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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A fantasia em Melanie Klein e Lacan: diferenças e similaridades.
Florianópolis, 2008.
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Marcella Pereira de Oliveira
A fantasia em Melanie Klein e Lacan: diferenças e similaridades
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Santa Catarina, como requisito para
a obtenção de grau de Mestre em Psicologia,
na linha de pesquisa Práticas Sociais e
Constituição do Sujeito, sob orientação do Prof
Dr. Sérgio Scotti.
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Dedico esta dissertação à minha mãe, por
sempre ter feito o possível e o impossível
para que eu atingisse todos os meus
objetivos...
Ao superar mais este desafio, não posso
deixar de lhe tirar este mérito: É sua
também mãe!
4
Agradecimentos
A toda a minha família, pelo apoio nesta difícil tarefa, especialmente ao meu
pai, pelo apoio financeiro;
Ao meu orientador, Sérgio Scotti, pela paciência ao me ensinar no início do
percurso e compreensão neste período final quando precisei...enfim, por toda a
orientação;
À minha orientadora, Maria Thereza C. C. de Souza, e minhas colegas de
iniciação científica Camila e Samanta, por todo o aprendizado ao longo dos cinco anos
de graduação, pela atenção durante nossas infinitas tardes de sexta-feira, as quais
deram oportunidade de construirmos uma grande amizade;
A todos os professores do departamento de psicologia da UFSC que de alguma
forma me ajudaram neste percurso, em especial ao prof. Fernando Aguiar, por toda a
ajuda e esclarecimento;
A todos os meus colegas de mestrado, em especial ao Cláudio, Evandro, Jana e
Rita, pela ajuda e paciência, por todas as festas e cervejas e toda a amizade que
construímos;
Enfim, a todos os que, de alguma forma, me ajudaram na realização de mais
este sonho!
5
Resumo
Esta dissertação é um estudo bibliográfico a respeito das similaridades e
diferenças do conceito de fantasia nas teorias de Melanie Klein e Jacques Lacan, com
objetivo final de enfoque no que o autor francês avançou em relação à autora austríaca
no que diz respeito a este conceito. Encontra-se dividido em quatro partes: a primeira é
uma introdução que inclui a apresentação do trabalho; a contextualização dos dois
autores que norteiam o estudo e uma introdução à temática das fantasias com base nas
teorias de Sigmund Freud, pai da psicanálise, de Melanie Klein e de Jacques Lacan,
uma vez que os dois últimos partiram do primeiro na construção de suas próprias
teorias. A segunda é uma confrontação das teorizações kleiniana e lacaniana a respeito
das fantasias, ressaltando diferenças e semelhanças entre ambas. A terceira é uma nova
confrontação de ambas as teorizações, porém com um novo enfoque: defender a
hipótese de que o autor francês, em sua teorização acerca das fantasias, foi além da
autora austríaca, que não deixou de considerar suas produções e ainda refletiu acerca
de aspectos não aprofundados por Klein. A quarta e última contém uma reflexão final a
respeito de tudo que foi abordado ao longo do trabalho, enfatizando, mais uma vez, o
avanço lacaniano. Como material e método de trabalho, foram utilizadas para a
produção da primeira parte obras de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, bem como de
seus seguidores, na função de comentadores, assim como também de Melanie Klein e
de Jacques Lacan e de seus respectivos seguidores. para a produção da segunda,
terceira e quarta partes foram utilizadas obras apenas das teorizações kleiniana e
lacaniana (dos próprios autores e seus seguidores, na função de comentadores).
Palavras-chave: Fantasia; Psicanálise; Melanie Klein; Lacan.
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Abstract
This dissertation is a bibliographical study about the similarities and differences
of the concept of fantasy in the theories of Melanie Klein and Jacques Lacan, with
ultimate goal of focusing on the French author moved on to the Austrian author with
regard to this concept. It is divided in four parts: the first one is an introduction that
includes the presentation of the work, the contextualization of the two authors that guide
the study and an introduction to the topic of fantasies based on the theories of Sigmund
Freud, the father of psychoanalysis, and also of Melanie Klein and Jacques Lacan, since
the two last had used works from the first to build their own theories. The second one is
a confrontation of Klein and Lacan theories about the fantasies, emphasizing differences
and similarities between them. The third one is a new confrontation of both theories, but
with a new focus: to defend the hypothesis that the French author, in his theories about
the fantasies, was beyond the Austrian author, since he had considered her productions
as well reflected on issues not detailed by Klein. The fourth and last one contains a final
reflection about everything that was discussed during the work, emphasizing once again
the progress of Jacques Lacan. As material and working method, were used for the
production of the first part works of Sigmund Freud, the father of psychoanalysis, and
of his followers, in the function of commentators, as well as Melanie Klein and Jacques
Lacan and their followers. For the production of the second, third and fourth parts were
used only works of Melanie Klein and Jacques Lacan (the authors themselves and their
followers, in the role of commentators).
Key-Words: Fantasy; Psychoanalysis; Melanie Klein; Lacan.
7
Sumário:
Capítulo 1. Introdução....................................................................................................10
1-1. Apresentação............................................................................................................10
1-2. Contextualização inicial dos autores que norteiam meu trabalho..........................10
1-3. Conceitos introdutórios sobre a temática das fantasias..........................................16
1-3. a) A fantasia para a teorização freudiana...............................................................17
1-3. b) Melanie Klein e as fantasias inconscientes.........................................................21
1-3. c) A vida fantasística na teorização lacaniana........................................................25
Capítulo 2. Principais aspectos da fantasia em Melanie Klein e em Lacan: diferenças e
semelhanças.....................................................................................................................28
2-1. A natureza da fantasia..............................................................................................28
2-1. a) A natureza da fantasia para a teorização lacaniana...........................................28
2-1. b) A natureza da fantasia kleiniana.........................................................................31
2-2. A atividade fantasística: suas funções.....................................................................33
2-3. As relações objetais..................................................................................................34
2-3. a) A introjeção e a projeção.....................................................................................36
2.4. A fantasia e o desejo.................................................................................................38
2-4. a) A fantasia como suporte do desejo para Lacan...................................................38
2-4. b) A fantasia como realização do desejo para Klein...............................................40
2.5. O significante fantasístico trabalhado por Lacan....................................................41
2.5. a) A fórmula matemática da fantasia lacaniana......................................................41
2-5. b) O significante explorado por Lacan em Bate-se em uma criança.......................46
2-6. A fantasia e as estruturas psíquicas subjacentes.....................................................48
8
2-6. a) As estruturas lacanianas..................................................................................... 48
2-6. b) A atividade fantasística dos psicóticos em Klein.................................................53
2.6. c) Conclusão.............................................................................................................53
2-7. A constituição do sujeito..........................................................................................54
2-7. a) A constituição do sujeito em Lacan: a alienação e a separação.........................54
2-7. b) A constituição do sujeito para Melanie Klein: um percurso nas manifestações
fantasísticas ao longo do desenvolvimento.....................................................................55
2-8. Fantasias e conteúdos patológicos..........................................................................65
2-8. a) A patologia sob uma visão kleiniana...................................................................66
2-8. a) 1. Fixações nos estágios primitivos....................................................................66
2-8. a) 2. As neuroses.....................................................................................................68
2-8. a) 3. Decorrências das neuroses.............................................................................70
2-8. a) 4. A introjeção e projeção associadas à patologia..............................................71
2-8. a) 5. Dificuldades no início do período escolar......................................................72
2-8. b) Alguns tipos de psicoses sob uma visão kleiniana e lacaniana...........................73
2-8. b) 1. A paranóia.......................................................................................................73
2-8. b) 2. A depressão e a melancolia.............................................................................75
2-8. b) 3. A claustrofobia.................................................................................................76
2-8. b) 4. A esquizofrenia................................................................................................77
2-8. b) 5. O Autismo........................................................................................................77
2-8. c) Conclusão.............................................................................................................78
2-9. Fantasias e conteúdos sexuais.................................................................................79
2-9. a) Fantasias sexuais na teorização kleiniana..........................................................80
2-9. a) 1. Fantasias masturbatórias.................................................................................80
2-9. a) 2. Fantasias sexuais das meninas........................................................................83
9
2-9. a) 3. Fantasias sexuais e os sintomas neuróticos.....................................................84
2-9. a) 4. O mistério do ato sexual dos pais....................................................................85
2-9. a) 5. Sublimação: processo fundamental para o aprendizado.................................87
Capítulo 3. O avanço Lacaniano....................................................................................89
3-1. Kant com Sade e o avanço lacaniano......................................................................89
3-1. a) Kant com Sade e a fantasia fundamental.............................................................90
3-1. b) O objeto
α
e a fantasia
perversa..........................................................................92
3-2. Limitações da teorização kleiniana..........................................................................93
3-3. A fantasia do imaginário ao simbólico....................................................................95
3-3. a) Melanie Klein e o imaginário..............................................................................95
3-3. b) Lacan do imaginário ao simbólico......................................................................97
3-4. A fantasia no trabalho de análise..........................................................................100
3-4. a) A análise kleiniana.............................................................................................101
3-4. b) A análise lacaniana............................................................................................105
3-4. c) O avanço lacaniano no trabalho analítico........................................................108
Capítulo 4. Palavras finais...........................................................................................111
5. Referências bibliográficas.........................................................................................113
10
1. Introdução
1-1. Apresentação
Meu trabalho tem como principal objetivo a investigação do conceito de
fantasia tal como elaborado por Jacques Lacan e Melanie Klein, confrontando estas
abordagens entre si. Também foi enfocado o que este autor francês conseguiu avançar
em relação à autora austríaca no que concerne à temática da fantasia. Estes dois
psicanalistas foram eleitos devido ao fato de terem desenvolvido teorias com enfoques
bastante divergentes, pode-se dizer até mesmo com abordagens opostas, o que me
instigou a possibilidade de confrontação de ambas.
Foi realizada uma pesquisa documental, de caráter bibliográfico, ou seja, para
atingir meu objetivo foram utilizadas as principais obras a respeito da temática das
fantasias dos psicanalistas que norteiam meu trabalho. Também foram utilizadas obras
e informações orais de seguidores dos mesmos, na função de comentadores, com intuito
de um melhor esclarecimento acerca das idéias destes dois principais autores.
1-2. Contextualização inicial dos autores que norteiam meu trabalho
Dentre os psicanalistas freudianos, Karl Abraham merece um especial destaque
devido a sua colaboração no desenvolvimento de uma teoria que destaca a agressividade
como algo de importância crucial durante os primeiros meses de desenvolvimento da
criança, bem como ao implantar a clínica psicanalítica no tratamento das psicoses. Entre
os discípulos deste autor destaca-se Melanie Klein. A autora, além de haver feito análise
11
com Abraham, foi seguidora dos seus pensamentos, tendo sido sempre encorajada e
estimulada pelo mesmo em seus estudos, considerando-o seu grande mestre.
Nascida na Áustria, Klein passou grande parte de sua vida na Inglaterra, devido
ao incentivo de seu amigo, também psicanalista, Ernest Jones. A partir de sua leitura da
obra freudiana Sobre os sonhos (FREUD, 1900/1969), em 1914, Klein se engaja no
movimento psicanalítico iniciando uma empreitada que terá fim com seu falecimento
em 1960. Esta autora transformou o freudismo clássico, criando uma nova forma de
análise, a análise de crianças, aprofundando-se no estudo da mente das crianças de tenra
idade, em suas fantasias, medos, angústias, etc. Sua primeira tarefa foi desenvolver uma
técnica de análise que viabilizasse o acesso ao inconsciente infantil, já que não é
esperado que uma criança pequena colabore com a técnica de associação livre
(MONEY-KYRLE, 1980). Ela desenvolveu então a análise através da brincadeira. Por
meio desta a autora interpretava as fantasias, as angústias, e outras manifestações do
inconsciente da criança, as quais eram expressas de maneira simbólica.
O comprometimento de Melanie Klein com a teoria freudiana pode ser visto na
relevância que ela atribui ao inconsciente e seus processos, os quais são expressos
através de sonhos, particularidades da fala, brincadeiras e ações. Contudo, a autora
diverge do pai da psicanálise em relação à importância crucial que este atribui à
sexualidade, uma vez que coloca a agressividade, inata na criança, como central em sua
teoria (JORGE, 2007a).
Esta autora austríaca ampliou o freudismo clássico ao estudar os sentimentos
presentes nas relações do neonato com sua mãe; bem como ao aprofundar-se nos
fenômenos psicóticos, já que estes foram abordados por Freud escassamente. A
teorização kleiniana a respeito das fantasias inconscientes é muito mais precisa e
detalhada (RIVIERE, 1986a). Pode-se dizer que a autora aumentou o poder da análise
12
clínica e aplicada, ao abordar estes aspectos que não foram explorados por Freud
(MONEY-KYRLE, 1980). Portanto, a partir do pensamento psicanalítico de Sigmund
Freud, Klein criou uma nova escola de psicanálise na Inglaterra, o kleinismo, e,
portanto, merece o reconhecimento como chefe de uma escola (ROUDINESCO; PLON,
1998).
Ao estudar o desenvolvimento de crianças muito pequenas, Klein (apud
MEZAN, 2002) comprova a teoria de Abraham a respeito da existência de uma
agressividade inata em suas vidas, a qual determina que elas sejam tomadas por um
grande sentimento de culpa e de perseguição, sentimentos que evidenciam a presença de
um superego.
Desta forma, a autora discordou de Freud no tocante a esta questão. Para este, o
superego era formado em conseqüência do complexo de Édipo
1
, por volta dos cinco
anos de idade, através da internalização das restrições impostas pelos pais, como um
controle interno dos impulsos. Já para Melanie Klein o superego é formado muito antes,
durante os primeiros meses de vida, juntamente à formação do complexo de Édipo,
podendo-se falar de um superego e um Édipo precoces em relação à teoria freudiana. A
formação do superego para a teoria kleiniana ocorre por meio dos mecanismos de
introjeção e projeção realizados para com o mundo externo, os quais significam a
internalização no mundo interno da criança de aspectos de objetos com os quais se
identifica e a projeção nos objetos do mundo exterior de aspectos que não suporta como
seus.
Pode-se afirmar que uma das principais contribuições da teorização kleiniana
são os conceitos de posição esquizo-paranóide e posição depressiva. Estes são períodos
1
Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. Sob sua
forma direta positiva, o complexo apresenta-se como na história do Édipo-Rei: desejo da morte do rival
que é o personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto (LAPLANCHE;
PONTALIS, 1988a).
13
normais do desenvolvimento que perpassam a vida de todas as crianças, tais como as
fases do desenvolvimento psicossexual criadas por Freud (1905/1969). Contudo, são
mais maleáveis do que estas fases, devido ao fato de instalarem-se por necessidade, e
não por maturação biológica; embora a autora não deixe de considerar as fases da teoria
freudiana a respeito do desenvolvimento infanto-juvenil (SIMON, 1986).
O bebê nasce imerso na posição esquizo-paranóide, cujas principais
características são: a fragmentação do ego; a divisão do objeto externo (a mãe), ou mais
particularmente de seu seio, que este é o primeiro objeto com o qual a criança
estabelece contato, em seio bom e seio mau – o primeiro é aquele que a gratifica
infinitamente e o segundo aquele que somente lhe provoca frustração –; a agressividade
e a realização de ataques sádicos dirigidos à figura materna. A posição depressiva
emerge com a elaboração dos sentimentos característicos da posição anterior. Seus
principais atributos são: a integração do ego e do objeto externo (mãe/seio), sentimentos
afetivos e defesas relativas à possível perda do objeto em decorrência dos ataques
realizados na posição anterior. Estas posições continuam presentes pelo resto da vida,
alternando-se em função do contexto, embora a posição depressiva predomine num
desenvolvimento saudável (SIMON, 1986).
Voltando-nos para a teorização de Jacques Lacan, a partir da publicação de sua
tese de doutorado, em 1932, intitulada “Da psicose paranóica em suas relações com a
personalidade”, este autor inicia uma jornada que culmina no seu reconhecimento como
o verdadeiro mestre da psicanálise na França. Diferentemente de Melanie Klein, Lacan
propôs um retorno integral à obra freudiana, o qual teve início por volta de 1950 e
chegou ao fim devido à doença e o conseqüente falecimento do autor, em 1981. Em
seus famosos seminários proferidos publicamente, Lacan analisava minuciosamente os
principais textos freudianos. Porém, apesar de haver se implicado neste princípio de
14
leitura das obras de Freud em sua integridade, atentamente, Lacan acabou por criar uma
nova escola de psicanálise, que suas teorias avançaram por demais na obra freudiana
(MEZAN, 2002).
A teoria lacaniana proporcionou uma grande contribuição à psicanálise ao
atribuir um caráter lingüístico-filosófico à obra de Sigmund Freud, até então baseada em
alicerces neurobiológicos. Suas obras podem ser facilmente reconhecidas pelo seu
estilo, barroco e sofisticado, de difícil compreensão. O autor foi também leitor da
filosofia heideggeriana, da lingüística saussuriana e das teorias de Lévi-Strauss
(ROUDINESCO; PLON, 1998). Com base na primeira, retirou seu questionamento
acerca da verdade e do ser, sempre presente em seu pensamento; já baseado na segunda,
retirou sua idéia de que “o inconsciente está estruturado como uma linguagem”, ou seja,
de que o simbólico organiza o inconsciente; e a partir da terceira ele justamente deduziu
a noção de simbólico.
Partindo destas teorias, o autor desenvolveu as três instâncias psíquicas: a
imaginária, lugar do Eu por excelência, passível de ser representada de diversas
maneiras, através de imagens; a simbólica, a qual é demonstrada pelas construções
lacanianas através das leis da linguagem, obedecendo às regras e leis desta; e a real, a
qual designa uma realidade impossível de representação e de simbolização, ou seja, o
oposto do imaginário, a ausência de sentido. É importante ressaltar que a simbólica foi a
mais enfatizada e mais bem desenvolvida pelo autor (ROUDINESCO; PLON, 1998).
A afirmação de que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” é uma
grande marca de sua obra. Contudo, não podemos deixar de mencionar que, antes de
identificar o inconsciente como lugar próprio da linguagem, Lacan estudou o campo
social, a família e o estádio especular que perpassa a criança no início de sua vida. Estes
são lugares de acontecimento dos fenômenos psíquicos (BASTOS, 2003). O campo
15
social não foi enfatizado como determinante da mente; Lacan procurou mostrar a
formação do psiquismo a partir da relação do sujeito consigo mesmo, e dele com algum
outro. Contudo, a família foi colocada como central na determinação das relações
sociais do sujeito, uma vez que ela tem um papel fundamental na transmissão cultural e
preside os mais importantes processos psíquicos.
Enquanto Freud criou sua teoria embasada na sexualidade, Lacan colocou o
sujeito como objeto central de sua obra (NOBUS, 2001). Por meio do estádio do
espelho, aliado aos três tempos do Édipo, postulados por Lacan, o infante é capaz de
construir sua própria identidade corporal, distinta da mãe, através de sua imagem
corporal (DOR, 1989). A experiência da criança no espelho é realizada em três tempos
fundamentais: o primeiro é aquele no qual ela não diferencia o seu corpo do corpo
materno. Durante o segundo tempo, a criança descobre que o outro que ela projetado
no espelho não é uma pessoa, mas sim uma imagem e torna-se capaz de distinguir sua
imagem da imagem do outro (mãe). durante o terceiro a criança toma conhecimento
de que o sujeito visto por ela no espelho não é apenas uma imagem, mas a sua própria
imagem. Desta forma, ela adquire a sua identificação primordial; a conquista da
identidade é então sustentada pela dimensão imaginária.
Contudo, a separação definitiva entre a criança e a mãe ocorre durante os três
tempos do Édipo, postulados por Lacan: durante o primeiro tempo, o predominante é a
relação fusional entre a criança e a e; aquela está sujeita ao desejo desta. Com o
surgimento da dialética de ser ou não ser o falo
2
da mãe é anunciada a entrada no
segundo tempo do Édipo, no qual a presença paterna se faz sentir, com a intrusão do
genitor na célula narcísica. Este tempo é fundamental para a entrada da dimensão
2
O falo, na teorização lacaniana, é o próprio significante do desejo, um atributo divino, inacessível ao
homem (ROUDINESCO; PLON, 1998).
16
simbólica na vida da criança, através da lei do pai, (Nome-do-Pai
3
, ou Não-do-Pai,
também denominado por Lacan de recalque originário), a qual eleva o pai à dignidade
de pai simbólico. O genitor então se mostra como um suposto portador do falo, objeto
do desejo da e, colocando a criança na dialética de ter ou não ter o falo. O terceiro e
último tempo anuncia o declínio do Édipo. Aqui o pai precisa comprovar sua posse do
falo, sua lei é percebida de maneira simbólica.
A dialética do ter, mencionada acima, convoca o jogo das identificações: o
menino se identifica com seu pai, uma vez que ele é o suposto portador do falo e a
menina com sua e, que esta é quem sabe onde o falo se encontra. Já que a criança
não pode mais ser o falo, ela está apta a buscar objetos que substituam os pais como
objeto de desejo, buscando, desta forma, a substituição do objeto perdido. A metáfora
paterna Nome-do-Pai engaja a criança no status de ser um sujeito desejante, e não
mais submetido ao desejo de sua mãe.
1-3. Conceitos introdutórios sobre a temática das fantasias
Esta pesquisa tem como enfoque uma confrontação do conceito de fantasia tal
como proposto pelas teorias de Jacques Lacan e Melanie Klein, ressaltando o que aquele
autor avançou em relação às teorizações desta autora, no que diz respeito a este
conceito. Meu interesse pelas fantasias emergiu a partir de minhas pesquisas de
graduação, as quais consistiam em um estudo de campo, embasado na teoria piagetiana
e em contos de fadas dos irmãos Grimm. Os participantes, crianças e adolescentes de
cinco a quinze anos, foram entrevistados por meio de um protocolo baseado em um
determinado conto de fadas dos irmãos Grimm, previamente estabelecido, e suas
3
Termo criado por Jacques Lacan para designar o significante da função paterna. Em francês, Nom du
père (ROUDINESCO; PLON, 1998).
17
respostas foram classificadas em categorias de desenvolvimento estabelecidas a
posteriori.
Os resultados permitiram observar que as respostas de alguns participantes não
se enquadravam na categoria esperada, de acordo tanto com a teoria de Piaget quanto
com o padrão das respostas que vinham sendo emitidas pelos mesmos, no decorrer do
protocolo. Isto me ocasionou a hipótese de que fantasias inconscientes poderiam estar
atuando no mundo interno destas crianças e adolescentes, fazendo com que suas
respostas estivessem sendo emitidas com base em uma percepção deformada da
realidade, o que despertou minha curiosidade em estudar esta temática.
1-3. a) A fantasia para a teorização freudiana
O conceito de fantasia aparece na psicanálise em decorrência do trabalho de
Freud com os pacientes histéricos. Sua importância decorre do fato de que em certo
momento de seus estudos ele abandona a teoria da vivência de um trauma sexual como
o causador da histeria e coloca, em seu lugar, a relevância da vida fantasística como um
possível fator etiológico para esta enfermidade que se alastrava naquele período
(MEZAN, 2002).
Isto é possível de ser constatado através dos documentos de Freud dirigidos a
Fliess. No Rascunho L, uma destas cartas, o pai da psicanálise afirma que as fantasias
são fachadas psíquicas construídas pelos histéricos com a finalidade de obstruir o
caminho para as lembranças sexuais traumáticas (FREUD, 1897a/1969). As fantasias se
apresentam à teoria psicanalítica, por conseguinte, relacionadas à lembrança de
conteúdos sexuais. Freud ainda afirma, no Rascunho M, que todas as fobias são
18
derivadas de fantasias, as quais estão relacionadas não apenas à etiologia da histeria
como também a outros distúrbios neuróticos (FREUD, 1897b/1969).
Prosseguindo, através da carta 101 e da carta 105 dirigidas a Fliess, é possível
compreender que as fantasias são pensamentos que ocorrem durante um período
posterior do desenvolvimento, de caráter sexual, os quais foram projetados na primitiva
infância (FREUD, 1899a/1969, 1899b/1969). Pode-se afirmar então que a experiência
sexual traumática referida acima não ocorreu de fato; ela não passou de uma fantasia.
Os ataques histéricos, portanto, não passam de realizações de desejos, tal como os
sonhos. Pode-se dizer que a emergência das fantasias em substituição à crença na
experiência sexual traumática desembocou em um novo rumo na teoria psicanalítica
(FREUD, 1906/1969), que, a partir de então, os sintomas neuróticos foram
compreendidos como representações de fantasias convertidas, cujo conteúdo está
relacionado a algum desejo de caráter sexual, e não a um trauma real.
De acordo com Jorge (2007c) a aparição da fantasia na psicanálise é o marco
que determina o nascimento propriamente dito desta escola. No momento em que Freud
se liberta da questão do trauma e da sedução como fatores determinantes da histeria e
leva em consideração a existência da vida de fantasia, a psicanálise vigora como uma
teoria de estudo da mente humana. Não importa se esta fantasia ocorreu na realidade ou
não, mas sim que existe uma atividade fantasística operando na vida psíquica.
O conceito de fantasia é bastante amplo, refere-se a diferentes significados, os
quais são determinados socialmente e culturalmente. O termo Phantasie, alemão,
designa a imaginação, ou seja, a atividade criadora, o mundo imaginário e seus
conteúdos. Já fantasme, francês, designa a formação imaginária, está mais carregado de
ressonâncias psicanalíticas do que seu sinônimo alemão e seu uso é mais restrito
(LAPLANCHE; PONTALIS, 1988b). Freqüentemente o termo “fantasia inconsciente”
19
é utilizado referindo-se a formações imaginárias, sonhos diurnos pertencentes à esfera
pré-consciente, ou até mesmo consciente.
É possível distinguir diversos tipos de fantasia a partir da teorização freudiana,
tais como as conscientes, subliminares, inconscientes e as protofantasias (fantasias
relativas às origens da história do sujeito, filogeneticamente transmitidas); porém o
interesse de Freud estava muito mais em relacioná-las do que em distingui-las. De uma
forma geral, pode-se afirmar que a fantasia é uma “encenação imaginária em que o
indivíduo está presente e que figura, de modo mais ou menos deformado pelos
processos defensivos, a realização de um desejo e, em última análise, de um desejo
inconsciente”
(LAPLANCHE; PONTALIS, 1988b, p. 228).
Para o pai da psicanálise, as fantasias conscientes são os devaneios diurnos,
romances que o sujeito conta a si mesmo ou até formas de criação literária; ao passo que
as inconscientes são bem representadas pelos devaneios subliminares, cujo conteúdo
pode estar relacionado a prefigurações dos sintomas neuróticos, como no caso da
histeria (ROUDINESCO; PLON, 1998).
É possível destacarmos um período na obra freudiana, que vai de cerca de 1907
a 1911, denominado de ciclo da fantasia (JORGE, 2006b), durante o qual o pai da
psicanálise produziu uma série de artigos tratando desta temática, cada qual com
enfoque em determinados aspectos. Dentre estes se destacam: a fantasia e a criação
literária, a fantasia e o sintoma (histérico, particularmente), a fantasia e os conteúdos
sexuais infantis, a fantasia e os conteúdos familiares, etc. Começando em 1907 com o
texto Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen e terminando em 1911 com o texto
Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental, Freud se debruçou
quase que exclusivamente sobre este tema durante quatro anos de sua vida.
20
A partir destes curtos textos produzidos neste período pode-se concluir que a
fantasia emerge a partir da noção de realidade psíquica e do abandono da teoria de
sedução das histéricas. Ela entra em cena como um substituto da brincadeira infantil
(FREUD, 1907/1969), levando-se em conta a dificuldade de abdicação de uma atividade
prazerosa. De acordo com Laplanche (1992), seguidor de Freud, as fantasias originárias,
também denominadas de protofantasias
4
, são consideradas verdadeiros conceitos, na
medida em que antecedem à existência do indivíduo (embora venhamos a ter
consciência delas durante o período de latência). São fantasias universais, presentes em
todos os indivíduos, seja qual for a sua história. Diferentemente do que acontece nos
devaneios diurnos, nas fantasias originárias o sujeito não narra a sua fantasia em
primeira pessoa. Ele é um dos personagens dentre outros possíveis nestes “roteiros
conceituais”; são fantasias dessubjetivadas.
O autor menciona quatro tipos de roteiros presentes nestas fantasias: de sedução,
de castração, da cena primária e de retorno ao seio materno. Todos estes se referem a
temas fundamentais da vida do sujeito: o primeiro remete à origem, ao aparecimento da
sexualidade; o segundo a origem da diferença entre os sexos; o terceiro à própria origem
do indivíduo e o quarto ao retorno às origens da existência. Desta forma, estas fantasias
agem tal como os mitos coletivos, propondo explicações para estes enigmas
fundamentais (LAPLANCHE; PONTALIS, 1988a). Elas são, portanto, determinantes
da história infantil. Acompanham todo o desenvolvimento do Édipo, desde a entrada da
criança neste conflito até a superação do mesmo.
Portanto, para a teoria freudiana, a atividade fantasística consciente entra em
cena durante o período de infância, que seria insuportável o abandono da brincadeira
sem uma atividade compensatória. As brincadeiras nunca são simplesmente erradicadas,
4
Em alemão, Urphantasien.
21
mas sim substituídas por outras, na forma de fantasias inconscientes, as quais perduram
para o resto da vida das mais diversas maneiras. Elas atuam de acordo com a situação na
qual estão inseridas, embora os adultos não manifestem suas fantasias espontaneamente
por as considerarem motivo de vergonha. Um exemplo da presença das fantasias na vida
adulta é, além dos sintomas histéricos mencionados, o caso dos artistas, que liberam
sua vida fantasística em suas obras.
A partir do artigo Além do princípio do prazer, a fantasia toma uma dimensão
mais próxima da realidade na obra freudiana. Ela deixa de estar situada como uma
atividade à parte da vida real, e passa a ser encarada de uma maneira não atuante na
realidade, como também necessária à vida cotidiana em nossa sociedade (FREUD,
1920/1969). Até então a fantasia estava relacionada apenas à pulsão sexual,
particularmente com a satisfação desta pulsão. Depois dos anos 20 ela toma uma
dimensão de pulsão de morte; está relacionada à pulsão como um todo. Isto já é
anunciado em seu artigo fundamental de 1919: Bate-se numa criança: uma contribuição
ao estudo da origem das perversões sexuais, e é comprovado no famoso texto O mal
estar na civilização, no qual Freud (1930/1969) se remete à atividade fantasística
presente nas obras dos artistas como uma atividade necessária à tolerância da vida nesta
sociedade em que vivemos, a qual demanda a abdicação de nossos prazeres.
1-3. b) Melanie Klein e as fantasias inconscientes
Em sua clínica, Klein (apud MEZAN, 2002) percebe que as crianças têm uma
imagem de mãe dotada de uma imensa malvadeza, o que, na maioria das vezes, não
corresponde à mãe real. Daí surge o conceito kleiniano de fantasia, a partir da hipótese
de que as crianças estão lidando com uma deformação da mãe real, a qual é criada pelo
22
infante de modo fantasístico. Enquanto Freud enfatizou a energia sexual como elemento
determinante no desenvolvimento infantil, Melanie Klein apoiou sua teoria na ênfase
das fantasias inconscientes, presentes nas relações objetais primitivas. Embora o pai da
psicanálise tenha desenvolvido este conceito, não utilizou as fantasias como ponto de
enfoque ao desenvolver sua teoria, tal como fez Melanie Klein.
Devido à presença de uma agressividade inata, pertencente à posição na qual o
bebê nasce esquizo-paranóide as crianças, em suas fantasias, atacam o corpo desta
terrível mãe. Estes ataques, realizados através de fantasias persecutórias, acarretam, por
sua vez, fantasias de reparação, devido ao medo de retaliação por parte dos objetos
atacados. Estes sentimentos reparatórios tornam-se presentes em conformidade com a
emergência da posição depressiva, a qual, por sua vez, possibilita uma percepção da
mãe como ela realmente é.
Para Klein (apud RIVIERE, 1986a) as fantasias já existem como atividade
psíquica antes de estar estabelecido o princípio de realidade, como uma base para o
desenvolvimento do pensamento, correspondendo a imagens que a criança forma a
partir dos primeiros objetos com os quais se relaciona (seio da mãe, pênis do pai):
À original atividade mental primária, que usualmente permanece
inconsciente, damos o nome de ‘fantasia’ inconsciente. Existe, portanto, uma
fantasia inconsciente subentendida em todos os pensamentos e em todos os
atos (excetuando-se, provavelmente, um reflexo corporal)
(RIVIERE,
1986a, p. 26).
De acordo com a teorização kleiniana e de suas seguidoras Heimann (1986),
Isaacs (1986) e Segal (1966) – as fantasias são inatas, uma vez que são as representantes
dos instintos
5
, os quais agem na vida desde o nascimento. Elas apresentam componentes
5
Termo utilizado pela escola kleiniana, como sinônimo de pulsão, para designar o elo existente entre as
origens biológicas do indivíduo e seu desenvolvimento psicológico (
HINSHELWOOD, 1992)
. A
teorização freudiana optou pelo termo pulsão (em alemão, Trieb) para se referir a este conceito,
23
somáticos e psíquicos, dando origem a processos pré-conscientes e conscientes. Pode-se
concluir que as fantasias correspondem à forma de funcionamento mental primária, de
extrema importância neste período inicial da vida.
A matriz da fantasia inconsciente está na percepção sensorial; embora pertença
ao mundo interior ela determina a atitude da criança em relação a todos os objetos
exteriores. Está relacionada à formação do ego e do superego, exercendo, antes de
estabelecido o princípio de realidade, o pensamento (HEIMANN, 1986). É importante
ressaltar que, assim como as fantasias, estes mecanismos introjetivos e projetivos
persistem por toda a vida, acompanhando a formação da personalidade através da
conexão dos arredores com o mundo interior.
Desta forma, as fantasias continuam presentes durante a vida adulta, tanto em
mentes normais como nas neuróticas embora não funcionem da mesma maneira em
diferentes tipos de estrutura mental. Conforme é atingida a maturidade psíquica, a
fantasia passa a operar de forma mais distinta da realidade, embora fantasia e realidade
nunca sejam independentes. A questão colocada para a escola kleiniana é determinar até
que ponto fantasia e realidade estão interligadas (BENVENUTO, 2001).
Contudo, um momento de instabilidade pode provocar a invasão de fantasias
primitivas características da primeira infância num sujeito adulto. É importante que
o estudo das fantasias aconteça sempre levando em conta a cadeia evolutiva na qual o
sujeito está imerso, já que elas são as representantes de todos os sentimentos que
dominam a mente num determinado momento (ISAACS, 1986). Uma boa maneira de
elucidação das fantasias inconscientes é a própria análise: a transferência dos pacientes
é, em quase sua totalidade, composta por elas.
destacando a existência de um equivalente humano do instinto. Com esta opção, o pai da psicanálise
ressalta que os seres humanos vão além dos outros animais pela capacidade cognitiva.
24
As primeiras fantasias a se manifestarem estão vinculadas aos impulsos
instintivos. Conforme o interesse da criança pelo mundo externo progride, elementos da
realidade objetiva passam a compor o mundo fantasístico. Assim, pode-se afirmar que a
fantasia conecta o mundo interno ao externo, no decorrer do desenvolvimento. Com o
aparecimento dos estímulos visuais, a fantasia deixa de ser dependente dos órgãos dos
sentidos para então formar uma imagem mental de seu conteúdo. O imaginário é a
forma principal pela qual a teorização kleiniana estudou as fantasias. É importante
ressaltar que o imaginário da teorização kleiniana se refere à atividade imaginativa, e
não corresponde à instância imaginária desenvolvida por Lacan, mencionada
anteriormente.
É possível a distinção entre dois conceitos de fantasia: phantasy, com ph, a qual
corresponde à atividade de fantasia inconsciente; e fantasy com f, a qual corresponde à
atividade consciente (ISAACS, 1986) embora isto seja contraditório com a teoria de
Freud, que, para ele, o conceito de fantasia é um só, abarcando a atividade tanto
consciente quanto inconsciente. Para Isaacs (1986), a fantasia é a representante mental
do instinto e expressa a realidade de sua fonte, interna e subjetiva, embora esteja ligada
à realidade objetiva. Ela se transforma de acordo com o desenvolvimento, no decorrer
das experiências corporais, sendo ampliada e elaborada, influenciando e sendo
influenciada pelo ego em maturação.
Klein (1963) distingue as fantasias inconscientes dos sonhos diurnos, devido à
maior profundeza inconsciente em que operam as primeiras. Elas são mais elaboradas e
estão sempre presentes durante toda a vida, referindo-se a mais variada gama de
atividade possível. Assim como o pai da psicanálise, a autora austríaca ressalta a
importância da atividade fantasística dos adultos em atividades como o trabalho
25
artístico, dentre outros trabalhos construtivos. A mente adulta é construída por meio das
fantasias inconscientes, desde os primeiros dias de vida.
Segundo Riviere (1986b), outra seguidora de Melanie Klein, a vida de fantasia
do indivíduo pode ser entendida como “a forma como suas sensações e percepções
reais, internas e externas, são interpretadas e representadas para ele próprio, em sua
mente, sob a influência do princípio de prazer-dor” (RIVIERE, 1986b, p. 52-53).
A autora ainda diz que a vida de fantasia nunca é apenas fantasia, mas sim uma
mistura das realidades externa e interna, por meio de percepções e interpretações.
Algumas funções da fantasia ressaltadas nesse artigo são: assegurar a divisão entre os
objetos bons e maus, realizada na vida primitiva dentro da posição esquizo-paranóide e
manter um refúgio da realidade. Isaacs (1986) ressalta ainda outras funções como a
realização de desejos, a negação, a renovação da segurança, o controle onipotente e a
reparação.
1-3. c) A vida fantasística na teorização lacaniana
A fantasia é trabalhada como um objeto essencial na obra lacaniana, retomada da
teoria freudiana (ROUDINESCO; PLON, 1998). Partindo do famoso artigo de Freud
(1919/1969): Uma criança é espancada: uma contribuição ao estudo da origem das
perversões sexuais, a fantasia é estudada por Lacan nas dimensões imaginária,
simbólica e real. Lacan desenvolve um matema, (
<>
α
) representante da estrutura
simbólica da fantasia, o que mostra seu modo de fazer da psicanálise uma ciência exata.
O autor não deixa de considerar as reflexões realizadas por Melanie Klein, embora
afirme que, uma vez produzidas as fantasias, elas estão relacionadas à dimensão
simbólica.
26
Para Miller (1984), genro e seguidor de Lacan, a fantasia entra em cena no
momento em que é pressentido o desejo do Outro
6
, correspondendo ao recalque
originário. Encontra-se na articulação entre o gozo
7
e o prazer pode-se dizer que ela
permite ao gozo transformar-se em prazer vinculada a uma relação com o objeto, tal
como a expressa na fórmula elaborada por Lacan a respeito da fantasia fundamental.
Está relacionada tanto ao desejo do Outro quanto a uma falta no campo do significante,
decorrente da ausência de conhecimento sobre este desejo.
O valor da psicanálise advém do fato dela operar sobre a fantasia
8
. Isto é
demonstrado por esta doutrina haver nascido com a percepção da fantasia inconsciente
por Freud. A partir de então, ele pôde trabalhar com a fantasia como um mediador do
sujeito com o real, já que esta é algo que realmente existe, embora muitas vezes não se
passe na realidade.
Lacan eleva a fantasia a um ponto de extrema relevância quando defende a
existência de uma fantasia fundamental, ou seja, a hipótese de que a fantasia está
presente na própria constituição do sujeito. Sua fórmula matemática,
(sujeito barrado)
<>
α
(objeto do desejo) significa que o sujeito está o tempo todo em busca do seu objeto
de desejo, questionando-se acerca do que falta ao Outro, de qual é o desejo deste, já que
o desejo é o desejo do Outro.
O símbolo
”, que significa o sujeito barrado em sua atividade, corresponde ao
pólo inconsciente da fantasia, enquanto o
α
, que significa o objeto do desejo,
corresponde ao pólo da pulsão. Já o símbolo “<>”, o qual ilustra o movimento do sujeito
6
Termo utilizado por Lacan para designar um lugar simbólico que determina o sujeito em sua relação
com o desejo (ROUDINESCO; PLON, 1998).
7
O conceito de gozo implica uma transgressão à lei. Pode ser entendido como uma tentativa de
ultrapassar os limites do princípio do prazer (ROUDINESCO; PLON, 1998).
8
Informação fornecida por Marco Antonio Coutinho Jorge na conferência “A fantasia de Freud a Lacan”,
realizada no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina em Setembro de
2007
.
27
em direção ao objeto do desejo, representa o lugar do desejo, cuja falta é o que sustenta
toda a estrutura da fantasia. Neste sentido, dentro da teoria lacaniana, desejo pode ser
entendido como sinônimo de falta, já que o desejo é o desejo do Outro e o sujeito
humano vive justamente em uma busca constante de descobri-lo.
Para o autor francês, a fantasia entra em cena no momento do recalque
originário; ou seja, quando a metáfora do Nome-do-pai (Não-do-pai) aparece na vida da
criança, impedindo-a de permanecer no estado de vinculação total à mãe. A quebra
desta relação simbiótica efetuada pelo pai impede a criança de desfrutar da Coisa
9
, do
gozo absoluto. Desta forma, a fantasia, ao impedir o gozo total, permite à criança outra
forma de gozo, dando-lhe em troca o gozo fálico
10
. Assim, é possível pensá-la como um
escape à pulsão de morte
11
, que situa o sujeito no mundo real, ao impedir o gozo
total; ela faz uma espécie de ponte ente o inconsciente e a realidade. A fantasia começa,
desta maneira, a reger o princípio do prazer
12
. Contudo, ela não é capaz de dominar a
pulsão de morte por completo; uma parte permanece livre no inconsciente, dando
origem ao mais além do princípio do prazer.
9
A Coisa é, para o discurso psicanalítico, um “objeto absoluto” inatingível. Lacan diz que a Coisa é o real
do qual o significante padece. O encontro com o real envolve essa Coisa impossível de dizer e de
delinear. A pulsão de morte se exerce como uma tendência a querer encontrar a Coisa através da repetição
(KAUFMANN, 1996).
10
Gozo parcial, de origem sexual. É um gozo limitado, já que está submetido à ameaça da castração.
11
Representada pelo gozo total, impossível de ser alcançado.
12
Princípio que rege o funcionamento psíquico, junto ao princípio de realidade. Enquanto o primeiro tem
por objetivo proporcionar prazer e evitar o desprazer, o segundo lhe impõe as restrições necessárias para a
adaptação à realidade (ROUDINESCO; PLON, 1998).
28
2. Principais aspectos da fantasia em Melanie Klein e em Lacan: diferenças e
semelhanças
2-1. A natureza da fantasia
Além de Melanie Klein que privilegia a realidade psíquica na análise haver
trabalhado a fantasia como o principal lugar de intervenção do analista, Lacan trabalha
este conceito como um objeto essencial em sua obra (ROUDINESCO; PLON, 1998).
Ambos os autores tratam desta questão de maneira essencial tanto em suas obras quanto
na prática de análise, o que será comprovado ao longo deste trabalho, embora não
trabalhem esta temática com o mesmo enfoque.
2-1. a) A natureza da fantasia para a teorização lacaniana
Lacan (2003) em Alocução sobre as psicoses da criança - texto publicado nos
“Outros escritos” anuncia que
o valor da psicanálise está em operar sobre a fantasia”
(LACAN, 2003, p. 364).
O autor avança na conceituação de fantasia a partir das obras de Freud,
analisando-as, principalmente, em sua dimensão simbólica. Ele defende a existência de
uma fantasia fundamental, ou seja, a idéia de que todas as manifestações fantasísticas
apresentam a mesma estrutura, a qual está na própria origem do sujeito e é determinada
por seu axioma.
Para Lacan (apud JORGE, 2003), a fantasia entra em cena no momento do
recalque originário, momento em que a metáfora do Nome-do-pai passa a operar na vida
da criança inserindo-a no mundo simbólico, mundo da linguagem. Este recalque
29
instaura, desta maneira, o simbólico no inconsciente e na pulsão. A partir de então, a
criança é proibida de desfrutar do gozo absoluto, denominado por Lacan de “A Coisa”,
ou, na linguagem freudiana, a pulsão de morte, a pulsão de busca ao prazer infinito.
Contudo, a entrada da fantasia, por sua vez, permite à criança desfrutar de uma outra
forma de gozo, o gozo fálico, ou gozo parcial, que está relacionado ao prazer sexual
(JORGE, 2005). A pulsão, que é dominada essencialmente pela pulsão de morte, com a
entrada do sujeito no mundo da linguagem passa a ter duas dimensões: a pulsão sexual,
regida pela vida de fantasia, ou seja, pelo princípio de prazer; e a pulsão de morte
propriamente dita, a qual Freud denominou de “mais além do princípio de prazer”.
Uma vez que a fantasia entra em cena como um substituto ao gozo que a criança
perdeu, pode-se defini-la como uma formação psíquica que complementa esta ausência
de gozo, ou seja, toda fantasia é fantasia de completude (JORGE, 2006b). No caso da
fantasia neurótica, trata-se de uma completude amorosa, que o neurótico procura
resgatar o gozo perdido através do amor. Por outro lado, o sujeito perverso tem uma
necessidade de completude do gozo perdido; sua fantasia pode ser definida como de
completude de gozo.
Através da fantasia o sujeito busca a satisfação da pulsão, da parte desta que se
encontra submetida ao princípio do prazer, ou seja, da satisfação da pulsão de morte
sexualizada (JORGE, 2006a). É importante ressaltar a diferença que o conceito de
pulsão de morte tem para as teorias lacaniana e kleiniana: enquanto para esta a pulsão
de morte está relacionada à agressividade, que para a autora é inata em todo ser
humano, para Lacan a pulsão de morte é a essência de qualquer pulsão, uma vez que,
mesmo que a pulsão seja sexual, o que ela deseja obter é sempre algo da ordem do
impossível, que remete ao gozo absoluto, característico da pulsão de morte.
30
Relembrando as três instâncias psíquicas definidas por Lacan – imaginário,
simbólico e real a fantasia entra em cena fazendo a articulação entre a dimensão
simbólica, dimensão mais enfatizada por Lacan, referente à entrada do pai, o qual faz a
inserção da criança no mundo da linguagem; e a dimensão real, por meio da dimensão
imaginária. Logo que vem ao mundo a criança entra em contato com o simbólico,
imposto pelo significante materno. A genitora, por sua vez, entra em contato com um
objeto supostamente capaz de ser o seu “objeto fálico”, ou seja, supostamente capaz de
lhe satisfazer todos os seus desejos. A criança vive então em uma constante tentativa de
desvendar qual é o desejo de sua mãe, e, por conseguinte, vive imaginando objetos que
sejam capazes de satisfazê-lo. Contudo, este desejo nunca poderá ser atendido, que é
pertencente à esfera do impossível, representada pela dimensão real.
A fantasia para Lacan, em outras palavras, é aquilo que nos aparece outorgado
pelo Outro, indicando aquilo que falta. Por isso sua fórmula pode ser definida da
seguinte maneira: (
<>
α
), que significa sujeito barrado em busca do objeto faltoso.
Para a teorização lacaniana a fantasia emana do que falta ao sujeito, está vinculada a
falta do objeto de desejo, que o sujeito está permanentemente em busca do seu objeto
perdido. Assim, para o autor a fantasia é algo adquirido após o nascimento, e sua
aparição está relacionada à identificação e à angústia (LACAN, 1961-1962), uma vez
que ela aparece no momento em que o objeto real não pode ser apreendido em sua
forma original. Desta forma, esta apreensão ocorre de maneira fantasística, ou seja, a
angústia aparece quando toda a identificação possível do eu se dissolve.
31
2-1. b) A natureza da fantasia kleiniana
Melanie Klein, por sua vez, também partindo de obras freudianas, toma como
principal ponto de enfoque das fantasias sua dimensão imaginária. Para a autora, a
atividade fantasística está presente na vida desde o nascimento embora as fantasias
primitivas sejam processos altamente desconexos, instáveis e contraditórios. Qualquer
estímulo sentido pela criança é um potencial eliciador de fantasias, tanto os agressivos –
os quais acarretam fantasias agressivas quanto os prazerosos os quais, por sua vez,
são causadores de fantasias calcadas no prazer.
Durante os primeiros meses de vida, o bebê age basicamente em função de suas
fantasias inconscientes; pode-se dizer que estas determinam toda a vida da criança neste
período. A percepção da realidade ainda está se formando, o bebê é completamente
dependente da mãe enquanto forma seu ego.
O primeiro alvo das fantasias da criança é o corpo da mãe, que ela é o
principal objeto com o qual a criança se relaciona em seus primeiros dias de vida. As
fantasias acerca da exploração do corpo materno são de extrema importância para a
descoberta da criança em relação ao mundo. A pulsão de exploração, fundamental para
os trabalhos artísticos e científicos, tem sua base nestas fantasias (KLEIN, 1996).
Inicialmente, as fantasias agressivas, baseadas em sentimentos destrutivos, estão
ligadas ao ato de sugar, o que pode ser comprovado através da voracidade da criança em
sua mamada. Mesmo nos casos em que o leite está disponível em abundância, a criança
voraz suga-o desesperadamente. Conforme os dentes da criança aparecem, estas
fantasias destrutivas irão tomar a forma de morder e mastigar o objeto (KLEIN, 1996).
É importante ressaltar que estas fantasias, embora façam parte do mundo imaginário,
para a criança são sentidas como se realmente estivessem ocorrendo. O bebê sente como
32
se estivesse realmente mordendo, destruindo o seio, uma vez que ainda não é capaz de
uma tida distinção entre o que é pertencente ao mundo real e o que pertence ao
imaginário.
A fantasia primitiva, portanto, é a representação dos impulsos e sentimentos;
como desejos, mágoas, ressentimentos, amores, angústias, etc. Este conjunto está
sempre associado à energia libidinal depositada em certa parte do corpo (ISAACS,
1986). Por exemplo, quando a criança está longe da mãe e deseja o seu seio pode
fantasiar que está mamando chupando o dedo, ou algum outro objeto.
O funcionamento inicial da criança é através da vida de fantasia, a qual,
progressivamente, através das relações objetais, cederá lugar às emoções mais
complexas e aos processos cognitivos. Pode-se dizer que a criança de tenra idade
complementa a lógica pela vida fantasística, na qual estão sempre presentes tanto
fatores biológicos quanto ambientais, os quais determinam que as fantasias, embora
obedeçam a certos padrões, sejam infinitamente variáveis. A vida de fantasia é,
portanto: “o terreno donde jorram a mente e a personalidade individuais” (KLEIN,
1986c, p. 284).
Através da liberação da vida fantasística, a criança não apenas expõe seus
sentimentos prazerosos a respeito de seus desejos, como também todos os difíceis
processos que perpassam sua vida, tais como o complexo de Édipo, suas angústias,
ansiedades, conteúdos sexuais (os quais são expressos através das fantasias
masturbatórias), etc.
Esta liberação ocorre, principalmente, através da atividade lúdica, uma vez que
esta é a principal realização da criança pequena; ela ainda não expressa seus
sentimentos e desejos subjetivos por meio de palavras. Desta forma, é preciso estimular
a brincadeira das crianças, que dando rédea solta ao brincar ela está,
33
conseqüentemente, liberando suas fantasias inconscientes. Estas brincadeiras podem ser
de qualquer tipo: desenhos, jogos, bolas, bonecas, brinquedos, etc.
É importante ressaltar que a fantasia kleiniana está sempre vinculada à presença
do objeto de desejo, sendo a representante do instinto. Por exemplo, um bebê faminto
pode ter fantasias nas quais se imagina mamando num seio capaz de lhe proporcionar
uma satisfação infinita; porém, quando tomado por fantasias hostis, ele pode se sentir
perseguido por este mesmo seio, agora temido. Contudo, é importante ressaltar que
fantasias inconscientes, para ela, são diferentes de sonhos diurnos, na medida em que as
primeiras atuam em veis profundos do inconsciente e acompanham todos os impulsos
vividos, tanto os agradáveis quanto os desagradáveis.
2-2. A atividade fantasística: suas funções
De acordo com a teorização kleniana, as principais atividades que podemos
concluir como sendo as funções da fantasia são: a realização de desejos; a negação de
fatos dolorosos; a segurança em relação aos fatos aterrorizadores do mundo externo
(embora ilusória); o controle onipotente já que a criança, em fantasia, não apenas
deseja um evento como realmente acredita fazer com que ele aconteça; a reparação,
dentre outras.
para a teorização lacaniana, a fantasia tem sua importância neste bloqueio que
provoca em relação ao desfrute do gozo total, ou seja, no impedimento do sujeito de
desfrutar da satisfação absoluta, inexistente no mundo real (JORGE, 2003, 2005). Ela
permanece então como a única possibilidade de prazer que o sujeito pode usufruir, ao
instaurar o gozo fálico; e ainda age fazendo uma espécie de mediação entre o sujeito e o
real, fazendo aquele ir de encontro à realidade (JORGE, 2006b, 2007c).
34
A fantasia, então, ao “sexualizar” a pulsão de morte, permite o aparecimento da
pulsão sexual, a qual também é denominada de pulsão de vida. Podemos concluir que a
função principal da fantasia, para a teorização lacaniana, é fazer esta ponte, este laço do
sujeito com a realidade, impedindo o desfrute do gozo total, pertencente à ordem do
irreal.
2-3. As relações objetais
De acordo com Klein (apud LEADER, 2001), a fantasia pode ser considerada
uma estrutura através da qual o sujeito se relaciona com os objetos exteriores. Durante o
período inicial da vida, a mente infantil funciona basicamente através de fantasia
inconsciente, a qual complementa o pensamento racional enquanto este não estiver
desenvolvido. Este funcionamento mental provoca ansiedades e angústias diversas, as
quais estão relacionadas ao caráter destas fantasias primitivas, dotadas de conteúdos
delirantes (RIVIERE, 1986a). Como exemplo, podem ser mencionadas as fantasias da
criança de que o objeto externo – seio, nos primeiros meses de vida – é mau e
persecutório, que não a gratifica sempre que ela deseja. Esta frustração, por sua vez,
acarreta explosões agressivas por parte da criança, pois ela precisa se vingar deste seio
ruim. Para realizar esta vingança, o infante utiliza todas as armas disponíveis, tais como
os dentes, unhas, e até mesmo excreções. O controle dos esfíncteres que,
concomitantemente, está ocorrendo neste período, é usado também para o controle dos
excrementos nos ataques à mãe. A criança sente como se estivesse expelindo um objeto
perigoso de seu mundo interno e projetando-o no objeto externo.
Concomitantemente, também existe a imagem de um seio bom, o qual atende às
necessidades da criança. Esta divisão do seio é necessária para a proteção deste seio
35
bom, pois, desta forma, todos os ataques agressivos são dirigidos ao seio mau,
preservando aquele. O seio mau é então sentido, nas fantasias infantis, como se
estivesse dilacerado, aos pedaços, reduzido a fragmentos; enquanto o bom permanece
íntegro.
Existem basicamente dois principais tipos de ataque ao corpo da mãe no início
da vida: o primeiro é representado pela vontade de eliminar de dentro deste corpo tudo o
que nele existe de bom, o qual está associado à avidez e à voracidade do primitivo
estágio oral. Desta forma, torna-se possível à criança retirar toda a bondade da mãe e
introjetá-la. O segundo, associado ao estágio anal, é representado por fantasias de atacar
o corpo da mãe, principalmente por meio de excrementos, e enchê-lo de substâncias
ruins. Aqui o principal mecanismo envolvido é a projeção de tudo o que a criança
associa como mal no corpo materno. Juntamente a estes excrementos, aspectos
destacados do ego também são projetados na mãe, com objetivo não apenas de aniquilá-
la, mas também de tê-la para si, tomar posse da mesma.
A capacidade de elaboração destas fantasias sádicas primordiais em direção ao
corpo materno é essencial nas posteriores relações com novos objetos e para a
adaptação à realidade em geral (KLEIN, 1996). Da mesma maneira que a projeção de
bons sentimentos na mãe é necessária nas relações objetais para o posterior
desenvolvimento de integração do objeto e do ego a projeção de aspectos ruins, por
sua vez, prejudica as relações objetais, a percepção do próprio corpo e do corpo externo
de forma íntegra e o desenvolvimento genital.
Estes conteúdos vão sendo elaborados, no decorrer do desenvolvimento, por
meio de um difícil processo que envolve muito esforço e sofrimento. Contudo, se o
caráter delirante da atividade fantasística inicial não puder ser elaborado, ele permanece
atuando no pensamento das crianças mais velhas, em adolescentes e até em adultos,
36
mesclado ao pensamento racional, de maneira que a distinção entre fantasia e realidade
torna-se impossível.
2-3. a) A introjeção e a projeção
Para a teorização kleiniana, a vida fantasística auxilia o sujeito na formação da
impressão de seu mundo externo e interno, através dos processos de introjeção e
projeção (KLEIN, 1963, 1986a). Estes mecanismos são os determinantes do
estabelecimento dos objetos bons e maus dentro do ego da criança. Eles atuam de
diversas maneiras, baseados nos impulsos instintivos, e são determinantes na formação
do ego e superego, ou seja, na construção da personalidade (HEIMANN, 1986).
Portanto, esta formação ocorre no período em que as fantasias determinam a relação do
sujeito para com seu mundo externo, fazendo com que os conceitos iniciais sobre os
pais formem-se de maneira distorcida. Durante toda a vida, a introjeção e projeção
continuam presentes nos processos de adaptação do sujeito, em seus progressos e
derrotas. Ambas têm suas origens nos instintos orais (o engolir e o cuspir), a partir dos
quais as relações maduras vão se desenvolver com as ações de dar e receber, a função
de procriação e a criatividade.
A introjeção corresponde ao mecanismo primitivo do bebê de introjetar todos os
objetos começando pelo seio materno, seguido pelo polegar, por brinquedos, etc. A
este seio é atribuído poderes sobrenaturais de onipotência tanto para o bem quanto para
o mal, que ele é capaz tanto de uma gratificação infinita, quanto de uma frustração
imensa (quando não satisfaz a criança no momento que ela deseja). Quando o seio é
visto como gratificador todos os sentimentos bons são associados a ele; da mesma
forma, quando é visto como mau é o depositário de todos os sentimentos destrutivos.
37
Aos posteriores objetos que também são sugados pela criança são atribuídos os mesmos
poderes do seio, uma vez que, em suas fantasias imaginativas, estes objetos o
substituem. O mecanismo de introjeção é reforçado pela fantasia de que o objeto
introjetado irá permanecer seguro dentro do ego.
Pode-se dizer, então, que a criança tende a incorporar os objetos que estão a sua
volta, e realmente sente como se estes objetos introjetados estivessem dentro dela. A
introjeção começa no estágio de objetos parciais e expressa os interesses da criança pelo
mundo exterior, que ela não introjeta todas as percepções. Os objetos que foram
introjetados preparam o caminho para as relações com os objetos externos, ao passo que
estes fornecem modelos a partir dos quais o objeto interno é construído. Assim, o objeto
interno funciona como um núcleo para a construção das posteriores relações objetais. A
partir de suas experiências, o ego introjeta objetos externos com os quais se identifica, e
projeta o que não se identifica em outros objetos do mundo exterior.
A mamada do bebê é um importante exemplo de uma atividade introjetiva: o ato
de mamar não ocorre apenas pela finalidade de amamentação; diversas fantasias estão
imbricadas neste processo, as quais determinam a supervalorização ativa da introjeção
tanto do leite quanto do seio da mãe, os quais são fontes de intensa gratificação. Desta
forma, todas as posteriores fontes de gratificação são internalizadas, através das
fantasias introjetivas (RIVIERE, 1986b).
Já a projeção tem sua origem nas identificações com os objetos do mundo
exterior que a criança de tenra idade realiza em suas fantasias. Como ela ainda não
estabeleceu a distinção entre o seu corpo e o corpo de sua e, ela percebe este como
um prolongamento de sua pessoa. A genitora passa a ser, desta forma, a representante
de seu ego, o que justifica que falemos em uma identificação projetiva. Na projeção
encontram-se mecanismos que eram tanto, originalmente, do mundo interior quanto
38
outros que eram do mundo exterior. Como exemplo de fantasias projetivas podem ser
mencionados os ataques realizados pela criança através de seus excrementos, entendidos
como armas perigosas, para com o objeto externo persecutório seio da mãe, nos
primeiros meses de vida.
Em suma, através dos mecanismos de introjeção e projeção a criança constrói
seu mundo interno, sua personalidade, por meio da elaboração das fantasias introjetivas
e projetivas. Elas são fundamentais para o desenvolvimento emocional e cognitivo, em
todas as construções vitais. É imprescindível ressaltar que esses mecanismos não podem
ser entendidos como duas entidades separadas, mas sim como um todo, ambos
constituem uma experiência única.
Portanto, pode-se concluir, de acordo com a teorização kleiniana, que a potência
das fantasias primitivas tem uma dupla função: tanto proteger as coisas boas e obter
gratificação das mesmas, como também aniquilar e destruir as más. Assim que ego
sente que pode ter causado danos a objetos externos gratificadores, ele utiliza suas
fantasias em sua potência construtiva. A fantasia pode, então, ser utilizada como um
refúgio da realidade dura e penosa que se apresenta no início da vida, preservando os
bons objetos.
2.4. A fantasia e o desejo
2-4. a) A fantasia como suporte do desejo para Lacan
Fantasia e desejo sempre caminham entrelaçados. Pode-se dizer que a fantasia
emerge a partir do desejo de conhecimento a respeito do desejo da mãe. A fantasia
existe desde que seja estabelecida a capacidade para a manutenção deste desejo, o que
39
depende da elaboração da fórmula que a sustenta (
<>
α
) (LEADER, 2001), a qual será
construída justamente a partir do encontro com o desejo da mãe.
A fantasia é o que transforma o gozo em prazer, através do recalque originário,
tornando o prazer apropriado ao desejo; ela se estabelece no esvaecimento do sujeito,
trazendo o desejo como seu agente, pedindo que se coloque em dia com seus desejos.
Mas, ao mesmo tempo, é a própria fantasia que fornece as coordenadas do desejo, isto é,
cria o contexto que permite desejar.
No seminário VII, Lacan (1991) define a fantasia como o suporte do desejo: “é
na formação imaginária, muito especialmente aquela a propósito da qual a fórmula da
fantasia (
desejo de
α
) nos servirá que é a forma na qual o desejo do sujeito se apóia”
(LACAN, 1991, p. 126).
A fantasia fundamental se constrói a partir do limite do enigma insustentável a
respeito do desejo do Outro, trazendo consigo a contradição concernente de que além de
suporte do desejo é uma defesa contra o desejo do Outro. Ou seja, ao mesmo tempo em
que a fantasia é o alicerce do desejo ela se constrói a partir do mesmo, que vem
recobrir a angústia suscitada pela vontade de conhecimento deste desejo. Na cena
fantasística o desejo não é preenchido, satisfeito, mas constituído; o que quer dizer que
os objetos do desejo o indicados pela própria fantasia (LACAN, apud TOLEDO,
2003).
De acordo com Jorge (2003), o desejo é uma pulsão que foi delineada por uma
determinada fantasia, o que significa que todo desejo tem seu suporte numa fantasia
inconsciente, ou, em outras palavras, a fantasia é o suporte do desejo. Desta forma,
uma relação entre a fantasia e o sonho, na medida em que, enquanto a primeira é o
suporte do desejo o segundo é a realização de um desejo.
40
De acordo com Lacan (1988), as protofantasias desenvolvidas pela teorização
freudiana têm a função de organizar o desejo humano, na medida em que o desejo
introduz a fantasia como seu suporte. Lacan (1966-1967) afirma que esta relação terá
suas características próprias de acordo com a estrutura psíquica do sujeito: na fobia a
fantasia sustenta o desejo prevenido, na histeria o desejo insatisfeito e na neurose
obsessiva o desejo impossível. Em cada uma dessas estruturas é preciso encontrar o
desejo subjacente, a partir da elaboração dos discursos inconscientes, para que daí a
fantasia possa ser desvendada.
Portanto, a fantasia, para Lacan, representada na fórmula (
<>
α
), pode ser
entendida como o correspondente e o suporte do desejo. Na medida em que ela emerge
com a vontade do sujeito de ser o objeto de desejo de sua mãe, faz com que ele entre em
uma busca constante de descobrir qual é este desejo.
2-4. b) A fantasia como realização do desejo para Klein
para Melanie Klein, a fantasia pode ser entendida como a atividade que, em
decorrência da ausência de plasticidade e representações verbais na criança pequena,
realiza, em ação, o seu desejo, o que é acompanhado por reais excitações físicas nos
órgãos utilizados para isto. A relação entre a fantasia e a realização de um desejo
sempre foi enfatizada pela teorização kleiniana (ISAACS, 1986). Esta relação pode ser
vista na vinculação que a autora realiza entre a fantasia e o princípio do prazer. A
imaginação relativa a tudo o que é belo e prazeroso é desenvolvida nos desejos e
fantasias.
No início da vida, o princípio do prazer reina em absoluto na mente da criança.
A partir do momento em que ela se torna capaz de estabelecer uma relação entre seus
41
desejos e fantasias e o mundo real, é estabelecido, então, o princípio de realidade. O
sentimento de onipotência, oriundo dos impulsos do id de tudo desejar a qualquer tempo
e circunstância, perde força para a entrada do compromisso com a realidade, a qual
impõe restrições a certos desejos e fantasias. Desta forma, tudo o que é prazeroso,
mesmo que seja fantasiado, passa a estar vinculado ao princípio do prazer, ao passo que
o que está relacionado ao pensamento racional, concreto, passa a estar vinculado ao
princípio de realidade.
2.5. O significante fantasístico trabalhado por Lacan
O que define a fantasia é a referência do sujeito como falante ao Outro
imaginário, um imaginário tomado em função do significante (LACAN, 1958-1959). É
nela que o sujeito mantém sua existência, o apoio que lhe permite permanecer sendo um
sujeito que fala. O sujeito anuncia em sua fantasia que, enquanto em presença do Outro,
ele não é nada como pessoa.
2.5. a) A fórmula matemática da fantasia lacaniana
Lacan utiliza o termo fantasma para referir-se à fantasia enquanto representada
por sua fórmula matemática, ou seja, o fantasma representa a fantasia enquanto
articulada por uma estrutura lógica. No entanto, optei por utilizar somente o termo
fantasia em meu trabalho, devido ao fato de ele ser consagrado desde a psicanálise pré-
lacaniana, principalmente na teorização kleiniana.
Os matemas são fórmulas simbólicas, tais como as fórmulas matemáticas,
criadas por Jacques Lacan para explicar algum fenômeno psíquico, tal como a fantasia.
À semelhança desta, ocupam um lugar, na teoria psicanalítica, entre a dimensão
42
simbólica e a real (JORGE, 2002). São formas particulares de escrita, na medida em que
intermedeiam a inserção do simbólico no real. “É uma escrita que pede a fala” (JORGE,
2007c, p. 139). Através desta linguagem, Lacan expressou diversos fenômenos
constatados em sua clínica; pode-se dizer que ele transformou em mbolos escritos o
que escutava.
No seminário V – “Formações do inconsciente” - Lacan (1999) introduz o
axioma da fantasia: (
<>
α
) lida pelo autor como “sujeito barrado desejo de objeto
faltoso” (JORGE, 2007c, p. 142). Para Lacan, a presença de um desejo pressupõe a
existência de uma falta. A fantasia constitui-se justamente no desejo de recuperar esta
falta, de recuperar aquele objeto que foi perdido.
Esta estrutura fundamental, impossível de sofrer reciprocidade, está presente nas
fantasias de todos os sujeitos em qualquer idade. É neste matema que o sujeito mantém
sua existência como um ser falante, através de sua fantasia (LACAN, 1958-1959).
O objeto da fantasia (
α
) é um substituto ao que o sujeito está privado
simbolicamente o gozo total. Ele impede a possibilidade de permanência atrelada a
sua mãe. De acordo com Jorge (2003), este objeto
α
está imerso nas três instâncias
psíquicas postuladas por Lacan: simbólico, real e imaginário. As instâncias imaginária e
simbólica são constituídas justamente a partir da relação do sujeito com a fantasia
inconsciente: o sujeito se liga ao objeto do desejo, objeto da fantasia, a partir de algum
tipo de imagem mental ou de uma palavra, na ausência daquela.
o sujeito barrado (
) representa o sujeito enquanto influenciado pelo
significante, em uma espécie de relação imaginária com o objeto de desejo, quando o
Nome-do-pai entrou na relação e-bebê desfazendo a célula narcísica (LACAN,
1958-1959). Ele é o sujeito barrado, dividido pela entrada da linguagem em sua vida. A
fantasia constitui-se nesse contínuo enfrentamento do sujeito a situar-se no âmbito do
43
Outro, enquanto sujeito do inconsciente. Os objetos privilegiados do desejo
inconsciente do sujeito são representações fantasísticas do que é o desejo do Outro. A
partir disto, podemos concluir que a fantasia, para Lacan, encontra-se em sua totalidade
ao lado do Outro (LACAN, 1962-1963).
O pólo do
representa o pólo inconsciente da fantasia, ou, em outras palavras, o
pólo simbólico, já que o inconsciente é estruturado como uma linguagem para Lacan. Já
o pólo do
α
pequeno representa o pólo da pulsão, também denominado de pólo real da
fantasia (JORGE, 2006b). A pulsão pode ser definida como uma exigência, proveniente
da energia sexual a libido de uma satisfação absoluta, imediata, ao passo que a
fantasia vem a ser uma das possibilidades de se obter esta satisfação. Isto pode ser
comprovado pelo fato da fantasia estar presente em nosso aparelho psíquico em todas as
dimensões; desde os mais simples devaneios diurnos, até nas formações dos sonhos,
inconscientes (JORGE, 2006a).
Do lado do pólo inconsciente está situada a dimensão do amor, e de tudo que o
simboliza, tal como a religião. Esta nada mais é do que um discurso fantasístico com
características particulares, que se aproxima de uma fantasia delirante, que pretende
distorcer o mundo real com promessas de uma vida plena depois da morte. Ao passo
que do lado do pólo da pulsão reside a dimensão do gozo, e de tudo que pode ser
traduzido como possível de proporcionar um prazer incomensurável. Isto é bem
ilustrado com o exemplo do nosso próprio sistema econômico vigente, o sistema
capitalista, o qual pressupõe que o dinheiro é o meio através do qual podemos usufruir
de todos os bens.
A partir da entrada no mundo simbólico, no pólo do
ocorre uma perda de gozo,
perda do pólo do
α
pequeno. Por isso, podemos afirmar que a fórmula da fantasia
(
<>
α
) significa: Sujeito em busca do objeto faltante, ou seja, devido à perda do gozo,
44
o sujeito barrado, inscrito no mundo simbólico, permanece em uma busca infinita deste
objeto capaz de proporcionar o gozo absoluto, supostamente fornecido pelo Outro.
Lacan explica o significado do losango presente nesta fórmula dizendo que este
Exprime a relação do sujeito barrado ou não barrado, conforme o caso, isto
é, conforme seja marcado pelo efeito do significante ou o consideremos
simplesmente como um sujeito ainda indeterminado, não fendido pela
Spaltung que resulta da ação do significante
(LACAN, 1999, p. 451-
452).
Este losango é o que realmente exprime a relação do sujeito com a fantasia: nem
fixação no pólo do amor, nem fixação no pólo da pulsão, mas sim estabelecimento na
dimensão que liga ambos os pólos: a dimensão do desejo (JORGE, 2006b). Além da
fantasia, o trabalho artístico também pode ser mencionado como capaz de sustentar este
lugar de desejo faltante, de busca eterna ao objeto do desejo.
Para Lacan, a fantasia, mais do que um resto do psiquismo imaginário infantil no
inconsciente, está estruturada como uma linguagem representada pela fórmula
(
<>
α
) uma vez que é uma frase com estrutura gramatical, o que justifica que falemos
em uma lógica da fantasia (LACAN, 1966-1967). Através desta lógica, cada sujeito se
pergunta a respeito do que pode ser a realidade do inconsciente do Outro.
No seminário VIII, em A angústia na sua relação com o desejo, Lacan (1992)
prossegue trabalhando a fórmula da fantasia. Ele afirma que o
tem relação com o
fading do sujeito, ao passo que
α
que é o pequeno outro, tem a ver com o objeto do
desejo” (LACAN, 1992, p. 349). Desta forma, o “
” é concebido como um lugar, já que
não é nada apreensível, e o objeto
α
” por sua vez, também não pode ser apreendido em
nenhuma hipótese; ele permanece infinitamente gravitando entre as nossas fantasias.
Para realizarmos nossos desejos, este objeto é trocado por qualquer outro que pertença a
nossa realidade, já que o que vale é seu valor de utilidade.
45
Por meio da fórmula da fantasia é possível evidenciar que o sujeito se faz de
instrumento do gozo do Outro (LACAN, 1998). A fantasia pode então ser entendida
como uma busca eterna do sujeito ao encontro do significante que está no Outro, a
situar-se no discurso deste. Ela é o objeto privilegiado do desejo inconsciente, propõe-se
no ponto onde o sujeito situa-se para aceder à cadeia inconsciente.
Desta forma, a função da fantasia pode ser pensada como uma relação do sujeito
com o significante, que a entrada no mundo do desejo depende da relação do sujeito
com a lei imposta por algo que existe mais-além da figura materna (a figura paterna, o
Nome-do-pai). O desejo do sujeito tem de ser simbolizado, o que é feito com a ajuda do
falo, o objeto de desejo da mãe. O pai entra nesta relação simbiótica entre o bebê e sua
mãe, retirando daquele o gozo total. Porém, com a entrada da fantasia, ao bebê passa a
ser permitido desfrutar do gozo fálico. Desta maneira, com a fantasia o sujeito é inserido
no mundo simbólico, mundo da linguagem.
Sua fórmula mostra que existem duas coisas: por um lado, a presença de um
objeto
α
e por outro uma frase, que gera o sujeito como sujeito barrado. Como exemplo,
pode ser mencionado o texto de Freud (1919/1969). Neste, a fantasia Uma criança é
espancada não é nada além da articulação significante representada pela frase: “uma
criança é espancada”, a qual assume diferentes significados, conforme o momento em
que se encontra.
2-5. b) O significante explorado por Lacan em Bate-se em uma criança
46
No texto Bate-se numa criança e a jovem homossexual, Lacan (1995) analisa
minuciosamente o artigo de Freud (1919/1969): Uma criança é espancada: uma
contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais, o qual é uma reflexão a
respeito da fantasia referida no artigo: Bate-se em uma criança. Esta fantasia veio
substituir uma série de outras, na perspectiva do desenvolvimento do sujeito, e ocupa
uma dimensão retroativa, já que remete a mais profunda organização primitiva.
Freud (1919/1969) divide esta fantasia em três momentos, os quais são
analisados por Lacan sob uma perspectiva simbólica: O primeiro momento pode ser
traduzido pela frase: Meu pai bate numa criança que é a criança que eu odeio. É daí
que decorre esta fantasia, cujo conteúdo consta de três personagens: a criança que
fantasia (uma menina, ou, com menor freqüência, um menino), o sujeito que é agredido
(um irmão) e a figura que realiza a agressão (a figura paterna). O complexo de Édipo
está estabelecido, determinando a relação da menina com seu pai, o que inclui uma
dimensão de medo para com este. Este momento representado por esta frase está
relacionado ao aparecimento de irmãos, o que provoca na criança uma frustração
decorrente do fato de que, a partir de então, a atenção dos pais terá de ser partilhada.
o segundo momento representa uma situação reduzida a dois personagens:
agora a criança fantasia que é o pai quem realiza a agressão. É também indispensável
para a compreensão da história do sujeito e pode ser sintetizado na frase: Eu sou
espancado por meu pai. Este tempo representa uma etapa masoquista atravessada pelo
sujeito; a dimensão do eu está fortemente acentuada aqui. É considerado tanto por Freud
(1919/1969) como por Lacan (1995) de extrema importância, na medida em que
representa a essência da fantasia perversa. No próprio ato de ser espancado encontra-se
a transposição de um elemento carregado de erotismo.
47
Finalmente, o terceiro momento representa a fantasia fundamental, a qual é
expressa pela frase dessubjetivada: Bate-se em uma criança. Aqui o sujeito volta para o
lugar de expectador, como na primeira etapa, e se coloca na posição da terceira pessoa.
o pai encontra-se vagamente presente como agressor, disfarçado nesta partícula se,
permitindo sua substituição, que não está identificado. A criança que é agredida,
freqüentemente, não é apenas uma, mas sim rias; de onde vem a dessubjetivação
desta relação.
Embora esta fantasia seja analisada por Lacan sob uma perspectiva simbólica,
está inscrita na dimensão imaginária, marcada pela especularidade e reciprocidade entre
o eu e o outro, mesmo que possa ser simbolicamente representada pelas frases
mencionadas acima. Estamos diante de algo que fixa a lembrança neste instante, ou seja,
a lembrança plena é reduzida ao instante que determina a fantasia, imóvel, carregada de
todo o conteúdo erótico que a imobilizou. O autor afirma que a dimensão imaginária
aparece toda vez que se trata de uma perversão.
Lacan (1999) prossegue esta análise no artigo A fantasia para além do princípio
do prazer, no qual a dimensão simbólica da fantasia é novamente exposta, de maneira
que ela simboliza o conteúdo imaginário fantasístico. Neste artigo, ele se remete à
divisão realizada anteriormente (LACAN, 1995) em três partes da fantasia: Bate-se
em uma criança. Ele afirma que ela está ligada a uma imensa carga de culpa, que por
ser tão forte não permite que o sujeito a articule, senão através desta frase.
Primeiramente, esta fantasia se encontra na dimensão do pai, anterior ao Édipo,
que seus personagens são: a criança que fantasia quase sempre uma menina o pai
e um irmãozinho ou irmãzinha; a mãe ainda não está presente. Seu significado é a
ausência do amor paterno em relação ao Outro, onde reside o prazer do sujeito que
fantasia.
48
em seu segundo momento encontra-se ligada ao Édipo: é a representação do
desejo da menina pelo pai, o qual aparece nesta relação privilegiada para com ele, já que
a situação está reduzida a dois personagens: a menina que fantasia e seu pai. Este desejo
edipiano é sempre acompanhado de um forte sentimento de culpa, de onde vem a
exigência de ela ter de ser espancada. É quando se origina a essência do masoquismo, e
seu caráter muda de sentido, torna-se inconsciente.
O terceiro momento, enfim, encontra-se depois da saída do Édipo. O que resta
da fantasia é um esquema geral; a figura do pai é reduzida a um personagem capaz de
bater. Aqui os sujeitos multiplicam-se e se tornam indefinidos, evidenciando a relação
com os pequenos outros
13
.
Desta maneira, a função terminal desta fantasia pode ser considerada como a
manutenção de uma relação essencial da criança com o significante. Ela essituada na
dimensão simbólica entre o pai e mãe, entre os quais a criança oscila.
2-6. A fantasia e as estruturas psíquicas subjacentes
2-6. a) As estruturas lacanianas
Embora na atividade fantasística o sujeito freqüentemente passe despercebido
que para Lacan a fantasia se encontra do lado do Outro, e surge como uma
necessidade de decodificação do enigma deste ele está sempre presente, mesmo em
suas manifestações fantasísticas menos elaboradas. A fantasia será desenvolvida sempre
em relação à estrutura mental do próprio sujeito que a manifesta.
13
Pequeno outro pode ser definido como o outro imaginário, ou lugar da alteridade especular
(ROUDINESCO; PLON, 1998).
49
A partir da fórmula da fantasia é possível estabelecer um enquadre da realidade
em que se encontra o sujeito: neurose, perversão ou psicose. Na primeira, o sujeito está
inserido no pólo do inconsciente (
) e a fantasia tem o papel de ponte para o sujeito com
a realidade, já que lhe impede de ter acesso ao gozo total e em troca lhe permite
desfrutar do gozo fálico. Na segunda, há uma fixação do sujeito no pólo da pulsão (
α
); o
perverso precisa desfrutar do gozo completo até o momento em que sente solidão por
estar desconectado do mundo exterior. Portanto, sua ligação com a realidade ocorre de
maneira falha. Na terceira, uma ausência de capacidade de vinculação à realidade: a
fantasia do psicótico não estabelece nenhum tipo de ponte entre a realidade e a pulsão,
fazendo com a que a pulsão de morte opere livre do princípio de realidade.
O sujeito neurótico é vítima da amnésia infantil; ele não se recorda do trauma
ocorrido em sua infância, mas sua estrutura edípica está presente em seu sintoma
(QUINET, 2005). Ele identifica a falta do outro como sua demanda, sua fantasia
fundamental esconde sua indecisão característica. Esta indecisão denota o neurótico
como sujeito dividido entre o sim e o não.
A significação da vida fantasística está representada, para os neuróticos, como
algo enclausurado; uma vez que eles não suportariam conhecer suas verdades. Isso
ocorre devido à fantasia estar sempre vinculada a um sentimento punitivo, cuja culpa
atrelada, por sua vez, determina que ela seja inconfessável. E de onde vem esta culpa? É
possível relacioná-la ao fato da fantasia realizar a passagem que permite ao gozo ser
desfrutado como prazer, e que aquele, para Lacan, refere-se a uma satisfação absoluta.
Pode-se concluir, então, que os neuróticos sentem-se culpados ao confessar suas
fantasias por elas muitas vezes estarem atreladas a prazeres perversos, os quais não são
condizentes com seus princípios morais; ou até mesmo que os neuróticos sentem culpa
pelo simples fato de sentirem prazer, mesmo que seja em fantasia.
50
É possível realizarmos uma diferenciação da forma das manifestações
fantasísticas dentro das principais estruturas neuróticas: o obsessivo é aquele que nega o
desejo do Outro e forma sua fantasia para que assim possa impossibilitar o
esvaecimento do sujeito. Ele constrói sua fantasia sobre o fundamento de sua própria
eliminação. Desta forma, pode-se dizer que ele se desvaloriza, coloca fora de si todo o
jogo da dialética erótica. Quem goza, para o obsessivo, é o Outro. “É nesse lugar do
Outro que ele se instala, marcando seu desejo pela impossibilidade. Trata-se de um
Outro que comanda, legifera e o vigia constantemente. A fantasia do obsessivo trás a
marca do impossível desvanecimento do sujeito para escapar do Outro” (QUINET,
2005, p. 23).
Os atos obsessivos nada mais são do que defesas contra o surgimento da
angústia, já que desviam toda a energia libidinal para a sua consecução (JORGE,
2007b). Desta forma, o obsessivo anula seu desejo e tenta preencher todas as lacunas
decorrentes de sua falta com significantes, para que assim seja possível impedir o gozo
do Outro. Desta forma, ele está sempre em atividade, “ele não pára de pensar, duvidar,
calcular, contar” (QUINET, 2005, p. 24).
O histérico é aquele que supõe que o analista é o detentor da verdade a respeito
de seu sintoma, o detentor da subjetividade, ou, como Lacan preferia dizer, sujeito
suposto saber. Ele está à procura de um mestre, para que este produza um saber. Não
que ele se submeter a este mestre, mas sim para reinar sobre este, que é capaz de
perceber diversas falhas em sua atividade de mestria. O histérico mantém seu desejo
para livrar-se da insatisfação decorrente de se fazer passar ali como objeto; ele se
apresenta como alguém que não tem lugar no Outro, sendo o (
) por excelência,
preterido e sem habitação no Outro, o próprio inconsciente atuante.
51
Na histeria o Outro é o Outro do desejo, sujeito faltante e impotente em alcançar
o gozo. Na cena de sedução subjacente em sua fantasia, o sujeito histérico coloca-se no
lugar de objeto e ao Outro é conferido o lugar dominante, traduzindo a insatisfação de
seu desejo e, portanto, de sua fantasia. Na atividade analítica isto pode ser manifestado
como uma reivindicação ao Outro, a quem, ao contrário do obsessivo, o histérico não
deve nada, mas sim este lhe deve. Enquanto o obsessivo supõe o Outro como detentor
do gozo, para o histérico o Outro não tem o falo; ele próprio assume a função de ser o
falo. Para atingir a satisfação que deseja, o histérico substitui o objeto inatingível por
algum outro do mundo real.
Em suma, em todas as estruturas neuróticas há uma fixação do sujeito no pólo do
inconsciente da fantasia (
), também denominado de pólo do amor. O neurótico é
aquele que faz a sua fantasia como uma completude para o amor faltante.
na estrutura perversa ocorre um fenômeno inverso ao da neurose: o perverso
permanece fixado no pólo da pulsão (
α
), pólo do gozo, e sua fantasia é uma forma de
completude para o gozo faltante (JORGE, 2006b).
Na perversão “há admissão da castração no simbólico e concomitantemente
uma recusa, um desmentido” (QUINET, 2005, p. 20). O perverso imagina ser o Outro,
para assegurar-lhe seu gozo, daí pode-se concluir que a perversão existe no inconsciente
do neurótico como a fantasia do Outro, ou seja, a neurose é o negativo da perversão. Ao
contrário do neurótico que realiza a fantasia para frear sua entrada ao gozo absoluto, o
perverso justamente usufrui deste pela colocação em ato de sua fantasia (JORGE,
2006a).
De acordo com Freud (apud JORGE, 2006a) a perversão é estruturada de forma
contrária à neurose devido ao recalque da fantasia realizado pelo perverso. Desta
maneira, a fantasia está para a perversão assim como o sintoma está para a neurose e o
52
delírio está para a psicose. Estas (fantasia, sintoma e delírio) são as três possíveis
formas de defesa contra a realidade imposta pelo mundo externo. Cada sujeito constrói
o seu tipo de defesa de acordo com a sua estrutura psíquica.
Como exemplo de fantasia perversa podemos mencionar a sadomasoquista, a
qual pode ser definida como um sofrimento esperado. Nesta, o Outro imaginário é
suspenso sobre o abismo do sofrimento, de maneira que o sujeito não sabe mais o que
deseja deste Outro (LACAN, 1992, 1998). É importante ressaltar que na perversão a
entrada da fantasia ocorre da mesma maneira que nas neuroses, ou seja, através do
recalque originário, da metáfora do Nome-do-Pai que insere o sujeito no mundo real,
mundo simbólico, como um sujeito falante.
No caso da psicose, ocorre a forclusão da metáfora do Nome-do-Pai, ou seja, a
quebra da vinculação total entre a criança e a mãe realizada pelo pai não age como
descrito para o caso do neurótico; o Não-do-pai não age no caso da psicose. Desta
maneira, não é possível à fantasia entrar em ação fazendo o laço social que permite ao
sujeito escapar da pulsão de morte, esta pulsão vai então operar livremente. Esta
irrupção da pulsão de morte cuja interrupção ocorreria com a entrada da fantasia é
sentida como uma súbita invasão do real na estrutura psicótica (JORGE, 2005).
Como uma tentativa de saída deste estado, o psicótico constrói o delírio; este
pode ser compreendido como uma fantasia dos psicóticos, embora não seja a fantasia da
forma fundamental, uma vez que ela não faz a ponte entre o inconsciente e a realidade.
O delírio psicótico pode então ser compreendido como a ponte entre a pulsão de morte e
o real, ou seja, embora o delírio seja pensado como o que afasta o psicótico do mundo
real, ele é justamente a sua tentativa de ligação com este mundo (JORGE, 2003).
Contudo, o delírio é uma fantasia impossível de ser partilhada, que ele não recebe
resposta por parte do Outro.
53
2-6. b) A atividade fantasística dos psicóticos em Klein
Klein (1981) também aborda a atividade fantasística dos psicóticos. Porém, ela
difere da opinião de Lacan a respeito do delírio. A autora conclui que a fantasia do
psicótico é uma exacerbação da fantasia do neurótico; ou seja, enquanto este quer atacar
o corpo da mãe, em suas fantasias, o psicótico quer não apenas atacá-lo como também
penetrá-lo, destruindo-o. As fantasias do psicótico atingem o grau máximo de sadismo
não atingido pelos neuróticos.
Portanto, embora Melanie Klein não tenha tido por objetivo a distinção entre os
tipos de fantasias manifestas nas diferentes estruturas psíquicas, em sua teoria ela levou
em consideração que a vida fantasística não é a mesma entre neuróticos e psicóticos.
2.6. c) Conclusão
Em suma, podemos compreender que determinados comportamentos são
maneiras particulares de cada indivíduo reagir frente ao enigma do desejo do Outro,
cada um de acordo com a sua estrutura psíquica, sem comprometer o axioma da fantasia
fundamental determinado por Lacan (
<>
α
). Este axioma está presente em todas as
fantasias, embora seja abordado de maneira diferente, conforme o tipo de estrutura
psíquica. Ele determina o critério diagnóstico a ser utilizado de acordo com os
diferentes tipos clínicos.
2-7. A constituição do sujeito
2-7. a) A constituição do sujeito em Lacan: a alienação e a separação
54
Lacan trabalha a constituição do sujeito a partir de duas operações: alienação e
separação, e não a partir de um processo de desenvolvimento que segue uma ordem
cronológica, atravessando etapas (LACAN, 1988). Desta forma, não é possível estudar a
transformação das fantasias ao longo do desenvolvimento com base na teorização
lacaniana, tal como pode ser feito tomando como alicerce a teorização kleiniana,
conforme veremos adiante.
Através da alienação, o sujeito entra no campo do Outro, o qual representa o
simbólico, a linguagem. Ele é obrigado a renunciar à própria liberdade ao realizar esta
entrada, que, a partir de então, passa a ser submetido ao desejo deste Outro. Desta
forma, além do campo do sujeito e do Outro, existe também o campo formado pela
intersecção entre os dois, o qual é o representante do inconsciente. Conseqüentemente,
o sujeito perceberá o que falta a este Outro e, portanto, que este é um ser desejante, já
que toda falta remete a um desejo. Esta operação de alienação do sujeito no campo do
Outro Lacan (apud TOLEDO, 2003) denominou de “afânise”, a qual implica na
primeira divisão do sujeito.
Em seguida, durante a operação de separação, o sujeito leva consigo o objeto a,
o qual corresponde à intersecção entre as duas faltas: a dele e a deste Outro, a mãe
primordial. Este objeto, a partir de então, será o objeto promotor de seu desejo. Pode-se
concluir, desta forma, que o sujeito precisa separar-se deste Outro para se tornar um ser
desejante, e o resultado destas duas operações o coloca no campo de sujeito da fantasia
fundamental, que, até então, ele estava no lugar de objeto desta fantasia. A partir daí,
seu desejo será constituído em função da falta de conhecimento a respeito do desejo da
mãe que o desejo é o desejo do Outro e de tudo o que está aquém e além deste
conhecimento.
55
2-7. b) A constituição do sujeito para Melanie Klein: um percurso nas
manifestações fantasísticas ao longo do desenvolvimento
De acordo com Klein (1963), no decorrer do desenvolvimento as fantasias vão
sendo elaboradas, referindo-se, gradualmente, a uma maior variedade de situações,
sempre influenciando a vida psíquica. Elas nunca deixam de existir, embora, na vida
adulta, apresentem-se mais diferenciadas do mundo real. Como exemplo pode ser
mencionada a influência das fantasias inconscientes na arte, no trabalho científico, e
mesmo em qualquer atividade cotidiana.
O primeiro e principal alvo das fantasias primitivas da criança é o corpo da mãe
(KLEIN, 1963). A criança, em sua vida fantasística, tem a imagem do corpo da genitora
como algo capaz de lhe proporcionar a mais plena gratificação, uma vez que este é o
possuidor de que tudo o que pode provocar-lhe satisfação, como o seio, o pênis do pai e
ainda os bebês, possíveis irmãos.
Estas fantasias são responsáveis pela ligação extremamente intensa da criança
com a mãe nos primeiros meses de vida. Porém, a projeção de aspectos hostis no corpo
materno, provenientes de frustrações decorrentes da mãe não lhe fornecer toda a
gratificação pretendida, transformam este corpo em algo dotado de características
destrutivas. Esta transformação, por sua vez, aumenta a tendência à projeção de
aspectos agressivos no mesmo, contribuindo para a visão da criança de um corpo cada
vez mais persecutório.
Esta agressividade, de acordo com Klein, é inevitável na vida da criança, que
ela nasce imersa na posição esquizo-paranóide, a qual determina a vinda do bebê ao
mundo com características destrutivas inatas. Nesta posição, a criança ainda não
56
desenvolveu o princípio de realidade; ela é movida completamente pelo princípio do
prazer. Isto quer dizer que ela sente os desgostos da realidade e tenta adaptá-la a suas
fantasias, ao invés de adaptar estas à realidade (KLEIN, 1996).
As primeiras experiências da vida infantil, características desta posição, como a
divisão da mãe em boa e má, projeções destrutivas, sentimentos de culpa e até
rivalidades que surgem durante o Édipo formam parte da vida de fantasia. O impacto
que estas terão na vida da criança depende da intensidade da onipotência com que as
mesmas são experienciadas (KLEIN, 1981).
A fantasia, inata na vida da criança, é inicialmente de caráter oral (KLEIN,
1929/1948, 1981), já que Melanie Klein concorda com Freud que a fase oral se
desenvolve logo após o nascimento. As primeiras fantasias a se manifestarem são as
sádicas, originárias da posição na qual o bebê nasce esquizo-paranóide as quais
despertam uma imensa ansiedade (KLEIN, 1963). Seus eliciadores são, principalmente,
voracidade, inveja e ódio. Um exemplo que pode ser mencionado é a fantasia do bebê
de divisão do seio em um seio bom e um seio mau. Enquanto o primeiro é o responsável
pela gratificação infinita, o segundo é aquele que frustra infinitamente, que não está
presente no momento que a criança deseja. Contra este seio mau a criança inicia uma
série de ataques em forma de fantasias, nas quais o divide em milhões de pedaços,
enquanto o seio bom permanece íntegro, representante de toda a bondade existente.
O infante, em sua vida fantasística, se apodera do seio mau de sua mãe com
intuito de esvaziá-lo completamente. Esta fantasia forma um elo entre o estágio oral de
sucção – no qual a fantasia predominante é o desejo de sugar todo o conteúdo do seio
e o próximo, o estágio oral de morder no qual os ataques ao seio são realizados por
meio dos dentes. É importante ressaltar que estas fantasias estão sempre influenciando
57
na estrutura do próprio ego da criança, o qual também se encontra dividido entre bom e
mau neste estágio primitivo.
Embora o estágio oral seja elaborado, dificilmente será superado; ele geralmente
persiste ao longo da vida em momentos de regressão, por meio de fixações orais. É
possível perceber manifestações dessas fixações em adultos através de fenômenos como
toxicomanias e distúrbios alimentares (HEIMANN; ISAACS, 1986). Caso a fase oral
tiver sido bem elaborada, ela permanecerá durante a vida adulta deslocada para outros
fenômenos; como o pênis que passa a ser visto como um órgão atraente para as
mulheres, os órgãos femininos como dadivosos para os homens e até mesmo o seio
passa a ser visto como dadivoso para a mulher, durante o período de amamentação. As
experiências felizes são armazenadas e ativadas em experiências posteriores, o que
contribui para uma genitalidade bem sucedida. Contudo, isto depende do equilíbrio que
houver entre os impulsos libidinais e destrutivos: os segundos devem ser
progressivamente subordinados aos primeiros.
Conforme o interesse da criança se desloca de fenômenos associados à boca para
outros associados ao ânus, a próxima fase de desenvolvimento sexual, a anal, mostra-se
presente, e, junto com ela, emergem as fantasias anais. O caráter das fantasias
permanece sádico, já que a posição esquizo-paranóide ainda é predominante na vida da
criança, porém as armas utilizadas nos ataques passam a ser excrementos como urina e
fezes.
É importante mencionar que nem sempre a urina e as fezes são vistas como
armas perigosas, isto depende das intenções da criança no momento de evacuação. Estes
excrementos também podem ser encarados como presentes que a criança deseja dar à
mãe, como um meio de expressão de seu amor por ela.
58
Assim como a fase oral, a fase anal nunca é completamente superada e,
dependendo do grau de fixação na mesma, o sujeito pode ser acometido por certos tipos
de transtornos psíquicos. Uma fixação nesta fase pode manifestar-se durante a vida
adulta através de distúrbios sexuais, como as perversões.
Posteriormente, o pênis do pai aparece como objeto de desejo da criança, em
substituição ao seio da mãe, tanto em crianças do sexo feminino quanto do masculino. É
importante ressaltar que, embora Klein tenha enfatizado a relação da criança com a mãe
e tenha reservado ao pai apenas uma função de complemento desta relação, a presença
paterna é essencial nos conflitos iniciais entre a mãe e o bebê. Embora a autora não
tenha ressaltado este aspecto, sua teoria também pode ser considerada triangular, uma
vez que considera as relações familiares entre a mãe, o pai e a criança, assim como
fizera Sigmund Freud (BENVENUTO, 2001).
Entretanto, tal como ocorreu com o seio, o órgão sexual masculino também
provoca frustração na criança, já que não é capaz de proporcionar a gratificação infinita
almejada, e também se transforma em alvo dos ataques sádicos derivados dos sadismos
oral e anal. Esta frustração, aliada a um ódio pelo pai decorrente de ele possuir a mãe,
primeiro objeto de desejo da criança, aumenta ainda mais a agressividade contra a figura
paterna. No caso do menino, Klein (1945/1948) complementa dizendo que existe
também a criação de fantasias a respeito da castração durante este período, fazendo com
que o ódio pelo pai seja ainda maior em crianças do sexo masculino.
Esses ataques pertencentes aos estágios primitivos do complexo de Édipo,
dotados de ansiedades orais, anais e uretrais (entre o estágio oral e o anal existe um
período em que é sentida a presença de tendências sádicas uretrais), não são apenas
realizados contra o mundo externo como também em direção ao próprio mundo interno
da criança, na medida em que ela está completamente dominada por pensamentos
59
destrutivos até este período. Ela também pode projetar seus sentimentos agressivos
sobre o seu primitivo superego, já que pensamentos destrutivos geram ainda mais
agressividade, a qual é predominante no mundo primitivo da criança, tanto em relação a
seu mundo externo quanto interno.
Se esses ataques estiverem sendo duradouros, é um indício de que a posição
esquizo-paranóide não essendo suficientemente elaborada, ocasionando uma inibição
da capacidade de amor e prejudicando as futuras relações objetais. Diversos fatores são
capazes de indicar uma fixação nesta posição, tais como uma perda de interesse pelo
mundo em geral, incapacidade de realização de sublimações
14
, dificuldades na
administração de novos alimentos em substituição ao leite materno (as quais são
derivadas das fantasias infantis de destruição do seio) e, principalmente, a persistência
da agressividade.
Com o enfraquecimento do narcisismo que dominava a criança até então, e se o
objeto predominante em sua mente for de uma mãe boa, origina-se um sentimento de
culpa em decorrência da diminuição da angústia presente nos ataques anteriores, cuja
intensidade é correspondente à onipotência do sadismo anterior (KLEIN, 1933/1948,
1934/1948, 1981). Este sentimento de culpa é acompanhado de um medo de retaliação
por parte dos personagens anteriormente atacados, assim como também por parte dos
objetos utilizados como armas para a realização destes ataques, como os dentes e os
excrementos.
As crianças desenvolvem então tendências restitutivas em forma de sublimações,
dirigidas a todos os objetos danificados anteriormente pelas fantasias sádicas,
principalmente à mãe. O predominante agora é o temor da criança de ser deixada no
14
Termo conceituado por Freud para designar um tipo de atividade humana que não tem nenhuma relação
aparente com a sexualidade, mas que extrai sua força da pulsão sexual, na medida em que esta se desloca
para um alvo não sexual, investindo objetos socialmente valorizados (ROUDINESCO; PLON, 1998).
60
desamparo, devido à destruição anterior da genitora realizada por ela própria. Estas
fantasias reparadoras são extremamente importantes para o desenvolvimento bem
sucedido da próxima fase, a genital, a qual prevalecerá durante o resto da vida num
desenvolvimento saudável.
A partir de então, os objetos anteriormente utilizados como armas de ataque,
durante a fases oral e a anal até mesmo os excrementos serão empregados como
instrumentos amistosos. Desta forma, a criança pretende, em suas fantasias, reparar os
danos causados anteriormente, quando estava dominada pelo sadismo.
Como exemplo pode ser mencionada a transformação da atividade lúdica, cuja
ocorrência é freqüente em meninos, de cortar pequenos pedaços de madeira na atividade
de juntar estes pedaços para formar um lápis. Esta nova atitude está representando a
necessidade de reparar os danos causados aos objetos anteriormente destruídos, em
fantasia, tais como o seio da mãe e o pênis do pai, dando-lhes uma nova aparência,
integrando-os novamente (KLEIN, 1996).
De acordo com Riviere (1986b) este é o aspecto mais importante da teoria
kleiniana. A autora defende que a obra de Melanie Klein não pode ser pensada apenas
em relação às fantasias agressivas, que a reparação é algo muito mais elaborado,
vinculado à necessidade de defesa contra a agressão. Estes mecanismos reparatórios são
o apoio para o desenvolvimento de todos os posteriores processos de sublimação e para
a formação de símbolos. O estabelecimento da genitalidade contribui para a formação
de um caráter seguro, confiante.
A partir da emergência da posição depressiva – em detrimento da esquizo-
paranóide – a criança adquire a capacidade de introjeção da figura de seus pais de forma
íntegra, completa, em suas fantasias imaginativas. A percepção dos objetos externos
como entidades divididas em boas e más perde força nesta etapa, dando lugar à imagem
61
integrada dos mesmos. Esta integração é de extrema importância para a vida futura, na
medida em que, a partir de então, as pessoas começam, gradualmente, a serem vistas do
modo como realmente são; os aspectos bons e ruins são percebidos como presentes em
uma pessoa só.
É importante ressaltar que não fatores constitucionais determinam este
desenvolvimento como também os ambientais. A imagem que o bebê tem de seus pais,
conseqüentemente, é baseada na influência das fantasias projetivas e introjetivas. São
introjetados tanto o seio ruim quanto o seio mau, e, da mesma maneira, ambos são
projetados na realidade externa. A predominância da libido ou da agressividade irá
determinar o tipo de introjeção e projeção predominantes, o que, conseqüentemente,
determinará se o caráter das fantasias preponderantes será amoroso ou agressivo.
Outra mudança que ocorre na vida de fantasia é a sua gradual adaptação à
realidade. Até então, as crianças não distinguiam o que é real e o que é fantasiado,
que a vida fantasística as dominava completamente. Com a emergência da posição
depressiva, as fantasias são ampliadas, elaboradas e diferenciadas, refletindo o
progresso que está ocorrendo no desenvolvimento intelectual e emocional do bebê
(KLEIN, 1986a). Conseqüentemente, é possível a criança a distinção entre seu desejo e
o ato realizado, ou seja, entre a fantasia e a realidade. Esta mudança é devida à
diminuição da severidade do superego e a um aumento do sentimento de culpa, o qual é
proporcional à intensidade do sadismo anterior. Os ataques sádicos caminham, então,
para o desaparecimento.
À medida que a ansiedade diminui, as fantasias são apresentadas de maneira
cada vez mais calma e embasadas na realidade. Esta mudança é acompanhada por uma
maior liberdade e uma maior atividade por parte da criança. A vida infantil deixa de ser
dominada exclusivamente pelo mundo fantasístico, na medida em que este começa a
62
deixar espaço para a entrada de conteúdos reais, os quais são progressivamente
integrados.
A partir da superação deste sentimento de culpa, decorrente dos ataques
efetuados anteriormente em fantasia, a relação da criança com seus pais também é
elaborada. Ela se torna mais segura e estável em sua vida fantasística inconsciente, o
que permite um certo desprendimento entre o infante e os genitores, devido ao
desenvolvimento de novas relações com outros objetos externos, substitutos do pai e da
mãe. A criança procura nestes novos objetos as fantasias agradáveis que criara
anteriormente em relação aos genitores (KLEIN, 1996). A capacidade de identificação
com outras pessoas é fundamental para que a criança possa distribuir o amor e a ajuda
da qual ela própria necessita, sentindo-se bem com esta capacidade de fazer o bem ao
próximo.
A onipotência presente tanto nas fantasias agressivas iniciais quanto nas
reparadoras influencia nas posteriores relações de objeto. No caso do vínculo com a mãe
ser muito forte, a ponto da criança não conseguir sentir-se como um ente separado desta,
sua relação com os objetos externos substitutos fica prejudicada, dominada pela
ansiedade de separação, de perda dos mesmos.
É importante ressaltar a importância que as fantasias infantis expressas nas
brincadeiras têm para a vida adulta. A maneira como as pessoas se comportam durante
seus relacionamentos amorosos, por exemplo, são decorrências da elaboração destas
fantasias representadas nas atividades lúdicas (KLEIN, 1981).
Prosseguindo no desenvolvimento, durante o período de latência a criança passa
a reprimir suas fantasias de uma maneira muito mais severa do que nos períodos
anteriores. Enquanto a criança pequena sofre influência imediata de suas experiências e
fantasias instintivas, a criança do período de latência já as dessexualizou, assimilando-as
63
de uma maneira diferente (KLEIN, 1981). Ela passa a reprimir suas fantasias
masturbatórias, ou a expressá-las de maneira dessexualizada, para assim atingir as
exigências de seu ego e o agrado dos mais velhos, o que passa a ser extremamente
importante neste período.
Desta maneira, as fantasias podem estar contidas em atividades nas quais elas
não se manifestam claramente, como nos deveres de casa da criança: as fantasias de
cópula ativa dos meninos também emergem em jogos ativos e no esporte, e também
encontramos nos pormenores desses jogos as mesmas fantasias expressas na sua lição
de casa” (KLEIN, 1981, p. 332).
durante o período de puberdade, os impulsos tornam-se mais poderosos, a
atividade de fantasia maior e o ego passa a ter outros objetivos, além de relacionar-se de
forma diferente com a realidade. Neste período como na criança pequena uma
predominância dos movimentos pulsionais e do inconsciente, o que contribui para a
riqueza de sua vida de fantasia. Pode-se dizer que, de uma certa forma, uma
regressão do adolescente aos primórdios da infância, já que há uma nova vivência destes
impulsos e fantasias. A sexualidade, que tinha passado por um período de repressão
durante a latência, retorna de uma forma mais madura com a tomada de consciência dos
impulsos incestuosos do período edipiano, e, com ela, retornam também as fantasias
sexuais.
Contudo, as atividades imaginativas do adolescente estão mais adaptadas à
realidade e aos interesses incrementados de seu ego, sendo seu conteúdo muito menos
reconhecível do que o das crianças pequenas. Além disso, devido à sua maior gama de
atividades e suas relações mais firmes com a realidade, o caráter de suas fantasias sofre
contínuas alterações, as quais proporcionam uma adaptação ao seu contexto em
contínua mudança.
64
Embora as fantasias inconscientes pareçam perder influência durante a vida
adulta, elas continuam tão presentes quanto na criança, embora mais diferenciadas da
realidade. Isto quer dizer que os adultos têm uma capacidade, inexistente nas crianças
pequenas, de distinguir o que é pertencente à esfera do real do que é pertencente à esfera
do mundo fantasístico, dominado pelo princípio do prazer. Seus efeitos inconscientes
são provas desta presença, que as fantasias permanecem ativas no posterior
desenvolvimento da sexualidade em inúmeros distúrbios sexuais, até mesmo na
perversão (KLEIN, 1927a/1948).
Quando o sujeito amadurece psiquicamente e biologicamente suas fantasias
inconscientes são passíveis de realização no estado adulto, ou seja, os desejos e
impulsos que anteriormente acarretavam um grande sentimento de culpa passam a ser
livremente realizados em fantasia, que a vida fantasística adulta é diferenciada da
realidade.
A diferenciação entre o que é pertencente à vida de fantasia e o que é real torna-
se então mais nítida na vida adulta, o que não quer dizer que um processo opere de
forma independente do outro. De acordo com a teorização kleiniana, “o pensamento de
realidade não pode operar sem a concorrência e apoio de fantasias inconscientes”
(ISAACS, 1986, p. 124).
Outra prova da influência das fantasias durante a vida adulta é o sintoma
histérico, trabalhado em Klein (1923/1948). Este nada mais é do que uma condensação
de fantasias, tal como ocorre com artistas que utilizam suas fantasias em sua arte,
liberando a imaginação em seu trabalho artístico. Contudo, os adultos, assim como as
crianças, podem ser tomados por uma dose de fantasia extremamente intensa, a qual não
é construtiva, mas sim patológica.
65
2-8. Fantasias e conteúdos patológicos
De acordo com a teorização lacaniana, a entrada da fantasia na vida do sujeito é
comumente pensada, à primeira vista, como uma salvação para a vida psíquica, uma vez
que é ela que impede o desfrute do gozo total, ou seja, impede a entrega à pulsão de
morte. Contudo, esta aparente “salvação” pode se tornar uma patologia, dependendo do
grau de dependência que o sujeito adquire desta atividade fantasística salvadora
(JORGE, 2006b).
Para Melanie Klein (apud ISAACS, 1986), as fantasias estão presentes tanto em
mentes normais como nas neuróticas, perversas e psicóticas, em todas as faixas etárias.
O que diferencia uma manifestação fantasística normal de uma patológica é a maneira
como as fantasias são tratadas, os processos mentais através dos quais são trabalhadas e
modificadas e o grau de adaptação ao mundo real. O neurótico pode ser considerado
“diferente” na medida em que mostra mais claramente aquilo que aparece encoberto na
mente normal, portanto seu desenvolvimento não é seriamente prejudicado, apenas a
censura não atua de forma satisfatória. o psicótico permanece fixado aos primórdios
da infância, apresentando fantasias típicas da tenra idade em anos posteriores ao
esperado, as quais são extremamente intensas e repletas de conteúdos angustiantes
(KLEIN, 1996). Pode-se dizer que estes sujeitos acabam vivendo isolados em seus
mundos de fantasia, que sua vida fantasística domina suas mentes de tal maneira que
não permite a entrada da realidade na psique.
Desta forma, podemos concluir que, enquanto para Lacan o delírio (substituto da
fantasia) é uma maneira que o psicótico encontra de não sucumbir à irrealidade, para
Melanie Klein a fantasia do psicótico é justamente o que o retira da realidade, uma vez
que ela acaba por dominar a mente deste completamente, impedindo a entrada de
66
conteúdos adequados à realidade em sua psique. Portanto, para esta autora a fantasia do
psicótico está diretamente relacionada a conteúdos patológicos; enquanto para o autor
francês a atividade fantasística psicótica (em sua forma delirante) é o que retira o sujeito
da completa loucura, já que o delírio é uma tentativa de conexão com a realidade.
2-8. a) A patologia sob uma visão kleiniana
2-8. a) 1. Fixações nos estágios primitivos
A principal gênese das neuroses patológicas consiste em fixações de fantasias
primárias (fantasias primitivas, pertencentes aos estágios orais e anais primordiais).
Estas fantasias primárias estão relacionadas, em sua maioria, a conteúdos sexuais,
inclusive ao ato sexual dos próprios pais. A fantasia dos pais combinados eternamente
no ato sexual a qual costuma acontecer em crianças de poucos meses de vida
contribui para a emergência de quadros psicóticos se for recorrente e acompanhada de
intensa ansiedade.
Fixações de fantasias pertencentes ao primitivo estágio oral são potenciais
causadores de patologias, como as fantasias canibalescas, as quais podem acarretar
fobias a animais, associadas ao temor do superego e do id ameaçadores (HEIMANN;
ISAACS, 1986). Nos adultos, fixações no estágio oral podem ser vistas em desordens
como perversões e toxicomania. Elas são causadoras de perturbações no
desenvolvimento libidinal e ainda, dependendo da intensidade e natureza das fantasias
envolvidas, até mesmo no estabelecimento do estágio genital. Uma genitalidade bem
desenvolvida depende diretamente da elaboração das fantasias da fase oral, as quais
continuam presentes, embora desacompanhadas de sadismo e agressividade. Isto pode
67
ser visto em fantasias do pênis como um órgão dadivoso para as mulheres e do seio
como atraente para os homens, órgão associado a funções de alimentação e conforto, em
decorrência de boas recordações das fantasias introjetivas, tais como as de sucção do
seio, as quais sempre permaneceram ativas no inconsciente.
Da mesma forma, fixações no estágio anal também podem promover fantasias
associadas a conteúdos patológicos. Como exemplo, temos a dificuldade da criança em
controlar sua urina decorrente da associação desta a conteúdos maléficos, que nos
primitivos ataques efetuados à mãe seus excrementos eram utilizados como armas.
Isto significa que a presença de fantasias pertencentes aos estágios pré-genitais
não é, por si só, um fator eliciador de patologia, mas sim a forma como estas fantasias
continuam presentes. Sua presença na vida adulta também pode ser saudável, se estiver
subordinada às fantasias genitais. Dependendo da maneira como esta presença é sentida,
ela é até considerada um fator controlador de ansiedade, uma vez que as fantasias pré-
genitais contribuem para a visão dos órgãos sexuais como bons e necessários, e,
portanto, a atividade sexual também será sentida como boa e necessária. O modo como
as fantasias primitivas permanecem presentes na vida depende da atuação da libido, a
qual realiza o ajustamento às demandas da realidade. Fantasias de procriação são
exemplos da libido utilizada em favor de mecanismos construtivos, ou seja, da
genitalidade sendo estabelecida de maneira saudável.
Por outro lado, a predominância de sentimentos destrutivos, relacionados aos
primitivos estágios da vida, sobre as tendências genitais pode ocasionar alguns tipos de
inibições no desenvolvimento. Quando a tendência dominante no infante é a de
aniquilação de sua mãe, um tipo de fantasia freqüente é a sensação de que ele está
pisando sobre o corpo da própria genitora. Esta fantasia é sentida como persecutória e
68
pode ser causadora de inibições no caminhar, dependendo de sua intensidade e
freqüência.
2-8. a) 2. As neuroses
Nas fantasias neuróticas apenas uma parte da realidade é reconhecida; uma
negação da outra parte desta, a qual permanece subordinada a vida de fantasia, onde a
censura não atua (KLEIN, 1996). nas crianças “normais”, com uma saúde psíquica
livre de qualquer tipo de perturbação o que é extremamente raro há um equilíbrio
melhor entre a fantasia e a realidade, o que pode ser comprovado através da
interpretação de suas brincadeiras. Elas não deixam de fantasiar, porém, sua atividade
de fantasia é mais bem elaborada, livre de repressões e está em conformidade com a
realidade. A fantasia, nas crianças normais, pode ser vista ainda em momentos nos quais
a realidade impõe-se de forma angustiante, como um meio de refúgio das atividades
penosas, uma atividade que tem como função trazer prazer à vida. A descarga de
fantasias masturbatórias através das atividades lúdicas e outras formas de sublimação
pode ser entendida como um meio para a criança obter alguma gratificação.
Como exemplo, podem ser mencionadas as fantasias masturbatórias de Fritz,
paciente bastante mencionado nos artigos de Melanie Klein, baseadas no desejo de coito
com a mãe. O menino, quando havia completado seis anos de idade, tinha fantasias
sobre seu imaginário “general Pipi” o órgão sexual masculino o qual conduzia os
soldados, denominados de “pingos de Pipi”, pelas ruas e os levava até uma aldeia.
A partir da análise desta fantasia, ficou claro que ela estava relacionada ao
caminho dos movimentos do pênis no coito com a mãe. Ele ainda fantasiava que todas
as crianças tinham uma espécie de motocicleta, a qual fazia “curvas” para dentro e para
69
fora. Quando a curva era muito pequena, as crianças “caiam da motocicleta”
movimento do pênis no coito – ao passo que se fossem bem sucedidas nas curvas
“desciam no ponto final” representação do nascimento. Desta forma, a habilidade em
dirigir a motocicleta era a representação da habilidade no coito. A gasolina que era
colocada para fazer a motocicleta andar representava a “água do Pipi”, ou o sêmen,
necessário ao coito (KLEIN, 1996).
Outro exemplo acerca de Fritz é a fantasia que tinha de que as árvores podiam
cair sobre ele, a qual foi, por sua vez, determinante de uma fobia às árvores situadas no
caminho de sua escola e, portanto, a ida à escola passou também a ser temida. Ficou
claro, durante a interpretação kleiniana desta fantasia, que as árvores representavam o
grande pênis do pai, tão temido. Para evitar o caminho da escola, o menino passou a
fantasiar que era possível estender uma escada da janela do seu quarto até a sala de aula,
de modo que ele e a mãe iam juntos, pulando de degrau em degrau. Também fantasiou a
respeito de uma corda, esticada de sua janela à escola, através da qual ele e sua irmã
eram puxados até a escola. As crianças das salas de aula ajudavam a puxar a corda, e
depois ele mesmo a atirava de volta. A análise desta fantasia revelou que esta
representava a sua procriação, por seus pais, e a sua própria idéia de coito.
Nas mentes neuróticas, as fantasias muitas vezes são reprimidas de tal forma que
podem passar despercebidas por um analista menos atento. Isto ocorre devido ao grande
sentimento de culpa, sempre presente na vida dos neuróticos, atrelado à sexualidade.
Dependendo da intensidade da culpa, esta repressão pode acarretar uma inibição não
apenas das brincadeiras (representações em ações das fantasias) como também do
processo posterior de aprendizado e sublimação.
2-8. a) 3. Decorrências das neuroses
70
Transtornos obsessivos compulsivos, cuja presença é bastante comum em
crianças, podem estar relacionados à repressão de fantasias masturbatórias. No caso de
Félix, outro paciente que Klein menciona em algumas obras importantes (KLEIN, 1981,
1996), a repressão da masturbação acarretou a descarga da libido acumulada em
movimentos estereotipados como fazer caretas, piscar e esfregar os olhos, dentre outros.
Além disso, seu aprendizado também foi prejudicado devido a esta repressão. A
análise e liberação destas fantasias, portanto, foi de importância primordial não na
cura destes transtornos obsessivos como também de todo o seu desenvolvimento
intelectual. A partir de então, a atividade de sublimação pôde ser concretizada, sendo a
libido deslocada para outros interesses, como o aprendizado, por exemplo; ao passo que
a masturbação passou a ser praticada de maneira saudável, sem repressão, o que
permitiu a liberação da vida fantasística através da brincadeira e o estabelecimento da
sublimação posteriormente.
O meio mais eficiente de atenuar a ansiedade dominante na criança pequena é
justamente a análise das fantasias sádicas, através da técnica do brinquedo desenvolvida
por Melanie Klein (KLEIN, 1986c).
2-8. a) 4. A introjeção e projeção associadas à patologia
A fantasia onipotente de que o mundo externo é dominado pelo sujeito, ou seja,
a não distinção entre o que faz parte do mundo interno e o que é da realidade externa é
71
outro possível eliciador patológico. Isto pode ser ilustrado em casos graves de
depressão, os quais remetem ao primitivo estágio oral; ou ainda nas fantasias
introjetivas que desembocam no auto-erotismo, quando a criança introjeta o seio da mãe
em uma parte de seu corpo e sente como se este realmente fosse seu. Ela encontra seu
refúgio neste seio interno, seio bom; enquanto o seio externo é sentido como mau,
que a frustrou na realização de seus desejos. Contudo, este contentamento é algo
passageiro, efêmero, que não é possível viver neste refúgio para sempre; a realidade
externa logo vem à tona.
Por outro lado, quando o objeto interno é sentido como mau e perigoso a
introjeção de novos objetos será, conseqüentemente, prejudicada. Este temor, por sua
vez, gera um processo crescente de ansiedade e angústia, que quanto mais a
introjeção é temida, tanto mais é inibida.
Os mecanismos de introjeção e projeção sempre atuam em conjunto, tanto nas
fantasias saudáveis quanto nas que desembocam em conteúdos patológicos. São
introjetados tanto os objetos bons como os maus, e, da mesma maneira, ambos são
projetados na realidade externa. Entretanto, a imagem interna dos objetos pode ser
distorcida por estes mecanismos. Quando a criança introjeta um objeto ela está entregue
ao desejo de incorporá-lo, correndo o risco de depositar em si mesma sua maldade. Por
outro lado, quando a criança projeta algo interno no mundo exterior está correndo o
risco de perder algo bom, que lhe pertencia. Esta contradição é fruto de intensa angústia,
cuja presença é comprovada nas explosões de raiva da criança, as quais, se forem
intensas e freqüentes, determinam um caráter inseguro e intolerante.
Esta insegurança, por sua vez, pode vir a acarretar problemas no posterior
desenvolvimento, devido à desordem psíquica decorrente. Como exemplo, podem ser
mencionadas dificuldades na alimentação, as quais também podem estar relacionadas à
72
falta de elaboração das fantasias primitivas de aniquilamento do seio materno. Estas
fantasias, por conseguinte, provocam temores de ser aniquilado e devorado pelo seio, o
que aumenta ainda mais a insegurança. Outro exemplo comumente recorrente são
dificuldades durante o período escolar, no aprendizado da leitura e escrita.
2-8. a) 5. Dificuldades no início do período escolar
O início do período escolar, assim como toda mudança na vida da criança, é
acompanhado por inúmeras fantasias que demonstram ansiedade frente a uma nova
situação. Desta forma, a criança pode envolver seu sadismo nos processos escolares:
algumas letras passam a ser representações de suas armas sádicas. Para Fritz, o “ll”
juntos representavam as fezes, o “ss” juntos representavam a união dele com seu pai, e
daí advém a dificuldade do menino na utilização destas letras. Em suas fantasias, seu
caderno era um lago e sua caneta era um barco, através do qual os “ss” velejavam pelo
lago. Isto ocasionou uma inibição na escrita dos “ss” juntos (KLEIN, 1996).
Além disso, sua caneta era investida de grande conteúdo simbólico-sexual.
Outras vezes, seu livro era a representação do mundo, as linhas eram estradas, de forma
que as letras corriam montadas numa motocicleta, a caneta. Desta forma, vários erros de
ortografia do menino eram determinados pelo investimento de fantasias nas letras, as
quais conviviam entre si, sendo algumas vezes amigas e em outras inimigas. Por
exemplo, as letras minúsculas eram filhas ou simplesmente subordinadas às maiúsculas:
o “S” era o imperador do “ss”.
Além disso, foi possível constatar através da análise que o movimento da caneta
na escrita representava o coito sexual de seus pais, ao passo que a palavra em si
representava o pênis, ou mesmo a criança fruto do ato sexual. Este paciente também
73
apresentava dificuldades na fala, advindas do movimento da língua, que, para ele,
também estava associado a fantasias acerca do coito sexual.
Da mesma maneira, dificuldades na leitura são decorrências do investimento
libidinal atribuído a esta atividade, já que o livro e os olhos estão também, assim como a
caneta e o movimento da língua, investidos de conteúdos simbólico-sexuais.
2-8. b) Alguns tipos de psicoses sob uma visão kleiniana e lacaniana
2-8. b) 1. A paranóia
Klein (1981) através da análise de fantasias de crianças de tenra idade, afirma
que, no caso da paranóia, as fantasias assumem o caráter de penetração no corpo da
mãe, a fim de espoliar os seus conteúdos, causando uma imensa ansiedade devido ao
temor subjacente de permanecer encarcerado e perseguido dentro da mãe.
A paranóia está diretamente relacionada ao temor de ataques provenientes da
mãe, de ser perseguido por esta, em decorrência dos primitivos ataques sádicos
efetuados contra a mesma. A realidade fica submetida à vida de fantasia, fazendo com
que o sujeito esteja mais pendente para o lado da irrealidade. O paranóico pode ser
comparado a um criminoso, o qual, por se sentir perseguido, tenta destruir os outros.
Em ambos os casos os sentimentos dominantes são as fantasias persecutórias. Esta
sensação de perseguição ainda pode ser reforçada por fatores externos, como a
crueldade dos pais, ou um ambiente externo desfavorável (KLEIN, 1996).
Desta forma, apesar de o paranóico apresentar uma vida de fantasia
extremamente rica, esta é sempre atrelada à intensa ansiedade. Embora ele tenha a
capacidade de introjetar os objetos com os quais se relaciona de forma inteira e real, não
74
é capaz de se identificar com eles, devido à força da ansiedade persecutória que permeia
seu mundo interno. Esta ansiedade, por sua vez, acarreta uma suspeita acerca da
bondade de todos os objetos externos. Suas relações assumem, na maioria das vezes, os
papéis de perseguidor e perseguido.
Um exemplo de conteúdos paranóicos nas fantasias infantis é o caso de George –
paciente de Melanie Klein – o qual apresentou para ela, aos seus seis anos de idade, uma
fantasia na qual ele aparecia como um líder poderoso de um bando que lutava para
matar friamente seus inimigos. Estes inimigos nunca desapareciam; pelo contrário,
ainda aumentavam gradualmente (KLEIN, 1996).
Outra fantasia paranóica interessante de ser mencionada é um caso relatado por
outro paciente de Melanie Klein, o qual imaginava ter uma solitária dentro de seu corpo
(KLEIN, 1996). Esta fantasia despertou um temor acerca de um câncer que poderia
estar lhe corroendo por dentro. Durante a análise, a solitária foi interpretada como a
representação dos pais, unidos em cópula contra o paciente. Conforme a ansiedade
crescia, as fantasias aumentavam em intensidade e o paciente imaginava que o câncer
estava atravessando a parede de seu estômago. Este câncer era a representação de seu id,
o qual age instintivamente, e estava sendo impossível ao seu ego controlá-lo.
Em outra ocasião, este mesmo paciente teve fantasias a respeito de uma
hemorragia interna que lhe acometia, da qual ele poderia morrer. A interpretação
mostrou que esta hemorragia estava relacionada ao medo da perda da própria analista,
que estava sendo simbolizada por este sangue bom, o qual estava indo embora sem que
o paciente pudesse detê-lo.
de acordo com a teorização lacaniana, o paranóico, por apresentar uma
estrutura psicótica, é aquele que sofreu uma falha no recalque originário e construiu o
delírio, ao invés da fantasia, para conseguir se relacionar com a realidade (JORGE,
75
2003). O paranóico permaneceu fixado no estádio do espelho, ou seja, ele não formou
uma imagem de seu “eu integrada, distinta da imagem do Outro. Desta forma, este
sujeito produz imagens altamente delirantes em relação ao Outro, imagens
persecutórias; ele se sente perseguido por este Outro refletido no espelho, o qual é visto
como um rival.
2-8. b) 2. A depressão e a melancolia
A depressão, para a teorização kleiniana, tem um alicerce na paranóia, da qual
pode ser derivada. Fantasias muito comuns do depressivo são as relacionadas ao
suicídio. Nestas, o que o sujeito está querendo destruir é a parte de seu ego ligada ao
objeto mau, representante do id, com a qual ele não se identificou (KLEIN, 1996). Por
outro lado, ele procura preservar a parte do ego conectada ao objeto bom, interno, a qual
podemos pensar que está conectada com a alma e, portanto, irá sobreviver e será, desta
forma, protegida do objeto mau. Ainda existem as fantasias relacionadas ao suicídio
voltadas ao mundo externo, aos bons objetos externos que servem como substitutos dos
objetos internalizados. O depressivo fantasia o suicídio justamente para preservar seus
objetos bons, internos ou externos, de seu rancor, do ódio que cresce dentro dele.
a teorização lacaniana considera que o sujeito melancólico acometido por
uma forma de depressão extrema forma a sua fantasia com o objetivo inconsciente de
adquirir um escudo de defesa contra a dura realidade que lhe é imposta (LACAN, apud
JORGE, 2003). Em casos graves, o sujeito perde inclusive a capacidade de formar
qualquer tipo de fantasia, devido ao grau de paralisação no qual sua mente se encontra.
2-8. b) 3. A claustrofobia
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Klein (1980) conclui que um dos fundamentos da origem da claustrofobia são as
fantasias acerca de ataques sobre os corpos tanto da mãe quanto do pai, uma vez que
estes dão origem a temores de possíveis conseqüências desastrosas, como o
aprisionamento dentro do corpo dos genitores. Além disso, estas fantasias podem estar
relacionadas ao temor da castração, devido ao imaginado aprisionamento do pênis
dentro do corpo da mãe.
Da mesma maneira, o temor de permanecer encarcerado dentro da mãe,
decorrente das fantasias inconscientes de projeção de todo o eu no interior da genitora
para tomar sua posse e controle, é fator determinante na etiologia da claustrofobia, ou
até mesmo de fobias comuns como a ladrões, cobras, invasões, etc (KLEIN, 1986b).
Estes medos, por sua vez, estão relacionados a fantasias de tragédias como de uma total
fragmentação do corpo, de ser desmembrado, despedaçado; ou seja, uma completa
destruição do corpo e da personalidade. É importante ressaltar a atuação intensa da
angústia de morte nestes casos, o que pode levar, em circunstâncias extremas, aos
delírios psicóticos.
2-8. b) 4. A esquizofrenia
A teorização kleiniana ainda aborda as manifestações fantasísticas na estrutura
esquizofrênica. De acordo com Heimann (1980a), neste caso as fantasias estão atreladas
à sensação do próprio corpo em pedaços. Adicionada a estas bizarras sensações, estão a
77
introjeção dos pais e da relação sexual destes, pelo esquizofrênico, em seu ego, o que da
origem a fantasias polimorficamente perversas, expressas sem nenhum tipo de disfarce,
que o esquizofrênico não se envergonha das mesmas. Sua vida fantasística é bastante
rica e intensa, uma vez que ele não consegue aceitar a existência da maioria dos fatos
reais. Pessoas, brinquedos e jogos podem ser muito mais bem controlados através da
fantasia.
de acordo com a teorização lacaniana, o esquizofrênico, assim como o
paranóico, sofreu uma falha na entronização do recalque originário, e, da mesma
maneira, produziu o delírio psicótico como um meio de comunicação com a realidade.
Contudo, o esquizofrênico não atingiu a etapa do estádio do espelho, já que permaneceu
fixado numa etapa ainda mais rudimentar, da formação do corpo pulsional (JORGE,
2003). Ele é então invadido por fantasias pré-estádio do espelho, acerca do corpo
espedaçado.
2-8. b) 5. O Autismo
Rodrigué (1980), outro seguidor da teoria kleiniana, em seu artigo A análise de
um esquizofrênico, com mutismo, de três anos de idade, relata sobre as fantasias da
criança autista. Ele afirma que estas são atividades fantasísticas de controle onipotente
do mundo externo, uma vez que a criança autista é uma criatura onipotente.
O mecanismo de projeção é essencial para a sua atuação no mundo externo: “Ao
projetar partes do seu eu no objeto, ela sente que o controla, pois identifica o objeto com
a parte projetada do eu” (RODRIGUÉ, 1980, p. 226). A criança autista somente atua
em ambientes nos quais a imobilidade das pessoas presentes seja tamanha que lhe
78
possibilite exercer sua dominação, que precisa da obediência plena e cega dos
demais.
a teorização lacaniana ressalta a questão da criança autista não haver
incorporado a estrutura da linguagem, o que, por sua vez, ocasiona uma reação de
indiferença de sua parte perante ao Outro (LEADER, 2001). Ela não diferencia nem
mesmo objetos animados dos inanimados; a presença de uma pessoa faz-se notar da
mesma maneira que a de um brinquedo. Seu mundo é representado por uma imensa
continuidade.
2-8. c) Conclusão
De acordo com Riviere (1986a), seguidora de Melanie Klein, toda a vida
fantasística é uma mistura das realidades interna e externa, ou seja, a vida de fantasia
nunca é composta por pura fantasia. Portanto, o limite que demarca o que é fantasia e o
que é realidade é muito tênue, de maneira que é possível a confusão entre o real e o
fantasiado por qualquer pessoa. A persistência e intensidade em que esta confusão
ocorre é o que determina o grau de patologia da mente.
Desta forma, para a teorização kleiniana, a fantasia pode estar atrelada à
patologia em sujeitos que não conseguiram elaborar a ansiedade presente nas fantasias
primitivas, as quais confundem fantasia e realidade. Esta confusão provoca sentimentos
de despersonalização, por exemplo, em fantasias muito comuns de penetração no objeto
exterior, com intuito de possuí-lo e controlá-lo. O fracasso em fazer a realidade
predominar sobre a fantasia leva a formação de uma mente confusa, mal integrada.
para a teorização lacaniana, uma fantasia nunca é vista como uma
manifestação patológica em si, mas sim a maneira como esta é formada pode estar
79
demonstrando a existência de uma patologia subjacente. Numa mente saudável, a
fantasia entra em cena a partir da imposição do significante Nome-do-Pai, conforme
descrito anteriormente, impedindo o acesso do sujeito ao gozo total, e lhe dando em
troca a possibilidade de desfrutar do gozo fálico, o gozo sexualizado.
No caso de um transtorno psicótico, ocorre a forclusão da metáfora do Nome-do-
Pai, ou seja, a figura paterna não age impondo a lei, a ordem para a criança. Desta
maneira, o psicótico fica livre para desfrutar do gozo absoluto da “Coisa”, como Lacan
denomina, ou da “pulsão de morte”, nos termos freudianos. Como uma forma de
impedir que isto aconteça, o psicótico constrói o delírio, o qual não é nada além do que
a sua forma correspondente de fantasia. Embora a conotação de delírio remeta a algo
alucinante, fora da realidade, este delírio é o que justamente permite a este sujeito não
sucumbir à irrealidade. A atividade delirante pode ser definida como a fantasia do
psicótico, ou seja, uma construção fantasística que impede o desfrute do gozo total, da
Coisa.
2-9. Fantasias e conteúdos sexuais
Assim como o pai da psicanálise que, desde o início de sua teorização acerca da
vida fantasística, abordou as fantasias inconscientes sempre vinculadas a conteúdos
sexuais (FREUD, BREUER, 1895/1969; FREUD, 1907/1969), seus seguidores Melanie
Klein e Jacques Lacan também ressaltaram esta ligação. Klein concorda com Freud ao
conceber a vida como uma luta constante entre os instintos de vida e de morte, sendo
que a sexualidade é o alicerce para o desenvolvimento do primeiro destes (KLEIN, apud
TEMPERLEY, 2001).
80
A importância do conteúdo sexual das fantasias pode ser comprovada num
estágio posterior da vida (KLEIN, 1996). Embora durante a vida adulta as fantasias não
sejam perceptíveis tão claramente como nas crianças, elas continuam atuantes na mente.
Seus efeitos inconscientes podem ser vistos em distúrbios sexuais como a frigidez, a
impotência, dentre outros.
Lacan (1981) também percebe uma conexão entre fantasias e conteúdos sexuais,
mais particularmente, na fantasia de castração da criança do sexo masculino, cujo
conteúdo refere-se à repressão sexual.
2-9. a) Fantasias sexuais na teorização kleiniana
2-9. a) 1. Fantasias masturbatórias
Por trás de cada forma de atividade lúdica encontra-se um processo de descarga
de fantasias masturbatórias, as quais operam como uma contínua motivação para a
brincadeira. Quando estas fantasias são reprimidas, as brincadeiras, por conseguinte, são
paralisadas; ao passo que a liberação fantasística permite à criança brincar livremente
(KLEIN, 1921/1948). Vinculadas às fantasias masturbatórias da criança estão suas
experiências sexuais, as quais encontram também representação nas suas brincadeiras
“uma das importantes conquistas da psicanálise é a descoberta de que as crianças têm
uma vida sexual que encontra expressão tanto em atividades sexuais diretas quanto em
fantasias sexuais” (KLEIN, 1981, p. 159).
A atividade auto-erótica não pode ser definida sem ser encontrada a fantasia
subjacente à mesma; não existe masturbação sem uma fantasia que a sustente, e o
interesse do analista na masturbação é justamente desvendar qual é esta atividade
81
fantasística (LAPLANCHE, 1992). Isto vale tanto para o adulto quanto para a criança
que inicia seu auto-erotismo no protótipo oral.
Para a análise das fantasias agressivas da criança é necessária a observação
simultânea das fantasias masturbatórias dotadas de conteúdos libidinais, para que assim
sejam descobertas as fontes primordiais de ambas as manifestações fantasísticas.
A liberação destas fantasias masturbatórias é essencial não para a atividade
lúdica como também para todas as posteriores sublimações (KLEIN, 1996). Inibições
graves tanto nas brincadeiras como em todo o aprendizado têm sua origem na repressão
destas fantasias. Portanto, uma vida sexual satisfatória depende da liberação da vida
fantasística, principalmente das fantasias masturbatórias. As representações que as
crianças fazem da cena primária (ato sexual dos pais) podem ser consideradas o
conteúdo primordial que se encontra por trás destas fantasias, as quais são reveladas
depois de um período considerável de análise e do conseqüente estabelecimento na
criança de conteúdos genitais.
Um exemplo de fantasia deste tipo é apresentado por Klein (1996), na análise de
seu paciente Félix, quando ele estava com treze anos de idade. Ele jogava futebol com
meninas nuas, cujos seios acariciava. Não era possível ver a parte debaixo de seus
corpos. Este caso ilustra como a sublimação de fantasias sexuais (deslocamento de seu
interesse inicial por conteúdos sexuais para outro tipo de interesse) pode despertar uma
curiosidade por jogos.
Ainda na análise deste paciente, Klein (1996) interpreta fantasias sexuais acerca
de componentes anais. Ao ir ao teatro, o menino fantasiava que o som da orquestra
soava abafado pelo fato desta estar posicionada embaixo do palco, o que estava
relacionado à escuta dos sons que provinham da cama dos pais. Félix não conseguia
dirigir a libido contida em suas fantasias masturbatórias para o caminho da sublimação
82
devido à intensa repressão que estas sofriam. Por trás do conteúdo homossexual de suas
fantasias masturbatórias foi possível à autora discernir a identificação do menino com
seu pai, à qual estava subentendido o desejo de ter relações com sua mãe.
Conforme foi possível analisar as fantasias masturbatórias mais antigas de Félix,
aquelas diretamente relacionadas à observação da cena primária dos pais (o menino
havia dormido no quarto dos pais até os seis anos de idade), o conteúdo sexual destas
fantasias passou de passivo para ativo, ou seja, de homossexual para heterossexual.
A autora ressalta que uma interrupção das fantasias masturbatórias provoca não
apenas uma interrupção da atividade lúdica como também compromete toda a vida
futura da criança. Ela pode vir a ter sua capacidade de sublimação prejudicada e está
propícia a desenvolver diversos tipos de neuroses (KLEIN, 1981). A autora ainda
comprova esta afirmação através de sua análise de fobias infantis que têm como alicerce
a repressão destas fantasias, as quais sempre vêm acompanhadas de intensos
sentimentos de culpa. Como exemplo pode ser mencionado o caso do menino Fritz, cuja
fobia era um temor a árvores, ao qual correspondia uma fantasia subjacente: a
equivalência do tronco de árvore ao pênis do pai. Fixações artísticas e intelectuais, ou
até mesmo alguns tipos de neuroses, têm como fator etiológico, na maioria das vezes,
fantasias acerca da cena primária que não foram descarregadas devidamente (KLEIN,
1923/1948).
2-9. a) 2. Fantasias sexuais das meninas
83
Klein (apud TEMPERLEY, 2001) relata sobre as fantasias das meninas atreladas
ao órgão sexual feminino. Uma vez que elas estão em desvantagem por não poderem
visualizar a totalidade de seu órgão, tal como pode ser feito pelos meninos, elas não
param de criar fantasias a respeito tanto de sua vagina quanto do ato sexual dos pais. A
menina, portanto, está mais à mercê da vida de fantasia do que os meninos.
Para a autora, a menina possui um conhecimento inconsciente a respeito de seu
órgão sexual e de sua capacidade reprodutiva. Seu superego é construído devido ao
temor de uma espoliação efetuada por sua mãe, decorrente de seus ataques realizados
tanto à sexualidade desta quanto aos bebês que vivem dentro da mesma, em sua
fantasia. Pode-se dizer, então, que o superego feminino, de acordo com a teorização
kleiniana, é construído por meio de fantasias de retaliação (TEMPERLEY, 2001).
Particularmente nas meninas, os primitivos impulsos orais, uretrais e anais
conduzem a fantasias vaginais. Elas desejam adquirir e incorporar o pênis paterno
dentro delas próprias, desejo que desemboca na fantasia de ter um filho do pai. Uma vez
que estes desejos são frustrados, eles se alternam com a fantasia de possuir um pênis.
Contudo, com a descoberta de que seu órgão sexual é interno, incapaz de tornar-se
parecido com o pênis paterno, este desejo também é mal sucedido. Desta forma, a
menina perde as esperanças com o pai e dirige seus desejos e fantasias para sua mãe.
Suas tendências e fantasias homossexuais são assim reforçadas pela frustração de seus
desejos com seu pai, ao passo que a desvalorização da feminilidade é acompanhada da
supervalorização do órgão sexual masculino (HEIMANN, 1980a).
Klein (apud TEMPERLEY, 2001) atribui bastante importância à fantasia
recorrente em meninas de preencher o desejo feminino da mãe adotando a posição do
amante desta, que pode ser o pai ou qualquer outra figura. Isto é semelhante à teorização
84
lacaniana, na medida em que o autor defende a idéia de que a fantasia está relacionada à
vontade da criança de fazer-se objeto do desejo de sua mãe.
De acordo com a teorização lacaniana, é uma característica da mulher a não
adesão ao princípio fálico, de modo que o elemento mediador entre os sexos, ao invés
de um objeto, passa a ser um significante disponível (NOBUS, 2001). A mulher então
pode eliminar a lacuna entre ela e o Outro através de qualquer significante, ao se engajar
num comportamento sexual com um sujeito falante.
2-9. a) 3. Fantasias sexuais e os sintomas neuróticos
De acordo com Klein (1996), as situações prazerosas quer as reais, quer as
fantasiadas – precisam ser descarregadas, de acordo com a liberdade oferecida pelo ego.
Um bom exemplo de fantasia dotada de conteúdos sexuais não descarregada é a que
resulta no sintoma histérico. Este nada mais é do que uma fixação de fantasias, as quais
atuam com tanta força que não é possível ao ego permitir sua total descarga. Desta
forma, a sublimação pode ser compreendida como um mecanismo saudável, no qual a
energia sexual presente nas fantasias é deslocada de sua finalidade principal para uma
nova atividade substituta. Esta atividade pode ser um trabalho, uma ocupação, uma
brincadeira, etc. O desenvolvimento de um interesse por um trabalho criativo, como o
trabalho dos artistas, depende, então, da capacidade de sublimação das fantasias sexuais.
2-9. a) 4. O mistério do ato sexual dos pais
85
De acordo com a teorização kleiniana, na primitiva vida fantasística, durante o
início do complexo de Édipo, as fantasias sexuais estão sempre relacionadas aos
genitores, especialmente ao do sexo oposto. É durante este período que se desenvolvem
as fantasias masturbatórias associadas ao ato sexual dos pais. Elas se encontram no
período de transição entre o estágio oral e o anal, conhecido como período polimórfico
do desenvolvimento. É também neste momento que aparecem as ansiedades
características do estágio edipiano, as quais, se não forem elaboradas, podem acarretar
problemas de sexualidade, como as perversões (HEIMANN, 1980b).
As frustrações orais que a criança sofre, com o conhecimento da limitação do
corpo materno, provocam fantasias masturbatórias a respeito dos prazeres sexuais
desfrutados por seus pais, ocasionando um sentimento de ódio e inveja em relação a
ambos os genitores, e não apenas à mãe. Estas fantasias recaem em duas distintas
categorias: na primeira a criança emprega todas as suas possíveis armas destrutivas com
intuito de arruinar o ato sexual dos pais; na segunda categoria são os pais que se
mutilam mutuamente (KLEIN, 1981). A criança os dota de suas próprias armas
perigosas, como unhas e dentes. As fantasias desta categoria são mais perigosas em
termos do desenvolvimento na criança pequena, uma vez que desembocam em
pensamentos acerca do ato sexual como algo extremamente maléfico e prejudicial.
Tais fantasias provocam sentimentos de aniquilamento voltados para ambos os
pais, além da destruição imaginada que um possa estar causando ao outro, por meio de
seus genitais e excrementos, os quais são, a partir de então, fantasiados como armas
poderosas que estão sempre atuando, assim como as armas orais mencionadas
anteriormente.
86
Klein (1996) relata uma fantasia de seu paciente Fritz, na qual ele via seus
colegas de escola entrando na sala pela janela e um deles, denominado de “Bolinho”,
era muito gordo, o que o impedia de conseguir entrar. A autora interpretou esta fantasia
como uma tentativa fracassada do pênis do pai de penetrar na mãe.
Outro exemplo de fantasia manifestada tanto por Fritz quanto por Ernst, outro
paciente de Melanie Klein submetido à análise ainda na tenra infância, era a imagem de
uma cidade representando a mãe (uma vez que o corpo materno pode ser pensado como
algo misterioso, repleto de conteúdos interessantes, tais como o pênis do pai e os bebês,
é compreensível que este seja equiparado a uma cidade); os trilhos de um trem sobre a
cidade ao pênis do pai sobre o corpo da mãe; e o movimento do trem ao próprio
movimento do coito dos pais.
Nestas fantasias, muitas vezes a mãe é imaginada como incorporando o pênis do
pai ou até mesmo seu corpo inteiro, dependendo do grau de elaboração do psiquismo
da criança o que prejudica a crença num seio bom, nutridor. Da mesma maneira o pai
também pode ser visto como o possuidor do seio da mãe, ou até mesmo da mãe inteira.
Além disso, a criança também tem fantasias a respeito da imagem dos pais eternamente
fundidos em cópula, o que provoca pensamentos a respeito dos males de que os pais são
capazes (KLEIN, 1930/1948).
Estas fantasias estão sempre relacionadas aos mecanismos introjetivos, de
incorporação, e culminam na formação de imagens como da mãe com pênis, ou do pai
com seio, que permeiam a imaginação da criança. Dependendo do sadismo envolvido,
elas assumem um caráter sado-masoquista (KLEIN, 1981), que a destruição dos pais
redunda na destruição da própria criança, a qual, desta forma, cria fantasias de devorar o
seio da mãe, utilizando para isso armas presentes na boca, como seus dentes.
87
A presença constante da imagem dos pais combinados em cópula, tais como o
pênis do pai penetrando no seio mãe, é sintoma de algum distúrbio nesta relação. A
visão dos pais eternamente fundidos um no outro pode acarretar uma forte ansiedade
nas fantasias primitivas, o que, conseqüentemente, prejudica o posterior
desenvolvimento. Esta fantasia pode ocasionar problemas nas relações pessoais, tais
como a desconfiança de homens e mulheres em geral (KLEIN, 1976).
2-9. a) 5. Sublimação: processo fundamental para o aprendizado
O interesse da criança pela escola e pelo aprendizado como um todo pode ser
compreendido como uma sublimação dos interesses relacionados a conteúdos sexuais.
Klein (1996) relata a fantasia de seu paciente Ernst, de seis anos de idade, prestes a
entrar na escola, na qual se via realizando a profissão de um “pupilo” e indo para a
escola técnica. A autora interpretou que ser um “pupilo” estava ligado ao seu desejo de
aprender sobre o coito, ao passo que o início da profissão representava a possibilidade
de realizá-lo.
Da mesma maneira, os meros são investidos de conteúdos simbólico-sexuais,
fazendo com que o aprendizado dos cálculos seja também perpassado por investimentos
libidinais. Por exemplo, o número dez era, por Fritz, inconscientemente igualado ao
número de dedos das mãos. Devido aos dedos serem, nas fantasias das crianças,
representações do pênis, o número dez, por sua vez, era coberto de desejos sexuais. Já o
número um, devido a sua semelhança escrita ao pênis, era desencadeador de fantasias de
castração.
Na análise de sua paciente Lisa, Klein (1996) percebe que ela associava a
divisão de um número maior por um número menor ao coito. Através desta paciente, a
88
autora ainda percebe a importância de se transportar para o que “as pessoas faziam no
passado”, ou seja, de estudar as fantasias relacionadas às relações dos pais entre si e
destes com ela. Estas fantasias eram expostas em encenações de batalhas, matanças,
etc., envolvendo sempre ambos os pais, as quais estavam sempre relacionadas ao coito.
89
3. O avanço Lacaniano
3-1. Kant com Sade e o avanço lacaniano
É no artigo Kant com Sade que Lacan (1998) trabalha exaustivamente a relação
do sujeito com a fantasia. Este texto enigmático pode ser considerado um dos mais
importantes do autor em relação à temática da fantasia, e um bom representante do
avanço lacaniano na psicanálise, uma vez que enfoca a dimensão simbólica da vida
fantasística por meio de um alicerce filosófico. O autor francês teve seu grande
reconhecimento justamente por ter elevado a psicanálise de seu ancoramento biológico
ao âmbito da filosofia (ROUDINESCO; PLON, 1998).
Neste artigo de difícil compreensão, Lacan (1998) propõe a tarefa audaciosa de
correlação entre o pensamento filosófico de Kant com a literatura do Marquês de Sade.
Enquanto o primeiro defende em sua filosofia o paradigma da moral, cuja máxima
implica a presença do dever, o segundo, cujo nome é atrelado ao seu espírito de
liberdade, defende o paradigma do libertino (www.obcl.com.br/textos/psi/4).
Kant promoveu uma revolução no pensamento da época ao defender a idéia de
que o ser humano não é dotado de um bem natural a sua existência, mas sim que o bem
é pré-existente ao homem, determinando-o. Para alcançar este bem, que é o bem moral,
o homem deve seguir a voz de sua consciência.
Já Sade opõe-se a este pensamento dizendo que o bem não é sinônimo de
felicidade, ou seja, podemos ficar do lado do mal sem estarmos nos prejudicando. Ele
ainda expõe que a moral defendida por Kant não nos leva a nada mais que uma vida de
dor e infelicidade, que para seguirmos a moral devemos nos restringir dos prazeres e
90
abdicarmos, portanto, da liberdade. A máxima sadeana refere-se a abdicar-se da dor e
seguir a vontade.
3-1. a) Kant com Sade e a fantasia fundamental
Lacan aproxima Sade de Kant ao dizer que para seguir o Marquês de Sade
devemos nos submeter a um Outro, que tanto a dor quanto a vontade são impostos
por ele, o que é se assemelha à hipótese de Kant de que a lei da consciência, a qual todo
ser humano deve buscar, deve pertencer a uma outra ordem; ou seja, ela é constituída a
priori (www.obcl.com.br/textos/psi/4). Pode-se concluir que o sujeito humano está
sempre à procura de um mestre – o Outro – para que sua vontade seja realizada; a maior
dificuldade está em negar o direito ao gozo decorrente desta submissão ao mestre
(LACAN, 1998).
A própria posição do sujeito na fantasia fundamental é a submissão em relação
a um Outro, e o difícil é sair desta posição. Este Outro que é colocado fora do sujeito é
também seu próprio desejo, por isso ele se submete àquele. A estrutura da fantasia é
mostrada nesta dor do sujeito em perceber a liberdade do Outro, ao qual é submetido.
Ele está completamente aprisionado a este Outro, por meio de seu desejo. A dificuldade
está em reconhecer que esta liberdade absoluta conferida a um Outro, fora de si, é sua
própria liberdade; é difícil assumir a própria liberdade porque ficar livre, sem a direção
do mestre, provoca angústia (LACAN, apud TOLEDO, 2003).
Pode-se pensar que, de uma certa maneira, Melanie Klein também se refere à
submissão do sujeito que fantasia, que ela pensa nas fantasias primordiais como
inteiramente voltadas em direção ao primeiro objeto de amor: a mãe. Contudo, a autora
não utiliza o conceito de Outro influenciando a vida do sujeito, ponto fundamental
91
aprofundado por Lacan. É possível concluir que a autora também coloca a fantasia
como vinculada a uma submissão em relação a um mestre, a mãe, porém trabalhou as
manifestações fantasísticas como imanentes da presença deste objeto; ao passo que
Lacan fez o contrário, situando o aparecimento da fantasia justamente pela falta de
conhecimento em relação ao desejo do Outro. Lacan coloca que a fantasia fundamental
se constrói a partir desses limites, como uma resposta do sujeito ao enigma
insustentável do desejo do Outro, da falta existente no Outro.
Lacan (1998) ainda aproxima a teoria sadeana e kantiana na dimensão do
fracasso: Kant conclui em sua filosofia que a razão absoluta é algo inexistente assim
como Sade conclui que o alcance do gozo absoluto é algo da ordem do impossível. É
importante ressaltar que prazer e gozo são conceitos antitéticos, que o primeiro está
relacionado à superação de um estado de excitação, enquanto o gozo absoluto está
relacionado à pulsão de morte, ou seja, a manutenção de um estado de constância, de
ausência de excitação. Lacan (1998) então coloca a fantasia na função de reconciliar
gozo e prazer, que ela transforma o primeiro no segundo, ao entrar em cena
(www.escolafreudianajp.org/arquivos/trabalhos/A_fantasia_(de)cantada).
Esta função também pode ser vista nas entrelinhas da teoria kleiniana, que a
fantasia para esta autora é um meio de obter prazer, tanto para a criança, através de suas
fantasias manifestas em sua atividade lúdica, como para os adultos. As fantasias têm
uma função semelhante ao brincar, que é produzir prazer. Na vida adulta, elas são
devaneios substitutos da brincadeira infantil, os quais são expostos nos trabalhos dos
artistas, por exemplo. Contudo, Klein não aborda esta função com a mesma
profundidade realizada por Lacan: a autora não enfoca o conceito de gozo, tal como fez
Lacan; e sua teorização é criticada por este autor (LACAN, 1995). Ele a considera
92
superficial, que não aborda esta questão, a qual é, para ele, fundamental no sujeito
humano.
3-1. b) O objeto
α
e a fantasia perversa
Lacan (1998) ainda equipara o objeto causa de desejo – objeto
α
a uma voz. O
autor faz referência à voz que convocava os franceses no rádio em prol da revolução.
Com isto, ele quer dizer que a existência deste objeto pode ser percebida. Esta
equiparação do objeto
α
com uma voz assemelha-se à teoria kantiana na medida em que
nesta também existe uma voz, a voz da consciência. Em sua teoria, Kant afirma que não
existe um objeto dotado de uma vontade boa; portanto, o objeto do bem para Kant não
tem uma dimensão fenomenal, que é constituído em uma posição subjetiva. Lacan
(1998) tenta mostrar que este objeto existe na filosofia kantiana, porém não é um objeto
da ordem fenomenal, mas sim transcendental.
A fórmula da fantasia sadeana construída por Lacan (
α
<>
), invertida, aponta
para o objeto que existe escondido em Kant (LACAN, apud TOLEDO, 2003). Ele
prossegue refletindo a respeito da fantasia perversa, cuja fórmula é a mesma
representada para a fantasia sadeana, ressaltando que o sujeito perverso se coloca no
lugar de objeto, fazendo surgir o sujeito barrado, sua vítima. Isso acontece tanto no
sadismo quanto no masoquismo; a angústia fica do lado da vítima, do parceiro. O desejo
do sádico é provocar a angústia do outro, assim ele se coloca na posição de objeto da
fantasia, no lugar de instrumento de gozo absoluto por parte do Outro. O masoquista
também age colocando-se na posição de objeto, que ele acredita ser o objeto
α
, o
desejo do Outro faz a sua lei.
3-2. Limitações da teorização kleiniana
93
Para Lacan (1999) a fantasia, apesar de ser expressa das mais diversas maneiras,
tem sempre a mesma estrutura fundamental, representada pela fórmula simbólica:
(
<>
α
) sujeito barrado, em busca do objeto de desejo. A fantasia pode então ser
entendida como uma imagem colocada em ação através da estrutura significante, ou
seja, do registro simbólico (LEADER, 2001). O autor francês ressalta que a falha de
Melanie Klein reside justamente no desconhecimento da importância do significante, o
que, por sua vez, desembocou na construção de uma teorização limitada à abordagem
do imaginário, sendo a fantasia entendida como uma atividade de imaginação.
No seminário V, em A menina e o falo, Lacan (1999) remete-se à teorização
kleiniana dizendo que as fantasias são, para ela, um mecanismo de construção do
mundo infantil. Contudo, critica suas descobertas dizendo que ela apenas confronta a
criança com o objeto materno, desembocando numa relação especular que quase sempre
remete aos primórdios do estágio sádico-oral. Refere-se ainda às principais fantasias das
meninas, como a do Penisneid a qual remete ao desejo de que o clitóris seja um pênis
– e a de ter um filho do pai, a qual significa a posse do pênis de uma maneira simbólica.
Desta forma, embora Lacan não concorde com todas as proposições kleinianas,
pode-se pensar que existe uma aproximação entre a teorização lacaniana e a kleiniana a
respeito das fantasias neste texto, na medida em que o autor as aborda sob a dimensão
imaginária, apontando para a importância da vida fantasística no processo de
desenvolvimento da menina.
Contudo, Lacan vai além da dimensão imaginária e se remete à dimensão
simbólica representada pela articulação significante dizendo que, embora seja
expressa das mais diversas maneiras, a estrutura fundamental da fantasia é sempre a
mesma. Assim, para este autor existe uma fantasia fundamental, a qual está presente em
94
todos nós, cuja estrutura é definida pelo matema (
<>
α
) (LACAN, 1992, 1999). Lacan
diz ainda que sua construção do matema da fantasia enuncia a complementação faltante
à teorização kleiniana. Ele considera a função da fantasia muito mal articulada por
Melanie Klein, uma vez que, a seu modo de ver, nem seus seguidores mais assíduos
foram capazes de realizar uma teoria da fantasia propriamente dita.
Além disso, é possível verificar que a teorização kleiniana a respeito das
fantasias está atrelada a percepções sensoriais, ou seja, a presença da ação concreta, que
pode ser observada. As pessoas e objetos interessantes para a criança são transferidos
para o plano de sensações corporais. Isso pode ser ilustrado através de fantasias
imaginativas da criança a respeito do banho, nas quais a limpeza do corpo é fantasiada
como a restauração de um objeto danificado pela sujeira; ou em fantasias de introjeção
de um objeto associadas à deglutição de algum alimento, o qual, se apresentar um sabor
agradável, será considerado um objeto bom; ou, caso contrário, será considerado um
objeto tenebroso. Ambos os processos de introjeção e projeção estão atrelados a
fantasias que envolvem a presença concreta do objeto externo.
a teorização lacaniana considera a fantasia algo da ordem do abstrato,
destacada da percepção, independente da presença de objetos concretos. Neste sentido, é
possível afirmar que, além de elevar a fantasia do imaginário ao simbólico, o autor
ainda a eleva do âmbito concreto para o abstrato, ou seja, do plano perceptivo para o
plano das idéias. Desta maneira, as fantasias podem existir através de processos de
generalização e abstração de fatos ocorridos anteriormente, os quais foram
armazenados no inconsciente. Isto pode ser comprovado através da própria fórmula da
fantasia lacaniana:
sujeito barrado, <>
α
, em busca de seu objeto de desejo, o qual não
é representado por um objeto concreto, mas sim por uma simbolização, uma abstração
de um objeto gratificante. Podemos compreender que este objeto gratificante remete-se
95
à figura materna, a qual atende a todas as necessidades da criança em seus primeiros
dias de vida, fazendo com que o infante não seja nem mesmo capaz de distinguir este
corpo materno do seu próprio.
3-3. A fantasia do imaginário ao simbólico
Lacan foi um leitor das obras de Melanie Klein, o que pode ser comprovado por
ele se remeter a elas constantemente. Em relação às fantasias, pode-se dizer que ele
utiliza as teorizações kleinianas principalmente no que concerne à dimensão imaginária,
porém, vai além desta, abordando, principalmente, a dimensão simbólica,
complementando a autora. Embora discorde de várias considerações da obra de Melanie
Klein, não deixa de levá-la em consideração.
Para Lacan (1999), o sujeito anuncia em sua fantasia que enquanto ele se
encontra na presença do Outro não é nada como pessoa. A estrutura geral da fantasia
(
<>
α
) mostra o sujeito enquanto irredutivelmente afetado pelo significante em uma
relação específica com uma dimensão imaginária, o objeto do desejo. O sujeito está
privado de algo de si mesmo, o que toma valor de significante, incluso em sua
alienação. Este objeto
α
é aquele no qual o sujeito encontra seu suporte, no momento
em que ele se desvanece diante da carência significante no âmbito do Outro.
3-3. a) Melanie Klein e o imaginário
Melanie Klein considera cada fantasia como determinada pela atividade
imaginativa subjacente a ela, enfocando-se, então, na dimensão imaginária. Para ela, as
fantasias podem ser expressas de diversas maneiras, muito além das palavras, tais como
96
desenhos, obras de arte, músicas, etc. Como exemplo, Klein (1996) aponta as fantasias
de um paciente, o pequeno Fritz, as quais são extremamente diversificadas, ricas em
conteúdo imaginário. Ele relatava fantasias nas quais o ventre da mãe aparecia como
uma casa, detalhadamente mobiliada: “o estômago era particularmente bem equipado e
possuía inclusive uma banheira e uma saboneteira. O próprio Fritz disse a respeito desta
fantasia: ‘Eu sei que não é assim de verdade, mas é assim que eu imagino’” (KLEIN,
1996, p. 57). Não o misterioso corpo da mãe é representado pela criança através de
fantasias como também todos os processos que perpassam sua mente no momento. O
complexo de Édipo pode ser percebido em fantasias relatadas por Fritz de dois carros
correndo juntos: um grande, que parecia um bonde (o pai), e um carrinho pequeno, que
corria ao lado dele (o próprio Fritz, disputando com seu pai). O carro grande tinha uma
coisa prateada muito bonita (o pênis), e o pequeno tinha uma coisa parecida com dois
ganchinhos (o seu pênis pequeno). Os dois carros seguiam em frente, quando bateram
contra um bonde que o empurraram para trás (a mãe); o carro grande conseguiu subir
em cima do bonde, e levou o pequeno junto com ele. Todos os três ficaram, então,
juntos (seu desejo de se unir ao pai e ter a posse da mãe).
Os sonhos também são um importante material, assim como as fantasias, de
comprovação da importância do inconsciente expresso por meio do imaginário.
Portanto, para a teorização kleiniana a fantasia está presente na vida desde o
nascimento, muito antes de a função simbólica estar desenvolvida, e é apresentada
constantemente por meios muito diversos, independentemente das palavras.
As palavras são um meio de referência à experiência, real ou fantasiada, mas
não são idênticas a ela nem a substituem. As palavras podem evocar
97
sentimentos e imagens e ações, e podem assinalar situações; fazem-no em
virtude de serem sinais de experiência, não de serem, elas próprias, o material
principal da experiência
(ISAACS, 1986, p. 103).
Isaacs (1986) ainda ressalta os sintomas de conversão do histerismo como um
importante exemplo da atuação das fantasias independentemente das palavras, nos quais
os doentes regridem a um nível de expressão pré-verbal, expressando suas fantasias
através de sensações viscerais. Cada sintoma físico é a expressão de uma fantasia
particular, o que é comprovado por meio da elucidação da vida fantasística, a qual, por
sua vez, faz com que o sintoma correspondente desapareça.
As fantasias expressas em brincadeiras por crianças de tenra idade, cujo
desenvolvimento ainda não atingiu a função simbólica, também são outra forma de
comprovação que as palavras não passam de um possível meio de expressão das
fantasias. Desde o início da vida fantasística, todas as suas manifestações são sentidas
como sensações; portanto, as fantasias estão, para a teorização kleiniana, sempre
vinculadas a uma experiência concreta da realidade objetiva. Sua origem está nos
impulsos instintivos. Posteriormente, as imagens plásticas são incluídas na vida de
fantasia, de acordo com a elaboração desta, conforme prossegue o desenvolvimento.
3-3. b) Lacan do imaginário ao simbólico
Embora Lacan tenha desenvolvido sua teoria enfocando a dimensão simbólica,
é importante ressaltar que ele explorou também as dimensões imaginária e real da
fantasia. Contudo, ele diferencia a vida fantasística de uma simples atividade de
imaginação. No texto O desejo e o gozo, Lacan (1999) distingue as fantasias da
atividade imaginativa, justamente pelo fato daquelas serem sempre estruturadas a partir
de uma articulação significante.
98
Pode-se dizer que Lacan (1995) eleva as fantasias do âmbito imaginário ao
simbólico ao interpretar os significantes presentes nas mesmas, a partir da atividade de
imaginação do infante, enfatizando o significado nelas implícito. Porém, o autor não
deixa de considerar algumas características da fantasia expressas por Klein, como uma
fuga do real, uma barreira que o neurótico impõe à realidade e até mesmo um desvio de
sua própria pessoa (LACAN, 1953-1954, 1954-1955).
Na análise da fantasia Bate-se em uma criança, anteriormente mencionada,
podemos concluir que esta fantasia está inscrita na dimensão imaginária, marcada pela
especularidade e reciprocidade entre o eu e o outro. Estamos diante de algo que fixa a
imagem em um instante, ou seja, a lembrança plena é reduzida ao instante que
determina a fantasia, imóvel, carregada de todo o conteúdo erótico que a imobilizou.
Contudo, o autor realiza uma análise sob uma perspectiva simbólica, baseando-se na
escrita significante dos três tempos desta fantasia
15
. Lacan (1995) afirma que a
dimensão imaginária aparece toda vez que se trata de uma perversão.
Prosseguindo no artigo A fantasia para além do princípio do prazer, esta
fantasia é novamente analisada por Lacan (1999), aprofundando-se no que já fora
refletido anteriormente. Neste texto, o conteúdo imaginário da fantasia é novamente
exposto, sendo analisado pelo autor de maneira simbólica.
O mesmo acontece durante as fantasias do pequeno Hans, paciente de Freud,
cuja análise é também estudada por Lacan. Na fantasia das duas girafas, o menino
imaginava uma girafa grande e uma pequena em relação uma com a outra (LACAN,
1995), a grande representava o pai e a pequena, simbolizada por um papel amassado,
representava a mãe ou mais precisamente a falta desta, o falo materno. A partir deste
par de girafas podemos interpretar a relação do casal parental. Esta fantasia encontra-se
15
Vide página 45.
99
no período do complexo de Édipo; é o desejo da criança de retomar a posse da mãe e ser
o falo desta, sob grande irritação por parte do pai, embora esta irritação nunca seja
produzida no real, apenas na fantasia de Hans.
na fantasia da banheira, também de autoria do pequeno Hans, pode ser vista a
representação do complexo de Édipo invertido, o qual também é extremamente
importante sob o ponto de vista do significante, que este complexo pode ser
representado por uma frase (LACAN, 1995). Esta fantasia é representada da seguinte
maneira: Hans está na banheira (o platô do suporte materno). Alguém entra no local e
desparafusa a banheira com sua broca, e depois fura a barriga do pequeno Hans. Ele
assume, assim, a forma da mãe, com o ventre perfurado. Posteriormente, Hans tem a
fantasia de que novamente aparece alguém com um instrumento, mas desta vez com
uma pinça, com a intenção de lhe desparafusar, e o que é desparafusado é seu traseiro,
para dar-lhe um outro.
Hans se sente bem na banheira de sua casa de Viena porque esta preenche
bem o espaço de seu traseiro. Nesta ele é capaz de fazer peso. Em qualquer outro lugar
onde a banheira seja maior o pequeno Hans tem fantasias de ser devorado, que ele
não é capaz de preenchê-la, o que leva a sua recusa do banho. Esta última fantasia
termina com o instalador solicitando-o que vire de lado e mostre o seu pipi, o qual é
insuficiente por não conseguir seduzir a mãe, em suas fantasias. Apesar de a expectativa
ser de que o instalador irá retirar seu pipi para dar-lhe um melhor, não indício de
término desta fantasia por parte de Hans, deixando incompleto o percurso do complexo
de castração. Isto nos leva à conclusão que se trata da representação de um complexo de
Édipo invertido, que ele não consegue seduzir a mãe, restando-lhe o pai; o que é
indicado pela representação do traseiro desparafusado.
100
Lacan então conclui, a partir de fantasias como estas mencionadas, que, embora
das mais variadas formas imaginárias, “na sucessão de construções fantasísticas do
pequeno Hans, é sempre o mesmo material que está presente” (LACAN, 1995, p. 343),
já que a forma simbólica implicada no conteúdo de todas elas é o mesmo (
<>
α
).
Por maiores que sejam as variações da fantasia no âmbito imaginário,
simbolicamente elas expressam sempre a mesma estrutura, já que em todas elas é
possível observarmos a presença de um sujeito barrado em busca de seu objeto de
desejo. Lacan (1995) ainda diz que “todo o processo de fantasias de Hans consiste em
restituir esse elemento intolerável do real ao registro imaginário no qual ele pode ser
reintegrado” (LACAN, 1995, p. 378). Assim, as fantasias de Hans podem ser entendidas
como uma fuga do registro real (do estável, impossível de mudança) para o registro
imaginário, onde suas construções podem ser reintegradas e reconstruídas de diversas
maneiras.
3-4. A fantasia no trabalho de análise
Lacan (1992) afirma que
Se Melanie Klein foi levada a fazer funcionar o analista, a presença analítica
do analista, como bom ou mau objeto para o sujeito, é na medida em que ela
pensa a relação analítica como dominada desde as primeiras palavras, os
primeiros passos, pelas fantasias inconscientes (LACAN, 1992, p. 307).
Pode-se constatar que Melanie Klein se refere a esta importância da fantasia no
trabalho analítico ao dizer que este é uma importante via de acesso à vida de fantasia
(KLEIN, 1927b/1948) e que está dominado, desde o primeiro momento, pelas fantasias
inconscientes, de forma a possibilitar a experimentação destas por parte das crianças,
através de seus jogos. Por outro lado, podemos concluir que Lacan (apud MILLER,
101
1984) também ressalta a importância da fantasia durante o processo analítico afirmando
que a finalidade da análise é justamente atravessá-la.
3-4. a) A análise kleiniana
De acordo com Isaacs (1986), seguidora de Melanie Klein, em seu artigo
fundamental sobre a natureza e a função da fantasia, as manifestações da vida
fantasística estão presentes em todas as vocalizações do paciente, em seu estilo verbal: a
cadência da fala, as repetições, a forma de mudança do relato, suas negações, a maneira
como narra os acontecimentos passados e as pessoas envolvidas nestes; enfim, em todas
as formas de transferência. Estas formas expõem a relação do analisando com seus
objetos atuais (HINSHELWOOD, 2001). O analisando projeta estas relações no
analista, o qual as introjeta, interpretando-as.
É importante ressaltar que não somente vocalizações como também
comportamentos são totalmente determinados pelas fantasias, uma vez que estas estão
presentes na vida desde o nascimento, muito antes de a função simbólica estar
desenvolvida, dominadas pela gica da emoção, e não da racionalidade. A maneira
como o paciente entra e sai da sala, como cumprimenta o analista, suas gesticulações,
expressões faciais, qualquer gesto manifestador de afeto, tudo isso precisa ser
observado, que em todas estas ações estão imbricadas fantasias inconscientes, as
quais podem ou não ser transformadas em ações verbais.
Klein enfatizou sua clínica na análise de crianças a qual, de acordo com a autora,
tem a mesma função da análise de adultos: a interpretação de fantasias inconscientes
(BENVENUTO, 2001). A autora era contra outras funções expostas por diversos
autores; tais como educação e fortalecimento. No caso de crianças pequenas, suas
fantasias inconscientes são expressas, simbolicamente, através de sua atividade lúdica e
102
é função do analista a interpretação destas brincadeiras, de forma a elucidar as fantasias
subjacentes a elas e analisá-las. Qualquer tipo de brincadeira é um possível continente
de fantasias e desejos inconscientes.
Klein (1980) enfatiza a importância de deixar a criança brincar livremente, para
que suas fantasias, sua agressividade e suas angústias possam ser liberadas
naturalmente. Jogos infantis; brincadeiras com bola, boneca, carrinhos, blocos;
massinha; desenhos; pinturas; obras de arte feitas com barbante, cola, tesoura, papel e
água; narrativas de sonhos diurnos, todos estes são meios de expressão da vida
fantasística inconsciente que existe em todas as crianças. Por meio da interpretação
destes meios de expressão pode-se reduzir a ansiedade da criança e ganhar acesso a sua
fantasia. Estas manifestações são sempre seguidas de intensa ansiedade e desejos de
reparar os danos outrora cometidos, em fantasia.
Klein (1996) ressalta a viabilidade do trabalho de análise desde a tenra infância,
que a finalidade maior deste é a interpretação das fantasias inconscientes e, uma vez
que o inconsciente está presente desde o nascimento, representado pelo id, o ego
(consciência) ainda não precisa estar totalmente desenvolvido para que seja possível a
realização de um trabalho analítico. Embora este trabalho não seja fácil, é extremamente
produtivo, já que através dele é possível termos acesso às grandes profundezas do
inconsciente.
As crianças pequenas estão sob um domínio muito maior do inconsciente, o que
não viabiliza como também ressalta a importância delas serem submetidas à análise.
Suas angústias, seus sentimentos de culpa estão muito mais fortes e mais fáceis de
serem captados, principalmente durante o período edipiano. Um exemplo que ilustra a
presença deste complexo é a fantasia comum em meninos de entrar no quarto dos pais e
matar o seu pai, a qual está presente mesmo em crianças normais. Já as meninas querem
103
destruir a beleza de sua mãe, queimando ou até cortando o seu rosto (KLEIN, 1996).
Muitas vezes as crianças querem cortar os pais em pedaços, e sujá-los com suas fezes.
Contudo, esta aparência repulsiva despertada por estas fantasias sádicas
primordiais é modificada ao analista entrar em contato com as profundezas do
inconsciente infantil. Quando a angústia presente nestas fantasias primitivas é
elaborada, é possível, durante o trabalho de análise, direcionar a libido presente na vida
fantasística para trabalhos construtivos, através da sublimação; como trabalhos
artísticos, intelectuais, etc.
Já nas crianças mais velhas, as fantasias continuam presentes, embora suas
representações em ações diminuam em intensidade. A repressão é muito maior no
período de latência, o que causa a aparência, durante o trabalho de análise, de que estas
crianças não fantasiam. Contudo, as fantasias não continuam existindo como são
imprescindíveis para o processo analítico ser levado adiante e atingir o fim almejado
(KLEIN, 1996).
A importância da interpretação de toda a vida fantasística, considerada
impossível por Lacan e seus seguidores, reside no fato dos conteúdos subjacentes serem
de extrema relevância para a saúde mental. Processos como o complexo de Édipo, o
sadismo inicial contra a mãe, irmãos, etc., decorrentes da posição esquizo-paranóide,
fazem parte da vida de fantasia e são expressos de alguma maneira, mesmo que seja por
meio das brincadeiras, no caso das crianças. Klein (1996) enfatiza a questão de que o
analista deve interpretar as mais diversas manifestações fantasísticas, que estas são
vias de acesso ao mais profundo inconsciente.
Esta questão pode ser ilustrada com seu paciente Fritz, que foi levado à análise
ainda em sua tenra infância. Em seus jogos, o menino “matava e abusava de seu pai”, o
qual era representado por capitães, oficiais, dentre outras figuras importantes. Depois da
104
realização destes tipos de maltrato, algumas vezes Fritz fantasiava que estes “oficiais”
voltavam à vida, uma vez que eles já haviam sofrido o suficiente. É claro que o revide é
uma representação simbólica das fantasias edípicas de Fritz, já que seu desejo era
maltratar seu pai por este haver lhe roubado seu objeto de amor: sua mãe.
O menino descrevia seus ataques contra os “capitães”, “reis”, “imperadores”
claramente, os quais o fortaleciam cada vez mais. Estes eram realizados com ajuda de
“armas poderosas” representações de seu pênis – o que pode ser comprovado por suas
associações, tais como o relato de que “o seu canhão é tão grande, que chega até o céu”
(KLEIN, 1996, p. 61).
Mesmo em pacientes adultos ainda é possível detectar a presença destes
conteúdos. Através da interpretação de toda esta variedade de manifestações
fantasísticas, é possível fazer com que estas fantasias e desejos inconscientes sejam
transferidos da esfera do inconsciente para a consciência, ou ao menos à pré-
consciência. Esta transferência permite ao paciente um domínio real de seus processos
psíquicos.
As fantasias no trabalho de análise precisam ser observadas como pertencentes a
uma cadeia evolutiva; que no decorrer do processo elas vão sendo elaboradas, de
acordo com o desenvolvimento do paciente, sendo que as mais desenvolvidas estão
sempre relacionadas às anteriores numa cadeia associativa. Uma das funções do
trabalho analítico é tornar estas associações claras ao paciente; o processo de cura é
baseado na elucidação das fantasias e na demonstração de encadeações de pensamentos
presentes com as fantasias passadas que se passaram na tenra infância. É importante que
o analista consiga levar o paciente de volta aos seus primeiros anos de vida.
Portanto, é extremamente importante que o paciente libere suas fantasias no
trabalho de análise (KLEIN, 1976). Esta expressão, na criança de tenra idade, ocorre por
105
meio de sua manifestação simbólica, através de brincadeiras e jogos. Uma criança que
da rédea solta às suas fantasias liberta-se de seus conteúdos reprimidos e, portanto, de
todas as angústias e ansiedades associadas aos mesmos.
Klein (apud RIVIERE, 1986b) considera as fantasias do objeto integrado, que
começam durante o início da posição depressiva por volta do quarto mês de vida de
extrema importância para o trabalho analítico, que todas as resistências estão
relacionadas a esta questão. O reconhecimento de pessoas integradas é eliciador de
intensas ansiedades, uma vez que a prevalência da agressividade pode despedaçá-las
novamente; ou seja, um retorno a fases mais primitivas é acompanhado de um retorno
da visão do corpo externo em fragmentos.
3-4. b) A análise lacaniana
Já para Lacan (apud JORGE, 2006b), a entrada no trabalho de análise ocorre por
meio do sintoma do paciente. Contudo, por trás deste sempre se encontra uma fantasia
subjacente, a qual é construída em um segundo momento da análise, após haver sido
trabalhada uma quantidade suficiente de significantes (BURGOYNE, 2001). Embora
Lacan relacione o fim da análise com a fantasia, e não com o sintoma (MILLER, 1984),
o paciente procura o analista devido a uma queixa sintomática, ou seja, esta é
diretamente relacionada ao início do trabalho analítico. A fantasia não é pelo que o
paciente vem queixar-se, mas sim o meio pelo qual ele obtém prazer, seu consolo contra
seu sintoma, o qual produz desprazer.
A fantasia pode então ser vista no trabalho de análise como um resíduo da
interpretação do sintoma; enquanto este é interpretado ela é analisada, com o intuito de
ser atravessada. O sintoma do paciente é sempre um relato dinâmico, apresentando-se
106
das mais diversas maneiras; porém, a fantasia permanece estática, reduzida a um
instante especial, não apresenta dimensão temporal no processo de cura. Uma vez que o
paciente apresenta-se com seu sintoma, inicia-se a procura pela fantasia que o
determina.
A fantasia do neurótico não pode ser relatada sem estar acompanhada de forte
sentimento de culpa e vergonha, que ela muitas vezes contraria seus valores morais,
devido aos elementos perversos presentes em seu conteúdo o que não quer dizer que
um sujeito seja perverso por ter fantasias deste caráter. Neste sentido, investigar a
fantasia corresponde a “ver o que está por trás. Coisa difícil porque dizendo
rapidamente – por trás não há nada” (MILLER, 1984, p. 97).
É importante ressaltar, conforme anteriormente mencionado, que a teoria
lacaniana considera a interpretação da fantasia algo impossível de ser realizado, devido
ao fato de ela estar situada na falta do significante. Por isso ela é investigada, e não
interpretada, ao contrário de Melanie Klein, cujo interesse era interpretar todas as
manifestações fantasísticas.
Existem três dimensões da fantasia: a imaginária, correspondente às produções
em imagens do sujeito, primeiro aspecto a ser estudado por Lacan e o mais simples de
ser observado. A simbólica, aspecto mais encoberto que não aparece no primeiro nível
da experiência, e é demonstrado pelas construções fantasísticas através das leis da
linguagem, obedecendo às regras e leis desta. Foi esta dimensão que permitiu a Lacan a
construção de um matema, a partir da afirmação de que existe uma lógica da fantasia, e
foi por ele a mais enfatizada. Já a dimensão real, terceira e última, reflete sua
impossibilidade de mudança. Esta dimensão é a mais fundamental, já que permite
apontar para uma “estática” da fantasia, a qual faz com que ela seja vista como uma
107
forma de resistência. A impossibilidade de representação da fantasia por meio de
palavras provoca a introdução deste registro (MILLER, 1984).
Desta forma, o fim da análise corresponde a uma modificação da relação do
sujeito com a dimensão real da fantasia, uma vez que o paciente precisa elaborar as suas
resistências. A travessia da fantasia é o marco de que a análise chegou ao fim. Ela
permite a passagem do sujeito de sua dimensão simbólica, adquirida com a entrada da
fantasia em sua vida, para a dimensão real (JORGE, 2002). O próprio discurso do
psicanalista, tomado pelo analisando como sujeito falante, é o que leva o sujeito a falar
sobre o próprio sintoma, e, conseqüentemente, atingir a capacidade de atravessar sua
fantasia fundamental. Após esta travessia, o analisando torna-se capaz de um
engajamento em uma vida sexual não mais dominada por seu sintoma inicial, sendo este
o sinal definitivo de que a análise chegou ao fim (BURGOYNE, 2001).
Desta forma, embora a análise permita ao sujeito uma vida saudável ao
proporcionar um maior conhecimento acerca de si mesmo, o trabalho analítico, para
Lacan, também está relacionado a muitas perdas. Uma vez que a travessia da fantasia é
realizada, com esta decantação também vão embora as ilusões que a determinam, as
quais estão relacionadas à posse de coisas impossíveis de serem possuídas, como a si
mesmo, o Outro, e tudo o que há na relação entre eles (NUBUS, 2001).
3-4. c) O avanço lacaniano no trabalho analítico
Para Klein (1926/1948), a análise está relacionada à elucidação da fantasia, e ela
defende a posição de que todas as manifestações fantasísticas devem ser interpretadas.
108
A partir desta elucidação e interpretação, é possível ver tendências destrutivas sendo
utilizadas para trabalhos construtivos como obras de arte e outros trabalhos
intelectuais através da sublimação, ou até mesmo uma diminuição da masturbação,
devido à análise das fantasias relativas às mesmas.
Lacan defende a idéia de que a análise precisa atravessar a fantasia
fundamental, sendo esta a sua função primordial. Uma vez que a fantasia origina-se a
partir do recalque originário, construindo uma verdadeira proteção do sujeito contra o
mundo real através da predominância do mundo psíquico, atravessar a fantasia é o
mecanismo de tomada de consciência por parte do sujeito dos significantes que
intermedeiam sua relação com o real (JORGE, 2007b). A partir da travessia da fantasia
é então atingida a dimensão real, a qual sustenta toda a estrutura psíquica.
A travessia da fantasia significa percorrê-la em seus dois pólos: o de sujeito e o
de objeto. Desta forma, os elementos são modificados, passando a ocupar outros
lugares: de (
<>
α
) a fórmula da fantasia passa a ser (
α
<>
). Esta modificação, por
sua vez, leva a uma queda da segurança que a fantasia ocasionava até então, a qual está
relacionada à indecisão característica de todo neurótico.
Neste sentido, o fim da análise significa, para o neurótico, atravessar sua fantasia
amorosa, uma vez que sua fantasia está fixada no pólo do inconsciente, que é o pólo do
amor. para o perverso, atravessar a fantasia significa atravessar a fantasia de gozo,
que ele está situado no pólo da pulsão, que é o pólo do gozo. Contudo, atravessar a
fantasia implicaria também, para o neurótico, ter acesso ao pólo do gozo, que esta
travessia significa percorrê-la em seus dois pólos, tanto o do
, pólo do inconsciente, do
amor, quanto o do
α
pequeno, pólo da pulsão, do gozo. Da mesma maneira, a travessia
da fantasia abre o acesso à dimensão do amor ao perverso (JORGE, 2006b).
109
Ao atravessar a fantasia, percorrendo seus pólos, o sujeito também,
conseqüentemente, terá acesso à dimensão que liga um pólo ao outro, representada pelo
símbolo <>”, que é o representante do desejo. Isto significa que ao percorrer a fantasia
de um pólo a outro o sujeito entra em contato com o seu desejo, sendo este aqui
sinônimo de falta; falta do gozo perdido a partir da entrada no mundo simbólico.
Atravessar a fantasia significa, portanto, sua desconstrução e, conseqüentemente,
lançar o analisando novamente no vetor da pulsão de morte, que é o suporte de nossa
estrutura psíquica; ou seja, significa a permissão do desfrute da Coisa, o qual foi
interditado anteriormente com o aparecimento da fantasia. Contudo, isto não implica em
um retorno aos primórdios do estágio de elaboração psíquica, que o sujeito agora
saberá lidar com a sua pulsão de morte, uma vez que percorreu todo o percurso de
construção de sua fantasia fundamental, amadurecendo seu psiquismo.
Além disso, Lacan era contra a forma como a psicanálise estava sendo exercida
na época, regrada pelos postulados da Associação Psicanalítica Mundial IPA. Ele
introduziu o conceito de ato psicanalítico (QUINET, 2005), retirando a psicanálise do
âmbito das regras e situando-a na esfera da ética para que, a partir de então, ela fosse
regida pelo desejo do analista. Suas sessões não eram enquadradas em um tempo
definido e limitado, mas sim pelo próprio momento do inconsciente do analisando.
O ato psicanalítico refere-se à capacidade do analista de dar existência ao
inconsciente, enfatizando a dimensão particular de cada caso. Ele ocorre no momento de
conclusão das entrevistas preliminares à análise, e se remete à capacidade do analista de
transformar o ensaio em análise propriamente dita. Deste modo, o setting analítico que
precisava ser rigidamente atendido até então é reformulado, dando lugar à única regra
existente que é a da associação livre, ou seja, de que o paciente deve relatar tudo o que
tiver em mente, regra que rege a psicanálise até a atualidade.
110
O fim da análise, além de estar relacionado a uma modificação na dimensão real
da fantasia, para Lacan também acarreta a passagem de um psicanalisando a um
psicanalista. O analista, que até então representava a castração, a falta, a
impossibilidade, é destituído subjetivamente. O analista como Outro é retirado de seu
lugar de suposto saber e aparece como um resto; é desvanecido de sua posição. Esta
passagem de psicanalisando a psicanalista foi denominada por Lacan de o passe. Os
princípios de funcionamento do passe foram adotados em 1969, por meio de um texto
escrito por Moustapha Saphouan e colaboradores (QUINET, 2005).
Para que ocorra esta passagem, portanto, dois mecanismos fundamentais
precisam estar presentes, os quais determinam o fim da análise: a travessia da fantasia
fundamental e a destituição subjetiva. Esta corresponde à queda da idealização do
analista por parte do paciente, ou seja, a destituição do analista como sujeito suposto
saber, já que o paciente deixa de se sentir submetido àquele.
A travessia da fantasia corresponde justamente à destituição subjetiva, na
medida em que é a própria fantasia que sustenta a imagem do analista como sujeito
suposto saber. A vida fantasística pode ser considerada uma ligação do sujeito com o
mundo real (QUINET, 2005), que é a partir dela que ele se orienta em suas relações
para com o mundo; ela lhe segurança em suas ações. Desta maneira, a análise, ao
promover a travessia da fantasia, promove um abalo na orientação do sujeito, retirando-
o de sua âncora de segurança e colocando-o na zona de incerteza.
4. Palavras finais
111
Desta forma, podemos concluir que as fantasias estão presentes no mundo
interno de crianças, adolescentes e adultos, na forma de uma mesma estrutura simbólica
desenvolvida por Lacan (
<>
α
), a qual se apresenta em diferentes momentos do
desenvolvimento psíquico, por meio de diferentes conteúdos imaginários, tal como nos
mostra a teoria de Melanie Klein.
Enquanto Lacan define a fantasia como uma busca eterna do sujeito ao encontro
do significante que está no Outro, a situar-se no discurso dele (LACAN, 1966-1967,
1991, 1998), Melanie Klein a define como a representante do instinto, cuja matriz está
na percepção sensorial, determinando a atitude da criança em relação a seus objetos
(KLEIN 1963, 1981, 1996). Ambos os autores partem da mesma teorização freudiana
relativa à vida de fantasia, contudo se inclinam para diferentes aspectos desta: enquanto
Melanie Klein enfoca-se no aspecto imaginário, Lacan vai além deste enfocando a
dimensão simbólica presente na vida fantasística.
Estas diferenças de foco podem ser comprovadas pela forma da análise kleiniana
das fantasias inconscientes, a qual não se apóia na fala, na linguagem, mas sim nas
brincadeiras das crianças e em seus conteúdos imaginários, como os sonhos e os
trabalhos artísticos. Já o autor francês volta sua análise da fantasia para processos que se
desenvolvem fundamentalmente através da linguagem, como pode ser comprovado na
análise da fantasia Bate-se em uma criança. Com isto, pode-se concluir que enquanto a
primeira deteve-se na análise do imaginário contido nas manifestações fantasísticas, o
segundo esteve interessado em analisar a dimensão simbólica contida nestas
manifestações, representada pela fórmula matemática: (
<>
α
) a qual mostra a inserção
do simbólico na dimensão do real.
Desta maneira, podemos afirmar que o conceito de fantasia para Melanie Klein,
embora seja estudado por ela de uma maneira extremamente rica e detalhada,
é
112
limitado, que aborda apenas a dimensão imaginária. Lacan, partindo da dimensão
imaginária, sobre a qual o sujeito se apóia na busca pelo objeto do desejo, aborda
também o simbólico e o real, enfocando principalmente o primeiro, o que lhe permite
incluir o Outro da linguagem na construção da fantasia e alcançar a dimensão do desejo
implicado nela.
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