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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física
Instituto de Química
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CNCIAS
MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE CIÊNCIAS
A inter-relação entre saberes científicos e saberes
populares na escola: uma proposta interdisciplinar
baseada em saberes das artesãs do Triângulo Mineiro
Maria Stela da Costa Gondim
Brasília – DF
Dezembro
2007
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física
Instituto de Química
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CNCIAS
MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE CIÊNCIAS
A inter-relação entre saberes científicos e saberes
populares na escola: uma proposta interdisciplinar
baseada em saberes das artesãs do Triângulo Mineiro
Maria Stela da Costa Gondim
Dissertação realizada sob orientação do Prof. Dr.
Gerson de Souza Mól e apresentada à banca
examinadora como requisito parcial à obtenção
do Título de Mestre em Ensino de Ciências
Área de Concentração “Ensino de Química”, pelo
Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências da Universidade de Brasília.
Brasília – DF
Dezembro
2007
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ii
FOLHA DE APROVAÇÃO
MARIA STELA DA COSTA GONDIM
A INTER-RELAÇÃO ENTRE SABERES CIENTÍFICOS E SABERES
POPULARES NA ESCOLA: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR
BASEADA EM SABERES DAS ARTESÃS DO TRIÂNGULO MINEIRO
Dissertação apresentada à banca examinadora como requisito parcial à
obtenção do Título de Mestre em Ensino de Ciências Área de
Concentração “Ensino de Química”, pelo Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências da Universidade de Brasília.
Aprovada em 20 de dezembro de 2007.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Dr. Gerson de Souza Mól
(Presidente)
_________________________________________________
Prof. Dr. Attico Inácio Chassot
(Membro externo – UNISINOS)
_________________________________________________
Prof. Dr. Paulo César Pinheiro
(Membro externo – UFSJ)
iii
A Artesã
(Helena Oliveira)
Dentro daquela casa há uma artesã.
Enquanto fumega a chaminé
Do fogão a lenha,
Suas mãos fortes tecem a trama
De retalhos e linhas.
Sua mente tece idéias
De coisas e cores do mundo todo.
E a vida tece seu destino simples,
Sem muitas surpresas.
A artesã prepara as peças em silêncio.
Quando cria e pinta e trança,
Faz sair de seus dedos
Um pouco de seu espírito,
Que entra dentro da arte.
Arte que vai embora
E a leva para outros cantos.
Assim, um pouco da artesã vai junto,
Abrilhantar ambientes e passear pela vida
De outros lugares que ela não conhece.
Cria, a artesã, segredos e histórias
Com seus talentos.
O tempo, lento, é seu aliado secreto.
iv
DEDICATÓRIA
A os meus pais, doação.
A os m eus pais, doação.A os m eus pais, doação.
A os m eus pais, doação.
A os m eus sobrinhos, esperança
A os m eus sobrinhos, esperançaA os m eus sobrinhos, esperança
A os m eus sobrinhos, esperança.
..
.
v
Chassot
Dianne
GERSON
Ricardo
Célia
Patrícia
Cássio
Márcia Murta
Zeca
Wildson Erika
Bob
Joice
Nelson
Mírian
Caxeta
Felipe
Yuri
André
Mateus
André
Alexandre
Humberto
Ana Cláudia
Rejane
Karolina
Kelly
Sandra
Zaldo Anninha
Leila
Gilmar
Elton Murilo
Cláudio Adriano
Antônio
Márcia
Valéria
Wagdo
Anita
Mamãe Papai
Letinha Tonha
Taciana Tiago
Zeca Geila
Marcelo
Henrique
Júnior
Ino
cência
D. Chiquinha
D. Sebastiana
D. Maria
D. Fiica D. Maria Luísa
Celina Sueli
D.Valdivina
Terezinha D. Liósia
D. Geralda
D. Mariinha
Tarcísio
Rosilda Tio Remo
Tia Antônia
Karen Isabela
Sílvia
Centro de Fiação e Tecelagem
Fundação Cultural
Calmon Barreto
Graziele
Paulo Pinheiro
Cleide
Alvimar
Luís
Sônia
João
Edmar
Escolas Estaduais de Araxá,
Itapagipe e Uberlândia
vi
O s fios das
várias
vidas entrelaçaram
com os m eus fios e hoje
fazem parte da m inha
colcha-vida!
O brigada!
Maria Stela da Costa
Gondim
vii
RESUMO
Nesse trabalho apresentamos uma investigação de um saber popular da região do Triângulo
Mineiro - a tecelagem no tear de quatro pedais. A partir dessa investigação, utilizamos como
referência a abordagem temática e a educação como prática libertadora, desenvolvidas por
Paulo Freire, e apresentamos uma proposta de ensino que busca favorecer uma inter-relação
entre saberes populares e saberes científicos (formais), ensinados na escola. Percebemos que a
realidade observada em nossa investigação poderia propiciar um melhor ensino e
aprendizagem de ciências no ensino médio ao ser problematizada e descodificada, em uma
alusão à contextualização proposta por Freire. Para melhor conhecimento do tema, realizamos
uma pesquisa com artesãs da região por meio do uso de métodos da pesquisa etnográfica,
como a observação participante, o diário de bordo e os depoimentos. A observação
participante foi realizada no Centro de Fiação e Tecelagem de Uberlândia. Os depoimentos
foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com dez artesãs da
região do Triângulo Mineiro. As entrevistas foram realizadas em suas casas e em seus locais
de trabalho (centros de artesanato). A fim de avaliarmos a relação desse saber popular com os
estudantes de ensino médio daquela região, realizamos um levantamento a partir da aplicação
de um questionário em algumas escolas das cidades de Uberlândia, Araxá e Itapagipe. A
análise das respostas do questionário indica que quase metade dos estudantes (46,8%)
conhece algum artigo de tecelagem manual ou pessoas que trabalham/trabalhavam com ela e,
também, que têm interesse em aprender mais sobre o assunto, indiferente da escola ou cidade
a que pertencem. Além disso, os estudantes também relataram pequenos fatos relativos a essa
técnica ou a trabalhos resultantes dessa. Na proposta de ensino desenvolvida como material
paradidático foi inserida falas das artesãs sobre as várias etapas inerentes à tecelagem e
possíveis inter-relações com outros saberes, mais formais, ensinados na escola. A pretensão,
ao desenvolvermos o material paradidático, foi de favorecer a interdisciplinaridade e a
viii
contextualização. Além da inter-relação entre os saberes populares e os outros saberes,
também apresentamos sugestões de atividades e conceitos químicos a serem abordados em
sala de aula. Foi realizada uma avaliação exploratória sobre o material paradidático e a
proposta de se inter-relacionar os saberes populares e os saberes científicos (formais) e,
embora tal avaliação seja ainda incipiente, consideramos que foi grande a aceitação da
proposta e do material. Acreditamos que a proposta poderá ser efetivada em sua aplicação
na realidade escolar e ainda com uma educação dialógica entre professores, estudantes e
comunidade.
Palavras-chaves: saber popular, tecelagem manual, material paradidático.
ix
ABSTRACT
In this work we present an investigation about the “folk knowledge” of the Triângulo Mineiro
region the weaving in the four pedals loom. Starting from this investigation, we pursue as
references the thematic approach and the education as an emancipator practice, developed by
Paulo Freire, and we present a teaching proposal that try to advance an inter-relationship
between popular (tradicional) and scientific knowledge (formal), taught in school. We noticed
that the reality kept in such research could be problematized, in an allusion to the
contextualization proposed by Freire. To a better knowledge about the theme, we did an
inquiry with the region handcrafts women through ethnographic methods of research, as the
participant observation, the diary board and the testimonials. The participant observation was
accomplished in the Centro de Fiação e Tecelagem de Uberlândia. The briefings were
collected as semi-organized interview fulfilled with ten handicrafts women of the Triângulo
Mineiro region. The interviews were consummated in their homes and offices (handicraft
center). In order to evaluate the relation of this “folk knowledge” with the high school
students in that region, we did a survey by the application of a questionnaire in some schools
of the Uberlândia, Araxá and Itapagipe cities. The questionnaire students answers analysis
point out that almost half of the students (46,8%) knows any article of manual weaving or
people who work/working with it. Moreover, they relate small facts concerning to this
technique or to some works resultant from that. In the propose developed as a paradidactic
material the speech of the handicraftswomen about the various stages inherent to the weaving
and possible interactions with other knowledge, more formals, taught in school. The
pretension, doing the paradidactic material, was seek the interdisciplinary and the overall
situation. Beyond the inter-relation of the “folk knowledge” and other knowledge, we also
seek to present suggestions of activities and chemistry concepts to be applied inside
x
classroom. An evaluation was performed exploratory about the paradicdatic material and the
propose of interrelate the “folk knowledge” and the scientific knowledge (formal). Despite
such evaluation been inceptive yet, we consider the acceptation of the proposition and of the
material were considerable. We believe that this proposition can only happen in a school
environment and still with a reciprocal education among teachers, students and community.
Keywords: “folk knowledge”, manual weaving, paradicdatic material.
xi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Representação esquemática da noosfera e de seus grupos constituintes dentro de
cada estágio da transposição didática.
48
Figura 2 - Esquema de representação sócio-histórica da contextualização. 52
Figura 3 - Esquema da tecelagem. 61
Figura 4 - Fotografia do tear mecânico usado na Inglaterra no século XVIII, em exposição
no Science Museum, Londres-Inglaterra.
63
Figura 5 - Estrutura química da mauveína.
65
Figura 6 - Rota sintética descoberta para o índigo por Heumann.
65
Figura 7 - Rota sintética de obtenção do anil (índigo) descoberta por Bonn. 66
Figura 8 - Estruturas químicas dos monômeros do poliéster e da poliamida,
respectivamente.
67
Figura 9 - Esquema de obtenção da viscose e do rayon.
68
Figura 10 - Representação de uma cadeia de celulose.
71
Figura 11 - Fórmula química estrutural plana da lã.
72
Figura 12 - Estruturas químicas dos aminoácidos presentes na α-queratina e na β-queratina.
73
Figura 13 - Representações da microfibrila, macrofibrila e célula do cabelo ou lã.
74
Figura 14 - Representação da interação iônica entre o corante (D) e os grupos amino da
fibra da lã.
79
Figura 15 - Representação da ligação de hidrogênio entre o corante (D) e os grupos
carboxila da fibra da lã.
80
Figura 16 - Representação da interação covalente entre os grupos reativos do corante e os
grupos hidroxila da celulose (algodão).
81
Figura 17 - Exemplo de corante direto (corante vermelho do Congo) contendo grupos diazo
como grupos cromóforo.
82
Figura 18 - Estrutura molecular do corante ácido violeta. 83
Figura 19 - Processo de redução do corante a cuba com hidrossulfito de sódio. 84
Figura 20 - Reação de corantes contendo grupo tiossulfato com íon sulfeto e subseqüente
formação dos corantes com pontes de dissulfeto.
85
Figura 21 - Interação de corantes reativos do tipo vinil sulfonato com a fibra têxtil. 86
Figura 22 - Exemplo de corante solubilizado temporariamente através de reação de
hidrólise (V-Corante vermelho de lonamina KA).
87
Figura 23 - Exemplo de corante branqueador (corante fluorescente 32) contendo o grupo
triazina usado no branqueador de algodão, poliamida, lã e papel celulose.
88
xii
Figura 24 - Exemplo de tingimento da lã com o corante pré-metalizado cromo/corante 1:1
através do grupo amino como ligante e o centro metálico do corante.
89
Figura 25 - Gráfico representativo das categorias de respostas ao questionário aplicado na
Escola A, em Uberlândia.
96
Figura 26 - Gráfico representativo das categorias de respostas ao questionário aplicado na
Escola B, em Uberlândia.
96
Figura 27 - Fotografia da colcha doce-de-leite e da colcha tamborete. 112
Figura 28 - Fotografia da colcha mamoninha e da colcha pavão. 113
Figura 29 - Fotografia de um galho de anil. 119
Figura 30 - Estrutura química da indirubina. 120
Figura 31 - Fotografia das amostras de fios de algodão e lã tingidos com o anil. 120
Figura 32 - Fotografias das duas espécies de quaresminha encontradas (Fotografia 1:
Espécie Trembleya phlogiformes D.C., Fotografia 2: Espécie Rhynchantera
sp.).
121
Figura 33 - Fotografia da lã na cor natural e da lã tingida com as duas espécies de
quaresminha.
122
Figura 34 - Fotografias do barbatimão e da sangra d’água, respectivamente. 123
Figura 35 - Fotografia da amostra de fios de algodão tingidos com sangra d’água. 123
Figura 36 - Estruturas químicas da dracorodina, dracorubina, nordracorodina, dracoflavílio.
124
Figura 37 - Reações químicas do dracoflavílio em solução aquosa. 125
Figura 38 - Fotografia das amostras de fios de lã tingidos com corante comercial
utilizando-se os vários procedimentos.
127
Figura 39 - Fotografias do tingimento com a ferrugem realizado no Centro de Fiação e
Tecelagem e da amostra de fios tingidos por nós, respectivamente.
128
xiii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Composição química aproximada da fibra de algodão. 70
Tabela 2 - Composição química média da alfa-queratina da lã. 72
Tabela 3 - Categoria de respostas encontradas no questionário aplicado nas escolas da
região do Triângulo Mineiro.
95
xiv
SUMÁRIO
ENCONTRANDO O FIO DA MEADA
16
1. IDENTIFICANDO O QUADRO-MESTRE:
referenciais da pesquisa
1.1. O SABER CIENTÍFICO
1.2. SABER POPULAR, CULTURA E CULTURA POPULAR
1.3. O SABER ESCOLAR
1.3.1.
O saber a ensinar no Brasil: novas políticas educacionais para o
Ensino Médio
1.4. A ABORDAGEM TEMÁTICA SEGUNDO PAULO FREIRE
27
2. RESGATANDO A HISTÓRIA E A TÉCNICA DA TECELAGEM
2.1. BREVE HISTÓRICO DA TECELAGEM
2.1.1.
Os corantes sintéticos e as fibras não-naturais
2.2. A INDÚSTRIA TÊXTIL
2.2.1.
As fibras têxteis naturais
2.2.1.1. O algodão e seu tratamento para a fiação
2.2.1.2. A lã e o seu tratamento para a fiação
2.2.2.
Os processos de fiação, tecelagem e beneficiamento
2.2.3.
O tingimento
60
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS E ANALÍTICOS DA PESQUISA
3.1. O QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS
3.2. A ESCOLHA DO SABER POPULAR
3.3. A TECELAGEM MANUAL NO TRIÂNGULO MINEIRO
3.3.1.
A pesquisa bibliográfica sobre a tecelagem manual em quatro pedais
3.4. O UNIVERSO DA PESQUISA COM AS ARTESÃS
3.4.1.
Descrição dos depoimentos e das tecelãs
3.4.2.
Os caminhos para aprender o tingimento
91
xv
4. DISCUSSÃO DO TRABALHO
4.1. O MATERIAL PARADIDÁTICO
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
142
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
144
APÊNDICES
APÊNDICE A – Modelo de questionário aplicado aos estudantes de ensino
médio
APÊNDICE B – Descrição das etapas da tecelagem manual em quatro pedais
APÊNDICE C Modelo de questionário aplicado aos participantes do
minicurso no XV ECODEQ
APÊNDICE
D
Tecendo saberes
153
ENCONTRANDO
O FIO DA MEADA
Eu nasci e fui criada numa cidade com características rurais, no interior de Minas Gerais,
Triângulo Mineiro. Sou a segunda filha mais nova de uma família numerosa (nove pessoas). Meus
pais foram criados no meio rural. O sistema era patriarcal: o progenitor era o chefe da família e
responsável pelo seu sustento. Havia uma divisão de trabalho: as mulheres eram responsáveis pelo
serviço da casa (vestuário, alimentação, faxina, criação de galinhas e porcos, plantação de
hortaliças), enquanto os homens realizavam o “serviço mais pesado” (o trabalho na roça) e a
venda e troca de mercadorias produzidas pela família. Aqueles que não tinham terra própria
trabalhavam em outra (empregado) e recebiam dinheiro ou parte da colheita para a sua própria
negociação. Na roça se plantava arroz, milho, feijão e algodão. E as atividades realizadas dentro
de casa? Ah! Essas eram tão diversificadas! Normalmente realizadas pelas mulheres e crianças
mais novas (os filhos, homens, mais velhos, trabalhavam com o pai). Era tirar leite (de cabra,
comumente); fazer queijo, manteiga, doces (de frutas – manga, goiaba, banana, mamão – ou de
leite), quitandas várias (pão de queijo, rosca, biscoito, bolacha, bolo), sabão e as roupas para
vestir a família e a casa. Mais do que a roupa! Fazer o tecido para costurar a roupa. E assim
foram criados meus pais. Pouca escolarização, muitos saberes aprendidos oralmente pelos
ensinamentos dos pais, avós e tios
Hábitos, costumes, crenças... E todos eles também foram ensinados a nós. Geração para geração.
Tradição
Ainda criança muito pequena, via minha mãe, meu pai e meus irmãos colhendo sacos de goiaba
para fazer doce. Depois, selecioná-las (os pequenos faziam isto também. E comiam muita goiaba.).
Cortá-las ao meio e colocar em um tacho de cobre para ferventar. O tacho? Ah! Tinha que limpar
antes, tirar aquela camada escura. Passar limão (limão? Por que limão?). As goiabas, após o
cozimento no tacho, eram passadas na peneira, depois de esfriar, para obter a massa separada da
semente. A mão ficava roxinha! Embaixo da peneira, na gamela, ficava aquela massa fina, que era
colocada no tacho com açúcar para alguém mexer (tinha que ser com colher de pau) até que o
doce soltasse do fundo do tacho e pudesse ser colocado em vasilhas. Se fosse doce de compota, o
trabalho era maior: tinha que selecionar a goiaba muito bem, descascá-la e retirar o miolo, que
poderia ser usado para o doce de massa. Doce de leite era mais fácil. De banana também. Ah!
Depois que a bananeira produzisse cacho, tinha que ser cortada, porque o pé só dava cacho de
banana uma vez! (Que esquisito! Por que isso?). O leite que chegava da fazenda era coado, fervido
17
para, só depois, ser tomado. Aquela nata que se acumulava no caldeirão era recolhida e
armazenada em uma vasilha para se fazer manteiga de leite: colocávamos a nata em uma vasilha e
mexíamos muito com uma colher. “Se estiver demorando para virar manteiga, põe gelo” – falava
minha mãe. Púnhamos. Funcionava! (Por quê?) Na hora de fazer sabão, a mamãe usava gordura
de porco ou abacate (“sabão de abacate é uma beleza!” – dizia a minha mãe) e decoada (Pra que
isso?). E tinha o dia de tosar o carneiro. A família moradora da fazenda ao lado ia ajudar. A lã era
levada para uma mulher e depois voltavam aquelas meadas que a mamãe colocava em um tacho de
cobre para ferver juntamente com água e a tinta Guarani. Que bonito ficava aquilo! À noite ou nas
horas vagas no meio do dia, ficávamos enrolando aquelas meadas na dobradoura para fazer os
novelos que eram levados para outra senhora. E eles voltavam como colchas, pesadas, coloridas e
muito quentes!
E as quitandas?Depois de mamãe amassar a rosca, um pequeno pedaço de massa era enrolado e
colocado em água, enquanto a massa descansava ao sol. “Mãe, a bolinha subiu!” Pronto! Podia-
se enrolar a rosca e colocar pra assar.
“Não mistura manga com leite. Faz mal!”, “Toma chá de hortelã para matar os vermes”, “Toma
losna para curar essa ressaca”, “Se matar beija-flor, você nunca mais vai enxergar um”.
Crenças que aprendíamos e nem sabíamos quais eram ou não verdade...
“Vamos brincar de amarelinha para espantar o frio?”
“Empurra forte o carrinho de rolimã para ir mais longe!”
“Joga a bola bem lá no alto e corre!”
E as histórias de fantasma à noite?
Brinquei, cresci, fui para a escola. Nossa! Muitas novidades! Mas, e aquilo que havia aprendido
em casa? Não valia pra nada?
Aula de química: “Metais oxidam muito fácil. Os óxidos metálicos reagem com ácido.” O tacho de
cobre e o limão!
Aula de física: “Vamos estudar o movimento dos corpos. Um carrinho está em alta velocidade...”
O carrinho de rolimã? Pode ser?
Aula de história: “Com a Revolução Industrial, houve o êxodo rural.” Meus pais?Cidades
crescendo?
Aula de biologia: “Algumas plantas possuem caule subterrâneo. São rizomas.” Huummm! A
bananeira!
Por que a escola não fazia relação com as coisas que havíamos aprendido fora dela? Será que os
professores não sabiam essas coisas também? Era preciso “esquecer tudo aquilo”? Será que
apenas a ciência podia ser ensinada na escola? E os outros saberes?
Minhas respostas vieram com algumas leituras e com experiências de vida de um e de outro.
E a concretização de um sonho começa a aparecer..
.
(Maria Stela da Costa Gondim).
18
Nos últimos trinta anos, o contingente estudantil no Brasil aumentou
significativamente. Este público escolar possui formas variadas de socialização, de expressão,
crenças, valores e expectativas, pois é formado por vários segmentos sociais (DELIZOICOV,
ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002). Nessa perspectiva, compreendemos que a escola
deveria atentar-se para essas diversidades e buscar a interlocução e complementaridade de
saberes, levando em consideração os aspectos culturais da comunidade em que a mesma
esteja inserida.
Acreditamos, assim como Silva e Zanon (2000), que a escola é o local de mediação
entre a teoria e a prática, o ideal e o real, o científico e o cotidiano. Elas também