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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Andrea Rossini T. Fávaro
Alfred Tennyson e a virtude como tradição
em Idylls of the King (1830-1889).
MESTRADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2010
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Andrea Rossini T. Fávaro
Alfred Tennyson e a virtude como tradição
em Idylls of the King (1830-1889).
MESTRADO EM HISTÓRIA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em História sob a orientação da Profa.
Doutora Maria Odila Leite da Silva Dias.
SÃO PAULO
2010
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Banca Examinadora
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
À minha mãe, Ligia,
e às minhas sócias de vida,
Vanessa e Yone,
que me ensinaram
a tecitura de tempos
e o permanente reencantamento do mundo.
FÁVARO, Andrea Rossini T. Alfred Tennyson e a virtude como tradição em
Idylls of the King (1830-1889). Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 2010.
Resumo
Esta dissertação analisa a obra Idylls of the King (1889), do poeta inglês
Alfred Tennyson, como documento ou registro histórico. Nosso primeiro
objetivo é identificarmos o contexto de produção dos idílios, associando a obra
as questões políticas, econômicas e sociais tal como se configuravam na
Inglaterra vitoriana. O segundo é identificarmos as marcas da autoria de
Tennyson por meio da seleção de personagens, episódios e temas abordados
a partir da realização do que denominamos trânsito temporal, que associa o
mito arthuriano à história inglesa. Dessa forma, identificamos aquilo que o autor
acreditava ser a missão do poeta, vinculada à função social da cultura. O
terceiro objetivo é identificarmos a realeza construída por Tennyson,
fundamentada no que considerava ser a tradição que perpassara toda a
história da nação, a virtude pessoal e política.
Palavras-chave: poesia inglesa, cultura, século XIX, realeza e Legenda
Arthuriana.
FÁVARO, Andrea Rossini T. Alfred Tennyson and the virtue as tradition in Idylls
of the King (1830-1889). M.A. dissertation, PUC-SP, 2010.
Abstract
This M.A. dissertation analyzes the work Idylls of the King (1889), from
the English poet Alfred Tennyson, as a historical source. Our first aim is to
identify the context of the idylls production, associating the work to political,
economical and social matters such as the ones that were formed at the
Victorian England. The second one is to identify the singularities from the
Tennyson´s authorship through the characters selection, episodes and
approached themes from the achievement which we call temporal transition,
associating the Arthurian myth to the English history. In that manner, we identify
what the author believed to be the mission of the poet, linked to social function
of culture. The third aim is to identify the royalty built by Tennyson, based on
what he considered to be the tradition which passes through all the nation
history, the political and personal virtues.
Key words: English poetry, culture, 19
th
century, royalty and Arthurian
Legend
Sumário
Agradecimentos...................................................................................................I
Introdução............................................................................................................1
Capítulo 1
Cultivando idílios: Tennyson e a Inglaterra do século XIX.................................11
1.1 Da Legenda Arthuriana medieval à contemporaneidade de Arthur.............11
1.2 O desencantamento do mundo e o Medievalismo Vitoriano.......................16
1.3 O cultivo da cultura......................................................................................25
1.4 A missão do poeta.......................................................................................39
Capítulo 2
A expressão das formas do servir: Idylls of the King
e a conduta moral vitoriana...............................................................................59
2.1 Lancelot: o servidor......................................................................................64
2.2 O serviço cortês à rainha.............................................................................65
2.3 A urdidura temporal em Lancelot and Elaine...............................................87
Capítulo 3
A nobreza dos atos, dos gestos e das palavras:
a realeza tennysoniana....................................................................................103
3.1 A virtude como tradição ............................................................................103
3.2 A legitimidade tennysoniana......................................................................112
Considerações finais........................................................................................142
Fontes e bibliografia.........................................................................................145
Agradecimentos
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, agradeço pela formação
acadêmica e pessoal. Nenhum outro lugar poderia ter me propiciado experiências tão
completas como as que pude vivenciar aqui. À CAPES, agradeço a oportunidade de
desfrutar uma bolsa de estudos e dar continuidade à minha trajetória nesta
universidade.
Entre tantas pessoas que preciso agradecer e todas de maneiras tão diversas
– espero conseguir traduzir a participação e a cumplicidade com que me presentearam
em diferentes momentos da pesquisa e do percurso de reflexão.
Aos amigos presentes em minha trajetória como historiadora, agradeço pela
atenção, pelo cuidado, pela precisão dos comentários e pela paciência. Ao Prof. Dr.
Amilcar Torrão Filho, primeiro e único, pela leitura e desafio e à Profa. Dra. Maria
Stella M. Bresciani, ambos integrantes da banca examinadora, agradeço pela
importante contribuição. Ao Prof. Dr. Antonio Pedro Tota, pelo acolhimento e pela
generosidade contínua; ao Prof. Me. Breno Ferreira, pelos comentários pontuais,
sugestões e doçura peculiar; ao Carlos Fernando Canellas, pela partilha de um projeto
e de uma vida; à Gisele Santana, pela satisfação em ver uma amiga realizar-se
profissionalmente, pela torcida e pela crença em meu trabalho; ao Ithamar S. Padilha,
pela confiança e carinho;à Profa. Me. Maria Auxiliadora D. Guzzo, queridíssima Lilia,
pela contribuição em minha formação e pelo constante incentivo e aposta; à Marta de
Jesus Silva, pela oposição. À Profa. Dra. Estephania Fraga, pelos questionamentos e
sugestões bibliográficas; e à Samantha Perez, pela partilha em momentos de
aprendizado, criação e transpiração.
Agradeço especialmente à Profa. Dra. Maria Odila, pela orientação e pelo
acolhimento generoso e amigo; ao Prof. Me. Adriano Marangoni, pelas infinitas
leituras, colos e apadrinhamento; à Profa. Me. Bianca Zucchi, pelo incentivo, leitura,
revisão e apoio constantes, além da sincera amizade. Ao Prof. Me. Fernando Furquim
de Camargo, pelas controvérsias e ambiguidades que, com certeza, me permitiram
compreender melhor a natureza das relações do universo arthuriano. Meu
agradecimento, também mais do que especial, à Gabriela Idesti Varotto, pela amizade
e aposta absolutas.
Agradeço à Profa. Dra. Yone de Carvalho e à Profa. Me. Vanessa da Silva,
minhas sócias de vida, de construções pessoais e profissionais. Para elas, posso
fazer minhas as palavras proferidas por Marc Bloch a seu amigo e parceiro de ofício,
Lucien Febvre: entre as idéias que proponho sustentar aqui, mais de uma,
seguramente, vem direto de vocês. Muitas outras, não saberia decidir em toda
consciência, se são suas, minhas ou nossas... Vocês aprovarão, gabo-me disso,
muitas vezes. Em outras me repreenderão. E tudo isto criará entre nós vínculos a
mais. Apenas vocês podem compreender o real significado da escolha dessas
palavras e das tecituras temporais presentes em nossas histórias.
À minha mãe e ao meu padrasto, minha eterna gratidão pelo investimento
incondicional e amoroso. Crescer ao lado de vocês somente contribuiu para que eu
valorizasse minha/nossa própria história e instigasse minha compreensão sobre os
seres humanos. À Sofia, pela companhia e fiel espera. À Luigina, por todas as
mágicas tão características de uma fada madrinha. À Maria, pelo colo amigo. Aos
meus avós, por me ensinarem, desde pequena, o prazer de uma conversa e de ouvir
histórias. À minha tia, pelo exemplo. Ao meu pai, pela possibilidade de vivenciar a
criação, a continuidade e a perpetuação de um mito.
São Paulo, julho de 2010.
“O problema do desenvolvimento histórico
da sociedade do século XIX
levou tanto teóricos como homens práticos
a penetrar profundamente no passado remoto.
Pois, tanto dentro dos países capitalistas, quanto nos lugares onde
a sociedade burguesa em expansão encontrava – e destruía –
outras sociedades, o passado vivo e o presente nascente
encontravam-se em conflito aberto. (...)
Para o observador de meados do século XIX,
toda a história coexistia ao mesmo tempo (...)”
(Eric. J. Hobsbawm)
1
Introdução
Em 1850, o poeta inglês Alfred Tennyson (1809-1892) recebeu o tulo
de Poeta Laureado. Esse fato marcou o início de seu vínculo com a realeza
inglesa vitoriana, e possibilitou que seu nome e sua obra – especialmente Idylls
of the King (1889) –, ficassem conhecidos mundialmente.
Essa obra, assim como outros poemas do autor, abordou a temática
Arthuriana, foi uma releitura da Matéria da Bretanha
1
e, portanto, pode ser
considerada parte do Medievalismo Vitoriano. Esse movimento, um
desdobramento do pensamento conservador inglês, foi responsável pela
interpretação e reapropriação de temas medievais durante o século XIX.
O conservadorismo inglês foi uma reação às mudanças provocadas
pelas revoluções Industrial e Francesa. Ambas as revoluções traziam a
promessa de um novo mundo, fundamentado na idéia de uma sociedade mais
igualitária amparada pelo desenvolvimento tecnológico e pela crença no
progresso. Porém, seus desdobramentos também representaram o fracasso do
projeto revolucionário, a percepção de um rompimento definitivo com o
passado, marcado pela crescente urbanização, pelo desenvolvimento
capitalista e de uma nova sociedade, além da progressiva miséria dos
trabalhadores e de grande instabilidade política, especialmente na Inglaterra e
na França.
Esse cenário possibilitou a geração de um crescente sentimento de
“desencantamento do mundo”
2
, além de um progressivo questionamento às
1
Por Matéria da Bretanha, Legenda Arturiana ou Ciclo Arturiano, entende-se, segundo Heitor Megale, A
demanda do Santo Graal: das origens ao dice português, São Paulo: Ateliê Editoria, 2001, pp. 46-47,
“...o conjunto de textos em verso ou em prosa, sejam ficcionais ou de cunho historiográfico, centrados na
figura do rei Artur e dos cavaleiros da távola redonda”.
2
A expressão desencantamento do mundo está associada a Max Weber, numa referência ao crescente
processo de racionalização e seus desdobramentos. Ver PIERUCCI, Antonio Flávio. O desencantamento
do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2003. Outros autores,
como Elias ThoSaliba, As utopias românticas. São Paulo, Estação Liberdade, 2003 e Maria Odila da
Silva Dias, O fardo do homem branco: Southey, historiador do Brasil (um estudo dos valores ideológicos
do império do comércio livre). São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1974, também utilizaram-se
dessa expressão ao referirem-se aos desdobramentos provocados pelas Revoluções Francesa e Industrial.
2
visões cristalizadas pelo Iluminismo. Daí o desenvolvimento e a difusão do
pensamento conservador, especialmente entre a classe média e os membros
da aristocracia, que lutavam por preservar seus status político e social: “o
conservantismo estava essencialmente com aqueles que preconizavam a
tradição, a velha e ordeira sociedade, costumes e nenhuma mudança, em
oposição a tudo que fosse novo”
3
. O novo seria, portanto, a nova sociedade
fundamentada no utilitarismo benthamiano e no individualismo exacerbado.
A escolha, por Alfred Tennyson, da temática Arthuriana, é aqui
interpretada como uma necessidade de reconstruir, dar novo significado a um
mito muito presente na memória inglesa, um mito fundador o rei Arthur e
os cavaleiros da Távola Redonda. Entretanto, um mito nada familiar ou
característico dos acontecimentos do século XIX e que, por isso mesmo,
permite revelar sua reconstrução e reelaboração, a fim de atribuir-lhe novos
significados e sentidos, especialmente com relação ao papel da realeza
britânica.
A análise histórica de uma obra literária permite a recuperação de
experiências; de modo de ver o mundo; realidades materiais, referências
socioeconômicas e políticas do contexto de produção da obra, e o próprio
processo cultural de que faz e/ou fez parte. Pode ser objeto de análise do
historiador, pois possui a marca de seu tempo pela forma língua, gênero,
estrutura e pelo conteúdo temas, personagens, símbolos além de ser
produzida para um público que lê e interpreta as mensagens que cifra e
veicula. Daí decorre a importância de estudar Tennyson e sua obra, uma vez
que pode revelar a relação entre o conteúdo da narrativa e sua sociedade.
Sabemos que as sociedades constroem interpretações e representações
de si, dos outros, do passado, do futuro, que são expressões da realidade, mas
não podem ser confundidas com ela, são espelhos deformantes em cujos
traços retorcidos pode-se chegar àquilo que não está manifesto. Assim, as
representações podem ser analisadas como elaborações culturais, em meio à
época e ao grupo que as produziram, bem como torna-se necessário entender
3
HOBSBAWM, E. J. A era do capital:1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 157.
3
as várias dimensões constitutivas da representação, quais sejam: estabelecer a
relação entre ela e seu processo de constituição, e qual o seu lugar na
dinâmica social.
No século XIX, em meio aos desdobramentos das revoluções Industrial
e Francesa, a percepção das transformações que então ocorriam promovia a
busca pelo passado e podia remeter a diferentes noções: decadência,
progresso, ruptura. Essas noções expressavam o as sensações
vivenciadas por diversos segmentos da sociedade, mas também a forma como
o retorno ao passado apresentava atitudes com relação ao presente, ao
passado e ao futuro.
Para os contemporâneos de Tennyson, era possível atribuir ao passado
dois significados: a negação do presente, bem como a valorização de uma
história anterior aos desdobramentos da “Dupla Revolução”
4
. Diante do homem
desenraizado de sua história e de seu lugar, sentimento aguçado pelas
repercussões da Revolução Industrial, o passado atribuía sentido ao processo
histórico, ao mesmo tempo em que, para os românticos e outros pensadores
do período, remetia aos valores que consideravam esquecidos, ausentes do
mundo em que viviam e que por isso mesmo deveriam ser resgatados e
reelaborados.
Os artistas românticos, em particular, “(...) consideravam que sua tarefa
consistia em voltar a fazer do mundo um lugar encantado. (...) acusavam o
Iluminismo de ter danificado a vida interior do homem quase definitivamente, e
trabalharam para desfazer a secularização do mundo”
5
. Foi o período da
elaboração de utopias românticas que estava aliado a uma crise de identidade
e do próprio sentido da História, período que “(...) foi propício ao engendrar do
ingrediente básico das utopias modernas: o desenraizamento do tempo
presente. (...) Sem confundir-se com os mitos paradisíacos, a energia utópica
4
Maneira pela qual Hobsbawm, em sua obra, A era das revoluções: Europa 1789-1848, Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 2000, denominou as revoluções Francesa e Industrial.
5
GAY, Peter. O coração desvelado a experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. São Paulo,
Companhia das Letras, 1999, p.11
4
romântica se produz, então, num mesmo movimento, a partir da negação
radical do presente e da interrogação quase frenética e compulsória do futuro”
6
.
Nesse contexto, para representar, divulgar e exaltar a cultura nacional, a
literatura foi “(...) uma daquelas instituições que puderam servir para definir
uma nação. (...) explora-se tudo aquilo que pode fornecer informações sobre
uma cultura antiga: documentos escritos, poemas e narrações; mas também
folclore, contos e canções que se julga terem atravessado os séculos sem
alterações de maior. Por outro lado procura-se criar formas literárias que
convenham ao público nacional e tem-se o cuidado de escolher assuntos
retirados da história nacional ou da vida actual da nação.”
7
É importante ressaltar que Tennyson não é considerado um poeta
romântico nem em sua época e nem pela crítica literária e geral e sua
carreira pode ser inserida em um debate sobre o papel do poeta na sociedade
em que vivia. Tennyson e outros artistas de seu tempo Elizabeth Gaskell
(1810-1865), Charles Dickens (1812-1870), Benjamin Disraeli (1804-1881) e
George Eliot (1819-1880), por exemplo - preocupavam-se em trazer de volta
para a poesia, para os romances, a vida cotidiana: “Seria incompleta nossa
compreensão da resposta humana ao industrialismo, se não nos referíssemos
a um interessante grupo de romances, escrito nos meados do século, que não
somente oferecem algumas das mais vívidas descrições da existência humana
numa sociedade industrial em seus desordenados começos, como também
ilustram certas idéias comuns, em que se fundava a resposta direta de
sentimento e pensamento à nova forma de sociedade.”
8
Nesse contexto, a obra de Tennyson colabora para a reconstrução de
imagens tanto da realeza quanto dos ideais da sociedade inglesa, em meio ao
um mundo percebido como desordenado, em transição. Como as vivências do
passado se presentificam como vestígios, rastros de ações objetivadas no
passado e uma marca, uma permanência no presente, é possível compreender
e situar uma obra literária também a partir da percepção de seu autor.
6
SALIBA, Elias T. Op. cit., pp. 20-28
7
BACKÈS, Jean L. A literatura europeia. Lisboa, Instituto Piaget, S/D, p. 25.
8
WILLIAMS, Raymond. Cultura e sociedade (1780-1950). São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1969, p. 105.
5
Ao produzir uma obra – literária ou pictórica –, os artistas deixam rastros,
vestígios. Afinal, é a partir de sua relação com o mundo, suas experiências
vividas no mundo, no contexto cultural de que faz parte, que o artista produz.
Ademais, no caso da literatura, “...o escritor (...) instala-se em signos
elaborados, num mundo já falante, e requer de nós apenas um poder de
reordenar as nossas significações de acordo com a indicação dos signos que
nos propõe. Mas, como é isso, se a linguagem exprime tanto pelo que está
entre as palavras, quanto pelas palavras? Tanto pelo que não ‘diz’ quanto pelo
que ‘diz’? Se há, oculta na linguagem empírica, uma segunda linguagem na
segunda potência, na qual de novo os signos levam a vida vaga das cores, e
na qual as significações não se libertam totalmente da relação recíproca dos
signos?”
9
é possível compreendermos a parte – leia-se a obra – em sua
relação com o todo, ou seja, com a vida do artista e o contexto de que é parte.
Daí a importância dos rastros que, deixados de forma consciente ou não pelo
autor, remetem-nos à idéia de inacabamento de uma obra de arte, pensada por
Merleau-Ponty: “Já que a percepção mesma jamais é acabada, que ela
nos um mundo a exprimir e a pensar através das perspectivas parciais que
ele ultrapassa por todos os lados, que sua inenarrável evidência não é das
que possuímos e, enfim, que o próprio mundo se anuncia por sinais
fulminantes como pode ser uma fala, a permissão de não ‘acabar’ não é
necessariamente preferência dada ao indivíduo sobre o mundo (...) ela pode
ser também o reconhecimento de uma maneira de comunicar que não passa
pela evidência objetiva, de uma significação que não visa um objeto dado,
mas o constitui e o inaugura, e que não é prosaica porque desperta e
reconvoca por inteiro nosso poder de exprimir e nosso poder de
compreender.”
10
É necessário, pois, investigarmos as marcas da autoria do poema, e
discutirmos suas dimensões históricas. A autoria de Tennyson dialoga com
outras versões medievais e modernas e, por isso, são as obliterações e
9
MERLEAU-PONTY, M. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: Signos. São Paulo: Martins
Fontes, 1991, pp. 45-46.
10
MERLEAU-PONTY, M. A prosa do mundo. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 82.
6
combinações que o autor realiza ao longo da obra que afirmam e possibilitam a
identificação de sua autoria, bem como permitem pensarmos em seu
significado: “O ‘autor’, no sentido moderno, é o criador de ‘obras’ únicas,
literárias ou artísticas, cuja originalidade lhe garante propriedade intelectual (...)
Esta noção individualista da autoria é uma invenção surpreendentemente
recente (...) a apresentação heróica dos poetas românticos. Na visão de poetas
de Herder e Goethe a Wordsworth e Coleridge, a autoria genuína é original no
sentido de que ela não resulta numa variação, imitação ou adaptação, e nem,
certamente, uma mera reprodução, mas sim numa obra única (...) que, por esta
razão, pode ser considerada de propriedade de seu criador.”
11
Assim, por meio
das seleções e escolhas de temas, personagens e episódios, que o autor
introduz a memória e o significado de suas mensagens para um público que a
recebe, cifra e veicula
12
.
Daí a importância de historicizarmos a obra e seu autor. A reflexão sobre
a temporalidade nos possibilita pensar essas questões, na medida em que
situa o historiador como aquele que transita entre o passado e o presente. No
entanto, como não é possível que ele apreenda o passado, como afirmava
Ranke, “tal como ele foi”, é por meio da interpretação que se torna possível
produzir conhecimento histórico.
Rastro e tempo estão vinculados. A leitura de Paul Ricoeur
13
permite-
nos pensar que é por meio dos rastros que podemos chegar às múltiplas
temporalidades e identificar as escolhas e significados atribuídos por Alfred
Tennyson em Idylls of the King. É por isso que entendemos aqui a linguagem e
a temporalidade como meio de acesso à significação. A primeira, expressa e
passa pela percepção que nosso autor possuía do mundo no século XIX. Ao
11
WOODMANSEE, Martha e JASZI, Peter. Para além da ‘autoria’. A propriedade intelectual na
perspectiva global. In: In: SSEKIND, Flora e DIAS, Tânia. A historiografia literária e as técnicas de
escrita. Do manuscrito ao hipertexto. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa e Vieira e Lent, 2004, p.115.
12
A esse respeito, considera Yone de Carvalho. Oralidade e manuscritura. A perspectiva do narrador
como chave de leitura do Tristan de Béroul. In: ANDRADE FILHO, R. O. (org.). Relações de poder,
educação e cultura na Antiguidade e na Idade Média, estudos em homenagem ao Professor Daniel Valle
Ribeiro. São Paulo, Editora Solis, 2005, pp. 60-61: “A memória no texto funciona como forma de
intelecção, recurso literário e plano de consciência, via de conhecimento e revelação. (...) O narrador
“movimenta-se” no texto expressando as estratégias narrativas eleitas e realizadas pelo autor. (...) De tal
forma que não é possível penetrar na gica do texto sem essa chave de leitura. E é justamente nesse
movimento do autor-narrador que a obra realiza suas dimensões históricas”.
13
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Campinas: Papirus, 1997, v. 3.
7
mesmo tempo, essa percepção perpassa múltiplas temporalidades: o tempo
medieval, na medida que é uma releitura do século XIX; o tempo do autor, que
produz a obra; o tempo arturiano e a própria contemporaneidade do historiador.
Nesse painel cultural e temporal, também é importante considerarmos o
desenvolvimento de inovações técnicas e de transformação nos hábitos de
leitura que ocorriam na época e que contribuíram para alargar o consumo de
livros: “Tennyson was compelled to consider the question of popularity more
seriously than any previous poet. His lifetime spanned a period of
unprecedented growth in the reading public of Great Britain. (…) From the time
of his earliest volumes to the height of his fame in 1864, Tennyson was never
allowed to lose sight of the ideal of ‘a poet of the people.”
14
Assim, a escolha do tema arthuriano pode revelar tanto uma demanda
por parte dos editores como dos consumidores de sua literatura. Além disso, o
fato dos poemas terem sido publicados separadamente e sem uma ordem
cronológica em seus episódios permite pensarmos que o público conhece a
matéria Arthuriana e, por isso mesmo, não necessita de uma obra com
começo, meio e fim, o que nos remete às múltiplas camadas de tempo contidas
na obra, também do ponto de vista da leitura e/ou público.
Embora a poesia Arthuriana de Tennyson seja elaborada no século XIX
e faça referência à Idade Média, o tempo no qual ocorrem as ações e os
episódios da obra é o Arthuriano. O autor e o conteúdo de sua poesia estão
inseridos numa teia de tempos: o medieval, o tempo arthuriano-medieval e o
tempo vitoriano. É como se o texto do autor possuísse várias camadas de
tempo e, por isso, coloca-se a questão de qual memória está invocando e, ao
mesmo tempo, que tipo de memória está construindo. Nesse sentido, o autor
invoca uma memória cultural, ao mesmo tempo em que constrói uma versão,
vinculando essa memória com o tempo presente.
Não podemos deixar de levar em consideração que o mito arthuriano
está estreitamente vinculado à realeza. Por isso mesmo, é importante
14
SHAW, M. Tennyson and his Public: 1827-1859. In: PALMER, D. J. Tennyson. London: G. Bells &
Sons, 1973, p. 53.
8
identificarmos e verificarmos os rastros que podem nos levar à concepção que
o próprio Tennyson possuía da realeza, a partir da dinâmica de sua percepção.
Dentro desse contexto, as perguntas que a presente pesquisa pretende
responder são: de que maneira o pensamento conservador de Tennyson, sua
atração pela realeza e o papel que o autor atribuía a ela aparecem na obra? De
que forma a realeza e o próprio rei Arthur aparecem representados em Idylls of
the King? Quais os valores presentes nessa realeza e na própria figura do rei
Arthur? Quais as funções que a realeza exerce ao longo da obra?
Situado em tempo e espaço, Alfred Tennyson é um “ser-em-situação”
15
,
e é por isso que sua obra pode ser considerada inacabada. A análise histórico-
literária de Idylls of the King pode ser realizada nesse sentido. Daí a
necessidade de encontrarmos marcas, rastros e vestígios deixados pelo poeta
para que possamos chegar em algumas questões que consideramos
relevantes: a missão do poeta e da poesia e a conduta moral das personagens
no contexto do século XIX para o autor, a concepção de realeza, o contexto de
sua produção e seu público. É necessário que investiguemos essa teia de
relações e significados que estão entrelaçados à realidade, à experiência no
mundo. Somente a partir dela será possível compreendermos a obra como um
produto cultural e temporal, e portanto, meio para produção do conhecimento
histórico. Nesse sentido, ressaltamos o caráter inovador da pesquisa, uma vez
que os trabalhos realizados sobre Idylls of the King, e elencados na bibliografia,
pertencem ao campo da crítica literária.
A partir das questões acima expostas, no primeiro capítulo Cultivando
idílios: Tennyson e a Inglaterra do século XIX buscaremos inserir a autoria na
trama cultural tal como se configurava na Inglaterra do século XIX. Para isso,
construiremos um panorama geral das questões políticas, econômicas e
sociais que pensamos ser relevantes para compreender a obra do autor.
Também apontaremos a relação entre o autor e seu público a receptividade
15
CARMO, Paulo Sérgio do. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2000, p. 132, Na obra
o autor explicita o conceito, a partir da concretude do mundo: “O homem nunca é totalmente livre porque
é um ser-em-situação; está envolvido com o mundo, sua escolha se faz dentro de um meio sobre o qual
não tem total poder de controle. Não se pode, portanto, falar em uma escolha totalmente consciente; uma
bagagem inconsciente está sempre presente nos atos.”
9
de sua(s) obra(s), tanto por críticos como pelos leitores ‘comuns’
estabelecendo um diálogo entre o que Tennyson acreditava ser a missão de
um poeta na sociedade e as implicações de ser Poeta Laureado, vinculado à
realeza.
O segundo capítulo A expressão das formas de servir: Idylls of the
King e a conduta moral vitoriana abordará, como ponto de partida, a relação
entre o rei Arthur e sua corte em Idylls of the King, e as escolhas de Tennyson
seleção e articulação de episódios, e a construção deles (tempos, espaços,
ações das personagens) com o objetivo de apreender um conjunto de
sentidos tecidos pela articulação de diversos tempos. Assim, identificaremos as
questões do próprio tempo do autor pensadas em uma obra cujo cenário é a
Idade Média e o universo arthuriano. Como apontaremos no capítulo 1, o meio
literário de que Tennyson fez parte estava preocupado com o cultivo de uma
moral, ligada à função do poeta na sociedade inglesa do século XIX. Ao
pensarmos, portanto, a moral vitoriana de Tennyson, poderemos identificar
temas transversais presentes na obra e relacioná-la à associação entre o rei
Arthur e a monarquia inglesa do século XIX. No nosso entender, como o
principal personagem da obra é o próprio rei Arthur, e ele pode ser identificado
com a realeza, apontaremos as implicações resultantes dessa associação,
especialmente no que diz respeito ao papel desempenhado pela mulher,
representado pela rainha Guinevere e outras personagens femininas (Elaine e
Enid, por exemplo), pois era às mulheres que estava designada a manutenção
da ordem social, representada pelo lar.
No terceiro capítulo A nobreza dos atos, dos gestos e das palavras: a
realeza tennysoniana , buscaremos analisar a representação da realeza na
obra Idylls of the King, e sua relação com a monarquia inglesa desse período.
Para tanto, mapearemos qual era o significado atribuído à realeza no século
XIX, relacionando-o as principais questões do período o industrialismo, a
democracia e qual foi a percepção de Tennyson no que diz respeito ao papel
que a monarquia desempenhou ou que deveria desempenhar no que tange a
essas questões.
10
Importa notar que ao longo do trabalho, optamos por manter a grafia dos
nomes das personagens tal como aparecem nos poemas de Idylls of the King e
em outros selecionados para análise. A tradução dos excertos também não foi
realizada, visto que são parte de uma narrativa poética e, por isso, optamos
pela narrativa dos acontecimentos entrelaçadas à sua análise. Da mesma
forma, optamos por manter os escritos de Alfred Tennyson em inglês, com o
intuito de não nos colocarmos no papel de intermediários entre o que o poeta
afirmava e sua possível compreensão.
***
11
Capítulo 1
Cultivando idílios: Tennyson e a Inglaterra do século XIX
Como dissemos na Introdução, a obra Idylls of the King, assim como
outros poemas de Alfred Tennyson que faziam referência a temas medievais,
era partícipe de um movimento cultural mais amplo, denominado Medievalismo
Vitoriano. Esse movimento, que consistia na apropriação de temas medievais
em obras literárias e pictóricas, pode ser considerado a busca da compreensão
de um mundo que se encontrava em transformação: a sociedade inglesa do
século XIX.
Para entendermos o significado dessa obra e o papel que desempenhou
no contexto de sua produção é necessário rastrearmos a Legenda Arthuriana,
desde a Idade Média até a denominada Era Vitoriana
16
.
1.1 Da Legenda Arthuriana medieval à contemporaneidade de
Arthur
Inicialmente transmitida oralmente por toda a Europa, foi a partir do
século XII que a Legenda Arthuriana passou a ser literalizada em versos. Os
primeiros registros escritos que a constituem, embora tardios em relação aos
prováveis e discutíveis antropônimos, são Historia Brittonium, de Nennius, nos
16
Segundo Peter Gay, “...o termo vitoriano havia se transformado no nome abreviado de uma era
presidida pela monarca britânica, um ícone doméstico benigno e melancólico, estimada pela sua
reputação impecável, sua felicidade doméstica exemplar abalada pela morte prematura do príncipe Albert,
e sua dor incessante e lamentável. Mais tarde, porém, anos antes de sua própria morte em 1901, o
galardão foi radicalmente metamorfoseado num insulto; aqueles que espezinhavam a era reduziam
‘vitoriano’ a um sinônimo de hipocrisia, pudicícia e mau gosto inigualáveis. (...) o ‘vitorianismo’ não
coincidiu com o reinado da rainha. Podemos dizer que havia vitorianos décadas antes de Vitória,
moralistas do final do século XVIII e início do século XIX, tão severos, tão celebradores da vida
doméstica quanto untuosos, iguais a qualquer um que a metade do século viria a apresentar. E um quarto
de século antes do final de seu reino, por volta da década de 1880, a campanha antivitoriana já estava bem
deslanchada (...)”. In: GAY, Peter. Guerras do prazer a experiência burguesa da rainha Vitória a
Freud. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 29-31.
12
primórdios do século IX; e os Annales Cambriae, que datam do século X. No
entanto, tais literalizações trazem o nome de Arthur enquanto um guerreiro
bretão que atuou na luta pela expulsão dos saxões da Grã-Bretanha. Na
literatura, o personagem mítico rei Arthur é criação de Geoffrey de
Monmmouth, clérigo de origem galesa ou bretã, cuja obra Historia Regun
Britanniae (1138) conta a história dos reis da Bretanha insular.
Por volta dos anos de 1210 e 1220, iniciou-se um processo de
prosificação dos relatos arthurianos, conhecido como Ciclo do Lancelote-Graal
ou Vulgata da Matéria da Bretanha ou Legenda Arthuriana. Esta prosificação é
comumente atribuída a Gautier Map
17
que, ao lado de Robert de Boron
18
,
conferiu autoridade a muitos desses textos do Ciclo Arthuriano. A Vulgata é
composta por cinco manuscritos: L’estoire del Saint Graal; Lestoire de Merlin;
Le livre de Lancelot du Lac; La quest du Saint Graal e La mort le roi Arthur
19
.
também uma série de narrativas em língua inglesa cujo tema é a
Matéria Arthuriana. Entre o fim do século XIII e o século XVI, podemos citar “23
em versos rimados ou em prosa: Arthur and Merlin (1250-1300); a Joseph of
Arimathea em prosa, e a The Boy and the Mantle (século XVI), passando por
Sir Tristrem (cerca de 1300), a Morthe Arthur estrófica (cerca de 1400), The
Carl of Cariisle (cerca de 1400), o Holy Grail e o Merlin de Lovelich (cerca de
1430), The Wedding of Sir Gawain (cerca de 1450), Lancelot of the Laik (1482-
1500), King Arthur’s Death (cerca de 1500), e um conto de Chaucer, Femme de
Bath (1392-1394). ”
20
A maioria dessas narrativas foi, provavelmente, inspirada ou até mesmo
traduzida dos romances franceses. Merece destaque especial a obra de Sir
Thomas Malory, Le Morte D’Arthur, concluída entre 1469 e 1470
21
, a qual todas
17
Foi provavelmente um clérigo cujo nome foi emprestado por diversos autores, a fim de garantir a
aceitação de suas obras. Tornou-se Pseudo-Map, visto que foi comprovado ser falecido no momento da
prosificação.
18
Robert de Boron teria sido um clérigo que viveu entre os séculos XII e XIII, no vilarejo de Boron, na
atual França. Considera-se que Boron tenha sido o primeiro autor a dar ao mito do Santo Graal o sentido
cristão. Também escreveu José de Arimatéia e Merlim.
19
MEGALE, H. “Apresentação”. In: A demanda do Santo Graal. São Paulo: Ateliê Editorial/Editora
Imaginário, 1996, pp. 11-13
20
BRUNEL, Pierre. (org.). “Artur”. In: Dicionário de mitos literários. São Paulo, Universidade de
Brasília e José Olympio Editora, 1997, pp. 107-108
21
JENKINS, Elizabeth. Os mistérios do rei Artur. São Paulo, Companhia Melhoramentos, 1994, p. 116.
13
as obras posteriores fazem referência e que foi responsável por organizar os
diversos relatos, temas, episódios e personagens anteriores em uma única
obra.
Ao longo dos séculos XVI e XVII, apenas alguns autores ingleses
dedicaram-se a trabalhar essa matéria, que conferia significado e autoridade
aos reis do período, considerados descendentes de Arthur, tanto por linhagem
como pelos ideais que se propunham a seguir. Nessa época, o mito arthuriano
foi o tema de trabalhos que afirmavam a legitimidade do monarca e enalteciam
o direito divino dos reis, dentre as quais podemos citar: Assertion of the Most
Noble Arthur (1544), de John Leland; The Faerie Queene, um conjunto de três
livros publicados entre 1589 e 1596, de Edmund Spenser. Portanto, pode-se
afirmar que o mito arthuriano foi identificado com a monarquia inglesa. Nesse
sentido, merecem destaque a obra de John Dryden, considerado o poeta da
Restauração, King Arthur ou The British Worthy (1691), uma peça musicada
por Henry Purcell, na qual Arthur luta contra o saxão Oswald e tem uma visão
sobre a futura união política e racial de seu povo; e as obras Prince Arthur
(1695) e King Arthur (1697), de Sir Richard Blackmore, o qual associou Arthur a
William II, cujo reinado na Inglaterra durou de 1087 a 1100.
22
Outros, como
John Milton, autor de Paradise Lost (1667) criticavam as fábulas ligadas ao Rei
Arthur e seus cavaleiros.
Durante o culo XVIII, o universo narrativo arthuriano foi deixado de
lado, talvez em razão do discurso iluminista, o qual negava narrativas
“supersticiosas” e míticas, pois como afirma Roger Simpson, “...the developing
interest in the Middle Ages often accomplished little for Arthur’s historical
position. A greater desire to study the origins of British social and political
structure let to a stringent reassessment of all available historical records. As a
result, Arthur tends to fade into insignificance (‘a fable’) (...)”
23
. Nesse contexto,
ocorreu uma espécie de reinvenção da Legenda Arthuriana por meio do estudo
do romance medieval, exemplificados pela publicação de obras como Reliques
22
BRYDEN, Inga. Reinventing King Arthur: The Arthurian Legends in Victorian Culture. Aldershot:
Ashgate, 2005, p. 16.
23
SIMPSON, Roger. Camelot Regained. The Arthurian Revival and Tennyson, 1800-1849. New
Hampshire: D. S. Brewer, 1990, p. 8.
14
of Ancient English Poetry (1765), de Thomas Percy; e History of English Poetry
(1774-1781), de Thomas Warton. Segundo Inga Bryden, a obra de Percy
transformou as lendas arthurianas em artefatos históricos, assim como a de
Warton representou vestígios físicos dos tempos medievais. Ambas as obras
teriam antecipado a busca vitoriana em situar Arthur em termos literários,
arqueológicos, arquitetônicos e visuais.
24
No início do século XIX, o movimento do Medievalismo Vitoriano foi
acompanhado pelo que foi denominado o fenômeno literário principalmente
poético – e cultural do Arthurian Revival, caracterizado pela presença dos
temas arthurianos em obras literárias, pinturas, objetos de decoração,
tapeçarias, memoriais de guerra e charges políticas. Note-se também o papel
desempenhado pela publicação de obras que viabilizaram o acesso ao material
arthuriano, como por exemplo Ancient english Metrical Romanceës (1802), de
Joseph Ritson; Specimens of Early English Metrical Romances (1805), de
George Ellis e The History of Fiction (1814), de John Dunlop. Vale ressaltar
também Walter Scott (1771-1832) como figura relevante para o
desenvolvimento do medievalismo literário, pois além de seu Sir Tristrem
(1804) ter sido reimpresso por cinco vezes, também foi o autor do romance,
Ivanhoe (1819), o qual alcançou ampla repercussão na época. Ainda foi
significativo que, entre 1816 e 1817, surgiram novas edições de Morte D’Arthur,
de Thomas Malory, visto que a última publicação da obra datava de 1634.
25
A cada de 1830 é significativa, uma vez que nessa época havia um
grande número de obras produzidas sobre a temática arthuriana. Esse fato
está relacionado às perturbações políticas e derivadas do industrialismo
movimentos de reforma no governo, o utilitarismo como a principal ideologia da
época, os efeitos da Revolução Francesa –, que de certo modo obrigavam os
ingleses a lidarem com uma espécie de ansiedade política e cultural. Assim,
ocorreram mudanças no tratamento literário dispensado a Arthur que, como um
herói cristão e inglês, passou a representar a ordem moral.
26
24
BRYDEN, Inga. Op. cit., p. 17.
25
Idem, pp. 4 e 18.
26
Idem, ibidem, p. 2.
15
Dentre as inúmeras obras publicadas ao longo da Era Vitoriana,
destacamos apenas algumas, muitas das quais não alcançaram notoriedade: a
tragédia moral inacabada Morte D’Arthur: A Fragment (1830), do padre
Reginald Heber; Ballad of Glastonbury (1835), de Henry Alford; Sir Lancelot
(1842), de Frederick Faber; o poema épico King Arthur (1848) da autoria do
romancista e político Edward Bulwer-Lytton; Avillion and Other Tales (1853), de
Dinah Mulock; The Quest of the Sangraal (1864), do reverendo Robert Hawker;
The Quest of the Sancgreall (1868), de Thomas Westwood; In the Studio: a
decade of Poems (1975), de Sebastian Evans; Tristram of Lyonesse (1882), do
poeta Algernon Charles Swinburne; Sir Percival: a Story of the Past and of the
Present (1886), do romancista Joseph Shorthouse.
A obra de Alfred Tennyson sobre a legenda Arturiana teve início em
1833, quando da publicação de Poems, onde fez duas referências ao tema
arthuriano: uma estrofe em The Palace of Art que descreve Arthur no Vale de
Avalon, e The Lady of Shallot, inspirada na obra de Sir Thomas Malory.
Também foi elaborada, a partir de 1830, e publicada em 1842, uma edição
revisada de The Lady of Shallot, Sir Launcelot and Queen Guinevere, Sir
Galahad e, Morte d’Arthur. Porém, sua mais famosa obra sobre a temática
arthuriana foi Idylls of the King. Inicialmente, o autor intitulou-a The True and
the False, Four Idylls of the King –, organizados em quatro livros: Enid (1856),
Guinevere (1857), Elaine (1858) e Vivien (1859). Mas foi somente em 1889,
que o poeta publicou a versão final de Idylls of the King.
A organização final de Idylls of the King, com este nome, passou para a
seguinte ordenação dos poemas: Dedication – uma dedicatória ao príncipe
Albert, marido da rainha Victoria –; The Coming of Arthur; o conjunto The
Round Table, composto por Gareth and Lynette, The Marriage of Geraint,
Geraint and Enid, Balin and Balan, Merlin and Vivien, Lancelot and Elaine, The
Holly Grail, The Last Tournament e Guinevere; seguido de The Passing of
Arthur e To The Queen, epílogo dedicado à rainha.
27
27
TENNYSON, Alfred. TENNYSON, Sir Alfred. Poetical Works including the plays. In:
CUMBERLEGE, Geoffrey (org.). London: Oxford University Press, 1954, pp. 287-441.
16
1.2 O desencantamento do mundo e o Medievalismo Vitoriano
Na Inglaterra vitoriana, as mudanças geradas pela Revolução Industrial,
e até mesmo pela Revolução Francesa, provocaram uma série de reações e
manifestações por parte de artistas e intelectuais. Essas reações, por mais
diferentes que fossem, estavam ligadas a um questionamento sobre as idéias
de progresso, de civilização e de cultura. Todas essas noções pareciam mudar
de forma frente ao industrialismo, que transformava a maneira de conceber a
civilização, a cultura, o progresso e os rumos da nação. Tennyson, como
homem e poeta de seu tempo, preocupava-se com essas mudanças: estavam
no cerne de suas experiências, de suas reflexões e de suas obras.
em fins do século XVIII o processo pelo qual a Inglaterra passava
despertava em seus contemporâneos, como Edmund Burke (1729-1797) e
William Cobbett (1763-1835) um sentimento de desenraizamento e
desencantamento do mundo. Isso ocorria, pois ambos estavam vivenciando as
mudanças provocadas pelo industrialismo liberal: o desmantelamento de
antigas relações de trabalho e de vida, a afirmação de um individualismo
fundamentado pelo laissez faire, a formação da multidão de trabalhadores.
Esse cenário teria culminado na desintegração de uma sociedade que,
segundo Raymond Williams, Burke via como orgânica
28
.
Robert Nisbet afirmou que foi somente após 1830 que o
conservadorismo passou a fazer parte do pensamento político inglês;
entretanto, atribuía o surgimento da substância do pensamento conservador à
publicação de Reflections on the Revolution in France, de Edmund Burke,
publicada em 1790.
29
Em sua obra sobre o pensamento conservador, Nisbet
apresenta-nos a relação entre os desdobramentos das revoluções Francesa e
Industrial e a progressiva defesa de antigas tradições, numa resposta à crença
28
Raymond Williams afirma que, a partir das críticas realizadas ao industrialismo e ao liberalismo,
Edmund Burke teria lançado a idéia de sociedade orgânica, “na qual a ênfase está antes na inter-relação e
na continuidade das atividades humanas do que na separação delas em esferas de interesse, cada qual
governada por leis próprias.” In: WILLIAMS, Raymond. op. cit., p.34.
29
NISBET, Robert. O consevadorismo. Lisboa: Editorial Estampa, 1987, p. 15.
17
na filosofia das leis naturais, fundamentadas na racionalidade iluminista e no
individualismo.
Segundo Nisbet, Burke acreditava que a Revolução Francesa seria a
origem desse mal, acarretando a desintegração da antiga ordem social,
exemplificada em suas instituições e associações. Em nome da
individualização e da racionalização da sociedade o que perpassava a
educação, a religião e o governo –, os revolucionários jacobinos não haviam
conseguido apenas libertar o mundo de heróis míticos ou tirânicos, mas
também eliminar toda a ordem social tradicional. Nesse sentido, o controle e a
compreensão sobre tempo e passado passou a ser relevante, visto que para os
revolucionários, representava o local da superstição e da sujeição do indivíduo;
para Burke e seus sucessores no pensamento conservador, representava o
local onde estavam as estruturas fundantes do processo histórico, quais sejam,
as tradições responsáveis por cimentar os elos entre os homens e suas
atividades. Esse cenário teria sido agravado pelo recrudescimento da
Revolução Industrial, exportada da Inglaterra para o restante da Europa. A era
das máquinas, que a princípio teria significado o fim da subordinação dos seres
humanos ao trabalho bruto, também foi responsável pela aparição de novas
experiências que desatrelavam os trabalhadores de quaisquer vínculos que
não estivessem associados ao processo industrial. Soma-se a isso o fato de
que as modificações na produção possibilitaram o surgimento de novas
graduações nos grupos sociais, tornando-os mais complexos. Ambas as
revoluções representavam, assim, rupturas com a continuidade histórica, uma
vez que em nenhum outro momento da história essas transformações haviam
sido vivenciadas.
30
Nesse sentido, reafirmava-se uma necessidade de continuidade com o
passado e, ao mesmo tempo, de um alerta para as transformações que
ocorriam: o mundo passou a ser mecanizado, daí as críticas realizadas, de
maneira geral, ao industrialismo ao utilitarismo, ao individualismo
31
. Essas
mudanças não eram naturais, rompiam com a natureza das relações
30
Idem, pp. 15-32.
31
CARLYLE, Thomas. Signs of the Times. In: Scottish and other miscellanies. London: J. M. Dent &
Sons Ltds, New York: E. P. Dutton & Co. Inc., 1950, pp. 223-245.
18
anteriores, com os laços comunitários e separavam os homens de suas
atividades e de suas relações com outros homens.
Essa percepção conservadora sobre uma época de transformações, na
qual o passado no caso específico dessa pesquisa, a Idade Média passou
a ser o local onde estavam presentes modelos de conduta social, política e
econômica não foi inovação do século XIX. Durante o denominado período
Elizabethano (1558-1603), o medievalismo foi utilizado como uma resposta
positiva às transformações do século XVI: a Reforma Protestante e a
legitimidade da dinastia Tudor. No século XVII, foi uma resposta contrária às
transformações que então ocorriam, como a Guerra Civil e a subida ao poder
de Oliver Cromwell (1599-1658), que alteraram as antigas relações de poder.
Nessa época, a depredação e destruição de igrejas, monastérios e construções
antigas resultaram em um sentimento de ruptura e, ao mesmo tempo, de
valorização de um passado perdido. Sociedades voltadas para o estudo e a
preservação de monumentos foram criadas, e os costumes e tradições antigas
passaram a ser objetos de estudo e, até mesmo, de veneração. A Revolução
Gloriosa (1688), responsável pela limitação do poder real, reforçou esse
sentimento.
No decorrer do século XVIII, quando as transformações sociais e
econômicas geradas pelo industrialismo e pela progressiva ascensão da
burguesia tornaram-se mais aceleradas, era possível perceber o
desenvolvimento de sentimento nostálgico pelo que Cobbett denominou de
Old England”: a valorização de tradições e costumes antigos. Isso ocorria, pois
tanto Cobbett quanto Burke associavam a Inglaterra da segunda metade do
século XVIII com uma Inglaterra feudal, em que os laços entre os homens não
estavam vinculados ao interesse individual, característico da nova sociedade
industrial
32
.
No século XIX, escritores conservadores e medievalistas deram
continuidade a essa visão: a Idade dia foi idealizada em oposição ao
industrialismo, tornando-se uma Idade Áurea ou “Merry old England”. Ao
32
CHANDLER, Alice. A Dream of Order. The Medieval Ideal in Nineteenth Century English Literature.
Lincoln: University of Nebraska Press, 1971, pp. 2-3.
19
compararem, de forma cada vez mais enfática, as condições de vida dos
servos medievais com a dos proletários industriais, os medievalistas alertavam
para a contínua degradação das relações de trabalho e enfatizavam a perda de
laços recíprocos existentes entre senhores e trabalhadores nas confrarias e
grêmios de ofício, que caracterizaram uma sociedade paternalista, em que o
preço justo do trabalho levava em conta o número de filhos por alimentar, ou
seja, que valorizava os laços familiares.
O denominado Medievalismo Vitoriano desempenhou um importante
papel crítico com relação à Inglaterra do século XIX. As reconstruções,
reapropriações e interpretações do período medieval, buscavam as origens da
nação inglesa, de suas instituições, de suas condutas morais e, especialmente,
buscavam uma trajetória, um fio condutor, que demonstrasse qual era o
processo histórico, cultural e civilizatório que teria resultado naquele contexto.
Walter Houghton afirma que, para os vitorianos, apesar de reconhecerem as
diferenças entre seus predecessores imediatos, o passado com o qual haviam
rompido não era aquele em que havia florescido o movimento Romântico, e
nem mesmo o século XVIII, e sim a tradição medieval, que havia sido
interrompida de forma definitiva: o governo civil não estava mais concentrado
nas mãos do rei e da nobreza; a hierarquia social, em que cada grupo
reconhecia seus direitos e deveres, também não existia mais, assim como as
atividades econômicas, antes baseadas na agricultura, e agora focadas na
produção industrial
33
. Entretanto, entendemos que essa seja a visão dos
românticos restitucionistas, uma vez que rejeitavam de maneira radical as
características de sua época, e não dos vitorianos de forma geral. De qualquer
modo, o interesse pelo passado medieval pode ser considerado um
desdobramento das percepções que estudiosos, pensadores e artistas, sob
impacto da industrialização, expressaram no século XIX.
Exemplo disso foi um dos primeiros poemas de Tennyson sobre a
temática arthuriana, Morte D’Arthur (1842) posteriormente parte integrante de
Idylls of the King, e cuja principal referência foi Thomas Malory, e sua obra
Morte DArthur que, quando publicado pela primeira vez, veio acompanhado
33
HOUGHTON, Walter E. The Victorian Frame of Mind (1830-1870). New Haven and London: Yale
University Press, 1973, p. 1.
20
por uma espécie de introdução, intitulada The Epic, onde é possível
verificarmos a preocupação do autor em utilizar temas medievais para falar de
seu próprio tempo:
“... Untill I woke, and found him settled down
Upon the general decay of faith
Right thro’ the world, ‘at home was little left,
And none abroad: there was no anchor, none,
To hold by. Francis, laughing, clapt his hand on Everard, ‘by the
wassailbowl.
‘Why yes,’ I said, ‘we knew your gift that way
At college: but another which you had,
I mean of verse (for so we held it then),
What came of that?’ ‘You know’, said Frank, ‘he burnt
His epic, his King Arthur, some twelve books’
And then to me demanding why? ‘Oh, sir,
He thought that nothing new was said, or else
Something so said twas nothing – that a truth
Looks freshest in the fashion of the day”:
God knows: he has a mint of reasons: ask.
It pleased me well enough. ‘Nay, nay,’ said Hall,
21
‘Why take the style of those heroic times?
For nature brings not the Mastodon,
Nor we those times; and why should any man
Remodel models? these twelve books of mine
Were faint Homeric echoes, nothing-worth,
Mere chaff and draff, much better burnt.’
‘But I’, said Francis, ‘pick’d the eleventh from this hearth
And have it: keep a thing, its use will come (…)”
34
O excerto acima demonstra o questionamento de Tennyson a respeito
da validade da utilização e/ou reapropriação de temas medievais em meio a
sociedade vitoriana. E, embora o poeta não afirme claramente os benefícios
dessa utilização, não desconsidera seu uso, pois na fala de Francis, fica clara a
intenção de que seria necessário preservá-los a fim de poderem ser utilizados
no momento adequado. Nesse sentido, vemos na fala de Francis a
preocupação maior expressada por Tennyson em seus idílios: a preservação
da tradição, como veremos mais adiante.
No início do período vitoriano, a Revolução Industrial havia gerado
profundas transformações econômicas e sociais. Milhares de trabalhadores
haviam migrado para as novas cidades industriais, especialmente ao centro e
ao norte da Inglaterra. Os salários eram extremamente baixos, as jornadas de
trabalho eram muito longas. As condições de moradia das famílias
trabalhadoras eram péssimas: viviam amontoadas em um espaço muito
pequeno, sem as mínimas condições de higiene.
34
TENNYSON, Alfred. Op. cit., pp. 63-64.
22
A imprensa chamou a atenção para as classes trabalhadoras: entre
1830 e 1840, especialmente, inúmeros comitês e comissões parlamentares
apresentaram as condições de trabalho nas minas e fábricas, o que resultou na
regulamentação e inspeção governamentais das condições de vida e trabalho,
principalmente de mulheres e crianças. A partir de então, teve início um
período marcado por Reformas Parlamentares, que podem ser consideradas
testemunhos e também tentativas de resposta às transformações que então
ocorriam: reformas ligadas a distritos e governos locais; sociais, ligadas à
elaboração de leis trabalhistas, bem como sanitárias em virtude do grande
número de epidemias; reformas econômicas, relacionadas ao pagamento de
taxas e medidas protecionistas; além das reformas relacionadas à
administração do Império
35
.
Desde meados do século XVIII, quando essas transformações tiveram
início, a sociedade inglesa encontrava-se sob a ameaça da violência da classe
trabalhadora, que agora vivia em condições totalmente diferentes das de seus
antepassados. Exemplo disso foram os Ludditas, amplamente conhecidos
como destruidores de máquinas nesse período de transformações no modo de
produzir e, consequentemente, de viver. Entendido desse modo é como se os
trabalhadores culpassem as quinas por suas novas condições de vida. No
entanto, o movimento Luddita, apesar das variações no tempo e espaço,
“...estava preocupado, não com o progresso cnico abstratamente, mas com
os problemas gêmeos práticos de impedir o desemprego e manter o padrão de
vida habitual, que incluía fatores não-monetários tais como a liberdade e a
dignidade, bem como os salários. Assim, não era às máquinas como tal que ela
objetivava, mas a qualquer ameaça a estes acima de tudo à mudança nas
relações sociais de produção que os ameaçavam.”
36
Porém, de maneira geral, a violência entendida aqui como moral e
física resultante das novas condições de vida, contribuía para forjar a idéia
35
BURT, Alfred LeRoy. The Evolution of the British Empire and Commonwealth from the American
Revolution. Massachusetts: D. C. Heath and Company Boston, 1956, pp. 233-234.
36
HOBSBAWM, Eric. J. Os destruidores de máquinas. In: Os trabalhadores: estudos sobre a história do
operariado. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 24.
23
dos trabalhadores industriais como multidão enfurecida e pronta a acabar com
toda a ordem, e com todo o progresso alcançado até então.
37
Ao progresso, era atribuído um duplo significado. Em seu sentido
tecnológico, democrático, individualista e igualitário, poderia ser visto como um
desenvolvimento benigno sob a ótica liberal. Porém, os conservadores
alertavam para seu aspecto pernicioso: destruidor “da civilidade e da moral,
arauto das massas, do despotismo enraizado no povo e de uma ampla
alienação dos indivíduos em relação às raízes naturais de identidade e de
bens.”
38
Como, sob a visão conservadora, esse processo havia se iniciado com
a Revolução Francesa, seus representantes viam o processo histórico desde a
Idade Média até o século XIX, com uma perspectiva trágica da história em
ritmo acelerado.
A idéia de uma revolução que seria realizada pelos trabalhadores era
assustadora. Esse sentimento de temor foi reforçado pelo movimento Cartista,
ocorrido no final da década de 1830 e que, por meio da Carta ao Povo, exigia
maior participação política para as classes trabalhadoras. A atuação da classe
trabalhadora nessa direção resultou nas Reformas Parlamentares que,
contribuíram em 1867 para o aumento da participação política dos
trabalhadores
39
. Por vezes, essas Reformas representaram uma perda de
controle, da ordem, que estavam vinculados as idéias de progresso e de
civilização. No entanto, elas também podiam representar o controle e a ordem,
uma vez que também visavam evitar a revolução
40
.
37
Sobre a multidão de trabalhadores e pobres existente na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII
e no século XIX, ver BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da
pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1994 e ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010.
38
NISBET, Robert. op. cit., pp.148-149.
39
As Reformas Parlamentares (Reform Acts) de 1832, 1867 e 1884, ampliaram de maneira considerável a
participação política na sociedade inglesa. A primeira estendia o voto para qualquer homem com uma
renda de £10, aumentando o número de eleitores; a segunda ampliou ainda mais o número de eleitores,
pois incorporava muitos operários; a terceira, parece ter triplicado o número de eleitores, uma vez que
passou a incluir os trabalhadores agrícolas.
40
To improve the physical conditions of life, especially in the new towns, through the alliance of
legislation and science, was to improve not only health by moral habits as well. Good drains, good water,
decent light and air could reduce the amount of vice; and by making the working classes more contented
with their lot, could make them more law-abiding – and less dangerous.” In: HOUGHTON, Walter E. op.
cit. p. 41.
24
Autores como Thomas Cobbett, Edmund Burke e Thomas Carlyle
41
(1795-1881) representantes do pensamento conservador em fins do século
XVIII e da primeira metade do século XIX –, apesar de denunciarem e
alertarem para as péssimas condições de vida dos trabalhadores urbanos,
temiam a revolução e, por vezes, o resultado das Reformas.
Enquanto Cobbett e Burke afirmavam que era necessário um retorno
para uma Inglaterra de características agrária e praticamente medieval, a fim
de restabelecer o antigo laço entre proprietários de terra e seus trabalhadores,
Carlyle propunha uma sociedade sob a orientação e a liderança de
proprietários de terra e industriais, isto é, unia o novo ao antigo. No entanto,
essa união deveria significar uma responsabilidade social, inspirada nas
tradições cavaleirescas de lealdade e de responsabilidade para com a
sociedade. Desse modo, os trabalhadores o ficariam subordinados à
economia do laissez-faire, uma vez que o Estado seria comandado por esses
grupos sociais ligados à tradição inglesa e também em contato com a cultura
tradicional tornando necessárias intervenções e controle sobre as atividades
econômicas e, portanto, sobre as relações políticas e sociais. Vê-se, portanto,
que apesar de Carlyle propor a união entre o novo e o antigo, as bases a partir
das quais a sociedade seria cimentada, seriam justamente aquelas
pertencentes à Idade Média, o que implica a total negação dos elementos da
ordem capitalista.
De qualquer forma, nenhum deles via nas revoltas e/ou nas reformas
possibilidades da tomada de poder pelos trabalhadores e do estabelecimento
da democracia a solução para os problemas de seu tempo: “Conforme veio
demonstrar a grande exaltação contra o Projecto de Reforma de 1832, a
aristocracia, sob as ferozes pressões da alteração demográfica e da
reocupação e abandono de velhos bairros, perdera grande parte de seu
monopólio de representação parlamentar. Muitas das reformas políticas que se
41
Importa lembrar que pensadores como Burke e Carlyle comumente são vistos como conservadores. No
entanto, é possível traçar aspectos diferenciados em seus pensamentos, em virtude da aceitação ou não
dos elementos da ordem capitalista. O pensamento burkeano estaria associado a um romantismo
conservador, fundamentado na combinação entre feudalismo e capitalismo, característica de fins do
século XVIII e início do XIX. Já Carlyle poderia ser considerado um romântico restitucionista, uma vez
que negava completamente os elementos capitalistas da sociedade em que vivia. Ver LÖWY, Michael e
SAYRE, Robert. Romantismo e política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
25
seguiram à de 1832 continuaram a acção desta, da reestruturação dos
eleitores. (...) e, embora estas alterações sejam mais diretamente a
consequência de forças democráticas filhas de um novo espírito político no
país, foi sem dúvida o solvente industrial que iniciou a dissolução dos elos mais
antigos entre as pessoas.
42
À revolta e/ou à Reforma era atribuído o significado
de mais uma ruptura no processo histórico.
1.3 O cultivo da cultura
Além da preocupação como a maneira pela qual trabalhadores e
senhores se relacionavam, havia a preocupação de até que ponto essa
multidão urbana e proletária poderia ser considerada civilizada, e qual o acesso
à cultura que tinham. Esses setores da intelectualidade inglesa também
colocavam o problema de como responder às necessidades de civilizar os
operários, para que a sociedade pudesse continuar sua trajetória evolutiva.
Para os vitorianos, de maneira geral, o século XIX era considerado uma
época de transiçãothe age of transition
43
. Transição entendida aqui como um
momento de intensa transformação que gerava desdobramentos
desconhecidos até então. Embora todo período histórico possa ser considerado
um período de transição e/ou transformação, os homens do século XIX
pareciam vivenciar essa sensação de modo muito mais extremado. Isso
significava que, por mais que as transformações fossem consideradas positivas
especialmente aquelas ligadas ao progresso técnico –, por mais que o
progresso
44
fosse uma crença quase inquestionável do período, ele parecia na
iminência de ser interrompido a qualquer momento: fosse pelas reformas
democratizantes, por uma Revolução Socialista ou pela degeneração moral,
42
NISBET, Robert. op. cit., 32-33
43
Expressão utilizada por John Stuart Mill (1806-1873), em sua obra The Spirit of the Age (1834).
44
O termo progresso refere-se à prosperidade material característica do período, que permitia a ascensão
política das camadas burguesas.
26
representada pelos vícios, pela crise religiosa ou pelas novas relações sociais
cuja finalidade, como Carlyle afirmou, perpassava o cash nexus.
Tennyson, por essa época era um jovem de aproximadamente vinte e
cinco anos, de tendência conservadora, que vivenciava e posicionava-se com
relação a todas essas transformações. O jovem poeta tinha horror da doutrina
socialista, uma vez que, segundo ele, posicionava-se contra a revelação cristã
e as antigas tradições feudais e cavaleirescas. Também não via com grande
entusiasmo as idéias democráticas, apesar de estar consciente de que uma
grande mudança na estrutura política estava sendo gestada. Acreditava que
essa mudança deveria ser parte de uma trajetória evolutiva, gradual e, além
disso, que deveria ser orientada por aqueles setores da sociedade que
possuíam o benefício da tradição e da cultura.
45
A esse respeito, Hallam
Tennyson contou que, à época das agitações cartistas e socialistas, seu pai
teria dito que “...they should be met not by universal imprisonment and
repression, but by a widespread National education, by more of a patriotic and
less of a party spirit in the Press (...).”
46
Para os liberais, o industrialismo representava o progresso material.
Entretanto, para os conservadores, acarretava uma civilização mecânica,
utilitarista, capaz de gerar rupturas na continuidade histórica da sociedade
inglesa e também uma espécie de degeneração da nação, visto que a classe
trabalhadora passava a representar uma ameaça à estabilidade e à ordem.
Nesse sentido, o conservadorismo liberal, preocupado com a preservação da
ordem e do progresso, o propunha o retorno ao passado, como haviam feito
os românticos, e sim uma desacelaração do processo que então ocorria, pois
entendiam que ele poderia levar a Inglaterra a uma revolução.
Raymond Williams, crítico literário e crítico da cultura burguesa, procurou
demonstrar como os significados de algumas palavras indústria, democracia,
classe, arte e cultura
47
estavam relacionados aos desdobramentos das
45
TENNYSON, Sir Charles. “Alfred Tennyson”. London, 1949, p. 480. Apud PITT, Valerie. Tennyson
Laureate. London: Barrie and Rockliff, 1969, p. 170.
46
TENNYSON, Hallam. Alfred Lord Tennyson: a Memoir by His Son. London: Macmillan & Co. Ltd.,
1899, volume 1, p. 185.
47
WILLIAMS, Raymond. Op. cit..
27
revoluções Francesa e Industrial. Segundo ele, foi no século XIX que o termo
cultura sofreu alterações, que “(...) veio a significar, de começo, ‘um estado
geral ou disposição de espírito’, em relação estreita com a idéia de perfeição
humana. Depois, passou a corresponder a ‘estado geral de desenvolvimento
intelectual no conjunto da sociedade’. Mais tarde, correspondeu a ‘corpo geral
das artes’. Mais tarde ainda, ao final do século, veio a indicar ‘todo um sistema
de vida, no seu aspecto material, intelectual e espiritual’”.
48
É possível afirmarmos, portanto, que as mudanças provocadas pelo
industrialismo traziam em seu bojo uma rie de transformações sociais,
políticas e econômicas que se entrelaçavam a todo o contexto cultural da
sociedade inglesa.
Nessa época, ocorreu um aumento quantitativo e também qualitativo dos
leitores ingleses. Inicialmente, a educação de crianças pobres esteve a cargo
das igrejas que, além do conteúdo religioso, ensinavam a ler e a escrever.
Havia também industriais que proporcionavam, em escolas dominicais,
instrução básica aos seus empregados e aos seus filhos. Mas também foi
relevante o papel da Reforma Educacional (Education Acts) ocorrida na década
de 1830, quando o Estado passou a contribuir com um pequeno orçamento
anual para a construção de edifícios escolares. A partir de 1839, foi criado um
grupo de inspetores e funcionários que deveria zelar pela correta distribuição
desses subsídios, bem como visitar as escolas e fornecer relatórios a respeito
de seu funcionamento. Essas medidas contribuíram para a formação de um
sistema educacional nacional que, como dissemos, aumentou o número de
leitores.
Francis M. L. Thompson ressaltou a importância das medidas relativas à
Educação entre os anos de 1830 e 1840, e durante as décadas posteriores às
agitações revolucionárias européias. As escolas, então organizadas tanto pelos
industriais como pelas igrejas, e ainda que relativamente supervisionadas pelo
Estado, também visavam outros objetivos: a preservação da ordem social, a
proteção da propriedade, a prevenção contra distúrbios e insurreições. Para
48
Idem, p. 18.
28
tanto, era necessário proporcionar aos filhos dos trabalhadores pobres a
educação adequada responsável por civilizar ou condicionar essas crianças,
isto é, orientá-las a saber o seu devido lugar na sociedade, transformando-as
em adultos “dóceis”. A idéia de que a educação deveria desenvolver os
talentos e capacidades individuais era defendida apenas por uma minoria.
49
Cabe lembrar aqui que a preocupação sobre a Educação e até mesmo o
Lazer das classes trabalhadoras que podia ser observada na segunda
metade do século XVIII, como aponta Edward P. Thompson: “Educação e
cultura, não menos que os impostos locais para os pobres, eram encaradas
como esmolas que deveriam ser administradas ao povo ou dele subtraídas de
acordo com seus méritos. O desejo de dominar o povo na direção de objetivos
predeterminados e seguros permanece extremamente forte durante a época
vitoriana (...).”
50
E, nesse sentido, havia uma perigo para o posicionamento
liberal vitoriano: se a noção de orgânico relacionava-se às formas de
sociabilidade existentes antes do desenvolvimento capitalista e fundamentava-
se nas antigas tradições, essas últimas também podiam ser consideradas focos
de resistência à ordem burguesa. Thompson alertava para a desvalorização da
cultura popular e tradicional, preterida pela educação considerada civilizada da
aristocracia e ministrada nas universidades. Ambas conferiam prioridade aos
ensinamentos que eram valorizados na época, voltados para o empirismo, a
técnica, estudos relacionados à física, à mecânica.
Essa atitude com relação à Educação remete a uma nova atribuição de
significado sobre o termo civilização. Segundo Raymond Williams, até o século
XVIII o termo esteve restrito a noção de oposição à barbárie, mas ao longo
desse século, em virtude da racionalidade histórica do Iluminismo, passou a
agregar um outro significado: um estado de desenvolvimento associado a idéia
de progresso e que idealizava o processo histórico que teria resultado na
civilização metropolitana inglesa e francesa. A partir de então, cultura e
civilização passaram a ser termos intercambiáveis. Entretanto, tais termos
49
THOMPSON, Francis. M. L. The Rise of Respectable Society. A Social History of Victorian Britain
(1830-1900). Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1988, pp. 144-145.
50
THOMPSON, Edward Palmer. Os românticos: a Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro:
Civilizacao Brasileira, 2002, p. 31.
29
passaram a ser divergentes: em primeiro lugar, civilização passou a ser
considerada (por Rousseau e pelos românticos) contraposição a um estado
“natural”, um cultivo de propriedades “externas” em oposição aos impulsos
mais humanos, ao desenvolvimento íntimo. Por esse viés, cultura passou a ser
associada à religião, à arte, à família e à vida pessoal, diferenciando-se de
civilização.
Em segundo lugar, o desenvolvimento da sociedade industrial, cujos
conflitos sociais e políticos teriam levado a uma nova concepção do termo
civilização: primeiro como parte do desenvolvimento continuado da própria
civilização, uma ordem mais nova e elevada; e, segundo, como o estado
realizado que as mudanças geradas pelo industrialismo ameaçavam destruir.
Assim, civilização tornou-se um termo ambíguo: por um lado, significava um
desenvolvimento progressivo e, por outro, um estado realizado e ameaçado
que se tornava cada vez mais retrospectivo, identificando-se com as glórias
vindas do passado. Aqui, os termos fundiam-se novamente, entendidos como
estados vindos do passado e não como processos em evolução.
51
Essas modificações testemunhadas/atestadas pelos termos cultura e
civilização denotam, pensamos, a trama cultural, política, econômica e histórica
na qual está inserido Alfred Tennyson e seus contemporâneos. Diante de
mudanças tão aceleradas no que diz respeito ao industrialismo e suas
tecnologias, de seus efeitos na vida dos trabalhadores – vistos como uma
multidão incivilizada tornava-se necessário cultivar valores que realizassem a
manutenção da civilização, fosse ela um processo evolutivo manifesto nas
inovações da época ou a preservação e a atualização de valores contidos nos
costumes e tradições inglesas.
Quando, em 1850, Tennyson recebeu o título de Poeta Laureado,
grande parte da população ainda não era alfabetizada para poder ler seus
poemas. O processo que levou ao recrudescimento do número de leitores
ingleses foi lento, ocorrendo ao longo do século XIX e, como vimos,
especialmente após a década de 1830. Cabe lembrar aqui que ainda era
51
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, pp. 19-21.
30
corrente o hábito de se realizarem leituras em voz alta, fosse entre os grupos
que ainda não eram alfabetizados ou mesmo entre os grupos mais abastados
ou eruditos, como forma de lazer.
Até 1825, havia uma preferência por parte dos leitores com relação ao
consumo de obras poéticas. Isso ocorria, pois os custos relativos à manufatura
e à impressão dos livros eram extremamente altos e os editores, então,
preferiam publicar livros menos extensos do que romances em prosa, uma vez
que esses eram muito caros. Desse modo, os livros de poesia eram mais
baratos, cabendo no bolso das classes médias e até mesmo de alguns grupos
de trabalhadores. Além disso, os editores sabiam que um livro de poesias
poderia ser relido diversas vezes solitariamente ou em grupo , enquanto a
prosa, mais extensa e vagarosa, não.
52
Em suas memórias e nos registros de amigos, é frequente a afirmação
de que Tennyson tinha o costume de ler suas poesias em voz alta em seu
próprio lar, na casa de amigos ou em eventos sociais. Esse tipo de leitura não
estava restrito à presença do autor. uma carta, enviada por Sir Charles
Phipps (secretário pessoal da rainha Victoria e do príncipe Albert) que registra
a leitura do idílio Guinevere, pelo próprio príncipe consorte: “The first time I ever
heard them [Idylls of the King] was last year [1861], when I found both the
Queen and Prince quite in raptures about them. The first bit I ever heard was
the end of ‘Guinevere’, the last two pages, the Prince read them to me, and I
shall never forget the impression it made upon me hearing those grand and
simple words in his voice! He did so admire them , and I cannot separate the
idea of King Arthur from the image of him whom I most revered on Earth!”.
53
A preocupação de poeta com o efeito da sonoridade que seus poemas
poderiam ter, pode ser exemplificada por uma passagem apontada por John
52
ERICKSON, Lee. The Poet’s Corner: The Impact of Technological Changes in Printing of English
Poetry. In: The Economy of Literary Form. English Literature and the Industrialization of Publishing,
1800-1850. Baltimore and London: The John Hopkins University Press, 1996, pp. 19-48.
53
TENNYSON, Sir Charles. Dear and honoured Lady. The correspondence between Queen Victoria and
Alfred Tennyson. New Jersey: Fairleigh Dickinson University Press, 1971, p. 66.
31
D. Rosenberg
54
, crítico literário do idílio The Passing of Arthur, durante a
última batalha travada pelo rei Arthur antes de sua morte:
“(…) Dry clashed his harness in the icy caves
And barren chasms, and all to left and right
The bare black cliff clanged round him, as he based
His feet on juts of slippery crag that rang
Sharp-smitten with the dint of armed heels--
And on a sudden, lo! the level lake,
And the long glories of the winter moon.”
55
Rosenberg aponta-nos que a sonoridade das palavras iniciadas com as
letras B e C capturavam o som dos s envoltos em armadura e seu atrito nas
montanhas congeladas. Da mesma forma, no momento em que o cenário da
narrativa muda, abrindo-se para uma grande extensão de água, o mesmo
ocorre com a sonoridade das palavras, que passa a ser “líquida”, com a
repetição de palavras iniciadas com as letras L e O.
56
De fato, ao realizarmos a
leitura desse trecho em voz alta, é possível percebermos que a associação
procede.
Contudo, por volta de 1825, inovações tecnológicas relativas à
fabricação e a venda do papel possibilitaram o aumento de edições populares
(a preços reduzidos), bem como do número de romances, periódicos e jornais,
demonstra-nos que a cultura tornava-se cada vez mais popular, isto é, abrangia
54
ROSENBERG, John D. The Fall of Camelot: A study of Tennyson’s “Idylls of the King”.
Massachusetts, Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 1973, p. 97.
55
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 439.
56
ROSENBERG, John D. Op. cit., p. 97.
32
um número cada vez maior de pessoas: “It was not until 1836 that the heavy
tax of four pence on each newspaper was so reduced as to cease to be
prohibitive for a large portion of the population. About the same time the duty on
paper was diminished. This meant much to the poor people of England and to
all lovers of cheap literature.”
57
Em virtude dessas mudanças ocorridas no
mercado editorial e pelas medidas na área da Educação, Tennyson e os
escritores que o sucederam tiveram que aprender a lidar com uma nação
leitora.
58
É por isso que alguns dos principais pensadores do período Samuel
Taylor Coleridge (1772-1834), William Wordsworth (1770-1850), Thomas
Carlyle, Robert Owen (1771-1858) e Robert Southey (1774-1843)
preocuparam-se em repensar o sentido da cultura e também sua função na
sociedade.
Houve uma grande transformação no que diz respeito ao papel da arte e
do artista. A arte passou a ser objeto consumível, e o artista, produtor desse
objeto. Artistas, escritores, poetas passaram a se preocupar com o mercado
59
.
O artista passava a produzir mercadoria que, com a crescente ascensão da
burguesia, era cada vez mais consumida. A relação entre a arte e o consumo
estreitava-se: “...No século vitoriano, a arte, a literatura e a música avançavam
passo a passo para uma cultura de consumo que oferecia a todos com algum
dinheiro de sobra, não importando o quão pouco fosse, uma cultura de clubes
do livro, suprimentos maciços de reproduções, ingressos de preço reduzido
para os estudantes ou famílias pobres”.
60
A cultura identificava-se com a
palavra civilização no sentido que Norbert Elias atribuiu a este último termo:
como expressão da consciência que o Ocidente tem de si mesmo, no que diz
respeito ao que tem de especifico e àquilo de que se orgulha: sua tecnologia, a
natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de sua cultura científica ou
visão do mundo etc. Contudo, o termo não possui o mesmo significado para
diferentes nações. Para franceses e ingleses, resume o orgulho que sentem
57
GORDON, William Clark. The social ideals of Alfred Tennyson as related to his time. New York:
Haskell House, 1966, pp. 55-56.
58
PITT, Valerie. Op. cit., p. 152.
59
WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2008, p. 44.
60
GAY, Peter. Op. cit., 2001, p. 69.
33
pela importância de suas nações para o progresso do Ocidente e da
humanidade.
61
Daí a importância da discussão sobre o significado do termo
cultura e sua função social.
A geração romântica estava preocupada com a idéia de uma “arte pela
arte” ou, nas palavras de Wordsworth, a arte deveria preocupar-se apenas com
a beleza, e apostavam na imaginação e nas sensações que poderiam sentir
seus leitores, a partir do entrelaçamento das palavras, como forma de
experienciar e objetivar a realidade. Por isso, eram chamados também de
poets of sensation. Segundo eles, o compromisso do artista era com a beleza.
Diante de quaisquer outras preocupações durante os períodos de criação do
artista, o resultado de seu trabalho seria uma “arte falsa”. Os artistas
respondiam espontaneamente àquilo que sentiam, percebido também de forma
espontânea. Somente dessa maneira poderiam apreender e compreender de
forma completa suas experiências, e não através do entendimento [racional].
62
Contudo, o movimento romântico não pode ser considerado
homogêneo
63
. Por isso, utilizaremos aqui a idéia defendida por Michael Löwy e
Robert Sayre de que o movimento romântico se caracteriza por uma visão do
mundo contrária aos elementos da ordem capitalista. Segundo eles, foi Lukács
quem cunhou o termo “romantismo anticapitalista”, que determinaria a base
comum desse movimento em seus diferenciados aspectos. Esse termo,
portanto, designaria o “conjunto das formas de pensamento em que a crítica da
sociedade burguesa se inspira em uma referência ao passado pré-
capitalista.”
64
Löwy e Sayre propõem uma classificação dos diferentes tipos do
romantismo anticapitalista, dos quais elencaremos aqueles relativos ao recorte
temporal que consideramos relevantes para a realização dessa pesquisa: o
romantismo restitucionista; o romantismo conservador e o romantismo liberal.
O romantismo restitucionista, seria aquele com o maior número de
adeptos e composto, em sua maioria, por literatos. Nele estaria explícito o
61
ELIAS, Norbert. O processo Civilizador: Uma História dos Costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1994, Volume 1, pp. 23-24.
62
RYALS, Clyde de L. From the Great Deep. Essays on Idylls of the King. New York: Ohio University
Press, 1967, p. 8.
63
Ver GUINZBURG, Jacó (org.). O romantismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985.
64
LÖWY, Michael e SAYRE, Robert. Op. cit., p. 13.
34
desejo de restabelecer normas sociais e culturais pré-capitalistas
desaparecidas (geralmente medievais). A preferência pelo passado medieval
dá-se em virtude de sua relativa proximidade no tempo, mas também porque é
a diferença radical do presente no que diz respeito ao espírito e às estruturas
do sistema capitalista.
65
o romantismo conservador, manifestado sobretudo
na obra de pensadores políticos, não visaria a restauração do passado, mas a
manutenção da sociedade e do Estado em estruturas que combinariam formas
capitalistas e pré-capitalistas, como na Inglaterra e na Alemanha do final do
século XVIII e início do XIX. Assim, existiria um romantismo conservador, na
medida em que a crítica do capitalismo seria realizada a partir de valores
orgânicos do passado.
66
Por fim, o romantismo liberal ao contrário de ser um
contradição, estaria fundamentado na idéia de que o paraíso perdido o é
inteiramente incompatível com o presente capitalista, bastando curar os males
mais flagrantes deste com reformas sociais e morais.
67
Com o intuito de aprofundarmos essa reflexão sobre o romantismo,
torna-se relevante lembrarmos o papel desempenhado pelo tempo e pela
História nas obras românticas. Segundo Jacó Guinzburg, é a partir da
perspectiva romântica dos processos humanos que a “História, conquanto
bastante permeada pelo tempo mítico e psicológico, passa a inscrever-se num
tempo ‘real’ ou, caso se prefira, num tempo ‘mais’ real, do ponto de vista
concreto-humano e mesmo científico, do que o utilizado por ela
anteriormente.”
68
Visto desse modo, a cronologia passa a instalar-se
definitivamente na História, plasmando o movimento histórico em etapas,
períodos e/ou idades que reuniriam estruturações temporais e certa
organicidade.
69
Um leitor descuidado poderia considerar Alfred Tennyson um poeta
romântico, visto que, como veremos nos capítulos que seguem, apropriou-se
de um cenário medieval e era favorável a manutenção e a preservação daquilo
65
Idem, p. 29 e pp. 41-46.
66
Idem, ibidem, p. 30.
67
Idem, ibidem, p. 31.
68
GUINZBURG, Jacó. Romantismo, historicismo e História. In: GUINZBURG, Jacó (org.) op. cit., pp.
17-18.
69
Idem, p. 18
35
que seria o cimento das relações sociais inglesas: a tradição. No entanto,
discordamos dessa idéia, pois apesar de suas obras dialogarem com certas
nuanças do movimento romântico elencadas acima o cenário medieval, a
manutenção dos elos sociais anteriores a ordem capitalista e a defesa de uma
conduta moral arraigada na tradição –, a história contada em Idylls of the King
não possui um telos: “É certo que, sob a tutela de seus numes ou espíritos
(geiste) e de seus heróis por eles inspirados, a história romântica traça a
trajetória de cada povo, país ou nação como se ela fosse imbuída de um telos,
de uma finalidade a presidir-lhe o sentido de sua existência e nascida de um
ontos intrínseco, do ser-do-grupo e do ser-em-grupo (...)”.
70
A ausência de um
telos em Idylls of the King será abordada mais adiante, no capítulo 2.
Os românticos, críticos ferrenhos da sociedade industrial e da conduta
burguesa, colocavam-se acima da sociedade, como uma elite intelectual e
artística: consideravam-se os únicos aptos a perceber a hipocrisia e a
decadência moral daquela sociedade. Assim como eles, a geração de artistas e
intelectuais subseqüente de 1830 até 1870
71
também se colocava numa
posição acima do restante da população: compunha uma elite seleta, com um
nível cultural superior. Essa foi justamente a geração de Tennyson.
Diante das transformações que ocorriam na sociedade, tomava corpo a
idéia de que a arte deveria ser associada à vida, aos problemas cotidianos da
população britânica. Assim, a literatura e, principalmente, a poesia tinham um
papel moral a cumprir.
Caracterizado como uma época de transição, o período vitoriano
também foi marcado pela mudança na forma de pensar e questionar. Para os
ingleses, ao contrário dos franceses, as mudanças políticas positivas
pautavam-se mais na liberdade do que na igualdade. Essa noção política
estava baseada no utilitarismo que, segundo Jeremy Bentham (1748-1832),
70
Idem, ibidem, p. 18.
71
Hugh Walker, The Age of Tennyson: From 1830 to 1870, London: George Bell and Sons, 1900,
denominou o período entre 1830 e 1870 de “the age of Tennyson”. Segundo ele, a década de 1830 seria o
momento a partir do qual sentia-se de forma mais enfática o fracasso das esperanças geradas pela
Revolução Francesa, o que alterou de forma contundente a literatura e as artes em geral. A década de
1870, parece ser o momento em apareceu um novo perfil literário, em que as influências exercidas sobre o
trabalho de Tennyson e seus contemporâneos, começaram a ser ultrapassadas.
36
consistia especificamente na liberdade de expressão e no governo
representativo. Essa liberdade, no que diz respeito ao questionamento dos
preceitos políticos, sociais e religiosos, provocou uma crise de autoridade,
entendida aqui como um questionamento sobre a credibilidade das tradições.
Esse cenário também gerou um crescente movimento contra o
intelectualismo. Os sucessivos questionamentos existentes na sociedade
inglesa que provocavam inquietações, especialmente no âmbito religioso,
muitas vezes reforçavam o prestígio da tecnologia e das ciências, e geraram
um sentimento de valorização do conhecimento prático. A habilidade
pragmática, a adaptação dos meios para os fins almejados e a indiferença com
relação à especulação passaram a identificar o povo inglês. As atividades
artísticas e filosóficas foram deixadas de lado, desvalorizadas: If deep
thinking’, even deep scientific thinking, is ‘quite out of place’ (...), so of course
are the humanities. They fail to pass the same utilitarian test. The important
studies become the vocational skills mining, electricity, surveying, agriculture,
bookkeeping, together with the necessary mathematics and a little history. This,
indeed, is Bentham’s curriculum. It is the new education which the Edinburgh
and Westminster Reviews recommended for the middle class, and the Society
for the Diffusion of Useful Knowledge set out to provide.”
72
Para os vitorianos, a arte, a filosofia e as ciências humanas
representavam uma “perda de tempo” que não respondiam às questões
práticas, além de abrirem a possibilidade de maiores questionamentos e
inquietações que poderiam gerar mais questionamentos ainda e, portanto,
maior instabilidade religiosa, política e social. Justamente por isso, pareciam
opor-se ao que consideravam como verdadeiro. Num momento de transição,
de perda de tradições e de crise de autoridade, a possibilidade de chegar à
verdade ou pelo menos acreditar que se chegava à verdade, era fundamental.
Com a difusão cada vez maior do conhecimento, fosse por meio da
Reforma Educacional ou do crescente número de revistas e periódicos, os
ingleses sentiam-se cada vez mais livres para formar e apresentar suas
72
HOUGHTON, Walter E. Op. cit. p. 114.
37
opiniões. Somava-se o fato de que as mudanças que ocorriam possibilitavam a
ascensão política e social de novos grupos, que passaram a sentir a
necessidade de suprir suas deficiências com relação ao conhecimento, à
cultura.
Nesse contexto, havia o posicionamento dos conservadores que
também se opunham ao intelectualismo. Baseados nas idéias de Burke, viam
os intelectuais como o produto das modificações políticas e econômicas do
período posterior a Idade Média e, por isso, um grupo desenraizado, “sem
interesses na sociedade, altamente instável na sua maneira de viver, fluida e
condescendente de pensamento, pronta a vender o seu talento ao político ou
ao negociante, companheira íntima dos ‘novos interesses do dinheiro’ (...) e
ainda produto recente da história europeia, arreigadamente rebelde ao governo
e a o sistema, tendo como hábito de espírito a crítica e a hostilidade (...).”
73
No
entanto, muitos desses intelectuais eram conservadores, e não tardaram,
desde fins do século XVIII a defender suas idéias.
Para alguns desses conservadores como por exemplo, Carlyle e
para alguns liberais, como Mill, o “homem letrado” também podia ser
reconhecido como uma autoridade, comprometida com a verdade, e o único
apto a fornecer a orientação moral e até mesmo religiosa. Löwy e Sayre
lembram que a intelligentsia desempenhou um papel fundamental na crítica da
sociedade burguesa capitalista e participou diretamente do movimento
romântico. Ambos os autores sugerem que isso teria ocorrido em virtude do
próprio modo de vida e cultura desses intelectuais, visto que estariam inseridos
em um universo mental regido por valores qualitativos, éticos, estéticos,
religiosos, culturais ou políticos; sendo, portanto, orientados por esses mesmos
valores em sua realização intelectual. Esse modo de vida estaria em oposição
direta ao sistema capitalista, cujo funcionamento estaria baseado em valores
quantitativos.
74
No entanto, como vimos, a crítica à sociedade burguesa não
estaria necessariamente associada à negação da mesma. E é exatamente isso
que une os pensamentos de Carlyle e Mill com relação ao homem letrado.
73
NISBET, Robert. Op. cit. p. 136.
74
LÖWY, Michael e SAYRE, Robert. Op. cit., p. 38.
38
O poeta, portanto, deveria exercer uma função social. Como alguém
inserido em um nível cultural mais elevado, deveria ser erudito, ter um
conhecimento diferenciado dos demais; e, ao mesmo tempo, deveria estar apto
a alcançar as sensações e a compreensão de qualquer pessoa, não
importando o nível cultural que tivesse. Sobre esse aspecto, M. Shaw cita John
Stuart Mill: “The central point of Mill’s argument was ‘that there are in the
character of every true poet, two elements, for one of which he is indebted to
nature, for the other to cultivation’ (…). From nature, the poet derives ‘fine
senses… [a] peculiar kind of nervous susceptibility [which] constitutes the
capacity for poetry’. Beyond this ‘begins the province of culture… Every great
poet, every poet who has extensively or permanently influenced mankind, has
been a great thinker; - has had philosophy… has had his mind full of thoughts,
derived not merely from passive sensibility but from trains of reflection, from
observation, analysis, and generalization’”.
75
Essa concepção a respeito do artista transformava-o em um ser dotado
de aptidões especiais, adquiridas a partir do cultivo de conhecimentos
específicos, ligados a um modelo de civilização e a uma moral. Ao mesmo
tempo, também era entendida como uma crítica à sociedade industrial
propriamente dita, que transformou o artista em um simples produtor de
mercadorias para um blico que, ao fim e ao cabo, deveria ser educado com
relação à arte e também à moral.
Cabe lembrar o papel desempenhado pelos estetas e críticos de arte.
Considerados eruditos ou especialistas em um ramo específico da cultura,
alcançaram grande popularidade em meados do século XIX. Juntamente com a
ampliação da publicação de periódicos e revistas especializadas, suas opiniões
tinham a função de educar uma ampla camada da população, desde a alta
burguesia freqüentadora assídua de museus, concertos e outras atividades
culturais –, passando pela classe média e até mesmo as camadas mais
populares. O gosto, formado pelos críticos de arte, também era mercadoria a
ser consumida e, por isso, estava estreitamente vinculado ao consumo da arte.
A própria crítica era objeto de consumo. Nas palavras de Peter Gay: “(...) os
75
SHAW, M. Op. cit., p. 57.
39
críticos estavam estabelecendo as diretrizes para a cultura do século XIX. (...)
A era vitoriana foi, portanto, muito literalmente uma era de crítica, inundada
pela massa de opiniões nos jornais e periódicos comprometidos em informar
seus assinantes sobre o último romance, peça de teatro, sinfonia ou exposição,
sem falar em reflexões eruditas ocasionais sobre a cena cultural. Na década de
1850, uma verdadeira tribo de críticos clamava para ser consultada.
76
1.4 A missão do poeta.
Nesse painel cultural, está inserido Alfred Tennyson. Nascido em
Somersby, Lincolnshire e filho de um pároco (George Tennyson) possuidor de
uma grande biblioteca, desde cedo o poeta esteve em contato com obras
filosóficas, literárias e até mesmo científicas.
Em 1827, publicou seu primeiro volume de poemas, Poems by Two
Brothers, juntamente com seu irmão Charles Tennyson. Inicialmente, Tennyson
dedicou-se a elaboração de poemas curtos, que recebiam forte influência dos
autores românticos. As primeiras críticas que recebeu apontavam para uma
carreira bem-sucedida, embora destacassem o longo caminho que deveria
trilhar. Ainda em 1827, ingressou em Trinity College, o que contribuiu para o
desenvolvimento de seu trabalho. Concorreu e ganhou um concurso, com seu
poema Timbuctoo (1829). A vitória nesse concurso rendeu-lhe muitas críticas
favoráveis e impulsionou sua produção.
Foi em 1830, no entanto, com a publicação de Poems, Chiefly Lyrical
que sua carreira literária realmente assumiu maiores proporções ante o seu
público. A produção de Tennyson desse período pode ser inserida na categoria
dos poets of sensation’, uma vez que focalizava de preferência os aspectos
estéticos, mais do que morais. O volume Poems, de 1832, seguia o mesmo
padrão estético. Por essa época, o poeta havia ingressado no clube literário
76
GAY, Peter. Op. cit. p., 2001, pp. 132 e 133.
40
The Apostles
77
, que exerceu influência marcante nos rumos de sua produção.
Tennyson ainda não tinha se graduado e, em meio a um período de agitações
provocadas pelas Reformas Parlamentares e pela revolução na França
78
,
estava imbuído de um conservadorismo que pretendia regenerar a sociedade
inglesa: “New ideas (...) young men took them seriously and felt themselves to
be important, the avant garde, no less, of a new age. Tennyson’s friends nearly
all belonged to, or were associated with the Cambridge Conversazione Society
nicknamed, because of its pretensions, The Apostles. One of its earliest
members, F. D. Maurice, implanted in the members of the society a strong
sense of their heavy responsibility to the community. They were to be bearers of
new ideas in literature, politics and religion.”
79
The Apostles, assim como Wordsworth, acreditavam que o poeta era
aquele que possuía responsabilidades com relação ao desenvolvimento moral
da sociedade da qual fazia parte. Suas críticas eram direcionadas para a
poesia que Tennyson produzira até o momento: voltada para a imaginação e
para os sentimentos individuais. Nesse sentido, tanto as idéias presentes no
clube literário, quanto as críticas
80
recebidas nos volumes de 1830 e 1832
apontavam na mesma direção: era necessário que o poeta utilizasse seus dons
artísticos para o desenvolvimento moral da humanidade.
Entre 1830 e 1842, o autor passou a desenvolver sua técnica de
escrever idílios e éclogas, os quais tratavam da paisagem inglesa, da vida no
campo, tal como era vivenciada antes do industrialismo. Foi também nessa
época que escreveu seus primeiros poemas ligados à temática arthuriana
81
.
Nessa época, Tennyson aproximou-se dos ideais da denominada
‘Escola de Alexandria’ (século III a.C.)
82
, num período em que a poesia grega
77
Clube literário fundado em 1820, também denominado Cambridge Conversazione Society. Dentre seus
membros, podemos citar o historiador John Mitchell Kemble e o poeta, amigo íntimo de Tennyson,
Arthur Hallam.
78
A Revolução Liberal de 1830, responsável pela deposição do rei Carlos X (1824-1830), da dinastia
Bourbon, acusado de manter um regime de caráter absolutista.
79
PITT, Valerie. Op. cit., p. 50.
80
Edinburgh Magazine e Quarterly Review.
81
The Lady of Shallot e The Palace of Art, ambos de 1830.
82
Literary genealogy would trace Tennyson’s English Idylls of the 1830’s to their classical source in
Theocritus. The Alexandrian poet sought significance in the mundane realities of the world around him
(…). Theocritus is highly attentive to humble detail and quotidian reality, whilst eschewing large-scale
41
passou por importantes transformações, em virtude das mudanças que então
ocorriam (como por exemplo, o fim da pólis), e cujo principal expoente foi
Teócrito. O principal objetivo dos integrantes da Escola de Alexandria era o
mesmo de alguns poetas da primeira metade do século XIX: “We must see
Tennyson’s development of the idyll as part of the general attempt on the part of
poets of the first half of the nineteenth century to get poetry back in touch with
life.”
83
Exemplo da preocupação de Tennyson com questões de seu tempo é a
peça The Princess: a Medley (1847), encenada pela primeira vez em janeiro de
1870, no Olympic Theatre. O início apresenta um grupo de jovens e um em
especial que está lendo um livro cujo tema é uma mulher dos tempos
medievais que vai à guerra. Daí em diante, tem início uma discussão sobre o
papel da mulher na sociedade vitoriana. Assim, a peça pode ser considerada
um sátira da educação feminina da época:
“...which brought
My book to mind: and opening this I read
Of old Sir Ralph a page or two that rang
With tilt and tourney; then the tale of her
That drove her foes with slaughter from her walls,
And much I praised her nobleness, and 'Where,'
Asked Walter, patting Lilia's head (she lay
Beside him) 'lives there such a woman now?'
dramas about the human condition, but he seeks to enliven such detail through the artistic refinement,
sensibility and irony that characterize his work.” In: EBBATSON, Roger. Tennyson’s English Idylls.
Lincoln: The Tennyson Society, 2003, pp. 3-4.
83
RYALS, Clyde de L. Op. cit., p. 15.
42
Quick answered Lilia 'There are thousands now
Such women, but convention beats them down:
It is but bringing up; no more than that:
You men have done it: how I hate you all!
Ah, were I something great! I wish I were
Some mighty poetess, I would shame you then,
That love to keep us children! O I wish
That I were some great princess, I would build
Far off from men a college like a man's,
And I would teach them all that men are taught;
We are twice as quick!' And here she shook aside
The hand that played the patron with her curls.”
84
A fala de Lilia deixa claro seu posicionamento quanto ao lugar da mulher
na sociedade vitoriana: os padrões convencionais a derrubam, impedem que
se torne uma mulher de ação como aquela do livro que estavam comentando.
Por isso, Lilia odeia todos os homens. Além disso, o trecho em que afirma
desejar ser uma poetisa para poder envergonhar os homens, pode ser
associado ao que dissemos anteriormente: por meio das palavras do poeta, era
possível formar opinião, interferir no modo de pensar e de agir das pessoas
que o liam.
84
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., pp. 155-156.
43
Foi na edição revisada de seu volume Poems, de 1842, que a
preocupação do poeta com os assuntos morais, ligados ao cotidiano da
população, passou a ficar mais clara. A publicação, nessa edição, de Morte
D’Arthur, rendeu-lhe críticas e controvérsias.
Se críticos e artistas pressionavam Tennyson para que escrevesse
sobre temas ligados à vida, às experiências do século XIX, a opção por um
tema medieval, tão distante da realidade industrial então vivenciada, parecia
estar longe de alcançar esse objetivo. No entanto, para autores como John
Ruskin (1819-1900), Thomas Carlyle, e o próprio Tennyson, era necessário
cultivar, preservar e valorizar as tradições inglesas, anteriores aos
desdobramentos do industrialismo.
Muitos vitorianos acreditavam que a sociedade industrial provocara uma
crise da instituição familiar, a qual geraria o esfacelamento das estruturas
fundantes da sociedade e, consequentemente, culminaria numa era de caos e
anarquia. Dora, poema publicado em 1842, pode ser considerado um exemplo
dessa preocupação e um alerta para a manutenção das tradições. O enredo
trata de uma história de amor entre o filho do fazendeiro Allan, William, e sua
sobrinha, Dora. Criados juntos desde pequenos em virtude da morte do irmão
de Allan, tempos o patriarca da família desejava uni-los em matrimônio. No
entanto, William posiciona-se contra o casamento.
“...But William answer’d short;
‘I cannot marry Dora; by my life,
I will not marry Dora.’ Then the old man
Was wroth, and doubled up his hand, and said:
‘You will not, boy! You dare to answer thus!
But in my time a father’s word was law,
44
And so it shall be now for me. Look to it,
Consider William: take a month to think,
And let me have an answer to my wish;
Or, by the Lord that made me, you shall pack,
And never more darken my doors again.’”
85
Apesar do apelo do pai, a resposta de William continua sendo contrária
ao matrimônio com Dora. O resultado dessa rebelião contra a ordem paterna é
um triste fim para os principais envolvidos: William acaba casando-se com
Mary Morrison, com quem tem um filho; o pai, Allan, corta relações com
William, que morre sem obter o perdão paterno; Dora, que durante anos ficara
sem contato com o primo, procura sua esposa após sua morte, com o intuito de
levar o sobrinho para viver com o avô. Allan, Dora, Mary e o menino passam a
viver juntos na fazenda. Tomado pelo remorso, Allan morre. Mary casa-se
novamente e Dora continua solteira até sua morte.
Um dos fatores que contribuíam para a crença na desintegração da
família era justamente a rebelião dos jovens contra os desejos/ordens dos pais.
E essa é a grande crítica feita por Tennyson à sua época: But in my time a
father’s word was law”, isto é, a partir do momento em que a autoridade
paterna entra em crise no seio familiar, todos os seus integrantes padecem.
Mais uma vez, colocava-se na pauta do dia o papel da cultura como criadora
de hábitos e condutas morais, capazes de salvaguardar as famílias e/ou
indivíduos ingleses e suas tradições.
Alfred Tennyson era amigo de Thomas Carlyle
86
e, tal como ele,
acreditava na missão do poeta como um profeta, comprometido com a verdade
e com a história. Entre as idéias de Carlyle que mais influenciaram Tennyson,
85
Idem, pp. 72-73.
86
Sobre a relação pessoal e também intelectual entre Tennyson e Carlyle, ver TIMKO, Michael.
Tennyson and Carlyle. Iowa City: University of Iowa Press, 1988.
45
estava a da responsabilidade do indivíduo perante a sociedade em que vivia.
Para ambos, o industrialismo, o utilitarismo e toda uma série de transformações
resultantes desses conceitos provocaram a emergência de uma sociedade
individualista, descomprometida com os deveres sociais e morais: “In the new
liberal theory all man were free, politically and economically, owing no one any
service beyond the fulfillment of legal contracts; and society was simply a
collection of individuals, each motivated naturally and rightly, by self-
interest.”
87
Carlyle e Tennyson acreditavam que na Idade Média as relações entre
os homens não perpassavam o lucro e a moeda e, por isso mesmo,
cimentavam os deveres e obrigações de um indivíduo para com o outro. as
novas relações da sociedade industrial e utilitarista poderiam levar a uma
degeneração moral da nação inglesa. Era essa ruptura na trajetória evolutiva
da história inglesa que eles temiam. Era necessário, portanto, apresentar aos
leitores valores e modos de vida que faziam parte da história inglesa, e indicar,
por meio de episódios e situações, críticas e soluções ao seu próprio tempo:
“Tennyson’s best work arises, often in the form of evocations of heroic figures
from classical or medieval legends, transposed into the modern mood of
nervous restlessness or disgust. (...) unlike some of the Victorian novelists,
Tennyson did not as a rule record industrial conditions and means of relieving
them. (…) His is too much possessed by the traditional culture of England, its
classical affiliations, and its constitutional concern with ordered government.”
88
Alfred Tennyson, por ser representante do Medievalismo Vitoriano, tinha
como um de seus principais desafios trazer temas tradicionais, que evocavam
o passado inglês, para tratar questões que diziam respeito ao seu próprio
tempo. A indicação, como sucessor de William Wordsworth, para Poeta
Laureado
89
, recebida em 1850
90
, complicou mas também motivou essa
tarefa. Desde a subida ao trono da rainha Victoria (1819-1901), em 1837, o
87
HOUGHTON, Walter E. Op. cit. p. 77.
88
KILLHAM, John. Tennyson and Victorian Social Values. In: PALMER, D. J. Op. cit., p. 148.
89
O Poeta Laureado tem a função de compor poemas para ocasiões relativas ao Estado. Na Inglaterra, diz
respeito ao poeta oficial da monarquia. O cargo de Poeta Laureado foi criado pelo rei James I, em 1617.
90
A indicação para Poeta Laureado veio após a publicação do poema In Memorian (1850), escrito em
homenagem a seu amigo Arthur Hallam, que faleceu em setembro de 1833. O sucesso foi tão grande, que
o poema tornou-se um best-seller, praticamente da noite para o dia.
46
poeta demonstrou apoio à família real britânica. Nessa ocasião, escreveu The
Queen of the Isles, cujos versos foram primeiramente enviados para The
Times, mas foram publicados somente em 1969
91
.
“My friends since you wish for a health from the host,
Come fill up your glasses: I’ll give you a toast.
Let us drink to the health that we value the most –
To the health of the Queen of the Isles.
(...)
And since Time never pauses but Change must ensue,
Let us wish that old things may fit well with the new,
For the blessing of promise is on her like dew –
So a health to the Queen of the Isles”
92
No excerto, é possível verificarmos, para além da reverência à rainha, a
preocupação com a manutenção das antigas tradições pela nova ordem,
personificada pela rainha Victoria: Let us wish that old things may fit well with
the new”. Para Tennyson, esse era o real significado da ascensão de Victoria,
ou seja, a união do antigo e do novo. Aqui também podemos observar que,
apesar de ter recebido o título de Laureado quase treze anos depois, seu
posicionamento favorável à monarquia já era manifestado antes.
As opiniões expressas em suas obras poderiam ser entendidas como
posições da própria realeza. Por isso, ao tratar de questões políticas em
91
RICKS, Christopher. The Poems of Tennyson. Longmans Annotated English Poets, 1969.
92
TENNYSON, Sir Charles. Op. cit., p. 23.
47
periódicos, como The Examiner, Tennyson passou a utilizar o pseudônimo de
Merlin ou Taliesin
93
: foi a maneira que encontrou para não comprometer a
realeza em assuntos delicados, como o golpe de Luis Napoleão ou Napoleão III
(1808-1873), na França, em 1852.
Não é possível afirmar que o título de Poeta Laureado tenha
comprometido suas posições políticas. Exemplo disso foi a publicação de
Maud, em 1855. A primeira parte do poema narra o funeral do pai de um
protagonista anônimo.
“Villainy somewhere! Whose? One says, we are villains all.
Not he: his honest fame should at least by me be maintained:
But that old man, now lord of the broad estate and the Hall,
Dropt off gorged from a scheme that had left us flaccid and
drain’d.
(…)
But these are the days of advance, the works of the man of mind,
When who but a fool would have faith in a tradesman’s ware or his
word?
It is peace or war? Civil war, as I think, and that of a kind
The viler, as underhand, not openly bearing the sword.
(…)
93
Na Legenda Arthuriana, Merlim é o mago e conselheiro de rei Arthur. Segundo a tradição galesa,
Taliesin teria sido um bardo antigo que supostamente teria vivido antes do período de Arthur, mas que foi
incorporado à saga arthuriana. Além de bardo, Taliesin era considerado um poeta e um profeta.
48
When a Mammonite mother kills her babe for a burial fee,
And Timour-Mammon grins on a pile of children’s bones,
Is it peace or war? better, war! loud war by land and by sea,
War with a thousand battles, and shaking a hundred thrones”
94
O excerto permite-nos percebermos o posicionamento de Tennyson
contra uma sociedade fundamentada no individualismo e na ganância, cujo
resultado seria a guerra civil. E, segundo o autor, a pior das guerras: aquela
realizada sem que a espada seja utilizada; uma guerra realizada pela astúcia
dos comerciantes, por relações que perpassam o cash nexus, relações
mecânicas. O poema possui claras influências de seu amigo Carlyle: “The
violent attacks on the growing materialism of the age and on the exploitation of
the poor by the rich, come no doubt from the interest which Tennyson’s new
position had given him in the social problem of the time (…)”.
95
Ao desempenhar
a função de Poeta Laureado, Tennyson também podia cumprir sua missão
como poeta. Ao escrever seus poemas, lidava com as questões de seu próprio
tempo: o industrialismo, o individualismo, a mudança na natureza das relações.
Em 1864, quando publicou Enoch Arden and other Poems, Tennyson
mostrou-se preocupado com o alcance que suas idéias teriam. Enoch Arden foi
o poema mais vendido cerca de quarenta mil cópias e mais amplamente
traduzido do autor, embora tivesse recebido críticas negativas
96
. Para época
alcançou, de fato, uma repercussão significativa, pois foi a partir de 1825 que a
fabricação e a o preço do papel tiveram seus custos reduzidos, o que ampliou a
procura dos leitores por romances em prosa, em detrimento da poesia. Assim,
a demanda por livros de poesia caiu vertiginosamente e apenas alguns poetas
conseguiam alcançar relativa popularidade, como Tennyson e Robert Browning
94
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., pp. 266-267.
95
TENNYSON, Sir Charles. Tennyson as Poet Laureate. In: PALMER, D. J. Op. cit., pp. 218-219.
96
As críticas recebidas devem-se ao fato de que Tennyson, ao optar pela forma idílica em seus poemas,
não estava preocupado com a construção poética propriamente dita, mas em manter a fluidez da história e
da ação, o que possibilitaria trazer para a poesia reflexões e sentimentos relacionados à vida cotidiana.
49
(1812-1889)
97
. No entanto, o termo popular nem sempre vinha acompanhado
de qualidade literária e os críticos e escritores apontavam esse problema: o
aumento do número de leitores que não eram considerados “cultivados”,
poderia reduzir a qualidade da obra, uma vez que deveria estar no mesmo
nível de seus consumidores
98
.
O sucesso alcançado junto ao público levou o poeta a publicar uma série
de poemas a preços reduzidos (a três pennies o exemplar) para que pudessem
alcançar uma audiência mais ampla. Era a primeira tentativa de Tennyson de
se tornar “the Poet of the People
99
. A ampliação do público-leitor de Tennyson
pode ser demonstrada pela dedicatória presente no prefácio elaborado pelo
autor para a publicação de um volume com poemas selecionados, em 1865: I
dedicate this volume to the ‘Working Men of England’. E a própria rainha
Victoria demonstrou ser favorável a essa atitude, expressando satisfação pelo
fato do poeta ter possibilitado que sua obra ficasse ao alcance dos mais pobres
entre seus súditos
100
.
Em 1859 ocorreu a Segunda Guerra de Independência Italiana, em
virtude do processo de unificação. As forças aliadas francesas e do reino da
Sardenha lutavam contra os austríacos. Embora a Inglaterra demonstrasse
simpatia pelo movimento italiano, manteve uma posição de neutralidade. No
entanto, tempos que Napoleão III era visto com temor pelos britânicos, uma
vez que conferira um Golpe de Estado e era sobrinho do imperador Napoleão
Bonaparte. Foi então que a desconfiança inglesa com relação ao governante
francês parecia mostrar-se verdadeira: Napoleão III iniciou a construção do
97
ERICKSON, Lee. Op. cit., pp.40-47.
98
Essa questão sobre a qualidade da obra e a demanda de leitores foi bem colocada pelo autor Thomas
Love Peacock (1785-1866) em The Four Ages of Poetry, publicado na Ollier’s Literary Miscellany, em
1820: “... the progress of useful art and science, and of moral and political knowledge, will continue
more and more to withdraw from frivolous and unconducive, to solid and conducive studies; that
therefore the poetical audience will not only continually diminish in the proportion of its number to that
of the rest of the reading public, but will also sink lower and lonwer in the comparison of intellectual
acquirement: when we consider that the poet must still please his audience, and must therefore continue
to sink to their level, while the rest of the community is rising above it: we may easily conceive that the
day is not distant, when the degraded state of every species of poetry will be as generally recognized
(…).” Apud ERICKSON, Lee. Op. cit., p. 25.
99
Ao comentar os poemas contidos no volume de Enoch Arden, Sir Charles Tennyson escreveu: “Most
significant was the consensus of feeling that Tennyson had at last brought his work into direct relation
with the life of the time… He had, it was felt, discovered at last that he must reach the hearts of his
readers and that to do so he must be poet of his own age”. Apud TIMKO, Michael. Op. cit., p. 189.
100
TENNYSON, HALLAM. Op. cit., volume 1, p. 19.
50
Canal de Suez, o que foi entendido como uma possível ameaça ao Império
Britânico na Índia. Além disso, teve início a construção de uma enorme base
naval em Cherbourg, do outro lado do Canal da Mancha, o que fez os ingleses
temerem uma invasão a partir de Boulogne, como já havia feito seu tio.
Tendo em vista possíveis conflitos com a França, foi aprovada a
formação de um corpo de voluntários de rifle. E, em maio desse mesmo ano,
foi publicado outro poema de Tennyson, Riflemen, Form!, dessa vez no Times,
onde demonstrou seu posicionamento contrário a França.
“There is a sound of thunder afar,
Storm in the South that darkens the day!
Storm of battle and thunder of war!
Well if it do not roll our way.
Storm, Storm, Riflemen form!
Ready, be ready against the storm!
Riflemen, Riflemen, Riflemen form!
(...)
Form, be ready to do or die!
Form in Freedom's name and the Queen's
True we have got—such a faithful ally
That only the Devil can tell what he means.
Form, Form, Riflemen Form
51
Ready, be ready to meet the storm!
Riflemen, Riflemen, Riflemen form!”
101
No excerto, o poeta alerta para a formação de uma tempestade ao sul,
uma tempestade de um trovão de guerra. Depois chama os soldados para
estarem prontos a lutar – ou morrer – contra essa mesma tempestade, a
França. A luta deveria ocorrer em nome da Liberdade e da Rainha. Desse
modo, expunha sua posição política, ao mesmo tempo em que chamava os
ingleses para se juntarem a ele. A missão do poeta também podia ser
veiculada em jornais.
Além disso, Tennyson escreveu para o principal organizador do corpo de
voluntários, Colonel Richards: “I must heartily congratulate you on your having
been able to do so much for your country; and I hope that you will not cease
from your labours until it is the law of the land that every male child in it shall be
trained to the use of arms.”
102
Na organização do Memoir de seu pai, Hallam
Tennyson comenta que Coventry Patmore (1823-1896), crítico e poeta inglês,
escreveu uma carta para o poeta laureado, afirmando que Riflemen Form!
havia alcançado ampla repercussão e que aproximadamente quatrocentos
jovens se apresentaram para a formação do corpo de voluntários do exército
inglês. Afirmava, ainda, que acreditava que se tudo ocorresse nessa
velocidade, a Inglaterra não sofreria qualquer invasão.
103
Nesse sentido, podemos afirmar que o título de Poeta Laureado
incentivou o envolvimento de Tennyson com as questões políticas, militares e
sociais de sua época, a ponto de preocupar-se em ampliar o alcance de suas
idéias entre os leitores ingleses.
A maior parte da poesia de Tennyson foi caracterizada pelo tratamento
idílico, e a própria opção de Tennyson pela forma idílica pode ser entendida
101
TENNYSON, Alfred. Op. cit., pp. 828-829.
102
Apud TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 1, p. 436.
103
Idem, p. 437.
52
como um desdobramento dessa visão do autor sobre o papel desempenhado
por um poeta e, mais especificamente, por um Poeta Laureado, em meio à
sociedade de seu tempo. O termo idílio equivale a idéia de um poema curto,
em que a tendência bucólica está implícita. Isso porque é considerado
produção sintomática de uma sociedade refinada e avançada, tanto social
como culturalmente. De acordo com Eduardo ñes, o idílio “Deve estabelecer-
se como a poetização de um desejo de escape no seio de uma sociedade
urbana e desenvolvida que pretende assim criar as condições para um
regresso ao passado idealizado. Esta negação do elemento civilizador não
supõe, todavia, a negação das condições culturais que a tornaram possível
(...)”.
104
Vimos que tanto William Cobbett como Edmund Burke, que vivenciaram
a infância numa Inglaterra anterior aos desdobramentos do industrialismo, ou
seja, rural, denominaram esse período de Merry Old England; assim como o
fizeram os representantes da Escola de Alexandria durante o período
Helenístico. A partir do século XVIII, portanto, podemos perceber que o
bucolismo inglês pode ser apresentado como “uma idealização da realidade da
vida campestre na Inglaterra e suas relações sociais e econômicas.”
105
No
entanto, não podemos pensar que o bucolismo presente nos idílios
tennysonianos possuíam o mesmo significado daquele de Cobbett e Burke,
ainda que realizem a crítica e apresentem soluções aos problemas de seu
tempo.
Como dissemos no início deste capítulo, os poemas que compõem Idylls
of the King foram, primeiramente, publicados separadamente e, inicialmente
foram chamados de The True and the False, Four Idylls of the King,
organizados em quatro livros: Enid (1856), Guinevere (1857), Elaine (1858) e
Vivien (1859). Tennyson, que já era considerado um autor popular, porque era
conhecido e lido por uma camada ampla da população, aumentou ainda mais
sua receptividade no seio da sociedade inglesa. Em junho de 1859 foram
vendidas dez mil cópias dessa obra apenas na primeira semana: “Many
104
IÁÑES, Eduardo. As literaturas antigas e clássicas. Lisboa: Planeta Editora, 1989, p. 129.
105
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989, p. 44.
53
reviewers were prompted to comment on Tennyson’s popularity, ‘at once great,
growing and select’, as Gladstone said, and to debate whether such popularity
was ‘an argument against the permanence of this fame’, or ‘proves the
existence of genius’. On the whole there were few misgivings about Tennyson’s
popularity and the conclusion was rather that, as the Quarterly said, ‘the English
people are to be congratulated on their choice’. With the Idylls, Tennyson hit the
taste of both his public and his critics and it was, as Alfred Austin said, ‘settled
once and for all that he is a great poet’. The Times, which previously had been
very severe on Tennyson’s poems, was now prepared to rank him with Milton
as a ‘great and original genius’.”
106
As críticas a respeito da escolha de Tennyson pela temática arthuriana
foram controversas. A Saturday Review descreveu o material criado pelo autor
como um círculo de fábulas esquecido, que jamais reteria a dignidade ou as
substâncias necessárias e próprias de uma mitologia popular. Já a Westminster
Review chegou a elogiar a adaptação de um tema o antigo, mas afirmou que
o autor teria se saído melhor se tivesse optado por um tema moderno, uma vez
que as lendas arthurianas traziam consigo um “ar longínquo”. A Macmillan’s
Magazine, por sua vez, afirmou que o tema era elitista, inapropriado para a
massa de leitores. No entanto, a maioria dos críticos presumiu que a escolha
do poeta foi feita para glorificar o presente por meio do passado
107
, e o formato
idílico associado a temas relacionados ao seu próprio tempo, garantiu a
aceitação do público: “Tennyson had every excuse to the experiment. The
Victorians had become medieval-minded. Scott, Tennyson’s own early work,
Pugin, the Pre-Raphelites and perhaps the extraordinary starvation of the
senses produced by a combination of industrialism and evangelical
respectability, created a strong public taste for the glamour of the Middle Ages.
Almost anything would be swallowed if sweetened with a little chivalry, and an
odd monk or knight.”
108
Além disso, havia a preocupação de produzir, através
das noções de lealdade e de serviço presentes nos idílios, um épico em que os
vitorianos pudessem ver a si próprios.
106
SHAW, M. Op. cit. p. 82.
107
Idem, p. 83.
108
PITT, Valerie. Op. cit. p. 209.
54
A trama de Idylls of the King girou em torno da relação adúltera entre a
rainha Guinevere e o cavaleiro Lancelot, a quem foi atribuída a culpa pela ruína
do reino e pela suposta morte do rei Arthur. Esse triângulo, formado pelas
personagens mais famosas da legenda, teria conseqüências muito mais
amplas do que uma simples traição amorosa: ele tratava de uma sociedade em
que o comportamento individual, quando não estivesse arraigado a fortes
valores morais, poderia degenerar todo um reino. E essa, precisamente, foi a
preocupação de Tennyson ao escrever este poema, juntamente com a
valorização das tradições inglesas.
É possível verificarmos o entrelaçamento dos acontecimentos que
Tennyson vivenciava: o Medievalismo Vitoriano, na medida em que utilizou o
cenário e personagens ligados à Idade Média; a preocupação com o papel
desempenhado pelo poeta no meio cultural, político, social e econômico de que
fazia parte; e, em um sentido mais específico, o fato de ter tratado em seus
poemas, com muita sutileza, questões concernentes aos seus leitores: “Modern
critics agree that the Idylls embody not medieval but rather Victorian values, at
least those of a middle-class, conservative readership that placed a high
Premium on stability and maintaining the status quo in the domestic and public
realms. (...) the Idylls, by virtue of their lengthy serial publication and in their
complexity, may serve as a register of Victorian social, moral, and political
concerns”.
109
Nesse sentido, podemos pensar na urdidura de ltiplas
temporalidades que perpassaram a produção da obra e os episódios nela
narrados.
Como os poemas foram publicados sem uma ordem cronológica de
episódios, podemos afirmar que o autor confiou na memória de seus leitores,
que possuíam certa familiaridade com o tema. O idílio foi ardilosamente
organizado em torno de uma teia temporal. É possível identificarmos, logo no
109
UMLAND, Rebecca. The Snake in the Woodpile: Tennyson’s Vivien as Victorian Prostitute. In:
SCHICHTMAN, Martin B. and CARLEY, James P. Culture and the king: the social implications of the
Arthurian legend. New York: State University of New York Press, 1994, pp. 274-275.
55
início do poema The Coming of Arthur
110
(1869), as diversas temporalidades
presentes, como demonstra a passagem:
“Thereafter – as he speaks who tells the tale”.
111
O fragmento faz referência às fontes da Matéria Arthuriana com as quais
o autor teve contato, visto que era costume dos clérigos compiladores dos
relatos orais introduzirem a memória e até mesmo a autoridade de seus relatos
a partir da afirmação “como diz quem conta o conto”: “Isso porque a narrativa é
composta de fragmentos de um passado mítico reconhecível por esses leitores,
reelabora conteúdos da memória social e cultural. (...) A narrativa compõe-se
através de um complexo jogo temporal, orquestrado pelo narrador. A seqüência
dos eventos ou episódios da relação e da trajetória das personagens admite a
linearidade cronológica, mas a narrativa focaliza a simultaneidade de
acontecimentos e a ligação entre episódios separados no tempo, mas ligados
pela significação. É a este último princípio que atende a retomada e
antecipação de eventos, as anacronias. O tempo, no nível da percepção
humana do momento e da seqüência das ações, parece fragmentado, mas é
contínuo na experiência corpórea e significativa”
112
.
Na obra de Tennyson há uma constante referência à Natureza que
aparece como uma força maior, além de ser o meio de onde o homem retira
sua sobrevivência, modificando-a e dela vivendo. A Natureza está vinculada à
noção do divino e até mesmo com a própria representação de Deus. De fato,
embora a presença divina o fosse diretamente apresentada na obra, seu
poder e sua força apareciam vinculados a elementos naturais, sob a forma de
luz, trovões e até mesmo na presença de uma temível voz. A sua descrição
das forças naturais indicavam o sentido que Tennyson atribuía ao episódio da
batalha graças a qual, Arthur, como guerreiro vencedor, foi aclamado Rei.
110
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., pp. 287-442.
111
Idem, p. 289.
112
CARVALHO, Yone. Op. cit. p. 59.
56
“And now the King, as here and there that war
Went swaying; but the Powers who walk the world
Made lightnings and great thunders over him,
And dazed all eyes, till Arthur by main might,
And mightier of his hands with every blow,
And leading all his knighthood threw the kings
Carádos, Urien, Cradlemont of Wales,
Claudias, and Clariance of Northumberland
The King Brandagoras of Latangor,
With Anguisant of Erin, Morganore,
And Lot of Orkney. Then before a voice
As dreadful as the shout of one who sees
To one who sins, and deems himself alone
And all the world asleep, they swerved and brake
Flying, and Arthur call’d to stay the brands
That hack’d among the flyers, ‘Ho! they yield!’
So like a painted battle the war stood
Silenced, the living quiet as the dead,
He laugh’d upon his warrior whom he loved
57
And honour’d most. ‘Thou dost not doubt me King,
So well thine arm hath wrought for me to-day.’
‘Sir and my liege,’ he cried, “the fire of God
Descends upon thee in the battle-field:
I know thee for my King!’ Whereat the two,
For each had warded either in the fight,
Swore on the field of death a deathless love. (…).”
113
A passagem apelava à imaginação do leitor pintando em vivas cores o
cenário da batalha. Para os românticos e “poets of sensation”, a imaginação
representava uma das maiores instâncias do “eu”, uma vez que o ato de
imaginar era tido como pessoal e único em cada indivíduo. Tennyson, nesse
poema, incorporou as afinidades cultivadas com os românticos.
A obra de Tennyson apesar de fortemente marcada por suas seleções
e escolhas, dialogava com várias e diferentes versões da Matéria Arthuriana.
O modo como releu o mito, trabalha simultaneamente com uma teia de
significados correspondentes ao período em que começaram a ser elaboradas
a que o autor acrescentou a sua própria maneira de entendê-los. Assim, o
excerto acima pode remeter-nos às questões que estavam presentes no
cotidiano dos vitorianos: o mundo mecanizado em oposição ao mundo
orgânico; as relações sociais do mundo industrial em um cenário da sociedade
medieval esta última interpretada como uma sociedade em que as relações e
os deveres sociais não perpassavam o status econômico –; uma sociedade
medieval fundamentada em laços de lealdade, bem como de serviço, em
detrimento da sociedade industrial, fundamentada no individualismo.
113
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 289.
58
Idylls of the King, entretanto, não deve ser considerada apenas como
uma obra poética produzida no período vitoriano em que estão presentes
elementos, valores e personagens do período medieval. Os idílios nasceram
com dimensões históricas, ligadas à própria escolha temática, da linguagem e
às mentalidades elaboradas pelo poeta. Por isso mesmo, retratam um poeta
preocupado com seu papel frente ao desenrolar de todo um processo histórico.
Altred Tennyson, poeta laureado inglês, fazia de sua poesia, não somente um
deleite para a imaginação e para os sentidos, mas também um apelo aos seus
contemporâneos, para que refletissem sobre sua história e sobre si mesmos.
And here the Singer for his Art
Not all in vain may plead
‘The song that nerves a nation’s heart,
Is in itself a deed.”
114
***
114
TENNYSON, Charles. Tennyson. London, 1949, p. 491. Apud PITT, Valerie. Op. cit., p. 149.
59
Capítulo 2
A expressão das formas de servir: Idylls of the King e a conduta
moral vitoriana
Desde o início de sua carreira literária, Alfred Tennyson esteve
preocupado com aquilo que entendia ser sua missão enquanto poeta: o
desenvolvimento moral da sociedade inglesa. Ao se tornar Poeta Laureado,
esse comprometimento estava no centro de suas preocupações. Era
necessário, nesse sentido, tornar palatáveis suas mensagens com o intuito de
cativar o público. Para tanto, era preciso criar toda uma forma de construir sua
poesia para, concomitantemente, consolidar sua missão como poeta laureado
e alcançar o gosto do público. O seu grande desafio era como cativar um
público que desvalorizava a arte e, especialmente, a poesia.
mencionamos a atenção especial que pensadores e artistas
dispensavam às questões relacionadas à função da cultura no século XIX.
Cada vez mais a cultura passou a significar um tipo de conhecimento diferente
do utilitário: estava restrito a círculos cada vez menores, que exigiam uma certa
erudição e civilidade. Por isso, alguns autores como Thomas Arnold (1795-
1842), Thomas Babington Macaulay (1800-1859) e John Stuart Mill (1806-
1873) passaram a defender a idéia de que era necessário cultivar, e educar
os sentimentos, com o objetivo de fazer com que as características que
representavam a grandiosidade do povo inglês não fossem perdidas frente ao
industrialismo e seus desdobramentos.
À medida que a vocação da sociedade industrial tornava-se cada vez
mais científica, espiritualmente racionalista e enaltecedora do propósito
utilitarista, os sentimentos e a imaginação tornavam-se condenáveis: em nada
contribuíam para o desenvolvimento econômico e político da época. No
entanto, segundo os autores citados acima, somente a partir do cultivo de
sentimentos e da experiência por meio da imaginação seria possível enobrecer
as atitudes humanas, as relações sociais. Tratava-se de incutir entre os jovens
60
uma cultura nacional e nacionalista. Daí a necessidade e a preocupação com a
realização de uma educação moral: “The function of all teachers, including
those who write for adults, is to present the imagination with objects calculated
to call forth the noble emotions. (…) the first and basic one is to make boys and
girls ‘practically serviceable to other creatures’ (…). The second is to give them
‘the faculties of admiration, hope and love’ (the principal noble emotions)
through ‘the study of beautiful Nature; the sight and history of noble persons;
and the setting forth of noble objects of action’”.
115
Os industriais e/ou os novos grupos que ascendiam politica e
socialmente, eram considerados pessoas egoístas, uma vez que, preocupados
com o enriquecimento próprio não demonstravam quaisquer interesses com
relação aos outros, às necessidades da sociedade inglesa como um todo. Essa
sociedade valorizava muito mais o desenvolvimento técnico exemplificado na
Great Exhibition (1851) do que aquilo que havia constituído a nação inglesa:
a nobreza dos gestos, das palavras e dos sentimentos. Apesar de Macaulay
criticar o comportamento da classe média em ascensão, afirmava que a
conduta moral antiga/tradicional não poderia mais vicejar, visto que estava
fundamentada em valores elevados demais para os homens de sua época, que
já não viviam a sua altura.
Esses valores tradicionais estavam ligados à aristocracia rural e à
nobreza, representantes de uma ordem social, política e econômica que não
mais existia. Mill, a esse respeito, fazia uma comparação entre as sociedades
inglesa e francesa. Para ele, os franceses possuíam sentimentos elevados,
altruístas, enquanto os ingleses careciam de tais sentimentos, pois estavam
voltados para os interesses individuais. Entretanto, acreditava que seria
possível conciliar o desenvolvimento material e a elevação da conduta moral.
John Morley (1838-1923), por sua vez, afirmava que o amor pelo Ideal
precisava ser revivido. Ele não acreditava que a literatura faria isso sozinha,
mas que ela seria um dos meios através dos quais seria possível realizar a
educação dos sentimentos e enraizar uma fundamentação moral.
115
HOUGHTON, Walter E. Op. cit., p. 265.
61
Tennyson concordava com esses autores e, por isso, pensava na
literatura e na poesia como o principal instrumento para a educação dos
sentidos e o cultivo de uma moral necessária para cimentar a nação britânica.
Segundo ele, somente a partir de um ideal inspirador seria possível combater a
indiferença cínica, o egoísmo intelectual e o materialismo utilitarista de sua
época
116
. Nas palavras de Tennyson: “When I see society vicious and the poor
starving in great cities, (…) I feel that it is a mighty wave of evil passing over the
world, but that there will be yet some new and strange development which I
shall not live to see… You must not be surprised at anything that comes to pass
in the next fifty years. All ages are ages of transition, but this is an awful
moment of transition… The truth is that the wave advances and recedes… I
tried in my ‘Idylls’ to teach men the need of the ideal (…).”
117
A missão do poeta, para Tennyson, passou a estar atrelada ao cultivo de
ideais que, justamente por estarem desvinculados da sociedade industrial,
encontravam-se na época que haviam deixado para trás, a Inglaterra medieval,
“the old and Merry England”. A apropriação de temas medievais para seus
idílios, além de ser partícipe do Medievalismo Vitoriano embora não
defendesse um retorno à Idade Média, propriamente dita –, também apelava
para a imaginação, para os sentidos, que era o cenário para atos heróicos,
desprovidos de interesse individual e sim coletivo. Portanto, por meio da poesia
era necessário relembrar os ideais cavaleirescos, especialmente o do serviço,
do ser leal, de servir fielmente os interesses do rei.
Críticos modernos
118
afirmam que em Idylls of the King estão
incorporados valores vitorianos e não medievais, pelo menos aqueles valores
pertencentes às classes médias que atribuíam à leitura dos poemas uma
posição conservadora no tocante aos âmbitos público e privado. Nesse sentido,
é relevante o papel das mulheres no que diz respeito à trama dos idílios.
116
Idem, p. 271
117
TENNYSON, Charles. Alfred Tennyson. London: Macmillan, 1950, p. 490-491. Apud: ROSENBERG,
John D. Op. cit., pp. 36-37..
118
GORDON, William Clarck. The social ideals of Alfred Tennyson as related to his time. New York:
Haskell House, 1966; PALMER, D. J. (ed.) Writers and their background: Tennyson. London: G. Bell &
Sons, 1973; ROSENBERG, John D. The Fall of Camelot: A study of Tennyson’s “Idylls of the King”.
Massachusetts, Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 1973; RYALS, Clyde de L.
From the Great Deep. Essays on Idylls of the King. New York: Ohio University Press, 1967.
62
A maioria dos trabalhos de crítica literária que analisa Idylls of the King,
elogia a obra no que diz respeito à sonoridade e a construção poética e
ressaltam o papel da rainha Guinevere e seu caso amoroso com Lancelot
como a trama principal. No entanto, os quatro primeiros idílios receberam o
nome das personagens femininas, demonstrando a importância dessas
mulheres na trama como um todo. Os idílios restantes, portanto, podem ser
considerados desdobramentos das ações dessas e de outras personagens .
Durante o período vitoriano, o papel desempenhado pelas mulheres,
bem como as características de sua natureza, ocupavam a pauta do dia.
Segundo Peter Gay, “Exigências de aumento dos direitos das mulheres, ainda
moderadas antes de 1848, mas cada vez maiores com o ímpeto das
expectativas revolucionárias, entraram em choque com o vigoroso
renascimento religioso na burguesia e o não menos vigoroso culto da
domesticidade.”
119
Isso significava que, assim como outras questões
concernentes a cultura e a civilização, o desenvolvimento da sociedade
burguesa e industrial inglesa trazia em seu bojo a possibilidade de tornar a
mulher o centro das atividades domésticas ou mais um membro participante do
corpo político que, juntamente com a parcela de homens trabalhadores, exigia
a ampliação de sua participação em questões relativas ao governo.
A maioria dos discursos da época, estabelecia que, por possuírem uma
natureza idealmente distinta da dos homens mais amável e delicada as
mulheres deveriam estar restritas ao âmbito doméstico, cuidando dos afazeres
do lar e de suas famílias, além de serem submissas aos maridos e aos pais.
Eram os papéis femininos que as classes médias tinham incorporado
juntamente com uma divisão de trabalho em esferas separadas. O lar para as
qualidades femininas, voltadas para a família e o consumo. A esfera pública e o
trabalho para os maridos provedores. Alguns dos romances produzidos nessa
época, publicados tanto sob a forma de folhetins como de livros, reproduziam
modelos exemplares dessa idéia da mulher como procriadora de futuros
cidadãos.
119
GAY, Peter. O cultivo do ódio a experiência burguesa da rainha Vitória a Freud. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001, p. 293.
63
Tennyson, sob essa ótica, ao invés de desvalorizar o papel da mulher
em uma sociedade patriarcal, demonstrava como ela deveria ser valorizada, na
medida em que estavam encarregadas de transmitir aos filhos os valores
caracteristicamente ingleses, passados de geração em geração. Para ele,
enquanto aos homens cabiam funções relativas às atividades econômicas e à
política, era às mulheres que estava designada a manutenção da ordem social
e familiar. Esse posicionamento poderia ser entendido, e Peter Gay bem
apontou, como um estratagema para se esquivar das inquietações relativas às
mulheres da época.
120
No entanto, discordamos que esse seja o caso de
Tennyson, pois o poeta tratou das questões femininas como vimos
anteriormente em The Princess: a Medley (1847) – fazendo críticas à educação
voltada para as mulheres vitorianas. Idylls of the King, por sua vez, abordava
os vícios e as virtudes da mulher vitoriana inglesa pertencente às classes
médias, o que dava continuidade ao debate. Rebecca Umland lembra que
“Tennyson clearly recognized that his readership, a large component of which
was female, was interested in domestic issues, and the inclusion of poems
devoted to the virtues and vices of his female characters was surely calculated
to appeal to his audience”.
121
Ao longo da obra, as personagens femininas se caracterizavam por
polarizações de forças opostas retratadas em equilíbrio: para cada personagem
que representava a virtude, havia outra que representava o vício. Como
exemplo do mundo feminino, podemos citar a rainha Guinevere, representante
do vício entendido aqui como o adultério e a entrega às pulsões e Elaine,
representante da virtude entendida como a pureza, a inocência e o amor
incondicional. Ambas as personagens estavam ligadas a Lancelot, cavaleiro do
reino e melhor amigo do rei. Portanto, para melhor entendermos o significado
das ações de Guinevere e Elaine, é necessário que busquemos compreender o
significado deste personagem, o cavaleiro Lancelot.
120
Idem, p. 299.
121
UMLAND, Rebecca. op. cit., p. 278.
64
2.1 Lancelot: o servidor
O nome Lancelot refere-se a uma existência idealizada. Lancelot é nome
francês, derivado da palavra ancel, de raiz latina (ancilla), que designa um
servidor. Ancelot é seu diminutivo; daí l’ancelot’ e posteriormente Lancelot
122
.
Lancelot, portanto, era a expressão de uma forma de servir, enquanto
dedicação completa ao seu rei.
Como vassalo do rei Arthur, Lancelot não somente servia à autoridade
real, mas também à coletividade. Era um modelo a ser seguido. Foi
notoriamente conhecido como o principal cavaleiro da Távola Redonda;
cavaleiro cristão, temente a Deus, Quem lhe concedia vitórias nas justas,
batalhas e proezas guerreiras; era ao mesmo tempo campeão da rainha e seu
amante cortês. Enquanto maior cavaleiro do reino, Lancelot realizava façanhas
e proezas e, de acordo com a tradição ltica, era o principal responsável pelo
equilíbrio do reino garantindo, juntamente com o rei, o seu bem estar.
Entretanto, ao entregar-se ao amor adúltero pela rainha Guinevere, passou a
servir a si próprio.
Embora sua existência fosse sempre associada a do rei Arthur, o criador
do Arthur rei, Geoffrey de Monmmouth, não fez qualquer referência a existência
de Lancelot. Na verdade, a personagem foi criada por Chrétien de Troyes, num
romance datado de 1170, intitulado Le Chevalier à La charrette
123
, por
excelência uma narrativa de amor cortês. Mas a infância de Lancelot foi
narrada no Ciclo do Lancelote-Graal ou Vulgata da Matéria da Bretanha. Após
ter ficado órfão, teria sido adotado pela Dama do Lago (Lady of the Lake, com
Tennyson) daí ser Lancelote do Lago –, que o teria levado para o “outro
mundo”, evitando que fosse assassinado pelos inimigos de seu pai. Foi sua
mãe adotiva quem o tornou digno de pertencer a Távola Redonda, uma vez
que o educou para a vida e para as armas, dando-lhe todos os meios para que
se tornasse o melhor e maior cavaleiro do mundo. Foi ela quem o equipou
122
FOUCHER, J. Os romances arturianos ou romances bretões. In: TROYES, Chrétiens. Romances da
Távola Redonda. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 123.
123
TROYES, Chrétien de. Romances da Távola Redonda. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
65
para apresentar-se à corte do rei Arthur, com trajes e cavalo brancos, além de
objetos mágicos.
2.2 O serviço cortês à rainha
A primeira vez que Lancelot aparece em Idylls of the King é no poema
The Coming of Arthur (1869), logo após a batalha contra a expulsão das hordas
pagãs do reino do pai da futura rainha Guinevere, Leodogran. Arthur ordenara
que Lancelot a buscasse para que pudesse casar-se com ela.
“Then Arthur charged his warrior whom he loved
And honoured most, Sir Lancelot, to ride forth
And bring the Queen;--and watched him from the gates:
And Lancelot past away among the flowers,
(For then was latter April) and returned
(Among the flowers, in May, with Guinevere”.
124
A passagem confia na memória dos leitores para apresentar a relação
entre o rei Arthur e Lancelot. Não há qualquer referência ao momento em que
se conheceram ou se tornaram amigos e, ainda assim, o autor nos informa que
ele era o cavaleiro mais honrado e amado pelo rei. Em seguida, apresenta o
primeiro serviço prestado por Lancelot a Arthur: trazer Guinevere para casar-se
com ele e tornar-se rainha. Esse fato pode ser associado à relação de
suserania e vassalagem existente entre ambos. Por um lado, o rei Arthur honra
124
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit. p. 294.
66
seu vassalo Lancelot com esse serviço, utilizando-se dele para a construção da
realeza. Por outro, Lancelot servia a Arthur e ao reino ao buscar Guinevere,
futura rainha. E é a partir desse episódio que tem início o serviço de Lancelot
com relação à rainha, a quem sempre dedicou suas proezas guerreiras.
O tema abordado neste idílio era o da legitimidade e soberania de
Arthur. A priori, Tennyson apenas referia-se a ele como a um rei secundário,
alguém que através da guerra, expulsou as hordas pagãs da ilha. Porém, sua
imagem e sua soberania eram constantemente atreladas à possibilidade de
unir-se, por meio do matrimônio, a Guinevere. Essa idéia estava vinculada às
diversas fontes medievais às quais Tennyson teve acesso. Nelas, as tradições
orais lticas, concebiam a rainha como representação da soberania e, por
isso, Guinevere representou a soberania de Arthur. Por outro lado, a figura de
Guinevere remetia seus leitores a própria soberania inglesa do século XIX, a
rainha Victoria.
“And Arthur, passing thence to battle, felt
Travail, and throes and agonies of the life,
Desiring to be joind with Guinevere;
(…)
I seem as nothing in the mighty world,
And cannot will my will, nor work my work
Wholly, nor make myself in mine own realm
Victor and lord. But were I join’d with her,
Then might we live together as one life,
And reigning with one will in everything
67
Have power on this dark land to lighten it,
And power on this dead world to make it live”.
125
O poema permite-nos afirmar que é através da união com Guinevere
que Arthur poderia tornar-se vitorioso, governar seu reino e ser senhor dele.
Não bastavam as proezas guerreiras de Arthur para garantir-lhe o trono, o que
era característico da sociedade medieval, essencialmente guerreira. Era
preciso que ele se unisse à soberania (Guinevere) para juntos, “ter poder sobre
a terra sombria para iluminá-la, e sobre o mundo morto para fazê-lo viver”.
Destarte, como autor do século XIX, poeta laureado e prestigiado pela rainha
Victoria, podemos observar que, para além da referência às tradições célticas,
Alfred Tennyson está se referindo a sua própria soberana. Mais uma vez o
autor aparecia não como um compilador de relatos maravilhosos, mas como
alguém que, através de sua releitura, re-significava o mito arthuriano enquanto
fonte das tradições nacionais da Inglaterra.
Cabe portanto, estabelecermos um diálogo entre esse idílio e o poema
The Queem of the Isles, mencionado no capítulo anterior. Na primeira parte de
The Coming of Arthur, podemos ver a fundação da Távola Redonda:
“Be Then the King in low deep tones,
And simple words of great authority,
Bound them by so strait vows to his own self,
That when they rose, knighted from kneeling, some
125
Idem, p. 289.
68
Were pale as at the passing of a ghost,
Some flushed, and others dazed, as one who wakes
Half-blinded at the coming of a light.”
126
A partir de então, a vontade do rei passou a ser a vontade de seus
cavaleiros, sagrados a partir de votos que juravam cumprir e reunidos em sua
Távola Redonda. Isso significava que o comportamento de seus membros
deveria seguir os princípios presentes em seus votos, pois como o próprio
Arthur afirma ao dirigir-se aos seus homens no início do poema, Man’s word is
God in man / Let chance what will, I trust thee to the death.”
127
Nesse sentido,
Arthur contava com a participação de seus cavaleiros para que pudesse ser
senhor do seu reino e governá-lo. A Távola Redonda seria, portanto, o meio
pelo qual Arthur poderia realizar seu propósito e preservá-lo.
A seguir, após o casamento entre Arthur e Guinevere, aparecem no
banquete comemorativo aqueles que Tennyson denomina os senhores de
Roma, a antiga senhora do mundo, a fim de cobrar os tributos outrora devidos.
No entanto, o autor deixa claro que o mundo já não era mais o mesmo:
“But Arthur spake, "Behold, for these have sworn
To wage my wars, and worship me their King;
The old order changeth, yielding place to new;
And we that fight for our fair father Christ,
Seeing that ye be grown too weak and old
To drive the heathen from your Roman wall,
126
Idem, ibidem, p. 291.
127
Idem, ibidem, p. 289.
69
No tribute will we pay:" so those great lords
Drew back in wrath, and Arthur strove with Rome.
And Arthur and his knighthood for a space
Were all one will, and through that strength the King
Drew in the petty princedoms under him,
Fought, and in twelve great battles overcame
The heathen hordes, and made a realm and reigned.”
128
As idéias contidas na afirmação de que a antiga ordem mudou, dando
lugar a uma nova, que lutaria em nome de Cristo o que significaria o
enfraquecimento de Roma, pois chama os romanos de pagãos –, podem ser
associadas a outras passagens de The Queen of the Isles que, como
dissemos, foi escrito em homenagem a subida ao trono da rainha Victoria, em
1837. Como apontamos no capítulo 1, o reinado de Victoria também
inaugurava uma nova ordem, personificada na rainha. E, da mesma forma que
Arthur e seus cavaleiros zelariam pela paz e pelo desenvolvimento do reino, a
partir da expulsão das hordas pagãs e da decadência de Roma, o mesmo
ocorreria no reinado de Victoria:
“Let her flag as (of old) be the first on the seas,
That the good of the land and the world may increase
And Power may balance the nations in Peace
128
Idem, ibidem, p. 295.
70
With a health to the Queen of the Isles.
But if despots and fools must be taught with the rod,
Let her soldiers tread firm as his fathers have trod,
And her cannon roar out like the judgement of God,
With a health to the Queen of the Isles.”
129
Ambos os poemas demonstram que Arthur ou a rainha Victoria não
estavam sozinhos na tarefa de governar o reino. Ambos dependiam da
participação e da boa conduta de seus cavaleiros ou súditos para conseguirem
realizar seu propósito, o que seria responsável pela formação de um mundo
melhor um mundo de paz entre as nações. Mundo esse, entendido como o
universo arthuriano e a Inglaterra do século XIX.
No caso de Arthur, contudo, tanto a união por matrimônio com
Guinevere como a fundação da Távola Redonda ambos episódios fundantes
de seu reinado – dão início ao processo que levará ao esfacelamento dos votos
que juraram seguir. Levando-se em conta as críticas realizadas por Tennyson
às características individualistas e utilitaristas de seu tempo, pensamos ser
essa, como demonstraremos adiante, a principal trama de Idylls of the King: as
contradições entre o comportamento de seus principais personagens e aquilo a
que se propuseram seguir.
Após o casamento, nenhuma passagem no enredo revelava o início do
envolvimento entre a rainha e o cavaleiro. Foi em um outro poema, que não
consta de Idylls of the King, que Tennyson narrou o início do amor entre
ambos: Sir Launcelot and Queen Guinevere A Fragment, publicado em
129
TENNYSON, Sir Charles. Op. cit, 1971, pp. 23-24.
71
1842
130
. Nesse poema, foi narrado o percurso da viagem do casal em direção
a Arthur. O autor descreveu a paisagem primaveril, a juventude e a alegria de
ambos e, embora não tenha revelado claramente que foi durante a viagem que
se apaixonaram, era possível fazer o leitor entender que o amor enredava-se à
paisagem e à descrição das personagens.
“As fast she fled thro’ sun and shade,
The happy winds upon her play’d,
Blowing the ringlet from the braid:
She look’d so lovely, as she sway’d
The rein with dainty finger-tips,
A man had given all other bliss,
And all this worldly worth for this,
To waste his whole heart in one kiss
Upon her perfect lips.
131
De fato, Lancelot entregou-se ao amor pela rainha, o que implicou a
entrega e a negação de todas as bênçãos que recaíam sobre ele. Como
veremos adiante, essa atitude também atingiu os personagens que os
circundavam e, parece-nos, foi uma das principais críticas realizadas por
Tennyson: a entrega à paixão, à pulsão, podia significar a rendição aos
sentimentos mais individualistas e egoístas e, portanto, o padecimento da
coletividade.
130
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 110.
131
Idem, p. 111.
72
A partir de então, Lancelot tornou-se o cavaleiro campeão da rainha.
Exemplo disso pode ser encontrado em outro idílio da obra, Elaine (1859) que,
posteriormente passou a chamar-se Lancelot and Elaine (1870). Ainda no início
desse poema, o autor nos informa que muito antes de Arthur tornar-se rei,
encontrou os esqueletos de dois irmãos – cujos nomes foram perdidos no
tempo. Junto aos restos mortais daquele irmão que um dia fora rei, Arthur
encontrou uma coroa cravejada de diamantes. Mais tarde, quando havia se
tornado rei, mostrou os diamantes aos seus cavaleiros, informando-lhes que
eles pertenciam ao reino e não a ele. Por isso, estabeleceu que anualmente
haveria um torneio cujo vencedor ganharia como prêmio um daqueles
diamantes. Eram nove diamantes e, por isso, esse torneio deveria ocorrer
durante nove anos.
And eight years past, eight jousts had been, and still
Had Lancelot won the diamond of the year,
With purpose to present them to the Queen,
When all were won; but meaning all at once
To snare her royal fancy with a boon
Worth half her realm, had never spoken word.”
132
Podemos observar que Lancelot ganhou oito torneios com o intuito de
presentear a rainha com os nove diamantes. É possível rastrear a fonte
medieval com a qual Tennyson teve contato. Nesse episódio, o autor se referia
a uma obra anônima, datada do século XIII e comumente atribuída a um
suposto clérigo, Gautier Map, e intitulada Mort Artu.
133
Porém, essa obra
trazia marcas do século XII, quando o cavaleiro Lancelot foi exemplo do
132
Idem, ibidem, p. 369.
133
Utilizamos a edição brasileira: ANÔNIMO. A morte do rei Artur. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
73
fenômeno aristocrático da cortesia. Sua existência adquiriu significado ao
obedecer aos caprichos e às vontades da rainha Guinevere e, desse modo,
deixando de servir aos seus próprios anseios e vontades, passou a servir ao
reino.
Na Idade Média, época em que os casamentos entre nobres eram
contratos estabelecidos para cumprir obrigações sociais e políticas, mais do
que para sacramentar e concretizar um amor recíproco, o amor cortês falava
de uma ligação apaixonada, involuntária e impetuosa entre a dama e seu
cavaleiro servidor. Contrariando uma rígida moral eclesiástica, o amor cortês
satisfazia, por um lado, à reação contra a Igreja e, por outro, à satisfação das
pulsões. Assim, a cortesia teria sido expressão de uma normatização, de uma
busca de limitação das pulsões desenfreadas, ao mesmo tempo em que
permitia sua expressão sob uma forma domesticada.
Os torneios, as justas, eram o cenário no qual os cavaleiros, querendo
mostrar sua bravura e suas habilidades guerreiras, combatiam uns aos outros e
cortejavam as damas através da demonstração de suas proezas. Durante a
Idade Média, a vitória nas justas e batalhas era compreendida como uma graça
divina. Nesse sentido, perante todos os outros cavaleiros e espectadores
daqueles torneios, Deus realmente protegia e agraciava Lancelot com vitórias,
não demonstrando quaisquer reprovações em relação ao seu comportamento
amoroso.
Mais adiante no poema, Arthur determinava que o nono torneio fosse
realizado em Camelot. A rainha informou-o que não poderia comparecer, pois
estava doente. O rei, a princípio, insistiu para que ela fosse, visto que não
poderia assistir as proezas guerreiras de Lancelot, que tanto ela sentia prazer
em ver. Tennyson, como narrador onisciente, interferiu no diálogo de ambos,
acrescentando que Guinevere pousava seus olhos languidos em Lancelot, que
se encontrava ao lado do rei, e que o cavaleiro pensava estar lendo os
pensamentos da rainha: “fique comigo, estou doente e meu amor vale mais do
que muitos diamantes”. Lancelot, servo dos desejos da rainha, decidiu ficar,
informando ao rei que não poderia participar, pois ainda não havia se
recuperado do ferimento do último torneio. De novo, Tennyson interferiu na
74
narrativa, informando que o rei olhou para ambos e saiu. A seguir, a rainha
repreendeu Lancelot, afirmando que metade dos cavaleiros que estariam no
torneio eram inimigos seus, e que haveria murmúrios de que, com a ausência
do rei, a rainha e Lancelot poderiam praticar seu “passatempo”.
Lancelot respondeu à rainha, lembrando-a de que ela não havia sido tão
sábia a primeira vez que se amaram, e que seus nomes havia muito eram
citados por bardos na presença do próprio rei, que sempre continuava sorrindo.
Arrematou sua fala de forma irônica, perguntando se alguma vez o rei dissera
alguma coisa, e por qual razão ela, aproveitadora de seu serviço e devoção,
resolvia agora ser leal ao rei.
“She broke into a little scornful laugh:
"Arthur, my lord, Arthur, the faultless King,
That passionate perfection, my good lord—
But who can gaze upon the Sun in heaven?
He never spake word of reproach to me,
He never had a glimpse of mine untruth,
He cares not for me: only here today
There gleamed a vague suspicion in his eyes:
Some meddling rogue has tampered with him — else
Rapt in this fancy of his Table Round,
And swearing men to vows impossible,
To make them like himself: but, friend, to me
He is all fault who hath no fault at all:
75
For who loves me must have a touch of earth;
The low sun makes the colour: I am yours,
Not Arthur's, as ye know, save by the bond.”
134
O discurso de Guinevere alertava os leitores para o fato de que o próprio
rei Arthur comportava-se como se não fosse humano, e tentava transformar
seus cavaleiros em seres tão perfeitos quanto ele próprio, o que para
Guinevere era sua principal falha. Daí sua entrega a Lancelot por amor. A
rigidez da moral arthuriana, cujo exemplo deveria ser a Távola Redonda e a
própria rainha, servia de justificativa para o não cumprimento de deveres.
Concordamos com Clyde de L. Ryals: “By imposing his will on the inhabitants
of Camelot, Arthur has caused his people to accept the delusion that they are
other than they are. (…) By enjoining upon his knights these impossible vows,
Arthur creates the condition which causes guilt and madness throughout his
Order”.
135
No epílogo de Idylls of the King, To the Queen, Tennyson solicitava a
rainha Victoria que aceitasse seu conto, ao mesmo tempo antigo e novo, sobre
uma batalha entre a razão e a alma
136
. O autor criticava na sociedade industrial
vitoriana, a ausência de controle das pulsões: era mais fácil entregar-se aos
desejos e vícios do que lutar contra eles. E, de acordo com ele, esse papel de
ensinar o controle sobre as pulsões deveria partir do lar, do comportamento
das mulheres, uma vez que era a própria Guinevere que justificava seus atos
dizendo que queria ser amada por alguém com qualidades humanas e não pela
personificação da perfeição.
Em Idylls of the King, os membros da Távola Redonda e da realeza
arthuriana davam exemplo, de fato, a ser seguido. Suas atitudes e
comportamentos serviam de modelo para todo o reino, daí a exigência e a
134
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., pp. 369-370
135
RYALS, Clyde de L. Op. cit. p. 76.
136
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit. p. 441.
76
rigidez de Arthur sobre aqueles que lhe prestavam juramentos e votos. Antes
mesmo que houvesse provas a respeito da relação adúltera entre Lancelot e a
rainha, o universo arthuriano sentia os efeitos provocados por ela. Os
simples rumores a respeito da relação entre ambos provocavam o descaso
com relação aos votos jurados e a dúvida no que dizia respeito ao seu valor.
Isso pode ser demonstrado nos idílios de Geraint and Enid (1873) e Balin and
Balan (1885)
137
.
Geraint, membro da Távola Redonda e casado com a bela e virtuosa
Enid, ao ouvir os rumores a respeito do suposto caso amoroso da rainha com
Lancelot, leva sua amada para longe, a fim de protegê-la da corrupção da
corte. No decorrer da trama, Enid prova ser fiel a Geraint e ambos partem da
corte para o seu próprio reino, localizado às margens do rio Severn. Distantes
dos rumores e da corrupção da corte, ambos passaram a partilhar uma vida em
paz. Como podemos observar no excerto abaixo, a conduta exemplar do casal
refletia a conduta do próprio rei: destituída de qualquer falha. Foi esse modo de
vida, virtuoso e, consequentemente, feliz que lhes garantiu filhos, criados de
acordo com os princípios de Geraint e Enid, e que justamente por isso
poderiam dar continuidade ao propósito do rei Arthur e deles próprios. O idílio
termina com a morte de Geraint num combate, no Mar do Norte, contra os
pagãos e em nome de Arthur.
“(…) Thence after tarrying for a space they rode,
And fifty knights rode with them to the shores
Of Severn, and they past to their own land.
And there he kept the justice of the King
So vigorously yet mildly, that all hearts
Applauded, and the spiteful whisper died:
137
Idem, pp. 295-318; 330-343 e 344-353.
77
And being ever foremost in the chase,
And victor at the tilt and tournament,
They called him the great Prince and man of men.
But Enid, whom her ladies loved to call
Enid the Fair, a grateful people named
Enid the Good; and in their halls arose
The cry of children, Enids and Geraints
Of times to be; nor did he doubt her more,
But rested in her fealty, till he crowned
A happy life with a fair death, and fell
Against the heathen of the Northern Sea
In battle, fighting for the blameless King.”
138
Outro exemplo dos efeitos que a conduta de Lancelot e Guinevere
poderia gerar sobre os membros da sociedade arthuriana está retratado no
idílio Balin and Balan, que narra a história desses dois irmãos. O poema inicia
com o retorno de Balin, the Savage, e seu irmão Balan, após um exílio de três
anos provocado pelos acessos de fúria do primeiro à corte de Arthur, onde
são bem recebidos. Os mensageiros de Arthur avisam que um dos cavaleiros
do rei fora assassinado por um demônio da floresta. Prontamente, Balan se
oferece a persegui-lo. Antes de partir, porém, Balan alerta o irmão sobre seu
comportamento raivoso. A partir de então, Balin se dispõe a aprender com
Lancelot um comportamento mais virtuoso, mais cortês. Contudo, desiste de
tentar tornar-se como Lancelot e passa a levar a coroa da rainha em seu
138
Idem, ibidem, p. 343,
78
escudo, como um lembrete para impedir sua brutalidade, como vemos no
excerto abaixo.
“(…) so Balin marvelling oft
How far beyond him Lancelot seemed to move,
Groaned, and at times would mutter, "These be gifts,
Born with the blood, not learnable, divine,
Beyond my reach. Well had I foughten-- well--
In those fierce wars, struck hard--and had I crowned
With my slain self the heaps of whom I slew--
So--better!-- But this worship of the Queen,
That honour too wherein she holds him--this,
This was the sunshine that hath given the man
A growth, a name that branches o'er the rest,
And strength against all odds, and what the King
So prizes--overprizes--gentleness.
Her likewise would I worship an I might.
I never can be close with her, as he
That brought her hither. Shall I pray the King
To let me bear some token of his Queen
Whereon to gaze, remembering her--forget
79
My heats and violences? live afresh?
What, if the Queen disdained to grant it! nay
Being so stately-gentle, would she make
My darkness blackness? and with how sweet grace
She greeted my return! Bold will I be--
Some goodly cognizance of Guinevere,
In lieu of this rough beast upon my shield,
Langued gules, and toothed with grinning savagery."
139
Fica claro, a partir da fala de Balin, o quanto Lancelot e a rainha
Guinevere eram modelos de cortesia e virtude. Soma-se a isso o fato de que,
segundo Balin, a relação entre ambos era, por isso mesmo, mais virtuosa
ainda. O fato da rainha ter Lancelot em mais alta conta confirmava sua
virtude, a cortesia e as habilidades guerreiras do cavaleiro, visto que Guinevere
era a dama mais admirada da corte, também por suas virtudes, beleza e
cortesia. Como dissemos, Tennyson atribuía ao casal o exemplo de conduta a
ser seguida. No entanto, Balin presencia um encontro entre a rainha e Lancelot
num jardim, onde rememoram, a partir de metáforas com flores, seus encontros
amorosos.
“"Queen? subject? but I see not what I see.
Damsel and lover? hear not what I hear.
My father hath begotten me in his wrath.
139
Idem, ibidem, p. 343
80
I suffer from the things before me, know,
Learn nothing; am not worthy to be knight;
A churl, a clown!" and in him gloom on gloom
Deepened: he sharply caught his lance and shield,
Nor stayed to crave permission of the King,
But, mad for strange adventure, dashed away”
140
Chocado, indignado e até mesmo descrente a respeito do que acabara
de ver e ouvir, Balin abandona a corte. Apesar dessa reação, ainda leva
consigo a coroa da rainha em seu escudo. Acaba chegando ao castelo dos
irmãos Pellan e Garlon, e Tennyson novamente como narrador onisciente
nos alerta que, nesse lugar, os cavaleiros de Arthur eram tidos como estranhos
e odiados. Durante o banquete, Garlon pergunta a Balin por que levava a coroa
real. O cavaleiro explica que a levava porque a mais pura e bela das damas o
havia concedido, a rainha Guinevere. Nesse momento e de maneira irônica,
Garlon passa a difamar a rainha, afirmando que ele a tinha visto e que bela
poderia ser, mas não a mais pura; e termina sua fala chamando os cavaleiros
de Arthur de babes”, numa alusão a sua inocência e ingenuidade por acreditar
nisso. É o que relata o excerto a seguir:
“Till when at feast Sir Garlon likewise asked
"Why wear ye that crown-royal?" Balin said
"The Queen we worship, Lancelot, I, and all,
As fairest, best and purest, granted me
To bear it!" Such a sound (for Arthur's knights
140
Idem, ibidem, p. 348.
81
Were hated strangers in the hall) as makes
The white swan-mother, sitting, when she hears
A strange knee rustle through her secret reeds,
Made Garlon, hissing; then he sourly smiled.
"Fairest I grant her: I have seen; but best,
Best, purest? thou from Arthur's hall, and yet
So simple! hast thou eyes, or if, are these
So far besotted that they fail to see
This fair wife-worship cloaks a secret shame?
Truly, ye men of Arthur be but babes."
141
Embora enraivecido, Balin não agride Garlon, mas acusa-o de felonia
(traição), proibindo-o de continuar a falar tais coisas. Porém, as palavras de
Garlon envenenaram seu sono e seus sonhos. Quando amanhece ambos se
encontram e Garlon recomeça a zombar do fato de Balin ainda levar a coroa da
rainha consigo. Enfurecido, Balin o mata e consegue fugir. Em seguida,
envergonhado de sua própria violência, abandona seu escudo em uma árvore,
livrando-se, assim, do símbolo que o fazia lembrar de sua vergonha. É o
momento em que aparece, pela primeira vez, Vivien, a mulher mais ardilosa de
todos os idílios.
Quando Balin conta o motivo de seu escudo estar abandonado e nega-
se a ajudá-la, Vivien zomba de seus sentimentos e conta mentiras que acabam
confirmando as suspeitas do cavaleiro com relação à Guinevere e Lancelot.
Nesse momento, Balin emite um urro, que ecoa por toda a floresta. Balan, que
141
Idem, ibidem, p. 349.
82
perseguia o demônio assassino, entende ser o grito da besta e ataca seu
próprio irmão. Sem que se reconheçam, travam um combate e, somente
quando Balin está prestes a morrer é que se reconhecem, e Balan desmente,
por meio de exemplos a respeito da conduta de Garlon e da própria Vivien, que
Guinevere não é virtuosa: “(...) they lied. Pure as our own true Mother is our
Queen."
142
O idílio Balin and Balan reafirma aquilo que já dissemos anteriormente: a
conduta da rainha e de Lancelot serviam como exemplos para os membros da
sociedade arthuriana. Porém, ao mesmo tempo em que eram o alvo de
tamanha veneração de Balin, também foram a causa para que não pudesse
ocorrer sua regeneração. Nesse sentido, apesar da própria fala de Balin ao
afirmar que jamais poderia ser igual a Lancelot em virtude e cortesia, pois
esses dons eram inatos e impossíveis de serem adquiridos –, Tennyson
acreditava na possibilidade de regeneração moral do ser humano. Para isso,
no entanto, era necessário que o meio em que vivesse fosse também virtuoso.
A simples possibilidade de adultério e, portanto, também felonia da parte de
Lancelot e Guinevere, provocou a fúria de Balin e sua consequente morte.
Importa lembrar aqui uma das mais importantes questões da sociedade
vitoriana: a pobreza e a degeneração por ela provocada em oposição à cultura
e à civilização. Em virtude do processo de proletarização e do progressivo
abismo existente entre ricos e pobres, tornavam-se cada vez mais evidentes as
diferenças das condições de vida entre os trabalhadores proletários, a
burguesia e a aristocracia. Amontoados em bairros operários que careciam de
infra-estrutura, onde proliferavam vícios relativos a saúde corporal e moral, os
trabalhadores pobres podiam ser vistos como o meio da degeneração social e
moral. A pobreza passara a ser associada com a degeneração moral: o
desapego à religião, a prostituição, o alcoolismo eram os estigmas de tal
pensamento. Neles, está contida a idéia de entrega às pulsões, à satisfação de
instintos menos cultivados e que, por isso mesmo, representavam uma ameaça
a civilização.
142
Idem, ibidem, p. 353.
83
Além da questão moral, não podemos esquecer os problemas
econômicos provocados pela degradação física, o que justificava muito da
preocupação dos liberais. A esse respeito, foi importante o papel
desempenhado por sanitaristas que, preocupados em melhorar as condições
relativas ao fornecimento de água e ao sistema de esgotos, afirmavam gerar
custos menores dos que aqueles provocados pela degeneração moral, a saber,
interrupção do trabalho e perda de salário, ambos prejudiciais tanto para
trabalhadores como para os industriais.
143
É por isso que pensadores de correntes distintas como Thomas Carlyle
(conservador romântico) e John Stuart Mill (liberal radical), preconizavam a
necessidade de educar essa multidão de trabalhadores pobres e incivilizada.
Para Carlyle, “Tratava-se de um mundo mecânico no qual a pobreza
ameaçadora e o desconforto por ela provocado deviam permanecer longe das
vistas dos ricos escondidos atrás dos ‘grossos muros das casas do trabalho’.
Assim, conclui, onde prevalecesse o desespero dos ‘sem batatas’ e dessas
‘multidões de irlandeses, denominados de anomalia social’ assombrando todas
as cidades inglesas’, teria-se um processo de autodegradação que levaria os
trabalhadores ingleses a serem devorados por um descontentamento mudo e
sombrio’”.
144
Mill, por sua vez, assumia um posicionamento semelhante ao de
Carlyle, ao defender a existência de um governo capaz de promover a virtude e
a inteligência do povo, premissas necessárias para a ordem e para o
progresso, o que provaria a qualidade do bom governo. Ao defender a
ampliação da participação política dos ingleses o que incluía as mulheres –,
portanto, Mill também defendia o aprimoramento de suas capacidades
intelectuais. Assim, “Mill exaltava em termos semelhantes aos de Thomas
Carlyle a ‘grande função social’ a ser exercida pela ‘porção mais cultivada’ da
população, por meio do debate político aberto, sem o qual nenhum governo
poderia escapar à ‘degenerescência’”.
145
143
BRESCIANI, Maria Stella Martins. Op. cit., pp. 29-30.
144
BRESCIANI, Maria Stella Martins.A compaixão pelos pobres no século XIX: um sentimento político.
In: SILVA, Márcio Seligmann (org.). Palavra e imagem: memória e escritura. Chapecó: Argos, 2006, pp.
113-114.
145
Idem, p. 122.
84
Visto desse modo, é como se Tennyson representasse a corte
Arthuriana e, mais especificamente, Lancelot e Guinevere, como a “porção
mais cultivada da população”. Esse cultivo seria demonstrado, então, pelas
atitudes desses personagens. Fazer os cavaleiros da Távola Redonda jurarem
votos ligados a virtude, a cortesia, a justiça era cultivar no restante da
população o enobrecimento dos gestos, das ações e das palavras. O contrário
levaria a degeneração moral e física do restante da população do universo
arthuriano. Daí o apelo emocional e até mesmo presente nos idílios, que
cativavam os leitores e os fazia posicionar-se a respeito de seus personagens.
Na batalha entre a razão e a alma, Tennyson apresentava-nos suas
contradições. Arthur, representante da razão e da virtude moral por excelência,
obrigava seus cavaleiros, por meio de votos e juramentos, a domesticarem, a
controlarem suas pulsões e vícios. No entanto, ao fazê-lo, o rei instaurava
conflitos que terminaram no descumprimento desses mesmos votos. Nesse
sentido, em Dedication
146
, a dedicatória escrita por Tennyson de sua obra Idylls
of the King ao príncipe Albert (1819-1861), após sua morte
147
, demonstrava
claramente qual era a intenção do autor:
“And indeed He seems to me
Scarce other than my king's ideal knight,
"Who reverenced his conscience as his king;
Whose glory was, redressing human wrong;
(…)
The shadow of His loss drew like eclipse,
146
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 287.
147
Tennyson escreveu Dedication em uma resposta ao pedido da rainha de que escrevesse algo sobre
príncipe Consorte. A dedicatória de Idylls of the King a Albert, deve-se ao fato de que o príncipe, desde a
primeira publicação dos idílios, demonstrou ter apreciado a obra, chegando a pedir um exemplar
autografado para o poeta. Ver TENNYSON, Sir Charles. Op. cit. 1971, p. 46.
85
Darkening the world. We have lost him: he is gone:
We know him now: all narrow jealousies
Are silent; and we see him as he moved,
How modest, kindly, all-accomplished, wise,
With what sublime repression of himself,
And in what limits, and how tenderly;
Not swaying to this faction or to that;
Not making his high place the lawless perch
Of winged ambitions, nor a vantage-ground
For pleasure; but through all this tract of years
Wearing the white flower of a blameless life,
Before a thousand peering littlenesses,
In that fierce light which beats upon a throne,
And blackens every blot: for where is he,
Who dares foreshadow for an only son
A lovelier life, a more unstained, than his?”
148
Ao dedicar este poema ao príncipe Albert, Tennyson ligava seus idílios à
Inglaterra e, especialmente, à realeza inglesa. Nesse excerto, o autor
comparava o príncipe Albert ao próprio rei Arthur, uma vez que o descrevia
como sendo aquele que reverenciava sua consciência como sua soberana,
148
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 287.
86
cuja glória era corrigir os erros humanos, e como aquele que vestia the white
flower of a blameless life”. À essa afirmação soma-se o fato de que, a princípio,
Tennyson teria escrito my own ideal Knight” e, posteriormente teria mudado
para “my King’s ideal Knight, visto que a população inglesa afirmava ser Arthur
o retrato do próprio príncipe.
149
E, assim como no caso de Arthur, a morte do
príncipe Albert também significou um eclipse, a entrada do mundo num período
de trevas. Não bastava o exemplo a ser seguido, era necessário que toda a
sociedade cumprisse sua parte.
Exemplo disso, foi a afirmação de Tennyson a respeito de Camelot, o
local do palácio de Arthur, “Camelot, for instance, a city of shadowy palaces, is
everywhere symbolic of the gradual growth of human beliefs and institutions,
and of the spiritual development of man.”
150
E, em um memorando publicado
em parte por seu filho Hallam, o autor afirmou que a Távola Redonda
representava as instituições liberais
151
. A população em suas mais variadas
graduações, seus representantes que trabalhavam nas instituições organizadas
por ela e a própria realeza deveriam dar continuidade à edificação de uma
sociedade virtuosa.
A monarquia inglesa seria, portanto, o exemplo a ser seguido, enquanto
representação da virtude moral, daquilo que era correto. No entanto, a
monarquia/realeza não podia construir uma nação sozinha. Era necessário que
toda a sociedade comungasse dos mesmos valores, para o bem coletivo, mais
do que para os interesses individuais. Sua visão sobre o assunto, como afirma
Clyde de L. Ryals, era pessimista: “For here Tennyson takes up the paradox of
reality – namely, how can the redeemer work his Will without violating the will of
others? The hero fails, Tennyson shows, not because he does not access to
value – Arthur comes from the spiritual deep – but because the value-laden will,
149
O próprio secretário pessoal de Albert, em uma carta já mencionada no capítulo 1, afirmou não
conseguir separar a idéia do rei Arthur da imagem do príncipe. TENNYSON, Sir Charles. Op. cit., 1971,
pp. 65-66.
150
TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 2, p. 127.
151
Idem, p. 123.
87
encountering the impregnable amorality of nature, can only destroy the very
values of love and freedom which it has created.”
152
Tais questões convergem para a personagem Lancelot, cujo significado
é o serviço, e suas contradições. Para servir ao reino, Lancelot servia ao rei
Arthur modelo a ser seguido e a quem jurou votos invioláveis –,
desempenhando o papel de melhor cavaleiro do reino, a flor da cavalaria.
Contudo, esse serviço estava ligado ao seu papel como campeão da rainha.
Foi seu amor por Guinevere que o tornou servidor de seus caprichos, de suas
vontades e, desse modo, do amor adúltero e apontava Tennyson –, contrário
à moral inglesa tradicional. O que motivou o cavaleiro a realizar as façanhas
guerreiras foi seu amor pela rainha. Seus deveres voltavam-se contra a sua
natureza e, para cumpri-los, foi necessário, atender às suas pulsões.
Foi por meio do rei Arthur, que a trajetória da personagem Lancelot
tornou-se possível. Foi o rei quem o investiu cavaleiro. Foi Arthur quem, tendo-
o em mais alta conta, tornou notadamente conhecidas suas virtudes morais
(como mais amado e honrado cavaleiro) e guerreiras, e o tornou modelo para a
Távola Redonda e, consequentemente, para o universo arthuriano. Assim, o
amor de Lancelot por Guinevere desempenhou um papel intermediário: meio
pelo qual realizou as façanhas e proezas para a sociedade e para o próprio rei.
O seu amor contraditoriamente implicava renúncia e, ao mesmo tempo,
obediência.
2.3 A urdidura temporal em Lancelot and Elaine
A característica mais marcante do idílio Lancelot and Elaine (1870), é o
que denominamos de trânsito temporal realizado por Tennyson. Esse é o idílio
em que a passagem do tempo no universo arthuriano torna-se mais evidente, e
152
RYALS, Clyde de L. Op. cit., p. 73.
88
também o que mais aponta os desdobramentos da relação entre Guinevere e
Lancelot, indicada pela memória, com relação ao futuro dessa sociedade.
É o idílio em que a lembrança do início do reinado de Arthur, da
fundação da Távola Redonda e da relação amorosa entre o cavaleiro e a
rainha, é recontada de diversas maneiras. Desse modo, o presente da narrativa
arthuriana remete a um passado fundador e, ao mesmo tempo, aponta para um
futuro incerto.
O início do poema apresenta-nos Elaine, “Elaine the fair, Elaine the
loveable, / Elaine, the lily maid of Astolat…
153
e atribui à personagem um perfil
amável e inocente. Em seguida, o autor narra que a donzela está reclusa em
uma torre, onde guarda o escudo de Lancelot, e tece e borda uma espécie
de capa para o escudo, enquanto passa os dias com seus olhos fixos nele,
observando suas marcas e fantasiando a respeito das histórias de combates
contidas em cada uma de suas marcas e, assim, “...she lived in fantasy
154
. Em
seguida, Tennyson coloca a pergunta de como o escudo de Lancelot havia
chegado às mãos da donzela, embora ela não saiba seu nome; e esclarece
que ele havia deixado lá, quando partiu para o torneio dos diamantes.
Esse é o momento em que o autor nos conta a origem do torneio anual
dos diamantes, narrada nesse capítulo. É aqui que o autor conta que Arthur,
antes de tornar-se rei e ao encontrar a coroa cravejada de diamantes, a coloca
em sua cabeça e ouve murmúrios em seu coração que dizem: “Lo, thou
likewise shalt be king”.
155
Nesse trecho inicial do poema, é possível
apontarmos o trânsito temporal a que nos referimos: em primeiro lugar, o autor
começa o idílio contando-o do seu meio, e afirmando que Elaine passou a viver
em fantasia, o que remete a sua trajetória futura; em segundo, retorna a um
momento mais antigo, anterior ao período em que Arthur é rei, mas que,
naquele momento, apontava para seu reinado e, talvez, diante da morte de
um rei anônimo, seu fim.
153
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 368
154
Idem, p. 368.
155
Idem, ibidem, p. 368.
89
A partir daí, a trama se desenrola por meio da relação entre a rainha
Guinevere e Lancelot. Como vimos, o cenário central desse idílio é a realização
do nono torneio, quando Lancelot decide ficar. Contudo, para não contrariar a
rainha, Lancelot atende de modo servil ao desejo dela, e decide participar de
forma anônima. Por isso, toma outro caminho para o local onde ocorrerá o
torneio (Camelot) e, perdido, chega ao castelo de Astolat.
Apesar de encontrar abrigo para a noite, Lancelot não revela sua
identidade ao senhor do castelo, visto que fazê-lo arruinaria sua intenção de
participar das justas anonimamente. Como Guinevere afirmara, ao saberem
que era Lancelot quem estava combatendo fazia com que seus adversários
caíssem frente a sua lança. Essa reação diante da reputação de Lancelot
impediria que ele realizasse suas façanhas e provasse ser o melhor cavaleiro
do reino. Essa seria, portanto, a justificativa que daria ao rei Arthur por ter
mentido sobre sua participação. Lancelot, então, solicita ao seu anfitrião um
escudo que não levasse quaisquer marcas ou emblemas, com o intuito de o
ser reconhecido.
Enquanto tudo isso é narrado, o autor aponta para a presença da
donzela de Astolat, que assiste a tudo, e informa-nos que ela se rende ao som
melodioso da voz do cavaleiro. Durante o jantar, é solicitado a Lancelot que ele
conte histórias relativas à corte arthuriana e, dessa maneira, Elaine identifica
em sua fala o tom de culpa quando refere-se ao amor pela rainha e por seu rei,
além das marcas oriundas do amor e das batalhas que traz em seu corpo,
como mostra o excerto abaixo:
“He spoke and ceased: the lily maid Elaine,
Won by the mellow voice before she looked,
Lifted her eyes, and read his lineaments.
The great and guilty love he bare the Queen,
90
In battle with the love he bare his lord,
Had marred his face, and marked it ere his time.
Another sinning on such heights with one,
The flower of all the west and all the world,
Had been the sleeker for it: but in him
His mood was often like a fiend, and rose
And drove him into wastes and solitudes
For agony, who was yet a living soul.
Marred as he was, he seemed the goodliest man
That ever among ladies ate in hall,
And noblest, when she lifted up her eyes.
However marred, of more than twice her years,
Seamed with an ancient swordcut on the cheek,
And bruised and bronzed, she lifted up her eyes
And loved him, with that love which was her doom.”
156
Aqui, o tempo percorrido no universo arthuriano é personificado em
Lancelot. Como o melhor cavaleiro do reino, esteve presente em todas as
batalhas que possibilitaram que Arthur fosse rei (contra invasores pagãos ou
contra reis secundários que duvidavam e/ou não aceitavam sua legitimidade),
daí as marcas presentes em seu corpo relativas aos combates. A passagem do
tempo também está presente nas marcas que denotam a relação que possui
156
Idem, ibidem, pp. 371-378.
91
com o rei e a rainha, isto é, marcas de um amor obediente e angustiado e
relativo a ambos. Por fim, esclarece que ele possui mais de duas vezes a
idade da donzela, o que também nos indica a passagem do tempo nas próprias
vidas das personagens. O excerto termina adiantando para o leitor que ela
passou a amá-lo, com o amor que seria sua própria perdição, sua sentença de
morte.
Ainda durante o jantar, Lancelot conta sobre as gloriosas guerras ao
lado de Arthur, o que remete a episódios da própria história inglesa e da
narrativa arthuriana. Ele termina seu relato contando sobre a última batalha, em
Badon, e afirma que o melhor guerreiro, ao contrário do que se pensa, não é
ele próprio e sim o rei. Essa batalha remete a um passado relativo a existência
de um Arthur que não seria mítico e que teria lutado contra a invasão saxônica,
sendo vitorioso.
O rei Arthur é o resultado de um processo de mitificação sobre um
guerreiro que teria vivido na Grã-Bretanha entre finais do culo V e princípios
do culo VI, período em que a ilha fora abandonada pelas tropas romanas e
invadida por povos denominados rbaros, como os anglos, jutas e saxões
um período de trevas como muitos de seus cronistas o chamaram. Embora
tardias, as fontes que nos trazem maior segurança sobre a existência desse
guerreiro são Historia Brittonium, de Nennius, elaborada em primórdios do
século IX; e os Annales Cambriae, que datam do século X. também a obra
do clérigo Gildas que, durante o século VI teria elaborado On the Ruin of Britain
e, embora não se refira a Arthur com esse nome, menciona a batalha do Monte
Badon, lendária no século VIII.
157
Outras evidências a respeito desse Arthur
guerreiro aparecem apenas esporadicamente. Contudo, as lendas sobre o rei
Arthur e o emprego freqüente de seu nome nas pias batismais são os indícios
mais fortes de sua existência.
Elizabeth Jenkins afirma que “No Museu Britânico há um maço de
documentos conhecido como Historical Miscellany (...) Em suas colunas de
anais, ocorrem dois registros, no primeiro, a data tem sua interpretação
157
Sobre o Arthur histórico, ver SIMPSON, Roger. Op. cit.,; JENKINS, Elizabeth. Op. cit., e BRYDEN,
Inga. Op. cit..
92
discutida, que o copista teria datado os registros a partir do ano em que se
iniciaram os anais, que pode ser 499 ou 518 d.C., está escrito: ‘Batalha de
Badon, na qual Arthur carregou nos ombros a cruz de Nosso Senhor Jesus
Cristo, por três dias e três noites, e os bretões foram vitoriosos’. No segundo
registro, de 539, lê-se: ‘a Batalha de Camlann, na qual Arthur e Mordred
morreram. E houve pragas na Bretanha e na Irlanda’.”
Em Idylls of the King, Tennyson lembra essas duas batalhas, integrantes
do passado inglês mais longínquo. Isso é significativo na medida em que
estamos preocupados com o trânsito temporal que o autor realiza por meio do
narrador onisciente dos idílios. Em meio ao enredo e aos conflitos que
envolvem as personagens num cenário medieval para um público-leitor do
século XIX, Tennyson associa a história do universo arthuriano com a própria
história inglesa, especialmente a história de sua monarquia. Seus
personagens, embora míticos, adquirem assim atributos reais e, portanto, mais
humanos.
Em Lancelot and Elaine, como vimos, Tennyson refere-se a essa batalha
ocorrida no Monte Badon que, por narrar a expulsão dos saxões da ilha, ocupa
um lugar especial na história desse povo. em The Passing of Arthur, último
poema da obra, narra a Batalha de Camlann, presente tanto na obra de
Nennius quanto nos Annales Cambriae (já citadas anteriormente), que fazem
referência a existência de Arthur. É aqui que Tennyson entrelaça os eventos da
legenda com aquilo que teria realmente acontecido na história, atribuindo à
narrativa um caráter propriamente humano e histórico.
Com relação aos desdobramentos dessa associação entre mito e
realidade no idílio Lancelot and Elaine, pensamos que estão associados à
valorização da continuidade histórica, das tradições que, por meio dos valores
propostos pelo rei Arthur a serem seguidos, são reafirmados. Desse modo, os
comportamentos dos personagens não poderiam ser considerados pelos
consumidores de sua literatura apenas ideais fictícios, inalcançáveis, mas sim
atitudes presentes no próprio passado do povo inglês: a cortesia, a nobreza
dos gestos e das palavras, as virtudes guerreiras e políticas. Assim, o trânsito
temporal que o autor realiza tem como intuito chamar atenção de seus leitores
93
para essas características, assim como para a possibilidade de torná-las
práticas reais.
Após o banquete, todos se recolheram e Elaine ficou a pensar em
Lancelot, como se sua imagem estivesse ali, em sua frente, imersa em suas
fantasias. Pela manhã, Lancelot e Lavaine, irmão da donzela, preparavam-se
para ir ao torneio em Camelot, quando Elaine sentiu ser apossada por um
desejo violento: Lancelot levaria em seu elmo a luva vermelha e bordada com
pérolas da donzela, como era o costume entre damas e cavaleiros. Lancelot,
entretanto, recusa-se a usá-lo, pois todos sabem que ele não utilizava favor ou
graça de nenhuma dama. A fala do cavaleiro possibilita o argumento de Elaine:
ora, se ele não queria ser reconhecido, seria o momento perfeito para realizar
seu desejo. E ela o convence.
“Suddenly flashed on her a wild desire,
That he should wear her favour at the tilt.
She braved a riotous heart in asking for it.
"Fair lord, whose name I know not--noble it is,
I well believe, the noblest--will you wear
My favour at this tourney?" "Nay," said he,
"Fair lady, since I never yet have worn
Favour of any lady in the lists.
Such is my wont, as those, who know me, know."
"Yea, so," she answered; "then in wearing mine
Needs must be lesser likelihood, noble lord,
94
That those who know should know you." And he turned
Her counsel up and down within his mind,
And found it true, and answered, "True, my child.
Well, I will wear it: fetch it out to me:
What is it?" and she told him "A red sleeve
Broidered with pearls," and brought it: then he bound
Her token on his helmet, with a smile…”
158
Nesse momento, e de maneira sutil, Tennyson relembra por meio da
reação e da fala do cavaleiro, o romance entre ele e a rainha. Embora não
esteja dito claramente, todos os membros da sociedade arthuriana sabem que
o motivo pelo qual ele não utilizava favor de nenhuma dama era porque suas
vitórias eram sempre dedicadas à Guinevere. Além de reavivar na memória do
leitor a quem pertence o coração do cavaleiro, o autor e narrador também
continuidade a movência da matéria arthuriana, uma vez que faz referência (de
modo subentendido) às outras fontes medievais e modernas Chretién de
Troyes, o pseudo-Map e Malory – e lhes atribui novos significados.
É logo depois desse trecho que Tennyson fecha a narrativa que tinha
aberto o idílio, ao contar que antes de partir, Lancelot deixara com Elaine seu
escudo para ser guardado. Depois da partida do cavaleiro e de seu irmão, a
donzela sobe à sua torre e passa a viver em fantasia, o que remete ao futuro
da personagem. É como se tudo o que foi narrado até o momento fosse uma
introdução para o que ainda está para acontecer, daí a memória na ficção e
na História – ser tão solicitada de seus leitores. A lembrança viva de um
passado glorioso, marcado por guerras vitoriosas e pela instauração de uma
nova ordem fundamentada nos feitos da Távola Redonda, precede o momento
158
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 373.
95
que vivem até então e que, como nos indica o autor, terá seu fim com a morte
do rei (momento em que Arthur, antes de ser coroado, encontra o esqueleto do
rei com a coroa cravejada de diamantes). É justamente entre esse passado
glorioso e um fim incerto que a relação amorosa de Lancelot e Guinevere,
assim como de Lancelot e Elaine, encontram-se.
Pensamos que, por tudo isso, esse idílio ocupa um papel central na
obra, uma vez que encontra-se no apogeu da sociedade arthuriana e início
ao seu fim. Nesse sentido, o autor atribui enorme importância, como vimos, a
respeito do amor existente entre Lancelot e a rainha. Exemplo disso, é o
excerto abaixo, que narra a declaração amorosa de Elaine à Lancelot, após
sua vitória no torneio do diamante e enquanto se recupera do ferimento ganho
em combate:
“Then suddenly and passionately she spoke:
"I have gone mad. I love you: let me die."
"Ah, sister," answered Lancelot, "what is this?"
And innocently extending her white arms,
"Your love," she said, "your love--to be your wife."
And Lancelot answered, "Had I chosen to wed,
I had been wedded earlier, sweet Elaine:
But now there never will be wife of mine."
"No, no," she cried, "I care not to be wife,
But to be with you still, to see your face,
To serve you, and to follow you through the world."
96
And Lancelot answered, "Nay, the world, the world,
All ear and eye, with such a stupid heart
To interpret ear and eye, and such a tongue
To blare its own interpretation--nay,
Full ill then should I quit your brother's love,
And your good father's kindness." And she said,
"Not to be with you, not to see your face--
Alas for me then, my good days are done."
159
Elaine revela seu amor ao cavaleiro e não é correspondida. Como
argumento, Lancelot afirma que, se quisesse ter se casado, há tempos o
teria feito, e que jamais haveria uma esposa para ele. Mais uma vez, Tennyson
relembra o leitor a respeito do amor de Lancelot pela rainha. Em seguida,
Elaine responde que não precisava ser sua esposa, queria apenas estar com
ele e segui-lo pelo mundo. O cavaleiro responde que o mundo é todo feito de
ouvidos e olhos, com um coração estúpido que interpreta tanto o que é ouvido
como o que é visto, além de uma língua para proclamar sua própria
interpretação. Essa visão de Lancelot sobre o mundo pode ser entendida como
a própria visão do autor sobre a sociedade racionalista, mecânica e
individualista de sua época.
Como um dos representantes do pensamento conservador, Tennyson
critica o pensamento puramente racional e mecânico como aquele expresso
por Thomas Carlyle cujo resultado de análise alcançaria apenas resultados
parciais. Ao comentar a respeito das características mecânicas do pensamento
na sociedade vitoriana, the Mechanical Age, Carlyle afirma que essa forma de
pensar “...indicate a mighty change in our whole manner of existence. For the
159
Idem, pp. 381-382.
97
same habit regulates not our modes of action alone, but our modes of thought
and feeling. Men are grown mechanical in head and is heart, as well in hand.
(…) Their whole efforts, attachments, opinions, turn on mechanism, and are of a
mechanical character.”
160
Nesse sentido, olhar e ouvir seriam os meios pelos
quais o coração interpretaria, de forma racional aquilo que é ouvido e visto. O
autor também nos alerta para um coração estúpido e sua língua para proclamar
ao mundo aquilo que e ouve. É como se essa forma de vivenciar o mundo
fosse mecânica, funcional, sem perpassar os sentidos e, portanto, incompleta.
E, como vimos no capítulo 1, o cultivo da sensibilidade era tão importante
quanto o cultivo da intelectualidade.
No final do idílio, Elaine adoece por amor a Lancelot. E, como último
desejo, solicita ao seu pai que, após o calor ter abandonado seu coração,
ornamente ela própria e sua cama com toda a riqueza que possui, como se
fosse a própria rainha. Pede também que deixe uma barca pronta, envolta por
um tecido preto. O barqueiro deveria levar seu corpo rio acima, em direção ao
palácio para que ela pudesse encontrar a rainha em trajes de corte. É o que
narra o excerto abaixo:
“…And when the heat is gone from out my heart,
Then take the little bed on which I died
For Lancelot's love, and deck it like the Queen's
For richness, and me also like the Queen
In all I have of rich, and lay me on it.
And let there be prepared a chariot-bier
To take me to the river, and a barge
Be ready on the river, clothed in black.
160
CARLYLE, Thomas. Op. cit., pp. 228-229.
98
I go in state to court, to meet the Queen.
There surely I shall speak for mine own self,
And none of you can speak for me so well.
And therefore let our dumb old man alone
Go with me, he can steer and row, and he
Will guide me to that palace, to the doors."”
161
Entendemos que a morte de Elaine seja mais um resultado da
degeneração moral que ocorria na corte arthuriana. Contudo, a crítica realizada
por Tennyson não coloca a donzela como sendo representante da classe
trabalhadora pobre, de moral degenerada em virtude de suas condições de
vida e trabalho. Aqui, Tennyson alerta para o papel desempenhado pelas
insituicoes (Távola Redonda) e pela própria aristocracia, representada pelos
membros mais elevados da corte. Visto dessa forma, o fato de Elaine assim
como Balin com relação a Lancelot querer tornar-se igual a rainha (pelo uso
de ornamentos e trajes semelhantes ao dela), provoca a sua própria morte e
um alerta sobre a fundação moral em alicerces falsos. Se anteriormente
Tennyson havia alertado sobre a degeneração moral da sociedade que
impediria a realeza e suas instituições de desempenharem corretamente suas
funções, aqui ele lembra o contrário: era necessário também que os
representantes da realeza e outras instituições políticas também dessem o
exemplo.
uma outra passagem que corrobora para essa nossa análise. Num
diálogo entre Lancelot e Lavaine, que antecede o início do torneio, o irmão de
Elaine afirma que, apesar de estar desejoso de ver o rei, sente-se feliz pelo fato
ter conhecido, pelo menos, o grande Lancelot, ao que este último responde:
161
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 384
99
“…Then Lancelot answered young Lavaine and said,
"Me you call great: mine is the firmer seat,
The truer lance: but there is many a youth
Now crescent, who will come to all I am
And overcome it; and in me there dwells
No greatness, save it be some far-off touch
Of greatness to know well I am not great:
There is the man."...”
162
Lancelot refuta o elogio realizado por Lavaine, afirmando que muitos
cavaleiros jovens e que agora crescem, que se tornarão tudo que ele é e ainda
o superarão. Fala ainda que, se qualquer grandeza nele, é aquela que o
permite saber que não é grandioso. A fala de Lancelot nessa passagem
aparece em completa oposição ao que será dito em linhas abaixo, após o início
do torneio:
“…little need to speak
Of Lancelot in his glory! King, duke, earl,
Count, baron--whom he smote, he overthrew.”
163
162
Idem, p. 374.
163
Idem, ibidem, pp. 374-375.
100
A grandiosidade de Lancelot, nesses dois excertos, era demonstrada por
meio de sua humildade vista como a negação de suas virtudes e de suas
habilidades guerreiras entendidas como as vitórias em combate. Nesse
sentido, também importa lembrar o papel que Deus ocupa no enredo dos
idílios: as vitórias de Lancelot eram representação da vontade de Deus e, por
isso, não era possível repreendê-lo no que diz respeito a sua conduta. Essa é
outra justificativa para a admiração que lhe é atribuída pela sociedade
arthuriana. E, como vimos anteriormente, no poema The Queen of the Isles,
Tennyson colocava a luta dos ingleses como sendo em nome de Cristo: a
vitória britânica e seu poder no mundo seria, dessa forma, a realização da
vontade de Deus.
Entretanto, aquilo que podia ser ouvido a respeito de Lancelot e visto em
suas atitudes não correspondia à essência da personagem. Ao longo dos
idílios, são inúmeras as vezes em que aparece o quão belo, gentil e virtuosas
são as atitudes de Lancelot; mas também aparecem repetidas vezes, por meio
das falas de outros personagens (Vivien, em Balin and Balan; o senhor de
Astolat e seus filhos em Lancelot and Elaine, por exemplo
164
) o quão
vergonhosas suas atitudes podiam ser, especialmente quando associadas à
sua relação com a rainha. Mas é durante as reflexões solitárias de Lancelot,
suas falas diante de elogios realizados em sua presença ou quando o narrador
onisciente interfere na trama, que o personagem expressa sua verdadeira
essência.
Isso pode ser visto na passagem abaixo, que ocorre após o torneio do
diamante, enquanto Lancelot se recupera de um ferimento sob os cuidados de
um eremita e da própria donzela de Astolat. Antes mesmo que ela declarasse
seu amor, o cavaleiro já havia percebido no rosto dela os sentimentos que tinha
por ele e o narrador fala:
“…And peradventure had he seen her first
164
Sobre Vivien o senhor de Astolat e seus filhos, ver os idílios em suas respectivas páginas em
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 351 e p. 384.
101
She might have made this and that other world
Another world for the sick man; but now
The shackles of an old love straitened him,
His honour rooted in dishonour stood,
And faith unfaithful kept him falsely true.”
165
A idéia de que se Lancelot tivesse conhecido Elaine antes de apaixonar-
se pela rainha e de que isso tornaria o mundo humano ou “além vida”
diferente pra ele, remete-nos aos conflitos interiores presentes na personagem.
Aqui, o amor por Guinevere é representado por um grilhão que o mantém preso
e, desse modo, sua honra e suas virtudes permanecem enraizadas na desonra
e por consequência, seu compromisso aqui entendido como sua relação com
o rei – infiel (felonia) torna-o verdadeiro de maneira falsa, uma vez que é
através do amor adúltero que ele prova, como dissemos no excerto anterior,
suas proezas guerreiras, dedicadas à rainha. Vale lembrar que Lancelot
apenas tornou-se o campeão da rainha, por ter demonstrado ser o melhor
cavaleiro do reino.
Novamente, indicamos o trânsito temporal realizado pelo autor-narrador.
Na mesma medida em que Tennyson nos relembra toda a história de amor
entre Lancelot e Guinevere e todas as suas vitórias em combate ao lado do rei,
aponta para o futuro incerto do mundo arthuriano, pois encontra-se
fundamentado em alicerces falsos.
Os conflitos existentes no interior da personagem Lancelot dessa forma,
não poderiam ser compreendidos apenas com os olhos e ouvidos, eles
deveriam ser parte de uma análise mais profunda, caracteristicamente humana,
com todos os seus conflitos e ambiguidades, exemplificados no serviço
prestado por Lancelot à rainha Guinevere e ao próprio rei Arthur. São
165
Idem, p. 381.
102
exatamente essas características de Lancelot o serviço, a culpa, o conflito
que nos aproximam dele enquanto humanos e demonstram, como foi apontado
no capítulo 1, que o poeta não propunha um sentido, um telos, para a história
dos homens.
Seu filho, Hallam Tennyson, ao organizar seu Memoir, afirmou que ao
pensar em escrever um épico sobre o Rei Arthur, seu pai almejava tipificar,
sobretudo, a vida do homem, dos seres humanos.
166
E o próprio Alfred
Tennyson, quando indagado a respeito do significado de Idylls of the King,
disse: “The whole is the dream of man coming into practical life and ruined by
one sin. Birth is a mystery and death is a mystery, and in the midst lies the
tableland of life, and its struggles and performances. It is not the history of one
man or of one generation but of a whole cycle of generations.”
167
Acreditamos que apesar da trama de Idylls of the King poder ser
associada e compreendida como uma história comum ao processo humano,
ela traga em si um ideal que, para além de estar associado as necessidades
dos homens a respeito da ordem, das virtudes, da justiça e da benevolência,
dizia respeito a algo considerado praticamente sagrado pelos ingleses e cujas
raízes encontravam-se em suas tradições mais antigas o que inclui o rei
Arthur – a realeza.
***
166
TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 1, p. xiii
167
Idem, volume 2, p. 127.
103
Capítulo 3 – A nobreza dos atos, dos gestos e das palavras: a
realeza tennysoniana.
Ao receber o título de Poeta Laureado, em 1850, Alfred Tennyson
estreitou o vínculo com a realeza. Esse vínculo tornou-se ainda mais forte com
a publicação da obra Idylls of the King que, como vimos, foi dedicada ao
príncipe consorte. Por meio da sociedade arthuriana e da liderança do rei
Arthur, o autor expressou aquilo que acreditamos ser sua maior preocupação: a
manutenção dos elos sociais por meio de uma conduta moral exemplar. Por
isso, a fim de alcançarmos um significado mais completo de sua obra,
pensamos ser necessário compreendermos o papel desempenhado pela
instituição monárquica, personificada pelo rei Arthur.
3.1 A virtude como tradição
Edgar Wilson afirma que a ideologia oficial da monarquia apresentava-a
como o símbolo vivo da nação, a exemplificação dos padrões de moralidade
público e privado, a superioridade e a neutralidade com relação às lutas entre
facções políticas e de classes. A monarquia conferiria laços de sangue
tangíveis às origens tribais do povo e, dessa forma, partilharia uma tradição
orgulhosa de suas ‘glórias antigas’. Isso tornaria o monarca o legítimo Chefe de
Estado, líder da unidade nacional e, portanto, quando o povo honrasse seu
monarca, honraria a si próprio. Em segundo lugar, o monarca representaria e
promoveria, por meio do exemplo, os mais elevados padrões de moralidade
pública e privada. A dedicação total ao dever, à justiça, à liberdade, aos
compromissos e à tolerância seriam então as virtudes da vida pública. As
virtudes pessoais de generosidade, caridade, lealdade, dignidade e respeito
pelo indivíduo seriam igualmente importantes. Visto que tais valores provinham
de origens sagradas, seria apropriado que o monarca fosse o chefe da Igreja
da Inglaterra e o líder da vida religiosa nacional. Esses valores eram mais
104
naturalmente expressos através da família e, por isso, a família real tornava-se
o modelo para as relações pessoais, nacionais e até mesmo internacionais. Em
terceiro lugar, um monarca não governava, nem reinava, isto é, o exercia
poder político. O Chefe de Estado colocava limites ao poder político por meio
da sua neutralidade nos conflitos entre as classes sociais. Em quarto lugar, a
neutralidade política possibilitaria ao monarca estabilizar o processo político
168
.
Acreditamos que essa síntese sobre o significado da monarquia na
Inglaterra possa ser associada ao posicionamento político de Tennyson. Entre
1831 e 1833, o autor escreveu o poema The Statesman, publicado apenas
após sua morte, no Memoir organizado por seu filho Hallam. É significativo
lembrar que a década de 1830 foi marcada por agitações relativas à reforma
parlamentar que, em 1837, como vimos, ampliou a participação política inglesa
e fez com que a Câmara dos Comuns passasse a depender do apoio da classe
média urbana
169
. Nesse poema, o autor teceu críticas às relações
fundamentadas pelos interesses individuais, à divisão da nação entre partidos
e, ao mesmo tempo esboçou os contornos do que seria considerado um
verdadeiro estadista.
“They worshipt Freedom for her sake;
We faint unless the wanton ear
Be tickled with the loud ‘hear, hear,’
To which the slight-built hustings shake;
For where is he, the citizen,
168
WILSON, Edgar. The Myth of British Monarchy. London: The Journeyman Press Ltd., 1989, pp. 9-
10.
169
BURT, Alfred LeRoy. Op. cit., p. 234.
105
Deep-hearted, moderate, firm, who sees
His path before him? Not with these,
Shadows of statesman, clever men!
(…) A sound of words that change to blows!
A sound of blows on armed breasts!
And individual interests
Becoming bands of armed foes!”
170
Nesse excerto, Tennyson o identificou quem são “Eles” (They),
entendemos que o autor referiu-se à nação inglesa dividida em grupos
partidários, pois logo em seguida, utilizou “Nós” (We), sem especificar qual o
grupo social que representavam. Afirmou que eles veneram a Liberdade por si
própria, e que isso os abate, salvo se houver um ouvido malicioso que seja
excitado através do apelo “ouçam, ouçam” (hear, hear), o qual faz tremer o
palanque daí a associação que realizamos com o partidarismo existente na
época. Em seguida, perguntou onde está ele, o cidadão, moderado e resoluto,
que vê diante dele o caminho. E terminou a segunda estrofe afirmando que não
entre eles, homens espertos e simulacros de estadistas. Na terceira estrofe, o
poeta associou as palavras aos diferentes discursos partidários apresentados à
nação, que mudavam muito rapidamente, e finalizou afirmando que os
interesses individuais tornavam-se o único vínculo entre inimigos armados.
Entendemos que aqui Tennyson criticava o fato da nação inglesa estar
dividida entre interesses de grupos e/ou partidos que não representavam os
interesses coletivos. Os interesses individuais, portanto, seriam aqueles que
substituíam os antigos elos sociais, fundamentados no bem coletivo e,
170
TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 1, p. 110.
106
portanto, não podiam ser considerados como os atos de um verdadeiro
estadista.
“Not he that breaks the dams, but he
That thro’ the channels of the state
Convoys the people’s wish, is great;
His name is pure, his fame is free:
He cares, if ancient usage fade,
To shape, to settle, to repair,
With seasonable changes fair,
And innovation grade by grade:
Or, if the sense of most require
A precedent of larger scope,
Not deals in threats, but works with hope,
And lights at length on his desire:
Knowing those laws are just alone
That contemplate a mighty plan,
107
The frame, the mind, the soul of man,
Like one that cultivates his own.
He, seeing far an end sublime,
Contends, despising party-rage,
To hold the Spirit of the Age
Against the Spirit of the Time.”
171
Quando empregou “ele” (he), Tennyson estava se referindo ao
verdadeiro estadista, que não utiliza-se da violência para fazer valer e proteger
os desejos do povo, e sim os meios apropriados do governo. Afirmou que o
coração desse estadista é puro e que sua fama é livre. Pensamos que
podemos entender o termo livre como sendo desvinculado de qualquer
associação política, de quaisquer partidarismos. A seguir, o poeta afirmou que
no caso dos antigos costumes desaparecerem, ao estadista caberia modelar,
resolver e reparar através de mudanças apropriadas às circunstâncias,
inovando gradualmente. Também afirmou que esse estadista o lidaria com
ameaças (threats) a partir de acordos (deals), mas com esperança. A crítica
aqui estava voltada aos homens de negócio e aos políticos que, com o intuito
de garantir seus interesses, negociavam os interesses gerais da nação bem ao
estilo de uma relação comercial. Isso ocorre pois o estadista contempla um
plano poderoso o corpo, a mente, e a alma do homem como aquele que
cultiva a si próprio. Sendo assim, ele, o estadista, que ao longe um fim
sublime, e desprezando os conflitos partidários, luta contra o Espírito do Tempo
(Time), para manter o Espírito da Era (Age).
171
Idem, p. 111.
108
Alfred Tennyson posicionava-se contra a divisão da nação em grupos
partidários fossem eles burgueses, proletários, aristocráticos que, ao
defenderem seus interesses acabavam provocando a desunião da própria
nação inglesa. Para ele, essa divisão também era o resultado do espírito da
época, fundamentado no individualismo e no utilitarismo.
No entanto, o autor também afirmou, de modo sutil, que não fora sempre
assim. Ao perguntar onde estaria o cidadão inglês, resoluto e moderado,
referia-se a um tempo passado, o que é reafirmado pelo fim do poema, quando
apontou para o combate entre o Espírito do Tempo e o Espírito da Era. Nesse
sentido, Tennyson realizou o que chamamos de trânsito temporal: por meio da
associação de palavras, transmitiu ao leitor a sensação de que houve um
tempo em que as relações sociais e políticas não eram fundamentadas nos
interesses individuais e partidários, o que aponta para as características de sua
época e, ao mesmo tempo, apresenta alternativas para o futuro. Esse futuro
seria justamente o da luta para a qual Tennyson conclamou a nação inglesa
para travar e que, no poema, é personificada pela representação de um
estadista, amparado por valores tradicionais, que pretende vencer o Espírito do
Tempo.
A luta entre o Espírito da Era e o Espírito do Tempo seria, portanto, a
luta em prol das tradições. E, por tradição, entendemos que Tennyson se
referia às conquistas e ao modo de ser dos ingleses ao longo da história;
donde a associação com o termo Era (Age), um período duradouro e muito
extenso. Já a utilização do termo Tempo (Time) estaria associada à época do
autor e a própria transitoriedade, efemeridade característica do período em que
viveu. Além disso, Tennyson exemplificou de forma clara o verdadeiro
estadista: aquele que por meio da nobreza de seus atos, que zelam pelo
interesse coletivo, dá o exemplo, resolve e repara.
De fato, dar o exemplo, resolver e reparar o as palavras que
sintetizam o propósito do reinado de Arthur em Idylls of the King. É possível
realizarmos um diálogo entre o poema The Statesman, de 1833, e o idílio
Guinevere (1859), esse último publicado num período em que, como vimos no
capítulo 1, Tennyson alertava para o perigo de uma possível invasão francesa.
109
Em Guinevere, o reinado de Arthur está em seus momentos finais. Isso
porque Modred, um dos cavaleiros da corte arthuriana, flagrou a rainha e
Lancelot. O casal conseguiu escapar, mas não fugiram juntos para o reino do
cavaleiro, Benoic. Guinevere, envergonhada de suas atitudes, decidiu refugiar-
se no convento de Almesbury. Arthur e Lancelot travaram uma guerra, mas o
conflito foi interrompido, pois Modred, que tinha sido encarregado pelo rei de
administrar o reino durante sua ausência, fez uma aliança com os senhores
pagãos e usurpou o trono. Antes de ir lutar, pois o conflito decidiria o destino do
reino, Arthur foi ao convento encontrar-se com a rainha Guinevere, para
reafirmar seu amor e perdoá-la por suas atitudes. Nesse momento Tennyson
nos apresentou o lado mais humano de Arthur. E, em seu discurso, sintetizou o
propósito de sua vida, de seu casamento, de sua Távola Redonda e de seu
reinado. O excerto a seguir é parte de uma conversa entre o rei e a rainha:
“…But I was first of all the kings who drew
The knighthood-errant of this realm and all
The realms together under me, their Head,
In that fair Order of my Table Round,
A glorious company, the flower of men,
To serve as model for the mighty world,
And be the fair beginning of a time.(…)”
172
Nesse trecho, o rei Arthur afirmou que foi o primeiro a reunir os
cavaleiros errantes de todos os reinos sob sua liderança, na bela Távola
Redonda. É possível realizarmos uma associação entre a divisão anterior da
nação e a sua união sob a liderança do rei, representante de todo o reino. A
172
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 430.
110
fundação da Távola e, portanto, do reino serviria como modelo para todo o
mundo, iniciando uma nova época. Aqui, encontramos o significado da idéia de
dar o exemplo: ao mesmo tempo em que Arthur, ao fundar um novo tempo,
dava-lhe a forma de um novo mundo, apresentava modelos de conduta a
serem seguidos, personificados nos cavaleiros da Távola Redonda, “the flower
of men”. Verificamos novamente o trânsito temporal: a rememoração de
acontecimentos passados e um projeto para o futuro, mas o presente é
apresentado como um obstáculo e, literalmente, exigindo uma guerra a ser
travada. Afinal, para tentar continuar seu propósito, era necessário derrotar
Modred. Da mesma forma, em The Statesman, a luta travada pela Era (Age)
deveria resolver os problemas do presente Tempo (Time) com o intuito de
realizar o propósito do estadista.
A seguir, ainda no discurso de Arthur, Tennyson nos apresentou o rei
como se fosse a personificação desse estadista:
“…I made them lay their hands in mine and swear
To reverence the King, as if he were
Their conscience, and their conscience as their King,
To break the heathen and uphold the Christ,
To ride abroad redressing human wrongs,
To speak no slander, no, nor listen to it,
To honour his own word as if his God's,
To lead sweet lives in purest chastity,
To love one maiden only, cleave to her,
And worship her by years of noble deeds,
111
Until they won her; for indeed I knew
Of no more subtle master under heaven
Than is the maiden passion for a maid,
Not only to keep down the base in man,
But teach high thought, and amiable words
And courtliness, and the desire of fame,
And love of truth, and all that makes a man.
And all this throve before I wedded thee,
Believing, "lo mine helpmate, one to feel
My purpose and rejoicing in my joy."”
173
O início desse excerto é novamente exemplificador da união sob uma
mesma liderança, fundamentada nos valores mais elevados e que zelaria pelo
bem coletivo. A consciência do rei e a consciência de seus súditos no caso,
os cavaleiros seria a mesma, calcada em valores cristãos que os tornariam
aptos a corrigir os erros humanos. Daí decorre uma suposta associação com o
uso das palavras resolver e reparar. O início de um novo tempo resolve e
repara os erros cometidos. Nesse sentido, não partidos ou interesses de
diferentes grupos, apenas o que é conduzido por valores cristãos, o bem e o
mal. Não dar ouvidos a calúnias, nem realizá-las, honrando sua palavra como
se fosse a de Deus. Em seguida, Tennyson associou essa conduta ao amor, à
relação entre homens e mulheres. O amor por uma dama – e uma dama
somente motivaria a realização de proezas nobres. O amor seria não
somente o alicerce da nobreza dos atos, mas também o ensino das palavras
amáveis, da cortesia, do desejo da fama [virtuosa], da afeição pela verdade e
173
Idem, p. 430.
112
de tudo que faz um homem. Todo esse propósito seria realizado ao lado de
uma companheira, capaz de partilhá-lo e regozijar-se ao seu lado. À mulher,
portanto, embora desvinculada das questões políticas, caberia orientar e
conduzir o lar e a família de acordo com os valores mais elevados da
sociedade. Aspecto já abordado no capítulo 2, com o idílio Eric e Enid.
Para Tennyson, tanto no poema The Statesman quanto no discurso de
Arthur do idílio Guinevere, a monarquia seria a instituição capaz de representar
e unir a nação, uma vez que estaria fundamentada na nobreza dos atos, dos
gestos e das palavras, isto é, na virtude, entendida aqui como o alicerce da
tradição.
3.2 A legitimidade tennysoniana
Foi em 20 de junho de 1837 que a rainha Victoria (1819-1901) subiu ao
trono e deu início ao mais longo reinado da história inglesa. A denominada Era
Vitoriana ficou famosa como um período de longa prosperidade, relativa
estabilidade política e pela formação de um extenso império. Mas também foi o
período em que o desenvolvimento da sociedade urbana e industrial provocou
transformações no cotidiano das pessoas, na economia e na política.
A ascensão de Victoria significou, para diferentes grupos sociais, o início
de uma nova era. Embora pertencesse a uma dinastia germânica – Hannover –
o fato de ser tão jovem motivava uma olhar otimista sobre seu futuro reinado.
Isso ocorria porque os reis que a antecederam ficaram famosos por não darem
a devida atenção aos interesses ingleses, de apresentarem-se como corruptos
e destituídos de virtude moral
174
. À esse cenário soma-se o fato de que o início
de seu reinado coincidiu com o período em que as mudanças provocadas pelo
industrialismo pareciam realmente dar início a um novo tempo. Richard H.
Gretton afirmou que “...the first quarter of the nineteenth century was not the
174
Ver FRASER, Rebecca. The story of Britain. From the Romans to the present: a narrative history.
New York: W.W. Norton & Company Inc., 2003, pp. 411- 539.
113
beginning of the new industrial England, so much as the last phase of the old
England. (…) It was the (…) corpulent and ageing England of the eighteenth
century”
175.
Foi juntamente com o reinado de Victoria, que a nação inglesa passou a
adquirir contornos diferentes. Se por um lado ocorria o desenvolvimento
tecnológico (criação e difusão de meios de comunicação e transporte,
descobertas ligadas a área da medicina), industrial, e urbano (a formação das
multidões, o crescimento desordenado das cidades) também ocorria, como
vimos, uma transformação na maneira em que os membros do corpo social se
relacionavam. Sob esse aspecto, era notável o crescente abismo entre as
camadas de trabalhadores pobres e a burguesia. Essa diferença, ao mesmo
tempo em que colocava a questão sobre a responsabilidade social dos ricos
com relação aos mais pobres, representava o medo da violência, da revolta, da
revolução. E mesmo às Reformas Parlamentares poderiam ser atribuídos
significados diferentes: poderiam representar o novo, a inclusão de ampla
camada da população nas questões políticas, como também poderiam
representar os interesses de uma determinada parcela dessa mesma
população. Todas essas transformações contribuíram para uma nova
percepção de que os ingleses, em geral, tinham sobre si próprios e sobre o
mundo.
O reinado de Victoria como símbolo de um novo tempo, numa época
tradicionalmente caracterizada como liberal coloca questões para o historiador
da Era Vitoriana. O século das Luzes havia difundido o preconceito contra as
monarquias em todo o mundo; exemplo disso foi a organização do Congresso
de Viena, em 1815, organizado por Klemens Metternich (1773-1859),
absolutista e restaurador, que expressava a necessidade de restauração dos
reinos absolutistas. Mas o século XIX também foi o cenário dos movimentos
liberais ocorridos em toda a Europa, muitos deles republicanos. Contudo, a
Inglaterra permaneceu como uma das mais antigas monarquias da história.
175
GRETTON, Richard Henry. The King’s Majesty. A study in the historical philosophy of modern
kingship. London: Faber & Faber Limited, 1930, pp. 148-149.
114
É possível que possamos explicar esse fato a partir da própria história
inglesa. A Magna Carta (1215) e a denominada Revolução Inglesa do século
XVII atribuíram um novo perfil à monarquia. A existência de um Parlamento e a
participação política dos burgueses ampliou a participação da população
inglesa nos assuntos políticos, transformando o monarca no representante da
nação. No entanto, isso não significava que o status quo da monarquia
estivesse salvo. Havia outras implicações.
Havia, por exemplo, o debate sobre o normandismo, que colocava a
questão sobre a legitimidade real. Para os opositores da realeza, se a
Inglaterra havia sido conquistada pelos normandos, as leis e o poder exercido
pelo monarca eram derivadas de um domínio estrangeiro, o que para alguns
era considerado ilegítimo. A presença da conquista normanda apresentava-se
de diversas formas: nas instituições e na experiência histórica dos súditos
políticos; nos rituais de poder, uma vez que até Henrique VI (1457-1509), os
atos reais deixavam claro que o rei exercia sua soberania em virtude do direito
de conquista dos normandos; na prática do direito, cujos atos e processos
eram realizados em língua francesa; na sobreposição e no enfrentamento de
dois conjuntos legendários heterogêneos as narrativas saxãs populares e no
conjunto de lendas aristocráticas e quase monárquicas, o ciclo arthuriano, que
se desenvolvera na corte dos reis normandos e que foram reativadas durante a
dinastia Tudor (...)
176
.
Os defensores das liberdades saxãs afirmavam, por sua vez, que a
conquista da Inglaterra pelos normandos implicava a herança dos direitos do
reino da Inglaterra, tal como ele existia. Um reino vinculado por determinadas
leis e cuja soberania era limitada por essas mesmas leis. Segundo eles, o
conquistador Guilherme “...prestara juramento, fora coroado pelo arcebispo de
York; haviam lhe dado a coroa e ele se comprometera, no decorrer dessa
cerimônia, a respeitar as leis boas, antigas, aceitas e provadas. Logo, ele
estava vinculado ao sistema da monarquia sa que o havia precedido”
177
.
Para eles, o normandismo consistiria num regime favorável à aristocracia e às
176
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo:
Martins Fontes, 1999, pp. 115-117.
177
Idem, p. 123.
115
linhagens normandas e, por isso, o verdadeiro herdeiro da tradição saxã seria o
Parlamento. Esse posicionamento colocava em vida o próprio reinado de
Victoria a qual, enquanto descendente de uma dinastia germânica, não
representaria a nação inglesa.
As virtudes públicas e pessoais dos monarcas também se tornavam
outro foco do debate. Frente ao fracasso de determinados monarcas como
George IV (1762-1830) em conduzir uma vida de acordo com os mais
elevados padrões de moralidade, os críticos da monarquia regozijavam-se.
Quanto aos fracassos nos âmbitos físicos e emocionais, alguns monarcas
conseguiam despertar a solidariedade e até mesmo a piedade em seus
súditos. A lealdade com relação à monarquia inglesa afirma Antony Taylor,
sempre fora condicional, pois o respeito adquirido pelo monarca deveria ser
conquistado
178
.
O próprio desenvolvimento da sociedade industrial também fazia parte
deste debate. A continuidade da monarquia poderia ser considerada um
obstáculo à mobilidade social tão defendida pela burguesia: como parte da
aristocracia, a monarquia representaria apenas os interesses desse grupo
social ao mesmo tempo em que perpetuaria diferenças e privilégios sociais
fundamentados no sangue. E frente a crescente pauperização dos proletários
ingleses, havia dúvidas quanto a legitimidade de se gastar as reservas públicas
com o modo de vida pelo qual a corte vivia.
Essas questões a respeito da legitimidade e da conquista do respeito
pelo monarca também foi abordada por Tennyson, no idílio The Coming of
Arthur (1869)
179
. Escrito dez anos depois de Guinevere, mas o primeiro, após a
dedicatória, na compilação final de Idylls of the King, narra como Arthur tornou-
se rei. Ao mesmo tempo, apresenta um rol de personagens ligados a ele por
meio da memória, ou seja, o público a que se destina sabe a que histórias o
texto faz referência. Porém, a principal mensagem do poema é a legitimidade
178
TAYLOR, Antony. ‘Down with the Crown’. British Anti-monarchism and Debates about Royalty since
1790. London: Reaktion Books Ltd., 1999, pp. 49-50.
179
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., pp. 287-442.
116
de Arthur para ser rei, desde seu nascimento (linhagem paterna) até as
proezas guerreiras que realizou ao lado da Providência.
Tennyson iniciou o idílio apresentando o rei de Cameliard, Leodogran,
pai de Guinevere e logo a introduziu na história como sendo a mais bela dama.
Em seguida, anunciou que, para muitos, Arthur era um rei secundário, que
havia travado guerras por toda a terra contra as hordas pagãs. Mas, de tempos
em tempos, essas hordas continuavam a chegar e isso resultava num número
cada vez maior de bestas, em oposição a um número cada vez menor de
homens. Era o que acontecia até a chegada de Arthur. De maneira breve, o
autor relembrou que tanto Aurelius quanto o rei Uther
180
lutaram, mas não
conseguiram expulsar os pagãos nem unificar o reino, morrendo em combate.
É o que narra o excerto abaixo:
“For many a petty king ere Arthur came
Ruled in this isle, and ever waging war
Each upon other, wasted all the land;
And still from time to time the heathen host
Swarmed overseas, and harried what was left.
And so there grew great tracts of wilderness,
Wherein the beast was ever more and more,
But man was less and less, till Arthur came.
For first Aurelius lived and fought and died,
And after him King Uther fought and died,
180
Sobre Aurelius e Uther, ver COGHLAN, Ronan. The Encyclopedia of Arthurian Legends.
Massachusetts: Element, 1991, p. 24 e p. 215.
117
But either failed to make the kingdom one.
And after these King Arthur for a space,
And through the puissance of his Table Round,
Drew all their petty princedoms under him,
Their king and head, and made a realm, and reigned.”
181
Na primeira linha da estrofe, quando o poeta referiu-se àqueles que
consideravam Arthur um rei secundário, de origem duvidosa, utilizou o termo
king (rei) em letra minúscula. Ao referir-se à dominação romana, personificada
por Aurelius, nem chegou a utilizar a palavra rei, apenas fez referência à sua
existência na história inglesa. Em seguida, ao falar do rei Uther, utilizou o termo
King, com letra maiúscula. E afirmou que depois deles, King Arthur (com letra
maiúscula), por meio da força de sua Távola Redonda, como seu rei e líder,
subordinou todos os principados secundários, formou um reino e reinou. A
escolha de Tennyson com relação à grafia da palavra king, explicitou seu
posicionamento com relação à legitimidade de Arthur, ao mesmo tempo em
que informou seus leitores sobre a verdade. O autor, por meio do emprego de
um narrador onisciente, quis que seus leitores soubessem que Arthur era rei,
embora não se pudesse ter certeza sobre sua origem.
Nesse excerto também é possível verificarmos o trânsito temporal. Aqui,
não sabemos a qual tempo dos idílios o autor está se referindo. Na primeira
estrofe, apenas a introdução dos personagens de Leodogran e Guinevere.
Na segunda, Tennyson realizou a apresentação de Arthur e de nomes ligados
à história inglesa, e terminou anunciando o futuro, o reinado de Arthur. O leitor
ainda não sabe em que momento da história está situado. A única informação
que detém é a respeito da legitimidade do rei.
181
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., pp. 287-288.
118
Esse fato é significativo, pois concomitante ao movimento do
Medievalismo Vitoriano, ocorreu na Inglaterra o denominado Arthurian Revival,
como vimos no capítulo 1. Frente aos desdobramentos do industrialismo, que
havia dividido a nação em lutas partidárias ou entre grupos sociais, a busca
pelas origens nacionais tornou-se, para muitos estudiosos, a pauta do dia. Era
necessário conhecer a origem da nação e, consequentemente, do poder que,
no caso inglês, era o monárquico. Nesse sentido, o papel desempenhado pelo
mito do rei Arthur foi relevante na medida em que representava a união
nacional.
Importa lembrar a obra King Arthur (1843), de Edward George Bulwer-
Lytton (1803-1873). Nela, Arthur é descrito como um rei-guerreiro que luta
contra as incursões realizadas pelos saxões e representa um herói nacional e
cristão, fundador da linhagem real que chegaria à rainha Victoria. Inga Bryden
lembra a relevância dessa obra, visto que esse autor teve que confrontar a
herança inglesa da liberdade com a criação de uma monarquia constitucional
derivada da política tribal dos saxões. Segundo ela, o épico arthuriano de
Bulwer-Lytton esteve preocupado com qualidades ancestrais e com a relação
entre os indivíduos e seus descendentes. Dentro de uma estrutura que
recolocava a Legenda Arthuriana como uma fábula da raça e da dinastia, mitos
sobre a pureza racial e a origem nacional foram reinterpretados em termos
dinásticos
182
.
Tennyson não pode ser considerado um autor que buscava as origens
nacionais, do poder e até mesmo das liberdades inglesas. O poeta buscava a
união nacional por meio daquilo que acreditava ser o vínculo imutável e
perpétuo ao longo do tempo: a virtude. Em The Statesman isso fica claro, pois
afirmou que a luta pela Liberdade, por si só, levaria ao desaparecimento do
verdadeiro cidadão inglês, moderado e resoluto e ao aparecimento de apenas
simulacros de estadistas. Em outro poema, Freedom (1884), o autor também
revelou seu posicionamento:
182
BRYDEN, Inga. Op. cit., pp. 37-38.
119
“...O follower of the Vision, still
In motion to the distant gleam,
Howe’er blind force and brainless will
May jar thy golden dream
Of Knowledge fusing class with class,
Of civic Hate no more to be,
Of Love to leaven all the mass,
Till every Soul be free;(…)
O scorner of the party cry
That wanders from the public good,
Thou – when the nations rear on high
Their idol smear’d with blood,
And when they roll their idol down –
Of saner worship sanely proud;
120
Thou loather of the lawless crown
As of the lawless crowd; (…)”
183
Nesse poema, Tennyson apelou para a visão da liberdade (Vision), que
aparece ainda distante, um vislumbre, embora os homens movimentem-se em
direção a ela. E alertou que a força cega e o descuido poderiam abalar esse
sonho dourado. Em seguida, ele caracterizou o sonho: a união das classes, o
fim do ódio entre os cidadãos, o amor que impregnaria a multidão, até que
cada alma se tornasse livre. Afirmou ainda que o escárnio partidário, em nome
do bem público, clamava pela liberdade e que embora as nações sejam
erigidas em algo superior, nobre, manchavam de sangue seu ídolo, a
Liberdade. E quando colocavam abaixo esse ídolo, substituindo-o por outro
culto mais lúcido e sadio, desprezavam e denunciavam a Coroa sem lei, bem
como a multidão sem lei.
Entendemos que Tennyson compreendia a divisão política da nação
como desordem. Mesmo que os partidos se apresentassem em nome da
liberdade, na verdade ameaçavam a nação inglesa com o caos, uma vez que
se fundamentavam nos interesses individuais, capazes de corroer os alicerces
mais nobres. Como vimos em The Statesman, a ordem e a liberdade somente
poderiam ser alcançadas a partir de atitudes apropriadas a um verdadeiro
estadista. Hallam Tennyson afirmou que seu pai teria dito que: “...he could not
pledge himself to Party, which he considered was made ‘too much of a god in
these days’. He felt that he must be free to vote for that which seemed to him
best for the Empire”
184
. E, numa carta a William Ewart Gladstone (1809-
1898)
185
, datada de 1884, afirmou que “The nation is one and includes all ranks
183
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 535.
184
TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 2, p.303.
185
Político liberal britânico que ocupou o cargo de Primeiro-Ministro entre 1868 e 1874. Sobre a relação
entre Tennyson e Gladstone, ver TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 2.
121
of people
186
. Para Alfred Tennyson, a nação deveria ser una e indivisível e,
portanto, deveria ter um governante que representasse a todos.
Para muitos pensadores da época vitoriana, havia a preocupação com o
cultivo da intelectualidade e da sensibilidade, que deveria ser realizado por
meio da educação. Sob esta perspectiva, os posicionamentos de Tennyson e
de Carlyle de novo comprovavam suas afinidades.
Em sua obra, Os heróis
187
, Thomas Carlyle discorreu sobre grandes
homens que teriam exercido influência sobre a história da humanidade.
Segundo ele, “a história universal, a história daquilo que o homem tem
realizado neste mundo, é no fundo a história dos grandes homens que aqui têm
laborado. Eles foram os condutores de homens, estes grandes homens, foram
os modeladores, criaram os padrões éticos e, em sentido amplo, foram os
criadores de tudo o que a massa geral dos homens imaginava fazer ou atingir;
Tudo que nós vemos como conquista no mundo são propriamente o resultado
material externo, a realização prática e a incorporação dos pensamentos dos
grandes homens, enviados ao mundo (...)”
188
.
Poderíamos, então, entender Arthur como a figura de um grande herói,
que criou e colocou em prática, tanto na História, como em Idylls of the King,
modelos de conduta a serem seguidos. Não podemos esquecer, contudo, que
o rei Arthur é um personagem mítico, ligado à história inglesa, mas ainda
assim, mítico. Parece-nos que a intenção de Tennyson não era colocar Arthur
como um desses heróis, cujos atos alteraram o rumo da nação. Ao contrário,
acreditamos que Tennyson, enquanto poeta, via-se como um herói, portador de
uma missão regeneradora dos conflitos da época vitoriana.
Quando selecionou personagens históricos para relatar os atos heróicos,
Carlyle realizou uma classificação: o herói como divindade, como profeta, como
poeta, como sacerdote, como homem de letras e como rei. Ao discorrer sobre o
herói poeta, aproximou-o do profeta. Segundo ele, ambos penetrariam no
sagrado mistério do universo, aberto para todos e visto por quase ninguém. A
186
Idem, p. 307.
187
CARLYLE, Thomas. Os heróis. São Paulo: Melhoramentos, 1963.
188
Idem, p. 9.
122
visão do poeta seria, portanto, a de um vidente: aquele “que descobre a íntima
harmonia das coisas; aquilo que a Natureza quer significar (...) Alguma coisa
ela quer significar. Para o olho vidente essa alguma coisa é discernível”
189
.
Porém, essa visão seria passível de ser realizada se estivesse
fundamentada na moralidade: a natureza intelectual do poeta não estaria
separada de sua natureza moral, pois “um homem inteiramente imoral não
poderia conhecer absolutamente nada”
190
.
Alfred Tennyson, como vimos, acreditava possuir uma missão como
poeta e, ao mesmo tempo, afirmava a necessidade do cultivo de uma moral,
por meio da educação, da poesia e do exemplo. Era o que já podia ser
constatado no poema The poet’s song (1830):
“...And the nightingale thought, ‘I have sung many songs,
But never a one so gay,
For he sings of what the world will be
When the years have died away.’”
191
Nesse excerto, he (ele) referia-se ao poeta. O rouxinol lamenta o fato de
ter cantado muitas canções, mas nunca uma como a do poeta que discorre
como o mundo será quando os anos tiverem passado. Aqui, verificamos o
posicionamento de Tennyson com relação ao poeta: ele realmente é o vidente,
aquele que consegue enxergar e identificar o que os demais o conseguem.
E segundo o próprio autor: Poetry should be the flower and fruit of a man’s life,
in whatever stage of it, to be a worthy offering to the world”
192
. A poesia,
189
Idem, p. 103.
190
Idem, ibidem, p. 105.
191
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 116.
192
TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 2, p. 277.
123
portanto, não poderia ser somente a satisfação de uma atividade subjetiva e
literária, mas um legado para o mundo.
Em 1883, a rainha Victoria ofereceu a Tennyson um título de nobreza, o
baronato. Era a terceira vez que a rainha concedia tal honra e, como das vezes
anteriores, o poeta a rejeitou. Hallam Tennyson conta que seu pai sentiu-se
grato à rainha pela oferta, pois acreditava que a Câmara dos Lordes era a mais
nobre do mundo. Entendia que a honra significaria ter voz entre aqueles que
eram os descendentes dos homens que fizeram da Inglaterra o que era.
Tennyson acreditava que essa câmara representava o que havia de mais
elevado com relação ao debate sobre o poder: uma influência moderada, sábia
e estável em dias de mudanças democráticas
193
. Segundo o poeta, “Since we
have no American referendum (with a two-thirds majority necessary before any
constitutional change is undertaken), what safeguard is there against the
destruction of the Constitution and the disruption of the Empire, except a
chamber like the House of Lords?”
194
Desde 1867, os trabalhadores estavam
representados na câmara dos deputados. Aqui podemos ver o posicionamento
político de Tennyson. Para ele, a aristocracia, entendida como o grupo mais
ligado à antiguidade da história inglesa e o mais cultivado da população,
deveria ser considerada o único grupo apto a preservar e a garantir a união e
os interesses coletivos da nação.
No entanto, Tennyson acreditava que mais relevante do que a aptidão
aristocrática nos assuntos políticos, era o preparo intelectual e moral dos
ingleses. É significativo, pois, que Gladstone tenha convencido o poeta a
aceitar o título de nobreza com o argumento de que deveria fazê-lo em nome
da literatura, pois ainda segundo Hallam, seu pai afirmara reiteradas vezes que
sua opinião era de que “...the hereditary principle in the House of Lords might
be further qualified by life-peerages (to be given more especially to the most
remarkable representatives of Art, Science and Literature, and to the heads of
the great professions and industries) (...)”
195
.
193
Idem, pp. 302-303.
194
Idem, ibidem, p. 303.
195
Idem, ibidem, p. 302.
124
Alfred Tennyson acreditava, portanto, na habilidade política de alguns
intelectuais e cientistas ingleses desvinculados da aristocracia, porém
singularmente dotados de cultivo moral e intelectual. Prova disso foi sua
afirmação a respeito da democracia na Inglaterra: “I do not the least mind if
England, when the people are less ignorant and more experienced in self-
government, eventually becomes a democracy. But violent, selfish, unreasoning
democracy, would bring expensive bureaucracy, and the iron rule of a
Cromwell. Let the demagogues remember, ‘Liberty forgetful of others is licence,
and nothing better than treason.’ (…) As Goethe says, ‘The worst thing in the
world is ignorance in motion.’”
196
As palavras-chaves aqui se referem a políticos
demagogos como ignorantes, violentos e egoístas. Para o poeta, essas eram
as características das discussões políticas de sua época, uma vez que
representavam os interesses de certos grupos políticos sobre os demais,
fundamentados essencialmente na violência e na ignorância. Somente quando
a nação inglesa tivesse alcançado um cultivo intelectual e moral apurado é que
se poderia pensar na realização de um governo democrático.
No Memoir, verificamos outra confirmação desse posicionamento do
poeta. uma passagem do diário de sua esposa, Emily Tennyson (1813-
1896), em que ela conta o regozijo do marido a respeito da aprovação do
National Education Bill, em julho de 1871, e acrescenta a opinião do autor
sobre o assunto: “No education, no franchise”
197
.
Se entendermos que Tennyson era um homem cultivado e que vivia de
acordo com uma rígida conduta moral, Idylls of the King torna-se, então, o
exemplo da missão do poeta por excelência. Daí a importância da realização
do trânsito temporal e da escolha da temática arthuriana. A partir desse épico
narrado em versos, Tennyson viu o passado inglês em seus poemas – a
tradição, as batalhas, as glórias, a fundação de suas instituições e,
posteriormente, também seus erros –; e apontou para um futuro incerto a partir
dos problemas colocados por sua época o individualismo, a conduta imoral, a
divisão da nação/sociedade arthuriana. E, ao longo de toda a sua obra,
apresentou-nos a virtude política, representada pela realeza arthuriana, como
196
Idem, ibidem, p. 338.
197
Idem, ibidem, p. 108.
125
o único meio de manter a coesão, a união e os elos sociais entre os diferentes
grupos da sociedade inglesa.
Em Idylls of the King, portanto, o rei Arthur representaria não somente a
virtude moral, o cultivo da sensibilidade, mas, sobretudo, a virtude pessoal e
pública capaz de unir e liderar a nação inglesa. Para tanto, o rei seria também
a personificação do conhecimento, do cultivo intelectual que, para realizar-se
não poderia estar dissociado da conduta moral. Segundo o poeta: “Our aim
therefore ought to be not to merge the individual in the community, but to
strengthen the social life of the community, and foster the individuality. (…)
What we have to bear in mind is that, even in a Republic, there must be a
guiding hand. Men of education, experience, weight, and wisdom, must
continue to come forward. They who will not be ruled by the rudder will in the
end be ruled by the rock”
198
.
Com o intuito de cativar seus leitores e aproximá-los de condutas
passíveis de serem praticadas, Tennyson utilizou-se do mito do rei Arthur e
seus cavaleiros da Távola Redonda. Como dissemos no capítulo 2, as
características conflituosas e ambíguas de alguns personagens como
Lancelot e Guinevere as tornaram mais humanas. O poeta não estava
preocupado com a verdadeira origem de Arthur ou das instituições
relacionadas ao poder. Preocupava-se com a maneira pela qual os homens se
relacionavam e conduziam as atividades dessas instituições.
É por meio da mensagem que o poeta veiculou através das falas de
Arthur que Tennyson apresentou-se ao público como o herói poeta, pois
segundo Carlyle, a última forma de heroísmo é a realeza, personificada, no
caso de Idylls of the King, em Arthur: “O comandante de homens; aquele a cuja
liderança nossas vontades têm de se subordinar e se render, encontrando o
seu bem-estar ao fazerem isto, podendo ser considerado o mais importante
dos grandes homens. Ele é praticamente para nós o sumário de todos os
vários símbolos de heroísmo; sacerdote, professor, tudo o que nós podemos
conceber que resida num homem como sua dignidade terrena ou espiritual,
198
Idem, ibidem, p. 339.
126
incorporadas uma a outra para nos comandar, para nos fornecer
constantemente ensino prático, para nos dizer, cada dia e cada hora, o que
devemos fazer. É chamado Rex, regulador, Roi: o nosso próprio nome é ainda
melhor; King, Köning, que significa Can-ning, homem capaz”
199
.
No Memoir organizado por seu filho Hallam, há uma passagem em que o
autor expressou o significado do rei Arthur: “How much of history we have in
the story of Arthur is doubtful. Let not my readers press too hardly on details
whether for history or for allegory. Some think that King Arthur may be taken to
typify conscience. He is anyhow meant to be a man who spent himself in the
cause of honour, duty and self-sacrifice, who felt and aspired with his nobler
knights, though with a stronger and a clearer conscience than any of them,
‘reverencing his conscience as his king”
200
. É a partir do trânsito temporal, do
propósito do rei Arthur e de suas relações com os personagens que, por meio
de um narrador onisciente, Tennyson apresenta aos seus leitores, aos
ingleses, aquilo que ninguém mais está apto a ver.
Voltemos agora ao idílio Guinevere. A passagem abaixo é a continuação
do discurso proferido por Arthur à rainha. O rei novamente afirma a importância
que dava, por meio dos votos que lhe foram jurados, ao modelo de
comportamento apresentado por sua corte. Nesse trecho, podemos verificar a
crítica de Tennyson com relação às atitudes individualistas, voltadas para a
satisfação dos desejos individuais.
“Then came thy shameful sin with Lancelot;
Then came the sin of Tristram and Isolt;
Then others, following these my mightiest knights,
And drawing foul ensample from fair names,
199
CARLYLE, Thomas. Op. cit., 1963, p. 187.
200
TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 2, p. 194.
127
Sinned also, till the loathsome opposite
Of all my heart had destined did obtain,
And all through thee! so that this life of mine
I guard as God's high gift from scathe and wrong,
Not greatly care to lose; but rather think
How sad it were for Arthur, should he live,
To sit once more within his lonely hall,
And miss the wonted number of my knights,
And miss to hear high talk of noble deeds
As in the golden days before thy sin.”
201
no futuro uma remissão a ser alcançada e, note-se novamente o
trânsito temporal a que Tennyson recorre. Em virtude dos atos de Lancelot e
Guinevere, assim como de Tristram e Isolt, que se entregaram à paixão, a vida
de Arthur, da maneira que ele se propôs a viver, foi destruída. A época dourada
fundada por ele quando da criação da vola Redonda e de seu casamento,
será apenas lembrada servindo como exemplo para os ingleses nos tempos
futuros. Tennyson terminou a estrofe afirmando que serão lembradas as
conversas de sua corte sobre os nobres feitos de seus cavaleiros, num período
anterior ao pecado da rainha. Noutras palavras, o exemplo dado ao futuro por
sua corte e seus súditos, tinha sido justamente o da virtude.
Diante de uma sociedade corrompida pela satisfação dos interesses
individuais, de suas pulsões, o reino de Arthur encontra-se em guerra. A guerra
divide a sociedade arthuriana, colocando fim ao propósito do rei. O idílio The
201
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., pp. 430-431.
128
Passing of Arthur (1869) primeiramente intitulado Morte dArthur (1842)
narra o conflito final travado entre Arthur e Modred. Nesse idílio os diálogos
realizados entre o rei e seu cavaleiro, Sir Bedivere, o reveladores do
posicionamento do rei com relação ao comportamento de seus cavaleiros, bem
como da lição a ser tirada a partir do desenlace da narrativa.
“Then spake King Arthur to Sir Bedivere:
"Far other is this battle in the west
Whereto we move, than when we strove in youth,
And brake the petty kings, and fought with Rome,
Or thrust the heathen from the Roman wall,
And shook him through the north. Ill doom is mine
To war against my people and my knights.
The king who fights his people fights himself.
And they my knights, who loved me once, the stroke
That strikes them dead is as my death to me.””
202
Arthur inicia seu discurso realizando uma diferenciação entre as guerras
travadas no início de seu reinado contra Roma e pela expulsão dos pagãos
que subjugaram outros reis –, e aquela que será travada nesse momento. Essa
última pode ser entendida como uma guerra civil, na qual o rei lutaria contra
seu próprio povo e, portanto, contra ele mesmo. Contra os cavaleiros que um
dia o amaram e, por isso, desferir-lhes um golpe mortal significaria a própria
morte do rei.
202
Idem, p. 435.
129
A divisão da nação entre grupos partidários representa, para Tennyson,
a ausência do verdadeiro patriotismo. Observando os acontecimentos políticos
de sua época, o poeta afirmava que ...patriotism is very rare. The love of
country, which makes a man defend his landmark, that we all have, and the
Anglo-Saxon more than most other races: but the patriotism that declines to link
itself with the small fry of the passing hour for political advantage – that is rare, I
say”
203
. Ao mesmo tempo, o autor compreende que o patriotismo sempre fora
uma qualidade nata do cidadão inglês, embora rareasse cada vez mais em sua
época. Esse era o temor do poeta, que, em outra passagem do idílio The
Passing of Arthur, relata o que aconteceria com um povo, representado pela
sociedade arthuriana, envolvido em uma guerra civil:
“Then rose the King and moved his host by night,
And ever pushed Sir Modred, league by league, (…)
And there, that day when the great light of heaven
Burned at his lowest in the rolling year,
On the waste sand by the waste sea they closed.
Nor ever yet had Arthur fought a fight
Like this last, dim, weird battle of the west.
A deathwhite mist slept over sand and sea:
Whereof the chill, to him who breathed it, drew
Down with his blood, till all his heart was cold
With formless fear; and even on Arthur fell
Confusion, since he saw not whom he fought.
203
TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 2, p. 349.
130
For friend and foe were shadows in the mist,
And friend slew friend not knowing whom he slew;
And some had visions out of golden youth,
And some beheld the faces of old ghosts
Look in upon the battle; (…).”
204
O início do excerto narra o êxito de Arthur com relação ao combate
travado com Modred; o próprio rei nunca havia travado uma guerra o
estranha como essa, em que uma névoa esbranquiçada cobria toda a terra e
todo o mar. Em seguida, conta que até mesmo Arthur recaiu em confusão, uma
vez que, devido ao nevoeiro, não sabia contra quem lutava, se com amigo ou
inimigo. O poeta contou ainda que muitos combatentes tiveram visões de sua
juventude dourada e outros contemplaram a face de antigos fantasmas.
No final da estrofe, verificamos novamente o trânsito temporal: as visões
dos combatentes sobre um passado dourado e de antigos fantasmas remetem
ao passado, à construção, por meio da guerra, de um novo tempo iniciado
pelas guerras lideradas por Arthur contra as hordas pagãs. No entanto, como
anunciado no início do poema, a guerra já não era mais a mesma, era obscura,
sombria (dim) e estranha (weird). Entendemos que a narrativa desse cenário
denuncia o maior perigo de uma guerra civil: os amigos, compreendidos como
membros da mesma nação, não se reconhecem como tais, assassinando-se
uns aos outros. Esse seria justamente o resultado da ausência do patriotismo e
de união face ao interesse comum.
Esse posicionamento pode ser entendido no contexto dos
desdobramentos das revoluções Industrial e Francesa, especialmente dessa
última. A Revolução Francesa havia rompido o vínculo entre o povo e a
realeza, e os conflitos partidários entre as camadas sociais perduravam ao
204
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 435.
131
longo do século XIX. Somente a idéia de nação seria capaz de unir a
população, enquanto um fator agregador da sociedade. Como afirma Eric J.
Hobsbawm, “...A “nação” era a nova religião cívica dos Estados. Oferecia um
elemento de agregação que ligava todos os cidadãos ao Estado, um modo de
trazer o Estado-nação diretamente a cada um dos cidadãos e um contrapeso
aos que apelavam para outras lealdades acima da lealdade ao Estadopara a
religião, para a nacionalidade ou etnia não identificadas com o Estado, e talvez,
acima de tudo, para a classe”
205
. Assim, Tennyson acreditava que embora a
democracia trouxesse em seu bojo a promessa de atender ao interesse geral
dos ingleses, também poderia eventualmente vir a ser responsável por criar
tiranias, especialmente as partidárias. Em sua opinião, faltava-lhes um líder, o
estadista exemplificado pelo rei Arthur –, capaz de conduzir e agregar a
Nação.
De fato, entendemos que a guerra civil narrada na última batalha entre
Arthur e Modred, representava naquele momento a luta entre os diversos
grupos partidários da nação inglesa. Ao longo dos idílios, Modred foi
reiteradamente apresentado como o traidor do reinado de Arthur, como aquele
que, movido pela ganância e por ambicionar ao trono, traiu o rei ao flagrar e
tornar público o romance entre Lancelot e Guinevere, e afirmar falsamente
fazer isso em nome da honra do rei. Este ato de Modred não fora motivado
pela virtude e sim pela inveja, e por um interesse individual.
“…Sir Modred; he that like a subtle beast
Lay couchant with his eyes upon the throne,
Ready to spring, waiting a chance: for this
He chilled the popular praises of the King
With silent smiles of slow disparagement;
205
HOBSBAWM, E. A era dos impérios: 1875-1814. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000, p. 212.
132
And tampered with the Lords of the White Horse,
Heathen, the brood by Hengist left; and sought
To make disruption in the Table Round
Of Arthur, and to splinter it into feuds
Serving his traitorous end; and all his aims
Were sharpened by strong hate for Lancelot.”
206
Por esse excerto do idílio Guinevere, entendemos que Tennyson nos
apresentou Modred, no poema Freedom, como sendo o representante do
escárnio partidário. Por meio de um discurso em nome da virtude e do
interesse geral da sociedade arthuriana, Modred consegue dividi-la e levá-la à
guerra civil. Além disso, o narrador onisciente nos apresentou o vilão como
sendo alguém que invejava Lancelot um dos modelos da virtude arthuriana
para o reino e, portanto, a inveja seria uma de suas principais motivações. E,
mesmo antes do flagrante do casal adúltero, Tennyson informou aos seus
leitores o verdadeiro caráter de Modred, como podemos verificar a seguir:
“…That Modred still in green, all ear and eye,
Climbed to the high top of the garden-wall
To spy some secret scandal if he might,
And saw the Queen who sat betwixt her best
Enid, and lissome Vivien, of her court
The wiliest and the worst; and more than this
206
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 424.
133
He saw not, for Sir Lancelot passing by
Spied where he couched, and as the gardener's hand
Picks from the colewort a green caterpillar,
So from the high wall and the flowering grove
Of grasses Lancelot plucked him by the heel,
And cast him as a worm upon the way;
But when he knew the Prince though marred with dust,
He, reverencing king's blood in a bad man,
Made such excuses as he might, and these
Full knightly without scorn; for in those days
No knight of Arthur's noblest dealt in scorn;
But, if a man were halt or hunched, in him
By those whom God had made full-limbed and tall,
Scorn was allowed as part of his defect,
And he was answered softly by the King
And all his Table. So Sir Lancelot holp
To raise the Prince, who rising twice or thrice
Full sharply smote his knees, and smiled, and went:
But, ever after, the small violence done
Rankled in him and ruffled all his heart,
134
As the sharp wind that ruffles all day long
A little bitter pool about a stone
On the bare coast.”
207
O excerto narra a tentativa de Modred de realizar o flagrante do casal.
Tennyson coloca o personagem numa situação que poderia ser considerada
ridícula para um membro da corte arthuriana, pois para descobrir o segredo
dos amantes precisou escalar uma torre para espiá-los. Lancelot o e o
arranca de violentamente, sem reconhecê-lo. Mas, ao perceber que se
tratava do príncipe, ajuda-o a se recompor.
É significativo que o poeta tenha afirmado, nesse trecho, que Lancelot
reverenciou Modred, uma vez que esse último possuía sangue real, embora
fosse um homem mal (“reverencing king's blood in a bad man”). O poeta ainda
contou aos seus leitores que nos tempos de Arthur, nenhum de seus cavaleiros
relacionava-se com outros de maneira zombeteira, o que pode ser considerado
o exemplo da nobreza dos gestos e das palavras. Além disso, permite-nos
afirmar que, apesar de ser um membro da nobreza, o sangue não era garantia
da virtude moral e muito menos da representação dos interesses coletivos.
Outro exemplo desse posicionamento de Tennyson com relação a
Modred e à nobreza, é outra passagem desse idílio, durante o diálogo realizado
entre o rei Arthur e a rainha Guinevere:
“...Now must I hence.
Through the thick night I hear the trumpet blow:
They summon me their King to lead mine hosts
207
Idem, p. 424.
135
Far down to that great battle in the west,
Where I must strike against the man they call
My sister's son--no kin of mine, who leagues
With Lords of the White Horse, heathen, and knights,
Traitors--and strike him dead, and meet myself
Death, or I know not what mysterious doom.”
208
O excerto narra o momento em que Arthur disse à rainha que deveria
partir para a guerra contra aquele que afirmavam ser o filho de sua irmã
Morgana e, em seguida, afirmou não possuir qualquer parentesco com ele.
Como em outros relatos da Legenda Arthuriana, Modred aparece como o
produto de uma relação incestuosa entre Arthur e sua irmã, entendemos que a
fala de Arthur leia-se a do próprio Tennyson é significativa, pois pode nos
remeter a dois posicionamentos: o primeiro é relativo à conduta moral
preconizada pelo poeta, que não admitiria quaisquer relações contrárias à
moralidade cristã; o segundo remete ao fato de Arthur não considerar como
pertencente a sua linhagem aqueles destituídos de virtude moral. Em ambos os
casos, a valorização da conduta moral e da nobreza dos atos, é reiterada.
Nesse contexto, importa lembrar a atenção que Tennyson conferiu ao
significado da obediência, entendida aqui como o serviço ou o dever
fundamentados em valores virtuosos. Essa idéia fica clara ao longo dos
diálogos finais entre o rei Arthur e Sir Bedivere, ainda no idílio The Passing of
Arthur.
Momentos antes de sua morte, o rei ordenou a Bedivere que pegasse
sua espada Excalibur (a espada lendária do rei), a arremessasse no centro do
lago, observasse o que acontecia e retornasse para dizer ao rei o que viu.
208
Idem, ibidem, p. 432.
136
Bedivere respondeu que receava deixá-lo sozinho, ferido do jeito que estava,
mas decidiu cumprir a ordem. No entanto, quando chegou ao local em que
deveria arremessar a espada, Bedivere notou as jóias reluzentes que estavam
incrustadas em seu punho, decidiu deixá-la em um esconderijo e retornar para
o lugar onde estava o rei. Mas ao relatar a Arthur o que havia visto, o rei
percebeu que o cavaleiro mentia e, por isso, proferiu um sermão contra sua
desobediência e ordenou que Bedivere retornasse e concluísse a tarefa.
Pela segunda vez, então, Sir Bedivere partiu em direção ao lago onde
deveria arremessar a espada. No caminho, refletiu sobre a ordem do rei:
"And if indeed I cast the brand away,
Surely a precious thing, one worthy note,
Should thus be lost for ever from the earth,
Which might have pleased the eyes of many men.
What good should follow this, if this were done?
What harm, undone? Deep harm to disobey,
Seeing obedience is the bond of rule.
Were it well to obey then, if a king demand
An act unprofitable, against himself?
The King is sick, and knows not what he does.
What record, or what relic of my lord
Should be to aftertime, but empty breath
And rumours of a doubt? But were this kept,
137
Stored in some treasure-house of mighty kings,
Some one might show it at a joust of arms,
Saying, 'King Arthur's sword, Excalibur,
Wrought by the lonely maiden of the Lake.
Nine years she wrought it, sitting in the deeps
Upon the hidden bases of the hills."
So might some old man speak in the aftertime
To all the people, winning reverence.
But now much honour and much fame were lost."
209
Bedivere questionava-se a respeito do significado de sua missão. Afinal,
diante de tamanha riqueza, que utilidade ou bem faria desaparecer com a
espada? Em seguida, afirmou que a desobediência é uma grave ofensa, visto
que a obediência é o vínculo com a lei. Porém, seria ruim desobedecer algo
que poderia ser considerado desvantajoso para o próprio rei? O rei estava
doente e não sabia o que fazia. Que outro registro haveria desse rei, salvo
rumores e dúvidas a respeito de sua existência? E se a espada fosse guardada
como uma relíquia entre aquelas pertencentes a cavaleiros poderosos, algum
idoso poderia algum dia contar a seu respeito para todos. Mas se obedecesse
ao rei, tamanha honra e fama estariam perdidas para sempre.
Importa notar os argumentos que Tennyson apresentou para que
Bedivere desobedecesse ao rei. Da primeira vez, a desobediência do cavaleiro
ocorreu motivada pela opulência das jóias presentes no punho da espada. E,
da segunda, afirmou a necessidade de uma relíquia, um objeto material, capaz
209
Idem, ibidem, pp. 437-438.
138
de provar a existência de um homem como Arthur e, portanto, de uma
sociedade como a arthuriana. Nada disso parecia ser importante para o rei que,
como vimos, acreditava que a verdadeira herança de seu reino não seria a
riqueza ou a prova de sua existência, mas a memória sobre as atitudes
virtuosas de seus membros.
Alfred Tennyson o propunha, contudo, que a nação inglesa vivesse
somente da rememoração das atitudes, dos gestos e das palavras de uma
realeza virtuosa. Ao contrário, acreditamos que, ao ter apresentado para a
sociedade as características de um verdadeiro estadista por meio de sua obra
– veículo pelo qual expressava o que ninguém mais estava apto a ver – o poeta
ensinava, educava seu blico a reconhecer aquele(s) que poderia(m)
efetivamente liderar a nação. Assim, alertava para a necessidade de saber
reconhecer entre eles próprios aquele(s) que seria(m) capaz(es) de unir a
nação sob um mesmo ideal fundamentado na virtude, ou como diria Carlyle,
descobrir “...nosso Homem Capaz e o investi-lo com os símbolos da
capacidade, com a dignidade e o culto, com a realeza, a soberania, ou como
lhe queirais chamar, a fim de que ele possa eficientemente ter os meios de nos
guiar de acordo com a sua faculdade de fazer isso, é função, bem ou mal,
realizada, de todo e qualquer processo social neste mundo! Discursos
eleitorais, moções parlamentares, projetos de reforma, revoluções francesas,
tudo no fundo significa isto; e nada mais”
210
.
No idílio Guinevere, esse alerta do poeta para a nação inglesa foi
exposto de forma clara por meio do discurso da rainha após a partida do rei.
Guinevere lamenta ter se entregado ao amor por Lancelot e não ter
reconhecido Arthur como seu verdadeiro amor, uma vez que não se sentia apta
a viver de forma tão pura e imaculada. Reconhece que, por causa disso,
destruiu o propósito daquele que deveria ter sido a razão de sua existência, o
rei Arthur.
210
CARLYLE, Thomas. Op. cit., 1963, p. 187.
139
“…It was my duty to have loved the highest:
It surely was my profit had I known:
It would have been my pleasure had I seen.
We needs must love the highest when we see it,
Not Lancelot, nor another."
211
De fato, Lancelot aparece nos idílios e em toda a Legenda Arthuriana
como a flor da cavalaria, realizador de proezas guerreiras e das atitudes mais
corteses, e apresenta conflitos interiores que demonstram sua virtude (mesmo
que vacilante). Contudo, o cavaleiro não pode ser considerado o homem capaz
de unir a nação. Sua dedicação total à rainha, observada por diferentes
membros da sociedade arthuriana, sempre foi considerada questionável, em
virtude dos rumores e boatos que a cercavam. Apenas Arthur, por meio da
pureza e da nobreza dos seus atos, gestos e palavras foi quem conseguiu
realmente unir os cavaleiros em sua Távola Redonda. Era Arhtur, portanto,
quem a rainha deveria ter amado, não Lancelot.
O fato de Guinevere não ter sido capaz de reconhecer o verdadeiro
homem virtuoso levou à destruição das trajetórias individuais dos personagens
e do próprio reino. Pois embora a rainha e Lancelot tenham terminado seus
dias em um convento e um mosteiro, como forma de se penitenciarem por suas
atitudes, ambos passaram a viver sob o enorme peso da culpa e do remorso.
Não entendemos que o relacionamento adúltero entre o cavaleiro e a
rainha tenha sido a única causa da destruição do reino de Arthur na trama dos
idílios. No entanto, esse triângulo amoroso baseado em vínculos tão fortes de
uma personagem para com a outra, é o que confere a dimensão humana da
narrativa. Daí sua importância e a construção de uma relação de solidariedade
entre os personagens. Em nenhum momento ao longo dos idílios o narrador
211
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., p. 433.
140
onisciente, isto é, Tennyson, julgou tais personagens; apenas apresentou seus
pensamentos, seus conflitos e seus respectivos fins. O mesmo não ocorreu
com outros personagens, como Modred e Vivien, que são apresentados ao
leitor como os vilões da trama, personificações da corrupção e da imoralidade.
Pensamos que os sentimentos apresentados pelas personagens do triângulo
representam aquilo que, para o poeta, deveria ser a tríade norteadora da
conduta dos seres humanos: o Amor, a Virtude e o Dever. Como o próprio
Tennyson afirmou, ante a ausência do sentido da vida, “I believe in Love, and
Virtue, and Duty
212
.
Porém, esse Dever não poderia estar restrito à Inglaterra. Deveria ser
levado adiante para aqueles que ainda não tivessem sido moldados pelo que
considerava o modelo civilizatório inglês. Em The Coming of Arthur, quando o
rei Leodogran está convocando personagens para que relatem o que sabem
sobre a origem de Arthur, a rainha de Orkney, Bellicente, afirma que:
“...Merlin in our time
Hath spoken also, not in jest, and sworn
Though men may wound him [Arthur] that he will not die,
But pass, again to come; and then or now
Utterly smite the heathen underfoot,
Till these and all men hail him for their king."
213
Nesse excerto, Merlin afirma que o rei Arthur não morreria, apenas
passaria para, mais uma vez, voltar e subjugar os pagãos sob seus pés, até
que esses e todos os homens o saudassem como seu rei. Entendemos, nesse
212
Tennyson, Hallam. Op. cit., volume 2, p. 69.
213
TENNYSON, Sir Alfred. Op. cit., pp. 293-294.
141
momento, que para além de um alerta e a exemplificação de uma conduta
moral, Arthur portador de tantos símbolos e significados da história e da
cultura inglesa –, represente a própria superioridade do povo inglês sobre os
demais. Assim, os pagãos referidos nessa passagem podem ser associados às
outras nações que, por não partilharem do Ideal e dos valores comuns aos
ingleses, deveriam ser civilizadas por eles e, portanto, referimo-nos à
construção de um ideal civilizatório para o Império Britânico.
Hallam Tennyson afirmou que seu pai teria dito I agree with Wordsworth
that Art is selection
214
. Entendemos que essa afirmação não pode estar
desvinculada da compreensão que Tennyson possuía de sua missão como
poeta e, portanto, como profeta. Ao selecionar, escolher a realeza arthuriana
como modelo para representar e rememorar aquilo que acreditava ter sido a
conduta moral de seu povo, Tennyson não fazia referência ao retorno de um rei
mítico, e sim à capacidade da nação inglesa de conduzir os assuntos políticos
e cotidianos de acordo com valores fundamentados na virtude.
É por isso que o poeta, ao veicular suas mensagens por meio de um
narrador onisciente, realizou o trânsito temporal, ato que permite a tessitura de
tempos: a rememoração do passado, as questões do presente e a
possibilidade do futuro. Somente a partir da união nacional, do fim das divisões
partidárias, é que o ideal civilizatório inglês poderia ser realizado. Para o poeta
laureado Alfred Tennyson, a civilização inglesa representava um ideal
civilizatório para todo o mundo.
***
214
TENNYSON, Hallam. Op. cit., volume 2, p. 337.
142
Considerações Finais
A denominada Era Vitoriana foi um período marcado por agitações
políticas, em virtude dos desdobramentos derivados das revoluções Francesa e
Industrial. As transformações geradas por ambas as revoluções alteraram a
maneira pela qual os ingleses passaram a conceber seu lugar na civilização em
que viviam, suas atividades econômicas, suas questões políticas e também
culturais. Os elos entre os indivíduos eram percebidos, nas palavras de
Thomas Carlyle, como mecanizados e haviam substituído as relações
consideradas orgânicas.
Artistas e pensadores passaram a expressar suas percepções a respeito
do que vivenciavam. A idéia de que era necessário realizar a manutenção
daquilo que caracterizavam como o passado inglês the Old and Merry
England – era apresentada pela busca das origens nacionais, de heróis nativos
e da negação das novas formas de sociabilidade, especialmente aquelas
relativas às questões políticas e econômicas. Nesse contexto, o pensamento
conservador difundiu-se, acompanhado pelo movimento do Medievalismo
Vitoriano e, concomitantemente, pelo Arthurian Revival.
Em virtude do fortalecimento e da ampliação das idéias utilitaristas de
Bentham, que desvalorizavam todo o conhecimento que não fosse considerado
prático, a cultura e a arte passaram a ser o foco de questionamentos. Se, para
muitos vitorianos, a cultura era o local da expressão da civilização construída
até então e, ao mesmo tempo, o meio pelo qual essa mesma civilização era
construída, fazia-se necessário repensar sua função social. E, nesse sentido,
fazia-se necessário também repensar o papel desempenhado pelo intelectual e
pelo artista. Além disso, havia também a preocupação com a ampliação da
participação política dos trabalhadores que, compreendidos como destituídos
de cultura, não possuiriam as condições necessárias para agir no âmbito
político. Daí a relevância das reformas parlamentares que, a título de exemplo,
realizaram transformações tanto na esfera política quanto na esfera
educacional.
143
O poeta Alfred Tennyson, cuja obra serve como fonte documental
privilegiada desta dissertação, vivenciava essas transformações, ao mesmo
tempo em que se posicionava com relação a todas essas questões. Para ele, a
cultura tinha o dever de civilizar e, portanto, o poeta era o portador de uma
missão. A partir da associação de temas e palavras e da criação de
sentimentos em seus leitores, acreditava que era possível realizar o cultivo
intelectual, da sensibilidade e, como resultado, da conduta moral. As idéias e
os posicionamentos de Tennyson com relação à sua própria época passaram
então a ser narrados em versos.
Considerado um dos poetas mais populares do período, Tennyson
tornou-se, além disso, um Poeta Laureado, vinculado à realeza inglesa. Esse
fato reafirmou sua missão, pois sua trajetória pessoal passou estar associada à
história da nação inglesa. E, tal como acontecera em sua vida, a história
nacional passou a ser contada em seus poemas. O autor escrevia sobre o
utilitarismo, sobre o individualismo, sobre as guerras travadas por seu país,
conclamava a nação para a luta contra seus inimigos. E ao utilizar-se do que
denominamos de trânsito temporal, vinculava seus personagens aos indivíduos
de sua época, ao passado nacional e também ao seu futuro. Daí a importância
de Idylls of the King, sua mais famosa obra.
Os idílios arthurianos cujo cenário associava-se ao Medievalismo
Vitoriano e cuja temática era parte do Arthurian Revival falavam dos ingleses,
da realeza, de uma conduta moral. Por meio do propósito do reinado de Arthur
e das relações desenvolvidas por seus personagens, fundava uma nova
sociedade, fundamentada no Amor, no Dever e na Virtude. Ao realizar a
tecitura de tempos em seus idílios, que entrelaçavam a história inglesa e a
história individual de cada personagem, Tennyson conseguiu aproximar o que
denominava de Ideal ao cotidiano de seus leitores. Para tanto, alertava para o
que considerava ausente em sua sociedade, mas que fora a tradição que
permeara toda a história inglesa: a nobreza dos atos, dos gestos e das
palavras, entendidas aqui como a virtude. A virtude individual e política seriam,
então, o que havia caracterizado a nação inglesa ao longo da história. Esse era
o legado deixado pelo rei Arthur e, portanto, pela realeza tennysoniana.
144
Com o intuito de aproximar seus leitores de sua própria história e de sua
mensagem, portanto, Tennyson utilizou-se de um mito, o mito arthuriano. Um
mito fundador, amplamente conhecido pela nação e que, por isso mesmo, seria
capaz de despertar a responsabilidade individual e coletiva com relação ao
futuro dessa mesma nação. O poeta acreditava tanto nisso que, ao final,
realizou a construção de um modelo civilizatório para todo o mundo: a virtude
nacional, demonstrada ao longo de sua história, seria o alicerce do Império
Britânico.
Nosso trabalho não pretende esgotar as múltiplas possibilidades de
estudo que esse épico narrado em versos nos apresenta. Ao contrário,
pretende apresentar apenas mais uma contribuição para a árdua tarefa de uma
análise histórico-literária, tendo em vista seus limites e também conquistas.
***
145
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