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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física
Instituto de Química
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CNCIAS
MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE CIÊNCIAS
A inter-relação entre saberes científicos e saberes
populares na escola: uma proposta interdisciplinar
baseada em saberes das artesãs do Triângulo Mineiro
Maria Stela da Costa Gondim
Brasília – DF
Dezembro
2007
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física
Instituto de Química
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CNCIAS
MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE CIÊNCIAS
A inter-relação entre saberes científicos e saberes
populares na escola: uma proposta interdisciplinar
baseada em saberes das artesãs do Triângulo Mineiro
Maria Stela da Costa Gondim
Dissertação realizada sob orientação do Prof. Dr.
Gerson de Souza Mól e apresentada à banca
examinadora como requisito parcial à obtenção
do Título de Mestre em Ensino de Ciências
Área de Concentração “Ensino de Química”, pelo
Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências da Universidade de Brasília.
Brasília – DF
Dezembro
2007
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ii
FOLHA DE APROVAÇÃO
MARIA STELA DA COSTA GONDIM
A INTER-RELAÇÃO ENTRE SABERES CIENTÍFICOS E SABERES
POPULARES NA ESCOLA: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR
BASEADA EM SABERES DAS ARTESÃS DO TRIÂNGULO MINEIRO
Dissertação apresentada à banca examinadora como requisito parcial à
obtenção do Título de Mestre em Ensino de Ciências Área de
Concentração “Ensino de Química”, pelo Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências da Universidade de Brasília.
Aprovada em 20 de dezembro de 2007.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Dr. Gerson de Souza Mól
(Presidente)
_________________________________________________
Prof. Dr. Attico Inácio Chassot
(Membro externo – UNISINOS)
_________________________________________________
Prof. Dr. Paulo César Pinheiro
(Membro externo – UFSJ)
iii
A Artesã
(Helena Oliveira)
Dentro daquela casa há uma artesã.
Enquanto fumega a chaminé
Do fogão a lenha,
Suas mãos fortes tecem a trama
De retalhos e linhas.
Sua mente tece idéias
De coisas e cores do mundo todo.
E a vida tece seu destino simples,
Sem muitas surpresas.
A artesã prepara as peças em silêncio.
Quando cria e pinta e trança,
Faz sair de seus dedos
Um pouco de seu espírito,
Que entra dentro da arte.
Arte que vai embora
E a leva para outros cantos.
Assim, um pouco da artesã vai junto,
Abrilhantar ambientes e passear pela vida
De outros lugares que ela não conhece.
Cria, a artesã, segredos e histórias
Com seus talentos.
O tempo, lento, é seu aliado secreto.
iv
DEDICATÓRIA
A os meus pais, doação.
A os m eus pais, doação.A os m eus pais, doação.
A os m eus pais, doação.
A os m eus sobrinhos, esperança
A os m eus sobrinhos, esperançaA os m eus sobrinhos, esperança
A os m eus sobrinhos, esperança.
..
.
v
Chassot
Dianne
GERSON
Ricardo
Célia
Patrícia
Cássio
Márcia Murta
Zeca
Wildson Erika
Bob
Joice
Nelson
Mírian
Caxeta
Felipe
Yuri
André
Mateus
André
Alexandre
Humberto
Ana Cláudia
Rejane
Karolina
Kelly
Sandra
Zaldo Anninha
Leila
Gilmar
Elton Murilo
Cláudio Adriano
Antônio
Márcia
Valéria
Wagdo
Anita
Mamãe Papai
Letinha Tonha
Taciana Tiago
Zeca Geila
Marcelo
Henrique
Júnior
Ino
cência
D. Chiquinha
D. Sebastiana
D. Maria
D. Fiica D. Maria Luísa
Celina Sueli
D.Valdivina
Terezinha D. Liósia
D. Geralda
D. Mariinha
Tarcísio
Rosilda Tio Remo
Tia Antônia
Karen Isabela
Sílvia
Centro de Fiação e Tecelagem
Fundação Cultural
Calmon Barreto
Graziele
Paulo Pinheiro
Cleide
Alvimar
Luís
Sônia
João
Edmar
Escolas Estaduais de Araxá,
Itapagipe e Uberlândia
vi
O s fios das
várias
vidas entrelaçaram
com os m eus fios e hoje
fazem parte da m inha
colcha-vida!
O brigada!
Maria Stela da Costa
Gondim
vii
RESUMO
Nesse trabalho apresentamos uma investigação de um saber popular da região do Triângulo
Mineiro - a tecelagem no tear de quatro pedais. A partir dessa investigação, utilizamos como
referência a abordagem temática e a educação como prática libertadora, desenvolvidas por
Paulo Freire, e apresentamos uma proposta de ensino que busca favorecer uma inter-relação
entre saberes populares e saberes científicos (formais), ensinados na escola. Percebemos que a
realidade observada em nossa investigação poderia propiciar um melhor ensino e
aprendizagem de ciências no ensino médio ao ser problematizada e descodificada, em uma
alusão à contextualização proposta por Freire. Para melhor conhecimento do tema, realizamos
uma pesquisa com artesãs da região por meio do uso de métodos da pesquisa etnográfica,
como a observação participante, o diário de bordo e os depoimentos. A observação
participante foi realizada no Centro de Fiação e Tecelagem de Uberlândia. Os depoimentos
foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com dez artesãs da
região do Triângulo Mineiro. As entrevistas foram realizadas em suas casas e em seus locais
de trabalho (centros de artesanato). A fim de avaliarmos a relação desse saber popular com os
estudantes de ensino médio daquela região, realizamos um levantamento a partir da aplicação
de um questionário em algumas escolas das cidades de Uberlândia, Araxá e Itapagipe. A
análise das respostas do questionário indica que quase metade dos estudantes (46,8%)
conhece algum artigo de tecelagem manual ou pessoas que trabalham/trabalhavam com ela e,
também, que têm interesse em aprender mais sobre o assunto, indiferente da escola ou cidade
a que pertencem. Além disso, os estudantes também relataram pequenos fatos relativos a essa
técnica ou a trabalhos resultantes dessa. Na proposta de ensino desenvolvida como material
paradidático foi inserida falas das artesãs sobre as várias etapas inerentes à tecelagem e
possíveis inter-relações com outros saberes, mais formais, ensinados na escola. A pretensão,
ao desenvolvermos o material paradidático, foi de favorecer a interdisciplinaridade e a
viii
contextualização. Além da inter-relação entre os saberes populares e os outros saberes,
também apresentamos sugestões de atividades e conceitos químicos a serem abordados em
sala de aula. Foi realizada uma avaliação exploratória sobre o material paradidático e a
proposta de se inter-relacionar os saberes populares e os saberes científicos (formais) e,
embora tal avaliação seja ainda incipiente, consideramos que foi grande a aceitação da
proposta e do material. Acreditamos que a proposta poderá ser efetivada em sua aplicação
na realidade escolar e ainda com uma educação dialógica entre professores, estudantes e
comunidade.
Palavras-chaves: saber popular, tecelagem manual, material paradidático.
ix
ABSTRACT
In this work we present an investigation about the “folk knowledge” of the Triângulo Mineiro
region the weaving in the four pedals loom. Starting from this investigation, we pursue as
references the thematic approach and the education as an emancipator practice, developed by
Paulo Freire, and we present a teaching proposal that try to advance an inter-relationship
between popular (tradicional) and scientific knowledge (formal), taught in school. We noticed
that the reality kept in such research could be problematized, in an allusion to the
contextualization proposed by Freire. To a better knowledge about the theme, we did an
inquiry with the region handcrafts women through ethnographic methods of research, as the
participant observation, the diary board and the testimonials. The participant observation was
accomplished in the Centro de Fiação e Tecelagem de Uberlândia. The briefings were
collected as semi-organized interview fulfilled with ten handicrafts women of the Triângulo
Mineiro region. The interviews were consummated in their homes and offices (handicraft
center). In order to evaluate the relation of this “folk knowledge” with the high school
students in that region, we did a survey by the application of a questionnaire in some schools
of the Uberlândia, Araxá and Itapagipe cities. The questionnaire students answers analysis
point out that almost half of the students (46,8%) knows any article of manual weaving or
people who work/working with it. Moreover, they relate small facts concerning to this
technique or to some works resultant from that. In the propose developed as a paradidactic
material the speech of the handicraftswomen about the various stages inherent to the weaving
and possible interactions with other knowledge, more formals, taught in school. The
pretension, doing the paradidactic material, was seek the interdisciplinary and the overall
situation. Beyond the inter-relation of the “folk knowledge” and other knowledge, we also
seek to present suggestions of activities and chemistry concepts to be applied inside
x
classroom. An evaluation was performed exploratory about the paradicdatic material and the
propose of interrelate the “folk knowledge” and the scientific knowledge (formal). Despite
such evaluation been inceptive yet, we consider the acceptation of the proposition and of the
material were considerable. We believe that this proposition can only happen in a school
environment and still with a reciprocal education among teachers, students and community.
Keywords: “folk knowledge”, manual weaving, paradicdatic material.
xi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Representação esquemática da noosfera e de seus grupos constituintes dentro de
cada estágio da transposição didática.
48
Figura 2 - Esquema de representação sócio-histórica da contextualização. 52
Figura 3 - Esquema da tecelagem. 61
Figura 4 - Fotografia do tear mecânico usado na Inglaterra no século XVIII, em exposição
no Science Museum, Londres-Inglaterra.
63
Figura 5 - Estrutura química da mauveína.
65
Figura 6 - Rota sintética descoberta para o índigo por Heumann.
65
Figura 7 - Rota sintética de obtenção do anil (índigo) descoberta por Bonn. 66
Figura 8 - Estruturas químicas dos monômeros do poliéster e da poliamida,
respectivamente.
67
Figura 9 - Esquema de obtenção da viscose e do rayon.
68
Figura 10 - Representação de uma cadeia de celulose.
71
Figura 11 - Fórmula química estrutural plana da lã.
72
Figura 12 - Estruturas químicas dos aminoácidos presentes na α-queratina e na β-queratina.
73
Figura 13 - Representações da microfibrila, macrofibrila e célula do cabelo ou lã.
74
Figura 14 - Representação da interação iônica entre o corante (D) e os grupos amino da
fibra da lã.
79
Figura 15 - Representação da ligação de hidrogênio entre o corante (D) e os grupos
carboxila da fibra da lã.
80
Figura 16 - Representação da interação covalente entre os grupos reativos do corante e os
grupos hidroxila da celulose (algodão).
81
Figura 17 - Exemplo de corante direto (corante vermelho do Congo) contendo grupos diazo
como grupos cromóforo.
82
Figura 18 - Estrutura molecular do corante ácido violeta. 83
Figura 19 - Processo de redução do corante a cuba com hidrossulfito de sódio. 84
Figura 20 - Reação de corantes contendo grupo tiossulfato com íon sulfeto e subseqüente
formação dos corantes com pontes de dissulfeto.
85
Figura 21 - Interação de corantes reativos do tipo vinil sulfonato com a fibra têxtil. 86
Figura 22 - Exemplo de corante solubilizado temporariamente através de reação de
hidrólise (V-Corante vermelho de lonamina KA).
87
Figura 23 - Exemplo de corante branqueador (corante fluorescente 32) contendo o grupo
triazina usado no branqueador de algodão, poliamida, lã e papel celulose.
88
xii
Figura 24 - Exemplo de tingimento da lã com o corante pré-metalizado cromo/corante 1:1
através do grupo amino como ligante e o centro metálico do corante.
89
Figura 25 - Gráfico representativo das categorias de respostas ao questionário aplicado na
Escola A, em Uberlândia.
96
Figura 26 - Gráfico representativo das categorias de respostas ao questionário aplicado na
Escola B, em Uberlândia.
96
Figura 27 - Fotografia da colcha doce-de-leite e da colcha tamborete. 112
Figura 28 - Fotografia da colcha mamoninha e da colcha pavão. 113
Figura 29 - Fotografia de um galho de anil. 119
Figura 30 - Estrutura química da indirubina. 120
Figura 31 - Fotografia das amostras de fios de algodão e lã tingidos com o anil. 120
Figura 32 - Fotografias das duas espécies de quaresminha encontradas (Fotografia 1:
Espécie Trembleya phlogiformes D.C., Fotografia 2: Espécie Rhynchantera
sp.).
121
Figura 33 - Fotografia da lã na cor natural e da lã tingida com as duas espécies de
quaresminha.
122
Figura 34 - Fotografias do barbatimão e da sangra d’água, respectivamente. 123
Figura 35 - Fotografia da amostra de fios de algodão tingidos com sangra d’água. 123
Figura 36 - Estruturas químicas da dracorodina, dracorubina, nordracorodina, dracoflavílio.
124
Figura 37 - Reações químicas do dracoflavílio em solução aquosa. 125
Figura 38 - Fotografia das amostras de fios de lã tingidos com corante comercial
utilizando-se os vários procedimentos.
127
Figura 39 - Fotografias do tingimento com a ferrugem realizado no Centro de Fiação e
Tecelagem e da amostra de fios tingidos por nós, respectivamente.
128
xiii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Composição química aproximada da fibra de algodão. 70
Tabela 2 - Composição química média da alfa-queratina da lã. 72
Tabela 3 - Categoria de respostas encontradas no questionário aplicado nas escolas da
região do Triângulo Mineiro.
95
xiv
SUMÁRIO
ENCONTRANDO O FIO DA MEADA
16
1. IDENTIFICANDO O QUADRO-MESTRE:
referenciais da pesquisa
1.1. O SABER CIENTÍFICO
1.2. SABER POPULAR, CULTURA E CULTURA POPULAR
1.3. O SABER ESCOLAR
1.3.1.
O saber a ensinar no Brasil: novas políticas educacionais para o
Ensino Médio
1.4. A ABORDAGEM TEMÁTICA SEGUNDO PAULO FREIRE
27
2. RESGATANDO A HISTÓRIA E A TÉCNICA DA TECELAGEM
2.1. BREVE HISTÓRICO DA TECELAGEM
2.1.1.
Os corantes sintéticos e as fibras não-naturais
2.2. A INDÚSTRIA TÊXTIL
2.2.1.
As fibras têxteis naturais
2.2.1.1. O algodão e seu tratamento para a fiação
2.2.1.2. A lã e o seu tratamento para a fiação
2.2.2.
Os processos de fiação, tecelagem e beneficiamento
2.2.3.
O tingimento
60
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS E ANALÍTICOS DA PESQUISA
3.1. O QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS
3.2. A ESCOLHA DO SABER POPULAR
3.3. A TECELAGEM MANUAL NO TRIÂNGULO MINEIRO
3.3.1.
A pesquisa bibliográfica sobre a tecelagem manual em quatro pedais
3.4. O UNIVERSO DA PESQUISA COM AS ARTESÃS
3.4.1.
Descrição dos depoimentos e das tecelãs
3.4.2.
Os caminhos para aprender o tingimento
91
xv
4. DISCUSSÃO DO TRABALHO
4.1. O MATERIAL PARADIDÁTICO
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
142
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
144
APÊNDICES
APÊNDICE A – Modelo de questionário aplicado aos estudantes de ensino
médio
APÊNDICE B – Descrição das etapas da tecelagem manual em quatro pedais
APÊNDICE C Modelo de questionário aplicado aos participantes do
minicurso no XV ECODEQ
APÊNDICE
D
Tecendo saberes
153
ENCONTRANDO
O FIO DA MEADA
Eu nasci e fui criada numa cidade com características rurais, no interior de Minas Gerais,
Triângulo Mineiro. Sou a segunda filha mais nova de uma família numerosa (nove pessoas). Meus
pais foram criados no meio rural. O sistema era patriarcal: o progenitor era o chefe da família e
responsável pelo seu sustento. Havia uma divisão de trabalho: as mulheres eram responsáveis pelo
serviço da casa (vestuário, alimentação, faxina, criação de galinhas e porcos, plantação de
hortaliças), enquanto os homens realizavam o “serviço mais pesado” (o trabalho na roça) e a
venda e troca de mercadorias produzidas pela família. Aqueles que não tinham terra própria
trabalhavam em outra (empregado) e recebiam dinheiro ou parte da colheita para a sua própria
negociação. Na roça se plantava arroz, milho, feijão e algodão. E as atividades realizadas dentro
de casa? Ah! Essas eram tão diversificadas! Normalmente realizadas pelas mulheres e crianças
mais novas (os filhos, homens, mais velhos, trabalhavam com o pai). Era tirar leite (de cabra,
comumente); fazer queijo, manteiga, doces (de frutas – manga, goiaba, banana, mamão – ou de
leite), quitandas várias (pão de queijo, rosca, biscoito, bolacha, bolo), sabão e as roupas para
vestir a família e a casa. Mais do que a roupa! Fazer o tecido para costurar a roupa. E assim
foram criados meus pais. Pouca escolarização, muitos saberes aprendidos oralmente pelos
ensinamentos dos pais, avós e tios
Hábitos, costumes, crenças... E todos eles também foram ensinados a nós. Geração para geração.
Tradição
Ainda criança muito pequena, via minha mãe, meu pai e meus irmãos colhendo sacos de goiaba
para fazer doce. Depois, selecioná-las (os pequenos faziam isto também. E comiam muita goiaba.).
Cortá-las ao meio e colocar em um tacho de cobre para ferventar. O tacho? Ah! Tinha que limpar
antes, tirar aquela camada escura. Passar limão (limão? Por que limão?). As goiabas, após o
cozimento no tacho, eram passadas na peneira, depois de esfriar, para obter a massa separada da
semente. A mão ficava roxinha! Embaixo da peneira, na gamela, ficava aquela massa fina, que era
colocada no tacho com açúcar para alguém mexer (tinha que ser com colher de pau) até que o
doce soltasse do fundo do tacho e pudesse ser colocado em vasilhas. Se fosse doce de compota, o
trabalho era maior: tinha que selecionar a goiaba muito bem, descascá-la e retirar o miolo, que
poderia ser usado para o doce de massa. Doce de leite era mais fácil. De banana também. Ah!
Depois que a bananeira produzisse cacho, tinha que ser cortada, porque o pé só dava cacho de
banana uma vez! (Que esquisito! Por que isso?). O leite que chegava da fazenda era coado, fervido
17
para, só depois, ser tomado. Aquela nata que se acumulava no caldeirão era recolhida e
armazenada em uma vasilha para se fazer manteiga de leite: colocávamos a nata em uma vasilha e
mexíamos muito com uma colher. “Se estiver demorando para virar manteiga, põe gelo” – falava
minha mãe. Púnhamos. Funcionava! (Por quê?) Na hora de fazer sabão, a mamãe usava gordura
de porco ou abacate (“sabão de abacate é uma beleza!” – dizia a minha mãe) e decoada (Pra que
isso?). E tinha o dia de tosar o carneiro. A família moradora da fazenda ao lado ia ajudar. A lã era
levada para uma mulher e depois voltavam aquelas meadas que a mamãe colocava em um tacho de
cobre para ferver juntamente com água e a tinta Guarani. Que bonito ficava aquilo! À noite ou nas
horas vagas no meio do dia, ficávamos enrolando aquelas meadas na dobradoura para fazer os
novelos que eram levados para outra senhora. E eles voltavam como colchas, pesadas, coloridas e
muito quentes!
E as quitandas?Depois de mamãe amassar a rosca, um pequeno pedaço de massa era enrolado e
colocado em água, enquanto a massa descansava ao sol. “Mãe, a bolinha subiu!” Pronto! Podia-
se enrolar a rosca e colocar pra assar.
“Não mistura manga com leite. Faz mal!”, “Toma chá de hortelã para matar os vermes”, “Toma
losna para curar essa ressaca”, “Se matar beija-flor, você nunca mais vai enxergar um”.
Crenças que aprendíamos e nem sabíamos quais eram ou não verdade...
“Vamos brincar de amarelinha para espantar o frio?”
“Empurra forte o carrinho de rolimã para ir mais longe!”
“Joga a bola bem lá no alto e corre!”
E as histórias de fantasma à noite?
Brinquei, cresci, fui para a escola. Nossa! Muitas novidades! Mas, e aquilo que havia aprendido
em casa? Não valia pra nada?
Aula de química: “Metais oxidam muito fácil. Os óxidos metálicos reagem com ácido.” O tacho de
cobre e o limão!
Aula de física: “Vamos estudar o movimento dos corpos. Um carrinho está em alta velocidade...”
O carrinho de rolimã? Pode ser?
Aula de história: “Com a Revolução Industrial, houve o êxodo rural.” Meus pais?Cidades
crescendo?
Aula de biologia: “Algumas plantas possuem caule subterrâneo. São rizomas.” Huummm! A
bananeira!
Por que a escola não fazia relação com as coisas que havíamos aprendido fora dela? Será que os
professores não sabiam essas coisas também? Era preciso “esquecer tudo aquilo”? Será que
apenas a ciência podia ser ensinada na escola? E os outros saberes?
Minhas respostas vieram com algumas leituras e com experiências de vida de um e de outro.
E a concretização de um sonho começa a aparecer..
.
(Maria Stela da Costa Gondim).
18
Nos últimos trinta anos, o contingente estudantil no Brasil aumentou
significativamente. Este público escolar possui formas variadas de socialização, de expressão,
crenças, valores e expectativas, pois é formado por vários segmentos sociais (DELIZOICOV,
ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002). Nessa perspectiva, compreendemos que a escola
deveria atentar-se para essas diversidades e buscar a interlocução e complementaridade de
saberes, levando em consideração os aspectos culturais da comunidade em que a mesma
esteja inserida.
Acreditamos, assim como Silva e Zanon (2000), que a escola é o local de mediação
entre a teoria e a prática, o ideal e o real, o científico e o cotidiano. Elas também ressaltam
que
[...] cabe considerar a não homogeneidade dos saberes, sempre
diversificados e singulares, sejam os cotidianos, os empíricos, os
práticos, os teóricos, os científicos, os tecnológicos, que fazem parte
do movimento dialético que produz as formas renovadas de saber e
gera rupturas conceituais. Isso implica contemplar e valorizar a
dinamicidade das relações infinitas de “ir e vir” entre níveis/formas de
saber. (SILVA e ZANON, 2000, p. 146, grifo das autoras).
Entretanto, percebemos o distanciamento da escola em relação à comunidade. Aqueles
saberes que os estudantes trazem devido a sua formação histórica e social são menosprezados
ou até neglicenciados pela escola. A vinculação entre as vivências dos estudantes e os
conteúdos a serem ensinados na escola é quase inexistente, principalmente quando nos
referimos ao ensino de ciências, caracterizando um ensino baseado na transmissão-recepção,
no qual o estudante é visto como tábula rasa. O ensino é descontextualizado e, como
conseqüência, a aprendizagem não é significativa. O resultado é uma “aprendizagem
descartável”, suficiente apenas para que os estudantes realizem atividades avaliativas na
escola e, como o conhecimento supostamente adquirido não se inter-relaciona com a sua
realidade, depois é suprimido da estrutura cognitiva dos mesmos. Como colocam as autoras
19
supracitadas (SILVA e ZANON, 2000, p. 143) “o outro mundo, o mundo dos fatos, o mundo
da vida, o mundo no qual os eventos estão muito vivos, não tem contato algum com os alunos
na escola através das palavras que a escola exige que eles leiam”.
No caso do ensino de ciências, ainda temos a agravante da visão positivista que o
professor transmite sobre a ciência. Ela é ensinada como uma verdade absoluta,
descontextualizada, a-histórica, neutra, linear e cumulativa. Para Aragão et al. (2000
1
apud
SILVA e ZANON, 2000), essa visão estereotipada de ciência leva à preservação do modelo
de ensino baseado na transmissão-recepção, na qual o estudante é visto como um ser passivo e
neutro, reprodutor das idéias que lhe são apresentadas.
Essa visão cientificista da escola é uma reprodução da visão de nossa sociedade
(ocidental), que coloca a ciência em um status hegemônico e superior de saber. Diante dessa
realidade, muitas considerações sobre o ensino e aprendizagem de ciências têm sido feitas.
Um dos debates sobre essa questão refere-se ao significado de ensinar ciências para a vida dos
estudantes em um mundo de diversidade cultural (POMEROY, 1994).
Nesse sentido, El-Hani e Sepúlveda (2006) mencionam que, a partir da década de 90,
os educadores e pesquisadores passaram a questionar essa superioridade epistemológica do
saber científico e considerar as relações entre cultura e educação científica. A cultura popular
e o conhecimento cultural passam a ser considerados na orientação do currículo de ciências.
Essas modificações podem advir, segundo os pesquisadores, da perspectiva construtivista
como tendência na educação científica, da substituição da perspectiva tecnicista na elaboração
dos currículos e da postura crítica em relação à ciência ocidental moderna.
Seguindo essa linha de pensamento, Maddock (1981) aponta para a necessidade de
uma visão antropológica na educação científica, considerando-se a linguagem, a estrutura
conceitual, a lógica e o conhecimento de cada cultura. Ele pondera que todas as sociedades
1
ARAGÃO, R. M. R. et al. Dificuldades do ensino e da aprendizagem das ciências no século XX, desafios para
os professores do século XXI. In: 10
o
Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - 10
o
ENDIPE. 2000,
Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: D.P & A, 2000.
20
possuem conhecimento, ciência e tecnologia, desenvolvidos em diferentes graus. Por tal
motivo, a simples transposição de um currículo ocidental de ciências para essas sociedades
torna-se indesejável.
Pomeroy (1994) apresenta algumas estratégias para a educação científica, como:
explorar as inter-relações entre ciência, tecnologia e sociedade dentro do contexto de vida dos
estudantes; utilizar recursos locais e problemas locais para as problematizações; utilizar textos
que abordem narrativas de descobertas científicas para desmistificar a idéia de ciência pronta
e acabada; “desenvolver currículos de ciências em torno de conteúdos científicos que
expliquem práticas e técnicas populares” (p. 62, tradução e grifo nossos); desenvolver
atividades científicas que não violem as crenças dos estudantes; “explorar as crenças, os
métodos, os critérios de validade e sistemas de racionalidade sobre os quais o
conhecimento do mundo natural de outras culturas é construído” (p. 65, tradução e grifo
nossos).
Como essa orientação para a educação científica ainda está em fase de elaboração,
existe um pequeno número de pesquisas na área de ensino de ciências que aborda a
necessidade de se relacionar a cultura e a educação científica ou, que apresenta trabalhos
relativos à inserção da cultura da comunidade no ensino formal.
Alguns desses trabalhos referem-se a estudos etnográficos, com grupos mais
específicos, como aquele realizado por D’Ambrósio (2003), no ensino da matemática, e por
Romanelli (2001), no ensino de química para comunidades indígenas. No primeiro caso, o
pesquisador propôs um programa denominado Etnomatemática, no qual se estuda a dinâmica
cultural a partir das práticas matemáticas de diferentes culturas. Para o pesquisador, a
etnomatemática pode-se estender à etnociência e a evolução cultural pode ser analisada a
partir do exame da história das ciências, das artes e das religiões nas diferentes culturas. No
trabalho de Romanelli (2001), a pesquisadora faz algumas considerações sobre as percepções
21
de tempo e espaço dos povos indígenas e, também, sobre os exercícios mentais realizados
com os mesmos para o entendimento do modelo científico.
Outros trabalhos referem-se à questões relativas a crenças religiosas, como aqueles
realizados por El-Hani e Sepúlveda (2006) com estudantes de biologia, Stone (1967
2
apud
MADDOCK, 1981) com os povos Yoruba da Nigéria e Cobern (1988), ao analisar a
influência de crenças cristãs na educação científica. El-Hani e Sepúlveda (2006) avaliaram as
relações entre educação científica e religiosa na formação de alunos protestantes que cursam
biologia, mais precisamente aquelas voltadas às barreiras culturais de aprendizagem de
ciências; enquanto Cobern (1988) sugere um currículo CTS no qual podem ser contemplados
valores que levem ao benefício de todos nós, voltados para o bem comum e para a promoção
da sustentabilidade. Para Cobern (1993), isto poderia integrar a ciência e a cristã, pois ele
argumenta que os estudantes podem, muitas vezes, não acreditar naquilo que está sendo
ensinado, ou seja, não é questão de compreensão, mas de crença. Além disso, em outros
trabalhos, Cobern e Loving (2001) defendem um pluralismo epistemológico na escola, em
uma convivência dialógica com as diferenças e semelhanças, não considerando a ciência
como verdade única. Stone (1967 apud MADDOCK, 1981), em seus estudos, constatou a
forte influência da religião na cultura e no ensino de ciências na escola e avaliou que a ciência
e a educação em ciências são culturas pertencentes a uma matriz cultural mais ampla da
sociedade, que deve ser considerada ao serem tratadas questões relativas à educação.
Trabalhos que consideram saberes populares foram realizados por Chassot (1996,
2000), sendo que um deles foi realizado com alunos de graduação do curso de Pedagogia da
Unisinos; Haden (1973), com alunos em uma escola secundária em Uganda; Silva, Aguiar e
Medeiros (2000), envolvendo a medicina popular e a fabricação de medicamentos
2
STONE, R. H. Science teaching in non-Western societies. The Science Teacher, United Kingdom, n. 10, p.
21-23,1967.
22
fitoterápicos juntamente com uma comunidade em Recife e, finalmente, Pinheiro (2006),
envolvendo a produção artesanal de sabão de cinzas por mulheres do interior de Minas Gerais.
O trabalho realizado por Chassot (2000) com seus alunos de graduação é uma prática
de pesquisa referente à busca de saberes populares em risco de extinção e a sua inserção na
escola. O autor coloca que duas dimensões podem ser atingidas com este trabalho: uma
referindo-se à necessidade de preservação dos saberes populares e a outra referente à
dimensão social no “fazer educação”. Elas permitem o diálogo entre as gerações, a
valorização daqueles que detêm o saber popular a partir do reconhecimento da riqueza dos
saberes pela academia, representada pelos alunos de graduação. Outros possíveis resultados e
discussões que podem advir com tal trabalho, segundo o autor, são concernentes a:
compreensão das relações de trabalho existentes e suas modificações, possibilidade de os
entrevistados irem à escola ensinar, aproximação entre os entrevistados e os entrevistadores,
descoberta de novas realidades pelos entrevistadores, possibilidade de reflexão sobre o
presenteísmo e o cientificismo.
Haden (1973) atentou-se em colocar em contato direto alunos de química com pessoas
mais idosas da Vila em Uganda, as quais realizavam a atividade tradicional e tecnológica da
metalurgia do ferro. Houve uma investigação de todo o processo (denominado método
Okedu), e os estudantes, juntamente com os detentores de saber e o pesquisador, construíram
uma fornalha na escola para a realização da técnica. Problemas com a obtenção do ferro a
partir de um minério foram discutidos entre todos os envolvidos, considerando-se as crenças
dos detentores de saber e a tentativa de explicações mais “científicas” dadas pelos estudantes.
Silva, Aguiar e Medeiros (2000) fizeram uma tentativa de resgate dos saberes
populares em química. O trabalho configurou-se em uma pesquisa-ação e envolveu o
professor de uma escola e toda a comunidade em todo um contexto técnico, social, cultural e
político. Aspectos como saúde e educação foram abordados e alguns dos resultados do
23
trabalho foram uma orientação relativa ao uso consciente das plantas medicinais e à produção
de medicamentos fitoterápicos, além de uma transformação no binômio ensino-aprendizagem,
como ressaltam os autores.
Pinheiro (2006) inseriu em uma escola pública de São João del Rei a técnica de fazer
sabão de cinzas a partir de uma hipermídia etnográfico. Tal hipermídia é composta por textos,
vídeos e fotografias produzidos no estudo etnográfico da cultura popular em questão e
também por algumas questões propostas para a interpretação dos alunos de química da
terceira série do nível médio. O autor coloca como objetivos para o seu trabalho a análise de
como o conhecimento proveniente de tal tradição popular pode auxiliar a compreensão de
conceitos básicos de química ensinados na escola e como o mesmo se relaciona com as pré-
concepções e visões de mundo dos alunos. Além disso, o autor também pretendeu avaliar a
efetividade do recurso hipermídia e analisar a resposta dada pelos alunos ao se depararem
com a conexão entre saber popular e as novas tecnologias de comunicação.
O mesmo pesquisador vem realizando trabalhos nessa linha de pesquisa, sendo um
deles referente à tecnologia artesanal de produção de tijolos (PINHEIRO e GOMES, 2000).
Este trabalho foi realizado na região de São João del Rei e envolveu um grupo de alunos de
uma sala multisseriada no ensino fundamental (primeira a quarta séries), a professora da
turma e a supervisora pedagógica. Os objetivos principais de tal trabalho, segundo os autores,
foram resgatar tal saber popular, elucidar os conteúdos científicos presentes no mesmo e
sistematizá-los para a sala de aula a fim de elaborar materiais didáticos. Os autores
ressaltaram questões relativas à interdisciplinaridade, que foi possível desenvolver
conteúdos de matemática, física, geologia, língua portuguesa, artes e geografia.
Indo ao encontro dessas pesquisas voltadas para a valorização da cultura na educação
científica, buscamos responder as seguintes perguntas de pesquisa:
24
- É possível inter-relacionar saberes populares e saberes formais (científicos) na
escola?
- Como podemos fazer estas inter-relações?
A partir de então, trabalhamos com dois objetivos principais: apresentar uma proposta
de ensino que pudesse servir de orientação para professores, principalmente aqueles de
química, na realização de práticas pedagógicas que busquem a inter-relação entre os saberes
populares e os saberes formais ensinados na escola e, para tanto, investigar a possibilidade
dessa inter-relação a partir de uma determinada cultura popular a tecelagem mineira no tear
de quatro pedais. Dessa forma, a nossa pergunta de pesquisa tornou-se mais específica,
voltada para a pesquisa dessa cultura popular e a possibilidade de sua inserção na escola.
A proposta de ensino foi desenvolvida como um material paradidático que inter-
relaciona os saberes populares de artesãs da região do Triângulo Mineiro sobre a tecelagem
manual em quatro pedais, a partir de suas falas e os outros conhecimentos que poderiam ser
abordados.
Evidentemente, este material não significa uma proposição e estruturação de
conteúdos a serem ensinados/aprendidos, mas é uma apresentação dos conteúdos de forma
mais adequada para uma aprendizagem significativa, humana, sem anular as conexões que
existem entre os temas e conceitos. Esse material deve dar suporte às atividades pedagógicas,
trazendo para sala de aula conteúdos que abordem experiências de vida, interesses e
necessidades dos estudantes, propiciando a reflexão e favorecendo a interação e o diálogo
dinâmico. Ou seja, a partir da interdisciplinaridade efetiva entre os vários campos do saber, os
estudantes e professores poderão tornar-se conscientes e conhecedores das inter-relações entre
ciência e cultura e também da tecnologia, do ambiente e da sociedade, mantendo uma visão
holística do mundo.
25
A fim de apresentarmos os nossos caminhos percorridos durante essa pesquisa, essa
dissertação foi dividida em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, intitulado “Identificando o quadro-mestre
3
: os referenciais da
pesquisa”, tratamos sobre os saberes científicos, os populares e os escolares e a abordagem
temática de Paulo Freire. Para tanto, inicialmente discorremos brevemente sobre os diferentes
saberes para introduzir o saber científico, o popular e o escolar. No primeiro caso, fizemos um
breve histórico sobre o nascimento da ciência moderna para, em seguida, apresentarmos as
teorias de Thomas Kuhn e de Karl Popper. Para abordarmos o saber popular, foi necessário
discutirmos sobre o significado de cultura como conceito antropológico e, depois, o
significado de cultura popular. Quanto ao saber escolar, discorremos sobre a transposição
didática, as novas políticas educacionais para o Ensino Médio, a necessidade de
contextualização e de inclusão de abordagens culturais na educação científica. Como
referencial para o nosso trabalho voltado para a educação, utilizamos Paulo Freire e sua
proposta de educação dialógica. Apresentamos a educação como prática libertadora, proposta
pelo mesmo, voltada para o diálogo entre educador-educando e educando-educador e que
busca, a partir de um processo de codificação-problematização-descodificação, temas
geradores para a elaboração de uma proposta, interdisciplinar, de ensino e aprendizagem.
No capítulo 2 realizamos um breve histórico sobre a tecelagem e suas técnicas,
apresentando as principais características de seu desenvolvimento industrial, como a produção
de corantes e fibras sintéticos e ainda as etapas envolvidas no processo industrial como um
todo. Realizamos uma descrição mais detalhada sobre o algodão e a lã, utilizados mais
comumente como fibras têxteis na tecelagem manual e, também, sobre o processo de
tingimento e os corantes têxteis utilizados na indústria têxtil.
3
Quadro-mestre é um “quadro” que se repete em todo o tecido na diagonal, utilizado pelas artesãs como
referência para a identificação de erros durante o repasso nos liços (termos da tecelagem) ou na tecelagem
propriamente dita. Fizemos uso do termo como metáfora aos nossos referenciais da pesquisa. Maiores
esclarecimentos sobre a tecelagem são apresentados no breve histórico sobre a tecelagem e no apêndice B.
26
No capítulo 3 iniciamos a nossa descrição e discussão sobre a metodologia adotada em
nossa pesquisa. Ele foi dividido em subseções. Na primeira, analisamos as respostas dos
estudantes de Ensino Médio das cidades de Itapagipe, Araxá e Uberlândia, referentes ao
conhecimento e interesse sobre a tecelagem manual. Na subseção seguinte, descrevemos os
métodos adotados para a realização da pesquisa com as artesãs, bem como alguns resultados
referentes aos aspectos sociais e às condições de vida das mesmas, numa tentativa de
compreensão dos aspectos de tal cultura popular. Descrevemos, também, o processo de
tingimento com corantes naturais relatados pelas artesãs e os nossos testes dos métodos
descritos por elas.
No capítulo 4 apresentamos a discussão sobre a possibilidade de se trabalhar na escola
os saberes populares da comunidade onde a mesma está inserida e a inter-relação entre os
saberes populares e os científicos (formais) na escola, em uma abordagem temática. Como
orientação para o professor, discutimos a nossa proposta de material paradidático elaborado a
partir da fala das artesãs e da observação das etapas realizadas na tecelagem manual. Também
apresentamos uma avaliação exploratória do material paradidático produzido.
Nas considerações finais apresentamos algumas impressões sobre a realização do
trabalho e perspectivas de continuidade do mesmo.
Como um dos apêndices dessa dissertação, apresentamos o material paradidático
produzido a partir das falas das artesãs e da observação de um dos pesquisadores. Neste,
inserimos os vários conceitos e temas que poderiam ser abordados a partir de tal saber popular
e da inter-relação com as artesãs.
27
IDENTIFICANDO O QUADRO-MESTRE:
os referenciais da pesquisa
Embora possamos encontrar uma certa sinonímia entre o significado de saber e
conhecimento, em nossa compreensão, o primeiro tem um significado mais amplo, como
coloca Japiassu (1977). Para ele, saber é “todo o conjunto de conhecimentos metodicamente
adquiridos, mais ou menos sistematicamente organizados e susceptíveis de serem transmitidos
por um processo pedagógico de ensino” (JAPIASSU, 1977, p. 15). A partir dessa definição,
teríamos uma diversidade de saberes, como o saber teológico, o filosófico, o técnico, o
científico, o popular. Para distinguir o saber científico das outras formas de saber, Japiassu
(1977) afirma que aquele é “não-especulativo” e coloca como pertencentes ao mesmo as
ciências empíricas e positivas, que fazem uso de investigação de dados naturais e de uma
matematização (que pode ser até indireta), e a própria matemática.
De acordo com Machado (1981), Foucault, ao realizar uma análise dos discursos
inerentes nas diferentes formas de saber, consegue romper com a idéia de processo ou de
progresso para defini-lo. Concentrando-se nas condições em que determinados saberes podem
surgir e ser transformados, Foucault tenta abranger uma análise do discurso e de suas
formações discursivas, como as regras de formação dos conceitos, das teorias, etc. Então, os
saberes se formam dentro de uma prática discursiva, com diferentes princípios de
organização.
É nessa perspectiva de diversidade de saberes que o ser humano constitui-se. Devido a
nosso interesse na inter-relação entre os saberes científicos e populares na escola uma
28
instituição que também possui o seu próprio saber –, faremos, a seguir, algumas
considerações a respeito dos mesmos.
1.1 – O SABER CIENTÍFICO
Desde o século XIX, a ciência passou a exercer um papel preponderante em nossa
sociedade, a ponto de menosprezarmos outros saberes (senso comum, teologia, filosofia, etc.)
e considerar a mesma o único saber realmente passível de compreensão e de credibilidade
(FOUREZ, 1995). Entretanto, nem sempre o que hoje desconsideramos como ciência poderia
ser assim “classificada”. Seus métodos dependem de todo um contexto histórico. Como
afirmam Andery et al. (2006, p. 15)
O método científico é historicamente determinado e pode ser
compreendido dessa forma. [...] Os métodos científicos transformam-se no
decorrer da História. No entanto, num dado momento histórico, podem
existir diferentes interesses e necessidades; em tais momentos, coexistem
também diferentes concepções de homem, de natureza e de conhecimento,
portanto, diferentes métodos. Assim, as diferenças metodológicas ocorrem
não apenas temporalmente, mas também num mesmo momento e numa
mesma sociedade.
Adotando a visão colocada pelas autoras, pretendemos aqui fazer uma breve descrição
sobre o surgimento da ciência moderna
4
. Tal ciência é fruto da Revolução Científica ocorrida,
principalmente, na Europa Ocidental, no século XVII, e influenciou, principalmente, a nossa
sociedade ocidental, sendo a ensinada nas escolas. A fim de realizar tal descrição, fizemos uso
de fontes secundárias como John Henry (1998), que faz uma análise crítica do período da
Revolução Científica; Colin Ronan (1987), que apresenta uma descrição (factual) da história
da ciência desde suas origens até o século XX; Ana Maria Alfonso-Goldfarb (1995), Regina
Maria Rabelo Borges (1996), Gilles-Gaston Granger (1994), Alan Chalmers (2006) e
4
Ressaltamos que a abordagem dada refere-se principalmente à ciência moderna de acordo com os “moldes” da
civilização ocidental (mais especificamente, a européia).
29
Raimund Omnés (1995), que fazem uma abordagem da epistemologia
5
da ciência; Maria
Amália Andery et al. (2006), que apresentam uma perspectiva histórica da ciência, fazendo
uso da filosofia; Paul Strathern (2002), que descreve historicamente a ciência, enfatizando a
Química, e Pablo Mariconda
6
, que analisa o nascimento da ciência moderna tendo como
referência Galileu. Além disso, para aprofundarmos nossa compreensão sobre a epistemologia
e natureza da ciência, utilizamos como referência os trabalhos dos filósofos da ciência
Thomas Kuhn (2006) e Karl Popper (2000).
A ciência passou a fazer parte da humanidade no momento em que o homem buscou
tomar consciência de si mesmo e, para tanto, compreender a natureza. No princípio, essa
busca de conhecimento trazia um forte entrelaçamento entre magia, religião e ciência.
Segundo Ronan (1987), a magia era uma forma de expressão legítima da composição
do mundo natural e do ser humano. Nela expressava-se a visão animista do mundo natural,
povoado de espíritos e forças ocultas, que habitavam nos seres vivos e na natureza como um
todo (ventos, mares etc.). Aquele que detinha o conhecimento da magia compreendia as
relações estabelecidas entre o homem e a natureza e, ao realizar um ritual de magia, conseguia
submeter espíritos e forças ocultas ao seu desígnio e fazia com que os mesmos cooperassem.
Este homem poderia ser um mago ou mago-sacerdote, já que seria capaz de fazer a ligação do
homem com os deuses. Assim, religião e magia confundiam-se.
Detentor do conhecimento, o mago ou o mago-sacerdote fazia a ligação entre o mundo
divino e o mundo natural. Ao desenvolver os seus métodos para controlar os espíritos, eles
conseguiram adquirir conhecimentos práticos de várias substâncias, reuni-los e desenvolvê-
5
A nossa compreensão sobre epistemologia fundamenta-se em Ramos (2000, p.16), significando “o estudo da
gênese, desenvolvimento, estruturação e articulação da ciência moderna” para que a ciência seja determinada no
tempo e no contexto, numa perspectiva histórica. Ou seja, é o estudo crítico sobre a ciência, seus princípios,
hipóteses, discussões, construções, fundamentações e objetivos almejados e já alcançados.
6
Informação verbal. Semirio apresentado no Instituto de Física da Universidade de Bralia UnB,
intitulado Galileu e o nascimento da ciência moderna”, promovido pelo Grupo de Lógica e Filosofia da
Ciência do Programa de Pós-Graduação em Filosofia e pelo Instituto de sica da Universidade de Brasília, no
dia 27 de agosto de 2007. Pablo Mariconda é professor no Departamento de Filosofia da Universidade de São
Paulo e um dos tradutores do livro “Duas novas ciências”, de Galileu Galilei.
30
los a partir de sua experiência. Técnica e magia se aliam. Para Ronan (1987), o mago foi o
primeiro investigador experimental, precursor do cientista moderno. Embora hoje as ações e
pensamentos do mago distanciem da nossa ciência moderna, naquele contexto era o que se
tinha de mais racional: atuar sobre o mundo natural e o mundo dos espíritos para solucionar
os problemas do mundo físico, causados pelo mundo dos espíritos.
Ao se interessar pelos detalhes dos fenômenos naturais, o homem começou a
classificar plantas e animais e a estudar as suas particularidades; inventar instrumentos que
pudessem levantar pesos, tecer, mover objetos; fazer cerâmica; fundir materiais; desenvolver
técnicas agrícolas. A preocupação com a saúde e a procura pela cura das doenças era uma
constante, levando, portanto, à medicina. A idéia de contar e, conseqüentemente, o
surgimento do número e da matemática veio na seqüência. As posições da lua e das estrelas
eram a forma de medida para o tempo. Aliás, o céu exercia um fascínio no homem primitivo,
pelo seu movimento durante a noite, que revelava ou escondia estrelas muitas vezes as
mesmas pareciam ser lançadas do céu pelo nascer e o pôr do Sol; pelas fases da lua. Era
natural que a astronomia se desenvolvesse e até adotasse a matemática em seus estudos. E
também que surgissem as crenças do homem em relação ao céu.
Envolvidos em seu mundo mágico, místico e religioso, cada povo, de alguma maneira,
desenvolveu saberes científicos diferenciados que contribuíram enormemente para a ciência
atual. Podemos citar o desenvolvimento científico e tecnológico de algumas civilizações,
como a egípcia, as mesopotâmicas e as da América.
A civilização egípcia, envolvida pelo Rio Nilo, o deserto e o Mar Mediterrâneo, era
fechada, prática, pouco voltada às reflexões filosóficas e mais interessada na vida após a
morte do que na natureza física. Desenvolveu a própria escrita (hieróglifos) e tinha os
próprios deuses. Suas contribuições, voltadas para a técnica, referem-se às construções, ao
31
manuseio do vidro, ao conhecimento da anatomia humana (técnicas de embalsamamento), à
astronomia e à matemática.
As civilizações mesopotâmicas ocupavam o território entre os rios Tigre e Eufrates.
Delas podemos citar a invenção da escrita cuneiforme (base para a nossa escrita ocidental),
conhecimentos biológicos (várias tentativas de sistematização de espécies animais e plantas),
um sistema de pesos e medidas, a observação astronômica. Também desenvolveram a
astrologia.
As civilizações da América formadas principalmente pelos povos astecas, maias e
incas – eram muito desenvolvidas em arquitetura e em mecânica, tinham um calendário
relacionado aos eclipses e praticavam uma agricultura intensiva, fazendo uso de fertilizantes
animais e vegetais, irrigação e drenagem.
Aos poucos, o homem adotou processos mais realistas e eficientes, distanciando-se da
magia. As qualidades místicas da mesma passaram a ser empregadas por castas sacerdotais ou
ainda na feitiçaria. Um novo status, mais inferiorizado, foi creditado à magia. Os fenômenos
naturais, antes confiados às forças ocultas, foram tratados como causas naturais e a natureza
vista de forma diferenciada, buscando-se as regularidades para os fenômenos que aconteciam.
De acordo com Andery et al. (2006), esse pensamento científico-filosófico que ora se
desenvolvia aconteceu primeiramente na Grécia Antiga. A origem e o desenvolvimento da
ciência e da cultura gregas se deu mediante um longo e tortuoso processo histórico,
promovendo a passagem do saber tico ao saber racional, sem, contudo, romper totalmente
com os conhecimentos e tradições do passado.
As contribuições dos gregos Platão e Aristóteles foram primordiais nesse período e
influenciaram toda a civilização européia (e também a nossa) nos períodos posteriores. Platão
situou a ciência no primeiro plano de toda a atividade intelectual. Entretanto sua ciência
condenou a experimentação, tratando essa última como algo ruim ou uma arte mecânica. O
32
método de Platão era o da dialética, colocando-a como um instrumento de busca da verdade,
uma pedagogia científica do diálogo. Aristóteles retomou a problemática do conhecimento ao
se preocupar em definir a ciência como conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas,
capaz de superar enganos da opinião e de compreender a natureza do devir (vir a ser). Ele
propôs a primeira classificação geral do conhecimento ou das ciências, dividindo-as em três
tipos: teoréticas, práticas e produtivas. Todos os saberes, todas as ações e produções humanas
encontravam-se distribuídos nessa classificação, que ia da ciência mais alta – a filosofia
primeira até o conhecimento das técnicas criadas pelos homens. Assim sendo, podemos
dizer que na Antiguidade Clássica, principalmente na civilização grega, fazia-se uma
distinção entre epistemé e tekhné. A epistemé era considerada a verdade, o conhecimento
contemplativo e mais nobre, enquanto a tekhné era o conhecimento prático, o “saber fazer”.
Essa distinção entre os saberes (epistemé e tekhné) foi mantida na Idade Média, na
Europa, sendo alimentada pela Igreja e pelas Universidades. Uma longa aliança entre e
razão se estendeu por todo aquele período. A razão era considerada auxiliar da e a ela
subordinada. O desenvolvimento da ciência medieval foi marcado pela presença decisiva da
Igreja e a mente medieval aceitava a premissa básica da ciência: a causação. Tudo que ocorria
era efeito de uma causa anterior (tal pensamento fora herdado de Aristóteles e era usado como
prova da existência de Deus por Tomás de Aquino). Nas Universidades o que se ensinava era
a epistemé. Havia uma formação inicial em Humanidades para posterior “especialização”, que
poderia ser de três tipos: a teologia, a medicina ou o direito. Tinha-se a autoridade, que era
concretizada nos escritos de Aristóteles, cristianizado pela Igreja. A tekhné era aprendida nas
escolas de artesãos.
Porém mudanças significativas passaram a ocorrer na Europa a partir do século XIV.
Uma expansão geográfica e fatores outros impulsionaram tais mudanças. Os contatos com
outras civilizações e com os originais gregos levaram a civilização européia a redescobrir os
33
clássicos e conflagrar o surgimento de novas idéias. Era o período do Renascimento, quando
se ensinava a tekhné (as técnicas de engenharia, a pintura e outras) nas escolas de arte. O
homem medievo, que antes contemplava a natureza, passava agora a exercer domínio sobre a
mesma, numa mentalidade ativa, procurando regularidades na natureza que pudessem ser
expressas matematicamente. Pensadores renascentistas advertiam contra a cega na antiga
autoridade, fosse da doutrina religiosa, fosse de Aristóteles. Existia, enfim, uma confluência
entre a tekhné e a epistemé, na qual baseia-se a ciência moderna.
Uma vez que a filosofia e a ciência separavam-se pouco a pouco da teologia, o
pensamento independente do Renascimento ajudou a realizar outro grande acontecimento
desses séculos: a Reforma Protestante. Ela propiciou o fim da unidade que existiu no interior
do Cristianismo por vários anos e reforçou a autonomia dos Estados nascentes. Além disso, a
classe burguesa que surgia viu-se livre para dedicar-se aos seus negócios – a Igreja condenava
práticas capitalistas e o investimento dessa classe na ciência e na técnica foi marcante tanto
nesse período, quanto em períodos posteriores (Revolução Industrial).
A Terra, até então, era considerada como sendo o centro do Universo (teoria
geocêntrica), numa visão antropocêntrica. Havia uma unidade entre o geocentrismo e a
fenomenologia sentida. Posteriormente, Nicolau Copérnico propôs a teoria heliocêntrica, na
qual se considera o Sol ocupando o espaço central no Universo e o movimento de rotação e
translação da Terra, que representou uma revolução na forma de compreensão do universo.
Toda uma visão de mundo apresentava-se agora em conflito e uma nova visão precisava
estabelecer-se.
A visão de mundo que então surgia exigia “[...] o repensar de toda a produção de
conhecimento, suas características, suas determinações, seus caminhos” (ANDERY et al.,
2006, p. 177). Esse repensar, base para a ciência moderna, tinha como características
fundamentais a matematização e mecanização da natureza e a experiência. Os representantes
34
dessa nova metodologia e forma de produção de conhecimento foram Galileu, Descartes,
Francis Bacon, Newton entre outros.
Descartes, ao se debruçar em seus estudos, elaborou uma idéia diferente da visão
aristotélica. Para ele, o conhecimento estaria no sujeito, ao contrário de Aristóteles, que
“enxergava” o conhecimento no objeto, sendo a razão dependente do mesmo. Ele propôs, para
a busca do conhecimento, um método que consistia em decompor uma questão em outras
mais fáceis, até que se chegasse a um grau de simplicidade suficiente para que a resposta se
tornasse uma evidência. Francis Bacon acreditava que o conhecimento originava-se na
observação e na experiência e, a partir desse ponto, casos particulares seriam testados em
experimentos até que uma teoria geral pudesse ser formada.
Ao longo do século XVII, foram criadas, em diversos países europeus, as academias
científicas. Muitas delas tinham a preocupação de excluir as discussões filosóficas do âmbito
da ciência. Só eram considerados científicos os conhecimentos com aplicação prática. A
enciclopédia sistematizava e classificava o saber novo das ciências. O conhecimento
científico era cumulativo e progressivo. Ciência e tecnologia se aliavam e a humanidade
passou por um desenvolvimento sem igual. O espírito científico moderno poderia ser definido
como aquele que buscava a “[...]
síntese entre o racionalismo e o empirismo, entre a teoria e o
experimento, entre a provocação do fenômeno e a sistematização” (MARQUES, 1998
7
apud
MARQUES, 2002, p. 57).
No século XIX, a ciência se consolidou e passou a ser vista como um bem supremo.
Sua produção era considerada a verdade ou a resposta mais adequada a uma situação. A idéia
de uma educação sólida dependia muito mais da ciência do que do conhecimento dos
clássicos e das tradições filosóficas. A força desse conhecimento e o “sucesso” de seus
produtos tecnológicos proporcionaram ao homem moderno a sensação e a crença de que a
7
MARQUES, M. O. Conhecimento e educação. Ijuí: Ed. Unijuí, 1998.
35
ciência era o conhecimento final e único, válido para todo o sempre (MALDANER, 2000).
Uma visão positivista de ciência estabelecia os critérios para o ser ou não ciência.
Fundamentado nas idéias de Comte, que estabelecia para a ciência o status de último e mais
avançado estágio de desenvolvimento de nossa sociedade, o positivismo considerou como
características inerentes à prática científica a objetividade, a neutralidade, o progresso, a
impessoalidade, etc.
Entretanto novas teorias científicas do século XX (teoria da relatividade, mecânica
quântica etc.) trouxeram incertezas à própria ciência e as possíveis conseqüências desastrosas
(bomba atômica, desastres ambientais), advindas do progresso científico e tecnológico e
originaram um repensar sobre a ciência. Filósofos modernos da ciência, como Thomas Kuhn,
Karl Popper, Gaston Bachelard, Paul Feyrabend, Imre Lakatos e outros abrem caminho para a
discussão sobre a neutralidade da ciência e sua suposta objetividade, os seus interesses
políticos e econômicos, a sua possibilidade de falhas, que é uma construção humana. E
mais ainda: abrem caminhos para a discussão sobre o significado de ciência e a possibilidade
de se enxergar múltiplas formas de ciência, praticadas por outros povos.
Dentre os filósofos modernos da ciência, Thomas Kuhn é um dos precursores na
abordagem contemporânea da ciência. Embora Popper tenha publicado seu primeiro livro em
data anterior ao livro “A estrutura das revoluções científicas” de Kuhn, publicado em 1962, a
tradução daquele para a língua inglesa foi posterior e, por tal motivo, a sua repercussão em
nossa sociedade se deu mais tardiamente (OSTERMANN, 1996).
Thomas Kuhn analisa a natureza e a epistemologia da ciência a partir de seu contexto
histórico e assinala como características da ciência a subjetividade e o conservadorismo.
No livro “A estrutura das revoluções científicas”, Thomas Kuhn tem como objetivo
“esboçar um conceito de ciência bastante diverso que pode emergir dos registros históricos da
própria atividade de pesquisa” (KUHN, 2006, p.19). Ele assinala que as pesquisas realizadas a
36
respeito da ciência não conseguem definir e tratar, isoladamente e com clareza, suas
invenções e descobertas individuais. Outra questão é definir o “componente científico” em
cada observação ou crença pesquisada. Daí, Kuhn expõe a necessidade de se considerar o
contexto em que cada crença, observação, teoria são colocadas. Há que se fazer uma
contextualização da ciência. Ou seja, aquela teoria que hoje pode ser considerada arcaica ou,
ainda, um mito ou uma crença, certamente tinha uma significado muito diferente na época em
que foi elaborada. “Teorias obsoletas não são em princípio a-científicas simplesmente porque
foram descartadas” (KUHN, 2006, p. 21). Sendo assim, o modelo de desenvolvimento da
ciência por acumulação, no mínimo, descaracteriza a ciência. Além disso, não considera que a
ciência possui, em si mesma, um conjunto de crenças admissíveis. Tais crenças delimitam a
observação e a experiência, mesmo que não assumidas pela ciência.
Outro ponto levantado por Kuhn é a questão da subjetividade da ciência. Embora seja,
a princípio, polêmico afirmar que a ciência tem também um caráter subjetivo, ao
considerarmos que tal aspecto refere-se ao quadro referencial, à historicidade do cientista e à
sua inserção em uma determinada cultura (científica), temos a compreensão de que essa
subjetividade faz-se presente em qualquer pesquisa científica, que carregamos os nossos
valores, as nossas experiências, a nossa formação individual ao formularmos qualquer
hipótese frente a uma observação.
Em contraposição ao modelo cumulativo de desenvolvimento da ciência, Kuhn propõe
que o desenvolvimento da mesma seja realizado em dois períodos: o da ciência normal e o da
revolução científica, que se alternam ao longo da história. No período de ciência normal, a
comunidade científica adere a um paradigma, enquanto no período de revolução este
paradigma é colocado em debate, gerando um estado de crise que pode levar a novos
paradigmas.
37
As idéias de Thomas Kuhn foram fortemente debatidas, que ele se refere à
comunidade científica como sendo conservadora e resistente a mudanças. Entretanto, tais
idéias proporcionaram um novo e mais crítico olhar sobre a ciência. Na educação, essas idéias
aliam-se à idéia de descontinuidade do conhecimento e suas rupturas para que haja a evolução
conceitual.
Karl Popper, além de não desprezar a metafísica como possibilidade de
desenvolvimento da ciência, busca propor um método para a ciência diferente daquele
proposto pelos neo-positivistas. Em seu estudo sobre a natureza da ciência, ele propõe a idéia
de um racionalismo crítico, no qual se tem uma disposição para a crítica e para a
argumentação. Assim, é possível ouvir as diferentes posições e tomar-se uma decisão a partir
da argumentação.
Popper (2000) inicia suas críticas ao neopositivismo lógico, examinando o problema
de demarcação intrínseco à indução e propondo como critério de demarcação para as ciências
empíricas, não a verificabilidade de um sistema, mas a sua falseabilidade. Dessa forma, para
Popper, o que é científico está na possibilidade de ser testado e refutado.
Ao se submeter um sistema (ou teoria) à prova, expondo-o à falsificação, Popper
(2000) compreende que será selecionado aquele que, comparativamente, seria o melhor. Se a
teoria não resistir ao teste, ela deverá ser eliminada e substituída por outra. Dessa forma, a
teoria que mais se adaptar, será a melhor disponível naquele momento. A progressão da
ciência se daria, então, por conjecturas e refutações.
Contrapondo-se ao positivismo lógico, Popper progride na compreensão da ciência ao
propor que a teoria precede a observação e considerar a reformulação contínua das teorias
científicas. Entretanto ainda mantém-se preso a um método científico, sofrendo críticas de
outros filósofos da ciência.
38
De acordo com Borges (1996), a oposição ao indutivismo e a proposição de um
método hipotético-dedutivo de Popper influenciaram na área da educação no sentido da
valorização do conhecimento prévio dos estudantes e na idéia de aprendizagem como uma
construção.
As teorias dos dois filósofos foram referências para as pesquisas em educação
científica, principalmente no que concerne às teorias das concepções alternativas e mudança
conceitual e à crítica à prática indutivista dos professores de ciências, mais especificamente
em questões relacionadas a aulas experimentais.
1.2 – SABER POPULAR, CULTURA E CULTURA POPULAR
Chás medicinais, artesanato, mandingas, cantigas de ninar, culinária... Todos esses
artefatos culturais constituem-se como saberes populares. Eles não exigem espaço e tempo
formalizados, são transmitidos de geração em geração, por meio da linguagem falada, de
gestos e atitudes. E são também transformados à medida que, como parte integrante de
culturas populares, sofrem influências externas e internas. Embora, em princípio, possam estar
presentes nas práticas cotidianas das classes privadas de capital cultural e econômico, como
afirma Lopes (1999), acreditamos que essa não seja uma característica suficiente que para
definir os saberes populares. Por tal motivo, compreendemos que, para melhor defini-los,
necessitamos entender a cultura popular e, fatalmente, o significado de cultura no sentido
antropológico.
Ainda que nós, seres humanos, vivenciemos a diversidade cultural desde tempos
remotos, a preocupação com a mesma e, por conseguinte, a busca de um conceito de cultura,
se tornou uma necessidade a partir do momento em que as relações “civilização
dominante/civilização dominada” mudou de sentido com o advento do capitalismo. Não se
queria mais a destruição de um povo como forma de domínio, mas a sua transformação para
39
que ele se adequasse aos ideais capitalistas e tornasse consumidor dos valores da civilização
dominante (cultura ocidental). Para tanto, tornou-se necessário conhecer a cultura dos povos
da colônia para que os mesmos adotassem valores impostos (VELHO e CASTRO, 1978). É
nesse contexto que surge a primeira definição de cultura, no sentido antropológico, sintetizada
por Edward Tylor a partir de dois termos utilizados pelos alemães Kultur, significando os
aspectos espirituais de uma comunidade e pelos franceses civilization, significando as
realizações materiais de um povo. Para Tylor (1958
8
apud GEERTZ, 1989, p. 25), cultura é
“este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou
qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade”.
Dentro dessa definição, tinha-se uma crença em uma unidade fundamental do ser
humano, ponto de partida para a idéia de evolucionismo linear, que veio das primeiras
incursões da antropologia no entendimento da cultura. Tal idéia pregava que a evolução de
cada sociedade humana ocorria de forma linear, a partir de estágios definidos, passando do
estágio de selvageria, barbárie, até atingir o maior estágio de evolução o de civilização. No
caso, o estágio de civilização de maior desenvolvimento era considerado como sendo o da
sociedade européia. Ou seja, a cultura desenvolvia-se de maneira uniforme para todo e
qualquer tipo de sociedade e todas elas passariam pelos mesmos estágios de evolução. Ao se
colocar o evolucionismo linear, a sua fundamentação apoiava-se na teoria científica de
Charles Darwin desenvolvida em seu livro “A origem das espécies”. Embora em momento
algum Darwin associasse a sua teoria com a evolução” da espécie humana proposta pelo
evolucionismo linear, o chamado darwinismo era agora a validação científica necessária para
a elite européia (LARAIA, 2005; VELHO e CASTRO, 1978).
8
TYLOR, E. Primitive culture. London: John Mursay & Co, 1958.
40
Nesse sentido, povos que possuíam hábitos, manifestações, atitudes diferentes, ou seja,
uma cultura diferente daquela da civilização européia, seriam auxiliados a atingir mais
rapidamente os estágios de evolução. Tal estudo levava muitos pesquisadores a buscarem a
compreensão de relações estabelecidas por determinada sociedade a partir do estudo do
passado das mesmas.
À medida que a antropologia se fundamenta como ciência e passa a realizar pesquisas
etnográficas, o conceito de cultura vai modificando-se. Novas linhas de pensamento aparecem
e, dentre elas, a de Franz Boas, pesquisador alemão que se tornou antropólogo ao estabelecer
contato com os esquimós. Ele foi um dos maiores críticos do evolucionismo linear. Como
resultado de suas pesquisas, Boas propõe o particularismo histórico, recusando-se a acreditar
nas idéias de determinismos geográfico e biológico
9
sugeridos pela abordagem unilinear, e
buscando a cultura e as particularidades históricas para explicar a diversidade cultural. Para
ele, as investigações históricas é que possibilitam compreender as origens de algum traço
cultural e de como este se apresenta em um dado conjunto cultural. Cada cultura deveria ser
estudada dentro de sua especificidade.
Diferentemente do método comparativo utilizado até então pelas abordagens
evolucionistas nos estudos sobre a cultura, que resultava em discriminação e uma noção de
atraso das culturas diferentes daquela em que se estava arraigado, Boas propõe que a
comparação dos resultados obtidos nos estudos realizados sobre as diferentes sociedades
levasse em consideração estudos históricos de tais sociedades e, também, os efeitos das
condições psicológicas e do meio ambiente em que os membros das mesmas se encontravam.
Entendemos que Boas considerava os resultados obtidos até então como prematuros, pois não
se havia estabelecido uma comparação confiável, já que a mesma era realizada de acordo com
9
Os determinismos biológico e geográfico consideram que as diferenças genéticas (biológico) e do ambiente
físico (geográfico) são os fatores condicionantes da diversidade cultural (LARAIA, 2005).
41
a visão de seus pesquisadores, que consideravam a sua própria cultura ao fazerem suas
comparações (LARAIA, 2005).
Para o pesquisador Franz Boas, todas as sociedades devem ser compreendidas a partir
de seus próprios critérios, sendo que nenhuma sociedade pode ser considerada melhor que
outra e a dinâmica da cultura está na interação entre os indivíduos e a sociedade. Daí, a noção
de cultura passa a ter um caráter mais relativista e a difusão cultural agora é vista como
podendo ocorrer em várias direções, contrariamente à proposta da abordagem unilinear
(CASTRO, 2004).
Teorias modernas sobre cultura tentam reconstruir o seu conceito. Keesing (1974
10
apud LARAIA, 2005), em seu artigo sobre as várias teorias referentes à cultura, faz uma
classificação das mesmas em dois tipos: as teorias que consideram a cultura como um sistema
adaptativo e as teorias idealistas de cultura. As primeiras são defendidas pelos antropólogos
White, Sahlins, Harris, Carneiro, Rappaport, Vayda, entre outros. Elas avaliam a mudança
cultural como um processo de adaptação semelhante à seleção natural de Darwin. As teorias
idealistas podem ter três abordagens, sendo a primeira aquela que trata a cultura como um
sistema cognitivo e está diretamente ligada aos métodos lingüísticos, que aceita a cultura
como um sistema de conhecimento que alguém deve ter para atuar dentro de sua sociedade. A
segunda abordagem vem da teoria de Lévi-Strauss, que considera a cultura como “um sistema
simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana” (LARAIA, 2005, p. 61). O
homem se “humaniza” a partir de um modo de vida particular. A terceira abordagem é
defendida por Geertz e Schneider. Para Geertz (1989, p. 24), a cultura
[...] não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os
acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos;
ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma
inteligível isto é, descritos com intensidade. São sistemas entrelaçados de
signos interpretáveis.
10
KEESING, R. Theories of culture. Annual Review of Anthropology. Palo Alto, California, 1974. v. 3.
42
Dessa forma, fazer o estudo de uma determinada cultura significa estudar um código
de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura. Schneider (1968
11
apud LARAIA,
2005) considera a cultura como um sistema simbólico com categorias e regras sobre os
comportamentos.
Como podemos perceber, um conceito definitivo de cultura não existe, atualmente. No
entanto podemos fazer uma síntese dos aspectos básicos da cultura. Na nossa visão, a
compreensão sobre cultura é de que ela possui um sistema simbólico codificado. Tais códigos
são interpretados pelos membros da mesma cultura, foram construídos por seres humanos e
transmitidos aos seus sucessores como herança. Estes últimos podem modificar seus códigos,
reconstruí-los, criar novos códigos, em um processo dinâmico (MORAIS, 1992; VELHO e
CASTRO, 1978).
Como a cultura popular pode ser compreendida dentro de um “tipo” de cultura, os
aspectos inerentes a essa (simbologia, dinamicidade) devem estar presentes também naquela.
Entretanto a característica de dinamicidade nem sempre foi considerada como pertencente à
cultura popular. Os vários estudos referentes a ela tinham o propósito de guardar as suas
manifestações (artesanato, canções, poesias, enfim, o que se podia materializar),
“tradicionais” e atrasadas, como forma de preservação para que não fossem “engolidas” por
uma sociedade cada vez “mais evoluída”, pois aquelas eram resquícios de uma outra época.
Era um passado que ainda sobrevivia, engessado, no presente (AYALA e AYALA, 1987).
Remetendo-nos aos primeiros estudos sobre a cultura popular, encontramos os escritos
sobre os costumes populares vindos dos Antiquários que colecionavam os objetos populares e
acreditavam na bondade e pureza de alma daqueles que o produziam. Nessa perspectiva, um
dos primeiros a pensar sobre o termo foi J. G. Herder, em 1778, quando se referia às canções,
poesias e histórias transmitidas oralmente pelos camponeses europeus. A visão era romântica
11
SCHNEIDER, D. American kinship: a cultural account. New Jersey: Prentice-Hall, 1968.
43
e ingênua e, também, manifestou-se no Romantismo, uma corrente de idéias iniciada na
Europa no final do século XVIII, a qual possuía como características o individualismo, a
emoção e o nacionalismo e se contrapunha ao racionalismo que marcava a sociedade
capitalista da época. Do Romantismo vinha o interesse por uma identidade nacional,
encontrada “intacta” no povo simples, puro e arraigado em suas tradições (CAVALCANTI,
2003; VIANNA, 2004).
Em 1846, o inglês Williem John Thoms, ao se referir à “literatura popular” que
pretendia documentar, introduziu um termo para designar as manifestações populares,
“propensas a desaparecer”. Ele fez uso do neologismo inglês folk-lore (folclore - saber do
povo) para designar esse campo de estudos. Desse então, o termo folclore é empregado para
se fazer menção às manifestações populares. Entretanto, assim como afirmam Ayala e Ayala,
(1987), podemos perceber o tom pejorativo, ligado ao atraso, ao rústico, grosseiro e simples
atribuído ao folclore. Na Europa e nos Estados Unidos, segundo Chartier (1995), o folclore
contrastava com a cultura letrada e dominante. Ele possuía expressões socialmente puras,
facilmente identificáveis a partir de objetos ou modelos culturais. Devido a isso, damos
preferência ao termo cultura popular, que a entendemos como dinâmica e dotada de sua
simbologia própria, que não pode ser comparada aos padrões de uma cultura erudita.
Segundo o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes (1989), os estudos sobre o
folclore
12
iniciaram-se dentro de uma representação social e cultural da sociedade hegemônica
que se baseava na filosofia positivista e evolucionista. Tinha-se a cultura erudita, sofisticada e
criativa, e a cultura popular, rústica, baseada no “fazer”, menos cosmopolita (VELHO e
CASTRO, 1978). Entretanto o que se podia observar, segundo Fernandes (1989), é que
muitas das práticas ditas “populares” estavam inseridas dentro daquela sociedade dita
12
Em princípio, o termo folclore adotado por Florestan Fernandes não possui conotação pejorativa, como pode
ser observado em suas análises.
44
“civilizada” (as cirandas de roda, por exemplo). O exaltado progresso da sociedade não se
realizava uniformemente em toda a sociedade.
Para contrapor à idéia de progresso proveniente da elite, no mesmo período, o
materialismo histórico de Marx e Engels trazia a possibilidade de progresso e de revolução
para a classe proletariada. Evidentemente, como coloca Fernandes (1989), essa idéia não
agradava à burguesia dominante, sendo necessário estabelecer que o progresso existisse junto
à elite, enquanto o povo mantinha-se em seu estágio de atraso e apego ao passado.
A partir de trabalhos de campo realizados sobre manifestações culturais populares, tal
visão positivista sobre o “folclore” (cultura popular) começou a ser discutida, e os fatos e
elementos considerados folclóricos passaram a ser analisados em seu contexto, como aspectos
particulares de uma cultura dentro de uma sociedade.
No Brasil, os primeiros estudos mais relevantes sobre a cultura popular foram
realizados por Sílvio Romero, Amadeu Amaral e Mário de Andrade. Enquanto o primeiro
ainda apresentava uma visão positivista e cientificista, acreditando que as manifestações da
cultura popular sejam mais presentes no meio rural e em cidades do interior, propensas a
extinguir por não poderem fazer frente ao progresso da sociedade em geral, os outros dois
buscavam na cultura popular uma identidade nacional e percebiam a necessidade de se
considerar o contexto em que a cultura popular estava inserida. Isto é expresso por Ayala e
Ayala (1987, p. 22) ao fazerem à referência às proposições de Amaral:
[...] os registros de qualquer manifestação devam ser acompanhados de
informações sobre o local de ocorrência, a situação de pesquisa, as pessoas
envolvidas (sexo, idade, condição social), bem como o que podemos chamar
de contexto: no caso da poesia, as músicas e danças que as complementam...
Dessa forma, uma nova visão é definida. Os demais fatores sociais e culturais
pertinentes são considerados, compreende-se que as diferenças de mentalidade existentes se
dão devido à possibilidade desigual de participação dos grupos dentro da sociedade e que os
45
valores considerados ultrapassados atingem mais facilmente tais grupos, porque são
transmitidos de forma informal e com maior acessibilidade. Enfim, os fenômenos de mudança
cultural são percebidos e considerados todos os elementos da cultura popular, sem a distinção
entre material e espiritual (CAVALCANTI, 2003; FERNANDES, 1989).
Nessa nova visão, “as práticas sociais se mantêm, desaparecem ou se modificam à
medida que os homens, vivendo sob certas condições econômicas e sociais, realizam ou
deixam de realizar aquelas práticas” (AYALA e AYALA, 1987, p. 33). Não competia mais
aos museus exporem os objetos materiais (artesanato, roupas) pertencentes à cultura popular,
nem mesmo transcrever as poesias, as cantigas. As manifestações populares não são estanques
e, como tal, propensas a extinguir. Afinal, quantos de nós ainda fazemos uso de ervas
medicinais para a cura de doenças? Ou ainda: carnaval, mandingas, cantigas de roda, festa
junina, não estão presentes na nossa sociedade do século XXI? Podem ter sofrido alterações,
mas mantêm ainda a sua simbologia. Mantêm a tradição, interpretada aqui como “o fator de
identidade – união, caráter, coerência e coesão – de um povo.” (ROCHA, 1996, p. 13).
Na atualidade, o termo cultura popular é utilizado para diferenciar-se da cultura de
massa e da cultura de elite. A cultura de massa (ou ainda cultura para as massas ou indústria
cultural, como propõe Canclini, 2001) descaracteriza a própria cultura, pois busca a
homogeneização, ilude ao criar uma noção de unidade e mascara as reais diferenças culturais,
enquanto a cultura de elite é aquela instituída pelos meios formais (ARANTES, 1985;
AYALA e AYALA, 1987).
Sintetizando as idéias expostas, Canclini (2001), a fim de contestar as idéias mais
simplistas a respeito de cultura popular, enfatiza que a cultura popular não será desmantelada
pelo progresso da sociedade moderna; que ela o está presente somente nas zonas rurais, nas
cidades do interior ou nas culturas tradicionais isso pode ser exemplificado pelos grupos de
rap (grupos urbanos) cada vez mais presentes em nossa sociedade –; ela não está concentrada
46
nos objetos materiais uma colcha tecida no tear retirada de seu meio não tem significado
sozinha –; seus integrantes não a “cultivam” por viverem em uma nostalgia; ela não é
monopólio dos setores populares.
Não obstante entendermos que o significado de cultura popular seja tão complexo
quanto o de cultura, parafraseamos Xidieh e definimos cultura popular como aquela “... criada
pelo povo e apoiada numa concepção do mundo toda específica e na tradição, mas em
permanente reelaboração mediante a redução ao seu contexto das contribuições da cultura
erudita, porém, mantendo a sua identidade.” (XIDIEH, 1976
13
apud AYALA e AYALA,
1987, p. 41).
Retornando aos saberes populares, compreendemos que os mesmos fazem parte de
uma prática cultural pertencente a um determinado grupo e que têm como ponto em comum o
“ser dominado”, como afirma Garcia (1979). Entretanto isso não significa que os mesmos
refletem o discurso dominante, mas que existe uma “antropofagia no saber popular, ele engole
o saber dominante e o cospe diferente” (GARCIA, 1979, p. 109). A partir dos saberes
populares, um grupo se identifica e interpreta a sua realidade.
Em nosso trabalho, procuramos saberes populares manifestados em práticas mais
específicas – como a tecelagem manual ou a produção de panelas de barro –, ligadas a grupos
que as exercem muitos anos e que as consideram, no sentido mais usualmente empregado,
tradicionais.
1.3 – O SABER ESCOLAR
O papel atribuído pela nossa sociedade à escola é o de uma instituição socializadora e
produtora de saberes. A concretização desse papel se no processo de ensino e
aprendizagem, no qual estão envolvidos, em uma relação triangular, professores, alunos e
13
XIDIEH, O. E. Cultura popular. In: _____ . Feira nacional da cultura popular. São Paulo: SESC, 1976.
47
conhecimento
14
. Entretanto, o saber normalmente “transmitido” e valorizado pela escola é o
saber formal, instituído nos meios acadêmicos. Este é o caso do conhecimento científico.
Em princípio, o conhecimento científico que seria “transmitido” pela escola foi
produzido em outra esfera (centros de pesquisa, academias, universidades). Por tal motivo,
existe a necessidade que este sofra um processo de transformação para que se possa chegar às
escolas como elemento de ensino. A fim de compreender como esse processo é edificado,
Chevallard (1985
15
apud RODRIGUES e OLIVEIRA, 1999) analisou como os conteúdos de
matemática foram inseridos no currículo escolar e, dessa questão, criou uma ferramenta de
análise, a transposição didática. Nessa, existem três estágios: o saber sábio, o saber a ensinar e
o saber ensinado.
O saber sábio é produzido dentro da comunidade científica. Em seu contexto são
criadas hipóteses, teorias, modelos na tentativa de buscar soluções e explicações para as
situações problemáticas que são apresentadas dentro daquele âmbito. Em geral, os
pesquisadores se envolvem com questões diferentes daquelas referentes ao processo ensino e
aprendizagem (embora aqui possam também estar envolvidos pesquisadores voltados
especificamente para isso).
Para ser inserido na escola, o saber sábio é reestruturado e os conteúdos são
selecionados para que possam atingir os objetivos de ensino. Tem-se, então, o saber a ensinar,
que é aquele apresentado nas propostas curriculares, nos livros didáticos e nos planos de
ensino. Para Pinheiro (1996
16
apud PIETROCOLA et al., 2002), os conteúdos de ensino
devem possibilitar que exercícios, avaliações ou trabalhos práticos sejam elaborados e que o
estudante possa aprender.
14
Nesse momento, adotamos o termo conhecimento em vez de saber por ser aquele empregado nos documentos
oficiais da educação brasileira, como a LDB, os PCN, etc., que são abordados nessa subseção do capítulo 1.
15
CHEVALLARD, Y. La transposition didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Grenole: La Pensée
Sauvage, 1985.
16
PINHEIRO, T. F. Aproximação entre a ciência do aluno na sala de aula da 1
a
série do 2
o
grau e a ciência
dos cientistas: uma discussão. 1996, Santa Catarina. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade
Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 1996.
48
O saber ensinado é aquele que chega até o estudante, praticado dentro da escola. O
fato de se estabelecer um saber a ensinar não significa que este se torne um saber ensinado.
As relações que se estabelecem dentro da escola e, especificamente, na sala de aula, são
complexas e o próprio processo ensino e aprendizagem depende de todo um contexto e das
pessoas nele envolvidas.
Submersos em todo esse processo, existem várias esferas inseridas em uma esfera
maior, denominada noosfera (PIETROCOLA et al., 2002; LOPES, 1999). Dentro dessas
esferas existem vários grupos que interferem nesse processo de transposição didática. Na
esfera do saber sábio estão os pesquisadores, as agências financiadoras das pesquisas; na
esfera do saber a ensinar encontram-se o Estado, os autores de livros didáticos (LD), as
editoras, os especialistas, os professores; e na do saber ensinado, os diretores e proprietários
de escola, professores e estudantes. Evidentemente, a sociedade encontra-se inserida em todas
as esferas e existe uma fronteira flexível entre as várias esferas. Os grupos pertencentes a uma
delas também por estar inseridos em outra. Dessa forma, a nossa compreensão sobre a
transposição didática e seus elementos (noosfera, saber sábio, saber a ensinar, saber ensinado)
pode ser assim esquematizada:
NOOSFERA
2- SABER
A
ENSINAR
1-SABER
SÁBIO
3- SABER
A SER
ENSINADO
- pesquisadores
- comunidade
científica
- Estado
(políticos)
- educadores
- editoras
- autores de LD
- professores
- pais
- estudantes
- diretores de
escolas
1
2
3
Figura 1 - Representação esquemática da noosfera e de seus grupos constituintes dentro de cada
estágio da transposição didática.
49
Em todo esse processo de transposição didática, o saber sábio passa por
transformações para constituir o saber escolar aquele que é formalmente ensinado na escola
–, fazendo com que o primeiro se despersonalize, se descontextualize e se desincretize
(RODRIGUES e OLIVEIRA, 1999). Na despersonalização, os sujeitos produtores do
conhecimento tornam-se anônimos, o conhecimento toma ares de universalidade e
generalidade. Na descontextualização são neglicenciados os contextos e as origens da
produção e desenvolvimento de determinado conhecimento, enquanto na desincretização o
saber sábio é extraído de seu ambiente epistemológico. Como afirma Ricardo (2005, p. 169),
[...] a desincretização consiste na separação das práticas teóricas dos campos
delimitados de saberes em campos de práticas de aprendizagem específicas,
dissociando o modelo teórico em conceitos assumidos como independentes,
o que acaba impondo a especialização e a divisão em disciplinas escolares,
em capítulos e seções inerentes ao projeto didático.
Embora possam existir críticas relativas à transposição didática, como faz Caillot
(1996
17
apud RICARDO, 2005) ao referir-se a não-possibilidade de adoção dessa ferramenta
em outras áreas do conhecimento, como a língua materna e a geografia, entendemos que tal
ferramenta possibilita uma melhor compreensão sobre a disciplinaridade e a necessidade de
contextualização em sala de aula. Além disso, a transposição didática é uma das referências
para as novas políticas educacionais brasileiras.
1.3.1 – O saber a ensinar no Brasil: novas políticas educacionais para o Ensino Médio
No Brasil, o contingente estudantil aumentou significativamente nos últimos trinta
anos. Para atender a toda essa demanda e tendo em vista as rápidas transformações por que
passa a nossa sociedade, o Ministério de Educação (MEC) implementou políticas novas na
17
CAILLOT, M. La théorie de la transposition didactique est-elle transposable? In: RAISKY, C.; CAILLOT, M.
(éds). Au-delà des didactiques, le didactique: débats autour de concepts fédérateurs. Bruxelles: De Boeck &
Larcier S.A., 1996.
50
educação, alicerçadas na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n
o
9394/96). Esta lei incorpora em suas diretrizes os quatro pilares da educação propostos pela
UNESCO para a sociedade do novo milênio: aprender a conhecer, aprender a ser, aprender a
fazer, aprender a viver (BRASIL, 2002a).
Diante desse pressuposto, uma iniciativa apresentada na nova lei foi incorporar o
ensino médio como etapa final da educação básica, que passa a ser composta pela educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio. Dessa forma, o ensino médio, anteriormente sem
características próprias e interpretado, muitas vezes, como um “trampolim para o ensino
superior (para aqueles que poderiam atingi-lo), insere-se como parte integrante da formação
básica do ser humano como cidadão.
A fim de estabelecer definições para fundamentar a organização pedagógica e
curricular do ensino médio, foram criadas as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio
(DCNEM), nas quais as orientações para a proposta curricular voltaram-se para a aquisição,
pelos estudantes, de competências e habilidades básicas: “domínio dos princípios científicos e
tecnológicos que presidem a produção moderna; conhecimento das formas contemporâneas de
linguagem; domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício
da cidadania” (BRASIL, 2002a, p. 31).
Seguindo essa mesma linha, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio PCN (BRASIL, 2002a), apresentam uma organização do conhecimento escolar em
três áreas: linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências da natureza, matemática e suas
tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias. Para cada área são definidas competências e
habilidades.
Permeando toda essa proposta curricular, a interdisciplinaridade e a contextualização
são apresentadas como formas de superar a compartimentalização do conhecimento escolar e
a falta de significação que os estudantes atribuem aquilo que é ensinado em sala de aula. A
51
interdisciplinaridade é interpretada, nos PCN (BRASIL, 2002a, p.36), como “uma abordagem
relacional, na qual se propõe que, por meio da prática escolar, sejam estabelecidas
interconexões e passagens entre os conhecimentos através de relações de complementaridade,
convergência ou divergência”, e deve partir da necessidade sentida pelas escolas,
professores e alunos de explicar; compreender; intervir; mudar; prever, algo que
desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários.
(BRASIL, 2002a, p. 88-89, grifo no documento).
Nos PCN+ Ensino Médio (BRASIL, 2002b), são apontadas algumas exemplificações
para se trabalhar a interdisciplinaridade. Entretanto, ao sugerir um exemplo para a Língua
Portuguesa – “[...] ao tratar dos gêneros narrativos ou descritivos, pode fazer uso de relatos de
fatos históricos, processos sociais ou descrições de experimentos científicos” (BRASIL,
2002b, p. 18) –, a idéia de interdisciplinaridade pareceu voltar-se para o uso de outras
disciplinas como “apêndice”. Fazenda (1979, p. 51) afirma que a interação é a condição
necessária para a interdisciplinaridade e não a integração, na qual ocorre “uma justaposição de
conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a integração de conteúdos numa mesma disciplina”.
Nesse sentido, a aplicabilidade da interdisciplinaridade sugerida nos PCN+ Ensino Médio nos
pareceu comprometida. No entanto, também temos a compreensão de que a interpretação
dada para a interdisciplinaridade ainda não atingiu um consenso e que, por causa disto, a sua
aplicabilidade e o seu valor ainda estão em discussão.
Compreendemos, assim como Fazenda (1971
,
p. 53), que
O que se pretende, portanto, não é propor a superação de um ensino
organizado por disciplinas, mas, a criação de condições de ensinar-se em
função das relações dinâmicas entre as diferentes disciplinas, aliando-se aos
problemas da sociedade. A interdisciplinaridade torna-se possível então, na
medida em que se respeite a verdade e a relatividade de cada disciplina,
tendo-se em vista, um conhecer melhor.
52
Em relação à contextualização, embora a sua definição não seja apresentada
explicitamente nos PCN, ela é vista como uma forma de suplantar o comportamento passivo
do estudante em sala de aula frente aos conhecimentos apresentados pelo professor.
Contextualizar não significa trazer exemplos do cotidiano para que isto “aproxime-se”
do estudante. Em nossa visão, a representação esquemática feita por Ricardo (2005) da
contextualização numa dimensão sócio-histórica apresenta tal conceito de forma mais
esclarecedora.
Figura 2 - Esquema de representação sócio-histórica da contextualização.
Fonte: Ricardo (2005, p. 239).
Nesse esquema, a curva A representa uma tentativa de contextualização. Parte-se da
realidade para ir para o nível de abstração (utilização de conceitos científicos para a
explicação dessa realidade), porém, sem retornar à realidade. Ou ainda, no sentido inverso,
indo da abstração para a realidade, o que é comumente observado em sala de aula quando o
professor traz exemplos do cotidiano (“o vinagre utilizado para temperar a salada é um ácido
fraco”).
Na curva B, inicia-se uma problematização a partir da realidade, buscam-se
soluções/explicações para a situação-problema apresentada nas teorias, modelos, conceitos
científicos (modelização) e retorna-se à realidade, com uma bagagem intelectual mais rica
para compreendê-la (RICARDO, 2005).
N
ão obstante as críticas existentes às DCNEM e aos PCN (RICARDO, 2005;
MACEDO, 1998), tais ações do Estado visavam melhorar a qualidade da educação básica no
Brasil e atentaram-se para alguns aspectos da transposição didática que podem ser prejudiciais
problematização contextualização
REALIDADE
modelização
B
A
53
ao ensino e à aprendizagem (como a descontextualização e a desincretização). Mudanças no
sentido de atender aos PCN levaram a uma melhoria dos livros didáticos de ciências
(Química, Física, Biologia).
Todavia cabe ao professor o papel de mediador entre o conhecimento e o estudante e a
sua parcela de contribuição é essencial e determinante no processo ensino e aprendizagem.
Ao nos referirmos ao ensino de ciências, percebemos que o discernimento do
professor, no que concerne à ciência da escola e à ciência dos cientistas, não parece estar
claro, pois, ao apresentar problemas para o estudante durante as suas aulas, ele não percebe
que estes não são verdadeiros problemas nem para os cientistas e nem para os estudantes. A
ciência do cientista é realizada em outro contexto e aplica-se a situações problemáticas
diferentes daquelas da escola, enquanto para o estudante a situação problemática proposta
pelo professor está distante de sua realidade, pois o primeiro não consegue estabelecer
relações entre o que foi ensinado (e não aprendido, assimilado) de ciências na escola e o que
ele mesmo vivencia. Dnão existir a compreensão, em um caso simples da Química, de que
o preparo de um copo de suco envolve conhecimentos químicos relativos à solução,
concentração e forças intermoleculares. Nesse caso, o estudante fica exposto a manipulações
da indústria e da mídia ao tentar convencer o consumidor a adquirir seus produtos, como no
caso do óleo de soja sem colesterol ou ainda “produtos naturais sem química”. Ainda que a
ciência dos cientistas não seja a mesma da escola, ela encontra-se vinculada à realidade e
esses vínculos devem ser mantidos (PIETROCOLA et al., 2002) para que a aprendizagem de
ciências tenha significado para o estudante. É nesse sentido que a contextualização no
processo ensino e aprendizagem faz-se necessária.
Outra forma de dar significação à ciência da escola é inserir em sala de aula, a partir
da história da ciência, o contexto em que as teorias e modelos científicos foram elaborados.
Dessa forma, o professor não estaria simplesmente apresentando o produto, mas o processo de
54
produção de conhecimento científico, dando significado àquilo que está sendo
ensinado/aprendido. Vários pesquisadores (MATTHEWS, 1995; BASTOS, 2005; FREIRE
Jr., 2002) têm apontado a inclusão da história da ciência no ensino de ciências como uma das
formas de auxiliar o estudante a compreender a subjetividade da ciência e a sua construção
humana, histórica, contextualizada, permeada de idealizações, teorias e leis. Além disso, a
história da ciência pode servir como forma de superar algumas concepções espontâneas dos
estudantes, pois muitas dessas assemelham-se àquelas de um determinado período da ciência
(ex: a teoria do calórico, a teoria do flogisto). Por conseguinte, se um conceito na ciência
possibilitou a superação de um obstáculo epistemológico, ele também poderia auxiliar o
estudante a superar as suas próprias concepções.
No debate sobre a fragmentação do saber, apresentado nos PCN, uma das propostas
para a diminuição da mesma é a interdisciplinaridade. Mais do que a interdisciplinaridade,
salientamos a importância de considerarmos a diversidade de saberes (incluindo aqui outros
saberes que não os formais) e a necessidade de interlocução entre os mesmos. Interlocução
que, para Marques (2002, p. 19)
[...] está sempre em reconstrução através das aprendizagens no mundo das
tradições culturais e no mundo das vivências dos sujeitos singularizados,
vivências que se ressignificam nos espaços e tempos sociais dos distintos
âmbitos lingüísticos e do convívio das alteridades distintivas.
Acreditamos que essa interlocução é que possibilita compreender a nossa realidade e a
nossa formação cultural e pode tornar a aprendizagem mais fácil, pois as experiências
variadas e vivenciadas por cada um estarão presentes.
1.4 – A ABORDAGEM TEMÁTICA SEGUNDO PAULO FREIRE
A tecelagem manual no Triângulo Mineiro, uma das manifestações culturais da região,
foi escolhida por nós como tema a ser trabalhado no Ensino Médio, ou seja, será realizada
55
uma abordagem temática. Tal abordagem, segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002),
é aquela em que a organização curricular baseia-se em temas que direcionam os conteúdos de
ensino das disciplinas. Os conceitos científicos, nesse caso, estão subordinados ao tema.
Como referencial teórico para uma abordagem temática, buscamos Paulo Freire e o seu
conceito de tema gerador, aliado a uma educação como prática da liberdade.
Paulo Freire é um educador brasileiro reconhecido internacionalmente. Seu livro
“Pedagogia do Oprimido”, traduzido em várias línguas e atualmente na 46
a
edição, aborda a
questão do oprimido, aquele que está à mercê de uma sociedade dominadora/opressora e que
somente lhe oferece uma educação bancária, não-dialógica. Voltada inicialmente para os
camponeses e as classes mais pobres, a pedagogia desenvolvida por Paulo Freire em tal obra
passou a ser amplamente discutida nos meios educacionais em diversos países. No Brasil, a
proposta apresentada pelo educador foi implementada no Estado de São Paulo, no que se
chamou de Movimento de Orientação Curricular (PONTUSCHKA, 1993).
A fim de problematizar a educação, Freire (2000) trata, de início, da educação
bancária. Ela significa
[...] um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o
educador o depositante [...]. Na visão “bancária” da educação, o saber” é
uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. [...] o
pode haver conhecimento pois os educandos não são chamados a conhecer,
mas a memorizar o conteúdo narrado pelo educador. Não realizam nenhum
ato cognoscitivo, uma vez que o objeto que deveria ser posto como
incidência de seu ato cognoscente é posse do educador e não mediatizador
da reflexão crítica de ambos (p. 58 e 69, grifo do autor).
Em contraposição à educação bancária, que aliena e não faz do ser humano um ser
crítico-reflexivo, consciente de sua situação no mundo, Freire (2000) propõe uma educação
libertadora e problematizadora. Nesta, educador e educando são sujeitos interagentes, que se
tornam, numa relação dialética, educador-educando e educando-educador e esforçam-se para
atingir sua libertação a partir de uma ação e reflexão sobre o mundo a fim de transformá-lo,
56
em um processo de busca pela compreensão desse mundo. É um esforço permanente através
do qual os homens vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo com que e em
que se acham” (p. 72, grifo do autor). Numa educação libertadora, o diálogo é imprescindível
e é nele que se encontra a palavra como ação e reflexão. Sem a ação, a palavra transforma-se
em ativismo; sem a reflexão, torna-se blá-blá-blá.
Na educação bancária, não diálogo e uma fala (a do educador) sobrepõe-se à outra.
Se não existe o diálogo, o conteúdo programático é pré-estabelecido, já vem pronto (FREIRE,
2000). O mesmo é elaborado a partir de uma abordagem conceitual, em que a organização do
currículo baseia-se nos conceitos científicos (no caso de ensino de ciências) e, a partir desses,
são selecionados os conteúdos de ensino (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO,
2002). Essa é a situação em que se encontra, atualmente, o nosso ensino de ciências, pois os
conteúdos de ensino são pré-estabelecidos e apresentam-se como descontextualizados da
realidade do educando. Nesse sentido, Freire (2000) chama a atenção para o educador que,
inconsciente dessa situação, a perpetua.
Na educação libertadora, o conteúdo programático é construído na relação educador-
educando e educando-educador, isto é, na mediação entre eles. Com esse diálogo, inicia-se a
investigação do universo temático do tema gerador. Geradores porque, “qualquer que seja a
natureza de sua compreensão, como a ação por eles provocada, contêm em si a possibilidade
de desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas tarefas que devem
ser cumpridas” (FREIRE, 2000, p. 93). Nessa perspectiva, o professor passa a ser parte
integrante da transposição didática e não mero executor, selecionando os seus conteúdos
científicos a partir de uma realidade apresentada pela comunidade da escola e problematizada.
E como chegar a um tema gerador? Para Freire (2000), a investigação do tema gerador
envolve as situações-limite, que remetem os homens a conscientizarem de seus limites,
porém, buscando superá-los, a partir da reflexão em torno das mesmas, da sua compreensão.
57
Para tanto, uma equipe interdisciplinar insere-se na comunidade onde se vai trabalhar para ter
uma percepção crítica da realidade. O educador-educando atua como um observador
participante, registrando relações sociais, linguagem, comportamentos, a forma de ser, etc. Os
registros são compartilhados por todos os membros da equipe e também pela comunidade.
Essa investigação permite “descodificar” a realidade ali apresentada, entender o conjunto de
contradições e perceber situações-limite que demandariam a ação educativa.
Entretanto as situações-limite devem ser compreendidas pelos membros da
comunidade. Eles devem conscientizar das mesmas. Então, a atuação da equipe passa a ser a
de selecionar algumas contradições e colocá-las à comunidade para que, em uma relação
dialética, tais situações possam ser refletidas e compreendidas. Nessa etapa, denominada
“círculos de investigação temática”, Freire (2000) sugere o uso de fotografias ou pinturas que
representem situações que possam ser reconhecidas pela comunidade. Assim, ao se depararem
com uma realidade que possa ser comparada à sua, o indivíduo passaria a perceber a sua
própria realidade, ressignificando-a.
Um alerta feito por Paulo Freire relativo a essa etapa é que as codificações escolhidas
pela equipe não podem ser explícitas nem enigmáticas demais, para que não se corra o risco
de os indivíduos nada terem a “refletir” ou ainda tornar-se um jogo de adivinhações.
A fim de esclarecer essa etapa, vamos buscar um exemplo dado pelo educador: uma
equipe trabalhava com um grupo de indivíduos de um cortiço em Santiago. Como
codificação, foi usada uma cena em que um homem bêbado caminhava pela rua e passava por
uma esquina onde três jovens conversavam. Os indivíduos interpretaram a cena e se
identificaram com o bêbado, um trabalhador preocupado com a família, que não consegue
sustentá-la decentemente devido ao seu baixo salário. Os jovens são vistos por eles como
desocupados, que nada fazem pela nação. Se um educador propõe discutir contra o alcoolismo
58
nesse grupo, provavelmente seria mal-sucedido. Dever-se-ia, portanto, buscar a
conscientização dessa situação pelo/com o grupo.
Na última etapa, de posse das descodificações feitas nos círculos de investigação, a
equipe passa a estudar sistematicamente todos os resultados obtidos e selecionar os possíveis
temas. Após a delimitação do tema, cada especialista da equipe faz a redução do mesmo à sua
área, constituindo as suas unidades de aprendizagem seqüenciadas. Nesse momento, buscam-
se as referências bibliográficas, outros temas correlacionados, atividades a serem realizadas.
Essa proposta de Paulo Freire leva-nos ao entendimento, apresentado, da
contextualização: problematizar a realidade; buscar a modelização, as teorias para
compreendê-la; e retornar à realidade, de posse, agora, de uma maior bagagem de
conhecimentos para poder ressignificá-la.
Freire (2000), ao compreender que nem sempre é possível fazer a etapa primeira da
investigação temática (inserção no meio), propõe a escolha de temas básicos que serviriam
como “codificações de investigação” e poderiam levar a outros temas. No entanto essa
escolha deve ser feita conhecendo-se, minimamente, a realidade que será trabalhada, seu
contexto.
Uma educação problematizadora, voltada para a abordagem temática, requer
envolvimento do educador. Traz incertezas e dúvidas, pois os conteúdos a serem tratados
surgem a partir da realidade ali apresentada. Os questionamentos dos educandos podem não
ser aqueles que o educador gostaria de apresentar aos mesmos. Além disso, as respostas
também podem não estar prontas. Talvez o educador tenha que buscar auxílio de outros
educadores ou de pessoas “comuns”. A escola, então, estaria envolvida concretamente em
todo o processo ensino e aprendizagem.
59
Ao buscarmos a inter-relação entre os saberes populares e os outros saberes na escola,
acreditamos numa educação dialógica e problematizadora, em que toda a comunidade se
envolve, em um processo dialético de ação e reflexão.
Para compreendermos as relações entre as práticas artesanais relativas à tecelagem
manual e o desenvolvimento industrial, buscamos, a seguir, resgatar, de forma sucinta, a
história da tecelagem e as técnicas (industriais) que envolvem as mesmas.
60
RESGATANDO A HISTÓRIA E
A TÉCNICA DA TECELAGEM
A tecelagem é uma atividade realizada pelo ser humano milhares de séculos a fim
de lhe proporcionar proteção contra as intempéries (frio, chuva). Tal proteção pode ser obtida
com roupas de cama (ou algo semelhante) e de vestir. Aos poucos, o vestir-se também passou
a significar uma forma de expressão. Iniciada no Oriente Médio, tal atividade fazia uso de
várias fibras têxteis naturais, como o algodão, a lã, o linho e a seda e também de corantes
naturais para o tingimento das fibras ou do próprio tecido
18
. Os corantes naturais utilizados
eram provenientes de plantas, como a anileira (Indigofera tinctoria, da qual obtém-se o anil
ou índigo) e o pau-brasil (Caesalpinia echinata, da qual se obtém a cor vermelha), e de
animais, como a cochonilha (Dactylopius coccus) e os caracóis Purpura lapillus e Murex
brandasis, ambos responsáveis pela obtenção da cor púrpura (FERREIRA, 1998).
Segundo Twardokus (2004), a tecelagem pode ser definida como o processo de
produção de tecidos a partir de fios por meio do cruzamento perpendicular de dois sistemas de
fios paralelos (urdume e trama), como indicado na figura a seguir.
18
Informações obtidas em: CONHEÇA um pouco da história do tear. In: INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE
MÁQUINAS TÊXTEIS RIBEIRINHO LTDA. Disponível em: <http: //www.ribeirinho.com.br/teares.htm>.
Acesso em: 02 set. 2007.
61
A: fios do urdume. B: fios da trama.
C: tecido D: pente
E: abertura entre os fios de urdume. F: espécie de lançadeira.
Figura 3 - Esquema da tecelagem.
Fonte: CONHEÇA (2007). Disponível em: <http://www.ribeirinho.com.br/teares.htm.>. Acesso em:
02 set. 2007.
Para a prática da tecelagem propriamente dita, são realizadas rias etapas anteriores.
Elas são: a limpeza e o destrinçamento (separação) das fibras, a cardação (escovação das
fibras para facilitar a fiação), a fiação (consiste em transformar a matéria-prima tratada em
fios com espessuras desejadas), o tingimento, a urdição (processo de paralelização dos fios e
formação do rolo de urdume) e a tecelagem propriamente dita. Após a fiação, os fios são
transformados em novelos e, para realizar o tingimento, esses novelos são transformados em
meadas, que correspondem a uma porção de fios dobrados em muitas voltas.
O desenvolvimento da ciência trouxe modificações a essa atividade. Inicialmente
manual, ela passou por um processo de industrialização em praticamente todas as suas etapas,
como veremos sucintamente a seguir.
2.1 – BREVE HISTÓRICO DA TECELAGEM
Antes da Revolução Industrial ocorrida na Europa durante o século XVIII,
principalmente na Inglaterra, França e Alemanha (países mais desenvolvidos economicamente
na época), a tecelagem era exercida, manualmente, por uma única pessoa (o artesão ou
artesã). Era parte de um ofício, no qual havia o mestre e o aprendiz. A civilização européia
62
vivia em um sistema feudal. Entretanto, a partir do século XI, com a intensificação do
comércio, o crescimento das cidades e a expansão marítima que proporcionou o contato
com outras civilizações –, as relações estabelecidas no sistema feudal sofreram um processo
de modificação que, aos poucos, levou ao sistema capitalista. Novas técnicas foram
implementadas e, dentre elas, o aperfeiçoamento da roca e do tear, ambos usados na
tecelagem. Então, as formas de produção modificaram-se cada vez mais. Antes uma única
pessoa era o realizador de todas as etapas de um determinado processo (no nosso caso, a
tecelagem), agora ela exercia apenas uma das etapas. Os meios de produção não pertenciam
mais àquele que executava o trabalho, mas a um proprietário. O trabalhador vendia a sua força
de trabalho. A divisão de tarefas aumentava a produção e diminuía o tempo gasto para se
elaborar determinado produto. Era o sistema de manufatura que se estabelecia (ANDERY et
al., 2006).
Aos poucos, o sistema manufatureiro não satisfazia as necessidades de lucro do
proprietário. A ciência se desenvolvia e a industrialização aumentava. As mãos do trabalhador
eram substituídas por máquinas. Na Inglaterra, a primeira indústria a revolucionar-se foi a do
algodão. O descaroçador de algodão foi inventado em 1793 e, nos anos seguintes, outras
máquinas têxteis (carda elétrica, tear mecânico. Ver figura 4.) também foram inventados. Os
teares mecânicos foram desenvolvidos a partir dos teares manuais com objetivo de aumentar a
rapidez da produção e diminuir o uso de mão de obra, mas preservando o mesmo princípio. A
Inglaterra era grande importadora de algodão (proveniente, principalmente, das suas treze
colônias da América, que hoje fazem parte dos Estados Unidos) e exportadora de seus
produtos têxteis (HOBSBAWN, 1997).
63
Figura 4 - Fotografia do tear mecânico usado na Inglaterra no século XVIII, em exposição no Science
Museum, Londres-Inglaterra.
A industrialização levou a uma produção em massa e a uma não-diferenciação dos
produtos, em contrapartida à produção artesanal que, embora mais lenta e cara
(comparativamente ao produto industrial), oferecia um produto com características próprias,
personalizado. As mudanças ocorridas durante esse período foram responsáveis por
revoluções sociais e agrícolas que afetaram toda a nossa sociedade.
No Brasil, a tecelagem manual é uma atividade realizada mesmo antes da chegada dos
portugueses. Kassab (1986) cita trabalhos feitos, no século XVI, por pesquisadores
estrangeiros a respeito de processos de fiação e tecelagem de algodão, realizado pelos
ameríndios, para confecção de redes de fios de algodão e tecidos rudimentares. Com a chegada
dos europeus, destacando-se os provenientes do norte de Portugal, que tinham tradição em
tecelagem doméstica, essa atividade foi difundida nas regiões de Minas Gerais Triângulo
Mineiro e sul –, Goiás e norte de São Paulo. Tal difusão ocorreu no século XVIII e deveu-se
principalmente à ocupação dos territórios localizados em regiões interiores do Brasil, durante
os ciclos de extração e das capitanias (CONHEÇA, 2007). A atividade era realizada
principalmente com tear de quatro pedais, com fins de fabricação de roupas, colchas,
cobertores, mantas entre outros (MAUREAU, 1986). Em 1785, a rainha D. Maria I (conhecida
como “Maria, a louca”), proibiu a manufatura de produtos têxteis que não aqueles produzidos
64
nos teares com fins de fabricação de “fazendas grossas de algodão, que servem para o uso, e
vestuário dos negros, e empacotar fazendas” (FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA, 1984, p. 4),
evidentemente para evitar o desenvolvimento industrial e independência política e econômica
de nosso país. Entretanto a produção (clandestina) de “tecidos mais finos” (feitos de ou
linho) nos teares em Minas Gerais manteve-se (FERREIRA, 1998).
Em 1840, a primeira fábrica de fios e tecidos foi instalada no Brasil, em Parati. Com o
desenvolvimento da indústria têxtil no Brasil, instituiu-se a primeira classe de proletários
industriais modernos. A industrialização em nosso país levou à transição da escravidão para o
trabalho livre e assalariado e, também, às primeiras greves de trabalhadores. No século XX, a
indústria química brasileira desenvolveu-se e passou a produzir corantes sintéticos e fibras
sintéticos, proporcionando um maior desenvolvimento da indústria têxtil (FERREIRA, 1998).
2.1.1 - Os corantes sintéticos e as fibras não-naturais
Com o desenvolvimento da química, materiais e substâncias passaram a ser
produzidos sinteticamente. Em 1856, o químico inglês William Henry Perkin conseguiu
sintetizar o corante mauveína a partir da reação química entre a anilina e o dicromato de
potássio (FERREIRA, 1998). Essa descoberta causou tanto impacto na indústria têxtil que, até
hoje, fazemos uso do termo anilina para designar um corante sintético, embora tal substância
seja incolor e simplesmente ponto de partida para a obtenção de corantes (SHINTAKU, 2004;
SOUZA, SILVA e PEREIRA, 2005). A estrutura química da mauveína é mostrada na figura a
seguir.
65
N
+
N
N
H
NH
2
Figura 5 - Estrutura química da mauveína.
Em 1880, uma rota sintética para o índigo (anil) foi descoberta por Karl Heumann,
tendo como conseqüência a diminuição do uso do anil obtido naturalmente, que o custo do
índigo sintético era muito menor. Essa rota é esquematizada na figura 6.
NH
2
OH Cl
O
N
H
O
OH
N
H
O
N
H
N
H
O
O
+
fusão cáustica
a 220
o
C
índigo
indoxil
N-fenil-glicina
anilina
Figura 6 - Rota sintética descoberta para o índigo por Heumann.
Por volta de 1897, o químico alemão Renée Bonn, em colaboração com a empresa
BASF (Badische Aniline Soda Fabrik) descobriu uma nova rota sintética para o anil
66
utilizando antraquinonas
19
(substâncias pertencentes ao grupo das quinonas), como
mostramos a seguir.
O
O
S
O
O
O-Na+
NH
3
O
O
NH
2
KOH
O
O
O
O
NH
NH
25 atm, 200
o
C
250
o
C
2-aminoantraquinona
indantrona
Figura 7 - Rota sintética de obtenção do anil (índigo) descoberta por Bonn.
A indústria de corantes sintéticos cresceu e, atualmente, pouco uso é feito de corantes
naturais na indústria têxtil, embora estes últimos causem muito menos danos ambientais.
No início do século XX, a indústria química, na tentativa de obtenção de fibras têxteis
mais resistentes e baratas, desenvolveu as fibras não-naturais. Elas são divididas em sintéticas
e artificiais ou regeneradas. As fibras sintéticas são polímeros orgânicos obtidos a partir de
matérias-primas provenientes da indústria petroquímica. Dentre elas, podemos citar o
poliester e a poliamida cujas estruturas químicas são apresentadas a seguir.
19
Informações obtidas em: Ferreira (1998); CORANTES: A química nas cores. QMCWEB: Revista eletrônica
do Departamento de Química da UFSC, Florianópolis, ano 4. Disponível em:
<http://www.qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/dye/corantes.html.> Acesso em: jun. 2002.
67
O
O
CO
O
O
CO
CO
CO
poliester
N
H
CO
CO
N
H
NH
poliamida
Figura 8 - Estruturas químicas dos monômeros do poliéster e da poliamida, respectivamente.
As fibras artificiais são obtidas por meio da modificação da celulose entremeada no
tronco de madeira. Tal celulose não se encontra na forma fibrosa, não podendo ser utilizada
da mesma forma que a celulose presente nas fibras. Daí a necessidade de convertê-la em
intermediário plástico através de reações químicas adequadas e, em seguida, transformar o
mesmo em fios finíssimos por extrusão
20
, sendo novamente reconvertido em celulose
(CANTO, 2001). Exemplos desse tipo de fibra são a viscose (dispersão coloidal viscosa de
celulose obtida da madeira), o rayon (celulose regenerada obtida da viscose, que é forçada a
atravessar um orifício em banho de ácido sulfúrico) e o acetato de celulose (triacetato de
celulose obtido da madeira) (ALLINGER et al., 1978). A seguir mostramos um esquema
resumido da obtenção da viscose e do rayon.
20
Processo de transformação termomecânica que consiste em se pressionar a resina (o intermediário plástico) em
forma pastosa, através de furos muito finos numa peça denominada fieira. Os filamentos (ou fios) que saem
desses furos são imediatamente solidificados. (GLOSSÁRIO setor têxtil. Disponível em:
<http://www.previ.com.br/pls/portal/docs/PAGE/PG_PREVI/INVESTIMENTOS/2004GOVERNANCACORP
ORATIVA/20050414%20GLOSSARIO%20CONSELHEIROS/GLOSS%C3%81RIO%20TEXTIL.DOC>.
Acesso em 06 fev. 2008).
68
O
O
OH
OH
OH
O
O
OH
OH
OH
O
NaOH
CS
2
O
O
RO
OR
OR
O
O
OR
O
OR
O
S-Na+
S
R
S-Na+
S
n
n
+
Figura 9 - Esquema de obtenção da viscose e do rayon.
Com este desenvolvimento, cada grupo de fibra (natural ou não) poderia ser utilizado
separadamente ou ainda misturado a outras, proporcionando características diferentes ao
tecido, como elasticidade e firmeza.
2.2 – A INDÚSTRIA TÊXTIL
Atualmente, o processamento têxtil industrial é basicamente dividido em fiação,
tecelagem e beneficiamento. Para tanto, é necessário que a matéria-prima (lã, algodão, linho,
etc.) seja processada em equipamentos com funções definidas. A seguir, descrevemos cada
etapa visando uma compreensão geral de todo o processamento têxtil industrial. Iniciamos a
explicação fazendo uma abordagem sobre as fibras têxteis, principalmente a e o algodão,
por serem aquelas mais amplamente utilizadas na tecelagem manual. Em seguida, explicamos
as etapas de fiação, tecelagem e beneficiamento, buscando uma profundidade maior na etapa
de tingimento.
69
2.2.1 – As fibras têxteis naturais
Segundo Araújo e Castro (1984
21
apud FORGIARINI, 2006, p. 8), “as fibras têxteis
são elementos filiformes caracterizados pela flexibilidade, finura e grande comprimento em
relação à dimensão transversal máxima, sendo aptas para aplicações têxteis”. Das fibras, são
obtidos os fios usados na tecelagem.
As fibras têxteis podem ser naturais ou não-naturais. As fibras naturais podem ser de
origem animal, vegetal ou mineral. As fibras animais mais utilizadas na tecelagem são a lã e a
seda. A primeira é obtida por meio da tosquia do pêlo do carneiro animal (Ovis aries). A
segunda é produzida pelo bicho-da-seda (Bombyse mori) em forma de casulo. As fibras
vegetais mais utilizadas são o algodão, a juta, o cânhamo, o linho, o sisal e o rami. Dentre
elas, as mais empregadas no Brasil são o algodão, proveniente dos frutos de algumas espécies
do gênero Gossypium, família Malvaceae. O linho, obtido do caule da planta que possui o
mesmo nome e pertence à família das lináceas que abrange certo número de subespécies
denominadas Linum usitatissimum L. Como exemplo de fibra mineral, temos o amianto ou
asbesto, uma fibra mineral, natural e sedosa, extraída de rochas compostas de silicatos
hidratados de magnésio
22
.
2.2.1.1 – O algodão e seu tratamento para a fiação
O algodão é uma fibra branca ou esbranquiçada, constituída por ceras naturais,
proteínas, celulose, sendo essa última o seu principal e mais abundante componente, como
informa a tabela a seguir.
21
ARAÚJO, M.; CASTRO, E. M. M. Manual de Engenharia Têxtil. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1984, v.1.
22
Informações obtidas em: AMIANTO ou asbesto. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS EXPOSTOS AO
AMIANTO (ABREA). Disponível em: <http://www.abrea.com.br/02amianto.htm>. Acesso em: 21 out. 2006.
70
Tabela 1 - Composição química aproximada da fibra de algodão.
Materiais Porcentagem (%)
Água 6,0 - 8,0
Compostos nitrogenados 1,0 - 2,8
Material péctico 0,4 - 1,0
Parafina 0,2 - 3,0
Minerais 1,0 - 1,8
Ceras 0,5 - 1,0
Resíduo de cascas 3,0 - 5,0
Celulose 80,0 - 85,0
Fonte: Salem (2000
23
apud TWARDOKUS, 2004, p. 31).
A celulose é um polímero de glicose de alta massa molecular (mais de 3000 unidades
de glicose) encontrado em plantas. As unidades desse polímero são D-glicopiranosídios
(forma cíclica da α-D-glicose), que se unem ao modo 1:4 em cadeias muito longas e não
ramificadas a partir de ligações β-glicosídicas, como mostra a figura 10. Nessa configuração,
os átomos de carbono anoméricos
24
da celulose dão linearidade às cadeias, evitando que as
mesmas se enrolem em estruturas helicoidais e permitindo que haja uma distribuição
uniforme dos grupos hidroxila (–OH) no exterior de cada cadeia. Quando as cadeias entram
em contato, formam-se ligações de hidrogênio. Por causa disso e, também, devido à
estereoquímica da D-glicose em cada estereocentro, o polímero é muito rígido, insolúvel em
água (embora tenha grande afinidade por essa) e fibroso (SOLOMONS, 1996; LEHNINGER,
1995; ALLINGER et al., 1978).
De acordo com a disposição das moléculas na cadeia, podemos ter a celulose amorfa e
a celulose cristalina, que dão características diferenciadas às fibras. As regiões amorfas não
apresentam um ordenamento das moléculas, são aleatórias e acrescentam flexibilidade e
reatividade à fibra, enquanto as regiões cristalinas são altamente organizadas, propiciando
mais tenacidade e rigidez à fibra. Tais regiões assinalam, então, extremos de desordem e
23
SALEM, V. Tingimento têxtil. Apostila do Curso de Tingimento Têxtil, Golden Química do Brasil, dulo
1 e 2, nov. 2000.
24
Átomo de carbono carbonílico das formas isoméricas dos monossacarídeos que diferem entre si somente pela
configuração ao redor de tal átomo (LEHNINGER, 1995, p. 171).
71
ordem. A proporção diferenciada entre o material cristalino e amorfo é um fator
preponderante nas propriedades da fibra. Subentende-se, portanto, que os corantes penetram
na fibra pelas regiões amorfas.
H
OH
O
CH
2
OH
H
H
OH
H
H
OH
O
CH
2
OH
H
O
H
OH H
O
H
OH
O
CH
2
OH
H
H
OH H
O
O
4
1
4
2
3
Figura 10 - Representação de uma cadeia de celulose.
Depois da celulose, a cera constitui-se de grande importância na fibra de algodão,
sendo responsável pelo controle de absorção de água pela fibra e pela lubrificação das fibras
durante os processos de estiragem na fiação (KASSAB, 1986). A estiragem é um processo no
qual duas fibras de uma massa fibrosa são puxadas, deslizando uma sobre a outra e
aumentando o seu comprimento
25
. As fibras de algodão podem ser entendidas como “pêlos”
originados na superfície da semente do algodão. As sementes do algodão são pequenas,
negras e com forma triangular, sendo aproveitadas para a obtenção de inúmeros subprodutos
na indústria, como o óleo comestível e as rações e adubos. As principais características das
fibras de algodão analisadas pela indústria têxtil são: comprimento, uniformidade, finura,
maturidade e resistência. É importante também que a fibra possua baixo teor de umidade.
A colheita do algodão no Brasil é feita, basicamente, por processos manuais (80%).
Antes da colheita, o algodão recebe pulverização de agrotóxicos para o combate às pragas.
Em geral, as plantas são arrancadas da terra após cada colheita, recomeçando o plantio no ano
seguinte
26
. Após a colheita, faz-se a retirada da semente.
25
Informações obtidas em: GLOSSÁRIO de moda. Jeans Tudo, Santana Têxtil do Brasil. Disponível em:
<http://www.jeanstudo.com.br/guia_glossario_e.php>. Acesso em 24 mai. 2007.
26
Informações obtidas em: FIBRAS têxteis. In: CENTRO DE FIAÇÃO E TECELAGEM, Uberlândia.
Disponível em: <http://www.centrodetecelagem.com.br>. Acesso em 10 out. 2006.
72
Como descrevem Alcântara e Daltin (1996), o algodão chega em fardos até a indústria
para ser fiado. Tais fardos são desmanchados e limpos em máquinas especiais (abridores) e
depois são levados aos batedores para uma melhor limpeza e desagregação das fibras. Para
que haja uma homogeneidade das fibras, colocadas no batedor, é aspergido sobre elas um
óleo lubrificante que pode ser óleos minerais emulsificados ou óleos vegetais etoxilados. A
emulsificação ou etoxilação é utilizada para dar solubilidade ao óleo e permitir que este seja
retirado após a lavagem das fibras.
2.2.1.2 – A lã e o seu tratamento para a fiação
A é uma fibra natural obtida do tosquiamento do pêlo do carneiro. Ela é composta,
de acordo com Alcântara e Daltin (1996), por polímeros de α-queratina (polipeptídeos) rica
em resíduos de cistina e com muitas pontes cruzadas de dissulfetos. A presença do enxofre
confere resistência e elasticidade à fibra de lã (JARDIM, 1977). A seguir é apresentada a
fórmula química da proteína da e uma tabela com a composição química elementar média
da alfa-queratina presente na lã.
NH
2
N
N
H
R
O
H
R
H
O
H
H
R
H
O
n
Figura 11 - Fórmula química estrutural plana da lã.
Tabela 2 - Composição química média da alfa-queratina da lã.
Elementos químicos Porcentagem (%)
Carbono 50,5 - 51,5
Oxigênio 20,2 - 20,5
Hidrogênio 6,8 - 7,0
Nitrogênio 16,8 - 17,8
Enxofre 3,5 - 5,4
Fonte: adaptada de Jardim (1977, p. 142) e Pinheiro Jr. (1973, p.38).
A queratina é uma proteína fibrosa. Existem duas classes dessa proteína: a α-queratina
formada por muitos tipos de aminoácidos, predominando a glicina e a leucina, um
73
aminoácido volumoso, com muitos grupos laterais volumosos e que está presente nos cabelos,
chifres, unhas, lãs e a β-queratina constituída por grupos de aminoácidos menos
volumosos como a glicina e a alanina e encontrada nas fibras produzidas pelas aranhas e
bichos-da-seda, nas escamas e bicos de répteis e pássaros. Enquanto a α-queratina pode ser
distendida com o aquecimento, o mesmo não acontece com a β-queratina (LEHNINGER,
1995; ATKINS, 2000).
NH
2
O
OH
glicina
NH
2
O
OH
leucina
NH
2
O
OH
alanina
Figura 12 - Estruturas químicas dos aminoácidos presentes na α-queratina e na β-queratina.
As cadeias polipetídicas da α-queratina estão enroladas de maneira regular, formando
uma estrutura helicoidal que mantém sua forma devido às ligações de hidrogênio, chamada α-
hélice. A orientação de cada hélice é no sentido horário e, na α-queratina do cabelo e da lã,
uma hélice pode estar enrolada a outras duas ou seis hélices, formando uma bobina mantida
por ligações de hidrogênio e pontes de enxofre. Tais espirais agrupam-se em número de nove,
agregando-se em torno de outras duas, formando uma microfibrila constituída de três α-
hélices e onze espirais. Centenas de microfibrilas agrupadas formam a macrofibrila e a união
de muitas desta última forma uma célula de cabelo ou lã (ATKINS, 2000). A figura 13
representa tal estrutura.
74
Figura 13 - Representações da microfibrila, macrofibrila e célula do cabelo ou lã.
FONTE: Atkins (2000, p. 91).
Quando é realizado o tratamento das fibras sob tensionamento utilizando-se água
quente ou a vapor, pode-se obter uma nova configuração da α-queratina. Ela passa de sua
configuração original com cadeias formadoras de ondulações regulares para a configuração
beta (β), com fibra estirada. Tal transformação intramolecular ocorre devido à quebra
hidrolítica de ligações cruzadas, fazendo com que as cadeias fiquem estiradas. Além disso, a
água quente também tensiona as fibras e as ligações rompidas podem formar novas ligações
em posições diferentes, não permitindo que as cadeias se contraiam ou dobrem. Para cada tipo
de lã, tem-se uma quantidade limitada, mas diferente, de enxofre, enquanto a composição
elementar de queratina é praticamente a mesma. As ligações cruzadas e os aminoácidos
existentes na estrutura peptídica permitem a aquisição de cargas elétricas e também de
interações do tipo ligações de hidrogênio entre as cadeias adjacentes e entre a mesma cadeia
polipeptídica (ALCÂNTARA e DALTIN, 1996).
Além dos polímeros de queratina, a bruta (sem lavar) ainda possui como
componentes a suarda
27
, a água, matérias terrosas e vegetais. Assim como o algodão, a fibra
da também possui algumas propriedades que são procuradas pela indústria têxtil, como
27
Secreção das glândulas sebáceas e sudoríparas encontradas na pele do carneiro, que dá suavidade e
elasticidade às lãs, além de cobrir e proteger a fibra da da ação de agentes exteriores. Nela encontra-se a
lanolina, material amplamente utilizado para confecção de xampus e outros cosméticos (PINHEIRO Jr., 1973).
75
colocam Jardim (1977) e Pinheiro Jr. (1973): escamosidade, ondulação, finura, comprimento,
resistência, elasticidade, flexibilidade, suavidade, extensibilidade, higrospicidade, poder
feltrante, brilho e cor. Tais propriedades podem ser percebidas ou identificadas a partir do uso
da visão e do tato e por instrumentos apropriados.
A retirada da do carneiro é feita por tosquia. Dependendo da região onde se criam
os ovinos, as tosquias podem ser realizadas duas vezes por ano (fevereiro/março e
outubro/novembro). Após a tosquia, a é colocada em fardos e levados à indústria. A lã
também recebe um tratamento semelhante àquele dado ao algodão (abertura e limpeza das
fibras).
2.2.2 – Os processos de fiação, tecelagem e beneficiamento
Conforme ALCÂNTARA e DALTIN (1996), após tratamento, as fibras são
succionadas e conduzidas para a cardação. Ocorre uma filtragem e forma-se uma manta
desordenada de fibras, que é penteada pela carda para que elas possam tornar-se paralelas. A
escovação das fibras facilita a fiação e é realizada em sentido contrário ao das mesmas, assim
como é feito manualmente pelas tecelãs. A manta obtida após a cardação é cortada em fitas
com largura aproximada de 1,5 cm, ligeiramente torcidas, chamadas fitas de carda ou mechas,
e são produzidas em uma máquina conhecida como maçaroqueira
28
.
Logo após a obtenção das fitas, inicia-se a fiação propriamente dita. Existem dois
princípios fundamentais de fiação: o convencional, exemplificado pela fiação a anel, e o não-
convencional, exemplificado pela fiação a rotor. No método convencional são obtidas 200 e
1100 bobinas simultâneas de fios. Cada unidade de fiação, denominada fuso, localiza-se ao
longo da máquina, e esses são divididos em igual número em ambos os lados da máquina. Na
28
Máquina de fiação que promove a estiragem das fibras, afinando e proporcionando uma pequena torção das
mesmas, formando o pavio. Informação obtida em: FIOS penteados: delicadeza e sofisticação. In: INSTITUTO
FRANCISCO DE SOUZA PEIXOTO, Cataguases. Disponível em: <http://www.chica.com.br/chica/2001/12/
16_como_se_faz/naarea.htm>. Acesso em: 16 set. 2007.
76
fiação a rotor (mais utilizada comercialmente) são produzidas cerca de 300 bobinas
simultâneas em apenas um dos lados da máquina a velocidades muito superiores,
apresentando melhor desempenho para fibras de comprimento curto (FONSECA e
SANTANA, 2003).
O processo de tecelagem industrial faz uso dos mesmos procedimentos e
equipamentos utilizados pelas tecelãs. Os equipamentos trabalham de forma similar com a
diferença da forma de propulsão e, conseqüentemente, rapidez de produção.
A preparação dos fios para a tecelagem é feita durante a urdição. Dependendo da
qualidade e quantidade do tecido desejado, cada rolo contém uma média de 1000 a 10000 fios
paralelos entre si. Os fios são puxados individualmente de cada cone e enrolados no rolo de
urdume, que é levado ao tear para que os fios passem através das “casinhas” dos quadros de
liços
29
(nomeados folhas de liço pelas tecelãs) e, posteriormente, pelo pente
30
(ALCÂNTARA
e DALTIN, 1996).
Os quadros de liços são movimentados alternadamente na vertical, abrindo espaço
entre as camadas de fios, por onde pode inserir-se o fio de trama através de uma lançadeira ou
jato de ar. Depois disso, o pente desloca-se para o sentido do tecido (direita) e é batido
fortemente para que os fios (trama e urdume) sejam aproximados. Todo o processo é realizado
mecanicamente e a altas velocidades, como no caso da velocidade de batida do pente, que gira
em torno de 1000 batidas/minuto do pente (ALCÂNTARA e DANTIN, 1996). Devido a essa
rapidez no processo, os fios de urdume recebem um tratamento a fim de aumentar a sua
resistência mecânica, denominado engomagem. Ela “ocorre em processo contínuo, em
máquinas nas quais os fios são desenrolados e mergulhados em banhos contendo a goma”
(ALCÂNTARA e DANTIN, 1996, p. 323). Para se obter a goma são utilizados engomantes
29
Na tecelagem manual, os quadros de liços são duas varas de madeira paralelas e unidas por um conjunto de
dois barbantes de algodão que se entrelaçam (os liços), formando “casinhas” (aberturas) na distância
intermediária entre as duas varas. Nessas “casinhas” passam os fios do urdume.
30
Assemelha-se a um pente de cabelo em maiores proporções, com dentes e os dois lados maiores fechados.
Entre os dentes do pente passam os fios do urdume.
77
como amido (o mais tradicional), álcool polivínilico, carboximetilcelulose, carboximetilamido
ou poliacrilatos. A seleção dos engomantes a serem utilizadas na formulação da goma é feita
dependendo do tipo de fio, dos equipamentos de tecelagem, da facilidade de desengomar o
tecido. A goma deve ter várias características, como: resistência à abrasão e ao mofo, boa
fluidez, poder de coesão, bom poder de penetração e elasticidade. Podem ser feitas misturas
de engomantes e são adicionados lubrificantes em pequena quantidade para proteger a
película e o deslizamento do fio.
Após a tecelagem, o tecido passa pelo beneficiamento têxtil, que consiste em um
conjunto de processos aplicados aos materiais têxteis para que os mesmos sejam
transformados em artigos brancos, tingidos, estampados e acabados a partir do seu estado
natural. Na etapa de beneficiamento, o material têxtil é tratado com o objetivo de adquirir
características como cor, toque e estabilidade dimensional (ANDRADE FILHO e SANTOS,
1987
31
apud TWARDOKUS, 2004). Essa etapa, conforme Araújo e Castro (1984 apud
TWARDOKUS, 2004), é dividida em tratamento prévio ou preparação no qual são
eliminadas a goma e as impurezas das fibras e a estrutura do tecido é melhorada para que
possa receber as operações de tingimento, estamparia e acabamento –; tingimento etapa em
que o tecido é colorido a partir da utilização de corantes –; estamparia – etapa em um desenho
colorido é aplicado sobre o tecido –; acabamento – são as operações que dão as características
almejadas ao tecido, como brilho, toque, caimento, estabilidade dimensional, além de outros
acabamentos especiais como anti-ruga, impermeabilidade e anti-chama. Nesse trabalho,
daremos maior destaque à etapa do tingimento, abordada a seguir.
31
ANDRADE FILHO, J. F.; SANTOS, L. F. Introdução à Tecnologia Têxtil. Rio de Janeiro: Centro de
Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (SENAI/CETIQT), 1987, v. 3.
78
2.2.3 – O tingimento
De acordo com Forgiarini (2006), o processo de tingimento é um dos fatores mais
importantes para o sucesso comercial dos produtos têxteis. O consumidor, além de buscar a
beleza da cor e da padronagem, exige também que o produto tenha elevado grau de fixação
em relação à luz, lavagem e transpiração, mesmo após uso prolongado. Para tanto, as
substâncias que dão coloração à fibra devem apresentar alta afinidade, uniformidade na
coloração, resistência a agentes desencadeadores do desbotamento e viabilidade econômica.
Na indústria têxtil, o tingimento pode ocorrer em processos contínuos ou em batelada.
Para se realizar o tingimento em batelada utilizam-se de 100 a 1000 kg de tecido, que é
carregado em uma máquina de tingimento até que se atinja um equilíbrio, ou próximo dele,
com a solução do banho que contém o corante. Este é fixado à fibra usando-se calor e
produtos químicos. É necessário realizar o controle das condições do banho (como a
temperatura) e também adicionar auxiliares químicos (amaciantes, retardantes, dispersantes,
umectantes, etc.) para se obter as condições ótimas de tingimento. Após essa etapa, o tecido é
lavado para remover os corantes não fixados e os produtos químicos utilizados no
procedimento. o processo contínuo de tingimento consiste em aplicar o corante no tecido,
fixá-lo com produtos químicos ou calor e efetuar a lavagem. “O tecido é alimentado
continuamente em solução de corante com velocidade geralmente entre 50 e 250 metros por
minuto. A fixação do corante nas fibras ocorre mais rapidamente em tingimento contínuo que
em batelada” (EPA, 1997
32
apud FORGIARINI, 2006, p.13).
Os corantes, de acordo com Durán, Morais e Freire (2000
33
apud FORGIARINI 2006,
p. 17), compreendem dois componentes principais: o grupo cromóforo, responsável pela cor
que absorve a luz solar, e o grupo funcional, que permite a fixação nas fibras do tecido”.
32
EPA – Environmental Protection Agency. Profile of the Textile Industry. Washington, September, 1997.
33
DURÁN, N.; MORAIS, S. G; FREIRE, R. S. Degradation and toxicity reduction of textile effluent by
combined photocatalytic and ozonation processes. Chemosphere, v. 40, p. 369-373, 2000.
79
A classificação utilizada para os corantes é referente à sua estrutura química ou ao
método utilizado no tingimento, como colocam Guaratini e Zanoni (2000). De acordo com a
estrutura química, podemos ter azo-corantes, antraquinona e outros. Os azo-corantes são
substâncias orgânicas que têm a estrutura química básica Ar-N=N-Ar. A ligação azo (-N=N-)
permite a conjugação de dois anéis aromáticos, formando um sistema de elétrons π
deslocalizados que possibilita a absorção de luz na região do visível. Aos anéis aromáticos
podem ligar-se outros grupos, como os grupos ácidos sulfônicos, que aumentam a
solubilidade do corante em água. Quando substituintes, denominados auxocromos, são
adicionados ao grupo azo, aumenta-se a conjugação e podem ser obtidas cores mais vivas,
firmes e variadas, pois tais grupos (halogênio, -NR
2,
-NHR, -NH
2,
-OH, -OR) possuem pares
de elétrons livres capazes de interagir por ressonância com o grupo azo (ALLINGER et al.,
1978 e SOLOMONS, 1996). As quinonas têm coloração forte e aquelas que possuem grupos
substituintes são muito estáveis e podem ser usadas como corantes.
Ao se tratar do método utilizado no tingimento, devemos considerar primeiro como
ocorre a fixação dos corantes às fibras. Ela geralmente acontece em meio aquoso e pode dar-
se por meio de quatro tipos de interação, como afirmam Guaratini e Zanoni (2000): ligação
iônica, ligação de hidrogênio, interação de van der Walls e interações ou forças covalentes.
Ligação iônica: são interações eletrostáticas fortes entre grupos funcionais com cargas
positivas (cátions) e cargas negativas (ânions). No tingimento, tais interações ocorrem
entre o centro positivo dos grupos amino e os carboxilatos presentes na fibra e a carga
iônica da molécula do corante ou vice-versa, como indicado na figura 14 a seguir. Este
tipo de interação é encontrado na tintura de lã, seda e poliamida.
NH
3
CO
2
Na
+
D
NH
3
D
CO
2
Na
+
+
+
-
+
-
Figura 14 - Representação da interação iônica entre o corante (D) e os grupos amino da fibra da lã.
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p.72).
80
Ligação de hidrogênio: essa interação é considerada como uma forma especial de
interação dipolo-dipolo porque sua força de ligação é mais alta do que as demais desse
tipo. Ela ocorre quando um dos dipolos interagentes possui um átomo de hidrogênio
ligado a outro átomo muito eletronegativo. Dessa forma, o hidrogênio fica com uma
carga parcialmente positiva (ou ácido) e o outro átomo com carga parcialmente
negativa. Se um átomo da molécula vizinha (ou da mesma molécula, caracterizando
uma interação intramolecular) estiver na extremidade negativa de uma ligação polar e
tiver pares de elétrons livres, ele interagirá fortemente com o átomo de hidrogênio.
Normalmente, os que fazem ligação de hidrogênio são o oxigênio, o flúor e o
nitrogênio. Entretanto átomos de cloro e enxofre, embora sejam maiores, também
fazem ligação de hidrogênio, porém mais fracas (KOTZ e TREICHEL Jr., 1998). Esse
tipo de interação é comumente encontrado na tintura de lã, seda e fibras sintéticas
como acetato de celulose. Os átomos de hidrogênio do corante ligam-se aos pares de
elétrons livres de átomos doadores em centros presentes na fibra. A representação
dessa interação é dada a seguir.
NH
3
+
N
H
O
O
R
SO
3
-
H
fibra de lã
corante
........
Figura 15 - Representação da ligação de hidrogênio entre o corante (D) e os grupos carboxila da fibra
da lã.
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p.72); CORANTES (2002).
81
Interação de van der Waals
34
: tal interação é oriunda da aproximação máxima entre
orbitais π do corante e da molécula da fibra, sem formar uma ligação propriamente
dita. As moléculas de corante são “ancoradas” firmemente sobre a fibra por um
processo de afinidade. Quando aquelas são lineares e longas ou achatadas, a atração é
muito mais efetiva, pois a aproximação entre as moléculas do corante e das fibras é
muito maior. Esse tipo de interação é encontrado na tintura de e poliéster com
corantes com alta afinidade por celulose.
Covalente: é um tipo de ligação química em que dois átomos se unem para
compartilhar seus elétrons de valência que ficam distribuídos mais ou menos
igualmente entre os átomos e são compartilhados pelos dois núcleos. A molécula
formada torna-se mais estável em relação à tendência de escape dos elétrons nos
átomos, pois possui uma menor afinidade eletrônica e maior potencial de ionização
(KOTZ e TREICHEL Jr., 1998). No tingimento, forma-se uma ligação covalente entre
o grupo eletrofílico
35
da molécula do corante e os resíduos nucleofílicos
36
da fibra.
Essa interação ocorre com as tinturas de algodão e é representada na figura 16.
N N
NR
Cl
HO
OH
-
N N
N
R
O
ClH
+
celulose
+
corante
tecido colorido
celulose
Figura 16 - Representação da interação covalente entre os grupos reativos do corante e os grupos
hidroxila da celulose (algodão).
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p.72).
34
Entendemos que forças de van der Waals seja o nome dado para as forças intermoleculares e que, entre elas,
temos os tipos: dipolo-dipolo, dipolo-dipolo induzido, dipolo induzido-dipolo induzido (ou forças de London ou
de dispersão). Portanto, nesse caso, a nossa classificação para essa interação corante-fibra seria forças de
dispersão.
35
Receptores que buscam elétrons extras para atingir uma configuração estável na camada de valência de
elétrons, nas reações químicas (SOLOMONS, 1996, p. 97 e 742).
36
Doador de par de elétrons, que busca um próton ou centro positivo numa molécula (SOLOMONS, 1996, p. 98
e 749).
82
Após esclarecermos sobre os tipos de interações que ocorrem no tingimento, podemos
classificar os tipos de corantes segundo a sua fixação à fibra têxtil. Alcântara e Daltin (1996)
citam dez tipos de corantes, relacionados a seguir:
Corantes substantivos ou diretos: são uma classe de corantes constituída
principalmente por corantes contendo mais de um grupo azo ou pré-transformados em
complexos metálicos. Os corantes são solúveis em água e sua solubilidade é
aumentada em meio levemente alcalino. A interação dos mesmos com as fibras é do
tipo van der Waals, podendo ser utilizados para tingir fibras de celulose como o
algodão e a viscose. Ao serem utilizados eletrólitos, aumenta-se a afinidade do
corante. Essa também pode ser aumentada devido à planaridade na configuração da
molécula do corante ou à dupla-ligação conjugada, elevando a adsorção do corante
sobre a fibra. As partículas do corante adsorvem na superfície externa da fibra e vão se
difundindo pelos canais capilares existentes entre as fibras. Quando um equilíbrio
entre o corante e a fibra é atingido, tem-se uma completa penetração do mesmo.
Segundo Guaratini e Zanoni (2000), a grande vantagem relativa aos corantes diretos é
o seu alto grau de exaustão durante a aplicação, que tem como conseqüência a
diminuição do conteúdo de corante nas águas de rejeito. A figura 17 representa um
tipo de corante direto, o vermelho do congo.
N
H
SO
3
Na
N
H
N
N
N
SO
3
Na
N
H
H
Figura 17 - Exemplo de corante direto (corante vermelho do Congo) contendo grupos diazo como
grupos cromóforo.
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p. 72).
83
Corantes ácidos: são um grupo de corantes aniônicos portadores de um a três grupos
sulfônicos que possibilitam sua solubilidade em água. Eles podem ser aplicados em
fibras protéicas (lã e seda) e em fibras de poliamida sintética porque interagem com o
par de elétrons livres do nitrogênio. Sua estrutura química contém funções azo,
antraquinona, triarilmetano, azina, xanteno, ketonimina, nitro e nitroso, que
possibilitam uma ampla faixa de coloração e grau de fixação (GUARATINI e
ZANONI, 2000). O processo de tingimento é feito em banho aquoso contendo o
corante, um ácido e um sal (que pode ser uma solução contendo cloreto, acetato,
hidrogenossulfato, etc.), sendo que alguns não necessitam da utilização do ácido. As
moléculas ou íons do corante se ligam à fibra por meio de uma troca iônica
envolvendo o par de elétrons livres dos grupos amino e carboxilato das fibras
protéicas, na forma não-protonada (GUARATINI e ZANONI, 2000). A seguir é
mostrada a fórmula representacional do corante ácido violeta, um exemplo de corante
ácido.
CH
3
SO
3
NH
OCH
2
CH
3
SO
3
N (CH
3
)
2
+
-
-
Figura 18 - Estrutura molecular do corante ácido violeta.
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p. 73).
Corantes azóicos: essas substâncias são insolúveis em água e sintetizados sobre as
fibras celulósicas e a seda durante o processo de tingimento. A fibra é impregnada
com uma substância solúvel em água, conhecida como agente de acoplamento, que
84
apresenta alta afinidade por celulose. Ao ser adicionado um sal de diazônio à fibra,
ocorre uma reação química entre o agente de acoplamento fixado na fibra e este sal,
produzindo um corante insolúvel em água. Como o corante é produzido diretamente
sobre a fibra por meio da combinação de um corante precursor sem grupos sulfônicos
e a formação de uma substância solúvel, esse método de tingimento tem alto padrão de
fixação e alta resistência à luz e à umidade (GUARATINI e ZANONI, 2000).
Corantes a cuba ou a tina ou de redução: são insolúveis em água e muito utilizados no
tingimento do algodão. Entretanto, ao sofrerem redução com hidrossulfito de sódio em
meio alcalino, como mostra a figura 19, são transformados em substâncias solúveis
(forma leuco). Após a redução, os derivados leuco podem tingir as matérias têxteis
celulósicas. A forma original do corante sobre a fibra é regenerada com a sua oxidação
posterior a partir da reação com o ar, peróxido de hidrogênio, etc. O grupo carbonila
presente nesse tipo de corante pode estar situado no grupo etilênico ou em
subunidades alicíclicas, compreendendo os índigos (n=1), as antraquinonas (n=2), as
pirantronas (n=4), etc., sendo n o número de grupos etilênicos. Um problema
associado ao corante a cuba é a produção química de hidrossulfito de sódio, que pode
causar problemas ecológicos, elevando o custo operacional dessa classe de corante
(GUARATINI e ZANONI, 2000).
O
C
C
C
n
C
O
S
2
O
4
- OH-
C C
n
C
OC
O
+
+
4
corante forma leuco
Figura 19 - Processo de redução do corante a cuba com hidrossulfito de sódio.
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p.73).
Corantes ao enxofre: são utilizados principalmente no tingimento de fibras celulósicas
e apresentam boa fixação. Eles são aplicados após a sua redução em banho com
hidrossulfito de sódio, que lhes confere a forma solúvel. Em seguida, eles são
85
oxidados sobre a fibra pelo contato com ar, transformando-se em corantes insolúveis
substâncias macromoleculares com pontes de polissulfetos, como mostra a figura 20, e
atribuindo à fibra cores intensas e escuras como o preto, o verde oliva, o azul marinho
e o marrom. O grande inconveniente desse tipo de corante é a produção de resíduos
altamente poluentes e, por esse motivo, eles têm sido substituídos por sulfurosos
ecológicos que têm como redutor a glicose (ALCÂNTARA e DALTIN, 1996).
R-S-SO
3
-
+
S
2
-
R-S
-
+
S-SO
3
2-
corante
R-S-SO
3
-
+
+
SO
3
2-
corante
R-S
-
R-S-S-R
Figura 20 - Reação de corantes contendo grupo tiossulfato com íon sulfeto e subseqüente formação
dos corantes com pontes de dissulfeto.
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p. 73).
Corantes reativos: são a mais importante classe de corantes utilizada atualmente,
podendo ser empregados em fibras celulósicas, seda e lã, facilitando a obtenção de
vários tons, até os mais brilhantes. Tais corantes são altamente solúveis em água. Sua
interação com as fibras é do tipo covalente e ocorre em meio alcalino. Eles dão maior
estabilidade na cor do tecido tingido quando comparado a outros tipos de corantes em
que o processo de coloração opera-se através de ligações de maior intensidade. Um
grupo eletrofílico (reativo) do corante forma ligação covalente com um grupo
hidroxila das fibras celulósicas, com grupos amino, hidroxila e tióis das fibras
protéicas e também com grupos amino das poliamidas, como mostra a figura 21. Os
grupos cromóforos principais dos corantes reativos possuem a função azo e
antraquinona e os grupos reativos são a clorotriazinila e a sulfatoetilssulfonila.
86
SO
2
CH
2
CH
2
OSO
3
Na
SO
2
CH CH
2
SO
2
CH
2
CH
2
O
SO
2
CH
2
CH
2
OH
OH
2
sítio cromóforo
pH = 9-12
T = 30-70
o
C
sítio cromóforo
sítio cromóforo
celulose
sítio cromóforo
celulose
OH
-
Figura 21 - Interação de corantes reativos do tipo vinil sulfonato com a fibra têxtil.
Fonte: Kunz (2002
37
apud FORGIARINI, 2006, p.19).
Corantes dispersos: são uma classe de corantes insolúveis em água e empregados no
tingimento de fibras sintéticas hidrofóbicas. Sua aplicação ocorre em uma suspensão,
onde o corante sofre hidrólise até que a forma originalmente insolúvel seja lentamente
precipitada na forma dispersa sobre a fibra. Normalmente, são empregados agentes
dispersantes com longas cadeias para que haja a estabilização da suspensão do corante,
facilitando assim o contato entre o corante e a fibra (GUARATINI e ZANONI, 2000).
A figura 22 exemplifica um corante disperso.
37
KUNZ, A. Remediação de efluente têxtil: combinação entre processo químico (ozônio) e biológico (P.
Chrysosporium). 1999, Campinas. Tese (Doutorado em Química) - Instituto de Química, Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 1999.
87
NO
2
O
2
N
N
N
N
CH
2
CH
3
Na
CH
2
CH
3
NO
2
O
2
N
N
N
N
H
CH
2
CH
3
hidrólise
Figura 22 - Exemplo de corante solubilizado temporariamente através de reação de hidrólise (V-
Corante vermelho de lonamina KA).
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p.73).
Corantes brancos ou branqueadores ópticos: devido aos materiais orgânicos que fazem
parte da composição das fibras têxteis absorverem a luz, principalmente na faixa de
baixo comprimento de onda, a coloração das mesmas é um pouco amarelada. Na
indústria, para diminuir-se essa tonalidade amarelada, a fibra é oxidada com alvejantes
químicos ou são utilizados os corantes brancos, também denominados de
branqueadores ópticos ou mesmo branqueadores fluorescentes. Quando tais corantes
são aplicados em tecidos brancos, eles proporcionam a alta reflexão de luz, mesmo
daqueles comprimentos de onda não-visíveis, mas que podem ser transformados em
visíveis a partir da excitação dos elétrons. Esses corantes apresentam grupos
carboxílicos, azometino (-N=CH-) ou etilênicos (-CH=CH-) ligados a sistemas
benzênicos, naftalênicos, pirênicos e anéis aromáticos que proporcionam reflexão por
fluorescência na região de 430 a 440 nm quando excitados por luz ultravioleta
(GUARATINI e ZANONI, 2000; ALCÂNTARA e DANTIN, 1996). Na figura 23 é
apresentado um exemplo da estrutura de um corante branqueador.
88
SO
3
H
C
H
C
H
SO
3
H
N
H
N
N
N
OH
NH
N
NN
OH
NH
NH
Figura 23 - Exemplo de corante branqueador (corante fluorescente 32) contendo o grupo triazina
usado no branqueador de algodão, poliamida, lã e papel celulose.
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p. 74).
Corantes pré-metalizados: são utilizados principalmente para o tingimento de fibras
protéicas e poliamida. Eles têm como característica a presença de um grupo hidroxila
ou carboxila na posição orto em relação ao cromóforo azo que permite a formação de
complexos com íons metálicos. O metal interage com os grupamentos funcionais
portadores de pares de elétrons, como aqueles presentes nas fibras protéicas. Exemplos
mais comuns desse grupo são os complexos estáveis de cromo denominados corantes
1:1 e 1:2. A figura 24 representa um esquema de tingimento com tal corante. Uma
desvantagem desse tipo de corante está associada ao alto conteúdo de metal (cromo)
nas águas de rejeito (GUARATINI e ZANONI, 2000).
89
NH
2
CO
3
NH
Cr
OH
2
OH
2
R
N
O
Cr
OH
2
OH
2
O
N
OH
2
x
-
+
lã
.....
-
Figura 24 - Exemplo de tingimento da com o corante pré-metalizado cromo/corante 1:1 através do
grupo amino como ligante e o centro metálico do corante.
Fonte: Guaratini e Zanoni (2000, p.73).
Corantes básicos: são solúveis em solução aquosa acidulada e tingem a lã, o acrílico e
a seda. Podem tingir também outras fibras como o sisal e o algodão se os corantes
forem misturados anteriormente com o tanino, um mordente. Os mordentes são
substâncias que auxiliam a fixação do corante nas fibras. Normalmente, eles são
formados por metais de transição que podem complexar-se com grupos característicos
presentes nas estruturas das fibras (LIMA, PEREIRA e PINTO, 2007). Tanino é o
nome técnico utilizado para um material pertencente a um grupo de substâncias
polihidroxidofenólicas diferentes, constituído por polifenóis simples, carboidratos,
aminoácidos e gomas hidroxicoloidais. Ele forma complexos com praticamente todos
os metais (SILVA, 1999). Outros exemplos de mordentes são os sulfatos de cobre,
ferro, alumínio e estanho. Para tingir a fibra acrílica, é necessário modificar a fórmula
química do corante (ALCÂNTARA e DANTIN, 1996).
Além dos corantes, também podemos citar o uso de pigmentos utilizados no
tingimento têxtil. Os pigmentos são diferentes dos corantes porque não apresentam afinidade
90
química ou física com as fibras, ou seja, não são adsorvidos como os corantes
(ALCÂNTARA e DANTIN, 1996; ALLINGER et al., 1978). Eles são partículas formadas
por substâncias inorgânicas ou orgânicas que, devido às suas características óticas, são
utilizados para colorir. Eles não se solubilizam em seu meio de aplicação. Um exemplo de
pigmentos são os óxidos de ferro.
Embora o desenvolvimento industrial tenha trazido vários benefícios para a nossa
sociedade, ele também trouxe malefícios. Um deles é a degradação ambiental. Por tal motivo,
no Brasil existe uma legislação ambiental que obriga o tratamento de efluentes industriais
antes do descarte. Os efluentes líquidos gerados pela indústria têxtil são de difícil degradação
devido ao uso de corantes sintéticos e outros aditivos colocados para resistir à exposição do
tecido ao sol, água, suor, sabão, etc. e podem agredir sensivelmente o ambiente aquático
(PASCHOAL e TREMILIOSI-FILHO, 2005). Por isso, como prevê a legislação relacionada
ao ensino formal, a preocupação com essas questões ambientais já é parte do currículo
escolar. Paralelamente, processos mais eficientes de tratamento de tais efluentes ainda estão
sendo investigados.
91
ASPECTOS METODOLÓGICOS E
ANALÍTICOS DA PESQUISA
Na descrição do nosso trabalho, optamos em seguir as considerações de Queiroz
(1983), que descreve a metodologia utilizada em sua pesquisa realizada com trabalhadores
residentes na cidade de São Paulo no período de 1920-1937 como “[...] uma reflexão sobre o
caminho, ou os caminhos seguidos pelo cientista em seu trabalho, nas diversas fases da
proposição da pesquisa e de sua realização” (p.12). Dessa forma, apresentamos nossa reflexão
sobre o trabalho realizado, tentando, também, já realizar uma análise de nossos resultados.
Compreendemos que a pesquisa realizada segue uma abordagem qualitativa, que é
caracterizada pelo
[...] esforço de coletar materiais em diversas fontes oriundas do ambiente
natural, por meio do contato direto, intenso e prolongado entre o pesquisador
e os atores sociais implicados, procurando explorar recursos metodológicos
que permitam fundamentar exercícios de descrição para fins de compreensão
dos fenômenos investigativos, segundo a perspectiva dos participantes da
situação em estudo [...] (DEMO, 2004
38
apud LIMA e OLIVO, 2007, p. 35).
Nesse sentido, realizamos a seguir a nossa reflexão sobre cada uma das etapas
seguidas nesta pesquisa. Elas compreendem o questionário e a análise do questionário, a
seleção da tecelagem manual no Triângulo Mineiro como saber popular a ser estudado e a
discussão sobre os métodos adotados, a descrição das artesãs e de seu lugar social, a descrição
e análise de alguns procedimentos de tingimento adotados pelas artesãs entre outras.
38
DEMO, P. Política social, educação e cidadania. Campinas: Papirus, 1994.
92
3.1 – O QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS
Será que os estudantes de Ensino Médio da região pesquisada (Triângulo Mineiro)
conhecem a tecelagem manual ou algum produto obtido por tal técnica ou ainda, têm interesse
em conhecer? A resposta a esse questionamento é de fundamental importância, que
acreditamos, assim como Freire (2000), que o contexto vivenciado pelos educandos poderia
trazer as problematizações. Entretanto o desconhecimento de uma cultura popular de sua
própria região não descartaria a possibilidade desse trabalho, embora o direcionamento
voltado para o mesmo devesse seguir outros caminhos: o do conhecimento de tal cultura e não
do re-conhecimento.
Para respondermos às questões apresentadas, pretendíamos realizar um levantamento
de opinião incidental de estudantes do Ensino Médio de escolas estaduais das quatro cidades
nas quais realizamos a pesquisa com as artesãs, sendo elas: Itapagipe, Perdizes, Araxá e
Uberlândia. Fizemos uso de um questionário aberto com três perguntas (Apêndice A), para
realizarmos tal levantamento que, segundo Laville e Dione (1999), é uma estratégia de
pesquisa realizada em uma única vez, com uma amostra de população freqüentemente muito
grande, visando conhecer a opinião de tal população sobre um assunto.
Infelizmente, não conseguimos autorização na escola da cidade de Perdizes para a
aplicação do questionário. Portanto nosso levantamento resumiu-se às cidades de Uberlândia,
Itapagipe e Araxá. A amostra selecionada foi não-probabilística e do tipo acidental, que foi
interrogado um número de estudantes que consideramos suficiente para uma sondagem
inicial.
Em cada turma, foram respondidos aproximadamente 28 questionários por estudantes
da faixa etária de 14 a 18 anos, em um total de 312 questionários respondidos. A cidade de
Itapagipe possuía apenas uma escola pública e o questionário foi aplicado em três turmas,
cada uma de um ano do Ensino Médio. Em Uberlândia, o questionário foi aplicado em duas
93
escolas, localizadas em região próxima ao centro da cidade. Em uma das escolas (Escola A), o
mesmo foi aplicado em três turmas de anos diferentes, no período matutino, enquanto na outra
(Escola B), o questionário foi aplicado em duas turmas apenas, de 1
0
e 2
0
anos. As duas
escolas são consideradas, pelo Governo do Estado, como escolas de referência da cidade e
atendem, basicamente, estudantes de classe média. Por tal motivo, acreditamos que uma
resposta “positiva” em relação ao conhecimento da tecelagem manual dada pelos estudantes
dessas escolas possa ser reflexo dos estudantes das outras escolas da cidade, mais periféricas.
Isso porque o conhecimento da tecelagem manual está mais ligado a pessoas oriundas de
família de classes populares menos favorecidas economicamente. Em Araxá, o questionário
foi aplicado em uma escola pública para três turmas, uma de cada ano do Ensino Médio.
As respostas obtidas foram categorizadas de acordo com o que os estudantes
expressaram em termos de noção sobre a tecelagem manual (conhecimento de algum artigo
realizado no tear manual ou de pessoas que realizam/realizaram tal trabalho) e interesse em
aprender alguma coisa sobre a atividade. Apresentamos, na tabela 3 a seguir, as categorias
encontradas e o número percentual de alunos para cada uma, de acordo com a cidade, a escola
e o ano de escolarização.
A partir da análise das respostas, constatamos que, do total de estudantes que
responderam ao questionário, quase a metade deles (46,8%
39
) conhece algum artigo de
tecelagem manual ou pessoas que trabalham/trabalhavam com ela e, também, que tem
interesse em aprender mais sobre o assunto, indiferente da escola ou cidade a que pertencem.
Contudo o interesse é maior na cidade de Itapagipe, que possui características mais rurais (a
economia da cidade gira em torno da agropecuária) e pequeno número de habitantes
(aproximadamente doze mil). Na cidade de Araxá, vários estudantes fizeram referência à
Fundação Cultural Calmon Barreto, um dos locais onde fizemos nossa pesquisa sobre
39
Média aritmética obtida nessa categoria.
94
tecelagem. Em Uberlândia, mesmo a cidade possuindo centros de tecelagem manual, sendo
um deles até ponto turístico, o conhecimento dos estudantes sobre a tecelagem é bem menor.
Entretanto o interesse é bastante expressivo, até para aqueles que não conhecem. Outros
28,2% responderam que não conheciam e gostariam de conhecer o assunto. Alguns não
conseguiram definir se gostariam de aprender ou não (dúvida) e outros simplesmente
responderam que já conheciam, sem manifestar vontade alguma (2,2%).
95
Tabela 3 – Categoria de respostas encontradas no questionário aplicado nas escolas da região do Triângulo Mineiro.
PERCENTAGEM DE RESPOSTA (%)
CATEGORIAS UBERLÂNDIA
ITAPAGIPE
ARAXÁ
TOTAL
TOTAL
GERAL
ESCOLA A ESCOLA B ESCOLA A ESCOLA A
DE
ALUNOS (%)
3
0
Ano
2
0
Ano
1
0
Ano 2
0
Ano
1
0
Ano 3
0
Ano 2
0
Ano 1
0
Ano 3
0
Ano 2
0
Ano
1
0
Ano
Conhece e tem
interesse
59,3
37,9
28,1
26,5
8,8
76,7
91,3
70,0
44,4
40,9
50,0
146
46,8
Conhece e não tem
interesse
7,4
10,3
6,3
14,7
20,6
0,0
0,0
13,3
18,5
22,7
33,3
32
10,3
Não conhece e tem
interesse
33,3
41,4
46,9
44,1
35,3
16,7
4,3
3,3
14,8
13,6
8,3
88
28,2
Não conhece e não
tem interesse
0,0
6,9
18,8
11,8
32,4
3,3
0,0
0,0
14,8
18,2
0,0
32
10,3
Conhece e sabe
como fazer
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
3,3
4,3
3,3
7,4
4,5
4,2
7
2,2
Não sabe e tem
interesse
0,0
0,0
0,0
2,9
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
1
0,3
Não conhece e tem
dúvida
0,0
0,0
0,0
0,0
2,9
0,0
0,0
10,0
0,0
0,0
4,2
5
1,6
Conhece e tem
dúvida
0,0
3,4
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
1
0,3
TOTAL (%) 100,0
99,9
100,1
100,0
100,0
100,0
99,9
99,9
100,0
100,0
100,0
312
100,0
96
Para melhor observarmos o padrão de respostas da cidade de Uberlândia, fizemos uso
de gráficos do tipo colunas para representar os resultados obtidos em cada turma e em cada
escola pesquisada, como mostram as figuras a seguir.
Terceiro ano
Segundo ano
Primeiro ano
0
10
20
30
40
50
60
70
Não conhece
e tem
interesse
Conhece e
não tem
interesse
Conhece e
tem interesse
Conhece e
tem dúvida
Não conhece
e não tem
interesse
Figura 25 - Gráfico representativo das categorias de respostas ao questionário aplicado na Escola A,
em Uberlândia.
Segundo ano
Primeiro ano
0
10
20
30
40
50
o
conhece e
tem
interesse
Conhece e
o tem
interesse
Conhece e
tem
interesse
o
conhece e
o tem
interesse
Não sabe e
tem
interesse
Não
conhece e
tem dúvida
Figura 26 - Gráfico representativo das categorias de respostas ao questionário aplicado na Escola B,
em Uberlândia.
Observamos que, no 3
0
ano da Escola A de Uberlândia, uma maior quantidade de
estudantes afirmou conhecer materiais feitos no tear manual. Alguns deles até fazem um
97
pequeno relato sobre esses materiais: “Na casa de minha avó, e essa colcha tem uma historia
muito bonita que minha avó ganhou de sua e antes de morre e ela foi fabricada pela minha
bisavó e tem uma estima muito grande”; “Vi a maioria em fazendas e sitios são peças
coloridas diferentes das que vemos no cotidiano” (sic); “... vi colchas de ou algodão, em
minha casa, minha mãe mantém guardada e é bem antiga, são muito quentes e pesadas porém
são aconchegantes nessa época de frio”.
Outros relatos feitos pelos estudantes de todas as escolas pesquisadas sobre os
materiais feitos no tear de quatro pedais foram aqui destacados: “É interessante saber como
nossos avós faziam colcha, o funcionamento, etc.”; “... esse processo faz parte da nossa
história”; “...é um trabalho muito interessante e pouco conhecido, pelos jovens. Gostaria de
ver um tear em trabalho”; “...na minha casa existe várias peças, é muito bem feita e com
vários pontos interessantes e é muito quentinha as cobertas feitas de lã, mas pinica muito”;
“Eu admiro muito essas pessoas que faziam isso pois deve ser muito difícil e cuidadoso para
fazer”; “Já vi nas lojas de artesanatos, eu acho que isto é um atraso comercial...”; “Sim, em
lojas e no Calmon Barreto, eu achei muito interessante e criativo, no Calmon Barreto tinha
uma estrutora que explicou como e feito e nos mostrou o processo que passa para fazer a
colcha por exemplo”; “Na cidade onde minha mãe morava, a cultura deles e a renda da maior
parte da cidade é gerada através desse trabalho”; “Conheci sim, pela minha avó e minha tia
que trabalha na Fundação Calmon, que se realiza esse tipo de trabalho.”; “Em minha casa
tem cobertas que minha bisavó deixou e minha mãe usa pela beleza e por serem de algodão é
confortável”; “Sim, porque faz parte da cultura brasileira”; Na casa de meus avós, é um
trabalho simples, porém muito bonito e necessita de talento porque é um trabalho cheio de
detalhes”; “... eu gosto de saber com esse trabalho e realizado pois e um trabalho, uma cultura
de nossa família e da sociedade em geral”; ... eu gostaria de saber como se faz para tecer,
como se faz para fiar etc.”; “... deve ser uma forma muito legal ainda mais porque hoje não
98
existe mais essa forma de tecer, as que existe são poucas”; “... porque com isso pode se
conhecer um pouco da antiguidade”.
Ao nos depararmos com esses relatos que demonstram uma relação íntima dos
estudantes com seus familiares e também uma atitude de valorização e interesse por
atividades realizadas por seus antepassados, percebemos que a preocupação relativa ao
presente contínuo de nossa sociedade e, em especial, dos jovens, expressada por Hobsbawn
(1995
40
apud CHASSOT, 2001) pode não ser tão agravante. Mais ainda: acreditamos que o
desinteresse pelo passado não vem do jovem, mas daqueles que não os colocam “em contato”
com o passado. O papel creditado aos historiadores por Hobsbawn de “lembrar o que os
outros esquecem” (1995 apud CHASSOT, 2001, p. 174) também deveria ser estendido às
escolas e aos pais.
Embora não tenhamos abordado, no questionário, o interesse dos estudantes em
estudar os saberes sobre a tecelagem manual e inter-relacioná-los com os saberes ensinados na
escola, principalmente os científicos, acreditamos que tal trabalho possa ser realizado e ter
boa aceitação dos estudantes devido às respostas dadas por eles.
3.2 – A ESCOLHA DO SABER POPULAR
Como fase inicial da pesquisa relativa ao saber popular, a primeira questão a ser
definida por nós foi a escolha de uma cultura popular de tradição. Para nós, essa escolha
deveria considerar também a vivência de um dos pesquisadores
41
. Em relação à cultura
popular, tínhamos como indicativos a culinária, a medicina popular e a tecelagem e, no caso
da região, a única alternativa era o Triângulo Mineiro. Ao ser realizada uma visita ao Centro
de Fiação e Tecelagem de Uberlândia, foi possível perceber as várias possibilidades para a
40
HOBSBAWN, E. J. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
41
Na introdução dessa dissertação, realizamos um breve relato de história de vida de um dos pesquisadores, a
qual foi preponderante para a realização desse trabalho.
99
realização de nossa proposta e, assim, estabelecemos que a cultura popular seria a pesquisada.
O contato inicial no Centro de Tecelagem foi feito pessoalmente, em setembro de 2006. O
local foi apresentado por um dos funcionários do Centro, responsável pela produção. Ele
explicou seu funcionamento: no período matutino trabalham as tecelãs, senhoras idosas
contratadas pelo Centro que cardam, fiam e tecem o algodão. O tingimento é realizado pelo
próprio funcionário e o utilizados corantes naturais extraídos de plantas (folha, casca) ou
ainda a ferrugem. Essas senhoras, em sua grande maioria, viviam na zona rural e cultivam um
saber que é de tradição.
A princípio, o nosso foco era o conhecimento do processo de tecelagem manual e
todas as etapas nele envolvidas. Entretanto entendemos que tal conhecimento advém de toda
uma cultura popular que possui seus próprios significados. Assim, para termos o
conhecimento indispensável de tal cultura popular, era necessário inserirmo-nos no meio em
que os participantes da mesma se encontram, para compreendermos como se dava o processo
de tecelagem em anos mais remotos, quais as características das pessoas que, atualmente,
realizam tal processo, quais as circunstâncias, as relações que eram estabelecidas pelas artesãs
e também as modificações ocorridas com o passar dos anos.
À primeira vista, o conhecimento de tal cultura popular apontava para a necessidade
da utilização dos métodos empregados em uma abordagem antropológica (etnografia), que é
baseada no estudo de grupos ou comunidades a partir da inserção do pesquisador dentro de
tais grupos, buscando a compreensão dos mesmos, “suas idéias, crenças, valores e
pressupostos, seus comportamentos e as coisas que fazem” (OGBU, SATO e KIM, 1998
42
apud MOREIRA, 2002, p. 28, tradução nossa). Para tanto, o pesquisador
[...] mistura-se ao quotidiano do grupo, fazendo sua presença tão discreta
quanto possível, e realiza a experiência, compartilhando a vida, as
42
OGBU, J. U.; SATO, N. E.; KIM, E. Y. Anthropological inquiry. In: KEEVES, J. P. (Ed). Educational
research: methodology and measurement. An international handbook. Oxford: Pergamon Press, 1998, p. 48-54.
100
atividades, os comportamentos, até mesmo as atitudes e os sentimentos das
pessoas que o compõem. (LAVILLE e DIONE, 1999, p. 153).
Podemos dizer, então, que o pesquisador atua como participante e observador, pois ele
envolve-se com o grupo, mas deve também observar e interpretar. Nesse sentido, o
pesquisador formula suas hipóteses e fundamenta sua teoria no decorrer do processo de
investigação (MOREIRA, 2002).
Uma das principais formas de coleta de dados em uma abordagem antropológica é a
observação participante. Nela, o pesquisador permanece associado à situação numa posição
participativa direta e pessoal. A coleta das informações é realizada a partir do uso de diário de
bordo, que consiste de anotações acerca das condições em que foi feita a observação e os
elementos observados (local, data, pessoas observadas, acontecimentos, impressões). Para
enriquecer a pesquisa, pode-se ainda obter mais informações utilizando-se a coleta de
depoimentos das pessoas envolvidas. Os depoimentos, como expõe Queiroz (1983), devem
“trazer em si a riqueza de sentimentos, opiniões e atitudes da pessoa que relata” (p. 166).
Como recurso para a coleta dos mesmos, podem ser utilizados os questionários e as
entrevistas, sendo essas mais adequadas para complementar uma observação participante. As
entrevistas enquadram-se, em sua grande maioria, no tipo não-estruturado, pois este ao
entrevistado uma maior liberdade de expressão e possibilita “um contato mais íntimo entre o
entrevistador e entrevistado, favorecendo assim a exploração em profundidade de seus
saberes, bem como de suas representações, de suas crenças e valores” (LAVILLE e DIONE,
1999, p. 189). Além disso, tal tipo propicia uma fidelidade maior às idéias do entrevistado.
Em busca de uma melhor compreensão
da abordagem antropológica, realizamos a
leitura de textos escritos por antropólogos como Clifford Geertz (1989; 1998), D’Olne Campo
(2000), Franz Boas (2004), Aaron Cicourel (1975), Bronislaw Malinowski (1975) e A. R.
Radcliffe-Brown (1975). A compreensão acerca desse tipo de pesquisa culminou em algumas
considerações a partir da visão do antropólogo Clifford Geertz (1989). Para ele, a observação
101
participante propiciou uma nova visão aos antropólogos a respeito dos informantes, que
deixaram de ser considerados como simples objetos de pesquisa e passaram a ser
considerados como pessoas. Entretanto existe um risco nesta abordagem, pois o pesquisador
pode confundir o seu próprio papel e considerar-se “algo mais do que um interessado” (1989,
p. 30), sendo necessário estabelecer certa distância para que o mesmo não tenha um
envolvimento emocional prejudicial e que sejam garantidos a sua lucidez e o seu senso crítico.
Ao nos lançarmos ao estudo da cultura de um povo, Geertz (1989, p. 24) salienta que
compreendê-la significa “expor a sua normalidade sem reduzir a sua particularidade”. Sendo
assim, a etnografia assinala alguns objetivos que se referem às conclusões tiradas a partir de
fatos pequenos, mas que possuem um entrelaçamento denso e às afirmações acerca do papel
da cultura na construção da vida coletiva e em suas relações particulares e complexas. Por
causa disso, a pesquisa etnográfica, segundo Geertz (1989, p. 31), possui três características
básicas: “é interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação
envolvida consiste em tentar salvar o ‘dito’ num tal discurso da sua possibilidade de
extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis”. Existe ainda uma quarta característica
denominada pelo antropólogo como microscópica, significando um aprofundamento, uma
descrição e análise minuciosa.
Ao considerarmos as características propostas pelos antropólogos para a etnografia,
percebemos que nossa pesquisa não possui a densidade buscada pelos antropólogos e seu
caráter interpretativo teve uma natureza mais superficial, pois nos atentamos mais para a
realização das etapas do processo de tecelagem (parte material, que inclui a tosquia do
carneiro, a limpeza das fibras, a fiação, o tingimento e a tecelagem) do que para com as
relações estabelecidas entre os membros do grupo. Ou seja, foi considerado, de forma muito
mais substantiva, o produto dessa manifestação popular (a parte material).
102
Diante dessas considerações, entendemos que nossa pesquisa não pode ser
“classificada” como etnográfica, devido ao grau de aprofundamento no estudo das relações do
grupo de artesãs. Dessa forma, a nossa pesquisa possui “nuances” de uma pesquisa
etnográfica. Justificamos tal termo porque, para realizarmos o nosso estudo sobre a tecelagem
manual em quatro pedais (uma cultura popular de tradição), embora tenhamos coletado alguns
dados e informações a partir de pesquisa bibliográfica, aqueles mais relevantes e utilizados na
elaboração do material paradidático foram obtidos a partir da inserção de um dos
pesquisadores no meio ambiente das artesãs e do uso de vários métodos da pesquisa
etnográfica. Tais métodos foram: a observação participante com registro em diário de bordo e
entrevistas para a coleta dos depoimentos.
O método utilizado para registro das entrevistas foi a gravação em áudio. Além de
registrar as expressões próprias das artesãs e suas maneiras de encadear os fatos, como afirma
Queiroz (1983), acreditamos que a gravação em áudio (e não em vídeo) propiciou uma maior
descontração e, conseqüentemente, liberdade de expressão das entrevistadas. Além desse
instrumento, também fizemos uso de câmera fotográfica digital para o registro de imagens,
tanto das artesãs, como de instrumentos e materiais utilizados na tecelagem ou, ainda, a da
realização de alguma etapa da mesma. As artesãs foram entrevistadas individualmente e as
entrevistas, bem como a sua transcrição na íntegra, foram desempenhadas por um dos
pesquisadores. As condições em que as mesmas foram realizadas também foram registradas
no diário de bordo.
3.3 – A TECELAGEM MANUAL NO TRIÂNGULO MINEIRO
A tecelagem com tear de quatro pedais é tradicionalmente realizada apenas por
mulheres, transmitida de geração em geração. As mulheres tecelãs, comumente, moravam na
103
zona rural ou na periferia das cidades. Até meados do século passado, a tecelagem fazia parte
dos muitos afazeres domésticos destinados às mulheres.
Eu aprendi com a minha mãe. Ah, deusde criança. Minha mãe trabalha,
mexe com isso até hoje. A gente nasceu e cresceu naquilo ali, né? Então, a
gente fomo aprendeno.
43
Eu aprendi foi com a minha mãe, mesmo. Ela tinha os apreparo todo. Deus
da veiz que ela casou, ela já tinha o tiar, a roda, o descaroçador... Fazia tudo!
eu aprendi foi com ela mesmo. Nóis somo, nóis é seis irmã. Nóis tudo
aprendeu com ela mesmo.
44
[...] meu irmão casô com a minha prima e ela sabia tecê, né? ... Cabô que eu
aprendi... Eu ticia colcha de treis, ticia siriguia... Tudo de repasso.
45
Atualmente, a tecelagem manual no Triângulo Mineiro faz parte do que é denominado
cultura material, que se refere a todo segmento do universo físico socialmente apropriado,
como sugere Duarte (2001/2002). Embora possa indicar um reducionismo, Bucaille e Pesez
(1989
46
apud DUARTE, 2001/2002) extraem um significado maior para o termo cultura
material, ao atentarem que tal estudo invoca aspectos não-simbólicos das atividades de
produção do ser humano, representando a objetivação das necessidades do mesmo, ao
estabelecer relações com o seu redor e exprimir suas experiências cotidianas, marcando a
história.
A cultura material tende, por fim, lançar uma ponte para a imaginação do
homem, para a sua criatividade e a considerar como suas três componentes
fundamentais: o espaço, o tempo e o caráter social dos objetos. (DUARTE,
2001/2002, p.128).
Segundo Meneses (1997), o artefato material permite uma leitura dos vários
fenômenos envolvidos na feitura do mesmo. Assim, toda a matéria-prima envolvida, seu
processamento, as técnicas de fabricação, trazem
43
Depoimento concedido por Celina, em outubro de 2006, Araxá.
44
Depoimento concedido por D. Maria, em outubro de 2006, Uberlândia.
45
Depoimento concedido por D. Sebastiana, em outubro de 2006, Uberlândia.
46
BUCAILLE, R.; PESEZ, J. M. Cultura material. In: ENCICLOPÉDIA EINAUDI, homo-domesticação,
cultura material. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1989, v. 16.
104
[...] informações materialmente observáveis sobre a natureza e propriedades
dos materiais, a especificidade do saber-fazer envolvido e da divisão técnica
do trabalho e suas condições operacionais essenciais, os aspectos funcionais
e semânticos base empírica que justifica a inferência de dados essenciais
sobre a organização econômica, social e simbólica da existência social e
histórica do objeto (MENESES, 1997, p. 3).
Inicialmente, a tecelagem manual feita pelas tecelãs em Minas Gerais buscava atender
às necessidades da família, tanto no sentido de fazer roupas de cama e roupas de vestir, como
também obter-se recursos financeiros pela venda de seus produtos. Também eram realizadas
trocas em torno da produção (o “fazer a meia”): uma pessoa fornecia a matéria-prima para a
tecelagem (lã e algodão), as tecelãs a empregavam para tecer para a família e para o
fornecedor. Normalmente, tais fornecedores eram parentes mais próximos (primas, irmãs,
cunhadas) ou vizinhos. Percebe-se, até então, que a tecelagem tinha duas finalidades
principais: o uso pessoal (“Porque a gente, né, vestia todo mundo. Vestia do algodão, e roupa
de cama prá todo mundo, então a gente não tinha prazo prá fazê, prá vendê não. Fazia mesmo
só pro uso”)
47
e o “fazer para os outros” (“Eu tinha duas cunhada que levava prá mim tecê prá
elas, uma irmã minha levava prá mim tecê prá ela, ticia pros outro vizim lá... Eu pegava tudo
pra fiá à meia o algodão! Eu pegava o algodão pra fiá à meia, primero eu fiava o algodão das
pessoa, depois que eu fiá prá mim.”
48
; “Quem num ticia, ele sempre tinha o fio e tingia,
sempre fazia. Então, nóis que ticia, nóis pegava pra tecê pra eles. Aquelas que num ticia, mas
fazia o fio, né? Aí pagava a gente e a gente ticia pra elas”
49
).
Ao se diminuir a distância entre o campo e a cidade, conseqüência da industrialização
de nosso país, do êxodo rural e do crescimento da área urbana, entre outros fatores (LIMA e
FERREIRA, 1999), os tecidos feitos no tear para a confecção de roupas e as colchas foram,
aos poucos, sendo substituídos por tecidos, roupas e cobertores industrializados.
47
Depoimento concedido por D. Geralda, em outubro de 2006, Uberlândia.
48
Depoimento concedido por D. Sebastiana, em outubro de 2006, Uberlândia.
49
Depoimento concedido por D. Geralda, em outubro de 2006, Uberlândia.
105
Conseqüentemente, a procura pelas tecelãs diminuiu e muitas delas pararam de tecer, além de
se desfazerem de seus teares e das rodas de fiar.
Em contrapartida, talvez buscando objetos diferenciados daqueles produzidos
maciçamente pela indústria, consumidores de classes mais favorecidas economicamente
passaram a procurar peças produzidas por tecelãs. Duarte (2001/2002) acredita que a procura
por tais peças é uma tentativa de se obter produtos menos estereotipados que aqueles
produzidos industrialmente. Entretanto as finalidades das peças são, agora, modificadas.
Enquanto a colcha era utilizada para cobrir, na nova interpretação dada pelos novos
consumidores, elas são usadas como mantas ou tapetes (“Essas cocha o povo anda usando elas
mais é de tapete! Forrá sofá ou pô no centro”
50
). Outras peças tornam-se objetos de adorno.
Assim como na tecelagem industrial, são necessárias várias etapas anteriores para a
realização da tecelagem manual. No Triângulo Mineiro, era comum as mulheres realizarem
todas elas, embora algumas mulheres não tecessem e cuidassem apenas da fiação e tingimento
dos fios de algodão ou de lã. Tais etapas compreendem: tosquiar o carneiro para a retirada de
lã; colher, descaroçar e limpar o algodão; cardar a e/ou o algodão; fazer o fio; fazer a
meada; tingir os fios de ou de algodão; fazer o novelo; urdir o fiado (algodão) e/ou a e,
enfim, tecer no tear de quatro pedais, onde são realizados os efeitos de acordo com o que se
deseja produzir. O resultado é a produção de peças que se traduzem como artesanato cultural
ou tradicional, como designa Lima (2003).
Apresentamos, no apêndice B, a descrição sucinta de cada etapa citada, utilizando as
informações obtidas a partir da observação e dos depoimentos dados pelas artesãs de
Uberlândia (Centro de Fiação e Tecelagem), Araxá (setor de Artesanato da Fundação Cultural
Calmon Barreto), Itapagipe e Perdizes, realizados no mês de outubro de 2006 e janeiro de
2007 e também as referências da Fundação Pró-Memória (1984), Mirandola (1993) e
50
Depoimento concedido por D. Geralda, em outubro de 2006, Uberlândia.
106
Mirandola Filho e Mirandola (1991). As figuras mostradas são fotografias tiradas durante as
visitas.
3.3.1 – A pesquisa bibliográfica sobre a tecelagem manual em quatro pedais
Evidentemente, toda pesquisa inclui uma fase de revisão bibliográfica para elaboração
conceitual e definição de referenciais teóricos. Nessa perspectiva, apresentaremos mais
especificamente algumas referências levantadas por nós sobre a tecelagem manual em quatro
pedais.
Durante a visita a um dos núcleos de artesanato (o Núcleo Artesanal em Araxá)
51
,
obtivemos informações a respeito de uma pesquisa desenvolvida no ano de 1983 sobre a
tecelagem manual do Triângulo Mineiro pela Fundação Pró-Memória. Tal pesquisa resultou
na publicação do livro “Tecelagem Manual no Triângulo Mineiro uma abordagem
tecnológica”, que foi utilizado em nosso trabalho e, também, na elaboração de um vídeo-tape
depositado nesse órgão governamental. A documentação elaborada como resultado dessa
pesquisa corresponde a textos, fotos e desenhos que pretendiam registrar as técnicas e
produtos utilizados na tecelagem manual, além de uma proposta de classificação algébrica
(modelo matemático) dos padrões originados da técnica repasso, realizada em teares de quatro
pedais. Tal proposta foi desenvolvida a partir de um programa para computador (software).
Além do material citado, também utilizamos os livros “As tecedeiras de Goiás: estudo
linguístico, etnográfico e folclórico” (MIRANDOLA, 1993) e “Vegetais tintoriais do Brasil
Central” (MIRANDOLA FILHO e MIRANDOLA, 1991) referentes à pesquisa etnográfica
realizada com as tecelãs do Estado de Goiás pela pesquisadora Norma Simão Adad
Mirandola, no período de 1975 a 1982. No primeiro livro, a pesquisadora relata todo o
universo da tecelagem manual realizada pelas tecelãs de Goiás, abrangendo todas as etapas e
51
Um dos locais escolhidos para realizarmos essa pesquisa. As descrições do mesmo foram realizadas a seguir.
107
realizando um estudo lingüístico das falas das tecelãs. O segundo livro, embora publicado
anteriormente, é uma continuidade de tal trabalho, mas com uma abordagem voltada para o
estudo botânico das espécies vegetais empregadas no tingimento dos fios de algodão e de a
partir da transcrição das receitas citadas pelas tecelãs entrevistadas.
Essa pesquisa bibliográfica permitiu uma maior compreensão das técnicas,
procedimentos e dos instrumentos utilizados na tecelagem manual em quatro pedais.
Entretanto é importante ressaltar que os procedimentos relativos ao tingimento realizados por
nós seguiram as receitas das artesãs entrevistadas por nós, pois as suas entrevistas foram
ponto de partida para a elaboração de nosso material paradidático.
3.4 – O UNIVERSO DA PESQUISA COM AS ARTESÃS
A pesquisa foi realizada com nove tecelãs e uma fiandeira, que consideramos como
artesãs, nos meses de outubro de 2006 e janeiro de 2007. Preferimos aqui usar o termo artesã
para referirmos àquelas pessoas que contribuíram com o nosso trabalho “etnográfico” em vez
do termo informante, adotado pelos pesquisadores das ciências sociais. A escolha das tecelãs
baseou-se em dois critérios: ela deveria saber realizar todas as etapas referentes ao processo
de tecelagem, desde descaroçar o algodão até tecer e seu conhecimento ser resultante de
tradição. Ao aprofundarmos no estudo da etapa de tingimento com corantes naturais, houve a
necessidade de buscarmos mais informações, obtidas pela fiandeira mencionada, que
realizava apenas o processo de tingimento e de fiação, mas havia aprendido tais processos por
tradição. Seis dessas tecelãs trabalham em núcleos de artesanato que visam, dentre outros
objetivos, a sua preservação. As outras artesãs exercem ou exerciam seu trabalho na própria
residência.
Seguindo uma orientação regida por princípios éticos, tentamos esclarecer as artesãs
sobre a finalidade da pesquisa, solicitamos autorização para a divulgação de nomes pessoais,
108
de fotos (tanto delas quanto dos artigos feitos por elas, dos instrumentos utilizados na
tecelagem, etc.) e da transcrição de suas falas. Tal autorização foi registrada em fita cassete,
também para que as tecelãs fossem preservadas e não sentissem um desconforto ao serem
solicitadas a assinar um documento. Desse modo, elas se sentiram à vontade para expressar a
sua opinião, como reproduzido nos trechos a seguir:
“Pesquisador: D. Geralda, eu tô tirando foto, tô gravano o que a sra tá falano,
a senhora sabe que eu vô faze um, escreve alguma coisa sobre isso, né?
D. Geralda: Vai?
Pesquisador: A senhora lembra que eu comentei?
D. Geralda: Lembro.
Pesquisador: ... que eu vou colocar a entrevista da senhora. Não tem
problema nenhum?
D. Geralda: Não tem não... Mais pra falar assim procê, eu num importo não.”
“Pesquisador: D.Valdivina, eu queria lembrar de novo que esse trabalho
eu vou escrever. Então vai sair a fala da senhora, ? E eu espero que não
tenha nenhum problema.
D.Valdivina: Não. Não tem problema não.
Pesquisador: Fotos... Tudo o que a senhora contou aqui eu vou ter que passar
pros outros.
D.Valdivina: Não tem problema não. Isso aqui é uma coisa que não se
ofende ninguém. Eu tô contando o que eu sei fazer...”
Um dos núcleos de artesanato, o Centro de Fiação e Tecelagem, localiza-se na cidade
de Uberlândia. Ele foi escolhido para realizarmos a observação participante, já que possuía as
características buscadas por nós: a tentativa de preservação da tradição de tecelagem; um
grupo de tecelãs detentoras de tal saber a partir da tradição e que havia realizado todas as
etapas de tecelagem, principalmente o tingimento com produtos naturais e, ainda, uma
abertura para a realização da pesquisa. A observação foi realizada durante o período matutino
porque este é o momento em que as artesãs trabalham.
O Centro de Fiação e Tecelagem é mantido pela Associação de Apoio Comunitário
ASSACOM –, entidade civil, sem fins lucrativos, criada no ano de 1993 e que apóia e
viabiliza atividades comunitárias como o artesanato, especialmente a fiação e tecelagem
52
.
52
Informações obtidas em: APRESENTAÇÃO. In: CENTRO DE FIAÇÃO E TECELAGEM, Uberlândia.
Disponível em: <http://bastion.uberlandia.mg.gov.br/cft/apresentacao.php.>. Acesso em: 10 out. 2006.
109
O funcionamento do Centro acontece no período comercial, mas as atividades
realizadas no mesmo são diferentes em cada período. No período matutino trabalham as
artesãs, senhoras idosas contratadas pelo Centro. Atualmente, trabalham no Centro uma média
de 25 artesãs, que exercem as atividades relativas à tecelagem, como a fiação, a cardação, a
limpeza do algodão e a tecelagem propriamente dita. As artesãs recebem assistência médica e
fisioterapêutica. Praticamente não é utilizada a lã, pois é mais difícil de ser encontrada na
região e, também, devido à questão voltada para a saúde das senhoras. Normalmente o
algodão é obtido por doação. Além do algodão, são usadas linhas industrializadas. Todas as
peças produzidas são vendidas em um setor do Centro e a renda obtida é revertida para o
próprio Centro, que atende também encomendas. O tingimento dos fios de algodão é realizado
utilizando-se corantes naturais obtidos de plantas como o barbatimão, a casca de cebola, o
urucum e, também, a partir da ferrugem. No período vespertino são oferecidos cursos
gratuitos de tecelagem para pessoas interessadas. Os cursos são ministrados por uma
professora contratada pelo Centro para esse fim.
Na primeira visita ao Centro de Fiação e Tecelagem de Uberlândia
53
, fomos recebidos
pelo responsável pela produção que mostrou cada etapa do processo de tecelagem, desde a
retirada da sujeira do algodão até a tecelagem em si. Ao passar por cada etapa, fomos
apresentados às senhoras e conversamos brevemente com elas. A partir da conversa, fizemos
a escolha e o convite a três senhoras, explicando-lhes que gostaríamos de coletar o
depoimento.
O outro núcleo localiza-se na cidade de Araxá e faz parte do Núcleo de Artesanato da
Fundação Cultural Calmon Barreto, que foi instituído como entidade de direito público, sem
fins lucrativos, no ano de 1984, e em 1990 foi incorporada, de forma indireta, ao poder
público municipal. Ela tem como finalidades a promoção, o apoio e incentivo às
53
Embora já houvéssemos visitado o Centro de Fiação e Tecelagem de Uberlândia em data anterior, essa foi uma
sondagem inicial a fim de investigarmos a possibilidade da realização da pesquisa no local.
110
manifestações culturais do município e mantém o núcleo artesanal que tem como fim a
preservação da produção de tecidos, colchas e tapetes feitos em teares manuais, garantida por
meio da formação de novos artesãos
54
. O processo da tecelagem parte da retirada da do
carneiro, passa pela lavagem, cardação, fiação e tintura, até a sua produção final. Porém, ao
contrário do Centro de Fiação e Tecelagem, aqui o tingimento é feito com produtos
industrializados. O artesanato produzido na oficina é comercializado em duas lojas da própria
Fundação. Nesse local foram escolhidas três irmãs para comporem o nosso grupo de artesãs.
A fiandeira entrevistada e mais duas outras tecelãs são naturais da cidade de Perdizes,
sendo as últimas residentes na zona rural, uma delas em um dos distritos de Perdizes
(Antinha). A última tecelã é natural de Itapagipe. Todas as cidades pertencem à região do
Triângulo Mineiro.
3.4.1 – Descrição dos depoimentos e das tecelãs
Como coloca Cicourel (1969
55
apud Guimarães, 1975), dados obtidos por meio de
questionários e/ou entrevistas, para serem avaliados, necessitam dos significados e dos
constructos de seus informantes. Assim, pretendemos fazer uma breve descrição do grupo de
artesãs pesquisado, fundamentada na observação participante e no diário de bordo.
Todas as artesãs entrevistadas foram moradoras da zona rural. As atividades realizadas
por elas giravam em torno do âmbito familiar doméstico. Ou seja, aquelas que eram casadas,
dedicavam-se ao marido, filhos e netos; enquanto as solteiras dedicavam-se aos pais e irmãos.
As tarefas domésticas exercidas por elas giravam em torno da arrumação da casa e do preparo
da comida; da criação de porcos, galinhas e carneiros (em alguns casos); do cultivo da horta e
da roça para a alimentação da família e da tecelagem. Os homens eram responsáveis pelo
cultivo da roça para a venda ou troca de mercadorias (“Eu fazia a roça separada da dele. É
54
Informações obtidas em: HISTÓRICO e atividades. In: FUNDAÇÃO CULTURAL CALMON BARRETO,
Araxá. Disponível em: <http://usr.cd-graf.com.br/~barreto/fundinfo.htm.> Acesso em: 10 out. 2006.
55
CICOUREL, A. Method and Measurement in sociology. 6. ed. Nova Iorque: The Free Press, 1969.
111
porque a dele era pra catira
56
e a minha e o meu era pra comê”
57
). A autoridade estava toda
centrada no progenitor (pai), em um regime fortemente patriarcal. As mulheres quase não
freqüentavam as escolas, pois a prioridade era sempre dada aos filhos (homens), enquanto as
filhas cuidavam da casa. Além disso, as escolas situavam-se distantes das casas (“Num
estudava também. Num tinha escola aqui por perto assim”
58
; “A gente morava na roça e num
tinha escola perto. Aí, meu pai arrumô um professor pra eles, mas era muito longe! Ah, a
menina muié dele, i num lugá desses, num ia de jeito nenhum! Agarrado no pezinho da gente,
né? Os fio home estudô, as muié não. Ele falava: Não! Num deixava menina muié i pra longe
assim de jeito nenhum!”
59
; “Nois estudô, nois entrou na escola a prima da Mariinha que foi
minha professora – eu estudei só dois meses e doze dias”
60
).
As famílias eram, normalmente, numerosas (mais de seis filhos). Quando pequenos, os
filhos ajudavam o pai na roça, enquanto as filhas ficavam em casa, auxiliando a mãe.
Entretanto era comum que o marido e os filhos ajudassem as mulheres na montagem do tear.
Inicialmente, as mulheres aprendiam a fiar com 7-8 anos de idade, para depois
aprenderem a tecer. Algumas delas participaram de mutirão para realizar a fiação. O mutirão
era realizado na casa de uma das artesãs. Cada uma levava a sua roda de fiar. Este
desprendimento em ajudar aos vizinhos ou parentes também é encontrado na troca de
modelos, repassos das colchas, não existindo a exclusividade (“A gente falá em uma
pessoa que tem o repasso bonito, a gente procurava com ela, ela dava o repasso pra gente,
fazia... [A pessoa] dava, tranqüilo. Punha dos mais pronta”
61
).
A tecelagem era aprendida desde a adolescência e era uma atividade de subsistência
para toda a família. As roupas de vestir, de cama e de mesa eram todas feitas no tear para a
56
Expressão regional que significa venda ou troca de mercadorias.
57
Depoimento concedido por D. Sebastiana, em outubro de 2006, Uberlândia.
58
Depoimento concedido por D.Fiica, em janeiro de 2007, Antinha (Perdizes).
59
Depoimento concedido por D. Maria, em janeiro de 2007, Uberlândia.
60
Depoimento concedido por D. Maria Luísa, em janeiro de 2007, Perdizes.
61
Depoimento concedido por D.Geralda, em janeiro de 2007, Uberlândia.
112
família (“Nois tinha que fiar, fazer bachero
62
pra por nos animal, fazer saco pra ensacar arroz
pra trazer das roça... Fazia lençol, toalha, travesseiro. Tudo de algodão. Tudo. Não existia
comprar das coisa não.”
63
). Tanto na tecelagem quanto na fiação eram realizadas trocas em
torno da produção (o “fazer a meia”) e também eram obtidos recursos financeiros pela venda
dos materiais feitos no tear.
As tramas produzidas na tecelagem manual formam desenhos que eram batizados de
acordo com as representações que as tecelãs faziam dos mesmos. Assim, tinha-se o “doce-de-
leite”
64
, o “tamborete”
65
, “a mamoninha ou dadinho”
66
. Algumas tecelãs mais habilidosas
utilizavam-se do bordado, feito no próprio tear, para produzir peças mais diferenciadas, como
a colcha de pavão mostrada a seguir (Figura 28). As cores utilizadas pelas tecelãs são,
normalmente, fortes e vivas, consideradas por elas “mais alegres” (“Porque toda vida eu
gostei de coisa colorida. Eu ticia uns xadrez, ô!”
67
; “Ah! Também a gente quais nem usava
cebola dessa de cabeça. Porque aquilo gasta muito pra tingi. E tingi bonito, mas é assim: fica
muito claro, muito sem-graça, mas fica bonito”
68
).
Figura 27 - Fotografia da colcha doce-de-leite e da colcha tamborete.
62
Espécie de manta utilizada para colocar sobre o cavalo para a montaria. Ela é trançada artesanalmente com
fios de lã (mais comum) ou algodão. Bacheiro.
63
Depoimento concedido por D.Valdivina, em janeiro de 2007, Itapagipe.
64
Referência ao doce de leite cortado em pedaços quadrados, retangulares ou na forma de losango.
65
Referência a pequeno banco, geralmente em madeira, baixo e pequeno, sem braços, com assento para apenas
uma pessoa. Pode ter tampo redondo ou quadrado.
66
Referência ao fruto da mamona.
67
Depoimento concedido por D. Sebastiana, em outubro de 2006, Uberlândia.
68
Depoimento concedido por D. Geralda, em outubro de 2006, Uberlândia.
113
Figura 28 - Fotografia da colcha mamoninha e da colcha pavão.
Mesmo sendo praticamente uma tarefa obrigatória, a tecelagem é vista pelas tecelãs
como um trabalho prazeroso (“Pra mim, era o melhor serviço que tinha. Adorava tecer e
bordar a máquina! Esses dois.”
69
; “Gosto. Gosto muito da profissão.”
70
; “Eu gosto. Eu sempre
falo pros meus menino: a tecelagem é um pedaço da minha vida.”
71
)
As artesãs são, normalmente, muito religiosas e percebemos as suas várias crenças (a
influência das fases da lua e do período menstrual no tingimento). Na interpretação que
Geertz (1998, p. 120) faz sobre a pesquisa realizada por Evans-Pritchard sobre a feitiçaria
para os azandes
72
, o primeiro coloca que a voz da feitiçaria se eleva quando as expectativas
comuns falham, quando o homem comum de azande se confronta com anomalias ou
contradições”. Corroboramos com o antropólogo, pois, em nossa compreensão, as crenças das
artesãs fazem parte de seu senso comum e são as tentativas de explicação que elas encontram
para situações adversas do seu cotidiano.
Outra característica marcante das artesãs é o sotaque regional, uma forma de
linguagem que chamamos de caipira. Ao serem realizadas as entrevistas, tal sotaque também
manifestou-se nas falas de um dos pesquisadores, natural da mesma região e que “se viu
69
Depoimento concedido por D.Valdivina, em janeiro de 2007, Itapagipe.
70
Depoimento concedido por D.Fiica, em janeiro de 2007, Antinha (Perdizes).
71
Depoimento concedido por D.Geralda, em outubro de 2006, Uberlândia.
72
Povo do antigo Sudão anglo-egípcio pesquisado por Evans-Pritchard na década de 1920. Nessa pesquisa
antropológica, Pritchard levantou discussões que abordavam o papel social da bruxaria em sociedades africanas,
a racionalidade e os modos de pensamento.
114
inserido em um contexto familiar”. A fala é melodiosa e arrastada, os erres são retroflexos, as
palavras são contraídas (você pronunciado como “ocê” ou “cê”), são usados o ieísmo (o “lh
pronunciado como “i”, em “muié”) e o diminutivo (“finim”, “caracolim”) (MIRANDOLA,
1993). Segundo Cantarino (2007), o Brasil possui uma variedade muito grande em seu idioma
e isto faz parte do seu patrimônio lingüístico. As formas de expressão por meio da linguagem
são diferenciadas, dependem da região e também são evidenciadas pela hierarquia social, pela
idade. Porém, indiferente de qualquer desigualdade social ou regionalismo, a escrita é sempre
diferente da fala. As expressões são criadas no falar cotidiano, existe uma dinamicidade na
língua falada que é, normalmente, estabelecida a partir das inter-relações entre os seres
humanos. Cantarino (2007, p. 1) ressalta que “a língua é identidade e cultura e a valorização
desses diferentes modos de se falar o português depende do combate a um fenômeno pouco
debatido na sociedade brasileira: o preconceito lingüístico”.
Nós iniciamos as entrevistas solicitando a cada tecelã que se apresentasse, incluindo
nome e cidade natal e falassem sobre a sua trajetória como aprendizes de tecelagem e tecelãs.
Também foi solicitado a elas que mostrassem algum instrumento de fiação, cardação, etc. e
também artigos tecidos por elas. Algumas vezes, ainda solicitamos para que elas fizessem
uma pequena demonstração do uso dos instrumentos.
A D. Maria é uma senhora viúva, com 78 anos (mais ou menos, ela não sabe a idade
ao certo). É natural de Paineira, ex-distrito de Abaeté-MG. Morava na roça, onde se plantava
o algodão e o anil (único corante natural utilizado por ela), e aprendeu a tecer com a mãe.
Trabalha no Centro de Fiação e Tecelagem desde sua fundação (há mais de 20 anos). Ela
possui algumas colchas tecidas por ela antigamente. Suas filhas também aprenderam a tecer.
A D. Sebastiana, viúva, tem 70 anos de idade. Ela também é de Paineira e morava na
roça. Aprendeu a tecer com a prima e a cunhada, pois sua mãe não quis ensinar, não gostava
que ela mexesse no tear, nem na roda de fiar. Ela não plantava o algodão e nem o anil, fazia
115
trabalhos “à meia” ou atendia a encomendas para ajudar no sustento da casa. Toda a família
vestia roupas costuradas por ela com os tecidos feitos em seu tear. Quando mudou-se para
Uberlândia (há mais de trinta anos), seu marido fez um chiqueiro de seu tear, pois na época
eles acreditavam que na cidade as pessoas não se interessavam por roupas, colchas tecidas no
tear. Ela começou a trabalhar no Centro de Fiação e Tecelagem pouco mais de dois anos
para que sua filha mais velha também fosse contratada para a função e pudesse aprender a
tecer com ela. A D. Sebastiana não possui nenhuma colcha ou roupa tecida por ela enquanto
ainda morava na roça. Ela tem um vasto conhecimento sobre vários procedimentos de
tingimento e plantas que podem ser utilizadas para tingir. Não foi alfabetizada e aprendeu a
ler sozinha porque queria estudar a Bíblia.
A D. Geralda é viúva de 80 anos, natural de Nova Ponte e também morou na roça.
Aprendeu a tecer com a sua mãe. Plantava algodão e tecia para a sua família. Ela ainda possui
colchas que teceu enquanto morava na roça. O tear foi vendido porque não cabia em sua casa
quando ela mudou-se para Uberlândia e ela achava que não o usaria mais. Suas filhas não
quiseram aprender a tecer. Ela trabalha no Centro de Fiação e Tecelagem desde a fundação,
auxilia as outras artesãs em seu trabalho, é respeitada e admirada por todas elas. Ela também é
benzedeira.
Ao entrevistar as três tecelãs em suas próprias casas, tentamos deixá-las à vontade para
contar suas histórias. Em determinados momentos, direcionamos para a questão do
tingimento. Às vezes, alguns termos não eram compreendidos e nem sempre era possível
intervir para perguntar seus significados, frente à forma espontânea pela qual se expressavam.
Entendemos que esse processo é naturalmente lento.
As tecelãs de Araxá que trabalham no Núcleo Artesanal da Fundação Cultural Calmon
Barreto são bem mais jovens. Muitas delas aprenderam a tecer no próprio Núcleo Artesanal.
Todas elas foram entrevistadas enquanto trabalhavam e foi mais comum fazermos perguntas e
116
elas responderem. Por esse motivo, as entrevistas foram mais curtas e objetivas e também
mais pobres de informações e de sentimentos. Entretanto, como nosso interesse foi voltado
para saberes de tradição (transmitidos de mãe para filha ou algo semelhante), focalizamos
aquelas que aprenderam a tecer dessa forma, sendo escolhidas as entrevistas realizadas com
três irmãs (Celina, Terezinha e Sueli) que trabalham na Fundação, são naturais da Antinha,
um distrito da cidade de Perdizes. Poucas informações pessoais foram dadas pelas três irmãs.
Todas elas aprenderam a fiar e tecer bem cedo com sua mãe e também tosquiavam/tosquiam o
carneiro. Entretanto quase não faziam o tingimento das fibras. Atualmente, a Celina (a irmã
mais velha) é uma das responsáveis pelo tingimento na Fundação, mas com corantes
industriais. Todas elas trabalham na Fundação há, pelo menos, dez anos.
A partir das entrevistas realizadas no Núcleo Artesanal, foi escolhida também a mãe
das três irmãs para ser entrevistada, conhecida por D. Fiica. Residente em Antinha, na zona
rural, ela tem 73 anos, é viúva e aprendeu a tecer com as suas tias, com quem foi criada. Ela
possui todos os instrumentos necessários para a tecelagem, desde o descaroçador de algodão
até o tear de quatro pedais, ainda fia, tinge (com corantes industriais) e tece até hoje. Todas as
colchas que ela já teceu foram feitas em duplicata para que ela guardasse, ou como lembrança,
ou como amostras. As colchas feitas por ela apresentam uma diversidade de efeitos (motivos)
muito grande e muitas são bordadas no tear.
Outra tecelã entrevistada foi a D.Maria Luísa, residente em Perdizes, viúva de 71 anos.
Ela aprendeu a fiar, tecer e tingir com a sua tia. É uma das responsáveis pelo encontro de
tecelãs e fiandeiras da cidade (mutirão) e possui em sua residência várias rodas de fiar e
dobradouras, que são utilizadas em tal evento, além dos outros instrumentos, novelos de e
algodão e rias colchas. Sua pretensão é tecer uma colcha para cada um dos netos, como
lembrança. Uma de suas filhas aprendeu a tecer e a auxilia na montagem dos fios no tear,
atualmente.
117
A D. Valdivina, tecelã da cidade de Itapagipe, é ex-residente da zona rural (Serra da
Moeda), viúva de 73 anos, e aprendeu a tecer e tingir com a mãe. Ela não possui instrumento
algum usado na tecelagem, mas guarda várias colchas e toalhas tecidas por ela. Todos os seus
filhos são homens, não aprenderam a tecer, pois este trabalho era considerado como “afazer
de mulher”.
A D. Liósia é fiandeira. Como era, muitas vezes, necessário realizar o tingimento dos
fios que ela fiava, tal processo também foi aprendido pela mesma com sua mãe. Ela é viúva
de 71 anos. Além de dar o seu depoimento, ela auxiliou no reconhecimento de algumas
plantas utilizadas no tingimento e coletadas na região de Perdizes, por um dos pesquisadores.
3.4.2 – Os caminhos para aprender o tingimento
Para realizar o tingimento do algodão e da lã, as artesãs faziam uso de plantas
tintoriais
73
existentes no cerrado brasileiro. Delas as tecelãs retiravam o corante e o mordente
(fixador do corante).
Ao buscarmos um melhor entendimento sobre o processo de tingimento dos fios com
corantes naturais, percebemos que isso seria obtido a partir do depoimento das antigas
tecelãs, que tal procedimento é raramente utilizado pelas artesãs atualmente, pois a
preferência destas é dada aos corantes comerciais (sintéticos) por sua facilidade de manuseio e
obtenção. Além disso, atualmente, as plantas necessárias para a extração do corante não são
facilmente encontradas em lugares próximos e a quantidade não é apreciável para o
tingimento de grande quantidade de fios.
Alguns procedimentos de tingimento descritos pelas artesãs foram testados por nós.
Escolhemos para teste os seguintes tingimentos: com o anil, pois este foi citado por todas as
artesãs e muito utilizado por elas e, também, por apresentar mais “detalhes” em sua execução;
73
Termo utilizado pelos pesquisadores Mirandola Filho e Mirandola (1991) para referir-se àquelas plantas nas
quais podem ser retirados os corantes utilizados no tingimento de fibras.
118
com a quaresminha, por ser uma planta de uso exclusivo para o tingimento de lã, de acordo
com as artesãs; com a ferrugem, por ser o único pigmento inorgânico citado por elas; com a
sangra d’água, por ser utilizada a casca de tal árvore; e com os corantes comerciais.
Para realizarmos a coleta das plantas necessárias para a realização dos experimentos
de tingimento, fizemos uma pesquisa de campo na zona rural de Perdizes e de Itapagipe, que
são regiões do cerrado brasileiro. Tais plantas foram encontradas próximas a áreas brejosas
(sangra d’água e dois tipos de quaresmimha), em áreas de pastagem ou campo sujo (anil) e em
áreas de vegetação densa ou cerrado sensu strictu (barbatimão, boizinho, pequi, dedal). A
identificação das plantas foi realizada por dois guias conhecedores das mesmas, em cada uma
das cidades. Foram coletadas cascas, folhas e floração (fruto e semente) de cada planta para
identificação posterior pelas artesãs entrevistadas e para classificação botânica, realizada por
um biólogo do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB). O material coletado
foi herborizado (fez-se a prensagem e secagem) e classificado a partir da comparação com
exsicatas
74
do herbário dessa instituição.
Uma das plantas mais utilizadas pelas tecelãs era o anil ou anileira, empregado no
tingimento da ou do algodão. O corante retirado do anil é de cor azul índigo e foi citado
pelo botânico francês Saint-Hilaire (2004) durante a sua expedição às nascentes do Rio São
Francisco, pesquisa realizada no Brasil no século XIX. Ele identificou a planta encontrada na
região de Minas Gerais como pertencente à família das Solanáceas, espécie Solanum
indigoferum e comentou sobre o uso do corante no tingimento de tecidos de lã e o seu
processo de extração, semelhante aquele empregado por outra espécie (Indigofera), no qual se
utilizava a urina como fixador. As tecelãs entrevistadas também utilizavam o anil para o
74
Amostras secas de ramos com folhas, flores e/ou frutos, fixadas num pedaço de cartolina, acompanhada por
uma etiqueta com dados sobre o nome científico e descrição da planta - a identificação -, local e ambiente de
coleta, coletor e data de coleta. A exsicata é a unidade básica de coleção de um herbário, pois constitui material
testemunho referencial para futuros estudos. (Informação obtida em: COLETA e herborização de material
vegetal. Disponível em: <http://www.herbario.com.br/cie/universi/teoria/1027herb.htm
>. Acesso em 01 nov.
2007).
119
tingimento de algodão ou para a tecelagem de tecidos para o corte de calça, normalmente
masculina, já que o uso de calças pelas mulheres não era algo muito comum na época.
Mirandola Filho e Mirandola (1991) descrevem cinco espécies de anil citadas pelas
tecelãs da região de Goiás. De acordo com os pesquisadores, as substâncias responsáveis pelo
tingimento (o corante propriamente dito) são a indigotina e a leucoindigotina. Na figura a
seguir é mostrada a fotografia de uma espécie de anil, encontrada no jardim do Centro de
Fiação e Tecelagem, em Uberlândia-MG. A mesma espécie foi coletada na zona rural do
município de Perdizes, identificada pelas artesãs e classificada cientificamente, no Instituto de
Biologia da UnB, como Indigofera indica L.
Figura 29 - Fotografia de um galho de anil.
Para a obtenção do corante, o processo utilizado é a fermentação. Durante três ou
quatro dias, são colocados galhos (ramos) de anil em um recipiente com água, normalmente
um pote de barro. Os galhos são trocados todos os dias, até que se obtenha, ao final do
período, um líquido verde, que é agitado vigorosamente com as mãos. Em seguida, adiciona-
se uma porção de decoada “forte” (concentrada) e a mistura fica em repouso por mais alguns
dias, até que se perceba a coloração azul índigo e que o quido “talhou”. Retiram-se os ramos
e acrescentam-se as meadas de ou algodão por algumas horas, para depois serem retiradas e
colocadas ao sol para secar.
120
De acordo com Cabral (2007), as folhas da Indigofera possuem substâncias incolores
como a indicana (indoxilo-beta-D-glucosídeo) e a isalana B (indoxilo-5-cetoglutanato) que,
quando maceradas em água, se decompõem, a partir de hidrólise enzimática, em indoxilo e
glicose. Ao agitar-se vigorosamente a água, as moléculas da substância incolor indoxilo na
presença do oxigênio do ar juntam-se duas a duas e formam o índigo, a substância de
coloração azul. O índigo pode sofrer oxidação e formar a indirubina (fórmula química
representada a seguir), seu isômero de cor mais violácea.
N
O
H
N
H
O
indirubina
Figura 30 - Estrutura química da indirubina.
O procedimento para o tingimento com anil foi realizado por nós e não obtivemos a
coloração azul. Acreditamos que ela não foi obtida por usarmos folhas ressecadas do anil e
também por não realizarmos uma agitação vigorosa. A figura a seguir mostra as amostras de
fios de algodão e lã tingidos com o anil por nós.
Figura 31 - Fotografia das amostras de fios de algodão e lã tingidos com o anil.
121
Segundo Ferreira (1998), a decoada é uma solução líquida obtida a partir da filtração
de cinzas de vegetais carbonizados com água, utilizada como mordente em vários
procedimentos de tingimento
75
. Ela é um líquido amarelado, com altos teores de substâncias
químicas como os sais de potássio e de cálcio, principalmente carbonatos. A cinza pode ser
obtida da queima de plantas secas como o assa-peixe
76
.
Outra planta utilizada apenas para o tingimento da lã é a quaresminha, que dá a
coloração amarela. Concordamos com Mirandola Filho e Mirandola (1991) quando colocam a
dificuldade de identificação das espécies apenas pelo nome vulgar dado pelas tecelãs. No caso
da quaresminha, foram coletadas duas espécies pertencentes à mesma família
(Melastomataceae), segundo a classificação dada no Instituto de Biologia da UnB. Entretanto
uma das tecelãs afirmou não conhecê-las e descreveu outra espécie. As espécies encontradas
foram coletadas na zona rural do município de Perdizes-MG, próximas a áreas brejosas e suas
fotografias são mostradas abaixo.
Figura 32 - Fotografias das duas espécies de quaresminha encontradas (Fotografia 1: Espécie
Trembleya phlogiformes D.C., Fotografia 2: Espécie Rhynchantera sp.).
Para obter-se o corante da quaresminha, utiliza-se a cocção. Os ramos da planta são
colocados em um recipiente (tacho de cobre, lata de alumínio) e, entre eles, colocam-se as
meadas de lã. Adiciona-se água até tampar todo o material e deixa-se ferver por algum tempo.
75
Embora a decoada seja classificada como um mordente pelo autor citado, compreendemos que ela propicia um
meio básico para a realização de reações químicas.
76
Espécies Vernonia Polyanthes e Vernonia ferruginea Less.
122
Retiram-se as meadas e o excesso de água, podendo fazer-se o enxágüe das mesmas e, depois,
elas são colocadas para secar à sombra. Não é necessário o uso de mordente.
Realizamos o procedimento utilizado para tingir com a quaresminha com as duas
plantas encontradas e meadas de lã e algodão. As amostras de meadas de tingidas são
mostradas nas fotografias a seguir, sendo a primeira realizada com a espécie Trembleya
phlogiformes (reconhecida por duas das artesãs) e a segunda com a espécie Rhynchantera sp.
As meadas de algodão não tingiram. Logo, as interações entre (lã-corante da quaresminha)
são muito mais fortes que aquelas com (algodão-corante da quaresminha). Não podemos
afirmar que houve uma reação química no primeiro caso, que as interações entre a e o
corante da quaresminha podem ser também do tipo “forças intermoleculares” e não fizemos
uma análise qualitativa para determinar qual substância é responsável pela coloração obtida
com a quaresminha.
Figura 33 - Fotografia da lã na cor natural e da lã tingida com as duas espécies de quaresminha.
Outra planta utilizada para obter-se a cor amarela é a congonha
77
. O corante da última
é extraído da mesma maneira que o método empregado na quaresminha.
As cascas da sangra d’água e do barbatimão
78
(figura 34) são utilizadas para a
obtenção da cor vermelha e ganga-vermelha. Elas são trituradas e colocadas para ferver por
algum tempo em um recipiente com água. A coloração obtida do líquido, tanto da sangra
77
Espécie Neea theifera Oersted., família Nyctaginaceae. Essa planta não foi coletada.
78
Espécie Croton floribundus Spreng., família Euphorbiaceae e espécie Stryphnodendron barbatimam Mart.,
família Fabaceae. Classificadas no Instituto de Biologia da UnB.
123
d’água como do barbatimão, é vinho escuro. Após o esfriamento do líquido, retiram-se as
cascas e colocam-se as meadas para ferver novamente. As meadas são retiradas e colocadas
em decoada, depois faz-se o enxágüe e a sua secagem à sombra. Tal procedimento foi
realizado por nós e obtivemos uma coloração ganga-vermelha, como mostra a figura 35. O
mesmo procedimento é utilizado para o vinhático.
Figura 34 - Fotografias do barbatimão e da sangra d’água, respectivamente.
Figura 35 - Fotografia da amostra de fios de algodão tingidos com sangra d’água.
Cabral (2006) cita o uso do corante “sangue de dragão” durante a Idade Média. Ele
possui coloração vermelho-viva e é extraído de plantas como a Dracaena cinnabri e a Croton
(a sangra d’água). As substâncias presentes em tal corante foram identificadas por vários
pesquisadores (CARDILLO, MERLINI e NASINI, 1971
79
apud CABRAL, 2006; MELO et
79
CARDILLO, G.; MERLINI, L.; NASINI, G., J. Chem. Soc. (C), 1971, p. 3967-3971.
124
al.[2007?]
80
apud CABRAL, 2006). Dependendo da espécie da planta, podem ser encontradas
as substâncias dracorodina, dracorubina, nordracorodina e dracoflavílio (estruturas químicas
mostradas na figura 36). Essas pesquisas levaram a concluir que o dracoflavílio é a substância
mais importante para a obtenção da cor vermelha. Além disso, as substâncias citadas
encontradas são bases quinoidais (A) dos cátions flavílio (AH
+
). Soluções fortemente ácidas
dão ao sangue de dragão a cor amarela devido à predominância da forma catiônica AH
+
,
enquanto soluções moderadamente ácidas dão cor vermelha devido à formação das bases
quinoidais A. As reações químicas do dracofavílio em solução aquosa o representadas na
figura 37.
O
Me
OMe
O
OMe
O
O
O
O
dracorodina
dracorubina
O
OMe
O
O
OMe
O
OH
nordracorodina
dracoflavílio
Figura 36 - Estruturas químicas da dracorodina, dracorubina, nordracorodina, dracoflavílio.
80
MELO, M. J. et al. Eur. J. Chem., [2007?] (no prelo).
125
O
OH
O
OMe
H
+
O
O
O
OMe
H
+
O
OH
OH
OMe
O
OH
OH
OMe
OH
H
+
OH
OH
OH
OMe
O
OH
OH
OMe
O
OH
OH
OMe
O
OH
O
H
+
OH
OMe
O
O
O
H
+
+
+
+
+
+
+
Ka1
Ka2
A
A
-
K
3
B
K
4
Cc
K
1
K
Ct1
K
Ct2
C
t
C
t-
C
t2-
AH
+
Figura 37 - Reações químicas do dracoflavílio em solução aquosa.
126
Outras plantas utilizadas no tingimento e citadas pelas artesãs são o pequi, o boizinho
e o dedal
81
. As cascas dessas árvores são trituradas juntas e depois as meadas são esfregadas
na pasta obtida. Em seguida, esfregam-se as meadas em barro obtido próximo a chiqueiros
(“barro podre”). Repete-se várias vezes o procedimento, até obter-se a cor negra. Era comum
roupas serem tingidas de preto utilizando-se tal processo para que as mesmas fossem
aproveitadas em períodos de luto. Também se pode utilizar, a partir de procedimento
semelhante, a erva-de-passarinho
82
e a caparrosa
83
.
Para obter-se uma gama maior de cores, fazia-se também uma mistura de plantas,
como no caso da cor laranja, obtida a partir da cocção da casca do vinhático
84
(cor marrom
clara) com os ramos da congonha (cor amarela).
O mordente mais utilizado pelas tecelãs é a decoada. Para elas, a mesma “dá a cor”.
Porém outros mordentes, como o alúmen, a folha de goiabeira, a casca do barbatimão e o
umbigo de bananeira o citados pelas artesãs. Os mordentes orgânicos retirados das plantas
são constituídos de tanino (MIRANDOLA FILHO e MIRANDOLA, 1991).
Quando não eram utilizados corantes naturais, as tecelãs faziam uso de corantes
comerciais, procedimento muito comum na atualidade. Os mesmos eram obtidos na forma de
pó. Para a sua utilização, eles eram dissolvidos em água fervente e depois se acrescentava às
meadas de ou de algodão (cocção), dependendo do corante utilizado. Entretanto, uma das
tecelãs dissolvia o corante em água fria e depois colocava a solução para ferver. As meadas
devem permanecer mergulhadas no líquido, tendo-se o cuidado de não manchá-las, até que se
81
Espécie Caryocar brasiliense Cambess., família Caryocaracea; espécie Qualea grandiflora Mart, família
Vochysiaceae e espécie Lafoensia pacari St. - Hil, família Lythraceae, respectivamente. Todas essas espécies
foram classificadas no Instituto de Biologia da UnB.
82
São hemiparasitas que pertencem às famílias Loranthaceae, Viscaceae, Misodendraceae, Eremolepidaceae e
Santalaceae. Somente duas dessas Viscaceae e Loranthaceae são de importância mundial. (Informação
obtida em: LEAL, L.; BUJOKAS, W. M.; LEONDI, D. Análise da infestação de erva-de-passarinho na
arborização de ruas de Curitiba PR. FLORESTA, Curitiba, v. 36, n. 3, p. 323-330, set./dez. 2006. Disponível
em: <http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/floresta/article/viewFile/7512/5373
>. Acesso em: 16 set. 2006).
83
Espécie Pisonia tomentosa Casar ou Pisonia subferruginea Mart., família Nyctaginaceae. Essa planta não foi
coletada.
84
Espécie Plathymenia reticulata Benth., família Leguminosae Mimosoideae. Essa planta não foi coletada.
127
perceba que o mesmo está “perdendo a cor”. Daí, retiram-se as meadas, enxágua e depois faz-
se a secagem.
Os dois procedimentos descritos pelas tecelãs para o uso dos corantes comerciais, bem
como o procedimento descrito no rótulo das tintas comerciais, foram testados por nós
utilizando-se as mesmas quantidades e tempo de cocção após a adição da meada (de ) e não
foi observada diferença significativa em sua coloração, como pode ser observado na figura
abaixo. O corante utilizado é muito solúvel em água e, portanto, não foi observada diferença
significativa no tempo de dissolução do mesmo em água fria ou quente.
Figura 38 - Fotografia das amostras de fios de lã tingidos com corante comercial utilizando-se os vários
procedimentos.
Outro procedimento utilizado pelas tecelãs e tingideiras no tingimento de e algodão
é a utilização de ferro-velho para obter a cor ferrugem (óxido de ferro III) a partir da oxidação.
Inicialmente, o ferro-velho (ferraduras e outros materiais) é lavado e depois colocado em um
recipiente com água, sal e metade de uma rapadura por vários dias. A utilização do sal auxilia
o processo de oxidação que origina a ferrugem, acelerando a rapidez da transformação. Após
se observar a formação de espuma no líquido e a coloração ferrugem, adicionam-se as meadas
por alguns dias, depois elas são colocadas na decoada, enxáguadas e secas à sombra. Na figura
39 são mostradas a fotografia do processo de tingimento com a ferrugem realizado no Centro
de Fiação e Tecelagem e a fotografia da amostra de algodão tingido por nós, com palha de aço
e rapadura.
128
Figura 39 - Fotografias do tingimento com a ferrugem realizado no Centro de Fiação e Tecelagem e da
amostra de fios tingidos por nós, respectivamente.
Uma importante colocação das tecelãs e tingideiras refere-se à firmeza das cores
obtidas com os corantes naturais: todos os materiais tingidos com a ferrugem ou com as
plantas não sofrem descoloração facilmente, podendo ser misturados a outros tecidos durante a
lavagem sem que os mesmos liberem o corante.
Depois da pesquisa com as artesãs, propusemo-nos a produzir um material
paradidático que inter-relacionasse os saberes populares aprendidos por nós com as artesãs e
os saberes científicos. Tal material é uma proposta para orientar professores a realizarem
trabalhos semelhantes na escola. No próximo capítulo, apresentamos as considerações a
respeito da aplicação da proposta e da produção do material.
129
DISCUSSÃO
DO TRABALHO
Ao nos debruçarmos sobre a pesquisa realizada com as artesãs do Triângulo Mineiro,
acreditávamos na possibilidade de interlocução e complementaridade entre os saberes
populares e outros saberes formais em sua realização na escola. À medida que o trabalho foi
desenvolvido, ratificávamos tal proposta. No entanto, compreendemos que a efetivação da
mesma poderia realizar-se com a sua prática escolar. Devido a problemas alheios à nossa
vontade, a nossa pesquisa iniciou-se apenas em setembro de 2006 e o fator “tempo”, um dos
determinantes em um trabalho de dissertação, restringiu o nosso à proposta de aplicação.
As entrevistas com as artesãs e a observação participante trouxeram situações-
problema que, para serem solucionadas, precisavam de uma busca por novos conhecimentos.
Eram “situações-limite” ao nosso conhecimento que poderiam ser resolvidas a partir de
“atos-limite”. Tais atos levaram à busca por saberes que pudessem propiciar uma maior
compreensão sobre aquilo que nos era apresentado, em um exercício de ir e vir constante.
Podemos exemplificar essa busca quando realizamos a coleta de várias plantas em uma
determinada região do Triângulo Mineiro e, também, quando procedemos ao tingimento com
o anil. No primeiro caso, a coleta foi possível com a ajuda de um informante e pesquisas
mais aprofundadas sobre o cerrado brasileiro. O reconhecimento das várias plantas, a
identificação das mesmas, a coleta do material para tal identificação trouxeram uma
infinidade de informações, antes desconhecidas por nós. Eram saberes práticos que interagiam
com saberes científicos. Para o caso do anil, o saber que as tecelãs apresentam sobre o
processo de tingimento está associado a várias crenças. Foi necessário retornarmos várias
vezes a elas para melhor compreendermos o seu procedimento e também que o realizássemos.
130
O “bater atéééé” que elas salientavam como imprescindível para a obtenção do anil foi então
compreendido ao relacionarmos esse procedimento com a oxidação da substância indoxilo na
presença de oxigênio, levando à formação do índigo.
Percebemos que a realidade apresentada em tal pesquisa poderia ser problematizada e
descodificada, em uma alusão à contextualização proposta por Freire (2000) e reinterpretada
por Ricardo (2005). Era um tema gerador, o-descoberto na realidade dos estudantes.
Entretanto Freire (2000) salienta que, na impossibilidade de se realizar uma investigação
temática, os educadores, com um mínimo de conhecimento da realidade, podem selecionar
temas básicos que se desdobram em outros temas.
É nesse sentido que defendemos a necessidade do saber popular a ser estudado ser
inerente àquela comunidade. Ou seja, na região do Nordeste, por exemplo, temos uma forte
presença de outro tipo de artesanato (rendas de bilro, filé) e também das festas juninas;
enquanto no Espírito Santo temos a produção de panelas de barro. Essas manifestações estão
próximas daquelas comunidades e deveriam ser estudadas lá. Ainda buscando Freire (2000),
reiteramos a sua afirmação quando não menospreza a possibilidade se estudar uma outra
realidade que não aquela da comunidade. Entretanto, ao reconhecer aquilo que lhe é
apresentado, o indivíduo consegue identificar-se e atuar sobre o meio, em um processo de
conscientização.
Ao nos referirmos a um tema não-descoberto na realidade do estudante, argumentamos
que essa é uma interpretação relativa, pois, ao realizarmos o levantamento com os estudantes,
nas escolas, sobre a tecelagem manual, pudemos observar que, em sua grande maioria, a
comunidade em que vivem reconhece tal saber popular. Sendo assim, acreditamos que isto
poderia aproximar a comunidade da escola. É o que também acredita Rocha (2005) ao referir-
se ao trabalho realizado por uma professora com seus estudantes em Curvelo-MG. Nesse
trabalho, a professora ensinou aos estudantes a fazer sabão e vários pais procuraram a escola
131
para expressarem a sua satisfação em ver, enfim, a escola aproximar da vida deles e ensinar
“algo útil”. Essa proximidade com a comunidade (melhor seria participação da comunidade) é
também uma das diretrizes da LDB 9394/96, ao colocar que os sistemas e os
estabelecimentos de Ensino Médio deverão criar e desenvolver, com a participação da
equipe docente e da comunidade, alternativas institucionais com identidade própria [...]
usando dessemidamente as várias possibilidades de organização pedagógica(BRASIL,
2002a, p. 82, grifo do documento).
Ainda relativo ao tema gerador, entendemos que nosso trabalho propicia a geração”
de outros temas, mais específicos. É o caso de estudarmos a questão dos organismos
geneticamente modificados ou ainda a Revolução Industrial. Além disso, um tema gerador
oferece condições para uma abordagem interdisciplinar, iniciada a partir de círculos de
investigação temática e que envolve grupos de professores na elaboração de métodos de
ensino e na redução temática. Cada professor, em sua especialidade, busca levantar quais as
problemáticas podem ser abordadas a partir do tema. Como ressaltam os participantes do
seminário promovido pela OCDE
85
em 1970,
[...] a prática da interdisciplinaridade exige uma articulação de espaço
e tempo que favoreça os encontros e trabalhos me pequenos grupos,
assim como os contatos individuais entre professores e estudantes
(OCDE, 1970
86
apud FAZENDA, 1979, p. 57).
Aqui podemos apontar alguns obstáculos, que a atual escola, infelizmente, dificulta
tal atitude. Os baixos salários dos professores, a sua carga horária excessiva, a estrutura
curricular fechada e conteudista da escola, dentre outros fatores, poderiam ser argumentos
para que os mesmos não se envolvessem com tal proposta de trabalho, classificando-a como
utópica.
85
Organization de Cooperation et Développement Economique.
86
OCDE. L’ Intersdisciplanarité: problèmes d’enseigment et de recherche dans les Universités.
132
Consideramos a possibilidade de discussões acerca de CTS evidente em nosso
trabalho. Segundo Santos e Mortimer (2000), uma proposta curricular de CTS é aquela que
integra a educação científica, tecnológica e social e que estuda os conteúdos científicos e
tecnológicos, abordando os seus aspectos econômicos, políticos, sociais, ambientais, éticos,
históricos. Embora não tenhamos a pretensão de apresentar uma proposta curricular,
entendemos que nossa proposta alia-se à abordagem CTS, inserindo à mesma a cultura, assim
como o trabalho desenvolvido em Portugal, no ano de 2001, com estudantes de Ensino Médio
no Programa Ciência Viva e apresentado por Cachapuz (2002)
87
. Tal trabalho referia-se ao
estudo do bordado de Castelo Branco e tinha como finalidades compreender as inter-relações
ciência-tecnologia-sociedade-ambiente-cultura, articular saberes não-formais (empíricos da
comunidade) com saberes formais, dentre outras.
Ao nos referirmos à interlocução entre os saberes, entendemos que ela se dá no
estabelecimento de interações sociais. Essas interações não estão simplesmente localizadas no
espaço físico da escola, mas deveriam ser aprofundadas e dinamizadas quando estabelecemos
o contato dos estudantes e professores com os detentores do saber popular. Assim, os
contextos mentais são compartilhados e possibilitam uma ampla negociação de significados.
Entretanto a dinâmica estabelecida em nossa escola pode dificultar tais interações.
Como a grande maioria das escolas funciona em espaços físicos fechados e raramente
exploram outros espaços (talvez em momentos de feiras de ciências ou na “parte
diversificada”), compreendemos que apenas o envolvimento dos membros pertencentes à
escola poderia “quebrar” essa dinâmica e, talvez, a atual realidade da escola não o propicie.
Além disso, ainda existe a participação dos membros pertencentes à cultura popular que se
pretende estudar. Embora estes, normalmente, apresentem uma pré-disposição em ensinar, o
deslocamento, inicialmente, começa da comunidade escolar até eles. Isso implica questões
87
CACHAPUZ, A. Da química e do seu ensino: a procura da excelência. In: XI ENCONTRO NACIONAL DE
ENSINO DE QUÍMICA – XI ENEQ, Recife, 2002. 36 transparências: p & b.
133
relativas à disponibilidade de horários compatíveis e deslocamento físico dos estudantes e
professores até o local onde se encontram os detentores de saber popular.
Dentro de uma educação problematizadora, não podemos apresentar conteúdos pré-
determinados na escola. Essa também é a percepção que temos ao compreendermos que a
interação escola-comunidade – especificamente, no nosso caso, os detentores da cultura
popular – propicia que os conteúdos sejam apresentados de acordo com a realidade ali
colocada e com as problematizações que surgem a partir disso. Uma dessas seria entender o
porquê de determinados corantes apenas interagirem com uma determinada fibra.
Exemplificando: a quaresminha pode ser utilizada para o tingimento da lã, existem
corantes sintéticos específicos para cada fibra. Essa questão poderia intrigar os estudantes e
tornar-se um “problema” a ser resolvido. Um problema, segundo Krulik e Rudnick (1980
88
,
apud CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2003, p. 93-94) “é uma situação, quantitativa ou não, que
pede uma solução para a qual os indivíduos implicados não conhecem meios ou caminhos
evidentes para obtê-la”. A busca pela solução de um problema leva à necessidade de um
maior grau de abstração, de buscarmos teorias e modelos.
Ao referir-se à valorização daqueles que detêm o saber popular a partir do
reconhecimento da riqueza de seus saberes pela academia, Chassot (2000) nos remete ao
respeito ao próximo, à diversidade, às manifestações da linguagem. Isto não significaria uma
educação para a cidadania? Para Santos e Schnetzeler (1997), ela envolve a “educação moral,
educação fundamentada em valores éticos que norteiem o comportamento dos alunos e
desenvolva aptidão para discutir decisões necessárias, sempre voltadas para a coletividade
(p. 41). Nessa perspectiva, a inter-relação entre saberes populares e outros saberes na escola
possibilita incluir conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais no ensino de ciências.
Como afirma Rocha (1996, p. 16), “... o folclore pode tornar-se importante elemento de
88
KRULIK, D.; RUDNICK, K. Problem solving in school mathemathics. National council of teachers of
mathematics. Year Book, Virgínia, Reston, 1980.
134
criação, de auto-estima, afirmação da personalidade e consolidação da cidadania. E, de
quebra, facilitar o aprendizado da linguagem, do raciocínio lógico, da própria história e de sua
comunidade”.
Embora existam nos PCN e nas DCNEM orientações ao professor para um melhor
ensino e, portanto, uma melhor aprendizagem, é fato que a grande maioria dos professores
tem dificuldades em superar a visão simplista de ensino/aprendizagem e adotar métodos e
estratégias diferenciadas em sala de aula. Por tal motivo, entendemos que se faz necessário
oferecer ao professor uma referência para que o mesmo possa envolver-se em práticas
dialógicas e realizar trabalhos com os estudantes (e também a comunidade) a partir da
inserção de saberes populares na escola. Muitas vezes o professor não consegue relacionar
situações reais a conceitos mais abstratos que podem ajudar a compreender a realidade.
Nessa perspectiva, como uma proposta para os conceitos que podem ser abordados
com o nosso tema gerador “Tecelagem Mineira”, estruturamos um material paradidático para
auxiliar o professor. Adotamos o termo paradidático porque o material tem a pretensão de ser
uma leitura paralela ao livro didático.
A forma de estruturação do material paradidático é explanada a seguir, bem como
algumas estratégias e atividades de ensino/aprendizagem que podem ser realizadas, sempre na
tentativa de que as mesmas possam propiciar uma participação ativa do estudante em seu
processo de aprendizagem. Tais estratégias e atividades propõem não somente a aquisição de
conteúdos conceituais, mas também conteúdos procedimentais e atitudinais. Dessa forma, o
estudante deve envolver-se em um trabalho na escola que favoreça situações para o
desenvolvimento de habilidades de comunicação, cooperação, argumentação, dentre outras
(PEREIRA et al., 1999). Entendemos o trabalho na escola como aquele proporcionado pela
mesma e não como um espaço físico definido.
135
4.1 – O MATERIAL PARADIDÁTICO
A articulação entre os diferentes saberes era algo visualizado por nós durante toda a
pesquisa realizada com as artesãs. Assim, o material paradidático a ser produzido deveria
apresentar quais os outros saberes que poderiam advir de tal cultura, além dos saberes
referentes à própria cultura.
Para iniciarmos a sua produção, fizemos a transcrição das entrevistas. Em seguida,
codificamos as entrevistas, ordenando-as de acordo com o assunto abordado pelas tecelãs. As
entrevistas foram marcadas com um realce e cor da fonte correspondente ao código.
Exemplificando: o código com realce amarelo e cor da fonte preta correspondia à fala das
tecelãs em que elas se apresentavam e falavam sobre o seu trabalho na roça; o código com
realce azul e cor da fonte preta correspondia às falas sobre o tingimento com anil, e assim por
diante.
Fizemos uma breve apresentação voltada para o professor e, em seguida, como
introdução, realizamos uma descrição sucinta sobre a tradição cultural da tecelagem manual
realizada a quatro pedais. Tal descrição possibilita situar o contexto dessa cultura popular e
como ela se manifesta. Em seguida, colocamos uma apresentação das artesãs, “por elas
mesmas”, entrevistadas durante a pesquisa de campo. A identificação de cada uma delas foi
feita a partir de seus nomes reais e de suas fotografias. São elas sujeitos detentores desse saber
popular, valorizados e reconhecidos como parte integrante e essencial de uma cultura, com as
suas normalidades e particularidades. Também preservamos o seu modo de falar para melhor
caracterizar o contexto a partir do qual foi realizado o material e “respeitar e preservar as
diferentes manifestações de linguagem por diferentes grupos sociais, em suas esferas de
socialização” (BRASIL, 2002a, p. 130).
Após a apresentação de cada uma das artesãs, expomos as etapas envolvidas na
tecelagem, na seqüência em que são realizadas. Quando alguma etapa envolvia maiores
136
detalhes, elas foram tratadas separadamente. Nessa perspectiva, dividimos o material em
várias partes, sendo elas: “tosquiando o carneiro”, “é hora de colher o algodão!”, “retirando a
semente do algodão”, “deixar o algodão limpinho”, “pentear as fibras”, “fazer o fio”, “fazer a
meada e o novelo”, “agora, o tingimento”, “para tirar a sujeira”, “tingir de ferrugem ‘pra ficar
bonito’”, ‘dicuada’? O que é isto?”, “o tingimento com o anil é ‘enguiçado’”, “mais sobre o
anil...crenças, crendices”, “tingir a com quaresminha”, “usando as cascas das árvores”,
“outras plantas, novas cores, outros métodos”, para segurar a tinta”, “a tinta comercial”, “a
quantidade para usar”, urdir”, colocar no tear”, “o repasso”, “os tipos de repasso”, “tecer”,
“hoje é mais quente?”, “uma profissão: artesã”.
Em cada parte, realizamos uma pequena introdução sobre o assunto a ser tratado,
situando o contexto em que aquela atividade é realizada, fazendo algumas explicações em
termos científicos ou esclarecimentos
89
e, ainda, comparações mais superficiais com a
atividade realizada de forma artesanal e industrial. Essa introdução abre caminho para as falas
das artesãs. Tais falas foram reproduzidas integral ou parcialmente. Nem sempre foram
utilizadas as falas de todas as artesãs, sendo selecionadas aquelas que mais enfatizavam e/ou
deixavam mais claro o assunto.
De acordo com a fala das artesãs, buscamos algumas questões que poderiam surgir a
partir do estudo daquele assunto. Seriam as problematizações iniciais que conduziriam à
necessidade de um estudo mais aprofundado, de outros saberes. A partir daí, sugerimos os
saberes científicos ou outros saberes ou temas que poderiam ser abordados a partir dessas
questões. Essa seção foi denominada “Tecendo outros saberes” e estes entrelaçamentos
realizados permitiram abordar uma gama enorme de conceitos (científicos ou não) e temas.
Entretanto é importante ressaltar que nem sempre foi tão fácil estabelecermos as questões e
relações entre as falas das tecelãs e o assunto a ser abordado em sala de aula. Embora algumas
89
Em muitos momentos, a etapa foi apresentada apenas por gestos ou expressões de difícil reprodução em um
texto escrito. Dessa forma, a limitação da reprodução de um determinado contexto à palavra escrita gerou a
necessidade de maiores esclarecimentos.
137
vezes o tema tenha surgido de forma muito explícita (por exemplo, os organismos
geneticamente modificados e o aquecimento global), em outras, não conseguimos sugerir um
tema e assim, fizemos a associação apenas a um determinado conteúdo conceitual de uma
disciplina específica (a conservação da quantidade de momento angular, por exemplo). Os
textos produzidos na seção “Tecendo outros saberes” tiveram como referência livros (ex:
“Química das sensações”), artigos de revistas de divulgação científica (Ciência Hoje, Química
Nova na Escola), reportagens retiradas de sítios eletrônicos mantidos por institutos ou
departamentos de instituições federais de ensino superior – IFES –, como aquele mantido pelo
CNPq (Prossiga). Todas as referências são citadas ao final do material paradidático.
Outra dificuldade encontrada foi buscar a interdisciplinaridade. Assim como colocam
os PCN+ Ensino Médio (BRASIL, 2002b, p. 17), “a perspectiva de desenvolver conteúdos
educacionais com contexto e de maneira interdisciplinar, envolvendo uma ou mais áreas, não
precisa necessariamente de uma reunião de disciplinas, mas pode ser realizada numa mesma
disciplina”. Nesse sentido, a nossa formação tradicional do professor de ciências (Química, no
nosso caso), voltada para a descontextualização, a disciplinaridade e o conteudismo dificultam
o estabelecimento dessas articulações disciplinares. Essa foi uma de nossas constatações ao
percebermos que a Revolução Industrial, durante a nossa escolarização, foi um assunto
tratado apenas na disciplina de história e não foi feita a articulação entre as outras disciplinas,
principalmente as ciências naturais (Física), que tanto se desenvolveu em tal período. Outro
tema que apresenta uma interdisciplinaridade mais evidente e que, na grande maioria das
vezes, é abordado somente na geografia, é o cerrado brasileiro. A articulação com a biologia
(Botânica) é de fácil percepção, mas e aquela com a química? Ou com a matemática? As
substâncias presentes no solo, ácido, do cerrado são uma das responsáveis pela formação de
sua vegetação. O relevo envolve relações geométricas. Porém, essas percepções não são tão
óbvias ou mesmo fáceis.
138
Após a seção “tecendo saberes”, sugerimos, a título de exemplo, alguns conteúdos
químicos. Isto visou auxiliar o professor de química que, muitas vezes, trabalha com a
abordagem conceitual e não com a abordagem temática. Por tal motivo, existe uma certa
dificuldade do mesmo em relacionar temas a conteúdos químicos, o que não foi tão diferente
para nós quando nos propusemos a sugerir tais conteúdos, já que não os propusemos em todas
as partes do material.
Muitas vezes tivemos que procurar colegas de outras áreas das ciências para maiores
esclarecimentos referentes a determinados conceitos. Fator negativo ou positivo? Positivo,
quando enxergamos a limitação de nossos conhecimentos e a necessidade da superação da
compartimentalização dos saberes. Negativo, se não nos propusermos ao diálogo.
Após a sugestão de conteúdos químicos que poderiam ser abordados a partir da seção
“Tecendo saberes” ou dos saberes populares apresentados nas falas das artesãs, sugerimos
algumas atividades. Nesse momento, a nossa intenção era sugerir atividades interdisciplinares,
além de salientarmos algumas estratégias de ensino propostas nos cursos de CTS (SANTOS e
SCHNETZLER, 1997): visitas a indústrias e a museus, debates, projetos individuais e em
grupo, pesquisa de campo, utilização de materiais audiovisuais (slides, filmes), utilização de
entrevistas, jogos de simulação, etc. Essas estratégias visam a tomada de decisão pelo
estudante.
Outro aspecto que tentamos abordar na sugestão de atividades foi a experimentação.
Em uma perspectiva que considera as concepções prévias dos estudantes, a visão sobre a
experimentação no ensino de ciências modificou-se a partir de trabalhos realizados na década
de 70. O uso da experimentação passou a justificar-se apoiando em motivos relacionados à
estrutura da ciência, vista agora como construção humana e, portanto, factível de erros; à
psicopedagogia; à didática das ciências, com suas especificidades; e à reformulação
conceitual das idéias do estudante (AXT, 1991).
139
Como afirma Giordan (1999, p. 44),
Tomar a experimentação como parte de um processo pleno de investigação é uma
necessidade, reconhecida entre aqueles que pensam e fazem o ensino de ciências,
pois a formação do pensamento e das atitudes do sujeito deve se dar
preferencialmente nos entremeios de atividades investigativas.
A experimentação investigativa favorece as relações entre os níveis fenomenológicos
e teóricos das ciências (no nosso caso, Química) e também o surgimento de discussões
dialógicas entre estudantes e entre esses e o professor. Cabe ao professor a mediação pela
linguagem científica, que a observação do fenômeno por si não é capaz de trazer à tona
os conceitos científicos que permitem interpretar o fenômeno ocorrido, como colocam os
filósofos da ciência Popper (2000) e Kuhn (2006), ao criticarem a visão indutivista-positivista
de ciência.
Além disso, que se considerar que os estudantes trazem as suas concepções prévias
que, muitas vezes, se contrapõem ao conhecimento científico. Daí a necessidade de um
momento de reflexão durante as aulas experimentais para que essas idéias possam ser
explicitadas e trabalhadas como hipóteses que podem ser substituídas por outras (os conceitos
científicos), mais potentes, como teoriza Popper (2000).
Podemos ir adiante nessa reflexão, não considerando a dicotomia teoria/prática,
fazendo uma indistinção entre sala de aula e laboratório, já que o estudante, ao se deparar com
um problema a ser resolvido, deveria fazer mais do que observações e medidas experimentais
(SILVA e ZANON, 2000; COSTA et al., 1985).
Diante dessas reflexões, tivemos um certo receio ao sugerir algumas atividades
experimentais. Que essas não se transformem em “receitas de bolo”!
Uma das percepções que tivemos foi sobre a grande possibilidade de trabalho que o
professor de física pode realizar relativo ao estudo da mecânica. Cinemática e dinâmica.
Impulso, quantidade de movimento, força, etc.
140
Ao final do material, apresentamos um glossário com termos técnicos utilizados na
tecelagem e algumas expressões regionais utilizadas pelas artesãs.
A fim de buscarmos uma avaliação prévia do material paradidático produzido por nós
e também da possibilidade de inserção dos saberes populares na escola, o mesmo foi
apresentado, em sua versão preliminar, aos participantes de um minicurso ministrado por nós
durante o XV Encontro do Centro-Oeste de Debates em Ensino de Química – XV ECODEQ
realizado em Dourados - MS, no mês de outubro de 2007. Solicitamos aos participantes do
minicurso que respondessem a um questionário (Apêndice C), no qual foram colocadas
questões referentes à possibilidade de inserção dos saberes populares na escola e, também,
alguns aspectos do material produzido, como: contextualização, viabilidade de utilização pelo
professor como referência para outros trabalhos semelhantes, interdisciplinaridade. É
importante ressaltar que, durante o minicurso, foram discutidos os termos contextualização e
interdisciplinaridade, como colocados nessa dissertação.
Participaram do minicurso professores da Educação Básica (Fundamental e Médio) e
também estudantes de cursos de licenciatura em Química. Na ponderação dos mesmos, o
tempo disponível para que eles entrassem em contato com o material não seria suficiente para
uma avaliação mais rigorosa, o que concordamos. Entretanto todos salientaram a sua
contextualização e interdisciplinaridade, embora não tenha sido possível observar tanta
“clareza” em suas colocações sobre contextualização, como podemos exemplificar nas
respostas a seguir: “Muito rico em contextualização, pois relaciona muito com a cultura e o
social”; “Ótimo. O material gera muitos temas que poderão ser desenvolvidos em sala de aula
e trabalhar muitos conceitos e não só de química”.
Com respeito à possibilidade da inter-relação entre os saberes populares e os outros
saberes escolares e a viabilidade de utilização do material pelo professor como referência para
outros trabalhos semelhantes, os participantes do minicurso escreveram: “Irrestível. É uma
141
forma ‘saborosa’ de ensinar ciências respeitando os conhecimentos que as pessoas
possuem, cultura, tornando o processo de ensino aprendizagem dinâmico, eficaz e com muito
mais condições de alcançar os objetivos propostos”; “É positiva (mas precisamos de muito
preparo/capacitação)”; “A abordagem foi rápida, mas com um estudo com calma, sera de
grande utilidade para novas abordagem em determinados conteúdos e pesquisa, sendo um
apoio p/ o professor”; “Realmente admirei muito o trabalho e penso em fazer um semelhante”.
Temos clareza que a avaliação é ainda muito incipiente, visto que apenas cinco
pessoas responderam ao questionário, e que existe a necessidade de uma avaliação mais
sistemática para que possamos aprimorar a proposta. Entretanto percebemos que a aceitação
foi grande, pois, ao mostrarmos o material, foi solicitada uma cópia para outro colega ou
ainda a versão final do material e endereço eletrônico para contato.
142
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Embora as pesquisas educacionais voltadas para o multiculturalismo na educação
científica ainda estejam em fase preliminar, acreditamos que elas possam introduzir uma nova
visão sobre o ensino de ciências. A valorização cultural na escola pode auxiliar a inter-relação
entre as pessoas, desenvolver sentimentos de solidariedade e respeito ao próximo, dar novos
significados aos conhecimentos já adquiridos.
Em um país como o nosso, com uma diversidade cultural muito grande e,
conseqüentemente, uma variedade de interpretações sobre o mundo natural, não seria
prudente excluí-las da escola. Desse modo, se os diferentes saberes que formam cada
indivíduo fossem compreendidos e a escola propiciasse a mediação entre estes saberes, a
capacidade de diálogo entre educador e educando se tornaria mais suscetível, possibilitando a
negociação de significados.
Ao propormos a inter-relação entre os saberes populares e os formais na escola,
compreendemos que várias dessas manifestações da cultura popular foram esquecidas ou
podem ser hoje consideradas obsoletas ou antiquadas. Entretanto, mesmo aquelas não-
praticadas atualmente na mesma proporção de outrora podem levar conhecimentos para a
comunidade escolar como algo a ser retomado ou ainda para que conheçamos nossa história,
como bem argumenta Chassot (2000).
Mais uma vez, ressaltamos a necessidade de que propostas de ensino semelhantes a
essa sejam desenvolvidas no interior da cultura popular, em seu contexto. Assim, a articulação
entre a escola e as pessoas envolvidas com a cultura popular geradora dos outros saberes
143
poderia dar-se em momentos vários, num movimento de ir e vir constante. Esse exercício
constante pode permitir, dentre várias possibilidades, uma forma de negociação de
significados e de apropriação de conceitos científicos, pois as inter-relações entre os saberes
científicos e os saberes populares nem sempre se apresentarão tão claras. Além disso, podem
ser gerados novos conteúdos para serem trabalhados em quaisquer disciplinas, de forma
dinâmica e motivadora.
A questão relativa à formação, inicial e continuada, do professor e à dinâmica de
diálogo entre os vários professores para a realização de um trabalho interdisciplinar é fator
preponderante na realização concreta desse trabalho. Como afirma Freire (2000), muitas vezes
o próprio professor não se percebe como reprodutor de um modelo opressor de educação e
exerce uma prática irrefletida. Nesse sentido, faz-se necessário instigar o professor a refletir
epistemologicamente sobre as suas concepções sobre o processo ensino e aprendizagem,
sobre a sua visão sobre a natureza da ciência, sobre termos que lhe são apresentados sem
muita clareza, como a interdisciplinaridade e a contextualização.
Outrossim, também refletimos sobre a nossa proposta apresentada. Cabe avaliá-la na
prática, em sua concretização. assim poderemos analisar as suas capacidades, as suas
possibilidades, as suas limitações. Essa seria a continuidade desse trabalho: a sua aplicação,
em uma escola real, em condições reais.
Finalmente, acreditamos em uma escola que poderia ser palco de uma educação
inclusiva, construindo uma identidade cultural com redução das desigualdades e exclusões a
partir da convivência com as diferenças singulares e não-desqualificadas de todas e quaisquer
naturezas. E é dessa forma que visualizamos a nossa proposta de trabalho.
144
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153
APÊNDICE A
154
Universidade de Brasília – UnB
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
Mestrado Profissionalizante em Ensino de Ciências
Instituto de Física/Instituto de Química
Brasília, 2 de abril de 2007
Ilmo(a) Sr(a) Diretor(a)
Solicito a permissão para que possa ser aplicado um questionário aos alunos do Ensino Médio
de sua escola. Tal atividade deve ter a duração de aproximadamente 30 minutos e faz parte da
pesquisa realizada pela mestranda Maria Stela da Costa Gondim, matrícula n
o
05/29346,
pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da Universidade de
Brasília – UnB (www.unb.br/ppgec).
Informo que a integridade dos alunos da escola será preservada e não serão discriminados
nomes dos mesmos, bem como o da escola.
Certo de contar com a sua colaboração, agradeço.
Atenciosamente
Prof. Dr. Gerson de Souza Mól
155
QUESTIONÁRIO
Por favor, gostaria que respondesse algumas questões colocadas abaixo, a respeito da
tecelagem manual.
1-
Você viu alguma colcha de ou algodão ou outro artigo feito manualmente em um
tear? Onde?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
2-
Você conhece alguém que realize ou tenha realizado o trabalho de tecelagem manual?
Ela é de suas relações pessoais?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
3-
Você gostaria de conhecer alguém que realize tal trabalho e como ele é feito?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Obrigado!
156
APÊNDICE B
157
DESCRIÇÃO DAS ETAPAS DA TECELAGEM MANUAL EM QUATRO PEDAIS
A descrição sucinta de cada etapa realizada na tecelagem manual em quatro pedais é
realizada a seguir, utilizando-se informações obtidas a partir da observação e depoimentos
dados pelas artesãs de Uberlândia (Centro de Fiação e Tecelagem), Araxá (setor de Artesanato
da Fundação Cultural Calmon Barreto), Itapagipe e Perdizes, realizados no mês de outubro de
2006 e janeiro de 2007 e também da utilização das referências da Fundação Pró-Memória
(1986), Mirandola Filho e Mirandola (1991) e Mirandola (1993). As figuras mostradas são
fotografias tiradas durante as visitas. As etapas realizadas são: tosquia do carneiro,
descaroçamento do algodão, limpeza e destrinçamento do algodão, cardação, fiação, produção
das meadas, tingimento, enovelamento, urdição e tecelagem.
A tosquia era realizada duas vezes ao ano, nos meses de fevereiro/março e
outubro/novembro. Para realizar a mesma, amarra-se o animal pelas pernas e coloca-o em uma
mesa. Em seguida, sua é escovada para a retirada de sujeira, para depois praticar a tosquia
com uma tesoura apropriada. A obtida é lavada utilizando-se sabão e água, sendo possível,
com tal procedimento, eliminar a poeira e a suarda. Quando pequenas quantidades de
carneiros eram tosquiadas, fazia-se a lavagem da lã no próprio animal.
A semente do algodão era plantada no período das chuvas e sua colheita era realizada
ao final do mesmo período. A colheita era realizada manualmente. Após a colheita, os
chumaços de algodão são colocados ao sol para secar e facilitar o descaroçamento do
algodão (retirada das sementes). Neste, utiliza-se o descaroçador para a retirada das sementes
das mesmas, que consiste em um aparelho com dois cilindros giratórios dotados de manivela
por onde são passados os chumaços de algodão. Em um dos lados coloca-se o chumaço de
algodão com as sementes. Em seguida, movimentam-se as manivelas em sentido horário,
fazendo com que de, um lado seja passado o algodão, enquanto do outro fiquem retidos os
caroços (sementes), como é ilustrado na figura 1.
158
Figura 1 – Fotografia do processo de descaroçamento do algodão.
Para a limpeza e destrinçamento das fibras, utiliza-se o batedor, que consiste em um
arco no qual chumaços de algodão prendem-se na corda feita de barbante ao entrar em contato
com o mesmo. A corda do arco é vibrada várias vezes, proporcionando a limpeza e abertura
das fibras (figura 2).
Figura 2 – Fotografia de uma artesã utilizando o batedor para limpar o algodão.
Para uma limpeza mais efetiva, pode-se ainda retirar a sujeira do algodão com as
próprias mãos, como ilustrado na figura 3.
159
Figura 3 – Fotografia de uma artesã realizando a limpeza manual do algodão, após o uso do batedor.
Após a limpeza, faz-se a cardação. Ela é realizada com um par de cardas e tem como
intuito fazer com as fibras fiquem mais paralelas, destrinçadas, além de auxiliar na retirada
final da sujeira. Cada carda é composta de uma tábua de madeira retangular com um cabo
localizado no maior lado da mesma. A sua parte interna é forrada com um tecido onde se
encontram presos centenas de pontas de aço recurvadas dispostas paralelamente. Para
destrinçar-se as fibras, formando uma fita ou pasta homogênea, uma das cardas, segurada por
uma das mãos, é recoberta com o algodão ou e é atritada na outra carda, que permanece
imóvel, enquanto a primeira é movimentada no sentido de encontro ao corpo da pessoa que
está usando. Tal movimento, em sentido único como o ato de escovar os cabelos, repete-se até
que a carda imóvel fique cheia de fibras, como mostra a figura 4. Quando isto acontece,
esfregam-se as fibras na carda móvel e continua-se o procedimento até que as fibras formem
uma pasta de fios paralelos. Neste momento, a pasta é depositada em um balaio (como
ilustrado na figura 5) e outro chumaço de algodão ou lã é colocado na carda.
160
Figura 4 – Fotografia de uma artesã realizando a cardação.
Figura 5 – Fotografia da pasta de lã obtida após a cardação.
A pasta (ou fibra) obtida na cardação é transformada em fio, na etapa denominada
fiação, realizada em uma roda de fiar. As fibras são alongadas e retorcidas utilizando-se os
dedos da mão direita, enquanto a mão esquerda puxa o fio, dando-lhe a espessura e fazendo-o
“crescer”, como ilustra a fotografia de uma artesã utilizando a roda de fiar (figura 6). A torção
faz com que a fibra adquira maior resistência à tração. À medida que o fio vai aumentando, ele
é enrolado em um fuso, que gira rapidamente, preenchendo uma carretilha (figura 7). Para que
o fuso se movimente, ele é preso por fios em uma roda, que é girada a partir de um pedal
acionado pela fiandeira.
161
Figura 6 – Fotografia de uma artesã realizando a fiação.
Figura 7 - Fotografia de um detalhe da roda de fiar que mostra o fuso e a roda.
Normalmente os fios são reunidos em meadas para que o tingimento, a ser realizado a
posteriori, seja homogêneo e também para evitar que o fio se arrebente ou embarace. Para se
fazer a meada, utiliza-se a dobradoura ou dobradeira. O fio é enrolado na mesma, que gira em
sentido anti-horário enquanto é preenchida até formar uma meada, como mostra a figura 8.
Figura 8 – Fotografia de uma dobradoura com uma meada de algodão.
162
Para se fazer o novelo, utiliza-se o mesmo instrumento, porém, a dobradoura gira em
sentido horário, contrário aquele usado para se fazer a meada. A figura 9 mostra a fotografia
de uma artesã fazendo o enovelamento.
Figura 9 - Fotografia de uma artesã enrolando um novelo na dobradoura.
As etapas relativas à produção de fios e meadas e enovelamento são realizadas da
mesma maneira, tanto para o algodão quanto para a lã, bem como o processo de carda.
Depois de fazer-se a meada, pode-se realizar o tingimento das fibras. Antigamente tal
processo era realizado utilizando-se plantas provenientes do cerrado, ou ainda pedaços de
ferro velho para a obtenção da cor ferrugem. O tingimento é feito em tachos de cobre, ferro,
alumínio ou ainda potes de barro e, dependendo do material com que é feito o utensílio
utilizado, pode-se ter uma variação na tonalidade da cor ou até mesmo na própria cor. Para se
realizar o tingimento, as meadas são lavadas anteriormente com água e sabão. Algumas vezes
o tingimento é realizado no fogo (cocção), outras apenas são feitas a fermentação e oxidação
do banho (a meada é colocada no banho juntamente com o material corante e ali permanece
por alguns dias, até que se obtenha a cor desejada). Em vários casos são utilizados mordentes
(fixadores de cor), que atuam aumentando a fixação do corante na fibra, fazendo com que o
mesmo seja absorvido e conservado, podendo também modificar a cor. Após o tingimento, as
meadas são estendidas em varal para secar e depois serem enoveladas na dobradoura, como
descrito.
163
Urdir o fiado (algodão) e/ou a consiste em preparar os fios que serão destinados à
trama, definindo-se a metragem do tecido, tanto em relação à largura, quanto ao comprimento
do mesmo. Ao conjunto de fios denomina-se urdume. Tal processo é realizado na urdideira,
instrumento mostrado na figura 10. Ela se assemelha a uma moldura de quadro onde em cada
lado têm-se os tornos de metal por onde os fios passam, em um formato de zigue-zague.
Figura 10 – Fotografia de um artesão realizando a urdição.
A medida de comprimento utilizada na urdição é a vara, que corresponde a
aproximadamente um metro de fio e é a distância entre dois tornos seqüenciais, em cada um
dos lados. Os novelos que serão utilizados são colocados dentro do casal, uma caixa de
madeira com doze compartimentos presa a estacas paralelas de madeira (figura 11). Estas
estacam prendem-se a outra estaca colocada na horizontal, perfurada com doze buracos.
Quando as artesãs não tinham o casal, elas usavam panelas, baldes etc., para que os novelos
não ficassem soltos.
164
Figura 11 – Fotografias do casal.
Para definir-se a seqüência de fios que serão tecidos, de acordo com o efeito ou motivo
escolhido, eles passam pelos buracos da estaca do casal e da espadilha (figura 12). Esse
procedimento permite que os fios sejam “guiados” até a urdideira sem se misturar, além de se
utilizar a mesma extensão de fio de cada novelo. Algumas artesãs não fazem uso da espadilha.
Figura 12 – Fotografia da espadilha.
Após os fios serem guiados” pela espadilha, eles são agrupados dois a dois em forma
de cruz, completando um agrupamento de 12 fios chamado cabrestilho, no qual se define a
largura do tecido. Os fios cruzados passam pela urdideira, fazendo um zigue-zague, de acordo
com a quantidade de varas a ser tecida. Repete-se o mesmo procedimento até obter-se a
quantidade de cabrestilhos definida. Os fios são cruzados no início e no final da urdidura a
cada novo cabrestilho urdido. A cruz permite que os fios permaneçam paralelos, não se
165
embaracem e mantenham a seqüência a ser tecida. Ao final da urdição, amarram-se os fios
cruzados para depois cortá-los. Faz-se uma trança (figura 13), que se inicia no lado superior da
urdideira para, enfim, o urdume ser levado ao tear.
Figura 13 - Fotografia de uma trança que será levada ao tear.
O urdume é levado ao tear de quatro pedais (figura 14) para que sejam montados os
fios para a tecelagem. Os fios do urdume são presos a uma estaca de madeira e enrolados no
órgão superior, para que fiquem bem tensionados. Um órgão é uma parte do tear formada por
dois cilindros de madeira com manivelas. Existem dois órgãos no tear: o órgão superior, onde
se enrolam os fios do urdume, e o órgão inferior, que fica próximo aos pedais e no qual se
enrola o tecido. As figuras 15 e 16 mostram os dois órgãos.
Figura 14 – Fotografia de teares de quatro pedais.
166
Figura 15 – Fotografia do órgão superior com os fios de urdume enrolados.
Figura 16 – Fotografia do órgão inferior sendo ajustado para esticar o tecido.
Para ser mantida a cruz feita durante a urdição, os fios do urdume passam por duas
estacas de madeira, como ilustra a figura 17, para depois iniciar a simples passagem dos fios
pelas folhas de liço ou o repasso.
Figura 17 – Fotografia que mostra o detalhe dos entrelaçamentos dos fios (“cruz”) mantidos por
estacas de madeira.
Nem todos os tecidos possuem repassos. Eles são feitos quando se pretende obter
uma padronagem (ou efeito) diferente no tecido, ou seja, não se faz repasso em um tecido liso
ou simplesmente listrado. O repasso é um “esquema de concepção que contém as indicações
167
necessárias tanto para a passagem dos fios do urdume nas folhas de liço, quanto para a
seqüência de pedalagem durante a execução da trama” (Cláudia Duarte, 2001/2002, p.129). O
repasso é seguido utilizando-se uma folha de papel. As linhas horizontais, com os números de
1 a 4 à esquerda das mesmas, representam as folhas de liço, que são denominadas pelas
tecelãs “folhas de dentro(2 e 3) e “folhas de fora” (1 e 4). Os traços verticais representam a
quantidade de fios que será repassada em cada folha de liço e a sua seqüência. Cada traço
corresponde a dois fios, que são passados nas folhas de liço separadamente. A figura 18
mostra um repasso.
Figura 18 – Fotografia de um repasso.
O liço é formado por quatro folhas de madeira separadas por uma trama de algodão,
onde passam os fios urdidos. Essas folhas são presas duas a duas por fios na parte superior do
tear e estes fios passam por roldanas fixas (figura 19).
Figura 19 – Fotografia que mostra as folhas de liço.
168
Na parte inferior, cada folha de liço prende-se a um pedal. No tear, existem quatro
pedais, que são contados da mesma forma que as folhas de liço. A figura 20 mostra uma
artesã prendendo uma folha de liço a um pedal.
Figura 20 – Fotografia de uma artesã prendendo um pedal a uma folha de liço.
Após terminar o repasso, as linhas passam pelo pente. Em cada dente do pente são
colocadas duas linhas (figura 21).
Figura 21 – Fotografia detalhada do pente sendo preenchido com as linhas.
Quando todas as linhas passaram pelo pente, ele é fixado no tear pela queixa, como
mostra a fotografia de uma artesã executando tal tarefa, na figura 22. Depois, as linhas são
amarradas em uma estaca de madeira vara para que a tecelagem propriamente dita possa ser
realizada.
169
Figura 22 – Fotografia de uma artesã colocando o pente na queixa.
Enfim, inicia-se a tecelagem propriamente dita, ou seja, faz-se o entrelaçamento dos
fios do urdume (vertical) com os fios da trama (horizontal). Os fios da trama são enovelados
em uma canelinha, que será colocada dentro da lançadeira (figura 23).
Figura 23 – Fotografia de uma lançadeira com a canelinha preenchida com os fios da trama.
Para iniciar a tecelagem, os pedais são pisados de acordo com o repasso. Quando
acionados, as folhas de liço também se movimentam, separando-se os fios do urdume. A
abertura criada pelo movimento dos pedais permite que se passe a lançadeira entre os fios do
urdume (figura 24), da esquerda para a direita e vice-versa, formando-se a trama.
170
Figura 24 – Fotografia que mostra os fios do urdume separados para a passagem da lançadeira.
Uma forma de identificar-se erros no repasso é determinar o quadro-mestre, que
consiste em um “quadro” que se repete em todo o tecido na diagonal. Quando este não se
forma, ocorreu um erro durante o repasso nos liços ou já na tecelagem.
Para tensionar o tecido na transversal, pode-se utilizar o tempereiro, que é mostrado na
figura 25.
Figura 25 – Fotografia do tempereiro.
Quando todos os fios do urdume são tecidos, retira-se o tecido do tear para que ele seja
medido de acordo com as proporções requeridas (figuras 26 e 27). A metragem requerida de
tecido é cortada para, em seguida, realizar-se o acabamento (costura, franjas, etc.).
171
Figura 26 – Fotografia de uma artesã retirando o tecido do tear.
Figura 27 – Fotografia de tapetes não-acabados tecidos no tear.
172
APÊNDICE C
173
Universidade de Brasília – UnB
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
Mestrado Profissionalizante em Ensino de Ciências
Instituto de Física/Instituto de Química
QUESTIONÁRIO
Por favor, gostaria que respondesse algumas questões colocadas abaixo, a respeito da
proposta de inserção de saberes populares na escola. Não é necessário que você se identifique.
1-
Qual é o seu grau de escolaridade?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
2-
Qual é a sua profissão?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
3-
Como você avalia a possibilidade da inter-relação entre os saberes populares e os
outros saberes na escola?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
4-
Quais os saberes populares que voconhece dentro de sua comunidade? Como você
inseriria este(s) saber(es) na sala-de-aula?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
5-
Avalie o material paradidático apresentado sobre a utilização dos saberes referentes à
tecelagem manual realizada no Triângulo e sua inserção na escola em termos de:
a)
Viabilidade de utilização pelo professor como referência para outros trabalhos
semelhantes
174
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
b)
Interdisciplinaridade
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
c)
Contextualização
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
d)
A seção “tecendo outros saberes”
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
e)
As sugestões de atividades
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
f)
A formatação do material apresentado (imagens, distribuição dos textos, etc.)
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Obrigado!
175
APÊNDICE D
Livros Grátis
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