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Nesse sentido, o épico determinado como um gênero de imitação poética define regras
e padrões para a invenção retórica do plano enunciativo do poema. No Vila Rica, a imitação
ou mímesis centra-se na encenação de uma ação voluntária ou intencional de Albuquerque.
Esta ação heróica causa uma singular admiração pela figuração do convencimento perspicaz
do discurso, lembrando mais o procedimento de Catão do que o de César, proporcionado, pelo
modo misto de representação dos discursos e das imagens que são teatralizadas, pela
emulação de outros discursos, o prazer, ou seja, o deleite poético, resultado da aplicação da
técnica. A admiração é singular, pois trata de um evento particular, de uma grande empresa
que depende da virtude para seu êxito, efetuando a instrução moral que excita os ânimos do
leitor discreto. A ação heróica é bela desde que seja memorável
345
, atendendo aos lugares-
comuns ou topoi previstos para o elogio
grandeza da
346
.
É comum, nessas letras, associar épica com tragédia, pois a fábula épica tem as
. Quanto à quantidade, é composta por: costumes, sentença e
elocução (ou dicção), excetuando, porém, o aparato e a melodia
347
. Assim, destaca-se muito
na epopéia o estilo e a sua perfeita aplicação.
verso heróico, por meio de uma narração dramática, de modo que cause grande admiração e prazer, e ao
mesmo tempo instrua aos que mandam e governam em que conduz para os bons costumes e para viver uma vida
feliz, e os anime e estimule as mais excelentes virtudes e esclarecidas façanhas.]. Cf. LUZÁN Y GURREA,
Ignácio de. Op. cit., loc. cit., grifo do autor; Antonio Minturno define a poesia épica da seguinte maneira:
senza Musica e senza Ballo, or narrando semplicemente, or introducendo in atto, ed in parole altrui; acciocchè e
[Imitação de ações graves e claras, das quais resulta uma história perfeita e completa e de justa grandeza,
com um estilo suave, sem música e sem dança, ou narrando simplesmente, ou introduzindo no ato, e em palavras
de outro; até mesmo pela piedade e o medo das coisas imitadas e descritas o espírito purgado de tais afetos com
maravilhoso agrado, e lucro de ele.]; Boileau também tem uma definição de poesia épica:
Lá
pour nous enchanter tout est mis en visage;/ Tut prend un corps, une âme, un esprit, un visage./ Chaque vertu
elève, embellit, agrandit toutes écloses. [De um ar maior impõe a poesia épica,/ Numa vasta narrativa de uma
longa ação,/ Apóia-se pela fábula e vive pela ficção./ Aqui, para encantar-nos, tudo é posto em visão;/ Tudo
toma um corpo, uma alma, um espírito, um rosto./ Cada virtude torna-se uma divindade/ (...)/ Assim, neste
acervo de nobres ficções,/ O poeta se ocupa em mil invenções,/ Orna, eleva, embeleza, engrandece tudo que é
pequeno.]. Cf. BOILEAU-DESPRÉAUX, Nicolas. L’art poétique, 1694, Canto III, vv. 160-165; 173-176;
Boileau salienta a relativa extensão do poema, a hipotipose, na personificação de todos os elementos naturais e,
ainda, a necessidade do uso da mitologia, entendida como elemento maravilhoso, necessário a ornamentação.
345
Cf. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Op. cit., Retórica, cap. IX, p. 60.
346
Idem, p. 64.
347
Cf. FREIRE, Francisco José. Op. cit., p. 176. A memória, elemento fundamental de qualquer discurso,
característica extremamente importante na arte retórica, para decorar os discursos a serem enunciados, na poesia
épica, fica em segundo plano, sendo utilizada para auxiliar na invenção desses costumes de personagens,
retomando os lugares-comuns ou topoi adequados ao decoro de cada um deles. No Vila Rica, a memória auxilia
na invenção da sentença da fábula épica, buscando os topoi antigos da poesia de Teócrito, Virgílio e Lucano,