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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE TECNOLOGIA - CT
PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO - PEP
ANÁLISE ANTROPOTECNOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO DE NOVOS
PRODUTOS NA PRODUÇÃO ARTESANAL: CASO DAS RENDEIRAS DE BILRO
DA VILA DE PONTA NEGRA EM NATAL, RN
por
KLÉBER DA SILVA BARROS
DESENHISTA INDUSTRIAL, UFCG, 2004
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE
MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
MARÇO, 2009
O autor aqui designado concede ao Programa de Engenharia de Produção da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte permissão para reproduzir, distribuir, comunicar ao público,
em papel ou meio eletrônico, esta obra, no todo ou em parte, nos termos da Lei.
Assinatura do Autor: _____________________________________________
APROVADO POR:
______________________________________________________________
Profa. Maria Christine Werba Saldanha, D.Sc. – Orientadora, Presidente
______________________________________________________________
Profa. Françoise Dominique Valéry, D. Sc. – Membro Examinador
______________________________________________________________
Prof. Ricardo José Matos de Carvalho , D.Sc. – Membro Examinador Externo
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Curriculum Vitae Resumido
KLÉBER DA SILVA BARROS, 28 anos, formado em Desenho
Industrial pela Universidade Federal de Campina Grande-PB
(UFCG) em 2004, curso o qual foi aluno bolsista do BITEC (Bolsa
de Iniciação Tecnológica) e monitor de disciplina. Foi estagiário
da Multinacional Fábrica de Baterias MOURA, onde desenvolveu
atividades de projeto de produto e pesquisas durante um ano
(2004-2005). Selecionado para o mestrado em Engenharia de
Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) em 2006, como aluno bolsista do CNPq na linha de pesquisa Ergonomia. Durante o
mestrado publicou um resumo expandido em congresso nacional, seis artigos completos em
anais de congressos nacionais, um artigo em periódico nacional, participação em um capítulo
de livro, além de três textos referentes à sua pesquisa publicados em jornais e revistas de
notícias locais. Foi palestrante do I Ciclo de Palestras em Ergonomia (ErgonoDia) da UFRN
em 2007 e é membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia GREPE/UFRN.
Atualmente é professor efetivo do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal
Rural do Semi-Árido – UFERSA, campus de Mossoró-RN.
CAPÍTULO DE LIVRO PUBLICADO
AMATO; RUFINO, S.; GONÇALVES, H.H.A.; RUTKOWSKI, J. ; SALDANHA, M. C. W.;
BARROS, Kléber da Silva. Sustentabilidade de empreendimentos econômicos solidários: uma
abordagem na Engenharia de Produção. In: Tópicos Emergentes e Desafios Metodológicos
em Engenharia de Produção: Casos, Experiências e Proposições. 1 ed. Rio de Janeiro:
ABEPRO, 2007, v. 1, p. 1-335.
ARTIGO PUBLICADO EM PERIÓDICO
BARROS, Kléber da Silva, SALDANHA, M. C. W. Aplicação do design e da
antropotecnologia como instrumento de desenvolvimento sustentável e inclusão social no
sistema produtivo artesanal: desenvolvimento de novos produtos a partir da renda de
bilro na Vila de Ponta em Natal - RN. Revista Design em Foco (Salvador). v.IV, p.81-97,
2007.
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iii
ARTIGOS PUBLICADOS EM ANAIS DE CONGRESSOS
BARROS, Kléber da Silva, COSTA, R. F., SALDANHA, M. C. W. Inserção do design na
renda de bilro na Vila de Ponta Negra: instrumento de inclusão social, preservação
cultural e desenvolvimento sustentável In: II SAPIS - Seminário de Áreas Protegidas e
Inclusão Social, 2006, Rio de Janeiro.
BARROS, Kléber da Silva; COSTA, Rafaelli Freire; SALDANHA, M. C. W. Análise
Antropotecnológica no processo de desenvolvimento de novos produtos: caso das
rendeiras de bilro da Vila de Ponta Negra-RN. In: XIV SIMPEP - Simpósio de Engenharia
de Produção: Gestão de Desempenho em Sistemas Produtivos, 2007, Bauru- SP
BARROS, Kléber da Silva, SALDANHA, M.C.W. Engenharia de Produção x Sistema de
Produção Artesanal: Desenvolvimento Profissional e Contribuição Social In: Sessões
Dirigidas. Encontro Nacional de Engenharia de Produção - ENEGEP, 2007, Foz do Iguaçu -
PR.
BARROS, Kléber da Silva; COSTA, R. F.; SALDANHA, M. C. W. . Análise
antropotecnológica no processo de desenvolvimento de novos produtos: caso das
Rendeiras de Bilro da Vila de Ponta Negra em Natal/RN. In: II Simpósio de Engenharia de
Produção da Região Nordeste - SEPRONE, 2007, Campina Grande-PB.
SALDANHA, M. C. W; JUNIOR, M. M; BARROS, K. S; COSTA, R. F; BEZERRA, I. X. B.
A ocorrência de LER/DORT em rendeiras de bilro do núcleo de produção artesanal de
ponta negra em Natal-RN: As razões do não adoecer. 13º ANAMT, Vitória-ES, 2007.
SALDANHA, M. C. W. ; MARTINS JUNIOR, MOIZES; BARROS, Kléber da Silva;
COSTA, R. F.; BEZERRA, I. X. . A ocorrência de ler/dort em rendeiras de bilro do
núcleo de produção artesanal de ponta negra em Natal-RN: as razões do não adoecer.
In: XXVII Encontro Nacional de Engenharia de Produção ENEGEP, 2007, Foz do Iguaçu-PR.
SALDANHA, M. C. W. ; BARROS, Kléber da Silva. Participação do Design na Produção
Artesanal: Análise Antropotecnológica do Desenvolvimento de novos produtos com a
Renda De Bilro. In: XV Congresso Brasileiro de Ergonomia - ABERGO 2008, Porto Seguro,
BA.
iv
Dedicatória
Dedico este trabalho à Maria das Graças Costa da Silva, “Dona Graça” (in memoriam).
Desde o primeiro encontro da equipe de pesquisadores com as rendeiras da Vila em 2006,
até os últimos dias de sua vida em 2008, “Dona Graça” com sua determinação, garra e
espírito de liderança esteve conosco em todos os momentos e foi sem dúvida umas das
maiores apoiadoras e responsáveis por este trabalho.
v
Agradecimentos
A UFRN e ao PEP pela oportunidade de realização do Mestrado.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio
financeiro disponibilizado ao autor deste trabalho.
A Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT/UFRN) e Pró-Reitoria de Pesquisa
(PROPESQ/UFRN) pelo apoio financeiro disponibilizado ao “Projeto Rendeiras da Vila”.
Aos professores do PEP, por todos os ensinamentos.
A minha orientadora Maria Christine, pelos incansáveis incentivos na busca de novas
conquistas.
Aos professores Ricardo Carvalho e Françoise Dominique (membros da banca) pelas
relevantes contribuições na avaliação do trabalho.
Aos amigos do mestrado, membros de Grupo de Estudos e Pesquisa em Ergonomia
(GREPE/UFRN), por todo o apoio.
As queridas rendeiras da Vila de Ponta Negra, em especial a “Vó Maria”, que me tratou
como seu verdadeiro neto e a “Dona Graça” (in memoriam), sempre disposta a enfrentar os
desafios.
Aos queridos primos Zezé e Leene, por me acolherem em sua casa como um filho na difícil
chegada a Natal.
Aos companheiros de residência Adelson e Luciano, como também aos demais amigos do
“prédio”, em especial Náthalee Cavalcanti, não só pela compreensão e apoio, mas
principalmente pelas conversas fúteis e gargalhadas necessárias à vida.
A minha família, em especial aos meus pais Amauri e Fátima, ausentes fisicamente, mas
sempre presentes em todos os momentos.
Por fim, a todos que de alguma forma contribuíram com esse projeto, com essa conquista.
MUITO OBRIGADO !
vi
“A recompensa do trabalho é a alegria de realizá-lo”
(Luís da Câmara Cascudo)
vii
Resumo da Dissertação apresentada à UFRN/PEP como parte dos requisitos necessários para
a obtenção do grau de Mestre em Ciências em Engenharia de Produção.
ANÁLISE ANTROPOTECNOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO DE NOVOS
PRODUTOS NA PRODUÇÃO ARTESANAL: CASO DAS RENDEIRAS DE BILRO
DA VILA DE PONTA NEGRA EM NATAL, RN
KLÉBER DA SILVA BARROS
Orientadora: Maria Christine Werba Saldanha, D.Sc.
Curso: Mestrado em Ciências em Engenharia de Produção
Março/2009
RESUMO
O setor de produção artesanal brasileiro tem importante participação na geração de ocupação
e renda de muitas famílias em todos os estados da federação, tendo em cada um, diferentes
tipologias de artesanato. Em Natal, RN, dentre muitas tipologias encontradas, identifica-se a
Renda de Bilro, uma arte introduzida no Brasil pelos colonizadores portugueses e ainda
praticada na Vila de Ponta Negra por antigas rendeiras de bilro da cidade que tentam
preservar a arte e tradição da renda. Esta pesquisa apresenta a análise dos resultados e
repercussões de uma Oficina de Design realizada com um grupo de 19 rendeiras de bilro da
Vila de Ponta Negra, além de expor os motivos pelos quais os ensinamentos repassados na
Oficina não foram incorporados a atividade das artesãs. Para tal, utilizou-se como base teórica
a antropotecnologia e como base metodológica a Análise Ergonômica do Trabalho (AET). A
referida Oficina de Design tinha como objetivo propor um novo conceito de produto e uma
nova alternativa de produção a serem introduzidos à atividade das rendeiras, partindo da
premissa de utilização da renda como detalhe a ser inserido em outros produtos industriais,
como camisetas, bolsas, toalhas, etc, diferenciando-se da produção tradicional realizada pelas
artesãs em que são produzidas blusas, saias, vestidos, tolhas, etc. totalmente em renda.
Avaliações realizadas após a oficina mostraram que nenhuma das artesãs deu continuidade
aos trabalhos de forma espontânea, indicando que ações pontuais – focadas apenas nos
produtos não geram resultados representativos na produção da renda de bilro, e que o
conhecimento das características pessoais e profissionais das artesãs, organização, ritmo e
carga de trabalho, questões culturais e históricas que permeiam a atividade são primordiais
para o sucesso das transferências de tecnologia, principalmente quando estas transferências
estão relacionadas à produção artesanal, em que o modo de vida e de trabalho dos artesãos é
indissociável.
Palavras-chave: Ergonomia; Antropotecnologia; Design; Produção Artesanal; Rendeiras
viii
Abstract of Master Thesis presented to UFRN/PEP as fullfilment of requirements to the
degree of Master of Science in Production Engineering
ANTHROPOTECHNOLOGY ANALYSIS OF DEVELOPMENT OF NEW
PRODUCTS IN CRAFT PRODUCTION: CASE OF BOBBIN-LACE
CRAFTSWOMEN OF PONTA NEGRA VILLAGE, IN NATAL - RN, BRAZIL
KLÉBER DA SILVA BARROS
Thesis Supervisor: Maria Christine Werba Saldanha, D.Sc.
Program: Master of Science in Production Engineering
2009, March
ABSTRACT
Brazilian craft production plays an important role in the generation of employment and
income for many families in every state across Brazil. In Natal, Rio Grande do Norte, Brazil,
among many types found, identifies itself with the production of bobbin-lace, still practiced in
Ponta Negra Village for ancient craftswomens of city that try to preserve the art and tradition
of bobbin-lace. This work presents the results of an analysis conducted based in concepts of
anthropotechnology, on the effects of a design workshop held with bobbin-lace craftswomen
in the village of Ponta Negra in July of 2006. The workshop was intended to propose a new
concept of products and a new alternative for production in the activity of the craftswomen,
on the premise that the laces could be used as a detail inserted into other industrial products
such as shirts, bags, towels, etc. Evaluations after the workshop showed that none of the
artisans continued to work, indicating that actions focused solely on products did not generate
representative results in the production of bobbin-lace. Evaluations also indicated that
knowledge about the artisan's personal and professional characteristics, organization, pace,
workload, and cultural and historical issues that permeate the activity are essential to the
success of technology transfer, particularly when the transfer affects the craft production as it
relates to the inseparable aspects of the craftswomen's work and lifestyle.
Key words: Ergonomics; Anthropotechnology; Design; Production Craft; Bobbin-lace
Craftswomen;
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
ix
Lista de Figuras
Figura 2-1 – Gráfico 1 – Volume de produção x valor cultural ............................................... 23
Figura 2-2 – Rendeira de bilro (Origem na Europa) ................................................................ 26
Figura 2-3 – Mulheres rendeiras (renda de bilro) ..................................................................... 26
Figura 2-4 – Diferentes tipos de bilros ..................................................................................... 26
Figura 2-5 – Papelão picado ..................................................................................................... 27
Figura 2-6 – Papelão com renda ............................................................................................... 27
Figura 2-7 – Renda de bilro (bilros) ......................................................................................... 28
Figura 2-8 – Renda de bilro (alfinetes) ..................................................................................... 28
Figura 2-9 – Modelo de Ação Ergonômica .............................................................................. 30
Figura 2-10 – AET na perspectiva Sociotécnica ...................................................................... 31
Figura 3-11 – Ação Conversacional ......................................................................................... 47
Figura 3-12 – Ação Conversacional ......................................................................................... 47
Figura 4-13 – Praia de Ponta Negra (1960) .............................................................................. 51
Figura 4-14 – Praia de Ponta Negra (2007) .............................................................................. 51
Figura 4-15 – Igreja da Vila de Ponta Negra ............................................................................ 52
Figura 4-16 – Acesso principal à Vila de Ponta Negra ............................................................ 52
Figura 4-17 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” .......................................................... 53
Figura 4-18 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” .......................................................... 53
Figura 4-19 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” .......................................................... 54
Figura 4-20 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” .......................................................... 54
Figura 4-21 – Religiosidade na renda ....................................................................................... 59
Figura 4-22 – Placa de saudação das rendeiras a São João Batista .......................................... 59
Figura 4-23 – Desenho feito à mão .......................................................................................... 64
Figura 4-24 – Renda com seu desenho ..................................................................................... 64
Figura 4-25 – Par de bilros ....................................................................................................... 64
Figura 4-26 – Rendeira enchendo os bilros .............................................................................. 64
Figura 4-27 – Almofada e cavalete........................................................................................... 65
Figura 4-28 – Par de bilros sendo encaixado no alfinete .......................................................... 66
Figura 4-29 – Dois pares de bilro encaixados no alfinete ........................................................ 66
Figura 4-30 – Bilros na almofada ............................................................................................. 66
Figura 4-31 – Rendeiras manipulando os bilros ....................................................................... 66
Figura 4-32 – Rendeira em atividade ....................................................................................... 67
Figura 4-33 – Rendeira em atividade ....................................................................................... 67
Figura 4-34 – Rendeira costurando duas partes de uma camisa ............................................... 67
Figura 4-35 – “Traças” sendo unidas para formação de uma “rosa”........................................ 67
Figura 4-36 – Montagem manual de uma camiseta feminina .................................................. 68
Figura 4-37 – Fluxo de produção de uma camiseta (simplificado) .......................................... 68
Figura 4-38 – Pontos da renda de bilro encontrados na Vila de Ponta Negra .......................... 69
Figura 4-39 – Quadro demonstrativo de algumas tramas de renda produzidas no Núcleo ...... 70
Figura 5-40 – Instrução da demanda (Oficina de Design)........................................................ 79
Figura 5-41 – Esquema multifuncional do dispositivo de construção social da Oficina ......... 84
Figura 5-42 – Esquema de Construção Sóciotécnica da Oficina.............................................. 89
Figura 5-43 – Correspondência entre desenho e renda............................................................. 90
Figura 5-44 – Propostas de produtos com aplicação de renda ................................................. 91
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
x
Figura 5-45 – Propostas de produtos com renda como componente principal ......................... 91
Figura 5-46 – Propostas de desenhos das bandeiras ................................................................. 92
Figura 5-47 – Correspondência entre desenho feito à mão e o no computador ....................... 93
Figura 5-48 – Desenho da Bandeira de Portugal (eliminado) .................................................. 94
Figura 5-49 – Desenho confeccionado após primeira validação e levado para segunda ......... 95
Figura 5-50 – Propostas de desenhos de ícones da cidade do Natal......................................... 96
Figura 5-51 – Propostas de desenhos geométricos e abstratos ................................................. 97
Figura 5-52 – Desenho original (esquerda) e renda alterada (direita) ...................................... 98
Figura 5-53 – Desenho da Bandeira da Noruega ...................................................................... 99
Figura 5-54 – Produção da Bandeira da Noruega – (eliminada) .............................................. 99
Figura 5-55 – Desenhos concebidos durante a oficina ............................................................. 99
Figura 5-56 – ciclo de produção de uma bandeira.................................................................. 100
Figura 5-57 – ciclo de produção de um desenho geométrico ................................................. 100
Figura 5-58 – ciclo de produção de desenho da série “Natal”................................................ 101
Figura 5-59 – ciclo de produção de um caracol...................................................................... 101
Figura 5-60 – Produtos gerados na oficina ............................................................................. 102
Figura 5-61 – Camiseta toda em renda ................................................................................... 103
Figura 5-62 – Aplicação de renda em camiseta de malha ...................................................... 103
Figura 5-63 – Gráfico 2 – Principais motivos da descontinuidade da produção ................... 104
Figura 5-64 – Gráfico 3 – Contribuição do dinheiro da renda no orçamento doméstico ....... 108
Figura 5-65 – Gráfico 4 – Renda financeira das rendeiras ..................................................... 108
Figura 6-66 – 1º desenho da Bandeira do Brasil .................................................................... 112
Figura 6-67 – 2º desenho da Bandeira do Brasil .................................................................... 112
Figura 6-68 – Esquema de produção do novo desenho da Bandeira do Brasil ...................... 114
Figura 6-69 – Comparação entre os desenhos da Bandeira do Brasil .................................... 115
Figura 6-70 – Comparação entre as camisetas com rendas da Bandeira do Brasil. ............... 115
Figura 6-71 – Croqui da estrutura de bambu retangular ......................................................... 116
Figura 6-72 – Croqui da estrutura de bambu triangular ......................................................... 116
Figura 6-73 – Rendeira ensinando o designer/mestrando a rendar ........................................ 117
Figura 6-74 – designer/mestrando rendando .......................................................................... 117
Figura 6-75 – Detalhe da malha ............................................................................................. 118
Figura 6-76 – Simbologias gráficas dos pontos da renda ....................................................... 118
Figura 6-77 – Malha com simbologias inseridas .................................................................... 119
Figura 6-78 – Primeiras propostas de desenhos para tela da luminária ................................. 119
Figura 6-79 – Redesenho das telas da luminária .................................................................... 120
Figura 6-80 – Desenho final da tela da luminária confeccionado em duas partes simétricas 120
Figura 6-81 – Processo de produção da estrutura de bambu .................................................. 121
Figura 6-82 – Estrutura de bambu quadrada .......................................................................... 121
Figura 6-83 – Artesão e rendeira estudando a montagem da luminária ................................. 121
Figura 6-84 – Luminária finalizada (estrutura de bambu + telas de renda) ........................... 122
Figura 6-85 – Detalhe da tela luminária ................................................................................. 124
Figura 6-86 – Luminária com a lâmpada acesa ...................................................................... 124
Figura 6-87 – Luminária com a lâmpada apagada ................................................................. 124
Figura 6-88 – Detalhes da amarração das telas na estrutura de ferro ..................................... 124
Figura 6-89 – Modelo desfilando com peça tradicional ......................................................... 125
Figura 6-90 – Modelo desfilando com “novo” produto ......................................................... 125
Figura 6-91 – Modelo desfilando com uma rendeira ............................................................. 125
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
xi
Lista de Tabelas
Tabela 2-1 – Classificação do Artesanato ................................................................................ 22
Tabela 2-2 – Classificação quanto à organização do trabalho artesanal .................................. 23
Tabela 2-3 - Pontos da renda e variações de nomenclatura ...................................................... 27
Tabela 4-4 – Produtos confeccionados no Núcleo. .................................................................. 71
Tabela 4-5 – Quantidade de peças em estoque no Núcleo ....................................................... 73
Tabela 4-6 – Relação entre valor da peça, tempo de produção e valor de hora de trabalho ... 77
Tabela 4-7 – Rotina de trabalho das rendeiras de bilro da Vila de Ponta Negra ...................... 60
Tabela 5-8 – Cronologia dos acontecimentos da demanda de trabalho ................................... 80
Tabela 6-9 – Sistematização dos dados da produção da nova Bandeira do Brasil ................. 113
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
xii
Sumário
CAPÍTULO 1 | INTRODUÇÃO ......................................................................................... 14
1.1 Objetivos .............................................................................................................................. 16
1.2 Justificativa .......................................................................................................................... 16
1.3 Estrutura do trabalho ........................................................................................................... 18
CAPÍTULO 2 | REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................ 19
2.1 Trabalho e Produção Artesanal............................................................................................ 19
2.2. Classificação e Organização do Trabalho Artesanal .......................................................... 22
2.3 Artesanato das Rendas ......................................................................................................... 24
2.3.1 Renda de Bilro .......................................................................................................... 25
2.4 Ergonomia ........................................................................................................................... 28
2.4.1 Antropotecnologia ..................................................................................................... 32
2.4.2 Ergonomia Participativa e Construção Social ........................................................... 36
2.5 Design .................................................................................................................................. 38
2.5.1 Design e Produção Artesanal .................................................................................... 40
2.6 Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária .......................................................... 42
CAPÍTULO 3 | METODOLOGIA DA PESQUISA ............................................................... 45
3.1. Análise Ergonômica do Trabalho (AET)............................................................................ 45
3.1.1 Análise Global .......................................................................................................... 45
3.1.2 Estudo da população ................................................................................................. 46
3.1.3 Análise da atividade das Rendeiras ........................................................................... 47
3.2 Concepção da Oficina de Design......................................................................................... 48
3.3 Análise dos resultados da oficina ........................................................................................ 49
CAPÍTULO 4 | RENDA DE BILRO NA VILA DE PONTA NEGRA ..................................... 51
4.1 Vila de Ponta Negra ............................................................................................................. 51
4.2 Núcleo de Produção Artesanal “Rendeiras da Vila” ........................................................... 53
4.3 Rendeiras ............................................................................................................................. 56
4.4 Renda de Bilro: processo produtivo .................................................................................... 63
4.5 Renda de Bilro: produto ...................................................................................................... 69
4.6 Renda de Bilro: comercialização ......................................................................................... 74
4.7 Fecho do Capítulo ................................................................................................................ 77
CAPÍTULO 5 | OFICINA DE DESIGN .............................................................................. 78
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
xiii
5.1 Instrução da Demanda ......................................................................................................... 78
5.1.1 Restrições e Critérios da demanda externa (Oficina de Design) .............................. 80
5.2 Construção Social da Oficina de Design ............................................................................. 82
5.2.1 Esquema de Construção Social ................................................................................. 84
5.3 Construção Sociotécnica da Oficina .................................................................................... 88
5.3.1. Pesquisa Situada – Núcleo de Produção Rendeiras da Vila .................................... 90
5.3.2 Pesquisa Documental ................................................................................................ 90
5.3.3 Criação das primeiras propostas de produtos e desenhos ......................................... 91
5.3.4 Pesquisa de Situação de Referência .......................................................................... 92
5.3.5 Criações de novos desenhos e segunda validação (GA – Rendeiras Líderes) .......... 94
5.3.6 Detalhamento dos Desenhos ..................................................................................... 95
5.3.6.1 Série “Ícones da cidade de Natal” ................................................................ 96
5.3.6.2 Série “Geométricos” ..................................................................................... 96
5.3.7 Realização da Oficina ............................................................................................... 97
5.4 Resultados e avaliações da oficina de Design ................................................................... 102
5.4.1 Considerações da instituição apoiadora acerca da Oficina de Design .................... 109
5.5 Fecho do Capítulo .............................................................................................................. 110
CAPÍTULO 6 | AÇÕES PÓS-OFICINA DE DESIGN ........................................................ 111
6.1 Redesenho da Bandeira do Brasil ...................................................................................... 111
6.2 Projeto de luminária (primeira versão) .............................................................................. 116
6.2.1 Desenho da renda luminária .................................................................................... 117
6.2.2 Projeto da luminária (primeira versão) ................................................................... 121
6.3 Projeto de luminária (segunda versão) .............................................................................. 123
6.4 Exposição do Projeto “Rendeiras da Vila” ........................................................................ 124
6.5 Fecho do Capítulo .............................................................................................................. 125
CAPÍTULO 7 | ANÁLISE DOS RESULTADOS DA OFICINA DE DESIGN ........................ 127
7.1 Análises e discussões sobre a Oficina de Design .............................................................. 127
7.2 Análises e Discussões acerca das ações pós-oficina ......................................................... 137
CAPÍTULO 8 | CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 140
8.1 Conclusões ......................................................................................................................... 140
8.2 Limitações do trabalho ...................................................................................................... 141
8.3 Sugestões de trabalhos futuros .......................................................................................... 142
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 143
ANEXOS ......................................................................................................................... 151
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
14
Capítulo 1 | Introdução
A transformação de uma matéria-prima a partir de processos criativos em
produtos de uso foi o principal indício da atividade artesanal, como afirma Rugiu (1998),
quando menciona que o artesanato está presente no cotidiano do homem desde os povos mais
primitivos. Adveio das necessidades do indivíduo de se alimentar, de se proteger e de se
expressar. Foi, sem dúvida, um processo empírico de desenvolvimento operacional e do
estabelecimento de ocupações mais específicas na formação social, dando origem ao trabalho
artesanal e aos artesãos de vários gêneros.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
UNESCO se refere ao artesanato como um tipo de manifestação popular que é renovada a
cada geração de artesãos, conservando a herança cultural e refletindo a criatividade, cultura e
o patrimônio de uma nação. Os produtos do artesanato, desenhados com propósitos utilitários
ou artísticos, representam uma valiosa forma de expressão cultural e um "capital" de
autoconfiança que são especialmente importantes nos países em desenvolvimento, como o
Brasil (UNESCO, 2007).
Para o SEBRAE (2004), entre as cadeias produtivas no Brasil, o artesanato tem
elevado potencial de ocupação e geração de renda em todos os estados, posicionando-se como
um dos eixos estratégicos de valorização e desenvolvimento dos territórios, possuindo, em
cada localidade, diferentes tipos de produtos, feitos a partir da matéria-prima que cada região
oferece.
Segundo Barroso (1999), o setor de produção artesanal é para muitos políticos
uma opção estratégica para reduzir a pressão social causada pelo desemprego. Diante desse
quadro, esse setor tem-se transformado em alvo de intervenções cada vez mais freqüentes e
sistemáticas. Essas intervenções são promovidas por diversos organismos da esfera pública e
privada, cujas principais motivações e justificativas referem-se à necessidade de integrar à
vida econômica do país uma atividade que, durante muito tempo, foi marginalizada e tratada
apenas dentro da ótica da assistência social.
Na esfera pública nacional, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, através do Programa do Artesanato Brasileiro PAB –, criado em 1995,
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tem procurado gerar oportunidades de trabalho e de renda, bem como estimular o
aproveitamento das vocações regionais, levando à preservação das culturas locais e à
formação de uma mentalidade empreendedora nos artesãos (BRASIL, 2007).
De modo paralelo, surgem, regional ou localmente, projetos de apoio e fomento
ao artesanato, advindos de diferentes grupos e entidades privadas, governamentais ou não-
governamentais, que são apoiados pelo PAB e procuram corroborar com os mesmo objetivos
deste programa. No estado do Rio Grande do Norte, destaca-se o Programa Estadual de
Artesanato – PROART –, criado em 2003 com o objetivo de promover o desenvolvimento das
atividades do artesanato potiguar nas diversas tipologias artesanais encontradas no estado.
Para fins desta pesquisa, destacamos a produção da Renda de Bilro, ainda
encontrada em algumas cidades litorâneas brasileiras. No Rio Grande do Norte, ainda é
possível encontrar esse tipo de artesanato nas cidades de Natal, Parnamirim e Nísia Floresta.
Esta pesquisa foi realizada no Núcleo de Produção Artesanal Rendeiras da Vila, situado na
turística Vila de Ponta Negra, anexa à praia de mesmo nome, em Natal-RN.
Identificamos que algumas ações pontuais de incentivo à produção e à
comercialização, a exemplo de convites para exposição e comercialização em eventos e feiras,
fornecimento de embalagens, etiquetas, entre outras, já foram promovidas no Núcleo de
Produção Artesnal “Rendeiras da Vila” por entidades públicas e privadas; entretanto,
nenhuma provocou mudanças significativas para as artesãs e para o Núcleo. Dentre essas
ações, destaca-se a realização de uma Oficina de Design, ocorrida em Julho de 2006, com
dezenove rendeiras da Vila de Ponta Negra; essa oficina contou com a participação do autor
desta pesquisa o qual foi seu instrutor –, adotando regras definidas pela instituição
financiadora.
Diante disso, as principais questões desta pesquisa são:
a) Quais foram os resultados efetivos da Oficina de Design para as rendeiras e
para o Núcleo de Produção?
b) Por que os ensinamentos repassados na Oficina de Design não foram
absorvidos e continuados pelas rendeiras?
Como arcabouço teórico para subsidiar as análises da pesquisa, bem como as
respostas a essas questões, serão utilizados os estudos da Antropotecnologia (WISNER, 1999)
campo de estudo da Ergonomia que estuda as transferências de tecnologias e defende que
toda tecnologia ou conhecimentos que sejam transferidos a uma população de trabalhadores
devem ser adaptados a essa comunidade em diversos aspectos, quais sejam, socioeconômicos,
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socioculturais, antropológicos, geográficos, demográficos, condições de trabalho, dentre
outros.
1.1 Objetivos
O objetivo central deste trabalho é analisar, à luz da Antropotecnologia, os
motivos pelos quais os ensinamentos repassados através de uma Oficina de Design realizada
com um grupo de 19 Rendeiras de Bilro da Vila de Ponta Negra, em Natal-RN, não foram
absorvidos e bem aceitos pelo grupo de artesãs.
Como objetivos específicos, apresentamos:
a) caracterizar a atividade da renda de bilro na Vila de Ponta Negra;
b) compreender a organização do trabalho e a produção da renda no Núcleo de
Produção Artesanal Rendeiras da Vila;
c) Descrever a Oficina de Design;
d) compreender as razões pelas quais essa oficina não surtiu resultados efetivos
para as rendeiras;
e) identificar quais os fatores antropotecnológicos que possivelmente
influenciaram o insucesso da ação;
1.2 Justificativa
Segundo o Programa do Artesanato Brasileiro PAB –, o Brasil tem hoje 8,5
milhões de artesãos, e o faturamento anual do setor é de cerca de R$ 30 bilhões, sendo o
artesanato nacional um setor da economia cujo crescimento possui alto potencial de geração
de trabalho e de renda de modo mais descentralizado (BRASIL, 2007).
Dados publicados pela Secretaria Estadual de Trabalho e Bem Estar Social e
Programa Estadual de Artesanato STBS/PROART (SINE/RN, 2007) mostram que, nas
décadas de 80/90, cerca de 65.000 pessoas praticavam atividades artesanais no Rio Grande do
Norte, encontrando nelas sua subsistência. Entre os anos de 2000 e 2004, esses números
diminuíram para cerca de 40.000 pessoas, segundo informação da Secretaria de Estado do
Trabalho, da Habitação e da Assistência Social e do Programa de Artesanato do Rio Grande
do Norte (SEJUC, 2007).
Embora o PROART não apresente dados estatísticos atuais sobre o cenário do
artesanato no estado do Rio Grande do Norte, constatamos, através dos dados disponíveis, que
até o ano de 2004, 38 % das famílias (25.000 famílias) que praticavam e sobreviviam do
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artesanato no Rio Grande do Norte abandonaram o ofício. As rendeiras da Vila de Ponta
Negra estão inclusas nessa realidade.
Mediante a análise quantitativa dos dados, observamos que o número de mulheres
que praticavam a arte da renda na Vila tem diminuído com o passar dos anos, e o Núcleo de
Produção Artesanal, local de estudo desta pesquisa, reflete esse contexto. Foi constatado que
nove, ou seja, 64% das quatorze artesãs que freqüentavam o lugar na sua fundação em 1999
deixaram de freqüentá-lo e passaram a rendar de forma esporádica e sem assiduidade,
restando atualmente apenas 5 que rendam de forma efetiva, diariamente no local.
Supõe-se que essa diminuição no número de rendeiras na Vila e no Núcleo esteja
relacionada a vários fatores, a saber: a renda é uma atividade realizada predominantemente
por pessoas idosas; o desinteresse das novas gerações em aprender e praticar o ofício; o
retorno financeiro da produção é muito baixo, e o tempo de produção das peças (muito
elevado); a comercialização é insuficiente para manutenção do trabalho e garantia de sustento.
(SALDANHA et al, 2007).
Somada a esses problemas está a escassez de políticas públicas e privadas
capazes de proporcionar apoio mais efetivo à produção artesanal do Núcleo. Durante os 10
anos de existência do Núcleo de Produção, nenhuma ação governamental ou de instituição
privada gerou resultados positivos e duradouros para as rendeiras. Problemas críticos relativos
à comercialização e divulgação, por exemplo, mantêm-se ao longo dos anos, e o que
observamos, de fato, o queixas das artesãs e um sentimento de descrença e desconfiança
quanto a toda ação advinda de entidades externas.
Esse trabalho se propõe analisar, criticamente, uma dessas ações (intervenção de
Design) realizada junto às rendeiras, promovida por uma instituição privada de fomento ao
turismo na região Nordeste.
Do ponto de vista prático, esta pesquisa se justifica por demonstrar que o
insucesso de muitas intervenções no setor artesanal pode estar relacionado à desconsideração
de alguns aspectos antropotecnológicos da comunidade receptora da tecnologia.
No que concerne à perspectiva teórica, esta pesquisa se justifica por ressaltar a
importância dos estudos da Ergonomia, Engenharia de Produção e Design no setor artesanal,
importante colaborador na economia do país, bem como por, principalmente, utilizar os
conceitos da Antropotecnologia numa análise do setor artesanal, vez que esses estudos estão
muito freqüentemente voltados para o setor industrial.
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1.3 Estrutura do trabalho
O trabalho foi organizado de maneira a conduzir o leitor a um entendimento
seqüencial lógico da pesquisa, a fim de situá-lo no embasamento teórico e no estudo de caso
apresentado.
O próximo capítulo Referencial Teórico é dedicado à exposição do referencial
teórico utilizado para nortear e delimitar a pesquisa, de forma a promover um conhecimento
mais aprofundado de temas como a Produção Artesanal e a Antropotecnologia, fundamentos
das análises deste trabalho.
O capítulo 3 Metodologia da Pesquisa apresenta os procedimentos
metodológicos utilizados na pesquisa, mostrando a classificação, abordagem e universo desta,
além das estratégias para coleta, tabulação e tratamento dos dados.
O quarto capítulo Renda de Bilro na Vila de Ponta Negra descreve
detalhadamente o local de realização da pesquisa e as atividades desenvolvidas pelas
rendeiras, demonstrando as características da produção de renda e das artesãs envolvidas.
No capítulo 5 Oficina de Design –, demonstra-se como se deram a motivação,
identificação e instrução da demanda, além de detalhar a construção sociotécnica da oficina e
os resultados obtidos com a ação.
O capítulo 6 Ações Pós-oficina é dedicado à exposição das ações realizadas
pela equipe de pesquisadores após a execução da oficina. O sétimo capítulo Análises dos
Resultados mostra uma análise crítica e uma discussão construtiva, fundamentadas nos
conceitos da Antropotecnologia, acerca dos resultados da oficina e das demais atividades
realizadas junto ao Núcleo de Produção, levantando hipóteses e propondo sugestões.
No capítulo 8 Considerações Finais –, são apresentadas as conclusões do
projeto, as limitações do trabalho e as perguntas abertas para discussão; por fim, são dispostas
as Referências Bibliográficas e os Anexos do trabalho.
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Capítulo 2 | Referencial Teórico
Este capítulo apresenta o conteúdo teórico da pesquisa, o qual é o elemento
norteador dos estudos, análises e resultados apresentados. Serão apresentados aqui tópicos
relativos ao Trabalho e Produção Artesanal, Artesanato das Rendas, Renda de Bilro,
Ergonomia, Antropotecnologia, Ergonomia Participativa, Construção Social, Design, Design
na Produção Artesanal e Economia Solidária.
2.1 Trabalho e Produção Artesanal
González (2006), em seu livro Arte y Cultura Popular, refere-se à origem do
trabalho artesanal da seguinte forma:
Un buen número de antropólogos contemporáneos han sustituído el
tradicional término “sapiens” por “habilis” para establecer la diferencia
fundamental entre el ser humano y los demás integrantes del reino animal.
Podemos hablar de hombres cuando en algún lugar de la tierra, posiblemente
en el Africa de acuerdo con la información que hoy poseemos algún
antropoide modificó um elemento de la naturaleza (un pedazo de madera,
hueso o piedra) y con este objeto, guiado por sus manos y elevado a
categoría de herramienta, modificó la realidad circundante para lograr ciertos
objetivos.
1
Segundo Azevedo (1998), antes da industrialização, apenas o trabalho artesanal
supria as necessidades das comunidades rurais e, embora de algumas décadas para cá
materiais novos tenham invadido o cotidiano dos artesãos, estes não perderam, pelo menos
irremediavelmente, esses saberes ancestrais.
Os recursos naturais transformados em artefatos pelas mãos de habilidosas
pessoas são fruto de um trabalho constituído por características próprias que parecem não
mudar significativamente ao longo dos anos, como mostra Mills (1951), quando elenca seis
das características principais do trabalho artesanal:
1
Um bom número de antropólogos contemporâneos tem substituído o tradicional termo “sapiens” por “habilis”
para estabelecer a diferença fundamental entre o ser humano e os demais integrantes do reino animal. Podemos
falar de homens quando em algum lugar da terra, possivelmente na África de acordo com informações que
possuímos algum antropóide modificou um elemento da natureza (um pedaço de madeira, osso ou pedra) e
com esse objeto, guiado por suas mãos transformado em ferramentas, modificou a realidade local para conseguir
certos objetivos.
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1) uma preocupação suprema com a qualidade do produto e a arte de
fazê-lo, além de existir uma relação interna entre o artesão e os produtos que
ele faz, desde o projeto até sua finalização, que ultrapassa a mera relação
legal de propriedade e torna espontânea e entusiástica a sua vontade de
trabalhar;
2) o que é realmente necessário num trabalho artesanal é que o vínculo entre
o produtor e o produto seja psicologicamente possível; mesmo que o
produtor não seja legalmente proprietário, deve possuir o produto
psicologicamente, no sentido de que conhece o que este inclui de habilidade,
labor e matéria-prima;
3) o trabalhador é livre para começar o trabalho de acordo com seus planos
e, durante a atividade, tem liberdade para modificar sua forma e técnica de
criação. O artesão é o dono de sua atividade e de si mesmo. Ele é
responsável pelo produto final e livre para assumir essa responsabilidade.
Ele próprio deve resolver seus problemas e dificuldades em relação à forma
final que deseja atingir. Se em algumas fases o trabalho é penoso, mecânico
e monótono, o artesão supera esses obstáculos pela satisfação antecipada
com o produto final;
4) o trabalho do artesão é um meio de desenvolver sua habilidade e, ao
mesmo tempo, um meio de desenvolver a si próprio como homem. O auto-
aperfeiçoamento não é um objetivo ulterior, mas é o resultado cumulativo da
dedicação à sua arte e do exercício dela;
5) no padrão artesanal, não separação alguma entre trabalho e
divertimento, entre trabalho e cultura. O divertimento é uma atividade
agradável, mas se o trabalho é também uma ocupação agradável, é
igualmente um divertimento, embora sério, como brincar é uma coisa séria
para as crianças;
6) o trabalho do artesão é a base de sua vida; ele não procura no lazer a
evasão para um domínio separado do trabalho; traz para seus momentos de
descanso os valores e as qualidades desenvolvidos e empregados nas horas
de trabalho. O “trabalho” e a “cultura” não são domínios separados. A
criação artesanal é o instrumento da cultura e para o artesão não nenhuma
descontinuidade entre o mundo da cultura e o do trabalho.
Complementando essas características, destacamos também o completo domínio
do artesão sobre o produto e processo. Ele define o que e como fazer, a hora de iniciar e de
parar, o ritmo de trabalho, as pausas, as matérias-primas, a forma do produto, etc. Além disso,
possui domínio total sobre o processo criativo, podendo, com isso, criar seus próprios moldes
e padrões de produção (LIMA E GOMES, 1989).
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
UNESCO (2007) define produtos artesanais da seguinte forma:
Artisanal products are those produced by artisans, either completely by hand,
or with the help of hand tools or even mechanical means, as long as the
direct manual contribution of the artisan remains the most substantial
component of the finished product. The special nature of artisanal products
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derives from their distinctive features, which can be utilitarian, aesthetic,
artistic, creative, culturally attached, decorative, functional, traditional,
religiously and socially symbolic and significant
2
.
O Conselho Mundial do Artesanato define como artesanato toda atividade
produtiva que resulte em objetos e artefatos acabados, feitos manualmente ou com a utilização
de meios tradicionais, com habilidade, destreza, qualidade e criatividade. O artesanato
tradicional é, portanto, o conjunto de artefatos expressivos da cultura de um determinado
grupo, representativo de suas tradições e incorporado à sua vida cotidiana (SEBRAE, 2004).
Lima (2005, p. 14) afirma que, no mundo contemporâneo, existe uma enorme
gama de objetos que podem ser classificados como artesanato; no entanto, ressalta duas
condições importantes para essa classificação: primeiro, o fato de a produção ser
essencialmente manual; segundo, a liberdade do artesão para definir o ritmo da produção, a
matéria-prima, a tecnologia que irá empregar e a forma que pretende dar ao objeto, produto de
sua criação, de seu saber, de sua cultura.
Sobre o artesanato tradicional, Lima (op. cit.) ressalta que este tem como destaque
seu valor cultural, valor este que, em certos momentos, torna-se vantagem e em outros,
desvantagem, uma vez que vai exigir uma sensibilidade singular para lidar com essa produção
sem ferir valores, códigos de comportamento, saberes, etc., que detém o portador desse saber
– no caso, o artesão.
Leite (2005), por sua vez, conceitua artesanato tradicional numa perspectiva social
e antropológica ao relacionar o produtor e seu produto:
Chamamos aqui de artesanato tradicional aquele cuja inserção social no
contexto de sua produção se reflete no modo de vida de quem o produz.
Todo artesanato tem valor cultural, mas apenas alguns guardam a memória
de saberes tradicionais que se perpetuam e se renovam na arte de fazer.
Esses saberes condensam experiências coletivas e demarcam formas de
transmissão do conhecimento técnico e estético. Desse modo, pensar o
artesanato a partir da sua inserção social nos modos de vida de quem o
produz implica considerá-lo produto e processo. Essa dupla caracterização
nos indica que devemos pensar o produto artesanal não apenas em sua forma
final, mas igualmente como um processo que ultrapassa a mera produção de
mercadorias. Esse processo artesanal tem, no âmbito das relações entre
produto e produtor, uma dimensão social (que se reflete nos modos de vida
de quem os produz); uma dimensão pedagógica (que se materializa nos
saberes que se difundem e no conhecimento integral do saber-fazer); uma
dimensão simbólica (que se externaliza no produto como bem cultural); uma
2
Produtos artesanais são aqueles produzidos por artesãos, feitos completamente à mão, ou com a ajuda de
ferramentas manuais ou de meios mecânicos uniformes, contanto que a contribuição manual direta do artesão
seja o componente mais substancial do produto. A natureza essencial dos produtos artesanais es nas suas
características distintas, que podem ser utilitárias, artísticas, criativas, funcionais, tradicionais, socialmente
simbólicas e significativas, somados à cultura e religiosidade.
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dimensão econômica (que se concretiza nas trocas, quando o artesanato é
alçado à categoria de mercadoria). São os saberes compartilhados que se
ajustam no cotidiano e nos costumes, que se traduzem na preservação
inovadora das técnicas e estéticas artesanais.
2.2. Classificação e Organização do Trabalho Artesanal
As classificações apresentadas a seguir são definidas pelo Conselho Mundial do
Artesanato e, no Brasil, são apresentadas pelo Programa SEBRAE de Artesanato, através do
Termo de Referência (2004) dessa instituição.
Tabela 2-1 – Classificação do Artesanato
Fonte: SEBRAE (2004)
Arte Popular
Conjunto de atividades poéticas, musicais, plásticas e expressivas que
configuram o modo de ser e de viver próprios do povo de um lugar. Objetos
únicos originários de criação individual e fruto da experiência do olhar atento
de um indivíduo.
Artesanato
Conceitual
Contemporâneo
Objetos produzidos por pessoas com alguma formação artística, resultante
de um projeto deliberado de afirmação de um estilo de vida ou afinidade
cultural. A inovação é o elemento principal que distingue esse artesanato das
demais categorias. Por detrás desses produtos, existe sempre uma proposta,
uma afirmação sobre estilo de vida e valores, muitas vezes ligados ao
movimento ecológico e naturalista.
Artesanato de
Referência
Cultural
Caracterizado pela incorporação de elementos próprios da região onde são
produzidos. Resultam de uma intervenção planejada de artistas e designers
em parceria com artesãos, com o objetivo de diversificar produtos e, ao
mesmo tempo, resgatar ou preservar seus traços culturais representativos.
Artesanato
Indígena
Objetos produzidos no seio de uma comunidade indígena por seus próprios
membros. Resultam, em sua maioria, de uma produção coletiva, incorporada
ao cotidiano da vida de diversas etnias, prescindindo da figura do artista ou
do autor.
Artesanato
Tradicional
Conjunto de artefatos expressivos da cultura de um determinado grupo,
representativo de suas tradições e incorporados à sua vida cotidiana. Sua
produção é, em geral, de origem familiar ou de pequenos grupos que vivem
em um mesmo território, o que favorece a transferência de conhecimentos
sobre técnicas, processos e desenhos originais. Sua importância e seu valor
cultural decorrem do fato de ser depositário de um passado, de acompanhar
histórias e tradições transmitidas de geração em geração, de fazer parte
integrante e indissociável dos usos e costumes de um determinado grupo.
Produtos Semi-
industriais e
industrializados
Produtos feitos em grande escala, em série, com utilização de moldes e
formas, máquinas e equipamentos de reprodução, com pessoas envolvidas e
conhecedoras apenas de partes do processo.
Trabalho Manual
Trabalhos que exigem destreza e habilidade, porém utilizam moldes e
padrões pré-definidos e muitas vezes desvinculados da cultura de um lugar.
Os objetos não resultam de um processo criativo efetivo, mas da reprodução
e cópia de padrões de uso universal.
Essas categorias são avaliadas quanto ao valor cultural e ao volume de produção,
como demonstra a figura 2-1 (Gráfico 1).
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Quanto à organização do trabalho artesanal, a definição se dá da seguinte maneira:
Tabela 2-2 – Classificação quanto à organização do trabalho artesanal
Fonte: SEBRAE (2004)
Núcleo de
Produção
Familiar
A força de trabalho é constituída por membros de uma mesma família, alguns
com dedicação integral e outros com dedicação parcial ou esporádica. A
direção das atividades é exercida pelo pai ou pela mãe (dependendo do tipo de
artesanato que se produza), que organizam o trabalho de filhos, sobrinhos e
outros parentes.
Grupo de
Produção
Artesanal
Agrupamentos de artesãos atuando no mesmo segmento artesanal ou em
segmentos diversos, e que se valem de acordos informais, tais como: aquisição
de matéria-prima e/ou de estratégias promocionais conjuntas e produção
coletiva.
Empresa
Artesanal
São núcleos de produção que evoluíram para a forma de micro ou pequenas
empresas, com personalidade jurídica, regida por um contrato social. Como
quaisquer empresas privadas, buscam vantagens comerciais para continuar a
existir. Empregam artesãos e aprendizes encarregados da produção,
remunerados, em geral, com um salário fixo ou uma pequena comissão sobre
as unidades vendidas.
Associação
Uma associação é uma instituição de direito privado sem fins lucrativos,
constituída com o objetivo de defender e zelar pelos interesses de seus
associados. São regidas também por estatutos sociais, com uma diretoria eleita
em assembléia para períodos regulares.
Cooperativa
As cooperativas são associações de pessoas de número variável (não inferior a
20 participantes) que se unem para alcançar benefícios comuns, em geral, para
organizar e normalizar atividades de interesse comum. O objetivo essencial de
uma cooperativa na área do artesanato é a busca de uma maior eficiência na
produção com ganho de qualidade e de competitividade.
Figura 2-1 – Gráfico 1 – Volume de produção x valor cultural
Fonte: SEBRAE (2004)
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A produção artesanal da renda de bilro analisada neste trabalho pode ser
classificada como artesanato tradicional, visto que possui um alto valor cultural e mediano
volume de produção. O modo de organização do trabalho se classifica como grupo de
produção artesanal, principalmente pelo fato de as artesãs trabalharem unidas e serem regidas
por acordos informais firmados entre elas próprias.
2.3 Artesanato das Rendas
Historicamente, é difícil precisar como a arte da renda surgiu e foi disseminada
por gerações até os dias atuais. No entanto, narrações históricas e lendárias apontam para o
surgimento dessa arte a partir da seguinte estória:
Todos os dias, à beira da praia, uma bela moça esperava ansiosa por um
jovem pescador voltar do mar. Este jovem era o seu grande amor. E para que
o longo tempo de espera passasse mais rápido, a jovem se distraía
confeccionando as redes que o rapaz usava em seu trabalho. Um dia,
repentinamente, o jovem foi convocado pelo exército de seu país, e,
portanto, teria que se afastar do seu amor por um grande período. E pior,
faria isso sem a certeza de voltar para ela um dia. Essa notícia deixou a moça
inconsolável e para aliviar um pouco a dor de sua amada, o pescador quis
dar-lhe um presente. Acreditava que, com isso, conseguiria manter-se vivo
na lembrança da moça. Então o pescador pegou seu barco e rumou para o
alto mar e, chegando em águas profundas, mergulhou e voltou com a mais
bela alga em suas mãos. De volta a terra, entregou a lembrança à sua amada
e partiu. Mas a alga, sendo frágil e delicada, tinha vida efêmera e, dia após
dia, ia se decompondo, desaparecendo. A moça sentiu medo de perder a
única matéria tangível de seu amor e, para eternizar sua lembrança, teve a
idéia de reproduzir a alga com as linhas e agulhas que usava para
confeccionar as redes de pesca de seu amado. Com suas mãos habilidosas,
ponto a ponto, a alga foi sendo tecida e seu amor se tornando mais forte.
Com o fim de seu trabalho, o milagre aconteceu, a alga tecida estava
imortalizada e, assim, a primeira renda acabara de nascer no mundo
(NÓBREGA, 2005, p. 23).
Muitas escolas da Bélgica, França e Itália ensinavam rendaria a meninas
pequenas, e a renda feita à mão era procurada pela Igreja, realeza e senhores mais ricos. Na
França, foram abertas escolas de rendaria em Le Puy, Château Lauray e Aleçon. Para
empregar as crianças formadas por essas escolas, foram abertas fábricas espalhadas por toda a
França, o que levou a um florescimento da indústria da renda. Depois da Revolução Francesa
e a queda da aristocracia, a indústria rendeira se desmantelou (DAWSON, 1984).
De acordo com Nóbrega (op cit., p. 25) foi nos séculos XV e XVI que a história
começou a apontar indícios do surgimento da renda como artesanato têxtil nos formatos
atuais. A região de Flandres (Norte da Bélgica) e a Itália reivindicam a paternidade da arte,
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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com a região belga intitulando-se a inventora da renda de bilros, e a italiana requerendo a
patente da renda de agulhas.
No Brasil, segundo Dantas (2004), as técnicas e saberes do rendar chegaram
através dos colonizadores portugueses, dos imigrantes europeus que adentraram o país a partir
do século XIX e ainda sob influxos indiretos por meio dos livros provenientes de países cuja
influência se impõe pelo prestígio cultural, como é o caso da França. Diversas denominações
e tipologias de rendas chegaram ao país, cada uma com sua peculiaridade.
Maia (1980) se refere à renda como sendo a obra na qual um fio, conduzido por
uma agulha, ou vários fios trançados por meio de bilros engendram um tecido e produzem
combinações de linhas análogas às que o desenhista obtém com o lápis. Algumas das
denominações das rendas e dos bordados que integram o amplo espectro de expressões do
artesanato brasileiro e, sobretudo, nordestino são as seguintes: Renda de Bilro ou de
Almofada, Renda Irlandesa, Renascença, Filé, Labirinto, Rendendo, Richelieu, Matiz,
Rococó, Ponto cheio, de Cruz ou de Marca (DANTAS, op. cit.).
2.3.1 Renda de Bilro
A renda de bilro (foco de estudo desta pesquisa) tem no Ocidente uma história de
mais de quatro séculos, sendo destacada no Brasil como a renda que logrou maior área de
difusão no passado, tendo-se espalhado pelas diferentes regiões, embora, atualmente, esteja
mais difundida no Nordeste, particularmente no Ceará, onde a tradição é mais forte e remonta
pelo menos ao século XVIII (DANTAS, op cit.).
Segundo Maia (op. cit., p.46), na década de 1970-1980, a renda de bilro era
bastante encontrada no Maranhão (São Luís), Piauí (Parnaíba), Ceará (Fortaleza, Aracati,
Icaraí, Trairi, Acaraú, Aquiraz e Melancia), Rio Grande do Norte (Natal, Nísia Floresta, Ceará
Mirim e Goianinha), Paraíba (Cabedelo, Bayeux, Salgado de São Félix, Serra Redonda,
Massaranduba, Bahia da Traição e Mataraca), Pernambuco (Ilha de Itamaracá), Alagoas (São
Sebastião), Sergipe (Porto das Folhas e Riachão dos Dantas), e em várias cidades da Bahia,
Minas Gerais, Santa Catarina, Rio de Janeiro e pequenas ocorrências ainda em Goiás e Pará.
As figuras 2-2 e 2-3 apresentam imagens de mulheres rendeiras na Europa, berço da arte, de
onde foi difundida para o Brasil.
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A renda de bilro é também chamada de “renda da terra”, “renda de almofada” e
“renda de birro”. Ela se diferencia dos outros tipos de renda principalmente pela utilização
dos bilros, pequenas peças de madeira que auxiliam o trançar dos fios e que dão nome à arte
(MAIA, 1980, p. 24).
Segundo Dawson (1984), no seu livro Renda de Bilros para iniciantes, escrito em
1977, em formato de manual de aprendizagem, são necessários os seguintes instrumentos para
rendar: almofada “chata”; “rolo” ou “honiton”; bilros; moldes (papelão); alfinetes finos e
grossos, além de furador para os moldes.
Para produção da renda, a artesã utiliza como base o molde (papelão picado),
também chamado de “pique”, que é fixado na almofada cilíndrica por meio de alfinetes ou
espinhos de xique-xique, e orienta a produção da renda até que, depois de concluída, torne-se
a representação fiel do desenho. A forma de rendar também se difere em relação à renda de
agulhas, sobretudo nos motivos e desenhos usados (MAIA, op. cit., p.24).
Figura 2-4 – Diferentes tipos de bilros
Fotos: Autor desconhecido – Fonte: www.google.com.br
Figura 2-3 – Mulheres rendeiras (renda de bilro)
Foto: Autor desconhecido - Fonte: www.google.com.br
Figura 2-2 – Rendeira de bilro (Origem na Europa)
Foto: Autor desconhecido - Fonte: www.google.com.br
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Ainda de acordo com Maia (1980), são sete os tipos de pontos realizados no feitio
da renda de bilro no Brasil. Esses pontos recebem diversas nomenclaturas em diferentes
regiões, pois muitas vezes emergem da criatividade de cada artesã, mas não sofrem
modificações na forma de fazer (Tabela 2-3).
Tabela 2-3 - Pontos da renda e variações de nomenclatura
Fonte: Maia (op. cit.)
PONTO VARIAÇÕES DE NOMES
1
TRAÇA Nome utilizado em quase todo o Nordeste. O mesmo de palma na Bahia.
2
MEIO TROCADO
Utilizado em todo Nordeste. Corresponde a ponto inteiro em Santa
Catarina.
3
FINAGRAN
Utilizado em alguns estados do Nordeste e conhecido como perna
esquecida, ponto puxado ou alça em Santa Catarina.
4
TIJOLO
Utilizado em toda região Nordeste. Corresponde a pastilha em Santa
Catarina.
5
PANO Denominação genérica em todas as regiões.
6
COENTRO OU PÉ
DE COELHO
Usados no Nordeste e não constatados em Santa Catarina.
7
TRANÇA Usado em todos os estados brasileiros.
Dantas (2004) destaca que no município de Poço Redondo, no sertão sergipano,
rendeiras de bilro octogenárias misturam memórias do trabalho e do antigo comércio das
rendas com as histórias dos cangaceiros que muito freqüentavam a região. Essa associação
fixou-se no imaginário das populações citadinas por meio de músicas atribuídas a Lampião e
divulgadas através de filmes e discos por todo o Brasil. Ainda segundo o autor, as velhas
rendeiras de Poço Redondo acreditam que sua tradição vai se acabar com elas, pois não
conseguem repassar para as jovens a técnica e o gosto pelo trabalho. em São Sebastião
Figura 2-5 – Papelão picado
Foto: Autor desconhecido
Fonte: www.google.com.br
Papelão picado para
orientar a renda
Figura 2-6 – Papelão com renda
Foto: Autor desconhecido
Fonte: www.google.com.br
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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(AL), as crianças aprendem a rendar com bilros, assegurando a persistência da tradição
secular que enfrenta os desafios colocados pela industrialização e, mais recentemente, pela
globalização.
Atualmente, a renda de bilro ainda é encontrada em várias cidades litorâneas do
Nordeste e do Sul do país; no entanto, segundo Zanella et al (2000, p. 5), com o passar dos
anos, essa atividade artesanal, como não poderia deixar de ser, também foi modificada.
Praticada, em princípio, para produzir peças ornamentais de casas e igrejas, com o decorrer do
tempo e diante das dificuldades econômicas, passou a ser vista como meio para obter
subsídios para complementar o orçamento familiar. A renda de bilro, em certo momento,
ultrapassou o âmbito do folclore e das tradições e integrou o rol das atividades econômicas;
contudo, hoje, parece voltar à sua origem: tradicional e menos comercial.
2.4 Ergonomia
Historicamente, a Ergonomia era praticada por nossos ancestrais empiricamente,
na medida em que estes projetavam e concebiam ferramentas adaptadas às suas mãos e corpos
na busca por uma eficiência nas atividades de caça e de pesca de alimentos (VIDAL, 2002).
Com o passar dos anos, foi sendo difundida cientificamente e, segundo Falzon (2007), após a
Segunda Guerra Mundial, ela passou a ser objeto de estudo de vários profissionais, recebendo
a conceituação de diversos autores. Ainda de acordo com Falzon (op. cit.), as primeiras
definições científicas sobre o que é Ergonomia utilizavam uma fórmula clássica e tratava
apenas de “adaptação do trabalho ao homem”, como demonstra a definição da Société
d’ergonomie de langue française (SELF), de 1970:
Figura 2-7 – Renda de bilro (bilros)
Foto: Autor desconhecido
Fonte: www.google.com.br
Figura 2-8 – Renda de bilro (alfinetes)
Foto: Autor desconhecido
Fonte: www.google.com.br
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A ergonomia pode ser definida como a adaptação do trabalho ao homem, ou,
mais precisamente, como a aplicação de conhecimentos científicos relativos
ao homem e necessária para conceber ferramentas, máquinas e dispositivos
que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficácia.
Ainda nessa perspectiva clássica, Iida (2002, p. 1) define:
Ergonomia é o estudo da adaptação do trabalho ao homem, partindo do
conhecimento do homem para fazer o projeto do trabalho, ajustando-o às
capacidades e limitações humanas, com objetivos práticos de segurança,
satisfação e bem-estar dos trabalhadores no seu relacionamento com os
sistemas produtivos.
Falzon (2007) destaca a relevância das primeiras definições para a compreensão
da evolução da Ergonomia, mas ressalta a importância de novas definições em que outros
elementos conceituais estejam inseridos. Para ilustrar isso, o autor compara a primeira
definição da International Ergonomics Association IEA com a definição usada
atualmente, criada em 2000, após dois anos de discussões internacionais.
Primeira definição da IEA:
A ergonomia é o estudo científico da relação entre o homem e seus meios,
métodos e ambientes de trabalho. Seu objetivo é elaborar, com a colaboração
das diversas disciplinas científicas que a compõem, um corpo de
conhecimentos que, numa perspectiva de aplicação, deve ter como finalidade
uma melhor adaptação ao homem dos meios tecnológicos de produção e dos
ambientes de trabalho e de vida (FALZON, op. cit.).
Definição da IEA adotada em 2000 e utilizada até os dias atuais:
A ergonomia (ou fatores humanos) é uma disciplina científica que trata do
entendimento das interações entre os humanos e outros elementos de um
sistema e a atividade que aplica teorias, princípios, dados e métodos
projetuais para melhorar o bem estar-estar humano e o funcionamento
completo de um sistema. Os Ergonomistas contribuem para o projeto e
avaliação de tarefas, trabalhos, produtos e ambientes para torná-los
compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas
(FALZON, op. cit.).
De acordo com Falzon (op. cit.), a Ergonomia não trata apenas de uma adaptação
física dos objetos cotidianos, como mesas e cadeiras, às pessoas: ela trata do mundo
contemporâneo, incluindo também o conjunto da atividade humana e considerando a
variedade das diferentes dimensões do trabalho. Vidal (2002, p. 14) se refere à Ergonomia da
seguinte forma:
Ergonomia é a ocupação de pessoas qualificadas em grupos de pesquisa e
formação que atuam em equipes de projeto e consultoria para responder às
demandas acerca da atividade de trabalho e do uso e manuseio de produtos
na sociedade mediante metodologias de análise e projeto de base científica,
devidamente inserida num universo normativo e contratual.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
30
A utilização dos conhecimentos de Ergonomia em aplicações práticas é chamada
de Ação Ergonômica, a qual, segundo Vidal (2002), pode ser entendida como um conjunto de
princípios e conceitos eficazes para viabilizar as mudanças necessárias para a adequação do
trabalho às características, habilidades e limitações dos agentes no processo de produção de
bens e serviços, bem como dos produtos e sistemas, à luz dos seguintes critérios: efetividade
(eficiência, qualidade e custo-benefício), conforto (saúde, bem-estar e usabilidade) e
segurança (confiabilidade, usabilidade e prevenção). De acordo com o autor, a ação
ergonômica ocorre numa produtiva tensão entre as referências teóricas de diversas origens
(estado da arte) e as necessidades práticas da ação (aplicação), tendo como objetivo a
produção de respostas às demandas sobre os problemas existentes em um sistema de trabalho,
como ilustra a figura 2-9.
Guérin et al (2001, p. 1) ressaltam que transformar o trabalho é a primeira
finalidade de uma ação ergonômica, visando contribuir para:
a) a concepção de situações de trabalho que preservem a saúde dos
operadores, nas quais estes possam exercer suas competências ao mesmo
tempo num plano individual e coletivo, bem como encontrar
possibilidades de valorização de suas capacidades;
b) alcançar os objetivos econômicos determinados pela empresa, em função
dos investimentos realizados ou futuros.
Na busca pela eficiência nas ações ergonômicas, a Análise Ergonômica do
Trabalho AET apresenta-se como o método que assegura a positividade da transformação
por suas características e propriedades de foco, de ordenação e de sistematicidade. Trata-se de
Figura 2-9 – Modelo de Ação Ergonômica
Fonte: Vidal (2002)
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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um procedimento abrangente e cuidadoso que fornece uma visão muito boa do que acontece
no processo de produção ou no uso e manuseio de produtos e sistemas (VIDAL, 2003).
A Análise Ergonômica do Trabalho configura-se como um método de aplicação
real dos conceitos da Ergonomia nas transformações do trabalho, que muitas vezes alguns
aspectos desse trabalho não são evidentes, exigindo uma ação mais criteriosa, cuidadosa e
pormenorizada. A AET possibilita análises quantitativas e qualitativas que permitem a
descrição e a interpretação do que acontece na realidade da atividade enfocada, contemplando
inúmeras etapas que, associadas e encadeadas, formam um complexo de ações que fazem
emergir os problemas de forma clara e indicam soluções adequadas a diversas situações
(VIDAL, op. cit.).
Guérin et al (2001, p. 4) consideram que muitas disfunções constatadas na
produção de uma empresa ou de um serviço e numerosas conseqüências para a saúde dos
trabalhadores têm sua origem no desconhecimento do trabalho real. Os autores ainda afirmam
que os resultados da análise ergonômica do trabalho permitem ajudar na concepção de meios
materiais, organizacionais e na formação, de modo que os empregados possam realizar os
objetivos esperados em condições que preservem o estado físico, psíquico e sua vida social.
Trata-se de uma metodologia que mescla informações do campo social e técnico, buscando
solucionar os problemas em diferentes níveis e respeitando as minúcias de cada área de
atuação, como mostra Vidal (op. cit.), através da figura 2-10.
Com relação ao enfoque sociotécnico da Ergonomia, Duarte (1987) esclarece que
este traz a atenção principal para as relações entre o sistema técnico e o sistema social de uma
empresa, ou seja, para o inter-relacionamento entre a base cnica e o conjunto de
trabalhadores que a opera. O autor ainda afirma que os estudos sociotécnicos buscam obter,
através da análise das características desses dois sistemas, a melhor interação e combinação
Figura 2-10 – AET na perspectiva Sociotécnica
Fonte: Vidal (2002)
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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possível entre eles, sendo necessário, para isso, conhecer as formas de organização do
trabalho.
Dias (2000, p.1) ressalta:
A ergonomia, no seu processo evolutivo enquanto disciplina científica,
incorpora atividades de caráter sistêmico e interdisciplinar, pois ao tratar das
condições de trabalho humano tem que dar conta das dimensões múltiplas na
sua avaliação: a psicológica, a sociológica, a histórica, a cultural, a
fisiológica a científica e tecnológica e a política.
A Ergonomia, enquanto disciplina científica que estuda as relações do homem
com seu trabalho, fornece conhecimentos imprescindíveis para o melhor entendimento da
relação entre as artesãs e sua atividade de trabalho. A Antropotecnologia, por sua vez, ressalta
que o trabalhador deve ser agente participativo das transformações no trabalho.
2.4.1 Antropotecnologia
Criada com o intuito de aumentar a abrangência da Ergonomia, e em analogia a
essa mesma disciplina, desenvolveu-se um novo campo de estudo denominado
Antropotecnologia, que pode ser definido como a adaptação da tecnologia a ser transferida a
uma determinada população, considerando a influência de fatores geográficos, econômicos,
sociológicos e antropológicos (SANTOS et al, 1997, p.50). O termo Antropotecnologia foi
cunhado por Alain Wisner, a partir da junção das palavras tecnologia e antropologia, que o
utilizou para designar o emprego simultâneo das ciências naturais e sociais, a fim de conduzir
melhor as transferências de tecnologias nos países em via de desenvolvimento industrial,
estendendo tal transferência aos saberes, know-how e procedimentos científicos e técnicos
(VIDAL, 2003, p. 94).
Segundo Wisner (1999), os estudos da Antropotecnologia se iniciaram a partir das
análises dos sucessos e fracassos das diversas modalidades de transferências de tecnologia no
mundo, em geral de países desenvolvidos para aqueles em via de desenvolvimento. O autor
separa essas transferências em dois modelos.
Transferências sob controle estrangeiro:
Quando é realizada sob completa responsabilidade, financeira, técnica e
social de uma empresa estrangeira pertencente a um país desenvolvido
industrialmente. Os resultados desta situação nas condições de trabalho
variam, dependendo se se trata de uma transferência de refugos, quando
importação de máquinas de um modelo antigo, já usada, às vezes perigosa,
com resultados muitas vezes desastrosos, tanto de ponto de vista da saúde
dos trabalhadores, quanto da produção, ou quando é feita a transferência
total, uma situação oposta à anterior, quando se transfere o que de mais
moderno existe, englobando os dispositivos técnicos, as máquinas, os
modelos de organização e de formação (WISNER, op. cit.).
Transferência sob controle nacional:
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33
Quando a compra de equipamentos e importação de tecnologias, sistemas,
modelos de organização do trabalho são feitas sob o domínio do país
importador e adequadas às suas necessidades, estando a contribuição da
antropotecnologia voltada para a busca de respostas positivas para essas
adequações (WISNER, 1999).
Esse mesmo autor apresenta duas linhas de trabalho principais como método de
execução das transferências, quais sejam, o estudo prévio das realidades locais e a
participação de ambas as partes (país vendedor, país comprador) no processo.
Quanto ao estudo prévio das condições locais:
Pode ser feita pela documentação, a consulta a especialistas e através de
visitas. A visita ao local onde será instalada a futura tecnologia é
particularmente necessária, pois podem surgir elementos muito importantes
que foram desprezados nas primeiras investigações. O estudo da tecnologia a
transferir pode ser feita de acordo com os métodos habituais de análise do
trabalho, de entrevista com a gerência e com os trabalhadores, de consulta de
documentos, absenteísmo e rotatividade de pessoal, acidentes e incidentes,
qualidade de quantidade de produção. (WISNER, op. cit.).
Sobre a participação em cada etapa do projeto, Wisner (op. cit.) esclarece que
“[...] as pessoas envolvidas na transferência, tanto do lado de quem exporta, quanto de quem
recebe a tecnologia, devem estar presentes em todas as etapas de constituição desta
transferência [...]”. O autor divide essas etapas em quatro, a saber:
a)
a escolha da tecnologia: “Constitui uma etapa crítica do projeto. Às vezes é
uma escolha escamoteada, pois o comprador quer ver se reproduziu a mesma
tecnologia do exterior ou porque o vendedor apresenta uma única técnica,
cuja difusão ele quer assegurar”.
b) a escolha do tipo de construção: “Pode gerar problemas graves se não
considerado, na medida em que as condições climáticas são freqüentemente a
causa principal de intolerância dos trabalhadores”.
c)
a compra das máquinas: “É um período crítico para a adaptação do trabalho ao
homem. Em muitos casos, se faz necessário requerer modificações
consideráveis, principalmente quando se trata de países em que as dimensões
antropométrica da população são muitos distintas”.
d) a formação de trabalhadores: “Tem um papel fundamental numa população
pouco ou não formada nas tarefas cnicas. A seleção deverá ser feita numa
perspectiva dinâmica para fornecer bons elementos para formar”.
Complementando essas informações, Santos et al (1997, p.50) conceituam as
transferências de tecnologia como “[...] a relação entre aqueles que desenvolvem e/ou detêm a
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
34
tecnologia e aqueles que vão utilizar um conhecimento tecnológico existente onde ele não foi
concebido e/ou executado [...]”. Entretanto, segundo os autores, para que essa passagem de
conhecimentos seja feita com sucesso, faz-se necessária a realização de estudos preliminares
para se conhecer o sistema industrial, cultural, habitacional, demográfico, climático, de
transporte, técnico, socioeconômico, organizacional e dos recursos humanos existentes.
Ainda de acordo com esses autores (op. cit.), numa análise de estudos
antropotecnológicos, deve-se levar em conta:
a) dados socioeconômicos: nível de renda média, tendência evolutiva da renda,
repartição e distribuição de renda, etc.;
b) dados socioculturais e antropológicos: urbanização, instrução, alfabetização,
antigüidade das atividades artesanais, formação étnica da sociedade e seus
costumes;
c) dados geográficos e demográficos: geografia física, topografia, saúde, infra-
estrutura, tecido industrial, transportes, etc.;
d) dados sob condições de trabalho: segurança no trabalho, doenças profissionais,
carga de trabalho físico e mental, emprego, instabilidade, salário, etc.
Wisner (1999) destaca o fato de que, freqüentemente, o que é transferido com as
máquinas é o conhecimento do engenheiro e do técnico quer dizer, o trabalho prescrito, o
modo como deve ser realizada a atividade e não o trabalho real o que é feito realmente
pelo trabalhador –, não reconhecendo a experiência do operário.
Deve-se existir um interesse em estudar a atividade real de trabalho dos
operadores, não raro muito diferente da atividade prescrita pela organização.
O inventário das diferenças entre atividades reais e atividades prescritas é
extremamente útil para descobrir tudo o que é difícil, ou até impossível de
realizar no trabalho prescrito ou que foi mal compreendido. Assim, uma das
dificuldades da transferência de tecnologia é o mau conhecimento que
possuem a empresa vendedora quanto ao modo que o pessoal consegue fazê-
lo funcionar eficazmente. A distância entre o trabalho real e o trabalho
prescrito é uma fonte grave de enganos entre os trabalhadores e a gerência
nas transferências de tecnologias (WISNER, op. cit.).
Segundo Wisner (2003), “[...] o homem, animal social, possui características
fisiológicas e psicológicas que precisam ser melhor conhecidas e modos relacionais que
precisam ser aprofundados antes de qualquer adaptação à uma nova tecnologia [...]”.
O mesmo autor esclarece:
Todo indivíduo chega ao trabalho com seu capital genético, remontando o
conjunto de sua história patológica e antes do nascimento, à sua existência in
utero, e com as marcas acumuladas das agressões físicas e mentais sofridas
na vida. Ele traz também seu modo de vida, seus costumes pessoais e
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étnicos, seus aprendizados. Tudo isso pesa no custo pessoal da situação de
trabalho em que é colocado.
E complementa:
O trabalhador não pode somente ser avaliado de forma instantânea, ele deve
ser considerado no conjunto de sua vida pessoal e coletiva de tal maneira que
suas qualidades possam se exprimir plenamente através do seu saber e do
seu trabalho real. (WISNER, 2003).
Wisner (1999) propõe que se deva enxergar o homem além do corpo físico e levar
em consideração as coletividades humanas nas questões sociais, culturais, psicológicas,
econômicas, entre outras, nas suas relações com as pessoas e com seu trabalho. Para isso, faz-
se necessário o conhecimento da Antropologia, ciência que estuda a espécie humana em seus
aspectos biológicos (origem, evolução, características distintivas, distribuição de subgrupos e
variedades) e comportamentais, especialmente os referentes a costumes, técnicas e modos de
vida de grupos e coletividades.
A participação do homem e do caráter pessoal do trabalho na introdução e
implementação de mudanças constitui um dos principais focos de estudo da
Antropotecnologia, que procura realizar essa mudança de maneira eficaz, sendo esta efetiva
quando requisitada, recebida, compreendida, difundida e amplamente aperfeiçoada (SANTOS
et al, 1997). Segundo Wisner (op. cit.), quando essas mudanças não ocorrem segundo os
conceitos descritos e as avaliações prescritas, a transferência de tecnologia pode gerar efeitos
negativos em dois aspectos principais, a produção e a saúde:
No tocante à produção, os
problemas referem-se à baixa produtividade,
baixa utilização do potencial das máquinas, materiais inadequados e más
condições de trabalho, estando o baixo volume de produção ligado a uma
taxa insuficiente de engajamento das máquinas e à parada das máquinas
relacionadas com várias causas, entre elas: condições climáticas ruins,
manutenção insuficiente e não disponibilidade de peças e absenteísmo e
rotação do pessoal devido principalmente às condições ruins de trabalho e de
vida.
Quanto à saúde do trabalhador, Santos et al (op. cit.) esclarecem que este pode
desenvolver as chamadas “doenças do desenvolvimento”, males diversos provocados pela
inadequação dos sistemas produtivos às realidades humanas.
Finalizando, apresentamos, à guisa de conclusão, as palavras de Dias (2000) e
Wisner (op. cit.) quando se reportam à Antropotecnologia:
Sem levar em conta os aspectos peculiares das regiões onde se vão implantar
as novas tecnologias, a tendência é o fracasso total da empreitada, pois em
muitos casos a tecnologia que funciona no país ou local de origem pode,
simplesmente, não funcionar perfeitamente no local onde está sendo
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implantada, isto provavelmente porque alguns aspectos importantes não
foram considerados no planejamento. (DIAS, op. cit.).
Como a ergonomia, a antropotecnologia deveria ser uma arte técnica que
permita obter resultados econômicos esperados com a transferência de
tecnologia, sempre gerindo as condições de trabalho e vida satisfatórias para
os trabalhadores. Trata-se de um objetivo modesto, subordinado às decisões
políticas nacionais como a situação da economia mundial. Não saberíamos
ver como uma nova forma presente de procura da felicidade, mas,
simplesmente, da saúde (WISNER, 1999).
O desenvolvimento e implementação de um novo conceito de produto e de uma
nova alternativa de produção para o setor artesanal através da integração de conhecimentos e
técnicas do Design constituem-se num problema que se insere no campo da
Antropotecnologia.
2.4.2 Ergonomia Participativa e Construção Social
“O termo Ergonomia Participativa foi originalmente proposto pelo pesquisador
ANDREW IMADA em 1985 e, desde então, tem se firmado como ‘a nova tecnologia’ para
disseminação da ergonomia” (NORO, 1991 apud MOURA, 2001, grifo do autor). A
abordagem da Ergonomia Participativa propõe a participação dos trabalhadores em todos os
momentos de estudos e/ou intervenções ergonômicas, uma vez que, se as pessoas na
organização participam da tomada de decisão, elas assumem um sentimento de
responsabilidade e comprometimento com a entidade (NAGAMACHI, 1996 apud FISHER
& GUIMARÃES, 2001)
Imada, Noro & Nagamachi (1986, apud HENDRICK & KLEINER, 2006),
referem-se à Ergonomia Participativa como uma das abordagens principais para análise dos
sistemas de trabalho numa ótica macroergonômica, que reconhece o grupo ou equipe e não o
indivíduo como unidade de trabalho, focando a relação humano-organização. Nesse sentido,
Hendrick e Kleiner (op. cit.) esclarecem que a utilização da Ergonomia Participativa na
investigação dos problemas ergonômicos e na busca pelas soluções implica a existência de
uma estrutura organizacional dentro da qual os trabalhadores estejam envolvidos com o
planejamento e controle de suas próprias atividades de trabalho.
A abordagem participativa tem como objetivo principal conceder a oportunidade
de os trabalhadores intervirem sobre as condições de seu trabalho (organização do trabalho,
conteúdo da tarefa, ambiente físico e psicossocial, ferramentas), identificando os problemas,
atuando nas propostas de melhoria e verificando os benefícios da condução da intervenção
(FISHER & GUIMARÃES, op. cit.).
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
37
O processo participativo inclui a declaração de objetivos, tomada de decisões,
solução de problemas, planejamento e condução das mudanças organizacionais. Assim, o
centro das atenções está no homem, prevalecendo a participação do trabalhador, a liberdade
para a criação e a valorização do saber fazer (MOURA, op. cit., p. 36).
Na ergonomia participativa, parte-se do pressuposto de que aqueles que
trabalham são as pessoas mais indicadas para informar os problemas que
acontecem no dia-a-dia e, igualmente, propor soluções a partir dos recursos
próximos que se dispõem. A participação de funcionários de diferentes áreas
e níveis hierárquicos dentro da organização em todas as etapas da
intervenção facilita a identificação e correção dos problemas, bem como a
implementação e otimização do novo sistema (FISHER & GUIMARÃES,
2001).
Cole et al (2005) conceituam Ergonomia Participativa da seguinte maneira:
Participatory Ergonomics is the envolvement of people in planning and controlling a
significant amount of their own work activities, with sufficient knowledge and Power to
influence both processes and outcomes in order to achieve desirable goals
3
”.
Para Wilson (1995, p. 37, apud HENDRICK & KLEINER, 2006), “trata-se do
envolvimento das pessoas no planejamento e no controle de uma parcela significante das suas
próprias atividades de trabalho, com conhecimento suficiente e poder para influenciar tanto
processos como resultados para estabelecer as metas desejáveis”.
As soluções advindas de um método participativo têm maior efetividade. As
vantagens estão na redução da margem de erro de concepção, maior
aceitação de mudanças por parte dos trabalhadores e o gerenciamento de
implantação de novas tecnologias, pois não o papel do consultor que
simplesmente diagnostica o problema, prescreve uma solução e, indo
embora, carrega consigo todo o saber gerado. Com a participação, o
conhecimento fica dentro da organização, qualifica as pessoas (BROWN,
NORO e IMADA; HENDRICK e KLEINER, 1997, 1991, 2000 apud
CORTEZ, 2004).
Segundo Vidal (2002), a Ergonomia, pela natureza de seus métodos e pela
estrutura de conhecimento que mobiliza, não busca a aplicação de soluções prontas nem
preconiza orientações absolutas, mas sim o desenvolvimento participativo da empresa e o
envolvimento dos trabalhadores nos encaminhamentos das propostas e soluções.
Dentro desse contexto, destacamos a etapa de Construção Social como forte
correlata dos estudos da Ergonomia Participativa, vez que procura constituir uma equipe de
3
Ergonomia Participativa trata do envolvimento das pessoas no planejamento e controle de um montante
significativo de sua própria atividade de trabalho, com suficiente conhecimento e poder para influenciar os
processos e resultados, a fim de alcançar os objetivos desejáveis.
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pessoas na empresa de diferentes níveis de conhecimento para, de forma cooperada, buscar
investigar os problemas e implementar as devidas soluções. De acordo com Saldanha (2004),
A construção social se trata da constituição de uma equipe que possibilitará a
realização de uma intervenção técnica em uma empresa. Esta equipe
compreende todas as pessoas que irão compor o quadro nos diversos
momentos da intervenção, quer sejam diretamente os responsáveis pela
intervenção, pelo suporte técnico e de decisão, quer sejam pessoas que
participam do levantamento das informações relativas à atividade, as quais
permitem o conhecimento necessário e imprescindível para a construção de
uma solução correta em termos antropotecnológicos.
O funcionamento eficaz de uma ação ergonômica requer uma estrutura de ação, de
natureza participativa, técnica e gerencial, sendo fundamental uma interação com os
diferentes níveis operacionais da empresa para que as mudanças necessárias ocorram. Para
tanto, a equipe de ergonomistas e pesquisadores deve se articular com vários grupos, de
natureza e composições distintas, para referenciar-se ao longo da intervenção (VIDAL, 2002).
O trabalho das rendeiras investigadas nesta pesquisa tem forte característica de
cooperação e participação mútuas. O estudo da Ergonomia Participativa mostra a importância
de se preservar essa forte característica do grupo, propondo que a artesã participe
efetivamente das decisões de mudanças.
2.5 Design
O entendimento do que é Design é fundamental para compreender como esse
conhecimento pode contribuir e agregar valor ao sistema de produção artesanal. Pequini
(2005, p. 41) expõe as definições de Tedeschi (1968) e de Maldonado (1977), ambos
conceituando o design, embora com linhas de pensamentos diferentes. Para Tedeschi, “[...] o
design apenas se refere aos produtos tridimensionais ou máquinas, fabricados exclusivamente
por processos modernos de produção para distingui-los dos métodos manuais tradicionais
[...]”. Contrapondo-se a esse conceito, Maldonado esclarece que “[...] existe uma infinidade
de produtos que pertencem a um universo de produção não industrial, mas que utilizam o
projeto, a funcionalidade e estética em seus princípios projetuais e que são produtos do
Design [...]”.
Diante dessa diferença de concepções, Pequini (op. cit., p. 42) faz a seguinte
indagação: “É possível definir o design apenas como uma atividade que gera uma produção
industrial e em série, ou apenas no processo de projetar um produto?”.
Atualmente, as definições de Design fogem um pouco dessa dialética e tentam
ressaltar outros pontos importantes da atividade, de modo que o conceito seja entendido de
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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forma mais global e menos pontual. O International Council of Societies of Industrial Design
(ICSID) define Design como “[...] uma atividade envolvida nos processos de
desenvolvimento de produto, estando ligada ao uso, função, produção, mercado, utilidade e
mercado formal ou estéticas dos produtos [...]”.
Gomes Filho (2003) se refere ao Design como a ferramenta que pode ser utilizada
para a melhoria do padrão de qualidade dos objetos em geral. O autor ainda afirma que
[...] utilizado como ferramenta estratégica, o design fornece condições de
planejamento, concepção e especificação dos objetos, amarradas à sua
natureza tecnológica e os demais processos que fazem parte de sua
produção. [...] O design existe exatamente para possibilitar a concepção,
inovação, o desenvolvimento tecnológico e a elaboração de objetos que,
dentro de um enfoque sistêmico, possibilite reunir, integrar e harmonizar
diversos fatores relativos à sua metodologia projetual (GOMES FILHO,
2003, p.21).
Fiell (2002, p. 15) explica que, com a implacável globalização da economia de
mercado livre, o Design se tornou um fenômeno verdadeiramente global. Por todo o mundo,
fabricantes de todos os tipos de produtos reconhecem e implementam cada vez mais o Design
como um meio essencial para chegar a um novo público e para adquirir vantagem
competitiva.
Para Munari (1977), o Design exige método, técnica e vai além da subjetividade
dos pensamentos e criações aleatórias. Sobre o método projetual, o autor esclarece:
Consiste en unas operaciones necesarias en un orden lógico distado por la
experiencia. Su finalidad es conseguir un máximo resultado con el mínimo
esfuerzo. En el campo del diseño no es correcto proyectar sin metodo, pensar
de forma artística buscando una idea sin hacer previamente un estudio.
4
Para Duschenes (2007), as ações inseridas no âmbito do Design devem ser frutos
da Criatividade, Invenção e Inovação:
Criatividade é um produto da mente humana, é a nossa imensa capacidade
de encontrar novas formas de agir, interagir, brincar, abstrair, ela está
inserida no universo das idéias. Invenção é um passo à frente da
criatividade, onde se constrói, se esboça um produto ou processo inédito,
resultante da combinação de idéias criativas concretizadas, ela está inserida
no universo das tecnologias. Inovação é a transformação da invenção em um
bem de consumo, algo que tenha aceitação no mercado, é a invenção
produzida em escala industrial e está inserida no universo dos mercados,
uma vez que precisa ser vendável (DUSCHENES, 2007, grifo nosso).
4
Consiste em uma operação necessária, em uma ordem lógica, ditada pela experiência. Sua finalidade é
conseguir o máximo de resultado com um mínimo de esforço. No campo do Design, não é correto projetar sem
métodos, pensar de forma artística buscando uma idéia sem haver previamente um estudo.
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A Oficina de Design investigada nesta pesquisa se propunha realizar um trabalho
de criatividade, invenção e inovação com a renda de bilro. Conhecer as definições e premissas
do Design é fundamental para analisar de forma crítica e coerente as repercussões da
intervenção.
2.5.1 Design e Produção Artesanal
O Design pode contribuir basicamente de duas formas na produção artesanal: a)
quando se busca “agregar valor” ao produto, no que diz respeito às novas formas, cores,
texturas, materiais, simbologias, técnicas produtivas, etc., ou b) na criação de uma
“identidade” para esses produtos e/ou locais de produção através da concepção de
logomarcas, etiquetas, placas, fôlderes, embalagens e demais peças publicitárias que
funcionam como elo de ligação entre o produtor e o consumidor (BOTELHOS, 2005).
Com relação às interferências realizadas diretamente no produto, foco de estudo
desta pesquisa, destacamos as palavras de Freitas (2006) quando menciona que “[...] são
necessárias algumas adequações da metodologia projetual de produtos industriais ao setor
artesanal a fim de garantir a qualidade final das propostas [...]”. A autora destaca a
necessidade de realização de um diagnóstico técnico e cultural, de um conhecimento e
domínio da técnica artesanal e do conhecimento da cultura que envolve o produtor ou a
comunidade produtora, permitindo ao profissional que atua no planejamento do produto
visualizar as dificuldades e resistências perante as sugestões de inovação.
A participação do Design no setor artesanal é foco de várias discussões e estudos
que procuram entender como associar as metodologias de projetação, prospecção de vendas e
as práticas do Design aos meios e interesses da produção artesanal, sem alterar o modo de
vida dos artesãos. A esse respeito, Leite (2005) levanta a seguinte questão:
O que é mais válido? Preservar o modelo tradicionalista do artesanato em
que não se altera o modo de vida do artesão e mantém o produto tradicional,
muitas vezes sem perspectiva de comercialização, ou projetar para mercado,
com notória prospecção de venda, e, no entanto, alterar o modo de vida do
artesão? (op. cit.
, p. 28).
Uma resposta definitiva para essa pergunta certamente é algo difícil de ser obtida;
no entanto, da mesma forma que existem os casos positivos e de sucesso dessa interferência,
também existem os insucessos e fracassos, principalmente quando essa participação não é
adaptada à realidade produtiva das comunidades receptoras, aos meios de trabalho e ao modo
de vida das comunidades, como ressalva Leite (op. cit., p. 30). Freitas (op. cit., p. 128)
complementa essa idéia, esclarecendo que o designer deveria atuar considerando
principalmente o contexto em que o artesão vive, buscando compreender o modo de
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produção, tendo como desafio promover produtividade e, ao mesmo tempo, preservar as
peculiaridades do processo, de modo a unir tradição e modernidade, descobrir novos usos,
compartilhar idéias e experimentar o fazer.
Lima (2005, p. 20) provoca o questionamento quando discorre sobre a relação
entre o Designer e o artesanato: “[...] Não entendo por que o designer no Brasil se recusa tanto
a assumir a tradição, por que sempre condiciona o sucesso mercadológico do produto
artesanal à criação do novo [...]”. O mesmo autor ainda ressalta que
na ânsia pelo moderno, o profissional do Design pode criar um novo produto
que deixa de ser do artesão e passa a ser dele, aporque, por subordinação
de classe, o artesão se submete ao desejo daquele que é tido como o que
domina o saber e as tendências de mercado. Quando isto acontece, o artesão
passa a gerar um produto que lhe é externo, deixa de ser o dono integral de
seu processo de trabalho e transforma-se em mão-de-obra que executa os
riscos dos “cérebros pensantes”, os detentores do saber e os indivíduos
laureados nesse processo.
Lima (2005, grifo nosso) ainda ressalta a existência de cinco focos de observação
que devem ser destacados quando se trata da participação do design no setor artesanal:
1) o artesanato não é mera mercadoria e traz, embutido em si,
valores, crenças, culturas:
É importante entender o objeto artesanal
dentro das relações de mercado, mas como um produto diferenciado, que
nunca se perca a dimensão cultural que está embutida nele, porque, quando
se lida com a cultura, se agrega valor, e assim se consegue fazer com que o
objeto seja mais valorizado e mais caro exatamente por essa razão.
2) O artesanato não é produto de máquina. Sendo manual, ele é
irregular, perfeitamente irregular:
Um pote de Passagem, localidade à
margem do Rio São Francisco na Bahia, apresenta manchas irregulares. Se
houvesse sido produzido na indústria seria refugado como objeto mal feito,
no entanto, suas marcas podem ser lidas de outra forma, atestando uma
identidade cultural de grande importância.
3) O artesanato não é algo imutável:
O artesanato está sempre em
processo de mudança, e as interferências muitas vezes devem partir do
pressuposto de que as pessoas são capazes de mudar, detêm um saber, o
domínio de uma arte e chegam a bons resultados sem que sejam levadas
soluções prontas.
4) Artesanato é ritmo, é tempo de produção:
Esta é uma grande
questão para todos os que resolvem enfrentar o desafio de equacionar o
binômio artesanato x mercado. Lidando com a comercialização, o mercado
acaba por exigir uma continuidade de produção que o artesanato muitas
vezes não atende.
5) Artesanato pressupõe autoria e, portanto, tem a ver com os
direitos do autor:
É bom que desde busquemos discutir os direitos do
autor, direitos de coletividade. Muitas vezes definimos os artesãos como
anônimos porque integram coletivamente o repertório cultural de um grupo,
esses saberes e expressões são patrimônios coletivos de uma comunidade.
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Nesse contexto, cabe mencionar as discussões mais recentes acerca da atuação
profissional do designer, através das palavras de Niemeyer (2008), quando se reporta à
criação do Código de Ética para Designers.
Segundo a autora, “[...] urge a necessidade de ampliação do debate sobre a ética
na profissão, para que a configuração do código de ética esteja assente para reger os
compromissos dos designers no que diz respeito ao seu saber fazer profissional [...]”. Ainda
de acordo com Niemeyer (2008), a última versão do Código de Ética Internacional de
Designer foi publicada em 2001, conjuntamente pelo International Council of Societies of
Industrial Design ICSID, o International Council ao Associations of Graphic Designers
ICOGRADA e o International Federation of interior Designers IFI. Para a autora, faz-se
necessária a construção do Código de Ética a ser adotado pelos designers do Brasil que, sendo
sólido e eficiente, será causa e efeito do amadurecimento do Design: “[...] É imperativo que
sejam retomadas e ampliadas as discussões sobre as regras que pautam as relações humanas
envolvidas no processo de design, sejam elas no plano das relações de trabalho, de
desenvolvimento e projeto, de uso e de pós-uso [...]”.
Como revisto, a participação do design no setor artesanal provoca diversos
questionamentos e discussões acerca das positividades e negatividades geradas nessas
interferências. Não seria diferente no estudo de caso apresentado nesta pesquisa. A renda de
bilro é um artesanato tradicional, com grande carga cultural e histórica envolvida, e o
entendimento dessas questões, bem como o conhecimento de outros exemplos de
intervenções, tornam-se fundamentais para substanciar as análises e resultados da pesquisa.
2.6 Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária
Os Empreendimentos Econômicos Solidários de Autogestão EES –, de acordo
com Pontes e Ostern (2004, p. 11-13), têm características distintas, dentre as quais se
destacam:
- a solidariedade e a capacidade de resistência das organizões populares;
- idoneidade, transparência, práticas e princípios democráticos;
- a relação direta entre produtores e consumidores, conferindo uma face
humana às relações de intercâmbio;
- sistemas de troca e colaboração (redes) e o seu potencial de crescimento
e desenvolvimento qualitativo;
- desenvolvimento local respeitando a diversidade de fatores (humanos,
ambientais, culturais e tecnológicos) regionais integrados em sua
realização;
- o incremento da renda dos trabalhadores através de atividades solidárias
de produção, comercialização e serviço;
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- o respeito ao saber acumulado em suas vidas pelo conjunto dos
trabalhadores e consumidores, particularmente na construção da
socioeconomia solidária;
-
a partilha dos saberes visando o apoderamento coletivo.
Algumas dessas características são encontradas no Núcleo de Produção Artesanal
Rendeiras da Vila, local de estudo desta pesquisa, destacando-se: a) a solidariedade e a
capacidade de resistência das artesãs às mudanças culturais, urbanas e históricas, b) a relação
direta entre as rendeiras e os consumidores, conferindo uma face humana às relações, e c) o
respeito ao saber acumulado em suas vidas.
Assim como todo empreendimento dessa natureza, o desenvolvimento sustentável
torna-se uma busca constante para aqueles que o compõem. Figueiredo (2002) esboça uma
crítica ao uso demasiado e controverso do termo “desenvolvimento sustentável”, ressaltando
que este não traz em seu bojo elementos que contribuam para a evolução social, devendo ser
discutido um conceito mais amplo, sólido e com impactos reais nas comunidades humanas.
Para fins desta pesquisa, não iremos nos deter nas nuanças polêmicas do termo, mas, sim, na
compreensão desse tema voltado para o entendimento da Economia Solidária e dos
Empreendimentos Econômicos Solidários de Autogestão (EES).
Segundo Singer (2002), a economia solidária nasceu pouco depois do capitalismo
industrial, como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão
das máquinas e da organização fabril da produção. O mesmo autor ainda menciona que a
economia solidária é um modo de produção cujos princípios básicos são a propriedade
coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual, tendo como resultado
natural a solidariedade e a igualdade econômica.
Singer (2004, p. 1) esclarece que
[...] a economia solidária trata-se de um processo de fomento de novas forças
produtivas e de instauração de novas relações de produção, de modo a
promover um processo sustentável de crescimento econômico, que preserve
a natureza e redistribua os frutos do crescimento a favor dos que se
encontram marginalizados da produção social e da fruição dos resultados da
mesma.
França Filho et al (2006) reforçam essa assertiva, explicando que
A economia popular ou solidária diz respeito a um conjunto de atividades de
produção, comercialização ou prestação de serviços efetuadas coletivamente
(e sob diferentes modalidades de trabalho associado) pelos grupos populares,
principalmente no interior de bairros pobres e marginais das grandes cidades.
Tais grupos se estruturam, em geral, de modo bastante informal e encontram
nas relações de reciprocidade tecidas no cotidiano de suas formas de vida
(ou seja, nos laços comunitários) os fundamentos para tais práticas.
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Complementando essa idéia, os autores ressaltam que a economia solidária possui
qualidades ou características próprias que necessitam ser compreendidas:
Tais qualidades compreendem um conjunto de aspectos que encontram-se
absolutamente indissociáveis uns dos outros. Um primeiro desses aspectos
concerne à questão da participação ou engajamento das pessoas nos projetos,
o que remete ao grau de mobilização popular inerente a tais projetos. Uma
segunda qualidade diz respeito ao modo de organização do trabalho, que se
encontra essencialmente baseado na solidariedade (FRANÇA FILHO et al,
op. cit.).
Segundo Singer (2002), o principal instrumento da chamada economia solidária
tem sido a empresa cooperativa, que consiste em um agrupamento de indivíduos para exercer
uma atividade econômica de forma autogestionária.
As cooperativas eram tentativas por parte de trabalhadores de recuperar
trabalho e autonomia econômica, aproveitando as novas forças produtivas.
Sua estruturação obedecia aos valores básicos do movimento operário de
igualdade e democracia, sintetizados na ideologia do socialismo. A primeira
grande vaga do cooperativismo de produção foi contemporânea, na Grã
Bretanha, da expansão dos sindicatos e da luta pelo sufrágio universal.
(SINGER, op. cit.)
Ainda conforme o autor, a empresa solidária nega a separação entre trabalho e
posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo. O capital da
empresa solidária é possuído pelos que nela trabalham e apenas por eles; por isso, sua
finalidade básica não é maximizar lucro mas a quantidade e a qualidade do trabalho.
Pontes e Ostern (2004, p. 04) discorrem sobre os EES, mencionando que estes
precisam ter instrumentos que permitam a sua sustentabilidade e
competitividade no mercado, assegurando assim a inclusão social e
econômica de enorme parcela da sociedade, que atualmente encontra-se sem
perspectivas de inclusão no mercado de trabalho e de desfrutar dos
benefícios resultantes do processo produtivo.
A sustentabilidade de empreendimentos econômicos solidários depende de vários
fatores, dentre eles o tipo de produção e as características das pessoas envolvidas, uma vez
que não se pode entender sustentabilidade como uma metodologia que se aplica a
determinado setor, esperando-se o resultado; ao contrário, deve ser fruto de um compromisso
sério com a produção e com o tempo, e os intervenientes externos apenas somam forças a uma
aptidão que já deve existir naturalmente no local (PONTES; OSTERN, op. cit.).
Compreender as definições e peculiaridades dos empreendimentos econômicos
solidários de autogestão torna-se essencial nesta pesquisa, visto que o Núcleo de Produção
Artesanal Rendeiras da Vila absorve muitas características desse modelo de gestão e traz
consigo outras particularidades que devem ser conhecidas e consideradas nas análises.
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Capítulo 3 | Metodologia da Pesquisa
Esta dissertação diz respeito ao primeiro trabalho em nível de mestrado de um
total de quatro que estão sendo realizados por pesquisadores que integram o Projeto Rendeiras
da Vila, desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia GREPE do
Programa de Engenharia de Produção – PEP/UFRN. Além das dissertações, o Núcleo também
é foco de estudos de alunos bolsistas e voluntários da graduação em Engenharia de Produção
que desenvolvem atividades de pesquisa e extensão na produção artesanal.
A pesquisa adotou uma abordagem qualitativa e se configurou como um estudo de
caso. O tempo total de realização foi de 24 meses (junho de 2006 a junho de 2008), e foi
impulsionada e motivada pela realização de uma Oficina de Design (detalhada no capítulo 5)
no Núcleo de Produção Artesanal, da qual o autor desta dissertação foi o instrutor.
Durante a pesquisa, foram realizadas consultas em livros, artigos, documentos,
catálogos, manuais, bem como buscas de internet em sites, blogs, comunidades, etc., todos
com temática voltada para o estudo da Ergonomia, Antropotecnologia, Produção Artesanal e
Renda de Bilro. Essas informações foram utilizadas para construção do referencial teórico e
análise dos dados.
Para caracterizar a atividade da renda, compreender a organização do trabalho,
investigar os resultados da oficina e identificar os fatores que influenciaram a não
incorporação das propostas dos novos produtos na rotina das rendeiras, adotamos como
método a Análise Ergonômica do Trabalho AET. Apresentamos a seguir as etapas da AET
que foram realizadas na pesquisa:
3.1. Análise Ergonômica do Trabalho (AET)
3.1.1 Análise Global
Para Vidal (2003), a análise global
se traduz por um primeiro levantamento da empresa e tem a finalidade de
indicar situações em que caiba instruir uma demanda ergonômica. [...] nesta
etapa do trabalho, o praticante de ergonomia buscará ampliar suas
informações sobre os principais processos e produtos, sobre a população de
trabalhadores, sobre elementos da organização do trabalho, além de conhecer
e engajar pessoas nos relacionamentos focados ou de suporte [...].
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Dessa forma, a análise global foi realizada com o intuito de se conhecer o
contexto geral da atividade das rendeiras. Iniciou-se com o estudo dos trabalhos dos alunos da
graduação em Engenharia de Produção da UFRN realizados junto às rendeiras do Núcleo em
2005 e 2006 (DINIZ et al, 2005; SILVA et al, 2006) que descreveu, de modo global, a
atividade das artesãs e a organização do trabalho adotada.
Posteriormente, foi complementada por visitações ao Núcleo, onde foram
observadas as condições físicas do lugar, as pessoas envolvidas, o modo de trabalho, os
procedimentos do rendar, os desenhos da renda, algumas informações relativas à sua
comercialização, além de questões culturais e sociais que estão no entorno dessa produção. Na
análise global, foram utilizados métodos observacionais (observações abertas e registros
fotográficos) e interacionais (ações conversacionais e verbalizações), além de pesquisa
documental.
3.1.2 Estudo da população
Segundo Vidal (2003), a população de trabalho “refere-se ao conjunto de agentes
humanos envolvidos no processo de produção no qual se realiza a Análise Ergonômica do
Trabalho.” Ainda de acordo com o autor, “[...] a análise da população de trabalhadores causa
um grande impacto na ação ergonômica e deve ser utilizada meticulosamente como passo
metodológico de compreensão das pessoas [...]”.
O estudo da população ocorreu, principalmente, através de ações-conversacionais,
um tipo de conversa dirigida em que o pesquisador extrai informações relevantes dos
trabalhadores sem a utilização de perguntas prontas que gerem respostas curtas e objetivas,
tampouco sem induzir ou sugestionar respostas, sendo diferenciada de uma entrevista. Para
Vidal e Nunes (2004), trata-se de uma atividade interacional de escuta respeitosa que traz
grandes contibuições nas descobertas das variablidades organizacionais, vez que o
pesquisador se “deixa levar” pela conversa, no sentido de descrobrir e permitir que algo novo
apareça na interação. Ainda segundo os autores, é realizada mediante um roteiro de conversa
com as principais dúvidas e questões da equipe, configurando-se como um instrumento
utilizado para entabular uma "conversa com finalidade" que permita ampliar e aprofundar a
comunicação.
As ações conversacionais abordaram aspectos da vida da rendeira, do processo de
produção da renda, da história dessa atividade artesanal na Vila de Ponta Negra, entre outras
informações que também foram utilizadas na análise da atividade. (roteiro no anexo I).
A população em estudo compreendeu 12 (doze) rendeiras, integrantes do Núcleo
de Produção, sendo quatro (4) que rendam diariamente no lugar e oito (8) que produzem em
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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suas residências e enviam o produto final para comercialização através do Núcleo. As ações
conversacionais foram realizadas nas residências das artesãs ou no Núcleo de Produção
(figuras 3-11 e 3-12), iniciando-se em setembro de 2006 e finalizando-se em março de 2007.
Integraram a equipe de pesquisa nessa etapa três alunos de mestrado e uma aluna
da graduação (bolsista de iniciação científica), trabalhando em duplas, sendo que um dos
integrantes se responsabilizava pela indução da conversa e o outro pelas anotações. A média
de tempo de cada ação foi de 50 minutos, e utilizava-se gravação de voz com aparelho próprio
para esse fim, além de anotações diversas.
Após a realização das ações conversacionais, foram realizadas as transcrições das
falas. Nessa atividade, os pesquisadores escutavam a gravação pausadamente e geravam um
documento individual por rendeiras que continha todas as alocuções das artesãs de forma
integral. As tabulações dos dados foram realizadas através de Matrizes de Inclusão de
Comentários (VIDAL, 2003).
3.1.3 Análise da atividade das Rendeiras
A análise da atividade compreendeu a etapa de investigação e compreensão das
especificidades da produção da renda de bilro no Núcleo de Produção. Para isso, foi
estabelecida uma rotina de visitação semanal ao Núcleo, iniciada após a oficina e que
prosseguiu durante praticamente toda a pesquisa, possibilitando o acompanhamento contínuo
do trabalho das artesãs.
Nessas visitas, os pesquisadores realizavam observações livres, conversas
informais e direcionadas, registrando questões relevantes que possibilitassem a compreensão
da atividade das rendeiras do Núcleo de Produção, destacando-se os seguintes aspectos:
a) organização do trabalho: hora de início e término da atividade, pausas para
lanche e para descanso, cooperação, lideranças, etc.;
b) espaço físico: iluminação, ventilação, temperatura, estrutura, mobiliários, etc.;
Figura 3-11 – Ação Conversacional
Figura 3-12 – Ação Conversacional
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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c) ferramentas: almofada, cavalete, bilros, desenhos, tipos de alfinetes, tipos de
linha, etc.;
d) produção: escolha do desenho, escolha do produto, início do rendar, feitio dos
pontos, término da atividade, montagem das peças, produtos, etc.;
e) questões culturais e sociais que estão no entorno da atividade.
Posteriormente, eram produzidos relatórios de visita que eram compartilhados
entre os membros da equipe. Nesse período, também foram realizadas as ações
conversacionais que deram suporte ao estudo da população e observações, conforme descrito
no item 3.1.2.
No entanto, as observações e interações tornaram-se insuficientes para o
entendimento das relações existentes entre o projeto (desenho da renda e do produto) e a
produção da renda. Apesar dessa limitação, o aprendizado do ofício, mesmo que em nível
muito básico, associado aos métodos interacionais (ações conversacionais e verbalizações) e
observacionais, inseridos em um processo de construção social, possibilitou a compreensão da
atividade, em especial, das repercussões do projeto do produto ou do volume de produção em
termos de demandas físicas, cognitivas e psíquicas e suas conseqüências para as artesãs. A
imersão na situação de trabalho e a construção social possibilitaram, ainda, a compreensão das
variabilidades humanas, técnicas e organizacionais, bem como as regulações e estratégias
utilizadas para enfrentar tais variabilidades, com destaque para a cooperação.
3.2 Concepção da Oficina de Design
A concepção da Oficina de Design ocorreu por meio de pesquisas situada,
documental e de situação de referência, na qual foram propostas alternativas de desenhos e
produtos que pudessem ser produzidos pelas rendeiras e incorporados ao mix de produtos
desenvolvidos por elas.
A Pesquisa Situada foi realizada no Núcleo de Produção através de visitações ao
lugar antes da efetivação da oficina. A Pesquisa Documental configurou-se como uma busca
por informações bibliográficas relativas à renda de bilro de modo geral. A Pesquisa de
Situação de Referência foi realizada na cidade de São Miguel de Gostoso/RN, em 14 de junho
de 2006 (antes da realização da oficina) junto a um artesão que anteriormente havia
desenvolvido trabalhos de renda conjuntamente com as rendeiras analisadas nesta pesquisa.
Nessa atividade de pesquisa, foram utilizados métodos observacionais e interacionais, sendo
possível coletar dados relevantes relativos à população em estudo, às técnicas do rendar e a
informações sobre o processo de criação e produção dos desenhos em computador.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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Ressaltamos que o tempo restrito entre a contratação do instrutor e a realização da
oficina (34 dias) não possibilitou o aprofundamento necessário para a compreensão da
atividade de rendar e do contexto sociocultural onde essa produção se insere.
O processo de concepção da Oficina de Design está detalhado no capítulo 5,
através da descrição do processo de instrução da demanda (5.1), construção social (5.2),
construção sociotécnica (5.3) e análise dos resultados da oficina (5.4).
3.3 Análise dos resultados da oficina
A análise dos resultados e repercussões da oficina junto às rendeiras foi realizada
através de atividade de autoconfrontação, observações da rotina de trabalho e da atividade
(descritos no item 3.1.3), como também mediante ações conversacionais junto às dezesseis
rendeiras participantes da oficina e à representante do órgão apoiador da Oficina de Design.
A autoconfrontação é definida por Faita e Vieira (2003), como o ato de mostrar
aos trabalhadores fotos ou filmagens do seu próprio trabalho, da sua atividade real, expondo
as relações entre o real vivido e a representação da atividade que o trabalhador tem formado
de si mesmo. Tem o objetivo de produzir uma discussão coletiva entre eles, sugerindo ou
mencionando ações, gestos ou posições que tragam significados para eles próprios e para a
equipe de pesquisadores que analisa o grupo.
A atividade de autoconfrontação foi realizada nas instalações do Núcleo de
Produção Rendeiras da Vila, em 26 de setembro de 2006, dois meses após a oficina, através
da projeção de imagens (fotografias) da Oficina de Design, com o objetivo de mostrar às
rendeiras a sua própria atividade de trabalho e os produtos por elas produzidos na oficina. Isso
possibilitou coletar informações verbais e observar comportamentos e expressões que
facilitaram o entendimento dos resultados da oficina. Participaram dessa ação cinco
pesquisadores, entre eles a coordenadora da pesquisa, dois mestrandos e dois alunos de
graduação, além de seis rendeiras que integravam o Núcleo. As expressões e alocuções
espontâneas das artesãs foram anotadas por todos os membros da equipe, e depois da
atividade foram produzidos relatórios descritivos da atividade.
As observações das atividades das rendeiras pós-oficina, possibilitadas pela
convivência com as artesãs no acompanhamento e pelas visitas semanais ao cleo,
apontaram a descontinuidade da produção dos novos produtos introduzidos através da oficina,
e ensejaram a realização de uma investigação detalhada e direcionada para compreensão e
análises dos resultados da referida ação.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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Para tal, foram realizadas ações conversacionais, iniciadas 15 meses após a
realização da oficina, no período de outubro de 2007 a janeiro de 2008, com dezesseis (16)
rendeiras, ou seja, 84% das que participaram da atividade, sendo quatro (4) freqüentadoras do
Núcleo diariamente, oito (8) rendeiras que produziam em suas residências e enviavam
trabalhos para comercialização no Núcleo e quatro (4) artesãs que sabiam rendar, mas não o
faziam com freqüência, nem produziam para o Núcleo, mas foram convidadas para participar
da oficina.
As ações-conversacionais foram realizadas nas residências das artesãs e no
Núcleo de Produção, utilizando um roteiro de questões específico para esse fim (ver anexo II),
auxiliado por gravação de voz, anotações e registros fotográficos e filmográficos. A tabulação
dos dados foi realizada através de Matrizes de Inclusão de Comentários (VIDAL,2003),
tabelas em que são ordenadas as transcrições dos comentários das rendeiras e organizadas por
assuntos distintos.
Para análise dos resultados da Oficina de Design sob diversos aspectos, foi
realizada, igualmente, uma ação conversacional com a representante do órgão apoiador da
Oficina de Design. Essa ação possibilitou conhecer as impressões do órgão acerca da
atividade e foi fundamental para as análises finais do projeto. Realizou-se em 4 de julho de
2008, no local de trabalho da gestora, com auxílio de gravação de voz, anotações e produção
de relatórios.
As análises da introdução de novos produtos na produção artesanal, a partir
deste estudo de caso e à luz de referências bibliográficas, foram apresentadas e discutidas em
seminários de pesquisa do GREPE e congressos da área, e estão descritas nos capítulos finais
desta dissertação.
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Capítulo 4 | Renda de Bilro na Vila de Ponta Negra
Neste capítulo, caracterizaremos a atividade da renda na Vila de Ponta Negra,
expondo o contexto urbano, social, cultural e produtivo da Renda de Bilro.
4.1 Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra está situada na Zona Sul da cidade de Natal/RN e é parte
do núcleo originário do Bairro de Ponta Negra, ambos vizinhos da praia de mesmo nome
(Figuras 4-13 e 4-14). Segundo Silva (2006, p. 21), a vila possuía, em 2003,
aproximadamente 10.000 habitantes – estimativa feita a partir dos dados do SEMURB (2003).
Sua população se apresenta bastante heterogênea: os antigos moradores pescadores,
trabalhadores da construção civil, vendedores, ambulantes, empregadas domésticas e
rendeiras coexistem com intelectuais, estrangeiros, empresários e comerciantes, sendo estes
últimos os mais novos moradores do lugar.
Depoimentos colhidos com as rendeiras que nasceram na Vila e vivem nela até os
dias atuais relatam que o lugar, no princípio, apresentava-se como um conglomerado agrícola
em que a divisão social do trabalho entre sexos era bem visível: os homens pescavam e
plantavam, enquanto as mulheres faziam os trabalhos domésticos, cuidavam das crianças,
coletavam frutas a serem comercializadas em Natal e produziam renda de bilro para vestir a si
Figura 4-13 – Praia de Ponta Negra (1960)
Foto: Jaeci Galvão
Fonte: SEMURB
Figura 4-14 – Praia de Ponta Negra (2007)
Vila de Ponta
Negra, situada
ao lado do
Morro do
Careca
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e a seus filhos, como também para comercializar, a fim de complementar a renda financeira
da família.
De acordo com relatos de algumas rendeiras, os avanços e transformações urbanas
da cidade a partir da década de 1970 fizeram da antiga vila um atrativo para novos moradores
e empreendimentos econômicos, passando a comportar edifícios, restaurantes, hotéis e
residências que dividem o espaço com as antigas casas que davam forma ao local.
O progresso turístico suscitou certa melhoria na qualidade de vida dos antigos
moradores, a exemplo da chegada de luz elétrica, água encanada e da pavimentação, além do
desenvolvimento do setor comercial e de serviços. No entanto, essas mudanças também
trouxeram consigo transformações sociais, econômicas, culturais e ambientais, passando a
dividir opiniões entre os antigos moradores:
[...] A Vila de Ponta Negra era um lugar muito bom de morar, a gente
dormia de porta aberta e não tinha medo, não tinha água encanada, não
tinha luz elétrica, era luz de querosene mesmo, e todo mundo vivia assim. A
gente andava na rua e num tinha medo não, era a luz de Deus, a luz da
lua... Hoje tem luz elétrica e tudo, mas a gente tem é medo de sair de casa.
Na época passada era muito bom [...] [sic] (RN2 Rendeira do Núcleo, 62
anos).
Todas essas transformações urbanas, aliadas às novas oportunidades de empregos,
provocaram uma alteração em cadeia nos costumes e valores das pessoas e a conseqüente
diminuição da prática das atividades artesanais, dentre elas a produção da renda de bilro, que,
segundo relatos das próprias rendeiras, antes era praticada pela maioria das mulheres da vila e
hoje passou a ser praticada apenas de forma esporádica ou como atividade de lazer.
Figura 4-15 – Igreja da Vila de Ponta Negra
Figura 4-16 – Acesso principal à Vila de
Ponta Negra
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4.2 Núcleo de Produção Artesanal “Rendeiras da Vila”
Na perspectiva de resgatar a prática da renda de bilros na Vila de Ponta Negra e
reunir as antigas rendeiras no mesmo lugar para iniciar uma produção cooperada, uma das
antigas rendeiras e moradora da comunidade, conhecida na região como “Vó Maria”,
incentivada por seu filho, fundou, em 26 de abril 1998, o Núcleo de Produção Artesanal
Rendeiras da Vila, sendo essa designação a maneira como o grupo se autodenomina.
O Núcleo funciona anexo à casa da artesã fundadora e atual líder das rendeiras,
caracterizando-se como um espaço de produção informal (não formalizada em termos de
associação, cooperativa, etc.). Inicialmente, funcionava com 14 artesãs efetivas, porém, nos
10 anos de existência, problemas de ordem pessoal, falecimentos, além dos problemas
gerados pela desvalorização do trabalho artesanal, baixo retorno financeiro e comercialização,
foram reduzindo esse mero de participantes e, atualmente, apenas 5 rendeiras são efetivas,
freqüentando continuamente o espaço de segunda à sexta-feira, das 13h às 17 h.
Além dessas cinco, duas rendeiras freqüentam esporadicamente o lugar , e outras
onze produzem as rendas em suas residências, enviando suas peças para serem
comercializadas através do Núcleo. As figuras 4-17 a 4-20 mostram a sua localização na vila
e o ambiente de produção das rendeiras.
Figura 4-17 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila”
(Localizado ao lado da igreja da vila)
Figura 4-18 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila”
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Em termos de espaço físico, o Núcleo é um local adaptado que também comporta
o depósito e cozinha de uma lanchonete, com piso e paredes deteriorados, problemas de
iluminação, ventilação e ruído constante, em virtude de estar localizado próximo a um
terminal de ônibus. O Núcleo também não possui mobiliários novos e cadeiras adequadas ao
trabalho, mas, apesar das deficiências, supre a necessidade das artesãs e não as impede de
trabalharem com afinco na produção da renda.
Ao longo dos dez anos de existência, apesar de terem surgido tentativas externas
por parte de órgãos governamentais para oficialização do espaço em termos de cooperativa,
observou-se que suas integrantes não dispunham das condições mínimas para tal efetivação,
principalmente no tocante ao número de artesãs participantes, além de elas mesmas não
demonstrarem o desejo de se tornarem cooperadas nos moldes oficiais, como é demonstrado
nos seguintes relatos:
[...] Acho que cooperativa não certo, não, porque a gente
acostumado a fazer assim pra Maria vender. Acho que não dá certo não [...]
[sic] (RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos).
[...] Eu conheço as regras da cooperativa, mas uma cooperativa requer
muitos requisitos para a gente manter ela, né? E a gente aqui não tem esses
requisitos todo pra preencher uma cooperativa... Eu acho, na minha
opinião, que num certo, não [...] [sic] (RN7 Rendeira do Núcleo, 59
anos).
As rendeiras que trabalham unidas (cinco artesãs) adotam muitas das
características do modo de produção artesanal cooperativo. Segundo Marglin (1996), o modo
de produção artesanal cooperativo não elimina a principal característica do modo de produção
artesanal domínio do artesão sobre o produto e sobre o processo –, mas acrescenta algumas
características próprias. Essas características estão principalmente relacionadas à utilização de
um local próprio de produção que concentra um determinado número de pessoas, a compra da
Figura 4-19 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila”
(espaço interno)
Figura 4-20 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila”
(interior da sala de estoque)
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matéria-prima em conjunto, possibilitando a redução do custo, e a possibilidade de ajuda
mútua e de compartilhamento de instrumentos.
Dentre as características da produção artesanal cooperativa observadas no Núcleo
de Produção, destacamos as seguintes:
a) existência de um local próprio e específico para o trabalho em conjunto;
b) existência de lideranças responsáveis pela manutenção e organização do
espaço, além da compra de matéria-prima;
c) horário e dias de funcionamento pré-determinados;
d) divisão de matéria-prima realizada de forma coletiva;
e) trabalho coletivo quando se produz uma peça de grandes proporções ou quando
surge grandes encomendas;
f) definição de valores fixos para venda das peças;
g) cooperação entre as artesãs mais experientes e as artesãs menos experientes,
gerando transferência de conhecimentos e discussões coletivas acerca das
técnicas do rendar, principalmente no início da confecção de um novo produto.
h) Domínio total sobre o produto em virtude de poderem escolher o que produzir
o tipo de desenho, as cores, o modelo, etc, e domínio parcial sobre o processo,
visto que muitas das rendeiras não desenham mais, etapa fundamental do
processo de confecção da renda e que foi sendo perdido por muitas rendeiras
ao longo dos anos.
Com base nas observações e ações conversacionais, foi possível elencar as
principais vantagens do modelo de organização do trabalho artesanal cooperativo no Núcleo,
a saber:
a) as artesãs que trabalham unidas aceitam melhor novos desafios, pois, no
surgimento de dificuldades e dúvidas, há a possibilidade de troca de
conhecimentos e orientações sobre como melhor fazer determinado trabalho,
como também promovendo o aprendizado de peças mais complexas e de maior
porte;
b) As rendeiras disponibilizam mais tempo e assumem maior compromisso com a
atividade;
c) favorecem o estabelecimento de padrões de qualidade, rotinas de trabalho e
convívio social;
d) tornam-se referência quando se fala em renda de bilro na Vila de Ponta Negra,
em virtude da existência do Núcleo de Produção, mesmo sabendo-se que
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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existem outras artesãs que trabalham por conta própria no bairro em suas
residências;
e) estão mais próximas do mercado consumidor;
f) facilitam o contato para participação em feiras, comunicação com organizações
de fomento, com a mídia e instituições de ensino e pesquisa;
g) facilitam o surgimento de encomendas e possibilitam o aumento da produção e
da variedade de produtos.
A organização do trabalho observado do Núcleo estimula a prática e o
compromisso com a atividade, tornando-se, também, fonte de prazer e descontração, além de
se configurar como uma alternativa de ocupação e geração de renda, principalmente porque,
independentemente da comercialização individual, as rendeiras que trabalham unidas
garantem a produção contínua, uma vez que, de cada peça vendida, 20% do valor é vertido
para compra de matéria-prima que é utilizada por todas as artesãs que freqüentam o Núcleo
(SALDANHA, 2007).
[...] Eu venho todo dia pra cá, eu estou acostumada a vir. Quando eu não
venho, me até uma agonia... É a mesma coisa fazer aqui e fazer em casa,
mas aqui é melhor porque aqui a gente gosta, a gente canta, a gente ri [...]
[sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).
4.3 Rendeiras
As dezoito artesãs que estão ligadas ao Núcleo atualmente encontram-se divididas
da seguinte forma: cinco (5) que rendam diariamente no Núcleo; duas (2) que freqüentam
esporadicamente; e onze (11) que produzem peças em suas residências e enviam para
comercializar no Núcleo.
Das dezoito, doze (12) participaram do estudo da população realizado nesta
pesquisa, sendo as cinco que rendam no Núcleo diariamente e outras sete (7) que produzem
nas suas residências.
Do total de 12 rendeiras investigadas, apenas uma não é natural de Natal. As
demais, nascidas e residentes até hoje na Vila de Ponta Negra, viveram na época em que o
bairro era apenas um conglomerado agrícola de uma colônia de pescadores e acompanharam
as transformações turísticas iniciadas por volta da década de 1970 e intensificadas na última
década, conforme relatos delas próprias:
Eu ainda sou da época que não tinha água, não tinha luz, ninguém tinha
televisão, não tinha telefone, não tinha nada, nada, nada. Se adoecia uma
pessoa aqui na vila, tinha que ir correndo até o centro da cidade ou de
cavalo ou a pé, porque não tinha nada, não tinha transporte, não tinha
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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ônibus o transporte que tinha era cavalo, a gente saía daqui até o
centro da cidade a pé. (RV8 – Rendeira da Vila, 66 anos).
A Vila de Ponta Negra era assim, os homens trabalhavam em roçado e em
pescaria, as mulheres faziam renda, outras vendiam mangaba, outras
vendiam goma, outras vendiam a renda da gente na cidade, era assim [...]
(RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos).
O aprendizado na renda, para 75% (nove) das rendeiras entrevistadas, teve início
aos sete anos, idade mais recomendada para começar o aprendizado dessa arte, segundo as
próprias rendeiras. Duas (17%) aprenderam aos 10 anos e uma aprendeu aos 53 anos, sendo
esta última, hoje com 57 anos, natural de outro estado, residente na Vila 5 anos e
considerada principiante. O aprendizado, na maioria dos casos, foi repassado pelas mães e
avós, sendo de caráter familiar, passado de geração em geração, como demonstra a
informação verbal abaixo:
A minha mãe sabia fazer renda, as minhas irmãs tudinho sabia fazer, era
seis mulher, todas seis sabia fazer renda, e eu aprendi a fazer com a minha
mãe. Não demorei a aprender, não, aprendi rápido [sic] (RN2 – Rendeira do
Núcleo, 62 anos).
[...] Eu via assim aquelas mulher trabalhando, eu pegava um coquinho
pequenininho, enfiava um ponteiro, saía assim no lixeiro procurando linha,
emendava, enrolava no ponteirinho com o coquinho e ficava ali junto do
povo, o povo trabalhando e eu olhando. quando foi um dia, a minha mãe
chegou e perguntou: Você quer aprender isso? Aí eu disse: Eu quero.
Aprende mesmo? Aprendo. ela foi e pagou uma mulher e a mulher me
ensinou... Aprendi assim, de repente! [sic] (RN5 Rendeira do Núcleo, 74
anos).
A idade das artesãs varia de 44 a 72 anos; porém, a faixa etária predominante é
acima de 50 anos, correspondendo a dez (83%) das rendeiras entrevistadas, sendo que sete
(58%) possuem mais de 60 anos. Entre 44 e 50 anos, existem apenas duas (17%). Todas são
ou foram casadas, dentre as quais cinco são viúvas, e todas possuem mais de dois filhos.
Também oito rendeiras disseram que possuem filhas que sabem rendar; no entanto, apenas
seis disseram que suas filhas ainda rendam, mas esporadicamente e sem compromisso. De
todas as entrevistadas, apenas duas declararam que possuem netas que sabem rendar,
evidenciando o desinteresse da nova geração no aprendizado da arte.
Embora oito rendeiras (66%) declarassem ter motivação e paciência para repassar
o ensinamento da renda, elas relatam que as novas gerações não têm interesse em aprender,
principalmente por se tratar de uma atividade demorada e com baixo retorno financeiro.
[...] Eu ensinei minha filha e ensinei minha neta, que nenhuma das duas
pratica porque disse que não vai ficar duas nem três horas sentada numa
almofada pra fazer uma peça pra ganhar nada. Elas preferem fazer unha,
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né, que senta hora e meia e ganha 10, 12 reais, 15 [...] [sic] (RN4 –
Rendeira do Núcleo, 59 anos).
Das minhas filhas, duas sabem rendar, mas não fazem, não. Todas
trabalham fora. Isso aqui (referindo-se à renda) a gente faz por amor.
Demora demais a vender, se a gente fosse viver disso aqui morreria de
fome... (risos). [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).
Nenhuma das minhas netas querem aprender, não. Dizem que não têm
paciência, que não vai aprender. E eu digo: minhas filhas, quando chegar a
época de a gente ganhar dinheiro com a renda, a gente não sabe mais fazer
e vocês também não vão saber fazer e não vão ganhar dinheiro. Eu tenho
muita que ainda vamos ganhar muito dinheiro na renda! [sic] (RN2
Rendeira do Núcleo, 62 anos).
Relatos das filhas de rendeiras também ratificam isso, alegando que o desinteresse
ocorre principalmente pela falta de tempo, dedicação aos estudos e trabalho, como também
pela falta de valorização da atividade e baixa perspectiva de venda.
Desde que me entendo de gente que vejo mamãe fazendo, mas nunca me
interessei, não... É lindo, muito bonito. Na verdade, nunca tive paciência
porque estudava, comecei a trabalhar, o tempo foi corrido entendeu?
não me interessei, realmente eu não me interessei, se eu tivesse me
interessado eu tinha aprendido, mas é tempo também, com três filhos pra
criar fica bem corrido... [sic] (Filha de rendeira, 31 anos).
Eu via mamãe trabalhar, mas nunca tive interesse, não, porque eu acho
muito difícil e eu não tenho cabeça pra isso, não... Eu fui pra um curso de
bordado, não conseguia nem bordar, quem bordava pra mim era minha
amiga... Num sou dessas, não tenho jeito, sabe? Eu gosto da renda, acho
bonito, eu compro, mas pra mim fazer, eu acho muito difícil... [sic] (Filha de
rendeira, 34 anos).
Com relação à escolaridade, sete rendeiras (58,3%) não concluíram o Ensino
Fundamental, apenas duas completaram o Ensino Médio e outras duas o Fundamental. Uma
rendeira é iletrada e deficiente auditiva. De um modo geral, as artesãs investigadas possuem
baixo nível de escolaridade.
A maioria das artesãs tem a mesma crença religiosa, e esse fato em especial tem
significado na produção na renda, uma vez que, em dias santificados, as rendeiras do cleo
não trabalham. O lugar permanece fechado também nas datas em que as artesãs viajam ao
Ceará para as festividades do Padre Cícero, geralmente no mês de janeiro, e em datas
esporádicas durante o ano. Destacamos ainda que elas participam de movimentos ligados à
Igreja Católica, principalmente nas comemorações de São João, quando se tem um dia
dedicado às rendeiras nas festividades religiosas desse santo na Vila de Ponta Negra.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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Outras atividades, além das religiosas, fazem parte da vida social dessas mulheres.
Das doze, sete (58%) são integrantes do Grupo de Idosos do bairro; seis (50%) fazem parte do
Grupo dos Hipertensos; cinco (41%) participam do Clube de Mães; duas (17%) fazem parte
do Grupo da Ginástica; outras duas do Conselho Comunitário e seis participam de
movimentos de Danças Folclóricas no bairro, sendo que algumas das artesãs fazem parte de
mais de um grupo.
Sobre a situação econômica dessas mulheres, atualmente sete recebem
aposentadoria ou pensão (uma recebe 1/2 salário mínimo, as demais recebem 1 salário
mínimo); duas também possuem quiosques na praia de Ponta Negra, os quais, apesar de serem
administrados por seus filhos, exigem delas trabalhos quanto à preparação de alimentos. Duas
trabalham em empregos formais (empregada doméstica e cozinheira), praticando o ofício da
renda nos horários vagos. As demais (três rendeiras) não trabalham profissionalmente e não
contribuem com o orçamento doméstico. Nenhuma delas depende financeiramente da renda
de bilro para sobreviver.
Através da ação conversacional e das conversas complementares, constatamos que
a rotina de trabalho das artesãs é bastante intensa. A Tabela 4-7 resume a rotina das rendeiras,
identificando o momento do dia em que o praticadas as atividades domésticas e
profissionais e a quantidade de horas dedicadas à renda por dia.
Figura 4-21 – Religiosidade na renda Figura 4-22 – Placa de saudação das
rendeiras a São João Batista
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Tabela 4-7 – Rotina de trabalho das rendeiras de bilro da Vila de Ponta Negra
Fonte: SALDANHA et al (2007)
Rendeira Idade
Tempo na
atividade de
renda
(anos)
DIVISÃO DAS ATIVIDADES DIÁRIAS
Atividades
domésticas
Atividades
profissionais
externas
Renda de
Bilro
(horas/dia)
TOTAL de
horas na
renda
M T N M T N M T N
Rendeira 1
48 8 X X X 3
3
Rendeira 2
62 23 X X X 2 4 2
8
Rendeira 3
72 43 X X 3 4
7
Rendeira 4
59 50 X X X 2 4 3
9
Rendeira 5
74 65 2 4
6
Rendeira 6
72 63 X X X 3 1
4
Rendeira 7
59 4 X X 4
4
Rendeira 8
66 57 X X X 1 2 2
5
Rendeira 9
68 56 X X 2 3
5
Rendeira 10
46 37 X X X 2 2
4
Rendeira 11
59 50 X X X 3 1
4
Rendeira 12
70 61 2 4
6
Algumas rendeiras, durante sua vida, foram obrigadas a parar ou reduzir a
produção da renda de bilro, a fim de exercer outras atividades mais rentáveis. Contudo, como
observado na tabela 4-7, 75% das entrevistadas (nove) rendam mais de 30 anos
consecutivos.
Todas as rendeiras se dedicam às atividades domésticas, que são intercaladas com
as atividades do artesanato. Porém, quatro delas, além do exercício do lar e da renda, ainda
possuem obrigações extras: duas preparam alimentos para seus quiosques na praia
(administrados por seus filhos) e outras duas possuem empregos formais, sendo uma auxiliar
de cozinha em uma creche, e outra empregada doméstica.
O número de horas diárias dedicadas à renda varia de 3 a 9 horas, distribuídas em
dois ou três turnos (manhã, tarde e noite) fato possibilitado por possuírem almofadas no
Núcleo e em suas residências. Para oito (67%) rendeiras, o tempo total diário de dedicação à
atividade é entre 4 e 6 horas. Três (25%) delas dedicam-se ao ofício mais do que 6 horas
diárias e uma em torno de 9 horas por dia, sendo 2 horas no período da manhã, 4 à tarde e 3 à
noite, intercalando a renda com as atividades domésticas e o preparo de alimentos para o
quiosque na praia.
De acordo com Saldanha et al (2007), é importante ressaltar que não existem
rigidez no cumprimento das jornadas dedicadas ao ofício de rendar e flexibilidade própria da
forma de organização do trabalho artesanal, permitindo que cada rendeira estabeleça a sua
Legenda: M-Manhã | T-Tarde | N-Noite
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rotina de trabalho, cadências, pausas e folgas, possibilitando assim conciliar o trabalho com as
atividades pessoais. No entanto, de acordo com os relatos, é provável que o tempo dedicado à
renda seja maior do que o especificado na Tabela 4-7, visto que todas possuem mais que uma
almofada, além de declararem fazer a renda por puro prazer e amor à atividade, conforme
relatado: Eu tenho amor ao meu trabalho, adoro fazer meu trabalho e vou morrer
trabalhando”. (RN1 – Rendeira do Núcleo, 74 anos).
A seguir serão apresentadas as doze rendeiras que participaram da pesquisa, sendo
as cinco primeiras as que freqüentam o Núcleo diariamente. Destacamos as rendeiras Maria
de Lourdes de Lima e Maria das Graças Costa da Silva (esta última, in memoriam) como as
que mais contribuíram com o trabalho, por serem também as líderes do Núcleo de Produção.
1. Maria de Lourdes de Lima (Vó Maria)
74 anos de idade, viúva, aprendeu a rendar aos 7 anos e exerce o
ofício desde então. Proprietária do Núcleo de Produção e líder
do grupo. Rendeira experiente, com uma história de vida de
muita luta e trabalho. Freqüenta o Núcleo diariamente 11
anos.
2. Maria das Graças C. da Silva (Dona Gra, in memoriam)
59 anos de idade, aprendeu a atividade aos 7 e rendou durante 52
anos consecutivos. Maior contribuidora e incentivadora da
pesquisa, a quem o grupo de pesquisa sempre se reportava,
freqüentava o Núcleo diariamente e rendou até quando a saúde
lhe permitiu. Faleceu em dezembro de 2008 e deixou no Núcleo
e na Vila uma grande lacuna.
3. Josefa Henrique de Lima (Dona Josefa ou Zefinha)
62 anos de idade, aprendeu a rendar aos 7. Parou de rendar por
30 anos e voltou 9. Possui 23 anos de experiência no ofício.
É viúva e proprietária de barraca na praia de Ponta Negra, onde
até hoje ajuda os filhos na administração do comércio.
Freqüenta o Núcleo diariamente há 9 anos.
4. Lenira de Oliveira Correia (Dona Lenira)
72 anos de idade, aprendeu a rendar aos 7. Deixou de realizar a
atividade por 20 anos e possui 43 anos de experiência no ofício.
Dona de casa, viúva, empregada doméstica aposentada e
pensionista. Freqüenta o Núcleo diariamente há 11 anos.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
62
6. Maria Helena Correia dos Prazeres (Dona Helena)
66 anos de idade, casada, professora aposentada, aprendeu a
rendar aos 7 e trabalha no ofício 59 anos consecutivos.
freqüentou o Núcleo, mas alguns anos o deixou. Renda
freqüentemente em sua residência e envia peças para serem
comercializadas no Núcleo.
7. Marinez Correia de França (Dona Marinez)
46 anos de idade, casada, aprendeu a rendar aos 7 e renda
39 anos consecutivos com pequenas pausas de alguns meses.
Aprendeu o ofício com a mãe (Lenira Rendeira 4).
freqüentou o Núcleo e hoje dedica-se a uma baixa produção
na sua residência.
8. Maria de Lourdes dos Santos (Dona Lourdes)
72 anos de idade, viúva, empregada doméstica aposentada,
aprendeu a rendar aos 7 e renda 65 anos consecutivos.
Rendeira experiente, passou para a filha (Dalvaci, abaixo) a
arte da renda. Não freqüenta o Núcleo e, sempre que a saúde
lhe permite, faz renda em sua residência e envia para ser
comercializada no Núcleo.
9. Dalvaci de Morais do Nascimento (Bel)
48 anos de idade, casada, funcionária pública, aprendeu a
rendar aos 10 anos, parou por 28 anos e voltou 5. Filha de
Maria de Lourdes (acima), aprendeu o ofício observando a
mãe. Freqüentou o Núcleo por dois anos e hoje não freqüenta
mais. Renda em sua residência e comercializa no Núcleo,
sempre de forma esporádica.
5. Maria Francisca de Oliveira (Muda)
70 anos de idade, viúva, pensionista, aprendeu a rendar aos 7
anos. É deficiente auditiva e renda 63 anos consecutivos.
Umas das artesãs mais assíduas no Núcleo desde a fundação
há 11 anos.
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63
O conhecimento da população de trabalhadores torna-se fundamental para o
entendimento da atividade de trabalho de forma mais detalhada. Esse tipo de investigação
permite, dentre outras coisas, descobrir questões relacionadas à vida das pessoas que estão
diretamente concatenadas com seu trabalho, evidenciando variabilidades e características da
atividade que muitas vezes passam despercebidas em outros tipos de análises.
4.4 Renda de Bilro: processo produtivo
O primeiro passo para a produção da renda é a escolha do desenho e do produto
que deseja confeccionar. Os desenhos utilizados no Núcleo foram, em sua maioria,
concebidos e produzidos por algumas das antigas rendeiras da Vila e repassados para a atual
geração de artesãs como herança familiar, sendo compartilhados por várias delas. Atualmente,
poucas dessas mulheres possuem habilidade para criar novos modelos, reduzindo-se a
reproduzir ou adaptar os antigos. Em conseqüência da reutilização e do tempo, vários
desenhos estão bastante deteriorados.
10. Maria Etelvina Barbosa Nunes (Dona Etelvina)
59 anos de idade, casada, dona de casa. Aprendeu a atividade aos 53
anos e renda 6. Rendeira considerada aprendiz por não confeccionar
peças muito complexas. Freqüentou o Núcleo por alguns anos e 2
está afastada. Rendeira sorridente, calma e dedicada ao aprendizado da
renda. Continua rendando em sua residência e pretende voltar para o
Núcleo.
11. Maria Salete Silva de Lima (Dona Salete)
68 anos de idade, casada, dona de casa. Aprendeu a rendar aos 7 anos, dedicando-se a isso 59
anos consecutivos. Nunca freqüentou o Núcleo de Produção, mas sempre apoiou as atividades e
as rendeiras do Núcleo. enviou peças para comercialização, mas costuma comercializar de
forma independente.
12. Raimunda dos Santos Correia (Dona Raimundinha)
59 anos de idade, casada, empregada doméstica. Aprendeu o ofício aos 9 anos e renda 50
anos. Já freqüentou o Núcleo, mas, devido aos trabalhos profissionais externos, deixou-o.
Dedica-se à renda diariamente, mas sem compromisso efetivo com a produção. Envia peças para
serem comercializadas no Núcleo.
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Figura 4-23– Desenho feito à mão
Figura 4-24– Renda com seu desenho
Figura 4-26– Rendeira enchendo os bilros
Figura 4-25– Par de bilros
Esses desenhos, de acordo com Saldanha (2007), (figuras 4-23e 4-24 possuem um
alto nível de complexidade, visto que, além de orientar a produção da renda, requerem um
elevado grau de compatibilidade, uma vez que a maioria das peças é produzida em partes
complementares, exigindo uma montagem final através de costura manual.
Em seguida, a rendeira decide a cor do produto e passa a enrolar certa quantidade
de linha nos bilros, unindo dois para formação de “um par de bilros”, como ilustrado nas
figuras 4-25e 4-26 uma vez que as manipulações dessas peças são feitas através dos pares.
O bilro, peça que nome à renda, é um pequeno instrumento de madeira com 10
cm de comprimento em média, constituído de uma curta haste, com uma das extremidades
apresentando terminação esférica e a outra uma terminação cilíndrica. Os homens que fazem
bilros, em geral pescadores, maridos das rendeiras, são chamados de “birreiros”. O
depoimento a seguir foi relatado por um desses homens, antigo “birreiro” da vila e esposo de
uma das rendeiras.
[...] Eu aleijei as mãos, eu fazia bilro na faca, apanhei osteoporose e os
dedo endureceu, não mais pra fazer nada. Às vezes fazia uma dúzia e
“mudiava”. No outro dia é que eu acabava de ajeitar. Pra o pau não
endurecer, eu botava duas, três dúzia dentro d’água, porque ela ressecando
ficava mais dura... A madeira era o pau mata-fome, o pau-ferro, o mondé, o
murta-braba, pau-mulato... porque o pau quando não é bom, ele tem uma
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65
35 cm 40 cm
Figura 4-27– Almofada e cavalete
mistura dentro, tinha que ser uma madeira legal. [...] [sic] (“Birreiro”,
esposo de rendeira, 77 anos).
Atualmente, os bilros são produzidos por marceneiros da própria Vila, em geral
familiares de rendeiras, utilizando técnicas manuais com auxílio de torno e outros
instrumentos de marcenaria.
Após essas etapas, a rendeira fixa o desenho em sua almofada, com o auxílio de
espinhos de xique-xique ou hastes metálicas e pontiagudas. A almofada é uma espécie de saco
de tecido de aproximadamente 35 cm de diâmetro, com seu interior completamente
preenchido por folhas secas de bananeira. Segundo a rendeira que confecciona as almofadas,
o seu preenchimento deve ser feito com folhas de bananeiras específicas (as que caem
naturalmente do pé), sendo esta a melhor alternativa para o preenchimento da almofada, pois
as folhas cortadas endurecem com o passar do tempo. Outra possibilidade, menos utilizada,
são as folhas de cajueiro ou os retalhos de tecidos; porém, as folhas de cajueiro, com o passar
dos anos, desintegram-se, limitando o tempo de uso da almofada, e os retalhos de tecido
cedem facilmente à pressão, além de aumentarem o peso da almofada.
A almofada é firme, mas leve, e fica apoiada sob um cavalete de madeira dobrável
e sem regulagem de altura. Depois de montada, a altura total (cavalete + almofada) fica
aproximadamente na altura do tórax da rendeira sentada (figura 4-27.
Após a fixação do desenho na almofada, os pares de bilros são encaixados em
alfinetes previamente colocados sobre o desenho (Figuras 4-28 e 4-29, e só então a rendeira
inicia o processo do rendar, mediante o entrelaçamento dos bilros em movimentos laterais da
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Figura 4-28– Par de bilros sendo
encaixado no alfinete
Alfinete
Rendeira colocando o 1º par
de bilros no alfinete
previamente fixado no
desenho
Dois pares de bilros
encaixados no alfinete. O
“trocado” da renda só pode
ser iniciado com dois pares
Figura 4-29– Dois pares de
bilro encaixados no alfinete
esquerda para direita e vice-versa, de modo a cruzar sucessivamente os fios, até todo o
desenho aparecer gradativamente em forma de renda.
A atividade das rendeiras exige grande destreza manual e concentração, uma vez
que elas manipulam em média 60 bilros por peça (figura 4-30 4-31 podendo esse número
variar para mais ou menos, dependendo do tamanho do produto e da complexidade do
desenho. As artesãs escolhem o modelo que deseja fazer, os materiais e as cores a serem
utilizados, e realizam o processo produtivo em sua totalidade, com exceção da produção do
desenho que em geral é copiado de desenhos antigos existentes.
No Núcleo, cada rendeira possui sua própria almofada, e algumas possuem outra
em sua residência. As linhas e alfinetes são comprados em conjunto a partir da verificação do
estoque e da necessidade do grupo, e os demais materiais e ferramentas são comprados
individualmente, podendo ser compartilhados em caso de conveniência. As rendeiras que
Figura 4-31 – Rendeiras manipulando os
bilros
Figura 4-30 – Bilros na almofada
(peça com mais de 60 bilros)
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Figura 4-32 – Rendeira em atividade Figura 4-33 – Rendeira em atividade
trabalham em suas casas são responsáveis pela compra de seus materiais. As figuras 4-32 e 4-
33 ostram as rendeiras trabalhando no Nucleo de produção.
Concluída a produção da renda, etapa que pode levar horas, semanas, dias ou
meses para ser finalizada (a depender do desenho e do produto), a peça poderá sair da
almofada totalmente acabada e pronta para venda (bicos, entremeios, alguns modelos de pano
de bandeja e peças de menor porte) ou seguir para uma última etapa de produção – a
montagem manual (figura 4-34 e 4-35) –, necessária em peças do vestuário ou outras de maior
porte (vestidos, blusas, saias, toalhas de mesa, etc.), que são confeccionados em partes
separadas.
Essa montagem exige precisão e atenção, pois a linha, guiada manualmente com
uma agulha, deve percorrer os pontos da renda de modo a se integrar ao produto e tornar-se
imperceptível no local da emenda. Trata-se de uma etapa da produção que é realizada por uma
única rendeira do Núcleo, a mais habilidosa nesse tipo de trabalho e que não é remunerada por
isso de forma separada. As demais rendeiras apesar de saberem executar esta etapa, não a
fazem em virtude de “confiarem” à artesã mais habilidosa esta tarefa. A figura 4-36 ilustra a
montagem de uma camiseta feminina em que são confeccionadas oitos partes iguais para
Figura 4-34 – Rendeira costurando duas
partes de uma camisa
Figura 4-35 – “Traças” sendo unidas para
formação de uma “rosa”
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Quatro partes iguais do mesmo
desenho são confeccionadas para
montar um lado da camiseta
Desenho
Único
A camisa é finalizada com 8
partes iguais, unidas
através de costura manual
Figura 4-36 – Montagem manual de uma camiseta feminina
Figura 4-37 – Fluxo de produção de uma camiseta (simplificado)
serem unidas posteriormente por meio de costura manual e a figura 4-37 ilustra o fluxo de
produção simplificado desta mesma camiseta.
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4.5 Renda de Bilro: produto
As rendeiras de Ponta Negra mencionam a existência de cinco pontos na produção
de suas rendas Traça, Trança, Pano, Coentro e Pingo , sendo o ponto da Traça
considerado por elas o mais característico da renda de bilro (figura 4-38). Elas desconhecem
os pontos denominados Finagran e Tijolo, mencionado por Maia (1980, p. 72) como pontos
realizados nas rendas da região Nordeste. As rendeiras ainda nomeiam de Pancada-inteira e
Meia-pancada o ato de cruzar os fios de linha de formas distintas para gerar diferentes pontos.
Os pontos da renda de bilro são combinados em uma grande quantidade de
composições a partir de desenhos que são produzidos e reproduzidos, utilizando-se linhas de
uma única cor ou uma combinação de cores, como ilustra a figura 4-39.
Figura 4-38 – Pontos da renda de bilro encontrados na Vila de Ponta Negra
TRANÇA – Fio produzido a partir do
enrolamento de 4 fios de linhas.
TRAÇA – Espécie de “pétala” que
compõe uma rosa (ponto
característico da renda de bilro).
PANO – Área fechada. Tipo de
“malha” produzida através do
cruzamento de várias tranças.
COENTRO – Ponto composto
através do cruzamento de tranças
PINGO – Pequenas voltas realizadas
com a linha no meio de uma trança,
formando uma espécie de “pingo”.
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Figura 4-39 – Quadro demonstrativo de algumas tramas de renda produzidas no Núcleo
Fonte: SALDANHA (2007)
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Segundo Saldanha (2007), apesar da diversidade na composição de tramas e cores,
fazendo com que cada produto tenha certa originalidade, os trabalhos tradicionalmente
produzidos pelas rendeiras do Núcleo possuem baixo nível de inovação. Consistem
basicamente de bicos, entremeios, toalhas e trilhos de mesa, panos de bandeja, colchas de
cama, vestidos, camisetas, xales e saias. Tal qual afirmado, o tempo de produção depende
do tipo de produto, da complexidade do desenho, do tamanho da peça e da habilidade e
velocidade da rendeira, variando entre alguns dias ou meses, como sustenta o relato a seguir:
[...] O tempo de produção varia por peça. Uma camiseta dessa (apontando
para camiseta que está fazendo), elas (referindo-se as outras rendeiras do
Núcleo) faz num mês. Eu trabalhando, eu faço em 17 dias, 18... no máximo
20 dias uma camiseta, porque eu trabalho mais rápido. Os vestidos é
mais de 30. Esse nem se fala, tem um que eu levei quase dois meses pra
fazer [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos).
A tabela 4-4 demonstra os principais produtos produzidos no Núcleo com
algumas de suas características produtivas – o tempo de produção médio e a respectiva
imagem fotográfica. Ressaltamos que, no tempo médio apresentado na tabela, não está incluso
o tempo de montagem manual das peças, que é relativo. Para montar uma camiseta, por
exemplo, consomem-se em média 12 horas de trabalho.
Tabela 4-4 – Produtos confeccionados no Núcleo.
PEÇA CARACTERÍSTICAS
TEMPO
MÉDIO DE
PRODUÇÃO
(HORAS)
TEMPO
MÉDIO DE
PRODUÇÃO
(SEMANAS)
IMAGEM
Camiseta
regata
feminina
Produzida em oito partes
e unidas através de
costura manual.
80 horas* 4 semanas
Saia
Produzida em oito partes
(tiras) e unidas através de
costura manual. A barra
(cós) é confeccionada
separadamente.
130 horas* 6,5 semanas
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Vestido
Produzido em quatro ou
oito partes (dependendo
do desenho) e unidas
através de costura
manual.
200 horas* 10 semanas
Xale
Produzido a partir de
quadrados e triângulos,
variando tamanho e
quantidade. As peças são
unidas através de costura
manual.
90 horas* 4,5 semanas
Pano de
bandeja
(30 x 20 cm)
Produzido de uma única
vez, variando o tamanho,
a forma e o desenho
18 horas* 3,5 dias
Caminho de
mesa (estola)
(60 a 80 cm)
Produzido de uma única
vez ou em partes,
dependendo do desenho.
As partes são unidas por
costura manual.
60 horas* 3 semanas
Toalha de
mesa
redonda
média
(1,70 m de
diâmetro)
Confeccionada a partir de
quatro quadrados e quatro
semi-círculos que
contornam a peça. Peças
unidas por costura
manual.
160 horas* 8 semanas
Colcha de
cama
(Casal)
Produzida por 6
rendeiras. Cada artesã
confeccionou 12
quadrados, totalizando 72
partes que foram unidas
manualmente por uma
única rendeira.
1200 horas*
(valor
aproximado)
44 semanas
(11 meses)
Bicos e
entremeios
diversos
Produzidos por metro e
variando muito de acordo
com a largura e desenho
10 cm/hora
(8cm de
largura)*
(*) Informação verbal
Além de peças de vestuário e artigos de casa, produtos como roupas de animais
domésticos, redes de dormir e bijuterias (brincos) também já foram confeccionados. Em
termos de capacidade técnica para produção, pode-se dizer que essas artesãs são capazes de
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confeccionar qualquer artigo que tenha seu desenho desenvolvido corretamente e analisado
previamente.
A partir de informações verbais e de um levantamento de estoque realizado em
março de 2008, foi possível verificar alguns dados importantes sobre a produção e os produtos
no Núcleo. A tabela 4-5 mostra as quantidades de produtos encontradas no estoque quando da
realização desse levantamento.
Tabela 4-5 – Quantidade de peças em estoque no Núcleo
Fonte: Bezerra (2008)
PEÇAS
QUANTIDADE
EM ESTOQUE
PORCENTAGEM
Panos de Bandeja 68 22,5%
Porta-copos 57 18,1%
Blusas 38 12,06%
Caminhos de mesa 25 7,94%
Vestidos 19 6,03%
Bicos 15 4,76%
Toalhas redondas 12 3,81%
Saias 12 3,81%
Almofadinhas
(miniaturas de almofadas para venda)
10 3,15%
Golas 9 2,86%
Toalhas quadradas 7 2,22%
Entremeios 6 1,9%
Toalhas de banho com aplicação 6 1,9%
Xales 6 1,9%
Aplicações diversas 5 1,59%
Blusão 2 0,63%
Palas 2 0,63%
Tiaras 2 0,63%
TOTAL DE PEÇAS ESTOCADAS
EM MARÇO DE 2008
301 100%
Segundo Bezerra (2008), o estoque do Núcleo em março de 2008 contava com um
total de 301 peças de 17 tipos diferentes, número esse que varia com certa constância de
acordo com a venda e produção. Desse montante, chamamos a atenção para o elevado número
de “panos de bandeja” encontrados (68), correspondendo a 22,5% de todo o estoque.
Pesquisas posteriores constataram que nem todos os panos de bandeja encontrados em
estoque correspondem à produção das rendeiras. Destes, 42 (62%) foram produzidos por elas,
os demais (26) foram comprados em cidades do Ceará para revenda no Núcleo e cópia de
desenhos passando as artesãs, nesse momento, de produtoras a atravessadoras. Essa atitude
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das rendeiras também demonstra uma preocupação com a inovação e diversificação dos
modelos por elas produzidos.
Ainda conforme Bezerra (2008), as cinco rendeiras que se reúnem diariamente no
Núcleo são responsáveis por 80% do valor monetário em estoque. Salvo as peças compradas
em outros estados, isso reforça a hipótese já mencionada de que, trabalhando unidas, as
artesãs produzem mais do que as que trabalham de forma isolada em sua residência.
4.6 Renda de Bilro: comercialização
As peças que são confeccionadas no Núcleo seguem, na maioria das vezes, para
estocagem e são expostas e comercializadas em feiras de artesanato e artefatos diversos dentro
e fora do estado. Essas feiras geralmente acontecem em meses específicos do ano e fazem
parte do cronograma de produção das rendeiras. As duas mais importantes feiras das quais as
rendeiras participam são a FIARTE (Feira Internacional do Artesanato), realizada sempre no
mês de janeiro de cada ano, em Natal, e a BRASIL MOSTRA BRASIL, que acontece
geralmente no mês de agosto. Eventualmente, as rendeiras são convidadas para participações
em outros eventos, a exemplo da Semana da Moda de Natal (Natal Fashion Week), para
exposição e comercialização. Nos anos de 2006 e 2007, as artesãs participaram da Semana de
Ciência, Tecnologia e Cultura da UFRN (CIENTEC/UFRN), através do convite e mobilização
dos alunos integrantes desta pesquisa, quando da exposição do projeto Rendeiras da Vila no
respectivo evento, constituindo-se como uma oportunidade de divulgação e venda para as
artesãs e como fonte de observações e resultados para os pesquisadores.
A comercialização também é realizada diretamente no Núcleo às pessoas que
visitam o lugar e sob encomendas. Sobre esse aspecto, em especial, destacamos um fato
ocorrido durante a realização desta pesquisa: foi solicitado, por uma pessoa ligada à prefeitura
de Natal, um montante de 48 peças, sendo 24 panos de bandeja e 24 trilhos de mesa, o que
geraria uma venda de R$ 1.440,00 (hum mil, quatrocentos e quarenta reais). Essa encomenda
acabou por alterar a rotina e organização de trabalho das artesãs, uma vez que acelerou e
intensificou o processo de produção, além de ter sido necessário o recrutamento
(terceirização) de rendeiras que não faziam parte do Núcleo de forma efetiva, a fim de agilizar
a conclusão da encomenda em tempo.
Ao fim dos trabalhos, as rendeiras foram informadas de que os produtos iriam
para revenda em uma loja da prefeitura e que elas iriam receber o pagamento conforme
fossem vendidos na loja. Diante disso, as artesãs não entregaram as peças, uma vez que elas
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não trabalham em sistema de consignação, numa tentativa de evitar a exploração por parte de
atravessadores, sendo esta uma estratégia de auto-valorização do trabalho.
Esse fato incomum provocou intensificação de trabalho no Núcleo, alterando o
modo de trabalho e interferindo no modo de vida das artesãs, além de deixar um forte
sentimento de descrença em relação aos órgãos governamentais, conforme reforça a fala a
seguir: É esse o tipo de incentivo que a gente recebe da prefeitura aqui... calote!” (RN2
Rendeira do cleo, 59 anos). Numa demonstração de compromisso com o Núcleo e com as
rendeiras, fator importante para a continuidade da produção, a rendeira que fechou o acordo
com a prefeitura arcou com o prejuízo, pagando de seus provimentos a cada artesã recrutada
para o trabalho e estocando as peças para serem vendidas posteriormente. Análises sobre esse
fato mostraram que, independentemente do não recebimento do valor, a encomenda teve
repercussão negativa junto às rendeiras por modificar sua rotina, ritmo e carga de trabalho.
As rendeiras não comercializam com cartões de crédito, cheques, prestações e
outras formas de pagamento a prazo. Não importa qual valor: o pagamento é sempre à vista,
salvo alguns casos em que a rendeira conhece o cliente e lhe concede algum prazo de
pagamento. Durante esta pesquisa, outro caso relativo à comercialização foi constatado pelos
pesquisadores. Uma venda de aproximadamente R$ 500,00, valor considerado alto, não foi
finalizada em virtude de a cliente desejar pagar em cheque, mesmo sendo esta cliente amiga
do filho da rendeira. Sobre esse fato, a seguinte frase foi proferida pela rendeira: “[...] Cliente
desse tipo eu dispenso, pode ser a compra que for, mas entregar minhas peças e ficar com um
papel na mão, não ! [...]” (RN2 – Rendeira do Núcleo, 59 anos).
Além dos problemas com recebimento de cheques, também podemos supor a
existência de certo “apego” e proteção à peça que a rendeira produziu. A artesã, por se sentir
“dona” do saber e do produto, acaba por estabelecer com ele certa “relação afetuosa”.
Demonstração de cuidado e relação entre o artesão e seu produto é algo observado em
trabalhos sobre o assunto. Nóbrega (2005, p. 219), em seu livro Renda Renascença: memória
de ofício paraibana, menciona que, na comercialização da renda renascença da Paraíba,
comumente as rendeiras tentam invalidar os argumentos de pechincha, mostrando o quanto
têm orgulho de seu trabalho; na negociação, envaidecem-se de suas habilidades manuais,
destacando com freqüência o quanto é árduo e cansativo seu ofício e fazendo alusões ao
passado, lembrando a época em que recebiam mais pelos produtos, deixando claro sua relação
de “afeto” com suas peças.
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76
Observam-se, também na produção da renda de bilro, casos em que o dinheiro não
é a maior motivação para o trabalho. Relatos de algumas rendeiras que trabalham no Núcleo,
quando indagadas sobre a motivação para trabalhar, ratificam isso:
[...] Eu peço muito a Deus não faltar nunca essa motivação que eu tenho, de
um dia ver isso aqui uma loja bem bonita, bem chique, com bem gente
comprando renda e muita gente fazendo também... Num tem uma peça que
vale o quanto que trabalhou... Isso aqui faz quem tem amor, quem gosta
de fazer. Se fosse por dinheiro, ninguém fazia, não [...] [sic] (RN4
Rendeira do Núcleo, 59 anos).
[...] Eu faço por amor, porque eu gosto, né?! Quando vende, a gente fica
mais alegre, mas se não vender eu vou continuar fazendo, até enquanto eu
tiver saúde. Eu venho todo dia, tô acostumada a vim, quando eu não
venho me uma agonia tão grande [...] [sic] (RN2 Rendeira do Núcleo,
62 anos).
Essa realidade não é exclusiva desse Núcleo de Produção. Caso semelhante de
algumas artesãs do estado de Alagoas, produtoras de panela de barro, é citado por Leite
(2005, p. 33):
[...] Quando as mais antigas artesãs são indagadas por que continuam a
exercer o ofício, descortinam-se os outros nexos que nos ajudam a entender a
dimensão cultural da prática artesanal. Seria difícil entendermos a
manutenção desse ofício apenas pelos critérios econômicos.
Definitivamente, não é apenas por dinheiro que se faz panela de barro.
Muitas artesãs afirmaram já ter desejado parar, mas não conseguem.
Precisam abrir o barro, como se moldá-los ajudasse a suportar a vida [...]
Essa constatação certamente é verificada nas rendeiras do Núcleo; contudo,
ressaltamos que a baixa comercialização, desvalorização do trabalho artesanal, valor baixo da
hora de trabalho também se constituem em dois dos motivos da diminuição do número de
rendeiras em atividade na Vila de Ponta Negra.
A tabela 4-6 mostra a remuneração das rendeiras por tipo de produto,
demonstrando o valor de venda, remuneração da artesã, tempo médio de produção, valor de
hora de trabalho e remuneração mensal.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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Tabela 4-6 – Relação entre valor da peça, tempo de produção e valor de hora de trabalho da rendeira
REMUNERAÇÃO DAS RENDEIRAS POR PEÇA
PRODUTO
VALOR
DE
VENDA
(VV)
REMUNERAÇÃO
DA RENDEIRA
(RR)**
TEMPO
MÉDIO DE
PRODUÇÃO
EM HORAS
(HR)*
VALOR DA
HORA DE
TRAB. (HT)
REMUNERAÇÃO
MENSAL
44 HS SEMANAIS
(R$)
80% DE VV
(R$)
HT=(RR/HR)
(R$)
Vestido
100,00 80,00 200 0,40 70,40
Saia
90,00 72,00 130 0,55 96,80
Pano de bandeja
13,00 10,40 18 0,57 100,32
Camiseta regata
60,00 48,00 80 0,60 105,60
Toalha de mesa
média
(1m diâmetro)
80,00 64,00 100 0,64 112,64
Caminho de
mesa (estola)
(1m comp.)
60,00 48,00 60 0,80 140,80
Colcha de cama
(casal)
1.000,00 800,00 1000 0,80 140,80
Xale
100,00 80,00 90 0,88 154,88
Constata-se, a partir da sistematização dos dados da tabela 4-6, que o valor da
hora trabalhada da rendeira varia de R$ 0,40 (quarenta centavos de reais) a R$ 0,88 (oitenta e
oito centavos de reais). Considerando a jornada de trabalho de 44 horas semanais, como os
trabalhadores regidos pela CLT, e a garantia da comercialização, a remuneração mensal de
uma rendeira seria entre R$ 70,00 e R$ 155,00, ou seja, 17% a 37% do salário mínimo vigente
em 2008 (R$ 415,00).
4.7 Fecho do Capítulo
Neste capítulo foi apresentado a Renda de Bilro na Vila de Ponta, evidenciando as
principais características da Vila de Ponta Negra e da produção da renda, tendo sido de
fundamental importância para o entendimento da atividade da renda e embasamento das
análises que se seguirão no trabalho.
(*) Informação verbal | (**) 20% é retido no Núcleo para compra e reposição de materiais
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Capítulo 5 | Oficina de Design
Neste capítulo, trataremos da instrução da demanda e da construção sociotécnica
da oficina. Serão apresentados os aspectos relacionados à motivação para realização da
pesquisa, detalhadas todas as etapas de desenvolvimento da Oficina de Design, bem como os
resultados encontrados na intervenção.
5.1 Instrução da Demanda
Segundo Vidal (2003), a instrução da demanda é a etapa em que se permite passar
da percepção dos problemas de produção à indicação daquilo que a Ergonomia pode
contribuir para solucioná-los. É como se desenvolve o problema em questão, do surgimento
até a definição da proposta de ação ergonômica.
O início desta pesquisa teve origem no desenvolvimento de um trabalho de alguns
estudantes de graduação do curso de Engenharia de Produção junto ao Núcleo de
Produção Rendeiras da Vila em 2005 (DINIZ et al, 2005). O seu objetivo, até então,
propunha-se analisar a forma de organização do trabalho artesanal e suas repercussões para o
produto, produção, mercado e para a população de trabalho, a fim de cumprir os requisitos da
disciplina de Organização do Trabalho, componente curricular do curso de Engenharia de
Produção da UFRN. Em 2006, outros alunos da graduação deram continuidade aos estudos,
gerando artigos (SILVA et al, 2006) que foram publicados em congressos nacionais
(ENEGEP e ABERGO, 2006) e apresentados nas disciplinas do mestrado, despertando no
autor desta dissertação o interesse em se integrar ao grupo, a fim de dar continuidade às
problematizações e ampliar as pesquisas. Os principais motivos que nortearam a construção
da demanda foram:
a) a produção artesanal se configura como um importante campo de estudo dentro
da Engenharia de Produção e do Design de Produto;
b) o Núcleo de Produção se apresenta como espaço de produção artesanal
informal, carente de melhorias, podendo vir a ser um importante laboratório
para pesquisa e desenvolvimento, através da aplicação dos conhecimentos da
Ergonomia, Engenharia de Produção e Design;
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
79
Figura 5-40 – Instrução da demanda (Oficina de Design)
Fonte: Adaptado de Saldanha (2004, p.95)
c) a possibilidade de gerar benefícios e contribuições sociais às rendeiras;
d) receptividade por parte das rendeiras em receber a equipe de pesquisadores e
contribuir com o trabalho.
As pesquisas preliminares desenvolvidas pelos alunos da graduação em conjunto
com os estudos teóricos geraram hipóteses de demandas que passaram a ser alvo de análise da
equipe, dando origem ao Projeto Rendeiras da Vila. Durante as reuniões de pesquisa,
pensava-se em possibilidades de busca de apoio financeiro externo que pudesse viabilizar
algumas ações no Núcleo, como também que se configurasse como uma oportunidade de
remuneração para o mestrando face ao fato da indisponibilidade de bolsas de mestrado até o
momento.
Nas busca por apoio financeiro em órgãos de fomento ao artesanato na cidade, foi
verificado em um destes órgãos que uma Oficina de Design estaria programada para acontecer
em julho de 2006, junto às rendeiras da Vila de Ponta Negra. Essa oficina seria financiada por
uma fundação de apoio ao desenvolvimento turístico do Nordeste e apoiada por uma entidade
local, por meio do recrutamento do instrutor e fornecimento da matéria-prima. O autor desta
dissertação seria, então, o instrutor da referida oficina. O esquema a seguir (Figura 5-40)
ilustra a instrução da demanda real de trabalho.
A tabela 5-8 apresenta a cronologia dos acontecimentos que fizeram parte da
instrução de demanda.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
80
Tabela 5-8 – Cronologia dos acontecimentos da demanda de trabalho
Fonte: Adaptado de Saldanha (2004)
PERÍODO
(2005/2006)
FATOS
1º semestre de 2005
Trabalho realizado no Núcleo de Produção Artesanal pelos alunos da
disciplina de Organização do Trabalho.
1º semestre de 2006
trabalho sobre as Rendeiras da Vila, realizado por uma nova equipe de
alunos da graduação, e publicação de artigos em congressos.
Maio de 2006
Apresentação do trabalho sobre o Projeto Rendeiras da Vila aos alunos do
mestrado, na disciplina de Análise Ergonômica do Trabalho I.
Interesse do autor desta dissertação em participar das atividades e focar a
dissertação nesse tema.
Início de Junho 2006
Início da procura por entidades que pudessem apoiar as atividades do
grupo de pesquisas com recursos financeiros e outros apoios.
Visita ao SEBRAE/RN e recebimento da informação sobre a possibilidade
de realização de uma Oficina de Design com as rendeiras.
14 de Junho 2006
Recebimento de e-mail do SEBRAE confirmando a realização da Oficina de
Design e a participação do autor desta dissertação como instrutor da mesma.
20 de Junho 2006
Reunião da orientadora com os alunos de graduação e os alunos de mestrado
para definição de plano de trabalhos, como base na confirmação da
realização da oficina.
22 de Junho 2006
Primeiro contato da equipe de pesquisadores com as rendeiras.
30 de Junho 2006
Visita do mestrando ao Artesanarte, sede de representação da prefeitura
junto aos artesãos de Natal, a fim de estabelecer contatos com as pessoas
responsáveis pela viabilização da oficina no Núcleo de Produção e confirmar
as datas para realização desta.
30 de Junho 2006
Visita do mestrando ao Núcleo de Produção com os representantes da
prefeitura para confirmar o interesse das rendeiras em receber a Oficina de
Design.
Agendamento da reunião com o grupo de rendeiras convidadas a participar
da oficina para o dia 04 de julho.
04 de Julho 2006
Reunião com as rendeiras do Núcleo para apresentação do
instrutor/consultor e agendamento da oficina para o período de 18 a 31 de
julho, das 13h30min às 17h. Foram inscritas 24 rendeiras.
11 e 12 de Julho 2006
Visitas do instrutor ao Núcleo de Produção para conhecimento da produção e
estudo dos desenhos da renda.
14 de Julho 2006
Visita à casa do artesão citado pelas rendeiras como o criador dos desenhos
em computador na cidade de São Miguel de Gostoso/RN para conhecimento
dos desenhos e registro de informações sobre a renda de bilro.
15 a 17 de Julho 2006
Criação de novos desenhos em computador para serem utilizados na oficina.
18 de Julho 2006
Início da oficina.
31 de Julho 2006
Encerramento da oficina.
5.1.1 Restrições e Critérios da demanda externa (Oficina de Design)
O objetivo da oficina era a criação e concepção de novos produtos, com maior
valor agregado e que se apresentassem como uma nova alternativa de comercialização para as
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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rendeiras, partindo da premissa de utilização da renda de bilro como um detalhe a ser inserido
em outros artigos industrializados (camisetas, bolsas, tapetes, etc.).
Para realização da oficina, algumas restrições foram colocadas pelo órgão
financiador:
a) abranger o mínimo de 20 rendeiras da mesma região;
b) duração de 1 semana, totalizando 40 horas (8 horas diárias);
c) produzir o máximo de peças possíveis, diferenciadas das tradicionais
produzidas pelas rendeiras (saia, vestido, blusas, etc.).
Entretanto, foram necessárias algumas modificações e regulações para viabilizar a
realização da oficina no Núcleo de Produção:
a) número de integrantes: apenas 6 rendeiras freqüentavam o Núcleo de forma
efetiva, tornando-se necessário agregar outras participantes da Vila de Ponta
Negra;
b) duração e jornada diária: o Núcleo de Produção funciona apenas no período da
tarde. Além disso, as artesãs conciliam o ofício da renda com outras tarefas,
dentre as quais as domésticas, dificultando sua permanência na oficina em 8
horas/diárias. Nesse caso, as atividades da oficina se estenderam para duas
semanas, sendo 4 horas diárias;
c) ferramentas e instrumentos de trabalho: algumas das rendeiras externas ao
Núcleo não possuíam almofadas e bilros, o que foi resolvido através da
disponibilização desse material no Núcleo e de rendeiras que realizam
paralelamente a atividade em suas residências, possuindo instrumentos de
trabalhos duplicados ou triplicados;
d) habilidade, experiência e conhecimento da arte de rendar, bastante
diferenciados entre as participantes da oficina, tornando-se fundamental o
papel das rendeiras mais experientes do grupo na condução das atividades.
Não houve recomendações da instituição financiadora com relação ao método de
realização da oficina. A decisão de se fazer aplicações de renda em outros produtos se deu
pelo instrutor, por ser esta uma prática comum em intervenções de design no artesanato e
como forma de agilizar e otimizar o trabalho, já que a produção da renda é muito lenta.
Após essas regulações, deu-se então início ao processo de construção social da
oficina, incluindo o conhecimento do Núcleo e das pessoas envolvidas na ação.
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5.2 Construção Social da Oficina de Design
De acordo com Daniellou (2004, 2007 apud DUARTE et al, 2008), a construção
social do projeto é a etapa pela qual se estabelecem relações de cooperação, comunicação e
diálogo, que permitem, em momentos diversos, a confrontação de pontos de vista e
necessidades dos diversos agentes no trabalho.
Vidal (2002, p. 137) se refere ao processo de construção social como fator
determinante para realização de uma ação ergonômica cuja formação da equipe de atuação
possibilite unir uma boa variedade de competências externas e internas.
Segundo Saldanha (2004, p. 106), a construção social do projeto vem a ser a
constituição de uma equipe de pessoas com diferentes funções, que possibilitará a realização
de uma dada intervenção técnica, sendo essa equipe formada por todas as pessoas que irão
participar da ação em diferentes momentos.
O processo de construção social da oficina iniciou-se antes da realização desta e
possibilitou, dentre outras coisas, o conhecimento e aproximação do grupo de pesquisadores
com as artesãs, em especial do instrutor (mestrando). No primeiro encontro dos pesquisadores
que compunham o Projeto Rendeiras da Vila com as artesãs, em 22 de junho de 2006, a
equipe foi recebida de forma tímida, porém receptiva pela rendeira líder e proprietária do
local onde funciona o Núcleo de Produção. O objetivo principal da visita foi conhecer o
ambiente e as rendeiras, informar sobre o interesse dos estudantes em continuar com os
trabalhos de pesquisa, solicitar autorização para realização das novas atividades, confirmar o
interesse e receptividade à proposta por parte das artesãs, como também identificar e provocar
possíveis demandas.
Nesse primeiro encontro, identificamos a presença de lideranças entre as artesãs.
A rendeira que recebeu a equipe se mostrou tímida e receosa até a chegada de outra rendeira –
possuidora de forte poder de decisão no Núcleo. Essas duas são as líderes do Núcleo de
Produção e responsáveis por tomar decisões e definir critérios, regras, demandas, etc.
Desse primeiro contato, destacamos um fato em particular: foi identificado pelo
grupo certo receio quanto às ações vindas de órgãos externos. Isso ocorreu em virtude das
promessas de melhorias e incentivos sucedidas em outras épocas e que nunca passaram de
diálogos. Quando indagadas sobre o interesse em receber a equipe da universidade no Núcleo
para dar continuidade às pesquisas, a seguinte fala foi proferida por uma rendeira:
[...] Pode ser, vocês podem ficar vindo aqui... O negócio é que o povo vem
aqui, mas tem promessa, até as fotos que tiram da gente, eles dizem que
vêm deixar aqui depois e nunca voltam [...] (RN4 Rendeira do Núcleo, 59
anos).
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Destacamos, ainda, outro trecho importante da mesma rendeira nesse encontro:
Ao concordar com a pesquisa, ela ressalta certo cuidado com a preservação da organização do
trabalho e com as limitações da capacidade produtiva de cada artesã. Possivelmente, o que
provocou essa fala foi a prospecção de aumento do volume de produção subtendida por ela
quando a equipe se mostrou disposta a estudar a produção e contribuir com o incremento na
comercialização:
[...] Esse trabalho de vocês é bom pra gente, mas eu tenho medo de
aumentar muito as encomendas e a gente não dar conta do trabalho e ficar
estressada, porque eu já disse que renda de bilro se faz sentado e não
correndo, e que a produção da gente é devagar [...] (RN4 Rendeira do
Núcleo, 59 anos).
Essa preocupação e zelo da rendeira pelas condições de trabalho são fatores
importantíssimos que devem ser levados em consideração quanto ao que Vidal (2002, p. 128)
chama de “Modelagem da Demanda”. O autor afirma que é possível modelar a realidade de
trabalho, levando em consideração que a atividade das pessoas acontece num contexto onde
tudo é variável e que o ergonomista precisa entender essas questões para que possa realizar os
projetos de mudança, transformações ou novas propostas de trabalho.
Ainda no tocante a essa reunião, ressaltamos outra passagem de grande relevância
para a construção social. Em virtude de alguns problemas relatados nos trabalhos dos alunos
da graduação, a exemplo da produção dos desenhos, algumas conversas foram provocadas no
sentindo de investigar a questão e descobrir possíveis demandas. Em meio à discussão, a
artesã levanta-se, pega um desenho produzido em computador e passa a explicar os pontos
característicos da renda de bilro, evidenciando o ponto da traça com especial destaque na
produção da renda. A mesma rendeira, ao descobrir que o mestrando da equipe sabia
desenhar, solicitou ao pesquisador uma ajuda no sentido de corrigir o desenho de uma saia. O
atendimento ao pedido da rendeira certamente veio a contribuir com a construção de
reputação e de confiança.
O que se pôde perceber desse primeiro encontro com as rendeiras, fundamental
no processo de construção social, é que existem critérios fixos e pré-determinados por elas,
mesmo que empiricamente, e que as atividades do grupo devem levar em consideração as
particularidades da organização do trabalho e da produção no Núcleo, em especial a
capacidade produtiva, as características da população de trabalho, destacando-se a
necessidade de conciliar a produção da renda de bilro com outras atividades domésticas e
sociais, além de critérios relacionados aos produtos, destacando a traça como elemento que
caracteriza a renda.
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5.2.1 Esquema de Construção Social
Para o aproveitamento dos conhecimentos de todos os especialistas, sejam do
nível externo ou interno à empresa, faz-se necessário formar grupos de pessoas afins, de
acordo com suas capacidades e competências, para que todos juntos em um único dispositivo
social possam apontar ou resolver os problemas (VIDAL, 2003).
Considerando a Oficina de Design como a intervenção técnica a ser introduzida na
empresa nesse caso, o Núcleo de Produção será mostrado a seguir (Figura 5-41) este
dispositivo de construção social, com a composição e a função de cada um destes grupos de
pessoas.
Grupo de Ação Ergonômica (GAE) – Formado pelas pessoas internas e externas ao
Núcleo, essa equipe é constituída pelo designer (mestrando) responsável pela realização da
oficina e por duas rendeiras líderes. Esse grupo foi complementado posteriormente com a
presença de uma mestranda e duas alunas (bolsistas) de graduação.
a) Designer/mestrando: instrutor contratado pela instituição para desenvolver a
oficina junto às rendeiras, sendo ele o responsável por criar os novos desenhos
e produtos e conduzir a atividade durante o período de realização do projeto.
b) Rendeiras líderes: duas rendeiras que dirigem o Núcleo e tomam as decisões
sobre a implementação de melhorias e outras ações. Estas também têm grande
Figura 5-41 – Esquema multifuncional do dispositivo de construção social da Oficina de Design
Fonte: Adaptado de SALDANHA (2004 p.107) e VIDAL (2002, p.138)
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capacidade técnica e orientam as demais no surgimento de dúvidas relativas à
produção. Foram as responsáveis por autorizar, mobilizar e viabilizar a oficina.
c) Mestranda e alunas de graduação: Outras três pessoas compuseram o GAE de
modo a contribuir com as investigações pós-oficina.
Grupo de Suporte (GS) Integrado por pessoas de poder de decisão, a quem a
equipe de ação ergonômica se reporta durante a ação, e constituído pelos seguintes
componentes:
a) Rendeiras líderes: requisitadas desde o primeiro momento quando se decidiu
prover a ação e sempre requisitadas durante sua realização, seja para
solicitação de autorizações diversas ou para consultas técnicas. Têm forte
poder de decisão no Núcleo de Produção, e toda e qualquer atividade
desenvolvida é determinada e gerida por elas.
b) Instituição apoiadora da oficina: responsável em gerir o desenvolvimento da
oficina. Responsável, também, por fornecer a matéria-prima e controlar a
freqüência do instrutor e das artesãs, assim como por exigir e receber os
relatórios conclusivos da ação.
Grupo de Acompanhamento (GA) Semelhante ao grupo de Suporte, mas com
certa distinção, pois neste grupo estão as pessoas com capacidade técnica para tomar decisões,
a saber:
a) Rendeiras líderes: conhecedoras da produção e das técnicas de rendar.
Rendeiras às quais o designer recorria para validar os novos desenhos, eram
também solicitadas pelas rendeiras menos experientes para esclarecimento de
dúvidas relativas à produção, principalmente no que se referia ao início da
produção de uma peça nova.
b) Costureira: possuidora de capacidade técnica específica (costura) necessária
para finalização das peças da oficina, além de responsável pela sugestão e
tomada de decisões sobre as melhores composições dos produtos.
c) Coordenadora do Projeto/ Orientadora do mestrando: pessoa responsável por
orientar as atividades a serem desenvolvidas em diversos aspectos, tais como
técnicas de interação com as rendeiras, registros de informações, indicação de
leitura, motivação de atividades a serem desenvolvidas, etc.
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Grupo de Especialistas (GE) Grupo formado por pessoas que detêm um
conhecimento específico, sendo solicitado pelo GAE durante a atividade para uma
participação exata e pontual em determinada etapa do trabalho. Nesse caso, é formado por
duas pessoas: um artesão externo ao Núcleo, a quem chamaremos de “interlocutor
privilegiado”, e a costureira.
a) Artesão: não faz parte do Núcleo, mas freqüentou o lugar por um período de
tempo. Aprendeu a atividade de rendar e recriou os desenhos da renda em
microcomputador; componente a quem o designer recorreu antes da realização
da oficina para observar, aprender e replicar o método de confecção do
desenho em computador.
b) Costureira: não possuía conhecimento da renda, mas era especialista em
costura. O designer solicitava-lhe os serviços sempre que se concluía uma peça
e era necessária sua aplicação nos demais produtos.
Grupos de Foco (GF) Formados por todas as rendeiras que participaram da
oficina. Estas foram distribuídas em três subgrupos específicos:
a) [GF-1] Grupo de Foco 1 (4 artesãs)
Rendeiras rendam no Núcleo de
Produção diariamente.
O Núcleo de Produção Rendeiras da Vila é freqüentado diariamente por cinco
artesãs. Porém, destas cinco, apenas quatro participaram da oficina ficando
de fora a rendeira que tem deficiência auditiva por estar nesse mesmo período
se recuperando de um procedimento médico. Todas residem em Ponta Negra,
próximo ao Núcleo, possuem mais de 60 anos de idade, aprenderam a rendar
na infância (por volta dos 7 anos de idade) e nunca deixaram a atividade. Todas
exercem o ofício mais de 50 anos. São viúvas, aposentadas ou pensionistas
dos maridos. Duas, além das pensões, possuem quiosques na praia e, apesar de
não trabalharem lá, ajudam na administração do lugar e no preparo de
alimentos, principalmente na alta estação. São senhoras ativas, que participam
de movimentos sociais (Grupo de idosos, Clube de mães, Danças folclóricas,
etc.) e fazem a renda por amor e dedicação, sem motivação financeira evidente.
Possuem grande conhecimento e experiência no ofício. Declaram que nunca
deixariam de rendar, mesmo que não haja mais venda. O depoimento a seguir
retrata essa afirmação:
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[...] Eu faço renda por amor, porque eu gosto, né?! Quando vende, a gente
fica mais alegre, mas se não vender mais nada, eu não ligo, continuo
rendando e paro um dia que Deus não deixar mais... Eu venho todo dia,
eu acostumada a vir, quando eu não venho me até uma agonia [...]
[sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).
b) [GF-2] Grupo de Foco 2 (8 rendeiras) Rendeiras que fazem parte do Núcleo,
mas não freqüentam o lugar, produzem as rendas em suas residências e
enviam para á a fim de serem comercializadas.
Na sua fundação, o Núcleo contava com a participação de 14 rendeiras
trabalhando efetivamente. Com o passar dos anos e a desvalorização do
trabalho artesanal, a busca por outras ocupações, além de divergências e
problemas pessoais, fizeram com que esse número diminuísse. Entretanto,
algumas rendeiras que deixaram de freqüentar diariamente o lugar continuaram
a rendar em suas casas, enviando suas peças para serem comercializadas
através do Núcleo. Atualmente, 11 rendeiras produzem em suas residências,
mas apenas oito participaram da oficina. São artesãs com mais de 50 anos de
idade, residentes da Vila da Ponta Negra e que também aprenderam a rendar na
infância. Possuem grande conhecimento e experiência no ofício, porém, não
dispensam a mesma importância à atividade quanto as rendeiras do GF 1.
Assim como as demais, a principal motivação para o trabalho é o prazer e não
o dinheiro, como relatado: “[..] Não é porque dinheiro, é porque gosto,
aquilo ali já vem da época da minha mãe e não pra esquecer [...]” [sic]
(RV8 – Rendeira da Vila, 66 anos).
c) [GF-3] Grupo de Foco 3 (6 rendeiras) Mulheres que sabem rendar, mas não
produzem com freqüência, além de não possuírem relação produtiva e
comercial com o Núcleo.
Formado por um grupo de mulheres da Vila de Ponta Negra que sabem rendar,
mas não fazem isso com freqüência nem produzem para venda. Foram
convidadas a participar da oficina para completar o número mínimo de pessoas
exigido pela instituição financiadora. As idades delas variam de 35 a 45 anos;
aprenderam o ofício pouco tempo e a maioria não possui ligação cultural
com a arte da renda. Todas possuem atividades outras atividades profissionais,
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contribuem com o orçamento doméstico e declaram não rendar freqüentemente
em virtude da falta de tempo:
[..] Eu não faço renda porque não tenho condições de fazer, não tenho
tempo. Eu tenho comércio que tomo conta sozinha... vontade eu tenho de
aprender, .mas... Até mesmo pra dar continuidade à renda,. porque como eu
sou mais nova, quer dizer.... é uma chance de ter mais um tempo pra
frente da renda, né!? [...] [sic] (Artesã da Vila, 40 anos).
Na construção social do projeto, como observado, existe uma multifuncionalidade
das artesãs, ou seja, algumas participam de grupos diferentes. Nesse caso específico,
destacamos a importância e a participação das rendeiras líderes em praticamente todos os
grupos (GAE, GS, GA, GF-1).
No GAE (Grupo de Ação Ergonômica), essas duas rendeiras participaram
diretamente da execução dos trabalhos, principalmente nas questões relativas à escolha dos
desenhos, produção e orientação às demais rendeiras menos experientes. No GS (Grupo de
Suporte), as rendeiras tinham autonomia para tomar decisões, desde a aceitação da oficina até
a seleção e convite das outras artesãs. Elas também tomavam decisões relativas à escolha dos
desenhos e ao feitio da renda durante as atividades. No GA (Grupo de Acompanhamento), as
duas rendeiras validavam os desenhos e produtos e orientavam o instrutor no tocante à criação
dos desenhos e as demais rendeiras quanto à produção da renda, por possuírem competência
técnica para isso característica marcante desse grupo. Por fim, no GF1 (Grupo de Foco 1),
também demonstraram presença marcante em razão de também estarem participando das
atividades e serem alvo de investigação deste trabalho.
5.3 Construção Sociotécnica da Oficina
O esquema de construção sociotécnica, ilustrado na figura 5-42, mostra todas as
etapas realizadas antes, durante e após oficina, pontuando as ações e identificando as
pessoas/grupos envolvidos em cada etapa. Através desse processo de construção sócio-
técnica, buscamos entender a organização do trabalho no Núcleo, as técnicas de produção da
renda, os desenhos e as possibilidades de inovação, sustentados por validações e ajustes
pertinentes.
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Figura 5-42 – Esquema de Construção Sóciotécnica da Oficina
Fonte: Adaptado de SALDANHA (2004)
LEGENDA: GAE: Grupo de Ação Ergonômica | GE: Grupo de Especialista | GF: Grupo de Foco
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Figura 5-43 – Correspondência entre desenho e renda
PANO
TRAÇA
TRANÇA
5.3.1. Pesquisa Situada – Núcleo de Produção Rendeiras da Vila
A pesquisa situada foi realizada pelo designer/mestrando, componente do GAE
(Grupo de Ação Ergonômica), no Núcleo de Produção. Foram utilizados métodos
observacionais (observações dos desenhos, dos produtos e da atividade) e interacionais
(verbalizações e ações conversacionais), tendo como objetivo principal conhecer as etapas e
os detalhes de produção da renda de bilro e compreender a relação entre o projeto e a
atividade (desenho x atividade de rendar). Por meio dessa análise, foi possível conhecer a
renda de bilro através do entendimento dos desenhos utilizados, seus estilos e traços
tradicionais e os pontos correspondentes, para assim iniciar o processo de criação das
propostas de desenhos para oficina. A figura 5-43 ilustra as simbologias dos desenhos
correspondentes aos principais pontos da renda (traça, pano e trança).
Essa etapa teve, de um modo geral, grande importância para o desenvolvimento
da oficina, pois, além de ter sido o primeiro contato mais aproximado com a produção da
renda, possibilitou o início do entendimento da complexidade dos desenhos, possuidores de
simbologias e de certa lógica matemática facilmente compreendida pelas artesãs, mas de
difícil percepção para um leigo. Essa etapa foi fundamental para a aproximação do instrutor
com as artesãs, reforçando a construção de reputação e de confiança.
5.3.2 Pesquisa Documental
Nessa etapa, buscaram-se informações históricas e técnicas, fotos de produtos,
outros locais de produção da renda, desenhos, etc., em internet, catálogos, fôlderes, livros,
revistas, entre outros, com o objetivo de conhecer, ratificar e complementar as informações
das rendeiras, de modo a contribuir para a formação do conhecimento global da atividade.
Também nesse momento, foi iniciada uma pesquisa por ícones que representassem a cidade
do Natal e que pudessem se tornar inspiração para os novos produtos.
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Figura 5-45 – Propostas de produtos com renda como componente
principal
Capa de Puf
e
5.3.3 Criação das primeiras propostas de produtos e desenhos
Após as pesquisas situada e documental, deu-se então início à idealização e
criação das primeiras propostas de produtos e desenhos para serem utilizados na oficina. A
primeira idéia seria tornar a renda um elemento a ser agregado a outro artigo industrializado
(camisetas, bolsas, jogos americanos, quadros, etc.), de modo que este ganhasse valor
diferenciado e o tempo de produção fosse reduzido, podendo gerar maior lucro para as
artesãs. Os desenhos da figura 5-44 mostram os croquis das primeiras idéias de produtos, sem
detalhamento da renda.
Além das propostas de aplicação da renda em outros artigos, também foi pensada
a utilização dela como componente principal de produtos, a exemplo de capas de pufe e de
luminárias (Figura 5-45). No entanto, na realização da oficina, apenas a primeira idéia foi
concretizada.
Figura 5-44 – Propostas de produtos com aplicação de renda
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Ainda nessa etapa de idealização, foram criadas em computador as primeiras
propostas dos desenhos das bandeiras de outros países, como forma de atrair o turista
estrangeiro ao ver a sua bandeira produzida por um tipo de artesanato diferenciado.
5.3.4 Pesquisa de Situação de Referência
De acordo como Santos et al (1997), a pesquisa de situação de referência
constitui uma atividade importante no início da implementação de qualquer mudança, pois é
nesse momento que se fazem as escolhas, sendo necessário identificar situações que possam
servir de base e sustentação para tais decisões.
A pesquisa de situação de referência deste trabalho configurou-se como uma
pesquisa de campo realizada com o objetivo de coletar dados que pudessem nortear e
subsidiar as ações previstas para a Oficina de Design. Foi realizada na cidade de São Miguel
de Gostoso, no dia 14 de junho de 2006 (antes da oficina), após a criação das primeiras
propostas de produtos e do desenho das bandeiras em computador. Executada junto a um
artesão externo ao Núcleo, a quem chamamos de “interlocutor privilegiado
5
e que faz parte
do GE Grupo de Especialistas. Este interlocutor é de naturalidade paulista, residiu no bairro
5
Pessoa integrante do dispositivo de construção social, possuidora de dados relevantes para a pesquisa, capaz de articular
diálogos e transmitir informações importantes.
Figura 5-46 – Propostas de desenhos das bandeiras
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de Ponta Negra, Natal/RN, durante 4 anos, onde conheceu as rendeiras e o Núcleo,
aprendendo a rendar e criando os primeiros desenhos de renda produzidos em
microcomputador.
Durante as 10 horas de contato com o interlocutor privilegiado, utilizando
métodos observacionais e interacionais, foi possível coletar dados relevantes inseridos em
quatro aspectos principais: informações sobre a população em estudo (rendeiras da vila);
sobre as técnicas do rendar e as simbologias dos desenhos; conhecimento sobre o processo de
criação e produção dos desenhos em computador; e validações de propostas de novos
desenhos em computador. Além do registro de informações, foi disponibilizada cópia dos
arquivos dos modelos desenvolvidos por esse artesão, os quais serviram de referência para as
novas propostas da oficina.
A figura 5-47 ilustra o desenho produzido à mão e sua respectiva correspondência
na simbologia em computador criada pelo artesão.
Para essa pesquisa de situação de referência, foram levados para apreciação do
artesão os primeiros esboços das propostas de produtos e desenhos (croquis com propostas e
desenhos finalizados em computador), dando início, dessa forma, a um novo e importante
passo do processo de construção sociotécnica do projeto as validações, que, segundo Vidal
(2003), são etapas importantes da Análise Ergonômica do Trabalho, pois verificam se os
resultados obtidos correspondem à realidade, sendo essas verificações atestadas pelos próprios
pesquisados.
Essa primeira validação foi fundamental, uma vez que muitas dúvidas foram
esclarecidas e muitos desenhos excluídos por estarem inadequados para a produção em renda
de bilro. A figura 5-48 mostra o exemplo do desenho de uma das bandeiras proposto e
eliminado na validação com o artesão, em virtude da complexidade da forma do brasão e do
Figura 5-47 – Correspondência entre desenho feito à mão e o no computador
DESENHO FEITO À MÃO SIMBOLOGIAS DESENHO NO COMP. PRODUTO
Traça
Pano
Trança
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círculo, que, além de não estarem dentro dos padrões dos desenhos das rendas, são de difícil
confecção.
Essas verificações prévias com um interlocutor privilegiado, pessoa externa ao
Núcleo, possibilitaram não o aumento do conhecimento técnico do rendar, mas,
principalmente, uma nova visão acerca de sua produção, a partir da perspectiva ou
representação de um homem, empresário nascido e criado em outro contexto social, mas que
também sabia rendar e desenhar em computador.
Essa nova visão sobre a produção da renda de bilro mostrou que, apesar de se
tratar de um artesanato tradicional, ela pode receber inovações em seus desenhos e produtos e
que a perspectiva de quem a produz, ou seja, do trabalhador, levando em consideração seu
contexto social, geográfico, carga histórica, cultural tradicional, é determinante no resultado
final do produto, inclusive na escolha do produto a ser rendado. Na época, o artesão estava
produzindo uma camiseta masculina, produto que as rendeiras da Vila não faziam, mas que
foi produzido por uma das integrantes do Núcleo após a criação do desenho em computador
pelo artesão.
5.3.5 Criações de novos desenhos e segunda validação (GA – Rendeiras Líderes)
A primeira validação realizada na pesquisa de situação de referência gerou
propostas de desenhos dentre as quais algumas foram eliminadas ou aprovadas e outras
encaminhadas para ajustes –, e também possibilitou a criação de novos desenhos (figura 5-49)
em computador para serem levados para apreciação das rendeiras líderes (nesse momento,
atuantes no Grupo de Acompanhamento, por deterem o conhecimento técnico). Os modelos
levados à segunda validação tinham um nível mais elaborado que os levados à primeira.
Figura
5
-
48
Desenho da B
andeira de Portugal
(
eliminado
)
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Para essa segunda validação, foram levados, além dos novos desenhos criados, os
croquis com as primeiras propostas de produtos (camisetas, bolsas, luminárias, capa para
pufe, etc.), a fim de verificar e comparar as validações dos dois grupos (Especialista e GA -
Rendeiras Líderes). Os resultados foram semelhantes aos encontrados na situação de
referência, mostrando que, embora haja diferenciação na maneira como é visualizada
dificuldade, devido principalmente à diferença do contexto social e cultural de cada grupo, a
técnica do rendar foi o critério utilizado para aprovação ou eliminação de desenho.
Essa segunda validação também trouxe maiores entendimentos de como a
rendeira compreende e aceita os novos desenhos em computador. A perspectiva das duas
líderes (Grupo de Acompanhamento) frente ao desenho novo difere: uma aceitava melhor os
desafios, sugeria idéias, enxergava possibilidades e se mostrava mais disponível à
experimentação; e a outra, a mais idosa do Núcleo, apresentava-se mais retraída, calada e
pensativa. Nenhuma delas rejeitou as novas propostas e sempre estiveram dispostas a ajudar
quando solicitadas; contudo, ambas deixaram claro, nas suas palavras, o cuidado e apego ao
estilo tradicional da renda:
Olhe, Kléber, eu faço essa renda (tradicional) porque eu gosto, já
acostumada. Você sabe, eu com 65 anos que eu trabalho na renda,
então eu estou acostumada, né?! Faço por amor, adoro fazer meu
trabalho e vou morrer trabalhando [sic] (RN3 Rendeira líder do Núcleo
GA).
5.3.6 Detalhamento dos Desenhos
Após as primeiras validações (GE e GA), e antes de iniciar a oficina, deu-se início
ao detalhamento dos desenhos das rendas. O conhecimento da técnica do rendar e do processo
de criação dos novos desenhos em computador era familiar para o designer, formando um
repertório mental que alimentava e ao mesmo tempo limitava as idéias e a criatividade.
Figura 5-49 – Desenho confeccionado após primeira validação e
levado para segunda
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Figura 5-50 – Propostas de desenhos de ícones da cidade do Natal
Nessa etapa de criação, foi realizada uma nova busca por ícones (imagens e
desenhos) que pudessem servir como inspiradores para a concepção do novo acervo que seria
produzido em renda na oficina. Foram concebidos desenhos em diferentes padrões estéticos,
que foram agrupados em dois grupos distintos: série “Cidade Natal” e série “Geométricos”,
além dos desenhos das “bandeiras”, criados anteriormente. As criações, apresentadas a seguir,
foram produzidas no computador e dentro da linguagem visual entendida pelas rendeiras, por
conseqüência dos modelos criados pelo artesão anteriormente. Foram impressos em
impressora a laser, colados em papel craf e plastificados para serem rendados. Foram
produzidos aproximadamente 50 novos desenhos que passaram a integrar o acervo do Núcleo.
5.3.6.1 Série “Ícones da cidade de Natal”
Desenhos concebidos a partir de inspirações em ícones da cidade do Natal (sol,
peixes, onda, mar, etc.), numa proposta para fortalecer e reforçar as iconografias locais e
potencialidade turística da cidade. (Figura 5-50).
5.3.6.2 Série “Geométricos”
Proposta de desenhos mais geométricos (Figura 5-51), opondo-se aos desenhos
comumente encontrados no Núcleo, todos com formas rebuscadas. Nesses modelos, os
espaços que representam o “pano”, indicados por uma área em branco na simbologia de
computador (ver figura 5-47), foram preenchidos com uma cor para diferenciarem-se das
linhas, sem alteração na compreensão das rendeiras.
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Figura 5
-
51
Pro
postas de
desenhos geométricos e abstratos
Como se observa, os desenhos criados para oficina, tanto os da série “Natal” como
os da série “Geométricos”, não continham as traças ponto que caracteriza a renda de bilro
e, embora já existisse o conhecimento da importância desse ponto nos desenhos da renda, as
propostas da oficina foram criadas de forma diferente, numa tentativa de inovar e ampliar as
possibilidades de desenhos e produtos.
5.3.7 Realização da Oficina
A realização da oficina, liderada pelo GAE (Grupo de Ação Ergonômica), foi a
ocasião em que todos os grupos do dispositivo de construção social se inter-relacionaram,
tendo, em cada grupo, diferentes pessoas que desempenharam diferentes funções, a saber:
a) Grupos de Focos (GF 1, 2, 3) artesãs (rendeiras e interessadas) inscritas na
oficina;
b) Grupo de Especialistas (GE) costureira, responsável por aplicar as peças de
renda nos produtos;
c) Grupo de Suporte (GS) instituição apoiadora, responsável pelo fornecimento
de matéria-prima e lanche;
d) Grupo de Acompanhamento (GA) rendeiras líderes e costureira, fornecendo
apoio e conhecimento técnico ao instrutor.
No primeiro dos dez dias da oficina, foi explicado às artesãs que se pretendia
confeccionar pequenos desenhos em renda para serem aplicados em outros produtos
(camisetas, bolsas, toalhas, tapetes, etc.) como forma de otimizar a produção e gerar uma nova
alternativa de trabalho, sem intenção de sobrepor ou substituir os modelos tradicionais. Foram
expostas, em uma mesa, as propostas de aplicações e os modelos produzidos em computador.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
98
Figura
5
-
52
Desenho original (esquerda) e renda alterada
(direita)
Quadrado com cantos
preenchidos, indicando
a formação de pano
Formação de uma trança
diagonal no lugar do
pano
Desenho refeito de
acordo com a
regulação da rendeira
A par disso, foi solicitado que cada rendeira escolhesse aquele que mais lhe agradasse,
iniciando-se o rendar. A rendeira poderia também sugerir outro desenho, caso não se
agradasse de nenhum.
Durante o processo de produção das peças, problemas relacionados ao projeto e à
produção foram surgindo. Estes eram discutidos entre o GAE, o GA e os GF1, GF2 e GF3, e
alguns eram solucionados através de regulações. Procedeu-se, portanto, a validações em
situação real, resultando em desenhos eliminados, aprovados ou encaminhados para
consertar, ou, então, em produtos (rendas) eliminados ou aprovados.
A figura 5-52 apresenta o exemplo de um projeto (desenho) que fora aprovado
pelas rendeiras líderes (GA) e pela rendeira do GF-2 responsável por confeccionar a renda,
mas que sofreu modificação durante o processo de confecção a partir de sugestão da própria
rendeira que o confeccionava. O modelo original continha os cantos do quadrado preenchidos
com tinta preta, o que indicava a formação de pano; no entanto, no processo do rendar, a
artesã fez determinada regulação, facilitando seu trabalho, inserindo uma trança diagonal para
substituir o pano. Essa ação demonstra a importância do processo situado e participativo.
As figuras 5-53 e 5-54 ilustram um problema relacionado ao produto (Bandeira da
Noruega) que teve seu desenho aprovado, mas, depois de confeccionado, na etapa de costura
(fixação da renda na camisa de malha) realizada pela costureira (GE), foi eliminado em
virtude de possuir partes pequenas que dificultariam sua costura na camiseta.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
99
Durante a realização da oficina, também foram produzidos desenhos sugeridos
pelas artesãs que não faziam parte das séries de desenhos criados. Estes foram sendo
solicitados à medida que novas idéias iam surgindo, tanto por parte das rendeiras dos Grupos
de Foco (1, 2 e 3), quanto pelo instrutor, sendo escolhidos para produção de acordo com o
nível de facilidade. A figura 5-55 ilustra exemplos de três modelos concebidos durante a
oficina, a partir de idéias surgidas no momento da ação. Dos três, apenas o primeiro (caracol)
foi produzido.
A seguir, serão demonstrados os processos de produção de alguns desenhos,
ilustrando a fase projetual (proposta), os desenhos produzidos em computador, a produção e
finalização das rendas (aplicação) e o produto final acabado (Figuras 5-56 a 5-59).
Figura 5-55 – Desenhos concebidos durante a oficina
Figura 5-54 – Produção da Bandeira
da Noruega – (eliminada)
Após rendada,
foi identificado
que esta parte
não era passível
de ser costurada
na camiseta em
virtude de sua
dimensão.
Figura 5-53 – Desenho da Bandeira da
Noruega
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Renda aplicada em camiseta
Produção da renda
Desenho
Desenho
Renda aplicada em camiseta
Produção da renda
Figura 5-56 – ciclo de produção de uma bandeira Figura 5-57 – ciclo de produção de um desenho
geométrico
Proposta Proposta
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Desenho aplicado em bolsa
Produção da Renda
Desenho
Desenho aplicado em camiseta
Produção do Desenho
Renda aplicada em bolsa
Figura 5-58 – ciclo de produção de desenho
da série “Natal”
Figura 5-59 – ciclo de produção de um caracol
Desenho
Produção da Renda
Renda aplicada em camiseta
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102
5.4 Resultados e avaliações da oficina de Design
Como resultados práticos da oficina, foram gerados desenhos, rendas, produtos e
capacitação das rendeiras, a saber:
a) desenhos: foram produzidos mais de 60 novos modelos com padrões estéticos
diferentes dos tradicionais. Desse montante, a maioria (aproximadamente 50)
permaneceu no Núcleo para eventual utilização, e os demais foram levados
pelas rendeiras para serem produzidos em suas residências (GF 2 e 3);
b) rendas (aplicações): nem todos os modelos foram rendados; alguns não foram
aprovados e outros não chegaram a ser utilizados, sendo então produzidos em
torno de 50 aplicações de desenhos variados;
c) produtos: foram produzidos 48 produtos entre camisas, bolsas, toalhas, jogos
americanos, tapetes, etc. (Figura 5-60). Dessas peças, uma parte foi distribuída
entre as participantes, uma menor foi destinada ao órgão apoiador para efeito
de exposição e as demais permaneceram no Núcleo para possíveis
comercializações;
d) capacitação: através da Oficina de Design foi possível gerar novas alternativas
de produtos, o que, conseqüentemente, proporcionou uma capacitação extra
para as artesãs, além de ter estimulado nelas o senso criativo.
Camisetas
Camisetas
Jogo Americano (4 peças)
Jogo Americano (2 peças)
Toalhas Bolsas
Figura 5-60 – Produtos gerados na oficina
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Figura 5-62 – Aplicação de renda em
camiseta de malha
Figura 5-61 – Camiseta toda
em renda
A partir das peças produzidas na oficina e de alguns depoimentos das rendeiras
após a realização do projeto, podemos dizer que no aspecto “cumprimento de metas”, a
Oficina de Design obteve considerável êxito:
[...] Rapaz, eu achei ótimo, gostei muito, bem criativo. Eu tinha tido essas
idéias, mas não tinha era dinheiro pra comprar as peças [...] [sic] (RN4
Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).
[...] A oficina pra mim foi muito boa, eu mesmo já fazendo várias coisas
diferentes. A gente aqui não tinha essas atividades pra aplicar em roupas e
agora eu já tô aplicando em toalha, em blusa, em bolsa. Já tô mandando pra
fora pra ver se o povo gosta, tô dando de presente [...] [sic] (RV9 – Rendeira
da Vila, 68 anos – GF2).
Análises preliminares mostraram que as peças com aplicação de detalhes em
renda em produtos industrializados, em relação aos produtos tradicionais, apresentam
vantagens no tocante ao tempo de produção e valor da hora trabalhada. Vejamos: a confecção
de uma camiseta em renda (figura 5-61) consome, em média, 80 horas de trabalho e
corresponde ao valor da hora de trabalho na ordem de R$ 0,60, enquanto que a confecção de
uma aplicação (caracol, por exemplo figura 5-62) consome em média 7 horas e corresponde
ao valor médio de R$ 1,77 pela hora trabalhada. Comparando-se as remunerações decorrentes
da produção dos novos produtos (R$/hora = 1,77) com a dos tradicionais (R$/hora = 0,60),
percebemos que existe uma vantagem financeira na confecção das novas peças.
No entanto, constatamos que esses relatos positivos, assim como os dados
comparativos que mostram uma vantagem financeira do novo produto, o foram suficientes
para provocar uma mudança na atividade das rendeiras. Observamos, dois meses após a
realização da oficina (primeira investigação), que apenas duas das dezenove rendeiras
participantes da oficina deram continuidade à confecção das novas peças voluntariamente. Na
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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segunda avaliação, realizada quinze meses (1 ano e 3 meses) após a oficina, verificamos que
nenhuma das rendeiras deu continuidade a essa produção de forma espontânea, mas apenas
para as encomendas realizadas por membros da equipe.
Indagadas sobre a não continuidade, obtivemos alguns relatos como estes:
[...] Se tivesse outra (oficina) eu faria, valeu a pena. Mas não fazendo
mais porque a gente não vai deixar de fazer essa (renda tradicional) pra
fazer outra [...] [sic] (RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos – GF1).
[...] Gostei de fazer, mas se for pra mim fazer em casa, eu não, eu mesmo,
não [...] [sic] (RV10 – Rendeira da Vila,46 anos – GF2).
As tabulações dos dados obtidos nas ações conversacionais junto às dezesseis
rendeiras dos Grupos de Foco 1, 2 e 3 que participaram da oficina deram subsídios para a
identificação dos 10 motivos mais significativos para a não continuidade do trabalho. (Figura
5-63).
De acordo com o gráfico 2 (figura 5-66), treze rendeiras, ou seja, a maioria (82%
delas), foram unânimes em dizer que não gostaram de produzir desenhos pequenos, tendo em
vista estes exigirem maior esforço da visão, mãos e braços. Além disso, a confecção desses
novos modelos altera um fator determinante na produção da renda de bilro: o prazer gerado
pelas interações entre as artesãs. Essas mulheres estão acostumadas com peças maiores cujo
tempo total de produção é longo, enquanto que a produção dos desenhos menores em período
de tempo curto acelera o ritmo de trabalho e intensifica a atenção da artesã, fazendo com que
Figura 5-63 – Gráfico 2 – Principais motivos da descontinuidade da produção dos “novos produtos”
Número de rendeiras investigadas
82%
69%
62%
56%
50%
37,5%
31%
19%
12,5%
6%
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
105
as discussões, conversas informais, cantorias e pausas, que estão ligadas à longa duração da
produção de cada produto, sejam reduzidas.
Analisando esses fatos numa perspectiva ergonômica, notamos que a relação entre
projeto/desenho pequeno e problemas de postura, visão e desconforto está associada a
problemas de ergonomia física. As questões relativas à pausa e ritmos estão associadas à
ergonomia organizacional, e questões de atenção, “agonia”, associadas aos aspectos
cognitivos.
O relato de uma das rendeiras reforça essas questões:
[...] Não tenho paciência pra fazer aquilo, não. Meu negócio é fazer
“renda”, aqueles desenhos são muito pequenos, vixi, uma agonia! [sic]
(RV10 – Rendeira da Vila,46 anos – GF2).
O relato acima também aponta para o fato de que a rendeiras não consideram as
pequenas aplicações utilizadas como detalhes inseridos em outros produtos “renda de bilro”,
indicando que, embora tenham validado os desenhos do ponto de vista técnico, não
consideraram nas validações o ponto de vista cultural. Sobre essas validações, não podemos
deixar de mencionar que o curto período de tempo disponível para isso (problema
metodológico) pode ter interferido nos resultados dessas percepções.
O gráfico 2 mostra, também, que 11 rendeiras (69%) disseram não ter habilidade
para costurar (aplicar rendas nos produtos), fazendo surgir a necessidade de envolver outra
pessoa (costureira) nesse processo, parcelando o trabalho, gerando custo cujo desembolso é
imediato (R$ 3,00 por aplicação) e modificando a forma de organização do trabalho das
artesãs, que perdem o domínio de uma das partes da atividade. Sobre esse aspecto,
destacamos também que a maioria dessas mulheres não costura as peças tradicionais
(produtos que são confeccionados em partes separadas e unidos por costura manual); a
atividade é realizada por uma rendeira específica, uma das líderes do Núcleo, a qual, apesar
de auxiliar na oficina integrando o Grupo de Acompanhamento (GA), não produziu nenhum
dos produtos durante e após a oficina, bem como não os aplicou (costura), revelando, de certa
forma, pequena ou nenhuma identificação com a nova proposta.
Dez rendeiras (62%) declararam não ter condições financeiras para comprar
camisetas, bolsas, toalhas, para aplicar as rendas, fator determinante para essa nova produção,
uma vez que todo o material da oficina foi ofertado pela instituição apoiadora e que a
continuidade dos trabalhos dependeria de investimentos próprios. Sobre esse tópico,
destacamos a seguinte fala:
[...] Não adianta comprar uma camiseta, tem que fazer cinco de cada
tamanho, desenhos diferentes, cores diferentes, se não vai ficar tudo um
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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“par de jarro”. Mas num tem dinheiro pra comprar as peças, fica difícil,
né!? [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).
Consideramos essa questão com especial relevância, visto que a produção das
peças tradicionais pelas rendeiras do Grupo de Foco 1 independe da compra individual de
matéria-prima. O Núcleo fornece materiais para as cinco rendeiras do GF-1,
independentemente da comercialização individual, através dos recursos gerados pela
arrecadação de 20% de cada peça vendida. A matéria-prima utilizada na produção tradicional
é a linha (marca Cléa), cujo valor varia de R$ 5,50 a 6,50 (rolo de 500 metros).
Nove rendeiras (56%) comentaram acerca da dificuldade de comercialização dos
produtos com aplicações, e 50% das artesãs (oito) alegaram que a descontinuidade dos
trabalhos se deu em virtude da falta de lugar para comercializar. A respeito disso, é
importante destacar que a comercialização é um problema que atinge não somente as
rendeiras de bilro da Vila de Ponta Negra, mas o artesão de um modo geral, fazendo com que
muitos tenham que vender seus produtos para os chamados “atravessadores”. O fato de as
rendeiras do Núcleo (GF1) estabelecerem valores fixos para seus produtos e não entregarem
suas peças para revenda, pode ser um ponto positivo, na medida em que elimina a pessoa do
“atravessador”; porém, esse fato também contribui para o baixo nível de comercialização,
constatada pela quantidade de peças em estoque (ver tabela 4-5). Esta questão provoca
insegurança nas artesãs na produção dos novos produtos, face à necessidade de investir na
compra de produtos (camisetas, toalhas, bolsas, etc.), sem garantia de retorno a curto prazo.
Cinco rendeiras (31%), integrantes do Grupo de Foco 3 (artesãs que rendam em
casa e enviam os produtos para o Núcleo), trabalham fora de casa e alegam não poderem
dedicar um tempo exclusivo à renda. Na verdade, a falta de tempo citada pela rendeira
provavelmente se trata de um reflexo de um problema maior: a desvalorização do trabalho
artesanal, o baixo retorno financeiro da atividade (valor da hora de trabalho) e a dificuldade
de comercialização que acabam por transformar o trabalho artesanal numa atividade paralela
aos empregos formais.
Três rendeiras (19%), também pertencentes ao Grupo de Foco 3, não se
consideram rendeiras profissionais, apenas fazem a renda esporadicamente e como terapia nas
horas vagas. Observamos que, na produção da renda, as rendeiras se intitulam como
profissionais ou não, de acordo com sua dedicação ao ofício. As rendeiras que fazem parte do
Grupo de Foco 1, ou seja, que rendam no Núcleo diariamente, intitulam-se como
profissionais, ao passo que as do Grupo de Foco 3 não se vêem dessa maneira.
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Duas artesãs (12,5%) alegam que a moda varia muito e que, por isso, não fariam
novos produtos; apenas uma (6%) disse não continuar fazendo as aplicações por estas terem
preço baixo e não compensar o trabalho. Sobre esse último aspecto, lembramos que, embora
apenas uma rendeira tenha citado esse motivo, a remuneração gerada pela produção das
aplicações realmente não causaria uma mudança na realidade econômica da rendeira. Poderia
gerar um aumento na remuneração da artesã, caso houvesse venda, mas não traria mudanças
significativas, do ponto de vista econômico, uma vez que a hora de trabalho obtida com essa
nova produção (R$ 1,77 em média) ainda permanece muito aquém da hora de trabalho gerada
pelo salário mínimo (R$ 2,35), que já é baixa.
Outro ponto destacado na pesquisa diz respeito à motivação das rendeiras para o
trabalho. Os relatos indicaram que, para algumas rendeiras, o principal elemento motivador do
ofício é o prazer, e não o simplesmente o retorno financeiro, embora todas se preocupem com
as possíveis vendas. Ressaltamos que essa realidade é mais explícita nas rendeiras do Grupo
de Foco 1, que trabalham no Núcleo de Produção.
[...] Quando eu boto uma renda na almofada, a minha vontade é ali
direto, isso! Quando eu termino de lavar uma louça, eu ali
rendando, não penso em parar nunca, mesmo que não venda, eu paro
quando eu morrer (risos) [...] [sic] (RN2 Rendeira do Núcleo, 62 anos
GF1).
O gráfico 3 (figura 5-64) mostra que das dezesseis rendeiras entrevistadas, apenas
uma (6%), a que recebe ½ salário mínimo de pensão do marido, declara contar com o dinheiro
gerado pela renda de bilro como ajuda no seu orçamento doméstico. Outras 44% declaram
que o dinheiro gerado pela atividade não contribui na sua renda familiar e, quando chegam a
recebê-la, a quantia é utilizada para fins diversos que não as despesas domésticas; 50% das
artesãs não contam com esse dinheiro; no entanto, quando uma venda, o valor ajuda no
orçamento.
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108
O gráfico 4 (figura 5-65) retrata um panorama geral da situação econômica das
rendeiras. Podemos notar que as duas maiores quantidades de artesãs (25% e 44%) mais
representativas na análise recebem mensalmente até dois salários mínimos, mas, mesmo
assim, segundo relatos delas próprias, não produzem renda unicamente como fonte de
dinheiro, mas principalmente por amor e respeito à tradição, lazer e satisfação.
A partir desses resultados e das observações que se seguiram, foi possível
perceber, principalmente através do gráfico 2, que os motivos da não adaptação à nova
produção, de modo geral, têm forte ligação com o fato de a alternativa de produção proposta
na oficina alterar algumas características inerentes ao produto, a exemplo da forma dos
desenhos, alteração da carga e ritmo de trabalho, motivação, etc.
Figura 5-65 – Gráfico 4 – Renda financeira das rendeiras
Número de Rendeiras analisadas
Faixas de salário
19%
12%
44 %
25 %
Figura 5-64 – Gráfico 3 – Contribuição do dinheiro da renda no orçamento doméstico
50
%
6%
44%
Número de rendeiras analisadas
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5.4.1 Considerações da instituição apoiadora acerca da Oficina de Design
A instituição de apoio ao turismo na região Nordeste, órgão que ofertou,
promoveu, financiou e determinou as regras de trabalho da oficina, não foi ouvida nesta
pesquisa.
A instituição que apenas recrutou o instrutor e forneceu a matéria-prima levantou
as seguintes considerações sobre a intervenção:
a) ações com esse formato (focada apenas no produto), muitas vezes, são
necessidades de cumprimento de tarefa, de meta, fato ocorrido com alguns
órgãos que precisam atender às comunidades para cumprir estatísticas;
b) os programas de apoio ao artesanato não podem funcionar como paternalismo,
ou seja, ofertando tudo sem custos. O paternalismo deve ser evitado pelos
programas e deve ser dito claramente às comunidades receptoras que a ação
tem prazo para terminar e que o objetivo é simplesmente facilitar o crescimento
e desenvolvimento produtivo, sendo necessária, para isso, a participação de
todos, e não apenas do órgão que financia;
c) ações com metodologias pouco estruturadas e não adaptadas à realidade
específica podem contribuir com a queixa comum entre os grupos de artesãos,
que é a descrença em todos os programas de apoio, bem como o receio em
procurar e aceitar ajuda;
d) nas cidades interioranas, os artesãos conseguem se organizar mais facilmente,
principalmente quando trata-se de uma vocação local, além de se dedicarem
com mais afinco à atividade pela falta de empregos formais nesses lugares. No
entanto, estão longe do público consumidor, em geral turistas, os quais, na
maioria das vezes, visitam apenas as capitais. Nestas, o fato é invertido, ou
seja, existe de certo modo o público comprador (turistas), mas a produção é
baixa e pouco disseminada, tendo em vista as oportunidades de empregos
formais na cidade que atraem os artesões e conseqüentemente fazem diminuir a
produção, além de não atrair pessoas mais jovens para o aprendizado, nem
despertar nos artesãos desejos de mudanças;
e) no artesanato tradicional, caso da renda de bilro repassado entre gerações,
vocação de certa região, faz parte da história e cultura de um povo –, nunca se
deve mexer na caracterização da arte. A descaracterização, ou seja, a mudança
dos padrões estéticos e formais, como também do modo operatório, é
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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certamente o grande problema da resistência ao novo e da não absorção dos
novos conhecimentos inseridos pelo designer;
f) o Design não é necessariamente a solução do problema: ele é um aliado, um
forte colaborador no processo de inovação, mas uma inovação moderada,
estudada e analisada cuidadosamente, evitando a descaracterização.
5.5 Fecho do Capítulo
Os resultados da oficina apresentados neste capítulo mostraram que, no aspecto
cumprimento de metas, a Oficina de Design obteve resultado. Entretanto, faz-se necessário
um entendimento mais detalhado e menos superficial do que se pode definir como
“resultados” em ações voltadas para o artesanato. O que se observa é que, não raras vezes, os
resultados gerados para as entidades, tido como positivos, inserem-se num contexto apenas de
eficácia, que contabiliza o cumprimento da meta e a quantificação dos atendimentos, podendo
ser diferente dos resultados gerados para as comunidades receptoras, que necessitam de ações
mais adaptadas a suas realidades e de efeitos mais duradouros.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
111
Capítulo 6 | Ações Pós-oficina de Design
Neste capítulo, apresentaremos as ações que foram efetivadas após a realização e
análise da oficina de Design, que se configuraram como novas fontes de estudo para geração
dos resultados finais deste trabalho. Apresentaremos o redesenho da Bandeira do Brasil como
uma experiência que retratou a importância da participação da rendeira no processo de criação
e concepção dos desenhos; o projeto de duas luminárias, realizado como nova proposta de
produto a ser incorporada à rotina produtiva das artesãs; e, por último, destacaremos as ações
realizadas para expor e divulgar o Projeto Rendeiras da Vila durante a pesquisa.
6.1 Redesenho da Bandeira do Brasil
A partir de validações realizadas com a rendeira que produziu a Bandeira do
Brasil na oficina, foi identificado que o desenho não estava adequado aos padrões tradicionais
do desenho e da produção da renda e que, apesar de ter sido produzido várias vezes após a
oficina, sob encomenda, exigia maior trabalho das artesãs que as demais peças tradicionais,
causando ainda desconforto nas mãos e braços durante sua confecção, como relatado por elas
próprias:
[...] Tem coisas que não vale a pena a gente parar pra fazer, tipo uma
bandeira dessa. Quem vê, diz que é fácil, porque é pequena, mas muito
trabalho, é melhor fazer uma peça bem grande que você demora a fazer,
mas todo mundo vê o trabalho que deu pra fazer... Ela (se referindo a
rendeira que fazia as bandeiras) passou a tarde toda ontem e não fez quase
nada [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).
Os principais problemas do desenho estavam relacionados às dimensões, ao
sentido das linhas e aos pontos utilizados, uma vez que não existia a traça (característica
marcante da renda de bilro), e as tranças e o pano estavam distribuídos de forma disforme.
Esse primeiro desenho foi criado para realização da oficina, momento em que o
conhecimento aprofundado do método de desenhar e rendar ainda não existia por parte do
designer/ mestrando. A figura 6-66 mostra a primeira versão do desenho da Bandeira do
Brasil e indica os principais problemas encontrados.
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112
Declarações das rendeiras sobre o desenho antigo (figura 6-69), aliadas às
observações e análises da oficina, nortearam o desenvolvimento de um novo modelo para a
Bandeira do Brasil (Figura 6-67), de modo semelhante aos desenhos tradicionais da renda,
com os elementos (traça, trança e pano) inseridos e bem distribuídos. O novo desenho foi
criado um ano após a oficina, no momento em que existia um conhecimento mais arraigado
das técnicas de renda e desenho por parte do designer.
A confecção em renda do novo desenho foi realizada em três etapas: 1) confecção
do retângulo verde; 2) confecção do losango amarelo; e 3) confecção do círculo azul e branco
– que foram unidos posteriormente através de costura manual.
A tabela 6-9 sistematiza o processo de produção desse novo produto, indicando as
características produtivas de cada parte da bandeira.
Inserção de “traças” e diminuição das áreas de
pano
”.
Dimensão total ampliada para facilitar o
rendar (19 x 13 cm)
Sentido das linhas diagonal, semelhante aos
desenhos tradicionais
Figura 6-67 – 2º desenho da Bandeira do Brasil
Figura 6-66 – 1º desenho da Bandeira do Brasil
Tranças e pano
em demasia
Ausência de
traças
(ponto característico)
Sentido das linhas contrário ao sentido
diagonal utilizados nos desenhos tradicionais
Dimensão pequena (13 x 8 cm)
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Tabela 6-9 – Sistematização dos dados da produção da nova Bandeira do Brasil
RETÂNGULO
VERDE
LOSANGO
AMARELO
CÍRCULO AZUL e
BRANCO
Dimensão
13 x 19 cm 9,5 x 14 cm 5 cm (diâmetro)
Número de horas de
trabalho
4 horas 3 horas 1,5 horas
Número de bilros
32 bilros 28 bilros 44 bilros
Número de “traças”
84 traças 0 traças 30 traças
Área de “pano” (cm
2
)
0 6 cm
2
(área total) 0,03 cm
2
Desenho
Imagem do produto
Tempo de montagem e
costura
30 minutos (etapa realizada em máquina de costura industrial)
Conforme a sistematização dos dados, observamos que o retângulo verde trata-se
da peça de maior dimensão, que consome mais horas de trabalho, possui o maior número de
traças e o segundo maior número de bilros, características que sugeririam um maior trabalho.
No entanto, relatos da rendeira que o produziu atestam-no como a peça mais “agradável de ser
feita”, mais prazerosa e menos trabalhosa.
O losango amarelo, embora necessitando do menor número de bilros e possuindo
dimensões inferiores ao retângulo verde, foi tido como a mais cansativa e trabalhosa das três
peças por ser feita inteiramente de “pano”. Além disso, acrescenta-se outra dificuldade: a
figura geométrica (losango) não facilita o ritmo da atividade; a melhor figura geométrica para
rendar é o retângulo ou quadrado.
O círculo azul e branco é a menor peça e a que consome menor número de horas,
mas também a que necessita de uma maior quantidade de bilros, o que a torna mais trabalhosa
em termos de movimentações das mãos, exigindo também maior atenção e concentração da
rendeira. Em relação ao losango amarelo, é melhor de ser confeccionado segundo relato da
rendeira que o produziu. A figura 6-68 mostra as etapas de produção da bandeira do desenho à
renda finalizada.
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114
Quando comparamos o primeiro desenho com o segundo (Figura 6-69),
percebemos que o último se apresenta bem mais apropriado e adequado aos padrões estéticos
tradicionais da renda, principalmente por conter a presença das traças. O relato a seguir
ilustra a percepção da rendeira em relação aos dois desenhos:
Esse desenho novo nem se compara com o outro, é muito melhor de
fazer e muito mais rápido, num instante eu fiz as três partes
(RN4
Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).
Figura 6-68 – Esquema de produção do novo desenho da Bandeira do Brasil
Rendas confeccionadas a partir dos desenhos
Desenho produzido em computador em novo formato e padrão estético
Peças finalizadas e unidas
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Figura 6-70 – Comparação entre as camisetas com rendas da Bandeira do Brasil.
Na comparação entre as camisetas finalizadas, também fica evidente a diferença
entre as duas, estando a segunda com um nível de acabamento e caracterização da renda de
bilro bem mais acentuado. Ressaltamos contudo, que, embora a primeira camiseta, quando
comprada à segunda, se apresente com menor atratividade, esta também foi validada e
aprovada pelo público, em especial nas comemorações dos Jogos Panamericanos do Brasil em
2007, na cidade do Rio de Janeiro. (Figura 6-70).
Duas camisetas com as novas bandeiras aplicadas foram levadas à feira Brasil
mostra Brasil de 2008, para fins de teste de mercado, despertando o interesse no público.
Foram vendidas no segundo dia de exposição, provocando também na rendeira, de imediato, a
iniciativa de confeccionar outras. Durante a própria feira, a rendeira passou a produzir
bandeiras por iniciativa própria, o que indica a possibilidade de incorporação do produto à
rotina de trabalho da artesã.
Figura 6-69 – Comparação entre os desenhos da Bandeira do Brasil
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
116
6.2 Projeto de luminária (primeira versão)
Onze meses após a oficina (Junho/2007), período em que se faziam também as
tabulações dos dados coletados nas primeiras ações conversacionais, deu-se início a uma nova
proposta de produto para ser desenvolvido com a renda de bilro. Como projeto piloto, foi
proposto o protótipo de uma luminária artesanal, numa tentativa de testar novas possibilidades
de utilização do bilro em outros artefatos. Esse produto foi idealizado pelo
designer/mestrando, juntamente com outro artesão responsável pela confecção da estrutura de
bambu, propondo a idéia de não mais utilizar a renda como aplicação em outros produtos,
mas, sim, torná-la o elemento principal, conforme ilustra os croquis das figuras 6-71 e 6-72.
Optou-se por se criar um padrão de desenho para as telas da luminária que fosse
semelhante aos estilos tradicionais dos produtos usualmente produzidos pelas artesãs, uma
vez que os modelos criados para a oficina se diferenciavam desse conceito problema citado
por algumas rendeiras como sendo um possível motivo da não continuidade da produção.
Para execução do projeto, surgiu a necessidade de aprendizagem das técnicas de
rendar por parte do mestrando. Para que tal acontecesse, foi necessário que uma rendeira se
dispusesse a ensinar e explicar como funcionava a “matemática” do desenho, que cada
traço representa uma ação no ato de rendar e que a exatidão e simetria garantem a perfeição
da peça.
No processo de entendimento de como desenhar a renda, as informações eram
verbalizadas pela rendeira e exemplificadas através de desenho e de um produto existente.
Simultaneamente, essas informações eram passadas para o papel em forma de croqui, de
modo que a rendeira pudesse analisar o esboço em elaboração, corrigindo e ratificando a
informação, até que o entendimento de ambas as partes se tornassem único.
Figura 6-71 – Croqui da estrutura de bambu
retangular
Figura 6-72 – Croqui da estrutura de bambu triangular
(partes verdes indicam telas de renda)
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Entretanto, apenas as informações verbais não foram suficientes para o completo
entendimento do desenho; tornou-se necessário o aprendizado do ofício. Essa aprendizagem,
mesmo em nível muito primário, possibilitou a percepção nítida de que o desenho tem grande
participação nos níveis de prazer, conforto, desprazer ou desconforto. Dependendo da
configuração dos elementos (o tamanho, grau de complexidade, simetria, quantidade e tipos
de pontos inseridos, espessura e cores dos traços, visibilidade das linhas e das simbologias), a
atividade torna-se mais ou menos cansativa em termos de carga física e mental.
Percebe-se uma intensificação da carga de trabalho cognitivo na produção dos
novos desenhos, quando se faz necessário um estudo prévio minucioso para estabelecer por
onde e como iniciar a atividade, a fim de se evitarem erros e trabalho em demasia durante o
processo. O desenho e a forma como é realizada a inserção dos bilros determinam a
quantidade de bilros e a complexidade do trabalho. O relato a seguir demonstra isto: Não
dinheiro que pague o trabalho que pra fazer uma renda dessas (RN2 Rendeira do
Núcleo, 59 anos – GF1).
A experiência de aprender a rendar (Figuras 6-73 e 6-74) mostrou que a produção
da renda de bilro, principalmente quando se trata de um novo produto, se configura como um
complexo conjunto de ações físicas e mentais que acontecem simultaneamente e que, por
conseguinte, geram as decisões e os movimentos que dão forma aos produtos.
6.2.1 Desenho da renda luminária
O desenho da renda pode ser considerado o “elemento” de maior importância no
processo de produção. Ele é a versão em papel da própria renda. O início da produção do
desenho ocorre com a construção de uma malha quadriculada com linhas diagonais em dois
sentidos que se cruzam perpendicularmente, de modo que no final se obtenham rios
losangos (Figura 6-75). Essa malha é riscada diretamente sobre o molde em papel do produto
que se deseja rendar, como, por exemplo, uma blusa, saia ou qualquer outra peça, e a
Figura 6-73 – Rendeira ensinando o
designer/mestrando a rendar
Figura 6-74 – designer/mestrando rendando
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Figura 6-75– Detalhe da malha
Losangos unidos
para formar a malha
dimensão dos quadrados varia de acordo com as dimensões dos elementos da renda que se
deseja produzir. Em geral, os quadrados maiores que deixam a renda mais “aberta” são usados
em desenhos de peças maiores, como xales, colchas de cama, etc., e quadrados menores são
utilizados na produção de saias, blusas, vestidos, etc., por resultarem numa renda mais
“fechada”.
Após a construção da malha, passa-se a inserir sobre ela as simbologias gráficas
que representam cada ponto da renda, de modo a formar um desenho que possa ser rendado
no sentido diagonal, obedecendo ao sentido das linhas da malha. A figura 6-76 mostra as
principais simbologias a partir das quais se constrói o desenho de renda de bilro, dos mais
simples aos mais complexos.
Cada simbologia gráfica representa um ponto a ser rendado, e este é desenhado
sobre a malha de forma gradativa, planejada e coerente, de modo a criar uma composição
harmônica, em geral simétrica, que conduza a produção no mesmo sentido das linhas.
Figura 6-76 – Simbologias gráficas dos pontos da renda
TRAÇA TRANÇA PANO COETRO
(pétala ou seta) (Linha contínua) (área preenchida ou vazada) (quatro pontos)
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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Figura 6-77 – Malha com simbologias inseridas
Sentido do
processo de
produção
Símbolos inseridos
sobre a malha
Durante o aprendizado da técnica de desenhar, a rendeira que orientava o processo
(a qual também iria confeccionar as telas da luminária) apresentou um desenho tradicional
produzido por ela para que servisse de referência para o novo desenho. A partir dessa
experiência, gradativamente foram sendo produzidas em computador as primeiras propostas
de desenhos das telas da luminária (figura 6-78). Esses desenhos foram criados a partir de
observações de outros modelos tradicionais e também através de criações livres. A pedido da
rendeira, o desenho foi produzido em duas partes simétricas e divididas verticalmente a fim de
facilitar sua confecção.
Os primeiros desenhos (figura 6-78), segundo a rendeira, estavam muito
complexos (com muitos elementos traça, pano e trança misturados). A partir de
validações com duas das artesãs mais experientes, foram sendo feitas modificações e
alterações nos desenhos numa tentativa de se buscar uma forma mais simples e “limpa”, em
Figura 6-78 – Primeiras propostas de desenhos para tela da luminária
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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Figura 6-80 – Desenho final da tela da luminária confeccionado em duas partes simétricas
que predominasse a existência de pano e traças, conforme explicita esta fala de uma das
rendeiras:
[...] Como eu sou a cobaia mesmo (risos), faça um desenho novo com
bastante pano e umas traças de lado, porque na semana que vem quando eu
tirar a camisa que fazendo, eu começo essa luminária [...] [sic] (RN4
Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).
A figura 6-79 ilustra três desenhos refeitos a partir das primeiras validações.
Foram produzidos ao todo 11 versões de desenhos diferentes e levados
gradativamente para validação até que se chegasse à versão final. Do início do aprendizado da
técnica de desenhar até o começo da produção, passaram-se 69 dias (20/06/2007 a
29/08/2007). A versão final do desenho da tela da luminária (figura 6-80) foi definida com
base nas validações da rendeira, como também na finalidade da peça que deveria conter
poucos elementos que gerassem aberturas na renda para a saída da luz.
Figura 6-79 – Redesenho das telas da luminária
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6.2.2 Projeto da luminária (primeira versão)
Este projeto foi concebido com o intuito de se configurar como um produto
totalmente artesanal, produzido com matéria prima natural (estrutura) e utilizando as rendas
de bilro como telas de rebatimento da luz.
Foram produzidas duas estruturas em bambu, sendo uma retangular e outra
triangular. As figuras 6-81 e 6-82 ilustram o processo de elaboração da estrutura retangular;
entretanto, como projeto final foi utilizado apenas a luminária triangular, por necessitar de
apenas três telas de renda e, por isso, otimizar o tempo de produção e o valor do produto.
Após a confecção da estrutura e antes da confecção das telas, foi necessária uma
visita do artesão ao Núcleo, a fim de que este pudesse conhecer o tipo de renda que seria
utilizado nas telas da luminária, como também a rendeira responsável pela confecção. Essa
interação entre os artesãos gerou discussões importantes para o processo de montagem final e
acabamento da luminária realizado pelo mestrando e pelo artesão. (Figuras 6-83).
O produto foi concebido e projetado pelo mestrando, pelo artesão externo ao
Núcleo e pela rendeira, evidenciando a importância de uma gestão participativa. Em seguida
Figura 6-81 – Processo de produção da
estrutura de bambu
Figura 6-82 – Estrutura de bambu quadrada
Figura 6-83 – Artesão e rendeira estudando a montagem da luminária
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
122
foi apresentado às artesãs com o intuito de atender aos interesses da produção por parte delas,
sem nenhuma imposição e sempre ressaltando que não se tratava de encomenda, não havendo
prazos definidos para finalização, uma vez que a peça deveria ser incorporada à sua rotina
normal de trabalho.
Depois de concluídas as etapas de projeto do produto, surgiram problemas no
tocante à fixação das telas na estrutura, o que veio a comprometer o produto. A estrutura de
bambu, elaborada manualmente e como tal possuidora de irregularidades, não facilitou o
processo de fixação das telas, gerando a necessidade de uma intervenção direta do designer e
do artesão externo nesse processo, sem a participação efetiva das rendeiras.
Avaliações com as artesãs atestaram aprovação em relação à renda e ao produto
final: “Olha como ficou lindo a luminária com essa renda, ficou lindo demais e pode até usar
a linha de outra cor, né?” [sic] (RN 2 Rendeira do Núcleo, 62 anos, GF1). Entretanto,
assim como as demais peças produzidas na oficina, esta não foi produzida mais que uma vez,
não sendo incorporada à rotina de trabalho e interesse das rendeiras, indicando um possível
problema metodológico como será analisado no capítulo 7.
A figura 6-84 ilustra o produto final que configurou-se como um projeto piloto e
foi elaborada com o objetivo principal de propor um novo produto que utilizasse a renda
como elemento principal. O produto foi exposto na feira Brasil mostra Brasil de 2007, ao
preço de R$ 100,00, e despertou interesse em algumas pessoas, dando indícios de que poderia
vir a ser uma possível alternativa de produção e venda. Salientamos que a luminária não foi
colocada à venda por se tratar de um projeto piloto, objeto de várias análises, e também por
apresentar alguns problemas relativos à estrutura e acabamento.
Figura 6-84 – Luminária finalizada (estrutura de bambu + telas de renda)
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
123
6.3 Projeto de luminária (segunda versão)
Levando em consideração os resultados da oficina e o primeiro projeto da
luminária, a nova versão do produto foi repensada de forma que a rendeira pudesse participar
ao máximo de todas as etapas, numa busca pela sua autonomia no processo de montagem do
artigo de decoração. Como na primeira versão, a renda de bilro nesse projeto não mais
representava uma aplicação, mas tornava-se o elemento principal e de maior visibilidade do
produto.
Nesse segundo experimento, foi alterada a matéria-prima da estrutura, antes em
bambu (primeira versão) o que havia se revelado um problema, pois o artesão responsável
só o fazia quando tinha tempo disponível –, para ferro, com acabamento anti-ferrugem,
encomendado a um profissional especializado. A forma triangular da estrutura com a fixação
de três telas de renda foi mantida. Os desenhos das telas foram refeitos para se adaptarem às
novas dimensões da estrutura, mas permaneceram dentro dos padrões estéticos dos modelos
tradicionais; a montagem final foi sugerida e realizada inteiramente pelas rendeiras, sem
interferência externa.
Diferentemente do primeiro projeto, foram produzidos quatro exemplares dessa
nova luminária, sendo cada uma pertencente a uma rendeira diferente, que a produziu na
íntegra, desde as telas em renda até a montagem final, promovendo a interação, identificação
e relação direta com o produto, fruto do seu empenho.
Duas das quatro luminárias (figuras 6-85 a 6-88) foram levadas pelas rendeiras
para exposição na feira Brasil mostra Brasil de 2008, como forma de se testar o mercado,
uma vez que essas feiras são o principal meio de comercialização das artesãs. O preço de
venda foi fixado em R$ 100,00. Retirando os custos com a fabricação da estrutura e da parte
elétrica (R$30,00) e os 20% referentes ao cleo, o valor que corresponderia à remuneração
do trabalho da rendeira seria de R$ 58,00. Dividindo esse valor por três (referentes às três
telas confeccionadas), cada tela sairia por R$ 18,60, valor superior ao que seria arrecadado
caso elas fossem vendidas separadamente como com pano de bandeja (R$ 12,00) uma vez
que as dimensões e forma do desenho foram pensadas para que este pudesse também ser
utilizado como pano de bandeja.
Observações realizadas pela equipe na feira Brasil mostra Brasil mostraram que,
embora não tenha sido vendido nenhum exemplar, houve grande interesse e admiração do
público pelo produto. Hipóteses apontam que a não comercialização pode ocorrer, em parte,
devido a problemas como a falta de facilidades nos pagamento (cheques, cartões de crédito,
parcelamento), a própria ausência de aptidão das rendeiras para comercialização, além de um
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
124
outro importante ponto: o perfil do público que se aproxima do stand das rendeiras, em geral,
senhoras que buscam muito mais os produtos tradicionais feitos em renda (bicos, panos de
bandeja, etc.) do que produtos com caráter mais inovador, indicando que a abertura de novos
mercados para as artesãs é de fundamental importância.
Destacamos que o principal ponto positivo observado nesse experimento foi a
possibilidade de introdução do produto à rotina produtiva das artesãs, principalmente por ele
estar adaptado à forma de produção tradicional adotada por elas, podendo gerar a
possibilidade de elas mesmas produzirem novas peças sem interferência alguma da equipe de
pesquisadores. Análises sobre esse produto serão apresentadas no próximo capítulo.
6.4 Exposição do Projeto “Rendeiras da Vila”
Dentro do conjunto de ações pós-oficina, no segundo semestre de 2006, como
forma de reafirmar o compromisso dos pesquisadores com o cleo e com as rendeiras, bem
como para fortalecer a construção de confiança e de reputação, a equipe expôs o projeto
Figura 6-85 – Detalhe da tela
luminária
Figura 6-86 – Luminária com a
lâmpada acesa
Figura 6-87 – Luminária com a
lâmpada apagada
Figura 6-88 – Detalhes da amarração das telas na estrutura de ferro
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125
Figura 6-89 – Modelo desfilando
com peça tradicional
Foto: Rebecca Kallyane
Fonte: www.mulheresnofds.com.br
Figura 6-90 – Modelo desfilando
com “novo” produto
Foto: Rebecca Kalyanne
Fonte: www.mulheresnofds.com.br
Figura 6-91 – Modelo desfilando
com uma rendeira
Foto: Rebecca Kallyanne
Fonte: www.mulheresnofds.com.br
Rendeiras da Vila na Feira de Ciência, Cultura e Tecnologia da UFRN (CIENTEC), ocorrida
de 04 a 09 de outubro de 2006. Nessa ocasião, as rendeiras estavam presentes, trabalhando e
expondo seus produtos num stand do curso de Engenharia de Produção.
Essa situação, além de ter tido um caráter social, serviu como fonte de observação
da potencialidade de comercialização dos novos produtos (camisetas que restavam da oficina)
expostos na feira. Durante a CIENTEC, as rendeiras arrecadaram R$ 250,00 com as vendas de
produtos tradicionais e camisetas.
No ano de 2007, o grupo de pesquisas mais uma vez expôs o projeto Rendeiras da
Vila na CIENTEC, sendo dessa vez incrementada com a realização de um desfile (Figuras 6-
89 a 6-91) ocorrido dentro da programação do ERGONODIA – ciclo de palestras sobre
ergonomia organizado pelos membros do GREPE/UFRN.
Durante esse evento, as rendeiras tiveram oportunidade de mostrar seu trabalho,
comercializar suas peças, além da geração de encomendas e vendas posteriores provocadas
pela visibilidade do evento. Destacamos que as vendas obtidas pelas rendeiras referentes às
peças tradicionais foi quase exclusivamente resultado de compras das pessoas do grupo de
pesquisa, enquanto que os novos produtos foram vendidos exclusivamente para o público do
evento, o que poderia indicar possível potencial de comercialização dessas peças.
6.5 Fecho do Capítulo
As ações realizadas após a constatação dos resultados e algumas análises da
oficina tiveram um caráter experimental, com intuito de mudar a forma de introduzir novos
produtos na rotina de trabalho das artesãs, como fonte de análises e validações dos resultados
encontrados na Oficina de Design.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
126
Mesmo sem ainda estarem incorporados à rotina de trabalho efetiva das artesãs,
esses novos produtos, a exemplo das luminárias, provaram que toda e qualquer inovação a ser
introduzida na produção da renda de bilro deve, invariavelmente, estar adaptada às
características da produção, organização do trabalho e à tradição da renda.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
127
Capítulo 7 | Análise dos Resultados da Oficina de Design
As análises apresentadas a seguir, baseadas, em sua maioria, nos estudos da
Antropotecnologia, foram desenvolvidas com o objetivo de elucidar as questões da pesquisa
apresentadas no capítulo 1.
Conforme explicitado no referencial teórico deste trabalho, na gênese dos estudos
da Antropotecnologia estão as transferências de tecnologia entre indústrias e países, com
maior foco na produção industrial. Faremos aqui uma analogia desses conceitos com a
realidade estudada na pesquisa: a introdução de mudanças no contexto produtivo da atividade
artesanal.
7.1 Análises e discussões sobre a Oficina de Design
Iniciando as análises, retomaremos as questões da pesquisa apresentadas no
capítulo 1:
a) Quais foram os resultados efetivos da Oficina de Design para as rendeiras e
para o Núcleo de Produção?
b) Por que os ensinamentos repassados na oficina não foram absorvidos e
continuados pelas rendeiras?
Essas questões fazem emergir inicialmente um importante ponto de reflexão das
análises: as mudanças no trabalho. A respeito disso, Schwartz e Durrive (2007) discorrem:
“[...] não há modelo único de interpretação destas mudanças. É preciso estar atento à atividade
das pessoas que trabalham [...]”.
Quando passamos a analisar as repercussões da oficina sob a ótica das pessoas que
trabalham, no nosso caso, das rendeiras, percebemos que essa resistência às inovações por
parte dos trabalhadores é algo já observado e comentado por alguns autores:
Eu não creio, absolutamente, em resistência à mudança. É uma maneira de
fugir do assunto. Eu creio que a mudança tem um custo e este custo não é o
mesmo para todos. Tratar a questão como algo da ordem das aptidões ou das
capacidades é um absurdo. As pessoas são perfeitamente capazes, mas é
preciso criar condições que lhe permitam mudar (SCHWARTZ; DURRIVE;
2007).
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
128
A partir dessa perspectiva, não se pode afirmar que a não continuidade dos
trabalhos se deu simplesmente pela resistência das rendeiras. Torna-se necessário pôr em
prova o tipo de mudança, o que se propunha com a oficina.
Observamos que o modelo da Oficina de Design oferecida para o Núcleo de
Produção se configurava como uma ação de caráter pontual, de curto período e focada apenas
no produto. Trata-se de um modelo pré-concebido, um pacote de ações prontas, com regras e
restrições pré-definidas para serem aplicadas a qualquer realidade produtiva, baseado numa
visão superficial das necessidades dos artesãos, do tipo de artesanato produzido e de suas
características. Essa percepção superficial acaba por desconsiderar muitos aspectos inerentes à
produção e organização artesanal, indo de encontro aos conceitos da Antropotecnologia, que
preconizam o estudo e respeito às características da comunidade receptora de forma global.
Nesse contexto, percebe-se que as mudanças propostas para as rendeiras
deveriam, de alguma forma, estar adaptadas às artesãs, à forma de organização do trabalho, ao
processo produtivo e ao produto, considerando os aspectos econômicos, sociais e culturais, a
ponto de gerar motivação e expectativas positivas para a incorporação da mudança de forma
espontânea.
A mudança foi oferecida como opção e não como uma adesão obrigatória,
podendo, como tal, ser acatada ou não. Por que a rendeira cederia a uma mudança que não
transformaria sua situação econômica, nem a tornaria mais ou menos capacitada e qualificada,
podendo, ainda, pôr em risco a renda tradicional? É fácil entendermos a resposta dessa
questão quando percebemos que o problema está na oficina (método e objetivos) e não nas
rendeiras.
Ainda quanto a essa perspectiva, acreditamos que, na organização do trabalho
artesanal cooperativo, o domínio sobre o produto e processo, a autonomia da atividade de
trabalho, a segurança e auto-afirmação na produção tradicional, dentre outras características
marcantes do modo de produção artesanal, são as “armas” de que a rendeira dispõe para
preservar sua tradição e não ceder a qualquer mudança. Esse fato se diferencia, por exemplo,
da produção industrial, em que as mudanças são muitas vezes obrigatórias, e o funcionário é,
na maioria dos casos, pressionado a se “adequar” às inovações sob pressão e risco de
demissão.
O conhecimento da atividade de trabalho, sob diversos aspectos, é determinante
para a introdução de mudanças e fato comentado por alguns autores que estudam essa
temática. Schwartz e Durrive (2007) defendem que “[...] é preciso estar atento à atividade das
pessoas que trabalham [...]”. Wisner (1999) afirma que “[...] numa transferência de tecnologia
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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é necessário haver um estudo prévio das realidades locais e a participação de ambas as partes
[...]”. Guérin et al (2001) ressaltam que “[...] é preciso conhecer o trabalho para transformá-lo
[...]”.
Essas afirmações revelam a importância de se conhecer a atividade das rendeiras e
a realidade produtiva local, de modo a existir o entendimento de muitas questões que são
fundamentais nas intervenções e na efetivação da mudança. A par disso, torna-se, então,
importante pontuarmos as seguintes características da produção artesanal da renda de bilro:
a) o saber fazer do artesão, ou seja, o domínio sobre o produto e processo de
criação, é característica marcante da forma de organização do trabalho
artesanal e bastante presente na atividade das rendeiras. Elas têm autonomia
para escolher e produzir as peças, independente de perspectiva de venda;
b) a organização do trabalho e da produção foi definida pelas rendeiras. As
lideranças emergiram do próprio grupo em meio a um espírito de coletividade e
respeito mútuo;
c) o ritmo de trabalho é definido por cada artesã; a carga horária é flexível e,
embora haja compromisso, elas não se sentem obrigadas a freqüentar o espaço,
além de não existir nenhuma pressão externa que interfira no seu tempo, ritmo
e carga de trabalho;
d) as rendeiras têm uma ligação cultural e histórica com a renda de bilro, são
moradoras da antiga vila de pescadores e aprenderam o ofício com suas mães,
avós, amigas, sendo esse conhecimento passado entre gerações.
Observamos, também, que essas características são elementos indissociáveis do
trabalho das artesãs; estão concatenadas com suas vidas, expectativas e objetivos. As
rendeiras procuram zelar e cuidar para que isso não se altere, situação que vem confirmar as
palavras de Leite (2005, p.30) ao afirmar que “[...] as práticas artesanais não estão dissociadas
do modo de vida de quem as produz [...]”.
Reflexões a respeito da oficina, baseadas nas considerações de Santos et al (1997)
sobre Antropotecnologia, indicam que a desatenção de alguns aspectos possivelmente
contribuíram para a não incorporação dos ensinamentos da oficina no cotidiano das rendeiras.
Dentre eles, destacamos:
a) Aspecto socioeconômico:
i. de um modo geral, as rendeiras que participaram da oficina fazem parte de
um grupo de pessoas com condições financeiras limitadas. A proposta da
oficina visava à aplicação da renda de bilro em outros produtos industriais,
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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que seriam fornecidos pela instituição, mas que deveriam ser adquiridos
pelas artesãs na continuidade dos trabalhos, necessitando estas de um capital
de giro;
ii. para as rendeiras do Grupo de Foco 1 (que freqüentam o Núcleo
diariamente), possivelmente o retorno financeiro não é o principal elemento
motivador da produção. A satisfação e o prazer no trabalho,
independentemente da venda, têm mais representatividade na motivação das
artesãs do que uma produção que visa apenas ao retorno financeiro;
iii. para as rendeiras dos Grupos de Foco 2 e 3, possivelmente o baixo retorno
financeiro da produção e comercialização da renda de bilro foi um dos
motivos de afastamento do oficio; assim, as intervenções de design
deveriam considerar as diferenças entre os diversos grupos de artesãs e as
necessidades de cada grupo;
iv. o faturamento na produção da renda de bilro tradicional é baixo. As
propostas dos “novos” produtos poderiam aumentar o faturamento, mas,
ainda assim, não mudariam significativamente a realidade econômica das
rendeiras;
v. os reflexos da urbanização e modificações promovidas pelos avanços
turísticos na Vila de Ponta Negra foram sentidos na produção da renda de
bilro, principalmente pela geração de oportunidades de empregos formais e
informais que levaram algumas artesãs a abandonar seus ofícios e
desestimularam as novas gerações ao aprendizado da renda, apesar dos
baixos salários e imprevisibilidade de ascensão nas ocupações
disponibilizadas a essa população. A oficina deveria levar em conta essa
peculiaridade para inserir ações que visassem à conscientização da
importância e manutenção da arte na Vila de Ponta Negra.
b) Aspectos socioculturais e antropológicos:
i. as artesãs possuem nível de escolaridade baixo e conhecimento na renda de
bilro avançado; portanto, a introdução de mudanças no contexto produtivo
deveria considerar esse aspecto com especial relevância, no sentido de não
superestimar, tampouco subestimar suas capacidades. Conforme análise
desenvolvida por Bezerra (2008), as produções de pequenas aplicações (sol,
lua, ondas, etc.) podem ser consideradas, pelas rendeiras, como um
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
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retrocesso do seu aprendizado, uma vez que elas produzem peças bem mais
complexas;
ii. a renda de bilro tem características particulares, assim como a maioria das
tipologias de artesanato. O tradicionalismo da arte estão associados às
características desse tipo de renda. Mesmo sendo possíveis de serem
rendados, os novos desenhos propostos na oficina possuíam tramas e formas
diferenciadas das peças tradicionais, descaracterizando a renda tradicional.
Uma pesquisa aprofundada da tipologia artesanal deveria ser prevista pelas
instituições que financiam as intervenções.
c) Aspectos geográficos e demográficos:
i. a Vila de Ponta Negra fica localizada numa região da cidade de Natal onde a
exposição ao turismo é bastante favorecida. Nesse aspecto, as rendeiras da
Vila levam vantagem, se compararmos, por exemplo, com as artesãs da
cidade de Alacaçus/RN, onde também existe produção da renda de bilro,
mas o acesso à comunidade é muito mais difícil. Apesar da facilidade de
acesso à Vila, o “turismo” ainda não explora esta questão de forma efetiva.
Comprova-se isto pelo baixo número de turistas que visitam o Núcleo. A
observação desse aspecto poderia ser estudada, analisada e potencializada
em ações que procurassem levar o turista ao Núcleo de Produção.
d) Aspectos sobre condições de trabalho:
i. a oficina ocorreu em 40 horas e, nesse período, exigia-se a máxima
produção possível de novos produtos. Esse fato elevou a carga de trabalho
física e mental das rendeiras, gerando uma mudança na forma de
organização do trabalho do Núcleo.
ii. a forma de organização do trabalho artesanal cooperativo observado no
Núcleo é ponto positivo das artesãs. Essa questão deveria ser considerada
em ações que estimulassem o senso de trabalho coletivo e valorizasse e
potencializasse as capacidades de cada rendeira, em vista de um objetivo
comum.
A metodologia adotada na oficina, focada apenas no produto, não observou as
necessidades e interesses das artesãs, não considerando a realidade do “receptor”, da nova
tecnologia no seu contexto global, colocando os aspectos estéticos e formais como únicos
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elementos capazes de resolver problemas de produção, além de dar maior ênfase às questões
de design. A respeito disso, Imbroisi (2008) relata que as modificações no design dos
produtos artesanais não são a única solução. É necessário sanar também problemas de gestão
e organização das pessoas que produzem, das comunidades e dos artesãos individuais.
A participação do designer no setor artesanal é alvo de várias discussões. Freitas
(2006) ressalta a necessidade de realização de um diagnóstico técnico e cultural, de um
conhecimento e domínio da técnica artesanal, assim como a compreensão da cultura que
envolve o produtor ou a comunidade produtora, para que o profissional que atua no
planejamento do produto visualize as dificuldades e resistências perante as sugestões de
inovação.
Uma questão bastante pertinente tem sido discutida entre os profissionais de
Design. Trata-se do digo de Ética para Designers. Niemeyer (2008) defende que seja
ampliado o debate sobre a ética da profissão no Brasil e mostra que existe um código
internacional que define uma base de princípios éticos relacionados à prática do design.
Segundo a autora, o digo internacional coloca as seguintes responsabilidades para esse
profissional: a) responsabilidade em relação ao cliente; b) responsabilidade em relação ao
usuário; c) responsabilidade em relação ao ecossistema da terra; d) responsabilidade em
relação à identidade cultural; e) responsabilidade em relação à profissão em si.
A autora destaca, com especial relevância, a responsabilidade do designer em
relação à identidade cultural e reforça que, no Brasil, além da obrigação de suprir as
necessidades humanas por meio de sua competência, criatividade e método, esse profissional
também deve estar sensível às prioridades sociais e culturais. Ela faz uma crítica aos cursos de
Design no Brasil que têm dado pouca ênfase à preparação do profissional quanto a essas
questões, o que nos faz refletir sobre a necessidade de o designer adquirir uma formação em
nível de pós-graduação, adequada e dirigida para o seguimento do setor artesanal, antes de
fazer intervenções nesse referido setor.
Entendemos que a utilização da ética pelos profissionais de design em relação às
ingerências no artesanato deve ser uma prática primeiramente conhecida, facilitada e exigida
pelas instituições que financiam essas intervenções. Uma maneira de se fazer isso é considerar
um tempo e remuneração do instrutor para que este, previamente à ação, passe a estudar e
conhecer as características da tipologia artesanal com qual irá trabalhar, de modo a conhecer
os pormenores da atividade e elaborar propostas de modificações nos produtos, aliando
inovação e preservação do tradicionalismo e da cultura existentes na localidade. Na oficina
analisada neste trabalho, isso não foi previsto. A instituição não planejou esse tempo,
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tampouco exigiu atividades dessa natureza, fazendo com que muitas das decisões do instrutor
tenham sido tomadas com base numa visão superficial da atividade, realizada sob a ótica do
designer, que não tinha formação e experiência direcionada para intervenções nesse segmento.
Um reflexo disso está relacionado aos pontos da renda tradicional. Observamos
que os desenho e produtos da oficina, embora criados com o objetivo de ser uma nova
alternativa de produção, estavam fora do padrão estético da renda. Constatamos que, na
concepção das rendeiras, os novos produtos (aplicações) não são considerados renda de bilro,
pois perdem suas características marcantes e tradicionais, em especial a traça, como retratam
as falas a seguir:
[...] Pra mim, renda de bilro só é renda de bilro se tiver a traça. Quando não
tem, fica parecendo crochê [...] [sic] (RN4 Rendeira do Núcleo, 59 anos
GF1).
[...] Se tivesse outra (oficina) eu faria, valeu à pena. Mas não fazendo
mais, porque a gente não vai deixar de fazer essa (renda tradicional) pra
fazer outra... Gostei de fazer, mas se for pra mim fazer em casa, eu mesmo,
não [...] [sic] (RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos, GF1).
Acreditamos que uma análise criteriosa da atividade de trabalho das rendeiras,
realizada previamente à intervenção, poderia trazer à tona questões como essas e gerar
encaminhamentos diferentes para a ação.
Casos como esse, em que a proposta de inovação do produto acaba por
desrespeitar o estilo tradicional da tipologia artesanal, não são incomuns. Leite (2005, p.39)
menciona o caso das Bordadeiras de Porto da Folha/SE: a característica predominante dos
bordados dessa localidade é a profusão de cores fortes, sendo classificadas pelas artesãs como
um “bordado vivo e alegre”. Experiências de alterações desse padrão estético revelaram um
nível baixo de aceitação e, embora algumas artesãs tenham concordado em produzir cores
diferentes, como o branco no branco e outros tons claros, para atender outro mercado, com o
tempo, essas bordadeiras explicitaram certo conflito pessoal, declarando que, às vezes,
sentiam “certa tristeza” ao bordar e que esse novo padrão é “meio sem vida”.
O que ocorreu, portanto, foi que elas voltaram à produção com seu “design” de
cores fortes, mesmo esses produtos apresentando baixa comercialização. Elas passaram a
produzir as duas coisas, como se um fosse o imperativo econômico e o outro uma necessidade
social e simbólica.
A introdução de modificações no contexto produtivo e modo de vida de
comunidades artesanais sem planejamento nem adequações específicas para a comunidade
fogem completamente aos princípios antropotecnológicos e não funcionam como deveria.
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Complementando nossas análises, retomamos a indagação de Leite (2005) no seu
artigo Modos de vida e produção artesanal: entre preservar e consumir, que traz uma
importante questão à tona, quando compara a produção artesanal sob duas perspectivas,
chamadas por ele de tradicionalista e mercadológica. O autor nos lança a seguinte questão:
O que é mais importante? Preservar o artesanato in totum, não alterando os
modos de vida e de produção e assim manter extremos padrões sociais de
pobreza e exclusão, pondo em risco a própria continuidade dos trabalhos
artesanais, ou promover alterações técnicas e estéticas, bem como
adequações mercadológicas que promovam a geração de lucro, mas que, por
outro lado, anulem gradativamente esta tradição?
O autor esclarece que ambas possuem dilemas a resolver: “Se o dilema da visão
tradicionalista é como manter o artesanato, mesmo que mudem os modos de vida, o dilema da
visão mercadológica é como alterar o artesanato, adaptando-o às exigências do mercado.”
Diante disso, questionamos: optar por umas dessas polaridades é realmente a
melhor forma de enxergar as mudanças no trabalho artesanal? Schwartz e Durrive (2007)
fazem uma crítica a essa abordagem unilateral na introdução de mudanças no trabalho:
Penso que esta questão é uma armadilha e que é preciso evitar tendências a
falar: isso se modifica, se moderniza, ficando subtendido que assim “é
melhor”. Ou então: isso se modifica, mas como a mudança não é conduzida
por aqueles que sofrem as suas conseqüências, quer dizer, por aqueles que
trabalham, então é ruim.
No caso da oficina, dizer que se tratou de uma experiência boa e positiva por
trazer inovações e oportunidades de produção é um erro, assim como também é um erro dizer
que foi de todo ruim. A oficina provocou mudanças no contexto produtivo, na organização do
trabalho, no ritmo e carga de trabalho, mas não gerou os resultados esperados isso é fato.
Mesmo assim, configurou-se como uma importante situação de referência para os novos
trabalhos que se seguiram, além de reunir rendeiras antigas e dispersas, ainda que por duas
semanas.
Portanto, na nossa perspectiva, não se trata de optar por uma das polaridades
(visão tradicionalista ou mercadológica) e categorizar a mudança apenas como “ruim ou boa”;
trata-se, sim, de descobrir uma terceira alternativa que esteja direcionada à valorização do
artesanato tradicional através do seu valor cultural, suas particularidades e originalidades, de
modo a incentivar a produção, inovação e o retorno financeiro das artesãs.
Essa busca por uma alternativa de mudança equilibrada, que considere as questões
culturais e tradicionais, estaria diretamente concatenada com os princípios do
desenvolvimento sustentável dos empreendimentos econômicos solidários de autogestão,
citado por Singer (2004) como o principal instrumento da chamada economia solidária.
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A economia popular ou solidária diz respeito a um conjunto de atividades de
produção, comercialização ou prestação de serviços efetuadas coletivamente
(e sob diferentes modalidades de trabalho associado) pelos grupos populares,
principalmente no interior de bairros pobres e marginais das grandes cidades.
Tais grupos se estruturam, em geral de modo bastante informal, e encontram
nas relações de reciprocidade tecidas no cotidiano de suas formas de vida
(ou seja, nos laços comunitários) os fundamentos para tais práticas
(FRANÇA FILHO et al, 2006).
O trabalho coletivo e participativo é uma característica bastante peculiar das
rendeiras. Considerar e analisar a cooperação no trabalho delas é fundamental para o
entendimento da atividade e para implementação de qualquer mudança que busque o
desenvolvimento sustentável da comunidade. Como mostrado no capítulo 4, observamos que
as rendeiras que trabalham unidas aceitam melhor os desafios, aumentam sua produção,
disponibilizam mais tempo, assumem maior compromisso e favorecem a melhoria do padrão
de qualidade, rotina de trabalho e convívio social, além de tornarem-se referência na Vila de
Ponta Negra.
Conforme asseveram França Filho et al (op. cit.), a economia solidária possui
qualidades ou características próprias que necessitam ser compreendidas:
Tais qualidades compreendem um conjunto de aspectos que se encontram
absolutamente indissociáveis uns dos outros. Um primeiro desses aspectos
concerne à questão da participação ou engajamento das pessoas nos projetos,
o que remete ao grau de mobilização popular inerente a tais projetos. Uma
segunda qualidade diz respeito ao modo de organização do trabalho,
que se encontra essencialmente baseado na solidariedade (grifo nosso).
Constatamos que a cooperação entre as rendeiras tem grande significância na
manutenção da técnica da renda na Vila de Ponta Negra e na recusa a algumas ações
promovidas por entidades externas. O respeito a essas características é fundamental para a
introdução de mudanças no contexto produtivo das artesãs, conforme explicita o relato
abaixo:
[...] esse trabalho de vocês é bom pra gente, mas eu tenho medo de
aumentar muito as encomendas e a gente não dar conta do trabalho e ficar
estressada, porque eu já disse que renda de bilro se faz sentado e não
correndo, e que a produção da gente é devagar [...] [sic] (RN4 Rendeira
do Núcleo, 59 anos – GF1).
Esse relato deixa evidente a preocupação da rendeira com a organização do
trabalho adotada no Núcleo e sugestiona que qualquer tentativa de introdução de mudança que
venha pôr em risco essa organização tem grandes chances de insucesso. Também, nesse
relato, fica clara a preocupação da artesã com o tempo de produção da renda, em geral lento.
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Sobre o tempo, ressaltamos que, na confecção das peças tradicionais, as rendeiras
levam um tempo maior de trabalho, e o ritmo é mais lento, o que também proporciona uma
maior flexibilidade da rendeira para conversar, cantar, descansar e lanchar com suas
companheiras elementos de grande significância no trabalho cooperado. As peças menores
propostas na oficina prendem a atenção e aumentam o ritmo de trabalho, além de exigirem
maior concentração e expectativa, o que acaba por anular, em parte, esses dispositivos de
cooperação e convivência, bastante importantes na produção da renda.
O fator tempo, no setor artesanal, também é destacado por Leite (2005, p.37) ao
afirmar que “[...] desenvolver sistemas de diminuição de tempo médio de produção no setor
artesanal é um fator problemático, uma vez que muitas variáveis intervenientes subsistem ao
processo [...]”. O autor ainda declara que
[...] na tecelagem de Salgado, a etapa de encher a “espula” consiste na
preparação de pequenos cones que serão utilizados para perpassar os fios na
horizontal do tear, cujo entrelaçamento formará a trama do tecido. Em
medição de tempo, constatou-se que uma tecelã executava essa tarefa em
cerca de meia hora, e outra igualmente hábil gastava três horas e meia.
Enquanto a primeira enchia a “espula” sem interrupções e dispersões, a
segunda gastava muito tempo porque usava também o tempo também para
conversar com as colegas, contar histórias, exercer, enfim, sua sociabilidade
com o grupo [...] (op. cit.).
Esse caso é comentado pelo autor com a seguinte frase:
[...] Nesse caso, aumentar a produtividade pela diminuição de tempo
médio de produção poderia acarretar uma inibição dos aspectos sociais
da produção artesanal que extrapolam a mera tarefa de execução para um
processo de criação que perfaz o artesanato como arte de fazer [...] (op. cit.,
p. 37, grifo nosso).
Outro ponto de grande relevância nessas análises diz respeito à “tradição”. A
técnica e os produtos tradicionais são a origem dos trabalhos das rendeiras. Na criação
tradicional, é muito presente o que Schwartz e Durrive (2007) chamam de “uso de si”. Os
autores esclarecem que, durante a atividade, o trabalhador insere seus conhecimentos, seus
sentimentos, sua vida pessoal, seus problemas. Na produção da renda tradicional, em que a
artesã escolhe o produto a ser confeccionado, a cor da linha e o desenho, bem como define
quando irá começar, a rendeira não sofre pressão para finalizar, define suas pausas e
cadências, e o trabalho não é mera execução, mecanicidade; o “uso de si”, nesse processo
tradicional, é maximizado.
Na produção dos novos produtos propostos na oficina, essa realidade é
diferenciada. A rendeira passa a executar uma tarefa, um trabalho prescrito por um
especialista (Designer) que não permite muitas escolhas, afinidade e uso de sensibilidade.
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Desse modo, o “uso de si” no processo é diminuído, sendo este, também, mais um possível
motivo da recusa das rendeiras à produção dos novos produtos propostos no projeto.
Ainda com relação ao fator “tradição”, um segundo ponto bastante pertinente se
refere ao aprendizado. Bezerra (2008) destaca um importante fato relacionado a isso, quando
expõe que a maioria das artesãs aprendeu a rendar aos 7 anos e esse aprendizado foi sendo
aprimorado e evoluído com o passar do tempo. A seguinte fala é destacada nessa passagem:
Aprendi a fazer o biquinho, depois eu não quis mais fazer bico, fui fazer
aplicações (para colchas e toalhas). Com o tempo, quando eu vim trabalhar
aqui, eu fazia toda qualidade de renda. Mas não fazia este modelo agora
que a gente fazendo (saia, vestido, blusa, etc.). Esse modelo eu vim fazer
depois que estou aqui [...] [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos – GF1).
Segundo Bezerra (2008), as palavras da rendeira demonstram que a evolução no
aprendizado da renda de bilro faz parte do próprio contexto da sua história na renda. No início
do aprendizado, em geral, elas fazem bicos (peças simples); com o passar dos anos, vão se
lançando aos novos desafios e passam a produzir peças mais complexas, saltando de estágios
e se diferenciando das demais até chegarem à fase que estão hoje, em que são capazes de
produzir vestidos, saias, blusas, xales, redes, entre outros produtos que possuem forma e
desenhos de maior complexidade.
Análises sobre esse fato, ainda de acordo com a autora, mostram que a produção
das pequenas e simples aplicações (sol, peixes, lua, bandeiras, etc.) para serem fixadas em
produtos industrializados, como proposto na oficina, representa para as trabalhadoras um
retrocesso do aprendizado, uma desvalorização do seu conhecimento e da sua capacidade
adquirida ao longo dos anos, como se produzir peças mais simples significasse, também,
deixar de lado um trabalho mais complexo e rebuscado em detalhes e formas, desprezando
seu conhecimento, sua história, sua tradição.
Por fim, ressaltamos que as análises apresentadas aqui corroboram as palavras de
Wisner (1992), quando menciona que: “[...] é necessário conhecer as características do
homem e seus limites para conceber ferramentas e meios que ele possa utilizar eficazmente no
seu trabalho e ao seu favor [...]”.
7.2 Análises e Discussões acerca das ações pós-oficina
Iniciaremos essas análises, discutindo a primeira versão da luminária, mostrando
porque esse produto não foi incorporado à rotina de trabalho das artesãs.
Acreditamos que um dos mais significativos motivos que contribuíram para isso
foi a não participação integral da rendeira no processo de produção integral do produto, o que
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a tornou apenas executante da idéia do designer, e não mais criadora e possuidora do produto,
fato esse destacado por Mills (1951) com especial relevância na produção artesanal:
O que é realmente necessário num trabalho artesanal é que o vínculo entre o
produtor e o produto seja psicologicamente possível; mesmo que o produtor
não seja legalmente proprietário, deve possuir o produto psicologicamente,
no sentido de que conhece o que o produto inclui de habilidade, labor e
matéria-prima. O artesão é o dono de sua atividade e de si mesmo. Ele é
responsável pelo produto final e livre para assumir essa
responsabilidade. Ele próprio deve resolver seus problemas e
dificuldades em relação à forma final que deseja atingir. (grifo nosso)
O fato de a rendeira não ter sido solicitada a participar do processo de montagem
final da luminária nem ser convidada a conhecer e estudar os problemas do produto também
retirou da artesã a “responsabilidade” sobre o objeto. Essa fato pode ser interpretado como
uma subestimação do “saber-fazer” da artesã, uma vez que a produção da renda tradicional
também se configura como uma atividade complexa, que exige certa atividade mental e
motora, complexidade essa que as rendeiras dominam com perfeição.
Outro motivo que destacamos como contribuidor para a não incorporação desse
produto à rotina de trabalho das artesãs diz respeito ao trabalho coletivo. Apenas uma rendeira
participou do processo de produção da luminária; As demais não tiveram participação direta,
o que, por conseguinte, também não fez despertar-lhes o desejo de produzir, por não se
identificarem com o produto ou mesmo por se sentirem “exclusas” do processo. A rendeira
produtora também é a que mais produz peças tradicionais, o que torna a probabilidade de essa
artesã deixar sua produção tradicional e se dedicar a produção de luminária muito baixa.
Contudo, mesmo não incorporado à rotina de trabalho das rendeiras, o produto se configurou
como importante situação de referência para o desenvolvimento da segunda luminária.
No segundo experimento da luminária, o trabalho de conscientização sobre a
importância de inovação para o Núcleo e da preservação e respeito ao modo, ritmo e carga de
trabalho, bem como a mudança na matéria-prima da estrutura para facilitar a montagem, a
confecção dos desenhos das telas semelhantes aos desenhos tradicionais, entre outros fatores,
foram determinantes.
O fato de, nesse experimento, ter sido proposta a confecção de quatro exemplares
envolvendo quatro rendeiras também foi fator contributivo para a cooperação, entrosamento,
participação e identificação das artesãs com o produto, visto que cada uma seria responsável
por criar a sua luminária e todas precisariam discutir sobre a melhor maneira de se produzir.
Destacamos como fato importante nesse experimento o processo de montagem
das peças. Diferentemente do primeiro, após o término da confecção das telas foi programado
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um momento específico para que todas, em conjunto, pudessem pensar, discutir e chegar à
conclusão da melhor maneira de se anexarem as telas de renda à estrutura de ferro. Esse
momento foi observado e filmado pelos pesquisadores, procurando não intervir nas decisões
das rendeiras.
Quando analisada à luz dos conceitos da Ergonomia Participativa, essa situação
mostra que, muitas vezes, os trabalhadores detêm percepções de problemas que escapam aos
“profissionais” provenientes da academia. Também evidencia a existência de uma percepção
crítica que cada rendeira tem sobre seu próprio trabalho, levando-a a prever os problemas e
sugerir melhorias baseadas numa lógica própria utilizada na montagem das demais peças de
renda de bilro.
Diferentemente do projeto anterior, esse possibilitou análises que nos levam a
pensar que as novas luminárias têm possibilidade de serem incorporadas à rotina de trabalho
das artesãs. Contudo, ressaltamos que o projeto ainda necessita de algumas reconsiderações
no tocante ao valor sugerido para comercialização (R$ 100,00), considerando no novo cálculo
o tempo de montagem (costura manual das telas e montagem na estrutura de ferro), que não
foi contabilizado, e o fato de se tratar de um objeto de decoração direcionado a um público
mais seleto.
Ainda dentro do conjunto de ações pós-oficina, destacamos o redesenho da
Bandeira do Brasil, que, diferentemente das luminárias, foi sugerido por elas próprias, depois
de algum tempo utilizando o primeiro desenho. Do ponto de vista da Ergonomia Participativa,
isso demonstra exatamente o que Fisher e Guimarães (2001) afirmam: “[...] aqueles que
trabalham são as pessoas mais indicadas para informar os problemas que acontecem no dia-a-
dia e, igualmente, propor soluções a partir dos recursos próximos de que se dispõe”.
Dos desenhos produzidos, o da bandeira foi um dos poucos que despertou algum
interesse das rendeiras no período pós-oficina. Após as produções de alguns exemplares na
oficina e pós-oficina (para encomenda), as rendeiras externalizaram que aquele desenho
continha problemas que poderiam ser sanados, sugerindo soluções para aperfeiçoar o produto,
focadas, principalmente, na modificação das dimensões e na inserção dos pontos
característicos da renda tradicional. Isso mostra, mais uma vez, que o trabalhador que tem
conhecimento sobre sua atividade é capaz de identificar oportunidades de crescimento, muitas
vezes não observados pelos profissionais que estão no entorno desse trabalho e que, não
raramente, colocam-se como os únicos detentores do saber.
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Capítulo 8 | Considerações Finais
8.1 Conclusões
O Núcleo de Produção Artesanal Rendeiras da Vila, situado na Vila de Ponta
Negra, em Natal/RN, funciona há 10 anos consecutivos como um importante espaço de
vivência e trabalho de antigas rendeiras do bairro. Desde sua criação, em 1998, não sofreu
muitas modificações e modernizações no tocante ao espaço físico, tampouco nas questões
relacionadas à criação e comercialização dos produtos lá confeccionados.
Assim como em muitas tipologias artesanais, vários são os problemas encontrados
na produção da renda de bilro da vila, dentre eles: o fato de ser fabricada majoritariamente por
pessoas idosas, aumentando o risco de extinção do ofício; o tempo elevado de produção; baixa
perspectiva de venda e comercialização que, por conseguinte, gera a falta de interesse das
novas gerações em aprender e exercer a atividade, além do retorno financeiro baixo.
Numa tentativa de facilitar a inserção do produto artesanal no mercado
consumidor, alguns órgãos de fomento ao artesanato da esfera nacional, estadual e municipal
promovem ações e intervenções cada vez mais freqüentes nas comunidades artesanais,
principalmente com atividades que visam à inserção do design na produção. O Núcleo de
Produção Artesanal Rendeiras da Vila foi contemplado em Julho de 2006 com uma Oficina
de Design ofertada por uma instituição de incentivo ao desenvolvimento turístico no
Nordeste. Essa oficina teve como instrutor o mestrando desta pesquisa, sendo seu principal
objetivo, determinado pela instituição financiadora, desenvolver junto às artesãs, em 40 horas,
o máximo de produtos diferenciados para serem incorporados à rotina produtiva dessas
mulheres, utilizando a renda como um detalhe inserido em outros produtos.
A inovação não foi bem aceita e incorporada à rotina de trabalho das rendeiras, e
estas não deram continuidade de forma espontânea à produção dos novos produtos propostos
na oficina, fato analisado neste trabalho a partir dos conceitos da Antropotecnologia, que
preconizam a adaptação integral das mudanças propostas às diversas características da
população receptora da tecnologia ou do conhecimento.
Nesse contexto, ressaltamos que intervenções pontuais focadas apenas no
produto, desenvolvidas sem um conhecimento aprofundado da produção artesanal, das
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características da forma de organização do trabalho, da população, do tipo de produto e da
situação socioeconômica da atividade –, sem a participação efetiva das artesãs em um
processo de construção sociotécnica, desconsideram aspectos sociais, econômicos,
organizacionais e culturais que permeiam a atividade artesanal, elementos esses
imprescindíveis para obtenção de resultados positivos nas intervenções de design.
A realização da oficina se configurou como uma importante situação de referência
para análise acerca das intervenções envolvendo Design no setor artesanal. Acreditamos que o
Designer e o Engenheiro de Produção podem e devem participar da cadeia de produção
artesanal. Porém, para contribuírem de forma efetiva (e por que não “afetiva” com o
desenvolvimento sustentável de comunidades artesanais?), faz-se necessário pensar em ações
que envolvam um programa global, cuja elaboração considere os aspectos
antropotecnológicos e a participação integral dos artesãos. Também se faz mister a
manutenção da autonomia do artesão com relação ao produto e ao processo, sem transformá-
los em meros executores das idéias dos profissionais da academia e do mercado, dando-lhes a
oportunidade de se expressarem, de exprimirem suas idéias e seus problemas, conforme
discutido por Leite (2005), Lima (2005) e outros autores.
Por fim, vale ressaltar que as rendeiras do Núcleo, na sua maioria idosas, tentam,
com as forças que a idade ainda lhes permite, conciliar suas atividades de esposa, mãe, avós,
bisavós e donas de casa com a sua arte, cultura e tradição, aprendida em geral na infância e
componente indissociável da sua vida. Hoje, apenas cinco se reúnem diariamente e são
também as que nos recebem com sorriso e a satisfação evidente, ensinando-nos e levando-nos
a crer, ou pelo menos a apostar, que, enquanto houver prazer na atividade e brilho nos olhos
quando nos vêem chegar, haverá também a esperança de que possamos ter deixado com elas
algo concreto, algo de melhor em seu trabalho e, por conseqüência, na suas vidas, além da
certeza de que acreditamos na perpetuação da renda de bilro e que estaremos enquanto
houver sorrisos e brilhos nos olhos.
8.2 Limitações do trabalho
Primeiramente, cabe enfatizar que este trabalho não se propôs gerar um modelo de
intervenção do Design no artesanato, mas identificar questões importantes que devem ser
levadas em consideração quando essas ações intervenientes acontecem.
Além disso, destacamos que o estudo limitou-se a uma análise acerca das
intervenções no produto da renda de bilro, as quais não podem ser consideradas como uma
interferência do Design de uma forma abrangente, pois, para isso, deveriam ser estudadas
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questões relativas ao método produtivo, volume de produção, público-alvo, análise de
mercado e outras questões próprias da metodologia de projeto de produto.
8.3 Sugestões de trabalhos futuros
Uma pesquisa de mestrado não se encerra numa dissertação, não por concluída
a exploração de um tema, mas, ao contrário, abre oportunidades de discussões que podem vir
a ser objeto de futuros estudos. Esse trabalho, em especial, centrou-se na análise dos
processos de introdução de novos produtos na produção da renda de bilro. Seu escopo
proposto esteve restrito a esse tema, fazendo surgir oportunidades de novos trabalhos,
principalmente por ser o setor artesanal brasileiro um campo de atuação da Engenharia de
Produção.
Primeiramente, sugerimos aos órgãos de fomento e apoio ao artesanato, bem
como aos instrutores contratados por essas entidades, uma maior observação das
metodologias adotadas nas intervenções de design. A metodologia da Análise Ergonômica do
Trabalho (AET) fornece subsídios para um conhecimento aprofundado da situação de trabalho
e das populações de trabalhadores, podendo ser utilizada nessas intervenções.
Aos cursos superiores de formação em Design de Produto, sugerimos uma maior
atenção para os conteúdos de Ergonomia ministrados, buscando inserir temáticas voltadas
para o estudo da atividade de trabalho, e não apenas para os itens relacionados à Ergonomia
Clássica. Além disso, ressaltamos a importância da criação de cursos de pós-graduação
direcionados para as metodologias de intervenção do design no artesanato.
Aos pesquisadores do GREPE (Grupo de estudos e pesquisas em
Ergonomia/UFRN) que prosseguirão com o “Projeto Rendeiras da Vila”, sugerimos que as
novas ações direcionadas para o Núcleo de Produção estejam voltadas para o resgate do
desenvolvimento do produto pelas próprias rendeiras, através de ensinamentos das técnicas de
desenhar, de modo que estas não se tornem meras executoras das idéias de agentes externos e
deixem de lado o “uso de si” no produto e no processo.
Por fim, sugerimos, de forma geral, que sejam geradas discussões e reflexões
sobre as intervenções no setor artesanal em que prevaleça o entendimento de que os artesãos
necessitam de intervenções adaptadas à sua realidade, e de que a mudança no trabalho, se esta
vier a acontecer, seja provocada e gerida pelos próprios artesãos, sob sua consciência e
autonomia, e não por injunção das metodologias de intervenção.
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151
Anexos
Anexo I – Roteiro de Ação Conversacional geral
Anexo II – Roteiro de Ação Conversacional para avaliação da oficina
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152
ANEXO I - ROTEIRO PARA AÇÃO CONVERSACIONAL (GERAL)
TEMA QUESTÕES
1 História da Vida
Aprendizado da Renda
Vida em Ponta Negra
Tradição da Renda em Ponta Negra
Vida Familiar
Vida Profissional
Motivação no trabalho e para ensinar
2
Concepção do
Produto
Histórico dos Desenhos (criação)
Confecção dos desenhos (atualmente)
Como são concebidos os produtos
3 Produção
Produtos
Material de uso
Qualidade (o que é, importância)
Processo produtivo
Avaliação da Oficina
4
Organização do
Trabalho
Participação no núcleo.
Posto de Trabalho
Ambiente de trabalho
Distribuição das atividades no núcleo
Divisão do trabalho
Cooperação no trabalho
Formação de cooperativa
CNPJ (já deixou de realizar negócios por não ter CNPJ?).
Gestão da cooperativa
5 Comercialização
Como é feita a comercialização
Por quem é feita
Clientes
Mercado
Preços (relação com o tempo de produção)
6
Identificação de
doença de base,
caracterização das
queixas e fatores
ligados ao
aparecimento das
mesmas.
Presença de doença não ocupacional
Existência de algum desconforto nos braços, pernas ou nas costas que tenha relação
com o trabalho.
Caracterizar o desconforto (como é descrito pela trabalhadora ).
As queixas apareceram depois de quanto tempo na atividade.
As queixas aparecem mais no começo ou fim do dia.
São mais freqüentes no final ou começo da semana.
Os sintomas aumentam com o aumento do ritmo de trabalho.
Fatores desencadeantes das queixas no trabalho.
Movimentos realizados que desencadeavam os sintomas.
A queixa citada já interrompeu a atividade.
Tratamento caseiro ou prescrito por médico para a queixa apresentada.
Uso de medicamentos para tratar as queixas apresentadas.
7
Caracterização da
jornada de trabalho,
ritmo e pausas
existentes.
Tempo na atividade de rendeira
Número de dias na semana dedicada à atividade.
Número de horas diárias dedicada à atividade.
Início e término da jornada.
Em que período do dia ou da semana.
O ritmo de trabalho costuma ser contínuo ou interrompido.
Interrupções programadas.
Interrupções não programadas.
Motivos das interrupções não programadas.
Tempo de duração das interrupções.
8
Avaliação da
satisfação no
trabalho
Satisfação com a remuneração pelo trabalho realizado.
O grupo de trabalho é um grupo de amigos.
Pressão da coordenadora do grupo.
Participação nas questões relativas ao grupo.
Motivação para continuar no grupo.
Pressão pela produção.
O trabalho como fonte de prazer.
Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009
153
ANEXO II - ROTEIRO PARA AÇÃO CONVERSACIONAL – 2007
(AVALIAÇÃO DA OFICINA)
TEMA TÓPICOS
Modelo/ Formatação da oficina
1. Sobre o modelo da oficina
2. Dias e horários (40 horas, 2 semanas)
3. O tempo e período do ano
4. Já participou de outras ações desde nível, promovida por instituições?
Produtos
5. Qualidade dos produtos fornecidos (camisetas, bolsas, etc)
6. Que tipo de produto mais se identifica
7. Qual gostou mais de fazer
8. Sugestões de outros produtos
Produção e Desenhos
9. Desenhos novos / algum complicado
10. Dificuldades
11. Temas (sol, mar, bandeiras, etc)
12. Prefere novos ou antigos
13. Principal diferença entre os desenhos novos e antigos
14. Preferência (maiores ou menores)
15. Sabe fazer a aplicação em outros produtos?
Produção após oficina
16. Após a oficina, destinação das peças e desenhos
17. venda de peças
18. Fez alguma outra em casa ou no núcleo?
19. Se fez. Vendeu? Doou?
20. Se não fez, porque não continuou fazendo?
21. Novos produtos (prazer em fazer, mercado)
22. Comercialização?
23. Acha que pode ganhar dinheiro com renda de bilro? De que maneira ?
24. Acha que novos produtos são alternativas?
Ações Futuras
25. Interesse em novas ações
26. sugestão de algum produto ou desenho
27. Conhece alguém que se interessaria pelos novos produtos?
28. Tem filhas e netas que se interessariam pela renda e pelos novos
produtos?
29. Quantas e as idades?
30. Tem vontade de aprender bijuterias com renda?
Renda Financeira
31. Qual a renda financeira familiar?
32. A renda de Bilro contribui em algo?
Expectativa
33. Perspectiva da Renda no bairro
34. Fim do núcleo
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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Baixar Monografias e TCC
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Baixar livros de Saúde Coletiva
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Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo