63
na contemporaneidade utiliza-se das mais variadas instituições sócioculturais, de
forma sutil, para “eternizar” a sua posição, hoje ameaçada na sociedade.
O poder funciona como um mecanismo de apelação, atrai, extrai, essas
estranhezas pelas quais se desvela. O prazer se difunde através do poder
cerceador e este fixa o prazer que acaba de desvendar. O exame médico, a
investigação psiquiátrica, o relatório pedagógico e os controles familiares
podem, muito bem, ter como objetivo global e aparente dizer não a todas as
sexualidades errantes ou improdutivas mas, na realidade, funcionam como
mecanismos de dupla incitação: prazer e poder. Prazer em exercer um
poder que questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela; e,
por outro lado, prazer que se abrasa por ter que escapar a esse poder,
fugir-lhe, enganá-lo ou travesti-lo. Poder que se deixa invadir pelo prazer
que persegue e, diante dele, poder que se afirma no prazer de mostrar-se,
de escandalizar ou de resistir. Captação e sedução; confronto e reforço
recíprocos: pais e filhos, adulto e adolescente, educador e alunos, médico e
doente, e o psiquiatra com sua histérica e seus perversos, não cessaram de
desempenhar esse papel desde o século XIX. (FOUCAULT, 1988, p. 45)
Lutar contra esse poder é uma tarefa árdua, sobretudo é importante ressaltar
que assim como ele vem se perpetuando sutilmente, uma das melhores formas
também de combatê-lo no que diz respeito à marginalização de determinados
grupos como os homoafetivos, “(des)marginalizá-los”, é através dessa sutileza.
Aparentemente, nesse contexto, nada parece ser mais sutil do que a literatura,
principalmente a infantil, para cumprir com esse papel de percepção e aceitação do
“diferente” sexual no imaginário da criança. É através de narrativas que tratam do
homoafetivo com um olhar mais humano, estimulado desde a infância, que, aos
poucos, num futuro talvez não muito distante, esse olhar realmente contagie e se
espalhe pela sociedade.
Entendemos, assim, que se as crianças podem ser convencidas, orientadas,
estimuladas, conduzidas, através da educação, para a “aceitação” da cultura
heterossexual, também podem através destes mesmos instrumentos, ser educadas
contra a cultura homofóbica, podendo aprender a respeitar e tolerar o diferente
sexual: “O texto literário deve ter a capacidade de convidar o leitor para desconstruir
a realidade pronta e estabelecida, a fim de instituir-se a organização de outras
ordens, de outras formas de querer e realizar.” (CAVALCANTI, 2002, p. 55) A
literatura infantil é um suporte para a experimentação do mundo exterior e, por isso,
capaz de ajudar nesse processo de aprendizagem e construção simbólica de uma
identidade positiva em relação ao homoafetivo.