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linguagem mais concentrada deve caminhar para um clímax, que nos projete para algo mais
que está fora do texto.
Para se entender o caráter peculiar do conto, costuma-se compará-lo com o
romance, gênero muito mais popular, sobre o qual abundam as
preceptísticas. Assinala-se, por exemplo, que o romance se desenvolve no
papel, e, portanto, no tempo de leitura, sem outros limites que o esgotamento
da matéria romanceada; por sua vez, o conto parte da noção de limite, e, em
primeiro lugar, de limite físico, de tal modo que, na França, quando um
conto ultrapassa as vinte páginas, toma já o nome de nouvelle, gênero a
cavaleiro entre o conto e o romance propriamente dito. Nesse sentido, o
romance e o conto se deixam comparar analogicamente com o cinema e a
fotografia, na medida em que um filme é em princípio uma “ordem aberta”,
romanesca, enquanto que uma fotografia bem realizada pressupõe uma justa
limitação prévia, imposta em parte pelo reduzido campo que a câmara
abrange e pela forma com que o fotógrafo utiliza esteticamente essa
limitação. (...) Enquanto no cinema, como no romance, a captação dessa
realidade mais ampla e multiforme é alcançada mediante o desenvolvimento
de elementos parciais, acumulativos, que não excluem, por certo, uma
síntese que dê o “clímax” da obra, numa fotografia ou num conto de grande
qualidade se procede inversamente, isto é, o fotógrafo ou o contista sentem
necessidade de escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento que
sejam significativos, que não só valham por si mesmos, mas que também
sejam capazes de atuar no espectador ou no leitor como uma espécie de
abertura, de fermento que projete a inteligência e a sensibilidade em direção
a algo que vai muito além do argumento visual ou literário contido na foto
ou no conto (CORTÁZAR, 1993, p. 151-52).
Em relação à temática do conto, Cortázar defende que qualquer tema pode ser bom
para um conto, o que importante é o tratamento temático que o contista dá ao conto. Acredita
que há uma misteriosa relação entre o tema e o contista, que se estabelece em dado momento.
Essa relação explicaria o êxito de um contista em alguns contos e o fracasso em outros. Isso
para quem aprendeu a dominar as técnicas de escrever contos, porque aquele que não é
contista de ofício não consegue chegar nunca a permanecer na memória sentimental do leitor.
Muitas vezes tenho-me perguntado qual será a virtude de certos contos
inesquecíveis. Na ocasião os lemos juntos com muitos outros que inclusive
podiam ser dos mesmos autores. E eis que os anos passam e vivemos e
esquecemos tanto; mas esses pequenos, insignificantes contos, esses grãos de
areia no imenso mar da literatura continuam aí, palpitando em nós. Não é
verdade que cada um tem a sua própria coleção de contos? Eu tenho aminha
e poderia citar alguns nomes. Tenho “William Wilson”, de Edgar A. Poe,
tenho “Bola de Sebo”, de Guy de Maupassant. Os pequenos planetas giram e
giram: aí está “Uma Lembrança de Natal”, de Truman Capote, “Tlön”,
“Uqbar”, “Orbis”, “Tertium”, de Jorge Luis Borges, “Um Sonho Realizado”
de Juan Carlos Onetti, “A Morte de Ivan Illich”, de Tolstói, “Fifty Grand”,
de Hemingway, “Os Sonhadores”, de Isak Dinesen, e assim poderia
continuar e continuar... Os senhores já terão advertidos que nem todos estes
contos são obrigatoriamente antológicos (CORTÁZAR, 1993, p. 154-55).