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que foi feito pela comunidade foi feito pelas famílias que freqüentam a instituição”,
“não pela instituição”. A ação da instituição diretamente na comunidade estaria
apenas “engatinhando”. Sua ação com a comunidade se daria, portanto, através do
trabalho com as famílias (grupos multifamílias).
Para os demais, a comunidade não é fácil de definir-se, por atenderem pessoas
vindas de diferentes bairros. Pensar nas relações com a comunidade faz uma delas
(P1) afirmar que seu trabalho “parece tão pequenininho”, “um recortezinho”. Outra
(P2) inclui a rede de profissionais na sua comunidade, lembrando que essa os via
como “especialistas em violência”, mas que a proposta preventiva do programa é na
verdade de “capacitar a rede para lidar com situações de violência”, em uma relação
de parceria. A população chega até eles via Conselhos Tutelares ou por
determinação judicial, ou seja, “mal vistas” e “não por desejo”. Antes de serem vistos
como “parceiros”, são vistos como “olhos do juiz”, tornando essa relação marcada
pela delicada triangulação com os representantes da lei. Os profissionais que vão
até a comunidade são os que trabalham diretamente com a prevenção.
Já a outra participante que atua no serviço público (P1) revela que, mesmo partindo
sempre “da demanda da comunidade”, fazendo “diagnósticos e projetos”
conjuntamente, é levada a fazer “arranjos” “com o já definido pela prefeitura. Afirma,
de diversas formas, que aprendeu a trabalhar “com a comunidade”.
A atuação, junto a uma paróquia em plantão aberto, leva uma participante (P3) a
ver, pela “grande procura”, que a comunidade “busca ajuda”, revelando boa relação
com a psicologia. Compreende a demanda desta população como “não específica”.
Valoriza também a iniciativa do padre, como membro da comunidade, em criar e
apoiar esse serviço. Outra participante (P5), que atua na instituição que oferece
atendimento clínico para as crianças e adolescentes carentes da população que vive
em contexto de pobreza, diz não perceber movimento de sua instituição diretamente
na comunidade, mas que a demanda viria desta.
É dito, com aparente concordância dos outros, que no trabalho junto com a
comunidade, embora o “olhar dos outros” seja o “da clínica”, não dá para definir se a
atuação pertence ao campo do psicólogo “institucional, social ou clínico”. Referindo-
se ao “impacto” deste encontro, uma participante (P2) afirma que se trata de “um
grande exercício de respiração”, no sentido de que é preciso “respirar dez vezes
antes de se falar”, para “não julgar”, e poder encontrar-se com alguém “podendo
enxergar além”.
Ao serem questionadas sobre o possível efeito terapêutico deste encontro ou do
envolvimento com a comunidade, apenas uma delas afirma não entender como
terapêutico, e sim “como um despertar”. No entanto, as considerações posteriores
das colegas acabam por apontar o terapêutico deste despertar, assim como quando
uma delas afirma que um plantão emergencial “pode ser terapêutico”, “se a pessoa
já sai de lá com algumas idéias”. A conversa gira então em torno do uso da palavra
terapêutico. Dizem que “por muito tempo não se podia usar” esta palavra. Quem
seriam os donos do terapêutico?
Fala-se ainda do “clínico tradicional” versus a “ação terapêutica”, levando ao termo
“clínica ampliada” para o terapêutico vivido com a comunidade. Mobilizada por essas
reflexões uma delas (P1)confessa: “rompi com o jeitão clínico”, embora reconheça
que seu trabalho seja “respaldado” pela leitura clínica psicanalítica. Para pensar
essas relações usa uma expressão que causa certo alvoroço no grupo: “é como um
ser que infecta o outro”, “que deixa um vírus que não vai sair do seu corpo”. Outra
participante associa com o “semear”, lembrando que nem sempre se vê o resultado,
“o que vai frutificar é do outro”, diz.