44
espaço geográfico, cada vez menos natural e mais técnico que será abordado neste artigo, como
suporte teórico fundamental para a compreensão das contradições espacializadas e, também, pela
contraditória interface sociedade/natureza, materializada através das desigualdades sociais,
degradação ambiental e exaustão da natureza.
Pode-se afirmar que hoje não existe mais “espaço natural”, entendido como a
“primeira natureza”, sem a interferência humana. O homem, organizado socialmente, está direta
ou indiretamente em quase todos os lugares do planeta, produzindo/transformando o espaço
geográfico, entendido como o espaço das relações sociais que ele produz e reproduz através
destas relações. Além de palco, o espaço também “[...] passa a moldar as relações sociais e a
interagir com elas no sentido de favorecer ou não sua instalação” (SENE, 2004, p. 123). Nesta
perspectiva de agente subordinado ou subordinante, para Castells (2008, p. 500), “[...] o espaço
não é reflexo da sociedade, é a sua expressão. Em outras palavras: o espaço não é uma fotocópia
da sociedade, é a sociedade”. Assim, o espaço geográfico é, ao mesmo tempo, subordinante e
subordinado, agente transformador e transformado, palco e mediador das relações sociais,
testemunho da história do homem enquanto ser social e da produção e transformação da natureza
(SOARES, 2005, p. 18).
Neste imenso espaço geográfico ou “segunda natureza”, o homem cria e recria formas
e funções, deixando marcas características de cada cultura, num primeiro momento e, depois
ligadas aos modos de produção que se sucederam na história. A natureza primitiva foi fortemente
transformada com a criação de sistemas técnicos e objetos técnicos que se tornaram cada vez
mais complexos à medida que a sociedade, a ciência, a técnica e os objetos, também, se tornaram
complexos e, assim, realizou-se a produção do espaço, o espaço geográfico (SOARES, 2005, p.
15-16).
A interface sociedade/natureza, na contemporaneidade, é dada, principalmente, com a
mediação das técnicas, compreendidas como “[...] um conjunto de meios instrumentais e sociais,
com as quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (SANTOS,
1999, p. 25). Os objetos técnicos e as técnicas transformam a primeira natureza, tecnificando
e/ou humanizando o espaço, diminuindo cada vez mais o meio natural e ampliando o que se
chama de espaço geográfico, ou seja, o espaço transformado pela ação humana. Com a ascensão
do meio técnico-científico-informacional, o aumento da tecnologia e das técnicas, a
mundialização da economia, o aumento da população e, consequentemente, a demanda por
terras, esta artificialização do meio natural tende a ser cada vez maior. Ainda nesta perspectiva,
Carlos (1999, p. 178), aponta que “Constata-se, hoje, a tendência segundo a qual cada vez mais
os espaços são destinados à troca, o que significa que a apropriação e os modos de uso tendem a
se subordinar cada vez mais ao mercado”.
Dentre outras conseqüências deste processo (que é certamente irreversível), está o
conflito entre a necessidade de preservação e a exploração dos recursos naturais que, por sua vez,
gerarão aquilo que Santos (1999) denominou de crise ambiental, a qual trás à reboque, outras
causas e conseqüências, como a tendência à homogeneização do espaço, mais uma vez em
detrimento da primeira natureza. Outras conseqüências do processo de transformação do espaço
em mercadoria é a intensificação do mercado imobiliário, o desaparecimento de antigos lugares e
a destruição de grandes áreas que passam a fazer parte do fluxo de realização do valor de troca,
ou seja, tornam-se mercadorias em favor da reprodução do capital, que de maneira contraditória,
reproduz o espaço (CARLOS, 1999, p. 180).
A (re)produção/transformação do espaço ocorre de forma diferente no meio urbano e
no meio rural. No urbano, em geral, as transformações são mais rápidas, latentes, principalmente,
nos grandes centros e nas cidades que estão no topo da hierarquia da rede urbana. Nestas, os
sistemas de ações, mediados pela ação humana, ocorrem de forma mais intensa, fazendo com
que a tecnificação do meio absorva, praticamente, toda a área antes ocupada pela primeira
natureza. A propósito disso, nas cidades, as áreas destinadas a espaços verdes são cada vez
menores, dada a pressão exercida pela especulação imobiliária. Algumas cidades apresentam