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sua morte, uma morte carregada de maldição. Também nesse aspecto, a
proclamação da ressurreição de Jesus implica em assumir algo totalmente novo e
inusitado, pois a ideia de um messias crucificado não está nem um pouco de
acordo com a expectativa do Antigo Testamento e é bastante contrária às
esperanças do messianismo judaico. A morte de cruz é, dessa forma, a ruptura
com as Escrituras e com o judaísmo.
146
Conceber a ressurreição de Jesus como um
ato de Deus, significa dizer também que as razões oficiais que o levaram à morte
não são aceitas por aqueles que afirmam a sua ressurreição e, em definitivo, Deus
não está do lado dos acusadores e se coloca ao lado de Jesus confirmando tudo
aquilo que ele viveu e ensinou sobre o ser de Deus. Além disso, como bem
observa W. Pannenberg, no contexto da época, era impossível conceber tal
acontecimento senão realizado pela ação e vontade de Deus. E a própria pregação
cristã primitiva entendeu o evento da ressurreição de Jesus dentre os mortos,
também como uma afirmação de sua pretensão pré-pascal. Isso é bem expresso,
por exemplo, na forma de falar do livro dos Atos dos Apóstolos: “Saiba, portanto,
toda casa de Israel, com certeza: Deus constituiu Senhor e Cristo, a esse Jesus que
vós crucificastes”, 2, 36, cf. também, 3, 15; 5, 30.
147
Flávio Josefo, em seu famoso texto conhecido como Testimonium
Flavianum diz que quando Pilatos, por causa de acusações feitas pelos principais
homens daquela sociedade, condenou Jesus à morte, os que antes o haviam amado
não deixaram de fazê-lo. É nessa mesma perspectiva que Tertuliano dirá que o
sangue dos mártires é semente de cristãos.
148
Só a convicção interior de que a
morte de Jesus foi injusta e de que ele estava em Deus e Deus estava com ele é
que proporcionou a abertura suficiente para adentrar no mistério da sua
ressurreição. E foi justamente essa mesma convicção que impulsionou seus
discípulos a continuarem sua causa, muitas vezes, enfrentando o mesmo destino
do mestre. Nas palavras de Schillebeeckx, “a ressurreição, como ação de Deus em
Jesus e com ele, não apenas confirma a mensagem de Jesus e a praxe de sua vida;
146
Cf. J. G. FAUS, La humanidad nueva, p. 128. Gonzáles Faus mostra o esforço teológico
presente no Novo Testamento para ressignificar a morte de Jesus. Uma audácia, carregada de
escândalo e loucura, conforme assume o próprio Paulo ao pregar um messias crucificado (1 Cor 1,
23), ou um messias que foi feito maldição (Gl 3, 13). Essa consciência surge graças à capacidade
de reflexão das primeiras comunidades em interpretar a vida de Jesus e aplicar nela o sofrimento e
enfrentamento da morte como o destino dos profetas, “justos” e do “servo”, temas esses resgatados
nas diversas fases da consciência religiosa judaica. Cf. Ibid., pp. 128-136.
147
Cf. W. PANNENBERG, Fundamentos de cristología, p. 84.
148
Cf. A. T. QUEIRUGA, Repensar a ressurreição, p. 155.