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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria José Lima
A competência social do Psicólogo: estudo com profissionais de instituições no
atendimento às famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria José Lima
A competência social do Psicólogo: estudo com profissionais de instituições no
atendimento às famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação da Profa. Doutora Ceneide Maria de
Oliveira Cerveny.
SÃO PAULO
2010
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LIMA, Maria José
A competência social do Psicólogo: estudo com profissionais
de instituições no atendimento às famílias que vivem em situação
de vulnerabilidade social / Maria José Lima. São Paulo: PUC, 2010
166 fs.
Orientador: Ceneide Maria Cerveny
Dissertação de Mestrado - Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, Psicologia Clínica, 2010.
1. Competência social. 2. Comprometimento social.
3. Contexto institucional. I. Cerveny, Ceneide Maria.
II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC, 2010.
Psicologia Clínica. III. Títulos.
Banca Examinadora
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
Dedico esta pesquisa aos profissionais que
trabalham com o contexto da pobreza, de
forma criativa e esperançosa, desenvolvendo
competências para viverem verdadeiros
encontros com essa população.
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente ao Núcleo de Família e Comunidade NUFAC da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que conforme minha expectativa se
tornou uma rica fonte de conhecimentos e reflexões, a respeito do meu tema de
interesse, a ação do psicólogo junto à população que vive em condições de
vulnerabilidade. A interlocução com os colegas e professores, a partir de
experiências e conhecimentos adquiridos, foi norteando a caminhada na construção
de minha pesquisa.
Por meio desta Universidade pude receber auxílio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq - a quem agradeço a viabilidade
econômica desses anos de estudo e pesquisa.
À minha orientadora, Professora Doutora Ceneide Maria de Oliveira
Cerveny, agradeço o acompanhamento confiante, que me deu segurança suficiente
para avançar e ousar. Além de acalmar ansiedades e transformá-las em criação,
ajudou-me a construir significados para meu percurso acadêmico, que culminou
nesta pesquisa, integrando-o à minha história de vida.
A este núcleo de estudos agradeço a oportunidade e o privilégio de ter
convivido com a Professora Doutora Rosa Maria Stefanini de Macedo, que no trajeto
de sua rica história profissional, vem se abrindo sempre para as demandas que se
apresentam aos psicólogos, especialmente no que se refere à construção do
envolvimento da Psicologia com as questões sociais. Uma fonte produtiva e
generosa de informações e reflexões para o desenvolvimento de minha pesquisa.
Agradeço ainda a Professora Doutora Ida Kublikowiski, que perante as
dificuldades e artimanhas de uma pesquisa do tipo qualitativa, trouxe sempre luz
para pensar tanto os aspectos epistemológicos como os metodológicos de uma
pesquisa. Agradeço por sua constante busca de coerência, mesmo que a custa de
alguns desconfortos, causados tanto por nossas resistências pessoais, como pela
diversidade de alunos presentes em suas aulas, vindos das mais diferentes linhas
teóricas da Psicologia.
Dentre as colegas, a inestimável e produtiva companhia da amiga Sônia
Maria de Oliveira, com quem a interlocução se estendia pelas horas de viagem, e
pelos trabalhos realizados em parceria em nossa cidade. Agradeço à generosa e
rica parceria, de quem me trouxe para o universo do pensamento sistêmico novo
paradigmático, e por sua ajuda na condução do Grupo Focal, onde atuou como co-
moderadora, de forma intensa e significativa, por seu grande interesse no tema.
Importante ajuda veio, ainda, da Professora Doutora Adriana Leônidas de
Oliveira, da Universidade de Taubaté, que compartilhou comigo sua clareza
metodológica e, principalmente, sua paixão pela pesquisa. Agradeço sua abertura e
disponibilidade.
Para a viabilização do trabalho em campo, o agradecimento inicial se dirige
à Secretaria de Desenvolvimento Social de São José dos Campos, que mediante
sua Diretora, a Assistente Social Maria Quitéria de Freitas, autorizou a aproximação
das instituições por ela cadastradas, para, a partir da aceitação de cada uma delas,
fazer contato com seus psicólogos. O agradecimento se estende às entidades que
deram seu consentimento para que a pesquisa fosse realizada com o psicólogo
ligado ao desenvolvimento de seu trabalho.
O especial agradecimento se dirige a esses psicólogos aos quais, assim
como suas respectivas instituições, não posso nomear em função do sigilo
contratado, que se tornaram os participantes desta pesquisa, sendo generosos ao
oferecer seu tempo, suas percepções, sua disponibilidade para estar com os outros
e, corajosamente, expor suas ideias e reflexões.
Agradeço também à psicóloga Patrícia Napoleone, que, gentilmente,
compôs a equipe que conduziu o Grupo Focal, como Assistente, participando de
todas as etapas com interesse e disponibilidade, contribuindo com valiosas reflexões
na reunião pós-grupo.
À parte do campo acadêmico, dirijo o agradecimento mais profundo para
meu marido Hélio Albuquerque Loureiro, cujo apoio foi além da tolerância pelas
ausências e ansiedades, e se estende para as questões práticas que viabilizam
encontros, tanto virtuais como pessoais, tendo me inserido e acompanhado nas
tarefas ligadas ao uso do computador. Companheiro de todas as horas. Agradeço
seu amor e atenção.
Aos filhos, Francisco e Rodrigo, agradeço pelo apoio que leio em seus olhos
e percebo em suas atitudes. Agradeço as preocupações com o cansaço da mãe, no
lugar das reclamações. Do filho Rodrigo a ajuda da alegria constante, fazendo crer
que tudo vale a pena; e do filho Francisco, estudante de Economia, e um pensador a
respeito das vicissitudes da desigualdade social, a ajuda de uma interlocução
apaixonada e, genuinamente, interessada, além do fundo musical vindo de seu
violão.
Ao meu sogro e à sua família agradeço a compreensão pelas muitas
ausências nas reuniões familiares em sua cidade, assim como pelo incentivo e
apoio.
À minha família de origem agradeço a construção da sensibilidade para as
questões sociais e seus exemplos de solidariedade, assim como o eterno apoio à
minha “mania de estudar”. Agradeço ao amor que nos mantém juntos e seguros em
nossas empreitadas. Ao meu pai, agradeço o aprendizado pela seriedade e
responsabilidade com o trabalho, e à minha mãe o aprendizado de poder amar e
cuidar, mesmo nos momentos mais atarefados. À minha irmã Neusa, com quem
compartilho estudo e trabalho, eu agradeço a inteligente e comprometida
interlocução. Aos demais irmãos, agradeço o grande apoio e paciência.
E, finalmente, um agradecimento à sobrinha Lívia, que trilha um belo
caminho na carreira acadêmica, partilhando comigo, o olhar de sua geração, que
pesquisa desde sempre com as lentes da Pós-Modernidade, ajudando-me a
compreender melhor a transição de quem se formou sob os pressupostos da Ciência
Moderna. Seu apoio esteve sempre presente. Aos demais queridos sobrinhos, meu
agradecimento pelo carinho e valorização.
A meus clientes com quem construo conhecimento e vínculos, e às colegas
de grupos de estudo e vivências profissionais, com quem eu construo
aprofundamentos e competências, meus agradecimentos.
E às famílias que frequentam as instituições, meus agradecimentos por sua
confiança e troca, oferecendo preciosa ajuda às construções de competências e
teorias.
Encerro este agradecimento me reportando a Deus, que de muitas formas
me conduz e me sustenta neste trabalho, fazendo-me ver a importância de se
pensar e cuidar do bem estar de todos os que estão ao nosso redor.
Meu Povo, Meu Poema
Meu povo e meu poema crescem juntos
Como cresce no fruto
A árvore nova
No povo meu poema vai nascendo
Como no canavial
Nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro
Como o sol
Na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
Menos como quem canta
Do que planta
Ferreira Gullar
Toda Poesia, 2009
RESUMO
Com o objetivo de desenvolver uma análise sobre a percepção de psicólogos
sobre sua competência para trabalhar em instituições, que atendem à população
que vive em condição de risco, esta pesquisa voltou-se para esse contexto,
explorando os recursos desenvolvidos, seus aspectos facilitadores e dificultadores,
assim como a compreensão que esses profissionais têm de sua ação, considerando
as facetas do psicoterapêutico e do social. Pesquisa qualitativa, de nível exploratório
descritivo, fez uso de um questionário de caracterização do participante e da técnica
do Grupo Focal. Os participantes foram psicólogos atuantes em instituições que
atendem à população que vive em risco social, em São José dos Campos / São
Paulo. A análise do material obtido no grupo baseou-se em algumas ferramentas
qualitativas do método de análise de conteúdo. Para a fase de interpretação, foram
utilizadas as contribuições teóricas do pensamento sistêmico novo paradigmático.
Os resultados apontam para a percepção de um lugar em construção, o do psicólogo
institucional, em busca de identidade e valorização, assim como da necessidade da
criação de competências para o trabalho nesse contexto. Os participantes percebem
suas ações como não clínicas e buscam seu lugar no social, dada as atuais
demandas de maior comprometimento em contextos de maior vulnerabilidade.
Palavras chave: Competência social. Comprometimento social. Contexto
institucional.
ABSTRACT
Aiming to develop an analysis of psychologists’ perception about their
competence working in institutions that serve the population living in social
vulnerability, this research has turned to this context, exploiting the developed
resources, facilitating and complicating factors and the comprehension that these
professionals have of their own action, considering the facets of psychotherapy and
social. Qualitative research-level exploratory and descriptive, made use of a
questionnaire of the participant and the Technical Focus Group. The participants
were psychologists working in institutions that serve the population living in socially
vulnerable in São José dos Campos / São Paulo. The analysis of material obtained in
the group was based on some tools of qualitative method of content analysis. For the
interpretation phase, we used the theoretical contributions of systems thinking new
paradigm. The results point to the perception of a place under construction, the
institutional psychologist in search of identity and enhancement, as well as the need
of building skills to work in that context. Participants perceive their actions as non-
clinical and seek their place in society, given the current demands for greater
involvement in contexts of vulnerability.
Keywords: Social competence. Social commitment. Institutional context
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Características Sócio-Demográficas dos Participantes ...................... 68
Quadro 2 - Formação dos Participantes ............................................................... 69
Quadro 3 - Experiências Profissionais Anteriores em Psicologia ......................... 71
Quadro 4 - Experiências Atuais em Psicologia ..................................................... 73
Quadro 5 - Participação em Grupos Multi ou Interdisciplinares ........................... 75
Quadro 6 - Especificação das Relações com a Comunidade Atendida ............... 76
Quadro 7 - Relações de Supervisão ou Intervisão para o Desenvolvimento
do Trabalho ......................................................................................... 77
Quadro 8 - Apoio em Linha Teórico e Técnica Específica para o Desenvolvimento
do Trabalho ......................................................................................... 77
Quadro 9 - Categorias Temáticas Construídas a partir da Análise do
Conteúdo do Grupo Focal .................................................................. 78
Quadro 10 - Categoria 1: “Motivação para o Trabalho Institucional”..................... 79
Quadro 11 - Categoria 2: “O Comprometimento Social do Psicólogo”.................. 82
Quadro 12 - Categoria 3: “A Interface com o Contexto da Pobreza” .................... 86
Quadro 13 - Categoria 4: “A Construção da Relação com a População
Atendida” .......................................................................................... 93
Quadro 14 - Categoria 5: “As Relações com a Comunidade” .............................. 98
Quadro 15 - Categoria 6: “A Atuação como Psicólogo na Instituição”..................102
Quadro 16 - Categoria 7: “Competências para o Trabalho Institucional”..............114
Quadro 17 - Categoria 8: “Metáforas para o Trabalho Institucional” ....................119
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuição dos Psicólogos entre as Instituições Conveniadas........... 65
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 14
1.1 O Problema ..................................................................................................... 18
1.2 Objetivos ......................................................................................................... 19
2 DESENVOLVIMENTO ...................................................................................... 20
2.1 Revisão da Literatura ..................................................................................... 20
2.1.1 CAPITULO I - O Pensamento Sistêmico Novo Paradigmático e a
Psicologia .................................................................................................... 20
2.1.2 CAPITULO II - Psicologia e Instituição ........................................................ 27
2.1.3 CAPITULO III - O Contexto da Pobreza e suas Representações ............... 35
2.1.4 CAPITULO IV - A Prática da Psicologia como Ação Social ........................ 47
2.1.5 CAPITULO V - A Competência Social do Psicólogo ................................... 53
3 MÉTODO ........................................................................................................... 59
3.1Tipo de Pesquisa.............................................................................................. 59
3.2 Participantes ................................................................................................... 60
3.3 Instrumentos para Coleta de Dados ............................................................... 62
3.4 Procedimento ................................................................................................. 63
3.5 Análise de Dados ............................................................................................ 64
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................... 65
4.1 A Composição do Grupo de Participantes ...................................................... 65
4.2 Análise dos Questionários .............................................................................. 67
4.3 Análise do Grupo Focal .................................................................................. 78
5 ANÁLISE GERAL...............................................................................................122
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 133
7 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 136
APÊNDICE A ........................................................................................................ 142
APÊNDICE B ........................................................................................................ 145
APÊNDICE C ........................................................................................................ 147
APÊNDICE D ........................................................................................................ 155
APÊNDICE E ........................................................................................................ 163
APÊNDICE F ........................................................................................................ 165
14
1 INTRODUÇÃO
A Psicologia brasileira tem avançado na construção de sua identidade,
impulsionada por uma série de fatores, vivendo as ressonâncias de um mundo pós-
moderno tanto em sua prática, que se depara frente a frente com o novo, como em
sua construção teórica, que lida com a emergência dos novos paradigmas da ciência
contemporânea. Dentro de um clima de mudanças, um importante movimento se
constrói na direção de um compromisso social, culminando com a orientação de
nossos órgãos representativos no sentido de se “fortalecer os vínculos do exercício
profissional com as necessidades sociais”, conforme deliberação do VI Congresso
Nacional de Psicologia (Brasília, 2007).
O mesmo movimento se na Psicologia Latino Americana, e mesmo para
além das fronteiras da América do Sul, onde pesquisadores vêm nas últimas
décadas, apontando a necessidade e o desafio de novas formas de atendimento
psicológico, quando se trata de trabalhos junto à população pobre.
Essa é uma necessidade que se impõe tanto frente à sensação de
incompetência do profissional perante as demandas do contexto social, como frente
à imobilidade ou mesmo o agravamento das condições de vida e, portanto, da saúde
mental dessa população, apesar das inúmeras intervenções profissionais. São
constatações advindas da inserção do psicólogo junto à rede pública de atendimento
à população, desde a década de 80 do último século, que inaugura uma nova
demanda para esse profissional, agora no encontro com a realidade da pobreza e
suas consequências na saúde mental dos cidadãos.
É perante esse desafio que emprestamos o termo competência da
Psicologia Organizacional, mas, não como um conjunto de requisitos definidos a
partir do desenho de um cargo, e sim como um “conjunto de conhecimento,
habilidades e atitudes” (FLEURY; FLEURY, 2000, p.185) que possa dar conta da
complexidade e imprevisibilidade do mundo globalizado. Uma competência que
envolve a capacidade de “transformar os conhecimentos práticos e teóricos
adquiridos, quanto mais aumenta a complexidade da situação” (ZARIFIN, 1999,
apud FLEURY; FLEURY, 2000, p. 187).
Acoplada à idéia de transformação, juntamos à competência o conceito do
social - “Competência Social” -, alicerçado na crença da possibilidade de se “produzir
15
mudanças significativas na sociedade a partir de uma ação mais competente em
cada espaço profissional” (RIOS, 2004, p.10). E passamos a tratar aqui neste
trabalho de pesquisa, a respeito da competência social do psicólogo para atuar
efetivamente nesse campo de trabalho.
A Psicologia Clínica não fica à parte desse movimento. Também aos clínicos
que atuam em instituições se vem pedindo que “construam estratégias e alternativas
de atendimento às populações de risco social”, como preconizado pelo referido VI
Congresso Nacional de Psicologia.
Parte-se da premissa, no entanto, de que nem aos psicólogos clínicos, nem
aos das demais áreas de atuação da Psicologia que chegam às instituições, m
sendo oferecidos subsídios teóricos (de formação) e práticos (de estágios) para essa
prática.
Uma segunda reflexão que sustenta nossos objetivos é a de que, a maioria
desses profissionais vem da clínica privada e/ou formados em Faculdades que não
promovem essa vertente de atendimento para o trabalho em instituições. Resta,
portanto, a esses profissionais a tarefa de se articular a um novo lugar, buscando
novos referenciais teóricos, abrindo-se para repensar uma prática consolidada
dentro dos enquadres da psicologia clínica tradicional.
Afinal, ao contrário do psicólogo social, o psicólogo clínico normalmente não
está preparado para ter as questões sociais e suas relações inerentes, como objeto
de análise e intervenção. Mas o trabalho em Clínica e em Instituição e,
principalmente da Clínica Psicológica nas instituições, apoiado nas contribuições do
Pensamento Sistêmico quanto à apreensão do mundo a partir de sua complexidade,
compreendendo os acontecimentos em relação aos contextos em que ocorrem, tem
favorecido a emergência de questões relativas à especificidade dessa clínica, no
encontro com o contexto de vida da população atendida por essas instituições.
Minha própria experiência institucional, tanto de ensino como de supervisão
de profissionais que atuam nessas condições, mostra uma realidade social que
invade as quatro paredes do enquadre clínico e cria inquietações teóricas, práticas e
éticas a respeito da atuação clínica.
O profissional, que nessa realidade se dispõe a trabalhar o contexto e em
contexto, recebe também como objeto de estudo originalmente da Psicologia Social
e da Sociologia, a família, que passa a ser vista como categoria de análise e
intervenção clínica.
16
Esta atenção à família também responde às demandas de nossas Leis de
apoio à Criança e ao Adolescente (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) que
privilegiam o lugar da família como fonte primeira do desenvolvimento saudável.
Assim como responde ao preconizado pelas leis de proteção social, conforme
disposições da Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS, que, ao buscar uma
atuação mais próxima das necessidades e prioridades da população, prevê o
fortalecimento da família, abandonando um modelo assistencialista, que acabava
por potencializar sua dependência, fragilizando-a.
Assim, a atuação psicológica não tem transitado entre o privado e o
público, como também entre o individual e o grupo familiar e a comunidade que o
cerca. Um trânsito que parece estar favorecendo quebras de dicotomias, entre elas a
polarização individual/social, vistas como se fossem objetos diferenciados das
diversas áreas de atuação da Psicologia. Uma quebra que pode conduzir ao
repensar tanto do que seria o individual, como do social, e que pode contribuir para
a construção da competência social do psicólogo.
Esse lugar, o do encontro do profissional com diferentes realidades, coloca-
se como um lugar privilegiado de encontro com as diferenças. Desde as de classe
social, até as inerentes à constituição e desenvolvimentos das famílias, como as
diferentes fases do Ciclo Vital Familiar - o desenvolvimento da vida familiar
compreendido em suas diferentes fases evolutivas - ou de gênero ou de papéis
familiares.
É desse lugar do psicólogo, que imaginamos o novo, que queremos tratar
neste trabalho, colaborando no conhecimento tanto da atuação como das reflexões
desse profissional que, em nossos dias, em suas rotinas de trabalho, vem
construindo um saber e uma prática que aliam o atendimento psicológico às
questões sociais.
A relevância social deste projeto de pesquisa constrói-se a partir da
importância do desenvolvimento de um psicólogo competente socialmente, mais
comprometido com a promoção de mudanças significativas na vida das pessoas e
suas famílias, saindo das amarras de uma atuação assistencialista que, ao contrário,
mantém as pessoas em sua condição.
A relevância científica pode ser vista na possibilidade de seus resultados
colaborarem com pesquisadores que trabalham com a formação do psicólogo, no
sentido de pensar uma formação mínima que melhor atenda às tendências atuais da
17
Psicologia brasileira de um maior compromisso social, no que se refere ao
desenvolvimento de sua competência para o trabalho com a diversidade cio
cultural, e o compromisso com a justiça social. Assim como também contribuir com
aqueles que estudam a atuação psicológica no que diz respeito a sua efetividade
como ação terapêutica, em seus diversos campos.
Esta pesquisa, à medida que pretende conhecer mais de perto a atuação
desse profissional, pode contribuir para a sistematização e o avanço de um trabalho
mais eficiente com esta população, aumentando as chances de quebra do chamado
“Ciclo da Pobreza” (OLIVEIRA, 2003, p.35), que leva à mendicância e ao
consequente aniquilamento da vida familiar.
Podem sair ganhando, portanto, o profissional - mais competente - e a
população atendida, vivenciando reais possibilidades de uma qualidade de vida mais
ativa como sujeito de direitos.
Para nos ajudar nesse caminho de reflexão, para pensar nesse encontro -
psicólogo e instituições que atendem população que vive em condições de
vulnerabilidade - partiremos das contribuições teóricas apresentadas no Capítulo I,
que nos leva a pensar o impacto dos novos paradigmas da Ciência Contemporânea
sobre a Psicologia, mediante as contribuições do Pensamento Sistêmico Novo
Paradigmático. São vozes que, ao entender a realidade como uma construção
social, abrindo espaço para o trabalho com a complexidade, levam ao repensar da
competência do terapeuta.
O Capítulo II aborda a inserção do psicólogo junto às instituições,
principalmente as da Rede Pública de atendimento, desde seu histórico, marcando o
impulso oferecido pelas novas leis de proteção ao bem-estar da população, tendo
como cenário as contribuições do pensamento pós-moderno apresentados no
capítulo anterior. O panorama descrito aqui revela os desencontros vividos nessa
inserção, tecendo uma análise desse contexto, considerando desde a falta de
formação do profissional, até a resistência da própria instituição. Um contexto de
desafios e inquietações perante a realidade da pobreza e suas demandas.
A interface com a saúde pública possibilita uma aproximação do conceito de
promoção da saúde, que traz em seus pressupostos a contextualização do bem-
estar, reconhecendo seus engendramentos sócio-econômicos, trazendo novas
demandas para os profissionais que atuam neste contexto. Novas demandas que
18
ganham referências técnicas especiais, apresentadas nesse capítulo, nos dando a
dimensão do momento vivido pela categoria.
A condição de trabalho na interface com a pobreza cria a necessidade de
que se conheçam suas representações, análises, definições, classificações, assim
como os pressupostos que os amparam. O Capítulo III traz contribuições teóricas a
esse respeito, marcando uma tendência de avaliações que, com as lentes da
complexidade, passam a considerar o processo vivido dentro do chamado ciclo da
pobreza, abrindo caminho para o seu empoderamento, e reconhecimento de seus
próprios recursos. Conhecer melhor as possíveis formas de pensar esse universo
pode ajudar o profissional a construir encontros que sejam efetivos na promoção de
mudanças significativas na vida dessas famílias, que até então dependem da ajuda
institucional.
A partir desse conhecimento, o Capítulo IV se dedica a apresentar um pouco
do que vem sendo pensado e construído na prática contemporânea da Psicologia
em contexto de pobreza, trazendo reflexões a respeito do que seria a prática da
Psicologia como uma ação social. Importante contribuição, para pensar essa ação,
vem dos teóricos ligados ao Pensamento Sistêmico Pós-moderno, especialmente
quando colocam o foco nos significados construídos na relação, e na legitimação do
outro, destacando a presença das questões éticas no desempenho profissional.
Finalmente o Capítulo V, a partir da consideração das novas demandas
delineadas nos capítulos anteriores, passa a falar de novas competências,
construindo uma reflexão e definição do que seria, para os propósitos desta
pesquisa, a competência social do psicólogo. Antes, porém, delinearemos o
problema e os objetivos da pesquisa.
1.1 O Problema
Como os psicólogos percebem sua atuação junto às instituições que atendem
a população que vive em situação de risco social na região de São José dos
Campos, perante as demandas de um maior comprometimento social?
19
1.2 Objetivos
Geral:
Desenvolver uma análise sobre a percepção dos psicólogos em torno de sua
competência para trabalhar em instituições que atendem à população que vive
em condição de risco.
Específicos:
1- Analisar o contexto de trabalho do psicólogo participante, a partir da
construção de recursos na instituição em que atua.
2- Investigar como os psicólogos participantes desta pesquisa entendem sua
ação terapêutica no contexto institucional.
3- Conhecer e refletir sobre quais os aspectos percebidos por eles como
facilitadores ou dificultadores para o desenvolvimento de seu trabalho.
4- Investigar sobre como vêm sendo desenvolvidas e significadas, as relações
do psicólogo participante com o contexto social da população atendida.
5- Investigar sobre o comprometimento social desse psicólogo na construção de
suas ações e relações com essa população.
6- Conhecer e refletir sobre os conhecimentos, habilidades e atitudes que vêm
sendo construídas e, principalmente avaliadas como úteis para uma atuação
socialmente comprometida.
20
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Revisão da Literatura
2.1.1 CAPÍTULO I - O Pensamento Sistêmico Novo Paradigmático e a
Psicologia
O desenvolvimento do Pensamento Sistêmico Novo Paradigmático tem se
dado dentro da transição da Ciência para uma Ciência s Moderna, alimentando-
se dos paradigmas emergentes da ciência contemporânea que tem como principais
pressupostos a complexidade, a instabilidade e a intersubjetividade, três dimensões
epistemológicas apontadas por Vasconcellos (2002) como um avanço perante o
paradigma tradicional da Ciência que teria como principais pressupostos, a
simplicidade, a estabilidade e a objetividade.
A complexidade aplicada aos sistemas humanos, em oposição à
simplicidade, que favorece um recorte ou uma leitura das relações causais lineares
de um determinado fenômeno, trabalha por sua vez com a contextualização do
problema trazido para atendimento, com o foco nas relações entre os membros
envolvidos.
Trabalhar com o pressuposto da instabilidade, que envolve considerar e
assimilar o constante movimento e a imprevisibilidade do sistema permite e desafia o
profissional/pesquisador a abrir mão do conforto do pressuposto da estabilidade, que
traz consigo a crença em um mundo estável e previsível.
O terceiro desafio que envolve o par objetividade/intersubjetividade
questiona a crença de que a Ciência possa encontrar verdades absolutas, ou de que
seja possível conhecer a realidade tal como ela é. Trabalhar com o pressuposto da
intersubjetividade é favorecer a criação de um contexto que permita a chamada co-
construção - profissional/cliente!- de uma solução para as questões trazidas para o
atendimento.
Santos (1983) em artigo sobre essa transição - para uma ciência pós-
moderna - aponta-nos as dificuldades das Ciências Sociais de se “[...]
compatibilizarem com os critérios das Ciências Naturais” (p. 46). Seus esforços
nesse sentido, o da Psicologia por uma validação científica, por exemplo, podem tê-
21
las limitado e empobrecido em seus objetivos tanto da prática profissional como da
pesquisa. Mas os avanços apontados acima estariam favorecendo “a superação da
dicotomia Ciências Naturais/Ciências Sociais”, tendendo a “re-valorizar os estudos
humanísticos”. Lembra, contudo, que para tanto “as humanidades precisam, elas
também, ser profundamente transformadas” (SANTOS, p. 63).
Com essa consideração abre-se caminho para pensarmos o impacto desse
novo movimento dos paradigmas da Ciência sobre a Psicologia, e para
compreendermos as contribuições do Pensamento Sistêmico perante as demandas
de transformações para as humanidades.
Para pensar a Psicologia e a Pós-Modernidade recorro inicialmente a Kvale
(1992) que quando disserta sobre as contradições entre os dois termos - Psicologia
e Pós-Modernidade - por ser a Psicologia um “projeto da Modernidade” (p. 32)
voz às minhas questões no percurso de minha carreira como psicóloga. Ao construir
meu projeto de pesquisa, a partir de uma formação baseada em pressupostos da
Ciência Moderna, em um mundo em transição, com o propósito de desenvolvê-lo
dentro de uma perspectiva pós-moderna, de fato deparo-me com muitas
contradições, que a Universidade tem me ajudado a nomear e pensar.
Uma ajuda acadêmica que se efetiva, via de regra, por dar voz à minha
prática, pois, é primeiro a prática que se confronta com um mundo pós-moderno,
diferentemente da teoria psicológica que, como afirma Kvale (1922, p. 21), ainda se
encontra “entrincheirada na Modernidade”. É a “prática profissional que tem que
enfrentar a vida humana na Pós-Modernidade” (p. 52) confrontando-se, seja no
campo do atendimento privado, de consultório, ou do institucional, com as
instabilidades e conflitos de valores de um mundo que cada vez mais escancara sua
complexidade.
Estarei aqui me referindo à complexidade, de acordo com definição
desenvolvida por Macedo; Kublikowski; Santos (2004), que trata desse ponto de
vista como aquele que “concebe o universo de forma sistêmica, constituído por
unidades complexas, em relações organizacionais, das quais emerge o acaso, de
forma imprevisível” (p. 2).
Chamadas a lidar com a complexidade, a prática e a pesquisa no campo da
Psicologia, vivendo a angustiante e ao mesmo tempo revolucionária “perda da em
um mundo objetivo”, são pensadas por Kvale (1992, p. 32) que, refletindo sobre o
atual status intelectual da Psicologia afirma que ele é “nebuloso” (p. 45), referindo-se
22
a controvérsia sobre a Psicologia como uma Ciência Natural ou Humana. Mas não
seria justamente a complexidade que nos faz desconstruir ou “superar” (SANTOS,
1983, p. 62) a dicotomia das ciências?
Pensar a complexidade tem sido a grande contribuição do pensador
contemporâneo Edgar Morin para refletirmos sobre a contemporaneidade de forma a
lhe dar algum sentido, de compreendê-la e descortinar novas possibilidades ao invés
de ficarmos estagnados pela aparente barbárie dos novos acontecimentos. Como
psicólogos somos naturalmente chamados a responder (um chamado pertencente
ao mundo moderno) às questões relacionais advindas de um mundo que não
conseguimos compreender pelos antigos paradigmas, como afirma Marcati (1991, p.
7) trazendo a imagem de “um buraco entre os acontecimentos e a possibilidade de
compreensão destes acontecimentos, um hiato cada vez maior”.
Morin (1997, p.44) aponta-nos um caminho que a partir da metáfora daquilo
que “é tecido junto”- o complexus - pensa um mundo onde tudo estaria conectado,
numa rede relacional e interdependente. Um pensamento que integra e une
(diferenciando-se do pensamento reducionista e disjuntivo), onde as incertezas e as
contradições ganham um novo lugar. É justamente esse pensamento integrador que,
para mim, ampara a consideração de que a Modernidade não é algo a ser vencido
ou ultrapassado. Ela “permanece conosco”, alerta-nos Kublikowski (2001) em sua
tese, libertando-nos de um jogo de oposição como se tivéssemos que escolher
nosso time! A autora lembra que a Pós-Modernidade pode ser entendida como um
momento em que “a mente moderna avalia seu desempenho”. Ela nos fala de uma
transição que “abre a modernidade ao olhar”, referindo-se também a Morin e sua
preocupação com o pós-modernismo entendido de uma forma pobre, associada a
progresso.
E quais as consequências, os efeitos ou as ressonâncias dessa nova onda
sobre a Psicologia em seus diferentes contextos de intervenção?
Grandesso (2000, p.54) disserta sobre esta questão, em sub-capítulo
intitulado “A virada pós-moderna na psicologia”, apresentando inicialmente uma
análise concisa e clara de como se configurou a Psicologia e suas ações “sob o
projeto epistemológico da modernidade”. Movida por métodos lógicos e empíricos
dedica-se a buscar leis gerais do comportamento que possam ser validadas e
replicadas como qualquer fenômeno da natureza. Parece ter sido necessário nessa
fase do desenvolvimento da Psicologia como Ciência, pensar o ser humano e suas
23
relações como se pudessem ser conhecidos assim como são, independentemente
do observador e do ato de pensar.
Neste contexto as “metanarrativas sobre a condição humana” foram sendo
construídas e utilizadas como “representações de verdades gerais sobre a realidade
das pessoas” (GRANDESSO, 2000, p. 54). Assim como os critérios diagnósticos e
os métodos padronizados de tratamento. Essa tem sido nossa imagem, nossa
identidade para uma condição de especialistas. Psicólogos são chamados a dar
diagnósticos, prognósticos, interpretações, orientações, conselhos. E sabemos que
muito de bom e útil foi construído perante essa demanda. Ajudas efetivas foram e
são realizadas. Mas para nossos tempos atuais novas demandas emergiram.
Tempos pós-modernos!
As teorias o perdem seu valor. O que vem sendo repensado é seu uso,
tanto no mundo acadêmico como na rotina das intervenções psicológicas em seus
diferentes contextos. Vistas a partir dos paradigmas emergentes da ciência
contemporânea essas teorias não podem mais ser utilizadas de forma reificada,
como se tratassem de “realidade externa preexistente” (GRANDESSO, 2000, p. 55).
Essa autora traz o termo “verdades narrativas” no lugar das “verdades históricas”,
considerando-se que não se busca mais pelos fatos determinantes de uma história e
sim pelos significados construídos “nos espaços comuns das pessoas em relação
(grifo nosso), ou seja, na intersubjetividade.
Entender o conhecimento como estando “sob o domínio do intersubjetivo”
leva-nos conseguintemente a repensar o lugar/papel do especialista psicólogo.
Juliana Aun, que no texto de apresentação do livro de Vasconcellos (2002, p. 09)
chega a afirmar: “Não sei dizer se continuo psicóloga”, em recente artigo (AUN,
2007, p.37) sobre “uma nova identidade do profissional que lida com as relações
humanas”, considera que perante a “evolução da ciência” essa identidade teria
ficado “totalmente abalada”. A partir de uma posição construtivista (avaliada por ela
como estando dentro da “terceira dimensão do pensamento sistêmico novo-
paradigmático” (p.38), ponta a necessidade de revisão de nossas práticas, lançando
a pergunta: “Se a realidade é entendida como uma construção social, em quê o
especialista é profissional? Sua resposta nesse mesmo artigo articula-se com
Goolishian e Winderman, definindo a identidade do especialista em atendimento
sistêmico como a de um “construtor de contextos” (p.40).
24
Vasconcellos (2007, p. 61) desenvolve sobre o profissional “construtor de
contextos” em texto intitulado “O profissional novo-paradigmático, sua prática, sua
ética”, afirmando que o profissional se “libera” de sua identidade tradicional de
“promotor de cura” para assumir a função de promover conversações
transformadoras”, marcando uma mudança de postura sistêmica de primeira ordem
para a de segunda ordem, mudança que, basicamente, põe em cheque a
possibilidade de existir um profissional/observador neutro. Esse profissional ao
trabalhar com a complexidade, a instabilidade e a intersubjetividade, estará fazendo-
as “emergir ao distingui-las” (p. 63).
Adotar o pensamento sistêmico vem se articulando, portanto, em ações que
podem “propiciar a mudança, sem ser o autor da mudança” (AUN, 2002, p. 9).
Quem sai ganhando é a tão desejada autonomia da(s) pessoa(s) envolvida(s) no
atendimento ou intervenção psicológica. Nesse novo cenário que vai se delineando
para o psicólogo podemos começar a vê-lo como agente de transformação social”,
a forma como a Psicologia da Pós-Modernidade define esse profissional, segundo
Grandesso (2000, p. 55), sendo esse agente “constituído pelo pessoal, político e
profissional”. É a neutralidade antes almejada para esse profissional que é
desconstruída, implicando-o, a partir de então, em uma “ética das relações” (p. 55).
Outro ponto levantado por Grandesso nesse texto como parte de uma
Psicologia da Pós-Modernidade é o fato de não poder se sustentar mais uma “visão
essencialista do self” (p. 55). Numa visão pluralista passa-se a compreender os
“selves” como em “constante processo” (p. 56), construídos nas relações com
pessoas significativas presentes nas experiências vividas. Vislumbro aqui a
liberdade de ambos, psicólogo e cliente(s) no tocante à tarefa de encontrar a
essência do outro ou de si mesmo.
No entanto, tal afirmação não deve ser compreendida como a primazia do
social sobre o individual. É a própria Grandesso (2000) quem nos alerta para a não
oposição entre o individual e o social. Advogando pela sua interconstituição,
recorrendo a Maturana, considera que “insistir no social significa desconsiderar a
legitimidade do indivíduo, e insistir no indivíduo implica desconsiderar a legitimidade
do social” (p. 106). Para tratar dessa interconstituição pelo olhar da complexidade
recorre ao “círculo hermenêutico de interpretação-ação” (p.107), apoiando-se no
pensamento de Fruggeri (1992): “[...] as crenças mantidas pelos indivíduos
25
constroem as realidades, e estas são mantidas pela interação social que, por sua
vez, confirma as crenças que se originam socialmente”.
A construção da realidade configura-se, do ponto de vista da complexidade,
portanto, como “um processo individualmente cunhado e socialmente legitimado, em
um processo recursivo entre indivíduo e cultura” (MACEDO; KUBLIKOWSKI;
SANTOS, 2004, p. 2). Essas autoras, em artigo sobre a Interpretação em Pesquisa
Qualitativa, reúnem em seu texto reflexões vindas da visão sistêmica, da
complexidade e da hermenêutica, ajudando-nos a compreender quem seria a
pessoa que emerge desta visão do mundo, descrita por elas como “co-autora de sua
biografia” (p.02). Resta a nós psicólogos, que partilhamos dessa visão de mundo,
em nossa tarefa de compreender seres humanos e suas relações, lidar com
“biografias em perpétua transformação” (p. 03), ou seja, “entender suas experiências
e atos intencionais, em um processo que é possível pela participação em
sistemas culturais de interpretação” (p. 03).
Anderson e Goolishian (1993) afirmam que a “competência do terapeuta”
está justamente na “habillidade em participar desse processo” (p. 11). Para tal tarefa
apresenta-se como de grande valia o marcante texto desses autores que, também
dentro de uma visão hermenêutica interpretativa, trata do lugar do terapeuta “a partir
de uma posição de NÃO SABER” (p. 11), intitulado, de forma instigante e até mesmo
provocativa (para quem ainda atua de acordo com os pressupostos epistemológicos
da Modernidade) “O Cliente é o Especialista”. Suas reflexões abrem caminho para
um novo lugar do psicólogo/terapeuta de forma mais coerente com o mundo
contemporâneo, à medida que enfatizam a “mudança contínua, o desenvolvimento e
as bases dialógicas da história do self” (p. 11). Mexem com o talvez confortável lugar
para uns, ou inquietante para outros, de uma atuação (compreensão/interpretação)
baseada em “narrativas teóricas pré-assumidas” (p.13).
Dentro de uma postura dialógica, descrevem o processo de terapia como
uma conversação terapêutica onde “terapeuta e cliente participam no
desenvolvimento de novos significados, novas realidades e novas narrativas”
(ANDERSON; GOOLISHIAN, 1993, p. 12), amparados na postura filosófica
hermenêutica que sustenta que “qualquer compreensão é sempre interpretação”.
Dentro de um processo chamado de colaborativo de exploração mútua, o terapeuta
deve estar “em permanente continuidade com a posição do cliente e atribuir
prioridade a sua visão de mundo, significados e compreensões” (p.13). O que se
26
aqui, portanto, é não o posicionamento do cliente com suas histórias e redes de
significados, em lugar priorizado, como o posicionamento de terapeuta dentro do
círculo de significados, o “círculo hermenêutico”.
A posição do não saber atribuída ao terapeuta traz-nos novamente a
questão sobre qual seria, então, a utilidade do conhecimento adquirido do
profissional. Os autores respondem que trabalhar desde este lugar “não é
julgamento sem base ou sem experiência”, pois o que se traz, iniciando a instalação
do círculo hermenêutico, é justamente o “conjunto de suposições de significados”
que o profissional traz consigo. Estando, portanto, o terapeuta “pré-concebido”, deve
cuidar para que a sua experiência anterior “não o impeça de atingir o significado total
das descrições que o cliente traz de suas experiências” (p. 13).
É desse desafio para o profissional que trata o texto de Macedo (2001) - de
grande importância na motivação para o desenvolvimento desta pesquisa - ao
abordar a questão do trabalho com a diversidade cultural, que nessa visão do cliente
como especialista, revela-se um ponto fundamental para uma atuação com
compromisso ético, ao se preocupar com “o mais sagrado dos direitos de cada um:
não ser alienado de si mesmo...” (p. 46). A partir de posições epistemológicas
compatíveis dentro do paradigma pós-moderno, aliados às visões sistêmicas
construcionista social e construtivista, penso que ambos nos fazem refletir sobre a
dimensão política do trabalho do psicólogo, contribuindo para pensar o conjunto de
habilidades, atitudes e conhecimentos demandados pelas questões da
contemporaneidade.
Para ajudar a pensar, dentro dos propósitos deste capítulo, um possível
novo lugar do psicólogo no mundo contemporâneo, destaco desse artigo (MACEDO,
2001) as considerações dessa professora no sentido de que o profissional, no lugar
de quem constrói junto com o cliente, precisa não apenas conhecer suas “lentes
culturais” como também “compreender e aceitar sua identidade cultural”, para que se
desvencilhe de possíveis ambivalências. Dentro desse auto-escrutíneo aponta
ainda a necessidade de reflexão a respeito do “significado pessoal do poder”. A
pergunta que se delineia é: Como o profissional se relaciona com o poder? Devendo
esse poder ser considerado em diversos níveis, inclusive, o intelectual/profissional.
Sugere que o poder profissional seja usado “para assegurar-lhe o senso de
competência na medida necessária para a realização de seu ofício, e não para
reforçar o sentimento de incompetência e impotência dos que buscam sua ajuda” (p.
27
42, 43 e 44). A preocupação contida nesta questão conecta-nos com os capítulos
seguintes que passam a focar o atendimento às famílias em situação de risco, em
instituições.
Antes, porém, cabe aqui relatar, exemplificando a convivência com a
complexidade em nossa vida profissional e acadêmica, experiência vivida, como
alunos de Mestrado e Doutorado do NUFAC - PUC SP, dentro da disciplina
ministrada por Prof
a
. Ceneide M. de O. Cerveny intitulada “A intergeracionalidade e
sua influência na produção do conhecimento”. O próprio título dá como certa a
não neutralidade do pesquisador. A disciplina propõe um trabalho que favorece o
auto-escrutíneo do profissional referente às suas possíveis ligações com os padrões
interacionais familiares, que “refletem e contém a maneira como o indivíduo
experiencia a realidade” (CERVENY, 2000, p. 145). Deparamo-nos aqui com um
pesquisador que “não tem que se despir de sua história” (LIMA; OLIVEIRA, 2009,
p. 02).
Dentro da cultura da complexidade, a metáfora para o universo não mais se
apresenta como a mecânica do relógio. É o universo “como rede” que vem dar conta
de “uma outra forma de conceber o social” (NAJMANOVICH, 1998, p. 59), onde o
conhecimento é visto como “o resultado da interação global do homem com o mundo
a que pertence”. A metáfora da rede revela-se útil para visualizarmos o
profissional/pesquisador em sua produção de conhecimento não podendo se
desconectar de suas “próprias categorias de conhecimento”, assim como sua
história, experiências e sensações (p. 63).
Esta contribuição de Najimanovich vem encerrar este capítulo trazendo a
visão do “sujeito complexo”, o mais visto como “meramente um indivíduo” e sim
como o que “só advém como tal na trama relacional de sua sociedade” (p. 64). É
com este sujeito e da trama relacional da qual faz parte, em um universo em
evolução, que a Psicologia da Pós-Modernidade é chamada a atuar e a construir
conhecimento.
2.1.2 CAPÍTULO II - Psicologia e Instituição
Essa “outra forma de conceber o social” (NAJMANOVICH, 1998, p.59) vem
ganhando lugar na práxis psicológica, que no Brasil se depara com um recente
28
movimento de inserção do profissional psicólogo junto à Rede Pública de
atendimento à população, assim como junto às chamadas Organizações Não
Governamentais, gerando novas e inquietantes questões para o psicólogo que
passa a se ver “diante de uma série de questões político sociais, que atravessam o
fazer psicológico e apontam para o caráter alienante das práticas tradicionais”
(ANDRADE, 1999, p. 66).
Nessa afirmação, Andrade nos traz dois importantes pontos deste momento
na vida desse profissional: o fato de se deparar com um contexto social e político
inerente à saúde pública, que não fazia parte de seu universo de ações; e o fato de
se deparar com os limites de sua formação profissional para ações efetivas nesse
contexto. Mejias, em 1984, ano da fase inicial dessa nova demanda para o fazer
psicológico, em artigo justamente sobre o contato entre a Psicologia Clínica e a
Saúde Pública, traz os pontos de divergências (p. 157), que se revelam no encontro
desses dois universos, reportando-se a Singer e Kantz (1982) para tratar da
divergência quanto ao “enfoque do problema”. Esses autores mostram que até então
enquanto a Saúde Pública vinha se dedicando à chamada Prevenção Primária,
cuidando da sociedade por meio de políticas sociais e de saúde, a Psicologia vinha
cuidando mais dos aspectos secundários e terciários dos problemas de saúde,
voltando-se para o indivíduo.
Mejias discorre sobre uma “psicologia associal”, com “objetivos muito
estreitos”, que evitariam “questões relativas à política de saúde” (p. 157). Como
saída para esse impasse aponta a Psicologia Comunitária como resposta, não
como meio de tornar o atendimento psicológico “mais acessível e útil a uma faixa
mais ampla da população” (p. 155), como também um meio de se conhecer o “dia a
dia e os valores” da comunidade (p. 157). Traz a prevenção para o campo da
Psicologia, para além das questões de diagnóstico/prognóstico/tratamento, como
uma forma de “ajudá-los a reconhecer sua própria responsabilidade” relativamente à
sua saúde mental e orgânica.
No entanto, estudiosos da Saúde Coletiva, como mencionados por Westphal
(CAMPOS et al, 2007), passam a fazer considerações e críticas a respeito de
abordagens associadas à educação e prevenção de doenças, que estariam
associadas à uma forma “higienista, normatizadora, de cima para baixo” (p. 644) de
ação. Em importante livro intitulado Tratado da Saúde Coletiva, trazem capítulo de
Westphal (2007, p. 635) que introduz, desde um histórico das práticas de saúde, o
29
conceito de promoção da saúde, como alternativa ao paradigma biomédico “vigente
e hegemônico até hoje”, apresentado como uma visão que, excluindo as influências
do ambiente físico e social, veria a saúde como ausência de doença”, priorizando a
“natureza biológica da doença” (p. 638). Embora reconheça todos os avanços
associados a este paradigma, afirma que “não deram e nem estão dando conta dos
efeitos das mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas deste começo de
século” (p. 638).
O conceito de Promoção da Saúde busca considerar os determinantes
sociais do processo saúde/doença, reconhecidos ao longo da história da civilização
em diferentes momentos, para trabalhar mais efetivamente com o aumento da
pobreza e a dificuldade de reversão da situação, que “a Modernidade não cumpriu
sua promessa de desenvolvimento social” (p. 638). A Carta de Ottawa, considerada
pela autora “o documento mais importante como marco conceitual da Promoção da
Saúde” (p. 648), traz um conceito de saúde que a meu ver, deixa definitivamente
explícito nosso envolvimento, como psicólogos, no campo da saúde pública,
afirmando que “Para um completo bem estar físico, mental e social, um indivíduo ou
grupo deve ser capaz de identificar e realizar aspirações, satisfazer necessidades e
mudar e se adaptar ao meio”.
Na América Latina, desde a Conferência de Bogotá, em 1992 - Primeira
Conferência Latino Americana de Promoção de Saúde - firma-se, segundo a autora
“o discurso da Promoção da Saúde como produção Social” (p. 652). Princípios
definidores da prática a partir dessa perspectiva são extraídos das páginas dessas
conferências, e assim apresentados resumidamente: “Um privilegiamento da visão
holística de saúde e da determinação social do processo saúde doença, da
equidade social como objetivo a ser atendido, da intersetorialidade e da participaçào
social para o fortalecimento da ação comunitária e da sustentabilidade...” (p. 652).
Finaliza o capítulo indicando “Campos de Ação da Promoção da Saúde”
(p. 658), colaborando enormemente com os profissionais psicólogos que se
aventuram a partir para um novo campo de trabalho, que na interface com a saúde
pública, instigam os entrelaçamentos disciplinares. Esses campos iniciam com
Políticas Públicas saudáveis, definidas como “todas as que têm potencial para
produzir saúde socialmente” (p.658); seguidas de Reforço da ação comunitária, no
sentido de uma maior participação social na elaboração e controle das ações (o
empoderamento da comunidade); da criação de espaços saudáveis, que apóiem a
30
promoção da Saúde; o desenvolvimento de habilidades pessoais, referindo-se ao
desenvolvimento de estratégias que capacitem os indivíduos; e finalmente indicam o
campo da reorientação dos serviços de saúde.
O conceito de saúde que daí emerge, considerada de forma “holística,
multideterminada, processual e ligada a direitos sicos do cidadão” (p. 659),
mostra-se em sintonia com os desafios da Pós-Modernidade e, portanto, com
maiores chances de responder às demandas atuais de saúde física e mental. Dentro
desse movimento de redefinições, Mejias (1984), mesmo utilizando ainda o conceito
de Prevenção, e não de Promoção, estava apontando para importantes pontos
dessa redefinição, enquanto tecia críticas a uma “psicologia associal” (p.157),
indicando os caminhos da Psicologia Comunitária.
Este frutífero ano de 1984 na história da Psicologia traz também reflexões de
Macedo que, em livro do qual participou também como organizadora, intitulado
“Psicologia e Instituição: novas formas de atendimento”, produz um capítulo que
analisa a relação da Psicologia Clínica “com a sociedade e as classes sociais”
(p. 12), propondo a discussão de seu conceito. Constata uma prática até então
voltada para as demandas das classes mais privilegiadas, afirmando, assim como
Mejias (1984), que as reais necessidades da população agora incluída, seriam
desconhecidas, sendo “nem vivenciadas nem pesquisadas pelos psicólogos” (p. 14).
Esses são apontados como estando até então “mais como atores do que como
agentes” das transformações sociais.
Macedo mostra como, perante “as grandes mudanças vividas nas últimas
décadas” (p. 15) do século passado, configurou-se uma crise de identidade
profissional onde o modelo instituído vem se mostrando ineficiente em contextos
diferenciados da clínica tradicional particular. Cita como uma importante “grande
mudança” o movimento da antipsiquiatria que ajuda a configurar essa crise ao
questionar a estrutura manicomial, trazendo críticas aos métodos terapêuticos e ao
saber clínico. Vemos, portanto, que estavam sendo questionadas o apenas as
intervenções psicológicas nos contextos institucionais, como também as próprias
instituições.
O que se relata nessa fase de inserção do psicólogo junto às instituições, é
que essas por sua vez apresentam “pouca abertura”, “não sabendo o que exigir do
psicólogo”, segundo pesquisa da época (CARVALHO, 1983 apud MACEDO, 1984,
p. 20). Discute
nesse momento sobre uma “desorientação profissional”, a medida em
31
que, tanto as instituições não têm suas demandas definidas para esse profissional,
como também este não recebe formação para atuações em diferentes contextos.
Exposta a crise, Macedo propõe o “desafio de mudar” para a Psicologia, desde a
formação básica até o nível da atuação social e política (p. 21). Desafio esse que
busca ser respondido por aqueles que passam a questionar os pressupostos
vigentes associados à Saúde blica, assim como os novos constructos associados
ao conceito de Promoção de Saúde, apresentados anteriormente.
O desafio tem gerado respostas efetivas, tanto em nível das pesquisas
acadêmicas como das intervenções, agora delineados (inclusive por nossos órgãos
representativos) por uma demanda de um maior comprometimento social e político
quando se trabalha com a realidade de vida da grande maioria das pessoas. Porém,
uma análise mais atual (ANDRADE, 1999) revela preocupações semelhantes às das
autoras antes citadas, constatando que os processos de formação e capacitação
ainda não têm garantido um “comprometimento social” com a criação de “novas
formas de atuar e intervir na realidade”. Andrade afirma na verdade que o “crescente
envolvimento com as populações excluídas vem gerando desafios e angústias para
os psicólogos compromissados com uma transformação social” (p. 66). Mas também
afirma, analisando as práticas atuais, que apesar de ainda existirem contextos nos
quais se trabalha “de forma alienante”, ou seja, em “nome de uma verdade”, “não
acolhendo o processualmente emergente”, já existem também os contextos, onde se
desenvolvem trabalhos “disruptores e transformadores”.
Perante as novas demandas parece vir se construindo a necessidade do que
Andrade denomina de “uma nova postura, uma outra forma de conceber as relações
sociais, o homem, a vida” (p.66). Nesse momento nossas reflexões se coadunam
com as do capítulo anterior, em que também se falava da emergência de outra forma
de ver a vida perante as demandas da Pós-Modernidade. Na interface com as
instituições e suas vicissitudes a “suposta neutralidade do psicólogo clínico no seu
saber/fazer não mais se sustenta”, reflete Andrade (p. 67), ressaltando a importância
da dimensão ética em nossas práticas.
Outra resposta que vem se construindo para o trabalho psicológico em
instituições a partir de uma nova visão do social e que também se coaduna com o
pensamento pós-moderno e sua metáfora de rede é a referência a um trabalho
contextualizado que vem correndo o risco de, sendo compreendido ainda do ponto
de vista de paradigmas da Modernidade, ser reduzido apenas ao
seu aspecto
32
ambiental, como nos alerta Andrade (p. 67), lembrando que o “contextualizado” deve
ser compreendido “enquanto possibilidade de acolher os engendramentos presentes
na situação, de forma a permitir a concretização de outras formas de existência para
aquele contexto”.
Uma resposta efetiva e de peso vem do campo das leis. Quando na interface
com as questões político sociais inerentes aos trabalhos com a saúde pública ou
coletiva, o psicólogo passa a responder às disposições da LOAS - Lei Orgânica da
Assistência Social - que coloca a Assistência Social na categoria de direitos, junto
com a Saúde e a Previdência Social. Como forma de operacionalização da LOAS é
criado o SUAS - Sistema Único de Assistência Social - , como deliberação da IV
Conferência Nacional da Assistência Social, realizada em Brasília (D.F.) em 2003,
pleiteando “a universalização dos direitos à Seguridade Social e da Proteção Social
Pública”, conforme página eletrônica do Ministério do Desenvolvimento Social e
Controle à Fome (consultada em janeiro de 2010). São Leis que representam um
grande avanço no sentido de se abandonar um modelo assistencial hegemônico,
passando para o “desenvolvimento de serviços mais próximos da população, das
suas necessidades e prioridades” (DIMENSTEIN, 2001, p. 58).
O atendimento à população carente “sai do campo do voluntarismo e passa
a operar sob a estrutura de uma política pública de Estado” (Ministério do
Desenvolvimento Social), prevendo ações voltadas para o “fortalecimento da
família”. Em aula da disciplina Intervenções Sistêmicas na Comunidade, do NUFAC
(PUC SP), cujo tema foi o SUAS, consideração feita pela convidada, a Assistente
Social Lígia Pimenta, aponta as prescrições desta lei como uma resposta “mais
sistêmica”, sendo “inter-setorial”, para “lidar com a complexidade da pluralidade”. Ela
acredita que a Psicologia se aproxima dessa temática com atuações fundamentadas
no pensamento sistêmico mediante a Psicologia Social. No entanto, a Lei é
considerada mais avançada que a realidade das práticas, “fazendo supor um tipo de
realidade que não existe”, avalia Macedo, professora responsável por pela disciplina
em questão.
O avanço das leis se revela, portanto, como mais um fator desencadeante
de inquietações e desafios no dia a dia do trabalho em instituições que atendem a
população, principalmente a população que recentemente (na historia da Psicologia
brasileira) tornou-se incluída no campo de atuação do psicólogo e que dependem
das políticas públicas, ou seja, a população que vive em condições de risco. Perante
33
mais esse desafio, que inclui lidar com a demanda da clientela e das instituições, o
psicólogo corre ainda o risco de responder com dificuldades de adaptação “às
dinâmicas condições de perfil profissional” exigidas pelas novas leis (DIMENSTEIN,
2001, p. 58), estando ainda muito arraigado à sua formação tradicional.
Por esta razão, e por detectar nos últimos anos “um conjunto de práticas
direcionadas aos problemas sociais brasileiros”, o Conselho Federal de Psicologia,
por intervenção de seu Sistema de Conselhos, criou o CREPOP - Centro de
Referências cnicas em Psicologia e Políticas Públicas - (Brasília, 2007)
representado pelo documento “Referências Técnicas para atuação do(a)
psicólogo(a) no CRAS/SUAS” oferecendo, segundo Bock (p. 06), reflexões sobre a
dimensão ético-política da Assistência Social, a relação da Psicologia com a
Assistência Social, a atuação do psicólogo no CRAS (Centro de Referência em
Assistência Social) e a gestão de trabalho no SUAS. Silva, em nota introdutória (p.
8), avalia que o CREPOP além de “oferecer à Psicologia um novo olhar sobre os
compromissos com as políticas públicas e com os Direitos Humanos”, contribui
também para “expandir a contribuição profissional da Psicologia para a sociedade
brasileira”.
O documento, com as Referências Técnicas, discorre sobre uma “política
para a promoção da vida”, e alerta para que as ações estejam sempre “conectadas
com seus territórios, seus sujeitos, suas prioridades” (p.10), priorizando o
desenvolvimento de potencialidades, articulando “com ações existentes”, “não
inventando a roda” (p. 13). O estímulo é para potencializar parcerias, dentro de uma
lógica de trabalho em rede. O “compromisso ético-político” que se articula é um
compromisso com o processo de cidadania, com a autonomia dos sujeitos, e com
seu potencial “para que rompam com o processo de exclusão/marginalização,
assistencialismo e tutela” (p. 16).
Ao tratar das relações da Psicologia com a Assistência Social, o documento
revela um embasamento na leitura cio-histórica, ressaltando “uma prática
comprometida com o desenvolvimento, a justiça e a equidade social” (p.17),
contemplando também constructos teóricos advindos do pensamento sistêmico
novo-paradigmático, assim como quando afirma que “a capacidade de
enfrentamento das situações da vida é afetada pelas experiências, condições de
vida e significados construídos ao longo do processo de desenvolvimento”,
advogando a favor de uma “subjetividade que se constrói na interação contínua dos
34
indivíduos com os aspectos histórico-culturais e afetivo-relacionais que os cercam”
(p. 18). Os grifos foram por mim introduzidos para destacar a associação feita ao
pensamento sistêmico novo-paradigmático.
A prática profissional que se constrói discute sobre um “profissional da área
social” (p. 26), que trabalharia “na interface entre várias áreas da Psicologia”. As
diretrizes para a atuação do psicólogo no CRAS pedem atenção para o “significado
social da profissão” e da intervenção, apontando para um “rompimento com o
privativo da clínica”. Fica clara, para essa prática profissional, a necessidade de
“mudanças nos referenciais teóricos e metodológicos”, que se traduziriam em
“mudanças na forma de compreendermos a pobreza e a maneira de atuarmos sobre
ela” (p. 23).
O próximo capítulo se dedica a refletir sobre essa nova clientela que se
apresenta para o psicólogo tanto nas instituições públicas como nas ONGS: a
população que vive em situação de risco social. Antes, porém, dentro da proposta
deste capítulo de abordar Psicologia e Instituição, apontando seu status atual, não
se pode deixar de citar a Psicologia da Saúde (antes denominada Psicologia
Hospitalar), que em seu histórico e evolução, analisados por Sebastiani
(ANGERAMI-CAMON, 2002, p. 201-221), aponta para “uma compreensão do
fenômeno saúde-doença como eventos multifatoriais”, assim como para a
importância de se compreender e “intervir sobre” os contextos dos indivíduos.
Apesar de ainda falarem de intervenção e prevenção em suas ações, sentem a
necessidade de “uma nova abordagem dos problemas”, que contemple as “rápidas
mudanças sociais” que viriam comprometendo os “apoios tradicionais de apoio
psicossocial” (p. 203).
Assim como os estudiosos da Saúde Coletiva, também os profissionais da
Psicologia da Saúde estão se dando conta de que os tempos atuais trazem a triste
notícia de uma menor capacidade de “indivíduos, famílias e comunidades
enfrentarem adequadamente suas angústias, enfermidades e incapacidades físicas”.
A partir de uma dimensão psicossocial da saúde e enfermidade, apontam também
para um “espaço inquestionável” (p. 203) para a atuação dos psicólogos como
profissionais, assim como para a Psicologia como Ciência.
Sebastiani (2004, p. 1-9) sinaliza mudanças na evolução da Psicologia de
forma geral, tanto no que diz respeito à “visão dos sujeitos dos cuidados
psicológicos”, como com relação às competências (grifo meu) dos psicólogos. Ele
35
reflete sobre um “maior enfoque nas práticas sociais e coletivas”, que resultaria na
ampliação do campo”. O Hospital, como “novo lugar de atuação”, vem se juntar às
vozes que falam da necessidade de mudanças no referencial teórico-prático
oferecido pelas agências formadoras.
2.1.3 CAPÍTULO III - O Contexto da Pobreza e suas Representações
Falar de pobreza em nosso país, ainda é, apesar dos indiscutíveis avanços,
em muitas situações, falar de miséria e de uma colossal desigualdade social, que
neste momento de nosso desenvolvimento vive o deslumbramento de um maior
poder de compra - com a economia aquecida - juntamente com a convivência diária
de pessoas que lidam rotineiramente com vários fatores de risco a seu bem-estar.
Junto com a esperança impõe-se a inquietante pergunta sobre o quanto melhorou a
vida das pessoas e não apenas o consumo.
Vejo essa esperança fortalecida justamente pelo pensamento mais
complexo e contextualizado do mundo e suas relações. Dentro de uma forma mais
reflexiva, menos linear, de compreensão do mundo, tem-se renovado também nossa
forma de pensar a pobreza, assim como de pensar nossas práticas de intervenção
social. Sobre essa última trataremos no próximo capítulo. Aqui trataremos das
formas como concebemos a pobreza (a partir de nossa posição político-social),
assim como eles os pobres, se representam.
Pensar de forma polarizada - eles e nós - é apontado por Sarti (2007, p. 45)
como um risco, presente na visão das Ciências Sociais sobre os pobres, de ao
diferenciá-los como uma classe portadora de um “universo cultural autônomo”,
construir ora o “mau pobre” (a “classe perigosa da qual emana todo o mal social”),
ora o “bom pobre”, idealizado. Em sua análise dos diferentes discursos e suas
representações sobre os pobres, afirma que todos recorrem aos significados de
carência e falta, permanecendo a “tendência de defini-los por uma negatividade” (p.
36).
Dos perigos dessa leitura polarizada também tratam Sousa et al. (2007) em
capítulo (p. 15) no qual desenvolvem reflexões sobre a necessidade de “repensar o
conceito” sobre as “famílias multiproblemáticas pobres”. Apresentam um quadro de
designações teóricas utilizadas na literatura analisada por eles, que revela um
36
interessante movimento de mudança nessas designações que partem (na década de
60 do século que findou) de definições centradas em comportamentos sociais
desviantes - famílias associais - ou em seus limites - desmembradas, isoladas,
suborganizadas - passando por definições apoiadas em características de seu
funcionamento aparente - multiparentais, em permanente crise, multicrise - ou em
sua condição de dependência de serviços - multiassistidas - (décadas de 80,90 do
século XX).
A crítica se constrói na preocupação de que essas designações
“negligenciem aspectos positivos do funcionamento e organização das famílias” (p.
20), valorizando o aspecto que não funciona e desconsiderando o fato de que
essas famílias - vistas como sistemas complexos que se auto-organizam - podem
ser trabalhadas e ajudadas a partir de seus próprios recursos e competências para a
mudança e resolução de problemas. A novidade nas designações mais recentes
seria a de, apesar de ainda centradas no ciclo de perpetuação dos aspectos
deficitários, começarem a colocar ênfase no processo. Os termos anteriores são
avaliados como “descritivos e estáticos”.
A ênfase no processo não apenas abre espaço para uma avaliação mais
coerente com o pensamento sistêmico pós-moderno como também se revela mais
eficiente como forma de aumentar a possibilidade de se ver soluções. Ao contrário
da ênfase nos problemas que traz consigo o risco de eternizar a incompetência ou
impotência de profissionais e população atendida.
Outra forma de se pensar essa questão se desenvolve a partir da
necessidade de se criar um indicador a ser utilizado na avaliação do grau e da
extensão da pobreza. As formas mais utilizadas têm sido associadas, segundo
estudos publicados na página eletrônica do SEAD (Fundação Sistema Estadual de
Análise de Dados), a noções normativas, com conceitos e medidas que classificam
de acordo com um atributo ou conjunto de atributos que representariam seu nível de
bem-estar. No entanto, tais formas - como as linhas de pobreza - causam
preocupações por não atingir a complexidade do fenômeno das condições de vida
da população pobre. Como alternativa que contemplaria mais esta complexidade
recorre-se à noção de vulnerabilidade social - de pessoas, famílias ou comunidades
- entendida como “uma combinação de fatores que possam produzir uma
deterioração de seu nível de bem-estar, em conseqüência de sua exposição a
determinados tipos de riscos” (SEAD).
37
Assim, à medida que o texto se refere “à maior ou menor capacidade de
controlar as forças que afetam seu bem-estar”, conforme documento do SEAD,
vemos que a vulnerabilidade à pobreza não se limita em considerar a privação de
renda, como nas medidas anteriores, marcando seu avanço por também considerar
demais fatores que compõem o cenário de vida de um indivíduo, família ou
comunidade, e suas possíveis relações. Foi a partir dessa concepção que se
construiu o IPVS - Índice Paulista de Vulnerabilidade Social - na busca de um
“sistema de indicadores que expressassem o grau de desenvolvimento social e
econômico dos 645 municípios do Estado de São Paulo”. Configurou-se uma
tipologia derivada da combinação entre duas dimensões - socioeconômica e
demográfica - classificando o setor censitário em seis grupos de vulnerabilidade
social que parte de Nenhuma Vulnerabilidade (Grupo 1) até a Vulnerabilidade Muito
Alta (Grupo 6).
É esse o Indicador que, por achar coerente com minha posição
epistemológica, alinhada com o pensamento sistêmico novo-paradigmático, foi
escolhido neste estudo para designar o perfil da pobreza que vem sendo atendida
pelos profissionais que com suas instituições tornaram-se participantes desta
pesquisa. Penso que responde à minha preocupação de não recorrer a recortes
lineares e sem a profundidade necessária para se compreender os contextos de
pobreza.
Valladares (1999) em importante artigo, citado tanto por Sarti (2007) como
por Coelho (2005), intitulado “Representações da pobreza no Brasil urbano: da
vadiagem à exclusão social”, auxilia-nos mostrando a evolução do conceito de
pobreza durante o século XX. O auxílio se para além da simples informação.
Considero-o precioso para nosso auto-escrutíneo como profissionais e cidadãos, no
sentido de podermos detectar resquícios dessas representações em nossas
concepções atuais. Essa história revela que o conceito está, nas décadas de 1930 e
1940, associado à noção de “subemprego, sendo uma responsabilidade do Sistema
Social. nas décadas de 1950 a 1960 surge a concepção de “marginalidade”,
associada a uma “conotação moral” da pobreza como uma classe perigosa,
marginalizada na periferia, construindo-se a partir de então a crença de que pobre
seja igual a favelado. De 1960 a 1970 avança-se para uma concepção pensada a
partir de renda e trabalho: “população de baixa rendae “trabalhador do setor
informal”. A pobreza vem
sendo, portanto, vista aqui, ainda, a partir de um único
38
fator, como fenômeno de insuficiência de renda. Já as últimas décadas do século XX
trazem, com o aumento acelerado da pobreza urbana, o conceito de exclusão social,
que junto com a chegada do sindicalismo à periferia e do recente resgate da
cidadania, introduz na análise da pobreza a idéia de “negação dos direitos de
cidadania” (SARTI, 2007, p. 37-38; COELHO, 2005, p. 226-227).
Nessa primeira cada do sec. XXI vemos surgir uma forma de analisar e
mapear a pobreza que dá voz ao contexto, possibilitando a meu ver uma visão que a
torna (a pobreza) nossa, debilitando a polarização nós e eles que deixava-nos na
confortável posição de pensar a pobreza do lado de fora. Podemos agora pensar o
sofrimento dessa população como sendo “uma advertência da toxidade de nosso
ambiente social” (WALSH, 2005, p. 227). Um claro sinal de que necessitamos cuidar
da saúde “não apenas dessas famílias, mas também da comunidade e da sociedade
em geral”. Da nossa toxidade.
É dentro da idéia de “nossa toxidade” que podemos pensar com Coelho
(2005, p. 229) citando estudo de Coelho e Valladares (2000), que “a favela é
produzida cotidianamente pela sociedade que aspira eliminá-la”, cabendo-lhe uma
“função reguladora” na ordem social. Resta à favela guardar em si “as propriedades
da pobreza, os dejetos sociais, que reúne todo o mal produzido na sociedade”.
A instalação da população pobre nos arredores dos grandes centros urbanos
traz consigo a citada “negação dos direitos de cidadania”, à qual acrescentamos o
conceito de subcidadão apresentado pelo sociólogo Jessé de Souza (2007), que
acredito enriquece nossa reflexão à respeito do contexto de pobreza no mundo
contemporâneo. Sua análise parte da triste constatação de que “a igualdade teórica
dos direitos não se reflete na prática relacional” e de que tal fato já não seria
estranhado por nós. Convivemos com uma “desigualdade entranhada” (SOUZA,
2007. p. 08-09), naturalizada, que inclui não reconhecer o “valor social” do cidadão
pobre que, presente nas estatísticas poderia ser considerado então um
“subcidadão”. Um sujeito socialmente reconhecido existiria ainda que apenas nas
leis?
Como se movimentam os pobres dentro dessa condição que se delineia
como tão paralisante? Um grande risco é o de ficar preso no chamado “Ciclo da
Pobreza” (HINES, 1995, p. 442). O sociólogo francês Serge Paugam analisa a
pobreza de forma associada a processos de exclusão do mercado de trabalho,
dando um caráter “multidimensional e evolutivo” da pobreza, conforme considera
39
Pizzio (2009, p. 214). Paugam contribui, em seu estudo da desqualificação social,
para vermos que a pobreza no mundo atual corresponde menos ao despossuir e
mais a um “status social específico, inferior e desvalorizado”, que marcaria
“profundamente a identidade de todos que vivem essa experiência” (PAUGAM,
2003, p.47). Mostra como o mal-estar psicológico associado à pobreza pode ser
mais cruel que a falta de bens materiais. Para melhor compreendermos a crueldade
desse processo o autor destaca três fases na trajetória desqualificante dessa
população: a fragilidade, a dependência e a ruptura.
Creio ser de grande valia para nossa reflexão a respeito do contexto de
pobreza conhecer um pouco sobre essas fases que, junto com outras contribuições
vindas das teorias psicológicas, podem nos auxiliar no desenvolvimento de uma
maior empatia e compreensão para com os padrões de reações e comportamentos
que emergem nesse contexto, para além da leitura das disfuncionalidades. Essa é a
ideia defendida por Oliveira (2003) em sub-capítulo de sua Dissertação, a respeito
de Família e Pobreza, no qual deixa claro que “a pobreza não é um estado em si
mesmo, mas vai se configurando como tal...” (p.35).
A fase inicial, de desenvolvimento da “fragilidade (PAUGAM, 2003, p.34),
estaria associada à idéia de “deslocalização social” que, por perda de moradia ou de
trabalho, pode gerar a dolorosa experiência de estar deslocado, tornando-se
socialmente inferior. A continuidade dessa situação no tempo é que levaria à fase
posterior de “dependência” (p. 38), em que já desistindo de ter um emprego, passam
a depender dos serviços sociais governamentais ou não, diminuindo a crença em
seus próprios recursos, mas ainda tentando manter sua identidade parental e suas
competências perante sua família e a comunidade da qual se sente fazendo parte.
Mas a continuidade dessa situação, com as dificuldades se avolumando, pode levar
à fase seguinte e final de “ruptura”, o produto de uma soma de fracassos que levaria
a uma então concretizada marginalização, inclusive com o enfraquecimento ou a
mesmo perda dos contatos familiares.
Ao impacto das vivências de desqualificação social sobre a identidade do
indivíduo, acrescentamos a influência de outros estressores, assim como os
advindos do processo de desenvolvimento do “Ciclo Vital Familiar”, um constructo
teórico desenvolvido junto com a terapia familiar sistêmica que aqui trago a partir das
contribuições de Cerveny (BERTHOUD; CERVENY, 1997, p. 23-29). A autora traz a
ideia de ciclo - como “fenômenos que se sucedem em determinados ritmos” - para
40
ajudar na compreensão o do processo de vida do ser humano como da vida
familiar (dois processos inteiramente interligados), dando ênfase à idéia de
passagem associada às mudanças demandadas pelo ciclo evolutivo e sua
consequente exigência de equilíbrio entre a estabilidade e flexibilidade.
Cerveny lembra que o cio da leitura desse ciclo a partir da clínica faz-nos
associar a ideia dessas naturais mudanças e passagens à “crise e
disfuncionalidade”, o que nem sempre ocorreria. Respondendo às demandas do
mundo contemporâneo, e incluindo o mundo fora das quatro paredes da clínica
tradicional, a partir de Erikson (1976, apud CERVENY, 1997, p. 25) e seu conceito
de “relatividade psicossocial”, ressalta, dando um salto conceitual, que apesar da
ideia de sequência universal associada ao conceito de ciclo, “existe uma ótica da
estrutura social que faz com que a visão deste ciclo vital seja diferente dependendo
da estrutura da sociedade” (p. 25).
Foi a partir dessa constatação que passou a trabalhar na caracterização de
um ciclo vital “diferente do que estava na literatura estrangeira” (p.12), tendo
desenvolvido, em sua prática clínica e acadêmica, uma leitura da família ao longo de
seu ciclo vital em quatro etapas, “não rigidamente circunscritas” começando pela
fase “de aquisição”, passando pelas fases adolescente” e “madura”, até a fase
“última”. São amplamente conhecidas e utilizadas tanto no meio acadêmico como no
clínico que desenvolvem trabalhos com família e comunidade, pois auxiliam nas
reflexões com e a partir desse contexto.
Durante a “fase de aquisição” a família vivenciaria tarefas de construção dos
modos de sobrevivência, desde uma casa para morar, exigindo a união do casal
para objetivos comuns. com filhos pequenos para a maioria deles, começa a
aquisição de um modelo de família, a partir dos modelos adquiridos em suas
famílias de origem. Uma fase muito presente nos consultórios e instituições que
atendem famílias, fato que se torna compreensível por ser justamente aquela em
que as tarefas de aquisição se tornam o “eixo propulsor” que “vão modelar o núcleo
que está se formando” (p. 14).
Já a “fase adolescente” tenderia a encontrar a família revirada, no sentido de
que, com filhos adolescentes, preocupados consigo mesmo, questionando crenças e
valores familiares construídos até então, os pais também podem estar em momento
de questionamento de suas próprias vidas e escolhas, quebrando a união da fase
anterior. Pode tornar-se uma crise disruptiva, dependendo de características tanto
41
pessoais como contextuais envolvendo as histórias familiares e a comunidade onde
vivem, com seus valores morais e sociais.
Na fase posterior, a “madura”, a demanda é de convívio com duas ou mais
gerações necessitando de apoio e atenção. Pais e parentes envelhecendo,
tornando-se por vezes dependentes, junto com filhos que se casam e têm seus
próprios filhos, entrando no mercado de trabalho. Juntam-se às possíveis
complicações desse momento as preocupações com o próprio envelhecimento e
com a diminuição da força para o trabalho. São muitas e diferentes tarefas cuja
qualidade de resolução dependerá não apenas do contexto atual, como também da
forma como as demandas anteriores foram trabalhadas.
Pensar a “fase última” coincide pensar a vivência da aposentadoria,
tornando a questão econômica de grande importância para a qualidade de vida
atual. O casal deveria agora voltar a estar sós, podendo se beneficiar dessa situação
mais tranquila (se apoiados por uma boa aposentadoria), com as responsabilidades
delegadas agora aos filhos, e com a condição atual de uma vida mais longa. O
momento é também favorável a um “balanço intergeracional” (p. 15), configurando
alegrias e decepções, mas com menos tempo e condições para mudanças mais
significativas.
Compreendendo esta construção teórica reflexiva sobre as possíveis
demandas evolutivas do ciclo de vida de uma família, não como um modelo, mas
como um recorte contextualizado a partir das experiências da equipe de Prof
a
Cerveny, faz-se aqui uso dessa importante contribuição para pensar as possíveis
peculiaridades e vicissitudes dessa trajetória relacional pelas famílias que vivem em
condições sujeitas a múltiplos estressores, que podem vir se associar aos fatores
desenvolvimentais potencialmente estressores vistos acima.
Para pensar a questão do ciclo de vida familiar nas famílias pobres um
trabalho bastante citado nos últimos anos tem sido o de Hines (1995) que estuda
esse ciclo nas famílias negras pobres nos EUA. Tem-nos ajudado a pensar a família
pobre brasileira, pois como afirma Coelho (2007, p. 323), “também entre nós a
relação entre pobreza, raça e gênero faz parte da estrutura da sociedade”. Hines
apresenta seus estudos alertando para o caráter naturalmente não conclusivo
destes, e para que se reconheça “a individualidade de cada indivíduo e família”,
assim como a atenção necessária para os “contextos social, político e econômico e à
42
heterogeneidade do grupo” (p. 441). Preocupações estas que vêm justificar seu uso
na presente pesquisa.
Suas considerações e reflexões me fazem pensar o quão importante é de
fato estudar as vicissitudes desse contexto de vida. Não como negar que seu
ciclo de vida sofre impactos constantes, com crises se sobrepondo e demandando
soluções. A tal ponto que “suas capacidades adaptativas são frequentemente
levadas além dos limites humanos” (p. 441) com o consequente “empobrecimento
emocional”, fazendo-os parecer “extremamente limitados em sua capacidade de
funcionar de uma maneira que permita aos membros de uma família progredirem” (p.
441). Tal descrição próxima a um colapso da capacidade evolutiva de uma família
faz-nos pensar na fase descrita por Paugam em sua leitura evolutiva, como sendo
de “ruptura”. E faz-nos pensar que é muitas vezes nesse momento de sua história
familiar, que chegam às instituições que oferecem ajuda às famílias, justificando os
títulos de “multiproblemáticas”, “disfuncionais”, e demais designações de dificuldades
e incapacidades.
Hines aponta o tamanho do desafio para o profissional nesse momento,
considerando que “elas (as famílias) enfrentam condições complexas,
frequentemente extremas e impiedosas, relacionadas à raça e a miséria, que vão
muito além da experiência dos mais capazes profissionais” (p. 441). Penso que
esse status da pobreza, de fato tende a enredar a todos os que se envolvem em
alguma forma de intervenção e ajuda, fazendo quase sempre preponderar uma
sensação de impotência para todos. Sobre este efeito na Psicologia e suas ações
falaremos no capítulo seguinte. Está aqui expresso para considerarmos a pobreza
“como um fator que pode obrigar a família mais sadia a dar-se por vencida” (p. 442).
Não nos esquecendo que muitas famílias pobres, mesmo usando os mais
“inadequados recursos”, acabam por dar conta das “necessidades
desenvolvimentais básicas de seus membros” (p. 442). São respostas, que podem
ser “adaptativas”, revelando um “reflexo de grande criatividade e força”, ou
“desadaptativas”, reforçando a continuidade da condição. Fica aqui claro o
movimento circular do ciclo da pobreza, como o define Hines.
Dentro de um movimento circular, distingue quatro características nos ciclos
de vida das famílias pobres negras americanas. A primeira refere-se ao fato de ser
um ciclo de vida “truncado” e “encurtado”, com membros trabalhando fora, casando,
tendo filhos, tornando-se avós em um tempo muito menor do que o típico de classe
43
média, tendo que “assumir novos papéis e responsabilidades, antes de serem
capazes” (p. 444). As mudanças acabam por acontecer de forma confusa, sem
delimitações e rituais de passagem, tornando mais difícil a evolução para os estágios
seguintes. A segunda característica trata da “feminilização da pobreza”, com várias
gerações de mulheres vivendo juntas ou próximas, com a carga maior de
responsabilidades ficando para a avó. Como terceira característica está o “estresse
imprevisível, sujeitas que estão a múltiplos riscos. E por último o fato de serem
famílias que dependem de instituições “até para suas necessidades mais básicas”
(p. 443).
Este ciclo de vida descrito acima pela autora como um “ciclo de vida
encurtado”, é dividido em três estágios a partir de suas “tarefas normativas” (p. 445)
respectivas, sendo o primeiro - “Adolescência/Adulto Jovem solteiro” - associado às
tarefas de diferenciação do eu, o eu no trabalho e a construção das relações com os
iguais. Tais tarefas tornam-se dificultadas pelo encurtado do ciclo, com fronteiras
confusas entre a adolescência e a vida adulta, e por vezes tendo que administrar
uma gravidez antecipada, enquanto cuida da sobrevivência. Avançando para o
segundo estágio da “Família com Filhos”, as tarefas seriam as de “formar um
sistema conjugal”, “assumir papéis paternos” e de “realinhamento dos
relacionamentos com a família” (p. 449). Tarefas que se complicam por nem sempre
haver um casamento, sendo os filhos assimilados pela família sob a
responsabilidade quase sempre da a (família ampliada). Os jovens pais em
questão apresentam grande chance de nem ter completado as tarefas da infância e
adolescência, ficando inseridos na rede da família ampliada, que acaba, na maioria
dos casos, por fornecer a proteção necessária.
Pensar o terceiro estágio - A Família no estágio Tardio da Vida - para essas
famílias, torna-se difícil considerar a “redução de responsabilidades” ou as
vicissitudes do “ninho vazio”. O que se com frequência é um sistema “com três
ou quatro gerações”, com “questões semelhantes às dos estágios anteriores”, com o
risco de protelar o “impulso para frente do ciclo de vida para todos os membros da
família” (p. 454), potencializando o aparecimento dos conflitos intergeracionais.
À medida que refletimos sobre as possíveis complicações em cumprir as
tarefas desenvolvimentais pessoais e familiares, no contexto de ltiplos fatores
potencialmente estressores associados à pobreza, vai se construindo o importante
lugar da rede social na qual se insere um indivíduo, uma família, uma comunidade.
44
Sluski (1997) denomina de “rede social pessoal” a esse “conjunto de seres com
quem interagimos de maneira regular, [...] que nos tornam reais” (p.15),
desenvolvendo um conhecimento a respeito da utilidade clínica da incorporação
desse modelo de rede, a medida que “insere o indivíduo e a família com quem
trabalhamos clinicamente em seu meio social, ao mesmo tempo que tira o terapeuta
de sua prática isolada” (p. 18).
Assim, embora nesta obra ele aponte a grande importância de considerar e
trabalhar com a rede social, na clínica, oferece-nos também um caminho, no sentido
de recursos, para trabalhar com mais competência na interface com o social. Com
muita clareza nos mostra o quanto a saúde de um indivíduo depende de sua rede
social, assim como a saúde do indivíduo afeta a rede social.
O diálogo com os autores citados anteriormente nos faz pensar o quanto, a
saída ou não do Ciclo da pobreza, ou a qualidade da convivência com os
estressores externos e internos, inerentes ao desenvolvimento familiar, podem estar
enredados com a qualidade ou com o perfil da chamada “Rede Social Pessoal” de
cada indivíduo, chamadas de “características estruturais da rede” por Slusky (p. 45).
Dentro dessas características cabe trazer aqui, principalmente, as “funções da rede”
(p. 48), uma pequena lista que pode nos ajudar a vislumbrar a importância da rede
social na qualidade de vida de uma pessoa, seja qual for sua condição. São elas:
companhia social; apoio emocional; guia cognitivo e conselhos; regulação social;
ajuda material e de serviços; e acesso a novos contatos.
É a partir do papel da rede na saúde física, emocional e social, que podemos
ver o processo de migração, tão frequentemente vivido pelas famílias pobres, na
busca pela sobrevivência, como de risco, podendo causar “fraturas” e “perturbações”
na delicada rede social de apoio de um indivíduo ou família, levando Slusky a afirmar
que “o stress pessoal e os conflitos familiares são um subproduto inevitável
(normativo) da migração” (p. 87).
Vimos até aqui a tentativa de vários profissionais e pesquisadores de lançar
luzes para uma maior e melhor compreensão das vicissitudes da vida em contexto
de pobreza. São, no entanto, definições dos problemas da família pobre, construídas
por esses profissionais. Sousa et al. (2007) relatam, a partir de pesquisas com
famílias portuguesas, que “as famílias fazem um relato de sua vida menos saturado
de problemas do que os profissionais” (p.56). Trata-se de uma preocupação que se
levanta mais uma vez em nome de não se negligenciar o ponto de vista da família
45
que inclui competências e estratégias desenvolvidas ao longo de uma existência.
Mas penso que também nos alerta para o fato de que mesmo a mais “pós-moderna”
análise do contexto de pobreza pode levar a enquadramentos dos “problemas” das
famílias em categorias pré-definidas.
Para introduzir o ponto de vista dos pobres no Brasil, de grande valia tem
sido o trabalho de Sarti (2007), onde a pobreza é abordada a partir do significado
que ele tem para quem a vive, procurando “compreender com que categorias morais
os pobres organizam, interpretam e dão sentido a seu lugar no mundo” (p. 20). Em
pesquisa realizada com moradores de um bairro da periferia de São Paulo, com
quem a autora tem contato desde um trabalho etnográfico anterior (1985), ouviu-os a
respeito de sua vida em família e no bairro, assim como sobre sua concepção de
trabalho. Sendo uma pesquisa que contempla a ética da complexidade, volta-se
sobre os “valores expressos na sociabilidade local” (p. 20), tornando-se um estudo
de sua “identidade social”.
Considerando que a “autodefinição dos pobres, constrói-se dentro de uma
concepção da ordem social como ordem moral” (p. 21), chama de espelho essa
família pensada como uma “ordem moral”, um espelho que “reflete a imagem com a
qual os pobres ordenam e dão sentido ao seu mundo social” (p. 22). Assim,
revelando que as “multiproblemáticas” e “multiassistidas” famílias “ordenam e dão
sentido a seu mundo”, construindo valores e se balizando por eles, destaca a
“desatenção para a vida social e simbólica dos pobres no que ela representa como
positividade concreta” (p. 36).
Sua pesquisa talvez tenha revelações surpreendentes para quem construiu
uma imagem da pobreza baseada na falta de forma geral, inclusive de valores.
Começa por revelar a existência de “padrões tradicionais”, que dá ao homem o lugar
de autoridade, como “mediador com o mundo externo” (p. 58), dando “respeito” à
família da qual faz parte. À mulher cabe a função de “chefe da casa” e ao homem de
“chefe da família” (p. 63). Assim, a tão naturalizada “família chefiada por
mulheres”, é vivenciada como uma perda pela família, levando a uma busca de
compensação pela “substituição da figura masculina de autoridade por outros
homens da rede familiar” (p. 67).
A família pobre que se mostra nesta pesquisa “não se constitui como um
núcleo, mas como uma rede” (p. 70), que “viabiliza sua existência” ao mesmo tempo
em que “dificulta sua individualização”. O que se é que, seguindo um padrão
46
tradicional de hierarquia e autoridade, os “elos de obrigações em relação a seus
familiares prevalecem sobre os projetos individuais” (p. 20). Não se concebe família
sem filhos, e desses é esperada a “obediência” quando crianças, e a “retribuição”
quando maiores, indo aos poucos assumindo parte das obrigações familiares.
Entre tantos pontos levantados por Sarti nessa pesquisa, destaco ainda a
questão da moral no mundo do trabalho. Este aparece como um “substrato da
identidade masculina” (p. 88), aquilo que lhe permite afirmar-se não apenas como
pessoa, mas como pessoa honesta. Ser trabalhador para sentir que venceu na vida,
não como ascensão social, e sim “pelo valor positivo do trabalho”. É este valor moral
atribuído ao trabalho que provavelmente, segundo a autora, “compensa as
desigualdades socialmente dadas” (p. 89) porque é o que o diferencia do referencial
simbólico que o desqualifica socialmente.
Essa leitura de Sarti vem corroborar Paugam em sua obra antes citada, ao
deixar evidente a importância da colocação profissional, vista como aquela que pode
manter estável a vida de uma família, mesmo vivendo em condições pouco
favoráveis. É o “a gente é pobre, mas é honesto” que ganha sentido e importância
em um contexto onde a perda de referências - a dessocialização - segundo Paugan
(2003), seria o resultado do processo de “deslocalização social”, fortemente
alimentado pela exclusão do mundo do trabalho.
Fica então evidente o valor positivo do trabalho e da família, sendo
importante “referência do mundo da ordem” (p.126) que é por sua vez marcado por
um padrão de relação de solidariedade. No entanto, junto com os trabalhadores,
bandidos também compõem a sociabilidade local. E são avaliados por Sarti (p. 123)
como sendo a “construção negativa da identidade do trabalhador”. Aqueles que
rompendo justamente com o valor positivo do trabalho e da família, atravessariam
uma fronteira, em um “caminho sem volta”, “descrentes de qualquer sentido neste
mundo...” (p. 128). A lógica da reciprocidade dar, receber e retribuir -, detectada
nesta comunidade, transfigurar-se-ia na “lógica do ressentimento”.
A avaliação dos membros da comunidade pode oscilar entre vê-los (os
bandidos) como “filhos mal encaminhados” que viram crescer na vizinhança, e que,
portanto, merecem ainda “algum respeito”, advindo da moral local, ou vê-los
simplesmente como “gente ruim” (p. 124), compreendidos por sua revolta ou mesmo
por uma característica inata, afinal nem todos os que se sentem injustiçados
escolhem o caminho do crime.
47
Pensar o contexto da pobreza leva-nos a conhecer sua delicadeza, tecido
por tantos valores e criatividade, mas também tecido por tantos riscos geradores de
medos e reações nem sempre produtivas ou positivas. Faz-me pensar na metáfora
de um tecido esgarçado em alguns pontos, por tensões exercidas em outros pontos
de sua tessitura. A visão construída com as lentes da complexidade nos convida a
nos implicarmos neste contexto.
O capítulo seguinte trata da implicação dos profissionais da Psicologia com
este contexto.
2.1.4 CAPÍTULO IV - A Prática da Psicologia como Ação Social
Dimensionar a Psicologia como ação social significa, aqui, vê-la com as
lentes da complexidade, ou seja, a partir da “não oposição entre o individual e o
social” (GRANDESSO, 2000, p. 104), a partir de sua interconstituição. Dessa forma
podemos pensar toda ação psicológica como uma ação social, não sendo, portanto,
restrita ao social do contexto da pobreza, onde correria o risco de ser entendido
como o social atrelado a visões político-partidárias, ou até mesmo a uma visão
assistencialista.
Considerar que esse social nos inclui a todos (pobres, medianos e ricos), de
lugares diferentes, com poderes diferentes, mas gerados no interior de uma única
história, de um mesmo contexto, onde construímos nossa individualidade e nosso
pertencimento, pode nos levar a um reposicionamento quando na interface com o
contexto da pobreza, gerando novos desafios e responsabilidades perante a
sociedade brasileira.
O contexto da pobreza, por suas vicissitudes, talvez imponha ao profissional
o olhar para o social, tanto para os enredamentos ao redor como para as questões
mais amplas da sociedade, mais do que qualquer outro contexto de trabalho. E,
como vimos nos capítulos anteriores, a prática psicológica tradicional vem se
deparando com as demandas desse novo olhar. Somos levados a questionar
saberes e repensar fazeres. Veremos aqui um pouco do que vem sendo pensado e
construído na prática contemporânea da Psicologia em contexto de pobreza.
Inicio com Waldegrave (2001, p.19-35), que com sua“Just Therapy”
desenvolvida no Centro de Família em Wellington, Nova Zelândia, fazendo uso da
48
Metodologia de Ação-Reflexão de Paulo Freire, que orienta para ações onde os
contextos devem ser considerados em cada situação, oferece-nos importantes
reflexões a respeito de como a terapia pode e deve “libertar-se de seus limites
modernos”, envolvendo-se com comunidades e sociedades. Para o que chama de
“uma prática clínica efetiva” (p. 26) preocupa-se em desenvolver “abordagens
congruentes com o modo de vida” (p. 28) da população atendida, afirmando até
mesmo que para tanto os trabalhos deveriam ser desenvolvidos por “pessoas da
própria cultura”.
O rompimento com a “velha prática” apresenta-se atrelado às questões de
justiça, por entender que a necessidade de se questionar pressupostos que
viriam “imobilizando pessoas em situações de desvantagem ou injustiça” (p. 24). O
“Just” está a serviço também de apontar a necessidade de uma “abordagem que
procure identificar problemas essenciais do trabalho terapêutico” (p. 21) que seja
“destituído do viés cultural ocidental”. Contribui, portanto, com a preciosa
consideração de que no contexto da pobreza os problemas de relacionamento e
saúde mental podem ser vistos como “consequência das diferenças de poder e
injustiças”. Aquilo que poderia ser, a primeira vista, analisado como problemas de
relacionamento familiar, por exemplo, tem sido visto, na realidade de suas
intervenções, como “sintomas de pobreza” (p. 22), que se construiriam dentro dos
“antes marginalizados” (p. 20) contextos de cultura, gênero e status sócio-
econômico.
O risco maior visto por Waldegrave em continuarmos a “trabalhar dentro dos
limites do trabalho clínico ou social convencional”, seria o de “ajustar as pessoas à
pobreza”, levando-as a acreditar que “eram elas, e o as estruturas injustas, os
autores de seus próprios problemas e fracassos” (p. 21). Esse risco aumentaria,
segundo Macedo (2001, p. 41-48) - em artigo onde, alinhada com as preocupações
de Waldegrave, trata da diversidade cultural como um desafio para o terapeuta
familiar -, com o desconhecimento provável deste mesmo profissional a respeito de
suas “lentes culturais”, impedindo uma “reflexão crítica” de suas posições em relação
aos vieses culturais. O risco seria aqui o de ficar preso à sua própria visão de mundo
de forma que ela seja vista como norma ou como ideal, deixando para o cliente o
lugar de desviante, fora da norma.
Assim, além dos estressores associados ao contexto da pobreza,
acrescentar-se-ia um estressor advindo do contexto do atendimento, do lugar dado
49
ao cliente, o de desviante, cuja avaliação estará, nesta leitura, muito provavelmente
baseada em “automatismos” (MACEDO, 2001, p. 42) que incluiriam o uso
estereotipado de testes, teorias, formulários, entrevistas pré-concebidas,
favorecendo um indesejado “distanciamento” do cliente, ou projeções provocadas
justamente pela falta de auto-escrutíneo do profissional. É a partir dessas
considerações que esta autora fala da um “profissional culturalmente competente”
(p. 43) para o trabalho com a diversidade cultural.
São preocupações semelhantes às apresentadas por Pakman (1999), em
texto onde desenvolve sobre a terapia em contexto de pobreza, afirmando,
contundentemente, que para esse trabalho torna-se necessário “tratar a pobreza da
terapia”, dizendo que esta apresentaria “limitações pragmáticas, teóricas e sociais”
(p. 09). Na difícil rotina desses profissionais onde, raramente, não se sucumbe à
desesperança e impotência, muitas vezes apenas fazendo “o que se espera deles”
(avaliações, laudos e afins), em um “contexto mais amplo extremamente restritivo”
(p. 10), e ainda podendo ser visto com desconfiança por aqueles que deseja ajudar,
acabam por “espelhar a frustração de seus pacientes”.
Neste ponto, Pakman contribui para pensarmos como, nessa difícil rotina de
atendimento no contexto de pobreza, pode o profissional apegar-se às “pseudo-
soluções” (p. 12), sendo pseudo porque apenas perpetuariam “a estrutura total que
mantém o problema”. Descreve quatro possíveis pseudo-soluções, que vale a pena
conhecermos no contexto desta pesquisa. A primeira refere-se a se tornar um
“hiperprofissional”, aquele que defendendo sua identidade profissional, limita-se a
fazer o que lhe foi solicitado, defendendo-se também do sofrimento, tornando-se
“cego à dimensão política da opressão”. o “hiperespecialista” seria aquele que,
não conseguindo “hiperprofissionalizar-se”, limitaria sua intervenção a “finalidades
técnicas específicas”.
Na trilha das pseudo-soluções o profissional pode ainda tornar-se um
“hiperpolítico”, passando a desenvolver atividades pertencentes à “dimensão
política”, por não mais acreditar na “dimensão terapêutica”, afastando-se das
demandas das famílias, com grande risco de se perder pelas vias políticas. A última
forma de fuga das dificuldades vivenciadas nesse contexto trata do profissional que
se torna o “salvador de alguns poucos” (p.13), aos quais tenta ajudar de todas as
formas, na ilusória tentativa de resolver sua frustração.
50
Com tantos possíveis descaminhos no encontro do profissional com sua
clientela, pergunta-se qual seria a imagem criada pela população atendida a respeito
do psicólogo e sua ação nas diferentes instituições. Uma resposta vem da pesquisa
realizada por Carmen Moré e Rosa Macedo (2006) que se dedica à “construção de
um modelo de atenção à população dos serviços públicos voltada para a demanda,
ou seja, focada no pedido do consultante” (p. 15). Paralelamente, foi realizada uma
pesquisa para “saber qual a representação social que as pessoas dessa realidade
tinham a respeito do psicólogo e seu fazer” (p. 25), e o resultado revela, de fato, uma
figura distante a meu ver, descrita como “desconhecida” e “associada à intervenção
médica”.
Em sua Introdução (p. 13-18) Macedo, tratando da necessidade de uma
“outra postura” por parte do psicólogo que atende à população nos serviços públicos
e apontando a demanda de um trabalho que extrapole o intrapsíquico, usa o termo
“trabalho clínico como ação social” para caracterizar um novo trabalho que vise a
“dar respostas, dialogar com situações de dor e sofrimento da população”.
Entendendo todo o contexto da pobreza como “importante fator na produção de
problemas psicológicos”, argumenta que esses fatores necessitam ser vistos com a
mesma importância dos fatores intrapsíquicos. o terapeuta, nessa postura, como
“agente de promoção de mudanças”, por estar dessa forma, “profundamente
comprometido coma a justiça social”.
Tanto nesse texto como no da Diversidade Cultural (2001), essa autora
salienta que essa população necessita de profissionais que possam trabalhar o seu
“empoderamento”, ajudando de forma efetiva para que voltem a acreditar
minimamente em sua capacidade de conduzir a própria vida, diminuindo a sensação
de desamparo e de baixa auto-estima, à medida que explora e desenvolve com o
cliente estratégias para “mudar sua posição de impotência” (2001, p. 44). Para tanto
lembra que esse profissional precisa saber como lidar com as questões de poder,
para que possa manter seu “senso de competência” sem “reforçar os sentimentos de
incompetência e impotência dos que buscam sua ajuda”.
Macedo referindo-se, ainda, aos cursos de formação dos psicólogos (2006,
p. 17), sintetiza uma ideia que, a meu ver, marca uma virada conceitual para o
trabalho do psicólogo junto à população: “As mudanças políticas, sociais e
econômicas urgem por atualização nas teorias e práticas que valorizem cada vez
mais a pessoa como cidadão participante na construção da sociedade [...]”. Uma
51
ideia que traz importantes questões, sendo uma delas a que se constrói perante o
fato de pensar o cliente como cidadão. O foco na cidadania distanciaria o trabalho
terapêutico de seu objetivo intrapsíquico? Não dentro da posição epistemológica
aqui utilizada, onde o individual e o social se interconstituem, levando-nos a
acreditar que o “tornar-se sujeito” - tão sabiamente defendido pelas práticas
psicodinâmicas como o movimento primordial do trabalho clínico - pode ser
acrescido do social, fazendo-nos pensar (LIMA; OLIVEIRA, 2007) em uma
conjugação que resultaria em “tornar-se sujeito socialmente reconhecido”, utilizando-
nos das reflexões de Souza (2007, p.15) apresentadas aqui sobre a condição de
“sub-cidadão” associada a pobreza .
Uma segunda questão seria a referente a se esse movimento - o cliente
também visto como cidadão - incluiria uma passagem de foco do privado para o
público, ou uma sobrevalorização do social. A resposta, dentro de uma visão
complexa, também seria não, pois as dicotomias ou polarizações não encontram
lugar onde todos os fenômenos são compreendidos como interligados. O que
vemos, portanto, é que o “privado e o público coexistem no cotidiano” (SOUSA;
HESPANA; RODRIGUES; GRILO, 2007, p. 13). Assim como apontam outras “falsas
dicotomias” a serem ultrapassadas quando as “soluções são encontradas no
contexto”, que seriam “Cliente x Profissional” e “Trabalho individual x Trabalho
comunitário”, sendo cliente e profissional, ambos, cidadãos compondo um mesmo
sistema; e para pensarmos a interdependência individual/comunitário, recorremos à
circularidade, ou seja, “apoiando um sujeito em grupo, pode-se potencializar sua
cidadania e participação comunitária” (p. 14), e trabalhando sua cidadania
estaremos fortalecendo sua individuação e auto-estima.
Ajuda-nos na tarefa de ultrapassar essas dicotomias, recorrer ao
Pensamento Sistêmico s-moderno, lembrando que a Psicologia da Pós-
Modernidade (GRANDESSO, 2000, p. 55) “valoriza o singular, o idiossincrático e o
contextualmente situado em vez das leis gerais”, dando lugar para as “verdades
narrativas”, e principalmente, colocando o foco nos significados construídos nas
relações. Portanto, seja qual for a situação (em contextos privados ou públicos), “se
a ação do psicólogo favorece o repensar e a reconstrução de significados que
norteiam as escolhas do sujeito, e provavelmente alimentam seus sintomas,
aumentamos nossas chances de promover o crescimento pessoal e social” (LIMA;
OLIVEIRA, 2007).
52
Pensar a prática da Psicologia como Ação Social a partir da construção
social do significado, remete-nos necessariamente à Psicologia Comunitária e ao
“complexo campo que a constitui”, como afirma Fuks (1999), em editorial onde traz
reflexões sobre os eixos que a caracterizam, ajudando-nos justamente a pensar a
respeito das diferentes concepções acerca da ação. Considerando o modelo com o
qual trabalha a Psicologia Comunitária, de observação/participação, utilizando-se de
“recortes dos cenários sociais” (p. 2), tece críticas às categorias de análise que daí
emerge por estarem atreladas a metáforas “que fazem referência ao social como um
espaço” (interior/exterior, exclusão/inclusão, superficial/profundo), fazendo-nos crer
em um mundo social que possa ser estudado objetivamente.
Com essa crítica, Fuks (1999) nos ajuda a compreender a posição que
questiona o “saber acadêmico” e respeita o “saber popular”, passando “da
intervenção para a co-construção” (p. 3) e o “problematizar o naturalizado” como
parte da ação metodológica da Psicologia Comunitária. O psicólogo atuando como
um interventor, um “operador externo (p. 2) estaria em contradição com os
princípios éticos que a fundamentam. Configura-se para esse profissional um conflito
entre a “eficiência transformadora” e o “poder de decisão dos outros”. Para o
enfrentamento desse conflito o autor lembra que a “bússola” que permitiria
“atravessar a crise” seria justamente a “posição ética”, mantendo firmes os valores
que norteariam nossas ações profissionais, em um caminhar que se norteia mais
pelo “sentido da tarefa do que pelo resultado da mesma”.
O editorial de Fuks, feito para um número especial da revista Psykhe, sobre
Psicologia Comunitária ajuda-nos, acima de tudo, a perceber o papel das
construções narrativas como “central na produção do mundo social” (p. 4), e a
pensar as conseqüências teórico/práticas desse constructo que reposiciona a todos
os envolvidos como “co-autores”, não devendo mais os participantes serem vistos
como “atores sociais”. Retomada a “dimensão generativa” da linguagem, a
conversação torna-se o foco de ação do psicólogo, na condição de “âmbito em que é
possível compartilhar significados e negociar diferenças” (p. 5), o que se torna
possível, mediante o uso da cooperação como organizador do encontro.
O foco nos significados construídos nas relações e na realidade entendida
como uma construção social, que nos leva a repensar imediatamente as
intervenções do psicólogo, tem alimentado a construção de novas designações para
sua atuação, assim como um repensar sobre a Clínica Psicológica. Qual seria seu
53
novo status perante este reposicionamento tanto teórico quanto prático frente ao
social? Os settings defendidos por diferentes linhas psicoterapêuticas ganham ou
perdem ao considerar o social como seu objeto de trabalho? Macedo (2004, p.03)
em artigo escrito para o Jornal do Psicólogo, nos ajuda nessa reflexão, defendendo
a ideia de que o psicólogo clínico “tem espaço para atuar em qualquer setting ou
contexto”, se adotar uma conceituação para o termo clínica como denotando uma
“postura profissional”, uma “atitude”.
Essa atitude refere-se, em meu entender, essencialmente à competência
cultural do profissional, ou seja, sua “capacidade de reconhecer a diversidade,
respeitá-la e agir de acordo com ela” (MACEDO, 2004, p.3). O que remete
necessariamente a uma “postura éticade cuidados com a legitimidade do outro e
sua subjetividade, assim como com o autoconhecimento do profissional. É esse o
tema de nosso próximo capítulo.
2.1.5 CAPÍTULO V - A Competência Social do Psicólogo
Nos capítulos anteriores foram construídas reflexões sobre as novas
demandas da Psicologia, articuladas em torno de desafios que incluem a
competência para a assimilação do novo, iniciando pelo exercício de pensar a
complexidade, acrescido da consideração do social, dentro da visão sistêmica novo-
paradigmática, que demanda a legitimação do outro como legítimo outro e como
especialista em sua própria vida, culminando, na dimensão política, com o cidadão.
Estarão os psicólogos preparados para atender, ou realizar um encontro terapêutico
com o cidadão?
A necessidade de novas competências se constrói também, como se viu,
motivada pela inadequação das técnicas e teorias psicológicas tradicionais, que
foram se revelando incompetentes frente às novas demandas, especialmente no
trabalho realizado em contexto de alta vulnerabilidade social. Apesar de
significativas conquistas de espaço de trabalho junto às instituições públicas e
privadas que atendem essa população, e de importantes avanços na política de
saúde pública, que instituíram o SUS - Sistema único de Saúde - o que se é um
verdadeiro desencontro entre a prática psicológica oferecida e desenvolvida até
então, e a população que chega a essas instituições. Na verdade, pesquisadores,
54
como Dimenstein (2009), afirmam que não está havendo capacitação profissional
sintonizada com os princípios do SUS.
O encontro e o desencontro da Psicologia com essa camada da população
tem sido tema do CNP (Congresso Nacional de Psicologia) desde o princípio de sua
existência, sendo palco de mobilização da categoria para a discussão de “quais
ações devem ser empreendidas e como construir mecanismos mais eficientes e
parâmetros mais claros para fortalecer o vínculo do exercício profissional com as
necessidades sociais”, conforme afirma a presidente do CRP SP em entrevista
para o Jornal de Psicologia (2007). O social que daqui emerge, atrelado às
necessidades sociais da população que vive em condições de vulnerabilidade,
mostra-se alinhado com o social presente nos trabalhos que se dedicam a tratar das
consequências, nas relações e na subjetividade, da desigualdade vivida e sentida
por essa população em sua rotina de sobrevivência, que inclui os múltiplos
atendimentos institucionais. Traz o “cidadão de direitospara o cenário psicológico,
desde o contexto psicoterapêutico.
O social desta pesquisa olha para este cidadão de direitos, compartilhando
de suas preocupações, mas acrescido, e enriquecido, pelo olhar sistêmico que traz,
a meu ver, o cidadão socialmente reconhecido legitimado em seus direitos pelo
pertencimento, pela visão da rede social, que o inclui, compondo, com todos, o
mesmo sistema social. De que forma as implicações dessa visão, atingem a
atuação/intervenção psicológica? Afinal, terapeuta e cliente compõem o mesmo
sistema, de lugares diferentes, mas o mesmo sistema. E o que teriam em comum?
Ambos teriam em comum a condição de cidadania, construída pelo mesmo sistema
social, que se sustenta pelas funções de cada um de seus elementos.
Uma posição “hermenêutica e interpretativa”, como utilizada por Anderson e
Goolishian (1993), ao tratar de uma abordagem terapêutica, esclarece-nos a respeito
de qual seria o amálgama desse social, ou seja, o que manteria um sistema em
funcionamento, o que o sustentaria? A resposta está nos significados “criados e
experimentados por indivíduos em conversação entre si” (p. 9). É a partir daí que se
constroem as “identidades narrativas” que passam a sustentar o lugar de cada um
em seus diversos contextos de vida. Esses autores usam o termo “competência”
para falar do novo lugar do terapeuta a partir dessa visão, definindo-a como “a
habilidade em participar deste processo” com o(s) cliente(s) (p.11). Colaboram para
(re)pensar essa competência tanto a posição influenciada pela hermenêutica
55
contemporânea, como as teorias e conceitos relacionados ao Construcionismo
Social, Linguagem e Narrativa.
O movimento, em minha opinião, é de um repensar do social, a partir de sua
“interconstituição” com o individual (GRANDESSO, 2000, p. 104), construindo
demandas para “uma psicologia que prioriza o indivíduo e o social como
complementares”, orientando-se “para a complexidade” (p. 110), desconstruindo
dicotomias, dando espaço para o dialógico. E principalmente, fazendo repensar a
competência do profissional que atua a partir dessa visão, sendo este levado a
questionar sobre suas intervenções
As contribuições apresentadas de Macedo (1984, 2001), Grandesso
(2000), Waldegrave (2001), Pakman (1993, 1998, 1999), Andrade (1999),
Dimenstein (2001, 2009), Aun; Vasconcellos; Coelho (2005, 2007), Souza et al
(2007), ao pensar a Psicologia e suas novas demandas, referem-se tanto à
formação teórica e técnica, como ao conjunto de recursos e estratégias utilizadas no
dia a dia de suas intervenções. Mas referem-se também, e principalmente, às
atitudes desenvolvidas e apresentadas na relação com o(s) cliente(s), nas mais
diversas situações inerentes a esse contexto de trabalho, dando destaque à
dimensão ética dessa relação.
Esse conjunto, que inclui o conhecimento adquirido, as habilidades
desenvolvidas e as atitudes apresentadas, é o que aqui trataremos como
competência, de acordo com a construção de Fleury e Fleury (2001) em trabalho
sobre a Construção do Conceito de Competência. Uma conceituação alinhada com
uma leitura de mundo construída a partir da complexidade, ao se diferenciar do
modelo “taylorista” como “um conjunto de habilidades e requisitos definidos a partir
do desenho de um cargo”-, preocupados que estavam em buscar uma definição que
“atendesse às demandas de uma organização complexa, mutável, em um mundo
globalizado” (p. 185).
Para tanto, apóiam-se nas ideias de Zarifian (1999 apud FLEURY; FLEURY,
2001, p.186) que amplia o conceito de competência, segundo eles colocando-o
“além do estoque de conhecimentos teóricos e empíricos detido por um indivíduo”,
assim como além do que se encontra “encapsulado em uma tarefa”. Zarifian se
reporta a uma “inteligência prática” para pensar competência nos dias atuais, cuja
definição merece aqui um destaque em função de sua adequação ao momento de
transição vivido pela Psicologia em sua interface com o social: “É a inteligência para
56
as situações que se apóiam sobre os conhecimentos adquiridos e os transformam
com tanto mais força, quanto mais aumenta a complexidade da situação”
Esses autores trazem ainda uma segunda definição de competência, vinda
de Le Boterf (1995 apud FLEURY; FLEURY, 2001, p. 187), importante para esta
pesquisa, por afirmar que “as competências o sempre contextualizadas”. Esse
autor nos aponta para “um saber agir responsável” que implicaria em “saber como
mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades, num
contexto profissional determinado” (p. 187). o se trata justamente de uma
adaptação a um “contexto profissional determinado”, o que vive o psicólogo
brasileiro que vem atuando junto às instituições? Podemos falar de uma
contextualização de seu conhecimento para o desenvolvimento de habilidades e
atitudes mais eficientes nas intervenções realizadas junto a essa população?
Pensar a competência profissional considerando o “saber agir responsável”,
coloca-nos frente a frente com as questões éticas de qualquer atuação profissional.
“A dimensão ética faz parte da competência profissional, qualquer que seja o espaço
de atuação dos indivíduos”, afirma Rios (2004) na Introdução de seu livro intitulado
“Ética e Competência”. Suas reflexões, embora dirigidas aos profissionais da
Educação, vieram agregar-se às minhas preocupações que mobilizaram esta
pesquisa, reforçando-lhes a relevância.
Rios (2004, p.10) começa por introduzir a dimensão ética como aquela que
faria uma “mediação”, no sentido de quebrar dicotomias, entre as dimensões técnica
e política, que formariam o “duplo caráter” da competência, lembrando que são
“dimensões distintas, mas profundamente articuladas”. Tal reflexão implica, para o
psicólogo, em repensar ou problematizar o uso automatizado, independente de
contextos e demandas da população, de técnicas e teorias previamente assimiladas.
Qual seria o nosso “saber fazer bem”? A autora faz uso dessa expressão para,
refletindo sobre o advérbio “bem”, lembrar que ele diz respeito tanto à verdade, no
sentido de conhecimento, como ao valor, do ponto de vista da atitude. Mas de que
forma esta consciência poderia contribuir para um trabalho mais eficiente em nossa
área de atuação?
A reposta vem, a partir da Filosofia, com a ideia de que, uma “perspectiva
ética” inclui a “problematização de valores” que fundamentam uma prática, uma
“reflexão crítica” sobre “determinados valores presentes no comportamento humano
em sociedade” (RIOS, 2004, p. 19)
. Uma resposta que nos remete às reflexões de
57
Macedo (2001), ao dissertar sobre a necessidade de um constante “auto-escrutínio”
do psicólogo a respeito dos valores, crenças e pressupostos que sustentariam sua
prática, levando-o a pensar a sua “Competência Cultural” para atuar no contexto da
diversidade.
A preocupação que se detecta em ambas as autoras (Macedo e Rios), traz,
em minha análise, a consideração dos efeitos das ações/intervenções psicológicas
sobre a sociedade e aqui competência se atrela ao social - no tocante ao “papel
que desempenha e deve desempenhar na sociedade” (RIOS, p. 11) ou, dito de outra
forma, “à nossa responsabilidade como profissionais e formadores, no trabalho com
clientes diversos, quanto à cultura, raça, gênero, nível social, econômico e tantos
outros” (MACEDO, p. 47). Portanto, para pensar nossa competência, nosso fazer
bem” como psicólogos, somos convidados, pela perspectiva ética, a refletir e
problematizar nosso papel na sociedade.
Importante contribuição de Rios (2004), para nossos propósitos nesta
pesquisa, vem da diferenciação da ética e da moral. A autora resume assim sua
análise: “A moral, numa determinada sociedade, indica o comportamento que deve
ser considerado bom e mau. A ética procura o fundamento do valor que norteia o
comportamento, partindo da historicidade presente nos valores” (p. 24). Tal
afirmação nos leva novamente a considerar a necessidade de contextualização, de
reflexão “a partir da situação, do contexto social que envolve a educação” (RIOS, p.
29), ou, em nosso caso, que envolve a ação do psicólogo.
A “Competência Social” que construo e apresento neste trabalho de
pesquisa é, portanto, constituída a partir da competência ética que envolve um
compromisso com a sociedade, assim como com o constructo teórico que vem do
pensamento sistêmico que advoga a favor da constante interconstituição do
individual e do social, que responderia às novas demandas dirigidas aos psicólogos
que atuam junto às instituições.
A escolha por este termo - Competência Social - corre o risco de ser
compreendida como aquela que se refere ao funcionamento adaptado socialmente
de um indivíduo ou grupo, no sentido do “bom comportamento”. Mas, esclareço que
o “social” apresentado e utilizado neste trabalho, sem questionar ou desqualificar o
social do bom comportamento, ao pensar a competência profissional atrelada à
ética, acrescenta à adaptação social uma dimensão política de comprometimento
58
com a sociedade, assim como uma dimensão teórica epistemológica de
comprometimento com a contextualização dos fenômenos.
Justifico finalmente a escolha deste termo, a partir de minha própria vivência
profissional, que a partir da visão pós-moderna que norteia esta pesquisa, não se
nega o enredamento da história de vida do pesquisador com as suas construções
acadêmicas.
O interesse, melhor seria afirmar, a preocupação, com a competência do
psicólogo para atuar na interface com as questões sociais junto às instituições,
construiu-se principalmente durante anos de atuação como supervisora em uma
instituição que congrega profissionais que atendem crianças e adolescentes e que
vivem em contexto de pobreza. Psicólogos com diferentes formações e tempo de
experiência, oferecendo voluntariamente seu tempo de atendimento e recebendo,
também voluntariamente, supervisão semanal de seu atendimento, em grupo.
A formação e boa intenção de cada um, não evitavam o impacto das
questões sociais inerentes à vida daquelas crianças e suas famílias, fazendo-nos
sentir, com os recursos desenvolvidos a então, muitas vezes, não apenas
impotentes perante histórias de dor e sofrimento, que invadiam as quatro paredes do
atendimento, como incompetentes perante as demandas que se apresentavam junto
com os sintomas trazidos como queixas individuais. O exercício exigido nesse
momento era o de manter o foco no caráter psicoterapêutico do encontro sem,
entretanto, negar a existência do contexto social.
Sendo minha supervisão amparada no referencial sistêmico, a tarefa passou
a ser não apenas deixar o social entrar sem ferir a ética profissional do encontro
psicoterapêutico, como torná-lo o contexto social uma potencial ajuda. Fomos,
portanto, em nosso grupo, agregando novas competências às já adquiridas em
nossa formação e construídas em nossas experiências. Competência que passei a
chamar de “Social”, não em oposição ao individual, mas em consideração aos
engendramentos do contexto.
59
3 MÉTODO
O caminho percorrido por essa pesquisa, em direção a seus objetivos, se
revelou fértil aos meus olhos, favorecendo uma rica aproximação do universo vivido
e construído pelos psicólogos, participantes, assim como o diálogo com os seus
referenciais teóricos. Um caminho que buscou estar atento àquilo que entende como
as novas demandas da Psicologia em um mundo que transita para a Pós-
Modernidade. Um caminho composto pelas perguntas feitas no encontro com o que
estava disponível no contexto.
3.1 Tipo de Pesquisa
O tipo de pesquisa escolhido, por ser o mais condizente com nosso
referencial teórico, associado ao pensamento sistêmico novo paradigmático, foi a
Pesquisa Qualitativa, por reconhecer e legitimar o lugar do pesquisador/observador
como “parte integrante do processo de conhecimento” (CHIZZOTTI, 2001, p.79) e
principalmente por reconhecer sua posição de construtor de significados dos
fenômenos estudados.
Ao entender que nosso campo de estudo nesta pesquisa não traz consigo
uma realidade palpável e fixa, sendo constituído de seres que constroem
significados e relações a partir de suas ações profissionais, não se pretendeu
quantificar, dirigindo-se isto sim para a análise de “atitudes, expectativas, valores...”,
configurando-se a nosso ver uma situação que “implica estudos de conotação
qualitativa” (RICHARDSON, 2009, p.80).
O nível de pesquisa pode ser definido como exploratório descritivo, pois
buscou conhecer um pouco sobre um fenômeno ainda pouco conhecido - o contexto
de trabalho dos psicólogos em instituições que atendem as famílias pobres -, assim
com desejou descrever características deste contexto. Esta definição baseia-se nos
ensinamentos de (RICHARDSON, 2009)
Para conhecer e refletir sobre o trabalho desses profissionais que na sua
prática elaboram conhecimento e alternativas de ação, como membro do sistema,
pareceu bastante adequada a ideia de conhecê-los e ouvi-los, em interação com
seus colegas, que desenvolvem trabalhos em contextos semelhantes.
60
O Grupo Focal, sendo “uma técnica de pesquisa que coleta dados, por meio
de interações grupais ao se discutir tema especial sugerido pelo pesquisador”,
segundo definição de Morgan (1997) apresentada por Gondim (2003, p.4), revelou-
se útil para a compreensão e reflexão a respeito de uma realidade particular,
tipificando uma abordagem qualitativa.
Outro ponto favorável para a escolha do Grupo Focal como técnica de
pesquisa foi o fato de preservar a conversa (e escuta) dialógica, que respeita e
legitima diferentes lógicas presentes, considerando-se que o objetivo não é o de se
chegar a um consenso, e sim o de que “todos tenham possibilidades equânimes de
apresentar suas concepções e que elas sejam discutidas e refinadas” (NETO;
MOREIRA; SUCENA, 2002, p. 06). Tal característica alinha-se tanto com os
pressupostos epistemológicos do pensamento sistêmico novo paradigmático, como
com os delineamentos de uma pesquisa qualitativa.
Pareceu-nos também condizente, como método de análise e tratamento das
comunicações colhidas nos grupos, o uso de técnicas da Análise de Conteúdo,
utilizada particularmente para a análise de material de tipo qualitativo, tendo o
objetivo de “compreender melhor um discurso, de aprofundar suas características e
extrair os elementos mais significativos”, baseando-se em “teorias relevantes que
sirvam de marco de explicação do pesquisador”. (RICHARDSON, 2009, p.224)
.
Para tanto foi feita uma análise do texto transcrito, uma codificação e
categorização da informação, sendo definida como nossa unidade de registro o
tema, considerando indispensável em estudos sobre valores, conceitos, atitudes,
crenças.
3.2 Participantes
Os participantes desta pesquisa foram psicólogos que atuam em instituições
que atendem a população que vive em situação de risco na região de São José dos
Campos. A seleção foi realizada a partir das entidades conveniadas com a
Secretaria de Desenvolvimento Social de São José dos Campos, pertencentes aos
segmentos: Criança/Adolescente, Família e Idoso. A fonte nos pareceu conveniente
por estar a referida Secretaria, conforme sua página eletrônica,
trabalhando com
base na Política Nacional de Assistência Social de 2004, que define como eixo
61
principal das ações da Política Municipal de Assistência Social “a
Família/Comunidade como elo integrador das ações e foco dos programas
específicos”. E é essa Secretaria que tem como atribuições o “planejamento,
controle, avaliação, divulgação e articulação com a rede de atendimentos do
Município”.
Um segundo critério relacionou as entidades conveniadas ao Índice Paulista
de Vulnerabilidade Social (2000) que a partir de “um gradiente das condições sócio
econômicas e do perfil demográfico da população” (FUNDAÇÃO SEADE), avalia as
situações de maior ou menor vulnerabilidade às quais a população se encontra
exposta, distribuídas em 6 grupos que vão de nenhuma a muito alta vulnerabilidade.
Nosso grupo de profissionais participantes saiu de instituições que atendem a
população que vive em regiões de média, alta e muito alta vulnerabilidade. A
distribuição da população de São José dos Campos, segundo O IPVS, pode ser
vista na página eletrônica da Fundação Seade.
A escolha do Índice de Vulnerabilidade se justifica por se tratar de uma
forma de definir a pobreza que contempla mais a complexidade do fenômeno, à
medida que considera ltiplos fatores e suas interações, sem recorrer a recortes
lineares e preconcebidos dos contextos de pobreza.
Verificada a existência do profissional psicólogo em cada uma dessas
instituições, foram selecionados aqueles que estavam atuando em sua entidade
pelo menos 1 ano, incluindo diferentes áreas de formação da Psicologia, com ou
sem especializações, pois o intuito era dialogar com um grupo que estivesse
próximo da realidade desse contexto de trabalho que muito provavelmente comporta
uma diversidade de formações.
Foi considerado também, como importante critério para a inclusão desse
profissional em nossa amostra de pesquisa, saber se ele, após conhecer os
objetivos e a metodologia da pesquisa, sentia que tinha algo a dizer e se era
confortável para ele, fazê-lo em grupo. O alerta para a “potencialidade de cada
participante para contribuir na discussão do tema” vem das ideias de Gondim (2009)
em artigo sobre Grupos Focais (p. 10).
O número de participantes, como próprio de uma pesquisa qualitativa, não
foi definido a priori. Fazendo uso da técnica do Grupo Focal, o critério seria o de
saturação teórica, indicando que os grupos não eram mais capazes de produzir
novidades em suas falas. E o número de elementos por grupo deveria variar entre 6
62
e 10, dependendo do número de profissionais selecionados. No entanto, na
realidade encontrada, foi possível a realização do primeiro grupo, com 5
participantes.
3.3 Instrumentos para Coleta de Dados
a) Questionário (Apêndice A) - Foi utilizado um questionário com questões
abertas e fechadas, para a caracterização dos participantes e possíveis correlações.
Foi pensado como um instrumento auxiliar para alcançar nossos objetivos,
considerando que “uma descrição adequada das características de um grupo não
apenas beneficia a análise a ser feita por um pesquisador, mas também pode ajudar
outros especialistas.” (RICHARDSON, 2009, p.189).
b) Grupo Focal - Recurso usado para “compreender o processo de
construção de percepções, atitudes e representações sociais de grupos humanos”
(GONDIN, 2001, p.04), o Grupo Focal foi utilizado como instrumento principal de
coleta de dados, a qual se realiza por meio das interações grupais ao se discutir um
tópico especial sugerido pelo pesquisador. Trata-se de “uma forma especial de
entrevistar grupos de pessoas” (BERTHOUD, 2001, p.7), próprio da pesquisa
qualitativa que vem sendo utilizado para ajudar no conhecimento e compreensão de
um tema de interesse.
O grupo foi conduzido, conforme autores citados, de forma a favorecer o
diálogo entre os participantes (com características específicas em comum),
buscando que todos se manifestassem a cada questão apresentada pelo
moderador, em uma construção onde seus membros podiam tanto influenciar como
ser influenciados pelos outros.
A discussão foi mantida com foco nos objetivos da pesquisa. Para tanto, o
pesquisador fez uso de um roteiro - um Guia de Entrevista Parcialmente Estruturada
- (Apêndice B) “que permite ao entrevistador utilizar um ‘guia’ de temas a ser
explorado durante o percurso da entrevista” (RICHARDSON, 2009, p.210), partindo
de perguntas mais gerais para as mais específicas, com a liberdade de introduzir
questões novas.
A posição do pesquisador como Moderador foi a de conduzir a conversação,
sem muitas intervenções, cobrindo “a máxima variedade de tópicos relevantes sobre
63
o assunto, permitindo que a discussão flua...” (MORGAN, 1997 apud GONDIM, p. 7).
Além do moderador, a equipe foi constituída por um Co-moderador, profissional com
familiaridade com a pesquisa e a temática em discussão, que, junto com o
Moderador cuidou da fidelidade ao foco e do favorecimento de que todos se
manifestassem na medida de suas possibilidades; e por uma Assistente, psicóloga,
que cuidou das condições da condução do grupo, desde a recepção até a gravação
do encontro, tendo participado também dos sumários finais, que encerraram o grupo,
e do pós-grupo para recuperação e registro dos principais pontos (Memo).
3.4 Procedimento
O presente trabalho de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para a devida apreciação antes de
sua aplicação, tendo sido aprovado em 30 de novembro de 2009, protocolo n.
282/2009.
Como primeiro passo, foi realizado consulta à lista de entidades
credenciadas junto a Secretaria de Desenvolvimento Social de São José dos
Campos, para que se pudesse detectar a existência do profissional psicólogo em
cada uma, via contato telefônico.
Após autorização escrita das instituições, usando-se um Modelo de Termo
de Consentimento Institucional (Apêndice E), foi feita uma abordagem inicial com
esses profissionais, para, após esclarecimentos sobre objetivos e metodologia da
pesquisa, saber de seu interesse em participar, investigando se ele sentia ter algo a
dizer e se costumava sentir-se bem em situações de grupo. Aos interessados foi
apresentada a data do que seria o primeiro grupo focal, para saber de sua
disponibilidade. Desse grupo de interessados e disponíveis, foram selecionados seis
participantes, evitando-se os que pertenciam à mesma instituição.
A acessibilidade como critério de composição do grupo dos participantes,
mostrou-se alinhada aos objetivos desta pesquisa, onde interessa tanto o consenso,
favorecido por um grupo homogêneo, como as divergências ou antagonismos,
favorecidos pela heterogeneidade, não se tornando útil decidir se a priori por uma ou
outra configuração.
64
Aos participantes foi dado um TCLE - Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Apêndice F), para que ficassem devidamente informados do teor da
pesquisa, assim como sobre o caráter sigiloso de sua participação. E para que
pudessem assinar sua ciência e consentimento.
Definido aquele que seria o primeiro grupo de participantes, foi aplicado o
questionário investigativo (Apêndice A) do contexto pessoal de cada participante,
incluindo formação e experiência profissional, assim como dados sócio-
demográficos.
Antes da realização do Grupo, foi realizada uma reunião da equipe que o
conduziria - Moderador, Co-moderador e Assistente - para discussão e familiaridade
com o Guia de Entrevista Parcialmente Estruturada (Apêndice B), assim como
retomada dos objetivos da pesquisa, para garantir o foco da discussão.
O encontro da equipe com o grupo de participantes, se deu no consultório da
pesquisadora, tendo sido gravado para posterior transcrição, com duração de 2
horas e meia, com o comparecimento de 5 dos 6 psicólogos agendados. Após
encerramento com o grupo, permaneceu a equipe para um debate sobre principais
temas, percepções e ideias de cada um. O relato - Memo - (Apêndice C) foi
realizado pela Moderadora nos dias seguintes ao encontro. A transcrição do
conteúdo foi realizada pela Assistente que compunha a equipe condutora do grupo.
3.5 Análise de Dados
As respostas dadas aos questionários foram organizadas em Quadros (de
01 a 08), e analisadas de acordo com objetivos da pesquisa, em diálogo com seu
referencial teórico.
Para a análise do material transcrito do Grupo Focal, foram utilizadas
algumas ferramentas qualitativas do método de Análise de Conteúdo.
A partir da escolha do tema como unidade de registro, considerada a “mais
útil em estudos sobre representações sociais, opiniões, expectativas, valores,
conceitos, atitudes e crenças” (OLIVEIRA, 2008, p. 02), foi realizada a Análise
temática do conteúdo (Apêndice D). A seguir uma categorização inicial (Quadro 9)
foi feita, a partir dos temas, que emergiram na discussão das questões apresentadas
com base no Guia de Entrevista. A análise posterior de cada categoria (Quadros de
65
10 a 17) construiu subcategorias, que resultaram da “classificação progressiva dos
elementos”.
Como último passo, as categorias e respectivas subcategorias foram
discutidas à luz das teorias que dão sustentação à pesquisa, configurando a
chamada fase de interpretação, e aqui chamada de Discussão.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Passo aqui a discutir meus resultados - material obtido a cada passo -
seguindo o caminho metodológico percorrido, desde os primeiros contatos, que
possibilitaram reflexões a respeito do universo do psicólogo nas instituições, aa
realização, registro e análise do Grupo Focal.
4.1 A composição do Grupo de Participantes
Com a autorização inicial da Secretaria de Desenvolvimento Social de São
José dos Campos (SDS) para contatos com as 55 entidades conveniadas,
descobriu-se que apenas 23 delas afirmavam ter psicólogos atuando em sua equipe,
distribuídos da forma apresentada na tabela seguinte.
Situação Quantidade
Tem psicólogos 23
Contratados 12
Voluntários esporádicos 6
Voluntários freqüentes 3
Voluntários em consultório 2
Não tem psicólogos 32
No momento 5
Permanente 27
Tabela 1 - Distribuição dos Psicólogos entre as Instituições Conveniadas.
Fonte: Secretaria do Desenvolvimento Social de São José dos Campos.
66
A pesquisa revela-nos de imediato um fato surpreendente para uma cidade
que se insere entre as mais ricas e desenvolvidas de nosso país: existem apenas 12
psicólogos contratados, estando o restante (entre as 23 entidades que contam com
o trabalho desse profissional), envolvido com o trabalho voluntário. Pode-se
compreender essa situação dentro do recente desenvolvimento do chamado
Terceiro Setor em nosso país que, se por um lado, incrementou a acessibilidade da
população aos mais diversos tipos de serviços, também pode ter incrementado o
trabalho não ou mal remunerado dos profissionais. Ao se considerar ainda que entre
as 32 entidades que não contam com o trabalho psicológico, algumas delas (em
contato telefônico) afirmaram não ter mais, ou ainda entender como melhor um
Assistente Social, pode-se pensar na não valorização e/ou no não conhecimento do
trabalho do psicólogo.
Esse fato, compreendido dessa forma, pode corroborar afirmações dos
pesquisadores consultados como nosso referencial, no sentido de que, embora as
leis (LOAS) que se referem ao “atendimento da população carente” pretendam
“operar sob a estrutura de uma política pública de Estado”, saindo do campo do
voluntarismo e abandonando um modelo assistencial hegemônico, ainda nos
deparamos com uma realidade das práticas menos avançada e efetiva do que
preconizam as leis (MACEDO, 2009, aula NUFAC). Embora não se possa, e nem se
deva associar o trabalho voluntário a assistencialismo, pois pode existir o
voluntarismo associado às novas demandas e com capacidade de desenvolver
“novas formas de atuar e intervir na realidade” (ANDRADE, 1999, p 67), acolhendo o
processualmente emergente”.
A não compreensão ou não valorização do trabalho desse profissional pode
revelar ainda dificuldades advindas da inserção do trabalho do psicólogo junto às
instituições, no sentido de uma “desorientação profissional” (CARVALHO, 1983 apud
MACEDO, 1984, p.20), um desencontro entre um profissional que não recebe
formação para o trabalho em diferentes contextos, e instituições que não possuem
uma demanda definida, “não sabendo o que exigir do psicólogo”. Muito se construiu
para que esta inserção se desse de forma efetiva e significativa, com a criação do
CREPOP (BRASÍLIA, 2006), um Centro de Referências criado pelo nosso Conselho
Federal por meio de seu Sistema Conselhos, que tenta fazer acontecer o
preconizado por nossas avançadas leis, oferecendo reflexões e diretrizes para a
atuação do psicólogo junto a Assistência Social, mas ainda nos deparamos com
67
situações de desorientação, como as vivenciadas nesta pesquisa neste primeiro
contato com as instituições.
Dos contatos realizados com os psicólogos atuantes (contratados e
voluntários) descobriu-se que, embora mostrassem interesse, alguns o se
mostraram disponíveis. Assim o grupo de possíveis participantes foi diminuindo,
muito além das expectativas iniciais. E foi constatado ainda que, do grupo dos
interessados e disponíveis, alguns pertenciam à mesma instituição, e por isso não
foram colocados no mesmo grupo. O trabalho foi, portanto, realizado com 5
participantes, pois o sexto agendado (contava-se com um mínimo de 6 elementos
para a realização do grupo) não pode comparecer. Os contatos retomados, após a
realização do primeiro Grupo Focal, não foram de sucesso, não se conseguindo a
adesão mesmo daqueles que haviam se mostrado anteriormente disponíveis,
inviabilizando a realização dos demais grupos, conforme planejado.
O grupo constituído como o de participantes revela, a meu ver, portanto,
mais do que interesse e disponibilidade. Revela também, muito provavelmente,
generosidade, preocupação com a comunidade atendida e com a profissão da qual
faz parte, assim como abertura para refletir em grupo. Aqui começa a se construir
sua caracterização que passa a ser apresentada no tópico seguinte, a partir das
respostas dadas ao questionário.
4.2 Análise dos Questionários
Os dados referentes às características sócio-demográficas dos participantes
(questões 1 a 9) estão apresentados no Quadro a seguir, com a intenção de nos
ajudar a contextualizar os demais resultados, lembrando que, por intermédio das
lentes da s-Modernidade, um pesquisador ou profissional não tem que se
desvestir de sua história , sabendo que o conhecimento aqui é visto como “o
resultado da interação global do homem com o mundo ao qual pertence”
(NAJMANOVICH, 1998, p.63).
68
Partici-
pante
Sexo Idade
(anos)
Estado
Civil
№ de
Filhos
Religião
Classe
Social
da F.O.*
Classe
Social
da F.A.*
Filiação
Político
partidária
Posição
na F. O.
P1
Fem. 44 Solt. 1 Católica
Média Média Não 1ª de 2
P2
Fem. 41 Cas. 0 Católica
Média Média Não 11ª de 13
P3
Fem. 34 Solt. 0 Católica
Média Média Não 4ª de 4
P4
Fem. 41 Div. 1 Espírita
Média Média Não 2ª de 3
P5
Fem. 32 Solt. 1 --- Média Média Não 1ª de 5
Quadro 1 - Características Sócio-Demográficas dos Participantes.
*F.O. = Família de Origem; F.A. = Família Atual
Deparamo-nos então com um grupo composto por mulheres, repetindo a
realidade da Psicologia em nosso país, como uma profissão feminina. Estarão as
psicólogas também em maior número no trabalho junto às instituições? E são
mulheres pertencentes a uma fase de maior maturidade do ciclo vital, mas com um
núcleo familiar pequeno, quando comparado às famílias de origem (de 2 a 13 filhos),
sendo 3 delas solteiras e uma divorciada, com um ou nenhum filho. Das famílias
maiores talvez venha um favorecimento para o trabalho em grupo e com a diferença,
desafios inerentes ao trabalho no contexto da pobreza.
A realidade do necessário trabalho com a diferença sócio cultural revela-se
no fato de que todas as participantes avaliam-se, tanto na Família de Origem como
na Atual, como pertencentes à classe média, dentro de uma vivência muito
provavelmente diferenciada da população com a qual trabalham. Destaca-se
também o fato de nenhuma delas haver mudado de classe social, mantendo-se na
da família de origem, levando-nos a refletir sobre suas ambições (com escolhas de
trabalho com pouco retorno financeiro ou nenhum no caso do voluntário) e valores.
E por último destaca-se o fato de nenhuma delas confirmar uma filiação
político partidária, um lado engajado que poderia ser esperado de quem se envolve
em seu trabalho com pontos nevrálgicos da desigualdade social. O Quadro 2, a
seguir, nos ajuda à compreender um pouco mais sobre o contexto de vida dessas
pessoas a partir de suas histórias de formação.
69
Partic.
Curso
Fundamental
& Médio: em
Escola
Curso
Superior
em
Escola
Ano de
Graduação
Trabalho
durante
Graduação
Estágios
em
Instituições
Especializações Continuidade da Formação
P1
Pública e
Privada
Privada 1989 Sim
(Prefeitura)
Sim Nenhuma Sem planos
P2
Pública Privada 1991 Sim
(Empresas)
Sim Violência Doméstica
Terapia de Casal e Família
Planos de Mestrado em Terapia Narrativa
P3
Pública e
Privada
Privada 2002 Sim
(Creche)
Sim Psicologia Hospitalar Planos de especialização em Sistêmica ou
Logoterapia
P4
Pública Privada 1992 Sim
(Banco)
Sim Nenhuma Planos de especialização em Sistêmica
P5
Privada Pública 2001 Sim
(Bolsa)
Sim Nenhuma Cursando Orientação Profissional e
Psicopatologia
Quadro 2 - Formação dos Participantes.
69
70
O Quadro 2 nos fornece um panorama da formação dos participantes
(questões 10 a 16), ajudando-nos a compreender melhor a classe cio-econômica
da qual têm feito parte, pois vemos que as escolas de ensino fundamental e médio
foram apenas públicas para duas delas e públicas e privadas para outras duas,
provavelmente em função de uma família de origem que não podia arcar com os
custos do ensino privado. As Faculdades, privadas para essas quatro participantes,
foram provavelmente pagas por elas, visto que todas afirmam ter trabalhado durante
a graduação. Já a única delas que só estudou em escolas privadas nos anos
anteriores à graduação, cursou uma universidade pública, confirmando mais um
paradoxo da sociedade brasileira. Mas sendo por motivações econômicas ou não,
temos aqui um grupo de profissionais composto por pessoas ativas que já trabalham
durante a graduação, e buscam estágios em instituições, marcando seu interesse
e olhar.
Pelos anos de graduação (uma média de 20 anos de formação para três
delas e de 10 anos para as outras duas), vemos tratar-se de um grupo experiente e
maduro, mas que investiu pouco em especializações (apenas duas já fizeram),
embora tenham planos de continuação em sua maioria. Serão as limitações
financeiras impedindo um maior investimento em estudos? Pois se os planos
existem, o que as impediria? Dentro dos planos de continuação de formação chama
a atenção o fato de, apenas uma das participantes, buscar cursos dentro de áreas
mais tradicionais da Psicologia, que sustentariam, mais provavelmente, uma atuação
na clínica particular. As demais parecem confirmar uma busca do novo, frente às
novas demandas da Psicologia na Pós-Modernidade.
Para esta reflexão, sobre a busca do novo, podemos nos amparar nos
panoramas apresentados nos Quadros 3 e 4, que apresentam as experiências
profissionais em Psicologia, anteriores e atuais, respectivamente, onde podemos
vislumbrar por onde andaram e andam em suas caminhadas profissionais.
71
Partici-
pante
Áreas de Atuação Tempo de
Atuação (anos)
Atividades Principais Motivos da Saída Atividades Político-
Sociais
P1
Clínica 13 Atendimento criança/Adolescente “Des-amor” Não
P2
Indústria 2 Recrutamento e Seleção Recolocação por concurso
público
Ações sindicais
Conselho de Direitos da
Criança e do Adolescente
CRP
Instituição Pública 7 Atendimento de situação de risco Recolocação para novo
projeto
P3
Social 5 Atendimento e individual e em grupo Troca de Diretoria
Não
Social 1 Atendimento e individual e em grupo
Escolha de outra instituição
P4
Institucional 4 Grupos sócio educativos
Atendimentos individuais
Não renovação de contrato
Não
Clinica e
Institucional
4 Grupos multifamílias Quebra de afinidade com a
instituição
P5
Escolar 1-3 Orientação para pais, alunos e
professores
Orientação profissional
Mudança de objetivo
profissional
Conselho de Estudantes
Centro Acadêmico
Social 1 Grupo multifamilia
Acompanhamento alunos
Reunião de equipe
Projeto não aprovado por
patrocinador
Quadro 3 - Experiências Profissionais Anteriores em Psicologia.
71
72
Vemos nesse quadro um grupo atuante nas mais diversas áreas, mas
trazendo o social e o institucional junto com as atuações mais tradicionais na história
da Psicologia brasileira (clínica, escolar, indústria). Na descrição das atividades
consideradas como principais nessas experiências anteriores, se destacam as ações
com grupos, confirmando uma preferência revelada posteriormente no Grupo Focal.
Parece que o caminho para o trabalho institucional no contexto da pobreza passa
pela abertura para o desenvolvimento de trabalhos com grupos, na realidade
apresentada por este grupo de participantes.
As participantes, mediante os motivos da saída, contam-nos de uma
caminhada marcada tanto pelas contingências do funcionamento das instituições
(“troca de diretoria”), como pelo posicionamento e escolha do próprio profissional
(“falta de afinidade”) que mostra possivelmente uma não passividade perante as
prováveis adversidades do trabalho. O posicionamento mostra-se, pelo menos para
duas delas, no envolvimento com as atividades político sociais, pelas vias do
movimento estudantil para uma, e no envolvimento com a categoria profissional
(Sindicato e CRP) e de forma efetiva perante a sociedade (Conselho de Direitos da
Criança) para outra. São dados de relevância perante os propósitos desta pesquisa,
que o “desafio de mudar” para a Psicologia, segundo palavras de Macedo (1984,
p.21), apresenta-se “desde a formação básica até o nível de atuação social e
política”, na direção de um profissional “constituído pelo pessoal, político e
profissional” (GRANDESSO, 2000, p. 55).
O Quadro 4, exposto a seguir, vai nos apresentar a atual situação
profissional do nosso grupo de participantes, incluindo a especificação das
instituições aqui representadas.
73
Partici-
pante
Outros Trabalhos Atividade
considerada
principal
Instituição
representada
na pesquisa
Tempo
de
atuação
(anos)
Função Área em
que se
considera
trabalhando
Principais Atividades
P1
Não -- Pública 11 Psicóloga
Coordenação do
Projeto
Social e
Educacional
Coordenação de projeto
Articulação entre unidades
Formação de lideranças
P2
Consultório
particular;
Voluntariado em
atividades com
portadores de HIV
Voluntariado em
atividades com
portadores de HIV
Pública 17 Psicóloga Social Atendimento individual, familiar e
grupal
P3
Clinica particular Clinica particular Associada a
uma paróquia
2 Atendimento
Clínico
Social Plantão atendimento individual
Grupos de mulheres
P4
Consultório
Particular
Atendimentos
Individuais
ONG 3 Psicóloga Institucional - Grupos multifamílias
P5
Orientação
Educacional;
Consultório
Particular
Orientação
Educacional
Empresa sem
fins lucrativos
7 Psicóloga
Voluntária
Clínica - Atendimentos individuais de
crianças e adolescentes
- Orientação de pais
- entrevistas de candidatos a
voluntários
Quadro 4 - Experiências Atuais em Psicologia.
73
74
A coluna outros trabalhos (além do realizado na instituição representada
nesta pesquisa) revela-nos um consultório particular desenvolvido por quatro delas,
mas sendo considerada a atividade principal apenas por duas. A atuação paralela
em consultório pode aqui ser pensada, primeiramente, mediante do apego à tradição
da Psicologia, construída “sob o projeto epistemológico da modernidade”
(GRANDESSO, 2000, p. 54), atrelado ao “paradigma biomédico”, “vigente e
hegemônico até hoje” (WESTPHAL, 2007, p. 635) que à clinica privada um lugar
central, até mesmo de identidade, da profissão. Mas esta atuação paralela também
pode ser pensada não por intermédio da questão financeira (mais uma fonte de
ganhos), como por meio de uma clínica que comporta os avanços construídos a
partir das novas demandas da Pós-Modernidade, possível dentro deste nosso grupo,
que revela movimentos novos e diversificados desde suas atuações profissionais
anteriores.
Sobre a instituição representada na pesquisa, vemos que nas públicas estão
os maiores tempos de atuação (11 e 17 anos), provavelmente em função da
estabilidade inerente a esse tipo de emprego - o público-, mas também podendo ser
um fato pensado de acordo com a história do trabalho institucional, que se inicia,
impulsionado pelas leis, principalmente nos serviços atrelados à Saúde Pública.
Assim como pode revelar a persistência e adesão efetiva dessas profissionais a esta
nova área de atuação. A especificação de função ou cargo exercido mostra-se
claramente associada à identidade profissional - Psicóloga - revelando talvez que
novos contextos estão sendo assimilados, sem que se perca a referência
profissional. O que responde, de certa forma, à questão trazida por Aun (2007, p.37)
sobre “uma nova identidade do profissional que lida com as relações humanas”,
pensada perante “o domínio do intersubjetivo”, levando-a a declaração de uma crise:
“não sei dizer se continuo psicóloga”. Nossas participantes, independentemente da
consciência dos novos domínios, respondem que sim, pois se vêem como
psicólogas.
Quando se trata da área em que se consideram trabalhando, o social e o
institucional aparecem, sendo a clínica
citada apenas pela participante que atua na
instituição que oferece atendimento clínico às crianças e adolescentes. As principais
atividades desenvolvidas na instituição onde atuam revelam grande diversidade,
sendo o atendimento clínico mencionado entre outras. Estaria se construindo
justamente o “profissional da área social” que trabalharia “na interface entre várias
75
áreas da Psicologia”, como sinaliza o documento do CREPOP (BRASÍLIA, 2007, p.
20)?
As interfaces parecem estar sendo vivenciadas não apenas entre as várias
áreas da Psicologia, como também nos encontros com outras profissões. É o que
podemos avaliar no Quadro seguinte, que trata da participação em equipes
multidisciplinares.
Participante
Participação
Frequência
Objetivos
Os demais
profissionais
P1
Sim Semanal Estruturação de projetos
Planejamentos
Assistentes Sociais
Pedagogos
Psicopedagogos
P2
Sim Diária Discussão de situações
familiares
Atendimento conjunto
Reunião de equipe
Assistentes Sociais
Pedagogos
Médicos
P3
Não --- --- ---
P4
Sim Mensal Alinhamento de atuações
Troca de ideias e informações
Educadores/Artistas
Engenheiros
Advogados
P5
Não --- --- ---
Quadro 5 - Participação em Grupos Multi ou Interdisciplinares.
Vemos que as duas instituições mais focadas no atendimento clínico (das
participantes 3 e 5), não apresentam participação em equipes multi ou
interdisciplinares. Já, entre as que participam de equipes, as maiores frequências
(semanal e diária) são das instituições públicas (1 e 2), envolvendo profissionais
cuja interface com a Psicologia seja talvez mais evidente, diferentemente da ONG,
de reuniões mensais, e com maior diversidade de profissionais. A não existência
desse tipo de equipe no contexto de atendimentos clínicos tradicionais faz pensar
que ainda exista resistência à discussão e condução de casos com demais
profissionais envolvidos (fonoaudiólogas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais,
psiquiatras, professores, psicopedagogos), contrariando orientações e diretrizes, tal
como desenvolvidas nas Referências Técnicas desenvolvidas pelo CREPOP
(BRASÍLIA, 2007, p. 20) que preconiza uma atuação “integrada à “perspectiva
interdisciplinar”, “buscando a interação de saberes e a complementação de ações”.
Ou ainda na simples falta de condições para que isso aconteça dentro da instituição
em questão, podendo estar as públicas mais preparadas para esta atividade.
76
Além das relações entre áreas da Psicologia e entre demais profissionais, foi
investigada também as relações desenvolvidas com a comunidade à qual pertence a
população atendida. Os resultados são apresentados no Quadro 6, exposto a seguir.
Participante Relação com
a comunidade
Frequência Local Formas
P1
Sim “Variável” Na instituição Reunião de pais
Palestras
Atendimento indireto
P2
Sim “sempre que
necessário”
Na instituição ou
no serviço
envolvido
Contatos com a rede
de serviços: Saúde,
Social, Educação
P3
Sim Esporadicamente Na instituição Palestra
Atividades em grupo
P4
Sim Quinzenalmente Na instituição Grupos multifamílias
Palestras
Eventos
Encontros com
educadores
P5
Não --- --- ---
Quadro 6 - Especificação das Relações com a Comunidade Atendida.
As relações com a comunidade parecem ser compreendidas das mais
diversas formas, indicando ter em comum a crença de que se trata de atividades que
envolvem mais de uma pessoa (palestras, reunião de pais, eventos, grupos, grupos
multifamílias). E ainda contatos com os demais membros das equipes de trabalho
(contatos com a rede, encontros com educadores, reuniões extras). Não há relatos
de atuações mais abrangentes com as comunidades, no que tange à sua
organização de forma geral. Esta preocupação se constrói a partir da ideia de
Promoção da Saúde, termo que vem substituir o de Prevenção, dando voz a um
novo conceito de saúde que passa a ser considerada “de forma holística,
multideterminada, processual e ligada à direitos básicos do cidadão” (grifo meu)
(WESTPHAL, 2007, p. 659). Cuidar da saúde, também da mental, implica, portanto,
cuidar do cidadão, considerando os determinantes sociais do processo saúde
doença. Já em 1984, Mejias apontava para a Psicologia Comunitária, enquanto tecia
críticas a uma “psicologia associal” (p. 155).
Os dois últimos Quadros, 7 e 8, se referem à investigação dos apoios
técnicos e teóricos buscados e disponibilizados para os participantes.
77
Participante
Relação de
Supervisão
Iniciativa e
Responsabilidade
Financeira
Embasamento
Teórico
Específico
Es
pecificação
da Base
Teórica
P1
Não --- --- ---
P2
Sim Instituição e Particular Sim Sistêmica
P3
Sim Particular Não ---
P4
Sim Instituição Sim
Teoria
Sistêmica
P5
Sim Instituição Sim Psicanálise
Quadro 7 - Relações de Supervisão ou Intervisão para o Desenvolvimento do Trabalho.
Participante
Embasamento
Teórico/Técnico Específico
Especifique Base
Teórico/Técnica
P1
Sim Psicanálise
P2
Sim Sistêmica
P3
Não ---
P4
Sim Sistêmica
P5
Sim Psicanálise
Quadro 8 - Apoio em Linha Teórico e Técnica Específica para o Desenvolvimento do Trabalho.
Destaca-se no Quadro, que mostra a relação de supervisão como positiva
para quatro das participantes, a valorização desse apoio cnico pelas instituições, o
que pode se configurar como uma grande ajuda na construção desse novo lugar,
sem perder de vista os norteadores teóricos que, em momentos de crise, deverão ter
“como bússola”, segundo reflexões de Fuks (1999, p. 2), a “posição ética”,
“mantendo firmes os valores que norteiam nossas ações profissionais”.
O Quadro 8 confirma essa busca do embasamento teórico para o
desenvolvimento do trabalho, com exceção da participante de número 3 que declara
não ter embasamento teórico específico, mas que em outro momento ( Quadro 2)
diz ter planos de especialização “em Sistêmica ou Logoterapia”. A “Sistêmica”
aparece também como base teórico/técnica para duas delas, corroborando, muito
provavelmente, a ideia apresentada nessa pesquisa a respeito do alinhamento do
Pensamento Sistêmico Novo Paradigmático com as novas demandas da chamada
Ciência Pós Moderna. Aparecem também duas referências à Psicanálise, que de
fato tem seu lugar legitimado na história da Psicologia Clínica, mas que também vem
estendendo, por intermédio de seus estudiosos contemporâneos, sua abrangência
para o campo social. Foi apontada pelas participantes 1 e 5, sendo que a primeira,
na no Quadro 2, afirmou não ter feito especializações e nem ter planos para
78
continuação dos estudos, e a segunda (Participante 5) declara esse embasamento
para a atuação em uma instituição que é voltada especificamente para o
atendimento clínico com base psicanalítica.
Após ser construído um panorama do contexto de vida -
familiar/profissional/político - de nossos participantes, nós o utilizaremos como
cenário das reflexões desenvolvidas no Grupo Focal, apresentadas no item seguinte
em um diálogo com o referencial teórico que sustenta esta pesquisa.
4.3 Análise do Grupo Focal
O Quadro 9, exposto a seguir, apresenta o resultado da Análise do Grupo
Focal, construída pelo uso de ferramentas do método de Análise de Conteúdo, em
uma categorização inicial, feita a partir dos Temas emergentes na discussão das
questões apresentadas com base no Guia de Entrevista. A análise posterior, em
subcategorias, será apresentada pelas Quadros 10 a 17. O Memo das discussões
de cada uma das questões, pode ser lido no pós texto (Apêndice C).
Categorias
Quadros
Temas
01 Quadro 10 Motivação para o trabalho Institucional
02 Quadro 11 O Comprometimento social do Psicólogo
03 Quadro 12 A interface com o contexto da pobreza
04 Quadro 13 A construção da relação com a população atendida
05 Quadro 14 As relações com a comunidade
06 Quadro 15 A atuação como psicólogo na instituição
07 Quadro 16 As competências para o trabalho institucional
08 Quadro 17 Metáforas para o trabalho institucional
Quadro 9 - Categorias Temáticas Construídas a partir da Análise do Conteúdo do Grupo Focal.
Vê-se que as categorias construídas tentam privilegiar os temas mais
próximos à problematização trazida por esta pesquisa, referente à como os
psicólogos se perceberiam em sua atuação junto às instituições que atendem a
população que vive em condição de risco social, tendo como foco principal a
competência para este trabalho.
A primeira categoria (Quadro 10), que se refere à Motivação Para o Trabalho
Institucional, busca conhecer os significados construídos por estes profissionais para
a sua atuação, a partir de suas motivações pessoais.
79
Subcategoria
Elementos
O aprendizado na
convivência
O “estar na instituição” como desafio motivacional
A “riqueza” da troca com a população atendida
Os recursos sendo criados
O conhecimento sendo construído
A necessidade de ajudar
“Inconformismo” perante percepção da “desigualdade
social”
A necessidade de “um olhar mais humano”
A importância da “contribuição voluntária”
A busca de uma alternativa à
clínica individual
Insatisfação com a formação e atuação focada na clínica
individual
A preferência pelo trabalho com grupos
As experiências na formação
Aulas e estágios na graduação na “área social”
Cursos de extensão envolvendo o trabalho com a família
Formação “voltada para o setor público”
Quadro 10 - Categoria 1: “ Motivação para o Trabalho Institucional”.
Este tema, apesar de ser o que abriu as conversações, encontrando o grupo
em aquecimento, teve o efeito de provocar um bom nível de reflexão, conforme se
pode verificar no Memo no Apêndice C. Portanto, o que se apreende nos dados
configurados neste Quadro foi fruto de um momento de genuína reflexão para este
grupo. “Nunca parei para pensar nisso”, confidenciou uma das participantes. Vê-se
que as motivações vão desde valores pessoais, inquietações como cidadãos (a
“necessidade de ajudar”) passando por questões ligadas à formação e inquietações
profissionais, até a motivação advinda da ação profissional, da convivência com o
trabalho na instituição. É de grande importância descobrir que a convivência com um
contexto que pode ser visto como um front, dentro das dificílimas questões sócio-
econômicas pertinentes à vida dessa camada da população, possa servir de
motivação para a permanência e desenvolvimento deste trabalho.
Essa persistência e o engajamento talvez possam ser compreendidos com a
ajuda da subcategoria Necessidade de ajudar, pois como se pode ver nos
elementos que a expressam, essas profissionais vinham movidas por um
“inconformismo” com a percebida “desigualdade social”, gerando a necessidade não
de questionar como também de “fazer alguma coisa”. Vejamos alguns
depoimentos, conforme transcritos do Grupo.
P1: “[...] acho que eu tenho um inconformismo que é meu, assim, eu não
concordo com as coisas [...] eu questiono tudo [...] (na instituição) a gente as
questões das diferenças sociais, econômicas, e eu lembro que eu aprendi que havia
80
alguma coisa de diferente no mundo, de estranho, assim, de ter e não ter. Visitando
cemitérios, quando eu era criança,falava: Porque será que esse aqui não tem nada e
aquele outro é enorme? (risos) Eu era pequena e pensava tem alguma coisa
esquisita, mas não sabia o que era.”
P3: “[...] eu sempre fiquei um pouco inconformada com isso. Se está todo
mundo igual no sentido de estarem todos na mesma condição enquanto seres
humanos, por que não então [...] eu me questionava: É pela questão da pessoa
em si, das suas próprias escolhas, ou é por que as escolhas dela estão envolvidas
em algo que talvez não facilite, entendeu?”
P2: “Eu fiz a escolha pra trabalhar no serviço público mais pela ideia de que
eu ajudaria mais no serviço público do que no trabalho com recursos humanos [...]
quando eu escolhi Psicologia era com essa ideia, então, que eu poderia ajudar
alguém. Então quando veio essa decisão, né [...] ali estaria o lugar onde colaborar
mais, vou ajudar mais, fazer um pouco mais de diferença, né,acho que foi a escolha
certa.”
A ação possível na instituição, vista na subcategoria O aprendizado na
convivência, responderia a essa necessidade. A adesão ao trabalho na ação
revela-se ainda reforçada pela “riqueza da troca” (P3) com a população atendida, e
pelo gozo por perceber recursos e conhecimentos sendo construídos. Essas últimas
vão ao encontro do perfil das participantes construído com as respostas dadas ao
questionário, onde se vislumbrava o lado atuante e persistente das participantes
que de fato desenvolvem múltiplas atividades, além das convencionais. P1 nos
conta de sua adesão na ação.
P1: “E no social, entre aspas, por acaso, um concurso [...] mas estar na
instituição mudou toda a minha prática, todo o meu jeito de ver a Psicologia e me
relacionar com gente.”
Vê-se no Memo (Apêncice C) dessa questão que a palavra ajudar levantou
certa polêmica e inquietação. Parece que, ao se dar conta do poder motivacional da
necessidade de ajudar, sentiram-se como flagradas em uma atitude inadequada,
com um desconforto que foi parcialmente aliviado quando concordam que “não é
assistencialismo”.
Uma inquietação ou “insatisfação” também se apresenta na subcategoria
denominada Busca de alternativa à clínica individual, como crítica a uma
formação muito focada na clínica individual, dando lugar a uma preferência
81
declarada pelo trabalho com grupos, que se revela então como um elemento
fortemente motivador dessa escolha de contexto de atuação. A seguir, P4 conta de
seu entusiasmo com o trabalho em grupo.
P4: “[...] acho que é um trabalho maravilhoso, sinto que eu estou
conseguindo atingir muito mais pessoas, , e as conversas mesmo, que giram
dentro do grupo, a gente sente o quanto um ajuda o outro, favorece o
desenvolvimento do outro, então assim sinto que a gente trabalha muito mais, é... a
gente trabalha o macro, não fica na questão individual. Acho que a questão
individual, que o atendimento individual, clínico, é importante também, , mas acho
que eu não conseguiria mais, hoje em dia, trabalhar no consultório, né, eu quero
fazer mais, quero estar com um monte de gente ao mesmo tempo.”
Mas nem de inquietações se constroem suas motivações. Afinal,
ganharam lugar também como mais uma subcategoria as Experiências na
formação, influenciadas positivamente pelos professores da disciplina de Psicologia
Social, assim como por estágios associados ao serviço público, ou ainda por cursos
ligados ao trabalho com famílias. O que teriam em comum essas experiências, que
serviram como conexão com o trabalho em instituições que atendem a população
que vive em situação de risco? De qualquer forma ressalta-se aqui a importância
das experiências vividas na formação, como motivadoras de um trabalho neste
contexto. O que por sua vez vem corroborar a postura de vários dos pesquisadores
aqui considerados, no sentido da importância de se rever a formação teórico/técnica
dos psicólogos, para que possam responder às demandas deste novo contexto de
trabalho.
A categoria 2 - O Comprometimento Social do Psicólogo - apresentada no
Quadro 11, foi construída a partir da reflexão sobre como entendem e avaliam o
comprometimento social em seu trabalho.
82
Subcategoria
Elementos
Envolvimento construído na
prática
Como “não aprendido”
Como sendo construído: no encontro com a população;
na discussão das políticas públicas; na participação em
grupos multidisciplinares
Construção da identidade
profissional
Atuação vista como “trabalho social” e “não clínico”
Trabalho exercido “de forma mais ampla que a clínica”,
Lugar visto como “não valorizado
A partir de um valor pessoal
Como “responsabilidade de cidadão”
Como responsabilidade de “qualquer profissão”
Como “missão pessoal”
Vivência de conflitos
Entre as questões “emergenciais”, “concretas” e as
demandas subjetivas da população
Entre os representantes das políticas públicas e das leis,
e as demandas da população atendida
Quadro 11 - Categoria 2: “O comprometimento Social do Psicólogo”.
A conversa se inicia mostrando consonância com a categoria anterior no
que se refere ao aprendizado com a prática, compondo a subcategoria
Envolvimento construído na prática, afirmando que este envolvimento - com a
realidade da prática - tem construído o compromisso social. O interessante é
perceber que falam de um envolvimento que se em encontros (com a “população
e suas demandas”; “na discussão de políticas públicas”; na “participação em Grupos
Multidisciplinares”), que contam com abertura do profissional para questões que
tradicionalmente não faziam parte das ocupações de um psicólogo. E, como todo
encontro tem uma consequência, os realizados com esta população, ou com
aqueles que cuidam dela (com ajuda técnica ou pelas leis), parece ter a almejada
consequência de potencializar esse comprometimento. As falas, a seguir, de P2 e
P1, ilustram esse movimento.
P2: “Eu acho que o trabalho institucional mobiliza, me mobiliza, à
participação social. Então, assim, ele é provocador. É... então eu sempre me vi
estando em discussões, em reflexões que tinham essa vertente, né, esse
comprometimento social, discutindo políticas públicas, [...] eu sinto que pelo fato
de eu estar entre as pessoas que buscam o Serviço e num espaço onde eu tenho
acesso a discussão, então meio que eu fico numa posição de responsabilidade [...]”
P1: “[...] ah, minha formação totalmente clínica, esse o ser social,
institucional, ser psicólogo institucional, eu fiz na prática. Eu posso falar que fui
totalmente clínica, e 9 anos de clínica, depois entrei nesta instituição, então o TUDO
PELO SOCIAL (slogan da Prefeitura) me arrepiava toda, de quê esse povo
83
falando? [...] Eu sou uma outra profissional trabalhando com esse público, porque
eles trazem demandas que eu nunca tinha pensado antes.”
A afirmação do aprendizado e envolvimento construídos com a prática e
sem o “aprendido”, ou seja, sem o embasamento teórico, vai ao encontro da
avaliação de Kvale (1922, p. 21) de que a teoria psicológica estaria “entrincheirada
na modernidade”, diferentemente da prática, esta sim, tendo que confrontar-se “com
a vida humana na pós-modernidade”.
Uma segunda consonância com a primeira categoria se revela na
subcategoria denominada A partir de um valor pessoal, que trata de valores
pessoais como sustentáculos deste compromisso, referindo-se às responsabilidades
- “de cidadão” e “profissional” ou até mesmo a uma “missão”. Os donos desta
responsabilidade o aqueles que se revelaram anteriormente como motivados para
este trabalho, pelas preocupações com a desigualdade social e a necessidade de
ajudar. P5 e P3 falam sobre esse conteúdo, a seguir.
P5: “[...] o compromisso social da profissão, porque tooodas tem, não tem
como [...] eu sinto assim, que na minha profissão, eu tenho esse... eu atendo
voluntariamente, né, pessoas que o tem condições, né, mas eu sinto um
compromisso social assim, seja uma pessoa, seja um grupo, quando me procuram,
estão desorientadas, estão querendo uma resposta (risos), estão querendo uma
ajuda. Elas vêm assim o que eu disser, aquilo vai ser considerado, vai ser pensado,
então eu sinto uma responsabilidade muito grande.”
P3: “Então, na verdade, até quando você falou da questão profissional que
anda junto com a pessoal. Eu percebo em mim muito forte é como se eu visse a
Psicologia não só como profissão, mas como uma missão mesmo, né, que eu acho
que estou aqui também prá fazer a diferença [...] despertar muito essa questão do
dom, da vocação, daquilo que faz sentido na vida de cada um, e dá prá fazer de
forma ampla, na forma de trabalho social, que eu sinto que é o que eu posso fazer.”
A análise dessa questão revela que esse comprometimento tem encontrado
obstáculos, que podem ser compreendidos como ligados ao conteúdo da
subcategoria denominada Construção da identidade profissional do psicólogo
que atua nesse contexto, mediante o que foi chamado de lugar do psicólogo no
social. Este lugar, descrito como “aprendido”, diferenciado da clínica por ser
“exercido de forma mais ampla”, parece ainda não estar consistentemente definido
para as experiências deste grupo. Contam como não se sentiam valorizadas em
84
suas funções, vendo-se colocadas “em segundo plano” e até mesmo como
“adereços”! A exclamação se justifica pela falta de utilidade de um adereço, tendo
sua existência justificada como um enfeite. Com esta imagem não para pensar
em uma efetiva assimilação deste profissional por uma equipe de trabalho. Mas,
participam de equipes multidisciplinares, como afirmaram no questionário, o que
pode nos levar a pensar que participam ainda construindo seu lugar.
São as profissionais do Serviço Público P1 e P2 - que nos ajudam a
clarear essa questão, quando afirmam sentir que a Psicologia “vem lutando pelo
social”, e parece que a briga tem endereço certo, pois a afirmação seguinte é de que
“o social tem dono: a Assistente Social”. Vejamos um trecho dessa conversa entre
as duas, que se inicia com P1 contando de como se vivia o TUDO PELO SOCIAL.
P1: “TUDO PELO SOCIAL você tirando dinheiro do seu bolso p
comemorar [...] não tem horário para ir embora [...] faz o que seu colega falando,
que é um Assistente Social, por ex., que o seu saber fica atrás, ou em segundo
plano, então uma série de situações que aconteciam dentro do contexto social, que
a gente tinha que estar discutindo o tempo todo.”
P2: “Olha que... você falou uma coisa que é muito... você sente muito forte
nesses anos todos, talvez no início muito mais. Acho que a Psicologia teve e tem
que... em algum momento teve que lutar pelo seu espaço, né, acho que o social,
quem se sentia dono da área social eram os assistentes sociais. Então mais que a
gente era... tava num lugar que não era nosso.”
P1: “E sem formação. (P2: Exato!) Porque a minha questão é que cheguei
aqui com o olhar clínico,experiência clínica, e esse povo com o TUDO PELO
SOCIAL, eu não sabia o que fazia, fui aprender lá.”
P2: “Exatamente, teve que ir construir esse lugar, né, e de fato podemos, é,
criar uma visão de que era um espaço onde poderiam conviver diferentes
profissionais, né, não sei se você pegou, se quando você entrou sentia isso, mas
quando eu entrei era muito forte, o psicólogo meio que era um adereço na equipe.”
P1: “E prá fazer assim, né, o assistente social faz uma triagem, você atende.
A gente era um apêndice, assim, e clínico. o podia você propor outra coisa (P2:
Isso!) era a questão clínica mesmo.”
A percepção do psicólogo construindo seu lugar na área social, pode estar
embasada em dois vieses na história da Psicologia enquanto “projeto da
modernidade” (KVALE, 1992, p. 21). O primeiro ao fato de a Psicologia ser
85
tradicionalmente entendida como a ciência que detém o conhecimento sobre o
individual, o intra, o subjetivo, não lhe cabendo o inter, o relacional, e por
conseqüência “o social”. É da definição do social que provavelmente se origina o
segundo viés, pois vemos aí o social pensado como oposição ao individual, negando
a sua interconstituição (GRANDESSO, 2000, p. 104) e a possibilidade de a ação
psicológica ser pensada como ação social. No entanto, é a partir das contribuições
tanto da Psicologia Social como da de Grupo, aqui citadas como apoio e fonte de
motivação para este trabalho, que se vislumbram as possibilidades de quebra
desses vieses, quando atuam a partir da percepção da co-construção, dando lugar
ao individual e ao social na sua interconstituição.
O confronto com a realidade dessa população e das instituições, vivido na
construção do comprometimento, comporta a Vivência de conflitos compondo a
última subcategoria deste tema, sendo que o primeiro deles entre as “demandas
concretas” e as “subjetivas” da população - é apresentado pela fala de P1, a seguir.
P1: “[...] porque eles trazem demandas que eu nunca antes tinha pensado. O
que fazer com elas? Porque às vezes são questões tão concretas, e o psicólogo fica
naquela coisa do mental, do subjetivo, é uma luta interna, o que você vai fazer com
aquilo [...]”
Talvez se possa pensar a vivencia desse conflito como ligada a mais uma
dificuldade em perceber, como nos alerta Grandesso (2000), que, sob as lentes da
complexidade, trabalhamos com a intersubjetividade, o que significa favorecer a
criação de um contexto que dê lugar para a co-construção de uma solução para as
questões trazidas para o atendimento (VASCONCELLOS, 2002).
O outro conflito exposto refere-se ao lugar percebido pelos psicólogos como
sendo entre a população atendida e os representantes das leis e das políticas
públicas, lugar esse provavelmente vivido com conflito, por causa da percepção de
ser o porta voz da população, ou seja, como estando aliançado com uma das partes
de uma polarização. De fato, é muito bom pensar que essa população tenha quem a
represente, quem fale por ela, quem se solidarize com suas dificuldades, mas não
como uma voz defensora de uma única parte ou de uma realidade, quando
entendemos essa realidade como sendo socialmente construída, criando “verdades
narrativas” e não “verdades históricas” (GRANDESSO, 2000; VASCONCELLOS,
2007) E tão pouco como especialistas em suas vidas, afinal, considerando-se que,
dentro dessa leitura de mundo, importam os significados construídos, somos levados
86
a concordar com Anderson e Goolishian (1993) quando declaram que “o cliente é o
especialista”.
As ideias e valores das participantes, construídos a partir da vivência
profissional com esses clientes e seu contexto de vida, ricamente discutidos pelo
grupo, estão apresentados no Quadro 12 a seguir.
Subcategorias
Elementos
Percepção da desigualdade
social
Críticas à manutenção da desigualdade
Desigualdade vivida na relação psicólogo/cliente
A vida “deles” (dos pobres) como sendo “a realidade”
Ressonâncias da
desigualdade social nas
atitudes da população
atendida
Tendência a se mostrarem “mais resignados” perante o
profissional
Relação marcada pela “necessidade de se mostrarem
merecedores dos benefícios”
Presença de sentimentos de “indignação” e
“inferiorização” perante a dependência
O impacto da relação com a
pobreza
A vivência da falta de “recursos do psicólogo para lidar
com as questões concretas do cliente”
Os sentimentos de “impotência” e estagnação” perante
a realidade
Desafio visto como “momento de aprendizado”
Os clientes no atendimento
Como de “vínculo rápido”
Como os que “escutam e entendem melhor”
Como tendo “comprometimento com o atendimento”
Como vendo o profissional “como objeto”
Como tendo “uma bagagem de recursos”, em oposição à
pobreza econômica
Os clientes na condução da
própria vida
Como tendo relações “marcadas pela solidariedade”
Como vinculados em uma vida “em comunidade”
Como sendo “menos resignados entre eles
Como marcados pela necessidade de “pensar muito no
imediato”
Como “seduzidos pelo universo consumista”
Como tendo reações “mais agressivas”
Quadro 12 - Categoria 3: “A Interface com o Contexto da Pobreza”.
A primeira subcategoria - Desigualdade social - espaço inicialmente
para uma avaliação que justifica a “indignação” apresentada no Quadro 10, na
subcategoria Necessidade de ajudar, pois são tecidas aqui severas críticas ao que
compreendem como fatores que sustentariam uma desigualdade (“descaso”,
“preconceitos”, “exclusão”), e como consequência a pobreza. Referem-se até
mesmo a um desconhecimento da realidade dessa população por parte de quem
tem “condições materiais”. Essas críticas são ilustradas pela seguinte fala da P5:
P5: “A televisão sempre mostra muita coisa bonita, né, se você ficar em
você mesmo, você vai sonhar com coisas muito grandes, como se uma realidade
87
não existisse, né, e as pessoas que não tem essas condições materiais, elas vivem
essa realidade - de descaso, de preconceito, é, de exclusão, de depender das
UBSs, de saúde, de transporte, de depender de um médico que vai atender daqui a
seis meses um caso que tá esperando a um tempão, né [...]”
É construída a ideia de que essa realidade, a “deles”, seria a verdadeira,
longe do “ideal”, como representantes, ainda na fala de P5, “da realidade de nosso
país”. Refere-se mesmo a uma descoberta dessa realidade, favorecida pelo
atendimento nesse contexto. Essa forma de pensar pode estar dando lugar a uma
polarização, que segundo Sarti (2007) leva ao risco de os diferenciar como
portadores de um “universo cultural autônomo” (p. 45). Uma forma de desfazer essa
polarização é indicada por Walsh (2005) ao nos convidar a pensar o sofrimento
dessa população como sendo “uma advertência da toxidade de nosso ambiente
social” (p. 227), ou seja, lembrando-nos que a pobreza é nossa. Talvez seja esse
também o convite embutido na fala de P5, como se dissesse: -Vamos tomar posse
da realidade além da mostrada pela TV!
O tema desigualdade traz ainda conteúdos referentes à como essa
desigualdade se apresenta na relação psicólogo/cliente, visto pertencerem a classes
sociais diferentes. Sentem que a realidade do profissional pode ser vista como
referência, como expressa P2 na fala seguinte:
P2: “[...] foge do nosso, alguns valores fogem, são diferentes, com certeza
né, é, eu acho que quando se aproxima, quando trabalha, precisa mudar o nosso
olhar, senão a gente fica como referência, a nossa realidade e a gente vai dizer que
aquela, o que fazem, pode ser entre aspas errado [...]”
É desse risco que nos alerta Macedo (2001) ao dissertar justamente sobre a
“Diversidade Cultural” como um desafio para o terapeuta, apontando como saída o
necessário “auto-escrutínio” do profissional a respeito de suas “lentes culturais” para
que possa desenvolver uma reflexão crítica de suas posições em relação aos vieses
culturais. Especialmente com relação ao significado pessoal do poder profissional.
Quando passamos para a subcategoria Ressonâncias da desigualdade
nas atitudes da população atendida, vemos a força dessa diferença quando são
descritos como mais resignados” na presença do profissional durante os
atendimentos, assim como empenhados em se mostrarem “merecedores dos
benefícios”. É P3 quem melhor esclarece essa posição em sua fala.
88
P3: “[...] eles se colocam perante a gente de forma resignada, né, eu to aqui,
eu por si não dou conta, preciso de cuidados, aonde tem os recursos na cidade e
tal, e entre eles eu acho que a postura é diferente.”
E P2 completa: “Até para serem merecedores, né, de conseguir aqueles
recursos”.
Essa postura sentida na população pode ser analisada como conseqüência
de uma postura técnica baseada em uma Política de Assistência social do tipo
assistencialista, que vinha não considerando o fato de que essas famílias, vistas
como sistemas complexos que se auto - organizam, podem ser trabalhadas e
ajudadas a partir de seus próprios recursos (SARTI, 2007). Ou ainda ser
compreendida dentro das estratégias desenvolvidas dentro do ciclo da pobreza, na
fase da dependência (PAUGAM, 2003) em que se é levado a pensar nas demandas
imediatas, na sobrevivência, pouco acreditando em seus próprios recursos.
Paugam (2003) nos ajuda a refletir também a respeito dos sentimentos da
população, citados nesta subcategoria, de “indignação” e “inferiorização” perante a
dependência, quando ao estudar a desqualificação social, afirma que “o status social
específico, inferior e desvalorizado” pode “marcar profundamente a identidade de
quem vive essa experiência” (p. 47). Mostra com clareza, como o mal estar
psicológico associado à pobreza pode ser mais cruel que a falta de bens materiais.
Perante esse preocupante panorama, surgiu o conteúdo relativo à como o
psicólogo vive essa relação, em seu cotidiano de trabalho, denominado o Impacto
da relação com a pobreza. O impacto inicial está ligado à vivência da falta de
recursos do profissional para lidar com as “questões concretas” do cliente, podendo
gerar sentimentos de “impotência” e “estagnação” perante a realidade apresentada,
gerando um desafio para a condução do atendimento psicológico, visto aqui,
novamente, como “um momento de aprendizado”. A fala da P1 ilustra a
complexidade desta situação.
P1: “[...] eu mudei o meu foco de trabalho, assim, eu não olho mais para
aquelas pessoas para fazer um diagnóstico de foto, para mim não interessa, tudo
posto, não tem casa, não tem trabalho, não tem comida, ta tudo posto, não tem [...]
então assim eu educo o meu olhar clínico para fazer diagnóstico da potência, assim
com toda aquela coisa toda, que o Serviço Social sempre faz o diagnóstico da falta e
da concretude, né, não tem casa, o que você vai fazer com isso, discutir o mental de
89
não ter casa? Então o que eu vou fazer, o que prá fazer, eu aprendi trabalhando
lá, porque eu ia pelo diagnóstico da falta [...]”
P1 divide conosco a sua forma de sair do impacto e atuar - o “diagnóstico da
potência” - , uma forma que parece se alinhar com as preocupações de Sarti (2007)
sobre as designações teóricas utilizadas para descrever as famílias que vivem em
condições de pobreza, chamando de “descritivas e estáticas” (p. 20) aquelas
centradas nos aspectos deficitários, ao contrário das designações mais recentes que
colocariam “ênfase no processo”. Essa é vista como uma forma mais eficiente, no
sentido de que pode aumentar as possibilidades de soluções, escapando do risco
atrelado à “ênfase nos problemas”, de cronificar o sentimento de impotência, tanto
dos profissionais como da população atendida.
Pakman (1999) desenvolve sobre a falta de recursos do psicólogo para o
trabalho no contexto da pobreza, afirmando que a terapia psicológica apresentaria
“limitações pragmáticas, teóricas e sociais” quando utilizada neste contexto. Por isso
afirma que é preciso “tratar a pobreza da terapia” (p.09). Trago essa reflexão de
Pakman com o intuito de ajudar a compreender o impacto de nossos colegas, não
por meio do que chega como dura realidade dos clientes, como também
mediante o despreparo desses para a difícil rotina de atendimento no contexto da
pobreza.
E ainda citamos aqui Macedo (2001), quando aponta sobre o perigo de se
trabalhar com um “distanciamento” do cliente, e de sua impactante história de vida,
protegendo-nos em “automatismos” (p. 42) na atuação, semelhante ao que Pakman
(1999) chama de risco de atuarmos com “pseudo-soluções”, que estariam apenas
mantendo “a estrutura total que mantém o problema” (p. 12).
Consideradas a delicadeza e a complexidade do lugar ocupado por esse
profissional, tendo que conduzir seu trabalho, apesar de todos os desafios, ou
justamente por causa deles, como nos foi dito, a subcategoria Os clientes no
atendimento vem nos contar sobre como são sentidos pelos psicólogos de nossa
pesquisa, os clientes, no contexto de atendimento. O conteúdo que emerge dé
surpreendente e talvez até contraditório, à medida que fala muito positivamente
desse encontro, contrariando as dificuldades advindas do impacto, descrito
anteriormente. Trazendo inclusive aspectos favorecedores do trabalho, quando
comparado com a clientela do atendimento privado, como vemos na fala de P5, a
seguir.
90
P5: “Então, eu acredito que são pessoas mais humanas, que quando você
conversa com elas, elas sabem dizer de relações humanas, elas sabem dizer de
sentimentos humanos, coisas internas, porque o externo, né, de repente você vai
conversar com outras pessoas que não tem, né, essas dificuldades, as conversas
geralmente giram em torno do que eu tenho, né, fica mais superficial, mais externo,
e aí até chegar no interno vai um caminho maior [...]”
A comparação volta, quando se fala do vínculo como sendo “mais afetivo”,
“mais rápido”, “mais forte”, ou ainda quando se referem a uma “bagagem de
recursos” desenvolvida em função da vida na adversidade, recursos esses trazidos
para a relação de atendimento. Estaria esse parecer atrelado a uma visão idealizada
da pobreza, desenvolvida por solidariedade e pela necessidade de valorizar seus
recursos, trazendo a imagem do “bom pobre” (Sarti,2007, p. 45) em oposição ao
“mau pobre”, visto como representante de “todo mal social”?
Será que podemos também pensar, a partir desse parecer que, apesar de
toda a dificuldade advinda desse encontro com o contexto da pobreza, e da pobreza
da terapia psicológica aprendida, para o trabalho nesse contexto, que o impacto se
quebra rapidamente, dando espaço para um efetivo encontro psicoterapêutico?
Mas nem só de elogios se construiu essa subcategoria. Surgiu também uma
importante crítica, na forma de um desabafo, trazido por P1, na fala apresentada a
seguir.
P1: “[...] então assim eu vou falar outras coisas que não foram colocadas [...]
tem a relação coisa que eles também tem, você é um objeto, se isso aí vai servir prá
mim eu tiro de você, sem o menor pudor, né [...] eles são mais solidários com os
outros, mas também são mais agressivos, eu também tenho vontade de esgoelar
algumas pessoas, mas eu não vou às vias de fato, eles vão.”
Esta fala nos permite refletir sobre dois pontos. O primeiro deles refere-se ao
uso que o cliente pode fazer do psicólogo, como um “objeto”, levando-nos a pensar
se esse uso não poderia ser visto como consequência da condição de desigualdade
vivida nesta relação terapeuta/cliente, com diferenças de poder, condição que, por
sua vez, poderia instalar ou reforçar uma relação de dependência. Talvez seja nessa
fase da relação, ainda marcada pelo impacto das diferenças, e pela sensação de
dependência, que possa emergir a atitude apontada por P1. O segundo ponto trata
das reações agressivas desses clientes, como se eles não exercessem nenhum
controle sobre elas.
91
Para pensar essas possíveis reações, podemos recorrer a Paugam (2003),
que ao descrever as possíveis fases evolutivas do ciclo da pobreza, ajuda-nos a
desenvolver uma maior compreensão para com os padrões de reações que
emergem nesse contexto, para além da leitura da disfuncionalidade. Assim como
Hines (1995), que ao estudar o ciclo das famílias pobres negras americanas, nos
presenteia com a reflexão de que as respostas das famílias, para não se dar por
vencidas pela pobreza, podem ser adaptativas , por mais inadequadas que pareçam,
revelando “um reflexo de grande criatividade e força” (p. 442), mesmo que sejam
agressivas.
Esse tema nos remete ao conteúdo da última subcategoria Os clientes na
condução de sua própria vida -, que também traz elementos de crítica à forma
como percebem viver essa faixa da população, que se inicia com as reações “mais
agressivas”, e aqui se acresce de críticas à vida “sem planejar futuro”, marcada
pelas necessidades imediatas, ou pelos apelos do consumismo. O tom da conversa
é feito de crítica e simples constatação, mas também com uma tentativa de
compreensão, assim como quando refletem a respeito de “tirar da boca do filho para
outras coisas” da fala de P1, que diz viver isso “com horror”, considerando a
proximidade com o universo de possibilidade de consumo, assim como na fala de P2
a seguir.
P2: “A gente pode pensar no exemplo do celular, né, gente, isso é tão
comum, assim: nossa! Mas ela não tem o que comer e tem o celular! Nossa! O
celular é melhor do que muitos! [...] então acho assim a proximidade entre pessoas
que tem um poder aquisitivo maior e pessoas que não tem, a pobreza, é, eu acho
que isso provoca um choque, porque quem está aqui, eu vou dizer, numa condição
de menos recursos vai a... tem aspirações desse universo.”
Esse quadro pode ser também melhor compreendido pelos múltiplos
estressores que podem atingir essas famílias, sejam eles externos (desemprego,
perdas, falta de acesso de forma geral) ou internos, como os inerentes ao Ciclo de
Vida das famílias (Cerveny1997), que se em qualquer condição sócio-econômica
pode desestabilizar as relações familiares, imagine na condição das famílias pobres,
que tende a viver seu ciclo de vida sob impactos constantes, com crises se
sobrepondo e demandando soluções (Hines, 1995).
Mas também aqui, nessa subcategoria, nosso grupo de psicólogas percebe
nessas pessoas, cujas vidas são marcadas por múltiplas adversidades, muitas
92
atitudes positivas. Destaco, inicialmente, uma característica apontada na
comparação com o a percepção, colocada acima, de que, no contexto de
atendimento se mostrariam “mais resignados”, sendo diferente “entre eles”, como
podemos perceber na fala de P3 a seguir.
P3: “[...] e entre eles a postura é diferente. Tem essa questão da
solidariedade, eles são dinâmicos, é a lei da sobrevivência, né, então eles são super
dinâmicos, eles encontram caminhos [...] mas quando estão neste mundo onde são
discriminados, onde existe todo o preconceito, a postura muda, né, no sentido de ser
resignado, de que precisa ser ajudado. Ou de ser agressivo [...]”
Essa percepção vem ao encontro de resultados de pesquisas sobre
intervenções com famílias portuguesas pobres (Sousa et al., 2007) que chegam a
conclusão de que “as famílias fazem um relato de sua vida menos saturado de
problemas do que os profissionais” (p.225), levando-nos a pensar que assim se
daria porque é assim que tendem a se apresentar ao profissional que o atende,
como tendo menos recursos do que de fato possuem.
A qualidade da relação “entre eles”, também é apontada, tanto nessa fala de
P3 como em outras falas, por serem marcadas pela solidariedade que os vincula,
assim como pela vida em comunidade, qualidades essas que ganham valor quando
tecem comparações com a própria vida, assim como expressa a fala da P1, a seguir.
P1: “Também a gente não pode ter um olhar muito romântico, acho que não
são todos que são solidários, não são todos que têm x valores, não são todos que
são agressivos, mas também vivem em comunidade, a gente não. Eu entro no meu
bairro, no meu condomínio, eu entro na minha casa. E tem dia que o quero nem
dar boa tarde para o vizinho que eu to cansada. Eles não, eles tem tudo é lá. Eles
sabem quem mora na rua de trás, pra quem pedir socorro.”
A força dessas percepções vem corroborar os resultados da importante
pesquisa de Sarti (2007), que investiga com moradores de um bairro da periferia de
São Paulo, as “categorias morais” com as quais dão sentido e organizam seu
mundo, concluindo que essas famílias “ordenam e dão sentido a seu mundo” (p. 36),
construindo valores e se balizando por eles. Para os propósitos desta pesquisa vale
ressaltar que a família pobre, que se mostra na pesquisa de Sarti, “não se constitui
como um núcleo, mas como uma rede” (p. 70), fato esse avaliado pela autora como
viabilizando sua existência, ao mesmo tempo que dificultando sua individualização.
A vida solidária, em comunidade, portanto, vista como mais do que um valor, vista
93
como sobrevivência! Sarti chama de “a lógica da reciprocidade” (p. 128) o
movimento de “dar, receber e retribuir”, detectado nesta comunidade. Talvez seja
essa a percepção de P1 quando afirma, admirada: “Eles tem prá quem pedir
socorro!”
Não podemos encerrar a discussão sobre essa categoria, sem trazer as
contribuições de Sluzky (1997), a respeito do importante lugar ocupado pelas redes
sociais às quais estão inseridos os indivíduos, famílias, comunidades, e das quais
parece depender a qualidade de vida, e consequentemente, a saúde de um
indivíduo. Levando-nos a considerar que o pertencimento a uma rede de qualidade,
pode ajudar os indivíduos e suas famílias no cumprimento de suas tarefas pessoais
e familiares, nesse contexto de múltiplos fatores estressores associados à pobreza.
Mais uma vez sendo corroborada a pesquisa de Sarti (2007) de que a vida em rede
seria um meio de sobrevivência para essa população.
Quando invertemos a mão (“de prá cá”) pedindo que reflitam sobre como
se percebem vistos pela população atendida, a conversa toma um rumo muito rico, a
respeito de como vai se construindo a relação com a população atendida. O tema
ajuda toma o lugar central, causando novamente certo desconforto. Enquanto vão
tentando redefinir a relação de ajuda, acabam por perceber o desenvolvimento
dessa relação como um processo, do qual podemos ter um panorama no Quadro 13,
a seguir.
Subcategoria
Elementos
Relação marcada pelo poder
profissional
Medo de ser julgado por um psicólogo “que trabalha com
o juiz”
Inseguros e temerosos
Relação marcada pela
vivência de dependência
O psicólogo idealizado, como “especialista na vida deles”
Relação marcada pela
construção da ajuda
Presença de “confiança” no profissional
Maior foco na “ajuda profissional”
Relação marcada pelo
desenvolvimento
Presença de “maior autonomia”
Retorno da esperança
Retorno da ação
Quadro 13 - Categoria 4: “A Construção da Relação com a População Atendida”.
A primeira subcategoria trata da Relação marcada pelo poder
profissional, que podemos pensar como advindo da diferença sócio-cultural,
estando o psicólogo como representante da classe dominante, e o cliente como
desviante (MACEDO, 2001), gerando um poder instituído pela imobilidade social,
94
pela posição de subcidadão, um conceito trazido por Souza (2007) para dar voz à
constatação de que a “igualdade de direitos não se reflete na prática relacional”
(p.14). É essa “desigualdade entranhada” que pode estar atuando nos primeiros
encontros entre psicólogo e clientes deste contexto, causando distanciamentos
marcados pelo medo e a insegurança, como podemos observar nas falas seguintes.
P2: “[...] num primeiro momento eu acho que eles chegam meio inseguros,
achando que vão ser cobrados, avaliados, porque é um programa que atende
famílias com questão de violência, então meio que eles vão com essa imagem.
Mas com o decorrer do trabalho, com o vínculo que é formado, acho que muda isso.
P1: “Às vezes se relaciona com medo porque não sabe o que você vai fazer,
ou o quê que... é gente como a gente [...]”
O poder dado inicialmente ao profissional pode também ser alimentado pela
posição que ocupam na relação com a lei. Nossas participantes do setor público
referem-se a essa condição, quando afirmam serem vistas por vezes como quem
“trabalha para o Juiz”, ou acomo “os olhos do juiz”. Desocupar esse lugar do
poder profissional como representante dos valores da classe dominante, e do poder
como representante do Juiz - é a tarefa que se constrói a seguir, passando ainda
pela Relação marcada pela dependência, como vemos na subcategoria seguinte.
Do poder dado ao profissional, surge a idealização deste como um
especialista, alimentando uma dependência exacerbada, movimento esse que
podemos observar no conteúdo das seguintes falas.
P1: “Tem uma idealização muito grande, é a doutora, daí que vai salvar a
minha vida, que vai salvar a vida do meu filho, que vai resolver todos os problemas
dele na escola, e que vai fazer ele aceitar a desgraceira que acontece em casa
com o pai, nos casos de violência, tem uma idealização [...]”
P3: “É, eu diria que são dois momentos, foi isso que você falando, no
começo tem essa idealização, como se você fosse salvar a vida dele e daí, de
acordo com o vínculo, ele vai percebendo o quanto você é igual [...]”
A quebra deste tipo de poder, dado nos momentos iniciais ao psicólogo, vai
se revelando nas falas com comentários como “gente como a gente” ou “vai
percebendo o quanto você é igual”. Essa quebra, que marca a continuação do
processo, pode servir como resposta às preocupações de Waldegrave (2001) no
sentido de que para uma “Just Therapy”, de uma “prática clínica efetiva” (p. 26),
desenvolvida por “abordagens congruentes com o modo de vida da população
95
atendida” (p. 28), os trabalhos deveriam ser desenvolvidos por pessoas da própria
cultura, como forma de se evitar que as pessoas ficassem “imobilizadas em
situações de desvantagem ou injustiça” (p. 24). A presunção da resposta se baseia
no que foi construído pelas participantes, revelando que é possível ultrapassar esse
momento “injusto”, que de fato se apresenta, e partir para o desenvolvimento da
relação terapêutica.
É o que se pode observar na subcategoria denominada Relação marcada
pela construção da ajuda, marcada agora pela confiança e não mais pelo medo ou
desconforto. Temos belas falas a esse respeito.
P1: “[...] o vínculo se forma muito rapidamente e se sentem seguros para
falar de tudo quanto é assunto, sabe que num vai vazar, sabe que não vou arregalar
o olho, o vou ficar assustada com aquilo que estou ouvindo, não é? E é um
vínculo muito, muito legal.”
P3: “Ele olha prá você como um igual, que está ali para ajudá-lo, ajudar não!
(risos) pra auxiliar, prá orientar, tal [...]”
P4: “[...] me consideram amiga, confidente [...] me sentem próxima deles [...]
e sinto essa proximidade deles também, essa troca.”
P5: “Nunca senti que as pessoas sentissem que eu estivesse fazendo
caridade, mas de que me procurando, procurando o meu trabalho, eles vão ter
algum apoio. E sabem especificamente prá quê que é a minha ajuda [...]”
É importante observar que nas falas das participantes que não são do setor
público (P3, P4 e P5), torna-se mais evidenciado e claro este momento do processo,
como se não vivessem tanto a desconfiança inicial, mais claramente sinalizada pelas
colegas do serviço público. E, como se tivessem, desde o início, mais clareza a
respeito da relação que se constrói ali. Estará a resposta para essa diferença nos
encaminhamentos, marcando a busca voluntária ou não? Existem diferenças de
motivação, entre as pessoas que buscam atendimentos em ONGs e Paróquias e
aquelas atendidas pelas instituições públicas?
Estabelecida a relação de confiança, pode surgir então o tão almejado
momento, para qualquer processo psicoterapêutico, de maior autonomia, apontado
aqui na última subcategoria, que trata da Relação marcada pelo desenvolvimento.
A fala de P2, mostrada a seguir, contém os principais elementos deste momento do
processo.
96
P2: “Então, acho que quando eles m maior segurança, mais autonomia,
estão buscando seus caminhos sem precisar estar ali checando se é isso mesmo,
acho que é um momento muito bom para a família.”
Na verdade, pode-se dizer, que “um momento muito bompara a Psicologia
brasileira. Nossas colegas, participantes desse grupo, ajudaram-nos a perceber que,
apesar de todas as dificuldades inerentes ao contexto da pobreza, e às questões de
identidade profissional nessa área de atuação, é possível viver um processo
terapêutico. Um processo, que nesse caso, transita da assimetria de poder para a
autonomia, para o almejado empoderamento dessa população, o que, segundo
Macedo (2001), ajuda-os a voltar a acreditar em sua capacidade de conduzir a
própria vida, minimizando a sensação de desamparo e de baixa auto-estima.
Mas para que o empoderamento do outro seja possível há que se saber lidar
com as questões de poder, segundo orientações de Macedo (2001), para que o
profissional mantenha o seu senso de competência, sem reforçar os sentimentos de
incompetência e impotência dos que buscam ajuda. Creio ser justamente este o
movimento revelado por nossas participantes ao questionarem o tipo de poder que
lhes é dado inicialmente, e conseguir, ao longo do processo, transformá-lo apenas
em senso de competência, na direção da autonomia do outro.
Ao pensar esse processo, o grupo foi se deparando em diversos momentos
com o elemento ajuda, voltando ao desconforto apresentado em categoria
anterior, que aqui é explicitado por P3.
P3: “[...] parece que a gente tem muito pudor enquanto profissional de falar
assim, “não, a gente não ajuda”, que eu me peguei agora, o que tem também a
gente falar que a gente ajuda, que de certa forma a gente ajuda. Que pudor é esse
né, como se, parece que isso de certa forma reforça ainda mais o preconceito e a
discriminação, então eu não posso dizer que estou ajudando que ele vai se sentir
inferior?”
Surgiram várias respostas na busca de sentidos para a ajuda psicológica
neste contexto. É válido reproduzir aqui algumas delas.
P2: “[...] não é aquela coisa de superproteção, ou de assistencialismo, de
subestimar, então acho que o único sentido mesmo dessa (pausa)... do estar junto,
né, porque, acho que ajudar alguém é você estar junto com alguém, não é fazer pelo
outro.”
97
P3: “[...] a questão do cuidado, o quanto o ser humano desde que nasce até
sua morte, quanto ele necessita de cuidado. Então é uma ajuda neste sentido que
eu estou falando [...]”
P2: “[...] eu sou vista como alguém que ajuda, e que ajuda no sentido da
escuta, então eu vou lá, vou ser ouvido, né, se tiver algum encaminhamento que
possa ser feito, vai ser feito [...] pode ir lá, conversar, aí vai poder ter mais ideias, vai
poder se sentir um pouco mais segura [...] então essa ajuda da reflexão [...]”
P5: “[...] é uma ajuda profissional, é o meu trabalho, não é caridade [...]
procurando o meu trabalho eles vão ter o meu apoio.”
São reflexões que alimentam a discussão sobre a clínica nesse contexto,
que melhor discutiremos na categoria que trata da atuação do psicólogo. Para esta
discussão cabe ainda lembrar que, dentro do processo de empoderamento,
favorecido pela ajuda do “estar junto”, “ouvir”, “encaminhar”, “apoiar”, “refletir”, se
torna possível - o empoderamento - se acompanhado da valorização do singular, do
contextualmente situado (GRANDESSO, 2000), dando lugar para as verdades
narrativas, e principalmente colocando o foco nos significados construídos nas
relações.
Encerro a discussão desta categoria trazendo Lima e Oliveira (2007, p.03):
“Se a ação do psicólogo favorece o repensar e a reconstrução de significados que
norteiam as escolhas dos sujeitos, e provavelmente alimentam seus sintomas,
aumentamos nossas chances de promover o crescimento pessoal e social”.
Embora o crescimento pessoal seja inseparável do social, principalmente
quando vistos pelos olhos da complexidade; e embora a mais recente concepção de
saúde, que sustenta o conceito de Promoção de Saúde (CAMPOS et al., 2007),
deixe evidentes seus determinantes sócio-econômicos, ou seja, deixe claro o quanto
a saúde, em todos os seus aspectos, depende da qualidade de vida de uma
comunidade; apesar desses avanços conceituais, o que se percebe, durante a
discussão da categoria que passamos a tratar, denominada As Relações Com a
Comunidade Atendida, é uma dificuldade de se considerar as questões da
comunidade como fazendo parte do campo de ação do profissional. O Quadro 14,
apresentado a seguir, conta do esforço do grupo para pensar essas relações.
98
Subcategoria
Elementos
De forma sistematizada
Por intermédio de um “Conselho Comunitário”
Relações intermediadas por Conselho Tutelar ou Juiz
Por intermédio do trabalho com a “rede de serviços”
De forma não-sistematizada
A comunidade entendida como “a que chega na
instituição”
Relação vista pelas ressonâncias na comunidade
Pouco, ou não considerada
Relação avaliada como “não existente”
A instituição vista de forma independente
A instituição “iniciando” contatos com a comunidade
Como tendo “ação
terapêutica”
De forma diferenciada da clínica: “não clínica”
De forma diferenciada de um “processo terapêutico
tradicional”
Com possibilidades de efeitos terapêuticos,
dependendo: da ação do psicólogo; dos resultados na
população; da qualidade da relação
Quadro 14 - Categoria 5: “As Relações com a Comunidade”.
Parece ter sido mais fácil pensar primeiramente essas relações, a partir
daquelas vividas De forma sistematizada, inerentes ao funcionamento da
instituição, como a relação que se dá “via Juiz e Conselho Tutelar”, “não por desejo”,
como esclarece P2, ou como a relação “com a rede de serviços”, pensada, ainda por
P2, na seguinte fala.
P2: “Eu acho que eu posso pensar a comunidade como a rede, né, de
serviços, e a visão que essa rede tem. Não a população atendida [...] com a
proposta preventiva do programa, que foi capacitar essa rede prá lidar com questões
de violência, [...] a gente passou a ser meio parceiro, né, havia uma troca, então eu
posso pensar a comunidade, pensando essa relação com outros serviços, né, e
posso pensar a comunidade como as famílias que vão lá, não sei.”
Outra forma de construir esta relação de forma sistematizada, é a
apresentada por P4 que relata experiência com um Conselho Comunitário. Vejamos.
P4: “Eu vejo assim, que a instituição ainda faz muito pouco neste sentido,
né? Existe desde o ano passado, é uma ideia antiga, , mas o ano passado foi
constituído um Conselho Comunitário, a princípio com pais representantes da
instituição. Esse trabalho ainda está engatinhando, muito voltado ainda pras coisas
da instituição, mas que com o tempo isso pode ser mais abrangente [...]”
As relações citadas parecem estar se desenvolvendo de acordo com as
orientações das Referências Técnicas do CREPOP (2007), no sentido de que as
ações estejam sempre “conectadas com seus territórios, seus sujeitos, suas
prioridades”. Para tanto as Referências cnicas orientam para que se “potencialize
99
parcerias, dentro de uma lógica de trabalho em rede” (p. 13). Esta última fala de P1
ilustra plenamente esta afinidade com o proposto.
P1: “[...] em alguns momentos a gente foi pra comunidade, pra fazer o
diagnóstico lá com eles, pra se pensar numa proposta de trabalho com aquela
comunidade, porque a gente tem o hábito de achar que o que a gente pensa, o que
a gente estudou é muito legal [...] eu aprendi isso lá, então tenho procurado fazer
isso, escutar a demanda e construir junto à população o trabalho [...]”
Mas, P1 acaba por confessar que nem sempre o que a população constrói
como demanda, está de acordo com o “despachado pela Prefeitura”, levando a
profissional a, como ela mesma diz, “fazer um arranjo que seja bom para os dois
lados”. Portanto, ouvir a comunidade, torna-se apenas um pequeno pedaço dessa
empreitada.
As relações vividas De forma não sistematizada, compõem uma
subcategoria cujo conteúdo se baseia em reflexões sobre como a comunidade
poderia estar envolvida nas rotinas de trabalho de cada uma delas. Apreende-se daí
que a comunidade é percebida como representada pelos que vão até a instituição,
ou pelos que chegam lá, independentemente da forma de encaminhamento. Uma
segunda forma de pensar a presença da comunidade é por meio das ressonâncias
dos trabalhos realizados nas instituições. Usam metáforas de semeadura, como uma
sementinha que o outro leva, ou a mesmo de “infectar” o outro e ser infectado,
mas de uma forma sem controle sistemático, como afirma P2: “A gente não vai
abertamente prá comunidade pra gente sentir isso”.
Junto com todos os esforços para pensar essa relação, aparecem também
afirmações, que compõem a subcategoria Pouco ou não considerada, fruto talvez
de uma avaliação mais objetiva, como a de P5, a seguir.
P5: “Ah, eu to pensando muito aqui, (risos), mas é no que elas estão
falando, o que eu percebo é que a instituição, , em que eu atendo também, ela
vem de uma demanda da comunidade. Então aparecendo, ta precisando, e
surge, né, agora da instituição ir até a comunidade, assim fazer um trabalho
assim, eu não vejo.”
Dentro da análise dessa categoria foi possível ainda construir uma última e
importante subcategoria intitulada Como ação terapêutica, que trata das reflexões
a respeito da possível existência de uma ação terapêutica nas relações com a
comunidade. Acabam por confirmar, por unanimidade, a existência dessa ação, mas
100
sendo, porém, o terapêutico não clínico, ou como diferenciado do processo
terapêutico tradicional. Na tentativa de uma melhor definição, sem abandonar o
termo clínica, acabam por usar a expressão clínica ampliada, na forma de uma
pergunta, na verdade.
A existência do efeito terapêutico para a comunidade passa a ser pensada
de forma associada a várias condições, entre elas a qualidade da ação do terapeuta,
como se pode observar na fala de P1 a seguir.
P1: “[...] eu acredito numa construção, no desenvolvimento do sujeito, eu
plantei uma sementinha nele, não é uma questão de ajuda que eu tenho preconceito
com a palavra, eu acredito no agente, o psicólogo como agente transformador, então
é... acho que todo momento acaba sendo terapêutico nesse conceito aí da palavra.”
O agente que emerge dessa fala, faz-nos pensar nas considerações de Fuks
(1999), quando desenvolve a respeito dos eixos principais da Psicologia
Comunitária, especialmente quando reflete sobre a passagem necessária “da
intervenção para a co-construção”, pois um psicólogo atuando como um interventor
seria um “operador externo”, o que estaria em contradição com os princípios éticos
que fundamentam a sua posição. O agente que planta uma sementinha no outro,
pode nos levar a pensar nesse operador de que menciona Fuks, instalando o que
esse autor chama de conflito entre a “eficiência transformadora e o poder de decisão
dos outros” (p.02).
Um segunda condição para o efeitos terapêuticos, aponta para a
dependência dos resultados na população atendida. A fala seguinte, de P2, retrata
essa condição.
P2: “Essa pessoa chega e você conversa 30 minutos, 50 minutos, 2 horas
com você e que ela possa sair com outras ideias (P1 acrescenta: “ou dúvidas”) é,
ideias que sejam afirmações ou dúvidas, isso para mim é terapêutico. Não
enquanto o processo tradicional, né, de terapia, mas enquanto uma ação que
possibilita ao outro estar pensando ou enxergando outras possibilidades, e isso pode
acontecer até num plantão emergencial [...]”
Pode-se sentir aqui, nesta fala e nesta condição que se construiu, talvez, a
predominância da “eficiência transformadora”, em comparação ao poder de decisão
dos outros”, por estar possivelmente atrelada ao pensamento de uma autoria,
mesmo que seja a de possibilitar ao outro apenas dúvidas. Reequilibraria a questão
da autoria, pensamentos em direção à co-construção, que reposicionaria, ainda
101
segundo Fuks (1999), a todos os envolvidos como “co-autores” e não mais como
“atores sociais”.
Percebe-se que a discussão desse tema, ao focar no terapêutico, foi se
distanciando das relações com a comunidade, passando a ser pensado nas ações,
de forma geral, provavelmente em consequência da dificuldade de se definir essa
relação. Mas, mesmo assim contribuindo com preciosas reflexões, como nessa
última fala de P2, onde podemos perceber a busca da autoria do terapêutico,
inclusive entre as profissões. De quem é o terapêutico?
P2: “[...] do que é terapêutico, do que não era terapêutico, essa palavra não
era todo mundo que podia usar, você entendendo, o Serviço social usava, e era
um problema porque daí, né, Assistente Social não faz terapia, entende.”
E, tentando organizar prá si mesma uma resposta a esse impasse,
complementa:
P2: “É, e fica assim, eu acho que essa ideia do que é terapêutico começa,
essa possibilidade reflexiva, né, de chegar com uma ideia ou sem ideia nenhuma e
sair com algumas ideias, isso é terapêutico. Então se você faz num atendimento
psicoterápico, se vo faz num grupo multifamílias, né, num grupo com
adolescentes, enfim, é, eu acho que isso pode ser falado e nomeado dessa forma.”
Para pensar a efetiva relação com a comunidade, encerrando a discussão
desta categoria, recorremos a Moré e Macedo (2006) cuja pesquisa se dedicou
justamente a construir um “modelo de atenção à população dos serviço público”, que
fosse “voltada para a demanda”. Trata-se de um trabalho de vanguarda no que
tange à construção desse novo lugar de atuação do psicólogo, junto à comunidade,
construído a partir do zero, em um campo cuja complexidade, foi se “transformando
em elementos co-construtores da proposta” (p. 203). A expressão partir do zero por
mim utilizada quis também incluir, a preocupação que tiveram com a imagem
construída pela população a respeito do psicólogo e sua ação nas diferentes
instituições, investigada em uma pesquisa paralela. O resultado revela uma imagem
desconhecida e associada à intervenção médica.
Não seria essa uma resposta possível, a uma investigação semelhante, no
contexto das comunidades onde se inserem nossas participantes e suas
instituições?
102
Passamos a conhecer e a discutir agora sobre a atuação de cada uma
delas, configurando a Categoria 6, intitulada: A Atuação Como Psicólogo na
instituição, cujas subcategorias são apresentadas no Quadro 15, a seguir.
Subcategoria
Elementos
Atendimento grupal
Atuando “como facilitadores
Atuando para “propiciar reflexões”
Atendimento individual
“Clínico tradicional”; “psicanalítico”
De “forma breve”
Atendimento envolvendo
família
Grupos “Multifamílias”
Orientações para pais
Atendimento familiar
Atendimento “misto”: “trânsito entre o individual e o
familiar”
Atendimentos externos
Visitas “domiciliares”
Discussões com a “rede de serviços”
Atendimentos fora da sala do
psicólogo
Ações “em todos os momentos”
Aspectos dificultadores da
atuação
O “controle burocrático, administrativo”
A interferência de “questões políticas”
A “não valorização” do trabalho do psicólogo no contexto
social
O predomínio do “Breve” sobre o “processo
psicoterapêutico”
Aspectos facilitadores da
atuação
A proximidade com demais profissionais
O apoio da instituição
Autonomia dada ao profissional na condução do
atendimento
Conhecimentos adquiridos
Experiências anteriores
Quadro 15 - Categoria 6: “A Atuação como Psicólogo na Instituição”.
Entre as 5 subcategorias que descrevem os tipos de atendimentos, se
destaca o Atendimento envolvendo famílias, não só por sua diversidade de ações,
como pela relativa novidade da inclusão da família no campo do atendimento
psicológico, antes restrito às orientações de pais de crianças e adolescentes em
atendimento, tal como descrito por P5, que justamente atua na instituição que se
dedica ao atendimento clínico tradicional.
P5: “Eu chamo os pais também... não tem uma freqüência, de 2, 3 meses,
eu chamo as mães, né, todos eles são mães somente ou avó. E a gente vai
conversando, eu vou orientando algumas coisas que vai acontecendo. É no tempo
que eu sinto mesmo a necessidade de chamar a família, né, prá conversar, prá
pontuar algumas coisas, ver o que está acontecendo, assim.”
103
O foco parece ser mesmo o de orientação e investigação, diferentemente de
um atendimento familiar, que teria como foco as relações familiares. É P2, que
possui especialização na área de casal e família, quem nos conta da inclusão deste
tipo de atendimento em sua atuação.
P2: “[...] no caso quem tem formação de família, né, atendimento familiar, é...
eu transito entre atendimento individual, familiar, individual, daqui a pouco eu to
chamando um e outro, ou todo mundo e eu começo com a família e vejo que tem
questões ali que precisa de um apoio individual, depois agrupar todo mundo, então
encaminho mãe pro grupo, to com um, daqui a pouco eu vou de novo chamando, né.
Eu acho que o olhar familiar sempre presente, eu vejo um momento que dá prá
estar todos juntos. Então a medida que isto é possível de se trabalhar, chamando
todos juntos, isso é priorizado [...]”
Dentro desta subcategoria ainda aparecem os Grupos Multifamílias, uma
prática em desenvolvimento especialmente em contextos institucionais, que tem
empolgado muitos dos profissionais e pesquisadores que com ela atuam, inclusive a
um grupo do qual fiz parte como supervisora, do qual trago um trecho das
conclusões como um depoimento que atesta sua eficiência: “[...] a partir de um
legítimo pertencimento grupal construído, competências de fato se revelaram e
passaram a atuar, possibilitando mudanças reais na vida de seus participantes”
(LIMA; ABDALLA; BRAGA, 2006, p. 114). Na fala seguinte P4 fala de sua atuação
com essa prática.
P4: “[...] eu trabalho com Grupos Multifamílias. Então a minha intervenção
é de facilitar conversas, né, propiciar reflexões, nesse sentido [...]”
O foco nas famílias vem ao encontro do preconizado por nossas Leis
associadas à Assistência Social, assim como a LOAS que tem em seus objetivos, no
artigo .,“a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice”.
Operacionalizada pelo SUAS, que se divide em proteções, delibera, por
intervenção da Proteção Social Básica, da prevenção de situações de risco por meio
do “desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários”, conforme Referências Técnicas do CREPOP
(Brasília, 2007). Portanto, saibam ou não nossas participantes de nossas Leis e
suas referências técnicas, de alguma forma esse movimento vem chegando até as
instituições, sejam elas de caráter público ou privado.
104
Outras formas de trabalho com grupos são citadas, compondo a
subcategoria Atendimento grupal, incluindo os “grupos de reflexão”, como os
citados pela participante que atua junto a Paróquia, que se com tempo
determinado (3 meses) e frequência semanal, ou demais grupos citados apenas, em
outras falas, como os grupos de mães” ou “grupos de adolescentes”. Quando se
trata dos grupos, uma expressão que se repete é a que se refere à função do
psicólogo nos grupos, como facilitador, “não como coordenador”, indicando a meu
ver, uma mudança no que tange ao respeito à autonomia do sujeito, assim como à
sua legitimidade, entendendo que um “facilitador” favorece o emergir de diálogos
onde cabem diferentes lógicas e diferentes significados (GRANDESSO, 2000;
FUKS, 1999). Especialmente quando o psicólogo que está à frente do grupo, não
pertence à classe sócio-cultural dos participantes desse grupo, e vive o desafio de
trabalhar com a diversidade cultural (WALDEGRAVE; MACEDO, 2001).
O Atendimento individual aparece em sua forma tradicional, para P5, que
assim o descreve:
P5: “O atendimento clínico, atendendo crianças, ludoterapia, né, de
orientação psicanalítica, né, usa brinquedos, chama os pais também porque são
todos crianças, quer dizer, comecei atender como crianças, agora já são pré-
adolescentes, né (risos) 12, 13 anos.
Esse tipo de atendimento não aparece nas demais instituições, que por sua
vez, parecem buscar alternativas para este formato, respondendo aos objetivos de
cada uma delas, tendo despertado especial interesse no grupo a forma breve de
atendimento, apresentada por P3. Vejamos.
P3: “[...] com relação a nossa intervenção, de novo eu volto no tempo,
porque prá gente ali, de verdade, embora seja um despertar, seja terapêutico, de
forma mais prática, são 4 atendimentos. Então a gente fica mais voltada prá questão
da orientação, porque como é que eu vou aprofundar? (M. pergunta se “cada pessoa
passa por 4 atendimentos”) Quatro sessões só, então são pra questões, a gente
enfoca, é mais focal mesmo, que você vai focalizar uma questão em si, que está
mais emergente na vida dela, e é mais um trabalho, uma troca, mesmo, as duas
assim... eu sinto assim, como se as duas estivessem: O que a gente vai fazer
então? Vamos tentar descobrir, vamos tentar construir alguma ideia sobre isso,
porque a gente não pode aprofundar.”
105
O “não aprofundar” é esclarecido, referindo-se à “responsabilidade com o
outro”, e ao fato de não ser “mais superficial”, e sim voltado para “questões mais
práticas”. Talvez esta preocupação com o aprofundar, esteja atrelada a uma leitura
clínica tradicional de herança psicanalítica, como se os psicólogos pudessem decidir
por um acesso ou não a materiais inconscientes, cuja leitura pode ser o “mais
profundo”. A fala de P3 revela um movimento importante de estar genuinamente
com o outro, abrindo para o “construir juntos” e o vislumbrar de possibilidades,
condição muito favorecedora para o objetivo de mudar sua posição de impotência,
minimizando a sensação de desamparo (MACEDO, 2001). O questionamento
aparece provavelmente por se comparar a uma prática tradicional. Mas também
ganha voz na fala de P2, a seguir.
P2: “[...] é um questionamento que vem assim a longo prazo, né, qual a
possibilidade que o serviço público dá para o processo psicoterápico? [...] em função
da demanda, da grande demanda, existe essa fala de uma abordagem mais breve,
focal [...] Então eu acho que é um grande questionamento, como é que fica o
trabalho do psicólogo ou o trabalho em Saúde Mental pras populações vulneráveis,
que apresentam tamanha complexidade e que a perspectiva é breve e focal, né,
então esse é um ponto.”
Neste momento P2 aproveita para esclarecer a questão do tempo, em seu
Programa:
P2: “O Programa não tem um prazo definido, um prazo máximo de
atendimento, né, acho que quando atinge a maioridade, você acaba conduzindo a
situação prá outros recursos da rede [...] a questão da vulnerabilidade dessa família,
né, porque ela vai tendo outros filhos, então se o mais velho completou a
maioridade, mas tem outra criança nessa família que numa situação vulnerável, a
família continua nesse serviço, né. Então a gente tem um tempo maior de
intervenção aí.”
A crítica de P2 vem de um lugar que, diferentemente de P3 (que faz
primeiros contatos vislumbrando possibilidades, inclusive a de participar do
Programa do qual faz parte P2), oferece e tem acesso aos demais recursos da rede
pública. E por isso mesmo pode administrar de forma diferente a questão do tempo,
cuidando principalmente para não cronificar a presença das famílias nos programas,
o que pode ocorrer pela confluência de uma multiplicidade de fatores, inclusive pelas
pseudosoluções (PAKMAN, 1999) desenvolvidas pelos profissionais, perpetuando a
106
“estrutura total que mantém o problema”(p.10). Ou ainda pela não integração
interdisiciplinar, cuja existência é preconizada pelo CREPOP (Brasília, 2007), como
possibilitando, por intermédio da “interação de saberes e a complementação de
ações”, “a maior resolutividade dos serviços oferecidos”.
A integração aparece em nosso grupo de participantes, principalmente
mediante as discussões com a rede de serviços, que junto com as visitas
domiciliares, compõem a subcategoria Atendimentos externos. A importância e o
aprendizado do trabalho com a rede, são abordados por P1, após colocação de P2
sobre o fato de as “discussões da família com a rede”, fazerem “parte da
intervenção”.
P1: “[...] eu acho bem legal, que você conversa com tanta gente, você escuta
opinião de tanto lugar. No começo, eu me assustava demais, porque eu achava que
estava interferindo no meu trabalho, porque como eutrabalhava em clínica, eu só
escutava ali o paciente, né, então não tinha muito... o supervisor , né, então quando
estava lá era discussão de caso com o supervisor. Agora, lá, você escuta, começa a
achar que é legal, e aí [...]”
P1 ilustra, em seu depoimento, aspectos de uma transição da clínica para
a instituição – que pede uma abertura, não para trabalhar na interface com
profissionais de outras áreas, como na interface entre as diversas áreas da
Psicologia. Uma abertura da qual se beneficiariam os profissionais da área
social? Ou podemos pensar que o trabalho junto às instituições tem provocado
mudanças que estejam gerando novas competências, que podem também pegar o
caminho de volta e trazer novos ares para a clínica? Afinal a metáfora do universo
como rede, vem justamente dar voz e lugar para o “sujeito complexo”
(NAJMANOVICH, 1998, p.64), aquele que “advém como tal na trama relacional de
sua sociedade”. Esteja ele no setting de um consultório particular, ou em alguma
atividade grupal de determinada instituição.
Assim como também estará em seus aposentos em sua comunidade, com
seus valores e significados co-construídos na interação. Os aposentos o citados
também em função das visitas domiciliares, incluídas como parte dos Atendimentos
externos. As visitas são comentadas por P2, interrompida por várias perguntas e
pequenos comentários do grupo.
P2: “No início do processo a gente convida via aerograma, se a família
comparece, você não faz a visita, se não, você vai, né. Se durante o percurso
107
que faltou, faltaram alguns encontros, assim, então é interessante ir lá, para ver
como é que está, se está doente, se não está conseguindo vir. Ás vezes até prá
saber como está a organização física daquela família, porque uma coisa é se eu
ficar criando uma imagem daquela casa, outra coisa é ir lá e ver como é que é.”
Mais se fala ainda a este respeito, deixando claro o objetivo “investigativo”
da visita e de seu caráter de “surpresa”. A justificativa é clara para os que trabalham
com risco para os membros das famílias. No entanto, cabe aqui a lembrança de que
a população atendida pertence ao grupo de média, alta ou muito alta
vulnerabilidade, tendo muito diminuída a capacidade de “controlar as forças que
afetam seu bem estar”, por influência de múltiplos fatores que os mantém no ciclo da
pobreza (PAUGAM, 2003), gerando respostas aparentemente disfuncionais, que
merecem ser “vigiadas”; mas que podem ser, felizmente, tentativas de
sobrevivência, ou seja, “respostas adaptativas” (HINES,1995, p.442), que merecem
ser consideradas como recursos a serem significados, para então ser repensados
com os membros da família.
Voltando para a instituição, foram citados ainda os Atendimentos fora da
sala do psicólogo, para dar conta das ações que se dão “a qualquer momento”,
como descreve P1, a seguir.
P1: “É, porque eu trabalho com muita gente e eu posso considerar todos
clientes num determinado momento, não? Então desde a hora que eu chego na
instituição, que eu entro, tem criança sentada na calçada, mexendo no lixo, a
porteira fingindo que não vendo, eu começo a intervenção ali [...] sabe,uma
perguntinha pra ficar uma pulguinha atrás da orelha, sabe, da porteira, da cozinheira
que eu cruzei no meio do caminho, dos adolescentes que eu encontrei chorando,
caído no banco [...] aí eu vou mexendo, em todos lugares eu vou mexendo.
O lugar do psicólogo ficou tradicionalmente associado às quatro paredes de
um consultório, dentro de um modelo clínico/médico, como se os fenômenos
relacionais, ou a subjetividade, tivessem hora e lugar certo para se apresentar. Nas
condições do atendimento particular a instalação do consultório se justifica para
possibilitar o encontro que se pretende terapêutico, efeito cuja garantia não vem das
quatro paredes.
nas instalações de uma instituição, muitas são as possibilidades de
encontros, em diferentes condições, que podem se tornar palco de uma conversa de
caráter reflexivo. Aqui nos ajuda Macedo (2004) defendendo a ideia de que o
108
psicólogo clínico pode atuar em qualquer setting ou contexto, a partir de uma leitura
da clínica como uma “atitude”, uma “postura profissional”. Desenvolvemos, ao longo
de nossas formações, diferentes capacidades que configuram nossa postura
profissional, e que podem estar a serviço do outro, em diferentes situações.
Após esse panorama dos tipos de atuações, as subcategorias seguintes
expressam os elementos considerados, pelas participantes, como dificultadores ou
facilitadores no desenvolvimento de suas ações. Dentro de Aspectos
dificultadores da atuação, o excesso de controle administrativo, burocrático, ganha
destaque, aqui representado na fala de P4, a seguir,
P4: “[...] agora tem questões burocráticas, administrativas que dificultam
bastante o trabalho, eu acho, né, até no sentido de tamanho do grupo. Então, se o
grupo ficar muito pequeno, e tem que desmanchar. É um controle imenso, assim, um
olhar excessivo prá questão de faltas, né, a gente sempre procura focar, valorizar,
que as pessoas estão vindo, né, e que acontecem coisas no processo que dificulta
que a pessoa venha, mas a instituição não considera isso [...]”
Este tema nos leva a pensar nos limites inerentes ao funcionamento de uma
instituição, aos quais devem se adequar todos os profissionais que ali atuam. Assim
como a população atendida convive com limites, nem sempre compreendidos, para
a vida em comunidade. Tratar desse limites, nos encontros institucionais, na
tentativa de compreender seus pressupostos, pode ajudar tanto no desenvolvimento
de uma análise crítica da situação, como na construção de uma inevitável aceitação
que torna o funcionamento possível para todos. Como bússola para essa discussão,
recorremos aos pressupostos éticos inerentes à Promoção da Saúde (CAMPOS,
2007), traduzidos, pela Carta de Ottawa, em seu avançado conceito de saúde: “Para
um completo bem estar físico, mental e social, um indivíduo ou grupo deve ser
capaz de identificar e realizar aspirações, satisfazer necessidades e mudar e se
adaptar ao meio”.
É P2 quem associa às questões administrativas como dificultadoras, as
questões políticas, incluindo sua própria visão política. Apoiada por P1. Vejamos.
P2: “Eu acho que a minha visão política interfere muito nas questões de
trabalho, eu acho que desde mudanças de profissionais, né, eu acho que isso causa
um impacto. (P1 acrescenta: “mudança do foco do trabalho”) Mudança do foco do
trabalho, exatamente. Acho que isso é bem dificultador, né.”
109
P1: “Dificultador, questões políticas, que de 4 em 4 anos muda a
administração da instituição, ás vezes até de 2 em 2, e muda chefe, e se tava
todo mundo indo prá direita ele que vá prá esquerda, então isso é bem complicado.”
Embora tenhamos avançadas leis que amparam nossa Política de Saúde
Pública, que não foram assimiladas ainda de forma efetiva nem pelos próprios
setores que a ela respondem, muito menos atingem os diferentes setores da Política
Nacional. A integração continua nos papéis e nos sonhos?
Mas a política de que tratam nossas colegas participantes, cuja interferência
é apresentada conforme mudanças de profissionais e de foco de trabalho, nos leva a
pensar na ação atrelada aos interesses da política partidária, quase nunca
associada às legitimas preocupações com a saúde de seus compatriotas, deixando
que suas ações funcionem como verdadeiros tratores demolidores de bons projetos
em andamento.
Como aspecto dificultador aparece ainda um, diretamente ligado ao trabalho
do psicólogo no contexto social, a sua não valorização. Esse elemento aparece em
diferentes momentos de nosso encontro, ora referindo-se a não valorização pela
própria equipe de trabalho, ora a não valorização pela sociedade de forma geral. A
fala de P5, a seguir, ilustra essa percepção.
P5: “[...] e eu acho assim, a questão de a gente ser um agente
transformador, eu acho importantíssimo! Eu acho com uma importância, assim, prá
mim, né. Só que assim, eu não vejo este valor sendo dado, né, dentro de instituições
ou socialmente, né. Eu não me sinto assim, valorizada socialmente na minha
profissão.”
O preço que se paga pela saída do consultório e todo o valor associado a
ele pelo modelo médico. É essa a reflexão que ganha corpo perante este
depoimento, afinal, toda transição tem seu preço. A identidade do psicólogo parece
estar tão fortemente associada a esse modelo de consultório, que mesmo em outros
contextos, nossas participantes revelam que a expectativa é que façam a clínica,
como podemos perceber nesta fala de P1.
P1: “[...] mas o olhar dos outros profissionais, principalmente do Serviço
Social, e o olhar da comunidade ainda é: o psicólogo, ele vai fazer clínica, ele vai
atender individualmente [...] e as famílias muitas vezes, você vai com a proposta de
um multifamília, de um grupo, operativo, num sei quê, ele vai, mas no finalzinho eles
querem falar com você.”
110
Então, ao não valorizar a mudança no campo de ação do psicólogo, se
acrescenta o não aceitar. Mas quem pertence a uma grande família, sabe o que
significa um colo ou uma atenção especial de vez em quando. Mas não na
literatura aqui consultada, nenhuma fala que advogue pelo fim do atendimento
individual. O que muda, no olhar sistêmico novo paradigmático, é o significado do
individual, ou do self. É Grandesso (2000) quem afirma que uma Psicologia da s-
Modernidade não pode sustentar mais uma “visão essencialista do self”. Que uma
visão pluralista nos ajuda a compreender os selves como em constante processo,
construídos nas relações com pessoas significativas presentes nas experiências
vividas.
Assim vai ficando cada vez mais claro que o social não tem lugar e não tem
hora marcada. Não pertence ao consultório e nem a instituição. Pertence ao
indivíduo, que o carrega para onde for, sofrendo as vicissitudes de cada encontro (a
dois ou em grupo), pois como bem nos lembram Macedo, Kublikowski e Santos
(2004), a construção da realidade configura-se, do ponto de vista da complexidade,
como “um processo individualmente cunhado e socialmente legitimado, em um
processo recursivo entre indivíduo e cultura” (p. 2).
Dentro dessas reflexões, que nos conectam com a metáfora do complexus,
do que é tecido junto (MORIN, 1997), permitindo-nos pensar em um mundo onde
tudo estaria conectado, numa rede relacional e interdependente; a partir da
consideração desta metáfora da s-Modernidade, pode-se compreender o
destaque, dentro da subcategoria Aspectos facilitadores da atuação, do conteúdo
relativo a trabalhar em equipe, ou em rede. Vejamos, a seguir, algumas das falas
que apresentam esta percepção.
P2: “[...] eu acho que facilitador, trabalhar em equipe, né, porque meio que
vamos dividir, e é somar, né, a gente nunca se sente sozinho, como você fica, você
no consultório de repente, né. Então ali você as oito horas de trabalho ali junto,
você conversa com o colega, você pede ajuda, você ta... acho que isso é um
grande facilitador.”
P1: “Esse facilitador faz parte de uma instituição, eu acho bem legal, que
você conversa com tanta gente, que você escuta a opinião de tanto lugar [...] eu
acho que é rico, mas não são todos os colegas que entendem assim, né.”
O estar em equipe, ou em rede, percebido como parte inerente do trabalho
em instituições, não tem a sua aceitação revelada, como é tido como um
111
facilitador do trabalho. Não apenas pelas colegas do serviço blico, cujas falas são
citadas acima, como pelas demais colegas, que no desenvolvimento de outras
questões, acabam por se referir aos benefícios das “reuniões e os grupos entre a
gente”.
A instituição favorece os encontros ou desencontros entre os profissionais,
pelo simples fato de comportar técnicos vindos de diferentes áreas, cuidando da
mesma população. Abandonar as vaidades profissionais e as posses dos casos, é
parte deste exercício, e tem como ganho provável favorecer o reconhecimento de
que as incertezas e as contradições tem um novo lugar dentro do pensamento
complexo, um pensamento que as integra e une (MORIN, 1997), descortinando
novas possibilidades, desmanchando estagnações, tão prováveis na vivência da
interface com o contexto da pobreza. Para tanto, que se aceitar o desafio de se
desocupar o confortável lugar das certezas de um campo fechado de trabalho, onde
não cabem outras visões ou diferentes lógicas.
Penso que não somente o contexto da instituição em si favoreça os
encontros entre diferentes áreas. Este encontro torna-se necessário frente à
complexidade do contexto da pobreza, que não pode esperar, que exige respostas
efetivas, para além do impacto que poderia ficar vivendo isoladamente cada um dos
técnicos envolvidos no caso em questão. Perante esse quadro, de urgências, torna-
se de fato essencial o apoio oferecido pela instituição, citado como um facilitador por
nossas participantes, tanto o apoio técnico (supervisões), como teórico (cursos) e
“material”, como podemos observar nas falas de P5 e P4, a seguir.
P5: “O I5 (instituição onde trabalha P5) é muito valorizado, é isso mesmo,
faz supervisão, sempre muito acompanhando, você tem todo o apoio [...]”
P4: “[...] o que vem da instituição, o que facilita o trabalho, uma das coisas
que eu considero é a supervisão, , então a instituição reconhece a importância da
supervisão, paga pela supervisão, e [...] na medida do possível, assim, o que
precisar a gente providencia, tem um espaço aberto nesse sentido [...]”
A fala de P4 abre para outro elemento sentido como facilitador nesse grupo,
que se refere à autonomia dada ao profissional na condução de seu trabalho, apesar
dos empecilhos burocráticos e administrativos, já apresentados. Falam de “liberdade
para criar” (P1), ou ainda “deixam a gente mais ou menos livre para fazer o que for
preciso fazer”. Talvez a saúde de uma instituição esteja mesmo condicionada à
existência de uma estrutura bem definida, inclusive por seus limites, que dê a
112
necessária autonomia a cada um dos profissionais, tanto dentro de suas
especificidades como no encontro com as outras áreas. O norteamento para todas
as ações deverá estar atrelado, em primeiro plano, aos objetivos da entidade, e, em
um plano mais amplo, aos princípios éticos da Promoção da saúde (CAMPOS,
2007).
Como Aspectos facilitadores foram apontados ainda os conhecimentos
adquiridos e as experiências anteriores. Os conhecimentos citados abordam
principalmente cursos posteriores a formação, assim como podemos observar no
depoimento de P4, a seguir.
P4: “Na época da Faculdade eu considero assim, que foi muito pouco, talvez
o meu aproveitamento tenha sido muito pouco, não estou nem falando da questão
da Faculdade, é o que eu vim fazendo depois, os cursos que eu vim fazendo, eu
senti que, é... melhoraram muito esta questão da atuação.”
Influências vindas do período de formação estão associadas aos estágios,
como nos conta ainda P4.
P4: “[...] fiz um estágio no quinto ano, então, é... a supervisora era uma
professora de Psicologia Social, do noturno, eu estudava de manhã, não cheguei a
te aula com ela, eu tive contato com ela no estágio mesmo, [...] a abordagem
dela era da Análise Transacional [...] mas o mais importante dela era a forma de ver
o ser humano, né. Que ela olhava meio com o olhar que eu vejo hoje na Sistêmica,
sem dizer que era Sistêmica, né [...]”
Pode-se pensar que os estágios se tornam campos de potencial influência
para a prática posterior, por ser justamente o momento em que a teoria encontra seu
lugar junto a uma metodologia de trabalho, ganhando especial atenção,
especialmente quando existe uma identificação com o professor responsável pelo
estágio, como no caso de P4. E ainda como sendo o estágio um momento realmente
favorecedor de se perceber o quanto nossas escolhas têm a ver com “um olhar para
o mundo”. O depoimento de P4 é rico neste sentido, e fica ainda mais evidente
quando fala de sua identificação “com a sistêmica”. Vejamos.
P4: “[...] outro marco foi a sistêmica, né, que eu senti assim que foi um abrir
de janelas, de muita luz, de muitas possibilidades, . Parece que ali eu me
encontrei, eu falei: - Bom, parece que alguém tá falando a minha língua, né, de olhar
o ser humano de um jeito... valorizando o outro.”
113
E quem ainda esteja buscando por este olhar, querendo se identificar
“com alguma abordagem”, como nos confidencia P3, que na verdade não parece
estar tão às cegas assim, pois também afirma estar pensando ou “na Sistêmica” ou
na “Logoterapia”. Para os propósitos desta pesquisa importa saber que esta
participante sente “muita falta” de um direcionamento deste tipo, que espera buscar
em uma especialização. A Sistêmica é também citada por P2, como vemos a seguir.
P2: “Eu acho que... a formação Sistêmica (especialização) é a que mais
colaborou comigo nesse processo, neste trabalho de famílias, aí, então, hoje é...
antes eu enxergava família de uma forma, né, e hoje eu enxergo bem diferente,
então enquanto possibilidades de trabalho, de intervenção, né, pensar o sujeito nas
suas diversas relações, eu acho que ter ampliado este olhar contribui muito pra
minha prática. E isso lógico que acaba me forçando a ter que estudar mais, (risos),
então eu acho que abriu uma janela que eu tenho agora que descobrir o que é que
tem além dessa abertura, né.
A identificação com “a Sistêmica”, assim com foi observado na Análise do
Questionário, vem ao encontro do embasamento teórico desta pesquisa,
corroborando possivelmente sua crença de que, estando o Pensamento Sistêmico
alinhado com a transição da Ciência para uma Ciência Pós-moderna, pode oferecer
grandes contribuições perante às novas demandas das humanidades (SANTOS,
1983), ajudando a Psicologia a se renovar a partir de seu “projeto da
modernidade”(KVALE, 1992).
É citada ainda, por P1, a ajuda advinda da Psicanálise “Kleiniana”, da forma
como podemos ver a seguir.
P1: “Vamos lá, a minha formação é em Psicanálise, Psicanálise Kleiniana...
o que eu estudei respalda todo o desenvolvimento do meu trabalho, embora a
Psicanálise não metodologia, né, então eu crio ou copio de algum lugar, mas
enfim, é o jeito de compreender o sujeito, as relações. Fundamental: supervisão e
análise, já to há 18 anos fazendo análise e também é, é... fundamental.”
P1 revela grande identificação com a “psicanálise kleineana”, identificação
essa observada na expressão “é um jeito de ver o mundo”, cuja consistência e
coerência se na forma como ainda se alimenta desse referencial na supervisão e
análise dentro desta leitura. Uma fidelidade que a faz nem ter planos de
continuidade de estudos, mas que se revela não rígida,quando, olhando para seus
depoimentos anteriores, percebemos sua flexibilidade para as novas demandas,
114
embora também se possa perceber o quanto sua fidelidade teórica pode mantê-la na
condução dos encontros.
O último depoimento de P1, neste tema, traz importante reflexão, que,
embora lhe cause ainda algum estranhamento, como próprio das transições, vem ao
encontro de uma leitura pós-moderna a respeito da não neutralidade do
profissional/pesquisador. Vejamos primeiramente sua fala.
P1: “Uma coisa que eu vou falar, você pode achar muito estranho (risos), eu
também tenho achado um pouco estranho, mas eu tenho pensado nisso algum
tempo, eu acho que um ano, um ano e pouco. Que é, na minha formação de gente e
de psicóloga, também tem, né, o que eu aprendi obviamente com meu pai e com
minha mãe, aqueles valores até hoje, aeu sinto que eu escolhi Psicanálise não foi
a toa, né, eu escolhi desenvolver tal tipo de trabalho não foi a toa, porque isso
sempre me remete a coisas que meu pai e minha mãe me falaram e fazem ahoje.
E eles nem eram psicanalistas (risos gerais). Um deles nem terminou os estudos.”
P1 exemplifica, com seu depoimento, o que vem sendo sentido como
necessário, para a nossa vida profissional e acadêmica, na convivência com a
complexidade, ou seja, um “auto escrutínio” do profissional, referente às suas
possíveis ligações com os padrões interacionais familiares, que, como afirma
Cerveny (2000, p. 145) “refletem e contém a maneira como o indivíduo experiencia
a realidade”.
A categoria seguinte - Competências para o Trabalho Institucional Com a
Pobreza - foi construída ainda com base no conteúdo da conversa desenvolvida
sobre a atuação de cada uma de suas participantes em suas instituições. O Quadro
16, a seguir, mostra sua análise.
Subcategoria
Elementos
Para construir a relação
terapêutica
“Sensibilidade” e “respeito” com o outro
Disponibilidade “autêntica” para estar com o outro
Reconhecer o “em comum” entre os diferentes
Para a construção de
estratégias e recursos
Permitir-se construir, usando “criatividade”
Ser “flexível”, com “ousadia
Para a relação com a
Instituição
Estar atento às ressonâncias da pobreza
Não esperar reconhecimento institucional ou social
Ser “resiliente” como profissional
Para a relação com a
sociedade
Ver-se “como agente transformador”
Quadro 16 - Categoria 7: “Competências para o Trabalho Institucional”.
115
Ao serem questionadas sobre características próprias, pessoais, que as
tornariam competentes para atuar da forma como descreveram, com essa realidade
sócio-econômica, reagem, com certo constrangimento, à palavra competência,
talvez com restrições a possíveis auto-elogios. Mas vão se soltando e deixando
aparecer de fato um conjunto de atitudes e habilidades que vêm desenvolvendo ao
longo dos anos de atuação, que, acrescidos do item conhecimento (cuja importância
foi apontada em diferentes momentos desse grupo), compõem o conceito de
competência, como desenvolvido por Fleury e Fleury (2001), aqui adotado, pelo por
seu alinhamento com uma leitura de mundo construída a partir da complexidade.
A subcategoria denominada Para construir a relação terapêutica, fala de
fato de um conjunto de atitudes, desenvolvidas possivelmente como respostas aos
desafios do trabalho com a diversidade cultural, à medida que dão especial atenção
à legitimação do outro na relação de atendimento. A seguir algumas falas que
ilustram essas atitudes.
P4: “Eu fiquei pensando em algumas características assim, ó, a primeira que
me vem é sensibilidade, é... respeito ao outro, e conhecimento do outro,
flexibilidade. Até prá considerar isso que a gente falou várias vezes de não olhar
para o outro e falar assim: - Ah, ele vivendo, fazendo alguma coisa
completamente diferente de mim, portanto ele está errado. Não, né, olho para o
outro e reconheço a forma do outro pensar e viver como válida para ele. [...] uma
disponibilidade autêntica de estar com o outro [...]”
P1: “Então, você falando assim, lembrei de uma coisa que é básico para o
meu trabalho: eu olho o outro como um igual. Ele fala “to fudido!” e eu falo “e daí,
também to fudida, o que nós vamos fazer com isso? (risos gerais). Então pega no
colo, um prato de comida, é, é igual. É gente, gente como eu (P4: “Gente como a
gente”), de vivências diferentes, de condições diferentes de estar no mundo, mas é
gente.”
P2: “[...] no consultório, tem chegado alguns casos que o que muda das
famílias do Programa, é a conta bancária. Eu acho que é isso que eles tem em
comum, né, esses recursos, esses sentimentos, que é o ser gente, né,então eu acho
que é... o que nos é próprio do humano, né, vopode ter conta bancária diferente,
mas nós temos algo que é próprio do humano.”
São depoimentos que nos permitem assistir a um especial esforço para
assimilar diferenças, que por vezes devem ser não somente grandes, como
116
inaceitáveis, a ponto de levá-las ao exercício de considerar que, sim são humanos, e
como a gente! A sequência desse exercício de pensamento talvez fosse: - Vejam o
que s, humanos, somos capazes de fazer com nossas vidas! Um movimento na
direção do que chamamos aqui de socialmente reconhecido, de um cidadão
legitimado como tal, pelo pertencimento, pela visão da rede social, que o inclui,
compondo, com todos, o mesmo sistema social.
P5 acrescenta a essa atitude a questão do “cuidado” com as questões do
outro, ilustrando a sensibilidade, apontada acima. Vejamos sua fala a seguir.
P5: “[...] é querer ter um cuidado muito grande com as questões que eles
trazem. É, é criar competência o tempo todo, porque às vezes vêm com situações
muito difíceis, questões muito dolorosas, muito sofridas, que você tem que de
alguma forma [...] eu acho que querer ter esse cuidado, né, de querer estar em
contato junto com aquela pessoa naquele sofrimento [...] você suportar aquilo junto,
porque é isso! Aguentar junto, né, e criar, na verdade, uma competência para lidar
junto com aquela pessoa... tem nosso embasamento, tem supervisão, tem os
nossos instrumentos, tem a forma de trabalhar, né, mas estar em contato com uma
pessoa, no sofrimento [...]”
As preocupações de P5 apontam para demandas que podem estar
associadas às questões éticas, como parte da competência profissional, tal como
argumenta Rios (2004, p. 20), ao pensar essa competência considerando o “saber
agir responsável”. É sobre responsabilidade a fala de P5, aquela que vai além das
questões técnicas e mesmo das questões políticas. É da “dimensão ética” que se
fala aqui, aquela que, segundo Rios, faz uma “mediação” entre as dimensões
técnica e política, quebrando uma possível dicotomia.
Com preocupações semelhantes, P2 traz o “cuidado com julgamentos”,
lembrando que por vezes torna-se necessário “um exercício de respiração” .
P2: “Dez vezes... para o julgar. Dez vezes ou mil vezes, ou dez mil vezes
(risos) é... no sentido assim de não deixar que aquele ato violento seja primeira, é...
a marca registrada daquela pessoa ou que aquela é... criança ou adolescente não
seja vistacomo a vítima da história [...] é você encontrar-se com alguém podendo
enxergar, é... (P1: possibilidades) possibilidades, , e enxergar, também essas
limitações, essas dificuldades, para você poder enxergar várias coisas, não só aquilo
que chega, o motivo do encaminhamento prá lá.”
117
P2 fala do risco do julgar, precipitadamente, sem considerar a complexidade
que envolve uma ação quando analisada de forma mais contextualizada, podendo
significar a distância de uma avaliação com ênfase no processo, dando voz tão
somente aos aspectos deficitários trazidos pelo encaminhamento. Lembrando que é
a “ênfase no processo” (SARTI, 2007) é que tem se revelado mais eficiente como
forma de aumentar a possibilidade de se ver soluções.
As atitudes são abordadas por meio do cuidado, as competências
associadas às habilidades, compondo a subcategoria Para a construção de
estratégias e recursos, são abordadas através da criatividade, como podemos
observar na fala de P2.
P2: “[...] eu acho que é isso que me move, né, o querer se desenvolver. Isso
eu trago para mim. Então é o tempo todo, é encontrar recursos, encontrar
competências em mim para o meu trabalho [...] eu acho que uma condição para
alguém que trabalhar com famílias nesse grau de vulnerabilidade, é querer, é o
profissional querer buscar desenvolver suas competência. Naquela situação você
acaba, né, o que você falou na hora que foi trabalhar com eles [...] e como vo
poderia ser diferente, né, você foi desenvolvendo outras habilidades. Então, essa
busca por desenvolver novas habilidade, acho que é muito importante.”
Em consonância com esse parecer de P2, surgiram várias expressões no
decorrer da discussão desta e das demais categorias, tais como “usar a imaginação
e a criatividade”, “permitir-se ousadias perante o inusitado”. Parece que o contexto
demanda o criar sempre, indicando, entre outros fatores, que as estratégias
aprendidas anteriormente, não dão conta dessa realidade. Essa percepção confirma
a avaliação de Andrade (1999) no sentido de que os processos de formação e
capacitação “ainda” - em comparação com limites apontados por Macedo e Mejias
(1984) - não têm garantido um “comprometimento social” com a “criação de novas
formas de atuar e intervir na realidade”(p.66).
A boa notícia, em nosso grupo, ainda no diálogo com Andrade (1999), é que
nossas participantes, referem-se a momentos em que o trabalho é exercido de forma
a “acolher o processualmente emergente”, à medida que se permitem ousadas e
criativas, diferentemente daqueles que ainda podem estar atuando “de forma
alienante”, “em nome de uma verdade”. O caminho parece ser o da criatividade e o
da ousadia.
118
Este caminho talvez responda às preocupações presentes na subcategoria
denominada Para a relação com a instituição, no que se refere à necessidade de
se estar atento às possíveis ressonâncias da pobreza no trabalho do psicólogo,
levando ao empobrecimento da ação. P1 nos fala desse risco e da necessária
resistência.
P1: “[...] eu sou ousada e perdi o medo ... essa instituição fez muito bem
prá mim. A ousadia, o inconformismo, a indignação, quando se trabalha pobrezas
múltiplas, num vou falar de dinheiro. E pobreza de colega de trabalho que é mais
pobre que a clientela, né, de conhecimento, de busca de conhecimento, de urgência,
né [...] uma coisa que aprendi com a S., de você criar um jeito, aí cada um faz o seu,
de você se proteger, não é defender, é diferente, se proteger um pouco pra que essa
pobreza não te contamine, senão você não consegue trabalhar.”
A ousadia e a criatividade aparecem, portanto, como a saída para o o
empobrecimento da ação. Pakman (1999) faz um alerta sobre essa questão, ciente
da difícil rotina desses profissionais, que facilmente levaria à desesperança e à
impotência, apontando exatamente para o risco de, “espelhar a frustração de seus
pacientes” (p. 10), recorrendo às “pseudo-soluções”, tal como recorrer aos
automatismos advindos das técnicas aprendidas. Aqui a resposta não seria a da
criatividade.
O encontro com as adversidades, nesse contexto de trabalho, faz aparecer o
“ser um profissional resiliente” (fala de P2), mas não perante a realidade da
população, como também perante a instituição. Surge então outra competência, a de
“não esperar reconhecimento institucional ou social”. P1 refere-se a “uma solidão
muito grande”, dizendo que sente falta desse reconhecimento.
É curioso ouvir falar de “solidão” no trabalho institucional, ali onde esse
grupo revelou sua satisfação em trabalhar em equipe. Ou falar de solidão de um
trabalho na área social. Será que este sentimento pode vir da Psicologia construída
na Modernidade, que, por ainda acreditar na neutralidade, ou na condição de
observador externo do psicólogo, de fora do sistema com qual trabalhava, deixava-o
na condição propícia para a solidão? Pode-se considerar ainda como um
sentimento de quem constrói o seu lugar, o seu pertencimento, pois são vários os
comentários, vistos aqui, no sentido de ainda não se sentirem assimilados e até
mesmo valorizados por seus grupos de trabalho. A solidão de quem muda de lugar,
mas está a caminho.
119
A última subcategoria deste tema - Para a relação com a sociedade -
refere-se a uma competência, que parece apontar para uma responsabilidade ou um
comprometimento com a sociedade, dando ao psicólogo o lugar ou o papel de um
“agente transformador”, citado em diversos momentos desse grupo. A seguir um
trecho da fala de P5 a esse respeito.
P5: “[...] questões muito dolorosas, muito sofridas, que você tem que tentar,
se está escutando aquilo, tentar ser um agente transformador. É uma
responsabilidade muuuuuito grande, entendeu?”
O muuuuuito de P5, talvez se refira às demandas desse trabalho que, em
muitos momentos extrapola o intrapsíquico, como afirma Macedo (2006, p.03), ao
apontar a necessidade de “outra postura” por parte do psicólogo que atende a
população nos serviços públicos. É para caracterizar um trabalho que possa “dar
respostas e dialogar com situações de dor e sofrimento” dessa população, que
introduz o termo “trabalho clínico como ação social”, onde os fatores inerentes a
pobreza necessitam ser vistos com a mesma importância que os fatores
intrapsíquicos. Macedo fala de uma postura na qual o terapeuta pode ser visto como
“agente de promoção de mudanças”, estando “profundamente comprometido com a
justiça Social”. Tudo indica que é da percepção dessa responsabilidade de que fala
P5 em seu depoimento.
As metáforas construídas por todas as participantes no final, compondo a
categoria 8, denominada Metáforas Para o Trabalho Institucional com o Contexto da
Pobreza, são agrupadas em subcategorias apresentadas no Quadro 17, a seguir.
Subcategoria
Elementos
Imagens associadas a caminho e processo
Como “pessoas escalando pedras”
Como “um rio criando seu caminho”
Como a ação de um jardineiro
Imagens de composição artística
Como mosaico
Como patchwork
Imagens associadas a sucesso x impotência
Como o “deserto do Saara”
Como “uma praia paradisíaca”
Quadro 17 - Categoria 8: “Metáforas para o Trabalho Institucional”.
A análise dessa categoria vem confirmar a grande ajuda que metáforas
podem dar à expressão de nossas percepções, principalmente quando foram
120
anteriormente contextualizadas, ou seja, quando acabamos de conhecer um pouco
das percepções a serem representadas por elas.
Imagens associadas a caminhos e processos foram apresentadas por 3
das participantes. A seguir.
P2: “[...] a hora que você falou me veio essa imagem, assim, de um alpinista
e eu acho que é a questão do desafio. Então é uma situação ali, é de risco, , mas
é um risco com certa segurança, então também não é um risco 100%, e é o tatear
para encontrar (M: o próximo passo) o próximo passo, né, então é essa imagem,
não sei se eu ia ter coragem de subir em pedras, mas [...]"
P4: “Bom, eu gosto muito de flor, né, e a gente falou aqui de semear e eu
fico assim, fiquei me imaginando como uma jardineira, plantando um jardim imenso,
plantando flores de todo tipo, né, pensando no processo que é você ver uma flor
aparecer também, né, a semente que a gente coloca, mexe a terra, põe a água,
coloca adubo e espera prá que aquilo vá acontecendo, né, é assim que eu sinto.”
P5: “[...] é um vínculo, uma formação, né. É isso mesmo, é como uma
formação esse trabalho voluntário lá, é uma coisa que me forma, [...] a imagem
que me vem seria de um rio,né, porque um rio ele corre, ele vai criando caminho,e
se tiver uma pedra ele tem que desviar, se tiver um buraco, ele vai encher primeiro
o buraco, vai ter que continuar, ele vai, né,tem uma montanha, ele vai ter que fazer
assim, né, tem um vale muito grande, ele vai ter que encher, vai fazer um lago e
continua, né, então eu vejo o meu trabalho assim, ele tem que continuar.”
Falam de seu trabalho como uma caminhada, que comporta riscos, no
tatear, para o próximo passo; que comporta cuidados no processo vivido, enquanto
se espera o resultado; que comporta adaptação e perseverança para continuar
dando conta de cada nova demanda. o é esse um retrato do que nos contaram a
respeito da construção de seu trabalho junto às instituições, onde afirmam ter
aprendido com a convivência, tanto com o funcionamento de uma instituição, quanto
com a vida das famílias pobres?
Falam de um envolvimento que depende tanto do que se traz como
experiências e conhecimentos anteriores, como do que se encontra pela frente.
Assim como nos ensinam Anderson e Goolishian (1993, p.13), um “não saber” a
ser considerado, gerando o legítimo interesse pelo novo que se apresenta, assim
como “o conjunto de suposições e significados” que o profissional traz consigo,
121
que ao se encontrarem, abrem espaço para um novo significado, ou, voltando para
as metáforas, para um lago, mais um passo, uma flor.
As Imagens associadas à composição artística, nas figuras de mosaico e
patchwork, falam do uso do existente, em novas composições, abrindo para o
novo e até para o inesperado. O que me parece mais digno de destaque ainda é o
fato de que falam do uso do que seria, muito provavelmente, descartado, como os
caquinhos ou os pedacinhos de pano, como descrevem P1 e P4.
P1: “O meu é como se fosse um quadro de mosaico. Eu faço. E o mosaico,
né, você consegue ter noção depois que está pronto aquele quadro, né, e ele é
formado por uma porção de pecinhas pequenininhas que você mesmo quebrou para
montar [...]”
P4: “Ela falou disso agora e eu me lembrei de outra... de outra associação,
de outra metáfora que é o patachwork [...] você juntar pedacinhos de pano e aquilo
pode formar um desenho ou pode formar uma gravura, fuxico.”
O espaço aqui é para a capacidade de criar, muito citada pelas participantes
como competência necessária para o trabalho neste contexto, mas o apenas de
criar tão somente, de criar “juntando pedacinhos”. que se descobrir recursos e
competências, nem sempre percebidos como tal, quando se trata da vida em alto
grau de vulnerabilidade.
Com as Imagens associadas a sucesso e impotência, trazidas por P3,
pode-se vislumbrar os sentimentos mais diversos, até mesmo opostos, associados à
condução deste trabalho, em seus desafios rotineiros.
P3: “Eu tive duas. Uma é quando eu me sinto muito impotente frente às
questões do outro, aí eu tenho que trabalhar isso, eu me sinto no Deserto do
Saara. E a outra é quando eu to num momento, num sei se eu tava inspirada no dia,
de transcender, ir além, ir ao encontro do outro, sei (risos), uma química, uma
coisa que eu saio de lá, felicidade é isso, é uma praia paradisíaca, então veio
muito isso, ou o deserto, ou a praia.
A intensidade das imagens talvez reflita sentimentos mesmo próprios desse
contexto. O sucesso ganha maior importância e a possibilidade de fracasso, maior
peso. Tudo fica grande perante o tamanho da responsabilidade, tratada aqui, de
se estar atuando no encontro com a dor e o sofrimento, cujos determinantes não se
restringem ao intrapsíquico.
122
5 ANÁLISE GERAL
O percurso feito ao longo deste trabalho, norteado pelos seus objetivos,
desde o contato com teorias e pesquisas, que tratam da atuação do psicólogo junto
às instituições que atendem a população que vive em situação de vulnerabilidade
social, até o contato final, com os psicólogos que vivem essa prática, mostrou-se
instigante e produtivo. A riqueza dos encontros e diálogos, com teorias e práticas,
traz fartura de reflexões e percepções, contrastando com o foco na pobreza, de
onde, paradoxalmente, emergem questões que vêm alimentando os novos rumos da
Psicologia, em tempos pós-modernos.
Os binômios riqueza/pobreza, falta/fartura, resignação/reação,
impotência/empoderamento, são presença constante nessa caminhada, tanto
quando são abordadas questões dos psicólogos e suas instituições, como quando
se abordam as vicissitudes da vida em contexto de pobreza. É o encontro desses
dois universos, que compõe o cenário desta pesquisa, assim como o conteúdo de
suas principais cenas, que parece deflagrar um processo com o poder de desfazer
dicotomias e devolver o senso de competência a ambos, psicólogo e população
atendida.
O novo lugar ocupado pelo psicólogo nesse contexto de trabalho,
claramente percebido como em construção pelas participantes, parece acompanhar,
ou até mesmo favorecer, uma renovação das formas de pensar tanto a pobreza
como a Psicologia, quando analisadas pelas lentes da complexidade. É o que se
pode apreender, quando refazemos essa caminhada retomando os resultados,
tendo como norteadores os objetivos deste trabalho, começando pelos Específicos,
em um total de seis.
Para contemplar o primeiro objetivo Analisar o contexto de trabalho do
psicólogo em instituições, a partir dos recursos que vêm sendo construídos parte-
se da percepção, declarada das mais diversas formas, de que se trata de um
trabalho que depende da criação constante de recursos e estratégias, e de abertura
para formas de atuação diferentes das associadas ao modelo tradicional de
atendimento, quebrando expectativas, dos colegas de equipe, e da população
atendida, com relação à clínica individual. O contexto permite que as ações
profissionais aconteçam em diferentes momentos e lugares, não estando
123
condicionadas nem à sala do psicólogo, nem à hora marcada, e muito menos a um
número específico de pessoas. É o trabalho em grupo que ganha destaque, dentre
os recursos e formas de atuação apresentados, sendo descrito como uma forma
privilegiada de captar e legitimar os recursos dos clientes em questão.
O segundo objetivo – Investigar como os psicólogos participantes desta
pesquisa entendem sua ação terapêutica no contexto institucional ganhou uma
importante resposta (Quadro 13), que apresenta as etapas da construção das
relações com a população atendida, cujo desenvolvimento é percebido como um
processo de caráter terapêutico: partindo de uma relação marcada pela assimetria
de poder, com consequentes idealização e dependência, e culminando com o
emergir da autonomia, esperança e senso de competência pela população.
A ação é confirmada como terapêutica, também na reflexão sobre as
relações com a comunidade (Quadro 14), levando-as à busca de uma definição
desse tipo de ação considerada como “não clínica” e “diferente do tradicional”,
dando lugar para o termo “clínica ampliada”, talvez numa tentativa de manter o
terapêutico associado ao clínico. Para pensar o lugar do psicólogo nessa ação
“terapêutica, mas não clínica”, surge o profissional atuando como “agente
transformador”, com falas que pensam esta ação ora como intervenção (de um
agente externo), ora como uma co-construção (de dentro do sistema).
A atuação e seu contexto são também analisados por intermédio do objetivo
No. 3 - Conhecer e refletir sobre quais os aspectos percebidos por eles como
facilitadores ou dificultadores para o desenvolvimento do trabalho - apresentados no
Quadro 15. As questões advindas do “administrativo” ganham lugar, como
dificultadoras, com seus eventuais limites no transcorrer de um projeto, levando-nos
a refletir sobre a existência de limites inerentes ao funcionamento de uma instituição,
como uma novidade e um desafio próprio desse contexto de trabalho. um
enquadre de possibilidades de ação, mas também quem perceba, agora como
aspecto facilitador, não o apoio da instituição em diversos aspectos, como
também uma autonomia dada ao profissional na condução de seu trabalho. No
entanto, a autonomia de toda a instituição depende de aspectos políticos que
ganham lugar como intervindo negativamente na condução do trabalho, em função
de mudanças partidárias.
A novidade, dentro dos aspectos dificultadores, é expressa pela “não
valorização” do trabalho do psicólogo nesse contexto. O sentimento pode ser
124
significado dentro da transição vivida por esses profissionais, ao deixar o consultório
e seu modelo médico de atuação, esse sim valorizado. Parece que o psicólogo
tem uma nova imagem a ser assimilada e valorizada nesse contexto. Junto aos
colegas de outras áreas, sentem movimentos atuais de maior compreensão, mas
narram primeiros tempos como não havendo lugar para o psicólogo “no social”. Esse
é percebido claramente, em diversos momentos, como um lugar “em construção”.
O trabalho com as equipes, onde a princípio se percebiam como “adereços”,
é avaliado como um facilitador, assim como o trabalho com a “rede de serviços”,
mas ainda com possíveis resistências dos dois lados (de membros da equipe e do
próprio profissional). grande entusiasmo manifesto com essas experiências, que
podem ser vistas como próprias do trabalho institucional, com maior resistência por
parte de quem trabalha com o modelo tradicional de atendimento individual.
Certa importância é dada ainda aos “estágios”, embora nenhuma delas
tenha poucos anos de formada, surpreendentemente citados entre os facilitadores
deste trabalho. São experiências associadas à área social, com professores com
quem desenvolveram grande identificação, e um “olhar para o mundo” que os
influencia positivamente em seu trabalho atual. Fica aqui reforçada a importância
dos estágios, como campos de potencial influência para a prática posterior. Dentro
do campo “formação” ainda foi citada, de forma entusiasmada, a colaboração
positiva da teoria sistêmica, como um abrir de possibilidades para esse novo campo
de trabalho.
O quarto objetivo Investigar sobre como vêm sendo desenvolvidas e
significadas, as relações do psicólogo participante com o contexto social da
população atendida permite reflexões de dois tipos, sendo o primeiro, relativo à
vivência da interface com o contexto da pobreza (Quadro 12), e o segundo tipo
abordando-se diretamente as relações desenvolvidas com a comunidade, à qual
pertence a instituição (Quadro 14).
A convivência com essa “realidade” coloca-os frente a frente com a
“desigualdade social”, à qual dedicam muitas críticas e sua indignação,
plenamente demonstrada no Quadro 10, quando falavam de sua motivação para
esse trabalho. Portanto, o que as indigna, também as motiva. O desafio do trabalho
com a “diversidade cultural” é plenamente vivido, com ressonâncias tanto nas
atitudes dos clientes, como no desenvolvimento do trabalho do psicólogo. A força da
diferença e da dependência pode ser vista nos clientes, percebidos como “mais
125
resignados” durante o atendimento, e de tal forma necessitados de múltiplas ajudas,
restando ao profissional, a sensação de impotência e de falta de recursos perante as
“questões concretas” de seus clientes.
A saída do impacto da relação com a realidade da pobreza e suas
vicissitudes, parece construir-se, para esse grupo de participantes, a partir de uma
visão muito positiva desses clientes, no atendimento, como sendo de melhor
“acesso”, “escuta” e “comprometimento”, quando comparados aos clientes do
consultório. Outra forma de sair do impacto da pobreza cio-econômica parece ser
o pensar na “bagagem de recursos” que eles desenvolvem para lidar com situações
tão difíceis. A leitura que fazem dessa população, na condução da própria vida,
também é carregada de elogios, especialmente no que se refere às relações
marcadas pela “solidariedade” e à vida “em comunidade”. Um aspecto percebido, de
grande interesse, é o fato de os perceberem “menos resignados” quando “entre
eles”, com mais dinamismo na busca de alternativas. Pode-se então pensar que o
tipo de atendimento oferecido, tem inibido a emergência de aspectos ativos de seu
funcionamento, dando lugar a uma “resignação”?
As críticas ao modo de condução da própria vida, abordam as reações
agressivas, dos que “vão às vias de fato”, assim como o fato de cederem às
seduções do universo consumista, perdendo-se na prioridade das aquisições,como
a posse de um celular, “prá quem não tem o que comer”. Falam ainda da percepção
de uma vida movida pelo imediato, sem planejamento do futuro. São duras
constatações de quem se aproxima desse universo de múltiplas faltas. Ajuda, para a
ação, transformar a indignação em compreensão, assim como tentam fazer as
participantes, refletindo sobre como é viver o perto de quem tem tanto, e de tantas
ofertas e necessidades criadas pelo universo consumista. O imediato está ligado à
sobrevivência, e às reações agressivas, provavelmente como respostas a tantas
impossibilidades. Não que devam ser aceitas, mas sim compreendidas, para então
serem ressignificadas.
A partir desse cenário, desse encontro, pode-se então pensar as relações
desenvolvidas com a comunidade atendida pela instituição. O que se depreende
dessa conversa é primeiramente a dificuldade em se pensar as questões da
comunidade como fazendo parte do campo de ação do profissional. Tentam definir a
sua comunidade, ou o que podem considerar como presença da comunidade, em
suas ações. Ela é pensada de forma sistematizada (Conselho Tutelar, Rede de
126
serviços, Juiz) ou não sistematizada, por meio dos que “chegam” na instituição, e
das ressonâncias na comunidade, do que “levam” para fora.
O quinto objetivo Investigar sobre o comprometimento social desse
psicólogo na construção de suas ações e relações com essa população - pode ser
pensado desde a análise da motivação para o trabalho institucional (Quadro 10), que
mostra os primeiros passos de um envolvimento que vai se pautando na
“necessidade de ajudar”, gerada pelo “inconformismo”com a “desigualdade social”
percebida desde muito cedo por algumas delas. Para tanto, sentem que precisam
buscar uma alternativa à clínica individual, buscando especialmente trabalhos com
grupos e famílias.
A construção desse lugar na interface com o social (Quadro 11) é realizada
“na prática”, no encontro com a população e suas demandas, assim como com seus
recursos e valores. O compromisso com as questões sociais se constrói e se
fortalece nesta prática, assim como “na discussão das políticas públicas” e na
participação em “grupos multidisciplinares” e “Rede de serviços”. Percebem-se em
um “trabalho social”, “não clínico”, exercido “de forma mais ampla que a clínica”. E
ainda, ocupando um lugar, que se mantém pela “responsabilidade”, como cidadão e
como profissional, mas que encontra ainda, resistências por parte de profissionais
de outras áreas: “o social tem dono: o Assistente Social.” Conflitos são vividos
também pelo profissional perante as “questões concretas” da população atendida, e
pela posição percebida como “entre” os representantes das leis e das políticas
públicas e essa população.
O comprometimento social para este grupo parece partir da “necessidade de
ajudar”, declarada por todas, e provavelmente atrelada a uma postura
assistencialista. Mas à medida que avançam em sua prática, envolvendo-se com a
pobreza e suas demandas, assim como com o funcionamento de uma instituição e
suas ligações com as Políticas Públicas, são levadas a conviver, agora do lado de
dentro, com a complexidade de um universo que comporta conflitos, que os leva a
repensar a ajuda que vieram oferecer, e consequentemente, a repensar sua
identidade profissional. O comprometimento que daí emerge, inclui um “trabalho
social”, que se constrói “no encontro”, dando espaço para a chamada co-construção
de soluções para os problemas que chegam, e por isso deixando ganhar lugar o
profissional cidadão, que se sente responsável, agora, como um cidadão.
127
Um comprometimento que produz a ideia de uma “clínica ampliada”,
provavelmente em função de um trabalho que, a partir dos encontros, se abre para a
rede, de relações e de serviços, tornando inevitável a consideração da
contextualização, que ganha voz na condição “ampliada” da clínica que agora se
exerce. As questões associadas aos novos nomes a serem dados às novas ações
desenvolvidas, trazem elementos de um conflito entre o que seria o individual e o
social, como se um existisse sem o outro, ou amesmo tivesse primazia sobre o
outro, dependendo do contexto profissional.
Talvez esse grupo, por viver uma transição, ainda não saiba, ou não possa,
nominar o seu lugar no social, ou o seu comprometimento, mas o que
provavelmente daí emerge, é um social, não apenas porque ajuda e cuida da
pobreza, mas, principalmente, porque não mais nega a interconstituição entre o
individual e o social, em qualquer situação, fazendo do contextualizado uma
referência não ao local ou ao número de pessoas envolvidas, mas ao que possa ser
acolhido em seus engendramentos.
O sexto e último objetivo específico Conhecer e refletir sobre os
conhecimentos, habilidades e atitudes que vêm sendo construídas e, principalmente
avaliadas como úteis para uma atuação comprometida socialmente -, é contemplado
especialmente pela conversa a respeito de características que as tornariam
competentes para atuar da forma como descreveram, conforme apresentado no
Quadro 16. A proposta de pensar sua ação mediante suas competências, parece ter
gerado um momento não de rica reflexão, como também de tomada de
consciência do que vêm desenvolvendo e construindo em sua rotina de trabalho.
Revelam um grupo de atitudes que se impõem como respostas aos desafios
advindos do trabalho com a diversidade cio-econômica e cultural. O aprendizado
aqui presente é o de legitimação do outro, com suas diferenças, em um exercício
que envolve esforços para assimilá-las, reconhecendo o outro como um cidadão,
pelo pertencimento a uma mesma rede social. A pobreza e suas questões não estão
mais do lado de fora como algo que assusta, causando indignação e distância.
Talvez por isso apontem a “disponibilidade autêntica de estar com o outro”, que
agora vai além do julgar precipitado, via diagnósticos de disfuncionalidades e
incompetências. Agora apontam o querer estar com outro e saber de seu processo,
de seus recursos e competências, assim como de suas dificuldades.
128
Essa proximidade e implicação com a questão do outro, dá lugar para o
cuidado com suas dores, para a competência de “estar junto” nos momentos difíceis,
de uma forma que não depende de técnicas, embasamentos ou supervisões. Uma
preocupação que remete à dimensão ética da profissão, no que concerne ao “saber
agir responsável” (RIOS, 2004, p.10). Este “estar junto”, pede o não julgar
precipitadamente, o “enxergar além do encaminhamento”, atitude esta que voz
novamente ao contextualizado, à ênfase no processo vivido, sendo a competência
exigida nesse momento do terapeuta, a “habilidade em participar deste processo”.
As habilidades para trabalhar, como parte do processo vivido no encontro
com o outro, pensadas pelo grupo, estão diretamente ligadas à capacidade de criar,
e de forma “flexível” e “ousada”. À constatação de que não haviam recebido
formação para atuar nesse contexto, agregou-se a de que teriam que, abrir-se para
o aprendizado do novo, com “vontade de desenvolver competências”. A “ousadia”
aparece, muito provavelmente, em função da quebra com o consolidado dentro
das intervenções psicológicas, representado principalmente pelo exercício da clínica
em consultório. Parecem querer fugir dos “automatismos” e das “pseudosoluções”.
Mesmo as que vivem a rotina de uma instituição cujos objetivos de ação
pertencem à clínica tradicional, também endossam a necessidade de criar “novas
competências” para o trabalho na interface com a pobreza, vivendo as inquietações
dos limites de ação perante os sofrimentos “concretos” dessa população, que
chegam, junto com essa criança ou adolescente, ao consultório. Uma situação que
acaba por forçar a abertura de comunicação com a Rede de Serviços Públicos,
trazendo para o consultório a complexidade que envolve a vida dessa família,
podendo então conhecer o conjunto de significados que vêm sendo construídos
pelos que compõem o seu cenário de vida, e principalmente, pelo cliente em
questão. A nova competência pede, portanto, que se permita a abertura para o
contexto de vida do cliente, sem perder o foco do psicoterapêutico.
O contexto de vida de uma família traz junto suas relações com a
comunidade e seu trânsito por ela, que passam a fazer parte das conversas
terapêuticas e possíveis ações do profissional junto a essa comunidade, levando-as
a pensar seu papel profissional como o de um “agente transformador”. Feita a
abertura, resta desenvolver a habilidade de cuidar das ressonâncias da pobreza em
seu trabalho, assim como no funcionamento da instituição. E ainda aprender a “não
129
esperar” o reconhecimento institucional e social, sendo “resiliente” perante as
adversidades desse tipo.
Tendo sido retomados os Objetivos Específicos, cabe agora retomar o
Objetivo Geral que norteou esta pesquisa, o de “Desenvolver uma análise sobre a
percepção dos psicólogos em torno de sua competência para trabalhar em
instituições que atendem à população que vive em situação de vulnerabilidade
social”. Essa análise se pauta principalmente na transição vivida por essas
profissionais, que, ao terem se iniciado e persistido nesse trabalho, suportam os
desconfortos inerentes e não fogem às inquietações que pedem pelo
desenvolvimento de novas competências.
Uma transição que pode ser avaliada como favorecida pelos ventos do
pensamento s-moderno, um espírito de nossa época que permite o
questionamento de velhas certezas, que podem perder seu status de verdade,
dando espaço para a imprevisibilidade. As certezas construídas pela Psicologia,
como um “projeto da modernidade”, dentro de um modelo clínico/ médico, não se
revelaram suficientes ou a mesmo úteis para essas profissionais quando em
contato com seu novo campo de trabalho. Tal desencontro, foi expresso de
diferentes formas e em diferentes momentos.
A resposta dada não foi a da estagnação ou tentativa de fazer caber o
aprendido, e sim a da criação, mostrando-se capazes de trabalhar com o imprevisto
ou com o instável, abrindo mão do conforto do previsível, que, no caso da
Psicologia, advém das certezas teóricas que acabam por enquadrar o
comportamento humano. Por isso vão criando e questionando seu lugar, seu papel,
sua função. Ainda não sabem nominar o que fazem, tentando fazê-lo a partir do
modelo clínico, gerando perguntas como: Seria uma clínica ampliada?
O termo ampliada surge, provavelmente, em função de um olhar que não
pode mais ficar apenas no intrapsíquico, deparando-se, a todo momento, com o
“concreto” dessas vidas em constante vulnerabilidade; um olhar que não pode mais
negar os condicionantes sócio-econômicos de uma vida saudável, por perceber as
ressonâncias da desigualdade social nas subjetividades e nas relações. O que se
descortina a partir daí é a possibilidade do interpsíquico como campo de trabalho do
psicólogo, dando lugar para a complexidade dos fenômenos, permitindo trabalhar
com a contextualização dos problemas e questões trazidas pela população atendida.
130
Dentro desse cenário de novos olhares, torna-se mais fácil significar a
preferência explicitada por essas profissionais, pelo trabalho com grupos, referindo-
se aos clientes, e em equipes, referindo-se aos demais profissionais, ou ainda à
Rede de Serviço. Os relatos são também de uma construção nesse campo, pois
existem resistências, e a quem ainda não inclua equipes em sua rotina de
trabalho. A formação do psicólogo não facilita sua participação em equipes que
envolvam outros profissionais, quando ainda se percebe e é visto como dono do
intrapsíquico e do individual, e até mesmo como guardião desta individualidade.
Mas como nossas participantes afirmam estar se beneficiando dessa
inserção, para o desenvolvimento de seu trabalho, revelam novamente uma
abertura, cuja abrangência pode ser avaliada pela posição que percebem ocupar
nos grupos realizados com os clientes de suas instituições, denominada de
“facilitador”, como não sendo mais a de um condutor ou orientador. Trata-se de uma
posição que pode favorecer a emergência de um contexto que permite a co-
construção de uma solução, legitimando todos os saberes. A ajuda se constrói,
portanto, na relação, na vivência da intersubjetividade, indicando mais um passo na
direção dos paradigmas emergentes da ciência contemporânea.
São pressupostos alinhados com o Pensamento Sistêmico novo-
paradigmático, cuja influência foi de fato declarada pelo grupo, sendo percebida
como um “abrir de janelas” e de possibilidades nesse contexto de trabalho. De fato,
chama a atenção o fato de o aparecer no conteúdo de suas falas, referências ao
discurso tradicional da Psicologia que envolve constructos da psicopatologia e do
modelo médico, de diagnósticos, tratamentos e prognósticos. Nenhuma dessas
ações está incluída no grupo de competências percebidas como necessárias para o
trabalho nesse contexto, cujas demandas parecem mesmo escapar à clínica
tradicional, abrindo para as questões relacionais típicas da contemporaneidade, que
não mais podemos compreender pelos antigos paradigmas.
Como então vivem a relação com as teorias aprendidas que vêm norteando
sua prática? Não se percebe neste grupo a predominância de narrativas teóricas
pré- assumidas, e sim uma tentativa de valorizar as “verdades narrativas”,
legitimando os significados construídos por todas para sua própria história de vida.
Embora ainda citem teorias de forma reificada, como se fosse possível compreender
e classificar todas as vivências relacionais, a partir de seus constructos teóricos. A
competência aqui exigida é de que se possa trazer o conjunto de suposições e
131
significados, construídos ao longo dos anos de formação e pós- formação, para o
diálogo com o outro, a ser compartilhado e significado conjuntamente.
É este o ponto que, marcando o lugar do terapeuta no encontro com o
cliente, trabalha uma nova ideia de comprometimento social, como aquele que inclui
o outro em igualdade de condições, não de papéis, crenças, valores. Há também um
compromisso de tolerância e assimilação das diferenças. Um comprometimento que
permite rever o processo terapêutico, dando a ele o status de uma “conversação
terapêutica”. Foi nas tentativas de definir e redefinir a ajuda psicológica e o
terapêutico que esse grupo avançou na construção de seu comprometimento social,
que acabou se transformando a partir do comprometimento inicial, que as motivou
pela necessidade de ajuda, frente às perversas 131 consequências da desigualdade
social.
A transição não traz clarezas, vem movida por inquietações e dúvidas que
aqui se revelam. Mas, traz descobertas e possibilidades, o prêmio de quem se
permite dar voz às inquietações. um tom de liberdade e de criação nos preciosos
depoimentos que aqui pudemos conhecer. Acredito que essas psicólogas, que
gentilmente compartilharam suas vivências e reflexões, fazem a história da
Psicologia, no advento do pensamento pós-moderno.
As metáforas construídas por elas, ao final do Grupo Focal, para apresentar
em uma imagem, suas percepções a respeito de seu trabalho, revelaram-se muito
apropriadas para responder ao Problema que motiva esta pesquisa, aqui
reapresentado: - Como os psicólogos percebem sua atuação junto às instituições
que atendem a população que vive em situação de vulnerabilidade social na região
de São José dos Campos, perante as demandas de um maior comprometimento
social?
As metáforas, assim como o conjunto de seus depoimentos, falam de um
lugar em construção, trilhando caminhos e vivendo processos, a respeito dos quais
ainda constroem uma consciência. Um trilhar que exige um tatear cuidadoso,
perante a delicadeza do terreno. Um tatear que se torna possível pelo que se
trilhou, e útil pelo que se descortina. O “não saber” implícito e considerado, não
como uma incompetência, mas como parte do processo, e principalmente como
mobilizador do encontro que abre para o novo.
Um caminhar que constrói identidades, provocando redefinições. Que a
si, como profissional, e ao outro, como cliente, um novo lugar, marcados por um
132
comprometimento de legitimação de diferenças, que carrega em si um poder
terapêutico. Das demandas desse comprometimento que chamamos social, que
estão sendo conhecidas passo a passo, emerge a ética das relações, como bússola
e como fonte de reflexões.
Os pedacinhos do mosaico e do patchwork em composição artística,
acrescentam a essa resposta, a surpresa de cada nova configuração, que se torna
possível pelos diferentes lugares ocupados em cada construção. Cada uma com seu
sentido e seus efeitos próprios. Não um lugar certo para todas as situações. A
atuação nesse contexto parece ter possibilitado, ou simplesmente ter reforçado esse
olhar, que admite além do “não saber”, o reconhecimento das diferentes
configurações como legítimas, num exercício de flexibilidade e tolerância.
Por último, como demanda desse comprometimento, fica a grande
responsabilidade que daí emerge, num caminho sem volta, como o do rio, sempre
em frente, criando caminhos, desviando de obstáculos, fazendo um lago... Assim se
dá com um verdadeiro comprometimento, não há volta.
133
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção deste trabalho foi sempre instigante, mas teve seu ponto mais
rico no encontro com as participantes no Grupo Focal. Ao perceber o rico material
que dali emergia, fui tomada por um estado de euforia e encantamento, assim como
minhas colegas de equipe (Co-moderadora e Assistente), conforme relataram em
nossa reunião pós- grupo. A expectativa era grande, após anos de preparação para
aquele momento, para ouvi-las e poder pensar todas as questões propostas pela
pesquisa. Revelou-se como um importante e difícil exercício na escuta do outro,
sendo a dificuldade justificada pela necessidade de não intervir, com minhas
considerações e opiniões, mesmo estando plenamente aquecida para o tema.
A oportunidade foi de poder estar com elas em um legítimo exercício de
reflexão, deparando-nos com pontos nunca antes tratados, repensando conceitos,
construindo identidade, dando nomes às experiências e voz às inquietações. Um
grande privilégio o de poder estar ali naquele momento. A sensação permaneceu
nas fases seguintes, quando pude viver um profundo contato com o conteúdo
produzido no encontro. Ao registrar as percepções afloradas nos encontros,
identificar temas emergentes, categorizar e analisar o material, o encantamento
permaneceu, fazendo-me avaliar como muito boa, e útil, a escolha metodológica,
tanto para a produção de conteúdo, como para sua análise.
A sensação de privilégio tornou-se maior, à medida que foi se delineando o
movimento vivido por elas, como de transição e construção. A transição para um
novo campo de trabalho, e a construção de competências para este trabalho, com
todo o questionamento inerente a um momento desses. Pude vê-las repensando o
fazer psicológico, principalmente a partir de questões éticas, e não somente pela via
das teorias e técnicas. Momentos de crescimento.
A efervescência foi tamanha, que saímos todas com vontade de continuar a
conversa. Foram essas as falas de despedidas. Ficou combinado, não porque
estava previsto, pelo menos um primeiro encontro, após o encerramento do trabalho.
Pode-se compreender a necessidade de novos encontros, também em função de
que momentos de transição e construção pedem muita conversa, principalmente na
direção de uma maior sistematização e fundamentação do que está sendo
construído.
134
É esse um rico campo de pesquisa, podendo focar as diversas facetas
dessa inserção, dando lugar ao repensar do fazer psicológico a partir de sua ação
junto às instituições que atendem a população que vive em condição de
vulnerabilidade. Estar com a pobreza e estar com a instituição tem se revelado uma
condição especial para se pensar a atuação do psicólogo, o nesse contexto
específico, pois produz questionamentos que atingem a Psicologia de forma geral.
Assim como vimos aqui questionados a relação de ajuda, o terapêutico, a clínica,
reflexões que certamente tem seu caminho de volta para as praticas tradicionais
consolidadas na Psicologia.
Ao se considerar que se trata de um movimento que leva a repensar a
Psicologia e suas ações, em um mundo contemporâneo que convive com a
emergência de novos paradigmas, aponta-se para a necessidade de atenção à
formação do psicólogo, no sentido de que possa abrir espaço para assimilar as
novas demandas. Especialmente, levando-se em conta as reflexões desta pesquisa
e dos teóricos que a sustentaram no tocante às construções teóricas e práticas que
envolvam uma leitura do social, cuidando para que contemplem sua complexidade e
a sua interconstituição com o individual.
Pensar no desenvolvimento e consolidação desse novo lugar do psicólogo,
acredito, amparada pelos estudos aqui realizados, que caminhamos na direção da
emergência de um profissional cidadão, não pela percepção de seu papel na
sociedade, como de todos os demais, mas, principalmente, pela percepção de sua
natural implicação, na rede relacional que nos constitui, com todas as questões
pertinentes a uma sociedade, não tendo outro caminho a não ser o encontro com o
outro, seja qual for sua condição sócio-econômica.
É desse lugar que percebo o envolvimento das psicólogas que participaram
desta pesquisa, tanto pela adesão e persistência criativa ao seu trabalho, como pelo
interesse e disponibilidade em participar e partilhar suas reflexões. Penso ser essa
uma característica que compõe o que seriam as competências para este trabalho.
Aponto ainda como um importante campo de pesquisa, aquele que construa
uma proximidade com o contexto de vida dessa população, estando atentos às
competências construídas pelos indivíduos, famílias e comunidades, não apenas
para sobreviver, como também para manter sua rede relacional, apoiada em seus
valores e crenças. Encerro com o importante depoimento de uma das psicólogas
participantes, a esse respeito.
135
P1: “[...] eu mudei o meu foco de trabalho, assim, eu não olho mais para aquelas
pessoas para fazer um diagnóstico de foto, para mim não interessa, tudo posto,
não tem casa, o tem trabalho, o tem comida, tudo posto, não tem [...] então
eu educo o meu olhar clínico para fazer diagnóstico da potência [...]”.
136
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635-66.
142
APÊNDICE A
Questionário
Apresentação: Esse é um questionário a ser aplicado nos participantes da pesquisa:
“A Competência Social do Psicólogo: estudo com profissionais que atuam no
contexto institucional de atendimento às famílias que vivem em situação de
vulnerabilidade social”, realizada por Maria José Lima como Dissertação de
Mestrado em Psicologia Clínica pela PUC-SP, e visa à obter uma descrição
adequada das características deste grupo de participantes para ajudar na análise a
ser feita dos resultados.
a) Características sócio-demográficas
1- Idade: ............... 2- Sexo: ( )Fem. ( )Masc.
3- Estado civil: ( )solteiro ( )casado ( )divorciado
4- Filhos: ( )sim ( )não Se sim, quantos? ..............
5-Considera-se ligado a uma religião? ( )sim ( )não
Se sim, qual? ........................
6- É filiado a um partido político? ( )sim ( )não
7- A que Classe Social se considera pertencendo?
( )baixa ( )média ( )alta
8- A que Classe Social considera pertencendo a sua família de origem?
( )baixa ( )média ( )alta
9- Possui irmãos? ( )sim ( )não Se sim, quantos? ........ Qual sua posição?
.........
b) Formação
10- Escolaridade antes da graduação:
( )pública ( )privada ( )ambas
11- Instituição onde fez a graduação ............................................................................
12- Ano de formado: ..........
13- Estágio em instituições? ( )sim ( )não
14- Trabalhou durante a formação? ( )sim ( )não Se sim,onde?
........................................................................................................................................
143
15- Especializações e/ou Pós Graduações (Lato e/ou Stricto Sensu):
........................................................................................................................................
........................................................................................................................................
........................................................................................................................................
16- Planos atuais para continuar estudos? ( )sim ( )não Se sim, quais?
........................................................................................................................................
........................................................................................................................................
c) Experiência Profissional
17- Experiências Profissionais anteriores (no campo da Psicologia e apenas as
principais)
17.1 Área de atuação: ..............................................................................................
-Tempo de atuação:............................................................................................
-Atividade principais:...........................................................................................
-Motivo da saída: ...............................................................................................
17.2 Área de atuação: ...............................................................................................
-Tempo de atuação: ...........................................................................................
-Atividades principais: .........................................................................................
-Motivo da saída: ................................................................................................
18- Desenvolveu experiências político-sociais? (junto à comunidade a que pertence
ou de representação de categorias) ( )sim ( )não Se sim, especifique:
........................................................................................................................................
........................................................................................................................................
d) Experiência atual
19- Além da Instituição onde trabalha, desenvolve outras atividades no campo da
Psicologia?
( )sim ( )não Se sim, descreva-as considerando área da Psicologia e
atividade:
........................................................................................................................................
........................................................................................................................................
20- Se sim à pergunta anterior, responda qual considera
a sua principal atividade:
........................................................................................................................................
144
21- Em que tipo de instituição trabalha:
( )pública ( )ONG ( )Empresa sem fins lucrativos ( )associada a uma
paróquia ( )outras
22- Há quanto tempo está nesta Instituição?.................................................................
23- Qual sua função ou cargo? .....................................................................................
24- Em que área da Psicologia você considera que trabalha?
........................................................................................................................................
25- Quais são as principais atividades desenvolvidas por você?
........................................................................................................................................
........................................................................................................................................
26- Existe participação em equipes consideradas multidisciplinares? ( )sim ( )não
Se sim, com que freqüência?
........................................................................................................................................
Com que objetivo?
........................................................................................................................................
Com quais profissionais atua?
........................................................................................................................................
27- Existem relações com a comunidade atendida por sua instituição? ( )sim
( )não.
Se sim, como é essa relação?
........................................................................................................................................
Com qual freqüência?
........................................................................................................................................
Em que espaço?
........................................................................................................................................
28-Recebe supervisão para seu trabalho? ( )sim ( )não
Se sim: ( )oferecida pela instituição ( )particular
Baseada em qual linha teórico e técnica específica? ( )sim ( )não
Se sim, especifique qual:
........................................................................................................................................
29-Considera ter uma linha teórico e técnica específica que embasa seu trabalho?
( )sim ( )não
Se sim, especifique qual:......................................................................................................
145
APÊNDICE B
Guia de Entrevista Parcialmente Estruturada para o Grupo Focal
Apresentação: Estamos aqui reunidos para a realização de um Grupo Focal
- uma ferramenta da Pesquisa Qualitativa, que tem por objetivo proporcionar
discussões entre seus participantes, a partir da apresentação de um estímulo, que
será o foco.
O foco de nosso grupo, de hoje, está atrelado aos objetivos desta pesquisa
que, conforme já apresentado a cada um de vocês, voltam-se para conhecer e
analisar a atuação do psicólogo no contexto institucional de atendimento à
população em situação de vulnerabilidade social.
Eu, como Moderadora estarei trazendo temas ligados aos objetivos da
pesquisa, que servirão como estímulo à conversação e expressão de cada um. E,
junto com a colega Co-Moderadora, cuidarei da fidelidade ao foco, assim como do
favorecimento de que todos se manifestem, na medida de suas possibilidades.
Todo nosso interesse nesse encontro é de conhecer suas ideias, valores e
reflexões a respeito do tema em questão. Esta pesquisa quer aprender com a
opinião de vocês, que estarão contribuindo para pensarmos a competência desse
profissional que atua tão próximo das questões sociais.
É importante que saibam que o objetivo da discussão não é o de chegarmos
a um consenso. Concordâncias e dissonâncias poderão aparecer, assim como a
construção de novas idéias.
Finalmente, acreditamos que, ao aceitarem essa participação, revelaram seu
interesse e concordância com os objetivos da pesquisas estando portanto, dispostos
a oferecer espontânea e sinceramente suas opiniões.
Apresentação dos participantes, que deverá dizer, de forma breve, seu
nome, onde atua e há quanto tempo.
Tema I: A inserção na instituição em que atuam.
Explorar a opção ou não pelo trabalho e fatores motivacionais, considerando
história de vida e de formação.
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Tema II: O comprometimento social no trabalho do psicólogo neste
contexto.
Explorar sobre como entendem e avaliam esse compromisso perante suas
estratégias e objetivos de atuação na instituição.
Tema III: Como o profissional vê a pobreza.
Conversar sobre valores e ideias que construíram o vêm construindo sobre
as famílias pobres e as vicissitudes de seu modo de vida.
Tema IV: Como os indivíduos e/ou famílias atendidos vêem o profissional e
sua intervenção.
Conversar sobre como percebem a passagem do indivíduo/família pela
instituição mediante seus cuidados profissionais, desde a demanda inicial até a
conclusão ou encerramento do atendimento.
Tema V: As relações do psicólogo e da instituição em que trabalha, com a
comunidade.
Explorar esse envolvimento e suas características, assim como seus efeitos
sobre a atuação do psicólogo.
Tema VI: A intervenção psicológica no contexto institucional.
Explorar a caracterização, definição e análise de suas ações e atitudes neste
contexto, com o objetivo de pensar a sua competência.
Tema VII: Conhecimentos que embasam a atuação do profissional nesse
contexto.
Considerar formação anterior, estudos atuais e desejados para um futuro
próximo.
Fechamento: Para ajudar a sintetizar a contribuição de cada um, pedir que
reflitam sobre uma metáfora que auxilie a definir e apresentar seus sentimentos e
percepções relativos às suas atuações nesse contexto de trabalho.
Solicitar ao Co-moderador e Assistente da equipe que façam um sumário do
encontro realizado. Investigar se participantes se sentiram representados nele
.
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APÊNDICE C
GRUPO FOCAL - RELATÓRIO (MEMO)
Data: 13 de março de 2010
Duração: 2 horas e meia.
Número de participantes: 5 dos 6 convidados (P1, P2, P3, P4, P5)
Equipe: Moderadora (M), Co-moderadora (CM) e Assistente (A)
Após recolhimento dos Termos de Consentimento, foi realizada uma apresentação,
com retomada dos objetivos da pesquisa e do grupo, assim como explicitação das
regras. O clima inicial era de receptividade e concentração. Recebemos uma
participante “atrasada” que chegou durante a apresentação.
Questão 1: A inserção no trabalho institucional com a população que vive em
condições de vulnerabilidade.
A questão apresentada parece provocar rapidamente um estado de reflexão
“nunca tinha parado para pensar nisso”. Iniciam com algumas palavras e vão se
complementando, por vezes falando apenas do trabalho com o coletivo, por vezes
apenas do trabalho com a pobreza ou do encontro das duas condições. Quando se
referem ao coletivo a preferência pelo grupo - este vem como oposição ao
trabalho clínico individual (“algo mais amplo que a clínica”) e como forma de “atingir
mais pessoas”. Já, quando falam do trabalho com a pobreza, as palavras que
emergem são “inconformismo” e “indignação”, como sentimentos que os conduziram
para este contexto.
A necessidade de “ajudar”, advinda do estado de indignação, aparece de diversas
formas, mas é questionado o uso do ajudar. Uma das participantes diz preferir dizer
que “faz a diferença”. Outra concorda e as demais parecem ficar em um estado de
inquietação, não explicitando nem concordância nem oposição. O questionamento
fica “no ar”. Parecem concordar quando explicitam que ajudar “não é
assistencialismo”. O ajudar se associa aqui também com o trabalho voluntário.
As influências de formação aparecem associadas aos professores da disciplina de
Psicologia Social, ou de sociólogos, assim como de oportunidades de estágios na
área institucional, quase sempre ligados ao serviço público. O foco na formação em
clínica vem colocado quase como um empecilho, um dificultador, marcando
novamente um lugar de diferenciação para esta. “Não sei se consigo mais fazer
clínica”, afirma uma delas, deixando claro que não entende como trabalho clínico
sua atuação no contexto instituição. Não aparecem reações.
Questão 2: Como compreendem e vivenciam o comprometimento social em suas
intervenções.
A apresentação da questão provoca um silêncio seguido de risadas, revelando-se
como um tema mobilizador. As primeiras reflexões partem das duas participantes
que atuam no serviço público (P1 e P2), com mais tempo de experiência (11 e 17
anos). A primeira afirma que foi o trabalho institucional quem “provocou” seu
compromisso social, tanto através das discussões das políticas públicas, como por
sua posição “entre” os que buscam ajuda e a instituição e o contexto que a ampara.
Diz sentir-se como “porta-voz” da população, vendo-se na “obrigação”, com a
“responsabilidade” de “pelo menos falar” por essas pessoas nas discussões com os
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demais profissionais e representantes da política pública. Sua colega concorda,
acrescentando que sente o poder público “não muito preocupado”.
Sente que também construiu a participação social no trabalho institucional, referindo-
se ao fato de a “formação clínica” não ter oferecido subsídios para isso. Sente que a
psicologia vem “lutando pelo social”, no sentido de sua inserção neste trabalho.
Lutando com aqueles que seriam os “donos do social”, referindo-se aos
assistentes sociais, ficando “o meu saber em segundo plano”. A sensação é de
sentir-se como um “adereço”, recebendo apoio de outra colega em outro momento,
que por sua vez contribui com o termo “apêndice” para definir o que seria o lugar do
psicólogo junto aos demais profissionais que já atuavam com o social.
O relato desta inserção no serviço público, em um momento da política municipal
que preconizava o “tudo pelo social”, é trazido com “arrepios”, por ser ainda a
psicóloga “no subjetivo” e não compreender este social “na prática”. A afirmação é
de que teria aprendido “com as pessoas” atendidas pela instituição, relatando
transformações pessoais neste encontro.
Uma terceira participante (P3), que atua junto a uma paróquia, diz sentir esse
compromisso com o social “como uma missão”, vendo-se envolvida “enquanto
pessoa e psicóloga”, diferenciando de um trabalho clínico, sendo definido o social
“de forma mais ampla”. Outra participante, de atuação em uma ONG, concorda,
afirmando ainda que o comprometimento social vem sendo pedido aos psicólogos
por haver “muito” da “clínica, individual, no consultório”, marcando talvez o lugar do
social, que não se daria nos consultórios.
Este comprometimento é ainda visto como a “responsabilidade com o outro que
busca ajuda”, lembrando que “todas” as profissões teriam sua responsabilidade, no
sentido de o que se fala ou faz “gera” conseqüências. Seria a responsabilidade com
a demanda do outro. A colega do serviço público, provavelmente estimulada pelo “o
que se faz” desta fala, lembra que “mudam o nome das coisas, mas a gente está
fazendo”, referindo-se ao fato de que esse compromisso já vem sendo construído no
dia a dia de suas práticas, independente do que vem preconizando nossos órgãos
representativos.
Questão 3: Idéias e valores sobre o contexto da pobreza.
As falas oscilam entre uma pobreza vista pelas suas potencialidades de reação e
sobrevivência, e aquela vista por suas reações “incompreensíveis”, causadoras, até
mesmo, de um “horror” (assim como comprar um celular e deixar de dar comida para
os filhos). Preponderam, no entanto, as falas que enaltecem o lado positivo. São
descritos (os indivíduos que vivem neste contexto) como portadores de “muita
riqueza”, “mais humanos”, “mais acessíveis” do ponto de vista afetivo, que, por não
terem coisas externas, “sabem dizer das coisas internas”. E ainda como portadores
de “muitos recursos” e de nculos importantes. Com relação a valores, sentem que
eles os têm, mas que seriam “diferentes” (relativamente os valores do meio em que
vivem esses profissionais).
Sobre seus recursos, destacou-se a solidariedade, observada por todos os
participantes, mas com apontamentos no sentido de que “nem todos” seriam
solidários. Revelam admiração por sua capacidade de viver “em comunidade”, em
contraste com a sua própria vida. São ainda vistos como “mais próximos da
realidade” de nosso país, mesmo podendo ser quase uma não realidade pela classe
média, a pobreza “vista na TV”.
A realidade do país, vista pela desigualdade, é trazida como produtora da pobreza e
causadora de uma resignação e imobilidade (“não vai mudar”). Mas uma das
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participantes (P3) pondera que percebe essa “resignação” apenas quando no
contato com os profissionais que os atendem (“uma postura resignada perante a
gente”). Que seriam “diferentes” quando “entre eles”, tornando-se “mais dinâmicos”,
“solidários” e “criativos”, movidos pela “lei da sobrevivência”. Compreende a
resignação demonstrada no contato com os profissionais, como movida pela
necessidade de se mostrarem “merecedores” dos benefícios sociais. Concordam
que “se for bem vestida” pode perder o benefício.
Esta constatação, que parece ser apoiada por todos os participantes, é seguida, não
casualmente, pela questão da dignidade, sobre sentirem-se “indignos” ou não
“diante de seu direito”. Os benefícios, portanto, são defendidos como direitos, mas
com chances de causar sentimentos de inferiorização. “Um pouco indigno”, expressa
uma das participantes, revelando a delicadeza deste momento de dependência para
sobrevivência.
Ao tratar a realidade deste contexto como “tudo posto”, uma participante (P1) revela
que opta por trabalhar com o “diagnóstico da potência” e o o “da falta”, trazendo a
questão “dá prá trabalhar o mental de não ter casa!?”. A constatação da impotência
perante a realidade da pobreza levando a uma “mudança de postura do
profissional”.
Questão 4: Sobre como o psicólogo e suas ações são vistos pela população
atendida.
Ao apontar as diferentes possíveis formas de serem vistos, acabam por construir a
ideia de um “processo”, com diferentes fases. O início marcado por uma
“idealização”, “a doutora que vai resolver” (o que parece causar algum desconforto
em alguns: “mas doutora em quê?”), ou por “receio”, com “medo de ser julgado”
(principalmente no contexto de violência), evoluindo para uma maior proximidade
“gente como a gente”-, com várias referências a um “vínculo rápido”, podendo
passar por momentos de “dependência” (“aí tudo tem que ir lá”). A “fase boa” seria
aquela em que “já estão achando suas soluções”.
Esse tópico faz emergir novamente considerações sobre a relação de ajuda. “Tenho
que ter pudor em dizer que estou ajudando?”, pergunta P3. Recebe apoios e a ajuda
vai sendo repensada por todos. Concordam que são vistos como os que irão ajudar,
e acreditam de fato que ajudarão, mas são vários os comentários ponderando não
ser uma ajuda de caráter assistencialista, ou em forma “de caridade”, nem de
marcação de superioridade (“eu sei e você o sabe”). A ajuda vai se definindo
como o “estar juntos”, de segurança de “ser ouvido”, e de saber que será feito o
“encaminhamento” necessário, de saberem “a quem recorrer”, e de oferta de
“reflexão”. Com essas considerações parecem sentirem-se mais confortáveis com a
relação de ajuda.
Questão 5: Sobre as relações do psicólogo e da instituição em que atua, com a
comunidade .
A apresentação do tema é seguida por um silêncio que me leva a recolocar a
questão, introduzindo, como estímulo a questão do impacto do contexto de vida da
comunidade onde atuam, sobre a atuação de cada um. Vão se colocando, mas
revelando certa insegurança sobre a compreensão do que está sendo pedido ou de
abordagem do tema (“pergunta difícil”), o que me leva a fazer várias intervenções na
tentativa de esclarecer o tópico e estimular as reflexões.
Para a participante que trabalha em uma ONG (P4) cuja ação se restringe aos
moradores daquele bairro, fica mais fácil definir sua comunidade. Mas afirma que “o
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que foi feito pela comunidade foi feito pelas famílias que freqüentam a instituição”,
“não pela instituição”. A ação da instituição diretamente na comunidade estaria
apenas “engatinhando”. Sua ação com a comunidade se daria, portanto, através do
trabalho com as famílias (grupos multifamílias).
Para os demais, a comunidade não é fácil de definir-se, por atenderem pessoas
vindas de diferentes bairros. Pensar nas relações com a comunidade faz uma delas
(P1) afirmar que seu trabalho “parece tão pequenininho”, “um recortezinho”. Outra
(P2) inclui a rede de profissionais na sua comunidade, lembrando que essa os via
como especialistas em violência”, mas que a proposta preventiva do programa é na
verdade de “capacitar a rede para lidar com situações de violência”, em uma relação
de parceria. A população chega até eles via Conselhos Tutelares ou por
determinação judicial, ou seja, “mal vistas” e “não por desejo”. Antes de serem vistos
como “parceiros”, são vistos como “olhos do juiz”, tornando essa relação marcada
pela delicada triangulação com os representantes da lei. Os profissionais que vão
até a comunidade são os que trabalham diretamente com a prevenção.
a outra participante que atua no serviço público (P1) revela que, mesmo partindo
sempre “da demanda da comunidade”, fazendo “diagnósticos e projetos”
conjuntamente, é levada a fazer “arranjos” “com o definido pela prefeitura. Afirma,
de diversas formas, que aprendeu a trabalhar “com a comunidade”.
A atuação, junto a uma paróquia em plantão aberto, leva uma participante (P3) a
ver, pela “grande procura”, que a comunidade “busca ajuda”, revelando boa relação
com a psicologia. Compreende a demanda desta população como “não específica”.
Valoriza também a iniciativa do padre, como membro da comunidade, em criar e
apoiar esse serviço. Outra participante (P5), que atua na instituição que oferece
atendimento clínico para as crianças e adolescentes carentes da população que vive
em contexto de pobreza, diz o perceber movimento de sua instituição diretamente
na comunidade, mas que a demanda viria desta.
É dito, com aparente concordância dos outros, que no trabalho junto com a
comunidade, embora o “olhar dos outros” seja o “da clínica”, não dá para definir se a
atuação pertence ao campo do psicólogo “institucional, social ou clínico”. Referindo-
se ao “impacto” deste encontro, uma participante (P2) afirma que se trata de “um
grande exercício de respiração”, no sentido de que é preciso “respirar dez vezes
antes de se falar”, para “não julgar”, e poder encontrar-se com alguém “podendo
enxergar além”.
Ao serem questionadas sobre o possível efeito terapêutico deste encontro ou do
envolvimento com a comunidade, apenas uma delas afirma não entender como
terapêutico, e sim “como um despertar”. No entanto, as considerações posteriores
das colegas acabam por apontar o terapêutico deste despertar, assim como quando
uma delas afirma que um plantão emergencial “pode ser terapêutico”, “se a pessoa
sai de com algumas idéias”. A conversa gira então em torno do uso da palavra
terapêutico. Dizem que “por muito tempo não se podia usar” esta palavra. Quem
seriam os donos do terapêutico?
Fala-se ainda do “clínico tradicional” versus a “ação terapêutica”, levando ao termo
“clínica ampliada” para o terapêutico vivido com a comunidade. Mobilizada por essas
reflexões uma delas (P1)confessa: “rompi com o jeitão clínico”, embora reconheça
que seu trabalho seja “respaldado” pela leitura clínica psicanalítica. Para pensar
essas relações usa uma expressão que causa certo alvoroço no grupo: “é como um
ser que infecta o outro”, “que deixa um vírus que não vai sair do seu corpo”. Outra
participante associa com o “semear”, lembrando que nem sempre se o resultado,
“o que vai frutificar é do outro”, diz.
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A metáfora do “semear” traz o tema do tempo, tanto no que se refere ao tempo de
cada um, fazendo com que nem sempre as ações dos psicólogos sejam
reconhecidas, como no tocante ao tempo do trabalho com o contexto ampliado, o
que levou a uma “revisão da metodologia de trabalho” para uma delas.
Questão 6: Sobre a intervenção psicológica no contexto institucional.
Manifestam-se primeiro as participantes que atuam em instituições não ligadas ao
serviço público. Suas ações principais são respectivamente Grupos multifamílias,
atendimento clínico e atendimento focal, breve individual (4 sessões) e em grupo (3
meses). Na instituição voltada para o atendimento clínico, o profissional (P5) diz
sentir-se mais valorizado comparativamente a outras instituições em que atuou
com outra forma de intervenção. A psicóloga que usa o multifamílias (P4) sente que
a grande ajuda vem da supervisão paga pela administração, mas que os
dificultadores também vêm desta administração, pelo controle excessivo,
especialmente das faltas das famílias, parecendo ser este o único critério para
avaliação. a que atua junto a uma paróquia (P3), cita como ajuda o espaço
oferecido, mas como limitador o breve do atendimento, que a seu ver “é terapêutico,
mas sem aprofundar”. Explica que precisa ficar “em questões mais práticas”, pois
fica limitada nos assuntos, sabendo que “a pessoa não vai voltar”.
A colega do serviço público (P2) questiona a forma breve de atendimento, lançando
as seguintes perguntas: Qual a possibilidade do serviço público oferecer o processo
psicoterápico? Como fica o trabalho em saúde mental para a população vulnerável?
No entanto não suscita comentários ou reflexões das demais. Conta que seu
Programa “não tem prazo definido” e que “aspectos da vulnerabilidade” pedem
“maior tempo de intervenção”. As principais ações seriam o Grupo Multifamílias, o
Atendimento Familiar e os encaminhamentos para grupos. Fala de um “trânsito entre
o individual e o familiar”, com o “olhar familiar sempre presente” à medida que busca
“priorizar o estar junto”.
Quando, junto com a outra colega do serviço público (P1), fala da necessidade das
“visitas domiciliares”, certa curiosidade aparece no grupo. Explicam que não
acontece com todos, “apenas com os casos mais difíceis” ou quando não estão
comparecendo. Ao serem questionadas por mim sobre como se daria a construção
desta visita com as famílias, esclarecem, em concordância, que é “surpresa”, dentro
de “uma visão investigativa”, para “entrarem contato com a realidade deles”, que
“nem sempre o que chega é aquilo que se é”. O grupo parece satisfazer-se com
essas explicações.
Sobre os aspectos “dificultadores” da instituição, citam os “burocráticos e políticos”,
sendo o “político em primeiro lugar” para uma delas (P2), gerando “mudanças” tanto
de “foco de trabalho” como de profissionais. O facilitador, para a primeira delas (P1),
é a possibilidade de “trabalho em equipe”. Para a segunda, é a “liberdade para criar”.
Explica que atua considerando “todos como clientes”, “desde a porteira”, com os
quais iria “fazendo provocações”. A “liberdade” citada seria vivenciada apesar do
que “o chefe manda”, construída na sua relação “com muita gente”. Destaca, em
suas intervenções, a “educação de pares”, com grupos de adolescentes, onde todas
as falas teriam “o mesmo peso”. São convidados pais e professores. Os primeiros
comparecem com menor freqüência, e os segundos, os professores, avalia não
observar da parte deles uma boa adesão a esse tipo de trabalho.
Quando a colega se lembra das “discussões sobre as famílias com a rede” de
profissionais, essa participante confidencia que resistiu à princípio, com a sensação
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de que estaria “atrapalhando”seu trabalho, tendo percebido sua importância ao
longo do tempo.
Ao ouvirem meu pedido de reflexão sobre as prováveis características que as
tornaria competentes para este trabalho, riem um pouco constrangidas. A primeira a
aparecer (P1) refere-se à “ousadia” com relação ao “caminho a percorrer com o
paciente”. A divisão se instala entre o “não se leva um paciente ao caminho pelo
qual você o percorreu” e o “eu levo, eu vou junto”. A ousadia se define como
permitir-se “aprender com a instituição”, com o caminho ainda não percorrido. E
ainda com o “olhar o outro como igual” (“Cê fudido? Eu também to fudida!”). O
tema suscita o pensar sobre uma segunda característica, como parte da
competência para este trabalho, o fato de perceber que “em comum” entre
profissional/cliente está o “ser gente”, aquilo que “é próprio do humano”,
“independente da conta bancária”.
Para o trabalho com o contexto da pobreza, trazem ainda a necessidade para o
profissional, como “condição” para este trabalho, o “querer desenvolver-se, querer
encontrar recursos e competências”. E ainda o “querer ter cuidado grande com as
questões que eles trazem”, por tratar-se de situações “muito difíceis e dolorosas”. O
cuidado inclui o “ficar junto e suportar a dor junto”, “criando competências” para “lidar
junto com aquelas pessoas”. Com o “estar junto” vem o “escutar” e “ser agente
transformador”, como “parte importantíssima” deste escutar. A participante que
desenvolve mais consistentemente esta questão (P5), sente necessidade de dizer
que, embora reconheça a grande importância deste lugar do psicólogo neste
contexto, não sente “este valor sendo dado socialmente”, “não vejo minha profissão
sendo valorizada”.
Esta consideração leva ao encerramento da questão, suscitando últimos
comentários sobre a necessidade de “profissionais resilientes” que saibam fazer um
“trabalho solitário”, “plantando coisas nos outros” sem ver os resultados. Uma delas
reconhece que sente “falta do reconhecimento social”.
Questão 7: Sobre os conhecimentos úteis para a atuação.
Ao refletir sobre esta questão parecem concordar sobre o fato de a formação básica
não ter fornecido subsídios para esta atuação, permanecendo uma “constante”
necessidade de mais estudos. Supervisão, intervisão, grupos de estudos, o
apontados como muito necessários. Os que fizeram especialização, citam a
importância da “sistêmica”, por “ampliar o olhar do sujeito e suas relações”, trazendo
uma “outra forma de enxergar a família”, “contribuindo para a prática”. Embora se
trate ainda, para esta participante (P2), “apenas de uma janela aberta”. Para outra
(P4), ao estudar o pensamento sistêmico, percebeu que “falavam a minha língua”
sobre o ser humano. Assim como se sentiu em um estágio, cuja professora de
Psicologia Social, com abordagem vinda da Análise Transacional, teria o mesmo
“olhar para o humano”. Uma terceira (P3) planeja buscar especialização “ou na
Sistêmica ou na Logoterapia”, por sentir que ambas lhe seriam “úteis”.
Uma delas (P1), afirma sentir-se “respaldada” pelos estudos da “Psicanálise
Kleineana”, para o desenvolvimento de seu trabalho. Diz vir daí sua forma de “ver o
mundo, o sujeito e suas relações”, amparando-se ainda em “18 anos de análise” e
supervisão. Como influência, confidencia, como algo que possa “parecer estranho”,
o que recebeu e recebe “de pai e mãe”.
Questão 8: Fechamento com a apresentação de uma metáfora que represente seus
sentimentos e percepções sobre sua atuação neste contexto.
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A brincadeira de uma delas (“posso mandar por email?) faz todas rirem muito. Mas
as respostas aparecem com facilidade, trazendo uma diversidade de imagens, que
falam tanto do peso do desafio deste tipo de trabalho como de suas possibilidades,
em um caminho que está sendo feito.
Assim aparece imediatamente (P2) a imagem de “uma pessoa que escala pedras”,
lembrando o “desafio” e o “risco”, mas um risco “com certa segurança”, um “tatear”
de quem “busca o próximo passo”. Em seguida (P3), em duas imagens, aparecem
também estes dois aspectos. Uma na forma do “Deserto de Saara”, representando a
sensação de “impotência”, em alguns momentos, e outra na forma de “um jardim
paradisíaco”, quando a sensação é de “transcendência” e sucesso.
O caminho aparece também (P5) com a metáfora do “rio que vai criando caminho”,
perante os vários obstáculos, que “desvia da pedra, enche o buraco, faz lago no
vale”, trazendo a força do “tem que continuar!”, referindo-se a um envolvimento sem
retorno. Essa mesma participante fala desta força, recorrendo ao “vínculo muito
forte”que sente viver com as crianças que atende em sua instituição: “Um nculo
que me forma”. O processo é ainda descrito, por outra participante (P4), como “um
semear”, vendo-se como “uma jardineira com um jardim imenso”, “semeando e
esperando”.
Por último aparecem duas metáforas figuras de mosaico (P1) e patchwork (P4)
lembrando o “ser uma pecinha” de uma figura maior, e o fato de poder ter uma
forma definida ou não, como sensações associadas a essa vivência. Acrescentando,
a meu ver, ao caminhar inicial, a complexidade deste pertencer e conviver.
SUMÁRIOS (realizados ao final pela co-moderadora e assistente)
A co-moderadora começa por marcar a “diversidade” presente (idade, ano de
formação, contexto de trabalho), embora estejam ali por semelhanças que as reúne
em um grupo. Mas reflete que, apesar das diferenças, todas revelaram que o
contexto de vulnerabilidade “fala ao coração de cada uma”, fazendo com que se
sintam transformados de alguma forma. Em comum ainda o fato de buscarem
competências, “procurando recursos nas famílias e em sim mesmo”, percebendo
todos que “tem que ser comprometidos e criativos”. Assim como uma concordância
sobre “a não divisão entre o s e o eles”, lembrando “as diferentes formas de
pobreza”, já que cada um de nós teria “um tipo de pobreza”.
Pondera que mesmo vindos de diferentes formações, fazem-nos chegar à sensação
de que só é possível trabalhar neste contexto, se houver comprometimento.
A assistente, em seu sumário, diz ter sentido ali referência a “dois mundos, em dois
sentidos”. Uma divisão “sócio econômica” entre “eles e nós”, e outra divisão de tipo
de trabalho entre a clínica e o trabalho social, colocado como sendo “um outro”,
diferente da clínica. E que, “independente das diferenças individuais”, viu em todas,
“muito respeito”, “fé” e “responsabilidade” pelo que estão fazendo.
Relata ainda que sente que houve “um encontro” de cada uma com seu trabalho, um
encontro que teria promovido “um contrato com o criativo”, “abertura de visão” e
“revisão de valores”.
A co-moderadora pede ainda para falar da “dificuldade” de ocupar esse lugar (“aqui,
sem poder dar minha opinião, sem me colocar como pessoa”), e que isso refletiria “o
trabalho com a população e instituições vulneráveis”, no sentido de que é preciso
“por luz no que o outro fala, tirando o foco daquilo que eu penso”.
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Reações aos sumários
Uma das participantes (P2) diz que a última fala da co-moderadora a fez lembrar
que “não somos colonizadores”, sabendo o que “é melhor para o outro”.
E quando questionados, respondem que “sim”, sentiram-se retratados e
compreendidos nos sumários. Mas que gostariam de continuar encontrando-se,
depois de “tantas provocações”. Combinamos que o faremos após os resultados da
pesquisa.
Outra participante (P4) ainda pede a voz para dizer que estar ali não foi como
“trocar pedaços de pão”, saindo cada um com seu pedaço, e sim como “troca de
idéias”, saindo cada um com muitas idéias.
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APÊNDICE D
ANÁLISE TEMÁTICA DO CONTEÚDO
GRUPO FOCAL 1
Unidades temáticas
QUESTÃO 1: A inserção no trabalho institucional.
Tema 1: A preferência por grupos
- Expresso por: “com grupos”; “em grupo”; “de forma coletiva”; “no macro”; “com um
monte de gente ao mesmo tempo”; “onde envolve mais de uma pessoa”; e “com
famílias”.
- Associado à: trabalho público; trabalho voluntário; e como alternativa à clínica
individual.
- Valorizado como: “troca rica”; “enriquecedor”; “muito conhecimento”; e “maior
aprendizado”.
Tema 2: A percepção da desigualdade social.
- Sentimentos associados: “inconformismo”; “estranhamento”; “necessidade de
entender”; “questionamento”.
- Entendido como “falta de oportunidade”.
- Demandando um “olhar mais humano”.
Tema 3: A necessidade de ajudar.
Definida como: “não assistencialista”; “fazer a diferença”; “auxiliar”; “colaborar”; e
“promover o desenvolvimento”.
Tema 4: Influências na opção
Experiências: Estágios e professores da área social; cursos de trabalho com
famílias; formação voltada para o atendimento no setor público; insatisfação com a
formação focada na clínica; e “estar na instituição”.
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QUESTÃO 2: A vivência do comprometimento social.
Tema 1: Em construção.
- Não aprendido na formação.
- Construído na prática e na discussão das políticas públicas (“já está sendo feito”).
- O psicólogo “achando seu espaço no social”: ainda como “adereço”, “apêndice”,
“segundo plano”. (“O social tem dono: o assistente social”).
Tema 2: Como responsabilidade.
- Como “porta voz” das famílias perante os representantes das políticas públicas.
- Perante a demanda do outro.
- Pelo que “pode gerar na vida do outro”.
Tema 3: Como conflito interno.
- Questões concretas, emergenciais versus demandas subjetivas da população
atendida.
Tema 4: Como não clínico.
- A clínica como oposição ao trabalho social.
- O trabalho social como exercido de “forma mais ampla” que a clínica (“problemas
grandes, demandas grandes”).
Tema 5: Como missão.
- Além do profissional (“como pessoa”).
Tema 6: Como obrigação.
- De qualquer profissional, como cidadão.
QUESTÃO 4: Ideias e valores sobre o contexto de pobreza.
Tema 1: como fruto da desigualdade social.
- Vivência de “descaso”, “preconceitos”, “exclusão”, “dependência”.
- Vivência da realidade (“não a da TV”).
Tema 2: Na relação com o psicólogo.
- Relação marcada pela “falta de recursos” do psicólogo para as “questões
concretas” do cliente (“tá tudo posto” ou “não há o que fazer”).
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- Relação marcada pela desigualdade de condições profissional/clientes.
- Tendo a realidade do profissional como referência.
- Tendência a se mostrarem “mais resignados” do que na relação “entre eles”.
- Marcada pela necessidade de mostrarem-se “merecedores” dos benefícios.
- Tendência a sentirem-se “indignos” e “inferiorizados” pela dependência.
- Relação favorecedora de “muito aprendizado” para o profissional.
- Vistos como os que “escutam e entendem melhor”, quando comparados com
clientes do contexto da clínica particular.
- Vistos como os que “acessam mais rapidamente o lado afetivo”.
Tema 3: A relação “entre eles”.
- Marcada pela solidariedade.
- Em comunidade.
- Vinculam-se.
- Revelam-se “menos resignados”, “mais dinâmicos”, “buscando alternativas”.
Tema 4: Reações construtivas.
- Comprometimento com o atendimento.
- Desenvolvimento de “bagagem de recursos”, para “resolver problemas”.
-Riqueza de recursos em contraposição à pobreza econômica/social.
Tema 5: Reações disruptivas.
- Maior agressividade (“vão às vias de fato” ou “não pensam”).
- O profissional visto “como objeto”, de onde “tiro tudo sem o menor pudor”.
- Nem sempre solidários.
- Pensam “muito no imediato”, sem “planejar futuro” (“não desejam estudar na
USP”).
- Desejam ter o que o “universo consumista” oferece, gerando “horrores”: “tiram da
boca dos filhos para comprar celular”.
QUESTÃO 4: O psicólogo visto pela população atendida.
Tema 1: Nos primeiros contatos.
- “Inseguros”; “com medo de ser avaliados”; “perdidos”; e “com receio do que vão
ouvir”.
158
- Psicólogo “idealizado”; “doutor”; “especialista”; “olhos do juiz” (“põe tudo no
relatório do juiz?”); como alguém de quem se passa a depender (“para tudo vão lá”).
Tema 2: Um processo
- Da desconfiança inicial passam a ver “como ajuda”.
- Relação passa a ser de confiança: como “amiga”, “confidente”, “próxima”.
- Passam a “buscar o profissional” (“sabem o que buscam lá”: “o meu trabalho”).
- Ao final, “maior autonomia”, “achando soluções”.
QUESTÃO 5: Relações com a comunidade.
Tema 1: Formas
- “Conselho comunitário”, formado por crianças e famílias.
- Projeto responde à demanda da comunidade (“parceiros”).
- Comunidade representada “pelas famílias que vão lá”.
- Ressonâncias na comunidade: “o que se leva para fora” ou “resultado de uma
semeadura”.
Tema 2: Situação atual
- Construindo “com a comunidade”.
- Trabalho com a “rede de serviços”, “com parceiros”.
- A instituição como apenas “um recortezinho”.
- Inserção na comunidade “engatinhando”.
Tema 3: Condição do contato
- Intermediado por Conselho Tutelar ou Juiz: “não por desejo” / “a lei no meio da
relação com o cliente”.
- Por demanda da comunidade.
- Por abertura da instituição.
- Por “política pública não dar conta”.
Tema 4: Avaliação da ação terapêutica
- Não se dá “como o processo tradicional de terapia”.
- Uma ação “não clínica” (“rompi com o jeitão clínico”).
- A ação é terapêutica quando psicólogo atua como “agente transformador”.
- A ação é terapêutica quando se “investe no desenvolvimento do sujeito”.
159
- O “uso pedagógico do conhecimento” pode ser terapêutico.
- O contato é terapêutico “quando a pessoa sai com outras idéias”, “afirmações” ou
“dúvidas”.
- O contato é terapêutico quando possibilita o “pensar ou enxergar outras
possibilidades”.
- Ação é terapêutica quando oferece “uma possibilidade reflexiva”.
- O caráter de terapêutico vem da “escuta diferenciada” do psicólogo.
Tema 5: O impacto sobre o psicólogo
- Demanda um “esforço para não julgar”.
- Demanda atenção para “enxergar possibilidades”, além das “marcas do
encaminhamento”.
- Demanda “um grande exercício de respiração”, antes de falar.
QUESTÃO 6: A intervenção psicológica
Tema 1: Formas de atuação
- Grupos Multifamília: “facilitar conversas”, “propiciar reflexões”.
- Atendimento, “breve”, “focal”: “um despertar”, “orientação”, “sem aprofundar”,
“descobrir e construir juntas”.
- Atendimento grupal, por três meses, semanal: “questões mais práticas”, “sem
aprofundar”.
- Atendimento grupal, como “facilitadores”, não como “coordenadores”.
- Atendimento individual e familiar, sem tempo determinado.
- Atendimento com um “trânsito” entre p o individual e o familiar, com o predomínio
para o familiar.
- Atendimento clínico, “psicanalítico”.
- Orientação a pais de crianças e adolescentes atendidos individualmente (“pontuar
alguma coisa”, “ver o que está acontecendo”).
- Visitas domiciliares, “investigativas” e “de surpresa”, “para entrar em contato com a
realidade deles” (“as coisas chegam mais penteadinhas até você”).
- Em ação “desde que entro na instituição”: “provocações”, “perguntinhas”, “um
abraço”, “vou mexendo”.
- Discussão com a rede de serviços sobre a família.
160
Tema 2: Aspectos facilitadores
- Supervisão.
- Ajuda material.
- Autonomia (“liberdade para fazer o que for preciso”).
- O “espaço” dado pelo pároco, “ouvindo a demanda da comunidade”.
- As reuniões “entre profissionais”.
- Trabalhar “em equipe”.
- “Trocas” com a rede: “conversas”, “opiniões”.
- Programa “sem prazo fixo” (famílias que continuam no serviço, mesmo um filho
tendo atingido a maioridade).
- “Apoio” e “acompanhamento” da instituição.
Tema 3: Aspectos dificultadores
- Questões burocráticas, administrativas. Ex: controle do tamanho do grupo, das
faltas, “sem considerar o processo”.
- Questões políticas, “interferindo no foco do trabalho”.
- O tempo “predeterminado”.
- As possibilidades que o serviço público oferece para o processo psicoterápico
(questionando a abordagem breve “para população tão vulnerável”, “com tamanha
complexidade”).
- Não valorização do trabalho do psicólogo nesse contexto.
Tema 4: Características para a competência nesse contexto de atuação
- “Sensibilidade”.
- “Respeito ao outro”/ “reconhecer a forma do outro pensar e viver como válida prá
ele”.
- “Conhecimento do outro”.
- “Querer ter cuidado muito grande com as questões que eles trazem”.
-“Flexibilidade”.
-“Imaginação/ criatividade”.
- “ousadia” (“a instituição ensina”).
- “Disponibilidade autêntica de estar com o outro”/ “querer estar em contato com
aquela pessoa”.
- “Aguentar junto o sofrimento, lidar junto”.
161
-“Não levar paciente por caminho pelo qual não se percorreu”.
-“Ir junto com paciente”, “inclusive por caminhos não percorridos”.
- “Encontrar um jeito para que a pobreza não te contamine” (a pobreza de
conhecimentos dos colegas).
- “Querer ser agente transformador”.
- “Reconhecer o em comum entre profissional e cliente e entre ricos e pobres”, “o
próprio do humano” (“é o que move meu trabalho”).
- “Criar competência o tempo todo”/”querer se desenvolver”/”encontrar recursos em
mim”.
- “Não esperar reconhecimento institucional ou social”.
- “Sermos profissionais resilientes”.
QUESTÃO 7 : Conhecimentos úteis
Tema 1: Teorias e técnicas
- Teoria Sistêmica: “abrir de janelas”/ “possibilidades”/ “falando a minha ngua”/ “um
caminho útil”/ “a teoria que mais colaborou para a minha prática”/ “novo jeito de
enxergar as famílias”/ “possibilidades de trabalho, intervenção”/ “um olhar ampliado”/
“uma abertura para ir além”.
- Teoria psicanalítica Kleineana: “respaldo para o desenvolvimento do trabalho”/ “um
jeito de ver o mundo do sujeito, suas relações”/ “mas não dá metodologia, eu
monto”.
- Análise Transacional: “um olhar de reconhecimento e valorização”/ “parecido com o
olhar sistêmico”.
Tema 2- Experiências
- Supervisão (“sempre”).
- Grupos de estudo (sempre).
- Estágio em Psicologia Social.
- Aprendizado “com pai e mãe”.
QUESTÃO 8: Metáforas
Tema 1: Caminho e processo
- Como “pessoas escalando pedras” (“tateando para encontrar o próximo passo”).
- Como “um rio” (“tem que continuar, criando caminho”).
162
- Como “uma jardineira” (“plantando e esperando”).
Tema 2: Construção e criação
- Como “um quadro de mosaico” (“não vem pronto, você quebra e cria”/ “só tem
noção depois de pronto”).
- Como “patchwork” (“juntar pedacinhos para formar um desenho”).
Tema 3: Sucesso versus impotência
- Como o “Deserto de Saara” (“impotente”).
- Como “uma praia paradisíaca” (“inspirada”/ “transcendendo”/ “felicidade”)
163
APÊNDICE E
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO INSTITUCIONAL
Esta é uma pesquisa de Dissertação para obtenção do título de Mestrado
pela área de Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de o Paulo, do
Núcleo de Família e Comunidade, sob orientação da Profa. Dra. Ceneide Maria de
Oliveira Cerveny.
Intitulada “A Competência Social do Psicólogo: Estudo com profissionais que
atuam no contexto institucional de atendimento às famílias que vivem em situação
de vulnerabilidade social”, tem como objetivo principal propiciar subsídios para se
pensar essa competência. O interesse se voltará para seu contexto de trabalho,
explorando os recursos desenvolvidos, assim como seus aspectos facilitadores e
dificultadores.
Sua relevância social e científica se constrói perante a demanda atual de um
maior comprometimento social dos profissionais que trabalham com esta população.
Os participantes são psicólogos que atuam junto às instituições conveniadas
e/ou credenciadas junto à Secretaria do Desenvolvimento Social de São José dos
Campos.
Para a coleta de dados serão usados inicialmente um questionário de
caracterização dos participantes, seguido de participação em um Grupo Focal, onde,
reunidos com outros participantes (de 6 a 10), com o pesquisador como facilitador
do grupo, e com um auxiliar/relator, irão opinar e discutir sobre tópicos especiais
preparados previamente pelo pesquisador, ligados aos objetivos da pesquisa.
Segundo preceitos éticos, informamos que a participação dessa Instituição
será absolutamente sigilosa, não constando seu nome, ou qualquer dado que possa
identificá-los no relatório final ou em qualquer publicação sobre esta pesquisa.
Esclarecemos ainda que, pela natureza da pesquisa, a participação desta instituição
não acarretará quaisquer danos à mesma.
164
Após a conclusão da pesquisa, prevista para março de 2010, um relatório
final, com todos os dados e conclusões, estará a disposição para consulta, junto à
PUC-SP ou diretamente com a pesquisadora.
Agradecemos sua participação em nome da Ciência e da Sociedade.
São José dos Campos,____de ___________________de 2009
________________________________________
Maria José Lima
CRP 06/18246 CPF 050.087.108-69 RG 11.959.313-0 SSP-SP
Tendo ciência das informações contidas neste Termo de Consentimento,
eu,____________________________________________________, portador do
R.G. _________________ e do CPF __________________, responsável pela
Instituição ____________________________________________________,
autorizo a aplicação desta pesquisa na mesma.
São José dos Campos, ____de _______________de 2009
__________________________________________
Testemunha 1 Testemunha 2:
________________________________ _________________________________
CPF: _______________ RG: __________CPF: _______________RG: __________
165
APÊNDICE F
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Esta é uma pesquisa de Dissertação para obtenção do título de Mestrado
pela área de Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de o Paulo, do
Núcleo de Família e Comunidade, sob orientação de Profa. Dra. Ceneide Maria de
Oliveira Cerveny.
Intitulada “A Competência Social do Psicólogo: Estudo com profissionais que
atuam no contexto institucional de atendimento às famílias que vivem em situação
de vulnerabilidade social”, tem como objetivo principal propiciar subsídios para se
pensar esta competência. O interesse se voltará para seu contexto de trabalho,
explorando os recursos desenvolvidos, assim como seus aspectos facilitadores e
dificultadores.
Sua relevância social e científica se constrói perante a demanda atual de um
maior comprometimento social dos profissionais que trabalham com esta população.
Os participantes são psicólogos que atuam junto às instituições conveniadas
e/ou credenciadas junto à Secretaria do Desenvolvimento Social de São José dos
Campos.
Para a coleta de dados serão usados inicialmente um questionário de
caracterização dos participantes, seguido de participação em um Grupo Focal, onde,
reunidos com outros participantes (de 6 a 10), com o pesquisador como facilitador
do grupo, e com um auxiliar/relator, irão opinar e discutir sobre tópicos especiais
preparados previamente pelo pesquisador, ligados aos objetivos da pesquisa.
Segundo preceitos éticos, informamos que sua participação se
absolutamente sigilosa, não constando seu nome ou de sua instituição, ou qualquer
dado que possa identificá-los, no relatório final ou em qualquer publicação sobre
esta pesquisa. Esclarecemos ainda que, pela natureza da pesquisa, sua
participação não acarretará quaisquer danos a sua pessoa.
Após a conclusão da pesquisa, prevista para março de 2010, um relatório
final, com todos os dados e conclusões, estará a disposição para consulta, junto à
PUC – SP ou diretamente com a pesquisadora.
166
Você tem liberdade para interromper sua participação, assim como solicitar a
exclusão de seus dados, retirando seu consentimento sem qualquer penalização ou
prejuízo.
Agradecemos sua participação em nome da ciência e da sociedade.
São José dos Campos,____de ___________________de 2009
________________________________________
Maria José Lima
CRP 06/18246 CPF 050.087.108-69 RG 11.959.313-0 SSP-SP
Tendo Ciência das informações contidas neste Termo de Consentimento,
eu,______________________________________, portador do RG
no.________________ e CPF no. _______________autorizo a utilização nesta
pesquisa dos dados por mim fornecidos.
São José dos Campos, ____de _______________.de 2009
__________________________________________
Testemunha 1 Testemunha 2:
________________________________ _________________________________
Nome: __________________________
Nome:___________________________
CPF: _______________ RG: _________ CPF: _______________ RG: __________
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