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culto e um poema “matuto” estão mais presentes as diferenças clássicas, como a noção de
diálogo, de troca, de linguagens que se complementam, ou o cruzamento sociocultural,
apregoado por Canclini (2006).
De várias formas e sob vários matizes, através da obra de Patativa, é possível identificar
aquilo que Plácido Cidade Nuvens, na apresentação do livro, determinou como uma
“cosmovisão ou ideologia cabocla, desapontada com a modernização, sedenta de justiça,
marcada pela saudade, impregnada de misticismo, serviçal, disponível, leal” (ASSARÉ, 2004,
p. 13), onde o “filósofo trovadoresco
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” aprende e ensina a filosofar sem conceituar Filosofia,
apenas cantando versos, cantando a vida, a vida simples do homem sertanejo. O termo
Filosofia adentra nossa pesquisa tendo por base o conceito de Martin Heidegger (1995), o
qual afirma que filosofar seria “uma das raras possibilidades de existência criadora. Seu dever
inicial é tornar as coisas mais refletidas, mais profundas”. E assim o fez nosso poeta, ele usou
sua habilidade criadora em função daquilo que sempre considerou como possibilidade de
integração do homem sertanejo no meio social, embora com grande tendência ao
essencialismo.
Eu sou um poeta que tenho criatividade e fui um agricultor a vida toda,
vivendo da roça, fazendo a minha poesia lá, sem precisar escrever, fazendo
verso retido na memória pra depois passar para o papel... eu sempre falo com
rima. Eu sou poeta, mas tem muitos versejadores. Tudo meu, eu faço é criar,
eu crio aquele quadro, aí vou reproduzir em versos, viu? Porque o poeta... a
vantagem não é a sua beleza, a sua medida, as suas rimas, as suas sílabas
predominante não. É a verdade, é contar uma coisa toda filosófica, pois é,
justamente, minha poesia é dentro desse tema, dentro desse quadro
(ASSARÉ, 2001, p.16).
Os dados biográficos que são aqui evocados transitam entre os estudos realizados pelo
professor e pesquisador Gilmar de Carvalho (2000), pelo estudioso Tadeu Feitosa da Silva
(2003) e pelo sociólogo e professor Cláudio Henrique S. Andrade (2003). Estes biógrafos e
estudiosos de Patativa do Assaré elencam em seus trabalhos fases marcantes da vida do poeta,
e ora esses dados se confundem, ora se completam, ora se chocam. Contudo, sempre
mistificando a figura de Patativa como poeta do povo, o poeta que teve, ao longo de seu
processo criativo, sua obra encarada como “de cordel”, “popular”, “inculta”, “cabocla”,
“rústica”, “sertaneja”, “iletrada”, “marginal”. Aqui, todavia, seguirá mais uma tendência, a
“matuta”, como forma de (re)intepretar a poesia de Patativa.
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A expressão que usamos, “filósofo trovadoresco”, tem sua origem no título do livro de Patativa do Assaré
Cante lá que eu canto cá: filosofia de um trovador nordestino.