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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARIA AURORA DIAS GASPAR
APRENDENDO A CONVIVER : UM ESTUDO QUE PRIORIZA AS
RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA COMUNIDADE ESCOLAR
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO- 2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARIA AURORA DIAS GASPAR
APRENDENDO A CONVIVER : UM ESTUDO QUE PRIORIZA AS
RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA COMUNIDADE ESCOLAR
Tese apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do
título de Doutora em Educação: Psicologia
da Educação pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação da
Profa. Dra. Laurinda Ramalho de Almeida
SÃO PAULO - 2009
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Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
Um processo longo e árduo, de uma trajetória marcada pela luta incessante entre o
pesquisar, o compreender as relações humanas, que causam descobertas, decepções,
encantamentos. É um momento de revisitar nossas práticas, experiências, vivências.
Nessa caminhada, há as pessoas que incentivam, valorizam a cada momento as horas de
encantamento, de dificuldade- muitos momentos de desencanto! Mas afinal, um
pesquisador transita num movimento incansável do conhecer, compreender.
Tempo e esforço pessoal não são suficientes nessa busca do conhecer. Pessoas
significativas são essenciais nesse movimento da descoberta, e a elas vai o meu
agradecimento:
À Profª Drª Laurinda Ramalho de Almeida, pela compreensão de minha trajetória de
vida nesse percurso do pesquisar, me incentivando em todos os momentos. Suas
contribuições sempre ponderadas em atitude segura, de responsabilidade diante do
conhecimento, e partilhadas durante os anos de convivência pessoal e acadêmica, que
teve início no Mestrado. A convivência durante todo esse percurso proporcionou uma
aprendizagem fundamental para meu crescimento pessoal e profissional. Agradeço as
palavras de afeto e disponibilidade nas orientações, sempre marcadas por sua
competência e compromisso com a construção do conhecimento. Exemplo de
profissional!
À Profª Drª Abigail Alvarenga Mahoney, Profª Drª Vera Maria Nigro de Souza
Placco, Profª DVera Cabrera Duarte, Profª Drª Eliane Bambini Gorgueira Bruno,
pela participação na banca examinadora, e pelas contribuições desde a qualificação.
Pessoas de compromisso com o saber, com o conhecimento, e pautadas numa vida
profissional de dedicação ao ensino e à formação. Obrigada pelo direcionamento neste
trabalho e por fazerem parte de minha formação.
Ao Prof° Dr° Moacyr da Silva, pela disposição em participar da banca.
À diretora, vice-diretoras, coordenadoras, professoras e alunos da escola onde realizei o
estudo de caso, pelas entrevistas e acolhimento no decorrer da pesquisa.
Aos meus pais, que são o grande apoio em minha vida. Seus ensinamentos de amor e
pela vida me incutiram o idealismo e a crença na educação.
Ao meu irmão Alfredo e cunhada Bete, pela disposição de constantemente suprirem
minha ausência junto à minhas filhas, e pelo incentivo durante esses anos.
Meus sobrinhos Patrícia, Claudia e Cristiano, pelo carinho, atenção, sempre presentes
como ouvintes e pessoas prestativas para auxiliar nos momentos de dificuldade deste
estudo.
Ao meu amigo e companheiro Eduardo Nogueira, por seu apoio, companheirismo,
cumplicidade, paciência, no decorrer desse trabalho. Seu incentivo e convívio
permitiram dividir os diferentes sentimentos que surgiram no decorrer da elaboração
deste estudo.
E em especial às minhas filhas Bianca e Thaisi, que são as responsáveis pelo meu ideal
de vida. Agradeço a compreensão pela minha ausência nos muitos momentos que
precisaram de mim, solicitando carinho e atenção, que eu não pude lhes dar. Obrigada
pelo carinho de todos os dias, pela tolerância, pelo incentivo. Obrigada por fazerem
parte da minha vida!
À CAPES, pelo apoio financeiro do curso.
GASPAR, Maria Aurora Dias Gaspar. Aprendendo a Conviver: um estudo que prioriza
as relações interpessoais na comunidade escolar. Tese de Doutorado em Psicologia da
Educação, PUC-São Paulo. 2009.
RESUMO
O presente estudo busca compreender o Projeto Conviver, desenvolvido numa escola
pública da região periférica da Grande São Paulo, cujo objetivo é dar melhor qualidade
às relações interpessoais, considerando que uma melhor convivência promove um clima
mais propício à aprendizagem.
O estudo de caso foi a opção metodológica. O foco deste estudo consiste em
compreender a gestação e os movimentos do Projeto Conviver, com ênfase em suas
singularidades. Como instrumento de coleta de dados, utilizaram-se: observação do
contexto escolar, análise documental e entrevistas. Foram realizadas entrevistas com o
grupo gestor, professores e alunos.
O referencial teórico que direcionou o estudo foi a Abordagem Centrada na Pessoa, de
Carl Rogers, abordagem cujo pressuposto básico é a confiança no ser humano e que
valoriza o papel das relações interpessoais para a compreensão e solução dos problemas.
Na análise, destacaram-se: a diretora e a configuração do Projeto Conviver; o grupo e as
relações de poder; e as relações entre o projeto e a aprendizagem.
Palavras-chaves: Relações Interpessoais; Projeto Político-Pedagógico; Carl Rogers;
Abordagem Centrada na Pessoa.
GASPAR, Maria Aurora Dias Gaspar. Learning How to Coexist: a study that prioritizes
the interpersonal relations within the school community. PhD Thesis in Psychology of
Education, PUC-São Paulo. 2009.
ABSTRACT
The present study aims to understand the Coexistence Project (Projeto Conviver),
developed in a public school of the suburbs of Greater São Paulo, whose purpose is to
provide better quality in interpersonal relations, taking into account that good
coexistence provides a favorable learning environment.
The methodology adopted was case study. The objective of this study consists of
understanding the evolution and activities of the Coexistence Project, focusing on its
particular features. The following was used as data collection instrument: observation of
the school context, document analysis and interviews, the latter carried out among the
school management, teachers and students.
The theoretical basis guiding the study was Carl Rogers’ Individual-Centered Approach,
whose fundamental assumption is the trust in human beings, and that those value the
role of interpersonal relations for understanding and solving problems.
The analysis distinguishes the following: the school principal and the setting of the
Coexistence Project; the group and the power relations; and the relations between the
project and learning.
Keywords: Interpersonal Relations; Pedagogical and Political Project; Carl Rogers;
Individual-Centered Approach.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................2
CAPÍTULO 1 : A TRAJETÓRIA PESSOAL DIRECIONANDO A PESQUISA....4
CAPÍTULO 2: A IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES.............................................................................16
2. 1. A educação como processo de formação através das relações interpessoais:
Visão Humanista em Educação...........................................................................17
2. 2. A escuta e o olhar do professor....................................................................20
2. 3. O conviver nas relações humanas................................................................23
2.4. Educação e Relações Interpessoais..............................................................31
CAPÍTULO 3: CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS......................................39
3. 1. O fazer da pesquisa: o porquê das escolhas.................................................40
3. 2. Procedimento de coleta de dados.................................................................42
3.2.1.Entrevista........................................................................................43
3.2.2.Observação......................................................................................52
3.2.3. Análise Documental.......................................................................53
3.2.4. Processo de análise das entrevistas................................................56
3.2.5.Temas para análise..........................................................................58
CAPÍTULO 4: O PROJETO CONVIVER: GESTAÇÃO E MOVIMENTOS.......59
4.1. A diretora e a configuração do Projeto Conviver.........................................71
4. 2. O Grupo e as relações de poder...................................................................85
4.2.1. Relação de poder: perspectiva da diretora.....................................86
4.2.2. Relação de poder: perspectiva dos professores..............................94
4.2.3. Ações do Projeto Conviver que desencadeiam relação de poder...
................................................................................................................100
4.2.4. Movimento do Grupo..................................................................112
4.3. O Projeto Conviver: e a aprendizagem como fica?....................................129
4.3.1. Ações da escola para viabilizar do Projeto Conviver..................148
4.3.1.1. HTPC Horário Trabalho Pedagógico Coletivo..........148
4.3.1.2. Aquecimento.................................................................150
4.3.1.3. Formação ......................................................................154
4.3.1.4. Produção de texto..........................................................157
4.3.1.5. Trabalho Coletivo......................................................... 158
4.3.1.6. Diálogo..........................................................................161
4.3.2. Mudanças desencadeadas pelo Conviver.....................................168
4.3.2.1. Mudança no jeito de ser................................................168
4.3.2.2. Mudança no jeito de ser: Professores...........................169
4.3.2.3.Mudança no jeito de ser: Alunos....................................170
4.3.2.4. Mudança no jeito de ser: equipe gestora.......................172
4.3.3.Rendimento Escolar......................................................................173
CAPÍTULO 5: UMA SÍNTESE POSSÍVEL.............................................................176
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................182
ANEXOS ......................................................................................................................192
1
Aprender a Conviver
[...] Pensou em começar a coisas novas olhar
E em novos horizontes reparar. Então, veio o silêncio lhe alertar:
Ao invés de novas paisagens querer avistar
É melhor tudo reexaminar com um novo olhar.
É assim que se deve caminhar, aprimorando o modo de enxergar.
[...] Quer aprender a conviver? Perguntou-lhe o silêncio. Conviver é aprender.
[...] Aprender a conviver, é procurar sempre respeitar.
É para frente olhar, para os lados observar e, ao olhar para trás, se cuidar.
[...] Conviver é o exercício de repensar.
[...] Pra finalizar: Conviver é do simples gostar.
É o complicado respeitar. É para ouvir a quem precisa falar.
E, ao ouvir, do aprender a conviver se lembrar...
Devany A. Silva
2
Introdução
O tema da aula era a importância do conviver no cotidiano escolar.
Refletíamos eu e os alunos de um curso de Formação de Gestores as
dificuldades encontradas no cotidiano escolar em detrimento das relações entre
professor-aluno, aluno-aluno. A discussão estava pautada no sonho de efetivar
um espaço educativo de transformação do ser humano em todas as suas
dimensões: afetiva, cognitiva, social e psicomotora.
Essa é a expectativa dos profissionais em que o compromisso na educação é
sua prioridade, de desenvolver ações na escola para o pleno funcionamento do
exercício continuado da cidadania.
De repente, uma aluna pediu a palavra para dar um depoimento de sua
experiência como docente numa escola Estadual. A aluna relatou que nessa
escola havia um projeto denominado Conviver que tinha como prioridade
melhorar a convivência para que as relações humanas na escola fossem mais
harmoniosas. Era a descrição do sonho de forma possível, com resultados e
com emoção.
Disse a aluna ainda:
O Projeto Conviver é um projeto que modifica as relações, valoriza o ser
humano, preocupa-se com as questões de cidadania, solidariedade, e o
resultado é a mudança no jeito de ser e de fazer de cada aluno e professor:
mudança na atitude de alunos e professores em relação à violência,
agressividade, ética, respeito, solidariedade.
Foi a partir da implantação do Projeto Conviver que a escola se tornou
acolhedora, mais humana e hoje é um diferencial na região, e é a diretora que faz a
mediação acolhedora entre alunos, docente e o projeto. A escola evidencia mudanças
nas atitudes dos alunos, é um jeito de ser diferente: um jeito de ser que respeita, um
jeito de ser que é humano, um jeito de ser que é responsável, um jeito de ser que é
3
solidário. Enfim, um jeito de ser por conta de um fazer diferente de cada um que faz
parte da equipe escolar. Cada professor, do seu jeito aprende a ser diferente, a valorizar
a potencialidade de cada um, o seu tempo, a ser envolvente, a ouvir, a dialogar, e é esse
jeito de ser diferente que fez o Projeto Conviver ser um diferencial na comunidade.
Fiquei entusiasmada para conhecer o Projeto Conviver e fui à escola fazer uma
entrevista com a diretora. Conheci o Projeto Conviver e, na entrevista realizada com a
diretora e com a coordenadora, pude apreender que o diferencial desse Projeto eram as
relações interpessoais que se estabeleciam na escola, como objetivo claramente
declarado e posto em prática.
O relato da aluna, a entrevista com a diretora, as experiências que tivera em
minha trajetória pessoal e profissional levaram-me a definir uma nova proposta de
projeto de pesquisa para o doutorado: um estudo de caso com o objetivo de investigar,
em profundidade, o processo de gestação e desenvolvimento do Projeto Conviver, em
uma escola Estadual da periferia da Grande São Paulo.
4
CAPÍTULO I
A TRAJETÓRIA PESSOAL DIRECIONANDO A PESQUISA
Somos o lugar onde nos fizemos, as pessoas com quem convivemos.
Somos a história de que participamos.
A memória coletiva que carregamos.
Miguel G. Arroyo
5
A trajetória pessoal direcionando a pesquisa
O homem não oculta a sua vida como um segredo,
No mais íntimo de si próprio. Antes constantemente a trai,
Não só por palavras, mas por gestos,
comportamentos, por todas as suas atitudes.
Gusdorf
Ao longo da vida, as pessoas vivenciam experiências singulares na sua trajetória.
Minha experiência como docente e psicóloga despertou em mim inquietações sobre o
conviver humano.
Viver é um exercício de conquistas e derrotas, e a cada cena do viver há um
conviver que facilita, que ameniza, que intensifica ou dificulta.
Aprender a conviver é também aprender a viver, e são as condições de
convivência que ficam marcadas nas trajetórias de vida pessoal e profissional. Por isso
conhecer essa trajetória é um processo rico para compreender o despertar de uma
pesquisa.
O presente estudo surgiu das reflexões iniciadas em minha dissertação de
mestrado, defendida na área de Educação: Psicologia da Educação, na Pontifícia
Universidade Católica em dezembro de 2001, que abordou a formação de professores
do magistério CEFAM (Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério) em
nível médio.
Minha preocupação com a atuação e a formação de professores decorreu de
minha atividade profissional, que possibilitou atuar diretamente com alunos e
professores em diferentes contextos de aprendizagem. Nesta convivência diária muito
enriquecedora, questionei, indaguei e me angustiei diante da realidade do meio escolar
responsável pela formação do professor e do aluno.
A educação não tem um lugar: ocupa todos os lugares; não tem um início ou um
fim: acompanha todos os momentos da vida. Não tem um autor: é obra de todos com
6
quem cada um de nós se encontra e também de quem sequer conhecemos. Mas a
educação escolar é intencional, tem uma finalidade que deve ser claramente explicitada,
e praticada pelos educadores.
Atuar como docente é aprender a trabalhar de forma intensa a relação humana
em que nossas práticas se orientam em diferentes saberes. É com professores e alunos
que dialogamos e sentimos necessidade de intensificar os diálogos. A relação educativa
é uma relação de pessoas, é o encontro do viver e do ser, porque estabelecemos o
convívio do viver humano, seus saberes e valores.
É no espaço educativo escolar que ocorre o encontro de gerações, e nesse
encontro os conteúdos, os métodos, a gestão e a escola se constituem como os
mediadores desta relação pessoal e social numa vivência ímpar que possibilita
diferentes encontros. Cada encontro é um novo aprendizado.
A prática profissional levou-me a questionar pontos sobre o processo ensino-
aprendizagem, sobretudo no que se refere à formação do professor. O trabalho no
mestrado propiciou-me uma primeira análise das questões relativas à formação do
professor; foi realizado um estudo da concepção que o egresso tem de seus professores e
do CEFAM como espaço formador.
Na dissertação, alguns aspectos tiveram destaque: a prioridade dada à figura do
professor e a importância do relacionamento interpessoal. Os dados direcionavam para
uma maior atenção ao relacionamento interpessoal, e os alunos indicavam a questão das
relações como o foco central em sua formação.
Nesse espaço formador, iniciei minha formação em serviço. Tornar-me
professora, orientadora e pesquisadora foi um aprendizado de importância no
contemplar
o outro que é o aluno como uma pessoa em transformação, agente das
relações que estabelecemos com eles.
Senti uma necessidade de aprofundar a compreensão de quais aspectos são
importantes nas relações de forma geral e de que forma as relações estabelecidas
interferem na formação do professor.
Ser humano significa também ser histórico. Compreender um ser humano
implica partir do pressuposto de que cada gesto e cada palavra estão imediatamente
inseridos num contexto muito maior, que transcende a ele e a sua existência. O passado
7
de cada um constrói, reconstrói, explica, significa e re-significa o presente. Todo
presente engendra, contém e constrói o futuro. Cada ação humana é uma síntese, ao
mesmo tempo única e universal do passado e do presente.
A vida de cada um acontece num cotidiano muitas vezes mudo e sem registro,
em que não deixamos por escrito os acontecimentos do dia-a-dia, e por isso fica uma
recordação nublada, da cadeia sócio-econômico-política que nos constitui pessoas.
Nessa recordação nos vêm muitos de nossos papéis: filha, mãe, educadora,
terapeuta.
No papel de educadora, percebo que educar é um ato mágico e singelo de
realizar uma ntese entre o passado e o futuro. Se no papel de terapeuta priorizo a
qualidade da relação estabelecida com o cliente, pois é essa relação que direciona o
processo terapêutico. Como professora, também direciono a aula de acordo com a
relação que se estabelece com o grupo de alunos. Posso ser a mediadora que articula a
construção do projeto político-pedagógico da escola e favorecer o seu desenvolvimento
bem como o crescimento intelectual, afetivo e ético dos educadores e alunos, ou me
opor a esse desenvolvimento, causando insatisfação aos outros, e a mim.
Mahoney (1976, p. 29-30) fala da relevância da qualidade do encontro
interpessoal:
É a qualidade desse encontro que decide se será ou não uma experiência de
“crescimento psicológico”. O “crescimento psicológico”, para Rogers, se
caracteriza por comportamentos que tendem para maior flexibilidade, maior
aceitação de si e dos outros, maior autoconfiança, menor distância entre o “eu”
ideal e o “eu” real, para percepções mais diferenciadas de si e do ambiente, para
maior criatividade. O desenvolvimento dessas características deveria interessar
tanto a terapeutas como a educadores.
Falar sobre a trajetória profissional é reviver e reafirmar as formas pelas quais
justificam esse projeto de pesquisa. Nossas escolhas nos relatos deixam evidências de
um jeito de ser, que reafirmam a escolha do referencial teórico escolhido para
fundamentação desta pesquisa.
8
Revisitar minha história me faz retomar lembranças de alegria, de felicidade, de
frustração, de sensibilidade, de criticidade, porém possibilita uma reflexão e um
ressignificar de cada vivência na perspectiva de compreensão dos motivos de minhas
escolhas. É como revisitar o lugar de origem, reviver lembranças, reencontros com o
percurso profissional e humano. Reencontrar com tantos outros e outras que fizeram e
fazem os mesmos percursos. Cada lugar que faz parte de minha formação é um espaço
de múltiplas expressões, reacende a memória e a constituição de uma imagem única,
formada por múltiplos convívios. O que aprendemos a ser e fazer é o resultado do
cotidiano convívio com a infância, adolescência e juventude, processo difícil de precisar
numa única imagem que temos de nós.
São as relações vividas que garantem o “meu ser” e “estar” como pessoa, na
dimensão pessoal e profissional, anunciam os motivos de nossas escolhas, de nossos
direcionamentos, em relação a tudo que realizamos. Essas histórias se encontram, se
entrelaçam, se interpenetram e permitem que possamos avaliar nossas ações, nossos
ideais, justificando nossas escolhas.
Nas minhas reflexões como psicóloga, como pessoa e educadora, sempre fica o
olhar do homem à procura de si mesmo, tentando encontrar caminhos que o levem a
uma aprendizagem em diferentes dimensões: afetiva, cognitiva, social.
O homem contemporâneo, pós-moderno, encontra-se pressionado pelo
capitalismo, pelas tensões, pela competitividade, pela disputa, pela busca do
conhecimento, por um espaço na profissão, e a descoberta de si fica para depois. Todos
os espaços que operam como lócus de formação sofrem influência direta desta
contradição, dessa utopia, e o homem precisa se adequar sem mesmo ter se
autocompreendido.
Nas nossas histórias pessoais também estão implícitas as contradições da
sociedade, do mundo pós-moderno, que requer uma compreensão complexa do ser
humano considerando sua subjetividade e objetividade, sua vida singular e única, numa
relação dialética com o mundo em movimento. O ser humano continua à procura de si
mesmo, colocando-se no tempo e espaço, muitas vezes sem êxito, sem compreensão.
Hoje, avalio que meu percurso pessoal e profissional sempre foi muito marcado
pelas questões da minha formação. Sempre tentei compreender as atitudes das pessoas
9
acreditando que caminhariam para o desenvolvimento pleno, desde que tivessem um
clima propício.
Quando olho para trás, para minha meninice, recordo-me de doces momentos
com saudade, uma saudade leve, uma lembrança serena das reminiscências simples e
alegres. Minha educação advém de pais autoritários, de muitos limites, mas por outro
lado carinhosos. Sabia que sempre podia contar com seu apoio, com sua presença, com
sua confiança, e eles valorizaram meus estudos, confiavam na minha potencialidade.
A pessoa humana tem de ser levada em conta, que relações
interpessoais importam muito, que sabemos algo sobre a libertação
do potencial humano, que podemos aprender muito mais, e que, se
não dermos atenção intensamente positiva ao lado humano
interpessoal do nosso dilema educacional, a nossa civilização estará a
caminho da exaustão. (Rogers, 1971, pp. 126-127)
Nesse percurso, a música entrou na minha vida e aprendi a expressar minhas
emoções, meus sentimentos por meio dela. Estudei música por dez anos e me formei em
piano num conservatório musical. Aprendi a contemplar a arte de apreciar os sons, os
ritmos, as melodias. Percebia que tocar um instrumento era uma forma de poder me
expressar como pessoa, de exteriorizar os sentimentos, emoções, e uma forma preciosa
de me relacionar com o outro. A música cativa, seduz, promove o envolvimento com o
outro; abre canais de comunicação para um convívio coletivo, interpreta o mundo
provocando emoção e reflexão. Explica e reflete a história de cada um, questiona a
realidade, representa idéia, crenças e valores, expressa o sentimento humano.
A expressão da música desenvolve uma visão de mundo, causando inquietação,
uma sensação especial, uma vontade de contemplar, uma admiração emocionada, uma
criatividade e sensibilidade. Ao tocar ou ouvir a música, o corpo reage aos acordes
musicais, o corpo se movimenta em função do ritmo, com movimentos de expansão e
alegria, ou introspecção e tristeza.
A música é uma forma singular de relação com o mundo, a apreciação sensorial
por meio da experiência de tocar, de sentir, de ouvir. Na formação musical, despertamos
o sentido da audição com o intuito de conhecer, identificar os fenômenos acústicos
10
encontrados no mundo que nos cerca, e em diversos ambientes onde o som se propaga.
Essa percepção pelo ouvir desperta a consciência para diferentes fontes sonoras
e suas propriedades como a variação de intensidade, duração, altura, timbre, e propicia o
desenvolvimento do pensamento analítico sobre os elementos sonoros. Também
passamos a perceber de forma mais sutil a própria voz e a voz do outro, intensificando a
percepção da individualidade e da coletividade.
A música possibilitou na minha vida um primeiro encontro com o outro;
adorava os ensaios de coral, de música de câmera, pois era um encontro entre pessoas,
que ao tocar, cantar, falavam de suas emoções, e eram ouvidas pelo som, pela harmonia.
Sentia prazer em ouvir a melodia, o ritmo, e também as histórias pessoais que eram
reveladas nos ensaios entre uma música e outra nos ensaios, quando as pessoas se
colocavam, se expressavam, eram ouvidas de forma sutil, sensível, numa escuta
sensível.
Rogers (1971, p. 219) diz que ouvir alguém “é como se ouvisse a música das
esferas, pois, além da mensagem imediata da pessoa, seja qual for, o universal, o
geral”.
Almeida (2001, p. 71) fala da importância de se considerar o olhar, o ouvir, o
falar no processo das relações interpessoais, da importância de “prestar atenção no
outro, em seus saberes, dificuldades, angústias, em seu momento (...). Um olhar atento,
sem pressa, que acolha as mudanças e as diferenças; um olhar que capte antes de agir”.
Essa descoberta de ouvir de forma sensível me direcionou a escolha do curso de
psicologia. Não tinha clareza dos motivos que me direcionavam a esse curso, mas sabia
que queria compreender as pessoas, ouvi-las de maneira sensível e atribuir um sentido a
essa escuta. Queria ter a possibilidade de ouvir o outro considerando as implicações
desse ouvir. Rogers (1971, p. 219) afirma a importância do ouvir:
Quando me refiro ao prazer de ouvir uma pessoa, quero dizer, é claro, ouvi-la
em profundidade.Isto é, ouço as palavras, as idéias, os matizes dos sentimentos,
o significado pessoal, até mesmo o significado que se acha sob a intenção
consciente de quem fala. Às vezes, também, numa mensagem que parece não
11
ter importância maior, ouço um profundo clamor humano, uma “silenciosa
súplica” que jaz encoberta e ignora sob a superficial aparência da pessoa.
Aprendi, assim, a perguntar a mim mesmo: posso ouvir os sons e captar o
delineamento do mundo íntimo de outra pessoa? Posso dar ressonância ao que
ela me diz fazer com que suas palavras repercutam em mim, de um extremo ao
outro, tão profundamente, que sinta os significados que ela tem medo de
comunicar, mas gostaria de fazê-lo, tanto quanto os significados de que é
consciente?
O desejo de compreender a dimensão das relações humanas começou com meus
estudos na universidade, quando optei pelo curso de Psicologia; não tinha exatidão de
que área da psicologia queria atuar, mas tinha uma certeza: queria compreender o jeito
de ser das pessoas.
Após minha formação, atuei como psicóloga escolar e me deparei com relações
conflituosas entre pais e filhos, e tive muita dificuldade para fazer os pais perceberem a
necessidade de se modificarem como pessoas para poderem ajudar seus filhos a serem
mais realizados e terem um processo de aprendizagem mais satisfatório.
Como psicóloga escolar atuava junto aos professores, e observei que quando o
professor está insatisfeito seus alunos apresentam resultados não satisfatórios. Minha
observação ainda muito sutil, de uma psicóloga recém-formada, me levava a considerar
que as relações estabelecidas entre professor-aluno interferiam na satisfação que os
alunos tinham em permanecer ou não na escola.
Nesse papel, aprendi também a importância de ouvir o outro: a criança, os pais,
os professores, os coordenadores. Todos tinham uma fala, um ponto de vista, e às vezes
a mesma história tinha confrontos. Não conseguia compreender por que numa mesma
história havia tantas perspectivas diferentes, tantos pontos de vista diferentes. Precisava
ouvir, sem interferir, para compreender. Nessa escuta, as pessoas passavam a confiar em
mim e relatar seus sentimentos, suas incompreensões. Passei a estudar mais as relações
humanas na tentativa de compreender essas intolerâncias, como um processo que
Rogers (2005, p.175) denomina de “livre expressão”.
12
Às vezes, deparava-me com uma ansiedade muito grande em ouvir, porque
aprendi que simplesmente ouvindo poderia compreender e avaliar o ponto de vista de
quem fala. Simplesmente ouvir era a melhor maneira de desenvolver a habilidade da
escuta que tanto estudei no curso de psicologia.
Quando ouço, verdadeiramente, uma pessoa e aprendo o que mais lhe importa,
em dado momento, ouvindo não apenas as suas palavras, mas a ela mesma, e
quando lhe faço saber que ouvi seus significados pessoais privados, muitas
coisas acontecem. Há, antes de tudo, uma aparência de gratidão. A pessoa se
sente libertada quer transmitir-me algo mais sobre o seu mundo. Surge-lhe novo
senso de liberdade. Penso que se torna mais acessível ao processo de mudança.
(Rogers, 1971, p. 220)
Iniciei o atendimento terapêutico orientando-me pela abordagem Centrada no
Cliente. Deparei-me com essa dificuldade de ouvir o outro, a escuta ativa, o olhar
diferenciado, a análise da compreensão das relações que os clientes estabeleciam. Cada
cliente é um universo a ser compreendido, é uma relação única, uma verdade, que me
possibilita aprender na simplicidade a complexidade de sua essência. Compreender o ser
humano e o sentido de sua existência significa considerar o ser humano na sua
totalidade, de forma holística.
Duarte (1996, p. 16) fala da visão do homem compreendida de forma holística
“como um organismo se organiza como um todo e reorganiza partes, a todo momento,
interligando-se profundamente”.
Aprendi a importância de confiar no outro, de acreditar na sua capacidade, a
valorizar a formação pessoal e profissional. Como terapeuta, priorizei o estudo das
relações humanas e aprendi a compreender o “jeito de ser” das pessoas, a acreditar em
suas potencialidades e apostar nelas. O ouvir passou a ser para mim um valor que era o
diferencial nas relações estabelecidas com os clientes.
Penso que os princípios da Abordagem Centrada na Pessoa foram uma direção
na minha concepção de pessoa, psicóloga e docente, e ao mesmo tempo foram os
subsídios necessários na minha relação com o aluno: “a confiança no ser humano, o
13
respeito pelo outro, a preocupação em colocar-se no lugar do outro para compreendê-lo,
o cuidado com a autenticidade” (Almeida, 1999b, p. 77).
Em 1996, ingressei por concurso público em escola técnica e fui docente nos
cursos profissionalizantes e coordenadora pedagógica. Nesse espaço, educativo o
docente é bacharel da área técnico-científica de sua formação, desconhece a formação
didático-pedagógica. No papel de coordenadora pedagógica, tinha o objetivo de
instrumentalizar o docente na sua ação didático-pedagógica. Tive muita dificuldade em
administrar a dimensão das relações interpessoais, e isso se devia à formação do
professor que não tem formação pedagógica, o que compromete o processo de mediação
na aprendizagem. Aprendi nesse espaço educativo que a dimensão das relações era
desconhecida e, na ação prática, comprometia a relação professor- aluno.
Arroyo (2007, p. 10) diz que:
Toda relação educativa é uma relação de pessoas, de gerações. A pedagogia tem
no seu cerne a figura e o papel do pedagogo, de alguém que aprendeu o viver
humano, seus saberes e valores, os significados da cultura, a falar, a dominar a
fala, a razão, o juízo. Toda relação educativa será o encontro dos mestres do
viver e do ser, com os iniciantes nas artes de viver e de ser gente. Os mestres no
centro da pedagogia
.
Atuar com um corpo docente que não tinha conhecimento na dimensão dos
saberes didático-pedagógico me possibilitou um olhar mais sutil para a dimensão das
relações interpessoais. A instituição, as normas, os conteúdos, eram sempre o mais
importante e estavam em evidência na centralidade das propostas pedagógicas. O
diálogo, o convívio, o encontro de gerações, eram secundários.
Os saberes didático-pedagógicos têm no seu cerne a figura e o papel do
professor, de alguém que aprendeu o viver humano, seus saberes e valores e os
significados da cultura. Arroyo (ibidem, p. 19) afirma que “o trabalho e a relação
educativa que se na sala de aula e no convívio entre educadores (as)/educandos (as)
trazem ainda as marcas da especificidade da ação educativa. A escola e outros espaços
educativos ainda dependem dessa qualidade”.
14
Minha atuação profissional estava em dois espaços diferenciados, na fronteira
entre a terapia e a docência, porém o trato das relações interpessoais era o ponto
recorrente, posto que somos seres indissociáveis nos papéis que desempenhamos na
vida. É preciso “olhar para o todo”, mas considerar a singularidade em cada pessoa. O
limite entre ser terapeuta e docente me levou a reflexões sobre a trajetória de
aprendizagens na vida. A terapia e a docência proporcionam experiências únicas no
aprendizado do ser humano.
No papel de docente, aprendi que a ação do educador passa pelas relações
interpessoais, porque é o que perpassa todos os conteúdos. Fazer, sentir, emocionar e
emocionar-se, expressar, elaborar, pensar, devem ser sempre articulados na ação prática
da formação. No momento da aprendizagem, pensamos e aprendemos a pensar, mas
concomitantemente sentimos e nos emocionamos.
Ser docente no ensino médio é interagir na maioria das vezes com jovens que
apresentam incertezas, temores, alegrias e frustrações que lhes assinalam as tentativas
para construir uma pessoa em transição. Essas questões foram discutidas em minha
dissertação de Mestrado.
Em 1999, ingressei como docente no ensino superior numa universidade
privada e assumi o papel de supervisora de estágio nos cursos de licenciatura. Fui
responsável pela implantação de um projeto de estágio no Departamento de Educação
dessa Instituição, e este projeto priorizava as relações estabelecidas entre aluno e
supervisor de estágio, aluno e professores da escola campo de estágio.
Como Supervisora, constatei que as relações interpessoais tanto facilitavam
como dificultavam o desenvolvimento do aluno estagiário. Quando as relações
interpessoais aluno (estagiário) versus escola-campo de estágio são satisfatórias, um
comprometimento maior por parte do estagiário com o estágio e com as discussões
decorrentes.
Desenvolvi esse projeto de estágio por quatro anos e verifiquei que o diferencial
nos projetos de estágio estava diretamente relacionado às relações estabelecidas nas
escolas-campo de estágio. Quando os alunos eram recebidos de forma satisfatória pelos
professores e contribuíam para o desenvolvimento de seus projetos, os alunos
dedicavam-se e tinham um retorno satisfatório; quando as relações estabelecidas nas
escolas-campo de estágio não eram satisfatórias, e não havia condições facilitadoras
15
para o desenvolvimento dos projetos de estágio, os projetos não tinham êxito, segundo a
avaliação dos alunos estagiários. As relações estabelecidas nas escolas-campo de
estágio eram o diferencial para um projeto de estágio de êxito ou não.
Inicialmente a proposta do meu projeto de doutorado foi pensada a partir da
análise das relações interpessoais estabelecidas nessa proposta de projeto de estágio.
Tinha a intenção de compreender de que forma as relações que se estabeleciam na
escola-campo de estágio interferiam no desenvolvimento de um projeto de estágio
satisfatório ou não.
Não pude dar prosseguimento a esta proposta de projeto no doutorado porque
fui demitida da Universidade. Perdi o chão, mas não a vontade de aprofundar as
questões sobre as relações interpessoais.
Com sentimentos de angústia e tristeza pelas relações conflituosas estabelecidas
no universo acadêmico, em 2006 fui atuar como docente numa outra instituição privada,
e foi nela que ouvi o relato da aluna sobre o Projeto Conviver. Ao ouvir o relato, um
sentimento de euforia: Tenho um projeto. É o que a aluna me conta que desejo
investigar. Este é um caso para estudar!
Mesmo sabendo que “o estudo de caso começa com um plano muito incipiente,
que vai se delineando mais claramente à medida que o estudo avança” (André, 2005, p.
48), propus como problemática investigar, em profundidade o Projeto Conviver em uma
escola Estadual da periferia da Grande São Paulo, e como questões de pesquisa:
Identificar os saberes das relações interpessoais privilegiadas pelo Projeto
Conviver;
Compreender o processo de gestação e desenvolvimento do Projeto Conviver.
16
CAPÍTULO 2
A IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
A vida plena é um processo, não um estado de ser.
É uma direção, não um destino.
Carl R. Rogers
17
2. 1. A educação como processo de formação através das relações interpessoais:
Visão Humanista em Educação
Singular é a relação do discípulo com o mestre que
lhe revelou o sentido da vida e o orientou, não
apenas na actividade profissional,
Mas na descoberta das certezas fundamentais.
Gusdorf
Ao longo de sua formação, o ser humano tem recordações privilegiadas que
enriquecem sua existência: recordações da família, dos amigos, das experiências
amorosas e do tempo da escola constituem vivências de grande importância.
Cada um de nós conserva imagens inesquecíveis dos primeiros dias de aula e
de todos os anos escolares que contribuíram para o nosso desenvolvimento como pessoa
e como profissional. Aquilo que nos ensinaram, o conteúdo teórico propriamente dito,
muitas vezes é esquecido, mas quando adultos nunca nos esquecemos do dia-a-dia da
escola: os amigos, as aulas, o recreio, as bagunças, as brigas, as broncas, os elogios, os
jogos e os professores. Ficam na lembrança os professores que um dia fizeram a
diferença em nossas vidas, por nos transformarem como pessoas, por colaborarem na
aprendizagem de cada um; na memória, guardamos afirmações importantes e exemplos
decisivos desses educadores, expressos em atitudes, sorrisos, palavras de censura ou
conselhos que repercutem em nossa vida adulta. Da mesma forma, ficam as lembranças
menos agradáveis: as reprimendas, as reprovações, os piores professores, que nos
deixam a certeza daquilo que não foi propício a nossa aprendizagem.
“O objeto de trabalho dos professores são seres humanos individualizados e
socializados ao mesmo tempo. As relações que eles estabelecem com seu objeto de
trabalho são, portanto, relações humanas, relações individuais e sociais ao mesmo
tempo” (Tardif, 2002, p. 128). Nessa perspectiva, em cada um fica a lembrança de uma
situação vivida, que é marcada na particularidade de cada aluno.
18
Gusdorf (1970) argumenta que o professor, queira ou não, torna-se um modelo
para o aluno, em especial na sociedade contemporânea na qual os próprios pais delegam
ao professor muitas responsabilidades, que o fazem ser muito importante na vida de
cada um de seus alunos. Por isso, ao longo de toda a vida, o ser humano guardará
saudade de alguns deles que se tornaram inesquecíveis
. Assim, falar da importância das
relações interpessoais na formação de professores, no momento atual, é de extrema
relevância, uma vez que o palco das discussões na área educacional desvela a prioridade
na modificação desse processo formativo, cuja tarefa desafiadora é formar o professor
no e do mundo contemporâneo.
A formação de professores é influenciada por inúmeros fatores, e, dada sua
complexidade, muitas variáveis que interagem nesse processo nem sempre são
suficientemente compreendidas, e entre elas está a relação professor-aluno.
Quando olhamos as relações na educação, do ensino fundamental ao ensino
superior, observamos quão desgastadas estão, baseadas quase que somente no
ensino de conteúdos, os quais se encontram, muitas vezes, calcados em
conteúdos factuais, sem nenhum significado ou sentido para alunos e
professores. As queixas já comuns de professores do ensino superior sobre as
atitudes de seus alunos, que só valorizam notas, parecem advir de tempos
longínquos, quando, como alunos da educação básica, não tiveram a
oportunidade de discutir os valores que engendram as relações comuns, em
espaços de convivência coletiva. (Souza, 2002, p. 37)
No Brasil, as Diretrizes que norteiam o exercício da docência no ensino de
Educação Básica e Ensino Superior têm demonstrado a necessidade de considerar os
alunos em sua totalidade, pois dessa forma expressam suas angústias, medos, sonhos,
ilusões, projetos de vida; o aspecto cognitivo demonstra suas expectativas profissionais,
níveis de conhecimento e aproveitamento do curso e as dificuldades inerentes a esse
processo; o aspecto social apresenta a dinâmica das relações sociais e individuais na
sociedade capitalista contemporânea, em especial no Brasil.
19
Somos pessoas completas: com afeto, cognição e movimento, e nos
relacionamos com um aluno, também pessoa completa, integral, com afeto,
cognição e movimento. Somos componentes privilegiados do meio de nosso
aluno. Torná-lo mais propício ao desenvolvimento é nossa responsabilidade.
(Almeida, 2002, p. 86)
O papel das relações interpessoais necessita não apenas ser discutido
teoricamente, mas vivenciado diretamente na relação professor-aluno, para que se
estabeleça uma relação de confiança e autoridade. Isso pressupõe uma atitude de
confiança na capacidade que as pessoas têm de explorar e compreender a si mesmas e
os seus problemas, bem como em sua capacidade de solucionar esses problemas em
qualquer relação próxima, duradoura, na qual possa promover um clima de calor e
compreensão autênticos, tal como proposto por Rogers (1971).
É dessa capacidade que as pessoas necessitam para repensar sobre si mesmas,
autocompreender-se e promover modificações atitudinais que poderão favorecer ou não
o contexto da situação ensino-aprendizagem. Na fala de muitos alunos, são comuns
frases como: “O professor sabe muito, mas não consegue chegar até mim”; “de que
adianta tanto conhecimento, se ele não consegue me cativar na sua aula?”. Na relação
com o aluno, o professor precisa “ser” por inteiro e falar não apenas verbalmente, mas
com uma comunicação não-verbal no tom de voz, na expressão sentimentos, na forma
de acolher o outro, na empatia, na consideração positiva incondicional. As vísceras,
lágrimas e a consciência são congruentes.
Leite (1983, p. 237) faz uma análise das relações interpessoais e diz que “o
professor vence ou é derrotado na profissão não apenas pelo seu saber maior ou menor,
mas principalmente pela sua capacidade de lidar com os alunos e ser aceito por eles”.
Em suas pesquisas, verificou que a situação de sala de aula é um espaço de
formação que pode desencadear diferentes processos educativos. É na sala de aula que
os atores do processo ensino-aprendizagem se encontram e precisam ser percebidos nas
suas atuações. Por ser grande o número de alunos de uma sala de aula, Leite considera
que os alunos se empenham para ser notados por seus professores, porém nem sempre
têm tido êxito. “Poucos alunos conseguem ser percebidos, ou poucos conseguem
identificar-se através do professor: deste não recebem, de volta, a própria imagem, a fim
que possam saber quem e como são” (Leite, 1983, p. 242).
20
Um ponto relevante indicado nas suas pesquisas é a questão da neutralidade
das relações por parte do professor. Leite (ibidem, p. 244) mostra a dificuldade de
manter neutralidade em relação aos alunos; o professor estabelece relações de simpatia
ou antipatia, que interferem no estabelecimento de relações satisfatórias ou
insatisfatórias. São essas relações estabelecidas no convívio diário que possibilitam ao
educador desenvolvimento do aluno. Os indivíduos que se desenvolvem em situações
harmoniosas tendem a estabelecer relações que conduzem a uma situação harmoniosa;
nas experiências desarmoniosas, as relações interpessoais também são desarmoniosas.
2. 2. A escuta e o olhar do professor
Na relação professor-aluno, um aspecto essencial no processo formativo é a
escuta e o olhar do professor em relação ao contexto educativo. Esclareço que, embora
priorize neste tópico o aspecto atitudinal afetivo, tenho clareza que a escola tem uma
função específica: aquisição do conhecimento previsto por um currículo escolar, e o
professor um agente transformador da sociedade.
No capítulo quatro, aprofundarei a discussão sobre o ouvir ativo, conforme
Rogers. Neste tópico, procurei apresentar outros autores que, tratando das relações
interpessoais, forneceram subsídios importantes para minha reflexão.
Escutar, ver e sentir o outro de forma ativa, comunicamos e fazemos sentido do
mundo interior e exterior por meio dos nossos sentidos principalmente pela visão,
audição e processos cinestésicos.
Esta escuta ativa, o ouvir ativo possibilitam um melhor entendimento de
determinados sentimentos, como amor, ódio, amizade, raiva, e a importância destes na
vida humana.
As pessoas, em diferentes contextos, principalmente no contexto de
formação, querem ser consideradas, vistas, ouvidas, querem receber
uma comunicação autêntica (...) as habilidades de relacionamento
interpessoal – o olhar atento, o ouvir ativo, o falar autêntico – podem
ser desenvolvidas, e que nesse exercício o profissional vai fazendo
21
uma revisão de suas concepções de escola, de professor e de aluno.
(Almeida, 2001, p. 77-8)
Considerando a importância do ouvir, Almeida enfatiza em seus estudos que as
conversas de corredor e os intervalos são situações de relações interpessoais intensas
para os alunos. O espaço entre a sala dos professores e as portas das salas de aula
proporciona conversas informais que intensificam essas relações; as conversas de
corredor são apontadas como momentos de interação muito ricos, geralmente mais ricos
do que as reuniões maiores como o HTPC. Nessas ocasiões, o ouvir é um momento rico
para uma compreensão do processo formativo. A autora relata sua experiência como
aluna e como profissional, destacando a necessidade de desenvolver determinadas
habilidades, atitudes, sentimentos que são o sustentáculo da atuação relacional: olhar,
ouvir, falar e prezar.
Na tarefa de coordenação pedagógica, de formação, é muito importante prestar
atenção no outro, nos seus saberes, nas suas dificuldades, nas suas angústias, no
seu momento, enfim. [...] outra questão a considerar: a amplitude do olhar.
Ou seja, um olhar imediato de curto alcance, um olhar que nos faz chegar às
pessoas e aos problemas do cotidiano. Masoutro olhar, mais amplo, que nos
faz projetar o futuro, o que desejamos construir a médio e longo prazo.
(Almeida, 2001, p. 71)
Em obra anterior, Almeida (2000, p. 79) discute a dimensão positiva do ouvir:
“Quando alguém é ouvido (e compreendido), isso traz uma mudança na percepção de si
mesmo, por sentir-se valorizado e aceito. E, por sentir-se valorizado e aceito, pode
apresentar-se ao outro sem medo, sem constrangimentos”.
A autora acrescenta:
As pessoas, em diferentes contextos, principalmente no contexto de formação,
querem ser consideradas, vistas, ouvidas, querem receber uma comunicação
autêntica; enfim, o quanto elas desejam ser percebidas como pessoas no
22
relacionamento, e quanto esse tipo de relacionamento traz como ganhos.
(Almeida,2001, p. 77)
Arroyo discute a formação de professores e se refere à importância da escuta
por parte do professor. O educador deve “manter-se numa escuta sempre renovada”
porque essa leitura nunca está acabada. Considera que todo educador requer reflexão,
leitura, domínio de teoria e métodos, porém seu aprendizado não se esgota na formação
acadêmica, com sua titulação outorgada. Seu saber é de outra natureza, “uma postura
humana”:
A capacidade de escuta sempre atenta e renovada da realidade na qual se
formam as crianças, adolescentes e jovens faz parte de nosso dever de ofício.
(...) Todo ofício é uma arte reinventada que supõe sensibilidade, intuição,
escuta, sintonia com a vida, com o humano. (Arroyo, 2007, p. 47)
Arroyo (2004, p. 56) também prioriza o olhar docente e considera que, assim
como a escuta deve ser uma habilidade sempre atenta, o olhar também requer um
aprimoramento porque nos seus estudos compreendeu que “quando mudamos nosso
olhar sobre os educandos, tudo muda, os conteúdos, a didática. (...) mudamos como
professores”.
Nosso olhar é reducionista porque o aluno como “aluno” e não como uma
“pessoa por inteiro”. No olhar reducionista, passamos a olhar o comportamento do
aluno como indisciplinado, intolerante, bagunceiro, desatento, violento, e não olhamos o
aluno por inteiro, com sua intencionalidade, sua vontade, seus medos. Rever o olhar
docente, num olhar ativo (Rogers), é uma condição importante no processo educativo.
Na perspectiva de Arroyo, a escuta e o olhar diferenciados possibilitam ao
educador uma compreensão sobre as possibilidades de sermos humanos; os saberes não
são apenas conteúdos, matérias escolares, temáticas, conhecimentos específicos das
disciplinas.
Souza (2002, p. 49) afirma que os professores necessitam de aprimoramento
das relações interpessoais, com melhor integração entre o pensar, o sentir, o agir e o
23
ouvir ativo “que representa a escuta do pensar, do sentir, do ser do aluno”, e um olhar
atento, que vai além do visto, do dito, do escrito”.
2. 3. O conviver nas relações humanas
Compreender as relações interpessoais requer compreender esse processo de
forma dinâmica e um entendimento complexo do ser humano, que é uma figura singular
no imenso espaço que emoldura nossa passagem pelo tempo. Essa originalidade de cada
um pode dificultar a comunicação interpessoal e com ela todo esquema de relações
humanas que envolvem o conviver.
Almeida (2002, p. 85) lembra o fato de “a escola não poder esquecer que toda
prática verdadeiramente pedagógica tem por finalidade o desenvolvimento da pessoa e
o fortalecimento do eu. (...) Nesse sentido, a sala de aula tem de ser uma oficina de
convivência, e o professor, um profissional das relações.
As relações alunos-professores, professores-professores, professores-pais e
ainda muitos outros atores do universo escolar são marcadas pelo imprevisível, e, assim,
nem sempre é possível antecipar o uso de uma ação ou estratégia que sejam
sensibilizadoras nas relações interpessoais.
Morgado (1999, p. 81) afirma que “o trabalho de ensinar e o trabalho de
aprender são possíveis graças à relação travada entre professor e alunos”. Algumas
vezes o não aprender do aluno se em decorrência dos “afetos” que o aluno deposita
no professor e aos quais reage, estabelecendo um intercâmbio emocional conflituoso.
Morgado (ibidem, p. 82) diz que “esse campo não é exclusividade da relação professor-
aluno, mas das relações humanas em geral”. A sala de aula é um lugar onde a relação
professor-aluno deverá privilegiar a socialização do conhecimento. Muitas vezes o
autoritarismo do professor interfere na mediação do processo de aquisição do
conhecimento com o aluno, podendo o docente utilizar de forma abusiva a sua
autoridade, e comprometer a socialização do conhecimento.
Placco (2002, p. 9) faz uma análise das relações pessoais/interpessoais e sociais
na sala de aula; refere-se a questões afetivas que correspondem aos “conceitos de afeto,
24
aceitação, cumplicidade, solidariedade, necessidades e satisfações pessoais, motivos
com ênfase em pessoas”.
Placco diz que o relacionamento interpessoal se aprende e desenvolve no viver
junto, e que nesse processo de aprendizagem ninguém continua o mesmo, as pessoas
modificam-se, transformam-se. São “mudanças engendradas, no nível da consciência,
das atitudes, das habilidades e dos valores da pessoa, assim como no grau e na
amplitude de seu conhecimento e no trato com esse conhecimento, com a cultura”.
(ibidem, p. 11)
Nesse processo de redefinir o saber escolar, aprendemos a valorizar o ser
humano, num processo de aprendizagem no qual se ensina, se aprende a ser humano. É
na experiência humana, no convívio social, familiar, que aprendemos a ser humanos.
Arroyo (2007, p. 54) considera a formação do professor na dimensão humana.
Segundo o autor:
O ofício de mestre, de pedagogo, vai encontrando seu lugar social na
constatação de que somente aprendemos a ser humanos em uma trama
complexa de relacionamentos com outros seres humanos. (...) a escola é um
processo programado de ensino-aprendizagem, mas não apenas porque cada
mestre esperado na sala de aula chegará para passar matéria, mas porque é um
tempo-espaço programado do encontro de gerações.
O tempo de escola é privilegiado na interlocução com o outro, um espaço onde
o diálogo de gerações se efetiva na arte de ser humano. O aluno a cada momento
observa de forma sutil o professor, e imita sua forma de ser, de conviver, de relacionar-
se com a natureza, com o espaço, com a afetividade, com o viver em sociedade, como
ser cidadão. O ser humano tem o desejo de aprender, e isso é possível pela sua
observação e imitação do adulto.
Arroyo diz que aprendemos disciplinas que fundamentam conhecimentos
específicos, porém “não entra nos currículos de formação como ensinar-aprender a
sermos humanos” (ibidem, p. 55)
25
O paradigma em educação atual contempla a qualidade, porém Arroyo
considera que se ainda preocupa com a quantidade de conteúdos. Os alunos podem estar
desinteressados dos conteúdos, porém deixam evidências do interesse em “como
aprender os valores em uma sociedade sem valores, como aprender a amizade, o amor,
o relacionamento humano, os valores e leis que regulam o relacionamento entre
gêneros, classes, raças, idades” (ibidem, p. 56).
O autor argumenta que as questões apontadas para uma aprendizagem efetiva
norteiam as estruturas físicas, condições de trabalho, salários, embora sempre fique uma
lacuna no despertar para o “clima humano”. É necessário o repensar dessas condições
humanas para o aprendizado, a fim de evitar que as relações entre professores com a
direção, entre alunos, não continue distante, fria, formal, burocrática.
Nessas condições materiais e de trabalho os alunos poderão até aprender nossas
matérias, passar, porém não aprenderão uma matéria, a principal, a serem
humanos. [...] Essa matéria somente se aprende num clima humano, em
interações humanas, quando nos revelamos como humanos, quando os
educandos convivem com seus semelhantes e diversos. [...] Negamos a
possibilidade de dar o salto para uma relação pedagógica, fazer de nossa prática
uma relação, interação entre gerações. (Arroyo, 2007, p. 64)
As relações interpessoais que se estabelecem entre professor e aluno deixam
marcas de relevância na vida dos alunos, por suas palavras e gestos. Algumas vezes
essas marcas contribuem para a aprendizagem dos alunos e favorecem uma relação
afetiva positiva, que poderá repercutir nas formas de relação dos alunos com o
conhecimento. Leite (2006, p. 12) faz considerações de que “o conhecimento que o
professor tem do conteúdo a ser ensinado e o modo como ele se relaciona com esse
conteúdo fazem a diferença na relação de ensino”.
O autor refere-se à relação professor-aluno como um fator de influência na
dinâmica de sala de aula. Nas suas pesquisas, os alunos indicam que diante de um
relacionamento satisfatório com o professor sentem-se mais à vontade para perguntar,
não sentem medo, sentem mais segurança. Nas entrevistas realizadas com as professoras
que participaram de suas pesquisas, verificou-se que havia uma preocupação em cuidar
26
da relação, a fim de que a mediação se constituísse como fator fundamental para
determinar a natureza da relação do aluno com o objeto do conhecimento.
Leite (2006,p.39 ) desenvolveu uma pesquisa que tinha por objetivo identificar
“Meu professor inesquecível”. A proposta da pesquisa partia do pressuposto de que os
jovens e adultos apontam algum professor inesquecível em sua formação. Os dados
apresentam os aspectos interpessoais como indicativos no professor inesquecível. Na
análise dos sujeitos, uma “relação entre as práticas pedagógicas desenvolvidas por
esses professores e os efeitos subjetivos experienciados pelos alunos” (ibidem, p. 39).
Esses efeitos restringem-se às situações de relações interpessoais específicas entre
professor e aluno, bem como relações nas diversas situações grupais, como aulas
expositivas, situações de avaliação. É a “qualidade das interações” que ocorrem em sala
de aula, como as “relações intensas entre professores e alunos”, que constitui o
diferencial para promover o desenvolvimento dos alunos, bem como suas experiências
em aprendizagem.
O ato de ensinar envolve grande cumplicidade do professor a partir do
planejamento das decisões de ensino assumidas; mas tal cumplicidade também
se constrói nas interações, através do que é falado, do que é entendido, do que é
transmitido e captado pelo olhar, pelo movimento do corpo que acolhe, escuta,
observa e busca compreensão do ponto de vista do aluno. (Leite, 2006, p. 42)
O conviver, o pertencer ao grupo, o partilhar são interações que se constituem
em aprendizagens nas relações interpessoais. “É por meio das relações interpessoais
estimuladas pelo grupo que os professores poderão desenvolver sua capacidade de
compreender, de lidar com o outro, de aceitá-lo e, ainda, de aprender e ampliar
conceitos e introjetar novos valores” (Silva, 2002, p. 81).
O educador, como um profissional da relação, deve desencadear o
desenvolvimento global de seu aluno e priorizá-lo no âmbito das relações interpessoais,
mas necessita primeiramente conhecer a si mesmo. Quando repensa suas atitudes, sua
prática cotidiana, seu comportamento, sua expressão verbal e não-verbal, pode
ressignificar internamente os modelos de compreensão que detém acerca das ações de
seus alunos. Faz-se necessário refletir sobre as relações interpessoais, sobretudo nos
27
espaços educacionais, pois são inúmeros os conflitos que têm marcado o início do
século XXI, indicando a necessidade de repensar a dimensão humana, e não apenas
social e econômica.
No campo da formação de professores, temos acesso a estudos e pesquisas
sobre o mal-estar docente, sobre as síndromes que abatem a categoria,
geralmente resultantes de desgastes, sobretudo na relação professor-aluno.
Quando olhamos as relações na educação, do ensino fundamental ao ensino
superior, observamos quão desgastadas estão, baseadas quase que somente no
ensino de conteúdos factuais, sem nenhum significado ou sentido para alunos e
professores. As queixas já comuns de professores do ensino superior sobre as
atitudes de seus alunos, que só valorizam notas, parecem advir de tempos
longínquos, quando, como alunos da educação básica, não tiveram a
oportunidade de discutir os valores que engendram as relações comuns, em
espaços de convivência coletiva. (Souza, 2002, p. 37)
Almeida (2001) avalia que a formação dos professores deve valorizar o papel
das relações interpessoais e, na relação formador-formando, possibilitar um espaço para
que ambos se posicionem como pessoas, uma vez que é na escola que os saberes e as
experiências são trocados, validados, apropriados ou rejeitados. Os professores devem
partilhar com seus pares as experiências ricas que tiveram no transcorrer de sua vida
profissional. Essas situações vivenciadas, quando afloradas, m uma forte implicação
afetiva, o que aumenta as possibilidades de releitura da experiência em confronto com
as situações do momento presente. Mahoney (1993, p. 68) salienta:
O sentimento vai ocupar sempre uma posição central em todos os momentos do
desenvolvimento, independentemente de faixa etária. A criança, ao se
desenvolver psicologicamente, vai se nutrir principalmente das emoções e dos
sentimentos disponíveis nos relacionamentos que vivenciam.
São esses relacionamentos que vão definir as possibilidades de a criança buscar,
no seu ambiente e nas alternativas que a cultura lhe oferece, a concretização de
28
suas potencialidades, isto é, a possibilidade de estar sempre se projetando na
busca daquilo que ela pode vir-a-ser.
São os relacionamentos estabelecidos no convívio com o professor que
permitem que a relação pedagógica se constitua numa relação privilegiada. Rios (2001,
p, 60) enfatiza que “o aluno se lembra do tom da voz do professor, de seu jeito de
escrever na lousa, e não de suas lições de filosofia, de geografia, de história, de didática.
Sem dúvida, são importantes aquelas características que o fazem lembrar-se do
convívio, sim, mas do convívio por inteiro, do conhecimento que ele tem oportunidade
de receber e construir com o professor no diálogo dos corpos educativos”.
A idéia de conteúdos não se restringe apenas aos conceitos, mas engloba
comportamentos e atitudes. “Ao lado da razão, a imaginação, os sentimentos, os
sentidos são instrumentos de atuação na realidade e criação de saberes e valores. O bom
ensino será, então, estimulador do desenvolvimento desses instrumentos/capacidades”.
(idem, ibidem, p. 61).
O professor deve rever suas expectativas em relação ao aluno, pois, na medida
em que o trata como pessoa, considerando o ser global, com seus sentimentos
particulares, e intensifica suas relações interpessoais de amizade, confiança, respeito,
empatia, autenticidade, favorece a aprendizagem e o crescimento pessoal. Essas
expectativas do professor em relação ao aluno funcionam como profecias auto-
realizadoras. Os estudantes, por sua vez, acreditam na possibilidade de aprendizagem e
crescimento pessoal e estabelecem, na relação com o professor, atitudes e
comportamentos para corresponder a essas expectativas. Os resultados do estudo de
Almeida (1999a, p. 4) demonstram que:
Ao aluno não basta que o professor explique bem sua disciplina; ele quer
também, e principalmente, que o professor o respeite, valorize, compreenda,
mantenha comunicação com ele. A dimensão atitudinal/afetiva é extremamente
valorizada pelos alunos, ainda mais quando eles se lembram daquele que foi o
seu pior professor, carregando nas atitudes negativas de relacionamento. As
descrições dos alunos dos seus melhor e pior professores revelam que os alunos
têm necessidades em relação aos seus professores, necessidades que, para serem
29
satisfeitas, exigem uma relação professor-aluno que envolve conteúdo e
sentimento.
Mahoney (1993, p. 71) enfatiza que a relação professor-aluno tem que ser
mediada pelos conteúdos escolares, pois são eles que “marcam os contornos definidores
da ação pedagógica na escola”. A relação educativa precisa ser solidificada com um
determinado conteúdo que evidencie a autoridade do professor, plena de competência.
São as atitudes de compromisso com a escola que levam o professor a assumir diante
dos alunos uma condição facilitadora no processo ensino-aprendizagem.
Não se pode deixar de salientar que relações interpessoais são ensinadas
preferencialmente na relação professor-aluno. Nessa direção, o processo educacional
deve, portanto, possibilitar o autoconhecimento por parte do professor, a fim de que
possa dar sentido àquilo que faz. Nas palavras de Prado (2002, p. 63): “Caminhar com
sentido significa, antes de tudo, dar sentido ao que fazemos, compartilhar sentidos,
impregnar de sentido as práticas da vida cotidiana e compreender o sem-sentido de
muitas outras práticas que aberta ou sorrateiramente tentam se impor”.
No processo educacional, as relações interpessoais fazem cumprir esse papel:
através do outro que é o professor o aluno passa a saber quem é ele mesmo; os
outros são nossos espelhos. Porém, poucos são os alunos que podem conhecer e ser
percebidos através do professor, pois muitas vezes este não lhes a imagem refletida
para que possam saber quem são. Como nos diz Guimarães Rosa (2001, p. 122):
Sim, são para se ter medo, os espelhos. Temi-os desde menino, por instintiva
suspeita... O espelho inspirava receio supersticioso aos primitivos, aqueles
povos com a idéia de que o reflexo de uma pessoa fosse a alma. Via de regra...
É a superstição fecundo ponto de partida para a pesquisa. A alma do espelho
anote-a esplêndida metáfora. Outros, aliás, identificavam a alma com a sombra
do corpo; e não lhe terá escapado a polarização: luz-treva.
As relações interpessoais devem ser consideradas elementos norteadores na
formação de professores, pois são, ao lado da capacitação técnica/teórica, fundamentais
30
para a construção da identidade do professor. Ser professor é ser, antes de tudo, aquele
que cativa o outro, no caso o aluno, para a experiência do conhecimento, sendo, em
contrapartida, cativado pelo aluno para a continuidade desse trabalho. Nessa
perspectiva, as relações interpessoais são a maneira pela qual professor e aluno
propiciam a oportunidade de tornar a relação ensino-aprendizagem um momento de
conquista do conhecimento.
O estudo teórico e a vivência prática das relações interpessoais constituem
elemento imprescindível na formação de professores tanto da educação básica quanto
do ensino superior, pois, aliados ao conhecimento teórico/técnico da área de
conhecimento, são de fundamental importância o entendimento e a vivência dessas
relações.
Por se tratar de tema que requer aprofundamento de estudos na literatura sobre
formação de professores, as relações interpessoais são fundamentais para explicar e
entender grande parte dos problemas enfrentados pelos profissionais da educação no
exercício das suas funções docentes e administrativas. Acrescentar essa temática à
agenda de formulação, avaliação e implantação das políticas educacionais de formação
de professores pode representar significativo avanço no entendimento do processo
educacional, em especial da relação ensino-aprendizagem, numa perspectiva que
privilegia o ser humano como possuidor de sentimentos, sonhos, desejos, necessidades,
sem, contudo desconsiderar os aspectos legais, administrativos e políticos, isto é, a
questão institucional das políticas educacionais. Isso porque é nas ações, intenções,
tensões e comportamentos cotidianos dos seres humanos que se constrói a rede de
relações interpessoais que materializam, na maioria das vezes, as macro e micro
políticas educacionais, suas repercussões nas salas de aula e nas escolas e,
principalmente, na relação professor-aluno.
Essas relações interpessoais devem estar na pauta de discussão das políticas
educacionais de formação de professores como elemento integrador, ou seja, que
acrescenta conhecimentos determinantes, pois são dimensões formativas tão
importantes quanto as questões de conhecimento específicos da disciplina.
31
2. 4. Educação e Relações Interpessoais
Muitos estudos têm enfatizado a importância das relações interpessoais no
contexto da sala de aula. Citarei alguns, desenvolvidos no Programa de Psicologia da
Educação na PUC-SP, na linha da Psicologia Humanista.
No mestrado, Duarte (1988) estuda a importância das relações interpessoais na
situação ensino/aprendizagem de inglês, na disciplina de Prática Oral em curso de
Língua e Literatura inglesas.
A partir de sua experiência como professora de inglês, observou que os alunos
apresentam desconforto e tensão durante as aulas, e essa situação decorre do tipo de
relação interpessoal que se estabelece em sala de aula entre professor e aluno, e aluno e
aluno.
Duarte (ibidem, p. 8) indica que:
É papel do professo que ensina Prática Oral observar continuamente o
desempenho oral do aluno, e dar feedback a partir de suas observações. Mas ao
mesmo tempo pode com isso bloquear o aluno, gerar nele medo, e que como
conseqüência apresentará um desempenho lingüístico não condizente com sua
real capacidade.
O bloqueio dos alunos na situação de aprendizagem se por conta da dinâmica
das relações interpessoais estabelecidas entre professor-aluno; por outro lado, “na
medida em que o professor tiver para com o aluno uma atitude favorável,
proporcionando condições psicológicas adequadas à aprendizagem, o aluno vai ter
maiores chances de sucesso” ( ibidem, p. 9).
No doutorado, Duarte (1996) faz uma reflexão sobre a importância da dimensão
afetiva na situação de ensino/aprendizagem, especificamente no campo de línguas.
Prioriza nos seus estudos o aprendiz, que é responsável na busca de seu aprendizado.
Duarte (1996, p. 2) teve como foco de seus estudos o relacionamento
interpessoal; verificou que os alunos viviam desconforto e tensão durante as aulas
um
medo, que interferia no seu desempenho. Nos depoimentos dos alunos, constatou que
32
demonstravam perceber um “conjunto de elementos ameaçadores que pareciam
provocar esse medo: o professor, as relações interpessoais, as atividades desenvolvidas
e o próprio conteúdo a ser dominado”.
Na compreensão dos alunos, “o professor/ facilitador
aquele que promoveria
condições favoráveis à aprendizagem pareceu ter-se transformado, muitas vezes em
ameaçador” (idem, ibidem, p. 2).
O objetivo de sua pesquisa era “apontar a relevância das relações interpessoais,
ou seja, do componente afetivo daquelas relações em situação específica de ensino/
aprendizagem da língua inglesa” (idem, ibidem, p. 3).
Duarte (1996, p. 4) constatou que os alunos, ao falarem de seus medos,
confirmavam a relação entre ansiedade e aprendizagem. Na percepção dos alunos, o
professor:
Era a maior causa de ameaças. Ele havia se tornado a maior de todas as
ameaças. Era o professor que “bloqueava” o aluno, que “quase o obrigava” a
falar, que por vezes “não valorizava o esforço” e que, por conta da autoridade
que representava para o aluno, tinha o poder de avaliá-lo segundo critérios nem
sempre claros.
Na análise, verificou-se ainda que “os alunos sugeriam que certas mudanças no
clima emocional de sala de aula pareciam capazes de reduzir as ameaças, propiciando-
lhes melhor desempenho e tornando toda a estrutura do curso de Prática Oral menos
ameaçadora (idem, p. 4). O professor é a figura essencial nesse processo, pois é ele
quem desenvolve as condições básicas para um desenvolvimento satisfatório ou
insatisfatório.
Duarte focou seus estudos, inicialmente no mestrado, na relação professor/aluno,
e, no doutorado, o foco foi o professor, “aquele que é parcialmente responsável pelo
sucesso ou fracasso da aprendizagem”.
Duarte (2001, p. 10) desenvolve outra pesquisa intitulada Living Drama in the
Classroom, que tem por objetivo a compreensão quanto ao desempenho oral do aluno
em situação de sala de aula, que é o foco de seus estudos no mestrado e doutorado.
33
O projeto Living Drama in the Classroom se coloca numa concepção de
ensino/aprendizagem na qual a ênfase é dada ao aluno, aquele que (re)aprende a
escolher e a buscar caminhos para realizar sua potencialidades, de acordo com a
direção também escolhida por ele; aquele que se responsabiliza pelas
conseqüências de suas escolhas pelo sucesso ou fracasso na aprendizagem.
(ibidem, pp. 10-11).
O professor é a pessoa central para este cenário, na busca do aprender a aprender
num processo sem fim. O projeto Living Drama in the Classroom utilizou para
estimular essa busca do aprender a aprender, a técnica da dramatização (teatro), pois na
concepção de Duarte (ibidem, p. 11):
O teatro é um elemento facilitador da aprendizagem e como arte de representar
privilegiava o experimentar [...] pode contribuir para a (re) apropriação e
(re)conhecimento de valores pessoais no processo de aprender, promovendo a
aquisição e o aprimoramento da competência oral de língua inglesa.
Os estudos de Duarte indicam que as relações interpessoais são condição
essencial no ensino de língua; é o compartilhar das experiências, as experiências do
cotidiano que vão se apresentando como facilitadoras ou inibidoras da aprendizagem.
Nessa pesquisa, Duarte utilizou o teatro como um recurso facilitador para a
aprendizagem da língua oral de inglês. Nessa experiência teatral, a autora desencadeou a
aprendizagem pelas condições facilitadoras que se desencadearam na mediação
professor e aluno; essas atividades contribuem para a desinibição do aluno em relação à
comunicação oral, propiciando dessa forma um clima facilitador da aprendizagem,
favorecendo o desenvolvimento do aluno de forma global. A conseqüência é o
desempenho oral do aluno bem como o aprimoramento da linguagem.
Duarte apresenta nos resultados desta pesquisa os relatos dos alunos que
participaram deste projeto:
A voz dos alunos aponta para a idéia de superação de entraves, de superação de
limitações acerca do aprimoramento da comunicação oral. Ficou enfatizado, na
34
fala deles, o caráter educacional visando ao desenvolvimento de cada um a
partir da implementação das atividades dramáticas, dos jogos teatrais. Foram,
por vezes, surpreendentes o envolvimento e a melhora do desempenho dos
alunos, ficando muito claros a repercussão e o impacto do trabalho deles a
caminho da Aprendizagem Significativa. (2001, pp.19- 20)
Duarte (2004, p. 120) faz uma reflexão sobre os questionamentos dos
professores de inglês da rede pública, em relação às suas jornadas de trabalho em
relação às relações interpessoais conflituosas com as quais têm que lidar em sala de
aula. A autora desenvolveu uma pesquisa atuando como docente e pesquisadora num
curso intitulado Reflexão sobre a ação: o professor de Inglês aprendendo e ensinando,
cujo eixo norteador são os aspectos afetivos envolvidos no processo ensino-
aprendizagem”.
A discussão apresentada pela autora evidencia relatos de situações conflitantes e
difíceis de serem administradas, “o ensinar de cada um”. Os professores muitas vezes
revelam-se impotentes diante as dificuldades apresentadas no cotidiano de suas práticas.
Entre tentativas muitas vezes mal-sucedidas, apresentam angústias e despreparo para
lidar com os desafios do cotidiano escolar. “Não foram preparados para esse cenário
afetivamente árido” (Duarte, 2004, p. 123).
As reflexões efetivas pelos docentes que participaram do curso deixavam
evidências da necessidade de um repensar em relação às atitudes facilitadoras. Esse
estudo indicou que a criação de um clima favorável à aprendizagem é possível, porém
desencadeia-se de forma lenta.
Duarte verifica nesse estudo que “a necessidade urgente de mudança não é
isolada entre os professores. Eles vivem, contudo, de maneira contundente, o conflito, a
imensa dificuldade de mudar as próprias atitudes no ambiente escolar”.
Zibas (1981), na sua dissertação de mestrado, fez um estudo baseado num
treinamento de professores em habilidades de relacionamento interpessoal.
Considerando o pressuposto da abordagem centrada no aluno de que “o aluno realiza
uma aprendizagem significativa se estimulado por um professor autêntico, empático e
capaz de considerá-lo positivamente”, implantou um treinamento de professores em
duas escolas: uma estadual e outra particular.
35
Zibas (ibidem, p. 17) elaborou o treinamento considerando que “há uma estreita
relação entre a aprendizagem do aluno e o clima emocional da sala de aula”; a autora
queria verificar as possibilidades de mudança de alguns dos aspectos das atitudes do
professor em seu relacionamento com o aluno.
Em sua pesquisa, pretendeu ainda que “cada professor atentasse também para
seu próprio comportamento e que esse autoconhecimento não fosse obtido
cognitivamente, mas também, em certo grau, pela experienciação, através de situações
simuladas de sala de aula” (ibidem, p. 17). “Há necessidade de constante treinamento de
professores, a fim de que o avanço das teorias em educação seja traduzido para a
prática“ (ibidem, p. 1). Os programas de treinamento de professores devem colaborar
em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional.
Na sua análise, verificou ainda que “a necessidade de um ensino centrado em
atitudes, vinculando aprendizagem ao tipo relacionamento professor-aluno ou ao clima
emocional da sala de aula, parecem encontrar maiores dificuldades para transferir suas
elaborações teóricas para o dia-a-dia das escolas” (idem, ibidem).
A grande dificuldade para a realização dessa proposta está no aspecto de que
“todo o treinamento dever ser centrado na vivência das atitudes valorizadas. Esta
vivência ou esta experimentação, entretanto, não estaria garantida pela emissão de
alguns comportamentos que poderiam ser chamados de adequados” (idem, ibidem, p.
2). O maior problema é questão atitude versus comportamento.
A análise da autora evidencia ainda que os professores que receberam
treinamento em sala de aula tiveram um aumento da freqüência dos comportamentos
treinados e uma diminuição da freqüência dos comportamentos apontados como
inadequados.
A contribuição desse estudo é a de despertar o professor “para a possível relação
entre sua interação afetiva com os alunos e o desenvolvimento destes como seres
humanos autoconfiantes, criativos e abertos a toda experiência pessoal e social” (idem,
ibidem, p. 74).
Bruno (2006, p. 9) nos estudos de doutorado faz um aprofundamento sobre a
forma pela qual as relações interpessoais são abordadas nos programas de formação
inicial do coordenador pedagógico. A autora reconhece que as relações interpessoais
36
têm implicações mútuas entre homem e sociedade, num movimento que dinamiza as
consecutivas recriações e transformações de um e de outro.
Para a coleta de dados, teve como sujeitos alunos, professores e coordenadores
de cursos de pedagogia, e coordenadores pedagógicos do ensino básico de escolas das
redes pública e particular.
Bruno (ibidem, pp. 10, 11) parte do pressuposto de que:
O ensinar e o aprender são especificidade humana mediadas pelo outro e
ainda que esse processo se dê nas relações. Por isso as relações pedagógicas não
podem ser entendidas separadamente das relações interpessoais, que estas se
imbricam e se implicam mutuamente. É no bojo dessas relações que se travam
os embates, estabelecem-se os conflitos, lapidam-se os desejos, constroem-se os
projetos, enfim, é nesse movimento entre pessoas que se de fato, a ação
educativa. Desta forma, os processos de formação podem ser favorecidos
quando disponibilidade e investimento dos atores envolvidos, no sentido do
refinamento das relações interpessoais entre eles construídas.
Para Bruno, estudar a formação de coordenadores pedagógicos na perspectiva
dos saberes das relações interpessoais corresponde a discutir a identidade desses
educadores, uma vez que as interações passam por modos de ser, modos de ser pessoa e
de estar entre pessoas.
Segundo a autora, os educadores :
Valorizam o estímulo ao olhar, à escuta e à fala como condições importantes no
campo das relações interpessoais. (...) a formação do coordenador baseada nas
características da escuta, da fala e do olhar o outro é descrita como
característica essencial de um líder que deve favorecer falas, escutas e olhares
por parte da equipe escolar na perspectiva de construção de projeto coletivo e
democrático da escola. (Bruno, 2006, p. 163)
37
A autora enfatiza que as habilidades do olhar atento e do ouvir ativo tornam-se
fundamentais na formação continuada do professor, e, para isso, o coordenador
pedagógico deve cumprir seu papel na orientação dos professores.
Os estudos de Bruno abordam uma questão muito importante na dimensão das
relações interpessoais. Na análise, a autora verificou na resposta de seus sujeitos o fator
“acaso”: de forma espontânea, ‘depende do professor’ orientar a reflexão sobre os
saberes das relações interpessoais, transformando situações de conflito ou de tensão em
conteúdos de aprendizado do educador que está em formação” (idem, p. 173). Nutre-se
a idéia de que as relações interpessoais são algo que se aprende no dia-a-dia, nas
experiências do cotidiano.
No dizer de Bruno, os dados sugerem um “conformismo” em relação ao
aprendizado das relações interpessoais, e que o aprendizado só ocorre em espaços
democráticos que permitam ousar, errar, analisar e pensar.
A autora mostra que as habilidades de relacionamento interpessoal podem ser
aprendidas nos diversos contextos de experiência da vida, e que a experiência de
formação dos coordenadores pedagógicos e do professores deve priorizar os saberes das
relações interpessoais em processo e conteúdos de conhecimento. No dizer de Bruno:
“saberes fundamentais para a ação do educador não podem ser deixados ao acaso e na
dependência de cada professor. É necessário assumirem um lugar no projeto pedagógico
de cada curso de Pedagogia e de formação de educadores” (ibidem, p. 176). Os
educadores precisam construir competências relacionadas às relações interpessoais,
que os cursos de formação inicial não apresentam em suas ementas a possibilidade de
desenvolver tais competências.
Bruno considera que tanto a formação inicial como a formação continuada
devem contemplar as dimensões pessoal, social e profissional, a serem desenvolvidas
simultaneamente; na prática docente, os educadores apresentam dificuldade em atender
às exigências das escolas, sobretudo quando se evidencia o papel do coordenador
pedagógico que “pela natureza de sua função, é, em geral, solicitado a construir e
desenvolver relações nos mais diversos níveis do contexto escolar (como direção, com o
corpo docente, com os alunos, com os pais, com os funcionários) e também com os
órgãos oficiais externos à escola” (ibidem, p. 204).
38
Giannelli (1998, p. 90), em estudo sobre a dimensão interpessoal nos cursos
noturnos de licenciatura, evidenciou a importância das relações na formação dos alunos,
enfatizando que “saber, encorajar, estimular, valorizar, esse algo mais do mestre do
passado lembrado pelo professor do presente revela que as habilidades de interação são
importantes, tanto que foram a pedra de toque para o seu desenvolvimento pessoal e
profissional”. O referencial utilizado também foi o da Abordagem Centrada na Pessoa.
Esses estudos evidenciam questões sobre a dimensão das relações interpessoais
que são a tônica do trabalho a que me proponho desenvolver.
39
CAPÍTULO 3
CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Uma verdadeira viagem de descoberta não é
a de pesquisar novas terras, mas de ter um
novo olhar.
Marcel Proust
40
3. 1. O fazer da pesquisa: o porquê das escolhas
... não sei se fui claro, não foste, mas não tem importância,
Claridade e obscuridade são a mesma sombra e a mesma luz,
O escuro é claro, o claro é escuro, e quanto a alguém ser capaz de
dizer de facto e exatamente o que se pensa,
imploro-te que não acredite,
não é porque não se queira, é porque não se pode
.
José Saramago
Aprender a Conviver: este é o cerne do Projeto Conviver, objeto de estudo
desta pesquisa. A etimologia de Conviver é do latim convivere, que segundo o
dicionário Aurélio significa: viver em comum com outrem, em intimidade, em
familiaridade; ter convivência, convívio; viver em comum; habituar-se aos poucos, com
serenidade, a um mal de qualquer natureza. Morfologicamente, significa viver com.
Deve-se, portanto, pensar: para aprender a conviver é preciso primeiro saber viver.
O Projeto Conviver tem a proposta de viver em comum com outrem, ter
convivência, aprender a conviver. Uma vez que as condições das interações estavam
conflituosas, a escola entendeu a necessidade de modificar a maneira de conviver. Para
estudar o Projeto Conviver, o mais apropriado pareceu-me a abordagem qualitativa de
pesquisa e, nesta, o estudo de caso, com a preocupação de utilizar vários instrumentos
de coleta para chegar aos dados empíricos, e explorar esses dados em relação ao
contexto em que foram produzidos os significados a eles atribuídos pelos sujeitos
envolvidos. André (2005, p. 14) evidencia que é a partir desse procedimento que se
constitui o estudo de caso, que deve atender “aos princípios das abordagens qualitativas,
que constituem os fundamentos do estudo de caso que se consolidou na área de
educação nos últimos 30 anos”.
O estudo de caso tem sido utilizado como forma de investigação em contextos
socioculturais. André (2005, p. 48) explica que “o estudo de caso começa com um plano
muito incipiente, que se delineia mais claramente à medida que o estudo avança”.
41
André (1984, p. 52) apresenta algumas características básicas do estudo de caso:
1. Os estudos de caso buscam a descoberta. Mesmo que o investigador
parta de alguns pressupostos que orientam a coleta inicial de dados, ele estará
constantemente atento a elementos que podem emergir como importantes
durante o estudo, aspectos não previstos, dimensões não estabelecidas a priori.
A compreensão do objeto se efetua a partir dos dados e em função deles.
2. Os estudos de caso enfatizam a interpretação em contexto. É um
pressuposto básico desse tipo de estudo que uma apreensão mais completa do
objeto só é possível se for levado em conta o contexto no qual este se insere.
3. Estudos de caso procuram representar os diferentes e, às vezes,
conflitantes pontos de vista presentes numa situação social. Neste tipo de
estudo, o pesquisador se propõe a responder às múltiplas e geralmente
conflitantes perspectivas envolvidas numa determinada situação. Ele o faz,
principalmente, através da explicitação dos princípios que orientam as suas
representações e interpretações e através do relato das representações e
interpretações dos informantes.
4. Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informação. Ao
desenvolver o estudo de caso, o pesquisador faz uso freqüente da estratégia de
triangulação, recorrendo para isso a uma variedade de dados, coletados em
diferentes momentos, em situações variadas e provenientes de diferentes
informantes.
5. Os estudos de caso revelam experiência vicária e permitem
generalizações naturalísticas. O pesquisador procura descrever a experiência
que ele está tendo no decorrer do estudo, de modo que os leitores possam fazer
suas generalizações naturalísticas. A generalização naturalística se desenvolve
no âmbito do indivíduo e em função de seu conhecimento experiencial.
6. Os estudos de caso procuram retratar a realidade de forma completa e
profunda. Esse tipo de estudo pretende revelar a multiplicidade de dimensões
presentes numa dada situação, focalizando-a como um todo, mas sem deixar de
enfatizar os detalhes, as circunstâncias específicas que favorecem uma maior
apreensão desse todo.
7. Os relatos de estudo de caso são elaborados numa linguagem e numa
forma mais acessível do que os outros tipos de relatórios de pesquisa. A própria
concepção de estudo de caso implica que os dados podem ser apresentados
numa variedade de formas.
42
A opção por um estudo de caso só é possível após os contatos iniciais, quando se
conhece o contexto, os sujeitos envolvidos e após um tempo de observação, para que se
possa analisar a realidade em que está inserida a pesquisa e delinear os aspectos que
devem ser considerados na pesquisa.
André (2005, p. 38) chama a atenção para a importância do papel do
pesquisador num estudo de caso:
O pesquisador precisa antes de tudo ter uma enorme tolerância à ambigüidade, isto
é, saber conviver com as dúvidas e incertezas que são inerentes a essa abordagem
de pesquisa. Ele tem que aceitar um esquema de trabalho flexível, em que as
decisões são tomadas na medida e no momento em que se fazem necessárias. Não
existem normas prontas sobre como proceder em cada situação específica e os
critérios para seguir essa ou aquela direção são geralmente muito pouco óbvios.
Reafirmo que a proposta deste estudo de caso é identificar os saberes das
relações interpessoais privilegiadas pelo Projeto Conviver e compreender seu processo
de gestação e desenvolvimento.
3. 2. Procedimento de coleta de dados
A coleta de dados iniciou em 2006, quando do primeiro contato estabelecido
com a Diretora, que foi informada sobre os objetivos da pesquisa e dos procedimentos
necessários para a sua efetivação. Nesse primeiro encontro, a diretora autorizou a
realização da pesquisa na escola em todo o seu movimento necessário. Foi igualmente
uma oportunidade de reflexão por parte da diretora. André (2005, p. 48) recomenda o
emprego de diferentes métodos de coleta de dados, “obtidos através de uma variedade
de informantes, em uma diversidade de situações e a subseqüente triangulação das
informações obtidas”.
43
Neste estudo de caso, a triangulação para obtenção da coleta de dados foi:
entrevista, observação e análise documental.
O nome da escola e os nomes dos entrevistados da pesquisa são fictícios:
nome da escola
Maná; diretora Cintia; vice-diretora (manhã) Cláudia; vice-
diretora (noturno) Gislaine; coordenadora (manhã) Lúcia; coordenadora (tarde)
Ana Carla; coordenadora (noturno) Luciana; professor Patrícia; professor de
projetos Sandra.
3.2.1. Entrevista
A entrevista é um instrumento importante para o estudo de significados
subjetivos e de tópicos complexos que incluem opiniões sobre fatos, sentimentos,
planos de ação, condutas pessoais, coletivas.
Szymansky , Almeida e Prandini (2004, p. 11) enfatizam “o caráter de
interação social da entrevista”. Segundo as autoras, a entrevista é “submetida às
condições comuns de toda interação face a face, na qual a natureza das relações entre
entrevistadorentrevistado influencia tanto o seu curso como o tipo de informação que
aparece”.
A entrevista é um instrumento que se dá no espaço relacional do conversar, e
nesse espaço é possível perceber a emoção dos aspectos relatados pelo entrevistador. É
um instrumento de interação humana que possibilita “as percepções do outro e de si,
expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas:
entrevistador e entrevistado” (idem, ibidem, p. 12).
A entrevista é um momento de organização de idéias que se expressam entre
emoções e sentimentos, e seu significado deve ser constituído na interação entre
pesquisador e entrevistado, num momento único.
A entrevista não seguiu um roteiro preestabelecido, mas iniciou a partir de uma
pergunta desencadeadora que foi: Fale sobre o Projeto Conviver. A partir dessa
44
pergunta desencadeadora, os entrevistados conduziam suas respostas na direção que
julgassem mais relevantes, com a possibilidade de livre expressão a respeito do tema.
Todas as entrevistas foram realizadas na escola, algumas na sala da Diretora, e
outras na biblioteca em horário de aula e, por isso, sem interferência de alunos. As
entrevistas foram gravadas.
Observa-se que as entrevistas possibilitam momentos ricos da expressão de
sentimentos e emoções que surgem no decorrer da fala, e que são indicadores para
análise evidenciando alegrias, sofrimentos, realizações, desilusões, e essa expressão
constitui um material rico para a análise.
Entrevistas individuais
Diretora: duas entrevistas;
Vice-diretora: uma entrevista com a vice-diretora da manhãtarde e outra com a
vice-diretora do noturno;
Coordenação pedagógica: três coordenadoras manhã, tarde e noite; duas das
coordenadoras estão na escola desde a implantação do projeto, e uma delas
assumiu o cargo recentemente (fevereiro de 2008);
docentes: dois professores um professor que está na escola há bastante tempo e
outro professor de projetos recém-chegado (professor eventual).
Observou-se que, durante o período da realização de entrevistas, a participação
dos entrevistados sempre foi num clima de entusiasmo e, muitas vezes, com expressão
de emoção ao relatar particularidades das ações do Projeto.
A aproximação com os entrevistados ocorreu desde o final de 2006, logo após o
conhecimento do Projeto Conviver
O primeiro contato com a escola foi via diretora, a qual autorizou a realização da
pesquisa na escola. Esse primeiro momento foi explicitado o tema da pesquisa, os
motivos que desencadearam o interesse pelo tema.
45
A diretora foi a pessoa que disponibilizou a escola para a efetiva realização da
pesquisa e autorizou que fossem realizadas as entrevistas, as observações e qualquer
outro procedimento que se julgasse necessário para a realização da pesquisa.
A escolha dos entrevistados para a realização das entrevistas foi aleatória e não
teve indicação da Diretora, ou de qualquer outro integrante da escola. Para a escolha
destes atores, levou-se em conta dois critérios: os que participam do projeto desde o seu
início, e tem condições de fazer análises na perspectiva de considerar as mudanças da
escola antes e depois do projeto, e os que estão na escola pouco tempo e tem uma
visão ainda restrita do projeto. Esses atores são importantes porque podem avaliar
aspectos relevantes que conseguem perceber em pouco tempo de atuação na escola.
Os professores que não participam do desenvolvimento do Projeto Conviver não
participaram da pesquisa por se considerar que não condições de compreender a
concepção implícita no Projeto Conviver, e, portanto, suas considerações não são objeto
de estudo deste trabalho.
Diretora
A primeira entrevista na escola foi realizada com a diretora. Esse contato
possibilitou uma primeira análise para a compreensão do Projeto Conviver
e
direcionamento deste estudo de caso.
A diretora foi à responsável pela implantação do Projeto Conviver, e é a pessoa
que direciona o projeto para que ele tenha continuidade. Ingressou nessa escola como
professora de História. É uma pessoa importante neste cenário da pesquisa. Atua na
escola dezoito anos. Participou do processo de implantação da escola desde a
mudança da estrutura física do prédio e acompanhou todos os percalços que a mudança
física da escola causou: disputa entre a comunidade, competitividade por vagas na
escola, brigas, violência. A transição do espaço escolar causou muitos transtornos na
comunidade escolar, e a diretora iniciou a Campanha da Paz. Foi a partir da Campanha
46
da Paz e da análise de seus resultados que a diretora direcionou a proposta do Projeto
Conviver.
Vice-diretora
São duas vice-diretoras na escola: uma no período da manhã e outra da noite.
A vice da manhã, Claudia, está na escola nove anos. Em 2000, era professora
na escola e, em decorrência do seu trabalho, foi convidada pela diretora para ocupar o
cargo de vice.
Antes de vir para essa escola, era docente em outra escola pública no interior de
São Paulo. Sentia que seu trabalho era muito solitário, dava aula de matemática e
desenvolvia projetos, mas sempre sozinha. Ao vir para essa escola se deparou com os
projetos que eram desenvolvidos coletivamente, e ficou sensibilizada com o Projeto
Conviver.
A vice-diretora da noite, Gislaine, está no cargo desde Maio de 2006. Em 2001,
veio atuar como docente na escola para cobrir uma licença de um mês de uma
professora de matemática PEB-I. Acabou ficando o ano todo como professora de
projetos. Em 2004, houve o concurso para professor e ingressou na escola como
professora efetiva de matemática como PEB-I. A2006, era professora de PEB II de
matemática à noite e durante o dia professora de matemática de PEB- I.
Trabalha com a diretora sete anos, e em 2006 foi convidada por ela para
assumir o cargo de vice-diretora.
Como professora participava do Projeto Conviver, contribuía com idéias, e
sempre era escolhida como professora do coração, e na sala onde não era escolhida a
professora do coração, se oferecia para dar orientação aos alunos.
O professor do coração é o professor eleito pelos alunos para coordenar o
Projeto Conviver na sala de aula (será discutido posteriormente).
47
Coordenadoras
Participaram da pesquisa as três coordenadoras: uma do período matutino, uma
do período vespertino e uma do período noturno.
A coordenadora do período matutino (Luciana) atua como docente em outra
escola estadual e se refere a essa escola de uma forma muito carinhosa, quando
comparada à outra escola em que atua.
Valoriza o respeito incutido na escola a partir do Projeto Conviver. Identifica-
se muito com os alunos dessa escola, porque faz parte da comunidade, e diz que o que
os alunos sofrem em relação à discriminação social, ela já sofreu um dia.
Luciana conta que freqüentou uma escola em um ambiente social que não era o
seu meio. Estudava numa escola de classe média alta, e suas amigas chegavam de
Cheroquee na escola enquanto ela chegava de trem. Seus estudos fizeram com que
modificasse sua condição social, e hoje ela se serve de sua experiência de vida e
compartilha com os alunos para mostrar que é possível modificar a condição social.
No início de sua docência, trabalhou nessa escola durante quatro anos e depois
foi dar aula no interior de São Paulo, na Febem e tentou implantar a proposta do Projeto
Conviver. Na Febem, as pessoas queriam entender o que era esse projeto. No entanto,
ela não conseguiu implantar a proposta do Projeto Conviver, porque é difícil
desenvolver esse projeto quando as pessoas não acreditam nos seus pressupostos.
A coordenadora da tarde, Lúcia, está na escola apenas um mês. Houve a
necessidade de novos coordenadores na escola devido à implantação da nova proposta
do governo que exige que para ser coordenador o professor tenha que ser efetivo na
escola no município. O processo de seleção do coordenador consistiu em um concurso e
posteriormente na apresentação de uma proposta de trabalho e uma entrevista.
Lúcia é professora de Ciências e Biologia e está na rede pública desde 1996. Em
2007, assumiu a coordenação na outra escola onde atua. Ainda não está muito integrada
no projeto, e, do que pode entender á partir de sua observação, é uma busca da escola
para desenvolver questões de solidariedade, ética e respeito humano. Expressa a
necessidade de ter clareza dos objetivos do projeto para não descaracterizá-lo.
48
A coordenadora do noturno, Ana Clara, está nessa escola desde 1998. Ingressou
na escola como coordenadora e ficou no cargo de 1998 a 2000. Em 2000, prestou o
concurso público e se efetivou como professora na escola. Em 2004, assumiu
novamente a coordenação pedagógica e está no cargo até hoje. Nesse movimento de
professora e coordenadora da escola, acompanha o Projeto Conviver desde a sua
implantação e tem uma análise de perspectivas diferentes: no papel de professora e no
papel de coordenadora.
Atua como docente em outra escola da rede pública, e a aprendizagem que tem
na escola por conta do Projeto Conviver tenta transportar para a outra escola onde atua.
Observa que a maioria dos professores faz o mesmo, aplicam nas outras escolas onde
atuam a aprendizagem que adquirem por conta do desenvolvimento do Projeto
Conviver.
Um ponto que a coordenadora considera importante, e que passou a fazer parte
de suas ações cotidianas, é que não toma mais nenhuma decisão sozinha, apenas no
coletivo. Relata que trabalhar no coletivo é um processo que não vê acontecer em outras
escolas. Nessa escola, trabalha-se a questão da solidariedade que tem sentido se for
um trabalho coletivo, enquanto em outras escolas os professores desenvolvem projetos
sozinhos.
Como coordenadora e profissional dessa escola onde atua dez anos, sente-se
beneficiada pela aprendizagem que tem na questão da solidariedade, mas também
porque é uma forma de levar as idéias para as outras escolas que também aprendem de
forma mais pontual algumas ações de convivência.
Professores
Participaram do cenário da pesquisa dois professores, um deles que está na
escola desde a implantação do Projeto Conviver, e o professor de projetos (professor
eventual) que acabou de ingressar.
A professora Patrícia faz parte do grupo dos professores efetivos da escola, que
valorizam a concepção do Projeto Conviver e desempenham suas ações de forma a
garantir a efetividade do projeto.
49
É uma das professoras defensoras do Projeto Conviver, pois atribui ao projeto a
transformação dos alunos de uma forma muito diferente. Justifica essa transformação
dos alunos porque é docente em outra escola da rede pública, e trabalhou em várias
outras, e pode constatar a diferença.
No desenvolvimento do Projeto Conviver, o professor coordenador de sala
que recebe a denominação Professor do Coração, porque é dado destaque ao afeto nas
relações:
o afeto como suporte de toda a relação. O nome foi escolhido porque tem
como objetivo ter um coordenador afetivo, que acolhe.
A professora Patrícia sempre é escolhida pelos alunos para ser professora do
coração em alguma sala. O professor do coração é escolhido pelos alunos por meio de
eleição. É eleito um professor do coração para cada sala. O professor do coração é
responsável pela orientação e desenvolvimento do Projeto Conviver na sala onde foi
eleito.
Para a escolha do professor do coração, os alunos esperam o início do ano, de
fevereiro a março, que é o período estipulado pelo projeto como acolhimento. Nesse
período, os professores verificam a adaptação dos alunos nas salas, entrosamento,
relações conflituosas. A eleição do professor do coração acontece no final de março, e
sua coordenação vai até o final do semestre. No semestre seguinte ocorre nova eleição.
O professor do coração é o responsável pelas orientações para o
desenvolvimento dos projetos nas salas onde é eleito. Uma das suas funções é analisar
as relações na sala de aula. Em decorrência dessa análise, faz um mapeamento da sala.
A própria turma analisa as relações e argumenta se o mapeamento está bom ou não.
Teve uma sala que um tempo atrás apresentava um problema no mapeamento em
relação a dois alunos que brigavam o tempo todo. A sala conversou com a professora
Patrícia para reorganizar o mapeamento dos dois alunos, porque eles estavam
atrapalhando a aula e causando um mal-estar na sala toda por causa das brigas
constantes. Patrícia conversou com os dois para verificar os motivos que causavam essa
intolerância, e os alunos relataram que o maior problema é que esbarravam na carteira
um do outro e não pediam licença, nem desculpa e isso irritava; por isso, preferiam
mudar de lugar. Porém, a conduta de Patrícia foi de não autorizar a mudança porque os
alunos tinham que aprender a conviver com a diferença, respeitando essa diferença. É
sempre muito mais fácil mudar o lugar, do que aprender a respeitar o outro. O que tinha
50
que acontecer era o respeito entre eles. Ela conversou com os dois alunos e com a sala e
todos concordaram em não modificar o mapeamento. Em pouco tempo, não havia mais
briga entre os dois, porque tinham se conscientizado da importância de modificar suas
atitudes para o bem-estar de todos. Essa conscientização só foi possível porque o
professor do coração interferiu junto aos alunos.
Um ponto importante a ser considerado no papel de professor do coração é que
Patrícia entende que esse professor tem que ter um vocabulário adequado ao discurso do
aluno, considerando sua linguagem, necessidades, vontades. Julga necessário conhecer a
cultura desse aluno, pois é a forma de poder se integrar e conviver, porque considera
essencial construir a relação junto ao seu aluno. Estabelecer o vínculo é o que possibilita
que o aluno trate o professor do coração de forma diferente. Ele passa a ter respeito,
carinho e é extremamente obediente às suas orientações.
Patrícia não julga os professores que não participam do projeto, porque diz
entender o que eles sentem. Quando chegou à escola, o Projeto Conviver existia e
para ela foi assustador se deparar com a sua proposta. Sentia vontade de desistir de ficar
nessa escola porque, por mais que tentasse, não conseguia compreender a concepção do
projeto. Achava que tinha que falar do projeto com os alunos o tempo todo. É difícil
entender que não precisa falar o tempo todo, porque é o exemplo no dia-a-dia que o
projeto acontece. É no jeito de fazer, no jeito de ser, de compreender, de respeitar, de
dialogar, que se realiza o projeto.
Somente no segundo ano em que estava na escola, Patrícia compreendeu que o
projeto a tinha modificado como pessoa. O projeto ajudou no relacionamento com os
colegas. Aprendeu a ouvir o outro, e isso fez com que se modificasse também.
O outro professor que participou desta pesquisa foi o professor eventual que
nessa escola tem outra denominação, intitula-se professor de projetos.
O professor eventual é um professor contratado pela escola para assumir as aulas
dos professores que faltam no dia-a-dia, a fim de que os alunos não tenham o horário de
aula ocioso. O professor eventual desenvolve projetos devidamente orientados pela
direção da escola.
Na escola em questão, o professor eventual tem um diferencial dos professores
eventuais, que são concebidos com descaso pelos alunos. O professor eventual é
51
denominado professor de projeto, desenvolve um projeto apresentado à Direção em
todas as aulas de que participar, e, talvez por conta disso, a aula do professor de projetos
não é considerada uma aula eventual ou descartável.
A professora eventual é a professora de projetos da escola atualmente. Está na
escola há alguns dias e ainda não tem referência do Projeto Conviver. É aluna do último
semestre do curso de Letras e atua como professora eventual em outra escola da rede
pública. Considera que a mudança de nome para professor de projetos faz a diferença.
Atribui uma valorização ao professor de projetos por parte dos alunos. Os alunos
respeitam o professor de projetos como a qualquer outro professor.
Atualmente desenvolve um projeto específico à sua área de atuação que é gênero
do discurso. Trabalha com textos instrucionais do cotidiano dos alunos como, por
exemplo, bula de remédio, embalagem de produtos, textos do dia-a-dia do aluno. Nesses
textos, trabalham-se a leitura e a produção de texto, e após a leitura é feita a
interpretação do texto.
Em função do pouco tempo que está na escola ainda não se sente em condições
de falar sobre Projeto Conviver, porque não teve o tempo para entender o processo. No
entanto, consegue perceber um diferencial na escola.
Levando em conta as outras escolas onde atuou como professora eventual, o
diferencial dessa escola é a exigência de disciplina de professores e alunos, o modo
como a equipe escolar trata o aluno, a forma como exige o respeito pelo outro, pelo
colega, pelo professor, pelo professor de projeto.
Nessa escola, sente-se respeitada, percebe que o ambiente escolar é harmonioso,
mesmo com os atritos presentes no cotidiano escolar. Na relação entre os alunos,
percebe uma cumplicidade entre eles, não observa competitividade.
Entrevista coletiva
Foi realizada uma entrevista coletiva com os alunos do período da manhã, que
são alunos da sétima e oitava série. A escolha dos alunos foi aleatória (um total de doze
alunos) em função de se levar em consideração que todos os alunos participam do
52
projeto e que, portanto, qualquer aluno tem uma análise a fazer a respeito do Projeto
Conviver.
A escolha da sétima e oitava série se deu em decorrência de estarem num
momento de transição para o Ensino Médio. O Projeto Conviver inicia na quinta e sexta
série, e os alunos estão num processo de internalização da concepção do projeto, e,
portanto, os alunos têm melhores condições de avaliar o projeto indicando resultados do
projeto.
A entrevista durou aproximadamente duas horas. Nesse dia, a aula dos alunos
terminava as 10h40, porque é o dia da reunião de HTPC na escola, e a aula acaba mais
cedo. Quando tocou o sinal, agradeci a participação de todos os alunos, porque
estavam conversando comigo havia mais de uma hora. No entanto, os alunos
mostravam-se muito entusiasmados em falar da escola e do projeto, e pediram para
continuar falando, e conversaram por mais uma hora, até que eu encerrei a entrevista
pela preocupação do horário excedente do término da aula.
No seu entusiasmo com o projeto, enfatizam suas idéias, repetindo a mesma
fala por diversas vezes, para que eu tivesse certeza do que estavam dizendo.
Falaram de forma muito organizada, não havia contradições em suas falas. Às
vezes, pareciam falas combinadas, porque o que um falava todos os outros concordavam
e complementavam as falas iniciais.
3.2.2. Observação
No estudo de caso, a observação direciona o pesquisador para a compreensão
do caso. Vianna (2003, p. 12) diz que
a observação é uma das mais importantes fontes de informações em pesquisas
qualitativas em educação. Sem acurada observação, não ciência. (...) Ao
observador não basta simplesmente olhar. Deve, certamente, saber ver,
identificar e descrever diversos tipos de interações e processos humanos.
53
Grubits e Noriega (2004, p. 190) consideram que a tarefa da observação é
muito difícil. “Por meio de observações da vida cotidiana, ouvindo-se narrativas,
lembranças e biografias, podemos obter um conjunto de dados usualmente não captados
pelas técnicas de mensuração e quantificação”.
André e Lüdke (1986, p. 26) ensinam que “usada como o principal método de
investigação ou associada a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um
contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta
uma série de vantagens”.
Entre as vantagens indicadas pelas autoras, a experiência direta é o ponto
central, pois a observação garante a verificação da ocorrência de um determinado
fenômeno: ver para crer, conforme ditado popular. A observação permite que se
perceba o objeto de estudo ao mesmo tempo que o sujeito em estudo o observa.
As observações na escola se iniciaram no final de 2006, a partir do primeiro
contato com a diretora para conhecimento da Proposta do Projeto Conviver. As
observações contemplaram situações do cotidiano da escola, bem como a estrutura e o
funcionamento. Ocasionalmente, conversas com pessoas que chegavam à escola para
algum atendimento, e com profissionais da educação, da escola ou da região.
A forma que utilizei para observar o cotidiano da escola foi utilizar um caderno
de registro com anotações de determinadas situações que considerei relevantes. Nesses
registros, momentos de encantamento pela escola, outros que assinalam as
dificuldades decorrentes de minha incompreensão do fenômeno profissional. Mesmo
aceitando que a total compreensão seria onipotência, porque os aparelhos humanos de
percepção e de compreensão são limitados, a compreensão absoluta a partir da
observação é impossível, alguns fatos me causaram perplexidade.
3.2.3. Análise documental
A análise documental corresponde a “toda informação sistemática,
comunicada de forma oral, escrita, visual ou gestual, fixada em um suporte material,
como fonte durável de comunicação” (Chizzotti, 2005, p. 109). Os documentos são
54
muito úteis nos estudos de caso porque complementam informações obtidas por outras
fontes e fornecem base para a triangulação dos dados.
Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004, p. 169) considera como documento
“qualquer registro que possa se usado como fonte de informação”.
Gil (1987, p. 158) diz que “as fontes de papel muitas vezes são capazes de
proporcionar ao pesquisador dados suficientemente ricos para evitar a perda de tempo
com levantamentos de campo, sem contar que em muitos casos se torna possível a
investigação social a partir de documentos”.
A reunião e a escolha da documentação para a análise referente ao problema de
uma pesquisa permitem conhecer especificidades registradas, com as explicações
devidas, pontos importantes.
André e Lüdke (1986, p. 39) afirmam que a análise documental é “uma fonte
natural de informações”, que podemos consultar a todo o momento, em caso de
necessidade para novos esclarecimentos.
A primeira opção para a análise documental do estudo do Projeto Conviver
foram os documentos: projeto político-pedagógico e Projeto Conviver.
Foram pensados esses dois documentos por se considerar que todas as
diretrizes do projeto político-pedagógico e do Projeto Conviver estariam registradas, a
fim de que pudesse verificar seus pressupostos, suas metas e a análise das propostas em
desenvolvimento. Constatei, porém, que não havia uma proposta do Projeto Conviver
elaborada pela escola. O Projeto Conviver surge de ações pensadas pela Diretora, pela
equipe gestora, mas não por ações previamente pensadas no coletivo. Não uma
proposta escrita do projeto na escola.
Com a ausência formal do registro do Projeto Conviver, procurei outros
registros na escola que pudessem ser utilizados para análise. Utilizei para análise o
registro do caderno gestor e os relatórios de avaliação feitos semestralmente na escola
por professores e pais, e site da escola. Utilizei também registros de avaliação externa
Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
SARESP,
IDESP e prova Brasil.
55
Caderno gestor
O caderno gestor é um caderno de registro manuscrito do grupo gestor. Contém
informações específicas das reuniões do grupo gestor, realizadas semanalmente, e das
reuniões dos HTPCs feitas com os professores.
É um registro com a característica de uma ata, que descreve detalhadamente as
atividades que ocorreram nas reuniões, as observações feitas pela coordenação e
direção, ponderações feitas pelo grupo gestor e docentes, e as sugestões nas resoluções
dos itens apresentados para discussão.
O registro do caderno gestor contém a pauta da reunião a ser desenvolvida pela
diretora com a coordenação; a seguir, registra-se a pauta da reunião dos professores, a
partir da discussão da reunião dos gestores, e, na seqüência, o HTPC dos professores. O
registro das reuniões de HTPCs contempla: decisões coletivas tomadas pelo grupo, falas
dos professores, conflitos que emergiram no decorrer das reuniões, depoimentos de
professores, expressão de sentimentos dos professores.
A análise do caderno gestor é referente ao ano de 2007 e 2008.
Relatório de avaliação
Os relatórios de avaliação são questionários elaborados pela equipe gestora e
aplicados semestralmente para a comunidade da escola, professores e pais.
São elaborados diferentes questionários: um para a comunidade interna e
externa da escola, um só para os professores e outro só para os pais.
Após a devolução dos questionários, a equipe gestora faz uma tabulação de
dados e organiza os resultados em relatórios para apresentação e discussão nos HTPCs
com os professores. Os relatórios de avaliação são organizados em forma de tópicos
considerando alguns pontos principais. A avaliação é um indicador do desenvolvimento
da escola como um todo, para verificar desempenho dos alunos, participação,
desenvolvimento do melhor projeto com suas ações na sala de aula, na escola e na
comunidade. Do processo de avaliação por parte da escola, resulta a entrega de um
56
prêmio para todos os alunos coordenadores de projeto de todas as salas e de todos os
períodos, e para as salas vencedoras dos três períodos. Os prêmios consistem em
jantares dançantes organizados pela escola e passeios ao SESC no final do ano.
Também são realizadas avaliações semestrais com todos os funcionários e
professores da escola com o objetivo de corrigir distorções apresentadas em cada grupo.
As avaliações da escola são feitas em todos os segmentos por decisão do
conselho de escola, e são feitas semestralmente. Após a análise dos resultados a equipe
gestora discute os problemas encontrados, e, se necessário, essa discussão se estende a
toda comunidade escolar, incluindo pais e alunos.
Site da escola
O site oficial da escola apresenta informações relativas ao Histórico da escola,
a constituição de toda a equipe escolar: todo corpo diretivo (diretora, vice- diretoras,
coordenadores pedagógicos, secretária da escola, agentes de organização escolar,
agentes de apoio escolar); as disciplinas; dependências da escola; dados do Projeto
Conviver; normas escolares (grupo gestor, pais, alunos e professores).
Constam no site os parceiros da escola e, ainda, sites importantes para consulta
na educação, e informações gerais dos acontecimentos cotidianos da escola.
3.2.4. Processo de análise das entrevistas
A análise e a interpretação dos dados foram realizadas nos diversos momentos
da pesquisa. Desde o início do estudo do Projeto Conviver, foram utilizados
procedimentos analíticos, que requerem escolhas, e o que é compreendido no desenrolar
da pesquisa é resultado de um movimento constante que perdura até o momento final da
escrita.
Szymanski, Almeida e Prandini (2004, p. 71) dizem que “a análise dos dados
implica a compreensão da maneira como o fenômeno se insere no contexto do qual faz
parte. Este inclui interrupções, clima emocional, imprevistos e a introdução de novos
57
elementos”. A partir desse contexto em que se insere uma pesquisa, não se pode
desconsiderar a importância do pesquisador.
Placco e Souza (2006, p. 43) apresentam sua compreensão de subjetividade:
Característica própria de cada um em permanente constituição, construída nas
relações sociais, que permite à pessoa um modo próprio de funcionar, de agir, de
pensar, de ser no mundo, modo que a faz atribuir significados e sentidos singulares
às situações vividas. É o que faz cada um ser diferente do outro, diferença que tem
origem nas significações atribuídas às experiências vividas, que por sua vez são
produzidas nos social.
As entrevistas foram analisadas levando-se em conta a proposta de Szymanski,
Almeida e Prandini: “trata-se de uma prática que auxilia o pesquisador a superar
intuições ou impressões precipitadas e possibilita a desocultação de significados
invisíveis à primeira vista” (2004, pp. 63-64).
O processo de análise das entrevistas foi um momento de imersão nos dados,
um percurso de movimento de ler, reler, rever, ouvir, ouvir de novo, incansáveis vezes.
O processo de interpretação e análise das entrevistas foi conduzido da seguinte
forma:
Inicialmente foi feita a transcrição das entrevistas que é um momento de passar a
linguagem oral para a escrita, garantindo nesse registro a forma como ela
ocorreu;
Após a transcrição fiz uma leitura flutuante, ou seja, intercalei a escuta dos
depoimentos gravados com a leitura do que foi transcrito, utilizando a “atenção
flutuante” (André e Ludke, 1986), e procurei ficar atenta não só às palavras, mas
às modulações, hesitações dos entrevistados;
Numa segunda versão, fiz uma limpeza dos textos, retirando vícios de
linguagem, repetições, transcrevi as narrativas segundo as normas ortográficas e
de sintaxe, corrigi erros de concordância que o comuns na linguagem oral.
Nessa segunda versão, as narrativas se transformaram em texto em linguagem
formal e respeitando a norma culta.
58
A transcrição da entrevista feita por mim foi um momento importante.
Szymanski, Almeida e Prandini (2004, p. 74) explicam que “transcrever, revive-se a
cena da entrevista, e aspectos da interação são relembrados”.
É a partir da escrita que passamos a representar as idéias que foram expressas e
as tornamos acessíveis aos outros e a nós mesmos, e isso se concretiza num processo
que exige dedicação por parte do pesquisador, concentração, persistência.
No entanto, o fato de eu pesquisadora ter elaborado a transcrição foi um
momento de encontro com as informações, garantindo novas hipóteses, percebendo
entusiasmos em certas falas, tonicidade em outras, contradições, sutilezas, o que
direciona para outras interpretações para além do que foi enunciado. Cada reencontro
com a fala do entrevistado é um novo momento de reviver e refletir, e de desvelar a um
só tempo, o singular e o plural, e por isso a importância da sensibilidade do pesquisador,
para perceber as necessidades de mudança, os novos rumos que levam aos novos
sentidos e significados que emergem a cada releitura.
Após a elaboração do texto de referência das entrevistas, novas leituras e
releituras foram realizadas, e foi feita a explicitação dos significados das entrevistas,
que se concretizou em decorrência da imersão nos dados e de uma forma particular de
compreendê-los.
3.2.5.Temas para análise:
A análise das entrevistas, da observação e da análise documental, permitiu
identificar temas relevantes que respondessem às questões iniciais propostas neste
estudo de caso que consiste em: identificar os saberes das relações interpessoais
privilegiadas pelo Projeto Conviver e, compreender o seu processo de gestação e
desenvolvimento.
Serão discutidos os seguintes temas:
A diretora e a configuração do Projeto Conviver;
O grupo e as relações de poder;
Projeto Conviver: e a aprendizagem, como fica?
59
CAPÍTULO 4
O PROJETO CONVIVER: GESTAÇÃO E MOVIMENTOS
Se todo o saber referente ao mundo se aprofunda numa
autoconsciência, homem e mundo não serão estranhos, estrangeiros
um ao outro, mas unidos por algo de aparentemente essencial.
Georges Gusdorf
60
Projeto Conviver: gestação e movimentos
Com as informações produzidas pela análise documental, observação e
entrevistas, foi possível montar o caso: Projeto Conviver. Para fazê-lo, o primeiro passo
foi situar o espaço onde ele acontece: uma escola pública, de periferia, que apresenta
uma história singular.
A Escola foi criada pelo Decreto 24.638 em 1986, para atender um conjunto
residencial que lutou para ter uma escola na região. Não havia nenhuma próxima para
atender a esse conjunto de moradores de classe média baixa com acesso à moradia,
alimentação e saúde. A escola está localizada num bairro com diferentes realidades, em
meio a condomínios residenciais e próxima a comunidades que ocupam áreas livres.
Com a chegada da escola, os moradores do conjunto residencial entenderam
que a escola era de sua propriedade e se comportavam como se fossem os donos: das
janelas de seus apartamentos cuidavam de sua escola, observando o comportamento de
alunos e professores. A diretora cita como exemplo que telefonemas eram dados para
avisar a direção que um determinado professor estava sentado atrás da mesa deixando as
crianças bagunçar.
Logo a seguir a instalação da escola na região, houve a transferência dos
moradores de uma favela de um bairro próximo da escola. Por determinação política,
esses moradores tiveram que desocupar o terreno e lhes foi concedido este novo terreno
que ficava entre a escola e os prédios residenciais.
Os novos moradores do bairro logo procuraram vaga nessa escola para as
crianças. A partir daí, a comunidade escolar teve novos figurantes: os moradores da
favela que se instalou entre os prédios e a escola.
A escola teve que se deparar com um conflito social instalado com a chegada
dos novos moradores, que também tinham direito assegurado à educação. O cotidiano
da escola passou a ser de um cenário de brigas e muita confusão. Foi à partir daí, a
direção teve que aprender a administrar o conflito, e as dificuldades de convivência,
dentro e fora da escola, pois as brigas entre os diferentes grupos de moradores também
ocorriam nas ruas. A diretora assumiu o compromisso não de garantir o número de
61
vagas, como também de integrar essas crianças. Essa era a luta no momento em que a
escola ainda buscava um caminho, na construção do projeto político-pedagógico.
Nesse movimento de chegada, o projeto político-pedagógico foi delineado a
partir de uma situação de emergência. Era preciso fazer com que a comunidade
entendesse que uma vaga na escola significava direito de cidadania. Aprender a
conviver num mesmo espaço e tempo passou a ser o objetivo principal do projeto
político-pedagógico da escola, a partir do qual todos poderiam ter acesso ao
conhecimento.
A Diretora percebeu que só o registro no “livro negro” da escola não era
suficiente para resolver os conflitos que ali existiam. O “livro negro” é o livro onde se
registram os incidentes ocorridos na escola
é o BO (boletim de ocorrência) da escola.
Com as brigas entre os alunos, o corpo docente estava perdendo o controle da
situação. Surgiu a idéia de um projeto na tentativa de amenizar as brigas entre os alunos,
que não eram apenas internas à escola, mas expandiam-se na área externa da escola.
Empenhada em encontrar caminhos para atenuar essa tensão permanente, a
Diretora encaminhou aos professores, uma proposta intitulada Campanha da Paz. Essa
Campanha tinha por objetivo diminuir as brigas, a violência, implantar a paz nos
espaços da escola e harmonizar as relações.
A Campanha da Paz foi abraçada pelo corpo docente, que passou a pensar em
ações educativas para a conscientização dos alunos da importância de relações
harmoniosas. Havia ações da paz em diversos segmentos: pátio, comunidade, cartazes,
discussões em aula, atividades de integração.
A Campanha da Paz teve sucesso, porém foi uma ação temporária. A campanha
diminuía as brigas enquanto havia ações educativas, mas não modificava as atitudes dos
alunos; quando as atividades da Campanha da Paz terminavam, o conflito voltava à
tona.
Nesse ir e vir da campanha pensou-se em uma proposta na escola que pudesse
viabilizar mudança na ação comportamental dos alunos e comunidade, mas não de
forma pontual em decorrência de uma Campanha da Paz, mas agora de forma educativa
que mudasse e transformasse a ação das crianças.
62
Para que a Campanha da Paz não ficasse em ações a curto prazo elaborou-se
o Projeto Conviver, em vigor até o presente momento. Tem por objetivo aprimorar as
relações humanas entre todos os seus atores
alunos, professores, coordenadores,
diretor e vice-diretores, pais, funcionários, e hoje sua proposta é o alicerce para o
projeto político-pedagógico da escola.
A escola funciona em três períodos, com um total de 1850 alunos: Ensino
fundamental quintas e sextas séries no período da tarde, sétimas e oitavas séries no
período da manhã; Ensino dio, que teve sua primeira turma em 2007; Educação de
Jovens e Adultos e uma oitava série no noturno, distribuídas em 45 turmas, alocadas
numa estrutura física de 15 salas.
A escola conta com uma diretora, duas vice-diretoras e três coordenadores
pedagógicos, um em cada período. A diretora está no cargo nessa escola 18 anos, é
formada em História e Sociologia pela USP, e também é Pedagoga.
A preocupação com a estrutura e funcionamento da escola é explicitada nas
ações do Projeto Conviver, que direciona ações na sala de aula, na escola e na
comunidade.
O espaço físico não é suficiente para atender à comunidade externa, ficando
restrito à comunidade interna da escola. A estrutura física conta com uma sala de
coordenação, uma sala de professores, uma secretaria, um almoxarifado, uma dispensa,
oito sanitários, uma cozinha, dois pátios cobertos, uma cantina, uma quadra coberta,
uma zeladoria, uma diretoria, dois vestiários. ainda sala de informática, sala de
vídeo, laboratório e uma biblioteca. Cada um desses espaços mantém organização, com
locais adequados para acomodar os recursos necessários.
Quanto aos recursos necessários, a escola apresenta o suficiente: giz, lápis,
cadernos, régua, lousa, carteiras, mesas, livros, vídeo, computador, materiais para as
disciplinas específicas: matemática, língua portuguesa, arte, ciências.
A conservação da estrutura física da escola é satisfatória. A escola mantém um
espaço limpo, não paredes pichadas, nem cadeiras quebradas, os objetos que são
patrimônio da escola encontram-se em boas condições. Nos corredores da escola, são
colocados na parede painéis elaborados pelos alunos em relação aos trabalhos sociais
63
que desenvolvem. Cada painel é específico a um projeto social e informações
necessárias a todos da escola.
Observa-se um zelo no cuidar da escola por parte de funcionários e alunos.
Embora a escola seja um espaço comum e público, é também um espaço pessoal onde
os alunos têm o cuidado particular por seus pertences como a mochila, a carteira.
Na questão da limpeza, a equipe que faz a manutenção da limpeza garante que
os espaços permaneçam sempre limpos, em condições para a permanência dos alunos e
funcionários durante o período aula.
Quanto à organização disciplinar da escola, há rigor em vários aspectos. O
horário de entrada e saída dos alunos e dos professores é controlado pela diretora. Ela
faz a recepção de entrada dos alunos e professores e, quando percebe o atraso constante
de alguma pessoa, orienta a coordenação ou as vice-diretoras para conversarem ou com
o aluno ou com o professor sobre o atraso constante, a fim de que modifiquem esse
comportamento.
Normas e regras também são rigorosamente cumpridas. A disciplina é um ponto
para o qual a escola muita atenção. um controle no item disciplina tanto em sala
de aula como na transição de alunos entre as aulas. Para ter a manutenção e o controle
de alunos circulando entre os intervalos de aula, são estipuladas normas pelos alunos, e
cada aluno coordenador de sala é responsável pelo controle, de tal forma que se os
alunos descumprem a norma e ficam circulando em horário não permitido perdem
pontos na avaliação dos projetos.
As normas são criteriosas para cada um dos diferentes segmentos da escola.
Normas do grupo gestor: Estar sempre presente; assessorar o projeto político-
pedagógico e o Projeto Conviver; eliminar relações verticais; acolher a comunidade e
canalizar seus anseios; ter cuidado com posturas, palavras e atitudes, uma vez que
interferem nos projetos da escola (projeto político-pedagógico e Projeto Conviver);
reunir o conselho de Direitos Humanos para avaliar e redirecionar ações combinadas no
coletivo; explicitar e intervir individualmente nos casos de descumprimento de ações
tiradas no coletivo.
64
Normas dos pais: estar informado das normas da escola e não permitir que seu
filho descumpra; acompanhar as atividades do filho todos os dias; dialogar com a escola
em caso de dúvidas; investir nas relações tonando-as mais humanas
usar o diálogo,
que é ensinado a partir do Projeto Conviver; participar das reuniões na escola.
Normas dos professores: respeitar o horário de funcionamento da escola
(permitido atraso de dez minutos); respeitar o horário de aula não dispensando os alunos
antecipadamente; atuar de acordo com o coletivo, pois as ações individuais prejudicam
as coletivas; não deixar os alunos sozinhos; trajar-se adequadamente; não utilizar
celular; estar ao par dos acontecimentos da escola; ter cuidado com a postura e com as
palavras e atitudes, pois interferem nos projetos da escola (PPP e P.C.); estar atualizado;
conhecer competências e habilidades do aluno para realizar avaliação global.
Normas dos alunos: respeitar a todos na escola e exigir o respeito por parte de
todos; nas desavenças dialogar: primeiro com o opositor, segundo com o professor do
coração, terceiro com o grupo gestor; conservar a escola; estudar e ser assíduo; respeitar
os horários de entrada e saída; usar uniforme e carteirinha (diurno) e traje apropriado
(noturno); ir para o pátio somente no intervalo; não levar alimentos na sala de aula; não
fumar; ter cuidado com postura, palavras e atitudes (interferem nos projetos da escola);
não usar celular; usar o banheiro nos horários de entrada, intervalo e saída; recorrer ao
professor ou inspetor de alunos na ocorrência de algum problema; permanecer na sala
de aula durante a troca de aulas; as atitudes que interfiram ou prejudiquem a
convivência na escola serão encaminhados ao tribunal dos Direitos Humanos da escola.
Há três instâncias primeiro momento discute-se a ocorrência com a sala, num segundo
momento discute-se com os coordenadores do período e num terceiro momento
convoca-se o conselho da Escola para definir se o aluno permanece ou não na escola.
O trabalho dos funcionários de modo geral é um trabalho em que se percebe
comprometimento e responsabilidade em todos os espaços da escola: biblioteca,
secretaria, lanchonete.
A biblioteca tem um funcionário permanente por período. Organiza os livros
que são doados ou os que são enviados pelas diretorias de ensino. O espaço da
biblioteca é pequeno, mas organizado, e suficiente para os alunos realizarem suas
pesquisas. Nesse mesmo espaço, alguns computadores para uso dos coordenadores e
dos professores quando necessário.
65
A estrutura e o funcionamento da escola, bem como o desenvolvimento de
grande parte dos projetos sociais desenvolvidos, contam com alguns parceiros. As
parcerias com a comunidade auxiliam na conservação da escola, por ser um lugar onde
os envolvidos participam ativamente das tomadas de decisões. Os alunos também se
conscientizam da necessidade de conservação da escola, e, por conta disso, uma
redução significativa do vandalismo e das pichações nos muros da escola.
A escola tem parceria com o Programa Escola da Família oportunizando a
comunidade escolar da participação das diversas atividades propostas nos espaços da
escola. Há ainda outras parcerias com as escolas de informática e supermercados
(localizados no bairro), que contribuem com os projetos sociais desenvolvidos na
escola, de diversas maneiras: doações, divulgação dos projetos, arrecadação de
materiais, suportes diversos.
A estrutura interna da escola também conta com o apoio do Grêmio Estudantil.
Os objetivos do Grêmio estão fundamentados na proposta do Conviver.
Entre as propostas do Grêmio Estudantil estão ações de manutenção e
preservação do espaço sico da escola, bem como o cumprimento de deveres e normas,
e para isso a convivência coletiva é o sustentáculo no cumprimento de deveres e na
exigência de direitos respeitados. Utiliza-se o diálogo como ferramenta básica para
resolver os conflitos e divergências da escola. Outra preocupação do Grêmio é vivenciar
a solidariedade como característica fundamental e humana. Estas ações do Grêmio
priorizam a estrutura e a organização interna da escola.
A ausência de registro do Projeto Conviver causou-me uma inquietação: como
um Projeto implantado desde 2001, com indicadores de sucesso por parte da
comunidade escolar interna e externa, não tem registro? Como a escola nunca foi
cobrada pelo registro desse projeto?
Na minha perplexidade, indaguei as coordenadoras e diretora o porquê da
ausência do registro, e todas me informaram que nunca tempo para elaborar por
escrito o Projeto Conviver. Disseram-me ainda que estão sendo pressionadas pela
diretoria de ensino a escrever o Projeto, e que estão se organizando para isso.
66
Tudo o que tem escrito do Projeto Conviver são apenas alguns relatórios que
precisaram ser enviados à diretoria de ensino, por conta das ações do projeto que em
alguns momentos requerem autorização da supervisão da escola para sua efetivação.
O registro constitui um procedimento relevante para a compreensão de um
determinado contexto. O registro garante informações precisas das propostas e dos
encaminhamentos de um dado assunto, tema, projeto.
A ausência de registro do Projeto Conviver faz com que o histórico do Projeto,
seus objetivos e sua concepção fiquem apenas na memória das pessoas, e que, na
ausência dessas pessoas que participaram das ações do Projeto, o mesmo perca o
objetivo inicial, impossibilitando aos futuros integrantes da escola conhecer a
concepção que lhe deu origem para dar continuidade. Mais ainda: não permite que o
Projeto possa ser conhecido por outras escolas, que seja socializado
.
Neste trabalho, a apresentação do Projeto Conviver também é resultado de
fragmentos de documentos que a escola tinha. Entre os fragmentos encontrados, havia
relatórios elaborados pela equipe gestora às diretorias de ensino, que solicitam
informações e indicadores do Projeto, relatórios realizados para apresentação do projeto
Conviver nas reuniões de pais, registros no caderno gestor de propostas e objetivos do
Conviver nas reuniões de HTPC.
O acesso aos fragmentos desses relatórios foi possível num momento em que a
equipe gestora, por conta da greve do final do semestre em Junho de 2008, se
disponibilizou a procurar esses relatórios, que não estão arquivados e que demandaram
tempo para serem encontrados em diversos lugares: armário da sala da diretora, nas
gavetas dos armários, sob a mesa entre uma quantidade imensa de outros materiais
didáticos.
Os fragmentos de relatórios e registros encontrados referem-se a ações do
Projeto Conviver, regulamentos para as normas do desenvolvimento do projeto,
relatórios de avaliação, normas de convivência e estabelecimento de diretrizes na
conduta de docentes.
Quanto às ações do Projeto Conviver, a organização das atividades curriculares
e extracurriculares se em função dos projetos desenvolvidos em cada sala. A
proposta de cada projeto requer algumas saídas específicas para pesquisas, vivências,
67
como por exemplo: visitas em asilos, creches, orfanatos. Algumas vezes, os alunos
precisam sair da escola para fazerem parcerias com empresas, lojas, mercados da
comunidade, com o objetivo de arrecadar materiais necessários para doação.
A grande maioria dos projetos dos alunos contempla ações solidárias e requer a
doação de cestas básicas de alimentos. Muitas dessas cestas são doadas para os próprios
alunos da escola, que algum colega identifica em alguma situação de dificuldade. Às
vezes, as doações são para pessoas da comunidade externa que apresenta condição de
dificuldade.
A responsabilidade dos alunos nas ações da escola se inicia a partir do
momento em que precisam coletivamente identificar os problemas da sala de aula, os
problemas da escola e os problemas da comunidade, e a cada problema identificado,
apresentam soluções para a resolução dos problemas.
Essas propostas de solução dos problemas são votadas pela sala para serem
desenvolvidas no decorrer do semestre.
As propostas sempre norteiam as questões de solidariedade humana. Em 2008,
algumas propostas foram encaminhadas pelos alunos e referem-se aos seguintes temas:
Gravidez na adolescência: é um projeto para a comunidade. Foi feita uma
pesquisa sobre a gravidez na adolescência no bairro, e posteriormente os alunos
fizeram um levantamento na escola de alunas grávidas ou de alguém da
comunidade escolar que estivesse nessa condição. Depois de feita a tabulação
dos dados, foram elaborados cartazes informativos para a escola e para a
comunidade indicando o número de adolescentes grávidas na comunidade
escolar. Além do levantamento do número de gravidezes na adolescência, a
pesquisa enfocava a orientação dos pais em relação à prevenção da gravidez. O
passo seguinte do projeto foi trazer alguns profissionais da saúde para a
realização de palestras: enfermeiras, psicólogas. Foram realizadas ações
comunitárias: levantamento do número de grávidas sem condições econômicas
para comprar o que é básico para um bebê, arrecadação de alimentos e roupas
para os bebês, aquisição de berço e carrinho para doação;
68
Projeto da limpeza da escola: toda a sala tem que ter o seu projeto, um para a
sala e outro para a escola. Com isso, consegue-se manter a escola sempre limpa
e organizada, e se isso não for cumprido os alunos perdem na pontuação.
Projeto Drogas/Profissões: Desenvolver a conscientização para não entrar no
mundo das drogas. Foi feito o levantamento na comunidade de usuários,
realizaram-se entrevistas com os usuários, e depois de todas as informações,
foram elaborados cartazes para colocar na escola e um jornal informativo a ser
distribuído na comunidade. O outro Projeto contempla as profissões porque a
maioria dos jovens não sabe o que quer fazer na vida. Foi feita uma pesquisa em
todas as salas e em todos os períodos para fazer o levantamento das profissões
em que há mais interesse. Depois desse levantamento foram realizadas pesquisas
sobre cada uma das profissões e foi apresentado um seminário para os alunos
nos três períodos, para dar mais informações sobre cada uma das profissões que
os alunos pensam seguir.
O aluno tem muitas normas para serem cumpridas em relação ao Projeto
Conviver. Essas normas, parte delas quem define é a coordenação da escola; outras
normas, cada sala tem a sua. O aluno coordenador de sala tem que ser fiel às normas
estipuladas, e cada vez que alguém da sala descumpre as normas, perdem pontos, e é o
aluno coordenador da sala que indica. O aluno coordenador tem que ser fiel às normas
porque senão os demais alunos perdem a confiança nele.
Os alunos são orientados a cumprir as normas estipuladas na escola, porque isso
é importante para todos, e não por causa do prêmio. Aprendem que o mais importante é
fazer algo de bom para alguém e pela escola, e a recompensa é a satisfação que sentem e
o reconhecimento da importância de sua ação.
A atuação da equipe gestora é uma atuação dinâmica, participativa; os membros
não se desautorizam uns aos outros. O que um diz é sustentado pelo outro, mas sempre
direcionado pela diretora. Comungam do ideal da diretora, de que a proposta do
Conviver é um diferencial na escola.
A comunicação estabelecida pela equipe gestora é uma comunicação horizontal.
Preserva-se a convivência, o diálogo para transformação das atitudes de professores e
alunos, mas é uma relação sempre subordinada á figura da diretora.
69
Todos trabalham no coletivo; exige-se do corpo docente o princípio de
coletividade. Tudo na equipe é decidido nas reuniões semanais de coordenação. A
diretora faz a pauta da semana de modo que todos sabem exatamente o que tem que
ser feito no decorrer da semana, porque tudo está previsto pela diretora.
Assim procedem em relação aos professores. A pauta da reunião é prevista pela
equipe, e tudo que for decidido na reunião deverá ser acatado por todos. Os
professores podem não concordar com o decidido no coletivo, podem argumentar, mas
uma vez decidido tem que ser cumprido. O trabalho da gestão centraliza o trabalho
coletivo.
O HTPC é um momento de formação dos professores. Há dois momentos
importantes a considerar: o primeiro momento chamado de aquecimento. O professor
tem uma questão que é pensada pela diretora a partir de algum acontecimento da
semana observado por ela e que será refletido por todos por alguma pergunta
desencadeadora do conflito.
Algumas perguntas que desencadeiam a reflexão dos professores:
Vestir a camisa da escola;
Colher o que plantar;
Importância do trabalho em equipe;
Fazer parte de um time;
A união faz a força;
Nenhum vento ajuda quando não se tem uma direção;
As perguntas desencadeadoras causam constrangimento em alguns professores
que sentem dificuldade em se expressarem, e evidenciam resistência em se colocar.
Porém, apesar de ser dito que não são obrigados a se colocar, os professores sentem-se
pressionados pelo grupo se expressam às vezes com dificuldade, outras com
ponderação a sua colocação referente à pergunta.
Outro momento importante do HTPC é o momento de formação continuada dos
professores. A diretora busca, nas suas observações no decorrer da semana, lacunas de
conhecimento dos professores e traz textos para suprir essas lacunas.
O HTPC é um momento muito importante na proposta do Conviver. A discussão
desse momento ocorrerá de forma mais ampla na discussão de dados.
Outro ponto relevante das observações é a questão dos relacionamentos. Na
concepção do Projeto Conviver, os relacionamentos são essenciais.
70
Há uma valorização do relacionamento humano em todos os segmentos da escola:
professores, alunos, diretor, coordenadores, vice-diretores, pais, funcionários, assim
como na relação entre escola, família, comunidade. É um relacionamento próximo que
permite que as pessoas expressem seus pensamentos, suas opiniões, hipóteses, tanto na
sala de aula como em qualquer espaço educativo da escola.
No espaço da sala de aula, os professores provocam discussões sobre os
procedimentos a serem tomados em relação aos projetos, idéias, troca de pontos de vista
entre todos. uma abertura para todos se colocarem, e uma questão importante que é
considerar as diferenças, aprender a conviver com a diferença, com diferentes pontos de
vista, diferentes referências.
No cotidiano da escola, não se observam confusão, briga, desentendimento,
disputa. A relação professor-aluno é uma relação pautada no respeito e no diálogo. Os
alunos aprendem seus direitos e deveres e assumem responsabilidade perante a escola,
na hora que têm que decidir qual projeto é mais viável para resolver problemas
específicos identificados na sala de aula. Aprendem a ouvir, a ponderar, a refletir e a
tomar atitudes com responsabilidade. Observa-se um envolvimento por parte dos alunos
em relação às ações dos projetos que desenvolverão.
71
4. 1. A diretora e a configuração do Projeto Conviver
A diretora é a figura central para a compreensão do Projeto Conviver, por ser:
sua idealizadora; responsável pela sua implantação; direcionar todas as ações do Projeto
e dar continuidade ao mesmo.
Ter sido a idealizadora é um aspecto relevante para a compreensão do Projeto
Conviver. Seu papel é essencial para as ações e continuidade do projeto. Tem se
mostrado a grande incentivadora do projeto, e todo início de ano uma injeção de
ânimo para sua continuidade:
Luciana: A sua pessoa é o diferencial nesse projeto; ela é a criadora, acreditou
no sonho e colocou em prática. Colabora na formação dos professores
iniciantes oferecendo oportunidade a todos para compreender o que é ser um
educador. A gente conquista a idéia que entra no coração e quando vamos
atuar em outras escolas levamos a idéia do projeto junto.
Fica na escola doze horas por dia na escola e fica por amor. Quando percebe
que você está com dificuldade ou em situação de fragilidade ela senta com você
e te mostra o caminho e se quiser aprender você vai ter o respaldo dela.
Patrícia: A ntia é o diferencial. Ela tem um ideal e aqui na escola tem um
grupo de professores que tem o mesmo ideal. Por isso que o Projeto Conviver
certo. Os professores compram a idéia do projeto porque acreditam nele.
Quando se tem um grupo de pessoas que acreditam o objetivo é atingido e por
isso a proposta do projeto dá certo.
Lúcia: Ainda não estou muito integrada no projeto. Por enquanto eu entendo
que esse projeto é uma busca da escola, muito da forma da Cíntia conduzir
enquanto direção, e o grupo gestor compra a idéia junto com ela, de os alunos
pensarem nessas questões de cidadania, de solidariedade, de protagonismo, de
acreditar que o aluno pode fazer que eu tenho capacidade de pensar, de ter
idéias (...) É essa forma da Cíntia conduzir que faz o diferencial; até na reunião
de pais é muito diferente.
Cintia: Eu ainda não descobri uma forma de fazer todos os professores
participarem do Projeto Conviver com envolvimento. A cada ano preciso
72
seduzir os professores a participarem do Projeto Conviver. Alguns percebem a
importância das relações e se interessam pelo projeto, vestem a camisa. Outros
acham bobagem.
O projeto faz a diferença na escola, e a Cíntia faz a diferença. A Cíntia é a
orientadora, sempre presente, ela vai pessoalmente fazer cada detalhe do
projeto.
A segunda entrevista com a diretora tinha como objetivo compreender o
Projeto Conviver. Cheguei à escola num final de semestre, mês de Junho, e como a
escola estava parcialmente em greve, houve tempo para realizar a entrevista com
tranqüilidade.
A questão desencadeadora foi sobre o Projeto Conviver, porém a resposta não
foi sobre o Projeto. A diretora direcionou seu relato para sua trajetória de vida. Da
infância ao papel de Diretora. A entrevista foi um desabafo, trazendo suas angústias,
suas expectativas em relação à educação.
Cumpre ressaltar que história de vida não é o foco desta pesquisa. Porém, os
dados iluminaram um caminho que era preciso ser percorrido para compreender o
objeto estudado. Transitar pela experiência de vida da diretora permitiu compreender
sua mobilização de implantar e desenvolver um projeto que desse aos alunos
convivência pacífica na escola para, a partir daí, ter acesso ao conhecimento.
Era preciso compreender a profissional na pessoa, e a pessoa, na profissional;
compreender como as situações particulares de sua vida pessoal influenciaram a
atividade profissional.
Bolívar afirma que o desenvolvimento profissional é indissociável da trajetória
biográfica. Segundo o autor, “uma vida, para ser significativa, requer que cada adulto
compreenda, se aproprie de sua própria formação e a reconstrua a partir de sua história
de vida” (2002, p. 65).
73
Mizukami (1997, p. 66) mostra que “a consideração dos ciclos de vida visa a
compreender os elementos únicos do processo de ensino: como as perspectivas
particulares da vida influenciaram o trabalho profissional”.
Josso (2004, p. 11) argumenta que pela história de vida se faz o “movimento que
contribui para inscrever a problemática do sujeito no centro das preocupações sobre o
conhecimento e a formação”. Quando se mobiliza a própria experiência, referenciando
pessoas e acontecimentos que fizeram parte do percurso de vida, revela-se a coerência
na proposta de vida pessoal e profissional.
Ao fazer uma narrativa sobre si mesma, a diretora foi apresentando situações que
balizaram os direcionamentos de sua vida profissional, e entre eles o Projeto Conviver.
Diretora: Tenho uma preocupação enorme com a educação, mas não sei ao
certo por que.
Sou filha de uma família pobre, mas fui de berço rico. Pertencia a uma família
tradicional. Meu pai mais velho que minha mãe 20 anos. Ele era funcionário de
uma multinacional. Ele fazia a leitura nas casas, e na época tinha um excelente
salário. Tínhamos vida de gente rica.
Meu pai construiu nossa casa numa cidade perto de Sorocaba. Nosso padrão
de vida era de classe média alta, porque meu pai ganhava muito bem. Na casa
tinha banheira, que era usada apenas de enfeite, porque minha mãe não
deixava usar. Aos seis anos fui para a escola. Aos oito anos meu pai morreu,
teve um enfarte, morreu de repente.
Eu me recordo de conversas de minha mãe e meu pai, e me lembro que meu pai
tinha muito medo de morrer e deixar minha mãe viúva e tão moça, que ela
era vinte anos mais nova.
Quando meu pai morreu tivemos que sair da casa. Minha mãe ficou com uma
pensão irrisória, que mal dava para alimentar os três filhos. Todos os bens que
meu pai tinha, sumiram. Os imóveis, fazendas, tudo evaporou.
Pelo que compreendi, pelo fato do meu pai ser bem mais velho que minha mãe,
ele achava que iria morrer antes dela, e por medo de se casar de novo, fez um
74
inventário antes de morrer, e ficamos sem nada, apenas com uma casa em
Sorocaba.
Nunca conseguimos saber o fim que levaram os bens de meu pai, mas o fato é
que perdemos tudo. Não havia mais dinheiro para estudos e nem para qualquer
outra coisa. As tias [irmãs da mãe] resolveram me adotar para eu poder dar
continuidade aos meus estudos numa escola elitizada, como era tradição da
família.
Mudamos para um quarto, que tinha apenas um fogão a lenha, não tinha água
encanada, não tinha luz, não tinha água. A vida teve um revertério. Minhas
cinco tias se juntaram para pagar minha escola, que era um colégio de Freiras
Benedetinas alemãs, que ficava em Sorocaba. Era em período integral. Eu não
tinha roupa, nem sapato, e fui para uma escola elitizada, com sarau musical.
Os colegas eram filhos de fazendeiros, donzelas, a custo de ouro. Cresci no
meio de música clássica, fazendo bordados finíssimos, tocava piano, educada
para fazer enxoval e me casar.
Sentia-me “Gata Borralheira”. O colégio era um internato. Eu voltava pra
ficar com minha mãe e meus irmãos nas férias de julho e de janeiro.
Constantemente eu tinha um quadro depressivo; lembro-me de tudo escuro,
muito escuro, e isso aflora sempre, essa escuridão.
Durante nove anos fui interna, e nos últimos três anos de colégio fui externa. A
formação da escola era excelente; eu tinha um ótimo desempenho. Assimilava
tudo: latim, francês, inglês, português, piano, e todas as disciplinas básicas.
Quando sai da escola, prestei o concurso para professor, pois havia feito o
magistério no colégio, e vim para São Paulo trabalhar. Na época professor
ganhava muito bem; metade do salário eu mandava para minha mãe viver, a
outra parte eu pagava um pensionato para eu morar e com a outra parte
pagava um cursinho, fiz o Etapa.
Prestei o vestibular na USP, e passei em Ciências Sociais/ História. Sempre fui
aluna de tirar notas boas.
Durante todos os anos no colégio alemão vivi um conflito interno muito
grande; meu irmão caçula, sem ninguém para custear seus estudos, foi para o
seminário, que na época era gratuito e tinha uma excelente formação.
75
Meu irmão do meio ficou morando com minha mãe; foi estudar na Escola
Estadual. Ele ia de ônibus, porque era gratuito. Prestou concurso em ba
nco,
fez economia na USP, e teve um cargo importante.
O meu irmão seminarista prestou concurso no Banespa também, e ocupou um
cargo bom.
Eu me casei, tive dois filhos: uma menina, que hoje tem 36 anos, fez Educação
Física, e um menino, que tem 30 anos e fez Direito.
E eu, com uma educação sólida, permaneci na educação até hoje. Gosto do que
faço, mas me angustio muito.
Embora não tenha sido a direção dada por mim na entrevista, o enfoque dado
pela diretora foi na perspectiva biográfica-narrativa, porque para ela fez sentido falar de
si, para chegar ao projeto. O trecho longo retirado de sua entrevista evidencia sua
necessidade de colocar-se, antes de situar o projeto. A entrevista biográfica-narrativa
permite compreender de que forma a diretora atribuiu sentido ao projeto a partir da sua
trajetória pessoal.
Os diferentes momentos de sua experiência de vida constituíram seu ponto de
partida no processo formativo de suas experiências, saberes e competências
profissionais. Como afirma Bolívar (2002, p. 111):
Narrar biograficamente a experiência permite reconstruir a trajetória de vida não
no sentido óbvio de ações passadas ou atuais, expressas pelos relatos que
fazemos ou ouvimos, porém mais radicalmente no sentido de que pensamentos
e ações estão estruturados em práticas narrativas ou discursivas.
A narrativa descreve uma vivência de contrastes em sua vida. Tinha um padrão de
vida de classe média alta, mas após a morte do pai a “vida deu um revertério”. Sua
trajetória de vida deixou marcas da mudança: do berço rico ao berço pobre. A perda do
pai representou também a perda de uma forma de viver. “Não havia mais dinheiro para
estudos e nem para qualquer outra coisa”.
76
De uma experiência de vida de conforto e segurança, que alimentavam sua
autoconfiança, passou à experiência de vida em que o cenário é de incertezas, dúvidas.
Mesmo com precariedade financeira, continuou a freqüentar a escola de elite que
foi paga com a ajuda de suas cinco tias. A família passou a morar num quarto sem água
e luz, e ela freqüentava um internato onde ouvia música clássica e tinha que aprender a
fazer bordados finíssimos.
Passava todo período escolar em regime de internato com todo requinte da elite,
e nas férias ficava com a mãe e os irmãos num ambiente de pobreza, uma vida de
contrastes.
Suas experiências registram a intensidade com que algumas vivências se
impuseram na sua vida. “Constantemente eu tinha um quadro depressivo; lembro-me
de tudo escuro, muito escuro, e isso aflora sempre, essa escuridão”.
Falar do escuro, da escuridão expressa suas incertezas. Como um viajante teve
que assumir a impossibilidade de realizar seus sonhos em decorrência dos incidentes do
percurso. Sentia-me Gata Borralheira”.
Ter uma ótima formação e estudar na USP foi possível por conta da ajuda
solidária de suas tias. Porém, viveu o conflito de estudar numa escola particular de
qualidade e ao mesmo tempo ver a realidade de seus irmãos que não tinham quem
custeasse seus estudos.
A solidariedade foi uma marca na experiência de sua vida. Ter sido tutelada por
suas tias representou a possibilidade de uma sólida formação e o ingresso numa
universidade de qualidade. Essa marca direcionou seu itinerário profissional, sobretudo
na idealização do Projeto Conviver que tem por base o princípio de solidariedade
humana, ética, respeito ao convívio social ao quais todos têm direito.
Ao chegar à escola para assumir a direção, analisou o contexto escolar e
verificou que a escola vivia um contraste social: alunos da favela e alunos de classe
média. A coordenadora relata o contraste social vivenciado pela Cintia
77
Luciana: A Cíntia ingressou nessa escola como professora de História 18
anos. Quando era diretora, uma professora da escola lhe apresentou uma
proposta de alfabetizar na concepção construtivista, e como Gestora avaliou
nessa proposta uma possibilidade de desenvolver um projeto diferente na
escola como um todo, porque havia muitos problemas de violência dentro e
fora da escola.
Esses problemas iniciaram quando a favela veio para esse terreno ao lado da
escola; quando os moradores da favela vieram pra esse terreno ao lado da
escola, os prédios já existiam ficavam também do lado da escola; os moradores
dos prédios achavam que essa escola era propriedade deles, e o pessoal da
favela que veio morar nesse terreno se sentiu com o mesmo direito, de achar
que a escola seria para os moradores da favela; a cultura da favela tem como
comportamento conseguir tudo no grito.
A diretora, percebendo os conflitos estabelecidos entre os moradores da favela
e os moradores dos prédios, tentou apaziguar o clima entre eles e encaminhou
com os moradores da favela uma interação onde deixava claro que eles
também teriam direito de freqüentar a escola, mas haveria a necessidade de
uma reorganização da estrutura interna da escola, uma vez que as condições
que estavam colocadas não eram satisfatórias para o desenvolvimento dos
alunos. A diretora se colocou numa posição de aceitação dos excluídos, porque
até então eles eram excluídos, e em 2000 surge a Campanha da Paz. A
Campanha da Paz foi um dos motivos pra acalmar os ânimos entre os
moradores dos prédios e os moradores da favela do Buraco Quente.
Como educadora, tinha que assegurar o direito à escola tanto dos alunos da
favela, considerados os excluídos, como aos alunos dos prédios de classe média. A
rivalidade intensificou as dificuldades de convivência entre os diferentes grupos. Cíntia
procura caminhos para amenizar os conflitos, as brigas. Nessa busca de solução, o
compromisso social de solidariedade no papel de educadora advém das experiências de
sua trajetória de vida, das múltiplas relações que manteve no incessante vaivém da vida,
nas mudanças e diferentes interpelações no decorrer da existência
Josso (2004, p. 179) afirma:
78
É na fase do trabalho intersubjetivo sobre cada narrativa que a revelação das
projeções de si, que caracterizam as buscas, poderá se efetuar graças à integração
dos diferentes registros, que acabam de ser evocados, numa nova complexidade
compreensiva.
O papel de educadora está fundado na justaposição de suas experiências. Viveu
contrastes marcados por perdas e ganhos. Perdas nas diferentes dimensões: afetiva, com
a morte do seu pai; social, com os contrastes entre diferentes contextos; financeira, com
a perda de bens.
Os contrastes vividos anteriormente também estavam presentes na escola para
onde foi. A busca de uma solução na escola para resolver o conflito de convivência
entre os dois grupos de alunos levou ao Projeto Conviver.
Lucimara: Por enquanto eu entendo que esse projeto é uma busca da escola,
muito da forma da Cíntia conduzir enquanto direção, e o grupo gestor compra
a idéia junto com ela, de os alunos pensarem nessas questões de cidadania, de
solidariedade, de protagonismo, de acreditar que o aluno pode fazer que eu
tenho capacidade de pensar, de ter idéias.
A Cíntia é o diferencial. O diferencial é a pessoa da Cíntia e não a diretora.
Tudo que ela faz não é apenas enquanto profissional, a impressão que se é
que tudo o que ela faz é que ela irá ter essas atitudes em qualquer situação na
vida. Ela já incorporou essas atitudes na sua vida enquanto pessoa. Atitudes de
sempre analisar, de tentar resolver, essa questão de cidadania, de
solidariedade, de sempre ouvir o outro, de deixar todo mundo falar, o professor
fala, o aluno fala.
A comunidade aceita muito bem esse projeto, e apóia. Os alunos trazem
alimentos, trazem agasalhos, e as mães apóiam. Eu estranhei quando vi os
próprios colegas da sala montar cestas de alimentos para os colegas mais
necessitados.
Na entrevista coletiva, os alunos reafirmam a fala da coordenadora:
79
O Projeto Conviver é um diferencial nessa escola, porque é um projeto social.
Ele desenvolve a solidariedade, ficamos com mais vontade de ajudar o próximo
– isso faz bem. A gente fica feliz em ajudar o outro.
O Projeto Conviver é importante para a convivência. Ajudamos as pessoas que
não têm condições e com isso aprendemos a ser solidários. Desenvolvemos
projetos para a comunidade. Exemplo: arrecadação de alimentos, arrecadação
de brinquedos. O Projeto Conviver ajuda a gente a conviver melhor dentro da
sala de aula e tem um papel muito importante na comunidade.
Quando a gente ganha o prêmio com o projeto que teve maior pontuação, isso
muita vontade de começar tudo de novo, e não é pelo fato de ganhar e ter o
prêmio, mas pelo fato de ajudar o outro.
A direção e coordenação nos conscientizam que o projeto é importante não
pela recompensa que poderemos ter, mas pela recompensa de ajudar os outros.
Alguns alunos podem não participar de tudo, mas acabam participando das
ações solidárias. É muito difícil ter um aluno que não faz nada no projeto,
mesmo não sendo obrigatório participar. Tem projetos que são subdivididos
por subgrupos, com ações diferenciadas.
Ana Clara: Os alunos não são obrigados a participar. Tem alunos que não
participam do desenvolvimento dos Projetos, mas indiretamente todos
participam. Ele pode não participar trazendo alimentos pra montar uma cesta
básica, mas ele vai participar da organização da sala na hora do recebimento
das cestas. Indiretamente todos participam, é estranho, mas todos participam
no coletivo, como um trabalho social. Para os alunos a escola é mais do que
uma instituição, é uma comunidade.
O Conviver desenvolveu uma cultura na escola, de não ter briga, nem
violência, por isso todos trabalham nos Projetos, sem atribuição de notas. No
início do Projeto não tinha nem o prêmio, mas como foi crescendo, os alunos se
empenhavam tanto, que a gestão da escola resolveu então tentar dar um prêmio
pela dedicação dos alunos. Os que não eram premiados não ficavam chateados,
porque esse prêmio não tinha intuito de competição. Tem a visão de
solidariedade, a premiação deles é enxergar que eles conseguiram ajudar um
80
colega, conseguiram fazer alguma coisa pra ajudar alguém. Eles conseguem
atribuir esse o maior motivo para desenvolver os Projetos.
Os professores concordam com os alunos:
Lúcia: A grande maioria dos projetos está relacionada às questões da
solidariedade, ética, respeito, temas como: violência, trabalho infantil,
campanha do agasalho, organização da sala, limpeza da sala, as normas da
escola.
Patrícia: Os alunos são mais solidários, valorizam a escola, as necessidades
dos colegas. Eles percebem o mundo de forma solidária, carinhosa. O respeito
pelo professor é incrível, porque eles nos tratam de forma muito carinhosa.
A questão essencial gira em torno da solidariedade, mas cabe à equipe gestora
direcionar ações para que todos os alunos encontrem um lugar na comunidade. A partir
daí definem-se orientações de vida que o façam desenvolver o sentimento de dignidade,
e isso desencadeia, na formação dos alunos, sentimentos de solidariedade.
As ações sociais que os alunos têm que desenvolver é uma forma de recuperar
esse sentimento de integridade, uma vez que o aluno se sente capaz de ajudar o outro e
sente-se recompensado por sua ação solidária.
Alunos: O Projeto Jovem em ação é de responsabilidade nossa, fica em nossas
mãos. Nós decidimos o que vamos fazer, e a escola nos orienta, mas nós é que
resolvemos tudo o que iremos fazer.
Lúcia: Essa escola é bem diferente da escola que eu estava. Aqui você os
alunos atuando, utilizando o termo projeto, fazendo projeto, eles perguntam se
podem realizar determinados projetos, pedem autorização, eles tem uma chuva
de idéias. Eles tem iniciativa pra realizar o projeto. Por mais banal que possa
parecer sua idéia eles vem perguntar se é uma idéia boa. O que mais me chama
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a atenção é a iniciativa dos alunos. Na outra escola que era coordenadora isso
não acontecia. Atribuo essa iniciativa dos alunos ao Projeto Conviver.
Pelo que pude compreender o objetivo do Projeto Conviver é a convivência;
fazer com que os alunos vivenciem situações de solidariedade, que os alunos
pensem em situações práticas do cotidiano pra assumir a responsabilidade de
resolver os problemas. Eles são os responsáveis pra resolverem os seus
problemas cotidianos, que sempre é resolvido pelo outro. Dos seus problemas
vividos, eles procuram as soluções.
Patrícia: O aluno tem que interferir na comunidade, ir à busca de soluções. O
professor não interfere, eles fazem tudo sozinhos. Eles vão atrás dos problemas
e da solução dos problemas. São os alunos que decidem as atividades para
resolver os problemas encontrados. Muitas vezes organizam palestras, eventos,
jornais informativos, cartazes, arrecadam alimentos, enfim, eles decidem o que
fazer pra resolver os problemas encontrados.
Luciana: Eu passei por muitas escolas e municípios e percebo que existe um
diferencial nessa escola: não tem piche, não tem lixo, não tem aluno andando
no corredor, não tem falta de respeito excessivo com o professor. Queria
compreender o porquê desse diferencial, e analisando cheguei a uma
conclusão: o Projeto Conviver delega aos alunos responsabilidades, não tem
soluções prontas, imediatistas para os alunos cumprirem.
Os alunos desenvolvem o projeto, assumindo responsabilidades nas suas ações,
se comprometendo com os colegas, com a gestão, e quando você é o
responsável por alguma ação, você quer o melhor, e é esse o diferencial:são
eles que desenvolvem, e eles querem ser o diferencial e é isso que faz eles
acreditarem e se empenharem no projeto.
Ana Clara: Os alunos da periferia são muitas vezes invisíveis, e hoje eles se
expõem, apresentam projetos. Hoje nossos alunos elaboram Projetos com
proposta, objetivos, metas, justificativa, estratégia, porque eles aprenderam a
elaborar Projetos. Eles contrapõem, argumentam.
Em tese, um projeto nunca deveria partir do professor, mas dos alunos, um
problema que os alunos visualizem e o professor estar monitorando. Os alunos
detectam um problema dentro da sala de aula, e a partir dai elaboram um
Projeto para a escola e o professor vai acompanhar monitorando os trabalhos
dos alunos. Eles pensam os projetos e vão atrás dos professores para
82
orientação. Algumas vezes os professores sugerem temas, mas geralmente a
iniciativa parte dos problemas deles e a partir daí pode ter desdobramentos.
Exemplo: um problema de organização da sala, daí vão elaborar cartazes,
problemas de sexualidade, daí vão atrás de informações para a comunidade.
Atribuir responsabilidade ao aluno é ensinar direitos e deveres perante a
comunidade de que faz parte.
Cíntia assumiu com responsabilidade sua vida, dedicando-se aos estudos, e
posteriormente quando passou a ter que dividir seu salário na ajuda de custo para sua
mãe e na manutenção da sua vida.
Josso (2004, p. 87) diz que “cada pessoa à sua maneira, participa de uma questão
essencial que gira em torno da possibilidade de encontrar o seu devido lugar numa
comunidade, de definir orientações de vida que satisfaçam um sentimento de
integridade e de autenticidade”. Vivemos em “busca” de uma lógica própria para nossas
vidas.
A diretora tem uma busca incessante na sua vida profissional de oportunizar à
comunidade da qual seus alunos fazem parte o direito à cidadania. É uma busca que
implica explorações, retrocessos, revisitações, mas que exige uma atenção especial às
questões de solidariedade, ética, respeito, responsabilidade, e essas questões são
priorizadas no Projeto Conviver.
Luciana: Pelo Projeto Conviver retomamos valores: solidariedade, respeito à
diferença, valores que o neoliberalismo jogou no lixo, nós estamos retomando,
recuperando.
A comunidade percebe o diferencial na escola, e valoriza o quanto os meninos
são importantes pra escola, tanto que quando você chama pra escola a
comunidade comparece, e a escola é respeitada; você pode falar com a
comunidade sobre qualquer assunto, que eles respeitam e tentam colaborar
Os alunos passam a ser multiplicadores de conhecimento, e se responsabilizam
para que as suas propostas tenham êxito. Portanto, se entre suas metas esta:
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escola limpa, organizada, eles farão com que as metas sejam alcançadas, eles
não aceitam quem descumpre e não respeita, porque se sentem desrespeitados.
Eles podem ser da periferia, ter problemas em casa, não tem o que comer em
casa, mas aqui dentro são todos iguais, eles lutam por isso.
Nessa escola há respeito incutido a partir do Projeto Conviver; inicialmente um
respeito pelo espaço físico da escola. Todo inicio de ano, pinta-se a escola
coloca-se cortina, não tem um lugar que não tenha um olhar; utiliza-se a verba
pública para o aluno, e ele percebe. O grande diferencial do Projeto Conviver é
que ele desencadeou uma mudança de atitude de respeito nas relações.
Sandra: Existe uma disciplina rigorosa, no modo como a equipe escolar trata o
aluno, na forma de como exige o respeito pelo outro, pelo colega, pelo
professor, pelo professor de projeto.
Sinto-me respeitada; percebo também que as relações são harmoniosas, que o
ambiente escolar é harmonioso. Na relação dos alunos percebo uma
cumplicidade, não vejo competitividade. O que mais me causa espanto é o
método em relação à disciplina. Em cada atitude, em cada gesto são atitudes de
respeito, percebo algo que é o fato os alunos terem limites e saberem qual é o
seu limite. Isso me assustou.
Lúcia: Outro aspecto que observo de diferente, e que me impressionou muito, é
algo que não se nas outras escolas: aqui não tem pichação, todas as salas
têm cortinas, os alunos querem deixar tudo muito limpo, recolhem o lixo, no
pátio não tem lixo mesmo depois do intervalo, não tem vidro quebrado. Isso me
impressiona muito, e é o que me faz acreditar nesse projeto, porque
mudança na escola como um todo.
A organização na escola é impressionante; os alunos querem divulgar o seu
projeto, pedem autorização para fazer divulgação do seu projeto em outras
salas, convidam os colegas pra participar do projeto, avaliam uns aos outros o
tempo inteiro com naturalidade e todos aceitam a avaliação da coordenação da
sala, as críticas são aceitas por todos, e eles se atribuem um conceito na auto-
avaliação.
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A narrativa de Cintia, a fala das professoras e dos alunos ratificam a fala de Nias, citado
por Nóvoa (1992, p.25): “o professor é a pessoa. E uma parte importante da pessoa é o
professor”.
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4. 2. O Grupo e as relações de poder
O Grupo do Projeto Conviver é constituído na escola pela diretora, equipe
gestora e professores, o que significa que, a todo início de ano, transforma sua dinâmica,
porque professores entram e professores saem, por ingresso e remoção. No grupo
gestor, os que estão desde o início do Projeto, exceto um dos coordenadores que
assumiu o cargo recentemente; no grupo de professores, também os que estão desde
o início e o defendem porque acreditam no Projeto; e os professores iniciantes na escola
que nem sempre concordam com o que o Projeto propõe.
Os diferentes grupos têm diferentes olhares sobre as relações interpessoais que
se desenvolvem para dar andamento ao Projeto, e que configuram relações de poder. O
eixo desta análise é como os diferentes segmentos percebem as relações de autoridade e
poder na escola.
Os professores que acreditam na concepção do projeto desenvolvem suas
ações junto aos alunos, e outros professores não participam do projeto porque não
compreendem sua concepção.
Os professores novos na escola partem do princípio de que não devem se sentir
obrigados a participar do projeto, têm autonomia para resolverem se vão participar ou
não das propostas do Conviver. O Grupo diz que não é pressionado pela equipe gestora
a participar. O Grupo evidencia ainda que a equipe gestora não utiliza da autoridade e
poder para pressionar os professores a participarem do Conviver, porém é um Grupo em
que as relações de poder direcionam suas ações.
O poder (autoridade) é legitimado pelo modelo tradicional, que estabelece regras
hierárquicas institucionais para serem acatadas pelo aluno. A regra autoritária é a
diretriz a ser obedecida pelos alunos. O poder (autoridade) do professor sempre
funcionou como uma forma de controlar os alunos, porém é uma forma destrutiva para
os alunos e um destruidor das relações humanas. “As escolas são uma das últimas
fortalezas em que o poder é sancionado nas relações humanas” (Gordon, 1998, p. 204).
A gestão da escola também se num processo político: quem determina as
regras são os órgãos blicos que especificam cargos legitimados pelo poder e esses
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cargos têm o papel de fazer com que as leis sejam cumpridas na escola pelos
professores e alunos que devem apenas obedecer. O controle é sempre exercido de cima
para baixo, hierarquicamente. Os professores não participam dos processos de tomada
de decisão na política educacional, e esse fato compromete o nível das relações
estabelecidas na escola. De que forma criar condições facilitadoras de aprendizagem
num processo em que não se participa de escolhas tão importantes como a escolha da
direção?
Morais (1995, p. 24) faz uma análise da autoridade e diz que:
A autoridade é constituída e precisa ser aceita (...) a autoridade de fato é sempre
respeitável, enquanto a de direito poderá sê-lo por coincidência. Isto porque
autoridade tem a ver com liderança, e nada tem a ver com chefia (...) o líder é
aquele que se propõe e é aceito, enquanto o chefe é aquele que se impõe por um
recurso de poder.
Observa-se a autoridade legitimada por parte da Cíntia, em conduzir a escola, a
partir de suas crenças, de seus ideais. É uma autoridade de fato, legitimada pelo poder
público, e é o poder de fato que é utilizado na prerrogativa da diretora.
4. 2. 1. Relação de poder: perspectiva da diretora
A atuação da diretora é centralizadora, apresenta uma atitude de poder na
forma de conduzir o cenário escolar. Seu cargo é legitimado pelo poder público e
assume inúmeras atribuições, entre elas, a gestão burocrática da escola, que é efetivada
pela equipe gestora, uma vez que a diretora não gosta de cumprir este papel burocrático.
Delega à sua equipe gestora a tarefa de organizar a burocracia da escola, e orienta sua
equipe na forma de como desempenhar as funções que devem ser cumpridas.
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Gislaine: Ela gosta de ler, nasceu para o trabalho. Não gosta da parte
burocrática da escola. Ela nem sabe dizer sobre as questões burocráticas da
escola: pagamento, controle de faltas. Mas ela sabe que pode confiar em nós,
na questão de verba da escola, é muito observadora.
Se o professor atrasa todo dia, e a gente não toma atitude, ela vem, fala
pra gente prestar atenção e tomar atitudes. Ela não gosta dessa área
burocrática, mas é muito rigorosa no cumprimento de normas, regras, horário,
assiduidade, e muito observadora para que o cumprimento ocorra.
Patrícia: Aqui na escola é mais a pessoa Cíntia do que a diretora, mesmo
porque a parte burocrática do cargo ela não gosta, mas é inteligente o
suficiente para compor uma equipe que faça o que não gosta de fazer. A Cíntia
sabe delegar muito bem, e sabe escolher seus parceiros.
A diretora mantém o poder na forma de controle da escola como um todo. Não
gosta de desempenhar as funções burocráticas, mas tem discernimento para delegar essa
responsabilidade a uma equipe que considera capaz. Colabora com a equipe atribuindo
autonomia para fazer cumprir normas e regras, mas direciona o que fazer, quando fazer,
mostrando à sua equipe o rigor e a disciplina necessários na escola para a manutenção
das normas disciplinares, horário de professores e alunos, assiduidade do professor, e
exige que a equipe tome atitudes de orientação quando se evidencia que as normas e
regras foram descumpridas na escola.
Mantém o poder sobre tudo e todos. Observa no decorrer da semana os
acontecimentos que são prioritários para serem refletidos no aquecimento, elabora as
questões que serão as desencadeadoras do aquecimento, observa as lacunas na dimensão
do conhecimento dos professores, seleciona os textos que considera relevantes para
suprir essa lacuna do conhecimento, e algumas vezes elabora os textos a partir de suas
leituras para serem discutidos com os professores, e utiliza de sua autoridade legitimada
de forma sutil para que todos os professores participem das ações do Conviver.
Embora não goste de desempenhar as funções burocráticas, participa de todos
os encaminhamentos pedagógicos da escola: é a diretora que faz a pauta das reuniões do
HTPC, é ela quem dirige as reuniões e participa de todos os HTPCs, reunião com pais.
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Elabora a pauta das reuniões a partir de suas observações e do que considera ser
emergente ao grupo de professores e alunos.
Lúcia: Todos sabemos exatamente o que vai acontecer na semana, o que cada
um de nós tem que fazer de forma pontual porque a Cíntia está sempre
dirigindo isso tudo. Ela participa de todos os HTPCs, e o ponto central é a
reflexão das atitudes das pessoas.
Ana Clara: A Cíntia vai sair de férias, vai estar ausente por trinta dias, mas
antes de sair de férias deixa pronta a pauta dos HTPCs. Ela organiza a
pauta a partir do que considera relevante para ser discutido e pensado na sua
ausência.
Organização em todos os segmentos da escola é uma forma de controle que
encontrou para manter o poder perante professores, alunos, e a escola como um todo. E
para não perder o controle, organiza todas as ações da equipe gestora, de tal forma que
todos sabem o que devem fazer na semana, todos sabem o que deve ser feito por cada
um da equipe. Não quer surpresas que são inerentes ao cotidiano escolar. Faz
ponderações desse cotidiano e a previsibilidade das ações de todos do grupo. Utiliza de
um poder não mais legitimado pelo cargo de um poder de direito adquirido a partir do
que Morais (1995, p. 26) denomina autoridade de contrato”, que é a que “nasce de
um encontro de partes que se respeitam e que se ergue e se sustenta sobre o
consentimento”. É essa autoridade de contrato estipulado que conquistou entre os
professores, coordenação, pais e vice-diretora.
Outro aspecto pelo qual os professores legitimam a diretora como uma figura
de autoridade e de poder se dá em decorrência do conhecimento que possui. No dizer de
Gordon (1998, p. 198), é uma autoridade pautada no conhecimento e na experiência, e é
enaltecido pelo grupo de professores do Conviver.
Claudia: O Projeto Conviver está atrelado ao projeto político-pedagógico da
escola. A Cíntia tem uma bagagem pedagógica que eu não tenho. É o
89
pedagógico que dá estrutura e aliado à humanização da Cíntia faz toda a
diferença.
O nosso trabalho Como educadora é dar significado/sentido ao conteúdo, e
pedagogicamente quem sabe fazer isso é a Cíntia. que ela sentido aos
conteúdos de forma humanizada. Eu não me sinto capaz. Eu não sei se teria
forças sem ela. A Cíntia é a única capaz de dar sentido aos conteúdos, e ela nos
condições de entendermos de que forma podemos dar sentido ao conteúdo.
Ela faz isso de forma humana e com conhecimento técnico científico.
Gislaine: Por isso que nós falamos que se ela sair da escola o projeto não vai
funcionar, e ela fica muito brava, porque ela é uma parabólica, ela que detecta
as coisas que estão acontecendo, a gente não percebe como ela, ela percebe
tudo. É um radar, nós não nos sentimos preparadas pra fazer isso sozinha, sem
sua orientação.
As relações de poder estão incutidas no grupo gestor, que revela não se sentir
preparado para dar continuidade ao Projeto Conviver sem a presença da diretora. Para a
equipe gestora e para os professores, a autoridade da diretora está entrelaçada ao seu
conhecimento, que os distancia numa relação vertical de poder.
A relação vertical desencadeia um poder de direito que permeia um
entrelaçamento entre autoridade e autoritarismo.
Gislaine: Teve uma época que ela dava de presente um livro pra todos os
professores. Livros legais, mas ninguém se preocupava com o teor do livro, mas
com o que ela escrevia nos livros. Ela escrevia em cada livro algo particular, e
todo mundo ficava esperando o que ela tinha escrito. Ela escrevia
particularidades sempre em relação à conduta pedagógica de cada professor.
Na verdade era uma avaliação, e ela era bem honesta nessa avaliação, e
quando a avaliação não era satisfatória, a pessoa não ficava arrasada, saia
com o livro esperando a próxima dedicatória no próximo livro, na esperança
da avaliação profissional por parte da diretora ter se modificado. Os
professores apresentam nessa conduta um comportamento de criança.
90
Ela é muito profissional e não tem essa de “amiguinho”. Agora ela não escreve
mais nos livros, por que demandava muito tempo. Hoje ela faz essa avaliação e
escreve no caderno da Gestão. Ela escreve em relação a cada professor o que
ele tem que fazer o que ele tem que melhorar.
Presentear o professor com um livro e escrever sua avaliação é uma forma de
deixar explícito quem manda, quem observa a conduta do professor, quem pode
elogiar, quem tem autoridade e poder para criticar. Seu comportamento evidencia não
apenas autoridade e poder, mas autoritarismo, de quem diz o que deve ser feito, o que
foi feito errado, o que fazer para melhorar.
A diretora não entende a premiação do livro ao professor como uma forma de
autoritarismo do professor, que impõe seu desejo de transcender seu papel de gestor ao
papel de um mestre supremo, numa relação pedagógica de dependência: a diretora
depende de seu grupo para conseguir alcançar seu ideal de educadora, e para isso quer a
todo custo professores que comunguem de suas propostas pedagógicas, utilizando
prêmios para incentivar a participação, e conferindo um castigo (avaliação negativa) na
perspectiva de mudança de atitude por parte dos professores que não participam do
projeto.
Os professores que recebiam o livro com avaliações insatisfatórias ficavam
decepcionados porque sabiam que a avaliação vem de quem tem o poder para destituir o
cargo de docente se necessário, e isso desencadeia insegurança por parte dos professores
que expressam medo da figura da diretora.
Gislaine: Tenho muito respeito pela Cíntia, e hoje passei do profissional pra
uma relação de amizade, não tenho mais o medo que o professor sente da
Cíntia quando chega aqui na escola.
Luciana: Com a diretora, os professores que não aceitam o projeto não têm
problemas, respeitam muito, mas com a coordenação eles batem de frente.
Defendem-se dizendo que não são compreendidos, acham que ela não gosta
deles.
91
O medo dos professores que não participam do projeto faz com que não tenham
confrontos diretos com a diretora, porém a coordenação enfrenta o embate cotidiano. O
Grupo diz que os professores a respeitam muito, mas ao mesmo tempo diz que, os
professores que não participam do projeto afirmam que a diretora não gosta deles.
O poder da diretora legitimado pelo cargo assegura que possa fazer indicação
dos cargos de confiança. A gestão revela a importância de ter sido indicada pela diretora
para ocupar cargos de confiança da diretora, e o que essa indicação repercute junte ao
grupo de professores:
Gislaine: Trabalho com a Cíntia sete anos. Pra ser professor nessa escola,
todo professor passa por uma entrevista com a Cíntia, e em 2006 fui convidada
por ela pra assumir o cargo de vice-diretora, que é um cargo de confiança.
Fui indicada pela Cíntia pra assumir a vice-direção, porque a outra vice estava
com problemas de saúde, e eu iria substituir por um mês. Fiquei muito feliz com
o convite da Cíntia; ela sempre dá preferência para o professor da casa,
porque ela conhece o trabalho e confia; nossa relação sempre foi muito
profissional, não tínhamos relação de amizade, mas uma relação muito
profissional. Foi pelo profissional que ela me convidou a ser vice durante esse
período de um mês; a vice acabou falecendo, tinha câncer, e eu acabei ficando
na vice-direção da escola e já estou há dois anos.
Enfrentei muitas dificuldades por ter sido convidada pela Cíntia para assumir a
Gestão, mas minha relação era muito profissional.
Claudia: Estou trabalhando na escola com a Cíntia há nove anos; é um período
longo e os professores que são efetivos na escola já internalizam bem essa idéia
de eu estar sempre junto da Cíntia durante tanto tempo, e isso é um diferencial.
Em 2000, eu era professora em sala de aula, e em decorrência do meu trabalho
na escola, fui convidada pela Cíntia para a vice-direção.
A indicação do cargo por parte da diretora desencadeia rivalidade na escola,
por parte do grupo de professores que não foram indicados; por outro lado, o professor
que é indicado pela diretora sente-se valorizado, uma vez que a indicação garante a
92
mudança hierárquica de cargo. Essa indicação desencadeia um clima de rivalidade entre
o grupo.
Na prerrogativa de diretora, faz valer do seu cargo legitimado pelo poder
público para fazer com que todo os professores participem do Projeto, e essa atitude
desencadeia conflito. Embora os professores enfatizem que a diretora não obriga os
professores novos a participar do Conviver, sentem-se pressionados pelo grupo e pela
própria diretora que instiga o conflito no grupo.
Ana Clara: A Cíntia tem fundamentos, mas quando ela não consegue modificar
a forma de compreender a pessoa ela respeita as pessoas: o atrito até se
chegar num consenso. Ela instiga o conflito, porque ela tem uma proposta que
é pedagógica, e que as pessoas tem toda a liberdade de aceitar ou de modificar.
Mas há um atrito até chegar num consenso.
No HTPC existe o conflito de idéias, ela instiga o conflito. Ela adora um
conflito, para que as pessoas compreendam que ela não quer persuadir, mas
ela tem uma proposta e ela deixa muito claro é que é uma proposta de trabalho
e que as pessoas tem toda a liberdade de acrescentar e mudar.
Você tem liberdade de se colocar, pra ir contra, você tem liberdade pra tudo,
mas a partir do momento que você concorda não pra você fazer outra coisa
que não seja o que ficou acordado. Ela não aceita decisões individuais.
Curioso observar que o Grupo assegura o fato de a diretora respeitar as idéias de
todos, mas quando as idéias dos professores não vão ao encontro da concepção do
Projeto Conviver ela instiga e gera o conflito até se chegar num consenso. Mas que
consenso? O consenso que a diretora instiga é o consenso de todos os professores com
suas idéias e concepções? O professor tem todo o direito de discordar do Projeto e de se
colocar, porém esses professores acabam indo embora da escola ou se isolam do grupo.
É um direito ou uma forma de conseguir consensos com suas propostas?
Conflitos entre os professores ocorrem entre os professores que desenvolvem o
projeto Conviver e os professores novos que não compreendem sua concepção. Os
professores novos necessitam de um tempo para compreender a proposta do Conviver,
93
porém, uma vez que não conseguem internalizar essa concepção, são desestimulados a
permanecer na escola, numa atitude impositiva de poder.
O grupo de professores indica a necessidade do tempo para assimilar a
concepção do projeto, mas o tempo necessário para os professores digerirem o projeto
nem sempre é o tempo ideal para o grupo que vem desenvolvendo o Conviver.
Estabelece-se uma rivalidade entre o grupo que está na escola alguns anos, e já
internalizou a concepção do conviver e o grupo dos professores novos que precisam
desse mesmo tempo. No entanto, não lhes é dado e é cobrado deles definição de ações
junto aos alunos. Desenvolve-se uma rivalidade entre os grupos, instigada pela própria
diretora.
Luciana: O que prevalece é uma dificuldade muito grande desses professores
que não concordam com o projeto com os professores que desenvolvem o
projeto- é uma dificuldade coletiva de relacionamentos com o grupo.
Os professores que desenvolvem o Projeto Conviver não querem mais esses
professores na escola, eles colocam impedimentos desnecessários, ocasionando
problemas internos na escola.
Cíntia: Estou com um grupo de professores novos que chegaram esse ano, no
noturno. Eles têm relações difíceis com os alunos porque não acreditam no
projeto, não acreditam que as relações humanas podem interferir na escola, e
eles não conseguem dar aula. Os professores do primeiro B noturno por
exemplo.
Gislaine: Hoje o maior problema são os professores que atuam na escola e não
conseguem compreender o Projeto Conviver, não valorizam as relações na
escola, e não aceitam a idéia que mudando as relações você consegue ter êxito
na aprendizagem. Os professores que não participam do projeto não auxiliam
nas suas ações; porém mesmo que ele não participe tem implicações do projeto
na sua aula.
Alunos: Os professores mais novos na escola fazem alguns comentários, que
acham que o projeto não vai dar certo. A gente percebe quando o professor não
acredita no projeto. Eles não falam nada sobre os projetos que fazemos, não
incentivam, não perguntam, não orientam, e muitas vezes nos desencorajam.
94
Os professores novos na escola não compreendem a proposta do Conviver,
nem a importância de melhorar as relações, acabam desenvolvendo um clima de
rivalidade e competição entre os professore, e estabelecem situação de relações
desarmoniosas com o grupo de professores e alunos. O clima de tensão fica explícito na
escola entre professores que não participam e o restante do grupo que desenvolve o
Projeto.
Gislaine: Hoje são poucos os professores que resistem participar do projeto.
Os que não participam querem passar despercebidos, ficam na deles, não
querem tocar no assunto.
Passar despercebido é uma forma de não ter se expor ao confronto perante o
grupo e perante a direção.
4. 2. 2. Relação de poder: perspectiva dos professores
Uma ação relevante no Projeto Conviver e que desencadeia relações de poder
na escola é a escolha do professor do coração. A escolha do professor do coração
legitima um poder ao professor escolhido e a conseqüência é a rivalidade e
competitividade entre os professores que não são escolhidos para serem professores do
coração.
duas perspectivas de análise inerentes ao papel do professor do coração. A
primeira perspectiva da análise está relacionada ao seu papel específico. O professor do
coração é um orientador nas ações do Conviver. Ele estimula a participação dos alunos
nos projetos, incentiva os alunos a desenvolverem propostas de ação social
independente de obterem notas.
O professor do coração é uma autoridade assumida pelos alunos e professores,
pois é atribuído a ele o papel de, junto aos alunos, definir normas, fazer cumprir as
normas, definir projetos e encaminhar as ações para desenvolver o projeto. O mais
95
importante é ser o responsável como uma figura de autoridade na imposição de limites
juntos aos alunos.
Gislaine: Ser professor do coração é uma segurança pro alunos, mas
também é aquele que coloca limite, é o que acolhe mais uma tapinha,
acolhe mais dá um puxão de orelhas.
O professor do coração é uma ponte entre o responsável pelo aluno e o
próprio aluno, e tem papel de orientar, defender o aluno e até interferir
na relação de pai-mãe-filho. Um coordenador de classe vai ser apenas o
que informa o rendimento dos alunos, que fica com as fichas, falar das
notas vermelhas, azuis, ele vai simplesmente passar a pauta da reunião,
o professor do coração é uma ponte, até pra fazer refletir sobre os
sentimentos do seu filho, suas atitudes, suas ações, condutas.
O professor do coração é eleito pelos alunos e deve apresentar um perfil: ser
carinhoso, incentivador das propostas do Conviver. Nas dificuldades dos alunos, é o
professor do coração que fará a mediação na tentativa de resolução dos conflitos.
Cíntia: O processo de eleição do professor do coração é espontâneo, os alunos
é que votam.
Alunos: O professor do coração é eleito pelos alunos. Tem um papel
fundamental no cumprimento das normas que devem ser cumpridas por nós.
Existem critérios pra gente eleger o professor do coração: tem que estar
sempre junto dos alunos, sempre presente ajudando em tudo o que a gente
precisar, ser responsável. Ele também tem que ser afetivo, ele é o nosso
predileto, mas é afetivo. Quando a gente elege o professor do coração a gente
sabe que ele vai nos ajudar, que podemos contar sempre com o seu apoio.
Nas dificuldades da sala, qualquer uma, é o professor do coração que vai
interferir. Ele interfere com quem precisar: com o aluno, com o professor que
estamos tendo problemas. Existe muito diálogo com o professor do coração. Se
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depois que ele tentou interferir ele não teve uma boa resolução, ele procura
a direção pra interferir.
O professor do coração conversa sempre com a sala pra explicar a importância
do projeto conviver; é o professor do coração que conscientiza da importância
do projeto, e com isso todos os alunos acabam participando.
Gislaine: Às vezes a relação professor-aluno de determinados professores que
não participam do projeto fica muito difícil e eu é que tenho que mediar à
relação. Como professora do coração eu tenho que mediar, interferir, e às
vezes o professor pode não gostar.
O professor do coração tem um papel essencial junto aos alunos: definir quais
as propostas de ações serão desenvolvidas pelos alunos considerando suas prioridades.
A partir das prioridades definidas pelos alunos, o professor do coração orienta condutas
para os alunos melhorarem primeiro a convivência interna na sala de aula, e
posteriormente pensar em propostas para serem desenvolvidas no coletivo.
Diretora: O processo é assim: primeiro os alunos elegem o professor do coração,
após a eleição o professor do coração vai localizar as dificuldades da sala de aula
e vai fazer o mapeamento junto dos alunos. É como se fosse um debate: discute-se
o que a sala precisa para melhorar. Esse passa a ser o projeto interno da sala.
O professor do coração pede para os alunos elaborarem propostas para
resolverem os problemas da sala e a definição do mapeamento da sala é a
primeira ação importante do projeto, pois faz com que os alunos definam os
lugares que devem ser ocupados com responsabilidade.
A definição do mapeamento é a primeira ação para melhor a convivência no
grupo. O mapeamento é pensado pelo professor do coração com a ajuda dos alunos, a
fim de acabar com a indisciplina da sala. Porém, a determinação do mapeamento pelo
professor do coração é um poder atribuído a este professor, legitimado pela diretora.
Selecionar qual proposta será escolhida para ser desenvolvida pelos alunos também é
97
uma forma de disputa interna entre os alunos, que apresentam diversas propostas que
serão votadas.
Cíntia: O processo de mapear os problemas da sala e de propostas que
resolvam esses problemas delega uma responsabilidade e poder à sala. Depois
disso realiza-se um debate entre as propostas e o professor do coração coordena
o debate e a votação que é sempre fechada.
Os alunos dizem que o professor do coração é o professor predileto. Segundo o
dicionário Aurélio, predileto significa aquele que é estimado ou querido com
preferência. Para se ter a preferência do aluno e ser eleito o professor do coração este
professor tem que apresentar características essenciais, como dialogar com o aluno, ser
afetivo, apresentar boas relações, necessita ser próximo do aluno em todas as situações,
ter uma comunicação que permita um diálogo com envolvimento, estabelecer vínculos e
boas relações interpessoais com os alunos.
Patrícia: Um ponto importante a ser considerado no papel do professor do
coração, é que ele tem que ter um vocabulário adequado ao discurso do aluno,
considerando sua linguagem, necessidades, vontades. A gente tem que conhecer
a cultura desse aluno, pois é a forma de poder se integrar e conviver. O
essencial é construir a relação.
Outro aspecto importante no papel do professor do coração é estabelecer o
vínculo com seus alunos. A forma com que o aluno trata o professor do coração
é muito diferente, ele tem respeito, um carinho e é extremamente obediente às
suas orientações. O professor do coração é muito importante no sentido das
relações.
Gislaine: Eu vejo a escolha do professor do coração como uma acolhida, uma
forma de você perceber o respeito dos alunos por você, ter troca de
conhecimento, ter uma maior proximidade com o aluno, até uma intimidade, de
conseguir chegar mais pra conhecer, e não trabalhar só o conteúdo. Nas
primeiras semanas conhecer mais os alunos, conversar mais, deixarem ele te
conhecer.
98
O professor do coração é mais do que um representante de sala, é mais do que
o professor que vai fazer uma reunião de pais, que vai preencher uma ficha e
passar as notas dos alunos.
Ser professor do coração é difícil falar, e mais fácil viver. Eu sempre fui de
participar muito, de ver os interesses dos alunos, de estabelecer uma relação
próxima com os alunos em sala de aula, e por isso eu era escolhida por eles pra
ser o professor do coração.
Como professora do coração eu sempre incentivo os alunos a participarem do
projeto, mas também incentivo as turmas que eu não sou eleita.
Num grupo de professores em que alguns o os preferidos e outros não,
estabelece-se hierarquicamente quem tem mais poder sobre os alunos e quem não tem.
A partir daí, a análise está inserida numa segunda perspectiva que considera que a
escolha do professor do coração é uma forma legitimada pelo grupo de estabelecer
quem é o professor que tem mais poder perante a escola, e esse dado tem sido um
grande desencadeador de rivalidade no grupo de professores.
Se por um lado o professor do coração é o grande aliado da diretora na
perspectiva de todos os alunos abraçarem o Projeto e desenvolverem ações solidárias,
por outro, é um mecanismo que desagrega o coletivo do grupo, entre os professores que
são eleitos e os que não são eleitos.
Os professores que são escolhidos em mais de uma sala ficam como professor do
coração apenas em uma sala, normalmente a que primeiro escolheu o professor. A
diretora nessa situação interfere para que o professor que ficou em segundo lugar
assuma o papel. Porém os alunos ficam insatisfeitos com essa interferência da diretora,
porque o professor do coração deve ser o preferido dos alunos.
Alunos: Tem professor que é eleito professor do coração em mais de uma sala
tem professor que foi eleito em quatro salas, e outros em nenhuma. Nesse caso
a direção sugere que o professor que ficou em segundo lugar fique como o
professor do coração, mas às vezes a gente não gosta porque na verdade o
professor que a gente quer não pode ser o nosso professor do coração.
99
Os alunos percebem o incomodo dos professores que não são eleitos.
Alunos: Os professores que não participam do projeto querem que a gente use
a aula do professor do coração pra realizar os projetos. Alguns professores
sentem ciúmes, e isso acaba atrapalhando o projeto. Tem professores que
pedem pra não ser eleito professor do coração, mas a gente acha que no fundo
eles sabem que não vão ser eleitos, pedem pra gente não votar neles,
porque eles não vão ter tempo de desenvolver o projeto.
O incômodo pelos professores que não são eleitos professor do coração faz com
que se tomem atitudes que explicitam o clima de insatisfação criado na escola em
relação a este poder legitimado pelos alunos, e que muitas vezes leva o professor a sair
da escola.
Luciana: O conviver tem obstáculos, mas os professores quando chegam nessa
escola acreditam que ela é um espaço privilegiado porque tem uma
comunidade diferenciada, e não porque tem um projeto que reestruturou as
condutas no relacionamento das pessoas. Os professores que não conseguem
ter relações mais próximas com o aluno atribuem a responsabilidade dessa
dificuldade à gestão.
Gislaine: Às vezes a relação professor-aluno de determinados professores que
não participam do projeto fica muito difícil e eu é que tenho que mediar a
relação. Como professora do coração eu tenho que mediar, interferir, e às
vezes o professor pode não gostar.
É curioso observar que a diretora incute a rivalidade e o clima de
competitividade na escola como forma de assegurar as ações do Projeto Conviver,
porém numa escola que trabalha o coletivo, o diálogo, a perspectiva do compartilhar, de
melhorar a convivência, instituir o professor do coração é desagregar a unidade na
escola, numa disputa de poder pelo professor preferido. Qual o sentido de a própria
diretora instigar o conflito no grupo?
100
Diretora: O processo de eleição do professor do coração desencadeia
problemas na escola, porque alguns professores são muito escolhidos, outros
não.
No começo do processo de eleição do professor do coração era muito ruim o
professor que não era eleito ficava se sentindo mal, agora como existe um
grupo de professores que sempre é eleito, os demais se conformam, mas existe a
disputa política na eleição.
Gislaine: Como professora participava do Projeto Conviver, contribuía com
idéias, e sempre era escolhida como professora do coração, e a sala que eu não
era escolhida eu me oferecia pra ajudar, pra não dar a impressão de
competição.
O papel do professor do coração desencadeia rivalidade com os professores
que não são escolhidos. Mas aí que aparece a dificuldade da relação professor-
aluno; em alguns casos o professor é eleito em mais de uma sala, pode ser
eleito em várias. A gestão administra isso, pra não ficar um professor do
coração em várias salas, colocamos outros professores como auxiliar do
professor do coração, deixamos em dupla. Quando se evidencia essa situação
isso é conversado em HTPC, pois tem que ser discutido o perfil dos professores
para serem eleitos professores do coração.
4. 2. 3. Ações do Projeto Conviver que desencadeiam relação de poder
O Projeto Conviver apresenta uma proposta de avaliação que também
desencadeia rivalidade entre alunos e professores. As propostas do Conviver são
pontuadas por critérios definidos coletivamente: alunos e professores. A pontuação é
definida todos os anos conjuntamente: alunos e professores. O professor do coração é o
responsável por definir a pontuação junto aos alunos.
Cíntia: As ações que acontecem em sala de aula têm valor um, ações que
acontecem na escola, que eles socializam têm valor dois, ações socializadas na
comunidade têm valor três. As ações são sempre nesses três níveis: na sala de
101
aula, escola e comunidade, mas cada sala tem o seu projeto elaborado de
acordo com as suas dificuldades.
Alunos: Todo projeto tem uma nota, a gente se preocupa com a nota, mas o que
mais importa mesmo é o projeto, o que é feito nesse projeto.
muitas normas pra serem cumpridas em relação ao projeto conviver. Essas
normas, parte delas quem define é a coordenação da escola, outras normas
cada sala tem a sua. O aluno coordenador tem que ser fiel às normas, e cada
vez que alguém da sala descumpre as normas, perdemos pontos, e é o aluno
coordenador que indica que perdemos pontos.
Cada coisa que fazemos tem ponto, tudo é ponto. Se ficamos na porta da sala
de aula entre uma aula e outra perdemos pontos. Outro exemplo é o
mapeamento que é uma norma. O professor do coração verifica onde cada
aluno deve ficar sentado, pensando na melhor maneira de não atrapalhar a
aula, ou de participar melhor. Se o mapeamento não for cumprido os alunos
perdem pontos.
Existe um caderninho que fica com o coordenador da sala; nesse caderninho
ele vai marcando tudo o que fizemos de certo e de errado e vamos ganhando ou
perdendo pontos. Por isso os próprios alunos brigam entre si para que as
normas sejam cumpridas e para que todos participem do projeto. Esse é uma
forma de conscientização feita pelos próprios alunos.
Os pontos são computados em cada uma das ações: na sala de aula, na escola e
na comunidade. Os pontos são atribuídos pelo aluno coordenador da sala que tem que
ser fiel às normas que foram estipuladas em grupo. Quando se descumprem as normas
estipuladas, a sala perde pontos. Ao final do ano, os pontos são computados, e o projeto
com maior pontuação recebe uma premiação.
Gislaine: Ao término do projeto o aluno faz auto-avaliação, e essa nota vai pra
sua pasta. A atribuição de notas tem normas que são definidas em grupo. Se a
auto- avaliação for considerada injusta a classe se posiciona com argumentos.
Os alunos se lembram de cada detalhe, por isso a auto-avaliação costuma ser
bem pertinente. A nota não faz parte do processo de avaliação de disciplinas,
102
mas é uma auto-avaliação da sua conduta no Conviver, na atuação como
aluno, como pessoa.
O processo de avaliação quem acompanha é o professor do coração. Ele
participa de todo o processo da avaliação até a pontuação final. O aluno se atribui a
nota, mas o professor do coração tem o poder para manter a nota ou modificá-la, a partir
da sua análise quanto à participação e desempenho do aluno.
Alunos: A avaliação do projeto quem acompanha é o professor do coração. A
avaliação quem se atribui uma nota é o aluno. A Avaliação acontece numa aula
determinada pela direção, mas o professor do coração tem que estar junto.
O professor vai colocando a nota que cada aluno se na lousa; a sala pode
não concordar e vai argumentar porque não concorda com a nota que foi dada
pelo aluno. Se depois dos argumentos que forem dados por quem não concorda
o aluno não mudar sua nota, o professor do coração é que vai definir sua nota,
mas também terá que dar argumentos pra dizer qual a nota que cada um irá
ficar. Mas sempre se levam em conta os argumentos: do aluno que se deu a
nota, da sala e do professor do coração.
A premiação é uma ação que desencadeia rivalidade entre professores e alunos.
Os alunos sentem-se valorizados por seus projetos serem premiados e por receberem um
prêmio.
Gislaine: A questão da premiação do projeto vencedor desencadeia
competição, mas é trabalhada com os alunos que o mais importante é a ação
positiva e que a premiação é apenas uma conseqüência. Os alunos aprendem a
compreender a importância da sua ação.
Ana Clara: Existe atribuição de notas para os Projetos. Crianças e
adolescentes gostam muito de competição. Nós atribuímos uma pontuação
pelos projetos desenvolvidos e damos um prêmio, que é um passeio para as
crianças e para os jovens um jantar.
103
No final do semestre a gente vai verificar os projetos desenvolvidos. Tem salas
que desenvolvem uma quantidade muito grande de projetos, sempre pensando
na premiação.
O projeto premiado confere uma avaliação positiva na ação dos alunos e do
professor do coração que orientou os alunos dessa sala. Por isso, embora seja dito que o
que importa sejam as ões solidárias realizadas, o bem-estar social de todos, o quanto
se pode contribuir nos projetos, alunos e professores esperam receber o prêmio, que
este existe e foi instituído legalmente pela direção. O prêmio é oficializar quem é o
melhor, e os que não são premiados sentem-se decepcionada.
Luciana: Na avaliação do Projeto Conviver, os alunos levam o processo
muito a sério. Quem avalia precisa ter um critério e um olhar muito
minucioso, não dá pra fazer uma avaliação sem critérios delimitados. Os
alunos valorizam suas propostas, suas ações, e não aceitam perder. O
professor do coração fica extremamente chateado quando sua sala perde
e a gestão tem que contornar.
Algumas turmas administram o fato de não ter sido vencedora,
valorizando a resolução dos problemas em sala de aula, a aprendizagem
proporcionada pelo projeto em si, mas a maioria fica extremamente
decepcionada.
O sentimento de perda gera a decepção, e no lado oposto, o prêmio desencadeia
quem foi o melhor: o melhor projeto, os melhores alunos, os mais dedicados, o melhor
professor orientador de projetos. Alunos e professores ficam numa situação de
rivalidade quando uns ganham e outros perdem.
Para a compreensão das relações de poder estabelecidas na escola a abordagem
centrada na pessoa faz uma análise importante na questão da política que se estabelece
nas relações interpessoais. Numa instituição educacional, organizacional, pública,
privada, as hierarquias são prioritárias no gerenciamento de qualquer gestor. A
104
educação é um universo de hierarquias, que também comprometem muitas vezes a
aprendizagem do aluno, bem como a meta do processo ensino-aprendizagem que é a
metamorfose do indivíduo ao seu crescimento.
É preciso lembrar que o sistema educacional é o mais influente das instituições,
superando a família, a igreja, a política e o governo, pois é o agente que irá modelar a
política interpessoal da pessoa em crescimento.
Rogers (2001, pp. 4-5) afirma:
Política, no uso psicológico e social atual, refere-se a poder e controle: o grau
em que a pessoa deseja, tenta obter, possuir, compartilhar ou delegar poder e
controle sobre outros e ou si mesma. Refere-se às manobras, às estratégias e
táticas, intencionais ou não, pelas quais tal poder e controle sobre a própria vida
e a de outros são procurados e obtidos (...) é o processo de obter, compartilhar
ou abandonar poder, controle, tomada de decisões. É o processo das interações
e efeitos altamente complexos desses elementos, da forma como existem nos
relacionamentos entre pessoas, entre uma pessoa e um grupo ou entre grupos.
A política nas relações interpessoais refere-se ao poder de tomar decisão, seja
de forma consciente ou inconsciente e que regula ou controla os pensamentos,
sentimentos ou comportamentos dos outros ou de si mesmo.
As questões políticas na educação têm sido uma grande resistência para o
estabelecimento de condições facilitadoras no processo de aprendizagem. O poder
ocorre em todos os segmentos, e, na relação professor-aluno, essa é uma questão
primordial: “o professor é quem possui o conhecimento, o aluno é o receptor (...) o
professor é quem tem o poder, e o aluno é aquele que obedece” (Rogers, 2001, p. 79). A
relação professor-aluno é uma relação vertical, que determina que quem tem poder
manda e quem não tem obedece. Também o administrador é “dono do poder”, ao qual
professor e aluno obedecem. O controle é exercido de forma hierárquica, de cima para
baixo. “A regra autoritária é a diretriz aceita na classe”. Os professores são orientados a
utilizar de seu poder para manutenção do controle dos alunos, e estabelece-se uma
105
relação de desconfiança do professor para com seu aluno. O medo garante a autoridade
e o respeito necessários ao professor para conduzir sua aula num clima satisfatório.
Num sistema educacional, nas organizações e nos diversos segmentos da
cultura um princípio de que a natureza do indivíduo requer que não se confie nele,
pois entende-se que “deve ser guiado, instruído, recompensado, punido e controlado por
aqueles que são mais sábios ou possuem status superior” (Rogers, 2001, p. 9).
Observa-se que na concepção de Rogers (1983, p. 93) a palavra “política se
refere ao poder ou controle nos relacionamentos interpessoais e à luta das pessoas para
conseguir esse poder
ou para renunciar a ele”. Na política das relações interpessoais,
estão implícitas a tomada de decisões e os efeitos das ações orientadas para o poder
sobre os indivíduos ou sistemas. “A política tem a ver com as táticas e estratégias pelas
quais as pessoas exercem controle umas sobre as outras ou delegam tal poder” (Rogers e
Rosemberg, 1977, p. 133).
Rogers (2001, p. 230) afirma que o poder pode representar um modo
autoritário, que representa o movimento do poder arbitrário, que não investiga ou
descobre os fatos. Rogers diz que é um tipo de poder que pode ter sido exercido por
pessoas bem intencionadas. Porém, “a política do poder e controle pode ser devastadora,
mesmo quando exercida pelos que estão apenas tentando proteger e cuidar dos jovens”.
Na escola, a conduta da diretora apresenta-se em muitas situações de forma
arbitrária. A democracia evidenciada na fala dos atores da pesquisa deixa marcas da
arbitrariedade da diretora em vários aspectos: o fato de ser uma pessoa centralizadora e
não facilitadora (aspecto discutido), o fato de manter o controle em todas as situações
da escola como: assiduidade dos professores e alunos, o controle da participação dos
professores no aquecimento, conduzir a formação continuada dos professores
selecionando os textos que julga necessários à formação.
A arbitrariedade da diretora desencadeia medo nos professores, principalmente
os professores novos que preferem ficar numa situação de neutralidade e não se
posicionar em vez de argumentar com a diretora e haver o confronto.
Instigar a rivalidade entre os professores é outro dado de sua arbitrariedade e
poder. Desencadeia o conflito para que se chegue a um consenso. Mas, como já foi
106
explicitado, é o consenso das idéias dos professores às suas idéias. Este é o consenso
que busca, e por isso que instiga o conflito no grupo de professores.
Escolher cargos de confiança e desencadear um clima de desconforto na escola
é efetivamente reforçar quem manda e quem deve obediência. Assim como “a regra
autoritária é a diretriz aceita na classe” (Rogers, 2001, p. 79), a fala da diretora é uma
regra de autoridade acatada pelo grupo. A suposta democracia não existe uma vez que
não há tolerância com os professores que não participam do projeto, pois sofrem
pressão da coordenação, da direção e do grupo de professores, sentem-se ameaçados
pelo poder de controle de todo o grupo de professores que desenvolvem o Projeto
Conviver e acabam optando por ir para outra escola. A diretora apresenta influência e
impacto no grupo como um todo, e utiliza de imposição de suas opiniões, idéias, para
influenciar o grupo.
Rogers (2001, pp. 104-105) apresenta uma diferenciação do significado de uma
liderança em que há poder e controle: toma decisões, dá ordens, dirige o comportamento
dos subordinados, conserva as próprias idéias e sentimentos, exerce autoridade sobre as
pessoas e a organização, domina quando necessário, tem poder de coação, ensina,
instrui, aconselha, avalia os outros, recompensas, sente-se recompensado pelas
próprias realizações.
As relações de poder estabelecidas pela diretora têm a perspectiva do poder
apresentado por Rogers, na medida em que toma decisões pautadas no que considera
prioridade. O Projeto Conviver foi uma iniciativa da diretora que considera que é a
forma possível de melhorar a convivência na escola. Não foi uma proposta que nasceu
do coletivo, porque, conforme discutido em capítulo anterior, uma proposta coletiva
tem um planejamento, tem um registro, e o Conviver não foi nem planejado e nem
apresenta um registro formal.
A diretora é uma pessoa dominadora, define a pauta das reuniões de HTPC,
define as perguntas desencadeadoras para o aquecimento, define as estratégias do grupo
gestor durante a semana, de forma a garantir com precisão o que será feito por cada um
da equipe. A necessidade de dominar a situação desencadeia o conflito necessário para
chegar a um consenso: o consenso de todos do grupo com seus ideais.
107
Quanto à questão de recompensar e avaliar indicada por Rogers nas relações de
poder, observa-se que a diretora utiliza a prerrogativa de recompensar e avaliar o grupo
de professores que participam do Conviver. As avaliações são individuais e realizadas
por escrito, num livro que cada professor recebe de presente no final do ano. A
recompensa é a avaliação positiva que registra no livro em forma de dedicatória para os
professores que desenvolvem o Conviver. Os professores que não participam do
Conviver não recebem recompensa com uma avaliação positiva, mas são punidos com
uma avaliação negativa.
Outra forma de recompensa utilizada nas ações do Conviver é a premiação dos
alunos que tiveram maior pontuação nos projetos. A diretora entende que o prêmio é
uma recompensa para os vencedores, porém o prêmio desencadeia uma avaliação
negativa por parte dos alunos que não venceram, porque apresentaram um bom
desempenho nas propostas de ações solidárias e não recebem a premiação. Desencadeia-
se uma rivalidade entre os alunos que receberam o premio com os que não foram
premiados, assim como também desencadeia rivalidade no grupo de professores que não
foram os responsáveis pelos projetos vencedores.
A premiação dos melhores projetos acontece diferentes períodos: manha, tarde
e noite, e um projeto escolhido no ensino fundamental e um no ensino Médio. Os
professores do coração que coordenaram os projetos vencedores sentem-se avaliados
positivamente.
O poder da diretora explicita-se ainda na forma que tem de instruir, de ensinar
e aconselhar. Os professores atribuem à diretora uma autoridade pautada no seu
conhecimento. Porém, é uma autoridade assumida pela diretora de forma autoritária,
uma vez que decide os teóricos que devem ser lidos e analisados pelos professores,
elabora textos a partir de suas reflexões para serem discutidos no coletivo. Na voz dos
atores da pesquisa, a diretora “psicografa textos”, e quem psicografa está num plano
metafísico, superior, diferente de um pesquisador que apresenta dados empíricos de
pesquisa a partir de seus estudos.
Essa análise da perspectiva da diretora relaciona-se a uma política vertical de
relacionamento humano, que reduz o espaço educativo a um momento manipulado
pelos interesses escusos de quem tem o poder. Porém, no papel de pesquisadora, não
posso desconsiderar as evidências de que as táticas e estratégias que a diretora utiliza
108
para ter o poder têm a perspectiva de ajudar o aluno a adquirir a aprendizagem, a
informação e o crescimento pessoal que o capacitará a lidar de um modo mais
construtivo no mundo e se tornar um cidadão nesse mundo.
O poder da diretora impulsiona o Projeto Conviver, e a conseqüência é a
aprendizagem dos alunos sobre si mesmo e sobre seus relacionamentos, a fim de que
possam ter condutas e atitudes solidárias ao retomarem suas vidas reais fora dos muros
da escola. Utiliza-se do poder para seduzir os professores a participarem do Projeto
Conviver, que é um caminho na busca de possibilidades de crescimento e
transformação, e conduzir os alunos nessa conquista. Para isso, ao mesmo tempo em
que utiliza do poder para persuadir o grupo de professores vestirem a camisa do Projeto
Conviver, cria condições satisfatórias para o aluno adquirem a aprendizagem num clima
de confiança na escola.
A abordagem centrada na pessoa insere uma mudança na concepção política
das relações que se estabelecem na escola. O líder, que representa a figura de
autoridade, deve ser uma pessoa que transmite segurança de si e no relacionamento com
os outros. Nessa perspectiva, discutir o planejamento curricular é uma condição
essencial para que todos definam o que é mais relevante para o grupo de alunos. Rogers
(2001, p. 84) evidencia que:
As implicações políticas da educação centrada-na-pessoa são claras: o estudante
detém seu próprio poder e controle sobre si mesmo; ele compartilha de escolhas
e decisões responsáveis; o facilitador proporciona o clima propício a estes
objetivos. A pessoa que está se desenvolvendo e busca o conhecimento é a
força politicamente poderosa. Este processo de aprendizagem representa a
reviravolta revolucionária na política da educação tradicional.
A política das relações interpessoais propostas na abordagem centrada na
pessoa atribui ao facilitador do processo ensino-aprendizagem compartilhar com alunos,
pais, membros da comunidade a responsabilidade pelo processo da aprendizagem. O
processo educativo é de responsabilidade de todo o grupo envolvido. Nessa perspectiva,
a definição de currículo pode ser responsabilidade de uma classe.
109
O aluno desenvolve seu próprio programa de aprendizagem, a partir de seus
interesses, e direciona sua própria aprendizagem, assumindo responsabilidade pelas
conseqüências de sua escolha. A aprendizagem é autodirigida pelo aluno e se apresenta
como uma possibilidade de estabelecer uma relação de igualdade entre professor e
aluno. O professor não determina o que aprender, mas orienta o processo de
aprendizagem.
A aprendizagem autodirigida proporciona um maior nível de dedicação por
parte dos alunos, desenvolvem um pensamento mais criativo. Se por um lado essa
aprendizagem possibilita uma maior liberdade no desenvolvimento do aluno, também
exige uma responsabilidade assumida perante o processo de aprendizagem. “O fato de
dar o poder de escolha ao estudante resulta num senso de responsabilidade totalmente
diferente e num esforço muito maior” (Rogers, 2001, p. 88).
Rogers evidencia que o fato de os alunos perceberem que m maior liberdade
para alcançar seus objetivos, faz com que assumam responsabilidades e um maior
desempenho em seus esforços despendidos no processo de aprendizagem. Esse
compromisso do aluno para com a escola desencadeia uma aprendizagem autodirigida
com maior liberdade, estímulo, compreensão humana, e ao professor cabe uma conduta
que requer uma pessoa com atitudes, interesses, sentimentos, propensões e objetivos
voltados ao crescimento do aluno. O professor é uma autoridade que orienta o aluno.
Duarte (1988, p. 34) em seus estudos explica a questão da autoridade na ótica
rogeriana:
Para Rogers, o professor não é um transmissor de informações, e sim um
facilitador da aprendizagem, que assume atitudes facilitadoras em relação à
aprendizagem dos alunos, que compartilha a sua autoridade de professor com o
grupo, por confiar no ser humano.
Na sua análise, a autora considera que o professor não tem que exercer poder,
mas tem que ser autoridade no domínio dos saberes, e responsável pela ação mediadora
entre o conhecimento e o aluno. O professor é autoridade porque possui um saber que
deverá ser partilhado com a classe. “A autoridade do professor não pode ser negada
110
ela é real e muitas vezes a negação dessa autoridade conferida ao professor é uma das
responsáveis pelo fracasso de determinados alunos” (idem, p. 35).
Quando ocorre uma mudança na concepção política das relações em que não há
poder, o professor é autoridade preocupada com o processo de aprendizagem, as
relações modificam-se na escola, desencadeando um clima de respeito, confiança,
melhor capacidade de ouvir os outros, e a conseqüência é a aprendizagem do aluno. O
aluno passa a ouvir e compreender seu professor e seus colegas, numa posição de
respeito e confiança e estabelece uma melhor convivência na escola.
A partir dessa análise, pode-se assumir que as relações na escola de uma forma
geral são relações que têm o foco da horizontalidade, sobretudo na questão da relação
professor-aluno. O próprio aluno explicita que considera as relações na escola de forma
horizontal. É uma escola que compartilha do diálogo como um mecanismo básico para a
horizontalização das relações.
O Projeto Conviver compartilha responsabilidade do processo ensino-
aprendizagem com o aluno. A aprendizagem autorigida é uma das condutas do
Conviver. O aluno tem uma co-participação e uma responsabilidade assumida pela suas
ações na escola em decorrência do Projeto Conviver. O Projeto Jovem em ação tem a
perspectiva de aprendizagem autorigida na perspectiva rogeriana. Os alunos idealizam
seus projetos a partir da análise que fazem dos problemas emergentes da comunidade
interna ou externa da escola. A partir da sua análise buscam orientações junto aos
professores na melhor forma de conduzir os projetos. Muitas vezes, os professores nem
ficam sabendo dos projetos desde o início, conhecem a proposta apenas em momentos
de apresentação final de resultados quando da socialização do trabalho.
Entre as ações do Conviver, permite-se que seus alunos detenham o próprio
poder e controle sobre si mesmo, ao fazer com que seja co-responsável na eleição do
projeto que é avaliado pelos alunos como o emergencial, e a partir daí os alunos
definam os encaminhamentos para suas propostas.
Na perspectiva de organizar as propostas dos projetos apresentadas pelos
alunos, a questão da convivência é um aspecto central tem que ser definido pelos
alunos. Melhorar a convivência primeiro na sala de aula, e depois na escola como um
111
todo e comunidade externa, é co-responsabilidade dos alunos, que precisam encontrar
soluções para acabar com a indisciplina na sala de aula.
A proposta do Conviver para resolver essa questão é o mapeamento feito pelo
professor do coração junto com o aluno coordenador da sala. O mapeamento é uma
forma de manter a disciplina necessária para alcançar os objetivos dos alunos, e a
manutenção do mapeamento pelos próprios alunos é uma autodisciplina, considerada
por ele como sendo sua própria responsabilidade.
Quanto ao papel do professor do coração é o papel de um professor facilitador
da aprendizagem e que apresenta um perfil para assumir essa responsabilidade junto aos
alunos: precisa ser afetivo, acolhedor, presente na vida dos alunos, e que confia no
aluno e na sua potencialidade. Estabelece uma relação horizontal com os alunos,
assumindo o papel de orientador em suas propostas de ação dos projetos. Ouve os
alunos numa comunicação de receptividade, com um vocabulário específico de sua
faixa de desenvolvimento, orienta, faz a mediação dos problemas junto aos
coordenadores e aos demais professores quando necessário. É o professor do coração
que vai mediar os problemas da sala de aula, da escola como um todo e também os
problemas de casa junto aos pais. Seu papel de mediador com os alunos vai além dos
muros da escola, quando necessita mediar a convivência entre pais e alunos.
O professor do coração assume o papel de facilitador, que autonomia aos
alunos no processo de tomada de decisões, sobretudo na definição da escolha dos
projetos. Estimula a independência dos alunos, e suas ações, porém delega
responsabilidade aos alunos, na manutenção do mapeamento estipulado, na necessidade
de reorganização do mapeamento, no processo de auto-avaliação dos projetos. Interfere
junto aos alunos quando entende que a auto-avaliação não é justa e apresenta os
argumentos necessários para a classe necessidade de alteração na auto-avaliação do
aluno.
Rogers e Rosemberg (1977, p. 206) cita Lao-tse numa máxima que considera
de extrema relevância em suas convicções:
Se eu deixar de interferir nas pessoas, elas se encarregarão de si mesmas, Se eu
deixar de comandar as pessoas, elas se comportam por si mesmas, Se eu deixar
112
de pregar às pessoas, elas se aperfeiçoam por si mesmas, Se eu deixar de me
impor às pessoas, elas se tornam elas mesmas.
As relações estabelecidas na escola, sobretudo a relação professor-aluno, têm a
perspectiva fundamentada num pensamento pedagógico que possibilita ao aluno uma
visão como pessoa que pode e quer aprender, que busca sempre condições de
crescimento pessoal. São relações pautadas numa autoridade que orienta, e oferece um
clima satisfatório para a aprendizagem.
4.2.4. Movimento do Grupo
O Grupo do Conviver é um grupo que não percebe as relações de poder na
escola, e seus membros assumem que constituem uma equipe na qual todos podem
decidir e participar. Não percebem as relações de poder instituídas pela diretora, que é
centralizadora, autoritária. o tom ao Projeto Conviver, direcionando todas as ações
do grupo, seus comportamentos, define normas, regras a serem cumpridas por todos,
define diretrizes que norteiam o princípio de convivência e cidadania do Conviver.
Luciana: A grande maioria dos professores tem por consenso que o projeto é
viável, e os professores que não concordam desencadeiam problemas de
relacionamento com a equipe gestora, docentes e alunos. O Projeto Conviver é
mais interessante do que projeto político-pedagógico. Vivenciando o projeto
todo dia percebe-se que ele é o diferencial da escola.
Patrícia: Gostaria de dizer que sou uma das defensoras do Projeto Conviver.
Ele transforma os alunos de uma forma muito diferente. Falo isso porque sou
docente em outra escola, e já trabalhei em outras escolas, e percebo essa
diferença. O Projeto está inserido em cada ação do nosso trabalho.
Alunos: Quase todos os professores participam do projeto. Tem alguns
professores que não participam, mas eles não falam nada. (...) Esses
professores deveriam entender que a gente se torna mais importante
participando dos projetos.
113
Lúcia: O projeto é desenvolvido se todos compreendem a sua essência.
Ana Clara: É inconcebível um coordenador que não acredite na proposta do
Projeto. Quando ocorre de um coordenador não conceber a idéia do Conviver,
ele mesmo se afasta da coordenação. Dificilmente se escolhe um coordenador
que não tem a ver com a proposta da escola, mas quando isso acontece, o
próprio coordenador se afasta do grupo.
No grupo gestor formamos um grupo que veste a camisa do Projeto. O Projeto
Conviver só funciona porque tem o coletivo.
A viabilidade do Conviver se por conta de ter um grupo que se aceita
passivamente o controle e a forma de conduzir da diretora. Bruno (2003, p. 13) diz que
“uma escola organizada por todos que nela atuam tem chances de ser uma escola
adequada aos interesses de seus organizadores”. O Grupo do Conviver atua de forma
efetiva na sua manutenção, recomeçando junto aos novos professores o
desenvolvimento do projeto.
Luciana: Acredito que sessenta por cento dos professores fazem parte do grupo
estável na escola, e são consenso que o Projeto Conviver é viável; a
rotatividade de professores se dá por conta da atribuição de aula todo início de
ano; os professores que chegam tentam entender o projeto, mas não aceitam
porque suas concepções estão muito distintas dessa proposta.
O Grupo atribui à diretora o diferencial para o desenvolvimento do Projeto, por
considerar que é a responsável pelo encaminhamento de condições que desencadeiam
um clima de confiança, harmonia e boas relações. O Grupo não percebe que não é capaz
de caminhar sozinho, porque não tem delegação de autonomia, que é a situação oposta
do que propõe Rogers ao apresentar sua análise em relação aos grupos de encontro.
Rogers (1978, p. 7) apresenta um estudo sobre os grupos de encontro no
processo terapêutico. A abordagem rogeriana na educação emergiu no campo do
114
aconselhamento e da psicoterapia, como ensino centrado no estudante ou educação
centrada na pessoa. Os grupos de encontro:
Consistem num pequeno grupo de pessoas em que, com um facilitador ou líder,
num clima de liberdade de expressão, cada participante é encorajado a deixar
cair as suas defesas e fachadas e a relacionar-se mais aberta e diretamente com
os outros. A experiência fundamental do grupo consiste naquilo a que Rogers
chama o encontro básico, a relação imediata, de pessoa a pessoa.
A proposta de Rogers é constituir uma experiência de grupo com o objetivo de
mudança construtiva, dirigida com a liberdade de expressão, de descontração, de
participação num movimento de aprendizagem construtiva. “A experiência num grupo
de encontro pode desencadear mudanças profundas no indivíduo e no seu
comportamento, numa série de relações humanas e na orientação e estrutura de uma
organização” (idem, p. 88).
O Grupo considera que o Projeto Conviver funciona porque tem o
coletivo”, e porque tem a presença da diretora facilitando o ambiente da escola para
desenvolver as ações do projeto.
Gislaine: Ela é uma pessoa especial, mas não sabemos ao certo o que é. Tem
carisma com os professores, a comunidade gosta muito dela, acreditam no seu
trabalho. Os pais quando vem à escola só querem falar com a diretora e só com
a diretora. Às vezes, a gente insiste para os pais conversarem com a gente, mas
os pais insistem em falar com a Cíntia. Parece que a gente não resolve os
problemas como ela.
Na reunião de pais, eles vêm em massa, e sempre tem apresentação de
trabalhos relativos ao Projeto Conviver. A Cíntia também prepara o
aquecimento com os pais: seleciona um texto, e o professor que faz a reunião
irá fazer a discussão do texto. Essa discussão inicialmente é discutida no
HTPC, os professores são preparados pra discussão do texto, pra discutirem
junto aos pais.
115
Os pais fazem avaliação da escola num relatório anualmente. São perguntas
pertinentes ao Projeto Conviver e a escola como um todo. Os pais respondem, a
gente faz uma tabulação, e a partir dessa tabulação a Cíntia faz um texto com a
avaliação geral.
Luciana: Atuo como docente em outra escola estadual, e a escola é muito
diferente dessa; a escola tem um piche por metro quadrado, é um lixão, e
escola tem aluno no corredor, indisciplina, muita sujeira, violência, falta de
respeito excessivo. O gestor na outra escola não direciona projetos pra
solucionar os comportamentos que mudem as ações internas da escola, como a
Cíntia faz aqui nessa escola.
Os alunos amam e respeitam muito a Diretora; ela é autoridade legitimada
pela comunidade. Se hoje a escola pudesse oferecer vagas pra mais quinze
salas, rapidamente as vagas seriam preenchidas, porque a escola da redondeza
tem violência, tem desrespeito. Tem um deputado interessado na ampliação da
escola.
Toda sexta-feira a equipe Gestora formada por cinco pessoas se reúne; a
equipe é formada por: dois vices, dois coordenadores, e a diretora. A reunião
dura quatro ou cinco horas e a Cíntia traz os pontos falhos da escola pra serem
trabalhados no decorrer da semana. A coordenação elabora os textos pra
serem discutidos no HTPC que acontecem três vezes por semana: período da
manhã e noite. A Cíntia organiza a pauta da reunião e encaminha e dirige o
HTPC como uma formação aos professores. Participa de todos os HTPCs.
O Grupo tem uma visão distorcida em relação à diretora.
Patrícia: Ela encanta a todos, e participa como uma pessoa da comunidade
escolar: abre portão, fica na porta na recepção dos alunos, ajuda na
distribuição da merenda. Não dá pra imaginar essa escola sem ela.
Gislaine: A Cíntia é uma incógnita, quanto mais a gente vai conhecendo ela
mais a gente se impressiona. Ela é muito preocupada com a educação, muito
ligada com as coisas que estão acontecendo no mundo, a impressão que me
116
é que ela está o tempo inteiro antenada nas questões da educação, com os
acontecimentos no mundo.
Você conhece a Cíntia não pelo jeito que ela trata você, mas pelo jeito que ela
trata as outras pessoas. Ela é muito especial. Ela é uma pessoa que administra
tudo muito bem, não faz nunca terrorismo, pressão, e a gente faz por querer
agradar, quer fazer da melhor forma pra ela poder te elogiar. A gente quer que
ela nos elogie, quer ter o acolhimento, a sua anuência.
Luciana: Daqui uns três anos a Cíntia irá se aposentar, ou sair
compulsoriamente do estado e a gente acaba sofrendo com tudo isso, porque a
educação vai perder uma profissional que ensina o que é a educação, os
valores da criança fazem com que o professor olhe o outro lado da vida. Ensina
o professor a não pensar no seu conteúdo. Fica na escola doze horas por
dia, fica por amor. Quando percebe que você está com dificuldade ou em
situação de fragilidade ela senta com você e te mostra o caminho e, se quiser
aprender, você vai ter o respaldo dela.
Nesses relatos do grupo, assim como nos relatórios de avaliação da escola, fica
registrada, por parte dos profissionais da escola, dos pais e alunos, a percepção de que a
diretora tem um papel de facilitador da aprendizagem, que promove um clima para o
crescimento, que autonomia para o professor, e que tem como preocupação central o
aluno e o clima da sala de aula para a aprendizagem do aluno. No dizer de Rogers,
proporciona um “clima facilitador de aprendizagem”:
Luciana: Na nossa equipe gestora temos autonomia para tomarmos decisões.
O grupo valoriza o fazer educacional da diretora, que se tornou um modelo
exemplar não apenas pela sua dedicação, capacidade intelectual, mas também pelo amor
e pela devoção que inspira a todos os que com ela aprendem.
Gusdorf (1970, p. 19) diz que “a palavra do Mestre é uma palavra mágica” (op.
cit. p, 19). Os discípulos do Conviver também atribuem à diretora esse atributo mágico:
117
Gislaine: Nós somos seguidoras da Cíntia, somos suas discípulas e ela nossa
mestra; acho que se fosse a outro lugar eu ficaria a frente das coisas, mas aqui
o “espaço” é dela, fora daqui me sinto a mestra de alguma forma. Quando ela
sai de férias, tudo funciona, mas quando ela está aqui, a gente fica esperando
ela. Eu sinto que estamos preparadas pra fazer isso fora dessa escola, mas aqui
não, não queremos nos sentir na frente dela. As pessoas nos procuram pra
ajudar, auxiliar. Mas precisamos do colo dela, ela é um porto seguro.
A Cíntia não é brava, mas ela tem uma autoridade. Ela não bronca, não
discute, mas quando ela conversa com a gente, ela faz a gente pensar e refletir.
Ela não pensa por nós, mas nos leva a perceber e concluir. Quando ela começa
a conversar a gente vai percebendo o que aconteceu, vamos procurando as
respostas, ações, atitudes pra acertar.
Teve uma época que ela dava de presente um livro pra todos os professores.
Livros legais, mas ninguém se preocupava com o teor do livro, mas com o que
ela escrevia nos livros. Ela escrevia em cada livro algo particular, e todo
mundo ficava esperando o que ela tinha escrito. Ela escrevia particularidades
sempre em relação à conduta pedagógica de cada professor. Na verdade era
uma avaliação, e ela era bem honesta nessa avaliação, e quando a avaliação
não era satisfatória, a pessoa não ficava arrasada, saia com o livro
esperando a próxima dedicatória na esperança da avaliação profissional ter
modificado- um comportamento de criança.
No entanto, em oposição à aparente autonomia, o grupo não concebe a
continuidade do Conviver sem sua presença, sentem-se discípulos incapazes de dar
prosseguimento ao Projeto centralizado na sua mestra.
Gusdorf (1970, p. 107) argumenta que a autoridade dos mestres é uma
autoridade ilusória:
O verdadeiro mestre esconde-se no interior de cada um de nós e esse mestre
interior é também o mestre do mestre: quando os mestres expõem por palavras
suas as ciências que fazem profissão de ensinar, mesmo as da virtude e
sabedoria, aqueles a quem chamamos discípulos examinam em si próprios se o
que lhes foi dito é verdade, contemplando assim, de acordo com as forças que
tem a verdade interior. É então que aprendem.
118
Um mestre que não é superado por seu discípulo não desempenha o papel de
mestre. O grupo do Conviver criou uma relação de dependência com a diretora, é um
discípulo que tem a necessidade do mestre, não o dispensa.
Cabe ao chamado mestre ser a autoridade e ter a obediência e respeito de seu
discípulo, numa relação de indivíduo para indivíduo. Mestre e discípulo vivem
solidários, participam de uma mesma aventura: o Projeto Conviver. Porém, um
verdadeiro mestre, conhece seus limites, não pode dissimular de si mesmo as suas
insuficiências. Gusdorf (1970, p. 259) diz que “a relação do mestre com o discípulo é,
necessariamente, uma relação passageira; o bom mestre sabe-o; ele próprio se prepara e
prepara o discípulo para a ruptura futura”.
O grupo do Conviver apresenta a impossibilidade de separação de seu mestre;
cada um dos discípulos não se sente capaz de dar prosseguimento ao Projeto sem a sua
anuência:
Ana Clara: Eu duvido que o Projeto continue sem a Cíntia. O Projeto Conviver
está vinculado à pessoa Cíntia, mas não porque a Cíntia faz pressão, é
estranho. Ela uma injeção de ânimo, todos os anos, ela é uma pessoa muito
criativa, rumina muito, ela vive em eterna ebulição, ela muito retorno pra
nós. Sem a Cíntia, não digo que não vai existir, mas vai ter um grande baque.
Gislaine: A Cíntia acredita na gente, ela acha que nós estamos prontas para
dar prosseguimento ao projeto sem sua presença, ela sempre diz isso pra nós,
que ela sabe que se ela não estiver perto nós saberemos tomar as decisões.
Somos nós que não nos achamos prontas, eu sinto que eu ainda não percebo as
coisas como ela, ela tem uns “insights”, percebe as coisas antes de todos nós.
Nós achamos que não estamos prontas. Eu espero dela algumas coisas, eu sei
que ela percebe coisas que eu não percebo.
Luciana: Eu digo que a diretora é o diferencial nessa escola, e sempre será. Se
um dia ela se aposentar, tem que ter um grupo de Gestores que acredite muito
nesse projeto pra continuar, porque se o projeto acabar, essas crianças vão
sofrer muito.
119
Considerar os docentes que constituem o grupo do conviver como discípulos é
um equívoco, pois um “discípulo ultrapassa seu mestre” (Gusdorf).
Bowen (2008, p. 46) diz que o grupo que está Centrado no Facilitador é um
grupo muito eficaz, porque faz com que o grupo ande e com que as coisas aconteçam
rapidamente”.
Segundo a autora, a empatia é uma condição num processo de reflexão natural
de alguma coisa que a pessoa é, e não algo que as pessoas fazem. Apesar do paradoxo
apresentado por Bowen, são as intervenções empáticas do facilitador que determinam a
direção do grupo.
O Grupo Centralizado no Facilitador tem o sentimento de que as coisas estão
acontecendo rapidamente, e é seduzido por essa acolhida calorosa e pela atenção do
facilitador. Na análise apresentada por Bowen, quanto mais abundante e calorosa for a
acolhida e a atenção do facilitador, maior será o apego que os membros do grupo
sentirão por seu facilitador.
O grupo se encanta com a forma acolhedora, atenciosa da diretora para com
todos da escola, e tem um apego pela sua presença, em todas as ações da escola. Esse
apego gera uma certeza incontestável de que sem a presença de diretora exista
possibilidade de continuidade do Projeto:
Patrícia: É estranho pensar a escola sem a Cíntia. Ela tem uma relação de
amor tão grande com essa escola que mesmo que ela se aposentar eu acho que
ela vai continuar vindo aqui pra escola. Ela expressa uma preocupação, uma
alegria enorme quando as ações do projeto dão certo; é uma alegria e uma
felicidade muito grande no seu olhar.
Bowen (2008, p. 46) diz que, no Grupo Centralizado no Facilitador, é muito
comum que o facilitador faça muita peregrinação e transmita ensinamentos. Os
integrantes do Grupo tornam-se dependentes das intervenções do facilitador em todas as
coisas que devem realizar e “não se empoderam para se tornar facilitadores uns com os
120
outros nem utilizam os seus próprios músculos para influenciar o grupo na direção que
desejam ir”.
Gislaine: Às vezes ela “psicografa” uns textos. Ela muito, e de repente ela
pára pra escrever e faz associações com tudo que a gente vive aqui na escola.
Ela faz a relação de tudo o que ela com o que acontece aqui na escola, ela
faz essa relação muito pertinente com a nossa realidade, ela concretiza nas
suas leituras as nossas vivências, os nossos problemas.
Ela tudo, principalmente os teóricos que tem a ver com a educação. Ela
chega num teórico por causa dos problemas que ela observa na escola, então
ela pra compreender os nossos problemas. Às vezes ela tira xérox, ou às
vezes ela mesma faz o seu texto pra nós lermos. Mas sempre temos leituras, e
sua escrita é muito diferente, ela traz pro momento que nos estamos vivendo e
faz essa relação. Eu nunca vi uma coisa mais clara de você articular a teoria
na prática, porque ela discute os teóricos e vai utilizando os nossos exemplos,
as nossas situações. Ela traz o teórico pra nossa prática, tem sempre uma
fundamentação teórica pra justificar aquela situação, não é ela que diz, mas a
pesquisa científica.
Bowen (idem, ibidem) acrescenta:
Os facilitadores passam a ser vistos pelo grupo como pessoas poderosas e
iluminadas e, geralmente, criam-se algumas místicas em torno deles. (...) o
processo acontece de uma maneira muito sutil e ele raramente é reconhecido
pelo grupo, ao passo que o facilitador tem consciência de que as suas
intervenções empáticas o tornarão poderoso no grupo.
O grupo atribui à diretora o papel de iluminada, por tudo que faz, da forma que
conduz:
121
Claudia: A Cíntia é uma pessoa iluminada, se ela se aposentar o projeto acaba.
Tenho medo que todo o trabalho dela se perca. Ela é a vida dessa escola, e nós
seus aprendizes.
Luciana: Os alunos perceberam nessa atitude de respeito na escola que as
relações estabelecidas são horizontais.
Gislaine: Hoje passei do profissional pra uma relação de amizade. Eu tenho a
idade da filha da Cíntia, e hoje tenho uma relação mãe e filha, e passei a
conhecer muito mais “a pessoa”. Tenho muito respeito por ela, e não tenho
mais o medo que o professor sente da Cíntia quando chega aqui na escola.
Patrícia: Se a Cíntia sair, mas o grupo que desenvolve o projeto permanecer
unido, penso que o projeto possa continuar; mas se a Cíntia sair e o grupo de
professores começarem a se desfazer, impossível a continuidade do projeto.
Nas falas, observa-se que o grupo atribui à diretora um papel de líder que
compartilha as decisões no coletivo, porém o que se percebe é a manipulação de seus
integrantes.
No dizer de Bowen (op. cit. 47), a “overdose de intervenções empáticas é uma
maneira pela qual a empatia é desviada para trazer atenção e poder ao facilitador. Cria-
se uma mística em torno do facilitador, em detrimento do empoderamento do grupo”. O
poder fica centralizado no facilitador, ao invés de ser disperso por todos os membros do
grupo.
É o diferencial da escola e sempre será; tem insights e percebe as coisas antes
de todos; tem uma relação de amor com a escola; psicografa textos; pessoa iluminada.
Todos esses atributos correspondem a uma menção honrosa a um líder centralizador,
que determina, conduz, define do seu modo, do seu jeito sutil, uma tentativa
inconsistente de liberdade, que usa de sedução todo início de ano para conquistar os
professores ingressantes ao grupo.
Cíntia: Eu ainda não descobri uma forma de fazer os professores participarem
do Projeto Conviver com envolvimento. “O que tenho feito é usar de sedução”.
122
Morgado (2002, pp. 37-39) faz uma discussão da sedução na relação
pedagógica, e enfatiza que a:
A relação pedagógica entre um que tem saber e o outro que não tem saber
imita ou reproduz a relação originária que é a própria relação de sedução. (...) o
processo de sedução desfigura a relação pedagógica, resultando em
manipulação. (...) A sedução intelectual implica um brutal desvio de autoridade
do professor na relação com o conhecimento.
De um lado, a diretora seduz com seu empenho para que os novos professores
sejam seguidores de seus ideais, por outro, os professores novos reconhecem sua
autoridade, que segundo Morgado (op. cit., p. 129) “é o tipo de transferência ideal para
o trabalho intelectual”.
A relação de sedução deixa evidências mais uma vez que não se trata de uma
relação entre discípulo e mestre, como dizem os integrantes do grupo.
Nesse grupo constituído no Conviver, não há mestre. Há, sim, uma pessoa
centralizadora, que assume uma autoridade perante o grupo. A confiança que inspira no
grupo é uma forma de conduzir os seus ideais. Um mestre oportuniza a liberdade
humana, a diretora tem impregnado em si um determinismo peculiar de conquistar uma
forma de educação solidária, ética.
Os teus verdadeiros educadores, os teus verdadeiros formadores revelam-se o
que é a verdadeira essência, o verdadeiro núcleo do teu saber, alguma coisa que
não se pode obter nem por educação, nem por disciplina, alguma coisa que é,
em todos os casos, de um acesso difícil, dissimulado e paralisado. Os teus
educadores não poderiam ser outra coisa para ti senão os teus libertadores.
(Gusdorf, 1970, p. 317)
A análise do movimento do grupo revela que a diretora é uma profissional que
não abdica de planejar, direcionar e acompanhar as ações que considera importantes
para a melhoria da qualidade da educação na sua escola.
123
O que se em inúmeras falas é a descrição de um processo contraditório,
nada sutil: o desenvolvimento de muitas ações educativas e pessoais positivas, mas uma
concomitante falta de autonomia por parte dos professores. Trata-se de uma diretora a
quem se atribui inúmeros elogios, que se torna quase mística nas suas ações, mas que
intervém em praticamente todas as ações da escola. O fato de os poderes não serem
delegados e a confessada falta de autonomia são os grandes problemas do Conviver.
No caso da diretora, que é a proponente e a impulsionadora do projeto, ela
própria sofre a ação do projeto e se modifica, assim como equipe gestora, pais e alunos.
Há por parte de toda a escola a preocupação com o processo de aprendizagem do aluno,
a partir da melhor convivência entre as pessoas. É uma aprendizagem que assegura ao
aluno a condição de aprender a aprender, que desenvolve um aluno comprometido com
o processo educacional numa atualização dos saberes pedagógicos e culturais,
envolvido num exercício de reflexão a partir de propostas contextualizadas na escola.
O Conviver possibilita uma aprendizagem num clima de sensibilidade,
sentimentos, amizades e relações entre as pessoas. Aprende-se a ser envolvente num
ambiente propício de convivência, o qual favorece as possibilidades para o professor
transmitir, ensinar e aprender. Nesse sentido, o conviver abre um espaço de confiança
como uma atitude básica na relação, num processo de aceitação mútua como o jogo
essencial das relações para despertar a harmonia em relação a si mesmo e em relação ao
outro.
Gislaine: O Conviver preocupa-se com a aprendizagem, porque não pra
separar aprendizagem da relação, uma coisa depende da outra. O adolescente,
a criança precisa de limites, normas, a partir daí vem às relações, a partir vem
à aprendizagem. Uma coisa depende da outra.
O conviver inicia o processo de aprendizagem, e quando as relações não estão
trabalhadas você não chega à aprendizagem. Quando você trabalha as
relações você possibilita que a aprendizagem vá acontecendo.
Ao melhorar a convivência, o resultado final consiste em melhorar a
aprendizagem do aprender a conhecer (Delors, 2001).
124
Aprender a conhecer se inicia pelo aprender a conviver melhor, ou seja, quando
melhoramos a convivência temos um clima satisfatório que garante a aprendizagem dos
conteúdos. Na fala dos entrevistados, o projeto desencadeia uma relação entre melhor
convivência melhora na aprendizagem dos conteúdos.
Alunos: Aprendizagem é aprender coisas novas, aprender como conviver com
os outros, aprender conteúdos.
Tem lugar pra todos aprenderem, tem um lugar pra cada coisa. Se você
respeitar você é respeitado. E isso é uma aprendizagem das mais importantes.
Cíntia: Os alunos dessa escola que foram melhores no ENEM são os do
primeiro B; O ENEM visa justamente à aprendizagem significativa, não tem
nenhuma questão de gramática como gramática. Todas as questões o
interdisciplinares, as questões não são fragmentadas, tem questões de
interpretação de texto, de leitura de gráficos, não exige conhecimento
específico, mas de interpretação.
Ana Clara: O foco dos Projetos não é conteudista, mas é você trabalhar de
forma humanista.
É você trabalhar as relações e a partir d mostrar a importância do
conhecimento e o próprio aluno vai à busca do conhecimento. O aluno sabe
pesquisar, ele sabe desenvolver um Projeto ligando o conteúdo ao Projeto. Os
Projetos são autodirigidos pelos alunos.
a preocupação da aprendizagem dos conteúdos, que são selecionados para
dar subsídios necessários para o aluno se tornar cidadão no mundo. A aprendizagem
autodirigida pelos alunos desencadeia ações que requerem pesquisas teóricas para
subsidiar o desenvolvimento dos projetos.
A explicitação da diretora fica evidente quando informa que os alunos uma boa
avaliação no SARESP. Faz uma análise da avaliação, evidenciando que a elaboração da
prova requer uma integração dos conteúdos para que tenha capacidade de interpretação,
e essa é também sua preocupação, subsidiar os alunos com conteúdos integrados que
lhes garantam condições para estar no mundo e ter visibilidade.
125
A participação dos pais na escola também é uma forma efetiva de aprendizagem.
Os pais são orientados da importância do Conviver, e também participam da dinâmica
da aprendizagem inerente ao Projeto.
Gislaine: Os pais conhecem o Projeto Conviver porque em todas as reuniões de
pais é feita a apresentação de algum trabalho do projeto, e os alunos discutem
com os pais o projeto pra justificar suas ações solidárias em relação à
comunidade.
Claudia: Os pais também são integrados no Projeto Conviver; sempre são
convidados para ir à escola para conhecer a história de vida de cada aluno,
com a intenção de compreender o que acontece com ele.
A forma de ser conduzida a fala com os pais é o diálogo, o saber ouvir. As
reuniões com os pais sempre têm uma pauta com propostas de contemplar os
projetos dos alunos. Eles preparam teatro, tocam música, recitam poesia. A
maioria dos pais gosta das apresentações.
As reuniões não têm apenas o objetivo de entregar as avaliações dos alunos. Os
pais participam na reflexão das atitudes da escola, concordando ou não, mas
sempre num processo de reflexão.
Lúcia: Nas reuniões de pais eu observei uma diferença, os pais participam
muito. uma participação de mais de oitenta por cento dos pais, eles vêm
questionar, participam o tempo inteiro, têm envolvimento com a escola, querem
discutir, questionar as atitudes dos filhos, da professora, querem saber dos
projetos, fiquei impressionada, e foi logo no primeiro dia que eu cheguei. A
presença dos pais é muito grande, diferente das outras escolas.
A participação dos pais na escola é uma forma de efetivar a aprendizagem do
aluno. Os pais são os grandes incentivadores dos filhos no processo de aprendizagem. O
incentivo, a valorização de seus projetos, suas opiniões, são significativas para agregar
uma determinação no aprender.
A preocupação em também ouvir os pais, dialogar, ter sua participação, é uma
forma de garantir a mudança de atitude dos alunos e, portanto, a aprendizagem.
126
Rogers apresenta a visão de aprendizagem em que o indivíduo aprende como um
todo, considerando a cognição e o sentimento do indivíduo. Um desejo de aprender e
compreender aquilo que é significativo para o eu, para a pessoa num determinado
momento, que precisa ser estimulado num processo espontâneo a partir das próprias
necessidades e do desejo de se desenvolver.
Mahoney (1976, p. 10) evidencia que “os objetivos educacionais propostos por
Rogers estão vinculados a uma formulação teórica da aprendizagem”. Segundo a autora,
nas obras de Rogers verificam-se dois tipos de aprendizagem. Uma que contempla a
dimensão da cognição e visa à fixação de conteúdos, e a aprendizagem que “envolve o
indivíduo como um todo (tanto no seu aspecto afetivo como cognitivo), e provoca
mudanças e atitudes mais profundas que o primeiro tipo” (ibidem, idem).
A aprendizagem que envolve o indivíduo como um todo, Rogers denomina
Aprendizagem Significativa. Corresponde a uma aprendizagem abrangente de conceitos
e experiências, de forma pessoal, em que os interesses e os motivos de aprender sejam
os do aluno. A aprendizagem significativa é uma “aprendizagem que é mais do que uma
acumulação de fatos. É uma aprendizagem que provoca modificação, quer seja no
comportamento do indivíduo, na orientação da ação futura que escolhe ou nas suas
atitudes e personalidade” (Rogers, 1961, p. 253).
Rogers (1971, p. 121) reporta-se à aprendizagem significativa dizendo que tem
um “caráter mais pessoal
independência, auto-iniciativa e responsabilidade; libertação
de criatividade; tendência para se tornar, mais, uma pessoa”.
Mahoney (1976,
pp. 41-42
) resumiu o construto que é prioridade na teoria
rogeriana:
Aprendizagem significativa... é envolvimento pessoal, a pessoa toda sentimento e
intelecto está no evento da aprendizagem, auto-iniciada, mesmo quando o
estímulo vem de fora, a sensação de descoberta, de alcançar algo, de compreender,
vem de dentro do aluno... é pervagante, altera o comportamento, as atitudes, talvez,
mesmo a personalidade do aluno... é avaliada pelo aluno, ele sabe se está ou não
satisfazendo sua necessidade, se encaminha para o que quer aprender. O lócus da
avaliação reside no próprio aluno. A sua essência é significativa
.
127
A aprendizagem significativa é mais do que uma acumulação de fatos. É uma
aprendizagem que provoca uma modificação, quer seja no comportamento do indivíduo,
na orientação da ação futura que escolhe ou nas suas atitudes e personalidade. (Rogers,
1961, p. 253)
Os princípios da aprendizagem significativa propostos por Rogers e discutidos
por Mahoney evidenciam uma aprendizagem no indivíduo por inteiro.
A aprendizagem que o Conviver desenvolve tem o envolvimento pessoal, o
aluno todo – sentimento e cognição. É uma aprendizagem auto-iniciada, uma vez que os
alunos definem os projetos a partir da votação nas chapas apresentadas. A seleção é
feita levando-se em consideração a proposta de projeto que os alunos consideram mais
relevante. A partir da escolha do projeto, inicia-se uma aprendizagem autodirigida, os
alunos são co-responsáveis no encaminhamento das ações dos projetos, buscam a
sensação de descoberta, de compreender os caminhos para solucionar os problemas
emergenciais em suas propostas.
Nessa busca de alternativas do projeto, os alunos necessitam da orientação de
seus professores, sobretudo do professor do coração que é o tutor da aprendizagem
autodirigida. É uma aprendizagem pervagante, porque sugerir mudanças, alterações no
comportamento dos alunos e professores, mudança em suas atitudes, inclusive na
personalidade do aluno.
O Conviver muda alunos, professores, equipe gestora e comunidade, que
passam a ter uma responsabilidade social no processo de aprendizagem.
Lúcia: O Projeto ajuda no desenvolvimento da aprendizagem, porque todos
estão envolvidos. O que mais me impressiona é a questão da autonomia,
respeito por parte dos alunos, e isso já é uma aprendizagem.
Patrícia: Aqui os alunos são mais carinhosos, enxerga melhor o outro. O
projeto é aplicado desde a quinta série, e quando os alunos chegam à sétima
série nos surpreendem com várias questões, sobretudo quanto ao respeito e à
ética.
Na concepção da escola e para mim aprendizagem não é só conteúdo
acumulado, mas a questão social, humana. O conteúdo é importante, mas não é
128
isso. A questão humana, a dimensão das relações é muito importante. O
aluno aprende a conviver, a se colocar como indivíduo, como um ser social. Ele
vai à busca de soluções.
O Jovem em ação é um exemplo disso. O aluno tem que interferir na
comunidade, ir à busca de soluções.
Ana Clara: A partir da Campanha da Paz, que deu suporte para o Projeto
Conviver, fomos descobrindo que se o aluno for incentivado a debater os seus
problemas primeiro com os mais próximos e depois com o coletivo, facilitava o
seu aprendizado de ter um posicionamento na sociedade.
A aprendizagem não é apenas o que se aprende nos livros o conteúdo em
alguns momentos não é o mais importante porque o foco pode estar sendo
outro; porém no meu ponto de vista aprendizagem é muito mais do que
conteúdo. Quando o aluno aprende a ouvir o colega que está dentro da sala de
aula, e aprende a ouvir o professor que está em sala de aula ele sozinho vai
aprender. Essa aprendizagem acontece não só com os alunos, mas com os
professores.
A questão da mudança na qualidade das relações interpessoais é destacada na
escola e em casa, junto aos pais dos alunos. Os próprios professores relatam essa
mudança, ao ser mais paciente, ao respeitar o tempo de cada um.
Importante ressaltar que a diretora como a grande precursora do projeto foi
também a que modificou com sua prática. Era uma pessoa impaciente, explosiva,
intolerante, e sua prática nas ações do projeto também causaram impacto de
aprendizagem pervagante. Modificou por inteiro, na sua forma de interagir com o outro,
aprendendo a ouvir o outro, a se colocar de forma mais serena, uma transformação
ampla na complexidade de suas expressões e de seus compromissos como profissional,
pessoa, membro da família e de uma coletividade que é a comunidade escolar da escola,
na qual inspirou uma proposta, procurou caminhos e criou o sonho de transformar o
aluno num ser humano capaz.
129
4. 3. O Projeto Conviver: e a aprendizagem como fica?
O Projeto Conviver é o alicerce do projeto político-pedagógico, que se sustenta
em quatro eixos fundamentais: o primeiro é a importância do coletivo, o segundo é a
prioridade às relações interpessoais; o terceiro é contextualizar a diversificação do
trabalho (ações em sala de aula), e o quarto, o conhecimento e a transformação. Utiliza-
se do conhecimento historicamente acumulado como instrumento para interferir em
ações comunitárias na construção de uma sociedade justa e mais inclusiva. O Projeto
Conviver, então, tem como meta a ação nos diferentes segmentos da escola: sala de
aula, espaços coletivos da escola, comunidade externa, aprimorando as relações entre
professores e alunos, alunos e alunos, professor e professor. Trabalha o respeito ao bem
público, a ocupação do espaço com responsabilidade, as ações a serviço de todos, da
escola e da comunidade.
Por se tratar de uma escola de diferentes grupos sociais alunos de classe
média e alunos de favela, o projeto político-pedagógico parte do pressuposto que é
necessário suprir as necessidades básicas da comunidade, na qual a unidade escolar está
inserida, já que os poderes instituídos não o fazem satisfatoriamente.
Luciana: O projeto político-pedagógico tem como proposta dar visibilidade ao
aluno da periferia, para que ele tenha voz no mundo.
Dar visibilidade ao aluno é uma forma de fazer com que o aluno perceba sua
condição de cidadania. É por isso que o projeto pedagógico preocupa-se tanto em
desenvolver ações sociais, porque, ao se preocupar em ajudar o outro, o aluno reflete
sobre o contexto social, situações problemáticas, pensa possibilidades de solução, busca
caminhos para resolver a situação problema. A possibilidade de ajudar o outro é uma
condição que visibilidade ao aluno. Educar para conquistar a democracia, a cultura
da paz e respeito aos direitos humanos são os princípios básicos do Projeto-Político-
Pedagógico.
130
Preocupada com o ambiente de tensão, brigas cotidianas, a direção implantou
uma campanha na tentativa de minimizar os conflitos entre os diferentes grupos de
alunos, a Campanha da Paz:
Cintia: A Campanha da Paz, que iniciou no segundo semestre de 2000, visava
minimizar conflitos dentro da escola e evitar brigas. Basicamente o ponto da
Campanha da Paz eram as relações humanas. A proposta de ações da
campanha pretendia melhorar o relacionamento na escola, porém os valores
não eram incorporados para ocasionarem mudanças. A campanha diminua as
brigas, mas não mudava as pessoas.
Luciana: A Campanha da Paz foi um dos motivos pra acalmar os ânimos entre
os moradores dos prédios e os moradores da favela.
Ana Clara: A escola, a partir da Campanha da Paz, achou que o projeto
político-pedagógico da escola fosse ter um desenvolvimento satisfatório.
A Campanha da Paz foi o embrião do Projeto Conviver: minimizava de forma
pontual os conflitos na escola, mas não modificava as atitudes dos alunos. O Conviver
foi uma tentativa para essas mudanças.
Luciana: O Conviver é o alicerce do projeto político-pedagógico, e o projeto
político-pedagógico visa à construção do cidadão do mundo; se você quer
construir um cidadão para o mundo ele tem que se relacionar, se ele não se
relacionar ele vai ser um cidadão fragmentado, não vai ter oportunidade, e é
isso que faz o Conviver, ele é o alicerce para o projeto político-pedagógico que
tem como objetivo formar o cidadão para o mundo e para isso os conteúdos
programáticos são articulados.
É preciso entender todo o processo: o projeto político-pedagógico articulado
ao Projeto Conviver articulado aos conteúdos programáticos, e em cima disso
uma colcha de retalhos pra que os professores possam visualizar.
131
Ana Clara: O Projeto Conviver não está separado do Projeto político-
pedagógico; o projeto político-pedagógico da escola funciona, porque faz com
que os alunos de periferia se coloquem perante o mundo.
Aprender a Conviver hoje é uma preocupação mundial. O Relatório Delors
(2001, pp. 89-90) apresenta os quatro pilares para a aquisição do conhecimento: o
aprender a conhecer que consiste em adquirir os instrumentos da compreensão; o
aprender a fazer, que possibilita o agir sobre o meio envolvente; o aprender a conviver,
a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; e o
aprender a ser, que integra os três pilares precedentes, ou seja, é o resultado da fusão
dos três pilares.
Aprender a conviver na perspectiva do Relatório Delors consiste em aprender a
reconhecer as diferenças para um convívio social e aceitar como legítimas as
manifestações do outro. É o primeiro passo para a eliminação dos conflitos.
O Relatório Delors (2001, p.97) afirma que as diferenças sociais geram
conflitos insustentáveis no planeta e propõe:
A educação deve utilizar duas vias complementares. Num primeiro nível, a
descoberta progressiva do outro. Num segundo nível, e ao longo de toda a vida,
a participação em projetos comuns, que parece ser um método eficaz para evitar
ou resolver conflitos latentes.
O Projeto Conviver utiliza as duas vias consideradas no Relatório Delors: a
relação humana, considerando a perspectiva do outro para melhorar a convivência, e os
projetos sociais, que são as propostas comuns a serem desenvolvidas por um grupo de
alunos numa dinâmica de solidariedade. É a cooperação solidária que a possibilidade
de preparar o aluno para ter experiências coletivas no entorno escolar estabelecendo
relações grupais sem discriminação. Experiências em que os alunos possam resolver os
problemas sociais da comunidade escolar e não apenas incorporar informações,
pautadas em relações harmoniosas, democráticas entre a comunidade interna e externa
132
da escola. Experiências que garantam a participação de todos os alunos, exigindo
responsabilidade em cada uma de suas ações, promovendo mudanças de atitudes
dirigidas para a solidariedade e cooperação, consolidando a integração como uma tarefa
cotidiana, impulsionando o aluno a ter participação na comunidade.
Se a sociedade desiguala os alunos, no Conviver procura-se buscar formas para
conviver nessa desigualdade visando à aprendizagem a partir da melhor convivência.
O Projeto Conviver está pautado numa concepção de ser humano que é a
crença irrefutável de que todo ser humano tem condições de aprender, independente de
sua classe econômica social, cultural, política.
O horizonte do processo educativo é a excelência em todas as suas dimensões. O
aluno é encorajado a investir o máximo de si, tendo a medida de si mesmo, sem
comparação com outros, uma vez que é único. Nessa perspectiva, professores e alunos
realizam uma relação específica, como parceiros da aprendizagem. O professor está
sempre atento ao desenvolvimento integral do aluno, ouvinte de suas dificuldades e
conquistas, estimulador de suas capacidades, instigador de horizontes amplos de suas
possibilidades. O aluno é o protagonista do processo educativo e deve ser orientado a
progredir no conhecimento de si próprio, a identificar tudo que seja obstáculo à sua
liberdade para aprendê-lo, mas com compromisso e solidariedade.
Gislaine: A diretora acredita que todo mundo é capaz de aprender, mas acha
que quanto mais novo melhor pra aprender. O comportamento vai se
consolidando conforme o tempo vai passando, e por isso melhor aprender mais
cedo.
A Cíntia parte da concepção de que a essência do ser humano é boa; ela tem
muita esperança que o ser humano possa mudar, possa se transformar, e que
essa transformação é possível pra todos independentes de raça, cor,
principalmente no coletivo.
Claudia: É uma educadora comprometida, acredita no que faz. Acredita no
potencial de todos nós, e tudo que faz é com a alma, respira educação, acredita
que a educação muda, transforma. E enquanto educadora, ela acredita que
todo mundo pode mudar, independente de classe social, econômica, cultural.
133
Eu não me sinto preparada para desenvolver o projeto sem sua orientação. Ela
é a diferença. Formamos uma parceria que deu certo, mas o carisma dela é
único.
Alunos: Aqui na escola quem não aprende é porque não tem força de vontade,
porque a gente aprende que todo mundo pode aprender.
A crença no potencial do aluno é assumida por todos que participam do Projeto
Conviver: professores, alunos, coordenação. É esta crença que permite fazer o aluno
assumir responsabilidades, fazer escolhas, perceber suas reais necessidades. Esta crença
no potencial humano é instigada pela diretora, e é princípio essencial na proposta do
Conviver. Nesta concepção, todos os indivíduos são capazes de crescimento, e o
sucesso de cada um dos alunos depende da participação plena dos professores, que
desafiam cada aluno, mobilizando suas potencialidades, mas assegurando a capacidade
e o ritmo de assimilação de cada um.
Rogers e Kinget (1977, p.39) aborda um conceito importante para a
compreensão dessa crença de que todo ser humano pode aprender, que é a tendência
atualizante:
O ser humano tem a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-se a si
mesmo e de resolver seus problemas de modo suficiente para alcançar a
satisfação e eficácia necessárias ao funcionamento adequado (...) ele tem uma
tendência para exercer esta capacidade.
A capacidade para compreender-se a si mesmo e de encontrar soluções para
resolver seus problemas corresponde a uma tendência inerente a todo ser humano.
Parece ser essa crença na potencialidade do aluno que leva a equipe gestora a investir no
Projeto Conviver.
Rogers (1983, pp.44,45) parte do pressuposto de que “parece existir no universo
uma tendência formativa que pode ser observada em qualquer nível”. Está “sempre
atuante em direção a uma ordem crescente e a uma complexidade inter-relacionada,
visível tanto no nível inorgânico como no orgânico”.
134
Quer falemos de uma flor ou de um carvalho, de uma minhoca ou de um belo
pássaro, de uma maçã ou de uma pessoa, creio que estaremos certos ao
reconhecermos que a vida é um processo ativo e não passivo. Pouco importa
que o estímulo venha de dentro ou de fora, pouco importa que no ambiente seja
favorável ou desfavorável. Em qualquer uma dessas condições, nos
comportamentos de um organismo estarão voltados para a manutenção, seu
crescimento e sua reprodução. Essa é a própria natureza do processo a que
chamamos vida. Na verdade, somente a presença ou ausência desse processo
direcional total permite-nos dizer se um dado organismo está vivo ou
morto.(Rogers, 1983 , p. 40)
A tendência formativa direcional no universo, quando direcionada ao
desenvolvimento das “capacidades da pessoa”, denomina-se tendência atualizante. Essa
é uma tendência construtiva para Rogers: direciona os seres vivos em busca da
manutenção de sua vida, no seu crescimento orgânico. Por isso, a “tendência
atualizante” é o alicerce da abordagem centrada na pessoa. Um organismo, no seu
estado normal, busca sua auto-regulação, independência, sua própria realização. Rogers
(2004,p.45) explica que essa tendência está ativa no indivíduo a todo momento, como
um fluxo ‘subcutâneo’, mas que ela pode ser desvirtuada embora nunca possa ser
destruída”.
Para Rogers et al. (1983 , p. 143) é possível reconhecer “em cada sistema de
pessoas um potencial para a constante operação desta tendência atualizante, como
expressão da tendência formativa da vida e do universo”. A tendência atualizante é
intrínseca e é expressa na maneira de organizar e dirigir o grupo de pessoas de forma
equilibrada, integrando harmonicamente o coletivo e o individual. Rogers[et al.] diz que
a tendência:
Pode ser seguida e observada no espaço estelar, cristais, nos microorganismos,
na vida orgânica, nos seres humanos. Esta tendência é uma tendência
evolucionária, no sentido de maior ordem, maior complexidade, maior inter-
relação. Na espécie humana, ela se desenvolve a partir de uma simples origem
celular, até o funcionamento orgânico complexo, ao saber e sentir abaixo do
nível da consciência, de um dar-se conta conscientemente da harmonia e da
135
unidade do sistema cósmico incluindo a humanidade. (Rogers et al., 1983,
p.142)
Campos (2005,p.21) diz que “para Rogers, as pessoas de um modo geral,
apresentam em comum a característica de serem capazes de se autodesenvolverem,
sempre em direção ao melhor de si, tendo em vista as capacidades próprias inerentes a
cada indivíduo”.
Advíncula (1991, p. 204) faz uma análise da terminologia tendência que
corresponde à idéia de impulso para, “que integra a natureza do organismo e nele opera
enquanto houver vida, mas funcionará plenamente se as condições para a
sobrevivência e o crescimento forem propiciadas”. O respeito ao ser humano é a
condição essencial para a pessoa se fazer valer como pessoa. Nas situações em que essa
condição não é mantida de forma integral, o ser humano desenvolve uma dissociação
que resultará em comportamentos doentios, destrutivos.
Segundo Advíncula (op. cit. p, 205), “para Rogers, o homem que funciona
plenamente mantém contacto com a racionalidade do seu organismo”, e, por isso, ao
avaliarmos as atitudes humanas, observamos que o impulso em direção à vida, a
habilidade de manter-se, de impor-se num ambiente hostil, de adaptar-se, desenvolver-
se é inerente à tenacidade da vida, e é nessa racionalidade que a vida se torna um
processo ativo.
Rogers (2001, p. 269) evidencia que é a tendência direcional do universo é
fundamental na motivação do comportamento dos organismos. É uma tendência à
realização, que “é sempre operante, a qualquer momento, em todos os organismos. É
somente a presença ou a ausência desse processo direcional total que nos torna capazes
de distinguir se um dado organismo está vivo ou morto”. A tendência à realização
existente no organismo humano é básica para a motivação. O organismo é
autocontrolado; em seu estado normal, move-se em direção ao desenvolvimento próprio
e à independência dos controles externos.
O organismo humano quando motivado apresenta a tendência direcional;
lidamos com um organismo que está sempre motivado, sempre pronto para alguma
coisa, em busca de algo. A motivação humana é a base que dá poderes à pessoa, que a
136
torna apta para uma política harmoniosa de relacionamentos interpessoais. Nessa
conduta, o comportamento é integrado e auto-regulador, dirigido à manutenção e à
satisfação, e essa é a lei na natureza.
No entanto, a ativação desta potencialidade requer condições e um clima
interpessoal, o que garante sua ativação. “O exercício desta capacidade requer um
contexto de relações humanas positivas, favoráveis à conservação e à valorização do eu,
isto é, requer relações desprovidas de ameaça ou de desafio à concepção que o sujeito
faz de si mesmo” (Rogers e kinget, 1977, p. 40).
A propensão do homem para crescer em uma direção que enriqueça sua
existência é uma premissa básica da psicologia rogeriana. Rogers acredita que o
organismo humano tende, inerentemente, à manutenção de si mesmo e à procura da
auto-realização. O homem é intrinsecamente bom e orientado para o crescimento; em
condições não ameaçadoras, procurará desenvolver suas potencialidades ao máximo.
Em cada organismo, o importa em que nível, um fluxo subjacente de
movimento em direção à realização construtiva das possibilidades que lhe são
inerentes. também nos seres humanos uma tendência natural a um
desenvolvimento mais completo e mais complexo. A expressão mais usada para
designar esse processo é a “tendência realizadora”, presente em todos os
organismos vivos. (Rogers, 1983, p. 40)
Essa tendência realizadora pode ser frustrada, mas não pode ser destruída no
indivíduo; é uma tendência a partir da qual as experiências se integram para depois se
exprimirem em termos de comportamento, através de um processo de crescimento que
responde a uma necessidade de autoconsideração. Mesmo em condições desfavoráveis,
o ser humano se mantém empenhado na busca de recursos que promovem seu
desenvolvimento. Esse processo é efetuado ao entrar em contato com o campo
fenomenal das outras pessoas. A forma como se estabelecerem as relações poderá
ocasionar mudanças positivas ou não.
137
Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para a autocompreensão e
para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu
comportamento autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um
clima, passível de definição, de atitudes psicológicas facilitadoras. (Rogers,
1983, p. 38)
Há, portanto, uma motivação básica do indivíduo para o seu próprio
crescimento, que são os mecanismos reguladores espontâneos, uma “fluidez interna de
movimentos”, que possibilita que cada sistema vivo se desenvolva e amadureça; “o
substrato de toda a motivação é a tendência do organismo à auto-realização. “Essa
tendência pode expressar-se por uma série ampla de comportamentos e como resposta a
uma grande variedade de necessidades(Rogers, 1983, p. 43). Ao ter acesso a seus
recursos internos, a pessoa pode modificar sua forma de pensar, analisar o mundo
recuperando sua força interna para tomar decisões e modificar sua vida transformando
seus obstáculos em possibilidades de crescimento pessoal.
O organismo é autocontrolado. Em seu estado normal move-se em direção ao
desenvolvimento próprio e à independência do controles externos. (...) Estamos
lidando com um organismo que está sempre motivado, sempre “pronto para
alguma coisa”, sempre em busca de algo (...) reafirmo, até com mais ênfase do
que quando propus a idéia pela primeira vez, minha crença na existência de
uma fonte central de energia no organismo humano; em que ela é uma função
fidedigna de todo o organismo humano e não uma parte apenas dele; em que
talvez seja mais correto conceituá-la como sendo uma tendência à consecução,
à realização, e não apenas a manutenção, como também ao desenvolvimento do
organismo. (Rogers, 2001, pp. 270-273)
A tendência realizadora inerente ao ser humano manifesta-se, portanto, quando
condições facilitadoras estão presentes. As condições facilitadoras possibilitam que a
tendência realizadora se manifeste, mas também propiciem um clima satisfatório para a
aprendizagem.
138
Essas condições trazem como implicação um ensino centrado no aluno, em que a
atmosfera da sala de aula tenha o estudante como centro. Implica confiar na
potencialidade do aluno para aprender, em criar condições favoráveis para o
crescimento e auto-realização do aluno, em deixá-lo livre para aprender, manifestar seus
sentimentos, escolher suas direções, formular seus próprios problemas, decidir sobre seu
próprio curso de ação, viver as conseqüências de suas escolhas.
As condições que criam um clima de facilitação tanto no processo ensino-
aprendizagem são: Autenticidade do facilitador de aprendizagem, apreço, aceitação,
confiança e compreensão empática.
Essas condições não são exclusivas à educação, mas foram transpostas de sua
experiência do processo terapêutico. Mahoney (1976, p. 11) ensina que:
As proposições de Rogers, em educação e aprendizagem, resultaram
fundamentalmente da terapia e da sua experiência de professor. Não podem ser
desvinculadas, de um lado, de suas raízes terapêuticas e, de outro, de seu
componente de crítica e oposição a práticas vigentes nas universidades onde
Rogers desenvolveu durante muitos anos suas atividades docentes.
Essas condições estão inter-relacionadas, sendo difícil estabelecer os limites
separadamente. Almeida (1980, p. 6), em seus estudos sobre uma das condições
facilitadoras, relata pesquisas que revelam:
Os níveis de congruência, compreensão empática e consideração positiva, no
professor, estão geralmente abaixo daqueles requeridos para uma facilitação
mínima, que propicie o crescimento dos alunos, ou seja, muitos professores
estão apresentando níveis de habilidades interpessoais que tendem a retardar,
em lugar de facilitar, a aprendizagem de seus alunos.
139
Autenticidade do Facilitador de Aprendizagem/Congruência
Autenticidade é “a mais básica das atitudes essenciais” (Rogers, 1971, p. 108).
“Quando o facilitador é uma pessoa real, se apresenta tal como é, entra em relação com
o aprendiz, sem ostentar certa aparência ou fachada, tem muito mais probabilidade de
ser eficiente”.
Rogers e Rosenberg (1977, p. 215) diz que a falta de autenticidade cria um
ambiente de “hipocrisia, de falsidade e de mensagens duplas, e está farta de diálogos e
pensamentos dúbios”. Ser autêntico é ser sincero, sem máscaras; ser uma pessoa real
com seus alunos, expor seus sentimentos.
A autenticidade inclui a difícil tarefa de “conhecer o fluxo da vivência que
ocorre em nosso íntimo, um fluxo marcado principalmente pela complexidade e pela
mudança contínua” (Rogers e Stevens, 1987, p. 106).
Quando o facilitador é uma pessoa autêntica, verdadeira, genuína, é muito mais
provável que seja eficaz. Isso significa que os sentimentos que está tendo, sejam quais
forem, precisam ser aceitos por ele mesmo e que ele é capaz tanto de viver esses
sentimentos como de comunicá-los na sua relação com o aluno. Sob esse ponto de vista,
o professor é uma pessoa real com seus alunos, podendo mostrar-se entusiasmado,
entediado, zangado, simpático, com os alunos. Como ele aceita esses sentimentos como
seus, não tem necessidade de impô-los aos seus alunos, ou seja, o professor é uma
pessoa para seus alunos e não um mecanismo por meio do qual o conhecimento é
transmitido de uma geração para outra.
O professor pode sentir entusiasmo por um tema e desinteresse por outro e
precisamente porque ele aceita seus sentimentos como seus, não sente a necessidade de
impô-los aos estudantes ou de insistir para que reajam da mesma forma que ele. É uma
pessoa com vontades, desejos, e não uma imposição de uma exigência escolar.
A aprendizagem pode ser facilitada, segundo parece, se o professor for
congruente. Isto implica que o professor seja a pessoa que é e tenha uma
consciência plena das atitudes que assume. A congruência significa que ele se
140
sente receptivo perante os seus sentimentos reais. Torna-se então uma pessoa
real nas relações com seus alunos. (Rogers, 1961, pp. 259-260)
Rogers (1961,p. 255) utiliza o termo congruência para designar um afrontamento
adequado da experiência, realizado conscientemente: “(...) quanto menos congruência
existir, menos probabilidades existe de ocorrer uma aprendizagem significativa”.
Placco (1978, p. 55) evidencia que Rogers fez uma análise das formulações de
congruência, sob a exigência da univocidade. Sem nos deter no foco de sua análise,
tomamos da autora uma afirmação:
Rogers resume sua teoria das relações interpessoais numa lei provisória:
Existindo desejo mútuo de entrar em contato e se empenhar num processo de
comunicação, quanto maior a congruência de pelo menos um dos participantes,
mais a relação revelará uma tendência para comunicação mais congruente, com
maior ajustamento psicológico e funcionamento aperfeiçoado em ambos
participantes.
(Placco, 1978, p. 43)
Apreço, Aceitação, Confiança / Atitude Positiva Incondicional
O constructo Consideração Positiva Incondicional foi estudado por Almeida
(1980), para verificar a univocidade do uso do termo, na obra rogeriana.
Almeida conclui que Rogers utilizou diversos termos para definir a
Consideração Positiva Incondicional, entre eles: aceitação, estima, apreço,
disponibilidade, respeito, amor e confiança, e que consideração positiva incondicional,
engloba todos eles. Ao final de seu estudo, apresenta a definição do constructo:
Consideração positiva incondicional é atitude calorosa de aceitar o outro, como
ele é, no momento, permitindo-lhe a expressão de qualquer sentimento,
apreciando-o, em sua totalidade, sem estabelecer comparações e estimando-o de
141
forma não possessiva. É o resultado da confiança no organismo humano e, para
que seja eficaz, na relação de ajuda, é necessário que seja percebida pelo outro a
comunicação dessa atitude. (Almeida, 1980, p. 102)
Na análise apresentada pela autora, um dos pontos importantes a serem
considerados sobre o constructo refere-se à importância da consideração positiva
incondicional no relacionamento professor-aluno. “Na medida em que consideração
positiva incondicional é colocada como uma das condições facilitadoras, em qualquer
relacionamento interpessoal, sua importância fica também inquestionada, na situação
escolar” (Almeida, 1980, p. 104). O professor deve se colocar como pessoa na relação
com o aluno e valorizar o aluno com seus sentimentos, suas potencialidades, em
processo de transformação. “Quanto maior for à consideração positiva que o professor
revelar pelo aluno, maior será a probabilidade da ocorrência da aprendizagem
significativa, e melhor será o relacionamento” (idem, ibidem, p. 106).
Duarte (1988, p. 25) afirma que “Consideração Positiva Incondicional não é uma
forma especial de aceitação, é a aceitação do outro como ele é, em sua totalidade; e a
aceitação do outro como ele se sente no momento”.
Empatia
Empatia é a capacidade para ‘intra-habitar’ o outro, para ver e sentir o mundo
tal como ele é para o outro, e para esforçar-se para articular o que se aprendeu fazendo
isto. (...) um abandonar a própria pele e passar-se para dentro da pele do outro” (Rogers
et al., 1983, p. 108)
Carvalho (1979, p. 14) fez um estudo do constructo da compreensão empática, a
fim de verificar se “é unívoco o constructo de compreensão empática” utilizado por
Rogers em suas obras.
Enfatiza, após a verificação a que se propõe, que o professor apresenta esta
atitude quando é capaz de compreender como o aluno reage interiormente, quando
percebe como o processo de educação e a aprendizagem parecem ao aluno. É uma
atitude de colocar-se no lugar do outro, de considerar o mundo através de seus olhos.
142
Não significa entender o aluno no sentido usual de “entendo o que está errado com
você”. A compreensão empática faz com que o aluno se sinta compreendido, ao invés
de julgado ou avaliado.
“A atitude de estar no lugar do outro, de ver pelos olhos do aluno, quase não se
encontra numa sala de aula (Rogers, 1971, p. 114). No contexto da escola,
estabelecem-se diferentes tipos de interações; podemos estabelecer atenção às diferentes
relações, sem que aconteça uma compreensão empática.
Quando a compreensão ocorre, “os alunos ficam profundamente reconhecidos ao
serem apenas compreendidos não avaliados, nem julgados, compreendidos,
simplesmente do seu, não do ponto de vista do professor” (Rogers, 1971. p. 114).
A compreensão empática, de aceitação dos sentimentos verbalizados pelos
alunos, conduz a um processo de escutar e procurar sentir no que o outro está sentindo,
pensar o que o outro está pensando, procurar ver o mundo como o outro está vendo e
repetir para mim mesmo o que o outro está dizendo.
A empatia é uma forma de ser em relação à outra pessoa; é um processo que se
estabelece numa relação.
Duarte (1988, p. 17) explica:
A atenção empática tem quatro principais conseqüências: A primeira é o
término da alienação. O fato de a pessoa ter revelado à outra pessoa (o
terapeuta, por exemplo), certos sentimentos, que ela não revelava nem a si
mesma, e essa outra pessoa tê-la compreendido, traz uma mudança na
percepção do indivíduo em relação a si mesmo. A segunda (...) está sendo
valorizado (...) alguém confia nele, e, conseqüentemente, ele acaba se
valorizando. Terceira (...) característica não avaliativa. O fato de o facilitador
não estar julgando nem avaliando o outro pode trazer uma percepção mais
próxima da realidade do mundo do outro. Quarta (...) identidade da pessoa. É
como se precisássemos da confirmação do outro quanto à nossa própria
existência.
143
Para estabelecer uma relação empática é preciso “ouvir, numa escuta profunda”.
Rogers (1983, p. 5) prioriza o ouvir as pessoas: “Foi ouvindo pessoas que aprendi tudo
o que sei sobre as pessoas, sobre a personalidade, sobres às relações interpessoais”.
Quando ouço, verdadeiramente, uma pessoa e apreendo o que mais lhe importa,
em dado momento, ouvindo não apenas as suas palavras, mas a ela mesma, e
quando lhe faço saber que ouvi seus significados pessoais privados, muitas
coisas acontecem. Há, antes de tudo, uma aparência de gratidão. A pessoa se
sente libertada. Quer transmitir-me algo mais sobre o seu mundo. Surge-lhe
novo senso de liberdade. Penso que se torna mais acessível ao processo de
mudança. (Rogers, 1971, p. 220)
Ouvir o outro significa estar atento não apenas à mensagem verbal, mas também
à mensagem não verbal da comunicação, que expressa palavras, imagens e sentimentos.
A escuta profunda significa ouvir “as palavras, os pensamentos, a tonalidade
dos sentimentos, o significado pessoal, até mesmo o significado que subjaz às intenções
conscientes do interlocutor” (Rogers, 1983, p. 5).
A escuta profunda revela por trás das palavras uma mensagem, que pode ser
diferente do sentido evidenciado no tom de voz. Ouvir a comunicação de forma
profunda faz com que o outro fique mais aberto ao processo de mudança.
Rogers [et al.] (1983 , p. 107) diz que o ouvir é mais do que percepção auditiva:
“Tem incluído todos os sentidos através dos quais podemos perceber a realidade. Uma
palavra mais plena para isto é consciência, que inclui a plena e precisa percepção
sensorial, pensamentos, intuições e respostas emocionais”.
Ouvir traz conseqüências: quando efetivamente ouço uma pessoa e os
significados que lhe são importantes naquele momento, ouvindo não suas
palavras mas ela mesma, e quando lhe demonstro que ouvi seus significados
pessoais e íntimos, muitas coisas acontecem.[...] um olhar agradecido [...] Quer
falar mais sobre o seu mundo. Sente-se impelida em direção a um novo sentido
144
de liberdade. Torna-se mais aberta ao processo de mudança” (Rogers, 1983,
p.6).
Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhes possibilita ouvir
mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas. Mas à medida que
uma pessoa compreende e considera o seu eu, este se torna mais congruente
com suas próprias experiências. A pessoa torna-se então mais verdadeira, mais
genuína. (Rogers, 1983, p. 39)
A genuinidade pressupõe que não necessidade de representar papéis com
fachadas ou máscaras, e podemos dizer aquilo que é preciso ser dito, expressando de
forma transparente os seus sentimentos; por isso ouvir sensitivamente, a dor, a alegria,
medo, irritação, determinação, coragem é dar uma oportunidade ao ouvinte de
crescimento.
“A verdadeira comunicação e os verdadeiros relacionamentos interpessoais são
profundamente capazes de suscitar o crescimento” (Rogers,1971, p.232), e a
compreensão empática é uma condição que facilitará o crescimento.
Integração das Condições Facilitadoras
As condições facilitadoras rogerianas – empatia, congruência e consideração
positiva – são os três elementos atitudinais necessários para promover o crescimento.
Almeida(1999b,p.77) aponta que:
Os princípios da Abordagem Centrada na Pessoa, a confiança no ser humano, o
respeito pelo outro, a preocupação em colocar-se no lugar do outro para
compreendê-lo, o cuidado com a autenticidade, aparecem hoje na forma como
concebem o papel da escola, do professor e do aluno; na forma como definem
seus objetivos, planejam suas aulas, propõem suas avaliações; na forma como
valorizam determinadas atividades e depreciam outras.
145
Placco (1978, p. 46) apresenta algumas distinções quanto à relevância que as três
condições assumem, de acordo com o tipo de relação interpessoal que se estabelece:
Nas interações cotidianas vida familiar, relações sexuais, relação professor-
aluno, empregador-empregado, amigos provavelmente a congruência seria o
fator prioritário, básico para essa vida em comum, garantindo o clima de
veracidade;
Nos relacionamentos não-verbais, onde se tem como objetivo criatividade e
outros processos produtivos são essenciais que se demonstrem cuidado e
apreço, sendo aí prioritária a consideração positiva incondicional.
Nos relacionamentos terapêuticos, em que o cliente se encontra confuso,
ansioso ou amedrontado, é prioritária a empatia.
Do ponto de vista da educação, Placco (ibidem, p. 51) explica que para Rogers a
congruência corresponde a uma precondição para o relacionamento professor-aluno: o
aluno torna-se mais capaz de perceber e reconhecer suas limitações, sem se preocupar
em ostentar uma fachada”.
As três condições facilitadoras estão entrelaçadas. Placco (op. cit., p. 87) diz que
“dificilmente se pode ter empatia, sem que se tenha também consideração positiva
incondicional. Mas, estas duas condições terão sentido se forem autênticas”. Quando
o facilitador apresenta autenticidade no relacionamento, as outras condições podem se
apresentar.
É difícil avaliar, em função desse entrelaçamento, qual das três condições é
essencial no relacionamento; o que se verifica é uma relevância de uma das três em
função do tipo de relação que se estabelece. As três condições criam um clima
satisfatório na relação professor-aluno, e a “atmosfera que prevalece depende
fundamentalmente do que o professor faz e como o faz.[...] o clima psicológico da
experiência educativa revelará uma influência decisiva do grau e no tipo de
aprendizagem obtida”. (Rogers, 1951,p.388)
146
Na tentativa de operacionalizar as atitudes facilitadoras rogerianas, Thomas
Gordon desenvolveu o T. E. T. – Teacher Effectiveness Training (Treinamento de
Eficiência do Professor), proposta cujo objetivo é criar condições de estabelecer
melhores condições no relacionamento, a fim de que o ensino possa se tornar mais
eficiente.
Gordon foi um dos mais brilhantes alunos de Rogers e, ao aderir à Terapia
Centrada no Cliente, desenvolveu programas de desenvolvimento de competências que
permitem uma adequada aplicação dos princípios rogerianos em diferentes contextos:
família, empresas e escola.
Mahoney e Almeida discutem as três atitudes rogerianas que foram
operacionalizadas por Gordon por meio de duas habilidades:
Ouvir ativo ou escuta ativa;
Mensagem- eu ou mensagem na primeira pessoa.
Segundo as autoras:
Essas duas habilidades dão conta das atitudes rogerianas, num ponto que é
comum às três: mensagem não-avaliativa. Cada encontro professor-aluno deve
ser uma tentativa de expressar as três atitudes conforme a possibilidade de cada
um no momento. Essas habilidades podem ser aprendidas, e talvez a primeira
condição seja ter o professor como modelo. À medida que o aluno perceber, em
seu professor, a preocupação com o ouvir ativo e com a mensagem na primeira
pessoa, terá maior probabilidade de usá-las quando se relacionar com os outros.
Além dessa condição, é preciso o exercício dessas habilidades para sua
aprendizagem. (Mahoney e Almeida, 2002, p. 66-67)
Para Rogers e Rosemberg (1977, p. 12) “todas as escolhas do ser humano são
expressões da busca pela auto-realização, pelo crescimento integrado. A plenitude
pessoal, adequada em termos tanto do indivíduo como da sociedade e da espécie, não é
um movimento induzido de fora, e sim uma característica inseparável da existência”.
No Projeto Conviver, o conceito tendência atualizante é uma lente para
compreender as ações da diretora impulsionando ações da escola, baseada na idéia de
147
que todo ser humano é capaz de caminhar para a auto-realização, desde que conte com
um ambiente que ofereça determinadas condições.
Alunos: A escola uma importância única pra cada um de nós. Sentimos que
somos importantes, especiais, por sermos tratados com tanta importância nessa
escola.
O aluno sente-se valorizado, e essa valorização vai ao encontro de suas
necessidades que direcionam suas escolhas. Mesmo não sendo obrigados a participar
dos projetos, de forma direta ou indireta todos acabam participando, porque valorizam a
importância atribuída pelos professores, pelos colegas, pela comunidade, das suas ações
solidárias.
A equipe gestora compartilha esta crença na potencialidade do aluno e a
necessidade de valoração ao aluno com todo corpo docente, pais e alunos, e a partir
dessa crença são desencadeadas ações que potencializam, nos alunos, suas atitudes, suas
ações de compromisso e de responsabilidade.
O compromisso e a responsabilidade seguramente são incutidos nas ações dos
professores e na ação do Conviver. As escolhas necessárias aos encaminhamentos do
projeto são co-responsabilidade dos alunos.
Os alunos decidem conjuntamente normas disciplinares, regras de conduta;
selecionam os alunos coordenadores dos projetos, o professor do coração; decidem o
mapeamento da sala da forma que consideram mais adequada e reavaliam a necessidade
de refazer o mapeamento quando entendem ser necessário; definem as prioridades na
sala de aula; decidem as ações do projeto; decidem as ações sociais. Os professores
atribuem essa autonomia aos alunos, por terem incutido a crença de capacidade inerente
ao aluno em tomar decisões, fazer escolhas. O papel do professor e da escola como um
todo é de orientar as ações dos alunos e não decidir as ações e escolhas que devem
assumir nas propostas dos projetos. Os alunos m a possibilidade de ter iniciativas para
desenvolver propostas.
148
Lúcia: Essa escola é bem diferente da escola que eu estava. Aqui você os
alunos atuando (...) Eles tem iniciativa pra realizar o projeto. O que mais me
chama a atenção é a iniciativa dos alunos.
Os alunos coordenadores de sala são eleitos por votos das chapas que foram
formadas; algumas vezes o aluno coordenador da sala não apresenta o perfil
adequado, e por isso é reavaliado pelos colegas no meio do ano, e é feita uma
nova eleição. Aqui nós vemos os alunos desenvolverem projetos com
autonomia, seriedade, e isso a gente não vê em outras escolas.
Os alunos são incentivados a tomar iniciativas pensando no bem-estar social, no
grupo, no coletivo, e essa é uma responsabilidade possível quando o grupo de docentes
internaliza que uma potencialidade inerente ao ser humano que permite com que
façamos escolhas adequadas. Há várias propostas de iniciativas dos alunos, definidas
por eles, de encaminhamento e responsabilidade deles, e os professores orientam as
ações quando necessário.
4.3.1. Ações da escola para viabilizar do Projeto Conviver
4.3.1.1. HTPC Horário Trabalho Pedagógico Coletivo
A discussão do Projeto Conviver acontece nos HTPCs Horários de Trabalho
Pedagógico Coletivo
1
– e o enfoque basicamente são as relações humanas, pois a
avaliação da Campanha da Paz evidenciou a necessidade de melhorar a convivência na
escola que estava conflituosa.
O HTPC é uma das ações utilizadas pela diretora para promover o
desenvolvimento do Projeto Conviver. A implantação do Conviver e sua permanência
requerem uma constante formação dos professores, e os HTPCs têm sido os momentos
1
São reuniões coletivas realizadas na escola pelos professores da rede pública de ensino estadual paulista
nas quais a proposta é avaliar e discutir a dinâmica da prática docente, da aprendizagem dos alunos e da
organização da unidade escolar.
149
para essa formação: são momentos em que se compartilham sonhos pessoais e
profissionais, buscas, utopias, experiências (boas ou ruins), práticas de sala de aula
(sucessos ou não) e todos os assuntos necessários ao aprimoramento e à qualidade do
trabalho pedagógico.
Nesses encontros, busca-se sempre o equilíbrio nas relações entre todos os
segmentos que convivem no cotidiano escolar: alunos, professores, pais, coordenadores,
direção. A escola tem uma dinâmica particular, e as ações pertinentes a sua dinâmica
são discutidas, preparadas e avaliadas em sua maioria nesses encontros. Há um total de
seis encontros semanais, sendo três no período diurno e três no período noturno.
Os objetivos essenciais do HTPC são:
Implementação do projeto político-pedagógico e do Projeto Conviver e as ações
necessárias para o desenvolvimento.
Socialização de experiências entre os professores, análise das dificuldades que
os professores enfrentam em um determinado momento.
Os HTPCs constituem um suporte indispensável à execução do projeto político-
pedagógico da escola e do Projeto Conviver. É também um momento de formação do
professor nas diferentes dimensões: relacional, conhecimento, avaliação, ética e estética.
Caracteriza-se num encontro coletivo que aprimora a formação continuada do
professor na discussão de bibliografia relevante para a compreensão do cotidiano
escolar, ou na forma de melhorar a convivência com estratégias que possibilitem
vivenciar situações experienciadas em sala de aula.
Todas as reuniões de HTPC partem de uma pauta dos assuntos a serem abordados
com o grupo de professores e definidos na reunião do grupo gestor, a partir das
observações feitas pela diretora e que são pertinentes ao cotidiano da escola, às relações
interpessoais estabelecidas entre professores e alunos, às ações necessárias ao
desenvolvimento do Projeto. Entre os diversos assuntos abordados nos HTPCs alguns
são mais enfatizados pela diretora: descompromisso de alguns professores, necessidade
de estreitamento das relações, adaptação dos professores novos, a interdisciplinaridade,
organização de ações para desenvolver o Conviver, a importância do trabalho coletivo,
150
importância do cumprimento das normas de convivência, desenvolvimento de ações
solidárias na escola.
O HTPC divide-se em dois momentos: um primeiro momento denominado de
Aquecimento, e um segundo momento de Formação do professor.
4.3.1.2. Aquecimento
O Aquecimento é um momento inicial do HTPC e é uma vivência na qual todos
os professores devem expressar sentimentos, desejos, frustrações, medos, angústias,
vividas na escola, e tem por objetivo fazer o professor refletir a sua prática, revendo
suas atitudes, sua conduta em relação aos alunos e professores.
Claudia: Nas reuniões semanais com os professores, a Cíntia organiza o
aquecimento que é uma vivência com o objetivo de fazer as pessoas refletirem
em algum ponto suas atitudes na escola. O aquecimento é um exercício de
humanização. São vivências para mexer com os sentimentos de cada um, falar
mais de si, se mostrar, se expor.
Gislaine: O Aquecimento é uma vivência, um questionamento das atitudes,
comportamentos. Às vezes utiliza-se de um texto, um exercício de relaxamento
com música, mas geralmente é um questionamento com uma pergunta
desencadeadora como, por exemplo: “o que me incomoda”, são perguntas
geradoras, que expressam sentimentos em relação aos comportamentos e
atitudes na escola.
Patrícia: O aquecimento é o início do HTPC. É o momento que cada um tem
para refletir, liberar seus sentimentos.
O aquecimento é uma ação importante para modificar a convivência. Aprender a
se colocar, a se expressar, é também aprender a se ouvir e ouvir o que o outro tem a
dizer de si mesmo em relação aos sentimentos expressos. É uma forma de espelhar
151
condutas cotidianas para que o professor aprenda a visualizar seus comportamentos e
modificá-los.
O aquecimento se inicia com uma pergunta desencadeadora que é articulada a
alguma ação do professor na escola. As perguntas desencadeadoras são pensadas pela
diretora, que observa no decorrer da semana acontecimentos do cotidiano escolar e leva
para o aquecimento situações para serem refletidas por cada professor.
Gislaine: A Cíntia é uma antena parabólica, fica como um radar percebendo
situações, comportamentos, problemas, e ela leva o problema como uma
pergunta simbólica, como uma metáfora, pros professores discutirem a
situação, se colocarem, se perceberem.
Claudia: O aquecimento é pensado a partir de algum ponto que a Cíntia tenha
observado na escola durante a semana, e que ela considera que deve ser
reavaliado, repensado, sobretudo na questão da convivência.
A pergunta desencadeadora é pensada pela Cíntia e está sempre relacionada a
alguma questão comportamental.
Lúcia: A Cíntia sempre parte de uma pergunta, de um questionamento que
todos têm que refletir, e todos têm que se colocar. Esse aquecimento pode ser
uma pergunta geradora, mas nunca genérica, sempre de caso pensado por ela.
A pergunta geradora tem por objetivo fazer o professor repensar suas atitudes,
e o professor tem que refletir e se colocar. Nas nossas reuniões de gestão ela
também faz o aquecimento e também temos que nos colocar, e olhamos para o
aquecimento de forma positiva.
A reflexão de cada um dos professores desencadeia muitas vezes mudanças no
individual e no coletivo. No aquecimento, todo o professor tem que se colocar. Embora
seja explicitado pelos entrevistados que os professores não são obrigados a participar,
uma pressão do grupo para sua participação, porque na expressão de cada um ficam
implícitas situações de comportamentos de todos os professores, independente de
participarem ou não do projeto e independente de quererem se colocar ou não no
aquecimento.
152
Gislaine: Alguns professores não se colocam, não se posicionam, e o próprio
grupo fica pressionando você a se colocar. Exemplo: eu não consegui dar aula,
porque a sua turma estava me incomodando.
Claudia: Alguns professores acham que o aquecimento é uma bobagem e não
participam. A Cíntia respeita quem não participa do aquecimento, porém o
professor acaba se isolando do grupo.
A não participação de um professor no aquecimento tem implicações no
coletivo, pois se o objetivo é a reflexão de atitudes e comportamentos, todos precisam
repensar suas condutas. Nesse repensar, muitas vezes criam-se conflitos no grupo.
O aquecimento também desencadeia uma divisão do grupo a partir dos
professores que não participam do projeto. Rogers (1978, p. 88) aponta que a
experiência do grupo de encontro pode efetuar mudança construtiva, mas também pode
“criar uma divisão nítida entre membros da instituição; podem perturbar a comunidade,
ser profundamente ameaçadores para os que estão agarrados à tradição”.
Lúcia: Muitas vezes essas reflexões geram conflitos, às vezes alguns não
querem se colocar, e isso gera uma situação desconfortável porque as pessoas
não gostam de se colocar.
Patrícia: Tem professor que não consegue se expor, tem medo de expressar
seus sentimentos e não consegue se adaptar. Ele acaba indo embora da escola
no ano seguinte. Hoje entendo que é o momento de cada um.
Patrícia: Tem algumas pessoas que têm muita dificuldade de participar do
aquecimento. É o momento que você fica nu, você fala o que pensa, se expõe. A
pessoa se modifica quando passa a expor seus sentimentos.
Às vezes causa constrangimento, porque são coisas muito pessoais. Os
problemas de relacionamento são trabalhados de forma sutil, mas a Cíntia fala
muito sobre a importância das relações e da nossa convivência.
Ana Clara: O HTPC é atípico em relação às outras escolas do estado. Pra
alguns professores é um processo sofrido porque não está acostumado a
expressar seus sentimentos e acha que ao se colocar vai ter algum tido de
153
retaliação, e isso não acontece, e eu posso falar muito tranqüilamente, porque
eu já estive dos dois lados, como professora e agora na coordenação.
Algumas vezes, a posição da equipe gestora de alguns professores desencadeia
situações constrangedoras, mas revela também a resistência de um grupo que não está
de acordo com a atividade proposta, de não querer ser invadido em sua intimidade, e
isto deveria ser respeitado.
O aquecimento é direcionado algumas vezes por textos que são desencadeadores
da reflexão, outras vezes por perguntas geradoras, mas sempre pensados pela diretora.
Os textos abordam sempre aspectos relacionados à convivência, exemplo: Viver
junto: viva as diferenças. Esse texto aborda diferenças, preconceito. Após a leitura
individual, o texto coletivamente é discutido de tal forma que os professores se
coloquem indicando seus sentimentos na sua prática cotidiana.
Outro exemplo de discussão de texto utilizado para o aquecimento: Ainda sobre
laços e abraços (fragmento do livro Pequeno príncipe, Saint-Exupéry, cap. XXI). A
proposta da discussão do texto era trazer a reflexão da dificuldade para lidar com as
mudanças pessoais.
As perguntas desencadeadoras de reflexão também enfocam dificuldades pessoais
de convivência. Algumas perguntas que desencadeiam a reflexão:
Neste ano eu: reformulei, redirecionei, retomei, redimensionei o meu papel
profissional?
Professores novos: mais atitude, posicionamento diante das ações do projeto.
Como estou me sentindo em relação à escola: decepcionado, cansado,
preocupado / preocupado com o curso, com os professores.
Onde se localizam as maiores dificuldades dos professores?
Estou aberto às críticas construtivas?
Há resistências no grupo na fase de adaptação aos novos professores?
O que espero desse grupo? Cumplicidade, coletividade; que me digam quando
eu extrapolo; que estejam comigo para o que der e vier, porque eu estou com o
grupo; forças para atingir os objetivos.
Qual a prioridade da escola?
154
Definir situações que comprometem o trabalho da escola.
Todas as perguntas desencadeiam o repensar pertinente à conduta profissional na
escola e como estas atitudes têm implicações no coletivo, causando situações
confortáveis ou desconfortáveis no cotidiano escolar.
O aquecimento é uma vivência intensa no grupo dos professores, porém instiga o
conflito, na medida em que as pessoas são obrigadas a se colocar gerando um clima de
tensão.
4.3.1.3. Formação
O segundo momento importante no HTPC ocorre após o aquecimento, é
direcionado à formação do professor. uma preocupação da diretora em subsidiar os
professores com discussão de textos que fazem parte do cenário atual da educação.
Observa as lacunas na formação do professor e busca, a partir do levantamento de suas
necessidades, autores que são referências atuais na educação, e leva para o HTPC
artigos, capítulos de livro, ou ainda bibliografias de concursos públicos que devem ser
lido por todos e discutidos nesse momento de formação.
Patrícia: O HTPC é um momento de reflexão e discussão para pensar na
escola, olhar o colega, aprender com o colega. A Cíntia no decorrer do ano faz
levantamento das deficiências teóricas que temos e discutimos teóricos da
educação pra suprir essas deficiências.
Gislaine: O HTPC é um momento de formação, e eu sou testemunha disso. Em
2003 abriu o concurso para professor, e a Cíntia utilizou os HTPCs para
discutir a bibliografia do concurso. Formávamos um grupo de estudos, e eu
passei no concurso por conta dos estudos no HTPC. Ao fazer a prova a cada
questão que eu respondia lembrava-se da Cíntia e de suas reflexões.
155
Ela participa de todos os HTPCs, e o ponto central é a reflexão das atitudes
das pessoas, mas também é um meio de estudo, porque estamos sempre fazendo
leituras, revendo conceitos, revendo teóricos.
Claudia: A Cíntia tem uma bagagem muito grande, ela de tudo. Eu adquiri o
hábito de ler com ela, principalmente os pressupostos teóricos que
fundamentam a educação. Tudo para a Cíntia deve estar fundamentado. Os
HTPCs são verdadeiras oficinas, de reflexão e de estudo. Em alguns HTPCs a
Cíntia prepara alguns textos para lermos, abordando temáticas da dimensão
afetiva, e alguns de cunho teórico.
A preocupação com a formação continuada do professor é essencial para o
desenvolvimento do Conviver. A formação continuada do professor está presente em
todos os segmentos da educação. Candau (1996, p. 141) apresenta a perspectiva da
formação continuada como reciclagem do professor. “Reciclar significa refazer o ciclo,
voltar e atualizar a formação recebida”. A diretora utiliza este espaço do HTPC como
um espaço de formação, para refletir as informações recentes em educação, discutir as
novas tendências e buscas nas diferentes áreas do conhecimento.
Candau (op. cit, p. 143-144) diz que o lócus da formação a ser privilegiado na
escola é a própria escola, que utiliza como referência fundamental as experiências
cotidianas e a práxis dos saberes para o aprimoramento de seu conhecimento. Nesse
cotidiano, o professor “aprende, desaprende, reestrutura o aprendido, faz descobertas e,
portanto, é nesse lócus que muitas vezes ele vai aprimorando sua formação”.
Nóvoa (1991, p. 144) diz que “a formação continuada deve estar articulada com o
desempenho profissional dos professores, tomando as escolas como lugares de
referência”. A diretora utiliza-se da escola como o lugar de referência para mobilizar os
professores numa prática reflexiva em que é capaz de identificar os problemas e
hipotetizar ações para resolvê-los. Na busca dessa prática reflexiva, a diretora discute as
teorias da aprendizagem que explicitam as diferentes dimensões do saber que norteiam
as diretrizes que dão sustentação ao ensino atual.
156
Dentre os teóricos discutidos no HTPC, Paulo Freire é um dos que está em
constante pauta, sobretudo a proposta da Escola Cidadã
2
. Piaget, Vygostky e Wallon
também aparecem constantemente na pauta de reflexão, além de documentos oficiais de
educação, as diretrizes que norteiam o ensino, pareceres e bibliografia de concursos
públicos. É a partir da leitura e reflexão dos textos que são feitas associações com tudo
que acontece na escola. A diretora faz a relação entre o que se leu e o que se vivencia na
escola.
A escolha do texto ocorre em função dos problemas cotidianos identificados na
escola.
Gislaine: A diretora faz a relação de tudo o que ela lê com o que acontece aqui
na escola. Faz a relação muito pertinente com a nossa realidade, ela concretiza
nas suas leituras as nossas vivências, os nossos problemas (...) Eu nunca vi uma
coisa mais clara de você articular a teoria na prática, porque ela discute os
teóricos e vai utilizando os nossos exemplos, as nossas situações.
Algumas vezes a própria diretora elabora os textos para serem discutidos pelo
professor em sala de aula. A partir de suas leituras, elabora textos que se adéquam as
necessidades da escola.
O momento de formação do HTPC é um processo ativo, mobilizador, instigante
na busca de caminhos para o professor desenvolver seu potencial de forma crítica e
criativa. A perspectiva é de aprimorar as diferentes dimensões do saber: sociais,
culturais, políticas na qual se situam. uma inter-relação entre a cultura escolar, e o
universo cultural dos diferentes atores presentes na realidade escolar.
2
Romão (2002, p. 95): “Escola Cidadã são espaços da vivência democrática mais ampla”.
157
4.3.1.4. Produção de texto
Após a discussão e reflexão dos textos, é solicitada ao professor uma produção de
texto, para registrar tanto o aquecimento quanto o momento de formação. dois tipos
de textos solicitados ao professor que participa dos HTPCs:
Artigo de opinião: produção de um texto com uma síntese descritiva. Nesse
texto, o professor evidencia de forma pessoal suas impressões, seus sentimentos
em relação ao aquecimento ou à formação e os pontos positivos e negativos;
Texto coletivo: um texto impessoal e sintetizado das contribuições do grupo
docente, e das decisões assumidas pelo grupo a partir de suas reflexões no
HTPC. Esse texto é escrito coletivamente para registrar as decisões que foram
tomadas e assumidas no coletivo.
A produção dos textos é uma forma de avaliação do HTPC por parte da equipe
gestora, mas é também uma forma de registrar as definições encaminhadas e assumidas
no coletivo para que todos da equipe escolar cumpram o que foi determinado no
coletivo.
Luciana: Em uma reunião pedagógica ficou combinado com os professores que
nas duas últimas aulas seriam discutidas as normas disciplinares da escola com
os alunos e por último seria feito um artigo de opinião em cada sala. Quase
todos os professores cumpriram o combinado em reunião exceto uma
professora que prioriza conteúdos programáticos. Na sua concepção o
conteúdo de matemática é mais importante do que normas de convivência.
A professora precisava fazer um relatório das normas de convivência da sala
para entregar na Gestão, porque essas normas o repensadas, e a decisão
final dessas normas é geral nos três períodos. Os relatórios chegam até a
Gestão e o grupo gestor decide as normas para toda a escola nos três períodos.
Quando eu vi que a sala daquela professora não trouxe o relatório eu fui à
sala e interrompi a aula e mandei-a levar o relatório na minha sala em 5
minutos, e eu disse pra ela que o combinado em grupo era pra discutir as
normas, e depois de 5 minutos, e depois disso, ela fez o relatório.
158
O HTPC é o momento de decisões coletivas, e o registro possibilita a equipe gestora
tomar decisões para que o decidido seja cumprido.
4.3.1.5. Trabalho Coletivo
O trabalho coletivo é uma ação central no desenvolvimento do Projeto Conviver.
Construir um cidadão para o mundo, com relações harmoniosas, de respeito, ética e
solidariedade, requer que o princípio da coletividade, das decisões do grupo garanta o
bem-estar de todos os envolvidos.
As decisões do Conviver são assumidas no coletivo, garantindo o bem coletivo.
Ana Clara: Eu não tomo mais nenhuma decisão sozinha apenas no coletivo.
Desenvolvemos projetos de solidariedade que em outras escolas é complicado
porque não é um projeto de escola, e os professores desenvolvem projetos
sozinhos praticamente. Mas a gente consegue montar um grupo com os
professores pra trabalhar no coletivo: projetos com idoso, criança de orfanato
que mobilizem as relações.
Todo começo de ano tem uma definição coletiva no planejamento do tema
gerador, e a partir desse tema gerador os Projetos são desenvolvidos. Nesse
ano, o tema gerador é a criança na cidade, o adolescente no país, o jovem no
mundo. O Projeto Conviver só funciona porque tem o coletivo.
Esse ano no noturno ainda não conseguimos fazer o Projeto deslanchar nas
quinze salas com os professores novos porque ainda não conseguimos
encontrar ações no coletivo. Até que o professor compreenda bem o Projeto,
até que ele compreenda a proposta do projeto político-pedagógico, isso leva
um tempo.
Claudia: Antes de vir pra essa escola eu já era docente em outra escola.
Trabalhava numa escola pública no interior de São Paulo. Mas meu trabalho
159
era muito solitário, eu dava aula de matemática e desenvolvia projetos, mas
sempre sozinha.
Quando vim para cá em 2000 me encantei com a escola porque me deparei com
os projetos que eram desenvolvidos coletivamente.
O coletivo prioriza as ações sociais, os rumos dos projetos, bem como quais os
conteúdos necessários quando o que se pretende ensinar tem por finalidade formar para
a cidadania.
O coletivo direciona cada uma das dimensões do saber: o domínio dos
conhecimentos necessários, a definição e o desenvolvimento de conteúdos voltados para
as demandas concretas da ação social.
Rios (2001, p. 127) afirma que:
Um projeto de escola não se faz sem a participação de todos os que a constituem e
não é uma mera soma de projetos individuais, mas, sim, uma proposta orgânica, em
que se configura a escola necessária e desejada, e na qual se articulam, na sua
especificidade, as ações de cada sujeito envolvido.
um entrecruzamento entre o projeto político-pedagógico e o Projeto
Conviver com as propostas coletivas do grupo. É o coletivo que viabiliza as ações
pedagógicas dos professores e alunos para a concretização de seus fins.
Rios (2001, p. 75) diz ainda que:
Na elaboração do projeto, é necessário considerar criticamente os limites e as
possibilidades do contexto escolar e do contexto mais amplo de que este faz parte,
definindo os princípios norteadores da ação, determinando o que se deseja
alcançar, estabelecendo caminhos e etapas para o trabalho, designando tarefas para
cada um dos sujeitos e segmentos envolvidos e avaliando continuamente o
processo e os resultados.
160
O coletivo da escola avalia e toma as decisões necessárias ao encaminhamento do
Conviver, modificando sua estrutura quando entende ser necessário:
Claudia: Nesse ano modificamos a dinâmica do projeto porque sentimos a
necessidade de adaptações ao Projeto Conviver. As quintas e sextas séries
continuam com o mesmo enfoque do Projeto Conviver, e as sétimas e oitavas
séries, o Ensino Médio e Suplência dão prosseguimento ao Projeto Conviver
com um enfoque diferenciado. Modificamos o nome da continuidade do Projeto
Conviver para “Jovem em Ação”. Analisamos que a proposta básica do
Projeto Conviver culmina muito em ações sociais, e o jovem precisa focar as
ações sociais, mas contemplando temas específicos da adolescência. Nessa
perspectiva o projeto ganha uma abordagem com temas culturais que vão além
dos muros da escola, vai além dos problemas da sala de aula, como por
exemplo: gravidez na adolescência, drogas. Foi uma decisão coletiva.
Cintia: Em 2008, fizemos inovações na proposta do Projeto Conviver, e essas
mudanças ocorreram por conta das reflexões coletivas de que os alunos na
sétima, oitava série e Ensino Médio precisavam estar mais próximos das
temáticas da sua fase de desenvolvimento.
Na quinta e sexta série, eles têm muita empolgação com os projetos de foco
social dentro da comunidade. Mas percebemos que na sétima, oitava e Ensino
Médio o foco de maior empolgação são as questões pertinentes à fase de
desenvolvimento em que se encontram. Por conta disso, refletimos e demos um
novo enfoque ao Conviver nessas séries, e esse novo enfoque intitulou-se Jovem
em Ação. Nessa proposta os jovens socializam as informações em nível de
escola, mas com temáticas específicas à adolescência: drogas, violência,
sexualidade, gravidez. O que muda são as ações em função da faixa etária.
A proposta do Jovem em Ação foi decidida a partir das reflexões coletivas, com
projetos mais centrados em temas específicos de sua fase de desenvolvimento. Essa
mudança no direcionamento do Conviver garante uma maior proximidade aos
problemas sociais vinculados à comunidade interna da escola. As propostas de ação
social vão ao encontro da solução de problemas dos próprios alunos.
161
Repensar novos rumos do Conviver a partir da perspectiva de seus atores os
jovens do processo educacional é também buscar uma escola que possibilita a
sociabilidade e a troca de experiências, criando rede de relações que ampliam a
sociabilidade, preparando o jovem para a inserção no mundo de trabalho bem como
decifrar suas angústias, esperanças, expectativas e sonhos.
4.3.1.6. Diálogo
O diálogo é um instrumento de negociação: estimula a amizade, a compreensão
do outro, estimula o ouvir, e o ganho é o desenvolvimento do respeito e da ética
humana. Desencadeia a possibilidade de não julgar, de ser tolerante, de compartilhar
dos mesmos ideais, de comungar os mesmos ideais. O diálogo é uma prática habitual na
escola.
Alunos: A direção é sempre muito presente, procuram conversar muito antes
de punirem algum aluno. A punição é a última medida. Nessa escola, muito
diálogo, a gente discute, mas sempre tem muito diálogo. A direção conversa
muito com a gente e nos ensina a dialogar o tempo todo.
Aqui nessa escola não tem violência, não tem briga. O que tem é muito diálogo.
Nessa escola o aluno tem muitas chances, porque existe muito diálogo.
Gislaine: Nos problemas de relacionamento entre professor-aluno, aluno-
aluno, eles pedem ajuda ao professor do coração, e a equipe gestora, mas a
conduta é sempre a mesma: fazer pensar, repensar, rever as atitudes, reavaliar
a situação, ou seja, dialogar para se chegar a um consenso.
Ana Clara: O Projeto Conviver desenvolve a capacidade de reflexão do aluno,
sua capacidade de análise, de abstração, para ter condições de ouvir o outro,
do diálogo, para chegar num consenso. Desenvolve a capacidade dialógica
discutir com o outro com argumentos, e chegar num consenso, e até questionar
se você está sendo arbitrário.
162
O diálogo não é uma prática habitual em outras escolas, e o Conviver
aprimorou o diálogo até entre os professores.
Sandra: Percebo o envolvimento da direção em todos os segmentos da escola,
tudo se resolve com muito diálogo, e com soluções harmoniosas.
O diálogo é um instrumento fundamental na aprendizagem da teoria e na prática.
Romão (2002, p. 20) salienta a importância do diálogo na concepção freiriana. Enfatiza
que para Paulo Freire sem o diálogo:
O processo de humanização não pode ocorrer, porque homens e mulheres se
completam na busca permanente da plenitude nunca alcançada e essa busca
é dialógica, em dois níveis: o diálogo entre seres em processo comungado de
conscientização e diálogo desse coletivo com o mundo.
O diálogo é condição importante para aprender a conviver. É no diálogo que se
aprende a ter uma fala ponderada na reflexão, na análise, para se chegar a um consenso,
sem a necessidade de ser arbitrário. Dialogar é ter atitudes que permitem melhorar a
convivência.
Claudia: Aprendemos a ouvir os outros nas reflexões que são feitas no
aquecimento, e sabendo ouvir a própria pessoa te dá munição para você
elaborar a resposta. O saber ouvir faz o outro se ouvir também; é como se o
outro estivesse se ouvindo e refletindo sua própria fala.
É o diálogo possibilita, a partir do falar e do ouvir, a desenvolver conhecimento,
cultura.
As HTPCs com o processo inicial de aquecimento nos remete às colocações de
Rogers quanto aos Grupos de Encontro, com as devidas adequações ao contexto escolar.
Rogers (1978, p. 7) denominou este trabalho com pequenos grupos como grupos
de encontro. Os grupos de encontro consistem em:
163
Pequenos grupos de pessoas em que, com um facilitador ou líder, num clima de
liberdade de expressão, cada participante é encorajado a deixar cair as suas defesas
e fachadas e a relacionar-se mais aberta e diretamente com os outros. A experiência
fundamental do grupo consiste no encontro básico, a relação imediata, de pessoa a
pessoa.
Estes grupos são conhecidos como “laboratórios de relações humanas, ou
workshops de liderança, educação e aconselhamento” (idem, ibidem, p. 11).
Os grupos de encontro
3
tinham por objetivo o treino das capacidades das
relações humanas, e para isso nas reuniões dos grupos, ensinavam-se os indivíduos a
observarem suas interações recíprocas e o processo de grupo.
Essa aprendizagem possibilita os indivíduos compreenderem sua própria
maneira de funcionar num determinado grupo, bem como perceber o impacto que
causam os outros. A conseqüência é aprender a lidar com situações interpessoais
difíceis.
Rogers (1971, 297) refere-se à experiência em grupo como uma experiência
intensiva cujo objetivo é “aperfeiçoar as aprendizagens e aptidões dos participantes em
áreas como as de liderança e de comunicação interpessoal”. Os grupos dão ênfase na
interação entre os membros, num processo de “encontro básico”.
O trabalho do processo de grupo permite a vivência da individuação e da
diversidade. Na diversidade do grupo, cada pessoa pode descobrir diferentes aspectos na
maneira de conduzir de maneira mais prazerosa uma determinada situação: descobre
formas de superar um momento difícil, tem insights que permitem crescimento interno,
adquire maior habilidade nas relações interpessoais.
Rogers (1978, p. 11-16) utiliza a palavra grupo num sentido particular, uma “experiência de grupo
planejada e intensiva”. A experiência com Grupos já tiveram diferentes denominações, entre os mais
freqüentes: T-gruop, Grupo de encontro, Treino de sensibilidade. À medida que o interesse pela
experiência intensiva com grupos cresceu, desenvolveu-se uma ampla variedade de modalidades de
grupos. Todos os diferentes tipos de grupo apresentam como característica comum a experiência intensiva
do grupo. As características básicas de todos os grupos: grupos pequenos (oito a dezoito membros) , não-
estruturados, objetivos e direções pessoais, o líder tem como responsabilidade a facilitação da expressão
dos sentimentos e pensamentos por parte dos membros do grupo.
164
Os indivíduos acabam se conhecendo melhor uns aos outros, além do que é
possível nas relações habituais de trabalho. Os grupos de encontro pretendem acentuar o
crescimento pessoal e uma melhora na comunicação e nas relações interpessoais,
através de um processo experiencial.
O facilitador tem papel de conduzir o grupo num clima psicológico de segurança
que permita a liberdade de expressão dos indivíduos. O clima de segurança permite
expressar sentimentos positivos ou negativos, e dessa forma cada pessoa do grupo
caminha para uma maior aceitação de si, de como é, incluindo suas potencialidades.
O clima de confiança possibilita uma redução na resistência do grupo em se
expor. Sem defesas, os indivíduos passam a se ouvir uns aos outros, e o ouvir
desencadeia um feedback de uma pessoa para outra, que possibilita a cada um dos
participantes do grupo aprender a maneira como é visto pelos outros e a dinâmica das
relações interpessoais estabelecidas no grupo.
Rogers (1978, p. 18) diz que, a princípio, o grupo explora seus sentimentos de
forma tímida, com fachadas e máscaras, mas gradativamente seus membros exploram os
sentimentos e atitudes de uns para com os outros e para consigo próprios, e constrói-se
uma comunicação autêntica, e mostram-se os sentimentos reais. Descobre-se que quanto
mais autêntico se é mais aceito será pelos membros do grupo, e assim estabelece-se um
sentimento de confiança entre os membros do grupo.
A melhor compreensão de si, de seu eu interior, e o conhecimento dos outros
membros do grupo, desencadeia um relacionamento melhor no grupo, e posteriormente
nas outras situações da vida.
Rogers (1978, pp. 45-46) observa que as mudanças no comportamento do grupo
são expressivas: mudam-se os gestos, transforma-se o tom de voz na sua intensidade,
mais espontâneo e menos artificial. uma maior solicitude entre os membros do
grupo, mas “a principal alteração é a descoberta positiva da minha capacidade de ouvir
e de sentir o apelo mudo de alguém”.
As mudanças que ocorrem a partir da vivência estabelecida nos grupos de
encontro desencadeiam muitas vezes mudanças construtivas na vida dos indivíduos,
mas algumas vezes podem criar uma divisão nítida entre os membros. Porém, Rogers
(1978, p. 88) enfatiza que a maioria das vezes o resultado é positivo:
165
Comunicação aberta e autêntica de sentimentos e pensamentos; reconhecimento de
que estudantes, professores e administração tem como igualdade básica o fato de
serem pessoas; o encontro com os outros, nas verdadeiras questões da organização,
produz mudança real e provavelmente irreversível.
A experiência nos grupos de encontro desencadeia mudanças muitas vezes
profundas no indivíduo, bem como no seu comportamento, nas relações humanas e na
orientação e estrutura da organização.
A compreensão dos pressupostos implícitos nos grupos de encontro permite
compreender o cenário proposto pela ação da escola: o aquecimento. O grupo
constituído no HTPC da escola não é um grupo de encontro, porém os objetivos
propostos pela diretora, bem como seu encaminhamento, podem ser mais bem
compreendidos quando iluminados pelos princípios estabelecidos num processo de
grupo de encontro.
Os grupos de encontro partem do pressuposto de treinar as relações humanas e
desenvolvem essa aprendizagem inicialmente expressando seus sentimentos, as relações
estabelecidas no grupo, a fim de que percebam diferentes formas de interação. O
objetivo de melhorar as relações humanas está presente tanto no aquecimento como nos
grupos de encontro.
Os grupos de encontro utilizam-se de um processo experiencial vivido no grupo
para desencadear o crescimento pessoal e uma melhora na comunicação e nas relações
interpessoais.
Nos grupos de encontro, o facilitador conduz o grupo num clima de segurança
para que todos tenham liberdade de expressão. O clima de segurança permite expressar
sentimentos positivos ou negativos, e dessa forma cada pessoa do grupo caminha para
uma maior aceitação de si, de como é, incluindo suas potencialidades.
Ana Clara: O Projeto Conviver é Conviver coletivamente, porém no grupo de
professores é difícil todos participarem. Esse ano tem um professor que
perguntou numa reunião se ele era obrigado a participar, e foi dito que não.
Ele disse que não queria participar, não queria se expor, porque não
166
acreditava nisso. Para ele esse Projeto era uma perda de tempo, não surtiria
efeito e não iria funcionar. Ele não participa se coloca à parte, e a Cíntia não
força. A gente pergunta se ele não quer participar, mas ele está se colocando à
margem e criando algumas dificuldades não com o Projeto Conviver, ele
não assume responsabilidades enquanto professor, e ele acha que está sendo
perseguido por não participar do Projeto Conviver.
Ana Clara aponta aqui uma “fenda” no Projeto. Alguns professores não aceitam
o Conviver, o que é claramente compreensível, porque as pessoas não são iguais, cada
qual tem sua singularidade. Por outro lado, na escola pública um rodízio muito grande
de professores, e como disse a diretora, a cada ano tem-se que seduzir os professores
que chegam. O que precisaria ser trabalhado é para o professor que não aceita o projeto
não se sentir perseguido.
Rogers (1978, p. 138) refere-se aos campos de aplicação dos grupos de encontro
nas instituições de educação, que constituem um espaço de aprendizagem privilegiado,
no qual todos aprendem uma melhor forma de comunicação entre professores e alunos,
direção e professores, coordenação e alunos.
Rogers (1971, p. 298) enfatiza que na educação os objetivos das experiências
intensivas de grupo tem sido os de “libertar a capacidade dos participantes para melhor
liderança, através de relacionamentos interpessoais aperfeiçoados, ou de fomentar a
aprendizagem da pessoa como um todo: o estudante, o professor, o administrador”.
Rogers (ibidem, pp. 75-76) diz ainda que “a confiança não é suscetível de ser
fingida. Não é uma técnica”. Subjacente aos seus comportamentos, está “a confiança na
capacidade do grupo de desenvolver o potencial humano que há, no próprio grupo, e em
cada um de seus membros separadamente”. Essa confiança por parte da diretora
mobiliza o grupo nas buscas particulares, mas pode não atingir a todos.
Os professores que não participam do projeto apresentam resistência para
participar de suas ações, mas não querem ir para outra escola, pois sentem a escola
como um diferencial:
167
Luciana: Os professores que não aceitam o projeto se defendem dizendo que
não o compreendidos, apelam pra falta de carência, acham que a Cíntia não
gosta deles. Mas quando você pergunta pra eles porque eles não vão pra outra
escola, respondem que preferem ficar porque a escola é um diferencial e não
há desrespeito.
Para Rogers (1961, p. 283) “a maior barreira à comunicação interpessoal é a
nossa tendência muito natural para julgar, para apreciar, para aprovar ou para
desaprovar as afirmações de outra pessoa ou de outro grupo”. Portanto, quanto maior a
possibilidade de expressão dos sentimentos intensos, maior o comprometimento na
comunicação. Desenvolver a capacidade de dialogar é ter a capacidade de compreensão
necessária nas idéias e atitudes expressas pelo outro, partindo do seu ponto de vista, da
forma como reage, apreender a partir da perspectiva do outro. Ao melhorar a
comunicação com o outro, a busca de consenso coletivo é um processo possível.
O Projeto Conviver é uma proposta de inovação no sistema educacional como
um todo e em cada uma de suas dimensões. As ações para o desenvolvimento do
Projeto: HTPC (aquecimento, formação), trabalho coletivo, diálogo, possibilitam
melhorar a convivência e desenvolver um clima cujo foco projeta-se não apenas no
ensinar, mas no processo da aprendizagem no qual a prioridade é a facilitação da
aprendizagem.
Aprendizagem não para alunos, mas também para professores, pais,
comunidade. As ações do Projeto Conviver desencadeiam o processo de aprendizagem
do aluno, a partir da melhor convivência entre as pessoas num clima de sensibilidade,
sentimentos, amizades e relações entre as pessoas. Aprende-se a ser envolvente num
ambiente propício de convivência, o qual favorece as possibilidades para o professor
transmitir, ensinar e aprender. Nesse sentido, o Conviver abre um espaço de confiança
como uma atitude básica na relação, num processo de aceitação mútua como o jogo
essencial das relações para despertar a harmonia em relação a si mesmo e em relação ao
outro.
O aprender a ser (Relatório Delors, 2001) desenvolve-se no convívio com
semelhantes e diversos, num tempo e espaço particular, em que interações múltiplas
dialogam, produzem e inventam no coletivo.
168
4.3.2. Mudanças desencadeadas pelo Conviver
4.3.2.1. Mudança no jeito de ser
O Conviver desencadeia a aprendizagem na pessoa por inteiro. Na fala dos
atores da pesquisa, todos aprendem com o Projeto Conviver e se modificam como
pessoa. Professores e alunos desencadeiam um processo de reflexão a partir de suas
experiências na escola, e passam a ter um novo olhar, uma escuta mais sensível, uma
atenção às prioridades da escola, encontros e desencontros que desenvolvem a arte da
paciência, do diálogo, do saber calar e falar, do tempo e espaço de cada um.
O aprender é um processo de envolvimento, compromisso e desafio nas
descobertas, na busca de soluções de problemas, na conquista dos saberes, no modificar
idéias, valores, condutas.
Placco e Souza (2006, p. 65) enfatizam que:
Aprender envolve uma interação afetiva muito intensa: de um lado supõe o
aceitar que não se sabe tudo, ou que se sabe de modo incompleto ou impreciso
ou mesmo incorreto; e de outro se relaciona ao prazer de descobrir, de criar, de
inventar e encontrar respostas para o que se está procurando, para a conquista de
novos saberes, idéias e valores.
O aprender é a condição que garante a autonomia no processo de aprendizagem
ao grupo de alunos, professores, coordenadores, que vão ressignificar as experiências
vividas, o percurso de suas ações, a escuta dos caminhos percorridos, suas
intencionalidades que causam mudanças no jeito de ser de cada um dos atores da
pesquisa: Professores, alunos e equipe gestora.
A mudança no jeito de ser é o aprender a ser via essencial que integra as três
aprendizagens: aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver (Relatório
Delors, 2001, p. 90).
169
Aprender a conhecer, porque o Projeto requer que os alunos adquiram
conhecimentos necessários para o desenvolvimento das propostas solidárias, éticas. Para
os alunos desenvolverem suas propostas solidárias, requerem-se conhecimentos
específicos para a efetivação do desenvolvimento do Projeto. Os conteúdos também são
pensados a partir das necessidades dos alunos para realizarem suas pesquisas em relação
a suas propostas do Projeto. Os professores também aprimoram o conhecimento na
formação continuada que é um processo constante nos HTPCs na escola.
Aprender a fazer, que é o agir sobre o meio envolvente, a partir de ações práticas.
Os alunos decidem o que fazer como fazer, numa proposta autodirigida, em que o
professor orienta os projetos. Decidem as prioridades do Projeto, e vão à busca de ações
para resolver os problemas que consideram emergentes.
Aprender a viver juntos é aprender uma melhor convivência, num processo
coletivo de cooperação nas atividades desenvolvidas pelo coletivo. É o aprender a
conviver que desencadeou uma mudança significativa no jeito de ser de cada um dos
atores do cenário da pesquisa.
O dever de compreender melhor o outro e o mundo, são exigências das quais a
escola carece. Em decorrência dessa exigência, a Comissão tomou a posição de “dar
mais importância a um dos quatro pilares por ela considerados como as bases da
educação”, o apreender a viver, que possibilita o conhecimento acerca dos outros.
(Delors, 2001, p. 19)
4.3.2.2. Mudança no jeito de ser: Professores
Patrícia: É no jeito de fazer, no jeito de ser, de compreender, de respeitar, de
dialogar, que vai acontecer o projeto. Depois do segundo ano que participei do
projeto, passei a entender sua importância e percebi que o projeto tinha me
modificado como pessoa. O projeto me ajudou no relacionamento com os
colegas. Passei a respeitar a opinião do outro, amadureci muito porque passei
a praticar o ouvir. Antes de trabalhar no projeto, eu até ouvia as pessoas, mas
o que prevalecia era o que eu pensava. Sempre a minha idéia era a certa.
Aprendi a ser menos intransigente, penso que me transformei numa pessoa
170
melhor, pelo menos mais fácil de conviver. Aprender a ouvir o outro faz você se
modificar – a gente muda como pessoa.
Mudar o jeito de ser, de compreender, de dialogar, são metas do Conviver para
melhorar a convivência. Dentre as ações do projeto, o diálogo, a compreensão do grupo,
o respeito ao outro, são os meios de uma melhora na convivência, e o resultado é a
aprendizagem do aprender a ser.
4.3.2.3.Mudança no jeito de ser: Alunos
A equipe gestora e professores comentam dos alunos:
Gislaine: Os alunos são trabalhados a ter respeito, a terem diálogo e por isso
se modificam por inteiros.
O conviver muda as ações dos alunos em casa, os pais comentam essas
mudanças dos seus filhos em casa. Em algumas avaliações, eles fazem
comentários, e falam até da interferência de resolver as coisas em casa. Os
filhos falam de direitos e deveres deles e dos pais, querem dialogar com os pais
pra resolver os problemas. Eles querem refletir com os pais suas condutas,
querem que eles repensem suas atitudes.
Os alunos ratificam a fala dos professores:
Alunos: Com o projeto conviver a gente muda. Parei de brigar com os outros.
A gente sabe que muda porque nossos pais comentam. Eu sempre chego em
casa e comento o que está acontecendo em relação aos projetos da escola. Os
nossos pais valorizam muito nossos projetos e se dispõem a ajudar por
considerarem que o projeto é importante para o caráter da pessoa.
171
Minha mãe percebeu bastante a mudança em mim, porque agora eu debato,
reflito e minha mãe se surpreende com minhas atitudes e minhas reflexões.
As mães percebem bastante as mudanças de nossas atitudes, porque antes eu
não escutava as pessoas. Agora eu aprendi a escutar, escuto mais e falo menos.
Eu penso mais pra tomar uma atitude. Minha mãe me achava ignorante pra
conversar com as pessoas. Eu achava que as minhas idéias estavam certas.
O projeto me ensinou a ouvir melhor os outros; somos orientados sempre da
importância de ouvir mais pra tomar atitudes na vida.
Eu era muito nervoso e minha mãe diz que depois que vim pra essa escola
estou mais calmo, eu ouço mais as pessoas.
Antes de vir pra escola, eu falava demais, ouvia de menos. Os professores,
coordenadores nos ensinam a ouvir e a gente aprende a ouvir o outro. Ouvir o
outro é muito importante, porque ajuda na convivência.
Patrícia: Em minha opinião o Projeto Conviver muda o caráter do aluno. O
aluno se modifica não apenas dentro da escola, é um ganho maior, ele se
modifica como pessoa, e eles se transformam em ser humano melhor.
Cintia: Os pais têm clareza da importância do Projeto Conviver. Eles relatam
que o Projeto Conviver mudou a relação dentro da família, e por isso levam o
Projeto muito a sério.
Claudia: Os alunos são orientados a ter diálogo na família, aprender a falar de
uma forma carinhosa, amena, ética.
Aprender a ouvir o outro é uma mudança na atitude. Tem alunos aqui na escola
com liberdade assistida que se sentem respeitados, sentem-se humanos. Não
passamos a mão na cabeça do aluno, mas o levamos a reflexão das suas
atitudes.
O aluno da favela, de liberdade assistida, nunca foi ouvido, ele conversa no
grito, e o único toque é a porrada. Abraçar não faz parte da sua vivência, é
uma atitude estranha. O Conviver ensina que existe outra forma de poder se
comportar: com carinho, respeito.
172
A meta do Conviver de melhorar a convivência vai além das relações da escola.
Os alunos aprendem a respeitar, a dialogar, e se modificam por inteiro. Essa mudança
por inteiro é constatada na sua forma de interação com a família, que também revela as
mudanças na forma de dialogar com os pais.
4.3.2.4. Mudança no jeito de ser: equipe gestora
Gislaine: A Cíntia implantou o Projeto Conviver e organizou toda a escola
para sua implantação, mas mudou muito com isso: mudou o seu jeito de ser, a
forma de se relacionar. A Cíntia não tinha muita paciência com as pessoas que
não queriam aprender. Quando ela percebia que as pessoas não queriam
aprender, não queriam ouvir o outro lado, ela levantava da mesa de reuniões e
ia embora. Hoje ela modificou, começou a ter a paciência de ouvir o adulto,
com suas limitações, no seu tempo. Aprendeu a respeitar o tempo de cada um, e
aceita o fato de que tem gente que não vai chegar nunca. Antes ela não tinha a
menor paciência. Com as crianças, sempre foi muito tolerante, compreensiva.
Gislaine: Eu percebi enquanto professora que quando melhoro a relação
professor-aluno na sala de aula isso me favorece, mas muitos não acreditam
nisso.
Claudia: O Projeto Conviver me modificou como ser humano. Eu era uma
pessoa muito explosiva, não esperava as pessoas se explicarem, não tinha
paciência de ouvir até o final, interrompia e tinha conclusões. Explodia
facilmente. O Conviver é um processo de mudança. Essas reflexões do
aquecimento levam a gente a se modificar. Mudamos nossa atitude em casa
também.
Ana Clara: Eu sou professora aqui e sou professora em outra rede, eu mudei o
meu modo de ser na outra rede em decorrência do que eu aprendi aqui. E a
maioria dos professores faz o mesmo, aplicam nas outras escolas que atuam o
que aprendem aqui.
173
A equipe gestora também se modificou no seu jeito de ser: maior tolerância,
capacidade de ouvir o outro, e também é uma aprendizagem por inteiro, que essa
mudança é observada nas relações dentro de casa, e nas relações estabelecidas em
outros espaços lugares de trabalho educativo.
Até aqui focalizamos as mudanças nas atitudes que geraram um conviver ativo,
participativo, transformador. Focalizamos prioritariamente as concepções de educadores
e alunos sobre o Projeto Conviver, e as habilidades de relacionamento interpessoal que
foram aprendidas por eles. Algumas aparecem com clareza: aceitar as diferenças,
colocar-se no lugar do outro, ouvir o outro, expressar os sentimentos respeitando os
sentimentos do outro. Habilidades estas colocadas a serviço do desenvolvimento da
solidariedade. Algumas habilidades que não foram bem desenvolvidas também
aparecem, embora não tenham sido claramente percebidas pela equipe gestora e
professores: as que envolvem delegação de responsabilidades e promoção de autonomia
aos professores.
As pessoas mudaram seu jeito de ser, participando do Projeto Conviver. Mas, e o
rendimento escolar dos alunos? Se a função primordial da escola é dar condições para
que os alunos tenham acesso ao conhecimento historicamente acumulado, e tenham nele
uma ferramenta para compreender-se a si e ao mundo e realizarem conquistas, como
está a escola nesse quesito? Os alunos compreendem melhor e mais? Os alunos
aprendem melhor e mais? São perguntas que podem ser feitas e que convém serem
respondidas com informações oficiais, de avaliações externas.
4.3.3. Rendimento Escolar
O SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São
Paulo aplica anualmente provas aos alunos da educação básica da Rede Estadual. A
escola Maná teve os alunos da sexta e oitava série do Ensino Fundamental avaliados.
Utilizei o SARESP (2007, 2008) como um instrumento da avaliação para verificar
o rendimento da aprendizagem. Os resultados do SARESP permitem à escola analisar o
seu desempenho e a aprendizagem dos alunos. A avaliação SARESP abrange: Língua
174
Portuguesa, Matemática, Ciências, Ciências da Natureza e Redação, quanto aos níveis
de proficiência.
Quando comparados os resultados de 2007 e 2008, verifica-se que os resultados
de 2008 são superiores aos de 2007. Em 2007, as médias apresentadas são satisfatórias,
mas não superaram as médias da Coordenadoria de Ensino da diretoria CEI e do
Município. Em 2008, as médias são proporcionalmente maiores do que as médias de
2007 e superaram as médias gerais, evidenciando que a escola apresenta um rendimento
satisfatório quando comparada às médias apresentadas em relação ao Estado de São
Paulo, em relação à Coordenadoria de Ensino da Grande São Paulo COGSP
(coordenadoria a que a escola pertence), CEI, Diretoria de ensino e Município de
Osasco.
Em 2008, a escola participou do SARESP com as sextas e oitavas séries da
educação fundamental. Na descrição dos veis de proficiência, os alunos são
classificados em diferentes níveis: abaixo do básico, básico, adequado, avançado. Os
diferentes níveis são considerados a partir dos conteúdos, competências e habilidades
desejáveis para a série escolar em que se encontram.
Verifica-se que as médias do SARESP de 2008 são superiores em Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências e Ciências da Natureza. Apenas no item redação a
escola não superou todas as médias, porém suas médias são superiores na sexta série no
nível básico e adequado, e na oitava série no nível adequado e avançado
Na escola Maná, os índices abaixo do básico e básico são proporcionalmente os
menores em relação ao Estado, CCEI, GOGESP, Diretoria e Município; os níveis
adequado e avançado são maiores em relação ao Estado, COGESP, CEI, Diretoria e
Município. Os dados do SARESP 2007 e 2008 encontram-se em anexo.
A Prova Brasil faz a avaliação do rendimento escolar em Matemática e Língua
Portuguesa, nas quartas e oitavas séries do Ensino Fundamental, e no terceiro ano do
Ensino Médio. Os indicadores Educacionais da Prova Brasil evidenciam a média da
escola superior em relação às médias dos indicadores do Brasil, da UF e do Município,
tanto em relação à Matemática quanto aos indicadores de Língua Portuguesa.
Um dado importante na Prova Brasil é o indicador de distorção idade-série; as
médias na escola apresentam indicadores desproporcionais quanto comparadas às
médias do Brasil, UF e Município, indicando que a escola apresenta uma média baixa
de distorção idade-série e, portanto, uma melhor adequação em relação a este indicador.
175
A escola teve índices satisfatórios e superiores em relação às médias
apresentadas, tanto no SARESP como na Prova Brasil.
Foi utilizado ainda o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São
Paulo – IDESP, que é um indicador que avalia a qualidade das escolas estaduais
paulistas em cada ciclo escolar e permite fixar metas anuais para o aprimoramento da
qualidade da educação no Estado de São Paulo. São utilizados dois critérios para
calcular as médias do IDESP: o indicador de desempenho dos alunos nos exames do
SARESP e o indicador de fluxo escolar em cada nível de ensino.
Foram utilizados os resultados do IDESP de 2007 e 2008, e os dados permitem à
escola analisar seu desempenho e, com o apoio da secretaria de Estado da Educação,
melhorar a qualidade do ensino e da gestão escolar.
As médias da escola, pelo IDESP em 2007 e 2008, são superiores quando
comparadas às medias do COGSP, da CEI, da Diretoria, do Município e do Estado.
Estes dados, de avaliação externas, permitem que se afirme que: cuidar das
relações interpessoais, melhorar a convivência no contexto escola traz ganhos em
rendimento escolar dos alunos.
176
CAPÍTULO 5
UMA SÍNTESE POSSÍVEL
Cada um de nós é o artista ou o arquiteto de sua
própria vida. Podemos copiar outras pessoas, podemos
viver para essas pessoas ou podemos descobrir aquilo
que é único e precioso para nós, e pintar isso, tornar-
se isso. É uma tarefa que dura a vida inteira.
Carl Rogers
177
UMA SÍNTESE POSSÍVEL
O estudo do Projeto Conviver é uma oportunidade rica em minha formação como
profissional e como pessoa. Este estudo de caso me possibilitou uma reflexão do
movimento do aprender no processo de experienciar, refletir e transformar, a partir do
confronto com os princípios teóricos que foram referência para minhas reflexões.
Foi um estudo que teve como proposta investigar o processo de gestação e
desenvolvimento de um Projeto, que privilegia o desenvolvimento de relações
interpessoais que geram solidariedade.
Minha busca a princípio era compreender melhor as relações humanas no contexto
da educação, e esse Projeto me pareceu oportuno para compreender se e como é
possível aprender a melhorar a convivência humana.
Almeida e Placco (2009, p.38) discutem como cada escola tem características
peculiares, e que a partir das necessidades vividas e sentidas pelos professores é
possível elaborar propostas de melhorias. Em sua argumentação pautada na afirmação
de Azanha:
Cada escola tem características pedagógico-sociais irredutíveis quando se trata
de buscar soluções para os problemas que vive. A realidade de cada escola
não buscada por meio de inúteis e pretenciosas tentativas de diagnóstico mas
como é sentida e vivenciada por alunos, pais e professores, é o único ponto de
partida para um real e adequado esforço de melhoria.
É neste cenário particular, vivenciado por alunos e professores, que indicadores
satisfatórios na convivência humana e redução de violência m apresentado resultados
satisfatórios na aprendizagem, conforme indicam os dados de avaliação externa.
A forte relação estabelecida entre professor e aluno constitui o cerne do processo
pedagógico, e nesse particular a figura do professor é indispensável. A prossecução do
desenvolvimento individual do aluno supõe uma capacidade de aprendizagem e de
178
pesquisa autônomas que se adquire após determinado tempo de aprendizagem num
processo de convivência humana. O professor na proposta do Conviver se apresenta não
como um transmissor de informações ou conhecimentos, mas um mediador entre os
conteúdos e as ações sociais definidas pelo aluno. Para o aluno construir ele próprio o
conhecimento, o professor é co-responsável na definição de ações sociais, de metas, de
caminhos a seguir, compartilha no processo de relação pedagógica o pleno
desenvolvimento de sua autonomia, a partir da autoridade do professor legitimada pelo
saber.
A grande força do Projeto Conviver reside no repensar a escola como um todo,
em que professores, alunos e pais se modificam por inteiros, numa aprendizagem
pervagante, que modifica as atitudes em relação aos outros e em relação a si mesmos.
Aprende-se a dialogar com o outro, a ouvir, a refletir, a respeitar, a ser ético, a ser
solidário. Modifica-se a convivência, num clima de atitudes facilitadoras, de empatia, de
envolvimento, de acolhimento, e nesse clima propício de aprendizagem, são despertados
conteúdos que colaboram na compreensão das propostas pensadas pelos alunos.
A aprendizagem desencadeada pelo Conviver ocorre na coletividade da escola,
onde o trabalho coletivo define todas as ações da escola. Quando os professores
aprendem a fazer parte da coletividade em que ensinam, seu compromisso é mais claro.
Estão sensibilizados pelas necessidades dessa mesma coletividade para trabalharem na
realização de seus objetivos.
A busca da aprendizagem é, portanto, explicita nas ações do Conviver. Melhorar
a convivência humana possibilita as condições de transformação pervagante, em que se
aprendem os diferentes aprenderes: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
viver juntos e aprender a ser. Uma aprendizagem que é um fazer com resultados
concretos, um fazer como parte importante de um processo que se na vida cotidiana,
uma educação derivada da própria prática, do sentido atribuído em cada ação produtiva
de conhecimentos, que recria possibilidades, num processo intenso de produção e que
constitui a própria essência da aprendizagem.
Casassus (2002, p. 8) especialista da Unesco, a partir de pesquisas desenvolvidas
no Laboratório Latino-Americano de Avaliação de Qualidade da Educação, argumenta,
a partir de dados empíricos, a compreensão das desigualdades escolares e de que forma
os processos escolares podem acentuar ou atenuar a desigualdades social. Segundo o
179
autor, “falar em qualidade de educação sem considerar os processos de construção de
desigualdade sociocultural, torna-se exercício inócuo” (2002, p.21).
As discussões sobre qualidade em educação implicam um processo que permite
aos alunos o acesso à cultura universal, pela qual podem construir sua autonomia
pessoal. Logo currículo, métodos, processos avaliativos retornam a um padrão de
neutralidade, passando-se à emergência do plano da desigualdade social e cultural como
questão primeira para melhorar o sistema escolar.
Em suas conclusões Casassus evidencia que:
O desempenho escolar resulta de uma multiplicidade de efeitos: “efeitos do
contexto sociocultural-econômico como efeitos dos processos escolares
interagem com os desempenhos dos alunos. (...) A escola faz a diferença na
redução dos processos de desigualdades produzidos fora dela. (...) Esses
mesmos processos, se forem levados a cabo de uma maneira positiva, podem
contribuir para uma maior igualdade ou, pelo contrário, se forem levados de
maneira inadequada, podem produzir desigualdade. (2002, pp. 22-23)
O aspecto mais importante de seus estudos é a questão da importância do
ambiente emocional como favorável à aprendizagem, que permitiu verificar “que o
efeito desta variável, por si só, pesa mais nos resultados dos alunos do que todos os
outros fatores reunidos”. O conjunto de interações estabelecidas na escola são “esferas
de intervenção e, por isso, podem ser objeto de políticas e medidas públicas (...) são as
que têm maior impacto no desempenho dos alunos (...) as intervenções devem se situar
no nível das interações” (idem, ibidem, p. 157).
Este estudo vem ratificar a proposta do Conviver que prioriza uma forma
possível de reduzir a violência e a agressividade por conta da desigualdade
sociocultural-econômica da escola, e a partir daí melhorar a convivência, para
desenvolver um clima em que o desempenhos escolar seja satisfatório.
Termino minhas considerações com dois sentimentos opostos: um de satisfação
e alegria, de ter desenvolvido um estudo de caso de um Projeto que apresenta uma
proposta para melhorar a convivência, e permite conhecer o cenário em que ocorre essa
180
mudança e quais as condições necessárias para se efetivar a aprendizagem de uma
melhor convivência.
Ao mesmo tempo, a frustração de não poder assegurar que seja um Projeto que
possa dar certo em outra escola: mesmo sendo o Aprender a Conviver uma proposta
pedagógica coletiva, impulsionada por um ideal, ainda que mesclado de autoritarismo
da diretora, os professores não se apropriaram do processo, não desenvolveram a
autonomia, não chegaram ao apoderamento pessoal, o que garantiria que a proposta
pudesse ser tanto continuada na ausência da diretora, quanto disseminada em outras
escolas. Faltaram ações que garantiriam o que Rogers chama de “o poder pessoal de
cada um”.
As ações do Projeto Conviver asseguram a participação do grupo de professores,
alunos e pais num coletivo que reflete, analisa, questiona, participa, assume
responsabilidade nesse cenário educativo. Porém, não garante efetividade em qualquer
grupo de professores, pois se faz necessário um mediador que impulsione as ações, que
credibilidade ao projeto, que “toque o projeto”, transformando o corpo docente em
grupo, mesmo que alguns fiquem fora dele.
Frustração que me levou a pensar no papel dos cursos de formação inicial e
continuada de professores e nele, o papel da Psicologia da Educação. É possível, nesses
cursos, desenvolver habilidades de relacionamento interpessoal, de convivência, de
recursos para aprendizagem significativa.
A tese de Bruno (2006) mostra que, embora seja possível a aprendizagem dessas
habilidades e recursos, os cursos de formação inicial não têm essa proposta. Nesses
cursos, não espaço para refletir, para exercitar as habilidades de convivência. A
formação psicológica que se oferece aos futuros professores é muito pequena. Não se
discute a importância das relações interpessoais com os alunos, pares, pais. E ao chegar
à escola os professores podem ter vontade de acertar, mas não sabem como.
A tese de Duarte (1996) e o trabalho que desenvolve com professores de ngua
Inglesa, em cursos de formação continuada, mostra como é possível trabalhar as
relações interpessoais e promover o aprendizado dos alunos.
A investigação de Mahoney (1990) mostra que mesmo alunos de pós-graduação
se ressentem de relações interpessoais não harmoniosas no contexto escolar.
181
Placco (2008) discute que freqüentemente no cotidiano escolar, ações
pedagógicas são entendidas como desvinculadas das relações interpessoais, quando não
são, dado que a qualidade dessas relações interfere na construção do conhecimento de
alunos e professores.
Almeida (2008) argumenta que um projeto de formação de professores, para ser
consistente, tem que educar o indivíduo completo: sentimento, razão e corpo.
Eu, mulher, mãe, psicóloga, docente, pesquisadora, ao terminar este trabalho,
retomo a condição necessária de refletir sobre minhas experiências, que também requer
que eu dialogue com elas, com as lembranças, com os relatos de meus alunos, com
meus acertos e desacertos.
Enquanto escrevia a análise de cada um dos temas apresentados, relacionei-me
com cada um dos atores do cenário de pesquisa, considerei suas emoções que por tantas
vezes desencadearam lágrimas, revi situações, levei em conta o caráter pervagante da
aprendizagem significativa.
Cada um dos atores da pesquisa é outra pessoa a partir do desenvolvimento do
Projeto. A emoção de cada um deles ao falar do Conviver foi também a minha emoção
ao me deparar com uma proposta que modifica que garante a aprendizagem em
diferentes dimensões. Minha experiência e formação, meu percurso, minha história de
vida relatados no início deste trabalho, estão assegurados de forma implícita nesta tese.
Ao relatar minha vida profissional, eu a re-escrevo e a transformo, e aprendi que não e
possível encontrar respostas para todas as buscas. Tudo sempre vai depender dos atores
do cenário, da capacidade de persuadir o grupo na mesma busca, num mesmo
compartilhar. Aprender a conviver é uma aprendizagem possível, mas o aprender a
conviver é uma aprendizagem única, em cada grupo, porque requer o jeito de ser de
cada um dos atores, que são mobilizados por vivências particulares, e que, portanto
podem desencadear formas particulares de aprender a conviver.
182
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