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NILDA MARTINS SIRELLI
ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO: A
LÓGICA DO SIGNIFICANTE E DO
OBJETO NA CONSTITUIÇÃO DO
SUJEITO
São João del-Rei
PPGPSI-UFSJ
2010
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NILDA MARTINS SIRELLI
ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO: A
LÓGICA DO SIGNIFICANTE E DO
OBJETO NA CONSTITUIÇÃO DO
SUJEITO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei,
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em Psicologia.
Área de Concentração: Psicologia
Linha de Pesquisa: Conceitos Fundamentais e Clínica
Psicanalítica: Articulações
Orientadora: Maria das Graças Leite Villela Dias
São João del-Rei
PPGPSI-UFSJ
2010
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S619 Sirelli, Nilda Martins
Alienação e separação: a lógica do significante e do objeto
na constituição do sujeito / Nilda Martins Sirelli. – 2010.
95f. : il.
Orientadora: Maria das Graças Leite Villela Dias.
Dissertação (mestrado) – U
niversidade Federal de São
João del Rei, Departamento de Psicologia.
Bibliografia: f. 89-95.
1. Alienação – Teses. 2. Separação - Teses. 3. Outro - Teses.
4. Objeto a – Teses. 5. Constituição do sujeito – Teses.
6. Psicanálise – Teses. I. Universidade Federal de São João del
Rei. Departamento de Psicologia. II. Título
CDU: 159.923
Agradecimentos
Esta dissertação, fruto de uma dupla experiência de análise experiência de ouvir o
outro, como analista; e de me ouvir, como analisante –, trouxe angustiantes e intrigantes
questões: o que faz com que o sujeito fale de si pelos significantes do Outro? Que posição
é essa que o sujeito ocupa diante de e para o Outro? Como certa vez ouvi de uma paciente,
nada paciente, que lhe parecia que havia “um roteiro a ser seguido” e que estava ali por não
suportar mais “repetir” esse “roteiro”. Dele, ela ainda diz: “Fui eu que escrevi, mas parece
que eu fui pegando o que os outros falavam”. E pergunto-me: o que é possível fazer com
isso que marca a vida, a carne, e sela um destino trazido como pronto?
Este trabalho é fruto dessas questões e deste “experimentar na carne” a psicanálise,
o que não pode ser sem efeitos.
Agradeço, então, aos meus pacientes com os quais suportei a angústia, as deles e
as minhas –, ao meu, ou aos meus analistas, que se aventuraram à árdua e encantadora arte
de escutar e permitiram que neles eu pudesse me fazer de novo! Fazer, que tem este escrito
como produto de um percurso.
À Graça, minha orientadora, que soube atravessar comigo as dificuldades, os
tropeços, os atropelos, e trilhou comigo este caminho teórico, que também perpassa a vida.
À Denise, constante inspiração, mesmo de longe e sem saber. À Alinne, amiga de
todas as horas, e de todas as bibliografias, que sempre acreditou e apostou em mim, mais
que eu mesma. A todos os amigos, de longe e de perto, especialmente a Vanessinha,
constante presença. Às Renatas, Tissi, Taísa, Riceli e Renato pelos bons momentos...
À Paula, irmã e amiga, que me indicou o caminho da poesia às vezes encantadora, e
por vezes débil da vida. À Lys, querida irmã, sempre batalhadora, que caminha comigo.
Aos meus pais, Paulo e Fátima. Fá, constante inspiração, que me ensinou que “toda cerca
tem buraco” e que seja como for, na vida não se pode ficar parado. Este é um buraco.
Um buraco inventado como saída. Ao meu pai, que me ensinou com seu trabalho duro que
não de dureza se faz a vida, mas é preciso ir além. À minha Nilda, que me marcou
não só com seu nome, mas com sua vida.
Ao meu amor, que com suavidade “rasgou” algumas das minhas mais profundas
convicções e tornou a vida mais bela, mais leve, menos solitária. A toda palavra, que por
vezes saiu de mim, e por vezes foi arrancada para que este trabalho se fizesse e por mim
fosse feito. A todos vocês, que, como esta dissertação, fazem parte da minha história,
obrigada!
Como é possível que a nós, mortais, se aumente o brilho nos olhos
Porque o vestido é azul e tem um laço?
(Prado, A. 1991, p. 116).
RESUMO
O sujeito, tal como é abordado pela psicanálise, não é da ordem do natural; ele é efeito de
linguagem, marcado pelo significante e, ao mesmo tempo, causado pela ausência de objeto,
o que o caracteriza como desejante e pulsional. Na constituição do sujeito a lógica do
significante e do objeto a é esclarecida por meio da alienação e da separação, operações
fundantes do sujeito. Essas operações nos revelam a lógica do significante e do objeto por
diferentes prismas, seja por meio das operações matemáticas de união e interseção, ou pela
subversão do cogito de Descartes. Porém, essa lógica, situada na origem do sujeito,
atualiza-se na fantasia fundamental e no processo de análise. A fantasia fixa uma posição
de objeto em que o sujeito comparece frente ao Outro. O processo de análise, por sua vez,
convida o sujeito a construir sua fantasia fundamental, de modo a separar-se dela o quanto
for possível, para que possa advir, como dejeto, o objeto a, resto irredutível e origem
lógica da estrutura.
Palavras-chave: alienação, separação, Outro, objeto a, constituição do sujeito.
ABSTRACT
The subject, as tackled by psychoanalysis, is out of the natural order; it is a language
effect, marked by the significant and, at the same time, caused by the object absence,
which characterises it as desiring and driving. In the constitution of subject the signifier
and object logics is clarified through the alienation and separation, operations that founds
the subject. These operations reveal the signifier and object logics through different prisms,
either through the mathematical operations of union and intersection, or by the subversion
of Descartes cogito. But, this logic, located at the origins of the subject, updates itself on
the fundamental fantasy and in the analysis. The fantasy ties a position of object where the
subject appears in front of the Other. The analysis process invites the subject to build its
fundamental fantasy, to separate from it as much as possible, to enable the arise, such as
manure, of the object a. Rest irreducible and logical origin of the structure.
Keywords: Alienation, Separation, Other, object a, Constitution of subject.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 9
1. CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: OUTRO E OBJETO a ................. 16
1.1. Sujeito e Outro: o campo do simbólico .................................................................... 16
1.2. Objeto a e Outro: o real ............................................................................................ 36
2. ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO: SUJEITO E OBJETO a ................. 50
2.1. Do significante ao objeto .......................................................................................... 50
2.2. “Ou não penso ou não sou”: uma subversão do cogito de Descartes ....................... 58
3. UMA CONSTITUIÇÃO QUE SE ATUALIZA ................................... 69
3.1. “Lá onde estava o isso o sujeito deve advir”: um percurso pela lógica da fantasia . 69
3.2. “Lá onde estava o isso o analista deve advir”: um percurso pela clínica ................. 78
CONCLUSÃO ............................................................................................. 86
REFERÊNCIAS ......................................................................................... 90
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 94
INTRODUÇÃO
A psicanálise é um saber que se fundamenta na clínica e a ela se direciona. Tal
dispositivo não aborda um indivíduo ou pessoa, mas um sujeito, assujeitado ao inconsciente,
dividido e subvertido pela linguagem e pela parcialidade da pulsão.
Propomos, no presente trabalho, averiguar a constituição desse sujeito em Lacan a
partir das noções de significante e objeto a, como operadores de causação do sujeito.
Operadores lógicos, que, como tais, não se referem a uma cronologia ou a uma existência de
fato. Como pontua Lacan (1966-1967/2000), a existência lógica tem um outro estatuto, um
estatuto ligado ao manejo do significante, a um ser falante determinado como sujeito.
O sujeito não é, portanto, da ordem do natural, não tem um estatuto biológico, mas,
sim, lógico. Estatuto que só pode ser pensado pela inoculação do significante no real do corpo,
que produz uma divisão por dentro, uma partição do corpo na qual o sujeito perde uma libra de
carne, perde parte de si, que é entregue, cedida ao Outro. A parte que cai descola do sujeito
como objeto perdido e faltoso por excelência.
A constituição do sujeito relaciona-se a prematuridade do bebê humano; a criança, que
nasce no desamparo radical, precisa ser tomada por um outro que alimente e cuide dela,
restando-lhe o grito como meio de mostrar algum desconforto. Este é interpretado pelo outro
como fome, dor, sono, ou seja, é nomeado. Diante do grito, alguém vem em socorro do bebê e,
de alguma forma, o conforta. Toda vez que sentir qualquer desconforto, terá que gritar, pedir,
demandar ao outro que olhe e cuide dele. Dessa forma, o bebê se assujeita à linguagem como
meio de salvação.
Freud (1950[1985]/1989) salienta que essa primeira experiência de satisfação deixa
marcas no psiquismo de tal forma que, cada vez que algum desconforto se presentifica, o bebê
tenta resgatar tal experiência por uma via alucinatória. Por não se saciar, o bebê chora, clama o
outro de alguma forma. Porém, essa primeira experiência não é totalmente representada, algo
dela se perde, há um resto que persiste sem representação e se constitui como ponto de furo de
onde o desejo pode advir.
Neste ponto, podemos debruçar-nos sobre duas questões: qual o preço a se pagar por
esse assujeitamento ao campo do Outro, por essa artimanha para lidar com o desamparo? Qual
10
o lugar desse resto, que permanece inaudito, mas que silenciosamente se diz na constituição do
sujeito?
Lacan diz de um assujeitamento ao campo do Outro, grande Outro, escrito com
maiúscula, para aferir que esse Outro, ao qual todo ser falante se assujeita, está para além do
outro semelhante e remete a um campo que nos circunda mesmo antes do nosso nascimento, o
campo da linguagem, campo que vige no mais exterior e no mais interior de nós mesmos.
Somos ditos na linguagem e somos convocados a dizer, a balbuciar, a demandar que
alguém venha em nosso socorro e nos tome como semelhante. Assim, em um primeiro
momento, somos tomados por um outro semelhante que encarna para nós esse campo ao qual
ele também está assujeitado, tomando emprestado do reino das palavras os significantes que
nos determinam e nos marcam, a começar pelo nome próprio.
Algo do Ser, mítico, precisa se alienar a isso que é dito pelo Outro, para que
possamos nos constituir no campo do Outro, no campo do humano, das trocas e intercâmbios
sociais. Precisamos dizer para driblar o desamparo e, ao mesmo tempo, é a própria linguagem
que nos aponta para ele. Porém, como Freud salientava, algo indica o real do não-senso, ao
qual todos estamos submetidos; algo vem nos lembrar que somos além das nossas
identificações, que, por mais que tentemos nos safar, algo subsiste, mostrando o real da “falta-
a-ser”, via de desancoramento e de possibilidades.
É por esse hiato no sentido que o desejo pode presentificar-se, desejo aqui pensado
como isso que nos move em direção a algo que falta, por haver um impossível de saturação.
Ainda que muitos objetos venham a ocupar esse lugar, e nos coloquemos das mais diversas
formas a buscá-los, não há efetivamente o objeto do desejo. Esse objeto falta, vem como causa
de desejo e, para causá-lo, tem que estar em ausência, não mais ao alcance, mas em outro
lugar, deslocando-se metonimicamente numa cadeia significante infinita.
Lacan designou esse objeto causa de desejo como objeto a. Esse objeto é apontado por
ele (1964/1998) como possibilitador da operação de separação que, juntamente com a
alienação, opera na constituição do sujeito. Se nos alienamos ao Outro como via de salvação,
precisamos dele nos separar para constituir nosso próprio desejo ainda que seja para desejar o
desejo do Outro.
Nessa lacuna aberta entre o sujeito e o Outro, nesse ponto de não-recobrimento do
sentido, é que o sujeito pode questionar o que é dito por esse Outro, não tomando sua fala
11
como verdade sobre seu Ser. Surge, então, a pergunta: “o que o Outro quer de mim?” Pergunta
de vital importância, pois indica certo descolamento do dito do Outro, possibilitando construir
algo de particular a partir desse enigmático desejo que o funda, o torna sujeito. Implica,
portanto, uma dimensão de separação.
O sujeito constrói, como resposta a essa questão, sua fantasia, uma tessitura
significante que visa responder ao desejo do Outro, ou seja, interpretar e fornecer uma resposta
ao seu desejo. Fantasia essa que articula sujeito e objeto a ($a) e que é construída e
atravessada em análise.
Deparamo-nos com as seguintes questões, que norteiam este trabalho: o que é o sujeito
para a psicanálise? Como ele se constitui? Qual a sua relação com o campo do significante,
que o marca e funda? Qual a relação do sujeito com o objeto a, resto que se constitui como
causa de desejo e operador de gozo e que mantém um entrelaçamento com o sujeito na
fantasia? Qual a relação entre as operações de alienação e separação e as dimensões do
significante e do objeto? Que divisão é essa que se instaura no sujeito? De que falta se trata
quando abordamos esse sujeito como barrado, faltoso? Essa constituição mantém alguma
relação com a clínica analítica e sua estruturação?
No percurso da pesquisa, a princípio, demos ênfase à demarcação do campo simbólico,
uma vez que é pelo Outro que algo do sujeito pode advir. Porém, nem tudo esno campo do
Outro, da linguagem. Algo escapa a toda representação, vindo assinalar que há um ponto do
Ser que não se captura pelo significante. Alguma coisa escapa a toda representação, dando
lugar a um mais além do que é dito, do que pode ser circunscrito pelo Outro, o que nos relança
à dimensão do objeto a.
Abordamos, assim, no primeiro capítulo, o texto freudiano de 1895, “Projeto para uma
psicologia científica”, no qual ressaltamos a dimensão de desamparo do recém-nascido, que
precisa ser tomado por um outro como meio de sobrevivência e imersão na cultura. E que,
além disso, tem, nesse contato com o outro, o fundamento de seu psiquismo, já que nessa
relação a inscrição, em um momento mítico, de um primeiro traço, de uma marca psíquica,
que se inscreve fazendo contorno ao vazio do objeto perdido e que inaugura a cadeia
significante.
Demarcamos os diferentes estatutos que Lacan confere a esse outro, enfatizando a
constituição do sujeito em sua relação com o significante, tal como é evidenciada pelo grafo
12
do desejo, construído nos seminários As formações do inconsciente (1957-1958/1999) e O
desejo e sua interpretação (1958-1959/2002) e no texto dos Escritos, “Subversão do sujeito e
dialética do desejo no inconsciente freudiano” (1960/1998), com o intuito de assinalar a
alienação fundamental do sujeito ao campo do simbólico, alienação que subverte a natureza
o que era simples grito, balbucio em demanda, implicando um direcionamento ao Outro e
um acolhimento dos significantes que partem dele.
Em seguida, a partir do seminário A angústia (Lacan, 1962-1963/2005), abordamos as
cinco etapas que evidenciam a extração do objeto a na relação do sujeito com o Outro, da qual
emerge como resto, suporte de toda e qualquer função da causa, evidenciando, assim, a
determinação do campo do real na constituição do sujeito. Determinação essa que pode ser
pensada a partir de um Outro faltoso, barrado, que possibilita o advento de um sujeito
desejante.
Ressaltamos esse objeto como “libra de carne”, parte de si que o sujeito tem que ceder
ao Outro, como via de se inscrever na demanda e se posicionar diante dela. A inoculação
significante no real do corpo promove sua partição, donde se destacam as zonas erógenas, vias
que nos permitiram pensar a erogenização do corpo pelo Outro, e, concomitantemente, esse
corpo como pulsional, uma vez que aloja o gozo que não se inscreve nas malhas significantes.
No segundo capítulo, enfocamos as operações de alienação e separação como uma via
de articulação entre significante e objeto na constituição do sujeito. Inicialmente, abordamos
essas operações como descritas por Lacan no seminário Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise (1964/1998) e no texto contemporâneo dos Escritos, “Posição do inconsciente no
Congresso de Bonneval” (1964[1960]/1998). A alienação, operação que se via significante,
nos é apresentada como uma escolha forçada entre “o ser ou o sentido”, opção que porta um
fator letal, estando uma perda irremediavelmente implicada. A separação só pode advir porque
o significante não significa a si mesmo, promovendo um relançamento constante a um outro
significante, ou seja, o campo do Outro não representa o sujeito, configurando-se como
faltoso, o que descortina o objeto a, estopim da separação, que possibilita o advir do desejo e
convoca o sujeito a nele engendrar-se.
Destacam-se duas faltas: uma falta do lado da alienação, em que o sujeito advém como
dividido, repartido entre os significantes, não havendo nenhum significante que o defina; e
uma segunda falta, do lado da separação, que evidencia que não há um objeto que responda ao
13
desejo e que o satisfaça de modo que o gozo é sempre parcial. O sujeito, localizando-se no
campo pulsional, está sempre aquém da satisfação suposta, havendo sempre um relançamento
do objeto, o que possibilita a circulação do desejo e do gozo.
Nesse momento de seu ensino, Lacan parece demarcar uma antecedência lógica da
alienação com relação à separação, embora a queda do objeto a, que advém com a separação,
sempre estivesse presente, que o Outro é um campo faltoso por excelência. Isso porque é
nas falhas do discurso do Outro que a criança pode capturar um ponto de falta, ou seja, é no
intervalo significante que algo do desejo do Outro pode advir.
Visando melhor averiguar as operações de alienação e separação, tomamos o seminário
La lógica del fantasma (1966-1967/2000), no qual Lacan as apresenta sob um novo prisma.
Ele promove uma subversão do cogito de Descartes, e é por meio dela que nos fala dessas
operações. Com essa subversão, esclarece que Ser e sentido estão perdidos na inscrição
mesma do significante. Inscrição que pode se dar porque o suposto objeto de satisfação
foi perdido, instaurando a cadeia significante que faz contorno à “Coisa”. Assim, podemos
falar dessas operações com a queda do objeto e o posterior retorno significante sobre o objeto
perdido de modo a fundar o psiquismo.
Assim, alienação e separação inscrevem-se como dois processos indissociáveis, que
configuram-se no a posteriori e que se entrelaçam na fantasia fundamental. A fantasia, ao se
constituir como uma frase que se institui como cifra de gozo, articula inconsciente e Isso,
desejo e pulsão, sujeito e objeto. Em seu enunciado, o sujeito não é agente, mas comparece
identificado ao objeto a, objeto que ele se faz para o Outro. Lacan, no referido seminário,
retoma a afirmativa freudiana: “onde Isso estava o sujeito deve advir”, esclarecendo que,
nisso que era pura satisfação pulsional, o sujeito deve advir como agente, tecendo algo do
objeto que ele é para o Outro, ainda que para incidir como dejeto, resto, responsabilizando-se
por esse objeto que ele é.
O analista é esse que convoca o sujeito ao trabalho de construção da sua fantasia,
levando-o a apropriar-se de sua história e a responsabilizar-se por ela. Construção que passa
por uma destituição do que, para o sujeito, tem consistência de Ser, para que, como via de
desancoramento e de possibilidades, possa advir a falta-a-ser, que o inconsciente vem
desvelar, e o objeto a, como ponto de partida da estrutura e causa de desejo. Esse incidir do
sujeito como objeto acontece por uma análise levada ao seu fim, que faz advir um analista,
14
como esse que se coloca como causa de desejo para o seu analisante e suporte para os seus
investimentos.
Pela lógica da fantasia e pelo percurso de uma análise, temas circunscritos no terceiro e
último capítulo, podemos constatar que a constituição do sujeito, que se faz via significante e
objeto, não remete apenas a uma origem lógica, mas a uma constante atualização que perpassa
toda a relação do sujeito com o Outro, e logo com o analista, conferindo suas bases ao modo
como a clínica psicanalítica se estrutura.
A fantasia fundamental, constituída por uma frase com valor de axioma, desvela a
alienação ao significante, ao dito do Outro, assim como a alienação ao gozo, introduzida por
Lacan no A lógica Del fantasma (1966-1967, 2000). O sujeito fixa, por sua fantasia, uma
posição frente ao desejo e ao gozo do Outro, colocando-se como objeto para ele. O sujeito está
ausente em seu axioma, está identificado ao objeto, em uma suposta consistência que visa
tamponar a opacidade do desejo do Outro. Porém, “onde Isso era” pura satisfação pulsional, o
sujeito deve advir, responsabilizando-se pelo objeto que ele se fez para o Outro.
Ao longo de uma análise, o sujeito se responsabiliza por sua posição e põe-se a tecer, a
apropriar-se de sua história. Porém, Lacan (1967-1968/s.d.) assinala que um processo de
análise não termina ai. Não basta que o sujeito do inconsciente advenha, é preciso um retorno
sobre o objeto, não mais objeto que tampona o desejo, mas objeto causa, dejeto da relação
com o Outro, e ponto irredutível da estrutura.
O seminário O ato psicanalítico (1967-1968/s.d.) é dedicado ao psicanalista. Nele,
Lacan esclarece que o analista é esse que se coloca como objeto causa de desejo para o
analisante, posição que não passa pela via do conhecimento, mas que é fruto de uma análise
levada ao seu fim. Assim, “onde o Isso estava o analista deve advir”, em um movimento de
retroação sobre a cadeia significante e o objeto a.
Por fim, concluímos que podemos falar de constituição do sujeito, em sua origem
lógica, ao considerar o embricamento entre objeto a, traço e temporalidade. Aqui, insere-se
um outro tempo que não o cronológico, tempo lógico, tempo do “só depois”, que está em jogo
na constituição do sujeito e em toda operação analítica. E é nessa temporalidade que nos cabe
pensar o entrelaçamento entre significante e objeto a.
É por essa temporalidade, que rege o inconsciente, que o analista, com sua
interpretação – que se faz ouvir via transferência –, pode promover um novo ligamento dos
15
significantes da cadeia, de modo a ressignificar o que estava engessado. Processo que desvela
o objeto a como ponto inaugural da estrutura e que concerne ao analista como aquele que
“perde o fio” e, sem direção, possibilita o advir do objeto.
1. CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: OUTRO E OBJETO a
1.1. Sujeito e Outro: o campo do simbólico
O significante produzindo-se no campo do Outro faz surgir o sujeito de sua
significação. Mas ele funciona como significante reduzindo o sujeito em instância
a não ser mais do que um significante, petrificando-o pelo mesmo movimento que o
chama a funcionar, a falar como sujeito (Lacan, 1964/1998, p. 197).
O saber e a prática analítica não se direcionam a uma pessoa ou a um indivíduo na
suposta unidade, continuidade e singularidade que esses conceitos implicam. A psicanálise
aborda o que designamos sujeito, ou seja, o humano como sujeito ou assujeitado ao
inconsciente, ao Outro. Um sujeito subvertido e dividido pela linguagem e pela parcialidade
da pulsão, que Lacan tenta resgatar em seu ensino para que a clínica psicanalítica siga a
direção que foi dada por seu fundador, Freud: a direção do inconsciente.
Para situar a origem desse sujeito, abordaremos o que Freud designa de primeira
experiência de satisfação, esta suposta, definida como aquela que em um “momento” mítico
funda o aparelho psíquico, priorizando o papel de um outro,
1
para que tal experiência se dê.
Posteriormente, veremos os diferentes estatutos e desdobramentos que Lacan a esse outro,
seja em sua dimensão imaginária, no estádio do espelho, seja em sua dimensão simbólica,
verificada na vivência do complexo de Édipo.
No texto “Projeto para uma psicologia científica” (1950[1895]/1989), Freud afere uma
primeira experiência de satisfação como fundadora do aparelho psíquico. Experiência essa que
o bebê humano, lançado no desamparo pela sua prematuridade motora e simbólica, faz no
encontro com o outro, do qual depende não somente a satisfação de suas necessidades, mas
também a sua entrada no discurso, o que Freud indica ao dizer que, além da necessidade, há “a
importantíssima função secundária da comunicação” (p. 370).
É essencial a figura do outro auxiliador, já que, diante de um estímulo interno, é
impossível ao bebê alguma ação que o aplaque. De acordo com Freud, “o organismo humano
1
O termo “outro”, quando referido ao texto freudiano, destina-se a significar aqueles que primeiro se ocupam dos
cuidados com o bebê, lugar geralmente, mas não necessariamente, encarnado pela mãe.
17
é, a princípio, incapaz de promover essa ação específica. Ela se efetua por ajuda alheia,
quando a atenção de uma pessoa experiente se volta para um estado infantil” (p. 370: grifos do
autor). É do encontro com o outro que advirão as primeiras experiências de satisfação do bebê,
que inauguram as inscrições psíquicas e a memória inconsciente. A partir desse momento, a
própria necessidade passa por um novo percurso, numa tentativa de retorno do objeto que
produziu a primeira satisfação, como modo de voltar a atingi-la, promovendo, assim, uma
alucinação do objeto. É importante destacar que essa primeira experiência de satisfação é um
construto lógico, mítico, um postulado necessário a Freud para pensar a constituição do objeto
como faltante e sua consequente busca da parte do sujeito. Nesse sentido, Freud situa no
semelhante a primeira apreensão da realidade pelo sujeito, o primeiro objeto de satisfação, o
primeiro objeto hostil, assim como o único poder auxiliar. Esse é o “complexo do próximo”,
sendo por meio de seus semelhantes que o humano pode reconhecer-se. Ele se divide em dois
componentes, um que se inscreve como traço de memória e outro que permanece inassimilável
como “Coisa” (p. 384), das Ding
2
.
Aqui, se instaura uma primeira divisão do aparelho psíquico. De um lado, temos o
que foi representado, ou seja, o que do outro se inscreveu via significante no inconsciente; e o
que se perdeu, o que resta inassimilável à estrutura e que, no entanto, coloca em movimento o
aparelho. Lacan (1959-1960/1998) destaca que esse inassimilável, ponto não apreendido do
Outro se constitui como vazio em torno do qual giram as representações psíquicas, à procura
de um reencontro do objeto original, perdido por excelência. A busca do objeto se refere
também a uma tentativa de reencontro da satisfação perdida, de uma suposta completude. De
acordo com o autor:
É claro que o que se trata de reencontrar não pode ser reencontrado. É por
sua natureza que o objeto é perdido como tal. [...] O mundo freudiano, ou
seja, o da nossa experiência comporta que é esse objeto, das Ding, enquanto
Outro absoluto do sujeito, que se trata de reencontrar. Reencontramo-lo no
máximo como saudade. Não é ele que reencontramos, mas suas
coordenadas de prazer (p. 69).
2
No seminário A ética da psicanálise (1959-1960/1998), Lacan diferencia sache e das Ding, duas palavras em
alemão que designam “coisa”. Esclarece que “sache é justamente a coisa, produto da indústria ou da ação
humana enquanto governada pela linguagem” (p. 61), referida ao simbólico, enquanto das Ding é o “primeiro
exterior, é em torno do que se orienta todo o encaminhamento do sujeito” (p. 69), é núcleo real, não-simbolizável,
em torno do qual a cadeia significante se estrutura. Com isso, destaca que “a Coisa” freudiana é das Ding, objeto
perdido, pivô da estrutura, do qual se trata de reencontrar.
18
Trata-se, portanto, de um exterior ao significante em torno do qual essa dimensão se
organiza e se move. Mas tal objeto nunca foi de fato possuído pelo sujeito, que a própria
inscrição significante barra o encontro com o objeto. O que se tem é sempre a representação
deste, um reinvestimento em sua imagem mnêmica, o que implica um ponto de inassimilável,
não resgatável pelo sujeito.
Freud aponta a importância do outro como única possibilidade de sobrevivência do
recém-nascido e como aquele que promove a inscrição desse último na cultura. Lacan enfatiza
que, para além dessas dimensões, o outro é fundamental para que o sujeito se constitua,
ressaltando esse outro em sua dimensão imaginária e simbólica.
Em “O estádio do espelho como formador da função do eu, tal como nos é revelada na
experiência psicanalítica” (1949/1998), assim como Freud, Lacan demarca que o recém-
nascido tem seu organismo marcado pelos sinais de mal-estar e falta de coordenação motora
nos meses neonatais, aferindo que ele se experimenta como um corpo despedaçado, sem
significação, dividido, de modo que as supostas unidade e identidade corporais precisam ser
alcançadas, o que é possível na relação com o Outro
3
. Nesse momento de primazia do
imaginário, destaca-se o outro como semelhante, como igual, donde, como salientado por
Freud, o sujeito pode reconhecer-se.
É interessante notar que, embora o recém-nascido seja marcado pela prematuridade
neuronal e motora, desde muito cedo e diferentemente de outros animais, ele consegue
reconhecer sua imagem no espelho. Lacan esclarece que esse fato tem como função básica a
construção da unidade corporal e do eu.
O estádio do espelho dá-se em três tempos. Inicialmente, posicionada diante do
espelho, a criança percebe a imagem do seu corpo como uma realidade, como um outro
exterior a ela, não havendo uma distinção clara entre ela e o outro. Em seguida, a criança
descobre que o outro do espelho não é uma realidade, mas uma imagem. Por fim, a criança,
com júbilo, reconhece e assume essa imagem refletida como sendo a dela, o que é possível
3
Designado grande Outro, escrito com O maiúsculo, em detrimento do pequeno outro, outro semelhante,
indicado com o minúsculo. Esse é também indicado por A maiúsculo, para preservar sua escrita em francês,
Autre. no seminário sobre O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (Lacan, 1954-1955/1992),
encontramos esta distinção: “há dois outros que se devem distinguir, pelo menos dois – um outro com A
maiúsculo e um outro com a minúsculo, que é o eu. O Outro, é dele que se trata na função da fala” (p. 297).
19
se um Outro que a aponte e a autentique. Nessa situação, a criança se volta para o adulto
“como que para invocar seu assentimento, e depois retorna à imagem; ela parece pedir a quem
a carrega, e que representa aqui o grande Outro, que ratifique o valor dessa imagem” (Lacan,
1962-1963/2005, p. 41). De forma que o Outro, com sua autenticação simbólica, é quem
coloca o corpo da criança em destaque e o submete a si.
Freud (1914/1989) esclarece que o ideal do eu dos pais é projetado sobre a criança, de
modo que esta é concebida por eles como “sua majestade o bebê”, ou seja, como dotada de
atributos que são da ordem de uma suposição como conjeturar uma palavra, um
endereçamento no que é um simples som, uma intenção em um movimento desordenado do
corpo –, que vem antecipar as aquisições da criança. Tal imagem construída e apontada pelos
pais, ou por aqueles que estão nesse lugar, é constitutiva, vindo se superpor ao corpo ainda
fragmentado do bebê, possibilitando sua unificação e o surgimento do eu. Ao reconhecer sua
imagem no espelho, a criança antecipa imaginariamente a forma total de seu corpo e se
identifica com ela. Por meio dessa identificação, ocorre uma assunção da unidade do corpo,
até então indiferenciado do mundo externo e vivido como fragmentado. Concomitantemente, o
corpo em sua unidade torna-se objeto de investimento libidinal, de modo que, pela imagem
especular, o eu emerge cindido entre eu real e eu ideal.
O eu ideal corresponde “à perfeição narcísica vivida pelo eu real na infância”
(Fernandes, 2000, p. 86), à perfeição e a todos os demais atributos projetados pelos pais sobre
o bebê. Constitui-se, por conseguinte, por intermédio da imagem especular, da imagem do
outro projetada sobre a criança. Não depende necessariamente de um espelho concreto, mas da
imagem de um semelhante, que, ao tomar a imagem de um outro como a própria, a criança
se identifica, construindo para si alguma consistência imaginária. O eu ideal é o outro
especular do eu real e funciona como ponto de apoio às demais identificações. Ao identificar-
se com o eu ideal, a criança identifica-se com um duplo de si mesma, com uma imagem que
não é ela própria, mas que lhe permite reconhecer-se. De modo que “aqui se insere a
ambiguidade de um desconhecer essencial ao conhecer-me” (Lacan, 1960/1998, p. 823), pois
o que vem ao encontro do sujeito é a sua imagem antecipada no espelho, seu outro imaginário,
um duplo fora dele.
O eu, como construção imaginária, mascara sua duplicidade, aparentando à consciência
uma existência e unidade, que não passam de miragem. Ele se faz numa exterioridade com
20
relação ao outro, o “que prefigura sua destinação alienante” (Lacan, 1949/1998, p. 98).
Todavia, o eu, para além dessa miragem cativante, que é a imagem do corpo próprio no
espelho, é definido em função da relação simbólica, no que o sujeito encontra não só a
imagem do outro semelhante, mas a “matriz simbólica” (p. 97) que o circunda, encarnada pelo
semelhante que ganha, para o sujeito, o estatuto de Outro.
Porém, esse Outro que olha para a criança e a nomeia, indicando-lhe um lugar, também
olha para uma outra direção, remetendo a um ausente e ao enigma do desejo do Outro, o que é
evidenciado no momento lógico do complexo de Édipo. Todavia, antes de nos determos no
complexo de Édipo, utilizaremos o grafo do desejo construído por Lacan nos seminários As
formações do inconsciente (1957-1958/1999) e O desejo e sua interpretação (1958-
1959/2002) e no texto dos Escritos, “Subversão do sujeito e dialética do desejo no
inconsciente freudiano” (1960/1998), como instrumento para abordar a constituição do sujeito
a partir da relação do “ser vivente”
4
com o Outro. Nesse grafo, Lacan dispõe em patamares a
estrutura dos dados da experiência, situando o desejo com relação a um sujeito definido por
sua articulação com o significante.
Primeiramente, Lacan (1957-1958/1999) aborda a relação da cadeia significante com a
cadeia de significados, que consiste em um deslizamento incessante do significante sobre o
significado, que só pode ser interrompido por um ponto de basta, no qual significante e
significado vêm se atar, produzindo, assim, a significação. Lacan retira da técnica do estofador
a imagem do ponto de estofo ou capitoné, que consiste no ponto em que é feita uma tessitura,
de modo a prender os tecidos utilizados no estofamento, dando um basta ao deslizamento
constante de um sobre o outro, metáfora utilizada por Lacan para esclarecer o que se no
discurso.
Ao considerar a função sincrônica da frase, Lacan observa que ela tem sentido no
tempo; sua significação se fecha retroativamente após seu último termo, após a pontuação,
quando um significante, retroativamente, sentido aos outros. Daí, decorre que aquele que
fala não sabe o que diz, sendo cada termo antecipado na construção dos demais, de forma que
a cadeia significante se desenrola para além da consciência do que tenciona dizer.
4
O termo “ser vivente” é utilizado para designar o recém-nascido em um momento lógico, mítico, anterior à
inoculação significante, tempo anterior à constituição do sujeito, em que apenas o ser, situado no campo do
vivo, e não no campo do Outro, razão pela qual este é também designado “organismo vivo”.
21
Para esclarecer esse funcionamento, reproduzimos a seguir o grafo
5
apresentado por
Lacan no seminário As formações do inconsciente (1957-1958/1999, p. 17):
Essa é a célula elementar, elemento de base constitutivo do grafo. O registro do a
posteriori é presentificado pelo sentido retrógrado do vetor () dos significados, que segue da
direita para a esquerda, enquanto a linha que o atravessa se refere à cadeia significante, com
seus efeitos de metáfora e metonímia. A linha dos significados refere-se ao discurso corrente,
no qual está integrado certo número de pontos de referência e de coisas fixas. No
mencionado seminário, referindo-se aos dois vetores, Lacan ressalta:
A linha do discurso corrente, tal como é admitido no código do discurso [...],
é o nível em que se produz o mínimo de criações de sentido, uma vez que
nele o sentido está como que dado. [...] Esse discurso consiste apenas
numa mistura refinada dos ideais comumente aceitos. [...] É o discurso que se
pode gravar num disco, ao passo que a primeira [linha dos significantes] é
tudo que isso inclui de possibilidades de decomposição, de reinterpretação,
de ressonância e de efeitos metafóricos e metonímicos. Uma vai no sentido
inverso da outra, pela simples razão que uma desliza sobre a outra (p. 19).
Lacan parte do grafo citado para articular significante e sujeito, o que é evidenciado no
grafo a seguir, presente nos Escritos (1960/1998, p. 819):
5
Reproduzimos no decorrer do texto cinco diferentes grafos, que buscam acompanhar a construção topológica do
“grafo do desejo” modo como ficou conhecido. Todos são apresentados por Lacan em diferentes textos, que
serão indicados; porém, a ordem em que foram disponibilizados, no presente trabalho, foi por nós estabelecida.
22
SS’ vetor dos significantes (cadeia
significante)
∆→$ vetor dos significados (discurso
corrente)
ser vivente (organismo vivo, intenção
mítica)
$ sujeito barrado pela inoculação
significante
Lacan localiza o sujeito no vetor do significado. Porém, ele se constitui no encontro
com a cadeia significante. A cadeia significante (vetor SS’) é interpelada pelo ser vivente
(), que sofre uma subversão de natureza, transfigurando o que é do plano da necessidade, do
instinto, em desejo e pulsão, advindo daí um sujeito.
Como pontua Zizek (1992), no ponto de basta, o sujeito é costurado ao significante,
sendo esse o ponto de subjetivação da cadeia. Os significantes estão em estado flutuante, com
uma significação ainda não fixada, de modo que vão se sucedendo até o ponto em que a
intenção mítica cruza a cadeia significante, processo contingente de produção retroativa de
significação, que detém o deslizamento, ressignificando aquela que seria uma simples intenção
mítica que parte de . Pelo efeito de retroversão, o sujeito advém percebido como aquele que
sempre existiu, que estava ali desde o começo.
Parte, assim, do ser vivente, indicado por , um grito ou um balbucio que, fazendo sua
aparição num mundo mediado pela linguagem, é interpretado como uma demanda, ou seja, um
pedido endereçado ao Outro. O sentido dado pelo Outro retorna ao sujeito, ressignificando o
que partiu dele como simples som e evidenciando a dimensão do a posteriori.
É relevante notar que um universo cultural e simbólico que antecede aquele que é
trazido à vida. Porém, para que a criança se aproprie desse universo, é necessário que um
outro semelhante, a mãe ou aquele que ocupa esse lugar e função, encarne o campo da
linguagem para a criança, dando-lhe voz, para que possa se fazer ouvir. Essa voz confere um
nome e diversos adjetivos que servem de referenciamento para a criança e que, mais do que
palavras, vêm indicar o seu lugar no desejo do Outro.
23
Esse Outro ganha um novo estatuto, não mais como outro semelhante, do qual
sobressai a imagem, mas como Outro da linguagem, que porta um saber e uma verdade. A
passagem do jogo especular ao significante exige o lugar do Outro, que não é o semelhante,
mas o Outro da linguagem. De acordo com Lacan (1960/1998), “o significante exige um outro
lugar o lugar do Outro, o Outro-testemunha, o testemunho Outro que não qualquer de seus
parceiros para que a fala que ele sustenta possa mentir, isto é, colocar-se como Verdade” (p.
822). Isso porque o sujeito falante está para além da imagem ou, pura e simplesmente, da
palavra. Conforme Lacan (1957-1958/1999):
Quando um sujeito falante, não como reduzir a um outro,
simplesmente, a questão de suas relações como alguém que fala, mas
sempre um terceiro, o grande Outro, que é constitutivo da posição do sujeito
enquanto alguém que fala, isto é, também como sujeito que vocês analisam
(p. 186).
Há, portanto, um Outro exterior ao sujeito, que tece sua história muito antes que ele
mesmo possa se apropriar da língua e que diz a esse que nasce sem identidade qual o seu nome
e seu lugar, conferindo-lhe diversos significantes que funcionarão como referência para a sua
constituição subjetiva.
Nesse sentido, cabe destacar que os significantes não são apenas palavras. Eles portam
uma dimensão material enquanto marca psíquica. Lacan extrai o conceito de significante do
linguista Ferdinand Saussure (2004), que o define como um representante gráfico, ou uma
imagem acústica. O significante implica, por conseguinte, a dimensão sonora, sem se resumir
a ela, que está em jogo a imagem, a representação gráfica, a inscrição que aquele som
produz.
Lacan, introduzindo a dimensão do sujeito, não nos fala de um representante gráfico,
mas de um representante psíquico. Traço que, inscrito no inconsciente, não porta sentido
algum, podendo se atrelar aos mais diversos significados. Elucida que “um significante é o que
representa um sujeito para um outro significante” (1964/1998, p. 197), de forma que o
significante está sempre em cadeia, relançado a um outro. Relançamento que tenta
circunscrever, representar algo do sujeito. Entretanto, o sujeito, em sua evanescência, não
pode ser capturado, mesmo com o desdobramento infinito da cadeia.
24
Daí, depreende-se que um significante se constitui na diferença, em oposição a um
outro, tal como “dia” faz sentido em oposição à “noite” (Lacan, 1955-1956/1999, p. 192),
produzindo, portanto, alguma significação na cadeia, em elo com os demais significantes
dispostos na série. O sujeito é, então, representado por um significante a outro, sendo,
consequentemente, o que da cadeia de significantes se depreende em constante deslocamento.
É importante ressaltar que, se, em um primeiro momento, Lacan se refere ao Outro
como “Outro absoluto” (1955-1956/1999, p. 286), “tesouro dos significantes”, “companheiro
de linguagem”, “código” (1957-1958/1999, p. 17), como aquele que porta um saber e uma
verdade em si, no seminário As formações do inconsciente (1957-1958/1999), ele subverte
isso ao indicar que no Outro uma ausência, uma hiância, apontando um para além do
significante e extraindo daí consequências, o que será posteriormente abordado.
Salientamos, então, que, no encontro do ser vivente com a cadeia significante, este é
subvertido em sujeito. Sujeito que, inoculado pelo significante, toma o Outro como
referencial, de modo que não há mais ser vivente (), mas um sujeito ($) de onde parte a
demanda. Isso é evidenciado no grafo seguinte, reproduzido dos Escritos (Lacan, 1960/1998,
p. 822):
$ - Sujeito barrado
A – Outro
s(A) – significado do Outro, mensagem
mmoi, eu especular
i(a) – imagem especular (do outro)
I(A) – Ideal do Outro, Ideal do eu
Nesse grafo, as duas linhas que se interceptam designam algo que é puramente
significante. Trata-se, aqui, de duas funções apreensíveis numa sequência significante: uma se
refere ao Outro e a outra ao sujeito. O primeiro ponto “é o lugar do tesouro dos significantes”
(Lacan, 1960/1998, p. 820), lugar do Outro, A. O segundo ponto, demarcado por s(A)
significado do Outro, ou M, mensagem – conota a pontuação, onde a significação é produzida,
25
levando a significar uma frase, retroativamente, desde sua origem, fechando, assim, o circuito.
Enquanto A é um lugar (o lugar da linguagem), s(A) é uma escansão, um corte no discurso,
que produz uma determinada significação, que “é preciso que em algum ponto, com efeito,
o tecido de um se prenda ao tecido do outro, para que saibamos a que nos atermos” (Lacan,
1957-1958/1999, p. 15).
Essa última sequência se refere ao sujeito, uma vez que ele é constituído pelo
significante. Ele se desloca na cadeia de significantes que vem do Outro; todavia, não se trata
de quaisquer palavras que estejam no código, e, sim, daquelas que marcam o sujeito e, logo, se
instituem como significantes para ele. Assim, essa sequência diz não da palavra inscrita no
código, mas do modo como o sujeito pode costurar a ela uma significação, ou seja, da forma
como a entonação, a expressão, dentre outras sutilidades que podem funcionar como
pontuação, foram capturadas por determinado sujeito como o que ressignifica o que poderia
vir a ser apenas código. Trata-se dos significantes que servem de mensagem para o sujeito.
Mensagem de quê? Mensagem, pistas do desejo do Outro. Significados que o sujeito atribui a
esse desejo – que aparece via significante – e a partir dos quais constrói seu ideal.
Como exposto, nesse grafo o sujeito barrado é transposto da extremidade do vetor
(ver grafo da gina 22) para a sua partida. Isso porque, após o encontro com o Outro, não
mais um ser vivente, um organismo vivo, uma intenção mítica, como antes o vinha
indicar, mas um sujeito barrado pelo significante, em seu gozo e em sua significação.
Agora, é desse sujeito que parte o discurso, ainda que um discurso formulado a partir dos
significantes emitidos pelo Outro. Para Lacan (1958-1959/2002):
É na medida em que a criança se dirige a um sujeito que ela sabe falante, que
ela viu falando, que a penetrou de relações desde o princípio de seu despertar
para a luz do dia; é na medida em que alguma coisa que joga como jogo
do significante, como moinho de palavras, que o sujeito tem que apreender
muito cedo que está uma via, um desfiladeiro por onde devem
essencialmente inclinar-se as manifestações de suas necessidades para serem
satisfeitas (p.23).
A necessidade, ao entrar na dimensão da linguagem, é profundamente modificada em
sua ênfase. Ela é subvertida, tornada ambígua, o que resulta que, de sua passagem pelas
malhas significantes, advém o desejo. Ao se inscrever numa cadeia significante infinita, a
26
necessidade tem que se fazer demanda, que, como tal, é endereçada ao Outro. Daí, resulta que
toda satisfação passa pelo Outro, para além daquele que demanda.
“Que é a demanda? É aquilo que, a partir de uma necessidade, passa por meio do
significante dirigido ao Outro” (Lacan, 1957-1958/1999, p. 91). Ou seja, a necessidade, ao se
traduzir em significantes, é suspensa: o que se pede e o que é possível de se obter estão sempre
aquém da satisfação, de modo que:
Nada da demanda, desde que o homem entrou no mundo simbólico, pode ser
alcançado, a não ser por uma sucessão infinita de passos-de-sentido. O
homem [...] está fadado, em razão da captação de seu desejo pelo mecanismo
da linguagem, a essa aproximação infinita e nunca satisfeita, ligada ao
próprio mecanismo do desejo, que chamaremos simplesmente de
discursividade (p. 127).
Lacan, assinala, dessa forma, a grande novidade freudiana: o desejo, que deveria
passar, se ausentar, uma vez satisfeito, deixa não apenas vestígios, mas um circuito insistente.
Em suas palavras:
Quão disfarçada é essa novidade, que aparece não simplesmente na resposta
à demanda, mas na própria demanda verbal, esse algo original que
complexifica e transforma a necessidade, que a coloca no plano do que a
partir daí chamaremos desejo! O que é o desejo? O desejo é definido por uma
defasagem essencial em relação a tudo que é, pura e simplesmente, da ordem
da direção imaginária da necessidade necessidade que a demanda introduz
numa ordem outra, a ordem simbólica, com tudo que ela pode introduzir aqui
de perturbações (p. 96).
O desejo porta um traço indestrutível, sendo sustentado pela estrutura simbólica, que o
mantém numa certa circulação na rede significante, podendo ser concebido no circuito entre a
mensagem e o Outro, como aquele que metonimicamente se desloca na cadeia significante, em
constante movimento, ao estabelecer um circuito em torno da “Coisa”.
Para Lacan (1960/1998), “o desejo se esboça na margem em que a demanda se rasga da
necessidade” (p. 828), ou seja, a necessidade, ao se fazer significante, deixa um resto por se
inscrever, não-traduzível em demanda, ficando sempre uma parte de fora, deixando, portanto,
uma falha, um resto por se satisfazer, que move a economia psíquica. Daí, o desejo ser
definido por Lacan como a necessidade menos a demanda (d = N-D).
27
Desse modo, o mundo no qual o sujeito é incluído não é somente o ambiente onde se
satisfazem as necessidades, mas é um mundo onde impera a fala, que submete o desejo de
cada um à lei do desejo do Outro. E a primeira experiência que a criança tem do Outro é com a
mãe,
6
seu objeto primordial.
No grafo, inicialmente, a linha do discurso conta com um estoque muito reduzido de
significantes postos em ação, aos quais o sujeito articula alguma coisa. Isso se dá em dois
planos: o da intenção, ainda confusa, do sujeito que dirige seu chamado ao Outro, mobilizando
significantes ainda desordenados e pouco claros; e o do significante, que progride juntamente
com a intenção até atingir os cruzamentos A e s(A), que produzem um efeito retroativo na
frase que se fecha. De acordo com Lacan (1957-1958/1999), “a referência ao caráter tateante
da utilização primordial da língua da criança encontra aqui sua plenitude” (p. 95).
O chamado da criança se depara com a existência da mãe como Outro, que produz uma
mensagem, ou seja, o eu latente no discurso da criança vem constituir-se no nível do Outro
encarnado pela mãe. É na medida em que, como Outro, ela articula o objeto de seu desejo que
se produz em s(A) uma mensagem para a criança e, no vel metonímico, efetua-se a
identificação da criança com o objeto do desejo materno (como falo imaginário) numa
tentativa de sê-lo.
A criança, então, localiza-se como objeto do desejo da mãe e, como consequência, ela
é submetida a uma primeira lei, a lei da mãe, que se constitui no fato de a mãe ser um ser
falante, o que basta para dizer de uma lei. Porém, esta não é controlada e se sustenta no bem-
querer ou mal-querer da mãe, de modo que a criança se esboça como assujeito (Lacan,
1957-1958/1999, p. 195: grifos do autor), que a princípio ela experimenta a si mesma como
profundamente assujeitada ao capricho daquele de que depende.
Como questiona Lacan (1957-1958/1999), o que é necessário para que o sujeito possa
ler, para além da relação dual imagem à imagem, o que o Outro deseja de diferente dele? É
preciso que exista um para além da mãe, do qual ela dependa e que lhe permita certo acesso ao
objeto de seu desejo, designado falo, e em torno do qual circula a dialética da relação de
objeto, tal como é vivenciada pela criança na entrada no complexo de Édipo, que, conforme
Lacan, podemos estruturar em três tempos lógicos.
6
Não se trata necessariamente da mãe biológica, mas daquele que primeiramente se ocupa não dos cuidados
com a criança, mas de encarnar para ela o campo do Outro, conferindo-lhe alguma significação e um lugar no seu
desejo.
28
No primeiro tempo, que coincide com o terceiro tempo do estádio do espelho, o que a
criança busca é poder satisfazer o desejo da mãe, ou seja, ser ou não ser o objeto do desejo
dela. A criança introduz sua intenção nessa direção e, numa relação de captura imaginária, se
identifica especularmente com aquilo que é o objeto do desejo da mãe. No circuito imaginário,
dois pontos se articulam: o moi
7
(representado no grafo do desejo por m) e aquele que é o seu
outro (representado no grafo por i(a), imagem do outro), com o qual a criança se identifica.
Essa articulação é figurada no grafo pelo vetor i(a)m, que da imagem especular vai até a
constituição do eu. A identificação da criança com a imagem do outro possibilita a
constituição do eu e a colocação deste na posição de objeto satisfatório para a mãe, ou seja, na
posição de “ser o falo”.
Há, assim, um desejo de desejo, uma relação não com a mãe, objeto primordial, mas
com seu desejo. “Como conceber que a criança que tem o desejo de ser o objeto do desejo de
sua mãe atinja satisfação? Evidentemente, não há outro meio senão surgir do lugar do objeto
do desejo dela” (Lacan, 1957-1958/1999, p. 207). Portanto, a relação com a mãe não é
constituída de satisfações e frustrações, mas de uma descoberta do desejo dela e do objeto ao
qual ele se liga. Advém, desse modo, a função privilegiada do falo e a evidência de que, antes
mesmo que a linguagem seja elaborada no plano motor, no plano auditivo ou mesmo no
âmbito da compreensão, já há simbolização.
A criança não tem ligação apenas com o objeto que a satisfaz ou não. existe um
referenciamento triangular, uma vez que ela mantém relação não com aquilo que traz
satisfação à necessidade, mas, como citado, sua ligação é com o desejo do sujeito materno que
ela tem diante de si. Não é o objeto que ela situa, mas a si mesma ao se identificar ao falo,
objeto imaginário do desejo da mãe.
No segundo “momento” do Édipo, a criança percebe que a mãe se dirige a um terceiro,
ou seja, que seu desejo está voltado e submetido a um outro que não ela. O olhar da mãe, ao se
direcionar a um terceiro, indica à criança que seu desejo está para além dela e que esse
terceiro, que pode ser encarnado pelo pai, possui algo que a mãe não tem. Nesse contexto, a
criança é levada a se questionar sobre o que quer dizer as idas e vindas da mãe: “O que quer
essa mulher aí? Eu bem que gostaria que fosse a mim que ela quer, mas está muito claro que
7
Moi é uma expressão em francês utilizada por Lacan para designar o eu consciente, constituído a partir da
imagem especular, ou imagem do outro – i(a).
29
não é a mim que ela quer. outra coisa que mexe com ela é o x, o significado. E o
significado das idas e vindas da mãe é o falo” (Lacan, 1957-1958/1999, p. 181).
Na medida em que o desejo da mãe se volta para o pai, a criança descobre, como
pontua Dias (2009), “que o desejo da mãe é submetido à instância paterna, ou seja, que a mãe
é dependente do desejo do pai e, portanto, reconhece a lei do pai como mediatizando seu
próprio desejo” (p. 69). A criança abandona a posição de ser o falo da mãe, e o pai se
presentifica como sendo ele próprio o falo, já que ainda não é suposto ter o falo. É assim que o
desejo de “Outra coisa” faz sua entrada de maneira ainda difusa, permitindo à criança perceber
que “há nela [a e] o desejo de Outra coisa que não o satisfazer meu próprio desejo, que
começa a palpitar para a vida” (Lacan, 1957-1958/1999, p. 188).
A criança se desliga de sua identificação imaginária com a mãe na medida em que esta
é dependente de um objeto, que não é simplesmente o objeto de seu desejo, mas um objeto que
o Outro tem ou não tem. A mãe é arremetida a uma lei que não é a dela, mas a de um Outro, o
que faz com que o objeto do desejo da mãe seja soberanamente possuído por esse Outro, ao
qual ela se dirige, conferindo-lhe um lugar junto ao seu desejo: “o pai entra em jogo, isso é
certo, como portador da lei, como proibidor do objeto que é a mãe” (p. 193) e como portador
do falo enquanto objeto de desejo da mãe, objeto metonímico que circula na cadeia
significante.
Nesse segundo tempo do Édipo, a fala do pai intervém efetivamente no discurso da
mãe. E, nesse discurso, o pai aparece menos velado do que na primeira etapa, mas não
completamente revelado, já que intervém mediado pela mãe. O pai intervém a título de
mensagem para a mãe e, conforme Lacan, “essa mensagem não é simplesmente o Não te
deitarás com tua mãe, já nessa época dirigido à criança, mas um Não reintegrarás teu
produto, endereçado à mãe” (p. 209: grifos do autor). Essa mensagem chega até A, onde o pai
se manifesta como Outro
8
, abalando a criança em sua posição de assujeito, ou seja, “é na
medida em que o objeto do desejo da mãe é tocado pela proibição paterna que o círculo não se
fecha completamente em torno da criança e ela não se torna, pura e simplesmente, objeto do
desejo da mãe” (p. 210). Ou ainda:
8
É interessante destacar que, ao se referir ao pai como Outro, Lacan o ratifica como significante que instaura a
legitimidade da lei do cogito. O pai representa no Outro o Outro que alcance a lei. Nesse sentido, podemos
falar do pai como metáfora, como um significante que surge no lugar do significante materno, permitindo à
criança ir além do desejo da mãe, o que possibilita uma metaforização do objeto, o que inclui uma metaforização
de si mesma como esse objeto. Dimensão que será ainda abordada.
30
É na medida em que a criança é desalojada, para seu grande beneficio, da
posição ideal com que ela e a mãe poderiam satisfazer-se, e na qual ela
exerce a função de ser o objeto metonímico desta, que pode se estabelecer a
terceira relação, a etapa seguinte, que é fecunda. Nela, com efeito, a criança
torna-se outra coisa, pois essa etapa comporta a identificação com o pai (p.
210).
Dessa forma, o pai ascende do lugar de pai imaginário para o de pai simbólico ao ser
investido como aquele que supostamente tem o falo, pai que se destaca no terceiro tempo do
Édipo e do qual este depende para o seu “declínio” ou dissolução. Ao que Dias (2009)
ressalta:
O terceiro tempo do Édipo põe fim à rivalidade fálica em torno da mãe, na
qual a criança instalou-se imaginariamente, assim como ao pai. A passagem
do ser para o ter se dá com a constatação da criança de que o falo pode-se ter
e perder (incidência da castração), mas não se pode ser. [...] A criança é
forçada pela lei paterna a aceitar, não somente não ser o falo, mas também
poder não tê-lo, assim como a mãe. Na castração simbólica, o falo passa a
existir independente de um personagem e, para tal, é necessário o
reconhecimento da castração da mãe e de toda pessoa, inclusive o pai. [...] A
partir de então, mãe e filho estão sujeitos à lei do pai, lei que determina que a
mãe dependa de um objeto que ele – o pai tem e não tem. Se ambos
aceitam a lei paterna, a criança identifica-se com o pai, depositário do falo,
isto é, aquele que repõe o falo em seu devido lugar: como objeto desejado
pela mãe e que lhe falta; como objeto distinto da criança; e como objeto que
o pai tem e não tem, uma vez que também ele se submete à lei da castração,
instaurada na cultura. O falo é, dessa forma, elevado à condição de falo
simbólico (pp. 69-70).
O encontro do sujeito com a lei do pai possibilita a identificação significante, que
resulta no surgimento do ideal do eu [I(A)],
9
tal como está representado no grafo pelo circuito
$ i(a) mI(A). Há, então, uma identificação não mais à imagem, mas ao significante, que
vem traçar o Ideal que se apresenta ao eu, designando o que o sujeito prospecta para si, ângulo
pelo qual ele almeja ser visto pelo Outro.
9
Vale ressaltar que a identificação significante resulta não só no surgimento do ideal do eu, mas também
possibilita o aparecimento do supereu, caracterizado por Freud (1933[1932]/1989) como “coerção externa
internalizada” (p. 68), ou, ainda, “representante de todas as restrições morais, o advogado de um esforço tendente
à perfeição” (p. 72). O supereu é responsável por “manter o ideal” (p. 72), exigindo pesadamente do sujeito.
Assim, para Freud, o supereu se liga ao interdito e à moral paterna. Lacan (1972-1973/1985) acrescenta sua
vertente de gozo: “O supereu é o imperativo de gozo – Goza!” (p. 11).
31
Na medida em que o pai intervém como proibidor, o objeto do desejo da mãe ganha
uma dimensão simbólica como significante da falta. Assim, a identificação da criança com o
falo imaginário lugar à identificação com o pai, que intervém como personagem real. O eu
do sujeito se torna ele mesmo um elemento significante, e não um elemento imaginário em
sua relação com a mãe. E, consequentemente, porta uma dialética, uma mobilidade.
O sujeito, de objeto de desejo, passa a desejante, entrando na dialética do ter ou não ter
o falo, o que possibilita a eleição dos mais variados objetos e a entrada na dinâmica do desejo,
que, como abordado, se pela via significante, presente antes do nascimento, mas
estabelecida como lei e campo de possibilidades pela entrada em cena do Nome-do-Pai e do
significante fálico, como significante da falta, que põe em movimento o desejo. É pelo que
falta que o desejo pode fazer sua entrada, lançando o sujeito em uma indeterminação, que o
próprio sujeito falta como objeto total que poderia satisfazer a si mesmo e ao Outro aqui
encarnado na figura da mãe.
Há, portanto, um caráter decepcionante em qualquer aproximação do desejo, muito
além da satisfação de uma dada aproximação particular. Tal decepção, que desvela o
desencontro desse objeto com o que falta, se apresenta inabalável e constante toda vez que o
sujeito se aproxima do objeto de sua miragem.
Assim, diante da castração do Outro materno, o sujeito é desalojado da posição de
objeto do seu desejo, o que lhe permite voltar para o Outro a pergunta: Que quer dizer tudo
isso?” (Lacan, 1957-1958/1999, p. 103: grifos do autor), interrogando-o a propósito do não-
sentido. uma demanda, um apelo ao Outro, que este ao sujeito aquilo que supostamente
lhe falta, a começar por uma resposta acerca do seu desejo. Desse encontro traumático com o
Outro, surge uma questão: “Che Vuoi?” (Lacan, 1960/1998, p. 829) – Que queres?
Diante do enigmático desejo do Outro, o sujeito vê surgir o seu desejo, insaturável, que
se liga aos mais diversos objetos. O sujeito, dividido pela linguagem, faz uma costura
significante, que visa fazer borda ao vazio irremediável do objeto, de modo que ele se vê às
voltas com esse objeto e com uma infinidade de substitutos, que se deslocam
metonimicamente pela cadeia.
O objeto a, causa de desejo, é metonímico, traz algo do objeto perdido, mítico, mas não
a sua totalidade, nunca corresponde a ele, mesmo porque é furo, vazio primordial. Nesse
sentido, os objetos eleitos pelo sujeito, que para ele portam algum brilho fálico, se apresentam
32
como uma tentativa de dar uma resposta ao desejo, de calá-lo, resgatando uma suposta
completude. Porém, simultaneamente, eles presentificam a falta inerente a todo objeto e a todo
“encontro” com o mesmo.
Lacan (1957-1958/1999) salienta que o advento de um sujeito desejante é “uma
formação que se aliena desde o ponto de partida, na medida em que parte do Outro e, por essa
vertente, leva ao que é de certo modo desejo do Outro” (p. 100). Não meio de uma
mensagem partir senão do Outro, uma vez que ela é feita de uma língua que vem dele, sendo
reflexo deste, mesmo quando parte do sujeito. Lacan (1960/1998) nos assegura que é “como
desejo do Outro que o desejo humano toma forma” (p. 828). Esse desejo nunca pode ser todo
dito, guarda uma opacidade fundamental, podendo apenas se apresentar metonimicamente pela
demanda de alguma coisa, que, no exato momento que se demanda, está em outro lugar. O
desconhecimento e a equivocação são características inerentes à linguagem.
Na tentativa de responder ao enigma do desejo do Outro e, logo, do seu, o sujeito
constrói uma fantasia, indicada pelo matema f: ($a). A fantasia designa a tessitura
significante que cada sujeito estabelece na sua junção e/ou disjunção aos objetos que causam
seu desejo, fantasia que, ao conferir um rosto ao objeto do desejo, é via pela qual o sujeito “se
defende contra esse desamparo” (Lacan, 1958-1959/2002, p. 29). A questão lançada pelo
sujeito ao Outro, assim como suas consequências, é evidenciada por Lacan no grafo que se
segue, retirado dos Escritos (1960/1998, p. 829):
33
Diante da interrogação erigida pelo sujeito, o Outro responde com um vazio: ele não
tem a resposta. Isso porque, como ressalta Lacan (1960/1998), “não Outro do Outro” (p.
827), nem metalinguagem. Qualquer enunciado sustentado no Outro não tem nada que o
assegure, exceto a própria enunciação. Não há nada que garanta uma verdade ao Outro.
Portanto, não há lei em si mais do que aquele que dela se autoriza.
Logo, o Outro também é faltoso, tendo em seu seio um buraco, uma ausência de
objeto. A falta no Outro, indicada pela barra que recai sobre ele,
Α
/
, possibilita que o sujeito
possa se constituir, lançando uma questão a partir desse encontro faltoso, indicada no grafo
pela interrogação que se abre diante do encontro do sujeito com o Outro (A) e do posterior
advento do desejo (d). Este se manifesta como desejo de saber o que o Outro quer de mim,
resultando na construção de uma rede de significantes que contornam o objeto ou melhor, o
vazio deixado pela queda desse objeto –, e se constituindo como um saber inconsciente ($a),
que rege a vida do sujeito. Desse modo, a barra que recai sobre o Outro,
Α
/
, recai também sobre
o sujeito, $.
No grafo reproduzido a seguir, retirado dos Escritos (1960/1998, p. 831), Lacan,
acrescenta S(
Α
/
), significante que falta no Outro primeiro ponto de interseção entre o gozo e
o significante inerente à função do Outro enquanto tesouro dos significantes. Esse
34
significante que falta ao Outro lhe confere inconsistência, isso porque o campo do significante
penetrado pelo gozo se torna inconsistente, é perfurado.
É interessante pontuar que, no grafo, logo depois do S(
Α
/
), encontramos o matema da
fantasia, o que esclarece que a função dela é servir de anteparo para ocultar a inconsistência do
Outro, fazendo surgir s(A) como efeito de significação, produzida pelo texto da fantasia, e
formando um contexto por meio do qual percebemos o mundo como consistente e dotado de
sentido. Ao ser convocado (Che voui?) a responder qual o valor desse tesouro, o Outro se
depara com a verdade da pulsão em sua parcialidade de objeto e seu caráter não-significante,
evidenciando o que foi postulado, que “não Outro do Outro”. Diante da questão “o que
quer o Outro de mim?” (Lacan, 1960/1998, p. 833), nenhuma verdade se presta a ser
encontrada, pois ela não está em lugar algum, não garantias de verdade na falta de objeto
que figura, apenas uma parcialidade, o que marcará a concepção de verdade em
psicanálise como parcial e insuportável ao sujeito.
Lacan afere que o sujeito dirige a pergunta ao Outro e dele espera um oráculo, mas a
pergunta lhe retorna: “Che voui? – que quer você?” (p. 829), sendo essa a pergunta que melhor
o conduz ao caminho de seu próprio desejo.
35
O Outro, ao responder com um vazio, comparece como castrado, como aquém da
suposta satisfação total, instaurando para o sujeito um além do significante que se vincula à
Coisa, e possibilita uma satisfação paradoxal, marcada pela parcialidade do gozo. Zizek
(1992) salienta que: “o gozo é aquele que não pode ser simbolizado, sua presença no campo
do significante pode ser detectada pelos furos e faltas de consistência desse campo; o único
significante passível de gozo é, pois, o significante da falta no Outro, o significante da sua
inconsistência” (p. 120).
Zizek destaca ainda que, nessa última forma do grafo, o vetor do gozo corta o vetor do
desejo, estruturado pelo significante, de modo que o corpo, como gozo materializado,
encarnado, é apreendido na rede significante, sendo, então, mortificado, esvaziado em seu
gozo. Nesse contexto, o sujeito se conta da castração do Outro e, logo, de sua própria
castração, que ali figura uma ausência de objeto que responda ao desejo e que ofereça uma
suposta completude. Nesse sentido, o gozo absoluto está vedado e velado a todo sujeito que
fala, a todo aquele que está sujeito à lei, que esta se funda justamente na proibição desse
gozo. Para Lacan (1960/1998), “a castração significa que é preciso que o gozo seja recusado,
para que possa ser atingido na escala invertida da Lei do desejo” (p. 841), ou seja, a renúncia
ao gozo absoluto abre vias, como suplência, ao gozo regrado pela lei.
Diante do exposto, para além do Outro, cabe situar a dimensão do objeto faltoso, tanto
no campo do sujeito como no campo do Outro, uma vez que figura como pivô da dialética
subjetiva, na função de causa do desejo e de condensador de gozo.
36
1.2. Objeto a e Outro: o real
É de uma relação permanente com um objeto perdido como tal que se trata.
Esse objeto a, como cortado, presentifica uma relação essencial com a
separação como tal (Lacan, 1962-1963/2005, p. 235).
Freud, no “Projeto para uma psicologia científica” (1950[1895]/1989), ao falar da
primeira experiência de satisfação, salienta que uma perda irrecuperável, que se pela
inscrição da experiência no aparelho psíquico, uma vez que permanece um resto sem
representação, que se constitui como um ponto de vazio que põe em movimento o psiquismo,
numa tentativa de resgatar o objeto perdido e restituir a suposta satisfação. Resto designado
das Ding, ou a Coisa freudiana. A Coisa se define a partir de um primeiro parceiro do sujeito,
“o próximo”, a “primeira potência” que possibilita ao sujeito essa primeira experiência de
satisfação, assim como seu primeiro desprazer. Como visto, parte dessa experiência se
inscreve como traço de memória, compreendendo aquilo a que o sujeito pode se identificar, se
reconhecer. Outra parte permanece não-identificável, mas se impõe e causa efeitos ao sujeito.
Freud ressalta que essa perda tem como apoio um objeto, o seio materno, como esse
que, miticamente, é tirado da criança após sua primeira experiência de satisfação. Uma vez
ausente, o seio é representado no aparelho mnêmico por um traço, de modo que a criança
tentará resgatar a satisfação proporcionada nessa experiência por uma via alucinatória,
atualizando a presença do objeto. Mas, pela impossibilidade de obter tal satisfação, ela se volta
para o mundo externo. Não uma equivalência entre a próxima mamada e a satisfação
suposta, que algo se perde na própria inscrição dessa experiência no aparelho psíquico.
Nesse contexto, Freud afere que há uma busca pelo reencontro com o objeto; porém, o
primeiro encontro é formulado como mítico, e o suposto objeto de satisfação nunca foi de fato
possuído pelo sujeito. Trata-se de um objeto nada objetivável.
Não interessa tanto se essa primeira experiência é de satisfação ou não. Diante do
desamparo, qualquer coisa que venha em socorro da criança se configura como uma
positividade. Essa “coisa” perdida pode vir a ser encarnada pelos mais diversos objetos ao
longo da vida, sendo relançada enquanto causa do desejo. A “coisa” é, portanto, perdida para
sempre e reencontrada a cada investida do desejo, porém cada encontro com o objeto desvela
o desencontro entre este e a saturação da pulsão.
37
Freud (1915c/1989), ao abordar a temática da pulsão, esclarece que esta é força
constante e, como tal, deixa sempre um resto por se satisfazer, não sendo aplacada. Além
disso, destaca que o objeto da pulsão é “indiferente”, ou seja, é o mais variado possível,
podendo ser qualquer objeto, desde que investido por determinado sujeito. Desse modo, no
cerne da sexualidade humana figura uma ausência de objeto. Não objeto que garanta a
completude. um vazio, pivô de toda dialética subjetiva, que coloca em movimento o
desejo, sempre em busca de algo que está alhures, em outro lugar, já que todo encontro com o
objeto é faltoso.
Dada a importância dessa premissa para a teoria e a clínica psicanalítica, Lacan
ressalva a radicalidade dessa ausência de objeto, conferindo um status e um lugar especial à
sua teorização, e designando-o objeto a. Para nomeá-lo, ele prefere usar uma letra a uma
palavra, já que essa última é sempre passível de metaforização, e tal objeto foge a toda
objetivação, a toda significantização, não se inscrevendo nesses domínios. Para falar do objeto
a, deteremo-nos especialmente no seminário sobre A angústia (1962-1963/2005).
O objeto a, inicialmente, aparece como objeto imaginário do desejo, na rivalidade com
o pequeno outro, o parceiro do eu no estágio do espelho. Posteriormente, ele ganha suas
coordenadas simbólicas na relação com o grande Outro, encarnado por um semelhante. A
partir do seminário A ética da psicanálise (1959-1960/1998), o objeto a encontra seu substrato
real no conceito freudiano de das Ding, “a Coisa”, definindo-se, como destacado, pelo que
não se inscreve como traço, mas impõe seus efeitos.
Jorge (2005) ressalva que o a, como participante dos três registros real, simbólico e
imaginário –, pode adquirir diferentes dimensões:
O objeto a tem várias aparências imaginárias – grafadas por Lacan como i(a),
ou seja, imagens de a –, que podem ser construídas para cada sujeito por
intermédio do simbólico, dos significantes do Outro referentes às inserções
históricas singulares de cada um. Mas a dimensão que mais importa e que o
configura propriamente enquanto objeto a é o seu estatuto real, que lhe
confere sua ex-sistência – ex-sistência que designa o que está fora do registro
do simbólico. E o nome dessa dimensão real do objeto a, Lacan empenhou-se
em mostrar que foi chamada por Freud de das Ding, a Coisa (p. 140: grifos
do autor).
38
Assim, o objeto a tem diferentes faces. Numa vertente imaginária, far-se-ia representar
por aquilo que, por uma fascinação com a imagem, captura o sujeito, como uma bolsa, uma
pessoa, um outdoor, em uma série que, embora particular, pode ser infinita. No registro
simbólico, o objeto a se representa encarnado pelos mais diversos significantes, estes fálicos e,
como tais, significantes da falta. Em sua vertente real, designa das Ding, resto, resíduo
produzido a partir da relação do ser vivente com o Outro, rebotalho que não é representado no
aparelho psíquico, configurando um furo, um vazio contornado por representações, em torno
do qual o inconsciente, estruturado como linguagem, se funda. Lacan confere um novo
estatuto a esse objeto ao defini-lo como causa do desejo, salientando que, se um sujeito
desejante, é porque figura no cerne de sua subjetividade um cavo, oco fundamental, que move,
sustenta e relança o desejo. Nas palavras do autor, “o objeto a não é a finalidade, a meta do
desejo, mas, sim, sua causa. Ele é a causa do desejo na medida em que o próprio desejo é algo
não efetivo, uma espécie de efeito baseado e constituído na função da falta” (1962-1963/2005,
p. 343).
É interessante destacar que essas diferentes formas do objeto a se presentificam na
constituição do sujeito, o que podemos ver nos patamares do grafo do desejo. O primeiro
andar do grafo, evidencia a dimensão especular em que o eu se constitui como i(a), em
referência ao pequeno outro, que funciona como objeto de colagem para o sujeito. Aqui, como
no primeiro tempo do Édipo, o sujeito se identifica especularmente, busca ser o objeto suposto
do desejo do Outro.
No segundo patamar, a primazia do simbólico, momento em que o sujeito tem que
se haver com o desejo do Outro, Outro do significante, que porta sempre um duplo, que o
remete sempre a uma outra Coisa. Às voltas com o enigma do desejo do Outro, com o lugar de
objeto que ele ocupa nesse desejo, há um remetimento à Coisa, a das Ding, ou seja, à
impossibilidade de alcançar o objeto, de ser o objeto que satisfaça o Outro. Aqui, o objeto se
constitui como objeto metonímico, que circula na cadeia. Pela impossibilidade de o
significante recobrir o objeto, advém o desejo, que instaura o deslocamento, de modo que o
desejo se relaciona necessariamente com a falta. Por que algo falta e sempre falta é que se
pode desejar o que não se tem, e eleger os mais diversos objetos de satisfação como tentativa
de suprir essa ausência. Porém, como não tal objeto não sendo possível a recuperação de
um estado anterior, que o houve um encontro com o suposto objeto da completude –, o
39
movimento desejante não se estanca, de forma que todo encontro com o objeto guarda essa
dimensão de encontro com a falta, atualizando a certeza de que ainda não era bem isso”,
promovendo um deslocamento metonímico do desejo e dos objetos que a ele se atrelam.
O objeto a pode ser, então, “reencontrado” nos sucessivos substitutos que o sujeito
organiza para si em seus deslocamentos simbólicos e investimentos libidinais imaginários.
Porém, nos objetos privilegiados de seu desejo, o que se repete é um encontro faltoso com o
real, “com um real que escapole” (Lacan, 1964/1998, pp. 55-56).
Desse (des)encontro, o sujeito também extrai satisfação, ainda que parcial, não toda,
donde se inscreve, no último patamar do grafo do desejo, o gozo. Percebemos, então, que ao
falar em objeto a, essas três vertentes estão imbricadas, já que todo objeto que o sujeito elege
passa por uma imagem que o fisga, imagem essa revestida pela cadeia significante que
entretanto, atualiza a parcialidade do objeto, a impossibilidade de satisfazer o sujeito, um estar
sempre alhures, remetimento significante, que desvela a vertente real do objeto, como lugar
vazio, contudo, dotado de consistência.
Não havendo o objeto, cabe ao sujeito eleger vários, porém, para cada sujeito, não se
trata de quaisquer objetos, mas daqueles que se enquadram em sua fantasia, conferindo a
alguns objetos um brilho a mais, que funciona como agalma, tesouro enigmático que fisga o
sujeito.
Não se trata, portanto, de tentar reencontrar e nomear esse objeto, como algumas
correntes psicológicas como os adeptos da psicologia do eu fizeram e ainda fazem. Lacan
(1959-1960/1998) indica que um grande impasse da psicanálise pós-freudiana foi confundir
das Ding com o objeto materno, o que se justifica, uma vez que é no apoio materno que se
presentifica essa perda. Mas Jorge (2005) destaca que isso seria substituir o âmbito do
impossível pelo do proibido. E das Ding, enquanto impossível, designa que, mesmo suspensas
as proibições, a satisfação será sempre parcial, que o objeto não está interditado, mas não
há. Assim, essa falta pode ser preenchida de várias maneiras, embora saibamos muito bem,
por sermos analistas, que não a preenchemos de mil maneiras” (Lacan, 1962-1963/2005, p.
35). A falta é, portanto, estrutural, e não situacional ou contingente.
No seminário 10, A angústia (1962-1963/2005), Lacan, ao salientar que o a surge
como um resto na relação entre o ser vivente e o Outro, esclarece que ele resulta de um corte
promovido pela entrada do significante no real do corpo. Segundo ele, “o S, sujeito ainda
40
desconhecido, tem que se constituir no Outro” e “o a aparece como resto dessa operação” (p.
296). O a vem como resto da operação de divisão que torna o sujeito e o Outro barrados e que
se dá com a inoculação do significante no organismo vivo, produzindo um corte, corte de uma
libra de carne. O sujeito não perde o corpo materno no ato do nascimento, ou o seio materno
no desmame, mas perde uma parte de si mesmo. É uma parte do próprio corpo, por isso uma
libra de carne, que está em jogo, e é com ela que o sujeito tem que pagar para ingressar no
campo do Outro, para se constituir enquanto desejante.
A separação que se tem inicialmente não é a separação da mãe. O corte de que se trata
não é o que se entre a criança e mãe, que, com relação ao corpo da mãe, a criança é um
corpo estranho, parasita, que mantém certo entrelaçamento com os envoltórios uterinos, ao
que Lacan utiliza a figuração da placenta para se referir, miticamente, ao objeto a.
No nascimento, “o corte se dá entre aquilo em que se transformará o indivíduo lançado
no mundo exterior e seus envoltórios, que são parte dele mesmo, uma vez que são elementos
do óvulo [...] A separação se dá no interior da unidade que é a do ovo” (Lacan, 1962-
1963/2005, p. 255). No desmame, o bebê sofre um corte, uma separação de uma parte dele
mesmo, ocorrendo, aí, uma primeira fragmentação. Lacan destaca o seio, um dos primeiros
objetos ao qual se atrela a criança, como objeto pertencente ao corpo da mesma e cedível por
excelência:
Do mesmo modo que a placenta forma uma unidade com a criança, há,
juntos, a criança e a mama. A mama é como que aplicada, implantada na
mãe. É isso que lhe permite funcionar estruturalmente no nível do a, que se
define como algo de que a criança é separada de maneira interna à esfera de
sua própria existência (p. 256).
Evidencia-se que os objetos que mantêm certa relação com a são objetos destacáveis
do corpo, separáveis dele, que estão entre o sujeito e o Outro, e trazem uma dimensão de
perda. Assim, sempre no corpo “algo de separado, algo de sacrificado, algo de inerte, que é
a libra de carne” (p. 242), de modo que algumas partes do corpo se destacam como cedíveis na
constituição do sujeito.
Nesse contexto é crucial pensarmos no termo utilizado por Lacan para falar da perda de
que se trata nessa relação. Ele nos fala de uma “libra de carne”. Aqui, ele indica a radicalidade
dessa perda, não se perde um objeto externo que se pode recuperar, o que o sujeito perde é
41
uma parte de si, ele se divide, se reparte, se recorta. E mais do que perder, ele cede ao Outro,
por isso libra, moeda de troca. É por essa parte perdida que ele pode comparecer diante do
Outro, não como subjugado, assujeitado, mas como quem tem algo a dar, algo por meio do
qual ele pode se representar e se posicionar diante do Outro. É como dejeto, como o que restou
desse corte que o sujeito pode se colocar. E como veremos, aqui se trata tanto de resto de
carne como de satisfação.
Ao falar de partes que se destacam na relação do ser vivente com o Outro, Lacan
(1962-1963/2005) sobressai algumas partes do corpo do sujeito que funcionam como zonas de
investimento libidinal do Outro, zonas de troca, de demanda, de toque, nas quais o Outro
imprime algo de seu desejo: “o todo corresponde às cinco formas de perda, de Verlust(p.
104: grifos do autor), ao que Lacan aponta, além do seio, mais quatro objetos privilegiados
nessa função: as fezes, o falo, o olhar e a voz.
Nesses objetos privilegiados em diferentes estágios, trata-se sempre da mesma função,
ou seja, de saber como eles se ligam à constituição do sujeito no lugar do Outro e o
representam. Abordamos essas cinco etapas na constituição do a na relação do $ com o
Α
/
, a
partir do esquema apresentado no seminário sobre A angústia (Lacan, 1962-1963/2005, p.
320):
Enfatizamos as formas do objeto nos diferentes estágios, para esclarecer como o objeto
se torna cedível na relação com o Outro, via significante. Porém, não se trata aqui de um
desenvolvimentismo, uma vez que não se passa de um tempo ao outro pela aquisição de dons,
mas por perdas, e nenhum desses lugares privilegiados de investimento é abandonado.
No seminário A angústia (1962-1963/2005), Lacan fala de cinco estágios todavia; no
Seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964/1998), ele situa a terceira
42
etapa, a fálica, como correlata da angústia de castração, como “fio que perfura todas as etapas”
(p. 65), evidenciando o encontro faltoso com o Outro, que produz um corte no corpo:
A descrição dos estágios, formadores da libido, não deve ser referida a uma
pseudo-maturação natural, que permanece sempre opaca. Os estágios se
organizam em torno da angústia de castração. [...] A angustia de castração é
como um fio que perfura todas as etapas do desenvolvimento. Ela orienta as
relações que são anteriores à sua aparição propriamente dita desmame,
disciplina anal, etc. Ela cristaliza cada um desses momentos numa dialética
que tem por centro um mau encontro. Se os estágios o consistentes, é em
função de seu registro possível em termos de mau encontro (p. 65: grifos do
autor).
Não acorre, portanto, um desenvolvimento, tão pouco a passagem de um estágio a
outro. Estes se sobrepõem, não havendo uma cronologia, de forma que cada um dos orifícios
corporais (zonas erógenas) e cada um desses objetos, como pássiveis de investimento não são
abandonados pelo sujeito. Além disso, ao destacar que não se trata de uma pseudo maturação
natural, Lacan ressalva que não estamos abordando algo da ordem do orgânico ou do
biológico, mas algo que se articula ao significante, às marcas que o Outro imprime na carne. O
“momento” de primazia de uma zona erógena, e de um objeto a ela relacionado, diz de um
lugar de privilegiado investimento do Outro, diante do qual o sujeito terá que se posicionar,
cedendo ou não parte de si, a demanda do Outro. Parece-nos relevante um comentário
realizado por Tenório (citando Costa-Moura, 2007) sobre a fala de uma de suas pacientes. Ela
lhe diz: “todo mundo foi estuprado” (p. 111), ao que ele destaca que havia alguma verdade no
que lhe foi dito, que, de certo modo, todos tivemos nossa carne marcada, violada por um
Outro, ainda que essa erotização do corpo pelos significantes que vêm do Outro seja
necessária para aceder ao desejo.
Ainda vale lembrar que, embora algumas partes do corpo possam parecer ligadas ao
Outro pela necessidade, o que nos interessa na constituição das zonas erógenas são os
cuidados maternos como erotizantes, o excedente que advém com a possível satisfação das
necessidades, o que fica de satisfação, de não-representável nessa relação que se estabelece
com Outro. Logo, não basta que a mãe, ou outrem, ocupe-se dos cuidados com o bebê o
alimente e limpe –, podemos falar de uma erogenização do corpo se este é tomado como
objeto de investimento libidinal, sendo, então, incluído no desejo do Outro. Por exemplo, no
43
ato de sugar o seio, visando a nutrição, surgem sensações que vão além da necessidade
biológica: “de toda forma, e qualquer que seja a sensação, é de um a-mais de prazer acrescido
à satisfação da necessidade biológica, mas vivido originalmente em conexão com ela, que
constitui a origem da pulsão sexual” (Fernandes, 2000, pp. 69-70). Feitas essas ressalvas,
deter-nos-emos no esquema apresentado anteriormente.
Em um primeiro tempo lógico, a primazia da oralidade. Aqui, destaca-se o seio
como objeto que se perde, por uma cisão no próprio organismo vivo. Como salienta Lacan
(1962-1963/2005), o mamilo, como parte do mundo interno da criança, e não como parte do
corpo da mãe, evidencia essa “separtição [sépartition] fundamental” (p. 259: grifo do autor),
uma divisão por dentro inscrita desde a origem e desde o nível da pulsão oral, que possibilitará
a estruturação do desejo.
O lábio, órgão que funciona na sucção, desempenha um papel fundamental na estrutura
da erogenidade. Ele funciona como uma borda, que se constitui por um corte, que serve de
lugar de troca com o Outro. Assim, a criança não é desmamada, ela se desmama, ela se desliga
do seio, brinca de se soltar e tornar a pegá-lo. A possibilidade de agarrar ou soltar o seio
produz no recém-nascido o momento mais primitivo de surpresa e ele, pela primeira vez,
experimenta um reflexo que lhe serve de suporte diante do desamparo, ou seja, nessa
experiência, a criança tem alguma autonomia diante do Outro. O seio funciona, assim, como
primeiro objeto de transição entre o sujeito e o Outro.
Em um segundo tempo, na ‘fase’ anal, há a prevalência da demanda do Outro de que a
criança lhe as suas fezes, objeto que, como parte dela, precisa ser cedido. Aqui, entra em
jogo a demanda da mãe, educativa por excelência de controle esfincteriano e de rejeição das
fezes. Exige-se da criança que ela retenha as fezes, posteriormente, pede-se a ela que as solte,
sempre mediante a demanda do Outro. De acordo com Lacan, ainda no Seminário 10 (1962-
1963/2005):
Aquele pedaço que o sujeito tem certo receio de perder, afinal, vê-se
reconhecido, por um instante a partir de então. É elevado a um valor muito
especial, é pelo menos valorizado por satisfazer a demanda do Outro, além de
ser acompanhado por todos os cuidados de que temos conhecimento. Não
o Outro o aprova e lhe atenção, como também lhe acrescenta todas as
dimensões suplementares que não preciso evocar [...]: a cheirada, a limpeza
do bumbum, cujos efeitos erógenos todos sabem ser incontestáveis (pp. 327-
328).
44
No nível anal, ocorre, portanto, uma erogenização do corpo da criança e, pela primeira
vez, ela tem a possibilidade de se reconhecer em um objeto, em torno do qual gira a demanda
da mãe. É interessante notar que, mesmo que o cocô seja recebido com júbilo, em um segundo
tempo, ele é renegado, e é ensinado à criança que ela não deve ter muitas relações com ele.
Nessa relação com a demanda do Outro, há um reconhecimento ambíguo, pois, “ao mesmo
tempo, o que está ali é a criança e não deve ser ela, e mais até, não é dela” (p. 329).
Evidenciam-se, assim, a opacidade do desejo do Outro, sua duplicidade e o ponto cego de toda
demanda.
As fezes têm uma função determinante na economia do desejo. O excremento é causa
do desejo, isso porque ele é demandado pelo Outro, encarnado pela mãe. Assim, o objeto anal
“se revela o primeiro suporte da subjetivação na relação com o Outro, ou seja, aquilo em que
ou através de que o sujeito é inicialmente solicitado pelo Outro a se manifestar como sujeito,
sujeito de pleno direito” (p. 356).
O excremento, como parte do sujeito cedida ao Outro, é vivido como dom do amor.
Conforme Lacan, “nesse nível, o que o sujeito tem para dar é o que ele é uma vez que o
que ele é pode entrar no mundo como resto, como irredutível, em relação ao que lhe é
imposto pela marca simbólica” (p. 356). O sujeito se oferece como resto frente à demanda do
Outro. Freud (1905/1989) ressaltava que, para o bebê, “o conteúdo intestinal [...] é
obviamente tratado como parte de seu próprio corpo, representando o primeiro ‘presente’” (p.
174), uma dádiva cedida ao Outro.
Por intermédio do objeto anal, em sua articulação com a demanda, podemos articular a
constituição do a com relação à função do Outro. O a, como objeto cedível, investido pelo
Outro, implica sempre uma separação do sujeito de uma libra de sua carne, uma perda
irremediável de parte de si, que precisa ser abdicada ao Outro, para que o sujeito possa se
apropriar dos significantes que vêm dele. Isso porque:
Desde o começo, inicialmente, trata-se de um objeto escolhido por sua
qualidade de ser especialmente cedível, por ser originalmente um objeto
solto, e se trata de um sujeito a ser constituído em sua função de ser
representado por a, função esta que continuará essencial até o fim (Lacan,
1962-1963/2005, p. 357).
45
Nesse sentido, situamos a afirmação de Lacan de que o a é o resto da relação do sujeito
com o Outro. Dessa interseção, fica um resíduo, uma perda incontornável de uma parte de si,
uma partição fundamental, que permite que o sujeito se coloque e que retenha ou suas
fezes, que decida o que fazer com essa parte de si, ainda que marcado e assujeitado à demanda
do Outro. É, portanto, por esse resto, separado do sujeito, que ele comparece frente a essa
demanda.
Em um terceiro momento, evidencia-se a primazia do falo, entrando em cena a
diferença sexual. Freud (1905/1989) afirma que, ao se deparar com a diferença sexual, a
menina sente-se privada do pênis e o menino passa a ter medo de perdê-lo, de modo que a
presença ou ausência desse órgão torna-se referência para uma distinção entre os sexos. Desde
a Antiguidade, o pênis ereto, denominado falo, era visto como símbolo de potência e
virilidade. Freud adota essa nomenclatura para se referir não ao pênis, mas aos demais
objetos que viriam a ocupar esse lugar, ingressando na série de objetos privilegiados por
determinado sujeito.
Porém, o falo, ao mesmo tempo em que é símbolo de potência, servindo de referência
ao sujeito, indica um a menos, funcionando como significante da falta e, logo, do desejo, uma
vez que, diante dele, o que se evidencia é um aquém da plena potência. Além disso, ele
demarca a diferença sexual, a incompletude, a castração, de modo que todo objeto que assume
esse lugar atualiza uma ausência, uma impossibilidade de complementaridade.
Nesse momento de primazia do falo, destaca-se o complexo de Édipo, abordado
anteriormente. E, como vimos, é na medida em que a mãe está voltada para um terceiro, além
da criança, que esta pode se dar conta de que algo falta à mãe, da castração no Outro, o que lhe
possibilita supor que isso que falta, o falo, é possuído por esse terceiro a quem a mãe se dirige.
Temos, assim, o pida dialética edipiana e da entrada no campo do gozo sexual como gozo
fálico por excelência. Além disso, destaca-se, aqui, a dimensão de um sujeito desejante
propriamente dito, uma vez que o desejo do sujeito se volta para além da mãe, situando-o na
dialética do ter ou não ter o falo, o que instaura a via da busca.
O falo é, então, aquilo que os dois sexos desejam, mas ele está ali como um a
menos, que é indicado pela letra grega φ, acrescentando a ela um sinal menos (-φ) para indicar
sua condição de faltante. Aqui, o falo adquire a dimensão de significante da falta, que vem
questionar seu estatuto de objeto. É pela ausência de um significante que assegure a plena
46
potência que ele pode funcionar como causa do desejo, situando-se sempre em um outro lugar.
Dessa forma, o a, objeto cedível, assume sua radicalidade, de tal modo que não se trata mais
de ser ou não ser o falo, mas de tê-lo ou não tê-lo, o que implica a possibilidade de buscá-lo
no campo do Outro, e nos mais diversos objetos, assim como de cede-lo ao Outro.
Posteriormente, na fase escópica (a partir do esquema exposto na página 41), o olhar
adquire prevalência. A função do olhar tem um componente de fascínio. O olhar do Outro é
aquele que marca o sujeito, conferindo-lhe um lugar, uma unidade, mas à custa de perder o
que não é apreensível na imagem. Essa dimensão de fascinação é presentificada no estádio do
espelho, mas este revela para o sujeito uma miragem de si, na qual sua imagem, sua presença
no Outro, não tem resto, uma vez que o objeto a é o-especularizável. Logo, o sujeito não
consegue ver o que perde, permanecendo um enigma, um ponto de desconhecimento na ilusão
de totalidade.
O resto a, aquele angustiante, do não sei qual objeto eu sou para o Outro, é
essencialmente desconhecido. Isso porque a imagem que fascina o sujeito, por sua ilusão de
unidade, tampona a dimensão de desejante: é como se o brilho fosse inerente à imagem, e não
fruto de um investimento daquele sujeito. Nessa situação, um desconhecimento radical do
que é o a na economia do desejo, e é por isso que, no nível escópico, a estrutura do desejo está
mais plenamente desenvolvida em sua alienação fundamental, estando o objeto a mais
mascarado e, em vista disso, o sujeito está mais “garantido” quanto à angústia. Nas palavras de
Lacan (1962-1963/2005), “o olho institui a relação fundamental desejável porque sempre
tende a fazer desconhecer, na relação com o Outro, que por trás do desejável há um desejante”
(p. 296). Assim, a função da miragem, incluída desde o funcionamento inicial do olho,
suspende o encontro com a castração, havendo uma suspensão da falta ligada ao desejo, uma
suspensão frágil, por certo, tão frágil quanto uma cortina sempre pronta a se reabrir para
desmascarar o mistério que oculta” (p. 264).
Há na dimensão do olhar um ponto cego, ponto de enigma em que o sujeito desconhece
o objeto que o fisga, e o objeto que ele é ao olhar do Outro. Assim, o olhar não se situa, do
lado do sujeito, mas do lado do objeto. Ao que Lacan indica que o ponto da imagem a partir
do qual o sujeito que é olhado, sendo o objeto que olha o sujeito, como pontua Zizek
(1992):
47
O olhar, longe de assegurar a presença-em-si do sujeito e de sua visão,
funciona, pois, como uma mancha, um ponto na imagem que perturba sua
visibilidade transparente e introduz uma distância irredutível em minha
relação com a imagem: nunca posso ver a imagem no ponto de onde ela me
olha, isto é, a visão e o olhar são essencialmente dissimétricos. O olhar
enquanto objeto, é uma mancha que me impede de olhar a imagem a partir de
uma distância objetiva e segura, enquadrando-a como uma coisa à disposição
do domínio de minha visão (p. 151: grifo do autor).
Em um último tempo (tendo como referência o esquema da p. 41), o objeto que está em
destaque é a voz. O que sustenta o a no nível do ouvido deve ser desvinculado da fonetização,
destacando-se o momento em que algo do sistema linguístico passa ao nível da emissão,
evidenciando a dimensão vocal. A voz funciona como mediadora entre o sujeito e o Outro,
mas, para que a voz possa se fazer ouvir, ela precisa ser incorporada como alteridade. Falar
implica uma dimensão de perda, que nem tudo entra no domínio simbólico, estando o
próprio a fora do registro significante. Há um ponto de falha em que o dito está sempre aquém
do que se tenciona dizer. Aquele que diz nunca sabe o que diz, e nem o que o Outro escutou
do que foi emitido. A voz é incorporada pelo sujeito ao mesmo tempo em que se destaca e se
separa dele na medida em que fala. Uma vez emitida, a voz não é mais parte do sujeito, é para
o Outro, é estranha ao próprio sujeito e implica uma perda de gozo, uma repartição do corpo
pelo significante.
A voz, como aquela que dita o dito do Outro, possibilita o aparecimento do supereu,
pela internalização da lei e do imperativo de gozo, de modo que essa fase põe em evidência o
desejo, que se desvela no discurso do Outro, na ambiguidade inerente a todo significante.
Porém, essa voz é estranha ao sujeito, situando-se, assim como o olhar, no nível do objeto, ao
que Zizek (1992) exemplifica com a voz do supereu, que “se dirige a mim sem estar ligada a
nenhum esteio particular, que flutua livremente em algum intervalo aterrorizante, funciona
também como uma mancha cuja presença inerte incomoda como um corpo estranho e me
impede de realizar minha própria identidade” (p. 152). Há, desse modo, uma voz que fala no
sujeito, para além dele, e que, ao mesmo tempo em que faz parte dele, dele se separa, é-lhe
estranha.
Como foi destacado, não se trata aqui de um desenvolvimento. Não se passa de uma
fase à outra pela aquisição de dons, mas se passa de um objeto ao outro pela perda do objeto
anterior, porque o sujeito é separado de partes de si, que caem e se descolam dele como restos,
48
que não são abandonados, mas vêm constituir o corpo do sujeito como um corpo repartido,
dividido em zonas erógenas, que lhe possibilitam um a mais de gozo, gerando um excedente.
Nesse sentido, é importante demarcar que Lacan aborda o objeto a não em sua relação com
o desejo, mas também em sua articulação com o gozo. Se este é causa de desejo, é também
tomado como “mais-de-gozar”.
Lacan, assim como Freud, situa o objeto a como objeto da pulsão, força constante que
exige satisfação. De modo que, como objeto da pulsão, o objeto a participa dessa vertente de
satisfação lembrando que satisfação não é equivalente a prazer; portando o paradoxo prazer-
desprazer. Aqui, se evidencia que o a não funciona apenas como causa do desejo, mas
também como objeto do gozo.
Rabinovich (2000) destaca que o objeto causa do desejo exige o estabelecimento do
circuito inconsciente em torno da Coisa. Conforme Lacan (1964[1960]/1998), “é em revolver
esses objetos para neles resgatar, para restaurar em si sua perda original, que se empenha a
atividade que nele denominamos pulsão” (p. 863). Porém, a causa não está no Isso, mas no
inconsciente, de modo que não objeto causa da pulsão, mas objeto da pulsão. Assim, a
aparição do conceito de mais-de-gozar implica a recuperação do objeto do lado do Isso,
pertinente à pulsão. Portanto, pela vertente do desejo e do inconsciente, o objeto se apresenta
como causa; do lado do Isso e da pulsão, como mais ou ganho de gozo.
Assim, o gozo faz-se presente não só via significante, como Lacan aponta no seminário
As formações do inconsciente (1957-1958/1999), ao destacar a vertente de satisfação do
chiste, mas também para além do significante, ganhando corpo nas diversas formas de a, na
libra de carne perdida, separada e adjunta ao corpo. Isso porque o significante desmembra o
corpo e evacua o gozo para fora dele, mas essa evacuação nunca é totalmente consumada:
subsistem resíduos ou “oásis” de gozo, chamados zonas erógenas, pontos em torno dos quais a
pulsão circula. Como afere Zizek (1992), essas zonas erógenas não têm nada de “natural”, de
“biológico”: “a parte do corpo que resta depois da evacuação do gozo não é determinada pela
fisiologia, mas pela maneira como o corpo foi dissecado através do significante” (p. 120:
grifos do autor). Desse modo, o corpo é submetido à castração e o gozo é retirado dele,
subsistindo um corpo desmembrado, marcado por um gozo que vem em suplência ao gozo
absoluto que falta. O objeto a é, então, oferecido como mais-de-gozar e, na medida em que o
49
gozo é faltante, é causa de desejo. O gozo do objeto a é residual, é compensatório, é indicador
de um gozo que falta devido à entrada no campo do Outro.
Braunstein (1990) salienta que a “mais valia”, teorizada por Marx, visa o valor a mais
que o trabalhador produz. Esse valor, no ato mesmo da produção, é-lhe arrebatado pelo Outro
(assim estipula o contrato de trabalho), que lhe deixa um remanescente de prazer sobre a
forma de salário, que relança o processo e o obriga a regressar no dia seguinte. No campo
libidinal, o mais-de-gozar é concebido como correlato da mais valia. Embora o sujeito
tenha acesso a um a menos de gozo, que o relança ao movimento pulsional e lhe causa
desejo, há, aí, um excedente, uma sobra, um excesso, um resto inapreensível ao significante,
resíduo que permanece como irrepresentável.
Esse gozo é a razão de ser do movimento pulsional. A cada vez que o sujeito perde sua
libra de carne, esse é o valor entregue ao Outro. É ao gozo absoluto que o sujeito precisa
renunciar para se inscrever no campo do significante. No entanto, o gozo renunciado volta por
seus furos, insiste. Assim, na relação do sujeito com o Outro, a exigência de uma renúncia
de gozo; porém, aí, também se abre uma possibilidade para um gozo excedente. Na medida em
que o sujeito se representa no campo do Outro, resta a, que escapa a toda representação, resto
possibilitador de gozo, um gozo que vem em suplência ao impossível da relação sexual.
Destacamos ainda que no sintoma, assim como na fantasia, se articulam desejo e gozo,
de modo que o sujeito dali obtenha alguma satisfação, mesmo que esta se em pontos de
fixação que causam sofrimento, dos quais ele se queixa.
A fantasia, ao articular sujeito e objeto a incluindo o objeto que falta em uma trama
simbólica –, mascara a inconsistência do Outro. Ela fornece as coordenadas do desejo, assim
como estrutura o modo de gozo de cada sujeito. Nessa tentativa de ordenamento, visa encobrir
esse ponto de vazio, essa impossibilidade sobre a qual desejo e gozo se articulam.
Em suma, a função do a é uma função de resto que presentifica a falta e o gozo.
Lacan (1962-1963/2005) assegura que “é a partir do Outro que o a assume seu isolamento, e é
na relação do sujeito com o Outro que ele se constitui como resto” (p. 128). Deter-nos-emos,
então, nessa relação do sujeito com o Outro, buscando explicitar a função do a enquanto
efeito do corte e possibilitador de uma separação elementar na constituição do sujeito que é
convocado pelo Outro, donde se aliena.
50
2. ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO: SUJEITO E OBJETO a
2.1. Do significante ao objeto
O sujeito não é da ordem do natural, ele é efeito de linguagem. Surge como aquele
que, por um lado, é marcado, assujeitado ao significante e, por outro, é causado pelo objeto
a, pela presença da sua ausência, que produz efeitos de um desejo para além dos
significantes do Outro.
No seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan(1964/1998)
fala de duas operações de causação do sujeito, designadas alienação e separação. Tais
operações se justificam porque estamos imersos na linguagem, havendo um universo
cultural e simbólico que circunda e determina o sujeito, mesmo antes de ser trazido à vida.
Ele precisa responder a um nome e a uma tradição que lhe foram dados, identificando-se a
eles e lhes conferindo sentido. Assim, o sujeito que advém ao mundo, advém subjugado
aos significantes e ao desejo do Outro.
Na alienação, estão em jogo dois campos: o do Outro e o do Ser. O primeiro diz
respeito ao universo da linguagem, encarnado pelo Outro, que é “o lugar em que se situa a
cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito” (Lacan
1964/1998, p. 194). O segundo campo, tico, designa o “ser vivente”, o “organismo
vivo”, que, embora habite em um mundo marcado pelo simbólico, ainda não fez sua
entrada no discurso, de modo que é marcado pelo registro da necessidade, do instinto.
No campo do Ser não ainda um sujeito, mas um “ser vivente”, que está fora da
significação e da referência fálica, se podendo dizer dele reportando a um momento
mítico, suposto. Podemos identificá-lo no grafo do desejo (abordado no primeiro subtítulo
do capítulo anterior) no , que designa o vivente, em um tempo anterior ao sujeito e ao
encontro com o Outro. Para referenciar esse primeiro momento lógico, apresentamos o
seguinte esquema
10
:
10
Lacan oferece um esquema no seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964/1998, p.
200); porém, decidimos não utilizá-lo aqui, que ele apresenta alguns elementos que ainda não foram
trabalhados por nós. Desse modo, tomaremos diferentes esquemas ao longo do texto que possam ir indicando
os novos elementos inseridos.
51
No seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964/1998),
Lacan parte da teoria dos conjuntos e dos círculos de Euler para explicar as operações de
alienação e separação. Ele destaca a definição lógica das operações de reunião e interseção.
A reunião, que caracteriza a alienação, é uma operação em que se a reunião dos
elementos comuns a dois ou mais conjuntos. No entanto, os elementos que se repetem nos
dois conjuntos aparecem uma vez no novo conjunto. Assim, não é possível saber se
pertenciam a um ou a outro conjunto, de modo que ambos perdem elementos e, se
tentarmos voltar ao que era antes, os dois conjuntos ficam automaticamente perdidos.
No citado seminário, Lacan define a união como um vel, palavra latina que
significa ou. Esse vel pode ter três diferentes usos: no sentido de exclusão, em que um dos
termos é colocado de fora “eu vou ou para ou para cá” (p. 199), se eu for para lá, não
vou para cá, tenho que escolher; no sentido de uma indiferença “vou para um lado ou
para o outro, tanto faz, na mesma” (p. 199); e no sentido de uma “escolha forçada”, que
qualifica a alienação. Nele, aparentemente, a escolha é por guardar umas das partes,
estando a outra fadada ao desaparecimento. No entanto, qualquer que seja a escolha que se
opere, por consequência um nem um, nem outro (p. 200, grifos do autor), de modo
que se tem muito pouca escolha, porque os dois termos estão sempre excluídos.
O terceiro vel, o da alienação, é exemplificado por “a bolsa ou a vida!”. Ao escolher
a bolsa, perde-se as duas; ao escolher a vida, tem-se uma vida sem a bolsa, uma vida
decepada. Lacan salienta que encontrou em Hegel a justificativa desse vel alienante: “trata-
se de engendrar a primeira alienação, aquela pela qual o homem entra na via da escravidão.
A liberdade ou a vida! Se ele escolhe a liberdade, pronto, ele perde as duas imediatamente
se ele escolhe a vida, tem a vida amputada de liberdade” (p. 201: grifos do autor). O que
de particular nesse vel é o fator letal: há necessariamente uma perda irremediável
implicada nessa operação. A escolha tem que ser feita, uma “escolha forçada”, em que “o
que resta, de qualquer modo, fica desfalcado” (Lacan, 1964[1960]/1998, p. 855).
Ser
Outro
52
A alienação consiste nesse vel que condena o sujeito a só aparecer na divisão: “se o
sujeito aparece de um lado como sentido produzido pelo significante, de outro ele aparece
como afânise” (Lacan, 1964/1998, p. 199), em desaparecimento. Se escolher o Ser, o
sujeito desaparece, cai no não-senso; se escolher o sentido perde o Ser. Desse modo, essas
formas se reproduzem a partir da questão: “o ser ou o sentido?” (p. 233). É essa a escolha
que está em jogo na alienação. O sujeito pode escolher o Ser, negando-se à entrada no
discurso, o que se igualaria a escolher a bolsa, perdendo, por conseguinte, a vida; ou pode
escolher o sentido, ou seja, acolher uma nomeação, alienando-se aos significantes
proferidos pelo Outro na tentativa de dar um sentido ao que é da ordem do não-senso.
Há, portanto, uma escolha a ser feita na alienação: petrificar-se em um significante
mestre (S
1
) ou deslizar no sentido. No segundo caso, S
1
sofre um efeito de afânise quando
em cadeia com S
2
, inscrevendo-se em uma série de significantes, que, embora mantenham
relação com S
1
e, de certo modo, atribuam-lhe, retroativamente, algum sentido –,
possibilitam ao sujeito se safar do efeito de petrificação, localizando-se na vacilação do
sentido. S
1
ao abrir a cadeia de significantes, faz com que todos os demais significantes
eleitos e colocados em série tragam a sua marca, seu vestígio, de modo que S
1
, embora sem
sentido, ao se articular a S
2
, adquire sentido retroativamente.
Na alienação, operação que remete ao registro do simbólico, o que cai (localizado
na interseção dos dois conjuntos) é S
1
, o não-senso, o significante recalcado, na origem do
inconsciente, o que se evidencia no esquema a seguir:
Assim, na relação entre o sujeito e o Outro, portador de sentido, o sujeito é
colocado no vel de um sentido a ser construído (S
2
) ou da petrificação (S
1
). O destino desse
sujeito é uma vacilação entre petrificação e indeterminação. Petrificação em um
significante ($S
1
) e indeterminação no interior do deslizamento do sentido (S
1
S
2
). Eis
o impasse do sujeito do significante. Ao que Lacan (1964/1998) esclarece:
$
S
2
Sentido
S
1
Não
-
senso
53
O significante produzindo-se no campo do Outro faz surgir o sujeito de
sua significação. Mas ele só funciona como significante reduzindo o
sujeito em instância a não ser mais do que um significante, petrificando-o
pelo mesmo movimento com que o chama a funcionar, a falar, como
sujeito (p. 197).
S
1
,
significante agora comum ao sujeito e ao Outro, traz como consequência uma
petrificação, mas, ao mesmo tempo, articula-se ao campo do Outro, a S
2
, convocando o
sujeito a um deslizamento no sentido. Tal deslizamento implica a divisão do sujeito entre
os significantes, de modo que o sujeito não está todo representado por nenhum
significante, estando sempre em deslocamento, no intervalo entre dois significantes. Soller
(1997) destaca que o sujeito da alienação é o sujeito incluído no grafo do desejo no nível
inferior, que tem que escolher entre a identificação fixada por um significante (a
petrificação) e a indeterminação, resultante do deslizamento no sentido.
É importante demarcar que a alienação não designa uma dependência do Outro,
mas uma divisão lógica que o significante produz no sujeito. Para Lacan
(1964[1960]/1998), “não é o fato dessa operação se iniciar no Outro que a faz qualificar de
alienação. Que o Outro seja para o sujeito o lugar de sua causa significante só faz explicar,
aqui, a razão por que nenhum sujeito pode ser causa de si mesmo” (p. 855). A alienação
reside no fato da divisão do sujeito, isto é, implica que, se ele aparece em algum lugar
como sentido, em outro se desvela seu desaparecimento. E isso pelo fato de ele não poder
ser todo representado por um significante, estando sempre dividido ao menos entre dois, de
modo que
o efeito de linguagem é a causa introduzida no sujeito. Por esse efeito, ele
não é causa dele mesmo, mas traz em si o germe da causa que o cinde.
Pois sua causa é o significante sem o qual não haveria nenhum sujeito no
real. Mas esse sujeito é o que o significante representa, e este não pode
representar nada senão para um outro significante (p. 849).
Porém, o Outro não é o “tesouro dos significantes” (Lacan, 1957-1958/1999, p.
17), lugar da linguagem, do código – dimensão do Outro que se evidencia na alienação. Ele
é também o Outro do desejo, barrado, faltoso e, nesse sentido, na medida em que o sujeito
é representado por um significante para outro, algo mais circula na cadeia. No intervalo
entre os significantes lugar da metonímia –, desloca-se o desejo, de modo que, aí, o
sujeito experimenta uma outra coisa a convocá-lo, que não o sentido. Nas palavras de
Lacan (1964/1998):
54
É no intervalo entre esses dois significantes [S
1
-S
2
] que vige o desejo
oferecido ao balizamento do sujeito na experiência do discurso do Outro,
do primeiro Outro com o qual ele tem que lidar, ponhamos, para ilustrá-
lo, a mãe, no caso. É no que seu desejo está para além ou para aquém no
que ela diz, do que ela intima, do que ela faz surgir como sentido, é no
que seu desejo é desconhecido, é nesse ponto de falta que se constitui o
desejo do sujeito (p. 207).
Inserimos aqui o esquema indicado por Soller (1997, p. 63), que evidencia essa
dimensão desejante do Outro:
Soller destaca, a partir desse esquema, que o Outro implicado na separação não é o
Outro implicado na alienação, cheio de significantes, mas o Outro a quem falta alguma
coisa. Essa virada apontada na teoria lacaniana é de grande importância. Afinal,
podemos pensar em um sujeito desejante se tomarmos o Outro nessa dimensão de faltante,
não-absoluto e, portanto, como aquele que não porta um saber e uma verdade sobre o
sujeito. Resta a este um espaço para se constituir a partir das marcas deixadas pelo que foi
tomado do Outro, mas sem se igualar a elas, produzindo algo diferenciado, dimensão de
criação ou recriação, que permite ao sujeito ir além do que está inscrito, selado como
destino no campo do Outro.
Fernandes (2000) ressalta que isso possibilita pensar as operações de alienação e
separação não como dois processos temporalmente distintos, porém numa simultaneidade.
Isso porque no Outro estão presentes, desde o início, as duas dimensões: a do Outro,
tesouro dos significantes, e a do Outro do desejo. Pensá-las numa simultaneidade permite
depreender a presença de uma falta operando na consecução do próprio processo de
alienação, sem a qual nenhum significante destinado ao sujeito poderia se colocar como
suporte do desejo do Outro e como questão para o sujeito.
S
1
S
2
Α
/
Desejo
55
Souza (2005) assinala que, no processo de alienação, o Outro também sofre uma
perda, perda de significantes, que lhe são tomados, subtraídos, arrancados, que estão agora
no campo do sujeito. O significante, por ser perdido, adquire um estatuto estranho: “é
significante porque vem do Outro; não é significante porque se tornou elemento isolado,
resto, outra coisa, objeto. Esse significante arrancado do Outro, sua perda, isso que do
Outro cai como resto, é o objeto a(p. 19). Ao que Rabinovich (2000) acrescenta: “o ser
do S
1
,
retorna sob uma forma nova de opacidade, produto do simbólico, que é o objeto a,
que cai entre dois significantes, é a perda que se produz entre dois significantes” (p. 127).
Assim, se na alienação sobressai a dimensão significante e o sujeito barrado,
produto da intervenção significante, na separação sobressai a dimensão do objeto, objeto a,
causa de desejo e operador de gozo, de modo que a subordinação do sujeito ao objeto tem
aqui sua primazia.
Se a “união” é destacada por Lacan para falar da alienação, a separação se funda na
“interseção” ou produto. A interseção é formada pelos elementos comuns aos dois
conjuntos, e o que é comum ao sujeito e ao Outro é um ponto de falta. Soller (1997)
ressalta que Lacan modifica essa estrutura, de modo que a interseção é por ele constituída
pelo que falta a ambos os conjuntos, e não pelo que pertence aos dois, ou seja, em ambos
falta um significante que dê conta de representá-los. Mas, para além do significante, no que
o Outro se desvela enquanto desejante, falta a ele o objeto que aplaque e responda ao
desejo, objeto de sua satisfação. A interseção surge, então, do recobrimento de duas faltas
e, nesse sentido, enfatizamos que, para o vel da alienação, uma saída, a via do
desejo” (Lacan, 1964/1998, p. 212).
Assim, “pela função do objeto a, o sujeito se separa, deixa de estar ligado à
vacilação do ser, ao sentido que constitui o essencial da alienação” (Lacan 1964/1998, p.
243). Na separação, operação pertinente ao registro do real, o que cai é o objeto a,
localizado na interseção entre $ e Outro, o que se evidencia pelo esquema escrito por
Laurent (1997, p. 43):
$
Outro
a
56
Soller (1997) ressalta que o Outro só tem significantes e vazio, não podendo
responder à questão do seu desejo. O sujeito da fala, do mesmo modo que o Outro, tem
significantes e vazio. Assim, se alguma resposta ao desejo do Outro pode ser vislumbrada,
é ao nível da pulsão e do gozo, nível que aponta o que o sujeito é para além do significante.
A dimensão pulsional, embora efeito do significante, advém como essa que instala uma
descontinuidade na dimensão significante e que porta uma verdade sobre o sujeito, ainda
que não-capturável, verdade que se faz presente não na fala, mas em ato, em um instante.
A consequência da separação é a passagem da alienação, entre Ser e sentido, para a
estrutura do desejo como desejo do Outro, de modo que o desejo do sujeito pode se
constituir como desejo do Outro. Porém, não basta uma remissão ao Outro para falar de um
sujeito. Aqui, imbricam-se desejo do Outro e desejo do sujeito, sem o qual o sujeito queda
cativo na petrificação.
Duas faltas se recobrem. A primeira remete à perda do Ser. De acordo com Souza
(2005), “o sujeito do inconsciente é vazio de ser e de atributos” (p. 19), de modo que o
sujeito não tem nada que lhe consistência, estando sempre implicado um ponto de
desaparecimento. A segunda é uma perda que se relaciona ao objeto, que, como enfatiza
Souza, convoca o trabalho do sujeito e exige um querer:
Ele o tem que perder [...], mas tem que consentir em perder algo de
seu. Algo que fazia parte do seu organismo, esse algo ele tem que ceder.
Algo que fazia um com o seu corpo, esse algo ele tem que consentir em
que se torne parte, parte que se perde. E além de consentir em perder algo
que era seu, ele tem que querer recuperar a perda, isto é, positivá-la,
torná-la algo, algo com o qual possa fazer alguma coisa. [...] A primeira
coisa que faz é transformar a perda em falta e a segunda, é aprender a
jogar com ela (pp. 19-20).
Na separação, é inaugurada uma identificação de natureza diferente da identificação
ao significante: trata-se da identificação ao objeto a. Rabinovich (2000) destaca que, na
operação de separação certa equivalência entre sujeito e objeto a. O sujeito, na relação
com o Outro, é convocado a comparecer na posição de objeto causa do desejo do Outro, o
que permite a abertura de certo espaço de jogo entre eles. Souza (2005) afere que, nesse
jogo cheio de artimanhas, no qual o parceiro é o Outro, o que o sujeito visa é evitar o
desejo do Outro em sua opacidade, em seu vazio, que é fonte de angústia.
57
Soller (1997) ressalta que, na separação, o sujeito tem uma estratégia: o sujeito, sem
um saber que responda ao seu Ser, é um sujeito que quer vir a Ser, quer vir a saber. Desejo
esse que convoca a dimensão de criação, que é apontada por Lacan (1964[1960]/1998) ao
dizer que na separação o vel retorna como velle (trocadilho com volo, palavra latina que
designa querer, desejar), de modo que, pela queda do objeto, surge um querer, um desejo.
Desejo que se articula com o separare, separar, que se presentifica no parere, gerar a si
mesmo, de maneira que, na separação, o advento de um desejo novo, de uma invenção
de si que vai além do Outro: “é por sua partição que o sujeito procede a sua parturição” (p.
857).
No jogo com o Outro, o sujeito pode jogar com sua falta em dois níveis. Conforme
Rabinovich (2000): “essa falta primeira [intrínseca à alienação] oferece ao sujeito a
possibilidade de jogar com a ausência de seu ser para experimentar a reação do Outro
diante de sua falta, sua ausência como objeto causa do desejo do Outro [falta intrínseca à
separação]” (p. 125). O sujeito joga o jogo de fazer falta, ou seja, ele se oferece como
objeto que falta ou pode vir a faltar ao Outro, de modo que Lacan (1964/1998) explicita
que o primeiro objeto que o sujeito propõe ao desejo parental é sua própria perda pode
ele me perder?” (p. 203: grifos do autor). Assim, o que está no cerne desse jogo é o enigma
do desejo do Outro. Aqui, se evidencia uma tentativa do sujeito de operar com sua
própria perda, colocando-se como objeto do desejo para o Outro.
uma tentativa de saber o que se é no desejo do Outro, ao que Lacan (1962-
1963/2005) afirma que “a angústia [...] está ligada a eu não saber que objeto a sou para o
desejo do Outro” (p. 353). O sujeito, dividido pelo significante, está às voltas com o objeto
que ele é na sua relação com o Outro, objeto causa do desejo (na medida em que
presentifica uma falta) e objeto da pulsão (ligado à satisfação).
Tal objeto é sem objetivação, insólito, sem rosto e sem nome, lógico por
excelência. Identificá-lo seria mascarar a opacidade do desejo do Outro e, logo, do próprio
desejo; seria aplacar a angústia do desencontro com o real faltoso, empreendimento que o
sujeito tenta realizar pela produção de sentido, via fantasia. Fantasia que articula $ e objeto
a, restos ou produtos das operações de alienação e separação. E, como tal, a fantasia só
pode ser construída por meio dessas operações, articulando significante e objeto. O que nos
conduz a averiguar o seminário 14, La lógica Del fantasma (1966-1967/2000), no qual
Lacan retoma essas operações de causação do sujeito.
58
2.2. “Ou não penso ou não sou”: uma subversão do cogito de Descartes
O sujeito começa pelo corte [...] por este corte advém um objeto a. Este
objeto cai, porque é essa a relação que mantém desde a origem, uma
relação fundamental com o Outro (Lacan, 1966-1967/2000, lição de 16
de novembro de 1966).
Lacan retoma Descartes, apontando o corte produzido na história da filosofia pelo
cogito cartesiano “penso logo sou”. Ressalta que o Ser da tradição filosófica, suposta
entidade marcada pelo que é pleno, portando uma essência, uma existência em si, se perde
a partir de Descartes. Ao afirmar “penso logo sou”, ele subordina o Ser ao pensamento, de
modo que evidencia que o Ser não tem uma essência em si, algo que o defina e o constitua.
Ele é esvaziado de substância, é contingencial, construído, fruto ilusório de um sujeito que
pensa. Por essa via, Descartes está em íntima relação com a psicanálise, que é ele quem
introduz o sujeito no mundo. Porém, é Freud quem se dirige ao sujeito, colhendo seus
efeitos.
Lacan, no seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise
(1964/1998) elucida que o cogito inicial de Descartes visa o “eu penso” no que ele conduz
ao “eu sou”
11
, e o verdadeiro fica de fora, em um Outro não enganador, representado pela
figura de Deus. Deus é esse que pode garantir por sua existência as bases da verdade, de
modo que ela é recolocada em algum lugar, ainda que não no Ser. Aqui, Freud instaura
algo de novo; ele coloca sua certeza no pensamento, mas no pensamento inconsciente, na
constelação dos significantes recalcados. Pensamento marcado pelo tropeço, por uma
verdade que é sempre não-toda, sempre fraturada, sendo, contudo, a única possível.
Descartes parte da dúvida, mas, o que Freud vem indicar é que a dúvida faz parte
do texto inconsciente, único texto que porta uma verdade, não havendo nenhuma garantia
de verdade em Outro lugar. Onde dúvida, o pensamento inconsciente está lá, pensa
antes de entrar na certeza. É o “eu penso” inconsciente que revela o sujeito. Portanto, em
Freud, o pensamento começa com a certeza do inconsciente. É interessante retomar a
discussão de Lacan no seminário 14, La logica del fantasma (1966-1967/2000), aferindo
11
Não se trata do eu, moi, mas, sim, do sujeito, je. Lacan utiliza essas expressões no francês para se referir,
respectivamente, ao “eu” e ao “sujeito”, porém, como não contamos com esse recurso linguístico, preferimos
utilizar o eu (tal como na tradução em espanhol), fazendo essa ressalva, para que o leitor saiba que se trata,
no caso, do sujeito.
59
que, antes de Freud, o inconsciente existia; porém, ele pergunta: “quem sabia disso?” O
inconsciente é um terreno totalmente tributário do desejo de Freud.
No seminário 14, A logica del fantasma (1966-1967/2000), ainda com relação ao
cogito, Lacan nos diz que seria ingenuidade acreditar que um Ser pensado. Ou seja, o
pensar não garante uma existência, o que nos remete à falta de garantias que se situa tanto
do lado do Ser como do pensar. A psicanálise demarca que essa queda do Ser e do pensar
vincula-se à função do Outro como marcado pela castração, indicado por S(
Α
/
)
significante que falta ao Outro. Dimensão que Lacan afere como essencial, situando-a
como nervo do cogito. O Outro, como lugar da palavra, não porta uma verdade em si. Ele
evoca a construção de uma verdade fraturada, não toda, de modo que sujeito e Outro estão
“sob o golpe da mesma finitude” (lição de 15 de fevereiro de 1967).
À categoria do Outro, Lacan introduz a função da marca. Ele é marcado pela
castração, fragmentado, barrado por ela. Tal como o cogito, um lugar de ruptura,
ruptura com o próprio cogito de Descartes, ao presentificar a verdade que falta em todos os
campos. A psicanálise possibilita, assim, o advento do desejo, de forma que o S(
Α
/
) é um
dos pontos nodais ao redor do qual se articula toda a dialética do desejo. Pois “esta falta do
Outro é o que designo como o fundamental da alienação” (lição de 25 de janeiro de 1967),
uma vez que o sujeito se aliena aos significantes que vêm do Outro e tece uma cadeia
porque lhe falta uma significação, porque o significante não significa a si mesmo, o que o
remete sempre a outro.
Em contrapartida ao seminário 11 (1964/1986), no qual, como vimos, o Outro
implicado na alienação é o Outro cheio de significantes, e o Outro faltoso presentifica-se
na separação, no seminário 14 (1966-1967/2000), Lacan esclarece que a alienação não
decorre do fato de que sejamos captados, representados no Outro, mas, ao seu avesso, a
alienação está fundada sobre o rechaço do Outro
12
. O Outro é apontado como lugar sem
garantias e sem consistência, onde circula a interrogação do Ser, onde gira o limite do
cogito. Ou seja, alienação porque não há o Ser, porque o Outro, como faltoso, o
certifica o Ser, este já está perdido. Na alienação, intervém a função do Outro, que deve ser
marcado com a barra. Nas palavras de Lacan:
12
Cabe destacar que havíamos apontado essa dimensão do Outro como esse que sempre foi barrado,
indicando que a dimensão do objeto a já estava presente desde o início nas operações de alienação e
separação. Porém, só no seminário 14, Lacan parece formular isso, não nos advertindo que a alienação
se dá porque o Outro não garante uma consistência ao sujeito, mas também abrindo novas vias para pensar a
relação entre significante e objeto na constituição do sujeito, o que evidenciaremos no decorrer do texto.
60
O Outro do vivido inaugural da vida do infante deve em algum momento
aparecer como castrado. Sem dúvida este horror está ligado à primeira
apreensão da castração, suportada pelo que designamos na linguagem
analítica como a mãe [...] personagem carregado de diversas funções que
se relacionam com a vida do pequeno humano, mas que também tem
relação com o mais profundo, com este Outro que está questionado na
origem de toda operação lógica, este Outro que está castrado. O horror
que se produz neste descobrimento é algo que nos leva ao coração da
relação do sujeito com o Outro, no tanto que ai se funda (lição de 25 de
janeiro de 1967).
Se a relação se funda nessa descoberta do Outro como barrado, então, na alienação,
a relação é com
Α
/
, de forma que não lugar onde se assegure a verdade constituída pela
palavra, que garanta o Ser. O S(
Α
/
) designa que o Outro está marcado pela castração desde
o princípio. É disso que se trata desde o início, nessa castração primitiva ligada à mãe.
Por essa impossibilidade do Ser e do pensar, Lacan subverte o cogito cartesiano,
aplicando a ele a lei de dualidade gica de Morgan. Ela permite que, em qualquer classe
ou conjunto, a operação de reunião (que no seminário 11 caracteriza a alienação) possa
também se expressar em termos de interseção (que no seminário 11 caracteriza a
separação), ou o contrário, que a interseção possa se expressar em termos de reunião. Esse
trânsito entre as duas operações evidencia uma diminuição da distância entre alienação e
separação, uma vez que as operações matemáticas, que demarcam uma diferença entre
elas, são, de certo modo, equivalentes.
Uma operação se transforma na outra por meio de uma dupla negação, e, como
salienta Rabinovich (2000), a lei de dualidade não é uma dupla negação no sentido habitual
do termo, em que uma negação anula a outra, produzindo um sentido positivo. Trata-se de
um outro tipo de negação que permite conservar a formalização de uma perda, perda essa
irremediavelmente implicada no próprio enunciado que se produz. Por essa lei, o cogito
transforma-se em uma disjunção, que se funda em um “não” excludente, que se evidencia
em dois “ou” nada inclusivos: “ou não penso ou não sou” (Lacan, 1966-1967/2000, lição
de 14 de dezembro de 1966). Conforme é pontuado por Lacan, o “logo” do cogito
cartesiano (“penso logo sou”) é substituído pelo “ou”. O que vinha designar uma
consequência, agora é restritivo, exclui um dos termos, porta um fator letal, é um vel
alienante.
É interessante destacar que, no seminário 11 (1964/1998), o objeto a foi localizado
na interseção entre o sujeito e o Outro (como indicado no esquema da página 55),
61
interseção que demarca um ponto comum entre os dois campos: a falta. Sujeito e Outro são
marcados pela perda inaugural do objeto, que os configura como faltosos.
no seminário 14 (1966-1967/s.d.) o “ou” é ponto de interseção entre o “ser” e o
“pensar”, demarcando que ambos os campos estão perdidos, estando marcados pela
falta. O “ou” aparece, portanto, no lugar conferido ao objeto a no seminário 11
(1964/1998), o que nos permite esboçar o seguinte esquema
13
:
Esse “ou”, tal qual o objeto a, demarca que nessa interseção instaura-se uma perda,
inevitavelmente um resto, uma parte que permanece de fora. Se o “logo” assinala uma
conjunção, o “ou” delineia uma disjunção. Não uma concordância entre pensar e Ser.
Uma verdade unificadora está ausente; o que há é um detrito, um resto que se instaura pela
não reciprocidade que caracteriza a estrutura. Pensar e Ser não podem ser verdadeiros ao
mesmo tempo, pois se excluem mutuamente.
Lacan (1966-1967/2000) destaca que essa disjunção afeta não o Ser ou o pensar,
mas o sujeito. É ele que não possui uma unidade, uma consistência. O sujeito não se
delineia por nenhum desses campos. Ele sofre um desaparecimento, uma afânise; se
aparece em algum lugar, em outro desfalece: onde eu
14
penso, não sou; onde eu sou, não
penso.
A escolha forçada da alienação evidencia-se pelo “ou não sou ou não penso”,
ratificando que um “pensar sem eu” (pensar sem sujeito) e um “ser sem eu” (ser sem
sujeito), introduzindo o conjunto vazio, presente em todo conjunto, e que designa o sujeito.
O sujeito é, assim, o ponto comum de interseção entre os conjuntos, é o que falta a ambos.
A negação recai sobre o conjunto vazio, estando o sujeito sob essa marca, e, por
conseguinte, sob a marca do recalque. O sujeito é, então, conjunto vazio, confinado ao
13
Lacan nos explicita esse esquema no seminário 14, La logica del fantasma (1966-1967/2000), durante a
lição de 11 de janeiro de 1967. Porém, não o encontramos tal qual reproduzido aqui, uma vez que
sintetizamos suas construções em um só esquema.
14
Vale relembrar que se trata do sujeito e não do eu, como destacado na nota de rodapé da página 58.
não
penso
não sou
ou
62
inconsciente, o que o demarca em sua evanescência, em sua afânise. O sujeito é, sobretudo,
inconsciente. Ele é o sujeito dividido, sobre o qual a consciência nada sabe. Daí situar-se
entre dois significantes, no ponto de interseção entre eles, ou seja, no ponto de não sentido,
de hiato, de não recobrimento da cadeia significante. Lacan, no seminário 14, define o
sujeito como uma mancha, impossível de ser encontrada, pois esconde-se a cada
possibilidade de encontro.
Se, no seminário 11(1964/1998), Lacan postula a opção da alienação por “o ser ou
o sentido?”, no seminário 14 (1966-1967/2000), ele coloca essa escolha pelo cogito
cartesiano no “ou não sou ou não penso”, demarcando que ambos, Ser e sentido, estão
perdidos. Se há alienação, é porque Ser e sentido já se perderam.
Por essa subversão do cogito, que traz em seu bojo essas duas perdas, Lacan tenta
circunscrever uma relação entre o inconsciente e o Isso. Elucida que não um “eu sou”
ou um “eu penso”. O sujeito existe como efeito de um discurso, sendo marcado pela
negação. Há, portanto um “não penso”, que se positiva em “ser sem eu” (ser sem sujeito),
que se articula ao Isso; e um “não sou”, que se positiva em um “pensar sem eu” (pensar
sem sujeito), que se articula ao inconsciente. Desse modo, inconsciente e Isso se articulam
a duas formas de perda.
O inconsciente se situa do lado do sentido, referenciado à impossibilidade do
significante significar a si mesmo, o que instaura a cadeia significante; e, logo, o pensar
inconsciente. Pensar que relança sempre o sujeito a um outro lugar, de modo que ele não é
representado por nenhum significante, daí o pensar sem sujeito. Donde, também, insere-se
o inconsciente como aquele que se inscreve pela falta de saber instintual, ou seja, é porque
falta esse saber inscrito no organismo vivo, que o inconsciente constitui-se como um saber,
saber à revelia do sujeito, tentando dar conta da falta de garantias, tentando construir um
sentido onde o saber falta.
O Isso, localizado do lado do Ser, relança-nos à impossibilidade da satisfação total,
à perda de gozo, não mais na vertente significante, e, sim, na pulsional. Instaura-se a
pulsão acéfala, que, contrapondo-se ao desejo, não cara, rosto, nome ao objeto, apenas
instaura, a partir do corpo, um circuito pulsional em torno da Coisa. O que esclarece o Ser
sem sujeito, pois, no Isso, o sujeito também está excluído, não é senhor do seu movimento
pulsional, e nem mesmo dos objetos que o satisfazem.
Se a lei de dualidade lógica de Morgan permite conservar essas duas perdas, então
o processo de separação está presente na escolha em jogo na alienação. A separação
63
está implicada na fórmula “ou não sou ou não penso”, que aponta para um corte
constitutivo. Conforme Lacan (1966-1967/2000), o objeto a é o primeiro recorte que o
Outro produz no sujeito, estando as duas dimensões, a do significante e a do objeto,
imbricadas. Ele ainda destaca que a operação de separação se dá não no vivo, mas neste em
sua relação com o Outro. Na interseção do sou e do penso, localiza-se o “ou” exclusivo, vel
alienante, que alude à perda letal de uma libra de carne, relançando-nos ao objeto a.
Rocha (2002) destaca que, no seminário 11, sujeito e Outro não se encontram
no ponto em que os círculos de Euler se cortam, mas são estruturados por esse corte, de
modo que “a borda não divide a coisa pre existente, mas é ela mesma que estrutura os dois
campos” (p. 145). Há, assim, entre sujeito e Outro, uma relação de circularidade sem
reciprocidade. Relação que não encontra suporte em nenhum dos lados. O único suporte
possível é o que se produz no corte, é a perda que reaparece como falta em ambos os
conjuntos. Porém, não é uma falta que circula de um lado ao outro, não é uma alternância
(ou isso ou aquilo, ora isso ora aquilo; não é desse ou que se trata), é uma falta que
possibilita, que constitui, que ordena e engendra o campo. Esse “ou” não é de alternância,
mas de mutilação, é um vel letal. O vel imposto pela reunião, por ser letal, por produzir um
corte, nos indica que a dimensão aferida no parêntese que se forma entre os círculos, revela
a (conforme esquema da gina 54) e, por conseguinte, descortina, implica em si a
separação.
Lacan, ao utilizar a lei de dualidade de Morgan, evidencia que as operações de
alienação e separação são processos indissociáveis e circulares. Como já indicado, por
meio de uma dupla negação, interseção e reunião transformam-se uma na outra, apagando
a distância entre elas. A negação é, como Freud (1925/1989) nos diz, a marca do recalque.
O “não” nos indica uma divisão psíquica; não registro dele no inconsciente; ele produz
um corte. Por essa via, Lacan (1966-1967/2000) relaciona a alienação com o recalque
primário, processo mítico, fundador do aparelho psíquico, onde se coloca essa primeira
escolha, marcada por esse “não” que implica uma perda, produzindo, assim, uma divisão.
Com a perda constitutiva do suposto objeto de satisfação, o aparelho psíquico, em
uma tentativa de mantê-lo presente, realiza um primeiro registro, uma inscrição mnêmica,
primeira marca, fundante do psiquismo, que é puro traço, sendo confinada no inconsciente
sem nada significar. Freud (1915a/1989) pontua que esse primeiro traço recalcado,
nomeado recalque primário, continua a produzir efeitos no sujeito, funcionando como um
ponto de fixação, primeiro núcleo atrativo do inconsciente. A partir de então, as
64
representações, que serão recalcadas, serão aquelas que mantêm certa relação com o
recalcado primeiro, recalcado que tenta preencher a ausência de objeto.
Desse modo, o psiquismo se funda por um buraco deixado pela ausência de um
objeto que dê consistência àquele sujeito – contornado por representações, por traços
mnêmicos que se ligam por um elo que o sujeito desconhece, estando o sujeito, mais uma
vez, ausente nisso que se encadeia, constituindo a fantasia inconsciente de cada um.
Lacan nos fala de S
1
para designar essa primeira marca significante, traço
diferencial de uma ausência, e de S
2
para indicar os demais significantes que se inscrevem
em cadeia com S
1
, na tentativa de significá-lo. Significação que visa tamponar o buraco
que S
1
vem preencher e ao mesmo tempo atualizar, fazendo borda ao puro vazio: não o
objeto que completa o sujeito, aplacando-lhe o movimento pulsional.
Assim, essa primeira inscrição psíquica está sob a marca do recalque. Aí, se
coloca a escolha forçada da alienação, “ou não penso ou não sou”, na qual o “não” que
recai sobre o sujeito formaliza uma perda. Essa perda é anterior a qualquer registro
psíquico. É ela que convoca o significante e, simultaneamente, é o significante que torna
presente essa ausência. O que está no início, o significante não o designa; o que está na
origem não é o sujeito; na origem, não há existência, senão o objeto a. Aqui podemos dizer
de uma antecedência lógica da separação, motivo pelo qual ela vem incluída na escolha
alienante.
Podemos falar de uma antecedência lógica na medida em que alienação e separação
ganham esse estatuto retroativamente, no que o significante representa uma perda para
outro significante, instaurando a cadeia, que torna possível a incidência do sujeito. Lacan
(1966-1967/2000) afere que “a repetição, é precisamente nisto que o ato é fundador do
sujeito” (lição de 15 de fevereiro de 1967). Repetição como uma força de retorno, inscrita
na estrutura. Assim, alienação e separação o são operações que existem por si mesmas,
elas têm um estatuto lógico, e se significam em uma segunda volta, na qual se articulam
inconsciente e Isso, desejo e pulsão, significante e objeto.
O “ser” e o “pensar” podem aparecer sob a marca do recalque. Lacan como
salientado, ressalva que o inconsciente alinha-se do lado do “não sou”, de um pensar sem
sujeito, enquanto o Isso se caracteriza pelo “não penso”, um Ser acéfalo, Ser sem sujeito.
Nesse contexto, o “pensar sem sujeito” é assinalado por um corte significante, em
que o sentido está ausente, não define o sujeito, não produz um Ser pensado, de modo que
o inconsciente estrutura-se como linguagem, estrutura-se pela cadeia significante que,
65
marcada pelo “não sou”, tende ao infinito, uma vez que o sentido nunca se esgota, não
produz um “eu penso”, uma verdade que escape ao “não”.
Lacan (1964/1998) nos fala que “o um que é introduzido pela experiência do
inconsciente é o um da fenda, do traço, da ruptura [...]. A ruptura, a fenda, o traço da
abertura faz surgir a ausência” (pp. 30-31), como o grito faz advir o silêncio, como
silêncio. Pelo que se inscreve, o que não se inscreve faz sua entrada como campo de
possibilidades.
O inconsciente, como aquilo que tropeça, como uma descontinuidade, onde o
sujeito se apresenta em uma vacilação, produz a cada abertura, como efeito de surpresa, o
sujeito como achado, ou melhor, como “reachado”, sempre prestes a escapar de novo,
instaurando a dimensão da perda.
Por sua vez, o “ser sem sujeito”, próprio do Isso, é assinalado por um corte no
corpo, corte significante que reparte o corpo em zonas erógenas, marcando-o como
pulsional, de modo que no Isso se inscreve uma outra gramática, não a gramática do
significante, que se desenrola na cadeia, mas a gramática da pulsão, que se articula ao
gozo. E embora a pulsão esteja articulada à demanda ($D), ela é sobretudo corporal; é
quando a demanda se cala que a pulsão começa. Dela, o sujeito nada sabe; nela, o sujeito
está ausente, ela funciona a sua revelia. É nessa gramática desconhecida que o sujeito deve
advir em um processo de análise, para que possa ascender a algo do seu gozo.
Freud (1933[1932]/1988) destaca que a principal característica do Isso é o fato de
ser alheio ao sujeito, tanto que as leis do pensamento não se aplicam a ele, de forma que
pode ser abordado por analogias: “caos, caldeirão cheio de agitação fervilhante” (p. 78);
“energia pulsional que procura descarga é tudo que existe no Isso” (p. 79). Lacan (1966-
1967/2000) acrescenta: “o Isso é um pensamento mordido por algo que é, não o retorno do
Ser, senão des-ser” (lição de 11 de janeiro de 1967).
Aqui, inserimos algo de novo que Lacan nos traz no seminário La logica del
fantasma (1966-1967/2000). Ele nos fala que, do lado do Outro que se chama corpo
15
, se
redobra a alienação, como “alienação do gozo” (lição de 14 de junho de 1967), e
conjeturamos esse campo como referido ao Isso. Ou seja, enquanto o inconsciente nos
15
Lacan menciona o corpo como Outro, aferindo seu caráter de extimidade, ao mesmo tempo estranho e
íntimo, ou seja, o corpo é familiar, mas é por ele que o sujeito pode comparecer frente ao Outro, sendo
constituído em sua unidade imaginária com o pequeno outro e legitimado pelo Outro. Uma vez repartido pelo
significante, torna-se fonte de um gozo outro, estranho ao sujeito, no qual ele não se reconhece.
66
remete à alienação significante, o Isso nos expede a alienação do gozo. De um lado uma
fixação significante; de outro, uma fixação de gozo.
No inconsciente, o sujeito, sem a garantia do pensar, sem significação, se desloca
na cadeia, colocando, no discurso e em ato, os significantes do Outro que o engendram,
donde se situa o enunciado gramatical que constitui a fantasia fundamental, da qual o
sujeito nada sabe. É nos significantes dessa cadeia inconsciente que o sujeito se aliena, ou
seja, é por eles que se constituem sua divisão e indeterminação originária.
No Isso, o sujeito está excluído. A queda do suposto objeto da satisfação, perdido
pela inoculação significante, produz uma partição do corpo, uma subversão do instinto em
pulsão, da qual o Isso é sede. Sem acesso ao Ser e à complementaridade, barrado em seu
gozo, o sujeito se identifica ao objeto imaginário do suposto gozo do Outro e retoma,
coloca em ato, o modo de gozo que lhe foi fixado e lhe aparece como estranho, modo de
gozo fixado pela gramática da fantasia.
Ambos, inconsciente e Isso, são marcados por a, e é por esse objeto que a alienação
pode se dar, mas é também por ele que a separação se faz.
O inconsciente se funda nessa hiância, é a ela que os significantes fazem borda. É
esse vazio que o tecido significante visa tamponar, e é por ele que o desejo advém. Desejo
que possibilita ir além da alienação significante, ir além do enunciado ditado pelo Outro.
Desejo esse que pode emergir pelo advento desse objeto como faltante tanto no campo
do sujeito como do Outro.
No Isso, a, como dejeto, exerce a função de mais de gozar, possibilitando a
satisfação pulsional, ainda que, na compulsão à repetição. Gozo, ao qual, pela identificação
possibilitada pela separação identificação não mais imaginária, mas sim ao objeto a, em
um “reconhece-te, tu és isto” (Lacan, 1966-1967/2000, lição de 25 de janeiro de 1967) o
sujeito pode ascender.
Se, como já salientado, a é o primeiro círculo que o Outro recorta no sujeito, é a
partir desse primeiro corte que algo pode se inscrever, produzindo outros (re)cortes, donde
podemos falar de um sujeito, retroativamente, (re)cortado. O objeto a é o resultado
efetuado de operações lógicas, que devem ser duas” (Lacan, 1966-1967/2000, lição de 16
de novembro de 1966), sendo, por conseguinte, efeito não da separação, mas da
inoculação significante que se produz no sujeito. Ele é fruto de uma segunda volta, do ato
de retorno. Podemos falar desse objeto por sua perda, que se presentifica pela cadeia
significante, por seus hiatos.
67
Verificamos, no primeiro capítulo, pelo seminário 10, A angústia (1962-
1963/2005), os diversos (re)cortes que o Outro produz no sujeito. No seminário 14 (1966-
1967/2000), Lacan retoma as partes do corpo que se prestam a essa operação de estrutura
lógica, da qual surge a: o seio, as fezes, a voz e o olhar, como peças separáveis e, no
entanto, profundamente religadas ao corpo. São objetos sem representação, que têm
estatuto de um ponto de gozo, demarcando a suspensão do sentido. Sua função na fantasia
é ser o suporte do sujeito na pulsão.
Esse objeto, positivado no nível do Isso, se articula com a perda constitutiva da
pulsão, tornando-se, mediante a falta que a pulsão introduz na necessidade biológica e com
a passagem da necessidade à pulsão, causa de desejo.
É, então, a partir desse primeiro círculo que o Outro vem recortar no sujeito, que o
objeto a se situa na interseção que delimita o que de comum a esses dois campos: a
alienação e a separação, o Outro e o sujeito, o “não sou” e o “não penso”, o inconsciente e
o Isso. O que eles partilham é um corte, um conjunto vazio.
As dimensões do sujeito, do Outro e do objeto a, não podem ser pensadas de modo
desvinculado. O Outro existe marcado pela castração, logo, por essa ausência
constitutiva de objeto. O objeto, como detrito, é o que resta da operação significante no
vivo (que a posteriori está ausente), operação essa que não se efetivaria sem a queda do a.
O sujeito, por sua vez, é esse que logicamente é colocado ausente em um momento mítico
(como o vinha indicar no grafo do desejo, ou o organismo vivo no seminário 11), mas
que em movimento de retroação, único movimento possível quando se trata de
significantes, sempre esteve ali, sempre existiu. Daí, Lacan (1966-1967/2000) nos dizer
que o sujeito tem uma existência lógica, e não uma existência de fato, o que podemos
estender ao Outro e ao objeto a, como existências que se relacionam ao manejo do
significante e ao seu modo retroativo de produção de sentido.
No seminário 14 (1966-1967/2000), Lacan pontua que o objeto a cai primeiro, tal
como foi indicado no seminário A angústia (1962-1963/2005), no qual ele se refere a uma
partição que se efetua no próprio ato do nascimento. Primeiro, é o objeto a que cai, e não o
sujeito barrado, de modo que a separação seria fundante. Ela indica que o objeto dessa
queda é o primeiro Ser do sujeito, aquele que pode ser dito miticamente, marcado pela
negativa. Se a primeira queda do sujeito, sob a forma de objeto, é concomitante à sua
inscrição no Outro do significante, que é correlativa à articulação da pulsão ($D), então
alienação e separação se apresentam como processos indissociáveis, ao que Lacan destaca
68
que na descoberta do inconsciente está a verdade da alienação, porém o suporte dessa
verdade é a.
Rabinovich (2000) ainda ressalva que essa queda é originária, e não secundária,
para o objeto, ela é estrutural para o objeto, por isso o objeto é resto, dejeto. O objeto, em
primeiro lugar, é resultado da perda, da queda, e depois se torna causa, no retorno
significante, em termos lógicos, e não cronológicos. Essa queda do objeto como fundante
nos remete ao fato de que o significante, ao tentar inscrever esse objeto no psiquismo,
falha, uma vez que o significante não significa nem a si mesmo. Significante e objeto
possibilitam o advento do sujeito porque rateiam, tanto que construção da fantasia
porque é preciso construir uma significação, porque ela não está dada a priori, porque um
significante não significa a si mesmo.
O S(
Α
/
) é a chave para a lógica da fantasia, uma vez que é pela falta de saber que
cada um fantasmatiza a realidade do inconsciente. A fantasia se constitui, assim, como um
enquadre suportado e construído por um enredo, que tem estrutura de ficção e no qual o
sujeito é o único suporte e modo de existência. Ela compõe a realidade como uma
montagem, um enquadre que encobre o real, que é entre-percebido pela máscara da
fantasia. Máscara que tece uma relação entre sujeito barrado e objeto a, tentando encobrir o
real da falta que aí se coloca. O sujeito não é garantido nem pelo pensar, nem pelo Ser;
ambos se perderam desde a operação mítica, fundante do psiquismo, na qual se
colocavam, em uma relação de junção e disjunção, as operações de alienação e separação.
Desse modo, deteremos-nos na fantasia fundamental, como uma construção que nos
remete às operações fundantes, e ao processo de retroação, no qual o significante retroage
sobre o objeto, possibilitando um espaço de jogo entre o sujeito e o objeto a. Espaço
marcado por uma junção e uma disjunção, tal qual o matema da fantasia ($a) vem nos
indicar.
69
3. UMA CONSTITUIÇÃO QUE SE ATUALIZA
3.1. “Lá onde estava o isso o sujeito deve advir”: um percurso pela lógica da
fantasia
Para abordar a lógica da fantasia, retomaremos, com Lacan, o texto freudiano “Uma
criança é espancada: uma contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais”
(1919/1989), no qual Freud, por suas observações clínicas, se refere a diferentes estruturas
gramaticais que se presentificam na constituição da fantasia. Ele observa que uma mesma
fantasia é repetida por vários pacientes. Fantasia que se reduz a uma frase: “uma criança é
espancada” (p. 226). Quando questionava sobre quem era a criança que estava sendo
espancada e quem batia, apenas ressoava a resposta hesitante: “nada mais sei sobre isto:
estão espancando uma criança” (p. 227).
Essa fantasia de espancamento sofre modificações no que diz respeito ao seu autor,
objeto, conteúdo e significado. Em uma primeira fase da fantasia de espancamento, é
fornecida pelo analisante a informação imprecisa: “uma criança é espancada” criança
essa que nunca é a mesma que criou a fantasia, mas sempre outra. A pessoa que bate
permanece obscura, se podendo dizer que é um adulto. Posteriormente, fica claro que
quem está batendo é o pai da criança, de modo que a fantasia é representada pela frase: o
meu pai está batendo na criança” (p. 232: grifos do autor).
Na etapa seguinte, ocorrem profundas transformações. A pessoa que bate continua
sendo o pai, mas agora quem é batida é a própria criança que construiu a fantasia. Esta se
torna fonte de intensa satisfação pulsional e adquire um conteúdo significativo para aquele
que a relata. Agora, portanto, a frase seria: estou sendo espancada pelo meu pai(p. 232:
grifos do autor). Freud esclarece que, embora esse seja o tempo mais importante, jamais
teve existência real e nunca chega a ser lembrado, não se tornando consciente. É uma
construção da análise: “a fantasia, via de regra, permanece inconsciente e pode ser
reconstruída no decorrer da análise” (p. 238).
Segue-se um terceiro momento, que retoma algo do primeiro. Quem bate não é
mais o pai, mas um substituto dele. A figura da criança que cria a fantasia é suprimida; ela,
por vezes, está olhando e elabora a cena de várias maneiras, colocando em cena diversas
crianças, que estão sendo espancadas por castigo, que estão sofrendo humilhação, podendo
70
o próprio espancamento ser substituído por outra cena. A fantasia liga-se a uma forte
excitação sexual, sendo fonte de satisfação para a criança, que a reproduz inúmeras vezes.
Desse modo, o tempo da fantasia no qual a criança se situa como agente “estou sendo
espancada pelo meu pai – é recalcado, permanece não sabido. Porém, a fantasia se
mantém intacta e potencialmente operante no inconsciente, ainda que o sujeito nada saiba
dela. O recalque funciona, mas não totalmente; há algo que insiste em retornar, mesmo que
não pela via do conhecimento. Substitutos do recalcado se impõem, apesar do recalque.
Freud, para articular essa satisfação pulsional, precisa passar pela estrutura
gramatical: a frase “uma criança é espancada” encobre outra, estou sendo espancada pelo
meu pai”, estrutura privilegiada por Lacan (1966-1967/2000), por ser o suporte da pulsão e
o único enunciado em que a criança é o sujeito da frase. É o único tempo, porém, que não
pode ser recordado, o que nos remete à posição em que o sujeito se localiza. Ele se oferece
como objeto do desejo e do gozo do Outro, colocando-se como objeto por meio do qual
gira o estatuto do sujeito gramatical, e, ao mesmo tempo, está identificado ao objeto,
presentificando a vertente pulsional, de modo que o sujeito está ausente. Nessa perspectiva,
jamais é o sujeito quem é espancado, ele está excluído da fantasia.
Evidencia-se que a fantasia é estruturada como uma linguagem, “já que a fantasia,
no final das contas, é uma frase com uma estrutura gramatical” (Lacan, 1966-1967/2000,
lição de 14 de junho de 1967), porém é uma frase que se articula a uma economia, a um
valor de gozo. Articula, portanto, o sujeito barrado em sua significação, dividido entre os
significantes, e o sujeito pulsional, do gozo, que se alinha do lado do objeto, identificado a
ele. Ou seja, a fantasia tem uma gica significante a partir da sua estruturação como uma
montagem gramatical, mas essa montagem serve de suporte à pulsão.
Morel (2008) enfatiza que é a partir desse texto freudiano que Lacan reteve que o
suporte da pulsão na fantasia é uma frase. Uma frase que teria lugar de um axioma único
na estrutura do sujeito, de um ponto fixo que suportaria a estrutura. Uma constante
determinando a vida do sujeito, como uma lei singular do desejo, dando a cifra do seu
destino.
Dizer que a fantasia é um axioma significa dizer que é “um enunciado fundador,
absoluto, original, sobre o qual a estrutura se forma” (Ribettes, 1985, p. 115). Uma verdade
evidente por si mesma, uma máxima, uma sentença. É algo do qual partimos, que tem
consequências, mas que não sabemos sua origem, não sabemos o que veio antes dele,
podemos saber a partir dele. O enunciado da fantasia, ou seja, a frase em que ela se
71
sustenta, tem o valor lógico de uma verdade. Jorge (2004) demarca que é um ponto
limítrofe, é uma afirmação simbólica, linguageira, feita por significantes, além da qual não
temos nada, ou temos o nada em sua consistência. Temos o real, que a fantasia vem velar.
Assim, o que cada um denomina realidade é o que pode ver pela lente da sua
fantasia, que funciona como janela para o impossível de representar. Vemos o mundo
“através da ferramenta deformante da fantasia; mas não outra” (Tyszler, 2007, p. 101),
não há uma realidade em si, que seja assegurada ao sujeito.
Tyszler (2007) aponta que a fantasia é a condição de uma janela para o mundo, de
um laço erotizado com o Outro e, logo, da construção de qualquer demanda; ela é também
uma visão monomorfa e estreita, medida de um mundo que cremos feito à nossa imagem,
i(a). Ela se constitui como uma proteção ao enigma do desejo e nos guia na sua direção,
mas mascarando o real do desejo, velando a falta, ao conferir uma imagem, um corpo e
nome ao objeto nada objetivável que é causa do desejo.
Esse autor ainda afere que, em um processo de análise, os delineamentos da
fantasia estão presentes desde as primeiras entrevistas, por duas vias: por meio dos
significantes que agenciam a vida do sujeito, que acompanham sua fala desde o
nascimento; e pelo seu laço com o analista, donde sobressai o objeto que o sujeito se faz
para o Outro. Isso porque, ainda a partir de Tyszler, é pela fantasia que a criança se faz
objeto do desejo do Outro, destacando, especificando um gozo que permanece indizível.
Gozo do qual temos apenas o rastro nas diferentes imaginarizações dos objetos de
substituição, “objetos dos roteiros de sonhos e devaneios; objetos fetichizados na vida
erótica”, que tecem a fantasia como um roteiro imaginário que nos parece totalmente
familiar, “pequena companheira habitual de nossas manias, de nossas coisas fetichizadas,
de nossos divertimentos cotidianos... de nossas preferências sexuais...” (p. 107).
A fantasia, pensada como essa janela, essa moldura para o mundo, tem destacada
sua vertente imaginária, de atarracar a um sentido único uma imagem pronta, porém, essa
moldura, que tenta afixar uma imagem, um i(a), é constituída por significantes, e estes, ao
engendrarem o sujeito, se enlaçam (numa junção e disjunção) ao objeto. Objeto que
presentifica o real de gozo, impossível de se inscrever nessa tela, de maneira que sempre
algo do real que insiste em não se representar, escapando a toda atribuição de sentido.
Trata-se do objeto a, “objeto da operação pela qual o sujeito privilegiou tal gozo do Outro.
Ele se fez boca, merda, olhar ou voz de um gozo [...] ao qual ele não pode dar sentido, ao
qual ele não pode dar imagem” (Tyszler, 2007, p. 107). Tyszler aponta que é por esse gozo
72
que se presentifica a vertente inerte, não-dialetizável, impossível de dizer, frase sem
palavra da fantasia estou sendo espancado pelo meu pai”. Frase sem consistência de
realidade ou de lembrança, que não designa o que acredita dizer, que designa um real
indizível, do qual o sujeito participa se fazendo objeto para o Outro.
A fantasia, como este enlace entre sujeito e objeto, pode ser pensada como uma
articulação entre simbólico e real, como uma tentativa de dar um recorte simbólico a uma
satisfação pulsional que é real. O inconsciente, com sua estrutura de linguagem, recorta
essa vivência de satisfação completamente evasiva, conferindo-lhe alguma significação,
qualquer uma. Significação que é conferida pela fantasia, axioma que parte desse ponto de
real.
Nessa vertente, Ribettes (1985) esclarece que a fantasia tem por função regular o
gozo. Nela, entrelaçam-se princípio de prazer e de realidade. Ela fixa a tela da realidade e,
ao mesmo tempo, tenta manter a menor tensão, o menor gozo, embora dando acesso ao seu
mais além, de modo que a fantasia sustenta o real sob a forma de um resto de gozo, o
objeto a, caído da operação de corte efetuada pelo significante. Assim, o objeto a é o que
designa esse resíduo que provém do para além do princípio do prazer, e é nesse limite
imposto ao gozo que o desejo se constitui.
Pontuamos que a fixidez e a repetição que caracterizam a fantasia não são apenas
repetição significante, pois respondem à compulsão de gozo, comandada pela inércia do
real. Assim, a clínica, por meio do sintoma, nos traz não a repetição significante, mas
também a repetição de gozo, onde a pulsão de morte se encontra reatada à cadeia
significante. Ao que Ribettes (1985) esclarece que a repetição de gozo presentifica o real
como instância sensível na clínica.
A fantasia inconsciente está na origem do sintoma. É no seu texto que o sintoma vai
buscar material simbólico e é na posição objetal em que o sujeito se encontra que se fixa
seu modo de gozo. O sintoma adquire seu valor na medida em que permite remontar à
fantasia, tanto em sua vertente significante quanto de gozo, vertente impossível de ser dita,
excluída do simbólico, colocada em ato. Dela, o sujeito está ausente, participa como
objeto.
Na fórmula da fantasia ($a), Vandermersch (2002) situa a punção () como o elo
entre o corte significante que se realiza no Outro e o corte corporal que faz borda à pulsão.
Para ele, a punção seria esse elo constituído por duas operações, uma de ida, de inoculação
no campo do Outro, e uma de retorno sobre o sujeito. Movimento de retorno que fecharia a
73
punção, tornando possível o advento do sujeito do desejo em sua relação com o desejo do
Outro.
Dessa forma, a relação entre sujeito e objeto se faz pelas operações de alienação e
separação, que, juntas, constituem a punção, possibilitando ao sujeito, dividido entre os
significantes, uma junção e uma disjunção ao objeto, conferindo uma certa dialética entre
eles. Movimento de alternância, que permite ao sujeito se oferecer como objeto ao desejo
do Outro e se posicionar como objeto de gozo, de modo que ele se torna parceiro de jogo
do Outro, não ficando submetido aos caprichos dele.
Para tal, de se ter uma segunda volta que complete a punção, há de se ter um
movimento de retorno que funde o sujeito, como sujeito de direito, direito de jogar com
sua própria perda, posicionado-se no campo do Outro. Mais uma vez, alienação e
separação como processos indissociáveis, que se constituem, retroativamente, no retorno
significante sobre o objeto perdido e, logo, sobre o sujeito que, como vimos pela lógica da
fantasia, é o primeiro objeto perdido.
Se é pelo ato de retorno que o sujeito se funda, retorno que constitui as operações
de alienação e separação como operadores lógicos de causação do sujeito, vale retomar
Tiquê e autômaton, termos utilizados para assinalar duas formas de repetição indicadas por
Lacan no seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964/1998).
Tiquê é definida como encontro do real. O real está para além do autômaton, do retorno,
da volta, da insistência dos signos aos quais nos vemos comandados pelo princípio do
prazer” (p. 56: grifos do autor). Assim, enquanto autômaton trata de uma repetição
significante, tiquê se refere a uma repetição do real, uma repetição do furo, desse encontro
faltoso, em que algum ponto de novidade pode se inscrever, escapando à cadeia
significante. É por esse ato de retorno do real que sujeito e psiquismo se instituem.
A fantasia fundamental é ponto de partida, começo da estrutura. É decorrente do
recalque originário; é a instauração de S
2
, que, produzindo determinada significação irá
regular toda e qualquer relação do sujeito com o Outro.
A fantasia fundamental não é o que o sujeito diz, mas é uma construção. Remete à
noção freudiana de construções em análise. É algo mais do que a interpretação, relaciona-
se com a repetição; é o que insiste. Vale lembrar que o que insiste em se repetir é o real,
este que se presentifica em cada sessão de análise e na fantasia não como uma frase
significante, mas como cifra, valor de gozo, marca do real. Daí, a fantasia tornar o sintoma
interpretável; porém, por seu valor de axioma, ela não é interpretável em si mesma, se
74
coloca em ato e, igualmente, se destitui em ato. E é esse o valor da frase estou sendo
espancada pelo meu pai
Daí, inferimos que, se o Isso “é tudo o que não é sujeito” (Lacan, 1966-1967/2000,
lição de 11 de janeiro de 1967), nesse tempo da fantasia é ele que está em cena. Donde
tomamos a afirmativa freudiana “wo es war soll ich werden”, apresentada por Lacan na
lição de 11 de janeiro de 1967, no seminário 14, e traduzida por ele por “lá onde estava o
Isso o sujeito deve advir”
16
, na qual Lacan destaca que ali, no que era pura satisfação
pulsional, onde o sujeito nada sabia, ele precisa ser convocado a aparecer, a se localizar e a
se reconhecer no texto de sua fantasia, como agente da mesma, como sujeito de sua frase.
Reconhecer-se nesse lugar de objeto que se oferece ao Outro como resto, dejeto.
Reconhecer-se no seu modo de gozo.
O sujeito, em sua posição alienante, tenta situar-se no Outro como esse objeto
amputado dele. Ao que Lacan (1966-1967/2000) nos fala, como destacado, que, do lado
desse Outro, que se chama corpo, redobra-se a alienação como “alienação do gozo” (lição
de 14 de junho de 1967). O sujeito se aliena ao significante íntimo e estranho, que vem do
Outro, mas também a esse gozo, igualmente íntimo e estranho, que advém do próprio
corpo, de seus oásis de gozo, e do oferecer esse corpo como objeto para o Outro. Corpo
sentido como estranho, como Outro, possibilitador de um gozo desconhecido, colocado em
ato, mas do qual o sujeito nada sabe.
Sbano (2002) nos indica que “onde estava o Isso o sujeito deve advir” é a fórmula
da separação, uma vez que o sujeito, de objeto imaginário identificado ao objeto do desejo
e do gozo do Outro, precisa ceder lugar ao objeto a, ou seja, o objeto a, “elemento a um
tempo suplementar e descompletante [...] precisará deixar-se cair em uso no campo do
Outro” (p. 124).
O sujeito, ao ser convocado a advir na fantasia, é chamado a ir além dessa vacilação
radical que nos remete à alienação, dando lugar a uma queda subjetiva que possibilita um
lugar objetal no campo do Outro.
Enquanto a alienação implica um remetimento permanente e circular de um “ou” ao
outro “ou”, uma vacilação radical, uma hesitação constante entre uma ação ou outra,
16
Essa afirmativa se encontra no texto freudiano “A dissecção da personalidade psíquica” (1933
[1932]/1989), assim traduzida: “onde estava o isso, ali estará o eu” (p. 84). Preferimos abordá-la tal como foi
traduzida no texto lacaniano: “onde estava o Isso o sujeito deve advir”; daí, a referência a Lacan, e não a
Freud. Como esclarecido, Lacan evidencia que esse “eu” ao qual Freud se refere não é o eu consciente,
moi, como foi tomado pelos adeptos da psicologia do eu, mas o sujeito, Je.
75
“troca-troca de posições subjetivas e identificações imaginárias” (Sbano, 2002, p. 125), a
separação implica um corte, uma escansão, uma precisão. Precisão que pode vir do lado
do objeto e do ato.
O objeto a é o que cai do sujeito para que ele possa começar a contar, a se contar, a
se instituir sujeito de uma contagem. Ao que Sbano (2002) destaca que até a análise o
caminho era o de uma exacerbação dessa contagem, a partir dela o caminho é de um
fracasso na contagem, restando como possibilidade alinhar-se do lado do resto, do que
sobra desse processo de divisão.
Vandermersch (2002) lembra que, com a separação, surge uma relação nova entre
sujeito e objeto, uma identificação de natureza diferente daquela que o Ideal do eu permite
sob a forma de uma imagem narcísica. Agora, trata-se de uma identificação com o objeto
a. E é pela função desse objeto que o sujeito se separa daquela vacilação do Ser ao sentido,
que constitui o essencial da alienação.
Rabinovich (2000) enfatiza que toda operação de separação está centrada na perda,
pela pergunta dirigida ao Outro: “pode ele me perder? Posso faltar ao Outro?”, de modo
que o sujeito pode colocar-se como objeto causa de desejo, indo além de uma
identificação especular ao objeto, quando o Outro o perdeu. na perda, o objeto se
relaciona com a função de causa com relação ao desejo.
Assim, para que o objeto se constitua como causa de desejo e não como objeto
colado ao Outro, pertencente a ele, ao qual o sujeito se identifica e se iguala, é necessário
que advenha o Outro como faltoso. E, para tal, ele precisa perder o suposto objeto com o
qual se satisfaria: é necessário que o sujeito caia dessa posição de objeto de suposta
satisfação do Outro, para que possa colocar-se como objeto causa, sendo igualmente
causado por essa ausência, por esse cavo deixado pelo objeto.
Freud (1919/1989) afere que esse tempo da fantasia em que o sujeito está igualado
ao objeto, desaparecido como desejante, pode ser construído em análise, na medida em
que implica uma retificação dessa posição de puro objeto do Outro, possibilitando ao
sujeito sair desse lugar para incidir na fantasia inconsciente, para advir como sujeito
desejante. Ainda que sujeito “batido”, em um “reconhece-te, tu és isso” (Lacan, 1966-
1967/2000, lição de 25 de janeiro de 1967); ainda que para reconhecer-se nesse lugar de
objeto, dejeto caído de sua relação com o Outro, o que nos relança a esse novo modo de
identificação propiciada pela separação.
76
O sujeito “assenhorear-se de novas partes do Isso” (Freud, 1933 [1932]/1989, p. 84)
implica, portanto, ocupar o lugar de conjunto vazio: “ser sem sujeito” e “pensar sem
sujeito”. Destarte, é no lugar do não sou que o Isso advirá, positivando-se em um sou
Isso(Lacan, 1966-1967/2000, lição de 11 de janeiro de 1967: grifos do autor). Ainda
conforme Lacan, “é enquanto não sou [inconsciente] que o je [sujeito] é chamado, não [...]
para desalojar o Isso, mas alojar-se [...] alojar-se em sua lógica” (lição de 11 de janeiro
de 1967: grifos do autor). No lugar do “não-sujeito”, o que é a revelação de alguma
coisa que remete à verdade da estrutura, ao objeto a.
A emergência do objeto assinala e antecipa o lugar do sujeito e desvela o modo em
que ele posiciona-se diante do Outro; desvela sua posição inaugural e sem a qual nada se
faria, e na qual, “como efeito do significante que se encarna, o sujeito é, em primeiro lugar,
aquilo que o faz presente para os outros: o corpo” (Costa-Moura, 2007, p. 179). Pela
emergência de a, o sujeito comparece como esse dejeto carnal, libra de carne que é suporte
do gozo. Como destaca Costa-Moura:
Esse objeto com o qual temos que nos haver é um objeto constituinte para
nós. Um objeto cuja incidência demarca o sujeito sem, no entanto,
preexistir a ele. Não se trata nem do objeto constituído pelo sujeito, por
exemplo, no plano do conhecimento, nem do objeto autônomo da
realidade com o qual um sujeito igualmente autônomo entraria em
relação. Tratamos, antes, de um objeto que se revela do funcionamento da
linguagem, mas que nos concerne como “pedaço carnal arrancado de nós
mesmos”. Objeto que localiza o phatos do corte que o significante faz
incidir no corpo. Libra de nossa própria carne rendida ao Outro. Pedaço
para sempre irrecuperável, que permanece preso à marca formal de nossa
entrada na linguagem, fazendo do corpo uma escansão viva. Parte sem
relação com o todo; que evoca não uma totalidade, mas a falta radical de
totalidade (pp. 177-178).
Dizer que “onde isso era, o sujeito deve advir”, é dizer que, ali onde o corpo (como
dejeto, pedaço de carne cedida ao Outro, oásis de um gozo repartido) era, o sujeito deve
advir. Aqui, esclarece-se a afirmativa lacaniana supracitada, o “reconhece-te, tu és isso”. O
sujeito se apropria de sua fantasia, do objeto que ele se fez para o Outro, para dela se
desfazer o quanto for possível.
Se o retorno do significante sobre o objeto funda a estrutura, podemos dizer que é
preciso retornar a esses contornos sucessivos sobre o objeto, para deles se desfazer,
advindo a borda como corte, como perda, e o como possibilidade de construção de
sentido.
77
Fernandes (2000) pontua que a análise convida o sujeito a retomar o corte que o
constitui, relançando-o à origem, a essa condição objetal do sujeito. Costa-Moura (2007)
nos relembra que, na psicanálise, a origem vem como causa, e, portanto, é uma origem que
não se coloca apenas no início da vida, mas a cada e toda vez que o sujeito é chamado,
como sujeito, a ocupar esse lugar de objeto. A autora ainda ressalta que a análise é uma
experiência que pode abrir para o sujeito a possibilidade de se responsabilizar em ato por
sua vida e pelo desejo que o dirige, “responsabilidade pelo objeto que ele é e que não lhe
deixa outra escolha senão tomar lugar aí” (p. 185).
É no que a cadeia significante de cada sujeito se desvela, na medida em que ele
fala, que o objeto que o sujeito foi para o Outro pode ser dialetizado, conferindo ao sujeito
a dimensão de sua responsabilidade. O significante, como sem sentido – e não como
possibilidade de compreensão como aquele que bate, que corta, pode permitir ao sujeito
uma outra possibilidade diante do que, do Outro, se inscreveu.
Retorno à origem, à causa, convocado pelo analista.
78
3.2. “Lá onde estava o isso o analista deve advir”: um percurso pela clínica
Não psicanalisado, um tendo sido psicanalisando, donde resulta
um sujeito prevenido (Lacan, 1967-1968/s.d., p. 246).
Lacan, no seminário 15, O ato psicanalítico (1967-1968/s.d.), propõe pensar o
percurso de uma análise por meio da subversão do cogito de Descartes, com todas as
articulações que comporta entre o inconsciente e o Isso, o sujeito e o objeto a. Ele nos
apresenta duas vias: a do analisante, convocado a um fazer, e a do analista, que se faz no
final de sua análise.
Ele descreve o percurso, valendo-se de suas elaborações em torno da constituição
do sujeito e da lógica da fantasia, uma vez que a própria lógica de uma análise deve ser
extraída da frase gramatical que vem dizer da origem. Para tal, Lacan utiliza o grupo de
Klein, um modelo de retângulo empregado na matemática, que guarda algumas
peculiaridades. Dentre elas, podemos citar, com Brodsky (2004), que os lados do retângulo
são vetores, o que faz com que tenham uma orientação; é involutivo, ou seja, sempre se
pode voltar ao ponto de partida, o que Lacan subverte, conferindo a cada vetor um sentido
único; os vetores permitem situar um ponto de partida e um produto; além disso, é o único
grupo matemático que tem a ideia de produto associada a de um percurso. Há, portanto, o
produto de um percurso. Apresentamos, então, o esquema de Lacan (1967-1968/ s.d., p.
79):
79
Lacan localiza o início na posição do ou eu não penso ou eu não sou, posição do
ou-ou, de onde parte a alienação originária” (p. 95), colocando em jogo os dois termos da
escolha, o “eu não penso” e o “eu não sou”
17
. A escolha determinará a direção que será
tomada por um ou outro vetor. Temos o vetor (horizontal) da operação de alienação, que
desemboca no “eu não penso”, e o vetor da operação verdade (vertical), que chega no “eu
não sou”.
O “ou-ou” é um começo lógico, a partir do qual Lacan exclui a possibilidade de um
início não marcado, que é o efeito da marca, como significante, que institui esse “ou eu
não penso” ou eu não sou”. No nível da marca, vemos o resultado necessário da
alienação, uma escolha forçada e forçosamente perdedora, que não deixa opção entre a
marca e o Ser, estando os dois sustentados por uma negativa.
17
Vale lembrar que o “eu” corresponde ao sujeito, tal como destacado na nota da página 60.
80
Lacan (1967-1968/s.d.) salienta que “o efeito alienatório está estabelecido e não
estamos surpresos de encontrar ali, sob sua forma de origem, o efeito da marca” (p. 85).
Portanto, ao falar de origem em psicanálise, não nos referimos ao nascimento, que o
sujeito não é natural, não nasce. Mas nos referimos a essa origem lógica, que faz do
nascido um corpo perpassado pelo significante. Como dito anteriormente, origem como
causa que subverte o orgânico, fazendo advir o sujeito.
O “eu não penso” é aferido com uma “escolha preferencial” (Brodsky, 2004, p. 68),
ou seja, uma opção que se define pelo “ser sem sujeito”, tal como se verifica no texto da
fantasia. Essa é uma escolha pelo não pensar, pensar inconsciente; é um modo de manter-
se em uma ilusão narcísica de totalidade, que se haver com o inconsciente é deparar-se
com o quede falho, de falta-a-ser no sujeito. Lacan (1967-1968/s.d.) ressalva que esse é
o falso-ser” de todos nós, uma vez que “jamais se é tão sólido em seu ser como quando
não se pensa” (p. 83). “Eu não penso” é uma necessidade estruturante, ponto de partida
essencial para articular a lógica da fantasia, “é um lugar cômodo” (p. 84), cabendo ao
analista, no processo de análise, colocar e recolocar o inconsciente, a cada vez,
convocando o pensar (pensar sem sujeito), pensar inconsciente.
Por essa via, podemos abordar o vetor que vai do “eu não penso” ao eu não sou”,
percurso no qual o sujeito em análise é convocado, pela regra analítica da associação livre,
a se entregar à sua cadeia inconsciente de associações. Essa é a tarefa que lhe cabe. Lacan
esclarece que, em uma análise, o analisante é o trabalhador, e mais, o inconsciente é
convocado como um trabalhador incansável. É convocado a produzir, construir, tecer algo
a partir do “onde isso era”, pura condição objetal.
Ao procurar um analista o analisante questiona seu “falso-ser”, colocando-se na
vacilação própria ao inconsciente. É-lhe, então, proposto, a cada sessão, que ele se renda a
esse pensar inconsciente, mesmo perdendo a certeza de quem ele é. Localização subjetiva
própria do início de um percurso de análise e que porta um certo engajamento, uma decisão
que não é sem consequências. Processo que faz corresponder o “eu não penso” do sujeito
alienado ao “lá onde isso estava” do inconsciente. É por esse rateio do “falso-ser” que algo
da operação verdade pode aparecer. A verdade desvela a falta, a perda inaugural e
constituinte de objeto. Assim, escolher o vetor da operação verdade iguala-se à queda do
sentido, que permite desvelar a castração (- φ), traço inscrito no próprio corpo, significante
da falta no inconsciente, lugar onde se inscreve a hiância própria do ato sexual, a
impossibilidade do encontro.
81
Lacan ressalta que a análise não termina por esse advir da falta-a-ser, advir do
sujeito na vacilação inconsciente. Esse não é o seu fim. Localiza, então, dois, “lá onde isso
estava”, que correspondem à distancia entre inconsciente e Isso. Isso e inconsciente são os
dois termos separados, resultantes da divisão primeira. um “lá onde isso estava”, que é
esse advir do sujeito que se relaciona à castração. E há um outro “lá onde isso estava”, que
nos remete ao sujeito em sua vertente real, ligada ao corpo e ao objeto a. É nesse último
que o analista deve advir.
Para tratar do segundo “lá onde isso estava”, abordaremos o vetor da transferência,
que é por meio dela que podemos pensar efetivamente o processo de análise. Nesse
vetor, Lacan situa o “sujeito suposto saber”, aferindo que, se a transferência se institui é
porque faz parte da estrutura do inconsciente supor o saber que falta em algum lugar, o que
se verifica na própria constituição do sujeito, que constrói e busca a resposta sobre o seu
desejo a partir do desejo do Outro.
Lacan ressalva que o analista não tem que saber nada, exceto que, na análise, o que
opera é a transferência reportada ao sujeito suposto saber, como imanente ao próprio ponto
de partida da procura psicanalítica. E o analista se submete à regra do jogo, ao engodo de
fazer-se suporte a esse saber suposto pelo sujeito.
Como Lacan salienta no texto “A direção do tratamento e os princípios do seu
poder” (1958/1998), o analisante demanda do analista uma resposta seja pela via de uma
demanda de cura, de felicidade, de descobrir-se, de fazer-se analista, dentre infinitas
possibilidades. Porém, se o analisante é frustrado por não obter uma reposta à sua
demanda, ele será frustrado de qualquer modo, pois, mesmo que o psicanalista responda, o
analisante saberá que são apenas palavras, e essas palavras o o o que ele demanda, o
que ele demanda é “outra coisa”, não implica nenhum objeto objetivável. Ele demanda
porque fala, causado o tempo todo por uma ausência de objeto. A demanda não é a de
satisfação de uma necessidade, ela está no nível do desejo. O sujeito demanda o
impossível. Na demanda, todo o passado se abre, porque o sujeito nunca fez outra coisa
senão demandar, e o analista só entra na sequência. Em toda demanda, o que o sujeito pede
é uma resposta ao que ele é, resposta que, como visto por meio do grafo do desejo, o Outro
não tem. O analista, ao responder com um vazio, convoca o sujeito a se posicionar como
desejante, convoca a dimensão do “eu não sou”, do pensar inconsciente, que lhe permite
dar-se conta do objeto que ele é para o Outro.
Nesse sentido, o analista sua presença, implicada na escuta, como condição da
fala, que se fala a alguém. Assim, o analista é aquele que sustenta a demanda, não,
82
como se costuma dizer, para frustrar o sujeito, mas para que reapareçam os significantes
em que sua frustração está retida” (Lacan, 1958/1998, p. 624), e por meios dos quais o
sujeito se define. O analista não pode esquecer que não se trata de palavras que contam
uma história, mas de significantes que marcam o sujeito, e dos quais ele é efeito. Isso
porque o analisante transfere com seus significantes, e não com a pessoa que o analista é.
E é dessa posição, de objeto causa, em torno da qual gira o estatuto do desejo, que o
analista deve responder. Por isso, os sentimentos do analista têm um lugar nesse jogo: o
lugar do morto. Contudo, “cara fechada e boca cosida” (Lacan, 1958/1998, p. 595) não são
estratégias. O analista a direção, tendo como estratégia a associação livre e a atenção
flutuante, que conduzem o sujeito ao seu constante deslocamento e indeterminação na
cadeia significante. Além disso, Lacan, ao destacar que o analista sustenta a função do
objeto a, fazendo-lhe semblante, indica que, se a demanda é mantida suspensa, descortina-
se a dimensão do desejo e o modo do sujeito se posicionar diante dele. Desvela-se, assim, o
sujeito na posição de objeto que ele se fez para o Outro.
O objeto a é o pivô de toda demanda, que, nas entrelinhas, o que o sujeito pede é
um saber que responda ao Ser, que emane uma verdade sobre o que ele é, viabilizando um
acesso ao Ser que encubra o real traumático. Nesse sentido, o sujeito fica mais privado
quanto mais sua demanda é supostamente satisfeita.
Lacan (1958/1998) ressalva que o desejo do analista tem que ser maior que suas paixões
de compreensão, de não decepcionar, de reconhecimento –, o que se faz ancorado em
seu processo de análise. É por sua análise pessoal que o analista pode, como salienta
Maurano (2007), deixar seu eu na sala de espera, o que é de vital importância, uma vez que
na análise só há um sujeito: o analisante, e é a ele que cabe a transferência.
A transferência não deve ser a segurança do analista, e, sim, mola mestra do
tratamento, material de trabalho fadado à dissolução, que o sujeito suposto saber ou é
nada, ou é falácia. Ou seja, ou é engodo no início, ou é dejeto ao final da análise, e o
analista deve estar avisado disso por sua análise.
Se o analisante é o trabalhador, manter o lugar do sujeito suposto saber é se utilizar dele
para a sugestão, é explorar a alienação desse trabalhador, pois é como proveniente do outro
da transferência que o analista é ouvido. A partir de Lacan, é pelo que o sujeito imputa ao
analista ser, que a interpretação pode ter um efeito.
Nesse contexto, a interpretação tem um lugar primordial; ela pode ligar de uma
outra maneira a cadeia significante, mudança que não acontece pela simples passagem do
tempo, mas que é efeito de um corte, que promove a recolocação do sujeito na cadeia que
83
tece sua história e seu destino. De tal modo, explicações, gratificações, respostas à
demanda não são interpretação. A interpretação é o que aponta para o não-senso. Ela
promove uma queda do sentido, permitindo que algo de novo advenha. É a partir do desejo
do analista que a interpretação analítica opera, o que faz com que não se possa estabelecer
nenhuma anterioridade, da qual se possa estar seguro. Mesmo porque a transferência não é
uma repetição de algo que está dado antes, esperando para se exprimir; ela está sempre
articulada ao desejo, e só produz um efeito retroativo.
Afirmar que o analista se faz nesse advir como dejeto se relaciona ao fato de
que, quanto mais interessado em seu Ser, diria em seu “falso-ser”, em manter essa falsa
consistência, quanto mais direcionado por suas paixões, mais a análise caminha na direção
de um ideal, de um fortalecimento do eu, de uma relação dual, de um apagamento do
desejo, que nada tem a ver com a psicanálise. Assim,
o estatuto do psicanalista, enquanto tal, não repousa em nada mais do que
nisto: em que ele se oferece para suportar, em um certo processo de saber,
esse papel de objeto de demanda, de causa de desejo, que faz com que o
saber obtido não possa ser tomado senão pelo que é, ou seja, realização
significante conjugada a uma revelação da fantasia (Lacan, 1967-
1968/s.d., p. 245).
Como salienta Lacan, ouvir não força a compreender. O sujeito não é da ordem de
uma compreensão, mas de uma escansão, e é pela via do não-saber que o sujeito pode advir
a algo do seu Ser, Ser de objeto, dejeto, resto.
O analista, ao conduzir o sujeito ao pensar inconsciente, coloca o sujeito suposto
saber em questão, visto que o único sujeito suposto saber na análise é o inconsciente. É
preciso que o saber pronto, acabado, fechado, do falso-ser, seja fraturado, pois, “do
momento em que saber, há sujeito, e é preciso algum deslocamento, alguma fissura,
algum abalo [...] para que assim se renove esse saber que ele sabia antes” (Lacan, 1967-
1968, s.d., p. 96). Lacan assinala que a análise da transferência culmina na eliminação do
sujeito suposto saber, que não existe para a análise, e menos ainda para o analista.
Acontece uma simulação, pela qual o analista “esquece” o que na sua experiência de
analisando ele viu reduzir-se a essa função. apenas o que resiste à operação do saber
fazendo do sujeito esse resíduo que se pode chamar “a verdade”. Verdade que é
estruturante e irredutível, e remete ao campo do objeto a. Assim, “o objeto pequeno a é a
realização desse tipo de des-ser que atinge o sujeito suposto saber” (p. 97).
84
Um sujeito que “cumpriu a tarefa”, que chegou ao término de sua análise, sabe
do des-ser do sujeito suposto saber, enquanto ele é a posição de partida de toda essa lógica.
É aqui que chega o sujeito barrado que estava lá na partida, no “ou-ou”.
Para que haja uma psicanálise, é preciso que aí, “onde o isso estava”, esteja um
psicanalista, que sabe que caminho percorrer e aonde ele vai conduzir: “ao de-ser do
sujeito suposto saber, a ser apenas o suporte deste objeto que se chama pequeno a” (Lacan,
1967-1968/s.d., p. 105). É na medida em que o analista sabe que dá suporte à transferência,
mas sabe também que o sujeito suposto saber não está lá, que no final ele é atingido pelo
de-ser, que ele empresta seu corpo ao que o sujeito se torna sob a forma de objeto a. O
analista é, portanto, o produto do percurso. Ele advém no “eu não penso”, não como no
texto da fantasia (em um primeiro “lá onde isso estava”, em seu “falso-ser”), mas como
dejeto, objeto causa. O analista não comparece como sujeito: onde eu o penso, é para
não mais estar em mim” (p. 83). O psicanalista não se posiciona no pensar inconsciente,
mas na posição de objeto, própria do Isso.
Lacan alude que o fim de uma psicanálise supõe certa realização da operação
verdade, pois deve constituir um percurso que, do sujeito localizado em seu falso-ser,
realiza algo de um pensamento que comporta o “eu não sou”, o que não se faz sem
reencontrar o seu lugar mais verdadeiro do “lá onde isso estava” ao nível do “eu não
penso”, onde “sou sem sujeito”, onde se encontra o objeto a.
Desvela-se a dimensão da castração (pela queda do sujeito suposto saber) e há uma
assunção do objeto como dejeto. O sujeito se reconhece como causado por esse objeto em
sua divisão de sujeito, e, por conseguinte, como marcado pela castração. Lacan (1967-
1968/s.d.) nos diz que
o final de análise consiste na queda do sujeito suposto saber, e sua
redução ao advento desse objeto a, como causa da divisão do sujeito, que
vem ao seu lugar. Aquele que, fantasmaticamente, joga a partida com o
psicanalisando como sujeito suposto saber, a saber, o analista, é aquele
que vem, ao termo da análise, a suportar não ser nada mais que este resto.
Esse resto da coisa sabida que se chama o objeto a (pp. 89-90).
O analista possibilita, por seu ato, a ejeção desse resíduo, desse dejeto, dessa coisa
rejeitada. Aquele que passou por isso em sua analise, é impossível que não instale, ainda
que sem perceber, o a no nível do sujeito suposto saber, já que o significante, qualquer que
seja, não pode ser tudo que representa o sujeito, pois ele depende de uma causa que é o
objeto a. E é por esse objeto caído que a identificação não se produz, a saber, na direção
85
do reconhecimento por parte do Outro. A questão é que em nada do que podemos inscrever
de nós mesmos no campo do Outro, nós podemos nos reconhecer” (Lacan, 1967-1968/s.d.,
p. 240), “não sujeito cuja totalidade não seja uma ilusão, porque ela depende do objeto
pequeno a enquanto elidido” (p. 243).
No final de análise, há a destituição, o des-ser do sujeito suposto saber. Ele desvela-
se como dejeto. Esse final, que permite que lá onde Isso estava o analista possa advir, só se
pelo ato psicanalítico, ato por meio do qual o analista opera como suporte do objeto a
pela transferência. Ato que não é sem consequências, que institui um antes e um depois,
antes um sujeito, depois um psicanalista, que pode escolher, ou não, colher os efeitos desse
ato.
Lacan chega a nos falar de um primeiro momento em que, “lá onde isso estava, um
sujeito deve advir” (1966-1967/2000, lição de 11 de janeiro de 1967) e, posteriormente,
como “lá onde o isso estava [...] eu [sujeito] devo tornar-me [...] psicanalista” (1967-
1968/s.d, p. 82).
Em um primeiro momento, no percurso de uma análise, advém o sujeito no
enunciado gramatical, suporte da pulsão, para que possa se responsabilizar pelo objeto que
ele se fez para o Outro. Em um segundo tempo, do sujeito, deve advir um psicanalista, em
um retorno do significante ao objeto, não como objeto revestido pelas roupagens da
fantasia, mas como a Coisa, das Ding, causa da divisão subjetiva, e ao redor do qual gira
toda a dialética subjetiva.
Significante e objeto fundam o sujeito por um ato de retorno, ato que se atualiza e
se faz de novo a cada vez que o sujeito se depara com o objeto que ele é para o desejo do
Outro e, no final de um percurso de análise, se pergunta mais: que objeto ele é para o
desejo do Outro, para além dessa imagem que caiu e que o tinha mais ou menos sustentado
até então? Desvela-se o que estava lá, desde o início, como fundante do psiquismo, mas foi
preciso ultrapassar o retorno significante, em uma destituição subjetiva e um des-ser do
sujeito suposto saber, para que se pudesse reencontrar o objeto, que se trata sempre de
um reencontro.
86
CONCLUSÃO
Ao nos determos na constituição do sujeito averiguamos sua dupla determinação,
segundo a lógica do significante e do objeto. A partir do grafo do desejo, abordado no
primeiro capítulo desta dissertação, evidenciou-se o sujeito como aquele que está por vir
no encontro com o Outro, tesouro dos significantes. Desse encontro, advém uma questão:
“o que o Outro quer de mim?”, enigma que desvela o objeto a e convoca o desejo. Ao
abordar esse objeto, a partir do seminário A angústia (Lacan, 1962-1963/2005), esclareceu-
se sua íntima relação com o corpo, como parte perdida, cedida ao Outro. Corpo
fragmentado por cortes efetuados pelo significante. Depreendemos, assim, esse objeto
como inaugural e, ao mesmo tempo, efeito do significante e suporte dele.
Às voltas com o modo como significante e objeto a se articulam na constituição do
sujeito, pesquisamos as operações de alienação e separação, inicialmente no seminário 11,
Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964/1998), e posteriormente no
seminário 14, A logica del fantasma (1966-1967/2000).
No seminário 11, Lacan evidencia uma antecedência gica da alienação com
relação à separação: uma inscrição significante, porém, porque algo falta a esse campo,
um ponto de falha é capturado no discurso do Outro, fazendo surgir a dimensão do objeto
a, como esse objeto faltoso tanto no campo do Outro como do sujeito – tal qual o grafo do
desejo nos revela. Dimensão de fecundos efeitos, que convoca o sujeito a uma criação de si
que vai além do Outro. Ainda aí, deparamo-nos com o advento de duas faltas: uma
referente ao significante, que faz o sujeito advir como barrado, não representado por
nenhum significante, mas sempre entre dois; e outra, do lado do objeto, que configura o
corpo como pulsional em um “a menos” de gozo, que relança a um “a mais”, a um gozo
que vem em suplência à impossibilidade de satisfação total. Ou seja, ao sujeito falta uma
significação, e seu gozo é sempre parcial.
No seminário 14, Lacan traça um novo enlaçamento entre essas duas dimensões, o
que nos pareceu de grande relevância para pensarmos o modo como o sujeito se constitui.
A partir da subversão do cogito de Descartes, demarca que, desde o início, início lógico,
significante e objeto se presentificam. O significante se inscreve porque o objeto falta, e o
objeto se configura como perdido porque o sujeito advém pelo Outro. Nesse sentido, Lacan
introduz uma novidade para pensarmos a constituição do sujeito: o tempo.
87
Na constituição do sujeito, estão imbricados significante, objeto a e temporalidade.
Não se trata do tempo cronológico, mas de um outro tempo que se refere ao manejo do
significante. Lacan pontua sobre esse tempo ao questionar o estatuto do inconsciente. Ele
questiona se o inconsciente existia antes de Freud, e conclui que certamente ele existia e
exercia seus efeitos, mas pergunta: “quem o sabia?” (1967-1968/s.d., p. 9), aferindo que
Freud, por seu desejo, faz existir o inconsciente e, por isso, colhe seus efeitos. No “só
depois” é que podemos dizer que inconsciente e Isso já estavam lá, em potência.
Retomamos com Brodysk (2004) o exemplo fornecido por Lacan no seminário 15
(1967-1968/s.d.): tomemos uma estátua de rmore. A estátua tem uma forma definida,
mas podemos nos perguntar; onde está a estátua? Está em potência no mármore, na cabeça
do escultor ou nas mãos que talham o mármore? Sabemos que a estátua é a causa final,
mas onde ela estava em potência?
A perspectiva que nos interessa é a que instaura a lógica do a posteriori: mesmo
que o mármore estivesse cronologicamente antes da estátua, se pode dizer que a estátua
estava em potência no mármore depois de ela ter sido feita, por um efeito de retroação. É
uma perspectiva que foge à temporalidade cronológica. Primeiro, está o ato; depois, a
potência. “Só depois” de haver a estátua, pode-se dizer que ela estava em potência no
mármore. Trata-se do mecanismo utilizado por Lacan no estádio do espelho, no grafo do
desejo e na relação significante e objeto. É o esquema de uma temporalidade que não
responde a uma cronologia e que depende precisamente do ato criador. Ato que institui um
antes e um depois.
Assim, o advento do objeto a e a posterior inscrição significante; porém, o
sujeito se institui, enquanto tal, em um retorno do significante sobre o objeto, que funda
o sujeito. O sujeito advém “só depois”. A partir dessa perspectiva, podemos dizer que o
sujeito estava em potência no organismo vivo. Quanto ao campo do vivo, campo mítico,
se pode saber dele a partir do advento do sujeito. Esse ato de retorno instaura um antes e
um depois: antes estava em potência, depois é.
Freud (1915b/1989) salienta que o inconsciente é atemporal. Lacan, por sua vez,
lhe confere uma temporalidade que não o tempo cronológico, mas o tempo lógico, que tem
a ver com o manejo do significante. O a posteriori, destacado por Freud como o tempo
em que se pode colher algum efeito da interpretação, se refere à lógica significante (já que
o significante não tem sentido em si mesmo). S
1
é traço de uma ausência, puro não-senso,
e, retroativamente, adquire alguma significação pela inscrição de S
2
. Essa é a gica do
inconsciente, e por isso é a lógica de uma análise. O tempo da análise remete ao “só
88
depois”, de modo que o analista nunca está garantido quanto à sua interpretação. Sua
pontuação, seu corte, sua interpretação, retroage sobre a cadeia inconsciente, podendo
fazer advir algo de novo, novidade que não se inscreve com a simples passagem do tempo,
pois se trata de um outro tempo, em que o acaso pode retroagir sobre a cadeia significante.
Lacan, no seminário 15, O ato psicanalítico (1967-1968/s.d., p. 80) nos fala do ato,
fazendo menção ao momento em que Cezar atravessa o Rubião. Rubião era o rio que
demarcava o limite que não podia ser atravessado pelo exército da República, não sendo
permitida, desse modo, a entrada no que se chamava a Itália. Quem ultrapassasse esse
limite passava automaticamente para a categoria de inimigo do Reino. Cezar “desafia as
leis da República, indo além das coordenadas simbólicas que regiam as leis da época”
(Brodsky, 2004, p. 17). Antes de atravessar o Rubião, Cezar era um soldado da República,
depois, tornou-se um rebelde, não é mais o mesmo. Brodsky (2004) esclarece que se salta
por cima do Rubião como se pula de um córrego, não sendo necessário nenhum esforço
físico, mas um salto.
O ato se mede pelas coordenadas simbólicas, não representa nenhum gasto físico.
Para ultrapassar as leis, deve-se tê-las no horizonte, deve-se situar o Outro e ir além dele.
O ato tem a ver com o instante que instaura um antes e um depois. Tem uma ligação
estreita e estrutural com a temporalidade. A lógica do ato é do instante, do momento em
que se salta. Instante que, em um ato de retorno do significante sobre o objeto, funda o
sujeito. Instante em que, por seu ato, Freud funda a psicanálise. O ato do psicanalista funda
a psicanálise.
Nassif (citado por Lacan, 1967-1968/s.d.) esclarece que situando o objeto a
como real, como coisa, é possível elucidar a relação do sujeito com a temporalidade, pela
relação entre repetição, traço unário e objeto a. Temporalidade e traço do objeto se juntam
na tentativa de estruturar a falta, numa arqueologia onde repetição e deslocamento se
sucedem.
O traço se refere ao objeto perdido, o objeto a, como o que escapa à cadeia,
situando-se entre o significante recalcado e aquele que o metaforiza, de modo que o tempo
do sujeito se estrutura em torno do objeto a; objeto que está na origem como efeito do
corte significante; objeto disjuntivo, que impossibilita que o significante signifique a si
mesmo, que a cadeia se complete, objeto que permite o advir do sujeito e o convoca a
engendrar-se, ainda que para tal tenha que fazer um retorno aos significantes do Outro, que
se inscreveram tamponando o cavo, vazio, buraco de a. Criação de si, que advém no “só
depois”.
89
Lacan esclarece que a primeira inscrição significante é a tradução de algo”
(1967-1968/s.d., p. 55), tradução do intraduzível, motivo pelo qual é impossível uma
literalidade e uma posterior retradução. É por esse embricamento entre objeto a, traço e
temporalidade, que o analista pode convocar o sujeito, em um outro tempo cronológico, a
construir em torno desse enigmático desejo que o funda, o torna sujeito. O sujeito
engendra-se via desejo do Outro. Como salientado no grafo do desejo, o sujeito lança ao
Outro a questão: “che vuoi?Diante desse ponto de enigma, retomamos a pergunta que
cabe ao analista fazer: “que quer você?Pergunta que faz um movimento de retorno sobre
a estrutura, relançando o sujeito ao oco fundamental que concerne ao desejo.
Como assinalamos, se o Outro tem significante e vazio, não podendo oferecer
nenhuma resposta, esta poder ser vislumbrada no nível do objeto. Ao escolher o sentido
escolha em jogo na alienação –, acolhendo uma nomeação, acolhendo os significantes
que vêm do Outro, o sujeito busca recobrir o não-senso, porém, para além disso, tenta
mascarar sua posição objetal. Entretanto, a resposta vislumbrada do lado do objeto, da falta
de garantias, abre possibilidades.
Uma consequência da separação é a passagem da vacilação radical entre Ser e
sentido para o desejo como desejo do Outro. Passagem que implica que o sujeito se faça
objeto de perda, inaugurando uma identificação ao objeto e um espaço de jogo, de
negociação entre ele e o Outro. Em um momento inaugural, de constituição, esse advir
como objeto perdido é, como abordamos com Lacan, fundamental ao sujeito, retirando-o
da posição imaginária de suposto objeto materno. Em um segundo momento, em um
processo de análise, esse advir é convocado. Apontamos que ele também é fundamental,
uma vez que ressignifica a posição de engessamento e sentido único que a fantasia
estabelece.
Se não possibilidade de restaurar o que se inscreveu, o que um processo de
análise pode possibilitar, por meio da interpretação, é ligar de outra maneira a cadeia,
possibilitando outro re-torno, entorno do vazio. Re-contorno que abre vias de um saber
fazer com isso que falta.
Lacan afere que a análise da transferência é “a eliminação deste sujeito suposto
saber” (1967-1968/s.d, p. 57), é fazer cair a consistência do Outro, permitindo o advento
do objeto a. Nesse sentido, o “modo próprio de apreensão sábia que é a do analista, e que
começa no eu perco’. Eu perco o fio” (p, 62: grifos do autor), se faz valer, pois perder o
fio é perder a direção. É nesse ponto que o saber falha, e pode-se, então, aventurar-se pelo
que foge a toda apreensão, a toda circunscrição que poderia vir a ser traçada pelo fio.
90
REFERÊNCIAS
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