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FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
HISTÓRIA DAS SOCIEDADES HIBÉRICAS E AMERICANAS
LEILA NESRALLA MATTAR
A MODERNIDADE DE PORTO ALEGRE:
ARQUITETURA E ESPAÇOS URBANOS PLURIFUNCIONAIS
EM ÁREA DO 4º. DISTRITO.
Porto Alegre
Novembro de 2010.
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Dados Internacionais de
Catalogação na Publicação (CIP)
M435m Mattar, Leila Nesralla
A modernidade em Porto Alegre: arquitetura e espaços
urbanos plurifuncionais em área do 4o. distrito / Leila
Nesralla Mattar Porto Alegre, 2010.
354 f.
Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, s-Graduação em História, PUCRS.
Orientador: Profª. Drª. Maria Lúcia Bastos Kern.
1. Urbanização - Porto Alegre. 2. Porto Alegre
Descrições. 3. Porto Alegre História. 4. Arquitetura
Porto Alegre História. I. Kern, Maria Lúcia Bastos. II.
Título.
CDD 981.651
Bibliotecário Responsável
Ginamara Lima Jacques Pinto
CRB 10/1204
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LEILA NESRALLA MATTAR
A MODERNIDADE DE PORTO ALEGRE:
ARQUITETURA E ESPAÇOS URBANOS PLURIFUNCIONAIS
EM ÁREA DO 4º. DISTRITO
.
Orientadora: Dra. Maria Lúcia Bastos Kern
Porto Alegre
2010
Ao Fernando e Felipe pelo constante apoio; a meu pai, que,
através de suas tantas histórias, me levou a olhar atentamente
este lado da cidade; memória de minha mãe.
AGRADECIMENTOS
À professora Maria Lúcia Bastos Kern, pela incansável orientação, incentivo
e amizade.
Aos professores do Curso de Pós- Graduação em História da PUCRS, pelo
privilégio do convívio e aprendizado. Aos membros da minha banca de qualificação,
professora Núncia Santoro de Constantino, pela atenção e disponibilidade na troca
de idéias e ao professor Charles Monteiro, por suas contribuições.
Ao amigo Renato Menegotto, pelo companheirismo e discussões
compartilhadas; às amigas Suzana Barboza e Silvia Corrêa, que tanto me ajudaram
em diversos momentos desta caminhada; à Raquel Lima por sua leitura crítica e
sugestões.
Aos colegas e amigos da FAU-PUCRS, Ana Cé, Beatriz Dorfman, Beatriz
Kother, Carlos Hübner, Cristiana Bersano, Flávio Gama, José C. Campos,Luiz
Aydos,Marcelo Martel, Maria Alice Dias,Maria Dalila Bohrer,Maria Regina Mattos,
Mario Ferreira, Nara Machado,Paulo Bicca, Paulo Bregatto,Paulo Cesa,Paulo Regal,
Rosana Solano, Renato Marques Fernandes e Silvio Rocha, pelas conversas,
indicações e amizade.
Ao professor Günter Weimer, pelos valiosos esclarecimentos e
disponibilização do seu acervo microfilmado, e a Associação do 4º. Distrito, pelo
acesso à documentações do seu acervo. À professora Célia Ferraz de Souza, que
disponibilizou o mapa original do loteamento da Cia. Territorial. À Aline Cicconeto de
Oliveira, pela inestimável colaboração na coleta de dados, a Gustavo Longaray, pela
ajuda na pesquisa dos microfilmes e a Carla Witt, no mapeamento das tipologias.
Ainda agradeço à Camilo Raabe, pela revisão do texto e palavras
carinhosas, à Cassio Raabe pela capa e aos estudantes Diego Flamia, Paula
Fontana e Ananda Oliveira pelos desenhos.
Enfim, aos meus familiares, que acompanharam a realização deste trabalho,
e com carinho apoiaram-me em todos os momentos, e a todos aqueles que, de uma
forma ou de outra,também colaboraram.
RESUMO
A presente tese enfoca a assimilação das transformações sociais, culturais e
arquitetônicas nos anos 1900 até 1950, em Porto Alegre, centrada nas adjacências
da rua Voluntários da Pátria. A proximidade entre moradia e trabalho, tendo como
atrativo a possibilidade de emprego no promissor distrito industrial da cidade, foi
fundamental para que se formasse neste local, uma comunidade de grande
diversidade associativa e étnica. A existência de uma variada gama de formas
ressaltava sua diversidade e expressava tipos de convivências baseadas em
conteúdos sociais diferentes; sua estrutura espacial, marcada pela
plurifuncionalidade, resultou em um cleo onde a mescla conjugada à variedade
de usos caracterizou sua ocupação. Ao processo de urbanização e modernização da
área, seguiram-se gradativas alterações nos espaços das mordias, e ao modo de
viver junto às atividades produtivas, culturais e sociais que a formou.
Palavras-chave: Urbanização. Arquitetura. Modernidade.
ABSTRACT
The present work focuses the assimilation of the social, cultural, and
architectural transformation from 1900 to 1950, in Porto Alegre, on Voluntarios da
Pártria Street adjacencies. The proximity between the abode and the work, with the
attractive possibility of a job in the promissory industrial district of the city, has been
fundamental for the formation of a community with a great ethnical and associative
diversity in the present local. The existence of a broad field of forms highlights its
diversity and expresses the companionship manners based on distinct social
contents; its spatial structure, distinguished by its plurifunctionality, resulted a center
part where the mixture, associated to the variety of uses, characterized its
occupation. To the process of urbanization and modernization of the area followed
some gradual modifications in the abode spaces and in the way of living next to the
productive, cultural and social activities that formed it.
Keywords: Urbanization. Architecture. Modernity.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Aspecto de Porto Alegre, no final do século XIX- início do XX. ................ 39
Figura 2 - Mapa de Porto Alegre, de Alexandre Ahrons, de 1916, com indicação dos
distritos. ..................................................................................................................... 44
Figura 3 - Planta de Porto Alegre reproduzida por Clovis Silveira de Oliveira. O local
onde posteriormente seria o Caminho Novo, aparece com linha tracejada- ainda não
havia sido demarcado. .............................................................................................. 49
Figura 4 - Casas típicas do Caminho Novo, na primeira metade do século XIX. ...... 50
Figura 5 - Rua Voluntários da Pátria no final do século XIX. ..................................... 51
Figura 6 - Cartão postal de Porto Alegre, identificando a importância das atividades
comerciais da cidade no início do século XX, efetuadas a partir do Guaíba. ............ 52
Figura 7 - Antiga doca de cereais, após a descarga de diversas embarcações. ...... 54
Figura 8 - Cartão postal de 1908, mostrando os inúmeros trapiches que avançam
sobre o Guaíba. ......................................................................................................... 55
Figura 9 - Trapiche e depósito da firma Schwartz, Homrich & Cia., localizada na
Voluntários da Pátria nas proximidades da rua Ernesto Alves. ................................. 56
Figura 10 - Vista das imediações do edifício Ely, na esquina da Conceição com a
Voluntários da Pátria, antes da abertura da avenida Farrapos. Próximo a edificação
(ao fundo) evidenciam-se diversos elementos que caracterizam uma área rural...... 59
Figura 11 - Esquema da área atingida por infra-estrutura e canalizações de água,
esgoto e gás, em 1916, elaborado pela equipe do GEDURB, sob a coordenação da
professora Célia Ferraz de Souza. ............................................................................ 60
Figura 12 - Rua Voluntários da Pátria, construção do Cais,1911. ............................. 63
Figura 13 - Área aterrada a partir da Voluntários da Pátria, para instalações
portuárias, em imagem da década de 1950. ............................................................. 64
Figura 14 - Delimitação da área em estudo. Fonte: MAPA.BMP. Altura: 680 pixels.
Largura: 539 pixels. RGB. 1,04mb. ........................................................................... 70
Figura 15 - Planta de Porto Alegre (1772) reproduzida por Clovis Silveira de Oliveira.
.................................................................................................................................. 75
Figura 16 - Porto Alegre e seus caminhos. ............................................................... 76
Figura 17 - Planta de Porto Alegre, de 1888, por João Cândido Jacques. ................ 77
Figura 18 - Planta parcial de Porto Alegre, de 1896, por Alexandre Ahrons,
mostrando a área do 4º. Distrito. ............................................................................... 78
Figura 19 - Planta da Chácara dos herdeiros de Dona Margarida Teixeira de Paiva,
de 1877. .................................................................................................................... 80
Figura 20 - Planta de loteamento de Antonio Carlos Brandão, de 1892. .................. 81
Figura 21 - Planta de uma parte do loteamento da Companhia Territorial Porto
Alegrense, com a discriminação de diversos terrenos, com data estimada de 1895.
.................................................................................................................................. 82
Figura 22 - Planta da cidade de Porto Alegre, por Alexandre Ahrons, em 1916. ...... 84
Figura 23 - Linhas de bondes puxados a tração animal existentes em 1888 e linhas
de bondes elétricos e energia elétrica em 1916, elaborado pela equipe do GEDURB,
sob a coordenação da professora Célia Ferraz de Souza. ....................................... 86
Figura 24 - Comparação do crescimento da cidade de Porto Alegre entre 1888 e
1916, elaborado pela equipe do GEDURB, sob a coordenação da professora Célia
Ferraz de Souza. ....................................................................................................... 87
Figura 25 - Porto Alegre, nas primeiras décadas do século XX. ............................... 94
Figura 26 - Foto aérea da área, nas proximidades da Praça Pinheiro Machado,
aproximadamente nos anos 50. ................................................................................ 95
Figura 27 - Mapa do Município de Porto Alegre,sendo prefeito o Sr. Dr. José Loureiro
da Silva (1939-41). Ampliação da área do 4º. Distrito. .............................................. 98
Figura 28 - Foto aérea da área na década de 1950. ................................................. 99
Figura 29 - Foto aérea mostrando a avenida Farrapos, na década de 1950. ......... 100
Figura 30 - Aspectos da enchente de 1936 nas ruas Voluntários da Pátria,Conceição
e Parque. ................................................................................................................. 101
Figura 31 - Gabarito da avenida Minas Gerais. ....................................................... 106
Figura 32 - Trechos da avenida Minas Gerais, atingido pela abertura da Farrapos.
................................................................................................................................ 106
Figura 33 - Planta baixa do projeto para o Bairro Industrial na Várzea do Gravataí.
................................................................................................................................ 107
Figura 34 - Planta baixa do Projeto do Parque Náutico. ......................................... 109
Figura 35 - Sede para o clube Veleiros do Sul. ....................................................... 110
Figura 36 - Planta mostrando a área de contribuição e a zona plana do lado norte da
cidade. ..................................................................................................................... 111
Figura 37 - Foto atual da primeira sede da Berta, na Voluntários da Pátria. ........... 115
Figura 38 - Trecho da Voluntários no início do século XX, onde percebe-se as
atividades de estaleiros junto ao Guaíba. ............................................................... 116
Figura 39 - Aspecto da rua Voluntários da Pátria, em 1922, nas proximidades do
Moinho Rio-grandesnse. Visualiza-se também, os trilhos do trem, do bonde e do
lado do Guaíba, os depósitos . ................................................................................ 117
Figura 40 - Fábrica de Cerveja Ritter, localizada na Voluntários da Pátria. ............ 118
Figura 41 - Foto atual da Cia. Fiação e Tecidos Porto-alegrense(FIATECI) ........... 119
Figura 42 - Foto atual da edificação que sediou a Cia. Fabril, na Voluntários da
Pátria, nas proximidades da João Inácio, em 1922. ................................................ 120
Figura 43 - Fábrica de pregos Pontas de Paris em 1922, de Hugo Gerdau. ........... 122
Figura 44 - Foto atual da sede da Fábrica de Móveis Vergados de Walter Gerdau.
................................................................................................................................ 123
Figura 45 - Imagem do antigo conjunto de edificações da fábrica Wallig,
contrastando com a degradação das fachadas atuais. ........................................... 124
Figura 46 - Interior da fábrica de vidros Navegantes, onde aparece aspectos da
seção de pintura. ..................................................................................................... 125
Figura 47 - Sede do Moinho Rio-Grandense, na Voluntários da Pátria esquina com
Moura Azevedo em 1916. ....................................................................................... 126
Figura 48 - Moinho Kessler e Vasconcelos e o carregamento de arroz para Buenos
Aires, através do trapiche da firma. ......................................................................... 126
Figura 49 - Foto atual do Moinho Chaves, localizado na esquina da Voluntários da
Pátria com Ernesto Fontoura. .................................................................................. 127
Figura 50 - Imagem do conjunto das fábricas Renner em 1922, e a moderna
edificação, projetada pelo arquiteto Egon Weindörfer, na década de 1930, na rua
Frederico Mentz. ..................................................................................................... 128
Figura 51 - Ampliação da fábrica de chocolates Neugebauer, na década de 1940, e a
edificação atual. ...................................................................................................... 129
Figura 52 - Conjunto de armazéns da Voluntários da Pátria, nas proximidades da
Ernesto Alves, atualmente....................................................................................... 131
Figura 53 - Projetos microfilmados da Prefeitura de Porto Alegre, de cortiços na rua
da Praia em 1897 e de „estrebaria‟ na rua Cristóvão Colombo. .............................. 135
Figura 54 - Vila operária Maria Zélia em 1919. ....................................................... 140
Figura 55 - Foto atual da antiga vila operária da FIATECI( avenida Fábrica, atual rua
Guido Mondin, rua São Paulo e rua Polônia). ......................................................... 142
Figura 56 - Foto de antigos sobrados da rua do Parque, atualmente. .................... 152
Figura 57 - Amostragem de algumas ocupações da área, baseada na planta da
cidade de 1939-41. .................................................................................................. 155
Figura 58 - Conjunto de casas em fita da rua do Parque. ....................................... 161
Figura 59 - Proc. 560/1919. ..................................................................................... 165
Figura 60 - Proc. 11/1908. ....................................................................................... 166
Figura 61 - Proc. 186/1910. ..................................................................................... 167
Figura 62 - Filme 040_13483/1929. ........................................................................ 168
Figura 63 - Foto atual do conjunto de casas da Conde de Porto Alegre. ................ 169
Figura 64 - Proc. 312/1912. ..................................................................................... 170
Figura 65 - Gráfico do número de projetos encaminhados para aprovação na
prefeitura de Porto Alegre. ...................................................................................... 171
Figura 66 - Filme 022_1080-1925. .......................................................................... 172
Figura 67 - Foto atual da edificação da Voluntários da Pátria esquina com Álvaro
Chaves. ................................................................................................................... 173
Figura 68 - Filme 022_1263/1925. .......................................................................... 174
Figura 69 - Foto atual da edificação da Moura Azevedo, visivelmente alterada. .... 175
Figura 70 - Proc. 5660/1933. ................................................................................... 176
Figura 71 - Foto atual do conjunto da rua Paraíba. ................................................. 176
Figura 72 - Filme 034_6708/1928. .......................................................................... 178
Figura 73 - Filme 053_19270/1932. ........................................................................ 179
Figura 74 - Filme 082_16092/1939. ........................................................................ 181
Figura 75 - Casa térrea da rua Moura Azevedo por ocasião da enchente de 1937.
................................................................................................................................ 182
Figura 76 - Filme 001_386 - 1983. .......................................................................... 185
Figura 77 - Filme 012_892 - 1913. .......................................................................... 187
Figura 78 - Filme 014_726 - 1915. .......................................................................... 189
Figura 79 - Filme 014_735 - 1915. .......................................................................... 189
Figura 80 - Filme 016_524 - 1919. .......................................................................... 190
Figura 81 - Filme 015_359 - 1917. .......................................................................... 192
Figura 82 - Proc. 555/1929. ..................................................................................... 193
Figura 83 - Filme 020_376 - 1924. .......................................................................... 194
Figura 84 - Filme 022_0231 - 1925. ........................................................................ 195
Figura 85 - Filme 029_5778 - 1927. ........................................................................ 196
Figura 86 - Filme 011_237 - 1913. .......................................................................... 201
Figura 87 - Foto atual da residência na avenida Pátria, 245. .................................. 202
Figura 88 - Filme 012_1012 - 1913. ........................................................................ 202
Figura 89 - Filme 040_9224 - 1930. ........................................................................ 204
Figura 90 - Filme 020_1121 - 1923. ........................................................................ 206
Figura 91 - Filme 022_0062 - 1925. ........................................................................ 207
Figura 92 - Filme 021_912 - 1924. .......................................................................... 208
Figura 93 - Proc. 5172/1929. ................................................................................... 209
Figura 94 - Filme 69_8913 - 1936. .......................................................................... 211
Figura 95 - Filme 017_620 - 1921. .......................................................................... 213
Figura 96 - Foto atual da residência da avenida Brasil. .......................................... 213
Figura 97 - Filme 021_540 - 1924. .......................................................................... 215
Figura 98 - Filme 023_2633 - 1925. ........................................................................ 215
Figura 99 - Sobrado na avenida Presidente Roosevelt. .......................................... 216
Figura 100 - Proc. 1054/1913. ................................................................................. 218
Figura 101 - Foto atual da Casa Fortunati Travi, situada na rua Álvaro Chaves. .... 219
Figura 102 - Proc. 723/1915. ................................................................................... 220
Figura 103 - Proc. 6719/1929. ................................................................................. 221
Figura 104 - Foto atual do sobrado da Conde de Porto Alegre esquina Quintino
Bandeira. ................................................................................................................. 222
Figura 105 - Proc. 674/1921. ................................................................................... 223
Figura 106 - Proc. 765/1925. ................................................................................... 224
Figura 107 - Proc. 308/1926. ................................................................................... 226
Figura 108 - Evolução do mercado imobiliário de Porto Alegre entre 1892 e 1956. 227
Figura 109 - Filme 11_324/1929. ............................................................................ 227
Figura 110 - Proc. 9412/1930. ................................................................................. 228
Figura 111 - Proc. 099/1913. ................................................................................... 231
Figura 112 - Proc. 416/1916. ................................................................................... 231
Figura 113 - Fachada do prédio da fábrida de bebidas Fischel, localizada na
Voluntários quase esquina com Comendador Azevedo.O prédio da esquina, em
primeiro plano, era a residência da família Fischel. ................................................ 232
Figura 114 - Foto atual da residência de A. J. Renner. ........................................... 233
Figura 115 - Residência na rua Comendador Azevedo, ao lado de fábrica. ........... 234
Figura 116 - Filme 18_715/1936. ............................................................................ 237
Figura 117 - Foto atual da edificação da Álvaro Chaves. ........................................ 238
Figura 118 - Proc. 9954/1938. ................................................................................. 238
Figura 119 - Filme 14_672/1939. ............................................................................ 239
Figura 120 - Filme 46_991/1951. ............................................................................ 240
Figura 121 - Proc. 898/1952. ................................................................................... 241
Figura 122 - Filme 43_11464/1930. ........................................................................ 243
Figura 123 - Aquarela do Escritório de Theo Wiederspahn, referente ao projeto dos
sobrados geminados de Maria Emília Dilllemburg. ................................................. 243
Figura 124 - Foto atual dos sobrados geminados da avenida Pátria, visivelmente
alterados no pavimento inferior. .............................................................................. 244
Figura 125 - Foto atual dos sobrados geminados da rua Álvaro Chaves. ............... 245
Figura 126 - Conjunto de edifícios da avenida Farrapos. ........................................ 246
Figura 127 - Demolições para a implantação da avenida Farrapos, nos trechos entre
Ernesto Alves e Garibaldi. ....................................................................................... 251
Figura 128 - Filme 092_09257/1941. ...................................................................... 256
Figura 129 - Filme 092_11209/1941. ...................................................................... 258
Figura 130 - Foto atual do edifício Tamoio, atualmente Marajoara. Percebem-se
diversas alterações, inclusive o acréscimo de um pavimento. ................................ 258
Figura 131 - Filme 250_46004/1952. ...................................................................... 259
Figura 132 - Foto atual do edifício De Conto. .......................................................... 260
Figura 133 - Filme 223_33894/1951. ...................................................................... 261
Figura 134 - Foto atual da edificação da esquina da Maranhão com Farrapos. ..... 261
Figura 135 - Filme 240_22674/1952. ...................................................................... 263
Figura 136 - Foto da avenida Presidente Roosevelt, onde aparece o edifício do
Banco do Estado do Rio Grande do Sul, no final da década de 1950. .................... 263
Figura 137 - Fotografia aérea mostrando as edificações mais altas na avenida
Farrapos e Presidente Roosevelt, na década de 1960. .......................................... 264
Figura 138 - Fotografia aérea da década de 1960. ................................................. 265
Figura 139 - Amostragem da inserção de alguns edifícios, na área em estudo,
baseada na planta da cidade de Porto Alegre de 1987. .......................................... 268
Figura 140 - Antiga avenida Eduardo nas primeiras décadas do século XX. .......... 269
Figura 141 - Filme 014_300 - 1916. ........................................................................ 275
Figura 142 - Filme 020_1119/1923. ........................................................................ 277
Figura 143 - Fotografia atual da Igreja Evangélica Navegantes, hoje Igreja da Paz,
situada na avenida Sertório. .................................................................................... 277
Figura 144 - Filme 040_14319 - 1929. .................................................................... 278
Figura 145 - Fotografia atual da Igreja Luterana de Cristo, localizada na avenida
Presidente Roosevelt esquina com Pátria. .............................................................. 279
Figura 146 - Fotografia atual da Igreja Metodista Institucional, situada na avenida
Presidente Roosevelt esquina com Guido Mondin. ................................................. 280
Figura 147 - Fotografia atual da Escola 1º. de Maio, localizada na avenida
Presidente Roosevelt. ............................................................................................. 281
Figura 148 - Filme 029_5738/1927. ........................................................................ 282
Figura 149 - Fotografia atual da igreja Nossa Senhora de Monte Claro, situada na
avenida Presidente Roosevelt. ................................................................................ 283
Figura 150 - Fotografia atual da Igreja Nossa Senhora dos Navegantes, na avenida
Sertório. ................................................................................................................... 284
Figura 151 - Filme 022_1833/1925. ........................................................................ 284
Figura 152 - Fotografia do pátio da antiga Igreja São Geraldo, na avenida São
Pedro, na década de 1940. ..................................................................................... 285
Figura 153 - Igreja São Geraldo, situada na avenida Farrapos. Projeto do arquiteto
Vitorino Zani e foto atual. ........................................................................................ 285
Figura 154 - Fotografia atual da Creche Nossa Senhora dos Navegantes, situada na
avenida Sertório. ..................................................................................................... 287
Figura 155 - Fotografia atual do prédio do Cine Teatro Navegantes, na avenida Cairú
esquina Rio Grande. ............................................................................................... 289
Figura 156 - Fotografia de 1944, a partir da avenida São Pedro, por ocasião do
incêndio do cinema Talia. ........................................................................................ 290
Figura 157 - Filme 107_3620/1944. ........................................................................ 291
Figura 158 - Fotografia da avenida Presidente Roosevelt, mostrando o Cine Tália no
final da década de 1940. ......................................................................................... 291
Figura 159 - Filme 021_901/1924. .......................................................................... 292
Figura 160 - Fotografia da avenida Presidente Roosevelt, mostrando do seu lado
direito, a sociedade Gondoleiros, no final da década de 1940. ............................... 293
Figura 161 - Fotografia atual da sede da Sociedade Gondoleiros, na avenida
Presidente Roosevelt. ............................................................................................. 294
Figura 162 - Fachada principal do projeto original (1952),da Sede da Sociedade
Polônia na avenida São Pedro. ............................................................................... 295
Figura 163 - Fotografia atual da sede da Sociedade Ginástica Navegantes São João,
na avenida Presidente Roosevelt. ........................................................................... 296
Figura 164 - Fotografia aérea mostrando as avenidas Farrapos e Presidente
Roosevelt e o parque esportivo da Sociedade Ginástica Navegantes São João, onde
ficava o clube de futebol Renner, na década de 1950. ........................................... 297
Figura 165 - Clube de Regatas Almirante Tamandaré. Fotografia de 1916, de Theo
Wiederspahn, autor do projeto e da construção. ..................................................... 299
Figura 166 - Fotografia de um grupo de amigos, na década de 1940, junto ao
Guaíba. ................................................................................................................... 299
Figura 167 - Fotografia da Voluntários da Pátria esquina com Sertório, antes da
construção da ponte, onde se evidencia diversas embarcações e a relação de
proximidade, então existente entre o Guaíba e o bairro. ......................................... 300
Figura 168 - Fotografia de um desfile de bandas, na Presidente Roosevelt, na
década de 1970. ...................................................................................................... 303
Figura 169 - Fotografia do desfile da mocidade, na Presidente Roosevelt, na década
de 1970. .................................................................................................................. 303
Figura 170 - Imagem da Festa de Navegantes em 1930, com a tradicional procissão
fluvial. ...................................................................................................................... 304
Figura 171 - Rua do Parque, tradicional via residencial, com significativa variedade
de fachadas. A sucessão de construções corridas estabelecem um continuum
espacial. .................................................................................................................. 307
Figura 172 - Antiga fábrica Wallig. .......................................................................... 310
Figura 173 - Vista aérea da Travessia Getúlio Vargas. Através da foto da década de
1960, percebe-se a faixa de aterro a partir da Voluntários da tria, onde
posteriormente seria definido o dique da avenida Castelo Branco. ......................... 311
Figura 174 - Foto atual da Travessia Getúlio Vargas junto a avenida Sertório e antiga
Praça Navegantes. .................................................................................................. 312
Figura 175 - Trecho atual da rua Almirante Barroso. Antiga fábrica Wallig, encontra-
se em ruínas. ........................................................................................................... 314
Figura 176 - Fotografia atual de casas de operários vazias e em ruínas na rua Rio
Grande. ................................................................................................................... 315
Figura 177 - Vista aérea da área aterrada, a partir da rua Voluntários da Pátria, na
década de 1950. ...................................................................................................... 316
Figura 178 - Trecho atual da Voluntários da Pátria, nas proximidades da Estação
Rodoviária, onde antigas edificações residenciais, de armazéns e depósitos hoje
estão decadentes. ................................................................................................... 317
Figura 179 - Área decadente da rua Conselheiro Travassos. ................................. 318
Figura 180 - Fotografia de antiga prédio fabril na Ernesto Fontoura esquina com São
Paulo. ...................................................................................................................... 318
Figura 181 - Trecho atual da rua do Parque. Antigas residências encontram-se
vazias ou em ruínas. ............................................................................................... 319
Figura 182 - Vista do bairro fabril. ........................................................................... 321
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 17
1.1 JUSTIFICATIVAS ........................................................................................... 17
1.2 CONTRIBUIÇÕES PARA O TEMA ................................................................ 21
1.3 DELIMITAÇÕES DO PROBLEMA .................................................................. 28
1.4 OBJETIVOS E METODOLOGIA ..................................................................... 30
1.5 PRESSUPOSTOS INICIAIS E ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS .............. 34
2 UM LUGAR ..................................................................................................... 38
2.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 38
2.2 AS MARGENS: UM SUBÚRBIO DE PORTO ALEGRE.................................. 43
3 UM FRAGMENTO ........................................................................................... 68
3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 68
3.2 CHÁCARAS E LOTEAMENTOS .................................................................... 74
4 AMBÍGUO & CONTRASTANTE ..................................................................... 91
4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 91
4.2 ORDENAÇÃO UTÓPICA .............................................................................. 102
4.3 O PROGRESSISTA SETOR INDUSTRIAL .................................................. 113
4.4 A QUESTÃO DA MORADIA ......................................................................... 134
5 HETEROGÊNEO ........................................................................................... 156
5.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 156
5.2 CASAS EM FITA .......................................................................................... 161
5.3 CASAS TÉRREAS ........................................................................................ 182
5.3.1 Casas Térreas Isoladas .............................................................................. 183
5.3.2 Casas térreas geminadas ........................................................................... 212
5.4 SOBRADOS E CASAS MAIORES ............................................................... 216
5.5 EDIFÍCIOS .................................................................................................... 246
6 SINGULAR .................................................................................................... 269
6.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 269
6.2 OUTROS USOS E SOCIABILIDADES ......................................................... 273
7 PLURAL ........................................................................................................ 305
7.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 305
7.2 PERMANÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES .................................................. 310
7.3 A CONSTRUÇÃO DE UMA MODERNIDADE PERIFÉRICA ........................ 321
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 331
17
1 INTRODUÇÃO
É por nos afastarmos cada vez mais da nossa história que somos tão
ávidos dos signos passados, não para os ressuscitarmos, mas para
preenchermos o espaço vazio da nossa memória.
1
As cidades são a memória da cultura. Ou, mais precisamente, são os
símbolos históricos da cultura que leva seu nome: civilização, a ordem e o
acúmulo de experiências que as biografias das cidades percorrem.
2
1.1 JUSTIFICATIVAS
Escrever sobre a cidade de Porto Alegre no período da sua industrialização
consiste em reunir fragmentos de múltiplos espaços que, por vezes, constituem
realidades que se confrontam. De um lado, o centro, onde a metrópole luminosa dos
altos edifícios mostrava a sublimação do aço e do cimento, bem como o centro do
poder e do conhecimento. De outro lado, o bairro dos operários, o desenvolvimento
técnico-industrial e os seres humanos que ali residiam.
3
A expansão industrial da cidade, no início e na primeira metade do culo
XX, foi acompanhada por um acelerado processo de desenvolvimento e, por
conseguinte, um grande aumento populacional. O perfil da sociedade porto-
alegrense dessa época seria conduzido pelas transformações que os avanços
tecnológicos haveriam de propiciar: nos meios de transporte, nas novas
máquinas,na produção em série, na urbanização, na arquitetura e nas vivências
sociais.
Nesse contexto, diversas foram as formas de ocupação do espaço urbano
da capital, no qual, aqui, queremos analisar os ambientes dos bairros Navegantes,
São Geraldo e Floresta, redutos das primeiras instalações industriais, especialmente
impulsionadas nos últimos anos do século XIX. Como será abordado
1
BAUDRILLARD, Jean. A ilusão do fim. Lisboa: Terramar, 1992. p. 112.
2
SUBIRATS, Eduardo. A flor e o cristal.Ensaios sobre arte e arquitetura modernas. São
Paulo:Nobel,1988. p. 137.
3
Em alusão ao filme Metrópolis e as "duas cidades confrontadas” referidas por Subirats. Ibid, p.120.
18
posteriormente, na primeira metade do século XX, esses bairros atraíram um
contingente populacional em busca de trabalho nas fábricas, formado, em grande
parte, por imigrantes: primeiramente alemães e depois outras etnias foram reunidas,
como italianos, poloneses, judeus, árabes, etc.
A concentração de trabalhadores e a usual proximidade entre moradia e
trabalho gerou um lugar miscigenado, o somente nos seus aspectos humanos,
isto é, nos relativos à população e suas formas de sociabilidade, mas também no
físico, através do desenvolvimento de várias tipologias arquitetônicas.
A noção de bairro, que será desenvolvida adiante, pressupõe questões de
identidade e peculiaridades de microcosmos, mas que, ao mesmo tempo, são partes
da dimensão mais abrangente que constitui o contexto da cidade. Sua configuração
urbana e funções envolvem aspectos de ordem social, o que permite mostrar
diversas leituras que buscam os estudos de relações espaciais e sociais de
determinada comunidade.
A produção arquitetônica dos subúrbios da cidade e suas formas de morar
são especialmente importantes por constituírem, em grande parte, exemplares
pertencentes a um período de experimentações de diversas tendências
modernizantes, cujo estudo ainda não é devidamente valorizado já que, em geral, só
se reconhece a sua condição de transitoriedade entre o ecletismo e a arquitetura
moderna.
Em Porto Alegre, na paisagem de prósperos armazéns atacadistas e
fábricas, inseriam-se casas, sobrados e outros usos que integraram o quadro
diverso que constituía o lugar. Desde o início do século XX, sua importância
aumentou, à medida em que foi cenário de importantes transformações sociais e
econômicas da cidade que se industrializava e de uma sociedade que almejava
modernizar-se. No contexto geral da capital, adquiriu uma identidade própria, que o
diferenciava de outras áreas:
São João-Navegantes nasceu proletário, um galardão a lembrar na
exaltação da efervescência vital que sempre teve. Seu amanhecer, fosse
sob a cerração densa da invernia, fosse no prenúncio de dias ensolarados,
19
era sempre uma sinfonia. O apito das fábricas e o matracar dos tamancos
davam-lhe o tônus distintivo do resto da cidade.
4
A opção pelo distrito industrial da cidade deve-se, em grande parte, à sua
conformação espacial atual, ou seja, a imagem que hoje nos é revelada através das
formas antigas e de uma área decadente. A s, interessam as questões referentes
às relações espaciais e sociais desse local, sua formação e transformação, a sua
complexa e rica estrutura funcional e social, os símbolos e signos que se
cristalizaram através das formas e que tornaram este lugar uma reserva da memória
da cidade.
O estudo iniciado na dissertação de mestrado sobre a rua Voluntários da
Pátria no recorte temporal de 1900 até 1930,
5
suscitou abordagens mais ampliadas.
O espírito de descoberta e de valorização desta memória, a importância histórica e
estética do patrimônio histórico e das ideias arquitetônicas que antecederam a
difusão do movimento modernista, exemplos de espaços urbanos dos bairros,
apropriados pela população e ausentes dos nossos livros de arquitetura, sua
proteção e reconhecimento, constituem outras motivações para a presente tese.
No entanto, a quebra de preconceitos e estigmas são fundamentais para que
as diversas manifestações dessa arquitetura edificada possam contribuir para uma
maior compreensão da formação, evolução, organização e vivências do bairro
industrial da cidade e que, assim, venha a ter o devido reconhecimento. De um
modo geral, percebe-se um certo desinteresse por parte dos habitantes da cidade
por esses exemplares, bem como pelos ambientes urbanos desses bairros, que
foram tão importantes na sua formação histórica. E como diz Perrot:
Por muito tempo as condições de moradia das classes sofredoras foram
deixadas de lado pelos especialistas em história social, que se contentam, a
respeito, com qualificativos frequentemente relativos apenas à estética. 6
Assim, por não haver um consenso sobre a importância e representatividade
dessas construções, no decorrer dos últimos anos, várias delas vêm sofrendo
4
MONDIN, Guido. Burgo sem água. (reminiscências do 4º. Distrito).Porto Alegre: Feplam, 1987,
p.17,18.
5
MATTAR, Leila Nesralla. Porto Alegre: Voluntários da Pátria e a experiência da rua
plurifuncional(1900-1930).Porto Alegre,2001.Dissertação de Mestrado em História,PUCRS.
6
PERROT,Michelle. Maneiras de Morar”.In: PERROT,Michelle(org.). História da Vida Privada.Da
Revolução à Primeira Guerra.São Paulo:Cia das Letras,1991,v.4, p. 356.
20
transformações e muitas foram demolidas antes mesmo de serem estudadas. Esse
descaso pode ser atribuído à aparente singeleza, despojamento dos detalhes
construtivos e falta de monumentalidade, se comparadas às edificações de
linguagem historicista, ou mesmo ao fato de que diversos são os exemplares
projetados e construídos por profissionais sem formação acadêmica, o que vem
acarretando a devastação e descaracterização desse patrimônio.
Apesar dos problemas assinalados, a produção menos intelectualizada, mas
de qualidade construtiva e urbana, gerou identidade peculiar a esses lugares.
Atualmente, a descaracterização e o abandono em que se encontram muitos dos
seus conjuntos, são um alerta para a necessidade de manutenção de um passado
que clama por recuperação.
Por fim, surpreende, a quem trabalha e estuda arquitetura e urbanismo, o
sucesso de determinados espaços e as razões que levam moradores que passaram
uma série de dificuldades pessoais e estruturais, a atribuírem tanta distinção ao seu
bairro. Suas peculiares características e acontecimentos são sempre tão presentes
nas lembranças dos antigos habitantes do chamado 4º. Distrito, acometidos de um
entusiasmo envolvente ao falar da sua história. Mondin refere-se à “alma” do bairro,
como aquela parte do espaço que o progresso não consegue destruir nem apagar:
“é apenas a alma de um arrabalde que a transformação urbana compactou, embora
não conseguiu sepultar.”
7
A partir das considerações efetuadas, concluímos lembrando que é
necessário olhar a cidade sob um ponto de vista mais plural e menos linear. A
procura de outros significados para os espaços não narrados nas histórias
instituídas, constituem-se em novos horizontes historiográficos. Esses não serão
vistos como cenários permanentes e estanques, mas como objetos que provindo do
passado, e depositários das experiências silenciosas da memória, têm sua reflexão
feita no presente.
Para tanto, tornou-se imprescindível uma revisão bibliográfica de cunho
geral, que, preliminarmente, dedicou-se às inquietantes e variadas manifestações
7
MONDIN,1987,op.cit.,p.156.
21
arquitetônicas, entre elas o Art Déco, que se expandiu, principalmente, a partir dos
anos vinte do século passado.
1.2 CONTRIBUIÇÕES PARA O TEMA
O levantamento da literatura existente sobre o tema iniciou por obras que
interpretam o pensamento arquitetônico e as diversas contribuições à gênese da
modernidade. Alguns autores, como Conde & Almada, aceitam a interpretação de
que o Art Déco foi :
(...)uma das derradeiras manifestações do Ecletismo, ao mesmo tempo em
que se constituiu como uma das primeiras expressões do Modernismo, daí
seu caráter ambíguo(....).Em vez de ruptura, houve mutação lenta e
imperceptível, produzida por protagonistas até hoje quase anônimos.
8
Outras abordagens são importantes, como as de Bayer e também de Hillier
9
,
que exploraram as diversas manifestações artísticas do Art Déco, na França e nos
EUA. Neste país, Cerwinske
10
focalizou o seu desenvolvimento em Miami Beach
antigo.
O Art Déco na América Latina foi amplamente interpretado, em 1997, em
seminário no Rio de Janeiro.
11
Jorge Ramos
12
e Roberto Segre
13
, também
colaboraram com publicações sobre o assunto. Destacam-se, no Uruguai, as obras
8
CONDE,Luiz Paulo Fernandez; ALMADA, M. “Introdução”. In: CZAJKOWSKI,Jorge(org.) Prefeitura
Municipal.Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do
Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de Urbanismo,1996, p.14.
9
BAYER,Patrícia. Art Deco Architecture.London :Tames & Hudson, 1992.
HILIER,Bevis & ESCRITT,Stephen.Art Deco Style.London: Phaidon,2000.
10
CERWINSKE,Laura.Tropical Deco: The Architecture and Design of Old Miami Beach.New York:
Rizzoli, 2 a. ed., 2003,95p.
11
Art Déco na América Latina-1 º Seminário Internacional.Rio de Janeiro:Prefeitura da Cidade do
Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de Urbanismo/Centro de Arquitetura e Urbanismo;PUC-RJ,1997.
12
RAMOS,JorgeBuenos Aires Déco: a outra modernidade” In: Art Déco na América Latina- l
ºSeminário Internacional.Rio de Janeiro: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Secretaria
Municipal de Urbanismo?Centro de Arquitetura e Urbanismo; PUCRJ, 1997,233p.
13
SEGRE,Roberto. América Latina, fim de milênio: raízes e perspectivas de sua arquitetura. São
Paulo:Studio Nobel,1991.
22
de Arana
14
e de Margenat, que consideraram a arquitetura produzida neste período
um projeto gradual e pragmático, sem rupturas bruscas, o que justificou sua grande
difusão e aceitação social nos bairros de Montevidéu.
15
No Brasil, foi elaborado extensivo trabalho sobre o assunto por Unes,
16
em
Goiânia e no Rio de Janeiro, através do Guia da Arquitetura Art Déco da cidade
17
.
Conde, pesquisou sobre a arquitetura carioca desta época, motivado pela percepção
de que diversos espaços urbanos e conjuntos edificados, situados em
Copacabana,
18
possuíam grande qualidade ambiental e não tinham sido ainda
catalogados pela historiografia oficial.
Nessa linha de investigação, de uma produção de grande identificação com
a população, mas distantes dos compêndios e da crítica especializada, insere-se o
texto de Oliveira e Dias
19
que abordou a presença do Art Déco na arquitetura do
subúrbio carioca .
Outros autores fizeram uma análise ampliada do enfoque modernista, como
Hugo Segawa
20
, que denominou de Modernidade Pragmática (1922-1943) a uma
arquitetura fora dos manuais, sendo o Art Déco uma modalidade que serviu de
suporte formal para diversas tipologias que surgiram a partir dos anos de 1930. No
14
ARANA,Mariano;GARABELLI,Lorenzo.Arquitectura Renovadora em Montevideo 1915-
1940:reflexiones sobre um período fecundo de la arquitectura en el
Uruguay.Montevidéu:Fundación de Cultura Universitaria,1995.
ARANA,Mariano.Guia Art Déco :Montevideo.Montevideo:Editorial dos Puntos,1999.
15
MARGENAT, Juan Pedro.Arquitectura Art Déco em Montevideo(1925-1950):cuando no todas
lãs catedrales eran blancas.Montevidéu: Editorial Dardo Sanzberro,2000.
MARGENAT, Juan Pedro.Barcos de Ladrillo.Arquitectura de Referentes Náuticos em Uruguay (1930-
1950) Montevidéu: Editorial Dardo Sanzberro,2001.
16
UNES, Wolney. Identidade Art Déco de Goiânia. Goiânia: Ateliê Editorial,2001.
17
CZAJKOWSKI,Jorge(org.) Prefeitura Municipal.Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de
Janeiro.Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de
Urbanismo,1996.
18
CONDE,LUIZ Paulo Fernadez.”Protomodernismo em Copacabana.”.Revista Au,São Paulo,n
º16,p.68-75 ,1987.
19
OLIVEIRA,Luciana de Lima & DIAS,Paulo Renato Ramos.”A presença do Art Déco na Arquitetura
do Subúrbio Carioca.” In: Art Déco na América Latina- l ºSeminário Internacional.Rio de Janeiro:
Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de Urbanismo?Centro de Arquitetura e
Urbanismo; PUCRJ, 1997,233p.
20
SEGAWA,Hugo.Arquiteturas no Brasil 1900-1990.São Paulo:Edusp,2002.
SEGAWA,Hugo.” Modernidade pragmática: uma arquitetura dos anos 1920/40 fora dos manuais.”
Revista Projeto, São Paulo, n º 191,p.73-84, novembro 1995.
23
mesmo enfoque, Andrade
21
relacionou as diversas influências do período
modernista, como uma arquitetura de conciliação.
Alguns textos fizeram revisões acerca dos mecanismos de produção das
cidades nessas décadas, destacando-se o de Fernando Diez
22
que apontou a
grande qualidade do urbanismo do período Art Déco em Buenos Aires em
contraposição às realizações mais recentes.
Em Porto Alegre, Brugalli
23
desenvolveu uma dissertação de mestrado sobre
as edificações do final dos anos 20 até meados da década de 40 do século passado
e avaliou as tipologias mais representativas, localizadas no centro e avenida
Farrapos. Anteriormente, Mahfuz
24
havia abordado as manifestações desta
arquitetura na mesma avenida, destacando a grande qualidade da sua unidade de
conjunto. Simone Ruschel,
25
em dissertação de mestrado, focalizou o tema da
modernidade nessa radial, inaugurada em 1940, analisando algumas de suas obras
deste período.
Considerando-se a importância da Exposição Farroupilha como um
momento de grande divulgação de novas tendências arquitetônicas, alguns estudos
tiveram como foco o presente evento. Além das referências de Segawa
26
e Canez,
27
Nara Machado
28
evidenciou o espaço da exposição e suas possíveis vinculações
com as ideologias regionais dominantes. O texto de Frota, além das questões da
21
ANDRADE,Paulo Raposo. “Uma Outra Cultura da Modernidade”.Revista AU,São Paulo,N
º.51,p.73-77,1993/94
22
DIEZ,Fernando.”Urbanismo:Abstracción y delito”.Revista Summa, Buenos Aires nº 21,p.90-
93,1996/97.
23
BRUGALLI,Ana Paola.Art Déco e as manifestações na arquitetura de Porto Alegre.Porto
Alegre,2003.Dissertação de Mestrado,PROPAR,UFRGS.
24
MAHFUZ, Edson.”Influências do Art Déco na Arquitetura Gaúcha”.In: Art Déco na América Latina-
l ºSeminário Internacional.Rio de Janeiro: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Secretaria
Municipal de Urbanismo?Centro de Arquitetura e Urbanismo; PUCRJ, 1997,233p.
25
RUSCHEL,Simone. A Modernidade na Av. Farrapos.Porto Alegre, 2004.Dissertação de
Mestrado,PROAR/FAU-UFRGS .
dissertação pelo PROPAR/ UFRGS, cujo título será: A Modernidade na Av. Farrapos.
26
SEGAWA,1995,op.cit.
SEGAWA, 2002,op.cit.
27
CANEZ,Anna Paula.Fernando Corona e os caminhos da arquitetura moderna em Porto
Alegre.Porto Alegre:Prefeitura Municipal de Porto Alegre/Secretaria Municipal da Cultura/Unidade
Editorial;Faculdades Integradas do Instituto Ritter dos Reis, 1998.
28
MACHADO,Nara Helena Naumann.A exposição do centenário farroupilha:ideologia e
arquitetura. Porto Alegre,1990.Dissertação de Mestrado em História,PUCRS.
24
arquitetura, procurou destacar o papel das grandes exposições como difusoras de
novas linguagens.
29
Outras produções deram ênfase aos estudos das tipologias do período.
Ainda versando sobre o parque Farroupilha, Esquinazi,
30
lançou as bases da
classificação tipológica dos pavilhões da exposição, que Calegaro
31
desenvolveu na
sua dissertação. Esta, por sua vez, avaliou o impacto que essas matrizes exerceram
sobre a produção arquitetônica da cidade após o evento. No texto Protomoderno ou
Portomoderno?, Norro
32
discutiu o significado da arquitetura protomodernista da
cidade e sua relação com o contexto urbano.
Nessa mesma linha insere-se a pesquisa de Weimer, que resultou no livro
Arquitetura Modernista em Porto Alegre (1930-1940), no qual o autor elaborou um
dossiê contendo 45 obras representativas do período. Essas foram apresentadas em
ordem cronológica, contendo desenhos de cada edificação, bem como, notas
explicativas e dados levantados.
33
Anteriormente, a publicação de Xavier e
Mizoguchi
34
havia proposto inventariar trabalhos de arquitetos a partir de 1935 até
85, em Porto Alegre. Aliás, uma das obras populares contidas neste levantamento e
que data da década de 40, é o Conjunto Residencial do Passo D‟Areia, a Vila do
IAPI, que também já foi tema de duas dissertações.
35
29
FROTA,José Artur D‟Aló .”A permanência do transitório.” Arqtexto, Porto Alegre,v.1,n.zero, p.13-
21,2000.
No mesmo exemplar da Arqtexto,Luis Fernando da Luz, escreve sobre o parque Farroupilha e seu
princípios compositivos. LUZ,Luis Fernando da.”Parque Farroupilha- o lago e os eixos como
elementos da composição.” Arqtexto,Porto Alegre, v.1, n.zero, p.85-93,2000.
30
ESQUINAZI,Davit.Arquitetura e Tipologia na Exposição Comemorativa do Centenário
Farroupilha.Porto Alegre:UFRGS,Faculdade de Arquitetura,PROPAR,1995.TextoDigitado.
31
CALLEGARO,Adriana.Uma Outra Modernidade em Porto Alegre:um estudo sobre a evolução
de padrões tipológicos a partir da arquitetura da Exposição Farroupilha.Porto
Alegre,2002.Dissertação de Mestrado,PROPAR,UFRGS.
32
NORRO,Julio A.G. Protomoderno ou Portomoderno?Porto Alegre:UFRGS,Faculdade de
Arquitetura,PROPAR,1991.Texto Digitado.
33
WEIMER,Günter.Arquitetura Modernista em Porto Alegre entre 1930 e 1945.Porto Alegre:
Prefeitura Municipal de Poro Alegre/Secretaria Municipal da Cultura/Unidade Editorial 1998.
O autor não faz uma distinção mais incisiva acerca das filiações das diversas obras, inclusive não
apóia a utilização do termo Art Déco, para classificar certas influências do período.
34
XAVIER,Alberto;MIZOGUCHI,Ivan.Arquitetura Moderna em Porto Alegre.São Paulo:Pini;Porto
Alegre:FAU-UFRGS,1987.
35
DEGANI,José Lourenço.Tradição e Modernidade no ciclo dos IAPs:o conjunto residencial do Passo
D‟areia e os projetos modernistas no contexto da habitação popular dos anos 40 e 50 no Brasil. Porto
Alegre,2003.Dissertação de Mestrado, PROPAR/UNIRITTER,UFRGS.
25
Essencial, no tocante ao desenvolvimento da cidade após os anos 30 e a
abordagem da verticalização do centro, é o trabalho de Nara Machado
36
, onde a
autora analisou detalhadamente diversos exemplares da arquitetura desta época.
Raquel Lima,
37
em tese de doutorado, envolveu as questões dos apartamentos, que,
através da sua materialidade, são indiciários de transformações nos modos de morar
na radial Independência, na década de 1950. Anteriormente, Lucia Gea
38
focalizou o
tema das residências das elites na avenida Independência, no final do século XIX e
início do século XX, e Menegotto
39
acerca do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre.
Nesse mesmo período, com enfoque ampliado da temática da casa, Doris
Bittencourt analisou uma série de tipologias residenciais da capital.
40
Em capítulo
específico da sua tese de doutorado, Margaret Bakos
41
abordou as questões do
acesso à moradia e sua importância para o poder público, enquanto política
econômica castilhista, no final do século XIX até 1924.
Mais especificamente sobre a evolução urbana de Porto Alegre, Souza e
Müller
42
aprofundaram o tema do desenvolvimento da cidade nos seus diversos
momentos. Müller também estudou os bairros da zona Norte, assim como Franco e
Strohaecker.
43
A dissertação de Leila Mattar
44
enfocou a plurifuncionalidade da rua
LAPOLLI,André.Como destruir um patrimônio cultural urbano:a Vila do IAPI,”crônica de uma morte
anunciada”.Porto Alegre,2006.Dissertação de Mestrado,PROPUR/UFRGS.
Sobre este assunto ver também: SOUZA,Célia Ferraz de.Um resgate de cidade jardim: a vila do
IAPI.Porto Alegre:UFRGS,Faculdade de Arquitetura,1994.Texto digitado.
36
MACHADO,Nara Helena.Modernidade, arquitetura e urbanismo: O centro de Porto Alegre(1928-
1945).Porto Alegre,1998.Tese de Doutorado em História,PUCRS.
37
LIMA,Raquel R.Edifícios de apartamentos:um tempo de modernidade no espaço privado.Estudo da
radial Independência/24 de outubro-P.A. nos anos 50.Porto Alegre, 2005.Tese de Doutorado em
História,PUCRS.
38
GEA,Lucia. O espaço da casa: arquitetura residencial da elite Porto-alegrense(1893-1929). Porto
Alegre,1995.Dissertação de mestrado em História,PUCRS.
39
MENEGOTTO,Renato Gama.Cidade Baixa:pela manutenção dos cenários de um bairro tradicional
de Porto Alegre.Porto Alegre,2001.Dissertação de Mestrado em História,PUCRS.
40
BITTENCOURT,Doris M.M. Casas residenciais em Porto Alegre em fins do século XIX e início do
século XX.São Paulo,1996.Tese de Doutorado em Arquitetura,USP.
41
BAKOS,Margaret Marchiori. A continuidade administrativa no governo municipal de Porto
Alegre.1897-1937.São Paulo, 1986.Tese de Doutorado em História,USP.
42
SOUZA,Célia Ferraz de;MÜLLER,Dóris M.Porto Alegre e sua evolução urbana.Porto Alegre:Ed.
da Univ./UFRGS,1997.
43
FRANCO,Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico.Porto Alegre:Ed. Da
Universidade/UFRGS,1992.
MÜLLER,Dóris(coord.).Anatomia de Bairro:Navegantes para a Prefeitura Municipal de Porto
Alegre. Porto Alegre,1969. Relatório de Pesquisa, Gabinete de Planejamento Urbano e Regional/
UFRGS.
STROHAECKER,Tânia M. Navegantes:evolução e tendências de um bairro de Porto
Alegre.Porto Alegre,1991.Relatório de pesquisa,FAU/UFRGS,GEDURB.
26
Voluntários da Pátria no período de 1900 até 1930. No tocante às questões de
revitalização de áreas decadentes, Krafta, Aguiar e Sebben avaliaram as
potencialidades dessa mesma avenida. De uma forma mais abrangente, Castello
45
efetuou, entre outros trabalhos sobre a área, a análise ambiental de bairros da zona
norte, indicando diretrizes para otimização do seu potencial. Nesse sentido, a
Secretaria Municipal de Planejamento
46
também estudou o 4º. Distrito no intuito de
formular novos projetos para sua revitalização.
Ainda sobre o , Distrito, mas sob a ótica dos operários das indústrias
locais, Alexandre Fortes
47
aprofundou análises sobre as condições gerais do seu
estabelecimento,organização, contradições e conquistas, e Mondin,
48
com as
crônicas do lugar. Outros estudos, como o de Núncia Constantino
49
, analisaram a
inserção de imigrantes no espaço urbano da cidade e, também, a presença e
vivências dessas comunidades do 4º.Distrito. Lemos
50
abordou a questão do
imaginário dos bairros Navegantes e São João, nos anos 1930/40.
Na busca de dados sobre o contexto histórico da época, são fundamentais
os trabalhos de Monteiro,
51
Damásio,
52
Pesavento
53
e Riopardense de Macedo
54
. E,
44
MATTAR,Leila Nesralla. Porto Alegre:Voluntários da Pátria e a experiência da rua
plurifuncional(1900-1930).Porto Alegre,2001.Dissertação de Mestrado em História,PUCRS.
45
KRAFTA,Rômulo;AGUIAR,Douglas de.”Projeto de Reabilitação Urbana da Avenida Voluntários da
Pátria,Porto Alegre”.Cadernos Brasileiros de Arquitetura-Desenho Urbano II,São
Paulo,v.13,,1984.
SEBBEN,Maria da Graça.Revitalização de Áreas Urbanas Um Estudo de Caso:A rua Voluntários
da Pátria.Porto Alegre,1998.Dissertação de Mestrado,PROPUR/UFRGS.
CASTELLO.Lineu(org.).Análise Ambiental dos Navegantes.Porto Alegre,1988.Relatório de
Pesquisa, PROPUR/UFRGS -Projeto MAB II/UNESCO.
_______________. “Distritos comerciais ou distritos tecnológicos:alternativas par “brownfields”
industriais”. In: Seminário Internacional sobre vazios urbanos:novos desafios e
oportunidades.Anais.Rio de Janeiro,1999.p.1-8.
46
SECRETARIA DO PLAEJAMENTO MUNICIPAL.Revitalização Urbana o 4º. Distrito em Porto
Alegre.Org. Maria Tereza Fortini Albano. Porto Alegre: s/ed.,Novembro de 2001.
47
FORTES, Alexandre.Nós do Quarto Distrito: a classe trabalhadora porto-alegrense e a era
Vargas.Caxias do Sul:Educs;Rio de Janeiro:Garamond,2004.
48
MONDIN, Guido. Burgo sem água. (reminiscências do 4º. Distrito).Porto Alegre: Feplam, 1987.
49
CONSTANTINO,Núncia Santoro de. “A polifonia do bairro:4º. Distrito(Porto Alegre)-
história/memória.” História/Unisinos.Número Especial:ll Encontro Regional-Sul de História
Oral/ABHO.São Leopoldo: UNISINOS,2002,p213-.227.
_____________________________________ .”Espaço urbano e imigrantes:Porto Alegre na virada
do século.” Estudos Ibero-Americanos.Porto Alegre: PUCRS,v.24,n1,jun.1998.
50
LEMOS,José Carlos Freitas.O imaginário porto-alegrense dos anos 1930/40 segundo os bairros
Navegantes e São João.Porto Alegre:UFRGS,1998. Texto digitado.
51
MONTEIRO,Charles.Porto Alegre:urbanização e modernidade.A construção social do espaço
urbano.Porto Alegre:EDIPUCRS,1995.
27
no tocante à abordagem das tipologias arquitetônicas populares e operárias no
estado, a tese de doutorado de Moura e a publicação de Paulitsch.
55
Quanto aos estudos relativos ao planejamento de Porto Alegre e seus
planos diretores, são relevantes as teses de Silvio Abreu e Célia Ferraz de Souza;
56
e acerca da arquitetura fabril da cidade e sua evolução, a dissertação de mestrado
de Miranda.
57
Por fim, tendo em vista a qualidade dessas colaborações e os diversos
olhares que cercam a temática escolhida, constatou-se a pertinência e atualidade da
presente investigação, no enfoque referencial proposto, como será exposto adiante.
Os trabalhos e pesquisas citados, em sua maioria, enfatizaram questões de
estruturas urbanas e aspectos tipo-morfológicos das edificações, sem um
aprofundamento suficiente dos temas que envolveram os comportamentos sociais e
suas relações com os processos de modernização das formas de moradias.
Na discussão da história deste período áureo da urbanização da cidade, a
produção de trabalhos científicos carece de uma análise mais consistente, que leve
em conta o real significado do modo de apropriação e elaboração destes elementos
da cultura pela população local.
52
DAMASIO,Claudia.Porto Alegre na década de 30:uma cidade idealizada, uma cidade real.Porto
Alegre,1996.Dissertação de Mestrado, UFRGS.
53
PESAVENTO,Sandra Jatahy.Memória Porto Alegre:espaços e vivências.Porto Alegre:Ed. da
Universidade/UFRGS-PMPA,1999.
54
MACEDO,Francisco Riopardense de.Porto Alegre,origem e crescimentos.Porto
Alegre:Sulina,1986.
55
MOURA,Rosa Maia G.R.Habitação Popular em Pelotas(1880-1950).Entre políticas públicas e
investimentos privados.Porto Alegre,2006.Tese de Doutorado em História,PUCRS.
PAULITSCH,Vivian S. Rheingantz: Uma Vila Operária em Rio Grande. Rio Grande: Editora da
furg,2008.
56
ABREU, Silvio Belmonte de. Porto Alegre como cidade ideal: planos e projetos urbanos para
Porto Alegre. Tese de Doutorado - PROPAR/FAU, UFRGS, Porto Alegre.
SOUZA,Célia Ferraz de.O Plano Geral de melhoramentos de Porto Alegre:da concepção às
permanências.São Paulo,2004.Tese de doutorado,FAU-USP.
57
MIRANDA,Adriana Eckert.A evolução do edifício industrial em Porto Alegre1870 a 1950. Porto
Alegre, 2003. Dissertação de mestrado, PROPAR/UFRGS.
28
1.3 DELIMITAÇÕES DO PROBLEMA
Desde a abolição da escravatura, intensificou-se no Brasil um êxodo rural,
que acarretou às cidades, então despreparadas para acolher este repentino
adensamento demográfico, problemas habitacionais de toda a sorte. A
impossibilidade do atendimento das demandas decorrentes deste processo,
principalmente as necessidades da população mais carente, facilitou o surgimento
de cortiços, casas de cômodos e vilas operárias. Contribuíram também, para uma
série de transformações na paisagem urbana, a chegada das diversas correntes de
imigração européia.
Em Porto Alegre, enquanto o núcleo que constituía a região central,
mantinha caráter e imagem de centro administrativo e comercial da urbe, as elites,
desde o final do século XIX, segregavam-se do núcleo antigo ocupando as zonas
altas e secas da cidade. Por outro lado, desenvolveram-se bairros, como os de
Navegantes, São Geraldo e Floresta, que atraíram grande contingente de imigrantes
em busca de oportunidades, como as propiciadas pelo emergente setor fabril. O
desenvolvimento industrial trouxe consigo novas demandas e problemas que
afetaram a configuração urbana, a estrutura social e as formas de morar desses
bairros.
Nas primeiras décadas do século XX, a mobilidade decorrente do
desenvolvimento e das melhorias nos transportes não era ainda comum a todos os
moradores de Porto Alegre. Apesar disso, considerando a população com maior
poder aquisitivo, o rompimento moradia X trabalho, e a incorporação de novos
elementos arquitetônicos e modos de morar já se traduziam espacialmente em
outros lugares da cidade.
Assim, a proximidade entre moradia e trabalho, tendo como atrativo a
possibilidade de emprego no promissor distrito industrial da capital, foi básica para
que se formasse uma comunidade de grande diversidade associativa e étnica
naquele local. Nesses bairros, até meados do culo passado, gradativamente
foram sendo potencializadas a assimilação das novas questões do habitat moderno,
como as relativas à privacidade, conforto, higiene, ventilação, iluminação e também
29
as de prestígio e hierarquização social, que acabaram por separar o trabalho da
residência. Nesses anos, criaram-se múltiplas formas de sociabilidades que
enraizaram vínculos e identidades de ordem sócio espacial, baseados no
estabelecimento de moradias próximas às oportunidades de emprego e em espaços
de convivência e lazer.
A presente tese investiga a assimilação das transformações sociais, culturais
e da arquitetura nos anos 1900 a 1950, em Porto Alegre, centrada nas adjacências
da rua Voluntários da Pátria. A área de abrangência a ser estudada limita-se a norte
pela avenida Sertório, a leste pela avenida Farrapos, a sul pela rua Conceição e a
oeste pelo Lago Guaíba. Como será analisado adiante, esse perímetro fazia parte
do denominado 4º. Distrito, envolvendo atualmente setores dos bairros Navegantes,
São Geraldo e Floresta. Nessas décadas, esse lugar esteve ligado a um período de
expansão da malha urbana da cidade e a consequente consolidação de um habitat
periférico à zona mais central, onde os setores populares adotaram novas
linguagens e técnicas construtivas. Portanto, o recorte temporal tem sua justificativa
a partir da abordagem das questões relativas às moradias e sua proximidade do
local de trabalho, como será visto ao longo da tese.
Berço das atividades industriais da capital, a área tornou-se referencial
importante da memória de um determinado tempo histórico, repleto de significados e
vestígios da construção da identidade de uma comunidade. Na paisagem que hoje
vemos, ainda é visível a coexistência de edificações que misturam diversos padrões,
usos e funções, e que também insere várias construções de uso comunitário, ou
seja, testemunhos das vivências sociais dos diversos segmentos populacionais do
bairro.
Assim, evidencia-se que, desde os seus primórdios, esse território
organizou-se a partir de uma mistura heterogênea de diversos usos e etnias, que
evocavam múltiplas relações, fazendo do mesmo um lugar de memória. Tendo em
vista essa organização, a presente pesquisa sustenta a tese de que foi justamente a
sua condição plural, baseada em uma estrutura complexa e, por vezes, ambígua,
fatores que contribuíram para seu desenvolvimento e estímulo à modernização.
30
Sendo assim, o estudo se debruça sobre as questões pertinentes à
complexidade do espaço moderno da cidade de Porto Alegre, a partir desse
fragmento urbano. Nesse contexto, o seu conjunto construído é vislumbrado como
expressão da modernidade, especialmente evidenciado através das transformações
das moradias e da vida em torno dos processos produtivos e portuário, bem como
as vivências que se tornaram peculiares desse lugar, no recorte temporal.
Por fim, de uma maneira objetiva, podemos enumerar as seguintes
hipóteses:
1- As condições de pluralidade da área, através da coexistência de múltiplos
usos e atividades, classes sociais, etnias e vivências, são fatores que teriam
contribuído para a construção, desenvolvimento e vitalidade de uma modernidade
periférica
58
e singular, no recorte temporal estabelecido.
2- A análise das edificações habitacionais, no período, evidenciaria melhores
condições nas moradias, que as direcionaram para um significativo habitat moderno.
O aprimoramento dos padrões de construção, a incorporação de novos elementos
arquitetônicos, programas e organização dos espaços interiores e exteriores teriam
sido alterações simbólicas, adaptadas às pretensões e comportamentos de uma
população que buscava modernizar-se através da casa.
3- As diversas entidades que reuniam a comunidade teriam sido veículos
importantes que influenciaram no fortalecimento de laços e vínculos da coletividade
e entre as diversas etnias, tornando-se espaços de identidade das diversas
comunidades.
1.4 OBJETIVOS E METODOLOGIA
A presente pesquisa se propõe a analisar de que modo se processaram as
transformações do bairro operário de Porto Alegre, no tocante às evidências que
58
Como será desenvolvido posteriormente, a área distanciava-se do centro e apresentava um perfil
menos elitista. Ao lado de um promissor setor fabril, possuía diversas resistências de caráter rural.
31
possam sinalizar mudanças nas formas e maneiras de morar, direcionadas à
construção de um habitat moderno, no período de ascensão e desenvolvimento das
atividades fabris na capital. Através do levantamento e análise das edificações e de
sua representatividade, serão investigadas, certas constâncias e aspectos de
transição e de alterações nas moradias do lugar.
Nesse caso, será importante a abordagem dos significados da arquitetura
que caracteriza um dos períodos mais importantes da urbanização da cidade, a
organização interna dos seus espaços, formas de morar, elementos estruturais e
materiais e, assim, relacionar os aspectos espaciais e sociais.
Para uma maior compreensão da estrutura plural da área, outros objetivos
secundários serão perseguidos, tais como: a inscrição de exemplares de diversos
usos e categorias, o próprio setor produtivo local, e as várias instituições de
interesse social, tais como igrejas, associações, clubes, cinemas, e suas
contribuições na assimilação de novos conceitos e formas de vida praticados pela
população. Nesse caso, será importante a verificação da distribuição espacial de
algumas destas edificações, no intuito de identificar possíveis tendências à
concentração ou dispersão, no que se refere à localização de determinados usos e
equipamentos.
No tocante às relações do lugar com referenciais externos, o
estabelecimento de determinadas conexões entre moradias locais e vertentes de
movimentos que vinham se consolidando desde o início do século XX, permitem que
se estabeleçam certas correspondências com outras produções da mesma época.
As diversas tendências arquitetônicas e artísticas desse período de transição da
modernidade, são indiciárias do espírito da época e daquele tempo histórico, com
repercussões no meio ambiente cultural, de um modo geral.
Segundo algumas interpretações, desde a metade do século XIX, teria
iniciado uma ”luta contra o conformismo e a convenção”, bem como a “cruzada da
criatividade contra o clichê”. Especialmente com as vanguardas históricas do início
do século XX, tais pressupostos teriam se acelerado e radicalizado. Por vezes, as
noções de vanguarda e modernidade são confundidas em um movimento, no
entanto, elas supõem diferentes consciências do tempo:
32
(...)um sentido do presente enquanto tal e um sentido do presente enquanto
contribuição para o futuro, uma temporalidade intermitente ou serial e uma
temporalidade genética ou dialética.
59
Colquhoun, abordando o mesmo tema, destaca a motivação, de grande
parte dos arquitetos do movimento moderno, por ideais sociais progressistas e a
percepção do seu trabalho como uma “grande narrativa” capaz de lhes conferir “uma
razão de ser coletiva”. Tanto nas artes como na arquitetura, a questão principal do
modernismo era que ele “representava uma mudança na relação entre o presente e
o passado, em vez de ser a continuação de uma relação existente”.
60
Com ele,
estabeleceram-se diferenças entre a arquitetura enquanto arte e a arquitetura
enquanto abrigo:
A arte se distanciou do que ela considerava ser uma realidade extrínseca e
tornou-se uma exploração de formas puras, cujos significados eram
imanentes e reflexivos. Foi com essa aparência que a arte tornou-se o
paradigma para a arquitetura na década de 20. A antiga ligação entre
arquitetura enquanto abrigo e a arquitetura enquanto significado
transcendental havia se perdido e uma nova unidade que atribuía valor
transcendental à função em si foi vislumbrada dentro da teoria do
funcionalismo.
61
No que toca às variáveis que envolvem espaço urbano
62
e modernidade,
outras correlações podem ser estabelecidas, como as decorrentes das intervenções
e melhoramentos físicos na área por parte das ações institucionais - planos diretores
da cidade e avanços no que se refere a saneamento e serviços urbanos de um
modo geral - e suas influências como elementos modificadores das tradicionais
vocações do bairro.
Ao considerar a idéia de “espaço”, Colquhoun mostra que esta não é uma
expressão neutra, mas repleta de implicações ideológicas. Como tal, uma das
críticas aos princípios do espaço urbano modernista foi justamente a idéia de um
59
COMPAGNON,Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: Editora UFMG,
1999,p.60.
O autor salienta que quando as noções de modernidade e vanguarda se confundem em um mesmo
critério, o que se impõe é a procura da originalidade.
60
COLQUHOUN,Alan. Modernidade e tradição clássica. São Paulo: Cosac & Naify,2004, p.17.
61
Ibid,p.19,20.
62
Coquhoun diferencia a expressão “espaço urbano”, segundo a utilização dos geógrafos e
sociólogos e a dos arquitetos. No primeiro caso, o objeto de estudo é o “espaço social” e as
implicações espaciais das instituições sociais. No segundo, o objeto de estudo é o espaço construído,
sua morfologia, a maneira como é utilizado e os significados que pode evocar. Ibid,p. 209.
33
“espaço abstrato indiferenciado”. Para o autor, a preocupação principal com o
problema da habitação social levou os arquitetos do início do século XX a ignorarem
a distinção entre domínio público e privado:
O planejamento de cidades modernistas destruiu a possibilidade de
simbolizar o domínio público social e criou uma polaridade entre espaço
privado cada vez mais isolado e um domínio público que desafia qualquer
tipo de representação espacial.
63
Por fim, considera-se importante a valorização desse lugar através dos
remanescentes construídos, como forma de aumentar o sentimento de ligação com
os demais habitantes da cidade. A falta de interesse e descaso, em muitos casos,
decorre do pouco conhecimento acerca desse período recente da nossa história.
No intuito de estudar a fisionomia e a variedade de edificações e usos que
consolidaram atributos e densificaram sua área, foram utilizados como fontes de
pesquisa os projetos arquitetônicos microfilmados do acervo pessoal do professor
Günter Weimer, mapas e aerofotogramétricos de diversos períodos, bem como,
fotografias de obras típicas e representativas do lugar. Para tal, foram selecionados
mais de 130 projetos, considerando-se os seguintes parâmetros na seleção das
edificações: maior amplitude no recorte temporal estabelecido -1900 a 1950 - bem
como no próprio perímetro estipulado.
O estudo dos projetos desta área resultaram na formação de um banco de
dados que serviu de base para o conhecimento da sua arquitetura. Os registros de
cada obra contém plantas, fachadas e dados gerais, como número do processo
seguido do ano do projeto, nome do proprietário e do responsável cnico, e
endereço.
Para melhor apreciação e análise dos desenhos e das suas características
gerais, as obras foram classificadas em diferentes tipologias: casas isoladas, casas
geminadas, casas em fita, sobrados isolados, sobrados em fita, edifícios; bem como
outras construções de destaque: templos, sociedades, cinemas e edificações
comerciais importantes. Nesta seleção, foram considerados aspectos referentes à
importância da obra, à possibilidade de formação de conjuntos homogêneos, à
63
Ibid,p.211, 216.
34
disponibilidade das fontes e à cronologia. À medida do possível, devido às limitações
encontradas nas fontes, foram avaliadas a localização destas edificações na área
estudada e suas relações com os proprietários, responsáveis técnicos e
construtores, para estabelecer-se ligações entre as obras, a cidade e os demais
componentes culturais e sociais do período.
A análise destes exemplares permitiu verificar a amplitude da
heterogeneidade característica do lugar, assim como suas transformações,
indiciárias de uma modernidade característica das periferias urbanas.
Por fim, ainda foram empreendidos levantamentos em jornais, revistas e
outras publicações, material fotográfico e entrevistas com moradores. Outros
procedimentos que subsidiaram as investigações foram as consultas à bibliografia,
crônicas, legislação e cartografia.
1.5 PRESSUPOSTOS INICIAIS E ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS
A cidade constitui-se no lugar onde a arquitetura organiza as atividades
humanas e também, sob a dimensão do imaginário social, como o espaço das
representações onde o tempo, como diz Nelson Santos, “vira uma espécie de
espaço, mas cada espaço fala de muitos tempos para leitores distintos.”
64
Nesse cenário, onde o inter-relacionamento entre as diversas partes é
pressuposto da sua dinâmica e complexa estrutura, a procura de uma visão mais
equilibrada e de estímulo à pluralidade, sem visões totalizadoras e dominantes, ou
que apaguem diferenças, direcionam a investigação ao olhar característico da
História Cultural.
A noção de representação coletiva, segundo Chartier, objetiva identificar o
modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é
64
SANTOS,Nelson F. dos. A cidade como um jogo de cartas.São Paulo : Projeto Editores,
1988,p.24.
35
construída, pensada, lida, e onde relações e representações substituem as certezas
metodológicas.
65
Dessa maneira, a cidade e a arquitetura podem ser vistas como
representações das experiências significativas e da memória coletiva. Constituem-se
em forma de comunicação social de uma época, incorporando-se na sua cultura
como objeto de civilização.
E, nesse sentido, escrevendo sobre as operações da representação, quando
esta torna presente o que está ausente, Chartier, a partir dos estudos de Louis
Marin, diz:
Essa maneira de compreender o funcionamento do dispositivo
representativo foi uma forte inspiração para todos os historiadores
preocupados em resistir às seduções formalistas de uma semiótica
estrutural sem historicidade e desejosos de se liberar da inércia ou da
univocidade das noções clássicas da história das mentalidades.
66
Partindo desta visão que recusa os dogmas e a imobilidade das tradições,
Lepetit avalia a história urbana como ponto de convergência de enfoques
pluridisciplinares. A dinâmica dos atores sociais, as diferentes temporalidades, os
processos de mudanças, os desníveis sociais, econômicos e culturais e as
descontinuidades espaciais, constituem o complexo objeto que é a cidade, no qual
“se manifestam todos os fenômenos de interação, um conjunto que é mais do que a
soma de suas partes.”
67
Como historiador das cidades, Lepetit estuda as modalidades de
apropriações do espaço urbano, as mudanças de organização espacial e as
questões das temporalidades urbanas. Vista de uma outra maneira, “a cidade nunca
é absolutamente sincrônica” devido às diferentes cronologias tanto do planejamento
urbano, econômico e social, quanto do comportamento dos cidadãos, mas ao
mesmo tempo, “a cidade está inteiramente no presente.Ou melhor, ela é
65
CHARTIER,Roger.A história Cultural.Rio de Janeiro:Bertrand Brasil,1988,p.19.
66
CHARTIER,Roger.A Beira da Falésia-a história entre certezas e inquietudes.Porto
Alegre:Editora da Universidade,2002, p.167
67
LEPETIT,Bernard.Por uma nova história urbana.São Paulo:EDUSP,2001,p.39.
36
inteiramente presentificada por atores sociais nos quais se apóia toda a carga
temporal.”
68
A partir das considerações efetuadas, esta investigação tem sua condução
apoiada na História Cultural e olha a cidade sob um ponto de vista mais plural e
menos linear, porém sem deixar de fazer considerações relativas à história da
arquitetura. A procura de outros significados para os espaços não narrados nas
histórias instituídas, constituem-se novos horizontes historiográficos. Estes não
serão vistos como cenários permanentes, mas como objetos que provindos do
passado e depositários das experiências silenciosas da memória, tem sua reflexão
feita no presente.
Tendo em vista estes pressupostos, a presente tese se propõe a discutir a
questão da modernidade a partir de seis categorias de análises, que correspondem
a cada capítulo da tese. Essa forma de abordagem nos permitiu melhor elucidar os
dados empíricos a serem trabalhados, entretanto, sem torná-los estruturas
estanques e totalizantes. Considerando-se a amplitude de cada um desses temas
abordados e a impossibilidade de esgotá-los, adotamos uma postura seletiva quanto
aos diversos enfoques.
Essas parcialidades despertam correlações entre as partes e facilitam a
narrativa, através da ordenação de elementos preferenciais, contudo, sem um
desenvolvimento linear. Partir das categorias parciais, também mostrou-se muito
eficiente no estabelecimento dos conceitos-chave do quadro de referências teóricos,
esboçados na parte introdutória de cada capítulo.
Assim, a tese se aproxima do seu enfoque principal, iniciando com um olhar
voltado à dimensão do “lugar” e a busca de elementos significativos da sua história.
Com o intuito de destacar a importância dessa área para a cidade, foi traçado um
panorama do seu processo de configuração no período e suas repercussões na
estruturação urbana. Dessa forma, a idéia de “fragmento” traz à tona algumas
questões relativas à gênese da formação e desenvolvimento do território em estudo.
Uma série de transformações ocorridas, acarretaram alterações na sua morfologia
68
Ibid,p.145.
37
urbana. Por outro lado, as relações e os elementos contrastantes que fazem parte
daquele contexto são enfocados sob a ótica das várias contradições de um ambiente
“ambíguo.” Essas aproximações preliminares conduzem à idéia central, que se
debruça na análise das diversas tipologias habitacionais, constituintes do seu
miscigenado e “heterogêneo” espaço. Identificou-se e analisou-se as tipologias
residenciais mais significativas, de modo a ressaltar suas especificidades no que
concerne à organização dos espaços, às soluções técnicas e à sua inserção no
tecido urbano. As questões de identidade que permeiam as relações entre lugar e
habitante são fatores que contribuem para um bairro se tornar “singular”. Por fim,
algumas permanências e diversas transformações são fatores que influenciaram
para sua atual degradação. Podemos então considerar, sem necessariamente
concluir, que, por todas as suas inerentes complexidades, esse fragmento da cidade
de Porto Alegre, também é “plural”. A construção de uma modernidade
diferenciada, característica do subúrbio, deixou marcas que demonstram seu
relevante papel na construção histórica da cidade, tornando-se lugar referencial, de
memória e identidade no seu contexto.
38
2 UM LUGAR
2.1 INTRODUÇÃO
Porto Alegre teve, desde cedo, uma grande ligação com o Guaíba, visto que
foi o principal porto exportador e importador do estado. Nesta época, o meio básico
de operação era por via fluvial e lacustre.
69
Este foi um fator muito importante para a
compreensão da importância comercial e industrial assumida pela área em estudo,
que teve como eixo estruturador a rua Voluntários da Pátria. A proximidade com o
Guaíba, elemento dominante da paisagem local, criou estreitos vínculos que ficaram
expressos de maneira peculiar nas vivências e nas funções que ali se
desenvolveram, como as relativas ao comércio atacadista, depósitos e indústrias.
Cenário de atividades produtivas importantes da capital, a área foi ponto de
atração de grande massa de trabalhadores e imigrantes, que ali formaram
comunidades, estabeleceram vínculos, relações e construíram suas referências e
representações.
Refletindo sobre o significado das cidades, Aymonino salienta que a
necessidade de “se representar num lugar preciso” é uma constância das
sociedades, criando espaços físicos tão diversos em tempos diferentes. Assim, a
cidade é:
(...) um lugar artificial de história no qual cada época- todas as sociedades
acabam por se diversificar da que as precedera- tentam, mediante a
representação de si própria nos monumentos arquitetônicos, o impossível:
assinalar aquele tempo determinado, para além das necessidades e dos
motivos contingentes porque os edifícios foram construídos.
70
Certamente, a paisagem da Porto Alegre do início do século XX, cujas
fotografias mostram o despontar das inúmeras chaminés das fábricas que
demarcavam a zona plana e alagadiça da cidade no seu lado norte, bem como as
69
Neste sentido ver; FRANCO,1983,op.cit.,p.26.
70
AYMONINO,Carlo. O significado das cidades.Lisboa:Editorial Presença,1984,p.10,11.
39
casas baixas e simples das proximidades, e outras construções vizinhas, evidencia
as representações que assinalam “aquele tempo determinado” que fala Ayomino.
Toda a cidade tem sua história e suas formas se dinamizam ao longo do processo.
No entanto, ainda permanecem no local, vestígios de uma espécie de herança ainda
não superada, testemunhos iconográficos e representações
71
carregadas de valores
humanos e aspirações pessoais, que configuram seus diversos espaços e que o
tornaram “lugares de memória”.
Figura 1 - Aspecto de Porto Alegre, no final do século XIX- início do XX.
Fonte: Cartão Postal pertencente à família Ely.
No entendimento dos aspectos conceituais que se vinculam a idéia de lugar,
Marc Augé, sob o viés da antropologia social, diz que “lugar” e “não-lugar” são
construções espaciais diferentes. O lugar é identitário, relacional e histórico,
enquanto os “não-lugares” são aqueles voltados à individualidade solitária, à
passagem, ao provisório e ao efêmero, ou seja, “espaços que em si mesmos não
constituem lugares antropológicos”. Para o autor, o que caracteriza a idéia de lugar é
71
Sobre a idéia de representações na história ver:
CHARTIER, Roger. A História Cultural. Rio de Janeiro:Bertrand do Brasil,1988,p.27; HUNT,Lynn. A
Nova História Cultural. São Paulo:Martins Fontes,1992,p.22, 27.
40
sua força e capacidade de propiciar relações pessoais em oposição aos lugares de
passagem.
72
Espaço e lugar são construções diferentes para De Certeau, pois lugar
pressupõe a idéia de estabilidade, elementos coexistindo, uma distribuição
momentânea de posições; o espaço, é animado pelos movimentos que se
desdobram, envolve velocidade, tempo, enfim, “é um lugar praticado”. Nas reações
mutáveis mantidas entre os dois, salienta o trabalho efetuado pelos “relatos”, que
transformam lugares em espaços ou espaços em lugares.
73
Diversas são as dimensões e os campos de conhecimento que abordam o
estudo de espaço e lugar. O arquiteto norueguês Norberg-Schulz, baseando-se no
pensamento de Heidegger, analisa o “fenômeno do lugar” a partir da fenomenologia,
“retorno as coisas, em oposição às abstrações e construções mentais”. Nesta
análise, destaca duas categorias: o espaço, como a organização tridimensional dos
elementos que formam o lugar”, e o caráter, como a “atmosfera geral que é a
propriedade mais abrangente de um lugar”.
74
Retoma a antiga noção romana de
genius loci,ou seja, do espírito do lugar, no que se refere à sua essência.
Concretizar o genius loci, pressupõe compreender a vocação do lugar, ato
fundamental da arquitetura.
75
Outro enfoque diz respeito à idéia de que a paisagem representa os
diferentes momentos de desenvolvimento de uma sociedade, sendo assim, o
resultado de uma acumulação de tempos.
76
Ou também, a noção de tempo e de
espaço:
Não existe atividade humana, histórica ou mítica, que dispense referência a
um lugar real ou imaginário que lhe sirva de cenário. Nas cidades, o tempo
vira uma espécie de espaço, mas cada espaço fala de muitos tempos par
leitores distintos.
77
72
AUGÉ,Marc.Os não lugares.Lisboa:Bertrand,1994,p.83, 84.
73
De CERTAU,Michel. A invenção do cotidiano:1.Artes de fazer.Rio de Janeiro: Vozes, 1994,
p.201, 202, 203.
74
NORBERG-SCHULZ,Christian. “O fenômeno do lugar”.In:NESBITT,Kate(org.).Uma nova agenda
para a arquitetura. São Paulo:COSACNAIFY, 2006,p.445,449.
75
Ibid,p.454,459.
76
SANTOS,Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Husitec, 1982,p.37.
77
SANTOS,Carlos Nelson F. A cidade como um jogo de cartas.São Paulo: Projeto Edit., 1988,p.24.
41
Mas, a cidade muda e apaga com frequência as nossas recordações, diz
Aldo Rossi ao refletir sobre o tempo e sua importância nos estudos da cidade e sua
história: “A forma da cidade é sempre a forma de um tempo da cidade; e existem
muitos tempos na forma da cidade”.
78
O autor também destaca a significação do
lugar a partir das memórias, “do locus como um facto singular determinado pelo
espaço e pelo tempo, pela sua dimensão topográfica e pela forma, por ser sede de
vicissitudes antigas e novas, pela memória.”
79
Espaços interiores também podem ser refúgio e lugar de memória, segundo
o filósofo Bachelard, em seu conhecido livro “A poética do espaço”, sem deixar de
remeter o reconhecimento de lugar à esfera da psique. Na importância da atenção à
localização das lembranças, a função do espaço é reter “o tempo comprimido”.
80
O valor do campo da memória na identificação de “lugares” também é
reconhecido por Castello, assim como a adoção de metodologias que se valem da
percepção ambiental:
Lugar de urbanidade é rico em elementos que brotam de mecanismos
associados ao campo da memória. Confirmou-se ser ali o lócus onde se
processam experiências de vida suficientemente destacadas de modo a
adquirir um significado que se torna memorável em relação aos demais
fatos do cotidiano da vida dos cidadãos. Os resultados das pesquisas
aumentaram a convicção de que lugar urbano- o lugar da urbanidade- é um
espaço rico em signos percebidos coletivamente como significativos para a
história da cidade.
81
Nos processos de investigação de “lugar” e se valendo da percepção
ambiental, Castelo analisou os estímulos percebidos na região de Navegantes de
Porto Alegre. O autor constatou, através de entrevistas a moradores, que “a força
imagética de alguns elementos da paisagem permaneceu viva na mente das
pessoas”. Além disso, é forte a percepção de “ambiente industrial associado à área,
78
ROSSI,Aldo. A arquitetura da cidade.Lisboa:EdiçõesCosmos, 1977,p.68.
79
Ibid,p.143.
80
BACHELARD,Gaston. A poética do espaço.São Paulo:Martins Fontes, 1996,p.28.
81
CASTELLO,Lineu.A percepção de Lugar repensando o conceito de lugar em arquitetura-
urbanismo.Porto Alegre:PROPAR-UFRGS,2007,p.160.
No capítulo 2- Conceituação de Lugar- Castelo faz uma ampla abordagem sobre o tema,
apresentando diversos pensamentos sobre a idéia de lugar.
42
despontando um bom número de marcos que se estruturam como verdadeiros
símbolos da região”.
82
Nas referências às questões de memória e lugar, Le Goff alerta para a
importância dos monumentos, que “tem como características o ligar-se ao poder de
perpetuação,voluntária ou involuntária, das sociedades históricas”.
83
Os centros
urbanos sempre desempenharam este papel referencial de lugares da memória, dos
monumentos de um determinado tempo histórico e de seus significados. Porém,
como diz Gutiérrez, muitas vezes estes se restringem à determinados critérios das
chamadas histórias instituídas. Esta visão reducionista foi se ampliando com a
inclusão do “cultural”, e incorporando ao histórico certas dimensões do cotidiano.
84
Ou, então, memória que considera a possibilidade da mudança de significados dos
objetos fixos da cidade, como a arquitetura, que lugares e coisas mudam com a
sobreposição de novos significados”.
85
Enquanto espaço, a área em estudo constitui-se em suporte de diferentes
tempos e significados. Em lugar, à medida em que adquiriu caráter que atribui aos
seus elementos valor, significado e permanência, expressos através dos
remanescentes da sua arquitetura, misturada e compartilhada em espaços plurais e,
principalmente, pela visível imagem industrial que lhe confere uma identidade visual
própria. Lugar, também pela sua história, pelos referenciais humanos, pelos relatos,
vivências e lembranças contidas na mente das pessoas que moraram naquela
parcela urbana que se tornou uma espécie de cidade dento da cidade.
A busca de elementos significativos da sua história e da sua evolução
urbana, constituem subsídios importantes para a compreensão do “lugar”. Por outro
lado, as diversas transformações físicas ocorridas, que fizeram parte do seu
82
Ibid,p.160,161.
83
LE GOFF,Jacques.História e Memória.Campinas:UNICAMP,1994,p.536.
84
Neste sentido ver: GUTIÉRREZ,RAMON.”História,Memória e Comunidade.O direito ao patrimônio
construído.”In: O direito à memória. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura- Depart. Patrimônio
Histórico,1992.
85
ROSSI,Aldo.”Uma arquitetura analógica”.In:NESBITT,Kate(org.).Uma nova agenda para a
arquitetura. São Paulo:COSACNAIFY, 2006,p.380.
Neste sentido, são importantes as reflexões de Moneo, sobre algumas idéias de Rossi. Salienta a
insistência de Rossi na permanência atemporal da arquitetura, desobrigando-a das questões
funcionais. Esta condição concede valor próprio à forma arquitetônica e “elimina qualquer relação
determinista entre forma e uso”. MONEO,Rafael.Inquietação teórica e estratégia projetual. São
Paulo: Cosac Naify, 2008, p.99.
43
processo de desenvolvimento, auxiliam nas reflexões acerca dos distintos motivos
que, posteriormente, conduziram às mudanças no seu território. A partir das
considerações efetuadas, passaremos a reconhecer alguns elementos do passado
que refletem toda a sua diversidade temporal, mas que, por isso mesmo, mostram a
riqueza e multiplicidade impregnados na sua paisagem.
2.2 AS MARGENS: UM SUBÚRBIO DE PORTO ALEGRE
86
Las Calles
Las calles de Buenos Aires
ya son mi entraña.
No las ávidas calles,
incómodas de turba y de ajetreo,
sino las calles desganadas del barrio,
casi invisible de habituales,
enternecidas de penumbra y de ocaso
y aquellas más afuera
ajenas de árboles piadosos
donde austeras casitas apenas se aventuran,
abrumadas por inmortales distancias,
a perderse en la honda visión
de cielo y de llanura.
Son para el solitario una promesa
porque millares de almas singulares las pueblan,
únicas ante Dios y en el tiempo
y sin duda preciosas.
Hacia el Oeste, el Norte y el Sur
se han desplegado-y son también la patria - las
calles;
ojalá en los versos que trazo
estén esas banderas.
87
Até o princípio do culo XIX, a área urbana de Porto Alegre restringia-se à
poligonal que hoje corresponde à área central, sendo que, efetivamente sua
expansão intensificou-se após a Revolução Farroupilha(1845). Na zona
considerada mais rural foram surgindo os arrabaldes, pequenas concentrações
habitacionais.
86
O título do capítulo, faz referência a expressão espanhola “orilla”, usada por Beatriz Sarlo para
designar alguns subúrbios de Buenos Aires. SARLO,Beatriz. Borges,um escritor en las Orillas.
Buenos Aires:Seix Barral,2003.
87
BORGES,Jorge Luis. Fervor de Buenos Aires.Buenos Aires: Emecé Editores,2005,p.11.
44
A divisão da cidade em distritos remonta de 1º. de dezembro de 1892,
através do Ato nº. 7, assinado pelo então intendente Alfredo Augusto de Azevedo.
Nesta ocasião, o município foi dividido em 6 distritos, sendo que, a península central
fazia parte do 1º. Distrito e a área correspondente ao o 4º. Distrito tinha uma
delimitação muito abrangente, contendo espaços que hoje pertencem a outros
bairros:
Partindo da rua Ramiro Barcellos pela estrada do capitão Montana ao
arroio Feijó, divisas do município de Viamão até á estrada da Cavalhada,
estrada que segue para o arraial da Tristeza até ao littoral, littoral até á foz
do Riacho, margem esquerda do Riacho até á rua Venâncio Ayres, Campo
da Redempção (lado da escola) até ao ponto de partida.
88
Figura 2 - Mapa de Porto Alegre, de Alexandre Ahrons, de 1916, com indicação dos distritos.
Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Posteriormente, em 1927, através do Decreto 115, os limites da cidade
foram retificados e a classificação passou a ser por zonas (urbana, suburbana e
rural ), distritos e seções. Neste caso, houve nova regulamentação dos limites de
cada distrito, sendo o 4º. Distrito:
88
Acto no. 7, de 1º. De dezembro de 1892. In: Leis,Decretos,Actos e Resoluções. Administração do
intendente Alfredo Augusto de Azevedo. Porto Alegre: A Federação, 1892.p22.
45
Limitado pelo littoral, a partir da rua Almirante Barroso até o rio Gravatahy;
por este rio até encontrar o Arroio Feijó; seguindo por este até o Passo do
Dornelles; d‟ahi e seguindo as divisas com o Municipio de Viamão até o
Passo do Sabão; pelo Arroio do mesmo nome até encontrar a divisa do
terceiro districto; por esta, constituida pelo becco do Felizardo,Estrada do
Capitão Montanha, rua Carlos Gomes, Estrada da Pedreira, ruas Bordini,
Christovan Colombo e Almirante Barroso até o littoral.
89
Fugindo das delimitações oficiais, para uma parcela de antigos moradores,
como o memorialista Guido Mondin, o 4º. Distrito era uma denominação que tinha
categoria “toponímica de enraizada expressão sentimental” e que curiosamente era
reconhecido por Navegantes - São João
90
, sem assim inteiramente o representar:
Minha querência é todo um bairro, curioso bairro que se confunde com um
Distrito. Para se falar nele menciona-se um Distrito que, por sua vez, é
soma de muitos bairros. Curioso é ainda que, para configurar meu
bairro,além de denominá-lo de Distrito, por ele entendo restritamente dois
bairros - São João e Navegantes, o que o traduz obviamente qualquer
alijamento dos demais. São João e Navegantes eram o que entendíamos
então por 4º. Distrito - e que queríamos como um arrabalde só. Na memória
dos remanescentes ainda é assim. Contudo, São João ficou mais longe do
São João de que vou contar histórias, pois ele é hoje o Geraldo.
Navegantes era Navegantes, nele incluindo-se o que agora é também
um bairro - a vila Dona Teodora.
91
Celebrando a nostalgia do Distrito, Guido Mondin trás a tona suas
“reminiscências”, ou como ele mesmo diz,” um retrospecto sentimental” de suas
89
Decreto no. 115, de 15 de dezembro de 1927. In: Leis,Decretos,Actos e Resoluções.
Administração do intendente Octavio F. da Rocha. Porto Alegre: A Federação, 1927.p. 48.
Posteriormente, as delimitações oficiais referentes aos bairros da cidade, foram estabelecidas por
leis, sendo a primeira de 1957, e, depois, a lei no. 2022 de 7/12/59. Entretanto, até hoje, a noção de
4º. Distrito ligada à área do bairro Navegantes, avenida Presidente Roosevelt e adjacências,
permanece na memória de muitos moradores da cidade.
90
Navegantes teve seu desenvolvimento muito ligado ao bairro São João. Este, por sua vez, formou-
se em torno de uma capela e seu crescimento econômico e industrial incrementado a partir de 1919,
quando esta tornou-se igreja São João Batista.A implantação do Aeroporto na década de 30 e do
Cemitério em 1936,foram marcos na sua evolução. A partir de 1909, com o advento dos bondes de
tração elétrica, prosperaria muito o bairro Floresta, afirmando-se no setor industrial (cervejarias,
fábricas de fogões, pregos, cigarros e outras).
ANDRÉ,Alberto.São João, sua fundação e desenvolvimento histórico.Jornal Fala São João.Porto
Alegre, n.6,p.4,jun.1999
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da
Universidade/UFRGS,1992,p.180,376.
91
MONDIN,Guido. Burgo sem água(reminiscências do 4º. Distrito).Porto Alegre: Feplam,
1987,p.14. A demarcação que o autor chama de “nosso bairro” é: a leste, a rua Lusitana; a oeste, o
Guaíba; ao sul, a Cristóvão Colombo, e ao norte, a estrada Dona Teodora, a dos tambos de
leite.Ibid,p.19.
Segundo Sanhudo: ” O 4º. Distrito é enorme! Pois começando aí pelo bairro São Geraldo,incluindo
São João, vem até cá na Auxiliadora e aí pela Boa Vista,vai à Vila Ipiranga, e pelo limite extremo
leste desta,segue pelo Jardim Lindóia e compreende ainda os bairros Anchieta e Vila
Teodora.SANHUDO, Ary Veiga.rto Alegre.Crônicas da minha cidade.Porto Alegre:Ed. Sulina
1961,p.249.
46
vivências de infância e adolescência no bairro fabril, presumivelmente nas primeiras
décadas do século XX, embora nas crônicas, não haja referência à datas. A “visão
panorâmica” pretendida pelo autor é, de certa forma, um lamento pelos tempos
desaparecidos: “o velho burgo desfigurou-se, presa fatal da evolução ou do
progresso”.
92
Na mesma época, aproximadamente 1920, o escritor argentino Jorge Luis
Borges regressou da Europa, depois de sete anos de ausência e encontrou uma
Buenos Aires que começava a converter-se em metrópole, no entanto, ainda
rodeada por campos que sedimentavam uma cultura rural.
93
As periferias, enquanto
espaços culturais urbanos, tiveram seu reconhecimento através da literatura
argentina destes anos, demonstrando a tensão então existente na cidade de
múltiplas e complexas temporalidades, cenário de uma mistura que contrapunha
uma evidente face moderna, ao mundo das margens, dos lugares provincianos e
resistentes dos arrabaldes, herdeiros das tradições crioulas.
Em versos, Borges insistiu na preferência pelos espaços da Buenos Aires de
suas lembranças, de involuntárias belezas e que permaneceram autênticos. Ironizou
as pretensões de conversão da cidade em grande metrópole cosmopolita e a cópia
de erros cometidos em outras grandes cidades: a abertura de largas avenidas, a
construção de edifícios altos e inverossímeis monumentos. Desqualificou o
progresso que uniformizava, que eliminava o que era próprio e reconhecível,
insistindo na idéia de que nos subúrbios ainda era possível encontrar as
características que davam singularidade à cidade.
94
O universo provinciano, ainda presente na maioria das cidades em
desenvolvimento da virada do século XX, conviveu, durante certo tempo, com ritmos
e estruturas mais modernas do espaço urbano. Neste sentido, em São Paulo,
92
Ibid,p. 13.
93
SARLO,2003, op. cit.,p.13.
Neste sentido, ver : SARLO,Beatriz. Una modernidad periférica: Buenos Aires 1920 y
1930.Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión,1988.
KERN, Maria Lúcia B.Modernidade argentina: diálogos entre Xul Solar e Jorge Luiz Borges.Anais do
XXVIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. Rio de Janeiro: CDROM,2008.
94
GRAU,Cristina. Borges y la arquitectura. Madrid: Ediciones Cátedra,1999,p.32,34.
Segundo a autora, em versos como Fervor de Buenos Aires, Borges representa estes lugares
detalhando aspectos de bairros, ruas praças e jardins. BORGES,Op.cit.2005.
47
enquanto por um lado se desenvolvia uma moderna cidade industrial, de outro,
elementos tradicionais do meio rural insistiram em permanecer até a década de
1930. A presença de animais de médio e grande porte pelas ruas da cidade, festas
populares, canções de rememoração rural, ambulantes e vendedores de casa em
casa, interagiam com diferentes referências sociais e culturais, que compunham
aquele novo universo urbano. Mesmo em bairros próximos ao centro paulistano,
identificavam-se resquícios de atmosfera de campo: casas com quintais ruralizados,
hortas e trechos de matas.
95
A evolução urbana das cidades modernas foi marcada por uma série de
transformações nos modos de viver e conviver da população, gerando alterações
nos padrões e identidades culturais, que os novos ritmos exigiam. Sarlo chama a
atenção que entre os anos 20 e 30 do culo passado, os habitantes de Buenos
Aires evidenciaram uma velocidade desconhecida até então, com a introdução do
transporte elétrico e a ilusão da imediatez produzida pelas tecnologias das
comunicações à distância, gerando novas experiências espaciais e temporais.
96
Para Conde, a influência e contribuição dos meios de comunicação de massa, das
décadas mencionadas, produziram um clima de grande efervescência intelectual,
política, econômica e filosófica, diferenciando-se de épocas anteriores devido à três
invenções fundamentais: o disco, o rádio e o cinema falado. Isto possibilitou que as
idéias de então saíssem dos meios letrados, chegando a um círculo mais amplo e
alcançando a modernidade.
97
As influências deste novo universo cultural também
tiveram efeitos no âmbito das transformações urbanas e inovações vinculadas aos
aspectos de modernização das cidades.
Em Porto Alegre, Alberto Bins, que assumiu a intendência em 1928, e seu
sucessor, Loureiro da Silva, potencializaram diversas transformações urbanas
iniciadas no período de Otávio Rocha(1924-1928). A cidade desenvolveu-se através
de políticas municipais que, baseadas na ordem e racionalidade, procuravam seguir
os modelos que priorizaram a expansão da malha urbana e da infraestrutura, a
abertura de novas e largas avenidas e o interesse pelas construções em altura,
95
MORAES,José Geraldo Vinci de.Metrópole em Sinfonia: história,cultura e música popular na São
Paulo dos anos 30.São Paulo: Estação Liberdade,2000,p.22, 143.
96
SARLO,op. cit.,2003,p. 28.
97
CONDE & ALMADA,op.cit.,1996,p. 6.
48
mimetizando os padrões norte-americanos. Assim como em outras cidades, o núcleo
urbano foi o espaço que primeiro ingressou neste processo. Ao longo destes anos, a
população pobre que morava em cortiços e habitações deterioradas, impulsionada
pelo aumento das taxas prediais e a consequente elevação do preço dos aluguéis,
foi obrigada a deslocar-se para áreas mais afastadas. Estes espaços, por não
seguirem a mesma cadência de crescimento urbano, representavam os tempos
variados de um presente que se modernizava.
Ao longo do Caminho Novo e nas áreas baixas das proximidades,
desenvolveu-se um desses lugares simbólicos de Porto Alegre, que em oposição a
homogeneidade, severidade geométrica e a disciplina imposta pelos dogmas da
modernidade
98
, cresceu de forma heterogênea e mesclada, através de uma mistura
tipológica e de diferentes perfis culturais, decorrente de universos sociais também
heterogêneos, marcados pela influência do imigrante.
É importante dizer que, as primeiras intervenções nessa área, que se tem
notícia, ocorreram no início do século XIX. Ao longo do Guaíba, na então mata
existente, um caminho foi desbravado e chamado pela população de Caminho
Novo
99
. Mais precisamente, foi primeiramente aberto em 1806 por iniciativa do então
governador Paulo José da Silva Gama, ainda quando a cidade permanecia
circunscrita à área central.
100
Posteriormente, em 1811, Dom Diogo de Souza
determinou a derrubada da mata para a construção desta estrada que ia a a
embocadura do rio Gravataí. Assim, este caminho constituiu-se em um dos primeiros
da cidade, facilitando a ligação entre a vila e as quintas que situavam-se junto ao
98
No que se refere ao Movimento Moderno e suas origens, ver: FRAMPTON,Kenneth.História
Crítica da Arquitetura Moderna.São Paulo:Martins Fontes,1997.
O autor traça o perfil da “pré-história” do MM,abordando as diversas transformações das quais surgiu
a arquitetura moderna e seu desenvolvimento, desde meados do século XVIII. Neste sentido, alguns
autores, como Montaner,usam como referência genérica, o trabalho das primeiras vanguardas. Para
ele MM é: “a corrente de tendência internacional que inicia com as vanguardas européias do princípio
do século e se estende ao longo dos anos vinte”.
MONTANER,Josep Maria.Depués Del Movimento Moderno arquitectura de la segunda mitad
del siglo XX. Barcelona: Gustavo Gili,s/d, p.12.
Para uma análise das origens,significados de modernidade e moderno na história e reflexões da
intelectualidade, ver:
KERN,Maria Lúcia B.“Modernidade:significados na História.” In: BRITES,Blanca et allii. Modernidade.
Anais do IV Congresso Brasileiro de História da Arte,UFRGS,1991,p.69-78.
99
Atualmente rua Voluntários da Pátria.
100
FRANCO,Sergio da Costa.Porto Alegre, Guia Histórico.Porto Alegre: editora da
Universidade,1992,p.437.
49
Guaíba. Diz Sanhudo que ele foi aberto por prisioneiros e que a preocupação do
governador era a de construir no local sua casa de campo, o então Solar de Dom
Diogo, com seu clássico e monumental portão, que serviu de casa de campo aos
governadores que o sucederam.
101
Figura 3 - Planta de Porto Alegre reproduzida por Clovis Silveira de Oliveira. O local onde
posteriormente seria o Caminho Novo, aparece com linha tracejada- ainda não havia sido
demarcado.
Fonte: OLIVEIRA,Clovis S. de. Porto Alegre. A cidade e sua formação. Porto Alegre: Norma,
1985,p.28,29.
Da literatura produzida a partir dos interessantes relatos de viajantes do
passado, é possível avaliar alguns aspectos da fisionomia e do desenvolvimento das
áreas que margeavam o Guaíba. No início do século XlX, são significativos os
depoimentos de alguns viajantes que se surpreendiam com a beleza natural das
chácaras instaladas do lado oposto das águas. Suas propriedades, repletas de
pomares, ofereciam variadas frutas e outros alimentos. A beleza das flores
completava aquela paisagem bucólica e pitoresca.
102
101
O Solar Dom Diogo situava-se na Voluntários da Pátria entre as atuais avenida Polônia e Ernesto
Fontoura. A denominação de Caminho Novo permaneceu até 1870, quando por iniciativa do vereador
Olinto de Carvalho, foi substituído pelo nome atual, em homenagem aos voluntários da guerra do
Paraguai. SAHUDO, 1961, op.cit., p,256,257.
102
Neste sentido, ver os textos do viajante Nicolau Dreys, que morou na cidade no período de 1817 e
1825 e que relatou todo o seu encantamento com as chácaras situadas no então Caminho Novo.
50
Figura 4 - Casas típicas do Caminho Novo, na primeira metade do século XIX.
Fonte: PORTO ALEGRE:BIOGRAFIA D‟UMA CIDADE. Álvaro Franco (org.). Porto Alegre,Tipografia
do Centro,1940,p.123.
No tocante às áreas entre o Caminho Novo e o Guaíba, foram minimamente
ocupadas até a segunda metade do século XIX. Segundo Escosteguy, constituíam
espaços utilizados para atividades de construção e navegação, o que propiciou o
surgimento de depósitos de madeira e estaleiros.
103
Com o aparecimento destas
novas atividades, redefiniu-se espacialmente o caminho que dava acesso às
chácaras.
DREYS,Nicolau.Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul.Porto
Alegre:Nova Dimensão/EDIPUCRS,1990,p.100. Sobre chácaras em Porto Alegre, ver
também:MACEDO, Francisco Riopardense de. Porto Alegre,origem e crescimentos. Porto
Alegre:Sulina,1968.
Ver também: Mattar,Leila Nesralla.Porto Alegre:Voluntários da Pátria e a Experiência da Rua
Plurifuncional(1900-1939). Porto Alegre,2001.Dissertação de Mestrado em História, PUCRS
,p.28,29 30.
103
ESCOSTEGUY, Luiz Felipe.Produção e uso dos espaços centrais à beira rio (1809-
1860).Porto Alegre1993.Dissertação de Mestrado em História,PUCRS,p.136.
51
Figura 5 - Rua Voluntários da Pátria no final do século XIX.
Fonte: Fototeca Sioma Breitman. Museu Joaquim José Felizardo.
Neste processo, cabe recordar que, desde cedo, Porto Alegre tornou-se
escoadouro natural da produção do estado, consequência de sua posição
privilegiada em relação às facilidades com o transporte hidroviário.
104
Até a segunda
metade do século XIX, a cidade apresentou desenvolvimento econômico muito lento.
Desde 1820, o pólo de atração no estado havia se deslocado para as cidades de
Pelotas e Rio Grande, em função da produção e industrialização do charque. Com a
decadência deste ciclo, em decorrência da concorrência dos países platinos, Porto
Alegre iniciou a retomada do seu crescimento econômico, intensificando sua função
comercial. Segundo diversos autores, a imigração é apontada como importante fator
neste sentido.
104
Os organizadores da navegação fluvial no estado, eram na sua maioria alemães, como os
Becker(rio Jacuí), Keller,Jann,Schaan(rio Caí)Irmãos Diehl (rio dos Sinos),Jaeger,Ruschel,Arnt(rio
Taquari). O primeiro estaleiro de Porto Alegre, foi de Becker, no Caminho Novo, fundado em 1865.
SINGER, Paul.Desenvolvimento econômico e evolução urbana.São Paulo:Nacional,1977,p.164.
52
Figura 6 - Cartão postal de Porto Alegre, identificando a importância das atividades comerciais
da cidade no início do século XX, efetuadas a partir do Guaíba.
Fonte: Cartão Postal pertencente ao acervo pessoal da família Ely.
O reinício do fluxo imigratório e a chegada dos imigrantes alemães em
1824,
105
constituíram fatores de impulsão para o crescimento da cidade, que
funcionava como entreposto das áreas coloniais, processando o seu comércio a
partir do Guaíba e do transporte fluvial.
Os imigrantes instalados no interior dedicavam-se à agricultura, exportando,
via fluvial, produtos agrícolas para serem comercializados na capital. Assim, houve
gradativa formação de uma burguesia teuto, ligada diretamente ao desenvolvimento
das colônias.Segundo Roche, houve a formação de uma rede coesa” entre os
comerciantes da capital e os vendedores da colônia através dos caixeiros-viajantes,
que funcionavam como intermediários neste processo, permitindo que, antes do final
105
Macedo explica o surgimento do “ aglomerado dos navegantes”,que deu origem ao nome do bairro,
a partir da chegada dos imigrantes alemães que aguardavam as embarcações que os levariam, via
fluvial, para São Leopoldo.Atraídos pela possibilidade de instalar oficinas, alguns artesãos acabaram
permanecendo na área, surgindo assim, um aglomerado que alteraria substancialmente o então
caminho das chácaras e exigindo benfeitorias em consequência do aumento da população, originado
por esta concentração.
MACEDO, Francisco Riopardense de.Porto Alegre, origem e crescimento.Porto Alegre:
Sulina,1968,p.81,82.
Quanto aos alemães, antes do final do século XIX, já era expressiva sua presença na cidade e
principalmente na rua Voluntários da Pátria, que ficou conhecida como rua dos alemães.
53
do século XIX, os comerciantes de Porto Alegre mantivessem a supremacia desta
praça.
106
Nessa época, o comércio tornou-se a base de seu desenvolvimento, onde o
Caminho Novo constituiu-se importante “locus” das trocas coloniais e eixo
estruturante do bairro. O estabelecimento de ligações com os novos povoados
acarretou a construção de estradas de ferro. A primeira delas foi a que ligou a capital
a São Leopoldo, implantada ao longo da Voluntários da Pátria e cuja estação,
edificada em 1874, localizava-se na esquina com a rua Conceição.
107
A produção agrícola direcionada para a capital, posteriormente era
distribuída para o estado, país e exterior. Grande parte das atividades de importação
e exportação exercidas então, eram feitas pelos comerciantes dessa rua.
108
Segundo diversos autores, o capital advindo da economia imigrante e acumulado
por estes comerciantes, possibilitou seu posterior investimento nas indústrias.
109
106
ROCHE,Jean.A colonização Alemã no Rio Grande do Sul.Porto Alegre: Globo, 1969, p.432,434.
Singer também salienta que Porto Alegre tornou-se o centro comercial de toda a zona
colonial.SINGER,1977,op.cit.,.165.
107
A este respeito ver:KLIEMANN,Luiza H.S.A ferrovia gaúcha e as diretrizes de ordem e
progresso 1905-1920.Porto Alegre,1977.Dissertação de Mestrado em História, PUCRS. Segundo a
autora, esta ferrovia que teve seu início em 1869 e término em 1874, destinava-se a escoamento da
produção da colônia alemã para a capital.
Segundo SINGER, a fim de ampliar as ligações, surgiram novas redes, sendo que as principais linhas
do sistema ferroviário foram instaladas no período de 1890 e 1910, e projetadas em função dos eixos
de comercialização pré-existentes. Nesta ocasião,Porto Alegre já era o escoadouro natural da
produção das colônias. SINGER,Paul.Desenvolvimento econômico e evolução urbana.São Paulo:
Nacional, 1977,p.160,185.
108
Sobre Imigração e transformações urbanas na área, ver: MATTAR,2001,op. cit.
109
Acerca do desenvolvimento da indústria no estado ver:PESAVENTO,Sandra J.História da
indústria sul-rio-grandense.Guaíba:Riocell,19885,p.28-30; ROCHE,Jean.A colonização Alemã e o
RGS.Porto Alegre:Ed. Globo,1969,v.2p.479; SINGER, 1977,op.cit; MACEDO,Francisco Riopardense
de.Porto alegre:Origem e Crescimento.Porto Alegre:Sulina,1968,p.93; REICHEL,Heloisa j.A
indústria têxtil no RGS.1910-1930.Porto Alegre: Mercado Aberto,1980,p.18.
54
Figura 7 - Antiga doca de cereais, após a descarga de diversas embarcações.
Fonte: COSTA,Alfredo R. O Rio Grande do Sul.Porto Alegre: Globo,1922,v.1.
O . Distrito, por seu perfil e vocação de área inserida no encontro das
conexões da cidade e por suas características físicas de zona baixa, próxima aos
cursos d‟água (limitado em duas faces pelo Guaíba e pelo Gravataí) possuía os
requisitos ambientais fundamentais para a atração de um complexo industrial,
potencializados através da proximidade com a estrada de ferro, cujo traçado e linhas
foram definidos considerando os atributos das condições topográficas e geográficas
da área. Em 1923, a Brigada Militar decidiu criar o Serviço de Aviação, prosseguindo
no ano seguinte com o estabelecimento do”Parque de Aviação”, o que, agregado
aos transportes fluvial e terrestre existentes, consolidaram sua vocação de local
dos principais acessos da cidade, que até hoje permanece.
Estes são importantes fatores que explicam a origem e formação do 4º.
Distrito e os motivos pelos quais o seu território foi considerado o mais adequado de
Porto Alegre para sediar o setor industrial. Coube à rua Voluntários da Pátria a
função de eixo principal de concentração destes estabelecimentos, que, a partir de
1880, foram intensificados.
55
A rua Voluntários da Pátria é muito longa, por ela passa o bonde para o
subúrbio Navegantes e encontram-se numerosas fábricas e oficinas cujas
chaminés são seus mais belos ornamentos. Ela segue a linha tortuosa da
praia.
110
Para o visitante Arthur Dias, não foi muito difícil perceber a importância da
rua Voluntários da Pátria, quando de longe avistou a capital. Nesta época, se
consolidava a vocação desta área, como sede do promissor processo de
industrialização da cidade. Em outro trecho metafórico, a anatomia descrita pelo
viajante parece reafirmar alguns destinos e ocupações que permaneceram: ”o
casario recobre as encostas como um manto variegado em cujas franjas os
armazéns, os barracões e as pontes marítimas (trapiches), descem sobre a parte
baixa até o cais.“
111
Assim, no início do século XX,os passageiros que chegavam à cidade, via
fluvial, logo descortinavam a via que se estendia desde o centro, a partir da Praça
XV e cais do porto, até Navegantes e rumo ao interior:
Figura 8 - Cartão postal de 1908, mostrando os inúmeros trapiches que avançam sobre o Guaíba.
Fonte: Cartão Postal pertencente ao acervo pessoal da família Ely.
110
NOAL Filho,Valter Antônio;FRANCO,Sérgio da Costa.Os viajantes olham Porto Alegre: 1890-
1941. Santa Maria: Anaterra,2004,p.127. Este trecho foi extraído pelos autores, de uma publicação de
1907, O Brazil actual , escrita pelo viajante Arthur Dias.
111
Ibid,p.126
56
Figura 9 - Trapiche e depósito da firma Schwartz, Homrich & Cia., localizada na Voluntários da
Pátria nas proximidades da rua Ernesto Alves.
Fonte: COSTA,1922,op.cit.p. 284.
Desde a sua abertura, a a década de 1940, a Voluntários da Pátria
permaneceu sendo o principal local de passagem entre o núcleo central e o interior
na direção norte, quando então perdeu esta primazia para a nova avenida Farrapos.
Ao longo do seu trajeto, diversas foram as formas de ocupação espacial que a
caracterizaram.
Até as proximidades da Ramiro Barcelos havia uma maior densificação
comercial, em cujas proximidades concentraram-se os armazéns que exerciam as
funções de comércio de importação e exportação, depósitos e trapiches;e em
direção à Navegantes, os estabelecimentos industriais, tornando-se uma das
principais vias porto-alegrenses de então.
Esta foi a percepção de outro viajante, no início do século XX, quando fez
um passeio pela Voluntários da Pátria e a descreveu detalhadamente, ocupando-se
com a organização, características e importância das suas edificações. O visitante
era o italiano Buccelli, que, em 1906, considerou-a “uma das mais interessantes da
capital” e entusiasmou-se com a diversidade de seus estabelecimentos fabris e de
comércio de intermediação colonial.
112
Através de Buccelli é possível se constatar a
112
BUCCELLI,Vittorio. Un Viaggio a Rio Grande del Sud. Milão: Pallestrini,1906,p.87,88.
57
multiplicidade e qualificação de algumas indústrias desta época e uma certa
dificuldade encontrada pelo viajante em descrever a sua totalidade: “seria
impossível, porque exigiria muito volume, a descrição completa de todos os edifícios
industriais que se encontram ao longo desta rua.” Observou também o grande
número de chácaras que, com sua produção, abasteciam a cidade de frutas e
hortaliças, visualizou o então hipódromo de Navegantes, bem como as plantações
de arroz junto à várzea do Gravataí.
113
Após a visita de Buccelli, a cidade continuou evoluindo na direção do seu
lado Norte, onde o emergente setor instalado na rua Voluntários da Pátria e
imediações gerou considerável oferta de empregos. Desta forma, tornou-se local de
atração de grande contingente migratório, destacando-se alemães, italianos e os do
leste europeu, bem como do interior do estado.
114
Para certos viajantes que visitavam a cidade, chamava a atenção a
influência de alguns grupos de estrangeiros, principalmente os alemães. No início do
século, Emil Landenberger admirava-se com o grande número de lojas e armazéns
que, através de seus letreiros, identificavam nomes de origem germânica.
115
O
quarteirão, onde preferencialmente se encontravam os alemães, era identificado
pelo padre Theodor Amstad através dos limites das ”quatro linhas de bonde,
Navegantes, São João, Floresta e Independência e as ruas que nelas
desembocam”, bem como os numerosos empreendimentos existentes na cidade,
“mais evidentes nos bairros industriais por excelência de Navegantes e São João”.
116
Mondin observou que desde a sua origem o 4º. Distrito tornou-se
“cosmopolita”. As indústrias atraíram primeiramente os alemães, juntando-se a eles
113
Ibid,p.96. O hipódromo destacado pelo viajante, localizava-se nos terrenos onde posteriormente
instalou-se a fábrica Renner. Neste sentido ver:Sanhudo,1961,op.cit.p.265,266.
114
São reduzidos os levantamentos e pesquisas acerca da efetiva atuação dos diversos grupos
étnicos na área do Quarto Distrito.
Sobre as vivências destes grupos étnicos ver:
CONSTANTINO,Núncia Santoro de. “A polifonia do bairro:4º. Distrito(Porto Alegre)-
história/memória”.História/Unisinos.mero Especial:ll Encontro Regional-Sul de História
Oral/ABHO.São Leopoldo: UNISINOS,2002.
______________________________________”Espaço urbano e imigrantes:Porto Alegre na virada
do século”.Estudos Ibero-Americanos.Porto Alegre: PUCRS,v.24,n1,jun.1998.
115
NOAL FILHO,2004,op.cit.,p.213.
116
Ibid,p.181, 182.
58
os italianos, poloneses, árabes e, em menor escala, os espanhóis, austríacos e
israelitas. Destaca a presença de muitos portugueses e o fato de que em uma
mesma quadra do bairro, conviviam moradores de diversas etnias.
117
Constantino
testemunha que a concentração de estrangeiros do 4º. Distrito tornou-o um “espaço
polifônico” e que o lugar soube ensinar o sentido das diferenças.
118
O crescimento da oferta de emprego e a condição de morar próximo das
fábricas levou a um processo de desmembramento de antigas chácaras, abertura de
ruas e ao lançamento de loteamentos, justificando-se a formação de um bairro
operário de múltiplas etnias. As restrições de mobilidade ainda faziam com que
moradia e trabalho não fossem segregados.
Neste sentido, no final do século XIX, mais precisamente em 1895, a
Empresa Territorial Porto-alegrense iniciou os trabalhos de loteamento em áreas do
4º. Distrito, através da abertura de ruas de chão batido, obedecendo à regularidade
do traçado xadrez do plano que lhe deu origem. O Caminho Novo e a futura rua do
Parque, constituíam as opções de acesso ao lugar, sendo que a região da praça dos
Navegantes era coberta por mata espessa, cujos vestígios ainda permaneceram até
a década de 1920.
119
Outras chácaras se instalaram nos quarteirões e nos espaços
maiores. Nas primeiras décadas do século XX havia pelo menos três chácaras no
centro do bairro, sendo que as maiores localizavam-se nas proximidades da rua
Dona Margarida. Tambos de leite, gado pastando e a presença de pequenos açudes
repletos de traíras, davam um ar bucólico ao bairro. Aos poucos a comunidade foi
crescendo, com o surgimento de fábricas, algumas vizinhas dos tambos, e a
construção das moradias.
120
Mais tarde, em 1930, outro viajante, Domenico Bartolotti, observou a extensa
e pitoresca zona suburbana dos bairros Navegantes e São João, lhe parecendo
117
MONDIN,1987,op.cit.,p.59.
118
CONSTANTINO,2002,op.cit.,p.227.
119
A origem da área da praça dos Navegantes remonta ao ano de 1875, quando Dona Margarida
Teixeira de Paiva, doou parte de sua propriedade situada na Voluntários da Pátria esquina Sertório,
para a construção de uma igreja em homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes.Com a igreja
surgiu a praça, um dos pontos de referência importantes da área.
A capela foi concluída em 1897 e somente em 1919 tornou-se paróquia. Posteriormente, a chácara
de Dona Margarida foi loteada por seus herdeiros. FRANCO,Sergio da Costa.Porto Alegre, Guia
Histórico.Porto Alegre: editora da Universidade,1992,p.289.
120
MONDIN,1987,op. cit, p.17,77.
59
terem “surgidos pouco, num terreno pantanoso e de bosque, agora corrigido e
transformado em hortas, pomares e jardins”.
121
Figura 10 - Vista das imediações do edifício Ely, na esquina da Conceição com a Voluntários da
Pátria, antes da abertura da avenida Farrapos. Próximo a edificação (ao fundo) evidenciam-se
diversos elementos que caracterizam uma área rural.
Fonte: Foto pertencente ao acervo pessoal da família Ely.
Em alguns trechos de suas memórias Mondin deixa muito claro a tênue
fronteira que separava a área urbana da rural ou seja, a quadrícula correspondente
ao traçado do loteamento e seu entorno.A começar pelas próprias ruas, que até a
década de 1920, mantinham, segundo o autor, ”um aspecto aldeão, um agreste
tranqüilo”. Comenta que o coração do bairro era cortado pela avenida Brasil, mas
seu traçado não eliminou muitos açudes onde os garotos nadavam e pescavam.
Descreve detalhando certos lugares e acontecimentos que, durante algum tempo,
identificaram sua condição de fronteira híbrida entre a cidade e o campo, como a
permanência de alguns matagais, como o mato do “Guerreiro”, na direção leste, que
pouco resistiu aos arruamentos, o do “Fontoura”, nas proximidades da rua Ernesto
Fontoura, onde, até o avanço das construções, era possível caçar com tranquilidade
e, por fim, o do “Antero”, verdadeira floresta, que se prolongava para o lado norte.
Lamenta que o desenvolvimento, que se estendeu em todas as direções, tenha
121
NOAL FILHO,2004,op. cit.,p. 198.
60
acarretado a derrubada de diversas árvores, algumas seculares, desfigurando
completamente o antigo contexto.
122
Figura 11 - Esquema da área atingida por infra-estrutura e canalizações de água, esgoto e gás,
em 1916, elaborado pela equipe do GEDURB, sob a coordenação da professora Célia Ferraz
de Souza.
Fonte: PESAVENTO, S. O espetáculo da rua.Porto Alegre: Ed. da Universidade,UFRGS,1996,
p. 61.
Por outro lado, foram grandes as dificuldades enfrentadas pelo subúrbio, que
Mondin chama de burgo sem água”, que até meados da década de 1920, ainda
não possuía rede pública de água . Chácaras e hortas, típicas da região, eram
regadas pelas águas salobras dos poços. Fontes supriam as necessidades de água
potável, sendo que esta era distribuída por “pipeiros”. Para cozinhar, os moradores
tinham que buscar as águas dos chafarizes, que em número de três, abasteciam o
bairro. Os chafarizes do 4º. Distrito representaram uma época bucólica do bairro,
ainda com baixa densidade demográfica. Para a lavagem das roupas, a opção era
mesmo o Guaíba, generosamente denominado pelo autor de o “grande tanque do
povo”. Lavadeiras e donas de casa diariamente frequentavam o longo trecho de
122
MONDIN,1987,op. cit.,p. 20,21. O autor comenta que nesta época, as ruas eram ladeadas de valos
que funcionavam como receptáculo das águas pluviais. Ibid,p.23.
61
“praia” entre a avenida Brasil e a Praça dos Navegantes. Entretanto, quando o cais
se estendeu até Navegantes, “apagaram-se os derradeiros vestígios da praia
caipira” : a pesca de lambaris pelos garotos, a comercialização de frutas e outros
alimentos pelas pequenas embarcações que ali atracavam e a confraternização das
lavadeiras ao amanhecer.
123
Curiosamente, a “praia caipira”, que também era um
lugar muito frequentado por banhistas, algumas vezes causava incômodos aos
moradores, conforme a coluna de “queixas e reclamações” de um jornal da cidade,
no início da década de 1930:
Pessoa residente no arraial de Navegantes,pede que reclamemos contra os
abusos que cometem certos banhistas que, nas margens do Guahyba,
apparecem com roupas impróprias attentando contra a tranquillidade das
famílias que residem nas proximidades daquelle local.
124
Através das notícias veiculadas em jornais da época, pode-se, também, ter
uma idéia da persistência dos problemas do distrito operário. Seus habitantes
sofriam inúmeras dificuldades, entre elas, a premente necessidade de rede de
esgotos pluviais para solucionar os constantes alagamentos e o problema crônico
das enchentes periódicas
125
, sempre muito danosas:
Outro bairro que também sofreu a influencia perniciosa da inundação foi o
arrabalde fabril da cidade. Com o nivelamento das ruas em plano inferior a
superfície do Guahyba, basta que chova algumas horas e sopre o vento do
quadrante sul,para que Navegantes vire em Veneza rio-grandense(...).
De todas as ruas que acabamos de citar, uma merece especial menção: é a
avenida Eduardo, onde se acha localisado não só o commercio mais
importante do districto, como as mais importantes casas de diversos ramos
de negócios, entre ellas cafés, bilhares,bars e o Cine Theatro Thalia, que é
por occasião das inundações, o que mais sofre,por se ver absolutamente
ilhado e sem outros meios de communicação que não os que a necessidade
engendra. É bastante cair qualquer aguaceiro para que aquella avenida seja
totalmente alagada, causando prejuízos de não pequena monta ao
commercio varejista ali situado.
126
Em 1931, o mesmo Diário de Notícias publicou um manifesto dos
proprietários da rua São Pedro, uma das mais importantes artérias daquele lugar,
123
Ibid, p.47,107,108.
124
DIÁRIO DE NOTÍCIAS.Porto Alegre, 2 de Janeiro de 1931,p. 10.
125
As piores enchentes periódicas foram as de 1873,1905,1912,1914,1926,1928,1936 e
principalmente a de 1941.
126
DIÁRIO DE NOTÍCIAS.Porto Alegre,2 de setembro de 1930,p.7.
62
para o prefeito Alberto Bins, alertando-o para o estado em que se encontravam suas
valetas, de 2 a 3 metros de largura por 1 a 2 metros de profundidade, e a
necessidade de urgente saneamento do local :
(...)são uma verdadeira incubadora de mosquitos e um grande depósito de
lixo e animaes mortos. O mao cheiro que exhala daquelas valletas,
constitue uma constante ameaça à saúde pública. Em épocas de chuva,
essas valletas enchem-se de água, impedindo que moradores ingressem
nas suas casas ou dellas possam sair.
127
No tocante às instalações do porto da cidade, foram decorrentes de
sucessivos aterros nas margens do Guaíba, que alteraram consubstancialmente a
estrutura urbana da capital e sua fisionomia. As primeiras ruas aterradas foram a rua
da Praia( Andradas),a rua Nova da Praia(7 de setembro) e o Caminho Novo.
128
Os
avanços sob o Guaíba foram sucessivos, iniciando no seu lado de maior
crescimento, o norte. O desenvolvimento da cidade exigiu novos equipamentos e
para atender a estas demandas, os aterros prosseguiram.
127
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Porto Alegre,7 de Janeiro de 1931,p.8.
128
MACEDO,1968,op. cit.,p. 93,94.
63
Figura 12 - Rua Voluntários da Pátria, construção do Cais,1911.
Fonte: PESAVENTO, 1996,op.cit.,p.47.
Entre 1912 e 1941, as margens do Guaíba continuaram a se alterar, com a
construção progressiva do cais e infraestrutura necessária. Foram desse período as
construções das avenidas Júlio de Castilhos e Mauá. De 1941 até a década de
1970, prosseguiram as obras de prolongamento do cais em direção à Navegantes.
Nesta época, foram edificadas a nova Estação Rodoviária, a Travessia Getúlio
Vargas e a avenida Castelo Branco.
O movimento do Porto da capital era crescente no início do século XX e
se faziam necessárias benfeitorias e infraestrutura adequada. Como visto, eram
usuais, nas edificações da Voluntários da Pátria que faziam fundo com o Guaíba, as
instalações de trapiches particulares que avançavam pelo Guaíba.
129
Por outro lado,
era do interesse do governo estadual eliminar os entraves à modernização,
solucionando problemas de circulação de mercadorias e propiciando o crescimento
dos diversos setores produtivos.
130
Assim, em 1911 foi iniciado o projeto que previa a construção do cais da
praça da Alfândega. Franco sintetiza o processo gradual de implantação que, em
129
MATTAR,2001,op.cit.,p.67.
130
PESAVENTO,1988,op. cit.,p.105.
64
1921, previa a construção de 5700m de cais comercial subdivididos em setores:cais
de longo curso, desde a praça da Harmonia até a praça da Alfândega;cais de
cabotagem,da praça da Alfândega aa rua Garibaldi;e cais fluvial,desde a rua 7 de
Abril aa Sertório.
131
Em 1936 foi concluído o entreposto-frigorífico. Este processo
estendeu-se por sucessivas administrações. Entre 1947 e 49, as motivações eram
as obras de proteção contra enchentes e a construção do Cais Navegantes. Na
década seguinte, foi a vez do cais Marcílio Dias e, somente em 1962, foram
entregues os armazéns e demais infraestruturas.
132
Figura 13 - Área aterrada a partir da Voluntários da Pátria, para instalações portuárias,
em imagem da década de 1950.
Fonte: Acervo fotográfico da Associação dos Amigos do 4º. Distrito.
A história do 4º. Distrito, assim como da rua Voluntários da Pátria, esteve
muito ligada ao Porto da cidade, já que o comércio e as indústrias instalados na área
dependiam da movimentação dos navios. A sucessão de aterros, provenientes do
processo de instalação portuária, acabou causando profundas alterações na
fisionomia da área, pois formou-se uma extensa faixa que isolou definitivamente a
rua do Guaíba.
131
FRANCO,Sérgio da Costa.Porto Alegre e seu comércio.Porto Alegre:Associação Comercial de
Porto Alegre,1983,p.134.
132
Ibid, p.183,184.
65
Por fim, a conclusão das obras portuárias haveriam de coincidir com fatores
como a decadência da navegação, desorganização dos serviços portuários e
advento dos transportes rodoviários. Franco também atribui o esvaziamento do porto
da capital à construção do super-porto de Rio Grande e às novas tecnologias de
escoamento das safras agrícolas, que modificaram a função de entreposto comercial
da navegação fluvial.
133
Além das modificações acarretadas pelo porto, outras obras causaram
alterações na paisagem bucólica do 4º. Distrito. Mondin lembra com nostalgia da
avenida Minas Gerais, cujo traçado terminava na rua João Inácio, local repleto de
chácaras e tambos. Lamenta, utilizando palavras intensas, o progresso que
desfigurou a área através da implantação da longa e larga avenida Farrapos, que
acabou “apagando a avenida Minas Gerais e depois, violentando aquele
microcosmo rural”.
134
Durante algum tempo, ruas e lugares do . Distrito mantiveram
características e personagens que denunciavam seu comprometimento com um tipo
de cultura peculiar daquela sociedade. A rua de arrabalde era heterogênea, lugar
público privilegiado onde as diferenças sociais se dissipavam, espaço de liberdade e
de cidadania que a mistura social propiciava e onde ocorriam as mais variadas
formas de comunicação e vivências.
Deste modo, no transcorrer das décadas de 1930 e 1940, Porto Alegre
apresentava um quadro cultural e social heterogêneo. De um lado, uma população
que, influenciada pelos novos ritmos da metrópole, incorporava padrões e
identidades culturais específicas; de outro, um universo popular e provinciano, que
resistia às mudanças da cidade cosmopolita, mantendo hábitos e valores de um
passado não tão remoto, bem diagnosticado pelo urbanista Ubatuba de Farias:
É Porto Alegre uma vila grande. Afora uma elite restrita, os hábitos
provincianos se traduzem através dos costumes da população que
transforma as vias públicas em coadouros e os passeios em salas de estar.
Nas noites de estio as cadeiras sobre as calçadas, acomodam grupos,
entretidos em conversas prolongadas, pela noite a dentro. O traje habitual
133
Ibid,p. 185.
134
MONDIN,1987,op. cit.,p.20
66
das donas de casa é o camisolão e não se vexam de assim atenderem a
porta ou de aparecerem à rua.
135
Esta dicotomia da cidade nessas décadas, foi muito bem percebido em
textos literários, como os de Érico Veríssimo. Romances urbanos como Caminhos
Cruzados de 1935, também podem revelar o caráter sugestivo desse quadro difuso.
Ao identificar lugar e habitante, o autor descreve elementos reais, isto é, perceptíveis
fisicamente, e suas significações sociais enquanto representações. Assim, faz um
contraponto que coloca a narrativa dividida em dois lados socialmente opostos,
sendo uma típica rua suburbana o cenário escolhido para as mais variadas ações do
grupo dos personagens pobres. Desta forma, mostra o tipo de vivência característico
de relações de sociabilidades baseadas em uma vida comunitária, onde moradores
estabelecem vínculos de proximidade:
A carroça do padeiro passa estrondando, fazendo tremer a quietude da
cidade afundada(...). D. Veva acendeu o lampião e vai acordar o marido,
que tem de tomar o primeiro bonde. No mercadinho de frutas,Said Maluf
abre a porta dos fundos para apanhar a garrafa de leite. Na casa do alfaiate
espanhol chora o filho mais moço.Na meia-água vizinha, o capitão Mota
toma o chimarrão na varanda, em mangas de camisa(...).Fiorello abriu a
sapataria e enquanto ferve a água para o café, o italiano bate sola, bate
sola (...).Um trem apita. Um galo canta.
136
Veríssimo usa cenários de Porto Alegre como pano de fundo, construindo o
imaginário desta diversidade. A polarização é feita com os personagens que
identificavam a moderna urbe, representados pelas novas elites e seus hábitos
cosmopolitas. Eram os habitantes da parte alta da cidade, de cuja topografia real
avistava-se o mundo das margens e dos subúrbios próximos ao Guaíba. Daquela
perspectiva, o autor reproduz uma paisagem encantadora, na qual a realidade se
aproxima da ficção: ”Lá embaixo brilham as luzes da cidade, que sobe para o céu
noturno numa poeira de ouro. O rio é uma chapa de aço.Piscam luzes na silhueta
negra das ilhas.”
137
A história das cidades é a história das tensões, das diferenças, dos tempos
descontínuos e dos lugares plurais. E esta diversidade expressa na sua paisagem,
135
PORTO ALEGRE : BIOGRAFIA D‟UMA CIDADE.Álvaro Franco(org.). Porto Alegre,
Tipografia do centro, 1940, p. 353.
136
VERISSIMO, Érico.Caminhos Cruzados. São Paulo:Cia das Letrs,2005,p.25.
137
Ibid,p. 52.
67
na riqueza e multiplicidade percebidas na atmosfera peculiar das suas ruas e
bairros, nos permite compreender melhor os diferentes momentos do seu
desenvolvimento.
Ao identificar que o propósito existencial da arquitetura é “fazer um sítio
tornar-se um lugar” e revelar seus “significados presentes de modo latente”,
Norberg-Schulz considera que lugar é algo mais do que uma mera localização
espacial.
138
Assim, o reconhecimento da produção das experiências humanas
processadas em um determinado lugar e que lhe atribui qualidade e identidade,
conduz o olhar à cidade e mais precisamente a área em estudo, através de partes
ou fragmentos, no entanto sem sacrificar o todo. Porque cidades, como afirma
Rossi, são vistas precisamente através das suas partes, como sendo “um conjunto
constituído por tantos bocados em si completos“.
139
138
NORBERG-SCHULZ,2006,op.cit.,p.449,454.
139
ROSSI, 1977, op. cit.,p.12,13.
68
3 UM FRAGMENTO
140
3.1 INTRODUÇÃO
Colin Rowe e Fred Koetter publicaram em 1978, o livro intitulado Cidade
Colagem (Collage City), onde desenvolveram uma das teorias urbanas norte-
americanas de maior prestígio na época. Influenciados pelos escritos do filósofo Karl
Popper, no que toca à defesa de concepções antitotalitárias, ou seja, que evitem
“modelos coercitivos e totalizantes”, esses arquitetos fizeram uma revisão crítica dos
padrões urbanísticos vigentes na época, utilizando um método fragmentário como
solução e a noção de colagem como técnica.
141
Dessa forma, os autores argumentam e negam as grandes planificações
propostas pela urbanística moderna, em prol da denominada “cidade colagem”,
utilizando uma estratégia que se baseia na dialética entre a “utopia como metáfora y
Collage City como prescripción; estos puntos opuestos que implican las garantias a
la vez de ley y de libertad”. O conceito desenvolvido por eles, sugere que a colagem
poderia ser uma estratégia que “al soportar la ilusión utópica de la invariabilidad y el
destino alimentase una realidad de cambio, movimiento, acción e história”.
142
O território do 4º. Distrito, com fronteiras que se estendiam por diversos
bairros, como visto anteriormente, tornou-se conhecido como “bairro cidade”
143
,
140
Fragmento, utilizando a idéia de cidade colagem de : ROWE,Colin & KOETTER,Fred.Ciudad
Collage.Barcelona:Editorial Gustavo Gili,1998.
141
NESBITT,Kate(org.).Uma nova agenda para a arquitetura. São Paulo:
COSACNAIFY, 2006,p.293.
Nesta época, alguns pesquisadores concluíram que a arquitetura moderna havia invertido a
proporção entre espaço livre e construído, produzindo resultados desastrosos no nível da rua, no
entanto, convenientes aos automóveis. Desta forma , a crítica se voltava para estas áreas
desabitadas, que careciam de características de fechamento e de escala humana, como as das
cidades européias da era pré-moderna. Ibid,p.293.
142
ROWE & KOETTER,1998,p.145,177.
143
Esta era uma denominação muito usual para o 4º. Distrito, e encontrado nos seguintes textos:
DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ESTATÍSTICA.Vida e alma de uma cidade-retrato de corpo inteiro
do quarto distrito.Porto Alegre,junho de 1959, p.7.
ANDRÉ,Alberto.São João, sua fundação e desenvolvimento histórico.Jornal Fala São João.Porto
Alegre, n.6,p.4,jun.1999.
SANHUDO, op.cit., 1961,p.248.
69
denominação que provavelmente não abrangia toda a sua área, sem contudo ter
uma delimitação oficial. Por suas inerentes qualidades, sua extensa área configurou
um núcleo que reuniu um conjunto de características e elementos singulares, que
pode ser destacado como um fragmento de uma totalidade, em si quase completo,
entretanto, incluso e articulado ao restante da estrutura urbana da cidade.
Uma série de transformações ocorridas neste território, associadas à idéia
de modernidade e progresso, acarretaram alterações na sua morfologia urbana. Na
época da sua implantação, a larga avenida Farrapos (1940) ocasionou uma
mudança radical na paisagem local, pois sendo traçada no “centro do bairro
industrial”
144
, de certa forma tornou-se um grande divisor na área do antigo 4º.
Distrito. Outras cirurgias urbanas efetuadas nas décadas seguintes deixaram marcas
visíveis na sua fisionomia, como a construção da Travessia Getúlio Vargas(1958)
que, conduzindo o tráfego através da avenida Sertório, transformou os territórios
adjacentes, e descaracterizou antigos sítios, como a tradicional praça (dos
Navegantes) e o santuário de Nossa Senhora dos Navegantes. Outro fator que
originou uma mudança radical na paisagem evidencia-se no cruzamento das ruas
Voluntários da tria e Conceição. A intervenção originada pela inserção do
complexo viário tornou inevitável o seccionamento do antigo Caminho Novo, criou
fortes barreiras através da elevação do nível das pistas e descaracterizou antigos
prédios, como o edifício Ely. Soma-se a essa série de alterações as instalações do
Porto, que motivaram a exigência de sucessivos aterros para sua viabilização e a
avenida Castelo Branco que, situada sobre um dique de proteção contra enchentes,
assumiu uma posição mais alta em relação ao seu entorno. Assim, tornou-se
inevitável o gradual e definitivo afastamento entre a rua Voluntários da Pátria e o
Guaíba, no passado parte integrante da mesma.
145
Nos dois últimos textos, há referências elogiosas a figura do vereador Aloísio Filho, “indiscutivelmente
um dos vultos mais significativos dessa zona da cidade.” SANHUDO,1961,p.248.
144
Neste sentido ver: PAIVA,Edvaldo Pereira; SILVA,José Loureiro da. Um Plano de
Urbanização.Porto Alegre: Livraria do Globo, 1943.
145
Neste sentido ver: MATTAR, 2001,op.cit.,p. 316,330.
70
Figura 14 - Delimitação da área em estudo. Fonte: MAPA.BMP. Altura: 680 pixels.
Largura: 539 pixels. RGB. 1,04mb.
Formato BITMAP. ADAPTADO PELA AUTORA DE Google maps/Porto Alegre São
Geraldo). Acesso em julho de 2010.
As diversas mudanças sofridas ao longo de décadas acabaram criando
fronteiras, fragmentando, separando e especializando territórios. Ficaram na
lembrança antigas vivências:
Agora, a engenharia construiu muradas, aterrou espaços e a visão de
outrora entrou em agonia. Já não se anda de bonde margeando o rio,
gozando-lhe a quietude matinal, refletindo a ilha fronteira, as embarcações
71
preguiçosas espelhando-se nas águas, porque o Guaíba ficou lá atrás,
aprisionado, oculto.
146
Considerando-se a idéia de cidade como um somatório de diversas partes
que se consolidam através da sobreposição de múltiplos tempos, o perímetro
resultante das referidas intervenções, originou uma área que pode ser destacada
como um outro “fragmento”, para fazer uma analogia à “cidade colagem” de Colin
Rowe
147
, que admite ver o espaço urbano como uma colagem de partes; um
fragmento que se articula e se integra ao todo, mas, também, um reduto de
inerentes complexidades e particularidades que, por sua relativa autonomia, em
certos momentos se mostra segregado.
A colagem de fragmentos permite fazer uma leitura do “bairro cidade”, a
partir do grau de autonomia e pluralidade da sua área, remetendo-nos a refletir
sobre a idéia de Le Goff e as permanências dos centros das cidades, quando o autor
diz que “se o centro perde em energia, ganha em prestígio; é que ele permite ver
num relance a cidade: sua beleza o resume.Tal como a heráldica resume o destino
de uma família”
148
.
Assim, pode-se identificar na idéia de fragmento, outras centralidades, que,
através dos seus espaços e edificações, reúnem a essência do conjunto, composto
de permanências e de sobreposições de diversos estratos que moldaram sua
história e o processo de produção humana, expresso nas manifestações formais
reveladoras de uma identidade própria.
Os estratos são, na verdade, resultados das atividades de gerações que
agiram sobre o espaço, modificando-o e tornando-o um produto cada vez mais
distante do meio natural. Assim, constitui-se em uma criação humana, um produto
social não existente a priori, criado e transformado à medida que a sociedade se
desenvolve.
149
Retomando a idéia de lugar, no que tange às questões relativas à
antropologia urbana, Magnani usa as expressões “pedaço”, “mancha” e “circuito”,
146
MONDIN,1987,op.cit.,p.140.
147
ROWE,1998,op.cit.
148
LE GOFF,Jaques.Por amor à cidades.São Paulo:Fundação Ed. Da UNESP, 1998,p.153.
149
CARLOS,Ana Fani.A cidade.o Paulo:Contexto,1992,p.31.
72
para distinguir categorias no âmbito das diversas escalas urbanas. Assim, “pedaço”
identifica o espaço demarcado e transformado em ponto de referência e de distinção
de determinado grupo, no qual “se tece a trama do cotidiano”.
150
Na lógica das
ações do dia-a-dia, as ruas assumem importante papel entre as diversas formas de
ocupação do lugar, pois:
(...)servem como referenciais definidores dos limites de um determinado
território. São também unidades de alto significado para quem sabe
reconhecê-las. Estruturam um continente, mapeiam e organizam o seu
conteúdo. Sustentam uma contradição, ao evocarem um modo de vida para
o qual funcionam como emblema e rótulo(....).Uma rua é um universo de
múltiplos eventos e relações.
151
Certeau interpreta os significados do lugar através da análise das práticas do
cotidiano. Para o autor, estas práticas podem ser registradas segundo os
“comportamentos”, visíveis no espaço social da rua, ou os “benefícios simbólicos”,
que se espera obter pela maneira de “se portar” no espaço do bairro, lugar onde as
manifestações de “engajamento” social são mais visíveis.
152
Assim, bairro é:
(...)um domínio do ambiente social, pois ele constitui para o usuário uma
parcela conhecida do espaço urbano na qual, positiva ou negativamente,
ele se sente reconhecido. Pode-se então apreender o bairro como esta
porção do espaço público em geral (anônimo, de todo o mundo) em que se
insinua pouco a pouco um espaço privado particularizado pelo fato do uso
quase cotidiano desse espaço.
153
Reconhecendo as inúmeras dimensões envolvidas na definição de bairro e
sua complexidade enquanto prática cultural, o autor configura seu espaço no :
(...)domínio onde a relação espaço/tempo é a mais favorável para um
usuário que deseja deslocar-se por ele a saindo de casa. Por
conseguinte, é o pedaço de cidade atravessado por um limite distinguindo o
espaço privado do espaço público: é o que resulta de uma caminhada, da
sucessão de passos numa calçada,pouco a pouco significada pelo seu
vínculo orgânico com a residência (....).O bairro constitui o termo médio de
uma dialética existencial entre o dentro e o fora.
154
150
MAGNANI,José Guilherme Cantor. “Quando o campo é a cidade. Fazendo antropologia na
metrópole.” In: MAGNANI,J.G.& TORRES,L.(org.).Na Metrópole.São Paulo: EDUSP,1996,p.32.
151
VOGEL,Arno et Alii.Quando a rua vira casa.Rio de Janeiro:FINEP/IBAM,1982,p.23,24.
Sobre a casa e a rua como Antíteses nos domínios do social, ver: DA MATTA, Roberto.A casa e a
rua. Rio de Janeiro: Guanabara,1987.
152
CERTAU,Michel de. A invenção do cotidiano:2. Morar,Acozinhar.Rio de Janeiro: Vozes,
1994,p.38,39.
153
Ibid,p.40
154
Ibid, p 41,42.
73
Algumas vezes a dimensão do bairro pode englobar a totalidade da vila, ou
da própria cidade. Tendo em vista a necessidade de ordenamento de vastos
territórios urbanos, a forma da cidade é compreendida através da sucessão e
estruturação de formas de dimensões setoriais, isto é, os elementos morfológicos
organizados em sequência.
155
Por outro lado, atualmente, em face da ameaça ambiental para a ecologia do
planeta, representada pelas grandes cidades, arquitetos e urbanistas vêem
positivamente a idéia de crescimento e expansão baseada no padrão policêntrico”
e no fortalecimento de núcleos de vizinhanças mais compactos e sustentáveis.
156
Neste sentido, Rogers considera a habitação uma das chaves para a consolidação
de diversos bairros de Londres. Sugere como forma de recuperação de regiões
abandonadas da cidade e seu crescimento sustentável, a criação de comunidades
de “áreas densas, compactas e multifuncionais em torno de núcleos de transporte
público”.
157
Mudanças nos modos de vida das sociedades e a maior mobilidade advinda
dos meios de transporte, especialmente do automóvel, incentivaram grandes
expansões urbanas e a viabilidade de um padrão baseado na segregação de usos.
Um conceito radicalmente diferente do atual modelo dominante - o de
desenvolvimento monofuncional, onde a cidade é dividida em zonas - é a idéia de
cidade compacta que inclui sobreposição e complexidade, ou seja, “uma cidade
densa e socialmente diversificada onde as atividades econômicas e sociais se
sobreponham e onde as comunidades são concentradas em torno das unidades de
vizinhança.”
158
Contribuições como a de Rogers para cidades mais sustentáveis levam em
consideração a redução no uso do automóvel - “o principal responsável pela
deterioração da coesa estrutura social da cidade”
159
- a diminuição de percursos
155
LAMAS,José M.R.G.Morfologia Urbana e Desenho da Cidade.Lisboa:Fundação Caloute
Gulbenkian-Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1993,p.74,76.
156
ROGERS,Richard.Cidades para um pequeno planeta.Barcelona: Editorial Gustavo
Gili,2008,p.113.
157
Ibid,p.118.
158
Ibid,p.33.
159
Ibid,p.35.
74
para atividades básicas do cotidiano e da energia em geral. Neste caso, são vistas
positivamente as iniciativas que prevêem núcleos mais compactos com tipologias de
uso misto( residência, escritórios, lojas e outras funções) propiciando um maior
aproveitamento energético e estimulando uma maior vitalidade urbana.
Nos últimos anos, algumas ações têm procurado aumentar a vitalidade de
determinadas áreas e o sentimento de comunidade, através do incentivo à
diversidade funcional; do mesmo modo, estratégias visando melhorar as condições
físicas e ambientais, o comércio de rua e o estímulo a serviços que propiciem
sustento de uma população, ou seja, muitas das vivências já praticadas antigamente
em bairros das cidades.
Assim, a busca de subsídios da natureza morfológica e funcional da área em
questão são fundamentais para o entendimento da sua formação, estruturação e
produção dos seus espaços. Como sevisto a seguir, a disposição retilínea que
obedece o modelo de traçado xadrez, mas alternando quarteirões de dimensões
maiores e menores, foi o substrato para a construção de um miscigenado repertório
de formas e usos que representaram a efetiva realização das exigências daquela
comunidade.
3.2 CHÁCARAS E LOTEAMENTOS
A primeira planta de Porto Alegre, elaborada pelo capitão Montanha em
1772, mostra que, fora dos limites da península central, haviam quatro acessos, os
então denominados caminhos: da Azenha, do Meio, do Passo da Areia e o Caminho
Novo, que, margeando o Guaíba, era o único que não terminava no portão(ainda
inexistente, nesta época) que veio a se tornar a entrada da cidade. Como se sabe,
durante muito tempo o Caminho Novo funcionou como elo de ligação entre a região
central, as chácaras situadas à beira do Guaíba e a Várzea do Gravataí. Alterações
significativas na sua estrutura, começaram a se intensificar com a chegada dos
colonos alemães em 1824 e o consequente surgimento das primeiras aglomerações
que gradativamente deram origem ao arraial de Navegantes.
75
Figura 15 - Planta de Porto Alegre (1772) reproduzida por Clovis Silveira de Oliveira.
Fonte: OLIVEIRA,Clovis S. de. Porto Alegre. A cidade e sua formação. Porto Alegre: Norma,
1985,p.28,29.
Posteriormente, na planta de L.P. Dias de 1839, ainda na época da
Revolução Farroupilha, é possível se observar que a área do Caminho Novo ainda
permanecia uma praia. Conforme levantamento espacial das famílias existentes na
cidade em 1822, Franco verificou que a cidade “continha-se entre a Rua da Praia e a
foz do Riacho, entre a Santa Casa em construção e a Praia do Arsenal”. A partir de
1840, com o cessar do sítio dos Farroupilhas, novos arruamentos começaram a ser
definidos fora do âmbito da península central através da fixação de uma série de
alinhamentos. Neste caso, a Câmara Municipal colocava em prática e definia novos
rumos no tocante às conquistas dos espaços suburbanos e, ao mesmo tempo,
induzia o desenvolvimento das décadas seguintes.
160
160
FRANCO,Sérgio da Costa. Gente e espaços de Porto Alegre.Porto Alegre, Editora da
Universidade,2000,p.55, 56,57.
76
Figura 16 - Porto Alegre e seus caminhos.
Fonte: SOUZA & MÜLLER,op.cit., 1997,p. 74.
A expansão do sistema viário da cidade realizou-se ao longo dos antigos
caminhos que posteriormente deram origem aos arraiais. Esta característica, que
marcou a evolução urbana de Porto Alegre, mostrava evidências na planta de
1888, do engenheiro João Cândido Jacques que, com o advento do transporte
coletivo de tração animal para os bairros Menino Deus, Partenon e o próprio
Navegantes, acrescentou considerável área edificada às periferias dos arrabaldes
da capital. Nesta época, a população urbana estimada era de 35 912 pessoas
habitando em 5 371 prédios.
161
161
FRANCO,op. cit.,2000,p.58, 60. Franco considera que esta estimativa dos prédios tenha ficado
pouco aquém da realidade, já que em 1892, a Intendência reconheceu a existência de 7 749 prédios.
Neste caso, o autor faz uma estimativa de 46 500 habitantes. Ibid,p,60
77
Figura 17 - Planta de Porto Alegre, de 1888, por João Cândido Jacques.
Fonte: Mapoteca da Prefeitura Municipal de Porto Alegre(SMOV).
Focalizando a área em estudo, percebe-se o traçado de três importantes
vias que foram as mais antigas do bairro: Sertório, São Pedro e Parque. Das três, a
São Pedro é a que tem origem mais remota, sendo que foi em 1853 que a câmara
aprovou a sua abertura. Denominada estrada de São Pedro e situada entre as
chácaras do desembargador Pedro Chaves e Antônio José Rodrigues Ferreira,
conectava o Caminho Novo à Estrada do Ilhéu, atual Benjamin Constant.
162
No antigo Caminho Novo, por sua proximidade com o Guaíba e facilidades
junto aos transportes fluvial e ferroviário, desenvolveram-se intenso comércio e uma
diversidade de instalações fabris, tornando-se um dos eixos mais valorizados da
cidade. Com a influência da imigração, houve uma progressiva densificação ao
longo do Caminho Novo e das instalações portuárias, direcionando o crescimento da
cidade para o seu lado norte e consolidando a sua vocação de entreposto comercial
e industrial da cidade. Neste sentido é indiciária a planta da cidade de 1896 de
Alexandre Ahrons, onde aparecem alterações na paisagem bucólica das
162 FRANCO,op. cit,1992,p.380.
Segundo o autor, dados da Estatística Predial de 1892, acusavam a existência de somente 8 prédios
na São Pedro e de 19 na Sertório. Já no caso da rua do Parque, “parece ter tido um rápido
progresso”, já que os mesmos dados lhe atribuem 92 prédios térreos e bondes de tração animal
desde 1896. Foi aberta por Eduardo de Azevedo e Souza Filho, proprietário daquela área. Ibid, p.312.
78
chácaras: o traçado das ruas, oriundas do loteamento da Cia. Territorial Porto
Alegrense, as linhas de bondes, a Estrada de Ferro que ligava a capital à Novo
Hamburgo e o local do prado Navegantes, importante espaço de lazer da cidade na
época.
163
A implantação da estrada de ferro e o fato do bairro tornar-se, a partir de
1890, a sede de diversas indústrias,
164
foram sem dúvida, fatores preponderantes
que impulsionaram seu desenvolvimento.
Figura 18 - Planta parcial de Porto Alegre, de 1896, por Alexandre Ahrons, mostrando a área do
4º. Distrito.
Fonte: Mapoteca da Prefeitura Municipal de Porto Alegre(SMOV).
Efetivamente, o arrabalde de Navegantes teve um grande impulso na
década de 1870, quando Dona Margarida Teixeira de Paiva, entre outros
proprietários de chácaras fronteiras ao Caminho Novo, doaram terrenos, a fim de
viabilizar a comunicação da estrada de Gravataí com o Caminho Novo, dando
origem a então rua Sertório e a rua São José(atual Frederico Mentz). Em 1875, ela
163
Em 1888 foi construída uma linha de bonde que circulava pela Voluntários até a Praça
Navegantes, sendo desde então explorada pela Companhia Carris de Ferro Porto Alegrense, cujo
diretor era o tenente-coronel Manoel Py.
A formalização do contrato para construção da Estrada de Ferro é de 1869 sendo que as obras
iniciaram em 1870. Em 1874 foi inaugurado o primeiro trecho que ligava à São Leopoldo e em 1875
até Novo Hamburgo.
O Prado Navegantes foi inaugurado em 1891.
FRANCO,op.cit.,1992,p.289-90.
164
Ibid, p.290.
79
doou outro terreno para a construção do templo em homenagem a Nossa Senhora
dos Navegantes e da praça fronteira a ele, vindo a falecer no ano seguinte.
165
Posteriormente, em 1877 os herdeiros de Dona Margarida lotearam as terras
da antiga chácara, aproveitando a valorização daquelas áreas, acarretada pela
construção da estrada de ferro e da abertura dos novos eixos. Na planta deste
loteamento, percebe-se o traçado de quarteirões regulares e as dimensões mais
largas das duas vias perpendiculares entre si, a Sertório e a São José, que
configuram o entorno da Praça de Nossa Senhora, e nas proximidades, uma rua
denominada Dona Margarida, certamente para homenagear a antiga proprietária.
165
Ibid, p.261,289,290.
Dona Margarida morreu no ano seguinte, em 21 de dezembro de 1876.
80
Figura 19 - Planta da Chácara dos herdeiros de Dona Margarida Teixeira de
Paiva, de 1877.
Fonte: Arquivo Histórico Moysés Vellinho,Porto Alegre.
No entanto, percebe-se através da leitura da planta de 1896, que, com
exceção do entorno da Praça Navegantes, diversas quadras e ruas projetadas neste
loteamento não foram efetivamente implantadas, permanecendo, durante anos, com
vários resquícios de áreas rurais.
Contíguo ao loteamento de Dona Margarida, foi implantado, em 1895, o
loteamento da Cia. Territorial Porto Alegrense, que abrangeu uma grande área do
4º. Distrito.
Curiosamente, também se verifica a existência de uma planta desta área,
encaminhada ao município por Antônio Carlos Brandão, datada de 1892, e portanto
anterior ao loteamento da Cia. Territorial, onde esboçam-se algumas vias que até
hoje permanecem no bairro. Além das ruas Sertório, São Pedro e Parque, que
constavam da planta de 1888, aparecem a Germânia (Cairú), Brasil e Polônia. Ao
lado de quarteirões com traçado xadrez, relativamente pequenos, alternam-se áreas
de dimensões maiores, pertencentes a proprietários identificados na planta e
algumas vias com traçados interrompidos. Chama a atenção a rua Conde de Porto
Alegre
166
, então, uma solitária via que cortava ao meio as chácaras situadas entre a
Voluntários da Pátria e a Rua da Floresta (atual Cristóvão Colombo), bem na altura
de seu cotovelo e tendo como ponto focal a capela, que, posteriormente, tornou-se a
atual Igreja São Pedro. Como não foi possível obter-se maiores dados sobre este
empreendimento e levando-se em consideração o fato de que a delimitação da sua
área é coincidente a do loteamento da Companhia Territorial, pode-se pressupor que
tenha sido uma outra iniciativa de parcelamento de antigas chácaras.
166
Segundo Franco, a Rua Conde de Porto Alegre, foi doada ao município, em 1884 por Eduardo de
Azevedo e Souza Filho, ligando a rua do Parque com a Cristóvão Colombo.
FRANCO,op.cit.1992,p.123.
81
Figura 20 - Planta de loteamento de Antonio Carlos Brandão, de 1892.
Fonte: Faculdade de Arquitetura da UFRGS (GEDURB).
O mencionado loteamento da Companhia Territorial Porto Alegrense,
realizado, aproximadamente, em 1895 através do desmembramento de antigas
chácaras, foi empreendido em terras situadas entre as atuais Benjamin Constant,
Voluntários da Pátria,Dr. João Inácio e Avenida São Pedro.
167
167
Neste sentido ver: FRANCO,op. cit.1992,p.290
Fortini fez um levantamento de todos os então proprietários, conforme identificação da planta geral do
loteamento: João Inácio de Barcelos,dr.João Ignácio Teixeira,Margarida Teixeira de Paiva,Joaquim
Caetano Jr.,Waldemar Ignácio de Barcelos,Deolinda Teixeira de Andrade,Paulino Ignácio Teixeira,
João Tanger,João Birnfeld,Ernesto Carneiro da Fontoura,comendador Francisco da Silva Lisboa,
herdeiros de José Pinto Gomes, João de Freitas Amorin,Antônio José Leite,João B. da Silva,José
Aloy da Silva,João B. de Andrade e Domingos Alves de Carvalho. FORTINI,Archymedes.Pôrto
Alegre através dos tempos. Porto Alegre:Divisão de Cultura,1962,p.117.
82
Figura 21 - Planta de uma parte do loteamento da Companhia Territorial Porto Alegrense,
com a discriminação de diversos terrenos, com data estimada de 1895.
Fonte: Faculdade de Arquitetura da UFRGS (GEDURB). Redesenho elaborado a partir do
projeto original, por Aline Cicconeto de Oliveira.
De um modo geral, os loteamentos efetuados pelas companhias no final do
século XIX, eram extremamente singelos, que o setor público não exigia obras de
infraestrutura urbana, como redes de água, esgoto e luz. As restrições ficavam por
conta da obrigatoriedade da construção de imóveis voltados para os logradouros,
que, por sua vez, eram doados para servidão pública. Desta forma, as ruas eram
muito precárias por não possuírem calçamento e nem escoamento de águas
servidas. Na ausência de maiores exigências por parte da municipalidade, os
incorporadores das companhias e os grandes proprietários, como Manoel Py,
83
Antônio Chaves Barcelos e Possidônio da Cunha Júnior, reservavam para si as
quadras e lotes adjacentes às vias de melhor acessibilidade.
168
Alguns registros de Mondin nos dão uma idéia dos primórdios do
loteamento:
Os mais velhos contavam-nos, quando éramos crianças como haviam sido
abertas e traçadas as ruas do bairro, obedecendo à simetria e regularidade
métrica. O acesso à área fazia-se por onde viria a chamar-se a rua do
Parque ou, vadeando-se o Guaíba,pelo que seria o Caminho Novo,
entrando-se pela mataria que seria depois a Praça dos Navegantes. O 4º.
Distrito era coberto de mata, espessa e exuberante, da qual,ainda na
década de 1920, existiam manchas, mesmo no centro do seu território.
169
Percebe-se, através da planta do loteamento da Companhia Territorial, que
a “mataria“, referida no texto de Mondin, corresponde à porção de terra entre a
chácara de Dona Margarida e o loteamento da Companhia Territorial. A planta
elaborada por Alexandre Ahrons em 1916, mostra a região de características rurais,
adjacente à estrada de ferro Porto Alegre-Novo Hamburgo, bem como o Prado
Navegantes
170
, onde futuramente se instalaria as fábricas Renner, e o traçado
regular das ruas, implantadas pela Cia. Territorial.
168
STROHAECKER,Tânia. O mercado de terras de Porto Alegre(1900-1925):o caso da
Companhia Predial e Agrícola. Belo Horizonte,1993.Trabalho apresentado em sessão temática do
Encontro Nacional da ANPUR,p.11,13.
Segundo a autora, a fim de permitir o trânsito de veículos e de pessoas, algumas ruas possuíam
aterro e um pequeno recobrimento no seu leito, que com o tempo dava lugar a lama e aos buracos.
169
MONDIN,op.cit.,1987,p.17.
170
Neste sentido ver: MATTAR, 2001,op.cit,p.270.
84
Figura 22 - Planta da cidade de Porto Alegre, por Alexandre Ahrons, em 1916.
Fonte: Mapoteca da Prefeitura Municipal de Porto Alegre(SMOV).
Quanto à atuação das Companhias Imobiliárias, é importante lembrar que,
na segunda metade do século XIX, a situação econômica se tornava favorável para
Porto Alegre em função da decadência da produção do charque e do incremento da
comercialização com as colônias alemãs. Este fator positivo contribuiu, de certa
forma, para a evolução urbana da capital e para a introdução de melhorias nos
equipamentos e serviços: abastecimento de água(1876), serviços telefônicos(1886),
bondes de tração animal(1873), iluminação a gás(1874), entre outros. Acarretou,
também, a necessidade de mais espaço físico e instalação de equipamentos, vias e
valorização da área portuária.
171
Neste contexto otimista passaram a atuar as companhias imobiliárias,
através de alianças entre grandes capitalistas da cidade, com o intuito de explorar
alguns serviços blicos, como transporte coletivo e infraestrutura, bem como a
promoção fundiária.
172
no final do século XIX, a sociedade de Porto Alegre estava
171
Alguns autores vinculam o avanço das margens a estes fatores : MACEDO,1968,op.cit.p.93 ; a
este respeito ver também:ESCOSTEGUY,1993,op. cit.
172
No final do século XIX, grandes capitalistas aplicaram recursos disponíveis em atividades
lucrativas como: indústrias, companhias ligadas à infraestrutura, serviços
públicos,transportes,promoção fundiária,companhias de seguro e financeiras.
85
mobilizada para resolver o problema da habitação. A iniciativa privada, movida por
um discurso assistencialista, começava a pensar em propostas de habitação barata.
Influenciados pelos exemplos da Europa, surgiram as alternativas das Companhias,
que empregavam capitais nas áreas de expansão da cidade.
173
A Companhia Territorial Porto Alegrense foi fundada em 15 de setembro de
1892 e operou principalmente na zona norte da cidade. Tinha como incorporadores
o tenente-coronel Manoel Py, comendador Antonio Chaves Barcellos, o proprietário
Eduardo de Azevedo Souza Filho e o empresário José Luiz Moura de Azevedo.
Neste caso, os quatro incorporadores eram grandes proprietários fundiários e
possuíam terras na zona norte.
174
No entanto, a partir de 1898, essa empresa começou a sofrer grandes
prejuízos devido à crise econômica nacional. Nesta época, também existiam na
cidade mais três companhias deste gênero: a Territorial Rio Grandense, a Rural e
Colonizadora, e a Predial e Agrícola. Esta última, fundada em 1897 e atuando em
todo o estado, foi a única que conseguiu sobreviver aos difíceis anos do início do
século. Assim, em 1902, acabou incorporando o capital social da Companhia
Territorial Porto Alegrense e da Rural e Colonizadora e praticamente monopolizou o
mercado de terras de então, especialmente nos bairros da zona norte da capital.
175
A Companhia Agrícola tinha como incorporadores Eduardo de Azevedo
Souza Filho,José Luiz Moura de Azevedo,Manoel Py e seu genro Possidônio Mancio
da Cunha Júnior. Manoel Py, também era acionista majoritário das Cia. Carris Porto
Alegrense, Hidráulica Porto Alegrense, Fiação e Tecidos Porto Alegrense, Gráfica
Porto Alegrense, Banco Comercial Franco-Brasileiro, e político. Moura Azevedo era
presidente da Cia. Hidráulica Porto Alegrense, diretor do Banco Nacional do
comércio e da Cia. Carris Porto Alegrense. Entre seus acionistas existiam pessoas
físicas e jurídicas. Assim, pela análise das atividades dos seus principais
STROHAECKER, Tânia Marques. Atuação das Companhias de Loteamento em Porto Alegre no
final do século XIX.Porto Alegre,1992. Publicações GEDAB ,PROPUR/UFRGS , p.6.
173
Neste sentido ver: BITTENCOURT, 1996,op. cit.,p.713,714.
174
Antonio Chaves Barcellos e Manoel Py, entre outros nomes importantes, eram acionistas da
Companhia Força e Luz Porto Alegrense S.A. (1906), cujo diretor-presidente era Possidônio Mâncio
da Cunha Junior, também ligado a investimentos fundiários. STROHAECKER,op. cit.,1993,p. 3.
175
STROHAECKER,op.cit.,1992,p.8,´9.
86
empreendedores, verifica-se que acumulavam diversas funções que, por sua vez,
permeavam diversos setores da economia da cidade.
176
Certamente, um dos condicionantes importantes para viabilizar os
empreendimentos imobiliários planejados por essas companhias eram as facilidades
de comunicação entre o centro e os loteamentos, através do criterioso estudo de
implantação das linhas de transportes coletivos. É sabido que desde 1874 operava
na cidade os serviços de bonde movidos a tração animal, pela Companhia Carris de
Ferro Porto Alegrense e, a partir de 1893, também pela Companhia Carris Urbanos.
No início do culo XX, as duas se fundiram, originando a Companhia Força e Luz
que, firmando contrato com o governo de Montaury, instalaram os serviços de tração
elétrica nos bondes, com a implantação de 10 linhas e 37 carros. Em 1908 iniciou-se
o tráfego provisório.
177
Figura 23 - Linhas de bondes puxados a tração animal existentes em 1888 e linhas de
bondes elétricos e energia elétrica em 1916, elaborado pela equipe do GEDURB, sob a
coordenação da professora Célia Ferraz de Souza.
Fonte: PESAVENTO, 1996,op.cit.,p.62.
176
STROHAECKER,op.cit.,1992,p.´8,12.
177
FRANCO,op. cit.,1992,p.412,413.
87
De 1908 até o início da Primeira Guerra Mundial houve um aumento
considerável no volume de negócios e, por conseguinte, a introdução de diversos
melhoramentos urbanos, como, por exemplo, os bondes de tração elétrica,
facilitando os deslocamentos dos estratos de renda média para áreas distantes do
centro. Ao longo de anos, outros melhoramentos implementados pela
municipalidade, em infra-estrutura e sistema viário, provocaram o gradativo
incremento no número de edificações destinadas a moradias, sobretudo a partir de
1925. Nas duas primeiras décadas do século XX, a Companhia Predial e Agrícola foi
uma das principais indutoras da expansão urbana de Porto Alegre.
178
Figura 24 - Comparação do crescimento da cidade de Porto Alegre entre 1888 e 1916,
elaborado pela equipe do GEDURB, sob a coordenação da professora Célia Ferraz de
Souza.
Fonte: PESAVENTO, 1996,op.cit.,p.60.
No tocante aos promotores imobiliários, aqui no caso representados pelas
Companhias, Lobato Corrêa observa que suas atuações no espaço urbano se fazem
de modos desiguais,”criando e reforçando a segregação residencial característica
das cidades. Suas estratégias se relacionam a fatores correlacionados ao preço da
178
Neste sentido ver: STROHAECKER,op.cit.,1993,p.7,9.
88
terra, à acessibilidade, ao transporte urbano e às condições naturais ou produzidas,
que tendem a valorizar de formas diferenciadas certas áreas da cidade.
179
Segundo Cabral, no final do culo XIX configuravam-se as bases da
distribuição do uso residencial no espaço urbano de Porto Alegre, sendo o espigão
da elevação central que seguiu o prolongamento da Duque de Caxias o local
escolhido para as elites e no lado sul, embora não se igualando, o bairro Menino
Deus.
180
Nesses lugares, os terrenos possuíam grandes dimensões, com incidência
de maiores recuos no entorno das edificações. nos arrabaldes populares de
Navegantes e São João, tanto os lotes, quanto as residências eram bem menores.
Strohaecker chama a atenção que houve por parte das companhias, a
preocupação em criar loteamentos distintos conforme a renda. No caso das áreas
sujeitas à inundações, de Navegantes-São João, os terrenos eram vendidos a longo
prazo e em prestações módicas. O destino primordial era a classe operária,
constituída em grande parte por imigrantes alemães, italianos e portugueses que
procuravam residir próximo ao trabalho. Outro loteamento feito pela mesma
companhia, mas um pouco mais distante, foi em áreas alagadiças junto à Várzea do
Gravataí, então fora dos limites urbanos. Seus lotes possuíam dimensões de
12X55m e foram adquiridos, na sua maioria, por imigrantes ou descendentes de
alemães.
181
Cabe aqui lembrar que o território do 4º. Distrito sempre esteve ligado às
comunicações da capital com o interior e outros estados, através do meios fluviais e
ferroviários ali instalados. Apesar de muitos moradores “confinarem” suas vidas aos
limites do bairro, Mondin lembra que era muito fácil viajar:
Para as pequenas viagens de então, se de trem, ali estava a estação dos
Navegantes;se de barco, para demandar lugarejos descansando às
margens dos rios tributários do Guaíba, bastava tomar uma embarcação
qualquer nos trapiches do Caminho Novo.Quando tudo evoluiu e o avião
179
CORRÊA,Roberto Lobato. O Espaço Urbano.São Paulo:Editora Ática,1989,p.23.
180
CABRAL,Gilberto Flores. Distribuição espacial dos usos residenciais do solo-o caso de Portp
Alegre.Porto Alegre,1982.Dissertação de mestrado,PROPUR-UFRGS,p.143.
181
STROHAECKER,op. cit.,1992,p. 13
89
veio dinamizar os transportes, foi no 4º. Distrito que instalaram o
aeroporto.
182
No entanto, esta forte vocação não se refletia no âmbito do seu próprio
território. O traçado xadrez que deu origem ao loteamento , com ruas regulares
projetadas com 17,60 metros (com exceção da avenida São Pedro de 22metros de
largura) não previa suas ligações futuras com outros bairros e cidades próximas.
Neste sentido, em 1925, o engenheiro Benno Hoffmann escreveu um texto
sobre o arruamento das cidades, pondo em discussão três possibilidades de tratar a
questão. Hoffmann mostra sua discordância com os loteamentos de arruamento do
tipo retangular, como os do distrito industrial, onde as ruas se cortam em ângulo reto
e são paralelas entre si, como um “taboleiro de xadrez”:
É este o typo que mais vantajosamente se deixa aproveitar para as
construções, pela parcellagem dos seus quarteirões. Não satisfaz porém de
todo as exigências de um rápido acesso a todos os pontos da cidade(...).
Um bairro assim construído apresentará sempre um aspecto uniforme e
monótono, pouco esthetico.
183
Posteriormente, no início do governo de Loureiro da Silva, o Plano de
Urbanização da cidade, coordenado pelos engenheiros Ubatuba de Faria e Edvaldo
Pereira Paiva, tentando encontrar soluções para qualificar e solucionar os diversos
problemas dos bairros industriais da capital, reconheceu a necessidade da
construção de uma grande radial na área, a avenida Farrapos. Esta via havia sido
prevista por Moreira Maciel no “Plano Geral de Melhoramentos” de 1914, na gestão
de José Montaury, planejando estabelecer ligações do centro com as periferias
através de radiais.
184
no final da cada de 1930, a implantação da nova avenida, de 40,00
metros de largura, deveria incorporar no seu traçado a então avenida Minas Gerais e
o reconhecimento de que esta era a opção mais adequada, por situar-se “no centro
182
MONDIN,Op.cit.,1987,p.18.
183
HOFFMANN, Benno. Notas sobre o arruamento das cidades. EGATEA. Porto Alegre, vol. X,
jan/fev 1925,p. 3,4.
184
Neste sentido ver: SOUZA,Célia Ferraz de.O Plano Geral de melhoramentos de Porto
Alegre:da concepção às permanências.São Paulo,2004.Tese de doutorado,FAU-USP.
Este foi o “primeiro plano de urbanismo da cidade” que regularizando vias públicas através de
prolongamentos e alargamentos, procurava ligar o centro histórico com a periferia. A avenida
Farrapos funcionaria como uma radial em direção a Navegantes e na ocasião, não se localizava no
atual lugar, junto à avenida Minas Gerais. Ibid,p.52,132.
90
do bairro operário e por ser ela a mais abandonada e portanto de construções mais
desvalorizadas”. Através dela, pretendiam racionalizar o tráfego e melhorar as
ligações destes bairros com a cidade e, por sua vez, com outros municípios, outrora
efetuadas principalmente pela rua Voluntários da Pátria.
185
Entretanto, apesar das diversas melhorias planejadas e implantadas na
área, percebe-se que o seu crescimento e desenvolvimento esteve acompanhado de
uma série de ambiguidades e contrastes, que serão analisados a seguir.
185
UBATUBA DE FARIA,Luiz Arthur e PAIVA,Edvaldo Pereira.Contribuição ao Estudo da
urbanização de Porto Alegre.Porto Alegre: mimeografado (s/Ed.),1938 ,p. 72,73.
91
4 AMBÍGUO & CONTRASTANTE
4.1 INTRODUÇÃO
Em meados de 1960, através da publicação do livro intitulado Complexidade
e Contradição em Arquitetura, Robert Venturi fez uma crítica ao modernismo e ao
seu excessivo reducionismo no tratamento e na solução das questões da arquitetura
e do urbanismo. Assim, ao buscar a pureza e a simplificação como premissas, sem
reconhecer a complexidade e a contradição como condições necessárias da
arquitetura, o modernismo tornou-se enfadonho, segundo o autor.
186
Em contrapartida, argumentou em prol da “dualidade” de uma “arquitetura
não-direta”, expressa através da evocação de muitos níveis de significados e
combinações de enfoques.
187
Reconheceu, também, as plenas possibilidades
interpretativas e a complexidade de significados inerentes ao campo artístico e
literário, bem como o valor da ambiguidade como sua resultante: “relações
oscilantes, complexas e contraditórias, são a fonte da ambiguidade e da tensão
característica do meio de expressão arquitetônica. ”
188
Ao afirmar que arquitetos modernos, na sua maioria, evitavam a
ambiguidade, Venturi se posicionou contra a ortodoxia dos modernistas e
“reformadores” que pregavam a separação e exclusão de elementos em vez da
inclusão.
189
A crítica ao modernismo - que havia se transformado em ortodoxia artística
de cumprimento obrigatório”- não era frequente naquela época, o que tornou muito
atraente a alternativa de uma arquitetura mais complexa e que possibilitava uma
maior liberdade ante os preceitos normativos.
190
De fato, discursos como o de
186
VENTURI,Robert.Complexidade e Contradição em Arquitetura.São Paulo: Martins
Fontes,2004,p.1
187
Ibid,p.2.
188
Ibid,p.13.
189
Ibid,p.3.
190
MONEO,Rafael.Inquietação teórica e estratégia projetual. São Paulo:Cosac Naify,2008,p.51.
92
Venturi ” contra a tirania ideológica da arquitetura moderna”, entre outras alternativas
críticas, forçavam à reflexão e análise acerca da banalização a que os princípios das
vanguardas haviam se submetido. Assim, no final dos anos 60, a teoria da
arquitetura tendeu a se transformar em teoria geral da linguagem, confrontando-se
os pensamentos que defendiam a “primazia da sintaxe”, com os que priorizavam os
“aspectos puramente semânticos”.
191
Contrapondo-se às diversas manifestações pós racionalistas, alguns
autores, como Habermas, apostam que a modernidade ainda é “um projeto
incompleto”. Para o filósofo, ”só ela brotou do espírito das vanguardas” e, ao
acreditar na continuidade de uma tradição racionalista ocidental, conclui que “foi
suficientemente forte para criar modelos, isto é, se tornar clássica”.
192
No entanto, sem duvidar da importância do movimento moderno para a
história da arquitetura e do alcance das proposições das vanguardas das primeiras
décadas do século XX, alguns arquitetos enfatizavam a necessidade de renovação e
ajustes às novas realidades.
193
O reconhecimento do valor dos ideais que o
impulsionaram e que, naquele momento histórico, se propunham a resolver os
desafios e demandas daquela sociedade, não impediram críticas relativas ao seu
excessivo conteúdo ideológico.
194
No tocante ao planejamento das cidades, a insatisfação ante a perda de
significados de determinados espaços, em consequência da excessiva preocupação
com os problemas funcionais, acarretou a revisão de certos conceitos. Colquhoun
reflete sobre a prioridade concedida à solução do problema da habitação social no
pós-guerra, e a falta de distinção entre domínio público e privado no âmbito urbano.
A principal questão que se impõe ao problema do modernismo diz respeito à
“eliminação do espaço urbano perceptível, sua insistência na habitação verticalizada
e a precedência que deu à circulação de automóveis.”
195
191
Ibid,p.51,52,74.
192
HABERMAS, Juergen. “Arquitetura moderna e pós-moderna.” Novos estudos CEBRAP,no. 18,
p.115-124,set.1987, p 118.
193
Neste sentido ver: MONTANER, Josep Maria. Depués Del Movimento Moderno arquitectura
de la segunda mitad del siglo XX. Barcelona: Gustavo Gili,s/d,p.18.
194
Neste sentido ver: ROWE,Colin & KOETTER,Fred, 1998,op. cit. p. 10.
195
COLQUHOUN,1989,op.cit.,p.213,217.
93
Outros autores contestaram a síntese simplificadora e a excessiva
preocupação em zonificar e distribuir os usos, nos quais, os digos racionalistas
“exageradamente estruturais e abrangentes”, pensavam dominar suas complexas
variáveis:
A clareza, a ordem, a gica, a liberdade existiam nas intenções que,
com toda a prepotência, negavam as sínteses urbanas preexistentes e
pretendiam substituí-las por ordens perfeitas.
196
Igualmente, Arantes sublinhou que, uma tendência característica do caráter
do movimento moderno foi a busca de universalidade. Segundo a autora, o conceito
chave que dominou as planificações globais traduzia-se, na prática, “numa
ordenação da cidade que, por sua universalidade, deveria obedecer aos mesmos
parâmetros em qualquer quadrante”.
197
Sob o olhar dos referenciais das cidades modernas, contrapõe-se lugares
onde a pluralidade e a diversidade de atividades identificam organizações de
diferentes espacialidades destas relações, e de vivências que corresponderam ao
espírito de uma época.
Uma visão mais atenta da paisagem do 4º. Distrito nas primeiras décadas do
século XX evidencia grandes volumes geométricos de fábricas e altas chaminés, em
contraste com baixas edificações entremeadas de uma atmosfera ainda indomável,
de aspecto pastoril, como uma pintura, cujo efeito resulta em “justaposição” do que
uma imagem é e do que parece ser”
198
.
196
SANTOS,Nelson.A cidade como um jogo de cartas.São Paulo:Projeto Editores, 1988, p.25.
197
ARANTES,Otília.Urbanismo em fim de Linha.São Paulo:EDUSP,1998,p.103.
198
VENTURI,2004,op.cit.,p.11.
94
Figura 25 - Porto Alegre, nas primeiras décadas do século XX.
Fonte: PESAVENTO,Sandra Jatahy.Memória Porto Alegre:espaços e vivências. Porto
Alegre:Ed. da Universidade/UFRGS-PMPA,1999,p.87.
Aliada às questões de heterogeneidade advindas de uma mistura de
atividades e usos característicos do seu território, constata-se que, desde a sua
origem, o distrito industrial foi permeado de contrates e ambiguidades.
De um lado, o promissor setor fabril, que em 1906 despertou a admiração
do viajante Buccelli
199
e que, por sua variedade, produzia as mercadorias que
supriam as necessidades da população, buscando a substituição das similares
importadas. O fato de que muitos descendentes de imigrantes, principalmente
alemães, eram enviados para estudar no exterior, onde o processo industrial
achava-se em outro estágio de evolução, contribuiu para que algumas empresas se
tornassem inovadoras quanto aos artigos desenvolvidos na sua linha de produção e
marcas de renome no país.
200
De outro lado, e junto às casas de comércio
atacadista, depósitos e às indústrias, mesclavam-se modestas casas baixas, muitas
geminadas ou em fita, construídas em ruas populares e carentes de adequada
infraestrutura, assim como resquícios de áreas rurais e fisionomia de cidade
199
BUCCELLI, 1906,op.cit.
200
Um destes estabelecimentos foi o de Alberto Bins, que segundo Roche , fabricava um novo
modelo de fogão de dupla parede, que acabou dando nome a à marca.ROCHE, 1969,op.cit.,p.
532,533.
95
provinciana. No entanto, outras moradias entremeavam-se nesse contexto que, por
suas evidentes singularidades, contrastavam com a monotonia e simplicidade das
residências em fita.
Um quadro de várias etnias completava o lugar, mantendo sua diversidade
através da mistura de grupos que, procuravam conviver em relativa harmonia e
tolerância. As pessoas habitavam junto às atividades produtivas, que era
fundamental a relação de proximidade entre residência e trabalho, sendo que era no
espaço da casa que se desenrolavam diversas esferas da vida dos moradores.
Figura 26 - Foto aérea da área, nas proximidades da Praça Pinheiro Machado,
aproximadamente nos anos 50.
Fonte: Associação dos Moradores do 4º. Distrito.
A pluralidade do local, também se evidenciava nas diferentes escalas e
organização das edificações. Os aspectos referentes à disciplina e ao arranjo das
atividades industriais, refletiam-se na própria arquitetura, através da capacidade de
iluminação e ventilação propiciada por vãos maiores, assim como, nos grandes
espaços livres, que possibilitavam o melhor desenvolvimento das diversas seções
fabris, como exemplifica uma descrição da fábrica de pregos Pontas de Paris, dos
irmãos Gerdau:
O que logo chama a atenção é o methodo, a ordem que reina em todas as
secções, não menos ainda a hygiene industrial que assegura aos operários
96
que ali trabalham, muito volume de ar e luz atravez de uma infinidade de
portas e janelas do edifício da fabrica.
201
Assim, contrastava com estas amplas edificações, representativas do
próspero setor industrial da cidade e que, não obstante, adquiriram importância
arquitetônica em função das suas características inovadoras
202
, as pequenas
residências operárias, adjacentes aos estabelecimentos fabris, habitadas por uma
população de imigrantes e de classes menos abastadas.
Inicialmente, o distrito era constituído, em grande parte, por casas térreas de
madeira ou de alvenaria, embora haviam também alguns sobrados. Em certas
edificações mais singelas, a peça da frente destinava-se ao uso comercial. Seguia-
se outro ambiente denominado em planta de sala ou quarto. Eram casas de peça
única, quase cortiços, o elementares que mal tinham condições de alojar uma
família. Moradia e trabalho sob o mesmo teto permeavam de ambiguidades estas
residências, que não eram exclusivamente “casas de morar”.
Uma outra faceta é a que retrata uma modernidade advinda do
desenvolvimento e dinamismo dos negócios, alavancados através dos novos meios
de transporte da época, a ferrovia, os automóveis e a própria implementação das
modernas instalações do porto da cidade.
203
Simultaneamente, no mesmo cenário,
como uma antítese, o arrabalde era povoado por carretas de boi e depois por muitas
carroças puxadas a cavalos, que misturadas aos outros meios de transporte e com o
aval dos inúmeros comerciantes
204
, permaneceram em atividade até serem
substituídas pelos caminhões.
Visão semelhante teve Levi-Strauss na década de 1930 em São Paulo, onde
se mesclavam elementos heterogêneos que denunciavam referências modernas,
201
BLANCATO, Vicente.As forças econômicas do estadodo RGS no 1º. Centenário da
independência do Brasil:1822-1922.Porto Alegre:Oficinas gráficas da livraria do Globo-
Barcellos,Bertaso e cia.,1922,p.193.
202
Este sentido ver: WEIMER,op.cit., 1998.
MATTAR,2001,op.cit.,p.232.
203
Sobre a indisciplina do trânsito que misturava carroças, trem , veículos e pessoas,nas áreas de
carga e descarga da Voluntários, ver:
DIÁRIO DE NOTÍCIAS,Porto Alegre, 1º. De Janeiro de 1928,p.3.
204
Durante muito tempo, o principal comércio atacadista da cidade, concentrava-se na Voluntários da
Pátria e nas proximidades da rua Conceição, onde havia um grande número de empresas de gênero
alimentício instaladas em armazéns de secos e molhados, que intermediavam a venda destes
produtos.
97
tais como o “único e inacabado arranha-céu - o rosado Martinelli-
205
, concorrendo
com outros, cujas características evocavam paisagens provincianas, como a dos
bairros populares do Brás e da Penha, onde:
(...)ainda subsistiam em 1935 algumas ruelas provinciais e alguns
largos:praças quadradas e cobertas de ervas, rodeadas por casas baixas
cobertas de telhas com pequenas janelas gradeadas, caiadas, tendo dum
lado uma igreja paroquial austera, sem qualquer decoração para além da
chaveta dupla que recortava um frontão barroco, na parte superior da
fachada.
206
Em outros trechos do seu texto, fica claro a heterogeneidade e contraste,
característicos de uma cidade com diversos tempos simultâneos:
Pastagens para vacas estendem-se junto de edifícios de betão, um bairro
surge como uma miragem,avenidas ladeadas por residências luxuosas são
interrompidas de ambos os lados por ravinas nas quais corre, por entre
bananeiras, uma torrente lamacenta que serve ao mesmo tempo de
nascente e de esgoto a casebres feitos de argamassa com estrutura de
bambu, os quais se pode ver a mesma população negra que no Rio,
acampava no cume dos morros. As cabras correm ao longo das vertentes.
207
Plantas cadastrais de Porto Alegre retratam que, até meados do século
passado, existiam grandes áreas livres e vestígios rurais ao lado de espaços
consolidados, principalmente em Navegantes.
Através do primeiro aerofotogramétrico da cidade (1939-41) pode-se
constatar que, junto às quadras edificadas daqueles bairros, ainda permaneciam
espaços sem ocupação e áreas de cultivo e plantio. Segundo Mondin, algumas
chácaras localizadas no 4º. Distrito, resistiram até aproximadamente os anos 40,
como os quarteirões de proprietários de tambos de leite, na sua maioria de origem
portuguesa e italiana, situados depois da rua João Inácio.
208
205
LEVI-STRAUSS,Claude.Tristes Trópicos. Lisboa: Edições 70,1986,p.92.
206
Ibid,p.91
207
Ibid,p. 93.
208
MONDIN,1987,0p.cit.p.20.
98
Figura 27 - Mapa do Município de Porto Alegre,sendo prefeito o Sr. Dr. José
Loureiro da Silva (1939-41). Ampliação da área do 4º. Distrito.
Fonte: Mapoteca da Prefeitura Municipal de Porto Alegre (SMOV).
Esses espaços se aliam à configuração mesclada, heterogênea e plural
daquele contexto, que ironicamente se estruturou sobre a rígida geometria do
traçado xadrez, do loteamento que deu origem a grande parte do distrito. Como um
território impuro e complexo, subverte os padrões de ordem, disciplina e organização
dos referenciais modernos.
99
Figura 28 - Foto aérea da área na década de 1950.
Fonte: Associação dos Moradores do 4º. Distrito.
No entanto, diversas foram as tentativas de disciplinar a área, principalmente
a partir do final da cada de 1930. O conjunto de obras viárias e de infra-estrutura,
implementadas na gestão de Loureiro da Silva(1937-43), acarretou indiretamente
importantes alterações naqueles bairros. Na época da sua construção, a avenida
Farrapos foi decisiva para a consolidação da área como zona industrial da cidade,
quando então, outras indústrias se instalaram em Navegantes.
209
A moderna artéria
210
, larga, bela e iluminada, implantada em meio aos antigos quarteirões do
loteamento de origem, certamente contrastava com o restante do bairro.
209
Neste sentido ver: STROHAECKER,op. cit.,1991,p.12,106. A autora cita algumas indústrias
instaladas nesta época em Navegantes: Companhia Geral de Indústrias,Fábrica de Cartonagem
Linsenmayer,Fábrica de Correias Porto Alegrense,Esmaltaria União,Fiação Kescher & Irmão,Fábrica
de Máquinas de Costura Renner,Fábrica Nacional de Tesouras,Fábrica de Latas Renner
Herrmann,Laboratório Eka e Fábrica de Sabonetes Thofern. Ibid,p.110.
210
Neste sentido ver: RUSCHEL, 2004, op. cit.
100
Figura 29 - Foto aérea mostrando a avenida Farrapos, na década de 1950.
Fonte: Associação dos Moradores do 4º. Distrito.
Na década de 1940, principalmente motivado pela situação econômica pós II
Guerra Mundial e a política de substituições das importações, o desenvolvimento
industrial passou a ser mais acelerado. Assim, igualmente foi intensificado o
processo de urbanização e densificação da área, com significativa valorização das
propriedades e melhoria no padrão das construções de Navegantes e demais
bairros da zona norte.
211
Até então, algumas questões crônicas do distrito, como a do saneamento,
problema das enchentes, problemas viários e de extensão de serviços púbicos,
ainda permaneciam sem solução efetiva. Loureiro da Silva implementou algumas
iniciativas neste sentido e relatou a situação que encontrou no início do seu
mandato:
Ao assumirmos esta prefeitura, viviam na região, grandes massas operárias
(cerca de 1/3 da população) em condições higiênicas bastante más. Os
aspectos negativos encontrados na zona foram os seguintes:
a- acesso às inundações pluviais anuais e às fluviais periódicas;
b- os terrenos em sua maioria eram cobertos pelas enchentes pluviais;
211
MÜLLER,Dóris(coord.).Anatomia de Bairro:Navegantes para a Prefeitura Municipal de Porto
Alegre.Porto Alegre,1969.Relatório de Pesquisa,Gabinete de Planejamento Urbano e Regional/
UFRGS, p. 19.
101
c- falta de esgoto cloacal e pluvial;
d- falta de ligações rápidas com o centro urbano
Em suma, um plano de saneamento da região devia incluir diversos
aspectos como: o problema das enchentes,o problema viário e a extensão
dos serviços públicos.
212
Uma das frequentes questões relatadas no texto acima, diz respeito às
enchentes e ao saneamento. Apesar das persistentes inundações, nada se
comparou aos graves transtornos ocasionados pela enchente 1941, que ficou
marcada na memória coletiva dos moradores do 4º. Distrito.
213
Como sabido, a
grande enchente causou danosos prejuízos para a cidade e, principalmente, para a
zona norte, que, por sua condição geográfica, foi a mais atingida.
Figura 30 - Aspectos da enchente de 1936 nas ruas Voluntários da Pátria,Conceição e Parque.
Fonte: UBATUBA DE FARIA,Luiz Arthur e PAIVA,Edvaldo Pereira.Contribuição ao Estudo da
urbanização de Porto Alegre.Porto Alegre: mimeografado (s/Ed.),1938, p.146.
212
ASPECTOS GERAIS DE PORTO ALEGRE.Fortunato Pimentel (org.).Porto Alegre,Oficinas
Gráficas da Imprensa Oficial, 1945,vol.1,p.47.
213
Sobre a enchente de 1941 e a memória coletiva do 4º. Distrito ver: FORTES,2004,op.cit.p.99-116.
O autor comenta que a periodicidade das enchentes era rotineira no bairro, 1924,1926,1928 e 1936.
Entretanto, a de 1941 foi a mais danosa devido as suas grandes proporções. Trabalha com as
questões de memória, fazendo avaliações a partir de relatos de diversos moradores e trabalhadores
que vivenciaram a dramática situação.
102
Entretanto, durante muito tempo o local permaneceu mantendo uma estreita
relação com o Guaíba, através de uma combinação de atividades que foram a
própria razão da sua existência. Esta adjacência era expressa na forma como estas
atividades eram desempenhadas. Ambiguamente, se, por um lado, o território
cresceu, se desenvolveu e se beneficiou junto a ele, por outro, a ameaça do avanço
das águas motivava constantes preocupações entre os moradores.
214
No entanto, a fim de atender às novas demandas do setor industrial e da
dinâmica do seu crescimento, no final da década de 1930, algumas proposições
urbanísticas da cidade tentaram resolver seus principais problemas e ordenar,
disciplinar e corrigir aquele território.
4.2 ORDENAÇÃO UTÓPICA
Alberto Bins administrou Porto Alegre de 1928 a 1937, potencializando
transformações urbanas e consolidando as principais reformas propostas pelo Plano
de Melhoramentos de Moreira Maciel, elaborado em 1914, ainda na longa gestão do
intendente José Montaury. Preocupado com a modernização da cidade, deu
continuidade às obras de Otávio Rocha, incentivando a descentralização através da
implantação de infra-estrutura necessária para o desenvolvimento de outras áreas,
iniciando o saneamento de bairros como Navegantes e São João e, entre outras
atitudes, reconstruindo o parque Farroupilha.
Desde a década de 20, a cidade apresentava um intenso crescimento
urbano. Apesar das grandes dificuldades enfrentadas pelos moradores de diversos
arrabaldes afastados do centro, os anos pós- Revolução de 1923 foram movidos por
uma onda de entusiasmo, acalentadas pelas ações da nova gestão municipal, como
se pode perceber neste trecho do memorialista Theodomiro Tostes:
214
Através de depoimentos dos moradores do 4º. Distrito, Fortes identificou a dualidade da relação de
proximidade dos trabalhadores/moradores com o as águas do Guaíba: era ao mesmo tempo “fonte de
oportunidades e de riscos”. Ibid,p. 1100.
103
Se os homens mudavam de estilo, a cidade tentava mudar de aspecto.O
novo Intendente Municipal abria os cofres do seu Tesouro e ali encontrava
quase intacto o dinheiro que o seu antecessor tinha honestamente
aferrolhado. Olhando a cidade mal traçada, mal iluminada, mal
vestida,resolveu amplia-la,revesti-la e abrir novos espaços iluminados.Mas
sabendo que para construir é preciso acabar de destruir,botou abaixo ruas
velhas e becos de nomes pitorescos(...).A cidade vibrava,remoçava,abria-se
avenidas,viadutos,encobria de asfalto algumas ruas calçadas de pedras
irregulares.
215
Como sabido, a expansão de Porto Alegre nestes anos, seguiu as diretrizes
das principais radiais e das linhas de bondes estabelecidas. A implantação das
propostas básicas do Plano de Maciel haviam transformado a imagem da capital,
com a construção das avenidas lio de Castilhos, Otávio Rocha, Borges de
Medeiros e viaduto Otávio Rocha. Assim, para poder enfrentar os novos desafios
advindos do seu crescimento, a cidade necessitava de um planejamento mais
abrangente, que o Plano de Melhoramentos incluía essencialmente o Primeiro
Distrito.
No início da gestão de Alberto Bins, o arquiteto e urbanista francês Alfred
Agache foi convidado para elaborar um plano de conjunto, seguindo os modelos dos
efetuados para o Rio de Janeiro e São Paulo. Sua participação também envolveu o
lançamento, em 1930, das diretrizes conceituais do projeto para a realização da
grande Exposição do Centenário Farroupilha
216
de 1935, desenvolvido
posteriormente por Christiano de La Paix Gelbert, então arquiteto da prefeitura
municipal.
Neste contexto progressista, os engenheiros Luiz Arthur Ubatuba de Faria e
Edvaldo Pereira Paiva, da Divisão de Cadastro da Prefeitura Municipal, produziram
durante o ano de 1935, um completo levantamento cadastral e topográfico da
península, para servir de base na elaboração de um plano. Conforme Abreu, a dupla
desenvolveu uma série de estudos e projetos com explícita influência de Prestes
Maia, no seu plano de avenidas para São Paulo, e também do urbanismo francês de
Agache. Os estudos e projetos foram amplamente divulgados em 1936, com grande
215
TOSTES, Theodomiro. Nosso Bairro:Memórias de Theodomiro Tostes.Porto Alegre: Fundação
Paulo do Couto e Silva, 1989,p.120.
216
Neste sentido ver: MACHADO,op.cit.,1990.
104
repercussão na cidade, através de uma “Exposição de Urbanismo”, publicações na
imprensa, debates e conferências.
217
Em 1937, após a exoneração de Alberto Bins(PRR), Loureiro da Silva
(PRL)assumiu a prefeitura de Porto Alegre, administrando-a até 1943. Este foi um
período marcado por fortes tensões políticas, devido aos acontecimentos que
envolveram a instauração e posterior queda do Estado Novo, na era Getúlio Vargas.
Através de uma administração dinâmica, Loureiro da Silva
218
logo procurou acelerar
os projetos que visavam à modernização da cidade.
Assim, em 1938 o conjunto de diretrizes urbanísticas, apresentadas em
1936, foi então publicado com a denominação de Contribuição ao estudo da
urbanização de Porto Alegre”.
219
Na introdução do documento os engenheiros apontam as orientações gerais
de planejamento e destacam, entre as prioridades, a necessária e imediata solução
para o problema do saneamento dos bairros operários de São João e Navegantes,
incluindo também a defesa contra as enchentes, rede de esgoto e calçamento. O
texto se estrutura através de cinco partes:
Parte I- A Evolução da cidade de Porto Alegre
Parte II- As linhas gerais do Plano Diretor
Parte III-O Plano de avenidas
217
Segundo pesquisa de Abreu, tratava-se de uma dupla heterogênea, pois Ubatuba de Faria era
positivista e portanto bem conectado com as elites dirigentes da época, com especialização nas
áreas de topografia, saneamento e traçado urbano. Já Edvaldo Pereira Paiva, era ligado ao marxismo
e ao Partido Comunista. Formou-se em engenharia em 1935 e aproximou-se do urbanismo através
dos trabalhos de Ubatuba. ABREU, Silvio Belmonte de. Porto Alegre como cidade ideal: planos e
projetos urbanos para Porto Alegre. Tese de Doutorado - PROPAR/FAU, UFRGS, Porto Alegre.
p.96,98,99.
218
Loureiro da Silva pretendia elaborar um Plano Diretor para a cidade.Para tal, buscou a
colaboração de Arnaldo Gladosch e efetuou a elaboração do levantamento aerofotogramétrico da
cidade (1939-41). Dedicou-se à implantação de novas radiais, como a avenida Farrapos, abertura da
atual Salgado Filho(15 de novembro) e a canalização do Riacho, entre outras obras.
219
UBATUBA DE FARIA,Luiz Arthur e PAIVA,Edvaldo Pereira.Contribuição ao Estudo da
urbanização de Porto Alegre.Porto Alegre: mimeografado (s/Ed.),1938.
105
Parte IV- Os Planos de Extensão, onde a estrutura urbana proposta resulta
na criação de dois bairros, o novo bairro residencial na zona sul(Praia de Belas) e o
bairro industrial operário na várzea do Gravataí.
Parte V- Espaços livres
Parte VI- Parque náutico
Parte VII-O problema das enchentes
Parte VIII- Canalização do riacho
Parte IX- O problema do tráfego
No tocante ao 4º. Distrito, desperta especial interesse o amplo diagnóstico
elaborado, apontando os graves problemas da área, como o das enchentes.
Também, algumas previsões bem fundamentadas e soluções, como a proposição do
novo bairro operário industrial da cidade e do parque náutico. O conceito do
bairro operário baseia-se na criação de novas centralidades urbanas, com “vida
própria”, justificadas pelos autores como uma das diretrizes do urbanismo moderno.
A fim de dar prosseguimento a estas práticas, elaboram um plano de
avenidas, para tentar corrigir a excessiva centralização herdada da sua própria
evolução urbana. Reconhecendo o rápido crescimento da cidade na direção da zona
industrial e a necessidade de ligações mais efetivas, incentivam a abertura de novas
radiais, como a avenida Farrapos, com previsão de 30 metros de largura e
considerada “uma das radiais mais necessárias para o tráfego”, a continuação da
Mauá e melhorias nas já existentes, como o caso da Voluntários da Pátria, que seria
alargada para 25 metros.
220
220
Ibid,p.41,69,70.
106
Figura 31 - Gabarito da avenida Minas Gerais.
Fonte: UBATUBA DE FARIAS,1938,op.cit.,p.71.
Figura 32 - Trechos da avenida Minas Gerais, atingido pela abertura da Farrapos.
Fonte: UBATUBA DE FARIAS,1938,op.cit.,p. 72,74,75.
Em um detalhado diagnóstico da evolução da cidade, identificam a
importância adquirida pela indústria da capital, ocupando na ocasião o 3º. lugar no
país, sendo o ramo têxtil o principal.
221
Pode-se perceber, através do texto, a
ressonância que os atributos inerentes à industrialização representam econômica e
financeiramente para a municipalidade.
Quanto ao ambiente e sua implantação, são bem vindas as condições de
zona plana, baixa, servida por via férrea e de trapiches à beira do Guaíba, então os
elementos representativos da modernidade e da dinâmica do setor industrial da
época. Portanto, é considerado o lugar ideal para confecção, armazenagem e
221
Ibid,p.25.
107
distribuição da produção, capaz de compensar os problemas das inundações, que
são periódicas. Desta forma, argumentam a necessidade de mais área disponível
para a construção de um novo bairro industrial, através de aterro e drenagem da
várzea do rio Gravataí.
A gleba escolhida para a construção do novo bairro, insere-se entre o
Guaíba, o Gravataí e a linha rrea, articulando-se com o antigo loteamento
industrial. São 700 ha de zona baixa e alagadiça na época das cheias, mas que,
para os urbanistas, constituem “tendência flagrante e espontânea de localização.
Assim, justifica-se o “vultoso” capital necessário ao aterro, que a “valorização
imediata dos terrenos cobrirá, vantajosamente, todas as despesas.”
222
Figura 33 - Planta baixa do projeto para o Bairro Industrial na Várzea do Gravataí.
Fonte:UBATUBA DE FARIA,1938,op.cit.,p. 119.
O projeto é subdividido em duas zonas, uma industrial e portuária e a outra
residencial. Na primeira, são aproveitadas as qualidades do Guaíba e Gravataí, com
cais de atracação e novas docas servidas por ramais ferroviários. A segunda, é
separada pela linha férrea e subdividida em quadras de”vida própria”, com a
222
Ibid,p.118.
108
previsão de praça,escola e comércio. No núcleo, uma grande rótula de forma elíptica
é espaço de confluência das principais avenidas, centro cívico, comércio e serviços.
No detalhamento do bairro, ficam claras através do desenho e do texto, as
referências ao urbanismo das cidades-jardins: “as ruas arborizadas e mais estreitas,
os quarteirões,alguns arborizados interiormente, formarão lugar próprio para
sossego e descanso”.
223
Um outro aspecto expresso no texto, revela visão ampla e esclarecida
quanto às vantagens da criação de subúrbio residencial e a crença no valor da
moradia própria e sua influência positiva na vida e no cotidiano dos trabalhadores:
Os lotes serão independentes.A experiência tem provado que a posse do
pequeno pedaço de terra proporciona a cada indivíduo uma estabilidade
mental, um equilíbrio de aspirações comedidas, assegurando ao corpo
social uma paz permanente e sadia, uma fraternidade lógica e natural.
224
Por outro lado, o reconhecimento, por parte da equipe, da pouca
disponibilidade de espaços livres ajardinadas em bairros como Navegantes e São
João, justifica a previsão de um sistema de praças distribuídas pelos quarteirões,
além de um grande parque de lazer junto ao Guaíba, com bares, cassino, balneário,
campos para jogos e outros atrativos. Consideram também, a necessidade de
melhorar as condições das tradicionais sedes de remo, ginástica e natação,
localizadas junto à rua Voluntários da Pátria, através da construção de um estádio.
Outras explicações aparecem ao longo do texto reforçando esta idéia, como a de
que “a população mais esportiva de Porto Alegre é indubitavelmente, a mocidade
laboriosa de São João e Navegantes”, ou por constituírem “a alegria e a saúde da
mocidade trabalhadora de São João e Navegantes”.
225
223
Ibid,p.120,121.
224
Ibid,p.120.
225
Ibid,p.120,136,137.
109
Figura 34 - Planta baixa do Projeto do Parque Náutico.
Fonte: UBATUBA DE FARIA, 1938, op.cit.p.138,140.
A área escolhida para o parque esportivo localiza-se em zona baixa, na
frente da igreja dos Navegantes. Assim, os urbanistas prevêem a necessidade de
um grande aterro para a implantação do grandioso e ousado projeto, constituído de:
8 sedes de 8 clubes de regatas, com 8 terrenos de 30X70;
Balneário público;
Piscinas de 25m, 50m e 100m;
Quadras de tênis e basquete;
Cancha internacional de esportes atléticos;
Sede para um clube de barcos a vela (Veleiros do Sul)
226
.
O texto estimula a imaginação, à medida em que elabora uma descrição
minuciosa do parque esportivo, repleta de comentários acerca dos diversos locais e
praças de esportes. Na parte do balneário é especificado até o sistema a ser
utilizado para a troca de roupas dos banhistas que irão frequentar a praia” ou a
piscina de 100 m, projetada dentro do Guaíba. São definidos também: os atributos
226
Ibid,p.138
110
do pavilhão coberto, das arquibancadas e canchas, sede administrativa, salões de
ginástica e festas, sem esquecer dos quartos para os atletas convidados.
227
Figura 35 - Sede para o clube Veleiros do Sul.
Fonte: UBATUBA DE FARIA, 1938, op.cit.p.140.
Por outro lado, a Parte VII da obra é particularmente importante para o 4º.
Distrito, já que versa sobre o problema das enchentes, que assolam as áreas baixas
da cidade e suas consequências na vida dos mais carentes: “nas zonas inundadas
do Riacho ou ao lado dos pântanos de São João e Navegantes, se encontra o
casebre do pobre”. Mas os autores, logo nas considerações iniciais, demonstram
otimismo na alegação de que esta questão ”é de fácil solução”.
228
227
Ibid,p.140. O sistema proposto para a troca de roupas segue o usado pelos banhistas na
Alemanha. “Uma vez trocada a roupa,coloca-a em um saco com cabide e entrega-o ao encarregado
de serviço, recebendo uma ficha numerada”.
228
Ibid,p.144,146.
111
Figura 36 - Planta mostrando a área de contribuição e a zona plana do lado norte da cidade.
Fonte: UBATUBA DE FARIA, 1938, op.cit.p.147.
O capítulo dedica-se à descrições e análises, acompanhadas de dados
estatísticos, tabelas e mapas, das causas dos alagamentos nas diversas áreas da
cidade, como o caso das enchentes pluviais na zona norte:
Devido a configuração plana dos bairros São João e Navegantes, nascidos
no sopé das elevações que formam o macisso Independência-MontSerrat-
Higienópolis, eles recebem a contribuição pluvial de uma grande área da
cidade. Essas águas que escorrem com grande velocidade pelas ruas
íngremes, ficam retidas nas zonas quase planas desses bairros (São João e
Navegantes) e daí vão desaguar no Guaíba em fraca vazão.Isso provoca as
enchentes.
229
Abordam também, a questão das inundações da área, e as enchentes
fluviais nos meses de maior precipitação, ocasionadas essencialmente pelo
transbordamento do rio Gravataí. Neste viés, não acham aconselhável a idéia de
diques de proteção na zona do cais, como seria posteriormente, mas a retenção das
águas através de reflorestamento a montante do Gravataí, opção mais lógica e
menos onerosa. Concluem alertando que a necessidade de solução é ”inadiável”,
para que não se padeça da “calamidade das grandes enchentes periódicas”.
230
229
Ibid, p 146.
230
Ibid,p.150,151.
112
Por fim, percebe-se pelo entusiasmo com que os urbanistas tratam as
questões e proposições para Navegantes e São João, a crença na vocação do
bairro para o uso industrial, estabelecendo diretrizes capazes de contribuir para o
seu crescente desenvolvimento
Mostram sua aproximação com o urbanismo de caráter sanitarista, à medida
em que debruçam-se sobre os problemas das cheias, bem como da moradia
operária e sua inserção em um ambiente salubre e aprazível. A melhoria nas
condições de vida da população fica por conta da proximidade entre residência e
trabalho, e das propostas do parque esportivo que buscam propiciar diversas opções
de lazer para os moradores, apesar dos altos custos com os aterros.
Não escondem a disposição apaixonada pela idéia do parque e a
possibilidade de mudar a dinâmica do bairro, potencializando o aproveitamento das
áreas baixas junto ao Guaíba.
Se, por um lado, a proposta do bairro industrial e operário permaneceu na
retórica e na imaginação de todos que acreditaram na possibilidade de
transformação da sociedade através da mão do urbanista, por outro, é inegável o
seu valor como documento histórico e urbanístico, à medida que os relatos da sua
evolução urbana e a elaboração dos diagnósticos, previsões e propostas dos
autores, fundamentadas nos diversos levantamentos técnicos apresentados ao
longo do texto, constituem uma excelente radiografia da Porto Alegre e dos diversos
problemas decorrentes do seu crescimento desordenado.
231
Novas diretrizes urbanísticas foram apresentadas nos anos 40 e 50. No final
da gestão de Loureiro da Silva, foi organizado um outro documento, uma espécie de
relatório administrativo contendo todos os planos e realizações do seu governo. O
231
Neste sentido ver : ABREU,op. cit. 2006.
Para Abreu,as soluções do plano, apesar de ingênuas, serviram de base para as propostas dos anos
40 e 50.Ibid,p.116.
Ver também: VARGAS,Júlio Celso Borello.”Utopias,Ideologias e Urbanismo:as propostas de Evaldo
Pereira Paiva e Ubatuba de Faria para Porto Alegre.IN: Kiefer,Flávio et alii.Crítica na Arquitetura v
Encontro de Teoria e História da Arquitetura.Porto Alegre:Editora UniRitter,205.
Este autor considera que o plano “falhou”, a medida em que o seu caráter totalizante contribuiu para
torná-lo vítima da impossibilidade de sua concretização como um todo. Ibid,p.260.
113
volume, elaborado com a colaboração do urbanista Edvaldo Pereira Paiva, foi
denominado de “Um Plano de urbanização”.
232
Entretanto, nessa época, como veremos adiante, Paiva não mais
considerava a possibilidade do projeto de um “bairro operário” idealizado e
estruturado através da relação entre moradia e trabalho.
Morar junto ao local de trabalho gerou um tipo peculiar de ocupação espacial
e concepção de uso de moradia que revela um dos aspectos mais importantes da
diversidade daquele distrito. Nesta relação, a fábrica representava o centro da vida
local, “ela comandava o cenário e o cotidiano do lugar, controlando o tempo e as
atividades dos moradores”.
233
No entanto, a relação entre indústria e habitação operária mostrava-se
contraditória em muitos aspectos. Às fábricas eram associados referenciais positivos
relativos à organização, ordem e disciplina, característicos deste ambiente; assim,
algumas posturas e conceitos eram imprescindíveis à construção industrial modelar
e ao arranjo dos diversos setores. Como forças desiguais, estes estabelecimentos
contrastavam com as pequenas aglomerações de moradias operárias das cercanias,
muitas sem condições de higiene e conforto.
4.3 O PROGRESSISTA SETOR INDUSTRIAL
Certas edificações fabris podem ser reconhecidas como pontos importantes
no contexto geral da área, à medida em que constituíram elementos de atração para
trabalhadores, influenciando outros setores, bem como o próprio modo de viver
daquela comunidade, que, de certa forma, orbitava em seu entorno. Algumas
232
Em 1942, Paiva organizou o “Expediente Urbano de Porto Alegre”,onde foram coletados e
sistematizados os dados que foram usados no documento de 1943.
A cidade permaneceu sem um Plano Diretor formal até o início da década de 50, quando foi aprovado
o Plano Diretor de Porto Alegre-1959/61. Posteriormente, seguiu-se o 1º. Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano (PDDU) de 1979.
Sobre os Planos ver: ABREU, 2006,op.cit.
233
CORREIA,1998,op.cit.,p.98.
114
tornaram-se marcos do 4º. Distrito, seja pela sua intensa atividade econômica ou
pela força da sua imagem e capacidade de servir de referencial na paisagem local.
Em torno de alguns exemplares fabris, ou nas suas adjacências, foram construídas
uma série de edificações residenciais, evidenciando-se a relação de proximidade
existente entre moradia e trabalho.
A avenida Voluntários da Pátria, importante via que historicamente sediou o
maior número de instalações fabris, tornou-se, durante muito tempo, o eixo
estruturador da área. Desde o início do século XX já era possível perceber na
paisagem norte da cidade a presença de um setor industrial, onde depósitos,
trapiches e chaminés assinalavam representações de uma nova modernidade, com
base no trabalho, na idéia de progresso, e em produções essenciais para a cidade.
Porém, em relação ao estado, o desenvolvimento industrial de Porto Alegre foi um
pouco mais tardio; antes de 1890, a cidade ainda não contava com uma indústria
têxtil, nesta época um dos ramos mais importantes, sendo que Rio Grande
possuía, desde 1874, uma grande empresa deste setor, a Rheingantz.
234
Entretanto, em 1906, diversos estabelecimentos fabris, mereceram a
atenção do viajante italiano Buccelli,
235
que, ao descrever a rua Voluntários da
Pátria, admirou-se com a multiplicidade, organização e qualificação das suas
edificações industriais. Buccelli fez um relato detalhado sobre esta rua e mencionou
diversas edificações fabris ali instaladas, entre elas o “estabelecimento mecânico” de
E.Berta & Cia., localizado na metade do caminho, ou seja nas proximidades da rua
Conceição. Descreve-o como possuidor de magnífica fundição, destacando-se entre
as maiores da América do Sul e também capaz de concorrer com os europeus.
236
234
Neste sentido ver: PAULITSCH,Vivian S. Rheingantz: Uma Vila Operária em Rio Grande. Rio
Grande: Editora da furg,2008.
SINGER,1977,op.cit.p.171,172. O autor comenta que nesta época, provavelmente só a Fundição e
Estaleiro Becker, localizada na Voluntários da Pátria, deveria ser uma “empresa industrial”. Ibid, p.
171.
235
BUCCELLI, 1906,op.cit.
Neste período ocorreu um verdadeiro surto industrial, atribuído à política do Encilhamento. Algumas
fábricas da Voluntários, deste período são: Metalúrgica Berta (1890); Cia. Fiação e Tecidos Porto
Alegrense(1891);Cia. Fabril Porto-alegrense(1893); Fábrica de Pregos Pontas de Paris(1893);Cia.
Fábrica de Vidros Sul-brasileira (1894) . SINGER,1977,p.172,173.
236
BUCCELLI,1906,op.cit.,p.88,89. Nesta época, Alberto Bins era diretor financeiro da fábrica. No
mesmo ano de 1906, Bins adquiriru inteiramente a firma e tornou-a uma das maiores empresas deste
ramo. Ver:ROCHE,1969,op.cit.,p. 532,533.
115
Figura 37 - Foto de agosto de 2010 da primeira sede da Berta, na Voluntários da Pátria.
Fonte: Fotografia da autora.
Observa-se que muitos industriais da área faziam parte da elite dirigente do
PRR(PARTIDO Republicano Rio-Grandense), sendo que alguns chegaram a
assumir quadros políticos, como Alberto Bins e Antônio Chaves Barcellos. Nesta
época, o contexto político no qual se consolidou a formação de uma elite industrial
coincidiu com o período de ascensão do PRR, partido de matriz positivista,
autoritário e centralizador, que, no interesse de se manter no poder, recebeu o apoio
de uma “elite dirigente” filiada a ele.
237
Pelas palavras de autores como Blancato
238
, que decantavam o sucesso do
setor fabril nas primeiras décadas do século passado, é possível perceber sua
imagem perante a comunidade de então. Através da confiança depositada na
capacidade e princípios de ordem e progresso norteadores do contexto positivista da
época, este setor era visto como força propulsora do progresso do estado e do
237
PESAVENTO,Sandra J. A burguesia gaúcha:dominação do capital e disciplina do
trabalho(RS:1889-1930).Porto Alegre:Mercado Aberto,1998,p. 92,95,106.
238
BLANCATO,1922,op.cit,p. 193.
116
desenvolvimento social, na qual os grandes responsáveis eram os industriais, cujas
qualidades e valores relacionavam-se ao trabalho honrado e iniciativas em prol do
bem comum.
Além do estabelecimento Berta, de Alberto Bins, diversos foram os que
inovaram quanto aos artigos desenvolvidos na sua linha de produção, tornando-se
marcas de renome no país. Nesta época, era muito intensa a relação da cidade com
o Guaíba, em função dos intercâmbios comerciais com as colônias. Assim, tanto os
estaleiros como as companhias de navegação eram atividades muito importantes,
que se encarregavam do transporte de mercadorias e passageiros. Buccelli também
ficou muito impressionado com a “magnífica” Fundição e Estaleiro da Casa José
Becker e cia., fundado em 1856 por imigrantes alemães que, situado junto às
margens do Guaíba, aproveitava as facilidades desta proximidade.
239
Figura 38 - Trecho da Voluntários no início do século XX, onde percebe-se as atividades
de estaleiros junto ao Guaíba.
Fonte: Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.
239
Ibid,p. 91.
117
Figura 39 - Aspecto da rua Voluntários da Pátria, em 1922, nas proximidades do Moinho Rio-
grandesnse. Visualiza-se também, os trilhos do trem, do bonde e do lado do Guaíba, os
depósitos .
Fonte: COSTA,1922,op.cit.,p.226.
Outras fábricas desta época, localizadas nesta rua, foram as de cerveja, a
Cristoffel e a Ritter, que muito prosperou desde a sua fundação em 1894 até a sua
fusão em 1924.
240
Assim como ocorreu em outras partes do mundo nos primórdios
da industrialização, o ramo de tecelagem e fiação foi importante para a consolidação
da emergente indústria da capital. Buccelli menciona dois estabelecimentos
importantes de fiação e tecelagem: a Cia. Fiação e Tecidos Porto-Alegrense e a Cia.
Fabril Porto-Alegrense. A primeira, a FIATECI, localizada na Voluntários entre as
avenidas São Pedro e Polônia,foi fundada em 1891 e começou a funcionar dois
anos após. Tornou-se, já nas primeiras décadas do século XX, uma das mais
importantes indústrias, sendo suas instalações consideradas uma das melhores do
estado. Sua localização, na frente do Guaíba e da estrada de ferro, facilitava o
embarque e desembarque das mercadorias; também possuía grande terreno de
240
Em 1924, as 3 maiores cervejarias da capital, Ritter, Bopp e Sassen, se fundiram e constituíram a
cervejaria Continental, situada na avenida Cristóvão Colombo.
SINGER,1977,op.cit.,p. 166.
118
marinha fronteiro, adaptado para atracação de embarcações.
241
Em 1922, no
“Completo Estudo sobre o Estado”, Costa chama a atenção para a existência de um
“belíssimo Jardim” para uso dos trabalhadores nas horas de descanso, bem como
diversos benefícios oferecidos a eles. Salienta que nesta época estava sendo
construída uma Vila Operária com casas “de material, confortáveis e higiênicas”.
242
Figura 40 - Fábrica de Cerveja Ritter, localizada na Voluntários da Pátria.
Fonte: COSTA, 1922, op.cit. p., 250.
241
A Fiateci teve como incorporadores:Manoel Py,Antônio Chaves Barcelos,Nogueira de Carvalho&
Cia.,Antônio José Gonçalves e o banco da Província do RGS. WRIGHT,Arnold.Impressões do Brazil
no Século Vinte.Sua história,seo povo,commercio,industria e recursos.Lioyd´s Greater Britain
Publishing Company,Ltd., 1913,p.814. Ver também:COSTA,1922,op.cit.,p. 286.
242
COSTA,1922,op.cit.,p.287.
119
Figura 41 - Foto de agosto de 2010 da Cia. Fiação e Tecidos Porto-alegrense(FIATECI)
Fonte: Fotografia da autora.
Segundo alguns analistas urbanos, esta tradicional fábrica, por sua
edificação, ambiências e localização estratégica, constitui um importante elemento
organizador do contexto urbano circundante e um dos marcos mais significativos
desta área, além do fato de que o nome Fiateci ainda permanece na memória de
muitos porto-alegrenses.
243
Por outro lado, é importante salientar que as indústrias xteis foram as que
se fundaram com os maiores capitais e, consequentemente, as que absorveram
243
SECRETARIA DO PLANEJAMENTO MUNICIPAL.Revitalização Urbana o 4º. Distrito em Porto
Alegre.Org. Maria Tereza Fortini Albano. Porto Alegre: s/ed.,Novembro de 2001,p.87.
120
maior contingente de mão-de-obra, em relação às demais existentes nesta época.
244
A segunda tecelagem da rua, a Cia. Fabril Porto-Alegrense, fundada em 1893,
apesar de não ter a mesma existência da Fiateci, tornou-se também referência
importante na capital, dedicando-se, principalmente, a fabricação de meias e
camisetas. Ocupou, a partir de 1913, uma grande edificação na Voluntários, nas
proximidades da rua João Inácio, funcionando até 1927, quando entrou em processo
de falência.
245
O prédio da antiga tecelagem se mantém até os dias atuais, tendo
sido ocupado para diversos usos.
Figura 42 - Foto de agosto de 2010 da edificação que sediou a Cia. Fabril, na
Voluntários da Pátria, nas proximidades da João Inácio, em 1922.
Fonte: Fotografia da autora.
Buccelli ainda visitou carpintarias como a Porto-Alegrense e a de Germano
Steigleder sobrinho, bem como duas fábricas de móveis. Menciona a existência de
diversas serrarias a vapor, fábricas de cadeiras, o Moinho Kessler e a fábrica de
Vidros Sul Brasileira.
246
244
REICHEL, Heloisa.A indústria Têxtil do Rio Grande do Sul. 1910/1930.Porto Alegre:Mercado
Aberto,1978,p.32.
A autora salienta o fato de que, desde a sua formação, as indústrias têxteis se estruturaram em bases
industriais, pela remota presença de manufaturas têxteis importadas, principalmente da Inglaterra.
245
Ver: Costa,1922,op. cit.,p. 251.
246
BUCCELLI, 1906,op. cit.,p. 97,98.
121
As fábricas descritas pelo viajante, na sua maioria, foram fundadas nas
últimas décadas do século XIX, sendo possível constatar a aquisição de maquinários
importados, que permitiam uma maior qualificação da produção e a diversidade de
estabelecimentos fabris instalados na rua. Através dos relatos dos produtos
fabricados, pode-se avaliar algumas necessidades supridas pelas indústrias,
assim como hábitos de consumo da população.
Além de vinculado com a própria estrutura estadual, o desenvolvimento
industrial relacionou-se a fatores econômicos relativos à conjuntura nacional. Uma
das causas apontadas por Pesavento para o crescimento dos estabelecimentos
fabris no final do século XIX, foram os benefícios propiciados pelo
Encilhamento.Esta política favoreceu o crédito fácil, as emissões e o encarecimento
do produto importado. Mas no início do século, as medidas restritivas adotadas pelo
governo de Campos Salles(1898-1902) tiveram um efeito desestimulador sobre os
investimentos industriais e vieram encerrar este primeiro surto de expansão.
247
O
exemplo da Cia. Territorial Porto Alegrense, que acabou sendo extinta, ilustra uma
das consequências deste período de recessão.
248
No entanto, na década seguinte, o desenvolvimento industrial da cidade foi
crescente, sendo que modestas oficinas, não mencionadas por Buccelli, tornaram-se
importantes estabelecimentos do ramo.
249
Nesta época eram inúmeros os produto
fabricados na cidade que substituíam os similares importados. Neste processo de
desenvolvimento foi fundamental a atuação dos antigos fundadores, na sua maioria
imigrantes de origem alemã e de seus descendentes. Muitos destes jovens eram
A Cia. de Vidros Sul Brasileira, era uma das mais antigas do estado, neste ramo. Estabelecida em
1892, fabricava toda a espécie de vidros, excetuando-se os de janela.Era especializada na fabricação
de garrafas, copos, vasos e artigos diversos. O Moinho Kessler foi fundado em 1892 e dedicava-se
ao beneficiamento de arroz,à fabricação de azeite e a destilaria.
Neste sentido ver:WRIGHT,1913,op.cit.,p.819. ROCHE,1969,op.cit.,p.506.
247
PESAVENTO,1985,op.cit.,p. 44,52.
248
STROHAECKER,1991,op.cit.,p.85. Segundo a autora, a Cia. Precisou leiloar diversos terrenos
urbanizados, situados em vários bairros da cidade, para consumar sua liquidação. Ibid,p. 85.
249
Neste sentido ver: WRIGHT,1913,op.cit., COSTA,1922,op.cit.e BLANCATO,1922,op.cit.
Sem despertar muita atenção de Buccelli , as serrarias e fábricas de cadeiras mencionadas no final
de seu percurso, posteriormente apresentaram um grande crescimento.Em 1922, Blancato se refere
a Serraria e depósito de materiais de construção, de Birnfeld de Hubner & Müller, como uma das mais
importantes do estado, ocupando uma grande área entre a Voluntários,Pátria,Ernesto Fontoura e
Missões.Ibid,p.234.
122
enviados para estudar no exterior, onde o processo industrial achava-se em outro
estágio de evolução. Além da aquisição de conhecimentos tecnológicos, também
eram importadas novas máquinas e equipamentos para a efetivação do processo.
Diversos foram os estabelecimentos industriais cujas manufaturas tornaram-
se conhecidas em todo o país, como a fábrica de Pregos Pontas de Paris
250
,
pertencente à João e Hugo Gerdau. Em 1922, era citada por Blancato como um
dos grandes estabelecimentos no gênero, cuja produção era capaz de substituir os
até então importados.
251
João Gerdau, e posteriormente seu filho Walter, foram
proprietários de uma fábrica de cadeiras, pioneira no uso de madeira vergada a
vapor, tipo Vienense, tornando-se uma das mais importantes do país.
252
Sua
tradicional sede localizava-se no quarteirão compreendido entre a Voluntários, Brasil
e Missões.
Figura 43 - Fábrica de pregos Pontas de Paris em 1922, de Hugo Gerdau.
Fonte: BLANCATO,1922,op.cit.,p.192.
250
Sobre as indústrias Gerdau, ver: ASSIS,Célia de(org.). Chama empreendedora. A história e a
cultura do Grupo Gerdau. 1901-2001. São Paulo: Prêmio,2001.
Conforme projeto encaminhado à prefeitura da cidade em 1951(proc. 37392/1951), a fábrica instalou-
se na avenida Farrapos.
251
BLANCATO,1922,op.cit.,p. 193.
252
Outra importante fábrica de móveis situada na mesma rua, é a de Frederico Trein Marquardt e
Cia., entre a Câncio Gomes e a Paraíba.
Sobre este projeto ver: WEIMER,1998,op.cit.,p.33.
123
Figura 44 - Foto de agosto de 2010l da sede da Fábrica de Móveis Vergados de Walter
Gerdau.
Fonte: Fotografia da autora.
Essa fábrica povoou o imaginário do bairro, sendo que as “empalhadeiras do
Gerdau”, mulheres que faziam trabalhos avulsos de traçados de palhinha em
assentos e encostos do mobiliário, foram figuras lembradas por Mondin, pois
diariamente circulavam pela avenida Brasil.
253
Outra indústria importante para a cidade, no ramo da metalurgia, foi a
Wallig. A edificação instalada nos quarteirões que compreendiam as ruas
Voluntários da Pátria, Almirante Barroso e Câncio Gomes, ocupava-se da fabricação
de fogões, cofres, camas, móveis de ferro e artigos afins. Também, a fábrica de
Vidros Navegantes (1918)
254
, especializada na produção de utensílios domésticos
de luxo para diversas finalidades, exemplifica a variedade da produção fabril do
bairro e é indicativa de uma sociedade que se modernizava, ao mesmo tempo em
que substituía a importação de certos produtos pelo similar ali fabricado.
253
MONDIN,1987,op.cit.,p. 93.
254
Conforme Blancato, a fábrica contava com 100 operários para a produção de vasos de luxo
pintados, tulipas e refletores para luz elétrica,licoreiros, galheteiros, jarros, fruteiras,copos,cálices e
frascos diversos. BLANCATO,1922,op.cit.,p.197.
124
Figura 45 - Imagem do antigo conjunto de edificações da fábrica Wallig, contrastando com a
degradação das fachadas atuais (agosto de 2010).
Fontes: PORTO ALEGRE :BIOGRAFIA D‟UMA CIDADE,1940,op.cit.,p.530; fotografia da
autora.
125
Figura 46 - Interior da fábrica de vidros Navegantes, onde aparece aspectos da seção de
pintura.
Fonte: BLANCATO, 1922,op.cit.,p. 198.
Por outro lado, a expansão da agricultura provocada com a chegada de
diversos imigrantes ao estado, fez com que prosperassem diversas indústrias
derivadas destes produtos, como as que fabricavam licores e bebidas fermentadas,
carnes salgadas, banha, lacticínio etc.
255
Assim, a Fábrica de Gazosa Fischel
(bebida de frutas sem álcool), localizada na Voluntários, era considerada o maior
estabelecimento do estado nesse gênero.
256
Na esteira do desenvolvimento da
agricultura, o cultivo do arroz também teve seu beneficiamento garantido nos
engenhos, como o Kessler, também localizado na Voluntários, bem como o trigo,
através dos tradicionais Moinhos Rio-Grandense(1916) e o Moinho Chaves(1921).
255
Neste sentido ver: WRIGHT,1913,op.cit.,p.804.
256
BLANCATO,1922,op.cit.,p.214.
126
Figura 47 - Sede do Moinho Rio-Grandense, na Voluntários da Pátria esquina com Moura
Azevedo em 1916.
Fonte: BLANCATO,1922,op.cit.,p.205.
Figura 48 - Moinho Kessler e Vasconcelos e o carregamento de arroz para Buenos Aires, através
do trapiche da firma.
Fonte:BLANCATO,1922,op.cit.,p. 203.
127
Figura 49 - Foto agosto de 2010 do Moinho Chaves, localizado na esquina da Voluntários da Pátria
com Ernesto Fontoura.
Fonte:Fotografia da autora.
No tocante aos aspectos arquitetônicos, as edificações referentes aos dois
moinhos representam singulares exemplares fabris, graças aos seus avanços em
relação à modernidade. Numa época em que o decorativismo das fachadas era a
tônica, inovaram através da adoção de materiais padronizados, utilização do
concreto armado, concepção baseada em estrutura independente, conceitos de
planta livre e soluções quase destituídas de adereços, sendo em tempo precoce,
prenúncio de postulados que seriam aceitos posteriormente.
257
A longo prazo, a
significação desta arquitetura também foi a de auxiliar na assimilação de uma nova
estética.
Tais avanços, conceituais e técnico-construtivos, da arquitetura fabril da
cidade, foram caracterizados por Miranda através de três fases. A primeira, de 1870
a 1914, de implantação do setor, evidenciando-se o pensamento arquitetônico
influenciado pela Werkbund da Alemanha; a segunda, de 1915 a 1930, fase de
257
Neste sentido ver: WEIMER,1998,op.cit.,p.32, 33, 34 . Também nomeia a Fábrica de móveis de
Frederico Trein Marquart & Cia., de 1927, situado no número 417/421 da mesma rua.
128
impulso da indústria brasileira e de afirmação do tipo industrial moderno; e a terceira,
de 1931 a 1950, de consolidação do pensamento moderno no Brasil e de afirmação
da zona industrial de Navegantes e adjacências.
258
Dois outros importantes estabelecimentos industriais marcaram a história do
bairro, as indústrias Renner
259
, ligada ao setor do vestuário e a fábrica de chocolates
Neugebauer, uma das suas pioneiras. Curiosamente, antes do final do século XIX,
nos terrenos baixos onde posteriormente instalou-se a fábrica Renner, havia uma
movimentada cancha de corridas do então Prado Navegantes. Segundo Sanhudo,
este hipódromo funcionou até 1907, quando transferiu-se para o Moinhos de Vento.
Foi em 1916 que Renner transferiu seu estabelecimento têxtil do Caí para esse
local.
260
Figura 50 - Imagem do conjunto das fábricas Renner em 1922, e a moderna edificação, projetada
pelo arquiteto Egon Weindörfer, na década de 1930, na rua Frederico Mentz.
Fontes: BLANCATO,1922,op.cit.,p. 208; PORTO ALEGRE: BIOGRAFIA D‟UMA
CIDADE,1940,op.cit.,p.535.
258
MIRANDA,2003,op.cit.p.62.
259
Sobre a Renner, ver: PELLANDA, Ernesto. A.J.Renner.Um capitão da indústria.Porto Alegre:
Globo,1944.
260
SANHUDO,1961,op.cit.,p. 265,266.
129
Figura 51 - Ampliação da fábrica de chocolates Neugebauer, na década de 1940, e a edificação atual.
Fonte: PORTO ALEGRE: BIOGRAFIA D‟UMA CIDADE, 1940, op.cit., p.535; fotografia da autora.
Durante os anos 20, a Renner
261
cresceu muito e se modernizou,
destacando-se entre todas as indústrias têxteis gaúcha, inclusive em âmbito
nacional e por conseguinte, influenciando no desenvolvimento
262
do 4º. Distrito.
Dedicou-se não somente à produção de fios, tecidos e capas de lã, mas,
posteriormente, também introduziu-se no setor de vestuário, absorvendo a
comercialização dos seus produtos através de revendedores exclusivos em todo o
país. Assim, alterou seu perfil de indústria típica regional, produtora de tecidos de
voltados para um mercado interno, e passou a ser o primeiro exemplo em âmbito
nacional de organização que vinculava o ramo de fiação a outros, do setor industrial
e comercial.
263
Convém salientar que o ramo têxtil foi muito importante para o local, sendo
que as três maiores indústrias, Renner, Fiação e Tecidos Porto-alegrense e Rio
261
Outra grande empresa do 4º. Distrito foi a Varig (Viação Aérea Rio-Grandense). Fortes estabelece
uma relação entre os dois grandes complexos industriais teuto-brasileiros, Renner e Varig, no que
tange à similaridade de políticas de benefícios, relações de capital e trabalho e origem da mão-de-
obra. No início da década de 1950, as duas empresas eram as maiores empregadoras da região.
FORTES,2004,op.cit.,p.177.
262
Foi grande o impacto da Renner na área de Navegantes, resultando em um aumento do número
de prédios nas suas adjacências, de 378 em 1916, para 1704 em 1940. Além disso, foram
implantados no local,diversos melhoramentos urbanos (pavimentação de ruas, energia elétrica,etc).
FORTES,2004,op.cit.,p.41.
263
REICHEL, 1978,op.cit.,p.79.
Durante a terceira década do século passado, a tecelagem no RGS, teve que enfrentar a
concorrência dos produtos paulistas, tendo, para tal, que se modernizar muito mais. Ibid,p.79.
Singer, também enfatiza que a Renner acabou sendo a maior empresa verticalmente integrada da
América do Sul, reunindo nela fiação,acabamento do tecido,confecção de roupa,distribuição e venda
a varejo da mesma. Após a Primeira Guerra Mundial, Porto Alegre passou a liderar o setor industrial
do estado, graças ao extraordinário crescimento da Renner nestes anos.
SINGER,1977,op.cit.p.166,174.
130
Guahyba
264
, localizadas na Voluntários da Pátria e proximidades, na década de
1940 representavam ¼ do total de operários e de capital de toda a indústria da
capital.
265
Quanto à fábrica de chocolates Neugebauer, foi fundada em 1891 e, em
1903, foi edificado o prédio de dois andares da avenida Cairú, que tradicionalmente
sediou a firma. Em função do grande êxito das vendas, sucederam-se diversas
ampliações, adjacentes à esta edificação.
Como demonstram as numerosas solicitações de aumentos, reformas e
novos projetos
266
solicitadas à municipalidade, os estabelecimentos industriais
localizados no bairro fabril progrediram muito nos anos que se seguiram ao passeio
de Buccelli. A rua Voluntários da Pátria, pelos diversos motivos mencionados,
adquiriu muita importância neste contexto como cenário de importantes
transformações sociais e econômicas da cidade que se industrializava.
Fatores como a conjuntura advinda das consequências da Primeira Guerra
Mundial, podem explicar um aumento da produção em função do desestímulo às
importações. Nesta época, a cidade tinha a primazia do setor fabril do estado.
Esta situação estendeu-se a1919, quando decaiu a demanda de certos produtos
para o exterior. a cada de 1920, foi marcada pela diminuição do número de
estabelecimentos, concentração empresarial, incorporação de pequenas empresas
pelas maiores e investimentos em tecnologia.
267
Assim, conforme estudos de Singer, entre os anos de 1920 e 1940, a função
industrial da cidade, não se expandiu como na sua fase inicial(1890-1910). Por outro
lado, em consequência da modernização do Porto e do incremento de suas
atividades, o comércio obteve um crescimento no mesmo período.
268
264
Esta indústria iniciou suas atividade em 1922, no bairro Navegantes, fabricando lã. Em 1946,
Friedrich Schleder projetou uma edificação moderna, para fiação penteada e depósitos. Sobre a
edificação e projeto da Rio Guahyba ver: MIRANDA, 2003, op.cit., p.129.
265
PAIVA,Edvaldo P. e FARIAS,Ubatuba de. Expediente Urbano de Porto Alegre.Porto
Alegre:Prefeitura Municipal/Diretoria Geral de Obras e Viação,1942, p.90.
266
Neste sentido ver: MATTAR, 2001, op.cit.
267
PESAVENTO,1985,op.cit.,p.62.
268
SINGER, 1977,op.cit.,p. 182.
131
Cabe mencionar o tipo de comercialização exercida através dos inúmeros
armazéns instalados ao longo do Guaíba e suas adjacências. Estas edificações
efetuavam compra e venda de mercadorias por atacado, oriundas de diversas
localidades do interior, ou mesmo de outros estados. Alguns armazéns localizados
na Voluntários da Pátria possuíam tipologia adaptada aos diferentes fluxos de carga
e descarga. Assim, do lado do Guaíba, contavam com depósitos construídos junto
às extremidades dos trapiches, a fim de receberem as mercadorias via fluvial. Do
lado que fazia frente para a rua, possuíam galerias cobertas no pavimento inferior,
junto à rua, onde circulava o trem.
269
Seu valor deve-se ao fato de que nesses anos,
Porto Alegre exercia a função de entreposto comercial do estado, como se evidencia
através dos inúmeros atacadistas que existiam no local e que desempenhavam o
papel de intermediação entre o produtor e a venda ou entre o industrial e o lojista.
Figura 52 - Conjunto de armazéns da Voluntários da Pátria, nas proximidades da Ernesto Alves,
em agosto de 2010.
Fonte: Foto da autora.
Conforme dados apresentados por Paiva, também a população da cidade não teve o mesmo
crescimento: 1900 : 73 274hab.; 1910: 130 227hab.; 1920: 226 236hab.; 1940: 275 739 hab.
PAIVA,1942,op.cit.,p.25.
269
Neste sentido ver: MATTAR,2001,op.cit.,p.251.
132
Por outro lado, o processo de industrialização da cidade foi acompanhado
pelo aumento do número de operários, que também começaram a se mobilizar em
grupos, por melhores condições de vida e de trabalho.
270
O confronto maior deu-se
em 1917
271
, através de uma grande greve geral que paralisou a cidade por cinco
dias. Entre 1916-1918, foram instituídas duas centrais sindicais de pensamentos
divergentes, a UGT (União Geral dos Trabalhadores), de viés anarquista, e a
FORGS(Federação Operária do Rio Grande do Sul), influenciada pela social-
democracia alemã, sendo então substituídas, em 1918, pela Federação Operária,
que se transformou em uma entidade “anarco-sindicalista”.
272
Em 1929 e nas
décadas seguintes, seguiram-se outras greves. Segundo Fortes, ao longo destes
anos o movimento sindical passou por várias mudanças em função do surgimento
da lei trabalhista, do sindicato oficial e das diversas lutas políticas e conflitos estatais
e patronais. No entanto, foi entre os anos de 1945 e 1964 que houve uma maior
articulação política da população operária do 4º. Distrito, constituindo-se na base
mais articulada de atuação do Partido Comunista Brasileiro e do Partido Trabalhista
Brasileiro.
273
Convém salientar que foi no contexto da década de 1930, em face à estes
acontecimentos e às propostas de criação de uma legislação trabalhista, na era
Vargas, que os industriais gaúchos se uniram na defesa dos seus interesses,
através da criação do Centro da Indústria Fabril do RGS, tendo como presidente
A.J.Renner.
274
No período da Segunda Guerra, Navegantes consolidou sua vocação
industrial com a implantação de diversas empresas como a Companhia Geral de
Indústrias, Fábrica de Cartonagem Linsenmayer, Fábrica de Correias Porto
Alegrense, Esmaltaria União, Fiação e Tecidos Kescher & Irmão,Fábrica de
Máquinas de Costura Renner,Fábrica Nacional de Tesouras, Fábrica de Latas
270
Sobre o aumento do número de operários ver:Estatística Estadual.Egatea.Porto
Alegre,vol.IV,1917-18,p.141-144.
271
Houve greves em 1906,1917 e 1919, que versaram basicamente sobre questões de salário e
jornada de trabalho, já que até então não havia regulamentação neste sentido. Neste sentido ver:
FORTES,2004,op.cit.
272
GERTZ, René.Memórias de um imigrante anarquista.Porto Alegre: EST,1989,p.126.
273
FORTES,2004,op.cit.,p.32.
274
Neste sentido ver : REICHEL,1978,op.cit.
133
Renner e Herrmann, Laboratório Eka, Fábrica de Sabonetes Thofern, entre
outras.
275
Nesta época, as indústrias de Porto Alegre, principalmente dedicadas aos
ramos de alimentação, fiação, tecidos e metalurgia, ocupavam o 3º. lugar no país,
logo após Rio e São Paulo, sendo que as mais importantes estavam instaladas ao
longo da Voluntários da Pátria. Conforme dados de Paiva, nesta época eram poucos
os translados das indústrias localizadas nesta área.
276
Entretanto, em 1942, ainda sob o impacto da grande enchente do ano
anterior, Edvaldo Pereira Paiva apontou algumas tendências de zoneamento da
capital, que se evidenciariam nas próximas décadas. Em relação às zonas baixas e
alagadiças onde se localizavam as residências operárias, o urbanista não
mostrava o mesmo otimismo expresso no documento publicado em 1938:
A última grande inundação dos rios vem tendo marcada influencia sobre as
tendências do zoning. A indústria não encontrando nos limites urbanos
pontos estratégicos para sua implantação, tende a se afastar do Município.
Procuram-se, cada vez mais, os pontos altos para implantação das
moradias.
277
Quanto à questão das moradias, a imagem dos bairros operários esteve
muito ligada às representações de zona baixa, sujeita a alagamentos naturais, em
parte provenientes das águas pluviais que desciam através das ruas, vindas das
encostas mais altas e que se depositavam nesta parte plana da cidade. À medida
em que a topografia ascendia, evidenciava-se um escalonamento social
correspondente. O contraste estabelecido entre os dois extremos, provavelmente se
refletia em anseios de ascensão social daquela população.
275
STROHAECKER,1991,op.cit.,p.110.
Apesar da tendência à descentralização de algumas unidades fabris, em função das diversas
facilidades oferecidas pela área, outras unidades se instalaram no 4º. Distrito como: Alumínio Royal
(1948), Metalúrgica Zenith(1947),Rudolpho Hoher (1945),Dante Bonato (1944) e Moinhos
Germani(1951).Ibid,p.115.
276
PAIVA,1942,op.cit.,p. 88. Referente às industrias da cidade, Paiva apresenta levantamentos com
dados sobre número de operários, capitais empregados, produção e localização dos
estabelecimentos, classificados em: tecidos, imprensa, alimentos, vestuário, produtos químicos,
produtos de madeira,metalurgia, cerâmica e outros estabelecimentos. Ibid,p.89-92.
277
PAIVA,1942,op.cit.p.114.
Paiva salienta que o resultado mais importante da enchente é a tendência de “translado das plantas
industriais para lugares mais elevados. Como não existem , dentro do município, lugares elevados
próximos às ferrovias e rodovias, estamos assistindo ao início de um movimento para fora do
Município(...).”.Ibid,p.101.
134
Neste sentido, Constantino assinala o progressivo deslocamento de famílias
desta área, para zonas mais altas, como o atual bairro Higienópolis, à medida em
que ascendiam socialmente.
278
Érico Veríssimo, sempre atento à cidade, escreveu,
na década de 1950, um texto que auxilia nesta caracterização:
Os descendentes de alemães que enriqueceram e hoje são os pilares do
alto comércio e da indústria, elementos integrantes da nossa classe média
alta, habitam as residências do bairro chamado Moinhos de Vento,onde,no
fundo de jardins em que brincam gnomos de barro pintado, vêem-se
casarões com torres góticas e telhados de bico, numa espécie de nostalgia
das neves germânicas. A classe baixa de origem alemã- pequenos
comerciantes, industriais, artesões, funcionários públicos, empregados do
comércio- vive em baixo, perto do rio, no sopé da colina principal dos
Moinhos de Vento, num bairro chamado Floresta. Para além da Floresta,
estendem-se os bairros operários de São João e dos Navegantes, ambos a
perlongar a curva do Guaíba- uma zona de casas geralmente baixas,
eriçadas de chaminés de fábricas.
279
Assim do alto, a imagem era perfeita; embaixo, “a perlongar a curva do
Guaíba”, morava uma população que, através do trabalho e da persistência,
procurava superar uma série de dificuldades.
4.4 A QUESTÃO DA MORADIA
Para o pássaro, o ninho é indiscutivelmente uma cálida e doce morada.É
uma casa de vida: continua a envolver o pássaro que sai do ovo(...). O
ninho, como toda imagem de repouso, de tranqüilidade, associa-se
imediatamente à imagem da casa simples.Da imagem do ninho à imagem
da casa, ou vice-versa, as passagens só se podem fazer sob o signo da
simplicidade.
280
As décadas de 1870/1890 foram marcadas pelo grande crescimento da
população de Porto Alegre, como consequência do incremento da imigração
estrangeira. Além dos alemães, presentes na cidade há várias décadas, outras
etnias, como os italianos, passaram a habitar na capital. O processo de abolição da
278
CONSTANTINO,1998,op.cit., p.164.
279
VERISSIMO,Erico. Lembrança de Porto Alegre. Porto Alegre: Ed.Globo, 1960,p.11,12.
280
BACHELARD,1996,op;cit.,p.105,110.
135
escravatura, somado à afluência destes imigrantes, influenciaram para a expansão
urbana horizontal da cidade, bem como uma provável escassez de moradias.
281
Assim, para suprir esta demanda por moradias, uma série de cortiços se
espalharam por diversas áreas da cidade, inclusive pela região central. A fim de
coibir o alastramento destas edificações, o poder público adotou uma série de
medidas, que, durante algum tempo, ainda foram ignoradas ou mesmo burladas
pelos construtores locais. Em alguns casos, estas minúsculas habitações, eram
confundidas com abrigos para animais e, desta forma, especificadas como baias e
estábulos. Paralelamente, surgiram as denominadas “casas de renda”, ou seja,
construções destinadas a aluguel, geridas pelas condições de oferta e procura, sem
uma efetiva legislação que regulamentasse a matéria.
282
Figura 53 - Projetos microfilmados da Prefeitura de Porto Alegre, de cortiços na rua da Praia em 1897
e de „estrebaria‟ na rua Cristóvão Colombo.
Fonte: WEIMER, Günter. Theo Wiederspahn arquiteto.Porto Alegre:EDIPUCRS,2009, p. 43.
No bairro industrial de Porto Alegre, a atração de um grande contingente
populacional de diferentes lugares e etnias, conduzido, em grande parte, através das
linhas férreas e do transporte fluvial então existentes, trouxe consigo diversas
necessidades, entre elas a de moradias, que por sua vez, implicaram em novos
281
FRANCO,Sergio da Costa.Gente e espaços de Porto Alegre.Porto Alegre:Editora da
Universidade,UFRGS,2000,p.60.
Segundo o autor, especialmente o ano de 1893, teve um grande número de construções licenciadas:
300 casas térreas,13 assobradadas,22 sobrados,18 armazéns,8 chalés,5 fábricas,2 oficinas,1
igreja,10 cocheiras,59 galpões e 10 trapiches,num total de 448 construções e 27 439 m2 .Ibid,p.71
282
WEIMER,Günter.Theo Wiederspahn arquiteto.Porto Alegre:EDIPUCRS,2009, p. 43.
136
experimentos no tocante a projetos habitacionais. Neste lugar, como era de
costume, casas e fábricas conviveram mutuamente devido à proximidade.
Lemos salienta que, no final do século XIX, algumas cidades brasileiras
sofreram com a questão da moradia, já que estavam despreparadas para enfrentar o
afluxo de pessoas que foram atraídas pela indústria nascente.Em São Paulo, um
dos caminhos utilizados para dar abrigo ao imigrante italiano e trabalhador
assalariado das fábricas, foi a transposição formal da senzala para a cidade -
“senzala urbana”- a que se deu o nome de cortiço.
283
A necessidade de moradias
baratas no Rio de Janeiro, determinou a construção de estalagens, isto é, grupos de
minúsculas casas térreas de porta-e-janela, enfileiradas de um ou dois lados dos
quintais, originando corredores de acessos. A exiguidade destas moradias, muitas
vezes reduzidas a um único cômodo, levava ao deslocamento das atividades do
cotidiano, do interior para o exterior, espalhando-se pelo espaço semi-público do
pátio ou corredor, que além de circulação, também era o lugar das lavadeiras, das
crianças e dos animais domésticos.
284
Ao considerar a casa um elemento importante de fixação, Perrot destaca o
papel das vilas operárias na estratégia patronal para a formação de uma mão de
obra estável.
285
Neste sentido, também Correia salienta sua condição de elemento
chave na reorganização da cidade e na vida dos pobres. Seu baixo custo e projetos
que contemplavam os princípios de higiene propagados no início do século passado,
fizeram delas instrumento transformador do cotidiano urbano dessa população.
286
Igualmente, Rago diz que desde o final do culo XIX justificava-se a interferência
da burguesia na vida do trabalhador brasileiro, a partir da imposição de normas
rígidas de habitabilidade, tendo como estratégia patronal, a construção de vilas
operárias pelo poder público ou capitalistas particulares, em bairros periféricos.
287
Segundo estes olhares, a casa operária, barata e salubre, espaço relativamente
283
LEMOS, Carlos.História da Casa Brasileira. São Paulo:Contexto,1996,p.57.
284
VAZ,Lilian Fessler. Modernidade e Moradia.Habitação coletiva no Rio de Janeiro séculos XIX
eXX. Rio de Janeiro:7 Letras,2002,p.28.
285
PERROT,Michelle. “Maneiras de Morar”.In: PERROT,Michelle(org.). História da Vida Privada.Da
Revolução à Primeira Guerra.São Paulo:Cia das Letras,1995,v.4,p.308.
286
CORREIA,Telma de Barros.Pedra:Plano e cotidiano Operário do Sertão. Campinas(S.P.):
Papirus,1998,p.10.
287
RAGO,Margareth.Do cabaré ao lar:a utopia da cidade disciplinar.Rio de Janeiro:Terra e
Paz,1997,p.176.
137
normalizado e organizado, é vista como meio de fixação e controle do trabalhador,
por parte das classes dominantes.
Por outro lado, a crença nos valores liberais e positivistas relativos à
disciplina, dedicação e perseverança, foram preocupações do poder público rio-
grandense no início do século XX. Neste sentido, Bakos salienta o valor atribuído à
habitação na administração Castilhista, que buscando uma integração ordenada do
proletariado à sociedade, defendia seu acesso à moradia própria, higiênica e
confortável.
288
Neste caso, a casa era considerada fator relevante para o
fortalecimento de nculos familiares, auxílio na formação de trabalhadores mais
engajados e estáveis, constituindo-se assim, em importante referência espacial para
o bairro.
À questão da habitação unem-se outros fatores que começaram a fazer
parte do ideário político da cidade nessa época. A partir da década de 1890, as
administrações municipais passaram a buscar novos valores no tocante à higiene,
saneamento e ordem. No intuito de atender às novas demandas e objetivando
transformar Porto Alegre em uma cidade moderna, o intendente José Montaury
(1897-1924) efetuou diversas melhorias urbanas, investindo nos serviços de
infraestrutura e equipamentos tais como abastecimento de água, energia elétrica,
esgotos, sistema viário e transporte coletivo.
289
No entanto, apesar dos custos desses empreendimentos terem sido
repartidos com a população, as melhorias não contemplaram a todos. Sua
implantação se restringiu a determinadas áreas da cidade, provocando um aumento
nos tributos e o consequente afastamento da população sem recursos.
290
A
assimetria social advinda desta nova ordem, se refletiu geograficamente na
organização do espaço urbano, originando processos de segregações espaciais.
288
BAKOS,Margaret Marchiori.A continuidade administrativa no governo municipal de Porto
Alegre.1897-1937.São Paulo, 1986.Tese de Doutorado em História,USP,p.173.
289
O engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel, contratado pela intendência em 1910, elaborou o
Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre, conhecido como Plano Moreira Maciel, em 1914.
Propunha-se,principalmente, a estudar o traçado viário da área central. Neste sentido ver:
SOUZA,2004, op.cit..
290
BAKOS,Margaret.”Decorando a sala de visitas do século XIX.” In:MAUCH,Claudia(org.).Porto
Alegre na virada do século XIX.Porto Alegre, Canoas, S. Leopoldo: Ed.Univ.,Ed. Ulbra, Ed.Unisinos,
1994, p.148.
138
Desta forma, em prol da moralidade e da ordem, foram extintos os becos,
cortiços, tavernas, bordéis e casas de jogos do centro da capital, associados à
prostituição, ao roubo e à criminalidade. O aumento do imposto predial incidindo
sobre cortiços, acabou determinando a expulsão dos pobres, que partiram para
zonas mais distantes, como o bairro fabril, então implementado através de
loteamentos de antigas chácaras.
291
Preocupações desta ordem, por parte dos chamados “higienistas sociais”,
foram a tônica das administrações públicas nesse momento histórico no Brasil,
através de medidas que visavam melhorar as condições de habitabilidade urbana.
Em 1918, o engenheiro João Fagundes de Mello, então diretor de obras da
cidade de Rio Grande, expressou em artigo na revista Egatea suas preocupações
com as questões relativas ao saneamento das cidades e das construções:
Toda a habitação que não tiver ar e luz deixa de ser salubre para se
constituir em foco de enfermidades, e dessa antiga observação, que hoje
constituem em dogmas, surgiu o provérbio talvez o antigo quanto ella: a
casa onde não entra sol, entra o medico.
292
O engenheiro também pregava a necessidade da obediência aos “princípios
da salubridade urbana segundo os aspectos de insolação” e sua importância no que
tange ao traçado dos arruamentos das cidades, criticando as vias estreitas e
recantos originados pelo desalinhamento dos prédios:
Ora, uma cidade com um traçado que não encerrará, de origem um fim
utilitariamente salubre, está vendo constantemente a morte esvoaçar sobre
si, cada vez mais ameaçadoramente.
293
Alguns autores, como Rago, vêem na aplicação dessas políticas sanitaristas,
intenções em demarcar os espaços dos diferentes grupos sociais nas cidades,
ocupando-se ”com a desinfecção dos lugares públicos, com a limpeza dos terrenos
291
PESAVETO,Sandra J.Memória Porto Alegre:espaços e vivências.Porto Alegre:Ed. Da
Universidade/UFRGS,1991,p.24
292
MELLO,João Fagundes de.A Edificação no Rio Grande do Sul e a sua Regulamentação. EGATEA.
Porto Alegre, vol.4, 1917-1919,p.204.
293
Ibid,p. 204.
139
baldios, com a drenagem dos pântanos, com o alinhamento das ruas, com a
arborização das praças”.
294
Assim também, as obras de embelezamento e saneamento da
administração de Pereira Passos(1902-1906) no Rio de Janeiro, inviabilizaram a
permanência das antigas habitações populares do centro. Um grande contingente de
moradores pobres expulsos, direcionaram-se para os subúrbios cariocas, instalando-
se em casas de cômodos e favelas do entorno central. Desde então, através da
ocupação de morros vazios das proximidades, as favelas passaram a fazer parte da
imagem da cidade, num contraponto à sua modernização. Por outro lado, estas
reformas e a prática das demolições, acarretaram um grande impulso na oferta de
terrenos e na construção civil, pois foram edificados novos prédios comerciais na
área central e moradias nos vários bairros em formação.
295
Em Porto Alegre, fora do perímetro central, as casas de madeira constituíam
a melhor opção para suprir a necessidade de moradias de baixo custo e de fácil
construção. Desta forma, desde o final do século XIX, a iniciativa privada passou a
efetuar pequenas aplicações na construção de moradias simples, sendo que
frequentemente estes proprietários cobravam altos aluguéis, em virtude da grande
demanda e da proximidade ao local de trabalho.
296
Outras proposições semelhantes
partiram de companhias loteadoras, que aplicavam grandes capitais na compra de
terrenos em áreas de expansão urbana da cidade, como o empreendimento,
mencionado, da Companhia Territorial Porto-Alegrense, que muito atuou nos bairros
operários de Navegantes e São João.
297
No Brasil, em final do século XIX e início do século XX, diversos foram os
exemplos de indústrias, companhias ferroviárias e empresas imobiliárias, que
294
RAGO,1997,op.cit.,p.163, 164.
Sobre segregação e padrões espaciais, ver: CORRÊA,Roberto Lobato. O Espaço Urbano.o
Paulo:Editora Ática,1989.
295
VAZ,2002,op.cit.p.52,53. A autora salienta que as favelas da virada do século, certamente não
eram o que entendemos hoje por essa palavra, sendo formas que talvez pudessem ser consideradas
entre o cortiço e a favela. Ibid,. 55.
296
BAKOS,1986, op. cit. ,p.179.
297
Bittencourt, sita outro empreendimento da iniciativa privada, um loteamento da firma Barbará e
Filhos, próximo a Fiateci, em 1912. Ficava no Caminho Novo, entre a Ernesto Fontoura e a avenida
Industrial. Outra proposta semelhante, foi a oferta de terrenos nos arrabaldes de São João e Passo
da Areia, por Jayme Brofman, em 1919. BITTENCOURT,1996,op.cit.,p.715,716.
140
estiveram envolvidas com a edificação de moradias baratas e salubres. A
construção de conjuntos de casas de baixo custo, mas de acordo com os preceitos
de higiene, saneamento e disciplina difundidos nesta época, tornavam as vilas
operárias, verdadeiras “ilhas de ordem e bem estar”. Inicialmente, estiveram ligadas
à indústria têxtil, de papel, mineração, usinas de açúcar e frigoríficos, e, a partir da
década de 1920, também o poder público passou a atuar mais decisivamente na
construção de casas populares.
298
Cabe mencionar o exemplo do industrial Jorge Street, que em 1912 iniciou o
arrojado projeto de implantação da vila Maria Zélia, junto à sua indústria têxtil, em
São Paulo. Além das moradias, o empreendimento envolveu obras de cunho
assistencial como: escolas, ambulatório, farmácia, atendimento médico, armazém,
capela e uma série de atividades recreativas. Segundo Teixeira, a vila foi a solução
encontrada por Street para resolver o problema da ”estabilidade, controle e
formação da força de trabalho”, introduzindo-se um determinado modelo de vida e
de valores materiais, morais e espirituais, através de uma estratégia de dominação
sutil.
299
Figura 54 - Vila operária Maria Zélia em 1919.
Fonte: TEIXEIRA,1990,op.cit.,p. 129.
298
CORREIA,1998,op. cit.,,p.10,39.
299
TEIXEIRA,Palmira P.A fábrica do sonho.A trajetória do industrial Jorge Street. Rio de Janeiro:Paz
e Terra,1990,p.169.
141
Na década de 1870, também difundia-se a idéia das vilas operárias no Rio
Grande do Sul. Construídas pelos proprietários de indústrias, principalmente têxteis
e frigoríficas, adotava a cobrança de aluguel como forma mais usual para a sua
viabilização.
300
Entre algumas formas de moradias junto às indústrias, destaca-se
pelo qualificado conjunto edificado, a Vila Operária da brica de tecidos
Rheingantz,(1874) na cidade de Rio Grande, a mais antiga deste gênero no
estado.
301
Na capital, a Cia. Fiação Tecidos Porto Alegrense(Fiateci), edificou em
1919, uma Vila Operária para seus funcionários, localizada no 4º. Distrito, e que,
segundo Costa, em 1922, cobrava aluguéis que correspondiam a 3% ao ano sobre o
montante empregado na construção e conservação das casas.
302
300
Segundo levantamento feito por Correia no Rio Grande do Sul, as fábrica com moradias eram as
seguintes:Cia.Tecelagem Ítalo-Brasil em Rio Grande,Cia.Swift do Brasil em Rio
Grande(1917),Cia.Swift do Brasil em Rosário do Sul(1917),Indústria de Tecidos Rheingantz em Rio
Grande (1874),Fábrica de Tecidos Progresso da Fronteira em Uruguaiana,Frigorífico Armour do Brasil
em Livramento(1917),Frigorífico São Domingos em Bagé,Frigorífico Santo Antônio em Bagé,Fábrica
Souza Soares(medicamentos)em Pelotas(1883),Cia. Fiação e Tecidos Porto Alegrense em Porto
Alegre(1891) e Estaleiro Mabilde em Porto Alegre. CORREIA,1998,op. cit.,74, 131.
301
Neste sentido ver: PAULITSCH, Vivian S.Rheingantz:Uma Vila operária em Rio Grande.Rio
Grande: Edit. da FURG,2008.
302
COSTA,Alfredo R.O Rio GRANDE DO sul.Porto Alegre:Globo,1922,v.1 p.287.
142
Figura 55 - Foto atual(agosto de 2010) da antiga vila operária da FIATECI( avenida Fábrica, atual rua
Guido Mondin, rua São Paulo e rua Polônia).
Fonte: Fotografia da autora.
Com o término da Primeira Guerra Mundial(1915-20), em face da situação
de crise econômica estabelecida e escassez de dinheiro, agravou-se o problema da
falta de habitações, acarretando o aumento nos preços cobrados pelos aluguéis.
Segundo levantamento de Franco, no exercício de 1914 a 1920, portanto 6 anos, a
concessão de licenças de construção pela municipalidade foi somente um pouco
superiores às solicitações de um único exercício (1911-12).
303
303
FRANCO,Sergio da Costa.Gente e espaços de Porto Alegre.Porto Alegre: Ed. Da
Universidade/UFRGS, 2000,p.73. Segundo o autor, há falta de elementos para diagnosticar essa
queda na construção civil. Presume que poderia ser justificada pelas dificuldades em importar
ferragens, equipamentos sanitários e outros insumos, em época que a cidade ainda dependia de
fornecimento estrangeiro. Ibid,p. 73.
143
Nessa época, o temor da proliferação de cortiços na cidade, mais uma vez
levou o engenheiro João Fagundes de Mello a publicar um texto acerca do problema
das habitações operárias:
Urge uma acção humanitária concedendo habitações salubres e baratas
para o proletariado, a fim de lhe tornar a vida menos infortuna e
fatigante(...). Quanto lar operário existe ao abandono, sem o apoio do chefe
de família e que tem por causa principal o estado de imundície repellente
que só encontra origem na obscuridade envenenadora do cortiço.
304
Tomando como exemplo as experiências internacionais de países como
Inglaterra, França, Itália e Espanha, o engenheiro Mello sugere a formação de
associações no estado do Rio Grande do Sul, com o intuito de reunir capital
destinado a formação de vilas operárias destinadas a aluguel:
Da mesma maneira como se faz para fundação de
egrejas,hospitais,asylos,etc,com a diferença que o capital destinado a essas
instituições é por assim dizer improdutivo, isto é, não rendimento ao
contribuinte, ao passo que na formação de villas operárias o capital
constitue uma renda para seus associados.
305
Para sua viabilização, Mello propõe a participação da iniciativa privada
através de incentivos e isenções de taxas:
Refiro-me sempre à iniciativa particular, a exemplo mesmo dos paízes
precipitados, porque a Allemanha relativamente pouco tem feito sobre esse
assumpto collectivo, porque nella se espera que o governo tome a
vanguarda; é o mesmo critério aliás que prepondera entre nós brasileiros.
306
Curiosamente, cabe às mulheres um importante papel nesta tarefa
filantrópica e de resgate social:
A mulher patrícia, cujos dotes de piedade e de religião têm conseguido
levantar os templos e pôr a cada passo um óbulo na mão supplice do pobre,
deve se collocar à frente dessa verdadeira obra de regeneração social,
tornando confortável e salubre o lar do proletariado, tirando do e da lama
as creancinhas esfarrapadas e doentias, esses candidatos á tuberculose, ao
alcoolismo e ao crime.
307
304
MELLO,João Fagundes de.A Edificação no Rio Grande do Sul e a sua Regulamentação. EGATEA.
Porto Alegre, n.5,set.,vol.4, 1918,p.259.
305
Ibid,p.261.
306
Ibid,p.261.
307
Ibid,p.262.
144
No tocante às iniciativas oficiais do início do século passado, no que diz
respeito à temática da habitação, nas diversas áreas da cidade, referiam-se à
elaboração de projetos de casas de aluguel muito elevado e que não ofereciam boas
condições de habitabilidade. A partir de 1912, o Conselho Municipal passou a se
preocupar mais com a situação das classes menos privilegiadas. No ano seguinte, a
elaboração de um projeto de lei passou a incentivar casas de aluguel de construção
sólida e com perfeitas condições de higiene. A fim de resolver o problema dos
cortiços e das habitações insalubres, era ofertado aos operários, pela
municipalidade, a possibilidade de obtenção de linha de crédito para a construção de
casas.
308
As questões relativas às condições mínimas de higiene, privacidade e
conforto, persistiram por diferentes administrações municipais. Em 1936, foi proposto
pela intendência, através de projeto de lei, três tipos de casas com aluguéis
diferenciados, tendo em vista o atendimento das necessidades dos operários e
evitando movimentos reivindicatórios de caráter extremista.
309
Um breve olhar para a condição da habitação operária européia, com o
advento da Revolução Industrial, é importante para o entendimento da formação e
reorganização da urbanística moderna. Com o crescimento sem precedentes da
população de certas cidades, rompeu-se o antigo equilíbrio entre cidade e campo,
gerando uma verdadeira crise nas cidades. Para Benévolo, a velocidade destas
transformações trouxe consigo uma série de componentes novos, que modificaram
modos de vida e paisagens da Inglaterra:
É totalmente nova a natureza dos fenômenos- a multidão dos habitantes, o
número de novas casas, a capacidade das novas zonas industriais e
comerciais, os quilômetros de novas estradas, canais e minas abertas em
poucos anos na paisagem agreste,altos fornos e chaminés apontadas para
o céu ao lado das torres das catedrais.
310
Alguns reformadores sociais e utopistas passaram a se dedicar à série de
problemas urbanísticos das cidades de então, concentrando seus esforços nas
questões habitacionais como tema maior, em face da insalubridade das moradias
operárias de então:
308
BITTENCOURT,1996,op.cit.,p.718,719.
309
Ibid,1996,op.cit.,p.720.
310
BENEVOLO,Leonardo.As Origens da Urbanística Moderna.Lisboa:Editorial Presença, 1994,
p.22.
145
Com freqüência, as habitações operárias situavam-se em vielas estreitas,
sem contar com iluminação e ventilação razoáveis. Apresentavam alta
densidade de uso para seus cômodos- o sistema de cama quente”
significava que um “mal dormido” era substituído por outro, ao terminar seu
horário; seu sistema de higiene era precário, com valas a céu aberto,
contaminando o curso d´água mais próximo; a quase inexistência de
lugares de estar nos cortiços provocava a transferência desta função para
as ruas, que se tornam apinhadas de gente.Juntam-se a essa situação
salários aviltantes e conseqüentes desnutrição e precárias vestimentas.
Forma-se, dessa maneira, o conhecido quadro de epidemias e surtos de
cólera que se expande nas cidades após 1830.
311
A situação descrita acima, mostra a precariedade da vida de grande parte da
população de cidades como Londres, em meados dos século XIX, em face do seu
processo de industrialização. Nessa época, os inconformados com os graves
problemas urbanos e do operariado, estudaram propostas a fim de estabelecer a
ordem e o equilíbrio nestes locais. As iniciativas em prol do habitat operário, através
da construção de casas, escolas e espaços de lazer junto às fábricas, ou mesmo,
soluções verticalizadas destinadas a alojar centenas de famílias, deram origem a
uma série de alternativas e modelos de subúrbios e de cidades.
Para Benévolo, os métodos que permearam a urbanística moderna de
então, tinham como principais diretrizes, fatores de ordem técnica, tais como as
ferrovias e disposições pleiteadas pelos higienistas e sanitaristas de então.
312
Assim,
aliados às questões de disciplina, estes foram os referenciais que nortearam as
intervenções dessa época.
Uma das primeiras experiências européias de cunho filantrópico foi a de
Robert Owen, em New Lenark na Inglaterra(1816), que procurava beneficiar os
trabalhadores das fiações através da introdução de uma série de melhoramentos e
serviços assistencialistas.
313
Na capital francesa, durante a administração do Barão Haussmann, a Cité
Napoléon(1851) foi um dos berços da moradia social na França, onde uma grande
edificação abrigava até seiscentas pessoas, distribuídas em duzentas habitações
alugadas por baixos preços. Este complexo popular constituiu-se em iniciativa
311
HOWARD,Ebenezer.Cidades-Jardins de Amanhã. São Paulo:HUSITEC ltda.1996,p.18.
312
BENEVOLO, 1994,p.74.
313
Ibid,p.53.
146
estatal isolada, de cunho político, que não alterou a situação das moradias operárias
de Paris, então dominadas por uma grande especulação imobiliária.
314
Um outro conceito foi o de Charles Fourier(1772-1837), que serviu de
referência para inúmeras experiências de moradias populares. Fourier criou um
sistema no qual famílias seriam agrupadas nos “falanstérios”, grandes edifícios
funcionais, capazes de alojar até 3500 pessoas em apartamentos para todos os
orçamentos.
315
Foi projetado, também, um restaurante comunitário, serviços
coletivos e instalações centralizadas. Nele, a vida seria desenvolvida como em um
grande hotel, sendo que os velhos habitariam os apartamentos localizados no térreo,
as crianças no mezanino e os adultos nos andares superiores.
316
O industrial Jean
Baptiste Godin(1817-1889), seu discípulo, obteve sucesso realizando com seus
próprios meios o familistério, um modelo reduzido e modificado do falanstério,
segundo sua experiência pessoal.
317
Posteriormente, na década de 1920, outras propostas procuravam
resolver o problema da habitação do proletariado urbano, que crescia rapidamente.
Nessa época, surgiram, em Berlim, as Siedlungen, conjuntos habitacionais com
apartamentos padronizados, organizados em lâminas de alturas uniformes e
“construção no espaço, em oposição ao quarteirão fechado - uma inversão de figura
fundo da cidade tradicional “.
318
De outra forma, substituindo a idéia de construir habitações operárias em
prédios de apartamentos, Justin Menier propôs em Noisiel(1874)que cada família de
operários desfrutasse de uma casa, cercada de jardins e alugada a preços baixos.
319
Estas experiências influenciaram diversos projetos e realizações de reformadores
314
Ibid,p.100. Neste sentido ver:
DUMONT,Marie-Jeanne.Le Logement Social à Paris.1850-1930.Les habitations a Bon
Marche.Liège: Mardaga Éditeur,1991,p.9.
315
GERRAND,Roger-Henri. “Espaços Privados”.In: PERROT,Michelle(org.). História da Vida
Privada.Da Revolução à Primeira Guerra.São Paulo:Cia das Letras, 1995, v.4, p.362,366.
316
BENEVOLO,Leonardo.História da Arquitetura Moderna.São Paulo: Perspectiva, 1976, p.178.
317
BENEVOLO,1994,op.cit.,p.76.
318
COLQUHOUN,1989,op.cit.,p.212, 213.
As Siedlungen de Berlim tiveram supervisão de Martin Wagner e Bruno Taut e surgiram como uma
crítica aos Mietkasernen do século XIX, construídos as pressas, em cidades alemãs.Seu conceito foi
utilizado em outros países, porém, depois da Segunda Guerra,tal abordagem, para habitações de
caráter social na Europa ocidental e nos Estados Unidos, foi substituída por lâminas mais altas com
elevadores e amplamente espaçadas.
319
GERRAND,1995,op.cit., p.378.
147
sociais, em todo o mundo. Alguns insucessos e certas resistências às vilas operárias
patronais ou urbanas, são justificados por Perrot através da evidente tendência,
entre as classes operárias urbanas, a desejar ter um lugar para si, bem como a
necessidade de afirmação de autonomia através da escolha do seu próprio
domicílio.
320
De fato, também no Brasil, a tendência de construção de habitações junto às
fábricas, seguindo o modelo de vilas operárias, parece não ter perdurado muito
tempo. Vaz constatou que no Rio de Janeiro, após a repressão ao movimento
operário dos anos 1910 e o aumento do número de trabalhadores disponíveis,
reduziu-se a importância das vilas operárias, principalmente na década de 1920. A
maior oferta de mão de obra veio a coincidir com a valorização de diversos bairros,
acarretando a suspensão da construção de casas pelos industriais. As leis de
proteção ao inquilinato contribuíram para encerrar esta produção, pois asseguravam
a permanência nas moradias, mesmo aos trabalhadores desempregados.
321
Antes das vilas operárias, eram frequentes no Rio de Janeiro as estalagens
e casas de cômodos, com dormitórios destinados a solteiros. O surgimento de
manufaturas e bricas na cidade, acarretou um afluxo de multidões em busca do
ganha-pão e a consequente necessidade de estabelecimentos baratos para atender
a este grande contingente que precisava se estabelecer junto ao centro. A limitada
disponibilidade de casas térreas e sobrados, os aluguéis elevados, a possibilidade
de obtenção de bons rendimentos pelos proprietários e arrendatários de prédios e
de terrenos, tiveram como resposta a multiplicação do número de habitações
coletivas. Tais tipos de moradias assumiram denominações que correspondiam à
diversas formas arquitetônicas, como: estalagens, casas de cômodos, cortiços e
avenidas.
322
Neste sentido, Lemos comenta que moradores de cortiços de São Paulo
tinham que economizar muito para comprar em prestações, um lote, nas
proximidades da estrada de ferro, para posteriormente construir sua modesta
moradia, em geral de três cômodos e com a tradicional casinha. Depois da Primeira
320
PERROT,1995, op. cit., p. 316.
321
VAZ, 2002,op.cit.,p. 48.
322
Ibid,p.28,47.
148
Guerra, aumentou o número de casas próprias, mas a maioria dos “remediados”
ainda permaneceu morando em prédios alugados. Nos anos 30, apesar da aludida
crise, os fazendeiros continuaram a investir em imóveis de aluguel, sendo que
eram bem aceitos nesta época, prédios de apartamentos com programas
variados.
323
Voltando ao caso do 4º. Distrito, Otávio Rocha e as sucessivas
administrações municipais elaboraram intenções e projetos, no intuito de tentar
resolver as questões de saneamento, infra-estrutura e as de moradia higiênica e
salubre para a classe trabalhadora, advinda do aumento do número de famílias
operárias. No entanto, o desinteresse dos capitalistas em investir na construção de
casas simples e de aluguel barato preocupava Alberto Bins. As consequências
advindas da crise de 1929 geraram uma série de problemas para a intendência, que
acabou por adiar os planos de construção de habitações operárias.
324
É importante lembrar que somente na década de 1930, foram criadas
políticas em grande escala, para a construção de habitação de interesse social no
país. Assim, entre os anos de 1937 até 1964, instituiu-se os programas dos Institutos
de Aposentadorias e Pensões, IAPs, sendo que neste período foram produzidos no
país, inúmeras habitações sociais de qualidade.
325
Para Bonduki, a transformação do problema da habitação em questão social
e, portanto, em setor de intervenção estatal, intensificou-se a partir do governo
Vargas. Todas as iniciativas surgidas neste período marcam esta clara interferência
do poder público em um setor, até então, desenvolvido e comercializado pela
323
LEMOS,Carlos.”Prefácio”.In: SAMPAIO,Maria Ruth Amaral de(org.)A Promoção Privada da
Habitação Econômica e a arquitetura Moderna.1930-1964. São Carlos: Rima,2002,p.6,7.
324
BAKOS,1986,op. cit.p.199,215,219.
No início do governo de Alberto Bins, seguindo a estratégia de afastamento das moradias proletárias
do centro, foram construídas casas para os funcionários da limpeza pública, na estrada D. Theodora,
próximo da viação férrea de Gravataí.Ibid,p.201.
325
Neste sentido ver: BONDUKI,Nabil.Origens da habitação social do Brasil. São Paulo:Estação
Liberdade,2004,p.180.
O Conjunto do Realengo ,no Rio de Janeiro, projetado em 1939 por Carlos Frederico Ferreira,foi o
primeiro “laboratório experimental” de todos os que viriam a ser construídos em diversas cidades
brasileiras.
Ver também: DEGANI,José Lourenço.Tradição e Modernidade no ciclo dos IAPs:o conjunto
residencial do Passo D’areia e os projetos modernistas no contexto da habitação popular dos
anos 40 e 50 no Brasil. Porto Alegre,2003.Dissertação de Mestrado, PROPAR/UNIRITTER,UFRGS,
p.5.
149
iniciativa privada, através de uma produção rentista, salvo nas questões de ordem
sanitária, onde os governos atuavam através do empenho normalizador dos
higienistas.
326
Muitos projetos habitacionais construídos no país, nesse período, inclusive o
Conjunto Residencial Passo D‟Areia, conhecido como vila do IAPI,
327
em Porto
Alegre, buscaram inspiração em proposições urbanísticas desenvolvidas no exterior,
nas primeiras décadas do século XX, entre elas as teorias das cidades jardins
inglesas.
Choay
328
divide o conjunto de tendências lançadas pelos pensadores pré-
urbanistas, em duas correntes: a Progressista, mais ligada aos franceses e à noção
de progresso acarretado pela Revolução Industrial, e a Culturalista, de
predominância Inglesa, mais voltada para o passado e as cidades antigas, na qual
se filiam Ebenezer Howard e suas idéias humanistas de “cidades-jardins”.
Os conceitos de Howard, implantados na Inglaterra no início do século XX,
tiveram, primeiramente, ampla influência na Europa. Surgiram a partir da
possibilidade de unir os benefícios e as facilidades propiciadas pelo modo de vida da
cidade, com o verde, a tranquilidade e a salubridade do campo.
329
Acentuando a
idéia do convívio com a natureza,Howard acreditava que: era possível construir
cidades novas com indústrias; que cada família poderia possuir uma casa em meio
ao verde, com fácil acesso ao trabalho, ao centro e ao campo; que a qualidade
ambiental poderia ser muito boa; e que era plausível edificar casas de boa qualidade
e de baixo custo, através de regulamentos, evitando diferenciações excessivas e
formando um todo homogêneo e contínuo para a cidade.
330
326
BONDUKI,2004,op.cit.,p.14.
Sob o ponto de vista do autor, iniciativas como a Lei do Inquilinato(1942), o Decreto-Lei 58( 1938),
que regulamentava a venda de lotes a prestação, os IAPIs(1938) e a Fundação da Casa
Popular(1946),não mantinham relações entre si.
327
Este conjunto foi projetado pelo engenheiro Marcos Kruter, com 1691 unidades. Segundo Bonduki,
o conjunto, fortemente influenciado pela proposta da cidade-jardim, diferenciava-se dos outros
projetos de IAPs, de cunho racionalista. Adotou: “princípios como o traçado pinturesco das vias, a
implantação dos blocos, adequada ao meio físico e à topografia, a hierarquia de vias e a profusão de
áreas verdes.” BONDUKI,2004,op.cit.p.172.
328
CHOAY,Françoise.O Urbanismo.São Paulo:Perspectiva,1992.
329
BENEVOLO,1976,op.cit.,p.358.
330
HOWARD,Ebenezer.Cidades-Jardins de Amanhã. São Paulo:HUSITEC ltda.1996,p.66.
150
Posteriormente, as “cidades-jardins” tiveram repercussão em todo o mundo,
geralmente com o propósito de melhorar o ambiente residencial da classe média
alta, através das idéias de “subúrbios-jardins”. Com este viés, também em diversas
localidades brasileiras, foram construídos inúmeros empreendimentos baseados
nestes conceitos.
331
No nosso país, Degani analisa alguns exemplares do ciclo dos IAPIs,
incluindo os que adotaram propostas arquitetônicas mais inovadoras, influenciadas
pelas correntes modernistas.
332
No Conjunto Residencial do Passo D‟Areia (IAPI) de
Porto Alegre, em oposição à maioria destes casos, a opção projetual dos prédios
residenciais foi por uma vertente mais tradicional e conservadora, com referenciais
que remetem aos “bairros-jardins” ingleses. Possivelmente, tal escolha tenha
influenciado para sua “perenidade”, que, a longo prazo, o conjunto obteve uma
melhor compreensão e aceitação, por parte dos usuários, em contrapartida aos seus
congêneres que, segundo o autor, falharam nas suas intenções de propor novas
idéias, que não foram absorvidas pelo usuário.
333
Em 1946, a Associação dos Amigos do 4º. Distrito, ainda lutava em prol das
vilas operárias
334
em São João, Navegantes e Passo D‟Areia. Através da imprensa
local, esta entidade solicitava às autoridades federais, a utilização destes fundos
para a construção de casas, como uma ótima oportunidade para aplicação das
rendas usufruídas das contribuições.
335
Assim, a implementação da Vila do IAPI, no
331
Ibid.,p.67
Neste sentido ver: WOLFF,Silvia Ferreira Santos.Jardim América. São Paulo:EDUSP,2001.
Um destes exemplos é o da Cia. City, em São Paulo, que construiu o Jardim América, a partir de
1913. No Rio de Janeiro, loteamentos nos bairros da Gávea,Jardim Botânico e Laranjeiras.
332
DEGANI, 2003,op.cit.
O autor inclui nesta análise, 3 projetos modernistas: Realengo(1939)no Rio de Janeiro,
Japurá(1947)o primeiro grande prédio de apartamentos para as classes populares em São Paulo e o
excepcional conjunto de Pedregulho com projeto do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, em 1947, no
Rio de Janeiro.
333
Ibid, p. 105.
334
No âmbito privado, registra-se a “vila operária Renner” que em1946 procurou inovar, destinando a
seus funcionários 600 terrenos no Passo da Mangueira.
Neste sentido ver: Problema da Moradia de aluguel.Correio do Povo.Porto Alegre,27 de janeiro de
1946,p.7.
335
Nesta época foi grande a atuação da Associação dos Moradores do 4º. Distrito, no sentido de
pleitear diversas reivindicações destes bairros, junto às autoridades municipais,estaduais e federais.
Neste sentido ver: Vilas Operárias. Folha da Tarde.Porto Alegre,12 de janeiro 1946,p.4.
A Construção de vilas operárias nos bairros do 4º. Distrito.Diário de Notícias.Porto Alegre,27 de
fevereiro de 1946,p.2.
151
bairro Passo D‟Areia, foi um exemplo pioneiro de utilização dos benefícios dos
associados do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários
336
para
aquisição de casa própria.
337
Por outro lado, através de notícias veiculadas em jornais da época, pode-se
ter uma idéia das inúmeras dificuldades do distrito operário. Ainda na década de
1940, persistiam diversos problemas, ora com moradores que ainda viviam sem as
mínimas condições de conforto, ora com os de saneamento. Evidencia-se, através
do mencionado documento de 1938, do início da gestão de Loureiro da
Silva(1937-43) e fruto dos estudos e levantamentos dos engenheiros Ubatuba de
Farias e Edvaldo Pereira Paiva, que a municipalidade, ao pretender assegurar “boas
condições de habitabilidade às camadas da população, principalmente à massa
operária”
338
, ainda lidava com as mesmas questões.
No final da gestão de Loureiro da Silva, Paiva reafirmou que as zonas
insalubres da cidade eram as ocupadas pelas classes operárias, sendo que as
piores, localizavam-se no vale do Riacho, o João e Navegantes. Os fatores que
agravavam esta situação, eram os crônicos problemas dos alagamentos e a
ausência de rede cloacal. Quanto à habitação pobre destas áreas, Paiva a
caracteriza como: “pequena, mal construída e húmida, sem boas condições de
aeração e ensolação e, na maioria das vezes,quando possuem instalações
sanitárias, essas são precárias.”
339
Por fim, este documento reconhecia a existência de um déficit de moradias
de baixo aluguel, que, nesta época, 80% a 90% dos trabalhadores recebiam
salários inferiores a 500$ mensais e que o gasto correspondente era de 30 a 35%
deste valor. Uma das causas atribuídas por Paiva, para os altos aluguéis e a
336
Posteriormente, outros institutos também construíram moradias:
SESI(1948),IAPB(1949),IAPC(1951),IAPTC(1953).
337
Conforme noticiado na imprensa, a Vila do IAPI, iria solucionar o problema de 10 mil pessoas, já
que em média cada família operária era constituída de 6 pessoas. Ver:
Entraves burocráticos dificultam a construção da vila industriaria. Correio do Povo. Porto Alegre,22
de março de 1946,p.3.
338
UBATUBA DE FARIA,Luiz Arthur e PAIVA,Edvaldo Pereira, 1938,op.cit.,p.32.
339
PAIVA,1942,op.cit.,p.97.
152
impossibilidade de construção de casas econômicas, era o excessivo preço dos
diversos materiais de construção.
340
Assim, apesar das intenções, as obras em busca das pretendidas melhorias
foram muito lentas. Em 1946, a coluna A Cidade, do Diário de Notícias, clamava
pelos bairros de São João e Navegantes, “os mais densamente populosos” da
cidade:
(...)é residência de eleição dos operários de nosso parque industrial.Lá
vivem eles aos milhares(...). Mas vivem mal, porque mercê talvez de
capricho dos deuses, o . Distrito é sempre o último a ser bafejado pela
brisa do progresso. Era preciso, impunha-se que alguém, alguma entidade
viesse a liça terçar armas pelo bairro operário,pela cidade dos pobres.
341
No entanto, apesar das inúmeras habitações pobres e dos problemas
descritos anteriormente, o distrito cresceu e consolidou-se através de uma grande
diversidade de usos, funções e tipos de moradias. Como veremos adiante,
misturavam-se na mesma área uma rie de outras moradias que, por suas
características, denotavam diferentes padrões sociais.
Figura 56 - Foto de antigos sobrados da rua do Parque, atualmente(agosto de 20010).
Fonte: fotografia de Silvia Corrêa.
340
Ibid,p.116,117.
341
A Cidade. Diário de Notícias. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1946,p.5
153
Sob este enfoque, depreende-se, a partir do aerofotogramétrico de 1939-41,
certas evidências, algumas relatadas anteriormente, como a baixa ocupação das
áreas a norte, em determinados trechos da Sertório, da João Inácio e das
adjacências da nova avenida Farrapos, bem como nas proximidades do traçado da
estrada de ferro, contrapondo-se às áreas edificadas das proximidades das bricas
Renner e Rio Guahyba. Ao longo da Voluntários da Pátria as ocupações são
maiores e os prédios de grande porte evidenciam instalações industriais, depósitos e
armazéns. Em contrapartida, os quarteirões compreendidos entre esta via e a
Farrapos, demonstram uma grande fragmentação, advinda das pequenas moradias,
em fita ou geminadas. Neste contexto destaca-se a rua do Parque pela uniformidade
de ocupação e os conjuntos de casas em fita nas proximidades de fábricas, como
por exemplo a Wallig, entre Câncio Gomes e Almirante Barroso, assim como a
Neugebauer, na antiga avenida Germânia(atual Cairú). Na avenida Eduardo (atual
Presidente Roosevelt) instalaram-se diversos templos religiosos, sociedades e
outras instituições.
Desta forma, uma análise do seu complexo território permite perceber os
diversos desníveis existentes, cuja interpretação reforça a idéia de um lugar
permeado de contrastes, que subverte os padrões normativos e disciplinares das
cidades organizadas.
Por fim, considerando o interesse da casa no seu entendimento unitário, ou
seja, conferindo a devida importância aos seus aspectos sociais, e não somente às
qualidades arquitetônicas referentes aos componentes técnicos e intenções
plásticas
342
, passaremos a verificar algumas edificações residenciais da área em
estudo. A análise dos projetos arquitetônicos permite investigar a experiência das
suas moradias e, a partir delas, fazer comparações, identificando a introdução de
novos elementos, a incorporação de modos e vivências modernos, e a existência de
certas particularidades dentro de padrões gerais. É também importante avaliar os
elementos de transição, sua ordem espacial e forma de ocupação, assim como as
implicações urbanísticas e arquitetônicas para a cidade, no decorrer do século XX.
342
Neste sentido ver: LEMOS, Carlos A.C. História da Casa Brasileira.São Paulo:
Contexto,1996,p.11.
154
A expressão do dinamismo do bairro industrial, nessa época, passa por essa
diversidade que constitui a própria história do lugar. Ao mesmo tempo, conforme
Veríssimo e Bittar, as várias formas de morar guardam relações semelhantes, que
deixam entrever que a sociedade tem uma face, que ”pode ser compreendida se
percorrermos os corredores de nossas residências e observarmos que a família é o
seu principal fator gerador.”
343
343
VERÍSSIMO,Francisco Salvador e BITTAR,William Seba Mallmann.500 Anos da Casa no
Brasil.Rio de Janeiro:Ediouro,1999,p.28
156
5 HETEROGÊNEO
A história da cidade é também a história da arquitectura; mas a história da
arquitectura é, quanto muito, um ponto de vista, a partir do qual a cidade
pode ser vista.
344
5.1 INTRODUÇÃO
Desde os seus primórdios, a zona baixa da cidade era povoada por
residências, então situadas em terrenos maiores ou em chácaras que faziam frente
para o Guaíba:
Em toda a parte baixa da cidade, à margem das águas, construíram-se e
constroem-se diariamente muitas e belas casas;são as que ficam no porto,
expostas muitas vezes às inundações, como ocorreu em fins de 1833; mas
existia um projeto para a construção de um cais definitivo; por esse meio,
espera-se fazer recuar muito as águas e aumentar mais os terrenos da
cidade.
345
Posteriormente, surgiram trapiches, estaleiros, indústrias, armazéns,
depósitos e, também, moradias que fizeram parte desse cotidiano, que tinha as
fábricas como elementos predominantes. Seguiram-se outros usos e funções, que
serviram de suporte à vida daquela comunidade.
A coexistência de múltiplas atividades e a atração de pessoas de diversas
etnias, geraram um lugar marcado pela heterogeneidade, que, por outro lado, foi
condição de sua animação e prosperidade. Uma vida urbana baseada nestes
pressupostos, é garantia de espaços atraentes, segundo alguns urbanistas, que tem
em mente que: para compreender as cidades, precisamos admitir de imediato,
344
ROSSI, 1977,op.cit.,p. 151.
345
ISABELLE,Arsène.Viagem ao Rio Grande do Sul (1833-1834).Porto Alegre:Martins Livreiro,
1983,p.61.
157
como fenômeno fundamental, as combinações ou as misturas de usos, não os usos
separados.”
346
A fim de combater as políticas de segregação e zoneamentos do
planejamento urbano mais ortodoxo, Jacobs propõe a mescla de atividades. Para
ela, áreas vazias, estéreis e decadentes são consequência da falta de combinação
de usos diversos, capazes de gerar animação e vitalidade. Assim, aponta as falhas
do zoneamento, à medida em que a semelhança de usos acarreta monotonia e uma
ordem enfadonha. Do ponto de vista estético, a falta de diferenças leva à
homogeneidade e ao desnorteamento causado pelas perspectivas visuais
uniformes.
347
Durante algum tempo, este modelo de cidade foi considerado gerador de
inúmeros problemas. Alvo de críticas, foi, então, substituído pelo modelo
funcionalista, no qual buscava-se uma organização dos espaços segundo os
zoneamentos funcionais, em substituição à usual mistura existente nas cidades.
348
A
rua tradicional, com sua complexidade e diversidade funcional, era potencialmente
oposta aos paradigmas da nova urbanística.
A despreocupação com a separação das funções no bairro industrial de
Porto Alegre, bem como a costumeira coexistência de carroças, trens, bondes,
automóveis e pessoas no trânsito das ruas, refletem uma espontaneidade, fruto de
uma aparente ausência de planificação prévia. Assim, a tais espaços de relativa
confusão e desordem, a cidade, regida segundo os pressupostos apresentados,
propunha a racionalização e a separação de fluxos; no lugar da proximidade entre
residência e trabalho, em meio ao barulho, a fumaça e a poeira das fábricas,
contrapunha o ar puro e a tranquilidade de um meio mais adequado para as áreas
habitacionais. Enfim, à convivência “promíscua” de usos, corresponderia a lógica da
sua diferenciação conforme sua função.
346
JACOBS,Jane.Morte e vida das grandes cidades americanas.São Paulo:Martins Fontes,2000,p.
158.
347
Ibid,p.246,247.
348
Neste sentido ver: LE CORBUSIER. A Carta de Atenas. São Paulo: EDUSP,1993;
RONCAYOLO,Marcel.La ciudad. Barcelona:Pardós,1988,p.126.
158
Confrontando as relações da cidade tradicional com a moderna, Lamas diz
que também modificou-se a importância da fachada na sua morfologia. Enquanto na
primeira a comunicação entre o edifício e o espaço urbano se processava através
delas, com o advento do urbanismo moderno, os prédios (e suas fachadas)
passaram a ter orientação desvinculada do traçado viário. Dispostos como objetos
isolados em volta de espaços abertos, estes passaram a ter todos os seus lados
visíveis, ou seja, não mais uma fachada principal fazia parte da paisagem urbana,
mas todas.
349
Desta maneira, alteraram-se também, as relações entre a rua e a edificação,
que encostada nas laterais, as fachadas, através de seus planos frontais
sucessivos, constituíam elos de ligação com o espaço urbano e linha de transição
entre público e privado.
A excessiva preocupação em zonificar e distribuir os usos acarretou diversos
problemas urbanos:
A organização distributiva da cidade em áreas funcionalmente
especializadas provocou a perda de residências nas áreas centrais e perda
de outras funções nas áreas habitacionais, retirando vida e animação às
primeiras nos períodos noturnos e fins de semana e gerando a monotonia e
problemas sociais nas segundas; e também congestionamentos de trânsito
e custosos movimentos pendulares da população.
350
Segundo estas análises, a coexistência de residências mescladas às outras
funções constituía-se em fator de animação dos espaços e de qualificação da vida
coletiva. Estas características acabaram se perdendo à medida em que a cidade
passou a ser desenhada à partir da segregação habitacional e em prol das questões
de ordem funcional. Assim, subdividida e sem sobreposições, foi superada a
complexa organização funcional da rua tradicional, bem como os alinhamentos das
edificações ao longo das mesmas, que caracterizavam a criticada rua corredor.
349
LAMAS,José.Morfologia Urbana e desenho da cidade.Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian-
Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica,1993,p.94,95.
Também neste sentido, Collins referindo-se à analogia mecânica do Movimento Moderno, diz que
esta teve como consequência mais desastrosa, a tendência dos edifícios serem “tratados como
objetos isolados, colocados arbitrariamente na paisagem urbana”, e não como parte do ambiente em
que estão implantados.
COLLINS,Peter.Los ideales de La arquitectura moderna;su evolución(1750-
1950).Barcelona:Gustavo Gili,1998.
350
LAMAS,1993,op.cit.,p.345.
159
A homogeneidade e a monotonia resultantes da excessiva ordem enfadonha
de que fala Jacobs
351
, se contrapõe à quase ausência de ordem de certos territórios
semelhantes à área em estudo, que se formaram através da adição de diferentes
fragmentos que foram definindo a sua paisagem. Uma atmosfera miscigenada
também se efetiva através de um pluralismo democrático representado por diversas
formas de morar que, por si, refletem convivências de estratos sociais distintos.
Tendo em vista a abordagem apresentada e sua originalidade enquanto
outra forma de modernidade urbana, passaremos a refletir, a partir de uma
amostragem de diversas tipologias
352
arquitetônicas habitacionais do distrito
industrial, acerca das transformações e usos significativos dos seus espaços e sua
inserção na cidade.
Nesse caso, a casa, como elemento de fixação e fundamento material da
família, será considerada também sob o ponto de vista do espaço e lugar da
existência familiar. Sob este ângulo, Perrot evidenciou, nas classes populares
urbanas européias, a forte afirmação do “duplo desejo de um lugar e um espaço
para si“, na segunda metade do século XIX.
353
A casa, além da sua evidente função prática, assim como toda a arquitetura,
é configurada por fantasias e ideais. Desta forma, em alguns casos, ela converteu-
se em objeto pitoresco e, em outros, reprodução de inúmeras tendências, modismos
e pastiches.
351
JACOBS, 2000,op.cit.,p..246,247.
352
A noção de tipologia pressupõe a idéia de tipo. Num sentido genérico Gregotti utiliza-o como:
a- “modelo de onde se extrai cópias e esquemas de comportamento(enquanto resume os traços
característicos de um grupo de fenômenos);b- como conjunto de traços característicos, cuja
descoberta, num fenômeno determinado,nos permite sua classificação”.
GREGOTTI,VIittorio.Território da arquitetura.São Paulo: Perspectiva, 1978,p.147,148.
Para Argan, tipo “é a constante que se transmite através das mudanças históricas, uma espécie de
núcleo ao redor do qual se aglomeraram e coordenaram em seguida os desenvolvimentos e as
variações de formas, de que era suscetível o objeto.” ARGAN,Giulio. História da arte como história
da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992,p.201.
Utilizando-se da definição de Quatremère Quincy de tipo e modelo (tipo não representando a imagem
de algo a ser copiado e modelo como objeto a ser repetido tal qual é), Rossi escreveu que “em tudo é
necessário um antecedente; nada em nenhum gênero vem do nada”. Diferentemente do modelo,
“nenhum tipo se identifica com uma forma” apesar de que “todas as formas arquitetônicas sejam
recondutíveis a tipos”. ROSSI,1977,op.cit., p. 43,44.
353
Neste sentido ver:PERROT,1995,op.cit., p.307,309,316.
160
Estas disposições, que tratam da incorporação espontânea, nas fachadas
das edificações dos setores médios e populares urbanos, de novas linguagens,
elementos arquitetônicos singulares, desenhos ou detalhes transformados em
símbolos, pode-se ligar ao termo “circularidade” da cultura. Sob semelhante olhar,
Ginzburg, sem falar em subordinação de alguma das partes, utiliza esta idéia na
abordagem de afinidades entre culturas dominantes e subalternas - elementos da
cultura popular e das classes dominantes- através de um “relacionamento circular”
feito de influências recíprocas pois:
Com muita frequência idéias ou crenças originais são consideradas, por
definição, produto das classes superiores, e sua difusão entre as classes
subalternas um fato mecânico de escasso ou mesmo de nenhum
interesse.
354
Assim, olhando a cidade sob um ponto de vista mais plural, a produção
arquitetônica mesclada dos bairros da zona norte da cidade, tradicionais
protagonistas de representações populares e de uma produção menos
intelectualizada e, por vezes, marginalizada, constitui novo horizonte no campo da
arquitetura, à medida que, ao “aumentar a pluralidade da memória arquitetônica”
contribui-se significativamente “para uma maior diversidade e riqueza cultural de
uma região”.
355
354
GINZBURG,Carlo.O queijo e os vermes.O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
inquisição. São Paulo:Companhia das Letras,1976,p.13,17.
A idéia de circularidade foi em termos semelhantes proposta por Mikhail Bakhtin.Ibid,p.13.
Sob outro enfoque, alguns autores utilizam o termo apropriação: “a arquitetura popular aprende a se
apropriar de determinados elementos presentes no cotidiano, transformando-os em símbolos que lhe
permite estar de acordo com a estética vigente”. OLIVEIRA,Luciana de Lima;DIAS,Paulo Renato
Ramos.”A presença do Art Déco na Arquitetura do Subúrbio Carioca.” In: Art Déco na América Latina-
l ºSeminário Internacional.Rio de Janeiro: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal
de Urbanismo/Centro de Arquitetura e Urbanismo; PUCRJ, 1997,p.186.
355
UNES,2001,op.cit. ,p.18.
161
5.2 CASAS EM FITA
Figura 58 - Conjunto de casas em fita da rua do Parque (agosto de 2010)
Fonte: Foto de Silvia Corrêa.
Estreitas e longas são as unidades construídas em fita, formando sucessões
de casas justapostas e contínuas ao longo da rua. Com fachadas abrindo
diretamente para o logradouro, ou antecedidas de pátio frontal, com cumeeiras
paralelas ou perpendiculares ao alinhamento, consistiram em uma solução
amplamente adotada, no caso da habitação unifamiliar de caráter econômico. No
contexto de coexistências de múltiplas tipologias das grandes cidades, Panerai
destaca as casas sequenciais como uma proposta urbana qualificada e atestada
pela sua antiguidade. Constituem fórmula clara, estável e contínua, no que tange à
definição de espaços público e privado, desde as construções de “caridade” na
idade média, ou as tradicionais casas agrupadas das cidades jardins, até as
sistematizadas pela habitação social e operária. Nelas, os padrões urbanos são
refletidos através das fachadas sobre a rua, enquanto o lugar das atividades
162
individuais fica por conta do espaço posterior da parcela, onde o crescimento da
habitação é permitido, sem afetar a linguagem pública do conjunto.
356
Estudos sobre casas urbanas de diversos lugares, têm demonstrado a
constância da solução da tipologia estreita e longa, quando se considera o caso de
moradias para classes menos abastadas. Com testadas que variam entre 5,00 a
7,00 metros, mantém uma configuração espacial comum através da disposição dos
ambientes sociais na frente e os íntimos e de serviço atrás.
357
Desta forma procedem as casas de construções compactas, que se
estendem ao longo das ruas das cidades coloniais do Brasil, de cuja influência
portuguesa procedem a tendência em manter certa uniformidade, oriunda dos
alinhamentos junto às calçadas e das paredes externas encostadas nos lotes.
Torres e chanfros constituíam as variações, utilizadas principalmente nas esquinas.
De um modo geral, as residências soltas, rodeadas de terrenos com jardins, hortas e
pomares, eram peculiares dos arredores das cidades, enquanto que as construídas
no alinhamento e justapostas umas às outras, eram usuais das áreas mais centrais.
O tipo de sociabilidade induzido neste caso, tem a rua como espaço comunitário e
as relações entre vizinhanças mais efetivas. Diferenciavam-se dos modelos de
casas burguesas, que mantinham-se afastadas dos limites do terreno e por vezes
eram constituídas de porões altos, condições que propiciavam que as intimidades
fossem mais preservadas, além de melhorar as questões de insolação e aeração.
Conjuntos de casas térreas, estreitas e longas, também eram conhecidas
como casas de porta e janela, geralmente modestas moradias construídas de chão
batido, nas quais a ausência do forro deixava com que a estrutura do telhado ficasse
aparente na parte interna. Macedo refere-se às casas de porta e janela da cidade de
356
PANERAI,Phillippe.Projectar la ciudada.Madrid:Celeste,2002,p.63,67.
Também neste sentido, Marx diz que: “ alinhar, fazer alinhamento ou simplesmente alinhamento foi
sempre estabelecer a fronteira entre o espaço público e privado”.MARX,Murilo.Cidade no Brasil em
que termos?São Paulo:Studio Nobel,1999,p.79.
357
Neste sentido ver: BITTENCOURT,Doris M.M. Casas residenciais em Porto Alegre em fins do
século XIX e início do século XX.São Paulo,1996.Tese de Doutorado em Arquitetura,USP, p.90.
163
Rio Pardo(RS), formando fitas que seguiam o esquema econômico da opção pela
testada diminuta e o aproveitamento das paredes laterais para duas moradias.
358
Correia constatou que nas construções de moradias para trabalhadores
brasileiros uma expressa tendência à utilização da tipologia usual das casas de
porta e janela, com fortes traços da arquitetura tradicional brasileira. Apesar da
estreita filiação aos modelos do exterior, frequentemente também eram incorporados
alguns elementos do ecletismo, essencialmente nas moradias dos funcionários mais
graduados.
359
No nosso país, excetuando-se os casos dos cortiços, em que o nível de
degradação era grande, as casas térreas, estreitas e longas desempenharam
importante função social, à medida em que proporcionavam às famílias de menores
posses, um lugar onde fosse possível o desenvolvimento do ciclo familiar.
360
A casa portoalegrense térrea, reduzida a um único cômodo, foi explorada
pelo mercado imobiliário das primeiras décadas do século passado, no intuito de
destiná-la à classe trabalhadora dos diversos bairros da capital. Mas, muitas vezes,
a habitação salubre preconizada pelos técnicos e higienistas do início do século XX,
era precária, chegando a confundir-se com cortiços, ou seja, duas fileiras de
cômodos, separados por uma circulação estreita, sendo que nos fundos
localizavam-se os tanques e privadas para uso comunitário.
361
Em alguns casos,
constituíam conjuntos de diversas casas perpendiculares ao alinhamento da rua,
formadas por sucessões de quartinhos. Em determinados exemplares, os
dormitórios não ultrapassavam a 10,00 metros quadrados, havendo a previsão de
cozinha e latrinas comuns. Nas piores condições, eram executados de madeira com
cobertura de zinco.
362
Assim, em 1918, o engenheiro João Fagundes de Mello advertia às
municipalidades no sentido de fixarem dimensões para áreas mínimas e a
358
MACEDO,Francisco Riopardense de.Arquitetura luso-brasileira. In: WEIMAR, Günter(org.). A
Arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:Mercado Aberto, 1987,p.88.
359
CORREIA,1998,op.cit., p.16.
360
BITTENCOURT,1996,op.cit.,p.153.
361
LEMOS,1996,op. cit., p.59
362
Neste caso ver: BITTENCOURT,1996,op.cit., p. 710,711.
164
necessidade de cuidados com as questões de aeração e iluminação das moradias,
de forma a garantir as condições de higiene. Sobre esta abordagem exemplifica o
caso da então capital do país, através deste curioso texto:
Deus nos livre de terremotos no Rio de Janeiro, mas como se obrigaria a
cidade á demolição dessas gaiolas, desses antros que ninguém vê,
chamados os fundos das casas, e que o, entre outras, uma das
poderosíssimas origens do péssimo estado sanitário da corte?
As construções são péssimas e quase toda a sua totalidade.Cuida-se mais
do efeito para quem passa pela rua, do que do conforto para quem mora
dentro.Partilha da perniciosa fraqueza de que por fora tudo seda e rendas e
por baixo fraldas esfarrapadas. O Rio de Janeiro precisa de habitações
próprias para o clima.
363
No tocante à área em estudo, desde sua origem caracterizou-se por
situações de coexistência e diversidade de tipos de edificações. Neste contexto, a
implantação da tipologia em fita configurou-se de diferentes maneiras,
principalmente a partir do final da década de 1920 e na de 1930. Porém, é
importante salientar que, nos processos analisados, não se evidenciaram projetos
de vilas operárias com a sistematização de uma política social mais complexa
voltada ao operariado, aos moldes da Vila Maria Zélia em São Paulo
364
.
Construíram-se, sim, agrupamentos de casas destinadas à moradia operária, que
formavam conjuntos de pequenas edificações enfileiradas nas proximidades das
fábricas. Apesar das imprecisas referências de algumas fontes acerca das más
condições da habitação operária, também não foram encontrados, na pesquisa dos
microfilmes, casos de projetos de “cortiços”, baseados na tradicional viela central,
com casas enfileiradas em ambos os lados.
365
Desta forma, destaca-se o projeto, comentado anteriormente, da
conhecida vila operária da Fiateci (Figura 59-proc.560/1919)
366
, ou seja, da indústria
têxtil localizada na Voluntários da Pátria esquina com avenida São Pedro. A partir da
363
MELLO,João Fagundes de.A Edificação no Rio Grande do Sul e a sua Regulamentação. EGATEA.
Porto Alegre,n.5,set. ,vol. lV, 1918,p.207,208.
364
A Vila Maria Zélia,assim como a fábrica, foram construídas em terras que iam do rio Tietê, até a
avenida Celso Garcia, adquiridas por Jorge Street em 1912.
TEIXEIRA,1990,op.cit., p.75.
365
Bonduki caracteriza estas habitações como: de má qualidade e distribuição dos aposentos, quase
sempre sem luz e ventilação necessária, carência de saneamento do terreno onde estão construídas
e desprezo pelas mínimas regras de higiene doméstica. BONDUKI,2004,op.cit.p.24.
366
Proc. 560/1919,proprietário: Companhia Fiação e Tecidos Porto-alegrense, avenida Industrial,resp.
técnico:Jacob Pufal.
165
iniciativa dos proprietários, foi construído um conjunto de residências em fita nas
proximidades da indústria, destinadas a acomodar seus funcionários em moradias
que buscavam padrões adequados de casa econômica, ao mesmo tempo em que
promoviam habitações dignas e higiênicas aos trabalhadores.
Figura 59 - Proc. 560/1919.
Lemos lembra que a expressão “casa operária” designava simplesmente
uma casa pequena, em geral constituída de três ou quatro cômodos: sala, quarto e
cozinha, sendo que a “casinha” ficava no quintal. O conjunto destas residências,
formando quarteirões de casas, construídas por industriais, ao lado das fábricas,
para seus empregados, logo foram chamadas pelo povo de vilas.
367
Ao estudar a construção de casas operárias por industriais, Correia destaca
que seu fornecimento teve antecedentes antigos na sociedade brasileira, como o
caso da experiência das senzalas. Já no núcleo fabril de Pedra, localizado no sertão
nordestino e onde a população trabalhadora era na maioria constituída por retirantes
da seca de 1915 ou foragidos da justiça, a autora concorda que a intenção era a de
arregimentar camponeses sertanejos para sua fixação, controle e transformação em
operários eficientes, através da promoção de espaços organizados e lares regrados.
367
LEMOS, 1996,op.cit., p.60.
166
Salienta também que, na elaboração de projetos de núcleos fabris, buscava-se a
transposição das idéias de multiplicidade, racionalidade e repetição, utilizadas na
produção em série, através de disposições espaciais com tendências à monotonia e
uniformidade, restringindo a utilização de elementos decorativos, considerados
supérfluos. Este despojamento solidarizava-se com os requisitos de economia que
norteavam os projetos.
368
As pequenas moradias construídas em grupos constituíram tipologia
característica do processo de urbanização e de ocupação do espaço urbano nas
proximidades das bricas, como o conjunto de dez unidades, de 1908(Figura60-
proc.11/1908)
369
, situado na antiga avenida Germânia(atual Cairú), nas adjacências da
fábrica Neugebauer. Outras edificações semelhantes, caracterizadas por um
programa mínimo, também foram construídas nestas proximidades, evidenciando
uma repetição das funções básicas da casa operária, constituídas de sala,
quarto(alcova), varanda e cozinha.
Figura 60 - Proc. 11/1908.
368
CORREIA,Telma de Barros.Pedra:Plano e cotidiano Operário do Sertão. Campinas
(S.P.):Papirus,1998,p.17, 18, 100.
Correia salienta a diferença existente entre núcleos fabris, conjuntos isolados,distante das regiões
urbanizadas, de vilas operárias, características de cidades e subúrbios. Ibid,p.10.
369
Filme 008,proc. 11/1908, proprietário: José Schavrich, resp. téc. Francisco W., avenida Germânia.
167
Em certos casos, construções igualmente do inicio do século XX,
apresentavam maiores preocupações na elaboração das fachadas, como no projeto
de 1910, (Figura 61-proc.186/1910)
370
na rua do Parque, exemplificando, através das 4
residências construídas por Rudolf Ahrons
371
, a singeleza destas habitações em
grupo, provavelmente destinadas para aluguel. Externamente, demonstram um
cuidado no tratamento dos elementos arquitetônicos e no uso de adornos,
principalmente na hierarquia concedida às unidades das extremidades. No interior,
repete-se a configuração formada pela sucessão de 3 cômodos, sendo o do meio
uma alcova, subdivididos por painéis leves, e tendo como anexo a cozinha.
Figura 61 - Proc. 186/1910.
Mais tarde, no início dos anos 30, três casas alinhadas à rua Conde de Porto
Alegre, (Figura 62-proc. 13483/1929)
372
de Leônidas Tellini
373
, atestam a continuidade
370
Filme 009,proc. 186/1910, propriet. Clara Wenhold, resp.téc.Rudolf Ahrons, Rua do Parque.
371
Rudolf Ahrons nasceu em Porto Alegre em 1869.Estudou em Berlim, onde fez a Universidade
Técnica. Voltando ao Brasil,lecionou na Escola de Engenharia. São de 1902, os seus primeiros
projetos encaminhados para aprovação. Em sua empresa construtora, teve a colaboração no
Departamento de Arquitetura, Hermann Otto Menchen de 1903-1907 e Theo Wiederspahn de1908-
1915. Foi responsável por algumas das obras mais expressivas da época, entre elas: as Faculdades
de Direito e Medicina,os prédios dos Correios e Telégrafos, da Delegacia Fiscal, a Cervejaria Bopp,
várias sedes bancárias, edifícios comerciais e palacetes. WEIMER,Günter. Arquitetos e
Construtores no Rio Grande do Sul.1892/1945.Santa Maria:editora UFSM,2004,p.18,19,20.
372
Filme 040, proc. 13483/1929, proprietário Lino Mazzali,resp. téc. Leônidas Tellini, Rua Conde de
Porto Alegre,245.
168
deste partido, mas revelando condições superiores. Neste caso, são sobrados que
se organizam em torno de um programa um pouco mais generoso, constituído de
sala,varanda, onde se localiza a escada e cozinha, no pavimento térreo e no
superior, dois dormitórios e banheiro. Percebe-se a intenção em elevá-las em
relação ao logradouro, o que contempla as questões de maior privacidade em
relação à comunicação entre a rua e a sala situada na frente, bem como as
melhorias resultantes desta elevação, considerando-se as precárias condições da
zona em tempos de cheias. O porão, também parece ser recurso importante contra
os problemas de umidade provenientes de tal situação. Evidencia-se, através deste
caso, uma diferença no padrão destas residências, se comparadas a outros
conjuntos das proximidades.
Figura 62 - Filme 040_13483/1929.
373
Leônidas Tellini aparentemente teve sua atuação restrita à área da construção civil.
Provavelmente teria sido sócio da firma Irmãos Tellini. No período de 1928 a 1952, sob sua
responsabilidade, foram identificados: a residência de João Pianca, o Cinema Ipiranga e o castelinho
da esquina da Vasco Alves com Fernando Machado. WEIMER,2004,op.cit.p.178.
169
Figura 63 - Foto atual(agosto de 2010) do conjunto de casas da Conde de Porto Alegre.
Fonte: Fotografia da autora.
No desenvolvimento do bairro industrial, a necessidade de habitação
operária pode ser evidenciada através do projeto aprovado em 1912, de um
loteamento da iniciativa privada, na antiga chácara do Cel. Ernesto Carneiro da
Fontoura, a poucas quadras da Voluntários da Pátria, e nas proximidades da Fiação
e Tecidos Porto-alegrense (FIATECI). Com ele, era proposta a venda de terrenos,
que aliavam as vantagens de localização junto às diversas fábricas, serviços de
linhas de bondes elétricos e proximidade com a Estação da Estrada de Ferro,
constituindo-se, na época, em um bom emprego de capital:
A aquisição dos terrenos que se oferecem à venda representa na atualidade
um dos melhores empregos de capital,pois que eles se acham situados no
bairro mais próspero da cidade, centro industrial atualmente e que tende a
transformar-se em seu centro comercial.
Nestas condições é claro que os capitais hoje empregados em tais terrenos
se multiplicam rapidamente.
374
No mesmo ano, também foi encaminhado ao município, o projeto de um
grupo de 10 pequenas casas de porta e janela na rua Gaspar Martins. A solução da
planta baixa também era a dos cômodos enfileirados, sala, dois dormitórios(alcovas)
374
Conforme processo 971/1912. O anúncio dos terrenos era acompanhado de planta de localização
do empreendimento e planta do loteamento. Fica evidente no projeto a intenção de aproveitamento
máximo de cada quadra, no intuito de gerar um número maior de lotes. Assim, seu excessivo
fracionamento originou um grande número de lotes, muito longos, mas de pouca testada.
170
e varanda, tendo os serviços como anexo, mas possuindo w.c. (Figura64-processo
312/1912)
375
.
Figura 64 - Proc. 312/1912.
Portanto, evidencia-se, no início do século passado, por parte de
especuladores, uma tendência a investimentos em casas de renda, acompanhando
o processo de crescimento econômico e de desenvolvimento industrial da cidade.
Franco salienta o fato de que, a partir do exercício de 1903/1904, até 1911/1912, em
sintonia com o desenvolvimento da cidade, houve uma grande ascensão do número
de licenciamentos de construções de Porto Alegre, sendo que, de 1903 a 1912,
licenciaram-se 6 060 prédios.
376
Essas tendências podem ser melhor observadas
através do número de projetos encaminhados para aprovação na Prefeitura de Porto
Alegre, conforme demonstra o gráfico.
375
Filme 10,proc. 312/1912,propriet.Appel Valença, resp.téc. Hemenergildo Dani,Rua Gaspar Martins.
376
FRANCO, 2000,op.cit.,p.72
O autor observa que, o ritmo de crescimento de construções deste período, equivaleria “a uma cidade
nova, se considerarmos o que fora a cidade do fim do século precedente”. Ibid,p.72.
171
Figura 65 - Gráfico do número de projetos encaminhados para aprovação na
prefeitura de Porto Alegre.
Fonte: WEIMER, 2009, op.cit.,p.44.
Nesta época, a grande demanda por moradias acessíveis para a população
operária tornava viável a construção destes grupos de diversas casas sequenciais,
recorrentes nas proximidades das fábricas. A fim de melhor aproveitar os terrenos,
as unidades eram estreitas e longas, o que gerava problemas de iluminação e
ventilação dos compartimentos centrais.
Em outros casos, pode-se perceber, através dos processos analisados, que
nem todos perseguiam a ideia de módulos passíveis de repetição, ou unidades
padronizadas, justapostas e com plantas baixas idênticas, comumente utilizadas nas
habitações operárias. Nestas experiências, efetivavam-se variações no
agenciamento dos espaços internos, por conta das dificuldades em atender às
questões de iluminação e ventilação dos compartimentos, diferenciações em
terrenos de esquina, ou mesmo, alterações nos programas de necessidades, como
evidenciados no projeto de Augusto Sartori
377
(Figura66-proc.1080/1925) e também nos
377
Augusto Sartori foi um construtor que nasceu na colônia italiana, muito ativo nas décadas de
1910 e 1920. Suas obras mais importantes foram o cinema Colombo, na avenida Cristóvão Colombo,
o edifício La Porta (esquina da rua Uruguai com Andradas)e a Sociedade Humanitária Padre
Cacique(Demétrio Ribeiro). WEIMER,2004,op.cit.p.154,155.
172
processos 5603/1929 de Oscar Marjewski e 16092/39 de Helmuth Petry
378
, para os
Aposentados e Pensionistas da Via Férrea.
379
Figura 66 - Filme 022_1080-1925.
378
Helmuth Petry tinha uma empresa com seu pai, Francisco Petry, também construtor, com grande
atuação entre 1936 e 1949. Nesta época construiu edifícios importantes como o Glória(rua Barros
Cassal), o São Paulo (esquina Barros Cassal com Independência) e o da esquina d aruá José do
Patrocínio com a República, todos projetados por Franz Filsinger. Antes da Segunda Guerra Mundial,
fez diversas construções para a Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Empregados da Viação
Férrea. No entanto, sua firma foi a falência no início dos anos 50. WEIMER,2004,op.cit. p. 137.
379
Filme022, proc.1080/1925, propriet. não consta,resp.téc. Augusto Sartori,Rua Álvaro Chaves.
Filme 037,proc. 5603/1929, propriet. Leonello Ellerig,resp.téc. Oscar Marjewski, rua Gaspar Martins.
Filme 82, proc.16092/39, propriet. Aposentados e Pensionistas da Via Férrea, resp. téc Helmuth
Petry, rua São Carlos.
173
Figura 67 - Foto atual (agosto de 2010) da edificação da Voluntários da Pátria esquina com Álvaro
Chaves.
Fonte: Fotografia da autora.
Estas e outras concepções no uso da moradia em fita revelam múltiplos
aspectos da diversidade dos projetos. Mesmo nos que buscavam a elaboração de
plantas idênticas, percebe-se diferenças referentes às questões de representação e
tratamento das fachadas dos conjuntos, destacando-se os que procuravam manter
algum sentido de unidade, dos que basicamente agrupavam as diversas casas. No
tocante às edificações analisadas, enquadra-se no primeiro caso, o conjunto de uso
misto, projetado em dois pavimentos, por José Lutzemberger
380
, na Moura Azevedo
380
José Lutzemberger,responsável técnico desta edificação, foi um profissional de importantes obras
da cidade. Corona diz que era um artista de “real valor”.Seus projetos detalhadíssimos mostravam-se
originais, com molduras e ornatos colocados adequadamente.
CORONA,Fernando.”50 anos de formas plásticas e seus autores”. In:
BECKER,Klaus(org.).Enciclopédia rio-grandense. Canoas: Regional, 1957,v.3,p.240,241.
Segundo Weimer, nasceu na Baviera,onde fez curso acadêmico de Arquitetura. Emigrou para o Brasil
em 1920. Foi dele a sede do cinema Apollo,o clube Caixeral, na rua da Praia esq. Dr.Flores(já
demolido) e a Igreja São José(1923), onde também elaborou as pinturas dos murais,vitrais e obras de
esculturas. Projetou também, diversos palacetes e fábricas. Em 1927, participou da construção do
174
(Figura68-proc.1263/1925)
381
. Neste caso percebe-se a preocupação com a questão da
unidade na composição, que, externamente, dificilmente se identificam os seis
módulos habitacionais propostos. A edificação apresenta-se simétrica, com distinção
hierárquica central, no local dos acessos às lojas e na elevação da platibanda. A
sacada, que se estende ao longo da edificação, constitui-se em elemento peculiar
neste caso, que funciona como circulação principal para os acessos às diferentes
unidades do segundo pavimento. A composição mostra filiação clássica, revelando
condições superiores quanto ao tratamento mais elaborado da fachada, se
comparada aos exemplares anteriores. No agenciamento dos espaços residenciais
do pavimento superior, a planta segue uma sequência originada pela sala localizada
a frente e acessada diretamente pela sacada, seguida dos dois dormitórios
ventilados por área interna, varanda e serviços, constituídos de cozinha, área e
banheiro.
Figura 68 - Filme 022_1263/1925.
Colégio Nossa Senhora das Dores e em 1929, tornou-se arquiteto do Pão dos Pobres.
WEIMER,2004,op.cit.p.108,109,110.
381
Filme 022,proc.1263/1925,propriet. Paulinho Gonçalves, resp.téc.José Lutzemberger, Rua Moura
Azevedo,2.
175
Figura 69 - Foto atual(janeiro de 2009) da edificação da Moura Azevedo, visivelmente
alterada.
Fonte: Fotografia da autora.
No projeto dos sobrados em fita construídos na rua Paraíba, de propriedade
da Caixa de Aposentados e Pensionistas dos Empregados da Viação Férrea do RS,
(Figura70-proc.5660/1933)
382
, não mais se verificam as intenções de tratamento de
fachada única, mas sim, unidades que formam um ritmo dado pela sucessão de
portas e janelas, que remetem ao padrão utilizado para moradias urbanas
tradicionais. Nelas há uma disposição, em ambos os lados da rua, em agrupamentos
de 10 e 13 unidades, compostas de 2 e 3 dormitórios. Quanto ao programa
residencial, apresenta-se mais funcional, já que a casa se desenvolve em dois
pavimentos. No primeiro, há uma área frontal que dá acesso ao hall de distribuição e
que contém a escada, seguindo-se a sala, gabinete, serviços e no segundo
pavimento, os dormitórios. A vinculação com jardins frontais regula as relações de
vizinhança e favorece as atividades de lazer.
382
Filme 054, proc.5660/1933, propriet. Caixa de Aposentados e Pensionistas dos Empregados da
Viação Férrea do RS, resp. téc. Barcelo & Cia., rua Paraíba.
176
Figura 70 - Proc. 5660/1933.
Figura 71 - Foto atual(janeiro de 2009) do conjunto da rua Paraíba.
Fonte: Fotografia da autora.
Como já mencionado anteriormente, a partir de 1933, o governo federal criou
os Institutos de Aposentadorias que, reunindo profissionais por categorias, visavam
a concessão de benefícios, como o da casa própria.
383
Para as classes populares
urbanas, esta idéia era vista como referência de bem estar e fixidez espacial da
383
Neste sentido ver: BAKOS,1986,op. cit,p.224.
LIRA,José Tavares Correia de.”Modernidade e Economia do Morar no Recife”.In:SAMPAIO,Maria
Ruth A. de(org.). A Promoção Privada de Habitação Econômica e a Arquitetura Moderna.São
Carlos:Rima,2002,p. 58.
DEGANI,J., 2003,op.cit.
177
família, o que determinou medidas administrativas no sentido de atender este anseio
de autonomia, ao mesmo tempo em que melhorava as condições de habitações
inadequadas. Relaciona-se a este fato, a proposta de moradias para os empregados
da rede ferroviária, da rua Paraíba.
Nas diferentes concepções de uso da habitação, revelam-se aspectos
diversos dos projetos do bairro industrial de Porto Alegre. Em algumas edificações
de ocupações mistas eram priorizados os espaços destinados às atividades
comerciais, sendo que a solução para o setor residencial imediato era configurada
sem grandes pretensões à privacidade. Nestes casos, ainda não era usual a
separação entre moradia e trabalho, que os comerciantes ou negociantes
residiam e trabalhavam no mesmo prédio. Alguns projetos, como as 4 unidades
mencionadas anteriormente, de uso misto, da esquina da Álvaro Chaves com
Voluntários da Pátria (proc.1080/1925)
384
, evidenciam uma sobreposição de
circulações, acarretando a falta de independência entre o uso comercial e
residencial. Neste caso, apesar da preocupação com frisos e adornos que valorizam
a edificação, confere-se pouca importância aos aspectos funcionais.
Esse fato também pode ser verificado, nas 4 unidades de uso misto da rua
Moura Azevedo (Figura72-proc.6708/1928)
385
, provavelmente destinadas a aluguel,
idealizado pelo arquiteto alemão Adolf Siegert para Carlos Barth, também
proprietário de um palacete na rua Santo Inácio esquina Luciana de Abreu e de uma
loja da rua Uruguai, também projetados por Siegert.
386
Alinhados à rua e sem
afastamentos laterais, os sobrados se relacionam diretamente com o logradouro
através das lojas. Percebe-se a evidente falta de especialização no tocante às
preocupações em separar os acessos residencial e comercial, que ambos se
fazem através da própria loja e, a ligação entre os dois pavimentos, por meio de uma
escada localizada na varanda. uma singeleza no trato das questões residenciais
384
Filme 022,proc.1080/1925,propriet. não consta,resp.técnico Augusto Sartori, rua Álvaro Chaves
esq. Voluntários da Pátria.
385
Filme 034,proc.6708/1928, propriet. Carlos Barth Jr.,resp. téc. Adolf Siegert, Rua Moura Azevedo.
386
Adolf Siegert era arquiteto natural da cidade de Colônia e emigrou em 1923 para Porto
Alegre.Teve uma vida profissional muito ativa, entre 1925 e 1939, sendo que projetou diversos
palacetes para a burguesia teuto da cidade,como os Simsh, Gerdau, Livonius, Dillenburg, Moeller e
Wallig. Fundou uma empresa construtora no 4º. Distrito, na rua Ernesto Alves (Adolf Siegert & Cia.).
Entre as suas obras relevantes, resta a residência de Carlos Barth, na rua Santo Inácio esquina
Luciana de Abreu.Faleceu em 1961. WEIMER,2004,op.cit.p. 166.
178
e do programa, composto de varanda, cozinha e banheiro no pavimento inferior e
dois dormitórios no superior. Diferentemente de outros exemplares, que aliavam
trabalho e moradia, foi suprimida a tradicional circulação longitudinal localizada a
partir do passeio e que, de alguma forma, proporcionava mais privacidade à
residência localizada exclusivamente no pavimento superior, situação de partido
arquitetônico da maioria dos sobrados urbanos tradicionais e, especialmente, da
Voluntários da Pátria, no seu trecho mais central.
387
Figura 72 - Filme 034_6708/1928.
Como em alguns exemplares da área, a proposta de união entre habitação e
trabalho no mesmo prédio, nas 4 unidades da Moura Azevedo, não prevê a
separação entre os seus usuários, proprietários ou inquilinos. Há uma evidente
prioridade concedida ao trabalho, que acaba deixando pouco espaço à vida familiar.
Por outro lado, apesar de organizarem-se em terrenos de testadas menores e
através de justaposição, verifica-se uma tendência em eliminar as alcovas, com a
adoção de pequenas áreas de iluminação, propiciadas através de avanços técnicos
e construtivos em relação à utilização de calhas e condutores para o escoamento
das águas pluviais.
387
Neste sentido ver:MATTAR,2001,op. cit.
179
Apesar do uso misto ser corriqueiro no 4º. Distrito, é possível, através da
leitura dos projetos, perceber-se a tendência à utilização de uma única atividade,
principalmente nos sobrados em fita. Quanto à destinação dos recintos, a sala
constitui-se no compartimento de maior prestígio e em elemento de transição entre a
rua e mundo familiar, que, invariavelmente, é localizada na frente. Organizadora
do setor social, aparece nas edificações mais singelas como restrita a um único
ambiente, como em outro conjunto projetado também pelo arquiteto Adolf Siegert
(Figura73-proc.19270/1932).
388
Figura 73 - Filme 053_19270/1932.
Sem grandes alterações funcionais, fica evidente que, nas casas construídas
em terrenos mais estreitos, vinculadas à planta alongada e à distribuição sequencial
dos recintos, a sala permanece isolada da varanda, local destinado às refeições da
família e, invariavelmente, contíguo à cozinha. Elemento central da vida domiciliar, a
varanda também servia às diversas funções da dona de casa. Por sua evidente
importância, em alguns projetos analisados, aparece como compartimento que
substitui a sala, como nos comentados sobrados da Moura Azevedo
(proc.6708/1928) e os de Leonidas Tellini, na Conde de Porto
Alegre(proc.13483/1929).
388
Filme 053,proc.19270/1932, proprietária Maria Daut,resp.téc. Adolf Siegert,rua Missões.
180
Um fator que demonstra alteração no que toca às questões de usos e novas
vivências na arquitetura residencial, pode ser constatado nos casos em que a sala
de jantar se aproximou do estar,ou seja, na forma de compartimentos justapostos e
integrados, principalmente nas moradias de dois pavimentos (proc. 5603/1929).
Neste sentido, parece pertinente a afirmação de Guerrand de que, no decorrer do
século XX, a sala de jantar perdeu seu caráter de intimidade, antes destinado
essencialmente ao encontro dos membros familiares.
389
Outras transformações o as relativos à imagem plástica dos exemplares:
das fachadas que incorporavam elementos clássicos, expressivos ornamentos ou
preocupação em destacar a esquina, para aquelas que tenderam a novos padrões
formais, de simplificação e alterações dos elementos arquitetônicos. Alguns projetos
exemplificam estas inovações, como as três moradias da rua Missões, anteriormente
referidas(proc.19270/1932), onde a horizontalidade das janelas, o desenho das
portas e a eliminação da platibanda adornada que esconde o telhado, sinalizam
avanços no trato das questões de linguagem e nos padrões estéticos, evidenciando-
se, nos primeiros anos da década de 1930, um direcionamento à outra
modernidade, que seria a tônica adotada em Porto Alegre, nos anos que se
seguiram.
Comparando-se estes conjuntos de casas em fita com os localizados nas
proximidades da área estudada e que, atualmente, inserem-se no bairro Floresta,
percebe-se que os últimos revelam condições um pouco superiores às citadas,
através de programas desenvolvidos em dois pavimentos, da utilização de áreas
mais generosas, da configuração da planta, que abandona o esquema dos cômodos
seqüenciais, das preocupações com a valorização dos elementos compositivos das
fachadas e de hierarquia conferida às esquinas. São os casos dos projetos:
proc.7454/1927,
390
na Comendador Azevedo esquina com Florida, proc. 5603/
1929,
391
na esquina da Gaspar Martins com São Carlos, proc. 10425/1929
392
da São
389
GUERRAND,1995, op. cit., p.333.
390
Filme 029, proc. 7454/1927, propriet. Franco Andrighetto,resp.téc. Franco Andrighetto, rua
Comendador Azevedo esq. Florida.
391
Filme 037,proc. 5603/1929, propriet. Leonello Ellerig,resp.téc. Oscar Marjewski,rua Gaspar Martins
esq.São Carlos.
392
Filme 039,proc. 10425/1929,propriet. Oscar Bastian Pinto,resp.téc. Deckerhoff & Widmann,rua São
Carlos, esq. Hoffman.
181
Carlos esquina com Hoffman e do projeto localizado na esquina da São Carlos com
Almirante Barroso (Figura74-proc.16092 /1939)
393
. Cabe destacar, neste último conjunto
de 7 residências para Aposentados e Pensionistas da Via Férrea, as inovações
formais com a introdução de elementos Déco, principalmente na diferenciação
conferida ao exemplar da esquina. Somente nele é eliminado o telhado de telhas
francesas, substituído por platibanda com detalhe escalonado que, juntamente com
a volumetria de linhas curvas, demonstram a grande popularização do Déco. Neste
conjunto pequenas diferenças entre as residências, através da adição de
sacadas e, também, a introdução da garagem como novo requisito do programa das
casas em fita.
Figura 74 - Filme 082_16092/1939.
A partir do exame desses processos, verificou-se relativa diversidade de
projetos em fita, apesar de serem reduzidas as variações no tocante à organização
dos espaços domésticos. Como visto, esta tipologia foi utilizada tanto para os
conjuntos de casas operárias, quanto para os estratos médios. Suas
transformações, ficam por conta da tendência à adoção sistemática do uso
exclusivamente residencial, com distribuição dos setores em dois pavimentos e
393
Filme 082, proc.16092/1939,propriet. Aposentados e Pensionistas da Via Férrea, resp.téc. Helmuth
Petry, rua São Carlos,esq. Almirante Barroso.
182
inovações na concepção externa das construções, cuja aparência se tornou mais
despojada a partir dos anos de 1930. Apesar disto, não evidências de
incorporação de exigências de refinamento, multiplicação e especialização do
número de cômodos, que se restringiam à adições de dormitórios ou gabinete,
mantendo, portanto, a singeleza no tratamento das questões do programa e seu
agenciamento.
5.3 CASAS TÉRREAS
Figura 75 - Casa térrea da rua Moura Azevedo por ocasião da enchente de 1937.
Fonte: PORTO ALEGRE:BIOGRAFIA D‟UMA CIDADE,1940,op.cit.,p.340.
A visita simbólica a uma casa do 4º. Distrito relatada por Mondin, permite
compreender melhor as moradias de uma parte das famílias do bairro, nas primeiras
décadas do século passado. Pretendendo fazer uma abordagem acerca do padrão
de vida daquela população, avalia que eram famílias de vida estável, cujo chefe
sustentava a mesa farta, embora tudo o mais fosse mantido com restrições, folgando
183
com forçadas economias”.
394
Ao visitar uma “residência de categoria” relembra que
as moradias individuais, ou de alvenarias, situavam-se nas avenidas, sendo
frequentes as construídas de madeira, conhecidas como chalés e bangalôs e que,
de uma maneira geral, na frente haviam recuos ajardinados. Mas segundo o autor, o
padrão da casa podia ser avaliado pela cozinha:
O fogão a lenha, que evoluiu do de tijolos, com uma chapa de ferro longa e
duas ou três bocas, para o de ferro “Wallig”, de sortidas cores e floreado.
Segundo as posses, o “frigorífico” de botar gelo por cima,ornamentado com
um pingüim sempre lascado. A um canto, a trempe de panelas, alinhando-
se verticalmente e estreitando-se até o último suporte. O toque de bom
gosto e de asseio estava nos panos de cozinha, colocados calculadamente
para proteger as paredes e enfeitar o ambiente.
395
5.3.1 Casas Térreas Isoladas
Em Porto Alegre, como em geral ocorreu em outras cidades brasileiras,
implantaram-se novas formas de morar favorecidas pelo advento das melhorias
urbanas, da modernização dos transportes e das transformações econômicas,
sociais e cnicas da sociedade. Nas grandes cidades, os modelos tradicionais de
casas justapostas e no alinhamento foram gradativamente sendo substituídos por
outras alternativas de implantação no terreno, cujas primeiras manifestações foram
expressas através de afastamentos ajardinados em um dos lados, mantendo-se
alinhadas à via. Goulart explica que, durante a segunda metade do século XIX, as
primeiras transformações referiam-se às soluções de implantação, cujos esquemas
previam afastamentos das edificações dos limites laterais, sendo que,
frequentemente, ainda mantinham-se no alinhamento da rua. O mais comum era o
recuo em apenas um dos lados, reduzindo-se ao mínimo o da outra extremidade,
quando existia.
396
De uma maneira genérica, a casa de um único pavimento constituiu a forma
de habitação mais comum para o caso das residências menores. Weimer enfatiza
394
MONDIN, 1987op. cit.,p. 43.
395
Ibid,p.43,44.
396
REIS FILHO,1973,op. cit.,p.44.
184
que as casas rreas sempre foram associadas à pobreza, sendo que a nobreza
portuguesa costumava habitar em casas de mais de um andar,os sobrados, que
assim constituíam a grande aspiração de qualquer cidadão português. Em alguns
casos, essa disposição pelo sobrado fez surgir os “pseudo-sobrados”, que, na
verdade, eram casas térreas, mas com o sótão habitado
397
.
No final do século XIX, os moradores de casas térreas de Porto Alegre eram,
na maioria, operários, muitos deles imigrantes alemães e italianos. Para Bittencourt,
a “casa porto-alegrense” térrea é considerada um modelo, que se repete ao longo
do tempo, mantendo relações com a organização social, econômica e cultural da
comunidade. Como visto anteriormente, também foi construída em grupos de duas,
três e até 25, nesse caso, casas de aluguel destinadas à suprir a grande demanda
oriunda do crescimento da população.
398
No tocante às residências térreas do 4º. Distrito, pode-se perceber que às
transformações urbanas da cidade e às melhorias no bairro operário correspondiam,
também, modificações no tocante às habitações. Em um contexto de coexistências
de diversas tipologias, por vezes rompia-se a continuidade das sucessivas fachadas,
paralelas ao alinhamento da rua, com a presença de edificações descoladas dos
limites do terreno, que adotavam recuos frontais e afastamentos laterais.
Exemplo de projeto que apresenta características da tipologia singela das
construções térreas, de fachadas despojadas, encostadas nas duas divisas laterais
e no alinhamento da via, é a casa construída por Júlio Weise
399
, para Francisco
Feijó, na então avenida Eduardo
400
(Figura 76-proc. 386/1893). A casa de Feijó fazia
parte das poucas edificações existentes nesta avenida, ainda sem calçamento,no
final do século XIX. Segundo Franco, a avenida Eduardo foi aberta em
aproximadamente 1890 e, portanto, é anterior a implantação do já mencionado
397
WEIMER,Günter.Arquitetura popular brasileira.o Paulo:Martins Fontes,2005,p.206.
398
BITTENCOURT,1996,op. cit.,p.409,412.
399
Julius Weise era arquiteto, de origem germânica, sendo que desenvolveu inúmeros projetos na
última década do século XIX. Deixou de exercer o ofício em 1908. Entre uma série diversificada de
suas obras, destacam-se:, a cervejaria Ritter e a Berta, uma das primeiras fábricas da cidade, o
restaurante do Prado da Independência, o ginásio do Turnerbund(mais tarde Sogipa), a escola da
Sociedade Italiana e um grande número de casas e palacetes (dez dos quais na avenida
Independência, como a casa Torelly). WEIMER,2004,op.cit. p. 187,188.
400
Filme 01 383/1893 ,Propriet.: Francisco Feijó,Resp. Téc.:Júlio Weise,Av. Eduardo.
185
loteamento da Cia. Territorial, de 1895. O levantamento de1892 mostrava que na via
existiam somente 10 prédios térreos.
401
Seu programa é muito compacto e mantém
a sequência tradicional de sala na frente, seguida do único dormitório(alcova),
varanda e cozinha, não constando das unidades de serviços, que, nessa época,
não haviam redes públicas de água e esgoto, utilizando-se o sistema das fossas
móveis, tendo o local destinado à latrina, situado nos fundos do terreno. Este
exemplar ilustra o tipo de residência térrea mais antiga, onde o projeto orienta-se
diretamente para a rua através das duas janelas e da porta, no alinhamento do
passeio e pela ausência de porões ou desníveis em relação à via.
Figura 76 - Filme 001_386 - 1983.
As considerações de Lemos de que a casa popular urbana dos tempos
coloniais possuía uma configuração interna que praticamente foi a mesma em todo o
Brasil, a dos cômodos enfileirados sala na frente, dormitórios no centro e nos
fundos, dando acesso ao quintal, as dependências de serviço
402
, é perfeitamente
adequada à casa de Feijó e de outros projetos do final do século XIX e primeiras
décadas do século XX.
401
FRANCO,1992,op. cit.,p.336. Franco lembra que o grande proprietário de terrenos na zona, foi
Eduardo de Azevedo e Souza, um dos fundadores da Cia.Territorial Porto-Alegrense,e inspirador do
nome da avenida Eduardo, até 1945, quando foi substituída por Franklin Roosevelt. Ibid,p.336.
402
LEMOS,1996,op.cit.,p. 32.
186
No mesmo ano desta edificação, 1893, o Código de Postura Municipais
sobre Construções de Porto Alegre passou a regulamentar a aprovação de projetos,
tanto para obras novas como para reformas. O “plano de obras” deveria constar de
plantas baixas, cortes e elevações. Alguns artigos, contemplavam questões relativas
à higiene, aeração, áreas mínimas e pés direitos. Outros, como o art.3-18, proibiam,
aos edifícios que ficavam nos alinhamentos, “as rótulas e portas de abrir para fora,
assim como as ombreiras,vergas, peitoris, sacadas e balcões de madeira”. As redes
de esgoto só viriam em 1912
403
, mas o mesmo código estabeleceu que em qualquer
projeto de casa deveria ser indicado o compartimento reservado à “latrina”. Para o
caso das edificações de madeira, não seriam admitidas, conforme art.3-23, “nos
alinhamentos das ruas e nem contiguas a outros prédios”.No entanto, na chamada
“zona de esgoto”
404
era obrigatório o cercamento dos terrenos baldios e proibidas as
edificações de madeira, no intuito de valorizar esta área da cidade. Assim, estas e
outras exigências não atingiam as construções de diversos arrabaldes da capital.
Posteriormente o Regulamento Geral de Construções de 1913, aprofundou e
ratificou as prescrições do anterior.
405
Alguns exemplares, como a casa localizada na avenida São
Pedro,
406
(Figura77- proc.892/1913) consta de um programa um pouco maior, 3
dormitórios, 2 salas,varanda, cozinha e aproveitamento da inclinação do telhado
para construção de sótão, apesar de ainda não possuir as dependências de
serviços. Mostra uma característica comum nas residências deste e de outros
arrabaldes, a existência de afastamento somente em uma das laterais, mantendo-se
alinhada à rua. Um aspecto digno de nota é o agenciamento dos espaços,
apresentando 2 salas, bem como dois acessos frontais, um através de corredor que
chega até a varanda, e o outro diretamente da rua a uma das salas, evidenciando-se
uma possível função de escritório.Percebe-se a adoção do esquema que utiliza a
403
Conforme Franco, em 1912 foi inaugurado o serviço de esgoto domiciliar da cidade, em somente
uma primeira etapa. Franco,1992, op.cit.,p.155.
404
O perímetro da “zona de esgoto” era definido pelas ruas Ramiro Barcelos até a foz do Riacho, rua
Venâncio Aires e Campo da Redenção. Neste sentido ver: BITTENCOURT,1996,op.cit.p.449.
405
Brasil.Lei no.2. Ato no. 22 de 13 de março de 1893.Código de Posturas Municipais Sobre
Construções. Leis,Decretos,Atos e Resoluções.Porto Alegre,”A Federação”, 1893, Art.1,Art.3-1,3-
6,3-18,3-22,3-23Art.10.
Brasil.Ato no. 96 de 11 de junho de 1913. Regulamento Geral das Construções. Leis Decretos,Atos
e Resoluções.Porto Alegre,”A Federação”,1914.
406
FILME 12 892/1913 ,Propr. Alex Schwalm, Resp. Téc. Alex Knoll, End.: av.São Pedro.
187
varanda como centro distribuidor dos ambientes de maior intimidade da casa e,
apesar do número maior de cômodos, ausentam-se os compartimentos destinados a
serviços. Externamente apresenta adornos e frisos nas vergas das janelas e
tratamento na parte superior do oitão.
Figura 77 - Filme 012_892 - 1913.
Residências rreas, encostadas em uma das laterais, mas alinhadas ao
lote, são muito frequentes nos projetos analisados. Para Lemos, o corredor lateral
descoberto constitui um rompimento com a tradição, à medida em que passou a
atender às questões de aeração e iluminação dos cômodos intermediários das
habitações, bem como a uma evolução tecnológica, com a adoção de calhas,
condutores e outros elementos que permitiram aos telhados sua independência em
relação às coberturas vizinhas e, portanto, o rompimento com a antiga solução de
continuidade.
407
Nas grandes cidades brasileiras, a existência desta tipologia torna-
se recorrente a partir do início do século XX. Chama a atenção a presença de uma
pequena grade embaixo de cada janela, destinada à ventilação dos porões, que
os assoalhos ficavam afastados do chão. Outra característica comum é o corredor
lateral descoberto e guarnecido de um portão de ferro forjado, situado no
407
LEMOS,Carlos. Alvenaria Burguesa. São Paulo: Nobel,1989,p.96.
188
alinhamento da rua. Na sua maioria, eram casas de aluguel e destinadas aos
“remediados” da sociedade.
408
Assim são as casas projetadas por Arthur Fencelau
409
(Figura78-proc.
726/1915), na Moura Azevedo e Jose Hruby
410
(Figura79-proc. 735/1915), na 7 de Abril
411
, correspondendo a partidos que mantém afinidades no que tange à simplicidade
do programa, destinado à residência de um único dormitório, afastamento em
somente uma das divisas e configuração interna dos ambientes obedecendo à
sequência sala na frente, seguida do dormitório, varanda, cozinha e ainda sem as
dependências de serviços. Nestes casos, os compartimentos voltam-se para uma
das laterais descobertas, sendo onde, o usual portão junto ao alinhamento, funciona
como elemento de transição entre o público e o privado. Apesar das fachadas
adornadas, características do início do século XX, a singeleza se evidencia através
dos reduzidos cômodos e da ausência de sofisticação no trato das questões
relativas à privacidade interna, ou seja, na restrita independência de usos dos
ambientes, resultante da ausência de circulações. Contudo, verifica-se que o
pequeno porão proporciona isolamento junto à via, bem como proteção contra os
frequentes alagamentos do bairro. Nestes casos, mantinha-se a hierarquia da
fachada principal, voltada para o logradouro, apesar da entrada ser pela lateral.
412
408
LEMOS,1996,op.cit., p.55.
409
Arthur Fenselau em 1918, estava estabelecido na rua do Parque. Foi um grande empreendedor
de construções residenciais, sendo que teve grande atuação no período anterior a Primeira Guerra
Mundial, até os anos 30. WEIMER,2004,op.cit.p.59,60.
410
José Hruby de origem Tcheca, nasceu na Boêmia em 1875 e em 1905 recebeu o título de
Baumeister(“mestre de obras” na sua tradução literal, mas que não corresponde ao sentido original).
Em 1913, construiu a Companhia Fabril Porto Alegrense, na Voluntários da Pátria e também outras
fábricas, como :a fábrica Gerdau e a de sabonetes de Victor Fischel,ambas na Voluntários da Pátria,
bem como a Cia. Souza Cruz na esquina da Marques do Pombal com Dr. Timóteo. Para a igreja
católica projetou o colégio Bom Conselho(1914), a igreja da Sagrada Família(1915), da Nossa
Senhora da Piedade(1916), da Nossa Senhora da Glória(1916) e de São Pedro(1917). Até o final da
sua vida, dedicou-se à construção da Catedral. WEIMER,2004,op.cit. p. 89,90.
411
Filme 14,proc.726/1915, propriet. Max Gissa,Resp. téc. Arthur Fencelau, rua Moura Azevedo e
filme 14,proc. 735/1915, propr.: Francisco de Paula Libonati, Resp. Téc.: Jose Hruby, rua 7 de Abril.
412
Semelhante configuração foi encontrada nos seguintes projetos: filme 14, proc. 354/1916
,proprietário DE Pasqual Leandore , rep. téc. Vicente Athanazio, na rua Hoffmann e
Filme 24 , proc. 1410/1926,propr.: Walter Kaufmann, resp. téc.: Adolf Stern, rua 7 de Abril.
189
Figura 78 - Filme 014_726 - 1915.
Figura 79 - Filme 014_735 - 1915.
Chama a atenção que, em diversos projetos pesquisados, foram usuais as
soluções onde somente a frente é de alvenaria, como a casa da Moura Azevedo. No
entanto, percebe-se um cuidado com a aplicação de adornos, a fim de também
valorizar as fachadas das residências de pequenos programas. De um modo geral,
190
esta era uma prática usual desta época, onde as alvenarias serviam de suporte a
uma rie de elementos decorativos de diversos estilos, sem, contudo, haver
variações consideráveis nas plantas baixas.
413
Alguns exemplos ilustram as etapas desta evolução, como a casa de Luiz
Ellis
414
(Figura 80-proc. 524/ 1919), que, construída em terreno de testada um pouco
maior, utiliza a mesma organização sequencial, com variação no que tange aos
afastamentos em ambas as laterais, apesar de continuar no alinhamento da via.
Figura 80 - Filme 016_524 - 1919.
Lemos destaca que, antes da Primeira Guerra Mundial, as casas das
classes médias e populares se caracterizavam por possuir somente uma fachada, a
voltada para a rua, sendo que as residências com afastamentos nas laterais, que
permitiam sua visualização em seus quatro lados, eram privilégio das classes mais
abastadas. No início do século XX, esta tendência também se tornou usual nas
casas remediadas e modestas.
415
413
Ver:LEMOS,1996,op. cit.,p.55.
414
Filme 16, proc. 524/1919,Propr.:Luiz Ellis,Resp. Téc. Guilherme Hahn,Rua 7 de Abril.
415
LEMOS,1996,op.cit.,p.64.
191
As “casas médias” constituem-se em espécie de gradação entre os
palacetes e as casas populares. Os jardins laterais e fronteiros e o arranjo de
algumas funções foram referenciais das residências mais abastadas, apesar de o
abandonarem a antiga circulação e a idéia de centralidade da sala de jantar, o que
evidencia sua persistente função de ambiente aglutinador da vida familiar. No
entanto, a sala de visitas foi o seu “ponto de honra”, ou seja, “procurou compensar a
distância que manteve do palacete”.
416
Deste modo é a casa projetada por Jose Hruby, na avenida Germânia(atual
Cairú) (Figura81-proc.359/1917)
417
, que, assim como outros exemplares da área, é
construída em terreno maior, com programa mais complexo e recuos em ambos
lados, evidenciando-se uma mudança de padrão em relação às habitações
produzidas para aluguel. Apesar de ainda manter-se alinhada à rua, relaciona-se
mais com os jardins. Percebe-se detalhes mais elaborados na fachada e a presença
de um porão mais alto, que proporciona maior privacidade aos ambientes que abrem
para o alinhamento da rua, sendo que a entrada principal se faz pela sala de visitas
através da porta lateral. Entretanto, o agenciamento dos espaços internos não
demonstra preocupações em propiciar independência entre os setores. O programa
se completa com varanda,cozinha e depósito. Surge, como variação, o escritório,
que provavelmente destinava-se à atendimento externo às atividades da moradia,
que um acesso diretamente pela lateral. Contudo, ainda nesta residência
construída em 1917, percebe-se a ausência do compartimento destinado ao
banheiro, sendo que os espaços reservados para serviços, como era comum nesta
época, configuram-se como verdadeiros puxados agregados ao corpo das casas.
416
HOMEM,Maria Cecília.O Palacete Paulistano e outras formas de morar da elite cafeeira:1867-
1918. São Paulo: Martins Fontes,1996, p. 129.
417
Filme 015,proc.359/1917),Propr.: Frederico Reinher, Resp.Téc.: Jose Hruby, End.: Germânia
(Cairú),19.
192
Figura 81 - Filme 015_359 - 1917.
Apesar da singeleza no trato da configuração dos espaços e do programa, o
exemplar projetado por Hruby apresenta algumas afinidades com certas residências
construídas para a elite da cidade, principalmente as concentradas no eixo da
avenida Independência, no final do século XIX e início do século XX. Entre as
novidades de então, estavam as alterações no esquema de implantação no terreno
com o afastamento em um dos lados, a transferência da entrada principal para esta
fachada e a adoção do modelo de porão alto que protegia a intimidade em relação à
rua.
418
Nestor Goulart lembra que, no Brasil, bitos diferenciados dos imigrantes e
a inspiração do ecletismo fizeram parte do processo de alterações dos antigos
modos de construir e morar. As consequências do declínio da escravidão e o
progresso tecnológico também foram elementos de um processo generalizado que
se manifestou no país.
419
A solução adotada na moradia construída na Moura Azevedo (Figura82-proc.
5551/1929),
420
de 1929, demonstra a busca de maior relação com a área externa
418
Neste sentido ver:GÉA,Lúcia S.O espaço da casa:arquitetura residencial da elite Porto-
alegrense(1893-1918).Porto Alegre,1995.Dissertação de Mestrado em História,PUCRS.
419
REIS FILHO, Nestor Goulart.Quadro da arquitetura no Brasil.São Paulo: Perspectiva, 1973,p.44.
420
Filme 37,proc. 5551/1929, propr.: Sofia Abut Simão, resp. téc.: Jorge Carandauris, Rua Moura
Azevedo,j. no. 380
193
lateral. A edificação é construída no alinhamento da rua, com afastamentos em
ambos os lados, no entanto, a entrada é feita pelo lado, através de um portão,
valorizado por pórtico e por uma circulação coberta. Apesar da maior largura do
terreno, o programa é compacto, constituído de sala, 2 dormitórios e varanda, que
abrem suas portas para o corredor lateral externo, uma espécie de alpendre, bem
como cozinha e wc. Analogamente, casas maiores costumavam apresentar área
livre lateral, que se organizava como jardim e por onde era feita a entrada, através
de escada. Nesta lateral, corria um alpendre externo que desempenhava, até certo
ponto, a função de corredor de acesso, para o qual eventualmente abriam as portas
de salas, quartos ou cozinhas, transportando os corredores e escadas para o
exterior e forçando sua integração com os jardins.
421
Figura 82 - Proc. 555/1929.
421
REIS FILHO,1973,op. cit., p.172.
194
Figura 83 - Filme 020_376 - 1924.
Alguns processos identificam edificações que foram construídas em terrenos
maiores, situados nas proximidades de zonas de chácaras. Lemos chama a atenção
para o fato de que, com o tempo, a palavra chácara passou a designar o lote de
terreno maior que os demais, localizado fora do centro.
422
Este é o caso da casa
construída por Schubach & Hartmann
423
(Figura83-proc. 376/1924)
424
, na avenida
Sertório, onde o estreito corredor lateral é substituído por recuos maiores,
possibilitando a eventual passagem de viaturas de tração animal
425
. Percebe-se que
o acesso principal se faz através de varanda frontal. O recurso do telhado, de duas
águas e de forte inclinação, garante os espaços destinados aos dois dormitórios no
sótão e um coerente tratamento mais simplificado da fachada, onde os adornos e
frisos são dispensados.
422
LEMOS,1989,op.cit.,p.93.
423
Karl Hartmann de origem germânica, formou-se engenheiro em 1907 em Berlim, onde de 1913 até
1920, teve grande atuação no desenvolvimento de importantes projetos.Em 1921, já em Porto Alegre,
construiu para A.J.Renner, até 1928. Entre 1924 e 25 foi sócio da firma Schubach &Hartmann,
construindo diversas fábricas. Atuante nos campos da arquitetura e engenharia, sua maior
contribuição para a arquitetura está na área fabril. No entanto, seu grande mérito deve-se a atuação
pioneira na área do cálculo de estruturas de concreto armado, ao lado de Alfred Haessler.
WEIMER,2004,op.cit.p.83, 84.
424
Filme 20, proc.376/1924, propr.:Fritz Heffer, resp. téc: Schubach e Hartmann, Sertório,113.
425
Ver: LEMOS,1989,op.cit.,p.96.
195
Nas proximidades da avenida Sertório, como mencionado anteriormente,
permaneceram muitos resquícios de características rurais até as primeiras cadas
do culo XX. Assim sendo, também através da análise dos projetos, percebe-se
algumas evidências de construções de caráter campestres. O projeto de uma
residência térrea e de tratamento de casa isolada, construída por Otto Hayek,
426
na
mesma avenida (Figura84-proc. 0231/1925)
427
, mostra o aparecimento de terraços, que
se moldam a uma solução simples quanto ao tratamento da fachada, do telhado de
duas águas e da configuração dos espaços internos, através de planta que, assim
como a do projeto anterior, foge do sistema de disposição linear, que caracteriza a
maioria das residências até aqui analisadas. Neste caso, uma varanda, que também
incorpora a função de sala, é o elemento central e principal da moradia, em cujas
extremidades se localizam, de um lado, os dois dormitórios, e do outro, a cozinha e
o banheiro.
Figura 84 - Filme 022_0231 - 1925.
Da mesma forma, a edificação construída por Alex Knoll
428
e situada na João
Inácio (Figura85-proc. 5778/1927)
429
e portanto nas imediações da Sertório, apresenta
semelhanças quanto ao tratamento da fachada e a presença do alpendre frontal,
426
Otto Hayek era arquiteto sócio e professor da Gewerbeschule em 1914. Realizou diversos prédios
de qualidade arquitetônica entre 1918 e 1923. WEIMER,2004,op.cit. p.85 .
427
Fime 22 ,proc. 0231/1925, de Katarina Trein, Resp. Téc.:Otto Hayek,rua Sertório.
428
Alex Knoll foi um pequeno construtor que atuou na cidade entre 1921 e 1929.
WEIMER,2004,op.cit.p.97.
429
Filme 29,proc. 5778/1927,propr. não identificado, constr. Alex Knoll, rua João Inácio.
196
exemplificando uma constância de habitações com programas mais compactos na
área de Navegantes. Neste caso, a construção encosta nas divisas laterais, mas
mantém-se recuada da rua. O acesso é feito através do terraço, situado na frente, e
deste à varanda, elemento agenciador dos espaços da residência. Os demais
recintos são um dormitório, com gabinete integrado e a cozinha. Observa-se que, no
limiar dos anos 30, o banheiro ainda não comparece no corpo da casa, em algumas
edificações. Novamente o telhado de duas águas, bastante inclinado, permite
aproveitamento do sótão para um outro recinto.A fachada possui tratamento bem
singelo, com saia formada através da base de pedra, pequeno arco no acesso ao
alpendre e adorno na parte superior. Cabe aqui lembrar, que, com o tempo, as
chácaras da periferia das cidades sofreram transformações, onde terrenos reduzidos
e a própria arquitetura assumiram características urbanas.
430
Figura 85 - Filme 029_5778 - 1927.
utra tipologia evocativa de construções de caráter mais rural, foram os
chalés
431
, isolados em centro de terreno, como de costume, ou com variações.
Pode-se presumir que, aliado ao conhecimento das técnicas construtivas dos
430
Ver: REIS FILHO,1973,op.cit, p.48
431
Chalé, do francês chalet casa campestre da região dos Alpes, feita de madeira,com telhado de
forte caimento e beirais avançados.
197
imigrantes alemães e italianos, os chalés, e outras construções de madeira, também
tornaram-se viáveis, por conta do aproveitamento das madeiras disponíveis e
comercializadas através das serrarias das proximidades.
Em 1906, chamou a atenção do viajante Buccelli, em seu passeio pela rua
Voluntários da Pátria, a presença de depósitos de madeira e de materiais de
construção, comercializados e “transportados em chatas enormes, puxadas por
pequenos vapores”. No final do seu percurso, no arraial de Navegantes, Buccelli
encontrou serrarias, fábricas de cadeiras e pequenas oficinas.
432
Uma das mais
importantes serrarias da época era a BIRNFELD de Hubner & Müller(Luiz Henrique
Pedro Hubner &Felipe e Raymundo Muller), que ocupava uma quadra inteira, entre a
Voluntários, av. Pátria,Ernesto Fontoura e Missões. Outra firma do mesmo gênero
era a de FORTUNATO TRAVI e Cia.(1912), também instalada na Voluntários.
433
É importante salientar que, de um modo geral, a madeira foi o material eleito
para a construção das moradias dos primeiros imigrantes alemães no estado, que
a origem desses povos vem de uma cultura florestal e de clima frio.
434
Assim como a
utilização deste material, alguns procedimentos arquitetônicos também foram
seguidos pelos imigrantes italianos, como a separação da cozinha, do corpo da casa
e outras formas de assentamento, relativas à pequena propriedade de cunho
familiar, utilizadas no seu país de origem.
435
A organização das “casas” das famílias
italianas era semelhante às alemãs, dispondo os dormitórios em torno de uma sala
central. O sótão, área livre e ventilada, era comumente utilizado para depósito,
secagem de cereais e, não raro, abrigava dormitórios que se destinavam aos filhos
homens.No porão era instalada a cantina, também servindo para a guarda de
alimentos (queijo, toucinho,salame,etc.).Porões pequenos, ou mesmo a sua
ausência, eram típicos das residências de centros urbanos. Na maioria dos casos
432
BUCCELLI,1906, op. cit.p. 87,88.
433
BLANCATO, Vicente.As forças econômicas do estadodo RGS no 1º. Centenário da
independência do Brasil:1822-1922.Porto Alegre:Oficinas gráficas da livraria do Globo-
Barcellos,Bertaso e cia.,1922,p.234. O autor salienta que nesta época, o estado era rico em
madeiras, com diversas serrarias localizadas na região serrana, onde havia grandes extensões de
pinheirais, de cujo exploração originava-se a matéria prima exportada para a Europa e América
Latina. Ibid,p.234.
434
WEIMER,Günter.Arquitetura popular brasileira.o Paulo: Martins Fontes,2005,p.160
435
Ibid,p. 171.
198
houve a manutenção de técnicas construtivas dos ancestrais, como o bom manejo
com a carpintaria, peculiar dos alemães.
436
Mais especificamente sobre o tipo de construção denominado chalé, a sua
origem vem do Romantismo do século XIX, tendo posteriormente se popularizado e
adquirido grande valor simbólico. Seu significado evoca, de um lado a noção de
“uma idealizada vida campestre” e, de outro, a modernidade cnica advinda das
facilidades oferecidas pela possibilidade de industrialização de seus elementos
construtivos.
437
Em sua forma autêntica, o chalé ficou conhecido por ser uma
construção simples e rústica, feita de madeira, originária da região rural da Suíça
francesa, com destaque para a ornamentação externa, mãos francesas sustentando
os beirais e balcão no primeiro andar. Esta construção pitoresca acabou sendo
transformada pelos construtores europeus. Com o desenvolvimento do ecletismo
foram incorporados outros elementos e adicionadas ornamentações ao telhado de
duas águas e de empena frontal, tais como os rendilhados lambrequins e os
pináculos, que acabaram vinculando-se à versão erudita. Os chalés, repletos de
simbolismo, se popularizaram e se espalharam pelos subúrbios de muitas cidades
modernas, associados a diversos estilos historicistas e catalogados pelas
academias.
438
O chalé construído totalmente ou parcialmente de madeira, de planta
retangular e de duas águas, ornamentados com testeiras rendilhadas, ou não, foi um
tipo edilício muito utilizado nas moradias operárias dos subúrbios, o que talvez tenha
contribuído para o seu desprestígio social
439
. Entre os projetos pesquisados foram
encontrados diversos chalés humildes, alguns constituídos de um ou dois
cômodos,comunicáveis entre si, destinados à moradia operária. Normalmente, a
troca para a modalidade de edificação em alvenaria de tijolos constituía-se em
demarcação econômica de melhoria de status das famílias.
436
Ibid,p.177
437
CAMPOS, Eudes. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
47142008000100003&script=sci_arttext">Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material
Chalés paulistanos</a> .Acesso em: jun.2009,p.1
438
Ibid,p. 3,5.
439
Ver:Ibid,p.26.
199
Assim como os cortiços, as pequenas edificações de madeira foram
combatidas na região central da cidade, através de normativas municipais, no intuito
de coibir sua proliferação, que consideradas uma modalidade não apropriada aos
novos padrões preconizados na época. Como mencionado anteriormente, em
1893 e posteriormente em 1913, a municipalidade ratificou a proibição de
edificações de madeira na zona servida por rede de esgoto, bem como sua
regulamentação através do art.29, que, entre outras prescrições, exigia que estas
construções mantivessem um afastamento de pelo menos 1,50 m dos vizinhos e
4,00 m do alinhamento da rua.
440
Nesta época e durante algum tempo, foram muito tímidas as restrições e
exigências legais para as edificações da cidade. Estas medidas procuravam
disciplinar e controlar a situação das construções desordenadas, fornecer
alinhamentos para as novas, dimensionamento de compartimentos e aberturas,
tratamento das questões das águas pluviais e condições relativas aos interiores.
No olhar dos saneadores da higiene e da moral, a vivência dos pobres era
associada a componentes sociais ligados à marginalidade, e como tal, indesejáveis
no centro. Nesta época, ”vivências burguesas e redutos do povo viviam os seus
últimos momentos de cohabitação na área central”.
441
Curiosamente, também nos arrabaldes, à medida em que certas ruas
adquiriam um melhor padrão, havia a tentativa de retirar as moradias mais simples,
em geral os chalés de madeira, que não eram bem vindos pelos vizinhos. Em 1931,
o Diário de Notícias publicou um documento assinado por 60 pessoas,residentes na
avenida São Pedro, dirigido ao prefeito municipal, acerca de melhorias nesta
avenida. Entre diversas solicitações, uma refere-se às construções de chalés de
madeira:
Os peticionários pedem a v.ex. para alvitrar-lhe que sejam proibidas as
construções de novos chalets e meia-águas na rua São Pedro,pois não se
justificariam taes edificações numa via publica tão importante como aquella,
440
Brasil.Ato no. 96 de 11 de junho de 1913. Regulamento Geral das Construções. Leis
Decretos,Atos e Resoluções.Porto Alegre,”A Federação”,1914, Capítulo XI,art.29.
441
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Memória Porto Alegre:espaços e vivências. Porto Alegre:Ed. da
Universidade/UFRGS-PMPA,1999, p.24.
200
que já conta com palacetes e regular numero de modernos bungalows e
outros typos de casas de alvenaria.
442
Entretanto, uma série de opções de casas simples de madeira, na verdade,
eram alternativas livremente inspiradas em chalés. Assim, a casa idealizada por
Theo Wiederspahn
443
(Figura86-proc. 237/1913)
444
exemplifica uma solução que utiliza
elementos típicos regionais europeus, de caráter pitoresco, adaptado à sua condição
de lote urbano. O telhado de duas águas é bem inclinado, acrescido de águas
furtadas, sendo de madeira o frontão, peitoris e elementos de decoração. A
edificação é encostada em uma divisa, sendo que a entrada é feita através do
afastamento lateral, a uma área coberta denominada terraço. Neste caso, o arquiteto
adotou o esquema de circulação externa, semelhante ao projeto da Moura Azevedo,
analisado anteriormente( proc.5551/1929), que para o terraço se abrem os três
principais ambientes da casa: o salão, o quarto e a varanda. O reduzido programa
se completa com a cozinha, não havendo as dependências de serviços.
Provavelmente, o local da “latrina” seria no quintal, com a utilização do sistema das
fossas veis. A residência ainda possui um sótão contendo um dormitório, que,
como já mencionado, era opção comumente usado pelos imigrantes.
442
DIÁRIO DE NOTÍCIAS.Porto Alegre, 7 de Janeiro de 1931,p.8.
443
Neste exemplar, Wiederspahn adota uma solução diferente das usuais residências que projetou na
cidade, onde frequentemente usava torreões e uma profusão de ornamentos característicos de uma
linha historicista.
Profissional de expressivas obras na cidade e muitas na Voluntários da Pátria, onde além de diversas
residências,projetou fábricas,armazéns e edificações comerciais. Nascido na Alemanha,chegou a
Porto Alegre em 1908, onde passou a trabalhar com Rudolph Ahrons, onde projetou:cervejaria
Bopp,o edifício do café Colombo,Correios e Telégrafos,Novo Banco da Província,Banco
Alemão,Banco Francês-Italiano,Banco Pelotense,Previdência do Sul e importantes residências.
Sobre o autor ver: CORONA,1957,op.cit.p.156. WEIMER,Günter.A Arquitetura.Porto Alegre:Ed. da
Universidade,1992,p.96. Do mesmo autor ver também: A arquitetura erudita da imigração alemã
no RGS. São Paulo:1989.Tese de Doutorado em Arquitetura,FAUUSP.
444
Filme 11,proc. 237/1913 ,propr.: Ronaldo Reppold,resp.téc.: Theo Wiederspahn,End.: Álvaro
Chaves.
201
Figura 86 - Filme 011_237 - 1913.
Essa casa de madeira, situada em Navegantes, exemplifica a variada obra
deste arquiteto, que projetou diversos palacetes e uma série de projetos importantes
na cidade e no interior do estado. Weimer justifica este aspecto através do conceito
atribuído ao ensino ministrado nas escolas alemãs, que formavam um tipo de
“profissional completo”, isto é, construtores capazes de dominar todos os encargos
de uma obra.
445
Atualmente, restaram poucos exemplares destas construções, de madeira,
ou mistas, que muitas vezes evocam construções rurais européias, típicas dos
arrabaldes da cidade. Na área em estudo ainda permanece a pitoresca edificação da
avenida Pátria, 245.
446
445
WEIMER,2009,op.cit.,p.97.
O autor aponta um série de trabalhos de caráter técnicos, de Wiederspahn, como
depósitos,trapiches,câmaras frigorífecas, caixas de água,entre outros.
446
Na pesquisa dos projetos microfilmados, foi localizado em 1941,uma solicitação de “reforma e
construção de uma garagem”, nesta residência, de propriedade de Paulo Engels (proc. 3870/1941).
202
Figura 87 - Foto atual(janeiro de 2009) da residência na avenida Pátria, 245.
Fonte: Foto de Silvia Corrêa.
Ainda é importante mencionar os inúmeros chalés que, desde as primeiras
décadas do século passado, foram utilizados como habitação operária, com
tratamento de edificação isolada ou até geminados. Alguns possuíam programas
muito reduzidos, com somente sala e quarto e solução muito singela, abolindo os
caprichosos lambrequins. Outros eram um pouco maiores, com três dormitórios ,sala
e cozinha, como o de Germano Schimitz (Figura88-proc.1012/1913)
447
, que destinava-se
a uma família maior.
Figura 88 - Filme 012_1012 - 1913.
447
Filme 012,proc. 1012/1913,propriet. Germano Schimitz, resp.téc.Karl Minor,rua Moura Azevedo.
203
Outras alternativas de gosto pitoresco, foram os denominados bangalôs ou,
em inglês, “bungalows”. A casa de moradia de Francisco Gschwenter,
448
construída
por ele mesmo, na avenida Germânia(Cairú) (Figura89-proc.9224/1930)
449
, assim foi
denominada no projeto arquitetônico, agregando uma garagem e um galpão, a um
programa de residência de três dormitórios, varanda, banheiro, depósito e cozinha.
A edificação tem tratamento de casa isolada, com uma área coberta junto ao acesso
principal, bem como outra, junto ao galpão e garagem, originada pelo próprio beiral.
Na fachada, destaca-se a base de pedras e a janela ao estilo “bay window”.
Curiosamente, no mesmo ano deste projeto, o jornal Diário de Notícias, na coluna
“Para quem quer construir - idéias sobre construcções, architectura e arte decorativa
interior”, escrita pelo arquiteto Monteiro Neto
450
, publicou um artigo sobre Bungalow,
juntamente com a planta baixa e a fachada de um exemplar, muito semelhante à
casa de Gschwenter. No texto, o arquiteto adverte para o fato de que determinadas
residências da cidade não estavam sendo construídas em zonas adequadas
segundo o seu tipo ou estilo, como, por exemplo, a inserção de um bungalow na
“colleção de estylos clássicos e modernos das ruas Duque de Caxias ou
Independência”. Entretanto adverte que, apesar do termo ter despertado muito
entusiasmo no momento, tem sido erroneamente atribuído a qualquer casa de beiral
saliente. Após defini-lo, Monteiro ensina que:
Bungalow é, pois, uma habitação de direito reduzido,onde uma varanda
ao longo de uma das paredes lateraes dão ao conjunto a idéa de menor
448
Francisco(Franz) Gschwenter nasceu em 1893 na cidade de Ijuí, e obteve licença para
edificações de até dois pavimentos. Por volta de 1930 construiu diversas residências em Navegantes,
onde assinava com o nome de Francisco. WEIMER,2004,op.cit. p.80.
449
Filme 40,proc.9224/1930,proprietário e construtor Francisco Gschwenter, na avenida Germânia.
450
João Antônio Monteiro Neto é natural do Paraná, onde nasceu em 1893. Em 1929, depois de ter
atuado em outras localidades do país, veio para Porto Alegre, para trabalhar na Diretoria de
Saneamento da Prefeitura, na qualidade de desenhista. Posteriormente trabalhou como arquiteto-
chefe na firma Barcelos & Cia e estabeleceu-se em escritório de arquitetura e construção no período
de 1931-34. Trabalhou também na construtora Azevedo Moura & Gertum, como arquiteto, de 1936-40
e posteriormente na firma Spolidoro & Cia. A partir de 1948 teve escritório próprio, o Studio Monteiro
Neto. Entre diversos projetos importantes, destacam-se o edifício Vera Cruz, na Borges de Medeiro
com Andrade Neves, o Ponche Verde(Associação Rio-grandense de imprensa),o Terra Lopes na
av.Independência,o São Pedro, na Salgado Filho, o Instituto Santa Luzia, o edifício Palmeiro da
Fontoura (1934), na Otávio Rocha esquina Vig. José Inácio. Também projetou diversas residências,
entre elas, a de Hélio Ribeiro(1951), de tendência eclética, na esquina da D.Pedro com Marquês do
Pombal e as casas modernistas da rua Santa Terezinha no. 200 e 263 e da avenida Guaíba,740 de
1933, de extraordinária modernidade para a sua época. Teria realizado mais de mil projetos só no
estado e por sua obra, foi um dos arquitetos mais importantes da cidade.
WEIMER,2004,op.cit.p.121,122,123.
204
altura,tornando-o mais intimo.Os seus beiraes devem ser lançados com
largueza e elegância e os materiaes pesados applicados em sua
construcção devem apresentar sempre um aspecto leve. A pintura deve ser
sempre alegre,sendo que, nas applicações de pedra(...). Deve-se preferir
sempre o natural.
451
Figura 89 - Filme 040_9224 - 1930.
Realmente, percebe-se nos projetos pesquisados, que muitas edificações
eram aleatoriamente denominadas de bungalow. Assim é o projeto de João Ferreira
de Lima na São Pedro(proc.09924/1930)
452
, onde foi atribuído o termo à duas
moradias geminadas, construídas no alinhamento da rua e com plantas muito
singelas, de cômodos enfileirados. Talvez a justificativa tenha sido o estilo do
telhado, como bem advertiu Monteiro.
Sugestões para projetos de bungalow também eram difundidas através da
revista Egatea, no final da década de 1920, descrita como sendo uma tipologia
pitoresca, capaz de satisfazer as exigências de uma família modesta e muito
apropriada para os arrabaldes da cidade:
451
DIÁRIO DE NOTÍCIAS,Porto Alegre, 14 de setembro de 1930,p. 13.
Monteiro define o termo “bungalow” como originado de um tipo de moradia dos habitantes de
Bengala( no Indostão Inglês), depois levado para os Estados Unidos e espalhado pelo mundo. O
verdadeiro “bungalow” é de madeira e contornado por espaçosas varandas. Ibid,p.13.
452
Filme 41, proc. 09924/1930,proprietário Henrique Yung, resp.técnico João Ferreira de Lima, na
avenida São Pedro.
205
Construção modesta e dotada de todo o conforto e hygiene, deverá ser
rodeada de jardins bem traçados e elegantemente dispostos e plantados
para dar-lhe aspecto pittoresco e agradável.
453
Uma outra tipologia comum no bairro efetivava-se nas edificações térreas de
esquina, no sistema residência e comércio, geralmente ocupado por armazéns, onde
grande parte da população se abastecia. Mondin lembra com saudades que, antes
do advento dos supermercados, eram nos armazéns maiores (baratilhos) onde se
encontrava de tudo e o atendimento era mais humanizado. Na ausência de bares, as
vendas funcionavam como tais, estabelecimentos menores, via de regra, localizados
em esquinas. No 4º. Distrito haviam diversas vendas, nas quais proprietário e
freguês mantinham relações próximas, baseadas na confiança mútua, onde era
permitido que as compras “a caderno”fossem pagas no final do mês. Entre tantos
estabelecimentos do gênero, cita alguns: o armazém dos Veronese, a venda dos
Bianchi e o “Ronda Monte”( de Pedro Sartor e Faustino Colombo),na avenida Brasil;
rico nas especialidades italianas,era o do Manganelli, na avenida Eduardo;na
Pernambuco, “O Vencedor” e o “Para Todos”; na rua São Pedro, o do Arnoldo
Hoerlle; na Moura Azevedo, o do Albino Hack; na Santos Dumont,o “Itália”;o
Kondorfer, na frente da Praça dos Navegantes;o Salgueiro, na rua do Parque e o
João Finckler, na Cairú.
454
453
HOOGENSTRAATEN,Chétien. Projecto de um Bungalow. EGATEA, Porto Alegre, vol.XII,n. 4,julho
e Agosto, 1927,p.246,247,248,249.
O mesmo autor, projeta no ano seguinte, um outro bungalow, com as mesmas intenções:
HOOGENSTRAATEN, Chétien. Esboço de um Bungalow. EGATEA, Porto Alegre, vol. XIII,
n. 1, Janeiro e Fevereiro, 1928,p. 89,90.
454
MONDIN,1987,op. cit.,p.135. Segundo o autor, a maior parte dos produtos oferecidos nas vendas,
eram a granel, como a manteiga,a banha e a schmier,introduzida pelos alemães, usualmente
colocadas em enormes potes de cerâmica esmaltados; em um canto separado, havia o tonel de
querosene, para os lampiões. Na falta de bares, era frequente os que se alimentavam de
salame,queijo,pão e vinho, nos próprios balcões.
Sobre a presença do armazém na casa térrea de esquina, ver também:
BITTENCOURT,1996,op.cit.,p.458.
206
Figura 90 - Filme 020_1121 - 1923.
Invariavelmente, o armazém e seu acesso situavam-se em esquinas,
geralmente chanfradas, acompanhando o desenho da rua. Muitas vezes, a singeleza
dos interiores, programas e organização espacial, contrastava com as preocupações
em adornar as platibandas e os vãos das fachadas. Este era o caso da edificação
(Figura90-proc. 1121/1923), cuja edificação, ainda existente, foi mais um projeto de
Franco Gschwenter
455
. A área destinada à residência é pequena, constituída de dois
dormitórios e cozinha, e seu acesso se faz pelo próprio armazém, sendo que os
compartimentos de serviço, inclusive o banheiro, estão ausentes. Semelhante era o
projeto da Casa Düring, na esquina da av. Brasil com a então av. Eduardo(Figura91-
proc.0062/1925), prevendo uma loja de fazendas juntamente com a residência. Neste
caso, o programa é um pouco maior e os acessos da loja e da residência são
independentes.
456
455
Filme 20, proc. 1121/1923, propr. : Alberto Raabe, resp.téc.:Francisco Gschwenter , rua São Paulo
esquina Moura Azevedo.
456
CASA DÜRING: de Francisco Düring, filme 22,proc. 0062/1925, Resp.Téc.:José Carlos Gartz na
Brasil esq. Pres.Roosevelt .
Segundo depoimento de Vilma Lamb, nascida em 6 de maio de 1925, moradora desde então do 4º.
Distrito, a residência dos Düring curiosamente situava-se no lote da esquina, hoje pertencente à
praça Pinheiro Machado, sendo habitada por esta família até 1935. A partir de então, seu padrasto, o
médico Danton Jaques Seixas, residiu e instalou seu consultório nesta casa, permanecendo com a
família até 1945, quando então a prefeitura mandou demoli-la, para liberar o terreno exclusivamente
207
Figura 91 - Filme 022_0062 - 1925.
A tipologia que caracteriza diversas edificações térreas de esquina e de uso
misto, também era utilizada para usos exclusivamente residenciais ou mesmo
comerciais. Na Moura Azevedo, o prédio da esquina com a Conselheiro Travassos,
mais um projeto de Gschwenter(Figura92-proc. 912/1924)
457
, se assemelha muito à
tipologia dos armazéns de esquina, mantendo o alinhamento e as esquadrias junto à
rua. Permanecem os adornos e frisos na platibanda e nas esquadrias, bem como a
tradicional esquina chanfrada. Quanto ao programa, há um compartimento destinado
ao gabinete, além de sala , dois quartos e a varanda. As dependências destinadas a
serviços resumem-se à cozinha e despensa, não aparecendo o banheiro no corpo
da casa.
para a praça.No mapa da cidade de 1939/41, ainda pode-se encontrar a residência inserida no
espaço da praça.
457
Filme 21 , proc. 912/1924, propr.: Gustavo Rolloff, resp.téc.: Francisco Gschwenter, Rua Moura
Azevedo esq. Conselheiro Travassos.
208
Figura 92 - Filme 021_912 - 1924.
Em diversos casos, a associação muito frequente de residência e comércio
também se efetuava em edificações de meio de quadra. O compartimento,
localizado na frente e, portanto, com abertura direta para a rua, era destinado à
atividade comercial, enquanto uma compacta residência organizava-se
sequencialmente. Exemplifica esta tipologia a funilaria da antiga rua Itália, construída
pela firma Lima e Petrucci
458
(Figura93-processo 5172/1929), onde na fachada é
mantida a identidade residencial, apesar da existência de um portão maior,
destinado a esta atividade. Contudo, as demais aberturas da funilaria mantém a
característica residencial, inclusive na hierarquia concedida ao eixo central da
edificação, que recebe tratamento especial com adornos aplicados. A residência é
constituída de 2 dormitórios,varanda e banheiro, sem a presença da cozinha.
458
Segundo Weimer, consta que Egídio Petrucci foi o construtor do Teatro Coliseu em 1928 e de um
edifício na esquina da Andradas com General Portinho.Foi um dos sócios da firma Lima & Petrucci,
que atuou de 1929-31 e que construiu algumas residências luxuosas. WEIMER,2004,op.cit.p.136.
209
Figura 93 - Proc. 5172/1929.
No tocante ao desprestígio dos compartimentos de serviço na hierarquia das
casas, evidenciados pelas próprias dimensões e localização, Mondin observa que,
durante as primeiras décadas do século passado, eram nos pátios das moradias do
4º. Distrito que se localizavam os poços, abertos para servir aos usos que não
necessitavam de água potável e, no fundo, o local destinado à “latrina”, ou a
denominada “casinha“. Nesta época, também era usual, e até uma exigência dos
costumes, a construção de fornos no quintais, rente às casas, que não existiam
padarias nas proximidades. Os fornos, para o autor, constituíram-se em “um símbolo
vivo de uma época do 4º. Distrito bucólico, que o tempo sepultou”.
459
Assim, principalmente nas casas encostadas nas divisas laterais, o pátio
adquire significado de intimidade, constituindo-se em extensão da casa. Segundo
Vogel, por ser acessado somente pela própria moradia e nele se expor “uma
dimensão da vida cotidiana que é recorrentemente escondida”, sua relação é de
interioridade.
460
Nas lembranças de Mondin, as residências do 4º. Distrito possuíam
grandes áreas de pátios, mesmo as moradias remediadas e pobres.
Invariavelmente, tinham bananeiras, mamoneiros, ameixeiras e laranjeiras, bem
459
MONDIN,1987,op. cit.,p.177,178.
460
VOGEL, 1984,op.cit.,p.50.
210
como hortas. Neles ficavam as mulheres conversando, cuidando dos filhos,
sentadas à sombra das árvores, tomando mate doce.
461
nas casas dos subúrbios
de Buenos Aires, originadas do traçado xadrez e das quadras grandes que
condicionaram o parcelamento dos lotes estreitos e longos, uma sucessão de pátios
funcionava como elementos ordenadores dos diferentes espaços residenciais.
Consequentemente, as casas necessitavam dos pátios para receberem luz solar,
cuja sucessão produzia “uma sequência de luz e sombra familiares.”
462
No poema
Patio, Borges dá uma idéia do seu significado:
Patio, cielo encauzado
El patio es el declive
por el cual se derrama el cielo en la casa.
463
Voltando à reflexão acerca dos projetos da área em estudo, é possível
constatar que, a partir de meados da década de 1930, as casas térreas do bairro
repetem-se de forma semelhante à moradia de Germano Basler (Figura94-
proc.8913/1936)
464
. Os novos modos de ocupação do lote deram origem à edificações
soltas, com uma pequena entrada coberta antes da porta principal, alpendres e, em
muitos casos, a adoção do sistema de bay window na janela frontal. Quanto ao
programa, não houve significativo aumento no número de dependências, atendo-se
às necessidades básicas de uma moradia de classe média, de dois e três
dormitórios, raramente com garagem e, em algumas, a presença do dormitório de
empregada. O primeiro ambiente da moradia, muitas vezes recebe a denominação
de gabinete, mas, por vezes, substitui a sala. Na configuração interna, permanece o
sistema de distribuição a partir da varanda ou copa, ainda definida como a
dependência central de convivência familiar suburbana, passando a chamar-se de
sala de jantar, mas com a mesma função. Lemos comenta que foi através deste
recinto que o rádio foi introduzido nas casas, entretendo os familiares com as “rádio-
novelas” à volta da mesa.
465
Quanto à linguagem, percebe-se a utilização de beirais
aparentes, calhas, condutores e telhas francesas, com redução e simplificação dos
461
MONDIN,1987,op.cit.,p.178.
462
GRAU,1999,op.cit.,p.43,44. Os pátios tinham usos diversos:o primeiro servia para ventilar e
iluminar; em torno do segundo, se ordenavam os dormitórios; e o terceiro, destinava-se às
dependências de serviço.Ibid,p.44.
463
BORGES,2005,op.cit.,p.23.
464
Filme69,proc.8913/1936,propr. Germano Basler,resp.téc.Ermínio da Silva Lima,av.Brasil.
465
LEMOS,1996,op.cit.,p.66.
211
adornos da fachada, sendo, muitas vezes, utilizados elementos geométricos do
Déco.
Figura 94 - Filme 69_8913 - 1936.
Assim, constata-se, através dos processos analisados, que o desejo de
modernidade e adequação à arquitetura da época manifestou-se mais através da
renovação das fachadas, do que das plantas. Entretanto, percebe-se
aperfeiçoamentos construtivos e alterações, no que tange às melhorias nas
condições dos espaços de serviços, apesar de tardiamente, se comparadas a outras
áreas da cidade. Quanto aos dormitórios, as soluções de alcovas foram
abandonadas no início do século XX, apesar da ocorrência de diversos exemplos
onde há falta de independência e privacidade dos compartimentos do setor íntimo.
Na dianteira das transformações e aperfeiçoamentos construtivos das
edificações, estavam os seus responsáveis cnicos: arquitetos, engenheiros e
construtores,
466
que, na sua maioria, eram alemães ou descendentes. No período
466
Segundo Weimer, durante muito tempo, havia uma confusão no reconhecimento das diversas
instâncias profissionais. Oficialmente, todos eram qualificados de engenheiros. Para coibir os abusos
no exercício das diversas profissões, criou-se em 1933, o sistema CREA-CONFEA. No entanto, a
regulamentação das profissões e a decorrência de diversos fatores de ordem político e administrativo,
tornaram a definição de arquiteto ainda mais difícil. Arquiteto de formação no exterior, mesmo nascido
no país,era chamado de arquiteto-projetista, projetista-construtor ou simplesmente construtor.
212
apresentado, alguns que com mais frequência apareceram, foram: Adolf Siegert,
Alex Schwalm,Alberto Fantinel,Arthur Fenselau,Augusto Sartori, Irmãos
Camillis,Erich Fantinel, Francisco Gschwenter, Helmuth Petry, José Lutzemberger,
Július Weise,José Hruby, Leônidas Tellini, Macchiavelo & Gamero, Oscar & Alex
Kroll, Oscar Marjewski,Otto Hayek, Pedro Yung, Pufal (Adolpho,João Luiiz e
Eduardo Pufal), Theo Wiederspahn, Schubach & Hartmann, Willy Stein.
5.3.2 Casas térreas geminadas
No caso da área em estudo, diversos projetos analisadas apresentavam-se
geminados, constituindo solução mais econômica quanto aos aspectos construtivos
e de aproveitamento dos terrenos de testadas menores. Neste caso, na sua maioria,
os acessos às respectivas residências eram efetuados pelas laterais. Bittencourt
salienta que a intenção do modelo de casas geminadas tratadas como fachada
única, era a de valorizar o projeto, imprimindo um aparência grandiosa às
edificações estreitas.
467
As casas térreas geminadas da avenida Brasil
468
, (Figura95-proc. 620/1921) ,
ainda existentes, são alinhadas com a rua e apresentam programa muito reduzido,
constituído de três compartimentos: sala, quarto e varanda, dispostos
sequencialmente, sendo separados do corpo da casa, a cozinha e as dependências
de serviços. Pequenos porões elevam a edificação em relação ao nível da rua e
portões laterais definem os acessos principais. Como em outros casos
mencionados, a simplicidade do programa contrasta com a composição da fachada,
valorizada pela platibanda adornada e pelo enquadramento das duas janelas,
através de detalhe em arco.
Posteriormente passaram a atuar sob a denominação de “construtores licenciados”.
WEIMER,Günter.Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul.1892/1945.Santa Maria:editora
UFSM,2004,p.7,8.
467
BITTENCOURT,1996,op.cit.,p.511.
468
Filme 17 , proc. 620/1921, propriet. Henrique Düring, resp.téc.: Arthur Fenselau, Avenida
Brasil,139. (foto)
213
Figura 95 - Filme 017_620 - 1921.
Figura 96 - Foto atual (janeiro de 2009)da residência da avenida Brasil.
Fonte: Fotografia da autora.
Casas térreas geminadas eram a opção sugerida pela revista Egatea para
projetos de construção econômica, no início dos anos 20, quando:
(...) devido à grande falta de moradias,à carestia do material e, em
conseqüência disto, aos fabulosos aluguéis actuaes, é em grande vantagem
214
que as casas sejam construídas de modo que occupem pouco lugar e
apresentem as necessárias commodidades.
469
O projeto sugerido neste caso, era de uma moradia geminada, com
programa compacto, destinada à famílias pequenas e sem novidades no
agenciamento dos espaços interiores. Na entrada , pequena área coberta conduz à
uma saleta- escritório, ligada à sala de jantar e ao dormitório e, posteriormente, à
cozinha. Nos fundos um terraço e banheiro. Chama a atenção, no texto
elaborado pelo autor, alguns aspectos que demonstram mudanças de atitudes em
relação a projetos de moradias econômicas, como a proposição de áreas verdes,
através da utilização de trepadeiras no terraço, formando um” agradável
carramanchão para o verão” e também salientando que cada conjunto de duas
casas possui afastamentos de todos os lados, “rodeados de jardins”. Outro aspecto
que demonstra alterações é a possibilidade de flexibilidade proposta através da
transformação do terraço em outro dormitório e as alternativas de construções de
casas em grupos de dois,três e quatro. Concluindo, usa as expressões “parques” e
“villinos” para designar o conjunto de moradias:
É de lastimar que nesta capital não haja emprezas de construção com um
fim phylantrópico e que se satisfaçam com pequenos lucros,deste modo os
menos favorecidos da fortuna seriam beneficiados e a cidade tomaria um
aspecto mais bello com estes parques com villinos.
470
Outros exemplares da década de 1920 apresentam um número maior de
cômodos, incluindo mais dormitórios, mas mantém semelhanças quanto ao
agenciamento dos espaços, com cômodos enfileirados e tratamento de fachadas,
como as construções de Arthur Fenselau (Figura97-proc.540/1924) e de Adolph Pufal
471
(proc. 916/1924;)
472
. No entanto, acontecem algumas pequenas variações, como no
caso da rua do Parque
473
(Figura98-proc.2633/1925), onde os acessos são efetuados
por corredor lateral descoberto, não havendo interligações internas através de
circulação. O exemplar da rua do Parque de 1925 diferencia-se pelo fato de as
469
HOOGENSTRAATEN,Chétien. Projeto de construção Econômica. EGATEA, Porto Alegre, vol. 6,
1920-1921,p.328,329.
470
Ibid,p. 330.
471
Adolf Pufal Intitulava-se desenhista e arquiteto e suas atividades profissionais datam do fim da
década de 1920. Possivelmente era irmão do construtor Jacob Pufal. WEIMER,2004,op.cit.p.139.
472
Filme 21,proc. 540/1924, propr. Ernesto Massub,resp.téc.Arthur Fenselau, rua Itália.
Filme 21, proc. 916/1924,propr.; João Wesp, resp. téc.: Adolph Pufal, rua Conde de Porto Alegre.
473
Filme 23, proc. 2633/1925, propr. Arnaldo Lebute, resp. téc.: Franco Martins, rua do Parque.
215
casas,apesar das plantas idênticas, não apresentarem o mesmo tratamento externo
e aplicações de ornamentações. Neste caso, o projeto prevê banheiros junto às
dependências de serviços.
Figura 97 - Filme 021_540 - 1924.
Figura 98 - Filme 023_2633 - 1925.
216
5.4 SOBRADOS E CASAS MAIORES
Figura 99 - Sobrado na avenida Presidente Roosevelt (agosto de 2010).
Fonte: Foto da autora.
Como vimos anteriormente, desde o final do século XIX, foram promovidos
loteamentos de antigas chácaras e implantadas uma série de melhorias urbanas nas
áreas de expansão da cidade. Em função do crescimento da demanda da população
e do interesse em lucrar com aluguéis, investimentos foram canalizados para
construções de moradias, não muito distantes do local de trabalho, destinadas aos
operários das fábricas, no distrito industrial da capital. Entretanto, uma diversificação
econômica e social traduzia-se espacialmente em outros tipos de habitações, que se
misturavam naquele contexto, também constituído por uma classe média urbana,
cujos espaços domésticos revelavam alterações nos programas de necessidades e
maior conforto, possibilitados pelos avanços técnicos e construtivos da época.
Lemos observa que, no caso de São Paulo, as pequenas e minúsculas
moradias construídas para os trabalhadores, na verdade, não atendiam às
expectativas do estrangeiro imigrado, bastando uma “ ligeira abastança” para o
217
surgimento de programas mais complexos e agenciamentos caracterizadores de
uma nova sociedade.”
474
Assim, também na área em estudo, diversas moradias demonstram
mudanças nos padrões e maneiras de morar, como alguns exemplares da tipologia
dos sobrados, vistos pela população como construções de certo prestígio social,
apesar de nem sempre serem inacessíveis aos pobres e remediados.
475
No tocante às questões de prestígio e de relações sociais expressas através
de estruturas habitacionais, Elias, em seus estudos sobre a sociedade da corte
francesa do antigo regime, demonstra como as diversas categorias sociais da
época, tinham seu reconhecimento através de determinados tipos de organização
espacial. Na estrutura hierárquica de uma comunidade centrada sobre o rei e a
corte, esforços e atenções eram dados às questões de prestígio social, reveladas
através de modos e atitudes, mas também, da moradia, que destinada a diferentes
grupos sociais, continha princípios de caráter que exprimiam e discriminavam
categorias. No aspecto das habitações das camadas mais inferiores, o sentido de
representação e prestígio o era condição necessária, que a eles não cabiam
deveres de classe:
As suas habitações não m o caráter público dos hôtels e dos palácios, as
suas famílias nada têm de representativo. Trata-se de “casas particulares”,
tão insignificantes como seus ocupantes.
476
O autor considera reveladores os princípios que presidiam a construção de
casas para as diversas categorias, nas quais os critérios preconizados para as
camadas inferiores eram: simetria, solidez, comodidade e, principalmente, economia,
fator patente no seu aspecto exterior e que não tinha qualquer relevância na
arquitetura destinada às camadas da corte.
477
Nos projetos pesquisados, como veremos adiante, algumas habitações de
maior prestígio, como casarões isolados, foram mais frequentes na década de 1910-
20, e os sobrados, a partir da década de 1920. Assim, chama a atenção a fachada
474
LEMOS,1989,op.cit.,p.68.
475
Neste sentido ver: LEMOS,1996,op.cit.,p.32.
476
ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Lisboa: Editorial Estampa,1987. p. 33.
477
Ibid,p.33, 34.
218
ornamentada da edificação de 1913, situada na rua Gaspar Martins (Figura100-proc.
1054/1913)
478
e, portanto, pertencente ao atual bairro Floresta, que, apesar de conter
duas moradias na mesma edificação, revela uma condição superior. A valorização
plástica propiciada pelos elementos decorativos é semelhante a outros sobrados de
arquitetura historicista existentes na cidade, com sacadas emoldurando os vãos
centrais, dispostos no alinhamento da rua, e onde beirais foram substituídos por
platibandas ricamente adornadas. Os novos recursos disponíveis, calhas,condutores
e arremates em geral, possibilitaram o ocultamento do telhado, demonstrando
alterações em direção à modernidade da época. Da mesma época, a casa de
Fortunato Travi
479
(Figura101) , proprietário de uma grande serraria da Voluntários da
Pátria, caracteriza um típico sobrado urbano, de propriedade de comerciantes, então
situado na rua Álvaro Chaves, nas proximidades da serraria.
Figura 100 - Proc. 1054/1913.
478
Filme12 proc.1054/1913, propr.:Ruggero Pava, resp.téc.: Augusto Sartori , Rua:Gaspar Martins.
479
Filme 015 ,proc. 456/1917, Casa Fortunato Travi, resp. téc. Luiz Valiera, rua Álvaro Chaves. Este
processo corresponde a um aumento na edificação.
219
Figura 101 - Foto atual (agosto de 2010) da Casa Fortunati Travi, situada na rua Álvaro
Chaves.
Fonte: Fotografia da autora.
Neste sentido, são oportunas as reflexões de Lemos, ao dizer que o
ecletismo adotado como modelo acabou nivelando todas as cidades a uma mesma
fisionomia urbana, uma vez que, as questões relativas ao uso do imóvel é que
revelavam as peculiaridades da população, escondidas atrás da cortina eclética.
480
No caso desse sobrado, o lote, estreito e longo, mantém a conformação dos
compartimentos vinculados à planta alongada, seguindo a sequência de sala na
frente, dormitórios no meio, sala de jantar, cozinha, banheiro, com indicativo de
banheira, dormitório de empregada e área de serviços. Para o mesmo autor, o
“quarto da criada” inserido no corpo da casa, ao lado da cozinha, foi uma novidade
que surgiu na classe média, no final do século XIX, inexistente nas antigas moradas
de alcovas centrais.
481
Quanto a sua implantação no lote, a edificação tem aberturas
diretamente para a rua, já que a ela alinha-se. Há afastamento em somente uma das
laterais, onde, como em diversos casos, o alpendre funciona como um corredor
externo, para o qual se abrem as portas da sala de visitas, dormitórios e sala de
480
LEMOS,1989,op.cit.,p.86.
481
Ibid,p.68.
220
jantar.
482
Provavelmente destinado a aluguel, este sobrado diferencia-se de outras
edificações do bairro, quanto ao tratamento dos elementos plásticos, ao programa e
ao bom nível técnico e construtivo dos diversos elementos.
Como explicitado anteriormente, o uso misto era frequente na área
estudada, principalmente nos exemplares de esquina, em ruas e avenidas mais
importantes. Unindo domicílio e trabalho na mesma edificação, o sobrado da
esquina da avenida Eduardo com a Moura Azevedo (Figura102-proc. 723/1915)
483
destina o pavimento inferior ao comércio e o superior à moradia. Junto ao
alinhamento das duas ruas, como era de costume, diversas portas se abrem
diretamente para o passeio e para a esquina chanfrada. No pavimento superior, a
residência tem acesso efetuado através de uma escada lateral até a circulação
situada na parte de serviço. Com tratamento simplificado dos elementos plásticos,
assemelha-se a um grande casarão de esquina, que procura adequar-se às funções
lá exercidas.
Figura 102 - Proc. 723/1915.
482
Neste sentido ver: REIS FILHO, 1973,op.cit.,p.46.
483
Filme 14 proc. 723/1915, Propr.Adolfo Barth,Resp.téc.: Antônio Fantinel, Av. Eduardo,esq.Moura
Azevedo.
221
No caso dos sobrados de esquina ocupados por armazéns, percebe-se uma
persistente semelhança com os exemplares térreos analisados, no que toca à
definição espacial e à solução das fachadas. Exemplifica esta tipologia o armazém
da esquina construído pelos Irmãos Camillis
484
, na então rua Itália com Câncio
Gomes (Figura103-proc. 6719/1929),
485
neste caso, agregando uma residência, que se
desenvolve nos dois pavimentos.
Figura 103 - Proc. 6719/1929.
Com algumas variações programáticas, Willy Stein
486
construiu a edificação
(ainda existente) da esquina da Conde de Porto Alegre com a Quintino Bandeira
484
Irmãos Camillis, era a firma de Eduardo e Oscar de Camillis, naturais de São Paulo. Suas
atribuições profissionais lhe permitiam construir prédios de alvenaria de dois pavimentos, com lajes
de concreto de até seis metros de vão. Foram pequenos construtores, cuja firma teve uma vida
efêmera no início da década de 1930. WEIMER,2004,op.cit. p.39,40.
485
Filme 37 proc 6719/1929,propr. Pasquali Di Giorgio, resp.téc. irmãos Camillis, Itália(Santos
Dumond esq,Câncio Gomes.
Curiosamente em 1931, foi encontrado nos microfilmes outro projeto, na mesma esquina filme
47,proc.14 352/1931, mas tendo como responsável Artur Fenselau, evidenciando-se alterações nas
fachadas, que passam a liberar os beirais das platibandas bem como uma diminuição dos elementos
decorativos existentes no projeto anterior.
486
Willy Stein ou Wilhelm Stein, nasceu em 1900 em Bickenbach no Hesse. Obteve seu diploma
em 1921, trabalhando posteriormente na própria Alemanha e na Romênia.Veio para Porto Alegre, por
ocasião da construção do Viaduto Otávio Rocha(1928), em função dos muitos acidentes ocorridos
nesta obra, onde provavelmente tenha assumido a direção dos trabalhos. Logo foi contratado para
construir obras importantes, como a Cervejaria Continental,seis armazéns para o Arsenal de Gerra de
Taquari, duas casas na rua Padre Chagas,Cervejaria Leonardelli, em Caxias e a fábrica Peterlongo ,
222
(proc. 12 491/1931),
487
que agrega ao salão destinado a negócios, duas moradias e
uma garagem, construída em volume isolado. Nestas tipologias de uso misto,
percebe-se a pouca importância conferida à sala de visitas, muitas vezes restrita à
tradicional varanda ou a um gabinete. Pode-se deduzir que nestes casos,
provavelmente, a vida social no ambiente da habitação era muito reduzida.
Evidencia-se que os beirais banidos e substituídos pelas platibandas, nas primeiras
décadas do século XX, voltam a aparecer próximo a década de 1930.
Figura 104 - Foto atual (agosto de 2010) do sobrado da Conde de Porto Alegre esquina
Quintino Bandeira.
Fonte: Fotografia da autora.
Também foram identificados uma série de sobrados de uso misto em meio
de quadra, principalmente nas avenidas de comércio mais frequente, como a antiga
avenida Eduardo, que se tornou o centro comercial da área. Neste caso, é possível
fazer uma leitura de trechos desta via baseando-se no conceito de “rua comercial”,
delineado por Cabral. Esta morfologia é configurada através de “lojas alinhadas ao
longo de uma calçada pública que lhe serve de acesso”, onde a continuidade
em Garibaldi. Apesar de pleitear a titulação de engenheiro-arquiteto diplomado, o CREA só lhe
concedeu a licença de construtor. WEIMER,2004,op.cit.p.171,172.
487
Filme 47 processo 12491/1931, propr. não identificado,resp.téc. Willy Stein,rua Conde de Porto
Alegre esq. Quintino Bandeira.
223
espacial propicia o benéfico fluxo de pedestres, o que não impossibilita a utilização
de residências nos pavimentos superiores.
488
Uma edificação que exemplifica as características referidas é a de Emílio
Gumbitzki, (Figura105-proc.674/1921)
489
, por ser um sobrado junto ao alinhamento da
antiga avenida Eduardo, em um terreno estreito e longo, encostado nas divisas.
Neste caso, além da destinação da área comercial junto ao passeio, existe uma
pequena moradia de um dormitório na parte dos fundos. Como era usual nos
sobrados urbanos tradicionais, uma escada de lance único permite o acesso à
residência do pavimento superior, onde são dispostos os cômodos sequenciais. O
gabinete, compartimento que começa a aparecer no bairro com mais frequência na
década de 1920, é localizado ao lado da sala da frente, sendo que, em alguns
casos, a substitui, provavelmente sendo nele exercidas as funções sociais da casa.
Figura 105 - Proc. 674/1921.
488
CABRAL,Claudia P.Tipologias Comerciais em Porto Alegre:da rua comercial ao shoping
center.Porto Alegre,1996.Dissertação de Mestrado em Arquitetura, UFRGS,p.49,50.
489
Filme 17 proc.674/1921, propr.Emílio Gumbitzki, Resp.téc.:Alex Knoll,Avenida Eduardo.
224
Figura 106 - Proc. 765/1925.
O projeto de Eduardo Pufal
490
(Figura106-proc. 0765/1925)
491
evidencia a
importância comercial da avenida Eduardo, por apresentar condições superiores e
preocupações de ordem plástica quanto ao uso de ornamentação e elementos
historicistas na fachada. O pavimento térreo é destinado somente ao comércio e o
programa da residência é muito semelhante à casa Gumbitzki, tendo como
diferencial a denominada “sala recepção”, que possui sacada frontal, tendo também
um terraço justaposto e adornado por uma arco. Nos dois casos aparece a sotéia,
uma espécie de terraço descoberto, muito utilizado nesta tipologia e que servia
como área de distribuição e de iluminação para os compartimentos de serviços,
como banheiros, que não ficavam ligados diretamente ao interior da casa.
Este hábito que, entre nós, revela o desprestígio dos espaços destinados
aos serviços, era tratado de forma diferente em certos países europeus.
Curiosamente, Sennet conta que, na era vitoriana, os vasos sanitários, introduzidos
um século antes, não tinham somente função utilitária, mas sim, eram considerados
490
Eduardo Pufal nasceu em 1899 em Porto Alegre e era filho do construtor Jacob Pufal e irmão de
João Luiz. Intitulava-se projetista-construtor. Projetou para o irmão sete prédios, entre os quais o
cinema Orfeu (1922), quando ambos trabalhavam com o pai. Seu registro no CREA foi cassado em
1948, quando então, todas as obras da empresa passaram ser responsáveis pelo irmão, que era
construtor, enquanto Eduardo elaborava os projetos. WEIMER,2004,op.cit. p.139,140.
491
Filme 022,proc. 0765/1925,propr. Jacob Pufal,resp.téc. Eduardo Pufal, avenida Eduardo.
225
como peças de mobiliário. no século XIX é que este hábito passou a ser feito em
cômodos separados, onde estavam também instaladas a banheira e a pia.
492
Por outro lado, novos modos de viver, baseados na influência do imigrante,
estiveram presentes na área. Lemos reconhece a grande atuação dos estrangeiros
na arquitetura domiciliar, através da introdução de novas técnicas construtivas e
alterações de programas de necessidades. Também foram importantes os
ensinamentos relativos aos modos de cocção, preparo de alimentos, novos
cardápios e a introdução de beneficiamentos de gêneros alimentícios fora de casa,
facilitando o trabalho doméstico.
493
No caso do 4º. Distrito, Mondin descreve que não raro reuniam-se, em uma
quadra, diversas etnias e que, através de peculiaridades próprias de cada
edificação, era possível saber a respectiva procedência do morador. Segundo o
autor, as residências dos alemães eram construídas mais ao fundo, com jardins
frontais que a separavam de um contato imediato com a rua e protegidas com muros
altos, cacos de vidro e cães. Os italianos também gostavam de jardins, mas
preferiam cultivar hortas nos seus quintais.
494
Assim, diferentemente das casas estreitas e longas, alinhadas à rua e de
beirais escondidos atrás de platibandas adornadas, soluções vizinhas,
construídas em terrenos maiores, com telhados de fortes inclinações e que fogem
das tradicionais duas águas, mesmo localizadas em avenidas, como a São Pedro.
Uma casa de tendência mais pitoresca, projetada nesta rua, em centro de terreno,
pela mencionada firma Schubach & Hartmann (Figura107-proc 308/1926)
495
,
exemplifica uma solução com influências do imigrante, onde foi aproveitada a
acentuada inclinação do telhado para inserção de um pavimento destinado aos
dormitórios(camarinha ou água furtada). A entrada situa-se na lateral e uma base de
pedra compõe o tratamento superficial da fachada.
492
SENNETT,Richard.Carne e Pedra.Rio de Janeiro:Record,1997,p.276.
493
LEMOS, 1989,op.cit.,p.87.
494
MONDIN,1987,op.cit.,p.59.
495
Filme 24,proc,308/1926,propriet. Valentin Hosceiser F.,resp. téc. Schubach & Hartmann,avenida
São Pedro.
226
Ao aproximar-se dos anos trinta, a crise externa, que tanto abateu o
mercado internacional, não teve tanta repercussão no mercado imobiliário de Porto
Alegre, que manteve uma relativa estabilidade até 1931, como mostra o gráfico
relativo à sua evolução.
496
Como mencionado, nesta época, torna-se mais
frequente o uso de beirais aparentes e telhados de quatro águas, com a utilização
de calhas e condutores, constituindo uma tipologia muito recorrente na área. Lemos
enfatiza que nestas edificações com afastamentos em seus quatro lados, os
telhados podiam participar mais efetivamente da composição, uma vez que as
coberturas eram mais movimentadas e os beirais recortados.
497
Figura 107 - Proc. 308/1926.
496
WEIMER,2009,op.cit.,p.105.
497
LEMOS,1989,op.cit.,p.99.
227
Figura 108 - Evolução do mercado imobiliário de Porto Alegre entre 1892 e 1956.
Fonte: WEIMER, 2009, op.cit.,p. 105.
Figura 109 - Filme 11_324/1929.
228
Figura 110 - Proc. 9412/1930.
Exemplares com estes traços evidenciam-se nos sobrados de Carlos Keil
(Figura109-proc. 11324/1929) e de Carlos Becker (Figura110-proc. 09412/1930), ambos na
avenida São Pedro, bem como no de Gustavo Poisl (proc.10315/1929), na avenida
São Paulo.
498
São casas com programas maiores, se comparadas à média das
edificações analisadas, afastadas da via e das divisas e, por esta razão, construídas
com porões de altura reduzida
499
e destinando áreas livres maiores para jardins. A
casa de Keil recebe a denominação de bungalow, talvez por seu grande
afastamento da via, o que identifica uma intenção de habitação mais voltada para as
áreas externas e de ares pitorescos. Esta denominação contrasta com as colunas e
demais elementos plásticos da fachada, que em nada lembram um bungalow.
500
o sobrado de Becker adiciona alguns elementos novos no programa,
como a garagem e o gabinete. Uma sotéia no pavimento superior, neste caso com
498
Filme 039,proc 11324/1929,propr. Carlos Keil,resp. téc. não identificado,avenida São Pedro,849;
filme 41 proc.09412/1930,propr.Carlos Becker.resp.téc.Eduardo Pufal,av.São Pedro;
filme 039 proc.10315/1929,propr.Gustavo Poisl,resp.téc.Henrique Cogo,av.São Paulo.
499
Ver REIS FILHO, 1970,op. cit., p. 176.
500
Em função das transformações ocorridas nesta avenida nas décadas seguintes, esta edificação foi
muito alterada. A introdução do uso comercial através de um acréscimo na construção até o
alinhamento da rua e a utilização de linguagem do Art Déco, descaracterizaram o antigo imóvel.
Assim, foi eliminado o grande afastamento frontal outrora existente, bem como sua tendência
pitoresca. A edificação, ainda permanece no local.
229
uma função de terraço interligado ao dormitório, identifica a intenção de prolongar
este dormitório para o exterior, assim como as tradicionais “bay windows” do
pavimento inferior. Seu tratamento arquitetônico externo é variado, mesclando
pedras, gradis de ferro, colunas, floreiras e outros elementos decorativos que
caracterizaram residências de arrabaldes.
Os dois exemplares ilustrados, mostram evidentes alterações nos modos de
morar e avanços no que se refere às técnicas e às novas possibilidades
construtivas. Na aparência, considerando as limitações de terreno e de outros
recursos, tais elementos refletem diferentes tendências e sugestões plásticas de
casas mais pretensiosas e voltadas para outros extratos sociais. Em outros bairros
da cidade, novas formas de habitar, mais distantes do local de trabalho, acarretaram
modificações nas exigências domésticas e nas questões relativas aos serviços,
como transporte e abastecimento:
Essa casa, de morar, essa residência mais confortável,se não de luxo,
atenta ao mundo moderno de então, reflete outra divisão de trabalho,outra
variedade de serviços e de hierarquias entre eles. Reflete na sua
origem,razão e possibilidade de ser uma nova divisão de trabalho, mais
sofisticada, variada e cuja hierarquia impõe a representação para seus
donos e familiares. Mora-se e recebe-se em casa; sai-se para o trabalho e
para a vida social.
501
Desde o final do século XIX e primeiras cadas do século XX, a introdução
de modos de vida mais sofisticados, possibilitados pelas condições financeiras da
população abastada, vinham renovando os padrões de construções da cidade,
com alterações na implantação das edificações no terreno, no agenciamento dos
espaços e na incorporação de novas linguagens formais
502
. Residências maiores,
soltas e resguardadas em torno de jardins, comuns em bairros como o Moinhos de
Vento, ofereceram melhores condições de arejamento e iluminação. Com terrenos
maiores, aumentou-se o número de portas e janelas e a casa passou a integrar-se
mais com o espaço externo, inclusive através de terraços. Os programas
habitacionais tornaram-se mais exigentes e os projetos passaram a ser elaborados
de forma a priorizar as questões de privacidade, ficando mais claro o agenciamento
em torno da definição dos três setores: o social, composto dos recintos que
501
MARX,1999,op.cit.,p.126.
502
Neste sentido ver:GEA,1995,op.cit.
230
mantinham relações mais formais relativas à esfera pública; o íntimo, que mantinha
a privacidade familiar e o de serviço, destinado ao funcionamento da casa. Sob este
aspecto, Lemos destaca que a classe média baixa e o proletariado ficaram mais
atrelados aos esquemas de circulação da casa colonial, enquanto a classe média
ascendente e os ricos, atrelados ao da circulação francesa, baseado no isolamento
de cada setor da habitação.
503
Casarões maiores também foram implantados em outras partes da cidade,
como no caso da Voluntários da Pátria, no seu eixo Conceição em direção a
Navegantes, onde os lotes eram maiores. Exemplos destas tipologias, nesta via,
foram evidenciados com mais frequência, entre os anos de 1910 e 1920, como a
casa de H.Ritter & Filhos,concebida por Theo Wiederspahn(Figura111-proc.099/1913); a
residência do Dr. Victor Fischel(Figura112-proc.416/1916),projetada por Germano
Bartel
504
; a casa da Sra. Dillemburg (proc.597/1919), de Theo Wiederspahn, entre
outras.
505
503
LEMOS,1996,op.cit.,p.52,53.
504
Germano Bartel nasceu em Berlim em 1872. Registrou-se no CREA como arquiteto-construtor,
sendo que sua licença se restringia à construção de prédios de dois pavimentos. Entre 1912-16,
portanto, na mesma época da casa do Dr. Fischel, na Voluntários da Pátria, responsabilizou-se por
10 grandes residências nas adjacências da avenida Independência. WEIMER,2004,op.cit.p.30.
505
Proc.099/1913,propriet.H.Ritter & Filhos, resp. téc. Theo Wiederspahn, rua Voluntários da
Pátria,599; proc.416/1916,propriet. Dr. Victor Fischel, resp. técn. Germano Bartel,Voluntários da
Pátria esq. Comendador Azevedo;proc.597/1919,propr. Sra.Dillemburg,res.téc. Theo
Wiederspahn,Voluntários da Pátria.
Sobre estes projetos, ver;MATTAR,2001,op.cit.
231
Figura 111 - Proc. 099/1913.
Figura 112 - Proc. 416/1916.
Em uma época em que era usual morar próximo ao local de trabalho e não
havia tanta segregação de usos na cidade, alguns industriais e empresários
construíram casarões para moradia familiar, junto ao seu negócio. Este é o caso da
residência acima mencionada, situada na Voluntários esquina com Comendador
Azevedo, pertencente químico Dr. Fischel, que possuía um estabelecimento fabril
232
bem ao lado da sua moradia.
506
Outro industrial que em 1918 construiu residência
para toda a família junto à sua fábrica, foi A.J. Renner(proc.501/1918)
507
, com
projeto de Mariano Sieg.
508
Figura 113 - Fachada do prédio da fábrida de bebidas Fischel, localizada na Voluntários quase
esquina com Comendador Azevedo.O prédio da esquina, em primeiro plano, era a residência da
família Fischel.
Fonte: BLANCATO,op.cit.,p. 214.
506
O Dr. Fischel fabricava sabonetes, perfumes e diversos produtos da marca Flora. No mesmo
estabelecimento fabricava bebidas, Alsina,águas minerais e gazosas e champgne, a Monopol,com
uvas importadas da França.WRIGHT,1913,op.cit.,p.819.
507
Proc.501/1918,propriet.A.J.Renner,resp.téc.Mariano Sieg,Rua Frederico Mentz.
508
O arquiteto Mariano Sieg lecionou na faculdade de Gewerbeschule, e trabalhou com Theo
Wiederspahn. Com ele projetou uma série de obras importantes, como a filial do Banco Pelotense em
Estrela. Em 1918, estabeleceu-se por conta própria.
233
Figura 114 - Foto atual (agosto de 2010) da residência de A. J. Renner.
Fonte: Fotografia da autora.
Assim, é possível verificar que nesses exemplares, muito diferentes das
habitações da classe trabalhadora, não havia mais a superposição de funções. Ao
analisar o palacete paulistano da elite cafeeira, Homem também diferencia a casa
operária da casa de luxo, que, nesta última, passou-se a definir um cômodo para
cada atividade específica. Desta forma originaram-se diversos compartimentos: sala
de música, de estar, da senhora, de jogos, fumoir, gabinete, jardim de inverno, hall,
etc
509
Sob este mesmo enfoque, Áries reforça as alterações que envolveram a
história da casa, destacando inovações e elementos importantes: compartimentos
especializados conforme suas funções, modos de dimensões menores,
multiplicação de pequenos recintos e a adoção de espaços de circulação e
509
HOMEM, 1996, op. cit., p.125.
234
comunicação(corredores, hall de entrada, etc.) como forma de dar independência
aos ambientes.
510
Figura 115 - Residência na rua Comendador Azevedo, ao lado de fábrica (agosto de 2010).
Fonte: Foto da autora.
Deste modo, a maior importância conferida às questões circulatórias, o uso
do vestíbulo como elemento de distribuição dos diversos setores e a separação dos
acessos social e de serviço, foram tendências que acarretaram mudanças nos
padrões projetuais das habitações. Neste tipo de moradia, a sala possuía tratamento
diferenciado, principalmente no tocante a exibição criteriosa do mobiliário e dos
elementos decorativos. Guerrand, referindo-se às residências burguesas do século
XIX na França, destaca que o chamado salão era um ambiente desabitado, “um
lugar quase que morto, com seus veis recobertos por capas protetoras”, ou seja,
510
ARIÈS,Philippe.“Por uma história da vida privada”. In: ARIÈSPhilippe; DUBY,Georges. História da
vida privada. São Paulo:Cia. Das Letra,1997,v.3,p.13.
235
a sua importância principal atentava para as questões de representação simbólica e
de status como forma de marca social.
511
Por outro lado, Mondin, ao descrever uma típica residência do 4º. Distrito,
nos dá uma noção de como se agenciavam seus interiores. As salas, na sua
maioria, possuíam sofás e cadeiras de palhinha. Nas paredes, invariavelmente
ficavam os retratos ou estampas do Coração de Jesus, no caso das famílias
católicas. Nos quartos, existia sempre um móvel denominado toalete, com a bacia e
o jarro. Sua descrição identifica uma organização baseada nas casas coloniais, onde
na sequência dos aposentos vinha a varanda, ou o comedouro, funcionando
também como sala de estar mais utilizada. O mobiliário era composto de mesa de
tamanho variado e cristaleira. Havia também a cadeira de balanço e, nas paredes,
uma estampa da Última Ceia.
512
No tocante à assimilação de novas linguagens, durante a primeira metade
do culo passado, as áreas de expansão de muitas cidades brasileiras
constituíram-se em ambientes propícios às novas experiências, que resultaram em
uma paisagem caracterizada pela mistura de diversas tendências arquitetônicas.
Callegaro,
513
analisando as diversas tipologias a partir da arquitetura da Exposição
Farroupilha em Porto Alegre, identifica as seguintes vertentes arquitetônicas:
arquiteturas modernizantes ou modernistas, arquitetura californiana, neocoloniais e
hispânicas, arquitetura colonial ou germânica e arquitetura eclética.
Conde salienta que é comum, nas manifestações arquitetônicas e
urbanísticas brasileiras da época, a sua desconformidade em relação às normas e
postulados de composição, pois:
(...)embora construídos em épocas variadas e sob condições diversas, se
encontram misturados elementos neoclássicos, modernos e neocoloniais,
e incorporadas influências da tradição vernacular, do Art Déco e dos estilos
românticos europeus.
514
511
GUERRAND, 1995, op.cit., p.334.
512
MONDIN,1987,op.cit.,p.43.
513
CALLEGARO,op. cit.,2002.
514
CONDE, 1987, op. cit., p.68.
236
Na trajetória arquitetônica do período de transição ao “Modernismo”, Conde
e Almada destacam que não houve rupturas, mas mudanças lentas e
imperceptíveis, em que o Art Déco é interpretado como uma das primeiras
expressões do Modernismo. Também sugerem uma auto-definição para o Art Déco
baseada no título da exposição fundadora com as seguintes características:
Arte, associada às diversas expressões artísticas da época;
Decorativo, pressupondo a aceitação da idéia de decoração;
Internacional, que, assim como o Movimento Moderno, contrapõe-se, de certa
forma, às expressões artísticas autenticamente nacionais;
Industrial, representativo da emergente sociedade capitalista e industrial;
Moderno e Cosmopolita, associado às imagens dos novos elementos da
época (arranha-céus,automóveis,cinema,rádio,etc.)
515
Outros autores como Unes, baseados nos diversos exemplares que
empregaram características marcantes do Art Déco espalhados em todo o país,
arriscam dizer que ele representa o movimento arquitetônico de maior impacto
popular no Brasil”, testemunhando a vontade de modernização de uma sociedade.
516
Oliveira e Dias também destacam seu grande alcance na arquitetura popular,
através da assimilação dos seus elementos por “pessoas mais simples”,
transformando-os em símbolos que permitem sua inserção na estética vigente.
517
Ramos, ao analisar a Buenos Aires Déco, diz que essa “corrente estética” foi
adotada, em grande parte, pelos setores populares e pela classe média em
expansão:
Essa arquitetura baseada no saber popular, produto de uma economia
centrada no subconsumo, construída por etapas (pelos próprios habitantes
ou por leigos), com referências ao histórico e ao novo, com adoções e
recriações, híbrida e livremente imaginativa, algo cinza e austera, meio
515
CONDE & ALMADA,1996, op. cit.,p. 10.
516
UNES,2001,op.cit.,p.131.
517
OLIVEIRA,Luciana de Lima;DIAS,Paulo Renato Ramos.”A presença do Art Déco na Arquitetura do
Subúrbio Carioca.” In: Art Déco na América Latina- l ºSeminário Internacional.Rio de Janeiro:
Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de Urbanismo/Centro de Arquitetura e
Urbanismo; PUCRJ, 1997,p.186.
237
pampeana, meio européia,construiu uma modernidade peculiar, que ainda
hoje se constitui uma presença importante.
518
Assim, a leitura dos diversos projetos microfilmados da área em estudo
permite constatar que, ao longo da década de 1930, manifestam-se alterações
relativas à linguagem plástica e a introdução de novos elementos arquitetônicos,
entre eles os do Déco. No caso dos sobrados, três projetos selecionados identificam
avanços neste sentido. A residência da Álvaro Chaves, (Figura 116-proc. 18715/1936)
519
exemplifica o caso de um sobrado típico do bairro, encostado a uma das divisas,
com programa compacto e distribuição através da sala de jantar(antiga varanda) e
portanto sem alterações consideráveis nas soluções funcionais. Entretanto, apesar
das janelas ainda manterem-se estreitas e altas, e dos beirais aparentes, o exemplar
demonstra uma simplificação em direção à modernidade da época, apesar das suas
limitações plásticas.
Figura 116 - Filme 18_715/1936.
518
RAMOS,Jorge. “Buenos Aires Dèco: A outra Modernidade”. In: Art Déco na América Latina- l
ºSeminário Internacional.Rio de Janeiro: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Secretaria
Municipal de Urbanismo/Centro de Arquitetura e Urbanismo; PUCRJ, 1997,p. 65.
519
Filme 71 proc. 18715/1936,propriet. Atte Pastro, resp.téc. Jorge Carondomo,rua Álvaro
Chaves,214.(exist.)
238
Figura 117 - Foto atual (agosto de 2010) da edificação da Álvaro Chaves.
Fonte: Fotografia da autora.
Figura 118 - Proc. 9954/1938.
Assim, igualmente ocorre com o projeto de Helmuth Petry, na Comendador
Coruja (Figura 118-proc. 9954/1938),
520
onde destaca-se o volume circular do terraço
520
Filme 77 proc 9954/1938,propr.Alberto Bop,resp.téc Helmuth Petry,rua comendador Coruja.,
239
frontal, com ferragens de linhas simples e que acompanham o mesmo desenho.
Neste caso, a planta das duas residências do sobrado apresenta uma evolução na
distribuição dos recintos, que é efetuada através do hall, permitindo maior
independência entre eles. A presença dos dois terraços localizados no pavimento
superior evidencia uma época de maior integração da moradia com as áreas
externas.
No terceiro, o exemplar projetado por Ernani Hüttzel
521
(Figura119-
proc.14672/1939), as tendências modernizantes são mais explícitas, perceptíveis
através da utilização de janelas mais largas, ocultamento do telhado em platibanda
de linhas curvas, sacada e demais elementos plásticos. Neste caso, ratificam-se as
considerações de Unes de que o Art Déco, ao esconder os beirais, os substitui pela
introdução de varandas e sacadas, que passaram a compor as volumetrias das
edificações.
522
Figura 119 - Filme 14_672/1939.
Em situações distintas das apresentadas acima, a adoção de novas
linguagens se manifesta através da utilização de elementos plásticos, que remetem
521
Filme 82,proc 14672/1939,propriet. Edmundo Radmasky,resp.téc.Ernani Hüttzel,rua Sete de Abril.
522
UNES,op.cit.,2001,p.80.
240
ao denominado “estilo californiano”, exemplificado na residência construída na
década de 1950, de Oscar Barbosa dos Santos
523
(Figura120-proc. 46991/1951).
Enquanto em outros bairros da cidade o estilo adotado foi por casas unifamiliares e
com programas maiores, neste caso, apesar da aparência de moradia única, o
sobrado destinava-se à duas famílias, com organização e configuração que não
apresentam novidades. Externamente, aparecem alguns elementos característicos
deste tipo de residência: o pórtico de entrada em forma de arco e coberto com
pequeno telhado de duas águas, as pedras rústicas usadas como elementos
compositivos, os recortes geométricos do terraço do pavimento superior e o lampião.
Figura 120 - Filme 46_991/1951.
Weimer salienta que houve, na década de 1930, um “revival” arquitetônico
denominado “estilo espanhol”, que conviveu com as demais tendências modernistas
da época. Diferente do restante do país, no extremo sul, tal estilo não evoluiu para o
neocolonial, inspirado no barroco mineiro. No entanto, abriu caminho para a ampla
difusão do “estilo californiano”, uma forma simplificada do estilo espanhol, de
vertente argentina, a ponto de tornar-se o estilo dominante das construções de
diversos bairros da cidade na cada de quarenta. Sendo uma linguagem que teve
523
Filme 229 proc. 46991/1951,propriet. Oscar Barbosa dos Santos, Resp. téc.
Hugaut,Dytdz,Barbosa,avenida São Pedro.
241
grande aceitação popular, estendeu-se até a cada de sessenta, quando o
movimento moderno já era dominante.
524
É importante destacar, nos anos trinta, a predileção do arquiteto João
Antonio Moreira Neto, anteriormente mencionado pelo estilo espanhol, apesar de
também projetar residências modernistas. Como demonstra seu texto publicado no
Diário de Notícias, na coluna denominada “Para quem quer construir”, Moreira Neto
apresenta sugestão de projeto de residência, que certamente auxiliou na divulgação
desta vertente.
525
Weimer também lembra que a década de trinta foi uma das mais
conturbadas do século, em consequência dos seus diversos confrontos sociais, o
que também se refletiu na arquitetura através do grande número de experiências
contraditórias. Assim, no Brasil se confrontavam as correntes modernista,
neocolonial e eclética, sendo que a neocolonial, tão difundida nos estados do centro
do país, ao sul teve poucos seguidores. No entanto, a tendência modernista,
influenciada pela conjuntura social, apresentava muitas nuanças e variadas
influências.
526
Figura 121 - Proc. 898/1952.
524
GÜNTER,op.cit., 1998,p. 24,149.
525
Neste sentido ver: DIÁRIO DE NOTÍCIAS,Porto Alegre, 7 de setembro de 1930,p. 13.
526
GÜNTER,op.cit., 1998,p.147,148.
242
Neste sentido, destaca-se o sobrado de influência modernista de Pedro
Doliva
527
(Figura121-proc. 21898/1952) na Ernesto Fontoura, onde, através de programa
mais compacto e de uso misto, recorrentes no bairro, evidenciam-se as tendências à
simplificação dos elementos arquitetônicos da fachada, que viriam à tona nas
décadas seguintes.
Seguindo as mesmas características evolutivas dos sobrados isolados,
também evidencia-se, uma série de sobrados geminados, que até a década de 1930
adotavam uma linguagem eclética, mantendo-se alinhados ao passeio e com
afastamentos laterais. Estas características foram identificadas em diversos
exemplares da área, como o projeto da avenida Pátria, de Fantinel
528
proc.1853/1925, bem como nos seguintes: proc. 0058 /1925; proc.2051/1925;
proc.9925/1930.
529
Theo Wiederspahn é autor dos sobrados geminados, destinados
à renda, de propriedade da viúva A. Dillenburg,
530
situados na Comendador Coruja
(Figura122-proc. 11464/1930)
531
. A família Dillemburg possuía um casarão na
Voluntários da Pátria (atual número 1239), cuja fachada, ricamente ornamentada, foi
reconstruída pelo mesmo arquiteto em 1919.
532
527
Filme 240, proc.21898/1952, proprietário Pedro Doliva, resp. téc. Eng. Waldemar Cabral, rua
Ernesto Fontoura,374.
528
O projeto não faz referência ao primeiro nome. Segundo Weimer os dois irmãos, Alberto e Erich
eram construtores. Alberto Fantinel era construtor, nascido em Guaíba em 1892. Sua licença lhe
permitia construir prédios de até três pavimentos. Desenvolveu suas atividades de 1932-50.Sua obra
mais importante foi o Instituto Santa Inês. Era irmão do também construtor Erich Fantinel. Erich
Fantinel foi construtor, nascido em Guaíba em 1898. Responsabilizou-se pela construção de
numerosas obras, destacando-se no período de 1937 a 1948: as igrejas São Geraldo(projeto de V.
Zani), Nossa Senhora Medianeira,Nossa Senhora de Czestochowa, Santa Terezinha (Ramiro
Barcelos) e os ginásios Nossa Senhora da Glória e Nossa Senhora da Vitória. WEIMER,2004,op.cit.
p.58,59.
529
Filme 22,proc. 0058/1925,propriet. Olívio Broetto, resp. téc. D.F. Rocco, Rua Ernesto Alves;
Filme 23, proc. 1853/1925,resp. téc. Fantinel , avenida Pátria;
Filme 23,proc. 2051/1925, resp. téc. Rudolf Schindler,rua Hoffmann,31;
Filme 41,proc.9925/1930,propriet. Roberto Sommer,resp.téc. Luiz Kern, rua Ernesto Alves.
530
Neste sentido ver: WEIMER,Günter.Theo Wiederspahn arquiteto.Porto
Alegre:EDIPUCRS,2009,p. 107. Neste caso, o autor refere-se ao mesmo projeto, entretanto na rua
Ernesto Alves e não Comendador Coruja, conforme encontrado na pesquisa dos microfilmes.
531
Filme 43, proc.11464/1930, propriet. Maria Emília Dillemburg,resp.téc. Theo Wiederspahn,rua
Comendador Coruja.
532
Não foi possível localizar o projeto original. Além da intervenção de Wiederspanhn de 1919, foi
encontrado outro processo, em 1927, quando o mesmo arquiteto foi responsável por um aumento na
parte posterior da edificação. Atualmente, a residência está em ruínas. Durante muito tempo, sediou
a casa noturna American Boite. (proc. 597/1919) e (proc. 6 636/1927).
MATTAR,2001,op.cit.,p.164,165.
243
Figura 122 - Filme 43_11464/1930.
Figura 123 - Aquarela do Escritório de Theo Wiederspahn, referente ao projeto dos sobrados
geminados de Maria Emília Dilllemburg.
Fonte: WEIMER,2009,op.cit.,p.107.
244
Figura 124 - Foto atual (agosto de 2010) dos sobrados geminados da avenida Pátria, visivelmente
alterados no pavimento inferior.
Fonte: Fotografia da autora.
Percebe-se que nos dois últimos sobrados, cujos processos foram
encaminhados em 1930, a previsão de garagem no pavimento térreo. A mesma
tendência aparece no final da mesma década, nos sobrados geminados da Álvaro
Chaves, (proc. 10301/1938)
533
, construídos por João Luiz Pufal,
534
que com
inovações no que tange a eliminação dos elementos decorativos, presentes nos
exemplares anteriormente citados. Estas residências, provavelmente destinadas
para renda, pertencem a Travi &Cia., também proprietário de sobrado na mesma
rua,
535
mencionado anteriormente, e da serraria na Voluntários da Pátria. Este e
outros exemplos evidenciam, não somente, a relação de proximidade entre moradia
e trabalho, então existente, mas, também, entre categorias espaciais e sociais
diferentes.
533
Filme 77,proc. 10301/1938,propriet. Travi & Cia., resp. téc. J.L. Pufal, rua Álvaro Chaves.
534
João Luiz Pufal nasceu em Alfredo Chaves em 1892. Intitulava-se arquiteto-construtor, porém sua
licença era de construtor de prédios de quatro pavimentos e vãos de 10 metros. Construiu o cinema
Orfeu, a fábrica de móveis de Walter Gerdau (1924)na esquina da av. Brasil com Voluntários , a
fábrica da Companhia Fabril Porto Alegrense -FIATECI, o já demolido edifício da Companhia Predial
e Agrícola, os armazéns de Azevedo Bento e Cia. na Voluntários . Em 1918, construiu a Sociedade
Gondoleiros, na antiga avenida Eduardo. Ao que tudo indica, os projetos destas obras foram
desenvolvidos por seu irmão Eduardo, pois sua atuação provavelmente tenha se restringido à
construções. Pela sua condição de estrangeiro, foi prejudicado pelo CREA no tocante a titulação
profissional, que o converteu em “construtor licenciado”. WEIMER,2004,op.cit. p.139,140.
535
Filme 15, proc. 456/1917, Casa Fortunati Travi.
245
Figura 125 - Foto atual (agosto de 2010) dos sobrados geminados da rua
Álvaro Chaves.
Fonte: Fotografia da autora.
246
5.5 EDIFÍCIOS
Figura 126 - Conjunto de edifícios da avenida Farrapos ( janeiro de 2009).
Fonte:Foto da autora.
Ao longo da década de 1940, intensificou-se a construção de outras
tipologias na área em estudo, como a de edifícios, evidenciando-se a assimilação de
novos valores e inovações quanto ao uso dos espaços e a própria forma de morar
em apartamentos.
Guerrand, ao analisar os modos de residir da nova sociedade parisiense do
século XIX, relata as principais características dos imóveis de aluguel deste período,
dividindo-os em categorias, conforme sua destinação. Nos de primeira categoria,
destinados aos mais afortunados, os apartamentos tinham dupla orientação, uma
para o pátio e outra para a rua, e aquecimento por caldeira. Possuíam quatro
pavimentos, sendo o último destinado às famílias menos abastadas. Nos imóveis de
aluguel de segunda categoria havia um pavimento a mais, sendo que os dois
primeiros eram ocupados por lojas. Para as camadas inferiores, os cinco pavimentos
do imóvel de terceira categoria eram servidos por uma única escada de madeira,
247
sendo que o pátio era ausente e eventualmente substituído por uma espécie de
poço.
536
Também em Paris, Auguste Perret inovou com a construção, em 1903, do
prédio de número 25 da rua Franklin, onde “pela primeira vez a ossatura de concreto
armado é adotada de modo a envolver a aparência exterior”. Neste caso, optou por
um partido em forma de “U”, na parte central, e projetou todos os cinco cômodos das
habitações de cada andar, voltados para a rua , que o terreno possuía pouca
profundidade.
537
Nos Estados Unidos, a explosão de novas construções, por ocasião da
reconstrução da cidade de Chicago após o incêndio de 1871, propiciou uma série de
audazes experimentos e novos sistemas construtivos, protagonizados pela
denominada “Escola de Chicago”. Assim, esta cidade tornou-se o berço da
construção de edifícios para escritórios de grande altura, depois disseminados neste
país através de técnicas desenvolvidas com a utilização da estrutura em esqueleto
de aço.
538
A evolução dos apartamentos no Brasil também se relaciona com os
processos de verticalização das grandes cidades. Lemos resume sua história em
três etapas: a pioneira, de 1925 aa Segunda Guerra Mundial, depois a situada
entre aproximadamente 1945 até os anos 70 e, por fim, desta época até os nosso
dias.
539
Ao discorrer sobre a fase heróica, o autor chama a atenção para o fato de
que a penetração do apartamento na vida brasileira, primeiramente deu-se através
da aceitação da classe média urbana e, posteriormente, da alta. Dificuldades de
comunicação, transportes coletivos, infra-estrutura e o elevado preço dos terrenos
fora das zonas centrais, foram incentivos para a construção de edifícios em altura.
Inicialmente, surgiram os de escritórios, depois os mistos e, no final da cada, os
de vários andares, na maioria destinados a aluguel e viáveis, graças aos elevadores
importados (Otis). Característica peculiar dos edifícios brasileiros foi a segregação,
536
GUERRAND,1995,op. cit.,p.330.
537
BENEVOLO,1976,op.cit.,p..328.
538
Ibid,p.234. Neste sentido, ver também: FRAMPTON,1997, op.cit.
539
LEMOS,1996,op.cit.,p.77.
248
em áreas de circulação distintas das dos patrões, das empregadas domésticas e
fornecedores.
540
Segundo pesquisa de Vaz no Rio de Janeiro, foi nos anos de 1920 que
surgiu o apartamento, como uma nova forma de habitação coletiva e, somente em
1940, se consolidou a expressão “edifício de apartamentos” em substituição a outras
terminologias.Durante algum tempo, o termo edifício significou prédios de
escritórios.
541
Para Lemos, a aceleração da verticalização deu-se efetivamente por volta de
1948, com a popularização da idéia de condomínio. Nesta época de boom
imobiliário, surgiram os apartamentos mínimos(sala-quarto, banheiro e kitchenete)
cujo programa reproduzia a idéia de um quarto de hotel. A terceira etapa é marcada
principalmente pelos prédios isolados, cercados de verdes por todos os lados.
542
O processo de verticalização das construções, como é sabido, foi
possível graças aos avanços tecnológicos alcançados com o advento do concreto
armado, o que possibilitou a adoção de maiores vãos e alturas, bem como a
introdução de inovações formais, cujos traços desta herança acabaram
permanecendo na arquitetura da cidade. As primeiras soluções ainda mantinham-se
vinculadas às experiências dos sobrados com características historicistas. Os
diversos exemplares da rua Voluntários da Pátria, no seu trecho mais central,
demonstram que sobrados com diversas moradias, provavelmente destinados para
aluguel, constituíram-se em antecipações dos prédios de apartamentos, que
surgiriam posteriormente, com o advento dos edifícios mais altos.
543
Machado compartilha da idéia de que, em nosso país, o hábito de morar em
apartamentos é recente, se comparado a outros lugares, já que esse processo ainda
caminhava lentamente nas primeiras décadas do século XX. Constatou que em
Porto Alegre, no final dos anos 20 e sobretudo nos anos 30, manifesta-se uma
540
Ibid,p.78,79.
541
VAZ, 2002,op.cit.,p.66,68.
A autora cita outras expressões utilizadas anteriormente: casa de apartamentos, prédio de
apartamentos, casa de habitação coletiva, casa(prédio ) para renda,etc.
542
LEMOS,1996,op.cit.,p.80,81.
543
Neste sentido ver:MATTAR, 2001,op. cit.,p.167.
249
tendência de mudança na sua paisagem horizontal, principalmente na região central,
em direção a uma crescente verticalização, sendo que, os prédios altos constituíam-
se em atributo especial da capital do estado, verdadeiros símbolos de uma
modernidade almejada.
544
Desde o início dos anos 20, a cidade vinha encontrando, nas gestões de
Otávio Rocha e Alberto Bins, sonhos progressistas e anseios de torná-la uma capital
moderna, pretendendo, também, incrementar o comércio, a indústria e outros ramos
de atividades. Estabeleceu-se, como diz Monteiro, “uma corrente dinâmica de
investimentos”, constituída de bancos nacionais e estrangeiros, e grandes casas
comerciais e industriais. Uma maior geração de capitais, bem como a possibilidade
de intercâmbio com outras cidades, acarretaram uma série de transformações no
modo de vida da população, que então passou a procurar modelos em
Paris,Londres e Nova Iorque.
545
Mais tarde, a partir dos anos 40, Lima salienta a grande penetração dos
referenciais norte-americanos em Porto Alegre, em grande parte através das
propagandas nos meios de comunicação, estabelecendo, assim, uma conexão entre
o consumo do apartamento e os novos produtos. A autora estudou os edifícios de
apartamentos da radial Independência / Vinte e Quatro de Outubro, que, por suas
características, foram a expressão dos novos modos de morar de uma parcela da
sociedade de Porto Alegre.
546
Estas mudanças acarretaram uma verdadeira revolução habitacional
inaugurada a partir dos anos 30. Claudio Lima considera que este novo estilo de
vida também sofreu a influência de imagens do cinema:
Com cenários de sua ação desenrolando-se em ambientes que nada
lembram a atmosfera das residências, mas sim lares,escritórios
garçonnières que estão sempre situado em andares de edifícios altos, onde
relações inter-pessoais começam a processar-se em linhas tão novas.
e de livros:
544
MACHADO,1998,op.cit.,p.67, 246.
545
MONTEIRO,1995,op.cit.,p.137.
546
LIMA,Raquel R.Edifícios de apartamentos:um tempo de modernidade no espaço
privado.Estudo da radial Independência/24 de outubro-P.A. nos anos 50.Porto Alegre, 2005.Tese
de Doutorado em História,PUCRS, p.173,180.
250
(...) romances urbanos que não falam mais de vivendas ladeadas por
carramanchão, nem de palacetes isolados,ou de casas de porta e
janela,mas de apartamentos em edifícios altos, onde vizinhos não se
conhecem, enquanto olha em baixo, pela vidraça, o formigueiro humano
do centro urbano.
547
Assim, como aconteceu em diversas cidades brasileiras, nem os subúrbios
estiveram a salvo da “mania do apartamento”, que esse gênero era capaz de
impor elegância, distinção e modernidade.
548
No 4º. Distrito,conforme projetos pesquisados, as construções de pequenos
edifícios, indícios deste tipo de imagem de modernidade, novos referenciais e
padrões estéticos, efetivamente, começam a surgir, a partir da década de 1940, e
localizaram-se, em maior número, nas vias principais. Habitar em edifícios de
apartamentos evidencia mudanças de comportamentos, facilidades nos trabalhos
domésticos e inovações nos hábitos alimentares, que contrapõem-se radicalmente à
maneira, até então, mais usual de viver dos habitantes desta área, cujos programas
residenciais predominantes e costumes referenciavam-se a tipos de vivências
característicos de casas térreas ou de sobrados, descritos anteriormente.
Por outro lado, desde as décadas de 20 e 30, houve um grande incentivo
dos governos locais para a construção de novas edificações e, consequentemente, o
desenvolvimento de outros repertórios arquitetônicos. Na gestão de Loureiro da
Silva foram erigidos modernos equipamentos urbanos como: Pronto Socorro(1940-
43), Centro de Saúde Modelo(1940-43), Mercado Livre(1939-43)
549
, Cemitério São
João(1935) entre outros. Também, como é conhecido, foi prioridade do governo a
descentralização da cidade através de ligações adequadas até a periferia.
550
Neste
intuito, foi aberta a avenida Farrapos, considerada na época, uma das mais
importantes radiais da capital, que serviria para conectar o centro urbano em
direção ao Norte, outrora feita pela rua Voluntários da Pátria. Inaugurada em 1940,
tornou-se viável através de uma grande cirurgia urbana que cortou grande parte do
tecido já consolidado da área em estudo.
547
LIMA,Claudio de Araujo.Imperialismo e Angústia. Rio de Janeiro:Editora Civilização
brasileira,1960,p.23,24.
548
Neste sentido ver:VAZ, 2002,op.cit.,p.81. Ver também: MACHADO,1998,op.cit. e LIMA,2005,op.cit.
549
A seção de obras da cidade era chefiada por Christiano de la Paix Gelbert, que desenvolveu estes
projetos ao gosto déco. Neste sentido ver: SEGAWA,2002,op.cit.,p.69.
550
Neste sentido ver:DE GRANDI,Celito.Loureiro da Silva: O Charrua. Porto Alegre:Literalis, 2002.
251
Figura 127 - Demolições para a implantação da avenida Farrapos, nos trechos entre
Ernesto Alves e Garibaldi.
Fonte: PESAVENTO, 1999,op.cit.p.119.
Ruschel, baseada nas informações de planta baixa do projeto de traçado
desta avenida, chama a atenção para a predominância das edificações em madeira,
principalmente na área da antiga avenida Minas Gerais, concluindo que a abertura
da Farrapos tenha contribuído para alterações nos padrões das edificações da
área.
551
Nesta avenida, a tipologia dominante é a que apresenta quatro a cinco
pavimentos, sendo o térreo voltado à atividade comercial e os pavimentos
superiores para habitação. Neste caso, a verticalidade, uma das imagens marcantes
da modernidade, comparece de forma muito tímida, assim como os elevadores, que
dificilmente aparecem nas edificações analisadas pela autora. Conclui que,
provavelmente, estas tenham sido definições do proprietário/construtor, baseadas
em fatores econômicos, que os empreendimentos destinavam-se a uma classe
social menos favorecida economicamente. Outras características que acabaram por
originar conjuntos com certa homogeneidade, são as construções nos limites frontal
551
RUSCHEL,2004, op. cit.,p. 83.
252
e lateral dos lotes, gerando fachadas contínuas, configuração padrão de rua-
corredor e uniformidade do conjunto arquitetônico.
552
À imagem progressista e cosmopolita desta via correspondem linguagens
modernizantes, no que toca aos elementos compositivos das edificações. Mahfuz,
ao abordar algumas influências do Art Déco na arquitetura gaúcha, chama a atenção
para o grande número de edifícios existentes na avenida Farrapos, cuja arquitetura
deriva desta afiliação: formas simplificadas, simetria bilateral, alguns volumes
semicirculares presentes nas fachadas e marcações de esquina. Segundo o autor, a
abrangência do Art Déco pode ser balizada por dois extremos, de um lado o que
pode ser chamado de tardo-historicismo e, de outro, o purismo do movimento
moderno. Praticamente tudo o que está compreendido entre este período acaba
sendo rotulado de Art Déco.
553
É pertinente lembrar que as primeiras cadas do século XX foram
assinaladas por uma grande crise política e econômica, que culminou com a
Segunda Guerra Mundial. Apesar disto, o panorama artístico e cultural dos anos
entre guerras, e mais especificamente da arquitetura, foi marcado pela convivência
de diversos estilos e influências.
Na Europa, o período de transição entre o Art Nouveau
554
e o modernismo
foi rico em inovadoras experiências arquitetônicas, precursoras de novas linguagens
arquitetônicas, racionalidade construtiva, e emprego de novos materiais e
tecnologias. Alguns autores, como De Fusco, denominam de “Proto-Racionalismo”,
obras de arquitetos como Peter Behrens, Henry Van de Velde, Hoffmann e Adolf
Loss, para designar uma arquitetura de transição ”ainda não Racionalista, mas
liberta da hipertrofia decorativa do Jugendstil”.
555
No Brasil, estes também foram tempos de muita significação para o
desenvolvimento da cultura e das artes. Período de grande vitalidade e
552
Ibid,p.97,99,146.
553
MAHFUZ, 1997, op. cit., p.156.
554
Seguindo a terminologia de Benévolo, que lhe dá um significado mais amplo, que inclui diversos
movimentos de vanguarda europeus, como o Jugendstil, modern style,Liberty.
BENEVOLO,1976,op.cit.,p.273.
555
DE FUSCO, RENATO. A idéia de Arquitetura.São Paulo:Martins Fontes,1984,p.60.
253
contradições, foi decisivo no incremento da modernização do país. Como se sabe, a
chegada dos anos 30 representou o fim da República Velha e o advento do período
Getulista (1930-1945) , caracterizando-se, de um lado, por iniciativas que
mesclavam reformas de cunho social e, por outro, uma política centralizadora e
autoritária.
A partir de 1925, tendo como evento propagador a Exposição de Artes
Decorativas de Paris, aaproximadamente os anos 40, configurou-se o lançamento
de um conjunto de manifestações artísticas que desempenharam um importante
papel na transição de uma arquitetura de tradição mais historicista para o Movimento
Moderno. Muitos autores utilizam a denominação de Art Déco para identificar e
sintetizar o espírito desse momento da cultura ocidental, que se caracterizou não
somente pelo desenvolvimento de diversas formas artísticas e uma estética própria
no desenho dos objetos, mobiliário e artes gráficas, mas também na incorporação de
novas atitudes e modos de vida refinados. Uma das manifestações culturais mais
importantes deste tempo foi o cinema, sendo que o jazz, a dança em público, o disco
e o rádio foram instrumentos decisivos na difusão dos novos sons, com vertiginosa
velocidade e movimento. Também as máquinas da sociedade industrial, o
automóvel, o avião e o transatlântico, contribuíram na propagação de novas
imagens. Os elementos que uniram essas diversas tendências firmaram o conceito
de Art Déco em homenagem à Exposição de Artes Decorativas de Paris de 1925. De
abrangência limitada, conviveu com diversas correntes contemporâneas,
combinando características internacionais e cosmopolita. O termo Art Déco nasceu
em 1966, em uma mostra retrospectiva desta exposição, “Lês Anées 25”.
556
Diversos pesquisadores consideram o evento da Exposição Comemorativa
do Centenário da Revolução Farroupilha, importante ponto de referência na
propagação de novas tendências arquitetônicas em Porto Alegre.
557
Realizado em
1935,no parque de mesmo nome, reuniu uma série de pavilhões temáticos, de
556
Neste sentido ver: CONDE & ALMADA,op.cit.,1996; UNES, 2001,op.cit.; SEGAWA,2002,op.cit.
557
Também sobre a importância do evento, Machado considera que: “tal era a importância dada pelo
governo aos objetivos maiores almejados com o evento, qual seja, demonstrar à nação a
grandiosidade do estado, de seu povo e de seus governantes, que não bastava que o recinto da festa
os traduzisse. Estes deveriam ultrapassar o âmbito físico do certame, atingindo a cidade anfitriã como
um todo”. MACHADO, 1990,op.cit., p.114.
254
caráter efêmero, onde “o despojamento ou arrojo ornamental subordinava-se ao
sistema construtivo empregado, e o Déco confluía para a solução formal menos
rebuscada”.
558
Este evento tem despertado o interesse de alguns estudiosos que
abordaram a sua influência na propagação de novas formas e nas práticas
arquitetônicas da cidade, apesar da existência de diversas manifestações neste
sentido, anteriores a esta data.
559
No contexto regional, Frota considera que a
exposição “revela-se como a primeira tentativa de produzir um conjunto de
edificações baseado em vocabulário arquitetônico de estética nitidamente
modernizante.”
560
A leitura que muitos autores fazem da produção arquitetônica do período
1920-40 é a de que as influências “modernizantes” caracterizaram-se por uma busca
reducionista aliada à coexistência de diversas vertentes arquitetônicas. Raposo
Andrade diz tratar-se de uma “arquitetura híbrida, que combina influência da tradição
clássica e de diversas tendências correntes do Movimento Moderno”.
561
Segawa
chama de modernidade pragmática, a modernidade dos anos 1920/40, fora dos
manuais,
562
e Conde, denominou de “Protomodernismo” às “arquiteturas marginais
ou desviantes”, ausente dos livros, mas, muito, apropriada pela população.
563
Estas práticas ficam evidentes em cidades e bairros construídos nesses anos, que,
como diz Segawa, são “verdadeiras concentrações de arquitetura popular de gosto
Déco, nas mais variadas interpretações possíveis e imagináveis”.
564
Neste sentido, a maior parte da produção dos nossos bairros, nesta época,
se enquadra numa produção média, onde exemplares anônimos e desconhecidos
dos manuais de arquitetura marcaram presença naquele quotidiano. Este é o caso
558
SEGAWA,2002,op.cit.,p.62.
559
Neste sentido ver:
BRUGALLI, 2003, op. cit. ; CALLEGARO, 2002, op. cit.; CANEZ, 1998, op. cit.; ESQUINAZI, 1995,
op.cit.; MACHADO,1990, op.cit.; SEGAWA, 2002, op. cit.; FROTA,2000,op.cit.; FROTA,José Artur D
„Aló.Arquitetura comemorativa da Exposição do Centenário Farroupilha, 1935. Porto Alegre:
Corag,1999.Catálogo;
560
FROTA,2000,op.cit.,p.15.
561
ANDRADE,Paulo Raposo. “Uma Outra Cultura da Modernidade”.Revista AU,São Paulo,N
º.51,1993/94,p.73.
562
SEGAWA,op.cit 1995, p.73.
563
CONDE, 1987,op.cit.,p.68-75.
564
SEGAWA,2002,op.cit.p.72.
255
da abordagem de Oliveira e Dias que, como referido anteriormente, chamam a
atenção para a “assimilação” da tendência Art Déco nas edificações dos subúrbios
cariocas. Nestes lugares, houve diversos exemplos de “apropriação popular do
Déco, uma estilização simples, construída com o objetivo de adequar as casas
humildes à arquitetura da época”.
565
Retornando ao caso da avenida Farrapos, percebe-se que algumas
peculiaridades urbanas predominantes na configuração da sua imagem: alturas
moderadas (4 e 5 pavimentos), uso frequente de composições formais tradicionais,
onde permanecem as simetrias, geometrização das formas, volumetrias monolíticas,
construções sobre os alinhamentos e divisas laterais, morfologia característica da
rua-corredor
566
e diálogo harmônico entre elas, também são presentes em outras
ruas da área em estudo. Seja no centro ou em bairros como Navegantes, São
Geraldo, São João, Floresta e outros, evidencia-se que a linguagem e composição
destes exemplares constituem a maior expressão do contexto da cidade nesta
época, associados à produção de espaços urbanos qualificados.
Em países vizinhos como a Argentina, Diez reconhece a capacidade deste
período em gerar qualidade urbana através de uma visão de conjunto, onde os
habitantes podem desenvolver melhor um sentimento de comunidade e
pertencimento, em contrapartida à excessiva valorização de uma arquitetura
baseada em talentos individuais.
567
Entre as obras pesquisadas foram primeiramente selecionados alguns
exemplares característicos das manifestações arquitetônicas, onde esta “busca -
consciente ou não - de uma síntese entre a tradição e as experiências das
vanguardas modernistas”.
568
Além da qualificada avenida Farrapos, percebe-se que
diversas habitações multifamiliares com características semelhantes surgiram nas
proximidades desta via que foi a grande protagonista de importante momento do
processo de urbanização da cidade.
565
OLIVEIRA & Ramos, 1997, p. cit., p. 184,185.
566
Referindo-se a homogeneidade do conjunto arquitetônico na rua, resultante de uma forma de
implantação no lote onde permanecem ausentes os recuos frontais e afastamentos laterais.
567
DIEZ, 1996/97, op.cit.,p.90-93,1996/97.
568
ANDRADE, 1994,op.cit.p.75.
256
Figura 128 - Filme 092_09257/1941.
Desta forma, o edifício Clara (Figura128-proc.9257/1941),
569
na esquina da
Hoffmann com Farrapos, construído por Humberto della Mea
570
, identifica-se com
diversas edificações construídas nas primeiras décadas após a abertura da avenida
Farrapos e com suas principais características, referidas: alturas moderadas, uso
de simetrias, acessos centralizados e composição tripartida, dividida em base,corpo
e coroamento. Assim como outros exemplares da avenida, o prédio destina o
pavimento térreo para uso comercial (três lojas) e os três pavimentos superiores a
residências. Devido a pouca profundidade do terreno, foram projetados somente um
apartamento de três dormitórios, por andar. O lançamento da edificação no terreno
acompanha seus limites, sendo que a esquina é chanfrada e com a presença de
sacadas. Nela ficam evidentes as tendências à simplificação no tratamento da
fachada, através da substituição de elementos decorativos sobrepostos em troca de
maior investimento nos próprios elementos construtivos,
571
aqui representados pela
composição volumétrica das sacadas salientes. Algumas esquadrias têm tratamento
diferenciado, como a abertura verticalizada da escada e as do tipo escotilha,
utilizadas nos banheiros. Estas edificações ficaram popularmente conhecidas como
569
Filme 92, processo 9257/1941, propriet. Müller Gegani, resp. téc. Humberto Della Mea, rua
Hoffmann esquina Farrapos.
570
Segundo Weimer, Humberto della Mea, responsabilizou-se por 17 obras, entre 1936-45,dos mais
variados conteúdos, loteamentos, reforamas, construções. WEIMER, 2004, op.cit.p. 117.
571
Neste sentido ver: CONDE &ALMADA,2000,op.cit,p.14
257
prédios de mica, por empregarem externamente o revestimento a base de de
pedra e mica.
Cabe salientar que os edifícios da avenida Farrapos, na sua maioria de uso
misto, destinavam o pavimento térreo para atividades terciárias. Seguindo uma
tendência que revela mudança nos meios de transporte da cidade, estes espaços
foram predominantemente ocupados por lojas que comercializavam auto-peças.Nas
décadas posteriores, também os serviços ligados a transportes seriam
incrementados nas suas proximidades.
Verificou-se que fora da avenida, na mesma época, também foram
construídos alguns exemplares que seguiram tais características, mas com
destinação totalmente residencial. São conjuntos de edifícios com programas
modestos, que atestam a utilização de alguns elementos do Art Déco em bairros
populares. Este é o caso do edifício Tamoio,na Moura Azevedo, atualmente
denominado Marajoara (Figura129-proc.11209/1941)
572
, construído por Pedro
Sedano.
573
Neste caso, a estratégia de aproveitamento da área de cada pavimento
para inserção de cinco apartamentos, gerou uma longa circulação de acesso às
unidades, e a ausência de recuos laterais obrigou a criação de pátios internos para
ventilação dos recintos. Externamente uma valorização do acesso através de
volume de linhas curvas, que estabelecem um contraponto com a horizontalidade
das sacadas. Uma característica que chama a atenção nesta edificação é o
tratamento escalonado da platibanda, muito propagado em diversas edificações da
área estudada.
572
Filme 92,processo 11209/1941,proprietário Elimann Américo Schwitz, resp. téc. Pedro Sedano, rua
Moura Azevedo.
573
Pedro Sedano era construtor, nascido em Porto Alegre.Sua licença permitia-lhe construir até
quatro pavimentos. Construiu várias residências na periferia. No entanto extrapolou estas atribuições,
construindo edifíciosde maior porte.WEIMER,2004,op.cit.p.163.
258
Figura 129 - Filme 092_11209/1941.
Figura 130 - Foto atual (agosto de 2010) do edifício Tamoio, atualmente
Marajoara. Percebem-se diversas alterações, inclusive o acréscimo de um
pavimento.
Fonte: Fotografia da autora.
259
Conde & Almada, na sua abordagem sobre o Art Déco, classificam esta linha
estilística, que abusa da geometrização e se aproxima do racionalismo modernista,
de zigue-zague ou escalonada. Uma outra tendência muito utilizada na América
Latina é a de linhas sinuosas e aerodinâmicas, com inspiração no desenho industrial
das grandes máquinas, denominada Streamline
574
. O Edifício De Conto (Figura131-
proc.46004/1952)
575
, depois transformado em hotel, conforme projeto microfilmado
de 1952, possui algumas características que se enquadram nesta linha, como a
ênfase no jogo de volume e a dominância das linhas horizontais e curvas,
principalmente na platibanda de coroamento. Merece atenção a estilização dos
volumes superiores, através da utilização de elementos de referências náuticas.
Figura 131 - Filme 250_46004/1952.
574
Conde & Almada,1996,op.cit.,p.12.
575
Filme 250,resp. téc. Almiro Barichello,João Inácio esq.Farrapos.
260
Figura 132 - Foto atual (agosto de 2010) do edifício De Conto.
Fonte: Fotografia da autora.
O edifício Samuel Barros (Figura133-proc. 33894/1951),
576
construído por Toigo
&Cia.
577
, mostra algumas alterações em relação aos exemplares anteriores. A
edificação de esquina, construída no início da década de 1950, apresenta volumes
mais simplificados, articulados através de sacadas e superfícies semi-embutidas. A
esquina é chanfrada somente nos pavimentos inferiores e nos demais são mantidas
as arestas, fazendo a sua marcação através das sacadas de canto. No tratamento
externo, ainda predominância dos cheios sobre os vazios e a permanência da
576
Filme 223,proc. 33894/1951, edif. Samuel Barros,resp. téc. Toigo e Cia., Maranhão esquina com
Farrapos.
577
Firma construtora de Sylvio Toigo, natural de Beluno, Itália, onde nasceu em 1889. Já no Brasil,
sua solicitação de registro como arquiteto-construtor, foi transformada em projetista-construtor
licenciado, apesar de ter apresentado um vasto currículo de grandes obras realizadas em Caxias. Foi
um dos fundadores do Partido Facista, e como tal, foi enviado para Caxias. Nesta cidade, sua
atividade como arquiteto dos empresários locais, encobria sua militância política, que contava com o
apoio do consulado Italiano. Provavelmente em decorrência dos desfechos da Segunda Guerra,
transferiu-se para Porto Alegre, onde dedicou-se à uma próspera firma construtora.
WEIMER,2004,p.179.
261
divisão tripartida. Entretanto, percebe-se uma diminuição dos elementos decorativos,
que se restringem a utilização de acesso com porta emoldurada, frisos horizontais e
verticais, um pequeno escalonamento na platibanda e a aplicação de alguns
elementos geométricos.
Figura 133 - Filme 223_33894/1951.
Figura 134 - Foto atual (agosto de 2010) da edificação da esquina da Maranhão com
Farrapos.
Fonte: Foto da autora.
262
É importante dizer que, nesses exemplares implantados nos limites do lote,
sem previsões de afastamentos, exigia-se a criação de pátios internos destinados à
iluminação e ventilação de diversos recintos. Com o advento dos anos 50,
persistiram alguns agenciamentos, mas com evidentes características modernas,
mesmo em edificações singelas como o edifício Samuel Scudarovski,(proc.
30125/1952)
578
. Apesar do tratamento axial e simétrico, as janelas adquirem vãos
bem maiores com predominância dos vazios e ausência de ornamentações.
Outros três projetos de 1952, exemplificam a assimilação das novas
tendências na área em estudo, com edificações de maior altura(tendência à
verticalização), linhas mais despojadas e geometrias muito próximos da arquitetura
moderna: o edifício do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, na esquina da rua
São Pedro com a Presidente Roosevelt, de Macchiavelo & Gamerro
579
(Figura135-
proc.22674/1952)
580
, bem como os processos(proc.23 002/1952)
581
e (proc.
43976/1952)
582
, referentes à edificações que se localizavam na avenida Farrapos ou
adjacências. Também são notórias as alterações nas plantas baixas, através de
soluções mais elaboradas e o melhor atendimento das questões de iluminação e
ventilação dos ambientes.
578
Filme 250,proc.30125/1925,edif. Samuel Scudarovski,resp.téc.crea 7415, av. Presid. Roosevelt.
579
Saul Macchiavello nasceu em Uruguaiana em 1896. Estudou arquitetura na Faculdade de
Montevidéu, onde conheceu seu primeiro sócio Antonio Rubio, com quem fundou a firma
Macchiacello & Rubio. Pouco depois da Segunda Guerra desfez esta sociedade e criou a
Macchiavello & Gamero. Desta época é o edifício São Salvador, na esquina da Borges de Medeiros
com Duque de Caxias. Macchiavello foi casado com Heloisa Chaves Barcelos, o que foi decisivo para
seu sucesso profissional, não só nos projetos de diversos palacetes, mas também prédios religiosos.
Em 1933 projetou o Hotel Carraro,construído por Chaves Barcelos na Praça Otávio Rocha. Além de
diversas residências na capital, foi autor do projeto para o Cassino Palace Hotel de Canela. Antes da
Segunda Guerra, projetou três filiais para o Banco do Estado do RGS, as instalações da rádio
Difusora(1936) e Farroupilha(1938), os edifícios Irmão Jamardo na Andradas com Dr. Flores(1931), o
Chaves Barcelos na Marechal Floriano(1935, o),Alcaraz, na esquina da Borges com Riachuelo(1938)
e o Luiz Biscot na Andradas (1944). WEIMER,2004,op.cit.p.111,112.
580
Filme 240,proc.22674/1952,Banco do Estado do Rio Grande do Sul, Resp.téc. Macchiavelo &
Gamerro, rua São Pedro esq. Roosevelt.
581
Filme 240,proc. 23 002/1952, ed. Pandolti, resp.téc. Toigo e& Cia., Farrapos esq.Fábrica.
582
Filme 249,proc.43976/1952,jornal e ed. De apartamentos,resp.téc. crea 7057,rua São
Pedro,Buarque de Macedo ,Pernambuco e Farrapos.
263
Figura 135 - Filme 240_22674/1952.
Figura 136 - Foto da avenida Presidente Roosevelt, onde aparece o edifício do Banco do
Estado do Rio Grande do Sul, no final da década de 1950.
Fonte: VERÍSSIMO,1960,op. cit, p.45.
Nos projetos pesquisados, não foram evidenciados prédios para renda, do
tipo que se vinculava aos sobrados tradicionais, porém mais altos, como aconteceu
264
na rua Voluntários da Pátria nas proximidades do centro.
583
Característicos do início
dos anos 30, situavam-se, assim como os sobrados, na testada do lote, ocupando
toda a sua largura, e constituídos de diversas moradias, com plantas que obedeciam
à organização tradicional das residências. Nesses anos, essas edificações de
transição foram experiências representativas das sucessivas transformação da
habitação. O fato de que, na área em estudo, os edifícios surgiram após a década
de 40, pode ser uma explicação para essa ausência.
Figura 137 - Fotografia aérea mostrando as edificações mais altas na avenida Farrapos
e Presidente Roosevelt, na década de 1960.
Fonte: Foto do acervo da Associação dos Amigos do 4º. Distrito.
583
MATTAR, 2001,op.cit.,p.167.
265
Figura 138 - Fotografia aérea da década de 1960.
Fonte: Foto do acervo da Associação dos Amigos do 4º. Distrito.
No entanto, gradativamente foram desaparecendo as características de uma
arquitetura de conciliação, baseada em referenciais de matrizes clássicas,
volumetrias contínuas e articuladas, dando lugar aos edifícios isolados. Como diz
Montaner:
No século XX, ocorreu uma mudança drástica na maneira de afrontar a
forma arquitetônica. Dissolveu-se um sistema estético e compositivo (o
clássico, que apesar das suas variedades e evolução, possuía alguns
critérios unitários e intemporais baseados na ordem, na simetria,na
harmonia,na hierarquia e na representação e entrou-se em uma nova época
na qual desapareceram as leis compositivas universais.
584
Igualmente, o referido, Fernando Diez reflete sobre a qualificada
arquitetura produzida no período pré 2ª. Guerra Mundial, onde os edifícios
procuravam somar-se a fim de formar conjuntos coerentes entre si, integrados a um
projeto mais geral. Neste caso, variava seu caráter, mantendo uma relativa
estabilidade da volumetria geral, solidária ao projeto urbano. Nas décadas seguintes,
o caminho que acabou sendo dominante foi o de eliminar a decoração, como algo
ilícito, dando lugar ao que Diez denomina “princípio dos edifícios abstratos”, onde:
(...)as formas dos edifícios já não perseguem a funcionalidade ou a beleza,
mas tão somente o poder de chamar a atenção,provocar uma identidade na
584
MONTANER,Josep Maria.As formas do século XX.Barcelona:Gustavo Gili,2002,p.8.
266
desordem, onde a originalidade de cada edifício está inevitavelmente
esterilizada pela variedade extrema dos demais.Pois, onde tudo é distinto,
finalmente tudo é igual.
585
Sob outro olhar, Sennett alerta para um dos problemas originados na
contemporaneidade, a privação sensorial advinda dos projetos arquitetônicos de
edifícios modernos, que por perderem a conexão com o corpo humano, condenam
os indivíduos a espaços de monotonia e ao cerceamento táctil que aflige os
ambientes urbanos. Evidencia-se uma crescente carência de contacto físico,
estimulada pela dispersão geográfica das cidades modernas e um visível prejuízo na
plenitude dos sentidos e atividades do corpo advindos dos avanços tecnológicos.
586
Concluindo, ainda cabe retomar algumas idéias acerca da heterogeneidade
e mescla, que permearam a evolução das diversas tipologias arquitetônicas
expostas até aqui, refletindo novamente sobre a adoção, pelos setores populares
urbanos, de determinadas linguagens e elementos arquitetônicos singulares
expressos nas diversas formas de habitação, e seus significados.
Certas considerações teóricas e metodológicas baseadas nos estudos de
Aby Warburg e outros autores, procuram demonstrar as potencialidades e
complexidades da imagem, como portadora de memórias distintas e de diversos
tempos, o que leva à revisões de determinadas normativas da historiografia da arte
que tratam da representação visual e da história cronológica.
587
Borucúa, enfatizando a importância e o privilégio da imagem na construção
historiográfica, reporta-se ao método de investigação Warburguiano e também, ao
interesse deste autor, pela ontologia cultural e práticas das sociedades arcaicas da
sua época, assim como, ao contraste e disparidade exercidos através da
aproximação entre humanidade primitiva e civilização mais avançada.
Warburg(1866-1929) buscou na arte do Renascimento e na antiguidade clássica a
expressão de novos significados, mesclas e a magia das representações e
transformações culturais, que, através da confrontação e conciliação de mundos
585
DIEZ, 1996/97,op.cit.,p.92.
586
SENNETT,1997, op. cit.,p.15,19.
587
KERN, Maria Lúcia. “Historiografia da arte face às mudanças de paradigmas: Memória e tempo.”
In: Anais do XXIX Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. Espírito Santo: Universidade
Federal do Espírito Santo, ago.2009,p.96,97.
267
distintos- o pagão antigo e o cristianismo medieval- ,originou um amálgama cultural
repleto de tensões e capaz de inaugurar, na Europa, a experiência moderna.
588
Sob estes olhares, e de modo semelhante à idéia de “circularidade” de
Ginzburg, referida anteriormente, culturas populares e dominantes da cidade
também se articulam e se completam. Assim, a realidade heterogênea e misturada
do subúrbio é capaz de evocar relações de múltiplas temporalidades e memórias, de
proximidade de horizontes e experiências distintas, que, neste caso, constituem a
produção arquitetônica destes bairros e sua própria história.
Por fim, aliados a esta atmosfera mesclada, encontram-se outros tipos de
edificações e usos, como os relativos ao comércio, serviços e lazer, bem como
alguns referenciais importantes da comunidade como templos religiosos e
associações, especialmente evidenciados e concentrados em algumas vias, como a
Presidente Roosevelt, que serão abordados a seguir.
588
BURUCÚA,José Emílio. História,Arte,Cultura.De Aby Warburg a Carlo Ginzburg.Buenos Aires:
Fondo de Cultura Econômica,2003,p. 13,14,22.
269
6 SINGULAR
6.1 INTRODUÇÃO
Figura 140 - Antiga avenida Eduardo nas primeiras décadas do século XX.
Fonte: Museu Moises Velinho.
No processo de identificação entre um lugar e seus habitantes, por vezes,
relações indissociáveis são estabelecidas, revelando que, assim como um humano,
“a cidade possui uma identidade que faz com que os indivíduos a reconheçam e se
reconheçam nela como individualidade”.
589
Neste caso, a urbe, ou mesmo uma parte
dela, pode ser vista além dos seus elementos reais, perceptíveis fisicamente, mas,
também, possuidora de outras construções, como aquelas ligadas às significações
sociais enquanto representações.
No decorrer da sua formação e transformação, a área do distrito industrial da
cidade adquiriu uma marca, uma espécie de caráter próprio muito ligado às funções
589
PESAVENTO,Sandra.”A cidade maldita.” In: SOUZA,Célia de;PESAVENTO,Sandra. Imagens
Urbanas.Porto Alegre:Ed. da Universidade/ UFRGS,1997,p.25.
270
ali exercidas que, como tal, lhe imprimiram uma identidade peculiar no contexto da
cidade. Neste viés, José Lemos faz uma reflexão sobre os diferentes imaginários
590
urbanos de Porto Alegre nas décadas de 1930/40, especialmente do centro e de
“Navegantes e São João”. Desta forma, em contraposição à “eloquência” e ao luxo
do centro, estariam esses ambientes cujo cotidiano produzia os elementos
essenciais para a vida da cidade. Eram zonas de trabalho baseadas na chegada de
materiais em estado bruto ou parcialmente beneficiados, locais de ruídos de
máquinas, animais de carga, trapiches, armazenamento, distribuição de mercadorias
e de comércio atacadista. Sua existência seria fundamental na manutenção do
”imaginário moderno do centro”, ligado aos produtos com grifes, as vitrines com
mercadorias importadas e às principais representações do espetáculo da
modernidade da época, vivenciadas nas grandes capitais mundiais.
591
Quanto aos moradores destes lugares, De Certau diz que ser operário não é
tanto ligar-se à idéia de sujeição a uma tarefa específica, mas, fundamentalmente,
participar de uma cultura popular urbana, com predomínio de valores de identidade e
práticas de solidariedade. Esse “enraizamento” transparece de maneira
impressionante na topografia do sistema relacional, “de forma a criar uma
continuidade entre a pertença social e o espaço urbano.” Assim, pertencer a um
bairro, quando apoiado no fato de pertencer àquele meio social específico, torna-se
uma marca que reforça o processo de identidade de um determinado grupo.
592
Os habitantes do distrito industrial da cidade, em grande parte constituídos
por pessoas que estavam muito longe do seu domicílio de origem e que baseavam
sua vida nas relações que ligavam lugar de moradia a lugar de trabalho, ali foram
impelidos a estabelecer vínculos baseados nas relações de amizade,
companheirismo e de vizinhança, capazes de se refletir naquele “pedaço” de
território.
590
Imaginário segundo Teixeira Coelho, quase nunca é definido com rigor. Privilegiando o sentido
derivado das proposições de Gilbert Durand, imaginário é: “o conjunto de imagens e relações de
imagens produzidas pelo homem a partir, de um lado de formas tanto quanto possíveis universais e
invariantes -e que derivam de sua inserção física,comportamental no mundo e, de outro, de formas
geradas em contexto particulares historicamente determináveis”. COELHO,Teixeira. Dicionário
Crítico de política cultural:cultura e imaginário. São Paulo:Iluminuras,1997,p.212,213.
591
LEMOS,1998,op.cit.,p.3.
592
De Certau,1998,op.cit.,v.2,p.81,82,84.
271
Este pequeno fragmento da cidade, o bairro, constitui-se em espaço público
passível de ser progressivamente privatizado por um grupo, diz De Certau. Um
bairro é um “objeto de consumo” que pode ser apropriado e privatizado pelo usuário
através de suas práticas e, assim, tornar-se lugar de um reconhecimento, que passa
a ter “assinatura que atesta uma origem” e que se inscreve na história do sujeito
“como a marca de uma pertença indelével na medida em que é a configuração
primeira, o arquétipo de todo processo de apropriação do espaço como lugar da vida
cotidiana pública.”
593
Neste sentido, Tostes também faz algumas reflexões sobre os vínculos que
se estabelecem entre habitante e lugar:
As ruas, meu caro amigo, são pessoas da família. Fazem parte da nossa
vida e vivem na nossa saudade, como as lembranças dessas velhas tias
que pertenceram à nossa infância. Cada pedaço do nosso passado, mora
numa rua diferente. a rua da primeira escola,a rua da primeira
namorada,a rua do primeiro cigarro, a rua do primeiro amor inconfessável.
594
Acerca da área em estudo, é importante lembrar que suas práticas tiveram
como substrato as diversas residências que, misturadas a outras funções,
constituíam-se em fator de animação dos espaços e do cotidiano daquela
coletividade. Característica de um modo de vida suburbano e produto da sabedoria
popular, a rua com edificações alinhadas junto ao passeio- rua corredor- constituía-
se em local da mistura, do variado, da animação e de uma vida mais comunitária.
595
A expressão das transformações decorrentes das mudanças nos costumes e
dos novos paradigmas de uma sociedade emergente, mesclavam-se a modos de
vida e de convivência baseados em tradições de cunho popular. Ao lado do
dinamismo, das tecnologias e do novo, estavam as diversas manifestações do
espontâneo, do popular e do não erudito.
593
Ibid,p.44.
594
TOSTES,1989,op.cit.,p.96.
595
Em contrapartida a essas vivências, alguns autores como Roncayollo consideram que, o
urbanismo moderno teria interferido demasiadamente nos costumes sociais, ao propor um estilo de
vida coletivo fruto de uma sociedade imaginária.RONCAYOLLO,Marcel.La
ciudad.Barcelona:Pardós,1988,126.
272
Desta forma, também Porto Alegre, no transcorrer das décadas de 1930 e
1940, apresentava um quadro cultural e social heterogêneo. De um lado, uma
população que, influenciada pelos novos ritmos da metrópole, incorporava padrões e
identidades culturais específicas. De outro, um universo popular e provinciano que
resistia às mudanças da cidade cosmopolita, mantendo hábitos e valores de um
passado não tão remoto.
Neste sentido, Mondin relembra certas figuras e acontecimentos que faziam
parte de um modo de viver característico do 4º. Distrito: o serrador, cuja atividade
era serrar as lenhas que eram deixadas na frente das casas para serem usadas nos
fogões; os cantores de fados portugueses, que ganhavam a vida nas calçadas e
faziam a alegria da gurizada; os “ecos perdidos” produzidos pelos diversos sons da
ferraria da Ernesto Fontoura; a figura popular do afiador de facas;os cabungueiros,
responsáveis pela limpeza blica, quando ainda não haviam esgotos; a caminhada
rotineira pela avenida Brasil, das “habilidosas” empalhadeiras de cadeiras da fábrica
de móveis Gerdau; as lavadeiras de roupas,à beira do Guaíba e os vendedores de
peixes que, após pescá-los “ali” no Guaíba, vendiam aos moradores de casa em
casa.
596
Por outro lado, também fazia parte daquele contexto suburbano, uma
arquitetura de viés popular e com afinidades às novas linguagens. A necessidade de
utilização espontânea de determinados elementos estilísticos, formas e
ornamentações, carregam em si significados simbólicos e representações que
podem identificar aspirações sociais, anseios de prestígio ou individualidades.
Em Aprendiendo de Las Vegas, os autores evocam o processo de
aprendizado de arquitetura, através da observação da paisagem, do saber ver e
aceitar algumas lições que podem ser captadas do corriqueiro e do popular.
597
A
busca de identidade mediante o tratamento simbólico da forma da edificação, em
muitos casos, tem sido ignorado pelos “arquitetos modernos”:
596
Ibid,p.71,73,75,85,93,107,117
597
VENTURI,R.,IZENOUR,S.,SCOTT BROWN,D.Aprendiendo de Las Vegas.Barcelona:Gustavo
Gili,1998,p.22,23.
Segundo os autores, a arquitetura pode ser convencional, de duas maneiras: pelo modo de construir
o pelo modo de ver, ou seja, pelo seu processo ou por seu simbolismo.Ibid,p.160.
273
Esta aversión a la edificación convencional que nos rodea quisea una
exótica supervivencia del romanticismo del siglo XIX, pero nosotros
creemos que se trata simplemente de la capacidad o incapacidad de los
arquitectos para discernir el simbolismo presente en las formas de su
proprio idioma vernáculo.
598
As diversas referências materiais construídas pela população do 4º. Distrito,
também demonstram o grau de sua inserção naquele território; em alguns casos,
talvez tentando imprimir um certo ”parentesco” com seu lugar de origem, no entanto,
incentivando relações, afinidades e aprofundamento de vínculos entre comunidades
de laços afins ou em convivência fraterna com outras. Até hoje, são visíveis na sua
paisagem, uma série de edificações remanescentes, testemunhas das vivências
dessa concentração de culturas e identidades variadas que ali moraram,
trabalharam e que certamente contribuíram para a sua inclusão.
6.2 OUTROS USOS E SOCIABILIDADES
No contexto geral de Porto Alegre, a área em estudo ficou reconhecida
através de representações ligadas a operários, imigrantes, ao setor industrial e
comercial, e aos principais acessos e ligações da cidade. Durante algum tempo, por
sua estrutura e condição de auto suficiência no atendimento às necessidades do
seus moradores, bem como aos da cidade, ficou conhecida como “bairro cidade”.
Assim, esta unidade urbana, portadora de personalidade definida e características
peculiares, interagia com uma comunidade que soube construir uma forte noção de
identidade, que se refletiu em vínculos dos seus habitantes com este lugar e onde se
estabeleceu um sentimento de comunidade e de pertencimento, reconhecidos pelas
demais pessoas:
E assim,pois, ingresso humildemente no bairro cidade, para, de lá, falar a
você, das maravilhas insondáveis que entretece a alma amiga e generosa
dessa grande família que habita a zona norte de Porto Alegre. Essa é uma
vasta região da cidade que, verdadeiramente, só se compreende e admira
quando mais de perto se ausculta os anseios e sadias palpitações do seu
598
Ibid,p.188.
274
sincero coração. O Quarto Distrito, tem impregnado na operosidade da sua
gente,algo que fascina e espanta.
599
Sanhudo prossegue seu texto enfatizando a presença de uma série de
instituições de singular importância, existentes no “bairro cidade”, testemunhas das
vivências dos diversos grupos étnicos que habitaram e construíram esta parte da
cidade, pertinentemente distinguida por Constantino como “espaço polifônico”.
600
Alguns depoimentos de antigos moradores dão uma idéia do modo de vida
do bairro, baseado em vínculos de solidariedade e amizade, que foram sendo
estabelecidos entre os diferentes grupos étnicos: ”Nós conhecíamos todos. Aí, vinha
alguém e a gente olhava com medo. Não sei por que a gente olhava com medo,
era estranho, não era do bairro.”
601
Além dos múltiplos estabelecimentos comerciais e de serviços, que
respondiam às demandas dos habitantes, foram sendo implantados templos,
escolas, cinemas, clubes recreativos, desportivos, de regatas e outras formas
associativas. Assim, nesse espaço ao mesmo tempo diverso e heterogêneo,
estabeleceram-se uma série de instituições representativas de práticas, que muito
contribuíram para atribuir significados àquele lugar e fortalecer a noção de
identidade que o caracteriza.
Percebe-se a particular importância assumida pelo componente étnico, na
construção, organização e identidade dos diversos estabelecimentos. Fortes destaca
que, até a Segunda Guerra Mundial, permaneceu uma certa autonomia cultural
naquela comunidade, reproduzida principalmente pela sólida rede de instituições e
destacando-se a denominada “colônia alemã”. Desta forma, em um contexto
relativamente estruturado, cada nova leva de imigrantes trabalhadores necessitava
construir o seu espaço social e cultural. Neste universo de relações inter étnicas,
onde a grande maioria das indústrias era de propriedade de teuto-brasileiros, o autor
599
SANHUDO, op. cit., 1961,p.248.
600
CONSTANTINO,2002,op.cit.,p.227. A autora, em seu texto “A polifonia do bairro: 4º. Distrito(Porto
Alegre)-história e memória”, refere-se a “espaço polifônico”, em decorrência da diversidade étnica
então existente.
601
Depoimento de Olita Alzira Schilling Stigger,moradora do 4º. Distrito, no início da década de 1920,
para: SCHILLING,Suzana Porcello. “Vivência de uma descendente alemã no 4º. Distrito.”In:
História/Unisinos.Número Especial:ll Encontro Regional-Sul de História Oral/ABHO.São
Leopoldo: UNISINOS,2002,p.257.
275
destaca a “hegemonia local que associava germanidade a status e poder”.
602
Baseados na relação contextual de proximidade entre moradia e trabalho, foram
estabelecidos e redefinidos os vínculos entre as diferentes experiências culturais.
Assim, em 1916, verifica-se através da pesquisa nos microfilmes, a
denominada Escola Alemã (Figura141-proc.300/1916)
603
, um projeto de Theo
Wiederspahn, de uma pequena edificação, mais parecendo uma residência e
contendo somente duas salas de aula.
Figura 141 - Filme 014_300 - 1916.
Mondin comenta das dificuldades do ensino no distrito, onde benevolentes
educadores montavam escolas particulares na sua própria residência. Salienta que a
frequência à escola constituía “um divisor social” entre as famílias, e que a história
dos seus educandários particulares desenvolveu-se à custa de sacrifícios e muita
persistência.
604
A primeira escola polonesa nesta área, também começou a funcionar em
casa particular, cedida por um morador, aproximadamente em 1897. Posteriormente,
por ocasião da fundação da Sociedade Beneficente Águia Branca, a sede passou a
602
FORTES,2004,op.cit.,p.26.
A hegemonia da colônia alemã, teve um grande impacto com o ingresso do Brasil na Segunda
Guerra, quando muitas hostilidades foram praticadas contra essa descendência. Ibid,p.85.
603
Filme 14,proc.300/1916,Escola Alemã,resp. téc. Theo Wiederspahn, São
Carlos/Com.Azevedo/Praça Florida.
604
MONDIN,1987,op. cit.,p.143.
Uma das escolas públicas do 4º. Distrito citadas pelo autor pela sua excelente qualificação, é o Souza
Lobo, a única escola pública existente nas primeiras décadas do século passado. Localizada na
avenida Bahia esquina Guido Mondin, recebeu esta denominação a partir de 1914. Ibid, p. 148.
276
servir para a escola, além de outras funções.
605
Assim como o caso da escola da
Sociedade Polônia, outros dois estabelecimentos, que tiveram duração efêmera,
recebem por Mondin a denominação de “escolas quebra galhos”, os Gondoleiros e a
Umberto l.
606
O posterior surgimento de escolas, bibliotecas, teatros, cinemas e diversos
clubes são indiciários de um processo de aprimoramento cultural e sociabilidades
daquela população, que, anteriormente, eram atividades desenvolvidas no âmbito
mais privado das residências, das pequenas e temporárias salas e da improvisação.
Aos poucos, novos espaços construídos e diversos serviços foram respondendo às
exigências de uma comunidade que se modernizava.
Assim, antes da construção da igreja da comunidade Evangélica Luterana,
localizada na Sertório, o Pastor Walter Ossent ministrava aulas e educação religiosa
para os descendentes germânicos, em uma escola de uma sala, conhecida como
Deutsche Volks Schulle, localizada em prédio alugado na mesma avenida.
607
Em
1923, foi encaminhado o projeto para a Escola Primária Evangélica (Figura142-
proc.1119/1923)
608
, contendo somente duas salas, na rua Comendador Tavares. Neste
mesmo terreno, mas com frente para a Sertório, em 1927, foi projetada a Igreja
Evangélica Navegantes, posteriormente denominada de Igreja da Paz
(proc.6637/1927)
609
. Junto a ela foi construído o Colégio da Paz.
605
FIGURSKI, Janina.Crônica da Sociedade Polônia.Porto Alegre:Sociedade Polônia, 1970/80.Texto
Datilografado,p.2.
606
MONDIN,1987,p,149.
Gondoleiros e Umberto eram duas sociedades situadas na antiga avenida Eduardo.
607
MONDIN,1987,op.cit.,p.143.
608
Filme 20,proc.1119/1923,Escola Primária da Comunidade Evangélica, resp. téc. Carl
Hartmann,Comendador Azevedo.
609
Filme 029, proc.6637/1927, Igreja Evangélica Navegantes, resp.téc. Alfred Hässler, avenida
Sertório.
Conforme Mondin,o primeiro templo da comunidade evangélica, instalou-se na avenida Brasil, quase
esquina da rua Conselheiro Travassos. Posteriormente, foi adquirido este terreno,chamado de
laranjal da família Sanders, na Sertório quase esquina Santos Pedroso, onde foi construído o templo
atual e agregando a ele, o colégio da Paz. MONDIN,1987,op.cit.,p.144.
277
Figura 142 - Filme 020_1119/1923.
Figura 143 - Fotografia atual( agosto de 2010) da Igreja Evangélica Navegantes, hoje Igreja da Paz,
situada na avenida Sertório.
Fonte: Foto da autora.
Outra comunidade evangélica, preocupada com o ensino dos seus filhos, foi
a Igreja Luterana de Cristo, hoje localizada na avenida Presidente Roosevelt esquina
com Pátria. No início do culo passado, esta comunidade pediu para o reverendo
278
Carl Mahler fundar uma escola. Em 1907, uma antiga fundição desativada, na
esquina do então Caminho Novo com a avenida Brasil, foi a primeira instalação do
educandário, que deu origem ao Colégio Concórdia, mantido pela Evang.
Lutherische Gemeinde Zu Porto Alegre. Posteriormente, igreja e escola uniram-se,
ampliando suas instalações no quarteirão inteiro, junto à praça Pinheiro Machado.
610
Neste local, foram identificados, através da pesquisa nos microfilmes, dois projetos
para o templo, um de 1932 (proc.20613/1932)
611
e outro de 1953, correspondendo à
edificação atual (proc.5096/1953)
612
. Ainda foi localizada uma solicitação de
aprovação de um pequeno estabelecimento destinado à Escola Concórdia, em 1929
(Figura144-proc. 14319/1929)
613
.
Figura 144 - Filme 040_14319 - 1929.
610
Ibid,p. 144.
611
Filme 53,proc. 20613/1932, Igreja, resp. téc.A. Marquard, avenida Eduardo esq.Pátria.
612
Filme 254,procc.5096/1953,Nova Igreja Evangélica Luterana de Cristo,resp.téc.Max-Hermann
Schlüpmann,av. Pres.Roosevelt esq.Pátria.
613
Filme 40, proc. 14319/1929,Escola Concórdia,resp. téc. J.R. Puffal, avenida Eduardo.
279
Figura 145 - Fotografia atual (agosto de 2010) da Igreja Luterana de Cristo,
localizada na avenida Presidente Roosevelt esquina com Pátria.
Fonte: Foto da autora.
280
Figura 146 - Fotografia atual (agosto de 2010) da Igreja Metodista Institucional, situada
na avenida Presidente Roosevelt esquina com Guido Mondin.
Fonte: Foto da autora.
A Igreja Metodista Institucional também instalou-se no bairro, agregando a
escola na sua parte posterior. Permaneceram, desde 1911, no mesmo local em que
hoje se encontra o templo, na avenida Presidente Roosevelt esquina com Guido
Mondin. Anteriormente, localizava-se na rua do Parque,76 , passando em 1906 para
a Voluntários da Pátria, 503, na chácara dos herdeiros do Conselheiro Camargo.
Outros educandários são lembrados pelo autor, como o colégio Lassalista,
conhecido como Colégio dos Padres e dirigido pelos irmãos cristãos da ordem
Lassalista. Os primeiros irmãos vieram da Europa por volta de 1915, instalaram-se
em um chalé ornamentado com lambrequins, na rua Voluntários da Pátria, em
Navegantes, iniciando suas atividades pedagógicas. Mais tarde, transferiram-se para
a avenida Polônia, esquina com Minas Gerais, hoje Farrapos, onde adaptaram um
correr de casas,que resultaram em quatro amplas salas de aula e um generoso
pátio. Atualmente, a sede do educandário Lassalista, encontra-se junto à igreja São
João.
614
614
MONDIN,1987,op.cit.,p.145,146.
O autor ainda faz referência a um outro educandário, o Santa Família, que no início do século
passado, surgiu pela inquietação do então vigário da igreja Nossa Senhora dos Navegantes, Padre
281
A avenida Presidente Roosevelt e suas adjacências, foram as área de
concentração destas instituições, assim como um diversificado comércio local, que
se misturava às moradias e à ambiência da praça Pinheiro Machado
615
, a única
deste perímetro além do tradicional sítio da Praça Navegantes. Como veremos, uma
série de eventos, festividades e encontros sociais da comunidade passaram a
acontecer nesta via, contribuindo para seu dinamismo e vitalidade urbana. Uma
outra escola que atesta a importância desta avenida é a Escola Estadual 1º. de
Maio, construída no final da década de 30.
616
Figura 147 - Fotografia atual (janeiro de 2009) da Escola 1º. de Maio, localizada na avenida
Presidente Roosevelt.
Fonte: Fotografia da autora.
Ao mesmo tempo, fica evidente a profunda religiosidade das diversas
comunidades do distrito industrial, tal o número de templos ali encontrados. Em
1927, Theo Wiederspahn projetou, na rua Conde de Porto Alegre, uma sede para a
igreja Batista (Figura 148-proc. 5738/1927)
617
. Uma das ascendências importantes do
bairro, a polonesa, se agregou em torno da igreja Nossa Senhora de Monte
Felipe Diel, com a falta de assistência educacional às crianças pobres, filhos dos operários do
bairro.Dirigido pelas irmãs franciscanas pertencentes à comunidade do Colégio dos Anjos, as
religiosas iniciaram seu trabalho em um prédio precário e alugado.O Santa Família instalou-se na
Avenida Bahia e hoje a fachada principal é na avenida Pará. Ainda quando não existia a Igreja São
Geraldo, as missas aconteciam na capela das freiras. Ibid,p.147,148.
615
No loteamento da Cia. Territorial, não houve previsão de praças. Conforme Franco, esta praça foi
implantada na gestão de Otávio Rocha(1926/27), vindo a ser a primeira praça ajardinada do bairro.
Fica limitada pelas ruas: Presidente Roosevelt, Farrapos, Brasil e Pátria. FRANCO,1992,op.cit.,p.
320.
616
Segundo levantamento de Strohaecker, o terreno desta escola, foi doado por A. J. Renner. Além
desta, outras instituições tiveram terrenos cedidos pelo industrial: na Sertório, a sede do SENAI,
(1942) e a Creche Navegantes e na presidente Roosevelt, além do colégio, o centro de Saúde e o
Grêmio esportivo Renner. STROHAECKER,1991,op.cit.p.110.
617
Filme 29,proc.5738/1927,Igreja Batista,resp.téc.Theo Wiederspahn,rua Conde de Porto Alegre.
282
Claro(proc.26101/1944)
618
, ou igreja Czestochowsky, conforme consta no projeto de
1932.
619
A identificação, nos microfilmes, de um projeto para a Capela Nossa
Senhora do Brasil (proc. 12155/1930)
620
, na rua Missões, também reforça a
constatação da grande devoção desses diversos grupos.
Figura 148 - Filme 029_5738/1927.
618
Filme 113,proc.26101/1944,Igreja N. S.Monte Claro,resp.téc.Erick Fantinel,avenida Eduardo.
619
Filme 52,proc.16111/1932,Igreja Czestochowsky,resp.téc.Antonio Mascarelo,avenida Eduardo.
A fachada que corresponde à edificação atual é a de 1944.
620
Filme 43,proc12155/1930,Capela Nossa Senhora do Brasil,resp.téc.José Barbosa,rua Missões.
Este templo não foi encontrado neste logradouro.
283
Figura 149 - Fotografia atual (janeiro de 2009) da igreja Nossa Senhora de
Monte Claro, situada na avenida Presidente Roosevelt.
Fonte: Foto da autora.
Outros dois templos tradicionais do bairro são: a igreja Nossa Senhora dos
Navegantes, comentada anteriormente e a igreja São Geraldo. Sobre esta última,
sua primeira sede foi identificada nos microfilmes, então situada na avenida São
Pedro (Figura 151-proc. 1833/1925)
621
. Posteriormente teve projeto lançado em 1940,
por Vitorino Zani (proc. 5415/1940)
622
, na avenida Farrapos, onde hoje se
encontra. Segundo depoimento de antigos frequentadores, devido ao seu restrito
espaço físico, a sede da avenida São Pedro, não comportava tantos fiéis em dias de
missa, que acabavam se aglutinando no lado externo, junto ao passeio público.
623
A
concepção arquitetônica da nova edificação, em concordância com a modernidade
da avenida, adotou uma estética baseada no uso de linhas simples e geometrizadas.
621
Filme 23,proc. 1833/1925,Igreja São Geraldo,resp.téc.João Quintanilha,rua São Pedro,69.
622
Filme 86,proc. 5415/1940, Igrja São Geraldo,resp.téc.Vitorino Zani,construtor Erick
Fantinel,avenida Farrapos.
623
Conforme entrevista em janeiro de 2009,com Irineu Thebich , nascido em 1927 e proprietário até
hoje da Farmácia Estrela, na avenida São Pedro.
284
Figura 150 - Fotografia atual (janeiro de 2009) da Igreja Nossa Senhora dos Navegantes,
na avenida Sertório.
Fonte: Fotografia da autora.
Figura 151 - Filme 022_1833/1925.
285
Figura 152 - Fotografia do pátio da antiga Igreja São Geraldo, na avenida São Pedro, na
década de 1940.
Fonte: Acervo pessoal do Sr. Irineu Thebich.
Figura 153 - Igreja São Geraldo, situada na avenida Farrapos. Projeto do arquiteto Vitorino Zani
e foto atual.
Fonte: PORTO ALEGRE: BIOGRAFIA D‟UMA CIDADE, 1940, op.cit., p.491; foto de Silvia
Corrêa.
286
Por outro lado, é importante lembrar que das diversas instituições que
atuaram no . Distrito, destacam-se as associações comunitárias.
624
Estas
congregavam inúmeros associados, promovendo festividades e outras formas de
reuniões, no intuito de contribuir para solucionar uma série de demandas e
problemas da área. Nesse sentido, em 13 de dezembro de 1945, os jornais da
cidade
625
noticiaram a criação da Associação dos Amigos do 4º. Distrito, como
sendo uma entidade de caráter público, apoiada por diversos comerciantes e
industriais do local, entre eles A. J. Renner.
626
Cabe destacar a atuação do Círculo Operário Navegantes
627
que, em 1939,
encaminhou um processo para construção de uma edificação (proc. 1347/1939)
628
na avenida Sertório. Adotando um partido em forma de “U”, com galerias cobertas
voltadas para um pátio central e tendo no seu eixo uma capela, o projeto era
destinado a sediar a Creche Nossa Senhora dos Navegantes, então dedicado aos
filhos dos operários das indústrias situadas nas proximidades. Considerando-se uma
região mais abrangente, outra instituição voltada ao atendimento dessas crianças,
no tocante à saúde pública, foi o Hospital da Criança Santo Antônio.
629
624
Entre as diversas associações destacam-se: Associação dos Amigos do Quarto Distrito,
Associação dos Amigos da Praça Pinheiro Machado,Associação dos Amigos da Praça
Florida,Associação dos Amigos das Sete Ruas.
625
Fundada a Associação dos Amigos do 4º. Distrito.Correio do Povo.Porto Alegre, 13 de dezembro
de 1945,p. 7. Fundada a Associação dos Amigos do 4º. Distrito.Folha da Tarde..Porto Alegre, 13 de
dezembro de 1945,p.5. Fundada a Associação dos Amigos do 4º. Distrito.Folha da Noite.Porto
Alegre, 13 de dezembro de 1945,p. 4.
626
O vereador José Aloísio Filho, também teve muita atuação nessa associação, sendo que na época
da sua fundação, era o 1º. Secretário. Posteriormente outros políticos participaram da sua diretoria.
627
Conforme Fortes, em função do seu forte posicionamento ideológico vinculado à igreja católica, o
círculo operário foi um espaço de sociabilidade frequentado por imigrantes praticantes do
Catolicismo, como poloneses e italianos. FORTES,2004,op.cit.,p.91.
628
Filme 82, proc. 13475/1939,Círculo Operário Navegantes, resp. téc. Antonio Mascarello, avenida
Sertório.
629
Suas obras, na avenida Ceará, iniciaram no ano de 1943 e foram concluídas dez anos depois.
Com capacidade para 300 doentes, destinava-se, então, a atender os filhos de operários que,
exerciam atividades nos estabelecimentos fabris ali existentes.
Neste sentido ver: BARROSO,Vera Lúcia M. “O hospital Santo Antônio e o 4º. Distrito de Porto
Alegre.A assitência médica infantil no bairro operário.” In: História/Unisinos.Número Especial:ll
Encontro Regional-Sul de História Oral/ABHO.São Leopoldo: UNISINOS,2002, p.272.
287
Figura 154 - Fotografia atual (janeiro de 2009) da Creche Nossa Senhora dos Navegantes, situada
na avenida Sertório.
Fonte: Foto da autora.
Diversos foram os espaços que abrigaram atividades lúdicas, recreativas,
sociais e culturais, que contribuíram para reforçar o espírito de solidariedade da
comunidade. Nas primeiras décadas do século XX, as formas mais usuais destas
práticas eram as serenatas e as festinhas caseiras. As famílias costumavam sentar à
frente das casas, em noites lidas, para ouvir acordeona e violão. Mondin lembra
da época em que haviam diversas áreas disponíveis para armar um circo, como a do
mato do Fontoura, com frente para a avenida Eduardo. Assim, instalaram-se os
primeiros teatros, improvisados em barracões de lona, que remetem à forma
circense, montados em diversos locais do bairro.
630
No entanto, uma das grandes diversões dos moradores era o cinema, desde
o tempo em que as projeções eram mudas. Um dos “velhos” cinemas foi o
Democrata, cuja construção constituía-se de um barracão, na esquina da rua São
Pedro com a avenida Eduardo. O outro, era o Hélios, na São Pedro, entre as
avenidas Eduardo e São Paulo, e que possuía ampla fachada de “arquitetura
apropriada”. Os demais, situados nas proximidades, eram o Navegantes e o Talia.
631
Curiosamente, conforme depoimento de antiga moradora do bairro, inicialmente o
cinema era aberto, na Praça Navegantes, onde todos levavam suas cadeiras para
assistir ao filme.
632
630
MONDIN,op.cit.,1987,p. 31, 41.
631
Ibid,p. 29,30.
632
Depoimento de Olita Alzira Schilling Stigger,moradora do 4º. Distrito no início da década de 1920,
para: SCHILLING, 2002, op. cit., p.253.
288
Foi Francisco Damasceno Ferreira quem, na década de 1910, abriu cinemas
no 4º. Distrito: Democrata(1912),São João e o Força e Luz(1913), na avenida
Eduardo. Era também proprietário do Recreio Ideal (1908), a primeira casa com esta
destinação específica localizada na Rua da Praia.
633
Assim sendo, evidencia-se que,
nas primeiras cadas do século passado, a população local não necessitava ir
ao centro para assistir a filmes.
Na verdade, foi a partir da década de dez que as salas de cinema se
multiplicaram na cidade. Além de Damasceno Ferreira, um outro empresário se
destacou neste ramo, Eduardo Hirtz, que foi cio de diversas casas, entre elas:
Coliseu,Apollo e Talia.
634
Considerando-se a região mais ampla de Navegantes -São João, França
destaca que a quantidade de salas existentes transformou esta área no segundo
pólo de cinema da cidade.No entanto, diversas casas tiveram pouca duração, com
exceção do Cine Navegantes e do Talia, que ultrapassaram a década de 1960.
635
Acerca do papel desempenhado pelos cinemas de bairro, o autor evidencia a
importância da função de entretenimento como fator positivo no relacionamento
social das comunidades que viviam ao seu redor, que foram pontos importantes
de referência e que tiveram seu auge entre as décadas de 1910 e 1970.
636
Nos processos pesquisados, foi identificado, no ano de 1921, o projeto do
Cine Teatro Navegantes (proc. 507/1921)
637
, em edificação ainda existente, de
traços historicistas, situada na esquina da então avenida Germânia (Cairú) com Rio
Grande. Segundo depoimentos coletados por Damiani e D`Ávila, sua calçada
633
GASTAL,Suzana. Salas de Cinema: cenários porto-alegrenses.Porto Alegre: Unidade
Editorial,1999,p.22.
634
Ibid,p.27.
O cinema Apollo, situava-se no início da avenida Independência, nas proximidades da praça Dom
Feliciano. O Coliseu, que como o Apollo, também era teatro, localizava-se na Voluntários da Pátria
esquina Praça Osvaldo Cruz.
Neste sentido ver: MATTAR,2001,op.cit.p. 94,274.
635
FRANÇA,Anderson. 2008. Disponível em http://www.4fapa.com.br/monographia. Os cinemas de
bairro na memória da cidade de Porto Alegre.Acesso em ago.2009, p.246,248,249.
O autor destaca que o primeiro a iniciar as atividades foi o Salão Cosmopolita(1911), e depois o
Democrata(1912),Força e Luz(1912),Ponto Chic(1915), Hélios(1916), Talia(1917),1º. de Maio(1918) e
o Navegantes(1922). Ibid, p. 246.
636
Ibid,p.246.
637
Filme 17,proc.507/1921,resp.téc. H.C. Schubert,Av.Germânia (Cairú), esquina Rio Grande.
289
tornava-se ponto de encontro dos moradores do bairro, que o cinema era muito
frequentado e costumava passar as novidades de Hollywood.
638
Figura 155 - Fotografia atual (janeiro de 2009) do prédio do Cine Teatro Navegantes, na avenida
Cairú esquina Rio Grande.
Fonte: Fotografia de Silvia Corrêa.
Da mesma forma acontecia no Cine Talia, desde 1917
639
, quando foi
construído, na antiga avenida Eduardo, no mesmo local onde ficava o Ponto Chic.
Na pesquisa dos microfilmes, foram encontrados dois processos, um datando de
1930, contendo somente planta baixa (proc. 8952/1930),
640
e outro, de 1944, ano em
que houve um incêndio que destruiu o antigo cinema.
638
DAMIANI,Gisela T.M. & D`AVILA,Naida L.M.História dos Bairros Floresta,Navegantes e São
Geraldo. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre,Secretaria Municipal de
Cultura,EPHAC,Dez. 1996. Texto Digitalizado,p.41.
Segundo entrevistas realizadas pelas autoras, por vezes os ingressos vendidos superavam o número
de assentos do cinema, que levava o proprietário a pedir cadeiras nas casas da vizinhança, afim de
acomodar a todos. Ibid,p.41
639
GASTAL,1999,op.cit.,p.28.
640
Filme 40,proc.8952/1930,resp. téc. J.L.Pufal, Avenida Eduardo.
290
Figura 156 - Fotografia de 1944, a partir da avenida São Pedro, por ocasião
do incêndio do cinema Talia.
Fonte: Foto do acervo pessoal do Sr. Irineu Thebich.
Curiosamente, a denominação que consta na documentação refere-se ao
Cinema Rivera (Figura157-proc.3620/1944)
641
, mas, no entanto, permaneceu com o
nome tradicional de Talia. Percebe-se, através da leitura dos elementos da fachada,
que, neste caso, o arquiteto João Antônio Moreira Neto adota, para o novo
empreendimento, uma fachada de linhas essencialmente modernas. Assim como
ocorreu em diversas cidades, as salas de cinema assumiram um lugar de destaque
na vida da comunidade, e seus prédios, elementos representativos da modernidade
urbana.
641
Filme 107, proc.3620/1944, Cinema Rivera, propriet. Darcy Bitencourt, resp.téc. João Antônio
Moreira Neto, avenida Eduardo,1370.
291
Figura 157 - Filme 107_3620/1944.
Figura 158 - Fotografia da avenida Presidente Roosevelt, mostrando o Cine Tália no final
da década de 1940.
Fonte: Fotografia do acervo da Associação dos Amigos do 4º Distrito.
No processo de modernização da cidade de São Paulo, Anelli constata que
o cinema foi transformado em um dos seus elementos simbólicos, servindo como
referencial de urbanidade para milhares de espectadores. Assim sendo, “ao lado dos
292
viadutos, das avenidas e do automóvel com suas buzinas, os prédios dos cinemas
simbolizavam que a cidade era moderna.”
642
Conjuntamente aos cinemas, outras formas de lazer eram exercidas,
merecendo especial destaque as sociedades e clubes desportivos, que, como os
templos e educandários, refletiam os diversos grupos e identidades existentes na
área. Na pesquisa dos projetos microfilmados foi encontrado, no ano de 1924, o
processo para “reconstrução com moradia” de uma pequena edificação,
provavelmente bem mais antiga, do Bürger Club, refletindo iniciativas sociais
pioneiras da comunidade germânica do bairro. (Figura159-proc.901/1924).
643
Figura 159 - Filme 021_901/1924.
Assim, foram diversas as associações, testemunhas da presença de
estrangeiros no bairro, que congregaram seus moradores oferecendo atividades de
lazer como: bolão, bocha,carteado quermesse, esportes, além dos bailes. Mondin dá
um destaque especial para a Sociedade Gondoleiros, principalmente pelos bailes
que realizava. Também lembra o Esporte Clube Navegantes, ambos localizados na
antiga avenida Eduardo. A outra opção para se dançar era a Sociedade Polônia, na
642
ANELLI,Renato. “Arquitetura de Cinemas em São Paulo. O Cinema e a Construção do
Moderno”.Revista Óculum, Campinas, no. 2,p35-42, setembro de 1992,p.35.
643
Proc. 901/1924, Bürger Club, resp. téc.Alex Knoll,, rua Comendador Azevedo.
293
rua São Pedro. Na avenida Cairú esquina com Conselheiro Travassos ficava o 8 de
Julho.Em todas elas os bailes carnavalescos eram animados pelos cordões. Na
avenida Brasil havia o Salão Brasil, que mais tarde transformou-se em Teatro
Anchieta, com um palco adaptado e cadeiras soltas na platéia .Renato Viana, além
de ator,foi o responsável pela obra e incentivador do ensino da arte dramática ao
povo.
644
Figura 160 - Fotografia da avenida Presidente Roosevelt, mostrando do seu lado
direito, a sociedade Gondoleiros, no final da década de 1940.
Fonte: Fotografia do acervo da Associação dos Amigos do 4º Distrito.
644
Ibid,p.57,58,153. Mondin lamenta que a Sociedade Umberto, típica associação italiana e uma das
mais ativas no bairro, não tenha guardado material histórico. Sua sede de alvenaria em forma de
chalet, localizava-se na esquina da Visconde do Rio Branco com a Eduardo. Possuía um teatro, onde
apresentaram-se artistas de Companhias Italianas que atuavam no São Pedro.Ibid.,p.61.
294
Figura 161 - Fotografia atual (janeiro de 2009) da sede da Sociedade Gondoleiros, na avenida
Presidente Roosevelt.
Fonte: Foto da autora.
No tocante à edificação que sediou a sociedade Gondoleiros, foram
encontrados dois processos nos projetos microfilmados, sendo o primeiro elaborado
por João Pufal em 1918 (proc.361/1918)
645
e correspondendo à edificação de dois
pavimentos, existente até hoje, na esquina da avenida Presidente Roosevelt com a
Moura Azevedo. Sua fachada adota uma linguagem de características historicistas,
repleta de adornos e elementos escultóricos de referências temáticas italianas, que
se tornou um reconhecido marco desta avenida. Sociedade Carnavalesca
Gondoleiros era a denominação que constava neste processo, justificando a grande
importância dos festejos de carnaval desta época. o segundo processo
encontrado (proc. 33118/1952)
646
corresponde a uma nova sede para a sociedade,
no ano de 1952. Tal projeto, de linhas mais despojadas e modernas, refere-se a uma
645
Filme 15,proc.361/1918,Sociedade Carnavalesca Gondoleiros,Resp. téc. João Pufal,end. Avenida
Eduardo.
646
Filme 245,proc. 33118/1952,Nova Sede Sociedade Gondoleiros, resp. téc. Ernesto Pursh,end. P.
Roosevelt/Moura Azevedo.
295
edificação de quatro pavimentos na Moura Azevedo, construída ao lado da antiga
sede.
No mesmo ano de 1952, o projeto para outro tradicional clube, a sede da
Sociedade Polônia,(proc.35593/1952)
647
, também com características modernas.
Desde 1904 esta instituição funcionava em uma antiga propriedade existente neste
mesmo terreno, situado na avenida São Pedro, adaptada às suas necessidades. Os
dois projetos da década de 1950 evidenciam a vitalidade destas entidades, até
então.
Figura 162 - Fachada principal do projeto original (1952),da Sede da Sociedade Polônia na
avenida São Pedro.
Fonte: Museu Moises Velinho.
Uma outra instituição muito atuante na área, foi a Sociedade Ginástica
Navegantes - o João, fundada em 1927 por influência germânica, sendo assim,
muito frequentada pelos trabalhadores de origem teuto-brasileiros, que a chamavam
de “a pequena Alemanha”. O antigo Sport Club Navegantes, foi incorporado a esta
sociedade que, primeiramente, por não possuir sede própria, funcionava no salão
647
Filme 246,proc.35593/1952,Sede Sociedade Polonia, resp. téc. Freitas & Wierzchowski,avenida
São Pedro.
Sobre a trajetória da Sociedade Polônia, ver: FIGURSKI, 1970/80,op.cit.
296
Ruschel, situado na avenida Brasil, onde eram realizados os bailes.
648
Conforme
projeto de João Petry, de 1936, (proc. 5708/1936)
649
foi construída a sede atual da
avenida Presidente Roosevelt. Segundo Oliveira, a obra contou com a colaboração
do empresário A.J.Renner, que doou o terreno e ainda colaborou na sua construção.
Na parte do terreno voltado para a avenida Farrapos funcionou, até 1961, o parque
esportivo, com quadras esportivas de atletismo,punhobol, basquete e vôlei,
destacado-se o clube de futebol A.J.Renner.
650
Figura 163 - Fotografia atual (janeiro de 2009) da sede da Sociedade Ginástica
Navegantes São João, na avenida Presidente Roosevelt.
Fonte: Fotografia da autora.
648
OLIVEIRA,Rubem G.Breve história da Sociedade Ginástica Navegantes São João. Porto
Alegre: S.G.São João,2004,p.12,13,14.
No texto é destacada o papel relevante para a vida do clube, exercido pelo grupo industrial
A.J.Renner,assim como Ernesto Neugebauer.Ibid,p.13.
649
Filme 68,proc.5708/1936,Sociedade Ginástica Navegantes São João,resp.téc.João Petry,avenida
Eduardo.
650
OLIVEIRA,2004,op.cit.,p.20.
O autor destaca que em 1961, em acordo com a diretoria da A.J.Renner, foi oficializada a doação de
parte do terreno à Sociedade, porém contendo somente a área onde estava construída a sede social,
e, consequentemente, perdendo a outra metade, e por conseguinte o seu potencial esportivo. Ibid,p.
21.
297
Figura 164 - Fotografia aérea mostrando as avenidas Farrapos e Presidente Roosevelt e
o parque esportivo da Sociedade Ginástica Navegantes São João, onde ficava o clube
de futebol Renner, na década de 1950.
Fonte: Acervo da Associação dos Amigos do 4º. Distrito.
A prática de esportes foi muito intensa no 4º. Distrito, especialmente o
futebol, voleibol,basquete,ciclismo,punhobol,tênis e ginástica. Outra atividade
importante desenvolvida na área foi o remo. Em1906, o viajante italiano Buccelli
refere-se a “dois elegantes Clubes de regatas”, o Germânia e o Almirante Barroso,
possuidores de garagens para uma variedade de embarcações.O visitante, no final
do seu percurso, se encontrava no arraial dos Navegantes, onde numa
“verdejante vegetação eterna” avistou, também, o Hipódromo Navegantes.
651
Nesta
época, as corridas de cavalo reuniam a população dos subúrbios, aos domingos e
feriados. Antes do final do século XIX, as canchas localizadas na Várzea, nas
imediações do Colégio Militar, transferiram-se para Navegantes, surgindo o Prado
Navegantes. Desde então, esta forma de lazer passou a ser a grande atração do
lugar, conhecido na época como “o último vestígio da cidade”, onde aos domingos a
651
BUCCELLI,1906,op. cit.,p.98.
298
população se dirigia para ansiosamente assistir às corridas de cavalo. Em 1916, a
indústria Renner transferiu seu estabelecimento têxtil do Caí para este local.
652
O remo, introduzido na cidade pelos alemães
653
, tornou-se um dos esportes
mais tradicionais do bairro, praticado, nas águas do Guaíba, também por italianos e
polacos. Um grande número de alemães, preferiam o clube de regatas Almirante
Barroso, enquanto os italianos frequentavam o Duque de Caxias(Canottieri Ducca
Degli Abruzzi), fundado por antigos remadores de origem italiana.
654
Segundo Weimer, os clubes de regatas Almirante Tamandaré e Almirante
Barroso foram associações teutas construídas de madeira, por Theo Wiederspahn; a
primeira tinha uma fachada de alvenaria que escondia o sobrado de madeira, erigido
sobre estacas, nas margens do Guaíba.
655
652
SANHUDO,1961,op.cit.,p.265,266. Neste sentido, ver também:PORTO ALEGRE, Achylles.
História Popular de Porto Alegre.Porto Alegre:Prefeitura Municipal,1940,p.100.
653
Conforme Sanhudo, em 1988 foi fundado o a beira do Guaíba, o primeiro clube deste tipo no
Brasil, o RUDER CLUB PORTO ALEGRE , tendo como um dos seus fundadores o jovem major
Alberto Bins. Em 1892 surgiu o segundo, o RUDER-VEREIN GERMANIA.Neste mesmo ano
aconteceu a primeira regata no Guaíba. Posteriormente os dois clubes se fundiram, constituindo o
CLUB DE REGATAS GUAÍBA. Posteriormente surgiram o C. R. ALMIRANTE TAMANDARÉ(1903), o
C.R.ALMIRANTE BARROSO(1905) e o DUCA DEGLI ABRUZZI(1908), entre outros. SANHUDO,
1961, op.cit. , p.268.
654
MONDIN,1987,op.cit.,p.115.
655
WEIMER,2009,op.cit.,p. 77.
299
Figura 165 - Clube de Regatas Almirante Tamandaré. Fotografia de 1916, de Theo
Wiederspahn, autor do projeto e da construção.
Fonte: WEIMER,2009,op.cit.,p. 77.
Figura 166 - Fotografia de um grupo de amigos, na década de 1940, junto ao
Guaíba.
Fonte: Foto do acervo pessoal do Sr. Irineu Tebich.
300
Figura 167 - Fotografia da Voluntários da Pátria esquina com Sertório, antes da
construção da ponte, onde se evidencia diversas embarcações e a relação de
proximidade, então existente entre o Guaíba e o bairro.
Fonte: Fotografia do acervo da Associação doa Amigos do 4º. Distrito.
Assim, a vida do remo popularizou o lazer, os encontros e os prazeres à
beira do Guaíba. Assistir as competições era uma forma de divertimento dos
moradores que a proximidade com as suas águas permitia. Além disso, como diz
Sanhudo,
656
as associações, ali presentes, refletiam o espírito esportivo e
comunitário do imigrante, principalmente o germânico, e seu intuito em formar
grupos recreativos e sociais. Outra atividade que demonstra a forma como os
moradores desfrutavam da orla do Guaíba, e que perdurou aaproximadamente a
década de 1960, foram os “pic-nic”, onde também as famílias tomavam banho.
657
Antes do surgimento dos clubes, os esportes como punhobol e futebol eram
praticados em terrenos baldios. Nas primeiras décadas do século passado haviam
dois clubes de bola: o Municipal, cujo campo situava-se no mato do Guerreiro e, não
muito distante, ficava o seu rival, o Concórdia. Nesta época, também surgiu o
Renner, com trajetória marcante no bairro. O vôlei, era muito praticado na praça
Pinheiro Machado.Já no caso do basquete, os atletas do Basquete Clube São
656
SANHUDO,1961,op.cit.p. 266.
657
MONDIN,1987,op.cit.,p.42.
301
Geraldo, com sede no salão paroquial da antiga igreja, na avenida São Pedro,
difundiram esta modalidade esportiva através de inúmeros torneios.No ciclismo, o
Clube Ciclista Riograndense organizou diversas competições que interditavam a
avenida Eduardo, além do fato das bicicletas servirem de meio de transporte
usualmente utilizado no trajeto para o trabalho nas fábricas.
658
A vida social daquela comunidade era intensa, principalmente entre
alemães, italianos e poloneses. Mondin relembra que os italianos costumavam
frequentar as “casas de pasto”, lugares mantidos por famílias como os Manganelli,
Pegoraro, Trípoli, principalmente situados na avenida Eduardo. Ofereciam culinária
típica: macarronada, passarinhada, cuja caça era abundante na periferia do bairro,
vinho e muita cantoria. Junto à casa sempre havia uma cancha de bocha. As
vendas, também se constituíam em lugares de encontro, que possuíam uma sala
para carteado e para comer salame, pão e vinho. Os alemães gostavam das
confeitarias, como a Hamburguesa, especializada em doces finos, bem como os
cafés, entre eles o Sport, na antiga avenida Eduardo, próximo à Sociedade
Gondoleiros. Mondin ironiza o exibicionismo de certos frequentadores deste café,
que o local logrou fama e status no bairro. Naquele contexto, foi lugar de expressiva
popularidade, constituindo-se em espaço de lazer e de convívio social.
659
Outros eventos congregavam a comunidade do bairro, como os festejos do
carnaval “de rua”, ou melhor, da avenida Eduardo. Eram diversos blocos
carnavalescos que circulavam e uma “multidão que se comprimia”, iniciando no
trecho da avenida que ficava próximo à rua Quintino Bandeira, dobrando na avenida
658
MONDIN,1987, p. 111,114.
659
Ibid,p.62. O denominado Café e Confeitaria Sport pertenceu primeiramente a Willy Sühr e
posteriormente à família Manganelli. Mondin cita diversas firmas que se instalaram nas proximidades,
como: o bazar do Düring,as fotos Wolff e Porcello, as oficinas mobiliárias do Sanguinetti e do
Jamardo, o restaurante do Pedro Ordovás, a relojoaria do Kappel, a chapelaria do Jacob Ferrantino, a
funerária do Aniceto Vercago, o bazar do Antoninho Santoro, as lojas do Celestino Koche e do José
Juliano,a ferragem do Hugo Teichmann,a colchoaria do Cauduro, as farmácias dos irmãos Chiká,do
Bertholdo Thebisch e do Rolim, a padaria de Berau,Rodrigues & Cia.,as tabacarias dos irmãos
Moretto e do Hostiano Gomes, os açougues do Oswaldo Gimbitzki e do Paulo Ronca, as fábricas de
massa Damiani e do Domingos Liguori, a de vassouras do Schiavon, as alfaiatarias do Both e do
Fridman, entre outros tantos estabelecimentos que integraram-se na vida da comunidade do 4º.
Distrito.
Ibid,p.97,98.
Curiosamente, o Jamardo tinha loja no centro da cidade e nos anos 40, utilizava o espaço para
exposições de arte.
302
São Pedro e indo até a Minas Gerais (Farrapos).
660
Também as sociedades
desempenharam importante papel no desenvolvimento destas sociabilidades,
destacando-se a S. C. Gondoleiros com seus tradicionais festejos carnavalescos
que, a partir dos anos 20, mobilizava a população. Segundo França, também eram
usuais a associação das festas de carnaval aos cinemas, através de realização de
sessões em homenagem aos blocos.
661
Da mesma forma, as celebrações do Natal eram características e faziam
parte das vivências do bairro. Nesta época, ricas decorações natalinas eram
usualmente feitas em prédios e lojas, principalmente na antiga avenida Eduardo.
662
Em um arrabalde repleto de moinhos, comemorava-se também a festa do
trigo. Próximo ao Natal de 1946, o Correio do Povo
663
noticiava uma missa solene
na igreja São Geraldo e “grande programa de divertimentos” em homenagem “ao
agricultor”, tendo o patrocínio do Moinhos Germani.
Os festejos da Semana da Pátria no 4º. Distrito, também eram motivo de
publicação em jornais.
664
A programação incluía, entre alguns eventos, recepção ao
fogo simbólico, bênção da centelha pelo padre da igreja São Geraldo e percurso de
centelhas em diversas ruas do distrito por atletas de seus diversos clubes
esportivos. Os desfiles aconteciam na avenida Presidente Roosevelt.
660
Ibid,p.127.
661
FRANÇA, 2008,op.cit.,p.249.
Os carnavais no 4º.Distrito também eram muito comentados em jornais, como: A Federação.Porto
Alegre,11 de janeiro de 1931,p.13.
662
Neste sentido ver:Damiani & DÀvila,1996,op.cit.,p.42.
663
Comemoração do Trigo.Correio do Povo.Porto Alegre,5 de dezembro de 1946,p.5.
O jornal publicou que a iniciativa da festa era do Sr. Guido Mondin e das Irmãs Medianeiras.
664
Os Festejos da Semana da Pátria no Quarto Distrito.Folha da Tarde.Porto Alegre,26 de agosto de
1946,p.9
303
Figura 168 - Fotografia de um desfile de bandas, na Presidente Roosevelt, na década de
1970.
Fonte: Foto do acervo da Associação dos Amigos do 4º. Distrito.
Figura 169 - Fotografia do desfile da mocidade, na Presidente Roosevelt, na década de
1970.
Fonte: Foto do acervo da Associação dos Amigos do 4º. Distrito.
De todas as festas e comemorações populares do bairro, a mais tradicional
sempre foi a Festa dos Navegantes, com a procissão naval do dia 2 de fevereiro,
que nas palavras de Mondin: “era precedida de uma expectativa nervosa, o
304
acontecimento maior do ano, envolvendo tudo e todos”. Conforme o autor, nas
primeiras décadas do século passado, poupava-se durante um longo tempo para
poder gastar na festa, no vestuário novo, no consumo exagerado de diversos
alimentos (melancia, bebidas, galinha e leitão assados, etc.) e na preparação da
praça, barracas, iluminação da igreja e ornamentação. Apesar da posterior
construção da travessia sobre o Guaíba que acabou transformando o antigo
ambiente, o autor pensa que ainda perdura o espírito da festa, porque:
(...)talvez seja ela o maior elo de ligação entre o passado e o presente no
4º. Distrito. Em cada Festa dos Navegantes, embora considerada como um
acontecimento da cidade,é o 4º. Distrito que ressurge em sua longa história,
seus feitos, suas características, suas peculiaridades, que sempre o
distinguiram dos outros bairros.
665
Assim, esse lugar adquiriu uma espécie de caráter próprio que reforça o
sentido dado à noção de singularidade, que o distingue. Associa-se a esses
referenciais, uma complexa organização baseada na mistura e na heterogeneidade,
características de um ambiente plural.
Figura 170 - Imagem da Festa de Navegantes em 1930, com a tradicional procissão fluvial.
Fonte: PORTO ALEGRE:BIOGRAFIA D‟UMA CIDADE.Álvaro Franco (org.).Porto Alegre, Tipografia
do Centro, 1940, p.279.
665
Ibid,p.155,156.
Sobre festejos de Navegantes ver:MATTAR,2001,op.cit.
305
7 PLURAL
7.1 INTRODUÇÃO
O distrito industrial da cidade, enquanto local de residências, comércio
diversificado, fábricas, atividades de lazer, encontros e trocas nas ruas, em festas,
clubes,cinemas e bares, era um lugar plural. Esta pluralidade garantia sua animação
em diversas horas do dia, bem como nos finais de semana, também reunindo uma
heterogênea gama de frequentadores: trabalhadores, moradores, viajantes, pessoas
que se dirigiam ao comércio,ao lazer ou a outros propósitos.
Retomando algumas idéias de Jacobs e sua tese acerca dos benefícios para
as cidades advindos da complexidade e da multiplicidade de usos, a concentração
populacional e a sua distribuição em horas diferentes no dia, é vista como fator
necessário para dar vitalidade e sustentação econômica aos usos.
666
Outros autores também avaliam a necessidade de uma complexidade no
arranjo das cidades, em contrapartida à síntese simplificadora com que os códigos
racionalistas,”exageradamente estruturais e abrangentes”
667
, pensavam dominar
todas as suas variáveis :
A clareza, a ordem, a gica, a liberdade existiam nas intenções que,
com toda a prepotência, negavam as sínteses urbanas preexistentes e
pretendiam substituí-las por ordens perfeitas. Como tais ordens careciam de
complexidade, nelas não cabia a vida de verdade.
668
Venturi, também usa o termo “complexidade” para caracterizar uma situação
oposta ao racionalismo, no que se refere à aplicação de preceitos como ordem e
simplicidade. Considera a doutrina modernista de Mies Van der Rohe
669
- menos é
666
JACOBS,2000, op.cit.,p.223.
Neste sentido ver também: WHYTE,William. The social life of small urban sapaces.Washington:
The Conservation Foundation, 1980.
667
SANTOS, 1988,op.cit.,p.44.
668
Ibid,p.25.
669
Uma das importantes obras do arquiteto alemão foi o Pavilhão de Barcelona, de 1929, quando
aplicou os princípios da planta livre.Ficou muito conhecido também por seus arranha-céus de vidro.
306
mais- um paradoxo, pois exclui a complexidade em prol da expressividade e justifica:
”somente poderá excluir importantes considerações, correndo o risco de separar a
arquitetura da experiência de vida e das necessidades da sociedade”.
670
Desta forma, complexidade e contradição são aceitos por Venturi, ao opor-
se à racionalização em prol da simplificação do planejamento urbano modernista, e
contra a linguagem moralista da arquitetura moderna ortodoxa :
Gosto mais dos elementos híbridos do que os “puros”, mais dos que são
fruto de acomodações do que dos “limpos”, distorcidos em vez dos “diretos”,
ambíguos em vez de articulados”,perversos tanto quanto impessoais,
enfadonhos tanto quanto “interessantes”, mais dos convencionais do que
dos “inventados”,acomodatícios em vez de excludentes, redundantes em
vez de simples,tanto vestigiais quanto inovadores,inconsistentes e
equívocos em vez de diretos e claros.Sou mais favorável à vitalidade
desordenada do que à unidade óbvia.
671
A excessiva simplificação, criticada por alguns autores, foi consequência da
gradativa assimilação de um novo modelo de cidade. Em Porto Alegre, na virada dos
anos 20 e 30 do século passado, aprofunda-se o processo de verticalização do
centro, com edificações modernas e mais altas, associadas a uma nova forma de
beleza, os arranha-céus, despertando um sentimento de ufanismo e identificação
com o progresso
672
. Ao mesmo tempo, consolidavam-se áreas residenciais, de
classe média e alta, em zonas de expansão da cidade, denunciando outras formas
de morar, onde a especialização das funções substituiu gradativamente a
proximidade entre moradia e trabalho, determinando um novo modelo de
organização espacial. Novos objetivos começaram a ser perseguidos em prol da
racionalidade e da disciplina dos espaços urbanos, concebendo-se um outro
desenho de cidade e de relações entre edificação e rua. Assim, alterava-se a idéia
da tradicional rua corredor, pois segundo Corbusier: “a casa não estará mais unida à
rua por sua calçada.A habitação se erguerá em seu meio próprio, onde gozará de ar
puro e de silêncio”.
673
Sobre o arquiteto ver: FRAMPTON,Kenneth.História Crítica da Arquitetura Moderna.São
Paulo:Martins Fontes,1997.
670
VENTURI,2004,op.cit.,p.4,5.
671
Ibid,p.1,2.
672
MACHADO,1998,op.cit.,p.189,190.
673
LE CORBUSIER. A Carta de Atenas. São Paulo: EDUSP,1993,ítem 16.
307
Figura 171 - Rua do Parque, tradicional via residencial, com significativa variedade de
fachadas. A sucessão de construções corridas estabelecem um continuum espacial.(agosto
de 2010)
Fonte: Fotografia de Silvia Corrêa.
O novo modo de habitar, que também pressupunha um deslocamento para o
trabalho e para a vida social, foi aos poucos sendo incorporado pela cidade, que
passou a exibir faces de modernidade. Neste caso, o centro foi se tornando a
expressão do progresso e o local somente de negócios. E como diz Max, uma
passagem da segregação vertical, isto é, da moradia e negócio instalados no
mesmo local, para a segregação horizontal da cidade moderna, que rompe o elo
secular entre habitar X trabalhar. Desta maneira, determina-se uma estratificação
conforme cada nível de ganho, onde bairros diferenciados acentuam posições
sociais distintas.
674
Desta maneira, a separação que primeiro ocorreu no âmbito da
especialização da própria edificação, posteriormente deu-se no plano urbanístico.
Esta especialização, acompanhada de uma segmentação espacial, tornou-se uma
tendência visível em várias cidades, através da distribuição de atividades e classes
sociais em áreas centrais, residenciais ou industriais. Para Santos, diversos fatores
674
MARX,1999,op.cit.,p.212.
308
de produção e atividades relacionados influenciam na forma como o espaço se
organiza e:
A cada movimento social, possibilitado pelo processo da divisão do
trabalho, uma nova geografia se estabelece,seja pela criação de novas
formas para atender à novas funções, seja pela alteração funcional das
formas já existentes.
675
Este processo em que se evidencia o progressivo rompimento da unidade
moradia X trabalho e, consequentemente, a segmentação dos espaços urbanos,
pode ser sintetizado em quatro fases históricas: a primeira, da dissolução espacial
de trabalho e moradia no interior da casa, com a criação de construções separadas
para ambas as funções. A segunda, com a “dissolução da identidade espacial entre
produção e reprodução na vizinhança”. Na terceira, o local de moradia tornou-se
cada vez mais distanciado do trabalho, através do maior desenvolvimento das áreas
centrais e dos transportes. E, por fim, a última, a fase metropolitana, quando
rompeu-se a identidade político-espacial entre centro e periferia.
676
Em diversas cidades brasileiras, a “fragmentação”do espaço urbano foi
acelerada com a implantação dos transportes coletivos e reformas urbanas, que
expulsaram atividades e classes não alinhadas com os novos pressupostos da
cidade moderna. No caso do Rio de Janeiro, Vaz chama a atenção para o privilégio
e a discriminação conferida às moradias das camadas de maiores recursos através
do consumo de edifícios de apartamentos, símbolo do luxo e do morar moderno.
Estes, passaram a ser exclusivos daqueles que podiam pagar para usufruir das
novas maravilhas advindas da gradativa incorporação de elementos que
identificavam as condições de higiene e de conforto, e que conferiam prestígio e
distinção, acentuando a superioridade destas habitações.
677
Em Porto Alegre, a propaganda de utensílios, máquinas e equipamentos
domésticos em jornais e revistas nos anos 50, eram prestigiosas inovações utilitárias
675
SANTOS,1979,op.cit.p.40.
676
VAZ,2002,op.cit.,p.152.
677
VAZ,2002, op.cit.,p. 138,139.
A autora cita entre equipamentos e máquinas importadas: telefone(1926), fogões a gás
alemães(1922), louças sanitárias (1928), elevadores Otis(1928), refrigeradores Frigidaire
(1928),chuveiros elétricos(1935), tubos de lixo(1935),climatizadores Carrier (1938), além de
eletrodomésticos como enceradeiras(1928)bem como os rádios, vitrolas e discos(1928).
Ibid,p.139,140.
309
que associaram-se à construção e venda de modernos edifícios de apartamentos na
radial Independência-24 de outubro.
678
Na transição da cidade tradicional para a moderna, foi significativo o papel
da habitação como expressão dos processos de transformação. Como visto, o
progressivo afastamento entre moradia e trabalho evidencia etapas de crescimento
urbano, onde a moradia passou a significar, em diversos casos, forma de aquisição
de status e símbolo de ascensão social.
No percurso da história de Porto Alegre, a área - de características
miscigenadas - do bairro industrial mostra-se plural, à medida em que formou-se a
partir de uma realidade baseada na mistura de atividades e coexistências de tempos
e espaços diversos, onde o provinciano e o rural mesclavam-se à urbanidade. Este
lugar, também habitado por diversas etnias e estratos sociais, cresceu plurifuncional
e heterogêneo, sendo que a relação de proximidade entre residência e trabalho foi
preponderante.
Como veremos a seguir, ao longo dos anos o distrito passou por diversas
transformações de ordem funcional, econômica e social, que acarretaram mudanças
na sua fisionomia. Assim, sua pluralidade foi abalada e os elementos que garantiam
sua diversidade tornaram-se insuficientes e incapazes de manter a antiga vitalidade.
678
LIMA, 2005, op. cit.
310
7.2 PERMANÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES
Figura 172 - Antiga fábrica Wallig.
Fonte:Foto de Silvia Corrêa.
Primeiramente, o Caminho Novo e suas adjacências eram lugares de
chácaras. Ao longo do século XIX, essa fisionomia pitoresca se alterou, com a
chegada dos imigrantes e as instalações das primeiras oficinas. Posteriormente, veio
a construção da estrada de ferro, as fábricas e o seu adensamento populacional.
Também, foi cenário de intensa comercialização através da navegação fluvial e das
instalações portuárias.
Nas décadas de 1930/40, a implementação de melhoramentos na área,
como os aterros no cais Navegantes, a abertura da avenida Farrapos, e obras de
infra-estrutura, aceleraram seu processo de urbanização e de transformação
daqueles espaços. Além das tradicionais atividades industriais, começam a surgir, a
partir da década de 40, um comércio varejista especializado em auto-peças, bem
como serviços ligados ao setor de transportadoras, principalmente nas radiais como
311
a Farrapos e a Voluntários da Pátria, enquanto o uso residencial ainda permaneceu
nas vias secundárias.
679
Novos investimentos prosseguiram nos anos 50, como a construção da
travessia sobre o Guaíba, concluída em 1958. Torna-se desnecessário falar dos
aspectos positivos desta obra, no tocante à solução para os deslocamentos às
diversas localidades do sul do estado e país, bem como a complexidade de seu vão
levadiço, e seu arrojo cnico e construtivo para a época. Sua representatividade
para a modernidade da cidade, valeu-lhe a atribuição de um dos principais cartões
postais de Porto Alegre.
Figura 173 - Vista aérea da Travessia Getúlio Vargas. Através da foto da década de 1960,
percebe-se a faixa de aterro a partir da Voluntários da Pátria, onde posteriormente seria definido o
dique da avenida Castelo Branco.
Fonte: Cartão postal do acervo pessoal da família Ely.
679
Neste sentido ver : STROHAECKER,1991,op.cit.,p. 111, 112.
Segundo a autora, na década de 1950, a maioria das lojas de autopeças existentes na cidade
estavam localizadas na avenida Farrapos ou no bairro Azenha.
312
Figura 174 - Foto atual (janeiro de 2009) da Travessia Getúlio Vargas junto a avenida Sertório e
antiga Praça Navegantes.
Fonte: Foto da autora.
No entanto, alguns autores refletem acerca das consequências para o bairro
Navegantes, advindas das alterações acarretadas no seu entorno e sistema
circulatório como um todo. Na percepção de Kiefer, a travessia integra-se pouco à
vida do bairro. Sob o ponto de vista do pedestre, a complexidade de suas pistas e
fluxos, acabaram gerando “um verdadeiro não lugar, inseguro e de difícil orientação”,
sendo que, suas áreas remanescentes tem pouca ou nenhuma utilização, além da
tradicional festa dos Navegantes.
680
Esta obra, para Lemos, foi um dos pivôs das
transformações destes bairros, pois, além de ligar diretamente Porto Alegre aos
municípios da margem oeste do Guaíba, a ponte passou a conduzir o tráfego
através da avenida Sertório, no sentido leste, (Sertório- Carlos Gomes) e, assim,
rompendo-se a ligação “visceral” entre Navegantes -São João e o centro.
681
A partir de 1960, intensificou-se o progressivo deslocamento de diversas
indústrias de Navegantes para outras cidades vizinhas, e novos usos surgiram na
área. As ligações entre Sertório até Assis Brasil, e também a BR116, foram
determinantes para a expansão industrial na direção de Canoas, Cachoeirinha e
680
KIEFER,Flávio. “Uma travessia, muitas pontes”. A Ponte do Guaíba. São Paulo: M. Carrilho
Arquitetos, Ltda, 2007/2008, p.53.
681
LEMOS,1998,op.cit.,p.8.
313
Gravataí. Nesta época, a rodovia era a grande prioridade nacional e, desta forma,
o uso industrial procurou localizar-se junto aos acessos de longo curso.
682
Ao mesmo tempo, o Primeiro Plano Diretor da cidade (1959) previa um
modelo urbanístico baseado no Zoneamento de Usos para toda a sua área,
incentivando ou proibindo a localização de certas atividades nos seus diversos
setores; para o bairro Navegantes, foi referendado a vocação industrial, em quase
toda a sua extensão. Nesta época, eram evidentes os efeitos do processo de
metropolização da capital, com os deslocamentos de algumas indústrias e operários
fabris, para cidades vizinhas.
683
A década de 1950, foi a de maior crescimento
demográfico para a capital, cuja população passou de aproximadamente 380 000
habitantes, no início do período, para 626 000 habitantes em 1960.
684
Assim, em face a este contexto, já era premente a necessidade de um Plano
Diretor formal para Porto Alegre. No entanto, segundo alguns autores, o plano de
1959 mostrou-se conservador no que se refere à regulamentação de situações ou
tendências de crescimento existentes. Por outro lado, sinalizava com algumas
rupturas, como a visão “anti-industrial”, que estabelecia limites rígidos para a
instalação de atividades produtivas, contribuindo para a sua “desindustrialização”.
685
Weimer, analisando os diversos “transtornos” promovidos por este
zoneamento, aponta seu uso restritivo especialmente aplicado na implantação das
fábricas que, não podendo se expandir, foram forçadas a transferir-se para
municípios periféricos, onde estariam mais liberadas das exigências do plano, mas
com prejuízos para o operariado. Em face do aumento de despesas com transporte,
muitos se obrigaram a mudar para junto das fábricas, contribuindo para um
682
Neste sentido ver: SECRETARIA DO PLAEJAMENTO MUNICIPAL.Revitalização Urbana o 4º.
Distrito em Porto Alegre.Org. Maria Tereza Fortini Albano. Porto Alegre: s/ed., novembro de
2001,p.17.
Segundo levantamento de Strohaecker, a partir de 1965 aumenta o número de industrias que se
deslocam para outras áreas periféricas de Porto Alegre, e Navegantes perde a condição de bairro
industrial, cedendo lugar para outros usos ligados ao setor terciário. No período de 1945-65,
Navegantes exerce plenamente a função de bairro industrial da capital. STROHAECKER,1991,p.
119,122.
683
Souza e Müller estabelecem o ano de 1945, como o início do processo da metropolização da
cidade. SOUZA, & MÜLLER,1997, op. cit.,p. 105.
684
Ibid,p.105. Sobre metroplização ver também: ABREU,2006,op.cit.,p.221 e STROHAECKER, 1991,
op.cit.p.121.
685
ABREU,2006,op.cit.,p.254.
314
desordenado crescimento das cidades satélites, além da consequente diminuição de
impostos acarretados à municipalidade.
686
Desta forma, aproximadamente após os anos 60, o uso residencial
687
entrou
em processo de estagnação e descaracterização, modificando-se o conteúdo social
da área, que, com a introdução de outras atividades, acabou sofrendo grandes
transformações físicas, como o exemplo das transportadoras, que prejudicaram o
sistema circulatório daquelas ruas. Posteriormente, com a criação do Porto
Seco(1980), um decréscimo destes estabelecimentos, que muitos se
transferiram da área. Assim, a sua vocação industrial, crescente na década de 1930,
dinamizada na de 40 com os benefícios acarretados pelas obras de aterros do cais
do porto e da abertura da avenida Farrapos, e prosseguindo nos anos 50, com a
travessia sobre o Guaíba(1959), inicia nos anos 60, um processo de progressiva
decadência, com o deslocamento das indústrias, ali estabelecidas, para outras
áreas.
688
Figura 175 - Trecho atual da rua Almirante Barroso. Antiga fábrica Wallig, encontra-se em ruínas.
(janeiro de 2009)
Fonte: Foto da autora.
686
WEIMER,Günter. Origem e evolução das cidades rio-grandenses.Porto Alegre:Livraria do
Arquiteto, 2004, p.202.
687
A análise do senso demográfico do bairro Navegantes, indica uma diminuição crescente de
população, desde o levantamento de 1970 em diante.Ver: STROHAECKER, 1991,op.cit.p.125.
688
Neste sentido ver: SECRETARIA DO PLAEJAMENTO MUNICIPAL.Revitalização Urbana o 4º.
Distrito em Porto Alegre,op.cit., 2001,p.17.
315
Figura 176 - Fotografia atual (janeiro de 2009) de casas de operários vazias e em ruínas
na rua Rio Grande.
Fonte: Foto da autora.
Além dos aterros, outra intervenção na área, anterior à implantação do trem
suburbano, foi a construção da avenida Castelo Branco, que situada sobre um dique
de proteção contra enchentes, assumiu uma posição mais alta em relação ao seu
entorno.Foi inevitável o gradual e definitivo afastamento dos antigos referenciais
destes bairros com o Guaíba, no passado, parte integrante da vida e das funções ali
exercidas. Uma combinação de atividades tradicionais do lugar, mantinham essa
estreita relação, e eram a expressão desta adjacência. Uma extensa faixa passou a
isolar esses bairros do Guaíba e essencialmente o espaço da rua Voluntários da
Pátria, que prescindia de um encanto ao olhar aquele panorama, assim como, a
partir do outro lado, vislumbrava-se sua paisagem repleta de trapiches.
316
Figura 177 - Vista aérea da área aterrada, a partir da rua Voluntários da Pátria, na
década de 1950.
Fonte: Acervo fotográfico da Associação dos Amigos do 4º. Distrito.
Ficam também evidentes, através das obras citadas, a mudança de atitude
em relação à nova política de transportes, os rodoviários, em contraposição à
decadência de dois ícones importantes das atividades da área: a navegação fluvial e
os transportes ferroviários.
Franco cita a construção do Superporto de Rio Grande(décadas de 1960-70)
e os novos rumos da tecnologia, como fator importante que modificou os rumos do
comércio da capital e sua antiga função de entreposto da navegação fluvial, que
esta cidade passou a propiciar melhores condições para escoamento das safras
agrícolas. O advento dos supermercados, também, contribuiu para o
desaparecimento de numerosos pequenos varejistas, armazéns e outras casas
atacadistas, e a consequente desocupação de diversas edificações existentes no
antigo 4º. Distrito. A expressão destas alterações foram visíveis no esvaziamento do
Porto e no abandono da Rede Ferroviária.
689
689
FRANCO,1893,0p. cit.,p.181,185,189.
O autor lembra que a Viação Férrea adquiriu certa prosperidade nos anos 30, o que não impediu o
crescimento dos transportes rodoviários, principalmente na década de 1940. Devido às enchentes, a
317
Figura 178 - Trecho atual(janeiro de 2009) da Voluntários da Pátria, nas proximidades da Estação
Rodoviária, onde antigas edificações residenciais, de armazéns e depósitos hoje estão decadentes.
Fonte: Foto da autora.
Assim, as diversas transformações nos usos dessas áreas e o gradativo
afastamento das atividades industriais e de comércio atacadista, produziram uma
diversidade de linguagens causadas pela superposição de funções, representações
e memória, e um lócus degradado em grande parte do seu território. Usos tais como
garagens, transportadoras, oficinas, depósitos de papéis velhos e mesmo a
ausência de ocupação, que passaram a ser predominantes, não contribuem para
criar animação nem propiciar atrativos para uma maior movimentação de pessoas.
Neste sentido, Jacobs denomina de “usos prejudiciais”, isto é, aqueles que não
auxiliam para atrair ou concentrar pessoas. Localizados em lugares malsucedidos,
onde os pedestres pouco transitam, são as “áreas cinzentas” e decadentes, onde “é
baixa a chama da diversidade e da vitalidade”.
690
navegação fluvial encontrou dificuldades, sendo que o Plano Rodoviário Federal de 1944, acelerou o
advento da era rodoviária, em detrimento das ferrovias, hidrovias e portos.Ibid,p. 178,180.
690
JACOBS,2000,op.cit.,p.254.
318
Figura 179 - Área decadente da rua Conselheiro Travassos.(janeiro de 2009)
Fonte: Foto da autora.
Figura 180 - Fotografia de antiga prédio fabril na Ernesto Fontoura esquina com São
Paulo.(janeiro de 2009)
Fonte: Foto da autora.
319
Reforça esses quadro, a expulsão gradativa do uso residencial,
691
juntamente com suas antigas formas de sociabilidade. Os diversos fatores citados,
acabaram influenciando na quebra da unidade, outrora existente, entre moradia e
trabalho. A desarticulação, ocasionada pelo afastamento das habitações e a
substituição dos antigos espaços definiram outras configurações ao local e
contribuíram para a degradação da sua paisagem construída e o empobrecimento
advindo da redução da antiga atividade econômica, evidenciados nas últimas
décadas.
Figura 181 - Trecho atual (janeiro de 2009) da rua do Parque. Antigas residências encontram-se
vazias ou em ruínas.
Fonte: Foto da autora.
Tendências semelhantes, típicas dos grandes centros urbanos onde houve
um processo de desindustrialização, são estudadas por alguns autores
692
. Corrêa,
analisando o caso de algumas cidades brasileiras, caracteriza esses espaços como:
zonas periféricas às áreas centrais e que, até a segunda metade do século passado,
ligavam-se à atividades de comércio atacadista, armazenagem e indústrias. Uma
outra recorrência desses lugares é que as atividades industriais ocupam prédios
691
Segundo Albano, coincidindo com a implantação do Plano Diretor de 1979, que previa uma zona
exclusivamente industrial para a área, houve nestes bairros, um forte declínio de população entre os
anos 70 e90. SECRETARIA DO PLAEJAMENTO MUNICIPAL.Revitalização Urbana o 4º. Distrito em
Porto Alegre, 2001,op.cit.,p. 58.
692
Neste sentido ver: BURGESS,Ernest W. e BOGUE,Donald. Contribution to Urban
Sociology.Chicago:University Press, 1964.
320
baixos e amplitude horizontal. Por outro lado, sua estagnação se explica, entre
outros fatores, pelo fato de que diversas empresas abandonam a área em busca de
terrenos de maior amplitude e de menor custo, o que origina nestes locais, muitos
terrenos abandonados e transformados, em diversos casos, em áreas de
estacionamentos. Alguns, apresentam setor residencial de baixo status social,
formado por moradias populares e de baixa classe média, muitas delas deterioradas.
Por fim, são focos de transporte inter-regionais, localização de terminais ferroviários
e rodoviários, depósitos, garagens e hotéis baratos. Em cidades portuárias, se
localizam extensa zona de cais, armazéns e atividades conexas. Associa-se a isto,
um setor de diversões mal-afamado.
693
Analogamente à descrição de Corrêa, diversos espaços destes bairros se
enquadram nessas condições ora existentes, onde são comuns os casos de
decadência, degradação e constantes mudanças de usos. Esta situação, que
evidencia obsolescências na paisagem construída, origina, com frequência, uma
incapacidade de manter a mesma comunicação simbólica anterior.
Magalhães reflete acerca da necessidade de restabelecer a capacidade
semântica de alguns lugares e diz que, o que se passa nestas áreas:
(...)onde os sistemas de símbolos existentes foram destruídos por
alterações intrusivas de inversão de escala ou pela destruição de
referências importantes, é que os elementos suscetíveis de transmitir algum
significado foram isolados,perdendo sua capacidade semântica (...). É deste
modo que um sistema construído deixa de representar uma referência
global para os seus utentes, perdendo o espírito do lugar e passando a
constituir uma amálgama de espaços sem coerência.
694
Em face do analisado, e considerando as complexas causas que envolvem a
sua problemática atual, esta abordagem pretendeu somente sinalizar alguns
elementos que poderiam ter influenciado suas transformações. Assim, voltaremos ao
tema principal e ao propósito deste trabalho, que são as questões que abordam a
construção da sua modernidade.
693
CORRÊA,Roberto Lobato. O Espaço Urbano.São Paulo:Editora Ática,1989, p.42,43.
694
MAGALHÃES, Manuela Raposo. A Arquitetura Paisagista.Lisboa: Editorial Estampa, 2001,p. 42.
321
7.3 A CONSTRUÇÃO DE UMA MODERNIDADE PERIFÉRICA
695
Figura 182 - Vista do bairro fabril.
Fonte: Museu Moisés Velinho.
Nas primeiras décadas do século passado, tendo em vista o alto custo dos
impostos e exigências de ordem legal, a população proveniente das classes menos
favorecidas foi obrigada a sair da região central da cidade para subúrbios
adjacentes, em busca de custos de moradias mais acessíveis. Em áreas ainda
constituídas de chácaras foram empreendidos loteamentos populares, como o da
Companhia Territorial Porto- alegrense, na zona norte da capital, nos quais era
possível a construção de casas de diversos padrões, inclusive “chalés” de madeira,
cuja tipologia sofria restrições em outras áreas urbanas.
Muitas eram as habitações que se destinavam a aluguel, procedimento
tradicional desde os tempos de Colônia e que, conforme Lemos, se perpetuou, sem
alterações, até os anos da Segunda Guerra, ou seja, até a promulgação da Lei do
Inquilinato(1942). Desde então, os ricos faziam casas para alugar e:
695
O termo modernidade periférica refere-se a abordagem de Beatriz Sarlo, que contrapõe o
provincianismo dos arrabaldes de Buenos Aires, nos anos 1920-30, ao ritmo frenético da urbe.
SARLO, 1988,op.cit.
322
A riqueza das pessoas era medida pelo número de casas que tivesse
alugadas, mesmo se elas fossem abastados fazendeiros ou capitalistas
donos de ações de estrada de ferro. A classe média sempre foi inquilina por
excelência, e às classes remediadas ou pobres jamais vingaria a idéia da
casa própria.
696
Nesta época, produziu-se uma série de habitações para renda, nas
proximidades das fábricas do distrito industrial da cidade, contando com a
participação de investidores de distintas possibilidades financeiras, e assim,
originando tipologias e programas muito variados. Por vezes, uma mesma solução
era utilizada em edificações destinadas a diferentes segmentos sociais e custos,
através de alterações nos seus programas e áreas, mas que não necessariamente
refletiam em mudanças significativas nas fachadas.
A leitura dos projetos da área em estudo, no final do século XIX e início do
século XX, encaminhados para aprovação na municipalidade, mostram as primeiras
edificações, ainda esparsas, que foram construídas nos terrenos do loteamento.
Este exemplos são de casas de madeira(chalés) e moradias muito singelas,
considerando o programa e o tratamento das fachadas, restrito a alguns elementos
decorativos, como frisos. Eram, em grande parte, edificações constituídas de quatro
recintos - sala, dormitório, varanda e cozinha - com ausência de banheiros e outros
compartimentos de serviços, bem como a presença de dormitórios com alcovas.
Foram encontradas, algumas com alvenaria somente na parte externa, sendo
subdivididas internamente com painéis leves, provavelmente de madeira. Observa-
se que são casas do tipo porta e janela, ou porta e duas janelas, construídas no
alinhamento da rua, mas com afastamento em pelo menos uma das laterais, solução
de implantação que persistiu na área, nas décadas seguintes. Por fim, uma das
primeiras manifestações comunitárias encontradas é a Escola Alemã Florida (1916),
já referida anteriormente.
Nos exemplares da segunda década, 1910-1920, ampliam-se as soluções,
com fachadas mais elaboradas e a presença de alguns sobrados de influência
neoclássica. Verifica-se a implantação de algumas lojas e outros estabelecimentos
comerciais, coabitando com moradias, situadas na parte posterior, ou em sobrados
696
LEMOS, Carlos. ”Prefácio”. IN: SAMPAIO,Maria Ruth Amaral(org.). A promoção Privada de
Habitação Econômica e a Arquitetura Moderna 1930-1964.São Carlos: RiMa, 2002,p.6.
323
de esquina, com residências no segundo pavimento. No entanto, uma dominante
presença das edificações de um único pavimento, alinhadas à rua, mas com
afastamento em um dos lados, e de programas singelos, constituídos de sala-
dormitório-varanda - cozinha, ainda com ausência de banheiros, contrapondo-se à
fachadas adornadas. O projeto da sede da tradicional Sociedade Gondoleiros(1918)
evidencia uma tendência à construção de outras edificações de caráter comunitário,
na década seguinte.
Com exceção das moradias destinadas a trabalhadores mais pobres,
constata-se uma grande diversidade de soluções de nível médio, bem como projetos
intermediários, de difícil segmentação, que se misturam às duas categorias,
destinados à uma clientela menos exigente e formada, em grande parte, por
trabalhadores, onde a necessidade de redução de custos conduzia para a
eliminação de elementos considerados “supérfluos”, no tocante a sua dimensão
programática e formal.
A existência de uma variada gama de formas ressalta a diversidade
estrutural da área e identificam tipos de convivência baseada em conteúdos sociais
diversos. Estes, não se referem somente ao plano econômico, mas, também, à
preferências que os remetem às questões de identidade étnica e religiosa daquela
população.
A partir do exame do conjunto de casas, pode-se evidenciar algumas
características de ordem geral. Percebe-se que a grande maioria apresenta
tendências de filiação aos modelos da arquitetura tradicional brasileira, no tocante
ao agenciamento dos espaços internos. Conforme a tradição herdada do período
colonial, a organização dos compartimentos mantinha vínculo à planta alongada e
seguia a sequência: sala na frente, dormitórios no centro e, por último, a varanda,
cozinha e serviços.
A despreocupação com os aspectos funcionais, principalmente nas
edificações das primeiras décadas do século XX, demonstram a importância
conferida às questões do trabalho e, em menor escala, à privacidade, pertinente à
atividade residencial. Isto se reflete na falta de independência entre os
compartimentos e na superposição de funções. Morava-se perto do trabalho ou
324
mesmo junto a ele. São os casos das diversas edificações de uso misto, que
abrigam as duas funções no mesmo pavimento.
A arquitetura que ocupou o bairro apresenta uma diversidade de tipologias e
lotes, que deram origem a uma variedade de projetos de edificações de diversas
vertentes arquitetônicas. Portanto, contribuíram na definição das feições da sua
paisagem, a mescla conjugada à variedade de usos, que efetivaram sua ocupação.
Trata-se, também, de uma arquitetura que frequentemente incorporava, em
casas de melhor status social, elementos do ecletismo com expressivos destaques
ornamentais, mas que, a partir da década de 1920,vão cedendo lugar a novos
padrões. Misturavam-se, por vezes, as que recuperavam alguns elementos de casas
rurais, como os alpendres, os bangalôs e a simplicidade dos chalés.
Particularizavam-se especificidades culturais genéricas. Percebe-se um gradativo
aprimoramento nos padrões residenciais e a incorporação de novidades nas
linguagens plásticas, no recorte temporal estudado.
Ao processo de urbanização e modernização da área, seguiram-se
gradativas alterações nos espaços das moradias. Assim, constatam-se diversas
mudanças ocorridas na área, na 3ª. e 4ª. décadas do século passado. No primeiro
período(1920-1930), os exemplares analisados mostram casas que se afastam em
ambos os lados dos terrenos, com programas maiores, contendo dois e três
dormitórios, e a presença de porões baixos. o edificações com telhados visíveis,
com beirais, calhas, condutores, e telhas francesas, demonstrando avanços nas
técnicas construtivas. Mesclam-se a estas, casas geminadas de fachadas
adornadas, residências em fita ou as que utilizavam a mesma tipologia, mas com
pequenas moradias destinadas a operários. Convivem neste mesmo contexto,
exemplares de uso misto e algumas edificações com fachadas caprichosamente
elaboradas, no entanto, com programas compactos.
Nesta década, evidencia-se a presença e organização de diversos
segmentos étnicos na área, através da implementação de uma série de edificações
de caráter comunitário, como: Cine Teatro Navegantes(1920), Escola Evangélica
(1923),Bürger Club-(1923),Igreja Evangélica São Paulo (1924 e 1930), da
Comunidade Evangélica Luterana São Paulo, Igreja o Geraldo-(1925), da av. São
325
Pedro, Igreja Batista(1927), Igreja Evangélica Navegantes (1927) e Escola
Concórdia(1929), entre outras.
Na quarta década(1930-1940) observa-se a recorrência de casas soltas no
terreno, com telhados aparentes de telhas francesas. Neste período foram
construídos alguns conjuntos bem estruturados de moradias em sobrados em fita,
de dois ou três dormitórios, como o exemplo, mencionado, da rua Paraíba, para
os Aposentados e Pensionistas da Viação Férrea Estadual(1933). Destacam-se, em
avenidas principais, prédios exclusivamente comerciais e destinados à lojas, bem
como alguns projetos de postos de gasolina, principalmente nas proximidades da
avenida Farrapos. Várias edificações residenciais apresentam estilo mais despojado
e a emergência de novas linguagens, como as de influência déco, e a introdução de
elementos como platibandas, sacadas e terraços.
Diversas são, também, as edificações de caráter social e comunitário,
construídas neste período: Capela Nossa Senhora do Brasil(1930), sede do Cine
Tália de 1930,Igreja Czestochowsky (1932), aumento da Igreja Evangélica Luterana
de Cristo(1932),Sociedade Ginástica Navegantes -São João(1936), Creche do
Círculo Operário Navegantes(1939), Igreja São Geraldo(1940), da avenida Farrapos,
entre outras.
Pelo exposto, percebe-se que ao longo do processo de sua formação e
desenvolvimento, foram múltiplas as transformações que ocorreram nestas
habitações, no que tange aos aspectos de distribuição interna dos espaços,
tratamento das fachadas, materiais e técnicas construtivas bem como as relações
interior X exterior, evidenciando-se, através da casa, alterações nos modos de vida e
padrões daquela comunidade.
Das pequenas habitações esparsas construídas de madeira,vilas e casinhas
de porta e janela, das casas de alvenarias, térreas ou assobradadas de uso coletivo
ou particular, até os prédios de apartamentos ainda não verticalizados, que
principiaram na década de 1940-50, uma diversidade de tipologias habitacionais da
classe trabalhadora demonstram a gradativa incorporação de novos elementos.
Estes, identificam não somente a assimilação de outros estilos de vida, mas
326
também, melhorias nas condições de higiene,conforto, prestígio e ascensão social,
de uma comunidade que se modernizou gradativamente.
Na tentativa de compreender melhor os diversos sentidos dessa
modernidade, é importante analisar as peculiaridades das moradias do bairro e as
alterações nas funções ali exercidas, com a progressiva especialização do trabalho.
Verificou-se que, nos primórdios deste lugar, muitas atividades eram efetuadas no
interior da própria casa. As dificuldades no tocante ao ensino às crianças, filhos de
operários das fábricas, fizeram com que educadores improvisassem escolas
particulares em espaços da sua própria residência. Antes do surgimento de
bibliotecas, clubes,teatros e cinemas, as atividades culturais - encontros e
sociabilidades da comunidade, serenatas e festinhas caseiras - eram desenvolvidos
no âmbito mais privado das residências, das pequenas salas e das próprias
calçadas. Igualmente, antes do advento de certas comodidades e de uma série de
novos utensílios domésticos, também se processavam nos interiores e pátios das
moradias, a produção de um grande percentual da alimentação consumida e de uma
extensa gama de trabalhos domésticos.
No tocante às questões de morar e trabalhar sob o mesmo teto, percebe-se
a tendência gradativa de construções especializadas para cada função, e que
tornaram a casa o local exclusivo de morar. Neste caso, a sala, ambiente que, em
alguns casos, até ausentava-se nos projetos, passou a ser mais valorizada como
espaço destinado à vida social da moradia. Dois outros ambientes revelam
condições de maior prestígio: a introdução do escritório e do espaço para garagem.
Desta forma, um sinal de qualificação, melhoria de padrão e de modernidade
das habitações analisadas, deu-se à medida em que estas passaram a ter um
número maior de cômodos, que, como visto, em edificações compactas, restringia-
se à sala, um quarto, varanda e cozinha. Assim, os espaços utilizados para múltiplos
usos coletivos tornaram-se especializados, passando-se do processo de
sobreposição de funções para o de especialização dos recintos.
Outros avanços efetuaram-se nas questões de privacidade, com a
introdução das circulações e alterando-se a disposição dos ambientes que se
comunicavam entre si, seguindo a antiga maneira de passar através deles; sem falar
327
na substituição das alcovas e a adoção de novas soluções de iluminação e
ventilação para os espaços situados nos interiores da moradia. Neste sentido,
contribuíram as residências afastadas, dos limites do terreno, originando melhores
condições de habitabilidade. Outras inovações, referentes aos aspectos
circulatórios, foram as relativas à independência e comodidade na subdivisão dos
setores da casa e de uma segregação conforme suas funções, graças à introdução
dos vestíbulos.
No tocante aos compartimentos de serviço, até o início do século XX,
permanecem ausentes, na maior parte dos projetos analisados. Gradativamente
foram sendo incorporados ao interior da unidade, em contrapartida ao referido
distanciamento que a carência de infraestrutura adequada os submetia. O seu maior
número, assim como suas dimensões e equipamentos, caracterizam avanços
tecnológicos, bem como a própria valorização dos aspectos referente a conforto.
Estes processos que alteraram as antigas funções da casa, não foram tão
evidente em moradias exíguas, devido ao reduzido número de recintos. De qualquer
forma, diversas foram as mudanças ocorridas e substituições de algumas atividades,
outrora exercidas no âmbito doméstico, que gradualmente foram transferidas para a
esfera do bairro. No entanto, durante um certo tempo, manteve-se sua principal
característica: a de um modo de morar junto às ltiplas atividades produtivas,
culturais e sociais.
No tocante à disposição das edificações nos terrenos, percebe-se que um
forte condicionamento foi gerador de unidades contínuas, dispostas nos
alinhamentos das ruas e submetidas às dimensões de lotes estreitos. No entanto,
diversas casas soltas nos terrenos e de aspectos mais pitorescos, evidenciam
proximidade às chácaras da região, bem como variações nas tipologias, lotes e
soluções de fachadas, apesar das relativas alternativas de agenciamentos internos.
Distante de uma monotonia, e fugindo às padronizações que caracterizaram os
grandes conjuntos habitacionais operários, casas despretensiosas remetem a um
gosto popular e à preservação da individualidade dos seus moradores.
Assim, ao longo desta trajetória, a arquitetura residencial do lugar mostra
variações através da incorporação de novos elementos, dentro de cada universo
328
tipológico. À singeleza e precariedade de alguns exemplares, sucederam-se novas e
mais elaboradas soluções, enriquecidas com a introdução de inovações nos
componentes, como esquadrias, soluções de telhados e materiais, evidenciando-se,
em alguns casos, uma integração entre tradição e inovação. A arquitetura de tipos
continuava sendo basicamente a mesma, variando-se certas tendências estilísticas.
A análise de projetos da década de 1940-50, mostra a influência da
implantação de serviços e infraestruturas modernas nesta área. Instauraram-se
novas construções de edifícios com elementos do Déco e, depois de 1950,
edificações mais altas, utilizando linguagem arquitetônica modernista. Nas
residências, foram introduzidas outras linguagens, como o referido exemplo do
“estilo californiano”. No tocante às edificações de uso comunitário, são deste
período, novos projetos de algumas entidades existentes na área, como o Cine
Rivera (Talia) de 1944, a nova sede da Sociedade Gondoleiros(1952) e da
Sociedade Polônia (1952).
Ainda é importante reforçar que alguns edifícios existentes no perímetro
analisado processaram-se aos moldes das tipologias de alturas medianas(4 a 5
pavimentos), que foram implementados com o advento da abertura da avenida
Farrapos, principalmente nas suas adjacências e na avenida Eduardo. Alguns
exemplares mais verticalizados, e de tendências contemporâneas, destacam-se
naquela paisagem de alturas relativamente uniformes, caracterizada essencialmente
por um tecido urbano que alterna principalmente residências e bricas, peculiar da
sua base fundiária tradicional.
Desta maneira, alguns subúrbios foram protagonistas de manifestações
expressivas de um tipo de modernidade distinta, desvinculada daquela mais
frequentemente atribuída ao plano das vanguardas, mas, exemplar quanto às
possibilidades de experimentações de diversas formas de assimilação cultural e
capacidade de gerar e refletir alternativas. Desde as edificações provenientes de
diferentes épocas, tamanhos e implantação nos lotes, até os prédios de
apartamentos, comerciais, oficinas e fábricas, percebe-se esta modernidade plural,
expressa na perspectiva variada das soluções, no aproveitamento máximo dos lotes
e na exigência de rigor no trato das questões de economia e de custos,
329
interpretadas desta maneira pelos construtores e responsáveis técnicos da época,
com seus talentos e limitações.
Este universo da modernidade torna-se singular na cidade, à medida em que
as fábricas representam os elementos que deram o “tom” ao contexto, bem como,
um trato diferente das questões estéticas, de qualidade arquitetônica e econômica,
que auxiliaram a consolidar esta paisagem urbana, que fez de si mesmo, sua própria
história e, como não, também da capital. Neste fragmento urbano, a existência de
uma diversidade habitacional que convive com o local de trabalho, também se
articula com um importante espaço destinado à vida social. Estes atributos
identificam os principais elementos que operaram a organização do conjunto. O
lugar estava situado nos limites da cidade e portanto, ligado a referenciais de uma
cultura das periferias, habitada por uma comunidade miscigenada e multicultural, da
qual se extrai a base do seu material e a expressão das soluções arquitetônicas.
Portanto, este contexto foi importante na condução das vivências desta
comunidade que habitou este fragmento urbano, conhecido como “bairro cidade”.
Sua estrutura espacial, marcada pela plurifuncionalidade, gerava poucos
deslocamentos entre moradia e local de trabalho, ao mesmo tempo em que
agregaram-se a estas duas esferas da vida urbana, as atividades de lazer e de
socialização. Estes fatores foram essenciais para que se concretizasse um
sentimento muito forte de identidade e pertencimento de seus moradores,
caracterizados por Mondin como “classe média proletária”.
697
Para concluir, a presente tese pretendeu demonstrar que, um núcleo
miscigenado, heterogêneo e plurifuncional concentrou-se nas adjacências da rua
Voluntários da Pátria, sede das primeiras instalações fabris da cidade e via
especialmente responsável pelo caráter do lugar. Inicialmente estruturada na forte
relação entre moradia e trabalho, a área passou por diversos processos de
transformação e modernização, evidenciados através do aprimoramento dos seus
padrões construtivos, incorporação de novos elementos e por uma crescente
tendência à especialização funcional da moradia, que, condicionaram mudanças em
seus modos de vida, traduzidos nos espaços da casa. A pesquisa também evidencia
697
MONDIN,1987,op. cit.,p.43,62.
330
que, ao longo do recorte temporal estudado e, principalmente, nos anos
subsequentes, o lugar sofreu diversas transformações, que alteraram a antiga
realidade heterogênea e diversa, prejudicando sua vitalidade, produtividade e
desenvolvimento.
Por fim, o mais instigante nesta trajetória, de todo inconclusa, foi a
possibilidade de contribuir para que, através do entendimento da história, dos
processos de formação e de transformação deste espaço tão importante e, ao
mesmo tempo, tão complexo, sua imagem atual possa ser alterada, a fim de que,
novamente, adquira um sentido para a cidade.
331
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Jornais
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16/10/1946;16/12/1946.
CORREIO DO POVO. Porto Alegre, 25/12/1945; 12/01/1946; 19/01/1946;
20/01/1946; 27/01/1946; 17/02/1946; 13/03/1946; 14/03/1946; 17/03/1946;
20/03/1946; 24/03/1946; 31/03/1946; 6/04/1946; 14/04/1946; 26/04/1946;
27/04/1946; 30/04/1946; 4/05/1946; 5/05/1946; 12/05/1946; 19/05/1946; 4/06/1946;
13/06/1946; 25/06/1946; 16/07/1946; 28/07/1946; 4/08/1946; 18/08/1946;
22/08/1946; 31/08/1946; 1º./10/1946; 15/10/1946; 24/11/1946; 5/12/1946;
12/12/1946; 16/12/1946; 19/12/1946; 16/022/1947; 13/03/1947; 16/03/1947;
10/04/1947.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Porto Alegre, 2/09/1930; 3/09/1930; 7/09/1930; 14/09/1930;
28/09/1930; 30/09/1930; 6/11/1930; 15 /11/1930; 16/11/1930; 23/11/1930;
30/11/1930; 11/01/1931; 7/01/1931; 11/01/1931; 27/01/1931; 30/01/1931;
1º./02/1931; 3/02/1931; 10/01/1946; 22/01/1946; 27/02/1946; 13/03/1946;
14/03/1946; 23/03/1946; 3/04/1946; 7/04/1946;14/04/1946; 19/04/1946; 28/04/1946;
1º./05/1946; 7/05/1946; 19/05/1946; 12/06/1946; 14/07/1946;
16/07/1946;21/07/1946; 28/07/1946; 9/08/1946; 5/08/1946; 29/09/1946; 4/10/1946;
31/12/1946; 3/03/1947; 10/04/1947.
FOLHA DA TARDE.Porto Alegre, 13/12/1945; 10/01/1946; 12/01/1946; 19/01/1946;
25/01/1946; 25/01/1946; 17/02/1946; 12/03/1946; 13/03/1946; 18/03/1946;
16/04/1946; 27/04/1946; 30/04/1946; 11/05/1946; 18/05/1946; 13/07/1946;
15/07/1946; 16/07/1946; 20/07/1946; 27/07/1946; 28/07/1946; 26/08/1946;
5/12/1946; 7/12/1946; 17/12/1946; 15/02/1947.
JORNAL DO DIA. Porto Alegre, 2/03/1947; 18/03/1947.
TRIBUNA GAÚCHA. Porto Alegre, 18/004/1946.
Artigos de jornais
Fundada a Associação dos Amigos do 4º. Distrito. Correio do Povo. Porto Alegre,
13 de dezembro de 1945.
A Cidade. Diário de Notícias. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1946, p. 5.
Vilas Operárias. Folha da Tarde. Porto Alegre,12 de janeiro 1946, p. 4.
Problema da Moradia de aluguel. Correio do Povo. Porto Alegre, 27 de janeiro de
1946, p. 7.
353
A Construção de vilas operárias nos bairros do 4º. Distrito. Diário de Notícias. Porto
Alegre, 27 de fevereiro de 1946, p. 2.
Entraves burocráticos dificultam a construção da vila industriaria. Correio do Povo.
Porto Alegre, 22 de março de 1946, p. 3.
Os Festejos da Semana da Pátria no Quarto Distrito. Folha da Tarde. Porto Alegre,
26 de agosto de 1946, p. 9.
Comemoração do Trigo. Correio do Povo. Porto Alegre, 5 de dezembro de 1946, p.
5.
ANDRÉ, Alberto. São João, sua fundação e desenvolvimento histórico. Jornal Fala
São João. Porto Alegre, jun.1999, n.6, p.4.
Leis,Decretos e Atos Municipais
Código de Posturas Municipais Sobre Construções. Porto Alegre: A Federação,
1893.
Acto nº. 7, de 1º. de dezembro de 1892. In: Leis, Decretos, Actos e Resoluções.
Administração do intendente Alfredo Augusto de Azevedo. Porto Alegre: A
Federação, 1892.
Regulamento Geral das Construções. Leis, Decretos, Actos e Resoluções.
Administração do intendente José Montaury. Porto Alegre: A Federação, 1914.
Decreto no. 115, de 15 de dezembro de 1927. In: Leis,Decretos,Actos e
Resoluções. Administração do intendente Octavio F. da Rocha. Porto Alegre: A
Federação, 1927.
Projeto de Código de Construções. Organizado pela Diretoria Geral de Obras e
Viação. Porto Alegre: Globo, 1941.
Projetos
Pesquisas em microfilmes de projetos aprovados no período compreendido entre
1892 até a década de 1950.
354
Depoimentos Orais
GENTA, Alba. Entrevista à autora.Porto Alegre: 14.mar.2008.
LAMB, Vilma. Entrevista à autora. Porto Alegre: 21. mar.2009.
NOLL,Regis.Entrevista à autora.Porto Alegre: 14.jan.2009.
SANTINI,Albertina. Entrevista à autora. Porto Alegre: 21.jan.2008.
THEBICH,Irineu. Entrevista à autora. Porto Alegre: 20.jan.2009.
Locais de Pesquisa
Acervo Fotográfico do GEDAB-Faculdade de Arquitetura da UFRGS
Arquivo do Correio do Povo
Arquivo da Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural-SMC-PMPA
Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
Arquivo do GEDURB-UFRS
Arquivo Particular Günter Weimer
Arquivo Público da Prefeitura Municipal de Porto Alegre
Associação dos Amigos do 4º. Distrito
Biblioteca Central da UFRGS
Biblioteca Central da PUCRS
Biblioteca da Câmara Municipal de Porto Alegre
Biblioteca da Faculdade de Arquitetura da UFRS
Biblioteca da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul
Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul
Biblioteca da Secretaria Municipal de Obras e Viação de Porto Alegre
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul
Mapoteca da Secretaria Municipal de Obras e Viação
Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa
Sociedade Ginástica Navegantes São João
Sociedade Polônia
355
Livros Grátis
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