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Ao considerarmos que a produção musical contemporânea é uma das mais ricas enquanto
pesquisa de linguagem de toda a história da música
12
, partimos do pressuposto que o foco
das pesquisas volta-se para o discurso musical, o que nos parece ser uma característica
especialmente presente no repertório das últimas décadas do século XX.
A última etapa de nosso método consiste na comparação dos resultados dessas
análises, na observação de suas semelhanças e diferenças, e na generalização de
procedimentos discursivos característicos do repertório pós-1980. Essa etapa tem como
objetivo o delineamento das características discursivas presentes nesse repertório, buscando
similaridades na organização do discurso musical e, conseqüentemente, no pensamento
composicional e musical dos compositores desse período. O procedimento adotado nesta
etapa aproxima-se do método indutivo esboçado pelo musicólogo Guido Adler
13
e do
método empírico-descritivo descrito pelo musicólogo Knud Jeppesen
14
, este último
consistindo numa expansão do método de Adler.
O intuito final de todo o processo analítico realizado nesta pesquisa é construir um
retrato das formas de construção e organização do discurso musical do final do século XX.
Em meio à diversidade de linhas estéticas e meios instrumentais observáveis nesse período,
consideramos fundamental um estudo geral sobre os modelos de organização do discurso
12
Toda composição é, em maior ou menor medida, pesquisa de linguagem, uma vez que sua elaboração só é
possível por meio da manipulação de signos de algum tipo (gráficos, sonoros, gestuais), de modo a gerar uma
obra nova. Mas uma característica marcante do panorama musical do século XX é a diversidade de estilos e
de linhas estéticas adotadas pelos compositores contemporâneos. Tal diversidade cria uma intrincada rede de
inter-relações que, inevitavelmente, influi no processo de escuta de uma obra. Assim, mesmo uma linha
estética, fictícia, que possuísse um alto grau de especificidade quanto aos materiais e quanto aos guias que
devem ser adotados na escuta de uma obra, não pode evitar o processo natural de interferência que todo o
resto do repertório musical gera no ouvinte. Isso faz com que o ouvinte tenha uma gama muito mais
diversificada de abordagens auditivas dessa obra, as quais ultrapassam os limites previamente estabelecidos.
Essa diversidade enfatiza, consequentemente, os processos que caracterizam a música como linguagem, como
fenômeno de natureza predominantemente discursiva, pois ela força o ouvinte a, potencialmente, romper com
os modelos já estabelecidos, a buscar novos modos de observação/escuta e a expandir suas possibilidades
interpretativas.
13
Para maiores referências ver BENT: 1980, p. 356 a 358.
14
Para maiores referências ver BENT: 1980, p. 358 a 359.