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UNESP
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Instituto de Artes – Campus São Paulo
Arthur Rinaldi Ferreira
A Música no Final do Século XX:
um estudo sobre os modelos de organização do
discurso musical no repertório pós-1980
São Paulo / SP
2007
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UNESP
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Instituto de Artes – Campus São Paulo
Programa de Pós-Graduaçaõ em Música
Arthur Rinaldi Ferreira
A Música no Final do Século XX:
um estudo sobre os modelos de organização do
discurso musical no repertório pós-1980
Dissertação apresentada para a obtenção do título
de Mestre junto ao Programa de Pós-Graduação
em Música do Instituto de Artes da UNESP
Área de Concentração: Interpretação/Teoria e Composição
Linha de Pesquisa: Epistemologia e Práxis do Processo Criativo
Orientador:
Edson S. Zampronha
São Paulo / SP
2007
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Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do
Instituto de Artes da UNESP
Ferreira, Arthur Rinaldi
F383m A música no final do século XX : um estudo sobre os
modelos de organização do discurso musical no repertório
pós 1980 / Arthur Rinaldi Ferreira - São Paulo : [s.n.], 2007.
126 f. + anexo.
Bibliografia
Orientador: Prof. Dr. Edson Zampronha
Dissertação (Mestrado em Música) -
Universidade
Estadual Paulista, Instituto de Artes.
CDD - 780.15
Arthur Rinaldi Ferreira
A Música no Final do Século XX:
um estudo sobre os modelos de organização
do discurso musical no repertório pós-1980
Banca Examinadora
Dissertação para a obtenção do título de Mestre
Presidente:_______________________________________
Examinador:______________________________________
Examinador:______________________________________
São Paulo, ____ de _______________ de 2007
Agradecimentos
Agradeço primeiramente aos amigos que fiz ao longo de minha graduação e pós-
graduação, graças aos quais pude amadurecer como músico e como pessoa.
Aos professores e funcionários do Instituto de Artes, cujo auxílio e companheirismo
foram muito importante nesses últimos anos.
À equipe da Presto, pelo cuidado e atenção na editoração de minhas composições.
À minha família, pela compreensão e paciência.
Ao meu orientador, pela confiança, pelos incentivos e pelo aprendizado ao longo
desses anos.
Aos amigos de fora do instituto, alguns antigos, alguns novos, que me trouxeram
novas oportunidades e caminhos inesperados pela vida.
Resumo
Em meio à diversidade musical surgida ao longo do culo XX, muitos campos de
estudo permanecem inexplorados. Nosso trabalho objetiva contribuir para uma visão mais
abrangente sobre a organização do discurso musical em uma parte desse repertório, mais
especificamente aquele pertencente às duas últimas décadas do século XX. Nosso objetivo
é a observação e comparação das formas de organização do discurso musical presentes em
algumas obras desse repertório, buscando delinear as características discursivas desse
período.
Palavras-chave: análise, composição, século XX, discurso musical
Abstract
Among the musical diversity that emerged in the twentieth century, many fields of
study remain unexplored. Our work aims to contribute to a more wide-ranging vision about
the organization of the musical discourse in part of this repertoire, more specifically the one
belonging to the last two decades of the twentieth century. Our objective is the observation
and comparison of the forms of organization of the musical discourse found in some works
of this repertoire, searching for a delineation of the discousive characteristics of this period.
Keywords: analysis, composition, XXth century, musical discourse
Sumário
1. Introdução..............................................................................................................1
2. Análise Musical......................................................................................................4
2.1. Análise no Século XX.......................................................................................4
2.2. Procedimentos Analíticos Adotados...............................................................17
3. O Repertório Pós-1980: Análises Realizadas....................................................25
3.1. Mortuos Plango, Vivos Voco, de Jonathan Harvey........................................25
3.2. Points de Fuite, de Francis Dhomont.............................................................30
3.3. Corale (su “sequenza VIII”, per violino solo), de Luciano Berio..................35
3.4. La Chute d´Icare (Petite Sérénade de la Disparition), de B. Ferneyhough...49
3.5. Les Yeux Clos II, de Töru Takemitsu..............................................................56
3.6. Estudo, ex-tudo, eis tudo pois!, de Gilberto Mendes......................................63
3.7. Quarteto de Cordas No. 3, de Alfred Schnittke..............................................69
3.8. Sextet, de Steve Reich.....................................................................................81
3.9. Lacrimosa, de Krzystof Penderecki................................................................88
4. O Repertório Pós-1980: Características Discursivas........................................94
5. Aplicação Composicional .................................................................................104
5.1. Entre o Pesar e a Leveza..............................................................................107
5.2. Sonhos...........................................................................................................112
6. Considerações Finais.........................................................................................116
7. Bibliografia.........................................................................................................119
8. Outras Referências............................................................................................125
8.1. Partituras......................................................................................................125
8.2. Gravações.....................................................................................................125
- 1 -
1. Introdução
A passagem do século XIX para o século XX foi marcada por profundas mudanças
nas linguagens artísticas ocidentais. Essas mudanças iniciaram um processo de
questionamento das bases dessas linguagens. Na Música, esse questionamento teve como
foco principal de atenção a tonalidade: pode haver música sem tonalidade? Ou a tonalidade
é um pré-requisito para a criação musical?
Como resultado desse questionamento, o pensamento musical ocidental voltou-se
para as bases de seu discurso musical, procurando identificar seus materiais mais
elementares e sua estrutura de organização. É nesse período, por exemplo, que surgem
algumas das principais teorias contemporâneas relacionadas ao estudo da Harmonia,
advindas de musicólogos como Hugo Riemann, Heinrich Schenker e Arnold Schoenberg.
Mas também é nesse período que ocorre a exploração dos limites mais remotos do discurso
tonal. Diversos compositores, como Franz Liszt, Arnold Schoenberg, Alban Berg, Anton
Webern, Alexander Scriabin, Béla Bartók, Claude Debussy, Igor Stravinsky, Edgard
Varèse, fizeram parte deste processo que marcou a História da Música.
O legado desses compositores foi um maior conhecimento sobre o discurso tonal e
um vasto repertório de composições baseadas em novos modelos de construção do discurso
musical. Nesses novos modelos a tonalidade deixa de existir como elemento unificador,
abrindo espaço para a exploração de novos padrões de organização discursiva e para a
expansão dos conceitos musicais tradicionais.
As composições desse período exploraram, em maior ou menor medida, novas
formas de organização temática, melódica, harmônica e formal. Várias dessas composições
são normalmente agrupadas dentro de certas linhas composicionais, algumas recebendo
- 2 -
nomes específicos: impressionismo, expressionismo, dodecafonismo, politonalismo,
neoclassicismo. E toda a produção musical s-1945 dialoga de alguma forma com as
questões levantadas nesse período. Serialismo, minimalismo, neo-romantismo, neo-
modalismo, música espectral, música aleatória, pós-modernismo, nova complexidade.
Todos, em alguma medida, são herdeiros diretos de compositores da virada do século XIX
para o século XX. Devido a esse diálogo, a produção musical pós-1945 acrescentou
inúmeros elementos para a reflexão sobre o processo de construção do discurso musical:
experiências envolvendo acaso e improvisação; processos de automatização dos
procedimentos composicionais; experiências com a combinação de linguagens musicais;
utilização de recursos de gravação e reprodução sonora. E esse processo continua, pois na
passagem do século XX para o século XXI já podem ser observadas novas mudanças no
pensamento composicional, mudanças que decorrem do diálogo das novas gerações de
compositores com essa herança musical.
No entanto, ainda estamos no começo de um longo processo de estudo e
compreensão desse vasto repertório e de suas conseqüências para a História da Música.
Nosso trabalho insere-se nesse panorama e pretende contribuir para uma visão mais
abrangente de uma parte desse repertório, mais especificamente das duas últimas décadas
do século XX. Nosso objetivo é a observação e comparação das formas de organização do
discurso musical presentes em algumas obras desse repertório, buscando delinear as
características desse período tão recente e do qual fazemos parte. No capítulo dois
apresentamos um panorama sobre o processo de análise no século XX, enfocando as
questões referentes à análise da música contemporânea. No capítulo três apresentamos as
análises de nove peças distintas do repertório pós-1980: Mortuos Plango, Vivos Voco, de
Jonathan Harvey, Points de Fuite, de Francis Dhomont, Corale (su “sequenza VIII”, per
- 3 -
violino solo), de Luciano Berio, La Chute d´Icare (Petite Sérénade de la Disparition), de
Brian Ferneyhough, Les Yeux Clos II, de Töru Takemitsu, Estudo, ex-tudo, eis tudo pois!,
de Gilberto Mendes, Quarteto de Cordas nº3, de Alfred Schnittke, Sextet, de Steve Reich, e
Lacrimosa, de Kryzystof Penderecki. No capítulo quatro apresentamos as generalizações
desenvolvidas a partir das similaridades observadas entre as peças analisadas e no capítulo
cinco apresentamos o processo de aplicação dos procedimentos observados em duas
composições próprias. No capítulo seis apresentamos nossas considerações finais sobre a
organização do discurso musical no período final do século XX.
- 4 -
2. Análise Musical
2.1. Análise no Século XX
Em seu artigo no Grove, Ian Bent inicialmente define a análise musical como a
segmentação da estrutura musical em elementos mais simples e na investigação das funções
desses elementos dentro dessa estrutura, em como eles operam (BENT: 1980, p. 340). A
emergência da análise como uma ferramenta de estudo musical pode ser traçada até cerca
de 1750. No entanto, a análise musical somente se estabeleceu como uma atividade em si
mesma no final do século XIX. Tal fato não é mera coincidência e decorre das profundas
mudanças que ocorriam no pensamento musical durante esse período, pois é na passagem
para o século XX que ocorre a fragmentação do discurso tonal, modelo hegemônico na
história da Música Ocidental por cerca de 250 anos. Essa fragmentação cria um momento
histórico de grande instabilidade na Música, visto nas diversas correntes estético-
composicionais surgidas ao longo do século XX.
Tradicionalmente, a análise musical consistia na identificação da forma de uma peça
tendo como base a comparação com os protótipos formais existentes nos manuais e livros
teóricos sobre o assunto (COOK: 1987, p. 9 - Adaptado). Esses protótipos tradicionais
podem ser divididos em dois grupos
1
:
Formas Fechadas ou Seccionais (Ex.: formas binárias e ternárias):
constituídas por seções em geral claramente definidas e com alto grau de
independência; apresentam comumente padrões rítmicos regulares, frases de
proporções simétricas e regulares, organização melódica balanceada e
presença de fortes cadências;
1
As divisões descritas neste trecho são baseadas em Piston (1987, p. 213-214).
- 5 -
Formas Abertas (Ex.: sonata e rondó): constituídas por um discurso
temático calcado na apresentação e no desenvolvimento de temas e motivos;
a organização de suas seções se baseia na oposição entre trechos temáticos
(apresentações e temas) e trechos não-temáticos (transições e
desenvolvimentos); a organização de seus elementos é dependente da
estreita relação existente entre a estrutura temática e a estrutura harmônica:
trechos temáticos apresentam centro tonal estável, enquanto trechos não-
temáticos apresentam centro tonal instável.
Tais protótipos nada mais são do que generalizações de modelos de organização
formal realizadas com base na análise de um grande número de obras tidas como
representativas da produção musical tonal.
A Música é um tipo de linguagem humana. E toda linguagem é constituída por
unidades inter-relacionadas dentro de um sistema que permite a combinação dessas
unidades em organizações mais complexas capazes de estabelecer algum tipo de
comunicação entre indivíduos. Assim, o principal objeto por trás da elaboração desses
modelos generalizados é a busca pela compreensão do funcionamento dessas obras
consideradas marcos da música ocidental. Nas palavras de Bent, a tentativa de “responder
diretamente a questão ´Como isto funciona?´” (BENT: 1980, p. 342). Essa busca voltava-se
especialmente para um repertório considerado símbolo do pensamento tonal, como a obra
de Mozart e Beethoven, e que se diferenciava drasticamente de composições do final do
século XIX.
Nesse processo, que adentrou o século XX, a análise musical era tratada como uma
ferramenta capaz de desvendar os segredos dos mestres do passado, de entender como um
conjunto de notas e de acordes podia ser transformado em uma obra musical, de entender
- 6 -
como um tema era construído, de entender as relações entre as partes da peça, de entender o
sentido ou o significado de uma peça. É nesse período que surgem algumas das principais
propostas teóricas relacionadas à análise musical e que atualmente constituem as bases para
a análise do repertório tonal, como a visão funcional da harmonia proposta pelo musicólogo
Hugo Riemann ou o conceito de estrutura profunda presente no método analítico
desenvolvido pelo musicólogo Heinrich Schenker.
Apesar das diferenças em seus procedimentos, todos os métodos desenvolvidos para
a análise do repertório tonal buscavam a compreensão do pilares de sustentação desse
discurso. Buscavam entender as características dos elementos mínimos que lhe serviam de
unidades básicas e quais as características das relações estabelecidas entre esses elementos.
Buscavam extrair modelos que explicassem o funcionamento de um determinado conjunto
de obras e por meio dos quais seria possível a criação de novas obras com discursos
similares aos das obras de referência.
Contudo, tais modelos não dão conta de todas as variáveis presentes nos processos
de composição, interpretação e audição musical. Diversas obras do repertório tonal não se
enquadram facilmente nesses modelos formais, menos ainda obras que lidam com as
fronteiras do discurso tonal, como é o caso de uma considerável parte da produção musical
do final do século XIX e início do século XX. Por conta disso, o próprio processo de
análise passa por uma profunda reflexão ao longo do século XX: sobre sua função, sua
importância, seus métodos, sua precisão, sua neutralidade.
Bent nos aponta que “o analista está preocupado com a natureza da obra musical:
com o que ela é, ou personifica, ou significa; com como ela se tornou o que é; com seus
efeitos ou implicações; com sua relevância para, ou valor para, seus receptores” (BENT:
1980, p. 341). Nessa definição de análise notamos alguns pontos importantes e que
- 7 -
expandem o processo analítico para fora da partitura. Aspectos como o contexto histórico e
a interação entre obra e público passam a fazer parte do conjunto de questões que um
analista deve considerar ao se debruçar sobre uma obra. Também se torna cada vez mais
presente a noção de que a análise não é um processo neutro e objetivo, o que nos leva a
observar que a questão “Como isto funciona?”, apontada anteriormente, pode levar a
respostas muito diferentes dependendo de quem analisa a peça.
Cook nos diz que o processo de classificação constitui a base indispensável da
análise musical (COOK: 1987, p.7). E o ato de classificar algo pressupõe: 1) a existência de
uma tipologia, um conjunto de possíveis classificações nas quais esse algo possa ser
enquadrado, e 2) a possibilidade de identificação de certas características naquilo que se
deseja classificar. A identificação dessas características é possível através de um conjunto
de perguntas que o analista realiza em relação ao objeto analisado. Questões como “qual o
motivo principal dessa peça e como esse motivo é utilizado ao longo dela?” e “quais são as
notas estruturais das diferentes vozes dessa peça?conduzem a análises completamente
distintas: a primeira nos conduz a uma análise psicológica segundo o método de Rudolph
Reti; a segunda nos conduz a uma análise schenkeriana
2
. Percebemos pelo exemplo acima
que as questões feitas pelo analista alteram profundamente o processo de análise e,
conseqüentemente, seus resultados. Isso ocorre não porque as perguntas realizadas são
diferentes, mas também porque a tipologia adotada é diferente, o que indica que os métodos
e os modelos analíticos dos dois musicólogos apontados apresentam diferenças
significativas. Assim, o processo de análise musical não pode ser reduzido a uma
observação neutra do objeto a ser estudado, pois ele pressupõe a utilização de um conjunto
de conhecimentos teóricos e empíricos por parte de quem realiza a ação de analisar. Esse
2
Para uma visão sobre diferentes métodos de análise ver COOK (1987).
- 8 -
conjunto de conhecimentos determina a tipologia adotada pelo analista e, por conseqüência,
as possíveis perguntas que o analista faz sobre a obra, configurando um método específico
de análise, tal como um conjunto de possíveis resultados analíticos.
A consciência dessa não-neutralidade do processo analítico leva à compreensão de
que a linguagem musical não se resume a uma relação mensagem-código segundo os
modelos da Teoria da Informação, pois o uma mensagem a ser transmitida, nem
um código estabelecido entre indivíduos. A própria relação entre materiais musicais e
estrutura musical não é fixa, pois é apenas no processo de interação desses elementos, seja
durante a composição ou a escuta de uma obra, que materiais e estrutura se definem
mutuamente: o sistema de relações não é estável, ele é dinâmico, mutável (ZAMPRONHA:
1995, p. 118 - Adaptado). A consciência da não-neutralidade também leva à compreensão
de que o processo de análise musical envolve decisões interpretativas por parte de quem
analisa, consistindo, portanto, em uma atividade interpretativa similar em certos aspectos à
realizada por um intérprete ou por um ouvinte. No entanto, essas atividades não são
exatamente iguais. Suas diferenças residem no conjunto de referências utilizadas para essa
interpretação, no conhecimento teórico e empírico daquele que interpreta e no grau de
profundidade dessa interpretação. Assim, a função do analista não reside no desvendar os
segredos de uma obra ou na descoberta de seus motivos ou de sua estrutura. Ela reside na
busca pelo aprimoramento do conjunto de visões interpretativas partilhadas por uma
comunidade musical sobre uma obra ou sobre um determinado repertório. Tal
aprimoramento torna-se necessário à medida que ocorrem mudanças significativas no
pensamento musical de uma determinada época, mudanças que geram um processo de
reavaliação dos conceitos e das visões interpretativas partilhadas por uma determinada
comunidade musical. E esse aprimoramento visa, por meio de um novo modo de
- 9 -
observação/escuta, adquirir uma nova visão sobre esta obra; visa descobrir novas relações
discursivas presentes nela; visa expandir as possibilidades interpretativas dos ouvintes que
entram em contato com essa obra.
A posição de ouvinte, num concerto ou por meio de gravações, é geralmente a
primeira postura adotada por uma pessoa no contato com uma obra nova. Segundo
Zampronha (2004, p. 75-76), nesse contato o ouvinte busca uma construção mental que
torne inteligível aquilo que ele escuta. Essa construção é fruto da interação de algumas
variáveis: das múltiplas possibilidades de entendimento de uma obra (uma obra permite a
construção de um conjunto de possibilidades interpretativas sobre si, enquanto dificulta a
construção de outras), dos elementos circunstanciais à escuta (vários elementos podem
interferir significativamente na escuta de uma obra, elementos como grau de ruído externo
à execução musical, ou grau de atenção e nível de cansaço do ouvinte) e das experiências
individuais adquiridas anteriormente (conjunto de referências auditivas do ouvinte, nível de
conhecimento teórico musical, nível de conhecimento auditivo empírico de repertório
musical). Além disso, essa construção não é absoluta, mas dinâmica, sofrendo constantes
modificações. Essas modificações advêm das múltiplas escutas que um ouvinte realiza,
tanto dessa obra como de outras, e da troca de informações entre uma determinada
comunidade de ouvintes. Esse processo bastante complexo molda a interpretação realizada
por um ouvinte de uma obra determinada, assim como molda seu conjunto de possíveis
estratégias interpretativas no contato com outras obras, novas ou conhecidas. E esse
processo ocorre em todos os ouvintes de uma comunidade, moldando gradualmente certos
consensos sobre o entendimento do discurso musical dessa comunidade de ouvintes
(ZAMPRONHA: 2004, p. 75-76 - Adaptado). E é nesse ponto que reside uma das funções
principais do analista, pois sua abordagem aprofundada sobre um conjunto de obras visa
- 10 -
diretamente compreender esses consensos e, caso necessário, adequá-los às mudanças
observadas em um dado repertório.
Devido à fragmentação do discurso tonal mencionada anteriormente, a análise de
peças do repertório contemporâneo deve ser baseada em uma abordagem analítica que lhe
seja adequada, que seja capaz de refletir sobre os elementos componentes desse discurso
musical e das relações estabelecidas entre seus elementos componentes. E para o
delineamento dessa nova abordagem, que ainda hoje não se encontra estabelecida, a
percepção constitui uma ferramenta fundamental.
A percepção é o meio pelo qual descobrimos a existência e natureza dos objetos
externos. Segundo Hirst (1972, p. 79), o processo perceptual apresenta os seguintes pontos
característicos: 1) nos possibilita a tomada de consciência do mundo exterior, dos objetos
materiais; 2) nos permite adquirir informações sobre os objetos materiais e sobre suas
propriedades; 3) é um processo em grande medida intuitivo; 4) é um processo variável tanto
em qualidade como em precisão; 5) é um processo que muitas vezes envolve julgamentos
ou asserções. O processo perceptual está presente em todo tipo de interação entre um
indivíduo e os fenômenos com os quais este entra em contato, incluindo o fenômeno
musical. E é por meio da percepção que tem início o processo de construção de nossas
visões interpretativas e que moldam diretamente um determinado fenômeno; em outras
palavras, é o início do processo de construção daquilo que é percebido por aquele que
percebe. Esse processo de construção ocorre porque a “percepção é mais do que apenas
experiência sensória, pois identificamos e interpretamos” o que nos chega através dos
sentidos (HIRST: 1972, p. 81). E essa identificação e interpretação mencionadas por Hirst
como partes integrantes do processo perceptual nos indicam que perceber é um processo
seletivo e classificatório.
- 11 -
Essa breve consideração sobre a percepção nos mostra a grande proximidade
existente entre escutar (ou perceber) e analisar uma obra: ambos os processos envolvem a
identificação e classificação de elementos e de relações. Isso significa que não basta ouvir
uma obra que apresente um discurso consideravelmente novo e pressupor que um novo
método de abordagem desse discurso possa ser gerado simplesmente a partir do
levantamento das características objetivamente encontradas nessa obra. A adoção de uma
abordagem analítica para esse repertório pressupõe a adoção de uma abordagem auditiva
diferenciada para esse mesmo repertório. Atualmente, permanece em aberto a discussão
sobre o grau de interferência que somos capazes de realizar sobre nossa percepção, tida
como predominantemente intuitiva. E tal característica leva muitos autores à diferenciação
entre percepção e cognição, atribuindo ao segundo termo conotações que englobam
conceitos como inteligência, raciocínio e consciência. Não iremos aprofundar esse tema
bastante amplo e controverso, mas nossa referência serve como alerta para o seguinte fato:
assim como o processo analítico não pode ser considerado neutro, o processo perceptual
também não pode. Conforme visto anteriormente, o processo analítico pressupõe a
existência de uma tipologia (um conjunto de classificações) e de um procedimento através
do qual pode-se classificar um fenômeno a partir da observação de suas características (um
conjunto de perguntas sobre esse fenômeno). E se a percepção também envolve
identificação e classificação, então nós possuímos algum tipo de tipologia e de perguntas
que utilizamos em nosso processo perceptual
3
. A conclusão a que chegamos é que analisar
3
A percepção envolve um grande conjunto de variáveis: o contato com os fenômenos físicos por meio dos
órgãos sensoriais; a transmissão de sinais entre esses órgãos e o cérebro; o processamento desses sinais pelo
cérebro. também o envolvimento da memória e da intencionalidade, embora haja grandes controvérsias
sobre seus papéis exatos no processo perceptual. Existem diversas teorias que tentam explicar como funciona
esse processo, cujos principais estudos enquadram-se na área atualmente denominada de Ciências Cognitivas
(para uma visão geral da contribuição das Ciências Cognitivas à Música ver o trabalho de Luís Felipe de
Oliveira intitulado As contribuições da ciência cognitiva à composição musical, dissertação de mestrado
- 12 -
é uma forma particular de escutar (ou perceber) uma obra. Por isso identificamos
anteriormente analisar e escutar como atividades interpretativas. Mas essa interpretação
não inclui apenas o aspecto consciente desse processo, ela envolve também hábitos
arraigados em nossa percepção, hábitos que influem diretamente sobre as construções que
podemos realizar sobre uma determinada obra musical.
A passagem anterior nos mostra que o contato com o repertório contemporâneo
requer uma mudança em nossos hábitos interpretativos. E essa mudança é possível por
meio da adaptação desses hábitos às novas características desse repertório. Todo ouvinte
dialoga com uma obra musical por meio de seus hábitos (ou estratégias) interpretativos
particulares, que incluem hábitos de atenção e de interesse. Quanto menor a
correspondência entre o discurso presente nessa obra e esses hábitos particulares, maior é o
conflito gerado pelo processo de construção de uma interpretação, ou um modelo mental,
que torne inteligível essa obra. Esse conflito gera uma instabilidade no processo cognitivo
que pode levar o ouvinte à reformulação de seus hábitos interpretativos (ZAMPRONHA:
2004, p. 77). Esses eventos que geram instabilidade são, em geral, os que apresentam maior
impacto no processo de formação de nossas estratégias interpretativas, como no caso de
um ouvinte ao escutar uma determinada obra e considerá-la marcante: nesse caso, essa
determinada obra teve tamanho impacto sobre as estratégias interpretativas desse ouvinte
que o levou a uma significativa adaptação dessas estratégias. Essa adaptação molda novos
hábitos interpretativos que serão utilizados nas próximas escutas que esse ouvinte venha a
realizar.
defendida na Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP em 2003). O principal destaque nessa área de
estudo é a questão da existência ou não de representações no processo cognitivo humano, assim como uma
avaliação mais precisa sobre a possibilidade de interferência que o indivíduo é capaz de exercer sobre esse
processo.
- 13 -
As grandes transformações ocorridas na passagem para o século XX criaram um
período de grande instabilidade, cujas conseqüências para o pensamento humano ainda são
sentidas atualmente. Essas transformações obviamente também tiveram repercussões no
pensamento musical, o qual transformou-se significativamente nesse período, num processo
que estendeu-se por grande parte do século XX. De especial destaque para os músicos
dessa época é a grande reflexão que encontramos nesse período sobre o pensamento e a
linguagem humanos. Segundo Zampronha, “música contemporânea... não é outra coisa
senão pesquisa de linguagem musical(ZAMPRONHA: 2001, p. 27). E essa pesquisa de
linguagem da qual Zampronha fala não é outra coisa senão pesquisa sobre modelos de
discurso musical, sobre os materiais que podem servir de base para esse discurso e sobre os
modos de organização desse discurso. Em outras palavras, é a criação de novos modelos
discursivos em Música, fruto de modificações do pensamento musical ocorridos em uma
dada época. Essa modificação do pensamento musical é gerada pela instabilidade e pelo
conflito surgidos da interação entre os novos modelos discursivos encontrados no repertório
contemporâneo com os hábitos interpretativos existentes em uma comunidade de ouvintes.
E nesse período de passagem para o século XX esse processo adquiriu grandes proporções,
levando à criação de consensos localizados e a uma situação de grande instabilidade
musical que ainda não foi abrandada.
Ao longo do século XX, essa instabilidade do pensamento musical, e do
pensamento humano de um modo geral, teve como frutos diversas propostas
composicionais, como o serialismo, atonalismo, aleatorismo, música eletroacústica. Essas
pesquisas buscaram explorar a utilização de diferentes materiais musicais, assim como
diferentes modos de organização desses materiais, expandindo cada vez mais os limites
convencionalmente estabelecidos do discurso musical e levando a uma crise dos principais
- 14 -
conceitos herdados do discurso tonal. Conceitos como Harmonia, Timbre, Motivo, Frase,
Melodia, e mesmo Obra Musical passam a não se enquadrar de modo confortável à
realidade musical encontrada no século XX e são reavaliados. A etapa seguinte consiste ou
na reformulação dos conceitos anteriores, ou na formulação de novos conceitos, levando a
uma modificação do pensamento musical de modo a incorporar as mudanças discursivas
encontradas no repertório contemporâneo. Isso só é possível porque o período de
instabilidade que marcou a passagem para o século XX deixou marcas profundas no
pensamento humano e, por conseqüência, no modo como nós percebemos a música, marcas
que ainda hoje continuam a alimentar novas transformações.
A nova postura de escuta propiciada por esse período de instabilidade levou a
pesquisas diversas na área musical sobre a percepção auditiva e sobre o processo cognitivo
do fenômeno sonoro. Como exemplo desse movimento citamos o trabalho marco de Pierre
Schaeffer, fundador da música concreta
4
, cujas pesquisas sobre a escuta humana ainda
constituem uma das principais ferramentas de referência sobre o assunto. Sua principal
publicação é o Tratado dos Objetos Musicais, obra publicada em 1966 que aponta os
estudos laboratoriais realizados por Schaeffer, assim como suas reflexões sobre a escuta
humana. Dentro dessas reflexões um termo chave, e que ilustra uma mudança de postura
auditiva no século XX, é o conceito de escuta reduzida
5
, que pode ser definido como o
voltar nossa atenção para a escuta das qualidades intrínsecas de um som nele mesmo,
deixando de lado o conhecimento prévio que possuímos acerca deste, incluindo sua fonte
4
O termo música concreta foi cunhado por Pierre Schaeffer e refere-se à composição de obras musicais por
meio da edição de fitas magnéticas, entre outros suportes, que contenham sons previamente gravados (sons
concretos). A música concreta é considerada como o primeiro gênero de música eletroacústica no sentido
contemporâneo do termo, uma música realizada por meio de suportes eletro-eletrônicos para ser difundida por
alto-falantes.
5
O termo escuta reduzida foi elaborado a partir das leituras de Shaeffer sobre os escritos do filósofo Edmund
Husserl, fundador do pensamento fenomenológico. A influência da Fenomenologia no pensamento
contemporâneo foi marcante, o que em Música pode ser visto sobretudo na obra de Pierre Schaeffer.
- 15 -
sonora. Nas palavras de Garcia (1998, p. 29), a escuta reduzida é “um descondicionamento
dos hábitos de escuta”, definição que deixa clara a mudança de postura auditiva gerada pelo
pensamento de Schaeffer.
Devemos deixar claro que não existe uma única postura auditiva, nem nunca houve.
Existem, pelo contrário diversas posturas, cada uma constituída por certo conjunto de
hábitos interpretativos presentes num indivíduo. Em períodos de instabilidade, esses
hábitos interpretativos variam muito entre os indivíduos de uma comunidade. Isso é
especialmente presente no século XX devido à diversidade de discursos musicais presentes
num mesmo período histórico. Apesar disso, o diálogo entre os diversos ouvintes de uma
comunidade leva a uma troca de informações que inevitavelmente modela seus
conhecimentos musicais, assim como seus hábitos interpretativos (ZAMPRONHA: 2004,
p. 79-80 - Adaptado). E, conforme vimos anteriormente, a múltipla ocorrência desse
processo leva ao estabelecimento de consensos dentro dessa comunidade. Na passagem
para o culo XX alguns consensos fortemente estabelecidos sobre o pensamento musical
foram abalados e teve início um longo processo de discussões e reflexões que gradualmente
leva à formulação de consensos mais abrangentes, caso sejam adotados por uma grande
parcela de ouvintes de uma dada comunidade. E nesse processo de discussões e reflexões
sobre o pensamento musical a análise tem um papel muito importante, uma vez que permite
um contato aprofundado com obras do repertório contemporâneo, estabelecendo um
diálogo entre produção e audição musical. Em relação ao repertório do século XX, a análise
é uma das principais ferramentas para a construção de uma visão interpretativa mais
aprofundada desse repertório, uma ferramenta que possibilita a identificação das relações
existentes entre diferentes obras contemporâneas, das similaridades discursivas existentes
entre elas. Em casos onde convivam linhas estético-composicionais o variadas como as
- 16 -
encontradas no século XX, a análise permite uma melhor compreensão das características
que as unificam como pertencentes a um mesmo período histórico, como potencialmente
inseridas no mesmo processo de reconstrução de nossos hábitos interpretativos, de
transformação de nosso modelo de pensamento e dos consensos existentes em nossa
comunidade.
Em nossa pesquisa, enfocamos a análise do repertório pós-1980. Nossa escolha se
baseia na observação de confluências no pensamento musical de compositores bastante
diferentes, confluências que nos mostram a tendência para um possível delineamento de
consensos mais gerais sobre conceitos chaves do pensamento musical. Assim, nosso
principal objetivo é a observação e comparação das formas de organização do discurso
musical presentes em algumas obras desse repertório. Isso nos fornece um maior
embasamento para a reavaliação de conceitos fundamentais à área musical, especialmente
conceitos como Música, Som, Estrutura e Coerência. Em nosso cotidiano, reconhecemos
um evento sonoro como música quando lhe atribuímos interpretantes que são normalmente
ligados ao conceito de sica (NATTIEZ, 1990, p. 41 - Adaptado). Assim, a reavaliação
de nossos conceitos mais fundamentais relacionados à teoria e prática musical conduz à
alteração da rede de conceitos (hábitos interpretativos) que utilizamos para interpretar e
atribuir significados ao repertório musical com o qual temos contato, incluindo novas
interpretações sobre as obras do passado; conduz à reformulação dos consensos que
caracterizam o entendimento musical; conduz à produção de novas obras que alimentarão
esse processo, podendo conduzi-lo à criação tanto de uma maior estabilidade quanto de
uma maior instabilidade do pensamento musical.
- 17 -
2.2. Procedimentos Analíticos Adotados
Conforme apontamos acima, a análise musical permite uma visão mais aprofundada
sobre os materiais e as relações estabelecidas entre eles numa dada obra. Mas isto depende
profundamente das questões levantadas pelo analista em relação à peça. Assim, a base de
todo processo analítico consiste num conjunto de questões mais ou menos estabelecidas: se
a peça pode ser segmentada numa série de seções mais ou menos independentes; como os
materiais de uma obra se relacionam; como esses materiais se definem de acordo com o
contexto da obra; quais as relações encontradas numa obra são mais importantes e quais são
menos importantes (COOK: 1987, p.2 - Adaptado). Essas questões levam em consideração
alguns elementos discursivos que tendem a ocorrer em grande parte do repertório musical
ocidental: repetição, variação, contraste, conexão, justaposição (DUNSBY & WHITALL:
1988, p. 4).
Segundo Cook, nossa abordagem analítica pode ser classificada como uma
abordagem formal (COOK: 1987, p. 116). Essa abordagem consiste na codificação de uma
obra em signos, como materiais, motivos e pontos de articulação, e na posterior elaboração
de um modelo formal baseado na organização dos padrões constituídos por esses signos.
Nosso método parte de duas referências principais: a partitura da peça, que nos fornece um
esquema visual de sua execução, e uma gravação de referência, que nos fornece uma
realização factual da obra. De especial importância em nossa abordagem é a participação da
percepção auditiva no processo analítico, o que é realmente possível se algum tipo de
gravação sonora da obra é utilizada
6
. A partir dessas referências de base, nossa primeira
6
Devemos ressaltar que a participação da percepção auditiva pode ocorrer por outros meios além de uma
gravação. No caso específico de um intérprete que realizará a estréia de uma peça nova, a percepção auditiva
- 18 -
etapa consiste na segmentação da peça em trechos de média e curta duração. Essa
segmentação é realizada a partir da identificação de pontos de articulação: pontos de
separação entre trechos e que são caracterizados por mudanças, geralmente súbitas, em
alguns parâmetros musicais importantes. Esses parâmetros incluem os tradicionais timbre,
altura, dinâmica (ou intensidade) e ritmo, assim como outros que adquiriram maior
importância analítica no século XX, como registro, densidade de eventos e grau de
estabilidade.
Nessa etapa inicial de segmentação é possível o delineamento dos principais
materiais da peça. Esses materiais são traços ou marcas, utilizando conceitos de Jacques
Derrida
7
, que o ouvinte identifica no conjunto da obra e que podem ser generalizados em
uma configuração reconhecível pela escuta. Tais materiais são estabelecidos pelo contexto
da peça, a partir do reconhecimento de elementos ou padrões recorrentes. Assim,
parafraseando Zampronha, um fragmento musical que aparece na obra pela primeira vez
poderá ser, mas não é ainda, um material. Esse fragmento será um material na medida em
que uma configuração reconhecível pela escuta possa ser generalizada (ZAMPRONHA:
1995, p. 96). A nomenclatura dada a esses materiais na análise do século XX varia bastante,
sendo motivo, figuração e padrão as mais comuns. Em nossas análises, utilizamos
figuração como referência a uma unidade de construção discursiva, que corresponde a “um
conjunto de relações razoavelmente flexíveis envolvendo diversos parâmetros musicais que
se delineiam temporalmente e que podem ser generalizados em uma configuração que a
entra no processo analítico/interpretativo através da leitura e do ensaio realizados junto ao instrumento(s)
musical(is) para o qual a peça é escrita. Embora sua natureza não seja a mesma do contato com uma gravação,
ela possibilita ao intérprete uma ponte entre os sinais gráficos da partitura e os sons que são gerados pelo(s)
intrumento(s).
essa etapa é fundamental para a elaboração de uma interpretação musicalmente interessante, que valorize
7
Para uma visão sobre a utilização desses conceitos no processo de análise musical ver NATTIEZ (1990).
- 19 -
escuta reconhece”
8
(ZAMPRONHA: 2002, p. 96). Essas definições assemelham-se muito à
definição contemporânea de motivo, a qual optamos por não utilizar devido às conotações
de expansão e desenvolvimento que o motivo apresenta no repertório tonal. Em muitas
peças do repertório contemporâneo encontramos unidades de construção discursiva que não
são utilizadas num discurso musical desenvolvimentista, o que nos leva a adotar o termo
figuração. Nas peças analisadas, um elemento de grande importância para a caracterização
das figurações é a identificação de um perfil melódico característico. O perfil melódico é
abstraído a partir de uma estrutura intervalar mais ou menos flexível, onde o que prevalece
é a proporção relativa entre os intervalos melódicos presentes em uma determinada
passagem. Também utilizamos o termo padrão para fazer referência a uma unidade
discursiva cuja utilização é marcada por repetições e por variações graduais de suas
características iniciais.
Além dos parâmetros musicais expostos acima, também utilizamos alguns conceitos
derivados da música eletroacústica, especialmente de Pierre Schaeffer (1966). Esses
conceitos são particularmente eficientes na escuta e análise de obras eletroacústicas, mas
também são ferramentas muito úteis para o repertório instrumental
9
. Não iremos discorrer
sobre a teoria de Schaeffer, a qual inclui uma vasta gama de classificações tipo-
morfológicas. Os conceitos utilizados em nossas análises que provenham desse campo de
estudos mais específico receberão notas explicativas particulares, de modo a não prejudicar
o objetivo maior da pesquisa.
8
A definição citada aqui se refere originalmente a motivo. Optamos pela diferenciação entre motivo e
figuração devido às implicações formais que o conceito de motivo apresenta no repertório tradicional tonal,
especialmente na forte associação existente entre motivo e desenvolvimento temático. Também evitamos o
termo figura para que não se confunda com a terminologia adotada por Ferneyhough (1998) ao diferenciar
figura, gesto e textura.
9
Ver o interessante trabalho de Rael Gimenes Toffolo (2004), que realiza uma revisão dos conceitos de
Schaeffer e os aplica na análise musical.
- 20 -
Para a definição mais precisa dos materiais de cada peça, utilizamos textos
relacionados aos compositores analisados como referências complementares. Tais textos
trazem menções aos elementos discursivos utilizados pelos compositores no conjunto de
sua obra, o que nos fornece outros elementos contextuais para um maior aprofundamento
das análises. Nosso método de identificação de tais materiais aproxima-se da análise
semiológica do musicólogo Jean-Jacques Nattiez (NATTIEZ: 1990), especialmente do que
ele denomina por análise do nível neutro. Essa identificação apresenta uma natureza
predominantemente descritiva (NATTIEZ: 1990, p. 32), embora esta descrição dependa de
várias escolhas interpretativas da parte de quem analisa, conforme apontado anteriormente.
Com base na segmentação de trechos e no levantamento dos materiais de cada peça,
passamos à próxima etapa do método analítico, que consiste na reflexão sobre os materiais
e os trechos encontrados, de modo a identificar suas partes principais. Nessa etapa,
avaliamos os graus de similaridade e contraste, conexão e separação, observáveis entre os
trechos das peças, procedimento semelhante ao apontado por Dunsby & Whitall ao
comentarem os métodos de análise de peças atonais da Segunda Escola de Viena
(DUNSBY & WHITALL: 1988, p. 163-164). Nesta etapa consideramos como critério
principal a observação daquilo que Bent descreve como os “três processos básicos de
construção: recorrência, contraste e variação” (BENT: 1980, p. 342). Essas classificações
constituem padrões para o estabelecimento de relações entre as partes das peças, e em
nossas análises priorizamos alguns tipos específicos de classificações derivadas da tradição
musical e dos conceitos de Bent:
Exposição: parte caracterizada pela apresentação de materiais de
importância no contexto da peça;
- 21 -
Re-exposição: parte caracterizada pela retomada de materiais apresentados
anteriormente e cuja função consiste no estabelecimento de uma relação de
similaridade com a primeira parte da peça (recorrência);
Desenvolvimento: parte caracterizada pela exploração de modificações e
transformações de materiais expostos anteriormente, incluindo
transposições, variações (rítmicas, melódicas, harmônicas, texturais, entre
outros) e fragmentações; o desenvolvimento apresenta como função
predominante o estabelecimento de um contraste, mas sem a perda de
relações de similaridade com a parte inicial (variação);
Contraste: parte caracterizada por grandes alterações em diversos
parâmetros quando comparada com a parte anterior e pela utilização de
materiais diferentes daqueles presentes em partes anteriores; sua função
consiste no estabelecimento de uma relação de diferenciação em relação à
parte inicial, muitas vezes com pouco ou nenhum tipo de similaridade;
Síntese: parte caracterizada pela combinação das características de duas ou
mais partes anteriores e que estabelece relações de similaridade (recorrência)
com essas partes.
Um aspecto particularmente importante desta etapa é a reflexão sobre as
características discursivas da peça. Essa reflexão leva em conta processos de recorrência,
contraste e variação, citados por Bent, assim como processos de direcionalidade,
polarização e referencialidade. Processos de direcionalidade referem-se à presença de
constantes e graduais modificações em diversos parâmetros de forma a delinear um perfil
- 22 -
morfológico
10
que conecte, por exemplo, dois trechos distintos. Uma característica
discursiva importante dos processos de direcionalidade é a geração de variados níveis de
expectativa, no ouvinte, e de reforço, ou destaque, do ponto de finalização do processo. Na
música tonal dois processos direcionais bastante característicos são as progressões por
seqüências e por rculo de quintas, por exemplo. Os processos de polarização referem-se à
ênfase, ao longo de uma passagem, sobre determinada(s) nota(s)
11
. Essa ênfase pode ser
estabelecida por meio de repetições, reforços harmônicos, relações melódicas, além de
destaques realizados por outros parâmetros, como timbre, textura e modo de articulação.
No repertório tonal, dois processos característicos de polarização são o estabelecimento de
um eixo tonal (a própria tonalidade), e passagens de pedal, nas quais uma nota é sustentada
ou repetida ao longo de um trecho, entre outros. Os processos de referencialidade referem-
se normalmente à incorporação no discurso de uma obra de significados que se encontram
fora do contexto restrito da peça. Esses significados são fruto de hábitos
convencionalizados de escuta, como a identificação de fontes sonoras (reconhecimento de
um som de trem ou de um pássaro) ou o reconhecimento de citações, e podem ser utilizados
para a expansão do discurso musical de uma peça.
A partir da observação desses diferentes processos e da reflexão sobre as
características discursivas de cada obra, buscamos encontrar um modelo que sintetize os
principais elementos encontrados e sua rede de relações. Esse modelo deve ter como
principal objetivo a identificação das características discursivas que definem cada peça em
particular como uma obra musical e não como uma mera colagem de trechos desconexos.
10
Esse perfil morfológico é constituído pela observação das variações nos parâmetros musicais de um trecho
ao longo do tempo.
11
O conceito de polarização advém dos trabalhos teóricos do francês Edmond Costère, nos quais buscou
compreender os traços de parentesco entre a harmonia atonal e as harmônicas de épocas anteriores (tonal e
modal) (MENEZES: 2002, p. 102).
- 23 -
Ao considerarmos que a produção musical contemporânea é uma das mais ricas enquanto
pesquisa de linguagem de toda a história da música
12
, partimos do pressuposto que o foco
das pesquisas volta-se para o discurso musical, o que nos parece ser uma característica
especialmente presente no repertório das últimas décadas do século XX.
A última etapa de nosso método consiste na comparação dos resultados dessas
análises, na observação de suas semelhanças e diferenças, e na generalização de
procedimentos discursivos característicos do repertório pós-1980. Essa etapa tem como
objetivo o delineamento das características discursivas presentes nesse repertório, buscando
similaridades na organização do discurso musical e, conseqüentemente, no pensamento
composicional e musical dos compositores desse período. O procedimento adotado nesta
etapa aproxima-se do método indutivo esboçado pelo musicólogo Guido Adler
13
e do
método empírico-descritivo descrito pelo musicólogo Knud Jeppesen
14
, este último
consistindo numa expansão do método de Adler.
O intuito final de todo o processo analítico realizado nesta pesquisa é construir um
retrato das formas de construção e organização do discurso musical do final do século XX.
Em meio à diversidade de linhas estéticas e meios instrumentais observáveis nesse período,
consideramos fundamental um estudo geral sobre os modelos de organização do discurso
12
Toda composição é, em maior ou menor medida, pesquisa de linguagem, uma vez que sua elaboração é
possível por meio da manipulação de signos de algum tipo (gráficos, sonoros, gestuais), de modo a gerar uma
obra nova. Mas uma característica marcante do panorama musical do século XX é a diversidade de estilos e
de linhas estéticas adotadas pelos compositores contemporâneos. Tal diversidade cria uma intrincada rede de
inter-relações que, inevitavelmente, influi no processo de escuta de uma obra. Assim, mesmo uma linha
estética, fictícia, que possuísse um alto grau de especificidade quanto aos materiais e quanto aos guias que
devem ser adotados na escuta de uma obra, não pode evitar o processo natural de interferência que todo o
resto do repertório musical gera no ouvinte. Isso faz com que o ouvinte tenha uma gama muito mais
diversificada de abordagens auditivas dessa obra, as quais ultrapassam os limites previamente estabelecidos.
Essa diversidade enfatiza, consequentemente, os processos que caracterizam a música como linguagem, como
fenômeno de natureza predominantemente discursiva, pois ela força o ouvinte a, potencialmente, romper com
os modelos estabelecidos, a buscar novos modos de observação/escuta e a expandir suas possibilidades
interpretativas.
13
Para maiores referências ver BENT: 1980, p. 356 a 358.
14
Para maiores referências ver BENT: 1980, p. 358 a 359.
- 24 -
musical adotados pelos compositores desse período, pois somente um estudo abrangente,
que não se limite a uma linha estética determinada, é capaz de delinear um perfil musical
das obras pós-1980, fornecendo uma visão interpretativa mais aprofundada sobre as
similaridades discursivas que aproximam as obras desse período.
Por fim, devemos reafirmar que todo processo analítico é bastante sensível às
escolhas iniciais, as quais dependem diretamente do arcabouço teórico e empírico daquele
que realiza a análise. Conforme Cook, “analisar uma peça de música é pesar alternativas”
(COOK: 1987, p. 232): toda a atividade analítica envolve decisões interpretativas cruciais
por parte de quem analisa, sendo portanto uma visão interpretativa. Esse pesar de
alternativas é feito com base em diferentes construções que tem como intuito a adoção de
uma construção que torne inteligível aquilo que escutamos (ZAMPRONHA: 2004, p. 78).
Nattiez coloca a questão do seguinte modo: “na tentativa de descrever como uma obra
funciona, a análise é em efeito uma simulação (nos casos mais rigorosos, um modelo)”
(NATTIEZ: 1990, p. 153).
- 25 -
3. O Repertório Pós-1980: Análises Realizadas
Um estudo aprofundado sobre a organização do discurso musical do final do século
XX requer a análise de um grande número de obras do repertório desse período. E o
número de análises disponíveis em livros, artigos e pesquisas não é ainda suficiente para
que haja uma visão consolidada sobre o tema. Assim, nosso estudo não pretende preencher
esta lacuna, mas fornecer uma contribuição para uma visão histórica mais contextualizada
desse período.
Para o estudo das características de organização do discurso musical do final do
século XX selecionamos nove peças de compositores que adotam linhas composicionais
bastante distintas. Duas são peças eletroacústicas, uma vertente composicional surgida no
século XX que trouxe grandes contribuições para no pensamento musical contemporâneo.
As outras sete peças são instrumentais, com formações diversificadas. Essa diversidade é
importante para o esboço de uma visão abrangente sobre os procedimentos de organização
do discurso musical no repertório pós-1980.
3.1. Mortuos Plango, Vivos Voco, de Jonathan Harvey
Jonathan Harvey nasceu em 1939 na Inglaterra. Durante seus estudos universitários
teve contato com a música de Arnold Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern, influência
marcante em sua formação musical. Tal influência é apontada por Paul Griffiths ao dizer
que “a concepção weberniana de serialismo é fundamental” para Jonathan Harvey: esta é
“uma concepção de música em constante movimento, mas que permanece sempre no
mesmo lugar” (GRIFFITHS: 1984, p. 88). Outra grande influência musical para Jonathan
- 26 -
Harvey é o compositor Karlheinz Stockhausen, autor de obras como Mantra, Kontakte e
Gesang der Jünglinge que constituíram claras referências para várias de suas peças (ver
GRIFFTHS: 1984). A produção musical de Harvey é bastante diversificada, incluindo
peças para orquestra, obras corais, peças de câmara e peças eletroacústicas mistas.
Mortuos Plango, Vivos Voco é uma peça eletroacústica octofônica composta em
1980 junto ao IRCAM. Esta peça ganhou notoriedade pelos processos de tratamento
sonoro, especialmente os processos de re-síntese sonora, utilizados na manufatura da peça,
tornando-se referência no cenário musical eletroacústico. A concepção desta peça
desenvolveu-se a partir de sua admiração em relação à catedral de Winchester, ao coro
desta catedral, e em especial em relação ao grande sino da catedral, o qual apresenta a
inscrição: horas avolantes numero, mortuos plango, vivos ad preces voco (conto as horas
passadas, choro pelos mortos, conclamo os vivos a rezar). Digno de nota são as
similaridades entre esta peça e Gesang der nglinge, de Stockhausen: ambas utilizam
como material musical a voz de um menino; ambas inserem esta voz num contexto
artificial, composto de sons eletrônicos; e ambas utilizam textos sacros (GRIFFITHS: 1984,
p. 99).
Mortuos Plango, Vivos Voco apresenta grande predominância de sons do tipo massa
harmônica
15
, cujas alturas específicas são derivadas da análise espectral realizada pelo
compositor sobre a gravação do som do grande sino da catedral de Winchester. Por conta
disso, a peça possui alguns centros harmônicos específicos, constituídos pela sobreposição
e justaposição de diversos sons de altura definida que geram relações auditivas de
15
O termo massa harmônica se refere a sons cujas principais freqüências componentes seguem a ordenação
encontrada na série harmônica. Essa gama de sons estende-se desde sons mais simples (sons que possuem
uma fundamental definida, denominados por Pierre Schaeffer de sons tônicos), até alguns tipos de sons
complexos (sons que não possuem uma fundamental clara, denominados por Schaeffer de sons nodais).
- 27 -
subordinação das freqüências desses sons em relação a uma fundamental predominante ao
longo de um trecho.
Em nossa análise, segmentamos a peça em três partes:
A – B – A´
A = formada por dois trechos
B = formada por seis trechos
A´ = trecho único
A primeira parte é dedicada à exposição dos materiais principais, com clara
referencialidade às suas fontes sonoras. A segunda parte apresenta processos de
transformação (variação e modificação) desses materiais, processos com características de
um desenvolvimento que enfraquecem a referencialidade dos materiais principais. A
terceira e última parte recupera os materiais e a sonoridade iniciais, incluindo a
referencialidade desses materiais, funcionando como uma re-exposição.
A primeira parte estende-se do início da peça até 1’41” e divide-se em dois
trechos. No trecho até 0’50” ocorre a apresentação dos principais materiais sonoros da
peça: os sons percutidos de sinos e os sons da voz de um menino. Em relação à obra, a
principal característica deste trecho é o predomínio de sons com pouca modificação ou
tratamento, mantendo-se muito próximos dos sons originalmente gravados, e que
apresentam um alto grau de referencialidade em relação às fontes sonoras. Além disso, é
nítida a presença de um centro harmônico sobre a nota Dó, acentuada pelos pedais graves
presentes tanto na voz como nos sons de sinos. Ao longo deste trecho os sons de sinos
apresentam um processo de rarefação, o qual conduz à introdução dos sons sintetizados do
tipo massa harmônica (0’50”). No segundo trecho, a partir de 0’50”, os sons do tipo massa
- 28 -
harmônica sintetizada se contrapõem a uma camada de sons de voz elaborada de modo
similar à camada anterior de sons de sinos, o que reforça as relações de contraste e
semelhança entre os dois principais materiais sonoros da peça: contraste espectro-
morfológico e referencial (fontes sonoras distintas); semelhança quanto ao contexto
referencial (ambiente sonoro da catedral) e quanto ao papel desses materiais ao longo da
peça (materiais principais).
A segunda parte da peça começa em 1’41” e termina em 6’34”. Nesta parte
predominam sons que são transformações (variações e modificações) derivadas dos
principais sons apresentados anteriormente. Tais sons transformados geram um contraste
com os sons iniciais, devido principalmente à sua grande perda de referencialidade em
relação às fontes sonoras. Além disso, são introduzidos sons ruidosos, como sons de
consoantes oclusivas (/k/, /t/ etc.), assim como sons de altura variável (glissandos) e sons
do tipo massa complexa inarmônica
16
. A segunda parte se divide em seis trechos distintos,
sendo que cada trecho explora centros harmônicos diferentes e apresenta materiais sonoros
característicos. É importante observar que o início de cada trecho ou é pontuado por algum
evento sonoro (como um ataque distinto de um som de sino) ou está separado do trecho
anterior por uma pausa. Os trechos desta segunda parte estão organizados do seguinte
modo:
Trecho 1 (1’41” a 2’13”) predominância de centro harmônico sobre ,
mas com forte polarização
17
sobre Sol; constituído por sons consonantais
oclusivos e por sons harmônicos contínuos;
16
O termo massa complexa inarmônica se refere a sons com altura indefinida, resultado de suas principais
freqüências componentes não seguirem a ordenação encontrada na série harmônica.
17
Utilizamos o termo polarização para indicar o momentâneo direcionamento do centro harmônico deste
trecho para uma fundamental diferente.
- 29 -
Trecho 2 (2’13a 3’31”) predominância de centro harmônico sobre ,
com passagens em torno de Si e ; constituído predominantemente por
sons do tipo massa harmônica de altura variável (glissando);
Trecho 3 (3’31” a 4’10”) predominância de centro harmônico sobre Sib;
constituído por sons contínuos, tanto sons de vozes como sons do tipo massa
harmônica;
Trecho 4 (4’10” a 5’00”) predominância de centro harmônico sobre Dó;
constituído predominantemente por sons do tipo massa harmônica fixa e
massa harmônica de altura variável (glissandos);
Trecho 5 (5’00” a 5’34”) predominância de centro harmônico sobre Lá;
constituído por sons do tipo massa harmônica combinados com ataques de
sons de sinos, assim como pelos sons de vozes ao final;
Trecho 6 (5’34” a 6’34”) predominância de centro harmônico sobre Mib;
constituído por uma camada de massa harmônica e por sons de sinos
modificados, assim como pelos sons de sinos no início.
Esta segunda parte apresenta, assim, características de desenvolvimento, realizado a
partir dos materiais iniciais.
A terceira parte começa em 6’34” e estende-se até o final da peça, em 9’01”. Sua
principal característica é a retomada da sonoridade da primeira parte da peça. Esta retomada
consiste na utilização dos principais materiais sonoros com pouca modificação, tal como
apareceram na primeira parte, assim como no retorno do centro harmônico sobre Dó. Outra
característica importante é a sobreposição de camadas de materiais distintos: uma camada
de som de sino forma um pedal grave, regular e repetitivo sobre a nota Dó; uma camada de
- 30 -
sons de vozes forma uma massa sonora (cluster) que se repete com certa regularidade; e, ao
final, uma camada de sons sintetizados que modifica a sonoridade do pedal grave com sons
de sinos. Ao observarmos as três camadas descritas vemos uma grande diminuição na
variação dos materiais, o que gera uma grande sensação de estabilidade. Esta estabilidade
combinada com a diminuição da dinâmica e da densidade de eventos tem a função de
apagar os processo de desenvolvimento da parte anterior e finalizar a obra.
3.2. Points de Fuite, de Francis Dhomont
Francis Dhomont nasceu em 1929 na França. Desde 1963 dedica-se exclusivamente
à composição de obras eletroacústicas, cujas primeiras experiências pessoais remontam ao
final da década de 1940. Desde 1978 divide seu tempo entre a França e o Canadá,
adquirindo durante esse período grande importância na difusão da música eletroacústica no
Canadá. Sua música é fundamentalmente acusmática
18
, incluindo em seu discurso musical
as múltiplas referencialidades de um som.
Points de Fuite é uma peça eletroacústica estereofônica composta em 1982. Esta
peça faz parte de um ciclo denomidado Cycle de l´errance. Este ciclo é composto de três
peças (Points de fuite; ... mourir un peu e Espace / Escape) e faz parte, por sua vez, de um
outro ciclo maior, denominado Mouvances~Métaphores. “Sobre o título
Mouvances~Métaphores, sete obras estão unificadas sobre o tema comum do movimento
18
O termo música acusmática foi cunhado pelo compositor François Bayle e consiste numa revisão do
pensamento do pesquisador e compositor Pierre Schaeffer. O principal elemento que diferencia a visão
musical de Bayle da de Schaeffer consiste na incorporação da referencialidade sonora como elemento
discursivo musical. Tal incorporação se em Bayle pela síntese que realiza entre a concepção de objeto
sonoro de Pierre Schaeffer e uma concepção gnica do fenômeno sonoro baseada no pensamento de C. S.
Peirce.
- 31 -
como uma re-disposição virtual do som no espaço geométrico, ou transferências
metafóricas de significado dentro dos confins da imaginação”
19
.
Em nossa análise, segmentamos a peça em três partes:
A – B – A´
A = formada por quatro trechos (duas exposições de materiais e duas transições)
B = formada por dois trechos
A´ = trecho único
A primeira parte é dedicada à exposição dos materiais principais, aqui dois materiais
contrastantes. A segunda parte apresenta processos de transformação (variação e
modificação) desses materiais, processos com características de um desenvolvimento. A
terceira e última parte recupera o material e a sonoridade inicial, funcionando como uma
compacta re-exposição.
A primeira parte estende-se do início da peça até 6’01” e apresenta dois materiais
contrastantes, apresentados em trechos distintos. Do início da peça até 1’17” é apresentado
um primeiro material composto exclusivamente por sons do tipo massa harmônica contínua
que apresentam o mesmo envelope dinâmico (aumento e decréscimo de dinâmica) e
espectral (início mais ruidoso transformando-se em um espectro mais harmônico) (ROY:
1996, p. 32). Este é o principal material da peça e o envelope dinâmico e espectral descritos
acima constituem um importante elemento morfológico
20
ao longo da peça (FIGURA 1).
19
Citação de Francis Dhomont retirada do site
http://electrocd.com/cat.e/imed_9607.not.html#imed_9607-0003
.
20
Segundo Michel Chion, morfologia consiste numa operação de descrição dos objetos sonoros que se baseia
na distinção dos elementos característicos de um som e na sua posterior classificação (CHION: 1983, p. 100).
Essa operação de classificação se insere no contexto mais amplo da atualmente denominada Espectro-
morfologia, a qual procura classificar os objetos sonoros de acordo com as características psico-acústicas
neles observáveis.
- 32 -
0’00” 08” 17” 24” 27” 33”
FIGURA 1
Material inicial do tipo massa harmônica (Points de Fuite, 0’00” a 0’34”)
21
A partir de 1’17uma transição, composta predominantemente por sons do tipo
massa harmônica granular
22
com envelopes dinâmico e espectral similares ao trecho
anterior, combinados com sons de altura variável descendente (glissandos). Estes dois
trechos, que se entendem do início da peça até 2’43”, são constituídos predominantemente
por sons do tipo massa harmônica (massas harmônicas contínuas, massas harmônicas
granulares, massas harmônicas de altura variável). Os únicos sons mais distinto aparecem
em 1’07” e 2’40” e possuem um espectro mais ruidoso (massa inarmônica) de altura
variável (glissando) descendente. Tais sons têm, ao longo da peça, a função de articular a
conexão entre os trechos.
De 2’43” a 3’06” é apresentado um segundo material, contrastante em relação ao
primeiro, no qual a predominância de sons complexos inarmônicos, em grande parte
com claras referências às suas fontes sonoras (como automóveis, aviões ou trens), os quais
são apresentados pontualmente e com poucas sobreposições (FIGURA 2). A partir de 3’28”
uma segunda transição, composta pela justaposição e sobreposição de diversos sons
complexos, gerando uma maior densidade de eventos. Este dois trechos, que se entendem
de 2’43” até 6’01”, são constituídos predominantemente por sons do tipo massa complexa
21
A partitura de escuta utilizada foi elaborada pela pesquisadora Stéphane Roy (ROY: 1996) e encontra-se
disponível no site http://electrocd.com/partition.e/8000.html.
22
O termo granular é utilizado aqui para indicar um conjunto de sons de curta duração (ou grão, segundo a
terminologia de Schaeffer) que são captados pelo ouvido como pertencentes a um objeto sonoro mais amplo.
- 33 -
(massas complexas contínuas, massas complexas granulares, massas complexas de altura
variável) com alto grau de referencialidade às fontes sonoras. Aqui também aparecem, em
3’06”e em 5’37”, sons de espectro mais ruidoso (massa inarmônica) de altura variável
(glissando) descendente, com a clara função de articulação entre os trechos. Ao final da
primeira parte, a partir de 5’30”, há a retomada dos sons de massa harmônica e uma
diminuição geral da densidade de eventos.
2’46” 55” 59” 3’05” 25”
FIGURA 2
Material contrastante do tipo massa inarmônica (Points de Fuite, 2’46” a 3’28”)
A segunda parte estende-se de 6’01” a 11’11”. Sua principal característica é a re-
utilização dos sons da parte anterior, combinando-os e modificando-os, de modo similar a
um desenvolvimento. No primeiro trecho, de 6’01” a 8’54”, aparecem quase que
exclusivamente sons oriundos do primeiro material da peça, agora combinados de modo
mais diversificado e com maior número de sobreposições (FIGURA 3). De 8’48” a 8’54
surge novamente um som do tipo massa complexa inarmônica de altura variável
(glissando) descendente, recurso outra vez utilizado para articular esta segunda parte em
dois trechos.
- 34 -
6’38” 43” 52” 55” 58” 7’04” 07”
FIGURA 3
Primeiro trecho da segunda parte (Points de Fuite, 6’32” a 7’18”)
A partir de 8’54” uma sobreposição diversificada de sons provenientes dos dois
materiais contrastantes da primeira parte da peça (FIGURA 4). Neste trecho destaca-se o
retorno dos sons complexos referenciais e dos sons de altura variável (aqui ascendentes e
descendentes). Ao final desta segunda parte, em 10’33”, os sons contínuos desaparecem e,
tal como na primeira parte, há uma considerável diminuição da densidade de eventos.
9’14” 18” 28” 34” 36”
FIGURA 4
Segundo trecho da segunda parte (Points de Fuite, 9’06” a 9’50”)
Em 11’11” tem início a terceira parte da peça. Esta parte é breve e se caracteriza
por retomar exclusivamente o primeiro material da peça. Assim, desaparecem os sons
complexos inarmônicos e retornam os sons do tipo massa harmônica contínua, desta vez
sobrepostos numa única camada composta (FIGURA 5). Esta re-apresentação tem a nítida
função de conclusão, devido à sua sonoridade bastante estável, encerrando a peça com uma
diminuição da densidade de eventos, assim como ocorrido na primeira e segunda partes da
peça.
- 35 -
11’38” 12’17” 19”
FIGURA 5
Final da terceira parte (Points de Fuite, 11’32” a 12’19”)
3.3. Corale (su “sequenza VIII”, per violino solo), de Luciano Berio
Luciano Berio nasceu em 1925, na Itália, e faleceu em 2003. Sua obra é bem
diversificada e apresenta elementos variados, como citações, texturas, elementos
melódicos, música folclórica, diversos recursos vocais, entre tantos outros. Sua produção
não pode ser facilmente segmentada em fases distintas, que essa diversidade é uma
característica da obra de Berio como um todo. Esse conjunto de características impossibilita
enquadrar Luciano Berio dentro de uma das diversas correntes estéticas da música do
século XX. Suas influências também são numerosas, partindo de músicos contemporâneos
como Luigi Dallapiccola e Kurt Weill, passando por grandes músicos do passado, como
Claudio Monteverdi e Gustav Mahler, e chegando a nomes de outras áreas artísticas, como
os escritores James Joyce e Samuel Beckett. Também foi marcante em sua carreira seus
encontros com Karlheinz Stockhausen, Henri Pousseur e, especialmente, Bruno Maderna
nos festivais de Darmstadt. Em sua produção musical, destacam-se as sequenze, série de
peças solistas de caráter virtuosísticas, e a obra Sinfonia, peça para orquestra e oito vozes
amplificadas. Berio é, sem dúvida, um dos principais compositores do século XX, cuja
influência se faz sentir em diversos compositores da nova geração.
- 36 -
Corale (su “Sequenza VIII”) é uma peça de câmara, para violino solo, duas trompas
e orquestra de cordas, composta em 1981. Esta peça é baseada num conceito muito
particular a Berio: a transcrição. A transcrição, dentro da visão de Berio, consiste na leitura
e interpretação de uma obra e de seus elementos específicos, seguidas pela tradução e
ampliação desses elementos numa obra musical completamente nova. Enquadram-se neste
conceito diversas obras de Berio, como sua Sinfonia, seus Chemins e Corale.
Segundo o próprio compositor (BERIO: 1988, p. 83-84), “todas as sequenze para
instrumentos solos [excluindo-se a Sequenza III, para voz] têm em comum a intenção de
precisar e desenvolver melodicamente um discurso essencialmente harmônico e sugerir,
especialmente quando se trata de instrumentos monódicos, uma audição de tipo polifônica”.
Outro aspecto em comum é o controle do percurso harmônico e da densidade, que assume
formas sempre diferentes de acordo com a técnica do instrumento utilizado (Berio, 1988, p.
86). No caso, Corale é baseada na Sequenza VIII, para violino solo, do próprio Berio, a
qual está integralmente presente na linha do Violino Solo em Corale. No diálogo entre o
Violino Solo e o conjunto instrumental é que se pode observar a expansão que Berio realiza
de sua peça anterior, desenvolvendo elementos e criando semelhanças e contrastes que
enriquecem o discurso musical e têm como resultado a criação de uma obra totalmente
nova.
Em nossa análise, segmentamos a peça em três partes e duas transições:
A – 1ª transição – B – 2ª transição – A´
A = trecho único
B = formada por três processos direcionais que culminam nos ápices da peça
A´ = trecho único
- 37 -
A divisão em três partes está diretamente relacionada à figuração principal da peça.
Essa figuração aparece claramente na primeira parte, na qual ocorre sua exposição; está
praticamente ausente na segunda parte, restando apenas reminiscências dela, o que a
caracteriza como contraste; é retomada na terceira parte, mas está menos presente, mais
diluída, do que na primeira parte, apenas sugerindo uma re-exposição. Também é digno de
nota que é na segunda parte que encontramos um maior afastamento do centro harmônico
Lá-Si, fundamental nesta obra, e representado especialmente pelos ápices da peça, alguns
dos raros momentos nos quais as trompas apresentam enfaticamente notas diferentes de
ou Si.
A primeira parte estende-se do início da peça (p. 1, 0’00”)
23
até dois comp. antes
de I (p. 24, 4’20”). Sua principal característica é a alternância entre a figuração principal e
figuração melódica rápida. A figuração principal (FIGURA 6) é apresentada logo no
início pelo Violino Solo e permanece relacionada a ele ao longo de toda a peça. Tal
figuração consiste na iteração métrica e lenta da nota Lá, com acréscimos de segundas
maiores e menores. Além disso, é a única figuração em toda a peça a apresentar um caráter
predominantemente harmônico, advindo justamente dessa sobreposição de sons. a
figuração melódica rápida (FIGURA 7) surge apenas na letra B (p. 6, 1’20”) e consiste de
passagens melódicas rápidas, com acréscimos de notas iteradas rápidas. Essa oposição entre
uma figuração predominantemente harmônica e outra predominantemente melódica
constitui a base para a construção formal da peça.
23
Optamos por adotar como referências em Corale a indicação de página e a minutagem de acordo com a
gravação utilizada. que a partitura possui um trecho considerável sem a divisão por compassos, outras
referências são dadas pelas letras de ensaio (A a Z) indicadas na partitura.
- 38 -
FIGURA 6
Início de Corale com a apresentação da figuração principal (Corale, p. 2)
FIGURA 7
Ilustração da figuração melódica rápida (Corale, p. 6)
- 39 -
Em relação à figuração principal¸ devemos ressaltar que a percepção de seu caráter
harmônico ocorre quando as segundas maiores e menores são inseridas pelo compositor
(p. 1, 0’11”). Assim, essa passagem, ou transformação, da figuração principal (de melódica
em harmônica) é ressaltada pelo compositor através do conjunto instrumental, pois à
medida que o Violino Solo insere novas notas o conjunto instrumental passa a sustentá-las,
constituindo um cluster (formação caracteristicamente harmônica). Tal passagem ilustra a
função do conjunto instrumental: repetir e comentar as figurações do Violino Solo,
apresentando-as de forma literal ou variada, com mudanças de ritmo, inserção de
harmônicos, bordaduras e apojaturas, ataques col legno battuto ou arco sul ponticello.
Do começo da peça até a letra D (p. 10, 2’06”) percebe-se um gradual e inconstante
adensamento. Esse adensamento ocorre devido: 1) ao aumento da variedade rítmica (a
partir da p. 3, 0’34”); 2) à expansão do registro, especialmente quanto ao aparecimento do
registro grave (entrada dos Contrabaixos na p. 4, 1’20”); 3) na maior variação dos
elementos da peça, como da dinâmica e das figurações (em destaque a utilização de ataques
col legno battuto na p. 9, 1’50”). Ao final da letra D uma rápida rarefação e a partir da
letra E (p. 13, 2’36”) o predomínio de uma figuração melódica lenta em legato
(FIGURA 8) executada por instrumentos solo (diminuição do conjunto instrumental). Na
letra F (p. 17, 3’05”) há uma rarefação ainda maior, com algumas intervenções curtas da
figuração melódica rápida. Devemos ressaltar que anteriormente à letra E a figuração
melódica lenta havia aparecido, mas como intervenções e não como uma figuração
importante. Esse ponto é fundamental para a compreensão do processo composicional de
Berio, no qual a transição constitui-se pela sobreposição dos elementos de trechos distintos.
Nesta primeira parte Berio apresenta a oposição entre duas figurações (uma harmônica e
outra melódica rápida) e ao final abandona as duas por uma nova figuração (figuração
- 40 -
melódica lenta). Mas, ao invés de realizar tal passagem linearmente, Berio sobrepõe esses
elementos, ora antecipando-os, como no caso da figuração melódica lenta, ora retomando-
os abruptamente, como no caso da figuração melódica rápida na letra F.
FIGURA 8
Ilustração da figuração melódica lenta em legato (Corale, p. 17)
Na letra H (4’03”) há o início de um processo adensamento (aumento do número de
figurações rápidas, grandes variações de dinâmica e accelerando), combinado com a
retomada da figuração principal no Violino Solo. Mas essa aparente retomada na
sonoridade inicial da primeira parte é logo abandonada e o processo de adensamento se
desfaz abruptamente ao final da letra H (p. 24, 4’20”).
A transição começa ao final da letra H (p. 24, 4:20) e termina na letra J (p. 26,
4’42”). Em seu início há uma mudança súbita na textura da peça. As trompas saem e o
- 41 -
conjunto instrumental passa a sustentar notas longas em uma dinâmica mais suave,
enquanto o Violino Solo executa figurações melódicas rápidas predominantemente legato.
Ao final da letra I (p. 25, 4’39”) o conjunto instrumental sustenta um acorde (como uma
fermata), enquanto o Violino Solo realiza figurações rápidas, com aumento de dinâmica e
accelerando. Essa transição tem a função de apagar do ouvinte a lembrança clara das
figurações apresentadas na primeira parte e preparar o início da segunda parte. Isto é feito
através da combinação de elementos das três figurações nas construções melódicas desta
transição.
A segunda parte estende-se da letra J (p. 26, 4’42”) ao final da letra T (p. 58,
11’17”). Esta parte é a mais longa da peça e caracteriza-se pela presença de três longos
processos de adensamento similares que culminam nos três ápices da peça. Esses processos
são bastante claros, com a presença de direcionalidade em diversos parâmetros sonoros, e
os ápices desses processos caracterizam-se pela grande movimentação observável nas
cordas e pelo reforço das trompas em dinâmica fortíssimo. As construções melódicas desta
parte seguem o mesmo procedimento adotado na transição, ou seja, a combinação de
elementos das três figurações presentes na primeira parte, o que enfraquece a
predominância da figuração principal e, conseqüentemente, cria um forte contraste em
relação à primeira parte. Outro ponto a ser destacado é a presença de expansões temporais
em relação à Sequenza VIII, pois é somente na segunda parte que Berio aproveita-se de
momentos com longas pausas no Violino Solo (originários da Sequenza VIII) para expandir
os processos de adensamento através de uma maior utilização do conjunto instrumental.
O primeiro processo de adensamento começa a partir da letra J (p. 26, 4’42”). O
conjunto instrumental apresenta-se bem mais movimentado do que na primeira parte, com
pulsações fortes e grandes oscilações de dinâmica (crescendos e diminuendos) e de timbre
- 42 -
(som ordinario e sul ponticello). Na letra K (p. 28, 4’59”) esse processo continua, mas
agora sem o Violino Solo e com a inserção de uma maior diversidade de eventos sonoros,
incluindo o retorno das trompas, uma maior presença de frases rápidas e curtas, assim como
um aumento da intensidade dinâmica geral, um accelerando e, posteriormente (p. 30,
5’13”), a retomada do registro grave e uma maior homogeneidade rítmica entre os diversos
instrumentos. Na letra L (p. 31, 5’20”) ocorre o primeiro ápice da peça, introduzido pelos
glissandos nas trompas e reforçado pelas próprias trompas (FIGURA 9). Este ápice é
desfeito rapidamente, seguido da volta do Violino Solo (p. 32, 5’27”).
FIGURA 9
Primeiro ápice da peça (Corale, p. 31)
- 43 -
Mais à frente (p. 33, 5’33”) tem início o segundo processo de adensamento, este
mais condensado que o anterior. Na letra M (p. 35, 5’43”) ocorre o segundo ápice da peça,
esse um pouco mais longo. Ele é novamente introduzido por um glissando nas trompas,
reforçado pelas trompas e não conta com a presença do Violino Solo. A seguir (p. 36,
5’55”) este ápice é desfeito rapidamente e há uma suspensão (fermata) de um uníssono em
dinâmica pianíssimo pelo conjunto instrumental.
Em seguida (p. 37, 5’59”), as trompas saem e há um pequeno trecho de transição
que apresenta a alternância de trechos melódicos com trechos de suspensão melódica
(acordes sustentados). Nesse trecho há uma grande diminuição da densidade e da dinâmica
geral.
Ao meio da letra N (p. 39, 6’39”) tem início o terceiro e mais longo processo de
adensamento.O Violino Solo realiza uma variação da figuração melódica pida¸ agora
polarizando a nota Lá, com pulsação constante e dinâmica suave, havendo esparsas
intervenções do conjunto instrumental. Ao meio da letra O (p. 42, 7’19”) surgem acordes
em fortíssimo súbito no Violino Solo e um aumento no mero de intervenções do
conjunto instrumental. Na letra P (p. 45, 8’20”) o processo de adensamento se intensifica
com a entrada das trompas (notas e Si) e o aumento do número de acordes no Violino
Solo, seguido da entrada gradual dos violinos e das violas. Em todo esse trecho o processo
de adensamento se configura muito gradualmente e apenas em alguns elementos. Ao final
de P (p. 47, 8’55”) uma articulação que tem a função de preparar a chegada do terceiro
ápice: o conjunto instrumental pára enquanto o Violino Solo realiza uma iteração contínua
(Ré-Lá-Mi e Ré-Si-Fá#), seguido de um acorde iterado pelos violinos e violas com
crescendo. Na letra Q (p. 48, 9’05”) o registro grave volta com o retorno dos violoncelos,
enquanto o Violino Solo pára. O conjunto instrumental mantém um acorde iterado e realiza
- 44 -
primeiramente um decrescendo para, depois, realizar um novo crescendo, agora em direção
ao terceiro ápice da peça (neste caso esses crescendos substituem os glissandos anteriores,
tendo como função pontuar, ou introduzir, um dos ápices da peça).
O terceiro e mais longo ápice da peça ocorre ainda na letra Q (p. 48, 9’14”),
novamente reforçado pelas trompas e sem o Violino Solo (FIGURA 10). Um pouco depois,
na letra R (p. 51, 10’07”) o Violino Solo retorna com a figuração melódica rápida e suas
variações, ao mesmo tempo em que o ápice é desfeito. Mais à frente (p. 53, 10’32”) o
Violino Solo apresenta um accelerando e a figuração melódica rápida passa a legato.
Simultaneamente começa um pequeno processo de adensamento, com a gradual entrada do
conjunto instrumental e todos os instrumentos com clara polarização da nota Lá. Esse
último processo apresenta dinâmica predominantemente suave, funcionando como um
período mais suave, embora com muita movimentação em todos os instrumentos, à exceção
dos Contrabaixos.
- 45 -
FIGURA 10
Terceiro ápice da peça (Corale, p. 48)
Devemos ressaltar que nesta segunda parte, as construções melódicas são
apresentadas de modo a não estabelecerem referências diretas às figurações iniciais da
peça, com a exceção do terceiro processo de adensamento, que utiliza figurações melódicas
rápidas que podem ser vistas como variações de uma das figurações iniciais. Tal
característica, combinada com os processos direcionais e os ápices encontrados aqui,
indicam que esta parte possui a função simultânea de contraste e desenvolvimento em
relação à primeira parte. Isso porque ao mesmo tempo em que suas características a
diferenciam da primeira parte da peça, a segunda também expande alguns dos elementos
apresentados na primeira parte, em especial o aumento da ambigüidade em relação ao
centro harmônico polarizado da peça e a abertura de expansões temporais em relação à
Sequenza VIII. Estas expansões são frutos de momentos de suspensão em pausas no
- 46 -
Violino Solo (originários da Sequenza VIII) utilizadas para expandir os processos de
adensamento através de uma maior utilização do conjunto instrumental.
A transição começa no final da letra T (p. 58, 11’17”) e termina na letra U (p.
59, 11’23”). Ela tem início com o ataque de um acorde que encerra, por meio de uma nova
mudança súbita na textura da peça, os processos anteriores de adensamento. Este ataque é
seguido da saída do conjunto instrumental e da suspensão em notas iteradas em crescendo
do Violino Solo (Lá-Sib). Essa transição tem a função de pontuar o retorno da figuração
principal e o início da terceira parte.
A terceira parte estende-se da letra U (p. 59, 11’23”) ao final da peça (p. 71,
15’55”). Seu início é marcado pela retomada da figuração principal, com o conjunto
instrumental realizando oscilações e pontuações. Essa figuração aparece alternada com
figurações melódicas diversas, assim como o ocorrido na primeira parte, mas agora
incluindo elementos introduzidos ao longo da segunda parte. Ao final da letra V (p. 63,
12’12”) uma passagem de caráter cadencial, com os violinos e violas em uníssono,
levando a um novo trecho onde uma grande diminuição da tensão, da densidade e da
dinâmica (p. 63, 11’16”). Esse novo trecho caracteriza-se pela predominância da figuração
melódica lenta em legato no Violino Solo, acompanhado por notas sustentadas nos
violoncelos e pontuações esparsas dos Contrabaixos. Da letra V (p. 61, 11’50”) em diante a
nota Si torna-se a principal nota polarizada da peça, fato reforçado pelas trompas na letra W
(p. 64, 12’31”). Na letra X (p. 65, 13’11”) as trompas saem novamente e desaparece a
polarização de um centro específico.
Na letra Y (13’45”) uma pequena retomada da densidade e da tensão presentes
no início da terceira parte, assim como a volta do conjunto instrumental, marcada por outro
uníssono de violinos. Essa retomada é rapidamente atenuada através da diminuição da
- 47 -
dinâmica geral, da referência à figuração principal realizada pelo Violino Solo, pela
saída das trompas no momento em que tocam a segunda Lá-Si junto com o Violino Solo (p.
66, 14’00”) e da posterior suspensão de um acorde pelas cordas (p. 67, 14’10”) no
momento em que o Violino Solo retorna. A partir desse ponto o Violino Solo realiza um
longo processo de rarefação, criando uma nítida direcionalidade para o final da peça através
da diminuição da quantidade de eventos sonoros e da dinâmica geral. Na letra Z (14’51”) o
conjunto instrumental volta a apresentar movimentação, mas mantendo a dinâmica bastante
suave, com remições às figurações da peça pelo Violino Solo. Ao final da peça (p. 71,
15’25”) o Violino Solo sustenta a segunda maior Lá-Si, seguido pelas trompas, enquanto o
conjunto instrumental realiza suas últimas interferências (FIGURA 11).
FIGURA 11
Final da peça (Corale, p. 71)
- 48 -
De modo geral, a terceira parte é marcada pela retomada da figuração principal, a
qual traz consigo a afirmação do centro harmônico Lá-Si. Mas, ao invés de configurar-se
como uma recapitulação ou simples retomada da primeira parte, a terceira parte caracteriza-
se pelo progressivo enfraquecimento das duas figurações da primeira parte (figuração
principal e figuração melódica pida), em prol da figuração melódica lenta em legato,
que na primeira parte apresentava um papel secundário, assim como de outras figurações
secundárias que surgiram ao longo da segunda parte. Tal escolha é utilizada como forma de
reforçar o papel da terceira parte como o final de um processo de transformação, expansão
e afirmação de um novo centro harmônico, no caso Lá-Si.
Por fim, destacamos que a elaboração das passagens entre os diversos trechos da
peça está longe de ser clara. Corale é uma peça que representa bem o pensamento
composicional de Luciano Berio, composto pela existência de sobreposições entre os
trechos da peça, pela utilização de transições em geral não-lineares, pela utilização de
figurações semelhantes que geram ambigüidades para o ouvinte, pelas inserções abruptas
de materiais que ora antecipam, ora relembram as principais figurações da peça. Essas
características geram um grande número de escutas possíveis da peça, fato que estimula
repetidas audições. Aqui incluímos também, conforme mencionado anteriormente, a
concepção de transcrição de Berio, que pode ser vista nos diversos aspectos que
diferenciam Corale da Sequenza VIII, dentre os quais achamos significativo um em
especial: os três ápices de Corale consistem em expansões da Sequenza VIII e foram
construídos nos momentos em que o Violino Solo apresenta uma suspensão em pausa
(BERIO: 1977). Esses pontos servem para que o compositor explore novas sonoridades e
centros harmônicos diferenciados, expandindo os processos de adensamento através de uma
maior utilização do conjunto instrumental.
- 49 -
3.4. La Chute d´Icare (Petite rénade de la Disparition), de Brian
Ferneyhough
Brian Ferneyhough nasceu em 1943 na Inglaterra. Ferneyhough é um grande
defensor da complexidade na produção artística contemporânea, corrente estética
caracterizada por uma forte tendência à formalização e herdeira dos processos serialistas de
organização musical. Seu nome figura como um dos principais dentro da corrente
denominada nova complexidade. Segundo o compositor, a música complexa caracteriza-se
pela “recusa em apresentar diretamente um objeto [musical]” (FERNEYHOUGH: 1998, p.
69) e sua característica essencial é a “manutenção da atenção do ouvinte ao fluxo
momentâneo de necessidade [ou causalidade] pressionando-o a ouvir de um certo modo”
(FERNEYHOUGH: 1998, p. 230). A complexidade de sua música advém da elaboração de
diversas camadas sobrepostas numa única composição, criando uma trama musical
extremamente densa. Para Ferneyhough, esta complexidade leva o ouvinte aos extremos do
processo perceptivo humano, gerando uma infinidade de leituras possíveis.
La Chute d´Icare é uma peça para clarinete obbligato e pequeno conjunto de câmara
composta em 1988. A peça foi motivada pelo famoso quadro de Pieter Breughel Paisagem
com a Queda de Ícaro. Sua característica principal, e elemento motivador para
Ferneyhough, é a reflexão sobre o objeto musical e sua manifestação processual
(FERNEYHOUGH: 1998, p. 398). Nesta peça, tal reflexão materializa-se na apresentação
de um material musical básico e em sua gradual erosão.
- 50 -
Em nossa análise, segmentamos a peça em duas partes e uma transição:
A – transição – B
A = trecho único
B = trecho único
De acordo com Ferneyhough, “os dois grupos [clarinete obligatto e conjunto de
câmara] começam a peça com essencialmente o mesmo material, bastante primitivo,
composto de modos invariantes ascendentes e descendentes” (FERNEYHOUGH: 1998, p.
398). E segue: “a primeira parte inteira de La Chute refere-se à erosão tanto desta
extremamente rígida situação quanto da dissolução da cumplicidade heterofônica que
inicialmente une o solista ao conjunto (no que o último simplesmente ecoa os padrões
ondulantes do primeiro numa taxa mais lenta e irregularmente transposta)”
(FERNEYHOUGH: 1998, p. 398).
Assim, a primeira parte consiste na exposição de uma primeira figuração e no seu
processo gradual de fragmentação. A segunda parte consiste na exposição de uma segunda
figuração e na construção de uma textura mais estática que é permeada por articulações
súbitas, o que caracteriza esta parte como um contraste. A transição tem a função de
conectar a passagem de uma figuração a outra de modo gradual.
A primeira parte estende-se do início da peça (p. 5, 0’00”) ao final do comp. 59 (p.
20, 4’01”). Seu início é marcado pela apresentação da primeira figuração pelo clarinete
(FIGURA 12). Essa figuração é caracterizada por um perfil melódico de padrões
invariantes ascendentes e descendentes com alturas fixas e serve de base, conforme
mencionado anteriormente, para a organização da primeira parte da peça. Simultaneamente,
o conjunto instrumental apresenta camadas melódicas que são sobrepostas ao perfil do
- 51 -
clarinete, constituindo uma textura heterofônica na qual predominam as alturas específicas
da primeira figuração. A partir do comp. 5 (p. 6, 0’20”) começa o processo descrito por
Ferneyhough de dissolução da primeira figuração. Tal dissolução ocorre através de diversas
modificações gradualmente inseridas pelo compositor nas figurações do clarinete solista e
do conjunto instrumental, entre as quais mencionamos: alterações intervalares, inclusão de
intervalos microtonais, quebra do perfil melódico inicial do clarinete, alteração da textura
heterofônica, mudanças na densidade de eventos.
FIGURA 12
Apresentação da primeira figuração ao início da peça (La Chute d´Icare, p. 5)
A fragmentação da primeira figuração é reforçada pela presença de um inconstante e
não-linear processo de diminuição da densidade de eventos da textura heterofônica inicial.
Essa diminuição é fruto da fusão de certas camadas melódicas, observável especialmente
- 52 -
nos instrumentos de cordas, o que diminui o número de camadas musicais. Em meio a esse
processo não-linear destacamos:
A partir do comp. 8 (p. 7, 0’30”) o clarinete passa a utilizar uma versão mais
fragmentada do perfil melódico da primeira figuração;
No comp. 30 (p. 13, 1’54”) há uma importante articulação no conjunto
instrumental, com a saída temporária do piano e a fusão das cordas numa
única camada musical mais rarefeita;
No comp. 37 (p. 15, 2’21”) saem as cordas, o piano retorna e, mais à frente
também saem flauta e oboé, modificando a textura da peça. Neste trecho o
clarinete solo apresenta passagens de menor densidade do que as do
conjunto instrumental, o que reforça a sensação de fragmentação da primeira
figuração;
No comp. 42 (p. 16, 2’41”) o retorno das cordas, predominantemente
numa única camada musical. A partir deste ponto a densidade de eventos
permanece baixa e a dinâmica geral é mais suave. O clarinete volta a
apresentar passagens de maior destaque, embora aqui ele apresenta versões
bastante fragmentadas e modificadas da primeira figuração;
Ao final da primeira parte, no comp. 59 (p. 20, 3’51”), o clarinete realiza
uma rápida passagem acompanhado pelo piano. Esta passagem fecha o
processo de diminuição da densidade e de dissolução da textura inicial e da
primeira figuração.
A partir da anacruse do comp. 60 (p. 20, 4’00”) começa um trecho de transição que
conecta a primeira parte da peça com a segunda. Este trecho apresenta um considerável
- 53 -
aumento da densidade e da dinâmica e sua principal característica é a transformação das
figurações fragmentadas do final da primeira parte na segunda figuração, a qual predomina
na segunda parte da peça. Esse trecho de transição apresenta uma rápida passagem a partir
do comp. 69 (p. 22, 4’37”), no qual uma rápida interrupção no clarinete. O clarinete
retorna no comp. 73 (p. 23, 4’50”) com passagens que antecipam a segunda figuração da
peça (FIGURA 13). Este é um importante ponto de articulação da transição, pois aqui
uma nova diminuição da dinâmica e uma mistura de elementos pertencentes à primeira
parte da peça e de elementos da segunda parte da peça. A partir deste ponto há um processo
inconstante de diminuição da densidade, acentuado pela saída de alguns instrumentos, e
combinado com um aumento da estabilidade da peça. Esta mudança conduz ao início da
segunda parte.
FIGURA 13
Articulação presente na transição na peça (La Chute d´Icare, p. 23, comp. 73)
- 54 -
A segunda parte da peça estende-se do comp. 102 (p. 26, 5’49”) ao final da peça
(comp. 171, p. 34, 9’43”). Seu início é marcado por uma mudança súbita na textura da
peça, combinada com a predominância de uma segunda figuração, apresentada em
destaque pelo clarinete solo (FIGURA 14). Tal figuração, bastante contrastante em relação
à primeira figuração, é caracterizada pela presença de variações de quartos de tom e
semitom ao redor de um eixo, seguida de perfis rápidos que terminam numa nota longa
sustentada. Toda a segunda parte da peça apresenta uma dinâmica mais suave e uma textura
mais estática em relação à primeira parte. Além disso, esta textura é pontuada por diversas
articulações súbitas, presentes especialmente no conjunto instrumental, e inclui algumas
passagens no clarinete solo que remetem à primeira figuração da peça.
FIGURA 14
Apresentação da segunda figuração da peça pelo clarinete solo (La Chute d´Icare, p. 26)
- 55 -
No comp. 130 (p. 30, 7’21”) há uma forte articulação, marcando a saída do conjunto
instrumental e o início de uma passagem solo do clarinete (FIGURA 15). Nesta passagem,
o clarinete utiliza elementos provenientes das duas principais figurações, combinados com
elementos surgidos ao longo da peça. Ao final desse trecho, no comp. 146 (p. 31, 8’34”), há
uma articulação no clarinete, seguido de um rápido aumento da dinâmica (crescendo), que
conduz à volta gradual do conjunto instrumental. Esse retorno é construído através de
estruturas imitativas e inicia um processo de rápido aumento da densidade e da dinâmica da
peça. Esse processo é interrompido abruptamente no comp. 165 (p. 33, 9’18”), seguido de
outra mudança súbita no comp. 168 (p. 34, 9’24”). Tais mudanças têm a função de
interromper a seqüência de processos direcionais encontrados ao longo da peça. A peça
encerra com a passagem densa e forte da percussão (bongos e timbales) e com uma suave
passagem de perfil melódico ascendente no clarinete, articulada pelo conjunto instrumental.
- 56 -
FIGURA 15
Passagem solo do clarinete na segunda parte da peça (La Chute d´Icare, p. 30)
3.5. Les Yeux Clos II, de Töru Takemitsu
Töru Takemitsu nasceu em 1930, no Japão, e faleceu em 1996. Um dos principais
compositores japoneses do século XX, sua música é caracterizada pela utilização e
combinação de elementos sintáticos da música erudita ocidental com um senso estético
enraizado na tradição japonesa (KOOZIN: 1991, p. 124). Fundamental em sua linguagem
musical, a preocupação de Takemitsu com timbres, texturas e silêncios é fruto direto de
suas principais influências musicais: os compositores Claude Debussy e Olivier Messiaen.
Segundo o próprio Takemitsu: “embora eu seja basicamente autodidata, eu considero
- 57 -
Debussy meu professor - os elementos mais importantes são cor, luz e sombras”
24
. Por
conta dessas influências, a música de Takemitsu possui fortes referências imagéticas, de
pinturas a sonhos. Também foram importantes influências: John Cage, Morton Feldman,
compositores da segunda escola de Viena, a música popular ocidental, como o Jazz, e as
concepções seriais sobre manipulação intervalar para geração de materiais melódicos e
harmônicos. Sua produção musical é muito diversificada, incluindo obras orquestrais, peças
de câmara, peças solistas, peças eletroacústicas, além de quase uma centena de trilhas
sonoras para filmes japoneses.
Les Yeux Clos II é uma peça para piano solo composta em 1989. Esta peça, assim
como a peça de 1979 Les Yeux Clos, é inspirada num quadro do pintor francês Odilon
Redon. A peça representa bem a linguagem de Takemitsu, que segundo Koozin “apresenta
uma superfície musical altamente descontínua, marcada por súbitas mudanças de
dinâmicas, introduções abruptas de eventos isolados nas extremidades do registro [das
alturas], e inesperadas mudanças de figuras ritmicamente mensuradas para materiais
aperiódicos” (KOOZIN: 1991, p. 138). Tais mudanças súbitas caracterizam um discurso
marcado pela justaposição de trechos e pela quase ausência de processos lineares ou de
desenvolvimento. Também é fundamental no processo de composição de Takemitsu a
elaboração do contexto harmônico de suas peça, caracterizado pela utilização da escala
octatônica para a escolha e controle das alturas.
24
Citação de Takemitsu retirada do site
http://www.soundintermedia.co.uk/treeline-online/resources/quotes.html
.
- 58 -
Em nossa análise, segmentamos a peça em três partes:
A – B – A´ ou C
A = formada por três trechos
B = formada por dois trechos
A´ ou C = formada por dois trechos
A primeira parte consiste na exposição dos materiais principais. A segunda parte
apresenta grandes modificações desses materiais que são característicos de um
desenvolvimento. A terceira e última parte recupera os materiais e a sonoridade iniciais,
embora com sensíveis variações, funcionando tanto como uma re-exposição quanto como
uma síntese.
A primeira parte estende-se do comp. 1 (p. 3, 0’00”) ao comp. 20 (p. 6, 3’19”) e
começa com a apresentação dos materiais principais da peça: 1) um pedal, formado por
uma ou mais notas e que são repetidas ao longo de um trecho (FIGURA 16); 2) um arpejo
rápido de clusters abertos no registro médio e grave (FIGURA 16); 3) um arpejo lento
ascendente no registro agudo com diminuição da dinâmica (FIGURA 17).
FIGURA 16
Ilustração dos materiais da peça: 1) pedal de notas repetidas e 2) arpejo rápido de clusters abertos (Les yeux
clos II, p. 3, comp. 1 a 2)
- 59 -
FIGURA 17
Ilustração dos materiais da peça: 3) arpejo lento ascendente no registro agudo (Les yeux clos II, p. 3, comp. 4)
Essa apresentação estende-se do comp. 1 ao comp. 5 e é seguida por um outro
trecho que reordena e varia esses materiais, mas mantendo suas características individuais.
Tal trecho tem início na anacruse do comp. 6 (p. 3, 1’03”) e é repetido de forma variada
mais à frente no comp. 12 (p. 5, 2’05”). Apesar de possuir algumas características que
podem ser vistas como similares a um desenvolvimento, ressaltamos que sua principal
função é a reafirmação dos materiais principais e do contexto harmônico da primeira parte
da peça. Tal ponto de vista tem como base o fato de as modificações presentes neste trecho
não constituírem uma transição para a segunda parte da peça e menos ainda a mudança do
caráter geral do início da peça. No comp. 16 (p. 6, 2’42”), uma série de repetições do
material 3 (arpejo lento ascendente com diminuição da dinâmica) encerra o final da
primeira parte.
A segunda parte da peça estende-se do comp. 21 (p. 6, 3’19”) ao comp. 34 (p. 8,
5’00”) e caracteriza-se como momento de contraste da peça, apresentando um breve e
conciso desenvolvimento dos materiais principais da peça. Tal contraste é caracterizado por
meio de três importantes modificações:
- 60 -
Pelo enfraquecimento das características individuais dos materiais principais
da peça. Tal enfraquecimento é gerado por processos de combinação e fusão
desses materiais, criando maior ambigüidade nas referências internas da
peça;
Pela utilização sensivelmente modificada do material 3 para a criação de
direcionalidade a esta parte. Tal modificação ocorre especialmente pela
combinação do perfil melódico ascendente com grandes aumentos de
dinâmica;
Pela mudança da textura geral da peça. Tal mudança ocorre devido à
diferente utilização dos materiais principais mencionado acima e também
devido à polarização de novas alturas através do material 1 (pedal).
É também na segunda parte que constatamos maiores desvios na utilização do
material 1 (pedal). Em comparação com as outras duas partes, nas quais o material 1
sempre contém a nota Dó# e/ou Sol#, na segunda parte da peça esse material será utilizado
para a polarização de outras alturas, como e Sib. E como o material 1 é o principal
material de polarização de alturas nesta peça, essa polarização de novas alturas reforça a
função de contraste da segunda parte e contribui para a mudança da textura da peça
mencionada anteriormente.
A segunda parte é formada por dois trechos bastante semelhantes: o primeiro
começa no comp. 21 (p. 6, 3’19”) e o segundo começa no comp. 28 (p. 7, 4’04”). Os dois
trechos são caracterizados por um rápido e destacado processo de direcionalidade que é
fruto de perfis melódicos ascendentes combinados com grandes aumentos de dinâmica. A
principal diferença entre eles é que o segundo trecho apresenta uma rápida transição para a
- 61 -
sonoridade inicial da peça. Tal transição é marcada especialmente pela adoção do Dó#
como nota pedal (material 1), culminando com o retorno dos materiais 1 e 2 de modo
similar ao início da peça a partir do comp. 32 (p. 7, 4’29”).
Destacamos que os compassos finais da segunda parte (comp. 32 ao 34) apresentam
uma função dupla de conclusão da segunda parte e início da terceira parte. São esses os
compassos que finalizam a rápida transição encontrada ao final da segunda parte, conforme
mencionado anteriormente. Mas tais compassos são essenciais para a terceira parte da peça,
pois marcam a reapresentação da sonoridade inicial da peça e, conforme veremos mais
adiante, constituem um elemento recorrente na organização formal da terceira parte da
peça. Assim, salientamos tal ponto de vista ao incluir esses compassos tanto na segunda
como na terceira parte da peça (FIGURA 18).
FIGURA 18
Trecho de sobreposição entre a segunda e a terceira parte da peça (Les yeux clos II, p. 8, comp. 33 a 34)
A terceira parte estende-se da anacruse do comp. 33 (p. 7, 4’29”) ao final da peça.
Sua principal característica é a retomada da sonoridade inicial, mas de forma
significativamente variada, com uma maior combinação dos materiais principais e com a
- 62 -
presença de elementos derivados da segunda parte da peça. No entanto, a individualidade
dos três materiais permanece bastante clara, o que a diferencia da segunda parte. Além
disso, a presença de um pedal estável (material 1) semelhante à primeira parte da peça
(sobre Dó# e/ou Sol#) é uma característica formal muito importante.
A terceira parte é formada por dois trechos praticamente idênticos. Cada trecho é
constituído por um curto processo de expansão e adensamento no qual a cada compasso
mais elementos são adicionados (FIGURA 19). Tal processo é baseado especialmente no
material 3 e tem como resultado a criação de direcionalidade no trecho, o que diferencia
sensivelmente esta terceira parte da primeira.
FIGURA 19
Ilustração da terceira parte da peça (Les yeux clos II, p. 8, comp. 35 a 42)
- 63 -
Os trechos são separados por uma rápida passagem, comp. 41 (p. 8, 5’32”) ao 44 (p.
9, 5’50”), que retoma elementos da segunda parte. Além disso, ambos trechos são
emoldurados por referências ao início da peça (materiais 1 e 2), os quais reforçam a
sensação de estabilidade desta terceira parte. Tais referências ocorrem na anacruse do
comp. 33 (p. 7, 4’29”) mencionado anteriormente, no comp. 45 (p. 9, 5’54”) e no final da
peça, no comp. 55 (p. 10, 7’03”).
Assim, apesar de algumas significativas mudanças de textura, a terceira parte
recupera a sonoridade da primeira parte da peça. E essa recuperação é formalmente muito
importante na obra. Mas como tal recuperação ocorre de forma significativamente variada,
o resultado é a presença de um certo grau de ambigüidade quanto à terceira parte, que pode
ser considerada tanto uma recapitulação variada quanto uma parte nova que sintetiza
aspectos das duas partes anteriores. Sob este último ponto de vista, tal síntese ocorreria na
utilização dos materiais 1 e 2 de modo semelhante à primeira parte, incluindo as
polarizações sobre Dó# e/ou Sol#, e na utilização do material 3 de modo semelhante à
segunda parte, incluindo a criação de processos de direcionalidade.
3.6. Estudo, ex-tudo, eis tudo pois!, de Gilberto Mendes
Gilberto Mendes nasceu em 1922 no Brasil. Inicialmente influenciado pela música
de Villa-lobos, foi um dos principais defensores da música contemporânea no Brasil, fruto
de seus estudos em Darmstadt com Henri Pousseur, Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen.
Em suas diversas composições utilizou recursos bastante diversificados: gravações (música
concreta), processos aleatórios, intervalos microtonais, grafismos, além de experiências
- 64 -
com “teatro musical” e com multimeios. A partir da década de 1980, Gilberto Mendes
assume uma postura diferenciada, encarando “o universo atonal como uma projeção e
expansão do universo tonal” (MENDES: 1994, p. 197), estabelecendo-se assim um jogo
entre os dois sistemas, “o universo harmônico poli/atonal e o universo harmônico tonal”
(MENDES: 1994, p. 190-191). A partir desse ponto, o compositor assume uma posição
próxima à estética pós-modernista, para a qual a combinação de diferentes linguagens
musicais constitui sua base mais primordial. Devido às suas diversas contribuições, o nome
de Gilberto Mendes faz parte da história musical brasileira como um de seus principais
compositores no século XX.
Estudo, ex-tudo, eis tudo pois! é uma peça para piano solo composta em 1997. Esta
peça simboliza de modo exemplar a estética pós-modernista adotada por Gilberto Mendes a
partir da década de 1980, combinando diferentes linguagens musicais dentro de um único
discurso musical. De especial destaque na obra de Gilberto Mendes desse período é o
contraste entre os sistemas tonal e atonal, elemento estrutural para o seu pensamento
composicional que substitui a “antiga oposição consonância/dissonância” (MENDES:
1994, p. 191).
Em nossa análise, segmentamos a peça em duas partes:
A – B
A = formada por dois trechos
B = formada por dois trechos
Toda a peça é baseada em variações de um padrão melódico-harmônico apresentado
nos primeiros seis compassos da peça. Tais variações foram elaboradas em estilos musicais
- 65 -
bastante diferentes, da música atonal ao jazz, relacionados ao longo da peça pelo esquema
formal adotado pelo compositor.
A primeira parte da peça consiste na exposição do padrão melódico-harmônico da
peça e no tensionamento desse padrão pela passagem de uma estruturação tonal para uma
estruturação politonal/atonal. A segunda parte consiste na apresentação de duas variações
do padrão inicial que funcionam como contraste em relação à primeira parte. A segunda
parte apresenta o mesmo tensionamento encontrado na primeira, com a passagem de uma
estruturação tonal para uma estruturação politonal/atonal.
A primeira parte estende-se do comp. 1 (p. 1, 0’00”) ao comp. 28 (p. 5 a 7, 4’43”).
No início ocorre a apresentação do padrão melódico-harmônico que serve de base para a
peça (comp. 1 a 6) (FIGURA 20). Este padrão é formado pelo encadeamento tonal de
acordes pertencentes a Mi Maior e é caracterizado pela presença de uma nota aguda pedal:
nota Si (comp. 1 a 4) e nota Mi (comp. 5 a 6). Sua estrutura é bastante simples, deixando ao
compositor um leque muito abrangente de possíveis variações que é explorado ao longo da
peça. Tal padrão é apresentado e, em seguida, repetido duas vezes. A primeira repetição
ocorre sem modificações, enquanto a segunda repetição apresenta variação harmônica
(comp. 7 a 12, 1’10”). Tal variação harmônica é realizada por meio de uma técnica oriunda
do politonalismo que consiste na sobreposição de tríades pertencentes a tonalidades
diferentes
25
.
25
É fundamental no discurso politonal que as tríades sobrepostas apresentem notas que se relacionem
cromaticamente, como e #. Assim, vemos na paritura de Gilberto Mendes a sobrepoisção de acordes
como Sol# Menor e Ré Maior (relação cromática entre Ré# e Ré) ou Mi Maior e Sol Maior (relação cromática
entre Sol# e Sol).
- 66 -
FIGURA 20
Apresentação do padrão melódico-harmônico, com repetição, seguido de variação politonal (Estudo, ex-tudo,
eis tudo pois!, p. 1, comp. 1 a 12)
A partir do comp. 13 (p. 1, 1’48”) começa uma nova variação, composta por blocos
de acordes em estilo politonal e rápidos perfis melódicos em estilo atonal (FIGURA 21).
Essa variação do padrão inicial é repetida algumas vezes, sendo gradativamente modificada
por meio de um adensamento harmônico e pelo aumento da extensão das fases melódicas
atonais. Tal adensamento harmônico decorre do acréscimo de segundas aos blocos
politonais e da adoção de intervalos mais dissonantes nas passagens rápidas atonais.
FIGURA 21
Início de variação composta por blocos de acordes politonais e rápidos perfis melódicos atonais (Estudo, ex-
tudo, eis tudo pois!, p. 1, comp. 13 a 15)
- 67 -
No comp. 23 (p. 4, 3’37”), o adensamento harmônico se intensifica e as frases
melódicas passam a apresentar um perfil melódico ascendente, com Si como nota final. Tal
configuração reforça a chegada na nota Si, caracterizando-a como um pedal agudo de modo
similar ao encontrado no padrão melódico-harmônico de base da peça. Nos compassos
seguintes o processo de adensamento harmônico continua, até que em meio ao comp. 28 (p.
6, 4’27”) a extensão das figurações melódicas atonais atinge seu ápice. Em seguida uma
passagem melódica de perfil predominantemente descendente que é encerrada
abruptamente.
A segunda parte estende-se do comp. 29 (p. 7, 4’43”) ao final da peça, comp. 92
(p. 11, 8’51”). Esta parte interrompe o processo encontrado na primeira parte e é composta
predominantemente por duas variações distintas. A primeira delas recupera o contexto tonal
do início da peça (Mi Maior), agora num compasso ternário (comp. 29, p. 7, 4’43”)
(FIGURA 22). Essa variação é repetida e depois, no comp. 33, variada por uma mudança
do contorno melódico, que adquire características do jazz. Mais à frente, no comp. 41,
surge outra variação do contorno melódico, agora com ritmo pontuado.
FIGURA 22
Variação tonal em compasso ternário (Estudo, ex-tudo, eis tudo pois!, p. 7, comp. 29 a 32)
- 68 -
No comp. 49 (p. 8, 5’40”), surge a segunda variação importante da segunda parte da
peça. Essa variação apresenta características harmônicas de estilo politonal, ritmo pontuado
e a melodia principal presente na região grave (FIGURA 23).
FIGURA 23
Variação politonal com ritmo pontuado (Estudo, ex-tudo, eis tudo pois!, p. 8, comp. 50 a 52)
Um pouco à frente, comp. 55 a 63 (p. 9, 6’02” a 6’46”), uma rápida combinação
das duas principais variações desta parte da peça. Esse trecho possui diversas repetições,
suspensões por fermatas e, no comp. 60, um rallentando, o que gera uma interrupção do
discurso no comp. 63. Dos comp. 64 a 69 (p. 9 a 10, 6’46” a 7’07”) há uma rápida remissão
à primeira parte da peça feita pela retomada dos rápidos perfis melódicos atonais. Essa
retomada é logo interrompida e em seguida, comp. 70 (p. 10, 7’07”), voltam as duas
principais variações da segunda parte. Primeiramente reaparece a variação tonal,
apresentada diretamente com ritmo pontuado e incluindo uma passagem por Sol Maior.
Logo depois, comp. 82 (p. 10, 7’40”), reaparece a variação politonal com ritmo pontuado e
melodia principal na região grave. A partir do comp. 86 (p. 11, 8’04”) essa variação
apresenta repetições que conduzem à suspensão do discurso (comp. 90), seguido de uma
breve passagem que encerra a peça.
- 69 -
3.7. Quarteto de Cordas No. 3, de Alfred Schnittke
Alfred Schnittke nasceu em 1924, na Rússia, e faleceu em 1998. Um dos principais
compositores russos do final do século XX, suas primeiras composições mostram forte
influência de Dmitri Schostakovich. Após a visita de Luigi Nono à então União Soviética,
realizada em 1963, Schnittke passa a utilizar técnicas seriais em suas composições. Mas por
volta do início da cada de 1970 Schnittke passa a adotar uma linguagem musical mais
abrangente, justapondo em suas composições múltiplos estilos e técnicas musicais, tanto do
passado quanto do presente. Essa nova postura aproxima-se muito do que se pode
denominar estética pós-modernista da segunda metade de século XX. Sua produção
musical é bastante abrangente, com obras para orquestra, música de câmara, peças solistas,
além de diversas trilhas sonoras para o cinema e televisão.
O Quarteto de Cordas No. 3 foi composto em 1983 e reflete a fase s-1970 do
compositor, na qual predomina a preocupação em incorporar a música e a linguagem do
passado à sua própria linguagem composicional. Tal fato é destacado especialmente pela
utilização, por parte de Schnittke, de temas e motivos retirados de peças clássicas do
repertório (Lasso, Beethoven), combinando-as por meio de um processo de expansão e
desenvolvimento de suas potencialidades ao longo de uma linguagem claramente
contemporânea. Os três movimentos foram analisados conjuntamente, dentro de uma única
descrição de organização formal.
- 70 -
Em nossa análise, segmentamos a peça de acordo com os três movimentos:
A – B – transição – C
A (1º Movimento) = I (formada por três trechos) – II (formada por dois trechos)
B (2º Movimento) = I (formada por três trechos) – II (formada por dois trechos) – I´
(formada por dois trechos) - transição
C (3º Movimento) = I (formada por dois trechos) – II (formada por três trechos)
O Quarteto de Cordas No. 3 ilustra bem o diálogo entre formas tradicionais e
discurso musical contemporâneo presentes em compositores pós-modernistas. O primeiro
movimento consiste na exposição dos materiais principais e na apresentação do principal
elemento formal da peça: o choque entre textura diatônica/tonal e textura politonal/atonal.
O segundo movimento consiste na ampliação e desenvolvimento desse contraste, por meio
da justaposição de trechos distintos. A transição presente no final do segundo movimento
interrompe essa seqüência de justaposições. O terceiro movimento consiste no apagamento
da textura diatônica/tonal e na afirmação da textura politonal/atonal.
O Primeiro Movimento divide-se em suas partes. A primeira parte estende-se do
início do movimento (p. 1, 0’00”) ao comp. 47 (p. 4, 3’09”) e subdivide-se em três trechos.
O primeiro trecho começa com a apresentação dos principais materiais da peça. Estes
materiais servem de base para a construção dos três movimentos. O primeiro material é
retirado do Stabat mater de Orlando di Lasso e tem uma função particular em toda a peça:
articular as mudanças formais entre trechos e partes. Os outros dois materiais são usados
para a criação de transições e desenvolvimentos: um fragmento do Quarteto de Cordas No.
16 de Ludwig von Beethoven e o motivo DSCH, referência às iniciais de Dmitri
- 71 -
Shostakovich
26
(FIGURA 24). Ambos têm como principal característica a transformação de
uma textura harmônica simples (uníssono) em uma textura harmônica complexa (cluster).
No comp. 9 (p. 1, 0’43”) há uma variação do material Lasso que encerra esse trecho.
FIGURA 24
Apresentação dos materiais principais da peça (Quarteto de Cordas Nº 3, Mov. I, p. 1, comp. 1 a 16)
A partir do comp. 11 (p. 1, 0’43”) tem início o segundo trecho do movimento, que é
caracterizado por processos direcionais de transformação de texturas harmônicas (simples
em complexa e vice-versa). Essas passagens ocorrem três vezes: comp. 11 a 16 (passagem
de uma quinta justa para um cluster), comp. 19 a 23 (passagem de um cluster para um
uníssono) e comp. 23 a 26 (passagem de um cluster para um uníssono). No comp. 27 (p. 2,
1’44”) começa o terceiro trecho, caracterizado por uma textura contrapontística imitativa
diatônica cuja sobreposição de vozes gera clusters diatônicos. O trecho apresenta
26
Conforme o prefácio à partitura, p. III.
- 72 -
referências ao material Lasso, sendo que a referência mais clara ocorre ao final do
trecho, no comp. 47 (p. 4, 3’04”), pontuando o final da primeira parte.
A segunda parte do movimento estende-se do comp. 48 (p. 4, 3’04”) ao final do
movimento, comp. 82 (p. 6, 5’41”). Essa parte é subdividida em dois trechos, que
apresentam características similares ao segundo e terceiro trechos da primeira parte. O
primeiro trecho começa no comp. 48 (p. 4, 3’04”) com uma textura contrapontística
imitativa cromática/atonal (material Beethoven), cuja sobreposição de vozes gera clusters
cromáticos. Essa passagem imitativa leva, logo depois, no comp. 52 (p. 4, 3’26”), a uma
passagem de transformação da textura harmônica (passagem de uníssono para cluster). E
essa transformação conduz ao ápice do primeiro movimento no comp. 64 (p. 5, 4’15”), no
qual aparece claramente o material Lasso. O segundo trecho começa no comp. 65 (p. 5,
4’23”) com referências ao material DSCH e ao material Beethoven. Em seguida, no comp.
73 (p. 6, 4’54”), há uma passagem com textura contrapontística imitativa em estilo
politonal sobre um pedal de quinta justa (Sol-Ré). Ao final deste trecho uma variação,
em pizzicato no violoncelo, do material DSCH.
O Segundo Movimento apresenta traços formais muito similares a uma forma
sonata clássica. O movimento divide-se em três partes. Na primeira parte ocorre a
exposição do eixo contrastante do movimento. Ela estende-se do início do movimento (p. 7,
0’00”) ao comp. 138 (p. 13, 2’20”) e subdivide-se em três trechos. O primeiro trecho
começa com a apresentação do tema principal do movimento (Tema 2). Este tema é
derivado do material DSCH, mas aqui é adaptado a um contexto claramente diatônico/tonal
(FIGURA 25). Este trecho apresenta uma intervenção atonal (comp. 6 a 8) que conduz a
uma modulação do Tema 2 e, ao final, uma passagem claramente cadencial (comp. 14 a
- 73 -
15). No comp. 16 (p. 7, 0’15”) reaparece o material Lasso, articulando o final do trecho de
apresentação do tema.
FIGURA 25
Apresentação do Tema 2 (Quarteto de Cordas Nº 3, Mov. II, p. 7, comp. 1 a 17)
O segundo trecho tem início no comp. 19 (p. 8, 0’18”) e consiste numa transição
elaborada a partir do Tema 2 e dos materiais principais. Essa transição apaga o contexto
tonal do início do movimento, incluindo passagens politonais/atonais com alto grau de
- 74 -
direcionalidade. Ao final do trecho, no comp. 54 (p. 10, 0’53”), uma rápida e forte
passagem direcional, construída por imitação cromática, que termina numa pausa geral
(comp. 59), suspendendo essa seqüência de processos direcionais.
No comp. 60 (p. 10, 0’59”) começa o terceiro trecho, caracterizado pela
apresentação de uma nova textura homofônica contrastante (FIGURA 26). Essa nova
textura é predominantemente diatônica/tonal e apresenta referências ao Tema 2 e ao
material DSCH. No comp. 91 (p. 11, 1’33”) reaparece novamente o material Lasso, seguido
por uma última passagem dessa textura homofônica. Essa passagem leva, no comp. 106 (p.
12, 1’52”), a uma nova passagem atonal mais estável harmonicamente e com maior
movimentação rítmica, semelhante a um pedal. Essa passagem atonal apresenta um
significativo aumento da dinâmica e da densidade harmônica, culminando numa passagem
atonal/politonal (comp. 124, p. 13, 2’09”) com claras características de coda: pedal no
grave e retomada do Tema 2, finalizando com uma rápida aparição do material Lasso.
- 75 -
FIGURA 26
Apresentação da textura homofônica contrastante (Quarteto de Cordas Nº 3, Mov. II, p. 10, comp. 53 a 75)
A segunda parte do movimento caracteriza-se como um desenvolvimento dos
trechos anteriores, baseado especialmente na exploração de uma sonoridade mais
cromática/atonal. Esta parte estende-se do comp. 138 (p. 13, 2’20”) ao final do movimento
(comp. 226, p. 17, 3’57”), e divide-se em dois trechos. O primeiro trecho começa no comp.
- 76 -
138 (p. 13, 2’20”) e é baseado na textura homofônica deste movimento. Aqui, a textura
anteriormente diatônica/tonal é transformada numa textura cromática atonal, com presença
de tremolos (cello) e trinados
27
. Além disso, também forte presença do material Lasso,
executado com variações de quarto de tom. A partir do comp. 200 (p. 15, 3’28”) começa
uma polarização sobre a nota Ré (violinos I e II) que conduz ao segundo trecho.
O segundo trecho começa no comp. 204 (p. 16, 3’38”) com a reaparição do Tema 2
em pizzicato no violino I. Logo depois um rápido aumento da dinâmica que conduz, no
comp. 231 (p. 17, 3’52”), ao ápice desta parte. Essa passagem é baseada na inversão do
Tema 2 e de variações do material DSCH. Em seguida há uma rápida diminuição da
dinâmica e uma estabilização da movimentação melódica que conduzem à terceira parte do
movimento.
Na terceira parte do movimento ocorre a re-exposição modificada do eixo
contrastante do movimento, incluindo a recuperação da sonoridade diatônica/tonal. Esta
parte estende-se do comp. 227 (p. 17, 3’57”) ao final do movimento (comp. 326, p. 23,
5’43”) e subdivide-se em dois trechos. O primeiro trecho começa no com comp. 227 (p. 17,
3’57”) e caracteriza-se pela reapresentação do Tema 2 numa passagem imitativa em estilo
politonal. Esse trecho apresenta, como na primeira parte do movimento, uma intervenção
(comp. 224 a 236) que conduz a modulações do Tema 2 e, ao final, uma passagem
claramente cadencial (comp. 242 a 243). Em seguida uma rápida passagem
politonal/atonal elaborada sobre o material Lasso que conduz ao próximo trecho.
O segundo trecho começa no comp. 253 (p. 19, 4’25”) e caracteriza-se pela
recuperação da textura diatônica/tonal. O trecho é elaborado sobre uma textura imitativa
27
Essa associação entre textura cromática atonal e tremolos e trinados também ocorre nos compassos 48 a 57
do primeiro movimento. Em ambos movimentos essa textura é utilizada para a abertura da segunda parte. No
terceiro movimento há passagens similares nos compassos 38 a 40 e 62 a 64.
- 77 -
baseada também no Tema 2 e apresenta uma forte direcionalidade derivada da progressão
cromática de passagens tonais: Maior, Réb Maior, Maior e assim sucessivamente.
Essa seqüência conduz, no comp. 282 (p. 21, 4’54”), ao ápice do movimento, ainda com
textura diatônica/tonal. Em seguida uma suspensão abrupta do trecho (comp. 288) sobre
um acorde politonal/atonal.
No comp. 290 (p. 21, 5’03”) tem início uma grande transição do segundo
movimento para o terceiro. A textura é predominantemente cromática/atonal e uma
marcante fragmentação dos elementos característicos do segundo movimento. No comp.
320 (p. 31, 5’35”) começa uma passagem fortemente direcional que conduz ao terceiro
movimento.
O Terceiro Movimento divide-se em duas partes. A primeira parte estende-se do
início do movimento (p. 24, 0’00”) ao comp. 41 (p. 26, 3’03”) e subdivide-se em dois
trechos. O primeiro trecho começa com a súbita apresentação do tema principal do
movimento (Tema 3), caracterizado por uma textura homofônica politonal e pelo pedal
sobre a quinta justa Dó-Sol (FIGURA 27). Em seguida, começa uma passagem de
movimento escalar (comp 9) com diminuição da dinâmica que leva a uma nova aparição do
material Lasso (comp. 15, p. 25, 1’00”). Essa nova aparição recupera a textura
diatônica/tonal de outras partes da peça, mas é rapidamente apagada pelo material
Beethoven (comp. 18, p. 25, 1’15”).
- 78 -
FIGURA 27
Apresentação do Tema 3 (Quarteto de Cordas Nº 3, Mov. III, p. 24, comp. 1 a 13)
O segundo trecho começa no comp. 20 (p. 25, 1’25”) e consiste numa transição para
a segunda parte do movimento. Neste trecho são utilizados os materiais principais da peça,
assim como o Tema 3. Este trecho começa com o Tema 3 e apresenta uma transformação
gradual da textura cromática/atonal em uma textura diatônica/tonal que conduz ao material
- 79 -
Lasso (comp. 29, p. 26, 2’07”). Em seguida um outro adensamento harmônico,
elaborado a partir de imitações do material Lasso por intervalos de trítono. Esse
adensamento culmina, no comp. 34 (p. 26, 2’31”), no ataque de um cluster e na passagem
melódica cadencial do violino I. No comp. 38 mais uma passagem do material
Beethoven que conduz a um novo cluster (com fermata) no comp. 41 (p. 26, 3’00”),
encerrando a primeira parte.
A segunda parte estende-se do comp. 41 (p. 26, 3’03”) ao final do movimento
(comp. 100, p. 30, 7’44”) e subdivide-se em três trechos. O primeiro trecho começa no
comp. 41 (p. 26, 3’03”) com a recuperação do Tema 2 (tema do segundo movimento) em
uma textura harmônica politonal. Esse trecho apresenta um rápido processo direcional,
marcado pelo aumento da dinâmica e da densidade harmônica. Esse processo interrompido
abruptamente no comp. 49 (p. 27, 3’41”), numa textura harmônica cromática/atonal que
apresenta uma passagem melódica cadencial no violino I.
O segundo trecho começa no comp. 52 (p. 27, 3’59”) com a retomada do Tema 3 em
pizzicato, sobreposto a um pedal sobre a nota (violino I). Essa retomada começa com
uma textura harmônica politonal que é gradualmente transformada em cromática/atonal
(processo de adensamento harmônico), culminando na reaparição do material Lasso (comp.
60, p. 28, 4’39”), seguido do material Beethoven. No comp. 65 (p. 28, 4’56”) começa uma
passagem direcional elaborada sobre o material DSCH em pizzicato, sobreposta a um
cluster (violinos I e II). Essa passagem conduz a outra aparição do material Lasso no comp.
74 (p. 29, 5’27”), marcando o ápice do movimento. Logo depois, uma pausa (fermata)
articula o início do próximo trecho.
O terceiro trecho começa no comp. 76 (p. 29, 5’41”) e caracteriza-se pela afirmação
da textura politonal/atonal. O trecho tem início com uma passagem direcional (abertura do
- 80 -
registro e aumento da dinâmica) que marca a chegada num cluster no comp. 82 (p. 29,
6’15”). No comp. 86 há uma passagem com clara função de coda elaborada sobre o
material DSCH (incluindo referências ao Tema 2) em pizzicato, com um pedal sobre a
quinta justa Dó#-Sol#.
Apesar de utilizar materiais provenientes de peças de outros compositores, podemos
ver que Schnittke constrói seu discurso a partir de uma leitura própria desses materiais,
proveniente de processos de transformação motívica. Esses processos apresentam forte
influência da tradição musical Ocidental, influência visível também nas diversas passagens
imitativas encontradas ao longo da peça. Tal influência também aparece na organização
formal que serve de pano de fundo para Schnittke em várias de suas obras. Segundo o
próprio compositor, “a obediência interior à sonata, em todas as suas variantes feitas e
refeitas, prevalece na maioria de minhas composições” (IVÁCHKIN: 2003, p. 53). No
entanto, a utilização desse modelo formal é apenas uma base para Schnittke, a partir da qual
o compositor estabelece diversos desvios necessários para a configuração do discurso
musical de cada obra.
Cada um dos três movimentos do Quarteto de Cordas Nº 3 pode ser visto como uma
variante da forma sonata, tendo como ponto de vista a oposição entre trechos mais estáveis
(exposição e re-exposição temática) e trechos direcionais (transições e desenvolvimentos).
No entanto, consideramos ser mais importante para o discurso da peça a relação
estabelecida pelo compositor entre os materiais e temas e o contraste entre texturas
harmônicas (diatônica/tonal x politonal/atonal). No primeiro movimento um marcante
deslocamento de uma textura a outra, já que na primeira parte predomina uma textura
diatônica/tonal, enquanto na segunda predomina uma textura politonal/atonal. Tal
- 81 -
deslocamento é baseado na própria configuração dos materiais principais (Beethoven e
DSCH), os quais já apresentam tal deslocamento. No segundo movimento há uma constante
justaposição entre as texturas contrastantes que só é interrompida na transição para o
terceiro movimento. No terceiro movimento ocorre a conclusão desse deslocamento, com a
afirmação da textura politonal/atonal.
3.8. Sextet, de Steve Reich
Steve Reich nasceu em 1936 nos Estados Unidos. Reich é um dos pioneiros da
corrente musical denominada minimalismo. Reich menciona diversos nomes de
compositores que admira, como Perotin, J. S. Bach, Debussy e Stravinsky, mas é
indubitável o grande peso que o Jazz teve em sua formação musical. Suas composições são
elaboradas a partir de processos de repetição e modificação de figuras e padrões rítmico-
melódicos, de modo a criar ambigüidade “entre o que é melodia e o que é
acompanhamento”
28
. Tais padrões servem de base para a construção de camadas musicais,
combinadas numa textura predominantemente contrapontística. Sua produção musical é
bastante extensa, com peças para orquestra, óperas, trilhas sonoras para filmes, mas com
predomínio de peças para grupos de câmara.
Sextet, para percussão e teclados
29
, foi composta em 1984 e exemplifica muito bem
o estilo composicional de Reich. A peça possui cinco movimentos executados sem
interrupção entre eles. Seu discurso é baseado na repetição, no acúmulo e na transformação
28
Citação retirada da nota de programa da peça, a qual encontra-se disponível no site da Editora Boosey &
Hawkes:
http://www.boosey.com/pages/cr/catalogue/cat_detail.asp?musicid=5234.
29
A formação exata da peça é: 3 teclados (1 piano e 2 pianos/sintetizadores), 2 vibrafones, 3 marimbas, tam-
tam, click sticks, 2 bumbos sinfônicos e crotales.
- 82 -
de camadas, realizadas gradualmente ao longo de um certo tempo. Na nota de programa da
peça
30
Reich classifica sua forma como A-B-C-B-A, onde as letras remetem a similaridades
tanto de andamento quanto de progressões harmônicas (ou seqüências de acordes). O
principal recurso utilizado por Reich para a construção das camadas é a combinação de
técnicas contrapontísticas de imitação, como cânones, com processos de adensamento e/ou
variação dos padrões rítmico-melódicos de cada trecho.
Em nossa análise, segmentamos a peça de em três partes:
A (Mov. I) – B (Mov. II, III e IV) – A´ (Mov. V)
A = formada por três trechos
B = formada por três trechos
A´ = formada por dois trechos
A primeira parte consiste na exposição dos elementos discursivos da peça. A
segunda parte consiste na modificação desses elementos, incluindo andamento, seqüências
harmônicas e padrões rítmico-melódicos, caracterizando-a como seção de contraste. A
terceira parte recupera as principais características da primeira parte, caracterizando-a como
uma re-exposição.
A primeira parte é formada pelo Movimento I e subdivide-se em três trechos. O
primeiro trecho estende-se do início da peça (0’00”) ao número 15
31
(1’49”) e consiste na
apresentação de uma seqüência harmônica que serve de base para a peça. Esta seqüência
apresenta um pulso constante repetido pelos teclados I e II (pianos) e pela sustentação da
harmonia pelo teclado III (sisntetizador) (FIGURA 28). Esta seqüência harmônica é
repetida com ligeiras modificações (saída do registro grave dos pianos e entrada do
30
Nota de programa disponível no site
http://www.boosey.com/pages/cr/catalogue/cat_detail.asp?musicid=5234.
31
A partitura possui numerações de 1 a 216 que servem para a sincronização dos instrumentistas. Tais
numerações geralmente indicam modificações em algum parâmetro ou elemento da peça.
- 83 -
vibrafone com arco) a partir do número 7 (0’45”). Ao final deste trecho uma diminuição
da dinâmica dos teclados.
FIGURA 28
Início da seqüência harmônica do Movimento I (Sextet, Teclado I/Piano I, números 0 e 1)
O segundo trecho estende-se do número 15 (1’49”) ao número 87 (9’13”) e é
formado por uma terceira repetição, mais extensa, da seqüência harmônica deste
movimento. Neste trecho uma significativa mudança da textura da peça, criando um
contaste em relação ao seu início. O teclado III (sintetizador) continua o ritmo constante do
primeiro trecho, enquanto surge gradualmente um novo padrão rítmico-melódico nas
marimbas (FIGURA 29). Logo após a estabilização deste padrão surge novamente o
vibrafone (número 25, 2’53”). A partir do número 16 (4’35”) os vibrafones gradualmente
somam-se ao padrão rítmico-melódico deste trecho.
FIGURA 29
Início do padrão rítmico melódico das Marimbas (Sextet, Marimba 1, número 17)
- 84 -
No número 54 (5’53”) as marimbas começam a mudar gradualmente de padrão
rítmico-melódico (FIGURA 30). Este novo padrão consiste basicamente numa variação do
padrão anterior. Simultaneamente, ocorre a diminuição da dinâmica dos vibrafones e sua
saída. Quando o padrão variado das marimbas se estabiliza ocorre o retorno do vibrafone
(número 66, 6’55”). A partir do número 80 (8’15”) os vibrafones gradualmente retornam.
FIGURA 30
Variação do padrão rítmico melódico das Marimbas (Sextet, Marimba 2, números 57 a 60)
O terceiro trecho estende-se do número 87 (9’13”) ao final do movimento (10’30”)
e consiste numa nova repetição da seqüência harmônica. Neste trecho são combinados
elementos dos dois trechos anteriores. As marimbas retomam o padrão rítmico-melódico do
início do segundo trecho, enquanto o teclado II (sintetizador) apresenta acordes sustentados
e o vibrafone (novamente com arco) apresenta notas longas.
A segunda parte da peça é formada pelos Movimentos II, III e IV. Esta parte
apresenta diversas variações dos elementos apresentados anteriormente: variações de
andamentos, das seqüências harmônicas, dos padrões rítmico-melódicos, dos registros e da
densidade de eventos. Cada um dos movimentos desta parte começa com uma curta
passagem de caráter rítmico pulsante. Essas passagens possuem rápidas mudanças
harmônicas que são iniciadas por um ataque súbito do conjunto instrumental. Em Sextet,
tais passagens são utilizadas para a apresentação das seqüências harmônicas dos
movimentos.
- 85 -
O Movimento II começa com a apresentação de uma nova seqüência harmônica
(número 96, 0’00”) que serve de base para esse movimento. No número 103 (0’32”)
começa a apresentação gradual de um novo padrão rítmico-melódico pelos teclados II e III
(pianos), pelos vibrafones com arco e pelos bumbos sinfônicos (FIGURA 31). Esse
movimento é mais lento, mais rarefeito e predominantemente mais grave do que o primeiro.
Além disso, ele também não apresenta o pulso rítmico constante que permeia o primeiro
movimento.
FIGURA 31
Início do padrão rítmico-melódico do Movimento II (Sextet, Teclado III/Piano 1, números 103 a 105)
O Movimento III começa com a apresentação de uma nova seqüência harmônica
(número 120, 0’00”) que serve de base para esse movimento. No número 126 (0’24”)
começa a apresentação gradual de um novo padrão rítmico-melódico pelos vibrafones.
Mais à frente, a partir do número 29 (0’41”) os teclados II e III (pianos) e o bumbo
sinfônico somam-se ao padrão do movimento (FIGURA 32). A partir deste ponto o padrão
do movimento adquire uma natureza composta, e passa a se caracterizar pela alternância de
trechos com forte marcação do pulso e de trechos com deslocamento de acentos
(polirritmia). No mero 133 (1’19”) essa característica é acentuada pela variação rítmico-
melódica apresentada pelos teclados (pianos). Esse movimento mais lento do que o
anterior, mas é um pouco menos rarefeito e apresenta maior variação rítmica e melódica.
- 86 -
Ao final, no número 143 (2’22”) um ataque súbito e um rápido crescendo que leva ao
próximo movimento.
FIGURA 32
Fragmento do padrão rítmico-melódico do Movimento III (Sextet, Teclado II/Piano 2, números 129 a 130)
O Movimento IV começa com a apresentação de uma nova seqüência harmônica
(número 144, 0’00”) que serve de base para esse movimento. No número 151 (0’29”)
começa a apresentação gradual de um novo padrão rítmico-melódico pelos teclados II e III
(sintetizadores), Vibrafones, Marimbas e bumbo sinfônico (FIGURA 33). No número 160
(2’09”) começa uma repetição da seqüência harmônica e do padrão rítmico-melódico, mas
sem os sintetizadores. Esse movimento possui andamento, densidade de eventos, seqüência
harmônica e padrão rítmico-melódico semelhantes ao Movimento II.
FIGURA 33
Início do padrão rítmico-melódico do Movimento IV (Sextet, Teclado III/Sintetizador 1, números 151 a 153)
- 87 -
A terceira parte é formada pelo Movimento V e subdivide-se em dois trechos. O
primeiro trecho estende-se do número 169 (0’00”) ao número 198 (3’29”) e começa com
um ataque bito do conjunto instrumental. A esse ataque segue a gradual apresentação de
um novo padrão rítmico-melódico pelas marimbas (FIGURA 34), depois pelos vibrafones
(número 173, 0’28”) e depois pelos teclados II e III (pianos) (número 179, 1’07”). Após a
estabilização do novo padrão começam as mudanças de acordes, que seguem seqüência
semelhante ao Movimento I.
FIGURA 34
Início do Movimento V e do padrão rítmico-melódico (Sextet, Marimba 1, números 169 a 173)
O segundo trecho estende-se do número 198 (3’29”) ao final da peça (5’43”). Neste
trecho as mudanças harmônicas cessam, assim como os padrões rítmico-melódicos
arpejados. Este trecho começa com padrões de notas repetidas sobre o primeiro acorde da
seqüência harmônica, onde cada instrumento apresenta um ritmo próprio. Todo o trecho é
construído a partir de um processo de diluição tanto do padrão de notas repetidas e de
diluição das dissonâncias do acorde inicial. Ao final do trecho, e da peça, os ritmos dos
instrumentos tornam-se quase idênticos e o acorde é reduzido a apenas três notas (Mi, Lá e
Si).
Esse movimento possui andamento, densidade de eventos, seqüência harmônica e
padrão rítmico-melódico semelhantes ao Movimento I. Com isso, um claro resgate da
- 88 -
sonoridade do início da peça. Consideramos de grande importância o aumento da
estabilidade encontrado neste movimento. Esse aumento apaga as grandes mudanças
ocorridas nos Movimentos II, III e IV ao mesmo tempo em que reforça a retomada da
sonoridade inicial da peça.
3.9. Lacrimosa, de Krzystof Penderecki
Krzystof Penderecki nasceu em 1933 na Polônia. O compositor figura, ao mesmo
tempo, como um dos principais compositores da atualidade e como um dos mais
controvertidos. Essa situação é fruto de uma profunda mudança em seu estilo musical
ocorrida por volta da década de 1970. Antes dessa mudança, Penderecki era reconhecido
como um dos principais compositores contemporâneos experimentais da década de 1960. Já
em sua produção posterior a 1970 é comum encontrar-se a combinação de materiais
musicais muito distintos, que vão desde elementos contemporâneos, como clusters e
massas sonoras, a elementos bastante tradicionais, como tríades tonais. Sua fase mais
recente tem seguido a linha de um romantismo mais conservador. Suas composições são
muito diversificadas, com peças para orquestra, concertos, música de câmara, óperas, obras
corais e peças solistas.
Lacrimosa é uma peça para soprano, coro misto e orquestra composta em 1980. Ela
apresenta combinações de elementos contemporâneos e tradicionais, o que constitui a
principal característica da fase pós-1970 de Penderecki. Seu discurso utiliza muitos
elementos advindos da tradição musical tonal, especialmente quanto à constituição dos
acordes (predominância de tríades formadas por empilhamento de terças) e quanto à
- 89 -
construção de melodias com forte presença de cromatismos. A utilização de tais elementos
remete diretamente a compositores do Pós-Romantismo, como Gustav Mahler.
Posteriormente, Penderecki expandiu a concepção da peça, incluindo-a como parte de seu
Requiem Polonês (1980-84, rev. 1993).
Em nossa análise, segmentamos a peça em duas partes:
A – A´
A = formada por três trechos
A´ = formada por dois trechos
A primeira parte consiste na exposição dos materiais principais da peça (primeiro e
terceiro trechos) e no desenvolvimento da figuração principal (segundo trecho), este último
caracterizado pela marcante presença de processos direcionais. A segunda parte consiste na
re-exposição desses materiais e na interrupção dos processos direcionais existentes ao
longo de grande parte da peça.
A primeira parte estende-se do início da peça (p. 3, 0’00”) ao comp. 24 (p. 8,
2’47”) e caracteriza-se pela apresentação dos materiais a serem utilizados. A peça começa
com a apresentação do motivo principal da peça, caracterizado por um salto ascendente de
6ª menor seguido de uma 2ª menor descendente (FIGURA 35), que inicialmente está
claramente inserido em um contexto tonal sobre menor. No comp. 5 ocorre um
adensamento harmônico (p. 3, 0’36”) formado pela inserção de passagens cromáticas e
saltos de trítono. Essa configuração combinada de apresentação do motivo principal
seguida de um processo de adensamento harmônico constitui o principal elemento
discursivo da obra, que chamamos de figuração principal.
- 90 -
FIGURA 34
Início da peça e apresentação do motivo principal (Lacrimosa, p. 3, comp. 21 a 24)
Na anacruse do comp. 7 (p. 4, 0’48”) a entrada da soprano solo e a repetição um
pouco variada da figuração principal (motivo principal seguido de adensamento
harmônico). Aqui o adensamento harmônico é muito mais pronunciado, incluindo
passagens por acordes distantes de menor. No comp. 10 (p. 5, 1’12”) o processo de
adensamento harmônico atinge seu ápice num acorde diminuto (diminuto), levando a
uma súbita modulação para Mi menor.
A partir do comp. 11 (p. 5, 1’19”) ocorre uma série de transposições da figuração
principal. Essas transposições apresentam a mesma configuração geral vista anteriormente,
- 91 -
mas são utilizadas na exploração de campos harmônicos mais distantes e na
desestabilização do eixo tonal da peça.
No comp. 11 (p. 5, 1’19”) uma leve mudança na textura com as tercinas nos
clarinetes. Neste trecho uma nova repetição pouco variada da figuração principal, agora
em Mi menor, cujo processo de adensamento harmônico atinge seu ápice novamente em
um acorde diminuto (Dó# diminuto). A esse novo ápice segue uma passagem em uníssono
do coro, contraposto à soprano solo e à viola. Essa passagem é tonalmente instável,
apresentando muitos cromatismos, e leva a uma nova modulação. No comp. 17 (p. 7,
1’54”) uma quarta repetição variada da figuração principal, aqui em Réb Maior.
Diferentemente dos trechos anteriores, aqui vemos o motivo principal sobreposto a
cromatismos. Essa passagem conduz, através de novos acordes diminutos (Dó# e Fá#
diminutos) a outra modulação, desta vez para Sol Menor.
No comp. 20 (p. 7, 2’15”) há uma interrupção das transposições da figuração
principal. Aqui é introduzido uma nova figuração (figuração coral), caracterizado por um
cluster diatônico e pela interrupção das passagens cromáticas e dos saltos melódicos de
trítono (FIGURA 35). Essa nova figuração apresenta uma textura bastante diferenciada,
marcada por uma dinâmica suave, por um alto grau de estabilidade, pela proeminência do
coro e pela ausência da soprano solo. No comp. 23 o retorno da soprano solo e do
cromatismo, conduzindo ao início da segunda parte da peça.
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FIGURA 35
Trecho de apresentação do motivo coral (Lacrimosa, p. 8, comp. 1 a 5)
A segunda parte estende-se do comp. 25 (p. 9, 2’47”) ao final da peça (comp. 42,
p. 12, 5’00”) e caracteriza-se como uma repetição variada dos materiais principais. Do
comp. 25 ao comp. 26 uma rápida passagem que conduz à tonalidade de Menor,
estabilizada a partir do comp. 27 (p. 9, 3’01”). Neste ponto há a saída da soprano solo.
Logo depois há a retomada da figuração principal (motivo principal seguido de
adensamento harmônico). Essa longa passagem sobre Menor termina abruptamente no
comp. 32 (p. 10, 3’39”), onde localiza-se o ápice da peça.
No comp. 34 (p. 11, 3’54”) uma interrupção súbita da passagem anterior,
marcada pela retomada da figuração coral. Essa figuração é apresentado neste trecho em
- 93 -
Fá# Menor. A partir do comp. 37 (p. 12, 4’19”) vemos um trecho de coda, caracterizado
por um alto grau de estabilidade e pela mudança de modo (Fá# Maior). Também é na coda
que ocorre a sobreposição do motivo principal (elemento componente da figuração
principal) e da textura da figuração coral.
Apesar de curta, Lacrimosa é uma peça cuja organização discursiva e formal é
bastante complexa. Sua complexidade é advinda, em parte, de heranças da tradição musical
ocidental, como a utilização de seqüências motívicas e de cromatismos para a criação de
passagens direcionais. No entanto, a principal característica da peça é a presença de um
discurso predominantemente tonal sem que haja um centro tonal estabelecido. A peça passa
por seis tonalidades distintas (Fá Menor, Mi Menor, Réb Menor, Sol Menor, menor e
Fá# Menor/Maior) e nenhuma pode ser descrita como eixo tonal principal.
Penderecki utiliza, nesta peça, elementos do discurso tonal como ferramentas para a
construção de um discurso baseado no contraste de trechos direcionais (figuração
principal), os quais incluem modulações e adensamentos harmônicos, e texturas estáveis
(figuração coral). Os trechos direcionais são constituídos por processos de adensamento
harmônico, conforme vistos anteriormente. Os trechos estáveis são constituídos por
interrupções das mudanças harmônicas.
- 94 -
4. O Repertório Pós-1980: Características Discursivas
A partir das análises apresentadas no capítulo anterior, podemos agora traçar certas
conexões entre as peças analisadas e delinear semelhanças e diferenças quanto aos
procedimentos de organização do discurso musical utilizados pelos diferentes compositores
presentes nesta pesquisa.
O primeiro passo nesta etapa consiste em identificar as características individuais de
cada obra com base em certas questões específicas relacionadas à organização discursiva,
de modo a simplificar as análises realizadas num conjunto menor de informações. Essas
questões estão divididas em três grandes grupos:
Sobre os materiais = questões referentes ao número de materiais principais,
à presença de materiais secundários, aos tipos de relações entre os diferentes
materiais;
Sobre as partes e trechos = questões referentes ao número de partes, aos
tipos de conexões entre partes e entre trechos, aos tipos de relações entre as
partes;
Sobre o discurso musical = questões referentes à forma geral das obras, aos
processos de modificação dos materiais, à utilização de processos
direcionais, à clareza formal, ao tipo de discurso musical.
De modo a facilitar as comparações, apresentamos os resultados em forma de
tabelas, identificando as peças pelos nomes dos compositores de acordo com a ordem em
que foram apresentadas no capítulo anterior.
- 95 -
SOBRE OS MATERIAIS
N
úmero
de
materiais
principais
Grau de contraste entre os
materiais principais
Natureza dos
materiais principais
J. Harvey
2
Alto
Figurativos
F. Dhomont
2
Alto
Figurativos
L. Berio
1
-
Figurativo
B. Ferneyhough
2
Alto
Figurativos
T. Takemitsu
3
Alto
Figurativos
G. Mendes
1
-
Padrão
A. Schnittke
3
32
Alto
Figurativos
S. Reich
-
33
-
Padrões
K. Penderecki
2
Alto
Figurativo e Textural
Apresenta
materiais
secundários
Possui um material com
função específica de
articulação
Algum dos materiais
principais apresenta
referencialidade
J. Harvey
Sim
Parcialmente
Sim
F. Dhomont
Não
Sim
Sim
L. Berio
Sim
Parcialmente
34
Não
B. Ferneyhough
Não
Não
Não
T. Takemitsu
Não
Parcialmente
Não
G. Mendes
Não
35
Não
Não
36
A. Schnittke
Sim
Sim
Sim
37
S. Reich
-
Parcialmente
38
Não
K. Penderecki
Não
Não
Sim
32
Há outros temas derivados destes materiais no 2º e 3º movimentos.
33
O discurso da peça não se baseia na apresentação de um material, mas na sua gradual construção; isso,
combinado com o fato de que os padrões ritmico-harmônicos não se repetem, faz com que não caiba a
pergunta sobre os materiais principais da peça (a menos que se considere como material exclusivamente a
configuração harmônica). Assim, diversos padrões rítmico-harmônicos ao longo da peça com importância
quase equivalentes.
34
O material principal dessa obra apresenta importante função de segmentação em alguns pontos da peça,
mas tal fato deve-se à sua predominância como material principal; a função de segmentação e articulação é,
assim, função secundária do material principal dessa peça.
35
Não outros materiais secundários. Embora as diversas variações encontradas ao longo da peça possuam
características muito distintas, todas se relacionam claramente com o material principal da peça.
36
O material principal da peça não apresenta referencialidade específica, mas os trechos apresentam clara
referencialidade a sonoridades musicais específicas (tonal, atonal, jazz).
37
O material principal da peça não apresenta referencialidade específica, mas vários trechos apresentam clara
referencialidade a sonoridades musicais específicas (tonal, atonal, modal).
38
Não um material específico com essa função, mas o início de cada trecho da segunda parte da peça
(Mov. II, III e IV) é marcado por uma passagem característica, com características morfológicas semelhantes.
- 96 -
SOBRE AS PARTES E TRECHOS
N
úmero
de
partes
A 1ª
p
arte
c
ontém
todos os materiais
principais da peça
Possui uma 2ª
parte fortemente
contrastante em
relação à 1ª
A 2ª
p
arte
c
aracteriza
-
se como
desenvolvimento dos
materiais principais
J. Harvey
3
Sim
Sim
Sim
F. Dhomont
3
Sim
Não
39
Sim
L. Ber
io
3
Sim
Sim
Não
B. Ferneyhough
2
Não
Parcialmente
Não
T. Takemitsu
3
Sim
Sim
Sim
G. Mendes
2
Sim
Sim
40
Não
A. Schnittke
3
Sim
Sim
Sim
S. Reich
3
-
Sim
41
Não
K. Penderecki
2
Sim
Não
Não
Na 2ª parte são
apresentados novos
materiais
Possui uma parte de re-
apresentação da sonoridade
inicial da peça
Na 3ª parte são
apresentados novos
materiais
J. Harvey
Não
Sim
Não
F. Dhomont
Não
Sim
42
Não
L. Berio
Não
Parcialmente
43
Não
B. Ferneyhough
Sim
Não
-
T. Takemitsu
Não
Parcialmente
44
Não
G. Mendes
Não
Não
-
A. Schnittke
Sim
Parcialmente
Não
S. Reich
Sim
45
Sim
Não
K. Penderecki
Não
Não
-
39
Nesta peça, Dhomont transfere o contraste para dentro da primeira parte da peça, por meio da utilização de
dois materiais muito diferentes.
40
Apesar de haver também importantes semelhanças.
41
Apesar de haver também importantes semelhanças.
42
Re-apresentação apenas de um dos dos materiais principais.
43
diversos elementos que enfraquecem o caráter de Re-apresentação, apesar de ser nítida a retomada da
figuração princiapl da peça.
44
Há uma recuperação da sonoridade inicial, mas ela está bastante modificada (Síntese).
45
Não são apresentados novos materias, mas são introduzidos novos processos de construção de novos
padrões rtimico-harmônicos.
- 97 -
Cada
parte p
ossui um
material específico
Natureza das
c
onexões
entre os trechos da peça
Natureza das
c
onexões
entre as partes da
peça
J. Harvey
Não
Por Articulaç
ão
Por Articulação
F. Dhomont
Não
Predominantemente Por
Articulação
Por Articulação
L. Berio
Não
Por Articulação
Por Transição
B. Ferneyhough
Sim
-
46
Por Transição
T. Takemitsu
Não
Predominantemente Por
Articulação
Misto (por Transição e
por Articulação)
G. Mendes
Não
Por Articulação
Por Articulação
A. Schnittke
Parcialmente
47
Por Articulação
Misto (por Transição e
por Articulação)
S. Reich
Não
Misto (por Transição e
por Articulação)
Por Articulação
K. Penderecki
Não
Por Articulação
Por Articulação
SOBRE O DISCURSO MUSICAL
Forma geral
da peça
Apresenta variações dos
materiais principais
Apresenta trasformações e
desenvolvimento dos materiais
principais
J. Harvey
ABA´
Sim
Sim
F. Dhomont
ABA´
Sim
Sim
L. Berio
ABA´
Parcialmente
Sim
B. Ferneyhough
AB
Não
Não
48
T. Takemitsu
AB
-
AB
C
Sim
Sim
G. Mendes
AB
Sim
Não
A. Schnittke
ABC
Sim
Sim
S. Reich
ABA´
Sim
49
Não
K. Penderecki
A
Parcialmente
50
Não
46
Cada parte possui apenas um único trecho.
47
Os materiais principais são os mesmos em todas as partes, mas materiais secundários específicos para o
2º e 3º movimentos.
48
Ao longo da peça, há processos de modificação dos materiais de base, mas tais processos são tão graduais e
e distanciam-se de tal forma dos materiais originais que decidimos por não classificá-los como processos de
variação e desenvolvimento.
49
A gradual formulação dos padrões ritmico-melódicos não é vista como desenvolvimento. Além disso, as
semelhanças em relação às características dos diversos padrões ritmico-melódicos nos inclinam a considerá-
los como variações.
50
Devido às pequenas dimensões da peça, as modificações dos materiais principais não são significativas do
ponto de vista formal, servindo principalmente para a conexão entre os trechos da peça.
- 98 -
Grau de utilização de
trechos
predominantemente
estáveis
Grau de utilização de
processos direcionais na
construção dos
materiais e trechos
(superfície do discurso)
Grau de utilização de
processos direcionais
na construção das
partes e em suas
conexões (forma geral)
J. Harvey
Não significativo
Médi
o
Baix
o
F. Dhomont
Baix
o
Médi
o
Baix
o
L. Berio
Não sig
nificativo
Alt
o
Alt
o
B. Ferneyhough
Baix
o
Alt
o
Alt
o
T. Takemitsu
Alt
o
Médio
Baix
o
G. Mendes
Alt
o
Baix
o
Baix
o
A. Schnittke
Médi
o
Alt
o
Médi
o
S. Reich
Não significativo
Alt
o
Alt
o
K. Penderecki
Baix
o
Alt
o
Baix
o
Grau de clareza quanto
à segmentação dos
trechos
Grau de clareza quanto
à segmentação das
partes
Natureza do
discurso musical
J. Harvey
Alt
o
Alt
o
Predominantemente
Figurativo
F. Dhomont
Médio
Alto
Predominantemente
Figurativo
L. Berio
Baix
o
Baix
o
Misto (Processual e
Figurativo)
B. Ferneyhough
-
Baix
o
Predominantemente
Processual
T. Takemitsu
Médi
o
Médi
o
Figurativo
G. Mendes
Alt
o
Alt
o
Predominantemente
Figurativo
A. Schnittke
Médio Alto
Alt
o
Predominantemente
Figurativo
S. Reich
Médi
o
Alto
Processual
K. Penderecki
Alt
o
Alt
o
Misto (Process
ual e
Figurativo)
Ao analisarmos os quadros acima podemos observar a conjugação de alguns
procedimentos de organização do discurso que aproximam certas peças entre si, enquanto
distanciam outras. Assim, a partir dessas observações, elencamos três grandes critérios de
comparação que sintetizam os elementos analíticos mais importantes para a caracterização
- 99 -
da estrutura discursiva das peças. Esses critérios são: 1) características dos materiais
principais e de sua utilização ao longo da peça; 2) grau de utilização de processos
direcionais na construção da superfície do discurso (construção de materiais e trechos) e da
forma geral (partes e suas conexões); 3) grau de segmentação do discurso musical,
indicando a clareza quanto à articulação entre os trechos e as partes constituintes da peça.
Tais critérios nos conduziram à identificação de certos padrões de organização do discurso
musical, os quais foram sintetizados em três tipos básicos:
Tipo 1 = discurso construído a partir de materiais de pequenas proporções
(objetos sonoros e curtas figurações/motivos) que são combinados em
estruturas maiores (texturas ou camadas sonoras) por meio de sobreposições
e justaposições (repetidos literalmente ou variados); média utilização de
processos direcionais na construção da superfície do discurso (materiais e
trechos) e pequena utilização de processos direcionais na construção da
forma geral (partes e suas conexões)
51
; médio a alto grau de segmentação do
discurso musical (considerável clareza quanto à segmentação de trechos e
partes); presença de uma parte intermediária de desenvolvimento dos
materiais principais
52
;
51
Apesar de Points de Fuite, de Francis Dhomont, apresentar duas transições em sua primeira parte, a função
desses trechos não está relacionada à passagem direcional gradual entre a apresentação dos dois materiais
contrastantes da peça, mas sim à exploração de variações e desenvolvimentos desses materiais, portanto,
construção de texturas ou camadas sonoras.
52
Um elemento muito importante para o discurso musical de tipo 1 é o contraste estabelecido, a partir de um
contorno formal ABA´, entre a parte intermediária e as outras duas. O simples estabelecimento de uma parte
contrastante, obtida por exemplo pela inserção e utilização de um material novo específico a ela, seria
suficiente para a definição desse contorno formal (tal contraste é reforçado, nas peças analisadas, pelo médio
a alto grau de segmentação do discurso musical e pela pequena utilização de processos direcionais na
construção da forma geral). Para suavizar esse contraste e, conseqüentemente, aumentar a coesão entre as
partes da peça, a parte intermediária pode ser construída utilizando-se os materiais apresentados na primeira
parte e explorando maiores graus de modificação desses materiais, dando à parte intermediária características
de um desenvolvimento. Tal opção foi a escolha adotada nas peças classificadas neste tipo 1: Mortuos Plango,
Vivos Voco, de Harvey, Points de Fuite, de Dhomont, e Les Yeux Clos II, de Takemitsu.
- 100 -
Tipo 2 = discurso construído a partir de materiais de médias proporções
53
(caracterizados por padrões melódico-harmônicos) que são constituídos por
elementos menores (curtas figurações/motivos); média a grande utilização
de processos direcionais na construção da superfície do discurso (materiais e
trechos)
54
e pequena utilização na construção da forma geral (partes e suas
conexões); alto grau de segmentação do discurso musical (grande clareza
quanto à segmentação de trechos e partes); grande utilização de versões
modificadas (variação e desenvolvimento) dos materiais ao longo da peça;
Tipo 3 = discurso construído a partir de materiais de médias proporções
(padrões e figurações) que são constituídos por elementos similares
recorrentes (curtas figurações/motivos) e concatenados em estruturas
maiores por meio de processos graduais de modificação de suas
configurações; pequena utilização de processos direcionais na construção da
superfície do discurso (materiais e trechos)
55
e grande utilização na
construção da forma geral (partes e suas conexões)
56
; médio a baixo grau de
53
Tal estrutura se assemelha muito à estutura temática tradicional, constituída por elementos menores
(motivos) e combinada em estruturas maiores (frases, períodos e setenças). Evitamos, neste ponto, a utilização
da terminologia tema, devido às grandes dificuldades presentes na comparação direta entre as estruturas
temáticas tradicionais, como por exemplo as advindas dos compositores clássicos, e as estruturas presentes
nas peças analisadas. Apesar de haver consideráveis semelhanças, significativas diferenças, especialmente
quanto à alta instabilidade encontrada nas apresentações dos materiais principais em duas das três peças
classificadas neste tipo 2: Quarteto de Cordas Nº 3, de Schnittke, e Lacrimosa, de Penderecki.
54
Em relação à utilização de processos direcionais na construção da superfície do discurso, devemos apontar
que a peça de Gilberto Mendes contrasta com as outras duas. A peça apresenta uma pequena a média
utilização de tais processos, que possuem importância secundária, frente ao contraste entre as diferentes
variações do padrão melódico-harmônico de base, elemento característico e particular do discurso musical
dessa obra.
55
Em relação à utilização de processos direcionais na construção da superfície do discurso, devemos apontar
que a peça de Berio contrasta com as outras duas. A peça apresenta uma grande utilização de tais processos,
que possuem importância fundamental para a construção do discurso musical de Berio.
56
Entre os processos direcionais que configuram a forma geral, destacamos a presença das transições que
conectam as diferentes partes das peças analisadas. Essas transições se caracterizam por serem passagens
direcionais graduais que conduzem o final de uma parte ao início de outra, evitando-se assim uma súbita e
clara articulação. Exceção a esse procedimento ocorre na peça de Reich que, apesar de também apresentar
- 101 -
segmentação do discurso musical (considerável ambigüidade quanto à
segmentação de trechos e partes); utilização de materiais diferentes para as
diferentes partes da peça
57
.
Dentre as obras analisadas, enquadram-se no Tipo 1 as peças de Harvey, Dhomont e
Takemitsu; no Tipo 2 as de Gilberto Mendes, Schnittke e Penderecki; no Tipo 3 as de
Berio, Ferneyhough e Reich.
Os três tipos definidos acima refletem diferentes abordagens para a construção do
discurso musical que se mostram consideravelmente divergentes. Mas ao compararmos
esses tipos, podemos detectar algumas características comuns. Em primeiro lugar, podemos
notar uma grande aproximação entre o grau de utilização de processos direcionais e o grau
de segmentação do discurso musical: a pequena utilização de processos direcionais está
associada a um maior grau de segmentação do discurso (maior clareza na articulação entre
as partes), enquanto a grande utilização de processos direcionais está associada a um menor
grau de segmentação do discurso (maior ambigüidade na articulação entre as partes). Além
disso, há também uma relação muito próxima entre a proporção dos materiais e sua
utilização no discurso da obra: figurações muito curtas estão associadas à construção de
estruturas maiores (camadas e texturas sonoras)
58
; figurações maiores estão associadas a
uma maior diversidade de procedimentos, incluindo sua fragmentação em unidades
grande utilização desse tipo de processos direcionais, não apresenta transições como as encontradas em Berio
e Ferneyhough. O discurso de Reich privilegia uma clara segmentação toda a vez que ocorre uma mudança de
padrão rítmico-melódico.
57
A peça de Berio está toda baseada nos materiais apresentados na primeira parte, portanto diferenciando-se
das peças de Ferneyhough e de Reich. Apesar disso, ela aproxima-se das outras duas ao observarmos que sua
parte intermediária é construída a partir da combinação de elementos das três figurações principais e pelo
conseqüente enfraquecimento de suas características individuais e diferenciadoras. Isso faz com que haja um
considerável contraste entre as partes da peça quanto às suas figurações predominantes, em especial, à
marcante ausência da figuração principal na segunda parte da peça.
58
Materiais muito curtos não podem ser fragmentados em unidades menores, uma vez que já se encontram no
limiar de dicernimento de uma unidade significativa. Um fenômeno semelhante ocorre ao se separar uma
palavra em suas letras constituintes, as quais não se configuram como unidades lexicais, portanto desprovidas
de significação.
- 102 -
menores e/ou sua combinação em processos direcionais; materiais com poucas
características figurativas (padrões) estão associados a constantes repetições e a um
discurso que valoriza suas modificações, especialmente através de processos direcionais.
Outra semelhança observável é a utilização de um forte elemento de contraste para a
construção do discurso musical, o qual é estabelecido através da utilização de materiais
com características consideravelmente diferentes. Mas a utilização desse contraste pode ser
variada, seja reforçando um contraste formal (materiais diferentes para partes diferentes),
seja servindo como elemento para a construção de uma parte de desenvolvimento (materiais
diferentes apresentados em trechos diferentes e que são transformados e recombinados em
outra parte da peça). Outra característica discursiva importante é a predominância de um
material enquanto unidade discursiva principal ao longo da peça, que devido ao seu caráter
de destaque
59
acaba por estar diretamente relacionado à segmentação das partes e trechos
das obras. Tal característica pode ser observada até mesmo na peça de Reich, que conforme
nossa análise não possui um material predominante, mas que apresenta processos muito
similares entre si de estabilização e destabilização dos diferentes padrões ritmco-melódicos,
os quais acabam por contribuir para a segmentação dos trechos e partes da obra.
Por fim, as peças são muito diferentes entre si, fato decorrente não apenas das
variadas correntes estético-composicionais das quais elas derivam, como também devido às
diferentes escolhas concretas que cada um dos compositores realizou em relação à forma
geral, ao tipo de discurso musical, à escolha dos materiais, às proporções da peça, entre
tantos outros. Cada peça constitui, em certa medida, um universo em si mesma, uma
oraganização discursiva rica e única no conjunto de relações e referências que suscita no
59
Exceção feita à peça de Ferneyhough, que possui um material para cada parte, não havendo predominância
de nenhum.
- 103 -
ouvinte. Mas as nove peças pertencem ao mesmo período histórico, assim como a uma
herança musical consideravelmente semelhante
60
, o que nos leva a questionar o que obras
tão díspares possuem em comum. Tal resposta, delineada neste capítulo, constitui uma
etapa no longo processo de compreensão da produção musical contemporânea, da
identificação de suas principais características discursivas à reflexão sobre o complexo
processo sócio-cultural de interação da sociedade com esse repertório. Em meio a esse
processo, a produção musical continua ocorrendo, dialogando com o repertório existente
assim como com as pesquisas realizadas na área musical, transformando-se a cada novo
elemento que emerge dentro desse complexo sistema. Nesse ponto, abandonamos o
enfoque puramente analítico e acrescentamos o ponto de vista do compositor, foco do
próximo capítulo.
60
Isso porque todos os compositores analisados são músicos que conhecem o repertório musical ocidental
convencionalmente chamado de erudito. Além disso todos estão, de alguma forma, inseridos nas discussões
sobre a renovação da linguagem musical que caracterizam grande parte da produção musical contemporânea.
- 104 -
5. Aplicação Composicional
O compositor se caracteriza como um dos elementos da complexa rede de inter-
relações que constitui a atividade musical. Sua característica principal consiste em inserir
novos elementos, suas composições, nessa rede, de modo a alimentar um intrincado
processo de formação e estabelecimento de conceitos e visões interpretativas que ocorre
continuamente devido à interação entre os indivíduos de uma comunidade. Essa inserção de
elementos não é gratuita e tem como principal objetivo expandir o diálogo travado entre os
membros de uma comunidade, o que conduz a uma troca de informações que
inevitavelmente modela seus conhecimentos musicais, assim como seus hábitos
interpretativos (ZAMPRONHA: 2004, p. 79-80 - Adaptado).
Conforme dito anteriormente, esse processo de formação e estabelecimento de
conceitos e visões interpretativas em uma determinada comunidade musical está
diretamente relacionado ao surgimento de mudanças significativas no pensamento musical,
uma vez que são essas mudanças que impulsionam tal processo. Muitos fatores podem
gerar essas mudanças significativas, especialmente fatores extra-musicais, já que a música é
uma das várias facetas daquilo que chamamos de cultura. Dentre os fatores musicais, um
dos principais é a produção de obras que desafiem os membros de uma dada comunidade a
interpretá-las, levando-os a moldarem o conjunto de possíveis estratégias interpretativas
que utilizam durante a escuta de uma peça musical
61
. Tal se torna o desafio do compositor:
lançar uma proposta a uma determinada comunidade de ouvintes, a um determinado
61
Deve ser ressaltado que a produção musical pressupõe o estabelecimento de um diálogo entre as obras
produzidas e a comunidade de ouvintes à qual ela se dirige. Se, por alguma razão, esse diálogo não ocorrer,
essas obras são excluídas do processo de mudança do pensamento musical e do aprimoramento da rede de
conceitos de uma dada comunidade. Diversos fatores podem causar tal fenômeno, como a falha na divulgação
e veiculação dessas obras, ou mesmo um alto grau de incompatibilidade dessas obras em relação às visões
interpretativas convencionadas.
- 105 -
público (Zampronha: 2004, p. 81), uma proposta que estimule esse intrincado processo de
aprimoramento da rede de conceitos de um conjunto de ouvintes, expandindo seus
horizontes interpretativos.
Para atingir esse objetivo, o compositor necessita de algum tipo de diálogo com o
repertório musical partilhado por essa comunidade e que faz parte de sua formação cultural.
Numa primeira etapa, esse diálogo é travado pelo compositor à medida que escuta, executa
e analisa peças desse repertório musical. Numa segunda etapa ocorre o processo
composicional em si, o qual consiste na manipulação de signos em busca de novas
configurações discursivas. Essa manipulação baseia-se, em maior ou menor medida, no
estabelecimento de experiências que configuram-se fundamentalmente como pesquisa de
linguagem, abarcando desde os materiais que podem servir de base para a construção do
discurso musical aos modelos gerais de organização do próprio discurso.
Nesse contexto, o século XX caracteriza-se como um dos mais férteis períodos na
história da música no que diz respeito às pesquisas de linguagem musical. Tal fato pode ser
ilustrado pelas mais diferentes linhas estético-composicionais surgidas ao longo do culo
XX. Em sua maioria, essas diferentes propostas composicionais desafiam o ouvinte,
solicitando que este expanda seus hábitos interpretativos convencionados e molde-os de
acordo com as características das novas obras musicais.
Até aqui, nossa pesquisa voltou-se à primeira etapa do diálogo que o compositor
estabelece com o repertório musical partilhado por ele e pela comunidade à qual dirige suas
obras. Agora, partimos para a segunda etapa desse processo, que consiste no realização da
composição musical.
Compor é antes de tudo dialogar com o repertório musical existente, de modo a
construir novas propostas que, conforme dito acima, impulsionem o processo de formação e
- 106 -
estabelecimento de conceitos e visões interpretativas. Dentro desta perspectiva, nosso
intuito neste capítulo é inserir o ponto de vista do compositor através da descrição de
procedimentos para a construção de duas obras que dialoguem com o repertório analisado.
A composição dessas obras teve como base as características discursivas apontadas no
capítulo anterior, especialmente os três tipos de discurso musical ali delineados. Esses três
tipos refletem diferentes abordagens para a construção do discurso musical que permitem a
produção de uma gama muito variada de resultados composicionais. Isso porque essas
abordagens indicam apenas procedimentos gerais de organização, os quais são aplicáveis a
uma grande diversidade de materiais e processos concretos. As três peças classificadas em
cada um dos tipos refletem essa diversidade e indicam as potencialidades de aplicação
desses procedimentos gerais para a produção de obras que levem a pesquisa da linguagem
musical a novos rumos. No entanto, devemos ressaltar que o processo composicional
adotado não consiste na utilização literal de tais características, mas na reflexão sobre essas
características e sobre suas possibilidades de utilização na construção de novas obras.
Todas as obras partiram de um processo inicial idêntico, que consiste na escolha de
um conjunto de materiais de base para a construção da peça e no delineamento geral da
organização formal. Os materiais escolhidos são caracterizados predominantemente por
contornos gerais, conforme poderá ser observado nas descrições específicas de cada peça,
de modo a permitir um mero considerável de possibilidades de combinação e
transformação desses materiais. Esses contornos gerais são definidos, no processo de escuta
da obra, por meio de repetições que direcionam a escuta para a sua observação, reforçando
a percepção desses elementos pelo ouvinte. Nas composições, são utilizados materiais com
características gerais distintas, de modo a facilitar seu reconhecimento e detecção, o que é
possível devido à forte relação de contraste existente entre eles. São explorados diversos
- 107 -
procedimentos de transformação desses materiais: referentes à altura, ao perfil melódico, à
organização rítmica, à duração e ao registro. Também são explorados procedimentos de
construção de estruturas maiores, como texturas, camadas, e perfis rítmico-melódicos
maiores, geradas a partir da combinação das transformações dos materiais. A utilização
dessas estruturas maiores tem como principal intuito o estabelecimento de processos
direcionais que guiem o ouvinte para a detecção de elementos importantes da estrutura da
obra.
Em relação à organização formal, utilizamos estruturas gerais simples (ABA, AB)
construídas individualmente pela combinação de dois ou mais trechos. A utilização de
subdivisões das partes em trechos permite o estabelecimento de um discurso musical mais
elaborado, devido às diversas possibilidades de combinação de segmentações abruptas com
processos altamente direcionais numa mesma parte da obra. Tal procedimento aumenta a
complexidade e a variedade dessas estruturas gerais, conforme observado nas obras
analisadas nesta pesquisa.
Vale destacar que apresentamos aqui apenas uma descrição resumida do processo
composicional, uma vez que não é intuito desta pesquisa descrever minuciosamente as
diversas etapas desse processo, tampouco é nosso intuito analisar as obras compostas.
5.1. Entre o Pesar e a Leveza
Peça composta para vibrafone solo e encomendada pelo percussionista Augusto
Moralez. O discurso geral da peça aproxima-se do Tipo 2 descrito no capítulo anterior,
construído a partir de materiais de médias proporções (caracterizados por padrões
- 108 -
melódico-harmônicos) que são constituídos por elementos menores (curtas
figurações/motivos). A peça apresenta considerável utilização de processos direcionais na
construção da superfície do discurso (materiais e trechos) e pequena utilização de processos
direcionais na construção da forma geral (partes e suas conexões), com alto grau de
segmentação do discurso musical devido à clareza das articulações entre as partes e trechos
da peça.
A forma geral da peça caracteriza-se como ABA´, onde:
A = estende-se do início da peça ao primeiro sistema da página três;
caracterizada pela utilização de dois materiais contrastantes; o primeiro, de
natureza predominantemente melódica, constituído por uma combinação de
nota longa seguida de notas rápidas (FIGURA 36) e o segundo, de natureza
predominantemente harmônica, constituído por uma seqüência de acordes
(FIGURA 37);
FIGURA 36
Material de natureza predominantemente melódica (Entre o Pesar e a Leveza, p. 1, 3º e 4º sistemas)
- 109 -
FIGURA 37
Material de natureza predominantemente harmônica (Entre o Pesar e a Leveza, p. 1, 2º sistema)
B = estende-se do primeiro sistema da página três ao último sistema da
página quatro; caracterizada como contraste em relação à primeira parte,
devido à diluição dos contornos das figurações; é constituída por dois
trechos distintos, ambos construídos como texturas sonoras; o primeiro
trecho é caracterizado por uma textura homogênea com direcionalidade ao
registro grave (p. 3 a início da p. 4); o segundo é caracterizado por uma
variação de um dos materiais principais, constituída pela combinação de
notas rápidas seguida por uma textura sonora (FIGURA 38) também com
direcionalidade ao registro grave;
FIGURA 38
Variação do material inicial de natureza predominantemente melódica (Entre o Pesar e a Leveza, p. 4, 2º
sistema)
- 110 -
= estende-se do primeiro sistema da página cinco ao final da peça;
caracterizada pela retomada da sonoridade inicial da peça (FIGURA 39);
apresenta considerável enfraquecimento dos contornos dos materiais iniciais,
incluindo maior segmentação do discurso.
FIGURA 39
Exemplo de retomada dos materiais iniciais (Entre o Pesar e a Leveza, p. 5, 5º e 6º sistemas)
A peça possui um material específico com função de articulação, caracterizado por
um arpejo permutável do acorde Dó, Si, Lá, Fá# (FIGURA 40), que está presente em
algumas das principais articulações da peça, especialmente ao longo da primeira parte e no
final da obra. Duas polarizações são priorizadas ao longo da peça, uma sobre a nota ,
reforçada pelo acorde de articulação descrito acima, e outra sobre a nota Fá, presente em
diversos pontos da obra. Os materiais principais foram definidos a partir do contraste entre
a natureza predominantemente melódica de um e a natureza predominantemente harmônica
de outro. No primeiro material, o elemento característico é a configuração rítmica, definida
por uma nota de longa duração seguida de uma seqüência de notas rápidas (podendo haver
- 111 -
uma passagem gradual de conexão entre os dois elementos). No segundo material, o
elemento característico é o encademaento de uma seqüência de acordes (em bloco ou
arpejados). uma grande utilização de transfomações desses materiais ao longo da peça,
especialmente na primeira e terceira partes.
FIGURA 40
Exemplo do material com função de articulação (Entre o Pesar e a Leveza, p. 1, 2º sistema)
A segunda parte foi construída como uma parte contrastante na obra, caracterizada
pela natureza predominantemente textural, em oposição à natureza mais figurativa das
outras. A construção das texturas dos dois trechos componentes dessa parte baseia-se na
sobreposição de diversas alturas através da utilização do pedal do vibrafone, com um
grande processo direcional ao grave em ambos os trechos. As texturas são dinâmicas,
devido a mudanças na densidade de eventos nos diferentes registros do instrumento, e
incluem uma camada de destaque. No primeiro trecho, essa camada é construída através da
utilização de acentos; no segundo, é construída através da utilização de um timbre diferente
(baquetas de xilofone).
No geral, o discurso da peça valoriza estruturas seccionais e fragmentações dos
elementos maiores presentes ao longo da peça, objetivo atingido pela utilização de diversas
interrupções dos processos direcionais e das polarizações de alturas. Com a adoção desse
procedimento, buscou-se direcionar a atenção do ouvinte para as relações entre os
diferentes trechos, especialmente para as relações de semelhança referentes aos materiais e
- 112 -
aos contornos melódicos, os quais estabelecem a relação de similaridade entre a primeira e
a última parte da peça, definindo a estrutura geral da obra.
5.2. Sonhos
Peça composta para marimba solo e que inclui a utilização de elementos cênicos,
encomendada pela percussionista Natali Caladrin. O discurso geral da peça aproxima-se do
Tipo 1 descrito no capítulo anterior, construído a partir de materiais de pequenas
proporções (objetos sonoros e curtas figurações/motivos) que são combinados em estruturas
maiores (texturas ou camadas sonoras) por meio de sobreposições e justaposições
(repetidos literalmente ou variados). A peça apresenta média utilização de processos
direcionais na construção da superfície do discurso (materiais e trechos) e pequena
utilização de processos direcionais na construção da forma geral (partes e suas conexões),
com alto grau de segmentação do discurso musical devido à clareza das articulações entre
as partes e trechos da peça.
A forma geral da peça caracteriza-se como AB, onde:
A = estende-se do início da peça ao primeiro sistema da gina seis;
constituída por dois materiais distintos, o primeiro, de natureza sonora,
caracterizado por um perfil direcional (rítmico ou melódico) seguido de um
corte súbito (FIGURA 41), o segundo, de natureza cênica, caracterizado por
gestos bruscos e tensos (FIGURA 41); esta parte é composta por três trechos
distintos;
- 113 -
FIGURA 41
Exemplo dos materiais sonoro e cênico da primeira parte da peça (Sonhos, p. 1, 2º e 3º sistemas)
B = estende-se do segundo sistema da página seis ao final da peça;
constituída por dois novos materiais distintos, o primeiro, de natureza
sonora, caracterizado por contornos melódicos sem direcionalidade
específica (FIGURA 42), o segundo, de natureza cênica, caracterizado por
gestos predominantemente amplos e serenos (FIGURA 43); esta parte é
composta por três trechos distintos e caracteriza-se como contraste em
relação à primeira parte.
- 114 -
FIGURA 42
Exemplo do material sonoro da segunda parte da peça (Sonhos, p. 6, 3º sistema)
FIGURA 43
Exemplo do material cênico da segunda parte da peça (Sonhos, p. 6, 1º sistema)
A encomenda da peça exigia a utilização de elementos cênicos em sua elaboração, o
que se delineou como uma interessante experiência dentro do contexto da pesquisa. O
objetivo principal almejado na composição dessa peça foi o estabelecimento de uma relação
de complementaridade entre os elementos cênicos (falas
62
e gestos) e os elementos sonoros
(sons provenientes da marimba). Devido à natureza distinta desses elementos, buscamos
caracterizá-los através da utilização de morfologias semelhantes, de modo a estabelecer
62
Na elaboração da peça, optamos por focar o significado das palavras ao invés de seus sons. Dessa forma,
embora a fala seja um elemento de natureza sonora, a abordagem adotada nesta peça leva consideração
prioritariamente os seus significados.
- 115 -
uma relação de similaridade importante para a coesão discursiva da peça. Na primeira
parte, ambos materiais apresentam morfologia com mudanças abruptas (cortes súbitos e
ataques bruscos) e que possuem, predominantemente, rápidas passagens direcionais
(mélodicas, rítmicas e gestuais). Na segunda parte, os novos materiais apresentam
morfologia com mudanças muito graduais (de longa duração), muitas vezes com alto grau
de estabilidade, e que possuem poucas passagens direcionais de curta duração. Essa
caracterização dos materiais serviu como guia para a construção geral da peça, sendo
adaptada de acordo com as necessidades de cada trecho.
A obra é constituída por seis trechos distintos, cada um possui um subtítulo que
contextualiza o seu caráter específico. Os textos e os subtítulos da peça foram baseados em
diversos poemas japoneses. A peça foi elaborada como um movimento único, articulado em
seções, apresentando um contraste maior na passagem do terceiro para o quarto trecho
(onde caracterizamos o final da parte A e início da parte B). Nesse momento, além da
mudança da morfologia dos materiais, também mudança no timbre dos sons da marimba
(utilização dos cabos das baquetas e percussão dos tubos da marimba). O último trecho da
peça recupera algumas das características da primeira parte da peça (ataques súbitos e
passagens rápidas direcionais), combinados com os elementos mais graduais da segunda
parte.
No geral, o discurso da peça valoriza a construção de texturas e camadas, mais
densas ou mais rarefeitas, que são compostas por pequenos objetos cênicos e sonoros.
uma considerável utilização de passagens direcionais na construção dos trechos,
especialmente em seus finais, de modo a aumentar a coesão entre os trechos e a suavizar as
articulações existentes.
- 116 -
6. Considerações Finais
Compreender a produção musical do século XX será um desafio para as próximas
décadas. A grande diversidade de propostas e sonoridades encontradas no repertório desse
período dificulta a formulação de modelos conceituais de explicação do funcionamento
dessas obras, especialmente quando esses modelos tentam combinar os detalhes de
construção da superfície discursiva com uma descrição das estruturas formais que
sustentam o discurso dessas obras. Essa dificuldade é aumentada ainda mais quando se
busca uma visão mais abrangente do período, colocando essas diferentes linhas estético-
composicionais lado a lado e observando possíveis semelhanças discursivas oriundas do
fato de todas essas obras estarem inseridas no mesmo contexto histórico musical.
Conforme dito anteriormente, nosso trabalho pretende contribuir para uma visão
mais abrangente de uma parte desse repertório, mais especificamente do repertório pós-
1980. Buscamos atingir esse objetivo através da realização de análises de obras
provenientes de linhas estético-composicionais distintas e da comparação de seus resultados
em busca de semelhanças discursivas que reflitam semelhanças no pensamento
composicional e musical dos compositores selecionados. As generalizações presentes no
capítulo quatro traçam um perfil inicial sobre o discurso musical do final do século XX, o
qual ainda deve ser aprimorado por meio de um confronto com um volume
consideravelmente maior de obras analisadas. Deixamos esta etapa em aberto para futuras
pesquisas, assim como a possibilidade de comparação desse perfil com aqueles
identificados a partir do repertório musical de outras épocas, procedimento que conduziria à
constatação de permanências e modificações nos modelos de organização do discurso
- 117 -
musical ao longo dos séculos, contribuindo para uma melhor compreensão de nosso
repertório cultural.
Contudo, nossa pesquisa busca incorporar o ponto de vista composicional nesse
processo de delineamento dos modelos de organização do discurso musical do final do
século XX. Uma vez que o compositor é um dos principais elementos da complexa rede de
inter-relações que molda os hábitos interpretativos de uma comunidade, é importante que
este tenha consciência de seu papel nesse processo, pois ele possui influência direta sobre o
conjunto de conceitos e estratégias que o ouvinte, entendido como um dos vários membros
de uma comunidade, utiliza para interpretar o repertório com o qual tem contato,
atribuindo-lhe significados.
O ato de compor consiste em pesquisar sobre a linguagem musical, sobre o
processo de interação entre um ouvinte e uma obra, sobre como este ouvinte constrói suas
interpretações, sobre os limites dentro dos quais esse processo cognitivo ocorre. Por meio
de uma complexa manipulação de signos, o compositor busca construir novas organizações
sonoras que dialoguem com esse ouvinte, desafiando-o, em maior ou menor medida, a
expandir sua experiência cognitiva. Mas isso somente é possível se o compositor conseguir
estabelecer um diálogo com esse ouvinte, o que depende de uma interação com o repertório
musical e cultural que este possui. E isso, por sua vez, depende em grande medida do
domínio que o compositor possui desse repertório, domínio adquirido através da escuta, da
execução e, principalmente, da análise de obras.
O século XX deixou marcas profundas no pensamento humano e, por conseqüência,
no modo como nós percebemos a Música, marcas que ainda hoje continuam a alimentar
novas transformações. Essas marcas manifestam-se muito além do universo musical e
refletem uma mudança no modo como percebemos o mundo, como o observamos e como
- 118 -
interagimos com ele. Novas concepções continuam surgindo nos diversos ramos do
conhecimento humano, ampliando nossa compreensão sobre os fenômenos que nos
rodeiam. No domínio musical, transformações em seus conceitos fundamentais conduzem,
inevitavelmente, a uma alteração no entendimento sobre a cognição do fenômneo sonoro e
sobre o funcionamento do discurso musical. Inserido nesse longo e contínuo processo, os
trabalhos do teórico e do compositor permanecem interligados, ambos criadores de novos
elementos que alteram a organização da complexa rede de inter-relações que caracteriza a
cultura de uma comunidade, levando a possíveis transformações de outros elementos dessa
rede dinâmica, incluindo a nós mesmos.
- 119 -
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Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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