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Nos dois últimos capítulos da Interpretação dos sonhos, meditando
detalhadamente sobre o trabalho do sonho e a psicologia do processo do sonho,
Freud é compelido, sob o risco de algum atordoamento, a explodir a idéia de
qualquer atividade unificada para a psique.
132
Finalmente, nas Notas sobre o bloco mágico
133
, Freud apresenta sua última
versão do aparelho psíquico inspirado no brinquedo chamado bloco mágico
134
.
Nesta última versão, a metáfora gráfica vai descrever não só o conteúdo, mas
também o próprio aparelho que se define, então, como uma máquina de
escritura; máquina que vai responder à questão fundamental - recepção ilimitada
e retenção dos traços -, relacionando os lugares psíquicos e suas funções:
percepção e memória
135
. O bloco mágico opera segundo a lógica da escritura -
valorizada e resgatada por Derrida, lógica que, ao estruturar tanto o conteúdo
quanto a própria máquina, provoca uma indecidibilidade que confunde todos os
limites: superfície e profundidade, presente e passado, vida e morte, inscrição e
recalque, psíquico e máquina etc., se embaralham. Citamos Kofman a respeito
desta cena de escritura:
Não há escritura sem recalque: ‘Sua condição é que não haja nem um contato
permanente nem uma ruptura absoluta entre as camadas. Se houvesse apenas a
percepção, a permeabilidade pura às explorações (Bahnung), não haveria
exploração. Nós seríamos escritos, mas nada seria consignado, nenhuma escrita
se produziria, nem se reteria, nem se repetiria como legibilidade. Mas a
percepção pura não existe: nós só somos escritos escrevendo, pela instância em
132
SPIVAK. Prefácio, pp.xxxix/xl.
133
FREUD, S. Notas sobre o Bloco Mágico. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1980. vol.xix. Doravante
referido como bloco mágico.
134
“O Bloco Mágico é uma prancha de resina ou cera castanha-escura, com uma borda de papel;
sobre a prancha está colocada uma folha fina e transparente, da qual a extremidade superior se
encontra firmemente presa à prancha e a inferior repousa sobre ela sem estar nela fixada. Essa
folha transparente constitui a parte mais interessante do pequeno dispositivo. Ela própria consiste
em duas camadas, capazes de ser desligadas uma da outra em suas duas extremidades. A camada
superior é um pedaço transparente de celulóide; a inferior é feita de papel encerado fino e
transparente. Quando o aparelho não está em uso, a superfície inferior do papel encerado adere
ligeiramente à superfície superior da prancha de cera.” ( FREUD, S. Bloco Mágico, vol.xix,
p.287).
135
Analogia entre o bloco mágico e o aparelho psíquico: A camada de celulose e a folha de papel
encerado representam o sistema Pcpt-Cs - a folha de celulose como escudo protetor contra os
estímulos e a folha de papel como a camada que recebe os estímulos. Levantando-se as duas folhas
a escrita desaparece. A superfície do bloco está limpa, porém a camada de cera registrou e retém o
traço do que foi escrito. Traço, que pode ser lido, dependendo de uma ‘luz apropriada’. Citamos
Freud: “Assim o bloco fornece não apenas uma superfície receptiva, utilizável repetidas vezes
como uma lousa, mas também traços permanentes do que foi escrito, como um bloco comum de
papel: ele soluciona o problema de combinar as duas funções dividindo-as entre duas partes ou
sistemas componentes separados mas interrelacionados”. (FREUD, S. Bloco Mágico, vol.xix,
p.289) Acrescentamos, ainda: a camada que recebe os estímulos é o sistema Pcpt-Cs e a memória
‘ocorre em outros sistemas, contíguos.’
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