tinham certa “veia” artística; minha avó Catharina era
florista, fazia arranjos florais com seda utilizando um método bastante artesanal. Meu avô
Leonildo era músico, tocava gaita como nunca ouvi igual; o coração parecia bater no
compasso das músicas que tocavam nas gostosas reuniões familiares.
Minha tia Tânia, irmã de minha mãe, era artesã e enchia meus olhos de encantamento
com seus trabalhos em gesso, madeira, vidro e tantos outros materiais que sua criatividade
permitisse usar. Minha tia Vânia era artista em sua forma de compor as palavras e transmutá-
las em lindas mensagens, e a tia Helenita dava vida, cor e sabor aos pratos que
carinhosamente preparava em sua profissão de “encantar através do estômago”. Sou também
bisneta de escultores e, portanto, posso dizer que a arte sempre esteve presente em nossas
vidas, seja como lazer ou como forma de ganhar a vida.
1
ACT – A sigla diz respeito ao profissional admitido em caráter temporário condição do professor contratado
com data fim, pelo Governo do Estado de Santa Catarina.
14
Essa presença constante da arte manifestada de diferentes formas fez minha infância
ganhar cor e ainda fez com que eu amasse e respeitasse todas as formas de linguagem
artística. Outros membros de minha família, todos com igual importância, tiveram uma
centelha de “culpa” nas minhas opções profissionais, influenciadas pelo espírito de luta e
vontade de vencer que são características de nossa família.
Acredito que nossas histórias de vida, nosso passado e nossas memórias, se fossem
revistas, seriam subsídios para o entendimento do que somos hoje e as influências que
exerceram sobre nossas escolhas profissionais.
Durante toda minha vida o contato com a arte e com a educação me fizeram ser uma
pessoa melhor, mais sensível e aberta, e ao mesmo tempo imaginava como fazer disso uma
chama para que outras pessoas pudessem ser assim tocadas.
Nessa busca pelo subjetivo, pela plenitude de meu Ser e do outro, veio um grande
vazio que foi acompanhado pelo desenvolvimento de uma Síndrome do Pânico que me
acometeu após uma mudança repentina de cidade. Sentia-me só, embora estivesse casada,
com um lindo filho e cursando minha faculdade que tanto desejava. O vazio precisava ser
preenchido. Um vazio que correspondia aos meus anseios como Ser, como profissional, como
mãe, mulher, amiga, ou seja, em minha inteireza. Percebi que, em tempo algum, a escola
“tratou” ou “cuidou” desse pedaço do meu Ser, desenvolveu em mim e em meus colegas
algum crescimento espiritual ou até mesmo seu atenção maior às nossas vivências. O
subjetivo, timidamente abordado nas aulas de religião
2
, não satisfazia as minhas curiosidades
em relação à espiritualidade e ao significado da vida. Mais adiante, procurei denotar o sentido
da espiritualidade, que veio a se tornar mais claro para mim as buscas e encontros
fascinantes com autores que me auxiliaram neste processo. Anna Sharp (1993) ensina que
precisamos prestar atenção quando sentirmos insatisfação e medo, pois esses sentimentos são
os disparadores de nossas buscas espirituais.
Poderia dizer que o maior desafio de todo esse trabalho está no próprio tema escolhido
e sua interface, seu diálogo com a educação, e por fazer parte de uma inquietação surgida
durante minha prática profissional e em minha história de vida. Esta pesquisa é, de certa
forma, fruto de minha história, de minhas crenças, da minha busca incessante.
Questionamentos que foram surgindo ao longo de minha atividade como educadora
motivaram o surgimento do meu problema de pesquisa: a leitura estético-crítica de imagens
em arte, numa perspectiva transdisciplinar, possibilita a vivência da espiritualidade?
2
Hoje, adota-se a denominação Ensino Religioso Escolar.
15
Como educadora, vi nascer em mim o anseio de estudar de perto as transições do
mundo e seus reflexos na educação, e apaixonada pelos processos de ensino cheguei até este
curso de Mestrado em Educação.
Ainda, quando me lancei nessa pesquisa, a escolha do tema trouxe à memória um
trabalho realizado com alunos do ensino fundamental de uma escola pública municipal,
quando um deles, durante o processo de leitura de imagem em minha aula, manifestou-se da
seguinte forma: Professora, esta obra parece ter vida! Acho que o artista colocou nela a sua
alma”. Sua fala simples intensificou meu interesse por este tema e acredito que a obra “lida”
na ocasião, especialmente para este aluno, falou de alma para alma. Alma do artista, alma do
leitor-fruidor! Vivência espiritual!
Outra certeza acerca desse acontecimento é a confirmação de que posso aprender
muito com meus alunos, desde que esteja disposta a isso. Acredito que mesmo ainda não
conhecendo o que significava a transdisciplinaridade, pude vivenciar momentos dessa
abordagem, pois estive flexível; eu e meu aluno formamos um conjunto, entrelaçados e
necessitaríamos um do outro para construir o conhecimento esperado.
Alguns questionamentos, portanto, foram assumidos nesse trabalho partindo das
contribuições de autores que tratam especificamente da arte, assim como da espiritualidade e
que vão tecendo espirais de convergência, e são perspectivas na construção de algumas
possíveis respostas (e outras tantas que ao longo das leituras foram surgindo). Vejamos
algumas delas:
Quais saberes os professores de arte mobilizam no exercício da leitura de imagem?
Quais estratégias estão sendo utilizadas por professores de arte no exercício da leitura
de imagem na escola?
Sendo um dos princípios da transdisciplinaridade o reconhecimento da dinâmica nas
“coisas”, quais as suas contribuições para o exercício da leitura de imagem na escola?
Como os professores de arte concebem a espiritualidade?
Quais as formas de se vivenciar a espiritualidade no exercício da leitura de imagem?
O tema proposto é desafiador, até provocador, e vem com o objetivo de reacender as
chamas da curiosidade, as mesmas que outrora em mim foram reacesas. Estimo que as
mesmas jamais se tornem brasas ou se apaguem. Desejo que um vento forte possa soprar
quando o fogo fizer menção de diminuir! Que a busca nunca se acabe e que o caminho e o
caminhar possam mudar, refletidos e motivados pelo mesmo vento que sopra na chama
16
mantendo-a acesa; que eu possa pensar o aluno como um sujeito inserido em uma sociedade
primada pela evolução espiritual, aquela que contrapõe o conceito de evolução criado pelo
homem, meramente racional e dualista, torna-se um propósito deste estudo. Estimo,
sobretudo, acreditar na participação direta da escola no processo de autonomia do educando e
na sua formação integral em busca de uma plenitude de Ser.
Desejo pensar uma prática pedagógica envolvida numa dimensão espiritual, como nos
manifesta Boff (2001, p.45):
[...] a dimensão espiritual, essa dimensão do profundo que ultrapassa nossos
interesses imediatos de trabalho, de vida, de felicidade, dimensão que vai
além da competição a que nossa sociedade capitalista nos obriga, que vai
além da luta cotidiana para ganhar pão e beleza.
É preciso pensar uma educação que ultrapasse os aspectos cognitivos, emocionais,
sociais, que são tradicionalmente levados em conta, uma educação que tenha o compromisso
com o desenvolvimento da inteireza do educando, o compromisso com o outro, a autonomia e
a transformação da sociedade.
Comungo, pois, do pensamento de Kkrishnamurti (1980, p. 09):
Qual é, pois, a significação da vida? Para que vivemos e lutamos? Se somos
educados apenas para nos tornarmos pessoas eminentes, para conseguirmos
melhores empregos, para sermos mais eficientes, para exercermos domínio
mais amplo sobre os outros, em tal caso nossas vidas serão superficiais e
vazias. Se somos educados, apenas, para sermos cientistas, eruditos casados
com seus livros, ou especialistas devotados a ciência, estaremos contribuindo
para destruição e desgraça do mundo. Se a vida tem significado mais alto e
mais amplo, que valor tem nossa educação se nunca descobrimos esse
significado? Podemos ser superiormente cultos; se nos falta, porém, a
profunda integração do pensamento e do sentimento, nossas vidas são
incompletas, contraditórias e cheias de temores torturantes; e, enquanto a
educação não abranger o sentido integral da vida, bem pouco significará.
Desta forma, o objetivo central deste estudo é conhecer e entender o processo de
leitura de imagem realizada nas aulas de artes e verificar se ele pode ser fonte educativa para
vivenciar a espiritualidade. Em termos específicos, procura-se refletir sobre o ensino e a
aprendizagem da arte-educação, e neste contexto, sobre a leitura de imagem, seus limites e
possibilidades, assim como, entender e reconhecer a atitude transdisciplinar como princípio
pedagógico para esta prática. Ainda, busca-se verificar a existência de interconexões e
reciprocidades entre a arte – leitura de imagem – e a vivência da espiritualidade.
17
No primeiro capítulo, procuro trilhar os caminhos da educação, desafios e
implicações de se educar na era da incerteza, e por isso a necessidade de se conceber a
transdisciplinaridade como enfoque nesse caminhar na complexidade.
Considerando que a educação hoje exige métodos e estratégias que objetivam a
constituição do ser humano permeado pela complexidade, pelas relações, apresentamos a
abordagem holística para mostrar que indivíduo, sociedade e espécie não são separáveis, mas
sim co-produtores um do outro. Isso está bem expresso por Freire (2003) quando diz que,
como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no
mundo, exigindo dos professores a coragem de assumir a inteireza da condição humana.
O conhecimento do Ser na contemporaneidade torna-se essencial para a perspectiva
de uma educação integralizadora, não se tratando de desconsiderar a educação nos seus
aspectos formais e sim de realçar o seu caráter complexo.
No tocante aos conceitos de transdisciplinaridade e educação holística, estudou-se
Nicolescu (2000, 2002), Zabala (2002), Crema (1989, 1993, 1995), D’Ambrósio (1993),
Capra (1982, 2002, 2003, 2005), Yus (2002), Weil (1993), dentre outros.
O ensino da arte e seu breve histórico também fazem parte deste capítulo no qual
procuro, ancorada nos teóricos Duarte Júnior (2004), Ormezzano (2001, 2004), Maffesoli
(1998, 2001), entre outros, enfatizar a necessidade de um novo paradigma estético.
A expressão da espiritualidade será abordada no segundo capítulo como forma de
reconhecimento do outro no processo educativo, considerando a espiritualidade como um
aspecto da condição humana, baseado nos estudos de Grof (1997), Boff (1993, 2000, 2002),
Santos Neto (2002, 2006), Espírito Santo (1996, 1998), Morais (1997), dentre outros. As teias
que tecem as espirais entre arte, educação e espiritualidade através de uma vivência
transdisciplinar, trazida como possibilidade na leitura de imagem, trará à luz as reflexões e
considerações para essa dinâmica.
Visando partilhar dúvidas e angústias, comuns a todos nós, é que admito não ter a
pretensão de responder definitivamente as questões conceituais do tema em estudo.
No terceiro capítulo, são apresentados os aspectos metodológicos e estabelecida uma
conversa com professores de arte dos municípios de Joaçaba e Herval D’Oeste (SC), realizada
por meio de entrevistas com questionários semi-estruturados. Os entrevistados são professores
que trabalham ou não com a leitura de imagem, uma vez que este é o viés da pesquisa.
Ressaltam-se neste capítulo as categorias de análise, e com base nas respostas dos
entrevistados são efetuadas observações, refletindo-as e confrontando-as com o referencial
teórico da pesquisa.
18
Nas considerações finais são relacionados tanto os resultados desta pesquisa, como
as principais conclusões e reflexões que pode proporcionar ao tema estudado. Tais reflexões
vêm ao encontro aos objetivos traçados para esta pesquisa.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei escrevendo.
Clarice Lispector
19
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO: TRILHANDO CAMINHOS EM BUSCA DE UM NOVO
CAMINHAR
O conhecimento e sua consolidação pelo paradigma da racionalidade científica e
técnica, por exercerem forte influência sob a nossa educação, serão abordados no primeiro
capítulo desta pesquisa, delineando os perigos de se entender o conhecimento de maneira
fragmentada, gerando crises e conflitos.
Deste modo, buscamos salientar que os processos educativos não devem estar
limitados ao acúmulo de informações didático-pedagógicas. A proposta deste capítulo é
abordar a perspectiva da construção de uma educação que possa integrar o Ser e o Saber,
concebendo processos educativos que privilegiem a dinâmica transdisciplinar de um
conhecimento do Ser ancorado na não-linearidade, considerando-se as dimensões humanas.
O que se pretende refletir é sobre a educação que temos e a educação que queremos
ter. A abordagem transdisciplinar caminhará no reconhecimento de convergências, afirmando
valores humanos, constituindo a espiritualidade solidária, uma vez que somos parte de um
Todo e necessitamos nos reconhecer e ao mesmo tempo integrar-nos a ele.
1.1 Educar na Era da incerteza: do ensino à aprendizagem
Será o homem uma pessoa ou uma coisa?
Será uma peça insignificante da roda do
Estado ou um ser livre e criador, capaz de
responsabilidade? Esta interrogação é velha
como a humanidade e nova como o
jornal desta manhã e, embora haja muita
concordância na pergunta, a resposta é muito
diversificada.
(Martin Luther King)
A sociedade humana vive, atualmente, aquilo que muitos teóricos chamam de
momento de crise, transições e contradições constantes. Esta seria uma transição
paradigmática, uma crise planetária, como destacam Capra (1992), Boff (1993), Morin
(2005), Santos Neto (2006), entre outros. Crise civilizacional motivada pela evolução
20
tecnológica e científica, de um lado, e de outro pelo uso exacerbado e muitas vezes
indiscriminado da comunicação e da informática privadas de ética e sensibilidade, o que
acaba colocando a sociedade em conflito com sua própria existência e em relação à ciência.
A crise que hoje atravessamos é uma crise de visão de mundo, de civilização.
É, portanto, uma crise de sentido, uma crise de caráter espiritual.
Entendemos “visão de mundo” como a trama de representações, conceitos e
valores por cuja mediação os homens tecem sua inserção na vida. (UNGER,
2000, p. 53).
O ser humano alcançou uma capacidade cada vez maior de intervenção nos
mecanismos da vida, ao mesmo tempo que ameaça com suas ações o ambiente natural e as
espécies que nele vivem, inclusive a sua. O que a sociedade esperava da ciência, na verdade, é
que através de suas descobertas e de sua evolução fosse possível erradicar do mundo as
injustiças sociais. Porém, revelou-se que a ciência era domínio de uns poucos especialistas e,
portanto, distante da maioria da população, colaborando para que as pessoas em todo lugar
começassem a desconfiar e temer o que se convencionou chamar de avanço tecnológico.
A ciência, apesar de ter promovido desenvolvimento no âmbito tecnológico, não foi
capaz de possibilitar as melhorias que a sociedade aguardava, ainda mais no âmbito ético.
A sublimação do conhecimento humano em relação ao conhecimento científico
promoveu, como assinala Maffesoli (1998), revoltas silenciosas ou ruidosas por parte dos
seres humanos que se negaram a aceitar a singularidade da validade de um conhecimento que
era, concomitantemente, avançado e destrutivo.
Capra (1982, p. 39) faz uma crítica à ênfase no método científico e no pensamento
racional analítico:
O conhecimento científico e tecnológico cresceu enormemente depois que os
gregos se lançaram na aventura científica no século VI a.C. Mas durante
estes 25 séculos não houve virtualmente qualquer progresso na conduta das
questões sociais. A espiritualidade e os padrões morais de Lao-te Buda
que, também viveram no século VI a.C., não eram claramente inferiores aos
nossos.
Por muito tempo assegurada como verdade única e absoluta, a ciência, então, torna-se
mais questionável do que em outros momentos de sua trajetória:
Em contraste com a concepção mecanicista cartesiana, a visão do mundo que
está surgindo a partir da física moderna pode caracterizar-se por palavras
como orgânica, holística e ecológica. Pode ser também denominada visão
21
sistemática, no sentido da teoria geral dos sistemas. O universo deixa de ser
visto como uma máquina, composta de uma infinidade de objetos, para ser
descrito como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão
essencialmente inter-relacionadas e podem ser entendidas como modelos
de um processo cósmico. (CAPRA, 1982, p. 72).
O conhecimento científico é continuamente elaborado, revisto, transformado e,
portanto, não deve se constituir como uma verdade definitiva. A evolução do pensamento
científico não ocorre no acúmulo de conhecimento, mas na ida e vinda de idéias, muitas delas
contraditórias.
Nesse sentido, a crise de uma tradição científica tida como verdade única provocou a
queda de sua hegemonia, pois ao ser eleita como modalidade exclusiva de validação do saber
excluiu e negou todas as outras existentes nas sociedades e nas culturas.
Japiassú (1996) assinala que a elevação da racionalidade ao posto de comando dos
saberes humanos provocou nos demais uma espécie de mutilação, ou seja, toda forma de
saber que não fosse regida pela óptica cartesiana-newtoniana deveria ser refutada e recusada.
Essa ênfase na ciência, na gica e na tecnologia fez com que o ser humano se
relacionasse de maneira racional com o mundo, tornando-o materialista e mecanicista,
condicionado pelo paradigma cartesiano da Idade Moderna a atitudes muitas vezes
irracionais, como as guerras, a dominação e a exploração.
Tal paradigma deu origem à metáfora do homem e da máquina. Weil (1993, p. 133)
denuncia o determinismo mecanicista que se instalou durante a Idade Moderna:
O homem, então, se fez máquina. Robotizou a sua mente e mecanizou sua
rotina existencial. Reduziu o seu mistério a engrenagens. Nous, o espírito,
degenerou-se em intelecto, como denunciou Jung.[...] Sendo tratado e
tratando-os como máquina, o cidadão é confiado aos técnicos. Se seu
problema parece ser coração, por exemplo, é conduzido a um técnico de
coração denominado cardiologista. [...] A que preço?
Criticando tais fragmentações, compara o ser humano a uma máquina em que cada um
faz apenas o que lhe cabe, conforme seu saber especializado. O ser humano foi reduzido a
compartimentos, tornando-se um especialista em fragmentos e exercendo os mais variados
papéis, sem notar a sua natureza integrada e interligada.
Como nunca antes o homem encontra-se esfacelado no seu conhecimento,
atomizado no seu coração, dividido no seu pensar e sentir,
compartimentalizado no seu viver. Refletindo uma cultura racional e
tecnológica encontramo-nos fragmentados e encerrados em compartimentos
estanques. Interiormente divididos, em permanente estado de conflito,
22
vivemos num mundo também fracionado em territórios e nacionalidades, em
estado de guerra infindável. (CREMA, 1989, p. 22).
Segundo Morin (2003, p. 17), teórico do pensamento complexo, a fragmentação e os
conhecimentos fragmentados são insatisfatórios:
Os conhecimentos fragmentados servem para usos técnicos. Não
conseguem conjugar-se para alimentar um pensamento capaz de considerar a
situação humana no âmago da vida, na Terra, no mundo, e de enfrentar os
grandes desafios de nossa época. Não conseguimos integrar nossos
conhecimentos para a condução de nossas vidas
.
Toda essa especialização e fragmentação podem trazer conseqüências à humanidade
no que diz respeito à divisão e à fragilização na hora em que devemos nos responsabilizar.
Morin (2003, p. 18) assim se pronuncia:
O enfraquecimento de uma percepção global leva ao enfraquecimento do
senso de responsabilidade – cada um tende a ser responsável apenas por sua
tarefa especializada -, bem como ao enfraquecimento da solidariedade
ninguém mais preserva seu elo orgânico com a cidade e seus concidadãos.
Não se faz necessário, no entanto, acabar com as especializações, haja vista que elas
têm sua importância. O que é necessário é que estejam conectadas com o todo, sem seriações
e sem exclusões.
Não restam dúvidas de que a lógica racionalista cartesiana-newtoniana não funcionou,
pois com sua linearidade, sua gica de causa e efeito, restringiu por demais as possibilidades
humanas e provocou o surgimento de um novo pensamento, uma nova gica, mais sensível,
mais imaginativa, mais emotiva, mais afetiva, ou como assinala Maffesoli (1998), uma lógica
interna que não sendo irracional, jamais negaria sua porção de irracionalidade absoluta.
A lógica interna, diferentemente da cartesiana-newtoniana, prega a inter-conexão dos
conhecimentos e saberes, surge do subjetivo mais profundo, e não oposta, da lógica externa.
Ela a complementa. Coerente com esta compreensão, Strieder (2004, p. 34) afirma:
Na nova visão de realidade jáo cabe o ser humano mecânico e formatado,
seguidor de normas imutáveis. não cabe o fazedor, tarefeiro, submisso e
subserviente a chefes, um singular executor de técnicas e métodos
delineados em cartilhas insensíveis, as quais proporcionam atividades
desumanas. Na inovadora epistemologia, com base na teoria da
complexidade, na teoria do caos e na estrutura realimentável dos fractais,
que emergem na fluidez organizativa da vida, urge o embasamento de um ser
23
humano mais conectado a si mesmo, mais solidário e com muito maior grau
de fraternura, um ser humano que se aceita, que se respeita e que por isso,
aceita e respeita o outro em seu espaço convivencial.
Atualmente, não cabe mais a visão materialista, racionalista e reducionista do velho
paradigma newtoniano-cartesiano da Ciência Moderna. Se, para Descartes, o mundo tem
explicação dualista, para Morin (2002), Maturana(2001), Capra(2001) e todos aqueles que
comungam de um pensamento advindo de uma racionalidade aberta, o vínculo entre o
autoconhecimento e as diversas formas de conhecer podem proporcionar novos aprendizados
do Ser/Estar no mundo fundamentados na compreensão da complexidade, no resgate da
ludicidade e transcendência do Ser e na busca da qualidade de vida na Terra.
A consciência de Ser para Estar no mundo precisa de uma ciência, uma educação que
permita a construção de uma identidade. assim o saber torna-se aprendizado do ser, na sua
integralidade humana.
A ciência e a educação testemunham um mundo racionalista e insensível no qual
atuam e se espelham. As ações do ser humano refletem o cultivo de suas faculdades racionais
e lógico-dedutivas. Os desequilíbrios ecológicos, sociais, morais, econômicos, culturais e
educacionais são alguns destes reflexos provenientes do desenvolvimento de um
conhecimento descolado de suas raízes filosóficas e espirituais.
[...] constatação de que o Homo sapiens/demens usou até o presente uma
pequena porção das possibilidades de seu espírito/cérebro. Isso supõe
compreender que a humanidade se encontra longe de ter esgotado suas
possibilidades intelectuais, afetivas, culturais, civilizacionais, sociais e
políticas. Nossa cultura atual corresponde ainda à pré-história do espírito
humano e nossa civilização não ultrapassou a idade de ferro planetária.
(MORIN, 2000, p. 111).
O ser humano teve sua visão de mundo reduzida e isolada da natureza, do cosmos, e
até de si mesmo. A condição atual da ciência e da educação é a compartimentação disciplinar,
recortes temáticos, especialidades que tornam inadequada a abordagem sobre as crises
decorrentes dos problemas humanos.
Porém, a educação que temos avança pautada nas compartimentações disciplinares e
nos recortes temáticos, tornando inadequada a abordagem sobre as diversas crises decorrentes
dos problemas humanos. Há um consenso de que o ensino compartimentado e dogmático dará
lugar a solidariedade e às religações transdisciplinares num acolhimento resignado ao
universal.
24
Neste sentido Morin, (2000, p. 104) salienta:
A educação mundial está em crise, clama por transformações e,
conseqüentemente, por mudanças de paradigmas. E, nesse sentido, a busca
de novos caminhos para uma outra compreensão de mundo envolve a
educação em todos os veis e em todas as idades. O desenvolvimento da
compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades; esta deve ser
a tarefa da educação do futuro. Tal processo apresenta-se como um grande
desafio para o educador, porém necessário e possível.
Reconhecer, portanto, o momento de crise que vivemos é um desafio para reconhecer
e compreender o mundo em que vivemos. Souza Santos (1987) fala de uma transposição de
paradigmas que, ainda emergente, não apresenta contornos bem definidos. Segundo ele,
vivemos uma transição na qual temos no lugar da eternidade, a história; ao invés do
determinismo, a imprevisibilidade; do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a
auto-organização; da ordem, a desordem; da necessidade, a criatividade e o acidente.
A ciência precisa buscar integrar conhecimentos reais, confrontá-los com objetos
complexos, com novas práticas epistemológicas, novas filosofias e outras políticas, novas
metodologias como a “inter”, a “multie a “transdisciplinaridade”. Precisa buscar a ligação
entre o todo e as partes, entre o global e o local, entre o micro e o macro, entre o imanente e o
transcendente, entre o conhecimento e o desconhecimento, impregnados de complexidade.
Um ser humano isolado da natureza, do cosmos e das profundidades de si-mesmo
surgiu a partir das especializações do conhecimento. O pensamento fragmentado,
reducionista, alienou do processo do saber, da produção do conhecimento, a sensibilidade
humana, a emoção, a arte, a intuição.
A necessidade de compreender a multidimensionalidade demandou que saberes, antes
antagônicos ou singulares, travassem diálogos e restabelecessem uma unidade que teria sido
perdida com as especializações e as fragmentações inerentes ao paradigma da modernidade.
Estamos vivendo uma crise de valores e de atitudes. Uma crise de
paradigma. Paradigma é mais que uma teoria, pois “é uma estrutura que gera
teorias, produzindo pensamentos e explicações, significando um sistema de
aprender a aprender, que é equivalente a uma mudança de mundo”.
(CREMA, 1989, p. 180).
Capra (2005, p. 17) afirma que:
[...] paradigma significa a totalidade de pensamentos, percepções e
valores que formam uma determinada visão da realidade, uma visão
25
que é a base do modo como a sociedade se organiza e que se constitui
como referencial de análise e interpretação de uma realidade.[...].
Kuhn (1992, p. 13) considera os paradigmas como as realizações científicas
universalmente reconhecidas que durante algum tempo fornecem problemas e soluções
modelares para a comunidade de uma ciência. Os paradigmas servem para formatar diferentes
visões de mundo que nos ajudam a compreender os diferentes contextos. Neste sentido, a
ciência não se constrói num processo cumulativo de conhecimento, mas sim através de crises
intelectuais que causam as revoluções científicas, gerando as mudanças paradigmáticas,
modelos alterados e em permanente movimento.
Na busca de um novo paradigma para a ciência, algumas posturas são necessárias,
como nos enuncia Santos Neto (2006) ao validar o rigor, a base empírica da ciência, a lógica
interna, a coragem de propor novos caminhos de investigação. É preciso ousar novas
explicações, mais coerentes que as vigentes, e por fim, estabelecer pontes não entre as
áreas da ciência, mas também entre as diferentes formas do saber, o que inclui aproximar a
ciência da filosofia, a arte e o saber das religiões ou tradições espirituais, numa abordagem
transdisciplinar.
Santos Neto (2006) nos diz que a educação pode ser a saída da chamada crise
civilizacional, pois é por ela que se pode trabalhar mudanças paradigmáticas. Neste sentido, a
crise nem sempre é negativa. Para Kunh (1992), as crises são uma pré-condição para a
emergência de novas teorias. Gadotti (1996), por sua vez, atenta para a interferência da crise
atual na educação, que induz a escola a questionar-se sobre si:
Até muito recentemente a questão da escola se limitava a uma escolha entre
ser tradicional e moderna. Essa tipologia não desapareceu, mas não
responde a todas as questões atuais da escola. [..] A crise paradigmática
também atinge a escola, e ela se pergunta sobre si mesma, sobre seu papel
como instituição numa sociedade pós-moderna e pós industrial,
caracterizada pela globalização da economia e das comunicações, pelo
pluralismo político, pela emergência do poder local. Nessa sociedade
crescem a reivindicação pela autonomia contra toda forma de uniformização
e o desejo da afirmação da singularidade de cada região, de cada língua etc.
(GADOTTI, 1996, p. 33).
É na educação escolar que os educandos iniciam-se cientificamente, e essa é a base
das relações sociais, portanto, é na educação que a crise vem ter maior repercussão. O modelo
de escola tradicional não responde mais às necessidades e anseios dos educandos e, a
26
fragmentação dos saberes, fez com que fossem perdidos os verdadeiros objetivos da
educação. Como nos evidencia Strieder (2004, p. 65):
Na arte, na ciência, na tecnologia e no trabalho humano, tudo aspira
especializar-se, fazendo com que cada especialidade seja essencialmente
separada das outras como se tivesse vida própria. Quando nos damos conta
da ilusão fragmentária e de sua insuficiência, sonhamos com assuntos
interdisciplinares na tentativa de unir as diversas especialidades [...] O
resultado, como não podia deixar de ser, é uma sociedade fragmentada em
nações, em grupos religiosos, partidos políticos, blocos econômicos, grupos
raciais, bem como conhecimentos disciplinados aspirando completude [...]
A fragmentação, a insistência na necessidade da divisão é e continua sendo
conveniente para pensar as coisas dentro de um contexto de atividades
instrumentais e funcionais.
O problema maior dessa fragmentação repercute no fato de tornar desconhecidos os
conjuntos complexos, a multidimensionalidade, as interações. Sobre os perigos da
fragmentação e seu reflexo na escola, Morin (2003, p. 15) alerta:
Assim, os desenvolvimentos disciplinares das ciências não trouxeram as
vantagens da divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da
superespecialização, do confinamento e do despedaçamento do saber. o
só produziram o conhecimento e a elucidação, mas também a ignorância e a
cegueira. Em vez de corrigir esses desenvolvimentos, o nosso sistema de
ensino obedece a eles. Na escola primária nos ensinam a isolar os objetos
(de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas
correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar.
Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está
ligado; a decompor, e não recompor; e a eliminar tudo o que causa
desordens ou contradições em nosso entendimento. Em tais condições, as
mentes dos jovens perdem suas aptidões naturais para contextualizar os
saberes e integrá-los em seu conjunto.
Ainda, salienta que:
Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os
efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da
incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando
que a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da
mente humana, que precisa ser desenvolvida e não atrofiada. (MORIN,
2003, p. 16).
Percebendo a necessidade de empregar uma metodologia de ensino que reunisse vários
conhecimentos tecidos juntos e que verdadeiramente considerasse a natureza humana,
complexa e multifacetada, Morin (2000) nos propõe pensar que o ser humano é a um
27
tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta unidade complexa da
natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio da instituição de
disciplinas, tendo se tomado impossível aprender o que significa ser humano.
A vida e as relações sociais são, por excelência, fenômenos complexos que não podem
e não devem ser compreendidos de forma unilateral comum à perspectiva de uma educação
fragmentária da condição cognitiva humana, como se verifica na separação dos saberes em
áreas, em disciplinas.
As práticas de uma educação que possibilite ao ser humano sua humanização advêm
do pensamento de Paulo Freire (1981), quando afirma que não é possível pensar em educação
sem fazê-lo a partir do próprio ser humano, de forma que toda práxis educativa pressupõe
uma perspectiva antropológica.
Para Freire (1981, p. 27-8), a educação precisa ser pensada a partir da experiência
existencial dos seres humanos que precisam reconhecer-se como inacabados, uma vez que a
consciência da inconclusão que leva o ser humano a educar-se, incitando-o numa busca que
“precisa traduzir-se em ser mais: uma busca permanente de si mesmo”. É necessário um
aprender a aprender ininterrupto, organizado de modo espontâneo e colaborativo, ancorado na
descontrução e reconstrução dos pensamentos a partir de dinâmicas retroativas marcadas pela
não linearidade e capazes de valorizar e dignificar a cultura humanista.
A proposta de uma educação refletida nas relações humanas, desenvolvida em meio a
incertezas, requer um reconhecimento da complexidade humana. O sistema educacional
precisa pensar no ser humano e estudá-lo como um indivíduo que tem sentimentos e que não
age por instinto, mas que é curioso e tem necessidades a serem supridas. Morin (2000) refere-
se a este humano como homo complexus, que é a um tempo sapiens e demens. Portanto o
homo, não é só dotado de razão, mas de entusiasmo, paixão, emoção e também loucura.
Morin (2000) diz que o ser humano da racionalidade é também o da afetividade, do
mito e do delírio, é demens. O ser humano do trabalho é também o homem do jogo, é ludens.
O empírico é também do imaginário, é imaginarius. Portanto, o educando para ser humano
precisa valorizar seu lado mítico, lúdico, afetivo e mágico.
Urge questionar os tradicionais dualismos referentes à constituição humana e tratar
cognição e afetividade, emoção e razão, como elementos do pensamento humano.
Especialmente quando se trata do campo da educação, em que cada vez mais necessitamos
preocupar-nos com a formação integral do ser humano, que atenda a todas as suas dimensões.
Desta forma, o processo educativo não se esgota na sua prática, mas exige do ser
humano a construção de sua totalidade e de sua plenitude. A escola, empenhada em transmitir
28
conteúdos e formar profissionais para o mercado de trabalho, não leva em conta que o sujeito
e a sociedade necessitam saber fazer a religação e a circulação de saberes, precisam estar com
as cabeças-bem-feitas e não cabeças-bem-cheias de informação avulsa e especializada.
Morin (2003) convida a todos a pensar, em sua obra A Cabeça Bem-Feita”, que uma
cabeça realmente bem feita não se resume a acumular o saber, mas sim dispor de uma aptidão
no trato dos problemas e também princípios organizadores que permitem ligar os saberes e
lhes dar sentido.
A análise da pertinência dos nossos princípios tradicionais de inteligibilidade
começou: a racionalidade e a cientificidade precisam ser redefinidas e
complexificadas [...] Para tanto, devemos reaprender a pensar, tarefa que
cada um deve começar por si mesmo. (MORIN, 2000, p. 154).
Muito mais do que uma educação que privilegie a sociedade interligada pelas redes de
informação, precisamos privilegiar uma sociedade aprendente
3
, conhecedora e emancipatória
para articular, interpretar e reconhecer os saberes advindos das diversas fontes de
conhecimentos.
Uma sociedade aprendente não torna o saber algo trivial, pois desenvolve um aprender
renovável e renovado. Esta realidade, que limita as possibilidades do conhecimento, traz à
tona a necessidade de produzirmos saberes que sejam capazes de reconstruir uma
aprendizagem humana com autonomia e liberdade.
Cada ser vivo, para existir e para viver, tem que ser flexível, adaptável, reestruturável,
assim como, deve interagir, criar e co-evoluir. Tem que se realizar como um ser aprendente.
Caso contrário, morrerá. Assim ocorre também com o ser humano; a sociedade do
conhecimento é uma sociedade aprendente que, como a vida, se flexibiliza, se adapta, instaura
redes de relações e cria. Educar é fazer experiências de aprendizagem pessoal e coletiva.
4
Segundo Assmann (2001), a escola não deveria ser considerada como simples agência
repassadora de conhecimentos prontos, mas como lugar cujo contexto e clima organizacional
são propícios à iniciação em vivências personalizadas do aprender a aprender.
Embora a escola tenha sido vista por muito tempo como o lugar privilegiado do
conhecimento e da educação, acredita-se que a riqueza de um processo educacional não esteja
3
Assmann (1998, p.198) considera que o termo aprendente significa a possibilidade de assimilar, tratar e
compreender os conhecimentos, traduzidos na necessidade de estimular qualidades fundamentais como a
formação do humano, a educação e a aprendizagem ao longo da vida. Para ele, aprender não apresenta relação
intrínseca com a escolaridade.
4
BOFF (1998).
29
restrita à escola. A educação se também na vida e no mundo, e a escola faz parte desse
contexto. Uma escola de vida e com vida: eis uma nova mentalidade com relação à educação.
Para José Manuel Moran (1993, p. 28), urge:
Educar para a abertura a novas experiências, a novas maneiras de ser, a
novas idéias. Educar para o positivo, para a mudança, para o o previsível,
para aprender continuamente (educação permanente). Educar para a
autonomia, para caminhar por nós mesmos, para não depender de modas, do
que os outros querem. Educar para a liberdade possível em cada etapa da
vida (educação como facilitadora do processo de libertação pessoal, grupal e
social). Educar para desenvolver o mais plenamente possível todas as
potencialidades intelectuais, afetivas, criativas (artísticas) e morais de cada
um de nós. Educar para encontrar o eixo, o sentido de nossa vida. Isso se
aplica à escola, mas também à família e a outros espaços pedagógicos
sociais.
Educar, segundo Delors (1999) é algo que acontece ao longo da vida e precisa ser
encarado como uma construção contínua da pessoa humana, de seus saberes e aptidões, de sua
capacidade de discernir e agir. Precisa levar cada um a tomar consciência de si próprio e do
meio ambiente que o rodeia, e a desempenhar o papel social que lhe cabe enquanto
trabalhador e cidadão.
A nova educação aspira à formação de seres humanos que se permitam encantar com
as incertezas do dia-a-dia, com a diversidade humana decorrente, sejam dos traços biológicos,
culturais, afetivos, sociais ou históricos, que permitam o reencantar da educação:
O reencantamento da educação requer a união entre sensibilidade social e
eficiência pedagógica. Portanto, o compromisso ético-político do/a
educador/a deve manifestar-se primordialmente na excelência pedagógica e
na colaboração para um clima esperançador no próprio contexto escolar.
(ASSMANN, 2001, p. 125).
Precisamos de uma nova educação que fomente novas mentalidades, novas formas de
conviver com o mundo que nos rodeia. Que a educação ocorra nas interações, no diálogo, na
amorosidade das relações, na solidariedade, no afeto, na compreensão mútua. De acordo com
Maturana (1998), a educação vai acontecer o tempo todo no convívio com o outro, na troca
afetiva, de maneira recíproca.
Para reprimir velhos paradigmas reducionistas na educação, Santos Neto (2006, p. 40)
propõe que:
A escola proporcione educação com o objetivo de evoluir da informação
para o conhecimento e deste para assimilação dos saberes para a vida
30
cotidiana. Será necessário também auxiliar a despertar o aluno para o seu
potencial humano. Para isto a escola terá que reaproximar saberes que foram
historicamente separados: ciência, filosofia, artes e tradições espirituais. Tal
trabalho caminha na direção da superação do saber fragmentado e exige
postura inter e transdisciplinar.
À educação cabe, portanto, transcender as fronteiras disciplinares, de modo que
nenhuma seja mais importante que a outra, pois cada uma requer sua diferença e ainda assim
todas podem ser complementares. A educação, ao transcender as fronteiras disciplinares
convencionais, atinge a lógica sensível pela via da transdisciplinaridade, pois está entre,
através e para além de qualquer disciplina na busca do Ser Integral (NICOLESCU, 2001).
Reabrirá um dia a escola
ante os dentes da engrenagem o seu riso poético?
Corpo e espírito. Círculos concêntricos,
cujo centro está em toda parte
e, em nenhum lugar[...]
A tarefa divina de educar para o espanto
foi posta aos nossos pés
para que a regássemos com lágrimas,
dando-lhes o cuidado
que damos a essa coisa vítrea que é viver.
Regis de Morais
1.2 Princípios transdisciplinares e suas contribuições educacionais
VERDADE
A Porta da Verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a Verdade,
Porque cada metade trazia o perfil da meia verdade
E sua segunda metade
Voltava igualmente com meio perfil
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a Verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela,
Nenhuma das duas partes era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
Seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade
5
5
ANDRADE, Carlos Drumonnd de. Verdade. In: ANDRADE, Carlos Drumonnd de. Corpo. 10a ed. Rio de
Janeiro: Record, 1987, pp. 41-42.
31
Durante muito tempo nossas práticas educativas foram, e ainda por vezes
permanecem, lastreadas pelo paradigma da disciplinaridade que se configura pela
fragmentação do saber em disciplinas ou matérias curriculares estruturadas, na maioria das
vezes estranhas umas às outras, parceladas, segmentadas e isoladas.
Essa fragmentação dos conteúdos desvincula o conhecimento da cotidianidade da
vida, dos valores fundamentais que plasmam as subjetividades, dos contextos sócio-culturais,
e trazem como conseqüência a fragmentação das mentalidades, das consciências, fazendo
perder a compreensão do Ser, da vida e da cultura em suas relações íntimas e dinâmicas,
matando a dialética existente entre todo e parte.
Weil (1993) nota a importância da necessidade de compreensão da insuficiência do
atual enfoque disciplinar, típico do racionalismo científico. Para o autor, numa realidade
complexa a fragmentação e o método de decomposição centrado nas partes, desenvolvido no
século XVII, por Descartes, é um limitador de compreensão.
O enfoque disciplinar, que analisa e fraciona, foi o responsável pela geração das
especializações e a divisão do trabalho, a partir da Revolução Industrial. Esse reducionismo
acabou por suscitar, como nos diz Weil (1993), inteligentes alternativas reparadoras, como as
abordagens “multi”, “pluri” e “interdisciplinar”, sempre na órbita disciplinar. Constata,
porém:
Transdisciplinaridade, na sua acepção literal significa transcender a
disciplinaridade. Torna-se prioritário, portanto, entendermos a
disciplinaridade moderna, sua origem, função e limitação diante dos novos
desafios contemporâneos.[...] Transdisciplinaridade é um significativo passo
além, um avanço qualitativo. Representa a convocação para a mesa de
reflexão e sinergia, ao lado dos cientistas e técnicos, dos “exilados”, do
exaltado império da razão: os artistas, os poetas, os filósofos, os místicos.
Vale dizer, o retorno à qualificação desses navegantes da subjetividade, da
alma e do absoluto, condenados a um quase ostracismo e à marginalidade
nesses últimos “iluminados” séculos. (WEIL, 1993, p 131).
Com o advento da interdisciplinaridade, percebemos um avanço significativo em
relação à disciplinaridade, à medida que se articula uma relação de diálogo entre as disciplinas
na tentativa de superar fronteiras existentes. Porém, a interdisciplinaridade continua
estruturada na disciplinaridade, privilegiando os saberes científicos em detrimento a outras
fontes de saber, que primam pela formação integral do educando.
Neste sentido, urge encontrar conceitos mais amplos de conhecimento. A
transdisciplinaridade considera que a educação precisa nutrir-se tanto da ciência quanto da
32
filosofia, da arte e das tradições espirituais, alcançando a superação das dualidades entre
ciência e consciência, corpo e mente, materialidade e espiritualidade, coração e razão. Dessa
forma, procura religar os hemisférios cerebrais e compreender que objetividade e
subjetividade não são pólos isolados e estanques; ao contrário, são interligados e
complementares, e como tais precisam ser tratados.
O termo transdisciplinaridade, por sua vez, foi criado pelo educador suíço Jean Piaget
e foi usado pela primeira vez em 1970 em um colóquio sobre interdisciplinaridade. Na
ocasião, Piaget previa que a etapa interdisciplinar deveria posteriormente ser sucedida por
uma etapa superior, transdisciplinar:
[...] enfim, no estágio das relações interdisciplinares, podemos esperar o
aparecimento de um estágio superior que seria 'transdisciplinar', que não se
contentaria em atingir as interações ou reciprocidades entre pesquisas
especializadas, mas situaria essas ligações no interior de um sistema total
sem fraturas estáveis entre as disciplinas. (WEILL, 1993, p. 30).
De acordo com Nicolescu (1999), a interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas, mas
sua finalidade permanece inscrita na pesquisa disciplinar, não superando as fronteiras
fragmentadoras presentes no modelo disciplinar.
A transdisciplinaridade ressalta que a disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a
interdisciplinaridade, juntamente com a transdisciplinaridade, não são excludentes e precisam
ser consideradas abordagens complementares. Elas coexistem e enriquecem uma a outra, mas
é necessário que se faça um esforço no sentido de explorar as fronteiras existentes entre as
disciplinas, visando uma compreensão melhor do mundo contemporâneo, complexo e
planetário.
A transdisciplinaridade gera uma nova teoria e uma nova prática de decisão. São três
os pilares de uma metodologia transdisciplinar. Nicolescu (1999) afirma que pode haver a
maior ou menor satisfação dos três pilares metodológicos da pesquisa transdisciplinar. A
pesquisa transdisciplinar correspondente a certo grau de transdisciplinaridade e se aproximará
mais da multidisciplinaridade (como no caso da ética); num outro grau, se aproximará mais da
interdisciplinaridade (como na epistemologia); e ainda num outro grau, se aproximará mais da
disciplinaridade. Para Nicolescu (1999), a disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são as quatro flechas de um único e mesmo
arco: o conhecimento.
33
Ainda para este autor, o prefixo “trans”, no termo transdisciplinaridade, diz respeito
àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além
de qualquer disciplina. O objetivo geral é a compreensão do mundo presente, para o qual um
dos imperativos é a unidade do conhecimento, buscando a não separabilidade, as interligações
micro e macro que constituem a inteireza dos fenômenos da cultura, da vida.
A transdisciplinaridade é um mecanismo de ruptura com as fronteiras disciplinares, e
segundo Morin (2003) é a forma mais adequada que humanidade atual encontra para
solucionar os problemas pós-modernos que se apresentam.
Transdisciplinaridade, segundo Litto e Mello (2000) engloba e transcende o que passa
por todas as disciplinas, reconhecendo o desconhecido e o inesgotável que estão presentes em
todas elas, buscando encontrar seus pontos de interseção e um vetor comum.
No artigo 3° da Carta da Transdisciplinaridade
6
, temos que:
A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz
emergir da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre
si; oferece-nos uma nova visão da natureza e da realidade. A
transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias outras
disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as
ultrapassa (NICOLESCU, 1999, p. 2-3).
D’Ambrosio (1997, p. 79), ao tratar da transdisciplinaridade, revela:
Está claro que transdisciplinaridade o constitui uma nova filosofia, uma
nova ciência metafísica nem uma ciência da ciência. Muito menos uma nova
postura religiosa. Nem é, como alguns insistem em mostrá-la, um modismo.
O essencial na transdisciplinaridade reside na postura de reconhecimento de
que não espaço nem tempo culturais privilegiados que permitam julgar e
hierarquizar como mais corretos ou mais certos ou mais verdadeiros os
diversos complexos de explicações e de convivência com a realidade. A
transdisciplinaridade repousa sobre uma atitude aberta, de respeito mútuo e
mesmo de humildade com relação a mitos, religiões e sistemas de
explicações de conhecimentos, rejeitando qualquer tipo de arrogância ou
prepotência.
Para Nicolescu (1999), a abordagem transdisciplinar precisa considerar que os limites
entre as diferentes áreas do conhecimento, que convencionamos chamar de disciplinas,
6
A Carta da Transdisciplinaridade foi redigida durante o Congresso da Arrábida, acontecido no Convento da
Arrábida, Portugal, em novembro de 1994, com apoio da UNESCO. Esse congresso é considerado como a
primeira manifestação mundial da transdisciplinaridade. Redigida sob a coordenação de Lima de Freitas, Edgar
Morin e Basarab Nicolescu, a Carta foi publicada como apêndice do Manifesto da Transdisciplinaridade
(NICOLESCU, 1999).
34
contêm inúmeras informações e possibilidades a serem exploradas. Ela é uma postura, um
espírito integralizador diante do saber, uma vocação articuladora para compreender a
realidade, sem abandonar o rigor e o respeito às áreas do conhecimento. Ela se apóia nos
princípios de existência de diferentes níveis de realidade, de percepção e de complexidade.
Severino Antonio (2002, p. 27) afirma que a transdisciplinaridade é a “nova concepção
epistêmica e educacional. Mais ainda: é um novo modo de compreender a realidade, a
natureza e o homem. Um novo olhar, uma nova escuta”. A transdisciplinaridade é um modo
de conhecer e de conhecer o conhecimento. Um modo “de pensar e de pensar o pensamento”.
Podemos dizer, assim, que a transdisciplinaridade quer assumir uma forma de
movimento, de fluxo de idéias, e principalmente uma nova maneira de pensá-las. Como um
novo modo de conhecimento, sugere uma nova compreensão dos processos, uma ampliação
da visão de mundo, uma nova atitude e maneira de ser diante do saber.
A abordagem transdisciplinar visa construir pontes que entrelaçam dialogicamente os
modos de conhecimento e as diferentes culturas, respeitando-as e afirmando o quão
importante são suas peculiaridades e seus nexos de complementaridade. Os valores humanos
são, dessa forma, reafirmados mediante uma postura de novo humanismo, o eco humanismo,
em que o ser humano e a natureza são compreendidos coexistencialmente para formar uma
consciência ecológica crítica e profunda.
Patrick Paul (2005), reportando-se à transdisciplinaridade, afirma que à medida que a
epistemologia transdisciplinar se coloca como capacidade de criar pontes entre domínios
contraditórios, precisamos postular sua aptidão para distinguir e para ligar as epistemologias
holistas, positivistas e construtivistas.
A transdisciplinaridade é também transreligiosa, pois compreende e respeita todas as
tradições religiosas em suas especificidades. Nicolescu (1997) afirma que a realidade não é
apenas muldimensional, e sim multirreferencial. Assim, o conceito da transdisciplinaridade
avança para transnacionalidade, transpolítica, transcultura e transreligião, numa concepção
aberta e complexa do que reside entre, através e além das nacionalidades, sistemas políticos,
culturais e religiões.
Segundo Nicolescu (1999), a percepção e a compreensão da realidade transdisciplinar
pode marcar um novo estágio em nossa história, baseado no conhecimento do universo
externo em harmonia com o auto-conhecimento do ser humano, pois quando nossa
perspectiva a respeito do mundo muda, o próprio mundo muda.
Aceitar a abertura e a complexidade da realidade, do indivíduo e da lógica do terceiro
incluído, permite a congregação dos opostos e faz emergir o que Nicolescu (1999) chamou de
35
princípio de relatividade, ou seja, como nenhuma disciplina ou conhecimento é superior a
outra, nenhum ponto de vista pode ser considerado privilegiado para avaliarmos ou julgarmos
qualquer outro.
O princípio da relatividade transdisciplinar nos conduz ao trans-humanismo uma busca
que existe entre, através e além de cada grupo humano, cada indivíduo (NICOLESCU, 1999).
O trans-humanismo, segundo a abordagem transdisciplinar, vem oferecer ao ser humano as
bases de seu desenvolvimento integral, sua realização no mundo, numa atitude de respeito a si
e ao outro.
Nesse sentido, Assmann (1998, p.182-3) deixa claro que:
A transdisciplinaridade não pretende, de forma alguma, desvalorizar as
competências disciplinares específicas. Ao contrário, pretende elevá-las a um
patamar de conhecimentos melhorados nas áreas disciplinares, já que todas
elas devem embeber-se de uma nova consciência epistemológica, admitindo
que é importante que determinados conceitos fundantes possam transmigrar
através (trans) das fronteiras disciplinares. Os/as cientistas e pedagogos/as
que mais se dedicaram a temas como complexidade, auto-organização e
similares, são também os maiores fatores da transdisciplinaridade.
O que se busca é a convocação do especialista a envolver-se, a dialogar, com outras
formas de realidade, visando a completude. Que ele seja capaz de tecer relações conscientes
da dinâmica do todo e das partes. Para Crema (1993, p. 140), o enfoque transdisciplinar não é
contra a especialização, mas postula a abertura do especialista ao todo que o envolve e a
dialogicidade com outras formas de conhecimento e de visões do real, visando a
complementaridade.
Para D’Ambrósio (1998, p. 17):
A transdisciplinaridade é um enfoque holístico que procura elos entre as
peças que por séculos foram isoladas. Não se contenta com o
aprofundamento do conhecimento das partes, mas com a mesma intensidade
procura conhecer as ligações entre essas partes. E vai além, pois no sentido
mais amplo de dualidade não reconhece maior ou menor essencialidade de
qualquer das partes sobre o todo.
Nas palavras de Akiko Santos (2005, p. 68):
O princípio da transdisciplinaridade propõe transgredir as fronteiras
epistemológicas de cada ciência com vistas à construção de um saber
articulado, mais significativo para a humanidade sob uma visão unitária,
36
resgatando o sentido do conhecimento ao articular as zonas de confluência
existentes entre as diversas áreas do conhecimento, estimulando o
intercâmbio de princípios compatíveis entre elas.
Uma vinculação da transdisciplinaridade com o pensamento complexo e sistêmico
surge a partir das palavras de Morin (2000). Para ele, as relações não são apenas de integração
das diferentes disciplinas, mas estão na nova elaboração do processo de ensino/aprendizagem.
Não deveriam existir fronteiras entre as áreas do conhecimento, pois assim as interações
chegariam a um nível tão elevado que se tornaria praticamente impossível revelar onde
iniciam ou terminam.
Na abordagem transdisciplinar-complexa, o educando é considerado em sua inteireza.
Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a definição formal do que é um ser humano e de
submetê-lo a análises restritivas a estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível
com a visão transdisciplinar (CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE apud
NICOLESCU, 1999, p. 148).
Segundo Nicolescu (1999), a complexidade é inerente à natureza das coisas, e a gica
do terceiro incluído e os veis de realidade vieram para transcender a clássica visão
mecanicista do mundo.
Nas palavras de Morin (2006, p. 13):
A um primeiro olhar a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido
junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca
o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é
efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,
determinações, acasos que constituem nosso mundo fenomênico.
Complexidade e transdisciplinaridade se tornam indissociáveis no discurso
pedagógico, haja vista que a complexidade é a chave de sua sustentação. A
transdisciplinaridade nasce com o paradigma da complexidade, e com elas, as interligações de
sujeito-objeto-ambiente. Ela é uma nova abordagem acerca do conhecimento humano, pois
envolve tanto a ciência e a tecnologia, quanto a filosofia, a arte, a ética e a espiritualidade.
Nas palavras de Crema (1989, p. 98):
A essência da transdisciplinaridade é, pois, a idéia de inclusão; inclusão das
partes no todo e do todo nas partes. Não se trata da simples negação da
especialidade, mesmo porque, frente a multiplicidade e complexidade do
conhecimento, depara-se com a ambivalência intrínseca do ato de conhecer na
37
contemporaneidade; ambivalência causada pela impossibilidade de atingir-se o
conhecimento pleno e acabado a respeito de qualquer coisa, o que remete à
necessidade da focalização.
Esse novo paradigma da complexidade, que trata também da transdisciplinaridade,
implica uma reforma do pensamento no processo de ensino-aprendizagem. As relações que
emergem das disciplinas consistem em proporcionar aos educandos uma cultura que
possibilitará articular, religar, contextualizar, globalizar, situar-se e reunir os conhecimentos
que foram por ele adquiridos durante toda sua vida.
Morin (2000) afirma que a estrutura disciplinar impede que os docentes se articulem e
articulem seus conhecimentos. Alguns professores podem chegar a comentar que em sua
disciplina, sua área de domínio, não aceitam interferência de outro especialista, e os alunos,
reféns dessa estrutura, acabam por sair das escolas com as cabeças bem cheias” pelo
acúmulo de informações justapostas, ao invés de saírem com as “cabeças bem feitas” de
saberes articulados.
Para Morin, (1999, p. 1-2):
As crianças aprendem a história, a geografia, a química e a física dentro de
categorias isoladas, sem saber, ao mesmo tempo, que a história sempre se
situa dentro de espaços geográficos e que cada paisagem geográfica é fruto
de uma história terrestre; sem saber que a química e a microfísica têm o
mesmo objeto, porém, em escalas diferentes. As crianças aprendem a
conhecer os objetos isolando-os, quando seria preciso, também, recolocá-los
em seu meio ambiente para melhor conhecê-los, sabendo que todo ser vivo
pode ser conhecido na sua relação com o meio que o cerca, onde vai
buscar energia e organização.
As relações propostas entre conteúdos de uma ou outra disciplina, as relações entre as
disciplinas e a vida, caracterizam uma abordagem transdisciplinar que não se contenta com a
elaboração de conhecimentos fragmentados, parcelados, provenientes de um pensamento
linear, e sim precisa promover uma visão reflexiva e conjunta.
Para Morin (2005), ser transdisciplinar significa integrar as realidades banidas pela
ciência clássica e reconhecer o que foi por muito tempo ignorado nas teorias da evolução: a
inventividade e a criatividade. Vasconcelos (2005, p. 128) acrescenta:
A estrutura mental, delineada através das compartimentalizações do
conhecimento, torna-se hoje um obstáculo considerável para a passagem da
disciplinaridade à transdisciplinaridade. O pré-conceito é um obstáculo a ser
transposto para construir o que está “entre” as disciplinas e “além” das
38
disciplinas. Isso requer uma mente aberta, uma atitude amorosa sem
preconceitos para aceitar o diferente e permitir a transgressão das fronteiras
epistemológicas sem se sentir “invadido”. E aceitar a “desordem” trazida
como conseqüência da disciplinaridade e aceitar; consequentemente, o
desafio de construir uma nova ordem.
Morin (2005) alerta que a ciência nunca teria sido ciência se não fosse transdisciplinar,
pois não espaços para conceitos fechados e pensamentos estanques, mas uma busca de
relações que existem entre todo conhecimento. O artigo 5 ° da carta da transdisciplinaridade,
citado por Nicolescu, (2002, 49-50) enuncia:
A visão transdisciplinar é resolutamente aberta, na medida em que ela
ultrapassa o campo das ciências exatas devido ao seu diálogo e sua
reconciliação, não somente com as ciências humanas, mas também com a
arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual.
O conhecimento, sob abordagem transdisciplinar, evolui sempre, sem chegar a
verdades finais, conclusivas, e está livre de qualquer verdade dogmática, está aberto sempre.
Torna-se mister a compreensão de que pouco sabemos a respeito das coisas e que não
podemos saber tudo de tudo, de que necessitamos combater nossas certezas e nosso saber que
não questiona ou reflete.
A transdisciplinaridade rejeita a arrogância de um saber concluído e as certezas
convencionadas. Propõe que a humildade seja uma constante na busca do conhecer, ao mesmo
tempo que denota um caráter aberto, em constante construção e desconstrução, voltado para a
evolução humana e sua complexidade. A abordagem transdisciplinar exige um olhar sério, um
comprometimento científico, para que o respeito às diferenças e a valorização da diversidade
sejam fundamentais na construção do conhecimento.
Nicolescu (2002, p. 87-8) nos diz que um dos grandes diferenciais da abordagem
transdisciplinar voltada à educação é a vivência de valores, e que a vida resiste a todo dogma
e totalitarismo. A atitude transdisciplinar pressupõe tanto o pensamento quanto a experiência
interior, tanto a ciência quanto a consciência, tanto a eficácia quanto a afetividade.
A educação, inspirada na abordagem transdisciplinar, procura cuidar com carinho dos
modos de condução das práticas educativas. Tal cuidado pressupõe a escuta sensível, a
afetividade, a amorosidade, a abertura às diversidades, um olhar transversal, e principalmente
às incertezas advindas no caminho dos processos de ensino-aprendizagem.
Neste sentindo, Duarte Júnior (2004, p. 203) afirma que:
39
A busca de uma transdisciplinaridade, portanto, precisa começar pela
formação das novas gerações, por uma significativa mudança nos parâmetros
e pressupostos que vieram até aqui norteando o ensino praticado entre nós.
De par com a substituição desses métodos que visam apenas ao acúmulo de
dados por parte do estudante, é urgente o empenho para que se lhe permita
uma descoberta sensível da vida, seguindo-se a isto uma ampliação de sua
visão para além do foco restrito das especialidades.
Inspirados em Duarte Júnior (2004), acreditamos que para uma educação
transdisciplinar bastariam os fundamentos de cada ciência, de cada conhecimento, ao lado do
desenvolvimento do raciocínio e do pensamento dos educandos, ou seja, menos informação
puramente racional e bem mais informação intelectual.
Duarte Júnior (2004) propõe refletir a transdisciplinaridade acrescendo a ela uma
discussão acerca da necessidade de uma ampliação do conhecimento, contemplando também
o saber sensível, a necessidade de uma constante interação entre os dados da razão e da
sensibilidade, o que implicaria uma atuação mais inteira da consciência humana. O que o
autor propõe é um processo de conhecimento cujas bases precisam repousar na não
dicotomização do corpo e da mente, do sensível e do inteligível.
O que se pretende, de fato, é romper os limites entre as formas parciais do
conhecimento para a criação de saberes mais abrangentes e integrados, nos quais a razão
possa se exercer de maneira menos parcial e restritiva.
Acrescenta Duarte Júnior (2004, p. 202):
Um indivíduo que tenha a sua sensibilidade desenvolvida, os seus sentidos
despertos e educados para captar as nuanças qualitativas do cotidiano, por
certo se recusará a compreender o mundo e a vida tão-só no modo de uma
especialidade científica ou mesmo filosófica. Procurará, ao contrário,
integrar em seu viver as diferentes modalidades do conhecer humano, tanto
convocando para o seu dia-a-dia o conhecimento obtido em tratados e
laboratórios, quanto emprestando a este colorações captadas sensivelmente
em seu cotidiano.
Esses processos educativos partem de nosso transcendente, de nossa pessoalidade,
nossa singularidade, e nos encaminham a uma transpessoalidade, para compartilhar com os
outros os mistérios da vida e do transviver. Através da transpessoalidade compreendemos os
elos invisíveis de energia de vida que vibr,a e emanam dos corações e mentes humanas,
unindo seres humanos, natureza e planeta.
Nessa perspectiva, a prática educativa torna-se uma experiência viva e rios campos
são interligados buscando compreender questões contemporâneas como a exclusão, o
consumismo, as desigualdades sociais, e propondo saídas e soluções. A transdisciplinaridade
40
é a busca do sentido da vida através das relações entre os diversos saberes, sendo que nenhum
se torna imperativo.
Nicolescu (2002) defende uma educação que tenha como postura a não-neutralidade
na formação de seres humanos lúcidos, reflexivos, participativos, críticos e transformadores
de sua realidade.
Quatro pilares de uma nova educação transdisciplinar são postulados no fim da década
de 1990, frutos de um esforço transdisciplinar. Tais pilares são princípios definidores da
estratégia de promover a educação como desenvolvimento humano.
O relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre Educação para o Século
XXI, coordenada por Jacques Delors, editado sob a forma do livro “Educação: Um tesouro a
Descobrir”, do ano de 1999, tornou-se um documento que define e discute os quatro pilares,
propondo uma educação que esteja direcionada para quatro tipos fundamentais de
aprendizagem, a saber: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e
aprender a ser.
Segundo o Relatório Delors (1999), aprender a conhecer é desenvolver o desejo e a
capacidade de aprender a aprender. Aprender a fazer é indissociável de aprender a conhecer,
concepção que vai da qualificação à competência ao pôr em prática os conhecimentos
adquiridos, e diz respeito às experiências sociais ao longo da vida. Aprender a viver junto é,
antes de qualquer coisa, a compreensão do outro e de si mesmo, a realização de projetos
comuns, o diálogo, o conhecimento da diversidade humana. Aprender a ser é ter a educação
como contribuição para o desenvolvimento total do ser humano, em suas dimensões:
corporais, espirituais, sociais, éticas, estéticas.
Para Nicolescu (2000), a transdisciplinaridade comunga profundamente com os quatro
pilares propostos pelo Relatório Delors, uma vez que propõe uma educação em que o
conhecimento é alinhado á necessidade de reconfiguração dos nossos modos de ser, fazer e
conviver.
Em 1999, objetivando ampliar a visão transdisciplinar voltada à educação, a UNESCO
solicitou a Edgar Morin a sistematização de alguns aspectos para repensar a educação de que
necessitamos para o século XXI. Das suas reflexões nasceu a proposta dos Sete Saberes
necessários para a Educação do Futuro (2000).
Para Morin (2000), os sete saberes indispensáveis á educação de hoje são: as cegueiras
do conhecimento, traduzidas no erro e na ilusão; os princípios do conhecimento pertinente; a
condição humana; a identidade terrena; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; a ética
41
do gênero humano. São eixos e ao mesmo tempo são caminhos para que todos possam refletir
e pensar a humanização da educação.
Morin (2000) quer nos dizer de maneira sucinta, com seus sete saberes, que não
podemos afastar o erro do processo de aprendizagem. Através do erro é que o conhecimento
avança e conhecimento pertinente é aquele que junta, religa as várias áreas do conhecimento
indo contra a fragmentação. Ainda, que ensinar a condição humana é saber que somos dotados
de várias dimensões, psíquica, física, mítica, biológica espiritual, entre outras. Que é preciso
ter em mente a idéia da sustentabilidade terra-pátria e trabalhar com a idéia de que na ciência
existe o incerto, introduzir a compreensão na comunicação humana, principalmente na escola.
Por fim, ter em mente que a ética precisa reinar nas relações humanas.
A proposta de Morin (2000) torna sólidos e amplos os pilares propostos por Delors
(1999) e fundamentam a proposta de uma abordagem transdisciplinar. Se a educação
contemporânea acaba por privilegiar o racional em detrimento da sensibilidade humana, isto
poderá levar a humanidade à destruição. Nicolescu (2001, p. 147) afirma que uma educação
pode ser viável se for uma educação integral do ser humano, dirigido à sua totalidade
aberta. Excluir qualquer dimensão humana seria voltar ao velho paradigma cartesiano, que
exclui e divide, mas nunca conduzir à uma verdadeira abordagem holística.
Embora os termos “holística” e “transdisciplinaridade” tenham sido criados por
diferentes intelectuais, os conceitos se cruzam e são interdependentes. Enquanto a holística
fala de um sistema de energias, a transdisciplinaridade fala das disciplinas do conhecimento
humano. Porém, a transdisciplinaridade precisa estar no âmbito da holística por apoiar-se na
filosofia, na poesia, na arte, além da ciência e da tradição.
O processo educativo visto de forma transdisciplinar rege um princípio comum a todas
as disciplinas, havendo um elo entre elas para não ocorrer uma perda de seus conteúdos. A
visão holística e sua ética permitem a convergência das ciências físicas e sociais, das artes e
das letras, da filosofia e dos conhecimentos, que transcendem o domínio racional.
A abordagem transdisciplinar está na base do paradigma holístico. Não se trata de
fundir, indiscriminadamente, ciência e espiritualidade, que cada uma delas possui caminho
próprio. Como afirmou Capra, (2002), em seu livro “O Tão da Física”: a ciência não necessita
da mística e esta não necessita daquela; o ser humano, contudo necessita de ambas.
Nicolescu (2001) afirma que o advento de uma cultura transdisciplinar, que poderá
contribuir para a eliminação das tensões que ameaçam a vida em nosso planeta, é impossível
sem um novo tipo de educação que leve em conta todas as dimensões do ser humano.
42
D’Ambrósio (1993) assegura que a transdisciplinaridade geral implica uma abordagem
holística. A vivência transpessoal é resultado da holopráxis; transdisciplinaridade e vivência
transpessoal são partes integrantes da abordagem holística e incluem, por conseguinte, o
encontro entre ciência e religião. E acrescenta D’Ambrosio (1993, p. 83):
Admitindo-se que a fonte primeira de conhecimento é a realidade na qual
estamos imersos, o conhecimento se manifesta de maneira total,
holisticamente, e sem seguir qualquer esquema e estruturação disciplinar. A
compartimentalização do conhecimento em “clubes” disciplinares se faz,
naturalmente, obedecendo a critérios fixados a priori e, é claro, permitindo
somente a “entrada de certos conhecimentos e, conseqüentemente,
admitindo a abordagem apenas de certos aspectos da realidade. Esse
procedimento disciplinar provoca a perda da visão global da realidade. Daí
nossa opção pelo transdisciplinar, indo além da organização interna de cada
disciplina (cujo acúmulo atual de conhecimentos é inegável) e procurando os
elos entre as peças que tem sido vistas isoladamente. Esse é um enfoque
holístico.. não nos contentamos com aprofundar o conhecimento das partes,
mas procuramos, da mesma maneira conhecer as ligações entre as partes.
Podemos falar de uma ação transdisciplinar no vel individual, emanando da visão
holística que dissolve as fronteiras mentais e transcende as dualidades. É a integração do Ser
que propicia a percepção e a ão integrada na realidade e no cotidiano. Nesse sentido, a
abordagem transdisciplinar é uma decorrência natural do despertar da visão holística
(CREMA, 1993).
1.3 Sonhando uma educação holística: a plenitude do ser
Para ser grande, sê inteiro.
Nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim, em cada lago, a lua toda brilha.
Porque alta vive
Fernando Pessoa
O paradigma racional, mecanicista e determinista que reinou em determinada época
não serve mais à dinâmica da atualidade, que devido à sua complexidade exige uma postura
mais ampla e diversificada. Enquanto a racionalidade tinha a certeza como suposição, hoje
vivenciamos uma avalanche de mudanças e incertezas.
Neste cenário complexo e incerto, a educação holística surge como um paradigma
emergente, focado na complexidade do ser humano, nas suas dimensões, na interdependência,
43
na idéia de que o universo é um conjunto integrado e que tudo é conexo, opondo-se ao
paradigma racional que separa e fragmenta.
Isto chama a atenção para a incompletude do Ser e para o processo constante de
evolução e aperfeiçoamento na trajetória da vida. Somos seres em eterna construção.
Ganhou força a idéia da emergência de um novo paradigma científico cuja
característica central é o resgate, após dois séculos de predomínio do materialismo científico,
de uma visão de mundo que inclua a espiritualidade, o retorno do sagrado.
Conforme Yus (2002, p. 25), cresce nesse cenário a consciência da crise ecológica,
social e espiritual, sendo imperativa a emergência de uma civilização global, que faz do
paradigma holístico uma reação contra o paradigma mecanicista que, para muitos professores,
é a chave de todas as crises enfrentadas no século XXI.
Porém, para que se possa compreender as bases holísticas em educação, torna-se
necessário rever o conceito de holismo e buscar entendimento, ainda que conciso, das
perspectivas desta tendência que se acentuou nos anos 1990 e que hoje se amplia.
De origem grega a palavra holos (totalidade) origem ao holismo, um movimento
com dimensão planetária que gera síntese e integração, tanto nos aspectos individuais como
coletivos, rumando à construção de uma sociedade engajada no bem, na responsabilidade pela
vida, com todo sentido que esta palavra tenha. O paradigma holístico surge como um desafio
no novo milênio, como um novo rumo para a humanidade e emerge de uma crise do
paradigma cartesiano-newtoniano, de uma crise da ciência reducionista que exalta a razão
como único meio de se chegar ao conhecimento.
O sul-africano Jan Smuts (1870-1950) foi o precursor do paradigma holístico e o
criador do termo holismo quando em 1926 o divulgou em seu livro, sustentando existir
continuidade entre a matéria, vida e mente (WEIL, 1993). Seu conceito se opõe à
fragmentação quando avança para uma visão sintética do universo propondo a totalidade. O
pensamento holístico é profundamente ecológico, uma vez que concebe o ser humano e a
natureza como inseparáveis, e qualquer forma de agressão a natureza é considerada uma auto-
agressão.
Arthur Koestler, em 1967, desenvolveu o conceito de Hólon considerando a dinâmica
partes-e-todo. Teilhard de Chardin, antropólogo, vem discutir a lei da complexidade-
consciência, propondo unir partes e partículas rumo ao todo-um. Carl Rogers também busca
um novo rumo, um diferente modelo explicativo, quando discute a tendência realizadora do
ser humano (WEIL, 1993).
44
Capra (1982) destaca que, em contraste com a concepção mecanicista cartesiana, a
visão de mundo que está surgindo a partir da física moderna pode caracterizar-se por palavras
como orgânica, holística e lógica. Surge como uma nova forma de compreensão do mundo a
partir da coexistência dinâmica e interdependente dos seres e fenômenos que o compõe e suas
possíveis mudanças, fundamentando-se na dialógica entre Ciência, Arte, Tradição e Filosofia.
A visão holística surge como alternativa à frieza e a fragmentação da humanidade, que,
calcada em padrões competitivos, vive centrada na busca e na obtenção cada vez maior de
bens materiais.
A holística quer promover um novo debate sobre as ciências e as atitudes do humano.
Propõe pensar novos caminhos refletindo e revendo os atuais caminhos que trilhamos. A
holística não se constitui como uma nova ciência ou filosofia, religião ou disciplina mística, e
sim como uma nova visão de mundo que vem se contrapor à visão dualista, mecanicista,
racionalista e fragmentária que tirou da humanidade seu sentido de unidade.
Sendo a holística uma atitude perante a vida e uma forma de se compreender o mundo
e de se fazer humano no mundo, o pensamento holístico permeia todos os níveis de atuação
do ser humano. Não exclui, não mistura, não condena e nem separa, respeita a diversidade e a
enxerga como essencial e importante para a fertilização do conhecimento. Considerando que
um ser integral é um ser complexo, de relações e inter-relações, uma formação holística se
volta para a permanente realização das potencialidades interiores dos indivíduos.
Bene Catanante (2000, p.36) define o holismo como um “atuar - de modo equilibrado -
com a alma, o coração e a razão em todas as situações, seja no trabalho, na vida pessoal e na
comunidade em que se vive”. Percebe-se, pois, que este novo paradigma requer uma visão
sistêmica e uma postura transdisciplinar, inserindo o conceito de interdependência das partes,
em que os fenômenos são compreendidos apenas com a observação do contexto em que
ocorrem. Constrói pontes, estabelece conexões, principalmente entre campos que até então
eram julgados inconciliáveis como a ciência, o misticismo, a arte e a filosofia.
Como a holística considera que em cada coisa está representado o todo, e que este é
muito mais do que a simples soma de suas partes, fica claro que a visão holística não se
coloca imperativa, não se contrapõe a nenhuma teoria ou sistema de idéias, assim como não
se apresenta como única ou melhor visão.
Dessa maneira, a proposta de uma educação holística contempla a
transdisciplinaridade, num esforço de resgatar este equilíbrio, pois segundo Crema (1993)
significaria “transcender a disciplinaridade”, ou seja, adotar uma abordagem holística.
45
O termo “educação holística” foi, assim, proposto pelo americano R. Miller (1977)
para designar o trabalho de um conjunto heterogêneo de liberais, de humanistas e de
românticos, que têm em comum a convicção de que a personalidade global de cada criança
precisa ser considerada na educação. Tal tese defende que devem ser consideradas todas as
facetas da experiência humana, não só o intelecto racional e as responsabilidades de vocação e
cidadania, mas também os aspectos físicos, emocionais, sociais, estéticos, criativos, intuitivos
e espirituais inatos da natureza do ser humano (YUS, 2002).
Em março de 1986, em Veneza, na Itália, um grande encontro de cientistas de
diferentes áreas do saber debateu a ciência sobre os novos rumos do terceiro milênio. Surgiu
neste evento a declaração de Veneza, que aponta o momento de crise da ciência e levanta a
necessidade de reconhecermos a urgência de novos estudos e pesquisas que levem em conta o
intercâmbio dinâmico entre as ciências exatas, humanas, a arte e a tradição.
O documento “Educação 2000: uma Perspectiva Holística da Aliança Global pela
Educação Transformadora (GATE)”, que se encontra anexo à obra de Yus (2002) fala que o
paradigma holístico é formado por alguns elementos caracterizadores, quais sejam a
globalidade da pessoa, a espiritualidade, as inter-relações, o equilíbrio, a cooperação, a
inclusão, a experiência e a contextualização.
Nesta direção, novos fundamentos para educação são baseados em alguns princípios:
educar para o desenvolvimento humano; respeitar os alunos como indivíduos; o papel central
da experiência; educação holística; o novo papel dos professores; liberdade de escolha; educar
para uma democracia participativa; educar para uma cidadania global; educar para a
alfabetização da Terra, espiritualidade e educação.
Ao ser levada em conta a globalidade do indivíduo, ele passa a ser visto não apenas
como uma mente, mas como um Ser dotado de corpo e espírito relacionados como o todo. O
ser humano é, a um tempo, físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta
unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio das
disciplinas, tendo-se tomado impossível aprender o que significa ser humano (MORIN, 2003).
O enfoque na totalidade, proporcionado pelo pensamento holístico, considera o ser
humano integrado por quatro dimensões: a física, a mental, a emocional e a espiritual, que
precisam estar em equilíbrio para que possa proporcionar o desenvolvimento de uma vida
feliz e sadia em meio a uma sociedade humana mais justa. Como conseqüência dos princípios
de inter-relação e equilíbrio, a holística presta atenção nas relações pessoais, incentivando o
espírito de cooperação e de coletividade. Yus (2000) salienta que na educação holística as
relações professor-aluno são igualitárias, abertas, dinâmicas e não sujeitas à regras
46
autoritárias, conseguindo com isso um sentido de comunidade escolar. Não incentiva a
competitividade e investe na colaboração e na inclusão, colocando todos os indivíduos em um
plano de igualdade, integrando alunos com diferentes ritmos de aprendizagem e diferentes
capacidades de aprendizagem, através de propostas cooperativas.
A educação holística funda-se no princípio de experiência vital, crescimento,
descoberta, abertura de horizontes, envolvimento no mundo e com o mundo, movido pela
curiosidade, pelo interesse e pelo propósito pessoal de encontrar sentido. A educação não é
preparação para a vida, ela é a própria vida (YUS, 2000).
Todo conhecimento é criado a partir de um contexto histórico e cultural e a educação
holística assim o reconhece. O conhecimento é uma relação que envolve o ser humano, a
comunidade e o seu mundo natural. Tudo é conhecido em contextos que dão significado ao
que é conhecido. O conhecimento não é estático; requer diálogo, questionamento, abertura. O
conhecer é uma aventura moral e espiritual, pois dando significado ao mundo definimos
nossas relações com ele e atuamos sobre estas relações.
Em educação, a abordagem holística convida a uma aproximação com abordagens não
ortodoxas do conhecimento e busca novas pontes para unir saberes para romper com a
fragmentação, o mecanicismo e a linearidade. A educação holística precisa ser vista como um
grande sistema, como um fenômeno multidimensional que envolve aspectos físicos,
psicológicos, sociais, culturais e espirituais, todos interdependentes e não fragmentados ou
isolados, gerando assim uma nova concepção sistêmica da realidade.
milênios, Platão afirmava que não se pode curar um órgão ou uma parte do corpo
humano sem manter a visão do conjunto. Não se pode curar o homem na sua inteireza sem
curar também a sua alma. Portanto, nesse sentido, entendemos que não se pode educar o
homem na sua inteireza sem educar também a alma (REALE, 2002).
A educação, tomada pela sua função social, deveria considerar a necessidade do ser
humano desenvolver-se na sua inteireza, uma vez que o trabalho de educar não pode se limitar
a alguns aspectos da complexidade humana, mas precisa estar voltado à sua globalidade. Esta
totalidade é como um campo vibratório trazendo harmonia e integração a vida, uma energia
vital.
Caminhar em direção à inteireza exige abrir-se às dimensões transpessoais da
existência. É pela transpessoalidade que são superados os limites e conflitos do processo de
desenvolvimento pessoal e coletivo e obtêm-se a religação dos planos de consciência
(SANTOS NETO, 2006). Para Krishnamurti (1980), qualquer forma de educação que
47
atenda a uma parte e não a totalidade do ser humano conduz, inevitavelmente, a conflitos e
sofrimentos cada vez maiores.
Para educar levando em conta a globalidade da pessoa, é preciso que se perceba que o
aluno não aprende unicamente através da razão e sim também com seu corpo, seus
sentimentos, suas curiosidades, suas emoções e imaginações. As intuições, as fantasias, a
criatividade, a subjetividade, a espiritualidade do aluno não podem ser ignorados, pois são
fundamentais para se conhecer e atuar no mundo com autonomia.
Espírito Santo (1998) afirma que muitos especialistas trabalham com conteúdos
específicos, desprezando a visão integral do ser humano. O autor ainda salienta a necessidade
da introdução do autoconhecimento que, por sua vez, é imbricado com a espiritualidade e
capaz de desenvolver diferentes níveis de consciência, provedores da inteireza do ser humano.
A espiritualidade é o traço mais marcante da tradição holística, segundo Yus (2002), e
a ênfase dada à dimensão espiritual do aluno é ainda um elemento desprezado nos sistemas
educacionais, ou ainda pior, vem sendo reduzido à dogmas ou doutrinas. Nas escolas, poucos
aspectos ou situações nos encorajam a refletir sobre nós mesmos, sobre nossa vida interior,
sobre nossos sentidos, motivos, significados. Fomos treinados a olhar para fora e não para
dentro.
A espiritualidade em educação é o reconhecimento de que todas as pessoas são seres
espirituais na forma humana e a experiência e o desenvolvimento espiritual leva a uma
profunda conexão consigo mesmo, com o outro e com a vida. Esse sintonizar-se consigo
mesmo começa solitário, através de um redirecionamento do foco ao interior gerando novos
hábitos, atitudes e comportamentos que vão, aos poucos, sendo ampliados para o ambiente e
para as pessoas com as quais se convive e se interage para despertar uma consciência de
interação.
Pela experiência espiritual, o educando pode transcender aos limites e conflitos do
desenvolvimento pessoal e coletivo e, desta forma, tornar-se mais maduro e aberto à sua
inteireza. Desenvolver a espiritualidade natural do educando e seu senso de harmonia é
condição essencial para a plenitude do Ser. A holística contempla a presença da dimensão
espiritual que, em equilíbrio com as demais dimensões (social, emocional e racional) torna-se
ponto chave para o desenvolvimento do ser integral, levando-o à plenitude e ao reconectar-se
com seu Eu superior e sua integração com o cosmos.
O holismo valoriza e desenvolve a espiritualidade como uma forma de conexão com
todos os seres vivos, com toda a vida, com a experiência e a sensibilidade, compaixão,
48
diversão, esperança, com o sentido de reverência e contemplação diante dos mistérios da vida
e do universo, assim como com o sentido e o significado da vida.
Para Yus (2002), o sentimento de harmonia e espiritualidade é considerado essencial
para construção da paz no planeta. Uma cultura de paz, capaz de eliminar as tensões que
ameaçam a vida, só será possível através de uma educação que leve em consideração todas as
dimensões humanas, uma vez que todas as essas tensões culturais, econômicas, sociais,
espirituais, são inevitavelmente aprofundadas e perpetuadas por uma educação fundada em
valores materiais e pelo desequilíbrio acelerado entre as estruturas sociais e as mudanças do
mundo contemporâneo.
Yus (2002, p. 264) segue afirmando:
Estimulando um sentido profundo de ligação com os demais e com a Terra
em todas as suas dimensões, a educação holística promove um sentido de
responsabilidade consigo mesmo, com os demais e com o planeta.
Acreditamos que essa responsabilidade tem um sentido de conexão e de
crescimento. A responsabilidade individual, grupal e global se desenvolve
fomentando a compaixão que causam os indivíduos que querem aliviar o
sofrimento dos demais, instalando a convicção de que a mudança é possível,
e oferecendo as ferramentas para tornar essas modificações viáveis.
A proposta de uma educação do sensível de Duarte Júnior (2004) encontra-se nas
bases da holística. Duarte Júnior (2004, p.171) reconhece que, somente uma educação que
desenvolva o fundamento sensível de nossa existência, estará por certo tornando mais
abrangente e sutil a atuação dos mecanismos lógicos e racionais de operação da consciência
humana. Justifica que, para atravessarmos a crise atual da educação em que razão e
fragmentação predominam, necessitamos de um sujeito sensível, aberto as particularidades do
mundo (DUARTE JÚNIOR, 2004, p. 172). Ela precisa remeter a uma mudança de atitude, a
um enriquecimento da vida, a ser vivida de maneira mais plena e consciente, com as diversas
manifestações do saber humano presentes e atuando de forma conjunta (DUARTE JÚNIOR,
2004, p. 193).
Segundo os holistas, a vida tem um significado e um propósito maior do que aquele
que pode ser visto a partir das leis ou das ideologias. A educação holística segue interessada
na reverência a vida sem preocupar-se com explicações religiosas em particular, uma vez que
seu propósito é atender, e não ignorar ao chamado natural da espiritualidade do aluno e não
moldá-la conforme Krishnamurti (1980), alerta que, para a maioria das pessoas, o significado
da vida como um todo, não é altamente relevante, e nossa educação encarecem os valores
49
secundários, fazendo-nos apenas proficientes num determinado ramo do saber. Evidencia
Krishnamurti (1980, p. 12):
Para instituirmos a educação correta, é indispensável compreender o
significado da vida como um todo, e para tal, devemos ser capazes de pensar,
não rigidamente, mas de maneira direta e verdadeira. Um pensador inflexível
não tem pensar próprio, porque se ajusta a um padrão; repete frases e pensa
dentro de uma rotina. Não se pode compreender a existência de forma
abstrata ou teórica. Compreender a vida é compreender a nós mesmos; este é
o princípio e o fim da educação. Educação não significa, apenas, adquirir
conhecimentos, coligar e correlacionar fatos; é compreender o significado da
vida como um todo. Mas o todo não pode ser alcançado pela parte - como
estão tentando fazer os governos, as religiões organizadas e os partidos
autoritários.
De acordo com Yus, (2002, p. 13-4), a fragmentação não pode mais dar conta das
esferas de nossas vidas e assinala:
Esta fragmentação ultrapassa os muros das escolas e exige delas sua
reprodução. Devido a isso, nossas escolas transpiram fragmentação por todos
os poros: organização (tempos, espaços) compartimentada e hierarquizada,
profissionais especializados e desconectados, conhecimento fragmentado em
disciplinas, unidades e lições isoladas, sem possibilidade de ver a relação
dentre e entre elas, e entre estas e a realidade que os alunos vivem. [...] É
precisamente dentro dessa fragmentação que a educação holística pretende
restabelecer as conexões em todas as esferas da vida.
Yus (2002) convida a pensar na necessidade de um novo conceito em educação que no
limiar deste século XXI redimensione nossas práticas de “ensinagem”
7
à educação em direitos
e valores humanos. No paradigma holístico, cabe a escola aprofundar relações com a
comunidade global, com o cosmo, com o planeta, superando a fragmentação e recuperando a
visão do todo. Aprofundar relações de uma educação integral, ecológica, que envolva os
educandos pela prática da espiritualidade para um redespertar de sua inteireza e do sentimento
7
A expressão ensinagem foi inicialmente explicitada no texto de ANASTASIOU, L. G. C., resultante da pesquisa
de doutorado: Metodologia do Ensino Superior: da prática docente a uma possível teoria pedagógica. Curitiba:
(IBPEX, 1998: 193-201). O termo ensinagem é usado então para indicar uma prática social complexa efetivada
entre os sujeitos, professor e aluno, englobando tanto ação de ensinar quanto a de apreender, em processo
contratual, de parceria deliberada consciente para o enfrentamento na construção do conhecimento escolar,
resultante de ações efetivadas na, e fora da, sala de aula. Trata-se de uma ação de ensino da qual resulta a
aprendizagem do estudante, superando o simples dizer do conteúdo por parte do professor, pois é sabido que na
aula tradicional, que se encerra numa simples exposição de tópicos, somente garantia da citada exposição, e
nada se pode afirmar acerca da apreensão do conteúdo pelo aluno. Nessa superação da exposição tradicional,
como única forma de explicitar os conteúdos, é que se inserem as estratégias de ensinagem. Retirado de
http://www.fcf.usp.br/Ensino/Graduacao/Disciplinas/Exclusivo/Inserir/Anexos/LinkAnexos/CAP%C3%8DTUL
O%201%20LeaAnastasiou.pdf .
50
de pertença. Educar dentro da perspectiva da plenitude do ser é fazer o educando viajar para
dentro de si, assim como o próprio significado etimológico da palavra educação sugere.
Precisa voltar-se para a formação de uma consciência ecológica fundada em valores de
desenvolvimento integral, cooperação e uso sustentável dos recursos ambientais. Precisa
reconhecer os componentes do ser humano, material, mental, afetivo e espiritual para
desenvolver-se em sua plenitude.
[...] a escola deve trabalhar na formação de um homem inteiro e religado.
Ainda que tal processo talvez se consume fora da escola, ela é um lugar no
qual ele pode ser provocado. É este homem religado que poderá ter atitude
de responsabilidade criativa diante de si mesmo, do planeta, da cultura e da
sociedade; com condições de enfrentar, material e espiritualmente, as
questões que a crise global contemporaneamente coloca. (SANTOS NETO,
2006, p. 60).
A educação holística entende a interdependência entre teoria, prática e investigação em
constante evolução. O conhecimento é construído pelo educando na sua interação com os
outros, com o mundo e consigo mesmo. A atual abordagem holística da educação não
pretende ser uma nova verdade que detenha a chave única das respostas para os problemas da
humanidade. “Ela é essencialmente uma abertura incondicional e permanente para o novo,
para as infinitas possibilidades de realização do ser humano” (CARDOSO, 1995, p. 47).
Como vimos, na educação numa perspectiva holística não espaço para as chamadas
“receitas prontas”. A diversidade e a incerteza aparecem como formas de pensar e perceber a
vida fazendo emergir processos de intuição e percepção mais amplos, onde o
autoconhecimento torna-se primordial para o uso das potencialidades individuais de energia e
força, objetivando desenvolver os hemisférios direito e esquerdo, desenvolver a bilateralidade
cerebral em equilíbrio.
Como professores, cabe a nós a inserção em processos de “ensinagem” permanente,
como aprendizes e construtores de conhecimento. Esta tarefa, de nos conscientizarmos da
unidade planetária, não é sempre fácil, pois implica dilemas éticos, sociais, culturais,
políticos, dentre tantos outros que cotidianamente enfrentamos. É preciso, ainda, saber que a
educação holística pode nos auxiliar nos processos de intuição e percepção mais amplos,
objetivando o autoconhecimento e o desenvolvimento de nossas potencialidades humanas na
busca pela construção da paz.
As novas abordagens extrapolam os limites do pessoal e mergulham nos níveis
transpessoais, permitindo novas formas relacionais, mais prazerosos, mais alegres, mais
51
criativos, mais amorosos, enfim, construídos com base no diálogo, na interação, no respeito e
na consciência holística.
E finalmente, uma vez que despertamos para a consciência holística descobrimos a
Arte, o respeito à vida, à sensibilidade, à espiritualidade e à beleza, garantindo uma forma de
se posicionar no mundo, assumindo novas visões e percepções.
1.4 Da educação artística a arte-educação e o papel da imagem neste contexto
Ao refletirmos acerca do ensino da arte no Brasil, percebemos que ele foi marcado por
transformações significativas sob os aspectos educacionais, artísticos, estéticos e culturais.
Pesquisas desenvolvidas sobre o educando, o processo de criação, estética, sobre
outras culturas, e dentre elas, sobre o lugar da imagem, revelam o caminho percorrido pela
arte e seu ensino no Brasil.
Essa metamorfose pela qual passa o ensino da arte precisa ser compreendida
considerando a influência dos aspectos histórico-sociais e de sua relação com a educação
escolar. Ao propor uma nova formulação de trabalho em arte, é necessário que se observe a
percepção que o educador tem em relação à arte e educação escolar, bem como, o
conhecimento histórico do ensino de arte para fundamentar sua postura, e sua escolha por
determinada pedagogia.
Um breve histórico das tendências pedagógicas em educação pode ajudar o educador
a compreender a arte, a educação e a sua relação com as imagens que nos cercam.
No que se refere ao ensino de arte, existem teorias que podem colaborar para que o
aluno desenvolva a estética e a crítica, mais precisamente no que se refere à apreciação
artística das imagens. Essas teorias não têm a pretensão de serem verdades absolutas, mas
indicam formas de leitura para que possamos pautar a prática ao conhecimento teórico em
arte.
As imagens, no contexto do ensino de arte no Brasil, assumem papéis diversos.
Contudo, aquela a qual desejamos dar ênfase assinala a imagem como uma produção do
sujeito para o sujeito, um processo de representação que, interpretadas, carregam sentidos,
invenção e imaginação, revelando o universo de cada sujeito, seu olhar, sua visão de mundo,
sua interioridade.
Num contexto social em que a imagem é dominante, em que se convém chamar
civilização da imagem, faz-se necessário algumas reflexões sobre o papel das imagens no
52
ambiente educacional e suas leituras, uma vez que os conceitos de leitura estão em constante
transformação.
Ormezzano (2007) diz que é necessário entender que se está no auge de uma cultura
visual, de uma civilização imagística, de um dos sistemas textuais que vem ganhando mais
espaço na mídia. Grande quantidade de símbolos se mistura com os significados. Os circuitos
da imagem visual podem ser os circuitos do saber, de um saber icônico que estabelece o
compromisso de uma educação visual. Os bens artísticos e culturais presentes no tempo-
espaço educacional oportunizam essa forma de educação.
Ao refletirmos acerca das transformações históricas que o ensino de arte sofreu desde
o período colonial até a contemporaneidade, vemos surgir várias concepções que acabaram
por nortear a sua prática no Brasil. O que se observa são diferentes orientações referentes à
finalidade da arte e seu ensino, à formação e atuação de docentes, e principalmente, às
políticas educacionais e seus enfoques filosóficos, pedagógicos e estéticos.
Ao relatar o caminho do ensino de arte no Brasil, a Proposta Curricular de Santa
Catarina (1998) aponta que os jesuítas utilizavam as imagens de santos nas chamadas oficinas
de artesão. As criações artísticas, datadas desse período, encontram-se atreladas à Igreja
Católica e ilustram o caráter didático da imagem.
Após o período de colonização, as atividades artísticas realizaram-se isoladas do
contexto educacional, e mantiveram-se atreladas à igreja (BARBOSA, 1978). Com a vinda da
família real para o Brasil, em 1808, a arte passou a ser valorizada e, desde então, nasceu uma
preocupação com seu ensino. Porém, esse ensino, não deveria valorizar as raízes da criação de
nosso artista local, e carregaria um modelo importado da Europa, mais precisamente um
modelo francês.
A importação deu-se mais por questões políticas do que estéticas, propriamente ditas, e
em 1816 criou-se a Academia Imperial de Belas Artes por um Decreto-Lei que somente foi
efetivado no ano de 1826. As disciplinas, na Academia, seguiam os pressupostos da escola
neoclássica e da arte elitizada, na qual a reprodução dos modelos consagrados na Europa
era freqüente, e a criação de novas imagens deveria seguir proporções pré-estabelecidas.
No entanto, no Brasil, é somente no século XX que o ensino de arte se manifesta mais
expressivamente e acompanha as tendências pedagógicas popularizadas no período. Essas
tendências vão nortear o ensino e fundamentar o que hoje conhecemos como arte-educação.
nas primeiras décadas do século XX, o desenho configura-se como disciplina e
podia ser justificado como treinamento para atividades que fossem utilizar instrumentos de
precisão. Nessa época, a alternância entre modelos europeus e americanos marcou a busca por
53
modelos nacionais e a valorização da identidade brasileira, que vemos surgir no movimento
de arte moderna, mais precisamente com os artistas da semana de arte moderna em 1922.
Posteriormente, a inserção do desenho geométrico, do natural e decorativo nos anos
1950, foi considerada uma forma ultrapassada de ensinar, uma vez que a cópia era a repetição
de modelos prontos com ênfase na memorização e não na crítica (FUSARI e FERRAZ, 1992).
No Brasil, em 1948, Augusto Rodrigues funda no Rio de Janeiro, a primeira escolinha
de arte, seguindo os moldes da “Educação Através da Arte”, de Herbert Read, fazendo
renascer a supervalorização da arte como processo de espontaneidade e criatividade.
A escolinha de Arte do Brasil foi idealizada para ser trabalhada diferentemente das
escolas regulares. Era uma espécie de ateliê e refletia o clima de reafirmação expressionista
do pós-guerra.
Além das turmas infantis, a escolinha de Arte do Brasil acabou como centro de
preparação e “treinamento”
8
de professores de arte. Nos cursos intensos de arte e educação
propiciados pela escolinha, os professores de arte aprendiam o que era mais importante, criar
um espaço propício ao crescimento do aluno. Neste sentido, Barbosa (1985) ressalta que até
1973, as Escolinhas eram a única instituição permanente para treinar o arte-educador.
As práticas das Escolinhas começaram a se fazer presentes nas escolas primárias e
secundárias por meio das classes experimentais, criadas no Brasil depois de 1958. Segundo
Barbosa (1985), as idéias de Lowenfeld na esfera internacional e Augusto Rodrigues na esfera
nacional, impactavam. Então, pensou-se o ensino da arte com ênfase na livre-expressão da
criança (laissez-faire). O pouco cuidado em avaliar os fundamentos da livre-expressão levou
inúmeros professores ao extremo na década de 1960. Além do mito de que tudo era permitido,
muitas aulas visavam exageradamente à criatividade, distorcendo as idéias de Lowenfeld,
Rogers e Guilford.
Nas décadas de 1950 e 1960, segundo Fusari e Ferraz (1993), surge o movimento da
Escola Nova, advinda da Europa e dos EUA com as chamadas “Escolas Experimentais”. Esse
novo método fez sentir no ensino da arte, uma preocupação com a espontaneidade dos alunos,
a expressão da subjetividade e de sua individualidade. A Pedagogia Nova acreditava no ser
criativo do aluno e que deve oferecer a ele, todas as condições para que possa expressar-se
artisticamente. Ao professor, caberia auxiliar a experiência dos alunos, pois estes aprendem
fazendo e descobrindo. Exercícios de sensibilização começam a ser adotados nas práticas
escolares em arte, rompendo modelos estereotipados.
8
As aspas estão sendo utilizadas com a intenção de reforçar a palavra treinamento, no sentido de adestrar e
repetir mecanicamente.
54
A Pedagogia Nova teve forte influência da psicologia cognitiva, da psicanálise e da
teoria gestáltica, na intenção de liberar o mundo da arte que o aluno traz consigo.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), lê-se sobre a tendência
escolanovista: o ensino da Arte volta-se para o desenvolvimento natural da criança, centrado
no respeito às suas necessidades e aspirações, valorizando suas formas de expressão e de
compreensão do mundo. As práticas pedagógicas, que eram diretivas, com ênfase na repetição
de modelos, são redimensionadas, deslocando-se para os processos de desenvolvimento do
aluno e sua criação.
A pedagogia tecnicista no Brasil desenvolve-se por volta de 1960 e 1970, diminuindo o
ensino de arte, pois se dilui entre as tendências que no passado estavam em evidência. Na
pedagogia tradicional, nova e tecnicista, ora o aluno construía tecnicamente, ora exprimia-se.
A leitura de imagem foi abolida nesse contexto com o pretexto de não contaminar a livre-
expressão do aluno.
No auge da pedagogia tecnicista, vemos no Brasil a concretização da Lei de Diretrizes
e Bases, Lei 5692/71, que introduz a educação artística no currículo escolar do ensino
fundamental e médio. Isso não foi uma conquista de arte-educadores brasileiros, mas uma
criação ideológica de professores norte-americanos que, sob um acordo oficial (Acordo MEC-
USAID), reformulou a educação brasileira (BARBOSA, 2002).
A respeito, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) salientam que a
arte é incluída no currículo escolar com o título de educação artística, mas é considerada
atividade educativa e não uma disciplina. O que ocorre, em geral, neste cenário, é que não se
vê um compromisso com o conhecimento das linguagens artísticas, com sua história ou com a
leitura de imagem e sua contribuição como forma de olhar e perceber o mundo.
Como o papel da escola na pedagogia tecnicista limitava-se à construção de indivíduos
competentes para o mercado de trabalho, o professor era visto como técnico que deveria ser
responsável pela eficiência do ensino. Assim, a arte teria sua relevância, mas estaria reduzida
à contribuição de preparar o aluno para mão-de-obra (FUSARI E FERRAZ, 1992). De início,
essa nova modalidade de pensar a educação visava um acréscimo de eficiência da escola,
objetivando a preparação de indivíduos mais “competentes” e produtivos.
Paulo Freire, nos anos de 1961 a 1964, apresenta a Pedagogia Libertadora e, embora
não tenha conseguido aplicar sua pedagogia como gostaria e sonhava para o ensino de arte,
deixou raízes no que diz respeito ao desafio e à abrangência dos aspectos contextualistas. No
engajamento das idéias de Paulo Freire, percebe-se um novo redirecionamento pedagógico,
que acaba incorporando aspectos positivos das pedagogias que a antecedem.
55
Neste contexto, o trabalho com arte na escola quer propiciar ao aluno o acesso e o
contato com os conhecimentos culturais básicos para a prática social transformadora, partindo
do que o aluno já conhece.
Assim, a expressão “leitura de imagem em arte” começou a ser usada no final da
década de 1970, fundamentada pela semiótica
9
. É nesse período que começam a se utilizar
também os recursos audiovisuais e o movimento Arte-Educação.
Nesse período, os aspectos sociais são considerados para o ensino de arte, uma vez que
Barbosa (1997) considera fundamental a recuperação histórica do ensino da arte no Brasil,
para que se possa perceber e compreender “as realidades sociais e pessoais”, para lidar
criticamente com elas mudar. A educação em arte agrega então aspectos contextualistas e
essencialistas, por isso, tornam-se imprescindível que sejam valorizados aspectos do cotidiano
do aluno, seu capital cultural
10
e que seja resgatada a identidade cultural, para dela partir para
contextos mais amplos.
Aspectos da leitura da obra de arte, contextualização (História da Arte) e do fazer
artístico e da produção, surgem através dos estudos de Barbosa (1985). Essas três dimensões
tornam-se os pilares da metodologia triangular de ensino, difundida em 1987 como uma
adaptação da proposta denominada DBAE (Discipline Based Art Education)
11
, que teve
origem nos Estados Unidos.
A proposta triangular de ensino vem atuar sob três aspectos: a fruição da imagem que
vem acompanhada de uma preocupação com a estética e a leitura da imagem; a
contextualização, que se preocupa com a localização do artista e de sua época, seu estilo; e o
fazer artístico, que diz respeito à expressão em forma de linguagem artística.
As obras de Barbosa (1985, 2002) tornam-se pioneiras no Brasil ao pensarem a leitura
de imagem no ensino de arte. Barbosa (1997, 1999) passa a falar em “leitura de imagem” no
lugar de “leitura de obra de arte” por considerar que outras imagens podem ser úteis ao
aprendizado de uma gramática visual. Neste sentido, a autora prefere usar o termo
“contextualização” ao invés do original “história da arte” proposto pelo DBAE. Entende que o
9
Semiótica é o estudo dos signos, ou seja, as representações das coisas do mundo que estão em nossa mente. A
semiótica ajuda a entender como as pessoas interpretam mensagens, interagem como objetos, pensam e se
emocionam. Ver mais em (Lúcia Santaella, O que é Semiótica. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1983).
10
Conceito elaborado por Pierre Bordieu para designar o conhecimento cultural desigualmente distribuído. Essa
noção de Bordieu ajuda a explicar as diferenças relacionadas ao desempenho escolar.
11
DBAE ou Disciplined Based Art Education foi organizada por Getty Foudantion e divulgada entre os
professores de arte norte-americanos. O projeto tinha como função a introdução dos estudos de estética, crítica
da arte e história da arte ao lado da produção artística. Tal projeto visava a consolidação da arte como disciplina
e a proposição de leitura de imagem em arte. Ver mais em: BARBOSA, 2002a.
56
termo contextualização foge à disciplinarização do ensino e pode referir-se à diferentes
tempos e espaços (ORMEZZANO, 2007).
Outros pesquisadores, nas últimas décadas, começaram a se preocupar com o papel da
imagem no ensino de arte. Buoro (2002, p. 28) relata:
Sobre a questão da leitura de imagem no ensino da arte brasileira, pode-se
assumir que o assunto começou a emergir com ênfase entre os professores a
partir do Simpósio sobre o Ensino da Arte e sua História (São Paulo,
MAC-USP, 14-18 de agosto de 1989). Esse encontro resultou na publicação
da obra organizada por Ana Mae Barbosa e Heloísa Margarida Sales (1990),
a qual procurava estabelecer eixos filosóficos e conceituais que sustentam
as diferentes propostas de ensino de arte.
Encontramos no Brasil vários pesquisadores preocupados em dar sentido à leitura de
imagem e mapear os seus diversos aspectos. O uso das imagens em sala de aula parece em
algumas obras como a de Analice Dutra Pillar (1999) e Maria Helena Rossi (2003), que
discutem as relações interculturais no ensino de artes pautadas pela pesquisa de Ivone Richter
(2003), a aplicação de uma metodologia de projetos de Miriam Celeste Martins (1998), e
Duarte Júnior (1995) e sua ênfase na sensibilidade e emoção diante da imagem; entre tantos
que se propõe pensar poéticas visuais, metodologias,formas de olhar, políticas públicas.
na década de 1990, podemos perceber outro momento importante para o ensino da
arte, em termos legais. Após a Lei 5692/71, e diante dos problemas encontrados com a
implementação de seus dispositivos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do ano
de 1996, a Lei 9.394/96, e a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) vêm
destacar um maior compromisso com a imagem e sua leitura.
Sobre a inserção da imagem nos PCNs, Buoro (2002, p. 29), descreve:
Com relação as artes visuais, os PCNS de primeiro e segundo ciclos do
ensino fundamental e o RCN de Educação Infantil estruturam o trabalho no
triplo eixo produção/fruição/reflexão. Os PCNs de terceiro e quarto ciclos
do ensino fundamental incorporam à reflexão o item contextualização.
Nota-se que, a partir do final do milênio, a leitura da imagem começa a
despontar oficialmente como um desses paradigmas norteadores do ensino
de arte no Brasil.
Segundo Ormezzano (2007) essa integração da leitura de imagem no processo
educativo pode ter sido o início da passagem no Brasil de uma Educação Artística para uma
Arte-Educação. Ainda, no que diz respeito à nomenclatura, Barbosa (2002, p. 45) enuncia:
57
Arte-Educação surge na tentativa de conectar Arte e Educação, por isso a
razão do hífen e até mesmo no intuito de, com essa junção, resgatar as
relações significativas entre a Arte e a Educação. As associações, os núcleos
de arte-educadores e a FAEB, assumem essa nomenclatura, que é ainda
comumente usada, mas tamm questionada por muitos professores que
julgam-na inadequadas. Por isso, defendem a Arte e seu ensino.
Arte/Educação com barra é sugestão de um lingüista para reforçar a idéia de
imbricamento, contigüidade, terceiro espaço [...]. No entanto, para outros,
seria mais apropriado o hífen, pois a barra separa os termos em vez de inter-
relacioná-los.
As denominações acerca do ensino da arte foram acompanhando as mudanças nas
propostas educacionais na área. A primeira “Educação pela Arte”
12
objetivava desenvolver
capacidades perceptivas, apreciativas e criativas. Depois, a “Educação Artística” visava uma
formação artística especializada, levando em conta as diversas linguagens artísticas. A “Arte-
Educação” propôs o desenvolvimento cognitivo da leitura de imagem, a contextualização e o
fazer artístico (ORMEZZANO, 2007).
Atualmente, falamos em “Educação Estética” com o intuito de perceber o processo em
que cada sujeito sente, experimenta, emociona, de modo que se expresse, tanto na sua
singularidade, como na forte percepção da união dinâmica com o outro, sendo capaz de
comunicar sua complexidade, sua interioridade carregada de vida e energia (ORMEZZANO,
2007).
Ao elucidar a Educação Estética, Ormezzano (2007, p. 31) afirma:
A educação estética não pode ser reduzida ao julgamento das obras de arte, à
fruição da paisagem natural ou à formação do gosto. A cosmovisão estética
atual não se submete à arte, mas a compreende, fazendo necessária a
utilização de estratégias educativas textuais e renovando a esperança de uma
afetividade coletiva, de um convívio mais cooperativo e respeitoso da
diversidade.
No sentido de afirmar a Educação Estética como paradigma emergente, como cosmo-
visão, Ormezzano (2007, p. 26) enuncia:
A essa altura, é mister destacar que a educação estética prioriza também a
imaginação, a capacitação para o jogo, o amplo espectro da estética do
cotidiano que considera o design, a arquitetura, o artesanato, a música
popular, a comunicação audiovisual e a arte de rua, assim como todos os
estilos de sociabilidade, ou seja, algo bem além do estreito marco da
educação formal. Desse modo, ela coloca-se atendendo à esperança mundial
de que a educação para o século 21 [...] não se limite à escola, sendo um
12
Termo cunhado por Herbert Read em 1943. O pensador propôs o seu paradigma de “educação através da arte”.
58
movimento popular que englobe a educação não-formal, oferecendo
possibilidades de educação permanente para todas as idades, abolindo as
barreiras de acesso às universidades e promovendo uma ética educacional
que faça da pessoa um agente do seu próprio desenvolvimento cultural. São
essas leituras de mundo e do cotidiano que emergem, então, nestes últimos
vinte anos, como uma forte tendência que leva aos processos de
semiotização sugeridos nos paradigmas estéticos da contemporaneidade.
Desde as primeiras experimentações com a proposta triangular, na década de 1980,
a leitura de imagem e o papel da imagem vem sendo discutida e redimensionada nas práticas
escolares e também nas ações educativas de museus e exposições (BARBOSA, 2003). Hoje,
como vimos, a metáfora do triângulo não cabe mais. É preciso, pensar a imagem e sua
leitura por meio de vivências transdisciplinares, holísticas.
Apesar da leitura da imagem de arte ter conseguido destaque e mérito no ensino de
arte no Brasil ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000, o que se percebe nas
escolas, atualmente, é que a leitura da imagem de arte é ainda um procedimento pouco
freqüente, ou utilizado erroneamente. Isso se deve à vários fatores que vão desde a formação
do professor, cuja pouca qualificação não consegue conferir à prática uma consistência
pedagógica significativa, até a resistência do aluno em exprimir-se por meio das imagens,
uma vez que não foi educado para a leitura de imagem.
No entanto, refletir sobre a imagem e investigar como a leitura de imagem veio sendo
incorporada no ensino da arte no Brasil torna-se imperioso para compreendermos as
referências teóricas, conceituais, práticas e metodológicas que os professores de arte, objetos
de estudo desta pesquisa, fundamentam suas leituras de imagem na sala de aula e suas práticas
pedagógicas em arte.
O ato de ler imagens é tema de fundamental relevância, pois devido à sua
complexidade, ele ultrapassa as disciplinas. Ao refletirmos sobre as imagens, estamos
refletindo o caráter ideológico subjacente. O olhar estético configura-se como uma das
maneiras de valer-se para a reconstrução cognitiva e sensível. Porém, para desenvolvê-la, é
necessário possibilitar ao aluno o exercício de observação e leitura de conteúdos expressivos
das imagens. A troca, a análise e a observação dos meios e formas artísticas presentes nas
imagens, favorecem o processo de construção do olhar.
Ao olharmos uma imagem, devemos nos conscientizar de que se trata de uma forma
de linguagem deveras simbólica e que assume múltiplas funções, significações, valores e
sentidos. Não basta, portanto, comentar uma imagem para “vê-la”; é preciso encontrar-se com
todos os aspectos subjetivos desta imagem para uma significação total.
59
CAPÍTULO II
ARTE E ESPIRITUALIDADE CAMINHOS TRANSDISCIPLINARES
"A arte e nada mais que a arte!
Ela é a grande possibilitadora da vida,
a grande aliciadora da vida,
o grande estimulante da vida.
A arte como única força superior
contraposta a toda vontade de negação da vida,
como o anticristão, antibudista,
antiniilista 'par excellence'.
A arte como a redenção do que conhece
- daquele que vê o caráter terrível
e problemático da existência,
que quer vê-lo, do conhecedor trágico.
A arte como a redenção do que age
- daquele que não somente vê o caráter terrível
e problemático da existência, mas o vive,
quer vivê-lo, do guerreiro trágico, do herói.
A arte como a redenção do que sofre
- como via de acesso a estados onde o sofrimento
é querido, transfigurado, divinizado,
onde o sofrimento é uma forma de grande delícia"
Nietzsche
A arte e a espiritualidade fazem parte de um processo vital mais profundo. Arte e
espiritualidade instituíram-se juntas na história da humanidade e estão intimamente ligadas,
mas não encontram em si mesmas uma razão de ser. Indícios deixados pelo homem pré-
histórico denotam a expressão da espiritualidade do ser humano revelada através de sua arte.
Ao produzir seus utensílios de caça e pesca, seus adereços, seus artesanatos, o ser humano
pré-histórico estaria reverenciando o sagrado, e este rito trazia consigo conexão com sua
espiritualidade.
Desenhando e pintando nas paredes das cavernas, nossos ancestrais caçadores
registravam seus atos de bravura na simulação de uma caçada, para que posteriormente
fossem lembrados e repassados oralmente como forma de conhecimento para as tribos, tanto
sobre as caças quanto sobre o mundo espiritual, místico e ritualístico. Battistone Filho (1984)
afirma que desde os primitivos até hoje a arte vem contribuindo para uma melhor
espiritualização do ser humano, que procura cada vez mais assumir-se e conhecer-se para
atuar de forma mais consciente e livre no mundo.
60
Capra (2005), ao falar de arte e espiritualidade, relata sua viagem à India e seu contato
com as cores e formas indianas, com as pessoas, com o diferente e o diverso, com as imagens
que via e afirma: “eu me encontrava, portanto, num estado de espírito muito especial,
encantado”.
É este estado de espírito que permite o encantamento diante da arte. E é, de certa
forma, o encantamento que a liga a expressão da espiritualidade humana. Outro argumento
importante para que possamos compreender a relação entre a arte e a espiritualidade, provém
da obra de Deleuze e Guattari (1992). Segundo os autores, a arte é uma forma de
conhecimento que conserva os afetos e os perceptos. Os seus blocos de sensação nos atingem,
nos atravessam e criam em nós uma dinâmica contagiante. A arte mostra e inventa afetos.
Possibilita que a transformemos e transformemos a nós com ela. Produzimos sensações e
afetos quando tocados pela arte. Ela recoloca sensações, pensamentos, movimentos e outros
tantos modos de subjetivação.
Pareyson (1997, p.40-1) fornece referências para tal ação:
quem busque na arte um alimento espiritual completo e, por isso, lhe
assinala um campo de ação vasto como a própria vida, complexos conteúdos
espirituais e múltiplas funções na vida, e quem busque na arte o alívio de
um instante de pura contemplação e o fascinante deleite do sonho, sendo, por
isso, levado a considerá-la apenas como evasão da vida e vôo da fantasia [...]
a arte está realmente ligada com a vida. [...] como a vida penetra na arte,
assim a arte age na vida.
Perceber a importância da arte e de sua transdisciplinaridade consiste em perceber as
relações entre as pessoas, o autoconhecimento, os sentimentos, as sensações, as percepções,
as afecções
13
, os afetos, o encantamento e a espiritualidade.
Considerar o educando em sua totalidade, em todas as suas dimensões, implica
desenvolver sua criatividade, tornando-o melhor para relacionar-se com o outro, consigo
mesmo e com o mundo por meio da arte.
Através da arte, o homem se expressa e se comunica. Busca a beleza e o prazer
estético, pois a pessoa humana tem necessidade de beleza e perfeição, anseia pelo infinito e
pelo absoluto (REIS, 1993).
13
Conforme Espinoza, afecção é a capacidade de um corpo ser afetado, está ligada a um efeito. o afeto é a
demonstração de nossa potência de agir mediante a afecção, estados de alegria ou tristeza. Deleuze nos diz que
os afetos de alegria são como trampolim para construção do conhecimento. Retirado de
http://www.alegrar.com.br/05/TEXTOS_A_05/Espinosa.pdf
61
Eisner (1991, p. 7) dizia que as artes são prova de que os humanos têm necessidade
de transmitir e de representar o que não pode ser expresso através de outras formas de
representação. Se, por exemplo, as palavras pudessem expressar o que as artes visuais podem
transmitir, as artes visuais dificilmente seriam necessárias.
2.1 Cultura visual: o mundo das imagens e as imagens do mundo
O sentido de uma imagem dentro do espelho é a coisa real do lado de fora.
Rubens Alves
14
Como vimos anteriormente, a imagem assumiu vários papéis no que diz respeito ao
ensino de arte. Contudo, o que precisamos saber é que a imagem, antes da palavra, existe
como manifestação artística humana desde o nascimento da civilização. No longo processo de
evolução, o ser humano, através das imagens deixadas nas paredes das cavernas, representou
sua realidade, deu sentido à sua vida e organizou seu mundo. As imagens das cavernas
mostram como o ser humano concebia seu mundo poeticamente, e o representava
esteticamente.
As experiências vividas pelos primeiros habitantes da Terra eram expressas por essa
experiência estética. Neste período, a arte permitiu ao ser humano a compreensão e a
significação do seu mundo e das atividades relacionadas à interação com o meio, visando sua
sobrevivência. Foi através da arte que os primitivos representaram o seu mundo.
A vida humana se confunde, em suas origens, com as manifestações
artísticas: os primeiros registros que temos de vida inteligente sobre a terra
são, justamente, as manifestações artísticas do homem primitivo. É este
imbricamento que acaba por definir a essência do ser humano. (BARBOSA,
2002, p. 12).
Segundo Proença (2004), a imagem, para o primitivo, assume uma função mágica. Ao
desenhar o animal, o homem trazia para si a certeza de que a caçada estaria segura, uma vez
que a enunciação de seu pensamento havia se personificado na imagem, tornado
compreensível a ele e aos demais indivíduos do grupo. Os mistérios da imagem, que não se
referiam somente ao que é visível no mundo, mas também o que é invisível, atuavam como
um instrumento de magia.
14
ALVES, Rubem. Lições de feitiçaria. São Paulo: Ars Poética; 1998.
62
As imagens do período pré-histórico são transformadas a partir de um olhar e estão
ligadas às experiências coletivas e sociais do ser humano pré-histórico, além de advirem de
sua crença e se materializa na parede da caverna.
A exteriorização do sentimento por intermédio da imagem é algo freqüente na história
humana e sua função excede a de representação gráfica. É a própria materialidade de nossas
vivências e lembranças, de nossa construção de significações, de nossa “segunda realidade”.
Para Aumont (1993,p. 131):
A imagem é sempre modelada por estruturas profundas, ligadas ao exercício
da linguagem, assim como a vinculação a uma organização simbólica (a uma
cultura, a uma sociedade), mas a imagem também é um meio de
comunicação e de representação do mundo, que tem seu lugar em todas as
sociedades humanas. A imagem é universal, mas, sempre particularizada.
Dessa forma, seria a partir das imagens que o ser humano poderia construir sua
subjetividade:
Antes das figuras de antílopes e de mamutes, de homens a correr e de
mulheres férteis, riscamos traços ou estampamos a palma das mãos nas
paredes de nossas cavernas para assinalar nossa presença, para preencher um
espaço vazio, para comunicar uma memória ou um aviso, para sermos
humanos pela primeira vez. (MANGUEL, 2001, p. 30).
Somos rodeados pela linguagem, sejam verbais ou não-verbais, e elas servem para que
nos expressemos e nos comuniquemos entre pares. Elas podem ser percebidas por diferentes
órgãos dos sentidos. As linguagens são indispensáveis para nossa experiência com o mundo e
refletem nosso caminhar, tornando-nos conscientes da nossa realidade.
As imagens retidas nas paredes da caverna revelam um conhecimento que o
homem construiu daquele mundo. Para isso, o artista teve de criar além da
realidade imediata um mundo outro, de imagens de animais selvagens. Nesse
ato criador, apropriou-se simbolicamente daquele mundo, capturando na
representação visual algo que era dos animais selvagens, dando-lhes novos
significados em formas simbólicas. Na criação, o artista tornou conhecido e
compreensível não para ele criador da imagem, mas para todos do grupo,
que depois olhavam, o mistério dos animais que caçava e aos quais sua vida
estava ligada. (MARTINS, 1998, p. 34-5).
Como humanos simbólicos que somos, criamos e inventamos sistemas de
representações para simbolizar, elaborar e objetivar nossa concepção de mundo. Somos seres
63
de linguagens, que ordenando nosso mundo, damos a ele um sentido. Manguel (2001, p. 21)
evidencia isso na citação a seguir:
As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e
alegorias. Ou talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com o
nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja o
caso, as imagens, assim como as palavras, soa a matéria de que somos feitos.
Ainda nesse sentido, Meira (2003, p. 52) acrescenta que:
A imagem tem papel virtual agregador de significados, formas,
comportamentos reais no cotidiano vital. Imagens mostram a exterioridade
dos fenômenos intersubjetivos que se concretizam em gestos, formas,
agenciamentos culturais, através dos quais a sociedade exerce sua
criatividade.
A imagem é um veículo do Ser. Encontra-se no setor mais profundo da pessoa, no
mundo de suas intuições, numa vida interna que quer se expressar. De início, é uma lenta e
penosa gestação em que todo um universo de experiências começa a tomar forma. No
momento exato, há a ruptura definitiva e o Ser se manifesta em forma de imagem. Na imagem
que há por trás das emoções, a “voz do Ser” se faz ouvir. A compreensão do Ser, a clareira do
Ser, abriga-se nessas imagens. (GOUVÊA, 1989).
Revela-se, então, a função da imagem: agregar significados, formas e comportamentos
cotidianos, de exteriorização de subjetividades e de exercício da criatividade. A imagem é
assumida como cultura visual atual no contexto estético de nossa experiência sensorial: a
parte e o todo que nos toca ver para situar nossos saberes, nossos afetos, nossas percepções,
além de um complexo mundo de formas ligadas a obras e processos de criação (MEIRA,
2003, p. 52).
Explica Hernández (2000) que a partir da carga simbólica de imagens vindas das
diversas mídias e épocas, e do repertório do expectador, “não receptores nem leitores, mas
construtores e intérpretes na medida em que a apropriação não é passiva nem dependente, mas
interativa, e de acordo com as experiências que cada indivíduo tenha experimentado fora da
escola” (HERNÁNDEZ, 2000, p. 136).
Para Meira (2003, p. 29):
O conceito de cultura visual está relacionado a uma esfera estética ligada a
formas de trabalho que vão desde a exploração da natureza, assim como ela
é, ou configurada em imagens, à produção de obras socialmente ligas a um
64
trabalho de visibilidade, exigindo um pensamento visual em conexão com o
corpo, as mãos, o conhecimento sensível da experiência estética, da difusão
e da transmissão por imagens.
Numa sociedade em que as imagens têm grande valor, importa refletir sobre seus
efeitos, seus limites, suas formas, sobretudo na escola. A cultura visual precisa ser tratada
como um aparato pedagógico preocupado com a construção de identidades, com a formação
de diferentes subjetividades. Ela precisa destinar-se a que os alunos entendam a cultura e a
sociedade em que vivem, compreendendo as imagens em seus contextos, dando-lhes
condições para produzirem sua própria identidade e resistência mediante a manipulação
midiática e, desta forma, poder participar de sua transformação social e cultural.
O educador espanhol Fernando Hernández (2000, p. 10-1) evidencia a necessidade de
uma educação visual aberta e reflexiva:
O universo do visual é, na atualidade, como sempre foi, mediador de valores
culturais. Mas o visual é hoje mais plural, onipresente e persuasivo que
nunca. As relações dos indivíduos, [...] com este universo não conhece
limites disciplinares e institucionais. [...] os meios de comunicação, em
particular a televisão, [...] são os professores privilegiados do público. Que o
cinema medeia representações da realidade que joga com as fantasias, os
medos ou os fantasmas. Que a publicidade vende representações ideais do eu
e amplia identidades inexistentes. Que a Internet permite substituir o ‘real’
pelo virtual’, possibilitando a construção de identidades inventadas e
ocasionais. [...] Para tudo isso é necessário e urgente dar uma resposta
educativa.
O mundo contemporâneo das imagens constitui-se em um mundo de informações que
nos bombardeiam a todo tempo, e derivam de diferentes fontes: livros, revistas, televisão,
cinema, internet, grafites impressos nos muros, e até a escola. Neste bombardeio de imagens,
Meira (2003) nos alerta que as comunicações visuais, as imagens, atualmente, são
mercadorias tão valiosas quanto os armamentos e as ideologias de consumo.
Porém, se somos cercados por imagens, como selecioná-las e interpretá-las quando,
contra nossa vontade, se fazem tão visíveis e poderosas?
Para conhecer, explicar, compreender e atribuir significado às imagens, o ser humano
criou os mais diversos métodos e técnicas que permitiram produzi-las, analisá-las e interpretá-
las; ou mesmo, lê-las.
O crescente interesse pela visualidade abriu discussões acerca de uma cultura visual,
que se expressa em diferentes designações como alfabetização visual, alfabetização do olhar,
leitura de imagem, pedagogia da imagem, ecologia da imagem entre outros.
65
Mirzoeff (2003) afirma que a visualização é a característica do mundo contemporâneo,
fazendo com que seja necessário converter a cultura visual em um campo de estudo. A cultura
visual seria, para o autor, uma estratégia para compreender a vida contemporânea, mas não
como disciplina acadêmica. Enfatiza que não se trata de uma história das imagens e nem
depende das imagens em si mesmas, mas sim dessa tendência de plasmar a vida em imagens
ou visualizar a existência, pois o visual é um lugar sempre desafiante de interação social e
definição em termos de classe, gênero, identidade sexual e racial.
Kellner (1995), ao abordar a crescente presença da imagem em nosso contexto,
assinala a necessidade de compreendermos o que ela comunica. Segundo o autor, não
podemos apenas absorver a imagem, mas é preciso interagir com ela. Ao autor alerta para a
necessidade de uma pedagogia capaz de analisar as imagens.
A avalanche imagética a que estamos submetidos nos leva a analisar a influência dos
estados emocionais do ser humano na percepção visual, que os novos modos de produção
das imagens ampliam nossa recepção aguçando nossa percepção visual numa constante
transformação.
As imagens nos acompanham e são capazes de provocar sentimentos, sensações e
emoções. Imagens são vistas por um sujeito que a recorta, a reconstitui em sua mente,
agregando valores, sentidos, significações.
Com isso, percebemos a importância de uma cultura visual voltada à escola. Ela
precisa ser repensada para poder atender a novas exigências do mundo contemporâneo,
valores culturais, referências estéticas e artísticas, relações entre indivíduos, novas
tecnologias, mídia e educação em geral.
Para Hernandez (2000), vincular a educação à cultura visual pode ser o caminho para
nos religar ao mundo social e simbólico das representações e para se ensinar tudo aquilo que
se pode aprender nesse cruzamento de saberes que é a arte.
A vivência estética não pode mais ficar fora da escola, pois se estamos vivendo o
mundo das imagens - a chamada civilização da imagem -, é preciso também que sejamos
capazes de ler os apelos visuais que nos cercam. Encontramos em Ormezzano (2007, p. 31) os
apontamentos de uma educação estética:
A cultura, a linguagem e a religião fazem parte da construção da
subjetividade. Por isso, não uma educação completa da personalidade
humana sem a educação da dimensão estética. Todo ato educativo pode
considerar-se um sistema textual cuja interpretação se realiza a partir da
compreensão pedagógica interdisciplinar. A educação estética é
interdisciplinar por excelência, mas pode ser também transdisciplinar ao se
66
considerarem a arte, a filosofia, a ciência e os diversos sistemas de crenças.
Ela precisa de um processo inicial de alfabetização estética, ou seja, de uma
ação que conduza à produção sígnica específica das múltiplas linguagens
expressivas, com o objetivo de ler e escrever textos estéticos. É necessário
que haja um processo de letramento apontando à compreensão de estímulos
educativos distintos do texto, do intertexto e do transtexto.
Segundo Vigotski (2003), assim como toda vivência intensa, a vivência estética cria
um estado muito sensível para as ações posteriores e, naturalmente, nunca passa sem deixar
marcas em nosso comportamento posterior.
Numa cultura visual, a educação estética, desafia o educando a extrapolar as
disciplinas e incorporá-las em suas vivências, através de experiências sensíveis e criadoras.
Vivenciar experiências estéticas não significa abolir a racionalidade, mesmo porque
sabemos que o conhecimento pode nos levar a vivenciar a fruição. Nesse sentido, Meira
(2003, p. 127) sinaliza:
Por mais expressiva que seja, a obra exige a cooperação criadora da pessoa
que a frui. É sedução e experiência imperativa. Mas o se seduz nem se
impõe, sem a cumplicidade do sujeito. Evidentemente que nunca temos uma
reação puramente estética às obras de arte, porque a arte está vinculada a
uma ética pessoal, a uma moral social, e por razões desta estreita relação é
que pode proporcionar prazer moral e intelectual. Mas um prazer intelectual,
aquele que nasce da gratificação inteligente da consciência sobre o vivido.
O autor destaca ainda que, quando falarmos de pensamento estético, é imprescindível
que pensemos na educação nos tempos atuais, sobretudo porque saber é ter acesso à formas de
interação e conhecimento que demandam visibilidade complexa, sendo extremamente
complexa a realidade em que vivemos e convivemos (MEIRA, 2001).
2.2 Leitura de imagem numa abordagem transdisciplinar: a complexidade e a
subjetividade da imagem
Quem somos nós, quem é cada um de nós, senão
uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações?
Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um
inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de
todas as maneiras possíveis.
67
Ítalo calvino
15
Podemos dizer que nossas primeiras impressões e leituras no mundo são as visuais.
Tudo é texto para nós! Mas é possível que se pense, quando falamos em leitura, apenas na
leitura da palavra escrita. Contudo, sabemos que se o ato de ler é atribuir significados,
precisamos entender o termo “leitura” num sentido mais amplo, compreendendo a leitura da
fotografia, do desenho, do corpo, da imagem, do gráfico e ainda do cinema, da televisão,
dentre outras.
Paulo Freire (1999) ensina que a leitura de imagem é influenciada pela vivência do
leitor, partindo de suas experiências e das relações que tem com o mundo. Ao mesmo tempo,
graças à subjetividade da imagem, a leitura estético-critica visa ampliar a leitura de mundo.
Aumont (1993, p. 77) assim constata:
As imagens são feitas para serem vistas, por isso convém dar destaque ao
órgão da visão. O movimento lógico de nossa reflexão levou-nos a constatar
que esse órgão não é um instrumento neutro, que se contenta em transmitir
dados tão fielmente quanto possível mas, ao contrário, um dos postos
avançados do encontro do cérebro com o mundo: partir do olho induz,
automaticamente, a considerar o sujeito que utiliza esse olho para olhar uma
imagem, a quem chamaremos, ampliando um pouco a definição habitual do
termo, de espectador. Esse sujeito não é de definição simples, e muitas
determinações diferentes, até contraditórias, intervêm em sua relação com
uma imagem: além da capacidade perceptiva, entram em jogo o saber, os
afetos, as crenças, que, por sua vez, são muito modeladas pela vinculação a
uma região da história (a uma classe social, a uma época, a uma cultura).
Partimos do pressuposto de que ler é experienciar, e a experiência está ligada ao sentir.
Sustentamos, ainda, que a leitura não se resume às palavras, textos e imagens, mas ao mundo
como um todo.
Manguel (2001) manifesta que o mundo, como um livro, é decorado por um leitor, que
é a letra no texto do mundo. Assim, cria-se uma metáfora circular para a infinitude de leitura.
Ler, nesta concepção, não é decifrar códigos na busca de um sentido único e
verdadeiro; ler significa a atuação viva do leitor sobre a imagem e não está distanciada das
outras leituras do mundo. Cafieiro (2005) entende que a leitura é uma atividade ou processo
cognitivo de construção de sentidos realizada por sujeitos sociais inseridos num tempo
histórico, numa dada cultura. Leitura, para a autora, vai além da decifração de códigos
15
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, (1990, p. 138).
68
lingüísticos. A plena realização de uma leitura consiste na capacidade do indivíduo entender o
que lê e levar esse aprendizado para o seu mundo, facilitando a sua interação com o mesmo.
Rubem Alves (1999) afirma pensar a partir de imagens. Para ele, o pensamento se
nutre do sensual. Imagens são brinquedos dos sentidos. As imagens constroem histórias, dão
asas à imaginação.
Então, como ler as imagens?
Se ler é atribuir significado a algum texto, no caso das imagens, textos visuais, lê-se a
partir do momento em que se começa a estabelecer relações entre as situações que nos são
impostas pela nossa realidade e nossa atuação frente a estas questões, na tentativa de
compreendê-las e resolvê-las. Da mesma maneira que precisamos aprender a ler, a decodificar
a linguagem verbal, precisamos aprender a ler as imagens.
No entanto, o termo ler, quando falamos de imagens, não deve se associar somente ao
ato de ver. Ao mesmo tempo que o aluno decodifica a mensagem, poderá também construir e
desconstruir esta mensagem. Nesse sentido, uma única imagem pode ter diferentes leituras.
As leituras são processos individuais.
Manguel (2001) assinala que cada obra de arte se expande mediante incontáveis
camadas de leituras, e que cada leitor remove essas camadas a fim de ter acesso à obra, nos
seus próprios termos.
Para Kehrwald (2006):
Se decodificar um texto é entrar em sua trama, na sua textura, no seu tecido,
ler um texto pictórico é adentrar em suas formas, linhas, cores, volumes e
particularidades, na tentativa de desvelar um código milenar que muitas
vezes não está explicito, nos é desconhecido e por vezes, nos assusta. Por ser
um sistema simbólico, de representação, a subjetividade contida na arte
proporciona uma infinidade de leituras e interpretações que dependem das
informações do leitor, das suas experiências anteriores, das suas vivências,
lembranças, imaginação, enfim, do seu repertório de saberes.
A necessidade de compreender o processo de leitura de imagem e construir leitores
fez com que alguns estudiosos do ensino das artes plásticas refletissem sobre suas práticas e
propusessem algumas metodologias.
Formuladas a partir de diferentes abordagens teóricas, períodos históricos, autores e
áreas do conhecimento, tais metodologias de leitura de imagem consistem em formas de
mediação para que o educando possa olhar, interpretar e refletir as imagens.
69
Muitos teóricos, por caminhos diversos, fundamentam as relações entre as obras de
arte e os seus leitores, sejam crianças, adultos, leigos ou não, com estudos e pesquisas
interessantes. Alguns deles centram-se nos níveis de desenvolvimento estético dos leitores das
obras, como os americanos Michel Parsons e Abigail Housen, propondo que as pessoas se
relacionem e compreendam as imagens em diferentes estágios. outros teóricos que cercam
as diferentes ações em escolas e museus de arte, focalizando aspectos metodológicos, como
Ana Mae Barbosa, Analice Pillar, Robert William Ott, Edmund Burke Feldmann,
Marjorie/Robert Wilson e All Hurwitz, além de outros (MARTINS, 2005).
Muitas são as propostas, métodos e possibilidades de leitura. Entre as possibilidades
estão: a gestáltica, a iconológica, a iconográfica e a semiótica. Entre os métodos, podemos
observar os estudos de Edmund Feldmam com o “método comparativo para o ensino formal”
baseado em estágios, ou a proposta de Robert Ott,, mais utilizada no ensino não-formal:
galerias, museus, espaços de arte. Podemos citar outros meios de leitura de imagem, os que se
fundamentam na semiótica
16
, na gestalt
17
, na iconologia/iconografia
18
, entre outras, porém o
necessário é que possamos tornar significativo o processo para o leitor construir-se
criticamente.
O termo crítico, que merece destaque, encontra-se em consonância com a fala de
Hernandez (2000, p. 135):
[...] a noção de “compreensão crítica” não se fundamenta nas avaliações e
juízos individuais por si mesmos, mas sim na aplicação de diferentes
modelos de análise (semiótico, estruturalista, descontrucionista, intertextual,
hermenêutico, discursivo, etc.) aos “objetos” da cultura visual. É por isso
que, do ponto de vista educativo, a aprendizagem desses modelos de análise
ocupa um papel relevante.
Nesse sentido, Joly (1996, p. 135-6) relata que a leitura de imagem:
16
Abarca as noções de denotação e conotação. Denotação refere-se as significado objetico, o que se vê na
imagem, a descrição desta como um todo. A conotação refere-se a apreciação, aquilo que a imagem sugere do
apreciador.
17
A palavra Gestalt tem origem alemã e surgiu em 1523 de uma tradução da Bíblia, significando "o que é
colocado diante dos olhos, exposto aos olhares". Hoje adotada no mundo inteiro significa um processo de dar
forma ou configuração. Gestalt significa uma integração de partes em oposição à soma do "todo". Dizer que um
processo, ou o produto de um processo é uma gestalt, significa dizer que não pode ser explicado pelo mero caos,
a uma mera combinação cega de causas essencialmente desconexas, mas que sua essência é a razão de sua
existência. Retirado de http://www.igestalt.psc.br/gestalt.htm. Acesso em 26 de julho de 2009.
18
Iconologia e Iconografia - Iconografia é um ramo da história da arte cujo objeto de estudo é o tema e
significado das obras de arte em contraposição a sua forma. Iconologia é o estudo de ícones ou de simbolismo
em representação visual (
arte). Ou seja, a interpretação de um tema, através do estudo abrangente do contexto
cultural e histórico do objeto de estudo.Erwin Panofsky fazia distinção entre iconografia e iconologia. Em seu
Estudos em Iconologia (1939) ele definiu iconografia como o estudo do tema ou assunto e iconologia o estudo
do significado do objeto.
70
[...] pode se tornar um momento privilegiado para o exercício de um espírito
crítico que, consciente da história da representação visual na qual ela se
inscreve, assim como sua relatividade, poderá dela tirar a energia de uma
interpretação criativa.
Procurando aprofundar nosso entendimento sobre os métodos de leitura de imagem da
cultura visual, recorremos a Ormezzano (2001) e sua Leitura Transtextual Singular (LTS), a
qual, partindo da junção entre iconologia e semiótica, faz da leitura uma busca de sentido da
imagem como um texto, percebendo seu próprio fazer, a autoria do outro, a imagem em si
mesma e a união fundamental com o Cosmos.
Para Ormezzano (2001), a imagem refaz quem a cria ao mesmo tempo que oferece a
quem a contempla a possibilidade de interagir, abrindo caminhos para outras formas de
comunicação e educação. A iconologia, segundo a autora, é uma metodologia interpretativa
surgida nas sínteses que permite a compreensão de imagens alegóricas no campo das artes
visuais.
A semiótica é usada pela autora para compreender a obra como algo aberto, como uma
linguagem a ser compreendida com a cooperação entre autor e espectador. Nesse sentido, a
autora afirma que ler a imagem provoca um desenvolvimento da própria pessoa, em que os
atos cognitivos são orientados pela imaginação e a fantasia. Dessa forma, pode-se
compreender determinados conteúdos pelas diversas formas de comunicação verbal ou não-
verbal.
Os próprios estudos de Ana Mae Barbosa (2002) configuram-se num método de
leitura, sendo, atualmente, o mais difundido nas escolas. Sua proposta Triangular propõe o
conhecer, o apreciar e o fazer arte.
Maffesoli (1998) questiona a triangulação proposta por Barbosa (2002) afirmando que
é visão cognitivista de arte, contestando o “fazer”. Sugere que, para dar conta da globalidade
da existência, necessitamos integrar o estético. Meira (2003) ainda acrescenta:
A experiência estética coloca a cognição em permanente desconstrução e
reconstrução, pela vulnerabilidade aos acontecimentos, estados de espírito,
relações com a cultura, saberes múltiplos vindos do corpo e de abstrações,
além do que a mente elabora a partir de paisagens do corpo, do ambiente, da
memória e da ficção.
O objetivo de apresentar tais métodos de leitura visa fundamentá-los adequadamente e
propor múltiplas experiências. As metodologias apresentadas não são referências únicas. A
71
criação de outras propostas torna-se valiosa por possibilitar a construção de novos olhares
críticos sobre a arte.
No entanto, investigar como a leitura de imagem veio sendo incorporada ao ensino da
arte, é mister para que compreendamos quais são e de onde surgem as referências teóricas,
conceituais e metodológicas que os professores de arte com os quais trabalhamos nesse estudo
utilizam para ler imagens em sua prática pedagógica.
Acreditamos que as palavras de Wilber (2002) dão conta de elucidar as razões pelas
quais apresentamos alguns dos métodos de leitura de imagem na escola:
Não acredito que a mente humana seja capaz de errar cem por cento. Assim,
ao invés de questionar qual abordagem é certa e qual é errada, assumo que
cada abordagem é verdadeira, mas parcial. Então, tento visualizar como
encaixar essas verdades parciais, como integrá-las não escolher uma e
livrar-me das outras.
Podemos considerar que os métodos de análise e interpretação de imagens variam
entre facultar maior ou menor predominância ao leitor, à imagem ou até mesmo ao contexto.
A esse respeito, Barbosa (2000, p. 47) afirma que:
Alguns métodos dão maior importância ao papel do observador,
concebendo-o como criador de realidade; outros, considerando a
impossibilidade do significado literal, orientam em direção à análise das
relações de dependência em função do contexto. E ainda os que
favorecem o respeito à objetividade do observável.
Neste sentido, podemos entender que ler é tão complexo e subjetivo quanto a própria
imagem o é. Joly (1996) assinala que a imagem indica algo que, embora nem sempre visível,
é sempre resultado da produção de um sujeito. Acrescenta que imagens são como reflexos no
espelho e tudo mais que emprega o mesmo processo de representação.
Armazenar imagens e evocá-las, pensar a partir delas é, na verdade, uma maneira de
aprender, com a qual nos reconstruímos. Para Ramalho e Oliveira (2005, p. 49):
Para penetrar na complexidade da imagem, com vistas a uma leitura que
contemple o seu todo, ou para que se perceba integralmente seu plano de
expressão, ou seja, tudo aquilo que é perceptível ao olhar, é necessário
vasculhar o texto, inicialmente tentando definir a linha ou as linhas que
determinam a macroestrutura da imagem visual também chamada de
estrutura básica. [..] Isso porque a estrutura básica da imagem vai dar
sustentação a composição visual no seu todo e, portanto, será fundamental
no jogo de decodificação dos significados.
72
Nesse sentido, reforçando o quão complexo torna-se propor um método ou sistema de
leitura de imagem que abarque sua subjetividade e complexidade, Manguel (2001, p. 32-3)
afirma:
Não sei se é possível algo como um sistema coerente para ler as imagens,
similar aquele que criamos para ler a escrita (um sistema implícito no
próprio código que estamos decifrando). Talvez em contraste com um texto
escrito no qual o significado dos signos deve ser estabelecido antes que eles
possam ser gravados na argila, ou no papel, ou atrás de uma tela eletrônica, o
código que nos habilita a ler uma imagem, conquanto impregnado por
nossos conhecimentos anteriores é criado após a imagem se constituir de
um modo muito semelhante aquele com que criamos ou imaginamos
significados para o mundo a nossa volta, construindo com audácia, a partir
desses significados, um senso moral e ético, para vivermos.
A imagem não é silenciosa; ela nos fala, é rica em significados, requer um olhar
diferenciado, instigante, um olhar profundo. O olhar, tal qual a imagem, é condicionada aos
elementos constitutivos do indivíduo que olha. A diversidade do olhar é também a diversidade
da imagem. A subjetividade e a complexidade pertencem tanto à imagem quanto a quem a
olha e proporciona a ambos um estado de encantamento.
Dizer que a imagem e o olhar são complexos significa denotar o conceito de complexo
(tecido junto) de Morin (2000) que tem como proposta a abordagem transdisciplinar dos
fenômenos e a mudança de paradigma. Nesse sentido, a imagem carrega a
multidmensionalidade que lhe é própria, assim como o sujeito que a criou e aquele que a
contempla.
Segundo Meira (2003, p. 79).
As práticas chegam a um impasse, tornando-se repetitivas, quando não se
pára para desenvolver aprendizagens do olhar. Essa aprendizagem demanda
desatar a emoção para viver imagens. Algumas considerações são
necessárias para analisar o que a imagem significa no desenvolvimento da
sensibilidade em arte e em geral.
Somos leitores à medida que nos envolvemos com o texto ou com a imagem,
preenchendo seus espaços com nossos sentidos e deixando que, de certa forma, a imagem
também nos preencha. Para Meira (2003, p. 40):
Trabalhar com imagens e processos de criação artística e estética mobiliza
saberes e operações complexas no manuseio da fantasia e de repertórios
73
conceituais. Incide sobre mundos internos e externos com os quais os
agentes de transformação pedagógica estão imersos. Além disso, apresenta
(sic) problemas de discernimento para lidar com interinfluências visuais,
comportamentos, gestos criadores e transformações de caráter ético, estético,
poético e político transversalmente às vivências cotidianas. Valores,
imagens, reelaborações semânticas, interfaces e relações que formam um
cosmo de saberes e intensidades, ao buscar-se qualificar a experiência
humana por obras, processos e práticas que influenciam a visão e as formas
de compreensão da vida social.
Se, eventualmente, solicitarmos aos nossos alunos que verbalizem algo a respeito da
imagem que apresentamos, veremos que raramente as palavras se repetem. Isso ocorre porque
alguns irão atentar para aspectos que para outros passarão despercebidos. Isso significa que
olhamos individualmente, mas também socialmente. Raramente nos damos conta de que
nossos olhares são diferentes, e reside a riqueza de uma leitura e da troca em sala de aula.
Nesse sentido, Meira (2003) completa dizendo que o ser vem antes da imagem e a imagem
deve intermediar o ser com a palavra.
Pareyson (1997) afirma que a leitura é, sem dúvida, um ato bastante complexo. Para o
autor, trata-se de reconstruir a obra na plenitude de sua realidade sensível, de modo que ela
revele o seu significado espiritual e o seu valor artístico, e se ofereça a um ato de
contemplação e fruição. Trata-se de executar, interpretar e avaliar a obra, para posteriormente
contemplá-la e gozá-la.
Dessa forma, Pareyson (1997, p. 155-6) nos diz que a obra de arte, nesse caso a
imagem, é uma figura espiritual: “Não obstante, as obras de arte são figuras espirituais:
imagens que têm um significado humano, que falam à mente e ao coração, que transmitem
sentimentos interiores e profundos”.
Pareyson (1997, p.156-7) também nos pistas de uma leitura transdisciplinar da
imagem quando se vivencia a fisicidade da obra e a espiritualidade que essa carrega:
[...] Dizer que na obra de arte o corpo é tudo não significa negar-lhe a
espiritualidade, mas apenas afirmar que esta espiritualidade deve ser vista no
seu mesmo aspecto físico. Todas as tentativas de unificar ou medir a
espiritualidade e a fisicidade da obra de arte, deixando-as distintas,
conservam aberta a possibilidade de separá-las, e, por isso, a alternativa de
negar uma em favor da outra, isto é, de volatizar a arte no capricho ou
enrijecê-la na técnica. Considerar a obra de arte como tal significa, pelo
contrário, tê-la diante de si como uma coisa, e, ao mesmo tempo, nela saber
ver um mundo;fazer falar com os sentidos espirituais o seu próprio aspecto
sensível; não tanto buscar o significado da sua realidade física como, antes,
saber considerar esta mesma realidade física como significado: que nesta
não se trata de distinguir interno e externo, alma espiritual e corpo físico,
pura imagem e o intermediário sensível, realidade oculta e invólucro
74
exterior, mas de encontrar a coincidência de espiritualidade e fisicidade. [...]
A magia da obra de arte não é a convergência, ou a copresença, ou a
mediação da sua espiritualidade e da sua fisicidade, mas a coincidência
destes dois termos: o fato de na obra não existir nada de físico que não seja
significado espiritual, nem nada de espiritual que não seja física.
No entanto, Pareyson (1997) afirma que uma leitura transdisciplinar precisa mover a
convergência da fisicidade e da espiritualidade da obra, enquanto Duarte Júnior (2004) torna
claro que os sentidos precisam ser educados para que se façam as conexões entre os saberes
sensíveis e inteligíveis, ou como ele mesmo apresenta, o conhecer e saber.
Pareyson (1997) diz que a obra de arte só se oferece a quem a acessa e que cada leitura
é como um convite a reler, porque a obra de arte tem sempre alguma coisa de novo a dizer, e o
seu discurso é sempre novo e renovável. No momento em que o leitor se aberto a novos
significados, quando o leitor é desligado de suas certezas, o desejo por um novo conhecer é
instaurado.
Para Kehrwald (2006), o estímulo à leitura de imagem desenvolve a percepção de ver
o que não está explícito, educando-se o olhar para perceber o entrelaçamento de saberes.
Assim, se constrói relações e se produz significados, e nos abrimos ao novo.
No ato de ler, precisamos estar abertos às faculdades do sentir. Se não estivermos
abertos à sensibilidade, corremos o risco de não experienciarmos nada (LARROSA, 2003).
Para Meira (2003, p. 93) torna-se mister:
[...] voltar a práticas de sensibilidade que redirecionem nossas coordenadas
de visibilidade para o aqui e agora mais comprometido com a vida. É fazer
com que, por sua sinceridade, sua essencialidade, exija intervenção
pedagógica cuja lógica possa operar no plano dos entendimentos do senso
comum, integrar-se a projetos de transformação de militância eco-filosófica
e político-social. Sem olhares pedagógicos sensíveis, a criticidade se torna
cínica e alienada; a escola, cúmplice dos desacatos epistemológicos que o
egoísmo ou a falta de moral podem cometer contra os pobres, os velhos, os
mal-amados e as crianças, considerados seres improdutivos, na visão dos
tecnocratas.
Apresentar, portanto, uma metodologia de leitura de imagem por vias
transdisciplinares, consiste em mediar, dar alcance, incitar o contato aberto e sensível, que
possa abarcar o pensar e o sentir do leitor para, dessa forma, ampliar a possibilidade de
produção de sentidos.
Propor ao educando uma leitura de imagem é adentrar num sistema complexo com
variantes nos âmbitos psíquicos, biológicos, sociais, culturais, entre outros.
75
O que uma imagem faz, portanto, é ser portadora de sincretismos, e isso diz
respeito à arte, ao ato criador da sensibilidade, como algo melhor e mais belo
que a prática trivial de uso cotidiano. Pouco vale uma imagem que não seja
articulada às vivências. (MEIRA, 2003, p. 47).
Sobre os aspectos relevantes a construção social da compreensão da imagem e a
construção individual da subjetividade, Hernández (2000, p. 8), nos enuncia:
Isso significa considerar que, quando os meninos e meninas chegam à
escola, não tem apenas experiências que afetem suas construções cognitivas
e que se refiram aos conteúdos das disciplinas e conhecimentos que lhe
sejam apresentados em sala de aula. Os alunos são o resultado de contextos
socioculturais concretos e de épocas históricas que representam um
determinado tipo de valores. Eles têm acesso a escola com uma identidade,
uma biografia em construção, baseada em suas experiências de gênero,
etnia e classe social e com uma série de noções sobre a autoridade e o saber.
Trazem consigo não apenas conhecimentos, mas construções da sociedade e
de si mesmos, baseadas em suas experiências socioculturais anteriores. [...]
a educação escolar poderia contribuir para a reconstrução de sua própria
identidade em relação às diferentes construções da realidade que lhe cercam
e que necessita aprender a interpretar.
Mafessoli (2001) nos fala da força da vida que se manifesta nas imagens e do seu
papel na função de querer estar junto com as pessoas, em relação aos lugares e espaços, fato
que a torna uma ponte de religação com instâncias virtuais de relação e cosmos de
espiritualidade.
A imagem, carregada de subjetividade e complexidade, adquire a capacidade de
assumir diferentes possibilidades, sendo que, como aponta Joly (1996, p. 27):
[...] parece que a imagem pode ser tudo e seu contrário visual e imaterial,
fabricada e ‘natural’, real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana, antiga
e contemporânea, vinculada à vida e à morte, analógica, comparativa,
convencional, expressiva, comunicativa, construtora e destrutiva, benéfica e
ameaçadora.
Dessa maneira, urge buscar uma perspectiva que permita compreender a
multiplicidade de conceitos e visualidades que compõem essa rica cultura visual, que se
materializa através das imagens, ampliando o olhar do educando sobre o mundo, de tal
76
maneira que, como proferia Paulo Freire, ele seja um leitor do mundo, capaz de ler e
interpretar as imagens que o cercam.
Esta perspectiva pode ser buscada por vias transdisciplinares. Uma perspectiva que
leve em conta o modo como uma imagem produz significados e sentidos, tanto para quem a
cria como para que a contempla, colocando-nos em contato com o que de mais profundo
temos: a espiritualidade.
O educador deverá lançar mão da soberania de sua disciplina e ter em mente que se
não o fizer, não poderá dar conta de explicitar ao educando a complexidade do mundo que o
cerca, muito menos das imagens que se propõe a ler.
Não se deve temer “ultrapassar o limite” de uma disciplina, uma vez que deve lançar-
se a novos saberes. Maturana (2000) enunciou que uma das coisas boas da
transdisciplinaridade é que não podemos ser acusados de pisar onde não devemos quando
falamos de coisas que não pertencem a nossa própria disciplina.
Não receitas prontas, não maneira mais ou menos acertada. O que torna válida
uma leitura de imagem é a adição de diferentes ingredientes, como a flexibilidade, humildade,
diálogo e reflexão, que permitem voltar atrás sempre que necessário.
Martins (2005) nos diz que a obra de arte, por sua própria natureza, incita a aventuras
interpretativas que nem sempre os olhos estão preparados para ver. Nem sempre nos damos
conta das complexas relações que podem ser estabelecidas entre a nossa fruição e a produção
artística. Relações que podem ser superficiais nas constatações de “gosto” ou “não gosto”, ou
que pode nos levar a um extenso e inquieto trabalho de construção de sentidos.
Contemplar, refletir e interpretar as imagens constitui-se em processos individuais,
contudo, se esses processos não forem mediados de forma provocadora e instigadora, o
educando não se tornará um pesquisador e a aprendizagem pode não ocorrer. Nesse sentido
Martins (2005, p. 16) exprime:
O saber e as informações que os professores possuem valem muito,
certamente. Mas, do mesmo modo, é importante a disponibilidade para o
encontro com o outro, com a abertura e a sensibilidade para abrir brechas de
acesso ao seu pensar/sentir, levando-o a tecer diálogos internos que possam
gerar ampliações, inquietações e novas relações. É preciso promover
encontros “entre um dos infinitos aspectos da forma e um dos infinitos
pontos de vista da pessoa”, como disse Payreson. Aspectos que configuram a
multiplicidade de leituras possíveis e a inesgotabilidade da arte como
realidade vista pela diversidade de seus leitores, contaminados pelo cultural,
pelos discursos dominantes ou marginais.
77
O educador cumpre o papel de mediador, e para efetivar uma leitura de imagem
através de uma vivência transdisciplinar precisa conhecer além dos aspectos formais da arte.
Precisa ser conhecedor dos elementos sensíveis, precisa ser, antes de qualquer coisa, um
articulador da força emocional da imagem. Pouco ou nada adianta o educador de arte dominar
informações teóricas e técnicas se ele não estiver preparado para refletir esteticamente, se ele
não estiver aberto e flexível, enfim, se ele não criar relações com a arte que sejam
intensamente reveladoras. Sem o cultivo da sensibilidade do educador, será impossível
cultivar a sensibilidade do educando.
Partindo da mediação pedagógica coerente, além dos conteúdos expressos, é possível
educarmos nossos olhares para visões mais profundas, além daquelas retiradas de uma
primeira impressão. Podemos ver e contemplar a beleza que se esconde em outras impressões.
Para Martins (2005, p. 18):
Uma mediação sempre terá de lidar com as histórias pessoais e coletivas de
aprendizes de arte, na teia sócio-histórica, cultural da humanidade.[...] Ser
mediador, mobilizando a aprendizagem cultural da arte, é encontrar brechas
de acesso, tangenciando assim os desejos, interesses e necessidades destes
aprendizagem antenados aos saberes, sentimentos e informações que eles
também transmitem, participando do complexo de comunicação. È preciso
pensar em desafios investigadores e estéticos, como comentários e
estimulantes e questões instigantes para as quais não há respostas óbvias.[...]
Mediar é portanto, propiciar espaços de recriação da obra. Para isso é preciso
acreditar no ser humano, ter confiança de que a semente poderá render
frutos. Implica em acreditar no aprendiz e por isso da crédito à sua voz,
desejos e produção, e em encontrar brechas de acesso para a percepção
criadora e a imaginação especulante, para ampliar e instigar combinações,
como num caleidoscópio.
A realização de uma abordagem transdisciplinar para o processo de leitura de imagem
precisa passar necessariamente pelo processo de auto-conhecimento e auto-formação, pela
construção da consciência do todo através da instituição de vínculos entre os educandos e o
educador.
A leitura de imagem se concretizada numa perspectiva transdisciplinar quando
fundamentada no auto-conhecimento e na socialização e, assim, permite uma vivência
holística e pode ser um princípio globalmente educativo, pois se mediada corretamente,
promove o desenvolvimento intelectual, corporal, afetivo e espiritual dos educandos
envolvidos no processo.
A complexidade e a subjetividade da imagem, dessa forma, não se encontram
propriamente na leitura que fazemos da imagem em si, mas no que posso refletir sobre mim
78
mesmo a partir dela, pelas minhas memórias, minha biografia, minha identidade. A leitura de
imagem precisa assim ser concebida não como um fim em si mesmo, mas como uma
possibilidade de integração do educando, de sua realidade e da integração com o outro e com
o cosmos.
Segundo Nicolescu (2002), uma educação transdisciplinar tenta resgatar a valorização
das instâncias afetivas, relacionais, intuitivas e espirituais dos educandos. Nesse sentido, não
só é importante a descoberta do conhecimento, como também a descoberta de nós mesmos, do
outro, e de como se dá essa relação.
Na abordagem transdisciplinar-complexa, o conhecimento, mesmo tendo como
objetivo a realidade, não se desprende da subjetividade humana. Martins (2005) afirma que,
na contemporaneidade, desafios perceptivos superam os desafios sensoriais da arte-educação
modernista e parecem estar extremamente interligados à idéia de projeto e de rizoma,
investigando novas redes de compreensão.
Acredita-se que a leitura transdisciplinar possa ser pautada pelo rizoma, quando traz o
sentido de rede: rede de significações e rede de saberes. A metáfora do rizoma
19
pode trazer a
idéia de possibilidades e crescimentos múltiplos, conectando informações, sensações,
pensamentos, abrindo-se para novos questionamentos, gerando novas idéias, uma vez que não
parte de um princípio único e nem busca um fim determinado. Um rizoma é um caminho, um
processo contínuo de construção e reconstrução por espaços que se cruzam, e surgem novas
conexões.
Segundo Strieder (2004, p. 71):
A noção de complexidade pode articular o viver/conhecer, buscando as
interfaces e estabelecendo relações entre diferentes áreas do conhecimento,
transcendendo seus particularismos, suas hierarquias e centralizações
arborescentes e abrindo-se à transversalidade rizomática, a um morfo-
rizoma, espiralando para a transdisciplinaridade.
Um rizoma estabelece conexões transversais, tem derivações infinitas. São as
múltiplas relações dos modos de subjetivação com o exterior, seja cultural, social ou natural.
Pensar as relações que vão se abrindo em todas as dimensões, enquanto leitura, tessitura.
19
Tal metáfora incide, também, na noção de continuidade. Não a continuidade cíclica e previsível, mas a cercada
e calcada numa nova dinâmica que explora o tempo e o espaço. Esse conceito é utilizado baseando-se em Mil
Platôs e Rizoma , de Gilles Deleuze e Felix Gattari. É baseado nos princípios da conexão e heterogeneidade: o
conhecimento pode se reverberar quando um ponto pode ser relacionado ao outro sem, necessariamente, existir
hierarquia.
79
Não se deve confundir tais linhas ou lineamentos com linhagens de tipo
arborescente, que são somente ligações localizáveis entre pontos e posições.
[...] O rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido, construído,
sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas
entradas e saídas, com suas linhas de fuga. São os decalques que é preciso
referir aos mapas e não o inverso. (DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 32-3).
Trata-se de uma geografia mental para se pensar a leitura da imagem em arte, um
entrelaçamento, uma interligação, uma ramificação aberta, sem preocupação com um centro e,
neste caso, com uma disciplina específica. Strieder (2004, p. 64) elucida:
O rizoma é um padrão formado por um sistema múltiplo, efetuando
descentramentos com grande diversidade de formas, com ramificações que
se estendem em múltiplos sentidos. Um rizoma é totalmente descentralizado,
multiplica-se em ramificações extensas, desordenadas e caóticas de acordo
com a dinâmica de suas conexões, que, também, são múltiplas e
diferenciadas. Os rizomas não seguem as normatizações de um sistema
centralizador, mas da dinâmica de suas conexões emergem estratos de
territórios, porém, também e sucessivamente, criam-se novos eixos de fuga,
novas conformações, ou verdadeiras desterritorializações. Na sua metáfora,
os diversos conhecimentos, tal qual as linhas fibrosas do caule radiciforme
do rizoma, entrelaçam-se e se engalfinham numa rede de inetrconexões de
tamanha complexidade, que todos os elementos constituintes implicam um
reportar-se a uns e outros, bem como o contexto do seu meio existencial.
Assumir a transversalidade rizomática na leitura de imagem é transitar por saberes e
conhecimentos que se desvinculam do pré-estabelecido, de modelos, para a aceitação da
diferença. Diferentemente de construir o igual, o rizoma se compromete com a construção da
subjetividade. Ler a imagem rizomaticamente é fazer a rizomatização do saber, ou seja, por
ter caráter dinâmico de construção do conhecimento, o rizoma articula os diversos saberes, as
diferentes áreas do conhecimento humano:
O caráter descentralizado multiplica-se em ramificações dinâmicas, um
emaranhado que caracteriza a relação intrínseca entre as diversas “áreas” do
conhecimento, redistribuídas por entre os diversos liames do rizoma.
(STRIEDER, 2004, p. 65).
Por vezes, a leitura da imagem pode ser atravessada por diferentes graus de
transdisciplinaridade, o que em determinados momentos se aproximará da
interdisciplinaridade, e em outros da disciplinaridade, e vários outros da
multidisciplinaridade, caso em que tais conhecimentos serão complementares e não
antagônicos.
80
Quanto mais transdisciplinar for a leitura de imagem, mais ela avançará em direção ao
conhecimento “inter”, “multi” e disciplinar, ou seja, mais avançará no campo do saber. Por
isso, todos os métodos de leitura estudados são válidos, não se tratando de prender professores
e educandos a determinadas metodologias, ou de empobrecer, por via de olhares únicos,
leituras que se utilizam de cartilhas e manuais, gerando questionários vazios.
Além disso, a partir de uma ótica transdisciplinar, a leitura de imagem nos
subsídios para atuar em diversas frentes, como o ensino da geografia, da história, da
religiosidade, da antropologia, da literatura, bem como possibilitar o trabalho com conceitos
como valores, sabedoria, diversidade cultural, espiritualidade, resgatando a importância de
entendermos quem somos e por quê somos.
Da mesma forma que nos lança à múltiplas leituras, a dimensões poética e estética
precisam estar presentes:
O conhecimento estético, a compreensão do respectivo código e seus
mecanismos; somente reconhecer uma obra, relacionada a determinado
estilo, escola ou autor não é, verdadeiramente, conhecê-la; apreciação de um
texto estético também é criação, uma vez que a leitura não é mera aceitação
de uma proposição estética. É preciso penetrá-la, percorrendo os caminhos
deixados nela por seu autor, percebendo as relações possíveis entre todos os
elementos, criando renovados significados, isto é, atualizando os sentidos da
obra. (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005, p. 25).
Assim, de forma transdisciplinar, a leitura de imagem em arte deixará de ser vista
como uma disciplina ou um momento que tão somente resgata a biografia dos artistas, seu
estilo, sua história, para se consolidar como um saber que articula outros saberes, além de ser
um conhecimento de que os educandos precisam nutrir-se, uma vez que necessitam do
encontro com o universo imaginativo que está presente em toda manifestação artística.
De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Fernando Pessoa
81
2.3 Espiritualidade: significações e concepções
Espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior.
(Dalai-Lama)
Rebuscando as origens da humanidade, constatamos que diferentes grupos sociais, em
toda história, buscaram respostas para o sentido de suas vidas. Civilizações antigas
acreditavam em forças sobrenaturais, e com isso demonstravam certa espiritualidade,
corroborada pelos vestígios deixados: as pinturas rupestres nas paredes das cavernas denotam
certa atribuição mágica à função da imagem.
Acredita-se que, como um ritual, o caçador, ao desenhar a figura do animal na parede
da caverna, aprisionava a alma do animal, facilitando a sua caçada e trazendo abundância ao
seu grupo. Outras imagens, encontradas nas paredes Lascoux na França e Altamira na
Espanha, demonstram a espiritualidade dos primeiros artistas da humanidade (PROENÇA,
2004).
Desta maneira, encontrar um sentido para existência humana perpassa toda história em
busca de uma explicação para sua vida e para os acontecimentos de sua existência; o
propósito de encontrar alguém ou algo que possa explicar e até justificar quem de fato somos.
Boff (2001) nos ajuda dizendo que a espiritualidade é uma das fontes primordiais, embora não
seja a única, de inspiração do novo, de esperança alvissareira, de geração de um sentido pleno
e de capacidade de autotranscendência do ser humano. O ser humano se sente plenamente
humano quando busca ser um super-humano, quando se projeta numa vivência infinita.
A espiritualidade é, certamente, um tema que leva à contradição e confrontos entre
diversas áreas do conhecimento. Isso porque o termo espiritualidade não possui uma definição
fechada, sendo um conceito amplo e caracterizado por ser um campo de estudo em que a
neutralidade inexiste.
A palavra espiritualidade é de complexa conceituação, uma vez que não encontramos
nas literaturas um consenso sobre seu significado. Etimologicamente, espiritualidade deriva
do latim Spiritualitatem, que significa imaterialidade.
A derivação Spiritus, que significa sopro, faz referência ao sopro de vida e envolve
também o sentimento de gratidão pela vida, o desenvolvimento do ver o sagrado nos fatos
comuns, de remeter a uma questão universal referente ao significado e ao propósito da vida,
de ter fé, de amar, de perdoar, de adorar, de transcender o sofrimento e de refletir sobre o
significado da vida (SOMMERHALDER E GOLDSTEIN apud FREITAS, 20002).
82
Para Boff (1993, p. 40):
Espírito, em seu sentido originário, de que deriva a palavra espiritualidade, é
todo ser que respira. Portanto, é todo ser que vive, como o ser humano, o
animal e a planta. Mas não só. A Terra toda e o universo soam vivenciados
como portadores de espírito, porque deles vem a vida, e são eles que
fornecem todos os elementos para a vida e mantêm todo o movimento
criador.
Alguns estudiosos consideram que a falta de um consenso para a definição do termo
espiritualidade precisa ser visto como parte de uma evolução normal de uma nova área de
estudo emergente, e não como uma deficiência significativa. Assim, a complexidade da
existência humana causa embaraço, pois a ciência não está preparada para estudar o que não
se pode medir objetivamente.
Um crescente interesse pelo tema vem se destacando. Guerreiro (2004) aponta que tal
crescimento de estudos sobre o tema é fruto da crise da modernidade, caracterizada pela crise
das ciências e da “razão cartesiana”.
Fiores (1993) explica o surgimento do interesse pela espiritualidade em nossos dias
enuncia que o renovado interesse espiritual de nossa época brota de profundas exigências de
autenticidade, de dimensão religiosa, de interioridade e de liberdade, que não satisfaz a
sociedade consumista.
Salienta, ainda, que é responsabilidade da civilização industrial, que não cumpriu as
promessas de oferecer um mundo segundo a medida do homem, segundo o bem comum; ao
invés disso, trouxe parâmetros de valor, manipulação, atrofia dos sentimentos, poluição
ecológica etc.
Guerreiro (2004) afirma que a natureza foi dessacralizada pela ciência e pelo
progresso tecnológico e um rigoroso ateísmo predominou no racionalismo científico do
século XX.
Gatti (2005) coloca que a ciência do século XX provocou a quebra com os nculos
metafísicos e o ser humano tornou-se auto-suficiente como produtor do conhecimento e de
maneiras de agir e pensar. O materialismo se intensificou e a crença de que a ciência e a
tecnologia tudo resolveriam, também predominaram nesta era. Ainda, reforça dizendo que a
ciência se afastou dos objetos ou dos poderes transcendentais, religiosos ou metafísicos, e de
acordo com a autora, essa cosmovisão da era moderna afeta a sociedade como um todo e se
revela nas relações de trabalho, na família, na vida social, na arte, na ética e na moral.
83
Para Pazzola (2002), a ciência tem se mostrado incapaz de controlar as incertezas da
sociedade contemporânea. Uma busca e um crescente interesse pela espiritualidade parecem
figurar como alternativa frente aos momentos de caos que as mudanças atuais impõem.
Boff (2001) atenta para o fato de que o que importa é que, mundialmente, uma
demanda por valores o materiais, por uma redefinição do ser humano como um ser que
busca um sentido plenificador, que está à procura de valores que inspirem profundamente sua
vida. Em toda parte, encontramos pessoas indignadas com o destino previamente definido nas
sociedades políticas em que são obrigadas a viver, e se recusam a aceitar os caminhos que a
humanidade está sendo coagida a trilhar.
O tema espiritualidade, embora pouco difundido, é recorrente em vários âmbitos,
inclusive nas áreas humanas, exatas, empresariais, de saúde, como um assunto de reflexão e
relevância para a consolidação de mudanças paradigmáticas.
Portanto, pesquisar espiritualidade atrelada à educação é um grande desafio, que faz
ler e refletir diversas vezes sobre o objeto da pesquisa. A complexidade deste tema fez com
que o olhar se tornasse ampliado em relação à profundidade do universo de cada um e das
ricas experiências que carregamos conosco.
Quando falamos em espiritualidade, alguns apontamentos são importantes para que se
possa compreender que o ser humano é o único animal que busca o sentido de sua vida,
propondo a si mesmo a questão ontológica de suas origens e fins. Esse sentido de
espiritualidade, de cunho ontológico, se refere à característica do ser, em que a espiritualidade
aparece freqüentemente. Catanante (2000), falando sobre o tema, afirma:
Bem, fica evidente que em todas as culturas, por mais diversificadas em
termos de hábitos, religiões e costumes, a crença na espiritualidade como
característica natural do ser integral. E essa característica está alinhada com
o invisível, com o que se pode sentir, mas não se pode medir, de que se pode
falar mas não pode tocar.
Espírito Santo (1998) afirma que precisamos ter a certeza de que somos dotados de
uma espiritualidade, não importando a denominação que atribuíamos a ela, pois no ser
humano uma visão de transcendência. Monteiro (2006, p. 15) busca explicar que:
A espiritualidade é a dimensão que corresponde à abertura da consciência ao
significado e à totalidade de vida, possibilitando uma recapitulação
qualitativa de seu processo vital. Portanto envolve a busca pelo sentido ou
significado para a existência e está articulada a uma necessidade mitificante,
ao imaginário e ao simbólico.
84
Espírito Santo (2006) complementa afirmando que a espiritualidade é um
autoconhecimento, uma abertura de consciência desta dimensão no ser humano. Para Santos
Neto (2006), a espiritualidade é interioridade, consciência de si mesmo em nível corpóreo,
racional e espiritual.
Barros (2003), ao tratar do estudo da espiritualidade, enfatiza que ela representa a
dimensão de infinito que habita em cada ser humano, não importando a finitude de suas
circunstâncias. Essa concepção de infinito estabelece uma relação de um ser com o outro e,
por conta disso, o ser humano vê a sua existência para além de si mesmo, evidenciando, desta
maneira, a realidade que o cerca, principalmente sua preocupação ecológica. Kivitz (2007)
complementa que a espiritualidade é essa preocupação com a finitude da vida, com seus
limites, com o sentido de existência.
Frankl (2003) aborda o tema da espiritualidade partindo dos conceitos de liberdade e
responsabilidade, uma vez que a dimensão espiritual se mostra como dimensão da vivência da
liberdade e responsabilidade. Para ele, a responsabilidade se caracteriza pela capacidade de
responder as circunstâncias presentes na vida e liberdade para tomada de decisões. Exercendo
sua liberdade e responsabilidade, o ser humano encontra sentido na sua existência.
Essas afirmações contemplam a visão de um ser humano composto por dimensões
biológicas, sociais, culturais, espirituais. Porém, a dimensão espiritual é capaz de integrar
todas as demais dimensões do ser humano, sendo esta considerada uma dimensão superior.
Partindo das muitas definições, constata-se que a espiritualidade constitui-se por
elementos e fatores que cada ser humano tem dentro de si, e que o faz sentir-se parte de algo
maior, algo transcendente, algo que vai além de sua própria existência. Tais fatores dão
sentido e direção à vida e geram no ser humano a responsabilidade pelo outro, pela existência
humana em geral. O verdadeiro sentido da espiritualidade, portanto, é estar em consonância
com o outro, para o outro, em que a base desta relação só pode ser encontrada no amor.
Vasconcelos (2008) afirma que é nas relações que o ser humano externaliza os valores
morais e sua ética. Ele declara que a espiritualidade é como processo de movimentação de
poderosas forças universais que jazem no nosso íntimo em direção ao mundo exterior.
Na área educacional, foi a partir dos anos 1990 que, no Brasil, o tema da
espiritualidade foi tangenciado nas pesquisas voltadas para a educação para a paz, para uma
85
educação do ser humano integral, para uma educação multicultural, educação transpessoal,
20
entre outros.
Para Santos Neto (2006), o trabalho educativo precisaria estar atento à dimensão da
espiritualidade: desobstruí-la, ajudá-la a tornar-se presente no cotidiano das experiências e das
decisões, fazer ver que ela não é campo tão somente das religiões.
Deseja-se situar a espiritualidade no contexto em que nos encontramos na atual
sociedade e, por conseqüência, nas escolas, uma vez que o crescimento espiritual se realiza
dentro de um contexto de uma sociedade que é destinada a ter influência sobre o indivíduo na
busca de sua espiritualidade. É preciso que se transforme a experiência da espiritualidade num
princípio de vida que venha refletir em ação na sociedade, na escola.
A educação alerta para a prática da reflexão do cotidiano, para a problematização de
nossa posição na sociedade, para a espiritualidade. Nesse contexto, propõe questionamentos
acerca do que estamos fazendo no mundo e sobre o nosso papel e lugar no futuro que nos
espera:
Precisamos conquistar uma nova espiritualidade para a vida e para as
práticas educacionais, que não pretenda voltar a tempos proselitistas que
confundiram educar com amedrontar, de forma pregadora. [...] Mas,
intrigamos o grande número de intelectuais e professores que residem quase
desesperadamente, até hoje, a qualquer visão espiritualista da educação.
(MORAIS, 2002, p. 13-4).
Se a espiritualidade permeia todos os ângulos da vida humana, tem grande importância
na valorização da vida, e a educação precisa ter este papel de valorizar a vida. Jorge Trevisol
(2003) afirma que espiritualidade ajuda a construir os valores para despertar a consciência do
ser humano. É preciso ouvir o que os alunos desejam e o que temem, assim como, ouvir seus
sonhos. A espiritualidade na educação segue este caminho: ajudar o ser humano a descobrir o
que está fazendo aqui e qual seu papel no mundo.
A espiritualidade em educação precisa estimular o questionamento acerca do sentido
da vida, do significado que ela possui. Precisa permitir o auto-conhecimento, pois a
autocompreensão não é um processo individual, uma vez que nossa percepção de mundo
amplia a compreensão das pessoas que conosco vivem. Precisa fazer perceber que somos
parte de um todo maior, que estamos conectados com cada forma viva existente, nada
acontece livre e independentemente.
20
O termo transpessoal vem sendo usado para relatar a experiência direta das realidades espirituais, significa
transcender o modo usual de perceber e interpretar o mundo desde uma posição de ego individual ou ego
corporal. GROF, Stanislav e Cristina. A tempestuosa busca do ser. Ed. Cultrix. (1990).
86
Comungando das palavras de Boff (1993), a espiritualidade parte de outra plataforma:
não de poder, nem da acumulação, nem do interesse, nem da razão instrumental, nasce do
coração, da gratuidade do mundo, das relações, da comoção profunda, do sentido de
comunhão que todas as coisas guardam em si:
Espiritualidade é aquela atitude que coloca a vida no centro, que defende e
promove a vida, contra todos os mecanismos de morte, de diminuição ou
estancamento. O oposto ao espírito nesse sentido não é o corpo, mas a morte,
tomada em seu sentido amplo, de morte biológica, morte social e morte
existencial (fracasso, humilhação, opressão). (BOFF, 1993, p. 40).
Paulo Freire (1981) percebia a necessidade de uma “espiritualização” do mundo e
da educação, alimentando um sentimento de responsabilidade consigo, com o outro e com o
planeta.
Para Paul Tillich (1984), a espiritualidade é a união de dinâmica e da forma de todos
os atos morais e culturais do ser humano. A união entre dinâmica e forma não significa algo
estático, pois são pólos em movimento. O caráter dinâmico do ser humano é também a
tendência de buscar sempre o novo, a criação de novas formas de transcender a si próprio, ao
mesmo tempo que tudo tende a preservar a sua forma como base de sua autotranscendência.
Segundo Boff (2000), a transcendência não se perde e não se ganha, pois é uma
situação do ser humano, fazendo parte de sua estrutura, sua singularidade no processo
cosmogênico e no conjunto dos seres. O autor nos convoca a transformar essa dimensão da
transcendência num estado permanente de consciência e num projeto pessoal e cultural.
Precisamos cultivar esse espaço e fazer com que a sociedade, a cultura e a educação reservem
espaços de contemplação, de interiorização e de integração da transcendência que está em
nós.
Da mesma forma que nos remete à transcendência, Boff (2000) nos reporta também á
nossa condição de imanência ao desafiar-nos a manter o enraizamento e a abertura, a
imanência e a transcendência, estar aqui e ao mesmo tempo ir além, estender-se e fundir-se
com o todo maior, num sentimento que pertença à família humana, a terra, ao universo, ao
propósito divino, ao todo, ao sagrado.
Para Solomon (2003), a espiritualidade é nada menos que o amor bem pensado à vida.
É amar a vida pelo que ela nos oferece e refletir sobre ela, sobre seu significado e os
sentimentos profundos provocados por essas reflexões. O autor nos fala de uma
espiritualidade como algo próximo à natureza (o que chama de espiritualidade naturalizada), e
seu lugar é aqui mesmo, em nossas vidas e em nosso mundo.
87
Perceber-se ligado ao cosmos é característica da espiritualidade. À medida que o ser
humano vai tomando consciência desta ligação, vai também cuidando do ambiente através de
uma conscientização de uma ética da integração. Neste sentido, Capra (2003) fala de uma
ecologia profunda, de uma percepção intuitiva da unicidade de toda vida, da interdependência
de suas miríades de manifestações e de seus ciclos de mudança e transformação.
Trata-se de uma relação espiritualizada com o ambiente que nos cerca a partir da
síntese corpo-espírito-natureza, síntese que incorporaria o corpo e o espírito graças à energia
que confere a natureza, qualidades que a humanizam, espiritualizando-a (SOARES, 1994).
Segundo Braun (2001), a ecologia profunda concebe os indivíduos como parte de um
todo organicamente articulado. Essa visão transcenderia a visão materialista, incorporando a
questão vibracional da espiritualidade. A espiritualidade traria a possibilidade de uma nova
ética em relação à ecologia e ao outro como uma busca inerente a condição humana.
Os partidários desse enfoque vêem a espiritualidade como a consciência de
que somos parte de um universo maior, e que todos estamos conectados com
cada parte do universo, incluindo todas as formas vivas, todos os seres
humanos e todas as culturas através do tempo, sentimento que leva a uma
atitude de respeito para com a Terra e a compreensão dos limites. (YUS,
2002, p. 124-5).
Capra (2003) sugere uma relação de equivalência epistemológica entre ecologia
profunda e espiritualidade, partindo de uma percepção universal de espiritualidade enquanto
consciência humana de conexidade com a natureza e o cosmos. Tal reintegração ecológica do
humano, visa o alargamento das fronteiras sobre cognição a partir de uma compreensão
sistêmica envolvedo as dimensões biológicas, mentais, culturais e espirituais da vida.
Esse sentimento de unidade mente/corpo é assim expressa por Capra (2001, p. 81):
A experiência espiritual é uma experiência de que a mente e o corpo estão
vivos numa unidade. Além disso, essa experiência da unidade transcende não
a separação entre mente e corpo, mas também a separação entre o eu e o
mundo. A consciência dominante nesses momentos espirituais é um
reconhecimento profundo a nossa unidade com todas as coisas, uma
percepção de que pertencemos ao universo como um todo. [...] Com feito,
nós fazemos parte do universo e nele estamos em casa; e a percepção desse
pertencer, desse fazer parte, pode dar um sentido profundo à nossa vida.
Para Morin (2000), como seres humanos dotados de pensamentos, é necessário
aprendermos essencialmente a não usufruirmos do planeta, mas a respeitá-lo, cuidá-lo e
compreendê-lo. Afirma Morin (2000 p. 76-7):
88
Aprender a estar aqui significa: aprender a viver, a dividir, a comunicar, a
comungar; é o que se aprende somente nas – e por meio de – culturas
singulares. Precisamos doravante aprender a ser, viver, dividir e comunicar
como humanos do planeta Terra, não mais somente pertencer a uma cultura,
mas também ser terrenos. Devemos-nos dedicar não a dominar, mas a
condicionar, melhorar, compreender.
Ao formular os sete saberes necessários à educação do futuro, Edgar Morin (2000) já
falava de um ser humano 100% cultura e 100% natureza. Boaventura de Souza Santos (2005)
na sua construção de ciência viva, também aborda a questão ecológica e espiritual quando
utiliza a expressão: “toda natureza é humana”. Yus (2002, p. 114) salienta:
O que a medicina holística, a agricultura orgânica, a política verde, a
economia estacionária, a espiritualidade de criação e a educação holística
têm em comum é uma crença de que a existência humana está sendo
delicadamente embalada no útero da natureza e, finalmente, depende das
conexões intrincadas, muitas vezes inconscientes e o-racionais, do mundo
natural na nutrição física, na psicológica e na espiritual.
Zohar e Marshall (2002, p. 33-4), em sua obra “QS Inteligência Espiritual”, dizem
que:
[...] a ciência nos ajuda a compreender o espiritual. [...] vivenciar o
“espiritual” significa estar em contato com um todo maior, mais profundo,
mais rico, que coloca em uma nova perspectiva nossa limitada situação
presente. [...] também a sintonização com um senso de inteireza mais
profundo, smico, um senso de que nossos atos são parte de algum
processo universal mais amplo.
A inteligência espiritual, ou o QS, como Zohar e Marshall (2002) nos apresentam, traz
considerações importantes acerca de nosso crescimento e transformação com vistas à
evolução de nosso potencial humano. Eles reconhecem que a inteligência espiritual coletiva é
mínima em nossa sociedade, pois vivemos uma cultura espiritualmente fraca, caracterizada
pelo materialismo, e que negamos o que é sublime, o sagrado que em nós habita, que habita
no outro, no mundo. Zohar e Marshall (2002, p.24) definem que:
A inteligência espiritual é a inteligência da alma. É a inteligência com a qual
curamos e com a qual nos tornamos um todo íntegro. O QS é assim
apresentado: O QS é aquele que repousa naquela parte profunda do Eu
conectada com a sabedoria que nos chega além do ego, ou mente consciente.
Porém, estes mesmos autores defendem que o aprimoramento da inteligência espiritual
é possível se utilizarmos mais a tendência de perguntar, procurar conexões entre as coisas,
89
trazer para a superfície as suposições que vimos fazendo sobre o entendermo-nos um pouco
mais além de nós mesmos, assumindo responsabilidade, tornando-nos mais conscientes, mais
honestos com nós mesmos e mais corajosos (ZOHAR e MARSHALL, 2002).
Zohar e Marshall (2002) nos instigam a buscar o elo com nossa interioridade, a buscar
valores que se perderam, como aqueles ligados às coisas mais simples da vida.
Gardner (1999)
21
, o autor das inteligências múltiplas, questiona-se acerca de uma nona
inteligência, que ele chamaria de existencial. Nesse sentido, a espiritualidade contribuiria
ajudando, sobretudo, as futuras gerações a fazerem perguntas. Paul Tillich (1972) nos diz que
quem se pergunta, já está sendo espiritual
22
.
A expressão da espiritualidade aqui enfatizada precisa ser concebida desvinculada do
contexto de um dogma religioso, seita, doutrina ou religião, ainda que a raiz etimológica da
palavra religião traga algum sentido para a espiritualidade.
A palavra religião provém do latim: religio, religare, e quer significar religação, ligar
novamente. Em seu sentido mais amplo, quer dizer voltar a ligar com alguma coisa ou algo a
que esteve ligada. Religar o ser humano ao seu contexto social e natural, religar corpo,
sentimentos, mente e espírito à sua própria natureza.
Ligar-se novamente ao sagrado, àquilo que está além do ser humano. Cremos que a
espiritualidade carrega este sentido de ligação, religação, unificação, de pertença ao cosmos,
muito próximo ao sentido a que explicita Boff (1993, p.66):
O sentido espiritual das relações com toda a realidade, especialmente diante
da crise ecológica, transforma-se num imperativo. A nova cosmologia
projeta uma visão do mundo unificado, mas o hierarquizado, orgânico,
holístico, feminino-masculino e espiritual. Os seres, isso é particularmente
convincente a partir da física quântica e da teoria da relatividade ampliada,
não estão justaposto ou desarticulados. Tudo se encontra profundamente
relacionado.
Nessa perspectiva, a espiritualidade relaciona-se com o desenvolvimento de valores
humanos, voltada à uma questão de natureza pessoal, às respostas que damos aos aspectos
fundamentais da vida, sem que para isso seja necessário a prática de rituais ou encontros
marcados em lugares específicos.
Para Krishnamurti (1980), dogmas, mistérios e ritos não conduzem a vida espiritual;
não possibilidade de existência sem relações, e sem o autoconhecimento todas as relações
produzem conflitos e adversidades.
21
Ver mais em: INTELIGENCIA, A - UM CONCEITO REFORMULADO (1999)
22
Ver mais em : Coragem de Ser (The Courage to be). Trad. Eglê Malheiros, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1972.
90
Espiritualidade relaciona-se com a experiência, não com a doutrina, não com os
dogmas, não com os ritos, não com as celebrações, que são apenas caminhos institucionais
capazes de nos ajudar a alcançá-la, mas que são posteriores a ela. Nasceram da
espiritualidade, podem até contê-la, mas não a são. É água canalizada, não a fonte da água
cristalina (BOFF, 2001).
Santos Neto (2006) afirma que, pela experiência espiritual, o ser humano consegue
perceber o vínculo que liga todas as coisas; o engano de permanecer apenas na aparência da
matéria exterior; a capacidade humana para criar e amar, e, ao mesmo tempo, encarar provas
que ameaçam a vida e conseguir ver em tudo isso um grande sentido.
Solomon (2003) orienta ser necessário atribuir a espiritualidade um sentido não
religioso, não institucional, não teológico, não baseado em escrituras, um sentido que não se
baseie em crenças, que não seja dogmático, que não seja anti-ciência, acrítico, carola ou
pervertido.
Para Faustino Teixeira (2005, p. 15):
A espiritualidade não é algo que ocorre para além da esfera do humano, mas
algo que toca em profundidade sua vida e experiência. A espiritualidade
traduz a força de uma presença que escapa à percepção do humano, mas ao
mesmo tempo provoca no sujeito o exercício de percorrer e captar esse
sentido onipresente. Daí se poder falar em experiência espiritual enquanto
movimento e busca do sentido radical que habita a realidade.
Merton (2007) define a espiritualidade como experiência, um conhecimento direto do
espírito absoluto no aqui e agora, e como práxis, um conhecimento que transforma a maneira
como eu vivo a minha vida nesse mundo.
Para Wolmam (2001), o espiritual tem por significado o centro existencial do
relacionamento de uma pessoa com o mundo. Segundo ele, para investigar a espiritualidade, é
preciso superar conceitos criados pelo pensamento e pela linguagem psicodinâmica, ir além
das formas convencionais.
Para este autor, qualquer método que estude a espiritualidade deve reconhecer também
o mundo psicológico e emocional das pessoas que se está investigando. “A espiritualidade
pode ser considerada como abrangendo a religião ou a religiosidade, tem a ver com a atitude e
a postura de uma pessoa diante do mundo exterior, o mundo da organização social, e com a
visão que ela possui de passado, presente e futuro” (WOLMAN, 2001, p. 163).
Em seu livro “Pertencendo ao Universo: Explorações nas fronteiras da ciência e da
espiritualidade”, o físico Fritjof Capra (1991) abre um diálogo com Thomas Matus e David
91
Steindl-Rast acerca das diferenciações entre espiritualidade e religião. Nesse diálogo, o padre
Thomas Matus formula uma diferenciação entre religião e espiritualidade utilizando um
axioma:
Você pode ter espiritualidade sem religião, mas o pode ter religião,
religião autêntica sem espiritualidade. Você pode ter religião sem teologia,
mas não pode ter teologia autêntica sem religião e sem espiritualidade. Desse
modo, a prioridade pertence, na minha opinião, à espiritualidade como
experiência, um conhecimento direto do Espírito absoluto no aqui e agora, e
como práxis, um conhecimento que transforma a maneira como eu vivo a
minha vida neste mundo. (CAPRA, 1991, p.26).
Capra (1991), ao referir-se à espiritualidade, denota o sentido de ligação que ele atribui
à espiritualidade, um sentido de ligação com o cosmos como um todo, e é este mesmo sentido
de comunhão que Boff (1993, p.66) assinala:
Espiritualidade significa, em derivação, o modo de ser que propicia a vida,
sua expansão, sua defesa, seu respeito, e a obediência audiência à sua
lógica que é o dom, a gratuidade e a comunhão com outras vidas e com todas
as demais alteridades. [...] Ela revela um lado exterior como conjunto de
relações que concernem ao outro como homem-mulher, a sociedade e a
natureza, produzindo solidariedade, respeito as diferenças, reciprocidade e
sentido de complementação a partir dos outros. Possui também um lado
interior que se realiza como diálogo com o eu profundo, com o grande
ancião e anciã que moram dentro de nós, com o mistério que nos habita e
que chamamos Deus, mediante a contemplação, a interiorização e a busca de
próprio coração. A espiritualidade une os dois lados num processo dinâmico
mediante o qual vai se construindo a integralidade da pessoa e sua integração
com tudo o que a cerca.
Para Dupré e Saliers (1989), a vida espiritual precisa diferenciar-se da vida religiosa,
porém a vida espiritual é baseada na presença divina. Saliers (1989) ainda afirma que a
espiritualidade relaciona-se com o buscar a inteireza na existência humana em relação à Deus
e ao outro. Ambos concordam que a espiritualidade independe de qualquer crença religiosa,
embora as religiões sirvam para dar diferentes explicações para os seus questionamentos
sobre a existência humana.
Grof (1997), ainda assim, alerta para que não confundamos espiritualidade com
religião, porque segundo ele, as experiências vivenciadas por meio da auto-exploração
experiencial despertam a espiritualidade que conduz o ser humano a uma busca mística, uma
vez que:
A divisão realmente importante no mundo da espiritualidade não é a linha
que separa as principais religiões individuais uma das outras, mas a linha que
92
separa todas elas de seus ramos místicos”. Mas também, salienta a
importância das teorias científicas, desde que, alicerçadas em observações do
universo e “não nas crenças dos cientistas de como é o universo ou seus
desejos de como ele deveria ser para caber em suas teorias.
Para Jung (2002), a espiritualidade não está obrigatoriamente associada à religiosa,
mas sim à relação transcendental da alma com a divindade e a mudança que daí advém. A
espiritualidade estaria relacionada com uma atitude, uma ação interna, uma ampliação da
consciência, um contato do indivíduo com sentimentos e pensamentos superiores e com o
fortalecimento e amadurecimento que esse contato poderá trazer para a sua personalidade.
A espiritualidade não deveria ser profética, exigente, missionária, submissa. Nossa
cultura acaba por confundir espiritualidade com religião, sendo que, para Maturana (2004), a
religião é um sistema fechado de crenças místicas, definido pelos crentes como o único,
correto e plenamente verdadeiro.
Acredita-se que a espiritualidade que se deseja delinear aproxima-se de uma cultura
matrística
23
, oposta à cultura patriarcal, que na sua maneira de viver o cotidiano, incita a
competição, a luta, a subordinação, a hierarquia, a obediência, o controle, a dominação dos
outros por meio da apropriação da verdade.
Enquanto o pensamento patriarcal, assim como as religiões, segue uma essência linear
que não observa as interações básicas de existência, o pensamento matrístico, assim como a
espiritualidade, ocorre num contexto de consciência de interligação de toda existência e
independe de uma religião, seita específica, de um sistema fechado de crenças. Uma cultura
matrística pode retomar a vivência pacífica e harmônica, o respeito à autonomia do outro, o
cuidado de si e do outro, a consciência de pertencimento a um mundo natural, a aceitação das
diferenças e incertezas.
Segundo Maturana (2004), a cultura matrística indica conversações de redes de
participação, inclusão, colaboração, compreensão, acordo, respeito e co-inspiração.
Viver uma cultura matrística requer abertura emocional para legitimar a
multidimensionalidade da existência que pode ser centrada no amor. Maturana (2004)
refere-se à biologia do amor ao tratar desta abertura emocional. Segundo o autor, o amor é a
emoção que estrutura a coexistência social na cultura matrística, ou seja, o domínio das ações
que constitui o outro como um legítimo outro em coexistência. O compartilhar e participar da
23
Em seu livro Amar e Brincar : Fundamentos Esquecidos do Humano (2004). Humberto Maturana e Gerda
Verden-Zöller tratam da cultura matrística e seu histórico evidenciados pelos restos arqueológicos encontrados
na área do Danúbio, nos Bálcãs e no Egeu ( Gimbutas, 1982). Ver mais MATURANA , Humberto R. , GERDA,
Verden Zöller. Amar e Brincar : Fundamentos Esquecidos do Humano. São Paulo: Pallas Athena, 2004.
93
harmonia da vivência pautada pela igualdade e unidade de todos os seres, não importando as
diferenças, foram para Maturana (2004) os elementos predominantes na matrística.
Assim, precisa ser a espiritualidade uma conexão com a vivência diária, um estar
aberto a si e ao outro, pertencendo a uma rede mais ampla de existência em que o auto-
respeito e o respeito ao outro suscitam a participação e a colaboração, haja vista que
percepção de pertencimento a uma identidade maior é uma experiência espiritual. Boff (1993,
p. 40) assim coloca:
Alimentar a espiritualidade significa cultivar esse espaço interior, a partir do
qual todas as coisas se ligam e religam, significa superar os compartimentos
estanques e vivenciar as realidades, para além de sua facticidade opaca e por
vezes brutal, como valores, inspirações, símbolos de significações mais altas.
O homem/mulher espiritual é aquele que pode perceber sempre o outro lado
da realidade, capaz de captar a profundidade que se vela e a referência de
tudo com a Última realidade, a que as religiões chamam Deus.
A educação precisa ser focada na espiritualidade, no sentido de transformar e
aperfeiçoar a humanidade com vistas a um objetivo maior, a construção de uma nova
sociedade, pautada por uma cultura de paz. Neste sentido, Morin (2002) também defende a
espiritualidade como um caminho para transformação do ser. Morin (2002, p. 93) diz que:
Nenhuma técnica de comunicação, do telefone à Internet, traz por si mesma
a compreensão. A compreensão não pode ser quantificada. Educar para
compreender a matemática ou uma disciplina determinada é uma coisa;
educar para a compreensão humana é outra. Nela encontra-se a missão
propriamente espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas
como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da
humanidade.
O pensamento de Morin (2000), embora sobre outro aspecto, reforça a importância da
espiritualidade no processo de formação do educando e a complexidade que envolve esse
processo, exigindo uma mudança de paradigmas em todos os âmbitos, principalmente no
educacional. O processo de aprendizagem pode ser facilitado a partir da reconexão das
dimensões humanas.
Yus (2002) corrobora com o pensamento de Morin (2000) quando enuncia que a
espiritualidade é vista como um sentido de reverência, de respeito, de apreço, e de amor por
todo o universo e todas as criaturas que nele vivem, incutindo no ensino uma excitação por
aprender, explorar, compartilhar e estimular essas emoções nos estudantes. É claro que as
94
emoções também incluem o pânico, o desespero e a angústia, importantes mensagens sobre
nossas relações e sobre nós mesmos.
Vivenciar a espiritualidade em educação é fazer renascer valores como a preservação
da vida, a cooperação, o diálogo, o amor, o serviço, a criatividade, a sabedoria, a curiosidade,
o respeito, a alegria, a inclusão, a evolução, a transcendência e a inteireza como conseqüência.
Nos dias da Nova Espiritualidade, os adultos deterão os instrumentos para
devolver às crianças o dom da sua própria imaginação.
Nos dias da Nova Espiritualidade, a coerção e o castigo não farão parte do
processo educativo.
Nos dias da Nova Espiritualidade, o enfoque da educação será na criação.
Nos dias da Nova Espiritualidade, a prioridade da educação deixará de ser a
disseminação de fatos, passando a ser o aumento da sensibilidade,
percepção, compreensão, compaixão, aceitação, celebração e apreciação da
reverência e maravilha da vida.
Nos dias da Nova Espiritualidade, a função da educação será desenhar um
Círculo de relevância em volta dos dados e sistemas elementares que
suportam a Vida.
Nos dias da Nova Espiritualidade, a educação será uma questão de criação,
não de uma escola, mas de um ambiente de aprendizagem.
Neale Donald Walsch
24
2.4 Arte, educação e espiritualidade: a transdisciplinaridade possível no encantamento
com a imagem
"Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música
não começaria com partituras, notas e pautas.
Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria
sobre os instrumentos que fazem a música.
Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria
que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas.
Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas
para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes".
Rubem Alves
25
Relendo alguns de meus materiais anteriormente separados para esta pesquisa, deparo-
me com Rubem Alves e esta belíssima citação que sabiamente traduz o que proponho neste
estudo: refletir a experiência da beleza, o encantamento, a espiritualidade como vetores para o
aprendizado na leitura de imagem em arte.
Encantar, etimologicamente, vem do latim incantare, que conota um cantar para entoar
cantos, ecos mágicos, enfeitiçar, seduzir. Encantamento traduz, desse modo, um estado de
24
Retirado do livro “O Deus de Amanhã”.
25
Do livro “A alegria de Ensinar”.
95
animosidade, enfeitiçamento, apaixonamento, arrebatamento, à medida que somos tomados e
envolvidos pelos enigmas, paradoxos e pela poeticidade do existir que nos envolve, seduz,
evoca e convoca a fruir os sentidos existenciais.
Weil (2002) nos diz que o encanto é um convite para o indivíduo retirar véus, acordar
do torpor, tornar visível o invisível. Visível, não é ver com os olhos, mas além disso, sentir,
ouvir e perceber.
Encantar-se também é permitir-se na inquietude dos enigmas humanos, interrogar-se,
problematizar, abrir-se às ambivalências e incertezas da condição humana.
Encantar significa causar satisfação, agradar profundamente. Portanto, ações
educativas que não permitam encantar tendem a tornar-se frias, mecânicas e desprazerosas.
Espinosa (1997) afirma que quanto mais prazer e radiância, mais fruição e criação. Duarte
Júnior (2004) nos fala de um viver prazeroso, carregado de um sabor especial, um prazer de
saber, saber de si, que se revela no fruir.
Encantar-se com a imagem, nesse contexto, significa sentir-se atraído por ela, como,
segundo a lenda, as sereias e seus cantos entoavam ecos e seduziam suas vítimas levando-as
para as mais profundas águas. Penetrar nas “mais profundas águas” da imagem significa
penetrar sua complexidade, sua subjetividade.
Kohatsu (1999) afirma que a imagem é um elemento de interação entre o homem e o
mundo, talhada a provocar reações sensíveis. O autor ainda assinala que as imagens sempre
exerceram grande fascínio sobre os homens, conduzindo-os a um estado de encantamento.
Esse estado de encantamento, com suas matizes pedagógicas, traduz-se no entusiasmo,
no vislumbramento, na amplitude, permitindo o enraizamento dinâmico de processos
intensivos de fruição, percepção, vivência estética tocada pela paixão. Esse estado de
encantamento pode se traduzir num estado de êxtase, entrelaçamento, com seu dinamismo
mobilizante, mas nunca estático, imobilizante, anestésico.
A imagem precisa ser entendida como expressão da existencialidade humana,
manifestada na espiritualidade, possibilitando ao leitor-fruidor que se sinta de alguma maneira
tocado por ela.
Encantar-se com a imagem permite ações pedagógicas que revelam estados de
inquietude, curiosidade, mobilidade. Assim, o encantamento permite compreender as
dimensões humanas, da corporeidade, da espiritualidade que, entrelaçadas, podem explorar a
busca da sabedoria e o gozo da beleza. Inspira, irradia e toca de modo penetrante.
Nesta perspectiva, arte, educação e espiritualidade, podem ser compreendidas sob a
óptica transdisciplinar, como um fenômeno de encantar-se, como um rito de cuidado intensivo
96
com o advento da sensibilidade, dos sentidos humanos. Um rito que se traduz nos processos
de ser-estar no mundo, em comunhão, suscitando laços sinérgicos de compartilhamento, de
solidariedade, de partilha de vivências e experiências.
Educar em arte, nesse sentido, articula o educar como fruição da poiesis, enchendo-se
do sensível, da inventividade, que nos conduz a novos sentidos, ao existir e coexistir. Brotam
daí o estésico
26
, o admirável, o contemplável, numa relação de coexistência, no ser e estar,
entrelaçando estética e ética, belo e bom.
Para Duarte Junior (2004), a estesia tem origem no termo grego aisthesis, e significa a
capacidade sensível do ser humano para perceber e organizar os estímulos que lhe alcançam o
corpo. Além das questões ligadas à experiência estética, a estesia diz mais de nossa
sensibilidade geral, de nossa prontidão para apreender os sinais emitidos pelas coisas e por
nós mesmos. Seu contrário, a “anestesia” é a negação do sensível, a impossibilidade ou a
incapacidade de sentir.
Na experiência de encantar-se com a imagem pode-se listar três momentos ou
dimensões básicas: poiesis, aisthesis e katharsis. A poiesis é o momento de produção e
construção da imagem como outro; a aisthesis coincide com a apreciação das imagens, ao
valorizar o afetivo, o racional, o sensível e o intuitivo; a katharsis é a síntese das dimensões
anteriores, trazendo os estados relativos à experiência vivida, que supõe uma união entre a
imagem construída e a imaginação, nutrida daquilo que se contempla. Uma cosmovisão
inventiva, sustentada pelo bios e o logos, abre-se à informação icônica, geradora de sentido,
conduzindo à materialidade da imagem e aos universos do imaginário (GENNARI, 1997).
O processo de encantar-se sugere o pertencimento, sugere o educar como educere.
Uma abordagem educacional movida de encantamento faculta o autoconhecimento, o
reconhecimento do outro e do cosmos. Encantar-se, portanto, é conectar-se a uma força
superior que carregamos dentro de nós. Encantando-nos, encontramos o mistério que permeia
toda a vida.
Para Tillich (1972), estar encantado é sentir-se capturado, é um momento de entrega,
de estar no encanto do que foi encontrado (imagem). Nesse instante, o ser humano esquece-se
de si, encantado com o que foi encontrado, sai de si, e justamente no esquecer e sair de si é
que encontra a si mesmo e significa sua vida.
26
Estésico vem da palavra grega aisthesis, usada para percepção ou sensação. Segundo Hilmann (1993, p.17),
significa “inspirar” ou “conduzir” o mundo para dentro, “a respiração entrec ortada, ‘a-há’, o ‘uhh’ da respiração
diante da surpresa, do susto, do espanto, uma reação estética à imagem (eidolon) apresentada”.
97
O encanto valoriza o que é racional, porém transcende o material e entra numa
dimensão de permissão de descobertas, de vivências do inebriante, que não pode se reduzir a
conceitos ou nomes. O encanto possibilita vivenciar a espiritualidade, obter respostas aos
questionamentos sobre a vida e sobre nós mesmos, permite religar, vivenciar com consciência
o autoconhecimento.
Acreditamos que a experiência do desenvolvimento da espiritualidade passa
necessariamente pela experiência de abertura, aos outros e nos outros. Realizamo-nos no
encontro com a imagem, na sua leitura. Gimeno Sacristán (2007) afirma que a ação de ler é,
por si mesma, um ato de socialização, capaz de gerar uma atividade interior em quem a
exerce, que transforma o indivíduo.
Para encantar-se com a imagem é preciso olhar. É preciso mais do que deslizar o olho
sobre. É preciso um olhar contemplativo, executado com o corpo todo, compreendendo os
estados afetivo, apreciativo, de admiração e também de interrogação. Um olhar delongado,
cuidadoso, convidativo, que precisa de seu tempo de introspecção.
Esse olhar, que longe de ser um olhar neutro, se encontra na própria subjetividade e
complexidade do ser humano, é reafirmado por Aumont (1993, p. 14):
A visão, a percepção visual, é uma atividade complexa que não se pode, na
verdade, separar das grandes funções psíquicas, a intelecção, a cognição, a
memória, o desejo. Assim, a investigação, iniciada “do exterior”, ao seguir a
luz que penetra no olho, leva logicamente a considerar o sujeito que olha a
imagem, aquele para quem ela é feita, o qual chamaremos de seu espectador.
Segundo Cardoso (1988), ver e olhar tem significativas diferenças. Enquanto o
primeiro surge desatento, o olhar investiga, indaga, rompe a imagem e a transforma em
paisagem. O olhar, segundo o autor, não descansa sobre a paisagem contínua, mas se enreda
nos interstícios de extensões descontínuas.
Leonardo da Vinci, da mesma forma, mais de quinhentos anos atrás, professava o
olhar subjetivo, quando pronunciava que os olhos são as janelas da alma:
Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro? [...] É janela do corpo
humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a
prisão do corpo que, sem esse poder, seria um tormento [...] Ó admirável
necessidade! Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de
absorver as imagens do universo? [...] O espírito do pintor deve fazer-se
semelhante a um espelho que adota a cor do que olha e se enche de tantas
imagens quantas coisas tiver diante de si. (LEONARDO DA VINCI apud
CHAUÍ, 1998, p. 31).
98
Aumont (1993, p. 77) completa:
É claro que esse espectador jamais tem, com as imagens que olha uma
relação abstrata, “pura”, separada de toda realidade concreta. Ao contrário, a
visão efetiva das imagens realiza-se em um contexto multiplamente
determinado: contexto social, contexto institucional, contexto técnico,
contexto ideológico. E o conjunto desses fatores situacionais regulam a
relação do espectador com a imagem.
A imagem, na experiência do encantamento, provoca no leitor sensações que resultam
do seu encontro com o interior; algo que não é passivo, indiferente, e evoca o que está contido
na memória, traz lembranças, sentidos, enquanto contemplação. Uma relação se estabelece
entre leitor e imagem. Algo de nós penetra na imagem, ao mesmo tempo que por ela somos
penetrados, e despertados para novas sensibilidades.
O encantamento que suscita a imagem (cinematográfica, romanesca, vivida)
corresponde à medida de seu conteúdo cotidiano. A imagem estranha,
fantástica, prospectiva, utópica vale justamente pelo que contém de banal.
Reencontramos aqui a importância do duplo, a fascinação repousando sobre
o fato de que a imagem é sublimação, reflexo empírico, do concreto.
(MAFFESOLI, 2001, p.108).
As sensações, as idéias, os sentimentos e questionamentos são reações internas
provocadas pela experiência do encantamento com a imagem, pelo seu conteúdo que se
exprime pelas cores, formas, linhas e figuras. Uma conexão com esses conteúdos faz surgir
uma multiplicidade deles em cada sujeito que contempla.
Para Umberto Eco (1992), o conteúdo que a imagem carrega é uma linguagem que
cria um discurso aberto e pode ser interpretado de diferentes maneiras. A fruição acontecerá
carregada de características psicológicas e filosóficas, da própria formação ambiental e
cultural, das especificidades da sensibilidade. Cada fruição será inevitavelmente pessoal.
A percepção de uma imagem constitui-se num processo individual e é formado por
muitos estímulos sensoriais que se complementam em uma estrutura dinâmica e integrada.
[...] fruir uma obra como forma sensível quer dizer reagir aos estímulos
físicos do objeto, e reagir não apenas através de acordo de ordem intelectual,
mas através de um conjunto de movimentos cinestésicos, como uma série de
respostas emocionais, de maneira que a fruição do objeto, ao complicar-se
com todas estas respostas, não assuma nunca a exatidão unívoca da
compreensão intelectual de um referente unívoco, e a interpretação da obra
se torne por si mesma pessoal, posicionada, mutável e aberta. (ECO, 1986, p.
255).
99
Quando acontece o encantamento, a aproximação da imagem com o leitor ocorre num
nível mais profundo. Nesse encontro, a imagem pode evocar reações de ressignificações,
suscitando reflexões existenciais e interpretativas.
Tillich (1972), ao descrever o seu encontro com uma obra de arte (imagem), denomina
a experiência vivida como “inspiração” e afirma que o fez descobrir o verdadeiro sentido que
uma pintura é capaz de revelar. Essa reflexão de Paul Tillich é provocada pela fruição de uma
obra de Boticelli, a Madona (DEBRES, 2005)
27
. Porém, acreditamos que a imagem, seja ela
pintada, fotografada ou desenhada, pode trazer essa mesma sensação provocada e
experimentada por Tillich no contato com a Madona de Boticelli.
Da mesma forma que Tillich descreve seu momento, o também teólogo Henri J. M.
Nouwen relata que o encontro com uma obra de arte o fez pensar e repensar sua vida, dando
ânimo para vivê-la. Ele descreve a pintura como um encontro aparentemente sem
importância, pois se tratava de um pôster mostrando detalhes de uma obra de Rembrant.
Contudo, tal situação o fez viajar numa longa aventura espiritual, fazendo com que o teólogo
reavaliasse sua vocação e desse novo alento para vivê-la (DREBES, 2005).
Em Debres (2005) encontramos a história de Nouwen, que em seu livro “A volta do
Filho Pródigo” (2008) relata sua própria experiência e acrescenta que ao ver a imagem de um
pôster, não conseguia tirar os olhos da imagem, pois se sentia capturado por ela. Sentiu-se
atraído pelo conteúdo que a imagem enunciava e sensibilizou-se de tal maneira que julga
nunca ter acontecido algo semelhante. A imagem tocou-o profundamente, colocando-o em
contato com algo dentro dele, que ele diz estar bem distante dos olhos, algo que representa a
constante busca do espírito humano, o anseio por uma volta definitiva, uma inquebrantável
sensação de segurança, por um lar permanente.
O filósofo Paul Ricoeur, também assim como Nouwen, revela um confronto com uma
imagem de arte, revelada em seu livro “O si-mesmo como um outro”, publicado em 1991. Ele
declara que o autor da pintura se revela e se interpreta no ato de pintar. Porém, mais que isso,
ao decifrar e ler a pintura, também lemos a nós mesmos como semelhantes e distintos
(DEBRES, 2005).
As experiências acima relatadas podem ser compreendidas à luz do que Pareyson
(1997) define como prazer estético
28
. O autor qualifica o prazer estético como um encanto ou
27
DREBES, Haidi. A expressão da espiritualidade na obra pictórica de Frida Kahlo no horizonte da teologia da
cultura de Paul Tillich. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, 2005.
28
Alguns estudiosos denominam prazer estético, o prazer capaz de ser apreciado por contemplação ou fruição. É
o prazer do belo.
100
fascínio. O encantamento produz um efeito de sedução e proporciona um prazer que se
mistura e constitui-se de surpresa, admiração e contemplação.
Na perspectiva de Pareyson (1997), ler significa executar, e executar significa dar vida
e fazer a obra viver como ela mesma quer. A contemplação, o encantamento, sugere uma
dinâmica interna, a busca de um significado para a imagem.
Ainda, o autor afirma que se não houver a recepção e o encantamento, o processo de
fruição não ocorre, pois se torna necessário primeiro enxergar a obra (imagem), parar na
frente dela e observá-la, pressupondo no parar certa receptividade.
A contemplação e a intensidade do encontro com a imagem serão determinantes do
processo de fruição que, por sua vez, é único, pessoal e formativo.
O livro de Orações Inglesas de 1662 confunde, de modo encantador, o ato de
ver com o ato de agradecer, pedindo para “mostrar a voz da gratidão: e
proclamar para todos as vossas obras maravilhosas”. Quando nos
confrontamos com uma obra de arte, essa talvez seja a nossa única reação
possível: o equivalente a uma prece de gratidão por nos permitir, como
nossos sentidos limitados, um número infinito de leituras, que, para o nosso
maior proveito e alegria, trazem a possibilidade de esclarecimento.
(MANGUEL, 2001, p. 55).
Podemos dizer, nesse sentido, que a contemplação de uma obra (imagem) seria o
encontro consigo mesmo, um processo de interiorização, um processo de compreensão de si
mesmo, o desvelar de nossa própria existencialidade através do processo de conhecer e
compreender a nossa existência.
Contemplar e encantar-se com a imagem é uma forma de ressignificar a vida através
da sensibilidade, através do pensar valores relacionados à espiritualidade, que impulsionam o
reencanto.
No encantar-se com a imagem, o educando estará recebendo e reconstruindo a imagem
através do reviver, do interpretar, do penetrar, do contemplar (PAREYSON, 1997).
Certamente, a contemplação é um estado de quietude e calma, em que se fixa
a mirada para olhar o objeto fora da inquietação e do tumulto da busca, e,
certamente a contemplação é um estado de extrema receptividade, no qual se
deixa o objeto ser, na sua verdadeira e autônoma natureza, precisamente para
fixá-lo sem falsear-lhe os traços; mas aquela quietude não tem nada de
passividade, nem de inércia; porque antes representa o cume de uma
atividade intensa e operosa, e esta receptividade não tem nada do abandono
e do esquecimento de si, porque é antes posse vigilante e imperiosa.
101
Para se chegar à contemplação, segundo Pareyson (1997), é preciso ter passado por
um processo de interpretação da imagem que faz o olhar se interrogar mediante ela,
defrontando-a de mil maneiras, instaurando um diálogo numa atividade intensa e contínua.
Para Pareyson (1997), o encanto é composto de dois elementos: a surpresa e a
contemplação. Porém, para ele, o encanto é que dá início a interpretação. O repouso e o prazer
na contemplação, como processo de interpretação, é momento de renovar o movimento,
permitir que novas interpretações desabrochem.
Sensível é o que é afetado em seu modo de ser, é o que se afeta pelas imagens. As
imagens, por sua vez, são os perceptos. O sensível transcende as imagens da percepção.
A arte funciona, ante o fascínio das imagens, como uma força de resistência
(um anteparo, uma tela, uma projeção, um acontecimento) por suas formas,
pelos gestos que suscita. Para dar sentido ao sensível que no visível, no
sentido que nasce de pensamentos em imagens. Algo que vinculado a
saberes se faz signos de arte. O olhar é anestesiado por uma emão e
arrastado pelo fascínio da imagem, predispondo aquele que a ficar
imantado pela emoção, “encantado”. (MEIRA, 2003, p. 53).
A educação da sensibilidade, pela via do encantamento, é uma forma de restituir a
visão humanista em educação. Pode, através do encantamento a arte, contribuir para a
formação integral do educando, restaurando características humanas básicas, como a
iniciativa, a autonomia e a individualidade.
O contato com a imagem passa a ser visto como forma de sensibilização e
subjetivação. Para contemplar, compreender e encantar-se é preciso sensibilizar-se. No
Dicionário Eletrônico de Filosofia da Arte (2005), sensibilidade é definida como a “faculdade
de sentir”, a capacidade de receber e perceber impressões do próprio corpo e do mundo que
lhe é exterior. Sensibilidade está associada à capacidade de ter sensações, percepcionar,
conhecer, ser afectado, ter vida afectica (desejar, amar, fruir, encantar). Pode ser interpretada
como sentimento, delicadeza de sentir, capacidade de fruição do belo e fantasia criativa que
nos permite aceder a experiência estética.
Neste sentido Meira (2003, p. 30) elucida:
[...] paradoxalmente chegamos a um tipo de civilização que desenvolveu
como nenhuma outra poderosos instrumentos para a ampliação do olhar,
para a penetração nos desvãos mais escondidos do corpo e do universo. Mas
desconhece os afetos, os efeitos e as percepções mais recônditos das imagens
inventadas por nossas almas.
102
Duarte Júnior (2004) aponta para necessidade de uma atenção maior à educação do
sensível, que ele chama de educação estética
29
. O autor pretende um retorno à Aisthesis grega,
à estesia, como uma capacidade do ser humano sentir a si e ao mundo num todo integrado.
Nesse sentido, Duarte Júnior (2004, p. 13-14) enuncia:
A educação do sensível nada mais significa do que dirigir nossa atenção de
professores para aquele saber primeiro que veio sendo sistematicamente
preterido em favor do conhecimento intelectivo, não apenas no interior das
escolas mas ainda e principalmente no âmbito familiar de nossa vida
cotidiana. Desenvolver e refinar os sentidos, eis a tarefa, tanto mais urgente
quanto mais o mundo contemporâneo parece mergulhar numa crise sem
precedentes na história da humanidade.
A educação estética, assim, apresenta-se como uma das correntes de pensamento da
atual crise moderna, em conseqüência do desencanto da razão. Duarte Júnior (2001), entende
que a educação estética ressignifica as informações por meio dos sentidos, das sensações
vivenciadas, do sentir o mundo com significado especial de beleza, pois o que interessa é a
vida com suas múltiplas sensibilidades e formas de expressão.
Para Maffesolli (1998), uma razão sensível pode ser construída com a redescoberta
do que significa etimologicamente a palavra estética: sensibilidade. Aquilo que caracteriza a
estética não é o processo de experiência individual, mas sim a abertura para o outro, a ação
coletiva. Essa abertura conota o espaço, o local, a proxemia em que se representa o destino
comum. É o que permite estabelecer um laço estreito entre a matriz ou aura estética e a
experiência ética.
Maturana (1998) afirma que o caminho para se construir uma educação amorosa,
sensível e solidária, requer uma ética de relacionamento fundamentada no servir e na
aceitação do outro como legítimo, originando a convivência social em que o amor a si e ao
outro é causa e não conseqüência.
Meira (2003, p. 75) acrescenta:
A pretexto de dispersar a atenção ou a compreensão, muitos professores
evitam trabalhar com a sensibilidade, quando justamente criando estados de
sensibilidade, poderá haver concentração e envolvimento com os fatos. Uma
aproximação teórica aos processos e obras de arte pode ser meramente
informativa ou explicativa, se não houver simultaneamente um trabalho
como a sensibilidade para tais informações e explicações, se a compreensão
29
A estética é criação contínua de conceitos para explorar o campo do sensível, do gosto, da imaginação, das
paixões, das intuições, das emoções, exigindo uma competência sobre tais assuntos, quando se quer aplicá-los a
um tema como o da arte. [...] É mostrar o que pode fazer sentido, o que põe em crise os significados e as práticas,
através da reflexão sobre o imprevisível, o imponderável, o complexo e o incalculável (MEIRA, 2003, p. 27).
103
artística não correr por vias de ir e vir do pensamento estético às operações e
obras por ele iluminadas.
Restrepo (1998) lembra-nos que uma razão afetiva no ambiente educacional acontece
na tessitura ética, técnica e estética, superando os paradigmas reducionistas de propagação do
saber e a crise das percepções do sentimento de alteridade presente nos métodos que
racionalizam o ensino.
Para Moraes (2004, p. 327) é necessário encantar e reencantar a educação:
Na verdade é chegada a hora de semear a e fincar raízes no terreno fértil
da esperança. Esperança em uma educação renovadora e inovadora,
libertadora e criativa, capaz de sinalizar a abertura de novos caminhos,
emergência de novas possibilidades de construção e reconstrução do mundo
e da vida. É tempo de reencantar a educação! E como humanidade, é tempo
de transcendência, tempo de emergência da civilização da religação.
Como a arte pode ser capaz de desenvolver um ser humano mais criativo, mais
autônomo, a sensibilização promovida pela vivência de encantar-se com a imagem pode ser o
canal para emergência de um ser mais perceptivo, capaz de perceber-se e perceber o mundo.
Mafessoli (1995) reconhece a profusão, o papel e a pregnância da imagem na vida
social. A imagem é, para Mafessoli (1995), um vetor de comunhão. Ela interessa menos pela
mensagem que precisa transportar do que pela emoção que faz compartilhar. Maffesoli (1995,
p. 93-4) fala-nos que a imagem favorece o sentir coletivo através da aisthesis
30
.
Ainda, complementa Maffesoli (1995), a imagem é imbuída de uma razão sensível
que permite o processo de encantar-se diante de uma imagem. Porém, o sensualismo da
imagem dificilmente é perceptível pelo intelectualismo no qual somos forjados. Segundo o
autor, a imagem se aproxima do retorno à espiritualidade humana e pode ser comparado a um
momento de globalidade, daquilo que se poderia chamar de holismo (MAFESSOLI 1995).
A imagem, nesse sentido, não é uma abdicação do espírito: ela é, ao contrário,
um enriquecimento, uma maneira de fazer funcionar todas as potencialidades
do espírito. É útil ter isso em mente, para apreciar a extraordinária explosão
da imagem pós-moderna. Ao invés de vê-la, como continuam fazendo os
espíritos pesarosos, como a expressão de uma decadência da cultura e do
pensamento, talvez fosse mais oportuno saber reconhecer nela o retorno de
uma vida espiritual mais completa, mais concreta, de uma vida espiritual que
30
Aisthesis de que fala Mafessoli, juntamente com a religação repousam comum no sentir com”. (Mafessoli,
1995, p. 118). Assmann (2001, p. 237) nos fala de Aisthesis como termo grego para experiência da beleza ( daí
estética) expressa etimologicamente a ão corporal e anímica de “sugar para dentro”, “inspirar” ( como um
ar) e “agarraer envolvendo”.Aisthesis conota percepção vital, antes que um sofisticado “esteticismo”.
104
vive em todas as suas potencialidades, e, desse modo, faz comunidade.
(MAFESSOLI 1995, p. 102).
Mafessoli (1995) reforça que é possível vivenciar a transdisciplinaridade no encantar-
se com a imagem através de um processo coletivo, pautado no diálogo, na troca de
experiências, na sala de aula, pois ela permite, além ou aquém das mediações, acender uma
espécie de conhecimento direto, conhecimento vindo da partilha, da colocação em comum
idéias, e também das experiências, do modo de vida e da maneira de ser. Acrescenta
Mafessoli (1995, p. 14):
A experiência compartilhada gera um valor e funciona como vetor de
criação. Mesmo que esta seja macroscópica ou minúscula ou que
corresponda aos modos de vida ou à produção de arte, engloba a totalidade
da vida social na suas diversas modalidades. É a partir de uma arte
generalizada que se pode compreender a estética como faculdade de sentir
em comum.
Os momentos de contemplação, encantamento e troca na leitura de imagem são formas
de existir e remetem ao que Mafessoli (2005) aponta como divino social; quando o mundo
fica entregue a si mesmo e vale por si mesmo, cresce o que me liga ao outro, aquilo que se
pode chamar de religação. Para Meira (2003, p. 59), a imagem nada mais é do que um vetor
de contemplação, de comunhão com os outros, de propor, sugerir ou dar lugar a relações
intersubjetivas.
Apresenta um olhar transdisciplinar quando envolve aspectos múltiplos do educador,
do educando, e das relações estabelecidas entre ambos. Ressalta a importância de introduzir
nos processos pedagógicos conceitos como: sensibilidade, percepção, prazer estético,
expressão, trilhando um caminho mais subjetivo em direção a construção de um ser humano
estético-crítico, com perspectivas estéticas e éticas próprias.
Uma vez que o objetivo de uma formação transdisciplinar é a compreensão de nós
mesmos, da nossa realidade, das nossas relações, do modo como encaramos nossa realidade, o
sentido estético-ético surge no momento em que a sensibilidade humana enriqueceu-se a
ponto de perceber as qualidades estéticas como expressão da essência humana. Nicolescu
(1997) sabiamente denomina essa compreensão de “permanente encantamento”.
A arte, espiritualmente impulsionada, sempre abre novos caminhos, propõe idéias, a
percepção da beleza, revelando aspectos antes não reconhecidos da verdade de nossa
existência. Furtado (2002) nos diz que a imaginação criativa da arte seria capaz de traduzir as
possibilidades libertadoras da existência através da sensualidade da experiência da beleza.
105
Onde a arte é produzida vem à tona uma profundidade de ser que não pode ser
expressa de nenhuma forma, a não ser através da arte. Sendo a imagem matéria espiritual,
encontra-se nisto a possibilidade de assumir a dimensão espiritual apontada por Pareyson
(1997).
Arte é conhecimento, e a imagem nos ensina, mas isso só acontece para os que
desejam estar em contato com ela. Sabemos que a imagem é aberta à revelação e deseja ser
lida, pois sua beleza, sua vida, só se revela através do olhar delongado.
O encontro entre imagem e fruidor se mediante a experiência. A espiritualidade
expressa na imagem é a possibilidade de transcendência. A revelação acontece no encontro
que se mediante a experiência do encantamento. A revelação surge das profundezas e nos
toca; é a espiritualidade que movimenta, envolve e desvela o encontro através do
encantamento.
Muito mais pode ser revelado no encontro com a imagem. O potencial artístico e
espiritual da imagem é o que inquieta, provoca, revela. Muito mais do que se encantar com as
imagens, é preciso almejar que nossos alunos se encantem perante suas vidas, seus
semelhantes e diferentes, sua realidade, encontrando no outro e em si riquezas a serem
descobertas.
Nesse sentido, a arte, através da leitura da imagem, pode oferecer encontros
prazerosos que instigam a curiosidade, a criatividade, a inventividade, que impulsionam a
permanente busca da compreensão de nós mesmos, que numa perspectiva transdisciplinar
acontece no permanente questionamento de nossas vidas, de como somos, “de que” somos,
nossos valores, crenças, opiniões, frente ao mundo e aos outros. Em suma, nossa
espiritualidade permite que encontremos o que Nicolescu (2002) chama de nosso próprio
lugar no mundo e nossa plena realização como parte constituinte dele.
Segundo o autor, temos um único caminho para reencantar o mundo e este é aquele
que explora a capacidade infinita de nos maravilharmos. Acreditamos que é esse maravilhar-
se que a transdisciplinaridade tenta recuperar.
No processo de ler imagens em arte, esse encantamento pode ser traduzido no resgate
do prazer de maravilhar-se, transformado pela oportunização de desafios que instiguem a
curiosidade, a iniciativa e que impulsionem auto-descobertas, posturas de compreensão do
mundo e da realidade.
A arte, através da leitura da imagem pode ser a resposta esperada, pois envolve o
inteligível e o sensível, o estético, a espiritualidade. É a alternativa capaz de eximir o temor da
desumanização do mundo, capaz de permitir ao ser humano conhecer e compreender este
106
mundo que nos rodeia e, assim, agregar condições de portar-se nele como responsável e
pertencente.
A arte é transdisciplinar por natureza. Nada pode ser mais humano que a arte, pois ela
é uma energia que pulsa no sentido “dentro-fora” e “vice-versa” de nosso ser integral. A arte
opera e inclui múltiplos campos: mentais, corpóreos, emocionais, neurológicos, psicossociais
e existenciais. Na arte, portanto, são trabalhadas e transformadas emoções e sentimentos,
conceitos e sensações movem nossos ossos, músculos, nervos, nossa paixão. Dizemos que até
nossa alma vibra com a arte.
A arte ensina, a saber, a construir pontes entre o saber e o ser e conduz ao auto-
conhecimento da mesma forma que ensina a conviver, pois desenvolve valores, como a
aceitação do outro, do diferente, do especial, nos vemos vendo o outro.
Transdisciplinaridade é arte. A arte explica e assume o que é transdisciplinar,
demonstra sua capacidade inclusiva, torna perceptível nosso sentimento coletivo, permeia o
conhecimento e nos conduz a elevação do nosso Ser interior, do nosso Ser espiritual.
O processo de encantamento abarca o desenvolvimento da sensibilidade e da
percepção, enquanto forma de autoconhecimento e socialização. Encantar-se com a imagem,
por fim, pode fazer com que o educando se conheça se perceba e se reconheça no outro,
conviva e se sinta pertencente, evoluindo espiritualmente.
107
CAPÍTULO III
PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DE PESQUISA
3.1 Opção metodológica
A pesquisa foi desenvolvida dentro da abordagem qualitativa em que arte, educação e
espiritualidade foram relacionadas e refletidas em suas particularidades.
A pesquisa bibliográfica constitui-se parte fundamental deste processo, pretendendo
entender o sentido que se propõe quando atrelado à educação e seus reflexos na
espiritualidade, bem como sua relação com a arte-educação.
A opção por uma abordagem qualitativa norteou-se pela própria temática dessa
pesquisa, exigindo uma subjetividade maior. Considerando-se o problema desse estudo e seus
objetivos, encontrou-se na metodologia qualitativa uma maneira eficaz para descrever,
compreender e interpretar o fenômeno na pesquisa.
A pesquisa qualitativa aborda as relações humanas e faz surgir a necessidade de
estudar o modo como os participantes do estudo se posicionam em relação às informações.
Desse modo, a abordagem qualitativa configura-se como um caminho para adentrar e
compreender o significado e a intencionalidade das falas em relação às vivências, aos valores,
às percepções, aos desejos, às necessidades, bem como às atitudes dos docentes em arte-
educação. A abordagem qualitativa,
É aquela que incorpora a questão social do significado e da intencionalidade
como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais. O estudo
qualitativo pretende apreender a totalidade coletada visando, em última
instância atingir o conhecimento de um fenômeno histórico que é
significativo em sua singularidade. (MINAYO, 1999, p. 10).
Na pesquisa qualitativa, segundo Trivinõs (1987), o pesquisador não fica fora da
realidade que estuda, à margem dela, dos fenômenos dos quais procura captar seus
significados e compreender. A abordagem qualitativa pressupõe que um número limitado de
casos seja expressivo de uma situação social mais abrangente, diversificada, pois difere da
lógica dos métodos quantitativos.
108
Nesse sentido, inicialmente, fez-se uma apropriação teórica sobre o tema por meio de
levantamento bibliográfico. Dada à natureza e especificidade da pesquisa, adotamos como
instrumento de coleta de dados uma entrevista com questões semi-estruturadas, buscando
considerar os diferentes conhecimentos, empíricos ou não. Tal procedimento visou averiguar
as concepções sobre as possibilidades de inter-ligação entre a leitura de imagem e a
espiritualidade, que serão melhor entendidas com a coleta dos dados a partir das questões
semi-estruturadas. Neste sentido:
[...] talvez sejam as entrevistas semi-estruturadas, a entrevista aberta ou livre,
o questionário aberto, a observação livre, o método clínico e o método de
análise de conteúdos os instrumentos mais decisivos para estudar os
processos e produtos nos quais está interessado o investigador qualitativo.
(TRIVIÑOS, 1987, p. 138).
Por isso, privilegiamos a entrevista semi-estruturada pelo leque de possibilidades que a
mesma oferece aos entrevistados, podendo enriquecer a investigação. Segundo Trivinõs
(1987, p. 146), a entrevista semi-estruturada é:
[...] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias
e hipóteses, que interessam a pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo
campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida
que recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante,
seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências
dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na
elaboração do conteúdo da pesquisa.
Nesse tipo de conversa, comenta Minayo (1996, p.122), "o entrevistador se libera de
formulações pré-fixadas, para introduzir perguntas ou fazer intervenções que visam abrir o
campo de explanação do entrevistado ou aprofundar o nível de informações ou opiniões".
Ainda em concordância com a autora, as questões semi-estruturadas precisam ser
consideradas como um roteiro "facilitador de abertura, de ampliação e de aprofundamento da
comunicação" (MINAYO, 1996, p. 99).
Lüdke e André (1986, p. 37) lembram que numa entrevista:
É muito importante que o entrevistado esteja bem informado sobre os
objetivos da entrevista e de que as informações fornecidas serão utilizadas
exclusivamente para fins de pesquisa, respeitando-se sempre o sigilo em
relação aos informantes. É importante que ele concorde, a partir dessa
confiança, em responder as questões, sabendo, portanto, que algumas notas
têm que ser tomadas [...]
109
A entrevista ganha vida ao se iniciar o diálogo entre entrevistador e o entrevistado
(LÜDKE E ANDRÉ, 1986).
A reflexão dos dados teve como base a análise do discurso, uma vez que foram
analisadas as diferentes concepções que estes professores têm a respeito do tema desta
pesquisa.
Nesse sentido, Minayo (1996) nos diz que o produto final de uma pesquisa é sempre
provisório, pois ele é sempre um ponto de vista a respeito do objeto. Uma pesquisa qualitativa
é resultado de um estudo vivido e de seus significados, pois trabalha com material expressivo
da experiência humana, buscando saber quais as significações que os indivíduos atribuem aos
seus atos e às decisões que devemos tomar.
3.2 Sujeitos da pesquisa – os entrevistados
Os sujeitos da pesquisa foram professores de arte do município de Joaçaba e cidades
vizinhas que atuam tanto no ensino público e privado. A proposta desta pesquisa selecionou
professores de arte atuantes e que utilizassem a leitura de imagem em sua prática cotidiana.
Utilizou-se a entrevista como instrumento de coleta, que possibilitou aos pesquisados
responderam questões semi-estruturadas. Estas respostas serviram para refletir suas
concepções a respeito da arte, da educação e da expressão da espiritualidade.
Escolhemos 06 (seis) professores para este estudo. Os nomes dos entrevistados foram
preservados de forma que foram citados apenas pelas iniciais de seus nomes. Para melhor
identificação dos entrevistados, utilizamos a Tabela 1, que se encontra no item 3.3 deste
estudo, onde constam os dados dos participantes.
Os sujeitos desse estudo foram previamente comunicados das propostas desta
pesquisa e dos objetivos tendo, portanto, os participantes, a oportunidade de decidir se
participariam ou não do estudo.
3.3 Identificação dos entrevistados
Os professores entrevistados foram identificados por meio de códigos, por isso serão
usadas neste estudo apenas as iniciais de seus nomes e posteriormente identificados como, P1,
P2 e assim sucessivamente até chegar ao número de 6 entrevistados.
110
A ordem estabelecida para denominação e identificação dos sujeitos de pesquisa na
Tabela 1 acontece conforme ordem de entrevista. Portanto, o primeiro entrevistado foi
denominada P1, a segunda, P2, e assim sucessivamente
31
.
TABELA 1 - Identificação dos sujeitos de pesquisa
N
ID. GRADUAÇÃO TEMP./
ATUAÇÃ
O
REDE NÍVEIS DE
ATUAÇÃO
JORNADA
DE
TRABALHO
SEX
O
1
J.G.
P1
Graduação ( Bacharel)
em Moda/ Estilismo
04 (quatro)
anos
Pública
Estadual e
Privada
Ensino
Fundamental,
Médio e
Profissionaliza
nte
20 (vinte)
horas
semanais
Fem.
2
M.F.
S.
P2
Licenciatura Educação
Artística e
Especialização em
Metodologia do Ensino
da arte
15
(quinze)
anos
Pública
Estadual
Ensino
Fundamental,
Médio e
Profissionaliza
nte
40 (quarenta)
horas
Fem.
3
A.M
.M.
P3
Licenciatura em
Educação Artística e
Especialização em
Metodologia do Ensino
da Arte
20(vinte)
anos
Pública
Estadual
Ensino
Fundamental,
Médio e
Profissionaliza
nte.
40 (quarenta)
horas
Fem.
4
K.M
.M.P
.
P4
Licenciatura em Letras –
Português/Inglês e
Especialização em Letras
10 (dez)
anos
Pública
Estadual
Ensino
Fundamental
40 (quarenta)
horas
Fem.
5
M.D
.S
P5
Licenciatura em Artes
Visuais
09 (nove)
anos
Pública
Municipal
Ensino
Fundamental
40 (quarenta)
horas
Fem.
6
S.B.
P6
Licenciatura em História
da arte e Especialização
em Gestão de Marketing
12 (doze)
meses
Pública
Estadual
Ensino
Fundamental e
Médio
40 (quarenta)
horas
Fem.
Fonte: Dados organizados pela autora.
31
Curiosamente, sem ter a pretensão de desenvolver um estudo de gênero, notamos que todos os 6 (seis)
entrevistados são do sexo feminino.
111
3.4 Reflexão e análise dos dados
A análise dos dados foi realizada a partir das respostas dos entrevistados aos
questionamentos da pesquisadora, dos registros de depoimentos que, livremente, foram
acrescidos, relacionando-os e refletindo-os com base no referencial teórico da pesquisa
bibliográfica.
Assim, o instrumento para a coleta dos dados foi a entrevista semi-estruturada,
gravada em áudio, com a autorização prévia dos sujeitos da pesquisa.
Nesta pesquisa, o procedimento metodológico utilizado para compreensão e
interpretação dos dados coletados mediante entrevistas semi-estruturadas foi a metodologia da
Análise do Discurso, de Orlandi (2002), e os temas que emergiram da exploração do conteúdo
das entrevistas foram agrupados em categorias.
Orlandi (2002) ressalta que a linguagem precisa ser apreendida como uma atividade de
interação social, servindo apenas para ativar os conhecimentos contextuais e históricos dados
pela formação discursiva em que estão inseridos. Assim, a análise do discurso não visa tratar
da língua, nem da gramática, ela trata do discurso em si, que é a palavra em movimento, a
prática da linguagem.
Nesse sentido, a análise do discurso parte dos pressupostos de que o sentido dado a
uma palavra expressa posições ideológicas em jogo no processo sócio-histórico em que são
produzidas, e que toda formação discursiva dissimula sua dependência das formações
ideológicas (MINAYO, 2000).
A unidade do discurso é um efeito de sentido, como Orlandi (2002, p.15) explica, “a
palavra discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de
movimento”.
Segundo o autor, existem diferentes maneiras de se estudar a linguagem: a Lingüística,
a Gramática e a Análise do Discurso. Quando se estuda a língua, como um sistema de signos
ou como sistemas formais, tem-se a Lingüística; quando, no foco de interesse estão as normas
de bem dizer, temos a Gramática; quando se tenta compreender a ngua fazendo sentido,
enquanto um trabalho simbólico, como parte do trabalho social, tem-se Análise do Discurso.
A linguagem por sua vez é compreendida na análise do discurso como mediação
necessária entre o ser humano e a realidade natural e social. O discurso torna possível a
permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do ser humano e da
realidade em que vive.
112
Para a Análise do Discurso, segundo Orlandi (2002), o sujeito do discurso precisa ser
visto como um ser histórico, social e descentrado. Descentrado por ser cindido pela ideologia
e pelo inconsciente. Histórico, porque não está alienado do mundo que o cerca. Social, porque
não é o indivíduo, mas aquele apreendido num espaço coletivo. “O sujeito de linguagem é
descentrado, pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o
controle sobre o modo como elas o afetam” (ORLANDI, 2002, p. 20).
É preciso observar que a análise do discurso não trabalha com a língua como um
sistema abstrato, mas com a língua do mundo, com sujeitos falantes, considerando a produção
de sentidos enquanto componente de suas vidas e enquanto membros de determinada
sociedade.
Como o discurso encontra-se na exterioridade, no seio da vida social, o
analista/estudioso necessita romper as estruturas lingüísticas para chegar a
ele. É preciso sair do especificamente lingüístico, dirigir-se a outros espaços,
para procurar descobrir, descortinar, o que está entre a língua e a fala.
(FERNANDES, 2005, p. 24).
Entretanto, podemos perceber que a análise do discurso é um método que objetiva não
somente compreender a mensagem, mas reconhecer qual é o seu sentido, seu valor e sua
dependência com determinado contexto.
A incompletude é constitutiva de qualquer signo - qualquer ato de nomeação
é um ato falho, um mero efeito discursivo. O discurso diz muito mais do que
seu enunciador pretendia. “A multiplicidade de sentido é inerente à
linguagem”. (ORLANDI, 1988, p. 20).
Dessa forma, a análise do discurso envolve saber quem fala, para quem se fala, com
quem fala e para que fala, que o discurso pode ter inúmeros significados. A análise do
discurso permite perceber também como se fala, como se a interação entre emissor e
receptor de uma mensagem, sem desconsiderar a subjetividade do pesquisador.
As entrelinhas se tornam muito importantes na análise do discurso. O não verbalizado,
o que foi intencionado, inserido na prática discursiva, precisa ser levado em conta. Um
silêncio pode tornar-se muito significativo, pois é uma idéia que se expressa e pode se tornar
tão importante quanto a fala dos sujeitos. Por isso a necessidade dos textos analisados serem
completos, incluindo a situação em que foram coletados os depoimentos e os objetivos a que
se prestaram.
113
Sitya (1995) também defende que é importante considerar além do que foi
externalizado, ou seja, os significados implícitos daquilo que não foi falado, bem como os
elementos intertextuais do discurso. É nesse sentido que Foucault (2005, p. 171) afirma:
O discurso é o caminho de uma contradição a outra: se lugar às que
vemos, é que obedecem à que oculta. Analisar o discurso é fazer com que
desapareçam e reapareçam as contradições, é mostrar o jogo que nele elas
desempenham; é manifestar como ele pode exprimi-las, dar-lhes corpo, ou
emprestar-lhes uma fugidia aparência.
Orlandi (2002) enuncia que o analista do discurso não é um hermeneuta: ele trabalha
nos limites da interpretação. Ele não se coloca fora da história, da ideologia. Ele se coloca
numa posição deslocada que lhe permite contemplar (encarar, pensar sobre) o processo de
produção dos sentidos. Apesar de a análise não ser objetiva, ela precisa ser o menos subjetiva
possível, explicitando o modo de produção de sentidos do objeto de observação.
O sujeito é um eu pluralizado, pois se constitui na e pela interação verbal. É
múltiplo porque atravessa e é atravessado por vários discursos, por que não
se relaciona mecanicamente com a ordem social da qual faz parte, por que
representa vários papéis, etc. (ORLANDI, 1988, p. 11).
De posse do material coletado fez-se uma análise lingüística prévia: quem disse, o que
disse, como disse. Estes apontamentos serviram como pistas para explicitar como o discurso
está contextualizado. Orlandi (2002) chama isso de desuperficialização.
Para começar a análise da discursividade, é preciso observar o modo com que o texto
foi construído, sua estruturação, as diferentes leituras feitas, buscando vestígios deixados,
analisar e interpretar.
As entrevistas deste estudo permitiram a interpretação dos discursos segundo os
seguintes eixos: suas concepções sobre o ser arte-educador, suas práticas pedagógicas, a
leitura de imagem, a transdisciplinaridade e espiritualidade.
Cada uma das entrevistas foi analisada integralmente após a sua transcrição. Seguem-
se a análise das falas, do implícito nas falas dos sujeitos, e a explicitação do discurso do
professor segundo a interpretação da pesquisadora.
114
3.5 Análise das entrevistas
Para o presente estudo foram realizadas 6 (seis) entrevistas para conhecer e
compreender as concepções dos professores de artes. Todos os entrevistados demonstraram
interesse e colaboração, manifestando suas concepções, dúvidas e angústias.
Visando atingir os objetivos desta pesquisa, e considerando as categorias utilizadas no
aprofundamento do estudo, organizamos a análise das entrevistas por meio dos seguintes
tópicos:
a) Sobre as concepções do ser arte-educador;
b) Sobre o desenvolvimento de sua prática pedagógica;
c) Sobre a leitura de imagem;
d) A atitude transdisciplinar;
e) A espiritualidade.
Abaixo são apresentadas as análises dos discursos a partir das entrevistas semi-
estruturadas.
a) Sobre as concepções de ser arte-educador
As informações referentes ao primeiro tópico traduzem as concepções sobre ser arte-
educador, sobre suas atuações como professores. Ser arte-educador foi a primeira questão do
instrumento de coleta de dados que buscou identificar a compreensão dos profissionais acerca
de seu papel como arte-educador e as implicações do ser arte-educador.
A questão norteadora desta categoria foi: O que é ser arte-educador?
Para P1 é “possibilitar que os alunos expressem sentimentos, inquietações e dúvidas
através de atividades manuais e através delas demonstrar suas habilidades artísticas.” O
entrevistado P1, ao tentar elucidar a sua concepção de arte-educador, associa o ensino da arte
restrito ao fazer, o que caracteriza uma deficiência em relação a função da arte.
Mafessoli (1998) tece uma crítica ao “fazer”, pois considera isso uma visão
cognitivista da arte. Para o autor, necessitamos da integração do estético para que possamos
dar conta da globalidade da existência humana.
115
A visão de que a arte deve fazer aflorar as habilidades artísticas através de atividades
manuais é reducionista, que privilegia apenas a parte prática dos educandos e sublima a
experiência estética. Concordamos com Mafessoli (1998) e Meira (2001) quando enunciam
que o pensamento estético é imprescindível para pensar educação nos tempos atuais, porque
saber é ter acesso a formas de interação e conhecimento que demandam visibilidade
complexa, sendo extremamente complexa a realidade em que vivemos.
A experiência estética torna-se imprescindível àqueles que almejam (re)significar o
mundo, por permitir ao ser humano aprender uma nova percepção do todo a sua volta. Na
experiência estética, retornamos àquela percepção anterior, à percepção condicionada pela
discursividade da linguagem; retornamos à uma primitiva e mágica visão de mundo. Pela arte,
o ser humano explora aquela região anterior ao pensamento, onde se dá seu encontro primeiro
com o mundo (DUARTE JUNIOR, 1983).
Nas falas dos entrevistados P2 e P6 verificamos uma preocupação com a formação
cultural dos seus educandos, bem como uma relação com a formação para valores de vida na
sociedade: [...] fazer parte da formação cultural através das artes plásticas [...] para a
construção do futuro cidadão, integrando-o na sociedade por meio de manifestações
criadoras, críticas e criativas.”
Para eles é importante oportunizar o interesse pela cultura, dando uma visão mais
significativa da sociedade como um todo. Para Krishnamurti (1980), a mais alta função da
educação consiste em produzir um indivíduo integrado, capaz de entrar em relação com a vida
como um todo.
Freire (2003) enuncia que, como experiência especificamente humana, a educação é
uma forma de intervenção no mundo e exige da parte dos professores a coragem de assumir a
inteireza da condição humana.
Duarte Júnior (2002) prediz que educar significa colocar o indivíduo em contato com
os sentidos que circulam em sua cultura, para que os assimilando, ele possa nela viver.
Significa que o educando pode conhecer as várias significações existentes e deve
compreendê-las a partir de sua vivência, e não receber de maneira passiva significações pré-
existentes, comum no modelo tradicional de educação, baseado em sentidos desconectados
das vivências dos educandos. “Conhecendo a arte de meu tempo e cultura, adquiro os
fundamentos que me permitem uma concomitante compreensão do sentido vivido aqui e
agora.” (DUARTE JÚNIOR, 2002, p. 109).
O P2 segue expondo que o arte-educador tem a tarefa de “oportunizar o interesse pela
cultura, dando uma visão mais significativa da sociedade como um todo. Acrescenta que o
116
arte-educador é “responsável por despertar no aluno a curiosidade pela cultura local e
global para respeitar e compreender os diferentes meios.” Ao fazer este despertar o aluno
será curioso e se abrirá as possibilidades do mundo. A concepção presente nessa fala se
aproxima das concepções sustentadas por Fusari e Ferraz (1992, p. 49) a respeito do ser Arte-
Educador:
É atuar através de uma pedagogia mais realista e mais progressista, que
aproxime os estudantes do legado cultural e artístico da humanidade,
permitindo, assim, que tenham conhecimento dos aspectos mais
significativos de nossa cultura, em suas diversas manifestações. E, para que
isso ocorra efetivamente, é preciso aprofundar estudos e evoluir no saber
estético e artístico. Os estudantes têm o direito de contar com professores
que estudem e saibam arte vinculada a vida pessoal, regional, nacional e
internacional. Ao mesmo tempo, o professor de arte precisa saber do alcance
de sua ação profissional, ou seja, saber que pode concorrer para que seus
alunos também elaborem uma cultura estética e artística que expresse com
clareza a sua vida na sociedade. O professor de arte é um dos responsáveis
pelo sucesso desse processo transformador, ao ajudar os alunos a
melhorarem suas sensibilidades e saberes pticos e teóricos em arte.
O educador deve fazer o educando despertar, segundo a fala do P2, para um
conhecimento que faça emergir relações cognitivas de aprendizado permanente e reconstruído
pela vida, advindo de matrizes diversas, das trocas de saberes, da convivência, da memória e
não só de relações formais desenvolvidas nos espaços escolares.
Para o P3, o arte-educador, “é aquele que trabalha com amor, [...] é preciso realmente
gostar do que se faz.” Na mesma direção, para P4 “É ensinar apaixonadamente. Trabalhar o
visual, as expressões. É ver o lado belo das coisas.”
Essas falas denotam certa poesia e entram em consonância com o pensamento de
Rubem Alves (2003) que diz que o educar é uma vocação que nasce de um grande amor e de
uma grande esperança. Morais (2002, p. 211-2) acrescenta:
O educador tem que ter sido chamado para isso na vida; tem que ser
verdadeiramente vocacionado para a grande tarefa de intervir,
respeitosamente, em vidas sem qualquer abuso de autoridade. [...] O
educador faz intercâmbio de vida; o professor, quando bem preparado,
apenas instrui. O educador sente ressoarem em seu íntimo as vozes da
transcendência, sentindo, então, que realizar-se é dedicar-se à construção de
um mundo mais amigo e voltado para a paz.
Morais (2002) acrescenta que, como professores, somos chamados a intervir nas vidas
dos educandos. Os pais autorizam, a sociedade legaliza e as escolas nos contratam
117
profissionalmente para intervirmos. Segundo o autor, é nossa obrigação não confundirmos o
nosso dever de intervir nas vidas com um suposto e hipotético direito de invadir ou arrombar
essas vidas. Eis a razão pela qual o educador precisa, antes, ser educado. Educado para ouvir
os outros com generosidade e respeito; educado para contrapor à emocionalidade
descontrolada de uma adolescente a sua serena racionalidade (que é muito mais cheia de
força;) educado para falar doando-se, no sentido de pensar que as crianças de hoje serão o
mundo amigo ou desesperado do porvir.
P5, além de salientar o gostar e o prazer na profissão, afirma ser importante “estimular
o questionamento estabelecendo ligações entre o conteúdo e o processo educativo formando-
o um ser sensível”.
Se pretendermos uma educação não apenas intelectual, mas principalmente
humanizadora, a necessidade da arte é ainda mais crucial para desenvolver a capacidade
criadora necessária à modificação desta realidade. Pronuncia-se Duarte Júnior (2004, p. 23):
A arte pode consistir num precioso instrumento para a educação do sensível,
levando-nos não apenas a descobrir formas até então inusitadas de sentir e
perceber o mundo, como também desenvolvendo e acurando os nossos
sentimentos e percepções acerca da realidade vivida .
Restrepo (1998, p. 35) afirma que:
A tarefa do pedagogo é formar sensibilidades e, para isso, deve passar da
razão teórica à razão sensorial e contextual, cinzelando o corpo sem
pretender atacá-lo à dureza do código ou esmagá-lo com a arrogância
professoral que desconhece as potencialidades da singularidade humana.
A educação, fenômeno complexo, pressupõe certa dose de reflexão que só pode
emergir da conversão dos nossos valores como seres humanos, implicando comprometimento
com a sociedade e nos percebendo como parte integrante dela. A importante tarefa de reflexão
fica pertencendo a cada um e o conhecimento escolar se distancia cada vez mais do
conhecimento humano.
Krishnamurti, (1980, p. 37) evidencia:
É mister do educador examinar profundamente seus próprios pensamentos e
sentimentos e abandonar os valores que lhe dêem segurança e conforto,
porque então será capaz de ajudar seus discípulos a se observarem a si
mesmos e a compreenderem seus próprios impulsos e temores.
118
O educador precisa, antes de tudo, acreditar em si para ser capaz de provocar
mudanças, pois aquele que não acredita profissionalmente em si é incapaz de comprometer-se
com as transformações. Acreditamos que o educador de arte, acima de tudo, tem um
compromisso espiritual com o mundo, sendo ele o elo entre o Ser e o Saber. O trabalho
educativo precisa ter como referência a inteireza do ser humano, a religação dos aspectos
internos do Ser para que se amplie uma nova consciência integrativa diante de si e dos outros.
Como afirma Morin (2003, p. 65):
A educação deve contribuir para a autoformação de pessoa (ensinar a
assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar
cidadão. Um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade
e responsabilidade em relação a sua prática. O que supõe nele o
enraizamento de sua identidade nacional.
A educação serve como força motriz no processo de humanização que seja capaz de
levar os educandos a superação das condições adversas hoje existentes, e lhes possibilitar,
através do processo educativo, a participação em ações que ajudem a construir uma sociedade
mais justa.
É preciso que ele acredite na possibilidade de mudança e encare a escola, o espaço da
sala de aula, como realidade histórica e passível de ser alterada, acreditando na capacidade do
aluno aprender, interrogando a sua prática e seu dia-a-dia.
Redefinir o processo educativo e a aprendizagem é o desafio imposto à educação atual.
Uma educação que leva em conta o verdadeiro sentido etimológico da palavra. Educar vem do
latim, educare, por sua vez ligado e educere, um verbo do prefixo ex (fora) mais ducere
(conduzir, levar), o que significa em seu sentido literal conduzir para fora”, arrancar do
sujeito as experiências que estão adormecidas (ASSMANN, 2001).
Educação é um ato de interação em que se percebe uma comunhão de saberes e de
conhecimentos. Saberes que compreendem e respeitam as diferenças e a diversidade presentes
em sala e fora dela. Este educar precisa ser compreendido como missão complexa, no
conduzir para fora, todas as dimensões do educando, desde as físicas, psíquicas, afetivas,
morais, culturais e, não menos importantes, as espirituais
Catanante (2000) refere-se à questão da espiritualidade no trabalho e como esta pode
beneficiar a vivência do coletivo. Uso suas palavras, relacionando-as ao trabalho em
educação: espiritualidade no trabalho tem a ver com devoção, com fé no invisível, com
119
propósito de vida. E o propósito de vida de uma pessoa elevada espiritualmente tem a ver com
propiciar benefícios coletivos.
Duarte Júnior (2004) afirma que a educação nos dias de hoje precisa, antes de mais
nada, estimular o sentimento de si mesmo, incentivar esse sentir-se humano de modo integral,
numa ocorrência paralela aos processos intelectuais e reflexivos acerca de sua própria
condição humana.
Nesse sentido, Assmann e Sung (2000) complementam dizendo que, para esse tipo de
relação, é preciso, antes de tudo, uma “sensibilidade solidária” e para a plenitude da mesma é
essencial reconhecer a pluralidade no contexto da realidade e uma aproximação respeitosa,
solidária e dialógica. O educador, além da paixão pessoal, necessita estabelecer uma
solidariedade e também ser cúmplice na construção do conhecimento.
b) Sobre o desenvolvimento de sua prática pedagógica
O tópico referente ao desenvolvimento da prática pedagógica dos professores
estudados questiona a atuação dessa arte-educação. Nessa etapa, foi solicitado que
assinalassem, dentre alguns aspectos, qual(is) se aproximaria(m) mais de sua(s) prática(s)
pedagógica(s), justificando a sua escolha ao final.
Dentre os itens selecionáveis, os professores assinalaram aqueles segundo os quais
desenvolvem suas aulas, baseados na concepção da livre expressão, no desenvolvimento de
atividades e técnicas de acordo com a metodologia triangular
32
, aliando diferentes linguagens,
e/ou outros.
O professor P1 assinalou somente a opção que diz respeito à aliança de diferentes
linguagens e justificou: “Associar linguagem visual e escrita possibilita ao aluno diferentes
métodos de aprendizagem, dando a ele opções para o melhor entendimento do assunto a ser
desenvolvido”.
Considerando que a prática pedagógica é um conceito essencial na educação, verifica-
se no depoimento a fragilidade de consistência de sua compreensão. Não transparência em
torno da compreensão da importância da prática pedagógica, embora ela tenha pontuado um
aspecto de sua prática.
32
“Metodologia Triangular do Ensino de Artes”, difundida e orientada por Ana Mae Barbosa (1986), que
consiste, basicamente, no intercruzamento de três focos de aprendizagens advindos do ensino da história da arte,
da apreciação de obras de arte e da produção artística.
120
Falta-lhe argumentação sólida sobre sua prática pedagógica e sua justificativa deixou a
desejar, apesar de ser questionada a respeito de acréscimos à sua informação.
O professor P2 assinalou as opções que dizem respeito à sua prática: metodologia
triangular; atividades e técnicas e aliando diferentes linguagens. Justifica-se, enunciando que a
prática pedagógica precisa “ser exercida no contexto de um conjunto, para que proporcione o
desenvolvimento artístico e da percepção estética do aluno”.
A contextualização possibilita o embasamento teórico e prático dos conteúdos,
significando estarem abertas e receptivas às diferentes linguagens artísticas.
O professor P3 também assinalou que suas aulas são realizadas: “aliando diferentes
linguagens; desenvolvendo atividades e técnicas; de acordo com a metodologia triangular”.
Justifica, ainda, que a “metodologia triangular parte do pressuposto que as relações de
ensino e aprendizagem de arte não acontecem no vazio, mas se ligam a determinado espaço
cultural, tempo histórico, envolvem aspectos sociais, ambientais, econômicos e culturais”
Apesar de existir desde a década de 1980 no Brasil, a metodologia triangular não
corresponde mais aos anseios do ensino da arte. Levando em consideração os aspectos de
transformação que a educação vem passando, a própria autora Ana Mae Barbosa (2006, p. 9)
relata:
Hoje a metáfora do triângulo não corresponde mais à sua estrutura.
Parece-nos mais adequado representá-la pela figura do zig-zag, pois os
professores nos têm ensinado o valor da contextualização tanto para o fazer
como para o ver. O processo pode tomar diferentes caminhos:
contexto\fazer/contexto\ver ou ver/contextualizar\fazer/contextualizar\, ou
ainda fazer/contextualizar\ver/contextualizar Assim, dependendo da natureza
das obras, do momento e do tempo de aproximação do fruidor, enfim, da
unidade ‘subjetil’ (sujeito + objeto), o contexto se torna mediador e
propositor.
Precisamos, pois, introduzir ao ensino da arte outros paradigmas que levem em conta a
complexidade e a subjetividade da arte e suas inúmeras possibilidades. Paradigmas que
estejam abertos a transdisciplinaridade, a holística.
Uma educação holística, transdisciplinar está interessada igualmente pelo crescimento
e desenvolvimento de todas as potencialidades humanas: intelectual, emocional,
artística/estética, social, física, criativa/intuitiva e espiritual, da mesma forma que aceita as
inteligências múltiplas. Ressalta que, ao se preocupar com o desenvolvimento da globalidade
do aluno, abre espaço para o aprofundamento das relações consigo mesmo, com a família,
com os outros membros da comunidade, com o planeta e o cosmos (YUS, 2002).
121
A formação integral do ser humano continua sendo condição de humanização e tarefa
da educação em que a racionalidade encontra-se inclusa, mas resgata a subjetividade, a
autonomia da consciência humana, assentadas no desenvolvimento das potencialidades
cognitivas e afetivas.
O papel da educação em artes, além de ampliar o universo cultural do aluno, precisaria
consistir em “construir leitores sensíveis e competentes para continuar se construindo,
adquirindo autonomia e domínio do processo, fazendo aflorar, desse modo, ao toque do
próprio olhar, uma sensibilidade de ser-estar-viver no mundo” (BUORO, 2002, p. 63).
Ao assinalar sua preferência para o trabalho com diferentes linguagens e
desenvolvendo atividades e técnicas, o professor P4 justifica que seu trabalho se desenvolve
com base na vivência do educando: “Procuro desenvolver atividades que possam integrar o
conteúdo com sua vivência, expressar o que sentem e o que conhecem do mundo”.
Este professor assinalou a opção que diz respeito à aliança de diferentes linguagens.
Seu relato vem ao encontro da fala de Tolstoi (2002, p. 15): “Arte é a atividade humana que
consiste em um homem comunicar conscientemente a outros, por certos sinais exteriores, os
sentimentos que vivenciou, e os outros serem contaminados desses sentimentos e também os
experimentar”.
Nesse sentido, Martins (2005, p. 17) ressalta:
No contato sensível com a produção artística, tanto de artistas de diferentes
épocas quanto de parceiros num grupo, somos investigados a ampliar nossa
própria significação o ser humano, do mundo, da cultura. Tocamos e somos
tocados pelas formas simbólicas que o ser humano criou e tem criado em sua
longa trajetória.Tocamos e somos tocados por aquilo que nos pode causar
imenso prazer ou uma dolorosa sensação de mal-estar e não-saber, que
muitas vezes nos afugenta.
Toda construção de conhecimento é um processo pessoal no qual cada um
significado a partir de suas vivências e experiências particulares. Portanto, considerar o que o
aluno já conhece é fundamental e contribui para que o aprendizado aconteça de forma
harmônica e prazerosa.
Sabemos, no entanto, que todo aluno, quando chega à escola, traz consigo um
conhecimento baseado em suas vivências anteriores. Dessa forma, faz-se necessária a criação
de uma situação motivadora, aguçar a curiosidade, colocar claramente o assunto, fazer
122
ligações entre o conhecimento e a experiência que o aluno traz para a proposição de um
roteiro de trabalho, formular perguntas instigadoras.
O professor P5 escreve: “Trabalho com diferentes linguagens artísticas desde o visual
até o musical. desenvolvi, por exemplo, trabalhos com os meus dentro de uma escola de
samba”.
Ao assinalar que alia diferentes linguagens, o professor P5 acredita levar sua prática
pedagógica além dos muros escolares, possibilitando ao educando a vivência de diferentes
realidades. A escola é um local privilegiado para o exercício da aprendizagem, mas não é o
único. É importante que o educador de arte proponha e estimule o educando a experimentar
diversos ambientes; partir das vivências em espaços diferenciados permite que os educandos
tenham maior possibilidade de vivenciar a complexidade que sustenta a teia de relações de
nossas vidas.
Assmann (2001) enuncia que o aprender não se dá somente nos ambientes instituídos,
mas precisa ser aprendido com o imaginário social, com a sensibilidade e com a solidariedade
como traços constituintes de uma educação do ser humano que invista no afeto e na emoção
como meio de religar o humano com a natureza.
O aprender se refere ao desenvolvimento de uma rede de experiências pessoais de
conhecimento socialmente validável no convívio humano. Isso é algo muito diferente da mera
aquisição de saberes já prontos (ASSMANN 2001).
Na escola, ambiente institucionalizado do conhecimento, quando se limita à
transferência hegemônica do saber, tende-se a o realizar as alianças tão necessárias que o
conhecimento exige, restringindo a aprendizagem ao simples repasse de informações.
Trabalhar com diferentes manifestações artísticas é o que faz o professor P6 ao aliar
“[...] diferentes linguagens [...] como teatro, artes plásticas, cinema com os filmes, e história
da arte.” Colocar o educando em contato com as mais diversas manifestações artísticas pode
ser uma maneira eficaz de perceber a si, sendo e estando no mundo, por encontrar em alguma
das manifestações aquela que realmente fale ao seu interior.
Barbier (2001, p. 127) afirma que “educar-se quer dizer dar um sentido à vida através
do encontro e do diálogo com os diferentes saberes e habilidades relativo ao capital cultural
da humanidade”. Os processos educativos em arte estão pautados na abertura, no diálogo,
condições primordiais a atitude transdisciplinar. Consideram a complexidade humana, a
incerteza, as diferenças, respeitar a vida e desenvolver no educando valores de respeito e
cuidado com vistas à construção de uma cultura de paz.
123
c) Sobre a leitura de imagem
Considerando que a prática de leitura de imagem foi um requisito na escolha dos
entrevistados, buscamos conhecer os saberes que, na concepção de cada professor, precisam
fundamentar o exercício da leitura de imagem, bem como as estratégias usadas em sua
prática. Foram questionadas também com relação à freqüência com que utilizam a leitura de
imagem. As questões 9, 10 e 13 do instrumento de pesquisa (Apêndice A), permitiram
conhecer as informações acerca da leitura de imagem.
O professor P1 informa que, para trabalhar com leitura de imagem, “deve ter
conhecimento sobre a obra, o período em que a obra foi realizada, entendimento básico sobre
desenho, estrutura, textura, perspectiva, estudo da cor”. Afirma que o arte-educador deve ter
“informações a respeito do artista que a produziu”, por possibilitar o entendimento sobre os
elementos visuais utilizados para compor a obra. Porém, de nada adianta o educador conhecer
os aspectos formais das imagens se não estiver aberto à interpretação, à sensibilização. É essa
interpretação que, para Hernandez (2000, p. 49), torna-se fundamental:
Uma interpretação que não é verbal ou visual, mas sim une e vincula
esses dois processos. Processos que vão além dos objetos, pois com os
objetos artísticos ou produtos culturais com os quais se relaciona. O que se
persegue é o ensino do estabelecimento de conexões entre as produções
culturais e a compreensão que cada pessoa, os diferentes grupos (culturais,
sociais, etc.) elaboram. Trata-se, em suma, de ir além de “o quê” (são as
coisas, as experiências, as versões) e começar-se a estabelecer os “porquês”
dessas representações, o que as tornou possíveis, aquilo que mostram e o que
excluem os valores que as consagram, etc.
Duarte Júnior (2004) enfatiza a necessidade de desenvolver, antes de qualquer coisa, a
sensibilidade no processo de ler imagens, para que assim o educando possa problematizar,
questionar, instigar, além fazê-lo aprender a relacionar-se de maneira plena consigo mesmo e
com os demais.
Desta forma, aproximar-se das imagens e conhecer as culturas que as produziram têm
como finalidade conhecer seus significados e como estes afetam nossas percepções sobre
nosso universo visual e sobre nós mesmos. Neste sentido, Hernandez (2006, p. 52) escreve:
A importância primordial da cultura visual é mediar o processo de como
olhamos e como nos olhamos, e contribuir para a produção de mundos, isto
é, para que os seres humanos saibam muito mais do que experimentaram
pessoalmente e para que sua experiência dos objetos e dos fenômenos que
124
constituem a realidade seja por meio desses objetos mediacionais que
denominamos como artísticos
.
O professor P1 diz utilizar as leituras de imagem “com freqüência”, e ressalta que em
toda atividade realizada em sala leva “materiais que servem como base e inspiração para um
novo trabalho.” Destaca que propõe, seguidamente, “uma pesquisa escrita sobre o assunto”.
Percebe-se, nessas informações, que não há uma preocupação com a postura dos
alunos como leitores (fruidores) de imagem, muito menos do que se espera quando se realiza
leituras de imagem em sala de aula. Questionado sobre os resultados, o professor disse que
sempre termina com uma prática ou um trabalho escrito, o que precisa, muitas vezes, deixar
sem sentido o seu trabalho de críticas e questionamentos frente à imagem.
Perguntamos ainda à P1 sobre as imagens que utiliza com mais freqüência em sua
prática. Foram citadas obras de “arte de artistas consagrados e de determinadas escolas
artísticas”. Uma escolha frágil por não possibilitar ao aluno conhecer outras imagens de
outros estilos e gêneros, como imagens contemporâneas, por exemplo.
Para P2, a alfabetização estética trata dos saberes que precisam fundamentar a prática
de leitura em arte. Para ele, significa “conhecer, basicamente, os elementos que compõe a
obra de arte, como o ponto, a linha, cores etc”. O professor P2 afirma que o “fazer artístico
precisa ser parte integrante do processo de leitura”. Justifica que “é no fazer que o aluno
consegue contextualizar.” Conhecer, despertar a curiosidade frente às imagens de arte é
fundamental para uma boa leitura. Ele não consegue informar um número exato de vezes que
trabalha com as imagens, mas sente que ao final do conteúdo teórico, os alunos sempre
demonstram curiosidade pelas imagens e que o processo de lê-las vai depender desse
interesse partindo deles.”
Para Nicolescu (1997), a educação seduz, instiga, estimula a criatividade, a
curiosidade e a imaginação. A educação motiva os educandos para suas próprias descobertas,
estimulando a curiosidade como algo bom e natural do ser humano. Nicolescu (1997) sugere
o permanente encantamento através de uma “educação in vivo”.
Dessa forma, Nicolescu (1997) orienta através do permanente encantamento, o
encontro do ser humano com seu lugar no mundo, a partilha, e a consciência e prática de
valores transdisciplinares.
Os educandos, seres humanos, são curiosos por natureza e quando estimulados,
questionados, sentem prazer em aprender novas coisas e se engajam mais facilmente ao
processo de ensino-aprendizagem.
125
Muitas vezes, devido à visão mecânica e fragmentada que assola a educação, algumas
leituras têm natureza repetitiva e contribuem para sufocar a curiosidade natural dos
educandos. Estimular a curiosidade perante a imagem é compreendê-la como algo aberto,
incerto, que as leituras dependerão de cada leitor e assim podem ser surpreendentes.
O ato de ler imagens é tema de fundamental relevância, pois devido a sua
complexidade, ultrapassa as disciplinas. Ao refletirmos sobre as imagens, estamos refletindo
sobre o caráter ideológico subjacente. O olhar estético configura-se como uma das maneiras
de valer-se para reconstrução cognitiva e sensível. Porém, para desenvolvê-la, é necessário
possibilitar ao aluno o exercício de observação e leitura de conteúdos expressivos das
imagens. A troca, a análise e a observação dos meios e formas artísticas presentes nas
imagens, favorecem o processo de construção do olhar.
Os eixos que norteiam a metodologia triangular, na concepção do professor P3, são
os saberes necessários para fundamentar a sua prática pedagógica em relação ao exercício da
leitura de imagem. A freqüência com que realiza as leituras de imagens em sua prática
depende “do conteúdo e da quantidade de imagens que tenho disponível, através da internet,
de fotocópias, do retro projetor e de multimídia.”
Percebe-se, na fala do professor P4, a necessidade de trabalhar a imagem
contextualizando a vivência do aluno com o mundo e suas interpretações, valorizando o
conhecimento prévio e a leitura de mundo que cada aluno traz consigo como possibilidade de
ampliação do repertório de suas leituras de imagem dentro da alfabetização visual.
Paulo Freire (1999) ensina que não leitura de imagem que não seja influenciada
pela experiência de vida do leitor. A atuação do leitor sob a imagem é carregada de significado
e isso se torna possível partindo das experiências e das relações que o aluno tem com o
mundo, antes mesmo de tornar-se leitor.
A plena realização de uma leitura consiste na capacidade do indivíduo entender o que
e levar esse aprendizado a seu mundo, facilitando a sua interação com o mesmo. Após a
leitura de uma imagem o educando não é mais o mesmo, pois algo a respeito do seu ser e de
seu desejo foi movimentado através da leitura.
O professor P4 se manifesta dizendo:
O entendimento do visual, das cores [...] reflete sobre o que ela quer
transmitir. Ver o que está nas entrelinhas [...] Trabalho, semanalmente, de
forma oral, cada aluno pode dizer o que a princípio, o que entendeu da
imagem e depois a turma toda interpreta junto e é nesta hora que entro
como mediadora do processo.
126
Para Martins (2005, p.17) esse jeito de interação é oportuno:
A mediação, sob este aspecto, se enriquece na troca de pontos de vista de
cada um no seu grupo, acrescidos de outros trazidos por teóricos e
estudiosos, que podemos apresentar, rompendo com preconceitos
estereotipados, ampliando conhecimentos e partindo para novas
problematizações.
Ao propor uma leitura de imagem, o educador assume papel de mediador. É o
educador que vai instigar o contato do educando com a imagem, e este contato precisa ser
sensível e aberto para que possa acolher o olhar, o refletir e o sentir do educando ampliando a
possibilidade de produzir sentido mediante a imagem lida.
Assim, para efetivar uma leitura de imagem através de uma vivência transdisciplinar, o
professor precisa conhecer além dos aspectos formais da arte. Precisa ser conhecedor dos
elementos sensíveis. Precisa ser antes de qualquer coisa um articulador da força emocional da
imagem. Pouco ou de nada adianta o educador de arte dominar informações teóricas e
técnicas da arte se ele não estiver preparado para refletir esteticamente, se ele não estiver
aberto e flexível, enfim, se ele não criar relações com a arte que sejam intensamente
reveladoras. Sem o cultivo da sensibilidade do educador, será impossível cultivar a
sensibilidade do educando. O educador efetiva uma leitura de imagem através da vivência
transdisciplinar, além dos aspectos formais da arte. Precisa ser conhecedor dos elementos
sensíveis, precisa ser antes de qualquer coisa um articulador da força emocional da imagem.
De pouco ou nada adianta o educador de arte dominar informações teóricas e técnicas da arte
se ele não estiver preparado para refletir esteticamente, se ele não estiver aberto e flexível,
enfim, se ele não criar relações com a arte que sejam intensamente reveladoras. Sem o cultivo
da sensibilidade do educador, será impossível cultivar a sensibilidade do educando.
Precisamos perceber e compreender a mediação fruto da interação entre sujeito,
subjetividade e mundo como facilitadora da construção de um conhecimento fronteiriço e
acíclico, haja vista que uma das novas exigências da educação é destruir as hierarquias
condicionantes do saber, em que somente o professor é o detentor do conhecimento.
Ainda acerca da fala de P4, encontramos em Ramalho e Oliveira (2005) a necessidade
de estabelecer conexões entre a imagem e a vivência do aluno. Ao escrever sobre um modelo
para leitura de imagem, a autora propõe um referencial mínimo para leitura de imagem;
parâmetros passíveis de utilização na leitura de diversas imagens; uma abordagem que oriente
para um modo de ver diferente do habitual; uma estrutura básica a ser guarnecida com outros
127
conhecimentos, tanto os trazidos na bagagem do leitor como aqueles que ele se sentirá
instigado a buscar a partir da provocação proposta pelo texto estético que tem diante de si.
É importante evidenciar a necessidade dos professores e, conseqüentemente, de seus
alunos, de terem acesso a situações questionadoras sobre as imagens, como afirma P5:
“Acredito que apresentar imagens é fazer perguntas instigadoras, pesquisar diferentes
recursos e materiais, procurar recursos complementares também auxilia. Estou me referindo
a sites para consulta de imagens.”
Acredita-se que os professores de arte entrevistados, em sua maioria, planejam a
leitura de imagem baseada em perguntas pré-estabelecidas, engessadas, questões que são
formuladas pelo educador e respondidas pelos educandos acerca do que estes estão
observando, sem ter uma preocupação com as aprendizagens do olhar.
Embora acreditemos não haver um único método possível para ler imagens, uma vez
que a diversidade do olhar é também a diversidade de imagens e interpretações, ressaltamos a
importância de que esses questionamentos fechados sobre a imagem não configurem-se como
único método de leitura de imagem.
Segundo Martins et alli (2005), o contato com a obra de arte não pode se reduzir aos
procedimentos técnicos ou aos aspectos formais. A visão reducionista e empobrecedora parece
ainda estar arraigada no ensino de arte. Por isso, o papel do educador como mediador no
processo de formação de identidades individuais e sociais, por meio da leitura de imagem, é o
de auxiliar o educando a perceber-se em sua plenitude, em sua integralidade. Perceber-se
como um corpo vivo, que como tal, tem inúmeras possibilidades, e não algo a ser engessado,
encaixado em formas pré-definidas, como algo a ser disciplinado.
Fomentar a investigação, a curiosidade de cada educando, é importante para que os
mesmos possam tomar como hábito a pesquisa, ampliando o repertório cultural desse
educando.
Cada imagem é única e possui um conteúdo que dificilmente é compreendido e/ou
reconhecido na sua íntegra. Cada pessoa faz diversas associações da imagem com a sua
linguagem cultural, que lhe é mais significativa, mas ainda assim ela se aproxima da imagem
coletiva.
A indagação sobre a leitura de imagem atuar na formação de identidades individuais e
sociais também foi importante para compreender quão relevantes são os aspectos subjetivos e
complexos da imagem na concepção dos professores de arte. Nesse sentido, obtivemos as
seguintes respostas:
128
A primeira informação que chega ao indivíduo é a linguagem visual. A
imagem possibilita ao letrado e ao iletrado realizar a sua leitura, portanto
ela possibilita a formação de identidades individuas e sociais (P1).
[...] na medida em que há um entendimento e uma nova elaboração de
opinião sobre a imagem (P2).
Através das imagens podemos estabelecer relações da produção artística
entre o passado e o futuro, vivenciando e experimentando os conhecimentos
artísticos (P3).
[...] é um exercício constante de reflexão, ela nos força a refletir sobre
vários assuntos, inclusive sobre nós mesmos, sobre nosso comportamento
(P4).
[...] a imagem mostre valores culturais, crenças, o educador deve colocar
em evidência a função da imagem, que é o respeito às identidades (P5).
[..] através de um processo de reconhecimento de si e da imagem (P6).
A fala do professor P1 vem ao encontro do discurso de Manguel (2001), ao afirmar
que muito antes da democratização da leitura de textos verbais havia uma democratização
da leitura visual, e que desde muito tempo a imagem é praticada tanto para fins didáticos,
estéticos e religiosos, principalmente na educação popular, promovida pela igreja, através de
uma alfabetização visual dos relatos advindos das escrituras sagradas.
O exercício de reflexão e reconhecimento por um sujeito que produz uma leitura de
imagem se dispõe ao respeito às individualidades (ORLANDI, 1998). Segundo Tolstoi (2002,
p. 15), “a arte é atividade humana que consiste em comunicar conscientemente a outros por
certos sinais exteriores, os sentimentos que vivenciou, e os outros serem contaminados desse
sentimento, e também os experimentar”.
Camargo (1994), por sua vez, nos coloca de forma poética a função do professor de
arte no processo de formação das identidades individuais e sociais. O educador é um parteiro.
O parteiro não gera a criança, mas ajuda a criança a nascer. O educador não gera a expressão
da criança, mas a ajuda a florescer.
Ler uma imagem é, sobretudo, investir no olhar, olhar que é construído culturalmente.
Cada olhar esconde um ser, que é único, e por isso o que é visto varia de pessoa para pessoa.
Essa diversidade é o eixo da leitura de imagem na escola. A diversidade pode incitar
comportamentos de escuta do outro, de suas significações.
129
O modo utilizado para leitura de imagem pode ser infinito, uma vez que temos tantas
possibilidades de leitura quanto leitores, pois a significação da imagem depende da
sensibilidade de quem olha.
A leitura de imagem trabalha a formação integral do ser humano, uma vez que, assim
como enuncia o professor P6, a imagem permite um reconhecimento de si e do outro. Educar
é desenvolver a habilidade de aceitar-se e respeitar-se a si mesmo, e a partir disso aceitar e
respeitar o outro (STRIEDER, 2004).
Aprender é um processo social, comunicativo e discursivo, assim como ler as imagens,
que com seus processos de interiorização e pensamento vão permitir o diálogo e a
conversação, num processo de exteriorização da realidade.
A leitura nesse sentido precisa estar relacionada com a realidade vivida dos educandos,
oportunizando compreender, elaborar e reelaborar atitudes, valores e crenças que podem ser
transpostos para outras situações de suas vidas. A realização da leitura de imagem, sob a ótica
transdisciplinar, se configura permeada por valores transdisciplinares de integração,
integralidade, abertura, diálogo, questionamento de posições, a busca da auto-realização, no
qual a auto-eco-transformação dos educandos e a consciência da complexidade se tornem
primordiais.
Ler imagens sob uma perspectiva transdisciplinar é, acima de tudo, perceber que
situações particulares deverão nortear a atuação do professor de arte e sua mediação,
percebendo as conexões existentes entre os saberes, os conhecimentos, as culturas, as ações
cotidianas.
Trazemos mais uma vez o pensamento de Mafessoli (1995) que reforça que é possível
vivenciar a transdisciplinaridade no encantar-se com a imagem através de um processo
coletivo, pautado no diálogo, na troca de experiências, na sala de aula, pois ela permite, além
ou aquém das mediações, acender uma espécie de conhecimento direto, conhecimento vindo
da partilha, da colocação em comum idéias e das experiências, do modo de vida e da maneira
de ser.
Para Gimeno Sacristán (2007), a leitura é uma prática que reflete e determina uma
forma de adquirir e de se relacionar com a experiência dos outros, que, na realidade, é o que
nos torna verdadeiramente humanos.
130
d) A atitude transdisciplinar
Sendo um dos princípios da transdisciplinaridade o reconhecimento da dinâmica nas
coisas, este tópico busca compreender na fala dos entrevistados se a abordagem
transdisciplinar pode contribuir para melhorar o exercício da leitura de imagem e se eles
costumam conversar com outros professores para que se integrem conteúdos e percebam
temas comuns.
Este aspecto do estudo denotou fragilidade de informações e de compreensão do termo
transdisciplinaridade por parte dos professores entrevistados. O que se constata nas entrevistas
é que os professores não demonstram clareza em torno da compreensão da
transdisciplinaridade, embora pontuem algumas vezes aspectos pertencentes à abordagem
transdisciplinar.
Questionado sobre se a transdisciplinaridade tem como princípio o reconhecer a
dinâmica nas “coisas”, e se pode contribuir para melhorar o exercício de leitura de imagem na
escola como prática pedagógica, o professor P1 respondeu: “Sim, a arte está ligada a um
momento, a um acontecimento, histórico, político, social ou cultural [...] A troca de idéias
com outros professores ajuda na elaboração de atividades diferentes e mais dinâmicas que
acabam despertando maior interesse nos alunos”.
A P1 mostra acreditar, implicitamente, que a transdisciplinaridade associada à leitura
de imagem pode contribuir para a compreensão de momentos e contextos históricos, pois
segundo ele toda arte esligada a um momento histórico, com dimensão política, social e
cultural.
A riqueza de nossa realidade, para Nicolescu (1997), reside exatamente na percepção
da diversidade que entre as inúmeras nacionalidades, sistemas políticos, culturas e
religiões, e nenhuma poderia ser considerada inferior ou privilegiada. Perceber que cada um
tem seu local e tempo específico incorpora valores, crenças e costumes de seres humanos que
também pertencem a seu próprio tempo e local, constitui uma atitude transdisciplinar.
Em consonância com seu pensamento, D’Ambrósio (1997, p. 9) assinala:
O essencial na transdisciplinaridade reside numa postura de reconhecimento
onde não espaço e tempo culturais privilegiados que permitam julgar e
hierarquizar – como mais corretos ou mais verdadeiros – complexos de
explicação e convivência com a realidade que nos cerca.
131
Quanto à concepção de transdisciplinaridade, o professor P1 diz não saber conceituar a
palavra, mas valida suas falas com aspectos referentes a valores de busca, de flexibilidade e
abertura a novas formas e dinâmicas de elaboração de suas atividades.
Nicolescu (2002) afirma que é o espírito do educador em qualquer que seja a
disciplina que é transdisciplinar, e que o ensino, em qualquer área do conhecimento, pode ser
animado pela atitude transdisciplinar adotada pelas pessoas envolvidas. Tal como o educador,
que no processo educativo cultiva valores transdisciplinares, como a integralidade, a
integração, o diálogo, a flexibilidade, a abertura, a reconciliação entre posições que são,
aparentemente, antagônicas, a reflexão e crítica de dogmas e todo e qualquer tipo de
totalitarismo pode influenciar o educando não em seu processo de aprendizagem, mas
também em sua visão de mundo, em sua realização e modo como atua na realidade.
Akiko Santos (2005) fala de tolerância e abertura como princípios transdisciplinares.
O professor P1 pode estar iniciando uma caminhada rumo à abordagem transdisciplinar, por
carregar consigo elementos básicos de tolerância e abertura.
Cada educador necessitaria conscientizar-se de que o seu conhecimento específico é
tão só um dos componentes que constitui uma sabedoria de vida abrangente, ou seja, nenhuma
disciplina ou conhecimento especializado é soberano a outro numa perspectiva
transdisciplinar. Dizer que tal conhecimento “pertence” a tal disciplina ou especialidade é,
sobretudo, egoísmo. Na transdisciplinaridade não deveria haver rótulos e sim, saberes.
Para P2, a transdisciplinaridade pode contribuir para “um melhor exercício da leitura
de imagem, uma vez que lendo imagem, temos a leitura de mundo”. Quanto ao costume de
conversar com outros professores na tentativa de integrar conteúdos ou perceber temas
comuns, o professor P2 afirma que na sua escola trabalham com a metodologia de projetos,
então estamos sempre buscando temas comuns”.
Ao insistirmos, a posição da P2 permanece imprecisa e incompleta. Para ele, as
conversas com outros professores ocorrem nas reuniões pré-estabelecidas no calendário anual
de atividades da escola onde são definidos os projetos e temas geradores para o trabalho
com os alunos e que, raramente, consegue um diálogo com professores durante o decorrer do
projeto em andamento”. Nos projetos, ele afirma, são definidos temas comuns a todas as
disciplinas, como um tema gerador e a partir deste todos os professores seguem sua prática.
Quanto à concepção de transdisciplinaridade, ele acredita que essa prática seria de fato
associada à transdisciplinaridade e que não possui outras informações. Disse não ter
conhecimento sobre a transdisciplinaridade, mas acredita que os professores estão no caminho
certo para melhorar o ensino naquela escola.
132
Diferentes relações podem ser vivenciadas entre as disciplinas. Nesse sentido, Zabala
(2002, p. 32) enuncia:
A multidisciplinaridade (somativa) é a justaposição de diferentes disciplinas,
às vezes sem relação aparente entre si. Por exemplo: música + matemática +
história. A pluridisciplinaridade (contigüidade) é a justaposição de
disciplinas mais ou menos próximas em um mesmo setor de conhecimentos.
Por exemplo: matemática + sica ou, no campo das letras, francês + latim +
grego. A interdisciplinaridade (interação) é a interação entre duas ou mais
disciplinas que pode ir desde a simples comunicação até a integração
recíproca dos conceitos fundamentais e da teoria do conhecimento, da
metodologia, dos dados da investigação e do ensino. A transdisciplinaridade
(unificação) é a execução axiomática comum a um conjunto de disciplinas
(por exemplo: a antropologia, considerada, segundo a definição de Linton,
como a “ciência do ser humano e de suas obras.
Na concepção do professor P3, a transdisciplinaridade contribui para melhorar o
exercício da leitura de imagem e a colaboração de outros professores é fundamental para as
atividades que desenvolve: “é sempre bom envolver na leitura de imagem aspectos das outras
disciplinas [...] estou constantemente precisando da colaboração nas atividades
desenvolvidas”.
O artigo 13° da Carta da Transdisciplinaridade afirma que a ética transdisciplinar
rejeita qualquer atitude que recuse o diálogo e a discussão, e que o conhecimento
compartilhado precisa conduzir a uma compreensão compartilhada baseada no respeito
absoluto pelo coletivo e individual. Dessa forma, o respeito construído a partir do diálogo
entre os professores é algo que precisa ser primado (NICOLESCU, 2002).
A abordagem transdisciplinar recorre a todas as disciplinas, objetivando captar entre
elas o que de semelhante, interdependente, convergente e conexo, tanto de informações,
como de métodos e conhecimentos.
É certo que, para uma educação bem mais abrangente, é imperioso investir na
transdisciplinaridade para que sejam abolidos os conteudismos que, em nome de suas
disciplinas, despejam conteúdos cada vez mais distantes da vida dos educandos e cada vez
mais desarticulados entre si.
O professor P4 afirma: “é possível que trabalhemos de forma integrada”. P5, por sua
vez, “busca várias compreensões [...] trocar experiências” e para a P6 “existem conexões
entre as diferentes manifestações”. Tais informações evidenciam a contribuição da
transdisciplinaridade para o exercício da leitura de imagem, destacando palavras chaves como
“integração” (P4), “conexões” (P6) e “diferentes compreensões” (P6).
133
Para Crema (1993), os membros de uma equipe transdisciplinar desenvolvem atitudes
emocionais construtivas, permitindo o reconhecimento dos limites de sua disciplina: a
paciência de ouvir, principalmente o que é contraditório, e a disponibilidade para mudar a
opinião. Além disso, é importante que haja conhecimento mínimo das outras disciplinas e de
suas relações, bem como das características da transdisciplinaridade e de suas funções.
A transdisciplinaridade se realiza no diálogo entre as disciplinas e entre os diferentes
campos do conhecimento: as ciências exatas, as ciências humanas, a filosofia, a arte e as
tradições. A transdisciplinaridade é um desafio coletivo e amplo. Muito mais do que romper
as fronteiras das disciplinas, um objetivo maior precisa ser priorizado: o de humanização e de
sensibilização. Nesse sentido, Meira (2003, p. 109) afirma:
Não somos autônomos, em arte, por saber-se que ninguém cria nem é
sensível sem a parceria do “outro” (pessoas, materialidades, ambientes,
instituições, práticas e relações). O interesse maior da arte é fazer arte para
dar-se a ver por experiências sensíveis, experimentos estéticos com sua
práxis. O sensível não está deslocado nem da mente, nem do corpo e nem da
corporeidade do meio, na experiência estésica do olhar.o estésico é pele,
víscera, circulação do sangue, metabolismo de anticorpos,
pensamentos/nuvens, imaginário nômade, tudo somado e condensado
qualitativamente pelo olhar, o que faz com que o desejo de ver seja
igualmente a impossibilidade de tocar com as mãos, o abraço do corpo, o
arrepio da pele.
Falar de transdisciplinaridade é colocar em debate novos olhares. Para Akiko Santos
(2005, p. 70):
A transdisciplinaridade dialoga e utiliza-se dos diferentes conceitos, [...]
requer tanto o esforço da reflexividade como a preocupação pela coerência
dentro de um sistema de Princípios. [...] Trata-se de construir uma visão
interativa, superando a multidisciplinaridade e resgatando os conteúdos de
cada área do conhecimento, cujo aprofundamento depende da necessidade e
dos objetivos do Projeto. [...] esse processo transgride as fronteiras
epistemológcas de cada ciência, produzindo um novo saber. Um saber que
devolve sentido a existência humana e ao saber humano.
Portanto, não como educar para “humanidade”, no sentido de ser humano se não
damos importância àquilo que mais nos aproxima do sentido do humano, ou seja, da
imaginação, da vivência na relação, da troca sensível, da espiritualidade e dos afetos.
134
Muito mais do que romper fronteiras entre as disciplinas, a transdisciplinaridade busca
um sentido maior, mais humano em relação a formação do aluno e do próprio professor. Urge
lançar um olhar mais longe, para algo a mais, atento a complexidade e a condição humana.
Para tanto, D’Ambrosio (1997, p. 83) diz ser necessário:
Eliminar a arrogância, inveja, prepotência e adotar respeito, solidariedade e
cooperação, implica um pacto moral entre todos os homens interessados
numa nova perspectiva de futuro para a humanidade. O caminho para isso é
a identificação do muito que pode ser mudado, sobretudo nos sistemas
educacionais.
A transdisciplinaridade, neste contexto, não deve ser considerada apenas uma proposta
teórica, mas sobretudo, uma nova atitude, uma nova abordagem científica, cultural, espiritual
e social. O olhar transdisciplinar permite à humanidade um todo expressivo que nasce no
diálogo entre partes e todo, podendo ser considerada uma forma para expressar e reforçar as
esperanças e as aspirações da humanidade, livre de ideologias e dogmas.
A transdisciplinaridade é uma maneira de observar o mundo para trazer consigo
elementos que proporcionem o avanço do conhecimento, não desejando unificá-lo, mas torná-
lo ativo e inventivo. É como olhamos o mundo, como olhamos a relação sujeito-objeto. É uma
maneira de se entender e explicar pela dialógica. A produção de conhecimentos torna-se um
eixo articulador para que se possam compreender questões contemporâneas como a
preservação do ecossistema, os valores, a vida humana, a espiritualidade, dentre outros. A
transdisciplinaridade é elemento de religação dos diversos saberes, das diferentes culturas ao
cotidiano complexo dos diversos grupos humanos.
e) A espiritualidade
O tópico espiritualidade reflete a concepção dos professores de arte sobre a formação
de identidades individuais e sociais dos educandos, bem como permite compreender os
conceitos que os professores de arte têm a respeito do que é espiritualidade, e se ela pode ser
vivenciada no exercício reflexivo de leitura de imagem.
A entrevista passou, nesse momento, a denotar outro sentido para os entrevistados que,
ao serem questionados sobre suas concepções a respeito da espiritualidade, afirmaram que
nunca haviam parado para pensar no aspecto espiritual, muito menos na ligação desta
dimensão com a educação.
135
Mesmo tendo sido orientadas a respeito do teor da pesquisa em questão, foi
exatamente neste item que tivemos que explicitar um pouco mais a respeito do estudo e das
intenções da pesquisa, pois todas sentiram dificuldade em falar sobre o que necessitávamos
ter conhecimento.
Com receio de responder algo que pudesse ser considerado errôneo, algumas se
sentiram um tanto intimidadas ao responder sobre um aspecto humano que nunca puderam
mensurar, e revelaram que suas crenças, suas religiões, suas maneiras de “criação” e situações
familiares, não haviam colaborado para que refletissem sobre espiritualidade.
Acreditamos, analisando as falas, que algumas chegaram a confundir inicialmente
espiritualidade com religião, seita ou doutrina. Deixamos claro, porém, no segundo capítulo
desse estudo, que espiritualidade e religião tratam de diferentes aspectos. A palavra
espiritualidade tem uma conotação subjetiva, portanto, as pessoas têm compreensões do
conceito de espiritualidade divergentes e até contraditórias.
Para o professor P1, ela tem ligação com o momento emocional onde o indivíduo se
encontra. É um estado de espírito. Tristeza, alegria, angústia.” Para Volcan (2003), a
espiritualidade é o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material, com
a suposição que mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente compreendido,
nos remetendo a questões como significadas e sentidas de vida.
Para o professor P3, a espiritualidade “é relativo à alma, ao imaginário”. As palavras
imagem, imaginação e imaginário têm suas raízes no radical latino imago-ginis e significam a
representação de um objeto ou a reprodução mental de uma sensação na ausência da causa
que a produziu. Uma reprodução mental que, consciente ou não, revela e é formada de
vivências, lembranças, percepções passíveis de serem modificadas por novas experiências.
A espiritualidade como o imaginário, produtos humanos, revelam a possibilidade de
transformação deste humano. Dalai Lama dizia que espiritualidade é aquilo que produz em
nós uma mudança. O ser humano é um ser de mudanças; estamos sempre nos refazendo
fisicamente, culturalmente, socialmente e espiritualmente.
Para o professor P4 são “atividades que trabalhem nosso espírito, a nossa alma, com
religiões, yoga...”. Mas, qual o sentido de espírito? Espírito não é entendido como parte do
ser humano ao lado do corpo, mas como a totalidade humana enquanto é vida e fonte de
energia vital. Segundo Boff (1993, p. 139), “[...] é uma expressão para designar a totalidade
do ser humano enquanto energia, sentido e vitalidade”.
Boff (2001), ao pronunciar-se sobre o Espírito, é expressivo ao dizer que ele é aquele
momento de nossa consciência que nos abre à percepção de que somos parte de um todo e de
136
que pertencemos ao todo. Acrescenta ao espírito a expressão de vida consciente, aberta ao
todo, livre, criativa, marcada pela amorosidade e pelos cuidados.
O espírito pode ser considerado o princípio de toda vida, um estado de consciência
humana que lhe determina o comportamento, embora não possua uma realidade física ou
material. Espírito como condição primacial, como essência humana. Por intermédio do
espírito experimentamos a inserção no todo partindo de um elemento que é corpo animado e
portador da mente. O espírito se traduz pela subjetividade que se abre ao outro, comunicando-
se e transcendendo através de uma comunhão aberta.
Considera-se que toda espiritualidade esteja intrinsecamente ligada aos atributos do
espírito humano, o encantamento, o amor, a tolerância, que agregam momentos felizes para
nós e para os outros.
Por se que a realidade da espiritualidade é muito ampla. O espírito (a
espiritualidade) de uma pessoa, comunidade ou povo é sua motivação de
vida, sua vontade, a inspiração de sua atividade, de sua utopia, de suas
causas, independentemente de estas serem melhores ou piores, boas ou más,
de coincidirem com as nossas ou não. Os que não têm o nosso espírito
também têm espírito. Os que não têm uma espiritualidade cristã também têm
espiritualidade, inclusive os que dizem rejeitar as espiritualidades.
(CASALDALIGA, 1993, p. 23).
Nesse sentido, a espiritualidade, assim como demonstra a fala do professor P5, é a
atividade pela qual trabalhamos ou desenvolvemos nosso espírito, nossa alma e faz parte da
nossa essência humana. Como reflete o professor, a espiritualidade pode ser vivenciada em
momentos de contemplação (no caso das leituras de imagens), de meditação, no profundo
refletir sobre o sentido da vida e de nossa existência, numa sensação de íntima conexão. No
contexto das relações, principalmente na escola, implica externar plenamente todo o arsenal
de virtudes e qualidades que possuímos, visando a construção de experiências, mais
enriquecedoras e realizadoras para nós e para os que nos cercam, ou dependem do nosso
esforço (VASCONCELOS, 2002).
Se a espiritualidade indica uma existência vivida com espírito, ela compromete a
pessoa como um todo, em sua integralidade, em seu corpo, sua alma, em suas dimensões
culturais, sociais, psíquicas. Não é algo acrescentado, mas que exprime e reflete a identidade
dentro de uma situação.
A espiritualidade como dimensão profunda do ser humano, como momento necessário
para o pleno desabrochar de nossa individuação e como cultivo da paz nas relações
137
existenciais e sociais, é evidenciada na fala do professor P2 “[...] é tudo o que somos e que
forma nossa vida”. Essa presença da espiritualidade em nossas vidas é referendada por
Solomom (2003, p. 43) quando diz que:
[...] a espiritualidade é a percepção sutil e não facilmente especificável que
envolve praticamente toda e qualquer coisa que transcenda ao nosso
mesquinho interesse pessoal. Há, portanto, espiritualidade na natureza, na
arte, nos laços de amor e companheirismo que mantêm uma comunidade
unida, na reverência da vida [...].
Lanz (1978) afirma que é necessária uma espiritualização lenta do nosso mundo por
nós mesmos, cabendo abrir-nos ativamente, conscientes dos impulsos espirituais, a fim de
realizá-los na terra.
A espiritualidade é uma dimensão do ser humano que pode ser cultivada. Podemos não
vê-la, mas sabemos que ela circula, movimenta e mantém viva a relação com o que gera e
mantém a vida. A orientação da espiritualidade em educação está voltada para a experiência
interior através de conexões que possibilitem o contato com o transcendente, por meios intra e
transpessoal. Dessa forma, o que é espiritual transcende a idéia de disciplina em um currículo
escolar e passa a ser uma experiência de auto-conhecimento e realização.
O conhecimento religa o ser humano à sua essência, e desse modo, todo conhecimento
é de certo modo espiritual quando em consonância. A espiritualidade, assim como a educação,
é um processo contínuo, é experiência transformadora, capaz de encher de sentido e beleza a
existência humana.
O sentido de crença é denotado na manifestação do professor P4, que assim concebe
espiritualidade: “É crer em algo. É cuidar da mente e do corpo juntos. É uma crença que nos
guia”.
Dois importantes conceitos de espiritualidade aparecem nessa fala: o primeiro aliado
ao sentido do crer, ter fé, algo que se torna responsável pela guia de nossos caminhos; o
segundo denota o sentido de cuidado, do corpo e da mente, como um conjunto.
Yus (2002) afirma que a compreensão de nossa totalidade precisa ser cuidada,
integrada harmonicamente e equilibrada, pois ela encaminha para uma inteireza e
integralidade.
Santos Neto (2006) afirma a importância da espiritualidade na formação e construção
do sujeito. Compreende que este processo será possível se estivermos abertos à nossa
inteireza.
138
Percebemos na manifestação do professor P4 uma preocupação com o ser complexo
que somos, dotados de uma rede interligada de instâncias (mente, cérebro, espírito, corpo,
mundo) e que, se vivenciamos algo com profundidade, precisamos atentar para todas as
instâncias igualmente.
O ser humano não é feito de compartimentos estanques. Ele é um ser complexo e
dinâmico que faz parte de um todo maior e universal (MORIN, 2000). Qualquer vivência que
desconsidere uma das dimensões humanas está fadada ao reducionismo, à fragmentação, à
simplificação que leva a conflitos pessoais e existenciais. A espiritualidade é uma parte
complexa e multidimensional da experiência humana. Abarca aspectos do cognitivo,
experiências emocionais e comportamentais, cada qual responsável por nos desenvolver
integralmente.
Os aspectos cognitivos incluem a busca do significado, propósito e verdade na vida, as
crenças e valores pelos quais os seres humanos vivem. Os aspectos emocionais da experiência
envolvem sentimentos de esperança, amor, conexão, paz interior, conforto e suporte, e estão
refletidos na qualidade dos recursos internos e individuais, nas habilidades de dar e receber,
nos tipos de relacionamento consigo mesmo, com o outro, com o ambiente, com a natureza e
o transcendental. Os aspectos comportamentais da espiritualidade refletem a forma como a
pessoa manifesta externamente a sua crença espiritual individual e o seu estado de espírito
interno.
Acreditamos, assim como o professor P6 quando afirma que significa Direcionar
direta ou indiretamente o ser humano a um objetivo comum”, que a espiritualidade pode ser
um caminho, uma direção para que encontremos objetivos comuns. A vivência da
espiritualidade é fundamental, pois é pela experiência espiritual pela qual o ser humano pode
transcender os limites e conflitos do processo de desenvolvimento pessoal e coletivo,
evoluindo, amadurecendo e se entregando a sua inteireza.
A experiência e o desenvolvimento espiritual se manifestam com esta profunda
conexão consigo e com os demais sistemas vivos, na experiência de totalidade e
interdependência. A ausência da dimensão espiritual é fator crucial na conduta autodestrutiva.
Uma das funções da educação é exatamente ajudar o educando a compreender que
tudo em sua vida está conectado com o resto, implicando um sentimento de responsabilidade.
Desenvolver a espiritualidade no educando é fazê-lo perceber-se como parte de um todo
(CARDOSO, 1995).
Jorge Trevisol (2003) afirma que a grande tarefa da educação, sobretudo da escola, é
mostrar para as novas gerações que não possibilidade de uma pessoa cuidar só de si, se ela
139
não cuida dos outros, não se cria um mundo diferente. Diz ele: “Isto é a espiritualidade”! Para
ele, a ética do cuidado é uma das coisas mais bonitas que estão sendo descobertas em nossos
tempos. Tudo o que é cuidado, dura mais. Urge criarmos uma reflexão nova, uma educação
nova, cuidar-se, isso é espiritualidade.
A grande finalidade da educação é gerar vida concreta, respeitar e cuidar das pessoas
que estão ao redor; etnias diferentes, religiões, sexo, modos de pensar, não podem ser vistos
numa dimensão de dominação.
Questionados acerca da possibilidade de, no exercício da leitura de imagem,
desenvolver reflexões que possibilitam vivenciar a espiritualidade, e como isso se tornaria
possível, o professor P1 afirma: “Uma imagem pode transmitir diferentes sentimentos que
podem influenciar momentaneamente ou definitivamente no comportamento do ser humano.”
Para Penteado Neto (1988, p.139-140), a obra de arte (imagens) não visa explicar ou
explicitar racionalmente o universo, mas revelar, pelas vias do sentimento (emoção, lirismo,
intuição, sensibilidade), momentos de sua ilimitada dinamicidade, do cosmos substancializado
plasticamente.
Ao dialogarmos com a imagem, ao percebê-la, ao senti-la, estamos dialogando com
estas qualidades do nosso espírito, com estes sentimentos que caracterizam o humano.
A imagem permite, dessa forma, um religar-se, um conectar-se, a si e ao outro e ao que
temos de mais profundo em nosso ser, a espiritualidade. Pela sua força de atração, ela nos
conduz ao sagrado. Segundo Mafessoli (1995, p.113) esta é a função essencial da imagem:
É de fato impressionante ver, que fora de qualquer doutrina, e sem
organização, existe uma “fé sem dogma”, ou antes, uma série de fés sem
dogma”, expressando da melhor forma o reencantamento do mundo, que
afeta de diversas maneiras, todos os observadores sociais. [...]A imagem,
que lhe serve de suporte, religa as pessoas entre si e religa o tempo
imemorial, ainda que acentuando a vivência, em sua atualidade e
quotidianamente.
O contato com a imagem sensibiliza o nosso olhar. A imagem nos oferece uma visão
da realidade diferente da palavra ao oferecer-nos uma visão integral e simultânea,
possibilitando outras maneiras de abordá-la e compreendê-la. Essa visão pode estimular a
reflexão e as mudanças de atitudes e valores, a vivência da espiritualidade, como denota a fala
do professor P2: podemos mudar nosso entendimento levando assim a uma reflexão [...]
podemos mudar atitudes e vivência”. Pode ainda, para o professor P3, significar “propostas
de atividades dentro da linguagem cênica, musical e visual, com a própria imagem”, e para a
140
P4 “permitir discutir sobre vários assuntos, ela pode principalmente discutir a
espiritualidade”.
Duarte Júnior (2004) defende que mais vale instigar o desenvolvimento da
sensibilidade no processo de leitura de imagem, do que encher o educando com informações
acerca do artista, da história, entre tantas outras. Para Martins (2005, p.45):
O contato com a obra de arte, tendo em vista a ampliação do conhecimento,
não pode ficar ás biografias dos artistas, aos procedimentos técnicos ou aos
aspectos formais. A visão reducionista e empobrecedora parece ainda estar
arraigada no ensaio da arte.
O potencial transdisciplinar da imagem é infinito. As imagens nos falam de tudo:
história, geografia, matemática, filosofia, antropologia, ciência, espiritualidade entre outros.
As linguagens presentes na imagem também trazem as diversas culturas para sala de aula,
assim como os valores éticos e morais.
Abordar a leitura de imagem em arte tendo como parâmetro a dinâmica
transdisciplinar é também considerar seu papel humanizador. A leitura por seu caráter
multifacetado possibilita o entrelaçamento dos diversos saberes. Coelho (2000, p. 19) defende
que:
[...] não basta um currículo de várias disciplinas combinadas entre si é
necessário que todas elas estejam atravessadas por um ‘esquema cognitivo’,
isto é, por um tema, um problema que as atravesse e mostre a relação oculta
que existe entre as diferentes áreas da vida, da cultura e do conhecimento.
Esse parece ser o método mais adequado para que o ensino seja sintonizado
com o contexto cultural a que pertence, através da ‘optica da complexidade’.
A imagem oferece caminhos para integrar as disciplinas escolares, sendo ela um texto
e pretexto para ampliar e aprofundar qualquer tema, conteúdo ou disciplina. A imagem
também é caminho para reflexão, expressão de sentimentos, e sua leitura em sala mobiliza
simultaneamente a cognição e a imaginação, encaminhando um modo de conhecer que
valoriza tanto a informação objetiva quanto a formação da subjetividade.
Mafessoli (2001) reconhece que as imagens são carregadas de força de vida,
manifestada para que possa romper com os objetivos de alienação e manipulação das
imagens. Chama a atenção para o papel das imagens na comunhão com os outros, do querer
estar junto, como ponte de ligação, contemplação, dando lugar às relações intersubjetivas.
141
Lendo imagens podemos aprender sobre nós mesmos, sobre nossa espiritualidade. A
leitura de imagem transcende os aspectos estritamente artísticos para gerar diálogos do eu-
com-eu, do eu-com-o-outro, como uma dificuldade a ser superada. Por isso, Boff (1994, p.
67-8) ressalta:
O capitalismo criou uma cultura do eu sem o nós. O socialismo criou uma
cultura dos nós sem o eu. Agora precisamos da síntese que permita a
convivência do eu com o nós. Nem a individualidade nem coletivismo, mas
democracia social e participativa. Precisamos fazer uma autocorreção com
referência à concepção de ser humano, a integração do feminino e a aliança
com a natureza. Daí pode nascer a nova espiritualidade e o fim que tudo re-
liga.
Para Duarte Júnior (2004), a missão da educação é estimular o sentimento, incentivar
o sentir-se humano de modo integral, numa ocorrência paralela aos processos intelectuais e
reflexivos acerca de sua própria condição humana. Esta pode ser a finalidade da leitura de
imagem como vivência da espiritualidade.
As manifestações de P5, “podemos vivenciar a espiritualidade através da leitura de
imagem, trabalhando com imagens religiosas ou de culturas afro, indígenas”, e de P6,
“estudarmos o Renascimento ou Arte na Idade Média, os princípios do Cristianismo se
tornam evidentes na Arte”, voltam-se aos discursos reducionistas por compreenderem que
somente a arte sacra pode levar a uma vivência da espiritualidade. Por muito tempo, o campo
espiritualidade foi (e por vezes, ainda é) dominado pela religião, fazendo emergir nos seres
humanos “[...] sentimentos abstratos, sensações complexas, forças aparentemente indômitas,
dúvidas desconfortáveis, questionamentos sobre a nossa essência [...] (VASCONCELOS,
2008, p. 5).
A visão de que espiritualidade está enraizada na religião torna-se explícita na fala de
P5 e P6. Através das manifestações dos referidos professores, percebemos que ainda temos
um caminho a trilhar se quisermos inserir a vivência da espiritualidade em educação através
de um processo holístico, mais precisamente, na leitura de imagem em arte.
As religiões, no entanto, podem tornar-se fonte de transcendência, porém não são
únicas, formas paralelas e alternativas de encontro com a espiritualidade. A arte, a
educação, a imagem, ou a junção desses elementos podem ser algumas dessas fontes de
transcendência. Assim, Solomom (2003, p. 43) enuncia:
[...] a espiritualidade é a percepção sutil e não facilmente especificável que
envolve praticamente toda e qualquer coisa que transcenda ao nosso
142
mesquinho interesse pessoal. , portanto, espiritualidade na natureza, na
arte, nos laços de amor e companheirismo que mantêm uma comunidade
unida, na reverência da vida [...].
Contribuindo para esse entendimento, Vasconcelos (2008, p. 5) afirma que “[...]
explorar nossa espiritualidade é extrair o que de mais sadio em nosso self. Portanto, na
educação, isso pode significar contribuir para jornadas mais ricas em aprendizado,
solidariedade, fraternidade e plenitude [...]”. Ormezzano (2002, p. 97) acredita que:
O papel do arte-educador é de vital importância numa nova perspectiva
educacional, ampliando as possibilidades de engajar-se no processo de
transformação da realidade. A coragem de transmutar-se diz respeito ao
senso de humanidade e transcendência, resgatando a espiritualidade em
ligação com o cosmos e, como catalisador das mensagens de outros seres
viventes, procurando entrar em ressonância com aqueles a quem está
orientando, favorecendo a ação coletiva, sendo e aprendendendo com eles e
elas.
O papel do educador no processo de vivenciar a espiritualidade em educação é crucial
e deve ser encarado com senso de responsabilidade e cuidado, uma vez que educação e
espiritualidade são caminhos para transformação do ser humano e o educador é o mediador
desse processo.
Percebemos, além do que explicita na fala dos professores, um sentimento de
desconforto manifestado através de gestos, paradas e reflexões, ao se pronunciarem acerca de
um tema que muitas vezes desconheciam ou desconsideravam, dentre eles a espiritualidade na
base da educação.
Acreditamos que tal desconsideração da dimensão da espiritualidade nos processos
educativos ocorra em razão da forte herança dualista, cartesiana e racionalista que muitos de
nós ainda carregamos e temos presente em nossas atitudes cotidianas. Torna-se imperioso
incitar momentos de reflexão e parada para repensarmos quem somos e o que fazemos para
ser-estar no mundo em harmonia com todas as coisas, uma vez que a percepção de pertença é
experiência espiritual.
Arroyo (2005, p. 45) argumenta que:
Essa tendência a segmentar os processos educativos terminou por segmentar
os profissionais da escola e sua formação. Na base de todo esse reparto de
responsabilidades está uma visão segmentada do ser humano. Quando
fracionamos o ser humano, umas dimensões adquirem maior relevância do
143
que outras em sua formação. Algumas ficam esquecidas ou secundarizadas.
A formação das competências e habilidades e do domínio dos saberes
escolares ocupa a maior parte das energias e dos tempos de docentes e
alunos. A formação da condição ética, por exemplo, foi marginalizada e, com
ela, a formação estética, da emoção, da memória, da identidade e da cultura.
Percebemos, também, que muitos são desafios na análise dos discursos desses
professores para a compreensão de suas concepções, muitas vezes dificultadas pela falta
clareza e coerência nas afirmações trazidas por eles.
Falar do desconhecido torna-se complexo, desafiante e muitas vezes perigoso. As
informações coletadas são passíveis de outros estudos e de outras reflexões. Aqui não são
defendidas verdades soberanas.
144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nunca olhamos para uma coisa apenas,
estamos sempre olhando para a relação entre as coisas
e nós mesmos.
John Berger
Ao assumirmos como objetivo de estudo a arte-educação e a espiritualidade, assim
como as possibilidades de vivências transdisciplinares pela leitura de imagem, percorremos
caminhos que nos permitiram conhecer desde os processos de ensino da arte nas escolas, até
as concepções de espiritualidade presentes dentre os professores.
Essa pesquisa partiu das minhas próprias indagações sobre o tema, e acreditando que
encontraria respostas, apenas me deparei com novas indagações, novas expectativas sobre o
mundo e sobre mim mesma.
A artista Frida Kahlo (1997)
33
, em suas cartas apaixonadas, expressa um pouco do que
esta pesquisa significou e significa para mim:
Uma vez que meus temas sempre foram minhas sensações, meus estados de
espírito e as reações profundas que a vida tem causado dentro de mim,
muitas vezes materializei tudo isso em retratos de mim mesma, que eram a
coisa mais sincera e real que eu podia fazer para expressar o que sentia a
meu respeito e a respeito do que eu tinha diante de mim.
Podemos perceber, através do estudo bibliográfico e das entrevistas realizadas, que a
idéia central da espiritualidade na educação ainda é, de certa forma, muito frágil por
encontrar-se diretamente ligada à prática religiosa. Essa visão pode ter influência negativa e
ocasionar conflitos na escola porque lá estão presentes alunos de diferentes práticas religiosas.
A religiosidade diz respeito à escolha que fazemos para nos aproximarmos do Deus
que escolhemos dentro de nossas crenças e formações; faz parte de nosso processo cultural. A
espiritualidade é nossa conduta no caminhar do bem e da ética, é nosso estado de consciência
capaz de relacionar-se com “algo superior”, auxiliando-nos uns aos outros,
independentemente da crença de cada um.
No entanto, sabemos que a prática da espiritualidade vinculada à educação na escola
precisaria ter papel diferenciado, qual seja o de promover o bem estar e a solidariedade, o
33
O livro “Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo”, da Editora José Olympio- Rio de Janeiro, 1997, é uma
compilação feita pela escritora Martha Zamora. As cartas escritas pela artista mexicana durante a sua vida,
revelam a exteriorização de seus fortes sentimentos e de sua maneira destemida de viver.
145
viver, sentir, interpretar e expressar a sua realidade de vida. Solidariedade e relacionamento
com harmonia são caminhos para se atingir a vida espiritual.
As interfaces entre espiritualidade e educação são reflexões ainda novas, porém em
crescimento. A dimensão espiritual, como parte integrante do ser, precisa ser diferenciada do
aspecto religioso e precisa ser estudada através de reflexões em que sua especificidade seja
levada em consideração. Muitos são os fatores que justificam a ausência da espiritualidade em
educação, mas, sem dúvida alguma, o desconhecimento da dimensão espiritual do educando é
ainda o fator imperioso. Outro aspecto que pode ser notado é que o tema em questão provoca
questionamentos pessoais com relação às bases religiosas, concepções de ser humano e de
sentido de vida, gerando conflitos internos.
As reflexões das entrevistas semi-estruturadas constataram que os professores
acreditam ser possível vivenciar a espiritualidade pela leitura de imagem via abordagem
transdisciplinar. Porém, seus discursos evidenciam a fragilidade de fundamentação teórica.
Wolman (2002) afirma que mesmo aqueles que proclamam posições desfavoráveis a
qualquer coisa espiritual, podem, com um pouco de estímulo, começar a perceber a sua
própria espiritualidade. O estímulo, nesse caso, é a arte, a imagem. O educador pode, através
da leitura da imagem em arte, propiciar momentos de interiorização, reflexão e partilha acerca
dos significados que a imagem carrega.
Ainda, Wolman (2002) expressa que a percepção do nosso próprio comportamento ou
experiência interior e a empatia com as experiências de outras pessoas são cruciais para a vida
diária, podendo criar a possibilidade de diálogo sobre preocupações e crenças pessoais,
difíceis de serem discutidas.
O encantamento com a imagem, a escuta, a troca de experiências sobre a vivência de
sua leitura, podem fazer florescer abundantes significados e significantes que ultrapassam a
simples relação dos aspectos formais. Torna-se imperioso, nesse sentido, um olhar sensível,
acurado, curioso, inquietante, que através da falta de sossego, atribui significado, um olhar
que durante grande período da história nos foi negado, porque carrega em si uma realidade
complexa, subjetiva, a marca de quem olha. Facilitar a educação do olhar para enxergarmos a
nós mesmos, além das dimensões sócio-culturais é nosso desafio como professores de arte.
A experiência estética torna-se imprescindível àqueles que almejam ressignificar a
educação e o mundo, pois permite que o ser humano aprenda uma nova percepção do todo a
sua volta. Duarte Júnior (1995) afirma que na experiência estética retornamos àquela
percepção condicionada pela discursividade da linguagem; retornamos à uma primitiva e
mágica visão do mundo, e pela arte, o homem explora aquela região anterior ao pensamento,
146
onde se seu encontro primeiro com o mundo. É na experiência estética, segundo Duarte
Júnior (1995), que experienciamos a beleza e somos “convidados” a adentrar no mundo do
sensível.
Ormezzano (2001) assegura que a educação estética propõe um modo de
conhecimento capaz de ajudar a reduzir a dicotomia entre razão e imaginário, integrando a
emoção, a aparência, os sentidos, provocando uma sinergia entre o pensar e o sentir.
Pareyson (1997) dizia que a arte age na vida, portanto, nada pode ser mais humano
que a arte, nada pode ser mais transdisciplinar. A arte é uma expressão da beleza humana, uma
expressão da alma, é uma experiência espiritual. E a experiência espiritual caracteriza-se pela
sensação de que corpo e mente estão vivos numa unidade, e que essa unidade também está
ligada a toda teia da vida.
Por isso, não há uma educação completa, integral, sem uma educação estética.
Nenhuma outra linguagem pode substituir a arte, nem sua especificidade no mundo sensível,
no mundo das imagens, estimuladora dos sentidos. Ela é capaz de mexer com o que de
mais íntimo em nosso ser: a espiritualidade. A espiritualidade tem sua mais profunda
revelação no cotidiano, na maneira como agimos com os outros, ou ainda pelas formas como
sentimos e o que fazemos como significado.
No dia-a-dia, entende-se espiritualidade como a atitude de deixar-se interpelar pelas
indagações do coração, pelos acontecimentos, pela abertura ao outro. É reconhecer que não
estamos no universo, mas pertencemos a ele, e essa percepção pode dar profundo significado
e sentido a nossas vidas.
Espiritualidade não é sinônimo de passividade, não se restringe à atitude inerte de
parar, silenciar e contemplar. Parar e silenciar são condições para que se estabeleça um
diálogo ativo consigo mesmo, com os outros, com o transcendente.
A espiritualidade não deixa de ser uma vivência pessoal, mas segundo Maturana
(2004), o ato de relatar uma experiência diante de uma audiência adequada pode ser algo
cativante e sedutor, pois evoca um emocionar congruente em quem escuta casos em que
ocorre a sedução.
Torna-se mister viabilizar, através da educação, um olhar mais apurado à interioridade
humana, uma vez que após investir no buscar fora de si as respostas, o ser humano avançou
em conhecimento e tecnologia, mas não conseguiu com a mesma intensidade dar sentido e
significado à sua vida.
Esse retorno à interioridade humana, à si mesmo, é preciso para que possamos ver o
outro e a partir do outro compreender a si mesmo. Bies (2002) enuncia que ao entrar em
147
consonância consigo mesmo é possível colocar-se em consonância com o outro. Bonder
(2001) completa enunciando que todo convencimento ou busca de conversão do outro é um
ato de ignorância espiritual. O sentido de ouvir a nossa voz interior por meio da vivência
transdisciplinar da espiritualidade pode, através da leitura, manifestar nossa essência criadora.
Catanante (2000) fala que é preciso compreender que todo ser humano é um ser
integral, com características sociais, emocionais, espirituais com presença na formação como
ser integral. A autora afirma que, se bem desenvolvidas todas as características humanas,
podemos atuar de modo equilibrado na vida, com alma, coração, razão em todas as situações:
no trabalho, na vida pessoal e na comunidade em que se vive.
Uma busca pela espiritualidade e pela integralidade do ser é destacada por Boff (2004,
p. 25): “buscamos hoje ansiosamente uma espiritualidade simples e sólida, baseada na
percepção do mistério do universo e do ser humano, na ética da responsabilidade, da
solidariedade e da compaixão fundada no cuidado”.
Uma proposta que surge como desafio para nós professores, o de inserirmos na escola
a visão de um ser humano integral, complexo e dinâmico, sem excluir do contexto em que
está inserido o educando, considera a visão do conjunto, escola, família, sociedade, crenças e
valores, sempre dispostos a aprender uns com os outros.
A educação, sob este enfoque complexo, não se torna sinônimo de escola, não se reduz
a níveis de ensino e aos condicionamentos curriculares e de métodos repetitivos e mecânicos.
Uma educação que produza uma cultura humanística do saber que se encontra no SER, que
garanta a dúvida, a pergunta, o questionar de si e do mundo.
Questionar, inovar e viver melhor! Eis um desafio proposto por Strieder (2004, p. 336)
para uma educação, cuja:
[...] riqueza maior está na construção criativa de novos valores, de novas
visões de mundo, de novos e mais conhecimentos que oportunizam
momentos prazerosos e de gratidão por estar vivo. A vida implica numa
criação permanente do novo, redimensionando os fenômenos vivos. As
experiências de aprendizagem são oportunidades únicas que tem o ser
humano de mergulhar em águas profundas e participar da grande aventura
humana de produzir conhecimento. Aí sim, podemos regozijar-nos com uma
aprendizagem como a integradora de todo o conjunto de expressões da
interatividade humana.
A espiritualidade surge como pilar, pois é ela quem vai dar sustentação a humanização
da educação. Não espiritualidade sem humanização. Impõe-se uma revolução espiritual
como exigência da sensibilidade atual e da gravidade dos problemas que vivemos (BOFF,
148
1993). A dimensão espiritual torna-se importante para formação do ser, para humanização e
constitui parte inseparável da transdisciplinaridade.
Pensamos que a arte, através de um exercício transdisciplinar de leitura de imagem,
pode se constituir como um caminhar para a compreensão dessa dimensão humana. Fischer
(1987) ainda contribui dizendo que a arte pode elevar o ser humano de um estado de
fragmentação, a um estado de ser íntegro, total, capacitado para compreender sua realidade a
fim de transformá-la.
Ormezzano (2002, p. 93) assevera a necessidade de “uma educação que transforme o
ser-individual em ser-total, pleno de senso de humanidade, e com uma percepção de
interdependência, na qual acredita que a arte tenha um importante papel”.
Como educadores, gestores, comunidade escolar como um todo, precisamos
compreender que o conhecimento é produzido por processos constantes de rupturas, crises,
avanços e até retrocessos, e que ninguém é possuidor de verdades absolutas. É preciso cultivar
um espírito de trans-relação, trans-ajuda que se caracteriza pela transdisciplinaridade, pelo
reconhecer que minha disciplina isolada não dará conta de fornecer as inúmeras respostas
necessárias.
Uma educação com base nos princípios da ação transdisciplinar, do conhecimento, do
funcionamento da mente, das trocas e das relações, da abertura cognitiva, da interação e das
incertezas, supõe que aquilo que podemos ser indica o movimento de repensar quem somos.
Acreditamos que uma educação transdisciplinar implica um recomeço, um constante
refletir sobre nós mesmos, sobre o outro e sobre a vida. Além de acreditarmos que não se
pode falar em transdisciplinaridade se o componente espiritual não for considerado de fato.
Trazemos, também, Sullivan (2004), para contribuir nessa visão transformadora da
educação. É preciso ter claro que ela envolverá uma diversidade de elementos e de
movimentos da educação contemporânea. Vive-se um período da história em que há violentos
processos de mudança que nos desafiam em todos os planos. Nossa responsabilidade é
estarmos totalmente envolvidos por esta transformação e termos influência na direção que ela
vai tomar. Temos a responsabilidade de cuidar de nosso planeta e lembrar que todos os
empreendimentos educacionais precisam ser julgados de acordo com a magnitude desta tarefa
da educação. É nossa responsabilidade educar para sobreviver, para criticar e para criar.
Precisamos de processos de conhecimento que não sejam estáticos, e sim abertos ao
novo, ao resgate da coletividade. Contudo, compreendemos que tais processos não são
facilmente constituídos, pois encontram dificuldades frente à fragilidade da formação. Se a
educação é possível é porque acreditamos nela e na possibilidade de redescobri-la. No mundo
149
que tanto espera da educação, nossas convicções podem “mexer” com o que está no fundo, o
que está parado. Que a vivência da espiritualidade nos processos educativos possa mexer e
provocar mudanças significativas no interior das pessoas envolvidas com a educação. Que
sejamos portadores da inquietude e nunca de respostas. Que a palavra educação possa ser
transformada na busca da totalidade, de ser inteiro: físico, emocional, social e espiritual.
Quem sabe um esforço de mexer com a vida...
Acontece algumas vezes que não achamos
bom o chá. Descobre-se a causa quando se
chega ao fundo da xícara: era o açúcar.
Não estava faltando, mas estava no fundo.
Teria sido necessário mexer. Talvez o que
esteja faltando à nossa vida também tenha
+ficado no fundo. Nossa vida talvez não
tenha sabor porque não temos a coragem de
ir ao fundo das coisas ou porque não queremos.
O progresso nos cumula de seus benefícios
e nos permite viver em incrível conforto. E,
no entanto, nossa civilização tem um gosto
estranho... Fazemos caretas como ao tomar
chá sem açúcar. Precisaríamos fazer o esforço
de mexer a vida, de tocar nos segredos
de Deus em nós.
(Philippe Zeissig)
150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, R. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. São Paulo: Loyola, 1999.
ARROYO, M. G. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. 2. ed.,
Petrópolis: Vozes, 2005.
ASSMANN, H. e SUNG, J. M. Espiritualidade solidária e beleza. Grande Sinal, Petrópolis,
v. 48, n. 2, p. 133-145, mar. 1994.
___________. Metáforas novas para reencantar a educação. Piracicaba: UNIMEP, 1996.
___________. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes,
1998.
___________. Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 2001.
AUMONT, J. A Imagem. Campinas: Editora Papirus, 1993.
BARBIER, R. A escuta sensível na Educação. Cadernos ANPED. Porto Alegre: N. 05, Set.,
p. 187-216, 1993.
BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo, SP: Perspectiva S.A 2002(a).
___________. Arte/Educação e mediação. In: KEHRWALD, Maria Isabel Petry,
SILVEIRA, Elusa (org). Anais do 20º Seminário Nacional de Arte e Educação.
Montenegro: FUNDARTE, 2006.
___________. Arte-Educação no Brasil. São Paulo: Perspectiva S.A 1978.
___________. Arte-educação: conflitos/acertos. São Paulo: Max Limonad, 1985.
___________. Inquietações e Mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002(b).
BARROS, L. F. As dificuldades científicas do entendimento da espiritualidade.(2003)
Disponível em: HTTP://www.hottopos.com/rih6/ferri.htm
BATTISTONI FILHO, D. Pequena história da arte. Campinas: Papirus, 1984.
BERGER, P. Rumor de Anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural.
Petrópolis: Vozes, 1997.
BOFF, L. Ecologia, Mundialização, Espiritualidade: a emergência de um novo
paradigma. São Paulo: Ática, 1993.
___________.Espiritualidade: um caminho de transformação. São Paulo: Sextante, 2001.
___________.Nova era: a civilização planetária; desafios à sociedade e ao cristianismo.
São Paulo: Ática, 1994.
151
___________. Tempo de transcendência. O Ser Humano como um Projeto Infinito. Rio de
Janeiro: Sextante, 2000.
BONDER N. Fronteiras da inteligência: a sabedoria da espiritualidade. . ed. Rio de
Janeiro: Campus; 2001.
BRANDÃO, D. M. s. & CREMA, R (Orgs.). Visão holística em Psicologia e Educação. São
Paulo: Summus, 1991.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997.
BUORO, A. B. Olhos que Pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo:
Educ; Fapesp e Cortez, 2002.
CAFIEIRO
,
D. Leitura como processo: caderno do formador. Belo Horizonte:
CEALE/FaE/UFMG, 2005. Coleção Alfabetização e Letramento.
CAPRA, F. Sabedoria incomum. São Paulo: Cultrix, 2005.
___________. As conexões ocultas: Ciência para uma vida sustentável. São
Paulo:Cultrix,2001.
___________. A Teia da Vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São
Paulo: Cultrix, 2003.
___________.O Ponto de Mutação: A Ciência, a Sociedade e a Cultura emergente. São
Paulo: Cultrix, 1982.
___________.O Tão da Física: Um paralelo entre a física moderna e o misticismo
oriental. São Paulo: Cultrix, 2002.
___________. A canção da inteireza: uma visão holística da educação. São Paulo:
Summus, 1995.
CAPRA, F. & STEINDL-RAST, David. Pertencendo ao universo: Exploração nas
fronteiras da ciência e da espiritualidade. São Paulo: Cultrix, 1991.
CARDOSO, S. O olhar dos viajantes, O olhar. São Paulo: Ed. CIA das Letras, 1988.
CASALDALIGA, P. Nossa espiritualidade. São Paulo: Paulus, 1998.
CATANANTE, B. Gestão do ser integral: como integrar alma, coração e razão no trabalho e
na vida. São Paulo: Infinito, 2000.
CHAUÍ, M. Janela da Alma, Espelho do Mundo. In: NOVAES, A. (org.). O Olhar. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988.
COELHO, N. N. Literatura infantil: Teoria Análise Didática. São Paulo: Moderna,
2000.
COSTA, C Questões de arte: o belo, a percepção estética e o fazer artístico. São Paulo:
Moderna, 2004.
152
CREMA, R. Além das disciplinas: reflexões sobre transdisciplinaridade geral. In: WEIL,P. (et
alii). Rumo à nova transdisciplinaridade: sistemas abertos de conhecimento.São Paulo:
Summus, 1993.
___________. Antigos e novos terapeutas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
___________.Introdução à visão holística: breve relato de viagem do velho ao novo
paradigma. São Paulo: Summus, 1989.
D´AMBROSIO, U. A era da consciência. São Paulo: Editora Fundação Petrópolis, 1997.
___________. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1998.
___________. Uma visão transdisciplinar de valores. Pátio Revista Pedagógica. Porto
Alegre, n. 13, p. 16-20, mai-jul. 2000.
DELEUZE, G e GUATTARI, F. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. São Paulo,
Editora 34, 1992.
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez Ed. e MEC, 1999.
DUARTE JR., J. F. Fundamentos estéticos da educação. Campinas: Papirus, 1995.
___________. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar, 2004.
___________. Porque Arte-Educação? Campinas, SP: Papirus, 1983.
DUPRÉ, L. & SALIERS, D. E. Christian Spirituality. World Spirituality, vol 18. New
York: Crossroad Publishing Company, 1989.
ECO, H. A definição da Arte. Lisboa: Martins Fontes, 1992.
___________. Tratado de Semiótica Geral. São Paulo: Perspectiva, 1986.
ESPÍRITO SANTO, R. C. C. O renascimento do sagrado na educação. Campinas: Papirus,
1998.
ESPÍRITO SANTO, R. C. C. Pedagogia da transgressão. Campinas: Papirus, 1996.
FAZENDA, I. C. A. (org.). 1998. Didática e Interdisciplinaridade. Campinas, São Paulo:
Papirus, 1998. p.192.
FIORES, S. de. Dicionário de Espiritualidade. São Paulo, Editora Paulus, 1993.
FISCHER E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
FOUCAULT, M. A arqueologia do Saber. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2005.
FRANKL, V. E. Sede de sentido. São Paulo: Quadrante, 2003.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2003.
153
___________.A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 38.ed. São
Paulo: Cortez, 1999.
___________.Da leitura da palavra à leitura de mundo. Campinas: Paz e Terra, 1982
___________. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra, 1981.
FURTADO, J. L. A estetização do cotidiano e a realização da arte. In: DUARTE,R [et al.].
Kátharsis: reflexões de um conceito estético. Belo Horizonte: C/Arte, 2002.
FUSARI, M. F. R& FERRAZ, M. H. C. T. Arte na Educação Escolar. São Paulo: Cortez,
1992.
___________. Metodologia do ensino da arte. São Paulo: Cortez, 1993.
GADOTTI, M. O projeto político-pedagógico da escola ( na perspectiva de uma educação
para a cidadania). Revista de educação, ciência e cultura. Canoas, Centro Educacional La
Salle de Ensino Superior, v.1, n.2, p. 33-41. Primavera de 1996.
GATTI, B. A. et al. Identidade Profissional de professores: um referencial para pesquisa. In:
Mostra de Pesquisa em Educação, 4, PUC, SP, 2006. 1 CD-Rom.
GATTI, B. A. Pós-modernidade, educação e pesquisa: confrontos e dilemas no início de
um novo século. Psicologia da educação. [online]. 2005. Vol.20.
GIMENO SACRISTÁN, J. A educação que ainda é possível: ensaios sobre uma cultura
para a educação. Porto Alegre: Artmed, 2007.
GOUVÊA, A. de P. Sol da Terra. São Paulo: Summus, 1989.
GROF, S. A. A aventura da autodescoberta. São Paulo: Summus, 1997.
GUATTARI. F. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro, 1992.
GUDSDORF, G. Passado, presente, futuro da pesquisa transdisciplinar. Revista Tempo
Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 121, abr./jun. 1995.
GUERREIRO, Lauriano Borgado. Educação e Espiritualidade: um estudo do paradigma
emergente. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. São Bernardo: UMESP, 2004
HERNANDEZ, F. Cultura visual,mudança educativa e projeto de trabalho. Porto alegre:
Artmed,2000.
JAPIASSÚ, H. A crise da razão e do saber objetivo: as ondas do irracional. São Paulo:
Letras e Letras, 1996.
JUNG, C G. Cartas. Vol. 2: 1946-1955. Editora Vozes, 2002
KAHLO, F. (compilação de Marta Zamora). As cartas apaixonadas de Frida Kahlo, Rio de
Janeiro:Ed.José Olympio, 1997
154
KEHRWALD, I. P. Ler e escrever em artes visuais. In: NEVES, Iara Conceição Bitencourt
et al. (Orgs.). Ler e escrever compromisso de todas as áreas. ed. Porto Alegre: Editora
UFRGS, 2006.
KIVITZ, E. R. Espiritualidade no mundo corporativo: Aproximações entre prática religiosa
e mundo profissional. Dissertação em Ciências da Religião, São Bernardo: UMESP, 2007
KOHATSU, L. N. Estudo sobre a expressão de alunos e ex-alunos de uma escola especial
através da fotografia. 1999. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo,
1999.
KRISHNAMURTI, J. A educação e o significado da vida. São Paulo: Cultrix, 1980.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas.São Paulo: Perspectiva, 1992.
LANZ, R. Noções básicas de antroposofia. São Paulo: Associação Pedagógica Rudolf
Steiner, 1978.
LARROSA, J. A experiência da leitura. México: Fondo de Cultura Econômica, 2003.
LARROSA, J. e LARA, N. P. Imagens do outro. Petrópolis: Vozes, 1998.
LITTO, F. M. e MELLO, M. F. A evolução transdisciplinar na educação: contribuindo
para o desenvolvimento sustentável da sociedade e do ser humano. (Resumo do Projeto).
In: UNESCO. USP. Educação e transdisciplinaridade. Brasília, UNESCO, USP/Escola do
Futuro, 2000. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127511
por.pdf> Acessado em: 06.dez.2008.
LUDKE, M. e ANDRÉ M. E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São
Paulo: EPU, 1986.
LUPASCO, S. O Homem e a Obra. São Paulo: Editora Triom, 2001.
MAFFESOLI, M. A contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.
___________. Elogios da razão sensível.. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
___________. O imaginário é uma realidade. Revista FAMECOS mídia, cultura e
tecnologia, nº 15, agosto 2001.
MANGUEL, A. Uma história da leitura. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
___________. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
MARTINS, M. C. e PICOSQUE, G. e GUERRA, M. T. T. (Org).Mediação: provocações
estéticas. Universidade Estadual Paulista Instituto de Artes- Pós-graduação.São Paulo, v.1,
n.1, outubro 2005.
___________. Didática do Ensino de Arte – A Língua do Mundo. São Paulo, FTD, 1998.
155
MATURANA, R. H. Transdisciplinaridade e Cognição. In: NICOLESCU, B. et. al.
Educação e Transdisciplinaridade. Brasília: Edições UNESCO Brasil, 2000.
___________. A Ontologia da Realidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.
___________. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
___________. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1998.
MEIRA, M. Educação estética, arte e cultura do cotidiano. In: PILLAR, A. (Org.). A
educação do olhar no ensino das artes. 2.ed. Porto Alegre: Mediação, 2001
___________. Filosofia da criação: reflexões sobre o sentido do sensível. Porto Alegre:
Mediação, 2003.
MEIRIEU P. G. An emerging paradigm for the investigation of spirituality in nursing.
Res Nurs Health 1992.
MERTON, T. A experiência interior. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
MINAYO, M.C.S. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes,
1998.
___________. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São Paulo:
Hucitec,2000.
MIRZOEFF, N. Una introducción a la cultura visual. Barcelona: Paidós, 2003.
MORAES, M. C. Educar na biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes, 2003.
___________. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.
MORAIS, R. Espiritualidade e Educação. Campinas: Centro Espírita “Allan Kardec”
Depto. Editorial, 2002.
___________. Stress existencial e sentido da vida. São Paulo: Loyola,1997
MORAN, J. M. A escola do amanhã: desafio do presente. Educação, meios de
comunicação e conhecimento. Revista Tecnologia Educacional - vol.22. Jul/Out 1993. p. 28-
34.
MORIN, E. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2002.
___________. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
___________.Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
___________. Complexidade e Transdisciplinaridade: a reforma da universidade e do
ensino fundamental. Natal, EDUFRN, 1999.
156
___________. Introdução ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Sulina, 2006.
___________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. SãoPaulo: Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2000.
MOSQUERA, J. J. Psicologia da arte. Porto Alegre: Sulina, 1973.
NICOLESCU, B. Em busca de uma evolução transdisciplinar para a universidade. In:
Congresso Internacional Que Universidade para o Amanhã?, 1997, Locarno. Anais
eletrônicos: Locarno: Congresso Internacional Que Universidade para o Amanhã, 1997.
Disponível em: <www. cetrans.futuro.usp.br>. Acesso em: maio, 2009.
___________. Fundamentos Metodológicos para o estudo Transcultural e Transreligioso
In: CETRANS. Educação e Transdisciplinaridade II. São Paulo: Triom, 2002.
___________. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.
___________. Um novo tipo de conhecimento Transdisciplinaridade. In: CETRANS.
Educação e Transdisciplinaridade. Brasília: UNESCO, 2000.
OLIVEIRA, R. S. R. e. Imagem também se lê . São Paulo: Edições Rosari, 2005.
___________. Leitura de imagem para a Educação. Tese de doutorado PUC. São Paulo
1998.
ORLANDI, E. P. Análise do Discurso: princípios & procedimentos. São Paulo: Pontes,
2002.
___________. Discurso e leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.
ORMEZZANO, G e TORRES, M. C. Cosmovisão Espiritualista em pesquisa educacional.
Revista Roteiro. Joaçaba.v.27,n.1, p.51-59 jun./jun.2002
___________. Máscaras e melodias: duas visões: em arte e educação. São Miguel do Oeste:
Arco Íris, 2002.
___________. Cultura, consumo e estereótipos: significações de estudantes do curso de
educação artística. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, v. 1, n. 32, 2007.
ORMEZZANO, G. Imaginário e educação: entre o homo symbolicum e o homo
estheticus. Tese de Doutorado em Educação, Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS, 2001.
PAREYSON, L. Os Problemas da Estética. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
PAUL, P. Transdisciplinaridade e Antropoformação: sua importância nas pesquisas em
saúde. Revista Saúde e Sociedade v.14, n.3, p.72-92, set-dez 2005.
Disponível:<http://apsp.org.br/saudesociedade/XIV_3/artigo%202_revista%2014.3.pdf>
Acessado em:07.fev.2009.
157
PAZZOLA, A. A espiritualidade como base para a resiliência. Monografia apresentada à
Universidade Católica de Pernambuco UNICAP e Instituto LIBERTAS Consultoria e
Treinamento.Pernambuco, 2002.
PENTEADO NETO, O. Vida, Valor, Arte, Volume I. São Paulo: Perspectiva, 1988.
PIAGET, J. Para onde vai a Educação? Rio de Janeiro: Olympo, 1973.
POZATTI, M. L. A busca da inteireza do ser: formulações imagéticas para uma
abordagem transdisciplinar e holística em saúde e educação. 2003.Tese de doutorado.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003
PROENÇA, G. História da Arte. São Paulo: Editora Ática, 16 ª edição, 2004
REALE G. Corpo, alma e saúde: o conceito de homem de Homero a Platão. São Paulo:
Paulus; 2002.
REIS, Sandra Loureiro de Freitas. Educação artística: introdução à história da arte. 2. ed.
Belo Horizonte: UFMG, 1993.
RESTREPO, L. C. O direito à ternura. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
SANTA CATARINA. Secretaria do Estado da Educação. Proposta Curricular.Florianópolis,
No 1,1989
SANTAELLA, L. e NÖTH, W. A Semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1999
___________. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras,2001.
___________. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo:Annablume, 1998.
SANTOS NETO, E. dos. Educação e complexidade. São Paulo: Salesiana, 2002.
___________. Por uma educação transpessoal: A ação pedagógica e o pensamento de
Stanislav Grof. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.
SANTOS, A. e LIBÂNEO, J. C. Educação na era do conhecimento em rede e
transdisciplinaridade. Campinas: Alínea, 2005
SANTOS, B. de S. Um discurso sobre as ciências. Porto, Afrontamento, 1996.
SANTOS, B. de S. e MENDER, M. P. G. e NUNES, J.A. Introdução Para ampliar o
cânone da ciência: a diversidade epistemológica do mundo. In: ______. (org.). Semear
outras soluções Os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005.
SCHAEFFER, A. Inteligência espiritual ampliada e prática docente bem sucedida: uma
tessitura que revela outros rumos para a educação. Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: 2003.
SECONDIN, Bruno. Espiritualidade em diálogo. São Paulo: Paulinas, 2002.
158
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo:Cortez, 2002.
SITYA, C. V. M. A lingüística textual e a análise do discurso: uma abordagem indisciplinar.
Frederico Westphalen, RS: Ed. da URI, 1995.
SOARES, L. E. Religioso por natureza: cultura alternativa e misticismo ecológico no
Brasil. In: O rigor da indisciplina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
SOLOMON, R. C. Espiritualidade para céticos: paixão, verdade cósmica e racionalidade no
século XXI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
STEINDL-RAST, D. e CAPRA, F. Pertencendo ao Universo. Explorações nas fronteiras
da ciência e da espiritualidade. São Paulo: Cultrix, 1991.
STRIEDER, R. Educar para iniciativa e solidariedade. 2ª ed.Ijuí- Ed. Unijuí, 2004.
SULLIVAN, E. O. Aprendizagem transformadora: Uma visão educacional para o século
XXI. São Paulo: Cortez, 2004.
SUNG, J. M. Educar para reencantar a vida. Petrópolis: Vozes, 2006.
TEIXEIRA, F. O potencial libertador da espiritualidade e da experiência religiosa.
Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.
TOLSTOI, L. O que é arte? São Paulo: Ediouro, 2002.
TREVISOL, J. O reencantamento humano: processos de ampliação de consciência na
educação. São Paulo: Paulinas, 2003.
TRIVIÑOS, A N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
educação: 1.ed. São Paulo: Atlas, 1987.
UNGER, N. M. O Encantamento do Humano: Ecologia e Espiritualidade. Rio de Janeiro:
Edições Loyola, 2000.
VASCONCELOS, F. A. Espiritualidade no ambiente do trabalho. São Paulo:Atlas, 2008.
WEIL, P. A arte de viver em paz: por uma nova consciência e educação. São Paulo: Gente,
1993.
___________.A Mudança do Sentido e o Sentido da Mudança. Rio de Janeiro: Editora
Rosa dos Ventos, 1999.
WEIL, P. et. ali. Rumo à transdisciplinaridade: sistemas abertos de conhecimento. São
Paulo: Summus, 1993.
WEIL, P. A patologia da normalidade. Campinas: Verus, 2003.
WILBER, K. Psicologia integral. São Paulo: Cultrix,2002.
WOLMAN, R. N. Inteligência espiritual. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
YUS, R. Educação integral: uma educação holística para o Século XXI. Porto Alegre:
159
Artmed, 2002.
___________. Temas transversais: em busca de uma nova escola. Porto Alegre: ArtMed,
1998.
ZABALA, A. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o
currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.
ZOHAR D. e MARSHALL, I. QS: Inteligência Espiritual. Rio de Janeiro: Record, 2002.
160
APÊNDICE A - ROTEIRO DA ENTREVISTA
UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
PESQUISADORA: DANIELA RADEL BORTOLI PATRZYKOT
ORIENTADOR: PROFº. DRº. ROQUE STRIEDER
Instrumento de pesquisa para professores de arte – questionário de entrevista semi-
estruturado
1 Dados do (a) educador(a)
Identificação
1.1 nome______________________________________________________
1.2 data de nasc..____/____/______ Cidade _____________________UF ___
1.3 sexo: ( ) fem. ( ) masc.
2 Dados profissionais
Formação
( ) graduação
( ) pós graduação/ especialização
( ) mestrado
( ) doutorado
( ) outros_____________________________________________________
3 Tempo de atuação na área:__________________________________
4 Rede de atuação:
( ) pública ( ) estadual ( ) municipal ( ) federal
( ) privada
5 Níveis de atuação
( ) educação infantil ( ) ensino fundamental
( ) ensino médio ( ) ensino profissionalizante
( ) ensino superior
( ) outros: _______________________________
6 Jornada de trabalho ( em nº de horas semanais)
7 O que é ser arte-educador?
8 Você desenvolve suas aulas baseadas:
( ) na concepção de livre expressão
( ) desenvolvendo atividades e técnicas
( ) de acordo com a metodologia triangular
( ) aliando diferentes linguagens
( ) outros
161
Justifique e explique sua(s) escolha(s) na resposta acima
9 Certamente você trabalha a leitura de imagem com seus alunos. Que saberes, na sua
concepção, precisam fundamentar o exercício da leitura de imagem?
10 Com que freqüência realiza a leitura de imagem e que estratégia utiliza?
11 Um dos princípios da transdisciplinaridade é o reconhecimento da dinâmica nas “coisas”.
Pode essa abordagem transdisciplinar, contribuir para melhorar o exercício da leitura de
imagem?
12 Em sua prática pedagógica, você costuma conversar com outros professores para integrar
conteúdos e perceber temas comuns?
13 A leitura de imagem, possibilita a formação de identidades individuais e sociais?
14 O que você concebe como espiritualidade?
15 É possível, no exercício da leitura de imagem, desenvolver reflexões que possibilitam
vivenciar a espiritualidade? Como?
Data : ________/_________/_______.
Assinatura:_____________________.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo