Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
MESTRADO EM LITERATURA E INTERCULTURALIDADE
A IDENTIDADE HOMOAFETIVA NA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA
MARLOS JOSÉ LIMA MACHADO
Campina Grande - PB
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1
MARLOS JOSÉ LIMA MACHADO
A IDENTIDADE HOMOAFETIVA NA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Mestrado em Literatura e
Interculturalidade da Universidade
Estadual da Paraíba, em cumprimento à
exigência para obtenção do grau de
Mestre em Literatura e Interculturalidade,
linha de pesquisa: Estudos cioculturais
pela Literatura.
Orientador: Profº Drº Antonio de Pádua
Dias da Silva
Campina Grande - PB
2009
ads:
2
MARLOS JOSÉ LIMA MACHADO
A IDENTIDADE HOMOAFETIVA NA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Mestrado em Literatura e
Interculturalidade da Universidade
Estadual da Paraíba, em cumprimento à
exigência para obtenção do grau de
Mestre em Literatura e Interculturalidade,
linha de pesquisa: Estudos cioculturais
pela Literatura.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof. Drº Antonio de Pádua Dias da Silva/Orientador - UEPB
____________________________________________________
Prof. Drª Márcia Tavares Silva/Examinadora - UFRN
____________________________________________________
Prof. Drª Maria Goretti Ribeiro/Examinadora - UEPB
Aprovada em: ___/___/______
3
Única e exclusivamente aos meus pais,
Ortelina Lima Machado e José Carvalho
Machado, meus maiores inspiradores.
Dedico
.
4
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, ao meu Orientador, Prof. Dr. Antonio de Pádua Dias da Silva, por
ter acreditado neste estudo, em mim e nas minhas idéias aqui defendidas.
A todos os colegas do mestrado, e em especial aos da 1ª turma do MLI, aos quais
tenho verdadeiro respeito, carinho e admiração.
A todos os professores do MLI.
Aos examinadores Profª. Drª. Maria Goretti Ribeiro e a Profª. Drª. Márcia Tavares
da Silva, pela contribuição significativa e positiva desde a qualificação deste trabalho.
Aos amigos(as): Taise Borges, Nefi Barbosa, Elizângela, Iva, Fabrício, Jean e
Juliana, Sílvia de Areia, Gilmar de Souza, Hipólito e Cezilene, Nivaldo Rodrigues,
Aos meus irmãos Márcio Lima Machado e Marlise Lima Machado.
A minha amada filha Camilly Oliveira Machado.
A Jassimone e toda a sua família.
Enfim a todos que contribuíram e contribuem direta e indiretamente tanto na minha
vida acadêmica quanto pessoal.
5
Pra que o mundo melhore não
precisamos ler meio mundo de páginas
apenas ame o Outro, basta amar o Outro!
Marlos Machado
6
RESUMO
Esta dissertação versa sobre a representação do sujeito homoafetivo nas obras
literárias infantis brasileiras O passarinho vermelho, O menino que brincava de ser e
O gato que gostava de cenoura, dando importância ao tema da inclusão social em
obras produzidas para leitores crianças. Embasados nas idéias de Foucault (1997),
Silva (2002 e 2000), Trasferetti (2006), Silva (2008 e 2007), Magalhães e Silva
(2008) discutiram-se questões teóricas e concepções críticas referentes à cultura,
identidade, preconceito e tolerância, evidenciando os estereótipos culturais
construídos ao longo do tempo que marginalizam e excluem grupos humanos
considerados “anormais” na sociedade e discutiu-se mais fortemente a
(re)significação desse preconceito excludente que vem sendo assimilado pelos
sujeitos na contemporaneidade. Na análise dessas obras direcionamos o olhar para
a identificação dos aspectos positivos da representação dessa identidade na
literatura infantil enfocando especificamente, a libertação do eu e a inclusão social
do sujeito homoafetivo. Concluímos, dessa forma, que, apesar dos conflitos
pessoais e sociais experimentados pelos personagens graças aos preconceitos, a
metáfora textual sugere que é possível realizar sonhos e conviver harmonicamente
com o “diferente” em sociedade.
Palavras-chaves: Literatura infantil, Identidade, Homoafetividade.
7
RESUMEN
Esta tesina trata de la representación del sujeto homoafectivo en las obras literarias
infantiles brasileñas O Passarinho vermelho, O menino que brincava de ser y O gato
que gotava de cenoura, dando importancia al tema de la inclusión social en obras
producidas para lectores niños. Embasados en las ideas de Foucault (1997), Silva
(2002 y 2000), Trasferetti (2006), Silva (2008 y 2007), Magalhães y Silva (2008) se
discutieron cuestiones teóricas y concepciones críticas referentes a la cultura,
identidad, prejuicio y tolerancia, evidenciando los estereotipos culturales construidos
a lo largo del tiempo que marginan y excluyen grupos humanos considerados
“anormales” en la sociedad y la (re)significación de ese prejuicio excluyente que
viene siendo asimilado por los sujetos en la contemporaneidad. Direccionando la
mirada hacia la cuestión de la homoafectividad por la literatura, enfocamos,
específicamente, la liberación del yo y la inclusión social del sujeto homoafectivo en
las obras analizadas, demostrando, de esa forma, los aspectos positivos de la
representación de esa identidad en la literatura infantil para concluir que, a pesar de
los conflictos personales y sociales experimentados por los personajes gracias a los
prejuicios, la metáfora textual sugiere que es posible realizar sueños y convivir
harmónicamente con lo “diferente” en sociedad.
Plavras-chaves: Literarias infantiles, Identidad, Homoafectividad.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 08
CAPÍTULO 1 - HOMOAFETIVIDADE: ALGUNS CONCEITOS E
PRECONCEITOS ..................................................................................................
13
CAPÍTULO 2 - A LITERATURA INFANTIL: NATUREZA, FUNÇÕES E TEMAS 23
2.1 UM BREVE HISTÓRICO DO SÉCULO XX À
CONTEMPORANEIDADE ..............................................................................
23
2.2 O SURGIMENTO DA TEMÁTICA HOMOAFETIVA NA LITERATURA
INFANTIL BRASILEIRA ..................................................................................
28
CAPÍTULO 3 - A REPRESENTAÇÃO DO HOMOAFETIVO NAS OBRAS O
PASSARINHO VERMELHO, O MENINO QUE BRINCAVA DESER E O GATO
QUE GOSTAVA DE CENOURA ...........................................................................
32
3.1 – RESUMO DAS OBRAS ...........................................................................
32
3.2 – A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PERSONAGEM
HOMOAFETIVO ................................................................................................
34
3.3 – A METÁFORA DAS RELAÇÕES SOCIAIS DO PERSONAGEM
HOMOAFETIVO NA FAMÍLIA, NA IGREJA E NA ESCOLA .............................
43
3.3.1 – A família e a homoafetividade .......................................................
43
3.3.2 – O sagrado e a homoafetividade .................................................... 52
3.3.3 – A escola e a homoafetividade ....................................................... 54
3.3.4 – Marcadores culturais que apontam para o gay como um sujeito
inferior .......................................................................................................
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 60
ANEXOS ............................................................................................................... 64
REFERÊNCIAS .....................................................................................................
66
9
INTRODUÇÃO
Como profissional da área de educação sempre questionei o porquê de
indivíduos homossexuais sofrerem discriminações, violências verbais e até físicas
nas diferentes instituições sociais, e, em especial, nas escolas. Se a criança não
nasce discriminadora e a escola, principalmente nas séries iniciais, é um ambiente
onde, através de práticas discursivas, pode desenvolver mecanismos que permitam
aprender a conviver com o Outro, por que, ainda assim, ela vai aos poucos
construindo um sentimento de não aceitação do indivíduo homossexual? O reflexo
disso pode ser percebido nos tipos de violência de que esses indivíduos são timas
no Brasil, um país considerado um dos mais preconceituosos em se tratando da
homossexualidade.
Outra questão que me preocupava enquanto pedagogo, supervisor
educacional e professor das séries iniciais é a formação de futuros leitores, o que
acabou me motivando a estudar a literatura infantil. E, a partir disto, as minhas duas
principais inquietações se uniram, e nasceu aqui o meu interesse em estudar a
literatura e o gênero literário infantil com temáticas homoafetivas.
A inquietação face a essas questões e o entusiasmo em conhecer o gênero
literário infantil uniu-se à sugestão do orientador deste trabalho, em conversa
informal, de trabalhar a literatura infantil de temática gay, resultando no interesse em
estudar obras que abordam a temática homoafetiva. Assim, nasceu a pesquisa aqui
desenvolvida.
Utilizamos o termo homoafetividade para tratar tanto da temática quanto do
indivíduo considerado “homossexual” na literatura infantil, concordando com Lopes
(2002), por achar também que:
[…] falar em homoafetividade é mais amplo do que falar homossexualidade
ou homoerotismo, vai além do sexo-rei, bem como é um termo mais
sensível para apreender as fronteiras frágeis e ambíguas entre a
homossexualidade e a heterossexualidade, construídas no século
passado […] Uma política da homoafetividade busca alianças para
desconstruir espaços de homossociabilidade homofóbicos ou heterofóbicos,
ao mesmo tempo que pensa, num mesmo espaço, as diversas relações
entre homens (ou entre mulheres), como entre pai e filho, entre irmãos,
entre amigos, entre amantes. (p. 37, grifo nosso)
10
Muitos grupos antes marginalizados, como as mulheres, os negros, a própria
criança, têm hoje direitos assegurados pelas leis e representatividade significativa na
cultura e nas artes, por exemplo, na literatura. É comum encontrarmos a
representação desses grupos em obras infantis que tentam desenvolver nos leitores
um sentimento de respeito, de tolerância
1
, de aceitação. Porém, o tratamento das
questões relacionadas à representação da homoafetividade que produzem
significados na cultura e que comprometem as relações de poder da classe
dominante, é um processo muito lento e conflituoso.
De acordo com Weeks (1998), a grande maioria dos homossexuais não tem
consciência de sê-lo. Devido à heterossexualidade ser concebida como “normal”, o
desejo homossexual é socialmente combatido, na tentativa de eliminá-lo, desde a
infância, através de uma série de mecanismos familiares e educacionais. Isso
acontece porque qualquer outra forma de sexualidade que não seja a heterossexual
é considerada, pela sociedade dominante, como antinatural, peculiar e anormal.
[...] homologar a cidadania cultural aos diferentes sexuais na literatura,
através dessa lógica de representação, é um caminho pacífico, necessário
e, ao que parece, eficiente, para que novos valores possam ser
construídos, tendo-se em suas bases o respeito mútuo, a tolerância ao
diverso, ao diferente e a autonomia entre os sujeitos que habitam uma
mesma cultura. (SILVA, 2007, p. 156, grifo nosso)
Não é interesse dessa pesquisa explicar nem justificar a homossexualidade.
Mas, se se descartou a hipótese de a homossexualidade ser uma doença; se as
construções em torno do gênero estão geralmente relacionadas à cultura; e se o
homossexual vem assumindo mais claramente a sua condição sexual e de gênero
perante a sociedade, trabalhar esse gênero literário e essa temática torna-se uma
necessidade quando se visa melhorar as relações e o preconceito entre indivíduos
sexualmente “diferentes”, pois consideramos, assim como Dória 2008, que:
1
“Tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso
mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres
humanos. É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de
pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na diferença. Não é um dever
de ordem ética; é igualmente uma necessidade para contribuir, para substituir uma cultura de guerra
por uma cultura de paz.
A tolerância é o sustentáculo dos direitos humanos, do pluralismo (inclusive o pluralismo cultural), da
democracia e do Estado de Direito. Implica a rejeição do dogmatismo e do absolutismo e fortalece as
normas enunciadas nos instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos.” (SANTOS, 2006,
p.1)
11
[…] se os livros de literatura enfocando o preconceito fossem adotados
desde a pré-escola, esse “silêncio” sobre o assunto seria imediatamente
quebrado, pois a literatura, como poderosa construção simbólica, penetra a
consciência do indivíduo, tanto em nível profundo como em nível imediato,
possibilitando, por exemplo, a discussão do tema, uma apreensão
diferenciada dele, rompendo com as imagens sociais preconcebidas
ou estereotipadas. (p. 43, grifo nosso)
No Brasil, os Parâmetros que regem a educação nas séries iniciais do Ensino
Fundamental, ao se referir ao item “orientação sexual”, chamam a atenção para “[…]
as discriminações e os estereótipos atribuídos” (PCN, vol. 10, p. 107) aos
relacionamentos vivenciados no espaço escolar. Entre essas discriminações
incluem-se as sofridas por indivíduos homoafetivos, e não estes, mas também
aqueles indivíduos que, mesmo não sendo homoafetivos, apresentam alguma
característica que os aproxime deste. Logo, sofrem violência verbal e até física,
tornando-se alvos de gozações e vítimas da própria exclusão social. Muitos são os
pais que não admitem que seus filhos andem com crianças “marcadas
estereotipadamente” pela homoafetividade.
Entendemos que a homoafetividade apresentada na literatura infantil seria
necessária e até eficiente para ajudar na construção de um olhar positivo
relacionado ao “diferente” sexual. Insistimos nessa necessidade e eficácia da
temática homoafetiva na literatura infantil, por considerar que a literatura tem um
sentido social simbólico, pois é ao mesmo tempo representação, desmascaramento
de valores, costumes, e também denúncia. (CANDIDO, 2006) Através dessa
literatura acreditamos poder ajudar a construir novos valores, desenvolver um
sentimento de respeito ao “diferente” sexual junto às crianças, enfim, mediar, através
dessas obras, o desenvolvimento de boas relações entre indivíduos diferentes.
Uma das principais contribuições desse gênero literário é a capacidade de
ampliar a visão da criança em relação ao Outro, já que este gênero estabelece, para
ela, uma ponte significativa, entre o mundo ficcional e o real. Ele possibilita à criança
tanto saber da vida do Outro por meio da experiência, quanto permite que ela a
vivencie. (COSSON, 2006)
A temática homoafetiva na literatura infantil vem ocupando espaço nas
prateleiras das livrarias, principalmente no Ocidente, na expectativa de ajudar tanto
o facilitador da leitura junto à criança quanto à própria criança a conhecer, tolerar e
construir um olhar diferente e positivo com relação ao homoafetivo mediados pela
literatura. Ainda são poucas as obras da literatura infantil brasileira com
12
protagonistas homoafetivos, como também são poucos os estudos teóricos que
abordam essa temática homoafetiva na literatura infantil. Apesar de serem também
poucas as pessoas que conhecem essas obras, existe atualmente uma demanda
positiva de alguns escritores e editoras interessados em trazer para o mundo infantil
questões sobre a homossexualidade.
Do que foi exposto até o momento, levantaram-se três questões: a) como o
homoafetivo é apresentado nas obras de literatura infantil, que é uma realidade
principalmente no ocidente?; b) Como os narradores, que representam os discursos
de instituições sócioculturais tratam o homoafetivo nessas narrativas?; c) Qual a
importância dessas obras no contexto social? As respostas para estas questões
compreendem o corpo do trabalho ora construído.
Procurando analisar como o fenômeno gay é representado nas narrativas
selecionadas, o que fizemos através do confronto entre as falas dos personagens de
cada uma das obras, utilizamos o método analítico descritivo, tomando como base
as leituras de textos teóricos e críticos que abordam questões culturais sobre gênero
e sexualidade. O objeto de estudo o as obras: O gato que gostava de cenoura de
Rubem Alves (1999), O menino que brincava de ser de Georgina Martins (2000) e O
passarinho vermelho de Milton Camargo (1980).
Nesta análise baseando-nos nos conceitos de alteridade, inclusão, diferença,
identidade, preconceito, instituições sócioculturais, literatura infantil,
homossexualidade, religião, apresentados por estudiosas(os) e pesquisadoras(es)
como Stuart Hall (2005), Zygmunt Bauman (2005), Tomaz Tadeu da Silva (2000,
2002), Antônio de Pádua Dias da Silva (2007a, 2007b, 2008), Regina Zilberman
(2003), Carlos Rodrigues Brandão (2002), Denílson Lopes (2002), Antônio Carlos de
Melo Magalhães e Eli Brandão Silva (2008), Luciano Ferreira da Silva (2008), Michel
Foucault (1997), Nelly Novaes Coelho (1985), Nazira Salem (1970), entre
outras/outros, que iluminaram a análise das narrativas.
No primeiro capítulo, tratamos de alguns conceitos de “homossexualidade” e
dos preconceitos, além de justificarmos o emprego do termo homoafetividade para a
análise de obras infantis. No segundo capítulo, a partir de um breve histórico da
literatura infantil a partir do século XX, tentamos mostrar algumas de suas funções, e
indicadores do surgimento da temática homoafetiva nesse gênero literário brasileiro.
E, no terceiro capítulo, relativo à análise das obras citadas, apresentamos
fragmentos de falas dos personagens e dos narradores nos quais se podem
13
depreender os preconceitos sofridos pelos protagonistas, de modo a atender ao
objetivo do trabalho, que é promover a reflexão sobre a representação da
identidade homoafetiva nessas narrativas, e também, mostrar a influência da
metáfora das relações sócioculturais e da sociedade em relação ao “diferente”
sexual tanto na perpetuação e formação de indivíduos homofóbicos quanto no
conflito de identidades dos protagonistas.
Em relação a esse aspecto, evidenciamos, em cada obra, as principais
instituições sócioculturais apresentadas pelos narradores como família, igreja,
comunidade e escola, observando a violência e o preconceito
2
sofridos pelos
protagonistas. Trata-se de instituições diretamente ligadas à formação inicial da
criança/personagem e que trazem histórica e culturalmente um olhar estereotipado
em relação ao homoafetivo, que interferem na construção e firmação da identidade
dos protagonistas. A escolha dessas obras justifica-se por contemplarem tais
instituições e apresentarem conteúdos suficientes para as hipóteses deste estudo.
Quanto ao último capítulo, corresponde a conclusão, em que defendemos,
com base nas três obras analisadas, que a literatura infantil de temática
homoafetiva, apesar de apresentar as instituições sócioculturais ainda contrárias à
homoafetividade, à representação do homoafetivo, exibe o diferente sexual como
vítima de uma cultura homofóbica, o que contribui para combatê-la e ajudar na
(re)construção, positiva, da identidade do indivíduo homoafetivo. Ela é útil também
para mostrar que é possível viver as diferenças sexuais sem conflitos, se
entendemos que a representação desses conflitos no texto de ficção é uma forma de
acumpliciar o leitor quanto ao assunto tratado, fazendo-o refletir sobre as formas de
interpretar o Outro, projetando em seu cotidiano idéias que podem minimizar a
exclusão do gay e da temática homoafetiva do convívio social.
2
“Preconceito é uma palavra utilizada para indicar uma predisposição negativa contra alguém ou
alguma coisa, mas é também identificada como um sentimento hostil dirigido a um grupo específico,
sem que haja uma justificativa clara e objetiva para isso há, portanto, aqueles que o vítimas
desse sentimento hostil.” (DÓRIA, 2008, p. 24)
14
CAPÍTULO 1 - HOMOAFETIVIDADE: ALGUNS CONCEITOS E PRECONCEITOS
A homossexualidade ahoje é carregada de preconceitos e discriminações
construídos cultural e historicamente pela sociedade que levam à marginalização do
indivíduo pertencente a esse grupo. Segundo Dourado (1967), a homossexualidade
começa a ser combatida a partir do judaísmo, que os judeus entendiam que o
sexo devia estar inteiramente ligado à procriação.
Influenciada pelos judeus e escrituras sagradas, a Igreja Católica, a partir do
ano de 342, concebeu a homossexualidade como crime, e, como punição, o
indivíduo homossexual, deveria ser castigado e até queimado vivo, o que se
estenderia até a Idade Média. Entretanto, essa violência não acabaria
definitivamente na Idade Média. em 1969, por exemplo, que foi revogada uma
das leis alemãs, criadas em 1935, que punia o homossexual com a pena de morte
(GRUPO ARCO-ÍRIS, 2008). Mas, até hoje o homossexual vem sofrendo com vários
tipos de violência (física, verbal) causada por indivíduos/sociedades homofóbicas.
No princípio, chamavam-se sodomia as relações de pessoas do mesmo
sexo. Seguiu-se a expressão homossexualismo, que foi afastada por
significar "desvio ou transtorno sexual". O sufixo "ismo" utilizado para
identificar doença foi substituído por "dade", que quer dizer "um modo de
ser". Assim, surgiu a palavra homossexualidade, que, na Classificação
Mundial das Doenças CID, passou a nominar: "transtorno da preferência
sexual". (DIAS, 2008)
Os estudos sobre a homossexualidade surgiram aproximadamente em 1808,
e vários estudiosos e pesquisadores começaram a se debruçar para tentar explicá-la
(Pinel, Esquirol, Krafft-Ebing, Stekel, Kinsey, Nacke, Hirschfeld, Freud), (DOURADO,
1967). A então a homossexualidade era compreendida principalmente como
pecado, patologia ou crime. As gerações futuras assimilaram essas referências
negativas, o que acabou contribuindo para a continuação da violência, construção
de novos preconceitos, discriminações e estereótipos contra a identidade
homossexual.
Um dos pontos em torno dos quais gira a discussão é a influência da cultura
na perpetuação da visão discriminatória que a sociedade tem em relação ao
homossexual. Uma visão caracterizada pela autoridade e imposta
institucionalmente, permeando toda a organização da sociedade desde a família, a
15
política, a lei, marcada pela dominação e violência originadas numa cultura
predominantemente de base patriarcal, através de instituições também patriarcais
caducas no tempo de hoje.
Sabemos que a “transmissão” dessa cultura patriarcal se estabelece nas
relações entre os sujeitos que extraem e criam significados entre si. E é a partir
destas relações, na maneira de se ver e ver o Outro, que a visão discriminatória ao
homossexual acaba perpetuando-se, que a formação do indivíduo se no seio
dessa cultura, a partir da internalização dos discursos culturais. Porém não
nascemos com uma identidade definida, ela é formada e transformada no interior da
representação, e o indivíduo assume várias identidades diferentes em momentos
diferentes; deste modo, a tentativa da sociedade em construir identidades “puras” e
“normais”, ignorando o hibridismo e a diversidade, reforça a discriminação e a
exclusão social de grupos culturalmente marcados por um “[…] monopólio
masculino, heterossexual e branco da Ciência, das Artes, ou da Lei.” (LOURO, 2004,
p.24)
Nas palavras de Louro, 2007b:
[…] podemos entender que a sexualidade envolve rituais, linguagens,
fantasias, representações, símbolos, convenções… Processos
profundamente culturais e plurais. […] As identidades de nero e sexuais
são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são
moldadas pelas redes de poder de uma sociedade. (p. 11)
Assim sendo, a identidade homossexual é formada e transformada ao longo
do tempo, considerando as relações sociais e multiculturais influenciadas pelo
poder dominante heterossexual através de processos inconscientes e simbólicos
desde o nascimento do indivíduo. É através das transformações das identidades,
“forçadas” pela sociedade e suas instituições, que o sujeito homossexual tanto sofre
o preconceito quanto o perpetua. Ele mesmo percebe que a sua diferença não pode
ser vivida ou aceita em qualquer ambiente.
Apesar de a homossexualidade não ser uma característica de uma sociedade
específica ou de um tempo, ela sempre existiu em todas as sociedades e sempre
esteve presente em todas as épocas. Na cultura grega, por exemplo, a
homossexualidade era considerada “normal” (DOURADO, 1967), mas com o passar
dos culos, passa a ser vista pela sociedade dominante patriarcal como aberração,
pecado, inversão, delinqüência e doença, o que poderia justificar o desenvolvimento
16
de um sentimento “violento” contra os homossexuais ao longo dos séculos, fato que
percebemos ainda muito presente, hoje, no Brasil:
A cada dois dias um homossexual é assassinado no Brasil. no ano
passado foram registrados 160 casos graves de violação dos direitos
humanos e a morte de 130 gays, lésbicas, travestis e transexuais, todos
vítimas da homofobia. São números que dão ao País o título de campeão
mundial de assassinatos contra homossexuais, segundo Luiz Mott,
professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da
Bahia (UFBA) e presidente do Grupo Gay da Bahia. (MIRANDA, 2007, p. 8)
Conforme Silva (2002), o homossexual pertence a um dos grupos que mais
sofre com essa herança social e cultural (discriminatória) construída historicamente.
A identidade homossexual ainda é vista como um problema. “[…] como um desvio,
como uma anormalidade” (p. 106), tornando-se, então, alvo, não de
discriminações, como também motivo para sua exclusão social, que as práticas
preconceituosas e discriminatórias em relação ao homossexual permeiam os meios
sociais e as famílias que veiculam estereótipos aprendidos desde a mais tenra
infância, por exemplo, os termos “homossexual”, “gay”, “veado”, “pederasta” este
último criado na Grécia e muito utilizado pela Igreja Católica no passado
(DOURADO, 1967) –, de valor negativo, refletem um dos modos como ocorre a
exclusão, a discriminação, do indivíduo pertencente a esse grupo.
O período entre aceitação e negação da homossexualidade é
desproporcional. A luta em favor de uma construção positiva quanto ao “diferente”
sexual ainda é muito pequena e difícil, se comparada aos discursos e posturas
contra estes. Ainda são poucos os heterossexuais que ajudam a defender a
homossexualidade. Aos que defendem um discurso em defesa dos homoafetivos,
inclusive na literatura infantil, “[…] que aceitar o risco de incompreensões ou
mesmo de rejeição por parte dos grupos e setores dominantes.” (LOURO, 2004, p.
25) Isso acontece porque a identidade homossexual ainda está relacionada à
vergonha, patologia e desvio. Segundo Halperin (1998), a identidade gay foi alvo de
críticas tanto da parte dos conservadores, intelectuais quanto de militantes gays.
Entendemos que essa divergência contribuiu para alimentar a cultura homofóbica,
mas também para estimular o interesse em estudar a cultura homossexual numa
perspectiva mais humana.
A partir do século XIX é que se desenvolve um novo olhar em relação à
categoria homossexual e uma identidade a ela associada (WEEKS, 2007),
17
influenciado por estudiosos como Freud, Foucault, que ajudaram a construir novas
concepções em relação ao homossexual, o que se refletiria nas gerações futuras,
inclusive na construção de culturas de resistência contra a homofobia.
Posteriormente, movimentos de grupos marginalizados (feminino, negro) vão
surgindo e, direta/indiretamente, reforçando a resistência.
Nessa cultura de resistência surgiram vários movimentos gays, e foram
criados, e também resgatados do passado, símbolos para representar esse novo
momento da homossexualidade que se estende até hoje.
O significado particular de um símbolo em um dado lugar só pode ser
determinado levando-se em conta todo o contexto em que o símbolo
aparece, e em função das experiências predominantes de quem emprega
aquele símbolo. (FROMM, 1980, p. 25)
Alguns como a Bandeira do Arco-íris que, em 1978, se tornou o símbolo das
comunidades gays; o rinoceronte uma espécie de mascote escolhido por ser
considerado um animal mal compreendido, utilizado por ativistas em Boston numa
campanha na imprensa em defesa da homossexualidade; o triângulo rosa
invertido, criado antes da segunda guerra mundial e utilizado pelos nazistas para
destacar os presos homossexuais; a lebre, a hiena e a doninha, animais associados
à homossexualidade masculina, supostamente devido a uma epístola do séc. I de
Barnabus; as plantas calamus e ladslove; a gravata vermelha; o lambda, enfim,
símbolos utilizados por pessoas em certos ambiente para indicar a preferência e/ou
identidade e a simpatia para com a homossexualidade. (GRUPO ARCO-ÍRIS, 2008).
Símbolos que são percebidos em lojas comerciais, carros (adesivados), revistas,
ambientes destinados aos gays, inclusive nas artes visuais, literárias e na literatura
infantil
3
.
Da mesma forma surgem novos termos, como o “homoafetivo”, que adquire
um caráter menos preconceituoso para se referir ao “diferente sexual”. Neste
trabalho o termo “homoafetividade” é utilizado para nos referirmos tanto às obras
infantis de temática homoafetiva quanto ao “diferente” sexual. Este termo difere de
homossexualidade e de homoerotismo
4
, por estar fundamentado em uma visão mais
sutil das relações afetivas entre indivíduos do mesmo sexo (LOPES, 2002). Este
3
Ver em anexo alguns desses símbolos presentes em narrativas destinadas ao público infantil.
4
Vocábulo introduzido por Jurandir Freire Costa que “[…] com inegável autoridade, denuncia a
conotação pejorativa de tais expressões e introduz o vocábulo homoerostismo, pretendendo
revalorizar as experiências afetivo-sexuais. (DIAS, 2008, p.1)
18
termo abarca novos conceitos que levam a pensar sobre a relação entre indivíduos
independentemente do prazer sexual. “Homoafetividade sugere uma relação muito
mais ampla: homo-convivência, homo-partilha, homo-cuidado, homo-ternura, homo-
realização como ser humano.” (MEINCKE, 2008)
O sentimento, o respeito, a orientação homoafetiva estabelecidos entre casais
e indivíduos homoafetivos, ou relações saudáveis – de amizade e companheirismo –
existentes entre heterossexuais e homossexuais, o comportamentos que dão
base a essa identidade homoafetiva, na tentativa de mostrar à sociedade que é
possível conviver com o “diferente” sexual sem conflitos.
O conceito de homoerotismo é muito útil, por vários motivos. Em termos de
história e crítica da cultura, tem a vantagem de não impor nenhum modelo
pré-determinado, permitindo assim que se respeitem as configurações que
as relações entre homens assumem em cada contexto cultural, social ou
pessoal específico. Em termos de crítica literária, é de vital importância para
a análise de determinadas obras, precisamente por não impor a elas ou a
seus personagens modelos ou identidades que lhes são estranhos.
(BARCELLOS, 2006, p. 20)
A citação de Barcellos refere-se ao homoerotismo, porém nos apoderamos de
alguns trechos dessa citação que se adequam para justificar o emprego do termo
homoafetividade na análise, por nós realizada, das obras literárias. O conceito de
homoafetividade é de vital importância devido à necessidade de se analisar um
contexto aparentemente “homossexual” nesse gênero literário sem impor nenhum
modelo pré-determinado, e ainda, sem se preocupar com as relações sexuais.
Homoerotismo e homoafetividade surgiram com a mesma intenção: referir-se ao
homossexual de uma forma mais positiva. “Diferem” porque o termo
homoafetividade não implica a existência de elementos genitais, o que não acontece
no caso do homoerotismo, que pode ou não incluir esses elementos.
Os “estratos de possibilidades interpretativas em conflito” provêm da própria
cultura, em suas múltiplas e conflitantes textualizações, e se constroem no
texto a partir de uma série de pontos de indeterminação (Cf. INGARDEN,
1979: 288ss) ou de vazios e negações (Cf. ISER, 1979: 91), com os quais o
leitor se defronta e que o incitam a tomar uma posição ativa, preenchendo-
os a partir de seu próprio horizonte de expectativas. (BARCELLOS, 2006, p.
40)
É oportuno o emprego deste conceito quando da aplicabilidade à análise de
obras infantis porque está mais próximo da intenção formativa que esse gênero
19
literário, com essa temática, pode querer propor, por exemplo, estimular a discussão
da temática homoafetiva entre crianças, adultos, comunidade escolar, enfim,
conhecer com um olhar mais humano para tolerar e, quem sabe, respeitar o
diferente sexual. “[…] uma leitura gay construiria concretizações que não apenas
denunciariam as estruturas literárias e culturais homofóbicas (como a patologização
ou a criminalização, por exemplo), mas ainda tentariam “sintonizar” vozes mais
positivas” (BARCELLOS, 2006, p. 39)
Entretanto, se a literatura destinada ao público adulto é considerada polêmica
“[…] uma vez que, ainda do ponto de vista social, cultural e do direito, muitas
reinvidicações gays não foram atendidas, tornando-os, nesse bojo discursivo,
sujeitos excêntricos, ‘expatriados’, deslocados sociais, rechaçados culturalmente.”
(SILVA, A., 2008, p. 42) por trazer tematicamente o homossexual como
protagonista que reinvidica uma identidade gay, não seria de esperar que, em se
tratando da literatura infantil, fosse diferente, se é destinada aos filhos de uma
sociedade culturalmente homofóbica.
[…] homofobia expressa-se pelo desprezo, pelo afastamento, pela
imposição do ridículo. Como se a homossexualidade fosse “contagiosa”,
cria-se uma grande resistência em demonstrar simpatia para com sujeitos
homossexuais: a aproximação pode ser interpretada como uma adesão a tal
prática ou identidade. O resultado é, muitas vezes, o que Peter McLaren
(1995) chamou de um apartheid sexual, isto é, uma segregação que é
promovida tanto por aqueles que querem se afastar dos/das homossexuais
como pelos/as próprios/as. (LOURO, 2007 b, p. 29)
Do mesmo modo como a homoafetividade normalmente é discriminada pela
sociedade, a literatura infantil com temática homoafetiva também o é. Alguns pais,
professores, representantes das mais variadas religiões, como também alguns
escritores fazem parte desse grupo que não aceita ou não concorda com essa
temática na literatura destinada às crianças.
Nesse sentido, escritores como Georgina da Costa Martins, que escreveu O
menino que brincava de ser, não “admite” que a homoafetividade possa estar
presente (metaforicamente) em suas obras. Pelo menos é o que podemos constatar
no fragmento de uma entrevista concedida por esta escritora a Cayres (2008, p.1):
Eu ainda não li os contos, apenas fiquei sabendo da polêmica. Eu tenho um
livro chamado O menino que brincava de ser, que se trata de um garoto que
somente se identificava com personagens femininos. O livro, em momento
20
algum, abordou a questão da sexualidade, apenas se limitou em abranger a
questão do comportamento.
Existe uma tendência de instituições e indivíduos negarem ou tentarem
esconder da sociedade, e principalmente da criança, a sexualidade, sobretudo a
homoafetividade. Percebemos que há certo receio em relação à criação de obras
infantis que abordem a homoafetividade, e talvez certo temor, por parte de alguns
autores, de que suas obras, quando analisadas, sejam rotuladas de homoafetivas.
Nessa linha de pensamento, Britzman (apud LOUROa, 2007, p. 138) chama a
atenção para uma série de atitudes e comportamentos.
[…] Segundo ela, muitas pessoas têm medo de que a “mera menção da
homossexualidade encorajar práticas homossexuais e fazer com que
os/as jovens se juntem às comunidades gays e lésbicas”. Instala-se, assim,
a preocupação de que ocorra um “recrutamento de jovens inocentes”.
Alguns estudiosos dessa temática na literatura infantil vêm analisando essas
obras e apontando eventuais “índices” espalhados pelo texto, que possibilitam a
interpretação e percepção da presença de metáforas que se referem à
homoafetividade, e ainda vários símbolos presentes as vezes até mais de um
numa mesma narrativa que representam a homoafetividade: “[…] se a leitura da
homossexualidade num texto, enquanto conteúdo (latente) ou estilo, é, pois, uma
construção do discurso, trata-se de uma construção que deriva, nesse caso, não do
autor, mas do crítico” (BARCELLOS apud ALLEN, 2006, p. 42) Não é apenas o
comportamento de um determinado personagem, nem o que o autor acha de sua
obra, que vai definir “do que realmente” trata a narrativa. Até porque a obra, quando
publicada, o autor perde o controle sobre a obra e esta fica vulnerável às mais
variadas interpretações e ainda a própria narrativa autoriza as mais variadas
interpretações.
Uma das questões mais interessantes colocadas pelos estudos atuais sobre
literatura e homoerotismo diz respeito às perspectivas críticas passíveis de
serem assumidas, de maneira produtiva e coerente, na abordagem
daqueles textos literários que, apesar de não tematizarem explicitamente
relações, desejos ou identidades homoeróticas, poderiam ser tidos, por
alguma razão ponderável, como estando relacionados ao homoerotismo e
às experiências de vida por ele suscitadas. Essa questão, como se percebe
facilmente, levanta problemas teóricos e metodológicos muito complexos e
de extrema relevância para a hermenêutica literária e para a teoria da
literatura, em geral. Um bom exemplo dessa problemática podemos
encontrar, curiosamente, na literatura infantil: em que medida se poderia ver
21
na diferença, solidão e marginalidade de vários dos heróis de Andersen,
como o Soldadinho de Chumbo, o Patinho Feio ou a Pequena Sereia, um
caso de transfiguração literária do homoerotismo e, em particular, do
processo de tomada de consciência por parte da criança homoeroticamente
inclinada de sua alteridade frente a sociedade heteropatriarcal?
(BARCELLOS, 2006, p. 362)
As falas dos personagens, a utilização de objetos com características licas,
cores e símbolos que podem representar a homoafetividade, o “falar fino”, o
preconceito (moral, físico e social que coloca em questão a sexualidade) sofrido pelo
personagem masculino, enfim, são vários indicadores da ausência de
masculinidade.
Na cultura brasileira, por exemplo, o falar fino para o homem ainda é um
sinal de pouca masculinidade, pouca virilidade. […] Este não é o único
critério que ainda determina a visão negativa do gay nos espaços da cultura
[…] Um outro marcador visível ou material que aloca o sujeito na Ordem dos
homens é o trejeito adotado, principalmente quando este vem
acompanhado de uma indumentária que reforça o “estereótipo” negativo e
de conhecimento do senso-comum. Quando a voz e trejeito físico são
somados num mesmo sujeito, a resposta mais lógica, nesse contexto
específico, é a de que se trata de um homossexual, portanto, distante do
lugar do homem (heterossexual) e próximo do lugar da mulher pela
efeminação.” (SILVA A., 2007b, p.125)
De alguma ou várias formas, narrativas consideradas homoafetivas acabam
dando sinais para, senão confirmar, abrir espaço para discussões voltadas para o
diferente sexual na literatura infantil. “Em algumas leituras de obras tanto infantis
quanto juvenis não se tem a apreensão da temática num primeiro momento,
devendo haver um segundo ou terceiro para se tentar desvendar os supostos
significados do texto.” (SILVA L., 2008, p. 162) A percepção desses significados,
pelo analista, que mostra como essas representações acontecem na literatura
infantil, garante que obras que tenham a intenção de fazer surgir um novo discurso a
favor do “diferente” sexual sejam apresentadas e discutidas coletivamente.
Essa tendência de discutir a homossexualidade via representação literária
parece ser um grande recurso ou tendência contemporânea, uma vez que
se percebeu, nos estudos sobre a infância, ser menos traumática a inserção
de determinados conteúdos em faixas etárias antes não “predispostas”,
segundo o discurso vigente, para tal recepção. (SILVA, 2007b, p.127)
A literatura infantil vem propondo reflexão e recriação da sociedade como um
todo. Isso porque a criança não é um receptor passivo das temáticas que são
tratadas nas obras destinadas a esse público; caso fosse, os estratos sociais
22
mantenedores das escolas modelos não se preocupariam em produzir obras para
crianças que as ajudassem a perpetuar e legitimizar a sua posição social, assim
como o discurso heterossexual.
A literatura, por ser considerada representação ou reconstrução da realidade,
como aponta Aristóteles em sua obra Arte Poética, não poderia ser diferente. Se o
texto literário vai além da temática enquanto fornecimento de informação, além de
tantas outras possibilidades, ele permite que o leitor vivencie situações existenciais.
De acordo com Faria (2005), é através da identificação com os temas tratados e
com os personagens que o leitor pode afirmar sua personalidade, formular
julgamentos éticos, assim como comparar, a partir da leitura, as experiências e/ou
questionamentos pessoais do mundo real com o ficcional.
Trazer a temática da homoafetividade para a literatura infantil é um passo
bastante ousado e necessário. Ousado porque, numa sociedade heterossexual,
normalmente os pais não aceitam que esse tipo de temática seja apresentado aos
seus filhos, principalmente por considerarem que estas obras podem influenciar na
escolha sexual deles, contribuindo com uma possível formação de uma identidade
“indesejada” pela sociedade dominante; e necessário porque é uma das formas de
iniciarmos, desde a mais tenra infância, um combate às discriminações que os
homoafetivos vêm sofrendo histórica e culturalmente na sociedade.
Nesse sentido,
A identidade não faz referência apenas ao mundo, porém à forma como vive
o ser humano na sua maneira de idear e de manipular o seu mundo
histórico e, também, o modo como ele constrói sua projeção introspectiva e
estética do mundo. A maneira de buscar uma compreensão fundamentada
em mitos reflete já a construção intelectual do mundo a partir de constructos
arquétipos justificantes do modo de refletir a sua cosmovisão. (SIDEKUM,
2008, p. 266)
A questão da identidade na literatura infantil possibilita ao leitor a percepção
de vários mundos, várias culturas e subculturas. Essa interação texto/leitor e
ficção/realidade, em diferentes vozes narrativas, ajuda a criança a perceber a
diversidade. Uma das funções do gênero literário infantil é poder proporcionar a
criança a se reconhecer no texto, e traçar caminhos que ajudem na
formação/identificação de sua identidade ou de suas identidades, assim como a
identidade e identidades do Outro.
23
Várias são as funções dessa literatura para a formação da criança. Construir
valores, atuar sobre a consciência psíquica, estimular a imaginação e o gosto
artístico são algumas delas e, conhecê-las, assim como a sua natureza (literatura
infantil) e importância dos temas que comprometem as relações entre os diferentes
indivíduos é passo importante para ajudar na análise de obras infantis que abordam
as diferenças e, é claro, as diferenças sexuais, identidades de gênero.
24
CAPÍTULO 2 – A LITERATURA INFANTIL: NATUREZA, FUNÇÕES E TEMAS
2.1 – UM BREVE HISTÓRICO DO SÉCULO XX À CONTEMPORANEIDADE
O século XX foi considerado o século da criança devido a todas as ciências
se voltarem para a investigação do desenvolvimento físico, cognitivo e emocional
infantil. Foi na segunda metade deste século, principalmente, que houve um
aumento significativo de obras literárias marcadas pela inserção na construção
narrativo-poética de temáticas voltadas para novas e intensas abordagens de grupos
até então marginalizados na literatura infantil, como o homossexual. Ou seja,
inserem-se personagens não muito comuns nesse gênero literário.
Esse momento se caracteriza também pelo aperfeiçoamento e maior
facilidade de divulgação das idéias, inclusive em áreas como a pedagogia e a
psicologia infantil, especialmente no que estava relacionado às etapas de
desenvolvimento da criança (MANACORDA, 2002). Consequentemente as editoras
passam exigir e os autores a produzir obras que atendam às necessidades
desse público, respeitando o novo ideário nascido neste período. (SALEM, 1970)
As críticas que surgiram neste século contrárias aos programas tradicionais
de ensino, principalmente a partir da Escola Nova, provocaram o (re)surgimento, em
grande escala, das obras clássicas como os contos, as fábulas e as ficções de
séculos anteriores, mas, fazendo-se adaptações especiais para crianças, inclusive
com a indicação das faixas etárias a que o texto se adequa.
[…] Na fase do mito se encontram as crianças de 3/4 a 7/8 anos. Predomina
nelas a fantasia, o animismo: tanto quanto as pessoas, os objetos têm para
a criança alma, reações. […] Os contos de fadas, as lendas, os mitos e as
fábulas são especialmente adequados a essa idade.
[…] A segunda fase (7/8 a 11/12 anos) se caracteriza pelo conhecimento da
realidade. A criança tem então maior necessidade de ação: do plano
contemplativo da fase anterior, passa ao executivo. Interessa-se pela
experiência do homem e da ciência. Valoriza o esforço pessoal, o engenho
do herói para vencer os obstáculos. (CUNHA, 1984, p. 78)
A literatura infantil se divide para atender às fases da infância, transformando-
se em um instrumento importante para a educação, e “[…] não como instrumento
de formação conceitual, mas também de emancipação da manipulação da
sociedade” (CADERMATORI, 1986, p. 23) capaz de ajudar na formação da
25
personalidade da criança, pois além de recrear, ela instrui. Toda essa inovação da
literatura infantil, neste século, se dá devido a avanços, descobertas e atenções das
ciências, principalmente da psicologia, voltadas para a criança.
E o livro infantil, passa a ser escrito, procurando preencher essas condições
impostas pela educação renovada, procurando desenvolver, desabrochar a
personalidade infantil, inculcando-lhe bons ensinamentos, magníficos
exemplos e procurando fazer dessa criança, um homem de valor. (SALEM,
1970, p. 49)
Podemos perceber, a partir desse contexto, que a literatura infantil, ao
dialogar com a pedagogia e com a psicologia, inspirando-se em Freud, Piaget,
Vygotsky, entre outros, (o que gera uma quebra de paradigmas e de modelos
tradicionais de ensino), acaba criando uma atmosfera de maior diálogo entre as
ciências e o gênero literário infantil. Os escritores passam, pois, buscar os
conhecimentos tanto das ciências que tratam do desenvolvimento cognitivo,
sensório e motor quanto das ciências que tratam das relações, do sentimento, do
sagrado, da cultura, para enriquecer e ampliar as temáticas e discussões nas obras
literárias.
Interagindo com outras áreas do conhecimento, a literatura infantil, enquanto
meio de comunicação, utiliza-se de uma linguagem simbólica, lúdica e prazerosa, e
ao mesmo tempo mais simples, para abordar questões sociais, que geralmente são
difíceis de serem apresentadas às crianças de forma realista. Com isso, representa
uma ajuda significativa para o desenvolvimento da personalidade da criança
enquanto indivíduo social. (CARVALHO, 2004).
A escola uma das principais instituições formadora, sendo responsável pela
sociabilização da criança e que trabalha com um público que vai aos poucos “[…] se
tornando quem é e em quem se transforma, como um ator ativo e progressivamente
consciente de suas interações com outros, dentro de momentos, de situações, de
cenários e de cenas socioculturais” (BRANDÃO, 2002, p. 196) tem a
responsabilidade (ou pelo menos deveria ter) de desconstruir o discurso dominante
presente, pejorativamente, nas falas das crianças, em relação a grupos
marginalizados, como o dos sujeitos homoafetivos, normalmente reflexo do discurso
dos adultos, discurso que posteriormente torna-se ação discriminatória.
A instituição de ensino, quando consciente de que proporciona à criança sua
formação e sociabilização, poderia tornar-se um dos principais instrumentos para a
26
minimização das discriminações tão persistentes e comuns na nossa sociedade. As
escolas, “[…] deveriam proporcionar atividades, exercícios e processos de
conscientização que permitissem que as estudantes e os estudantes mudassem
suas atitudes.” (SILVA, 2000, p. 98) inclusive utilizando-se também da literatura
infantil com temáticas que tratam dos grupos marginalizados, como os homoafetivos,
em busca da alteridade, para tentar ajudar na construção da conscientização do
respeito ao diferente sexual.
A importância de tratar um pouco mais da escola deve-se a que esta tem sido
a principal responsável pelo crescimento e amadurecimento da literatura infantil,
posto que se trata do local mais indicado para iniciar a circulação de uma literatura
que aborda a homoafetividade, e ainda, um espaço capaz de trabalhar o respeito e a
tolerância ao diferente sexual desde a formação inicial e básica do seu público.
Sabemos que, para isso acontecer, faz-se necessário que os profissionais da
educação tenham uma nova e significativa formação, em relação a essas narrativas,
a fim de que consigam, além de se conscientizarem, conscientizar a comunidade
escolar da necessidade de discutir esta temática no contexto infantil. Para intentar
essa atividade, urge que a escola também tenha acesso a essas narrativas, e que
sejam oportunizados momentos de discussão sobre essa temática com vistas a que
se possa dar um sentido real à utilização dessas narrativas na escola.
A literatura infantil sempre esteve associada à educação, logo a leitura do
livro infantil de temática homoafetiva, proporcionada na fase inicial de ensino,
atenderia a necessidade de começar a compreender desde a infância os problemas
que afetam os diferentes sexuais, isso porque entendemos que a escola pode ser
estimuladora e divulgadora dessa temática no universo infantil, bem como na
sociedade.
A analise de obras com temáticas homoafetivas, como propõem, por exemplo,
os engajados nos Estudos Culturais, além de ajudar na divulgação dessas obras,
serve para “[…] subverter, desmascarar, contestar, des-legitimizar, intervir,
combater” (RUPER apud COLLINI, 2002, p. 291) as discriminações que esse grupo
vem sofrendo ainda na contemporaneidade. A produção dessa literatura visa
propiciar à criança uma formação capaz de torná-la um ser humano de valor, como
defendem os Estudos Culturais. As obras procuram contribuir para o
desenvolvimento das capacidades intelectuais do indivíduo, direcionando-o para a
27
construção da alteridade, explorando questões que possibilitem esse processo de
interpretação positiva, tolerância ou aceitação do Outro.
Essa nova tendência de educação voltada para o humano, o contato com o
Outro e o respeito por este que já vem se estabelecendo desde Dewey
5
(1859-1952)
e outros defensores, exige um novo modelo de escola, que se torne um espaço
capaz de desenvolver a socialização através de mecanismos vários na busca de
melhorar as relações sociais entre indivíduos heterossexuais e homossexuais no
seu ambiente, através da (re)construção e reflexão sobre papéis de gênero na
sociedade e orientação sexual dos seus sujeitos.
Evidentemente, desde a infância a leitura possui um papel fundamental na
construção de si mesmo. Mas, nos jovens atuais, seu efeito pode ser ainda
mais importante: a leitura converte-se num momento de (re)construir-se, de
experimentar, pela primeira vez, de forma mais ou menos consciente, as
coisas que nos afetam (sexualidade, amor, trabalho, família…) e que dão
sentido à existência. (RÊGO, 2004, p. 244)
É verdade que a função principal da literatura infantil ainda seja pensada
principalmente na formação pedagógica
6
do indivíduo, porém, o que difere é o tipo
(novo) de indivíduo que ela pretende formar, ou melhor, estimular para formar.
Segundo Zilberman (2003), a literatura é um suporte para a experimentação do
mundo exterior, o qual preenche de maneira particular e sistemática a realidade que
a criança não pode perceber sozinha, e ainda possibilita o alargamento de seu
domínio lingüístico, compreensão do fictício:
[…] a literatura infantil contraria o caráter pedagógico antes referido,
compreensível com o exame da perspectiva da criança e o significado que o
gênero pode ter para ela. Sua atuação dá-se dentro de uma faixa de
conhecimento, não porque transmite informações e ensinamentos morais,
mas porque pode outorgar ao leitor a possibilidade de desdobramento de
suas capacidades intelectuais. (ZILBERMAN, 2003, p.46)
Quando a literatura infantil aborda a temática da homoafetividade imaginamos
que sua leitura ao indivíduo a oportunidade de perceber as diferenças sexuais
não apenas a partir de um discurso de uma sociedade culturalmente machista,
5
Para Dewey, a educação estimula o espírito de iniciativa e independência, o que leva à autonomia.
(QUEIROZ, 2003, p.85).
6
Entendemos a função pedagógica da literatura infantil como Palo & Oliveira (1986) abordam: implica
na ação educativa do livro sobre a criança dirigindo e orientando o uso das informações presentes no
texto, dificultando, junto com os agentes controladores (mercado editorias, escola, família), o poder
do leitor em decidir e escolher o que e como ler. (p. 13)
28
falocêntrica, patriarcal, cristã e homofóbica: a literatura viabiliza para a criança,
através de um olhar mais humano, a oportunidade de refletir sobre o discurso da
sociedade e a voz dada ao marginalizado no caso o homoafetivo na literatura,
uma vez que provoca a busca do conhecimento do mundo ou dos seus sentidos.
“Um mundo que o homem não consegue, pela razão, tornar familiar, a literatura
surge, pela imaginação, como um meio de compensar essas ‘rachaduras’
metafísicas e existenciais deixadas pelas práticas ‘racionais’, religiosas e políticas.”
(FILHO, 2000, p.36).
Marcado pela descentralização do sujeito, o século XX, segundo Hall (2005),
é formado por uma sociedade que está constantemente sendo “descentrada”. A
diferença e as variadas identidades do sujeito são uma realidade neste século. O
sujeito do século XX é percebido sem identidade fixa, essencial ou permanente.
Essa descentralização quebra os princípios que até aqui regiam soberanamente,
nas sociedades, como o patriarcalismo e o capitalismo, o que é percebido e refletido
nas obras infantis de temática homoafetivas que começam a ser produzidas neste
século.
Essas temáticas têm mais representatividade no século XXI. Mas no século
XX, na velocidade em que as teorias iam sendo divulgadas pelo mundo, as escolas,
e os movimentos que surgiram, ofereceram oportunidade de discussões sobre as
principais idéias que afloravam nessa época (identidade, sexualidade, etnia), numa
abrangência mundial, quebrando paradigmas, o que Hall (2003) coloca como
decisivo para a ruptura do antes com o depois e o agora, relacionado às questões
sobre gênero, sexualidade, poder, subjetividade e sujeito, social e inconsciente,
etnia, infância, entre outras questões que incomodavam principalmente os adeptos
dos estudos voltados para a cultura e suas ramificações.
Assim sendo, vários autores começaram a produzir obras que refletiam tais
inquietações que se tornaram a grande descoberta do período. Identidade,
sexualidade, gênero, a formação do eu no olhar do Outro passaram a ser uma
constante na literatura. Sabemos que essas questões vêm sendo algumas das
principais temáticas discutidas na contemporaneidade. As questões de gênero e
sexualidade, identidade e diferença tornaram-se alvo tanto das teorias educacionais
críticas quanto dos estudos voltados para a cultura, e acompanhando tal “explosão
29
discursiva”, a literatura infantil, pretendendo inserir a criança no contexto social
7
,
tornou-se canal “[…] expressivo de valores e de conceitos fundados sobre a
realidade social” (PALO & OLIVEIRA, 1986, p. 10), incluindo, pois, em suas obras
temáticas que perpassam a questão da homoafetividade.
2.2 – O SURGIMENTO DA TEMÁTICA HOMOAFETIVA NA LITERATURA INFANTIL
BRASILEIRA
Nos últimos anos, percebemos um grande impulso na produção do gênero
literário infantil que vem modificando a forma de representar indivíduos considerados
“diferentes” ou até mesmo inferiores: o negro, o homoafetivo, o idoso, o especial,
entre outros. São grupos que surgem na narrativa infantil por influência dos estudos
voltados para questões de identidade e diferença. Segundo Silva (2000), diferença e
identidade são dependentes entre si. A diferença é um produto derivado da
identidade e ambas são indeterminadas e instáveis, são um processo de produção
simbólica e discursiva; a identidade tornou-se, nos últimos anos, uma das questões
mais discutidas no mundo, e vem sendo tematizada também na literatura infantil.
Em se tratando de identidade e literatura infantil brasileira, o início da
discussão foi dado por Monteiro Lobato (apud COELHO, 1985), já na cada de 20,
a partir de suas histórias que começavam a “falar para” a criança, diferenciando-se
de histórias anteriores a esta década que estavam ainda preocupadas com a
formação exclusivamente, por exemplo, religiosa do indivíduo. Apesar de Lobato
ainda permanecer com o discurso religioso consegue ir além do que normalmente
era oferecido as crianças.
Nas narrativas e adaptações,
[…] Lobato atendeu a um duplo objetivo: por um lado levar, às crianças, o
conhecimento da tradição (com seus heróis reais ou fictícios, seus mitos,
conquistas da ciências etc.), acervo herdado que lhes caberá transformar;
e por outro lado questionar as verdades feitas, os valores e não valores
que o tempo cristalizou e que cabe ao presente redescobrir e renovar.
(COELHO, 1985, p. 189, grifo nosso)
7
Momento que vem se desenvolvendo desde 1975, “[…] a chamada ‘literatura realista para crianças’,
[…] Esse tipo de literatura pretende levar à criança assuntos até agora ‘malditos’, ou, pelo menos,
‘impróprios para menores’: a morte, o desquite, questões ecológicas e políticas – enfim, problemas de
nossa sociedade.” (CUNHA, 1984, p.79)
30
Entretanto, como fizemos referência anteriormente, foi a partir da segunda
metade do século XX que o gênero infantil passou, de maneira mais representativa,
a abordar temáticas que colocaram o sujeito como centro de suas representações. É
nesse mesmo período que as discussões no mundo sobre as identidades se
intensificam e a literatura infantil, acompanhando as idéias desse momento, passa a
abordar questões de identidade. Em resumo, de acordo com Yunes & Pondé (1988,
p. 79), foi a partir da cada de 70 que a literatura infantil, mais quantitativa e
significativamente
[…] partiu, pois, para apresentar personagens que subvertiam as normas de
comportamento vigentes e propunham uma ordem mais satisfatória para um
maior número de pessoas. […] os heróis infantis passaram a ser
contestadores e detonadores do conflito, revolucionando a ordem com as
soluções propostas.
A década de 70 foi importante para o amadurecimento do movimento literário
infantil. Durante esse período, a literatura infantil brasileira, através de um
movimento de renovação e alternativas para os modelos comportamentais
pedagógicos e moralizantes, tão difundidos pela literatura de décadas anteriores, fez
surgir vários escritores e escritoras que, acompanhando essa renovação, trouxeram
para o contexto infantil uma literatura inquietadora e questionadora, pondo “[…] em
causa as relações convencionais existentes entre a criança e o mundo em que ela
vive; questionando também os valores sobre os quais nossa Sociedade está
assentada.” (COELHO, 1985, p. 214)
Várias autoras consagradas no gênero literário infantil como Lygia Bojunga
Nunes, Ana Maria Machado, Mirna Pinsky, desde o final da década de 70, vêm
abordando em suas obras temáticas que tratam de questões identitárias. A Bolsa
Amarela (1976), Angélica (1988), Bem do seu tamanho (1979), Bento que Bento é o
frade (1983) e na garganta (1991), são algumas dessas obras nas quais a
personagem/criança vai em busca de explicações que ajudam a compreender o eu e
o Outro porque tratam de identidades perdidas e/ou descentradas.
A partir desse contexto, a literatura infantil passou a ser alvo de discussões e
objeto de estudo na contemporaneidade, principalmente nas academias, justamente
por estar, tematicamente, incorporando ao seu modo de fazer as novas
problematizações que as sociedades vêm discutindo, inclusive as que são propostas
31
nas literaturas destinadas ao público adulto, diferenciando-se pelo uso de uma
linguagem acessível à criança. Além de não perder de vista o encantamento tão
necessário para trazer a criança para o mundo literário, esta literatura passa a
contribuir na (re)construção de identidades marcadas pela discriminação sofrida de
vários grupos marginalizados, entre estes o homoafetivo. O papel da literatura
infantil, nesse sentido é:
[…] resgatar a história, de caminhar pela metaficção historiográfica,
trazendo os discursos dos excluídos e esquecidos. Tem sido capaz de
caminhar pela diversidade étnica e cultural brasileira, dando espaço para a
criança imaginar e construir sua subjetividade, lidar com a afetividade,
recuperar a esperança e a alegria. A literatura brasileira para crianças
conta da complexidade desse universo e nisso residem à especificidade e a
grandeza do gênero. (TURCHI, 2004, p. 43)
É a partir do final do século XX que obras como: O passarinho vermelho, de
Milton Camargo (1980), O peixe e o pássaro, de Bartolomeu Queiroz (1991), É
proibido miar, de Pedro Bandeira (1995), O gato que gostava de cenoura, de Rubem
Alves (1999) e O menino que brincava de ser, de Georgina Martins (2000) trazem a
temática do diferente sexual direta ou indiretamente para o mundo infantil
desestabilizando o discurso heterossexual em relação ao “diferente” tão presente
nas sociedades.
A literatura infantil, quando busca representar problemas que afetam ou
interferem no indivíduo/sociedade, através de questões relacionadas à
homoafetividade, torna-se um instrumento capaz de educar á criança direcionando-a
para entender a diferença sem o peso da opressão e do desrespeito.
Todavia o diferencial que marca a literatura infanto-juvenil clássica da
contemporânea é a abertura ao novo, aos diferentes que as sociedades de
hoje se permitiram. Se antes as normas de conduta e vivências eram
limitadas, vigiadas e punidas, hoje outras normas vigentes que regulam
com mais tolerância o corpo, a sexualidade, o ponto de vista, a moda, a
professada, a profissão abraçada, os modelos de família. (SILVA, 2007b,
p.123)
A identidade quando questionada no contexto das narrativas literárias infantis,
dá ao leitor a oportunidade de perceber as várias identidades assumidas pelos
personagens, inclusive identidades de gênero e sexual. Se a identidade ou as
identidades são transformadas continuamente, influenciadas pelos sistemas
culturais aos quais estamos inseridos, essa influência para a transformação de
32
identidades “normais” quando não acontece dentro dos padrões eleitos
culturalmente, como a identidade heterossexual, é discriminada e sua diferença é
acentuada, o que pode ser percebido nas narrativas infantis O gato que gostava de
cenoura, O menino que brincava de ser e O passarinho vermelho que tratam de
identidade e diferença através de preconceitos sofridos por seus protagonistas.
Por conseguinte, a literatura infantil passa a discutir temáticas que focalizam o
que são considerados problemas que comprometem as relações sociais entre os
indivíduos, interpretados como normais (heterossexuais) e/ou grupos marginalizados
(homossexuais), por serem instituídos devido à força discursiva do masculino sobre
os mesmos. O modo como essas questões polemizadoras são abordadas na
literatura infantil aqui tomada como corpo de análise é o assunto do capítulo a
seguir.
33
CAPÍTULO 3 A REPRESENTAÇÃO DO HOMOAFETIVO NAS OBRAS O
PASSARINHO VERMELHO, O MENINO QUE BRINCAVA DE SER E O GATO
QUE GOSTAVA DE CENOURA
3.1 – RESUMO DAS OBRAS
O gato que gostava de cenoura (ALVES,1999) conta a história de Gulliver, um
gato que adorava comer cenouras e odiava as comidas preferidas dos felinos.
Devido ao seu gosto vegetariano, sofre discriminações de três instituições cio-
culturais consideradas as primeiras e principais responsáveis pela formação inicial
do indivíduo: a família, a religião e a escola. Na família, os seus pais compreendiam
esse comportamento do filho como algo doentio; na escola, era considerado pelos
colegas como um coelho; e na religião, um grande pecador. depois de muitos
anos de sofrimento e conflito de identidade, já que foi pressionado, pelas três
instâncias culturais, para mudar o seu comportamento “desviado”, Gulliver, através
de um professor, aceita-se como é.
Em O menino que brincava de ser (MARTINS, 2000), Dudu, o protagonista da
história (com apenas seis anos), por gostar de brincar de ser, e de ser
principalmente do sexo oposto, algo que não é considerado “normal pela sociedade
heterossexual e homofóbica, sofre, apanha, e é considerado pelos pais e avós
paternos um doente. Ao ficar sabendo por uma colega que, se passasse por debaixo
34
de um arco-íris, três vezes, poderia tornar-se menina, decidiu pedir ajuda a sua avó
materna nessa busca e transformação, e esta é, na narrativa, quem o ajuda no
processo de construção de sua provável orientação identitária. Mas antes de ir ao
encontro do arco-íris, ela o leva para assistir a uma peça teatral, e ele descobre
que o ator pode ser qualquer “coisa”, inclusive mulher, sem ser discriminado por
ninguém, e quando estava prestes a passar pelo arco-íris, desiste. Admite que quer
ser ator, pedindo para sua avó ajudá-lo a convencer a família a aceitá-lo como é.
Por último, O Passarinho Vermelho (CAMARGO, 1980), publicado pela
primeira vez em 1980 na Coleção da Série Lagarta Pintada, conta a história de um
passarinho que, insatisfeito por saber que as “pássaras” botam ovos, resolve ter
um filho “sem a presença de uma fêmea”. Vai embora de casa, constrói um ninho,
encontra um ovo perdido no chão, e com a ajuda do sol, choca o ovo e “tem o seu
filho”.
35
3.2 – A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PERSONAGEM HOMOAFETIVO
A diferença e o preconceito são os focos principais das três narrativas
8
em
análise: O gato que gostava de cenoura, O menino que brincava de ser e O
passarinho vermelho. O tema do preconceito é apresentado a partir dos conflitos
uns mais acentuados que outros vividos pelos protagonistas, que sofrem por não
se enquadrarem nos padrões heterossexuais, como é o caso das obras O gato que
gostava de cenoura e O menino que brincava de ser. Os personagens Gulliver e
Dudu, embora machos, são considerados diferentes por o gostarem das mesmas
coisas que os machos de suas espécies normalmente gostam.
Gulliver, contrariando o gosto natural da espécie adora cenouras, odeia caçar
e comer animais, e ao descobrir esse gosto, o pai, quase “morre do coração”. O
mesmo estranhamento é causado no pai de Dudu, que o chama de “mulherzinha”
porque este adora brincar de ser bruxa, acorda com uma vontade de ser menina de
verdade, não gosta de futebol, prefere bolas coloridas. Apesar de não haver o
preconceito propriamente dito ou explícito através de uma prática discursiva contra o
personagem em O Passarinho Vermelho
9
, o protagonista decide ir embora do lar
materno, para tentar realizar o seu sonho, qual seja, ter um filho. Sua mãe, o único
parente que aparece na narrativa, permanece alheia ao fato.
Como podemos observar, a negação à homoafetividade nas narrativas é
percebida a partir da o aceitação dos comportamentos, vontades e desejos dos
protagonistas, considerados por outros personagens como comportamentos não
heterossexuais e/ou patológicos.
1º) Seus pais não desanimaram. Tinha de haver a cura. (OGGC, p. 12)
2º) O doutor Psicólogo e o doutor Psiquiatra não entendem de nada.
Vamos levá-lo no doutor Endocrinologista. É ele quem sabe tratar dessas
doenças. (OMBS, p. 56)
O termo “cura” remete ao estado ‘doente’, no exemplo; e “doutor” e
“doença”, no exemplo confirmam também essa idéia. Tanto na obra O gato que
8
Para nos referirmos as obras no decorrer da análise, utilizaremos a abreviação seguida da gina
de onde foi retirado o fragmento. Vejamos: OGGC O gato que gostava de cenoura; OMBS O
menino que brincava de ser;OPV – O passarinho vermelho.
9
A numeração da obra OPV foi feita a partir da capa por ela não conter numeração.
36
gostava de cenoura quanto em O menino que brincava de ser a tendência
homoafetiva dos personagens centrais é percebida como doença, distúrbio, pecado
visão que a sociedade dominante patriarcal ainda tem em relação ao homoafetivo
como dito no primeiro capítulo o que reforça um preconceito construído nas bases
das ciências e da religião, enfim da heterossexualidade, ocasionando problemas de
identidade de gênero e sexual nos personagens.
Nestas obras, o conflito se revela através da exclusão e o isolamento dos
protagonistas, ocorrido porque os pais e outros personagens entendem que os
comportamentos e as atitudes deles (os protagonistas), não condizem com os dos
machos de suas espécies.
Os pais de Gulliver e de Dudu fazem de tudo para que seus filhos não
assumam comportamentos que, para eles, estão mais próximos do comportamento
da mea. sem dúvida alguma, várias tentativas de pais angustiados com a
preferência dos filhos de orientá-los heterossexualmente, de moldá-los à norma
visando à construção de uma identidade masculina.
A normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se
manifesta no campo da identidade e diferença. […] Normalizar significa
atribuir a essa identidade todas as características positivas possíveis, em
relação às quais as outras identidades podem ser avaliadas de forma
negativa. A identidade norma é “natural”, desejável, única. (SILVA, 2000, p.
83)
No caso de Gulliver, o narrador nos diz que os seus pais colocaram o nome
de um gigante “[…] porque sonhavam que ele seria um gato enorme, forte, valente,
caçador.” (OGGC, p. 6); ele deixa subtendido que, mesmo antes de nascer, a
escolha de um nome que representa virilidade inicia a construção de uma
identidade heterossexual, o que acaba não acontecendo com Gulliver,
decepcionando, portanto, seus pais.
O filho, que em seus sonhos deveria se parecer com um tigre, na realidade,
parecia mais com um coelho. Voltou para casa. E ali, ele e a gata, sua
mulher, choraram amargamente. (OGGC, p. 8)
O narrador logo no início da história informa que “[…] Gulliver era um gato
diferente”. (OGGC, p. 6) e que seus pais “[…] ignoravam que Gulliver comia
escondido, comia uma comida proibida, […] Já imaginaram? Um gato comendo
cenoura como se fosse um coelho?” (OGGC, p. 6). Os pais se desesperam quando
37
descobrem que o lugar social ocupado por Gulliver se distancia do lugar do “homem”
e se aproxima do lugar da mulher, pela efeminação.
Em O menino que brincava de ser também encontramos tentativas de orientar
Dudu heterossexualmente: a) na escola, quando uma colega diz que “[…] homens
não podem ser bruxas!” (OMBS, p.04); b) na família, através de sua mãe, que diz
que ele não pode ser menina, porque ele nasceu igual ao pai e também dos avós
paternos que discrimina o comportamento do neto; c) e do seu pai que, na tentativa
de orientá-lo heterossexualmente, faz a matrícula de Dudu em uma escola de
futebol; leva-o para comprar uma bola dizendo que ele “[…] está precisando é de
brinquedos de homem” (OMBS, p. 20); acha que o problema pode estar nas
amizades e pensa em trocá-lo de escola; ameaça bater nele, se ele não jogasse
futebol e não obedecesse ao treinador o qual tinha recebido orientações para
transformá-lo em um grande jogador, coloca-o de castigo por duas semanas porque
estava fantasiado de mulher (neste momento, agride-o várias vezes, verbalmente,
chamando-o de mulherzinha).
As três obras citadas colocam em questão a construção das identidades de
gênero e sexual, mais especificamente a identidade masculina (homem/macho).
Devido aos protagonistas terem pouca idade se encontram em um processo natural
da construção de suas identidades.
Essas narrativas trazem as instituições ou “campos sociais”, como também o
sujeito adulto, para contribuir, interferir, construir e (re)construir as identidades,
enfim, tentar garantir que estas sejam formadas e construídas nas bases da
heterossexualidade (negação da homossexualidade). “Ao classificar os sujeitos, toda
a sociedade estabelece divisões e atribui rótulos que pretendem fixar as identidades.
Ela define, separa e, de formas sutis ou violentas, também distingue e discrimina.”
(LOURO, 2007b, p. 11)
As instituições sociais apresentadas pelos narradores das obras, objeto de
estudo deste trabalho, são sistemas que acabam (re)produzindo, de alguma forma, a
exclusão, marcam a diferença e tentam impor a heterossexualidade. Podemos
perceber, em alguns trechos das narrativas, a força exercida pelas instituições
sócioculturais sobre os protagonistas Gulliver, Dudu e o Passarinho Vermelho, tanto
que, na tentativa de orientá-los heterossexualmente, os familiares, e o próprio meio
onde estão inseridos, acabam influenciando nos seus comportamentos, em suas
38
decisões ou no seu modo de viver socialmente, como podemos perceber nos
trechos abaixo:
Pois era isso que ele fazia, tomando todos os cuidados para que
ninguém o visse. Se alguém o visse, estaria perdido! Todos ririam dele, um
gato que tem o gosto dos coelhos… (OGGC, p.8, grifo nosso)
– E aí? Tá com medo de ser menina?
Dudu ficou pensando, pensando, pensando
– Vó, você me ajuda a falar com o meu pai?
– Que você virou menina? (OMBS, p. 72, grifo nosso)
Como a árvore era muito alta, o Passarinho Vermelho não tinha outros
pássaros com quem conversar. (OPV, p. 10, grifo nosso)
As suas vontades, desejos e sonhos, por não estarem de acordo com a
norma heterossexual, serão realizados/vivenciados, conflituosamente ou em
momentos e lugares específicos, e ainda isoladamente, o que reafirmar, além da
exclusão e do preconceito sofrido promovido pelo Outro e suas instituições sociais, a
não fixidez da identidade dos personagens, alterando suas decisões e sua própria
formação identitária.
Mandaram que Gulliver conversasse com um padre […] E ordenou que
Gulliver, como penitência, comesse dois ratos. (OGGC, p.10)
Dudu, é aqui. É passar três vezes embaixo dele e desejar ser menina.
Eu não sei se vai dar certo, a minha amiga também não sabe, mas se você
quiser tentar…
Vó, você perguntou a ela se eu posso virar menino outra vez se eu
quiser? (OMBS, p.70)
O Passarinho Vermelho não ficou contente com as duas respostas, e
começou a imaginar uma maneira para ter um filho.
Avistou uma árvore muito bonita, a mais alta de todas.
– Primeiro vou construir o meu ninho naquela árvore. (OPV, p. 10-11)
Vejamos, Gulliver (OGGC) tinha comportamentos e atitudes diferentes,
dependendo do lugar onde ele se encontrava. Ele não queria que ninguém
descobrisse o seu gosto por cenouras, e as comia quando estava totalmente só,
este era o seu maior segredo. No caso de Dudu (OMBS), apesar dele ser uma
criança que não tinha vergonha de demonstrar uma vontade de ser menina, não
desprezava ser menino; e no caso do Passarinho Vermelho, que simplesmente vai
embora, sozinho, em busca da realização do seu sonho? Ele não poderia arriscar ter
39
um filho sem a presença de uma fêmea no ambiente onde vivia. Era muito mais fácil
para ele fugir desse ambiente construído na base da heterossexualidade.
A família, a igreja, a escola, o esferas, nas narrativas, que garantem essa
influência significativa na vida dos personagens. É dentro dessas instituições que a
diferença, a busca de identidade, enfim, as vidas, as concepções de mundo e a
visão em relação ao Outro dos personagens vão sendo construídas, (re)construídas
e desestabilizadas.
Segundo Roudinesco (2000), a nossa sociedade é depressiva. O indivíduo
não reflete sobre a origem de sua infelicidade e não sabe lidar com a sua própria
liberdade conquistada, gerando certa individualidade, o que não o ajuda para afirmar
sua “verdadeira” diferença ou sua identidade, “[…] dando a si mesmo a ilusão de
uma liberdade irrestrita, de uma independência sem desejo e de uma historicidade
sem história.(ROUDINESCO, 2000 p.14). A sociedade democrática moderna vem
banindo “[…] de seu horizonte a realidade do infortúnio, da morte e da violência, ao
mesmo tempo procurando integrar num sistema único as diferenças e as
resistências.” (ROUDINESCO, 2000, p. 16)
Seu único desejo era não ter vergonha. Seu único desejo era que os outros
deixassem que ele fosse o que era: um gato que gostava de cenouras!
(OGGC, p.18)
Teve um dia em que Dudu acordou com uma vontade enorme de brincar de
ser de verdade.
– como assim, Dudu?
– Mãe, eu queria ser uma menina! (OMBS, p. 6)
Que pena disse o Passarinho Vermelho, eu queria tanto ter um filho, para
poder brincar com ele, voar junto com ele, como a minha mãe fazia comigo.
(OPV, p.14)
Os três personagens, por terem consciência de estar contrariando a ordem,
apesar de não a aceitarem, procuram se esconder, fugir, ajustarem-se a ela de
alguma forma, chegando até isolar-se. “E ordenou que Gulliver, como penitência,
comesse dois ratos. Ele obedeceu. Ele era obediente.(OGGC, p.12, grifo nosso)
Gulliver, mesmo contrariando a ordem sagrada, obedece; Dudu desiste de ser
menina o que pode ter ocorrido devido à forte “cobrança” dos seus pais e avós
paternos e pede a avó (materna) para ajudá-lo a falar com o seu pai para aceitá-lo
como é. “– Vó, acho que eu quero continuar sendo eu. Não quero mais virar
40
menina pra sempre.” (OMBS, p. 76, grifo nosso) E o Passarinho Vermelho! Vai
para uma árvore tão alta que não tinha ninguém com quem conversar. (OPV, p.12)
O homoafetivo, para assumir a sua diferença, precisa romper com
sentimentos de inferioridade relacionados à identidade estereotipada do seu grupo.
Ele mesmo vai assimilando culturalmente desde criança os estereótipos e acaba
contribuindo também para a perpetuação desses sentimentos que “normalmente”
são homofóbicos. Ele, enquanto criança, antes de vivenciar a sexualidade
propriamente dita, é também um componente que faz perpetuar a discriminação ao
homoafetivo. Ele é um produto da cultura dominante, educado e moldado aos
padrões considerados “normais” pela sociedade e, por conseguinte, corrobora
sentimentos homofóbicos com relação ao homoafetivo.
ainda uma difícil barreira de sentido a superar: para que um/a jovem
possa vir a se reconhecer como homossexual, será preciso que ele/ela
consiga desvincular gay e lésbica dos significados a que aprendeu a
associá-los, ou seja, será preciso deixar de percebê-los como desvios,
patologias, formas não-naturais e ilegais de sexualidade. Como se
reconhecer em algo que se aprendeu a rejeitar e a desprezar? (LOURO,
2007, p. 83)
A formação do sujeito inicia-se a partir do nascimento. A criança é desde
pequena “induzida”, pela família, pela religião e pela escola, enfim pelas instituições
sócioculturais, a se tornar normalmente um sujeito heterossexual. Essa “indução”,
que é tão forte sobre os personagens aqui em foco, é o que acaba interferindo nas
suas escolhas pessoais, no modo de viver, enfim, de viver “bema sua “diferença”.
As sociedades patriarcais dos mais diversos períodos históricos articulam esforços
permanentes para construir uma imagem do ‘verdadeiro’ macho, forte, dominador,
que lhe serve de fundamento” (DAMATTA, 1997, p. 55)
O melhor período para que se consiga que o sujeito “torne-se” o que o seu
sexo (não essencialista) o define é enquanto criança. É nesse momento da
infância que qualquer “desvio” de conduta que compromete a norma é combatido,
um combate para eliminá-lo individual e socialmente.
O apagamento dessa identidade se em função das estratégias de poder
direcionadas para a afirmação de políticas em favor do reconhecimento da
diferença sexual e, por extensão, da construção e afirmação da
heteronormatividade pela negação ou inferiorização da homossexualidade.
(SILVA, A., 2008, p. 41)
41
Isso é o que acontece o tempo todo nas duas obras: O gato que gostava de
cenoura e O menino que brincava de ser. Gulliver e Dudu, nesse processo de
construção identitária, vivenciam toda uma cultura de combate ao “diferente”. Eles
são cobrados para serem iguais aos outros, na tentativa de serem moldados ao
padrão considerado “normal” e eliminar qualquer possibilidade de serem orientados
homossexualmente. Eles sofrem com essas cobranças tornando-se assim, em
alguns momentos, indecisos naquilo a que estão prontos a defender como sua
identidade de gênero/sexual.
Gulliver várias vezes tenta comer ratos na esperança de se tornar “normal”, e
assim, ser aceito por todos. Dudu, no último instante, desiste de ser menina. E se os
seus familiares tivessem razão? E se ele quisesse voltar a ser menino? Será que ele
queria ser menina ou queria ser menino que pudesse gostar das mesmas coisas que
as meninas gostam sem ser discriminado por isso?
O Passarinho Vermelho, sabendo que o que predominava onde vivia era o
discurso heterossexual, opta por “ter o seu filho” longe. A e e o Espantalho
afirmam que as pássaras botam ovos. Imaginou, talvez, que não poderia
encontrar apoio se optasse por “ter” esse filho onde vivia, sem a presença de uma
fêmea e partiu, ou melhor, se excluiu desse ambiente para tentar viver em um outro
lugar, onde, talvez, não houvesse problema quanto à sua decisão.
A possibilidade da efetivação do desejo passa pela necessidade de sair de
casa e, ao construir literalmente um outro lar, constroem-se também novas
perspectivas sociais, pois a personagem percebe quantos obstáculos terá
que enfrentar. […] remete-nos a uma relativa distância espacial do atual
lugar, o deslocamento, lembrando as considerações de Bhabha (1999), o
“partir para outro lugar” faz-se necessário. (SILVA, L., 2008, p. 369)
Quando os personagens tomam uma decisão que ultrapassa os padrões
eleitos socialmente, é difícil receberem apoio, e, normalmente, enfrentam suas
escolhas sozinhos. O Passarinho Vermelho, sabendo disso, optou por essa
condição, parte para um outro lugar na esperança de conseguir alguém que o
compreendesse e que pudesse compartilhar a vida que escolheu.
Sabemos que todo ser humano, quando nasce, depende do Outro, e essa
dependência pode ser considerada um processo de construção identitária, porque
tudo vem do Outro e de “[…] suas próprias identificações primárias vinculadas à
formação de seu ego ideal, instância e teórica, que adquire importância plena
42
através da retroatividade
10
.” (SLAVUTZKY, 1988, p. 88) O Passarinho Vermelho vai
em busca desse Outro na esperança de compartilhar os seus desejos e suas
vontades, de viver uma vida mais afetiva, que não era mais vivenciada no espaço
onde vivia. Ele queria ter um filho para fazer as mesmas coisas que a sua mãe não
fazia mais com ele. Ele sentia falta dessa relação afetiva com o Outro.
O Passarinho Vermelho, então, ficou feliz. Agora ele tinha com quem
brincar, com quem voar e com quem repartir as minhocas que pegava.
(OPV, p. 26)
As identidades são formadas/influenciadas a partir de instrumentos ou
instituições de domesticação dominante. Identidade e diferença são produzidas,
“Somos s que fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A
identidade e a diferença são criações sociais e culturais” (SILVA, 2000, p. 76). A
cultura aqui é percebida a partir da sua ampliação quando esta passa “[…] a incluir
um sentido descritivo dos meios e obras desse desenvolvimento: isto é, ‘cultura’
como uma classificação geral ‘das artes’, religião, e instituições e práticas de
significados e valores.” (WILLIAMS, 1976, p. 21).
A formação de identidades dos personagens construídas nas narrativas O
gato que gostava de cenoura, O menino que brincava de ser e O passarinho
vermelho, querendo ou não, fazem parte da influência das instâncias sócioculturais
que atingem direta e indiretamente essa construção identitária, e estas instituições
aceitarão ou não identidades marginalizadas, dependendo da cultura ou culturas que
elas estão inseridas.
Aos personagens são impostos estereótipos “ideais”, mesmo não aceitos por
eles, que terão grande influência na sua própria construção de conceitos, valores,
posturas em relação ao “diferente”, o que justificaria as tentativas de Gulliver e Dudu
de se adaptarem ao padrão da normatividade.
Dudu ficou sentado num canto esperando a hora de começar, não queria
falar com ninguém. De repente, levou um susto enorme, viu entrar, correndo
pela quadra, o Rafa, o menino que batia em todo mundo na escola e que o
chamava de mulherzinha.
10
Relações com o passado cultural. Por exemplo: o adulto cuidará de uma criança fazendo relação
de como ele foi cuidado ou como percebeu esse cuidar durante a sua trajetória histórica, cultural e
social. O pai de Dudu, por exemplo, faz isso quando bate nele. Ele também apanhou, quando criança,
para aprender a o gostar das mesmas coisas consideradas de meninas, e assim, acredita que
Dudu poderá aprender também da mesma forma como aprendeu.
43
Pai, eu quero ir embora, não quero jogar, não quero aprender nada. o
gosto de futebol! (OMBS, p. 26)
O sentimento hostil sem justificativa aparente sofrido por Dudu, como também
por Gulliver, provocado por vários personagens (pais, colegas da escola, padre)
presentes nas narrativas, e ainda, o medo que eles tinham de vivenciar esse
sentimento, faz com que eles para que não sejam vítimas da hostilidade do Outro
escondam suas identidades vistas como marginalizadas, indesejadas e
estereotipadas pelo Outro, para não terem de vivenciar esse sentimento.
Em seu livro Praticamente normal. Uma discussão sobre o
homossexualismo, Andrew Sullivam (1996) fala da história de seu
“segredo”, das inúmeras situações que lhe ensinaram a necessidade de
esconder, desde criança, seus desejos e interesses. Ele conta como
aprendeu, também, a fazer piadas sobre homossexuais, a mover as
alavancas sociais da hostilidade contra o homossexualismo antes mesmo
de ter a mais vaga noção quanto ao que elas se referiam (p.15) (LOURO,
2007 b, p.29)
Como observamos, é impossível tratar do preconceito em relação ao
homoafetivo sem falarmos sobre violência. A tentativa de “destruir” o diferente
sexual é promovida por uma necessidade ou um sentimento, de quem se considera
“normal” sexualmente, de eliminar o agente poluidor que fragiliza a sua identidade,
no caso a heterossexual. Mas o interessante é que o agente que polui é o mesmo
que afirma a identidade do que “não polui”. (BAUMAN, 2005).
Teve aquela vez em que peguei você com um vestido e uma peruca minha:
levou a maior surra e ficou de castigo uma semana! Mas valeu a pena,
nunca mais você usou as minhas roupas. Agora, vocês… não sabem
educar o Dudu. Nunca vi menino ter fantasias de menina! (OMBS, p.36,
grifo nosso)
Segundo a avó de Dudu, o pai dele aprendeu a ser heterossexual assim, na
“porrada”. Trasferetti (2006) chama a atenção para dois tipos de violência que o
indivíduo normalmente sofre: a pessoal e a estrutural. Uma visível e a outra, oculta.
O indivíduo homoafetivo geralmente sofre os dois tipos de violência. É através
dessa violência estrutural
11
que a violência pessoal se institucionaliza. Uma depende
11
“[…] é definida como encoberta, pois se trata de um tipo de violência sistêmica, não é resultado de
um ato violento de um indivíduo concreto sobre outro, mas é fruto de um sistema social que propicia
oportunidades, não de maneira igual a seus membros.” (TRASFERETTI, 2006, p. 18)
44
da outra para existir, e é através das instituições sócioculturais que a perpetuação
dessas violências se renova.
Até que um colega de escola o viu comendo cenoura.
Gulliver tornou-se objeto de zombaria. Passaram a chamá-lo de coelho.
(OGGC, p.10)
Você me ajuda a falar com ele […] pra ele não me bater mais com muita
força? (OMBS, p. 72)
É oportuno lembrar que essas violências estruturais e pessoais sofridas pelo
homoafetivo transformam-se também em violências físicas, inclusive fatais. E o
extremo desses atos é que esses tipos de violências preconceituosas que atingem o
indivíduo moral e fisicamente implicam intencionalidade, exigem “inteligência”, que
são características típicas do ser humano, que este é capaz de cometê-la ou
estimulá-la. (TRASFERETTI, 2006)
Apesar de haver intencionalidade, o indivíduo age dessa forma porque foi
historicamente estimulado, por uma cultura dominante e suas instituições, a atuar
desse modo com o “diferente” sexual. Os personagens tanto sofrem esta violência
quanto a promovem, e quando sofrida e relacionada ao estereótipo do homossexual,
pode desenvolver, no mínimo, um sentimento de inferioridade, reflexo de uma
infância de perseguição e ridicularização, provindas de outras crianças, parentes
próximos, comunidade, religião, escola e até mesmo dos pais, como acontece com
Gulliver e Dudu.
Sentimos, a partir de agora, a necessidade de fazer uma abordagem sucinta
sobre as relações sociais do personagem homoafetivo na família, na igreja e na
escola.
3.3 A METÁFORA DAS RELAÇÕES SOCIAIS DO PERSONAGEM
HOMOAFETIVO NA FAMÍLIA, NA IGREJA E NA ESCOLA
3.3.1 – A família e a homoafetividade
Apesar de a instituição família viver uma “crise” por causa dos novos modelos
familiares, influenciados por mudanças sociais e nas relações de gênero (BOZON,
45
2004), esta, ainda na contemporaneidade, baseia-se no modelo patriarcal dominante
que, fundada na biologia, ainda oferece ilusoriamente maiores garantias de
felicidade idealizando a sua estrutura a partir do padrão heterossexual. Os filhos
são influenciados culturalmente pela família e induzidos a seguir o mesmo padrão.
Normalmente o indivíduo é cobrado pela família para tornar-se (e aceitar) o “homem
ou a “mulher” idealizados por uma sociedade machista, falocêntrica, patriarcal, cristã
e homofóbica.
Durante muito tempo, a reprodução fez de tal maneira parte integrante da
ordem social e da ordem do mundo que não pôde ser percebida como um
domínio separado, obediente a leis particulares. As descrições
antropológicas e os trabalhos dos historiadores sobre a Antiguidade e os
tempos antigos permitem reconstituir os princípios dessa ordem tradicional
que se pretendia inscrita na natureza e continuou a influenciar as
representações da sexualidade, mesmo quando a procriação deixou de ser
o seu núcleo. (BOZON, 2004, p. 19)
Em fase desse contexto, muitos indivíduos escondem sua preferência por
alguém do mesmo sexo por muitos anos, e, às vezes, a por toda a sua vida,
principalmente diante da família, justamente por ser consciente do preconceito que o
homoafetivo sofre na sociedade. Isso acontece porque é na infância que os vários
mecanismos psíco-culturais se empenham para diminuir o desejo ou a curiosidade
homoafetiva, assim como se aprende que existe um sentimento negativo em relação
ao diferente sexual: “[…] ‘assumir’ a condição homossexual ou de bissexual é um
ato político e, nas atuais condições, um ato que ainda pode cobrar o alto preço da
estigmatização.” (LOURO, 2007b, p. 31) Um indivíduo quando resolve assumir sua
homossexualidade vai sozinho enfrentar a sociedade, a família e suas instituições
discriminadoras e repressoras.
Na narrativa O gato que gostava de cenoura, Gulliver não foge desse
processo de omitir o seu Eu “diferente”, o que ocorre por medo das conseqüências
negativas que traria para a sua vida. Todos os dias saía sozinho e se escondia para
comer cenouras, tendo o cuidado de não ser descoberto fazendo “[…] a coisa
proibida, horrível, desprezível para um gato” (OGGC, p. 8).
Seus pais o levam ao médico, tentam estimulá-lo trazendo-lhe “[…] deliciosos
ratinhos recém-nascidos, pardais saborosos, peixes cheirosos: tudo em vão:”
(OGGC, p.6). Ele não gosta de comer ratos, nem passarinhos e nem peixes.
Utilizam também o medo como mecanismo para tentar mudar o hábito do seu filho
46
porque “[…] aprenderam que o medo do sofrimento é um poderoso estímulo para
fazer os bichos mudarem seus hábitos.” (OGGC, p. 10, grifo nosso) Procuram o
melhor e mais caro psicanalista para tentar “curá-lo” porque “pais são assim: fazem
os maiores sacrifícios para que os filhos fiquem iguais a seus sonhos.” (OGGC, p.
12). O narrador mostra que o sonho dos pais de Gulliver era que ele fosse um
grande gato, um gato que saísse com outros para caçar e comer ratos juntos, enfim,
apelam para a ciência e a religião na esperança de que ele passasse a gostar do
que normalmente os gatos gostam e, quem sabe, se tornar “normal” em relação ao
já estabelecido.
Gulliver tenta esconder de todos, dos amigos da comunidade e da escola,
inclusive da sua família, o seu gosto por cenouras. O medo de mostrar uma
determinada preferência considerada “anormal” ao Outro, é o que normalmente os
“diferentes sexuais” fazem para não sofrerem discriminações. São muitos os
homoafetivos que em criança ou adolescente principalmente no período escolar –,
utilizam-se de vários artifícios para que os seus colegas não percebam a sua
identidade homoafetiva. Sendo assim, esconder essa identidade evita que eles
sofram as mais diversas violências geradas e estimuladas por uma sociedade
preconceituosa em relação ao homoafetivo. Nesse contexto, Louro (2007 a, p. 68)
argumenta:
A negação dos/as homossexuais no espaço legitimado da sala de aula
acaba por confiná-los às gozações e aos “insultos” dos recreios e dos jogos,
fazendo com que, deste modo, jovens gays e lésbicas só possam se
reconhecer como desviantes, indesejados ou ridículos.
Por isso, as gozações e insultos dos colegas; a preocupação dos pais em
tornar Gulliver um gato com várias “qualidades” de macho; o padre que lhe diz que
se não mudasse o seu hábito iria para o inferno; enfim, todos esses momentos
fazem com que o personagem se sinta indesejado, ridículo e desviante.
Podemos perceber essa mesma estratégia e o mesmo discurso na narrativa
O menino que brincava de ser. Dudu também é levado por sua família a um
psicólogo, a um psiquiatra e até a um endocrinologista, e tem o seu comportamento
interpretado também como um problema patológico. Vejamos, no fragmento a
seguir, um recorte da fala de Dudu, como o discurso heterossexual de sua família se
faz presente na vida desse personagem como algo negativo e violento.
47
[…] Vó meu pai vai ver , depois que eu virar menina ele não vai poder
fazer nada. Vai parar de ficar me atormentando pra jogar futebol, nunca
mais vai dizer pra eu não trazer desaforos pra casa, vai parar de
implicar com os meus brinquedosVai até comprar aquela boneca que
eu gostei. E, depois, acho que ele nem vai mais me bater com tanta
força, porque ele sempre diz que em mulher não se bate. (OMBS, p.48,
grifo nosso)
Apesar de Dudu não tentar esconder os seus desejos e vontades não aceitas
pela família, tanto ele quanto Gulliver sofrem por fazerem parte de um modelo
familiar predominantemente homofóbico que o admite comportamentos fora dos
seus padrões eleitos culturalmente. Dudu além de ficar de castigo por causa do seu
comportamento, apanha bastante do pai a ponto de ficar com as marcas dessa
violência sofrida registradas em seu corpo, como comprova a passagem abaixo;
– Ele ainda bate em você?
– Bate! Outro dia fiquei todo marcado!
– Por que ele bateu em você?
Porque eu tava brincando de ser. Ele não gosta que eu brinque disso.
Tinha que ver, ele ficou uma fera! O Pedro e a Carol até foram embora com
medo dele. (OMBS, p.50)
Dudu também nos mostra a necessidade de ser aceito principalmente pelo
pai.
Não, vó. Você me ajuda a falar com ele pra ele gostar de mim assim do
jeito que eu sou? Pra ele deixar eu brincar de ser todas as vezes que eu
quiser? Pra ele deixar eu não gostar de futebol? (OMBS, p. 72).
Da mesma forma, na obra O gato que gostava de cenoura, Gulliver queria
viver a sua vida sem precisar se esconder de ninguém, sem precisar experimentar o
preconceito.
[…] o queria ficar igual aos outros. Seu único desejo era não ter
vergonha. Seu único desejo era que os outros deixassem que ele fosse o
que era: um gato que gostava de cenouras! Em resumo: ele queria ter
amigos. (OGGC, p. 18).
Fica claro nesse recorte que o desejo de Dudu tal como o de Gulliver o é
algo assim tão complexo, porém a construção cultural e histórica de marginal que o
“diferente” tem sofrido em sociedade acaba construindo um conjunto de sentimentos
recalcados nos protagonistas. Ser diferente é normal. O problema está em ser o
“diferente” sexual. Serem aceitos como eles são é o único desejo dos personagens.
48
Um dos principais problemas que geram conflitos em várias famílias está
relacionado à aceitação do “diferente” sexual. Este normalmente é visto como
alguém que compromete a “normalidade”.
A palavra família normalmente é associada a um grupo formado pelo pai
(homem), mãe (mulher) e filhos (meninos/ meninas). Essa estrutura familiar, que na
sua essência atribui e mantém o poder do pai, é desconstruída em O Passarinho
Vermelho. Esta obra nos leva a pensar no modelo padrão de família na qual a
sociedade ainda está pautada, e nos novos modelos, consolidados nas
sociedades, formados sem a presença da mãe ou do pai ou por casais do mesmo
sexo.
O personagem Passarinho Vermelho não espera para saber o que a sua Mãe
vai pensar em relação a sua decisão de querer “ter” um filho. Ele pergunta à Mãe, ao
Espantalho, porque ele não pode botar ovo, e, insatisfeito com as respostas, vai
embora para realizar o seu sonho, acreditamos que uma das possibilidades
possíveis para tomar essa decisão era para não se arrisca a entrar em conflito com
outros personagens, indo para uma árvore bem alta, longe de todos.
O Passarinho Vermelho não ficou contente com a resposta da mãe e voou
até o Espantalho para fazer a mesma pergunta. (p. 6)
O Passarinho vermelho não ficou contente com as duas respostas, e
começou a imaginar uma maneira para ter um filho. (p. 9)
Que pena, disse o Passarinho Vermelho, eu queria tanto ter um filho, para
poder brincar com ele, voar junto com ele, como a minha mãe fazia comigo.
(OPV, p. 14)
Uma tendência normal, quando o homoafetivo assume a sua condição, é viver
e tentar vencer na vida sozinho. “[…] esbarram no confinamento, na habitação de
lugares escondidos, sem a presença de amigos e/ou familiares.” (SILVA, A., 2008, p.
36) Normalmente, uma nova reconciliação na família se dá quando o indivíduo
homoafetivo obtém sucesso na sua caminhada “solitária”, principalmente quando
este ganha a sua estabilidade financeira e se destaca profissionalmente.
O personagem sonha em ter um filho. Ele pode até não botar ovos, mas pode
buscar a alternativa da adoção para ter um filho. E acaba conseguindo! Ele constrói
a sua família sem a presença de uma fêmea. É interessante ressaltar que o sonho
do Passarinho Vermelho só pode ser realizado com a presença de um terceiro
49
personagem, o Sol, o que acaba nos parecendo uma tríade básica da família (dois
“adultos” e uma criança).
O Passarinho Vermelho ficou muito preocupado e foi falar com o seu amigo
Sol:
– Senhor Sol, o meu ovo não quer comer a minhoca que eu trouxe para ele.
Assim, ele acaba morrendo de fome. (OPV, p. 23)
O Sol, comovido com a situação do Passarinho Vermelho, ajuda-o a chocar o
ovo indo todas as tardes esquentá-lo, aque finalmente o passarinho nasceu. O
ovo precisava ser chocado, e quem o faz é o Sol. Este tem papel fundamental no
nascimento do passarinho, pois só foi possível o nascimento do “filho” do Passarinho
Vermelho por causa dele. Entretanto, embora o Sol soubesse que o ovo precisava
ser aquecido para que o passarinho nascesse, e de vez em quando vinhesse
conversar com o Passarinho Vermelho, não lhe deu essa informação nem o orientou
a buscar uma forma para fazer isso sozinho.
Uma atitude bastante intrigante é a do Sol, […] ele por diversas vezes vem
esquentar o ovo que o Passarinho Vermelho encontrou. Não poderíamos
afirmar com exatidão se o Sol tem desejos homoeróticos, mas certos
indícios disso. (SILVA L., 2008, p. 373)
O Passarinho Vermelho sai de casa, constrói um ninho, acha um ovo e leva-o
até o seu ninho, pega minhoca para alimentá-lo, enfim, ele é um pássaro decidido
que muda toda a sua vida para realizar o seu sonho. Será que se ele soubesse da
necessidade de aquecer o ovo para que o “seu filho” nascesse, não conseguiria
resolver esse “problema”? Qual o interesse do Sol em negar-lhe essa informação?
50
Logo na primeira página observamos o Sol, de longe e sorrindo, prestando
atenção na conversa do Passarinho Vermelho com a sua mãe e só reaparece
depois na décima terceira gina , quando o Passarinho Vermelho está sozinho
na árvore e com o ninho pronto e fica até o dia em que ele encontra o ovo caído no
chão, sumindo novamente.
O Passarinho Vermelho, preocupado porque o seu ovo não queria comer, vai
a procura do Sol e este não lhe diz que ovo o come e nem lhe informa que o
passarinho pode nascer se alguém chocá-lo. Ele simplesmente assume essa
responsabilidade alegando pena do Passarinho Vermelho. Embora não possamos
afirmar, é possível imaginar que o Sol também tivesse interesse de fazer parte desta
família, afinal de contas ele não perde a oportunidade de chocar o ovo, enfim, é por
causa dele que o filho do Passarinho Vermelho nasce.
Penúltima página (p. 25) Última página (p. 26)
Na penúltima página, há o relato do nascimento do passarinho, e na última
ele (o passarinho filho), está brincando com o Passarinho Vermelho, e o Sol não
está presente nesses momentos. Entendemos que é de dia e o Sol como tem uma
51
vida muito atarefada encontra-se “trabalhando”, e poderia aparecer à tardinha
após um dia inteiro de trabalho.
O Passarinho Vermelho salvou aquele “ovo” que estava perdido no chão. Se
ele não o encontrasse e não fosse amigo do Sol, o ovo não teria chance de se tornar
um pássaro. Assim, a vida do Passarinho foi transformada graças ao Pássaro
Vermelho que, não se contentando com os discursos heterossexuais, partiu em
busca de realizar o seu sonho, contando com a contribuição do seu amigo, o Sol,
possibilitou o seu nascimento; enfim, juntos (o Pássaro Vermelho e o Sol) deram a
oportunidade de o Outro viver e ser amado por “alguém”.
Na contemporaneidade, principalmente nos Estados Unidos, fato que reflete
em outras estruturas sociais como a brasileira, passou de milhões o número de
casais do mesmo sexo, construindo uma nova estrutura familiar (homem-homem e
criança ou mulher-mulher e criança) que vem aumentando gradativamente.
Enquanto isso, a nossa sociedade garantida em sua base patriarcal (machista,
excludente e preconceituosa) parece “precisar” problematizar essas novas
estruturas devido à representação significativa que estas vêm alcançando, como a
própria contribuição que esses grupos antes marginalizados vêm dando em relação
à adoção de crianças “sem família”, proporcionando-lhes o conforto familiar, a
garantia de uma educação doméstica e formal, bem como todo o tratamento de
afeto e carinho, e a literatura infantil vem problematizando também estas questões
sociais que revelam essas novas estruturas familiares, tornando-se uma das várias
formas de conscientizar a sociedade e combater os preconceitos sofridos por esses
novos modelos familiares.
As “famílias gays” vêm ganhando maior visibilidade junto à sociedade. Muitos
regularizaram as adoções de crianças e vivem bem, tanto a criança quanto os
52
seus pais. O importante é sabermos que essas famílias, quando adotam uma
criança, independentemente do modelo de gênero ou sexual, ficam em observação
durante certo tempo para confirmar se o ambiente oferecido será propício para
acomodar a criança pleiteada. “A adoção será deferida quando o contexto
apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivo legítimo” (ECA,
Art. 43), independentemente da preferência sexual dos seus pais. No Estatuto da
Criança e do Adolescente lê-se, no Art. 42, que “Podem adotar os maiores de 21
anos, independentemente do estado civil”, momento em que não se presta objeção
ou restrição alguma em relação à preferência sexual dos pretendentes.
Os maiores problemas que as crianças adotadas por homossexuais
enfrentam é a própria agressão social exercida pelo grupo dominante em que estão
inseridas, inclusive pelos seus colegas da mesma idade, servindo de alvo de piadas
e brincadeiras preconceituosas por parte daqueles que se acham superiores,
conforme podemos constatar nas obras em análise.
É pensando nessa influência estereotipada em relação ao homoafetivo (que a
nossa sociedade tende a marginalizar) que a literatura infantil, através de uma obra
como O passarinho vermelho, consegue trazer para o universo do leitor a
homoafetividade em situações diferenciadas das que normalmente são mostradas
pelas instituições sociais, como a necessidade/insistência da presença de uma
mulher na educação de uma criança, o que sugere um par composto por pessoas de
sexos distintos, como se essa fosse a única fonte de referência para a criança.
(UZIEL, 2004)
A princípio, qualquer indivíduo tem o direito de ter ou não uma família, mas a
orientação sexual dos postulantes a pais e mães não deveria ser a condição
determinante para a realização do sonho da paternidade/maternidade e filiação,
como é dito pela Mãe do Passarinho Vermelho, pelo Espantalho e pelo Sol, na obra
há pouco citada.
Conforme dissemos, tem havido um aumento na quantidade de crianças
adotadas por casais homossexuais e a sociedade precisa preparar-se para isso. O
Sol, por exemplo, independentemente de ter interesse ou não pelo amigo, respeitou
e ainda ajudou o Passarinho Vermelho a concretizar o seu sonho. É importante que
as crianças, adultos, comecem a entender, seja através da literatura ou de qualquer
outro tipo de instrumento conscientizador, que existe esse novo modelo familiar que
merece ser respeitado, discutido, problematizado.
53
Nessa perspectiva, ainda podemos sonhar com a adoção homoafetiva, como
uma forma de minimização dessa situação, uma vez que haveria um investimento na
formação de um lar, na experiência do sujeito ser amado, alimentado, vestido,
cuidado, enfim, de ter a oportunidade e o direito de viver em uma família,
independentemente de esta ser constituída por pessoas do mesmo sexo. E ao
mesmo tempo haveria um investimento psicocultural, ao realizar o sonho de um
sujeito (ou de casais), proporcionando-lhe um bem-estar psíquico que tem
repercussão positiva em várias outras esferas, por exemplo, no sagrado, abordado a
seguir.
3.3.2 – O sagrado e a homoafetividade
Assumir a “diferença na homoafetividade é enfrentar toda uma construção
cultural de uma sociedade e suas instituições com seus preconceitos. A igreja, por
exemplo, é uma instituição que tem grande poder e uma grande influência sobre o
indivíduo. Ela pode até tolerar o gay enquanto pecador, porém aceitá-lo é ir de
encontro a palavra de Deus. O homoafetivo, além de enfrentar a família por causa
da sua escolha sexual, o que não é algo o fácil de superar, tem também que
enfrentar acreditando ou não o que diz o ser superior ou seus representantes
fiéis. A imagem abaixo refere-se, através do gato-padre, à representação de uma
determinada instituição religiosa.
Gulliver é levado até um gato-padre, que se utiliza do livro sagrado para tentar
convencê-lo a não comer mais cenouras, por este não ser um comportamento
54
determinado por Deus em relação aos gatos, ordenando-o, através das escrituras
sagradas, a comer dois ratos.
[…] D. João Severo. Ele abriu um livro sagrado e disse que Deus, o Gato
Supremo, determinava que rato, passarinho e peixe são os manjares dos
deuses. Assim, por determinação do Deus-Gato, gatos têm de comer ratos,
passarinhos e peixes. Comer cenouras é pecado mortal. É contra a
natureza. lhe falou sobre o inferno, um lugar terrível para onde vão todos
os gatos que comem cenouras. (OGGC, p. 10)
Segundo Carvalho (1982), é da Bíblia que vêm todos os complexos que
atormentam a humanidade. Apesar de Gulliver atender ás determinações do padre,
o seu corpo não aceita o que é estranho a sua natureza, e vomita. Ele não tem culpa
de não gostar de comer ratos. Nessa narrativa abre-se um caminho importante para
se questionar o sagrado. Gulliver não fazia mal a ninguém, apenas queria que o
aceitassem do jeito que ele é. O “inferno”, ou qualquer outra forma de castigo, por
mais brando que fosse, seria uma punição desnecessária diante do que foi
considerado um problema pelos outros personagens da história.
Para compreendermos a sociedade e a cultura, no contexto da obra, faz-se
mister compreender a religião. As palavras do livro sagrado o colocadas na
narrativa de uma forma que merece reflexão. Na contemporaneidade vem
aumentando gradativamente os estudos sobre as relações entre religião, gênero e
sexualidade, inclusive religião e homossexualidade. Sabemos que as religiões são
as principais responsáveis pela domesticação dos corpos e da sexualidade, até
porque nunca existiu religião alguma no mundo que não tenha construído uma ética
do corpo e da sexualidade. (MAGALHÃES; SILVA, 2008)
Sabemos que todas as culturas não são puras e únicas, “[…] elas são
híbridas, heterogêneas, extremamente diferenciadas, sem qualquer monolitismo”
(SAID, p. 28, 1993), entretanto, o discurso quando originado, por exemplo, da
“religião”, emitido pela voz do homem, tende a se fortalecer e atravessar gerações.
E ordenou que Gulliver, como penitência, comesse dois ratos. Ele
obedeceu. (OGGC, p. 12)
Romper com a tradição, com os estereótipos construídos culturalmente,
principalmente quando estes têm uma construção religiosa, não é algo muito fácil de
fazer. “[…] a cultura é um conceito crucial que tem que ser reapropriado para usos
55
mais democráticos. A cultura como todo um modo de vida envolve processos e não
apenas produtos culturais.” (CEVASCO, 2001, p. 55) É pensando nessa democracia
cultural que esse rompimento poderá acontecer. Para que a cultura interfira no
pensamento (cultura hegemônica) sobre a homoafetividade, precisamos que ela
assuma (cultura contra-hegemônica) uma versão anti-aristocratizante, que se
resume a formas de comportamentos, de falas e sinais externos de mentes
cultivadas.
3.3.3 – A escola e a homoafetividade
Assim como a família e a religião, a escola também contribuiu, durante muitos
anos, para o sofrimento e conflito de identidade do personagem Gulliver. “Os pais
terem descoberto ainda não foi nada. Os pais sempre amam os filhos. O terrível foi
quando outros gatos, colegas de escola, descobriram.” (OGGC, p.10)
Para s, Alves (1999) foi muito feliz em trazer também para a narrativa o
espaço escolar como o é, normalmente, na vida real, em relação ao tratamento que
o “diferente” sexual recebe dos que se consideram “normais”. A escola garante à
criança interação entre as mais variadas culturas através do contato direto e indireto
com a diversidade cultural, porém, a incapacidade do indivíduo “[…] de conviver com
a diferença é fruto de sentimentos de discriminação e de estereótipos, isto é, de
imagens do outro que são fundamentalmente errôneas.” (SILVA, 2000, p. 98)
De repente, levou um susto enorme, viu entrar, correndo pela quadra, o
Rafa, o menino que batia em todo mundo na escola e que o chamava de
mulherzinha. (OMBS, p. 26)
Embora seja vista como um dos espaços onde se
encontra a maior diversidade cultural, a escola reproduz,
geralmente de forma inconsciente, a discriminação e o discurso
homofóbico. Essa discriminação, que é construída
culturalmente e refletida na escola, acaba interferindo
significativamente nas “boas” relações entre os diferentes
indivíduos dessa instituição e, consequentemente, tem efeitos
negativos na vida adulta.
56
Em O menino que brincava de ser, é apresentado um tipo “melhorado” de
escola. Uma escola que aceita e tolera o “diferente”. A professora compreendia
Dudu. “Mas a professora do Dudu dizia que não tinha problema: Não faz mal, é da
idade, com o tempo isso passa. Deixe-o ser o que quiser.” (OMBS, p.6) e “[…] Os
amigos da escola acabaram se acostumando.” (OMBS, p. 04).
Embora apenas um garoto da escola tenha chamado Dudu de “mulherzinha”,
compreendemos que esta escola sabe lidar com problemas relacionados às
questões de gênero, e entende que não é por causa de uma brincadeira qualquer
que o indivíduo vai definir ou comprometer a sua sexualidade, assim como as dos
outros que utilizam o mesmo espaço, o que é confirmado com a fala da professora.
Dudu entrou na sala com um vestido da mãe, os sapatos da tia e os brincos
da avó.
– Meu Deus! Que é isso, Dudu? – falou a avó.
– Meu filho, vá tirar essa roupa! – falou a mãe.
– Meu Deus! Meu único neto! disse o avô
– Mulherzinha! – gritou o pai.
Os olhos de Dudu se encheram de lágrimas, mas mesmo assim ele
continuou na sala. (OGGC, p. 39)
Dudu é uma criança muito “corajosa”, ele não tem medo de mostrar sua
suposta tendência homoafetiva, seja na escola ou em casa, na frente dos colegas,
dos pais ou dos avós, e quando decidido do que queria ser, disse com convicção a
sua mãe:
– Mãe, eu queria ser menina!
– Que é isso, meu filho? Você tá maluco?
– Não, mãe, é verdade, eu queria mesmo. (OGGC, p. 06)
Talvez uma das explicações que poderia justificar a coragem de Dudu em
expor suas preferências é a naturalidade com que a maioria dos indivíduos da
escola aceitavam ou acabavam aceitando suas escolhas. Nessa escola, ao contrário
daquela onde Gulliver estudava, ele sentiu um ambiente propício para desenvolver
certa segurança em se mostrar para todos, sem vergonha, o que ele gostava de
fazer ou “ser”. A escola em O menino que brincava de ser é um espaço que
promove o respeito e a tolerância ao “diferente”.
Mas, Dudu, homens não podem ser bruxas! Você pode ser mago… Dudu
não queria, ele gostava mesmo era de ser bruxa. Os amigos da escola
acabaram se acostumando. (OMBS, p. 4)
57
Nela não conflito, o que difere totalmente da escola de Gulliver, fato que
pode ser comprovado no fragmento a seguir, em que o narrador mostra a atitude do
personagem:
Gulliver estremeceu. Será que o professor iria repreendê-lo por causa de
seu gosto por cenouras? (OGGC, p. 12)
Em O gato que gostava de cenoura, o autor elege o espaço escolar para que
os conflitos X auto-aceitação da personagem aconteçam, se desenvolvam e sejam
superados nele, embora a superação aconteça apenas com o protagonista. Resolve-
se um conflito identitário de Gulliver, mas não o preconceito do Outro.
Os chamados heterossexuais amam o diferente: o corpo dos homens se
comove ao ver um corpo de mulher; o corpo das mulheres se comove ao
ver o corpo de um homem. Mas o corpo dos homossexuais, quem sabe se
por obra do DNA, se comove ao ver um corpo igual ao seu. Tal como
aconteceu com Narciso, aquele do mito dos gregos: ele se apaixonou por
sua própria imagem refletida na água da fonte. É tão interessante isso: que
nosso sexo seja movido por uma imagem! (OGGC, p. 16)
É na escola onde Gulliver vai encontrar respostas para a sua aceitação. O
personagem professor, “o salvador de Gulliver”, fala sobre a homossexualidade de
forma afetiva para explicar que as pessoas podem ser diferentes aem relação à
escolha do seu parceiro. Em O menino que brincava de ser a escola é um espaço
importante porque promove a aceitação do “diferente”. Em se tratando do leitor, ou
melhor, da criança, tudo indica que ela venha a ter acesso a obras de temática
homoafetiva na escola. A escola aparece na narrativa como o espaço que poderia
iniciar as discussões em torno da homoafetividade e tudo indica que na vida real
também assim o seja, daí ser oportuno comentar sobre o tratamento dispensado aos
personagens das obras em estudos.
3.3.4 – Marcadores culturais que apontam para o gay como um sujeito inferior
Geralmente as crianças, principalmente em período escolar, se agridem
verbalmente com “palavrões”. Para se referir aos indivíduos homossexuais
negativamente, alguns palavrões, ou marcadores culturais mais utilizados são:
58
bicha, veado, gay, mulherzinha. Algumas crianças aprendem na escola, outras
aprendem na comunidade onde estão inseridas. Estes marcadores são indicadores
de discursos provindos dos mais variados meios de socialização que começam a
fazer parte da vida das crianças muito cedo e são repassados culturalmente como
algo negativo pelo adulto. Observemos essas marcas hierárquicas, recorrentes nas
narrativas.
Mulherzinha! Vou te derrubar no campo. Nunca vi mulherzinha jogando
bola. (OMBS, p. 30)
[…] seu pai abriu a porta:
– Que negócio é esse? Você é mulherzinha?
[…] Olha a mulherzinha gritou, bem no meio do pátio. Um monte de
gente ficou rindo dele… (OMBS, p. 16)
Coelhos comem cenouras. Os gatos odeiam cenouras. Para os gatos,
quem come cenoura é ruim da cabeça. Os coelhos devem ser doidos.
(OGGC, p.5)
Gulliver tornou-se objeto de zombaria. Passaram a chamá-lo de
coelho.(OGGC, p. 10)
A palavra “gay” e seus diversos sinônimos são geralmente mais utilizados
para provocar, xingar, rotular, discriminar, atingir o Outro no sentido de agredi-lo
moralmente. É uma das formas de confirmar o preconceito existente em relação ao
homoafetivo. Ser gay, veado, mulherzinha, não é apenas ser o sexo desviante da
“norma”: é não ser aceito pela sociedade, é uma condição negativa, à medida que
reforça a base heterossexual e, por extensão, homofóbica, em alguns momentos.
As crianças aprendem “palavrões”, a partir do convívio com o Outro, pom
muitos destes não fazem sentido para elas. A certa idade, a criança ainda não
sabe exatamente do seu papel enquanto sujeito sexual, mas aprende durante o seu
desenvolvimento e formação que não pode ser igual ou gostar das mesmas coisas
consideradas culturalmente como “normais”, específicas de cada sexo/gênero. Isso
acontece porque ela é, desde muito pequena, para alguns pesquisadores, a
enquanto feto, estimulada psicológica, cultural, discursiva e religiosamente, para
corresponder ao sexo que os seus órgãos genitais exigem do ponto de vista cultural.
Consentida e ensinada na escola, a homofobia expressa-se pelo desprezo,
pelo afastamento, pela imposição do ridículo. Como se a homossexualidade
fosse “contagiosa”, cria-se uma grande resistência em demonstrar simpatia
para com sujeitos homossexuais: a aproximação pode ser interpretada
como uma adesão a tal prática ou identidade. O resultado é, muitas vezes,
59
o que Peter McLaren (1995) chamou de um apartheid sexual, isto é, uma
segregação que é promovida tanto por aqueles que querem se afastar
dos/das homossexuais como pelos/as próprios/as. (LOURO, 2007 b, p. 29)
Assim sendo, ser “xingado” de gay, mulherzinha, coelho, vai além da
preferência sexual: é merecer um atributo que normalmente o excluí do meio social.
[…] Gulliver, sempre sozinho, sem amigos, objeto de zombaria dos colegas.
(OGGC, p. 12)
Os olhos de Dudu se encheram de lágrimas, ele não gostava que ninguém
o chamasse assim. (OMBS, p. 16)
Na realidade, muitas vezes, o importa qual palavra está sendo utilizada
para fazer referência a algo ou a alguém. O mais importante é como e por quem ela
está sendo utilizada. Um exemplo bem simples do que gostaríamos timidamente
dizer aqui é que a força de um “palavrão” depende muito de quem o pronuncia. Uma
criança enunciar um termo dessa natureza não tem a mesma semântica ou
intencionalidade, se enunciada por um adulto, como o é emitido pelo pai de Gulliver.
Portanto, o termo adquire sentido(s) durante o desenvolvimento da criança,
influenciado(s) pelos fatores sócio-histórico e cultural da sociedade em que está
inserida. Trata-se de uma construção simbólica, histórica e cultural. A simbologia
atribuída à palavra é o que vai influenciar e definir se ela é discriminadora ou não.
No caso da palavra “mulherzinha” dita várias vezes pelo pai de Gulliver, por
exemplo, o uso é totalmente carregado de preconceitos.
Tanto a criança que sofre a violência verbal (receptora dos “palavrões”)
quanto a que agride (emissora dos “palavrões”) são vítimas dessa construção
heterossexual. O pai de Dudu, por exemplo, que foi vítima, em criança, da violência
familiar na sua orientação heterossexual, decide que deve agredir o filho
verbalmente para que este siga a “normatividade” sexual.
Não importa se o sujeito é ou não homossexual, importa, sim, refletir que a
palavra gay e seus similares semântico-culturais vão, desde a infância, tornando-se
normalmente no campo simbólico algo negativo, estranho, não aceito, anormal,
aquilo de que nenhum sujeito, inclusive o homoafetivo, quer ser rotulado, ou melhor,
agredido por palavras que distanciam alguém do convívio social. O distanciamento é
colocado, aqui, como uma forma de afastar o “mal” (homossexual) do “bem”
(heterossexual): é a discriminação propriamente dita.
60
Para que uma criança e não ela desconstrua a imagem negativa que
tem do sujeito de orientação homoafetiva e (re)construir a imagem ou a identidade
homoafetiva, precisa de outras referências que a ajudem nesse processo. Na obra O
gato que gostava de cenoura é o professor de Gulliver quem dá essas outras
referências a ele.
Por vezes, o disquete do DNA não funciona da forma esperada. Alguns,
chamados daltônicos, o vêem as cores do jeito como a maioria vê.
Outros, chamados de canhotos , funcionam melhor com a mão esquerda
que com a direita. Eles têm de tocar violão ao contrário e deu uma risada.
Parece que esse é o caso com aqueles que têm uma dieta de amor
diferente daquela reconhecida como padrão. (OGGC, p. 14)
Ser diferente é uma das principais formas de se afirmar uma identidade. É
através das diferenças que se pode dizer quem é mulher, homem ou gay. Para o
heterossexual, a existência do gay garante o discurso de um “verdadeiro homem”. A
homossexualidade garante aos heterossexuais mesmo que contrários a sua
identidade. existe homossexualidade porque existe o heterossexual, e um
contribui, diretamente, para a marcação identitária de ambos.
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer da pesquisa, constatamos que as obras analisadas apresentam a
temática homoafetiva, e que o diferente sexual ainda é discriminado pelas diversas
instituições sócioculturais apresentadas pelos narradores, embora haja uma
inversão dessa normalidade nas narrativas analisadas: o “bom” é o homoafetivo e o
“ruim” são os Outros e suas instituições socioculturais. Ou seja, o positivo é a
integração entre gays e não gays, e o negativo é o rechaço, a agressão e a negação
da diversidade.
A presença de discursos contra os comportamentos não heterossexuais dos
personagens (machos), as características associadas à homossexualidade, à
presença de símbolos que representam a homossexualidade, os motivos pelos quais
os protagonistas são discriminados, as violências sofridas por eles, enfim, são
indícios da busca de uma (re)orientação para a identidade heterossexual, que, por
sua vez, acabam confirmando tanto a presença da homoafetividade quanto uma
nova referência entre o “bom” e o “ruim” das práticas discursivo-culturais abordadas
nestas narrativas.
A discriminação no que diz respeito ao diferente sexual, principalmente nas
obras O gato que gostava de cenoura e em O menino que brincava de ser, é
explícita. Na obra O passarinho vermelho, apesar de o protagonista não sofrer a
discriminação diretamente, ele também acaba sendo vítima desta, que para
realizar o seu sonho teve de se separar da sua primeira “família” e levar sua vida
sozinho.
Todo o conflito sofrido pelos protagonistas só acontece porque os outros
personagens, e até eles próprios, entendem seus comportamentos como “anormais”,
desviantes, e próximos da homossexualidade, justamente por não se comportarem
dentro dos padrões considerados “normais” para os machos de sua espécie. Assim
sendo, os motivos que fazem com que os protagonistas sejam discriminados estão
ligados à questão da orientação sobre sexualidade que eles recebem.
Gulliver, Dudu e o Passarinho Vermelho são vítimas de uma cultura
heterossexual em que as instituições sócioculturais como a família, a escola, a
igreja, presentes nas narrativas, influenciam na construção de suas identidades,
assim como na perpetuação de estereótipos negativos relacionados ao diferente
62
sexual, o que percebemos na reação dos colegas, dos familiares, dos professores,
dos personagens, como revelaram diversos trechos das narrativas analisadas.
Percebemos que nas três obras a abordagem da temática está sempre
voltada para aceitação do diferente sexual enquanto sujeito merecedor de respeito,
carinho e compreensão do Outro. A maneira como a diferença sexual é abordada
nestas narrativas, destinadas ao público infantil, pode estar realmente mais
próxima do termo homoafetividade, que as três estão centradas especificamente
nas relações entre os indivíduos sociais e suas instituições com os indivíduos
homoafetivos.
O desejo dos protagonistas é apenas viver a sua “diferença” sem conflitos. É
entender que não foi uma escolha deles, e que eles se sentem bem vivendo suas
diferenças. As relações sociais e pessoais vivenciadas por eles, mesmo que
negativamente, contribuem tanto para abrir discussões sobre essas relações quanto
perceber o indivíduo homoafetivo em uma outra perspectiva que o seja a da
doença, da anomalia, da perversão, do distúrbio.
A literatura infantil quando aborda a temática homoafetiva ajuda a
(re)construir o olhar marginalizado que o diferente sexual adquiriu histórica e
culturalmente, que o exclui do meio social, a partir da criança. Sabemos que as
crianças não são discriminadoras, mas vão assimilando esse comportamento a partir
da convivência em uma sociedade predominantemente machista, falocêntrica, cristã,
homofóbica. Assim o acesso a essas obras a possibilidade de perceber a
homossexualidade por um outro ângulo: o da homoafetividade.
A relação social entre heterossexuais e homoafetivos vai ser “positiva” ou
“negativa”, dependendo das referências que o indivíduo tem ou teve com relação ao
“diferente” sexual. É reconhecer e respeitar o Outro, o “diferente”, ou qualquer outro
tipo que foge dos padrões considerados “normais” independentemente, por exemplo,
de sua escolha sexual. Enfim, é uma questão que Sidekum (2003, p. 235) aborda no
sentido de “[…] priorizar os valores como a paz, a democracia, a liberdade e o
respeito ao direito do cultivo de valores pessoais, à autonomia e à diferença”.
Apesar de haver um “declínio
12
no poder heterossexual, este ainda é uma
força muito difícil de ser superada. A ordem heterossexual, patriarcal e falocêntrica
12
Ver mais em XAVIER, Elódia. Declínio do patriarcado: a família no imaginário feminino. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, 1998.
63
na contemporaneidade utiliza-se das mais variadas instituições sócioculturais, de
forma sutil, para “eternizar” a sua posição, hoje ameaçada na sociedade.
O poder funciona como um mecanismo de apelação, atrai, extrai, essas
estranhezas pelas quais se desvela. O prazer se difunde através do poder
cerceador e este fixa o prazer que acaba de desvendar. O exame médico, a
investigação psiquiátrica, o relatório pedagógico e os controles familiares
podem, muito bem, ter como objetivo global e aparente dizer não a todas as
sexualidades errantes ou improdutivas mas, na realidade, funcionam como
mecanismos de dupla incitação: prazer e poder. Prazer em exercer um
poder que questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela; e,
por outro lado, prazer que se abrasa por ter que escapar a esse poder,
fugir-lhe, enganá-lo ou travesti-lo. Poder que se deixa invadir pelo prazer
que persegue e, diante dele, poder que se afirma no prazer de mostrar-se,
de escandalizar ou de resistir. Captação e sedução; confronto e reforço
recíprocos: pais e filhos, adulto e adolescente, educador e alunos, médico e
doente, e o psiquiatra com sua histérica e seus perversos, não cessaram de
desempenhar esse papel desde o século XIX. (FOUCAULT, 1988, p. 45)
Lutar contra esse poder é uma tarefa árdua, sobretudo é importante ressaltar
que assim como ele vem se perpetuando sutilmente, uma das melhores formas
também de combatê-lo no que diz respeito à marginalização de determinados
grupos como os homoafetivos, “(des)marginalizá-los”, é através dessa sutileza.
Aparentemente, nesse contexto, nada parece ser mais sutil do que a literatura,
principalmente a infantil, para cumprir com esse papel de percepção e aceitação do
“diferente” sexual no imaginário da criança. É através de narrativas que tratam do
homoafetivo com um olhar mais humano, estimulado desde a infância, que, aos
poucos, num futuro talvez o muito distante, esse olhar realmente contagie e se
espalhe pela sociedade.
Entendemos, assim, que se as crianças podem ser convencidas, orientadas,
estimuladas, conduzidas, através da educação, para a “aceitação” da cultura
heterossexual, também podem através destes mesmos instrumentos, ser educadas
contra a cultura homofóbica, podendo aprender a respeitar e tolerar o diferente
sexual: “O texto literário deve ter a capacidade de convidar o leitor para desconstruir
a realidade pronta e estabelecida, a fim de instituir-se a organização de outras
ordens, de outras formas de querer e realizar.” (CAVALCANTI, 2002, p. 55) A
literatura infantil é um suporte para a experimentação do mundo exterior e, por isso,
capaz de ajudar nesse processo de aprendizagem e construção simbólica de uma
identidade positiva em relação ao homoafetivo.
64
Nessa linha de pensamento, a literatura infantil assume papel político por
contribuir com a formação do pensamento crítico, atuando “[…] como instrumento de
reflexão, uma vez que pode questionar, através de sua linguagem, a hegemonia do
discurso oficial e o consenso estabelecido pela ideologia dominante.” (YUNES &
PONDÉ, 1988, p. 37). E, quem sabe, transformar os benefícios que pequenos
grupos, marginalizados ou não, vêm conquistando ao longo do tempo, através de
suas lutas contra o preconceito e a discriminação, em favorecimento de grupos
maiores, independentemente de etnia, sexualidade, religião e cultura. Enfim,
discursos que defendam o ser humano.
65
ANEXOS
O arco-íris e objetos coloridos que podem representá-lo
O gato que gostava de cenoura de Rubem Alves (1999)
O menino que brincava de ser de Georgina Martins (2000)
O Passarinho Vermelho de Milton Camargo (1980)
O Rinoceronte
O gato que gostava de cenoura de Rubem Alves (1999)
66
O Coelho (lebre)
O gato que gostava de cenoura (p. 10)
O Triângulo invertido
O menino que brincava de ser (2000)
67
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. O gato que gostava de cenoura. São Paulo: Loyola, 1999.
ARISTÓTELES. Arte poética. São Paulo: Martin Claret, 2004.
BANDEIRA, Pedro. É proibido miar. São Paulo: Moderna, 1995.
BARCELLOS, José Carlos. Literatura e homoerotismo em questão. Rio de
Janeiro: Dialogarts, 2006.
BARROS, Célia Silva Guimarães. Psicanálise: sua contribuição à educação. In:
Pontos de psicologia escolar. São Paulo: Ática, 1989. p. 129-137.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Trad. Carlos
Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
BÍBLIA SAGRADA: nova tradução na linguagem de hoje. Barueri: Sociedade Bíblica
do Brasil, 2000.
BOZON, Michel. Sociologia da sexualidade. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2004.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. Campinas: Mercado de
Letras, 2002.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação
sexual. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CADERMATORI, Lígia. O que é literatura infantil. 3. ed. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1986.
CANDIDO, Antonio. Crítica e sociologia. Literatura e vida social. In: _____.
Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006. p. 13-49.
CAMARGO, Milton. O passarinho vermelho. Ilustração de Rodrigo Frank. 5. ed.
São Paulo: Ática, 1980.
CARVALHO, Neuza C. de. Fantasia e emancipação em três tempos. In:
CECANTINI, João Luís C. T. (org). Leitura e literatura infanto-juvenil: memória de
Gramado. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2004. p. 98-113.
CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. A literatura infantil: visão histórica e
crítica. 2. ed. São Paulo: Edart, 1982.
CAYRES, Kadu. Contos infantis gays em escolas primárias. Disponível em:
<http:\Coordenadoria de Comunicação - UFRJ - www_olharvirtual_ufrj_br.htm>.
Acessado em 15 mar. 2008.
68
CEVASCO, Maria Elisa. Um plano de trabalho: “Culture is Ordinary”. In: _____,
Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra, 2001. p. 43-75.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil: das
origens Indoeuropéias ao Brasil contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Quíron, 1985.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil: teoria e prática. São Paulo:
Ática. 1984.
DIAS, Maria Berenice. Politicamente correto. Disponível em:
<http://www.consciencia.net/2003/06/07/homoafetivo.html> Acessado em: 22 mai.
2008
DÓRIA, Antonio Sampaio. O preconceito em foco: análise de obras literárias
infanto-juvenis: reflexões sobre histórias e culturas. São Paulo: Paulinas, 2008.
DOURADO, Luiz Ângelo. Homossexualismo (masculino e feminino) e
delinqüência. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Trad. Waltensir Dutra. 5.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 2. ed. São
Paulo: Contexto, 2005.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Trad. Maria
Thereza da Costa Albuquerque. 12. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1997.
FILHO, Antenor Antônio Gonçalves, Educação e literatura: o que você precisa
saber sobre. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
FROMM, Erich. A natureza da linguagem simbólica. In: _____, A linguagem
esquecida: uma introdução ao entendimento dos sonhos, contos de fadas e
mitos. 7. ed. Trad. Octavio Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
GRUPO ARCO-ÍRIS. Símbolos, gays, lésbicos e afins. Disponível em:
<http://www.arco-iris.org.br/_prt/dicas/c_dica_simbolo.php#topo>. Acessado em: 05
dez. 2008.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. de Tomaz Tadeu
da Silva & Guacira Lopes Louro. 10 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
HALPERIN, David M. L´identité gay après Foucault. In: ERIBON, Didier (dir.). Les
etudés gay et lesbiennes. Paris: Centre Georges Pompidou, 1998, p. 117-123.
69
LOPES, Denílson. O homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2002.
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria
queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
_____. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 9.
ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007a.
_____. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Trad. Tomaz Tadeu
da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2007b.
MAGALHÃES, Antônio Carlos de Melo & SILVA, Eli Brandão. Religião, sexualidade
e representações de gênero. Considerações finais. In: SILVA, Antônio de Pádua
Dias da (org). Identidade de gêneros e práticas discursiva. Campina Grande:
EDUEP, 2008. p. 159-164.
MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação: da antiguidade aos
nossos dias. Trad. de Gaetano Lo Mônaco. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
MARTINS, Georgina da Costa. O menino que brincava de ser. 2. ed. Ilustração
Pynki Wayner. São Paulo: DCL, 2000.
MEINCKE, Silvio. Homoafetividade. Disponível em:
<http://www.jornalocaminho.com.br/ultima-hora_noticia.php?noticiaId=2383>
Acessado em: 22 mai. 2008.
MIRANDA, Adriana. Um homossexual é morto a cada 48 horas no Brasil: a
violência contra uma minoria que representa 10% da população. Jornal da
Unicamp, 2007. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/jan2001/pagina8-Ju158.html>.
Acesso em: 17 jun. 2007.
NUNES, Lygia Bojunga. A bolsa amarela. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
QUEIROZ, Bartolomeu Campos Queiroz. O peixe e o pássaro. 6. ed. Belo
Horizonte: Formato Editorial, 1991.
RÊGO, Zila Letícia Goulart Pereira. Poesia e subjetividade: uma experiência para
jovens leitores. In: CECCANTINI, João Luís C. T (org). Leitura e literatura infanto-
juvenil – Memória de Gramado. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2004.
ROUDINESCO, Elizabeth. A derrota do sujeito. In: Por que a psicanálise? Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
RUPER, A. Cultura, diferença, identidade. In: _____. Cultura. Bauru: EDUSC, 2002.
p. 287-311.
70
SAID, Edward. Introdução. In: Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993. p. 11-31.
SALEM, Nazira. História da literatura infantil. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
SANTOS, Anderson Cleyton Soares dos. O que é tolerância? Disponível em:
<htpp://www.paralerepensar.com.br>. Acesso em 15/07/2008.
SIDEKUM, Antônio. Alteridade e interculturalidade. In: _____ (org). Alteridade e
multiculturalismo. Ijuí: Editora Inijuí, 2003, p. 233-295.
SLAVUTZKY, Abrão. Família: estrutura edípica. In: Psicanálise e cultura. Rio de
Janeiro: Vozes, 1988. p. 76-93.
SILVA, Antônio de Pádua Dias da. A temática homoerótica na literatura infanto-
juvenil. In: CARDOSO, Ana Leal & GOMES, Carlos Magno (orgs.). Do imaginário
às representações na literatura. São Cristóvão: Editora UFS, 2007a, p. 145-157.
_____. A literatura infanto-juvenil e a homossexualidade. In: Revista Sócio Poética.
Campina Grande: EDUEP. v.1, n 2, jul/dez, 2007b. p. 121-128.
_____. Especulações sobre uma história da literatura brasileira de temática gay. In:
SILVA, Antônio de Pádua Dias da (org). Aspectos da literatura gay. João Pessoa:
Editora Universitária, 2008. p. 25-49.
SILVA, Luciano Ferreira da. Saindo de casa: a autonomia em o passarinho
vermelho. In: SILVA, Antônio de Pádua Dias da. Identidades de gênero e práticas
discursiva. Campina Grande: EDUEP, 2008. p. 367-375.
SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
_____. Documentos de Identidade: Uma Introdução às Teorias do Currículo. 2.
ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
TRASFERETTI, José. Ética e responsabilidade social. São Paulo: Alínea, 2006.
TURCHI, Maria Zaira. O estético e o ético na literatura infantil. In: CECCANTINI,
João Luís C. T. (org). Leitura e literatura infanto-juvenil: Memória de Gramado.
São Paulo: Cultura Acadêmica, 2004.
UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e parentalidade. In: HEILBORN, Maria
Luiza. (org). Família e sexualidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 87-117
WEEKS, Jeffrey. Introduction to Gay Hoequengham´s Homossexual Desire. In:
RIVKIN, Julie and Ryan, Michel (eds). Theory of Literature: an Anthology. Oxford:
Blackwell, 1998. p. 692-969.
71
_____. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (org). O corpo
educado: pedagogias da sexualidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. 2. ed.
reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 35-82.
YUNES, Eliana & PONDÉ, Glória. Leitura e leituras da literatura infantil. São
Paulo: FTD, 1988.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo