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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
ARQUITETURA
E VIAGENS
DE FORMAÇÃO
PELO BRASIL
1938-1962
JOÃO CLARK DE ABREU SODRÉ | 2010
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JOÃO CLARK DE ABREU SOD
ARQUITETURA E VIAGENS
DE FORMAÇÃO PELO BRASIL
1938-1962
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo como requisito para a obtenção do
título de mestre
Área de concentração
História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo
Orientador
Prof. Dr. José Tavares Correia de Lira
São Paulo | 2010
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrônico, para ns de estudo e pesquisa, desde que citada a
fonte.
E-mail: joaocas@usp.br
Sodré, João Clark de Abreu
S679a Arquitetura e viagens de formação pelo Brasil (1938-1962) /
João Clark de Abreu Sodré. --São Paulo, 2010.
226 p. : il.
Dissertação (Mestrado - Área de Concentração: História e
Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - FAUUSP.
Orientador: José Tavares Correia de Lira
1.Arquitetura 2.Viagens 3.Folclore (Aspectos culturais)
4.Grêmio estudantil - FAUUSP 5.Saia, Luiz, 1911-1975
6.FAUUSP I.Título
CDU 72
Para Luiza, Marcia e Carlos Roberto.
E principalmente para Juliana, companheira de todas as viagens.
4
5
AGRADECIMENTOS
a FAPESP, pela concessão da bolsa que tornou possível a realização da pesquisa, bem como ao
seu parecerista pelos comentários oportunos;
ao José Lira, orientador certeiro, pela amizade e pela confiança depositada nesses anos de con-
vívio e que muito contribuiu para que o trabalho chegasse a um bom termo;
aos membros a banca de qualificação Silvana Rubino e Fernanda Fernandes, pela leitura do tra-
balho e sugestões, na medida do possível, incorporadas na redação final da dissertação;
aos ex-alunos da FAU-USP, por compartilharem parte de suas memórias: Antonio Carlos Alves
de Carvalho (in memoriam), Clementina de Ambrosis, Hélio Pasta, Plínio Venanzi, Roberto Pinto
Monteiro, Romeu Solferini Neto, Thereza Katinsky de Katina e Pielesz, Wilson Rodrigues de
Moraes; Domingos Theodoro Azevedo Netto, Flavio Villaça, Gustavo Neves Rocha Filho, Jon A. V.
Maitrejean, José Claudio Gomes; Armando Rebollo, Raphael Gendler; Edoardo Rosso, Francisco
Torres, Nestor Goulart Reis Filho, Rosa Grena Kliass; Aran Martinho, João Walter Toscano,
Julio Roberto Katinsky; Ubyrajara Gonsalves Gilioli; Geraldo Vespaziano Puntoni, João Baptista
Xavier, José Carlos Bellucci; Benedito Lima de Toledo;
aos funcionários da Centro Cultural São Paulo, especialmente Vera Cardim e Aurélio Silva, pela
disponibilidade em atender minhas solicitações referentes à Missão de Pesquisas Folclóricas;
aos funcionários da Biblioteca da FAU-USP, especialmente Dina, Regina, Rejane e Neusa;
aos funcionários da Secretaria da FAU-Maranhão, especialmente Isa;
a Camila D’Ottaviano, pela generosidade em fornecer materiais de sua iniciação científica;
a Sophia Telles, pela leitura atenta do projeto inicial e suas cuidadosas recomendações;
aos amigos Catherine Otondo, Ciro Ghellere, Diego Matos, Gaú Manzi, João Yamamoto, Jo
Paulo Gouvêa, Mariana Bernd, Marianna Boghosian, Paula Dedecca, Rafael Murolo, Sabrina
Fontenele, Santiago dÁvila, Seyey Cunioci e nia Caliari, pelas diversas contribuões ao
longo da pesquisa, cada qual a sua maneira;
ao grupo de orientandos do : Diego BIS, Clévio Rabelo, Mariana Guardani, Luiza Amoroso e
Nana Maiolini, pelas leituras realizadas ao longo do trabalho e discussões da pesquisa;
ao Alvaro Puntoni, pelo aprendizado diário e pela compreensão de minha ausência no escritório
durante este período;
a Paula Gabbai que muito se dedicou e se empolgou para encadernar este volume;
aos meus pais Marcia e Carlos Roberto, pelo apoio e incentivo incondicionais;
a minha irmã Luiza, pela cumplicidade de sempre;
e finalmente a Juliana, que acompanhou de perto mais esta viagem.
6
7
RESUMO
Esta dissertação trata das possíveis aproximações entre os campos da arquite-
tura, antropologia e história a partir de um recorte específico: uma leitura dos
estudos, roteiros e viagens empreendidos por estudantes de arquitetura de São
Paulo em momentos decisivos de suas formações. Esses deslocamentos em dire-
ção ao universo da cultura brasileira, ora mediado pelas viagens de campo ora
pelo reconhecimento da arquitetura popular, colonial e moderna, são analisados
à luz de uma longa tradição das viagens de formação, dos “grand tours” clássicos
aos roteiros românticos ou neocoloniais, aqui focalizados a partir de duas expe-
riências distintas situadas entre 1938 e 1962. O primeiro momento coincide com
o contexto da Missão de Pesquisas Folclóricas, idealizada por Mário de Andrade e
enviada ao Norte e Nordeste do país em 1938. Detém-se em particular na atuação
do estudante de arquitetura da Escola Politécnica de São Paulo, Luiz Saia, então
vinculado ao Departamento Municipal de Cultura e ao SPHAN, e como tal desig-
nado para chefiar a equipe. Em seguida, o trabalho passa a examinar a atuação
dos estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAU-USP), sobretudo a partir das atividades do Grêmio (GFAU) no que se
referem aos estudos propostos e itinerários estabelecidos de reconhecimento de
aspectos da cultura brasileira e do folclore, da arquitetura tradicional e da arqui-
tetura moderna, entre outros.
Palavras-chaves:
Arquitetura, Viagens de formação; Luiz Saia; Missão de Pesquisas Folclóricas;
FAU-USP; Grêmio da FAU, Centro de Estudos Folclóricos; São Paulo, Brasil
8
9
ABSTRACT
This study deals with the possible interactions between architecture, history and
ethnography through the reading of the studies, routes and road trips under-
taken by architecture students throughout Brazil during their formative years
in Sao Paulo. These displacements towards Brazilian culture - done either trou-
gh field trips, either through acknowledging the diverse forms of architecture,
popular, colonial and modern are analyzed in the light of a long tradition of
formative journeys, from the classical “grand tours” to the romantic, neocolonial
and modernist itineraries. It focuses here in two specific experiences. The rst
one was undertaken in the midst of the Mission for Folkloric Research, conceived
by Mario de Andrade and lead by Luiz Saia to the North and Northeast regions
of the country in 1938. The second one examines the student’s experiences at
the Architecture School in the University of São Paulo (FAU-USP), specially their
activities within the local Student’s Board (GFAU) related to research, field trips,
voyages designed to acknowledge different aspects of Brazilian culture, folklore,
historical heritage as well as architecture, either colonial, modern or vernacular.
Key words:
Architecture, Formative Journey, Luiz Saia; Folklore; FAU-USP; GFAU; São Paulo;
Brazil.
10
SURIO
INTRODUÇÃO
1. AS VIAGENS NA FORMAÇÃO DO ARQUITETO
1.1. O clássico como destino: o Grand Tour e o Prix de Rome
1.2. Outros itinerários: o medieval, o oriental e o vernáculo
1.3. As viagens de Le Corbusier a Itália e ao Oriente
1.4. Das viagens acadêmicas aos roteiros neocoloniais no Brasil
2. ARQUITETURA NAS VIAGENS AO POPULAR:
A MISSÃO DE PESQUISAS FOLCLÓRICAS, 1938
2.1. Mário de Andrade:
do turista aprendiz às viagens técnicas do Patrimônio
2.2. O Departamento de Cultura e a Missão de Pesquisas Folclóricas
2.3. Luiz Saia e a arquitetura vernacular no universo coletado
3. AS VIAGENS DE ESTUDOS NA FAU-USP, 1948-1962
3.1. As viagens dos estudantes: mapeamentos e roteiros
3.2. As organizações estudantis: o GFAU, o CEF e o CEB
3.3. Das viagens à formação:
os estudantes na criação e consolidação da FAU-USP
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
FONTE DAS ILUSTRAÇÕES
ANEXO
I. Lista de formados na FAU-USP entre 1952 e 1966
13
24
27
30
35
53
66
71
87
95
114
118
155
185
197
203
209
217
219
12
INTRODUÇÃO
“Ora, o individuo viajado pode estar destituído da verdade, mas possui a
evidência do mundo que viajou. E por isso o argumento dele é possante
ainda embora intelectualmente seja muitas vezes uma covardia.
Mário de Andrade, 5 de dezembro de 1929
1
Este trabalho é o resultado de uma pesquisa de mestrado que pretendeu investi-
gar as possíveis aproximações entre arquitetura, antropologia e história a partir
de um recorte bastante específico, ou seja, da leitura dos estudos, roteiros e via-
gens empreendidos por estudantes de arquitetura de São Paulo em anos deci-
sivos de suas formações e de modernização do campo arquitetônico como um
todo. No âmbito de nosso estudo, delimitamos dois momentos distintos nos quais
é possível identificar um interesse pelo universo da cultura brasileira e do folclo-
re, mediado sobretudo por viagens de campo e pelo (re)conhecimento e esforços
de documentação da arquitetura tradicional e moderna. Esses deslocamentos,
no entanto, foram analisados com ênfase em duas experiências específicas no
período compreendido entre 1938 e 1962.
O primeiro momento, que coincide com o início do recorte temporal propos-
to para esta pesquisa, está diretamente relacionado ao contexto da Missão de
Pesquisas Folclóricas, enviada pelo Departamento de Cultura da Prefeitura de
São Paulo ao Norte e Nordeste do país, entre fevereiro e julho de 1938, e chefiada
por Luiz Saia (1911-1975). Naquele ano, apesar de ainda estar matriculado no cur-
so de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica, onde ingressara em 1931, ele já
era um dileto colaborador de Mário de Andrade (1893-1945) desde os anos iniciais
das atividade do SPHAN em São Paulo, tendo participado intensamente no recen-
seamento dos monumentos dignos de tombamento federal no estado.
Não por acaso, Saia foi designado para chefiar a expedição que deveria regis-
trar manifestões folclóricas, sobretudo músicas e daas dramáticas. No
entanto, não foi essa faceta mais conhecida da expedição o que nos interessou,
mas sim o conjunto do material recolhido à margem, para além dos interesses
estabelecidos oficialmente. Neste sentido, a pesquisa se debruçou nas observa-
1 Mario de Andrade. “Taxi: Amazônia”. Táxi e crônicas no Diário Nacional. São Paulo: Duas Cidades, 1976,
p.164.
14
ções, anotações e registros acerca de arquitetura popular e colonial, cnicas
construtivas e aglomerações urbanas tradicionais produzidos, e que foram docu-
mentados em cadernetas de viagens e fotografias.
O trabalho, portanto, procurou relacionar o interesse fundamental da Missão
pela cultura popular brasileira com a bagagem politécnica e patrimonial de seu
coordenador. Pois, ainda que evidentemente marcado pela direção institucional e
intelectual de rio de Andrade junto ao Departamento de Cultura, e, por exten-
são, pelo ideário nacionalista derivado do modernismo brasileiro então ltrado
pela presença na cidade de cientistas sociais franceses envolvidos com a fun-
dação da Universidade de São Paulo (USP)
2
, a atuação de Saia parece revelar um
ponto de cruzamento privilegiado da arquitetura com a história e a etnografia.
Com efeito, a presença de Luiz Saia à frente da expedição parece ter sido decisiva
para o desenvolvimento de uma sensibilidade para com a arquitetura rústica
no país e seu reconhecimento como parte de um mundo de heranças compar-
tilhadas no enfrentamento das mais diversas circunstâncias naturais, sociais e
econômicas de estabelecimento.
Não é de se estranhar que, até meados da década de 1930, os estudos de his-
tória da arquitetura coincidiam com o interesse ora pelos estilos históricos ora
pela pesquisa do colonial.
3
Um estudo de Luiz Saia, a comunicação Um deta-
2 Cf. Fernanda Peixoto. “Lévi-Strauss no Brasil: a formação do etnólogo”. Mana, vol. 4, n.1, Rio de Ja-
neiro, abril 1998 pp.79-107; Idem. Diálogos Brasileiros: uma análise da obra de Roger Bastide. São Paulo:
EDUSP, 2000.
3 Se no início do século, arquitetos como Ricardo Severo (1869-1940), Heitor de Melo (1876-1920),
Arquimedes Memória (1893-1960), entre outros, estavam pesquisando os estilos da moda colonial
para incorporação em novos projetos contemporâneos, a situação não se alterou com Semana de
Arte Moderna, em 1922 e estendeu-se ao longo de toda a década sob a liderança de figuras como
José Mariano Filho (1881-1946). Somente a partir década de 1930, com o rompimento modernista
em relação ao movimento neocolonial, os arquitetos começaram a se interessar pelo tema da ar-
quitetura popular, entre eles o próprio Lucio Costa (1902-1998), convertido ao movimento moderno
em 1930, Gerson Pompeu Pinheiro (1910-1978), Carmem Portinho (1903-2001), Ângelo Murgel etc.
Sobre as relações entre arquitetura moderna, neocolonial e popular, ver José Tavares Correia de Lira.
Mocambo e Cidade: regionalismo na arquitetura e ordenação do espaço habitado. São Paulo: FAU-USP, 1997
(tese de doutorado). Sobre o neocolonial na arquitetura, ver Paulo F. Santos. Presença de Lúcio Costa
na arquitetura contemporânea do Brasil. Rio de Janeiro: mimeo, 1960; Maria Lucia Bressan Pinheiro.
Neocolonial, modernismo e preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil. São Paulo:
FAUUSP, 2005 (tese de livre-docência); Joana Mello. Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquite-
tura brasileira. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2007.
15
lhe de arquitetura popular
4
, apresentada em setembro de 1937 na Sociedade de
Etnografia e Folclore, é um exemplo dos novos rumos que a pesquisa das tradi-
ções arquitetônicas estava a tomar. Ao alertar para o desaparecimento quase sis-
temático da tesoura nos telhados da casa de pau-a-pique, Saia manifestava um
interesse pela arquitetura popular informado pelo olhar etnográfico.
O segundo momento que o trabalho examinou refere-se à atuação dos estu-
dantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(FAU-USP) em seus anos iniciais de existência. Atenta às atividades vinculadas
ao Grêmio da FAU (GFAU), aos estudos propostos e itinerários de reconhecimen-
to de aspectos da cultura popular e do folclore, da arquitetura tradicional e da
arquitetura moderna, entre outros, a pesquisa procurou evidenciar o papel for-
mativo que tais empreendimentos tiveram seja na trajetória acadêmica de seus
participantes, seja na própria formação de uma cultura arquitetônica arejada
pelo influxo das humanidades.
Procurando compreender o enraizamento da escola na vida cultural e univer-
sitária da cidade, o trabalho buscou salientar o papel desempenhado pelos estu-
dantes e suas organizações na superação da matriz politécnica.
5
Pois, ainda que
de modo fragmentário e marginal, a atuação dos estudantes foi decisiva para o
aprofundamento no interior da FAU dos elos com o modernismo artístico e literá-
rio, as pesquisas de patrimônio, o pensamento social radical e o campo das ciên-
cias humanas em São Paulo. Afastando-se das lições da tratadística e das com-
pilações acadêmicas, herdadas do ensino politécnico de arquitetura, o recurso à
observão de campo, à pesquisa direta e à documentação da arquitetura tradi-
cional e moderna parecia conduzir a novos padrões de formação, para os quais o
conhecimento da realidade cultural, social e econômica do Brasil tornava-se um
pré-requisito da “orientação mais democrática e inclusiva
6
ambicionada.
4 Luiz Saia. “Um detalhe de arquitetura popular”. Revista do Arquivo Municipal. São Paulo, v.XL, out.1937,
pp.15-22.
5 Sylvia Ficher. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo: EDUSP, 2005.
6 Nestor Goulart Reis. “Algumas raízes: origens dos trabalhos regulares de pesquisa sobre história da
arquitetura, da urbanização e do urbanismo no Brasil”, Revista Pós – Número Especial: Anais do Semi-
nário Nacional O Estudo da História na Formação do Arquiteto. Vol. 1. São Paulo: FAUUSP/ FAPESP, 1994,
pp. 42; José Tavares Correia de Lira. “Do outro lado do projeto: reflexões para o desenho da história”.
Anais do Seminário de Ensino em Arquitetura e Urbanismo, São Paulo: FAUUSP, 2007.
16
Neste sentido, foi interessante analisar a atuação do GFAU através de seu
Centro de Estudos Folclóricos (CEF), criado em 1949, e do Centro de Estudos
Brasileiros (CEB), como ficou conhecido depois de 1959, valendo-se também das
exposições, publicações e principalmente viagens organizadas pelos arredores da
cidade de São Paulo, para outros estados do Brasil e até mesmo outros países da
América do Sul. O recorte histórico escolhido para este segundo momento tem
inicio em 1948, ano de criação da FAU-USP, e segue até 1962, quando a reforma
curricular ali instituída reorienta as disciplinas e suas seqüências, incorporando
ex-alunos no corpo docente da escola e introduzindo novos conteúdos e preocu-
pações em grande parte devedores da intensa atividade acadêmica e cultural dos
estudantes nesse momento decisivo de afirmação da escola em âmbito nacional.
Tais mudanças devem efetivamente ter repercutido na formação dos arqui-
tetos em São Paulo desde então. É o que se depreende do depoimento de Julio
Katinsky, aluno da FAU entre 1952 e 1957 e professor da mesma instituição a par-
tir de 1962. Para ele, a consciência do subdesenvolvimento do país teria levado a
uma vinculação muito estreita entre o ensino de história e o ensino de projeto,
no que teriam contribuído tanto instituições vinculadas ao próprio grêmio estu-
dantil, como o Centro de Estudos Folclóricos do qual ele mesmo tomara parte
– quanto à presença de intelectuais e artistas renomados, alguns dos quais não-
arquitetos como Lourival Gomes Machado e Flávio Motta, no interior da escola.
7
§
Podemos dizer que, à medida que a pesquisa avançava na reconstituição das
experiências anteriormente apresentadas, o interesse pelo tema da experiência
de viagem para o arquiteto começou a adquirir contornos inicialmente impre-
vistos, sobretudo pela maneira como foi sendo apropriada e re-apropriada con-
tinuamente em distintas temporalidades e em diferentes espaços. Do modelo do
Grand Tour aristocrático dos jovens viajantes aos prêmios de viagem à Ilia conce-
didos pelas diferentes academias de arte européias, sobretudo a partir do século
XVIII, bem como a descoberta de outros itinerários e destinos no século seguinte,
7 Julio Roberto Katinsky. “Sete proposições sobre história da arquitetura”. Revista Pós – Número Especial:
Anais do Seminário Nacional O Estudo da História na Formação do Arquiteto. Vol. 1. São Paulo: FAUUSP/
FAPESP, 1994, p.119.
17
na qual uma visão associada ao Romantismo viria a ser traduzida na voga do
medievalismo e do orientalismo, a viagem caracterizou a experiência formativa
de muitas gerações de arquitetos. Inclusive no Brasil. E se ela inicialmente pare-
cia mimetizar a tradição acadêmica ocidental, também aqui ela viria a assumir
modelos e significados peculiares, em grande parte movidos pela busca moder-
nista e moderna da singularidade nacional.
É certo que a experiência acumulada por Mário como “turista aprendiz” des-
de os anos 1920 constituiu um passo decisivo na história das viagens de forma-
ção no Brasil, não somente porque ultrapassou o registro puramente folclórico
dos repertórios regionais, mas também porque a inversão dos roteiros habituais
a Paris assumiu um caráter transgressivo também ao repropor também as cate-
gorias estéticas do “nivelamento” e do desnivelamento”
8
como justificativa para
uma reaproximação não hierárquica, e interessada do ponto de vista da criação
contemporânea, entre o erudito e popular.
Ela apontava, por certo, uma perspectiva nova, seja porque invertia os itine-
rários acadêmicos ainda praticados nas instituições de ensino e patronato artís-
tico distinguindo os jovens talentos por meio da concessão de bolsas, pensões e
prêmios de residência na Europa, seja porque não se contentava com o interesse
iconográfico e elitista dos primeiros roteiros voltados ao interior do Brasil e par-
ticularmente às suas heranças coloniais. Como foi o caso, aliás, das viagens de
jovens arquitetos - Lucio Costa, enviado a Diamantina; Nestor de Figueiredo, a
Ouro Preto; e Nereu Sampaio a São João Del Rey e Congonhas do Campo - patro-
cinadas por JoMariano Filho, presidente da Sociedade Brasileira de Belas Artes,
às cidades mineiras na década de 1920. Ou seja, marcadas por uma nalidade
operativa e uma disciplina mimética convencional.
Uma nova experiência de viagem, portanto, se afirmava na linhagem estabele-
cida entre Mário de Andrade, Luiz Saia e as primeiras gerações de estudantes da
FAU, enlaçando arte moderna, patrimônio e humanidades na constituição ética e
estética da escola. Vista em perspectiva histórica, todavia, ainda que plena de par-
ticularidades e mediações próprias, ela não constitui de modo algum uma história
excepcional. Pertence, de um modo ou de outro, à história de toda escola de arqui-
8 Foi o que Mário observou, por exemplo, acerca do cantador nordestino em sua viagem de 1928/29.
Cf. Gilda de Mello e Souza. O Tupi e o Alaúde: uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades,
1979, pp. 20-7.
18
tetura, e de muitas das escolas de arquitetura do país. Até porque é parte da pró-
pria educação do arquiteto. E não apenas de sua educação em moldes acadêmicos.
Como bem notou Gérard Monnier, no arquiteto do século XX é possível reco-
nhecer “o desejo de escapar da estreita tecnicidade do projeto, de sair dos limi-
tes da produçãopor meio da experiência no estrangeiro.
9
Não por acaso figuras
importantes da história da arquitetura moderna, como Frank Lloyd Wright, Tony
Garnier, Le Corbusier, André Lurçat ou ainda, Lucio Costa e Vilanova Artigas
valeram-se do dispositivo como forma de desenvolver a sua formação e apro-
fundar o conhecimento de outras culturas e de saberes e abordagens distintos
dos estritamente arquitetônicos.
10
Foi este também o caso de arquitetos como
Hassan Fathy, Bernard Rudofsky, Lina Bo Bardi, Aldo van Eyck ou o próprio Saia,
para quem a viagem viria a recair sobre roteiros e destinos populares, motivada
tanto pela experncia da errância, da alteridade e do deslocamento
11
, quanto
pela procura de referenciais para a prática, envolvendo desde a coleta de objetos
e exemplos engenhosos de artesanato aprocedimentos cnico-construtivos,
de uso de materiais, soluções e agenciamentos espaciais dignos de serem exami-
nados pelo olhar profissional.
12
§
9 Gérard Monnier. “O olhar do estrangeiro / Le regard de l’étranger”. Óculum, n. 4, p. 7.
10 Sobre os anos de formação de Le Corbusier e suas viagens à Itália (1907), Alemanha (1910) e Oriente
(1911), ver principalmente H. Allen Brooks. Le Corbusier’s formative years : Charles-Edouard Jeanneret at
La Chaux-de-Fonds. Chicago: University of Chicago Press, 1997; em relação a sua viagem pela Améri-
ca do Sul (1929), além do livro Precisões, cuja edição brasileira apresenta um elucidativo posfácio de
Carlos A. Ferreira Martins, temos também o volume organizado por Cecília Rodrigues dos Santos, Le
Corbusier e o Brasil; em relação aos arquitetos Lucio Costa e Vilanova Artigas, ver Ana Luiza Nobre e
outros (org.). Um modo de ser moderno: Lucio Costa e a crítica contemporânea. São Paulo: Cosac & Naify,
2004 e Adriana Irigoyen. Wright e Artigas: duas viagens. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
11 Sérgio Cardoso, “O olhar viajante (do etnólogo)” in NOVAES, Adauto, O olhar, pp. 347-360; James Cli-
fford. “Culturas viajantes”. In: ARANTES, Antônio A. (org.), O espaço da diferença. Campinas: Papirus,
2000, pp.51-79.
12 Sobre a condição de eterno estrangeiro, ver o catálogo Lessons from Bernard Rudofsky: life as a voyage;
sobre a atuação de Lina Bo Bardi no Nordeste ver, principalmente, a tese de doutorado de Silvana
Rubino, Rotas da modernidade: trajetória, campo e história na atuação de Lina Bo Bardi, 1947-1968, além do
próprio livro de Lina, Tempos de grossura: o design no impasse, publicado em 1994; finalmente, algumas
referências das pesquisas sobre cultura popular para os arquitetos ligados à preservação do patri-
mônio, ver o artigo de José Tavares Correia de Lira. “O popular na cultura, a arquitetura brasileira e
a história; Gilberto Freyre, os mucambos e os modernistas nos primeiros anos do IPHAN” e o de Luiz
Saia. “Um detalhe de arquitetura popular”, publicado na Revista do Arquivo Municipal, em 1937.
19
Deve-se ressaltar que por tratar de experncias sobre as quais a bibliograa
específica ainda é escassa, nossa pesquisa recorreu a outras ferramentas de
construção da história, enfatizando a importância das fontes pririas, bem
como a realização de entrevistas com alguns dos personagens nela envolvidos,
seguido de uma identificação e organização de acervos pessoais etc. Diante da
abundância do material recolhido e do ineditismo de alguns dos episódios, vivên-
cias e processos narrados, o levantamento documental adquiriu um peso funda-
mental na estruturão do trabalho.
O estudo se constituiu no exame histórico dos estudos, viagens e roteiros de
arquitetos pela cultura brasileira, sobretudo aquelas que corresponderam aos
próprios anos de formação de seus protagonistas, detendo-se na análise de dois
momentos distintos. Neste sentido, o trabalho percorreu um espaço bibliogfi-
co que se estende da história da arquitetura no Brasil como campo disciplinar
e profissional à história social e cultural da cidade de São Paulo no período em
questão, envolvendo revies específicas sobre os temas da viagem, da cultura
popular e da cultura brasileira.
Em relação à Missão de Pesquisas Folclóricas, o trabalho se concentrou nos
materiais pertencentes ao acervo do Centro Cultural São Paulo, sobretudo nas
anotações e cadernetas de campo, recortes de jornais locais e registros fotográ-
ficos. Deste modo, sem perder de vista a especificidade da expedição de 1938,
pretendemos ultrapassar as dimenes que caracterizaram o estudo da Missão
ao presente, isto é, marcado pelos registros das músicas e danças folclóricas
brasileiras.
No que se refere às atividades desenvolvidas pelos estudantes da FAU-USP,
a pesquisa se valeu tanto das publicações, apostilas, exposições, roteiros e via-
gens organizadas pelo GFAU, como de acervos pessoais dos alunos das primeiras
turmas da escola. Neste caso, as entrevistas realizadas se tornaram uma fonte
fundamental nessa reconstituição dados a própria escassez de informações a seu
respeito, a fragilidade de nossos arquivos institucionais, o estágio de dispersão em
que se encontram os acervos pessoais e, sobretudo, o caráter recente da experi-
ência, ainda impregnada na memória das pessoas. Assim, ao reconhecer o signi-
ficado histórico e cultural de empreendimentos considerados marginais ou peri-
féricos, sem imporncia institucional, como os do Centro de Estudos Folclóricos
e do Centro de Estudos Brasileiros, pretendemos restituir-lhes um lugar entre os
esforços de pesquisa em arquitetura e movimentação estudantil afins no período.
20
O distanciamento crítico em face dos relatos individuais, generosamente con-
cedidos ao pesquisador, foi procurado a partir dos elos externos com o momento
cultural, profissional e político contemporâneo, mas sem deixar de reconhecer,
no confronto entre vozes e interpretações distintas, a polifonia da memória cole-
tiva.
13
Mais do que a história de um personagem ou de um grupo de arquite-
tos, a pesquisa pretendeu, através do dispositivo da viagem de formação e dos
estudos e roteiros pela cultura brasileira, reencenar um debate teórico acerca
da identidade profissional em tempos de redefinição de seu campo de ação; um
debate acerca das relações entre o fazer profissional e os compromissos sociais e
culturais suscitados por uma época; acerca das relações entre a intervenção no
presente e a pesquisa do passado, os referenciais populares locais e os princípios
técnicos cosmopolitas, aliás decisivo para a modernização do fazer arquitetônico
e urbastico no ps.
Em relação à constituição do corpus, podemos dizer que o exame de episódios
jamais explorados pela historiograa, e cujos protagonistas e testemunhas em
grande parte ainda estão vivos, exigiu alguns passos fundamentais ao desen-
volvimento dos trabalhos: a composição de redes e cenários coletivos e institu-
cionais de formação, a identificação de acervos pessoais e coleta de fontes inédi-
tas relevantes, a elaboração, realização e transcrição de entrevistas. Resta frisar
que a riqueza do material consultado extrapola em muito aquilo que foi possível
amarrar historicamente no conjunto de materiais aqui incorporados.
Nesse sentido, acabamos privilegiando, num primeiro momento, um mergu-
lho nas fontes pririas, procurando verificar qual a possibilidade de acesso a
esses personagens e instituições. No elenco inicial dos entrevistados concentrou-
se, sobretudo, nos estudantes formados pela FAU-USP, que posteriormente se
tornaram professores, bem como em nomes ligados às atividades do Centro de
Estudos Folclóricos e ao Centro de Estudos Brasileiros. No entanto, com o desen-
volvimento da pesquisa, esse quadro foi ampliado e passou a incorporar outros
protagonistas, igualmente ingressantes nas primeiras turmas da escola, consti-
tuindo uma ampla rede coletiva de informantes.
A elaboração do roteiro das entrevistas procurou estabelecer três frentes pro-
gressivas de investigação: um primeiro questionário destinado a todos os entre-
vistados; um segundo destinado àqueles alunos que zeram parte do GFAU,
13 Ecléa Bosi. Memória e sociedade: lembranças dos velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
21
bem como do CEF e do CEB; e por m, mais algumas perguntas alinhavadas
para aqueles que retornaram depois de formados na condição de professores.
Entre março de 2008 e junho de 2009 foram entrevistados os seguintes perso-
nagens (por ordem cronológica de ingresso na FAU): 1948: Antonio Carlos Alves
de Carvalho, Clementina de Ambrosis, Hélio Pasta, Plínio Venanzi, Roberto Pinto
Monteiro, Thereza Katinsky de Katina e Pielesz, Wilson Rodrigues de Moraes;
1949: Domingos Theodoro Azevedo Netto, Flavio Villaça, Gustavo Neves Rocha
Filho, Jon A. V. Maitrejean, José Claudio Gomes; 1950: Armando Rebollo, Raphael
Gendler; 1951: Edoardo Rosso, Francisco Torres, Nestor Goulart Reis Filho, Rosa
Grena Kliass; 1952: Arakén Martinho, João W. Toscano, Julio Roberto Katinsky;
Ubyrajara Gilioli; 1954: Geraldo Vespaziano Puntoni, João Baptista Xavier, José
Carlos Bellucci; 1956: Benedito Lima de Toledo.
A pesquisa nos acervos pessoais se concentrou na busca por fotograas,
recortes de jornal e anotações diversas que subsidiassem o preenchimento das
lacunas abertas. Foram pesquisados os seguintes arquivos nessa etapa: Antonio
Carlos Alves de Carvalho; Armando Rebollo; Domingos Theodoro Azevedo
Netto; Edoardo Rosso; Fúlvio Smilari; Gustavo Neves Rocha Filho; Roberto Pinto
Monteiro; Romeu Solferini Neto; Rosa Kliass.
§
O primeiro capítulo situa historicamente o papel da viagem na formação do
arquiteto, desde o Grand Tour clássico à emergência do oriental, do medieval e
do vernacular a partir do culo XIX, detendo-se com mais fôlego nas viagens
realizadas por Le Corbusier à Itália (1907) e ao Oriente (1911). O último item des-
creve esse processo no Brasil, focalizando a passagem das viagens acadêmicas de
estudantes da Escola de Belas Artes àquelas promovidas por José Mariano Filho a
cidades históricas de Minas Gerais durante a década de 1920.
O segundo capítulo apresenta um quadro das viagens realizadas pelos moder-
nistas paulistas, desde a famosa caravana a Minas Gerais na Semana Santa de
1924 e as viagens etnogficas de Mario de Andrade ao Norte e Nordeste no nal
da década, até as expedições técnicas pelo estado de São Paulo para o recense-
amento do patrimônio paulista em meados da década seguinte. Tendo elas em
vista, examina os trabalhos da Missão de Pesquisas Folclóricas, suas relações
com o Departamento de Cultura, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
22
Nacional, a Universidade de São Paulo e a Sociedade de Etnografia e Folclore, e
sobretudo o papel de Luiz Saia, à sua frente, na coleta de informação arquitetô-
nica, colonial, rural e popular.
O terceiro capítulo converge para as atividades desenvolvidas pelos estudan-
tes da FAU-USP, desde sua criação em 1948 até a reforma de ensino em 1962.
Tomando como base fundamental os depoimentos concedidos ao pesquisador
por ex-alunos, explora na memória coletiva o universo das viagens realizadas
por eles, a Carapicuíba e os arredores de São Paulo, Minas Gerais, o Norte e
Nordeste e o Rio de Janeiro, suas condições de realização e motivações, itinerá-
rios e significados, sua vinculação às atividades no Grêmio dos estudantes, no
Centro de Pesquisas Folcricas e no Centro de Estudos Brasileiros, bem como os
impactos da movimentação estudantil na estruturação institucional, acadêmica
e pedagógica da escola.
23
24
[
1
]
25
AS VIAGENS
NA FORMAÇÃO
DO ARQUITETO
26
Tony Garnier
Fórum, Roma, 28 de novembro de 1902.
Arquivo Fondation Renaud.
<
27
1.1. O clássico como destino: o Grand Tour e os Prix de Rome
Podemos dizer que o dispositivo da viagem de formação ainda é um assunto pou-
co explorado no campo da história da arquitetura, principalmente se compara-
do ao conjunto de estudos realizados sobre as narrativas e os relatos produzi-
dos, sobretudo a partir o século XVII, e que constituem uma tradição do gênero
da literatura de viagem. Ou ainda, em relação à história da arte, com inúme-
ros trabalhos publicados referentes aos alunos premiados nos salões anuais das
academias de arte européias e americanas, geralmente concedidos na forma de
pensionato de uma temporada na Itália, especialmente em Roma, como etapa
necessária e complementar para a educação de um artista quando jovem.
1
Ainda que o tema dos anos de formação de um arquiteto venha merecendo
a atenção por parte da historiografia, este ainda é um movimento relativamen-
te recente. De maneira geral, o interesse coincide com a revisão e a constru-
ção de novos olhares sobre determinados personagens, que procurou alargar o
escopo de análise para além da produção mais conhecida de suas obras. Cada
vez mais, a experiência anterior à fase madura e consagrada de suas respecti-
vas trajetórias tem despertado o interesse dos pesquisadores, que muitas vezes
identificarão tal momento de iniciação como decisivo para o desenvolvimento
de suas carreiras.
2
A idéia da viagem como uma experiência pedagógica não pode ser consi-
derada fundamental somente para a formação dos arquitetos. Pelo contrio,
1 Muito são os trabalhos que se detiveram sobre a “clássica” viagem à Itália, sobretudo como consti-
tutiva de uma tradição literária. Nesse sentido, ver Attilio Brilli. Il viaggio in Italia: storia di na grande
tradizione culturale. Bologna: Mulino, 2006; Valeria Piccoli da Silva, A pátria das minhas saudades”: o
Brasil na Viagem Pitoresca e Histórica de Debret. São Paulo, FAU-USP, 2001 (dissertação de mestrado).
2 Foi sobretudo a partir da década de 1980 que os primeiros trabalhos referentes aos anos de forma-
ção de alguns arquitetos modernos da primeira geração começam a ser publicados, motivados em
grande parte pela comemoração em torno de seus centenários de nascimento, quando os enfoques
se ampliam significativamente. Neste sentido, vale destacar as publicações em torno dos anos for-
mativos de Tony Garnier, Le Corbusier, Alvar Aalto, entre outros, nas revistas italianas Rasegna, na
década de 1980 e Lótus International, de 1991.
28
ela está associada a uma tradição que se consolidou na Europa, notadamente
a partir do século XVIII, e que se constitui dos relatos de viajantes estrangeiros
pela península italiana que redefiniram os nones do nero da literatura de
viagem a partir daí, instituindo uma prática de fluxos e deslocamentos por todo
o continente europeu.
A própria consolidação de um modelo de academia de arte naquele momento,
a partir da instituição francesa sediada em Paris, deve ser entendida nessa cha-
ve, uma vez que uma das ocasiões principais da vida acadêmica, sobretudo para
os estudantes, eram as premiações anuais e em especial o Prix de Rome, que sig-
nificava uma temporada de estudos na Itália para o contato direto com a cultura
da Antiguidade clássica.
3
Historicamente, a Itália era o destino de muitos viajantes desde o século
XVII, quando a prática do Grand Tour aristocrático se consolidou na Europa, sobre-
tudo entre intelectuais, lósofos e artistas provenientes da Inglaterra, Alemanha
e França, igualmente interessados no estudo da cultura dos antigos e seus monu-
mentos, no gosto pelas rnas e no culto estético ao sublime, associado à contem-
plação de paisagem.
4
Além desses viajantes “clássicos, Roma também era o desti-
no de jovens artistas promissores (pintores, escultores e arquitetos) contemplados
com o Prix de Rome, bolsa concedida pela Academia Francesa aos premiados em
seus salões anuais para uma temporada de estudos na Villa Médici em Roma.
5
No caso especico dos arquitetos, podemos acompanhar o raciocínio de
Janine Barrier, que aponta para o paradoxo de que o estudo dos arquitetos fran-
ceses que foram pensionários na Academie de France entre os anos 1740 e 1765, ter
começado pelo arquiteto de origem britânica William Chambers (1723-1796). No
3 Nikolaus Pevsner, Academias de arte: passado e presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2005,
pp.153-156.
4 Alguns dos grand tourists mais conhecidos foram o escritor inglês Thobias Smollet (1721-1771), o po-
eta alemão Johann W. von Goethe (1749-1832), o especialista inglês em antiguidades Richard Payne
Knigth (1750-1824), o historiador de arte e arqueólogo alemão Joachim Winckelmann (1717-1768), o
romancista inglês Horace Walpole (1717-1797), entre outros. Cf. Valéria Salgueiro. “Grand Tour: uma
contribuição à história do viajar por prazer e por amor à cultura”, Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 22, n.44, 2002, pp. 289-310.
5 Entre esses artistas estavam, por exemplo, os pintores Jacques-Louis David (1748-1825) premiado
em 1774, Jean-Baptiste Debret (1768-1848) em 1791 e Jean Auguste Ingres (1780-1867) em 1801 e os
arquitetos Henri Labrouste (1801-1875) premiado em 1824 e Tony Garnier (1869-1948) em 1899. A
respeito do ensino nas academias e do Prix de Rome ver: Nikolaus Pevsner, Academias de arte: passado
e presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
2929
entanto foi um outro arquiteto britânico do culo XVIII, Sir John Soane (1753-
1837), que parece ter incorporado melhor as lições do Grand Tour. Premiado em
1776 pelo Royal Institute of British Architects com uma bolsa de viagem, sua tem-
porada de vinte e sete meses pela Itália permitiu que aprofundasse seus estudos
sobre arquitetura clássica, produzindo e compilando inúmeros desenhos, além
de um conjunto de pinturas, ilustrações, esboços, anotações detalhadas sobre
medidas, proporção e escala, maquetes e até vestígios arqueológicos. Esta coleção
adquirida ao longo de sua permanêcia na Itália serviu de base para o conjunto de
palestras que proferiu em Londres, quando de seu retorno.
6
Um outro arquiteto nascido no século XVIII, também associado ao Grand
Tour, foi o prussiano Karl Friedrich Schinkel (1781-1841), que esteve na Itália em
1803, oportunidade na qual pode observar e registrar as formas cssicas do
Mediterrâneo. O conjunto de desenhos realizados pelo arquiteto não era compos-
to tão somente por aqueles feitos a partir da observação dos monumentos, cuida-
dosamente anotados com suas medidas. A despeito desse referencial, o arquiteto
também registrou com devido entusiasmo o vernáculo encontrado em algumas
construções durante sua passagem pela Sicilia e por Capri.
6 Brian Ambroziak. Michel Graves: images of a Grand Tour. New York: Princeton Architectural Press,
2005, pp.6-7.
Henry Parke
Desenho feito para as conferências de
Sir John Soane e que mostra um estu-
dante numa escada, medindo a ordem
coríntia do Templo de Júptier Stator
(Castor e Pollux). Roma, c.1814-1820.
Arquivo Sir John Soane’s Museum.
30
1.2. Outros itinerários: o medieval, o oriental e o vernacular
Em linhas gerais, podemos dizer que a importância da viagem como experiência
formativa para os arquitetos estava oficialmente estabelecida no século XIX,
uma vez que as principais academias e escolas de arquitetura ainda impulsiona-
vam a longa tradição do prestigioso Prix de Rome, que contemplava os laureados
com uma temporada de estudos na Itália desde o culo anterior. Com objetivo
claramente pedagógico, a viagem permitia que os alunos e/ou jovens arquitetos
entrassem em contato direto com os edifícios e monumentos clássicos, a partir
da observação e do levantamento de muitos deles.
Para além desse modelo institucional de viagem, que se consolidou numa prá-
tica acadêmica apelo menos meados do século XX
7
, devemos assinalar também
uma alteração do perl do viajante. Ou seja, para além da viagem patrocinada,
acadêmica e de acento aristocrática, é possível identificar o aparecimento daqueles
viajantes que partiam destituídos de qualquer tipo de apoio institucional, geral-
mente pertencentes à classe média. As mudanças também dizem respeito à dura-
ção das estadias, quando é possível notar uma diminuição do tempo das viagens,
bem como uma alteração nos meios de transporte, com a multiplicação das ferro-
vias pelo continente, o que certamente permitiu um fluxo maior de deslocamentos.
Mas, sem dúvida alguma, a maior novidade em relação ao culo anterior
diz respeito a uma reorientação dos roteiros e destinos, cujos interesses amplia-
ram o referencial clássico que marcou boa parte das viagens até então. Neste
sentido, o referencial romântico sinalizou tanto para a revalorização do reper-
tório medieval, sobretudo com os arquitetos ingleses, quanto para a construção
7 Não podemos deixar de mencionar também o caso dos americanos, que a partir de 1897, com a
criação da American Academy em Roma, institucionaliza a tradição dos prêmios de viagem a Itália
no ensino de arquitetura nos Estados Unidos. Alguns dos grand tourists do século XX contemplados
com uma viagem de estudos na Villa Adriana foram Robert Venturi, contemplado com a bolsa em
1954-56 ou Peter Eisemann, em 1959, entre outros. Cf. Martino Stierli. “In the Academy’s garden:
Robert Venturi, The Grand Tour and the revision of modern architecture. London, AA Files, n. 56,
2007, pp.42-55; Peter Eisenman. “The last grand tourist: travels with Colin Rowe. Interview with
Peter Eiseman”, Perspecta. Cambridge: MIT Press, n.41, 2009, pp.130-139.
31
de um olhar sobre o Oriente, tomado como exótico e selvagem, e consolidado
pela experiência da alteridade.
A própria valorização das características nacionais naquele momento, através
de uma pesquisa da origem dos povos e das línguas nativas, contribuiu para a
redefinição das novas rotas e para a valorização de uma arquitetura nativa, pró-
pria a cada nação.
Como observou Paola Tosolini, no nal do século XIX é possível identifi-
car a importância que essa arquitetura anônima, “depositária da ‘memória cole-
tiva’”, alcançava nos registros e anotações dos novos arquitetos viajantes, não
mais impregnado por uma visão romântica ou pitoresca, nem mesmo como um
modelo a ser normatizado. Tratava-se de uma mudança no valor atribuído ao
vernáculo, “objeto digno de ser estudado em si mesmo e capaz de comunicar
seu significado prático e cultural no mesmo nível que a arquitetura clássica. De
acordo com a autora,
“O papel que a viagem assumiu na descoberta da arquitetura anônima é
de fundamental importância, na medida em que raramente é precedido
de documentação bibliográfica e o ensino acadêmico preparando os arqui-
tetos para o contato direto com as obras clássicas. Talvez por este motivo,
vários desenhos de arquitetura vernácula têm um caráter mais livre e não
acabado, e existem poucas plantas e cortes entre eles.
8
8 What changes towards the end of the nineteenth century is the value architects attribute to vernacular ar-
chitecture: ‘timeless architecture’, depository of the ‘collective memory’, of those ethical and moral values the
metropolis lacks,based on the economy of means and on the repetition of architectural elements. It becomes a
symbol rather than a model. It is as a symbol charged with manifold meanings that vernacular architecture
will remain a reference for many protagonists of modern architecture throughout the twentieth century. A
symbol to exhibit in the ght against eclectic historicism, in the search for a real and organic life, in recovering
historical national roots, in addressing the standardisation issue, in looking for the correspondence between
materials and form, in conforming architectural types to specific climatic conditions and to culturally defined
ways of life. [...] The role that travel assumed in discovering anonymous architecture is of capital relevance to
the extent that it is rarely preceded by bibliographical documentation and academic study preparing architects
for direct contact with classical works. Maybe for this reason many drawings of vernacular architecture have
a free and a non finito character, and thereare few plans and sections among them.”. Paola Tosolini. “Other
itineraries: modern architects on countryside roads”, Journal of architecture, v.13, n. 4, aug. 2008, pp.
427-428. Nossa tradução.
32
Um outro aspecto destacado diz respeito a esse momento de conscientização de
uma arquitetura popular e anônima, tomada não apenas como uma descoberta
fortuita. Para Tosolini, o interesse, no caso, raramente poderia ocorrer durante
a prática do Grand Tour ou mesmo ao longo das viagens ao estrangeiro, especial-
mente aquelas em direção ao sul. Pelo contrário, estaria mais próximo desses
deslocamentos pelos interiores dos países, da possibilidade de percorrer cami-
nhos alternativos em pequenas viagens ou de curta durão, de explorar a terra
nativa, e muito influenciado pelo clima cultural nacionalista sugerido sobretudo
pela arte, pintura e literatura.
Foi a partir dessas referências que a autora procurou analisar algumas dessas
viagens formativas de alguns arquitetos modernos, entre o nal do século XIX.
Num primeiro momento, tratou de localizar as perambulações do arquiteto escocês
Charles Rennie Mackintosh (1868-1928) pelos arredores de Glasgow, bem como por
alguns povoados rurais e litorâneos tais como Crail, Culross, Stirling, Linlithgow,
entre o nal da década de 1880 e sua viagem a Itália em 1891. Incentivado pela
Glasgow School of Art, ele percorreu algumas dessas cidades na companhia de seu
colega Hebert MacNair (1868-1955), com o objetivo de estudar a arquitetura tradicio-
nal, por um lado, e para exercitar a habilidade de observação e desenho, por outro.
9
Uma outra trajetória semelhante a de Mackintosh, principalmente no que se
refere às viagens de formação, foi a do arquiteto austríaco Joseph Hoffmann (1870-
1956). Nascido ao sul da Moravia, foi em excursões pelo interior da paisagem idílica
de sua região que o arquiteto teve seus primeiros contatos com exemplares da
arquitetura rural, o que certamente contribuiu para o desenvolvimento de uma
sensibilidade em relação ao vernáculo. Ainda em 1895, pouco antes de sua viagem
para a Itália, Hoffmann permaneceu algum tempo na região da Riviera Austríaca,
onde procurou atentar para outros referenciais de aprendizagem que não somente
aqueles acadêmicos, como a correspondência entre técnicas construtivas tradicio-
nais e as características físicas e culturais próprias do local. Além dessa relação
entre a arquitetura e sua necessidade em responder a uma demanda especifica da
população, o arquiteto também esteve atento a alguns elementos arquitetônicos
ou “motivos”, como loggias, escadas externas e arcadas, que obedeciam, de alguma
maneira, os meios de vida dos habitantes da região.
10
9 Idem, ibidem, pp.428-31.
10 Idem, ibidem, pp.431-35.
33
J. Hoffmann
Arquitetura vernacular de Voloska, 1895.
(Publicado em Der Architekt, I, 1895, p.38)
Na página seguinte:
Arquitetura da Riviera austríaca, 1895.
(Publicado em Der Architekt, I, 1895, p.37)
C. R. Mackintosh
Esboço de uma fazenda localizada
próxima a Crail, Fifeshire, 1890.
Arquivo da National Library of Ireland.
34
35
1.3. As viagens de Le Corbusier a Itália e ao Oriente
Uma prática que se tornou rotineira nas viagens empreendidas pelo arquiteto ao
longo de sua vida foi o uso sistemático dos carnets, aqueles cadernos de pequeno
formato (9,9 cm x 16,9 cm) nos quais procurava registrar através de desenhos e cro-
quis, anotações e comentários, suas impressões acerca de paisagens, cidades, edifí-
cios, costumes e pessoas que conheceu. Esses registros variados, muito mais do que
uma representação bem acabada do objeto retratado, revelam a preocupação em
gravar na memória alguma idéia, em esboçar contornos que tomam forma em sua
mente para relembrá-los e assimilá-los posteriormente. Trata-se, sobretudo, de um
instrumento de trabalho, utilizado para capturar uma observação, um pensamento
ou uma imagem em todo o seu frescor e para onde possa sempre retornar.
Le Corbusier se habituou a carregar no bolso esses sketchbooks e, ao longo de
quase cinqüenta anos, produziu mais de oitenta deles, o que corresponde a mais
de quatro mil páginas anotadas. Apesar de alguns deles terem se perdido, cerca
de setenta e três se encontram arquivados na Fondation Le Corbusier, em Paris, e
foram publicados em edição fac-símile em 1981.
11
Ao que tudo indica os primeiros cadernos utilizados por Charles-Édouard
Jeanneret remetem à sua primeira viagem para o exterior. Em setembro de 1907,
ele parte de La Chaux-de-Fonds, sua cidade natal localizada na região do Jura
e com forte tradição artesanal (confecção de relógios), e segue para o norte da
Itália, percorrendo especialmente as cidades da região da Toscana, inaugurando
um período de quatro anos de deslocamentos, descobertas e aprendizado.
Segundo H. Allen Brooks, que se deteve nos anos de formação de Le Corbusier,
esse período de 1907 a1911 pode ser dividido em seis momentos distintos, cada
qual com uma temporalidade própria e de acordo com os interesses fomenta-
dos em cada ocasião. Assim, como era tradicional entre os arquitetos desde
11 Maurice Besset, “Introduction”, Le Corbusier Sketchbooks - Volume I, 1914-1948, pp. XI-XIII. No prefácio
desse primeiro dos quatro volumes ainda, André Wogenscky destaca a importância dessa maneira de
registrar e cita uma frase outrora dita pelo arquiteto, de quem havia sido colaborador entre 1936 e
1956: “Não tire fotografias, desenhe; fotografia interfere no olhar, desenho, grava na memória” (p. IX).
36
o século XVIII, Jeanneret inicia suas viagens pela Itália (ts meses), segue para
Viena (quatro meses), Paris (vinte e um meses), duas curtas estadias em La
Chaux-de-Fonds durante 1910 (totalizando quatro meses e meio), de onde parte
para Alemanha (doze meses) e, nalmente, percorre os Bálcãs, Turquia, Grécia
e centro da Itália em 1911, no contexto de sua decisiva voyage d’Orient (sete
meses). O modelo adotado pelo viajante procurou conciliar os lugares às estações
do ano, geralmente permanecendo durante o inverno nas cidades (Viena, Paris,
La Chaux-de-Fonds e Berlim) e saindo para viagens durante o verão, às vezes na
companhia de algum amigo.
12
Gérard Monnier também destaca a importância das viagens de Jeanneret
para uma prática documentária do esboço gfico”. Se, num primeiro momen-
to, esses registros foram limitados ao campo da documentação e da tomada de
notas, durante a viagem de 1911 tiveram um ponto de inflexão, quando os esbo-
ços adquirem outro estatuto, próximo a um “modo de pensar a coisa vista ou
mesmo um “instrumento permanente de pensar o projeto”.
13
No entanto, antes de acompanharmos os passos seguidos por Le Corbusier,
é necesrio um esclarecimento em relação a ênfase atribuída pela pesqui-
sa as suas viagens, em detrimento daquelas realizadas por outros arquitetos.
Primeiramente, devemos ressaltar a importância e a qualidade do material pri-
mário produzido e recolhido pelo próprio arquiteto em vida, na forma de regis-
tros gficos, fotográficos e textuais; somado a isso, a acessibilidade de seu acer-
vo contribuiu para o aparecimento de inúmeros trabalhos que se detiveram na
análise e no entendimento do dispositivo da viagem em sua formação. Em segun-
do lugar, pelo fato de suas viagens anunciarem e sintetizarem uma passagem do
clássico ao medieval, ao oriental e ao popular. E nalmente, o fato de sua traje-
tória coincidir em pelo menos dois sentidos com a dos viajantes que serão ana-
lisados na presente dissertação: a virada modernista, a viagem como momento
de reavaliação da bagagem de partida e a forte ligação, a partir de 1929, entre o
modernismo arquitetônico brasileiro e sua obra.
12 H. Allen Brooks, op. cit., pp. 95-96. Sobre as duas viagens ver os capítulos “Travels in Nothern Italy,
1907 (pp. 95-116) e “Voyage d’Orient” (pp. 255-303) na parte “Travels and apprenticeships, 1907-1911”.
13 Gérard Monnier, “Esquisse” in LUCAN, Jacques (ed.). Le Corbusier: une encyclopédie. Paris: Centre Georg-
es Pompidou/CCI, 1987, pp. 146-147.
37
Redesenhando a clássica viagem a Ilia
Para melhor entender o significado dessa primeira viagem de Jeanneret é neces-
rio recuar até 1902, quando o jovem lho do gravador de relógio Georges-
Édouard Jeanneret-Gris, então com quinze anos, se matricula na École dArt de
La Chaux-de-Fonds, cidade suíça na região de forte tradição artesanal conhecida
como Jura, a fim de aprender o oficio do pai. Fundada em 1873, a escola articulava
ensino prático e educação estética a fim de assegurar aos estudantes uma forma-
ção compatível com as carreiras de especialização possíveis junto à indústria de
relógio local. Entre as disciplinas ministradas estavam as de desenho, de pintura,
de escultura, de geometria, estudos sobre os diferentes metais, além de conferên-
cias de história da arte e viagens de estudo.
Durante esse período, quem exerceu grande ascendência sobre jovem estu-
dante foi Charles L’Éplattenier (1874-1946), professor de desenho na Escola des-
de 1897 e que havia estudado em Budapeste e nas Escolas de Belas Artes e de
Artes Decorativas de Paris, formação esta que possibilitou um conhecimento
das tendências abstracionistas contemporâneas. Para ele, os princípios estéti-
cos estariam contidos ou deveriam ser retirados da natureza, decompondo-a
em vista de uma compreensão de sua estrutura a partir de exaustivos exer-
cícios de observação ao ar livre, pratica utilizada com freqüência em suas
excures de campo com os alunos na região do Jura.
14
Aliás, foi o próprio
L’Éplattenier que imprimiu no espírito do aprendiz a noção romântica da via-
gem como ampliação de conhecimentos, sobretudo como experiência para sua
formação estética e moral.
Assim, quando Jeanneret parte para sua primeira viagem de estudos em
1907, a Voyage d’Italie” era uma tradição pedagógica da
École dArt de La
Chaux-de-Fonds
, com um roteiro preciso e estabelecido pelos professores, como
atestam as experiências de seu colega escultor on Perrin (1886-1978) e outros
alunos. O próprio L’Eplattenier havia viajado pela região da Toscana entre 1903
e 1904, permanecendo um longo período nas cidades de Florença, Pisa, Siena e
Veneza, quando de registrar suas impressões e observações sobre o gótico
florentino, mais descritivo e exótico que o francês e o alemão, de uma expressi-
14 Jacques Gubler, “Charles-Édouard Janneret, 1887-1917, ou l’accès à la pratique architecturale” in LUCAN,
Jacques (ed.). Le Corbusier: une encyclopédie. Paris: Centre Georges Pompidou/CCI, 1987, pp. 222-228.
38
vidade singular, além dos interesses referentes à estrutura, às técnicas cons
tru-
tivas e aos materiais, da relação entre construção e decoração, etc.
15
Pouco antes de sua partida e com o itinerário previamente decidido, incluin-
do as cidades de Milão, Genova, Carrara, Pisa, Florença, Siena, Pistoia, Faenza,
Ravenna, Riva, Padova, Veneza e Fiume, seu mestre lhe aconselhou a estudar
os cadernos de viagem por ele produzidos, bem como lhe recomendou algumas
leituras para ampliar seus conhecimentos sobre as cidades a serem visitadas,
suas obras e seus respectivos autores, entre as quais se destacavam os livros
Mornings in Florence (1877), de John Ruskin (1819-1900), Voyage en Italie (1866), de
Hippolyte Taine (1828-1893), Dictionnaire raisonné de larchitecture français du XI
au XVI siècle (1854), de Viollet-le-Duc (1814-1879) e Les grands initiés (1889), de
Edouard Schuré (1841-1929).
Para Giuliano Gresleri, autor que reconstituiu o percurso de Jeanneret a partir
da análise das correspondências enviadas ao mestre e a seus parentes, essas car-
tas revelaram que as etapas de sua viagem, na verdade, já estavam pré-estabe-
lecidas, e que muito pouco do que o jovem viajante estuda ou verifica é fruto do
acaso e da descoberta pessoal. Tratava-se, portanto, de uma viagem em muitos
sentidos tradicional e que de não-tradicional havia, entretanto, as obras objeto
de sua exploração (em sua maioria, anteriores ao Renascimento), quando privi-
legiou ainda aquelas em sintonia com os modos e as motivações do ensinamento
de L’Eplattenier: o gótico florentino, a pintura de artistas primitivos como Giotto
(1266-1337), Lippo Memmi (1291-1356), Taddeo Gaddi (c.1300-1366) e Fra Angelico
(1387-1455), a organização dos ambiente de vida coletiva (grandes cartuxas e con-
ventos) e lugares da representação funerária (cemitérios).
16
Além das recomendações do mestre, fica evidente também o impacto que a
leitura da obra ruskiniana teve nas escolhas de visita feitas por Jeanneret. Além
da defesa do ornamento como elemento principal da arquitetura e de sua supre-
macia em relação às outras artes, a postura crítica de Ruskin em relação ao
Renascimento e aos modos de produção de arquitetura engendrados por ele, não
mais produzida coletivamente como na cidade medieval, mas colocando-se para
além da estrutura social, acabaram por afastar Jeanneret de muitas obras impor-
15 Giuliano Gresleri, “Voyage 1907: Le Voyage d’Italie” in LUCAN, Jacques (ed.). Le Corbusier: une encyclo-
pédie. Paris: Centre Georges Pompidou/CCI, 1987, pp. 471.
16 Idem, “Viaggio e scoperta, descrizione e trascrizione”. Casabella, ns. 521-532, jan./fev. 1987, pp. 8-17.
39
tantes do período, salvo poucas exceções como alguns trabalhos de Michelangelo
(1475-1564) e Rafael (1483-1520), igualmente admirados por Ruskin.
17
É interessante observar também que a influência de Ruskin não esteve limi-
tada somente à definição do itinerário percorrido, mas como o estudo de seus
desenhos por Jeanneret, produzidos nas viagens de 1840-41 e 1845, também foi
um a priori para o jovem viajante. Desde a escolha da posição do desenho em
relação ao campo da folha e sua meticulosa fatura, até a preocupação em definir
as fachadas como elementos pictóricos e informados a partir de suas cores e
texturas, seus detalhes de ornamentação construídos a partir da exploração do
contraste entre figura e fundo etc.
Para se orientar nesse emaranhado de exemplos italianos e para refletir sobre
essa condição do que ver, Gresleri destaca ainda alguns instrumentos e disposi-
tivos que Jeanneret aprendeu a conhecer e praticar com desenvoltura, a saber:
“[...] uma escrita fácil e pitoresca, de repórter (a viagem de dois meses a Itá-
lia contabiliza uma vintena de cartas aos pais e cinco longuíssimos “rela-
tos” a L’Eplattenier); o Baedeker que sabe utilizar e consultar folheando e
selecionando (o seu guia traz inúmeros sinais de apontamentos e anota-
ções acerca do que foi visto); um diário, o “carnet de voyage” que resume e
recolhe sinteticamente cada coisa e fato encontrados (uma viagem que não
se pode ou não se narra ou “refaz para trás” é uma viagem mal-sucedida,
inútil); o desenho (esboços feitos de poucos traços sumários, freqüente-
mente no mesmo caderno, mas ainda um longo trabalho de fiel reconstitui-
ção da obra observada em sua verdade, sentado, prancheta sobre os joelhos
e folhas Fabriano para as aquarelas); finalmente, um binóculo (para “ver”
os detalhes de longe e atender aos problemas de uma séria miopia mas
perfeitamente correta). Como se vê, não se trata de instrumentos improvi-
sados, este modo de trabalho faz parte de um método preciso e praticado
na escola e progressivamente afinado nos anos posteriores.
18
Do conjunto de 73 pranchas produzidas durante a passagem pela Itália, cerca de
50 delas se referem ao período em que permaneceu em Florença, cidade na qual
17 Joubert Lancha, “O olho e a mão, o desenho na primeira viagem de Le Corbusier”, Risco, n. 4, 2006, p. 55.
18 Gresleri, “Viaggio e scoperta, descrizione e trascrizione”, pp. 8-17. Grifos no original. Nossa tradução.
John Ruskin
As pedras de Veneza. Folha manuscrita,
1851-53. Arquivo The Morgan Library &
Museum.
Charles-Edouard Jeanneret
Pormenores do Duomo de Pisa, c. 6-10
de setembro de 1907, 34 x 25,8cm.
Arquivo da Fondation Le Corbusier.
41
ficou instalado por quase trinta dias, seguido por Siena (9), Pisa (7) e Ravena (6). De
maneira geral, eram desenhos feitos a lápis ou nanquim e coloridos com aquarela e
demandavam muito tempo para sua execução, fosse pela técnica utilizada ou pela
preocupação em reproduzir de maneira fiel os detalhes e as obras observadas.
19
Um exemplo de como o olhar de Jeanneret foi sendo construído e informado
a partir dessas referências trazidas na bagagem é uma prancha sobre o Duomo
de Pisa composta por cinco desenhos espalhados numa folha exaustivamente
anotada, realizada ao longo de cinco dias de observação (5 a 10 de setembro).
É uma seqüência de aproximações sobre o mesmo objeto, na qual a catedral é
representada de maneira fragmentada e em partes nas quais cada ampliação
revela um cuidado em explicitar detalhes da fachada, auxiliado pelas notas
descritivas dos elementos arquitetônicos e decorativos, referências às cores e
contrastes que os acompanham.
O mesmo acontece em Florença, quando se detém a observar o Palazzo Vecchio.
Neste caso, entretanto, é possível notar uma preocupação de Jeanneret em
anotar a relação de proporção entre as partes da fachada do edifício, através das
linhas de cotas horizontal e vertical. É dessa maneira que o viajante imagina-
va apreender a essência da obra ou mesmo seu “mistério”.
20
Na aquarela que
faz no interior da Igreja de Orsonmichele, é possível perceber que seu olhar está
mais atraído para os desenhos dos rmores pretos e brancos que compõe o
nicho de São Marcos do que a estátua de Donatello (1386-1466) propriamente dita.
Representada como uma massa praticamente diluída em tons de sépia, ela se
destaca muito mais pelo contraste com o fundo do nicho, todo muito bem traba-
lhado nos detalhes e ornamentos que o compõem.
19 Em carta aos seus pais, enviada de Florença em 8 de outubro, Jeanneret escreve: “Tenho os olhos
que tremem (tem muito o que fazer os meus pobres olhos e o que farei na Itália sem os binóculos
da tia Pauline), a cabeça que hoje está pesada, conseqüência de uma raio de sol recebido diante da
Santa Maria Novella, parado por três horas desenhando das 11 às 2”. O conjunto das correspondên-
cias enviadas aos seus parentes (uma vintena) e ao mestre L’Eplattenier (cinco longos relatos) foram
compiladas e traduzidas para o italiano e integram, com a totalidade dos registros gráficos realiza-
dos, o catálogo da exposição homônima organizada por Giuliano Gresleri. Cf. Gresleri, Le Corbusier:
Il viaggio in Toscana. Florença: Cataloghi Marsilio, 1987, pp.123-125.
20 Em carta a L’Eplattenier enviada de Florença, em 19 de setembro, Jeanneret escreve: “Como lhe dis-
se, o do Palazzo Vecchio é uma grande maravilha, mas é difícil estudá-lo, é uma potência abstrata.
É verdade? O que devo olhar em particular, as pinturas ou as esculturas?”. Idem, ibidem, pp. 133-35.
42
Charles-Edouard Jeanneret
Vistas do Palazzo Vecchio, Florença, c.
10 de setembro de 1907, 25 x 36 cm.
Arquivo da Fondation Le Corbusier.
Nicho com estátua de São Marcos, de
Donatello, na Orsanmichele, Florença,
outubro de 1907, 15,5 x 31 cm. Têmpera.
Arquivo da Fondation Le Corbusier.
43
John Ruskin
Interior da Basílica de São Marcos,
Veneza, 1877. Desenho e aquarela.
Arquivo The Ruskin Library.
Charles-Edouard Jeanneret
Interior da Catedral de Siena, 6 de ou-
tubro de 1907, 2o,6 x 21 cm. Aquarela.
Arquivo da Fondation Le Corbusier.
44
Outro desenho que podemos ler a partir de suas referencias ruskinianas é
aquele em que realiza no interior da Catedral de Siena, feito a lápis e intensamen-
te colorido em aquarela. Assim como o arquiteto inglês, o interesse novamente
sobre os elementos que compõem o edifício, destacando a importância de suas
cores e texturas e um menos preocupado em revelar sua espacialidade interna.
Finalmente, para servir de contraponto, é interessante verificar como o arqui-
teto representou o mesmo Campo dei Miracolo em Pisa, quando retornou à cidade
novamente em 1911, ao nal de sua viagem ao Oriente. Nesse segundo momento,
não é mais o edifício isolado nem seus detalhes e ornamentos que chama a
atenção de seu olhar; ele parece estar atento ao conjunto arquitetônico como um
todo e com a relação entre as construções, igualmente interessado em apreender
o espaço em sua totalidade. Essa preocupação é evidente na própria fatura do
desenho, nitidamente composto de poucos traços sumários, executado de manei-
ra mais rápida e aproximando-se de um esboço ou de um registro de uma idéia a
qual irá recorrer posteriormente.
Charles-Edouard Jeanneret
Duomo, Batistério e muro da Cartuxa,
Pisa, 1 de outubro de 1911. Arquivo da
Fondation Le Corbusier.
45
Desvios do Grand Tour na viagem ao Oriente
Diferentemente da viagem à Itália, realizada quatro anos antes e a partir da cuida-
dosa e precisa orientação de seu mestre na Escola de Artes de La Chaux-de-Fonds,
Jeanneret parece ter se lançado nessa empreitada de uma maneira menos amarra-
da a itinerários e rotas pré-estabelecidas; apesar de também se tratar de uma via-
gem de estudos, cuidadosamente planejada em parceira com seu amigo Auguste
Klipstein (1885-1951), um jovem estudante de história da arte que conhecera em
Munique pouco antes da partida, ela tinha um alvo certeiro. Em outras pala-
vras, ou ainda, nas palavras atribuídas ao próprio arquiteto no prefácio de Voyage
d’Orient, que foi ao mesmo tempo seu primeiro escrito e último livro publicado:
21
“Em 1911, Charles-Edouard Jeanneret, desenhista no ateliê de Peter
Behrens, em Berlim, decide com seu amigo Auguste Klipstein empreender
uma viagem cuja meta é Constantinopla.
22
A própria escolha dessa única imagem para ilustrar seu diário da viagem de 1911,
ano decisivo de sua formação como artista e arquiteto” como enfatiza no mesmo
prefácio, corrobora o desejo de que o destino nal da empreitada fosse a cidade
de Constantinopla-Istambul e não Atenas ou Roma. Foi concebida desde o início
como um Grand Tour às avessas, ao inverter os roteiros “clássicos” que os viajantes
europeus vinham fazendo desde o século XVIII.
Se os dois companheiros não permaneceram em outro lugar tanto tempo
quanto os cinqüenta dias que estiveram em Istambul, a organização do livro
sugere esse interesse: dos dezenove capítulos que o compõem A viagem do
Oriente, além dos dois primeiros introdutórios, quatro são dedicados ao desloca-
21 Escrito ainda durante sua viagem em 1911 na forma de dezenove pequenas crônicas para o perió-
dico La Feuille d’Avis, sua cidade natal, esses textos foram relidos e revisados pelo arquiteto em 17
de julho de 1965. Com o acréscimo de algumas poucas notas, Le Corbusier entrega os manuscritos
para publicação e parte de férias para sua casa na praia de Roquebrune, em Cap Martin. Quase seis
semanas depois, em 27 de agosto, falece durante banho de mar no Mediterrâneo. Coube ao amigo
e editor Jean Petit a publicação da primeira edição em livro, no início de 1966, como um pequeno
volume de formato quadrangular com 175 páginas e cujo único desenho era uma vista da fachada
principal da Mesquita de Suleyman em Istambul. Cf. Adolf Max Vogt. “Remarks on the “reversed”
Grand Tour of Le Corbusier and Auguste Klipstein”. Assemblage, n. 4, out. 1987, p. 38-40.
22 Le Corbusier, A viagem do Oriente. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 5.
46
mento de Viena aos países dos Bálcãs, dez se referem a Turquia e Istambul e os
outros ts ao Monte Atos, ao Parthenon e ao retorno para a Europa Ocidental.
Além disso, o inédito diário de viagem de Klipstein também apresenta semelhan-
te proporcionalidade: das cinqüenta e três paginas manuscritas, quarenta e três
delas são dedicadas à viagem dos Bálcãs à Istambul e somente as últimas dez tra-
tam das experiências no Monte Atos, em Atenas e a viagem de volta pela Ilia.
23
Foi Giuliano Gresleri quem se referiu a 1911 como “un viaggio alla rovescia,
termo empregado na introdução do livro por ele organizado Le Corbusier: Il viaggio
in Oriente, publicado em 1984 e que reúne em mais de 400 páginas toda a vas-
ta documentação referente a esse período, composto por desenhos, anotações e
correspondências, além de fotografias e cares postais cuidadosamente identi-
ficados pelo autor. Max Vogt também se apropria dele para se referir à viagem
de 1911 como um contraponto ao literalmente “clássico” programa do Grand Tour;
prática obrigatória na educação das elites européias desde o culo XVIII e que
consistia em atravessar os Alpes para estudar os mais significativos monumen-
tos do norte e centro da Itália, após uma longa estadia de semanas ou até meses
em Roma, o destino máximo da viagem.
24
Desde a geração romântica, quando da descoberta da música, da literatura e
da arte folcricas, tornou-se mais evidente como nem todos os caminhos neces-
sariamente levavam a Roma, ou ainda que houvessem caminhos principais,
bifurcações e desvios. Além disso, com o interesse crescente pela etnologia e
antropologia, a partir do nal do século XIX, os costumes e as músicas, cerâmica
e ornamentos, dialetos e casas rurais passaram a ser redescobertos e articulados
com grande entusiasmo pelos intelectuais, sobretudo em oposição aos referen-
23 Max Vogt, op. cit., p. 40.
24 [...] the Grand Tour appears a splendid though elitist crowning of the burgeois educational systhem of north-
ern Europe. The young, talented citizen from the north leaves his region of bad weather, material plenty, and
scientific progress and bows before the south, with its beautiful weather, its poverty, and its lack of progress,
and tries to appropriate the southern bounty of the past. Sun instead of rain, poverty instead of wealth, stag-
nation isntead of progress, the past instead of the present, the splendor of true culture instead of the practical
advantages of progress all these confusing contrasts between the European south and north seemed to
somehow fall in place and be reconcilied along the route across the Alps to Rome and back. And they seemed
to articulate themselves in keeping with the Hegelian thesis of the World Spirits self-enhancing move from the
(southern) Orient to the (northern) Occident. A unique series of French, English, German, and Scandinavian
travel diaries – so called Italian voyages – serves as testament, accompanied by a flood of travel sketches and
paitings.. Idem, ibidem, p.40.
47
ciais da arte clássica, e se inserindo no debate mais amplo entre “arte eruditae
“arte folclórica.
25
Durante os seis meses da expedição, além de textos nos quais registrava suas
impressões sobre tudo que lhe despertava a atenção, Jeanneret produziu também
registros gficos variados, uma verdadeira e complexa pesquisa sobre um uni-
verso tão fascinante quanto desconhecido, composto por cerca de 300 desenhos e
esboços distribuídos nos seis carnets abarrotados de comentários, além de quase
500 fotografias. Para Gresleri, o uso de uma Cupido 80 foi uma das grandes novi-
dades dessa viagem em relação à anterior:
“Apesar da “perfeição” de seus registros, na ansiedade de fazer melhor e
de compreender mais, a partir de 1908, adiciona aos instrumentos tradi-
cionais (lápis, caneta, aquarela) uma primeira máquina fotográfica hoje
perdida - que introduz na busca extemporânea de Jeanneret os fatores
“velocidade” e “síntese”: a velocidade mecânica de um instrumento que
consente em um breve átimo de fixar para sempre o estado de uma situ-
ação em um dado momento. É de fato a partir deste período, constatan-
do as conseqüências de tal velocidade em sua maneira de representar as
formas, que o desenho de Jeanneret se fará ainda mais rápido e sintético,
ao ponto que, a longo prazo, a mesma câmera é destinada a se tornar
“instrumento de preguiça”, e portanto abandonada. Por três anos, graças a
este rudimentar instrumento [...], a fotografia intervém na busca de Jean-
neret de modo sempre menos casual. Ele se entrega ao instrumento com
intuição, explorando sensibilidade, golpe vista e resolvendo no momento
os problemas técnicos que exigem método e recursos que não conhece.
Uma maneira abreviada de ler a realidade que permanece, de qualquer
modo, subordinada ao desenho, ao croqui e às notas nos carnets.
26
O interesse de Jeanneret pelos grandes monumentos de Istambul e Atenas e a
maneira de organização que orienta seus instrumentos de observação e análise
dos objetos, imerso em uma busca justificativa das origens, é um procedimento
de análise que também se aplica quando seu olhar se volta para a simplicida-
25 Idem, ibidem, pp.40-41.
26 Gresleri, “Viaggio e scoperta, descrizione e trascrizione”, p. 8. Nossa tradução.
48
de da arquitetura local, como nas habitações camponesas de Šipka (Hungria),
nas construções com balanços de Tarnovo (Bulgaria), as sacadas típicas da casa
turca, uma casa de verão em madeira na orla do Bósforo, a cor branca e o jogo
de cheios e vazios (le plein e le vide”) da arquitetura vernacular grega, além de
estruturas intermediárias como rótulas, treliças e gelosias. Para Gresleri, o inte-
resse antropológico pelo outro” e a experiência de alteridade que estão presentes
nesse deslocamento, expressos na observação cada vez mais atenta aos modos de
vida das populações ao longo da viagem, aponta para uma ruptura com a bar-
reira ideológica tradicional que estabelece um diferente grau de excelência aos
diferentes tipos de linguagem arquitetônica.
27
27 Idem, ibidem, p. 8.
Charles-Edouard Jeanneret
Casas rurais com páteo na região sérvia
entre Baja e Belgrano, 1911. Arquivo da
Fondation Le Corbusier.
Na páginas seguintes:
Casa camponesa ao redor de Kazanlak,
na região dos Balcãs, junho de 1911.
Arquivo da Fondation Le Corbusier.
Casa com janela guilhotina e paredes
brancas próxima a Šipka, na região
dos Balcãs, junho de 1911. Arquivo da
Fondation Le Corbusier.
Casa com beiral em Istambul
(Constantinopla), 1911. Arquivo da
Fondation Le Corbusier.
Istanbul a partir do Bósforo, 1911.
Arquivo da Fondation Le Corbusier.
50
51
Se esse roteiro traz novos desdobramentos em relação àquele trado em con-
junto com L’Eplattenier em 1907, muito dessas descobertas e interesses desse Grand
Tour alternativo deJeanneret não seria posvel sem o conhecimento adquirido
anteriormente nas viagens pela Alemanha, que o levou para Berlim e outras cida-
des importantes entre 1910-1911. Da mesma maneira que é tributária a decisiva
influência de Klipstein. Ainda segundo Max Vogt, que analisou o diário de viagem
de seu parceiro, essa “amizade bilíngüe que permaneceu ao teste do tempo, permi-
tiu conciliar planos de viagens e sobreviveu às adversidades e privações próprias
da viagem. Assinala ainda interesses compartilhados pelos dois jovens viajantes,
sobretudo com a possibilidade de encontrarem, nas cidades islâmicas mais impor-
tantes, uma arte “sem motivos literais”, ou seja, uma tradição da arte abstrata.
28
Parte dessas transformações pode ser verificada nos próprios textos que
Jeanneret escreve nesse período, afastando-se cada vez mais dos guias de via-
gens, adquirindo um matiz próprio, de relativa ambição literária, aproximando-
se do relato pessoal, de testemunho cheio de opiniões e inquietações. A mesma
variação pode ser encontrada nos registros gficos, que aos poucos vão deixando
de ser meros desenhos de observão para se tornarem desenhos investigativos,
próximos a esboço, revelando uma capacidade de apreender aquilo que com
poucos e precisos traços, em apanhar as anotações essenciais.
Foi em Istambul, destino imaginado desde sua partida em Berlim, que
Jeanneret produziu o maior número de desenhos e fotografias, por conta do perí-
odo de cinqüenta dias que permaneceu na cidade, quando constituiu uma roti-
na de estudos que incluía a confecção das crônicas as quais estava encarrega-
do, a produção e complementação de desenhos feitos e as visitas e explorações
arquitetônicas, em parte registradas em fotografias. Ao selecionar alguns desses
desenhos realizados em Constantinopla e em Atenas, estamos interessados no
diálogo que eles, de maneira geral, estabelecem com sua produção anterior, feita
28 The epoch of Romanticism lies far back in the past, when the intimate desire of sensitive souls found its final goal
in...enjoying...Constantinople. You [Jeanneret] will recall the long evenings when we fought over the definition
of culture and civilization...[...]In the course of the centuries we have forgotten what we owe to the Orient; only
secondary school education has preserved for the general public a purely external knowledge about Greece. But
this important educator [Erzieherin] forgot entirely that the Greeks developed to the height of perfection earlier
achievements, that they took over most of it, and that a more direct vehicle of those early high cultures is the pres-
ent Orient. The future is going to bring a great transformation in this eld, and above all the Oriental arts will
receive an appreciation equal to that Attic art and the art of Florence and Rome”. Max Vogt, op. cit., pp. 41-43.
52
apenas quatro anos antes, durante sua viagem à Itália. Seja na representação das
grandes mesquitas com suas cúpulas e minaretes ou mesmo outros monumen-
tos arquitetônicos, seja na percepção de suas relações com o entorno imediato,
ou ainda em vistas afastadas que permitem ver a silhueta da cidade em harmo-
nia com a natureza.
Charles-Edouard Jeanneret
Vista da Mesquita de Süleymaniye,
Adrianópolis, 191o. Arquivo da
Fondation Le Corbusier.
Estrada aos fundos da Mesquita de
Süleymaniye, Adrianópolis, julho
de 1911. Arquivo da Fondation Le
Corbusier.
53
1.4. Das viagens acadêmicas aos roteiros neocoloniais no Brasil
No caso específico do Brasil, o aparecimento das viagens de estudos, tidas como
etapa complementar na formação de artistas e arquitetos, está ligado ao modelo
de ensino praticado na Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro, instituição
muito triburia à matriz francesa, sobretudo no século XIX. Se o sistema fran-
cês de formação de artistas determinou a orientação de muitas das academias do
mundo ocidental, ele também permitiu a criação de um espaço privilegiado para
que os alunos estrangeiros pudessem aperfeiçoar seu aprendizado, fosse tecnica-
mente, de acordo com os preceitos de sua prática acadêmica, fosse pelo contato
direto com seu acervo e obras da tradição clássica.
29
Apesar de algumas experiências anteriores, esporádicas e avulsas, como as
viagens realizadas por alguns artistas no período colonial e cujo destino na maio-
ria das vezes era a própria capital da metrópole, foi somente a partir de 1845, com
a criação dos concursos anuais do “Prêmio de Viagemou de Primeira Ordem,
que o sistema de pensionato se oficializou na Academia Imperial de Belas Artes.
E bem aos moldes do Gran Prix de Rome, que era concedido pela Académie Royale de
Peinture et de Sculpture desde 1663, e pela Académie Royale d’Architecture desde 1720.
30
Uma vez premiado, o aluno seguia para uma temporada de estudos na Europa,
subvencionado pelo Estado durante toda sua estadia, que geralmente era de ts
anos. O futuro pensionista, em contrapartida, deveria enviar desenhos obrigató-
rios para avaliação dos professores brasileiros, quase uma prestação de contas
com a Academia brasileira das atividades desenvolvidas no exterior. Segundo
Sonia Gomes Pereira, que estudou a formação do arquiteto no século XIX, foram
realizados quinze concursos no período entre 1845 e 1887, sendo que eles ocor-
reram regularmente somente até 1850. A partir desse momento, os concursos
29 Sonia Gomes Pereira. “O ensino de arquitetura e a trajetória dos alunos brasileiros na École dês
Beaux-Arts em Paris no início do século XIX” in: 185 anos de Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ,
2001/2002, p.93.
30 Helena C. de Uzeda , “O ensino de arquitetura da Academia de Belas Artes: 1826-1889”, in: 185 anos
de Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001/2002, pp. 41-67.
54
acompanharam um pouco a própria movimentão das reformas da escola, e sua
periodicidade passou a ser a cada três anos, orientação que se manteve relativa-
mente inalterada a1878. O último concurso realizado no período monárquico,
no entanto, aconteceu nove anos depois, em 1887.
31
Do conjunto dos dezessete pensionistas nesta segunda metade do século XIX,
quase a metade dos premiados tinha especialidade em pintura, sendo o restante
composto por dois gravadores de medalhas, três escultores, além de quatro arquite-
tos. Em relação aos destinos escolhidos pelos artistas, houve uma preferência pelas
cidades de Roma, especialmente na década de 1840, e de Paris, a partir de 1860.
O primeiro vencedor, curiosamente, foi o aluno de arquitetura Antonio Batista
da Rocha (1818-1854), que já no ano seguinte, em 1846, partiu para uma tempo-
rada de três anos de estudos na Academie de France à Rome. Entre as atribuições
exigidas pela escola estavam “alguns desenhos de fragmentos antigos copiados
do original, no final do primeiro ano, e “uma composição cujo assunto ser-lhe-ia
determinado em tempo”, no ano seguinte.
32
José Rodrigues Moreira, aluno no Rio
de Janeiro, obteve premiações nas exposições organizadas na Academia e rece-
beu prêmio de viagem à França em 1862.
31 Sonia Gomes Pereira, op. cit., pp.93-94.
32 Alfredo Galvão. “Antigos alunos da Academia Imperial de Belas Artes”, in: Arquivos da Escola Nacional
de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1955, p.28. apud Helena Uzeda, op. cit., p.48.
Batista da Rocha
Detalhes do Templo Fortuna Virile, s/ data.
Nanquim e aquerela sobre papel. Arquivo do
Museu D. João VI / EBA / UFRJ.
55
Ao todo, incluindo aqueles estudantes que viajaram com recursos próprios ou
subvencionados pelo Estado, sete foram os brasileiros que embarcaram para a
École des Beaux-Arts de Paris no período. Desestimulados talvez pelo fato de, como
estrangeiros, não poderem concorrer ao Grand Prix, todos fracassaram em concluir
todas as etapas da formação e quase nenhum viria a se destacar profissionalmente,
como foi excepcionalmente o caso de ex-alunos da instituição francesa como Henry
Richardson e Louis Sullivan nos EUA, ou o espanhol Adolpho Morales de Los Rios no
Brasil
33
, que viria a ser o responsável pelo projeto da nova sede da Escola Nacional
de Belas Artes na avenida Central, no Rio de Janeiro, no início do século XX.
Apesar de todas as reformas institucionais e pedagógicas vividas pela Escola
com o advento da República, e as críticas ao curso de arquitetura no interior da
casa
34
, a tradição dos prêmios de viagem perdurou e se aprimorou. Um exem-
plo disso é a revisão das Instrucções para os prêmios de viagem aos alunos, em 1905,
durante as gestões de J. J. Seabra:
“Haverá anualmente um concurso para prêmio de viagem a Europa. Este
prêmio constituirá de uma pensão de prazo improrrogável de cinco anos
de estada na Europa. (...) Os alunos de arquitetura prestarão as seguintes
provas: 1
o
execução de uma composição decorativa, conjunto e detalhes
em escala determinada, no prazo de 8 horas; 2
o
esboço de projeto de edifí-
cio, de utilidade pública, feito no prazo de 6 horas; 3
o
desenhos completos
e definitivos do projeto indicado no esboço que constitui a segunda prova,
acompanhadas de orçamentos e memória descritiva, durante 60 dias, com
cinco horas de trabalho diário. (...) Os pensionistas de arquitetura serão
obrigados a enviar: 1
o
ano – desenho de ornatos em escala apreciável, estu-
dados diante de alguns monumentos da antiguidade clássica, medievais e
dos séculos XVI e XVII, existentes no país em que estiver o pensionista; 2
o
ano três restituições arqueológicas em conjunto e detalhes, de arquite-
tura, previamente indicadas pelo conselho escola; 3
o
ano freqüência em
obra civil importante e em execução, o que provará com atestado visado
33 Pereira, op. cit., pp. 98-107.
34
Helena Cunha Uzeda, “O curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes e o processo de mo-
dernização do centro da cidade do Rio de Janeiro no início do século 20”. Comunicação apresentada ao
Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, Salvador, 28 a 31 de outubro de 2007, p. 7.
56
pela legislação brasileira. Disso enviará à escola relatório circunstanciado,
com desenhos explicativos. 4
o
ano – projetos completos de três edifícios de
arquitetura civil, aplicáveis ao Brasil; 5
o
ano – projeto de aformoseamento
e saneamento de uma cidade, juntando, além dos desenhos, uma memó-
ria justificativa e orçamento da despesa provável.
35
Em 1914, durante a gestão de Rodolpho Bernardelli como diretor da ENBA, um
contra-projeto de regulamento foi estabelecido no sentido de uniformizar os pro-
cedimentos para todas as carreiras, ampliar a duração das sessões para as provas
de seleção e conceder maior liberdade na escolha e composição dos trabalhos dos
pensionistas a partir do último ano de sua formação no exterior: propomos que
o pensionista possa aproveitar o quinto ano, nas visitas aos museus, às galerias
e a todas as obras de Arte que lhe aprouver. Ainda que quase todos os capítulos
e artigos do regulamento tenham se mantido intactos, é interessante notar não
somente a atualização do vocabulário técnico, mas também uma mudança retó-
rica no termo relativo ao destino das viagens, de “Europa” para o “estrangeiro”.
36
Nas primeiras décadas do século XX, o ensino de arquitetura no Brasil ainda se
mantinha preso aos preceitos clássicos. Inclusive no interior das escolas politéc-
nicas. Na Escola Politécnica de São Paulo, criada em 1894, o curso de engenheiros
arquitetos funcionando efetivamente a partir do ano letivo de 1896/97, era inicial-
mente organizado em três anos de formação após o primeiro ano do curso geral.
Nos dois primeiros anos, as cadeiras Arquitetura Civil. Higiene das Habitações”
(1
o
ano) e “Elementos dos Edifícios. Composição Geral(2
o
ano), ministradas por
Ramos de Azevedo, além de um rol de conteúdos sicos, introduzia os alunos
aos princípios de composição e estudo dos tipos de edifício, seguindo o método
de projeto proposto por Durand em seu curso na Politécnica de Paris. No tercei-
ro ano, a cadeira “História da arquitetura. Estudo dos estilos diversos”, a cargo
de Maximiliano Hehl, oferecia um panorama das obras de arquitetura da anti-
guidade ao culo XIX, prevendo-se ainda a aplicação desses conhecimentos em
35 Escola Nacional de Bellas Artes. Instrucções para os premios de viagem aos alumnos, approvadas por aviso
de 23 de outubro de 1905. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1905, pp. 3-9. Documento disponível no
site http://www.dezenovevinte.net/documentos/ipv_1905.htm. Acesso em 22/6/2009.
36 Escola Nacional de Bellas Artes. “Instrucções para os concursos para premio de viagem ao estran-
geiro em 1914”. In Acta da Sessão do Conselho Docente, realizada em 9 de maio de 1914. Documento
disponível no site http://www.dezenovevinte.net/documentos/ipv_1914.htm. Acesso em 22/6/2009.
57
projetos em diferentes estilos, seguindo a metodologia da chamada Architecture
analytique.
37
Uma mudança nesse horizonte acadêmico francês de refencia foi prova-
velmente introduzida a partir dos anos 20, através de professores como Victor
Dubugras (1868-1933) e Alexandre Albuquerque (1880-1940). Professor da
Politécnica desde a sua fundação, Dubugras, que desde o século XIX notabilizara-
se por suas incures medievalistas e Art-Nouveau, foi um dos primeiros arqui-
tetos a aderir ao revival colonial, projetando importantes edifícios públicos e pri-
vados conforme a moda nacionalista. Albuquerque, por outro lado, foi de fato o
responsável pela incorporação definitiva da tendência no âmbito do ensino.
Com Alexandre Albuquerque, aliás, é possível encontrarmos uma mudança de
atitude pedagógica em relação as viagens que até então os estudantes realizavam
durante seus anos formativos. Formado engenheiro-arquiteto em 1905 e contem-
plado com prêmio de viagem à Europa no ano seguinte
38
, como professor da escola
a partir de 1917, parece ter redefinido a orientação dos estudos sobre arquitetura
brasileira entre os estudantes. Ao assumir as cadeiras de “História da Arquitetura.
Estética. Estilos” para os segundo e terceiro anos do curso ainda em 1919, passou
organizar e acompanhar seus alunos em viagens para cidades como Itanhaém,
Ouro Preto, Tiradentes e Congonhas do Campo com o intuito de aperfeiçoar o con-
tato com a arquitetura colonial através de desenhos e levantamentos realizados in
loco dos edifícios mais interessantes. Apesar destas “excursões técnicas” não terem
suas datas mencionadas, Maria Lucia Bressan Pinheiro acredita que tenham sido
realizadas entre os anos de 1921 e 1925, levando-se em conta os anos de formatura
de alguns de seus participantes. Tal iniciativa, inclusive, se antecipou em alguns
anos às viagens patrocinadas por José Mariano Filho aos jovens arquitetos cariocas
para as cidades históricas mineiras.
39
37 Ficher, op. cit., pp. 43-50.
38 Ficher, op.cit., p.100. Segundo a autora, os países visitados pelo recém formado foram Franca, Suíça,
Itália, Áustria, Hungria, Inglaterra, Bélgica e Holanda, de acordo com seus relatórios enviados de
Paris e Viena.
39 Entre o alunos que viajaram estavam Amador Cintra do Prado, formado em 1921; José Maria da
Silva Neves, em 1922; Alberto Sá Moreira, em 1924, Carlos Gomes Cardim Filho, em 1925. Cf. Maria
Lucia Bressan Pinheiro, Neocolonial, modernismo e preservação do patrimônio no debate cultural dos anos
1920 no Brasil. São Paulo: FAU-USP, 2005 (Tese de livre-docência), pp. 63-64.
58
Carlos A. Gomes Cardim Filho
Detalhe da porta externa da Igreja de
São Francisco de Assis em São João del
Rey, sem data. (Publicado no Boletim do
Instituto de Engenharia, n.63, p.64, agosto
de 1924).
José Maria da Silva Neves
Chafariz da Casa de Marília em Ouro
Preto, dezembro de 1922. (Publicado no
Boletim do Instituto de Engenharia, n.63,
p.6o, agosto de 1924).
59
A importância atribuída ao contato com as obras coloniais na formação dos
arquitetos pode ser resumida nas palavras do próprio Albuquerque, tal como se
no artigo Aleijadinho e a arte colonial, publicado no Boletim do Instituto de
Engenharia em agosto de 1930:
“Para estimular o colonial é preciso conhecê-lo. É necessário viajar e lon-
gamente meditar em frente de cada monumento. [...] Quem já viajou pelas
nossas cidades coloniais, quem conhece Ouro Preto, Mariana, Congonhas,
São João Del Rey, Tiradentes, para citar apenas algumas, sabe distinguir a
arte portuguesa aclimatada [...]”
40
Uma visão pedagógica do colonial que certamente contrastava com o interesse
arqueológico e luso-brasileirista do engenheiro Ricardo Severo pelo mesmo acervo
arquitetônico. No clima da campanha tradicionalista, Severo patrocinou as via-
gens de estudos do pintor e desenhista paulistano, ex-pensionista em Paris, José
Wasth Rodrigues (1891-1957), e do pintor italiano Alfredo Norni (1867-1944), com
o intuito, segundo Joana Mello, de tanto recolher subsídios para seus projetos tra-
dicionais, como para divulgar a arquitetura colonial no Brasil, vista como herdeira
direta das velhas tradições artísticas portuguesas.
41
Na introdução de seu livro
Documentário arquitetônico, publicado tardiamente em 1945, Wasth Rodrigues sugere
que as viagens a Iguape e Minas Gerais haviam sido realizadas em 1918 e sob orien-
tação de Otto Weiszflog. Em resposta ao inquérito “Arquitetura Colonial” realizado
pelo jornal O Estado de S. Paulo em abril de 1926, Wasth Rodrigues assinalou que:
“Não é de hoje, que estudo a arquitetura antiga do Brasil. (...) De nove anos
a esta parte é nessas pesquisas que se absorve todo o meu tempo e se
concentra o meu maior interesse. Tenho feito, para recolher dados docu-
mentários, repetidas viagens ao litoral e ao interior de São Paulo, a Minas,
ao Rio e ao norte do país. Em Minas, - manancial inesgotável de documen-
tação arquitetônica, os principais núcleos da arte e tradições antigas são
40 Alexandre Albuquerque, “Aleijadinho e a arte colonial”, Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo,
ago.1930, pp.59-61. Apud Maria Lucia Bressan Pinheiro, op. cit., p.64.
41 Joana Mello. Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira. São Paulo: Annablume/
FAPESP, 2007, pp. 65-6, passin.
60
Mariana, São João d’El Rey e Diamantina, sem falar em Ouro Preto, o mais
importante de todos (...). Além de Minas mereceram-me escrupulosa aten-
ção – uma atenção religiosa – o Rio, com seus templos magníficos, a Bahia
– formidável empório de arte, principalmente do século XVII com as mais
belas jóias arquitetônicas do país; Recife, São Luís e Belém do Pará de que
guardo, na retina, pela impressão que me causaram, imagens mais vivas
do que as fixadas pela pena, nesses desenhos, relíquias de minhas viagens
pelo Brasil na procura solícita de elementos para o estudo da arquitetura
colonial.
42
Se assim era em São Paulo, também no Rio de Janeiro as pesquisas em torno da
arte e da arquitetura colonial, desenvolvidas no interior da ENBA desde o início do
século XX pelo historiador Ernesto da Cunha Araújo Vianna, frutificariam a partir
da cada de 1920 em torno da figura de José Mariano Filho. Médico de formação,
jornalista e professor da ENBA, da qual viria a se tornar diretor em 1926, teve par-
ticipação ativa em organizações de artistas e arquitetos no Rio de Janeiro, lideran-
do no início da década de 1920 a campanha em prol da arquitetura neocolonial. A
partir de 1921, organizou no interior do Instituto Central de Arquitetos uma série de
concursos de projetos inspirados em temas nacionais, como “Uma casa brasileira
(1921), “Um solar brasileiro” (1923), “Mobilrio D.João V, da sala de estar”, “Monjope”
e “Mobiliário Manuelino, da sala de jantar” (1925). Segundo Paulo Santos, em 1924,
“Animado pela repercussão do concurso, José Mariano, valendo-se da pre-
sidência da Sociedade Brasileira de Belas Artes, comissionou e foi um
gesto de acerto vários arquitetos para empreenderem viagens de Minas
com o fim diz uma notícia de então de coligir ‘documentos que muito
poderão auxiliar as futuras composições de arquitetura tradicional’. Nes-
tor de Figueiredo, para São João Del Rey; Nereu de Sampaio para Ouro
Preto; Lucio Costa para Diamantina.
43
42 “Arquitetura colonial”, O Estado de S. Paulo, 16 de abril de 1926. Apud Maria Lucia Bressan Pinheiro,
O neocolonial e suas relações com o modernismo e com a preservação do patrimônio no Brasil/ São Paulo:
FAPESP/FAU-USP, 2004, p.93 (Relatório Final de Pesquisa)
43 Santos, op. cit., 1960, p.16.
61
Segundo Pinheiro, Nereu de Sampaio teria embarcado para Congonhas do Campo
e Nestor de Figueiredo para Ouro Preto.
44
Em todo caso, em entrevista concedida
por este último ao Correio da Manhã, em 23 de fevereiro de 1924, fica clara a inver-
são deliberada do roteiro tradicional da viagem ao exterior tendo em vista um
objetivo duplo: renovar a arquitetura brasileira e iniciar o processo de documen-
tação sistemática do patrimônio histórico nacional:
“O olhar do passado o deverá ser feito somente no estrangeiro, porque
dentro da nossa Pátria possuímos matéria de sobra como fonte de nossas
inspirações. Repito, não pretendemos ser arqueólogos, fazendo ressusci-
tar formas arquitetônicas antigas: pretendemos apenas organizar o mate-
rial necessário para a formação da futura arquitetura do Brasil, e pres-
tar sobretudo uma digna homenagem aos nossos artistas da era colonial
estudando com carinhosa dedicação as suas maravilhosas produções e
permitindo à nossa Pátria a oportunidade de iniciar o estudo sistemático
de seus monumentos artísticos. Em minha viagem a Ouro Preto pretendo
ao lado dos trabalhos gráficos que irei fazer, organizar uma memória his-
tórica sobre os seus principais edifícios de valor arquitetônico. Para esse
fim pretendo pesquisar cuidadosamente os arquivos mineiros a fim de que
possamos avaliar o valor exato de suas obras através de um cuidadoso
estudo dos fatos sociais que levaram aquela histórica cidade mineira a
construir os seus monumentos com tão elevada intuição artística.
45
Outro estudante agraciado com o patronio de José Mariano, foi Lucio Costa, que
se formaria pouco depois ao nal daquele ano. Seguiu de trem em uma viagem
de mais de 30 horas, hospedando-se em Diamantina no hotel Roberto e muni-
ciando-se de cartas de recomendação do Presidente da mara da cidade e do
arcebispo Joaquim Silvério de Souza. Em entrevista concedida ao jornal carioca A
Noite em 18 de junho de 1924, Costa assim se refere à experiência:
44 Pinheiro, op. cit, 2004, p.137.
45 “Estudando a architectura tradicional brasileira. Uma sympathica iniciativa de José Marianno Filho
que vae agora ser realizada. Fala-nos o architecto Nestor de Figueiredo”. Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 23/2/1924.
62
“De minha viagem a Diamantina, e pequena demora em Sabará, Ouro Pre-
to e Mariana, tentarei apenas dar as impressões gerais que tive e as idéias
que elas me sugeriram, sem entrar em detalhes técnicos que somente aos
arquitetos podem interessar. Confesso-lhe que foram muitas as surpre-
sas. Encontrei um estímulo inteiramente diverso: desse colonial de estufa,
colonial de laboratório, que nesses últimos anos surgiu e ao qual, infe-
lizmente, já se eshabituando o povo, a ponto de classificar o verdadei-
ro colonial de inovação.(...) Apreciando as construções de outros tempos,
dos tempos em que se construía sem a preocupação de chamar a atenção
pela extravagância das formas e pelo alarde das cores, senti em toda a sua
plenitude o disparate de certos edifícios, alguns muito belos, mas de um
estilo que absolutamente não se adapta ao nosso clima. Acho lindos os
telhados ângulo normandos cobertos de ardósia; telhados de muito ponto,
muita inclinação. Têm um encanto todo especial e muito concorrem para
a impressão de aconchego que têm os “cottages” ingleses. Sim... mas olhe
um pouco para esse nosso céu! O nevoeiro, a neve, o frio são coisas que
não se podem importar. A beleza absoluta não existe. O que num lugar
está bem, noutro pode parecer ridículo. Pena é que algumas pessoas não
possam isso compreender. E o que ainda faz mais pena é que essas “algu-
mas pessoas” sejam tanta gente.
46
46 “Um architecto de sentimento nacional. Lucio Costa e sua excursão artística pelas velhas cidades
de Minas. Considerações sobre o nosso gosto e estylo.A Noite, Rio de Janeiro, 18/6/1924, s.p.
63
Lucio Costa
Desenho de porta com treliça,
Diamantina, 1924. Arquivo Casa de
Lucio Costa.
Passadiço da Glória, Diamantina, 1924.
Aquarela. Arquivo Casa de Lucio Costa.
Na página anterior:
Cartão do Presidente da Câmara de
Diamantina, Juscelino da Fonseca, 10
de maio de 1924. Arquivo Casa de Lucio
Costa.
Na página seguinte:
Muxarabis apoiados em espeques em
rua nos subúrbios de Diamantina, 1924.
Arquivo de José Marianno Filho.
64
65
O caráter de iniciação que a viagem parecia trazer ao jovem Lucio Costa, aluno
destacado ao longo de seu curso na Escola Nacional de Belas Artes, é evidente.
Tratava-se de romper com visões estereotipadas do colonial, pesquisando deta-
lhes que, “convenientemente documentados” poderiam concorrer para melhor
definir a nossa arquitetura, desde que conciliados com o “rafnement da vida
moderna. Até porque, continua ele,
“Na sua criação o arquiteto precisa levar em consideração tanto o pre-
sente, como o passado e as tendências futuras. É preciso aproveitar o que
herdamos de nossos avós. Mas fazê-lo conservando antes que tudo a bele-
za das proporções: proporções gerais onde as linhas horizontais domi-
nam, dando ao todo uma impressão de calma e tranqüilidade; proporções
secundárias como por exemplo nos vãos, fazendo-os menos alongados
e mais próximos à beirada. Conservando enfim esse conjunto de pequeni-
nos nadas que, entretanto, são tudo e que encerram, na sua insignificância
uma qualquer coisa de imaterial, uma qualquer coisa que a obra de arte
contém e que não se sabe ao certo o que é: mas que comove e atrai.
47
Foi com lições do passado como estas, colhidas tendo claramente em vista as
razões de ser da arquitetura, que o jovem Lucio Costa embarcaria em 1926 para
uma longa viagem pela Europa, e alguns anos depois viria a liderar epidios
como a reforma do ensino na Escola Nacional de Belas Artes, a construção do
Ministério da Educação e Saúde e os trabalhos de classificação do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
47 “Idem, ibidem, s.p.
[
2
]
ARQUITETURA NAS
VIAGENS AO POPULAR:
MISSÃO DE PESQUISAS
FOLCRICAS | 1938
68
Luiz Saia
Paisagem não-identificada. Missão de
Pesquisas Folclóricas, mar./jun. de 1938.
Arquivo do Centro Cultural São Paulo
(CCSP).
<
69
Apesar de encerrar o capítulo anterior com algumas viagens realizadas por
arquitetos brasileiros ao longo das primeiras décadas do século XX, e sobretudo
aquelas patrocinadas pelo movimento neocolonial, tais viagens ainda podem ser
lidas como um dispositivo de formação próximo ao modelo do Prix de Rome, de
acentuado caráter operativo na sua preocupação de aprendizado a partir do con-
tato in loco com as obras canônicas.
1
No entanto, elas traziam uma novidade: de fato, não era mais a Europa e
nem sua arquitetura clássica que atra os estudantes premiados nem o jovens
arquitetos locais. A inversão deste referencial anterior permitiu que outros des-
tinos passassem a ser privilegiados pelos viajantes, muitas vezes dentro de suas
próprias fronteiras territoriais, locais ou nacionais. O que, no caso especifico do
Brasil, os conduziria a edificações e cidades do período colonial.
Assim, por mais que as passagens de Nestor de Figueiredo, Nereu Sampaio ou
Lucio Costa pelas cidades históricas mineiras, a partir de 1924, todas patrocina-
das por José Mariano Filho através da Sociedade Brasileira de Belas Artes, fossem
para pesquisar os elementos da nossa arquitetura do passado, a viagem ainda
era concebida a partir do registro anterior. Mantinha, desse modo, seu caráter
eminentemente didático, voltado para a complementação de uma formação em
grande parte tributária da história dos estilos presente nos manuais, tratados,
inventários etc., ainda que no caso, o resultado visado não se restringisse à for-
mação individual, mas se alargasse à constituição de um acervo visual alterna-
tivo, passível de ser incorporado ao ensino e à prática, uma vez que ausente do
repertório acadêmico.
O que nos interessa assinalar no momento são as significativas alterações pelas
quais a representação e a interpretação do Brasil passaram com a ascensão de
uma perspectiva modernista da cultura, a partir da década de 1920. Com efeito,
as viagens neocoloniais são contemporâneas ao aparecimento de um outro olhar e
novas práticas de viagem, nas quais o esforço de desvendamento do país e pesqui-
sa dos elementos nacionais ultrapassava os referenciais tradicionais do meio e da
raça em um processo de atualização estética e intelectual da alta cultura.
1 Ainda que na origem, o Grand Tour, como formação básica dos gentlemen e honnete homme, não fosse
tão operativo assim, possuindo uma dimensão formativa mais larga, de formação do ethos civiliza-
do, com seus valores, padrões de gosto refinados pelo contato com os clássicos. Cf. Capitulo 1, supra.
70
Antonio Candido, em seu ensaio “Literatura e cultura de 1900 a 1945, escrito
originalmente como um “panorama para estrangeiros”, reconhece a importância
que “a arte primitiva, o folclore, a etnografia tiveram na definição das estéticas
modernas, muito atentas aos elementos arcaicos e populares comprimidos pelo
academicismo”, e que no caso do Brasil, ou ainda estavam vinculadas à vida coti-
diana ou eram reminiscências vivas de um passado recente. Neste sentido,
“[...] O habito em que estávamos do fetichismo negro, dos calungas, dos
ex-votos, da poesia folclórica, nos predispunha a aceitar e assimilar proces-
sos artísticos que na Europa representavam ruptura profunda com o meio
social e as tradições espirituais. Os nossos modernistas se informaram pois
rapidamente da arte européia de vanguarda, aprenderam a psicanálise e
plasmaram um tipo ao mesmo tempo local e universal de expressão, reen-
contrando a influencia européia por um mergulho no detalhe brasileiro.
2
Neste sentido, as viagens realizadas por Mário de Andrade na década de 1920
para Minas Gerais, em 1924, acompanhado de outros modernistas, assim como
para o Norte e Nordeste do país, em sua experiência de turista aprendiz”, em
1927, 1928 e 1929 – são aqui relevantes porque anunciam, de certo modo, aquelas
realizadas na cada seguinte pelo estudante de arquitetura Luiz Saia, a ser-
viço do Departamento de Cultura da Municipalidade então dirigido pelo autor
de Macunaíma. Neste sentido, este capitulo irá apresentar tanto essas primeiras
viagens quanto os deslocamentos aos arredores de São Paulo, a partir de 1937, no
âmbito das primeiras pesquisas de patrimônio para o recém-criado Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), e particularmente a expe-
dição enviada ao Norte e Nordeste do Brasil em 1938 pelo Departamento de
Cultura, denominada Missão de Pesquisas Folclóricas.
Além disso, iremos focalizar a participação decisiva de Luiz Saia, que desde
1936 era auxiliar de Mário nas pesquisas de patrimônio e que viria a se tornar o
chefe da expedição, contribuindo com levantamentos arquitetônicos registrado
em cadernetas de campo e fotografias.
2 Antonio Candido, “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, Literatura e sociedade: estudos de teoria e historia
literária, São Paulo, T.A. Queiroz, 2000, p.121.
71
2.1. Mario de Andrade:
do turista aprendiz às viagens técnicas do Patrimônio
No caso do modernismo brasileiro, é possível armar que as viagens tiveram
uma imporncia fundamental na formação e transformação de muitos de seus
membros, repercutindo diretamente na vida e na obra de escritores, artistas,
músicos, etc. A aproximação com realidades diversas daquelas encontradas na
cidade de São Paulo, a possibilidade do contato com o outro, o próprio questio-
namento de suas esferas de pertencimento, enfim, tais deslocamentos apresen-
tam um caráter fortemente etnográfico, restabelecendo novas fronteiras entre as
esferas. De acordo com Telê Ancona Lopez,
“Para o modernista Mário de Andrade, empenhado em entender a reali-
dade brasileira dentro de um quadro latino–americano e em traçar, na
medida de suas possibilidades, as coordenadas de uma cultura nacional,
tomando o folclore e a cultura popular como instrumentação para seu
conhecimento do povo brasileiro, foi muito importante unir pesquisa de
gabinete e vivência de vanguardista metropolitano ao encontro direto
com o primitivo, o rústico e o arcaico, que, em seu enfoque dialeticamente
dinâmico, puderam lhe valer como indícios de autenticidade cultural.
3
Segundo Mônica Cristina Ribeiro, que estudou a relação das viagens com a rea-
bilitação do primitivo na obra de Mário de Andrade, a busca quase arqueológica de
características genuinamente brasileiras estava associada à idéia da recuperação
de um passado e uma tradição cujos vestígios se encontravam diluídos na cultura
popular, identificáveis a partir da língua falada, da música, das artes plásticas etc.
4
3 Tele Ancona Lopez,“”Viagens etnográficas” de Mário de Andrade” in Andrade, Mário. O turista apren-
diz. São Paulo: Duas Cidades / Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976, p. 15.
4 Mônica C. Ribeiro, Arqueologia modernista: viagens e reabilitação do primitivo em Mário e Oswald de An-
drade, Campinas, Departamento de Antropologia do IFCH-UNICAMP, 2005, pp.41-2.
72
A segunda viagem de Mário ao Nordeste, realizada entre dezembro de 1928 e
fevereiro de 1929, localizada “entre a missão cultural, a campanha etnográfica, a
visita aos amigos distantes e a às terras inspiradoras”, permitiu a Mario “rear-
mar-se em sua disposição de erncia como prática do despaisamento, no vagar
pelas ruas das cidades, ao sabor de suas sensações, na condição de um obser-
vador da própria experiência de viver e sentir o país.
5
Como observou George
Dantas e José Lira:
“O cronista-turista do século XX, reconhecia Mário, não tinha mais terras a
desbravar, territórios a descobrir e ncar posse. Restava a incorporação do
Brasil à sua vivência, o conhecimento, registro e análise crítica da cultura
popular, deste território de experiências e práticas que subjaziam à clivagem
de uma sociedade moldada à européia e que ainda assim sobrevivia nas nor-
matizações civilizadoras que animavam os processos de ‘desconstrução da
cidade colonial’ na Primeira República [...] nas cidades nordestinas.
6
As viagens de “descoberta” para Minas Gerais
Se até 1919 as viagens do escritor se restringiam a destinos familiares como
Araraquara, Santos, Osasco, Pirassununga, Fazenda da Barra ou Poço de Caldas,
naquele ano Mário de Andrade fez sua primeira viagem significativa, quando
seguiu para Minas Gerais no mês de junho, visitando as cidades de Ouro Preto,
Mariana, Congonhas e São João Del Rey.
7
Se os itinerários anteriores diretamente
associados a compromissos afetivos e sentimentais, naquele momento o escritor
5 George Dantas e José Tavares Correia de Lira, “Contrastes e encontros: história, cultura e cidade
no Nordeste (Natal e Recife, 1928-29) in Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR, Rio de Janeiro,
2001, v.2, pp.636-637.
6 Idem, ibidem, p.637.
7 “Na infância e na adolescência, a viagem era as ferias em Araraquara, na casa de parentes, e foi a
descoberta imensa do mar. Congregado mariano e professor no Conservatório, a geografia pouco
se dilata: excursões a Osasco, Pirassununga, Fazenda Barra e, em 1918, “estação das águas” em
Poços de Caldas com a mãe e os irmãos, acabado o luto do pai. A primeira viagem maior de Mário
de Andrade, em 1919, é ao barroco mineiro, passando pela casa de Alphonsus de Guimaraens, em,
Mariana, a quem justifica o peregrinar. Preparava-se para futuras conferências, estudava.”. Cf. Telê
Ancona Lopez, “ As viagens e o fotógrafo” in ANDRADE, Mário. Mário de Andrade: fotógrafo e turista
aprendiz. São Paulo: IE/USP, 1993, pp.109-119.
73
estava preparando sua conferência A arte religiosa no Brasile, ressentindo-se
da escassez da documentação e reprodução existentes, decidiu verificar in loco a
arte e a arquitetura do passado colonial.
8
Podemos dizer que esta viagem antecede, inclusive, aquelas patrocinadas
pelos defensores do neocolonial, viagens de documentação e de estudo da arquite-
tura colonial, a exemplo do artista Wasth Rodrigues e do arquiteto Pryzyrembel,
enviados por Ricardo Severo para Minas Gerais, ou das patrocinadas por José
Mariano Filho no começo da década de 1920.
No entanto, aquela que nos interessa estudar, primeiramente, é a chamada
“viagem de descoberta do Brasil, também para Minas Gerais, mas no s de
abril de 1924, durante os festejos da Semana Santa. O grupo que acompanhou
o poeta franco-suíço Blaise Cendrars era composto, além de Mário de Andrade,
de modernistas como Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, além do deputado
Paulo Duarte, da mecenas das artes em São Paulo D. Olivia Guedes Penteado,
entre outros.
9
Esta viagem representou uma guinada importante para o modernismo bra-
sileiro no enfoque nacionalista anterior, porque travejada pelo influxo das van-
guardas contemporâneas.
10
Nela, um novo olhar para a arquitetura colonial
se afirmava, não mais tributário da matriz lusitana erudita como em Ricardo
Severo, nem de sua suposta herança mourisca ou adaptação ao meio climático
e contribuição bralica, como para José Mariano e os adeptos do neocolonial.
Doravante o legado artístico colonial passava a ser visto não como um estilo
acabado, mas como produção híbrida, ou antes, popular, e a arquitetura barroca
reinterpretada como universo aberto à intervenção de cristãos e pagãos, artistas
e artesãos, europeus, ameríndios e africanos.
11
A descoberta do Brasil através da viagem, fosse por estrangeiros ou brasilei-
ros, que afinal eram sempre estrangeiros ou exilados em sua própria terra, como
8 Mário de Andrade. A arte religiosa no Brasil. São Paulo: Experimento/ Giordano, 1993.
9 Amaral Aracy, Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas, São Paulo, Editora 34,1997. Alexandre Eulálio, A
aventura brasileira de Blaise Cendrars, São Paulo, Edusp/Imprensa Oficial, 2001. Marlyse Meyer, “Um eterno
retorno: as descobertas do Brasil” in Caminhos dos imaginário no Brasil. São Paulo, Edusp, 2001, pp.19-46.
10 Souza, Gilda de Mello e. “Vanguarda e nacionalismo na década de 20”, Exercícios de Leitura. São Paulo:
Duas Cidades, 1980, pp. 256-259.
11 José Tavares Correia de Lira “Naufrágio e Galanteio: viagem, cultura e cidades em Mário de Andrade
e Gilberto Freyre”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 20, n.57, p. 146.
74
rio de Andrade
Desenho da Igreja do Carmo em S. João
d’el Rei, realizado durante a viagem a
Minas, em abril de 1924. Arquivo Mário
de Andrade IEB/USP.
75
sugeriu Marlyse Meyer, vinha justamente da possibilidade aberta pela nova sen-
sibilidade modernista de reencontro do primitivo como lugar do novo e do misté-
rio, onde quer que ele estivesse:
“’Por ocasião da descoberta do Brasil’ Oswald de Andrade explora ‘roteiros,
roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros’... O roteiro de ‘Minas
redescobertas’, a paisagem monumentalizada pelos ‘profetas do Aleijadi-
nho’... A Amazônia da Cobra Norato. A São Paulo dos imigrantes, ocupan-
do Brás, Bexiga e Barra Funda.
12
As viagens etnográficas ao Norte e Nordeste
Em 1927, rio de Andrade viajou para a Amazônia para pesquisar e estudar as
lendas indígenas, que conhecia a partir dos escritos do etnólogo Koch-Grünberg,
enquanto preparava a revisão de seu livro Macunma, publicado em 1928. Ao final
deste ano, enquanto desenvolvia seus estudos sobre música folcrica brasileira,
ao se deparar com a precariedade dos registros de canções e melodias populares,
o escritor paulista lançou-se numa pesquisa de campo que percorreu o Norte e o
Nordeste brasileiro, recolhendo documentos musicais.
13
Planejada inicialmente para o ano de 1926, como um desdobramento possível do
crescente interesse de Mário pelo folclore e pela cultura popular, fosse pela leitura
da bibliografia mais atualizada sobre o tema ou pela coleta de material de música
folclórica, a primeira viagem acabou se realizando somente no ano seguinte, entre
maio e agosto, seguindo o calendário das principais danças draticas da região.
Se o escritor havia pensado uma viagem de cunho etnográco, a ser fei-
ta com o mesmo grupo de modernistas que havia visitado as cidades mineiras
anos antes (exceto o poeta suíço Blaise Cendrars), a excursão que tomou par-
te ficou reduzida à companhia de D. Olivia Guedes e as adolescentes, Dolur e
Mag, respectivamente a filha de Tarsila do Amaral e a sobrinha da mecenas dos
modernistas. E neste sentido, a viagem acabou ganhando um outro desenho,
12 Marlyse Meyer. op. cit., 1993, p.26
13 Mário de Andrade. O turista aprendiz. Estabelecimento de texto, introdução e notas de Telê Porto
Ancona Lopez. São Paulo: Duas Cidades, 1983
76
mais distante dos objetivos de seu projeto, tomada por muitos eventos oficiais de
recepção à “rainha do cafée limitada pela diferença de interesses e disposição
entre seus participantes. De volta a São Paulo, Mário publicou suas observações
e notas de viagem no recém-criado Diário Nacional, numa coluna por ele intitula-
da de “O turista aprendiz”.
14
Publicada em paralelo à realização da viagem, uma
outra idéia de turismo se entreem seus relatos: à diferença do turista tra-
dicional, que se orienta por itinerários convencionais e altamente controlados,
mesmo quando em zonas exóticas ou pitorescas, a viagem agora traz em seu
interior uma preocupação de conhecimento. Não é diletante, ainda que apresente
uma dimensão de mistério e aventura, de empreendimento livre e despoliciado,
porque o roteiro dele exige uma predisposição para com os lugares de destino,
uma disponibilidade para com o outro, o abrir-se mão da bagagem de partida em
nome do aprendizado com ele.
No entanto, foi entre dezembro de 1928 e fevereiro de 1929 que se realizou a
viagem mais produtiva do ponto de vista da pesquisa de campo, quando rio
decidiu voltar para o Nordeste, sozinho desta vez, para dar prosseguimento aos
seus estudos sobre música folclórica brasileira. Partindo de São Paulo, o escri-
tor viajou como correspondente do Diário Nacional pelos estados de Pernambuco,
Rio Grande do Norte e Paraíba, onde pode recolher documentação a partir dos
ensaios e representações de danças dramáticas.
Em seu trabalho sobre as aproximações entre Mário de Andrade e Gilberto
Freyre a partir de uma leitura cruzada dos diários e crônicas redigidos pelo escri-
tor paulista e do Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, publicado pelo
sociólogo pernambucano em 1934, José Lira utiliza-se da metáfora do náufrago
para descrever a sensação de rio durante sua experncia de deslocamento
pelo Nordeste, aquele “oceano em que caía da jangada. Para o autor, tal imagem
“repercute o estágio de campo desta viagem etnográfica e feita de total disponibi-
lidade e pouco método, de colheita paciente, minuciosa e sem preconceitos, bem
diferente da preguiça criativa na viagem pela Amazônia.
15
Em outras palavras:
14 Cf. Tele Ancona Lopez, “Viagens etnográficas” de Mário de Andrade in ANDRADE, Mário, O turista
aprendiz, São Paulo, Duas Cidades / Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976, pp. 15-23.
15 José Tavares Correia de Lira. “Naufrágio e galanteio: viagem, cultura e cidades em Mário de Andrade e
Gilberto Freyre”. Texto apresentado ao XXVII Encontro anual da ANPOCS, outubro de 2003, p.2. (mimeo).
77
“[...] A viagem não apenas aprofundava a cisão primitivista na posição de
vanguarda, mas afirmava uma descontinuidade cultural: a relatividade de
códigos impunha-se à experiência constitutiva da divisão entre o coloni-
zador e o colonizado, a civilização moderna e a tradição popular, a viagem
definindo-se com algo mais que um afastamento espacial, mera mudança
de lugar em um mesmo mundo; mas como “uma empreitada no tempo”,
transformação e diferenciação de se próprio mundo na impossibilidade da
experiência e conhecimento do outro.
16
Um outro aspecto a ser destacado nessa segunda viagem ao Nordeste foi a profícua
interlocução entre Mário e seus amigos folcloristas: Luís da Câmara Cascudo (1898-
1984) e Antônio Bento de Araújo Lima (1902-1988) em Natal, Ademar Vidal, Joaquim
Inojosa e José Américo de Almeida em João Pessoa, Ascenso Ferreira e Cícero Dias,
no Recife e Jorge de Lima em Maceió. As contribuições foram as mais variadas,
desde convocar cantadores para uma apresentação, freqüentar os seus espaços
próprios de realização, fechar o corpo em um terreiro de xangô ou mesmo fornecer
pistas para o prosseguimento de sua pesquisa. Segundo Álvaro Carlini, para além
do seu imediato interesse musical, Mário também deixou registrado em seu diário
algumas anotações relativas à arquitetura e às condições de vida e trabalho do
homem nordestino.
17
Em toda parte os monumentos ainda mal catalogados de arte
e arquitetura religiosa do período colonial chamavam-lhe a atenção. O turista ves-
tia-se de preservacionista em plena era das demolições de velhas igrejas em meio
às reconstruções ecléticas e reformas urbanas de caráter viário em cidades como
Recife e Salvador.
18
Também a arquitetura popular foi amplamente registrada:
“Posou na frente de algumas dessas casinhas de palha de Boa Viagem com
Ascenso e Inojosa, em 15 de maio de 1927. Em 28, de saída para Igaraçú,
também reparou nas casinhas à borda da estrada, evoluídas do mocambo.
Na beira as casinhas não param, mais novas, evolução do mocambo. Nos
frontões delas, sempre um instinto de agradar pinta rosetas, florões, quan-
16 Idem, ibidem, p.2.
17 Álvaro Carlini. Cante lá que gravam cá: Mário de Andrade e a Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938. São
Paulo, FFLCH-USP, 1994, p.21.
18 Dantas e Lira, op. cit., 2001, p. 646.
78
rio de Andrade
Mocambos, 1927. Arquivo Mário de
Andrade IEB/USP.
Ascendo Ferreira, Mario de Andrade
e Joaquim Inojosa na praia de Boa
Viagem, Recife, 15 de maio de 1927.
Arquivo Mário de Andrade IEB/USP.
“Pra se morá cum seu bem”. Casa na
estrada de Maranguape, Fortaleza, 5
de agosto de 1927. Arquivo Mário de
Andrade IEB/USP.
Convento de Catolé do Rocha (PB), 1929.
Arquivo Mário de Andrade IEB/USP.
Palácio Joaquim Nabuco, Recife, 1927.
Arquivo Mário de Andrade IEB/USP.
79
do senão quando um passarinho, variadas e iguais, boas da gente estudar
com descanso”. (...) Evolução, portanto, que em meio ao modelo, produzem
a variedade e a graça.
19
Os resultados de sua pesquisa nessa viagem etnogfica, entretanto, não foram
publicados tão logo regressou a São Paulo. A intenção de Mário, no caso, era
publicar um compêndio de música folclórica brasileira, numa edão que se
chamaria Na pancada do ganzá. Entre 1929 e 1935, quando assume a direção do
Departamento de Cultura, o escritor adiou mais de uma vez seu retorno ao
Nordeste do país para complementar sua pesquisa, ainda que, naquela altura, já
tivesse tomado anotação de aproximadamente 1000 melodias folclóricas.
20
Apesar dos seguidos adiamentos da viagem neste período, em sua maioria,
devido à sobrecarga de suas atividades profissionais, Mário continuou seu estudo
sobre música folclórica nacional, escrevendo parte de sua obra, sobretudo a partir
de 1934.
21
A partir daí, passou a trabalhar intensamente no livro e decidiu que iria
realizar a viagem somente quando o texto estivesse avançado, atribuindo ao retor-
no também a possibilidade de preencher as lacunas da pesquisa. No entanto, ao
planejar a viagem para o final de 1935, o escritor não imaginou que a partir de maio
daquele, ano, com sua dupla nomeação para Diretor Geral e Chefe da Divisão de
Expansão Cultural do Departamento de Cultura, as exigências administrativas da
nova instituição iriam absorvê-lo por completo, adiando mais uma vez sua viagem.
19 Idem, ibidem, p. 649.
20 Com o falecimento de Mário de Andrade em 1945, o projeto original acabou sendo reorganizado por
Oneyda Alvarenga, sua dileta colaboradora na Discoteca Pública Municipal, e publicado em partes.
Cf. Oneyda Alvarenga (org.), “Introdução” in Andrade, Mário. Os cocos. São Paulo: Duas Cidades, 1984,
pp.16-18; Carlini, op. cit., 1994 , pp. 26-37.
21 Em correspondência a Câmara Cascudo de 10 de maio de 1934, Mário aponta a dimensão de seu
projeto que: “[...] Realmente é um livro dificílimo de escrever, me atrapalho um bocado no excesso
de notas que andei tomando ao acaso das leituras, me toma centenas de hesitações, de duvidas,
de desgarros, é o diabo. [...] Assim, já tenho agora a certeza que o livro tomará no mínimo uns dois
anos. Confesso que isso me assusta um bocado, mas o quê hei de fazer, não só a arquitetura é enor-
me como o tempo é pouco. [...] Não pense que é desejo de não ir, nem mesmo que seja dificuldade
material da viagem que me amolece. Mas é que eu desejo ir levando o meu livro pronto, ou pelo
pronto nas suas partes essenciais, danças dramáticas e danças puras, cocos principalmente. Porquê
minha viagem, minhas viagens, minhas férias todas deste mundo, hélas! não podem ser férias
puras. São trabalhos outros, e delas tenho sempre que tirar algum benefício que afinal das contas
é menos que meu humano.[...]”. Cf. Mário de Andrade, Cartas de Mário de Andrade a Luís da Câmara
Cascudo, Belo Horizonte, Vila Rica, 1993, pp.130-31 apud. Carlini, op.cit., 1994, pp.31-32.
80
Por outro lado, uma possível frustrão de Mário por ter postergado novamen-
te esse retorno foi compensada pelo entusiasmo com a possibilidade de desen-
volver seus projetos junto ao órgão recém-criado, principalmente no campo da
criação de organismos técnicos especializados e da constituição de acervos docu-
mentais públicos especializados. Assim, com pouco mais de um ano de existên-
cia, a ampla lista das atividades realizadas pelo Departamento de Cultura con-
tava, entre outras, com a criação da Discoteca Pública Municipal, em setembro
de 1935, a realização do curso de Etnografia e Folclore, ministrado por Dina Lévi-
Strauss e a constituição da Sociedade de Etnografia e Folclore, ambos em 1936.
Este quadro de realizações importantes para a formação de um quadro técni-
co especializado em folclore, associado ao interesse do escritor em registrar fono-
graficamente as melodias folclóricas brasileiras, especialmente as do Nordeste,
através da gravação de discos de acetato pela Discoteca Pública Municipal,
podem ser considerados a gênese da Missão de Pesquisas Folclóricas, expedição
inicialmente planejada para o nal de 1937 e da qual o próprio Mário tomaria
parte de maneira efetiva, junto com uma equipe indicada e orientada por ele.
Se um dos objetivos da Discoteca era manter um serviço de gravação de música
popular brasileira, que pudesse fornecer subsídios para pesquisadores e compo-
sitores tanto para os estudos etnográficos quanto para o aproveitamento artístico
na constituição de uma música nacional, esta tarefa iniciou-se ainda em 1937,
quando foram feitas gravações de manifestações populares em Lambari (MG),
Itaquaquecetuba (SP) e outras cidades ao redor da capital paulista.
22
Sabemos, contudo, que rio acabou por não participar diretamente da
expedição etnográfica que partiu em fevereiro de 1938, enviando para uma
equipe por ele designada. Neste caso, a prorrogação de seu retorno para o Norte
e o Nordeste do ps não somente se deu pelo acúmulo de atividades junto ao
Departamento de Cultura, do qual não poderia se ausentar por um longo período,
mas também como conseqüência das condições políticas estabelecidas no Brasil
a partir do decreto do Estado Novo, em novembro de 1937, que iria afastá-lo defi-
nitivamente da direção da instituição em maio de 1938.
22 Carlini, op.cit., 1994, pp.35-37.
81
As viagens técnicas pelos arredores de São Paulo
Para entendermos as viagens técnicas de 1937 e a expedição etnográfica de 1938
enquanto um conjunto é preciso levar em conta a dupla vocação de “escritor públi-
co” de rio naquele momento, vinculado tanto ao Departamento de Cultura de
São Paulo, do qual era diretor desde sua criação em 1935 e chefe da Divisão de
Expansão Cultural, quanto ao SPHAN, no qual havia colaborado com seu antepro-
jeto em 1936 e na condição de Assistente Técnico da 6
a
Região a partir de 1937.
23
Como bem observou a antropóloga Lélia Coelha Frota, tais instituições permane-
ciam indissociáveis na formulação das políticas culturais de Mário de Andrade,
“[...] Estes trabalhos foram contemporâneos na vida de Mário, e é impor-
tante assinalar que a concepção abrangente que norteou a criação dos
dois novos órgãos evidencia um nítido consenso em torno de um con-
ceito de cultura e sociedade, que emana em linha reta da reavalião
modernista.
24
Uma de suas primeiras atribuições junto ao SPHAN foi a de constituir uma equipe
de trabalho para auxiliá-lo no recenseamento dos monumentos paulistas a serem
preservados, conforme o pedido do diretor Rodrigo Mello Franco de Andrade para
que se inventariasse “tão completamente quanto possível as obras de arquitetura
com interesse artístico ou histórico existentes em São Paulo.
25
Entre os escolhidos
para compor este corpo técnico estavam Luiz Saia, estudante do curso de arquite-
23 O anteprojeto do Serviço do Patrimônio Artístico e Nacional (SPAN) foi escrito pelo então diretor do
Departamento de Cultura de São Paulo em apenas duas semanas, serviu de base para a elaboração
do decreto-lei 25 que instituiu o SPHAN. A proposta de Mário, no entanto, era mais abrangente
do que aquela aprovada em lei, e concebia todas as categorias a serem preservadas como obras de
artes (arqueológica, ameríndia, popular, histórica, erudita nacional, erudita estrangeira, aplicadas
nacionais e aplicadas estrangeira), isto é, não previa a distinção entre os valores histórico e artístico.
Ver os dois capítulos iniciais da dissertação de mestrado de Silvana Rubino, As fachadas da história:
os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937-1968.
Mário trabalhou como Assistente Técnico entre 1937 e 1938, quando renunciou ao cargo devido às
pressões políticas que o obrigaram também a deixar a direção do Departamento de Cultura de São
Paulo. No entanto, continuou servindo ao SPHAN em São Paulo até sua morte, em 25/10/1945.
24 Lélia Coelho Frota. “Mário de Andrade: um vocação de escritor publico” in ANDRADE, Mário, Mário de
Andrade. Cartas de trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade (1936-1946), 1981, p.25.
25 Cf. carta de 17/05/1937. Rodrigo M. F. de Andrade. Rodrigo e o SPHAN, p. 125.
82
tura da Escola Politécnica de São Paulo
26
, o historiador Nuto Sant´Anna, também
seu auxiliar no Departamento de Cultura, e o fotógrafo alemão Germano Graeser.
E foi a partir do desenvolvimento destes trabalhos que Mário escreveu a Rodrigo,
em carta de 23/05/37, fazendo esta primeira constatação:
“E há o problema geral de S. Paulo. Você entenderá comigo que não é pos-
sível entre nós descobrir maravilhas espantosas, do valor das mineiras,
baianas, pernambucanas e paraibanas em principal. A orientação paulista
tem de se adaptar ao meio: primando a preocupação histórica à estética.
Recensear e futuramente tombar o pouco que nos resta de seiscentista e
setecentista, os monumentos onde se passaram grandes fatos históricos.
Sob o ponto de vista estético, mais que a beleza propriamente (esta quase
não existe) tombar os problemas, as soluções arquitetônicas mais caracte-
rísticas ou originais. Acha bom assim?”
27
O estabelecimento de critérios diversos de valor para a identificação do patrimô-
nio arquitetônico paulista passava, portanto, pelo primado do histórico ao esté-
tico e, por extensão, pela ênfase nos problemas e soluções de arquitetura histori-
camente expressivos ou originais, e não tanto por seu caráter excepcional ou de
notável valor artístico.
O trabalho para o tombamento dos monumentos históricos teve início ain-
da em junho daquele ano, a partir das primeiras excursões pelos arredores da
cidade e, para tanto, rio convidou seu amigo Paulo Duarte para acompanhá-
lo durante as visitas. E suas primeiras impressões não foram nada animadoras,
conforme relatou no artigo “ Contra o vandalismo e o externio”, publicado em
11 de junho nO Estado de S. Paulo: Dia de desânimo para nós dois e para todos
aqueles que amam um pouco as coisas do passado”.
28
26 Em carta de 06/04/1937, Mário se refere a dúvida que tinha em relação a quem indicar como funcioná-
rio para o SPHAN, mas que depois de matutar bastante inclusive com Sérgio Milliet, propôs o nome de
Luiz Saia, um “rapaz bastante inteligente, estudante de engenharia, dedicado à arquitetura tradicional,
não passadista”, apesar do “defeito de ser integralista”. Cf. Mário Andrade, op. cit., 1981, p. 65.
27 Idem, ibidem.,p. 69.
28 Paulo Duarte. “Contra o vandalismo e o extermínio” in Contra o vandalismo e o extermínio, São Paulo,
Departamento de Cultura, 1938, pp.7-16.
83
A desilusão com o estado das constrões encontradas incentivou Paulo
Duarte a iniciar sua campanha homônima de proteção dos bens paulistas junto
às autoridades locais. Para ele, o caso de Cotia era de se pensar, o de Carapicuíba
de se entristecer e o de Mboy de se revoltar.
29
Uma nota de improviso apresentava-
se claramente nessas primeiras viagens de reconhecimento. A carta de rio a
Rodrigo, de 1 de novembro de 1937, relata a viagem de fim-de-semana a Bertioga:
“Na sexta de manhã partimos já atrasados em busca da Bertioga, o auto-
móvel cedido gentilmente pra essas pesquisas do Paulo pela Ford demo-
rou, o meu cedido pela Prefeitura estava na hora certa, mas partimos
depois do almoço. Em Santos, o companheiro de que ia conosco demo-
rou, mas isso não era nada: a lancha que devia ficar à nossa disposição até
amanhã, tinha de voltar no mesmo dia, por obrigações imprescindíveis
surgidas de repente. Mas o Paulo deu o estrilo e depois de várias démar-
ches conseguimos que a lancha ficasse até domingo de tarde. Principiou
chovendo. Chegamos na Bertioga quase tempestade e isso às 19 horas. (...)
O transporte único do local são dois caminhões. Um estava escangalha-
do e o outro estava no Indaiá, 14 quilômetros, e pernoitaria esperando
os lances de rede da manhã seguinte. As duas pensões não tinham mais
quartos, com veranistas. Afinal fomos dormir numa casa de taipa dum
tabaréu que nem iluminação de vela tinha, mordemos um presunto e uma
pescada amarela de escabeche que levávamos, e passamos uma noite com
sede, porque na Bertioga não havia água mineral,perfumarias, guaraná
e coisas que me embebedam. (...) Bêbado de raiva, embebedado de propó-
sito por causa do tempo e dos contratempos.
30
Mas o trabalho prosseguiu e, a despeito dos contratempos, produziu resultados.
Um primeiro relatório sobre o Estado de São Paulo foi enviado em 16/10/1937 e
trazia documentação histórica e fotográfica de cada um dos bens recenseados nas
29 Esta campanha foi também bastante divulgada pela Revista do Arquivo Municipal, uma publicação
do Departamento de Cultura de São Paulo, e que naquele momento colocava em evidência a ques-
tão da preservação do patrimônio como possibilidade de constituir materialmente a história e a
identidade paulista. Esta iniciativa de Paulo Duarte pode ser entendida na chave de atuação dos
intelectuais junto ao Departamento de Cultura, entre 1935 e 1938.
30 Mário de Andrade, op. cit., 1981, pp. 107-8
84
viagens a arredores da cidade, assim como em São Roque, Cotia, Itaquaquecetuba,
M´boy (Embu), Voturuna, Atibaia, Perdões, São Luís do Paraitinga, Ubatuba,
Parnaíba, Santos, Itu, Porto Feliz, Sorocaba, Vila Bela, São Sebastião, Iguape,
Cananéia, Vale do Paraíba, Campinas, Pirapora, Barueri, Cabreúva. E o processo
da viagem de levantamento, como processo de estudo e registro, transparece na
indicação de procedimentos técnicos diversos: o uso de credenciais e o contato
com autoridades civis e religiosas de modo a facilitar o acesso aos bens; o recurso
a relatórios de ordens e irmandades ou a documentação oficial, forense ou came-
ria sobre os monumentos; descrições arquitetônicas e artísticas, com a preo-
cupação de datação das construções e reformas, comentários sobre o estado de
conservação e lançamento de hipóteses interpretativas do ponto de vista histórico
e estético; registro fotográfico, nas primeiras visitas realizado de modo amador,
como registro prévio à seleção do material a ser documentado por fotógrafo espe-
cialista; preenchimento eventual de fichas de tombamento com fotos e planos.
Um outro relatório, de 28/11/1937, tratava especialmente da pintura religio-
sa de Itu, em especial do Padre Jesuino do Monte Carmelo. Além destes relató-
rios solicitados ainda durante o primeiro ano de funcionamento da instituição,
Revista do SPHAN
Capa do número inaugural, 1937.
Germano Graeser
Fotografia do sobrado do Porto ou de
Baltazar Fortes, Ubatuba (SP), 1937.
Arquivo Noronha Santos (IPHAN).
85
Rodrigo insistiu pra que Mário escrevesse um artigo para o número inaugural
da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, destacando
que sua participação seria imprescindível. E também recomendou para que um
de seus auxiliares escrevesse algo relacionado com uma das obras a se tombar
no Estado, para que São Paulo não deixasse de figurar na revista. Finalmente, em
01/07/1937, Mário informa do envio dos dois artigos, um sobre “A Capela de Santo
de Antonio” escrito por ele, com a colaboração de Luiz Saia, e o outro sobre A
igreja dos Remédios” feito por Nuto Sant’Anna.
Foi neste artigo que Mário definiu o critério a ser adotado para o tombamen-
to dos monumentos paulistas: os trabalhos deveriam se pautar quase exclusi-
vamente pelo ângulo histórico”. E continuava, “em vez de se preocupar muito
com beleza, há de reverenciar e defender especialmente as capelinhas toscas, as
velhices dum tempo de luta e os restos de luxo esburacado que o acaso se esque-
ceu de destruir.
31
Esta constatação um tanto resignada já vinha sendo feita por
ele toda vez que se referia ao passado colonial de São Paulo, que desde cedo vinha
explorando suas andanças pelo estado:
“Vagar assim, pelos mil caminhos de São Paulo, em busca de grandezas
passadas, é trabalho de fome e de muita, muita amargura. Procura-se
demais e encontra-se quase nada. Vai subindo no ser uma ambição de
achar, uma esperança de descobrimentos admiráveis, quem sabe se em
tal capela denunciada vai topar-se com alguma S. Francisco? [...] E encon-
tramos ruínas, tosquidões. Vem a amargura. Uma desilusão zangada que,
de novo, a gente precisa tomar cuidado para que o crie, como a fome
criara, nova e oposta miragem.
32
31 Mário de Andrade, “A Capela de Santo Antonio”, Revista do SPHAN, 1, p. 119. E assim prosseguiu: “[...]
No período que deixou no Brasil as nossas as mais belas grandezas coloniais os séculos XVIII e XIX
até fins do Primeiro Império, São Paulo estava abatido, ou ainda desensarado dos revezes que sofre-
ra. Não poude criar monumentos de arte. Se é certo que uma pesquisa muito paciente pode encon-
trar detalhes de beleza ou soluções arquitetônicas de interesse técnico, num teto ou torre sineira,
num alpendre ou numa janela gradeada, é mais incontestável ainda, a meu ver, que São Paulo não
pode apresentar documentação alguma que, como arte, se aproxime sequer da arquitetura ou da
estatuária mineira, da pintura, dos entalhes e dos interiores completos do Rio, de Pernambuco ou
da Baía. [...]”.
32 Idem, ibidem, p. 119.
86
Ainda que marcada por uma disciplina técnica e uma nalidade política clara,
as viagens de levantamento possuíam uma dimensão errática, com roteiros um
tanto incertos, destinos duvidosos, às vezes desaparecidos, arruinados ou sem
grande valor, extravios, sacrifícios e muito tempo perdido. Tanto mais em uma
região considerada pobre do ponto de vista dos monumentos artísticos, onde a
questão sobre “o que tombar?” era permanentemente colocada.
Luiz Saia
Planta do Sítio Santo Antônio e capela
anexa, São Roque (SP), 1937.
87
2.2. O Departamento de Cultura e a Missão de Pesquisas Folclóricas
No âmbito das instituições educacionais e culturais criadas em São Paulo a partir
da década de 1930, devemos destacar a fundação da Escola Livre de Sociologia
e Política (1933) e da Universidade de São Paulo (1934), onde experiências de
investigação de campo vinham sendo estimuladas, mesmo antes da criação do
Departamento de Cultura. De acordo com Heloisa Pontes,
“A fundação da Universidade de São Paulo, em 1934, ocorreu no interior de
um contexto intelectual mais amplo de interesse renovado pelo Brasil que
se expressou nos mais variados setores da vida cultural do pais: na instru-
ção pública, nas reformas do ensino primário e secundário, na produção
artística e literária, nos meios de difusão cultura, e sobretudo, na ênfase
posta no conhecimento do país. [...] A realidade brasileira tornou-se o con-
ceito chave do período, encarnando-se nos estudos histórico-sociológicos,
políticos, geográficos, econômicos e antropológicos.
33
A aproximação entre as instituições pode ser evidenciada pelo contato estabe-
lecido entre rio de Andrade e os jovens franceses que vieram para integrar o
quadro de professores da recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da USP, especialmente Roger Bastide
34
e Claude Lévi-Strauss. No caso especifico
deste último, sabemos que sua vinda ao Brasil contou em parte com o interesse e
nanciamento do próprio Departamento de Cultura, que promoveu suas viagens
para o Centro-Oeste, contato este que pode ser verificado também no Curso de
Etnologia e Folclore, concebido no interior do Departamento como espaço de for-
mação de quadros de pesquisadores.
33 Heloísa Pontes, Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-68). São Paulo: Cia. das
Letras, 2002, p.89.
34 Sobre o diálogo entre Roger Bastide e Mário de Andrade ver o primeiro capítulo do livro de Fernanda
Peixoto. Diálogos Brasileiros: uma análise da obra de Roger Bastide. São Paulo: EDUSP, 2000.
88
Do casal francês que desembarcou no Brasil no nal de 1934, Claude Lévi-
Strauss chegou contratado para ministrar aulas na Faculdade de Filosofia da USP,
mas parece ter sido com Dina, sua esposa na época, que Mário de Andrade travou
contatos mais estreitos. A começar pelo Curso de Etnologia e Folclore concebido
por ele em 1936 e no qual a antropóloga ministrou doze aulas, contribuindo na
formação de um quadro de pesquisadores tanto para a administração pública, em
seus cargos técnicos sobretudo no Departamento de Cultura, quanto para a cons-
tituição de uma tradição acadêmica junto à universidade recém-inaugurada.
35
Foi o próprio Lévi-Strauss, inclusive, que registrou a única fotografia de Mário
de Andrade em campo, tomando anotações em sua caderneta nos arredores da
cidade, entre os anos de 1935 e 1937. Em entrevista para Carlos Sandroni, o antro-
pólogo assim se referiu àqueles anos de convívio:
“[...] Havia uma ligação estreita entre o nosso grupo e o deles. Para come-
çar, tínhamos quase a mesma idade; eles eram um pouco mais velhos,
mas era afinal a mesma geração. Além disso, eram todos extremamente
cultivados, muito a par da literatura e da arte européias. O contato com
eles era, portanto, ao mesmo tempo muito fácil e muito proveitoso. E eles
eram totalmente abertos a coisas que nos interessavam muito, como o
surrealismo; e ao mesmo tempo ao folclore, à cultura popular. Nós nos
sentíamos muito a vontade com isso... em todo caso eu me sentia, pois
também me interessava pelas duas coisas. [...] Mário e eu estávamos con-
tinuamente transitando entre a vanguarda e a arte popular. Quando havia
uma festa popular nas imediações de São Paulo – não me lembro o nome
das cidades, Itu, Pirapora, Mogi das Cruzes –, nós partíamos em expedição.
Foi numa destas expedições que tirei essa foto.
36
35 Sobre o diálogo entre Mário de Andrade e o casal Dina e Claude Lévi-Strauss, ver os seguintes
trabalhos: Silvana Rubino. “Clubes de pesquisadores A Sociedade de Etnografia e a Sociedade
de Sociologia” in Miceli, Sérgio (org.) História das Ciências Sociais no Brasil (vol. 2). São Paulo: Editora
Sumaré, 1995;, Marta Amoroso. “Sociedade de Etnografia e Folclore (1936-1939) – Modernismo e An-
tropologia” in Catálogo da Sociedade de Etnografia e Folclore. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 2004,
pp.65-71; Luísa Valentini. “Nos ‘arredores’ e na ‘capital’: as pesquisas da Sociedade de Etnografia e
Folclore (1937-1939) in Ponto Urbe: revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP. São Paulo, n.5, 2010.
36 Carlos Sandroni, “Entrevista com Claude Lévi-Strauss (9 de fevereiro de 1993)” in Revista do Patrimô-
nio Histórico e Artístico Nacional, n.30, 2000, pp.238-239.
89
Segundo Patrícia Raffaini, o projeto do Departamento de Cultura de São Paulo
foi pensado como sendo o primeiro entre outros departamentos semelhantes a
serem criados em outras cidades do Estado e amesmo espalhados pelo país e,
por isso, deveria ser um exemplo a ser seguido. A idéia de se constituir uma ins-
tituição a serviço de pesquisa e investigação dos aspectos formadores da nacio-
nalidade, colocando sua estrutura para a organização da cultura, foi muito cara
para a geração de intelectuais paulistas envolvida na sua constituição desde a
década de 1920. Para a historiadora:
“[...] Esse projeto grandioso no qual primeiramente São Paulo e depois
todo o Brasil seria transformado por meio da cultura, no qual caminha-
riam juntos progresso material e espiritual, pode ser compreendido como
parte de uma idéia hegemônica, por meio da qual o estado de São Pau-
lo, depois da derrota na Revolução de 1932, conseguiria, na visão dos que
planejavam o Departamento de Cultura e as recém criadas faculdades,
conquistar e transformar o resto do país através da cultura e educação.
Esses intelectuais aliados ao grupo que acabava de subir ao poder estadu-
al com a nomeação de Armando Salles de Oliveira, vinculado ao Partido
Democrático, acreditavam ser possível a volta ao poder federal do grupo
paulista, pela via cultural.
37
37 Patrícia Tavares Raffaini. Esculpindo a cultura na forma Brasil: o Departamento de Cultura de São Paulo
(1935-1938). São Paulo: Humanitas/FFLCH-USP, 2001, p.35.
Claude Lévi-Strauss
Fotografia de Mário de Andrade em
pesquisa de campo nos arredores de
São Paulo, entre 1935-1937. Arquivo
Mário de Andrade IEB/USP.
90
Criado pelo Ato Municipal n. 831 de 30 de maio de 1935, durante a gestão de
bio Prado na Prefeitura de São Paulo, o Departamento de Cultura se estrutu-
rou a partir de quatro divisões: a Divisão de Expansão Cultural, coordenada por
Mário de Andrade; a Divisão de Bibliotecas, chefiada por Rubens Borba de Moraes;
a Divisão de Educação e Recreios, dirigida por Nicanor Miranda; e a Divisão
de Documentação Histórica e Social, sob a responsabilidade de Sérgio Milliet.
Am disso, o Departamento congregou serviços e instituões existentes,
como o Serviço de Diversões Públicas, os Parques Infantis, o Teatro Municipal, a
Biblioteca Municipal e o Arquivo Municipal.
A Divisão de Expansão Cultural, por sua vez, era composta pelas seguin-
tes seções: a de Teatro, Cinemas e Salas de Concerto, dirigida por Paulo Ribeiro
de Magalhães; a Rádio-Escola, que não chegou a funcionar e foi extinta em 1938;
e nalmente, a Discoteca Pública Municipal, que ficou sob responsabilidade de
Oneyda Alvarenga.
A importância da Discoteca Pública no contexto do Departamento pode ser veri-
ficada na orientação que lhe foi atribuída, isto é, fornecendo material e subsídios
necessários para estudos e registros científicos, tanto de música erudita quanto do
folclore musical brasileiro. Além da tarefa de coletar e constituir tais acervos, outra
atividade que era considerada fundamental era a divulgação de tais manifestações
musicais para o público, e que deveria, segundo seus idealizadores, contribuir para
a formação de um gosto e a construção da nacionalidade através da música.
Foi a partir destas prioridades que se deu a aquisição, entre 1936 e 1937, de
equipamentos necessários para as pesquisas de campo, incluindo aqueles neces-
sários para a coleta fonográfica, bem como para a documentação fotogfica e
cinematográfica das manifestações folclóricas: um gravador Presto Recorder,
uma mera Rolleiex e uma aparelho cinematográfico Kodak, todos com
seus respectivos acessórios. De acordo com Álvaro Carlini, os mesmos apare-
lhos foram utilizados pela Missão de Pesquisas Folclóricas em1938, com algu-
mas adaptações e reparos necessários para a expedição que percorreu o Norte e
Nordeste do país durante quase seis meses.
38
Além da coleta por meios mecânicos, Mário de Andrade também procurou com-
plementar o método de anotação musical através de meios não-mecânicos, isto é,
através do registro das melodias, dos textos, das particularidades de pronúncia
38 Carlini, op. cit, pp.45-49.
91
em cadernetas de campo. Se, por um lado, sua experiência acumulada nas viagens
etnográficas permitiram tal condição, não podemos esquecer também da importân-
cia da formação de um quadro de pesquisadores de campo habilitados, com prepa-
ração teórica e metodológica para a pesquisa cientifica. E neste sentido, foram deci-
sivas as contribuições tanto do turista aprendiz” quanto do Curso de Etnografia e
Folclore, ministrado pela etnóloga Dina Lévi-Strauss, no segundo semestre de 1936.
Em artigo publicado na imprensa em outubro de 1936, o diretor Mário de
Andrade salienta a importância do órgão no estabelecimento de um patamar
de conhecimento científico da realidade cultural do país, o que implicava clara-
mente no incentivo a um trabalho de pesquisa empírica acerca da cultura e da
vida populares:
“[...] Faz-se necesrio e cada vez mais que conheçamos o Brasil. Que
sobretudo conheçamos a gente do Brasil. E então, se recorremos aos livros
dos que colheram as tradições orais, e os costumes da nossa gente, deses-
pera a falta de valor cientifico dessas colheitas. [...] A Etnografia brasileira
vai mal. Faz-se necessário que ela tenha imediatamente uma orientação
prática baseada em normas severamente científicas. Nos precisamos de
moços pesquisadores, que vão à casa do povo recolher com seriedade e de
maneira completa o que esse povo guarda e rapidamente esquece, desnor-
teando pelo progresso invasor. [...]”
39
Neste sentido, não é de se estranhar que entre aqueles que freqüentaram as 21
aulas do curso de Dina Lévi-Strauss estivessem alguns dos futuros responsáveis
pelo êxito da Missão, especialmente Oneyda Alvarenga e Luiz Saia.
Do conjunto das sessões previstas para o curso, além do estudo de discipli-
nas como Antropologia sica” e ao Folklore” durante as sete primeiras aulas
do programa, pelo menos ts delas estiveram focadas no processo de registro e
coleta musical, tanto por meios mecânicos quanto por não-mecânicos. Os temas
“Música” e “Instrumentos Musicais” foram abordados respectivamente nas 8
a
, 9
a
e
10
a
aulas, que trataram da utilização do fonógrafo e do filme sonoro, da anotação
direta, bem como dos cuidados para o estudo dos instrumentos musicais, suas
variações, materiais utilizados na fabricação, os cerimoniais utilizados etc. Além
39 Andrade, Mário de, “A situação Etnográfica do Brasil” in Jornal Síntese, Belo Horizonte, n.1, ano 1,
outubro 1936, apud Carlini, op. cit, p.24.
92
disso, Dina também aconselhou a utilização de uma ficha de catalogação comple-
ta, tanto para os instrumentos quanto para qualquer outro objeto etnogfico.
40
Na parte nal do curso, um conjunto de oito aulas foram destinadas aos estu-
dos de “Cultura Material, e das quais duas especificamente tratavam de assuntos
relacionados à arquitetura. O estudo da habitação foi o tema das 16
a
e 17
a
aulas, nas
quais foram abordados tipos de materiais empregados, sua organização em plano
e o arranjo de suas partes (fundação, chão, teto, parede, disposição dos cômodos e
mobiliário), bem como as crenças a ela referidas e seus respectivos agrupamentos.
41
Na esteira da conclusão do curso e por sugestão de Mário de Andrade foi cria-
da, em 4 de novembro de 1936, a Sociedade de Etnografia e Folclore. Uma de suas
primeiras atribuições era a de constituir um quadro de pesquisadores de campo
com orientação metodológica e científica para o estudo de temas relacionados
ao folclore e a cultura popular. Com a aprovação de seu estatuto em 2 de abril
do ano seguinte, foi eleita a primeira diretoria, constituída da seguinte maneira:
Mário de Andrade (Presidente), Dina Lévi-Strauss (1
a
Secretária), Lavínia da Costa
Vilela (2
a
Secretária) e Mário Wagner da Cunha (Tesoureiro). E dos 64 sócios fun-
dadores, podemos encontrar intelectuais ligados à Universidade de São Paulo,
ao Departamento de Cultura e ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional: Claude Lévi-Strauss, Fábio Prado, Paulo Duarte, Camargo Guarnieri,
Oneyda Alvarenga, Plínio Ayrosa, Rubens Borba de Moraes, Sergio Milliet, Ernani
da Silva Bruno, José Bento Faria Ferraz, Luiz Saia entre outros.
Uma referência sobre o interesse de Luiz Saia pelo tema foi a comunicação,
acima mencionada, feita na reunião de 22 de setembro de 1937 na Sociedade de
Etnografia e Folclore e publicada na Revista do Arquivo Municipal com o sugesti-
vo título de “Um detalhe de arquitetura popular, em outubro do mesmo ano.
Naquela ocasião, ele chamou a atenção para o desaparecimento quase siste-
mático do uso da tesoura na habitação popular brasileira, sobretudo na casa
de pau-a-pique, tendo recolhido inclusive os termos populares que se referiam
à estrutura do telhado e seus detalhes. Ao apresentar o problema, ele tinha
como pressuposto as pesquisas que vinha realizando no âmbito do recensea-
mento dos bens paulistas passíveis de tombamento pelo SPHAN. No entanto,
40 O resumo do curso foi elaborado por Oneyda Alvarenga e se encontra no acervo do Centro Cultural
São Paulo. Cf. Carlini, op. cit, pp.60-62.
41 Idem, ibidem, p.61.
93
fica evidente também a importância do curso ministrado por Dina Lévi-Strauss
durante o segundo semestre de 1936, sobretudo das aulas espeficas acerca do
estudo de arquitetura no âmbito das pesquisas de campo. Com essa bagagem
e treinamento é que Luiz Saia seria convidado a dirigir a Missão de Pesquisas
Folclóricas em 1938.
Idealizada no último ano de sua gestão no Departamento de Cultura de São
Paulo, a expedição deveria gravar, lmar, fotografar e descrever o maior núme-
ro possível de manifestações populares nas cidades que percorresse. Além de
Luiz Saia, a equipe da Missão era composta por outros três integrantes, todos
escolhidos pessoalmente por Mário de Andrade: o maestro Martin Braunwieser
(1901-1991), responsável pelos registros musicais, o técnico de gravação Benedicto
Pacheco e o auxiliar-geral Antônio Ladeira. Uma vez recolhidos, esses registros
deveriam ser organizados e sistematizados por Oneyda Alvarenga, diretora da
Discoteca Pública Municipal. O que acabou de fato acontecendo, sobretudo aquele
material diretamente comprometido com o objetivo principal da Missão.
42
Uma referência imprescindível utilizada na reconstituição do dia-a-dia da
expedição foi a dissertação de mestrado Cante que gravem cá: Mário de Andrade
e a Missão de Pesquisas Folclóricas, defendida por Álvaro Carlini em 1994. Naquela
ocasião, o pesquisador se debruçou na documentação recolhida pela Missão, pro-
curando recuperar sua história a partir de uma perspectiva interna e valorizan-
do documentos, anotações, correspondências, artigos de imprensa, entre outros.
Além deste trabalho, a pesquisa também se concentrou na análise de algumas
fontes primárias, especialmente as cadernetas de campo e as fotografias.
43
42 Entre fevereiro e julho de 1938 a Missão percorreu 28 cidades de 6 estados brasileiros e, ao seu final,
havia recolhido cerca de 30 horas de gravação (169 discos de 78 rpm), 1100 objetos etnográficos e
instrumentos musicais; 1126 fotos, 19 filmes (9,5, 16 e 35 mm), 13558 páginas de documentos tex-
tuais (entre cadernetas de campo, fichas e recortes de jornal). Todo este material encontra-se hoje
incorporado ao acervo do Centro Cultural São Paulo (CCSP), Para nossa pesquisa, interessa olhar
para as 20 cadernetas de campo que serviram para arrolar anotações diversas, como informações
referentes a músicos e cantores, descrição de danças e cerimônias, dados sobre gravações, filmes e
fotos, desenhos e esquemas, notas sobre arquitetura popular, técnicas construtivas, levantamento
de arquitetura paulista, registros das despesas etc.
43 Todo o material original recolhido pela Missão encontra-se preservado na Discoteca Oneyda Alva-
renga, hoje integrando o Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
94
Missão de Pesquisas Folclóricas
Os membros Martin Braunwieser,
Luiz Saia, Benedito Pacheco e Antonio
Ladeira no Teatro Santa Isabel, Recife,
março de 1938. Arquivo do CCSP.
95
2.3. Luiz Saia e a arquitetura vernacular no universo coletado
É certo que a experiência acumulada por rio de Andrade como “turista aprendiz”
desde os anos 1920 contribuiria para a ampliação dos invenrios musical e dramá-
tico do folclore regional motivação original do empreendimento de viagem em
um universo bem mais amplo de caracterização da cultura popular como expres-
são de formas peculiares de existência cultural e social. A presença de Luiz Saia à
frente da expedição, nesse sentido, parece ter sido decisiva para o desenvolvimento
de uma sensibilidade para com a arquitetura rústica no país e seu reconhecimento
como parte de um mundo de heranças compartilhadas no enfrentamento das mais
diversas circunstâncias naturais, sociais e econômicas de estabelecimento.
Neste sentido, não foi estranho que, para além do conjunto de materiais e
registros recolhidos de acordo com os objetivos principais da Missão, encontra-
mos também referência acerca dos modos de vida das comunidades visitadas, de
cleos urbanos, de habitações populares, de arquitetura religiosa. Esta docu-
mentão pode ser verificada tanto a partir das anotações e desenhos registradas
nas cadernetas de campo, quanto nas fotografias. A seu respeito, o próprio Saia
alguns anos depois testemunhou:
“O que pudesse recolher de arte e técnicas populares, além do nosso obje-
tivo específico, ficava portanto inteiramente por conta das circunstâncias.
[...] Pessoalmente me interessava estudar, nos momentos de folga, tudo
quanto fosse coisa popular de valor artístico ou documentário, especial-
mente arquitetura. Desde logo me larguei à prática aventurosa de espiar,
anotar fotar casas velhas, capelas, arquitetura popular.
44
Um vez definidos os últimos preparativos para a partida da equipe e toda a apa-
relhagem cnica necessária para a expedição, os quatro integrantes da Missão
se encontraram em Santos no dia 4 de fevereiro de 1938, de onde partiram rumo
44 Luiz Saia, Escultura popular brasileira, 1944, p.9.
96
ao Rio de Janeiro, a bordo do navio-vapor Itapagé, da Companhia Nacional de
Navegação Costeira, com dois dias de atraso. A chegada a então capital federal se
deu pela manhã do dia 7 de fevereiro.
45
Na primeira escala da viagem, que teve a duração de apenas dois dias, Luiz Saia
aproveitou para entrar em contato com os nomes sugeridos por Mario de Andrade,
a m de providenciar algumas cartas de apresentação para serem entregues a
estudiosos de folclore no Nordeste. Assim, ele procurou o poeta Jorge de Lima e o
médico e antropólogo Arthur Ramos, que lhe entregaram algumas destas cartas
cujos destinarios eram, entre outros, Álvaro Paes e Luiz Lavenêre em Maceió (AL),
Ephiphânio Dória em João Pessoa (SE) e Luís da Câmara Cascudo em Natal (RN).
Apesar de curta, a passagem pela então Capital Federal acabou sendo provei-
tosa, seja pelos contatos estabelecidos por Saia, seja pela repercussão do empre-
endimento realizado pelo Departamento de Cultura junto à imprensa local. Em
entrevista a Antonio Bento de Araujo Lima publicada no Diário Carioca, o chefe
da Missão salientou a importância da viagem etnográfica, sobretudo do ponto de
vista da coleta musical, mas também ressaltou o interesse de se olhar para além
dos objetivos oficiais:
“[...] O objetivo principal da Missão é a pesquisa do folclore musical. Para
esse fim a Missão está devidamente equipada. Dispomos de um aparelho
dos mais aperfeiçoados e modernos, e de uma máquina cinematográfi-
ca para filmagem de danças etc. Contudo, o nosso campo de ação não se
restringe ao folclore musical. Estende-se, também, a colheita de material
relativo a costumes, arquitetura, enfim a todas as modalidades da técnica
popular. [....] Vamos trabalhar intensamente, certos de que estamos ser-
vindo à causa da cultura nacional. [...]”
46
Nesse mesmo dia a embarcação partiu do Rio de Janeiro com destino a Vitória
(ES), cidade que seria a segunda escala do trajeto até o Nordeste. Entretanto, o
tempo de permanência na capital capixaba foi ainda menor e se resumiu ao dia
9 de fevereiro, quando os integrantes da expedição realizaram dois passeios, um
45 Carlini, op. cit., 1994, pp.156-157.
46 “Uma grande obra em favor da cultura nacional”, Diário Carioca. Rio de Janeiro, 8 de fevereiro de
1938. Apud. Carlini, op. cit., 1994, p.159.
97
de carro pela cidade e outro de barca pela baía. Os únicos registros conhecidos
desta etapa da viagem são ts fotografias tiradas por Saia, muito provavelmente
a bordo do Itapagé, e que documentam aspectos gerais do porto de Vitória.
47
Após deixar a cidade, o navio aportou em Salvador (BA) em 11 de fevereiro,
escala que também teve curta duração, de praticamente um dia. Novamente,
o pouco tempo não impediu os integrantes da Missão de percorrerem a cidade,
mas, pelo contrio, visitaram inclusive o Museu Nina Rodrigues, no qual rece-
beram algumas fotografias de objetos de culto afro-brasileiros, além de algumas
igrejas de cidade.
48
Ainda durante esta rápida passagem, Luiz Saia registrou suas
primeiras impressões acerca de arquitetura popular, conforme observações ano-
tadas em caderneta de campo:
“Rua Dr. Seabra (perto do largo chamado Sete Portas) tem casa popular
urbana de pau a pique nos becos e verifica-se aqui também o uso intenso
de adobe na arquitetura popular.
49
Neste mesmo dia, a embarcação seguiu viagem com destino a sua última para-
da antes da cidade do Recife (PE). Assim, no dia 12 de fevereiro, os membros da
Missão desembarcaram em Maceió (AL).
50
Mais uma vez, podemos assinalar o
interesse de Saia pelos detalhes construtivos adotados como solução típica:
“[...] nas residências de um pavimento surge larga ventilação nas bandei-
ras das portas e janelas [desenho] o mesmo elemento surge também den-
tro nas portas de ligação para os quartos inferiores. [...]”
51
Como nas escalas anteriores, o navio partiu no mesmo dia rumo à capital per-
nambucana, onde chegou em 13 de fevereiro. No desembarque, os membros da
Missão foram recebidos por dois amigos de Mário, o poeta Ascenso Ferreira (1895-
1965) e o escritor e dramaturgo Waldemar de Oliveira (1900-1977), que providen-
ciaram, entre outras coisas, a acomodação da equipe no centro da cidade. Além
47 Idem, ibidem, p.162.
48 Idem, ibidem, pp.162-164.
49 Caderneta de campo 1C, p.5.
50 Carlini, op. cit., 1994, pp.164-165.
51 Caderneta de campo 1C, pp.7-9.
98
Caxias
Sta. Rita
Pilar
Itabaiana
Ingá
Campina
Grande
Alagoa da
Roça
Alagoa Nova
Alagoa
Grande
Remígio
Areia
Guarabira
Lagoinha
Mulungo
Sapé
Mamanguape
Rio Tinto
Baía da Traição
São Francisco
Açude S. Gonçalo
Sousa
Pombal
Açude Condado
Malta
Patos
Salgadinho
Juazeirinho
Soledade
Corta Dedo
(Faz. Pedreira)
Cajazeiras
Caibeiras
Tacaratu
(Brejo dos Padres)
Arcoverde
(ant. Barão de Rio Branco)
Pesqueira
Belo Jardim
São Caitano
Caruaru
Bezerros
Gravatá
Vitória
Natal
Barro Duro
Coroatá
(Elesbão Veloso)
Valença
Inhuma
Picos
Jaicós
Campos Sales
Araripe
Crato
Várzea Alegre
Lavras
SÃO LUÍS
TERESINA
FORTALEZA
NATAL
JOÃO PESSOA
RECIFE
MARANHÃO
PIAUÍ
CEARÁ
RIO GRANDE DO NORTE
PARAÍBA
PERNAMBUCO
MISSÃO DE PESQUISAS FOLCLÓRICAS
Luiz Saia e equipe - 1938
PERNAMBUCO - Sertão - 8 a 15 de Março
PARAÍBA - Sertão - 1º a 24 de Abril
PARAÍBA - Zona do Brejo - 2 a 13 de Maio
CEARÁ / PIAUÍ / MARANHÃO - 1º a 16 de Junho
1 : 3.000.000
0 60km
99
Caxias
Sta. Rita
Pilar
Itabaiana
Ingá
Campina
Grande
Alagoa da
Roça
Alagoa Nova
Alagoa
Grande
Remígio
Areia
Guarabira
Lagoinha
Mulungo
Sapé
Mamanguape
Rio Tinto
Baía da Traição
São Francisco
Açude S. Gonçalo
Sousa
Pombal
Açude Condado
Malta
Patos
Salgadinho
Juazeirinho
Soledade
Corta Dedo
(Faz. Pedreira)
Cajazeiras
Caibeiras
Tacaratu
(Brejo dos Padres)
Arcoverde
(ant. Barão de Rio Branco)
Pesqueira
Belo Jardim
São Caitano
Caruaru
Bezerros
Gravatá
Vitória
Natal
Barro Duro
Coroatá
(Elesbão Veloso)
Valença
Inhuma
Picos
Jaicós
Campos Sales
Araripe
Crato
Várzea Alegre
Lavras
SÃO LUÍS
TERESINA
FORTALEZA
NATAL
JOÃO PESSOA
RECIFE
MARANHÃO
PIAUÍ
CEARÁ
RIO GRANDE DO NORTE
PARAÍBA
PERNAMBUCO
MISSÃO DE PESQUISAS FOLCLÓRICAS
Luiz Saia e equipe - 1938
PERNAMBUCO - Sertão - 8 a 15 de Março
PARAÍBA - Sertão - 1º a 24 de Abril
PARAÍBA - Zona do Brejo - 2 a 13 de Maio
CEARÁ / PIAUÍ / MARANHÃO - 1º a 16 de Junho
1 : 3.000.000
0 60km
100
disso, no mesmo dia da chegada, os anfitres organizaram visitas para cleos
operários como o bairro de Afogados e o cleo industrial de Paulista, então na
periferia de Olinda, dando início, de fato, aos trabalhos de pesquisa da expedição
paulista no Nordeste. Muito provavelmente, foi nestes caminhos que Saia fotogra-
fou alguns mocambos na beira da estrada.
52
Durante o primeiro período - quase um mês - que a Missão permaneceu no
Recife, entre os dias 13 de fevereiro e 7 de março, não encontramos nenhum
outro tipo de registro de arquitetura feito por Luiz Saia. Ausência que não deve
ser entendida como um possível desinteresse por parte do chefe da Missão pelo
tema, mas tão somente uma preocupação do responsável pelos trabalhos da
equipe em garantir as condições para que a viagem fosse bem sucedida do ponto
de vista etnográfico e de seus objetivos básicos.
Neste sentido, Saia aproveitou para estabelecer outros contatos locais que
pudessem colaborar com as pesquisas, sobretudo junto às autoridades recifen-
ses, uma vez que a conturbada situação política naquele momento poderia preju-
dicar o andamento dos trabalhos programados pela Missão, especialmente com
a proibição dos cultos afro-brasileiros na cidade, como o xangô e o catimbó. Além
disso, o chefe da Missão também se empenhou para assegurar o desembarque
de todo o equipamento técnico e sua posterior instalação nas dependências do
Teatro Santa Isabel, local que serviu de base para algumas das gravações reali-
zadas no Recife, como os cantos dos carregadores de piano, as toadas de bumba-
meu-boi, desafios cantados, entre outras manifestações populares.
53
Já para o nal do mês, os esforços da equipe estiveram concentrados na obten-
ção de autorização, junto às autoridades policiais, para efetuarem os registros
necesrios dos rituais de xangô e catimbó, assim como na classificação dos
objetos de culto que haviam sido apreendidos pela Delegacia de Investigações e
Capturas do Recife e doados ao Departamento de Cultura de São Paulo. E mesmo
durante o Carnaval, realizado entre 27 de fevereiro e 3 de março, os integrantes
da Missão prosseguiram na tarefa de catalogação do material recebido, apesar do
interesse em conhecer alguns grupos de maracatu e de caboclinhos que se apre-
sentaram pelas ruas da cidade.
54
52 Carlini, op. cit., 1994, pp.169-172.
53 Idem, ibidem, pp.174-176.
54 Idem, ibidem, pp.186-192.
101
Luiz Saia
Registro de mocambos na estrada de
Paulista (PE), março de 1938. Arquivo
do CCSP.
102
Logo após os festejos de Carnaval, os integrantes da Missão se dedicaram
aos preparativos da viagem ao sertão pernambucano e cujo objetivo maior era
a documentação completa dos praiás, manifestação folclórica dos índios panca-
rus na aldeia de Brejo dos Padres, localizada numa região próxima ao município
de Tacaratu. Assim, partindo da estação de trem do Recife no dia 8 de março,
a delegação paulista atravessou o interior do estado, tendo percorrido por trem
os municípios de Vitória, Gravatá, Bezerros, Caruaru, São Caetano, Belo Jardim e
Pesqueira até chegar em Barão de Rio Branco. De lá, a viagem prosseguiu por terra
com destino a Tacaratu, com um camino disponibilizado pela municipalidade.
55
Durante os seis dias que permaneceu no município e suas imediações, além
dos registros realizados na aldeia de Brejo dos Padres, a Missão também conse-
guiu realizar diversas gravações que não estavam previstas inicialmente, como
cantigas de roda, cocos e emboladas.
56
No entanto, a passagem por Tacaratu não
se resumiu apenas aos trabalhos de documentação de danças e músicas folcri-
cas, pelo contrário, manifestou a multiplicidade de outros interesses de Luiz Saia.
Sobretudo pelo campo da cultura material, como se verificou na coleta de peças
de escultura popular (ex-votos ou milagres), recolhidas em algumas capelas da
região, nas anotações sobre a técnica de fabricação de rede do tear primitivo”
localizado no “engenho de fiá
57
, bem como nos registros fotográficos da arquite-
tura rústica das habitações.
Assim, ainda no dia 14 de março, os integrantes da Missão iniciaram sua via-
gem de volta para o Recife. Durante dois dias, boa parte dela realizada em um
caminhão alugado, a equipe também realizou algumas gravações nas paradas
que zeram pelo percurso até Barão de Rio Branco, de onde sairia o trem para
a capital pernambucana. A chegada na estação, na mando dia 16 de março,
simbolizou não só um retorno aos trabalhos etnográficos iniciados antes da par-
tida para o sertão, como também um ponto de partida dos preparativos para a
próxima etapa da Missão no estado da Paraíba.
58
55 Idem, ibidem, pp.198-200.
56 Idem, ibidem, pp.208-209.
57 Caderneta de campo 2B, pp.39-41.
58 Carlini, ibidem, 1994, pp.209-213.
103
Luiz Saia
Capela onde foram colhidos milagres
em Tacaratu (PE), março de 1938.
Arquivo do CCSP.
Habitação popular em Tacaratu (PE), 11
de março de 1938. Arquivo do CCSP.
Martin Braunwieser
Os integrantes Antonio Ladeira e Luiz
Saia a caminho de Brejo dos Padres
(PE), março de 1938. Arquivo do CCSP.
104
A última semana de trabalho dos integrantes da Missão em Pernambuco foi
bastante intensa, uma vez que era preciso nalizar a identificação e a classifi-
cação dos objetos do xangô recebidos a m de que fossem enviados em remes-
sa oficial para o São Paulo. Um outro aspecto que tomou conta da agenda da
equipe, mais especialmente de Saia, foram as despedidas e os agradecimentos
oficiais aos colaboradores da Missão no estado.
59
Estes eventos, inclusive, atrasa-
ram em três dias sua partida para João Pessoa (PB), onde Antonio Ladeira, Martin
Braunwieser e Benedito Pacheco se encontravam desde o dia 23 de março, com
todo o aparato técnico utilizado pela expedição.
60
A primeira passagem da expedição pela capital paraibana, entre os dias 26
e 31 de março, caracterizou-se pela mesma rotina das chegadas anteriores. No
curto período de tempo, foram estabelecidos os contatos com autoridades parai-
banas tanto para uma apresentação oficial da Missão como também para orga-
nizar os preparativos para a viagem ao interior do estado, além da preocupação
com a divulgação de suas atividades junto à imprensa local. Além disso, foram
programadas algumas visitas para dar prosseguimento às pesquisas e coletas de
manifestações folclóricas, como chegança dos marujos (nau catarineta), cabo-
clinhos, cocos, entre outras. Um colaborador importante para os trabalhos da
Missão na Paraíba, além dos informantes populares, foi o escritor Adhemar Vidal
(1900-1986), que recepcionou a equipe logo na chegada à cidade e os acompanhou
na maioria da visitas realizadas.
61
Visitaram a praia de Tambaú e o Convento de São Francisco, no qual Luiz Saia
tomou algumas anotações sobre o edifício construído no século XVIII, informa-
ções que em nada se aproximaram do entusiasmo revelado por Mário de Andrade,
quando de sua viagem em 1929.
62
Num outro passeio, para o bairro de Torrelândia,
localizado na periferia de João Pessoa, o chefe da Missão novamente registrou
aspectos da arquitetura popular da região, fotografando algumas residências.
63
59 Em carta enviada para Oneyda Alvarenga de João Pessoa em 28 de março, Luiz Saia comentou:
“Grande parte do meu tempo aqui é consumido nesse trabalho chato de visitas oficiais. No Pernam-
buco, por exemplo, nem tempo consegui para ver a arquitetura, coisa que me interessa muito como
você sabe”. Apud Carlini, idem, p.227.
60 Idem, ibidem, pp.213-222.
61 Idem, ibidem, pp.223-231.
62 Idem, ibidem, pp.225-226.
63 Idem, ibidem, p.230.
Luiz Saia
Aspectos construtivos de habitação
popular, mar./jun. de 1938. Arquivo do
CCSP.
Aspectos da Baía de Traição (PB), março
de 1938. Arquivo do CCSP.
Martin Braunweiser
Colheita na praia de Tambaú (PB), em
3o março de 1938: Luiz Saia, Adhemar
Vidal, José Mariz (secretário do Interior)
e Léon Clerot. Arquivo do CCSP.
106
A partida em direção ao sertão paraibano se deu em 1
o
de abril, quando a
equipe deixou a capital em um caminhão cedido pelo governo. Esta primeira
viagem ao interior do estado foi a mais longa de todas aquelas realizadas pela
equipe no contexto geral da Missão, uma vez que o retorno a João Pessoa se deu
somente no dia 24 daquele mês. Neste sentido, podemos dizer que tal permanên-
cia foi fundamental para que a pesquisa de campo fosse bem sucedida.
A primeira parada efetiva da Missão durante a viagem, após ter percorrido
os municípios de Santa Rita, Espírito Santo, Cobé, Pilar, Itabaiana e Ingá, foi em
Campina Grande. Na chegada, a equipe se dirigiu para a grande feira popular
que tomava conta da cidade, uma vez que se tratava do grande centro econômico
da região, vislumbrando uma grande oportunidade de se encontrar material de
interesse etnográfico. Na ocasião, Luiz Saia realizou um conjunto de fotografias
destacando os aspectos gerais e a inserção da feira no espaço e na vida urbana.
64
Entre os dias 5 e 12 de abril, a Missão percorreu diversas localidades entre
os municípios de Patos e Pombal, ambos localizados no sertão paraibano, onde
foram realizados registros e gravações de inúmeras manifestações folclóricas. No
entanto, o que nos interessa salientar é que a partir deste ponto da viagem pelo
estado da Paraíba as observações de Luiz Saia referentes às técnicas construtivas
e à arquitetura popular se tornaram mais freqüentes, utilizando-se das caderne-
tas tanto para tomar anotações como para fazer desenhos. Nas proximidades de
Areia, logo após a saída de Pombal, ele se deteve nas cnicas de construção dos
mocambos encontrados:
“[...] 3 mocambos de palha [...] 2 portas da frente de 2 deles e de paus
[desenho] madeira = mufumbi e perêro [desenho] a tapagem é de galhos
folhados de marmelêra, os esteios são de pereio. As outras peças são de
marmelêro e perêro [desenho] técnica de galhar a cobertura é de carnaúba
[desenho] o masso de folhas parra por cima da ripa e alguma so passam
por baixo para fixar. Algum dessas galhada do této são amarradas com fibra
mesmo [desenho] acima do fogão que consta de alguma pedras (3) dispos-
tas em triangulo um pau grosso sustenta uma parte de caixão de Kerozene
que e a prateleira. Algumas latas e fora uma cabaça grande [desenho]”
64 Idem, ibidem, pp.232-233.
107
108
Luiz Saia
Fazenda São José, Patos (PB), 5 de abril
de 1938. Arquivo do CCSP.
Construção de uma casa em Areia (PB),
maio de 1938. Arquivo do CCSP.
Na página anterior:
Missão de Pesquisas Folclóricas
Caminhão com a equipe sobre uma
balsa para travessia do rio Piranhas,
entre Pombal e Sousa (PB), abril/maio
de 1938. Arquivo do CCSP.
Caminhão com a equipe para travessia
do rio Piranhas, entre Pombal e Sousa
(PB), junho de 1938. , mai./jun. de 1938.
Arquivo do CCSP.
109
Após percorrem a zona do sertão por mais alguns dias, concentrando-se prin-
cipalmente nos municípios de Sousa, Cajazeiras e Curemas e respectivas cerca-
nias para o prosseguimento dos trabalhos etnográficos, os integrantes da Missão
regressaram para a capital paraibana no dia 25 de abril, onde permaneceram a
o dia 2 de maio. No dia 28 de abril, em visita aos bairros periféricos da capital,
Luiz Saia novamente se deteve no levantamento da arquitetura e das técnicas
construtivas empregadas em habitações populares na praia da Penha, realizando
desenhos de suas plantas bem como anotando os tipos de madeira utilizados na
sua fatura. Durante a segunda estada em João Pessoa, eles procuraram nalizar
as pesquisas iniciadas anteriormente, assim como preparar o retorno ao interior
do estado, desta vez com destino à zona do brejo.
65
Se a documentação sobre arquitetura até então vinha sendo produzida de
maneira irregular, ela se intensifica durante esta segunda viagem pela Parba.
Em Areia, por exemplo, mais uma vez Luiz Saia procurou se informar acerca de
soluções captação de água na cobertura de algumas habitações:
“[...] Outra coisa que se verifica sistematicamente na arquitetura desta
zona, mesmo e sobretudo urbana, surge um encanamento para utilizar
a água da chuva que cai nos telhados das casas cobertas com telhas. A
calha é colocada inclinadamente na beira destes telhados de maneira que
a água escorrendo, vai para a tina ou recipiente de barro colocado em posi-
ção no chão, na posição de fim da calha na sua parte mais baixa [desenho]
Às vezes isto é encontrado de tal maneira bem arranjado e tecnicamen-
te definido que nota-se ser uma necessidade perfeitamente definitiva na
zona onde água é uma falta sempre problemática. [...] Nas casas rurais
desta zona (e também intensamente na beira de estrada de Olinda até
João Pessoa) surge nos lados da casa uns paus furados e tapados de barro
nas extremidades. Criam-se aí abelhas [...]”
66
Segundo Alvaro Carlini, foi nesse momento que a descrição do cotidiano da
Missão de Pesquisas Folclóricas passou a ser mais detalhada pelo chefe da equipe
em suas cadernetas de campo, substituindo os pequenos lembretes e anotações
65 Carlini, op.cit., 1994, pp.264-276.
66 Caderneta de campo 6, pp.23-25.
110
Luiz Saia
Vista de uma rua de Mamanguape (PB),
com um burrico transportador de água
amarrado numa argola, maio de 1938.
Arquivo do CCSP.
Conjunto de casas em Caiêra (PB), maio
de 1938. Arquivo do CCSP.
Na página seguinte:
Igreja não-identificada, mar./jun. de
1938. Arquivo do CCSP.
Igreja do Rosário, Pombal (PB), maio de
1938. Arquivo do CCSP.
Igreja não-identificada, mar./jun. de
1938. Arquivo do CCSP.
Igreja N. Senhora do Desterro, São Luís
(MA), junho de 1938. Arquivo do CCSP.
Igreja não-identificada, mar./jun. de
1938. Arquivo do CCSP.
Igreja não-identificada, mar./jun. de
1938. Arquivo do CCSP.
111
112
corridas por uma escrita mais narrativa e pessoal.
67
No entanto, com a notícia
do afastamento de Mário de Andrade da diretoria do Departamento de Cultura
no dia 11 de maio e temendo uma ordem de retorno imediato, a Missão decidiu
prosseguir com a viagem, deixando João Pessoa no dia 29 de junho com destino
a Teresina (PI), de onde seguiram por terra até São Luiz (MA) e Belém (PA), onde
encerraram suas atividades. Antes da partida da capital paraibana, Luiz Saia
concedeu uma entrevista para o jornal A Imprensa publicada no dia 1
o
de junho,
na qual resumia as atividades realizadas no estado, destacando a diversidade de
manifestações populares naquele estado:
“[...] Me sinto incapaz de dar uma impressão do conjunto da Paraíba. Pelo
menos por enquanto. Me defendo justificando essa incapacidade. Quem,
vindo do sul, viajar o sertão, o brejo, a caatinga, o curumataú, o litoral
e mais um mundo de pequenas zonas perfeitamente diferenciadas, tudo
em pouco mais de um mês, e encontrando em cada lugar uma quantidade
enorme de sugestões novas e interessantes, tem que ficar como fiquei, em
estado de choque. No mínimo. Digo em estado de choque por reserva. A
vontade e talvez a verdade fosse dizer em estado de transe. Porque não
acredito que exista um temperamento de curiosidades que se mantenha
frio diante das descobertas, das revelações inesperadas, de mil detalhes
que a sensibilidade em tensão forçada vai coordenando, juntando, sepa-
rando, concluindo. Acho que me defendi bem.
68
Num trecho seguinte, também carregado de encantamento, é possível entrever
o peso que tanto a arquitetura quanto o folclore e a etnografia tiveram em sua
formação, complementares à própria matriz politécnica. Neste sentido, podemos
dizer que foi esta viagem ao Nordeste, realizada durante o primeiro semestre
de 1938, que possibilitou o cruzamento das experiências acumuladas junto aos
trabalhos de realizados no SPHAN com os estudos e pesquisas produzidos no
âmbito da Sociedade de Etnografia e Folclore:
67 Carlini, op. cit., 1994, p.298.
68 “A contribuição da Paraíba ao folc-lor nacional Fala-nos o Dr. Luis Saia depois de visitar todo o
noss Estado”, A Imprensa, João Pessoa, 1
o
de junho de 1938. Apud Idem, ibidem, p.327.
113
“A primeira viagem que fizemos pelo interior da Paraíba objetivou o sertão
e foi de 25 dias. A segunda, depois de uma semana de fôlego em João Pes-
soa, foi de 12 dias pelo brejo e litoral. Nesses trinta e sete dias de viagem
parávamos um, dois ou três dias em algumas cidades. Noutros lugares
paramos momentos, meia hora, o tempo de tomar um café, de espiar uma
capela interessante, de perguntar informes guiadores do nosso trabalho,
de fotar uma casa popular, de pesquisar um detalhe curioso de uma lata-
da ou de uma casa de farinha, raramente estacionando o suficiente para
colher uma história ou lenda popular. Porém, em todos os lugares de lata-
da ou de uma casa de farinha era infaltável um detalhe permanente. É que
a gente lamentava não poder ficar muito tempo neles, mais dias, sema-
nas talvez e quem sabe amesmo morar ali, que se entrevia variadas
sugestões de estudo a fazer, através de conversas rápidas, de informações
lacônicas e prometedoras. Nessas condições, a necessidade de estar vendo
tudo em pouco tempo cansava mais do que o maior catabi [...] Foi assim
no sertão e precisou ser assim no brejo e litoral. É verdade que aonde a
gente chegava logo ia entrando em contato com o que havia de íntimo e
expressivo do lugar. Mas o sentimento de pouquidão de tempo esteve sem-
pre em nossa presença. [...]”
69
69 Idem, ibidem, p.328.
[
3
]
AS VIAGENS DE ESTUDOS
NA FAU-USP | 1948-1962
116
Gustavo Neves da Rocha Filho
Rosa Grena Alembick descendo
escada no Instituto Tecnológico de
Aeronáutica, São José do Campos (SP),
4 de setembro de 1952. Arquivo da
Biblioteca da FAU-USP.
<
117
Este capitulo está estruturado em três itens que focalizam o universo das ativi-
dades desenvolvidas pelos estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo, desde a sua criação em 1948 até 1962, quando foi
estabelecida a reforma de ensino que estruturou a escola em departamentos,
criando novas disciplinas (ainda sob o regime de cadeiras) e incorporando não
apenas ex-alunos no corpo docente, mas também conteúdos e preocupações que
vinham sendo explorados pelo Grêmio estudantil (GFAU), pelo Centro de Estudos
Folclóricos (CEF) e pelo Centro de Estudos Brasileiros (CEB) em seus trabalhos
extra-curriculares de pesquisa, documentação e viagens.
Marcados por uma certa herança modernista e nas sendas abertas por Mário
de Andrade e Luiz Saia junto ao Departamento de Cultura de São Paulo, o Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o “movimento folclorista, muitos
dos estudantes dessas primeiras turmas da FAU-USP seriam levados a reinter-
pretar os referenciais populares, coloniais e modernos da geração anterior à luz
de sua formação espefica em arquitetura. O momento coincide, por outro lado,
com uma renovação disciplinar fundamental, a partir da qual reelaborava-se o
lugar da arquitetura no campo cultural brasileiro, sua interface com o pensa-
mento e a arte, bem como suas dimensões aplicadas no quadro técnico, social e
econômico do país.
118
3.1. As viagens dos estudantes: mapeamentos e roteiros
As viagens realizadas pelos estudantes da FAU-USP entre 1949 e 1960 parecem
ter cumprido um papel importante na abertura dessas novas perspectivas de for-
mação do arquiteto em uma escola que prometia, ao mesmo tempo, ultrapassar
o referencial Beaux-Arts dominante no país e a matriz local enraizada na Escola
Politécnica de São Paulo.
Essas viagens estudantis resultaram de um conjunto de empreendimentos
específicos, quase sempre à margem das atividades curriculares e com destinos
e interesses variados ao longo da cada de 50. Como tal, elas devem ser lidas
mais como uma prática do que como uma atividade regular, mais como uma
predisposição antes mesmo que uma programação. Neste sentido, também nos
interessa olhar internamente para cada uma daquelas viagens que conseguimos
mapear, buscando alinhavar a coerência e as conexões com as motivações desta
geração, formada a partir de uma escola de arquitetura recentemente emancipa-
da da instituição politécnica e na qual os vínculos com o modernismo e o patri-
mônio histórico ainda não estavam claramente estabelecidos.
O acentuado caráter cnico do curso durante os seus primeiros anos, com
a forte presença dos professores catedráticos da Poli na constituição do corpo
docente, uma nítida herança de sua origem na engenharia, acabou possibilitan-
do aos novos estudantes a procura por outros meios de aprendizado, para além
daqueles conteúdos recebidos em sala de aula. Em linhas gerais, podemos dizer
que foi a partir do contexto de descontentamento com o ensino e da tomada de
consciência da necessidade de repensar a inserção do campo arquitetônico no
debate contemporâneo sobre o país que as viagens serão aqui consideradas, ou
seja, a partir de sua condição complementar mas decisiva na formação dos estu-
dantes naqueles anos.
Em linhas gerais, as viagens obedeceram a um dispositivo que privilegiava
os lugares mais próximos nos anos iniciais, deixando os maiores deslocamentos
para o nal do curso. Assim, se num primeiro momento as visitas se concentra-
ram nos arredores da capital paulista, logo os roteiros se estenderam para Minas
119
Gerais, cujas cidades históricas e o conjunto arquitetônico da Pampulha atraíam
os estudantes, bem como para o Rio de Janeiro, então capital federal, onde as
obras recém-construídas de Lucio Costa, Oscar Niemeyer (1907) e Affonso Reidy
(1909-1964) também os entusiasmavam. Num momento posterior, deslocavam-se
para o Nordeste, sobretudo para as capitais Salvador e Recife, que ainda oferta-
vam aos estudantes uma situação de suspensão do tempo pretérito, materializa-
do, sobretudo pela presença maciça de arquitetura do período colonial. Por m,
especialmente a partir de 1957, algumas visitas empreendidas a Brasília, quando
os estudantes puderam tomar contato com a construção da nova capital federal.
Alguns depoimentos de ex-alunos, como os de Gustavo Neves da Rocha Filho
1
e
Hélio Pasta
2
, confirmam essa tendência:
“O que o Grêmio estabeleceu era que a primeira turma viajaria para Minas
Gerais, nas rias de julho. No ano seguinte, a turma seguinte iria pra
Minas e os da primeira turma iriam para Bahia e Pernambuco. E, depois
disso, para fora. Então essa primeira turma foi para a Bolívia, na Bolívia
se separou, um grupo foi para o Chile e outro grupo foi para o Uruguai.
3
“Então eu o sei bem como as viagens ocorreram. Tenho impressão que
existia dentro da Universidade uma verba para esse tipo de atividade. Mas
o Grêmio participava muito disso, promovia tudo.
4
1 Gustavo Neves da Rocha Filho (1928) ingressou na FAU-USP em 1949 mas se formou apenas em
1962. Como estudante, participou desde cedo das atividades ligadas ao CEF, tendo sido seu presi-
dente entre 1953-1956.
2 Hélio Pasta (1926) ingressou na FAU-USP em 1948 e se formou em 1952. Participou ativamente do
processo para a criação da escola e, juntamente com outros estudantes, foi um dos fundadores do
Grêmio da FAU (GFAU)
3 Entrevista de Gustavo Neves da Rocha Filho ao autor, realizada em 15/12/2008
4 Entrevista de Hélio Pasta ao autor, realizada em 02/02/2009.
120
Nas rotas do Patrimônio: Carapicuíba e arquitetura colonial paulista
Os primeiros registros de viagens que conseguimos identificar se referem às ati-
vidades realizadas ainda no ano de 1949, quando do interesse de alguns alunos
pela aldeia de Carapicuíba. Por orientação de Luiz Saia, que havia realizado um
estudo sobre a arquitetura e as cnicas construtivas tradicionais do conjunto
em 1937
5
, os estudantes Antonio Carlos Alves de Carvalho
6
e Plínio Venanzi
7
pas-
saram a se dirigir sistematicamente para lá durante os finais de semana:
“Então no sábado era o dia que em que tínhamos aula de topografia e, à
tarde, pegávamos um ônibus para Carapicuíba começar a fazer o levanta-
mento. [...] Outras pessoas foram, o Marcílio [Martins] foi algumas vezes,
o Virgílio [Malacarne] foi algumas vezes, o Gustavo [Neves da Rocha Filho]
foi algumas vezes também, mas os dois que malhavam em cima, era o
[Antonio Carlos Alves de] Carvalho e eu. Todo domingo. Tanto que fizemos
um levantamento bem circunstanciado, cada milímetro, daquelas casas,
as partes interna e externa...
8
Um documento interessante, já do começo da década de 1950, que atesta o inte-
resse pela arquitetura tradicional brasileira é um boletim informativo de uma
excursão organizada pelo Centro de Estudos Folclóricos (CEF) do GFAU
9
durante
o feriado de 21 de abril de 1953. Nele visava-se “mostrar aos estudantes de arqui-
tetura, obras tombadas pela DPHAN. A elaboração do roteiro ficou a cargo de
5 “Em 1937, quando auxiliar de Mário de Andrade e candidato à chefia regional do então Serviço do
PHAN, a fim de suprir a falha de não ser ainda arquiteto diplomado, realizei um estudo sistemático
da Aldeia de Carapicuíba. Trabalho exaustivo e cheio de erros – éramos tão inocentemente ignoran-
tes em matéria de arquitetura tradicional que nem sabíamos o que não sabíamos – de observação
e de visão global.”. Cf. Luís Saia, Morada paulista. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.20.
6 Antonio Carlos Alves de Carvalho (1925-2008), conhecido como Carvalhinho, ingressou na FAU-USP
em 1948 e nunca chegou a concluir o curso. No entanto, participou ativamente do processo para a
criação da escola e, juntamente com outros estudantes, foi um dos fundadores do Grêmio da FAU
(GFAU) e de seu Centro de Estudos Folclóricos (CEF).
7 Plínio Venanzi (1925) ingressou na FAU-USP em 1948 mas abandoou o curso no principio da década
de 1950. No entanto, participou ativamente do processo para a criação da escola e, juntamente com
outros estudantes, foi um dos fundadores do GFAU e do CEF.
8 Entrevista de Plínio Venanzi ao autor, realizada em 10/06/2008.
9 A atuação do CEF será analisada no item 3.2.
121
Gustavo Neves da Rocha Filho, então presidente do CEF, que privilegiou alguns
monumentos dos séculos XVI e XVII por se tratarem de obras intimamente liga-
das à fundação de São Paulo”, especialmente, com a aproximação dos festejos de
seu IV Centenário.
10
A visitação tinha seu ponto de partida na capela da aldeia
de Carapicuíba, obra que boa parte dos estudantes conheciam, sobretudo,
devido aos trabalhos de documentação realizados pelos integrantes do Centro
ainda em 1949. Na seqüência, o roteiro previa a parada em duas residências
rurais do século XVII pertencentes ao ciclo bandeirista, ambas localizadas em
Cotia (SP): de um lado, o Sítio do Mandú, que ainda não havia sido restaurado e,
por isso mesmo, interessava para o “estudo de sua técnica construtiva”, a taipa
de pilão; do outro, o Sítio do Padre Inácio, cujas obras de restauração alerta-
va o documento – já haviam sido realizadas parcialmente pelo Patrimônio, sob
os cuidados de Luiz Saia, durante a década anterior.
11
Finalmente, o passeio se
encerrava com uma visita à igreja jesuítica de Embu, para a qual os estudantes
deveriam estar atentos às qualidades artísticas do monumento, tal como desta-
cadas por Lucio Costa no artigo “Arquitetura dos jesuítas no Brasil, publicado na
Revista do SPHAN em 1941.
Mais interessantes até do que os destinos escolhidos, foram as palavras de
Gustavo Neves da Rocha Filho acerca da seleção. Para ele, os estudantes de arqui-
tetura preocupados com a “renovação artística da arquitetura” ou “em fazer
arquitetura brasileiraestavam fugindo de seu povo e suas rzes, influenciados
pelos referenciais estrangeiros de uma importação recente:
“É necessário conhecer o nosso povo e a nossa tradição. É necessário estu-
dar o nosso folclore. A grande lição do folclore é a necessidade de se com-
preender o seu tempo. Meditemos sobre essas obras que vamos ver nesta
excursão. [...] Conheçamos o nosso povo. Será então ocasião de uma cola-
boração, cujos exemplos são tão raros, entre os críticos e os homens sobre
10 Trata-se de um documento de 3 páginas, sem título, datilografado e assinado por Gustavo Neves da
Rocha Filho, presidente do CEF e responsável pela compilação e apresentação das obras escolhidas.
O roteiro provavelmente deve ter sido utilizado pelos estudantes durante o passeio, servindo como
um guia de visitação. (Fonte: acervo pessoal de Domingos Theodoro de Azevedo Netto)
11 Sobre o papel de Luiz Saia nos trabalho de restauração das casas bandeiristas ver: João Clark A.
Sodré. “A Casa Bandeirista de Luiz Saia no IV centenário de São Paulo: restauração e preservação da
identidade paulista” in: Anais do 5º Seminário Docomomo Brasil. São Carlos, 2003 e Lia Mayumi. Taipa,
canela preta e concreto: um estudo sobre o restauro de casas bandeiristas. São Paulo: Romano Guerra, 2008.
122
cujo mister importa informar antes de tudo. É destes últimos, em definiti-
vo, que depende o aspecto de nosso país.
12
De clara liação nacionalista, provavelmente inspirada no influente imaginário
folclorista em São Paulo, o olhar sobre a arquitetura tradicional paulista conver-
gia para o ideal de aproximação entre arquiteto e povo, visto então como premis-
sa legítima de criação de uma nova arquitetura brasileira. A convocação fica ain-
da mais evidente em texto do mesmo autor apresentado no II Congresso Nacional
de Estudantes de Arquitetura, realizado no Recife, no mesmo ano de 1953:
“O estudo da arquitetura tradicional brasileira deve, por isso, ser encarado
com maior responsabilidade. É muito comum o estudante de arquitetura
procurar, desde o primeiro ano do curso, conhecer arquitetura moderna,
através de revistas de livros, pois, necessitamos de elementos para suas
aulas de Composição, sente que precisa fazer o moderno. Acaba copiando
as obras mais significativas, naturalmente de outros países, pois são pou-
cas as publicações dedicadas a nossa arquitetura moderna. O curioso é
que essas obras estrangeiras muitas vezes têm um fundo original tradicio-
nalista. Melhor fôra pois reproduzir a própria tradição do que a alheia.
13
12 Cf. o referido boletim informativo do CEF, p.2.
13 Gustavo Neves da Rocha Filho. “”Sobre o estudo da arquitetura brasileira” in: Anais do II Congresso
Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo. Recife: Bureau Nacional de Estudantes de Arquite-
tura e Urbanismo, outubro de 1953, pp.55-57.
123
tio do Padre Inácio
Estudantes das turma de 1948 e 1949
em visita à casa bandeirista, Cotia (SP),
1 de outubro de 1950. Entre eles, Hélio
Pasta, Thereza Katinszky, Clementina
de Ambrosis, Gustavo Neves da Rocha
Filho e Domingos Theodoro Azevedo
Netto. Arquivo de Domingos Theodoro
Azevedo Netto.
tio do Mandu
Estudantes da turma de 195i em visita
à casa bandeirista, Cotia (SP), 1 de
outubro de 1950. Arquivo de Edoardo
Rosso.
Casa do Butantã
Estudantes das turmas de 195o e
195i em visita à Casa Bandeirante,
restaurada para o IV Centenário de
São Paulo, 29 de janeiro de 1955.
Arquivo do DIM/PMSP. Da esquerda
para direita: Yoshimasa Kimachi,
Edoardo Rosso, Prof. Eduardo Kneese
de Mello, Rodolpho A. Fernandes, José
Luz Fleury de Oliveira, Rosa Kliass,
não-identificado, Sigfrido Rieber
(venezuelano), Armando Rebollo, Hideo
Maeda e outros três não-identificados.
Seção Arquivo de Negativos da
Divisão de Iconografia e Museus do
Departamento do Patrimônio Histórico
da Prefeitura Municipal de São Paulo
(DIM/SMC/DPH/PMSP)
Gustavo Neves da Rocha Filho
Sítio do Padre Inácio, Cotia (SP), 1 de
outubro de 1950. Arquivo Biblioteca da
FAU-USP.
Sítio do Mandu, Cotia (SP), 1 de outubro
de 1950. Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
Casa do Butantã, São Paulo (SP), 29 de
janeiro de 1954.Arquivo Biblioteca da
FAU-USP.
Na página seguinte:
Visita a Aldeia e Igreja de São João
Batista em Carapicuíba (SP), 18 de
março de 1951. Arquivo da Biblioteca
da FAU-USP.
Visita a Aldeia e Igreja de São João
Batista em Carapicuíba (SP), 21 de
abril de 1953. Arquivo da Biblioteca da
FAU-USP.
Gustavo Neves da Rocha Filho
Igreja Nossa Senhora do Rosário,
Embu (SP), 2 de abril de 1950. Arquivo
Biblioteca da FAU-USP.
Capela do Sítio Santo Antonio, São
Roque (SP), 1 de abril de 1951. Arquivo
Biblioteca da FAU-USP.
Capela de São Miguel, São Paulo (SP), 5
de janeiro de 1952. Arquivo Biblioteca
da FAU-USP..
127
Rio de Janeiro: arquitetura moderna
Em paralelo a esse interesse regionalista pela pesquisa da arquitetura colonial e
popular produzida em São Paulo, a arquitetura carioca contemponea também
inspiraria os jovens estudantes. Fosse pela ausência de uma produção local mais
consistente de arquitetura moderna, fosse pela identificação entre a produção
carioca contemporânea a uma versão nacional dos preceitos internacionalistas
canônicos, o interesse pelo Rio de Janeiro se justificava.
É importante salientar que desde a fundação da FAU-USP, uma geração arqui-
tetos modernos formados no Rio de Janeiro vinha ingressando no corpo docente:
em 1948, Abelardo de Souza (1908-1981), formado pela ENBA em 1932; em 1949,
Hélio Duarte (1906-1989), também formado pela ENBA em 1930 e Eduardo Corona
(1921-2001), formado pela Faculdade Nacional de Arquitetura em 1946; em 1950,
Alcides da Rocha Miranda (1909-2001), formado pela ENBA em 1932.
O próprio Niemeyer, então consagrado nacional e internacionalmente como
um dos principais expoentes da primeira geração de arquitetos modernos brasilei-
ros, seria convidado pela direção da Escola a integrar os seus quadros em 1951. Em
suma, um grupo coerente de personalidades atuantes no meio profissional, aentão
excluído das atividades didáticas em razão do conservadorismo ainda dominante na
Faculdade Nacional de Arquitetura, constituiria um pólo importante de informação
dos estudantes da FAU-USP acerca da produção mais recente no Rio de Janeiro.
A aproximação entre o meio paulista e o carioca de arquitetura vinha se con-
solidando desde a segunda metade da década de 1940. Na virada para a década
de 1950, a simpatia dos profissionais locais pelas realizações modernas do grupo
em torno de Lucio Costa e Oscar Niemeyer são evidentes em periódicos de São
Paulo como Acrópole e AD.
14
Não por acaso, desde as primeiras turmas, as viagens ao Rio de Janeiro se tor-
naram uma constante. Em 1949, a caminho do XII Congresso da UNE, que se reali-
zou em Salvador, a delegação estudantil enviada pelo GFAU, composto por Antonio
Carlos Alves de Carvalho e Vicente Ferrão, deteve-se por um dia e meio no Rio de
Janeiro, visitando alguns dos marcos antológicos da moderna arquitetura brasileira:
14 Paula Dedecca. Crítica paulista de arquitetura carioca: recepção e diferenciação da produção brasileira mo-
derna nas revistas especializadas de São Paulo (1945-1960). São Paulo: FAU-USP/CNPq, 2006 (Relatório
final de pesquisa de Iniciação Científica PIBIC).
128
“A viagem foi feita a bordo do “Groi” da marinha mercante francesa, que
ancorou antes no Rio por um dia e meio, permitindo a ambos uma pas-
sagem (nova passagem) pelo MES e uma visita ao Itamaraty, a convite do
embaixador Renato de Almeida. Obras como o MES visitadas, do subsolo
ao terraço na companhia de Carlos Drummond de Andrade e de Ayrton
Carvalho. Visitamos a Biblioteca Nacional, a ABI dos irmãos Roberto, a Esta-
ção de Hidro de Atílio Correa Lima, a Obra do Berço de Oscar Niemeyer e o
aeroporto Santos Dummont, assim como o Parque Guinle, a obra de Lucio
Costa representada pelos edifícios de apartamentos encosta acima.
15
O interesse dos estudantes vinculados ao CEF pelas obras modernas foi desenvol-
vido paralelamente à constituição do acervo de fotografias de arquitetura tradi-
cional brasileira, iniciado por iniciativa de Gustavo Neves da Rocha Filho, a partir
de 1951. Assim, a idéia de se organizar um documentário da produção nacional,
moderna e colonial, se deu a partir do ingresso dos novos estudantes:
“Quando o [Julio] Katinsky entrou na FAU, eu já estava no quarto ano e nós
tínhamos feito a documentação nas obras do Niemeyer na Dutra, do
Lucio Costa no Rio de Janeiro, do Reidy, da Pampulha. Eu já tinha um certo
domínio, e disse: ‘Katinsky, você vai fotografar a obra do Lucio Costa em
Friburgo e a casa do Saavedra no Rio de Janeiro.’”
16
15 Cf. manuscrito de Antonio Carlos Alves de Carvalho (1925-2008), sem data, encontrado junto ao
seu arquivo pessoal com uma série de anotações, registros de memória, fotografias e algumas pu-
blicações. Somos imensamente gratos a sua esposa Doli e a sua filha Patrícia, pela possibilidade de
acesso a tal documentação, uma vez que não conseguimos realizar uma entrevista formal com ele,
apesar das conversas e encontros regulares.
16 Entrevista de Gustavo Neves da Rocha Filho ao autor, realizada em 15/12/2008
Gustavo Neves da Rocha Filho
Oscar Niemeyer. Fábrica Duchen, Rod.
Presidente Dutra (SP), 4 de setembro de
1952. Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
Oscar Niemeyer. Clube dos 500, Rod.
Presidente Dutra (SP), 4 de setembro de
1952. Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
Oscar Niemeyer. Instituto Tecnológico
de Aeronáutica, São José do Campos
(SP), 4 de setembro de 1952. Arquivo
Biblioteca da FAU-USP.
Ariaki Kato
Lucio Costa. Parque Guinle, Rio de
Janeiro (RJ), janeiro de 1952. Arquivo
Biblioteca da FAU-USP.
Julio Roberto Katinsky
Lucio Costa. Park Hotel São Clemente,
Friburgo (RJ), 1953. Arquivo Biblioteca
da FAU-USP.
130
Ariaki Kato
Eduardo Reidy. Conjunto Pedregulho,
Rio de Janeiro (RJ), janeiro de 1952.
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
Eduardo Reidy. Conjunto Pedregulho,
Rio de Janeiro (RJ), janeiro de 1952.
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
131
Minas Gerais: cidades históricas e arquitetura moderna
De maneira geral, as viagens a Minas normalmente se articulavam aos itine-
rios pelo Rio de Janeiro, fosse pela forte presença dos arquitetos cariocas no
estado desde Pampulha e o Grande Hotel de Ouro Preto, ou ainda pelo peso repre-
sentado pelas cidades históricas mineiras no interior do SPHAN.
“As viagens que foram feitas, eu lembro que em 1952 a gente fez uma
viagem pra Bahia, foi por intermédio da Reitoria, que deu uma viagem
para os estudantes irem. Fomos lá, depois fomos para Minas Gerais, nas
cidades históricas. Nem lembro como nós fomos. Eu sei que pra Bahia nós
fomos de avião... O pessoal era atuante, eles iam, se informavam, viam
como pagava, faziam os roteiros e a gente ia acompanhando. Fizemos em
Minas, isso eu lembro direitinho, fizemos em conjunto com o segundo ano,
a excursão para Ouro Preto e de lá nós fomos até o Pico de Itacolomy...
17
“Em 1950, foi feita a primeira viagem a Minas Gerais: Ouro Preto, Mariana,
Sabará, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Foi o grupo da primeira turma da
faculdade que fez essa viagem. O objetivo era a arquitetura tradicional,
arquitetura de Minas evidentemente, a Pampulha e o Rio de Janeiro. [...]
Em julho organiza-se essa viagem da primeira turma para Minas Gerais.
Eu não era da primeira turma, era da segunda, mas eu me enganchei nessa
viagem com 20 caixinhas de filmes para slide para fazer as minhas fotogra-
fias da viagem. Professor para acompanhar a turma, ninguém quis, então
não sei quem, talvez tenha sido eu, sugeri o Oscar Campiglia, que era fun-
cionário da Reitoria, e ele acompanhou essa primeira turma e adorou. E ele
levou um fotógrafo da Reitoria para fazer fotografia e ele fez uma grande
coleção de fotografias em branco e preto para o publicar em livro depois.
Eu fiz essas fotografias com slide já usando uma máquina mais sofisticada,
uma Leica 3. Em janeiro de 1951 eu voltei com a segunda turma da FAU a
Ouro Preto e completei a coleção. O meu programa era fazer fotografia, eu
adorava ficar disparando.
18
17 Entrevista de Roberto Pinto Monteiro ao autor, realizada em 10/04/2008
18 Entrevista de Gustavo Neves da Rocha Filho ao autor, realizada em 15/12/2008.
132
“Mas a viagem para Minas para mim foi mais proveitosa do que a da Bahia.
Estávamos no terceiro ou quarto ano. Nós fomos para Belo Horizonte e
fomos recebidos pelo Juscelino Kubitschek. Ele adorava arquitetos e todos
os estudantes que iam para lá ele hospedava nos melhores hotéis. Depois
disso fomos para Ouro Preto, para Mariana, foi um deslumbramento. [...]
Agora, para Minas, nós fomos de trem e de ônibus. E não fomos com profes-
sor, fomos com um funcionário da Reitoria, tinha que ter uma autoridade”
19
Os itinerários, portanto, revisitavam os roteiros nacionalista de descoberta do
país, seja de neocoloniais e tradicionalistas seja de modernistas, expostos agora
a toda uma nova cultura patrimonial difundida por modernistas e arquitetos da
repartição
20
, o que incluía evidentemente o contato com algumas das realizações
contemporâneas de maior destaque. Não por acaso, a intermediação de Sylvio de
Vasconcellos, professor de arquitetura brasileira da Faculdade de Arquitetura da
Universidade de Minas Gerais, e responsável pela regional do SPHAN, era obriga-
tória em quase todos os empreendimentos.
“As viagens eram feitas geralmente por turmas. A primeira viagem sem-
pre era para as cidades históricas de Minas Gerais, Ouro Preto, Mariana e
também para Belo Horizonte. [...] Colonial e moderno, sempre enfatizando
isso. Belo Horizonte já tinha uma arquitetura de certa notabilidade. Tinha
o Banco da Lavoura, produto de um concurso de arquitetos modernos,
tinha ainda o Sylvio de Vasconcellos que era um dos homens do movi-
mento colonialista, mas era uma figura importante, e tinha a Pampulha
que era o nosso grande espelho, nosso modelo. Essas viagens eram feitas
e programadas pela escola. [...] era específico programar uma viagem
por ano para determinado lugar. A escola organizava, mas ela ainda o
tinha aquele ônibus que o famoso Benjamin dirigia, depois de uma certa
época ele funcionou como transporte. Naquele tempo não existia, a gen-
te ia de avião, com algumas passagens grátis, mas era pago pela escola.
Fomos de Congonhas para Pampulha em um DC-3, o primeiro avião que
19 Entrevista de Thereza Katinszky de Katina e Pielesz ao autor, realizada em 12/04/2008
20 Lauro Cavalcanti (org.). Modernistas na repartição. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Tempo Brasileiro/
Paço Imperial, 1993.
voei, ficava inclinado na pista. Chegamos a Pampulha, nos hospedamos,
e um clássico era fazer nossa farra à noite, aquelas coisas de estudantes.
Foi uma viagem não sei se muito produtiva em termos de arquitetura, eu
pessoalmente não me emocionava muito com aquilo. Mas foi um grande
congraçamento com os estudantes de lá, em Ouro Preto naquelas repúbli-
cas, fizemos uma farra, bailes. Isso foi no segundo, terceiro ano.
21
21 Entrevista de Jon Vergareche Maitrejean ao autor, realizada em12/12/2008.
133
Gustavo Neves da Rocha Filho
Oscar Niemeyer. Grande Hotel, Ouro
Preto (MG), 26 julho de 1950. Arquivo
Biblioteca da FAU-USP.
134
Gustavo Neves da Rocha Filho
Oscar Niemeyer. Grande Hotel, Ouro
Preto (MG), 26 julho de 1950. Arquivo
Biblioteca da FAU-USP.
Oscar Niemeyer. Grande Hotel, Ouro
Preto (MG). Cartão Postal, 23 de janeiro
de 1951. Arquivo de Fúlvio Smilari.
Flâmula da “Ordem do Tucanos”
utilizada por estudantes da FAU-USP
em viagem realizada para Ouro Preto e
outras cidades históricas mineiras, em
1951. Dentre os signatários, é possível
identificar os nomes de Ruy Gama,
Roberto Pinto Monteiro, Fúlvio Smilari,
Roberto Camargo, Gustavo Neves da
Rocha Filho e Jon Maitrejean. Arquivo
de Roberto Pinto Monteiro.
Igreja de São Francisco de Assis, Ouro
Preto (MG), 1951. Arquivo de Roberto
Pinto Monteiro.
Vista Geral de Ouro Preto (MG), 1951.
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
Casa de Câmara e Cadeia / Museu da
Inconfidência, Ouro Preto (MG), 1951.
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
136
Igreja do São Bom Jesus do Matozinho,
Congonhas do Campo (MG), 1951.
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
Igreja do São Bom Jesus do Matozinho,
Congonhas do Campo (MG), 1951.
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
Viagem para Congonhas do Campo
(MG), julho de 1953. Da esquerda para
direita: Rosa Grena Alembick, Wlademir
Kliass, Miranda Martinelli e Edoardo
Rosso (sentados); Osmar Tosi, Prof.
Roberto Coelho Cardozo, Jorge Salomão
e Yoshimasa Kimachi (em pé). Arquivo
de Edoardo Rosso.
Julio Roberto Katinsky
Passadiço da Glória, Diamantina (MG),
julho de 1955. Arquivo Biblioteca da
FAU-USP.
137
Estudantes na Igreja N. Senhora do
Ó, em Sabará (MG), 1955. Arquivo de
Edoardo Rosso.
Estudantes na escadaria da Igreja
Santa Efigênia, Ouro Preto (MG) 1955.
Entre eles, Edoardo Rosso, Julio Roberto
Katinsky, João Baptista Xavier, Dacio
Ottoni e Eduardo de Almeida. Arquivo
de Edoardo Rosso.
138
Viagem para Belo Horizonte (MG),
julho de 1953. Edoardo Rosso, Miranda
Martinelli e outros estudantes em
frente ao Edifício do Banco da Lavoura,
projeto de Vital Brazil. Arquivo de
Edoardo Rosso.
Gustavo Neves da Rocha Filho
Oscar Niemeyer. Residência Juscelino
Kubitschek, Belo Horizonte (MG), 19 de
julho de 1950. Arquivo Biblioteca da
FAU-USP.
Sylvio Vasconcellos. Residência, Belo
Horizonte (MG), 12 de outubro de 1953.
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
Sylvio Vasconcellos. Residência, Belo
Horizonte (MG), 12 de outubro de 1953.
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
139
Nordeste e Norte: do litoral ao sertão, do colonial ao popular
Uma das primeiras referências encontradas sobre viagens para o Nordeste foi
daquela realizada em julho de 1949, no âmbito do XII Congresso da UNE realiza-
do em Salvador. Após uma rápida passagem pelo Rio, conforme mostrado ante-
riormente, os dois estudantes da delegação da FAU chegaram à capital baiana,
travando contatos logo de início tanto com representantes do movimento folclo-
rista local, quanto com figuras do modernismo regionalista:
Nossa chegada a Salvador, dois dias após. Fomos recebidos pela Comissão
Baiana de Folclore em sessão solene e com convite visitamos as principais
igrejas, os principais fortes, os principais solares históricos. Repentinamen-
te passamos a habitar historicamente o Brasil, a tomar conhecimento “in
loco” de seus costumes. Obviamente tivemos nosso contato com as “mães
pretas” do Candomblé, com Jorge Amado, com o pintor Carlos Bastos e com
o jovem escultor rio Cravo. Deste consegui um desenho de uma perso-
nagem de Candomblé, que mais adiante seria capa de publicação do nosso
Centro de Estudos Folclóricos, destinado a tradução da Carta de Atenas.
22
Uma outra viagem realizada por alguns alunos da primeira turma foi para Belém
(PA), provavelmente em 1952, no último ano do curso. Segundo relato de Hélio
Pasta, apesar de seu caráter eminentemente turístico, com parte das despesas de
transporte pagas inclusive pela própria FAU, tratou-se de “uma viagem de escla-
recimento, na medida que proporcionou um contato com realidades certamente
desconhecidas para jovens estudantes de São Paulo naquele momento:
“E dali nós fomos para Manaus (AM). O grupo que foi para Manaus foi por
conta própria, era muito barata a passagem. Tinha uma chata que saia de
Belém e ia para Manaus, levava uma semana, dia e noite sem parar. E acho
que custava 10 cruzeiros por dia, coisa desse tipo. Estávamos entusiasma-
dos pela cidade, pelo Teatro Amazonas, pelos chafarizes, por um hotel feito
por um arquiteto chamado Paulo Antunes Ribeiro. [...] Antes de sair, a chata
era uma solenidade, todo mundo enfarpelado, arrumado, de quepe... Quan-
22 Cf. manuscrito de Antonio Carlos Alves de Carvalho, sem data.
140
do o navio saía do porto, todo mundo de short, de camiseta, de qualquer
jeito... A gente ouvia muitas histórias do comandante, mas não lembro de
nenhuma delas. Uma coisa que a gente queria ver no Amazonas eram os
animais: jacarés, etc.
23
Um dos únicos documentos encontrados durante a pesquisa que atestam a par-
ticipação de professores da escola na organização das viagens foi o roteiro para
visita a Salvador (BA), elaborado pelo professor Carlos Alberto Gomes Cardim
Filho
24
, da cadeira “Arquitetura no Brasil, para a turma do 5
o
ano, em julho 1953.
Em linhas gerais, o roteiro proposto privilegiava as obras do período colonial,
principalmente de arquitetura religiosa, mas também civil e militar.
Logo de início, a sugestão de um conjunto de 22 igrejas e conventos, entre
os quais destacava a Igreja da Misericórdia, a Catedral de Salvador, a Igreja de
São Pedro e São Domingos, a Igreja de São Francisco, a Igreja da Ordem Terceira
de São Francisco, a Igreja do Rorio e a Igreja do Carmo. Para cada uma das
indicações, Gomes Cardim listou uma série de características que deveriam ser
observadas pelos estudantes, desde o enquadramento arquitetônico na cidade,
suas plantas e fachadas, bem como os respectivos interiores, suas pinturas, azu-
lejos e altares. Também orientou os estudantes a visitarem alguns solares da
capital baiana como o Ferrão, o Saldanha, a Casa de Ruy Barbosa, a Casa dos
7 Candeeiros (Sede do Patrimônio), bem como os fortes de São Marcelo, Santo
Antonio da Barra, Santa Maria, Mont Serrat, São Pedro e Barbalho.
Como contraponto ao repertório colonial sugerido, foram listadas algumas
obras de arquitetura moderna como o Hotel da Bahia, do arquiteto Paulo Antunes
Ribeiro, inaugurado em 1951, além de edifícios comerciais localizados na Cidade
Baixa e algumas residências em Amaralina e Itapoã.
23 Entrevista de Hélio Pasta ao autor, realizada em 02/02/2009.
24 Carlos Alberto Gomes Cardim Filho (1899-1990) formou-se engenheiro-arquiteto pela Escola Po-
litécnica em 1925. Quando estudante, participou de algumas excursões as cidades históricas de
Minas Gerais organizadas pelo professor Alexandre Albuquerque, tendo se interessado desde cedo
pela arquitetura colonial brasileira. Publicou inúmeros artigos publicados sobre o assunto, entre
eles “Minas e tradição” (1930), no Boletim do Instituto de Engenharia e “Arquitetura e tradição” (1942),
na revista Acrópole. Cf. Sylvia Ficher, op. cit., pp.215-221. Foi professor da FAU entre 05 de março de
1952 e 28 de fevereiro de 1955, sendo o responsável pela cadeira “Arquitetura no Brasil” (n.18).
141
Além destas recomendações de interesse arquitetônico, o roteiro ainda suge-
ria algumas visitas ao “típico” Mercado de Água de Meninos, a um candomblé no
Rio Vermelho, à lagoa de Abaeté, além das refinarias e campos de petróleo nos
municípios de Candeias e Mataripe.
“Eu fiz duas viagens: uma para Minas e outra para a Bahia, mas o era
pelo Centro de Estudos Folclóricos, era pelo Grêmio e pela Reitoria. A pró-
pria diretoria mandava um professor e nós fomos com o professor Gomes
Cardim, que dava Arquitetura no Brasil”. E foi uma coisa maravilhosa,
nós fomos recebidos pelo arquiteto Diógenes Rebouças [...] Para a Bahia a
gente foi de avião de carga, levou não sei quantas horas para chegar, um
negócio absurdo...
25
“Na segunda viagem, que nós fizemos para a Bahia em 1951, nós convi-
damos o Zanine Caldas que era um professor de maquetes, a oficina era
dirigida por ele. E levamos o doutor Lobo, que era o nome que a gente
dava a ele, nessa viagem para a Bahia. Nessa viagem, alguém resolveu
que deveríamos visitar Paulo Afonso (BA) e resolvemos alugar por nossa
conta uma daquelas jardineiras. Fomos até Recife (PE), passando em Paulo
Afonso (BA), Arcoverde (PE) e todo o sertão histórico do cangaço até Recife.
Isso foi por nossa conta. Foi uma viagem bacana. Em Salvador, nos hos-
pedamos na Barra, e conseguimos ir a um candomblé naquele morro que
fica atrás do Farol. E vimos um candomblé com uma certa originalidade,
não feito para turistas.
26
25 Entrevista de Thereza Katinszky de Katina e Pielesz ao autor, realizada em 12/04/2008
26 Entrevista de Jon Maitrejean ao autor, realizada em12/12/2008.
142
Aspectos da viagem realizada pelos
estudantes da primeira turma para
Salvador (BA) e arredores em 1952.
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
Nas páginas seguintes:
Roteiro de visita a Salvador (BA) para
os alunos do 5
o
ano em julho de 1953.
Professor responsável: Carlos G. Cardim
Filho. Arquivo Domingos Theodoro
Azevedo Netto.
143
144
145
146
Pelourinho, Salvador (BA), julho
de 1953. Viagem realizada pelos
estudantes da segunda turma para
o Nordeste. Arquivo de Domingos
Theodoro Azevedo Netto.
Salvador (BA), julho de 1953. Arquivo de
Domingos Theodoro Azevedo Netto.
Candomblé, Salvador (BA), julho de
1953. Arquivo de Domingos Theodoro
Azevedo Netto.
Lagoa do Abaeté, Salvador (BA),
julho de 1953. Arquivo de Domingos
Theodoro Azevedo Netto.
Estudantes na Lagoa do Abaeté,
Salvador (BA), julho de 1953. Arquivo de
Domingos Theodoro Azevedo Netto.
Viagem de estudantes para Salvador
(BA) a bordo do navio Dom Pedro II, julho
de 1954. Arquivo de Edoardo Rosso.
Lagoa do Abaeté, Salvador (BA), julho
de 1954. Arquivo de Edoardo Rosso.
Edoardo Rosso
Praia de Itapoã, Salvador (BA), julho de
1954. Arquivo de Edoardo Rosso.
149
Grupo de estudantes no Hotel da Bahia,
Salvador (BA), julho de 1954. Arquivo de
Edoardo Rosso.
Edoardo Rosso
Cidade baixa, Salvador (BA), julho de
1954. Arquivo de Edoardo Rosso.
Mercado, Salvador (BA), julho de 1954.
Arquivo de Edoardo Rosso.
Feira de Água dos Meninos, Salvador
(BA), julho de 1954. Arquivo de Edoardo
Rosso.
Gustavo Neves da Rocha Filho
Paulo Antunes Ribeiro. Hotel da Bahia,
Salvador (BA), 4 de agosto de 1954.
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
Grupo de estudantes da segunda turma
em frente a Igreja de Nossa Senhora
do Carmo, Olinda (PE), julho de 1953.
Arquivo de Domingos Theodoro de
Azevedo Netto.
Edoardo Rosso
Vista de Olinda (PE), julho de 1954.
Arquivo de Edoardo Rosso.
Vista de Olinda (PE), julho de 1954.
Arquivo de Edoardo Rosso.
Gustavo Neves da Rocha Filho
Luiz Nunes. Caixa d’Água, Olinda (PE),
fevereiro de 1952. Arquivo Biblioteca da
FAU-USP.
Igreja de Nossa Senhora do Carmo,
Olinda (PE), 15 de julho de 1954.
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
Habitação popular nos arredores de
Olinda (PE), fevereiro de 1952. Arquivo
Biblioteca da FAU-USP.
151
Aspectos da viagem dos estudantes da
segunda turma pelo sertão nordestino,
entre Recife (PE) e Paulo Afonso (BA),
julho de 1953. Arquivo de Domingos
Theodoro de Azevedo Netto.
Da esquerda para direita: Flávio Villaça,
Ivo Uvo e Jon Maitrejean na Cachoeira
de Paulo Afonso, julho de 1953. Arquivo
de Domingos Theodoro de Azevedo
Netto.
152
Edoardo Rosso
Viagem dos estudantes pelo sertão
nordestino, entre Recife (PE) e Paulo
Afonso (BA), julho de 1954. Arquivo de
Edoardo Rosso.
Viagem dos estudantes pelo sertão
nordestino, entre Recife (PE) e Paulo
Afonso (BA), julho de 1954. Arquivo de
Edoardo Rosso.
Viagem dos estudantes pelo sertão
nordestino, entre Recife (PE) e Paulo
Afonso (BA), julho de 1954. Da esquerda
para direita: Yoshimasa Kimachi, Rosa
Grena Alembick, Miranda Martinelli,
entre outros. Arquivo de Edoardo Rosso.
153
Uma outra viagem feita por alguns estudantes da FAU que conseguimos identifi-
car ao longo da pesquisa e que revela o interesse em descobrir o Brasil” foi quan-
do Julio Roberto Katinsky
27
, Ubyrajara Gilioli
28
e Geraldo Vespaziano Puntoni, em
janeiro de 1955, decidiram descer o rio São Francisco:
“A idéia da viagem de descer o rio São Francisco era a de conhecer o Bra-
sil, tínhamos que colaborar na construção do país. Nós descemos o o
Francisco, fomos aJuazeiro. Saímos de São Paulo e fomos até Barra do
Piraí. De Barra do Piraí, pegamos o trem e fomos para Belo Horizonte. De
Belo Horizonte, nós pegamos um trem que era um horror e fomos para
Pirapora. Lá tem uma queda d’água e começa um São Francisco tranqüilo
até Paulo Afonso, até parado. Fomos cantando o tempo todo. Éramos estu-
dantes, não podíamos pagar, dormimos em tudo quanto foi biboca possí-
vel. E em Juazeiro nós pegamos o trem e fomos até Bonfim. Em Bonfim nós
descemos, dormimos em Bonfim e chegamos em Salvador, lá eu tinha um
amigo, que conheci num congresso, e ele cavou um monte de coisa para
nós na Reitoria [...] Por fim nós cavamos um monte de coisa e ficamos lá.
Então essa foi uma viagem importante para nós, não no sentido de colher
muito material folclórico, porque não tínhamos competência para isso.
Mas foi importante para ver um Brasil que ninguém conhecia na faculda-
de. Qual é esse Brasil? Um Brasil de uma miséria total e ao mesmo tempo
cheio de gente de muita esperança...
29
“Bom, ali, o grande impacto foi ver a miséria no interior do país. Aquelas
populações ribeirinhas que, conforme chegava o barco, todo mundo ia lá
para vender alguma coisa, e isso foi o grande impacto. Eu me lembro que
eu tirei uma série de fotografias, e depois expus na FAU naquela época. Eu
nem tenho mais essas fotos...
30
27 Julio Roberto Katinsky ingressou na FAU-USP em 1952 e se formou em 1957.
28 Ubyrajara Gonsalves Gilioli (19XX) ingressou na FAU-USP em 1952 e se formou em 1956.
29 Entrevista de Julio Roberto Katinsky ao autor, realizada em 28/01/2009.
30 Entrevista de Ubyrajara Gonsalves Gilioli ao autor, realizada em 25/04/2009.
154
Este itinerário parece ter despertado um interesse alternativo aos roteiros tradicio-
nais até então realizados pelos estudantes de arquitetura, como podemos verificar
na solicitação feita alguns anos depois por Luiz Saia para o diretor do Patrimônio:
“Meu caro Dr. Rodrigo.
os portadores deste bilhete são estudantes da Faculdade de Arq. e Urbanis-
mo e estão aproveitando as férias para viajar. Querem, desta vez, conhecer
o vale do São Francisco. Num roteiro estudado em cima do joelho se imagi-
nou que teria interesse seguir de Pirapora até abaixo de Juazeiro, por onde
seguirão para a zona do Padre Cícero, no Ceará e dpara João Pessoa -
Recife ou diretamente a Recife, por Itabaiana. [...] Pouca coisa pude indicar
a eles porque não percorri a zona do São Francisco. Talvez ai no Patrimô-
nio exista alguma indicação de coisa a ser pesquisada. Eles tem boa embo-
cadura para isso. No percurso do Estado da Paraíba passarão pela Fazenda
Acauã. [...] O interesse desta apresentação pode ser tanto para eles que
querem indicações, como para o próprio Patrimônio que pode aproveitar a
viagem para colheita de material de valor informativo
Com um abraço amigo do Saia”
31
31 Carta manuscrita de Luiz Saia para Rodrigo Melo Franco de Andrade, 07/01/1958. Arquivo Noronha
Santos, Série: Arquivo Técnico e Administrativo IPHAN, Sub-Série: Representante, Caixa 052, Pasta
245.09 (folha 460),
Ubyrajara Gilioli
Barca utilizada na viagem pelo rio São
Francisco, janeiro de 1955. Arquivo de
Ubyrajara Gilioli.
155
3.2. As organizações estudantis: o GFAU, o CEF e o CEB
De maneira geral, não podemos dissociar o conjunto de viagens realizadas pelos
alunos da FAU durante o nal dos anos 40 e a década de 1950 dos seus vínculos
com a própria organização e estruturação das instituições de representação estu-
dantil. Neste sentido, devemos enfatizar também o papel formativo que algumas
viagens desempenharam para esta geração a partir dos contatos estabelecidos
com estudantes de outros estados do país, sobretudo a partir dos congressos,
revelando uma ligação entre tais deslocamentos com a militância e as discussões
em relação à mudança nos padrões de ensino.
O Grêmio da FAU (GFAU): formação e atuação, 1948-1962
A fundação do Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP no dia 5
de novembro de 1948, poucos meses depois da criação da escola, correspondeu ao
desfecho de todo um processo iniciado meses antes, isto é, do desejo de se criar
um curso autônomo de arquitetura e urbanismo, no caso, desvinculado do curso
de engenheiros-arquitetos da Poli. De certa maneira, foram os mesmos estudan-
tes que atuaram intensamente para a aprovação do projeto de lei n. 60/48 junto à
Assembléia Legislativa do Estado, que resolveram organizar o GFAU.
Apesar de inicialmente ter se cogitado uma liação ao Grêmio Politécnico
32
,
uma vez que a nova faculdade havia se instalado provisoriamente nas depen-
dências do prédio da Escola Politécnica no bairro da Luz, prevaleceu a vontade
da maioria de criar uma entidade independente, tendo sido eleito presidente o
estudante Marcílio Martins.
33
De acordo com o depoimento de alguns destes pro-
32 Entrevista de Gustavo Neves da Rocha ao autor, realizada em 15/12/2008.
33 Marcilio Martins (1925-19XX), ingressou na FAU-USP em 1948 e se formou em 1952. Participou ati-
vamente do processo para a criação da escola e, juntamente com outros colegas, foi um dos funda-
dores do GFAU, tendo sido eleito seu primeiro presidente.
156
tagonistas
34
, tal iniciativa contou com o apoio imediato de Luiz Ignacio de Anhaia
Melo
35
, nomeado primeiro diretor da FAU, além de professores como Vilanova
Artigas (1915-1985) e Abelardo Riedy de Souza, respectivamente titular e assisten-
te da cadeira n.16, “Composição de Arquitetura. Pequenas Composições I”, minis-
trada para o 1
o
ano.
36
A atuação do GFAU nestes primeiros anos foi bastante intensa, tanto por sua
participação junto ao movimento estudantil, quanto pelo engajamento e politiza-
ção nas questões de interesse da coletividade. A situação da escola em seu perí-
odo inicial, quando ainda se organizava e se estruturava institucionalmente, fez
com que os estudantes se envolvessem de perto com os problemas de funciona-
mento da faculdade e os prejzos causados pelo atraso habitual das aulas, prin-
cipalmente naquelas cadeiras que exigiam, a cada ano, a contratação de novos
professores. A discussão sobre o ensino de arquitetura e a formação do arquite-
to também pautou a agenda de reivindicações estudantis durante praticamente
toda a década de 1950, período no qual a FAU demorou para conseguir a aprova-
ção de um regimento interno.
É neste sentido que devemos enfatizar o papel assumido desde cedo pelo cor-
po discente na construção institucional, influenciando na denição e na cons-
tituição de novos quadros para a escola, no auxílio à montagem dos materiais
didáticos por meio da pequena editora montada pelo Grêmio, nos seminários de
ensino e reformas curriculares estabelecidas.
34 Segundo Plínio Venanzi, essa primeira turma “teve um privilégio, que era formada por aquelas pes-
soas que lutaram pela faculdade, que conseguiram ver a faculdade uma realidade. Então, havia
entre nós um denominador comum que talvez não existiu naqueles alunos que entraram depois,
de quando já está formada. Para nós, aquilo era o nosso filho, nós tínhamos parido aquele negócio
ou pelo menos ajudamos...”. De acordo com outros ingressantes em 1948, tratava-se da mesma luta
iniciada anteriormente.
35 Luiz Ignacio de Anhaia Mello (1891-1974) formou-se engenheiro-arquiteto pela Escola Politécnica
em 1913, tornou-se catedrático da cadeira “”Estética. Composição Geral e Urbanismo I e II” ainda
em 1926, iniciando o ensino sistemático daquela disciplina que se tornaria sua especialidade. Além
de sua carreira acadêmica, também se dedicou à política, como membro do Partido Democrático
(PD), tendo sido vereador e prefeito da cidade de São Paulo, assim como ocupou cargos importantes
na administração municipal. Em relação a sua carreira acadêmica, Anhaia Mello também assumiu,
a partir de 1949, as cadeiras “Teoria da Arquitetura” (n.9) e “Urbanismo” (n.19), respectivamente
para o 2
o
e 5
o
anos da recém-criada FAU, da qual foi seu diretor em duas ocasiões, entre 1948 e
1951 e entre 1959 e 1961, tendo se exonerado do cargo nas duas situações. Cf. Sylvia Ficher, op. cit.,
pp. 143-153. Foi professor da FAU entre 31 de março de 1949 e 23 de agosto de 1961, quando de sua
aposentadoria compulsória.
36 Entrevista de Plínio Venanzi ao autor, realizada em 10/06/2009.
157
Uma das primeiras atribuições do GFAU, em termos de sua inserção no movi-
mento estudantil, foi estabelecida a partir da participação no XII Congresso
Nacional de Estudantes, realizado em junho de 1949 na cidade de Salvador (BA), no
qual estiveram presentes os representantes dos diretórios acadêmicos de todas as
faculdades de arquitetura do país. As delegações correspondiam às setes escolas
existentes naquele momento: a Escola de Arquitetura de Universidade de Minas
Gerais; a Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil; a Faculdade
de Arquitetura Mackenzie; a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP; a Escola
de Arquitetura da Universidade da Bahia; a Escola de Arquitetura da Universidade
de Pernambuco; a Faculdade de Arquitetura da Universidade do Rio Grande do Sul.
Na ocasião, todos se reuniram na tentativa de organizar o II Congresso Brasileiro
de Estudantes de Arquitetura, cuja primeira edição havia se realizado, irregular-
mente, na capital federal durante o ano anterior, motivo pelo qual a própria dire-
toria do Bureau Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo acabou sendo
destituída.
37
No entanto, apesar de todo o esforço para sua realização, o congresso
acabou não se realizando em 1949 e nem durante os dois anos seguintes.
37 Em abril de 1948, a União Nacional dos Estudante, atendendo a uma solicitação do Bureau Interna-
cional dos Estudantes de Arquitetura, órgão filiado à União Internacional dos Estudantes, fundou
o Bureau Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo. Como organização independente,
deveria coordenar e representar os interesses gerais dos estudantes de arquitetura e urbanismo do
país. Cf. Bureau Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, I Congresso Nacional de Estu-
dantes de Arquitetura e Urbanismo. Salvador, 1952, pp.4-6.
Vila Penteado
Porão na rua Maranhão, 88, destinado
ao Grêmio da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da USP (GFAU). Arquivo da
Bilioteca FAU-USP.
158
Um momento chave que revela o engajamento estudantil nesse período ini-
cial de estruturação da escola se deu em 1951, quando da indicação do arqui-
teto Oscar Niemeyer para o concurso de títulos de preenchimento da cadeira
n.17, “Composição de Arquitetura. Grandes Composições II”. Seu nome contava,
inclusive, com a simpatia do diretor da FAU, Anhaia Mello, além de outros pro-
fessores e da grande maioria dos estudantes. Apesar de ter sido o vencedor no
pleito, o Conselho Universitário da USP, a partir de articulação do reitor Ernesto
de Moraes Leme (1896-1986), vetou sua nomeação e o eliminou do processo.
38
Segundo Nestor Goulart Reis Filho
39
, recém–ingressante na escola:
“Eu entrei, e três meses depois aconteceu isso, foi uma desestruturação da
FAU, quase que ela muda de orientação naquele momento.[...] O Anhaia
Mello era o vice-reitor e montou a FAU com um carinho enorme, apesar
de ser uma escola pequena e nova. Mas havia briga de grupos, o grupo
dele e o do Zeferino Vaz, que era um homem da área das biológicas. E no
começo de 1951, como todos os anos, se fazia a seleção para novos profes-
sores, e para o quinto ano, “Grandes Composições”, foi selecionado o Oscar
Niemeyer, e para um daqueles anos, “Desenho”, foi selecionada a Colette
Pujol, E o professor Anhaia acolhe uma excelente professora que era a
filha dele. E o Zeferino Vaz, para humilhar o Anhaia que era vice-reitor,
arruma um rolo no Conselho Universitário pela indicação do Niemeyer
que era declaradamente comunista e fazem anular a votação e descon-
tratam a Colette Pujol, e atingem pessoalmente o doutor Anhaia, que era
a nalidade e pede demissão. Ele deixou de ser vice-reitor, deixou de ser
diretor da FAU e a escola fica órfã quatro anos depois de fundada. [...] E ela
que era a única escola moderna do Brasil foi ameaçada de ser fechada. E
foi fechada pelo governador. Era uma forma de repressão, obviamente. E
Carlos Lacerda, que era um político do Rio de Janeiro, que tinha começado
no comunismo e estava de beijos e abraços com a extrema direita, faz um
movimento, vai à reunião da UNE no Rio de Janeiro, e discursa contra a
FAU, e alguns colegas nossos, de turma, foram para lá para trabalhar con-
38 “Garcez faz o enterro da cultura paulista”, Hoje. São Paulo, 10 de maio de 1951, s.p.
39 Nestor Goulart Reis Filho (1931) ingressou na FAU-USP em 1951 e se formou em 1955. Entre 1959 e
1962 cursou Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
159
tra nós, para o Lacerda, por causa dos comunistas... E nós ficamos órfãos
de pai e mãe. Então, fecharam a FAU e nós foram dormir no GFAU porão
para impedir que o Grêmio fosse invadido, que era uma sociedade civil, o
endereço estava registrado lá e não queríamos que fosse fechado.
40
Apesar do peso das disputas internas de poder na USP, sobretudo entre as
Faculdades de Direito, Medicina e a Poli, sabemos que tal proibição se deu tam-
bém por questões políticas maiores, uma vez que o candidato vitorioso era comu-
nista declarado e poderia influenciar “negativamente” na formação dos jovens
arquitetos paulistas. As decisões do Conselho Universitário tiveram como con-
seqüências imediatas o pedido de demissão de Anhaia Mello tanto da direção
da FAU quanto do cargo de vice-reitor da USP, além de uma greve iniciada pelos
estudantes em 9 de maio de 1951.
41
O ex-aluno Hélio Pasta, destacou o peso do
início da Guerra Fria na decisão:
“Eu lembro que por causa do Oscar Niemeyer, nós ficamos seis meses em
greve em 51. Para você ver, o negócio americano, o macarthismo, o que
ele gera... A Reitoria tinha aprovado o nome dele e sei lá quem buzinou
que ele era comunista e voltaram atrás. O nome dele estava aprovado. E o
impasse se resolveu porque o Oscar fez uma carta abrindo mão da vaga.
42
De acordo com Romeu Solferini Neto
43
, presidente do GFAU na ocasião e um de
seus principais porta-vozes junto à imprensa, o nome de Oscar Niemeyer para a
referida cadeira atendia a “reiteradas instâncias de arquitetos e professores daqui
de São Paulo e do Rio.
44
Em entrevista para o Correio Paulistano em 11 de maio,
assim resumiu o tom geral de insatisfação dos alunos da escola:
40 Entrevista de Nestor Goulart Reis Filho ao autor, realizada em 28/01/2010.
41 Na verdade, o pedido de demissão de Anhaia Mello foi motivado por uma caso semelhante de arbi-
trariedade do Conselho Universitário, uma vez que o nome de Collete Pujol (1913-1999) havia sido
indicado para a cadeira de “Desenho Artístico” ainda em 1950, porém, sua contratação acabou não
sendo efetivada na mesma reunião.
42 Entrevista de Hélio Pasta ao autor, realizada em 02/02/2009.
43 Romeu Solferini Neto (1925) ingressou em 1948 na FAU-USP e se formou em 1952. Participou ativa-
mente da vida estudantil, tendo sido presidente do GFAU em 1951.
44 “Niemeyer impedido de lecionar na Faculdade de Arquitetura”, Jornal de Notícias. São Paulo, 12 de
maio de 1951, s.p.
160
“Nosso movimento é um protesto contra o atraso na indicação de profes-
sores, para diversas cadeiras de nossa escola, a demora na aprovação do
regulamento da Faculdade, e o julgamento do concurso de títulos para a
cadeira de Grandes Composições, do 4
o
ano, que foi vencido pelo arquite-
to Oscar Niemeyer, de forma alguma se justifica. Além disto, o Conselho
Universitário, anulando o seu próprio voto, não mais o aceitou como pro-
fessor da Faculdade. [...] Quanto ao caso do arquiteto Oscar Niemeyer, não
se compreende porque o Conselho Universitário recusa os serviços de um
profissional de capacidade mundialmente conhecida. Tal atitude não pode
ser ditada pela melhoria do ensino em São Paulo e pelo progresso da arqui-
tetura brasileira, em cuja defesa os estudantes levantam seu protesto.
45
A repercussão do epidio foi bastante noticiada pelos jornais da época, que
passaram a acompanhar o movimento dos estudantes da FAU por quase quatro
meses, período no qual permaneceram em greve que culminou, inclusive, com
o próprio fechamento da escola. Foram inúmeras as manifestações de solidarie-
dade com as reivindicações dos grevistas, que receberam apoio tanto dos cen-
tros e diretórios acadêmicos de outras faculdades, como os de Direito e Filosofia,
Ciências e Letras, como também de integrantes da classe artística, em espe-
cial àqueles ligados ao teatro, ao cinema e ao rádio, como Paulo Autran, Tônia
Carrero, Hebe Camargo, Carlos Thiré, Osny Silva, entre outros.
46
O fechamento da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo foi proposto pelo
Conselho Universitário e, a partir de sua aprovação, o reitor baixou, em 28 de
junho, uma portaria na qual suspendia as atividades didáticas e culturais da
FAU por tempo indeterminado, “considerando o ambiente de indisciplina reinan-
te no corpo discente”. Além disto, a direção da escola, exercida interinamente
por Bruno Simões Magro, deveria determinar também o fechamento do próprio
Grêmio, uma vez que sua sede funcionava nas dependências da Vila Penteado.
47
45 “Em greve os universitários de urbanismo e arquitetura”, Correio Paulistano. São Paulo, 11 de maio de
1951, s.p.
46 “Em greve por tempo indeterminado os alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo”, Folha da
Manhã. São Paulo, 8 de junho de 1951.
47 Cf. o documento “Nota Oficial da 7
a
sessão da Assembléia permanente do Grêmio da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 30 de junho de 1951”.
161
Os estudantes, ao tomarem conhecimento da proibição, foram tirar satisfação
com o diretor em exercício. A mobilização foi imediata e reuniu diversas agre-
miações estudantis de São Paulo, que estabeleceram diretrizes para um posi-
cionamento comum, que entraram em greve em solidariedade aos estudantes
da FAU.
48
A greve foi encerrada após quase cinco meses de paralisação no XIV
Congresso da UNE, realizado no Rio de Janeiro naquele mesmo ano de 1951.
A articulação dos estudantes das seis faculdades de arquitetura que existiam
no Brasil para a efetivação do órgão que congregasse os estudantes de arquite-
tura do país se deu com o encerramento da greve. Assim, alguns representantes
da FAU aproveitaram as viagens pelas capitais do Nordeste para ampliarem tan-
to os contatos com as outras escolas, com a documentação fotográfica de arqui-
tetura tradicional brasileira ao Nordeste, iniciada por Gustavo Neves da Rocha, e
48 “Fechada por tempo indeterminado a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo”. São Paulo, 29 de
junho de 1951, s.p.
“Em greve por tempo indeterminado os
alunos da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo”, Folha da Manhã. São Paulo,
8 de junho de 1951. Arquivo de Romeu
Solferini Neto.
162
que contou com a colaboração dos seguintes ex-alunos Nestor Reis Filho, Ariaki
Kato e Julio Katinsky:
“Quando eu entrei eu fiz muita amizade como Gustavo. O Centro o
existia mais, o Centro era o Gustavo. Então o pessoal do Centro de Estu-
dos Folclóricos, inspirados pelo Saia, porque a inspiração não foi tanto o
pessoal do folclore, mas o Saia, que dizia: ‘Vocês não vão estudar a música
e nem a literatura, vocês o estudar arquitetura popular. Uma mania
de estudar arquitetura popular. Mas não tinha nem compreensão do que
era arquitetura popular. Então o Centro de Estudos Folclóricos começou
a fazer a primeira coleção de fotografias provavelmente do Brasil, sobre
arquitetura tradicional brasileira. Acho que o Patrimônio tinha uma
parte feita, por fotógrafos espetaculares... [...] Eno nós começamos a
organizar o conhecimento da arquitetura tradicional brasileira, o a
arquitetura popular, porque nós não tínhamos nem compreensão do que
seria arquitetura popular e não tínhamos olho para isso.
49
O I Congresso Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo foi realizado
em Salvador (BA), durante outubro de 1952. A bancada da FAU, naquela ocasião,
foi composta pelos seguintes estudantes: Francisco Whitaker Ferreira, Walter
Fratini Doles, Antonio de Camargo Penteado e Gustavo Neves da Rocha Filho,
autor de uma das teses apresentadas, intitulada “Arquitetura e folclore”.
No ano seguinte, também em outubro, foi realizado o II Congresso Nacional de
Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, desta vez em Recife (PE). A bancada da
FAU era composta de Toshio Tone, Heitor Ferreira de Souza, Oduvaldo Ferreira,
Roberto Antonio Soares Camargo e Gustavo Neves da Rocha Filho; a Faculdade
de Arquitetura do Mackenzie, por sua vez, havia enviado os seguintes estudantes:
Alfredo Paesani, Alberto Botti, Adolfo Alberto Pinto da Silva, Hoover A. Sampaio,
Paulo A. Mendes da Rocha. Entre as teses apresentadas, “Arquitetura e artesana-
to”, de Paulo Mendes da Rocha; “Sobre o estudo da arquitetura brasileira, “Sobre
o estudo da arquitetura folclórica” e “Sobre o estudo do folclore”, todos de Gustavo
Neves da Rocha Filho; “Arquitetura Moderna Brasileira, de Toshio Tone; “Sobre a
necessidade maior divulgação e conservação das obras antigas e contemporâne-
as de arquitetura brasileira, de Ary Pena Costa (BA), entre outras.
49 Entrevista de Julio Roberto Katinsky ao autor, realizada em 12/04/2008
163
em 1954, por sua vez, o III Congresso Nacional de Estudantes de Arquitetura
e Urbanismo foi realizado Porto Alegre (RS), entre 9 e 18 de outubro. A banca-
da da FAU era composta por Roberto Antonio Soares Camargo (líder), Ubyrajara
Gilioli, Celso Lamparelli, Julio Roberto Katinsky, Gustavo Neves da Rocha Filho,
alem dos colaboradores Heitor Ferreira de Souza, Francisco Whitaker Ferreira,
Ramis Rayes, Oduvaldo Ferreira, Arnaldo Tonissi, Roberto Friolo, Hélio Penteado,
Geraldo Vespaziano Puntoni. Entre as teses apresentadas, é interessante notar
como o interesse pelo popular e pelo histórico ficou ainda mais evidente: A arqui-
tetura urbana no Brasil: liberdade de criação”, de Gustavo Neves da Rocha Filho;
“O elemento cerâmico popular” e “Por uma arquitetura brasileira, ambas de Ary
Pena Costa (BA); “Necessidade de preservação dos marcos valiosos da arquitetu-
ra do passado, de Mênia Giske (PE); A arquitetura popular em Vitória, Espírito
Santo, de Deise Ottoni Barbosa (MG); “Habitação popular no Recife: o mocambo”,
de Geraldo Borges, José Landen e Emerson A. Pinheiro (PE), entre outras.
Além de sua destacada participação política, o GFAU também desenvolveu
outras atividades extra-curriculares, sobretudo no campo da cultura. Entre algu-
mas destas experiências que contribuíram na formação do estudantes, pode-
mos destacar os diversos cursos, conferências e palestras, as sessões de música,
as mostras de cinema e as exposições que tomaram conta dos espaços da Vila
Penteado entre 1950 e1962.
Uma amostra da efervescência e diversidade das atividades promovidas pode
ser avaliada a partir de alguns números localizados do Boletim semanal, publica-
ção que circulou entre os estudantes da FAU no ano de 1953. Somente duran-
te o mês de setembro, temos referência a um curso ministrado pelo professor
Antonio Candido de Mello de Souza, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,
sobre “Estética sociológica, a uma série de palestras realizadas pelo músico Luis
Carlos Vinholes sobre “História da Música” e uma exposição de peças cerâmicas e
objetos recolhidos durantes viagens empreendidas pelos estudantes e organiza-
da por Ivo Uvo, aluno ingressante na turma de 1949.
50
50 Boletim semanal: órgão independente, de noticiário e comentário das atividades do GFAU. São Paulo, n.12, 9 de
setembro de 1953, pp.4-10. Neste sentido, é sintomática irônica crônica do estudante Gustavo Neves
da Rocha Filho publicada na abertura do mesmo Boletim: “Há alguém interessado em arquitetura
dentro desta Faculdade? Não seria uma profanação falar de tal matéria, tão estranha em nosso meio?
Por isso, o nosso BOLETIM continuara saindo sem arquitetura; somente literatura, cinema musica,
noticiário... A menos que apareça outro louco, mais louco ainda, que queira falar de arquitetura.”.
164
Publicações do GFAU
Estudos, n.1. Arquivo de Domingos
Theodoro Azevedo Netto.
Walter Gropius. Conferências. Arquivo de
Julio Roberto Katinsky.
Piet Mondrian. O neo-plasticismo.
Arquivo de Julio Roberto Katinsky.
João Baptista Xavier
Exposição “Artistas de Domingo”, 1956.
Arquivo de João Baptista Xavier.
Exposição “Artistas de Domingo”, 1956.
Arquivo de João Baptista Xavier.
165
Em relação as publicações editadas pelo GFAU, podemos listar a revista
Estudos, que apesar de ter saído somente duas edições, editou textos importan-
tes como o de Lucio Costa, “Muita construção, pouco arquitetura e um milagre”,
publicado no jornal Correio da Manhã em junho de 1951, o de Bruno Zevi, “Valores
espirituais da arquitetura e Walter Gropius, “Plano para um ensino de arquite-
tura. Outras apostilas publicadas e que se tornaram referência entre os alunos
foram a de Piet Mondrian sobre o neo-plasticismo e as conferências de Walter
Gropius proferidas no IV Congresso Brasileiros de Arquitetos em 1954.
Uma outra iniciativa promovida pelos alunos e que contou com o apoio decisivo
do GFAU foi a exposição Artistas de Domingo”, montada pela primeira vez no final
de agosto de 1956 e que se repetiu nos anos seguintes. A mostra, que inicialmente se
tratava de um simples “esvaziamento de gavetas”, sem planejamento prévio, tomou
conta do pavilhão construído ao fundo do edifício da FAU e procurou apresentar a
produção artística dos estudantes realizada à margem do currículo da escola.
51
O
conjunto apresentado em sua primeira edição era bastante heterogêneo, composto
por trabalhos de desenho, gravura, aquarela, pintura, gráfica, escultura, cerâmica
e até arranjos florais.
52
Para a comissão organizadora, composta integralmente por
estudantes, um dos objetivos da exposição era demonstrar a necessidade de uma
maior integração de tais atividades num quadro pedagógico mais abrangente e que
garantisse uma formação cultural mais ampla para os arquitetos.
O Centro de Estudos Folclóricos (CEF):
exposões, estudos e publicações, 1949-1959
Entre aqueles alunos que participaram da fundação do GFAU, alguns foram tam-
bém responsáveis pela organização do Centro de Estudos Folclóricos (CEF) nos
primeiros dias de maio de 1949. Tal iniciativa foi digna de nota no jornal A Gazeta,
publicada por Rossini Tavares de Lima(1915-1987), na qual destacava a iniciati-
va de seus membros Roberto Pinto Monteiro, Antonio Carlos Alves de Carvalho,
51 Geraldo Ferraz, “Iniciativa dos estudantes de arquitetura (FAU). A exposição dos “artistas de domin-
go” apoiada por 40 alunos”, Habitat. São Paulo, n.34, set.1956, pp.57-58.
52 Alguns dos estudantes que participaram de primeira edição da mostra foram: Henrique Pait, João
Carlos Cauduro, Mayumi Watanabe, Ruy Ohtake, Odiléa Setti, Abrahão Sanovicz, Flavio Império,
Sergio Zaratin, Ludovico Martino, Geraldo Vespaziano Puntoni e João Xavier.
166
Plínio Venanzi, Luiz Gastão de Castro Lima, José Claudio Gomes e Toshio Tone
na criação de um centro de estudos de folclore na universidade. “Parece-nos que
também agora os estudantes começam a se interessar [pelos documentos popu-
lares], e isso é bastante significativo.
53
Do ponto de vista institucional, o Centro de Estudos Folclóricos funcionava
como mais um dos departamentos do GFAU, isto é, ele não possuía estatuto pró-
prio, não realizava eleições para os seus cargos, que eram simplesmente ocu-
pados por aqueles estudantes cujos interesses eram comungados por todos os
participantes daquele espaço. E apesar da estreita colaboração com o Grêmio na
organização e realização de atividades extra-curriculares, o CEF possuía relativa
autonomia em relação aos seus trabalhos, pesquisas e até mesmo publicações.
Apesar da uma influência inicial de folcloristas como Rossini Tavares de Lima
e Alceu Maynard Arjo, a partir do contato com o Conservatório Dramático e
Musical, é incontestável a ascendência de Luiz Saia sobre os trabalhos dos estu-
dantes a partir do início da década de 1950. Neste sentido, as palavras de Plínio
Venanzi resumem bem o quadro de referências daqueles anos:
“Nós tínhamos um bom contato com o Conservatório. Particularmente
eu. Tinha um professor chamado Rossini Tavares de Lima, folclorista, ele
era um dos professores do Conservatório. E nós tivemos bastante contato,
quer dizer, ele estava numa área que a gente não explorava a fundo. Mas
havia um denominador comum que era a busca da tradição, das origens,
da brasilidade.[...] Tinha um pesquisador de folclore que filmava danças,
o Alceu Maynard Araújo. Eu conheci também, conversamos bastante, era
uma pessoa comunicativa mas não fazia especificamente o nosso gênero.
Estávamos mais voltados para a questão da casa tradicional. Fizemos um
levantamento de sobradinhos na Lapa, de vilas na Mooca e no Brás, mui-
ta influência italiana. Eram pedreiros que faziam tudo. Mas tinham uma
capacidade, uma criatividade nas formas, no acabamento, então a gente ia
buscar isso. A parte de música, de folclore, de etnologia para mim não teve
muita coisa [...] O Luiz Saia foi o homem que nos impulsionou, foi a alma
da coisa. O Centro de Estudos Folclóricos nasceu aí, desse relacionamento,
porque passávamos horas conversando na rua Marconi, ele tinham bons
53 “Organização de um Centro Folclórico”, A Gazeta. São Paulo, 2 de maio de 1949, s.p.
167
livros, ele tinha escrito muita coisa. O peso mesmo foi o SPHAN, o Saia, o
fotógrafo que nos dava aulas fantásticas, o Germano Graeser. O Artigas
nos instigava muito a ir lá, eles tinham uma boa biblioteca, colocavam à
nossa disposição, fotografias, eram eles nos que alimentavam.
54
“O que eu acabei sabendo é que por que eles foram à Carapicuíba e por
que de Centro de Estudos Folclóricos? É que em Carapicuíba tem a festa
de Santa Cruz, que continua ainda tradicional todo mês de maio, 1º, 2,
3 de maio, que era uma coisa extraordinariamente interessante. Porém,
o pessoal da primeira turma foi para Carapicuíba e esqueceu completa-
mente do folclore. Por isso que eu acho que o folclore não existiu, como
sempre, o fizeram nada. Quem os acompanhava nessa ocasião era o
Alceu Maynard, que era estudante de sociologia, que fez trabalhos sobre
folclore publicados e que acompanhava a turma. Mas o que os alunos de
arquitetura fizeram? Fizeram o levantamento trico-arquitetônico das
casas da aldeia. Fizeram isso, algumas fotografias que o Plínio Venanzi fez,
e no fim do ano de 1949, quando se comemorou o primeiro aniversário do
Grêmio, eles fizeram uma exposição.
55
Entre as diversas atividades realizadas pelo CEF, uma exposição assinalou publi-
camente a existência do órgão. Inaugurada em 21 de novembro de 1949, a mostra
tomou conta do saguão principal da Vila Penteado em comemoração ao primeiro
aniverrio do Grêmio e à transferência definitiva da sede da FAU dos edifícios
da Poli para o palacete da rua Maranhão, 88. Tratava-se também de uma home-
nagem a Mário de Andrade, na qual os estudantes apresentaram os levantamen-
tos realizados na Aldeia de Carapicuíba, resultantes das primeiras pesquisas ali
orientadas por Luiz Saia, ao lado de peças de cerâmica de Itabaianinha (SE), reco-
lhidas durante o mês de julho na Feira de Água dos Meninos, em Salvador (BA),
por alguns de seus membros.
56
54 Entrevista de Plínio Venanzi ao autor, realizada em 10/06/2008.
55 Entrevista de Gustavo Neves da Rocha ao autor, realizada em 15/12/2008.
56 As peças foram recolhidas por Antonio Carlos Alves de Carvalho e Joaquim Vicente Cordeiro Ferrão
durante a viagem que fizeram a Salvador (BA), por ocasião do XII Congresso da União Nacional dos
Estudantes (UNE), e no qual foram representando o GFAU.
168
Centro de Estudos Folcricos
“Organização de um Centro Folclórico”,
A Gazeta. São Paulo, 2 de maio de 1949.
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
“Pesquisas folclóricas feitas em
Carapicuíba por estudantes
da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo”, A Gazeta. São Paulo, 2 de
maio de 1949. Arquivo de Roberto Pinto
Monteiro.
169
Entre aqueles que estiveram envolvidos na sua realização estavam Antonio
Carlos Alves de Carvalho, Plínio Venanzi, Roberto Pinto Monteiro, Marcílio
Martins, Pedro Miyoshi, Wilson Rodrigues de Moraes, Ariovaldo A. Veiga, Toshio
Tone, todos ingressantes na primeira turma, em 1948. Os únicos registros que
permaneceram da exposição foram algumas fotograas tiradas por Gustavo
Neves da Rocha Filho, que naquela ocasião era aluno do primeiro ano, mas
interessado no estudo e documentação da arquitetura tradicional brasileira.
Em linhas gerais, a exposição tomou conta das duas laterais do saguão prin-
cipal da Vila Penteado. De um lado, um conjunto de sete painéis, articulados por
meio de requadros de madeira que os faziam flutuarno recinto, proporciona-
va uma pequena mostra dos trabalhos que o Centro de Estudos Folclóricos do
GFAU vinha realizando. Do lado oposto, junto à escada de acesso ao pavimento
superior, um longo painel retangular apresentava um conjunto de 28 objetos de
artesanato popular, tais como tigelas, gamelas e outros utensílios diversos, todos
coletados na referida viagem.
O painel de abertura, dedicado a Mário, era composto por uma foto do escritor
paulistano sobreposta a um padrão de losangos que remetia diretamente à capa
do seu livro Paulicéia desvairada, cuja primeira edição era de 1922. Na prancha
seguinte, uma sucinta apresentação da exposição organizada pelo CEF, na qual
o texto destacava sua colaboração para “maior amplidão da 2a Semana Nacional
de Folclore”. Os quatro painéis da seqüência enfocavam aspectos da arquitetu-
ra da aldeia de Carapicuíba, a partir de levantamentos realizados in loco e de
fotografias que documentavam detalhes e soluções construtivas proeminentes,
tanto da capela quanto do casario ao seu redor. Finalmente, o último painel tinha
uma nota explicativa da proveniência das peças de cerâmica popular integrantes
da coleção do CEF, bem como trazia 3 delas em destaque, anunciando aquelas
outras que estavam na vitrine oposta.
Não podemos deixar de mencionar que a diagramação das pranchas seguiu
uma composição feita com recortes de cartolina, sobre os quais os textos eram
colados. A solão evocava diretamente a capa da publicão de Luiz Saia sobre os
ex-votos coletados no Nordeste em 1938, elaborada pelo artista Clóvis Graciano.
57
57 Luiz Saia. Escultura popular brasileira. São Paulo: Edições A Gaveta, 1944. Trata-se de um dos primeiros
estudos publicados a partir do material etnográfico recolhido no contexto da Missão de Pesquisas
Folclóricas de 1938.
170
Tratava-se de uma fundo em formato amebóide, com o título e a imagem a ele
sobrepostos. Sua disposição, por outro lado, sugeria a solução expositiva aplicada
por Lina Bo Bardi na Pinacoteca do Museu de Arte de São Paulo, instalado meses
antes no térreo da sede dos Diários Associados, exposição que se valeu tanto do
uso de painéis tubulares, como das vitrines para a exibição de objetos.
58
No entanto, devemos ressaltar o entrosamento do evento com o movimento
folclorista.
59
Tal como o texto de apresentação da mostra na FAU aponta, ela se
vinculou à II Semana Nacional de Folclore, realizada entre os dias 16 e 22 de
agosto daquele ano, quando parte da exposição havia sido montada na sede do
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Promovida conjuntamente pela
Comissão Nacional de Folclore
60
, pela Sub-Comissão Paulista de Folclore e pelo
Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade
61
, a programação da II Semana
alternou apresentações musicais, manifestações literárias, documentários, regis-
tros cinematográficos, além de conferências de especialistas. Durante o período,
a entrada do Conservatório ficou tomada de exposições de material folclórico,
entre elas a de cerâmica popular produzida pelo Centro de Estudos Folclóricos
da FAU, revelando uma clara vinculação dos estudantes com a vida cultural da
cidade daqueles anos.
62
A inserção do CEF entre os novos participantes do movimento folclorista pau-
lista é atestada por Alceu Maynard Araujo, um de seus líderes:
58 Sobre as exposições do MASP ver: Renata Motta. O MASP em exposição: mostras periódicas na Sete de
Abril. São Paulo: FAU-USP, 2003 (Dissertação de mestrado).
59 Sobre o movimento folclorista, ver: Luís Rodolfo Vilhena. Projeto e missão: o movimento folclórico brasi-
leiro, 1947-1964. Rio de Janeiro: Funarte / Fundação Getulio Vargas, 1997.
60 Tendo como secretário-geral o musicólogo e folclorista Renato Almeida (1895-1981), a Comissão do
Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) era composta pelos representantes de
“grupos culturais com interesse em folclore”, como o arquiteto carioca Alcides da Rocha Miranda
(1909-2001) pelo SPHAN; pelos membros do próprio IBECC como Gilberto Freyre (1900-1987), Ro-
quette Pinto (1884-1954), Gustavo Barroso (1888-1959), Heitor Vila Lobos (1887-1959), Heloisa Alber-
to Torres (1895-1977); e também pelos folcloristas convidados como Cecília Meirelles (1901-1964),
Oneyda Alvarenga, Luis da Câmara Cascudo (1898-1986), entre outros.
61 Vinculado ao próprio Conservatório e dirigido pelo folclorista Rossini Tavares de Lima, não encon-
tramos maiores informações acerca de sua atuação para além da Semana. O arquivo do Conserva-
tório Dramático e Musical encontra-se indisponível para consulta de pesquisadores.
62 Alceu Maynard Araujo (1913-1974) formou-se pela Escola de Sociologia e Política, e desde então
assumiu papel de destaque nas investigações etnológicas da cultura popular e do universo caipira.
Foi professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
171
Plínio Venanzi
Homenagem a Renato Almeida na
residência de Rossini Tavares de
Lima. Entre os convidados estavam os
folcloristas Alceu Maynard de Araújo
e Nicanor Miranda e os estudantes
Marcílio Martins, Antonio Carlos Alves
de Carvalho, Roberto Pinto Monteiro e
Toshio Tone. Arquivo de Antonio Carlos
Alves de Carvalho
Conferência de Renato Almeida,
secretário-geral da Comissão Nacional
de Folclore, durante a II Semana
Nacional de Folclore, realizada em
16 de agosto de 1949, na Biblioteca
Municipal de São Paulo. Arquivo de
Antonio Carlos Alves de Carvalho.
172
173
Gustavo Neves da Rocha Filho
Vitrine com peças cerâmicas. 1 de
novembro de 1949. Arquivo de Gustavo
Neves da Rocha Filho.
Clóvis Graciano
Capa do livro de Luiz Saia, A escultura
popular brasileira, 1944. Arquivo da
Biblioteca da FAU-USP.
Na página anterior:
Gustavo Neves da Rocha Filho
Exposição comemorativa do 1
o
aniversário do GFAU, organizada pelo
Centro de Estudos Folclóricos no
saguão da Vila Penteado, pouco antes
da mudança definitiva do curso da
Escola Politécnica para a rua Maranhão
88. 1 de novembro de 1949. Arquivo de
Gustavo Neves da Rocha Filho.
174
“Na manhã de domingo, 21 de agosto, os membros da Sub-Comissão Pau-
lista de Folclore, do Centro de Pesquisas Folclóricas “Mário de Andrade
e do Centro de Estudos Folclóricos da Faculdade de Arquitetura e Urba-
nismo da Universidade de São Paulo foram, com discípulos e amigos
de Amadeu Amaral e Mário de Andrade, render tocante homenagem às
suas memórias, em romaria a seus túmulos no Cemitério da Consolação.
Depois de cobri-lo de ores, o professor Alceu Maynard Araújo, disse no
tumulo de Amadeu Amaral:“Amadeu: — Quem são esses moços? Não per-
tencem à minha geração [...] Sua pergunta é muito justa. É a nova geração
de folcloristas, de estudiosos e pesquisadores. São as sementes da árvore
que você plantou a primeira sociedade de folclore em terras Bandeirantes,
e que quer dizer, no Brasil [...] No solo de Piratininga você plantou uma
árvore. Os anos se passaram, nem todos se esqueceram de Você. Da árvo-
re primeira, os seus companheiros mais moços. Mário de Andrade, Pau-
lo Duarte, Nicanor Miranda e outros, espalharam as sementes e brotou a
Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo árvore que sofreu duros e
rijos vendavais! [...] Mas a árvore que você plantou é sementeira pródiga.
Na minha terra natal, pelo esforço do camponês João Chiarini, nasce o
Centro de Folclore de Piracicaba, tendo à sua sombra um Museu Ergológi-
co; no Conservatório Musical de São Paulo, Rossini Tavares de Lima lança
no alfobre do entusiasmo moço de suas alunas de folclore o Centro de
Pesquisas Folclóricas “Mário de Andrade” com o museu que possuí mais de
800 peças; em Taubaté, ao lado de Gentil Camargo fundamos a Sociedade
de História e Folclore e a mais nova arvorezinha é o Centro de Estudos Fol-
clóricos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Na Faculdade de Filo-
sofia, o professor Roger Bastide ministra um Curso de Folclore! Amadeu,
estou apenas contando o que há em nosso território paulista.
63
Outra atividade importante desenvolvida pelos estudantes reunidos em torno do
CEF foram as publicações, editadas a partir de mimeógrafo a álcool que o Grêmio
havia recebido da direção da escola. Tratavam-se de edições bastante caseiras,
geralmente com os textos datilografados à máquina e as capas feitas a partir de
63 Alceu Maynard Araújo, “Marujada e Moçambique”, in: Comissão Nacional do Folclore, II Semana
Nacional de Folclore. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1950, pp.78-79.
175
estêncil ou tipografia aplicados sobre cartolina, que ao final eram grampeadas e
arrematadas com fitas adesivas coloridas.
Podemos dizer que as primeiras apostilas publicadas pelo Centro coincidi-
ram com o ano da transferência do curso para a rua Maranhão, uma vez que a
instalação definitiva da sede do GFAU no porão da Vila Penteado possibilitou a
organização da empreitada. De maneira geral, o conteúdo das publicações se res-
tringia, em sua maioria, aos textos e artigos escritos originalmente para a Revista
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que eram reproduzidos, parcial
ou integralmente, com a anuência dos respectivos autores.
Somente durante o ano de 1950, foram lançados sete números destes cadernos.
Os assuntos, por sua vez, correspondiam àqueles conteúdos que seriam dados
somente no último ano do curso, especialmente em cadeiras como Arquitetura
no Brasil e “História da Arte”. Para os estudantes, tal iniciativa de antecipar
algumas leituras de temas relacionados à arquitetura e arte coloniais, ao folclore
e à cultura popular, também desempenhou um importante papel didático e ser-
viu como um contraponto ao excessivo número de cadeiras técnicas que eram
ministradas nos primeiros anos da FAU.
Assim, o primeiro texto publicado pelo CEF foi Algumas notas sobre o uso
da pedra na arquitetura religiosa do Nordeste” (1942), de autoria do arquiteto
Ayrton Carvalho. Para o segundo volume, foi selecionado o artigo de Hannah
Levy, A propósito de três teorias sobre o barroco”(1941). Já para o terceiro núme-
ro, novamente um estudo feito por um arquiteto pertencente aos quadros do
SPHAN, “O adro do Santuário de Congonhas” (1939), escrito por Jode Souza
Reis (1909-1986).
64
no quarto número, o autor escolhido foi Luiz Saia e suas Notas sobre a
arquitetura rural paulista do segundo século” (1944) foram publicadas em versão
resumida, devido à extensão do ensaio original.
65
Um mudança em relação ao que vinha sendo publicado nos números ante-
riores se deu com a quinta apostila do CEF. Não se tratava mais de um artigo de
algum colaborador do Patrimônio, mas de uma coletânea um tanto singular, de
interesses bastante variados. A publicação, que trazia estampada na capa uma
64 Os três textos citados foram publicados respectivamente nos números 6, 5 e 3 da Revista do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
65 Publicado originalmente na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.8.
176
figura de candombfeita pelo artista baiano Mario Cravo (1923), reuniu os textos
de Le Corbusier sobre A Ascoral e sua VI seção, extraído de seu livro Maniére de
penser lurbanisme, do “saudoso mestre” Arthur Ramos sobre a “Conceituação do
Folclore”, além de uma tradução da “Carta de Atenas” (1933). Esta simultaneidade
de autores tão distintos numa mesma edição é reveladora de como a noção de
folclore para os integrantes do Centro era ainda bastante frágil. Nas palavras de
Plínio Venanzi e Gustavo Neves da Rocha:
“Era um folclore muito estranho. Era um folclore que ligava o passado com
o futuro através do presente, e a gente procurava a origem, as formações.
Folclore, povo, a raiz da palavra...
66
“Então o interesse dos alunos não era pelo folclore, nunca houve, não hou-
ve mesmo. Aliás, eu me lembro que numa ocasião o Saia levou para lá um
saco cheio de cabeças de madeira, ex-votos que ele tinha recolhido muito
antes lá pelo Nordeste e isso ficou jogado muito tempo lá no chão do Grê-
mio, a gente chutava aquilo como se fosse bola, enfim, sumiu.
67
Naqueles ano de 1950 ainda foram publicados outros dois números sendo que
o sexto caderno trazia o texto de Judite Martins Subsídios para a biografia de
Manuel Francisco Lisboa” (1940).
68
O conjunto de apostilas lançadas durante 1950 foi noticiada pela imprensa no
ano seguinte, que assim recapitulou a iniciativa dos estudantes da FAU:
“O trabalho que o Centro de Estudos Folclóricos da Faculdade de Arqui-
tetura e Urbanismo vem realizando é feito sem alarde e quase anonima-
mente, não fosse as esplêndidas publicações especializadas que de tem-
pos em tempos aquele centro edita. De um ponto de vista imediato, tal
66 Entrevista de Plínio Venanzi ao autor, realizada em 10/06/2008.
67 Entrevista de Gustavo Neves da Rocha ao autor, realizada em 15/12/2008.
68 Publicado originalmente na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.4.
177
esforço dos jovens estudantes de arquitetura poderia parecer consistisse
unicamente no estudo e no levantamento de peças da arquitetura tra-
dicional brasileira (o que, por si só, bastaria para justificar largamente a
atuação destes moços no esmiuçamento e na sistematização do nosso
patrimônio arquitetônico cooperando efetivamente nessa obra admirável
que vem realizando o SPHAN) mas a verdade é bem outra, e de muito
maior significado, porque, uma pesquisa de jovens estudantes de arquite-
tura orientada para a critica e análise de um legado cultural acumulado
em quase cinco séculos de nossa história, somente poderá assegurar uma
continuidade histórica que foi interrompida com o advento da industriali-
zação maquinista e com a prostituição do gosto arquitetônico e artísticos
que os reflexos do movimento europeu ‘fin de siècle’ calcaram na fisiono-
mia das nossas ruas e nas nossas cidades. Pois bem, tal reestudo e análise
da boa arquitetura que os latifundiários do século 17 e seguintes produzi-
ram, somente poderá proporcionar aos estudiosos de arquitetura de hoje
uma exata noção do significado cultural da arte brasileira contemporânea
solidamente baseada na boa arte brasileira de ontem. Em outras bases não
poderá ser colocado o problema do tradicionalismo cultural que se reflete
no esforços e nas publicações que os jovens do Centro de Estudos Folclóri-
cos vem fazendo. Mas as atividades correlatas com o nosso folclore nacio-
nal não são, e nem podem ser, abstraídas, porquanto, constituem elemen-
tos valiosos na compreensão mais exata da nossa arte contemporânea.
69
Depois um longo intervalo sem circular, o oitavo número da série de publi-
cações do Centro de Estudos Folclóricos saiu em abril de 1952, com o trabalho
“O Piauí e a sua arquitetura” (1938), do também arquiteto Paulo Thedim Barreto.
Na apresentação do volume, os integrantes do CEF justificaram os motivos de
tal atraso: “O longo período de inatividade, neste setor, deve-se exclusivamente
à fase difícil por que passou o GFAU na luta por reivindicações justíssimas e de
caráter imediato, dentro do seu meio universitário. Superada a crise, voltamos ao
trabalho, cerca de um ano e meio depois.
70
69 “O folclore, o teatro e os estudantes de arquitetura”, Jornal de Notícias. São Paulo, 4 de janeiro de 1951,
s.p. (Fonte: Hemeroteca do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular)
70 Publicado originalmente na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.2.
178
Publicações do CEF
Capas das apostilas editadas e
reeditadas pelo Centro de Estudos
Folclóricos entre 1950-1955, cujos
artigos, em sua maioria, eram de
colaboradores da Revista do SPHAN.
Arquivo da Bilioteca da FAU-USP.
Na página seguinte:
Capa da apostila n.5, com desenho do
artista baiano Mario Cravo Neto. 1950.
Arquivo da Bilioteca da FAU-USP.
179
Apesar de uma previsão para o lançamento do trabalho “Conceito e metodo-
logia das artes populares”, de rio Barata, no segundo semestre de 1953, não
encontramos outros registros de novas publicações por parte do CEF.
71
Entretanto,
do conjunto original de oito “cadernos sobre assuntos brasileiros” lançados entre
1950 e 1952, alguns deles ganharam nova edição em anos posteriores, a partir do
ingresso de novos integrantes do CEF.
Uma outra referência importante para os estudantes foi a publicação, em
1955, do “Curso de Filosofia e História da Arte” e do Anteprojeto do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ambos escritos por Mário de Andrade
ainda na década de 1930.
71 Boletim semanal: órgão independente, de noticiário e comentário das atividades do GFAU. São Paulo, n.12, 9
de setembro de 1953, p.8.
Publicações do CEF
Capa da publicação sobre Mário de
Andrade, reunindo os textos do “Curso
de Filosofia e História da Arte” e do
“Anteprojeto do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional”, 1955.
Arquivo de Julio Roberto Katinsky.
181
Em 1959, Luiz Saia publicou um artigo, em edição comemorativa do Diário de
São Paulo, no qual procurou repassar os marcos do desenvolvimento da arquite-
tura e do urbanismo em São Paulo, sobretudo a partir de 1929. Na ocasião, ele
chamou a atenção para algumas iniciativas que, durante a década de 50, puse-
ram em evidência “as contradições ainda existentes no ambiente da arquitetura
paulista”, destacando a presença das Bienais, a maior aceitação dos projetos e
a realização concursos de arquitetura, além da participação dos estudantes no
campo da denição profissional. Para ele, a contribuição dos alunos da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da USP pode ser assim sintetizada:
“Os problemas de atualização dos cursos de arquitetura, ainda influencia-
dos na sua formulação e na sua estrutura pelos vícios procedentes dos pri-
mitivos cursos anexos às escolas de engenharia, foram enfrentados pelos
estudantes e jovens arquitetos principalmente de dois modos. Os estu-
dantes criaram um organismo com o fim de complementar a atividade
escolar, naqueles setores considerados menos atendidos pelo tradiciona-
lismo teimoso: o Centro de Estudos e Pesquisas de Folclore. Inicialmente,
em contato bastante íntimo com o Patrimônio Histórico e Artístico Nacio-
nal, promoveu este organismo pesquisas sobre o problema do ensino. No
momento em que mais se fazia sentir a influência residual da engenharia
na orientação do ensino, inclusive pela imposição da direção da faculda-
de exercida por engenheiros, estas atividades representavam o refúgio e
o apoio mais eficientes. Ultrapassada a fase inicial e formulados os pro-
blemas de cultura, agora sem os perigos da deformação nacional pela
influência de arquitetos estrangeiros, que a maturidade do ambiente
superara este medo, pela afirmação vigorosa e definitiva da arquitetura
moderna brasileira, este Centro recolheu-se a uma ação mais discreta e
especializada, valorizando-se novamente a orientação do Grêmio oficial
da faculdade (GFAU) e do organismo representativo da totalidade dos estu-
dantes brasileiros, o Bureau.
72
72 Luiz Saia. “Arquitetura paulista”, Diário de São Paulo, 1959, s.p.
182
O Centro de Estudos Brasileiros (CEB):
exposões, estudos e publicações, 1959-1962
Como um órgão anexo ao GFAU e atuante desde o nal da cada de 1940, o
Centro de Estudos Folclóricos teve sua denominação alterada em 1959, quando
passou a se chamar Centro de Estudos de Brasileiros (CEB), substituição esta “por
melhor exprimir suas funções”.
73
Se, de fato, a noção de folclore para os estudan-
tes dos primeiros anos da FAU muitas vezes se confundiu com a arquitetura tra-
dicional brasileira, a mudança de nome proposta procurou dar conta dos novos
interesses, apontando para uma reinterpretação do popular à luz do nacional.
O CEF havia sido criado com a nalidade de complementar as atividades
escolares, sobretudo em relação àqueles setores menos atendidos pela faculda-
de. Neste sentido, durante dez anos, promoveu inúmeras exposições, pesquisas,
publicações e demais atividades culturais, representando para os estudantes
uma alternativa paralela, um contraponto amesmo em relação ao curso, sobre-
tudo naqueles momentos nos quais a influência da engenharia na orientação da
FAU se fez mais presente.
Assim, a partir de 1959, muitas destas atividades passaram a ser realizadas
pelo CEB, que continuou desempenhando suas funções no sentido de comple-
mentar a formação dos estudantes da FAU apelo menos 1962. Neste ano, com
a reforma curricular proposta que estabeleceu os departamentos e reorientou o
ensino de arquitetura na escola, também foi criado o “Museum”.
A função deste novo órgão, por sua vez, seria de assessorar os demais depar-
tamentos e cadeiras através das atividades que até então haviam sido promovi-
das pelos estudantes através do GFAU. Neste sentido, foi a partir da institucio-
nalização e incorporação desta experiência formativa, desenvolvida de maneira
extra-curricular pelos alunos da escola, é que situamos o encerramento do recor-
te de atuação proposto para o Centro de Estudo Brasileiros.
No entanto, as funções do CEB não se encerram naquele momento, uma vez
que tais atividades deveriam ser desenvolvidas em estreita colaboração com a
direção da faculdade. Pelo contrário, suas atribuições aumentaram naquele
73 Giordano, Edmundo Lucio, “O Centro de Estudos Brasileiros”, Jornal do Grêmio da Faculdade de Arquite-
tura e Urbanismo. São Paulo, n.1, 1962, p.7.
183
momento, uma vez que era necessário seu apoio e colaboração para que a refor-
ma de ensino seguisse adiante.
É interessante também destacar uma mudança no discurso dos estudantes,
especialmente em relação àquelas preocupações que atingiam diretamente a res-
pectiva formação profissional naquele momento. Para Edmundo Lucio Giordano,
diretor do CEB em 1962, os novos” problemas que deveriam ser estudados e
analisados com profundidade pela nova geração de arquitetos eram aqueles que
atingiam diretamente a “quase totalidade do povo brasileiro”:
“São esses os problemas que se nos apresentam, e cabe a nós, jovens resol-
ver. Seremos arquitetos, formados em escola pública, com dinheiro públi-
co, para solucionar os problemas da habitação popular, os problemas das
nossas aglomerações urbanas, enfim, os problemas do homem brasileiro.
[...] Para enfrentar esses problemas, é necessário que conheçamos perfei-
tamente o Brasil e seu povo em todos os seus detalhes, suas manifestações
e seus costumes. E, assim sendo, devemos estudar as manifestações artís-
ticas e folclóricas brasileiras, problemas de caráter histórico, problemas
econômicos, problemas agrários, enfim, tudo que estiver ligado a nosso
povo e à nossa terra.
74
Do ponto de vista das publicações, a contribuição do Centro de Estudos Brasileiros
também não deixou a desejar. Entretanto, em relação aos trabalhos publicados
anteriormente pelo CEF, é possível situar uma mudança de interesses a partir dos
temas escolhidos, um vez que aqueles artigos sobre arquitetura colonial, origi-
nalmente publicados na Revista do SPHAN por seus colaboradores, cederam espa-
ço para textos e manifestos referentes à arquitetura moderna brasileira, sobretu-
do aqueles escritos por alguns de seus protagonistas.
Neste sentido, não é de se estranhar que o lançamento de Depoimentos 1, cole-
nea de textos organizada pelo CEB e publicada em abril de 1960, tenha mere-
cido destaque em nota do crítico Geraldo Ferraz, na seção “Noticiário Brasileiro”
da revista Habitat.
75
74 Idem, ibidem, p.7.
75 Geraldo Ferraz, “Depoimento”, Habitat. São Paulo, n.59, mar/abr 1960, pp.50-51.
184
“A criação da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo”. São Paulo, maio 1948.
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
185
3.3. Das viagens à formação:
os estudantes na criação e consolidação da FAU-USP
A criação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo, em 21 de julho de 1948, como se sabe, foi o resultado de um processo ini-
ciado alguns anos antes. O que poucas vezes se observou foi a participação dos
estudantes nesse processo, anterior inclusive à própria escola, quando os inscri-
tos no vestibular daquele ano tiveram um papel decisivo. Conforme o depoimen-
to de Helio Pasta,
“[...] Nós nos inscrevemos para fazer faculdade de arquitetura condicional-
mente, porque, a Reitoria não tinha condições de assegurar que ela fosse
fundada naquele ano. E se ela não fosse fundada naquele ano, ela perderia
o direito ao prédio doado pelos irmãos Penteado na rua Maranhão. Então
quer dizer, quando chegou a época do exame de habilitação, fomos comu-
nicados de que a faculdade podia não ser fundada naquele ano e quem
quisesse poderia optar por fazer engenharia. Vá rios colegas que optaram
pela arquitetura foram para a engenharia, mas um grupinho permaneceu
firme. E um grupo menor, uma meia zia de pessoas, do qual eu par-
ticipava, passou a freqüentar a Assembléia Legislativa, pressionando os
deputados para aprovarem a lei da cria ção da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo [...] Era o [José] Egreja, eu, o [Antonio Carlos Alves de] Carvalho,
o Marcílio Martins...
76
Outros alunos da primeira turma da FAU, como Plínio Venanzi e Thereza
Katinszky, conrmam a versão, salientando os apoios conquistados na política
e na imprensa:
“[...] fomos procurar o Anhaia, porque ele era a pessoa que estava aponta-
da pelo governador a comandar esse esquema. Ele era arquiteto, de uma
família paulista tradicional, um homem de grande cultura, e foi escolhi-
do. [...] Nós fomos procurá-lo, uns 4 ou 5, entre eles o Marcílio [Martins],
o [Antonio Carlos Alves de] Carvalho e eu, e ele nos expôs o plano e nos
76 Entrevista de Hélio Pasta ao autor, realizada em 02/02/2009.
186
alertou justamente para isso: que o tempo era curto, porque havia uma
doação da família do Conde Penteado daquela casa da rua Maranhão, que
era destinado para o curso de arquitetura ou coisa afim e que o prazo
estava se esgotando, porque a doação implicava na constituição das bases
da faculdade. Ele então nos incentivou, e a coisa envolvia um pouco de
política porque a aprovação dependia de verbas para reforma e adaptação.
E também porque a arquitetura era um negócio que não animava muito
a liderança da Assembléia Legislativa do Estado.. O pai do [José] Egreja era
deputado da UDN e também nos ajudou por diversas razões, mas quem
deu realmente um impulso para nós foi um deputado de Santos, de uma
família tradicional, e tambem o Blota Júnior que era um diretor da Rádio
Record, conhecia o Artigas, e acabou fazendo uns editoriais na Rádio. Tive-
mos o apoio do jornal A Gazeta, que também publicou artigos nesse sen-
tido.
77
“O exame era ainda na Escola Politécnica, e eu fiquei sabendo que tinha
um grupo que queria acelerar a formação da faculdade de arquitetura,
que tinha que ser feita aquele ano. Teria que começar as aulas naquele
ano de 1948 porque senão a faculdade perderia o prédio da rua Maranhão.
Então os candidatos se reuniram e começaram a procurar os deputados
da Assembléia para ver se conseguiam. Porque havia um projeto que
estava meio parado. Então eu participei de algumas visitas à Assembléia
do Estado para conversar com um deputado que estava muito interessado
no assunto. Então nós conseguimos e os exames iam se realizar em agosto
de 48. Nós fizemos o exame, e as aulas começaram na Escola Politécnica,
porque o prédio da FAU estava em reforma. Fizemos o primeiro ano e o
segundo ano na Escola Politécnica, e quando a gente passou para o tercei-
ro ano, inaugurou-se o prédio da Maranhão.
78
Tendo, pois, iniciado suas atividades ainda nas dependências da Escola
Politécnica, solução encontrada para o funcionamento imediato do curso durante
as obras de adaptação do palacete art-nouveau em um espaço adequado às insta-
77 Entrevista de Plínio Venanzi ao autor, realizada em 10/06/2008.
78 Entrevista de Thereza Katinszky de Katina e Pielesz ao autor, realizada em 12/04/2008
187
lações de uma instituição de ensino, apenas no início de 1950 as aulas foram defi-
nitivamente transferidas para a Vila Penteado. Anhaia Mello assumiu a direção
da escola e inaugurou a nova sede.
Em linha gerais, a constituição do corpo docente da FAU se deu, inicialmente,
a partir da alocação dos catedráticos da Poli para as respectivas cadeiras téc-
nicas. No entanto, pelo menos até 1952, quando do ingresso da quinta turma,
a contratação dos novos professores se dava a cada início de ano letivo, ou seja,
na medida que as novas disciplinas iam surgindo no currículo, a escola fazia os
respectivos concursos.
Podemos dizer que tanto as viagens realizadas quanto a participação do
Grêmio nos congressos nacionais de estudantes realizados entre 1952 e 1954,
exerceram um papel importante para a consolidação da escola. Ambas experiên-
cias assinalavam uma possibilidade de troca de experiências entre os estudantes
dos incipientes cursos autônomos de arquitetura do país, que ainda não haviam
completado uma década de emancipação dos sistemas tradicionais de ensino.
Um exemplo interessante deste intercâmbio foi uma viagem realizada para o
Uruguai em 1952 pelos estudantes da segunda turma da FAU, que conforme os
relatos de Ruy Gama e Jon Maitrejean
79
, foi explicitamente motivada pelo interesse
em experiências pedagógicas desenvolvidas naquele país no ensino de arquitetura:
“[...] As discussões sobre o ensino começaram no 4
o
ano e foi um ano
importante porque nós fomos para o Uruguai e tivemos contato com a
Faculdade de Arquitetura de Montevidéu, que era única, enorme [...]. Éra-
mos, então, uns 15 alunos. Nós fomos de trem de São Paulo a Livramento.
[...] E colocaram um vagão de luxo à nossa disposição, totalmente refor-
mado, todo envernizadinho, novo, uma beleza. Saiu na 4
a
feira e chegou
no fim de semana em Santa Maria. Ficamos parados uma noite para
engatar no trem que ia para Livramento e depois para o Uruguai. [...]”
80
“Mas era uma viagem não programada pela escola, foi programada pelos
estudantes e eles foram de trem para o Uruguai visitar a Faculdade de
Arquitetura, ver o sistema de ateliês que funcionavam e que a gente
79 Jon A. V. Maitrejean (1929) entrou na FAU-USP em 1949 e se formou em 1953.
80 Gama, Ruy. Depoimentos, n.1. São Paulo: FAU-USP, 1992, p.13
188
Viagem realizada pelos alunos da
segunda turma para Montevidéo e
Punta del Leste, Uruguai, julho de 1952.
Arquivo de Domingos Theodoro de
Azevedo Netto.
189
sempre tinha ouvido falar e queria aplicar na FAU. A viagem para isso foi
muito boa.
81
Até 1962, as disciplinas de História na escola se resumiam a quatro cadeiras,
distribuídas da seguinte maneira: Arquitetura Analítica, ministrada no 1
o
ano;
Teoria da Arquitetura, dada no 2
o
ano; e nalmente, “História da Arte e Estética
e “Arquitetura no Brasil, ambas oferecidas no 5
o
e último ano do curso. Portanto,
não é de se estranhar que, desde cedo, os estudantes da FAU procurassem com-
plementar tal lacuna na formação, sobretudo em relação aos conteúdos histó-
ricos e sociais, envolvendo-se nas diversas atividades promovidas pelo Grêmio
desde a sua fundação.
Para o ex-aluno Ruy Gama
82
, uma de suas primeiras recordações do seu curso
da FAU foram as aulas ministradas pelo professor Bruno Simões Magro
83
, titular
da disciplina n.14, “Arquitetura Analítica, e que, segundo ele,
“era a História da Arquitetura, mas feita não com base exclusivamente
em textos e aulas expositivas e sim feita na base do trabalho que a gente
fazia. O professor dava uma tarefa que era desenhar as ordens do Vignola:
a gente pegava os livros, o material, e desenhava aquilo. [...] Isso acontecia
com a Arquitetura Grega, com a Arquitetura Romana, com a Arquitetura
Românica, e com o Gótico. Em geral, mal dava pra chegar no Renascimen-
to porque antes acabava o ano.
84
Um modo, portanto, tradicional de ensinar história, inspirada nas metodologias
acadêmicas, onde o estudo da história fornecia os modelos para as atividades de
composição. Outro exemplo da necessidade que os estudantes viam na redistri-
buição das cadeiras de história ao longo do curso, bem como de um novo sentido
operativo que elas poderiam ter na prática de projeto, pode ser vislumbrado em
um texto de Gustavo Neves da Rocha Filho, naquela ocasião estudante do 5
o
ano,
81 Entrevista de Jon Maitrejean ao autor, realizada em12/12/2008.
82 Ruy Gama (1928-19xx) ingressou em 1949 na FAU-USP e se formou em 1953.
83 Bruno Simões Magro (1882-1956) formou-se engenheiro-arquiteto e civil na Escola Politécnica em
1905. Cf. Sylvia Ficher, op. cit., pp.114-119. Foi professor da FAU-USP de 05/08/1948 a 17/02/1956, mi-
nistrando a cadeira “Arquitetura Analítica”. Foi diretor da FAU-USP entre 10/07/1951 a 12/11/1952.
84 Gama, Ruy. Depoimentos, n.1. São Paulo: FAU-USP, 1992, p.8.
190
e que fora apresentado no II Congresso Nacional de Estudantes de Arquitetura,
realizado no Recife, em 1953:
“Mas o estudo de arquitetura brasileira no último ou penúltimo ano dos
nossos cursos e, da maneira por que, em geral, é dado, o i influir
no jovem arquiteto. A arquitetura brasileira o pode ser estudada o
somente do ponto de vista de seus elementos formais. [...] A arquitetu-
ra tradicional brasileira deve ser levada ao conhecimento do aluno logo
no primeiro ano. O seu estudo deve ser feito em Arquitetura Analítica e
em Teoria da Arquitetura. De preferência a arquitetura civil dos primei-
ros séculos, aquela que o português trouxe da terra e aqui tão bem soube
aclimatá-la: a casa-grande, o sobrado urbano, etc. O que importa é estu-
dar o programa, os materiais, a técnica e a mão de obra dessa arquitetu-
ra. Procurar compreendê-la e aprender a reproduzir os passos daqueles
construtores, partindo agora de um programa novo, com os materiais e a
técnica, e a mão de obra contemporâneos.assim a arquitetura tradicio-
nal brasileira poderá prestar reais serviços aos nossos jovens arquitetos. E
teremos uma arquitetura moderna vazada nesses moldes, ligada àquela
cadeia tradicional das manifestações humanas, em que perdura o caráter
original que o homem imprimiu à sua primeira obra; no nosso caso parti-
cular brasileiro teremos aquela sobriedade e pureza de linhas, estribadas
na Honestidade, fruto lógico e imediato das soluções simples.
85
Com a aposentadoria do professor Gomes Cardim em 1955, a cadeira de
Arquitetura no Brasilfoi preenchida pelo arquiteto José de Souza Reis, perten-
cente aos quadros da DPHAN no Rio de Janeiro, que permaneceu na escola por
apenas um s. Além do desgaste semanal do deslocamento entre a capital e
São Paulo, a repercussão em torno de sua contratação em detrimento de Luiz Saia
também deve ter pesado na sua decisão. E para seu lugar, na seqüência entrou o
também arquiteto Eduardo Kneese de Mello. O estudante do 5
o
. ano de arquitetu-
ra, Nestor Goulart Reis Filho, relata o conflito travado na FAU acerca da disciplina:
85 Gustavo Neves da Rocha Filho. “”Sobre o estudo da arquitetura brasileira” in: Anais do II Congresso
Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo. Recife: Bureau Nacional de Estudantes de Arquite-
tura e Urbanismo, outubro de 1953, pp.55-57.
191
“Em todos os lugares, os professores de “Arquitetura no Brasileram do
IPHAN. em São Paulo que não era. O Saia ficava... eu era amigo dele
quando estudante. Assim que me formei, fui ser assistente. Ele brigou
comigo, como ficou emburrado com o Alcides que voltou para o Rio, e com
outros que vieram assumir. Veio antes do Eduardo de Mello, o José de Souza
Reis, que voltou. O Saia pressionou, e em 60 dias ele foi embora para o Rio,
porque ele queria criar uma crise aqui para poder vir, e não conseguiu.
86
Em outro trecho da entrevista, ele complementa:
“Em janeiro de 1956 fui chamado para ser professor. Fui ser assistente de
Eduardo Kneese de Mello, na cadeira “Arquitetura no Brasil”, ministrada
para o quinto ano. Fui assistente por muito tempo. Escrevi o Evolução Urba-
na no Brasil como tese de livre docência, ainda quando assistente dele. Aí
quando veio o Lourival Gomes Machado, um dos objetivos era dar um cur-
so de arquitetura contemporânea porque a velha “Arquitetura Analítica”
parava no come ço do Renascimento, não tinha nada de contemporâneo.
87
O próprio Luiz Saia, em carta para Rodrigo Melo Franco de Andrade, escrita em
setembro de 1964, após ser convidado para participar de um curso de pós gradu-
ão na própria FAU, recapitulou os acontecimentos:
“[...] Sou obrigado a exumar fatos ocorridos há mais de 10 anos para justi-
ficar meus sentimentos de aversão à direção da FAU, sentimentos em que
nenhuma atitude posterior ou mais recente dessa direção contribuía para
dissipar. Na época em que se fez necessária a escolha de um professor
para a cadeira de Arquitetura no Brasil, os alunos da Faculdade tomaram
a iniciativa de organizar os meus papéis para a apresentação de candidato
a uma cadeira, no concurso de títulos então realizado. A comissão exa-
minadora me indicou mas esse concurso foi anulado e um segundo con-
curso, aberto em seguida, perante uma comissão, escolhida a dedo, o meu
86 Entrevista de Nestor Goulart Reis Filho ao autor, realizada em 28/01/2009.
87 Entrevista de Nestor Goulart Reis Filho ao autor, realizada em 28/01/2009.
192
nome foi novamente indicado. Nessa época eu era Chefe do 4
o
Distrito.
O Conselho Universitário, fazendo às vezes de Congregação da Faculdade,
negou endosso ao meu contrato. Foi suspensa a vigência da resolução que
mandava selecionar professores mediante provas de títulos e a direção da
Faculdade mandou convidar, primeiro o Paulo [Thedim] Barreto e depois o
[José de Souza] Reis. Em face da impraticabilidade de ambos ministrarem a
cadeira em São Paulo, foi escolhido o Eduardo [Kneese de Mello].
De então até hoje, tanto o profissional como o Chefe do 4
o
Distrito sempre
manifestaram o maior empenho em ajudar os estudantes naquilo que foi
por estes solicitado. As mais diferentes formas de colaboração foram nes-
se período prestadas aos alunos dessa e das demais faculdades de arquite-
tura. Naquilo que diz respeito, portanto, aos meus deveres de Chefe do 4
o
Distrito e aos meus deveres de profissional, a decisão do Conselho negan-
do o contrato, não causou a menor perturbação.
Devo também lembrar que o fato de terem recorrido a colegas do Patrimô-
nio como pessoas capazes de ministrar a cadeira, de certo modo isentou a
Repartição das reservas porventura existentes, as quais, desse modo, fica-
ram localizadas – com exclusividade – na minha pessoa.
Em face de tais fatos, sou forçado a recusar o convite, por um dever de
lealdade para comigo. Lecionar na FAU, somente mediante concurso regu-
lar, capaz de me municiar com direitos incontestáveis e aquele mínimo
de dignidade que um professor que se preze deve manter perante o estu-
dante.[...]”
88
A primeira grande tentativa de se repensar o ensino da FAU, no sentido de se
afastar de sua matriz politécnica e de reorientar a formação do arquiteto à luz da
nova realidade que se desenhava para o pais, foi feita em 1957, a partir de uma
comissão formada pelos professores Vilanova Artigas, Rino Levi, Hélio Duarte e
Abelardo de Souza que elaboraram um Plano de Ensino que lançou as bases da
reforma pedagógica apenas viabilizada no início da década seguinte, quando a
FAU teve o seu primeiro diretor não politécnico, Lourival Gomes Machado.
88 Carta manuscrita de Luiz Saia para Rodrigo Mello Franco de Andrade de 23 de setembro de 1964.
Arquivo Noronha Santos. Série: Arquivo Técnico e Administrativo IPHAN. Sub-Série: Representante.
Caixa: 052. Pasta: 245.14 (folhas 563-66).
193
A partir de 1961, particularmente durante a curta gestão de Lourival na dire-
ção da escola, é que os alunos e professores articularam a reforma curricular
efetuada no ano seguinte. A grande contribuição da Reforma de 62 foi a criação
de quatro departamentos, o que permitiu agrupar as cadeiras conforme suas afi-
nidades programáticas: Departamento de Ciências Aplicadas, Departamento de
Construção, Departamento de Historia e o Departamento de Projeto. Am da
nova organização estrutural, a Reforma de 62 também estabeleceu aqueles órgãos
integrados a todos os departamentos, dentre os quais estavam as Oficinas e a
Biblioteca existentes, e o “Museum, que responderia pelas atividades curricula-
res e extra-curriculares como conferências, seminários, exposições e publicações.
Em função da reforma curricular e da estrutura pedagógica propostas em
1961 e aplicada no ano seguinte, a escola viu o incremento do corpo docente, com
a ampliação do número de instrutores. Foram realizadas ainda algumas modifi-
cações no campo administrativo da escola, além de atender a solicitação de um
ônibus para as atividades desenvolvidas pela escola. E, ainda segundo o Relatório
de Atividades de 1962,
“No interesse do ensino e da pesquisa, a m de propiciar aulas fora da
Faculdade, visitas a monumentos arquitenicos, industrias ligadas à
construção civil, obras etc., dentro e fora do perímetro, foi adquirido um
ônibus ‘Mercedez-Benz’ com 36 lugares”
89
89 Relatório de atividades de 1962. São Paulo: FAUSP, 1962, pp.5-6.
194
195
196
Gustavo Neves da Rocha Filho
Lucio Costa. Estação Rodoviária,
Brasília (DF), 7 de setembro de 1960.
Arquivo da Biblioteca da FAU-USP.
<
O tema das viagens de arquitetos constitui um campo de pesquisa que vem
sendo cada vez mais explorado pela historiografia, sobretudo nos últimos vinte
anos. Uma tendência muito evidente em trabalhos recentes desvia daquela que
desenvolvemos em nossa pesquisa, das viagens empreendidas pelos arquitetos
durante seus anos de formação, privilegiando as variações e os movimentos de
um processo de aprendizagem feito em trânsito, e em campo, distante das aca-
demias e escolas. Uma quantidade crescente de trabalhos, com efeito, vem se
concentrando nos deslocamentos empreendidos por arquitetos cujas trajetórias
estavam consolidadas ou em vias de uma redefinição profissional, e para quem
a viagem aparece ora ligada a uma experiência de migração ou ampliação de
fronteiras de trabalho, ora como oportunidade de conhecer culturas e realidades
diferentes daquelas a que pertenciam.
Nosso esforço ao longo desse trabalho foi o de mapear algumas experiên-
cias particulares de deslocamento, apresentando especificamente o conjunto de
roteiros empreendidos por distintas gerações de estudantes de arquitetura no
Brasil, desde pelo menos o início dos anos 20. Percebemos que, ainda que moti-
vados por uma pluralidade de interesses, aquelas viagens de formação tinham
em comum um destino novo em relação àqueles até então escolhidos pelos
jovens viajantes. Se até aquele momento o destino preferencial era a Europa,
e principalmente Roma e Paris, a década de 1920 parece ter trazido uma reo-
rientação radical dos roteiros, o que representava também uma redefinição dos
próprios significados da viagem para a formação dos arquitetos: a ida à Europa
cedia espaço para as excursões pelo Brasil, enquanto a formação acadêmica de
ateliê, com seus modelos clássicos a serem estudados, decalcados e restituídos
em exercícios de desenho e composição, cedia vez a uma atitude exploratória
perante universos ainda não classificados ou institucionalizados, que não
abria novos repertórios de referência mas alterava a relação do viajante com
seu universo de destino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
198
Entre as duas gerações de viajantes que apresentamos nesse trabalho, a de
1930 e a de 1950, uma clara diferença de propósitos: se o primeiro grupo se
vincula a uma instituição pública e a um projeto de identificação e preservação
do patrimônio histórico e cultural da nação; o outro desenvolve-se nas mar-
gens da instituição universitária e tem como motivação principal um projeto
de formação profissional alternativa, para o qual a viagem acenava com uma
possibilidade de intervenção mais consciente do arquiteto na realidade social,
geogfica, histórica e cultural do pais. No entanto, ambas são fortemente mar-
cadas por um ideário nacionalista da cultura brasileira. No primeiro caso, por
um nacionalismo de caráter mais oficial, que tende a um projeto cultural de
Estado; no segundo caso, por um sentimento de pertencimento mais diluído
pelas experiências individuais de personagens anônimos, que não representam
uma instituição ainda que sejam atravessados por um nacionalismo espontâneo
que ecoa entre os jovens como missão social e cultural de uma geração para a
posteridade, como contribuição ao desenvolvimento nacional. Diferenças, toda-
via, que não excluem o fato de em ambos os casos afirmar-se uma representão
positiva do país a partir da fusão entre o colonial, o moderno e o popular.
Ao longo de todo este arco temporal, ainda que alguns temas de interesse
permaneçam, como é o caso do folclore, existem diferenças na sua apropriação
e abordagem. Na viagem de 1938, por exemplo, ao lado do caráter documental
da expedição, percebe-se um sentido de atualidade conferido ao folclore, visto
como subsídio para a criação contemporânea, algo diretamente tributário do
modernismo. No segundo momento, o engajamento na formação profissional
não apenas encaminha o olhar do viajante aos fatos da arquitetura, mas parece
conferir à apropriação do popular uma dimensão mais pragtica.
No caso específico das viagens empreendidas pelos alunos da FAU, o traba-
lho acabou privilegiando aquele momento imediatamente posterior à criação da
escola, ou seja, concentrando-se na primeira metade da cada de 1950. Este
enfoque nas primeiras turmas, de certa forma, foi um reflexo da pesquisa e das
entrevistas realizadas inicialmente, quando a atuação dos estudantes junto aos
Grêmio e ao Centro de Estudos Folclóricos foi mais frutífero, e suas atividades
culturais pareciam repercutir diretamente em uma vida acadêmica e em um
programa de formação ainda em processo de estruturação.
199
Os rebatimentos da experiência das viagens na formação pode ser observado
de múltiplas maneiras nas transformações do currículo escolar, do corpo docen-
te, da estrutura organizativa. Podemos perceber seus desdobramentos, mais do
que nas disciplinas de cnicas e composição, nos programas das disciplinas
que em 1962 seriam reunidas em torno do Departamento de História. E não é
por acaso que muitos dos alunos que participaram das viagens e das ativida-
de políticas e culturais do Grêmio seriam incorporados no corpo docente como
professores de história. Mais ainda, será que não poderíamos reconhecer nessa
militância a gênese no interior da escola de preocupações com pesquisa, publi-
cações, exposições ou outras atividades extra-curriculares?
Finalmente, como é próprio a um processo de pesquisa dessa natureza, uma
série de questões surgiram durante nosso processo de trabalho e acabaram por
não ser desenvolvidas, no entanto, cabe aqui neste balanço nal retomá-las, a
medida que podem orientar novos desdobramentos ou mesmo trabalhos futuros.
A principal questão que permanece em aberto, ainda que estivesse contem-
plada no recorte temporal proposto, é aquela que diz respeito à repercussão da
construção de Bralia entre os estudantes. Estava em nossos propósitos iniciais
entender em que contexto foram organizados os deslocamentos para a nova capi-
tal, ou em que medida a visita a sua obra estava incorporada em atividades rea-
lizadas conjuntamente por alunos e professores.
200
201
202
Gustavo Neves da Rocha Filho
Oscar Niemeyer. Palácio do Planalto,
Brasília (DF), 7 de setembro de 1960.
Arquivo da Biblioteca da FAU-USP.
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208
Acervos, arquivos e bibliotecas consultados
Acervo da Missão de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP)
Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
Arquivo Noronha Santos (IPHAN)
Avery Library, Columbia University
Biblioteca Nacional
Acervo de Antonio Carlos Alves de Carvalho
Acervo de Domingos Theodoro Azevedo Netto
Acervo de Fúlvio Smilari
Acervo de Gustavo Neves Rocha Filho
Acervo de Roberto Pinto Monteiro
Acervo de Romeu Solferini Neto
Acervo de Rosa Kliass
Entrevistas realizadas pelo autor
Antonio Carlos Alves de Carvalho (conversas não gravadas)
José Claudio Gomes (03/04/2008)
Roberto Pinto Monteiro (10/04/2008)
Thereza Katinsky De Katina e Pielesz e Julio Roberto Katinsky (12/04/2008)
Plínio Venanzi (10/06/2008 e 02/02/2009)
Raphael Gendler (31/10/2008)
Clementina Delfina de Ambrosis e Domingos Theodoro Azevedo Neto (06/11/2008)
Domingos Theodoro Azevedo Neto (08/12/2008)
Jon Andoni Maitrejean (11/12/2008)
Gustavo Neves Rocha Filho (15/12/2008)
Benedito Lima de Toledo (26/12/2008)
Nestor Goulart Reis Filho (28/01/2009)
Hélio Pasta (02/02/2009)
Julio Roberto Katinsky (07/02/2009)
Armando Rebollo (17/02/2009)
Flavio Villaça (04/03/2009)
Wilson Rodrigues de Moares (17/03/2009)
Francisco Rodrigues Torres (24/03/2009)
Ubyrajara Gonsalves Gilioli (20/04/2009)
Arakén Martinho (25/04/2009)
Edoardo Rosso (01/05/2009)
Rosa Grena Kliass (15/05/2009)
João Baptista Xavier (24/05/2009)
José Carlos Bellucci (07/06/2009)
João Walter Toscano (15/06/2009)
Geraldo Vespaziano Puntoni (07/01/2010)
ILUSTRAÇÕES
pp.24-25
Centre Georges Pompidou. Tony Garnier. L’oeuvre complete. Paris: Editions du Centre Pompidou, 1989, p.237.
p.29
Brian Ambroziak. Michel Graves: images of a Grand Tour. New York: Princeton Architectural Press, 2005, p.7.
p.33
Paola Tosolini. “Other itineraries: modern architects on countryside roads”, The Journal of Architecture,
v.13, n. 4, aug. 2008, p.430.
p.33
Idem, ibidem, p.434.
p.34
Idem, ibidem, p.434.
p.40
The Morgan Library & Museum. Ruskin’s Italy, Ruskin’s England, set-jan, 2000/2001. Imagem disponível
em http://www.themorgan.org/exhibitions/exhibPast01Enlarge.asp?id=78.
p.40
Giuliano Gresleri. Le Corbusier: Il viaggio in Toscana. Firenze: Cataloghi Marsilio, 1987, p.54.
p.42
Idem, ibidem, p.61.
p.42
Idem, ibidem, p.67.
p.43
Idem, ibidem, p.102.
p.43
The Ruskin Library. Keeper of the Flame: John Howard Whitehouse (1873-1955), abr-out, 2005. Imagem dis-
ponível em http://www.lancs.ac.uk/users/ruskinlib/Images/1996p1633.jpg.
p.44
Giuliano Gresleri. Le Corbusier: Il viaggio in Oriente. Firenze: Cataloghi Marsilio, 1995, p.386.
p.48
Idem, ibidem, p.183.
p.48
Idem, ibidem, p.183.
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Giuliano Gresleri. Le Corbusier: Il linguaggio delle pietre. Firenze: Cataloghi Marsilio, 1988, p.87.
p.50
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p.50
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p.52
Gresleri, op.cit., 1995, p.257.
p.54
Helena C. de Uzeda, “O ensino de arquitetura da Academia de Belas Artes: 1826-1889”, in: 185 anos de
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Lucio Costa, Registro de uma vivência. São Paulo/Brasília: Empresa das Artes/UnB, 1995, p.28.
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p.63
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José Marianno Filho, Influências muçulmanas na architectura tradicional brasileira. Rio de Janeiro: Editora A
Noite, 1943, p.67.
pp.66-67
Fotografia 765. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.74
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.30, 2002, p.128.
p.78
Arquivo Mário de Andrade do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP).
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Mário de Andrade, O turista aprendiz. São Paulo: Duas Cidades/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecno-
logia, 1976, p.57.
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Idem, Mário de Andrade: fotógrafo e turista aprendiz. São Paulo: IEB/USP. 1993, p.80.
p.78
Idem, ibidem, 1993, wp.67.
p.78
Arquivo Mário de Andrade do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP)
p.84
Mário de Andrade, Mário de Andrade. Cartas de trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade
(1936-1946). Rio de Janeiro: MEC/SPHAN/Pró-Memória, 1981., 1981, p.92.
p.84
Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.1, 1937.
p.86
Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.1, 1937, p.222
p.89
Carlos Sandroni,“Entrevista com Claude Lévi-Strauss (9 de fevereiro de 1993)” in Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, n.30, 2000, p.239.
p.94
Fotografia 477. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
pp.98-99
Mapa com o roteiro percorrido pela Missão de Pesquisas Folclóricas entre março e junho 1938, realizado
por Gaú Manzi e Santiago d’Ávila.
p.101
Fotografia 480. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.103
Fotografia 478. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.103
211
Fotografia 126. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.103
Fotografia 646. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.104
Fotografia 534. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.104
Fotografia 533. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.104
Fotografia 732. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.107
Fotografia 1084. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.107
Fotografia 1085. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.108
Fotografia 163. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.108
Fotografia 729. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.110
Fotografia 566. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.110
Fotografia 538. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.111
Fotografia 610. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.111
Fotografia 616. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.111
Fotografia 618. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.111
Fotografia 619. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.111
Fotografia 636. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
p.111
Fotografia 641. Acervo de Pesquisas Folclóricas do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
pp.114-115
Arquivo Biblioteca da FAU-USP
p.123
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.123
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.123
Seção Arquivo de Negativos da Divisão de Iconografia e Museus do Departamento do Patrimônio Histó-
rico da Prefeitura Municipal de São Paulo (DIM/SMC/DPH/PMSP)
p.124
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.124
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
212
p.124
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.125
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.125
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.126
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.126
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.126
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.129
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.129
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.129
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.129
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.129
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.130
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.130
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.133
Arquivo Roberto Pinto Monteiro.
p.134
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.134
Arquivo de Fúlvio Smilari.
p.135
Arquivo Roberto Pinto Monteiro.
p.135
Arquivo Roberto Pinto Monteiro.
p.135
Arquivo Roberto Pinto Monteiro.
p.135
Arquivo Roberto Pinto Monteiro.
p.136
Arquivo Roberto Pinto Monteiro.
p.136
Arquivo Roberto Pinto Monteiro.
p.136
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.136
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
213
p.137
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.137
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.138
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.138
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.138
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.138
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.142
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
p.142
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
p.142
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
p.142
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
p.142
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
p.142
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
p.142
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
pp.143-146
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.147
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.147
Acervo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.147
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.147
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.147
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.147
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.147
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.148
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.148
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.148
Arquivo de Edoardo Rosso.
214
p.149
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.149
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.149
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.149
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.149
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.150
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.150
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.150
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.150
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.150
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.150
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.151
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.151
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.151
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.151
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.152
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.152
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.152
Arquivo de Edoardo Rosso.
p.154
Arquivo de Ubyrajara Gilioli.
p.157
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.161
Arquivo de Romeu Solferini Neto
p.164
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.164
Arquivo de Julio Roberto Katinsky.
215
p.164
Arquivo de Julio Roberto Katinsky.
p.164
Arquivo de João Baptista Xavier.
p.164
Arquivo de João Baptista Xavier.
p.168
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
p.168
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
p.171
Arquivo de Antonio Carlos Alves de Carvalho.
p.171
Arquivo de Antonio Carlos Alves de Carvalho.
p.172
Arquivo de Gustavo Neves da Rocha Filho.
p.172
Arquivo de Gustavo Neves da Rocha Filho.
p.172
Arquivo de Gustavo Neves da Rocha Filho.
p.172
Arquivo de Gustavo Neves da Rocha Filho.
p.172
Arquivo de Gustavo Neves da Rocha Filho.
p.172
Arquivo de Gustavo Neves da Rocha Filho.
p.173
Arquivo de Gustavo Neves da Rocha Filho.
p.173
Luiz Saia, Escultura popular brasileira. São Paulo: Edições A Gaveta, 1944.
p.178
Arquivo de Julio Roberto Katinsky.
p.178
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.178
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.178
Arquivo de Julio Roberto Katinsky.
p.178
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.178
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.178
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.178
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
p.179
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
216
p.180
Arquivo de Julio Roberto Katinsky.
p.184
Arquivo de Roberto Pinto Monteiro.
p.188
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.188
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.188
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.188
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
p.188
Arquivo de Domingos Theodoro de Azevedo Netto.
pp.194-195
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
pp.200-201
Arquivo Biblioteca da FAU-USP.
ANEXO
218
219
1952
Antonio Luiz de Anhaia Mello
Ariovaldo Avignon Veiga
Carlos de Almeida Vidal
Clementina Delfina Antonia de Ambrosis
Francisco de Paula Bicalho
Frejda Blinder
Fúlvio João Smilari
Hélio Pasta
Henrique Soares Vasconcellos Filho
Ijair Cunha
João Clodomiro Browne de Abreu
Joaquim Vicente Cordeiro Ferrão
José Bresser Brandão
José Silvestre Viana Egreja
Juvenal Waetge Júnior
Marcílio Martins
Munéo Maeda
Natue Nomura
Paulo José Rodrigues Rosa
Percy Gandini
Roberto Pinto Monteiro
Roger Zmekhol
Romeu Solferini Neto
Thereza Katinszky de Katina e Pielesz
Vicente de Paulo de Carvalho Collet e Silva
Wilson Rodrigues de Moraes
I. Lista de formados na FAU-USP
220
1953
Carlos de Campos Faria
Carlos Jorge Jose Srna
Chafic Buchain
Domingos Theodoro de Azevedo Netto
Donato Di Sessa
Flávio José Magalhães Villaça
Hélcio Piason
Jon Andoni Vergareche Maitrejean
José Augusto de Barros Arruda
José Claudio Gomes
José Gabriel Penteado Nogueira Valente
José Walter de Almeida Victoretti
Keiko Matsudo
Ruy Gama
Wladimir Anversa
1954
Ariaki Kato
Félix Mozetic
Ginez Velanga
Idarcy Pongiluppi de Lucia
Ivo Uvo
Joaquim Manoel Guedes Sobrinho
Jorge Nomura
José de Ribamar e Silva
José Maria Whitaker de Assumpção
Léo Quanji Nishikawa
Liliana Marsicano Guedes
Luiz Gastão de Castro Lima
Milton Panontim
Oscar Teixeira da Costa
Ramiro Fisch
Ramis Rayes
Raphael Gendler
Roberto Antonio Soares de Camargo
Roberto Octaviano Favalli
Shoichi Kitade
Toshio Tone
Vittorio Moise Corinaldi
Waldemar Greco
Yukio Yasuda
221
1955
Akira Luiz Fukugava
Armando Rebollo
Ary Albano
Claudio Celso Bruschini Ribeiro
Dario Imparato
Edoardo Rosso
Francisco Mariano de Moraes Rodrigues Torres
Gilbert Othoniel Toni
Hideo Maeda
Innocencio Patrocinio
José Luiz Ferreira Fleury de Oliveira
Luiz Monzoni Pinheiro Santos
Marianilza Brasil de Oliveira
Miguel Feres
Miranda Maria Esmeralda Martinelli
Nestor Goulart Reis Filho
Oduvaldo Ferreira
Osmar Antonio Tosi
Roberto Fonseca de Carvalho
Rodolpho Almeida Fernandes
Rosa Grena Alembick
Rubens Salvador Trindade Magliano
Shioju Mukai
Sigfrido Martin Rieber
Yoshimasa Kimachi
1956
Aderbal Brito Arantes
Aldo Rui Zappellini
Alfredo Ribeiro dos Santos
Alice Costa Imparato
Anésio Bento Cauduro
Antônio Melchor
Araken Martinho
Arnaldo Tonissi
Carol José Hernandez Pirela
Elizabeth Maria Blumberg
Fernando Augusto Senna Arantes
Fernando José Nogueira
Guaracy Moreira Pimentel
Heitor Ferreira de Souza
Ismael Victor de Campos Junior
Jair Peres
João Walter Toscano
Jorge Salomão
José Leite de Carvalho e Silva
Luiz Madureira Sewaybricker
Luzia Helena Carlos de Oliveira
Marcio Augusto Schmidt Alves
Mario Alfredo Reginato
Nelson Broto
Paschoal Francisco Viscardi
Richard Henry Perret-Gentil Dubs
Roberto Frioli
Selem Nelson Bussab
Thyrso Aranha Pereira
Ubirajara Gonsalves Gilioli
Walter Fratini Doles
Wanda de Oliveira Conte Sotto
Wlademir Kliass
Zilah Therezinha de Lauro Castrucci
222
1957
Alberto Carlos de Araújo
Antônio Carlos de Arruda Novita
Ayako Nishikawa
Brenno Cyrino Nogueira
Eugenio Monteferrante Netto
Francisco Whitaker Ferreira
Humberto Galimberti Poletti
Israel Sancovski
Jaguanhara de Toledo Ramos
Jerônimo Esteves Bonilha
João Carlos Rodolpho Stroeter
José Arnaldo Pittom
José Geraldo Avignon Veiga
Julio Roberto Katinsky
Lucio Grinover
Luiz de Franca Roland
Maria Aparecida da Costa França
Marlene Picarelli
Matilde Castro Daly Regina Zonta
Roberto Franco Bueno
Virgilio Malacarne
1958
Abrahão Velvu Sanovicz
André Moravec
Antônio Carlos Lima Pedreira de Freitas
Antonio Claudio Moreira Lima e Moreira
Bruno Arturo da Via
Daniel Lafer
Fábio Arantes Aquino Leme
Fábio Eduardo Kok de Sá Moreira
Fabrizio Fabriziani
Gingo Oguiura
Heberto Lira Ferreira da Silva
Hélio de Maria Penteado
Hiroko Kawauchi
Igar Fehr
Janusz Wlodzimierz Wojdyslawski
Joachim Friedrich Eberhard Knop
João Baptista Alves Xavier
José Caetano de Mello Filho
José Carlos Bellucci
José Celso Stinchi
José Maria Monfort Guix
Julio Ribeiro Bandeira Villela
Luiz Carlos Costa
Maria Antonio Bicudo Larrabure
Maria Gisela Cardoso Visconti
Maria Lucia Novaes Britto Passos
Melanias Massage Nagamine
Odiléa Helena Setti Toscano
Oscar Panzoldo
Paulo Eduardo Martins de Oliveira
Pedro Miyoshi
Rafael Angel Rojas Alvarez
Ruth Bicudo do Valle
Sergio Julien
Sidney Antonio Amaral
Silvio Breno de Souza Santos
Tolhia Boscov
Victor Collin Ferreira
Vittorio Alfredo Barone
223
1959
Alvaro da Cunha Caldeira
Antonio Carlos de Macedo
Arthur Fajardo Netto
Candido Malta Campos Filho
Carlos Eduardo Pompeu
Célia Rodrigues Lotti
Chin Ying-Hsin
Dario Montesano
Ferdinando Bompiani D’Ancora
Francisco de Assis Caiaffa dos Santos
Fuad Constantino Abrahão
Geraldo Vespaziano Puntoni
Giorgio Capelli
Hiroshiko Sawao
Hosanna Makiko Nishida
Isabel Maria de Almeida Fríoli
José Pinto
José Roberto Martins
Leilah Prima Mellone Bastos Conceição
Lucilena Salles Whitaker
Luiz Osório Leão
Manoel Kosciuszko Pereira da Silva Correa
Maria Apparecida Ferreira de Camargo
Milton Filippi Pellicciotta
Mitsuo Iada
Paulo de Mello Bastos
Reinaldo Pestana
Renato Luiz Martins Nunes
Roberto Whitaker Bergamini
Sérgio Ferraz Gontijo de Carvalho
Siegbert Zanettini
Sueo Tomimatsu
Takachi Koto
Ubertello Bulgarini D’Elci
Vera Maria Furtner
1960
Adhemar Fernandes
Antonio Walter Viana de Paula Venturini
Ayrton Laragnoit
Benno Michael Perelmutter
Bona de Villa
Dacio Araujo Benedicto Ottoni
Dirceu Bonecker de Souza Lobo
Edson Saad
Eduardo Luiz Paulo Riesencampf de Almeida
Elza Emilia Almeida Gaeta
Eugenio Bassi
Evaldo Cardoso Franco
Hélvio Guatelli
João Carlos Canduro
José Luiz Poyares Backheuser
José Nakamoto
José Odilon Homem de Mello
Léo Bomfim Junior
Leônidas Soares Botelho
Luiz Nogueira de Camargo
Luiz Paulo de Azevedo Lage
Marcolino Vaccari
Maria Immaculada Valio
Massashi Ruy Ohtake
Mayumi Watanabe
Milton de Almeida Pinheiro
Paulo de Melo Zimbres
Paulo Sergio de Sousa e Silva
Pedro Antonio Galvao Cury
Rubens Gaspari
Rufino Reis Soares
Sérgio Carlos Dompieri
Sérgio Teperman
Sérgio Zaratin
Walter Naime
Yukie Takahashi
224
1961
Anna Therezinha Arantes Freato
Antonio Augusto Antunes Netto
Benedicto Lima de Toledo
Carlos Leopoldo de Paula
Flávio Império
Geraldo Gomes Serra
Giovanni Antonio Giavina-Bianchi
Helena Oliveira Freire
Helladio Mancebo
Juan Bautista Antonioli Levano
Julio Barone
Julio Teruo Yamazaki
Luiz Groba Rinaldi
Luiz Kupfer
Maria Del Carmen Benzal Ponce
Raymond Trad
Rodrigo Brotero Lefevre
Rodrigo Sugai
Sérgio Ferro Pereira
Sérgio João Tonissi
Sérgio Leite Monteiro
Sérgio Pereira de Souza Lima
Teru Tamaki
Vanuhi Basil
Vera Catunda
Walter Vicente Silva
Wanda Whitaker de Sousa e Silva
1962
Alessandro Ventura
Alice Gama Salgueiro
Bernardo Schonmann
Claudio Ruggiero
Cyro Octavio Gatti Ferraz de Toledo
Durval Soave
Egidio Antonio dos Santos Filho
Elizabeth Devecs
Flavio Armando Amarantes
Glauco Giacobbe
Gustavo Neves da Rocha Filho
Henrique Schnaider Pait
Ivana Perito
Jayme Affonso Junqueira
Jeny Martins Kauffmann
Joaquim Francisco Cardoso
José Luiz Silva
Kazue Marubayashi
Koki Yazaki
Lucio Porto Guimarães
Ludovico Antônio Martino
Luiz Ismael Romio
Maria José Catapano
Maria Rita Bordallo
Miguel Gilberto Pascoal
Noemia Timoner
Paulo Iazzetti Filho
Roberto Yazigi
Sérgio José de Moura Amoroso
Waldemar Herrmann
Witold Zmitrowicz
225
1963
Alfredo Osvaldo Gustavo Gallas
Anna Maria Teixeira Nigro
Antonio Sergio Bergamin
Edmundo Lucio Giordano
Iossuke Tanaka
Jacomo Antonio Frugis
José Carlos Brandileone
José Guilherme Savoy de Castro
José Pedro Andreoli
Juan Luiz Zuniga Bustillos
Keiko Honda
Lacy Mitiko Tsukumo
Luiz Fisberg
Maria Aparecida Blumer de Salles
Matheus Gorovitz
Mauricio Fridman
Motoi Tsubouchi
Nélio Rodrigues
Nélson Andrade
Newton Lapolla de Paula
Nilva Lima Prado
Nombuo Yamamoto
Orly Lopes Querido
Oscar Arine
Otto Mario Cerny
Paulo Julio Valentino Bruna
René Antonio Nusdeu
René Correa Pierre
Romeu Simi Junior
Satio Fujii
Willian Munford
Wilson Edson Jorge
Yone Koseki
Zuraida Alexandre Arap
1964
Adauto Ribeiro da Silva
Adilson Costa Macedo
Adolpho Yutaka Sato
Anésio de Araujo Correa
Angela Maria Apollinari Cury
Angela Maria Tereza Alma Filisetti
Antonio Domingos Battaglia
Ari Antonio da Rocha
Arnaldo Antonio Martino
Carlos Augusto Welker
Carlos Henrique Heck
Célio Pimenta
Conrado Jorge Heck
Danilo Bassani
Dora Heinrici
Helena Sula
Ivan Romano Batistic
Luigi Fiocca
Luisa Toscano
Maria Helena Cordeiro de Abreu
Marina Bernardini Donelli
Marta Mello Rossetti
Massimo Fiocchi
Mutsutaka Shimizu
Myrian Nemes
Paulo da Rocha Queiroz
Takudoo Takada
Tetsuo Uema
Tetsuro Hori
Tito Nakao
Vicente de Paulo Borges Bicudo
Yasuko Tominaga
Yoiti Kataguiri
226
1965
Anita Leoni
Antonio Marcos da Silva
Carlos Alberto Inacio Alexandre
Carlos Pinilla Krauss
Cecilia Carmen Monteiro de Barros
Celio Abrusio
Cesar Galha Bergstrom Lourenco
Cid Gagliotti
Cleyde Denser Amaro
Csaba Deak
Decio Werneck Moreira
Djalma Cintra de Andrade
Edison Eloy de Souza
Eideval Bolanho
Eurico Joao Salviati
Fabio Antonio Esper Hanna
Fabio Eduardo Serrano
Francisco Segnini Junior
Francisco Virgilio Crestana
Glaycon Mota Melo
Jorge Osvaldo Caron
Jorge Silvio Haberkorn
Jose Antonio Oliveira Perbelini Lemenhe
Jose de Seixas
Luiz Cesar Bettarello de Almeida Campos
Maria Haydee de Camargo Bittencourt Rinaldi
Mario Bardelli
Mario Yoshinaga
Munir Buarraj
Nelson Popini Vaz
Paulo Lucio de Brito
Raul Guardia Sanchez
Ricardo Chahin
Sadamu Yshigami
Shigueiro Kudo
Silvio Frank Oppenhaim
Umberto de Andrade Leone
1966
Alfredo Benito Parlato
Armenio Iranik Arakelian
Carla Milano
Carlos Eduardo Zahn
Cicero Augusto Arantes do Amaral
Clovis Leite Monteiro
Diana Mindlin Loeb
Edison Longo Raimo
Edith Goncalves de Oliveira
Eduardo Jose de Carvalho Filho
Elcio Martins
Felippe Augusto Aranha Domingues
Joaquim Gaspar Machado
Joaquim Luiz Bessa Neto
Jose Antonio Mauricio Varella
Jose Eduardo de Assis Lefevre
Jose Roberto de Affonseca e Silva
Lidia Lucia de Campos
Maria Madalena Re
Roberto Lombardi
Sylvio Alves de Freitas
229
230
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