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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA BRASILEIRA
DJALMA ESPEDITO DE LIMA
A ÉPICA DE CLÁUDIO MANUEL DA COSTA
Uma leitura do poema Vila Rica
SÃO PAULO
2007
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DJALMA ESPEDITO DE LIMA
A ÉPICA DE CLÁUDIO MANUEL DA COSTA
Uma leitura do poema Vila Rica
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação do Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas da FFLCH/USP.
Área de concentração: Literatura Brasileira.
Orientador: Prof. Dr. João Adolfo Hansen.
SÃO PAULO
2007
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
E-mail para contato: [email protected]
Serviço de Biblioteca e Documentação da FFLCH/USP
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
Lima, Djalma Espedito de
A épica de Cláudio Manuel da Costa: Uma leitura do poema Vila Rica / Djalma Espedito
de Lima; orientador João Adolfo Hansen. -- São Paulo, 2007.
245 f.
Dissertação (Mestrado Programa de Pós-Graduação do Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas) -- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo.
1. Literatura brasileira - Século 18 - Crítica e interpretação 2. Poesia épica - Crítica e
interpretação - Século 18 - Brasil 3. Vila Rica (poema) - Crítica e interpretação 4. Costa,
Cláudio Manuel da, 1729-1789 I. Título
CDD 869.9122
FOLHA DE APROVAÇÃO
Djalma Espedito de Lima
A épica de Cláudio Manuel da Costa: Uma leitura do poema Vila Rica
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação do Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas da FFLCH/USP.
Área de concentração: Literatura Brasileira
Aprovado em: _______________
Banca Examinadora
Profa. Dra. Laura de Mello e Souza
Instituição: FFLCH/USP Assinatura: __________________________________
Prof. Dr. Antonio Alcir Bernárdez Pécora
Instituição: IEL/UNICAMP Assinatura: __________________________________
Prof. Dr. João Adolfo Hansen
Instituição: FFLCH/USP Assinatura: __________________________________
Ao meu pai,
In memoriam.
Agradeço:
Especialmente ao Professor João Adolfo Hansen, que orientou esta pesquisa com
clareza e precisão. Muito obrigado pela inquestionável competência, grande sabedoria e
alegre amizade.
Aos Professores Laura de Mello e Souza e Ivan Prado Teixeira, pelas valiosas
contribuições dadas a este trabalho na realização do exame de qualificação. Ao Professor
Antonio Alcir Bernárdez Pécora, por aceitar participar da Banca Examinadora desta
dissertação.
Ao Professor Eduardo de Almeida Navarro, pelas excursões no território luso-colonial
dos cronistas, nas nossas expedições aos séculos XV, XVI e XVII, quando falávamos o Tupi.
Ao Professor José Miguel Wisnik pela oportunidade de realizar uma reflexão intensa
sobre os pressupostos críticos aplicados à historiografia das letras brasileiras.
Aos Professores que palestraram no curso de pós-graduação da FFLCH/USP: Alfredo
Bosi, Hélio Guimarães, Luiz Roncari, Flávio Aguiar, Cilaine Alves, Wagner Camilo, Jaime
Ginsburg e Alcides Vilaça.
À Maria de Lourdes de Souza Lima, Espedito Manuel de Lima , Davi Espedito de
Lima, Maria Dejanira de Lima, Marcelo Teles dos Santos, Clodoaldo de Lucas Santana,
Edson Domingues, Pedro Pereira, Carlos Groh, Luiz Carlos Scarparo, Eschivane Manzo,
Mauro Machado de Oliveira, Rosemeiri Gomes Felicio, Nelita Surati, Marino Volic,
Henrique Linares, Mari Queiroz, Fulvia A.  , Fábio Batistella, Milena
Ferrari, André Angelo Ferrari, Sílvia Ernesto, Jaime Crivelaro, Marcos Vaskevicius,
Valdemir M. Lira, Marcos Freire, Lucília Guerra, Murilo Marcondes de Moura, Ricardo
Martins Valle, Eduardo Sinkevisque, Suely Perucci, Érica Salgado, Sílvio Roberto Neri, João
Gonçalves, Marta Marczyk, Fernanda Guisso, Mariana da Rocha Pita, Rodrigo Bastos,
Alejandro e Daniela Avilés, Renato Miguel Amendoeira Pires, Ricardo Vieira da Silva, ao
poeta Francisco Barros Cascallar e a todos os outros familiares, amigos e conhecidos que
acreditaram no meu empenho.
A todos os meus alunos.
Aos funcionários da Biblioteca Central da FFLCH-USP, da Seção de Obras Raras da
Biblioteca Mário de Andrade de São Paulo, do Museu da Inconfidência e da Casa dos Contos
de Ouro Preto, pelo auxílio técnico prestado.
À Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, pela oportunidade de
realização do curso de mestrado.
Um poema épico, no meio desta prosa atual em que vivemos, é uma fortuna miraculosa.
Pretendem alguns que o poema épico não é do nosso tempo, e quem cavasse uma
vasta sepultura para a epopéia e para a tragédia, as duas belas formas da arte antiga. Não
fazemos parte do cortejo fúnebre de Eurípedes e Homero. (...)
Findou a idade heróica, mas os heróis não foram todos na voragem do tempo. Como fachos
esparsos no vasto oceano da história atraem os olhos da humanidade, e inspiram os arrojos
da musa moderna. Casar a lição antiga ao caráter do tempo, eis a missão do poeta épico.
Machado de Assis.
RESUMO
Este ensaio estuda a invenção retórico-poética do poema épico Vila Rica, lido como
uma composição que emula o costume da escrita das epopéias gregas, latinas e modernas,
especialmente a Farsália de Lucano e a Henriade de Voltaire, atualizando, pelo intermédio
do pensamento das preceptivas de Francisco José Freire, filtradas pela postura crítica de
Voltaire, que deprecia a importância de muitas regras convenientes ao decoro do gênero
épico. A epopéia de Cláudio Manuel da Costa é entendida como um exercício prático de
poesia, orientado para o ensinamento da instrução moral e para a admiração do deleite
poético, retratadas na atitude ideal do chefe militar português de uma encenação da história da
pacificação das terras mineiras, produzindo uma gênese mítica heróica para a pátria mineira,
buscando a perpetuação da memória na posteridade, seguindo o exemplo da poesia épica
retratada no mundo hispano-colonial, no chamado Siglo de oro, que encena a descoberta e a
pacificação das colônias pelos europeus, aplicando um estilo sublime na reinvenção de uma
ação entendida como heróica. Ao realizar este movimento, permanecendo inédito por muito
tempo, e pouco divulgado por séculos, o poema Vila Rica agrega uma fortuna crítica que se
divide entre a apologia e o vitupério do texto, que representa o topos do utópico, na medida
em que a paisagem retratada difere evidentemente daquela encontrada na Arcádia e nas
margens do rio Mondego, mais adequadas à figuração do exemplar locus amoenus, da poesia
idílica de Teócrito. Ao mesmo tempo, realiza a mitificação da história pela superposição de
diversos fatos históricos, apresentados no Fundamento Histórico, encenados como tópicos da
morte e do amor, orientando e evidenciando o caráter de valorização da glória dos feitos dos
representados do reino português num herói portador da perfecta eloquentia, contra um
suposto domínio da lei natural pelos nativos do Estado do Brasil, reinventando a história na
agregação de uma glória poética a ser reconhecida ou inventada numa sociedade hierárquica
que encena a si mesma num teatro de imagens e discursos. Exclui-se a subjetividade de um
sujeito em conflito consigo próprio pela melancolia da paisagem rochosa, buscando-se a
glória, além da tradição, demonstrando a honra da moral católica da sociedade colonial luso-
brasileira no empenho da elucidação da história.
PALAVRAS-CHAVE: Vila Rica (poema); Teologia-política; Poética-retórica; Poesia Épica;
Glória poética.
ABSTRACT
This essay studies the rhetorical-poetical invention of the epic poem Vila Rica, read as
a composition that emulates the written custom of the greek, latim and modern epics,
especially the Pharsalia of Lucan and the Henriade of Voltaire, bringing up to date, by the
intermediacy of the thought of Francisco José Freires precepts, filtered by the critical
position of Voltaire, that depreciates the importance of many convenient rules to the decorum
on the epic genus. The epic of Cláudio Manuel da Costa is understood as a practical exercise
of poetry, guided by the teaching of a moral instruction and in favor of the admiration of a
poetical delight, portrayed in the ideal attitude of the Portuguese military head as a
representation of the mining lands pacification history, producing a mythical heroic source
for the mining country, searching the upholding of the memory in the posterity, following the
example of the epic poetry portrayed in the Hispanic-colonial world, in the so called Siglo de
oro, that represents the discovery and the pacification of colonies by Europeans, applying a
sublime style in the re-invention of an action understood as heroic. When carrying through
this movement, remaining unknown for a long time, and little divulged for centuries, the
poem Vila Rica supports a critical history that is divided between praise and vituperation of
the text, which represents the topos of utopian, taking into account that the portrayed
landscape differs evidently from that one joined in the Arcadia and in the edges of the
Mondego river, adjusted to the picture of the pattern locus amoenus, of the idyllic poetry of
Theocritus. At the same time, it carries through turning the History into a myth, by the
overlapping of various historical events, presented in the Fundamento Histórico, figured as
topics of the death and of love, guiding and evidencing the estimation character on the glory
of the Portuguese kingdom representatives actions in a hero carrying a perfecta eloquentia,
against a belief in the natural law domain on the State of Brazil natives, re-inventing
History in the aggregation of a recognized poetical glory, or to be invented in a hierarchic
society that stages itself in a theater of images and speeches. It is abstained the subjectivity of
a being in conflict with himself caused by the melancholy of the rocky landscape, searching
the glory, further than tradition, demonstrating the moralistic catholic honor in the
Portuguese-Brazilian colonial society, persistencing in the explanation of History.
KEYWORDS: Vila Rica (poem); Political-Theology; Rhetorical-Poetics; Epic poetry; Poetical
Glory.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABL Academia Brasileira de Letras
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
APM Arquivo Público Mineiro
BMA Biblioteca Mário de Andrade
BNRJ Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
CCM Códice Costa Matoso
CECO Centro de Estudos do Ciclo do Ouro
Edusp Editora da Universidade de São Paulo
FFLCH Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
IEB Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
IEL Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas
IFCH Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas
IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
MHCMOP Memorial Histórico-Político da Câmara Municipal de Ouro Preto
RAPM Revista do Arquivo Público Mineiro
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFOP Universidade Federal de Ouro Preto
UnB Universidade de Brasília
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade de Campinas
USP Universidade de São Paulo
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figuras
Figura 1. Capa de um dos manuscritos do poema Vila Rica. BNRJ. ....................................... 16
Os Lusíadas, de Luis de Camões. ...................................................... 25
Figura 3. Folha de rosto da primeira edição da épica La Henriade, de Voltaire. ..................... 32
Figura 4. Armand Palliére. Vila Rica. Século XIX. Museu da Inconfidência, Ouro Preto. ..... 60
Figura 5. Representação da Glória. RIPA, Caesar. Iconologia. ............................................... 68
Figura 6. Capa da Historia verdadeira de la Conqvista de la Nueva-España. ........................ 73
Figura 7. Capa da Monarchia Indiana, de Juan de Torquemada. Madrid: 1725, v. 1.............. 79
Figura 8. Frontispício da primeira edição da História da Conquista do México. .................... 89
Figura 9. Mapa da viagem do Governador Antônio de Albuquerque às Minas Gerais. ........ 100
Figura 10. Antigo Brasão da Cidade de Ouro Preto. .............................................................. 102
Figura 11. Atual Brasão da Cidade de Ouro Preto. ................................................................ 102
Figura 12. Representação do Furor Poético............................................................................ 109
Figura 13. Retrato do Conde de Bobadela, Gomes Freire de Andrada. ................................. 144
Figura 14. Ilustração de Viajante do Século XVIII da atual Praça Tiradentes. MHCMOP. .. 149
Figura 15. Folha de rosto da Arte Poética, de Antônio Minturno. ......................................... 164
Figura 16. A Cruz da Ordem de Cristo, que adornava as caravelas portuguesas. ................. 170
Figura 17. Detalhe de vaso grego com desenho de Éris. ........................................................ 173
Figura 18. Guercino. Et in Arcadia ego (1618-22). ............................................................... 186
Figura 19. Claude Gellée. Primeiro trabalho sobre Virgílio. ................................................ 187
Figura 20. Nicolas Poussin. Et in Arcadia ego. ...................................................................... 188
Diagramas
Diagrama 1. Verso 1 decassílabo sáfico com encavalgamento. .......................................... 134
Diagrama 2. Verso 2 decassílabo heróico com encavalgamento......................................... 134
Diagrama 3. Verso 3 decassílabo heróico com encavalgamento......................................... 134
Diagrama 4. Verso 4 decassílabo sáfico com encavalgamento. .......................................... 134
Diagrama 5. Verso 45 decassílabo sáfico sem encavalgamento. ........................................ 147
Diagrama 6. Verso 46 decassílabo heróico com encavalgamento....................................... 147
Esquemas
Esquema 1. Escansão com encavalgamento dos vv. 1-12 do Canto I. ................................... 131
Esquema 2. Separação dos pés dos quatro primeiros versos. ................................................. 132
Esquema 3. Aliteração do verso 45. ....................................................................................... 147
Esquema 4. Aliteração do verso 46. ....................................................................................... 147
Esquema 5. Forças mitopoéticas na epopéia. ......................................................................... 178
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 11
O POEMA VILA RICA E O GÊNERO ÉPICO COMO MÍMESIS MITOPOÉTICA ............................................ 12
1. AS MÁSCARAS DA RECEPÇÃO ..................................................................................... 26
1.1. AUTOCRÍTICA ÉPICA OU A MÁSCARA RECOMENDADA ........................................................ 27
1.2. AS DUAS FACES DA MOEDA OU AS DUAS MÁSCARAS ........................................................... 33
1.3. A PRIMEIRA FACE DA MOEDA OU A PRIMEIRA MÁSCARA .................................................... 35
1.4. O TOPOS DO UTÓPICO .................................................................................................... 45
1.5. A INVENÇÃO DE UMA TRILOGIA DE ÉPICOS....................................................................... 49
1.6. A SEGUNDA FACE DA MOEDA OU A SEGUNDA MÁSCARA ..................................................... 54
2. O PALCO DA HISTÓRIA ................................................................................................. 61
2.1. O PALCO DA CORTE OU O POETA HISTORIADOR ................................................................ 62
2.2. ÉPICA E HISTÓRIA: EXEMPLOS HISPANO-COLONIAIS ......................................................... 70
2.3. A TEOLOGIA-POLÍTICA OU O PALCO LUSO-COLONIAL ........................................................ 80
2.4. O FUNDAMENTO HISTÓRICO DO VILA RICA ...................................................................... 89
3. A CENOGRAFIA DA POÉTICA ..................................................................................... 103
3.1. A POÉTICA-RETÓRICA ................................................................................................. 104
3.2. A ARTE DA POESIA OU A FIGURAÇÃO DA MÍMESIS ............................................................ 107
3.3. A NATUREZA DO POEMA ÉPICO .................................................................................... 123
3.4. AS PARTES DA EPOPÉIA ............................................................................................... 137
3.5. A FÁBULA ÉPICA......................................................................................................... 150
3.6. A AÇÃO HERÓICA ........................................................................................................ 156
3.7. O ALTIVO LUGAR DO HERÓI ......................................................................................... 165
4. A FIGURAÇÃO ÉPICA DA MITOLOGIA ...................................................................... 171
4.1. O LUGAR DA ÉRIS NA EPOPÉIA ..................................................................................... 172
4.2. O FATUM E A FORTUNA ................................................................................................ 177
4.3. O ESPAÇO E O TEMPO MÍTICO ....................................................................................... 180
5. A ENCENAÇÃO ÉPICA DA MORTE ............................................................................. 184
5.1. ET IN ARCADIA EGO E A ARTE DE MORRER .................................................................... 185
5.2. A SOMBRA ÉPICA DA MORTE. ....................................................................................... 191
5.3. A TÓPICA DA MORTE NA POESIA ÉPICA .......................................................................... 193
5.4. A TÓPICA DA MORTE NO VILA RICA ............................................................................... 196
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 204
A EPOPÉIA COMO UM TEATRO DE PACIFICAÇÃO .......................................................................... 205
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 208
APÊNDICE A ARGUMENTOS NARRATIVOS DO VILA RICA .......................................................... 233
11
INTRODUÇÃO
La poésie fut le premier art qui fut cultive avec succès. Dante et Pétrarque écrivirent dans
un temps l’on n’avait pas encore un ouvrage de prose supportable (...) Homère fleurit
chez les Grecs plus d’un siècle avant qu’il parût un historien. Les cantiques de Moïse sont le
plus ancien monument des Hébreux. On a trouvé des chansos chez les Caraïbes, qui
ignoraient tous les arts. Les Barbares des côtes de la mer Baltique avaient leurs fameuses
rimes runiques dans les temps quils ne savaient pas lire: ce qui prouve, en passant, que la
poésie est plus naturelle aux hommes quon ne pense.
Voltaire. Essai sur la poésie épique.
12
O poema Vila Rica e o gênero épico como mímesis mitopoética
O poema épico Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa, narra a viagem histórica do
Governador Antônio Albuquerque Coelho de Carvalho às Minas Gerais do Estado do Brasil
1
no início do século XVIII, culminando com a fundação da Cidade de Vila Rica em 1711. A
finalidade era pacificar a região, vital do ponto de vista econômico para o reino de Portugal,
pelo ouro financiador da empresa mercantilista. A pacificação das Minas Gerais, caracterizada
no poema como ação épica, configura-se como encerramento do episódio histórico conhecido
co            
personagem memorável do Governador.
Em relação à forma poética, o texto dessa composição épica está disposto em dez
cantos de extensão variável, cada um deles formado por estrofes também variáveis. Ao lado
da irregularidade no tamanho dos cantos e das estrofes, nota-se a regularidade dos versos
decassílabos e o uso das rimas emparelhadas.
Se, do ponto de vista histórico, a matéria do poema é muito pertinente para o
entendimento da trajetória temporal do Estado do Brasil e para a do reino de Portugal, do
ponto de vista poético, o poema não foi considerado importante pelos autores que escreveram
as primeiras análises críticas da obra na historiografia brasileira das letras coloniais, sendo
interpretado como composição épica imperfeita ou experiência estética fracassada
2
.
Diversamente, outros críticos literários arquitetaram novas possibilidades de leitura do Vila
1
-se a uma das duas regiões americanas administradas pelo
reino de Portugal na época da colonização. A expressão é utilizada, por exemplo, em: MORENO, Diogo de
Campos [suposto autor]. Livro que dá Razão do Estado do Brasil. [1612]. Edição [fac-similar] comemorativa do
V centenário de nascimento de Pedro Álvares Cabral [manuscrito do séc. XVII, conservado no IHGB.
Cartografia atribuída a João Teixeira Albernaz I]. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968.
2
Entre as interpretações que consideram o poema Vila Rica como uma experiência poética malsucedida pode-se
             
Florilégio da Poesia Brazileira. Lisboa: Imprensa Nacional, 1850, tomo I, p. XXXIX; ROMERO,
Sílvio. História da Literatura Brasileira. [1888]. 3.a ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943, tomo II, p. 93-94;

Domício (org.). A Poesia dos Inconfidentes: Poesia completa de Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio
Gonzaga, Alvarenga Peixoto. Artigos, ensaios e notas de Melânia Silva de Aguiar et al. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1996, p. 5-26; VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. [1916]. Erechim (RS): Edelbra,
[s.d.], p. 142; SODRÉ, Nelson Werneck. História da Literatura Brasileira: Seus fundamentos econômicos.
[1938]. 2.a ed., revista e aumentada. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940, p. 77-
Formação da Literatura Brasileira (momentos decisivos).
[1959]. 8.a ed. Belo Horizonte/ Rio de Janeiro: Itatiaia, 1997, vol. 1, p. 101; BOSI, Alfredo. História Concisa da
Literatura Brasileira. [1970]. 2.a ed. São Paulo: Cultrix, 1994, p. 71; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos
de Literatura Colonial. Organização e introdução de Antonio Candido. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 426.
13
Rica, recusando a reprovação da recepção, ao aventar outras hipóteses de legitimação e de
reconhecimento poéticos
3
.
Antes de adotar a palavra final de um ou outro lado, convém investigar com atenção a
natureza desta controvérsia. A constituição da questão parece dever-se em grande parte às
circunstâncias de publicação, na diversidade de versões e edições do poema, como variantes
de um mesmo texto inicial hipotético. Em razão disso, é necessária uma análise dessas
condições, na tentativa de relacioná-las com as várias leituras urdidas nos percursos trilhados
pela crítica.
Nos manuscritos existentes do poema, espalhados pelas bibliotecas e arquivos do
Brasil e do exterior, a obra é sempre datada pelo ano de 1773
4
. Entretanto, a primeira edição
impressa do texto na íntegra foi publicada apenas em 1839, na imprensa do jornal O
Universal, na Cidade de Ouro Preto, pela iniciativa do redator José Pedro Dias de Carvalho
5
.
Esse redator é, talvez, excetuando o próprio Cláudio Manuel, o primeiro crítico dessa
composição épica, expondo seu juízo de valor ao escrever a história da publicação do texto
numa carta enviada ao P      
justo que não continuasse a ser privado de sair à luz o poema Vila Rica, tão recomendável
pela noção variada de história que contém, como pela beleza e eufonia dos versos, além das

6
.
Portanto, o primeiro fato relevante a considerar sobre a publicação do poema é que ele

7
por cerca de sessenta e
seis anos, diferentemente das composições poéticas do autor reunidas sob o título genérico de
3
Nessa linha valorativa podemos mencionar, em ordem cronológica, entre outros: LAPA, Manuel Rodrigues. Os
     Suplemento Literário do Minas Gerais. Belo Horizonte, n. 86, abr. 1968;
Poemas de Cláudio Manuel da Costa. Introdução, seleção
e notas de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix, 1976, p. 19; LOPES, Hélio. Introdução ao
Poema Vila Rica. Juiz de Fora: Esdeva, 1985; LOPES, Edward. Metamorfoses: A Poesia de Cláudio Manuel da
Costa. São Paulo: UNESP, 1995, p. 82-
-39.
4
Cf. AGUIAR, Melânia Silva de. Op. cit., p. 36-39.
5
COSTA, Cláudio Manuel da. Vila Rica. Ouro Preto: Tipografia do Universal, 1839.
6
Cf. IHGB, lata 142, doc. 17. Apud LOPES, Hélio. Op. cit., p. 9.
7
No período colonial, a cópia manuscrita é uma forma de 

manuscritas que circularam entre leitores selecionados pelo poeta e, depois, difundidas por estes a outros. Sobre
a circulação desses manuscritos nas Minas, o trabalho de Adriana Romeiro esclarece que tal fato se deu desde o
início do século XVIII, por exemplo, com os manuscritos do Padre Antônio Viera, que são lidos por Pedro de
Rates Henequim. Cf. ROMEIRO, Adriana. Um Visionário na Corte de D. João V: revolta e milenarismo nas
Minas Gerais. Tese (Doutorado em História) IFCH-UNICAMP, Campinas (SP), 1996, passim; Vide ainda
sobre a circulação dos manuscritos no Estado do Brasil a pesquisa de John Monteiro. Cf. MONTEIRO, John M.
Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de História Indígena e do Indigenismo. Tese (Livre Docência em
Antropologia) IFCH-UNICAMP, Campinas (SP), 2001, p. 24-25; 44; 98; 150.
14
Obras, impressas em 1768
8
.
A segunda edição do poema é impressa somente cinqüenta e oito anos depois da
primeira, em 1897, em folhetim e em livro, pelo jornal O Estado de Minas. Essa segunda
edição foi declaradamente baseada na montagem tipográfica de Ouro Preto
9
.
A terceira edição é publicada logo depois, em 1903, no conjunto de dois tomos das
Obras Completas de Cláudio Manuel da Costa, preparados por João Ribeiro para a editora
Garnier, conferindo ao poema Vila Rica um lugar junto às outras obras do poeta
10
,
notavelmente muito mais conhecidas e reconhecidas, como A Fábula do Ribeirão do Carmo.
Em 1957, foi publicada uma quarta edição no Anuário do Museu da Inconfidência,
fundamentada diretamente na primeira edição de Ouro Preto
11
.
Pouco tempo depois, em 1969, Augusto de Lima Júnior publica a quinta edição,
baseada, segundo ele, num manuscrito autógrafo herdado de seu pai, que o ganhara de um
arcebispo da Cidade de Mariana
12
. Essa edição, portanto, é uma segunda versão, com
diferenças textuais consideráveis em relação às edições anteriores. Este era o status das
publicações do poema até o abrangente estudo de Hélio Lopes intitulado Introdução ao
poema Vila Rica, em 1985. Por haver tantas edições e versões, Lopes escreve este trabalho
confrontando as edições existentes com os manuscritos encontrados por ele no Brasil.
Ainda era preciso o estabelecimento de uma edição crítica da obra por meio de um
extenso trabalho de pesquisa de campo que comparasse todos os manuscritos encontrados
com todas as edições publicadas, recompondo palavras, versos perdidos, sanando equívocos e
anulando diferenças etc. Essa pesquisa com a elaboração da edição crítica foi realizada por
Melânia Silva de Aguiar, mas permanece inédita. Entretanto, foi incluída no volume A Poesia
dos Inconfidentes, da editora Nova Aguilar, em 1996, uma nova versão baseada nessa edição
crítica, constituindo a sexta e última edição do poema
13
.
Foi usado o manuscrito encontrado na Biblioteca Nacional de Lisboa como texto-base
para o estabelecimento crítico do texto da sexta edição, comparando-o com mais outros dez
manuscritos e as edições anteriores. Este manuscrito tinha sido dedicado por Cláudio ao
8
COSTA, Cláudio Manuel da. Obras de Cláudio Manuel da Costa, Árcade Ultramarino, chamado Glauceste
Satúrnio. Coimbra: Officina de Luiz Secco Ferreira, 1768.
9
Idem. Vila Rica. 2.a ed. Ouro Preto: Tipografia do estado de Minas, 1897.
10
Obras poéticas. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1903, tomo II, p. 145-278.
11
ANUÁRIO DO MUSEU DA INCONFIDÊNCIA. Ouro Preto: [s.n.], 1957, vol.
IV, p. 113-97.
12
Idem. Vila Rica. 5.a ed. (Edição de Augusto de Lima Júnior). In: LIMA JÚNIOR, Augusto de. Cláudio
Manoel da Costa e seu poema Vila Rica. [Belo Horizonte], Imprensa Oficial, 1969.
13
-446.
15

Canto V, não encontrados noutros manuscritos. Segundo Melânia Silva de Aguiar, esses
          
nesse manuscrito, mas provavelmente de uma exclusão que Cláudio fez posteriormente nos
outros manuscritos, para evitar a identificação dos religiosos envolvidos no episódio da
Guerra dos Emboabas
14
. Essa edição da Nova Aguilar é, portanto, a mais indicada para ser o
eixo do nosso exercício de leitura, que pretende reconstituir, mesmo que precariamente, as
diversas linhas discursivas que condicionaram a invenção épica do Vila Rica, cruzando o
discurso poético-retórico com outros, como o teológico-político
15
.
Evidentemente, percebe-se que a questão da recepção crítica do poema enlaça-se com
essas questões filológicas, pois, de 1839 até 1969, ou seja, por aproximadamente 130 anos, os
críticos dispuseram de uma única versão do texto, reeditada quatro vezes. A partir de 1969 até
1996, os leitores puderam ter acesso a duas versões. Todas essas edições possuíam muitas
variações e, provavelmente, muitas falhas
16
. Acredito, como expôs Manuel Rodrigues Lapa
no seu artigo Os Versos Anarquistas do Vila Rica
17
, que os primeiros grandes críticos se
deixaram levar em parte pelas imperfeições e lacunas dessas edições, desconsiderando a
especificidade filológica, numa leitura entendida aqui como desvalorizadora do poema.
Depois de 1996, além dos manuscritos, temos acesso a três versões da obra, em seis
edições. A terceira e última versão, correspondente à sexta edição, é particularmente a mais
cuidadosa, com o trabalho de pesquisa de crítica textual exposto, com referências a todas as
outras versões e manuscritos, reconstituições e correções, apontamentos e notas.
14
Acredita-se que por isso que esse manuscrito seja a cópia mais antiga do poema encontrada até o presente. Cf.
AGUIAR, Melânia Silva de. Op. cit., p. 25-38; p.1079, nota 1.
15
Esta última linha discursiva se pela consideração de que os letrados do Estado do Brasil obedeciam à
política portuguesa mercantilista e escravista, justificada pela expansão da Fé católica e pelo reconhecimento do
direito do Rei português de dispor das riquezas de suas colônias, aplicando a razão de Estado. Sobre essa
funcionalidade da teologia-política aliada à retórica-poética, em práticas miméticas de representação relativas à
racionalidade de Corte do Império de Portugal, constitui-se como obra fundamental de referência, A Sátira e o
Engenho, de João Adolfo Hansen, 2.a edição de 2004, livro que reúne e ata os conceitos poéticos engenhosos
aplicados às letras no século XVII, num exame amplo e aplicadíssimo das sátiras atribuídas ao poeta Gregório de
Matos e Guerra. Os diversos conceitos desenvolvidos e demonstrados nessa obra fundamentam esta pesquisa,
que pressupõe certa continuidade e adaptação de articulações, formas e preceitos das letras do século XVII no
XVIII, seqüenciação que vem a ser desfeita lentamente, somente no século XIX; Outro texto importante do autor
Barroco, neobarroco e outras ruínas  Teresa, em 2001; Cf. também TORGAL, Luís
Da Razão de Estado. Coordenação e introdução de Luís Reis Torgal.
Tradução de Raffaella Longobardi Ralha. Coimbra: Instituto Nacional de Investigação Científica Centro de
História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, 1992, p. 2-3.
16
Veja-se o estudo das variações de termos e palavras no Fundamento Histórico do poema, analisado por
Bárbara Fadel. Cf. FADEL, Bárbara. Cláudio Manoel da Costa e o Fundamento Histórico ao Poema Vila Rica.
Dissertação (Mestrado em História) UNESP, Franca (SP), 1985.
17
Cf. LAPA, Manuel Rodrigues. Op. cit.
16
Figura 1. Capa de um dos manuscritos do poema Vila Rica. BNRJ.
Podemos pautar esta pesquisa pela sexta e última edição com até certa serenidade, pois
o objetivo aqui não é o de estabelecer as características da crítica textual, visto que isso foi
feito, mas essencialmente ler as particularidades dos procedimentos de invenção retórico-
poéticos aplicados nesta forma épica à luz das preceptivas utilizadas no século XVIII, como
uma prática de representação
18
, além de dispor os critérios de juízo de valor adotados pelos
seus receptores, historiadores e críticos literários dos séculos XIX e XX.
Deste modo, nesta análise, é importante a investigação da forma retórico-poética do
18
Hansen pensa    representação segundo quatro articulações simultâneas e integradas 
sociedade luso-brasileira do século XVII, a identidade é definida como representação uma forma específica da
posição e pela representação uma ocasião de sua aplicação como aparência decorosa subordinada no corpo
              lar, em
situação, de signos no lugar de outra coisa. Nas representações luso-brasileiras do século XVII, os signos são
recortados em uma matéria qualquer como imagens de conceitos produzidos na substância espiritual da alma
participada pela substância metafísica de Deus. 2. A aparência ou a presença da coisa ausente produzida na
substituição. 3. A forma retórico-poética da presença da ausência. 4. A posição hierárquica encenada na forma
       Barroco, neobarroco e outras ruínas.
Teresa: revista de Literatura Brasileira, São Paulo, n. 2, p. 11-12, nota 2, 2001, grifo do autor; No século XVIII,
supondo-se a duração dessas articulações e a mudança dos lugares da enunciação, a poesia encomiástica
evidencia essas quatro articulações. A épica, por sua vez, pressupõe a matéria histórica. Segundo Castelvetro,
tratando da epopéia,          . Essa matéria histórica
representada está estilizada no épico representante. Nele, a história é melhorada, sutilizada, sublimada livre das
imperfeições. O leitor lê, na forma épica, a referência histórica estilizada. Ela está presente na estilização, como
efeito poético; mas estará ausente como matéria histórica bruta, sem estilização. No Vila Rica, tudo é calculado e
disposto como um palco dessa estilização, elogiando a hierarquia estabelecida, coisa representada, que reconhece
a si própria nessa épica, coisa representante. Cf. CASTELVETRO, Lodovico. Poetica d’Aristotele Vulgarizzata
e Sposta. A cura di Werther Romani. Roma-Bari: Gius. Laterza & Figli, 1978, 2 v., I, p.44.
17
gênero épico exercitado na elaboração da escrita, considerando as práticas de representação
em que é fundamentado, na tentativa de reconstituição das preceptivas de invenção seguidas
pelos homens de letras portugueses no século XVIII. Ao realizar a emulação
19
de seus
predecessores épicos, deparamos com tópicos aplicados à edificação da história
20
com uma
          
           
segundo as regras da poética antiga, sobretudo a aristotélica.
Considera-se também o pensamento exercitado nesse mundo colonial católico, que
acreditava na realidade histórica como uma allegoria in factis do reino de Deus, seguindo a
doutrina de Santo Tomás de Aquino que pregava a semelhança de todos os seres como seres
criados por Deus
21
. A própria política do reino de Portugal é entendida como um reflexo da
vontade divina, aliando-se à teologia. Por constituir parte inseparável do pensamento
escolástico dos bacharéis formados nas universidades portuguesas, essa teologia-política
orienta a invenção das letras, representando personagens históricos no gênero épico como
encenação de uma maneira de agir adequada ao decoro da razão de Estado portuguesa, numa
ética política que disciplina os movimentos do corpo para uma moral católica. No poema Vila
Rica, a encenação de um herói que representa o próprio El-Rei faz necessária a adequação do
discurso épico ao decoro externo da recepção com essa ética política exercitada na razão de
19
É importante definir aqui o conceito A distinção entre emulação e imitação foi elaborada por
João Adolfo Hansen, a partir da leitura de Pallavicino; Cf. HANSEN, João Adolfo. Ler e ver: modelos
emblemáticos da representação luso-brasileira no século XVII. In: SEXTO CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO
INTERNACIONAL DE LUSITANISTAS. AIL, 1999. Disponível em: <http://www.geocities.com/ail_br/lerver
pressupostos.htm>. Acesso em: 10 mar. 2007; Cf. Também HANSEN, João Adolfo. Barroco, neobarroco e
outras ruínas. Op. cit., p. 45-6; A emulação é a imitação que se como exercício poético, na reescrita e
reelaboração dos antigos, não é plágio, mas pela admiração, diferencia-se. Pois a emulação, sentimento decente,
não é a desprezível inveja, como anotado na Retórica, de Aristóteles; Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte
Poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro/ São Paulo: Ediouro Publicações, [s.d.], p. 125;

ou maior prazer do que aquele, que alcançaram os outros escritores em, alcançar o mesmo
efeito, dizendo outra coisa. Difere-se do roubo e da imitação, pois o roubo é dizer a mesma coisa e a imitação
simples é dizer outra coisa sobre o mesmo. Cf. PALLAVICINO, Sforza. ARTE Dello Stile, ove nel cercarsi
l’ideal dello scrivere insegnativo. Discorresi partitamente de’varij pregi dello stile Latino, come Italiano.
Composta dal P. Sforza Pallavicino Della Compagnia Di Giesù. All’Illustriss. Sig. Il Sig. Co. FABIO Acquaviva
Pico Della Mirandola. In Bologna: per Giacomo Monti, 1647. 
20
               

que ao referirmos a uma versão dessa memória, o termo será indefinido. O termo ainda aparecerá como sinônimo
de estória ou enredo. Esperamos que o sentido de cada uso fique esclarecido pelo contexto.
21
Cf. AQUINO, Santo Tomás de. Summa Theologicae, p. I, q. 13, aa. 5, 6, 10 Apud. HANSEN, João Adolfo.
Barroco, neobarroco e outras ruínas. Op. cit., p. 48; Veja-Alegoria:
construção e interpretação da metáfora, SP, Atual, 1987 (2.a ed.) Apud PÉCORA, Alcir. Camões e Vieira: as
Artes e os Feitos. Revista do IFAC. Ouro Preto: Universidade Federal de Ouro Preto, n. 2, p. 37, dez. 1995.
18
Estado, justificando a piedade de sua ação pela moral católica verossimilmente comparada à
de seus pares, os nobres da Corte de Portugal. Para efetivar essa política, D. João V., o
Magnânimo, nomeia Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho como Governador da
Repartição do Sul do Estado do Brasil, com a patente de Capitão-General ad-honorem
22
.
A ação de pacificar o território das Minas Gerais, representada como épica na piedade
da moral cristã do herói Antônio de Albuquerque, torna-se um marco significativo que
estabelece a ordem da civilização, enfrentando a rusticidade da natureza da região e, ao
mesmo tempo, lutando contra os rebelados emboabas
23
. Estes foram os primeiros habitantes
colonizadores na região, uma terra desconsiderada na ocupação do território do Estado do
Brasil até aquele momento, o final do século XVII.
Antônio de Albuquerque organiza e submete à autoridade real esses primeiros
colonizadores das Minas, figurados no Fundamento Histórico do poema como sediciosos em
confronto com o grupo dos paulistas pelo reconhecimento do direito de ocupar e explorar as
riquezas das Minas Gerais. Pela representação hierárquica de administradores da sociedade
aristocrática portuguesa, destitui a aspiração de Manuel Nunes Viana de estabelecer uma
liderança política e de ser reconhecido como Governador:
Fazendo, porém, justiça, é certo que entre os rebeldes e levantados daquele
tempo, tinha melhor índole que todos o suposto Governador Manuel Nunes
Viana: não consta que cometesse, por si ou por algum de seus confidentes,
positivamente ação alguma nociva ao próximo; desejava reger com
igualdade o desordenado corpo que lhe ajuntara; acolhia afavelmente a uns e
outros; socorria-os com os seus cabedais; apaziguava-os, compunha-os, e os
serenava com bastante prudência; ardia porém por ser Governador das Minas
e, se tivesse letras, se podia dizer que trazia em lembrança a máxima de
César Si violandum est jus, regnandi gratia violandum est
24
.
22
Cf. SUANNES, S. Os Emboabas. São Paulo: Brasiliense, 1962, p. 260.
23

sua História Geral, vol. 9, p. 475-
significando um pássaro de pernas emplumadas, daí ser o termo aplicado como zombaria aos recém-chegados da
Europa e do litoral, que usavam coberturas protetoras para pernas e pés, ao contrário dos paulistas, que andavam
        BOXER, Charles R. A Idade de Ouro do Brasil: Dores de
Crescimento de uma Sociedade Colonial. Tradução de Nair de Lacerda; prefácio à terceira edição de Arno
Wehling; prefácio à primeira edição de Carlos Rizzini. 3.a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 105; O
P
eram chamados os portugueses pelos índios, palavra formada a partir dos vocábulos tupis mbó-ab-
(peludo). Cf. NAVARRO, Eduardo de Almeida. Método Moderno de Tupi Antigo. 2.a ed. Petrópolis: Vozes,
1999, p. 492; 
 
CCM, 1999 [1752], 1:206 Apud MONTEIRO,
John M. Op., cit., p. 109-110. A dúvida permanece e é importante porque deixa em aberto a existência, ou não,
de um tratamento depreciativo dos paulistas contra os forasteiros nesse primeiro episódio da história das Minas.
24
[Se as leis devem ser violadas, o direito de governar deve ser violado]; COSTA, Cláudio Manuel da.

19
Por isso, a ação de pacificação do Governador Albuquerque foi decisiva no
estabelecimento de um processo colonizador nessa sociedade, visando manter o controle no
vasto território, ameaçado pela suposta apropriação indevida do governo por Manuel Nunes
Viana. Nessas novas faixas territoriais de ocupação, Antônio de Albuquerque Coelho de
Carvalho institui a normalidade da lei, garantindo o benefício da taxação da exploração dos
metais para a Coroa portuguesa.
Vale ponderar que estudar essas letras desse passado colonial em sua constituição
específica, recompondo sua própria lógica de representação e interpretação, é uma tarefa de se
aventurar num mundo desconhecido, não mais existente, mas fascinante. Escrever sobre o
passado é sempre um anacronismo, devido à impossibilidade da comprovação empírica da
           história
      -se de constantes

25
.
Isso pressupõe observar essas letras como ruínas do passado com a lupa embaçada de
sua época, reinventando sua especificidade. O trabalho do crítico, nessa perspectiva,
aproxima-se do trabalho do arqueólogo, numa tentativa de recomposição precária de
fragmentos do passado que estruturam essas representações; ou seja, é um trabalho de
pesquisa do primeiro critério normativo de legibilidade dessas letras, fundamentado sob
preceitos de gêneros, obedecendo às estruturas particulares do épico e das variações deste.
O significado da palavra epopéia e sua suposta fórmula ocidental codificada na matriz
do gênero épico abrangem atualmente diversas composições e construções simbólicas letradas
mais extensas do que estabelece o significado original de sua raiz grega epos, que denota

Atualmente, dois pontos de vista célebres      
primeiro a define como resultado da tradição oral transmissora de conhecimentos codificados
numa narração mitológica, seguindo o conceito aristotélico de mímesis (. Isso se daria
num mundo da oralidade que ainda ignora a escrita, mas, assim que a descobre, documenta
suas representações. Esse primeiro conceito de epopéia é generalizante e universalista,
adotando obras das mais diversas do engenho humano, entendidas como herança da
construção de uma coletividade pela transmissão oral mitopoética
26
dos feitos de seus
25
HANSEN, João Adolfo. Op. cit., p. 25.
26
Entendendo o conceito de mitopoesis como a relação íntima entre as correspondências alegóricas do real e ao
próprio processo mimético para compor os mitos que explicam essa mesma realidade, renomeando o conceito de
20
antepassados. Nessa visão, o mito é o causador da história. Retomando o texto bíblico de
Gênesis, se Deus cria o mundo pelo lógos (, pela palavra, sem dúvida o ritmo aplicado
a esse gos foi o épico, ou em outras palavras, o epos (), a poesia, é o princípio
organizador do gos, da história, na invenção do mythos (), mito, que explica e
constitui a própria história
27
. Nessa concepção, a poesia épica, em chave antropológica, é a
detentora da função social de repassar valores e crenças, consolidando as ligações simbólicas
entre os membros de uma comunidade antiga, primeva expressão cultural coletiva desta:
Em seguida vem a epopéia e seus cantores. Ela substitui toda a História e
boa parte da revelação como expressão vital nacional e como testemunho de
primeira categoria, das necessidades e capacidade de um povo de
contemplar-se e representar-se por meio da tipificação
28
.
Assim, essas epopéias são classificadas também como primitivas, pois expressam as
primeiras representações de uma sociedade, como gênero do discurso primário, definido por

29
. Podemos dizer que, numa obra épica desse
tipo, existe uma relação fundamental entre a ação e o discurso oral, entre o drama () e o
lógos, determinando a unidade poética, implicando a plausibilidade ou verossimilhança do
discurso oral com a ação do herói.
Homero nesta tradição é apenas o aedo que teria cantado a versão final da Ilíada e da
Odisséia, constituída coletivamente, materializada por um anônimo num escrito
30
. Nesta
perspectiva, podem-se incluir ainda, além da Ilíada e da Odisséia, o Gilgamesh babilônico
31
,
os escritos bíblicos, o Mahabharata e o Ramayana indianos
32
, O Poema ou Cantar de mio
Cid
33
, o épico alemão Nibelungenlied
34
, e ainda o Épico do Rei Gesar
35
, representativo desse
Metamorfoses de Homero: História e antropologia
na crítica setecentista da poesia épica. Brasília: UnB, 2003, p. 205.
27
É oportuno lembrar aqui que no século XVII o escritor inglês John Milton escolhe a forma épica para compor
a sua obra prima Paradise Lost. Cf. MILTON, John. Paradise Lost. [1667]. London: Penguin Books, 1996.
28
BURCKHARDT, Jacob. Reflexões sobre a História. Tradução de Leo Gilson Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar,
1961, p. 76.
29
  Estética da criação verbal. 4.a ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, p. 285.
30
        . In: APPEL, Myrna Bier;
GOETTEMS, Miriam Barcellos (orgs.). As Formas do Épico: da epopéia sânscrita à telenovela. Porto Alegre:
Movimento, 1992, p. 30.
31
     THE EPIC of Gilgamesh: The Babylonian Epic poem and the
Other Texts in Akkadian and Sumerian. Translated with an introduction by Andrew George. London: Penguin
Books, 2003, p. XIII-LII.
32
Cf. FONSECA, Car       
Miriam Barcellos (orgs.). Op. cit., p. 22.
33
POEMA de mio Cid. Edición de Colin Smith. 19.a ed. revisada. Madrid: Ed. Catedra, 1994.
34
BATTS, Michael S. (org.). Das Nibelungenlied. [1190?-1200?]. Tubingen: Max Niemeyer, 1971.
35
GESAR. L’épopée tibétaine de Gesar dans sa version lamaïque de Ling. Paris: PUF, [19--].
21
processo de construção coletiva atual, até hoje em transformação, com várias versões,
encontrável em diversas regiões do Tibete
36
.
Mas, o que poderia aproximar obras tão diversas quanto o Gilgamesh e a Odisséia?
Examinando poemas tão distintos, resultantes de culturas tão distanciadas na língua, no
espaço e no tempo, muitos encontraram semelhanças e paralelos, propondo uma
universalidade da epopéia como expressão primitiva que celebra as façanhas dos antepassados
de um povo, narrando guerras, traições e lutas internas pela honra de seus heróis mortos e
usando, às vezes, um discurso que apresenta um sistema específico de ritmo
37
. Nessa
perspectiva, George Dumézil e Jean-Pierre Vernant, entre outros, estudaram as epopéias,
especialmente as primitivas como o Mahabharata, a Odisséia e outras, aplicando a análise
mitológica, propondo a recorrência de três traços delineadores característicos o 
nas sociedades dos povos indo-europeus, a saber: soberania, força e fecundidade
38
.
Esse primeiro critério exclui as obras inventadas deliberadamente por alguém que não
mais canta, porém escreve os fatos narrados em longos poemas, emulando os textos épicos
anteriores, considerando ainda as obras que tratam da própria composição do gênero,
atribuindo intencionalmente características míticas à narração como ornamentação poética,
como a Eneida, a Farsália, o Orlando Furioso, a Jerusalém Libertada, o Paraíso Perdido, Os
Lusíadas, e tantos outros, que emulam o costume da poética aristotélico-horaciana. Este é um
epos não é mais o princípio organizador do lógos na
invenção do mythos, mas, pelo contrário, o lógos, entendido como discurso histórico, passa a
determinar a condição do epos, a forma poética. Ao contrário da primeira concepção de
epopéia, a relação simbólica se inverte e particulariza-se, pois uma história passa a ser a
causadora de um mito, na invenção mimética emuladora dos mythoi anteriores. Deste modo,
por meio da perpetuação da memória do discurso épico na forma escrita, no labor do vate, os
feitos do herói são imortalizados para todas as gerações vindouras, como escreveram
magnificamente Lucano, nos versos de sua Farsália, e Camões, Os Lusíadas:
36
Cf. STEIN, Rolf Alfred. Recherches sur l’épopée et le barde au Tibet. Paris: PUF, 1959 ; Cf. GESAR.
L’épopée tibétaine de Gesar dans sa version lamaïque de Ling. Paris: PUF, [19--].
37
In: POEMA de mio Cid. Op. cit., p. 17-18; Cf. PACHECO, José
Maria Valverde; RIQUER, Martín de. La Épica Medieval: Universalidad de la Epopeya. Disponível em:
<http://www.ciudadseva.com/textos/estudios/roldan/epica.htm>. Acesso em: 27 fev. 2005.
38
Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas sobre o gênero épico. São Paulo: 2007, inédito, p. 17-20; O autor cita,
dentre outros, DUMÉZIL, Georges. : El Destino del Guerrero. México: Siglo Veinteuno,
1971, p. 22; p. 99; e VERNANT, Jean-Pierre. Les origines de la penseé grecque. Paris: PUF, 1969, p. 23-24 e p.
26. Cf. também DUMÉZIL, Georges. Mythe et Épopée I: 
peuples indo-européens. Paris: Gallimard, 1968.
22
Ó sagrado e magnífico labor dos vates! Tudo
arrebatas do destino e dás às gentes mortais a imortalidade.
Não te deixes enganar, César, pela inveja do que a fama consagrou.
Pois, se é lícito fazer alguma promessa às musas latinas,
enquanto durar todo o tempo da glória do poeta de Esmirna,
os vindouros o lerão nos meus versos. Nossa Farsália
viverá e os que virão não nos condenarão às trevas
39
.
E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte
40
.
(Os Lusíadas. Canto I, vv. 9-16.)
Nessa visão, a É
             
   
41
. As epopéias pensadas nessa concepção são classificadas
como secundárias, pois se efetivam pelo uso da escrita, como um modelo do discurso

42
.
Este segundo conceito de epopéia é o aplicado às letras épicas dos séculos XVI ao XVIII,
  
mundo hispano-colonial, onde podemos observar inumeráveis edições, traduções e invenções
de poemas épicos
43
. Essa prática reconhece as autoridades precedentes e segue as preceptivas
determinadas nas retóricas e nas artes poéticas que regulam os procedimentos de invenção das
39

ne tangere famae;/ nam, siquid Latiis fas est promittere Musis,/ quantum Zmyrnaei durabunt uatis honores,/
uenturi me teque legent; Pharsalia nostra/ uiuet, et a nullo tenebris damnabimur aeuo. (Farsália. Canto IX,
vv.980-6). Cf. LUCANO, Marco Anneo. Farsalia. Introducción, Traducción y notas de Antonio Holgado
Redondo. Madrid, Espana: Editorial Gredos, 1984, p. 480; Cf. LVCANI, M. A. Pharsalia. Disponível em:
<http://www.archeologhia.com/fonti_latine/lucanus/Lucan.htm>. Acesso em: 02 abr. 2005. Nestes versos é
justificada a escolha do título do p
   The Civil War. (Pharsalia). Cambridge, Massachusetts: Harvard
University Press/ London: William Heinemann, [19--], p. 2-3. (Edição bilíngüe: Latim; Inglês).
40
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1990, p. 29.
41
Cf. BURCKHARDT, Jacob. Op. cit., p. 63.
42
Cf. BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 281.
43
Cf. PIERCE, Frank. La Poesia Épica del Siglo de Oro. [Spanish Epic Poetry of the Golden Age]. Segunda
Edición Revisada y Aumentada. Versión Española de J. C. Cayol de Bethencourt. Madrid: Editorial Gredos,
1968; Nesta obra, no Apêndice A, Pierce enumera mais de 200 títulos de epopéias espanholas elaboradas
principalmente entre os séculos XVI e XVII, na Espanha e na América. No apêndice B, elenca dezenas de
traduções espanholas de epopéias, desde obras antigas, como as de Virgílio, Homero e Lucano, até obras mais
ro, Camões, Tasso etc. No seu Apêndice C, Pierce demonstra
que essas epopéias continuaram sendo reeditadas inumeráveis vezes durante os séculos XVIII e XIX, como a
Araucana, reeditada quinze vezes, e a Christiada, reeditada seis vezes, entre outras.
23
epopéias, estruturando-as segundo as conveniências do gênero, como a Arte Poética, Arte
Retórica e o Organum, de Aristóteles, passando pela Epistula ad Pisones, de Horácio, a de
autoria desconhecida De Ratione Dicendi ad C. Herennium, o De Inventione, de Cícero etc.;
considerando na poesia do século XVIII na Europa, as modernas L’art Poétique, de Boileau,
La poética o reglas de la poesia em general y de sus principales espécies, de Luzán, a Arte
Poética, de Francisco José Freire etc.; os estudos sobre poéticas, como o Della Perfetta
Poesia Italiana, de Muratori, o Discorsi dell’arte poetica ed in particolare sopra il poema
eroico, de Torquato Tasso, o Essai sur la Poésie Épique, de Voltaire etc. Além disso, são
considerados como modelos dessa poesia muitos épicos, como Os Lusíadas, de Camões, a
Ulisséia, de Gabriel Pereira de Castro, a Eneida, de Virgílio, a Farsália, de Lucano, La
Henriade, de Voltaire, a Jerusalém Libertada, de Torquato Tasso etc.; e ainda, obras
históricas como, no caso particular de Cláudio Manuel da Costa, a Monarchia Indiana, de
Juan de Torquemada e a Historia de la conquista de Mexico, de Antonio de Solis etc.
Observando-se apenas esses dois conceitos tradicionais de epopéia, são consideradas
obras épicas uma grande coleção de escritos de diversas civilizações, em diversas línguas,
variantes no tempo e no espaço, que demandam estudos e cruzam discursos de literatura,
antropologia, sociologia, teologia, filosofia, retórica, direito, política, geografia, mitologia,
história etc., de omni re scibili, implicando a necessidade de limitar a abrangência do conceito
de gênero épico para o estudo do poema Vila Rica.
Dessa maneira, analisar uma obra que segue essa prática de representação codificada
como épica, ligada à continuidade dos exercícios de pronunciação das epopéias milenares,
cristalizadas na escrita, exige serenidade diante da impossibilidade da leitura e consideração
de tudo impresso e disperso pelo orbe a respeito do gênero, em suas múltiplas definições e em
aspectos tão amplos quanto às próprias ciências humanas. Convém nortear este trabalho pelas
preceptivas seguidas no poema, destituindo a possibilidade de leituras estéticas da expressão
de sujeitos que, na verdade, apenas aplicam o artifício de uma técnica mimética desde a
Poética, de Aristóteles.
O Vila Rica não é um poema de composição oral, como, por exemplo, a Teogonia,
resultante da aglutinação de fábulas e relatos históricos numa construção coletiva primitiva,
codificados pelo pensamento mítico explica a natureza e a si próprio através de seus próprios
24
termos
44

Os trabalhos e os Dias, de Hesíodo
45
. Também
não é fruto da angústia de um sujeito patriótico e intelectual, consciente da sua inaptidão para
usar as fórmulas das descrições do locus amoenus da paisagem arcádica em face das ásperas e
duras rochas mineiras, interpretação que se deve a não leitura da aplicação do topos do locus
horrendus, não como antecipação romântica, mas como emulação artificiosa da poesia de
Tasso e outros, como mostraremos mais adiante. Estas interpretações são anacrônicas, pois
aplicam valores ou categorias inexistentes no artifício retórico-poético da invenção do poema.
Vila Rica é, antes de tudo, uma épica que segue o costume da escrita, como a Farsália ou a
Eneida, imitando e combinando elementos dos modelos épicos reconhecidos, sem perder suas
especificidades
46
, inventando um discurso poético que possui seu estilo próprio:
Antes que em fumo ou ar voe desfeito
De tanta idéia o quadro portentoso,
Quer declarar em tudo o misterioso
Teatro das imagens: vós agora
Influí-me uma voz alta e sonora,
Ninfas do pátrio Rio, com que eu possa
Cantar na glória minha a glória vossa
47
.
(Vila Rica. Canto VI, vv. 317-326.)
Assim, este estilo produz uma fábula épica mitopoética, que entralha e celebra a
história, e glorifica o caráter da ação nobre do herói, representante do poder da Corte
 suas

camoniana
48
, convencional das condições de invenção dessa escrita, que se dá pela elaboração
de uma história, emulada de modelos, e pela observação formal, não-pessoal, das
particularidades da natureza local.
44
Cf. Teogonia: A Origem dos Deuses.
Tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1995, p. 77.
45
           Os trabalhos e os dias. 4.a ed.
Tradução, introdução e comentários de Mary de Camargo Neves Lafer. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 53.
46
Eneida. Tradução
de Manuel Odorico Mendes. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 44.
47
Todas as nossas citações do poema Vila Rica se darão pela edição da editora Nova Aguilar: COSTA, Cláudio

48
Os Lusíadas     criado/
Tendes em mi um novo engenho ardente,/ Se sempre, em verso humilde, celebrado/ Foi de mi vosso rio
alegremente,/ Dai-me agora um som alto e sublimado,/ Um estilo grandíloco e corrente,/ Por que de vossas águas
Febo ordene/ Que não tenham inveja às de Hipocrene./ Dai-me uma fúria grande e sonorosa,/ E não de agreste
avena ou frauta ruda,/ Mas de tuba canora e belicosa,/ Que o peito acende e a cor ao gesto muda;/ Dai-me igual
canto aos feitos da famosa/ Gente vossa, que a Marte tanto ajuda,/ Que se espalhe e se cante no universo,/ Se tão
sublime preço cabe em verso. Cf. CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Op. cit. p. 30.
25
Figura 2. Os Lusíadas, de Luis de Camões.
Lisboa: Antonio Gõçaluez, 1572. (Ed. Ee).
26
1. AS MÁSCARAS DA RECEPÇÃO
Qui legis ista, tuam reprehendo, si mea laudas
omnia, stultitiam, si nihil, invidiam.
Owen, Liv. I, ep. 3.
Cit. por Cláudio M. da Costa nas Obras.
27
1.1. Autocrítica épica ou a máscara recomendada
A forma do gênero épico do Vila Rica foi comentada pelo próprio Cláudio Manuel da
Costa, no Prólogo, esclarecendo que não adotou para o poema a categoria de épico, mas
preferiu designá- aqueles que se
submeteram à censura dos críticos, atribuindo a classificação de épico a seus poemas, foram
               

49
-
50

Essai sur la Poésie
Épique:
Sobrecarregaram quase todas as artes com prodigioso número de regras que, na
maior parte, são inúteis ou falsas
51
.
Pode-se perceber nessas linhas do Prólogo, pela citação desta idéia crítica de Voltaire,
um primeiro passo de questionamento do juízo poético das letras na Capitania de Minas
Gerais. No entanto, é preciso compreender que, no século XVIII, o processo de invenção
poética é pensado retoricamente como estilo, ajustado em função do conceito de
verossimilhança, preferindo-
52
. Nesse período, o
conceito de crítica é entendido como uma atividade do juízo, predicado em termos de
verdadeiro ou falso, segundo a teoria aristotélica do juízo como um ato da alma conforme

53
, pensada na formação cultural dos letrados no século XVIII. Por
isso, Voltaire conceitua que muitas das regras para as artes são falsas, cabendo ao letrado a
busca das regras úteis, verdadeiras e verossímeis na invenção de composições poéticas.
49
auctoritas, uma autoridade, um exemplo ou modelo que podemos imitar,
pois a noção de euretés (), auctoritas, codificado como sujeito criador, um primo inventore ou autoria, em
uma publicação impressa, institucionalmente autorizada, é inaplicável para o século XVIII. Pois não existia neste
ração intelectual, ou de conhecimentos técnicos, deveria
        ógica que pudesse ser entendida como a
propriedade de um particular. Cf. HANSEN, João Adolfo.   Palavras da
crítica: Tendências e Conceitos no Estudo da Literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992, p. 11-43. Apud VALLE,
Ricardo Martins. A construção da Posteridade, ou A tradição para o Novo Mundo, ou A gênese como Ruína.
Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) - USP, São Paulo, 2004, p. 38. Cf. também HANSEN, João
Adolfo. Barroco, neobarroco e outras ruínas. Op. cit., p. 40-46.
50
Op. cit., p. 359.
51
.
Cf.        Ouvres Complétes. Paris: Firmin-
Didot Fréres, 1834, tome X (La Henriade avec préfaces, avertissements, notes, etc. par M. Beuchot), p. 401.
52
Cf. ARISTÓTELES. Op. cit., p. 281.
53
Cf. VALLE, Ricardo Martins. A construção da posteridade ou A gênese como ruína. Revista Usp (Dossiê
Brasil Colônia), São Paulo, n. 57, mar.-maio 2003, p. 109.
28
Também é evidente no Prólogo a utilização do topos da humildade
54
, aplicado
retoricamente como captação de benevolência
55
de seu leitor. O poeta não ostenta, nem espera
ser reconhecido pela elaboração de uma epopéia. O épico foi totalmente esquadrinhado,
medido e regrado, impossibilitando que qualquer poeta conseguisse ou pretendesse alcançar a
excelência poética ou a perfeição, seguindo a todos os preceitos estabelecidos em todas as
poéticas. Tal fato seria impraticável, pois naquele momento e lugar seria pretensão
inadequada ao poeta querer exceder Homero, Virgílio, Camões e Tasso, que, seguindo o
julgamento austero dos preceptistas, não conseguiram atingir a perfeição.
Portanto, não se espera que o épico de Cláudio siga rigorosamente todas as
convenções do gênero, encontradas nas artes poéticas, lembrando as idéias de Voltaire,
filósofo que começa a questionar os preceitos rígidos dessas poéticas e os duros comentários
  
56
, como crítica das letras: cem poéticas contra um
poema. (...) O mundo está repleto de críticos, que, pela força de comentários, definições,
distinções, são levados a obscurecer os conhecimentos mais claros 
57
.
Dado o número de citações e comentários nas suas notas ao Vila Rica, aludindo a
epopéias e poéticas, é evidente que Cláudio distingue os preceitos destas, aplicando ao seu
poema. Entretanto, cobre-se com o manto crítico de Voltaire, que propôs uma nova
interpretação dos conceitos, atualização mal-compreendida. Para Cláudio, a dificuldade de
inventar uma epopéia não se deve a uma suposta incompetência de seu engenho, diante da
inóspita rispidez do clima mineiro, mas à emulação do juízo de um letrado reconhecido. No
caso de Voltaire, o labor da invenção épica não parece ser causado pela monotonia da
Monarquia decadente da França, mas de uma posição teórico-ideológica singular de um
pensador que ousava emular e reformular as idéias. Para Voltaire, o épico, nele próprio, segue
apenas uma regra verdadeira, de ser 
54
Ernst Robert Curtiutopos 
topos -se
topoiLiteratura Européia e Idade Média Latina. Tradução de Teodoro Cabral
Paulo Ronái. São Paulo: Hucitec/ Edusp, 1996, p. 108-109.
55
A captação de benevolência (captatio benevolentiae) é o procedimento retórico que consiste na técnica de
obter a benevolência dos ouvintes logo no início do discurso, o exórdio, tornando-os bem dispostos, favoráveis
ao discurso. Cf. TRINGALI, Dante. Introdução à Retórica (A Retórica como crítica literária). São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1988, p. 83.
56
Se é que podemos chamar dessa maneira estes letrados que comentavam e enumeram as diversas poéticas e

aparentemente desinteressada até a simples citação tácita ou dissimuladamente poética.
57
a cent poétiques contre un poëme. (...) Le monde est plein de critiques, qui, à force de commentaires, de
. Cf.
VOLTAIRE [François Marie Arouet]. Op. cit., p. 401.
29
Que a ação seja simples ou complexa; que ela se estenda por um mês ou por
um ano, ou que dure mais tempo; que a cena seja fixada para uma direção,
como na Ilíada, que os heróis viagem de mar em mar, como na Odisséia;
que seus heróis sejam desafortunados, furiosos como Aquiles, ou piedosos
como Enéias; que haja um personagem principal ou vários; que a ação se
passe na terra ou no Os Lusíadas; na
América, como a Araucana; no Céu, no Inferno, sobre os limites de nosso
O Paraíso de Milton; isto não importa: o poema será sempre
um poema épico, um poema heróico, a menos que alguém encontre um novo
título proporcional ao seu mérito
58
.
Decifrando estas linhas, não é exatamente expressa uma idéia de suspensão do uso dos
preceitos do gênero épico, enquanto protocolos de escrita e leitura, mas sim a defesa de uma
maior abertura na invenção poética. Os critérios retórico-poéticos de entendimento
permanecem como categorias válidas de leitura, invenção e comparação: tipo de ação, lugar
da ão, tipo de herói etc.
59
Os preceitos continuam úteis, deleitáveis e aplicáveis ao poema
épico. Cabe ao poeta discernir o modo mais conveniente de aplicá-los, observando os decoros
da matéria histórica e do herói escolhidos, que definem a validade daquilo que é falso, ou
verdadeiro, para cada solução discursiva adotada no gênero épico, mesmo as menos usuais,
como os versos decassílabos de rimas emparelhadas, ou uma ação recente na história como
matéria, ou a falta do maravilhoso etc.
Contudo, Cláudio mostra uma acentuada preocupação com a verdade histórica de seu
relato, tomando o devido cuidado de indicar os fatos históricos, diferenciados dos que adapta
ficcionalmente como parte de sua composição poética. Assim, acompanhando Voltaire,
Cláudio Manuel da Costa demonstra, através de suas notas e de seu Fundamento Histórico,
que se empenhou nesta tarefa de elucidação da matéria histórica adotada:
Se eu fiz alguma diligência por averiguar a verdade, digam-te as muitas
Ordens e Leis que vês citadas nas minhas notas, e a extensão de notícias tão
individuais com que formei o plano desta obra: pode ser que algum as
conteste pelo que tem lido nos escritores da História da América; mas esses
não tiveram tanto à mão as concludentes provas de que eu me sirvo
60
;

58


mers, comme dans     
        
 

. Cf. Idem,
p. 406.
59
Ainda que Voltaire tenha dito que os poetas épicos são forçados a escolher um herói conhecido, sob pena de
seu poema jamais ser lido, justificando a escolha de Enéias por Virgílio; Cf. Ibidem, p. 428.
60

30

evidenciando o caráter memorialístico da composição. Seu objetivo é exaltar a fundação de
Vila Rica, deixando um legado para as futuras gerações, elucidando a história de sua pátria, a
Capitania de Minas Gerais, parte do Estado do Brasil, colônia do reino de Portugal:
E se estas Minas, pelas riquezas que têm derramado por toda a Europa, e
pelo muito que socorrem com a fadiga dos seus habitantes ao comércio de
todas as nações polidas, eram dignas de alguma lembrança na posteridade,
desculpa o amor da Pátria, que me obrigou a tomar este empenho,
conhecendo tanto a desigualdade das minhas forças. Estimarei ver elogiada
por melhor pena uma terra que constitui hoje a mais importante Capitania
dos domínios de Portugal
61
.
O poeta prescreve o próprio procedimento de leitura que deverá ser desempenhado
pela recepção: dispensar o empenho do patriotismo gerado pelo páthos   
destacar a importância da própria Vila Rica pelo mérito de sua riqueza mineral. Vila que é
uma parte, metonimicamente representante do todo, o território das Minas Gerais, que possui
 
o poema é útil, pois promove politicamente a importância econômica das Minas Gerais na
hierarquia da razão de Estado. Não podemos deixar de relacionar esta leitura de utilidade
poética com o que diz Adam Smith em sua famosa obra A Riqueza das Nações, que nessa
época era difundida a idéia de que a riqueza de um Estado dependia diretamente da
acumulação de uma enorme quantidade de ouro e prata, fortalecendo o Real Erário, juízo
fundamentador da economia política na Espanha e em Portugal, enquanto na França e na
Inglaterra procurava-se uma nova fundamentação econômica para o Estado
62
. Preparando o
caminho da recepção, Cláudio pressupõe o juízo discreto
63
do leitor, definido pela capacidade
do discernimento, em oposição à vulgaridade do gosto e à ignorância do néscio, como
contrato enunciativo, configurando seu leitor como expectador erudito e como ator social, que
deve comparar o Vila Rica com outras obras, apreciando a medida de sua emulação, que
reafirma a importância econômica das Minas Gerais. Nessas letras, o juízo discreto do leitor é
próprio de um homem católico que segue o princípio divino do amor ao próximo, perdoando
todos os erros do escritor, conforme argumenta Pedro Mexía, cronista de Carlos I de Espanha:
61
Ibidem.
62
Cf. SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas. [An Inquiry into the
Nature and Causes of the Wealth of Nations, 1776]. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural,
1996, vol. 1, p. 415 et seq. (Os Economistas).
63
O tipo discreto, cortesão caracterizado por uma distinção de juízo e de prudência, na escolha conveniente das
ações pelo intelecto, é conceituado primeiramente na crítica das letras no Brasil por João Adolfo Hansen. Cf.
GRACIÁN y MORALES, Baltasar. El Discreto. In: Obras Completas. 3.a ed. Ed. de Arturo del Hoyo. Madrid:
Aguilar, 1967, passim. Apud HANSEN, João Adolfo. A Sátira e o Engenho. Op. cit., p. 48; p. 94.
31
Quanto estudo me teve custado a escrever e a ordenar esta obra, e quantos
livros me foram necessários para eu ler, e ver para isto, isto remeto eu ao
discreto e benigno leitor, porque a mim o está bem encarecê-lo. Nem
tampouco quero responder aos maledicentes e defender a minha obra de
murmuradores, e como todos fazem em seus proêmios, porque conheço que
nela existem muitas faltas, inadvertências e descuidos. Antes terei por
singular benefício ser avisado de meus erros porque em outra impressão,
Deus querendo, emende-me e retrate. E se alguém houver que, com somente
a intenção de trair e condenar meu livro, vier a lê-lo, quero-lhe avisar que
ofende a Deus nisso, e seria muito melhor dispor-se a escrever e compor
algo para o proveito público, que não impedir e acovardar aos que se
animam e dispõem a fazê-lo. E a uns e outros tenham de mim certo que eu
fiz o que pude, e quisera não errar em coisa alguma e fazer muito perfeita
minha obra e devem de boa razão aceitar minha intenção e desejo, se ela nos
merecer
64
.
No Vila Rica, essa orientação pela discrição católica e piedosa do leitor efetiva-se no
plano da leitura pela observação e consideração das virtudes de Antônio de Albuquerque, que
se dignifica para ser eterniz
das virtudes de um Herói que fora digno de melhor engenho para receber um louvor
completo
65
. Portanto, esse poema épico composto por Cláudio concebe a sua arte como
resultado de um louvor, devido à memória dos fundadores heróis portugueses. Colocando-se
num lugar humilde, inferior à ação do herói, o poeta garante a benevolência de seu discreto
leitor. Para tanto, o Vila Rica louva o feito glorioso de Albuquerque para elogiar a própria
Capitania de Minas Gerais, do mesmo modo que a epopéia Os Lusíadas louva os heróis da
pátria para enaltecer o reino de Portugal como uma nação.
Vejamos como a recepção do poema apaga essa orientação didática de entender a
poesia como celebração da importância econômica da Capitania de Minas Gerais para a
soberania do reino de Portugal, pela glorificação da memória da ação prudente de
Albuquerque, enfatizando exclusivamente uma suposta inépcia poética de Cláudio em compor
versos heróicos que pintassem as cores locais, eliminando, inclusive, a apreciação do topos da
64
Quanto estudio me aya costado escrivir, y ordenar esta obra, y quantos libros me fuessen necessario leer, y
vér para ello, esto remitido yo al discreto, y benigno lector, porque à mi no esta bien encarecerlo. Ni tampoco
quiero responder à los maldicientes, y defender mi obra de murmuradores, y como todos hazen en sus proemios,
porque conozco que en ella ay muchas faltas, inaduertencias, y descuydos. Antes tendrè por singular beneficio,
ser avisado de mis yerros porque en otra impression, Dios queriendo, me enmiende, y retrate. Y si alguno
huviere, que con sola intencion de traer y condenar mi libro, viniere à lo leer, quierole avisar que ofende à Dios
en ello, y seria muy mejor disponerse à escrivir, y componer algo para el publico provecho, que no impedir, y
acobardar à los que se animan, y disponen à ello. Y los vnos, y los otros tengan de mi cierto, que yo hize lo que
pude, y quisiera no errar en cosa alguna, y hazer muy perfeta mi obra, y deven de buena razon aceptar mi
intencion, y deseo, si ella no lo mereceMEXÍA, Pedro. cio de la obra - 
In: Silva de varia lección. [1540]. Madrid: Matheo de Espinosa y Arteaga, 1673. Disponível em:
<http://www.studiolum.com/es/colophon.htm>. Acesso em: 25 out. 2005.
65
59.
32
humildade, aplicado ficcionalmente como captação de benevolência do discreto leitor.
Figura 3. Folha de rosto da primeira edição da épica La Henriade, de Voltaire.
33
1.2. As duas faces da moeda ou as duas máscaras
Ao tentarmos traçar as linhas gerais seguidas pela crítica do poema épico de Cláudio,
nós a dividimos imediatamente em duas correntes evidentes, como duas faces de uma mesma
moeda
66
ou como máscaras que cobrem a orientação didática preceituada da recepção pelo
autor. A primeira crítica é a da leitura desvalorizadora, disfórica ou negativa, geralmente
tácita e subjetiva. A segunda é a da leitura valorizadora, eufórica ou positiva, que considera a
obra como importante e representativa na história das letras do Estado do Brasil, em oposição
à apreciação antecedente.
O intervalo de tempo entre a invenção do Vila Rica e a sua publicação, isto é, entre a
elaboração da obra e a sua inclusão no sistema de comunicação literária
67
, produziu um efeito
na crítica não-superado integralmente até hoje, consistente na leitura interpretativa da obra
positivando valores ora românticos, ora realistas
68
, desconsiderando a relevância dos preceitos
seguidos pelo poeta. Em outras palavras, não temos a leitura crítica contemporânea ao poema,
por isso, não há registros de sua divulgação, lacuna lida como insucesso da obra decorrente de
sua própria má-
encontradas nos manuscritos e edições.
Além disso, é de considerar que a memória do poeta Cláudio Manuel foi manchada em
1792, com a sua condenação pelo envolvimento no episódio da Inconfidência Mineira
69
.
Mesmo que o poema estivesse em vias de publicação, ou fosse admirado, seria necessária a
espera de 50 anos, quando sua publicação pôde ser realizada, após a Independência do Brasil,
pois certamente naquele primeiro momento da Inconfidência Mineira, nenhum editor gostaria
de ser relacionado com uma personagem desse episódio, dados os castigos exemplares
aplicados pela Coroa portuguesa, sobretudo, a história que consta nos registros dos Autos da
Devassa, no empenho do Governador da Capitania de Minas Gerais, Luís António Furtado de
66

ò  Paracattein to nomisma        
JÚNIOR, Olimar.  ò  ou as várias faces da moeda. Ágora - Estudos Clássicos em
Debate. Aveiro [Portugal], n. 2, p. 21-32, 2000.
67
      a       
impressa, portanto de grande divulgação e de fácil acesso, sem entrar ainda na problemática dos conceitos
modernos de autor, leitor, autoria etc.
68

tem caráter nacionalista.
69
In: LOPES, Edward.
Op. cit., p. 7-Letras de Minas e outros ensaios. Op. cit., p. 120.
34
Castro do Rio de Mendonça e Faro, o famigerado Visconde de Barbacena
70
.

anacronismo da epopéia, lapidada por Lukács na constituição de um sujeito em busca de
     -   penas no mundo grego,
desaparecendo e dando lugar ao romance
71
. Essa leitura é anacrônica se aplicada às letras
épicas dos séculos XVI, XVII e XVIII das colônias ibéricas, pois nelas o gênero épico é
cultivado com admiração, até o início do século XIX, como a melhor empresa poética que
alguém poderia se dar ao trabalho de realizar.
Também não é conveniente aplicar nessas letras épicas o princípio estruturalista, que
entende a poética como uma ciência, uma estilística do gênero, que deve analisar
lingüisticamente o texto como um modo de linguagem, em suas articulações fonéticas e
semânticas, na sua expressão e conteúdo. Nestas duas articulações, a poesia adquire apenas
um status           
estatística de um corpus, donde se chega à conclusão de que a diferença entre prosa e poesia
se caracteriza unicamente pelas relações particulares da natureza lingüística formal da

72
. Tal leitura dissocia as especificidades histórico-sociais e os preceitos
retórico-poéticos que regulam a invenção dessas letras como uma arte, uma techné.
Da mesma maneira, deve-se evitar a leitura realizada a partir do ponto de vista
encomiástico ou apologético, que consagra tudo tocado pelo autor, como ídolo heróico do
inconfidente, hipotético mártir que encarnou a angústia da mais alta genialidade humana em
face de uma realidade aterradora.
Devemos tentar, de forma diversa, mesmo que por aproximação, examinar a obra
como ela foi ao seu tempo, nos seus méritos e deméritos, sem julgarmos a priori, nem
condenando, nem louvando. Esta interpretação não é, entretanto, apenas uma tentativa de
análise diacrônica, pois a leitura do passado apenas se justifica se pudermos encontrar fatores
históricos, culturais etc., que contribuam para uma reconstrução da nossa leitura do presente.

70
 A Poesia dos Inconfidentes. Op. cit., p. LI-LXIV;
Na última questão do interrogatório que Cláudio respondeu, nos autos da devassa, o poeta diz que sua imagem
foi denegrida por calúnias e intrigas junto ao Visconde (de Barbacena), ao qual pede perdão pelo indecoroso
escândalo produzido etc. Cf. BRASIL. Câmara dos Deputados do Governo do Estado de Minas Gerais. Autos da
Devassa da Inconfidência Mineira. 2.a ed. Brasília/ Belo Horizonte, 1978, vol. 2, IV.1.13, p. 133-134.
71
Cf. LUKÁCS, Georg. A teoria do romance: Um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica.
Tradução, posfácio e notas de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2000, p. 26-39.
72
Cf. COHEN, Jean. Estrutura da Linguagem Poética. Tradução de Álvaro Lorencini e Anne Arnichand. São
Paulo: Cultrix, 1974, p. 11-26 et seq.
35
 os dois modos da recepção
processo atual em que se concretizam o efeito e o significado do texto para o leitor
contemporâneo e, de outro, reconstruir o processo histórico pelo qual o texto é sempre
recebido e interpretado diferentemente, por leitores de diversos tempos
73
. Concentraremos,
portanto, nosso estudo da recepção do Vila Rica principalmente no segundo aspecto dessa
 
por si só de permeio no nosso empenho.
1.3. A primeira face da moeda ou a primeira máscara
O poema Vila Rica foi julgado notadamente de forma desvalorizadora pelos seus
primeiros intérpretes, que o tornaram pouco apreciável e não-debatido nos círculos
intelectuais, perpetuando a imm como a
leitura depreciativa de uma obra pode condená-la, excluindo-a do rol de merecimento de
investigações e análises elucidativas, no caso, que auxiliam na compreensão da história e da
expressão da poética na colônia americana.
Essa linha crítica negativa parece começar tacitamente com Varnhagen, no Ensaio
histórico sobre as letras no Brasil, de 1850, depois continuada por Sílvio Romero, na sua
História da Literatura Brasileira, em 1888, e consolidada pelo estilo mais desenvolvido de
João Ribeiro, em carta a José Veríssimo, datada de 1901 e publicada junto às Obras
Completas de Cláudio Manuel da Costa, em 1903.
No seu Ensaio histórico sobre as letras no Brasil, Varnhagen comenta apenas que
Vila Rica não acertou b
74
. A
rapidez do comentário usando a imagem da trombeta como metáfora do estilo elevado do
gênero épico
75
se deve ao caráter deste ensaio, composto como um resumo da história das
73
seleção, tradução e
introdução). A Literatura e o Leitor: Textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 46.
74
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Op. cit., p. XXXIX.
75
Essa metáfora, usada por Varnhagen no século XIX, deveria ser usual para descrever a poesia épica desde pelo
menos o 
 [Mas
(aparece) frequentemente entre nós um poeta sem arte,/ Que um bonito fogo às vezes aquece por azar,/ que incha
de um vão orgulho o seu espírito quimérico,/ orgulhosamente toma em mãos a trombeta heróica.] Cf.
36
letras no Brasil até aquele momento, razão pela qual Varnhagen não se prende à questão mais
do que o necessário para enumerar apenas mais uma referência.
Sílvio Romero, na sua História da Literatura Brasileira, também se limita a um
ligeiro comentário, mencionando as primeiras categorias de leitura e defeitos atribuídos ao
poema, lidas pelos futuros intérpretes deste como verdade inquestionável, obedecendo à
            
              

76
. Portanto, adota explicitamente um critério nacionalista de valorização daquilo
que é local, construído na leitura romântica dessas letras como constituinte de uma almejada

afirmação subjetiva, pessoal e difícil de sustentar. É falível a vituperação ou o encômio,
injustificados pela ausência da demonstração da análise objetiva do texto. Quanto ao poema
    
mas no sentido de vulgar, ou comum, categoria inaplicável à composição, pois evidentemente
é única em língua portuguesa, pelo verso, pelo tema, pela sua própria linguagem e pela
complexidade de seu argumento histórico.
uma
interpretação no mínimo equivocada. A valorização do governo da Metrópole faz o texto
parecer inútil para uma nação recentemente brasileira, no século XIX, mas essas letras são
utilíssimas na sua realidade colonial do século XVIII, exaltando a qualidade moral dos
emissários do reino de Portugal, adequada ao decoro político de sua própria historicidade,
como exemplo da ética católica do herói contribuinte para a educação cortesã, na ação
exemplar dos paulistas, que a representam administrativamente no local:
Embora vós, Ninfas do Tejo, embora
Cante do Lusitano a voz sonora
Os claros feitos do seu grande Gama,
Dos meus Paulistas louvarei a fama.
Eles a fome e sede vão sofrendo,
Rotos e nus os corpos vêm trazendo;
Na enfermidade a cura lhes falece,
E a miséria por tudo se conhece.
(Vila Rica. Canto VI, vv. 35-39, grifo do autor.)
Os paulistas são figurados poeticamente como heróis do reino, por exemplo, na figura
BOILEAU-DESPRÉAUX, Nicolas. L’art poétique. [1674]. In: Le Lutrin et L’art poétique. Paris: Larousse/ New
York: F.S. Crofts, 1941, p. 91.
76
Cf. ROMERO, Sílvio. Op. cit., tomo II, p. 93.
37

marcando a gravidade das matérias comparadas: as conquistas marítimas versus as conquistas
bandeirantes. Estas estão figuradas como mais heróicas que aquelas porque fazem seus
personagens padecerem corporalmente. A sonoridade dos versos também convém à ilustre
gravidade das matérias confrontadas, pela apurada aliteração, nas repetições dos fonemas
consoantes fricativos: /s/, /f/, /v/; nasais: /m/, /n/; vibrantes: /r/; dos fonemas vogais fechados:
/e/, /o/; e dos vogais abertos: /a/, /ɔ/, /ɛ/; efetuando amplidão nos versos, ou seja, um efeito de
duração temporal, reforçado pelas rimas consoantes
77
/-ora, -ora/, /-ama, -ama/, /-endo, -endo/
e /-ece, -ece/. Versos úteis porque instruem e magníficos, pois deleitam.
Outro procedimento de leitura utilizado para desvalorizar a composição épica de
        . Assim, João Ribeiro acusou o
episódio do monte Itacolumi como Os
Lusíadas
78
          
invenção romântica, não prevista pelo juízo discreto do leitor do século XVIII, quando o valor
de uma obra era medido pelo predicado da emulação e não da criação. Por isso, Cláudio
emula procedimentos e usa, entre outros, os topoi Os Lusíadas no seu Vila Rica, no intento
de valorizar sua composição, aplicando a figura da personificação em gigante para descrever
uma montanha. Assim, o monte Itacolumi revela-se o irmão do gigante Adamastor:
Eu sou dos filhos que abortara a Terra,
E fiz com meus Irmãos aos Deuses guerra
(Tu, negro Adamastor, hoje em memória
Me obrigas a trazer a tua história).
(Vila Rica. Canto II, vv. 145-8.)
Cláudio não se limita a citar Camões no texto do poema e na sua nota número 24.
Além disso, cita na nota número 23 a fonte primeva de sua emulação. Trata-se de um poema
antigo, chamado Gigantomachia, do poeta latino Cláudio Claudiano. Nesse poema, conta-se a
história da mãe Terra que se revolta contra os deuses do Olimpo, gerando de suas entranhas
gigantes terríveis para empreender a guerra. Entretanto, os versos citados por Cláudio não
aparecem no poema incompleto que chegou até nós: Nascido da terra, gerou gigantes
ferozes, monstros medonhos
79
. Embora estes versos não apareçam na versão do poema que
77
Aquelas rimas que se conformam inteiramente no som desde a vogal ou ditongo do acento tônico até a última
letra ou fonema.
78
Cf. RIBEIRO, João. Op. cit., p. 22.
79
Cf. COSTA, Cláudio Manuel da. 
ed. Op. cit., nota 23, p. 1083; Cf. CLAUDIAN, Claud. The Poems of Claudian. With an english translation by
38
 LAUD. Gigant
possível, portanto, que Cláudio tivesse acesso à outra variante do texto, diferente ou talvez
completa. O Vila Rica não peca por falta de originalidade, pois segue o preceito do costume
de emulação, na qual o ajuizado escritor afirma-se pela imitação dos melhores.
Ainda pelo critério de originalidade, João Ribeiro acusa Cláudio Manuel da Costa de
levar adiante sua empresa épica apenas pela influência do hipotético sucesso alcançado pelo
poema de Basílio da Gama, O Uraguai:
Vila Rica é um produto do influxo originado pelo Uraguai. Cláudio Manuel
esforçou-se por parecer original, não adotou a oitava-rima nem o verso solto
como os seus antecessores; talvez por admiração a Voltaire preferiu
aproximar-se da Henriade empregando rimas emparelhadas
80
.
O uso da rima emparelhada, ao invés da oitava-rima, aplicada sistematicamente nos
épicos italianos, é uma opção válida talvez pelo seu apreço a Voltaire, emulando o poema
Henriade. Todavia, o emprego da oitava-rima não era novidade para Cláudio, visto que ele a
utiliza para compor os seus três epicédios e a Cantata epitalâmica, publicados nas Obras.
Para o poeta, a solução encontrada serve de bom tom para produzir o efeito memorável
apropriado para sua composição. De fato, nunca saberemos exatamente o motivo dessa
escolha do autor, podendo merecer o elogio ou a repulsa do leitor
81
. Para essa rima
emparelhada, Cláudio escolhe o verso decassílabo, encontrando em Camões seu melhor
exemplo. Constata-se, por assim dizer, que o Vila Rica unifica na forma métrica Os Lusíadas
e a Henriade, como solução para a mímesis da matéria colonial.
João Ribeiro é o primeiro a elaborar a hipótese de que a poesia de Cláudio entra em
     Obras      rava
-     
       
82
, desenvolvendo a noção de
, postulada por Sílvio Romero.
Ribeiro também é o primeiro a censurar o no
ritmo do Vila Rica, recuperando novamente o juízo de Sílvio Romero. Essa monotonia é
à
enunciação. O crítico não considerou que no século XVIII, a poesia era ligada intimamente à
Maurice Platnauer. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press/ London: William Heinemann, [19--],
vol. II, p. 280-91. (Edição bilíngüe: Latim; Inglês).
80
Ribeiro, João. Op. cit., p. 21-22, grifo do autor.
81
Cf. LOPES, Hélio. Introdução ao Poema Vila Rica. Op. cit., p. 23.
82
Idem, p. 22-23.
39
política, daí justifica-se a necessidade e utilidade de um discurso de tom encomiástico,
especialmente no Mecenatismo promovido pelo Marquês de Pombal
83
, como representação da
hierarquia política do reino português:
Vassalos sois de um Rei, que não vos deve
O cetro, ou a coroa; a origem teve
Já dos vossos Senhores; por herança
O Reino Augusto em suas mãos descansa.
(Vila Rica. Canto IX, vv. 389-392, grifo do autor.)
Seguindo o seu juízo desqualificador do poema, novamente pelo critério da falta de
originalidade, João Ribeiro exemplifica a hipotética influência nacionalista do épico de
Basílio da Gama no engenho de Cláudio Manuel citando a última estrofe do Vila Rica, como
uma apropriação explícita, amplificação retórica do último verso O Uraguai  

84
No poema de Cláudio:
Enfim serás cantada, Vila Rica
Teu nome impresso nas memórias fica,
Terás a glória de ter dado o berço
A quem te faz girar pelo Universo.
(Vila Rica. Canto X, vv. 196-202.)
Outra vez, João Ribeiro emprega um juízo que vai de encontro à forma de invenção
poética praticada no Setecentos luso-brasileiro. Nestes versos, podemos dizer que Cláudio
tinha à sua disposição a referência O Uraguai, mas não se pode dizer que foi
     topos antigo da poesia épica
das letras greco-romanas, o conceito de que o objeto artístico é o único que eterniza os
homens, possibilitando que o mérito da ação do herói e do engenho do poeta que a celebra
sejam relembrados através das gerações. O objeto artístico, seja um poema, uma pintura, uma
estátua ou um obelisco, tem a capacidade de transcender os limites temporais de uma vida
humana. Lucano também aplicou esse topos em sua Farsália
85
:
Não te deixes enganar, César, pela inveja do que a fama consagrou.
Pois, se é lícito fazer alguma promessa às musas latinas,
enquanto durar todo o tempo da glória do poeta de Esmirna,
os vindouros o lerão nos meus versos. Nossa Farsália
viverá e os que virão não nos condenarão às trevas.
(Farsália. Canto IX, vv. 982-6.)
86
83
Cf. TEIXEIRA, Ivan. Mecenato Pombalino e Poesia Neoclássica. São Paulo: Edusp, 1999, p. 406 et seq.
84
Cf. Ribeiro, João. Op. cit., p. 7.
85
Tanto a Farsália, de Lucano, quanto a La Henriade e o Vila Rica figuram como matéria de sua encenação
épica uma guerra civil.
86
/ nam, siquid Latiis fas est promittere Musis,/ quantum Zmyrnaei
durabunt uatis honores,/ uenturi me teque legent; Pharsalia nostra/ uiuet, et a null
Cf. LUCANO, Marco Anneo. Farsalia. Op. cit., p. 480; Cf. LVCANI, M. A. Pharsalia. Op. cit., loc. cit.
40
Nesse caso de Lucano, o poema constitui uma espécie de pacto entre o autor, o
personagem central e os leitores futuros, acordo firmado pela autoridade imarcescível das
musas. Na obra de Cláudio, esse contrato de leitura é efetuado entre o autor Glauceste, a
própria Vila Rica personificada e o Universo, ou seja, todos os seus futuros leitores, ainda que
fomos poucos. Portanto, não podemos acusar Cláudio Manuel da Costa de ter pouca
originalidade poética e conceituar no seu texto épico uma hipotética influência de Basílio da
Gama. Entretanto, João Ribeiro é um autor muito importante para a poesia épica de Cláudio
Manuel, pois praticamente define os critérios e juízos mais adotados pela crítica posterior do
Vila Rica. Assim, vejamos um pouco mais dessa sua carta publicada em 1903 com as Obras
Completas 
de ordem técnico-poética que João Ribeiro propõe, conceituando como fatalidade a escassez
de tempo para aprimorar o texto, argumento empregado em parte para justificar sua crítica,
Sem dúvida alguma, não
quis o poeta dá-lo à publicidade e tanto quanto podem atestar as várias cópias que restam, não
procurou limar os versos imperfeitos que o afeiam e são em não pequeno número
87
.
Nessa apreciação, é evidente o efeito causado pela desconsideração da questão
filológica. Contudo, há pontos positivos que também são elaborações desse crítico. É o
        Vila
Rica 
88
.
Outros críticos seguem a pressuposição do anacronismo intrínseco ao gênero épico
depois do fim da civilização grega, hipótese sistematizada posteriormente por Lukács no seu
trabalho A teoria do Romance
89
. Nessa linha de raciocínio, Veríssimo defende a tese de que a
Epopéia seria portadora de uma tradição
90
, à qual o poeta não teria acesso, por ser ela
representante de outra época e de outra .
Veríssimo destitui o valor de Os Lusíadas, inclusive, afirmando que o Vila Rica uma obra
medíocre, indigna do poeta dos Sonetos e ainda de outros versos, a qual apenas revê o apego à
tradição que fazia anacronicamente viver esse gênero na literatura da nossa língua
91
.
O épico é considerado um anacronismo, ainda mais a sua aplicação na descrição do
87
Cf. Ribeiro, João. Op. cit., p. 22.
88
Ibidem.
89
Cf. LUKÁCS, Georg. Op. cit., loc. cit.
90
onceito formulado por T.S. Eliot, que implica pelas letras, a conquista de
um sentido histórico            Ensaios. São
Paulo: Art Editora, 1989, p. 37-39.
91
VERÍSSIMO, José. Op. cit., p. 142.
41
espaço colonial mineiro. Talvez o uso da forma épica seja mesmo um anacronismo no início
do século XX, na sociedade moderna, industrializada e capitalista, que busca incessantemente
o novo, ponto temporal de onde se realiza a crítica de Veríssimo. Todavia, entre o século XVI
e o século XVIII, a prática da representação épica, sobretudo no Siglo de Oro hispano-
colonial, gerou tantos exemplos de obras poéticas lidas, admiradas, traduzidas, emuladas e
discutidas que seria cansativo e até mesmo impossível listar aqui todas
92
.
José Veríssimo também lança outra hipótese de leitura importante, seguida por muitos
críticos, codificada na Historiografia Literária como aspecto estilístico, consistente no
confronto do uso dos temas da poesia pastoril com a paisagem rochosa das montanhas
mineiras, numa experiência poética entendida simplesmente 
Sem embargo dos seus poemas de intuitos nativistas, como a Fábula do
Ribeirão do Carmo e Vila Rica, faltou-lhe talento para desta transplantação
fazer melhor do que instalar na paisagem e no ambiente americano os
estafados temas, e motivos da cansada poesia pastoril portuguesa...
93
.
Essa leitura prescreve o desacerto da poesia de Cláudio na representação da paisagem
local e considera que o poema não é cópia da empiria, mas o exercício de imitação de
autoridades ou actores
94
, aplicando os topoi do costume (consuetudo), representando normas
consuetudinárias verossímeis aos preceitos poéticos praticados na época, por exemplo, na
emulação da poesia de Ovídio, Teócrito e Calímaco na lírica; de Homero, Virgílio, Lucano e
Camões no gênero épico. Estes autores com obviedade, por obediência aos preceitos, não
retrataram a natureza empírica, mas uma natureza plausível, verossímil às convenções do
gênero, sublime e grandiosa, na épica, acolhedora e afável, na lírica etc.
Eduardo Frieiro, por sua vez, no seu interessante estudo sobre as bibliotecas de Luís
Vieira da Silva, intitulado O Diabo na Livraria do Cônego, enxerga nessa suposta
incompetência do poeta em 
   
95
. Decadência certamente lida por Frieiro em João Ribeiro, não
diretamente na poesia de Cláudio Manuel da Costa.
Vale notar que o poema ainda não possuía e não possui um texto definitivo. As
imperfeições dos manuscritos e das edições disponíveis até 1996 inferem uma dimensão
92
Cf. PIERCE, Frank. Op. cit.; Vide nossa nota de n.o 43.
93
VERÍSSIMO, José. Op. cit., p. 142.
94
Vide nossa nota de n.o 49.
95
Cf. FRIEIRO, Eduardo. O Diabo na Livraria do Cônego. [1945]. 2.a ed. Revisada e aumentada. Belo
Horizonte: Itatiaia/ São Paulo: Edusp, [s.d.], p. 89; Devo essa nota a Luciano Figueiredo. Cf. FIGUEIREDO,
   PROENÇA FILHO, Domício. Op. cit., p. XXXIII; Cf. CANDIDO, Antonio.
Op. cit., p. 100; 314-315.
42
filológica problemática para a leitura da obra, característica extraordinária e sistematicamente
desconsiderada na invenção do discurso dessas suas primeiras críticas. Junte-se a isso a
cômoda e fácil depreciação associada à imagem de Cláudio, devido à condenação pelo crime
de lesa-majestade, mácula que num primeiro instante atrela-se ao Vila Rica.
Para José Aderaldo Castello, o poema Vila Rica 

com o Caramuru, de Santa Rita Durão e O Uraguai, de Basílio da Gama
96
. Mesmo assim,
Cláudio não teria conseguido auferir no seu poema épico a qualidade alcançada por Basílio da

97
. É pertinente questionar o tipo de
verso escolhido para a composição do poema, adotando a lição da Poética de Aristóteles que

          
98
. Porém,
vale lembrar que, em qualquer epopéia, mesmo na grega ou latina, a monotonia, percebida
como a repetição seqüencial de ritmo poético, parece inevitável devido à relativa extensão da
obra desse gênero. Sabe-se também da dificuldade de ajustar a métrica dos versos homéricos
para os poemas épicos de línguas modernas. Portanto, a questão é saber qual tipo de verso
seria mais grave, amplo e próprio para abrigar glosas e metáforas em cada língua e, no nosso
caso, na variante da língua portuguesa falada nas Minas Gerais do Estado do Brasil no século
XVIII. Aristóteles pensa na prosódia característica da sua língua, impossível de ser transposta
para outras línguas, especialmente para as neolatinas, que são acentuais, não durativas, pois a
duração silábica é ponto crucial na prosódia do verso hexâmetro heróico grego ou latino.
Entretanto, Castello entende o poema de Cláudio como a antecipação dos ideais do
     a enunciação, como traço essencial do
           
incongruência da topografia mineira, manifestando-se singularmente com uma incomparável
96
Cf. CASTELLO, José Aderaldo. A Literatura Brasileira: Origens e unidade (1500-1960). São Paulo: Edusp,
1999, vol. I, p. 117-
para não quebrar a seqüência desenvolvida aqui para estabelecer uma visão panorâmica da crítica do poema.
97
Idem, p. 126.
98
Verso grego ou latino de seis pés, dos quais os quatro primeiros podem ser dáctilos (uma sílaba longa seguida
de duas breves) ou espondeus (duas sílabas longas), o quinto é dáctilo, e o sexto, espondeu ou troqueu (uma
sílaba longa e outra breve). Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit., Poética, cap. XXIV, p.
280; Cf. verbetes    In: HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário
Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
43
consciência crítica
99
. O Vila Rica seria o resultado de um conflito interno subjetivo entre as
atitudes nativistas pré-românticas do autor e a sua formação arcádica
100
. Novamente o que se
verifica é a adoção de um critério de valor difícil de ser previsto por Cláudio por não haver
           rezando a realidade
histórica colonial.
Acompanhando a leitura de Castello, Péricles Eugênio da Silva Ramos repreende a

      que isso é impróprio para a época do
        
101
. Outra vez, o que se avalia é o
            
  
102
,       
simbolicamente numa crítica iniciada com José Veríssimo. Este demonstra verdadeira
preocupação geográfica, por assim dizer, pois a questão se coloca nos termos de saber se o
poeta foi ou não capaz de abranger em seus versos arcádicos a rudeza topográfica das pedras
mineiras, ou a recepção como petrificação. Nesse sentido, Antonio Candido coloca
       
103
. Ao
comparar os poemas de Obras (1768) e o Vila Rica (1773), classifica aquelas como
sic) do Vila Rica
104
.
Seguindo ainda esse protocolo de leitura, Alfredo Bosi assinala que a obra de Cláudio
Manuel possui um movimento de oscilaçã       e as

105
. Assim, propõe a classificação deste como um árcade ultramarino que
oscila entre a sociedade cultivada das letras portuguesas e a rispidez montanhesa mineira, nas
99
Como demonstra Ricardo Martins Valle, a suposta ruptura enxergada pelos críticos na poesia de Cláudio
Manuel, atribuindo a ela -
rdo Martins. A construção
da Posteridade, ou A tradição para o Novo Mundo, ou A gênese como Ruína. Op. cit., p. 25-26; Este princípio
parece válido não apenas para as Obras, mas também para o Vila Rica.
100
CASTELLO, José Aderaldo. Op. cit., p. 153; O autor possui uma série de artigos publicados em São Paulo no
ano de 1958 sobre as suas leituras do poema, nos quais tinha exposto as mesmas idéias. Cf. CASTELLO, José
      O Estado de São Paulo. São Paulo, 17 maio 1958. Suplemento
Literário, p. 4; ______. Manifestações barrocas em Cláudio M. da Costa. Idem, 12 abr. 1958, p. 4; ______.

jul. 1958, p. 4; ______. O indianismo de Cláudio M. da Costa. Idem, 16 ago. 1958, p. 4; ______. Conclusões

101
Cf. RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Op. cit., p. 19.
102
            Parnaso Lusitano ou
Poesias Selectas dos Autores Portugueses Antigos e Modernos. Paris: J.P. Aillaud, 1826, vol. I, p. xlvj.
103
Cf. CANDIDO, Antonio. Op. cit., p. 101.
104
Ibidem.
105
Cf. BOSI, Alfredo. Op. cit., p. 71.
44
tentativas malogradas de aplicação dos ideais arcádicos ao inóspito clima e à rude topografia
de sua pátria, divisão que implica uma impropriedade estética da épica de Cláudio, por não
seguir propriamente os traços estilísticos esperados pelo horizonte de expectativas projetado
para o Arcadismo.
           O
Caramuru
no medíocre (sic) poema épico Vila Rica
106
. Pelo menos aqui a leitura se coloca num
patamar diferente, que considera o contexto histórico, no confronto entre a cultura do europeu
e a do americano na Colônia, mas Candido ainda mostra uma atitude de julgamento negativo
da obra, sem desenvolver mais a questão, pois ela não é o cerne de seu ensaio.
Outros críticos, apenas na continuidade e no respeito dessa leitura negativa que se
        
107
, entendida nessa visão
como a descontinuidade do interesse pela leitura da obra ao passar dos séculos, quer pela sua
história, quer pela sua forma etc.
Também se percebeu no Vila Rica um modo de celebrar as bandeiras, expedições dos
habitantes da Vila de São Paulo aos sertões. Sérgio Buarque de Holanda, no seu trabalho
Capítulos de Literatura Colonial, comenta que Cláudio deixou uma obra a respeito dos
bandeirantes, tema que considera como o verdadeiro assunto épico da história colonial no
poema Vila Rica              .
Afirmando , passa a falar sobre as obras líricas
deste, ressaltando su    
e do ambiente imperfeito
das Minas
108
. Mais uma vez, o tema ou ação épica é lido em chave nacionalista, que apaga os
modos de inventar e ler o poema em seu tempo.
106
Cf. CANDIDO, Antonio. Na Sala de Aula. [1984]. 5.a ed. São Paulo: Ática, 1995, p. 18.
107
Cf. BRAYNER, Sônia. A poesia no Brasil: Das Origens até 1920. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1981, vol. I, p. 65.
108
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de Literatura Colonial. Op. cit., p. 426; Desconsiderando o
extremado tom irônico da assertiva, talvez essa seja a melhor frase para definir o estilo dos versos do Vila Rica:

podem querer; nem se trata de um estilo médio, que representa o homem igual a nós; nem se configura como
exemplo do mais elevado estilo sublime, que pinta o homem melhor que nós; antes disso tudo, Cláudio inventa
um estilo muito preciso e comedido, apropriadíssimo ao decoro externo do poema, do juízo de um leitor discreto
formado a partir da comparação de dezenas de outros modelos épicos, históricos e memorialísticos, configurando
um estilo situado entre a formalidade do médio e a solenidade do sublime, um estilo moderado, por assim dizer,
pintando um homem igual a nós que se sobressai dentre seus pares. Aprofundaremos essa questão em capítulo
posterior quando analisaremos o estilo.
45
Todas essas leituras de Antonio Candido, Alfredo Bosi, Péricles Eugênio da Silva
Ramos e outros parecem basear-se na carta de João Ribeiro, bem como na História da
literatura brasileira, de José Veríssimo. Aqui, a principal preocupação crítica é a ausência da
identidade local, efetuada pela      
presente na pintura imperfeita da paisagem mineira, que ora se mostra impossível, ora num
indeciso e incessante movimento de oscilação entre a colônia mineira e a metrópole árcade,
ou mesmo se revela na interpretação da épica de Cláudio como uma precursora do indianismo
romântico. Logo, podemos separar essas leituras do poema épico de Cláudio numa linha
crítica disfórica. É necessário, portanto, entender a origem dessa questão da incompatibilidade
entre a aplicação das letras árcades ao clima e a topografia mineiros.
1.4. O topos do utópico
Os poetas portugueses e brasileiros que se autodenominavam árcades retomavam os
preceitos praticados pelos poetas italianos, que tinham como referência primitiva a obra
Arcádia, de Sannazaro
109
. Essa obra retomou o topos do poeta peregrino, imagem aplicada
por Virgílio nas Bucólicas
110
e explorada exemplarmente por Lope de Vega no seu magnífico
El peregrino en su patria
111
. Na obra de Virgílio, a Arcádia é uma região montanhosa do
Peloponeso, nos confins do Império Romano, caracterizada pela aplicação do locus amoenus,
representação de um clima ameno com natureza exuberante, serenidade da água, fecundidade
do solo e paz perene, cena ligada ao tema da vida como lugar onde reinam a música e as artes,
cultivadas pelos pastores e suas pastoras. O modelo aplicado nessa poesia, que forma um
topos, descrita nas
Metamorfoses, de Ovídio
112
, como explica Jorge Antonio Ruedas de la Serna
113
.
109
 Opere Volgari. A cura di Alfredo Mauro. Italia, Bari: Gius.
Laterza & Figli, 1961, p. 1-132.
110
VIRGILE. Bucoliques-Denis; Introduction et notes de Jean-Pierre
            VIRGÍLIO.
Bucólicas. Edición Anotada por Mariluz Ruiz de Loizaga y Victor José Herrero. Madrid: Gredos, [1968].
111
LOPE DE VEGA [Lope Felix de Vega y Carpio]. El peregrino en su patria [1604]. Madrid: Castalia, 1973.
112
OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução de Vera Lúcia Leitão Magyar. São Paulo: Madras, 2003; OVIDE. Les
Métamorphoses. Traduction Nouvelle avec introduction et notes par J. Chamonard. Paris: Garnier frères, [1936].
2 tomes. (Edição bilíngüe: Latim; Francês).
113
Cf. SERNA, Jorge Antonio Ruedas de la. Arcádia: Tradição e Mudança. São Paulo: Edusp, 1995, p. 40-51.
46
Entre 43 e 37 a.C., os antigos camponeses romanos estavam sendo despojados de suas
propriedades para que os veteranos de guerra fossem recompensados, daí Virgílio retira a

fila nessa prática poética dita árcade, pois retoma a poética de Teócrito
114
, que escreve no
século IV a.C. os seus poemas que intitula de idílios
115
. Nessas letras do poeta grego, a
Arcádia () é a convenção do nome de um lugar de clima ameno, invenção mimética
de um lugar fictício, onde supostamente moram a donzela Dafne, o pastor Tirsi e os outros
pastores
116
, lugar separado da cidade, donde se abstrai depois o conceito do fugere urbem, a
necessidade de o poeta sair da cidade, tópica retomada pelas letras dos séculos XVII e XVIII,
codificada depois por sua historiografia como uma característica árcade: Os cantos dos
pastores de Teócrito restauram a cotidianidade de um mundo distante, separado da vida da
cidade e dos eventos históricos, imerso na serenidade imóvel de uma existência fictícia, não
tocada pelo drama da sua contemporaneidade
117
.
Da mesma forma, Virgílio inventa a sua Arcádia, transportando    

118
. Ela não é um lugar real, é um lugar
de refúgio imaginário do poeta, uma utopia (; utopos), um não-lugar, no sentido
próprio do termo, como figurado na poesia de Teócrito, que encenava esse lugar imaginário:
Não é um mundo real que é descrito, mas a criação ciente de uma dimensão espiritual e
também até de um refúgio literário
119
.
Essa idéia de refúgio poético foi aproveitada por Thomas Morus no seu livro Utopia,
onde narra uma história dos agricultores ingleses, despojados de suas terras para o
114
TEOCRITO. Idilli ed Epigrammi. Traduzione, introduzione e commenti di Marina Cavalli. A cura de Marina
Cavalli. Italia, Milano: Arnoldo Mondadori, 1991.
115
) deriva eidos



deus Pã. -X.
116
Neste ambiente luso-colonial, temos como traço essencial das letras a convenção, como nos esclarece Alcir

críticos, francamente desapegados de um projeto nacionalista para o passado, é hora de deixar de argumentar
contra o esforço considerável de constituir as pistas inverossímeis do realismo subjetivo ou sociológico, para
falar enfim do que de mais sério na literatura dita árcade: o absoluta   PÉCORA,
Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: Edusp, 2001, p. 196-197.
117

dagli eventi storici, immerso nella immobile s        
. Cf.  p. XI.
118
Cf. SERNA, Jorge Antonio Ruedas de la. Op. cit., p. 47.
119
 consapevole creazione di uma dimensione spirituale e più
. Cf. CAVALLI, Marina. Op. cit., p. XI
47
desenvolvimento do pastoreio. O tema foi atualizado por Sannazaro, modelo de poesia nas
academias dos letrados italianos, tornando-se convenção poética na última década do século
XVII e durante o XVIII, a partir da fundação da academia italiana da Arcádia, em 1690,
propondo a retomada do cattivo gusto de Petrarca
120
: o topos da nostalgia arcádica, da
reposição de um lugar ideal não-existente, que é na verdade um não-lugar, ou o topos do lugar
utópico ou, simplificando, o topos do utópico
121
. Como esse refúgio é sempre imaginário, é
coerente o surgimento do topos do poeta peregrino, ou tema do exílio, onde o poeta é um
degredado em seu próprio país. Esse topos no Brasil é exaltado em Sérgio Buarque de
Holanda: 
122
.
            

sempre em mente o topos da nostalgia do lugar da utópica Arcádia, que produz essa ausência,
representada às vezes na poesia de Cláudio pela topografia e clima das planícies portuguesas,
emulando a poesia de de Miranda, como um princípio poético autômato, aplicado
convenientemente na invenção de suas letras:
A vós, canoras Ninfas, que no amado
Berço viveis do plácido Mondego,
Que sois da minha lira doce emprego,
Inda quando de vós mais apartado.
A vós do pátrio Rio em vão cantando
O sucesso infeliz eu vos entrego,
E a vítima estrangeira, com que chego,
Em seus braços acolha o vosso agrado
123
.
Além da aplicação do topos do utópico, Cláudio pinta a paisagem pela emulação do
topos do locus horrendus, que ocorre na poesia antiga como encenação de um rio
tempestuoso, na sombra noturna, vento misterioso, ou ainda no horror sangrento do campo de
batalha, compondo quadros espetaculares, sempre associados à idéia da morte
124
. Isso ocorre,
120
Cf. SANSONE, Mario. Storia della Letteratura Italiana. Terza edizione rinnovata e aggiornata. Milano:
Principato, 1977, p. 303.
121
Aqui uma necessidade explicitar a existência de dois conceitos de topos. Primeiramente topos é o recurso
retórico do exercício da memória aplicado programaticamente na invenção de um discurso de opiniões
verdadeiras ou prováveis, os chamados lugares-comuns da retórica e poética. Depois nós temos também a idéia
de topos no sentido concreto do termo, de um lugar, de um espaço geográfico concreto.
122
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. [1936]. 4.a ed. Prefácio de Antonio Candido. Brasília: UnB,
1963, p. 3.
123
 In: PROENÇA FILHO, Domício.
Op. cit., p. 120.
124
COCCI, Luisa. Il paesaggio classico nell’immaginario poetico: Proposta di un percorso didattico
pluridisciplinare. Disponível em: <http://digilander.libero.it/ostraca/immaginario_poetico.htm>. Acesso em: 25
jan. 2006.
48
por exemplo, na Ilíada
125
, na luta de Aquiles contra o rio Xanto, no mar tempestuoso figurado
na Farsália
126
, e modernamente na Jerusalém Libertada
127
, sobretudo na floresta de Saron.
Cláudio descreve assim a sua terra natal:
Caia a noite, e apenas cintilava
No Céu alguma estrela; ao chão baixava
Escassamente a luz, que Cíntia fria
Mal distinta espalhava entre a sombria
Rama da espessa mata e duros troncos.
Não se ouvem mais que os formidáveis roncos
De aves noturnas, e famintas feras.
(Vila Rica. Canto II, vv. 1-7.)
Logo uns homens se vêem, que vão rompendo
Com intrépida força o mato horrendo,
(Vila Rica. Canto V, vv. 255-256.)
Nesses versos, o nível fonético contribui para formar a gravidade da semântica
enunciada, pois o ritmo e a sonoridade dos versos reforçam a idéia de obscuridade, mistério e
emaranhado da vegetação, figurando a paisagem de um locus horrendus como ameaça, ligado
ao tema da morte. Nesse sentido, é notável o ensaio intitulado Cláudio, Ovídio e Lucano, de
Hélio Lopes, que analisa a figuração dessa paisagem rústica, sem nomeá-la, entretanto, como
aplicação do locus horrendus, revelando uma oposição entre a ferocidade enigmática dessa
natureza, representada, sobretudo, pela agitação do mar, à civilidade do trato cortês, presente
nas elegias de Virgílio
128
. Tudo isso contradiz toda uma crítica que assume um ponto de vista
realista ou romântico na formulação de uma oposição essencial entre o gênio arcádico
idealista do poeta e a empiria da inóspita região mineira. Um épico árcade ultramarino, que
aplica o topos do utópico à poesia, figurando o locus horrendus, publicado fora de seu tempo
e lugar, está além do horizonte de expectativas dessa primeira crítica, que busca atribuir
identidade a diversas obras como partes do sistiteratura Bra
que é esquematizada como autígena, por assim dizer, formada e cristalizada no próprio lugar
que ocupa, configurando a nacionalidade necessária ao projeto romântico e ao modernista.
125
Cf. HOMERO. Ilíada. Op. cit., Canto XXI, vv. 291 et seq., p. 470-472.
126
Cf. LUCANO. Farsália. Op. cit., Livro V, vv. 560 et seq., p. 236-237.
127
Cf. TASSO, Torquato. Gerusalemne liberata. 6.a ed. Introduzione, note, commenti ai singoli canti, indice e
lessico di Marziano Guglielminetti. Milano: Garzanti, 1987, Canto XVIII, est. 17; e Canto XIII, est. 38-40.
128
Cf. LOPES, Hélio. In: Letras de Minas e outros ensaios. Op. cit., p. 83-85.
49
1.5. A invenção de uma trilogia de épicos
José Aderaldo Castello defende a tese de que o poema Vila Rica faz parte de uma
     O Uraguai, de José Basílio da
Gama, e do Caramuru, do Frei José de Santa Rita Durão. Para Castello, esses poemas se
aproximam por situarem-
129
.
Aproximando os textos pelo tema, quantitativamente, Castello unifica os três poemas
como exemplo de sua hipótese de um processo de caracterização d
Entretanto, pressupomos que o termo   um conceito moderno, categoria não
pensada na elaboração desses escritos luso-coloniais, quando ouvimos apenas falar de

130
. Além disso, a segunda qualidade dessa fórmula proposta, o
critério nacionalista, é ainda mais impraticável pelo fato de a idéia de uma nação brasileira
integrada pela região colonial portuguesa na América do Sul simplesmente não existir, nem
mesmo nalgum tempo posterior à escrita dessas letras, na chamada Inconfidência Mineira,
devido ao caráter regional e fragmentário da distribuição do poder nas capitanias
131
. Houve
sim movimentos que buscaram a emancipação de regiões, por vezes do controle interno de
outras áreas da colônia, como o conflito das missões do sul, a Guerra dos Emboabas etc.
Como vimos, alguns críticos acusaram Cláudio Manuel de imitar Basílio da Gama,
movido pelo sucesso alcançado por O Uraguai. Houve até, mais equivocadamente, quem o
acusasse de imitar o Caramuru, de Santa Rita Durão. Assim, para resgatar o poema de
Cláudio da desqualificação de falta de originalidade, o Professor Castello propõe uma
articulação seqüencial e temática entre Vila Rica 
Na Grécia antiga, trilogia era um longo poema dramático constituído de três
tragédias sobre um mesmo tema, apresentadas num concurso público ou festival
132
. Este
129
CASTELLO, José Aderaldo. A Literatura Brasileira: Origens e Unidade. Op. cit., vol. I, p. 118.
130
Cf. HANSEN, João Adolfo. Barroco, neobarroco e outras ruínas. Op. cit., p. 27 et seq.
131
Ainda que Kenneth Maxwell tenha defendido a idéia de que o movimento da Inconfidência Mineira ter sido
influenciado pelo modelo da Independência Americana, Boris Fausto chama a atenção para o caráter pontual e
regional do movimento da Inconfidência Mineira e para a problemática da 

de rebeldia adquiriu mais uma força simbólica do que impulsionou algum efeito concreto para formar uma
nação. Cf. MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa: A Inconfidência Mineira, Brasil - Portugal, 1750-
1808. [1.a ed. 1973]. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 151; Cf. FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil.
São Paulo: Edusp/ Imprensa nacional, 2001, p. 63-66.
132
Na Grécia antiga, durante os festivais dionisíacos, a trilogia era um tipo de competição, na qual cada poeta
devia representar três tragédias seguidas por um drama satírico. Estas peças não precisavam estar conectadas
50
conceito permanece durante os séculos XV ao XVIII, contudo, sem o imperativo do
concurso
133
. A partir do século XIX, o sentido antigo do termo se amplifica, com a sua
aplicação aos chamados romances históricos
134
, depois a semântica dele amplifica-se mais
ainda e passa a designar qualquer conjunto de três obras sobre um mesmo tema, sem supor
uma unidade discursiva
135
.
Para recompor a prática da trilogia no século XVIII é necessário, portanto, uma
unidade temática entre três obras dramáticas, que pressupõem determinadas articulações,
segundo o modelo de Ésquilo. Supondo que o termo trilogia possa ser aplicado não somente
a conjuntos de tragédias, mas também a obras épicas, vejamos adiante se os três poemas luso-
brasileiros possuem uma unidade temática para serem tratados como uma .
O Uraguai, de 1769, publicado quatro anos antes da data de término do Vila Rica,
trata do episódio da guerra contra os índios guaranis na reconquista do território do
Sacramento pelo Governador Gomes Freire de Andrade
136
, correndo em paralelo o episódio
trágico da história do índio Cacambo e de sua esposa Lindóia. Muitos acusaram Cláudio de
imitar este mesmo procedimento no Vila Rica
137
, inventando uma ação central desempenhada
por Albuquerque e, ao mesmo tempo, registrando a história paralela de Aurora e Argasso. Os
episódios comparados guardam semelhanças, mas se estruturam diversamente.
Em O Uraguai, o índio Cacambo morre como prisioneiro, sem a intervenção do
maravilhoso, mas com o intermédio da ação de um padre jesuíta,   ,
episodicamente umas com as outras, mas o maior poeta do gênero, Ésquilo, geralmente praticava a competição
escrevendo três tragédias que se ligavam umas com as outras, mostrando fases sucessivas de um mesmo mito,
seguidas por uma sátira relacionada fortemente com a história contada. É neste sentido antigo que se aplicam
Oréstia,
de Ésquilo. Cf. EASTERLING, P.E. The Cambridge History of Classical Literature. Cambridge, Massachusetts:
Harvard University Press/ London: William Heinemann, 1993, vol.1 (Greek Literature), p. 30.
133
                Obras
dramáticas completas. 4.a ed.: Ed. crítica de Blanca de los Rios. Madrid: Aguilar, 1989; Gil Vicente compôs três
autos de barcas, que embora não sejam tragédias, podem ser entendidos como uma trilogia: Auto da Barca do
Inferno (1517), Auto da Barca do Purgatório (1518) e o Auto da Barca da Glória (1519). Cf. VICENTE, Gil.
Obras Completas de Gil Vicente. Reprodução fac-similada da edição de 1562. Lisboa: [s.n.], 1928.
134
A
Sangue e fogo (1884), O dilúvio (1886) e O senhor Wolodyjowski (1888). Cf. KRZYANOWSKI, Jerzy R. The
Trilogy CompanionNew York: Copernicus Society of
America, 1991, p. 17.
135
Assim, o termo aplica-se contemporaneamente a todo tipo de obra artística ou ficcional, abrangendo desde
tragédias a romances, dos filmes pop de ficção científica Star Wars até jogos de video game.
136
Historicamente trata da disputa para estabelecimento de fronteira entre o domínio colonial de Espanha e de

: A Idade de Ouro do Brasil. Op. cit., p. 265-287.
137
                 
Formação da Literatura
Brasileira: Momentos decisivos. Op. cit., vol. I, p. 100.
51
figuração mica, satírica
138
. Essa aparente santidade do Padre e a suposta piedade de seu
feito são figuradas ironicamente para significar a verdade adversa do caráter da ação efetuada:
o nefasto crime do regicídio, maquinado pelo caráter ardiloso e pérfido do personagem
jesuíta. O Padre envenena o herói. Lindóia, por sua vez, suicida-se, deixando-se picar por uma
serpente venenosa. Desta forma, de maneira aguda, Basílio equipara alegoricamente a ação do
Padre com a de uma serpente, criatura que porta a simbologia bíblica da culpa de provocar a
maior traição perpetrada pelo homem contra Deus. Desta forma, O Uraguai pode ser lido
como uma diatribe contra os jesuítas
139
. Os dois personagens do poema, portanto, morrem por
meio de ações voluntárias ou intencionais e, por isso, não patéticas, legitimadas heroicamente:
Por meio de um licor desconhecido,
Que lhe deu compassivo o santo padre,
Jaz o ilustre Cacambo - entre os gentios
Único que na paz e em dura guerra
De virtude e valor deu claro exemplo.
Chorado ocultamente e sem as honras
De régio funeral, desconhecida
Pouca terra os honrados ossos cobre.
(O Uraguai. Canto III, vv. 182-189.)
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
(O Uraguai. Canto IV, vv. 176-183.)
No Vila Rica, no episódio de Aurora e Argasso, o papel do elemento maravilhoso é
mais importante. A imagem enganadora formada pela fantasia é instrumento que desencadeia
a ação trágica da morte de Aurora. Enganando a visão de Argasso, desdobra-se no inevitável
suicídio pelo efeito patético do desespero no herói, ao tomar consciência de seu erro. Figurado
como ação involuntária ou acidental, produz o efeito da catarse no leitor, pois traz à tona o
anseio do terror e da piedade, seguidos pelo alívio de lembrar que esse desenlace é ficção:
O mosqueado tigre, ao braço nobre
O crê despojo, e de matá-lo espera;
Firme o pé desde longo aponta a fera,
138
A sátira opera com distinções engenhosas, no caso, a oposição entre a ação do Padre e o adjetivo que o
qualifica, produz uma condição que satiriza o indivíduo de forma irônica, maledicente, na contradição entre os
vícios praticados por ele e o seu tratamento recebido, convencionado pelo discurso. Cf. HANSEN, João Adolfo.
A Sátira e o Engenho. Op. cit., p. 88-9.
139
Interpretação proposta inicialmente por Ivan Prado Teixeira, durante o exame de qualificação do relatório de
mestrado dessa dissertação, em 8 de junho de 2006.
52
E atrás puxando o braço a seta envia,
Que vai cravar no mostro a ponta fria.
Corre gritando oh? Céus! e vê passando
De Aurora o peito; em vão busca assombrado
O tigre, que não há; já desfalece
Pouco a pouco a bela; (...)
(Vila Rica. Canto VI, vv. 211-218, grifo do autor.)
Disse; e trepando a penha, ao chão contrário
Desesperado já se precipita.
(Vila Rica. Canto VI, vv. 237-8, grifo do autor.)
O episódio de Aurora e Argasso é, em grande parte, emulação do Livro VII da Eneida,
onde o Rei Latino oferece a mão de sua filha Lavínia a Enéias. Lavínia era prometida a Turno,
que se enfurece com a decisão do Rei. Juno invoca a fúria Aleto, que está no Inferno, para
semear o furor em Turno e em Amanta, esposa de Latino. Logo depois, um jovem chamado
Ascânio vai à caça e fere um cervo, animal muito querido pelo aldeão Tirreu e sua família,
especialmente de sua filha Sílvia. Esta se desespera e fere-se com várias punhaladas, ao
reconhecer o corpo do cervo, clamando por justiça aos aldeões. Este acontecimento divide e
promove a desordem no reino de Latino. Cláudio emula este episódio da Eneida no seu Vila
Rica, reconfigurando toda a ação com um novo nó, ao ligar a morte do tigre à da própria
Aurora, desencadeando o suicídio de Argasso, numa rmula na qual o engano leva
inevitavelmente à morte, como nos melhores dramas de Shakespeare.
Além disso, a implexão O Uraguai é muito diferente da empregada no
Vila Rica. O Uraguai tem uma implexão muito mais simples e objetiva, evidenciada na sua
concisão episódica. Ele é extremante sintético, abrangendo uma feroz guerra e um forte
episódio lírico, ainda que de estilo dramático. O Vila Rica não pode ser comparado nesse
aspecto com O Uraguai, pois sua preocupação histórica mais evidente força a inclusão na
narração de diversos episódios paralelos, como a morte de D. Rodrigo de Castelo Branco, o
monopólio do Frei Francisco de Menezes, o arrebatamento de Garcia pela ninfa Eulina, a
Lenda de Blázimo etc.
Também a falta do relato de um enfrentamento direto, como uma batalha, no Vila
Rica, torna-o menos atrativo para olhos românticos, ansiosos pelo espetáculo. Na verdade, a
ação do Governador Albuquerque é mais nobre, pois vence pela palavra, convencendo, ao
contrário de Gomes Freire de Andrade, que não consegue dissuadir Cacambo de sua
obediência aos padres, provocando inevitavelmente o enfrentamento numa batalha campal.
O poema de Basílio da Gama não apresenta imagens proféticas na mesma extensão do
53
Vila Rica
140
          
diversos eventos, advertindo sobre os perigos do futuro imediato e animando o herói com o
conhecimento dos sucessos do futuro distante.
Entretanto, os dois poemas apresentam algo em comum, o uso conveniente da figura
do genius loci, espírito do lugar
141
, um personagem misterioso da terra, emulado de uma
crença antiga       O Uraguai    
oema de Cláudio Manuel da Costa.
O Caramuru, por sua vez, foi publicado em 1781. Narra a ação de descobrimento da
Bahia por Diogo Álvares Correia e seu envolvimento com a índia Paraguaçu. O poema segue
na forma os moldes camonianos, da oitava-rima, de versos decassílabos e estrofe regular.
Diferentemente dos poemas de Basílio e de Cláudio, o Caramuru une em um herói a
realização da ação épica e o episódio amoroso, que desta vez não é de cunho trágico, não
terminando em catástrofe. No Caramuru, Paraguaçu tem visões que revelam profeticamente
os futuros acontecimentos na história do território do Estado do Brasil. Neste aspecto, o
Caramuru relembra O Uruguai e o Vila Rica, que usa abundantemente este recurso.
Entretanto, esse procedimento, a revelação do futuro, não reforça a tese da trilogia de épicos
porque a revelação profética é um topos do poema épico
142
.
Também encontramos grandes diferenças numa comparação das particulares temáticas
dos três poemas: em O Uraguai é registrado um conflito bélico inevitável entre índios e
portugueses; no Vila Rica, o conflito militar é evitado pela elaboração de um discurso de
conciliação entre os filhos da mesma pátria portuguesa; ao passo que o Caramuru não narra
nenhum enfrentamento militar, nem belicoso, nem discursivo. Neste, o que ocorre é um
140
No Canto III de O Uraguai, logo após a morte de Cacambo, Lindóia é levada para uma Caverna pela índia
Tanajura. Lá, Lindóia vislumbra a ruína e a reconstrução da Cidade de Lisboa. Entretanto, Lindóia morre logo
depois no Canto IV, deixando em aberto a discussão sobre a função deste episódio lírico para compor a unidade
da ação do poema.
141
O genius loci, espírito do lugar, é um tipo de personagem que representa a crença antiga da religião do culto
doméstico, onde cada lugar tem seus próprios deuses, que também se chamam lares, penates, gênios, demônios
etc.; Cláudio escreve na sua nota 8 ao Vila Rica

nota 8, p. 1081; Cf. COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga [1864]. Tradução de Jean Melville. São Paulo:
Martin Claret, 2004, p. 160.
142
No Canto VII de A Henriade, por exemplo, 
aos infernos, emulando o procedimento de Dante na sua Divina Comédia verossímil
ao mito e não à história empírica ntemplar sua
posteridade e a dos grandes homens que surgirão na França. Na Eneida, Júpiter mostra o futuro para Vênus
(Livro I, vv. 278-314), conhecimento que garantirá a eficiência da ação do herói, pois a deusa saberá examente
como agir em cada momento da narração. Na Farsália, César, ao atravessar o Rubicão, tem visões do futuro
próximo, na Guerra Civil. No Vila Rica, 
visões que o gênio da mata revela a Antônio de Albuquerque na montanha (Canto VII).
54
conflito entre a cultura dos índios e a cultura do nobre português, náufrago na América.
Por outro lado, os três poemas representam ações semelhantes: um nobre,
representante de Portugal, em algum lugar da Colônia. Mas não existem articulações
históricas consideráveis entre os planos dos enunciados dos textos. Até no significado
presente de articular uma trilogia épica no Setecentos luso-brasileiro
porque os textos estão desvinculados episodicamente. Devemos entender que essas letras
fazem parte de um conjunto bem mais amplo, o dos poemas épicos sobre as colônias
portuguesas. Assim, podemos conceituar um conjunto razoável de poemas épicos luso-
coloniais, em paralelo a um conjunto hispano-colonial.
Podemos considerar como representantes desses épicos luso-coloniais, não apenas
aqueles escritos no século XVIII, mas outros além de O Uraguai, O Caramuru e o Vila Rica;
como o poema Muhuraida, de Henrique João Wilkens
143
; A Prosopopéia, de Bento
Teixeira
144
, Os Feitos de Mem de Sá, do Padre Anchieta
145
etc.
Portanto, o a melhor a fazer é verificar, até que ponto, esses poemas épicos reinventam
mimeticamente a história, produzindo mitos, e o que isso significa na sociedade de corte
portuguesa. Historicamente, não é possível sistematizar nessa poesia a proposta de uma
unidade subjetiva. Convém ordenar os preceitos que condicionam sua forma enquanto gênero,
a fim de restaurar os critérios de julgamento previstos em suas letras.
1.6. A segunda face da moeda ou a segunda máscara
Em oposição à crítica negativa, alguns estudiosos suspeitaram da validade da sua
interpretação desvalorizadora, que não apresenta, além de argumentos depreciativos, nenhum
estudo ou análise empenhada na leitura efetiva do poema, com a preocupação de compreendê-
lo nas suas especificidades históricas, sem julgá-lo a priori.
Em um artigo do Suplemento Literário de Minas Gerais, Manuel Rodrigues Lapa
143
         . In: ANAIS DA BIBLIOTECA
NACIONAL. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1989, vol. 109, p. 79-165.
144
TEIXEIRA, Bento. Prosopopéia. [1601]. Com introdução, estabelecimento do texto e comentários por Celso
Cunha e Carlos Duval. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro: Ministério da Educação e Cultura, 1972.
145
ANCHIETA, José de. De Gestis Mendi de Saa: Poema Epicum [1563]. Introdução, versão e notas de
Armando Cardoso. São Paulo: [s.n.], 1970.
55
chega a formular uma hipótese de intenção anárquica nos versos do poema
146
. Ele recrimina a
negligência dos primeiros editores, que imprimiram muitas imperfeições, constituindo maus
versos por ausência de ritmo que, na verdade, deve-se às imperfeições das fontes utilizadas.
           
manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa. Lapa interpreta nesses versos, provavelmente a
partir da leitura da História da América Portuguesa, de Sebastião da Rocha Pita
147
, a Guerra

          histórico dos
grupos envolvido
É muito pertinente a questão de ordem filológica levantada por Rodrigues Lapa. A sua
interpretação histórica é talvez um tanto precipitada, porém, porque praticamente todos os
relatos contemporâneos da época, utilizados pela historiografia, são feitos pelos adversários

Charles Boxer
148
.
É mais provável que a exclusão desses versos por Cláudio tivesse o intuito de encobrir
a identidade dos padres envolvidos na Guerra dos Emboabas, e não fosse causada por
reconhecimento de possível pista de suas intenções inconfidentes, ou antecipação histórica do
movimento anarquista
149
.
O Professor Hélio Lopes é um dos críticos que mais estudaram o poema Vila Rica, até

Vila Rica-lhe o desejo de revê-   acertos e

150
. Nessa sua investigação, surge a obra intitulada Introdução ao poema Vila
Rica, apresentada como trabalho de livre-docência à Universidade de São Paulo em 1980.
Ao resenhar esse estudo no Suplemento Literário de Minas Gerais, Lourdes Fonseca
146
Op. cit.
147
ROCHA PITA, Sebastião da. História da América Portuguesa, desde o ano 1500 do seu descobrimento até o
de 1724. [1730]. Prefácio e Notas de Pedro Calmon. Apresentação de Mário Guimarães Ferri. Belo Horizonte:
Edusp/ Itatiaia, [s/d], p. 240-269.
148
Cf. BOXER, Charles R. Op. cit., p. 87.
149
O Anarquismo rejeita o princípio de delegação de autoridade a um governo, pregando a ação direta na
resolução dos problemas de uma comunidade. Não pressupõe uma total anomia, entendida como a ausência de
regras e leis, como é pensada ingenuamente pelo senso comum, mas uma liberdade do indivíduo, inclusive com
a ausência da acumulação de propriedades, ligando-se fortemente às idéias socialistas. Os pensadores do
movimento começam a escrever no século XIX, com autores como Pierre-Joseph Proudhon, com o famoso
Qu’est-ce que la propriété?, publicado em 1840, e depois com as idéias de Pyotr Alexeyevich Kropotkin, Max
Stirner e outros. No Brasil, o movimento é declaradamente representado apenas a partir do século XX, com as
idéias de José Oiticica.
150
Cf. LOPES, Hélio. Op. cit., p. 15.
56
Ricardo entende o trabalho de Lopes como interpretação do poema segundo uma teleologia
         
151
, ou a crítica como
antecipação do estandarte inconfidente. Guilhermino sar, organizador do notável
Historiadores e Críticos do Romantismo

152
.
Até agora, esse estudo de Hélio Lopes é o mais abrangente sobre o poema de que se
tem notícia, analisando as relações deste com a história, os modelos greco-latinos, a educação
intelectual de Cláudio Manuel da Costa, lendas indígenas, toponímia, mitos antigos etc.
Porém não estabelece ligação direta entre o poema e o episódio histórico da Inconfidência
Mineira, como resenha Lourdes Fonseca Ricardo.
Trabalho muito completo e elaborado, apesar da modéstia de seu título, nele são
discutidos aspectos históricos e ficcionais da edição, etimologias, questões geográficas,
mitologias e relações com obras modelares das letras greco-latinas. Chama atenção para a
estrutura, que para Lopes -nos de frente a um monumento literário que
exige contemplação e análise minuciosa porque a fragmentação narrativa, formada
episodicamente, é entendida como construção labiríntica    
Vila Rica, uma construção labiríntica. Se o lermos sob esse ângulo, muita coisa de aparência
obscura, inexplicável, ilumina-se com nova luz e o poema assume aspectos de grandeza e
beleza inesperados
153
.
A interpretação é competente, porque a figura do labirinto carrega toda uma
simbologia convencionada pelo costume como construção humana que visa defender o acesso
a um bem precioso ou sagrado, também escondendo um mal indesejado, como na lenda grega
do Minotauro.       ribuída ao poema.
B          
anacronicamente todos os estilos de arte plástica dos séculos XVI e XVII
154
, duplamente
estranha às regras seguidas na invenção poética realizada no século XVIII. Desconsiderando
esse anacronismo, Lopes nos proporciona ótimos esclarecimentos que registramos mais
adiante, na nossa leitura efetiva do poema.
151
RICARDO, Lourdes Fonseca. Vila Rica: prefácio, em código, para a Inconfidência. Suplemento Literário do
Minas Gerais. Belo Horizonte, n. 1027, 14 jun. 1986.
152
CÉSAR, Guilhermino. Caderno do sábado do Correio do Povo. Porto Alegre, vol. XXXIV, a. XII, n. 623, 19
jul. 1980. Apud Lopes, Hélio. Introdução ao Poema Vila Rica. Op. cit., contracapa.
153
Cf. LOPES, Hélio. Op. cit., p. 172. Apud LUNA, Jairo. Retórica da Poesia Épica (de Bento Teixeira a
Sousândrade). Dissertação de Mestrado FFLCH-USP. 1997, p. 127.
154
Cf. HANSEN, João Adolfo. Barroco, neobarroco e outras ruínas. Op. cit., p. 19-21.
57
Ainda são de considerar os ensaios de Hélio Lopes reunidos no livro Letras de Minas
e outros ensaios
155
, com ótimas contribuições. Na apresentação dessa coletânea, Alfredo Bosi
revela sua mudança de opinião quanto ao poema de Cláudio, um bem-vindo mea-culpa:
…que tantos de nós tínhamos relegado, apressadamente, a um injusto segundo plano no
complexo da literatura setecentista brasileira?
156
.
Nessa mesma postura valorizadora, Edward Lopes, num trabalho de natureza
semiótica, considera a questão da leitura crítica do Vila Rica sob outro ângulo, questionando
muitos dos estudos realizados, mas ainda chamando atenção para o fato de que a invenção do
poema é movida 
E se não quisermos laborar no mesmo engano de tantos críticos que foram
pedir ao Vila Rica o que o Vila Rica não lhes podia dar, porque o tinha, é
bom termos sempre em mente, ao ler esse poema, que ele nasce movido por
uma intenção patriótica
157
.
Contudo, o telos do poema Vila Rica       
a celebração das Minas. Nesse

pátria das  patres, da mesma forma
que Virgílio refere Mântua como sua pátria no Livro III das Geórgicas
158
. Assim, foi esta
       -se na invenção do poema épico Vila
Rica, destacando o papel da economia política da atividade mineradora:
E se estas Minas, pelas riquezas que têm derramado por toda a Europa, e
pelo muito que socorrem com a fadiga dos seus habitantes ao comércio de
todas as nações polidas, eram dignas de alguma lembrança na posteridade,
desculpa o amor da Pátria, que me obrigou a tomar este empenho,
conhecendo tanto a desigualdade de minhas forças
159
.
Recentemente, novos escritos integrados na nova edição do poema, de 1996, colocam
outras questões. No trabalho de Melânia Silva de Aguiar, intitulado A Trajetória Poética de
Cláudio Manuel da Costa
160
, o suposto apego à mitologia é entendido como uma forma de
  Epopéia e História, de Eliana Scotti
             
155
LOPES, Hélio. Letras de Minas e outros ensaios. Seleção e apresentação de Alfredo Bosi. São Paulo: Edusp,
1997.
156
Letras de Minas e outros ensaios. Op. cit., p. 12, grifo
nosso.
157
LOPES, Edward. Op. cit., p. 82-3.
158
Cf. VALLE, Ricardo Martins. A construção da posteridade ou A gênese como ruína. Revista Usp (Dossiê
Brasil Colônia). Op. cit., p. 112.
159
COSTA, Cláudio Manuel da. Op. cit., p. 359.
160
Cf. AGUIAR, Melânia Silva de. Op. cit., p. 27-39.
58
ova
nação no contexto colonial
161
. Mas sabemos que o topos árcade do não-lugar, do utópico,
condena toda poesia logo de início a impossibilidade de retratar a realidade local vivida pelo
poeta como forma de efetivação de seu sucesso em pintar as cores da Arcádia. Essa poesia, na
verdade, terá alcançado seu sucesso se fracassar. Afirmando a sua incompatibilidade da
natureza entre o lugar donde se escreve e o lugar descrito, aumenta o efeito causado pela
sensação de desterro poético do árcade.
Da mesma maneira que ocorre na crítica primeira de cunho disfórico, a crítica mais
recente, entendida como eufórica ou imparcial, apaga os preceitos retórico-poéticos,
especialmente ao considerar o topos empregado como a verdadeira nostalgia de um lugar
utópico à impossibilidade patriótica. Em certa medida, não verifica o relacionamento das
informações inerentes ao texto com a teologia-política do reino de Portugal, que estabelece a
utilidade da poesia como parte da instrução do Príncipe e, por isso, modelo para os cortesãos,
segundo a razão de Estado católica.
Assim, seguindo o pensamento dessa crítica, Sérgio Alcides considera como elemento
persona poética do autor

162
. Mas o Vila Rica 

163
, pois ilustra a hierarquia
da sociedade luso-brasileira colonial. Por exemplo, nas suas partes descritivas, utiliza técnicas
da evidentia
164
retórica na representação da própria sociedade mineira colonial subordinada à
Coroa portuguesa, apresentando diversos objetos como cetros, cruzes, insígnias, facas,
espadas, flechas, lanças, bastões etc., como numa memorabilia, esses objetos representam
alegoricamente conceitos e valores dessa sociedade por uma ética cortesã e católica na luta
contra o gentio. Assim, o cetro significa a soberania do Rei, sempre acompanhado da coroa,
que reforça a mesma idéia pelo poder econômico; a cruz significa o sacrifício daqueles que
morrem na justa empresa de expandir a e o Império; etc. Objetos que, ao serem herdados,
delineiam o esquema hierárquico da Corte portuguesa, encenando visivelmente essa
organização social própria: Igreja Rei Estado súditos nobres súditos desclassificados
161
Cf. MUZZI, Eliana Scotti. Op. cit., p. 349-354.
162
ALCIDES, Sérgio. Estes Penhascos: Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas 1753-1773. São
Paulo: Hucitec, 2003, p. 13.
163
Idem, p. 239.
164
A evidência torna visível o obscurecido, utilizando a descrição qualifica sujeitos e objetos, empregando a
associação de cores, materiais, quantidade etc. Cf. PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. Op. cit., p. 186.
59
escravos (índios e negros); teatralizando essa forma teológico-política de entender o mundo
como um teatro heróico, theatrum sacrum, teatro sacro
165
, porque concretiza a vontade da
Providência divina na dominação do Rei, legitimada também pelo direito de herança:
A cruz que tem de Cristo e lhe servira
De hábito, ou mortalhas;
166
(...)
(Vila Rica. Canto IV, vv. 37-68.)
Vassalos sois de um Rei, que não vos deve
O cetro, ou a coroa; a origem teve
Já dos vossos Senhores; por herança
O Reino Augusto em suas mãos descansa.
(Vila Rica. Canto IX, vv. 389-392, grifo do autor.)
Por tudo que vimos nos juízos e formulações da fortuna crítica do poema Vila Rica,
esta pode ser dividida em duas linhas de pensamento: uma linha de interpretação mais
recente, que pressupõe a recuperação valorativa, não-apologética, do poema como um produto
histórico-poético, de caráter investigativo, produtora de grandes pesquisas e análises; e outra
linha de interpretação mais antiga, como formulação estético-poética de uma épica mal-
formulada, que não apresenta nem propõe a necessidade de mais análises elucidativas para a
discussão, como aparece tacitamente em Varnhagen e depois, de modo mais criterioso em


167
. Essas duas linhas distintas formam
atualmente duas faces de uma mesma moeda, apresentada como um objeto a ser considerado
pelos estudiosos das letras luso-brasileiras num levantamento de valores históricos e poéticos
divergentes.
Essas duas linhas críticas do Vila Rica não consideram que o poeta escreve o poema
no seu próprio tempo discursivo, o final do século XVIII, irrecuperável para nós. A narração
conta acontecimentos que ocorreram no início do mesmo século, outro tempo obscuro não
para nós, mas também para o poeta, razão pela qual ele se obrigado a realizar uma grande
pesquisa histórica. Seu poema é recebido num terceiro tempo, do século XIX ao século XX,
com a aplicação de protocolos de leituras posteriores ao poeta e anteriores e contemporâneos
165
Cf. HANSEN, João Adolfo. Teatro da Memória: Monumento barroco e retórica. Revista do IFAC. Ouro
Preto: Universidade Federal de Ouro Preto, n. 2, p. 43, dez. 1995.
166
É notável 
poeta ou um erro do copista? Mais adiante no verso 75 do mesmo canto aparece o vocábulo com inicial
maiúscula, como era costume grafar todas as palavras que simbolizavam conceitos do reino de Portugal e da
doutrina católica. Entretanto, a cruz grafada com inicial minúscula, pode ser interpretada como uma cruz
individual, metáfora do sacrifício de Dom C, com inicial maiúscula, refere-se à
cruz empírica de Cristo, que metaforicamente simboliza todos os pecados do mundo.
167
CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. Op. cit., p. 100.
60
a nós. Assim, ao lermos a crítica do Vila Rica, devemos ter consciência desses diferentes
tempos, como cristais de espelhos ou prismas de diferentes tipos, que deformam e
transformam o objeto refletido. Ao recompormos a imagem do primeiro cristal, o tempo
discursivo do texto, pela leitura e pela pesquisa, o objeto restaurado deverá ser,
inevitavelmente, diferente do objeto primitivo. Assim, ao lermos o Vila Rica, a grande
questão não é restaurar o sentido exato da intencionalidade primeva do poeta, pois isto não é
factível, mas aproximar-se o máximo possível do sentido simbólico e prático do discurso do
poema alcançado pela aplicação dos preceitos retórico-poéticos escolhidos conforme o decoro
teológico-político do tempo de sua invenção. Por isso, propomos construir uma nova leitura,
diferente porque almeja ser menos anacrônica ao aventurar-se em reconstituir, mesmo que por
aproximação, esses preceitos retórico-poéticos e princípios teológico-políticos do século
XVIII no reino de Portugal e, por extensão, em sua colônia do Estado do Brasil.
Figura 4. Armand Palliére. Vila Rica. Século XIX. Museu da Inconfidência, Ouro Preto.
61
2. O PALCO DA HISTÓRIA
Historia est gesta res, sed ab aetatis nostrae memoria remota.
Ratione Dicendi, Liber I, 12.
62
2.1. O palco da corte ou o poeta historiador
O poema de Cláudio não é exterior à história do seu plano de enunciação. O texto
constitui elemento do seu tempo como produto da cena, prática simbólica que repõe
teatralmente em sua especificidade os costumes nos quais toma parte. Assim, temos que
verificar o sentido da poesia numa sociedade estamental, como era a portuguesa na época,
pois é determinante das convenções morais da sociedade mineira. Embora a colônia do Estado
do Brasil estivesse distante de Portugal geograficamente, administrativamente a corte estava
representada plenamente pela presença de autoridades locais, tais como governadores das
capitanias, desembargadores, provedores, vedores, contratadores, nobres, juízes, tesoureiros,
capitães, soldados etc., que mantinham a complexa estrutura fiscal apropriadora dos lucros da
atividade econômica colonial, composta pelas provedorias, juntas de administração e
arrecadação da Real Fazenda, intendências, casas de fundição, casas de permuta, câmaras etc.
Além disso, esta estrutura jurídico-fiscal aumentava eventualmente as reservas financeiras do
Erário Régio por meio de confiscos de imóveis, metais e pedras preciosas de cristão-novos e
maçons, quando delatados no Tribunal da Santa Inquisição, representado nas colônias por
comissários, familiares, padres e bispos
168
.
A invenção do poema épico nessa sociedade de corte
169
altamente burocratizada, ao
168
Cf. CARRARA, Ângelo. A real fazenda de Minas Gerais: guia de pesquisa da coleção Casa dos Contos de
Ouro Preto. Ouro Preto: UFOP, 2003, 2 vol., passim.
169
Peter Burke explica que, primeiramente, a corte era um local, um espaço geográfico, com um palácio, postos
de vigia, pátios, capela, além de recintos reservados para o senhor, antecâmaras etc. Era também uma instituição
social, onde foram criadas muitas obras de arte, do século XIV ao XVIII, pois as artes tinham funções
importantes na vida da corte, como a música que deveria ser usada na capela, nas procissões, na câmara do Rei
(daí surge a música de câmara) etc. Durante a Idade Média, as cortes eram itinerantes, pois nessa época era mais
fácil o Rei ir até os seus domínios do que fazer os seus produtos chegarem até ele. A corte também pode ser
       nte, que poderia ter centenas e, às vezes, milhares de
membros, normalmente dividida essencialmente em duas partes, segundo o Black Book, da família do Rei
               
R

que realmente executavam os serviços necessários à sobrevivência da corte. Alguns cargos, como o de
camareiro, senescal, escudeiro etc., considerados de grande prestígio, eram atribuídos a aristocratas. Na prática,
casiões especiais, que exigiam cerimônia,
e os serviçais que realmente as executavam. Os nobres sempre estavam em torno do Rei, compartilhando dos
Príncipe. Papéis importantes eram
Rei, jovens nobres que faziam companhia ao Príncipe no
Rei. Entre os aristocratas e os humildes servidores havia
uma classe intermediária, que reunia as funções dos administradores, juízes e políticos, papéis muitas vezes
desempenhados por eclesiásticos. A sociedade de corte era, deste modo, uma instituição complexa que detinha
não apenas a família do soberano, mas também todos os aparatos administrativos do governo; Cf. BURKE,
O Homem Renascentista. Lisboa: Presença, 1991, p. 101-119.
63

criadora que constrói o mundo a partir de uma tabula rasa, como imaginação de um sujeito
inspirado, mas repetição da emulação, que imita um modelo na produção de outro. O épico na
corte é pensado na utilidade de louvar os feitos que afirmam os valores hierárquicos da
sociedade estamental na ocupação do ócio virtuoso, conveniente ao tipo discreto do cortesão.
Todo discurso épico possui uma matéria, uma res, sobre a qual se edifica a invenção. Essa
matéria de gesta (gesta res), ficção de um feito notável em composição épica, é também
histórica
170
, mitificada nos modelos antigos como explicação do mundo. Essa história
somente é digna de imitação numa épica da corte caso a ação, feito ou gesto heróico tenham
adquirido uma feição gloriosa e exemplar, encenada como alegoria da nobreza genetlíaca de
um determinado povo ou cidade aplicada à representação
171
de sua fundação, descoberta ou
conquista, impondo a lei positiva do Estado e a lei divina da Religião, a Fé e o Império. O tipo
representado deixa de ser o herói apenas detentor da excelência guerreira, prevista como uma
das qualidades da areté () grega
172
, na beleza física e na honradez, predicados figurados
na Ilíada e na Odisséia, definidores do tipo do herói cortês, civilizado e honesto, figurado, por
exemplo, na poesia de Tomás Antonio Gonzaga:
O ser herói, Marília, não consiste
Em queimar os Impérios: move a guerra
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói o pobre,
Como o maior Augusto
173
(Marília de Dirceu. 1.a parte, Lira XXVII, vv. 25-32.)
Esse herói figurado exemplarmente por Gonzaga segue um modelo heróico um pouco
diferente do grego e do latino, pois se define numa apologia do poder monárquico da Coroa
portuguesa: tem de ser um tipo discreto, portador do saber do discernimento daquilo que é
justo, como disposição da alma que segue um senso ético cristão, obedecendo a certas atitudes
170
A poesia não é história, mas usa a matéria histórica na sua invenção, transformando o particular possível,
verossímil, no universal. Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit., Poética, cap. IX, p. 252-
253; Cf. PESSANHA, Nely Maria. Op. cit., p. 32-34.
171
Norbert Elias explica que a constante afirmação da posição hierárquica, colocando-a em evidência,
reafirmação da posição representada, na sociedade de corte, junto com o seu poder econômico, é uma condição
                : A
sociedade de corte. Tradução de Ana Maria Alves. Lisboa: Imprensa Universitária/ Estampa, 1987, p. 53-90.
172
TSURUDA, Maria Amalia Longo. Apontamentos para o Estudo da Areté. Revista Notandum. Ano VII, n. 11,
2004. Disponível em: <http://www.hottopos.com/notand11/amalia.htm>. Acesso em: 17 mar. 2005.
173
GONZAGA, 
64
estabelecidas pela sua prudência
174
em oposição à mediocridade do gosto vulgar, que se deixa
levar facilmente pela confusão das paixões geradas pela aparência
175
. Esse tipo discreto é
católico, portador de qualidades morais, no conjunto das quatro virtudes cardeais: prudência,
justiça, fortaleza e temperança; e as três virtudes teologais lidas na Bíblia: , esperança e
caridade
176
. Esse modelo de herói épico católico, que se define pelas virtudes do tipo
cortesão, é encontrado nas letras do Siglo de Oro, especialmente em La Mexicana; nos épicos
italianos, sobretudo no Orlando Furioso e no Jerusalém Libertada; e nos portugueses, com
Os Lusíadas, O Caramuru, Prosopopéia etc.
Esse tipo cortesão de herói encenado nessas epopéias é formulado exemplarmente
também com orientação didática em Il Libro del Cortegiano, de Castiglione
177
, na figura do
uomo universale 
maior fineza, desde a música, pintura, cavalaria, passando pela arte de cortejar as damas, até o
domínio da mais sublime poesia. Essa educação forma a cultura própria da aristocracia, a
chamada racionalidade de Corte, que acaba sendo difundida para toda a sociedade. Sobre essa
idéia, Francisco Rodrigues Lobo escreve o seu Corte na Aldeia, publicado em 1619
178
,
tratando em forma de diálogos desde a maneira de escrever cartas, passando pelos modos de
conversação até as regras de se portar na corte. A 
da disciplina corporal na corte
179
, a etiqueta, especialmente em cerimoniais,
representações teatrais da hierarquia social, restaurando em certa medida o sentido grego
174
Para Aristóteles existe mais de uma espécie de justiça. Uma delas é a justiça particular que corresponde à
virtude moral, que opõe o ato legítimo/probo com o ilegítimo/ímprobo, retomada no século XVII e XVIII luso-
colonial como ética cristã. Outra é a justiça distributiva que compreende o meio-termo da eqüidade como ato
justo e proporcional. Nesta, o ato injusto é aquele desigual que viola a proporção. A justiça distributiva
restabelece a igual proporção das coisas nos seus lugares. Ainda há a justiça corretiva, que considera as
transações entre um homem e outro, que é uma espécie de anulação de uma desigualdade. Cf. ARISTÓTELES.
Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 103-127.
175
Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. Op. cit., loc. cit.
176
Essas virtudes são unidas por Santo Tomás de Aquino no conceito das sete virtudes capitais, em oposição aos
sete pecados/vícios capitais. Cf. v       
New Catholic Encyclopedia: An International Work of Reference on the Teachings, History, Organization and
Activities of the Catholic Church and on All Institutions, Religions, Philosophies and Scientific and Cultural
Developments Affecting the Catholic Church from Its Beginnings to the Present. New York: McGraw Hill,
1967, 15 v., p. 704; Cf. 1Ts, 5, 8.
177
CASTIGLIONE, Baldassare. Il Libro del Cortegiano [1528]. In: Opere di Baldassare Castiglione, Giovanni
della Casa, Benvenuto Cellini. A cura di Carlo Cordié. Milano-Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, 1960 (La
Letteratura Italiana, Storia e Testi, vol. 27).
178
LOBO, Francisco Rodrigues. Corte na Aldeia. [1619]. 3.a ed. Prefácio e notas de Afonso Lopes Vieira.
Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1972.
179

História de Portugal. Quarto Volume: O antigo Regime (1620-1807). Coord. de António Manuel Hespanha.
Lisboa: Editorial Estampa, 1992, p. 415-418.
65
antigo, próprio do termo teatro () lugar aonde se vai para ver; um lugar para
contemplar assim a corte é um teatro, lugar de contemplação da magnificência do Rei,
representando a posição mais elevada de cabeça mística e política do corpo do Estado, lugar
onde cada gesto tem um significado e o fim de gerar um efeito calculado; nesse sentido, a
cerimônia, ou ritual, funcionava como ferramenta didática dos atos da alma, do corpo e da
mente, orientando o regramento da conduta como  etiqueta do cortesão
que é discreto
180
, levando ao autocontrole corporal, possibilitando que um nobre fosse
reconhecido pela postura, maneira de andar, gestos, vestes, fala etc.
Nas letras das Minas Gerais, essa sociabilidade cortesã adaptada à corte do governador
da capitania fica evidente pela figuração dos tipos ilustres, representados pela discrição de
seus costumes, no duplo sentido do termo costume, nos gestos e nas vestes, que encenam
ficcionalmente o mesmo valor simbólico de representação do supremo poder monárquico:
Trajando as galas da maior decência
Na casa do Senado o Herói entrava;
Da cor da tíria púrpura talhava
A farda militar; cinge-lhe o lado
A rica espada, que já tem provado
Mil vezes o furor do irado Marte;
E a mão, que os prêmios liberal reparte
E dispõe os castigos, já sustenta
O bastão que os poderes representa.
(Vila Rica. Canto X, vv. 74-82.)
A representação do poder militar, político, econômico e religioso, entretanto, implica,
nessa coletividade de corte, a incongruência entre aquilo que se representa e as instáveis
identidades reais mimetizadas dos componentes da própria Corte portuguesa
181
, pois o favor
real podia alterá-las a qualquer momento, à sua vontade. Apenas o Rei era o legítimo senhor
de todas as leis e privilégios, como cabeça atuante do corpo político do Estado. Nesse sentido,
os textos escritos nas sociedades de corte evidenciam os critérios produtores de tipos como
idealização da educação, representando a hierarquia como razão de Estado, numa
teatralização da ação segundo as convenções dessa sociedade. Nesse ambiente, a figura do
herói cortês é conceituada pelo extremado autocontrole da disciplina corporal e pela
observância à aparência. Este modelo de conduta cortesã foi codificado nos manuais de boas
maneiras ou cortesania, conhecidos como livros de cortesia, que explicavam os pormenores
180
Sobre o tipo discreto e sua conduta veja-       O Discreto In:
NOVAES, Adauto (org.). Libertinos Libertários. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 77-102.
181
Cf. HANSEN, João Adolfo. Barroco, neobarroco e outras ruínas. Op. cit., p. 48 et seq.
66
da vida habitual da corte, complementares às obras poéticas
182
. Na corte, o jovem nobre
aprendia a arte de guerra, as boas maneiras, a música, a poesia, a pintura, a dança etc. Em
Portugal, as instituições educativas, como a universidade, foram regradas mais rigidamente
para atender à educação do cortesão, ainda que escolástica, destacando-se o tratado de Luís
Antonio Verney, O Verdadeiro método de Estudar
183
, proposta de regramento de toda a
educação do jovem nobre português, num ensino de caráter enciclopédico, tanto para homens,
como para as mulheres, que passam a dominar com perfeição a língua portuguesa, a língua
grega, a gramática latina, a língua hebraica, as línguas modernas, a retórica, a oratória, a
poesia, a política, a filosofia, a teologia, a medicina, as leis da Igreja ou cânones etc.
Os costumes da sociedade da Corte portuguesa determinaram o decoro externo da
recepção de suas letras épicas. Nessa sociedade, o letrado também é um tipo cortesão
discreto
184
, integrante da casa real; ou um administrador representante direto desse poder
político, seguindo o exemplo desse tipo, produzindo letras e artes que enaltecem a majestade
do Príncipe e a prudência de seus nobres. Ou em busca do favorecimento do mecenatismo,
responsável pela publicação de diversas obras poéticas e históricas, permitindo o sucesso de
muitos autores. Muitos cargos oficiais eram disponibilizados para os letrados e pintores nas
cortes, como o de pregador, o de médico real, e, principalmente, o de preceptor dos jovens
príncipes. Jan van Eyck, por exemplo, foi o pintor oficial da corte de Felipe, o Bom, duque de
Borgonha. Muitos poetas e pintores foram honrados com títulos nobiliárquicos. Outros
tiveram que se transformar em curadores para ter uma posição destacada e estável na corte.
Velázquez foi durante muito tempo curador da coleção de arte de Filipe IV. Aachen, além de
pintar retratos, fazia cópias de outros de que o Imperador Rodolfo II gostava. Outros
desempenharam o papel de organizador de festas, como Arcimboldo na Corte de Praga
185
. O
músico italiano Domenico Scarlatti foi contratado na corte de D. João V. Todos esses
exemplos confirmam a importância do papel do mecenatismo do poder político da corte na
produção artística dos séculos XVI, XVII e XVIII.
Assim, muitos letrados se tornaram poetas laureados, pois eram coroados com louro
182
Veja, por exemplo, de um manual de cortesania, o tratado de caligrafia de CARSUGHI, Ranieri. Ars Bene
Scribendi Studiosis Rhetoricae Adolescentibus Proposita olim in Collegio Romano... Carmen Didascalicum.
Adduntur praeterea nonnulla eiusdem Epigrammata. Romae: Ex typographia Antonii de Rubeis, 1709.
183
VERNEY, Luís Antonio. Verdadeiro metodo de estudar, para ser util à Republica, e à Igreja: proporcionado
ao estilo, e necesidade de Portugal. Exposto em varias cartas/ escritas polo R. P. *** Barbadinho da
Congregasam de Italia, ao R. P. *** Doutor na Universidade de Coimbra/ [Luís António Verney]. Valensa [ié.
Nápoles]: na oficina de Antonio Balle, 1746, 2 tomos.
184
Vide nossa nota de n.o 180.
185
Cf. BURKE, Peter. Op. cit., p. 115.
67
pelos seus senhores, como Petrarca, que foi laureado por Carlos IV. Os poemas épicos,
baseados nas obras de Virgílio e Homero, eram então feitos inclusive para pequenos
príncipes, como a épica La Sforziada
186
e La Austriada
187
. Ronsard, considerado um poeta-
cortesão exemplar, escreveu versos para as festas da Corte francesa e inventou um épico, La
Franciade, publicado em 1572, contando a história dos reis da França
188
. No mesmo ano, a
Corte de Portugal foi presenteada por Camões com Os Lusíadas, dedicada ao Rei D.
Sebastião. Essa epopéia, fundamentada em princípios teológico-políticos, coisa representada,
demonstrados na convenção retórico-poética, coisa representante, é um teatro da glória, pois
sua principal intenção é louvar os feitos de um herói que simboliza todo o sistema social de
que faz parte          ndo-se à fama
merecida do herói, que desempenha uma ação de valor para o reino e a majestade própria
daquilo que é divino
189
. O caráter da ação gloriosa na poética é solene, cerimonioso e nobre,
fundindo o espetacular humano e o divino maravilhoso.
186
Panegírico publicado inicialmente em latim, depois traduzido para o italiano, sobre o fundador da dinastia
ducal de Milão, Francesco Sforza (1401-1466). Cf. SIMONETA, Joannes. La Sforziada: Commentarii rerum
gestarum Francisci Sfortiae. Milano: Antonius Zarotus, 1482.
187
GUTIERREZ, Juan Rufo. La Austriada. Madrid: [s.n.], 1584; Narra as façanhas do nobre espanhol Juan de
Austria nas batalhas de Granada e Lepanto.
188
Cf. BURKE, Peter. Op. cit., loc. cit.
189
ca fama ou reconhecimento. Possivelmente a tradução
do termo hebraico hod (דוה), que significa majestade e esplendor . Na Bíblia, a glória é a
expressão maior do poder supremo de Deus, manifestado externamente no mundo temporal com grandeza e
força extraordinárias, como por exemplo, em nuvens de fogo, no tremor de terra ou em raios que a racham, em
luzes mais intensas que o Sol etc. Isto se dá pelo controle universal da natureza pela vontade divina. Na
Iconologia, de Cesare Ripa (vide a Figura 5), o conceito de glória é representado como emblema moral, pela
figura de uma mulher, seminua da cintura acima, segurando uma esfera celeste (com doze símbolos). Na sua
mão direita a imagem emblemática da vitória. Esta segura uma coroa de louros na mão direita e um ramo de
palmeira na esquerda. Aos pés da imagem da glória -se uma trombeta no chão. A nudez da figura da glória
significa que ela não precisa ser pintada detalhadamente ou ornada, pois suas ações não podem ser ocultadas,
sempre se mostram claramente para a visão. Da mesma maneira, a trombeta no chão significa que ela também
não precisa ser anunciada. A esfera na mão esquerda da glória mostra que ela não é obrigada a realizar ações
heróicas por considerações mundanas, mas é obrigada a isso por razões celestiais. A vitória que carrega consigo
significa que as duas figuras são inseparáveis, que uma produz inevitavelmente a outra. Nas pinturas cristãs, a
glória é representada por uma auréola em volta da cabeça de Cristo e dos santos. Dessa forma, o conceito de
glória sempre se associa ao divino, ao maravilhoso, ao sobre-humano, nas ações que somente são possíveis com
o auxílio do maravilhoso e, por isso, são imortalizadas nos poemas e monumentos, que pretendem transcender o
tempo, durando eternamente. Cf. BRETTLER, Marc Zvi. God is King: Understanding an Israelite Metaphor.
Sheffield, England: Sheffield Academic Press, 1989, p. 60; RIPA, Caesar. Iconologia: or Moral Emblems.
    Images of Virtues, Vices, Passions, Arts, Humours, Elements and Celestial
Bodies      Egyptians, Greeks, Romans, and Modern Italians/ Useful for Orators,
Poets, Painters, Scupltors, and all Lovers of Ingenuity/ Illustrated with Three Hundred Twenty-six HUMANE
  Copper, by I. Fuller, Painter, And other
Masters. By the CARE and the CHARGE of P. TEMPEST. London: printed by BENT. MOTTE, MDCCIX, p.
37a-In: HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Op.
cit., loc. cit.
68
Figura 5. Representação da Glória. RIPA, Caesar. Iconologia.
London: Bent. Motte, 1709, p. 37b.
Além da produção da poesia, os letrados desempenharam, muitas vezes, o importante
cargo de historiadores oficiais. Esperava-se que relatassem os feitos melhores e nobres dos
seus senhores, permitindo-lhes o acesso a fontes de arquivos privilegiados para a história de
determinada conquista do reino, como cronistas, ou mesmo a biografia de um personagem
histórico. Eram, do mesmo modo, esperados louvores dos poetas aos seus reis. Poesia e
história mantinham fortes vínculos na sociedade cortesã. Frei José de Sigüenza tornou-se
conselheiro de Felipe II (Felipe I de Portugal) e publicou Vida de San Gerónimo, doctor
máximo de la Iglesia, em 1595, e a Historia de la Orden de San Jerônimo, entre 1600 e
1605
190
. Fernão Lopes, nomeado cronista pelo Rei D. Duarte, escreveu uma história de
Portugal desde as origens até a sua contemporaneidade, um século antes de Camões
191
. A
história e a poesia recebem um tratamento muito parecido na corte. No estabelecimento de
suas formas discursivas de representação, emulam umas às outras, produzindo referências de
letras e histórias que se cruzam e se repetem, perdendo as referências primordiais e
permitindo lançar a hipótese de pensar em uma historiografia-poética e uma complementar
poética-historiográfica, que aplicam os preceitos da Arte Poética de Aristóteles. Para este, o
poeta e o historiador não se confundem, pois a diferença entre eles não reside apenas no fato
de um deles usar versos. Heródoto continuaria a ser um historiador, ainda que escrevesse em
190
PAZ, José Luis García de. Fray José de Sigüenza: su vida y su obra. Disponível em:
<http://www.aache.com/alcarrians/siguenza.htm>. Acesso em: 27 dez. 2005.
191
LOPES, Fernão. Crónicas de Fernão Lopes. 2.a ed. Selecção, introdução e notas por Maria Ema Tarracha
Ferreira. [Lisboa?]: Ulisseia, 1988.
69
sonoros versos heróicos a mesma matéria de sua História
192
(. Nesse sentido é que
se criticaram muitas obras épicas por seguirem a ordem cronológica (ordo naturalis), como a
Farsália, de Lucano, que escolheu uma história recente e por isso limitou a fantasia de sua
invenção, sendo censurado nesse procedimento por Voltaire:
A proximidade dos tempos, a notoriedade pública da guerra civil, o século
esclarecido, político e pouco supersticioso, quando viveram César e Lucano,
a solidez de seu assunto, dissiparam de seu gênio toda a liberdade de
invenção fabulosa. (...) Lucano não pôde descartar a história, por tanto, seu
poema tornou-se seco e árido
193
.
Voltaire considera a Farsália uma obra com profundidade histórica pelo uso da ordem
natural e pela ausência do maravilhoso, sutil distinção entre poesia e história. Sutileza
dissolvida, em certa medida, na prática da sociedade de corte, pois nas cortes dos séculos
XVII e XVIII, a história é encomendada oficialmente pelo Príncipe, sendo inventada
ficcionalmente como narrativa a partir de fatos que interessam à afirmação da legitimidade e
força do seu poder, mecanismo do mecenatismo, aproveitando mais os relatos convencionais
da memória popular que documentos
194
. se coloca o atual problema do estabelecimento
dos contornos da história, suas tipificações e fronteiras. Questão a ser debatida e quem sabe
resolvida pela Teoria da História. Hoje podemos pensar com Michel Foucault e com Paul

fixados positivamente apenas por documentos oficiais, ordenados como narrativas de eventos
que compõem uma trama
195
. Também sabemos que o passado pertence ao domínio da
morte
196
, daquilo que não é, do que não pode tornar a ser; somente conseguimos nos
aproximar do passado à medida que reconstituímos suas ruínas. Assim, a história não se
configura mais conceitualmente pelo saber fixo e exemplar do passado para se tornar o saber
mutável do presente, pois ela é sempre, como aproximação e reconstrução da memória, não
192
Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit., loc. cit.
193
La proximité des temps, la notoriété publique de la guerre civile, le siècle éclaire, politique, et peu

             e sec et aride. VOLTAIRE.
 Op. cit., p. 436.
194
Para Foucault          
direito, memória; a história é, para uma sociedade, certa maneira de dar estatuto de elaboração à massa
documental de que ela não se separa   A Arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe
Baeta Neves; rev. Lígia Vassalo. Petrópolis/ Lisboa: Vozes/ Centro do Livro Brasileiro, 1972, p. 14.
195
Cf. VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a historia. 3.a ed. Tradução de Alda Baltar e Maria Auxiliadora
Kneipp. Brasília: Unb, 1995, p.11-28; Cf. FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do saber. Op. cit., p. 18.
196
 
A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982, p.
56 Apud HANSEN, João Adolfo. A Sátira e o Engenho. Op. cit., p. 50.
70
absoluta; a história e o estudo das letras coloniais, em geral, fazem sentido nessa
recomposição e interpretação do passado para entendermos o presente, pois a verdade que
elas proporcionam é determinada pelo presente de quem as
197
. Ou nas palavras de Paul


198
. Tudo isso é uma questão teórica complexa, que se
coloca sobre a história e os seus limites de representação da verdade. Pode gerar intermináveis
discussões, pois é assunto infindável, permanecendo aberto o diálogo entre a história e a
ficção. Talvez simplesmente não seja possível fechá-lo, nem queremos aqui ter esta pretensão.
Na época estudada, diferencia-se história e poesia: a história é coisa representada e a poesia,
coisa representante
199
, ou em outros termos, enquanto a poesia é mímesis, que produz o
possível fictício de objetos e eventos, a história é mímesis que narra eventos particulares em
sua sucessão real. Vejamos como se articula essa relação de história e ficção nos exemplos
coloniais hispano-americanos, lidos por Cláudio Manuel da Costa.
2.2. Épica e história: exemplos hispano-coloniais
Cláudio Manuel da Costa cita no Fundamento Histórico
200
e na nota 35 do Vila Rica
uma obra histórica importante para o entendimento do poema, a saber: a Historia de la
conquista de México, de Antonio de Solis y Rivadeneira
201
, obra profundamente relacionada
ao poema épico La Mexicana, de Gabriel Lobo Lasso de la Vega. Cláudio não se refere
diretamente ao poema de la Vega. Apesar disso, é possível que tenha lido também o poema
La Mexicana, pois demonstra muito conhecimento sobre as obras hispano-coloniais
202
. Vale a
197
Muitos historiadores contemporâneos produzem uma historiografia capaz de refletir sobre o passado sem
fixar verdades incontestáveis de discursos de narrativas isoladas como, por exemplo, Jacques Le Goff, Carlos
Ginzburg, Nicolau Sevcenko etc.
198
Cf. VEYNE, Paul. O inventário das diferenças [1976]. Lisboa: Gradiva, 1989. Apud GOLDMAN, Marcio.
Lévi-Strauss e os sentidos da História. Revista de Antropologia. vol. 42, p. 223-238, n. 1-2, 1999.
199
Essa distinção entre poesia e história, formulação feita por Castelvetro, foi proposta por João Adolfo Hansen
durante a qualificação do relatório de mestrado desta dissertação, em 8 de junho de 2006; Cf. CASTELVETRO,
Lodovico. Op. cit. loc. cit.; Vide nossa nota n.o 18.
200
COSTA. Cláudio Manuel da. 
201
A emulação da história de Solis por Cláudio não pode deixar de se percebida também como reconhecimento
da autoridade de Voltaire que no Essai sur la poésie épique Cf.
VOLTAIRE Op. cit., p. 411.
202
Além da História Mexicana, de Solis, Cláudio cita a epopéia Araucana, de D. Alonso de Ercilla, na nota 71; e
também a Monarchia Indiana, de Juan de Torquemada, na nota 54.
71
pena discorrer um pouco sobre as especificidades destas obras que são tão importantes para o
entendimento da inclusão do Fundamento Histórico e de algumas notas na épica de Cláudio.
Na sociedade da Corte espanhola, o poeta Gabriel Lobo Lasso de la Vega escreve sua
La Mexicana, cantando os feitos do herói Hernán Cortés. Esse poema possui duas versões. A
primeira é de 1588, intitulada Cortés valeroso, com 1115 oitavas, e a segunda, mais completa,
intitulada La Mexicana, é de 1594, dedicada ao Marqués del Valle, com 1682 oitavas
203
.
Nesta obra, Lasso de la Vega narra desde a viagem de Hernán Cortés à chamada Nova
Espanha até a morte do Rei Montezuma e a conquista da Cidade do México. O Licenciado
Jerónimo Ramírez, no Prólogo     
que deve considerar a licença poética para fingir, com a prudência e o artifício, que faz a
ficção mais verossímil do que a matéria histórica escolhida, justificando o  
aplicado na obra
204
.
Da mesma forma que Lasso de la Vega escreve um poema épico, Antonio de Solis
compõe uma magnífica obra de cunho histórico, intitulada Historia de La Conquista de
Méjico, em 1684
205
, quase um século depois da publicação da épica de Lasso de la Vega,
emulando o estilo épico doce aplicado na Mexicana. A História de Solis também possui como
tema a conquista do território do México e é narrada com prudência e artifício. Nessa
história, o grande detalhamento da ação dos personagens históricos em cada cena evidencia
que Solis aplica muitos procedimentos que absorveu como dramaturgo, pois tinha escrito e
traduzido algumas peças
206
.
Para Solis, a História das Índias contém três grandes ações, dignas de serem
consideradas entre os maiores feitos de todos os séculos: os feitos de Cristóvão Colombo nas
203

In: ACTAS DEL SEGUNDO CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISPANISTAS. Nijmegen [Holanda]:
AIH (Asociación Internacional de Hispanistas), 20-25 de agosto de 1965. Disponível em: <http://cvc.cervantes.
es/obref/aih/pdf/02/aih_02_1_012.pdf >. Acesso em: 10 abr. 2005.
204
LASSO DE LA VEGA, Gabriel. La Mexicana. [Edición digital basada en la edición de Madrid, Atlas, 1970].
Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=1093>. Acesso em: 10 fev. 2005.
205
SOLIS y RIVADENEIRA, Antonio de. Historia de la Conquista de Méjico: Población y progressos de la
América Septentrional conocida por el nombre de Nueva España [1684]. Paris: Casa Editorial garnier Hermanos,
[s.d.], 2 tomos.
206
Solis traduziu e adaptou junto com Pedro Calderón de la Barca e Antonio Coello y Ochoa a obra Il pastore
Fido, do poeta italiano Giovanni Battista Guarini. Cf. LÓPEZ ESTRADA, Francisco. 

    Neumeister, Sebastián (ed.); Heckelmann, Dieter (introd.); Meregalli, Franco
(introd.). In: ACTAS DEL IX CONGRESSO DE LA ASOCIACIÓN INTERNACIONAL DE HISPANISTAS, I
& II. 18-23 ago. 1986. Berlín: Ibero-Amer. Inst./ Preussischer Kulturbesitz/ Freie Univ. Berlin/ Inst. für
Romanische Philol. Iberoamericana, III: Monog. & Aufsätze 28/ Frankfurt: Vervuert, 1989, vol. I, p. 535-42.
72
navegações; a conquista da chamada Nova Espanha por Hernán Cortés
207
; e a conquista do
        Os feitos de Colombo
teriam sido diligentemente registrados por Antonio de Herrera
208
e a História do Peru já tinha
sido retratada por Garcilaso, el Inca
209
. Para Solis faltava, portanto, um relato histórico à
altura dos feitos de Hernán Cortés, embora tenha sido publicada em 1615 a Monarquía
Indiana, de Juan de Torquemada, entre outros
210
.
Embora nunca tenha estado no território do México, Solis é nomeado Cronista Mayor
de Indias na Corte do Rei Felipe IV de Espanha e recebe o encargo real de escrever uma
crônica sobre a conquista da Nova Espanha, logo traduzida para o italiano, francês e inglês
211
.
Sua verossimilhança deve-se à leitura dos outros cronistas e ao procedimento convencional de
ação conquistadora dos ibéricos na América. Assim, sua obra tem mais qualidade estilística
do que documental, tornando ficção em história, pois glorifica os feitos de Cortés,
escamoteando a tragédia vivida pelos astecas
212
. Isso acontece evidentemente porque a
história é contada sob o ponto de vista dos conquistadores espanhóis, expandindo os limites
207
Quem descobriu o Império de Montezuma foi, na verdade, Juan de Grijalva. Cortés vai levar adiante a tarefa
de conquista e domínio do Império Asteca. Hernán Cortés começa sua conquista fundando a Villa Rica de la
Vera-Cruz, antes chamada de Quiabislan. Essa vila recebe este nome em memória do ouro encontrado ali e do
símbolo cristão da cruz. Torna-se o primeiro governador dessa vila. Cortés enfrenta vários confrontos contra os
nativos, apossando-se em seguida do controle de Tlascala. Depois parte para Tenochtitlán, onde é recebido pelo
R                 
               
conquistando cidades e atribuindo a morte de Juan de Escalante a Montezuma, Cortés manda prender o
Imperador, que é condenado à morte por recusar-se a receber o batismo. Cortés continua realizando
conspirações, apropriando-se das províncias, submetendo-as ao seu controle, pelo batizado dos governadores de
cada uma delas até submeter todo o território à Coroa espanhola. Cf. SOLIS y RIVADENEIRA, Antonio de. Op.
cit., tomo I, p. 227 et seq.; tomo II, passim.
208
HERRERA y TORDESILLAS, Antonio de. Historia general de los hechos de los castellanos: en las islas, y
tierra-firme de el mar occeano. Prólogo de J. Nata licio González. [1601-1615]. Asunción del Paraguay: Editoria
guaraniá, [1944-1947].
209
GARCILASO DE LA VEGA, el Inca. Historia General del Perú. [1617]. Lima: Universo, 1970, 3 vol.
210
TORQUEMADA, Juan de. Primera [segunda, tercera] parte de los veinte i un libros rituales i monarchía
indiana, con el origen y guerras, de los indios ocidentales de sus poblaçones, descubrimiento, conquista,
conuersion y otras cosas marauillosas de la mesma tierra distribuydos en tres tomos. 2.a ed. Madrid: En la
oficina y à costa de Nicolás Rodríguez Franco, 1723. [a primeira edição é de Sevilla: Matías Clavijo, 1615, 3
tomos.]; Talvez Solis não tenha considerado o trabalho de Torquemada porque este se empenha em traçar a
história não só da conquista, mas de toda a dos indígenas mexicanos, pois o Frei Torquemada viveu no México e
conhecia de perto a realidade local. Mesmo assim, havia outros cronistas que poderiam ter servido de referência
para Solis, como Bernal Díaz del Castillo com sua Historia Verdadera de la Conqvista de la Nueva-España,
impressa em Madri em 1632, e ainda o trabalho de Francisco López de Gómara, a Hispania vitrix: Historia
general de las Indias, publicada em Sarag
                
empresas de Cortés no território do México.
211
UNIVERSIDAD DE ALCALÁ Centro Virtual Cisneros. Antonio de Solís y Ribadeneyra. Disponível em:
<http://www.centrocisneros.uah.es/galpersons.asp?pag=personajes&id=140>. Acesso em: 08 set. 2005.
212
Cf. ARIAS, Luis Sanguino (dir.). La Historia y sus Protagonistas. Madrid: Ediciones Dolmen S.L, 2001.
[CD-ROM].
73
de dominação do reino espanhol até a colônia americana. No caso particular da ocupação do
território do México, são decisivas as conquistas das cidades existentes, ou a fundação de
novas cidades, para usá-las como instrumentos de consolidação, assegurando o futuro da
empresa colonial. Tal período de conquista e dominação com fundações de vilas e cidades,
conhecido no mundo colonial hispano-americano como O ciclo das fundações, consolida-se
por vezes pela exploração mineira. Nesse período, como demonstra José Luis Romero, a
primeira instituição social que se funda numa cidade colonial ibero-americana é um centro de
poder político e militar, estabelecendo um sistema jurídico de crime e normalidade capaz de
controlar a divisão territorial e de recolher os impostos devidos à Coroa
213
.
Figura 6. Capa da Historia verdadeira de la Conqvista de la Nueva-España.
Bernal Díaz de Castilho. Madrid: Imprenta del Reyno, 1632.
213
ROMERO, José Luis. Latinoamérica: las ciudades y las ideas. 4.a ed. Buenos Aires [Argentina]: Siglo
Veintiuno, 1986, p. 27-67.
74
A fundação da cidade como matéria histórica escolhida para a épica é louvável, pois
define a origem honrosa dos seus habitantes
214
. Normalmente, uma obra épica do século XVI,
XVII ou XVIII emula a história escrita dessa fundação colonial, como podemos depreender
de seu preceito mais essencial: a poesia imita a história
215
. No caso de La Mexicana, isso não
parece ser muito claro, pois não havia uma história rigorosa que o poeta pudesse seguir. Pelo
contrário, muito depois é publicada a História da Conquista do México, de Solis, que parece
guiar-se pelo poema épico. Veja-se, por exemplo, segundo Solis, um recorte do longo
primeiro discurso de Hernán Cortés, logo ao chegar à ilha de Cozumel:
Passada a revista, voltou ao seu alojamento acompanhado dos capitães e dos
soldados mais principais, e tomando entre eles um lugar um pouco diferente,
falou-       
companheiros, como nós nos reunirmos nesta ilha com nossa felicidade,
quantos estorvos e perseguições deixamos atrás, e como nós temos desfeitas
as dificuldades, reconheço a mão de Deus nesta obra que empreendemos, e
compreendo que na sua altíssima providência é a mesma coisa favorecer os
princípios que prometer os sucessos. A sua causa nos leva a do nosso rei,
que também é sua, a conquistar regiões não conhecidas, e própria voltará por
si olhando por nós (...). Poucos somos, mas a união multiplica os exércitos, e
na nossa conformidade está a nossa maior fortaleza: um, amigos, deve ser o
conselho enquanto se resolver: uma mão na execução; comum a utilidade, e
comum à glória no que é conquistado
216
.
Solis reporta esse extenso discurso de Hernán Cortés, que reproduzimos parcialmente,
o qual não se sabe se realmente foi proferido. Assim, para se desculpar da imprecisão de sua
ou seja,
são apenas o teor daquilo que se acredita que o personagem histórico realmente tenha dito. Se
recortarmos o mesmo episódio em La Mexicana, podemos comparar esse proposto primeiro
discurso histórico de Cortés no México, inventado como ficção, com o discurso figurado
214

desde há muito tempo: quando os primeiros chefes foram ilustres, ou quando nasceram muitos homens que se
tenham ilustrado em tudo o que provoca a emARISTÓTELES. Arte Poética e Arte Retórica. Op.,
cit., Retórica, cap. V, p. 45.
215
Vide nossa nota de n.o 170.
216
Pasada la muestra volvió a su alojamiento acompañado de los capitanes y soldados más principales, y

míos, cómo nos ha juntado en esta isla nuestra felicidad, cuántos estorbos y persecuciones dejamos atrás, y cómo
nos han deshecho las dificultades, conozco la mano de Dios en esta obra que emprendemos, y entiendo que en su
altísima providencia es lo mismo favorecer los principios que prometer los sucesos. Su causa nos lleva y la de
nuestro rey, que también es suya, a conquistar regiones no conocidas, y ella misma volverá por mirando por
nosotros. (...). Pocos somos, pero la unión multiplica los ejércitos, y en nuestra conformidad está nuestra mayor
fortaleza: uno, amigos, ha de ser el consejo en cuanto se resolviere: una la mano en la ejecución; común la
utilidad, y común la gloria en lo que se conquistareSOLIS, Antonio. Historia de la conquista de México.
cap. II. [Edición digital basada en la ed. de Madrid, Espasa-Calpe, 1970.] Disponível em: <http://www.
cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=640>. Acesso em: 21 dez. 2005.
75
poeticamente, como verossímil. Este último discurso foi escrito quase um século antes do
histórico:
Pensais que havemos da fúria insana
do mar instável e dos ventos reservados
a Suprema Providência soberana,
e a visível morte afugentando,
que é sem grande mistério? Será vã
a mente que outra idéia tenha formado,
que o Supremo Fazedor ordena e manda
Sigamos no seu nome esta demanda
217
.
Muitos prêmios promete esta jornada,
sendo tentada com tão justo zelo,
embora envolta em fadigas e misturada
com trabalhos, cansaço, fome e dolo:
ocupemos a terra que ocupada
o Idólatra tem, e fértil solo;
sejamos para dar aos nossos Reis
mais terra, e aos dela justas leis
218
.
Bem vejo que sois poucos, mas tais
em ânimo e valor, que não os excede
força humana, nem ásperos sinais
farão a vossa virtude sem nome ficar.
Rompamos pelas débeis correntes
do já benigno mar, pois nos concede
sinal tão claro e de bonança plena
a aura benigna, próspera e serena
219
.
A emulação do discurso poético de Lasso de la Vega por Solis é evidente pelos
elementos discursivos: a citação do papel da Providência divina no auxílio aos espanhóis, a
comparação particular de quantidade entre os poucos conquistadores e os muitos a serem
conquistados, a legitimidade divina do Rei no estabelecimento de leis, as virtudes católicas do
herói cortês etc. Comparando os dois relatos, histórico e poético, encontramos a figuração de
um herói cortês, detentor das sete virtudes, a serviço do Rei e de Deus. A transformação da
ficção em história na obra de Solis e a sua relação com a obra de Lasso de la Vega evidenciam
217
¿Pensáis que haberos de la furia insana/ del mar instable y vientos reservado/ la Suma Providencia soberana,/
y la visible muerte ahuyentando,/ que es sin grande misterio? Será vana/ la mente que otra idea haya formado,/
que el Supremo Hacedor ordena y manda/ sigamos en su nombre esta demanda. (La Mexicana. Canto II, vv.
425-432.)
218
Muchos premios promete esta jornada,/ yendo intentada con tan justo celo,/ bien que envuelta en fatigas y
mezclada/ con trabajos, cansancio, hambre y düelo:/ ocupemos la tierra, que ocupada/ el Idólatra tiene, y fértil
suelo;/ seamos para dar a nuestros Reyes/ más tierra, y a los de ella justas leyes. (La Mexicana. Canto II, vv.
441-448.)
219
Bien veo que sois pocos, pero tales/ en ánimo y valor, que no os excede/ humana fuerza, ni ásperas señales/
harán vuestra virtud sin nombre quede./ Rompamos por los débiles raudales/ del ya benigno mar, pues nos
concede/ señal tan clara y de bonanza llena/ la aura benigna, próspera y serena. (La Mexicana. Canto II, vv. 457-
464.)
76
o caráter do decoro da recepção, por conveniência de pessoa, lugar e tempo para a corte nas
letras e na história, aplicado retoricamente como representação verossímil dos valores
católicos esperados para esta recepção.
Retomando o Vila Rica, constatamos que Cláudio a História Mexicana, de Solis,
imitação de La Mexicana, além da Monarquia Indiana, de Juan de Torquemada e a épica
Araucana, de D. Alonso de Ercilla. Emula no Vila Rica as qualidades entendidas como
heróicas dos índios mexicanos e chilenos nos brasileiros
220
e a suposta heroicidade do
personagem histórico Hernán Cortés em Antônio de Albuquerque, personagem histórico
ficcionalizado epicamente, como esclarece no Fundamento Histórico:
Foi ele o primeiro que susteve com desembaraço as rédeas do governo; que
pisou as Minas com luzimento e firmeza do caráter, em que El-Rei o pusera;
que promulgou as leis do Soberano, e fez respeitar neste Continente o seu
nome.
Esta a heroicidade que lhe considera o Autor por virtude da qual contempla
digno do elogio com que honra Solis ao seu Cortês
221
.
As capacidades de impor e manter o governo, de instituir as leis do reino, são vistas
como atos heróicos, desde Lasso de la Vega, primeiro elo de uma cadeia de emulação,
passando pelo trabalho de Solis, chegando a Cláudio Manuel da Costa, no digno elogio às
virtudes de Albuquerque. O poeta não dispunha de uma história monumental nem de
exemplos nativos de índios da Capitania de Minas Gerais para fundamentar a mímesis de seu
poema épico, por isso teve que buscar o modelo de índio noutro lugar, nas histórias e letras do
território do México e nas letras do território do Chile, e inventar uma história para o seu
poema, recolhendo e atribuindo um sentido a um conjunto de documentos e depoimentos. Por
isso, é importante destacar que estas fontes hispânicas são essenciais para a mímesis do Vila
Rica, pois não seguem exatamente os acontecimentos reais da empiria, e sim modelos
convencionados da ficção, com a finalidade de amplificar a glória da ação de domínio e
pacificação praticada pelos conquistadores portugueses na Colônia.
O exemplo dos costumes dos índios e dos espanhóis é emulado do trabalho do Frade
Juan de Torquemada, a Monarchia indiana, e a da Historia de la conquista de México, de
220
Na nota 35 do poema Vila Rica, Cláudio explicita o processo de figuração dos índios no poema, baseado nos
índios do território do México; e ainda a nota 54, onde Cláudio se baseia em Juan de Torquemada para justificar
a dança e a música dos índios brasileiros; Na nota 71, Cláudio just
      
narrados no Canto I da Araucana; A nota 36 mostra que o poeta teve acesso a outra fonte, provavelmente de
origem holandesa para emular a brancura característica do seu índio, entretanto não sabemos exatamente qual
documento utilizou.
221
Op. cit., p. 372.
77
Antonio de Solis, que inventou sua história a partir de uma fonte literária bem demarcada, La
Mexicana, além de outros cronistas diversos. A mímesis dos índios chilenos é efetuada a partir
dos modelos lidos na epopéia Araucana, de D. Alonso de Ercilla. Neste, os índios são
mimetizados como guerreiros fortes, valorosos, astuciosos, e empenhados na defesa de sua
terra natal, como o autor adverte no Prólogo:
E se a alguém parecer que me mostro algo inclinado à parte dos araucanos,
tratando de suas coisas e valentias mais extensamente do que se requer aos
bárbaros; se queremos destacar sua criação, costumes, modos de guerra e
exercício dela, veremos que muitos não lhes tem feito vantagem, e são
poucos os que com tal constância e firmeza têm defendido sua terra contra
tão ferozes inimigos como são os espanhóis
222
.
Alonso de Ercilla justifica seu procedimento de destacar as qualidades 
           
conquistadores espanhóis. Portanto, configura-se nessas letras e histórias coloniais o conflito
entre duas heroicidades diferentes: a dos índios, com virtudes guerreiras; e a dos
conquistadores, com virtudes cortesãs, que afirmam a representação da corte. Dessa maneira,
a figura do índio no Vila Rica aparece como um inimigo feroz, antropófago abominável e
gentio, se aliado aos emboabas, ou como um nobre aliado, caso esteja do lado dos paulistas,
disposto a abraçar a Fé católica e a lei do Império, esvaziando a pertinência da leitura crítica
nativista, que vê em Cláudio a antecipação poético-ideológica de José de Alencar:
Que alimentas no peito; serás nosso
Amigo e não escravo, e quanto eu posso,
Nobre rival, te digo desde esta hora,
Neágua é tua, é tua a minha Aurora.
(Vila Rica. Canto IV, vv. 165-168, grifo do autor.)
À vista horrendos; são caciques deles
Olinté, Mamigé, Teuco, Tameles,
Marminton, Quezincoal, Remlo, Kalupa,
Bárbara esquadra desta gente ocupa
Toda a falda de um monte; em roda os matos
Dão abrigo aos rebeldes, que insensatos
(Vila Rica. Canto V, vv. 141-146.)
Além de emular os personagens das letras hispânicas, Cláudio também emula, porém
em menor medida, as representações de lugares. Era comum, por exemplo, os espanhóis
222
Y si a alguno le pareciere que me muestro algo inclinado a la parte de los araucanos, tratando sus cosas y
valentías más extendidamente de lo que para bárbaros se requiere; si queremos mirar su crianza, costumbres,
modos de guerra y ejercicio della, veremos que muchos no les han hecho ventaja, y que son pocos los que con tal
constancia y firmeza han defendido su tierra contra tan fieros enemigos como son los españolesERCILLA
y ZÚÑIGA, Alonso de. La Aravcana. Salamanca: en casa de Domingo de Portonarijs, a costa de Vicente y
Simon Portonarijs, 1574, p. XVI.
78
            
pedras preciosas, como observa Cláudio na nota 27 do Vila Rica
nela se descobriram lhe adquiriram o epíteto de Rica, a exemplo da que criou Espanha em
suas índias
223
. Cláudio elabora versos que evidenciam esse procedimento:
Todos estes tesouros e a grandeza
De todas estas pedras determino,
Que por mão de um benévolo destino
Vão buscar inda a Lusa Monarquia.
Desde o seio da terra a ver o dia
O mármore virá, que aos Céus levante
Edifícios soberbos; a elegante
Mão do artífice, a Vila edificada,
Fará que sobre as outras respeitada
De Rica tenha o nome, derivado
Dos tesouros o epíteto prezado.
(Vila Rica. Canto VIII, vv. 141-146, grifo do autor.)
Seus exemplos são novamente os mexicanos e os chilenos. Em La Araucana, Alonso
de Ercilla explica que o nome Villa-Rica foi dado a um vilarejo fundado pelos espanhóis,

224
. Na Historia de la conquista de México, Solis explica que Cortés
colocou o nome Villa Rica de la Vera-Cruz na povoação de Quiabislan: chamando-a Villa
Rica, em memória do ouro que se viu naquela terra, e de Vera-Cruz, em reconhecimento de se
haver chegado nela em uma sexta-
225
. Evidentemente, essa prática de nomeação
é colonialista, por isso a emulação de Cláudio se na sua seleção específica que imita
poemas que narram descobertas de lugares semelhantes a Vila Rica, considerados ricos na sua
própria nomeação. A emulação dos detalhes dos lugares encenados também segue outros
modelos, além dos hispano-coloniais, especialmente a epopéia latina Farsália, de Lucano,
pela aplicação da paisagem do locus horrendus. É patente que não se trata ainda de suposta
unidade de uma proto-literatura latino-americana, como anacronicamente alguém poderia
interpretar, pois não existem no século XVIII ibérico nem o conceito de literatura, nem o de
América Latina e, menos ainda, a composição dos dois numa suposta antecipação da
Literatura Latino-Americana. Mas se pode dizer que o Vila Rica busca modelos de
representação de personagens e lugares nas letras coloniais hispano-americanas, reforçando a
hipótese de que as letras circulavam nos territórios coloniais americanos, emulando umas às
223
6.a ed. Op. cit., nota 27, p. 1084.
224
La Araucana. Madrid:
Imprenta Nacional, 1866. p. 7.
225
SOLIS, Antonio de. Op. cit., Livro II, cap. VI, loc. cit.
79
outras, na história e na poesia, especialmente nos domínios portugueses e espanhóis,
atravessando as disputadas e difusas fronteiras geopolíticas.
Figura 7. Capa da Monarchia Indiana, de Juan de Torquemada. Madrid: 1725, v. 1.
80
2.3. A teologia-política ou o palco luso-colonial
Além de considerar a emulação das letras e das histórias hispano-coloniais, não se
pode deixar de ponderar que o poeta Cláudio Manuel da Costa escreve o seu épico no
ambiente jurídico e administrativo da Capitania de Minas Gerais. Esse ambiente prescreve,
politica e teologicamente, o decoro da recepção, segundo a persona da fortuna, codificada por
Cícero
226
, condicionando sua invenção poética à forma exemplar de agir dos tipos cortesãos
ilustres, convenientes a uma épica que valoriza a política portuguesa pela descoberta,
pacificação e domínio das Minas Gerais, no tempo contemporâneo ao poema. Esta capitania é
    
participante 
227
.
Esta poesia do culo XVIII é ligada à política, representando as práticas e doutrinas
da razão de Estado portuguesa aplicada às administrações coloniais. Nesse sentido, a primeira
questão que se coloca diz respeito à legitimidade da ocupação da Colônia e subseqüente
imposição da lei do Império a outros povos. A fundamentação dessa autoridade é teológica,
porque pressupõe e repõe a missão apostólica de pregar e preservar a Fé da Igreja Católica,
legitimando a autoridade temporal do Rei pela vontade da Providência divina:
Tudo decorre da Providência divina, de uma lei superior. A ela se m de
subordinar as leis da terra. O universo humano é um universo moral e a ética
política inseparável da moral cristã. Em Deus está o arquétipo dos
governantes. Como Ele é justiça devem estes realizá-la na terra. E como o
Senhor devem ser temidos e amados
228
.
226
Ricardo Martins Valle demonstrou que a poesia de Cláudio encena as três personae de Cícero, teorizada no
De Officiis. Isto é, encontramos a persona do engenho (ingenium), que o particulariza enquanto poeta no seu
criptônimo Glauceste Satúrnio; a persona da fortuna, que define as circunstâncias de tempo e lugar, nas quais o
poeta se encontra, explorada exaustivamente pela crítica; e ainda a carreira (cursuque vivendi) que possibilita ao
poeta tomar a si mesmo como modelo ou referência para compor um novo poema. Cf. VALLE, Ricardo Martins.
A construção da Posteridade, ou A tradição para o Novo Mundo, ou A gênese como Ruína. Op. cit., p. 53-55.
227
Como demonstra João Adolfo Hansen, a     
Aquino, no seu comentário do Livro V da Metafísica, de Aristóteles. Nesta, o corpo alcança a perfeição pela
integração harmônica de seus diferentes componentes. O corpus hominis naturalis (corpo natural do homem) é
comparado analogicamente com o corpus Ecclesiae mysticum, corpo da Igreja, entendido como o corpus
mysticum (corpo místico), do qual participam todos os homens. Deus está para o mundo, assim como a cabeça,
(caput) está para o corpo (corpus), assim como o Rei está para os seus súditos. Cf. HANSEN, João Adolfo.
Barroco, neobarroco e outras ruínas. Op. cit., p. 48-51. Cf. ______. A Sátira e o Engenho. Op. cit., p. 51; 117-
121. Cf. KANTOROWICZ, Ernest H. King’s Two Bodies: A study in medieval Political Theology. New Jersey:
Princeton University Press, 1997, p. 308-9.
228
ALBUQUERQUE, Martim de. A Sombra de Maquiavel e a Ética Tradicional Portuguesa. Ensaio de História
das Idéias Políticas. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Instituto Histórico Infante Dom
Henrique, 1974, p. 69, grifo do autor; Cf. BOTERO, op. cit., p. 69:        
81
Nessa doutrina, a Providência divina é compreendida como força superior e invisível
que favorece àqueles que seguem os preceitos católicos. Nas letras, o auxílio da Providência
divina é representado, por exemplo, na queda de uma árvore que serve de ponte aos
aventureiros, como aparece no Vila Rica:
Conta Camargo, que o vizinho monte
Subira com os seus, e que de ponte
Um madeiro, que o tempo derribara,
Lhe servira, e por ele além passara,
(Vila Rica. Canto I, vv. 138-141.)
A Providência divina legitima a instauração das leis da Terra, pois favorece aos
autênticos representantes da vontade de Deus, na fundação do corpo político do Estado,


229
. A autoridade real, em princípio, não tem soberania diante das leis fundamentais da
Igreja Católica, portanto foi necessário instituir, conceituar o direito do Rei, assegurando a
legitimidade do exercício de seu poder
230
. A lei divina, segundo a Contra-Reforma, com
autores como Suárez e Bellarmino, implica o poder político pertencente a priori ao povo, por
meio do direito natural (per ius naturale). Este poder é transferido para a autoridade temporal
do Rei, por meio do direito humano (de iure humano), constituindo a lei positiva (instituída
para o homem governar) como disposição adequada da lei natural. Na doutrina da quasi
alienatio do poder
231
, o Rei é autoridade máxima, cabeça do corpo místico do Estado, legibus
solutus, devendo respeitar apenas a -
232
.
No Fundamento Histórico do Vila Rica, a Guerra dos Emboabas se após a partida
do Governador Artur de e Menezes, aceito como cabeça do corpo político da região das
Minas
233
. Sem a presença de Menezes, o corpo da Capitania de Minas Gerais fica sem cabeça,
assumindo feição monstruosa, devora-se. Por isso, Albuquerque faz reconhecer a autoridade
do Rei de Portugal como cabeça do corpo místico do Estado:
qualquer Principado, pois sendo proveniente de Deus todo o poder e não sendo possível obter a graça e o favor

229
Cf. ALBUQUERQUE, Martim de. Op. cit., loc. cit.
230
Cf. COURTINE, Jean-      -politique de
  OULAN, Henry (éd.). Regards sur la Pensée Politique en France au XVIIème
Siècle. Paris: Vrin, 1985, p. 92.
231
A idéia da quase alienatio significa o abandono do poder político da república, da comunidade, para o
Príncipe, interpretando analogicamente o modelo jurídico da instituição da escravidão, no qual um homem se
vende a outro, entregando o seu dominium a outro homem, e se obrigado, por direito divino e por direito
natural a obedecer ao seu mestre. Da mesma forma, o poder transferido ao Rei torna os homens deste reino
inferiores a ele, que se tornam seus súditos (se subjecit). Cf. SUÁREZ. De legibus, IV, 4, 11. Apud COURTINE,
Jean-François. Op. cit., p. 99.
232
Cf. HANSEN, João Adolfo. A Sátira e o Engenho. Op. cit., p. 118.
233
Cf. COSTA, Cláudio Manuel dOp. cit., p.369-370.
82
Para se radicar do Soberano
O conceito, que pede a autoridade,
Necessária se faz uma igualdade
De razão e discurso; quem duvida
Que de um cego furor corre impelida
A fanática idéia dessa gente?
Que a todos falta um Condutor prudente
Que os dirija ao acerto? Quem ignora
Que um monstruoso corpo se devora
A si mesmo, e converte em estrago
O que pensa, e medita? Ao brando afago
Talvez venha a ceder; e quando abuse
Da brandura, e obstinado se recuse
A render ao meu Rei toda a obediência,
Então porei em prática a violência;
(Vila Rica. Canto VII, vv. 230-244, grifo do autor.)
Albuquerque convence os rebelados da necessidade  Cde um líder
capaz de harmonizar o discurso com a razão, consumida pela monstruosidade de um corpo
sem cabeça. Por direito, o Rei de Portugual é aquele a quem os emboabas devem submeter-
se, sob pena de enfrentar a fúria guerreira do Capitão-General.
Estes conceitos, incorporados no poema pelo engenho do poeta, contrariam a tese de
Lutero da lex peccati, de que a natureza humana é pecadora e, portanto, de que a lei deve
provir do direito divino do Rei enviado por Deus. Para refutar a tese, o Concílio de Trento
elabora o Decretum de peccato originali, afirmando que o pecado original não destrói a
natureza do homem, que mantém o livre-arbítrio e a lei natural
234
. A natureza humana pode
ser educada para alcançar a perfeição pelas normas da reta razão das coisas agíveis (recta
ratio agibilium)
235
, razão definida como prudência, a capacidade de discernir o modo
conveniente de agir, com audácia ou cautela, de acordo com a ocasião, prudência, pensada
aristotelicamente como virtude intelectual sujeita ao ensino, é aplicada na invenção da arte; e
das normas da reta razão das coisas factíveis (recta ratio factibilium)
236
, como virtude moral
católica, orientando as belas-artes, adquiridas pelo hábito e, por isso, praticadas nessa
sociedade
237
. Segundo a doutrina, o homem é capaz de diferenciar o que é o pecado,
discernindo o certo e o errado, através da sindérese
238
, disposição consistente na luz da Graça
234
CF. HANSEN, João Adolfo. A Sátira e o Engenho. Op. cit., p. 279-289.
235
Cf. HANSEN, João Adolfo. Barroco, neobarroco e outras ruínas. Op, cit., p. 51-52.
236
Idem, loc. cit.
237
Cf. Santo Tomás de Aquino. Summa Theologica. I-IIa, 57, 5, ad. Resp. Apud HANSEN, João Adolfo. A
Sátira e o Engenho. Op. cit., p. 43.
238
Essa idéia é emulada de Aristóteles por Santo Tomas de Aquino na sua Summa Theologica, I, Q. lxxix, a. 12;
 Arte
83
que aconselha para o Bem, iluminando as três faculdades da alma: vontade, memória e
inteligência
239
. A doutrina interpreta as normas universais da lei natural nas situações
particulares pelo exercício da Arte de Prudência
240
, emulando a filosofia do estoicismo
ensinada por Sêneca
241
e fundamentada na ética aristotélica
242
na formulação da moral
católica, pregando o bem-comum da concórdia pelo autocontrole das paixões da alma.

sitivas os preceitos e as proibições dos Dez
Mandamentos. Decorrem daí, duas diferentes concepções de prática da razão de Estado. Uma
dessas práticas é entendida como aparente e injusta. É a preceituada por Maquiavel, que
entende a religião como mero instrumento do poder político. A outra é a prática católica,
entendida como verdadeira, ligada à moral cristã, oposta a Maquiavel. Daí provém a idéia do
razão de Estado portuguesa.
Contudo, esse antimaquiavelismo da prática política de Portugal não reside no mérito
da ética política, mas no juízo que condena Maquiavel por não reconhecer o caráter sacro do
poder como fundamento da norma. Dispensando a lei eterna de Deus e o juízo regulado pela
iluminação da luz natural da Graça, a sindérese, Maquiavel apenas propõe uma técnica para o
interesse do Príncipe, sem moral piedosa, diferente da razão de Estado praticada em Portugal,
que subordina a política à religião.
As letras inventadas nessa prática teológico-política dos tipos católicos ilustres
evidenciam no mundo temporal a presença do divino por meio da Divinatio, a capacidade de
identificar os sinais de Deus, encenando teatralmente a lei positiva como símile da lei
espiritual
243
. As práticas teológico-políticas dos tipos católicos são prescritas em livros de
aconselhamentos de príncipe, ou espelhos de príncipes (specula principum), gênero
fundamentado na ética aristotélica, porque pregava a prudência do meio-termo honesto,
orientado aristotelicamente pelos ditames da reta razão da alma e pela moral da ética católica,
Retórica e Arte Poética. Op. cit., Retórica, Livro III, cap. X, p. 196; Cf. HANSEN, João Adolfo. Barroco,
Neobarroco e outras ruínas. Op. cit., p. 51-58.
239
Santo Tomás de Aquino conceitua essas três faculdades da alma a partir da doutrina de Santo Agostinho, no
De Trinitate, X, xi, 18.
240
Em 1647, Baltasar Gracián sistematiza a doutrina da Arte de Prudência num pequeno manual. ulo
Obras Completas. 3.a ed. Ed. de Arturo del Hoyo. Madrid: Aguilar, 1967.
241
SÊNECA. Traités philosophiques. Trad. par Fraçois et Pierre Richard. Paris:
Garnier, 1955, vol. II; Cf. ______. As Relações Humanas: A amizade, os livros, a filosofia, o sábio e a atitude
perante a morte. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Landy, 2002.
242
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Op. cit.
243
Essa doutrina vem aplicada nas sátiras atribuídas a Grégorio de Matos e Guerra; Cf. HANSEN, João
Adolfo. A Sátira e o Engenho. Op. cit., p. 267-287.
84
como o livro Summa Politica de Sebastião César de Meneses
244
; ou ensinada em livros de
emblemas
245
, como o livro de Andrea Alciato, Emblemata
246
, e o famoso Iconologia, de
Cesare Ripa
247
; e ainda livros de empresas, que possuem em comum com os emblemas um
significante sensível (corpo ou imagem) e um significado inteligível (alma palavras)
248
como o livro Empresas Políticas: Idea de un Príncipe Político-Cristiano, de Fajardo
249
.
Essa razão de Estado preceituada nesses livros de aconselhamento de príncipes
católicos, aplicada no reino de Portugal, exige a participação da autoridade da Igreja na
prática dessa jurisprudência neo-escolástica d-
justiça comutativa (do dar e receber), quanto na distributiva (do dividir para igualar), quanto
na punitiva. Botero recomenda que nenhuma decisão seja submetida à deliberação do
conselho do Estado sem antes s        
formado por doutores em Teologia e em Direto Canônico
250
.
No mundo católico, não há a idéia de fortuna, como casualidade; pois tudo depende da
vontade da Providência divina. Nesse sentido, a fortuna manifestada nesse mundo significa o
favorecimento de Deus para aqueles que foram escolhidos por Ele
251
. A boa fortuna

soldados é a fortuna (felicitá/sucesso), e esta não é senão concurso da virtude divina, com a
qual a Divina Majestade acompanha os que Ela escolhe como ministros da sua justiça ou
244
MENESES, Sebasteao César de. Summa Política, Offerecida ao Príncipe D. Theodosio de Portugal.
Amsterdam: Tipographia de Simaõ Soeiro Lusitano, 1650.
245
Gênero de livros onde figuras são os símbolos equivalentes metafóricos (imagem) dos conselhos escritos
              
Schopenhauer, em seu O mundo como vontade e representação, Livro III: o mundo como representação, § 50:
-se (sic) por emblema aquelas apresentações em sentido figurado, simples e elucidadas
por um lema, que devem apresentar á intuição um

parte III). In: OS PENSADORES: SCHOPENHAUER. São Paulo:
Nova Cultural, 2000, p. 87 e 89. Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. Op. cit., loc. cit.
246
ALCIATO, Andrea. Viri Clarissimi D. Andreae Alciati Iurisconsultiss. Mediol. Ad D. Chonradum
Peutingerum Augustanum, Iurisconsultum Emblematum Liber. Augsburgo: Steyner, M.D.XXXI.
247
RIPA, Cesare. Iconologia o vero descrittione dell’imagini vniversali cavate dall’anthichita et da altri lvoghi
da Cesare Ripa Perugino, opera non meno vtile, che necessaria à Poeti, Pittori, & Scultori, per rappresentare le
uirtù, uitij, affetti, & passioni humane. Roma: Per gli Heredi di Gio. Gigliotti, M.D.XCIII. Con Privilegio. Et

248
Empresa é um gênero muito parecido com o emblema. Nos emblemas deve-se pintar figurativamente o corpo
humano por inteiro. Nas empresas não se admite que o corpo humano inteiro apareça como representação. O
emblema tem finalidade pública, enquanto a empresa destina-se a um uso privado, pertencente ao âmbito
particular. Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. São Paulo: 2004, inédito, passim.
249
FAJARDO, Diego Saavedra. Empresas Politicas: Idea de un Príncipe Político-Cristiano [1640]. Edición
preparada por Quintin Aldea Vaquero. Madrid: Editora Nacional, 1976, 2 vol.
250
Cf. BOTERO. Op. cit., p. 68.
251
Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. Op. cit., loc. cit.
85
como executores da sua vontade
252
. Por isso, no Vila Rica, os primeiros senadores podem ser
sorteados, pois são legitimados pela figura da Justiça, que desempenha alegoricamente os
desígnios da Providência divina:
Quando mais que a eleição, podendo o acaso,
Manda o Herói que se extraiam dentre um vaso
Os nomes dos primeiros a quem toca
Reger a Vara que a Justiça invoca.
(Vila Rica. Canto X, vv. 183-186.)
A autoridade política nesse sistema de pensamento é exercitada por aqueles que foram
escolhidos pela Providência divina. Por isso, destaca-se na representação a força da palavra do
governante como expressão da verdade. Para os autores portugueses da razão de Estado, era
necessário que o governante observasse suas palavras, cumprindo-as sem faltar à pública,
pois a verdade era enten
253
. Embora de Meneses, no De Regis
Institutione et Disciplina
254
, reconhecesse que eventuais mudanças da palavra do Rei eram
admitidas nos casos em que o interesse do reino estivesse acima dos compromissos
assumidos. Dessa forma, a soberania do Rei sobre o Estado é concedida pela Providência
divina, em termos teológico-políticos, do direito do Rei
255
, que age de acordo com a justiça e
a verdade. Sua representação ordena toda ação e todo personagem segundo a posição
hierárquica que ocupa, implicando um mundo regrado segundo seus próprios conceitos de
propriedade, justiça, estado, autoria, obra e público, diferentes dos atuais
256
.
Em Portugal e no Estado do Brasil do século XVIII, a expressão relativa ao exercício
desse poder teológico-político incorporado como forma mental é ditada pelas Ordenações do
Reino, coletânea das antigas leis portuguesas compiladas em códigos por D. Manuel, em
1514, e depois por Filipe I, em 1603
257
.
252
Cf. Idem, p. 215.
253
Cf. ALBUQUERQUE, Martim de. Op. cit., p. 94-96.
254
Cf. OSÓRIO, Jerônimo. De Regis Institutione et Disciplina. Tradução portuguesa de Jotta da Cruz
Figueiredo. Lisboa: Pro Domo, 1944, I, p. 82. Apud ALBUQUERQUE, Martim de. Op. cit., nota 83; Havia,
portanto,             
 in
genere reprovaram a doutrina da razão de Estado, a crueldade política, a quebra da palavra, a fraude e a
simulação como métodos de governo, isso não significa a ausência de certo maquiavelismo prático, sobretudo,
durante o movimento da Restauraçãoidem, p. 101.
255
Embora Suárez defenda a tese do poder concedido pelo povo. Cf. COURTINE, Jean-François. Op. cit., p. 98.
256

gorias não têm no século XVIII a mesma significação que possuem atualmente; Cf.
HANSEN, João Adolfo. Barroco, Neobarroco e outras ruínas. Op. cit., p. 40-46.
257
Essas leis vigoraram até 1868 em Portugal e até 1916 no Brasil, como subsídio ao direito pátrio; Cf. BRASIL.
Centro de Memória do Tribunal Superior Eleitoral: Ordenações do reino. Disponível em: <http://www.tse.gov.br
/institucional/centro_memoria/historia_tse/ordenacoes_reino.html>. Acesso em: 10 jul. 2006.
86
Nessa perspectiva, as letras luso-brasileiras coloniais compõem um teatro contínuo,
insistente na reiteração da representatividade do poder da autoridade temporal do Rei como
reconhecimento dos desígnios da vontade de Deus. Para manter esse sistema de pensamento
na corte em Portugal e nos letrados das colônias, evitando possíveis idéias interferentes nesse
sistema sacralizador do poder do Rei, as letras eram submetidas à censura do Tribunal do
Santo Ofício da Inquisição, do Ordinário Régio e do Desembargo do Paço até 1768, quando o
Marquês de Pombal cria a Real Mesa Censória, tribunal que unificava oficialmente os três
anteriores. A invenção épica do Vila Rica reproduz esse sistema teológico-político, na
constituição de seu decoro interno ou das convenções que ligam todos os seus episódios num
todo único, pois trata do estabelecimento de uma civilização, perante a rbarie da guerra
civil, incorporando na bárbárie a civilidade teológico-política do reino português. As
representações são automatizadas, orientando o papel da justiça na legitimação do poder ou
regramento dos conflitos de maneira menos destrutiva possível à instituição da autoridade do
Estado. A adequação da representação do mundo luso-brasileiro regrado pela teologia-política
concentra-se, no poema de Cláudio, na idéia da instauração da lei positiva do Rei que funda a
pólis, no duplo sentido do termo, organização social da cidade, a civitas, e controle dela pelo
poder de polícia, policiamento militar e civil da vida, segundo as leis determinadas pela ética
Estamos, disse, em uns países novos,/ Onde a polícia não tem inda entrado
258
; Não
existe a obediência civil à lei positiva do Estado, nem à lei divina da Igreja, no tempo
precedente à fundação das cidades mineiras, como nos relata Antonil:
Sobre esta gente, quanto ao temporal, não houve até o presente coação ou
governo algum bem ordenado, e apenas se guardam algumas leis, que
pertencem às datas e repartições dos ribeiros. No mais, não há ministros nem
justiças que tratem ou possam tratar do castigo dos crimes, que não são
poucos, principalmente dos homicídios e furtos. Quanto ao espiritual,
havendo até agora dúvidas entre os prelados acerca da jurisdição, os
mandados de uma e outra parte, ou como curas, ou como visitadores, se
acharam bastante embaraçados, e não pouco embaraçaram a outros, que não
acabam de saber a que pastor pertencem aqueles novos rebanhos
259
.
Trata-se, no poema, da passagem de uma sociedade selvagem sem normas oficiais
para uma sociedade policiada e civilizada, censurada com razão de Estado, fundamentada na
legitimidade do direito do Rei. Por isso, o discurso do Frei Francisco de Menezes visa
desqualificar as leis injustas do Rei para elogiar o domínio da lei natural, interpretado como
258
Op. cit., Canto VII, vv. 220-221, p. 420, grifo do autor.
259
ANTONIL, André João [João António Andreoni]. Cultura e Opulência do Brasil. [1711]. Introdução e
Vocabulário por A. P. Canabrava. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967, p. 264.
87
estado comum de liberdade:
Quanto conosco hão de portar-se austeros
Os chefes recebidos! Não é novo
Viver sem leis, e sem domínio um povo;
Nações inteiras têm calcado a terra
Sem adorar a mão que o Cetro aferra;
E tal houve que creu felicidade
Desconhecer inda a Justiça: a idade
Tem [ ] a humana inteligência
Para abraçar sem susto o que é violência:
Que tormento maior a um livre peito
Que a um homem, a um igual viver sujeito?
A liberdade a todos é comua;
Ninguém tão louco renuncia à sua.
As leis, que um ente humano lhe prescreve,
Cego capricho sustentar-nos deve.
(Vila Rica. Canto X, vv. 183-186, grifo do autor.)
Nesta sociedade que se deseja implantar na região, à polícia cabe o papel de guardar o
cumprimento das normas das autoridades políticas e religiosas, convencionadas pelo costume
da moral cristã, definidora das determinações de normalidade e crime, questão registrada
exemplarmente em Cultura e Opulência do Brasil
260
, obra do jesuíta João António Andreoni,
fundamental para entendermos as circunstâncias econômicas dos anos de descoberta e
ocupação da região das Minas Gerais.
Por conseguinte, além de seu valor histórico, o Vila Rica importa para o melhor
entendimento e estudo da história das letras luso-coloniais, especialmente para a definição da
idéia da justiça, como exercício da civitas em confronto com a justiça da lei natural, idéia que
se torna tema fundamental na epopéia A Conceição, de Tomás Antônio Gonzaga
261
. A justiça,
na razão de Estado católica, tem o importante papel de estabelecer a paz e a concórdia,
assegurando a cada um o que é seu de direito, inclusive o direito do Rei de cobrar impostos
sobre pedras e metais preciosos, instalando na Colônia as intituições burocráticas de controle
e arrecadação, regulando o conflito econômico em favor da Coroa sob a forma da imposição
da lei na cidade (pólis/civitas)
262
. 
primeiro capítulo de sua Política
263
. Poderíamos propor, com Dumézil, a hipótese de que a
            - 
260
ANTONIL, André João [João António Andreoni]. Op. cit., passim.
261
Cf. PÉCORA, Alcir. In: Máquina de Gêneros. Op. cit., p. 169- 187. Cf.
GONZAGA, Tomás Antônio. A Conceição. São Paulo: Edusp, 1995.
262
A noção de pólis grega corresponde à noção de civitas romana, na idéia de vivência participativa na cidade.
263
ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 15.
88
soberania
264
, sobretudo na especificidade econômica nas capitanias do Estado do Brasil pelas
suas riquezas, pintadas nas paredes do Senado pelo gênio da terra no final do poema: ouro,
pedras preciosas, fumo, cana-de-açúcar e surpreendentemente para nós, que imaginamos ser
de pouco valor financeiro na época pássaros e animais raros
265
.
Nesse sentido da confirmação da soberania pela dominação econômica, ainda que
realizada de maneira burocrática, Vila Rica evidencia a validade de leitura da poesia elegíaca
de Claúdio por Ricardo Martins Valle, que defende a idéia de que emula o modelo da
civilização alexandrina. Propondo o avanço da civitas sobre todo o orbe, a barbárie, emula o
exemplo de Alexandre, como herói que difundiu o bem da civilidade entre os povos bárbaros,
também lembrado como modelo cultural
266
por Petrarca e depois, por Cláudio Manuel
267
.
Podemos aplicar o modelo cultural de Alexandre a Albuquerque como persona épica
ou heróica, pela prudência da recta ratio factibilium, ou seja, aplicando o topos do herói
instruído nas letras e nas armas: o herói é apresentado como letrado prudente e guerreiro
valoroso para ações magnânimas. Cláudio não segue a totalidade do modelo de Alexandre,
pois evidentemente este é de natureza conquistadora, enquanto o argumento central da viagem
de Albuquerque trata da solução justa de uma disputa entre partidos do mesmo reino,
paulistas e emboabas, visto que as terras mineiras tinham sido conquistadas e ocupadas.
Cláudio configura a matéria histórica como máscara teatral discreta da intenção gloriosa de
valorização político-econômica da Capitania de Minas Gerais. A execução da autoridade
temporal do Rei é estabelecida pelos controles fiscais, jurídicos e políticos, das instituições
oficiais, como as provedorias e juntas da Real Fazenda, as casas de fundição, as intendências,
as superintendências, as casas de permuta, as câmaras etc.
264
. Op. cit., p. 22 Apud HANSEN, João Adolfo. Notas sobre o gênero
épico. Op. cit., loc. cit.
265
-180, p. 444-446; Talvez fosse
interessante que se fizesse uma pesquisa histórica específica sobre o comércio de animais vivos na época
colonial. Sabemos que o comércio de couro de animais e cascos de tartarugas era comum pela relação dos
carregamentos das frotas brasileiras em 1749, mas não aparece na relação o transporte de animais vivos. É muito
provável que existiu um comércio do tipo no Estado do Brasil na época colonial, bem como muito contrabando
também. Cf. BOXER, Charles. Op. cit., apêndice VI, p. 368-371.
266
Modelo cultural por ser a representação histórica convencionada de um personagem, eliminando a figura
histórica empírica. O modelo cultural aqui é, portanto, a representação de uma representação.
267
VALLE, Ricardo Martins. A construção da Posteridade, ou A tradição para o Novo Mundo, ou A gênese
como Ruína. Op. cit., p. 38-39; p. 78-85.
89
2.4. O Fundamento Histórico do Vila Rica
Como homem das letras, representante do poder administrativo de uma corte na aldeia
da aldeia
268
, o poeta Cláudio Manuel da Costa entendia a função histórica da poesia como
afirmação da hierarquia portuguesa. Vimos que não tinha a sua disposição uma história
detalhada e espetacular das Minas Gerais, admirando abertamente como modelo a História
Mexicana, de Antonio de Solis. Por isso, Cláudio inventa para a sua fábula heróica a sua
própria historicidade, documentando-a no seu poema épico.
Figura 8. Frontispício da primeira edição da História da Conquista do México.
Antonio de Solis, 1684.
Um dos sete requisitos da fábula heróica do poema épico estabelecidos por Candido
Lusitano é              a
268
Laura de Mello e Souza propôs esta definição para a sociedade cortesã mineira do século XVIII, durante o
exame de qualificação do relatório de mestrado desta dissertação, em 8 de junho de 2006: partindo do
pressuposto de que a Co
reino mais atrasado da Europa; considerando ainda a sua eventual submissão à Espanha, a elite mineira seria a

90
narração seja verossímil
269
. Por isso, como no épico L’Henriade, de Voltaire, Cláudio inclui
no seu Vila Rica diversas notas que esclarecem eventuais dúvidas e fontes, comprovando a
historicidade dos fatos, apreendida como uma heurística textual no uso verossímil da história
na composição da narração. Por isso, além das notas, o poeta antecede seu poema de um
ensaio intitulado Fundamento Histórico
270
, no qual comenta os diversos acontecimentos
narrados, da mesma maneira que a Henriade tem como apêndice o estudo histórico
Dissertation sur la mort de Henri IV. Porém, Cláudio não antecede cada canto com um
L’Henriade.
Esse Fundamento Histórico não faz parte do poema efetivamente. Não está articulado
poeticamente à composição, mas a particulariza no quadro das letras luso-coloniais. É um
trabalho de pesquisa e levantamento das diversas circunstâncias retratadas, lendas referentes
ao descobrimento do ouro, conflitos entre paulistas e emboabas e fatos relacionados às
fundações das cidades mineiras, entre 1640, ano em os paulistas teriam expulsado de suas
terras os padres da Companhia de Jesus, e 16 de julho de 1768, data da posse do Conde de
Valadares como Governador das Minas Gerais. Embora o tempo da narrativa da ação
principal corresponda ao período da viagem de Antônio de Albuquerque e a Fundação de Vila
Rica, o período do Fundamento Histórico, num sentido amplo, corresponde ao período de
abrangência do próprio poema, pois no Canto IX este retrata a sucessão cronológica de todos
os governadores da região.
O Fundamento Histórico foi publicado antes mesmo que o poema, em abril de 1813,
de forma independente, no mero 4 do jornal O Patriota, p. 40-68. O jornal mudou o título
do Fundamento Histórico  Memória histórica e geográfica da descoberta das Minas,
extraída de manuscrito de Cláudio Manuel da Costa, secretário do governo daquela
capitania, que consultou muitos documentos históricos, existentes na secretária do governo, e
em outros arquivos            O correio
brasiliense public          
relação à edição do primeiro jornal. A finalidade de trocar o nome do Fundamento Histórico
para Memória histórica era desvincular essa parte escrita do poema como um todo, pois a
269
Cf. FREIRE, Francisco José [CANDIDO, Lusitano]. Arte Poética ou Regras da Verdadeira Poesia em Geral
e de Todas as suas Espécies Principais, tratados com juízo crítico: Composta, e dedicada ao senhor Filippe de
Barros de Almeida, Cavaleiro da Insigne Ordem Militar se S. João de Malta &c. por Francisco Joseph Freire,
Ulissiponense. [1.a ed., vol. único]. Lisboa: Na Oficina de Francisco Luís Ameno, Impressor da Congregação
Camerária da S. Igreja de Lisboa, MDCCXLVIII. Com as Licenças Necessárias e Privilégio Real, p. 169.
270
Op. cit., p. 360-376.
91
            nos
explica Hélio Lopes
271
.
Portanto o Fundamento Histórico tem uma trajetória quase independente do poema,
que o antecede e pode ser motivo de um trabalho aprofundado e de fôlego. Por isso, neste
trabalho, não pretendo esgotar o estudo desse texto, mas apenas apreender o seu conteúdo
para entender bem a matéria histórica do poema, capaz de nos guiar através dele.
Cláudio declara que recebeu diversos documentos de dois amigos, o Coronel Bento
Fernandes Furtado e o Sargento-Mor Pedro Taques de Almeida Paes Leme. Diz que os
apontamentos de Fernandes Furtado revelavam algumas contradições em relação à História
de Sebastião da Rocha Pita
272
, confirmadas pelas fontes fornecidas por Pedro Taques, como
cartas, ordens régias e manuscritos. Sebastião da Rocha Pita inventa uma história que
 de uma teoria da r-se como fidalgo,
portador de uma autoridade autorizada, escreve uma história oficial, na qual o Império
L
273
; mas atribui
aos paulistas qualidades imprudentes, como a cobiça, a inveja, a insubordinação, a
maledicência etc., defeitos que não poderiam ser aceitos por Cláudio Manuel para a sua
elaboração poética, por isso, o poeta se obrigado a escrever a sua versão da história. Tudo
indica que Pedro Taques baseia a invenção de sua história
274
nessa correspondência com
Cláudio Manuel e que o Fundamento Histórico pode ter sido a base para a invenção de outras
histórias, como a do Frei Gaspar da Madre de Deus
275
. O Fundamento Histórico é muito lido
desde então por todos os historiadores. Por isso, o Vila Rica obteve a agora mais
repercussão na historiografia do que na crítica das letras.
O primeiro fato histórico relevante apontado por Cláudio no seu Fundamento
Histórico 
271
Cf. LOPES, Hélio. Introdução ao poema Vila Rica. Op. cit., p. 7-8; Hélio Lopes adverte que a edição
publicada no jornal apresenta diferenças textuais em relação ao texto que efetivamente antecede o poema épico
de Cláudio. Diz ainda que este fato é estudado 
In: Anais da Biblioteca Nacional, vol. 2, p. 230; e José Honório Rodrigues nos dois volumes de sua Teoria da
História do Brasil, p. 178; Não estudaremos aqui essa questão, pois temos por suficiente e disponível a pesquisa
filológica de Hélio Lopes disponível em seu trabalho citado.
272
Sebastião da Rocha Pita é o célebre autor de História da América Portuguesa, publicada em Lisboa, 1730.
273
Cf. KANTOR, Íris. Esquecidos e Renascidos: Historiografia Acadêmica Luso-Americana (1724-1759). São
Paulo/ Salvador [BA]: Hucitec/ Centro de estudos baianos/ UFBA, 2004, p. 96-97.
274
LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Notícias das minas de São Paulo e dos sertões da mesma capitania.
[1771]. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1976.
275
GASPAR DA MADRE DE DEUS, Frei. Memórias para a história da Capitania de São Vicente. [1797]. Belo
Horizonte: Livraria Itatiaia Editora, 1975.
92
              

276
. É interessante perceber, nessas palavras do poeta, o quanto
é forte o papel da economia, como premissa de todos os seus argumentos, na idéia de riqueza,
que reforça o Real Erário. Cláudio entende claramente que a descoberta do ouro das Minas
Gerais não foi uma ação intencional, pois não havia mais a expectativa de que ouro ou outro
metal precioso fossem encontrados no final do século XVII no Estado do Brasil, depois de
250 anos de exploração, como relata Vieira:
Esperávamos de ter minas, e estamos desenganados de que as não há: ou
esperávamos que se descobrissem, e não se descobriram. E se eu instasse
mais em querer saber o discurso ou conseqüência com que sobre este
desengano fundais a vossa tristeza; também é certo havíeis de dizer, como
eles disseram, que no sucesso que se desejava e supunha, estavam livradas as
esperanças da redenção, não só desta vossa cidade, e de todo o Estado, senão
também do mesmo Reino: Nos autem sperabamus, quia ipse esset
redempturus Israel
277
.
Cláudio relata que os paulistas tinham o hábito de sair adentrando os sertões à procura
de índios que substituíssem os escravos que vinham da África, e eventualmente aproveitavam
para sondar metais e pedras preciosas em todo lugar. É preciso discernir, portanto, que o
movimento dos bandeirantes não tinha nada a ver com um suposto nacionalismo precoce, na
ânsia de consolidar uma nação pelo desbravamento dos sertões, na apologia da suposta
nobreza das façanhas desses exploradores. Através das bandeiras deu-se obviamente certa
expansão da colônia, mas a finalidade delas não era esta. Seu objetivo primordial era
econômico, na busca de escravos ameríndios e, nisso, a procura dos metais se dava em


278
.
Na história escrita por Cláudio, o ouro teria sido encontrado nas Minas em 1693 por
Antonio Rodrigues Arzão, provavelmente cristão-     
Chegando à Capitania do Espírito Santo, apresentou a descoberta ao Capitão-Mor Regente e à
Câmara. Deste ouro, teriam sido feitas duas memórias, em forma de anéis; uma delas ficara
com o Capitão-Mor e a outra, com Arzão, fundamentando no poema o argumento do Canto II.
276
É notável a crítica de Cláudio, pois evidencia ter escrito o poema durante a administração pombalina, quando
a companhia de Jesus estava em desgraça. Cf. TEIXEIRA, Ivan. Mecenato Pombalino e Poesia Neoclássica. Op.

277

-Pará: Ano de 1656]. (Na ocasião em
que chegou a nova de se ter desvanecido a esperança das Minas, que com grandes empenhos se tinham ido
descobrir.) In: Sermões. Org. Alcir Pécora. São Paulo: Hedra, 2001, tomo I, p. 566-567.
278
Cf. BOXER, Charles R. Op. cit., p. 50 e p. 58.
93
Arzão parte para São Paulo, onde falece, deixando ao seu cunhado, Bartolomeu
Bueno, a tarefa de continuar a exploração do ouro. Bartolomeu Bueno vai em 1694 aos
sertões, chegando até o Rio das Mortes, fazendo algumas plantações de milho pelo caminho,
depois retorna à vila de São Paulo.
No ano seguinte, Bueno ter-se-ia juntado a outros sertanistas na procura do metal
precioso, com a vantagem de poder colher o que fora plantado no ano anterior. Um dos
companheiros de Bueno, Miguel de Almeida, pediu ao coronel Salvador Fernandes Furtado
uma clavina em troca de todo o ouro que se achasse naquela ocasião. O coronel recebeu doze
oitavas de ouro. Este, por sua vez, comprou com este ouro duas índias, mãe e filha, que
estavam em posse do Capitão-Mor Manuel Garcia Velho. Salvador Fernandes Furtado
determinou o batismo das índias. A filha foi batizada com o nome , a mãe, com
de Aurora e Argasso. A negociação
das índias como escravas é descrita num evento corriqueiro, justificado pelo batismo delas,
propondo a instituição da escravidão de forma habitual, ou seja, não questionando a
legitimidade da hierarquia que esmaga os escravos na base de sua pirâmide. Como se vê,
todos os fatos históricos parecem representar as convenções da sociedade luso-brasileira
colonial dos séculos XVII e XVIII, num exercício de teatralização da história.
Depois da venda de Aurora, o Capitão-Mor Manuel Garcia Velho retornou para a vila

        endo nomeado Provedor dos Quintos.
Evidencia-se a arbitrariedade das nomeações hierárquicas dessa sociedade, que premia os
promotores da riqueza material do corpo místico do reino. Com o conhecimento destes
acontecimentos, muitos aventureiros começaram a corrida às Minas: uma multidão de pessoas
de toda classe, paulistas e forasteiros
279
, principiando a disputa pelas descobertas entre os
paulistas, muitos destes taubateanos.
Após narrar a história da descoberta do ouro, Cláudio relata as fundações e
descobrimentos de cada vila que considera importantes pelos taubateanos e paulistas, a Vila
279
-se por caminhos tão ásperos
como são os das minas, que dificultosamente se poderá dar conta do número das pessoas que atualmente lá estão.
(...) Cada ano, vêm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, para passarem às minas. Das cidades,
vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se
servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e
plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento
Cultura e Opulência do Brasil. [1711]. Op.
cit., p. 263-264.
94
do Carmo (Mariana), a Vila Rica de Ouro Preto, Sabará, Caeté (Vila da Rainha), Vilas de São
João e São José e, finalmente, Serro Frio (Vila do Príncipe). Cláudio em seguida relata a
            e
Minas Gerais, onde conta a história da morte de D. Rodrigo de Castelo Branco, episódio
fundamental para a invenção da fábula épica porque a questão da culpabilidade de Borba Gato

Garcia/ A chegada do Borba, Vila Rica.
Canto III, vv. 1-3.).
Borba Gato tem que contar sua história para Albuquerque. O relato inicia com os
eventos acontecidos com Fernão Dias Pais, que estava nas Minas, e teve que retornar ao Rio
de Janeiro para enviar amostras de esmeraldas ao Rei, deixando seu genro, Manuel de Borba
Gato, morador das cercanias do Rio das Velhas, encarregado de guardar uma boa reserva de
pólvora e chumbo, que seria usada somente quando Algum
tempo depois da partida de Fernão Dias, o Governador D. Rodrigo chega à casa de Borba
Gato acompanhado de alguns paulistas. Requisita a pólvora e o chumbo em posse de Borba,
com o intuito de chegar às sonhadas minas de esmeraldas. Borba Gato não concorda com o
pedido, explicando que espera pelo retorno de seu sogro. D. Rodrigo, no calor da discussão, é
          
Dias. Este ajuda seu genro a fugir com seus agregados. Borba Gato e seu grupo teriam sido os

No poema, a morte de D. Rodrigo é figurada verossimilmente como conseqüência de sua
imprudência, no afã de tomar posse das minas de esmeraldas, justificando na invenção da
narrativa o suposto perdão dado a Borba Gato no julgamento de Albuquerque.
Segundo a versão mais difundida pela história, depois de alguns anos, Borba Gato
envia dois índios a São Paulo para pesquisar a situação de seu crime junto ao novo
Governador, Artur de e Menezes. O Governador concedeu-lhe o perdão, em nome de El-
Rei, contanto que reconhecesse o descobrimento do Rio das Velhas. Então, Borba Gato e o
Governador Artur de Sá foram ao Rio das Velhas, para que fosse reconhecida a autoridade do
Governador na região. Depois da visita do Governador
das Minas, divididas entre o pressuposto direito de propriedade
280
dos paulistas, pelo princípio
280
Usamos aqui o termo propriedade          r o primeiro (pro) a
História Geral, de Taunay, vol. 9, p. 473-
-se a ver a região mineira como de sua propriedade especial, tal como prova a
95
do descobrimento e depois com a guerra, segundo o princípio do status quo ante bellum; e os
forasteiros aventureiros que vinham de Portugal que reivindicavam o direito sobre o território
pela efetiva ocupação, conforme o princípio do uti possidetis
281
. Começa o conflito civil da
Capitania de 
religiosos foram os principais responsáveis pelo crescimento dos tumultos, pois
monopolizavam o comércio do fumo e da cachaça e queriam implantar o monopólio sobre o
comércio do gado, gerando grande descontentamento nos colonos. -se que a disputa
econômica é o cerne de todos os conflitos, em todos os níveis hierárquicos dessa sociedade,
cujos membros desejam alçar-se a uma posição superior ou manter seu lugar consolidado.
O poeta não cita o nome dos religiosos, mas sabemos, pelos versos existentes apenas
no manuscrito da Biblioteca de Lisboa, que se trata dos personagens históricos do Frei
Francisco de Menezes e seu companheiro, o Frei Conrado
282
. Os paulistas foram expulsos da
região entre 1709 e 1710, quando Manuel Nunes Viana reivindica e assume temporariamente
o posto de Governador. O conflito é obviamente de ordem econômica, como disputa da
legitimidade da exploração da tarefa de minerar o ouro e o fornecimento das provisões para
aqueles que se ocuparem dela.
Com estas notícias, o novo Governador D. Fernando Martins de Mascarenhas vai
pessoalmente ao Rio das Mortes, na tentativa de acalmar os tumultos. Diz-se que se espalha
um boato de que o Governador vem prevenido com cargas de correntes e outros instrumentos
de ferro, causando a desconfiança de Manuel Nunes Viana, que reúne um inumerável
contingente de pessoas. Manuel Nunes encontra-se com o Governador no Arraial das
Congonhas. O grupo Viva o nosso Governador Manuel
Nunes Viana, e morra D. Fernando, se não quiser voltar para o Rio de Janeiro
283
. D.
Fernando pede oito dias para se retirar, que lhe são concedidos. Mas, assim que as costas
aos revoltosos, parte sem demora para São Paulo, com o intuito de reunir-se aos paulistas.
petição da Câmara da cidade de São Paulo à Coroa, em 1700, requerendo que a outorga de terras em Minas
BOXER, Charles R. Op. cit., p. 88.
281
Segundo o direito romano, a expressão status quo ante bellum (estado [das coisas] antes da guerra) era o
princípio de tratados nos quais os inimigos mantinham a soberania presente no Estado anterior ao conflito. A
expressão uti possidetis (a posse [de quem] usa) era empregada nos tratados nos quais os ocupantes do território
obtinham o direito sobre este espaço, tornando-se depois, um princípio do direito internacional.
282
Frei Francisco de Menezes contava com a ajuda de mais três sócios, Pascoal Moreira Guimarães e mais dois
sacerdotes, referidos nas crônicas históricas simplesmente como Frei Firmo e Frei F. Conrado. Cf. MATTOS,
  História Geral da
Civilização Brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960, tomo I (A Época Colonial), vol. 1 (Do
Descobrimento à Expansão Territorial), p. 301.
283
, grifo do autor.
96
Porém é surpreendido no Rio de Janeiro pela notícia da nomeação e chegada do novo
Governador, o Capitão-General Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, figurado
heroicamente no poema épico. Desta forma, Cláudio, mimetizando a história, caracteriza
episodicamente a ilegitimidade do movimento dos emboabas na arrogância imprudente dos
discursos dos personagens do Frei Francisco de Menezes e do Frei Conrado, que ironizam a
fuga de D. Fernando e a morte de D. Rodrigo de Castelo Branco:
Torne, torne de nós a ser lembrada
De Dom Fernando a fresca retirada
Venha em memória de Rodrigo o caso;
E ou em falsa traição, ou campo raso
Ataque-se Albuquerque, fuja e leve
De uma vez, pois que a tanto hoje se atreve
O desengano da ousadia sua.
Assim fala Menezes: continua
A propagar Conrado o ímpio partido,
Que de acordo comum têm recebido.
Derrama-se o veneno e vai chegando
Aos corações de muitos, avivando
As imagens da antiga rebeldia.
(Vila Rica. Canto V, vv. 91-103, grifo do autor.)
Historicamente, portanto, após a saída de D. Fernando, Antônio de Albuquerque parte
imediatamente para as Minas, com a estratégia de passar despercebido, como um particular,
sendo bem recebido nos arraiais nos quais vai pernoitando. Cláudio não relata isto no
Fundamento Histórico, todavia consta que ele era acompanhado apenas por dois capitães,
dois ajudantes e dez soldados
284
. Essa estratégia de disfarce é bem conhecida e representada
nos poemas épicos
285
. Podemos levantar a hipótese de que o Governador confiava em sua
fama de combatente invencível e negociador engenhoso. Isto se deve ao fato de ele não ser
um ilustre desconhecido, mas pertencer a uma linha de Governadores do Brasil. Seu avô foi o
primeiro Governador do Maranhão. Seu bisavô fora Capitão-Mor da Paraíba. Antônio de
Albuquerque, por sua vez, foi Capitão-General do Maranhão de 1667 a 1671. Recebeu a
patente de Sargento-Mor aos 21 anos, tornando-se o Governador da Beira Alta e a Praça de
Olivença em Portugal. Retorna ao Brasil, gerindo Tapuitapera e Cametá, donatarias de seu
pai. Em 1685, torna-se Capitão-Mor do Pará, repelindo as forças invasoras do Marquês Pedro
Ferroles, da Guiana Francesa. Em 1690 substitui de Meneses no Governo do Maranhão,
284
BAREIROS, Eduardo Canabrava. Episódios da Guerra dos Emboabas e sua Geografia. Belo Horizonte:
Itatiaia/ São Paulo: Edusp, 1984, p. 108.
285
Por exemplo, no Livro XIII da Odisséia, Ulisses é disfarçado como um velho mendigo pela deusa Atena para
surpreender os rivais que estavam em seu palácio; No Livro V da Farsália, César disfarça-se de plebeu para
passar despercebido em uma pequena viagem.
97
lutando novamente contra os franceses. Vai a Portugal em 1707 para se tratar de suposta
doença. Lá, toma parte na invasão da Espanha, sob as ordens do então Conde das Galveias.
Tinha a Comenda da Ordem de Cristo e a Comenda de São Afonso do Val de Telhas, torna-se
Alcaide-Mor de Sines e é aceito ao Conselho Real de Sua Majestade, D. João V. É nomeado
Capitão-General ad honorem da Repartição do Sul do Estado do Brasil
286
. Aqui, evidencia-se
o entendimento de que o homem detentor das maiores virtudes é um líder natural, topos
antigo bastante codificado
287
, praticado no mecenatismo da Corte portuguesa e codificado na
teologia-política de sua razão de Estado. Albuquerque representa, portanto, o Príncipe
guerreiro que tem a excelência da virtude superior e absoluta, preceito da doutrina da

obediência dos súditos ao seu Superior, e esta alicerça-se na excelência da virtude do
Prínci            
virtudes, excedem os limites da mediania
288
.
De fato, o Governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho era um
administrador notável, bem-relacionado na corte, representant-Rei, experiente
na guerra, eloqüente no discurso, reconhecido pela Igreja etc., ou seja, portador de qualidades
excelentes, estado que o tornava o tipo ilustre perfeito para a invenção de um poema épico e o
homem histórico ideal para a difícil missão de instituir a autoridade real naquela região
remota, que era de importância vital para a sobrevivência econômica do reino, pois assegura o
direito natural de El-Rei receber a quinta parte do ouro
289
. Deste modo, Albuquerque é
286
Cf. SUANNES, S. Op. cit., 259-260.
287
LÍVIO, Tito. Historia Romana.            
HALICARNASSO, Dionísio de. Antiquitates Romanae.           
inferiore        Annales      
    Política, 3, 7, § 2 (1283):    
divergência, o direito substitui o mérito. Contudo, se essa é a verdade, os que possuem sobre os demais uma
vantagem qualquer, a frescura da cútis, por exemplo, ou a esbelteza do talhe, devem usufruir também direitos
políticos mais extensos. (...) Quando diversos tocadores de flauta possuem mérito igual, não é aos mais nobres
que as melhores flautas devem ser dadas, pois eles não as farão soar melhor; ao mais hábil é que deve ser dado o
it., p. 17.
288
BOTERO, João. Op. cit., p. 16-17.
289
Antonil esclarece que a obrigação de pagar os quintos do ouro é legitimada em foro externo, pelas leis e
ordenações do reino, pelo direito divino do Rei e pela justiça comutativa, como justo tributo, e em foro interno,
pela atenção da consciência do súdito para 
               
escritos dos doutores da Igreja que fundamentam o direito real, como o Padre Molina no De Justitia et Jure, Ita
Solorzano no Indiarum Gubernatione, Francisco Suárez, no De Legibus, entre outros. Cf. ANTONIL, André
-Rei nosso senhor a quinta parte do ouro que se tira
das minas do BrasilCultura e Opulência do Brasil. [1711]. Op. cit., p. 272-284; Antonil observa ainda que

como para o Bem Público, de quantas outras conta o   
98
figurado epicamente como um herói cortês, portador das virtudes católicas da Corte
portuguesa, como evidencia seu próprio discurso, que fala de fé, paz, justiça, subordinação ao
Rei, amizade e especialmente fidelidade, a fides, 
Buscais acreditar a vossa fama
Com o dote imortal, que a Nação preza,
De uma fidelidade portuguesa,
De meus antecessores longe o susto;
Goze-se a doce paz, e um trato justo
De amizade e de fé, de hoje em diante
Acabe de apagar o delirante,
Fanático discurso, que inda excita
De algum Vassalo a dor; não se limita
O Régio Braço: a todos se dilata,
A todos favorece, acolhe, e trata
Sem outra distinção mais do que aquela
Que demanda a virtude ilustre e bela.
(Vila Rica. Canto X, vv. 100-112, grifo do autor.)
Albuquerque consegue estabelecer a ordem da lei do reino na região, com muita
negociação. Mantém os postos criados por Nunes Viana, impondo a obediência à autoridade
central de Portugal. Historicamente, outros fatores devem ter contribuído para esse aparente
sucesso extraordinário do Governador, terminando a Guerra dos Emboabas. Manuel Nunes

aparece como personagem inferior, como vassalo, pois se tornara fraco e perdera apoio
político
290
. Os seus negócios são muito prejudicados por um grande concorrente nas Minas,
Sebastião Pereira de Aguilar
291
, que apóia e a reconhece a autoridade de Albuquerque, fato
decisivo para o desfecho da história, com o exílio de Manuel Nunes.
Contudo, convém a Cláudio destacar a coragem de Albuquerque realizar esta
           
António Andreoni]. Cultura e Opulência do Brasil. [1711]. Op. cit., p. 205 Apud ASSUNÇÃO, Paulo de.
Negócios Jesuíticos: O Cotidiano da Administração dos Bens Divinos. São Paulo: Edusp, 2004, p. 289.
290
O              
assustadiço. De fato, não era aquele indivíduo meão, de espessa barba negra e pequenos olhos faiscantes,
cheio de vida e de valor que seus adversários temiam. Os infortúnios pretendiam dar cabo do insolente e árdego
Canguçu do Brasil, do destro espadachim que empolgara a Bahia, do polemarco dos revéis./ Instalara-se em
tosco e desgracioso casalejo coberto de palha e cercado de paredes de taquaras e barro cru, onde passava os dias
metido numa rede a ler a CIDADE DE DEUS. Lendo olvidava seus males. Assim se encontrava quando os
-se de que, nos últimos tempos de sua
boa fortuna, se tornara malquisto pela população por não permitir que outras pessoas lhe fizessem concorrência
 SUANNES, S. Op. cit., 1962, p. 270- 
akanga (cabeça) + sufixo aumentativo -usu, epíteto com o qual os índios nomeavam
o jaguar. Cf. NAVARRO, Eduardo de Almeida. Método Moderno de Tupi Antigo. Op. cit., p. 70 e 508; Cf.
CanguçuHOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Op. cit., loc. cit.
291
Cf. COSTA, Cláudio MOp. cit., p. 371-372.
99
Astecas pelo espanhol Hernán Cortés, retratada na História da Conquista do México, de
Antonio de Solis. Mas o poeta não teve à sua disposição uma história contada de modo tão
extraordinário como a de Solis, por isso, vê-se obrigado a completar a História de Sebastião
da Rocha Pita com o seu Fundamento Histórico. Assim, Cláudio viu-se no dever de escrever

de Vasconcelos
292
.
A viagem histórica de Antônio de Albuquerque é circular, ou seja, parte do Rio de
          
Chegando ao coração das Minas, realiza suas deliberações e depois retorna ao Rio de Janeiro,
       e circular empírica de pacificação das
Minas Gerais, que termina em agosto de 1709
293
, não se ainda a fundação de Vila Rica de
Ouro Preto, evento que se realiza apenas dois anos depois, em julho de 1711
294
. Nesse
sentido, a história representada poderia ter sido disposta por Cláudio segundo a convenção
épica que prescreve que a fábula heróica perfaz uma viagem circular, ou viagem de retorno ou
Nostói ()
295
, topos recorrente nas letras que aparece, por exemplo, na Odisséia, na
viagem mítica dos Argonautas, na tragédia Medéia
296
,  Os Lusíadas. Dessa forma, a
história de Albuquerque poderia ser mitificada segundo esse topos da épica antiga, como
           início

297
, na idéia de que o mito representa o arquétipo de um tempo cíclico, de um
mitologema
298
       Idade do Ouro e à revolução
circular de Platão
299
.
292
VASCONCELOS, Diogo de. História antiga, vol. 1, p. 149 Apud LOPES, Hélio. Introdução ao poema Vila
Rica. Op. cit., p. 53.
293
SOUZA, Laura de Mello e. 1680-1720: o império deste mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.
69.
294
A fundação empírica oficial que contou a presença do Governador se deu em oito de junho de 1711. Cf.
CREAÇÃO DE VILLAS NO PERIODO COLONIAL; VILLA RICA; Termo de erecção da villa. Revista do
Archivo Publico Mineiro, Ouro Preto: Imprensa Official de Minas Gerais, vol. 2, p. 85, 1897.
295
A propósito, existe uma épica grega antiga perdida, chamada Nostói, que narrava a volta da força grega
principal da Guerra de Tróia. Dela temos apenas fragmentos. Cf. HESIOD, THE HOMERIC HYMNS AND
HOMÉRICA THE RETURNS & THE TELEGONY (fragments). In: Online Medieval and Classical Library.
Disponível em: <http://omacl.org/Hesiod/ret-telg.html>. Acesso em: 12 jan. 2006.
296
Cf. EURÍPIDES. Medéia, Hipólito, As Troianas. Tradução de Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1991.
297
Cf. CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 9.a ed. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo:
Cultrix/Pensamento, 2004, p. 36.
298
Um mito gerador de outros mitos.
299
Cf. ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno: arquétipos e repetição. Lisboa: Edições 70, 1981.
100
Figura 9. Mapa da viagem do Governador Antônio de Albuquerque às Minas Gerais
300
.
300
Extraído de MELLO e SOUZA, Laura de. 1680-1720: o império deste mundo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p. 68; Roteiro baseado no de BAREIROS, Eduardo Canabrava. Episódios da Guerra dos
Emboabas e sua geografia. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1984, p. 113.
101
Assim, no poema de Cláudio, a viagem não terminaria em Vila Rica, mas em Parati,
obrigando o poeta a figurar o retorno de Albuquerque como outra ação heróica, o que seria
ainda menos interessante para o ponto de vista do leitor e para manter a unidade da obra,
atenuando o relevo da importância econômica da localidade das Minas Gerais e da nobreza da
pacificação dos rebeldes emboabas. Portanto, Cláudio encena o término da incursão
pacificadora do Governador com o desenlace na fundação de Vila Rica, no decorrer de uma
viagem linear, contrariando o modelo épico convencional de narrar uma viagem mítica
circular. Esta é a maior adaptação de ordem cronológica no poema, colocando o ponto final da
aventura geograficamente na Vila Rica de Ouro Preto e realçando a importância da própria
Vila Rica, cidade capital que metonimicamente representa toda a Capitania de Minas Gerais,
mais que qualquer personagem apresentado.
Aqui termina a matéria histórica fundamental do poema. Cláudio, porém, prossegue
seu Fundamento Histórico, destacando a história de sucessão dos governadores da Capitania
de Minas Gerais, do suposto descobrimento das esmeraldas, onde aparece a figura obscura do
escritor Diogo Grasson Tinoco. Cláudio analisa alguns dos versos de um poema de Grasson
Tinoco que trata da descoberta das esmeraldas. Essa pequena digressão é uma preciosidade,
pois podemos conhecer um pouco da lógica do juízo do poeta na sua leitura, exatamente
quando escreve seu poema épico. Cláudio o poema de Grasson Tinoco exclusivamente por
sua referência histórica, deixando escapar alguns conceitos morais valiosos para nós. Ele


procurar as esmeraldas é vista sempre como uma empresa e os índios são vistos como
Tinoco 

Céu que ele tivesse a glória de apresentar ao seu Soberano o testemunho do seu zelo e da sua
Providência divina é, no caso, um argumento tão válido quanto qualquer outro
argumento técnico ou histórico.
Esse juízo pensa a poesia como figuração exemplar da história e pressupõe uma
invenção própria para formar o juízo discreto de sua recepção, pois a empresa de conquista
histórica é gloriosa, dependente da nobreza do herói e da Providência divina e, por isso,
merece ser cantada elogiosamente pela poesia, prestigiando as mais altas qualidades que um
súdito pode ter para com o seu Rei: o zelo, o ânimo seguro, a capacidade e, acima de tudo, a
lealdade. Todas essas virtudes relacionam-se com as virtudes cardeais e caracterizam um tipo
102
discreto de corte, herói católico e civilizador, que oculta discretamente ou dissimula
teatralmente sua práxis, a incansável busca da riqueza do precioso ouro, ilustrado no brasão
da cidade, ouro que possa ser acumulado em grande quantidade para fortalecer a soberania
econômica do reino de Portugal.
Figura 10. Antigo Brasão da Cidade de Ouro Preto.
Vigente até 18 de novembro de 2005. MHCMOP
301
.
Figura 11. Atual Brasão da Cidade de Ouro Preto.
Vigente desde 18 de novembro de 2005. MHCMOP
302
.
301
O brasão da cidade vigente até 18 de novembro de 2005 foi outorgado à Vila Rica por D. João V, quando a
elevou a condição de vila pela decisão de Antônio de Albuquerque, em 1711. Reproduz graficamente a
topografia da região, ou seja, os três morros Cabeças, Santa Quitéria (Praça Tiradentes) e Alto da Cruz e os
dois vales Antônio Dias e Pilar do Ouro Preto. O listel Prœtisum tamen nigrum [Precioso ainda que negro]
remete à cor escura das pepitas de ouro que eram encontradas na região e que deu origem ao nome da vila. As
datas de 1711 e 1789 referem-se respectivamente à fundação da cidade e à Inconfidência Mineira. Cf. CAMPOS,
Kátia Maria Nunes. O Brasão da Cidade de Ouro Preto. Disponível em: <http://www.cmop.mg.gov.br/>
Acessado em: 15 maio 2005; Recentemente, o listel foi revisado pela Câmara de Ouro Preto, através da Lei
              tornar o brasão

(Prœtisum Aurum Nigrum).
302
Cf. Ibidem. Acessado em: 10 jul. 2006.
103
3. A CENOGRAFIA DA POÉTICA
De todo lo dicho podemos colegir que en la naturaleza del poema épico entran todas estas
cosas: una acción noble y grande, personas ilustres y esclarecidas, como reyes, héroes, etc.,
la instrucción moral a donde deben tirar y parar todas las líneas de la epopeya, como a su
blanco y fin principal, y, finalmente, el modo verosímil, admirable y deleitoso con que se
debe hacer la imitación de la acción.
LUZÁN, Ignácio de. La Poetica, Libro IV, cap. I.
104
3.1. A poética-retórica
No capítulo anterior, investigamos os fatores externos ao texto do poema Vila Rica, na
emulação da história e na organização social teológico-política, que atrelam o tratamento e a
interpretação da matéria histórica a uma prática consuetudinária de representação, adequando
o enunciado à especificidade de sua recepção. Em outras palavras, podemos dizer que essa
especificidade cultural da sociedade colonial mineira define o plano do enunciado do poema.
Além desses aspectos, para empreender um exercício de leitura mais completo, é
imprescindível a apreciação minuciosa dos fatores internos de tessitura da sua composição
textual, ou seja, os padrões poético-retóricos
303
pressupostos em sua invenção, disposição,
elocução, memória e pronunciação. Além disso, o entendimento de como o poeta operou tais
padrões na composição do texto. Para isso, deve-se examinar em que medida o plano da
enunciação do poema está coordenado a uma prática de escrita convencionada. O desafio
deste trabalho, daqui em diante, é evidenciar os preceitos que configuram o decoro interno do
poema, conferindo-lhe a especificidade do texto escrito, para estudar a obra como composição
poética harmonizada com seu próprio tempo.
É necessário frisar que, nas cortes européias do século XVIII, a composição de
qualquer texto escrito seguia o princípio de um gênero, doutrinado e definido pelos exemplos
dos escritos de autoridades e pela aplicação das regras dos tratados de artes poéticas e
retóricas, sobretudo como veneração dos modelos gregos e latinos. No espaço cultural das
novas idéias, acompanhando a postura de uma mentalidade ilustrada
304
, as artes poéticas e as
retóricas antigas, como as obras de Horácio e Aristóteles, acompanhadas de novos tratados
retóricos e poéticos revitalizaram o modus faciendi do letrado. Em Portugal, podemos dizer,
houve assimilação na cultura letrada desses conceitos difundidos pelos filósofos ingleses,
franceses e italianos. A idéia de renovação das artes fora promovida desde o reinado de D.
João V, antecedendo a ascensão do Marquês de Pombal, produzindo duas obras importantes
303
Desde Aristóteles, a Arte Poética é indissociável da Arte Retórica, na medida em que esta serve as intenções
e ver teoricamente

Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit., p. 33;
304
Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: (Política Econômica e Monarquia Ilustrada).
São Paulo: Ática, 1982, p. 96.
105
para o cultivo das letras luso-brasileiras: o Verdadeiro Método de Estudar em 1746
305
, de
Luís Antônio Verney e a Arte Poética ou Regras da Verdadeira Poesia em 1748
306
, de
Candido Lusitano, nome árcade de Francisco José Freire.
As letras portuguesas obedeciam a uma regra geral: o atendimento pleno à finalidade
política, que se submete a teologia. A figuração poética, coisa representante, deve observar os
lugares de cada autoridade, coisa representada, dispondo os personagens segundo o cargo que
ocupa na hierarquia do Estado. Nessa poesia, a enunciação promove o encômio metódico da
sociedade católica. Os modelos devem ser emulados ou adaptados para o atendimento ao
decoro dos valores morais do Cristianismo, relativizando os preceitos como verdadeiros ou
falsos, mas nunca absolutos. A regra deve ser validada pela observação dos costumes das
autoridades precedentes como convenção, ornamento ou opção, de acordo com a sua
conformidade com a doutrina da Igreja. Nesse sentido, são contemporâneas tanto a Arte
Poética de Aristóteles e a Poética de Horácio quanto L’Art Poétique, de Nicolas Boileau-
Despréaux
307
, La Poética, de Ignácio de Luzán
308
, L’Arte Poética, de Antonio Minturno
309
, o
305
VERNEY, Luís Antônio. Op. cit.
306
Tive acesso às duas primeiras edições da obra; a primeira, pertencente à BMA: FREIRE, Francisco José
[CANDIDO, Lusitano]. Arte Poética ou Regras da Verdadeira Poesia em Geral e de Todas as suas Espécies
Principais, tratadas com juízo crítico: Composta, e dedicada ao senhor Filippe de Barros de Almeida, Cavaleiro
da Insigne Ordem Militar de S. João de Malta &c. por Francisco Joseph Freire, Ulissiponense. Lisboa: Na
Oficina de Francisco Luís Ameno, Impressor da Congregação Camerária da S. Igreja de Lisboa, MDCCXLVIII.
Com as Licenças Necessárias e Privilégio Real. Tomo único, com LII 432 pág.; Tive acesso à segunda edição
graças a João Adolfo Hansen: FREIRE, Francisco José [CANDIDO, Lusitano]. Arte Poética ou Regras da
Verdadeira Poesia em Geral e de Todas as suas Espécies Principais, Tratadas com Juízo Crítico: Composta por
Francisco Joseph Freire, ulissiponense. [1748]. 2.a ed., 2 tomos, com XXIV 223 e VI 329 pág. Lisboa:
Oficina Patriarcal de Francisco Luís Ameno, MDCCLIX. Com as Licenças Necessárias; Quando utilizo da
primeira edição consultada na BMA, indico essa informação com a sigla correspondente, pois a numeração das
páginas da primeira edição é diferente da segunda. Inocêncio Francisco da Silva, no seu Diccionario
Bibliographico Portuguez, esclarece que as duas edições da Arte Poética de Francisco José Freire não
apresentam diferenças notáveis quanto ao texto. A primeira edição, porém possui a mais uma dedicatória ao
historiador João de Barros e seus descendentes. Esta dedicatória é substituída na segunda edição por outra ao
Marquês de Pombal, Sebastião de Carvalho e Mello. Cf. SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario
Bibliographico Potuguez: Estudos de Innocencio Francisco da Silva aplicáveis a Portugal e ao Brasil. Lisboa: Na
Imprensa Nacional, MDCCCLIX, tomo segundo, p. 406-407.
307
BOILEAU-DESPRÉAUX, Nicolas. Le Lutrin et L’art poétique. [1674]. Paris: Larousse/ New York: F.S.
Crofts, 1941.
308
LUZÁN Y GURREA, Ignácio de. La poética o reglas de la poesía en general y de sus principales especies.
[1737]. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com>. [Nota preliminar: Edición digital a partir de la de
Zaragoza, Francisco Revilla, 1737 y la de Madrid, Antonio Sancha, 1789 y cotejada con la edición crítica de
Russell P. Sebold, Barcelona, Labor, 1974.] Acesso em: 22 mar. 2005.
309
A obra L’Arte Poetica ou Della Poetica Toscana, de Antonio Sebastiano Minturno, foi publicada pela
primeira vez no ano de 1563 e reimpressa em 1725 em Nápoles; Cf. MORA, Carlos de Miguel. La doctrina
métrica en el De poeta de Minturno
Granada: Servicio de Publicaciones de la Universidad, 1999, p. 618; Cf. MINTURNO, Antonio. L’Arte Poetica
del Signor Antonio Minturno, Nella quale si contengono i precetti Eroici, Tragici, Comici, Satirici, e d’ogni
altra Poesia: Con La Dottrina De Sonetti, Canzoni, ed ogni sorte di Rime Toscane, dove s’insegna il modo, che
tenne il Petrarca nelle sue opere. E si dichiara a’ suoi luoghi tutto quel, che da Aristotele, Orazio, ed altri
106
Essai sur la Poésie Épique, de Voltaire
310
, os Discorsi dell’arte poetica ed in particolare
sopra il poema eroico, de Torquato Tasso
311
, a Arte Poética, de Francisco José Freire etc.
Todos esses escritos são acumulados na prática e na observação dos preceitos, produzindo
convergências e divergências entre definições e opiniões, pelas várias traduções e adaptações,
exigindo do poeta um juízo discreto para a conciliação prudente de discordâncias,
semelhanças e aproximações encontradas. Busca-se uma forma conveniente ao decoro interno
e externo do poema. O conjunto dessas regras segue modelos convencionados de lugares-
comuns ou topoi, um elenco de imagens, opiniões prováveis e argumentos verossímeis, que
auxiliam a memória e estão disponíveis à invenção retórica do discurso, dispondo a matéria
segundo a maneira mais adequada para o gênero escolhido. Na epopéia, estes padrões
retórico-poéticos lidos, repetidos, emulados e acumulados formam um sistema de
procedimentos para a experiência da mímesis, produzindo uma poesia que tem sempre
finalidade prática, utilitária, além de seu valor poético, que se particulariza pela elocução
sublime ou grave do enunciado prescrito para o gênero épico.
Ponderando todos esses fatores, os poetas mineiros, cuja educação universitária se
fazia necessariamente na Europa, seguiam essas práticas de representação artísticas
apreendidas na vivência universitária da Corte portuguesa, difundido-as na colônia
ultramarina, onde passam a promover a circulação de livros e manuscritos trazidos da Europa.
Esses tratados poéticos, escritos e manuscritos difundidos na Corte e na Colônia, definiam,
portanto, as regras e o sentido das letras e das artes. É improvável que Cláudio tenha lido
todos os tratados de poética disponíveis, mas constata-se facilmente que o poeta estava
atualizado com as questões discutidas neles, pois se comprova na leitura do Vila Rica a
emulação de Voltaire, Milton, Tasso e outros. A esse propósito não nos ajuda muito a ata do
Autori Greci, e Latini e’ stato scritto per ammaestramento de Poeti. Napoli: Stamperia di Gennaro Muzio,
MDCCXXV.
310
VOLTAIRE [François Marie Arouet].      In: Ouvres Complétes. Paris: Firmin-
Didot Fréres, 1834, tome X (La Henriade avec préfaces, avertissements, notes, etc. par M. Beuchot); Nesta
edição, para demonstrar as revisões da frase final do ensaio por Voltaire, Beuchot explica que o texto teve várias
edições: 1733, 1742, 1746, 1748, 1751, 1752 e 1756; Esse texto foi supostamente escrito por Voltaire, ainda na
Inglaterra, em 1726; depois incorporado nas suas Ouvres, a partir de 1732, sempre posposta à épica La Henriade.
Op. cit., p. 397-400.
311
Os Discorsi dell’arte poetica ed in particolare sopra il poema eroico, de Torquato Tasso, compostos em
1564, ou entre 1567 e 1570, foram publicados em Veneza, por G. Vasalini, no ano de 1587, numa edição que foi
criticada pelo próprio autor, e por isso foi submetida a uma grande revisão, terminada mais adiante no mesmo
ano de 1587. Esta somente vem à luz somente em 1594, em Nápoles por P. Venturini, com o título de Discorsi
del poema eroico. Cf. PIGNATTI, Franco. Torquato Tasso, Discorsi dell’arte poetica e del poema eroico.
Disponível em: <http://www.italica.rai.it/rinascimento/cento_opere/tasso_torquato_discorsi.htm>. Acesso em:
02 set. 2005; TASSO, Torquato. Discorsi dell’arte poetica ed in particolare sopra il poema eroico. Disponível
em: <http://www.classicitaliani.it/index082.htm>. Acesso em: 05 out. 2005.
107
Translado dos seqüestros feitos ao Doutor Cláudio Manuel da Costa, publicada nos Autos da
Inconfidência
312
. Neste documento, encontramos a relação de alguns títulos e autores de uma
biblioteca completa de Direito Canônico, com vários estudos sobre as Ordenações do Reino,
um tratado de agudeza, dois tomos de Baltasar Gracián, um tomo da História de Solis, um
tomo de Quevedo, um tomo de Gabriel Pereira de Castro, além de outros 179 tomos que,
lamentavelmente, não são nomeados pelo escrivão José Caetano Cézar Manitte. Cláudio tinha
acumulado até o momento da invenção do Vila Rica um amplo cabedal de conhecimentos de
poética, retórica, gramática, teologia, direito canônico etc., estudados desde quando era aluno
do Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro e, ao que parece, devia apreciar de maneira especial
a poesia de Virgílio e Lucano
313
. Tudo isto nos permite situar a composição épica de Cláudio
no contexto das letras luso-brasileiras do século XVIII, nos preceitos das artes poéticas lidas e
aplicadas, dos tratados de agudeza, de razões de estado, de retórica, de ars dictaminis a arte
de escrever epístolas etc., como critérios de leitura e avaliação válidos para o poema, que
passamos a estudar adiante.
3.2. A arte da poesia ou a figuração da mímesis
No século XVIII luso-brasileiro, empregado para definir
cada texto particular, resultado do exercício de composição escrita em versos, seguindo os
exemplos de um nero estabelecido numa arte poética    
objeto particular, a poesia amplo. Poesia é sempre uma forma
312
Translado dos seqüestros feitos ao Doutor Cláudio Manuel da Costa
Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. [Edição fac-similar da editio princeps de 1789]. Rio de Janeiro:
[s.n.], 1936, p. 261-276.
313
Podemos dizer que todo esse conjunto de obras que educavam os letrados, incluindo as obras de Aristóteles, a
Poética de Horácio, a Retórica a Herênio, as obras de Cícero e outras, compõe um costume de preceitos a serem
seguidos no processo de composição das letras, passando pela Idade Média, chegando até o final do século
XVIII na Europa, destacando-se, sobretudo, no período chamado de Renascimento, como observa Curtius. Em
Portugal essas idéias são  de
composição, os progymnasmata de Quintiliano, na imitação dos textos modelares anteriores. Essa educação a
cargo dos jesuítas primava pelo estudo teológico aliado às sete artes liberais: no trívio (gramática, retórica e
dialética) e quadrívio (aritmética, geometria, música e astronomia). A apropriação dessa retórica e dessa poética
antigas foi uma prática corrente, com o exercício escolástico de imitação dos modelos gregos e latinos. Cf.
CURTIUS, Ernst Robert. Op. cit., p. 99-105. Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. Op. cit., loc. cit.
108
de imitação verossímil da história, uma arte mimética
314
, baseada na representação da
natureza, orientada pela combinação coesiva de ritmo, linguagem e harmonia, no
compartilhamento da memória da experiência individual com a coletiva, como um dos
primeiros elos formativos de uma comunidade. Deste modo, o homem parece ser o único
animal capaz de decompor, modificar e transportar imagens próprias da experiência da
memória individual para a coletiva, por meio do aparelho da linguagem, o logos, realizando a
mímesis
315
. O ritmo é o componente que potencializa essa experiência mimética da
linguagem, facilitando a sua apreensão numa seqüência organizada; enquanto a harmonia é o
conceito aplicado para definir a busca da proporção e da simetria, daquilo que é belo e uno,
lembrando o equilíbrio próprio da natureza, transmitindo a sensação do agradável.
Seguindo essa linha de raciocínio, baseado na leitura de diversos autores, como
Horácio, Aristóteles, Cícero, Quintiliano, Minturno, Horácio e Pablo Benio
316
, Ignácio de
Luzán estabelece como origem primordial da poesia a prática dos poetas da hipotética Arcádia
grega. Assim, esse preceptista espanhol estudou a poesia entre os antigos e os modernos, nas
suas especificidades, aprimorando a definição aristotélica: Isto posto, digo que se poderá
definir a poesia, imitação da natureza no universal ou no particular, feita com versos, para
314
Na visão de Aristóteles, a poética é entendida como uma techné (), técnica. A arte poética não é invenção
subjetiva da imaginação criadora do ser, mas uma imitação de uma ação, uma mímesis (), que varia de
acordo com três fatores: o meio de imitação, o objeto imitado e a maneira pela qual se imita. O meio de imitação
é composto pela combinação do ritmo, da linguagem e da harmonia (    ). Uma
arte pode valer-se de um, dois ou três desses meios combinados na sua mímesis. O segundo fator nesse sistema é
o objeto de imitação, sempre o homem, com três possibilidades: um homem melhor do que os outros, um
homem igual aos outros ou um homem pior do que os outros. Como último fator mimético nesse sistema
aristotélico, a maneira de imitar a ação       as mesmas situações, numa
simples narrativa, ou pela introdução de um terceiro, como faz Homero ou insinuando-se a própria pessoa sem
que se intervenha outra personagem, ou ainda apresentando a imitação com a ajuda de personagens que vemos
agirem e executa      
narrativo: Em terceira pessoa, em primeira pessoa, ou na representação cênica dos atores que suprime a figura do
narrador. Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit. Poética, p. 239-243. Cf. ______.


. Disponível em: <http://www.fh-Augsburg.de/~harsch/graeca/Chronologia/S_ante04/Aristo teles>.
Acesso em: 27 dez. 2004; Retomando os conceitos da Arte Poética, de Aristóteles, Minturno define a poesia
                  
[Imitação de vários tipos de pessoas, em
diversos modos, ou com palavras, ou com harmonia, ou com ritmo; separadamente, ou com todas essas coisas
em sua totalidade, ou como parte destas.] Cf. MINTURNO, Antonio. Op. cit., p. 2.
315
Entendida como uma capacidade muito desenvolvida de imitação, o conceito de mímesis é o elemento que
diferencia o homem, animal que vive na pólis, dos outros animais. Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Op.
cit., p. 24; Cf. ______. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit., Poética, p. 244; A mímesis ou imitação pode ser de
dois tipos: a icástica versa sobre as ações particulares humanas, ligada aos aspectos reais, corresponde à arte da
história; a fantástica trata do não-ser, do maravilhoso, segundo o verossímil poético. Cf. Idem, p. 252.
316
Infelizmente não conseguimos identificar, nem rastrear a obra do autor Paulus Benius, citado por Luzán em
toda sua Arte Poética, tanto no texto quanto nas suas diversas notas.
109
utilidade ou para ou deleite dos homens, ou para um e outro juntamente
317
. Luzán funde
nessa sua formulação os conceitos da poética aristotélica com a doutrina horaciana do
prodesse e delectare
318
, como fundamentos da mímesis poética. A mímesis depende, portanto,
de três elementos essenciais ou causas: matéria (coisa imitada), arte (meio de imitar) e estilo
(modo de imitar)
319
; e implica duas finalidades: instruir e deleitar.
Em Portugal, Francisco José Freire atualiza e adapta a Arte Poética de Lúzan,
conceituando o entusiasmo, a natureza e a arte, como     
320
.
Obviamente, um deslocamento conceitual amplo em relação à poética horaciano-
aristotélica. Em Freire, a natureza corresponde à matéria; a arte se funde com o estilo; e é
agregado um novo fator à poesia, o entusiasmo poético
321
.
Figura 12. Representação do Furor Poético
322
.
317
            za en lo universal o en lo
          . Cf.
LUZÁN Y GURREA, Ignácio de. Op. cit., loc. cit., grifo do autor.
318
Em Horácio, funde-se na disposição (dispositio) a hipótese de que o poeta deve conciliar a utilidade
(prodesse) de sua escrita na conseqüência lógica das partes do poema com o deleite (delectare), provocado pelo
belo produzido pela elocução (elocutio) aguda do engenho ou ornamentação. Assim, a função da arte é a de
agradar, pela sua beleza; e instruir, pela sua utilidade. Assim, para orientar o juízo na leitura dessas letras, é
necessária para este a qualidade moral da bondade (bonus), na função poética do deleitar, e ainda a prudência
(prudentia), na função poética da instrução moral, configurando uma ética da poética.
319
Para Minturno, a matéria da poesia depende de três condições essenciais para sua representação: da natureza
(Natura) dos personagens e dos deuses imitados; do acaso (Fortuna), que é retratado como algo próprio do
homem; e da Técnica (Arte), que pode ser ensinada. Cf. MINTURNO, Antonio. Op. cit., p. 8.
320
Fundamentos que sustentam a mímesis, atualizando de Minturno os três conceitos essenciais de Fortuna, Arte
e Natura. É notável que Freire troque        . Cf. FREIRE,
Francisco José. Op. cit., [BMA], p. 32.
321
Esses deslocamentos e adaptações de conceitos poéticos tornam o estudo das letras no século XVIII luso-
brasileiro um capítulo complexo da historiografia do Estado do Brasil.
322
Extraído de: RIPA, Caesar. Iconologiandon: BENT. MOTTE, 1709, p.
33b; Um jovem poeta, de uma bela feição; coroado com louro coberto com folhas; numa postura de escrita, mas
com a cabeça voltada para o céu. As asas em sua cabeça representam a rapidez da sua fantasia, que voa alto; e
110
Nessas letras, o entusiasmo ou furor poético 
-os
da atividade mimética da poesia.
Nesse sentido, a poesia adquire condição quase profética. Num mundo católico, destacar a
noção de acaso da idéia de fortuna como antecipatio, como força mitopoética da
casualidade interferente na natureza, seria terrivelmente insensato, razão pela qual Freire
preceitua o oposto, ou seja, a previsibilidade misteriosa do escritor, que recebe a inspiração
divina por intervenção do Espírito Santo, numa espécie de transe poético que retoma o
 (/ enthousiasmós), ou seja, daquele
 Afirmando a universalidade da verdade eterna de Deus, expressa
repetidas vezes no plano temporal da história humana, a arte do poeta católico torna-se
princípio místico de individuação. Nessa poesia, um ser ou evento particular somente
o é como tal, em afirmação do princípio geral que permite sua ontologia: a criatura é
semelhante ao seu criador, o homem é criado a partir da imagem de Deus, o finito representa
o infinito, num princípio definitivo e divino, que vai além do alcance do ser humano.
No poema de Cláudio, podemos constatar a aplicação desse conceito de entusiasmo
poético nas imagens das previsões das coisas futuras, que ocorrerão na história de Vila Rica,
reveladas pela ninfa Eulina para Garcia Rodrigues Pais no Canto IX. Depois de a ninfa contar
os principais conflitos e a série de Governadores até a administração do Conde de Valadares,
o poeta Glauceste Satúrnio
323
nos revela o embasamento teológico do episódio: 
cantava a Ninfa, arrebatada/ Do profético espírito; dourada (Vila Rica. Canto IX, vv. 193-
194.). Aqui, o Espírito Santo leva a ninfa a cantar o futuro. Obviamente, a previsibilidade
encenada como profética somente é possível porque o poeta sabe de antemão o teor da
história, inventando o poema a partir do ponto de vista do futuro, quando as ações
profetizadas se efetuaram no plano temporal do passado, ficcionalizado como presente no
plano enunciativo da narrativa. A ninfa Eulina, figurada como uma divindade alegórica, alheia
ao mundo do maravilhoso cristão, surpreendentemente, é auxiliada pela intervenção da
Providência divina. Nesse procedimento, o poeta combina elementos do mundo mitológico
alegórico da Antigüidade com a doutrina cristã, entendida como verdade, manifestante da
carrega uma tábua, que é usada para a escrita: olhando para cima, ele observa as idéias de coisas maravilhosas,
que escreve abaixo.
323
Cláudio utiliza no seu poema o criptônimo de Glauceste Satúrnio. A sua persona árcade ultramarina, pensada
ficcionalmente, orienta a narração do poema e não apenas o autor Cláudio Manuel da Costa.
111
vontade divina. O mito, o dogma e a verdade se fundem na narração de maneira coesa e
intencional, explicitando a ausência de trivialidade dessa composição épica, na congruência
de convenções triviais do costume da escrita e de procedimentos de pesquisa historiográfica
com doutrinas da mentalidade cristã.
No procedimento de invenção desse furor poético, a natureza é expressão do ato
criador de Deus, estabelecendo um padrão com o qual se comparam as medidas da
experiência mimética em relação aos méritos atribuídos às ações representadas. Em função da
natureza criada por Deus, o juízo da harmonia humana deve regular a proporção, relação e
semelhança das imagens da fantasia poética, na adequação da escrita a um estilo mais
maduro, correspondente ao outono, no tratamento de assuntos sérios; ou a um estilo mais
florido, próprio da primavera, no cantar de temas mais amenos
324
. Nesse sentido, na épica de
Cláudio, a natureza é a medida da poesia nessa idéia prática de ilustração católica, em que a
experiência de manifestar o novo mundo, usa as cores antigas da métrica, coreografadas pela
alegoria mitopoética de outras epopéias, observando ainda a necessidade de enaltecer a
importância estratégica da rotina extenuante de minerar a terra em busca do ouro, como
atividade necessária à manutenção do Império e à difusão do Evangelho por meio da
conquista dos índios pelos representantes de Portugal:
A continuar a marcha se dispunha
O Herói, que um vivo zelo testemunha
Em todos que o seguem; repartidos
Aqueles a quem são mais conhecidos
Os Sertões, pela margem se espalhavam
À direita do Rio e se empregavam
Em socavar a terra, em diligência
Do metal de que têm verde experiência.
(Vila Rica. Canto IV, vv. 1-8).
Convém o Herói e espera que domado
O Monaxós, e à Religião chamado
Se veja por tal modo; do projeto
Se faz parcial Faria; turvo o aspecto
(Vila Rica. Canto IV, vv. 179-184).
Entretanto, Glauceste Satúrnio não deixa de figurar a natureza pelo ponto de vista
local, pagão, quando expõe o costume dos índios, explicando a toponímia por meio de Garcia
Rodrigues Pais, que se torna porta-voz dessa visão de natureza. Quando explica essa lógica
verbal, por assim dizer, da natureza, esse herói afasta a sombra do mistério, expondo sua
324
MURATORI, Lodovico Antonio. Della perfetta poesia italiana. (A cura di Ada Ruschioni). Milano:
Marzorati, 1971, Livro II, cap.15, p. 584-600.
112
familiaridade com a terra local, tratada como sua pátria. Deste modo, a natureza emblemática
tem a necessidade de ser elucidada pelo ato interventor da palavra. Nessa lógica, o símbolo
representante, o vocábulo indígena, justifica as propriedades físicas dos objetos representados
e, por isso, a noção de pátria corresponde fielmente à percepção espacial da língua Tupi:
Não vou buscar no meu invento o agouro,
Nem creio que este o Itamonte seja,
Mas sei que a língua pátria, se deseja
Explicar sempre em tudo a natureza,
De Itá nome lhe deu, e na rudeza
Do Gentio talvez, que hoje alterado,
O nome Cunumim lhe seja dado.
Itá é nome pátrio (diz Garcia,

Este o Gentio a toda pedra estende;
O esperado Itamonte em vão se entende
(Vila Rica. Canto II, vv. 228-238, grifo do autor.)
A figuração dessa natureza, que se revela para poucos, para aqueles poucos capazes de
decifrar o código verbal dos gentios, será proporcional à imagem icástica da viagem de
Antônio de Albuquerque na medida de sua grandiosidade. É fundamental, portanto, que
Garcia decifre o significado do nome do monte Itacolumi: o menino de pedra; como uma
senha que abre as portas dessa natureza enigmática a Albuquerque, revelando a duplicidade
dela própria na contradição dos conceitos que formam o nome do monte. A constituição da
pedra, que se mostra primeiramente, como um desafio; e a índole de uma criança, que pode
ser conquistada facilmente. Nessa composição dual da natureza, podemos constatar o uso do
estilo maduro, próprio daquilo que é sério, figurado pela seriedade do outono. O estilo do Vila
Rica é mais maduro que florido porque a linguagem do poema é extremamente cerimoniosa e
um tanto agressiva, configurando um discurso belo, grave e intricado, cerimonioso e
complexo, adequado ao clima rústico do trópico, porém sem descuidar de anotar
descritivamente a beleza, encontrada na grandeza admirável dessa natureza dualista. O
elemento misterioso dessa alegoria dupla produz continuamente a pintura de uma cena
matizada por uma penumbra misteriosa e por roncos aterrorizantes, ocultando perigos
iminentes, no emprego exemplar do locus horrendus:
Caía a noite, e apenas cintilava
No Céu alguma estrela; ao chão baixava
Escassamente a luz, que Cíntia fria
Mal distinta espalhava entre a sombria
Rama da espessa mata e duros troncos.
Não se ouvem mais que os formidáveis roncos
De aves noturnas, e famintas feras.
(Vila Rica. Canto II, vv. 1-7.)
113
Essa natureza fenomenal e emblemática das Minas Gerais, na sua articulação de
grandiosidade e ferocidade, espantosa e surpreendente, é um cenário semelhante e
proporcional ao feito inolvidável do herói, justificando a magnificência atribuída à ação de
Albuquerque contra terríveis forças das trevas, a serem vencidas na expedição dos
representantes de Portugal. Aqui se encontra uma adequação do estilo ao decoro da matéria:
as irregularidades geográficas, a ferocidade maravilhosa da fauna e da flora retratada
demandam um estilo amoldável, não-linear. Além disso, a tarefa cotidiana e fatigante da
mineração e o seu burocrático controle não faziam jus à oitava-rima, muito pelo contrário.
Assim, o poeta escolheu uma forma que permitiu maior licença poética em relação à rima
para desenhar, além de quadros majestosos, esboços triviais da ocupação do ócio por
personagens menores ou mesmo a codificação protocolar de cerimônias formais de
legitimação do poder, cenas incomuns e inauditas na prática letrada do gênero épico:
Disse; e solenizando a ação, procura
Se lavre logo a sólida escritura,
Onde o foral da Vila se estabelece.
(...)
-se o outro mineiro, que se ocupa
Em penetrar por mina o duro monte
Ao rumo oblíquo, ou reto; tem defronte
Da gruta, que abre, a terra que extraíra;
Os lagrimais das águas que retira
Ao tanque artificioso logo solta;
(Vila Rica. Canto X, vv. 113-115; 134-139.)
Não existe, portanto, suposta incompetência de representação do clima, apenas pela
recorrente comparação do cenário mineiro com o ambiente fleumático das margens do
Mondego. De fato, o estilo rebuscado de Cláudio lembra mais o da poética aguda do
Polifemo
325
, de Góngora, do que a esclarecida dicção da Fábula do Mondego
326
, de de
Miranda. Cláudio, entretanto nunca alcançaria a perfeição da agudeza do mestre espanhol,
porque devia forçosamente tomar parte também das idéias da Arcádia Ultramarina, usando o
criptônimo de Glauceste Satúrnio; Assim, o poeta devia procurar inevitavelmente na forma do
verso um meio-termo delicado para o estilo de sua mímesis entre os modelos das academias
árcades das quais participava. O equilíbrio entre estes fatores muito dissonantes era bem tênue
e não conseguiria ficar em pé diante do sopro crítico mais exigente de tempos posteriores, que
325
Obras Completas. Recopilación, Prólogo y
Notas de Juan Mille y Gimenez e Isabel Mille y Gimenez. Madrid: Aguilar, 1972, p. 619-632.
326
        -9?]. In: Obras Completas. 2.a ed. Texto
fixado, notas e prefácio pelo Prof. M. Rodrigues Lapa. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1942, vol. I, p. 79-104.
114
perceberam essa tensão ora como conflito subjetivo entre o novo e o antigo, ora como
decadência, barroquismo, pré-romantismo etc.
A aparente dualidade subjetiva da épica de Cláudio parece ser, na verdade, uma
questão técnica, posta entre a adoção da linguagem da poesia idílica e a necessidade de usar o
gênero épico para compor uma paisagem conciliadora do nobre e do ordinário, entre a pena e
a bateia, sem perder de vista as implicações políticas do escrito. A tensão entre a epicidade e a
proposta árcade encontra similitude na necessidade da instituição de um acordo entre a
natureza dualista mimetizada e o ânimo cortês de Antônio de Albuquerque. O poeta percebe
que essa relação não pode ser estabelecida diretamente, por isso a edifica por meio da
intervenção do gênio Filoponte, cujo nome é construído segundo os princípios da agudeza,
significando literalmente  . Este personagem é um ponto de equilíbrio, elo
conciliador do ânimo prudente e civilizado do herói com a rude natureza mineira:
Quem é. Que faz? Eu sou, diz Filoponte,
O primeiro que entrei estas montanhas
Com o famoso Arzão; ele às estranhas
Regiões se passou; eu só deixado,
E ao comércio dos homens já negado
Vivo neste retiro; a minha vida,
Fortuna e mal, história é tão crescida,
Que só pode cansar-te a minha história;
Mas, pois a sorte com feliz vitória
Te conduziu té aqui, chegando a ver-me
Sabe quem sou, e aspira a conhecer-me.
(Vila Rica. Canto V, vv. 224-236, grifo do autor.)
Para resolver a tensão entre as idéias árcades e a forma épica, que pinta esta natureza
intrigante, misteriosa, poderosa e, ao mesmo tempo, pueril, em oposição à ilustração
esclarecida do herói, torna-se fundamental o martelar acertado da arte, terceira causa eficiente
da poesia, configurando um estilo formal e cadenciado. A arte é a técnica da escrita que
organiza o ritmo do verso, num sentido amplo, e que deve ser treinada
327
para levar à
perfeição o estilo pretendido. A análise da técnica, ou arte, em geral, revela no Vila Rica uma
perfeição de detalhamento de elementos complexos, proporcionando um grande número de
hipotiposes, inversões, metáforas e alegorias, que implicam uma beleza poética singular,
porque não segue os dois princípios árcades preceituados para a beleza: brevidade e clareza.
Ao contrário, a beleza do poema harmoniza-se com a natureza retratada, proporcional e
327
Esse treinamento se através da imitação e emulação dos modelos antigos mais excelentes, em exercícios
poéticos, seguindo o modelo estabelecido por Quintiliano no seu Institutio Oratoria, na idéia dos
progymnasmata, ou ainda no conceito das exercitationes, na Retórica a Herênio.
115
semelhante a ela, nem clara, nem breve, e sim obscura e extensa:
Vão buscando os Chefes; corre, e grita
A infame esquadra de uma e outra Fúria:
Pouco se afligem da passada injúria.
Cortam desde o seu templo os crespos ventos;
E ao hábito nocivo, aos pestilentos
Influxos, que derramam, se enche tudo
De serpentes, de feras, que de agudo
Veneno têm a fauce infeccionada.
Talvez não viste tu, Líbia abrasada,
De monstros mais coberta a tua areia,
Quando o filho de Acrísio ali semeia
O sangue da cabeça que cortara
O ferro, de que a Deusa a mão lhe armara.
(Vila Rica. Canto VIII, vv. 60-65.)
Na sua hipotipose, descrição detalhada da cena (ekphrasis/ ), a evidência
coloca sob os olhos do leitor aquilo que se mostra. Nesta técnica, Cláudio emula aqui outra
vez a Farsália
328
, de Lucano, que também relata a origem mítica das serpentes venenosas das
areias escaldantes da Líbia, que nasceram, segundo a lenda, das gotas de sangue caídas da
cabeça da Medusa cortada por Perseu. Cláudio, porém, encena as figuras das serpentes
juntamente com outras feras 
que envenenam espiritualmente o juízo dos revoltados emboabas. Assim, Cláudio
desempenha uma emulação agudíssima, porque não se limita a imitar exatamente o episódio
da Farsália, que apenas narra a lenda das serpentes da Líbia. Ele funde esta fábula com o
mito das Fúrias, personagens que influenciavam negativamente o ânimo dos homens, segundo
a mitologia grega. Nota-se, nesta arte, além da aplicação de hipérbatos e anástrofes, como em
 detalhamento descritivo, na
precisa adjetivação dos termos, no uso reiterado      
        
 Não cabe aqui o uso exemplar do lema Inutilia truncat da associação da Arcádia
Lusitana, ou seja, da idéia de excluir tudo aquilo que é agudo demais para o entendimento
como algo inútil. No Vila Rica, a agudeza e o detalhamento do enunciado devem ser
328
No Livro IX da Farsália, é recontada a história da origem das serpentes venenosas das areias da Líbia,
através do sangue que jorrou da cabeça decepada da Medusa. Essa região foi por onde debandaram os últimos
seguidores de Pompeu, atacados ferozmente pelas serpentes mais terríveis da mitologia, geradas pelo sangue da
cabeça da Medusa na areia do deserto, como basiliscos, quersidros, cencros, dípsadas, pareas, présteres, os
voadores jáculos, cerastas, serpes etc. Todas essas víboras são terríveis, promovendo cada qual um tipo diferente
de morte horrorosa e repugnante através do veneno, como a morte liquefeita, a pútrida, a inchada, a despedaçada,
a seca etc.; Cf. LUCANO. Farsália. Op. cit., p. 391-399; Cf. Sobre a noção de ekphrasis, como descrição
detalhada ou descriptio latina, vide HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. Op. cit., loc. cit.
116
efetivados pela arte no plano enunciativo do texto em contraposição aos fundamentos da
linguagem árcade, que preceitua simplicidade e clareza, o conceito de beleza poética
329
.
O texto do Vila Rica não segue a determinação árcade de beleza, pois a sua
ornamentação enunciativa pressupõe uma ampla gama de conhecimentos e referências das
quais o leitor discreto deve dispor na memória. A solução encontrada por Cláudio para
resolver essa dissonância da enunciação aguda do texto em contraposição à orientação árcade
de beleza da linguagem idílica é dotar o poema de diversas notas e, como se não bastasse,
escrever a sua fundamentação histórica, pois a beleza, conceituada como brevidade e clareza
objetiva, antes de tudo, evidenciar a imutabilidade da verdade. A beleza do Vila Rica fica
comprometida, portanto, segundo os preceitos de Candido Lusitano, pois não brevidade
nem clareza e sim agudeza, temperada pela pesquisa histórica, que o poeta vai pautando nas
notas, seguindo o transcorrer dos episódios, diferenciando os eventos autênticos dos fictícios,
usados como ornamentos. No discurso de Neágua, por exemplo, ela relata o episódio da
venda conjugada de si própria, de sua filha e de outra índia, pela primeira amostra de ouro da
região e, depois, como se deu a detenção de sua filha Aurora pela tribo dos Monaxós. Nisto,
constata-se o uso da nota como recurso compensatório da falta de brevidade e clareza do texto
poético, como forma de restaurar o curso da verdade:
Vagando estes sertões na companhia
Dos vossos, eu me lembro como um dia,
A preço do metal, que desprezamos,
Vós nos comprastes; ainda nos lembramos

De povo em povo nos transportam; fico
Co’a nação do Pori, e passa o rico
Tesouro de uma filha, que inda choro,
Ao crespo Monaxós; qual fosse, ignoro,
O triste resto do fatal destino
(Vila Rica. Canto VIII, vv. 49-52; 87-91, grifo do autor.)
A nota 20 do poema esclarece o fundamento histórico do episódio descrito, instituindo
o lugar da verdade e o seu papel, evidenciando o aspecto verossímil dos versos. Essa história,
      um significado objetivo, pois a verdade
mimetizada não se articula diretamente com a viagem de Albuquerque. A alusão é simbólica,
329
A beleza, ao lado da doçura, é um dos princípios necessários à existência da função poética do deleite
(delectareímã, que 
Segundo Freire               
resultado da escolha conveniente da matéria e do uso adequado da arte na imitação. A beleza é entendida como
sindérese
conceito de beleza está ligado diretamente ao estilo, breve e claro, evidência do verossímil ou da verdade certa.
117
verossímil, necessária ao épico, recompondo o suposto primeiro lugar de encontro de duas
culturas; por isso, o compositor dos versos usa a licença poética para ficcionalizar essa
narrativa conforme o gênero, segundo o aproveitamento da fantasia como ornamento poético:
Toda esta ficção não serve mais que de ornamento, e tudo o que se deduz da
história é insignificante. Recolhendo-se Antonio Rodrigues Arzão no ano de
1695 à Capitania do Espírito Santo com mais cinqüenta e tantos
companheiros da sua conduta, derrotadas e destruídos todos dos repetidos
ataques do Gentio, apresentou ao Capitão-Mor daquela Vila três oitavas de
ouro, de que se fizeram duas memórias, uma que ficou ao Capitão-Mor, e
outra que levou o dito Arzão. Este é o primeiro ouro das Minas, que
notícia haver-se denunciado a El-Rei no ano de 1695
330
.
As notas, portanto, são necessárias para compensar a perda da beleza ocasionada pela
linguagem complexa do texto, distinta da linguagem ideal árcade, elucidando para o leitor as
possíveis obscuridades de passagens intricadas da narrativa, restaurando a verdade.
Auxiliando a beleza nessa ornamentação necessária do gênero, sempre aparece a
doçura poética, que -se senhora dos

331
. Nas belas letras, o conceito de doçura é formado pela
aplicação do segundo livro da Arte Retórica de Aristóteles nos gêneros poéticos
332
, ou seja, o
poeta deve saber como introduzir paixões no juízo discreto de seus leitores, de forma que
produza os efeitos e as opiniões desejadas sobre a leitura do texto. Segundo esse ponto de
vista, quando a alma do ouvinte ou leitor discreto recebe e contempla a beleza e a doçura da
poesia juntas, sente o efeito deleitável do prazer e do bom gosto. Seguindo este preceito, a
doçura poética do poema Vila Rica não fica tão comprometida como a sua beleza, pois a
captação de benevolência do leitor é enfatizada pelo topos da humildade, em tom modesto,
evidenciado logo no Prólogo, apelando ao leitor para que não espere uma obra detentora da
perfeição ideal das artes poéticas e reafirmando a importância da ação do herói na defesa dos
interesses de Portugal:
Mas dou-te, que eu não te ofereça mais que uma composição em metro, para
fazer ver o distinto merecimento de um General que tão prudentemente
pacificou um Povo rebelde, que segurou a Real Autoridade e que estabeleceu
e firmou, entre as diferentes emulações de uns e outros Vassalos desunidos,
os interesses que se deviam aos Soberanos Príncipes de Portugal: dirás que é
digna de repreensão a minha empresa? Na verdade não espero do teu
benigno ânimo esta correspondência: e tudo o que não for injúria ou
acusação será para mim uma inestimável remuneração das minhas fadigas
333
.
330
. 6.a ed, Op. cit., nota 20, p. 1083.
331
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], p. 45.
332
Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Poética, Livro II, p. 97-168.
333
Cf. COSTA, Cláudio Manuel da. Op. cit., p. 359.
118
Esse tom modesto da enunciação
334
, configurado segundo os modos de valorização de
uma corte, interiorizando a prudência católica, evidencia-se nos próprios versos do poema, até
compondo um episódio notável, que busca conciliar o ânimo do juízo discreto de seu leitor
com a dificuldade de compor uma obra que pressupõe o entendimento da limitação física da
persona de um poeta de meia-idade, acometido por doenças e não muito reconhecido: o
narrador Glauceste Satúrnio revela ter bem mais de quarenta anos, pois já es além da
contagem de se e não foi ainda laureado como poeta:
Matéria é de coturno, e não de soco,
O que a Ninfa cantava; eu já te invoco,
Gênio do pátrio Rio; nem a lira
Tenho tão branda já, como se ouvira
Quando a Nise cantei, quando os amores
Cantei das belas ninfas e pastores
Têm os anos corrido, além passado
Do oitavo lustro; as forças vai quebrando
A pálida doença; e o humor nocivo
Pouco a pouco destrói o suco ativo,
Que da vista nutrira a luz amada:
Tampouco vi a testa coroada
De capelas de louro, nem de tanto
Preço tem sido o lisonjeiro canto,
Que os mesmos que cantei me não tornassem
Duro prêmio; se a mim não me sobrassem
Estímulos de honrar o pátrio berço,

Me chama já: soava a voz divina,
(Vila Rica. Canto IX, vv. 1-20.)
Podemos perceber nesse artifício a dissimulação honesta
335
, na lamúria do
personagem-narrador Glauceste Satúrnio, ficcionalizando a si próprio como o autor
inconspícuo dos poemas líricos para sua amada Nise e seus amigos pastores, ocultando o
autor real que já tinha sido favorecido pelo mecenatismo para revelar que a dedicação à poesia
334
Para Horácio, a capacidade de alguém ser poeta não depende apenas do domínio de uma techné, uma arte
(ars), porém se considera também o dom natural do engenho (ingenium), assim como observa Quintiliano. A
tragédia e a epopéia, como as formas de arte mais elevadas, devem corresponder ao engenho e à arte mais
elevadas, dos mais elevados poetas. O decoro da humildade vai propiciar um topos antigo muito usado, a
impossibilidade mesma de inventar uma epopéia perfeita, pois seria esta a tarefa de um poeta dono de uma arte e
de um engenho igualmente perfeitos. Daí a necessidade de muitos poetas épicos e trágicos começarem sua obra
dizendo que não pretendem realizar uma obra perfeita e, caso isso ocorra, o mérito do feito é imputado às musas.
335
O conceito de dissimulação honesta, exposto por Torquato Accetto, no tratado Della dissimulazione onesta,
editado em 1640, pressupõe a omissão de informações circunstanciais, como dissimulação, mas não admite a
mentira, que consiste em simulação. A dissimulação honesta é prudente, pois consiste em não deixar parecer o
que realmente é, sem que isso prejudique a ninguém, quando a explicitação dessa verdade pode causar prejuízos
ao indivíduo ou à sociedade; ao passo que a simulação faz parecer algo que não é, criando a mentira. Cf.
ACCETTO, Torquato. Da Dissimulação Honesta. [1640]. Tradução de Edmir Missio. São Paulo, Martins
Fontes, 2001, passim.
119
encomiástica não lhe rendeu os favores almejados pelo narrador-personagem. Este somente
continua a sua narração pela intervenção da voz divina, epifania da ninfa Eulina, que
possibilita o andamento da narração. Agora, que está quase velho e doente, necessita da ajuda

diante da metrópole portuguesa. A reflexão lírica sobre a própria poética não deve ser
interpretada como ação ordinária da comédia ou farsa matéria de soco. Esta figuração do
narrador deve ser apreendida pelo juízo como ato encenado dramaticamente matéria de
coturno por uma persona épica, significativo para entender esta poesia, pelo forte lirismo
que lembra inevitavelmente a má ventura do poeta dos sonetos. Glauceste é o nome árcade do
poeta, podendo ser uma forma estilizada do nome Cláudio em latim, Glaudius Glauceste. O
sobrenome de Satúrnio coloca essa persona sob o signo de Saturno, representação latina do
deus Crónos, pai de Zeus (Júpiter latino). Saturno é vencido numa luta por seu filho Júpiter e
refugia-se no Lácio, onde ensina aos homens a arte da agricultura. Segundo a doutrina de
Galeno, emulada de Hipócrates, o planeta Saturno é regente da melancolia, estado doentio de
tristeza e abatimento, causado pelo excesso da bílis negra, responsável pelo humor negro
336
.
Está algo que não se encontra facilmente numa epopéia: a suspensão da narrativa
para uma reflexão aparentemente subjetiva do eu-poético do narrador. Subjetivismo aparente,
sim, pois seria um erro identificar esses versos com o homem histórico inconfidente Cláudio
Manuel da Costa. Tudo não passa de um artifício que tem a finalidade de relativizar os
méritos da composição, captando a benevolência do leitor. Não podemos esquecer que as
palavras são de Glauceste Satúrnio, persona árcade, planejado simbolicamente desde o seu
próprio nome. O criptônimo apóia a hipótese de afinidade entre a lírica e a épica, observando
na poesia lírica de Cláudio um viés épico e dramático, como aparece no Soneto X:
Eu ponho esta sanfona, tu, Palemo,
Porás a ovelha branca, e o cajado;
E ambos ao som da flauta magoado
Podemos competir de extremo a extremo.
(Obras Poéticas. Soneto X, vv. 1-4.)
A competição, pelos prêmios da sanfona, ovelha e cajado, caracteriza a disputa entre
336
De acordo com a doutrina de Hipócrates, o homem possui quatro humores, líquidos que fluem pelo corpo: o
sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra. Neste sistema, a saúde do corpo depende do equilíbrio entre
estas quatro substâncias. Galeno relacionou os quatro humores com os quatro temperamentos, a saber: o
sangüíneo, o fleumático, o colérico e o melancólico; com as quatro estações do ano; com os quatro elementos da
natureza etc.; Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. Op. cit., loc. cit.; Outra hipótese de interpretação do
                 
Letras de Minas e Outros Ensaios. Op. cit., p. 97-100.
120
os patores. A cena é, ao mesmo tempo, lírica pela ambiência árcade, e dramática, pela ação
dos personagens representados. Assim, os estilos inventados por Cláudio fundem muitas
vezes os três gêneros fundamentais de poesia. No lírico podemos encontrar o dramático e o
épico; no épico podemos perceber o lírico e o dramático; e no dramático podemos ouvir o
lírico e o épico. Desta forma, a doçura poética na poesia de Cláudio é um princípio que atenua
a secura estrita do modelo, temperando a elocução de cada gênero com características de
outros, por isso, o estilo de seu épico é moderado, aliando o sublime com a prudência.
Além da doçura poética, outro fator importante para a geração do deleite poético
consiste no adequado ajustamento das imagens aplicadas. Para tanto, a fantasia
337
e o
entendimento
338
são os elementos responsáveis pela produção dos diversos tipos de imagens
no poema. A combinação correta da fantasia e do entendimento promove o deleitar e o
instruir
339
.
As imagens do Vila Rica são formadas principalmente pela união da fantasia e do
entendimento, compondo cenas verossímeis.
No poema, contudo, imagens poéticas nas quais a fantasia tem maior participação
do que o entendimento, caracterizando a grandiosidade própria da fábula épica. Neste caso, os
elementos do mundo empírico, captados intelectualmente pelo entendimento, o emulados
pela fantasia, amplificadora das forças da natureza e dos predicados dos inimigos, como
obstáculos extremamente perigosos a serem vencidos pelo herói, reafirmando a coragem e a
importância maior da ação de pacificação das Minas Gerais pela qualidade oratória
extraordinária de Albuquerque, quando se dirige, em sua imaginação discursiva, por exemplo,
ao gigante Itamonte, personificação do pico Itacolumi, emulando obviamente o episódio do
GOs Lusíadas:
337
A fantasia é outra parte a se considerar na invenção poética. No homem, ela é uma das quatro potências da
alma, consistente na capacidade inata de memorizar e descrever as imagens projetadas do mundo num discurso
com um 

fantásticas bem pintadas dão alma à poesia    -se com outra potência da alma, o
entendimento. Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], p. 98 et seq.
338
O entendimento, ligado à função poética da instrução moral (prodesse), é uma das quatro potências da alma,
consistente no juízo capaz de discernir o verdadeiro do falso, o verossímil crível do não-crível, implicando a
habilidade de memorizar e descrever as imagens racionais e verdadeiras. O entendimento se pelo
discernimento da verdade da história, comprovado documentalmente para a criação verossímil da fábula heróica,
semelhante ao verdadeiro, que é reorganizado e articulado com a fantasia.
339

penetrante 
fantasia com o entendimento, correspondendo conseqüentemente ao conceito de verossímil, ao que parece ser
verdade. O terceiro tipo de imagem seria concebido ap        
 Cf. FREIRE, Francisco José. Op.
cit., [BMA], p. 98 et seq.
121
Cheio deste projeto vejo um dia
Que um rochedo fatal, a quem a fria
Neve branqueja a descalvada testa,
Com medonha carranca me protesta
Não passe a descobrir o seu segredo;
Avizinho-me a ele e rompo o medo:
Quem és, pergunto, que ignorado encanto
Se esconde em ti? Ele me torna entanto:
(Vila Rica. Canto II, vv. 137-144, grifo do autor.)
Para se obter uma imagem apropriada a cada episódio, é necessário estabelecer uma
ligação simbólica e técnica, coesa e perspicaz, entre esses dois elementos da poesia, fantasia e
entendimento, ficção e verdade, por meio do uso acertado da faculdade do engenho, virtude
           . Ou seja: o
engenho combina a fantasia e o entendimento para formar os diversos tipos de imagens,
fantásticas ou icásticas
340
. Nesse procedimento, o engenho agudo se configura quando o poeta
explora apenas o assunto em si, sem misturá-lo com outros conceitos e outras matérias na
construção artificiosa da metáfora:
O sonho muitas vezes repetido,
Desde que tenho a idéia concebido
De entrar para estas Minas, me figura
Um mistério na sombra e na pintura.
(Vila Rica. Canto II, vv. 193-196, grifo do autor.)
Nestes versos, sonho corresponde à sombra, ao passo que idéia corresponde à
pintura. As comparações metafóricas entre as paisagens reais representadas e as ficcionais
representantes evidenciam o engenho agudo do poeta, que explora apenas o assunto em si: a
descoberta do caminho para as Minas Gerais, envolvido pela grandiosidade da natureza, sem a
inclusão de outras imagens que podem obscurecer o entendimento.
340
Se, na Arte Poética de Horácio, o engenho é uma capacidade nata, inerente ao poeta, em Freire ele deve ser
treinado para coordenar e estabelecer as ligações metafóricas que causam o deleite e, por isso, ajuda na instrução
. Freire não segue aqui a doutrina de Muratori que prega
               
respectivamente, ao retrato pleno do belo, ao da beleza superficial e o último, indispensável para o poeta, ao belo
universal. Cf. MURATORI, Lodovico Antonio. Op. cit., Livro II, cap. 9, p. 482-505. Freire não conceitua a idéia
de agudeza, causada pelo engenho, matéria, exemplo e arte, na forma como estabelece Baltasar Gracián em
1648, na sua obra Agudeza y Arte de Ingenio. Esta é combatida por Freire, pois o uso exagerado desse recurso
compromete a clareza do estilo, levando ao mistério e à afetação, seguindo as idéias de Aristóteles que adverte
No Canto
I de sua Arte Poética, Boileau retoma a idéia da capacidade nata do engenho poético, como diziam os latinos:
nascuntur poetae, fiunt oratores. [Os poetas nascem, os oradores se fazem]. As regras ou preceptivas poéticas
são inúteis sem essa disposição natu             
       
natureza, te o gênero conveniente para
cada finalidade. Cf. BOILEAU-DESPRÉAUX, Nicolas. Op. cit., passim; Cf. GRACIÁN y MORALES,
Obras Completas. 3.a ed. Ed. de Arturo del Hoyo. Madrid: Aguilar,
1967, p. 514.
122
Noutras situações, quando o poeta estabelece com a matéria do poema outras relações
diversas com outros assuntos ou matérias, trata-se da aplicação de um engenho vasto,
emaranhando diversos fios referentes a outras narrativas, histórias, lendas etc. Deste modo,
Cláudio, muitas vezes, aplica no seu poema épico o engenho vasto, quando entrecruza
relações de diversos episódios históricos e referências a outros textos, como nestes versos:
Ó tu Ciro famoso, se pudeste
Eternizar teu nome, quando deste
A formosa Pantéia ao nobre Araspe;
Se na dádiva bela de Campaspe
Ao namorado Apeles, glória tanta
Te adquire, ó Macedônio, a voz que canta
Teu nome inda por toda a redondeza,
Vê quanto mais se avança esta grandeza,
Com que de uma paixão a rebeldia
Doma, e castiga o esplêndido Garcia.
(Vila Rica. Canto IV, vv. 169-178.)
Tais versos exigem do leitor um grande cabedal de referências que se entremesclam,
rompendo a linearidade do discurso. O leitor discreto deve tentar ainda compreender o
desprendimento de Garcia, ao sacrificar a efetivação de seu amor, para promover piedosa e
beneficentemente a paz entre os índios. O feito é semelhante ao de Araspe, soldado de
Ciro, suposto fundador do Império Persa. Ciro teria confiado a custódia de sua prisioneira
Pantéia, esposa de Abradates, ao jovem Araspe, que se apaixona por ela. Araspe, como herói
muito virtuoso, respeita a prisioneira, isto é, não a toma como mulher, aque ela se suicida
ao saber da morte de seu esposo na guerra, segundo nos conta Xenofonte nos Livros V, VI e
VII de sua Ciropedia
341
. Num episódio histórico confrontante, de acordo com Plínio, O Moço,
na sua História Natural, Alexandre Magno presenteou o pintor Apeles com a sua amante
Campaspe, pois Alexandre percebera a paixão de Apeles por Campaspe ao pintá-la
342
. As
comparações, porém, são emuladas Os Lusíadas de Camões, das estâncias 48 e 49 do Canto
X. Para emular essas referências, Cláudio aplica um ritmo marcado por diversas pausas,
usando sobretudo o recurso do encavalgamento do verso. Aquele leitor que desconhece as
referências das emulações certamente se confunde e sente dificuldade em apreender o sentido
destes versos, nos quais o engenho poético é formado pela agudeza vasta. Os leitores discretos
341
Cf. XENOFONTE. Ciropedia. Tradução de João Felix Pereira, prefácio de Antenor Nascentes. Rio de
Janeiro/ São Paulo/ Porto Alegre: W. M. Jackson Inc., [1952], p. 169-295. (Clássicos Jackson); Cf. ______.
History of Iran: Cyropaedia of Xenophon, The Life of Cyrus The Great. [Iran Chamber Society]. Disponível em:
<http://www.iranchamber.com/history/xenophon/cyropaedia_xenophon_book1.php> Acesso em: 20 jul. 2006.
342
Cf. PLÍNIO, O Moço. Pliny: The Natural History. John Bostock, M.D., F.R.S. H.T. Riley, Esq., B.A.
London: Taylor and Francis, Red Lion Court, Fleet Street, 1855, Book XXXV, Chapter 36, p. 6259.
123
do século XVIII percebem de imediato as referências: o texto soa como agudo e belo, porque
Garcia é figurado como personagem mais nobre que Ciro e Alexandre. A ação de Garcia,
além de ser um gesto evidenciador de seu desapego e generosidade no controle prudente das
paixões da alma, qualidades apropriadas ao herói católico cortês, efetua também a finalidade
teológico-política, disseminando a e o Império, em detrimento dos outros dois heróis
antigos emulados, que apenas exibem o despojamento como virtude guerreira.
Assim, o poema Vila Rica é um objeto textual particular como composição que
representa a aplicação criteriosa dos conceitos poéticos de sua época: mímesis de uma
natureza regulada pelo furor poético com o artifício da arte, o auxílio de notas para
estabelecer a verdade da linguagem preceituada pelos árcades em oposição à linguagem
complexa aplicada e delimitada artificiosamente pela fantasia, pelo entendimento e pelo
engenho, agudo e vasto, de imagens verossímeis buscando o efeito do deleitar e do instruir.
Instrui porque é útil à história que visa a eternizar; deleita porque revela uma dimensão lírica
catártica em toda a sua forma épica, promovendo a salvação da alma do leitor discreto no
aqui-agora, que ocupa o ócio com a arte.
3.3. A natureza do poema épico
Se o conceito de poema nas práticas poético-retóricas do século XVIII é entendido
            incorporando a
complexidade do conceito de poesia, o poema épico possui ainda a particularidade da
narração, explicada etimologicamente pelo termo grego epos
343
. Isto confere à epopéia outro
engendramento, ainda maior daquele atribuído à simples poesia lírica. Neste mundo luso-
a imitação de uma ação heróica, perfeita, e de justa grandeza, feita em
verso heróico por modo misto, de maneira, que cause uma singular admiração, e prazer, e ao
mesmo tempo excite os ânimos a amar as virtudes, e as grandes empresas
344
.
343
FREIRE, Francisco José [CANDIDO, Lusitano]. Op. cit., p. 164.
344
Idem, p. 165; Freire baseia-La epopeya, dice, es imitación de una acción ilustre,
perfecta y de justa grandeza, hecha en verso heroico, por vía de narración dramática, de modo que cause
grande admiración y placer, y al mismo tiempo instruya a los que mandan y gobiernan en lo que conduce para
las buenas costumbres y para vivir una vida feliz, y los anime y estimule a las más excelentes virtudes y
esclarecidas hazañas[A epopéia, disse, é a imitação de uma ação ilustre, perfeita e de justa grandeza, feita em
124
Nesse sentido, o épico determinado como um gênero de imitação poética define regras
e padrões para a invenção retórica do plano enunciativo do poema. No Vila Rica, a imitação
ou mímesis centra-se na encenação de uma ação voluntária ou intencional de Albuquerque.
Esta ação heróica causa uma singular admiração pela figuração do convencimento perspicaz
do discurso, lembrando mais o procedimento de Catão do que o de César, proporcionado, pelo
modo misto de representação dos discursos e das imagens que são teatralizadas, pela
emulação de outros discursos, o prazer, ou seja, o deleite poético, resultado da aplicação da
técnica. A admiração é singular, pois trata de um evento particular, de uma grande empresa
que depende da virtude para seu êxito, efetuando a instrução moral que excita os ânimos do
leitor discreto. A ação heróica é bela desde que seja memorável
345
, atendendo aos lugares-
comuns ou topoi previstos para o elogio        
grandeza da 
346
.
É comum, nessas letras, associar épica com tragédia, pois a fábula épica tem as
. Quanto à quantidade, é composta por: costumes, sentença e
elocução (ou dicção), excetuando, porém, o aparato e a melodia
347
. Assim, destaca-se muito
na epopéia o estilo e a sua perfeita aplicação.
verso heróico, por meio de uma narração dramática, de modo que cause grande admiração e prazer, e ao
mesmo tempo instrua aos que mandam e governam em que conduz para os bons costumes e para viver uma vida
feliz, e os anime e estimule as mais excelentes virtudes e esclarecidas façanhas.]. Cf. LUZÁN Y GURREA,
Ignácio de. Op. cit., loc. cit., grifo do autor; Antonio Minturno define a poesia épica da seguinte maneira:

senza Musica e senza Ballo, or narrando semplicemente, or introducendo in atto, ed in parole altrui; acciocchè e

[Imitação de ações graves e claras, das quais resulta uma história perfeita e completa e de justa grandeza,
com um estilo suave, sem música e sem dança, ou narrando simplesmente, ou introduzindo no ato, e em palavras
de outro; até mesmo pela piedade e o medo das coisas imitadas e descritas o espírito purgado de tais afetos com
maravilhoso agrado, e lucro de ele.]; Boileau também tem uma definição de poesia épica: 

pour nous enchanter tout est mis en visage;/ Tut prend un corps, une âme, un esprit, un visage./ Chaque vertu

elève, embellit, agrandit toutes écloses. [De um ar maior impõe a poesia épica,/ Numa vasta narrativa de uma
longa ação,/ Apóia-se pela fábula e vive pela ficção./ Aqui, para encantar-nos, tudo é posto em visão;/ Tudo
toma um corpo, uma alma, um espírito, um rosto./ Cada virtude torna-se uma divindade/ (...)/ Assim, neste
acervo de nobres ficções,/ O poeta se ocupa em mil invenções,/ Orna, eleva, embeleza, engrandece tudo que é
pequeno.]. Cf. BOILEAU-DESPRÉAUX, Nicolas. L’art poétique, 1694, Canto III, vv. 160-165; 173-176;
Boileau salienta a relativa extensão do poema, a hipotipose, na personificação de todos os elementos naturais e,
ainda, a necessidade do uso da mitologia, entendida como elemento maravilhoso, necessário a ornamentação.
345
Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit., Retórica, cap. IX, p. 60.
346
Idem, p. 64.
347
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 176. A memória, elemento fundamental de qualquer discurso,
característica extremamente importante na arte retórica, para decorar os discursos a serem enunciados, na poesia
épica, fica em segundo plano, sendo utilizada para auxiliar na invenção desses costumes de personagens,
retomando os lugares-comuns ou topoi adequados ao decoro de cada um deles. No Vila Rica, a memória auxilia
na invenção da sentença da fábula épica, buscando os topoi antigos da poesia de Teócrito, Virgílio e Lucano,
125
Os costumes são as propriedades atribuídas às diversas pessoas representadas no
discurso. Existem bons e maus costumes. Os bons costumes, segundo Freire, são aquelas

pessoa pintada ser boa ou má, pois o que importa no costume do personagem poético é a
maneira perfeita representada pela enunciação da poesia
348
. Os maus costumes correspondem
a ações que violam o princípio anterior: são contrários dos bons costumes. Os maus costumes
procedem, portanto, do vício, gerando uma ação desonesta. A pintura dos costumes, bons e
maus, também é exemplar no Vila Rica. Antônio de Albuquerque, herói épico, possui todos os
seus costumes admiráveis e exemplares. Tem prudência, generosidade, piedade, e, sobretudo,
sua virtude especial, o engenho, que lhe proporciona a capacidade de realizar discursos que
convencem cabalmente os que ouvem.
A sentença nessa poesia significa frase, oração, ou seja, refere-se à forma de tudo que
é dito pelos personagens. Tudo que é dito pelos personagens equivale ao conceito grego de
dianóia, inteligência ou pensamento discursivo, ao passo que as sentenças que significam
conceitos morais e instrutivos chamam-se gnome, ou conhecimento moral. Freire declara que
a sentença não é muito usada pela epopéia, por não ser própria a quem narra, mas a quem
representa
349
. No Vila Rica, a sentença dos personagens deve variar para que se ajuste aos
costumes e afetos de cada personagem que aparece no episódio, diferenciando se for um
velho, um escravo, um herói etc. Cada qual deve ter sua diferença reforçada na sua
competente maneira de falar, seguindo a idéia de Horácio:
Fará muita diferença se fala um deus ou um herói; um velho acabado ou
alguém ardente ainda pela juventude em flor; uma matrona poderosa ou uma
nutriz solícita; um mercador viajante ou um lavrador de um pequeno sítio
virente; alguém natural da Cólquida ou da Assíria; alguém criado em Tebas
ou Argos
350
.
Assim, para escrever a fala do herói do gênero épico, o estilo será necessariamente
proporcional à grandeza da matéria imitada, aplicando metáforas e hipotiposes como elocução
dos efeitos deleitosos necessários à invenção e à disposição conveniente de um estilo sublime
ou grave. Sua sentença é marcada, portanto, pela gnome, pela moralidade católica e fidelidade
particularizando-se porque precisou ser escrita pelo próprio poeta, inventada também, devido à precariedade do
conhecimento da história das Minas Gerais na segunda metade do século XVIII.
348
FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], p. 228.
349
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 177.
350
             
matrona potens na sedula nutrix,/ mercatorne uagus cultorne uirentis agelli,/ Colchus na Assyrius, Thebis
   (Horácio. Espitula ad Pisones. vv. 114-118.); Cf. HORÁCIO. Op. cit., p. 16. Trad.
TRINGALI, Dante. In: HORÁCIO. Op. cit., p. 29-30.
126
ao reino de Portugal, que torna forte o seu discurso, persuadindo todos que o ouvem:
Mas eu ponho de parte os argumentos,
Que com substância igual os fundamentos
Fazem desta disputa assaz ligeira;
Seguiremos a máxima grosseira
Dos espíritos vis, que têm formado
Nestas Minas um corpo levantado?
Acaso um mesmo Rei nos não protege?
Uma só Lei a todos nos não rege?
Do tronco português não é que herdamos
O sangue de que as veias animamos?
(Vila Rica. Canto VII, vv. 123-129, grifo do autor.)
Albuquerque argumenta a favor da Monarquia, demonstrando que a revolta é inspirada
pelas forças diabólicas, que contrariam a Lei do Rei. A imagem do sangue que corre pelas
veias coloca diante dos olhos de seu leitor discreto, em hipotipose, a descendência comum dos
partidos envolvidos na disputa das Minas. Além disso, no plano enunciativo dos versos,
percebemos o reforço da gravidade do discurso na sonoridade, pela aliteração dos fonemas
consoantes nasais /m/ e /n/, da fricativa /s/ e da vibrante /r/; e pela assonância dos fonemas
vogais abertos /a/ e /ɛ/, e fechados /o/ e /e/, produzindo o efeito da oscilação melódica. Tensão
que expressa aplicação eficiente do discurso deliberativo, vitupério da desobediência ao Rei e
elogio da Lei positiva do Império.
A sentença das personagens medianas, por sua vez, deve ser marcada no gênero épico
por um modo de falar mediano, apropriado a    . A maneira
mediana significa o nível de sua subordinação no plano narrativo da obra. Entretanto, no
poema de Cláudio, a mão de Glauceste épico pesa sobre o estilo dos personagens humildes,
privilegiando o esplendor da linguagem polida e poética, em detrimento de uma linguagem
mais simples. Assim, por exemplo, a índia Neágua coloca-se como uma humilde serva de
Garcia, mas seu discurso demonstra um estilo belo, suplicando por ajuda na salvação de sua
filha Aurora:
Esse vizinho povo ao fogo, ao ferro
Abatei, destruí: pague o seu erro;
E alegre eu veja em vossa companhia
A vossa Aurora, que ao meu lado via.
(Vila Rica. Canto II, vv. 99-102.)
Percebemos a grandeza da sentença da personagem na conjugação perfeita dos verbos,
na regência bem empregada, nas anástrofes
351
, no tratamento cerimonioso da segunda pessoa
351
Desfazendo-se as inversões: (Garcia- vós) abatei e destruí esse povo a fogo e a ferro (para que) pague o seu
erro e eu veja a vossa Aurora, que via ao meu lado, alegre em vossa companhia.
127
do plural, encomiástico, próprio da instrução de um serviçal cortesão, obviamente
desconhecido dos índios habitantes das serras mineiras.
A elocução ou dicção trata da boa disposição das palavras expressas pela sentença,
pela dianóia e pela gnome, o pensamento discursivo e o moral. As metáforas, as figuras, as
agudezas e a harmonia do metro são elementos constitutivos da elocução ou dicção, que deve
Livro II da Poética de Luzán. A epopéia, para despertar admiração,
            
          nas quais fala
apenas o poeta narrador, sem a participação de nenhuma personagem.
Tasso enumera três tipos de estilos que podem ser utilizados na poesia: o estilo
magnífico ou sublime, o medíocre e o humilde
352
. Ele define o estilo ou elocução como as
conexões entre as palavras do poema heróico, o modo e os conceitos formados pelas imagens
e vozes da narrativa. Destes estilos, o sublime é o mais conveniente ao gênero épico por dois
motivos. Em primeiro lugar, a composição da matéria tratada pelo gênero tem um caráter
altíssimo, nobre, devendo também ser tratada, analogicamente, na forma de caráter mais
elevado. Segundo, cada parte da obra é função do significado total; ou seja, o estilo elevado
colabora para a construção da natureza alta ou sublime do gênero épico.
No estilo sublime, destaca-se o uso do maravilhoso, configurando uma parte dos
costumes que contribui para a invenção do caráter sublime ou magnífico, conveniente à fábula
heróica. Tasso defende que o estilo heróico deve ser um meio-termo entre a simplicidade da
gravidade do discurso trágico e a vagueza florida do discurso lírico, excedendo estes dois pelo
esplendor de uma majestade maravilhosa, ornada de maneira própria, provocando ilustre
magnificência. O estilo sublime surge, portanto, da magnificência dos conceitos, do discurso e
da composição versal do discurso. As imagens das coisas pintadas formam conceitos, que
adquirem magnificência por tratar das grandes coisas. De Deus, do mundo, dos heróis, das
batalhas etc. Para escrever sobre estas coisas, convém a aplicação das figuras retóricas à
sentença, como a ampliação, a hipérbole, a prosopopéia etc. A elocução será sublime se o
discurso não utilizar demasiadamente os termos comuns, mas comedidamente os chamados
termos peregrinos, considerados como elementos estranhos ao uso vulgar da língua.
352
Cf. TASSO, Torquato. Discorsi dell’arte poetica ed in particolare sopra il poema eroico. Op. cit., loc. cit.;

(Chiarezza), a verossimilhança (Similitudine del vero), a suavidade (Soavità) e a magnificência (Magnificenza).
Cf. MINTURNO, Antonio. Op. cit. p. 22.
128
Observa-se também que o estilo pode ser simples ou composto, ou ainda variar nesses
dois extremos. Simples é aquele em que uma voz representa apenas uma coisa. Compostos
são os discursos em que múltiplas vozes representam várias coisas. A composição do discurso
épico será sublime, se os versos usados forem capazes de acolher convenientemente a matéria
heróica escolhida. Assim, Tasso explica que a oitava-rima é mais apropriada para o gênero
353
.

         devem ser guiadas em todos os
passos e voltadas para            
 de cujo meio e entendimento obtêm-se o
deleite ou se aprende, no maravilhoso da matéria e no artifício de alguma verdade real ou
verossímil, a descoberta ou a dissimulação honesta da verdade, como ferramentas para se
conseguir a beleza e a doçura poéticas
354
. No Vila Rica, o episódio da Lenda de Blázimo, que
combina engenho e fantasia, configura-se como inspiração profética da Providência divina,
que influi ocultamente no ânimo de Bartolomeu Bueno, por meio da lenda, as intenções dos
revoltados emboabas, como alegoria aguda da verdade:
Ouve Albuquerque o caso, e não ignora
Que alto mistério dissimula agora
Em suas vozes Bueno; tem previsto
Quanto o nome do Rei se vê malquisto
Entre os chefes do povo levantado;
(Vila Rica. Canto IX, vv. 379-383.)
Quanto à métrica aplicada na elocução, Minturno declara que o iambo era o
constituinte dos versos gregos e latinos elevados, chamados de heróicos, apropriados à épica,
mas não entra na questão da impossibilidade de realizar este verso nas línguas neolatinas
355
.

escrav      engenho deve habituar-se lentamente a procurar a rima
conveniente para cada matéria escolhida, retomando a idéia horaciana do saber relacionado
com o ato de bem escrever: O saber é o princípio e a fonte de bem escrever
356
. Criticando
especialmente os poetas italianos como Petrarca, Bocácio, Maquiavel, Ariosto, Tasso etc.,
             
353
-se resumir o costume da poética lida por Boileau por meio de suas

de do engenho poético nas rimas, metáforas etc.
354
Cf. LUZÁN Y GURREA. Op. cit., loc. cit.
355
Cf. MINTURNO, Antonio. Op. cit., p. 3.
356
             
Epistula ad Pisonesit., v. 309.
129
           azer o
percurso do engenho do poeta ao inventá-los.
O verso heróico em oitava-rima produz o efeito sublime pela amplitude tmica
apropriada à natureza grave do assunto digno de ser cantado num poema épico. O poeta
dispõe, nessa forma, de oito versos para acomodar uma sentença portadora de significação
completa, possibilitando o discurso cuja pronunciação pode ser enriquecida com o uso dos
tropos e figuras retóricos, como hipérbatos, metáforas, quiasmas e metonímias. Camões
serve-se exemplarmente destes recursos, inventando uma epopéia espetacular: o espetáculo da
cena ressaltado pelo sublime do estilo propõe ao leitor o exercício do engenho e a apreciação
da arte. O equilíbrio da mímesis de Os Lusíadas é sólido, porque não tem a obrigação de
conciliar linguagem idílica e gênero épico. Pelo contrário, o estilo soma-se com a agudeza
para formar a experiência do verossímil.
A elocução do poema de Cláudio Manuel imprime tom laudatório, na aplicação dos
versos decassílabos de rimas emparelhadas, que encena a glória da ação do herói de forma
grandiosa. O estilo é, portanto, doce, grave e não-natural, pois é calculado e produzido com o
rigor do entendimento na forma da agudeza. O estilo do Vila Rica, a princípio, não segue o
tipo de versificação recomendado para o gênero, colocando-nos um problema: Se o estilo não
é propriamente o recomendado para o épico, o que se efetiva portanto em sua forma?
O verso decassílabo com rima emparelhada, ora heróico, ora sáfico, usado no poema,
reduz convenientemente a amplitude das possibilidades de enunciação, comparado ao estilo
majestoso da oitava-rima. Com o mesmo verso, porém com estrutura estrófica diferente de
Camões, Cláudio dispõe de uma sentença mais curta, limitada a dois versos, justificando a
crítica da monotonia desse tipo de rima. Nesse sentido, um princípio notável da composição
de Cláudio é o uso de quase apenas palavras paroxítonas para compor a rima, regra que
excetua apenas o uso infreqüente de monossílabos tônicos, o que leva o poeta a adotar
soluções convencionada         
etc., produzindo associações de palavras, que se
repetem sistematicamente e agregam idéias que se complementam. Devido à escolha de usar
apenas de paroxítonas, compondo os chamados versos graves, também se nota a abundância
de ditongos crescentes nas rimas, especialmente o ditongo /-ya/, e a virtual inexistência de
ditongos decrescentes, limitados a algumas rimas feitas com monossílabos tônicos
Vila Rica. Canto VIII, vv. 225-
130
226.). Em geral, os versos terminam sempre num crescendo, seguido de uma fraca
cadência
357
, proporcionada pela sílaba átona final, que não é contada como poética.
A falta de uma editio princeps, finalizada pelo poeta, é por vezes prejudicial para a
análise do 
Deste sítio me via, quando a instânciasVila Rica. Canto III, vv. 17-18.). Aqui, o plural do
segundo verso rima imperfeitamente com o singular do primeiro para o rigor de um épico. Se
Glauceste Satúrnio tivesse dedicado mais tempo ao poema ou à sua publicação, talvez essa
rima fosse mais afinada.
Além desse fator filológico a ser considerado, Cláudio não tem a menor hesitação em
fazer uso constante de rimas toantes, consideradas inapropriadas para o estilo sublime do
épico. Dessa forma, o ritmo obtém uma concisão dinâmica
358
, na oscilação cambiante entre
a res e verba, permitindo a distribuição da sentença no mero de versos que convém à
matéria de cada episódio narrado.
Cláudio sabia compor versos em oitava-rima, como prova o seu Canto Heróico
359
. O
autor elege, portanto, por opção e não por suposta incompetência, a rima emparelhada na sua
épica. Agudamente, para escapar da monotonia, o poeta emprega como regra de composição o
contínuo encom que a pausa do verso
não coincide com a pausa sintática de cada sentença. Assim, podemos justificar o uso da rima.
O poeta não está limitado pela estrofe de oito versos para a enunciação de sua sentença: deve
inventar cada estrofe segundo o ajuntamento do número de versos que quiser, inclusive com o
número ímpar de versos, provocando encavalgamento rímico entre estrofes. Este último
recurso seria extremamente interessante na troca de vozes, caso o épico fosse declamado por
diversos cantores. A busca de outra forma, não-convencional, para a invenção épica desloca o
ponto de vista do leitor discreto de ler a matéria histórica como exclusiva continuação para o
entendimento de um novo uso da proposta antiga.
Assim, o poema não apresenta estrutura estrófica plana e regular, possibilitando a
hipótese de que a estrutura está relacionada intimamente com a geografia encenada,
implicando, inclusive, a fragmentação da estrutura episódica. Para entendermos a
engenhosidade do poeta, devemos ter em mente a relação de proporção entre a natureza
357
No seu sentido musical de cadenza, descida de tom.
358

Metamorfoses. Trad. De Bocage. São Paulo: Hedra, 2000, p.
25-26.
359
COSTA, Cláudio Manuel da. In: PROENÇA FILHO, Domício (org.). Op. cit. p. 479-486.
131
mimetizada e a forma poética empregada, justificando-se a escolha da rima pela liberdade de
usar poucos versos para a descrição de uma paisagem amena ou de muitos versos para a
pintura de uma paisagem horrenda, com seqüências enunciativas que variam desde dois até
cerca de setenta versos. Assim, os versos pareados são encalvagados, inclusive com o apoio
da pontuação
360
, permitindo o entrelaçamento mais conveniente para cada episódio e para
cada sentença, segundo um ritmo cadenciado e melódico que não é aparente à primeira vista.
Para tanto, as cesuras dos versos encalvagados são fundamentais para a invenção dessa
dinâmica rítmica do poema, visualizada no seguinte esquema dos doze primeiros versos:
Can/ TE/ mos,//
// MU/ sa, a/ fun/ da/ ÇÃO/ pri/ MEI/ ra
Da/ Ca/ pi/ TAL/ das/ MI/ nas,//
// on/ de in/ TEI/ ra
Se/ guar/ da AIN/ da,//
// e/ vi/ ve IN/ da a/ me/ / ria
Que em/ che/ de a/ PLAU/ so//
// de Al/ bu/ QUER/ que a his/ / ria.
Tu,/ / trio/ Ri/ bei/ RÃO,//
//que em/ ou/ tra i/ DA/ de
Des/ te as/ SUN/ to a/ meu/ VER/ so,//
// na i/ gual/ DA/ de
De um É/ pi/ co/ trans/ POR/ te,//
// ho/ je/ me ins/ PI/ ra
Mais/ DIG/ no/ in/ FLU/ xo,//
// por/ que em/ toe a/ LI/ ra,
Por/ que/ le/ ve o/ meu/ CAN/ to ao/ CLI/ ma es/ TRA/ nho
O/ cla/ ro/ he/ RÓI,//
// que/ SI/ go e a/ com/ PA/ nho:
Fa/ ze/ vi/ zi nho ao/ TE/ jo,//
// EN/ fim/ que eu/ VE/ ja
Chei/ as/ as/ NIN/ fas/ de a/ mo/ RO/ sa in/ VE/ ja.
Esquema 1. Escansão com encavalgamento dos vv. 1-12 do Canto I.
Pelo esquema pode-se perceber que o poema está articulado segundo dois tempos. O
primeiro marca as pausas finais de cada verso, efetuando a rima. O outro tempo marca as
pausas produzidas pelos encavalgamentos, atenuando a monotonia de uma leitura rítmica
emparelhada. A composição segue um mesmo ritmo até o verso oito, depois muda, porque
360
Vamos considerar a pontuação como elemento importante nesse procedimento, mas devemos reconhecer aqui
a relativa eficiência do argumento pela ausência de uma edição princeps.
132
desfaz momentaneamente o encavalgamento, produzindo um efeito de suspensão e variação,
ressacitado no verso nove. A seqüência é retomada,
mas encontra uma nova mudança no verso doze, que opera como uma pausa que demarca o
final da invocação realizada.
Além de se considerar o encavalgamento, constata-se também que muitos dos versos
do Vila Rica podem ser lidos como senários iâmbicos, metro latino de seis pés, cada um com
acento rítmico próprio, como os decassílabos dos sonetos de Cláudio, como demonstra Lopes:
O decassílabo remonta ao senário iâmbico clássico, metro de seis pés, cada
um dos quais dotado do seu próprio acento rítmico. Na poética clássica, cada
(u -) podia dividir-se em dois semipés (u : -), um dos quais funcionava
como o lugar da arsis (acento correspondente ao movimento de elevação da
mão no solfejo, e que se notará ), funcionando o outro como o lugar do
acento da thesis (ou icto; no solfejo, a batida da mão para baixo, aqui
transcrita )
361
.
Aplicando essa análise nos quatro primeiros versos, considerando as sílabas tônicas
como longas, as átonas pretônicas e postônicas como breves e, finalmente, a todas as outras
sílabas átonas que precedem ou antecedem pretônicas e postônicas como longas, obtemos o
seguinte esquema:
v.1:
Cante
1 2
u -
mos Mu
3 4
u -
sa, a fun
5 6
u -
dação
7 8
u -
primei
9 10
u -
v. 2:
Da Ca
1 2
u -
pital
3 4
u -
das Mi
5 6
u -
nas, on
7 8
u -
de intei
9 10
u -
ra
v.3:
Se guar
1 2
u -
da ain
3 4
u -
da e vi
5 6
u -
ve in da a
7 8
- u
memó
9 10
u -
ria
v.4:
Que en che
1 2
- u
de aplau
3 4
u -
so de Al
5 6
u -
buquer
7 8
u -
Que a histó
9 10
u -
ria
Esquema 2. Separação dos pés dos quatro primeiros versos.
361
LOPES, Edward. Op. cit., p. 171.
133
O primeiro verso é decassílabo sáfico e o segundo é decassílabo heróico, porém ambos
simulam senários mbicos puros, seguindo o sistema proposto por Lopes. O terceiro verso é
um decassílabo heróico, modificando o quarto de iambo para troqueu, com a necessária
sinérese das sílabas -ve e in-, causando uma pausa no ritmo lido até ali, preparando o
caminho do quarto verso, que, por isso fica destacado no poema. Observa-se também que a
aférese 
essa aférese é o que possibilita a sinérese de -ve com in-. O quarto verso é sáfico, com o
primeiro impuro, troqueu, marcando o verso como o final da seqüência de uma estrutura
sintática completa. Neste último verso, é notável a dificuldade para juntar todas as sílabas
dentro do esquema decassílabo, se consideramos que o poeta não errou em sua conta, deve-se
propor que a sinérese torna-se uma regra de composição dos pés, com a nona sílaba forçada
 , ou seja, na amarração -
obtemos /kyaís/, duas semivogais seguidas por 
realizado à maneira portuguesa; ou podemos pensar ainda numa crase ocasionada pela
ís/, deixando a dúvida de entender porque o poeta não
teria omitido a preposição. A resposta parece simples: omitindo a preposição, o verso ficaria
com a sintaxe imperfeita. Para entender esse verso ainda precisamos, portanto, de mais análise
e reflexão, considerando ainda, a ausência até hoje de revisão do poema para impressão. É
compreensível que uma crítica empenhada em juntar diversos autores e obras não teria tanto
tempo para se dedicar à leitura de apenas um verso em circunstâncias tão adversas. Como se
observa, seguindo o procedimento analítico de Lopes, o poeta não se prende ao esquema
iâmbico puro, variando o ritmo dos iambos com troqueus: encontramos de fato os versos
decassílabos, mas eles são ora heróicos com acentuação tônica na 6.a e 10.a sílabas; ora
sáficos, com acentuação na 4.a, 8.a e 10.a sílabas, à maneira camoniana, e também com outros
ritmos, como o uso do decassílabo francês (v.10), com acentuação na 5.a, na 7.a e na 10.a
sílaba, variando bastante. Considerando a perfeição da forma épica, os versos de Cláudio
destoam, por não serem simétricos e uniformes. Pelo ponto de vista do engessamento das
fórmulas modelares, pensando com Voltaire, Vila Rica é um grande poema, pela liberdade de
versificação. Seguindo a métrica latina proposta por Edward Lopes, o poeta inventa versos
exponenciais, que variam o ritmo de acordo com sua importância significante. Até onde o
poeta o previra no poema como um todo é um mistério que dificilmente poderá ser decifrado
com exatidão. Podemos representar graficamente essa melodia dos decassílabos do poema em
134
diagramas
362
, escandindo os versos e posicionando cada sílaba poética de acordo com sua
respectiva tonicidade, considerando-se ainda o encavalgamento:
TE
Can
mos,
MU
ÇÃO
MEIra
fun
sa, a
da
pri
Diagrama 1. Verso 1 decassílabo sáfico com encavalgamento.
TAL
MI
Ca
das
TEIra
Da
pi
nas,
on
de in
Diagrama 2. Verso 2 decassílabo heróico com encavalgamento.
da AIN
Guar
da,
Se
ve IN
ria
e
me
vi
da a
Diagrama 3. Verso 3 decassílabo heróico com encavalgamento.
PLAU
Que en
de a
so
Quer
ria
che
de Al
que a his
bu
Diagrama 4. Verso 4 decassílabo sáfico com encavalgamento.
As curvas obtidas na análise gráfica dos quatro primeiros versos apenas ilustram uma
grande variação rítmica, como elemento melódico imposto pelo poeta na execução da
362
Nos diagramas aqui utilizados, o traço mais escuro indica a quebra gerada pelo encavalgamento. Os
diagramas aqui apresentados não pretendem restaurar rigorosamente a suposta melodia musical do poema, mas
apenas evidenciar que é possível fazê-lo. Não pretendo aqui fazer uma análise semiótica precisa da
simultaneidade descritiva do plano da expressão com o plano do conteúdo, à luz das idéias de Hjelmslev, como
fazem com bastante competência Lopes e Tatit. Cf. LOPES, Ivã Carlos e TATIT, Luiz. Ordem e Desordem em
Teresa: Revista de Literatura Brasileira, São Paulo, n. 4-5, p. 86-107, 2004.
135
disposição do estilo. Dessa forma, cada verso pode ser dividido em dois hemistíquios pelo seu
encavalgamento, compondo o tom entrecortado na pronunciação adequada dos versos. É
necessário que se avalie melhor, num trabalho de mais profundidade, esse aspecto intrigante
do ritmo, que propõe sempre um movimento de oscilação e variação muito efetivas. O
diagrama apenas auxilia numa leitura mais provável do ritmo. Registre-se apenas que esse
ritmo variado acolhe bem a natureza dualista mimetizada por Glauceste Satúrnio, bem como o
tom encomiástico, que projeta a louvação memorialística de Albuquerque.
Observando a distribuição da tonicidade dos hemistíquios, nas duas primeiras estrofes
do Canto I (vv. 1-12), podemos obter o seguinte ritmo, atribuindo um tempo para cada sílaba
tônica, agregando-as de acordo com as pausas de encavalgamento: 1-2/ 2-1/ 1-2/ 1-2// 2-1/ 2-
1/ 2-1/ 2-1/ 3/1-2/ 2-1/3. No exercício da pronunciação
363
, o poema adquire uma eficácia
poética inesperada e imprevista pela sua crítica. Cláudio não imita, nessa estrutura estrófica,
nenhum de seus modelos épicos; fazendo isso, emula a todos, inventando seu próprio sistema
de fragmentação estrófica, produzindo um ritmo a ser decifrado. Encontramos o desvelo de
seu artifício, como num algoritmo muito preciso. O mais importante não é o compasso
monótono do verso decassílabo e sim o encavalgamento, com seus inúmeros metaplasmos.
Seus versos exigem uma leitura atravessada, uma pronunciação enviesada, n

364
. Em resumo, seus
versos foram moldados para serem cantados e dramatizados. Apesar da extensão dos cantos,
podem ser adaptados à estrutura melódica de uma ópera, selecionando-se os versos principais,
hipótese reforçada pelos outros poemas cantados de Cláudio. Fica aberta a possibilidade de
uma leitura musicada dos versos. Podemos agora compreender o sentido atribuído às últimas
palavras de Albuquerque no poema: num ritmo próprio para a representação de uma verdade
histórica, ressalta a importância da Capitania de Minas Gerais, observando a melodia e a
dramaticidade da cena como movimento calculado que a exalta:
363
Sobre a pronunciação, a Retórica a Herênio Pronuntiatio est vocis, vultus, gestus moderatio cum
venustate.raciosidade.];
Cf. DE RATIONE Dicendi ad C. Herennium [RHETORICA ad Herenium]. With an english translation by Harry
Caplan. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press/ London: William Heinemann, 1989, p. 6-7
(Edição bilíngüe: Latim; Inglês).
364
 itmo é inseparável da frase; não é composto de palavras soltas, nem é medida ou quantidade
silábica, acentos e pausas: é imagem e sentido. Ritmo, imagem e significado se apresentam simultaneamente em
uma unidade indivisível e compacta: a frase poétic
Ângelo. Op. cit., p. 300.
136
Desta arte entrando// vai na Régia sala,
Senta-se, mede a todos,// e assim fala:
Felizes vós,// feliz também eu devo
Chamar-me neste dia,// pois que escrevo
Com letras de ouro o meu,// e o nome vosso.
Entre as vitórias e entre as palmas posso
Seguro descansar:// enfim caída
Vejo de todo// a rebeldia erguida,
E vassalos de um Rei,// que mais vos ama,
Buscais acreditar a vossa fama
Com o dote imortal,// que a Nação preza,
De uma fidelidade portuguesa
De meus antecessores longe o susto;
Goze-se a doce paz,// e um trato justo
De amizade e de fé,// de hoje em diante
Acabe de apagar o delirante,
Fanático discurso,// que inda excita
De algum vassalo a dor;// não se limita
O Régio Braço:// a todos se dilata,
A todos favorece,// acolhe, e trata
Sem outra distinção mais// do que aquela
Que demanda a virtude ilustre e bela.
(Vila Rica. Canto X, vv. 91-112, grifo do autor.)
Nesse sentido, Cláudio não seguiu exatamente o procedimento de La Henriade, que
possui a mesma estrutura de rima, mas tem uma variação estrófica bem diferente, menos
fragmentada, que utiliza quase sempre estrofes grandes. Configura uma pronunciação mais
simples, com orações curtas, evitando a subordinação excessiva das orações entre os versos,
respeitando, no possível, os limites das rimas pareadas para a composição das sentenças.
Além disso, Voltaire usa moderadamente o recurso do encavalgamento. O estilo de La
Henriade é mais do tipo seco e ático que doce. Prezando mais clareza e simplicidade, os
versos fluem com facilidade e ficam mais soltos, leves e claros para o entendimento do leitor:
Eu te imploro hoje severa verdade,
derrama sobre meus escritos tua força e tua clareza.
Que os ouvidos dos reis se acostumem a te entender.
Cabe a ti anunciar isso àqueles que devem saber.
Cabe a ti mostrar aos olhos das nações,
os efeitos culpados das suas divisões
365
Observa-se também que quase não existem dísticos em La Henriade, pois nela
podemos notar certa ordem, um principium de repetição. Por exemplo, os cantos começam
sempre com uma estrofe de seis versos, seguida quase que por um conjunto compacto de
versos até o final de cada canto. Em La Henriade, quase não se vê a pausa estrófica,
365
/ Répans sur mês écrits ta force & ta clarté./ 
/ doivent apprendre./ 
des nations,/ Les coupables effets de leurs divisions. (La Henriade. Canto I, vv. 7-12.).
137
aproximando-se o poema da estrutura dos cantos da Farsália, que apresenta uma seqüência
ininterrupta de versos, conforme a métrica latina.
Em contraposição a essa linearidade de Voltaire, que lembra a versificação latina, a
particularidade do estilo do Vila Rica reside no encavalgamento que altera a pronunciação,
aferindo ao texto um movimento de leitura oblíqua, mutável, sem deixar de ser condicionada
à gravidade do gênero. Isto leva à suposição de que o Vila Rica foi composto para ser recitado
em voz alta, não para ser lido no silêncio de uma mesa de biblioteca, de preferência cantado, e
mesmo representado, embora a melodia não constitua elemento mimético recomendado para a
epopéia desde a Poética, de Aristóteles.
3.4. As partes da epopéia
A disposição da matéria da epopéia, acompanhando a Arte Poética de Freire, estrutura
qualquer poema épico em seis partes, a saber: Título, Proposição, Invocação e Narração, que
Dedicação e o Epílogo
366
Cada
uma dessas partes terá a sua função específica no poema épico, sendo suas propriedades
adequadas ao decoro do gênero e ao bom juízo
367
.
O título 
varão do herói, outros do lugar
368
. O

Para a bondade do título poético devem concorrer duas qualidades especiais,
que são, como dizem muitos autores, Amabilidade e Gravidade. A
amabilidade consiste em que não seja de som áspero, de composição
extravagante, e de grandeza tediosa; e a gravidade, em que se afaste do uso
            
será
369
.
A amabilidade regula a sonoridade do título, evitando títulos demasiadamente grandes,
que não possuem ritmo e podem ser difíceis de ser lembrados. A gravidade consiste na
simplicidade do título, que deve se afastar do uso corriqueiro da prosa, escolhendo uma ou
366
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 186.
367
Lúzan, no capítulo X, do Livro IV de sua Arte Poética, trata das partes de quantidade do poema épico.
partes necessárias, essenciais e outras partes facultativas. As partes necessárias são a proposição, a invocação e
a narração. As partes facultativas são a dedicação e o epílogo. Quanto ao tulo, Luzán o considera um elemento
separado dessa classificação.
368
FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 186.
369
Idem, p. 187.
138
duas palavras, capazes de sintetizar a história de uma grande ação. A invenção do título é uma
prática variada entre os poetas. Alguns o retiraram do nome do lugar onde aconteceu a ação
principal do poema, como a Ilíada, a Farsália, a Mexicana, a Araucana etc.; outros derivam
este do nome do herói que pratica essa ação, como a Odisséia, a Eneida, a Dragontea etc. Os
poetas mais modernos
370
também retiram o título do assunto ou ação da fábula heróica ou do
caráter do herói, como a Jerusalém Libertada, a Jerusalém Conquistada, a Invenção da Cruz,
o Orlando Furioso etc.
O título deve remeter imediatamente ao objeto ou ao herói do poema. O título do
poema de Cláudio segue aos preceitos de invenção poética convencionados de Minturno a
Freire, podendo derivar do nome do herói ou do nome do lugar onde ocorre a ação épica. Vila
Rica A escolha do poeta
Antônio de
Albuquerque Coelho de Carvalho, um título com amabilidade e gravidade; ou talvez porque
Glauceste Satúrnio quer destacar o lugar e não o autor da ação emulada.
O título representa, na épica de Cláudio, o espaço principal, ponto onde acontece a
peripécia, a transformação. Espaço que figura no poema como o lugar onde Albuquerque
atinge a sua glória, como herói portador da perfecta eloquentia, pois seu engenho é dotado da
clareza (perspicuitas) necessária para a finalidade política da sua ação na instituição
teológico-política da res publica.
Historicamente, Vila Rica de Albuquerque será apenas uma cidade fundada pelo
Governador na sua empresa de pacificação das Minas Gerais, pois na sua viagem empírica
ainda desconhece a importância central que assumirá a cidade na extração do ouro. É notável
ainda a abreviação do nome completo da cidade, tornan
, na medida em que representa a
terra de nascimento do poeta, entendida c
do reino de Portugal. Assim, o poeta
reconhece a condição econômica desta como a contemporânea capital das Minas, a mais
importante das cidades coloniais de Portugal.
A proposição forma a primeira parte propriamente dita do poema épico, onde é
apresentado o assunto, a ação heróica, de que tratará a epopéia. Candido Lusitano estabelece

370
ao século XVIII.
139
não use de palavras pomposas, e de estilo inchado (...) que a tal proposição se acrescente
alguma coisa, da qual resulte glória, e elogio a alguma nação, e se capte a graça de algum
Príncipe (...) e que na proposição se não notícia 
371
.
A proposição é a
primeira parte necessária da quantidade. Nela, o poeta deve deixar claro qual será a matéria a
ser tratada na fábula épica, assim como quem será o herói principal e a divindade ou
divindades que estarão na ação narrada. Desde o início, o leitor deve ser informado da
substância do que será lido como caráter principal do herói épico e da divindade que participa
da ão. A proposição deve ser breve, de poucos versos, conveniente ao estilo do gênero
épico, a o defeito.
A proposição no Vila Rica centra-se nos versos 1 a 4. Além de englobar a primeira
invocação, apresenta-nos a ação heróica     primeira da Capital das
, para celebrar a sua memória:
Cantemos, Musa, a fundação primeira
Da Capital das Minas, onde inteira
Se guarda ainda, e vive inda a memória
Que enche de aplauso de Albuquerque a história.
(Vila Rica. Canto I, vv.1-4.)
Essa proposição do poema de Cláudio respeita os três preceitos de perfeição listados
      -     
Governador 
proposição breve, que acentua a sua própria gravidade.
Na proposição declara-se a ação heróica e o respectivo herói, donde podemos afirmar
que o herói do poema é Antônio de Albuquerque e o personagem de Garcia Rodrigo Pais fica
em segundo plano na implexão da obra. A fábula heróica dessa ação é entendida como uma
imitação icástica, exercício daquilo que é particular, pois trata do fato histórico de um

declarada desde o Prólogo do poema:
Mas dou-te, que eu te ofereça mais que uma composição em metro, para
fazer ver o distinto merecimento de um General que tão prudentemente
pacificou um Povo rebelde, que segurou a Real Autoridade e que estabeleceu
e firmou, entre as diferentes emulações de uns e outros Vassalos desunidos,
os interesses que se deviam aos Soberanos Príncipes de Portugal
372
.
A finalidade icástica da ação heróica é . Numa concepção
de guerra civil exemplar, tal propósito é decorrente 
371
FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 190-191.
372
 p. 359.
140

373
. No Estado do Brasil, entretanto, não se aplica esta idéia, pois a guerra
procede da falta de reconhecimento do poder da autoridade local, subordinada à de Portugal,
de conter os conflitos. A solução da guerra deve passar por uma confirmação da Fé na
religião, contrária a
374
.
Podemos considerar os versos 5 a 12 do Canto I como parte da proposição, na medida
em que definem os costumes admiráveis          
estranho/ claro Herói, que sigo e que acompanho:/ Faze vizinho ao Tejo, enfim, que eu veja/
  Vila Rica. Canto I, vv. 9-12.). O herói é um homem
 como pessoa que conhece a verdade, pois a verdade é uma luz a
que nada pode resistir.
Depois da proposição, segue a invocação. O poeta solicita a inspiração e ajuda a uma
divindade ou sua licença poética para executar o poema. Em Homero, essa divindade é
sempre a musa Calíope
375
. A invocação é parte obrigatória e vem convencionalmente logo
após a propo              

poeta católico, convém que não invoque as divindades pagãs, mas o maravilhoso cristão,
como a Santa Cruz, a Virgem Maria
376
, os Anjos, o Espírito Santo ou mesmo Jesus Cristo,
como no Caramuru, do Frei Santa Rita Durão:
373
MENESES, Sebasteao César de. Op. cit., p. 119.
374
Idem, p. 120
375
As musas são as divindades nascidas de Zeus (poder) e Mnemósine (memória). Para comemorar a vitória
sobre os gigantes, criando seres capazes de celebrar condignamente a vitória, Zeus une-se durante nove noites à
deusa Mnemósine. Esta a luz a nove belas moças, as musas. De acordo com o mitologema, as musas habitam
a Piéria, próxima ao Olimpo (Tessália), e o monte Hélicon (Beócia). Mas estão sempre no Olimpo, juntas com os
deuses. Ficam também às vezes no monte Parnaso (Fócida), onde fazem parte do cortejo de Apolo. Eram
cultuadas principalmente na Piéria e no monte Hélicon, daí os freqüentes epítetos de Musas Piéricas ou
Helicôniades. Seus nomes são Clio, Euterpe, Tália, Melpômene, Terpsícore, Erato, Polímnia, Urânia e Calíope
(, , , , , , , , ). Cada
musa é responsável por uma arte e possui objetos ou atributos que a caracteriza. Clio é a musa da história e seus
atributos são os livros e rolos; Tália é a musa da comédia e seu atributo é a máscara teatral cômica; Erato é a
musa da poesia amorosa e seus atributos são a declamação, a lira e a cítara; Euterpe é a musa da música e seu
atributo é a flauta; Polímnia é a musa dos hinos e da poesia lírica e seu atributo é a meditação; Calíope é a musa
da epopéia e da eloqüência e seus atributos são o estilete e tabuinhas; Terpsícore é a musa da dança e do canto e
seu atributo é a lira; Urânia é a musa da astronomia e seus atributos são o globo e o compasso; finalmente,
Melpômene é a musa da tragédia e seu atributo é a máscara teatral trágica. Seus nomes podem ser traduzidos
        -
em preeminência sobre todas as demais musas. Ela é a
musa evidente da epopéia. Cf. Ribeiro Jr., Wilson A. A lenda das musas, personificações míticas do pensamento.
Disponível em: <http://www.warj.med.br/txt/musas.asp>. Acesso em: 06 nov. 05.
376
Na Jerusalém Libertada, Tasso demonstra ser um poeta católico exemplar ao invocar a Virgem Maria,
pedindo perdão pelo uso dos ornamentos (fregi) em conjunto com a verdade (vero) da história; Cf. TASSO,
Torquato. Gerusalemne liberata. Op. cit., volume primo, p. 3-4. (Canto Primo, 2, 1-8).
141
Santo Esplendor, que do grão Padre manas
Ao seio intacto de uma Virgem bela;
Se da enchente de luzes soberanas
Tudo dispensas pela mãe donzela,
Tudo (grão caso!) a pura luz revela;
Faze que em ti comece e em ti conclua
Esta grande obra, que por fim foi tua
377
.
(Caramuru. Canto I, est. II.)
Para Luzán, a musa invocada     
gênio e o entusiasmo da poesia, da fantasia, do engenho e das outras qualidades de um


378
.
Os poetas invocam a divindade mais apropriada ao assunto do seu poema. Por isso,
           Geórgicas. Mas
Tasso, como bom poeta católico, invoca a musa celestial, ou seja, invoca implicitamente a
Virgem Maria. Do mesmo modo, o poeta Francisco Lope de Zárate, no seu poema La
Invención de la Cruz, invoca a inspiração da própria Santa Cruz. A invocação pode aparecer
não apenas no início do poema, mas em outras partes da composição, sempre que se refere a
e cantá-lo à divindade.
Convencionalmente, todo poema épico começa pela invocação. Lembrando Luzán, a
            
poema épico. Podemos dizer que no Vila Rica 

Vila Rica. Canto I, v.1).
Essa primeira invocação é feita à divindade alegórica clássica, Calíope. É notável que
o poeta tenha utilizado o verbo na primeira pessoa do plural. Se procurarmos nas epopéias
aquelas que adotaram a mesma solução, vamos inevitavelmente encontrar a Farsália:
    cantamos
379
. Basílio da Gama adota solução semelhante, que
também usa a primeira pessoa do plural, mas não aparece o usual    
honremos o Herói que o povo rude/ subjugou do Uraguai
380
.
A invocação do Vila Rica difere também de La Henriade, que invoca a divindade
377
DURÃO, Santa Rita. Caramuru: Poema Épico do Descobrimento da Bahia. [1781]. São Paulo: Martin Claret,
2003, p. 17.
378
Cf. LUZÁN Y GURREA, Ignácio de. Op. cit., loc. cit.
379
Cf. LUCANO. Farsalia. Op. cit., Canto I, v.1, p. 72, grifo nosso.
380
GAMA, Basílio da. O Uraguai. [1769]. 3.a ed. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 21.
142
alegórica da verdade: Eu te imploro hoje severa verdade
381
. Assim, pode-se dizer que
Cláudio está emulando Lucano nesse procedimento, não seguindo o preceito de Francisco
José Freire, que defende o uso exclusivo do maravilhoso cristão. Na segunda invocação, o


Tu, pátrio Ribeirão, que em outra idade
Deste assunto a meu verso, na igualdade
De um épico transporte, hoje me inspira
Mais digno influxo, porque entoe a Lira,
Por que leve o meu Canto ao clima estranho
O claro herói, que sigo e que acompanho:
Faze vizinho ao Tejo, enfim, que eu veja
Cheias as Ninfas de amorosa inveja.
(Vila Rica. Canto I, vv. 5-12.)
O pátrio Ribeirão dera assunto ao verso do poeta na Fábula do Ribeirão do Carmo,
composição lírica, na qual se inventa uma origem mítica ao Ribeirão do Carmo, como na
Fábula do Mondego, de de Miranda
382
. Nessa segunda invocação, Cláudio Manuel produz
uma alegoria 
lugar geográfico de localização do Tejo, comparando o Ribeirão do Carmo com o Tejo, mas
        lação aos versos líricos. No caso, a
ambivalência do estilo é percebida, efeito de composição da emulação do gênero lírico na
invenção do gênero épico. Esta segunda invocação do Vila Rica é incomum ao épico, pois
invoca-se um elemento da natureza. O Ribeirão do Carmo é personificado, tornando-se uma

A invocação dupla nos diz que nesse poema não é mais apenas Calíope que canta, mas
 Ribeirão do Carmo. O poeta
prenuncia, desta maneira, como será a invenção de sua dicção ou estilo. Espera-se que o efeito
do sublime causado pelo verso épico seja marcado pela presença da natureza (Natura) que se
revela, deixando sua marca própria na enunciação.
A dedicação é uma parte considerada optativa 

383
, consagrando a memória da obra a
A dedicação é usada frequentemente em toda a poesia realizada
no século XVIII, pois realiza o encômio de um cavalheiro ou uma dama ilustre, reafirmando o
381
; Cf. VOLTAIRE. La Henriade. Op. cit., Chant Premier, v.7, p. 2.
382
Cf. AGUIAR, Melânia Silva de et al. Op. cit., nota 121, p. 1058.
383
Idem, p. 204.
143
sistema hierárquico da sociedade monárquica, na qual o favor da nobreza, do Rei e da Igreja é
fundamental para que a obra seja aceita para publicação sem causar problemas ao seu autor.
Por isso, o poeta deve, na sua dedicação, assumir de fato a finalidade prática da promoção
social, da conquista de cargos políticos e administrativos. Luzán esclarece que esta prática
contemporânea é também comum entre os poetas antigos e modernos: Virgílio dedica as
Geórgicas a Mecenas
384
, Gabriel Lasso dedica sua Mexicana ao Marquês del Valle, entre
outros exemplos. A terceira estrofe do Canto I, versos 13 ao 20, constitui a dedicação do
poema de Cláudio ao Conde de Bobadela, José Antônio Freire de Andrada, Governador
Interino da Capitania de Minas Gerais, de 1752 a 1761:
E vós, honra da Pátria, glória bela
Da Casa e do Solar de Bobadela,
Conde feliz, em cujo ilustre peito
Da alta virtude respeitando o efeito,
O Irmão defunto reviver admiro:
Afável permiti que eu tente o giro
Das minhas asas pela glória vossa,
E entre a série de Heróis louvar-vos possa.
(Vila Rica. Canto I, vv. 13-20.)
Novamente, é seguido o preceito da Arte Poética de Freire e não se nota nada que

a nota 3 do poema, é Gomes Freire de Andrada, o primeiro Conde de Bobadela, falecido em
1763, dez anos antes da data de término do poema. Além dessa dedicatória integrada no
épico, Cláudio antecede o poema de uma Carta Dedicatória, justificando a sua escolha da
autoridade homenageada:
Ilmo. e Exmo. Sr.,
Depois de haver escrito o meu Poema da fundação de Vila Rica, Capital das
Minas Gerais, minha Pátria, a quem o deveria eu dedicar mais que a V.Exa.?
muito que ansiosamente solicito dar ao Mundo um testemunho de
agradecimento aos benefícios que tenho recebido da Excelentíssima Casa de
Bobadela: este me persuado que o pode ser, se não pelo mais completo, ao
menos pelo mais puro: a idade que o ler confessará ingenuamente que não
obrou a lisonja, aonde sobressai a verdade. (...) Quem ignora que por quase
trinta anos descansaram com felicidade nas mãos dos Exmos. Freires as
Minas de Ouro do nosso Portugal?(...) Levantara uma nova Epopéia, que
fizesse emudecer o rapto dos Mantuanos nos seus Marcelos; mas que posso
dizer, se reconheço tão desigual o canto à vista do objeto que concebo
385
!
Os motivos que levaram à elaboração da obra ficam bem delineados: a necessidade de
honrar na posteridade os nomes dos nobres que prudentemente promoveram a administração
384

385
COSTA, Cláudio Manuel da. 
144
das minas de ouro do reino de Portugal; o reconhecimento testemunhal dos benefícios dos
mecenas da Casa de Bobadela; o discreto lugar humilde do poeta na impossibilidade de
edificar uma nova epopéia comparável à Eneida
386
.
Figura 13. Retrato do Conde de Bobadela, Gomes Freire de Andrada.
Século XVIII. MHCMOP.
A narração é a maior parte da epopéia e a sua parte principal, pois abrange a ação ou
fábula heróica, seus episódios, as ações secundárias, costumes, paixões da figura fatal e das
outras pessoas, o e o desenlace da fábula, a sentença, a dicção etc.
387
Freire observa que
existem dois modos de se urdir a narração. Um, 
e fim, e outro, a ordem artificial, in media res, que começa pelo meio, depois vai para o início

aos poeté mais apropriada aos historiadores e o seu uso na
poesia torna a leitura tediosa. Da mesma maneira, a narração será tanto mais fastidiosa quanto
mais se começar por um início muito remoto, ab ovo.
No Vila Rica, a ordem artificial, maneira consuetudinária de disposição da fábula
heróica, é observada. Analisando a fábula heróica e as conexões episódicas, constatamos a
386
Novamente Cláudio inventa uma metáfora aguda. Virgílio, autor da Eneida    

     -se o maior poeta romano, logo os romanos tornam-se os maiores
             -se ao episódio

romano da Gens Claudia, ou Claudianos, uma importante família romana de origem Sabina.
387
O capítulo XI, do Livro IV da Arte Poética de Lúzan, 
manifestam os costumes, os gênios, as paixões e o caráter das principais personagens humanas ou divinas que
são introduzid
Cf. LUZÁN Y GURREA, Ignácio de. Op. cit., loc. cit.
145
perfeição da narração, pois não se nota nenhum episódio ou caso que não se relacione direta e
indiretamente com a ação principal, por vezes com o recurso da alegoria. Um ponto que talvez
possa ser criticado é o da leitura interpretativa, que propõe a existência de dois heróis no
poema. De fato, Garcia Rodrigues Pais é uma figura muito forte na narrativa, mas, assim
como Telêmaco não apaga a figura de Odisseu, Garcia não dissolve a figura de Albuquerque,
pois está subordinado a ele.
A narração torna-se admirável pela matéria escolhida e pelo artifício. A matéria
escolhida deve ser de caráter maravilhoso ou esse caráter deve ser conseguido pelo artifício e
engenho do poeta. Para Luzán, duas espécies de verossímil, um nobre e outro popular. O
caráter deleitoso da narração épica dependerá do sucesso da admiração e da verossimilhança
inventados, pois ambos causam o deleite do entendimento. Uma especificidade da epopéia é a
narração dramática, entendida como introdução de personagens que falam em discurso
direto, somado ao uso do verso heróico
388
. A finalidade da epopéia é a mesma da poesia em
geral, ou seja, provocar a instrução e o deleite. O deleite procede da admiração da ação
heróica, como efeito particular da epopéia; a instrução de uma máxima moral ou lição que se
pode apreender da narrativa.
Contribuem para a formação do caráter deleitoso da ação heróica a beleza e a doçura
poéticas. As paixões, objetos próprios da doçura poética, são as mais poderosas ferramentas
para deleitar. Porém o poeta épico não deve abusar desse recurso, sob pena de comprometer a
majestade e o decoro apropriado ao gênero. É mais deleitosa a ação mais dramática, ou seja, o
quanto mais se incluem outras personagens que agem e discursam, enquanto o narrador
permanece em silêncio, como ocorre nos versos:
Que vós partais, Senhor, eu não consinto,
Disse Garcia; ao meu valor distinto,
Ao meu zelo católico era injúria
Saber-se que a conter a minha fúria
Necessária se fez vossa presença;
A Argasso desde já perdôo a ofensa,
(Vila Rica. Canto IV, vv. 147-152, grifo do autor.)
No Vila Rica, o princípio da narração se efetivamente na 4.a estrofe do Canto I,
onde há uma referência aos feitos do Rei, na conquista marítima da América. A ação principal
388
É evidente a necessidade da adaptação , pois o primeiro tipo é
possível apenas em línguas que possuem a oposição fonológica de quantidade, ou seja, a distinção entre sílabas
            -saxônicas, chamadas por Luzán de
tência da epopéia nestas línguas, é necessária essa adaptação conceitual
para o verso heróico, que não considera a oposição fonológica de quantidade na sua composição. Cf. LUZÁN Y
GURREA, Ignácio de. Op. cit., loc. cit.
146
ainda não é dita e o poeta vai listando as regiões conquistadas pelos portugueses no Estado
do Brasil e a esperança da descoberta dos metais e das pedras preciosas. Na 6.a estrofe, trata-
se da forma de governo praticada no Estado do Brasil até aquele momento. Todos os pontos
citados antes da explicitação da ação principal situam-na historicamente. O ponto de partida
da viagem é o marcador do início dessa ação heróica e da fábula épica, propriamente dita,
pois o poeta revela que cantará a próxima conquista, a fundação da Capital das Minas pelo
Governador Antônio de Albuquerque. A genealogia de Albuquerque remete ao
reconhecimento das conquistas dos portugueses e, por extensão, valoriza os feitos dos
paulistas, contrariando a História de Sebastião da Rocha Pita, onde os paulistas apresentam
índole maldosa. Logo em seguida, menciona-se a divindade que auxiliará o herói na sua
 Inferno
389
, é
escolhido um guia verossímil em relação à natureza do lugar onde se a ação. Assim, o
Canto I inicia a narração in media res
Tornando à margem de um soberbo Rio,
Já se alojava o Herói, e do sombrio
Amparo de umas árvores, enquanto
Vagava a comitiva, ao doce encanto
Do murmúrio das águas e do vento,
Dando aos membros suave acolhimento,
O leve sono lhe deitava as asas.
(Vila Rica. Canto I, vv. 45-51.)
Nesse início do poema, Albuquerque está no meio de sua viagem, à margem do Rio
das Velhas. A cena lembra a paisagem pintada pela poesia de Teócrito, aplicando o topos do
utópico, pois a natureza acolhe harmoniosamente o herói, zelando pelo seu sono. Glauceste
compara Albuquerque com o pastor Títiro, na idéia de que a sombra abriga o Governador,
remontando à primeira écloga virgiliana, Sub tegmine fagi. A imagem desse verso torna-se
um topos próprio da poesia árcade. A emulação de Cláudio é reforçada inclusive na forma,
pela assonância das vogais nasais /ã/, //, //; e aliteração das consoantes nasais /m/ e /n/, das
fricativas /s/, /j/ e /v/, vibrantes /r/, e laterais /l/ e /lh/. O andamento dos versos se dá por meio
das pausas das oclusivas /p/, /t/, /k/, /b/, /d/ e /g/, que marcam o ritmo. Observe-se a afinidade
fonética com o primeiro verso das Bucólicas  Tityre, tu patulae recubans sub
tegmine fagi
390
. Vejamos como isto se dá, graficamente, nos dois primeiros versos dessa
389
Cf. ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia [1307-1321]. 4.a ed. São Paulo: Editora 34, 2001. 3 vol., passim.
390
Os dois primeiros versos da Ecloga prima 
pada faia modulas uma cantilena rústica
na delgada flauta;]. Cf. VIRGÍLIO [Publius Virgilius Maronis]. Bucólicas. [Ecloga prima, vv. 1-2]. Tradução e
147
seqüência de Cláudio Manuel da Costa:
v. 45
Tor
nan
do à
mar
gem
de um
so
ber
bo
Rio,
Nasais
n an
m
em
um
Oclusivas
t
d
d
b
b
Fricativas
s
Vibrantes
r
r
r
r
Esquema 3. Aliteração do verso 45.
NAN
MAR
RIO,
do à
BER
Tor
de um
bo
gem
so
Diagrama 5. Verso 45 decassílabo sáfico sem encavalgamento.
v. 46
se a
lo
ja
va o He
rói,
e
do
som
brio
Nasais
om
Laterais
l
Oclusivas
d
b
Fricativas
j
s
j
v
s
Vibrantes
r
r
Esquema 4. Aliteração do verso 46.
JA
RÓI,
BRIO
lo
va o He
se a
som
e
do
Diagrama 6. Verso 46 decassílabo heróico com encavalgamento.
No verso quarenta e cinco, um decassílabo sáfico, a predominância das nasais
prolonga a duração do discurso, propondo solenidade, apropriando a descrição da cena à
grandeza própria do gênero e do herói. Esta sonoridade, que se repete no verso cinqüenta, é
marcada pelas consoantes oclusivas e vibrantes, imitando o ritmo da batida do coração,
produzindo o efeito adequado para a pintura de imagens noturnas, acolhendo a cena
comentário de Raimundo Carvalho (em apêndice: tradução de Odorico Mendes). Belo Horizonte: Crisálida,
2005, p. 12-13. (Edição bilíngüe: Latim; Português).
148
sombreada do sono do herói. Note-se ainda, nestes versos, a ausência do encavalgamento,
proporcionando a sensação de continuidade e leveza, que se efetiva no verso cinqüenta e um,
na metáfora do leve sono que deita suas asas no herói.
No verso quarenta e seis, um decassílabo heróico, Glauceste varia a sonoridade dos
fonemas para salientar as consoantes fricativas, adequando o estilo ao movimento rápido e
repentino com que o herói aloja-se no cenário idílico. A idéia de movimento é reforçada pelo
encavalgamento, descontinuidade ilustrada no diagrama seis, rompendo a continuidade
semântica pelo apoio da pontuação, a vírgula no final do verso quarenta e cinco e as cesuras
dos versos quarenta e seis e quarenta e sete.
Além de emular Virgílio, na cena de um pastor que descansa à sombra de uma faia,
Cláudio emula também nesses versos, tematicamente, a Farsália, de Lucano, pois no épico
latino a narração se inicia no meio da viagem de César, junto a um rio, passagem conhecida

Ia César em sua marcha havendo superado os Alpes congelados,
E concebido em seu espírito o motim e a guerra futuros
Quando chegou às águas do pequeno Rubicão,
O General vê a imagem do seu país trepidando
391
.
Assim, o poema Vila Rica segue baseado nos preceitos conhecidos do gênero épico,
iniciando convenientemente pelo meio da ação, como recomenda Francisco José Freire, que
adverte que a ordem natural é mais apropriada ao historiador e a ordem artificial, ao poeta,
emulando sempre que possível os poetas latinos. Ao equiparar o episódio do rio Rubicão com
o ponto inicial do Vila Rica, Cláudio torna o rio das Velhas como o ponto de não-retorno da
viagem de Albuquerque. Na Farsália, aquele ponto, marcado pela travessia da margem do
rio, significará que não mais retorno para César, quando teria dito, de acordo com
A sorte está lançada!
392
. Dali adiante se espera a morte ou a
glória eterna.
Não existem regras antigas rígidas sobre a duração da narração da ação do poema. Os
autores modernos usam habitualmente o tempo de um ano ou o tempo de uma estação ou
391
            
(Farsália. Canto I, vv. 183-
186.). Cf. LUCAN. The Civil War. Op. cit., p. 16; LUCANO, Marco Anneo. Farsalia. Op. cit., p. 81; Cf.
LUCANUS, M.A. Pharsalia    
 dez. 2004; Essa minha tradução foi feita cotejando o texto latino com as
traduções em inglês e em espanhol consultadas.
392
  . Cf. TRANQVILII, Svetoni. Vita Divi Ivuli. Disponível em: <http://www.thelatinlibrary.
com/suetonius/suet. caesar. html>. Acesso em: 25 jul. 2005.
149
campanha. No Vila Rica, o tempo da narração corresponde ao tempo da viagem do
Governador, partindo do Rio das Velhas, durando alguns dias, num tempo convencionado,
ficcionalmente verossímil, que não segue a cronologia histórica, na qual os acontecimentos se
deram em três anos, contados desde essa primeira viagem até a data de fundação da cidade
393
.
A respeito do epílogo, Freire não estabelece nenhum preceito, mas apenas observa

394
. Num poema épico,
essa parte seria uma conclusão, uma explicitação esquemática ou resumo da ação heróica
representada e a evidenciação da instrução moral a ser aprendida. No Vila Rica, não
epílogo explícito, seguindo nesse preceito a Arte Poética de Francisco José Freire, embora o
Canto X possa ser interpretado como um longo epílogo, ilustrando alegoricamente a
submissão dos elementos da natureza à civilização portuguesa, visto que a ação principal é
realizada no final do Canto IX. Como alternativa de leitura, pode-se considerar um breve
epílogo, nas duas últimas estrofes do poema.
Figura 14. Ilustração de Viajante do Século XVIII da atual Praça Tiradentes. MHCMOP.
393
Para um resumo detalhado da narração da história contada no poema, organizada nos seus episódios, vide o
Apêndice A: Argumentos narrativos do Vila Rica.
394
FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 205.
150
3.5. A fábula épica
A fábula épica abrange todas as ações que são efetivadas no plano enunciativo do
texto. Segundo Luzán, a invenção da fábula épica deverá obedecer às mesmas propriedades de
    implexão, verossimilhança, integridade, grandeza, unidade,
episódio, e admirabilidade
395
. Estas propriedades estão intimamente relacionadas, de tal
forma que o prejuízo de uma delas pode danificar a todas.
A primeira propriedade de qualidade da fábula épica, a implexão, é o enredamento
coeso dos diversos fios narrativos que compõem a ação imitada, correspondente à invenção.
Segundo Freire, a implexão da epopéia deve comandar o uso adequado dos afetos, como na
tragédia, obedecendo a três propriedades básicas, a saber: peripetia, agnitio e passio
396
, ou
peripécia, agnição e perturbação. Freire emula a Poética de Aristóteles, na qual estas partes
correspondiam à peripécia, reconhecimento e ação patética (páthos). Essas propriedades
definem o tipo de fábula heróica inventada pela predominância de um desses fatores.
A peripetia 
sempre adequada ao verossímil (eikos), como nota Aristóteles
397
, ou a imitação da verdade, o
verossímil nobre, como se deve entender no pensamento de Freire. A agnitio é o
            
equivalente ao conceito aristotélico de reconhecimento. Deste conhecimento podem surgir
amizade, inimizade, felicidade ou infelicidade. A Agnitio poderá ser simples ou composta.
Simples é a agnitio que se por apenas uma pessoa, como na Odisséia, na qual Ulisses é
conhecido por sua ama. A agnitio composta é aquela que se mutuamente entre as pessoas,
como entre Orestes e Ifigênia, na tragédia de Eurípedes
398
. Um destes dois exemplos citados
por Freire se numa epopéia, não numa tragédia, pois são tirados diretamente da Arte
Poética de Aristóteles. Freire diz que o conceito de passio era conhecido pelos antigos como
páthos e, logo depois, o traduz com o termo perturbação    
horrorosa, que causa dor, e sentimento, vendo claramente sucederem no teatro mortes,
tormentos, feridas etc.
399
O acontecimento patético é chamado por Aristóteles de catástrofe,
395
Cf. LUZÁN, Ignácio de. Op. cit.
396
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], p. 203.
397
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit. Poética, p. 255.
398
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], loc. cit.
399
Idem, p. 205.
151
ou aquilo que leva a tragédia ao seu ápice, causando a tristeza provocada pela morte, a
descida aos infernos na epopéia, que ocorre entre pessoas próximas ou parentes, produzindo o
terror e a compaixão (ou piedade) nos espectadores, a catarse, um efeito moral e
purificador
400
.
No final do capítulo IV, do Livro IV de sua Arte Poética, Luzán retoma também o
conceito de Aristóteles, declarando que a fábula pode ser simples ou complexa, moral ou
patética, admitindo a peripécia e o reconhecimento. Para Tasso, existem quatro tipos de
fábula heróica, de acordo como o uso das três partes de qualidade: A simples, a composta, a
afetuosa e a moral. A duas primeiras qualidades se referem à natureza da ação retratada no
poema; as outras duas diz respeito aos sentimentos despertados no herói e, por extensão, no
leitor. A Ilíada seria simples e afetuosa. É simples porque retrata uma ação simples, sem
peripécia e reconhecimento, ao passo que é afetuosa por retratar uma determinada
perturbação. A Odisséia seria composta e moral: é composta porque retrata a peripécia e o
reconhecimento, e moral porque traz um ensinamento adquirido pelo herói em relação à
conduta do homem.
O enredamento coeso da implexão do Vila Rica figura a sua fábula épica como
complexa e moral: é complexa por conter muitos episódios, que representam peripécias,
reconhecimentos simples, complexos e ações patéticas, empregando adequadamente os afetos
dos personagens; e é moral porque contém o ensinamento da doutrina católica, que justifica a
pacificação e conquista da região das Minas, pois os afetos dos personagens são ajuizados
pela moral católica, como no caso de Garcia, que perdoa Argasso, e Albuquerque, que perdoa
Borba Gato e os emboabas revoltados.
A segunda propriedade da fábula épica, a verossimilhança, o parecer com a verdade, é
uma das virtudes da epopéia elaboradas por Minturno e consideradas por Freire. Na fábula, o
        , do ponto de vista ficcional. O
poeta deverá considerar a natureza, a fortuna, a idade, o costume, a fama ou história, não
invertendo a ordem dos acontecimentos, embora isto possa ocorrer pela licença poética.
Freire interpreta o verossímil tendo por pressuposto a verdade histórica. A história real
é matéria épica por excelência. Para escolhê-la, o poeta deve empenhar-se para discernir a
verdade, orientando-se pelo entendimento, que liga os fatos, e pelo juízo, buscando provas ou
evidências que comprovem a veracidade deles. O herói escolhido pode ser um personagem
400
Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit. Poética, p. 255; 260-262.
152
verdadeiro de uma história: virtuoso, conhecido e admirado, 
ânimos 
A verossimilhança, o parecer verdade, aqui atende mais a idéia de eikos do que a de
veri similium
401
, pois o poeta reinventa a história, alterando a ordem dos acontecimentos a fim
de que seu poema tenha integridade poética, que não é mantida se a linguagem apenas
reproduzir a matéria histórica
402
. Para Tasso, o poeta deve convencer o leitor de que trata da
verdade; indo além, deve tornar essa verdade presente aos olhos do leitor pelo apelo aos
sentidos, produzindo a doçura poética, fazendo que veja, ouça e sinta a suposta verdade,
guardando na alma a opinião verdadeira, imposta pela autoridade da história. A novidade de
cada poema épico não consistirá, portanto, na escolha da matéria, pois será matéria conhecida
pela verdade da história. A novidade de cada poema é o tratamento particular da fábula
heróica, da forma como ocorre o e o desenlace da ação heróica, pela escolha apropriada
dos episódios.
Visto que o argumento ou matéria nua do poema épico deverá ser retirado da história,
o poeta deve levar em consideração, segundo Tasso, em qual tipo de história a ação é cantada.
Não poderá ser utilizada a história das religiões entendidas como falsas ou pagãs. Para o
401
De acordo com a Arte Retórica, ao escrever, o poeta tem na memória os lugares-comuns (; topoi),
baseados em opiniões verdadeiras (; eidéi) ou opiniões prováveis (; endóxon), escrevendo de
acordo com o plausível (; eikon). A tradução nas letras latinas do termo eikos (; ou ) como
verossímil (veri similium) cria um conceito que impõe a idéia de intermediação entre a obra e uma suposta
verdade, anterior e preexistente a esta. Entretanto, seu sentido grego não supõe nenhuma verdade a se comparar,
eikos-se mais pela
categoria do hábito e não da substância, ou seja, compõe um discurso que tem uma gica coerente do provável,
ainda que mitológico: A verossimilhança e o indício (sinal; ; semeion) não são termos equivalentes. A
verossimilhança fornece uma premissa provável, ao passo que o indício ou sinal pretende ser uma prótase
demonstrativa necessária ou provável. Na Arte Retórica aristotélica, busca-se na convenção épica sempre a
imitação de uma opinião verdadeira (eidéi). Nela não existia, portanto, a busca de uma verossimilhança, no
sentido latino do termo, tal como o concebemos. Por isso, o espaço do mito ou fábula, onde os deuses
participam como caracteres plausíveis, não verossímeis. Portanto, entendemos que o elemento maravilhoso
mitológico aplicado nas letras épicas gregas não se opõe ao seu próprio verossímil, mas faz parte dele, pois num
mundo cujo pensamento é mítico, o mito faz parte da opinião verdadeira ou da opinião provável, como algo
lógico. Diferenciam-se o herói épico do trágico pela consciência ou não destas opiniões verdadeiras ou
prováveis. Segundo João Adolfo Hansen [Informação oral], o herói trágico cometeu um erro sem saber (em
minhas palavras, atentou contra a lei convencionada no eikos), determinando sua moira, seu destino do qual
não poderá escapar, enquanto o épico almeja ser o senhor de seu próprio destino (usando o eikos a seu favor); Cf.
AVILÉS, Alejandro. Eikos, il plausibile, non il verosimile. Disponível em: <http://web.ticino.com/aviles-
nani/eikos.htm>. Acesso em: 28 fev. 2005. Aqui, evidencia-se a dificuldade da tradução, que potencializa o
problema da incapacidade das palavras representarem exatamente o que se pensa, a correspondência semântica.
402
Tasso expõe que o poeta não precisa pintar as ações como elas realmente aconteceram, mas como elas
deveriam ter sido, isto é, deve considerar com mais apreço o verossímil com o aspecto universal de sua épica do
que com a verdade do particular. Por isso, Tasso critica a forma como foi disposta a Farsália de Lucano.

do verossímil universal no privilégio da verdade particular. Cf. TASSO, Torquato. Discorsi dell’arte poetica ed
in particolare sopra il poema eroico. Op. cit., loc. cit.
153
preceptista italiano, a história usada na épica de um poeta cristão deverá ser a história da
religião verdadeira, a católica. O Vila Rica segue o princípio da verossimilhança segundo a
perspectiva católica, encontrando na verdade de sua história particular a repetição da história
universal, codificada na Bíblia, que resume toda a experiência dos seres criados. Assim, no
Vila Rica, ao encontrarem o cadáver de D. Rodrigo, a referência inicial, que introduz o
episódio, é a do Livro bíblico de Jonas:
Não de outra sorte sobre os grossos mares,
Que do Antártico Céu cobrem os ares,
De mergulho se vê buscar a areia
O pardo e negro mostro da baleia,
Quando do arpão do pescador ferida
Tinge as ondas de sangue e, submergida,
Ao fundo leva a barbatana dura.
(Vila Rica. Canto IV, vv. 29-35.)
Depois, o poeta revela que essa representação bíblica da baleia é um engano do
personagem de Manuel Pegado, secretário do Governador, que assina o termo de criação de
Vila Rica
403
. Os viajantes descobrem, com a ajuda dos índios, que não se trata de uma baleia,
mas de uma cobra sucuriú, simbolizando a morte:
A serpente é símbolo e guardiã da morte. Os autóctones riem-se do
estrangeiro. Os selvagens lançam-se afoitos à caça e à morte da sucuriú e,
quando a matam, abrem os olhos do civilizado à significação do emblema. A
serpente assume a função de um hierofante: revela as coisas sagradas (outra
das funções das serpentes) e é o homem primitivo, conhecedor e dono dos
mistérios da Terra, quem ensina ao homem culto (não nos esqueçamos,
Manuel Pegado é o secretário de Antônio de Albuquerque) os caminhos da
revelação
404
.
A cobra havia acabado de devorar três veados inteiros, encontrados ao lhe abrirem o
ventre. O número três pode assumir diversas significações, a Santíssima Trindade, o mero
de dias que Jesus levou para ressuscitar, os três povos primordiais na fundação das Minas etc.
O episódio emula, como notou habilidosamente Hélio Lopes, o episódio da Eneida no qual
Enéias vê uma serpente resvalando sobre o túmulo de seu pai Anquises
405
.
Portanto, a cobra é o sinal que marca onde está a sepultura de D. Rodrigo de Castelo
Branco. Encontra-se o túmulo ao lado da sucuriú e Borba Gato reconhece os restos mortais do
Governador. A cobra sucuriú, animal feroz, representa a natureza local, por isso é conhecida
apenas pelos nativos e estranha ao herói português:
403
Cf. CREAÇÃO DE VILLAS NO PERIODO COLONIAL; VILLA RICA; Termo de erecção da villa. Revista
do Archivo Publico Mineiro, Ouro Preto: Imprensa Official de Minas Gerais, vol. 2, p. 85, 1897.
404
LOPES, Hélio. Introdução ao Poema Vila Rica. Op. cit., p. 64.
405
Idem, p.64-65.
154
Vendo que novo ali não conhecera
Que é o Sucuriú aquela fera,
De quem ouvido aos nacionais havia
Que um tronco na grandeza parecia.
(Vila Rica. Canto IV, vv. 55-58.)
A verossimilhança nobre do Vila Rica pressupõe, portanto, um duplo deslocamento do
modelo referenciado. A história particular representada na Bíblia inclui-se na história
universal. A história do poema, por sua vez, apresenta semelhanças com a história bíblica, na
representação de animais ferozes e na intervenção da Providência. Em relação à história
universal, o episódio da Sucuriú é emulação verossímil da imitação.
A integridade, como terceira propriedade da fábula épica, consiste simplesmente na
abordagem completa da fábula, em seu princípio, meio e fim, sem deixar que sobrem partes
ou episódios desconexos com a ação principal, nem que faltem partes decisivas que possam
tornar a ação obscura ou misteriosa. O Vila Rica obedece, em tese, a este preceito, embora
exista uma concatenação de muitos episódios. Entretanto, a necessidade de anexar diversas
notas, a fundamentação histórica, comentários, prólogo, carta dedicatória etc., depõe contra o
poema de Glauceste que, para ser entendido, precisa ser avaliado nos seus diversos anexos,
diluindo a integridade pressuposta no modelo da epopéia.
Na fábula épica, a grandeza é a quarta propriedade de qualidade a ser observada.
Sempre proporcional à natureza, corresponde à magnificência, em Minturno, que considera
sempre o meio-termo como virtude moral, buscando uma ação que seja nobre para ser digna
da imitação. Não se trata, ainda, da grandeza material, nem da duração da obra, em número de
versos. Estes devem ser justos ou adequados à extensão e a importância da ação narrada. A
grandeza da ação épica pode ser diminuída pela ajuda de outros homens, mas não é diminuída
pela assistência de uma divindade ou quina. De fato, a assistência divina torna a ação mais
gloriosa, pois o herói comprova ser muito digno e possuidor de excelentes virtudes para ser
      
406
. A grandeza da ação é atingida devido à sua
importância para o Império e para a Igreja, pois o herói pacifica e funda a mais importante das
colônias do reino de Portugal, face à fereza esplêndida da natureza mineira. A grandeza,
portanto, aplica-se tanto à fábula épica quanto à ação heróica, que veremos mais adiante.
A unidade, quinta propriedade da fábula épica, é semelhante à propriedade de

deteriorada com outros acidentes diversos do sujeito, ou urdidas de partes, que não são
406
Cf. LUZÁN Y GURREA, Ignácio de. Op. cit., loc. cit.
155

407
. Enquanto a integridade se ocupa da narração como um todo, a unidade refere-
se à relação específica entre o herói e a ação. É o nível de efetivação da ação, ou seja, a ação

ser cometidos contra este preceito. O primeiro é o de uma ação para a qual concorrem
diversos personagens; o segundo é a abordagem de muitas ações por um herói; o terceiro
pecado é o mais grave, o uso de diversas ações com a participação de diversos personagens.
A unidade da ação, que deve ser desempenhada por um único herói, é estabelecida
pelo caráter eloqüente de Albuquerque. É somente ele que tem o dom admirável do
convencimento, que estabelece a ordem e a autoridade numa região que se via sem leis. A
admirabilidade da ação heróica é dada pelo seu caráter virtuoso e pela sua competência
oratória
408
, iluminada pela verdade de seu juízo, que orienta a sua conduta moral.
A sexta propriedade da fábula épica é o episódio, cada parte indispensável da narrativa
que contribui para a realização da ação heróica. Sem os episódios, a integridade, a grandeza e
a unidade ficam prejudicadas. Os episódios da epopéia são sempre entendidos como atos ou
acontecimentos ocorridos em circunstâncias verossímeis. Eles devem estar intimamente
ligados ao episódio ou ação central. São citados diversos exemplos por Luzán, mas, em
poucas linhas, o ilustrado por ele é a diferenciação entre os episódios da epopéia e os da
tragédia, pois os da epopéia são maiores e em maior número.
A sétima e última propriedade de quantidade da fábula épica é a admirabilidade,
            

409

a n
410
. Algo somente poderá exceder nossa faculdade do juízo se for uma ação
que ultrapasse o nosso entendimento, memória e vontade, categorias que são faculdades da
407
FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], p. 215.
408
O engenho (ingenium) é definido aqui como a gênese da capacidade de realizar um discurso ilustre que deve
ser cultivado com os exercícios, num estilo que somente alcança a persuasão com clareza (perspicuitas) e
ornamento. Tanto o poeta quanto o herói devem possuir engenho, que é uma habilidade nata, embora ela possa
ser treinada. Como Cícero esclarece, a retórica é muito importante para a política, pois a retórica é considerada
um ofício, como uma arte da persuasão, útil a virtude na administração das coisas públicas (res publica).
Quintiliano define o currículo a ser seguido nessa educação: gramática, autores a serem lidos, lugares-comuns
(topoi; loci communes) e outros estudos relacionados com a retórica, na busca da perfecta eloquentia. Retoma
todos os tipos de discurso e partes da retórica, incluindo o decoro da audiência (audiendi). a elocução como
ação (actio). Define melhor a constituição básica do discurso, em duas partes, a da matéria e a da palavra (res et
verba). Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. Op. cit., loc. cit.
409
FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 177.
410
FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], p. 224.
156
alma que orientam a nossa instrução moral, desde Santo Tomás de Aquino
411
.
Todas as propriedades da fábula épica podem ser transpostas para a ação heróica. A
separação interpretativa destes dois itens consiste na maior dificuldade de análise das
epopéias do século XVIII, pois a diversidade das regras das artes poéticas causa muita
confusão, nas características semelhantes de conceitos tão próximos.
3.6. A ação heróica
Na epopéia, a matéria a ser imitada é sempre uma ação heróica, entendida como
e do

412
. O heroísmo consiste em realizar atos ou trabalhos maravilhosos, impossíveis para
o homem mortal, mas possíveis para um herói que conta com a ajuda divina
413
. Freire
reformula o conceito de tipo de ação da Ética de Aristóteles de voluntária ou involuntária
414
411
Cf. VALLE, Ricardo Martins. A construção da Posteridade, ou A tradição para o Novo Mundo, ou A gênese
como Ruína. Op. cit., 195.
412
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 167; A partir da leitura de Bossu e Benio, Luzán define a natureza da
epopéia, reunindo diversos conceitos, como o de verossímil, a finalidade moral, a nobreza dos heróis e dos
     
instrucción moral a donde deben tirar y parar todas las líneas de la epopeya, como a su blanco y fin principal, y,

ação nobre e grande, personagens ilustres e esclarecidas, como reis, heróis, etc., a instrução moral de onde se
devem tirar e basear todas as linhas da epopéia, como a seu brando e fim principal, e, finalmente, o modo
verossímil, admirável e deleitoso com que se deve fazer a imitação da ação.]. A partir dessa definição, não
existem a rigor muitos poemas épicos, excluindo-se, por exemplo, o poema As obras e os dias, de Hesíodo, As
Geórgicas, de Virgílio, Filomena e Dragontea, de Lope de Vega etc., destituindo ainda a possibilidade da
existência de uma Cf. LUZÁN Y GURREA, Ignácio de. Op. cit., loc. cit.; Cf. LE BOSSU,
René. Traité du poème épique. [1675]; Infelizmente não tivemos acesso a esta obra por ser raríssima; cito a
referência a partir de: GARCÍA LANDA, José Ángel. A Bibliography of Literary Theory, Criticism and
Philology. 10th ed. University of Zaragoza: Spain, 2005. Disponível em: <http://www.unizar.es/departamentos/
filologia_inglesa/garciala/bibliography.html>. Acesso em 20 mar. 2005.
413
Tasso, em seu primeiro discurso sobre a poesia épica, preceitua que a invenção define a escolha conveniente
da alta matéria do poema heróico. Para escolher a matéria nua sem tratamento poético o escritor deve se
deixar guiar pelo juízo para compreender o que esta matéria possui de caráter divino, caracterizado pela natureza
de sua perfeição. Cf. TASSO, Torquato. Discorsi dell’arte poetica ed in particolare sopra il poema eroico. Op.
cit., loc. cit.
414
Na Ética de Aristóteles as ações podem ser voluntárias ou involuntárias. Involuntárias são aquelas ações cujo
     
sempre uma ação involuntária por compulsão como Medéia, ou por ignorância, como Édipo. A ação voluntária é
aq             

voluntariedade da ação de Aquiles, movido pela cólera como efeito do páthos, ou paixão, ou perturbação da
morte de Pátroclos, entretanto, segundo Aristóteles, as ações praticadas sob o efeito patético da cólera ou do
157
para intencional ou acidental. A ação épica deve ser intencional, nunca acidental, pois esta

415
. A nobreza da ação consiste na escolha
intencional do herói, que será encenado como a figura fatal, o personagem central do poema.
Codificado como homem melhor do que nós, o herói possui todas as virtudes, porém sempre
excede todos os outros heróis em uma virtude particular, coragem, astúcia, piedade etc.
Muitas vezes, nas preceptivas, o conceito de ão heróica é confundido com o de
fábula heróica ou fábula épica, que deve seguir sete propriedades fundamentais de qualidade:
             
história, acompanhada da verdadeira Religião, e não muito moderna, nem demasiadamente

416
.
A ação heróica é equivalente ao mythos grego. De acordo com um fundamento moral,
define-se a ação exemplar de um herói prudente ou esclarecido, que por isso merece ser
imitada, como invenção do         
Aristóteles de ser simples ou complexa, ou, como preceitua Luzán:
A fábula épica em geral, a meu entender, é um feito ilustre e grande, imitado
artificiosamente, como sucedido a algum rei, herói ou capitão esclarecido,
debaixo de cuja alegoria se ensine alguma importante máxima moral ou se
propaga a idéia de um perfeito herói militar
417
.
O preceptista espanhol identifica a fábula épica com a ação heróica, mas podemos
perceber que se trata mesmo da ação do herói. A máxima ou instrução moral aplicada ao
poema é definida como alegoria dessa ação épica. Por exemplo, a instrução moral que serviu
de matéria para a invenção da Ilíada é a seguinte máxima moral:
que a discórdia dos chefes e a desobediência dos inferiores, por suas
particulares conveniências e paixões, causa danos gravíssimos ao bem
público e atalha todos os progressos de uma confederação; e, ao contrário,
a concórdia, a união, a obediência e subordinação remedia todos esses
danos e produz os mais felizes sucessos
418
.
A ação, por outro lado, determinada como ética do herói épico, demonstra a prudência
apetite não devem ser tratadas como involuntárias, pois são próprias do homem. Cf. ARISTÓTELES. Ética a
Nicômaco. Op. cit., p. 56-60.
415
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], p. 323.
416
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 169.
417
La fábula épica en general, a mi entender, es un hecho ilustre y grande, imitado artificiosamente, como
sucedido a algún rey, héroe o capitán esclarecido, debajo de cuya alegoría se enseñe alguna importante máxima
moral o se proponga la idea de un perfecto héroe militarCf. LUZÁN, Ignácio de. Op. cit., loc. cit., grifo do
autor.
418
que la discordia de los jefes y la desobediencia de los inferiores, por sus particulares conveniencias y
pasiones, causa daños gravísimos al bien público y ataja todos los progresos de una confederación; y, al
contrario, la concordia, la unión, la obediencia y subordinación remedia todos esos daños y produce los más
felices sucesosCf. Idem, grifo do autor.
158
do controle de suas paixões para o sucesso do Estado e da preservação do bem público,
elegendo as virtudes morais a serem seguidas como a concórdia, a união, a obediência e a
subordinação. O poeta épico deve, portanto, buscar primeiramente a instrução moral a ser
ensinada para depois procurar um feito histórico que ilustre o ensinamento pretendido,
adaptando as regras da arte numa alegoria, segundo os meios da epopéia. Na Odisséia se
Eneida, procura-se
        No Vila Rica, Albuquerque será
humilde, zeloso, brioso, magnânimo, vigilante e eloqüente, quando se põe a discursar:
Concebe o meu Herói; ali sentado
Entre os mais companheiros, rodeado
Sem distinção alguma, ou já na mesa,
No leito, ou no quartel, ou junto à acesa
Chama, em que esperam reparar o frio,
Tem toda a autoridade, todo o brio
Posto no zelo só, na vigilância,
Com que prova os esforços da constância,
Esquecido de si e da grandeza,
Por ver o fim da cometida empresa.
(Vila Rica. Canto I, vv. 194-203.)
Desta arte entrando vai na Régia Sala,
Senta-se, mede a todos, e assim fala:
Felizes vós, feliz também eu devo
Chamar-me neste dia, pois que escrevo
Com letras de ouro o meu, e o nome vosso.
(Vila Rica. Canto X, vv. 91-95, grifo do autor.)
A ação heróica será necessariamente grandiosa, pois, para que se realize, é necessário
o enfrentamento de diversos obstáculos, figurados no poder da natureza, pelo controle
indispensável das paixões, pela inevitabilidade da morte e do amor. Nos séculos XVI, XVII e
XVIII, esta ação deve ser fundada na verdade da história, para ser verossímil e assumir caráter
glorioso, pois o herói deste tempo é católico, representante do Império de seu reino e
  , no dizer de Francisco José Freire, representada no
Vila Rica pelo personagem do Padre Faria. A ação ilustre e grandiosa é própria de uma

419
, sempre realizada por
reis, heróis ou capitães esclarecidos. Assim, existe adequação do caráter do personagem à
ação praticada. A própria grandeza da ação e de seus personagens implica que a fábula seja
419

fábula o la acción épica ha de ser ilustre, grande, maravillosa, verosímil, entera, de justa grandeza, una y de un
[A fábula ou a ação épica de ser ilustre, grande, maravilhosa, verossímil, inteira, de justa grandeza,
única e de único herói.]. Cf. LUZÁN, Ignácio de. Op. cit., loc. cit.
159
maravilhosa, contribuindo para isso a idealização da natureza pelo poeta. A epopéia deve ser
diferente da história, que trata os assuntos da maneira como realmente aconteceram, figurando
a ação como extraordinária, admirável e ornada, mas sem perder de vista o caráter verossímil,
             Farsália de
Lucano, a Araucana de Alonso de Ercilla, a Mexicana de Gabriel Lasso como epopéias, por
não terem o caráter maravilhoso, apegando-se mais fielmente a história.
A unidade, como requisito fundamental da ação épica, pressupõe que a uma única
ação deve corresponder um único herói, considerando o poema como um corpo composto por
vários membros que obedecem uma . A ação heróica
é medida que possui unidade, com início, meio e fim, seguindo a
ordem artificial, sem deixar fios soltos que a possam comprometer no seu desenvolvimento.
Se a ação for imperfeita, não poderá ser maravilhosa, como é necessário para a sua
verossimilhança nobre e heróica. Para manter a unidade, o herói também deve ser um só,
portanto, condenam-se as epopéias nas quais vários heróis se destacam, como a Farsália, de
Lucano, que até hoje é discutida para saber se o herói da sua ação principal é César, Pompeu
ou mesmo Crasso.
A unidade da ação heróica deve ser observada, evitando-se episódios paralelos ou
desdobramentos que a tornem menos admirável. Essa unidade é determinada com o
deslocamento temporal de episódios no plano do enunciado, quando necessário, na adaptação
da matéria histórica à fantasia e ao engenho, contribuindo para a perfeita implexão dos
diversos episódios. No Vila Rica, a matéria histórica empírica da viagem do Governador
acontece em 1709 e a fundação da vila somente se dá em 1711. No enunciado do poema, essa
ação mimetizada é disposta como se a fundação da vila fosse o ponto culminante da viagem
de pacificação de Antônio de Albuquerque, instaurando a paz e alcançando um êxito feliz.
Dessa forma, o poeta confere unidade a esta ação, destituindo o intervalo temporal na junção
de duas pontas importantes da história. Adequando a matéria ao preceito do gênero, evita a
encenação de duas viagens, que comprometeriam a unidade do poema.
A ação heróica épica ainda deve ser 
comum ou pequena, será vulgar, inconveniente para o decoro do gênero épico. Se
          
percebida num todo. A grandeza deve ser pautada pela proporção, relação e semelhança que o
O tamanho da
epopéia, ou seja, o intervalo temporal no qual a ação heróica se desenvolve, geralmente não é
160
preceituado com muita rigidez, porque não se consegue rastrear essa questão em Aristóteles.
Mas este esclarece que a extensão deve ser maior que a da tragédia, pois esta, Poe ser
dramática, não permite tempo para interromper a representação e refletir. Enquanto na
epopéia a possibilidade de congelar a cena, realizar todas as reflexões que se quiser,
recorrendo à memória do que o leitor leu. Não deve ser tão breve como a tragédia, que se
em um ou dois dias. Porém, quanto ao tempo máximo, divergências reconhecidas por
Freire, aconselhando que ela não exceda muito o período de um ano. Para Minturno, a matéria
tratada no poema deverá ser única e perfeita, devendo durar aproximadamente um ano, a fim
de compor adequadamente a fábula épica com justa grandeza, com princípio, meio e fim
420
.
No Vila Rica, a adaptação da matéria histórica permite a observância deste preceito, embora
outros tempos sejam citados ou mesmo representados no decorrer da composição.
O êxito feliz se deve ao fato de o herói conseguir realizar a ação de forma completa,
maravilhosa, admirável e exemplar, respeitando os costumes do decoro do plano enunciativo
e dispondo adequadamente os ânimos para a imitação. Se o herói não conseguir realizar
perfeitamente a ação, ela não terá êxito feliz e não poderá ser maravilhosa, como estabelece o
gênero. No Vila Rica, a virtude moral, meio-termo da ação do herói católico, segue uma justa
grandeza proporcional à natureza do ideal cristão de piedade. Antes de tudo, Albuquerque
será o herói conciliador, que perdoa para pacificar o ânimo dos filhos de Portugal. Por
exemplo, quando absolve Borba Gato:
De ouvir todo o sucesso por inteiro,
Suave acolhe ao nobre Aventureiro,
E dando-lhe mil mostras de amizade,
De ordem do mesmo Rei o persuade
A que viva seguro do delito;
(Vila Rica. Canto III, vv. 105-109.)
Para Luzán, a maior dificuldade no seu conceito de epopéia é conciliar o maravilhoso
com o verossímil, que para ele parecem qualidades que se contrariam. É claro, não considera
a noção de eikos na Arte Poética de Aristóteles, que não supõe de fato a verdade histórica na
mímesis como reprodução do real, mas como plausibilidade. O uso de personagens divinas na
epopéia, bem como na tragédia, é chamado por Luzán     
divindades ou máquinas podem ser de três tipos, a saber: teológicas, físicas e morais. Luzán
o
seus atributos, que caracterizam divindades pagãs, como o poder a Júpiter, a justiça a Juno, a
420
Cf. MINTURNO, Antonio. Op. cit., p. 10; 12 e 25.
161
bondade a Vênus, bem como as paixões, os hábitos humanos e as propriedades da natureza,
como a paixão do amor atribuída a Cupido, os remorsos da consciência às Fúrias, o elemento
fogo ao deus Vulcano, o poder do elemento água à figura de Netuno etc. Entretanto, Luzán
lembra o poeta Boileau, defendendo que o poeta épico não deve atribuir as características do
verdadeiro Deus às divindades pagãs, a fim de preservar a verossimilhança, pois se supõe, no
mundo cristão, que o verdadeiro Deus não costuma interferir diretamente na história humana
depois da aliança com Noé. O poeta épico católico pode e deve recorrer a essas máquinas
gentias como elementos de adorno e ornamentação poética.
Essas divindades agem sempre da mesma forma e, na maioria das vezes, aparecem
    ,       
e as divindades interferirem diretamente na narração nos
poetas gentios deve-se ao desconhecimento destes do verdadeiro Deus. Luzán sugere que em
vez destas divindades gentílicas, o poeta épico cristão deve utilizar apenas a intervenção dos
anjos, bons e maus, encantos mágicos e outras coisas verossímeis para 
Para Boileau, o uso do maravilhoso cristão é execrável, inadequado às convenções do
gênero praticadas pelos seus diversos auctores, por não permitir a ornamentação
421
. Para
Muratori, a configuração dos elementos dogmáticos católicos é apenas uma opção moderna.
Em Luzán, o procedimento de figuração do maravilhoso cristão é o recomendável. Freire, por
sua vez, defende a adoção desta prática de representação da divindade cristã como regra do
poeta cristão, censurando nos poetas antigos a participação das divindades gentílicas.
Portanto, Freire moraliza o decoro da epopéia segundo uma ética católica, preceituando o uso
do maravilhoso cristão. O uso do maravilhoso cristão, entretanto, deve limitar-se à aparição
de sonhos proféticos e premonições que advertem e inspiram o herói no seu procedimento.
Como conseqüência, o maravilhoso pagão antigo, grego e latino, de divindades e paixões
personificadas, é também empregado alegoricamente na fábula como inspiração nos
personagens. Preceitua-se para o poeta católico que o maravilhoso cristão e o pagão antigo
421
O uso do maravilhoso pagão é permitido como um ornamento, mas o uso do maravilhoso cristão é condenado
                 
vainement que nos auteurs déçus,/ Bannissant de leurs vers ces ornements reçus,/Pensent faire agir Dieu, ses
saints et ses prophètes,/ Comme ces dieux éclos du cerveau des poètes;/ Mettent à chaque pas le lecteur en enfer,
   th, Lucifer./         
égayés ne sont point susceptibles. (BOILEAU. Art Poétique, 1694, Canto III, vv. 193-200) ; [Então, é bem em
vão que nossos autores desiludidos,/ Banindo de seus versos estes ornamentos herdados,/ Pensem em fazer agir
Deus, seus santos e seus profetas,/ Como estes deuses criados dos cérebros dos poetas;/ Põem a cada passo o
leitor no Inferno,/ Não oferecem nada que Astarote, Belzebu, Lúcifer./ Da fé de um cristão os mistérios terríveis/
Dos ornamentos não são suscetíveis.].
162
não devem mais interferir diretamente na ação, mas apenas inspirar 
Destaca-se no Vila Rica o uso do maravilhoso pagão indígena, atuando para o bem da
ação heróica, na figura de Filoponte, guia do herói, gênio da terra
422
; ou para o mal, na figura
da feiticeira índia Teriféia. Na épica de Cláudio, o maravilhoso pagão indígena, ao contrário
do católico e do antigo greco-latino, interfere diretamente na implexão da história. O uso do
           
           a
representação de anjos e do Espírito Santo, seria válida como explica
Minturno, devendo ser usado com certa moderação, pois Deus não costuma intervir
decisivamente na história dos homens, beneficiados pelo livre-arbítrio, mas inspira ou envia
mensagens proféticas indiretamente, por sonhos, santos ou anjos. O maravilhoso pagão
indígena não era previsto pelos preceptistas da poesia épica e aqui pode ser lido positivamente
. O que é equivocado, no entanto, visto já existirem
outros exemplos do gênero que fazem uso do maravilhoso pagão indígena, com A Mexicana,
O Uraguai, Araucana etc. Cláudio apenas segue as soluções encontradas pelos letrados do
mundo ibérico-colonial.
A ação heróica deve ser 
muito moderna impede o uso de 
         -se
inverossímil ou fantasiosa. A ação muito antiga, para conservar o seu verossímil, deve agregar
            
poeta, que deve seguir os costumes católicos. Como exemplo do primeiro defeito, do uso de
um argumento histórico moderno demais, Freire cita a obra épica de Camões; padece do
segundo defeito, a abordagem de uma matéria histórica extremamente antiga, Gabriel Pereira
de Castro que narra a restauração do Templo de Jerusalém. Por isso, Tasso explica que a ação
              
esclarece que uma história nem muito antiga, nem
muito moderna é a mais adequada à invenção do poema heróico, pois consegue equilibrar
422
Segundo Alfred Métraux, a religião dos tupinambás pregava a existência de diversos seres sobrenaturais que
habitavam as matas, como os gênios da mata, que podiam ser malévolos, personificados, e espirituais,
impessoais. Destas entidades, o Curupira era aquela que tinha o hábito de abordar os viajantes pedindo-lhes
algum serviço. Se atendido, recompensava o viajante, caso contrário vingava-se deles. Cf. TRAUX, Alfred.
A Religião dos Tupinambás: e suas relações com a das demais tribos tupi-guaranis. 2.a ed. Prefácio, tradução e
notas do Prof. Estevão Pinto. Apresentação do Prof. Egon Schaden. Companhia Editora Nacional/ Edusp. São
Paulo, 1950, p. 45-53.
163
verossimilmente estes dois fatores: a atualização dos costumes e a capacidade de moldar a
fantasia pela licença poética.
A comodidade de narrar um fato antigo obscurecido pelos séculos é a maior
possibilidade de adaptações da fábula heróica pela licença poética. Entretanto, tal ação traz
inerente ao seu verossímil o incômodo de retratar os costumes antigos do tempo dominado
pelos gentios. Ao contrário, o retrato de uma ação de uma história moderna, mais conhecida,
implica a oportunidade de representar os costumes contemporâneos, que observam a moral
católica. Mas isto imobiliza a aplicação da licença poética, impedindo o poeta de moldar os
fatos ou fingir, pois, simulando, prejudicaria o verossímil da história. A ação do Vila Rica é
moderna para os padrões da poesia épica, embora o preceito que regula a ão como nem
moderna nem muito antiga ser um tanto relativo. Solução idêntica à de Cláudio tinha sido
realizada na Farsália, que encena também uma ação moderna em relação ao tempo em que o
poema é escrito.
A imitação épica da ação heróica se por modo misto porque pode, às vezes, falar o
poeta, e este, outras vezes, introduz diferentes pessoas a falar, com efeito dramático. Por este
princípio, distingue-se imediatamente a epopéia da tragédia e da comédia, pois estas duas
últimas imitam apenas através da representação, sem a narração, devendo o poeta trágico ou
cômico ocultar sempre a sua pessoa, introduzindo outros no decorrer da ação.
A inclusão da persona do narrador no poema desloca a percepção das opiniões do
autor para as convenções dos costumes de outros auctores, lugar-comum de pessoa das
autoridades dos escritos exemplares. Desde o fim do século XVII e durante o século XVIII,
isto ficou evidente com a chamada Questão Homérica, também conhecida como a Querelle
des Anciens et des Modernes, debate sobre a existência de Homero e o fato de ele ter sido ou
não um autor ou apenas um personagem narrador, voz representante de uma coletividade
423
.
No Vila Rica, Cláudio inventa a persona árcade de Glauceste Satúrnio, que representa a voz
dos súditos de Portugal radicados na colônia americana.
423
Cf. LACERDA, Sonia. Op. cit., p. 33 et seq.
164
Figura 15. Folha de rosto da Arte Poética, de Antônio Minturno.
Publicada em Nápoles, em 1725.
165
3.7. O altivo lugar do herói
Num épico, o poeta deve ter cuidado especial em pintar os costumes do herói,
expressos muitas vezes no seu ephiteton ornans, fórmula convencionada de qualificá-lo, que
se repete nos versos do poema. Os costumes aplicam-se a todas as personagens, porém deve-
se tratar especialmente com esmero a invenção dos costumes do herói épico
424
. Os costumes
do herói épico         
            
indispensáveis, próprias do herói épico, a humanidade, a prudência, a generosidade, a força, e
especialm

425
. A capacidade extraordinária do herói se deve, na mitologia grega e latina, à sua
origem semidivina, que o diferencia dos outros homens comuns como pessoa melhor do que
nós
426
.
Entretanto, para distinguir seu herói, cada poeta deve sempre atribuir uma virtude
especial, uma excelência ou areté, na qual seu herói exceda todos os outros; a perfeição nesta
virtude é tal que nenhum outro ser humano jamais a alcançou, nem alcançará. Assim, segundo

             No Vila Rica,
Albuquerque será o herói-civilizador, pois é católico, conciliador, cortesão, piedoso, fiel,
zeloso etc., promovendo a ação heróica de pacificação das Minas pela força persuasiva de
seus discursos (perspicuitas), configurando como primeira qualidade a eloqüência, que forma
um herói orador, portador da virtude da perfecta eloquentia de Quintiliano
427
. No final do
Canto IX, Albuquerque promove a conciliação dos interesses dos paulistas e dos emboabas
por meio de um longo discurso (Vila Rica. Canto IX, vv. 389-415.), perdoando a sedição dos
424
Cf. LUZÁN Y GURREA, Ignácio de. Op. cit., loc. cit.
425
FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 178.
426
Como o herói é o filho de uma mulher com um deus, herda algumas características divinas, seguindo topoi,
tópicas ou lugares-comuns de pessoa (loci a persona), como a de constituição física (habitus corporis); a tópica
de origem (genus), que estabelece os filhos se assemelham aos pais ou ancestrais; a de nação (natio) opondo os
costumes; a de cidade (patria); idade (aetas); educação e instrução (educatio et disciplina); fortuna (fortuna);
condição e distância (condicio); aparência (quid affectet); língua (sermo); e nome (nomen); totalizando onze
circunstâncias de pessoa. Em Portugal, isso se dá, por exemplo, na tópica da origem pela qualidade aristocrática
do guerreiro, na sua relativa posição na hierarquia que ocupa no reino, ou seja, o herói é um fidalgo, sujeito bem-
nascido, que herda a honra da casa de seus pais. A tópica da nação opõe os costumes do herói branco e católico
aos do índio gentio. Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. Op. cit., loc. cit.
427
QUINTILIAN. Institutio Oratoria. Op. cit., Liber Primus, caput X, XI.
166
revoltados, dirigindo-se diretamente a Manuel Nunes Viana, condenado este, juntamente com
o Frei Francisco de Menezes, ao exílio nos sertões (Vila Rica. Canto IX, vv. 416-449.). Os
discursos do herói são retóricos, do gênero epidíctico, empregando tópicas previstas na razão
de Estado, promovendo o amor e o temor ao Rei, expressos pela fidelidade e pela violência:
E vassalos de um Rei, que mais vos ama,
Buscais acreditar a vossa fama
Com o dote imortal, que a Nação preza,
De uma fidelidade portuguesa
(Vila Rica. Canto X, vv. 99-102, grifo do autor.)
Talvez venha a ceder; e quando abuse
Da brandura, e obstinado se recuse
A render ao meu Rei a obediência,
Então porei em prática a violência;
Farei que as armas e o valor contestem
O bárbaro atentado; e que detestem
A preço de seu sangue a torpe idéia.
(Vila Rica. Canto VII, vv. 241-247, grifo do autor.)
O discurso é persuasivo porque o herói-orador tem no seu caráter moral a prova
determinante que assegura a sua probidade, levando os ouvintes a sentir as paixões da
lealdade e do medo
428
.
Garcia, por sua vez, efetiva-se mais pelas suas ações, constitui-se como o segundo
grande herói da fábula. Segundo Cláudio, em sua nota 10, Garcia é um vassalo de grande
valor no serviço do descobrimento das Minas do ouro
429
. No poema, é o amigo fiel,
auxiliando o herói principal, mostra-se católico, despojado, brioso, prudente etc.:

Ao lado está do General; sustenta
O brioso Garcia o ofício inteiro
De súdito, de amigo e companheiro.
(Vila Rica. Canto I, vv. 55-58.)
A pintura dos costumes das outras pessoas representadas deve ser adequada ao decoro
militar e ao seu papel na fábula épica. Assim, pessoas que aparecem para ocupar lugar
na cena e podem ser pintadas apenas com traços grosseiros e breves; outras que desempenham
ações mais importantes devem ser mais cuidadas, verossimilmente, de acordo com a
importância de cada ação particular desempenhada para a ação heróica central. Tasso define

da Arte Poética 
com o decoro do tipo, a criança, velho, herói etc. Cada um terá os costumes que forem
428
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit., Retórica, cap. II, p. 33.
429
COSTA, Cláudio Manuel da. 6.a ed. Op. cit., p. 1081.
167
apropriados à sua idade
430
.
As chamadas máquinas ou deidades, que consistem em personagens divinos, como
deuses, ninfas, gênios
431
, auxiliam o herói na efetivação da ão principal. Desta forma, o
herói épico é aquele que está mais próximo da divindade, com a qual mantém um vínculo que
o diferencia de todos os outros personagens. Para Freire, é condenável a figuração de
divindades não-católicas pela pena de um poeta cristão. Pois as divindades pagãs são

uma solução verossímil. O maravilhoso cristão não deve interferir diretamente na história,
-o espiritualmente
ou avisando-o dos perigos
432
, o que se efetivamente no Vila Rica por meio dos diversos
sonhos espirituais que Albuquerque relata para Garcia.
É necessário pensar sobre a participação do maravilhoso, sem esquecer que qualquer
poema é, pela sua própria forma, imitação, que pressupõe uma verdade, no entendimento de
Tasso, de um princípio de verossimilhança; portanto, o elemento maravilhoso deve ser
empregado naquelas situações que o homem não pode desempenhar. Para tanto, Freire admite
o uso da licença poética na composição 
aceitas e entendidas na poesia como ornamentação do discurso:
Pode-se dizer, falando v.g. de uma guerra, que Marte acendera o ânimo dos
combatentes; tratando de uma tempestade, que Netuno agitara os mares, e
Éolo soltara os ventos furiosos etc. A mesma liberdade se pode tomar
explicando, como faziam os antigos, os dotes da natureza por meio de
alguma divindade, v.g. a formosura por Vênus, a ciência por Minerva, o
valor por Marte etc.
433
Na pintura dos costumes, o poeta deve lembrar que o gênero épico trata dos hábitos
dos homens melhores, ao passo que a tragédia versa sobre as suas paixões. O herói épico não
deve se deixar controlar pelas suas próprias paixões, ao contrário, deve lutar para subjugá-las,
alimentando repetidamente em seu juízo a idéia da virtude, pois o hábito da virtude pode ser
ensinado, sendo           
repentinamente. A epopéia trabalha os ânimos do herói aos poucos, com insinuações e
exemplos, enquanto a tragédia ressalta os violentos afetos que movem os agentes. Desta
forma, os costumes dos heróis e demais personagens da epopéia devem prezar quatro
430
Cf. TASSO, Torquato. Discorsi dell’arte poetica ed in particolare sopra il poema eroico. Op. cit., loc. cit.
431
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 181.
432
Cf. Idem, p. 182-183.
433
Ibidem, p. 185.
168
qualidades básicas: bondade, conveniência, semelhança e igualdade, concordando com
Horácio, que diz que se deve tratar adequadamente os costumes dos personagens da fábula,
notandi sunt tibi mores
434
.
O estudo dos costumes do herói épico é feito no capítulo VII, do Livro IV da Arte
Poética de Luzán. Ele retoma uma definição antiga de herói, dada pelo poeta Luciano, como
       Além disso, para Luzán, o tempo é um fator que
melhora os costumes dos heróis, polindo o seu caráter de formas mais grosseiras até formas
mais perfeitas. Trata da especificidade do herói cristão, que deve possuir o somente uma
bondade poética, conveniente, semelhante e igual à dos melhores, mas também apresentar
uma bondade moral, católica, para tornar-se um exemplo de atitudes e feitos. As qualidades a
serem observadas especificamente no herói cristão seguem os lugares-comuns de pessoa: por
exemplo, na nobreza da origem e linhagem, que para os antigos era de um deus ou semideus
e, para os letrados contemporâneos de Cláudio, atestada pela fidalguia, expressa pelo brasão
de família e pelo acúmulo de títulos de distinção de sua hierarquia nobiliárquica: arquiduque,
duque, marquês, conde, visconde, barão etc.; ou militar: tenente-general, capitão-general,
sargento-mor etc.; ora em nomeações administrativas do reino, como governador, alcaide-
mor, donatário etc.; ou ainda em distinções religiosas, como inquisidor, arcebispo, bispo,
pároco, padre, frade, clérigo, familiar etc.; outros aspectos observados no herói cristão
segundo os lugares-comuns de pessoa são a magnanimidade em realizar façanhas esclarecidas
ou em padecer com constância grandes trabalhos e uma robustez ou força extraordinária na
realização de façanhas, por vezes reconhecidas por distinções de mérito ou ordens honoríficas
militares, como a Ordem de Cristo, a da Torre e da Espada, a de Sant’Iago da Espada etc.
Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho é um personagem histórico que atende a
esses requisitos de um herói épico católico, pois acumulou em sua trajetória de vida várias
dessas distinções: Fidalgo da Casa de Sua Majestade, Alcaide-Mor de Sines, Donatário de
capitanias, Capitão-Mor do Pará e Governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará,
Sargento-Mor, Comendador da Ordem de Cristo e da Comenda de Santo Ildefonso de Val de
Telhas, Conselheiro de Sua Majestade, Governador e Capitão-General da Capitania de São
Paulo e Minas do Ouro etc.
435
434
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], p.185; [os costumes devem ser observados para ti]. Cf.
HORATIUS FLACCUS, Quintus. Op. cit., p. 17;
435
Durante a pesquisa, ficou evidente a necessidade de uma biografia de Antônio de Albuquerque Coelho de
Carvalho, figura importante do reino de Portugal, que serviu à Coroa em seu país, no Estado do Brasil, no Estado
de Angola etc. uma pesquisa de mestrado em elaboração      
169
Citando o trabalho do Padre Le Bossu, Luzán estabelece duas coisas a serem
observadas na invenção do herói épico. A primeira é atribuir unidade ao seu caráter e a outra é
formá-lo com juízo. A perfeição da aplicação dessas regras 
             
virtudes e qualidades, devendo uma destas sobressair-se como sobre-humana: ora a piedade,
ora a coragem, ora a prudência etc.
O poeta deve trabalhar como um pintor trabalha num quadro com muitas figuras,
dando mais importância e empenho no cuidado dos caracteres principais, sobretudo do herói,
sem deixar de esboçar adequadamente o que for essencial nos caracteres secundários para que
a ação permaneça verossímil:
...deve o poeta fazer o que (faz) um pintor num quadro de muitas figuras: a
figura principal deve receber o maior cuidado de seu pincel e mostrar-se toda
inteira, o quanto permita a perspectiva e a arte; das demais figuras, umas se
mostram também inteiras e se conhecem, por suas atitudes, a parte que têm
naquela tela, outras descobrem um lado, outras uma pequena parte do
corpo; algumas se que estão somente para fazer número; de outras, como
pintadas ao longe, não se percebem mais que os vultos, sem distinção de
membros nem de cores, que se confundem com os do ar
436
.
Dessa maneira, o poeta épico deve ter o maior cuidado e perfeição de sua pena ao
figurar o herói. Alguns personagens poderão ser descritos por inteiro, outros devem ser
definidos apenas pelas partes que interessam à composição como um todo; outros, ainda,

próprias para cada tipo de personagem, e as regras particulares dos costumes, ajustando a
invenção da fábula poética à variedade dos tipos representados.
O herói épico, por seu turno, sempre ocupa um lugar de relevo em relação a todos os
outros personagens, ganhando certa autonomia que compõe seu altivo lugar. Não pode ser
comparado a ninguém, nem mesmo a outros heróis de outras epopéias. Cada herói épico pode
ser comparado apenas a si mesmo, por ter alcançado virtudes quase divinas. Assim, não se

Nova de Lisboa, de Renato Miguel Amendoeira Pires. Não devemos confundir a vida do pacificador das Minas
com a de seu filho bastardo, Antônio de Albuquerque Coelho, que possui uma biografia intitulada
        -     
1998, publicada pela editora Livros Horizonte.
436
debe el poeta hacer lo que un pintor en un cuadro de muchas figuras: la principal figura debe llevarse el
mayor cuidado de su pincel y mostrarse toda entera, cuanto permita la perspectiva y el arte; de las demás figuras,
unas se muestran también enteras y se conoce, por sus actitudes, la parte que tienen en aquel lienzo, otras
descubren sólo un lado, otras una pequeña parte del cuerpo; algunas se ven que están solamente para hacer
número; de otras, como pintadas a lo lejos, no se divisan más que los bultos, sin distinción de miembros ni de
colores, que se confunden con los del aire LUZÁN Y GURREA, Ignácio de. Op. cit., loc. cit.
170
pode trocar Enéias por Odisseu, nem Albuquerque por Vasco da Gama, sob pena de o herói
não conseguir realizar verossimilmente a ação heróica. O herói deve ser moldado
especialmente para desempenhar aquela ação heróica particular, configurando a sua unidade e
a integridade com a fábula épica; por isso não teria sucesso em nenhuma outra ação heróica
de outro personagem de outra epopéia.
Apenas as personagens imortais, numes ou deuses podem ter qualidades superiores às
do herói épico. O auxílio divino é bem-vindo para ele, pois isso demonstra o merecimento de
tão alto favor, que se efetua no plano mitopoético como ornamentação da fábula heróica.
As máquinas físicas e morais também podem ajudar o herói na sua incursão, com
expressões aplicadas pelos gentios e universalmente aceitas como adorno adequado do furor
poético. Da mesma maneira, as divindades pagãs, as paixões e os costumes humanos podem
ser atribuídos às máquinas físicas ou morais, incluindo a personificação da natureza, que se
dimensiona sempre a partir do caráter do herói e de sua ação. O herói é o centro da epopéia,
elemento de convergência de todas as personagens, todas as ações, todos os episódios; é a
razão de ser da épica, daí o seu lugar privilegiado de modelo para o seu ouvinte, na épica
primitiva, e para o seu leitor, na épica escrita.
Figura 16. A Cruz da Ordem de Cristo, que adornava as caravelas portuguesas.
Acompanhava a inscNon nobis, Domine, non nobis: sed Nomi Tuo da gloriam
[Não ao nosso, ó Senhor, não ao nosso, mas ao Teu Nome dá a glória.]
171
4. A FIGURAÇÃO ÉPICA DA MITOLOGIA
Aut famam sequere aut sibi conuenientia finge
scriptor.(...)
Horácio. Epistula ad pisones. vv. 119-120.
172
4.1. O lugar da Éris na epopéia
Na poesia épica primária ou secundária, o papel da mitologia no uso de divindades
alegóricas, convencionadas pelos preceptistas no conceito de maravilhoso, é fundamental para
a implexão dos episódios e para a composição da integridade da fábula. Neste sentido,
destaca-se especialmente a figura alegórica de Éris ou Discórdia, como elemento
desencadeador da ão heróica por excelência. Vejamos como essa figuração aparece no Vila
Rica, partindo da análise das epopéias emuladas pelo engenho de Glauceste.
A Ilíada e a Odisséia narram acontecimentos incluídos na Guerra de Tróia. Apesar da
sua grandiosidade, são apenas dois textos que integravam a unidade de vários outros, que
formavam um aglomerado ainda maior,      ): um
conjunto de poemas épicos gregos, que contavam as histórias de um grande ciclo, desde a
criação do mundo até os desdobramentos diversos da Guerra de Tróia. Este grande Ciclo
Épico se dividia em outros conjuntos de poemas, como o Nostói () e o Kypria
(). Este narrava desde os eventos que levaram ao surgimento da Guerra de Tróia a
os nove primeiros anos de sua batalha, antes da Ilíada e da Odisséia.
Lendo os fragmentos do Kypria e também o terceiro Livro de Apolodoro, ficamos
sabendo que o início da Guerra de Tróia é um acontecimento planejado no nível mitopoético:
dá-se efetivamente por meio de um plano do deus supremo, Zeus, representante do poder
divino, e Têmis, deusa da justiça, p       
banquete no monte Olimpo em celebração do casamento de Peleu e Tétis. Éris (), a
deusa da discórdia, não é convidada para a festa. Para se vingar do desapreço de Zeus, Éris
lança entre as deusas o pomo de ouro, com a inscrição kalisti ()
al
das três é a mais bela. Zeus declara que o julgamento cabe ao mortal Páris, constituindo o
famoso episódio do julgamento de Páris. As três deusas vão ao encontro de Páris e cada uma
lhe oferece uma recompensa no caso de ser a escolhida. Hera oferece a ele os reinos da Ásia e
da Europa, que o tornariam o maior rei de todos. Atena oferece habilidades de luta e
sabedoria, que o tornariam o maior herói de todos os tempos. Afrodite oferece o amor da mais
bela mulher do mundo, Helena, esposa do Rei Menelau. Páris escolhe o presente de Afrodite,
julgando-a a mais bela deusa e tornando-se o maior amante que já existiu. Mas causa o início
173
da Guerra de Tróia
437
.
É importante pensar na dimensão alegórica desse mitologema. A deusa Éris,
personificação da discórdia, cria uma situação conflituosa para Zeus, personificação do
supremo poder divino. Engenhosamente, Zeus delega a responsabilidade de sua resolução a
Páris, representante do homem. O homem tem que julgar entre as três deusas, ou,
alegoricamente, entre as três excelências aretái qual é a melhor areté. Páris deve
escolher Hera, Atena ou Afrodite, ou simbolicamente, o homem deve escolher se lhe é melhor
o poder, a sabedoria ou o amor. O mais importante para o homem, segundo a fábula, é o
amor, na escolha de Páris. Por essa decisão, o homem causa e sofre um grande mal, que se
materializa na forma da disputa bélica.
Figura 17. Detalhe de vaso grego com desenho de Éris.
Museum Collection: Antikensammlung, Berlin, Deustchland. Theoi Project.
Disponível em: <http://www.theoi.com/Gallery/N15.1.html>. Acesso em: 02 nov. 2006.
Éris é, portanto, por sua condição, a figura mitológica desencadeadora da ação heróica
na epopéia grega. Podemos afirmar que sem ela não há ação épica nesse mundo. Para

boa, que é grata aos deuses e promove a justiça moral dos homens, a díkê (; e a Éris
, banida pelos deuses, que agencia a imprudência do excesso, o desregramento da hýbris
437
Cf. POETARUM Epicorum Graecorum: testimonia et fragmenta. Edidit Albertus Bernabé, cum appendice
iconographica a R. Olmos confecta. Stutgardiae/ Lipsiae: in aedibus B.G. Teubneri, c1996, p. 36 et seq.; Cf.
HESIOD, THE HOMERIC HYMNS AND HOMÉRICA THE CYPRIA (fragments). In: Online Medieval and
Classical Library. Disponível em: <http://omacl.org/Hesiod/cypria.html>. Acesso em: 12 jun. 2006.
174
(), que o herói da tragédia comete quando se deixa levar pelas suas paixões. Essa Éris
má, princípio de desordem pelo exagero, descomedimento, opõe-se à justiça divina, Têmis,
princípio de ordem ou equilíbrio das leis da natureza com as leis humanas.
Na epopéia latina, a disputa entre a ordem e a desordem é representada pelo conflito
entre Juno e Vênus, como podemos constatar na Eneida, embora exista a divindade Discórdia,
equivalente à Éris grega. Assim, na mitologia latina, a deusa Discórdia se opõe à deusa
Concórdia. Aquela é alegoricamente encenada no plano mitopoético da epopéia sempre como
um princípio de desordem contra a lei promovida pela deusa Iustitia, versão romana
personificada da díkê, que restaura a ordem natural das coisas. Juno, representação latina de
Hera, lembrando o seu infortúnio com o julgamento de Páris, odeia os troianos e age contra
eles, com a ajuda de Éolo, o deus dos ventos. Vênus, forma latina de Afrodite, interpela a
Júpiter (Zeus) sobre a desgraça dos troianos. Júpiter revela a Vênus o futuro
438
. O que segue
durante toda a Eneida pode ser lido como decorrência do conflito entre as duas deusas.
Assim, na epopéia latina também se configura mitopoeticamente uma disputa entre o
princípio de ordem e o princípio de desordem. A desordem rompe momentaneamente a ordem
natural, que deve ser restaurada pelo herói épico, desencadeando a necessidade da sua ação.
Para cada conflito no plano temporal, temos outro equivalente no mitológico. Como os deuses
não podem lutar diretamente, sem provocar a aniquilação cósmica, favorecem os seus heróis
preferidos, relegando as disputas aos homens.
Em La Henriade, de Voltaire, aparece como divindade alegórica central, elemento
desencadeador de paixões e ações, a figura da Discórdia, especialmente no Canto IV. Além
dela, aparecem também a Religião (Catolicismo), a Verdade, a Política, o Orgulho, a Traição,
a Fúria, o Fanatismo, o Amor etc. Ou seja, todas as paixões, virtudes e vícios são encenados
epicamente como deuses alegóricos que interferem nos episódios do poema, embora Voltaire
deixe muito claro que este recurso se deve apenas à ornamentação poética, não
correspondendo à verossimilhança, a rigor, da verdade da religião católica. O principal
argumento maravilhoso da fábula é que a Discórdia instaura no povo a paixão da rebeldia,
lembrando que os reis devem ser, antes de tudo, consagrados pelo reconhecimento da Igreja.
Esta possui sua doutrina, que é considerada pura, prevendo que o Rei pode ser deposto, caso
não cumpra as obrigações para com seu povo.
Em toda epopéia encontramos, portanto, o conflito entre a ordem e a desordem, ou
438
Cf. VIRGÍLIO. Eneida. Op. cit., Livro I, vv. 1-314.
175
melhor, entre uma força ou princípio que busca manter a ordem natural dos seres no mundo, e
outro princípio, que a subverte. Depreende-se daí que o mal e o bem na epopéia são
convencionais e relativos, pois dependem do estabelecimento do ponto de vista do herói.
Cada poema terá a sua especificidade pela escolha de seu herói principal. Todos os guerreiros
nesse mundo são heróis, visto que o termo héros () significa propriamente ,
chegando às línguas românicas pelo latim heroe. A diferença entre os heróis é o interesse e a
honra daquilo por que lutam. Assim, Enéias é o herói épico da Eneida, enquanto é o inimigo
heróico dos gregos na Ilíada.
No Vila Rica, a disputa mitológica se configura de forma muito particular. As
divindades alegóricas Traição, Rebeldia, Engano e Interesse, comandadas pela Hipocrisia,
promovem a revolta nos emboabas, justificando a ação de Albuquerque, que submete os
rebelados à autoridade sagrada do Rei. As divindades encenadas alegoricamente não agem
diretamente, precisam da intervenção das Fúrias, para acirrar no ânimo dos rebelados a
maquinação de uma traição com os influxos pestilentos que derramam. Para tanto, a Rebeldia
promove um discurso, que incita à violência:
De Reis, de Imperadores; vem cercada
Da Traição e do Engano, e disfarçada
Entre estes monstros com fingido rosto
A Hipocrisia tem seu trono posto
Este ídolo cruel, que se autoriza
Mais entre os outros, porque estraga e pisa
Com mudo pé dos Grandes as moradas,
Tendo a seu lado as Fúrias convocadas,

Ao nume do Interesse assim dizia:
Sei que vacila o teu arrojo, e vejo
Que muito além do natural desejo
Vão correndo as cansadas diligências,
Com que até aqui no esforço das violências
Quisemos impedir a triste entrada
Deste Herói, que nos traz ameaçada
Toda a ruína de uma longa idéia.
(Vila Rica. Canto VIII, vv. 17-33, grifo do autor.)
Aqui, a Hipocrisia é o princípio de desordem, representando a Éris grega e a
Discórdia latina. A ação se no plano enunciativo do poema, por meio de um discurso
dirigido às divindades alegóricas da fábula épica. Para combater essas forças da desordem,
Glauceste somente precisa da poderosa intervenção da Providência, que inspira a ninfa Eulina
num canto profético, revelador das maquinações dos rebeldes:
176
Assim cantava a Ninfa, arrebatada
Do profético espírito; dourada
E sonorosa a trompa já se ouvia
Entre um tropel de brutos, que feria
A praia oposta; a luminosa sala
(Vila Rica. Canto IX, vv. 193-197.)
Como ação contrária à da Hipocrisia, a ninfa Eulina revela o futuro a Garcia e o gênio
Filoponte o revela a Antônio de Albuquerque. O episódio emula a implexão da Eneida, na
qual a revelação do futuro é uma chave para a ação de Vênus e o sucesso de Enéias. Noutro
episódio do Vila Rica, Bartolomeu Bueno promove, inspirado pelo Espírito Santo, a justiça
divina, contando a Lenda de Blázimo, parábola que simboliza a legitimação da justiça
temporal dos representantes do Rei de Portugal, alegoria compreendida apenas pelo juízo
discreto de Albuquerque:
Ouve Albuquerque o caso, e não ignora
Que alto mistério dissimula agora
Em suas vozes Bueno; tem previsto
Quanto o nome do Rei se vê malquisto
Entre os Chefes do povo levantado;
(Vila Rica. Canto IX, vv. 379-383.)
No mundo colonial luso-brasileiro da epopéia de Cláudio, o enfrentamento entre a
ordem e a desordem também é fundamental e define os nós que ligam os fios da tessitura da
fábula. Os chefes dos emboabas não desejam a confirmação da autoridade do Rei, situação
representada na Lenda de Blázimo pela traição do índio Argante:
Com Argante e seus Índios se avistavam,
Em vivas desde logo se saudavam.
Infelizes (que dor!) as plantas punham
Sobre a coberta cava, e já supunham
Que os braços ao amigo se estendiam,
Quando passados os seus peitos viam
Das aguçadas farpas: volta Argante
Colérico, soberbo e triunfante
Sobre os desprevinidos que acompanham
Sem armas ao seu Rei; todos se apanham
Presos às mãos das emboscadas; morrem
Imensos Índios; a fugir recorrem,
Mas a gente que às costas lhes ficava,
O resto, o infeliz resto destroçava.
(Vila Rica. Canto IX, vv. 349-362, grifo do autor.)
Outra vez, observa-se o uso do recurso da nasalização dos versos para compor um
quadro espetacular. Esta é apenas mais uma história, contudo, pois diferentemente da
mitologia grega e da apropriação romana, aproximando-se da figuração de La Henriade, o
embate dos dois grupos nas Minas Gerais se dá em nível discursivo, na capacidade de
177
persuasão de cada orador, deus ou herói, que busca inspirar os ânimos das gentes, sem um
enfrentamento físico dos partidos. Além disso, a justiça moral intuitiva dos homens, a díkes
ou a Iustitia romana, não encontra expressão nesse mundo cuja mentalidade é católica,
relegando suas funções para a justiça do Rei, legitimada pela Providência. O uso da mitologia
nessas circunstâncias não significa a negação da realidade histórica vivenciada pelo poeta;
antes disso, é uma confirmação do costume de compor epopéias com um plano de figuração
do maravilhoso, ligado intrinsecamente à verossimilhança da invenção narrativa.
4.2. O fatum e a fortuna
Ao lado desse conflito alegórico entre a ordem e a desordem, outra disputa importante,
no plano mitológico das epopéias, merece relevo. É o que se entre a deusa Tyche, a deusa
latina Fortuna          êmesis, o fatum
latino, o destino, princípio que também é encenado, no nível da vida humana pelas Moiras,
Parcae ou Fatae. A natureza da mesis é a do inescapável, aquilo que sempre foge ao
controle de todos. É talvez por isso que a ação dela não seja destacada nos poemas, pois foge
ao poder de intervenção dos heróis e dos próprios deuses. Podemos dizer que um conflito
essencial entre o princípio de imutabilidade da Nêmesis, o conceito de destino, face à
imprevisibilidade da Tyche, o princípio da boa casualidade ou sorte. Assim, na epopéia, ao
lado do conflito entre a ordem e a desordem, figura-se também a disputa entre a casualidade e
o destino.
Aparte a dimensão religiosa, deve-se lembrar que o mundo encenado nas epopéias
primárias é habitado religiosamente pelos deuses, princípios da ordem cósmica. Estes
princípios são emulados nas epopéias secundárias, com a possibilidade de variar elementos e
transformá-los, com a licença poética, como ornamentação adaptada ao decoro histórico do
plano da enunciação. Neste, a Éris, a Discórdia etc., é uma figura vista sempre 
, ou seja, sempre como princípio desarranjador da ordem estabelecida, justificando a
existência e a ação dos outros deuses ou princípios. Surpreendentemente, na epopéia, esse
princípio de desordem alia-se a mesis, fatum, ou destino, princípio de previsibilidade,
formando obstáculos intransponíveis aos heróis. Por exemplo, na Odisséia, as Sereias, Cila,
Caríbdis etc. Ao passo que a o conceito de ordem, Têmis, Harmonia, Concórdia etc., sempre
178
se alia com a Tyche, Fortuna, casualidade, que gira a sua roda para a boa sorte, própria do
herói épico, auxiliando a este na superação dos obstáculos, como na Farsália, no Livro VIII
(vv. 711- 872), no qual a fortuna é identificada como a responsável pelo resgate e
sepultamento do corpo de Pompeu. A fortuna da epopéia sempre favorece ao seu herói. No
Livro V da Farsália (vv. 520-539), César se encontra na cabana de Amiclas, disfarçado como
homem civil, com trajes comuns. Ele não deseja chamar a atenção para evitar que o
reconhecimento por parte de seus aliados interfira na ação pretendida naquele momento, a
travessia, em plena tempestade, do porto de Épiro até a Calábria, realizando-a confiantemente,
pois sabe que vencerá os perigos da natureza impostos pelo Fatum, auxiliado pela divindade
alegórica da Fortuna.
Éris, Desarmonia, Discórdia, desordem, Nêmesis, Fatum, destino, Têmis,
Harmonia, Concórdia, Ordem, Tyche, Fortuna, casualidade. Todos esses conceitos são
princípios de ordenação das ações dos costumes que disputam entre si a disposição do mundo
e o encadeamento dos episódios na epopéia. Podemos esquematizar essas forças alegóricas da
narrativa mitopoética épica da seguinte forma:
Éris Desarmonia Discórdia Desordem
Nêmesis Fatum Destino
X
X
Têmis Harmonia Concórdia Ordem
Tyche Fortuna Casualidade
Esquema 5. Forças mitopoéticas na epopéia.
O fatum é representado no desenlace inevitável dos acontecimentos que, segundo
Antonio Holgado Redondo, é uma lei imutável que se aplica tanto aos homens quanto à
natureza
439
, mesclando os conceitos de hýbris, excesso, e o de Nêmesis, justiça distributiva. A
fortuna pode ser identificada conforme a idéia da Tyche grega, a casualidade, figurada como
um azar puro e simples, que dinâmica e movimento à ação. Ainda segundo Redondo, para
os filósofos estóicos, o fatum e a fortuna constituem manifestações da prouidentia diuina,
imparcial e eqüitativa
440
. Esses dois princípios são os que norteiam em primeiro plano a
epopéia de Lucano. Nela, os deuses não são mais os determinantes das ações, ou seja, a
disputa entre a discórdia e a concórdia não têm relevo na Farsália, pois o que determina o
desencadeamento das ações nessa narrativa são o Fatum e a Fortuna, o destino e a sorte, ou a
fatalidade e a casualidade. Como princípios da narrativa, cumprem papéis decisivos no
439
IntroducciónLUCANO, Marco Anneo. Farsalia. Op. cit., p. 38.
440
Idem, loc. cit.
179
desenvolvimento da ação heróica. A fatalidade e a casualidade são, portanto, duas forças
mitopoéticas, geralmente personificadas, que disputam o desenlace da fábula épica.
No poema de Cláudio, a imprevisibilidade da fortuna, enquanto casualidade, não
encontra representatividade na implexão narrativa da composição, exceto quando formulada
por personagens pagãs, que podem enganar-se, como se nota no discurso de Neágua, ou no
discurso de louvor da vitória do herói feito por Itamonte:
Fosse rigor do Céu, ou fosse inveja
Da Fortuna, eu, que a aldeia governava,
Passei com minha filha a ser escrava.
(Vila Rica. Canto II, vv. 38-40.)
Ó tu, por tantos riscos triunfante,
Albuquerque feliz, pois que a fortuna
Te conduziu com máxima oportuna
(Vila Rica. Canto X, vv. 18-20.)
Nos primeiros versos, a dúvida da personagem se a sua situação lastimável é
, aliada da Éris, é pertinente ao
lugar que ocupa na hierarquia da narrativa, embora inverossímil aos costumes de uma velha
índia. Essa dúvida não convém ao herói católico, que deve confiar na Providência divina. Nos
versos do Canto X, a fortuna cantada pela alegoria do Itamonte vem grafada por letra inicial
minúscula, representando a boa fortuna épica, atuando praticamente contra o seu contrário, na
mitologia latina, o Fatum. Confiando aqui na hipótese de  estar intencionalmente
grafada dessa forma, Glauceste desautoriza que uma alegoria produza outra. De qualquer
forma, a idéia de fortuna, de casualidade, está num segundo plano no Vila Rica, funcionando
apenas como ornamentação poética do discurso do gigante. Aqui, o fatum e a fortuna, ou a
casualidade e o fatalidade, são apenas mais duas expressões da vontade da Providência divina.
Nesse sentido, podemos perceber e compreender que a epopéia grega tinha muita
representatividade para a comunidade da pólis em seu tempo, pois simbolizava a luta da
ordem contra a desordem, na confirmação do lugar do homem na ordem natural das coisas
pelos seus feitos. A epopéia latina ainda tem sua força, efetuada na disputa entre a casualidade
e a fatalidade. Valorizando a perseverança e a permanência na mudança dos homens, mantém
a disposição da urbs, pela força do verbo ser. Na epopéia do século XVIII, que preza idéias
católicas, o que há é a manifestação do Espírito Santo, a inexorável Providência, que confirma
a posição de submissão do homem a Deus, buscando a salvação, pois a mundo é uma figura
da vontade divina, onde a intervenção do homem deve servir a Deus, realizando seus
desígnios com o livre-arbítrio. Num mundo como o atual, regrado pela volatilidade do Capital
em sua forma eletrônica ou virtual, tudo isso parece não fazer mais sentido, pois a aflição do
180
homem migrou dos verbos estar, fazer, e salvar-se para os verbos ter e podera
lógica atual do sistema da liberdade irrestrita do Capital, se tenho e posso, logo sou quem eu
quero ser, faço o que quero, estou onde quero estar, ou, mesmo, salvo e condeno.
4.3. O espaço e o tempo mítico
A entrada do herói na dimensão mítica do mundo maravilhoso figurado epicamente é
um topos da epopéia. A passagem do herói pelo espaço do maravilhoso ou mítico, em geral
representa alegoricamente um aprendizado ou aquisição de uma habilidade e a revelação de
fatos do passado ou do futuro. Em Homero, Odisseu vai ao Hades, onde encontra o espectro
de Elpenor, que reclama pela sua sepultura
441
; na Eneida, Enéias e a Sibila descem ao Averno,
adentrando o espaço mítico. Na entrada, Palinuro pede a Enéias que sepulte o seu cadáver
442
;
Dante, praticamente, configura emblematicamente a totalidade do espaço cristão em sua
épica; Em Camões, os portugueses desembarcam na Ilha dos Amores
443
.
O fato de espectros e mortos reclamarem por sepultura na epopéia, como na Odisséia e
na Eneida, ou a preocupação com esse fato, como na Ilíada e na Farsália, apóiam a hipótese
de Manuel Odorico Mendes de que, na Grécia e em Roma, enquanto o morto não é sepultado,
entende-se que sua consciência é mantida. Assim, o fogo usado nos ritos fúnebres servia para
purificar a corpo, apaziguando a alma. Enquanto o corpo estivesse insepulto, a alma
permaneceria presa a ele, entre o mundo dos vivos e o além-mundo, no desespero da sua
indefinição
444
. Por isso, justifica-se o desespero de Príamo pelo resgate do corpo de seu filho
Heitor junto a Aquiles, no Canto XXIV da Ilíada, marcando o próprio final da obra.
No Livro VIII da Farsália existe certa preocupação com o enterro de Pompeu Magno,
que se dá graças ao intermédio da Fortuna
445
. O corpo do General, resgatado pelos seus pares,
é cremado e suas cinzas são enterradas na areia do litoral do Egito, enquanto sua cabeça,
decapitada por ordem de Ptolomeu XII, é embalsamada e entregue a César. Logo depois,
441
HOMERO. Odisséia. Op. cit., Livro XI, vv.41-61, p.205
442
VIRGÍLIO. Eneida. Livro VI, vv. 373-379.
443
No caso do episódio da Ilha dos Amores, em Os Lusíadas, o adentramento neste mundo mítico simboliza
alegoricamente uma recompensa aos heróis portugueses por terem difundido a Fé e o Império, em chave
nacionalista e teológica.
444
Nota 14". In: HOMERO. Odisséia. Op. cit., p. 205.
445
LUCANO. Farsália. Op. cit., Livro III, vv.711-870.
181
César a enterra dignamente numa urna, com as cinzas do corpo de seu inimigo
446
. Como não é
dada de imediato uma sepultura condigna de um herói patrício para Pompeu Magno, Lucano
pinta a imagem de que sua sepultura é o mundo inteiro, até os seus confins, pois até teria
chegado a fama do General romano. A morte não é representada como a mais alta desgraça
para uma pessoa, mas sim o fato de seu corpo permanecer sem as devidas honras fúnebres,
sem ir para a pira. Esta é impiedade imperdoável, pois condena a alma a permanecer na
vivência eterna do sofrimento infligido no momento de sua morte. Por isso, Lucano recrimina
o costume ritual egípcio do embalsamento, abominável para ele como o ato mais terrível que
pode ser realizado contra alguém
447
.
A morte se configura como passagem e situação míticas da epopéia, com um espaço
maravilhoso dominado pelos deuses. Além disso, nota-se na narração também o fato de o
herói precisar embrenhar-se no espaço mítico, no Hades ou na descida aos infernos, quando
também adentra no tempo mítico do futuro, que lhe é revelado, ou a algum consorte dele,
homem ou divindade. Na Ilíada, Vênus passa a conhecer o futuro pela revelação de Júpiter.
Na Farsália, César tem uma visão que lhe revela a inevitável guerra civil. No Canto XI da
Odisséia, no Hades, Tirésias revela para Ulisses o seu futuro.
Dessa forma, na epopéia, o herói participa do tempo e do espaço míticos. Ele tem que
adentrar esse espaço e esse tempo, adquirindo conhecimento ou habilidade que lhe
proporciona a competência para realizar sua ação exemplar
448
. No Vila Rica, a entrada de
Garcia no castelo de Eulina munirá o herói do conhecimento do passado da origem mítica do
Ribeirão do Carmo, bem como do futuro da história da Cidade de Vila Rica.
No espaço mítico da morte, no Vila Rica, Cláudio emula em chave católica as
epopéias gregas e latinas, pois Albuquerque não pode prosseguir sua viagem enquanto não
encontrar e sepultar condignamente o corpo de D. Rodrigo. A condignidade aqui é a do rito
católico, na prece pela alma do antigo Governador, para que possa descansar em paz até o dia
do Juízo Final. O poeta, porém, emula o sepultamento de Pompeu no de D. Rodrigo,
comparando os dois em importância histórica, e a negação de um túmulo apropriado, que
seria tão magnânimo quanto às pirâmides do Egito:
446
Idem, Livro IX, vv.1089-1101.
447
Ibidem, Livro VIII, vv. 688-690.
448
Campbell eleva ao grau máximo a sua sistematização da mitologia, por exemplo, ao interpretar a entrada do

emplar, uma suposta mitogonia que serve de modelo a qualquer
mito. Cf. CAMPBELL, Joseph. Op. cit., p. 241-242.
182
Celebrou-se o devoto sacrifício
Junto ao sepulcro; e as últimas piedades,
Pela mão de Faria, as saudades
Temperaram do Morto, consoladas
As memórias de sangue inda banhadas.
Urnas fastosas, que cobris no Egito
Heróis famosos, sobre vós escrito
Viva embora o epitáfio, que em memória
Dos Ptolomeus inda respira a glória!
Sobra ao bom General, sobra a Rodrigo
Da nua areia o mísero jazigo;
A vida pelo Rei sacrificada
Basta a deixar a sepultura honrada!
(Vila Rica. Canto IV, vv. 80-92.)
Na épica de Cláudio, porém, não é promovida a cremação do corpo de D. Rodrigo,
prática abandonada pelos cristãos. No poema é efetuado pelo Padre Faria o ritual do
Sacramento da Extrema-Unção, vigente no século XVIII como prática religiosa, que visa
preparar a alma para a boa morte, curando-a de seus pecados para que possa alcançar a
salvação eterna no dia do Juízo Final. Para o católico, não é a preparação do corpo que pode
redimir a alma, mas o arrependimento desta de seus pecados.
O tempo mítico também se revela a Albuquerque pela personagem do gênio Filoponte,
que representa a natureza local, produzindo em telas cristalinas projetadas maravilhosamente
na rocha como um teatro de imagens, no qual o herói pode contemplar toda a história passada
e a glória do futuro da Cidade de Vila Rica, desde a sua descoberta pelos bandeirantes, a
empresa da mineração, a expulsão dos paulistas pelos emboabas, os conflitos, a pacificação
das Minas Gerais etc.
449
:
Assim dizendo, com a mão feria
O penedo de um lado, e já se via
Aberta uma estrutura transparente
De cristalinos vidros, tão luzente,
Que aos olhos retratava um firmamento
De estrelas esmaltado, e o nascimento
Do roxo Sol, quando no mar desperta.
Em cada vidro a um tempo descoberta
Uma imagem se vê, que os riscos formam,
E a cena portentosa a cada instante
Se muda e se converte; está diante
Uma extensão larguíssima de montes
Que cortam vários rios, lagos, fontes;
(Vila Rica. Canto V, vv. 237-250.)
Desta maneira, no poema de Cláudio, o herói participa do espaço e do tempo míticos,
449
COSTA, Cláudio Manuel da. Op. cit., Canto V., vv. 237-326; Canto VI., vv. 1-107.
183
na morte, no sonho profético e na contemplação do passado e do futuro, emulando as
epopéias gregas e a latinas, adequando as convenções à especificidade do decoro do leitor
discreto da sociedade colonial luso-brasileira. As convenções dos mitos são aceitas e referidas
como alegorias próprias da arte poética, na produção de imagens fantásticas que causam o
delectare, no reconhecimento do uso engenhoso das agudezas, contribuindo para a doçura
poética do texto. As lições depreendidas dos episódios possuem uma moral católica que serve
competentemente à função poética da prodesse, na ilustração do ato de lidar com situações
adversas, seguindo a doutrina cristã e a política do Império.
184
5. A ENCENAÇÃO ÉPICA DA MORTE
Memento homo, quia pulvis es,
et in pulverem reverteris.
Gn 3,19, apud VIEIRA, Antonio.
Sermão de Quarta-feira de Cinzas, 1672.
185
5.1. Et in Arcadia ego e a Arte de Morrer
Este capítulo estuda a tópica da morte no poema Vila Rica. Nele, a morte é um
problema por dois motivos. Primeiro, ela constitui uma ameaça ao herói, caso ele continue
sua viagem às Minas; segundo, a morte é representada como um obstáculo a ser enfrentado na
condição insepulta do corpo do Governador D. Rodrigo de Castelo Branco. Vejamos,
portanto, como a morte é apresentada convencionalmente na arte do século XVIII, que retoma
os modelos do costume de representações. Em seguida, verificaremos se o mesmo
procedimento de tipificação é seguido ou não por Cláudio Manuel da Costa.
Na poesia e na arte entendidas , ou seja, poesia e arte praticadas nos
séculos XVII e XVIII segundo as regras dos cenários idílicos de Teócrito, Virgílio e
Sannazaro, é comum a associação da luz da manhã e do brilho do sol do meio-dia com a idéia
de nascimento e vida; ao passo que o entardecer, o anoitecer e a sombra são alegorias do
envelhecimento e da morte, imagens que apenas podem ser dissolvidas por um novo
amanhecer. Nesse sentido, a pintura da época é arte mimética inventada com harmonia e pode
contribuir para a elucidação da poesia.
Em 1620, o pintor italiano Francesco Barbieri, conhecido pelo pseudônimo de
Guercino, executa uma pintura com o tema da morte, retratando pastores descobrindo um
túmulo na utópica Arcádia. A lápide traz o emblemático epitáfio Et in Arcadia ego. A oração
grafada é ambígua, podendo significar: 
bém estou na Arcáemblemático da tumba pode
ser lido como um memento mori, lembrança da morte, pela personificação da morte. A
imagem utópica da ideal Arcádia, lugar onírico de paz e vida, onde os pastores passam o dia
aplicando-se ao cultivo das artes, é incompatível com a triste idéia da morte, dado o aspecto
edênico
450
do lugar encenado na tópica utópica da representação da paisagem pastoral idílica
nesta arte, retomando os pressupostos da emulação da poética e da retórica antigas nas
academias ou associações de letrados que se autodenominaram árcades. Neste lugar de
experiência poética, de elogio à vida, temos que lidar com a inconveniência do não-ser.
450
Uso aqui o termo criado por Sérgio Buarque de Holanda para designar a idealização de um paraíso terrestre
no Brasil, porém aqui, refiro-me à idealização do locus amoenus da Arcádia. Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque
de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. [1959]. 6.a ed. São Paulo:
Brasiliense, 1996, passim.
186
Figura 18. Guercino. Et in Arcadia ego (1618-22).
Óleo sobre tela. Galleria Nazionale dArte Antica di Palazzo Barberini, Roma.
Observa-se, no quadro pintado por Guercino, o uso de sombras, propondo o entardecer
como clima apropriado para o topos da morte, além de uma vegetação outonal, figurando o
locus horrendus dessa paisagem. A pintura proporcional dessa natureza ao tema tratado é,
portanto, fundamental no estabelecimento de um sentido mais completo ao quadro, pois a
significação fúnebre apresenta-se em todos os elementos encenados. O crânio sobre a lápide
reforça o conceito de morte, refletido pela expressão atônita dos pastores que descobrem o
jazigo. Essa arte, para a Igreja Católica, objetiva abordar o tema da brevidade da vida, razão
pela qual o homem deve buscar a preparação para o momento de sua morte. É uma preparação
conhecida como Arte de Morrer (Ars Moriendi), difundida principalmente através dos ritos e
dos sermões, lembrando ao homem que ele é pó e ao pó será revertido
451
. A angústia diante da
morte se deve mais à incerteza da sentença da alma que à decomposição do corpo. Como
vimos, na morte do católico não é necessária uma preparação corporal, mas o arrependimento
da alma de seus pecados é essencial. É imprescindível o que, para um cristão
dessa época, significa assegurar-se de sua salvação, preparando-se em vida para o momento
de sua morte. A idéia assume tal proporção que é fundada em Roma a Confraria da Boa Morte
451
Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris-te de) que és pó e em pó te
hás de tornar] Apud. VIEIRA, Antonio. A Arte de Morrer: Os sermões de Quarta-feira de Cinza de Antônio
Vieira. Concepção e organização, prefácio, notas e cotejo com a editio princeps Alcir Pécora. São Paulo: Nova
Alexandria, 1994, p. 47.
187
e, em Minas Gerais, no século XVIII, a Boa Morte é pregada no culto à figura de Nossa
Senhora da Boa Morte
452
.
Para compararmos a representação da morte com a da vida, podemos analisar a
tipificação de outra pintura considerada .
Um dos artistas que exemplificam esse aspecto é o pintor francês Claude Gellée, chamado de
le Lorrain. Seus quadros fazem uso abundante da luz, como elemento divino que tranqüiliza a
alma do homem, em meio a uma paisagem serena, que admite elementos convencionados
como marcas da harmonia entre o homem e a natureza. A natureza é retratada em jardins
paisagísticos, inspirados em jardins reais, como o de Versalhes. A natureza está intimamente
ligada ao sentido poético, seguindo o preceito horaciano Ut pictura poesis, pelo qual a poesia
é pintura escrita, enquanto a pintura é poesia desenhada. Em 1672, Gellée pinta seu primeiro
trabalho sobre o tema Virgílio. A pintura mostra Enéias, herói da guerra de Tróia, na
Cidade de Delos, num templo consagrado ao deus do Sol, Apolo, e Diana, sua irmã gêmea,
deusa da Lua. Enéias, de vermelho claro, é acompanhado por seu pai, Anquises, de azul claro,
e por seu filho, o jovem Ascânio, futuro Rei do Lácio. Eles são recepcionados por Ânio, Rei
de Delos e Sacerdote de Apolo. Ânio aponta para uma oliveira unida com uma palma, árvores
que Latona segurou, ao dar à luz Apolo e Diana. O relevo do balcão no edifício, na direita
superior, mostra Apolo e Diana, que matam o gigante Titius, que tentara violar sua mãe.
Figura 19. Claude Gellée. Primeiro trabalho sobre Virgílio.
Óleo sobre tela. 99,6 x 134,3 cm. 1672. National Gallery, Londres.
452
Cf. CAMPOS
Capitania das Minas. Revista do IFAC, Ouro Preto, n. 2, dez. 1995, p. 6-7.
188
As fontes escritas de Claude Gellée para a realização deste quadro foram a Eneida, de
Virgílio, e as Metamorfoses, de Ovídio. Gellée baseou a invenção do templo de Apolo na
arquitetura do Panteão romano. Este é o primeiro dos seis trabalhos do pintor baseados em
Virgílio, nos últimos dez anos de sua vida. A pintura praticada por Gellée é verossímil,
enquanto é proporcional à natureza paisagística da coisa (res) que emula, no caso, a história
da fundação de Roma. Como acontecimento glorioso, a natureza deve ser magnífica e
gloriosa. A predominância da luz sobre a sombra, a harmonia da vida dos pastores que
aparecem em segundo plano, a vivacidade da vegetação e do mar e a tranqüila movimentação
do porto retomam os preceitos da cena arcádica representada na poesia idílica de Teócrito e
Virgílio. A pintura emula nessa arte a poesia, sobretudo a épica, que possui um estilo sublime,
adequado ao decoro da nobreza da ação heróica encenada. A luminosidade do meio-dia
retratada representa o nascimento e a vida, configurando o locus amoenus.
Figura 20. Nicolas Poussin. Et in Arcadia ego.
85 x 121 cm. Óleo sobre tela. c. 1638-1640. Museu do Louvre, Paris.
Essa natureza deve ser verossímil à poética emulada, por exemplo, na obra do pintor
francês Nicolas Poussin. Considerado pela sua crítica como austero e cartesiano
453
, procura
453
Essa classificação da pintura de Poussin é discutível, pois ele representa, sobretudo, a realidade histórica da
França, na qual está inserido. Cf. CARRIER, David. Poussin’s Paintings: A Study in Art-Historical
Methodology. Pennsylvania: Pennsylvania State University Press, 1993, p.72-75.
189
dar forma lógica à desordem natural, através do equilíbrio de elementos horizontais e
verticais, que contrastam com as pinturas idílicas de Claude Gellée, onde a luz solar tem
grande papel, na alegoria da vida, em oposição à sombra, insinuação da morte. Assim, o
tópico da morte na Arcádia também é retratado de maneira central em Poussin, que emula
Guercino, confeccionando o seu próprio Et in Arcadia ego, terminado em 1640.
Aqui, a sombra predomina sobre a luz, proporcionando o clima do entardecer, aliado à
vegetação outonal, como figuração adequada ao tema da morte. Novamente, a imagem
icástica criada provém da mímesis de uma pintura que é semelhante à poética, pela tópica do
ut pictura poesis que regula o engenho do pintor. Embora estejam presentes nesta obra de
Poussin todos os elementos do locus horrendus, surpreendentemente a morte descoberta nessa
arte não causa horror, pois não é patética, mas catártica. Causa salvação, produzindo nos
personagens retratados expressões de afetos serenos, excetuando o homem mais jovem, de
veste vermelha, que se mostra surpreso. Nos outros, aparece a confirmação de um
reconhecimento contemplativo e aceitação da mortalidade humana pela reflexão do memento
mori, como podemos observar nas expressões dos rostos dos pastores da Arcádia. Na poesia
épica contemporânea a essa arte, a morte é um momento sublime, de reflexão, que causa a
angústia do julgamento da alma, caso o homem não consiga ter uma boa morte. Para tanto,
tratados cristãos ensinavam a Arte de Morrer desde o século XV, como o tratado Ars
Moriendi, de 1492
454
.
Na morte do católico, não importa tanto a terrível e cruel degradação do corpo, pois
mais abominável que o fato desolador da morte do corpo é a segunda morte, a da alma. Para
evitá-la, o homem pode disciplinar a si próprio pela Arte de Morrer, que o prepara para a boa
morte e o socorre nos últimos momentos de sua vida
455
.
Segundo a doutrina, nos momentos finais, enquanto aguarda pela morte em seu leito,
cercado por seus parentes e amigos, o homem é tentado pelo Diabo e seu exército de
demônios que desejam a perdição da sua alma. Assim, o moribundo passa por cinco
454
GIRARD-AUGRY. Pierre (Présentation et adaptation). Ars Moriendi (1492)

Préface du docteur Jean-Pierre Schnetzler. Paris: Dervy-livres, 1986; Acredita-se que a versão original, intitulada
de Tractatus (ou Speculum) artis bene moriendi, foi escrita em duas versões, uma longa e outra breve, por volta
de 1415 por um monge dominicano anônimo. Estima-se que antes de 1500 havia mais de trezentas edições
diferentes da obra.         
Romolo, Saint (1542-1621). Spiritual writings. [Translation of: De ascensione mentis in Deum per scalas rerum
creatorum opusculum, and, De arte bene moriendi]. Translated and edited by DONNELY, John Patrick et al.
New York: Paulist Press, 1989, p. 34.
455
Cf. GIRARD-AUGRY. Pierre (Présentation et adaptation). Op. cit., p. 39.
190
tentações: questionamento da Fé, desesperança contra a misericórdia de Deus, avareza,
impaciência e vaidade. Contra cada uma dessas, um anjo fala em nome de um exército
espiritual do Bem, presente também no quarto, respondendo com a inspiração divina ou
remédio espiritual dado pela piedade de Deus
456
. O quarto do moribundo é um cenário, um
teatro da morte, onde estão representadas todas as forças maravilhosas do mundo cristão. Ao
lado da inquietude do enfermo, existe um conflito cósmico-espiritual. Daí retira-se a
necessidade da boa morte, a fim de que o homem não se perca eternamente no seu momento
extremo. Caso seja condenado ao Inferno, deverá penar de acordo com o tipo de pecado que
cometeu em vida. Assim, uma pena diferente e apropriada para cada um dos sete pecados
capitais: orgulho, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria. Nesse sentido, também
podemos pensar a morte como um teatro, espécie de cerimonial público, com protocolos bem
definidos, em que o moribundo é o ator principal:
         
moribundo, que a ela preside e lhe conhece o protocolo. Se acontecia
esquecer-se ou enganar-se, competia aos assistentes, ao médico ou ao padre
reconduzi-los a uma ordem simultaneamente cristã e consuetudinária
457
.
É necessária, portanto, a reflexão do leitor atual sobre a poesia que trata a morte nos
séculos anteriores ao nosso. É preciso tentar entender o conceito de morte para aquela época.
Pois, hoje, a morte é obscena, um escândalo insuportável. Assim, ela é ocultada para nós
458
,
especialmente pela prática da propaganda, que prega o ideal de uma juventude perene e de um
carpe diem permanente, criando uma mentalidade que se afirma pela fruição constante dos
prazeres materiais, do sexo e do consumo desmedidos.
456
Idem, passim.
457
Cf. ARIÈS, Philippe. Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média. Tradução de Pedro
Jordão. Lisboa: Teorema, 1988, p. 24.
458
SCHNETZLER, Jean-Pierre.  La mort occultée. In: GIRARD-AUGRY. Pierre (Présentation et
adaptation). Op. cit., p. 10.
191
5.2. A sombra épica da morte.
No poema de Cláudio Manuel da Costa, a morte aparece como obstáculo, na figura do
fantasma do Governador D. Rodrigo, num sonho profético, indicando a futura ameaça para
Albuquerque. C          
Minas Gerais, previne dos perigos que aguardam:
Debalde tu também hoje imaginas
Chegar ao centro delas; eu contemplo
Mil perigos na empresa; fresco exemplo
Te dá a minha morte; só te espera
De gênios brutos pertinácia fera;
(Vila Rica. Canto I, vv. 88-92.)
Esses perigos prenunciados constituem-se como advertência, n   
  e     região na primeira década do século
XVIII, os diversos índios da região e os aventureiros portugueses.
O estado dessepulto do cadáver de D. Rodrigo figura-se como impedimento para a
ação heróica de pacificação das Minas Gerais. Por piedade cristã, Albuquerque deve
providenciar as honras fúnebres dignas de um representante do poder real, modelo de morte
heróica
459
, como aconselha o personagem de Garcia Rodrigues Pais:
As feras e o Gentio que a brenha oculta
Girar por entre nós: a alma insepulta
Do morto General a nós nos deva
Vencer do esquecimento a escura treva;
Busque-se o seu cadáver, e entre os nossos
Honrada sepultura achem seus ossos.
(Vila Rica. Canto I, vv. 111-116.)
Deste modo, Garcia explica          
dos índios, de terem abandonado na
eral. O herói deve procurá-lo e dar-lhe 
A associação da escuridão à idéia de morte retoma o tópico Et in Arcadia Ego, praticado na
pintura de Guercino e Poussin. Essa imagem da morte é adequada à prática de representação
do tema na cena da poesia idílica. Para tanto, a natureza figurada no poema neste momento
está aparentemente calma, ainda que obscura, produzindo o locus horrendus.
Essa situação insepulta do corpo de D. Rodrigo e a inquietude de sua alma podem ser
explicadas, considerando-se a doutrina da Arte de Morrer. Ele não teve uma Boa Morte,
459
Cf. CAMPOS, Adalgisa Arantes. Op. cit., p. 5-12.
192
adequada para um bom cristão. Morreu num momento de ira, inspirado pela tentação da
impaciência, o que pode condená-lo ao Inferno:
Enfim ele de cólera se acende,
Nem às minhas desculpas mais atende;
Enfurece-se, grita e ameaça:
E eu (ó duro extremo da desgraça!),
Rendido a todo o lance, só procuro
Mitigar-lhe o rancor; um braço duro,
Sacrílego, insolente, infame, ousado,
Sem que eu presuma o bárbaro atentado,
(Vila Rica. Canto III, vv. 53-60, grifo do autor.)
Segundo a Ars Moriendi, os pecadores que padecem da ira são trancafiados numa
caverna escura do Inferno, deitados e acorrentados a uma mesa, onde são perfurados o tempo
todo por demônios
460
. Isto também pode relacionar-se com a situação das feridas do corpo de
D. Rodri
Vila Rica. Canto I, vv. 76-82.).
Assim, devem ser considerados dois aspectos na apresentação do tema da morte no
poema: como ameaça futura, no castigo exemplar do pecado de D. Rodrigo; e como situação a
ser corrigida da alma insepulta do antigo Governador. Como situação estática, o problema da
necessidade de encontrar o corpo de D. Rodrigo se apresenta como na pintura de Guercino e
Poussin: a obscuridade em que se encontra o corpo do Governador surpreende o herói,
modificando seus afetos, sua paixão ou páthos, que exigem dele uma determinada ação. A
contemplação do estado de morte causa sofrimento, compondo um acontecimento patético ou
pertubação, retomando o conceito de Candido Lusitano
461
.
A morte como ameaça tem um caráter dinâmico, exigindo do herói a coragem
necessária para se aventurar na viagem, que passa a ser idêntica àquela descrita no Salmo 23:
Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás

462
. À morte, portanto, convém a cena escura e
a presença das sombras.
Para uma leitura efetiva da morte na épica de Cláudio, além da encenação, deve-se
considerar como a presença dessa tópica articula os diversos fios da narrativa épica. Para
tanto, é preciso uma leitura da figuração da morte na fábula épica, comparando as convenções
dos modelos com as soluções dispostas no Vila Rica.
460
Cf. GIRARD-AUGRY. Pierre (Présentation et adaptation). Op. cit., p. 106-109.
461
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., [BMA], p. 205.
462
quoniam tu mecum es virga tua et

193
5.3. A tópica da morte na poesia épica
Na Arte Poética de Aristóteles, a morte é o resultado de uma ação, com o objetivo de
produzir no auditório o efeito do patético, do grego páthos (): patético é devido a
uma ação que provoca a morte ou sofrimento, como as das mortes em cena, das dores agudas,

463
.
O páthos (sofrimento, catástrofe, pertubação ou paixão) causado pela morte ou por
algum evento doloroso, ao lado da peripécia e do reconhecimento, é um elemento constitutivo
do que Aristóteles chama de ação complexa. Esta ação complexa resulta essencialmente de

464
. Nesse contexto, a morte é uma das
causas do acontecimento patético, ajudando a promover uma ação complexa na narrativa.
Na Ilíada, a morte de Pátroclo por Heitor causa um páthos (acontecimento patético ou
sofrimento) que comove Aquiles, fazendo que este procure realizar a ação complexa de sua
furiosa vingança, promovendo a fábula heróica dessa epopéia
465
. Na Odisséia, a suposta
morte de Ulisses origina o páthos que desencadeia a ocupação do palácio de Ítaca pelos
pretendentes de Penélope, ajudando a formar a fábula heróica do poema
466
. Dessa maneira,
devemos entender a morte na Ilíada e na Odisséia como causadora de um páthos no herói ou
noutros personagens, que não m outra escolha, senão promover uma ação complexa na
fábula heróica para livrar-se deste páthos, colaborando com o andamento da narração.
Sem dúvida, ainda é de considerar que a morte possui aspectos mitológicos nessas
epopéias, pois o mundo figurado efetivamente nelas é o mitológico, caracterizado por se
servir de relatos e fábulas, explicando a si próprio através de seus próprios termos
467
. No
plano mitopoético, a morte significa a participação do herói no plano do divino,
excursionando no tempo e no espaço mítico da narrativa, tópica própria da epopéia. A cada
463
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit. Poética, p. 255; Páthos pode ser traduzido por
também possível é
bastante usada;     ,  
           Περ ποιητικς.
(Bibliotheca Augustiniana). Disponível em: <http://www.fh-Augsburg.de/~harsch/graeca/Chronologia/S_ante04/
Aristoteles>. Acesso em: 27 dez. 2004.
464
Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit. Poética, p. 254.
465
Cf. HOMERO. Ilíada. 3.a ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003; Cf.
HOMER. Iliad. (The Internet Classics Archive). Disponível em: <http://classics.mit.edu/Homer/iliad.html>.
Acesso em: 27 dez. 2004.
466
HOMERO. Odisséia. Tradução de Manuel Odorico Mendes. São Paulo: Martin Claret, 2004.
467
Cf. TORRANO, Jaa. Op. cit., p.77.
194
epopéia, entretanto, corresponde um conhecimento diferente da morte no enredamento dos
diversos episódios que a compõem. Por exemplo, a respeito da Eneida, concordamos com o
pensamento de Leoni, de que ela possui como modelos a Ilíada e a Odisséia, mas não deixa
de ter suas características próprias
468
, pois a morte particulariza-se na epopéia de Virgílio.
Assim, no Canto X da Eneida, Enéias procura vingança pela morte de Pallas. De fato, Enéias
só mata o Rei latino Turno no Canto XII, por este ter-se atrevido a usar o boldrié de Pallas:
Iam-no as preces quase enternecendo,
Quando o infeliz talim se mostra ao ombro
E a cravação de cingidouro fulge,
Despojos de Palante, a quem menino
Prostara Turno com leal fereza,
E essa divisa infesta em si trazia.
Da cruel dor no monumento os olhos
Mal embebe, enfuriado o herói vozeia:
escaparás, dos meus com presa
469

(Eneida. Canto XII, vv. 913-921.)
Assim, na Eneida, a lembrança da morte de Pallas causa um páthos que auxilia no
andamento da narrativa, promovendo em Enéias o ímpeto de matar Turno, avançando e
encerrando a fábula heróica. A morte é representada não apenas como conseqüência da ação,
mas também como causa que produz esta ação.
Na Farsália, de Lucano, a morte, onde se destaca, é decorrência da ação principal, a
guerra civil promovida por César e Pompeu, que somente se resolve com a morte do último.
Da morte violenta deste, no Canto VIII, o que se segue são as lamentações dos seus, seguidas
por suas devidas honras fúnebres, com o modelar discurso de Catão, no Canto IX
470
. Nesse
sentido, podemos dizer que a morte de Pompeu causa um páthos em Catão que o impele a
realizar a ação complexa de declamar um belo discurso, mas esta ação, diferentemente das
vistas na Ilíada, Odisséia e Eneida, não promove a continuidade da fábula heróica, mas a
termina, pois sucede à ação heróica, realizada por César.
Os Lusíadas, de Camões, a morte, como tema, também se apresenta de maneira
significativa em dois episódios célebres. No episódio de Inês de Castro
471
e no episódio do
468
Cf. LEONI, G.D. Op. cit., p. 44.
469
Cf. VIRGÍLIO. Op. cit., p. 416.
470
No Livro IX da Farsália, dá-se o famoso discurso de Catão sobre a morte de Pompeu Magno (vv.189-214),
lamentando a perda de um grande cidadão que prestou serviços a Roma. Catão identifica Pompeu como um
político exemplar no que tange à promoção da liberdade. Quando as pessoas da plebe estavam dispostas a serem
seus escravos, Pompeu as deixou seguir como particulares. Catão coloca-se assim contra o imperialismo de
César. Nesse sentido, no poema, com a morte de Pompeu, morre também a ilusão de uma possível liberdade
republicana para os cidadãos romanos. Cf. LUCANO. Op. cit., p. 372-374.
471
Cf. CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Op. cit., Canto III, est. 118-135.
195
Velho do Restelo
472
. No primeiro, o povo pede a morte de Inês ao Rei Afonso, pai do Príncipe
D. Pedro, amante de Inês, que recusava outras mulheres em casamento. Porém, o povo não
consegue impressionar ao Rei, que não atende ao pedido. Este constrangimento causa um
páthos nos ministros do Monarca, que se encarregam de assassinar Inês. Ao contrário do
modo usual, no qual o sofrimento corporal causa o páthos, em Camões o sofrimento da honra
promove o páthos da fúria do povo, que reage, exigindo o assassínio de Inês. Entretanto, a
morte de Inês de Castro não condiciona a fábula heróica, apenas é mais uma história que
Vasco da Gama conta ao Rei de Melinde. No Velho do Restelo, a morte é profetizada contra
os portugueses, conformando uma ameaça. Aqui, ela não se apresenta como um páthos
convencional, isto é, no sentido grego de promover uma ação que contribui para o avanço da
fábula, mas opera ao contrário, poderíamos dizer numa apatheia
473
, inibindo uma paixão,
obsta um páthos
474
, provocando a inação. Todavia, também é possível tratar esse evento como
um tipo de thos, pois emociona, demandando o ato coibindo a atuação do herói,
contra a fábula heróica  
Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Cuma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
(Os Lusíadas. Canto IV, est. 95.)

Nesse episódio, portanto, a tópica da morte é identificada com outro tema, o da vaidade, a
vanitas, temática própria do Livro bíblico do Eclesiastes, assumindo caráter não mais
mitológico, e sim teológico. A tópica da vaidade como pecado havia-se tornado doutrina
cristã, especialmente com o livro De Imitatione Christi (1441), de Tomás de Kempis. Em
472
Cf. Idem, Canto IV, est. 94-104.
473
Não estamos nos referindo aqui ao significado que esse termo assume no Estoicismo o em que a
       HOUAISS, Antônio e
VILLAR, Mauro de Salles. Op. cit., loc. cit.
474
Os discursos da Farsália, quase sempre, visam provocar a ação, promovem a criação de um páthos no herói
ou no seu exército que entram em combate. A luta é valorizada como uma virtude e as imagens que a
representam em toda sua magnitude são as batalhas mais impressionantes e terríveis possíveis, com quadros de
rios de sangue, de cadáveres que se amontoam em pilhas quando o chão está forrado deles, de membros
despedaçados por toda parte etc. Ao contrário, no Vila Rica, busca-se a conciliação entre as partes, a inação,
aplicando a forma majestosa da elocução do discurso de Túlio Cícero, como prelúdio para a batalha central da
Farsá1ia (Livro VII, vv. 63-121), mas no conteúdo resiste a prudência austera da invenção do discurso do Velho
Os Lusíadas, evitando no máximo o confronto armado, entendido pelo cristão não mais como um
ato honrado, mas como um feito tenebroso.
196
avisos espirituais, lembra que a morte vem para todos sem exceção, ricos e pobres, reis e
escravos e, por isso, tudo que o homem faz para possuir riquezas temporais nessa vida
limitada é fatuidade: Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, exceto amar a Deus e
a Ele servir
475
. Vale lembrar, a vaidade é uma das tentações sofridas pelo homem no
teatro da morte pregado pela doutrina das Ars Moriendi.
Portanto, a tópica da morte nOs Lusíadas se apresenta como um obstáculo, causando
um thos no herói, que agencia uma ação oposta à fábula heróica, por meio do tema cristão
do pecado da vaidade. Nesse episódio, essa aparente função de ir contra a narrativa na
verdade aumenta e engrandece o caráter da ação, pois Vasco da Gama tem de enfrentar mais
este perigo que lhe é apresentado profeticamente, como ameaça. Nesse caso d’Os Lusíadas, a
morte é um aviso, evento que se contrapõe à fábula, engrandecendo-lhe na atuação heróica. A
morte ainda pode se apresentar como a própria ação heróica do poema, finalizando a fábula
heróica, como no caso da Farsália, de Lucano.
5.4. A tópica da morte no Vila Rica
No poema Vila Rica, a tópica da morte aparece no Canto I, com o sonho profético de
Albuquerque com o fantasma de D. Rodrigo de Castelo Branco, terminando com as honras
fúnebres deste, no Canto IV. Durante uma pausa para descanso, Albuquerque dorme sob o
amparo de algumas árvores, à margem do Rio das Velhas, retomando em certa medida o tema
da Ecloga Prima de Virgílio, do pastor que descansa à sombra de uma faia. Emulação que é
combinada com o episódio da travessia do Rubicão, na Farsália
476
. Enquanto isso, Garcia
vela pelo sono do Capitão-General. De repente, Garcia 
levanta e inicia a narração de    O herói relata que viu em sonho o
fantasma de D. Rodrigo, que foi assassinado
477
na casa de Manuel de Borba Gato:
475
Cf. KEMPIS, Tomás de. A Imitação de Cristo. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 13.
476
Cf. LUCANO. Op. cit., p. 81.
477
Segundo o Fundamento Histórico, que antecede o poema, a morte de Dom Rodrigo de Castelo Branco foi
             

Borba Gato foi o responsável pela morte de Dom Rodrigo. Cf.     
 p. 368; No entanto, para Varnhagen, na sua História Geral do Brasil, Dom Rodrigo havia
Cf. VARNHAGEN, Francisco Adolfo de [Visconde de
197
Eu vi que me apartava do projeto
De penetrar estes Sertões escuros
O grande Dom Rodrigo; dos seguros
Ombros, de que pendera a grave espada,
Rasga o vestido, e mostra inda manchada
A carne das feridas, de que o sangue

(Vila Rica. Canto I, vv. 76-82.)
O fantasma descrito não se apresenta como uma imagem nebulosa, mas como figura
evidente e nítida. Ele apresenta os ferimentos recebidos durante a morte de seu corpo,
mostrando o sangue a escorrer. Cláudio emula aqui a Virgílio, na Eneida: Nesta, o fantasma
de Heitor aparece em um sonho a Enéias, avisando do perigo da entrada dos gregos em Tróia.
O fantasma de Heitor apresenta as feridas de sua morte, a barba manchada de sangue e os
sinais do maltrato do corpo realizado por Aquiles:
Era quando aos mortais começa e coa,
Divino dom, gratíssimo descanso:
Tétrico Heitor em sonhos se me antolha,
Debulhando-se em pranto; como outrora,
Negro do pó cruento a biga o arrasta,
Os loros arrochando os pés tumentes.
Ai! quão mudado! Aquele Heitor não era
Que no espólio volveu do próprio Aquiles,
E lançou teucra flama às popas graias.
Pegada a grenha em sangue, a barba esquálida,
Crivam-no golpes cem, que junto aos muros
Paternos recebeu.
478

(Eneida. Livro II, vv. 277-288.)
Na Eneida, o aparecimento da imagem dolorosa do fantasma de Heitor causa o thos
em Enéias, que se levanta, pega em armas para o combate, mas foge de Tróia, iniciando a sua
viagem para a Itália. Da mesma maneira, no Vila Rica, a figura dolorosa e nítida do fantasma
de D. Rodrigo, como uma visão aterradora, causa um thos no personagem de Albuquerque,
fazendo-o tremer e quase desmaiar:

Desmaio a tanta vista. Ele se avança,

Em vão o vosso Rei, se ver pertende
Subjugado este povo, que defende
Com o bárbaro zelo as pátrias Minas
(Vila Rica, Canto I, vv. 82-87.)
Porto Seguro]. História Geral do Brasil. Revisão e Notas de Rodolfo Garcia. 5.a ed. (edão integral). São Paulo:
Melhoramentos, 1956, tomo IV, p. 97; O único fato que se sabe com precisão é que Dom Rodrigo de Castelo
Branco foi assassinado na casa de Manuel de Borba Gato, durante a suposta reivindicação de suprimentos.
478
VIRGÍLIO. Op. cit., p. 92.
198
Porém, ao contrário da Eneida, o páthos aqui aplicado impede o andamento da fábula
heróica, como o episódio do Velho do R Os Lusíadas. O páthos da morte de D.
Rodrigo em Albuquerque é concebido no perigo representado pelo povo nativo 
, que ainda não estão subjugados à civilização imposta pela
Coroa
479
.
a . Rodrigo dirige-se a
Albuquerque, num tom profético-prudencial. Falando das conseqüências funestas da empresa
de alcançar as Minas, dá-lhe como exemplo dessas adversidades a própria morte que sofrera:
Debalde tu também hoje imaginas
Chegar ao centro delas; eu contemplo
Mil perigos na empresa; fresco exemplo
Te dá a minha morte; só te espera
De gênios brutos pertinácia fera;
Falta de fé, traições, crimes atrozes
Só terás de encontrar; se as minhas vozes
Teu crédito merecem, deixa, evita

(Vila Rica, Canto I, vv. 88-96.)
  , aqui empregado, simboliza a índole traiçoeira daqueles que
promovem a discórdia e o risco de morte, os habitantes da região mineira, índios e
aventureiros. Ao compor o verso         
constrói uma sentença bastante coesa,     esses
habitantes das Minas 
480
esse verso. A maneira de muitas
sentenças Os Lusíadas
481
, nesse verso do Vila Rica uma anástrofe, pois 
   . Além disso, o poeta constrói uma relação de comparação entre os
termos substantivos          
atribui-se o termo adjetivo        
479
Cf. ROCHA, José Joaquim da. Memória da Capitania de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro,
Belo Horizonte, vol. II, p. 431. Apud. MELO E SOUZA, Laura de. Desclassificados do Ouro: A pobreza
mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982, p. 102.
480
Em sua Arte poética, vv. 361-Vt pictura poesis; erit
quae, si proprius stes,/ te capiat magis et quaedam, si longius abstes;/ haec amat obscurum, volet haec sub luce
videri,/ iudicis argutum quae non formidat acumen;/ haec placuit semel, haec deciens repetita placebit
que mais te cativa, se estiveres mais perto e outra, se ficares
mais longe; esta ama a obscuridade, esta, que não teme o olhar arguto do crítico, deseja ser contemplada à luz;
           HORATIUS FLA  
Poética Epistula ad Pisones
481
Veja como exemplo a primeira estrofe dOs Lusíadas
praia lusitana,/ Por mares nunca de antes navegados
de. Op. cit., p. 29.
199
. Ilustrando essas relações, temos:
A. Gênios B. Brutos
C. Pertinácia D. Fera
Para caracterizar o perigo da morte, o poeta elabora uma analogia de proporção
correspondência de dois termos que não possuem uma forma comum, mas duas
proporcionalmente semelhantes A:B::C:D. Isso torna possível uma leitura cruzada: os
     a    
482
. Cláudio apresenta os
habitantes daqueles lugares como bárbaros, ferozes, portadores de uma cultura selvagem,
Vila Rica, Canto I, v. 93.).
Todo esse incidente constitui uma revelação profética da possível morte, advertência
que se por meio do sonho. Entretanto, no mundo católico de Cláudio, a profecia onírica
adquire outra significação que a da Ilíada. Em Portugal, a profecia onírica torna-se uma forma
de compreensão da história individual, como um palco de representações do maravilhoso e do
divino, que pressupõe   
483
entre o plano temporal humano e o atemporal
divino. A propósito, no mundo ibérico, a partir do século XVI, destacam-se duas obras sobre
o tema do sonho profético, como uma Arte de bem dormir: o Tratado sobre la verdadeira y
falsa prophecia (1588), de Covarrubias, e os Avisos spirituales que enseñan como el sueño
corporal sea provechoso al spiritu, do jesuíta Francisco de Monn
484
, numa interpretação
teológica dos sonhos. Monn ensina que podem existir três tipos de sonho: o natural, que são
manifestações do corpo e podem ser utilizados para prevenir enfermidades nele; o sonho
demoníaco, que proviria do poder do Diabo de movimentar as coisas corporais; e o sonho de
revelação ou inspiração divina, que se dá através da revelação dos anjos.
Segundo Luís Filipe Silvério Lima, Monn lista nove avisos espirituais, que devem
ser observados pelo cristão para o discernimento dos sonhos
485
. Observando-se o oitavo aviso
482
Esse tipo de estrutura é considerado de engenho agudo, nas letras do século XVIII, por tratar de estabelecer
relações de comparação entre termos diferentes sobre um mesmo tema, dificultando o entendimento imediato. A

Cf. GRACIÁN y MORALESOp. cit., p.
219; Cf. HANSEN, João Adolfo. Notas de aula. Op. cit., loc. cit.
483
Cf. LIMA, Luís Filipe Silvério. Padre Vieira: Sonhos Proféticos, Profecias Oníricas o tempo do Quinto
Império nos sermões de Xavier Dormindo. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2004, p. 102-105.
484
Idem, p. 37-39.
485

afirma que o sonho natural é devido a uma causa relacionada com o cotidiano do sonhador. O terceiro aviso
ensina que quaisquer sonhos que sejam contrário
a acreditar em todos os sonhos
200
espiritual de Monzón, o sonho com um defunto pressupõe que se deve rogar por ele. Assim, o
sonho de Albuquerque no Vila Rica é um sonho de revelação ou de inspiração divina,
devendo-se rezar pela salvação da alma de D. Rodrigo. Assim, o sonho e a morte se articulam
no poema, seguindo as convenções da doutrina católica. Além disso, o sonho configura-se
também como um espaço-tempo mítico, revelando a Albuquerque o conhecimento de que
precisa para empreender o final de sua expedição.
Antes de prosseguir com a ação heróica de pacificar as Minas, Albuquerque deve,
portanto, encontrar o corpo do General e prestar-lhe os devidos serviços funerários. Por isso,
Garcia aconselha o Capitão-General sobre essa necessidade, assinalando que a alma do
Governador D. Rodrigo não poderia descansar sem as devidas preces cristãs, em meio ao
caráter gentio dos costumes dos habitantes daquela região, constituindo no herói um páthos de
natureza teológica, de misericórdia à condição insepulta de um cristão:
As feras e o Gentio que a brenha oculta
Girar por entre nós: a alma insepulta
Do morto General a nós nos deva
Vencer do esquecimento a escura treva;
Busque-se o seu cadáver, e entre os nossos
Honrada sepultura achem seus ossos.
(Vila Rica. Canto I, vv.111-116.)
O corpo de D. Rodrigo deve ser enterrado por piedade cristã, vencendo a treva do
esquecimento, pois o corpo compõe a unidade indissociável de cada ser humano, que será
restabelecida no dia do Juízo Final
486
.
Contrapondo-se às obras oníricas de fundamentação teológica eram bastante
divulgados os livros de interpretação dos sonhos, sendo o tratado mais importante desse tipo o
livro Oneirocrítica, de Artemidoro de Daldis
487
, composto provavelmente no século II d.C.,
com as chaves de interpretação de mais de três mil sonhos. Segundo Artemidoro, haveria duas
classes de sonhos: O oneiros (), sonho de revelação divina, que se referia ao futuro, e
o enypnion (), sonho não divino, identificado com o dia-a-dia do sonhador, através de
seu corpo, sua alma, ou ambos
488
. Outro trabalho relevante do pensamento onirológico é o de
que sejam de inspiração divina. O sexto aviso propõe que, se houver alguma dúvida quanto à origem do sonho,
dever-severificar se este traz bons conselhos, que proponham seguir os mandamentos divinos. O sétimo aviso
espiritual ensina que, na dúvida, não se deve perguntar a outra pessoa a respeito do significado do sonho, mas
pedir pela intervenção do Espírito Santo. O oitavo aviso espiritual refere-se a sonhos com pessoas, vivas ou
mortas. Neste caso, deve-se rezar por elas, sejam elas amigas ou inimigas. Finalmente, o nono aviso aconselha a
dormir de maneira que este tratado [ensin. Cf. Ibidem, grifo do autor.
486
Cf. Ap 20,4.
487
ARTEMIDORO. Le clef des songes. Paris: J. Vrin, 1975.
488
Cf. LIMA, Luís Filipe Silvério. Op. cit., p. 29.
201
Macróbio, o Comentário do sonho de Cipião (Somnium Scipionis), escrito em torno do ano
400 d.C., sobre o sonho narrado por Cícero no sexto Livro de sua obra Da Republica
489
. Esse
trabalho baseia-se na obra de Artemidoro, porém mais usado do que o Oneirocrítica por ser
de autor cristão. Segundo essa obra de Macróbio, existem cinco tipos de sonhos:
O sonho enigmático, oneiros em grego, em latim somnium; segundo, existe a
visão profética, horama em grego, visio em latim; terceiro, há o sonho
oracular, chrematismos em grego, oraculum em latim; quarto, existe o
pesadelo, enypnion em grego, insomnium em latim; e por último, a aparição,
phantasma em grego, que Cícero, quando teve a ocasião de usar a palavra,
chamou de visum
490
.
Na épica, a visão profética, ou visio, é uma tópica que serve para anunciar ao herói os
fatos que irão ou poderão acontecer. O sonho de D. Manuel com o rio Ganges, no Canto IV
dOs Lusíadas, foi comparado com o sonho da Eneida, no qual o rio Tibre aparece para
Enéias na figura de um velho
491
. Na Odisséia, Penélope conta um sonho profético que anuncia
o regresso de seu esposo Ulisses e o massacre dos pretendentes
492
. Na Farsália, César às
margens do rio Rubicão tem uma visão de Roma estremecida em guerra
493
. No poema Vila
Rica, além da interpretação feita pela doutrina cristã, também podemos entender o sonho de
Albuquerque como uma visão profética que se articula por meio da visio, na revelação da
ameaça da morte, e do visum, na aparição do fantasma de D. Rodrigo.
Seguindo a narração do poema de Cláudio, no Canto II, é retomado o início da
história, a descoberta do primeiro ouro das Minas Gerais e dos propósitos de Albuquerque de
chegar à região, também antecipada em sonho de revelação, no qual surge a imagem do
Itamonte. Ainda nesse sonho, aparecem as dificuldades de atingir o centro das Minas Gerais,
uma promessa de contar a Fábula do Ribeirão do Carmo 
de ouro,/ c    
494
(Vila Rica. Canto II, vv.167-168.).
Essa linha narrativa unida à tópica da morte segue pelo Canto III, quando Manuel de Borba
489
CÍCERO, Marco Túlio. Da República. Rio de Janeiro: Athena Editora, 1979.
490
The enigmatic dream, in Greek oneiros, in Latin somnium; second, there is the prophetic vision, in Greek
horama, in Latin visio; third, there is the oracular dream, in Greek chrematismos, in Latin oraculum; fourth,
there is the nightmare, in Greek enypnion, in Latin insomnium; and last, the apparition, in Greek phantasma,
which Cicero, when he has occasion to use the word, calls visum  MACROBIUS, Ambrosius Aurelius
Theodo. Commentary on the Dream of Scipio. Translation with introduction and notes by William Harris Stahl.
New York: Columbia University Press, 1990, p. 90, grifo do autor.
491
Cf. LIMA, Luís Filipe Silvério. Op. cit. p. 41., citando Emanuel Paulo Ramos, na edição crítica dOs
Lusíadas: CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos. Porto: Porto Editora,
1982, p. 432.
492
HOMERO. Op.cit. (Canto XIX, vv. 409-427.), p. 346.
493
LUCANO, Op. cit. (Canto I, vv. 183-186.), p. 81.
494
No Livro III da Farsália, no v. 280, Lucano faz urna referência aos arimaspos, uma legendária tribo cujos
indivíduos tinham o hábito de esmaltarem seus cabelos com ouro, fonte da emulação de Cláudio nesses versos.
202
Gato chega ao acampamento de Albuquerque. Borba Gato narra a sua versão da história do
seu conflito com D. Rodrigo e declara-Vila
Rica. Canto III, v. 16.). Dessa forma, esclarecem-se eventuais dúvidas quanto à cumplicidade
de Borba Gato no assassinato de D. Rodrigo. Albuquerque, assumindo a autoridade do Rei,
desempenhando o papel de juiz:

Suave acolhe ao nobre Aventureiro,
E dando-lhe mil mostras de amizade,
De ordem do mesmo Rei o persuade;

(Vila Rica. Canto III, vv. 105-109.)
O risco de morte, porém, sempre permanece à espreita, como por exemplo no Canto
III: um índio tenta assassinar Garcia, enquanto este dorme, confirmando a profecia do perigo
de morte. Porém, Garcia ouve-lhe a aproximação e o fere gravemente. O índio é entregue aos
cuidados de Bartolomeu Bueno, para ser tratado. No Canto IV, os viajantes encontram-se
próximos de um lago, onde o Secretário Manuel Pegado, finalmente descobre, com o auxílio
dos índios, os restos mortais de D. Rodrigo. Borba Gato reconhece que se trata da sepultura
do Governador 
Todos ao mesmo passo vão cercando
Em roda a sepultura: Borba chega,
Afirma que é Rodrigo e logo alega,
Como dos Índios seus à pressa fora
Sepultado, fugindo os mais; e agora
Reconhece o sinal na Cruz bendita,
(Vila Rica. Canto IV, vv. 70-75.)
Borba Gato mais uma vez procura abster-se de qualquer reprovação, não assumindo a
o Governador, atribuindo essa ação
    
Então, no desenlace teológico dessa ação, o Padre Faria faz os devidos serviços fúnebres a D.

Celebrou-se o devoto sacrifício
Junto ao sepulcro; e as últimas piedades,
Pela mão de Faria, as saudades
Temperaram do Morto, consoladas
As memórias de sangue inda banhadas.
(Vila Rica. Canto IV, vv. 80-84.)
O corpo de D. Rodrigo não está, portanto, exposto fisicamente, mas enterrado, oculto.
A condição de insepulto se deve ao fato de não se terem .
Não foram seguidos os rituais previstos pelo costume cristão de sepultamento, com as devidas
orações fúnebres, o que o Padre Faria trata de realizar. Lembrando que a morte é uma espécie
203
de cerimônia presidida pelo próprio morto, se este não podia providenciar tudo para sua boa
morte, o encargo passava a ser de seus familiares e amigos. No caso, a responsabilidade passa
a ser de Albuquerque e seus homens. Nesse Estado do Brasil do início do século XVIII, a
morte ainda não é ruptura de uma morte teatralizada como romântica
495
.
Para uma figuração mais gloriosa da dignidade de D. Rodrigo, Cláudio compara as
seu  importância 
 por ter morrido em serviço ao Rei de Portugal (Vila Rica. Canto IV, vv. 85-92.).
               .
Rodrigo finalmente descansa em paz. O poema prossegue com a investigação da identidade
do índio que tentou assassinar Garcia.
Sintetizando o que foi exposto, nessa épica de Cláudio podemos pensar a tópica da
morte numa dupla articulação que se dá pelo sonho. O episódio do sonho profético de
Albuquerque com o fantasma de D. Rodrigo é conformado como um thos, na visão
profética ou visio, no dizer de Artemidoro, própria da narrativa do gênero épico que anuncia
os acontecimentos futuros. Promovendo uma ação complexa contrária a fábula, apresenta-se a
tópica da morte como perigo, exaltando a atuação do herói. Ao mesmo tempo, o sonho
constitui um thos religioso, seguindo um pensamento teológico, na forma de aparição ou
visum, segundo a doutrina católica do sonho de revelação ou de inspiração divina, proferida
no oitavo aviso espiritual da obra de Monzón. Isso exige do herói épico a devida piedade
cristã pela desonrosa condição insepulta do corpo de D. Rodrigo, representando a morte como
situação a ser resolvida catolicamente. Este páthos origina o sepultamento condigno do corpo,
antes de Albuquerque poder avançar na conquista das Minas, pacificando prudentemente um
povoado de rebeldes.
Assim, essa obrigação do sepultamento cristão de D. Rodrigo compara-se com a
necessidade da ocupação do território bárbaro das Minas Gerais. Por piedade cristã, para o
encômio da glória do nobre Rei português, a ação de pacificação leva a luz da verdadeira Fé
      pos de aventureiros em conflitos
sem Lei, sem Fé e sem Rei.
495
Cf. ARIÈS, Philippe. Op. cit., p. 44.
204
CONCLUSÃO
Tu tens, Marília,
Cantor celeste;
O meu Glauceste(...)
Tomás Antônio Gonzaga.
Marília de Dirceu. Lira XXXI, vv. 71-73.
205
A epopéia como um teatro de pacificação
A invenção do Vila Rica emula discursos históricos, poéticos, retóricos, políticos e
teológicos de vários tempos e lugares, produzindo uma épica de profundidade poética e
histórica. Sua leitura revela eventos decisivos na história de Portugal e do Estado do Brasil,
desencadeados pela mineração do ouro. Sua complexa estrutura fiscal, o trabalho dos
escravos, a problemática indígena e a precariedade estabelecem o cenário histórico. Este
configura-se como palco de teatralização dos costumes e elogio dos valores católicos,
sobretudo na glória dos feitos dos portugueses. Segundo Castelvetro, essa matéria histórica é
coisa representada, ao passo que a figuração dela no poema é coisa representante
496
.
O poema evidencia a emulação dos topoi, como o locus horrendus, com novas
reconfigurações, que ilustram o estabelecimento de condições próprias da prática da poesia
em Portugal e na Capitania de Minas Gerais. O procedimento comprova o conhecimento
detalhado de vários textos hispano-americanos, poéticos e históricos, evidenciando a
circulação e a troca de escritos entre as regiões coloniais da América Ibérica no século XVIII.
A apropriação da realidade local como cenário, incorporando lendas e costumes pela
descoberta e invenção de mitos, propõe a noção de diferenças essenciais entre a metrópole
européia e a colônia americana e os seus vínculos, que encontram visibilidade no Vila Rica.
A épica de Cláudio Manuel da Costa inclui-se numa poética da representação, em que
a arte ilustra a importância da hierarquia na sociedade colonial luso-brasileira. Ordenada por
uma estrutura teológico-política, seguindo uma razão de Estado católica, os atores sociais são
representados hierarquicamente por personagens que agem conforme códigos de conduta
definidos pela sua origem e posição, na integração do Estado ao reino celestial, configurando
um teatro sacro.
Na invenção discursiva, o texto retoma o maravilhoso da mitologia das autoridades
dos épicos como ornamentação poética, aliando esta ao maravilhoso cristão. Nessa
configuração, as forças essenciais das epopéias antigas: discórdia, concórdia, destino e
casualidade cedem lugar à Providência divina, que inspira a alma dos cristãos para realizar
aquilo que é certo, orientando a luz da sinérese do juízo discreto dos heróis e dos leitores.
496
Cf. CASTELVETRO, Lodovico. Op. cit. loc. cit.
206
A disposição da matéria segue os preceitos recomendados para a epopéia, por meio de
uma implexão entrecortada por diversos episódios que conferem unidade ao texto. Esta
unidade está baseada na verossimilhança, narrada como vontade da Providência divina.
O estilo do poema, mensurado como médio, pela monotonia da rima emparelhada,
embora nunca deixe de ser grave e formal, figurando a cena própria do outono. Se examinado
a fundo, revela ao leitor-pesquisador indiscreto de nosso tempo a complexa estrutura rítmica,
com encavalgamentos, assonâncias e aliterações, propondo a idéia de aliar o verso a uma
estrutura melódica.
No plano enunciativo, o texto se caracteriza pela invenção de um engenho vasto, numa
disposição poético-retórica que pressupõe a erudição ajuizada do seu leitor discreto,
coordenando múltiplos episódios, em contraposição às idéias pregadas pelas academias
arcádicas. A beleza poética requerida é equilibrada pelo uso de diversas notas da persona do
narrador Glauceste Satúrnio e pela elaboração do Fundamento Histórico.
Em sua emulação dos tipos nobres de heróis de outros épicos, D. Rodrigo é como
Pompeu: o primeiro insepulto nas Minas Gerais, o outro no Egito. Antônio de Albuquerque é
como César e Crasso, reunindo as qualidades de guerreiro e orador. Albuquerque ocupa um
lugar que se destaca, acima de todos os outros personagens. Esse altivo lugar do herói é
composto com a tópica da sua origem nobre como tipo cortês, portador das sete virtudes
cardeais, fidalgo e herdeiro das qualidades necessárias para desempenhar a ação heróica. Ele
supera a morte e convence os emboabas a aceitar a subordinação ao Rei de Portugal,
aplicando à colônia as leis da metrópole, pela razão de Estado católica.
A morte é encenada como obstáculo que o herói épico deve superar, passando pela
evidenciação da ars moriendi, Arte de Morrer, que estabelece o pensamento católico para o
tema até o século XVIII, na preparação para o momento da morte como cerimônia presidida
pelo morto. Como esse teatro da morte não se efetiva no assassinato de D. Rodrigo, é
necessária a intervenção de Albuquerque, demonstrando sua piedade cristã.
Ao desvencilhar todos os obstáculos pela astúcia retórica, confirmando a autoridade
real, a ação prudente do herói é ética, segundo a moral católica, na pacificação de um povo
rebelde, que termina simbolicamente na fundação da Vila Rica. Definindo a matéria histórica
digna de ser preservada na memória das futuras gerações pela convenção do gênero, o caráter
glorioso da viagem implica a poesia como prática que evidencia a forma mental, de ser, estar
e pensar nesse espaço-tempo:
207
Enfim serás cantada, Vila Rica,
Teu nome impresso nas memórias fica;
Terás a glória de ter dado o berço
A quem te faz girar pelo Universo.
(Vila Rica. Canto X, vv. 199-202.)
O poema épico de Cláudio é o que faz Vila Rica girar pelo Universo. Nesses versos,
não se trata do berço do poeta, mas da própria composição poética. Nela, as contradições das
interações dos interesses de conservação e mutação justificam o emprego de conceitos e a
disputa das normas de convivência numa sociedade protocolar, regrada ao extremo para o
controle austero das arrecadações, vitais para o Erário Real, em consonância com a realidade
árida da mineração, que aflige o homem que trabalha na pedra:
Por entre a pedra estoutro vai buscando
As betas de ouro; aquele vai trepando
Pelo escabroso serro, e as águas guia
Pelos canais que lhe abre a pedra fria
(Vila Rica. Canto X, vv. 145-148.)
Depois de termos lido o Vila Rica, sua crítica e suas referências mais diretas,
recompondo aspectos internos e externos ao texto, esboçamos uma hipótese: a proposta do
deslocamento do ponto de vista de sua interpretação como poema pouco significativo para
uma composição épica útil e significativa, que demonstra e explica muito da história do
Estado do Brasil e das letras coloniais luso-brasileiras. Trata-se da escrita de uma épica
complexa, na qual o conceito de representação é a chave para explicar a si própria e ao
mundo, na sua verossímil teatralização, princípio mimético e normativo de convivência, na
pacificação dos rebeldes e no estatuto da autoridade.
A obrigação de um poema nessas circunstâncias é a de doutrinar as mentes na história
que inventa em sua narração. Noutras palavras, o poeta do Vila Rica cumpre a sua missão,
casando a lição antiga da epopéia ao caráter próprio do seu tempo
497
, aliando pelo engenho
poético, o costume da técnica ao espaço plausível evidente da Colônia, exaltada pela
contribuição econômica à Metrópole.
497
Cf. MACHADO DE ASSIS. Machado de Assis. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 5 jun. 1866, seção
Semana Literária. In: MACHADO DE ASSSIS. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994,
vol. III, p. 892.
208
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
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233
ANDICE A Argumentos narrativos do Vila Rica
234
Argumentos narrativos do Vila Rica
Princípio idílico
Canto I. O princípio da narrativa se efetivamente na 4.a estrofe do primeiro canto,
onde são lembrados os feitos do Rei de Portugal na conquista da América. São listadas as
cidades fundadas pelos portugueses e a esperança da descoberta de metais e pedras preciosas.
O poeta revela que cantará a próxima conquista, a fundação da Capital das Minas Gerais pelo
Governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho. Menciona-se a divindade que
 experiente gênio Filoponte, que guiará Albuquerque e sua
comitiva. A ação é apresentada in media res, ou seja, no meio da história, conforme a ordem
artificial. Albuquerque está no meio de sua viagem, descansando à margem do Rio das
Velhas. A natureza acolhe harmoniosamente o sono do herói, como num sonho idílico.
O sonho de Albuquerque
O sono de Albuquerque é tão leve e aprazível quanto o esvoaçar de um pássaro. Garcia
Rodrigues Pais está vigiando o descanso do seu Governador e amigo. Garcia é o filho de
Fernão Dias Pais, o caçador de esmeraldas No sonho de Albuquerque aparece o fantasma
de Dom Rodrigo de Castelo Branco, Governador assassinado na casa de Manuel de Borba
Gato. O espectro avisa dos perigos de morte na ida às Minas Gerais. Albuquerque acorda
agitado e revela a sua visão, externando apreensão. Garcia interpreta o sonho, alegando que,

que deve determinar a procura dos restos mortais de D. Rodrigo para serem enterrados
dignamente, de acordo com os ritos da Igreja.
O encontro das três índias velhas
Os viajantes são surpreendidos pela chegada súbita de alguns dos homens da comitiva.
Eles trazem três índias velhas. O líder do grupo, José de Camargo Pimentel, relata como
sucedeu a empresa da incursão à aldeia dos Tapuias. Eles são ajudados pela queda de um
madeiro, que serve de ponte, configurando o auxílio da Providência. Ao descobrirem os
235
Tapuias, Camargo dispara um tiro de espingarda que maravilhosamente assusta e afugenta os
índios, que correm, deixando para trás apenas três índias velhas.
O reencontro da velha índia com Garcia
Uma das três índias reconhece Garcia Rodrigues, lembrando que ele participou na
bandeira de Antônio Rodrigues Arzão. Garcia também a reconhece porque ela usa, em um dos
dedos, em forma de anel, uma das três memórias do primeiro ouro encontrado nas Minas.
Todos se recolhem, depois de uma farta refeição, graças às caças e ao mel, trazidos
pelo grupo de Camargo. O Canto I termina comparando a chegada de Enéias à Cartago com a
de Albuquerque naquele lugar longínquo. A expedição tem dois obstáculos a serem
superados: a necessidade de encontrar e sepultar o corpo de D. Rodrigo e relação misteriosa
entre Garcia e a velha índia.
O relato de Neágua
Canto II. Começa pela descrição de um belo entardecer. O poeta revela o amor
              
natureza. Relembra que Arzão presenteou a velha índia com uma memória de ouro, em forma
de anel. Ele vai até ela e a índia pede permissão para contar sua história.
A índia, em seu discurso, faz referência a duas divindades alegóricas, o Céu e a
fortuna, que interferiram em sua vida. Descreve a formosura de sua filha Aurora, num dos
trechos mais belos do poema, interpretado como episódio lírico por Hélio LopesEra ela em
seus anos tão mimosa,/ Que à vista desmaiava a rosa,/ Seus olhos claros, as pupilas belas,/
Oh! Quantas vezes cri que eram estrelas!/ Não tinham nossos campos, nem o prado/ Planta
mais tenra, flor de mais agrado;/ Enfim, porque de vós as cores tome,/ De Aurora os vossos
lhe dão hoje o nomeVila Rica. Canto II, vv. 41-48, grifo do autor.)
A velha índia lembra-se das memórias do ouro, revelando chamar-se Neágua.
Relembra a sua história e de sua filha, quando se tornaram escravas em razão do ouro
descoberto por Arzão. Garcia interrompe o relato de Neágua, desejando saber o destino de
Aurora. Neágua revela que sua filha foi raptada pela tribo dos Monaxós. Pori, o cacique da
tribo, quer tomar Aurora por esposa, mas ela não aceita e permanece prisioneira. Ao ouvir o
triste relato, Garcia decide resgatar Aurora, movido pela piedade e pelo amor. De repente,
236
Albuquerque interrompe o diálogo entre Garcia e Neágua, convocando todos para uma
reunião de conselho.
A reunião do conselho
Albuquerque expõe a sua missão, a serviço de Dom João V, de adentrar o território
mineiro. O herói relata a visão premonitória do gigante Itamonte, representação alegórica do
monte Itacolumi. Semelhante ao episódio do Gigante Adamastor Os Lusíadas, Itamonte
conta a sua fábula. O gigante revela-se o protetor da passagem para o território mineiro. Ele
promete que revela, noutra ocasião, a Fábula do Ribeirão do Carmo. Albuquerque relata
ainda a sua visão da ninfa Eulina, que nas margens de um rio, esmalta o cabelo com ouro.
Itamonte revela a profecia da ocupação da cidade, anunciando a fundação da Vila Rica.
O Governador termina seu discurso e interroga os companheiros da comitiva sobre a
serra prevista nos sonhos. O primeiro a falar é o Padre João de Faria Fialho, Capelão da
Bandeira de Antônio Dias. Ele explica tudo o que sabe sobre o monte Itacolumi, explicando a
 á 
significa, portan
Ao ouvir o relato de Albuquerque e a explicação de Faria, Camargo diz não ter medo
de confrontar-se com o gigante, uma vez que tinha enfrentado o perigo de outra serra, onde
guerreou com os ferozes índios Botocudos. Em seguida, Bartolomeu Bueno da Silva alerta

Albuquerque retoma a palavra, declarando a sua persistência em encontrar as Minas,
nem que tenh. Ele não é temerário, é corajoso, pois sabe que,
ao seu lado, estará a assistência da Providência. Os heróis são novamente surpreendidos pela
           
pergunta a Garcia se sabe quem é o cavaleiro e todos se aprontam para a recepção.
O julgamento de Borba Gato
Canto III. O cavaleiro revela ser Manuel de Borba Gato, que se dirige ao herói com
um discurso de estilo judiciário, narrando sua vida nos sertões e depondo em causa própria,
quanto ao caso do assassinato de D. 
Vila Rica. Canto III, v.16). O cavaleiro narra como aconteceu o fatídico episódio
237
que levou à morte de D. Rodrigo. Quando este requisita as guarnições de pólvora e chumbo,
Borba Gato recusa o pedido, alegando que as provisões estavam reservadas a Fernão Dias
Pais. Isso impedia o Borba de entregá-las ao Governador, por fidelidade ao juramento de
guardá-las. D. Rodrigo se enfurece e ameaça a todos. Essa imprudência do Governador o
conduziu à morte pelas mãos de uns subordinados de Borba Gato.
Borba Gato narra ainda os feitos e os serviços que realiza nos sertões, destacando a
importância da sua criação de gado nas margens do rio São Francisco. Relembra do perdão
obtido do governado Artur de e Meneses. Por fim, alega inocência, apresentando como
testemunhas o seu relato, seus parentes e seus amigos.
  ndo  
      Tirando uma lição do episódio, Albuquerque
determina a permanência de , a fim de juntar provisões de caça que
assegurem a continuação da viagem.
A tentativa de assassinato de Garcia
Na comitiva de Borba Gato encontram-se vários índios da tribo dos Monaxós. Entre
estes,  por
Aurora, inspirado pela divindade alegórica do Amor, que o conduz a tentar assassinar seu
rival Garcia com uma faca, enquanto o herói dorme. Garcia, sempre alerta, ouve o ruído da
aproximação do índio e se defende, ferindo o agressor com sua espada. O jovem índio fica
muito ferido. Todos do acampamento acordam com o barulho da luta. Garcia não entende o
motivo da agressão. Ao tomar conhecimento do fato, Albuquerque ordena que socorram o
índio. Bartolomeu Bueno trata a ferida -lhe
o sangue, terminando o Canto III.
O sepultamento de Dom Rodrigo
Canto IV. Este começa com a disposição de Albuquerque de alcançar o centro das
Minas Gerais. Alguns homens vasculham a terra à procura do ouro. Enquanto o índio monaxó
se recupera, entra em cena Manuel Pegado, secretário do Governador, que encontra um
monstro na mata, semelhante a uma baleia em seu entender. Ele lembra imediatamente o
Livro bíblico de Jonas. Os viajantes descobrem com a ajuda dos índios, contudo, que não se
238
trata de uma baleia, mas de uma cobra sucuriú, simbolizando a morte. A cobra acabara de
comer três veados inteiros, encontrados ao abrirem-lhe o ventre. A cobra é o sinal que marca
onde jaz o cadáver de D. Rodrigo de Castelo Branco. Encontra-se o túmulo ao lado da sucuriú
e Borba Gato reconhece os restos mortais do Governador. O P
            
exéquias, intercedendo junto a Deus para que lhe perdoe os pecados, ajudando a alma, que
passara uma morte atormentada do corpo, a descansar em paz na espera do Juízo Final.
Admiravelmente, não é posto epitáfio na sepultura. Albuquerque tranqüiliza-se e pretende
seguir a jornada, tendo superado seu primeiro obstáculo.
O relato de Argasso
Após o enterro condigno de D. Rodrigo, Albuquerque manda chamar o índio que
atacou Garcia. O índio, recuperado da ferida, revela que se chama Argasso e conta a sua
história de amor por Aurora. Por isso, tentar matar seu rival Garcia. Antônio de Albuquerque
chama Garcia, que prudentemente contém a paixão de sua fúria de atacar, em razão de seu
          de seu crime.
Aparece também Neágua, que acompanha a história. Garcia reconhece o amor do índio como
puro e verdadeiro. Demonstra um desprendimento heróico exemplar, apoiando o amor do
rival, propondo a ida à aldeia onde Aurora se encontra. Garcia pretende realizar com o Padre
Faria o casamento entre Aurora e Argasso. Neágua também irá à missão. Albuquerque declara
estar de acordo com a empresa
Ao se despedir de Garcia, Albuquerque nomeia o veio de água como o Rio das Velhas.
Albuquerque segue a sua viagem, enquanto Garcia vai encontrar-se com os índios. Enquanto
os heróis se movem no espaço da narrativa, o poeta conta o que se passa com os inimigos da
comitiva. Os emboabas estão reunidos num arraial próximo ao monte Itacolumi.
O discurso do Frei Francisco de Meneses
Canto V. É feita uma magnífica descrição do monte Itacolumi. Não é retratada mais a
paisagem idílica, harmoniosa, mas uma natureza grandiosa, representada na figura do monte
   narrado o episódio que desencadeia a Guerra dos Emboabas, na
tentativa de estabelecimento dos monopólios comerciais de carne e de fumo pelo Frei
239
Francisco de Meneses, Frei Conrado e seus associados. Frei Francisco de Meneses, movido
pela inspiração da divindade alegórica do Interesse, discursa para os rebeldes emboabas,
encorajando a resistência à autoridade do Governador Albuquerque. Frei Francisco relembra
vários sucessos dos rebeldes, inclusive os episódios históricos da humilhante retirada do
Governador Dom Fernando Martins Mascarenhas e da morte do Governador Dom Rodrigo de
Castelo Branco, além de outros personagens envolvidos no enfrentamento dos paulistas. Seu
discurso demonstra que os emboabas representam a verdadeira Monarquia Lusitana,
ameaçada pelos paulistas. Os revoltosos então se preparam para a guerra, munindo-se de
pólvora, ferro, do engenho e da arte, preparando emboscadas contra Albuquerque e seus
seguidores. O índio Tutonaque, cacique dos índios Pataxós, auxilia os rebeldes na ação de
resistir à chegada do Governador.
Frei Francisco de Meneses decide realizar um segundo discurso, desta vez dirigindo-se
aos índios que auxiliam os emboabas. Não se dirige mais aos verdadeiros representantes do
reino, mas aos índios, defendendo a liberdade natural deles vivida até aquele momento. O
discurso adota a premissa de que a lei natural é melhor que a lei do Rei português, que se
encontra distante. A lei natural é o instinto dado pelo sentimento de justiça individual, uma lei
essencial, percebida pelo entendimento. A liberdade comum é ameaçada pela chegada de
Albuquerque, que traz consigo leis opressoras contra os índios.
Filoponte e seu teatro das imagens
Enquanto isso, o gênio da terra assume a forma de um velho índio, que se abriga no
interior de uma 
centro de um penhasco e se encontra inesperadamente com o gênio na caverna. Num primeiro
momento, não sabe se encontrou um homem ou uma fera, admirando-se ao perceber que se
trata do gênio no corpo de um velho índio. O gênio se dirige a Albuquerque, revelando que
seu nome é Filoponte e que reconhece os europeus, lembrando-se de Arzão. Filoponte faz
surgir diante dos olhos do Governador imagens nas paredes da caverna, transparentes como
cristais. As imagens revelam histórias do passado, do presente e do futuro. Mostram os

expulsão dos paulistas entre 1708 e 1709, o governo ilegal de Manuel Nunes Viana, quando
reina a confusão nas Minas, desamparadas da lei do Rei português. Mostram ainda ao herói a
si mesmo, Albuquerque, levando vitoriosa paz às Minas, e a traição preparada pela oposição
240
dos emboabas que aguardam. Esta última revelação deixa o Governador triste. Para acalmar o
herói, o gênio declara que todas essas imagens são misteriosas. O poeta faz outra invocação,
auxiliam na descrição de 
Canto VI.      Filoponte exibe a geografia das Minas
Gerais, adquirindo uma feição grandiosa. Seu discurso elogia o ânimo dos paulistas, como

 chamado Bonina Suave, conforme a nota 52. Dá-se
o discurso de Filoponte, em tom elegíaco, listando os nomes de vários heróis bandeirantes
paulistas e lusitanos. O gênio intervém na história, acirrando o ódio entre os rebelados, que
passam a disputar uns com os outros, por meio de insultos, permitindo que Albuquerque e os
seus passem despercebidos por uma emboscada.
O retorno de Garcia da aldeia dos Monaxós
Enquanto Filoponte narra todos esses fatos, Garcia reencontra-se com a comitiva de
Albuquerque. Albuquerque pergunta pelo que aconteceu na missão, sobre os destinos de
Aurora e Argasso. Garcia revela-se tão desconsolado que mal consegue cumprimentar seu
Governador, estando a ponto de chorar. Por isso, quem começa a narra os acontecimentos
vividos pela expedição é o Padre Faria.
Aurora e Argasso
O Padre Faria conta que encontraram a aldeia dos Monaxós em seis dias e lá, foram
recebidos com alegria. Entretanto, havia uma rival de Aurora, a índia Eulinda, que toma
conhecimento da intenção matrimonial da missão de Garcia. Ela se desespera e procura a
ajuda de uma velha feiticeira chamada Teriféia. Essa feiticeira é descrita como a mais cruel de
todas as velhas índias, capaz de atos cruéis, como o canibalismo. Ela come uma criança
inteira, trazida pela índia Eulinda como tributo por seus serviços. Enquanto Eulinda conspira,
Aurora aceita casar-se com Argasso e o Padre Faria encarrega-se de instruir os índios nos
Doutrina católica. Todos os índios ficam tão contentes que vão caçar na
mata para a festa, inclusive o próprio cacique da aldeia, a bela Aurora e o índio Argasso.
Nesta o
exala veneno pelos olhos, representação alegórica do Diabo. Eulinda conduz esse tigre até o
241
lugar onde Aurora repousa numa pedra e ele fica ali prostrado, quando surge, de repente,
Argasso. Argasso atira uma flecha certeira contra o tigre, mas este desaparece no ar. Ao se
aproximar do local, Argasso aterroriza-se ao perceber que sua flecha tirou a vida de sua
amada Aurora. Ao compreender seu infausto engano, reconhecendo o terror de sua ação
involuntária, Argasso suicida-se, precipitando-se do alto de uma pedra. Eulinda acusa os
viajantes de arquitetarem a tragédia, colocando os índios da aldeia contra o grupo de Garcia.
O herói e seus aliados conseguem fugir a tempo de evitar um destino terrível, graças a um
índio aliado, que os avisa de tudo. Este índio ouviu a trama de Eulinda e Teriféia. O Padre
Faria termina o seu relato e Albuquerque passa a consolar Garcia, lembrando alegoricamente
da promessa da Justiça divina. A compaixão e o terror causados pela história caracterizam o
episódio como trágico, caracterizando a catarse. Agora, os dois personagens, Albuquerque e
Garcia, estão reunidos para finalizar a empresa de chegar ao centro das Minas Gerais.
O rapto mítico de Garcia
Canto VII. É relatada a marcha dos viajantes, chegando até as margens de um ribeiro,
defronte da serra de Itacolumi, o gigante Itamonte. Este decide retardar os passos de Garcia,
             é muito
formosa e vai esmaltando os cabelos com ouro, como no sonho descrito por Albuquerque. A
ninfa chama-se Eulina. Ela canta e, tal como uma sereia, encanta Garcia, que se deixa seduzir
pela agradável melodia. Eulina abre os braços, convidando Garcia para juntar-se a ela. O herói
a abraça e uacolhendo Garcia e Eulina. A urna
fecha-se e retorna às profundezas. Depois que Garcia desaparece, os companheiros o
procuram por um algum tempo, mas depois desistem da malograda busca.
O discurso sobre a disciplina
Logo em seguida, alguns homens da comitiva de Albuquerque se divertem com uma
brincadeira imprudente, dividindo-se em paulistas e forasteiros. A brincadeira tende a tornar-
se num sério conflito. Albuquerque decide intervir com um sério discurso sobre a disciplina,
advertindo seus homens da Justiça da Providência, explicando que todos são súditos de um
mesmo Rei. Assim, reafirma a origem lusitana comum entre paulistas e emboabas. Prega que
a virtude não está atrelada ao local de nascimento, mas deve ser praticada por todos a fim de
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que se alcance o merecimento da glória. Seu discurso é uma parênese, ou seja, um discurso
moral, orientador do que é certo.
O disfarce do herói
O gênio da terra avisa Albuquerque da rebelião que o espera. O herói, auxiliado pelo
gênio, disfarçado em trajes civis, sem insígnias militares, infiltra-se no acampamento dos
rebeldes, tomando ciência dos planos deles. Quando todos vão dormir, o gênio guia o herói a
em Caeté, onde se encontra Sebastião Pereira de Aguilar e os seus, os
irmãos Pereiracomando do chefe dos emboabas, Manuel Nunes Viana. Os
irmãos Pereira reconhecem o Governador e juram fidelidade e obediência incondicionais a
Albuquerque
Vila Rica. Canto VII, vv. 220-221).
O apoio de Sebastião Pereira de Aguilar é fundamental, pois é um líder de muitos residentes
na região mineira. Em seguida, Filoponte interfere novamente na história, produzindo, nos
sonhos dos rebeldes, visões proféticas terríveis de cadeias, castigos e misérias, caso
continuem com o intento da traição.
A conspiração das divindades alegóricas
Canto VIII. Enquanto Filoponte se empenha na sua empresa de visões. Outras
divindades alegóricas começam também a interferir na história, inspirando maleficamente os
emboabas. O Interesse é a primeira divindade alegó

rebelados. Maldade caracterizada por uma ferocidade tão terrível que chega a ser maravilhosa.
Outras máquinas alegóricas surgem para incitar o ânimo cruel dos rebeldes, conspirando
contra a missão de Albuquerque: a Traição, o Engano, e disfarçada, a Hipocrisia. Reunidas
todas essas divindades atrozes, a Hipocrisia realiza um discurso, maquinando uma traição que
seria feita pela simulação de uma rendição. A Rebeldia aparece e confabula o terrível plano,
             
Glauceste compara a maldade que paira agora na região mineira com a das areias da Líbia,
que se viram infestadas pela maldição de terríveis serpentes, nascidas do sangue da cabeça da
Medusa, decepada por Perseu.
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Garcia no palácio de Eulina
Enquanto isso, Garcia está em companhia da ninfa Eulina. Ela o leva aum palácio
de ouro e cristal, um lugar de riquezas esplendorosas. Garcia recebe a visão do gigante
Itamonte, que lhe conta como Albuquerque foi recepcionado pelos irmãos Pereira e como
Manuel Nunes Viana reconhece a autoridade do Governador e se rende. Fala também das
riquezas no solo das Minas Gerais.
A Fábula do Ribeirão do Carmo
Garcia um moço caído, morto com um punhal no peito. Pede para conhecer a
história do rapaz. A ninfa então narra a sua história, de seu amor com o Ribeirão do Carmo, e
de como Apolo a raptou e o moço infeliz se suicidou. Seu sangue origem às águas
vermelhas do ribeirão. É a Fábula do Ribeirão do Carmo.
O canto profético de Eulina
Canto IX. O poeta reconhece a seriedade da matéria cantada, lamentando não ter feito
antes versos sobre o assunto. Eulina inicia um cântico, explicando a Garcia as imagens que
vai revelando. É a sucessão dos governadores das Minas, desde D. Rodrigo, passando por D.
Fernando, até o Conde de Valadares, Dom José Luís de Meneses Abranches Castelo Branco e
Noronha. Conta a fundação das diversas vilas mineiras, aludindo ao episódio das missões e

            rcia se
encontra novamente na margem do rio, reencontrando-se com o Governador Albuquerque.
Este revela suas visões para Garcia, contando a futura conquista, a fundação e construção da
cidade. Fialho localiza um atalho para o vale do Itamonte, onde Albuquerque determina a
edificação da vila, ordenando a preparação para as obras de contrução. Neste
empreendimento, uma árvore especial é cortada, pois d

244
A Lenda de Blázimo
Bartolomeu Bueno da Silva aproveita a ocasião para contar a Lenda de Blázimo.
Blázimo era um jovem índio, muito habilidoso com a lança, que se enamora da formosa

i de Elpinira coordena os jogos. Argante orna- 
-se de muitas flores misturadas, de um cheiro suave. Elpinira
segura ocultamente uma pedra em cada mão. Cada qual tira a sua pedra. A pedra branca
indica o vencedor, a negra o perdedor. Blázimo vence e Argante se retira. Furioso, Argante
planeja vingança, pedindo três dias para mostrar que não ficou descontente. Manda reformar a
estrada entre a aldeia de Blázimo e a sua, preparando uma armadilha, um buraco oculto na
estrada com estacas no fundo. Blázimo se envereda pela estrada, junto com Elpinira e Alpino.
              
           ria,
compreende a mensagem oculta da traição e decide se prevenir com outro de seus discursos.
Ele convoca todos os chefes, dos paulistas e dos emboabas.
O discurso vitorioso de Albuquerque
Neste novo discurso, Albuquerque reitera a origem comum dos emboabas e paulistas,
ressaltando a importância de obedecer à lei do Rei português. Piedoso, o herói concede
indulto para todos, exceto para Manuel Nunes Viana, Frei Francisco de Meneses e Frei
Conrado, condenados ao exílio nos sertões. Estes aceitam cumprir seus desterros com franco
arrependimento e se retiram. As deidades alegóricas conspiradoras da traição vêem seu
projeto malogrado. Albuquerque pacifica o povo através do uso competente da palavra. Ele é
o herói convincente, portador da perfecta eloquentia, eloqüência perfeita, instaurando a
civilização e a moral naquela região remota. É citada também a edificação da Igreja da Nossa
Senhora da Conceição e a Igreja do Pilar.
A solenidade da fundação de Vila Rica
Canto X. No último dia da viagem, remete-se cronologicamente ao dia primeiro do
mês de julho de 1711, data representada metaforicamente nos 6 primeiros versos. Pela
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primeira vez, Albuquerque se defronta com Itamonte. O gigante cumprimenta o herói,
recebendo-o e deixando rolar de si uma rocha padrão, reconhecendo a vitória do Governador.
Essa rocha torna-se a primeira pedra usada na construção da base do pelourinho da praça da
cidade, atual Praça Tiradentes. Ela simboliza um sinal de redenção, mas também de castigo,
pelo uso que lhe é atribuído. Logo após, é descrito o relógio, a construção da cadeia, o
edifício do governo, as fontes e dos chafarizes da cidade. Albuquerque convoca o Senado para
a elaboração da carta de fundação da cidade. Valoriza em seu discurso a autoridade do Rei,
destacando a beleza das pinturas nas paredes da sala. Os quadros oferecidos por Filoponte,
 , retratam o trabalho da mineração, a agricultura, a produção da cana-de-
açúcar e do fumo, os pássaros e as feras etc. Manuel Pegado escreve o Termo de ereção da
Vila, lavrado e firmado, elevando a região à condição de vila    
o registra a data de 8 de julho de 1711. O tempo
histórico não corresponde ao tempo ficcional verossímil da composição. Albuquerque preside
o sorteio dos primeiros juízes da Câmara. Assim termina a fábula épica do Vila Rica.
Breve epílogo
O povo festeja a notícia de fundação de Vila Rica e Itamonte louva o feito do herói
Albuquerque. O poema termina com uma unidade perfeita, fechando todos os seus episódios,
retomando a tópica da imortalização da memória pela poesia. O discurso de Glauceste
Satúrnio trata da celebração da importância econômica da Capital de Minas Gerais,
personificada pelo título e pela invocação final. Com esse epílogo bem-sucedido terminam os
2696 versos conhecidos, distribuídos em 10 cantos, no épico de Cláudio Manuel da Costa.
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