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A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de
escravos, grupo mercantil (c.1750 – c.1800)
Alexandre Vieira Ribeiro
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
História Social, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do
titulo de Doutor em História
Orientador: Antônio Carlos Jucá de
Sampaio
Rio de Janeiro
Maio/2009
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A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de
escravos, grupo mercantil (c.1750 – c.1800)
Alexandre Vieira Ribeiro
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A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de escravos e grupo
mercantil (c.1750 – c.1800)
Alexandre Vieira Ribeiro
Orientador: Antônio Carlos Jucá de Sampaio
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História
Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor
em História Social.
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (UFRJ)
________________________________________
Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso (UFRJ)
_________________________________________
Prof. Dr. Carlos Gabriel Guimarães (UFF)
_________________________________________
Prof. Dr. Carla Maria Carvalho Almeida (UFJF)
_________________________________________
Prof. Dr. Roberto Guedes Ferreira (UFRRJ)
Rio de Janeiro
Maio/2009
4
Ficha Catalográfica
RIBEIRO, Alexandre Vieira.
A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de escravos e grupo mercantil
(c.1750 – c.1800)/ Alexandre Vieira Ribeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS, 2005.
xiii, 256f.: il; 31 cm.
Orientador: Antônio Carlos Jucá de Sampaio
Tese (Doutorado) – UFRJ/IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História
Social, 2009.
Referências Bibliográficas: ff. 234-45.
1 Brasil. 2 Colônia. 3 Bahia. 4 Estrutura econômica. 5 Grupo mercantil. I –
Ribeiro, Alexandre Vieira. II – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de
Pós-Graduação em História Social. III Título: A cidade de Salvador: estrutura
econômica, comércio de escravos e grupo mercantil (c.1750 – c.1800)
5
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq que financiou o início da pesquisa e a CAPES que financiou o último ano
deste estudo.
Ao professor doutor Antônio Carlos Jucá de Sampaio pela paciência, confiança e
generosidade de sua orientação, contribuindo sempre com sugestões e críticas pertinentes
ao trabalho, fundamentais no desenvolvimento e no término da tese.
Aos professores doutores João Fragoso, Carlos Gabriel, Carla Almeida e Roberto
Guedes pela disponibilidade em compor a banca de avaliação deste trabalho.
Agradeço ainda ao professor João Fragoso, por ter me possibilitado adentrar no
ambiente de pesquisa acadêmica, quando ainda iniciava meus estudos na graduação de
história no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, bem como suas valiosas
apreciações a respeito deste trabalho durante o exame de qualificação.
Do mesmo modo, agradeço ao professor Carlos Gabriel por sempre se mostrar
solicito, pelas inúmeras indicações bibliográficas e sugestões importantes não emitidas
quando da qualificação deste trabalho, mas sempre que solicitado por mim, que
contribuíram sobremaneira para o bom desenrolar deste estudo.
Ao amigo Carlos Kelmer Mathias, com quem pude sempre travar um diálogo
proveitoso na elaboração da tese, além de generosamente ter me concedido informações
documentais.
A Roberto Guedes, Rodrigo Amaral e demais colegas de ofício que compõem o
grupo de discussão ART, que sempre me incentivaram, muitas vezes contribuindo com
dicas importantes para o bom desenrolar da minha pesquisa.
6
Ao meu amigo Daniel Barros Domingues da Silva, que mesmo a distância se fez
presente sempre que requisitado ao longo do caminhar deste estudo.
Aos meus amigos Samantha Quadrat, Leandro Malavota, Claudiane Torres, Denise
Ribeiro, Heloísa Gesteira, que me proporcionaram momentos de extrema felicidade nesses
últimos quatro anos e que sempre foram grandes incentivadores desse trabalho.
A Juliana Beatriz, por ter estado sempre ao meu lado, mesmo nas horas mais
difíceis, por me proporcionar momentos de descontração e diversão nestes últimos tempos.
Por fim, a minha mãe, Eliana Vieira Ribeiro e meu pai, César A. da Fonseca
Ribeiro ao carinho e amor incondicionais, fundamentais nesta minha trajetória.
7
RESUMO
Esse estudo está focado na análise dos padrões de investimentos e formas de transmissão
de propriedades rurais, urbanas e mercantis na cidade de Salvador, bem como do sistema
de crédito disponível na cidade, na segunda metade do século XVIII. Buscamos, desta
forma, analisar o comportamento dos diversos agentes sociais residentes na cidade. Como
pano de fundo, trabalhamos a paisagem sócio-econômica da capital baiana desde sua
fundação até o limiar do século XIX, com destaque para a atividade comercial,
notadamente do tráfico de escravos, mecanismo fundamental para a reprodução física do
escravo na colônia e acumulação de capital. A renda obtida na atividade mercantil era
direcionada para diversos setores, mostrando o grau de complexidade atingido pela
sociedade soteropolitana. No mundo colonial, riqueza e prestígio eram requisitos
fundamentais para a obtenção de respeitabilidade e status, assim, num segundo momento,
procuramos analisar trajetórias individuas de alguns dos mais proeminentes homens de
negócio, em sua maioria traficantes de escravos, estabelecidos na cidade de Salvador na
segunda metade do Setecentos.
Palavras-chave: Salvador, século XVIII, tráfico de escravos, mercado, crédito, prestígio.
8
ABSTRACT
This dissertation analyzes the patterns of investment and forms of transmission of rural,
urban and mercantile properties in Salvador, Bahia, as well as the credit system available
in the city during the second half of the eighteenth century. It traces the behavior of several
social agents resident in Salvador, providing the socio-economic landscape of the city
since its foundation to the beginning of the nineteenth century, and focusing on its
commercial activity, notably the slave trade, the principal means for the reproduction of
the slave population and the accumulation of capital in Salvador. The revenue produced by
the mercantile activity was directed to several economic activities, showing the
sophistication achieved by the city’s society. In the colonial world, wealth and prestige
were prerequisites for individuals to achieve respect and status. As a consequence, this
dissertation also traced the individual trajectories of some of the most prominent
merchants, many of them notorious slave traders, established in Salvador during the second
half of the eighteenth century.
Keywords: Salvador, eighteenth century, slave trade, market, credit, prestige.
9
Sumário
Relação dos quadros, gráficos e anexos ..........................................3
Abreviaturas.....................................................................................7
Introdução.........................................................................................8
Capítulo 1 - Aspectos sócio-econômicos da cidade de Salvador....23
A cidade de Salvador.......................................................................................24
A população de Salvador................................................................................31
Açúcar, tabaco e farinha.................................................................................37
O tráfico transatlântico de escravo.................................................................55
Capítulo 2 - O mercado de compra e venda dos bens rurais, urbanos
e comerciais.....................................................................................78
Capítulo 3 – Crédito e empréstimos..............................................113
As escrituras públicas de crédito em Salvador.............................................120
Concentração dos empréstimos.....................................................................152
Capítulo 4 – Formas de aquisição e transmissão de bens e
Riquezas........................................................................................ 158
Bens rurais....................................................................................................159
Bens urbanos.................................................................................................175
10
Capítulo 5 - Enobrecimento numa sociedade de Antigo Regime:
traficantes de escravos na Bahia, algumas trajetórias pessoais.....185
Preconceito sobre o comércio e os comerciantes.........................................187
As sociedades mercantis e o tráfico de escravos..........................................191
Escolhas matrimoniais.....................................................................................198
A conquista de honrarias..............................................................................207
Ser membro de uma irmandade.....................................................................218
Acesso a postos da governança local............................................................220
O investimento em terras...............................................................................225
Ocupação de postos de ordenança................................................................226
Considerações Finais.....................................................................231
Fontes e Bibliografias....................................................................234
Anexos..... .....................................................................................246
11
Relação de quadros
Quadro 1.1 - Quadro 1.1 – Freguesias urbanas de Salvador, 1801.................27
Quadro 1.2 – Freguesias suburbanas de Salvador, 1801.................................28
Quadro 1.3 – População de Salvador, 1706 – 1805........................................34
Quadro 1.4 Estimativas do volume de escravos desembarcados na Bahia,
1681-1855........................................................................................................61
Quadro 1.5 – Volume do comércio de escravos na Bahia, 1582-1851...........63
Quadro 1.6: Movimento de negreiros e volume de escravos desembarcados na
Bahia, 1581-1700............................................................................................65
Quadro 1.7 – Percentual de escravos desembarcados em Salvador distribuídos
pelas regiões da partida do navio, c.1560-1851..............................................66
Quadro 1.8 – Origem africana dos escravos desembarcados na Bahia, c.1580-
1850 (% de escravos desembarcados).............................................................69
Quadro 2.1 Participação percentual dos diversos tipos de vendas no valor
total transacionado na cidade de Salvador entre 1751 e 1880.........................80
Quadro 2.2 Valor médio dos bens arrolados nas escrituras de compra e
venda em Salvador, 1751-1800.......................................................................91
12
Quadro 2.3 - Participação das atividades econômicas (%) nos inventários
post-mortem de Salvador, 1760-1800.............................................................94
Quadro 2.4 - Categoria Social presente na maior faixa de fortuna (10%)
observada nos inventários baianos, 1760-1808.............................................106
Quadro 2.5 Participação dos homens de negócios na compra de bens rurais,
1751-1800......................................................................................................109
Quadro 3.1 - Participação do crédito frente ao percentual de vendas e do valor
total transacionado na cidade de Salvador, entre 1751 e 1800......................121
Quadro 3.2 Tipos de credores em Salvador, 1751-
1800.............................123
Quadro 3.3 – Instituições fornecedoras de crédito no mercado de Salvador,
1751-1800......................................................................................................126
Quadro 3.4 – Soma total dos empréstimos efetuados pela Santa Casa de
Misericórdia de Salvador por década, 1751-1800.........................................128
Quadro 3.5 – Participação de cada grupo de credores no sistema de crédito em
Salvador, 1751-1800.....................................................................................135
Quadro 3.6 Concentração total dos empréstimos nos 10% maiores, 1750-
1800...............................................................................................................152
.
13
Quadro 3.7 Concentração total dos empréstimos nos 50% menores, 1750-
1800................................................................................................................15
2.
Quadro 4.1 Formas de aquisição dos bens rurais vendidos em Salvador,
1751-1800......................................................................................................160
Quadro 4.2 - Formas de aquisição dos bens rurais vendidos no termo de Vila
do Carmo, capitania de Minas Gerais, 1711-1756........................................167
Quadro 4.3 Formas de aquisição dos bens urbanos vendidos em Salvador,
1751-1800......................................................................................................175
Quadro 4.4 - Formas de aquisição dos bens urbanos vendidos no termo de
Vila do Carmo, capitania de Minas Gerais, 1711-1756................................178
Quadro 4.5 Formas de aquisição dos bens comerciais e embarcações
vendidas em Salvador, 1751-1800................................................................181
Relação de gráficos
Gráfico 1.1: Médias qüinqüenais de entradas estimadas de escravos africanos
na Bahia, (1582-1855).....................................................................................71
Gráfico 2.1 – Média dos valores dos bens urbanos, Salvador, 1751-1800.....84
Gráfico 2.2 – Médias qüinqüenais dos índices de preços, Salvador,
1741-69............................................................................................................86
14
Gráfico 2.3 Bens adquiridos pelos homens de negócios de Salvador, 1751-
1800...............................................................................................................108
15
Abreviaturas
ACSM = Arquivo da Casa Setecentista de Marina
AHMS = Arquivo Histórico Municipal de Salvador
AHU = Arquivo Histórico Ultramarino
APEB = Arquivo Público do Estado da Bahia
BNRJ = Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
CA= Castro Almeida
ECV = Escritura de compra e venda
IHGB = Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
LN = Livro de notas
N. E. = Número de escrituras
16
INTRODUÇÃO
17
Já há algum tempo, a praça mercantil de Salvador tem sido objeto de nossas
investigações. No mestrado a analise recaiu sobre o perfil e o comportamento do tráfico
de escravos baiano entre 1680 a 1830. No doutorado expandimos a análise, focando o
estudo nas características sócio-econômicas de Salvador na segunda metade do século
XVIII. Nesse momento, o nosso interesse foi entender a dinâmica desenvolvida nas formas
de aquisição e transmissão de bens, e a compreensão de como se processava o sistema de
crédito. Buscamos analisar as esferas de atuação dos principais atores sociais, verificando o
peso da participação de cada grupo nas mutações surgidas nessa sociedade pré-industrial.
Elegemos como grupo principal a ser seguido os homens de negócio, pois estes a partir do
último quarto do Setecentos, passaram a ter destaque na complexa estrutura da vida
colonial.
A noção-chave a ordenar o presente trabalho é a de economia pré-industrial (ou
arcaica), desenvolvida por Karl Polanyi quando do estudo do processo de formação da
economia de mercado no século XIX. Para tal autor, a partir da Revolução Industrial a
propagação das máquinas e das fábricas especializadas tornou necessária a produção de
uma grande quantidade de mercadorias, visando compensar os custos. Além disso,
demandava-se igualmente altos graus de realização dos produtos resultantes, não sendo
facultada a interrupção da produção por falta de matérias-primas. Logo, todos os fatores
envolvidos no processo produtivo deveriam estar à venda em quantidades tais, de forma a
possibilitar a sua aquisição por parte de qualquer pessoa disposta a por eles pagar. Por
certo, em se tratando de uma sociedade agrária, tais condições foram sendo criadas
gradualmente, implicando numa transformação da motivação da ação. Da subsistência,
passou a ser o lucro o norteador das ações dos membros da nova sociedade.
1
1
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000, pp.
59-60.
18
Em uma economia industrial, todas as trocas estariam relacionadas a negociações
monetárias. As rendas, por seu turno, derivariam de algum tipo de venda (realização),
incluindo-se as necessárias ao provimento de subsistência de cada indivíduo. Isto
caracterizaria, portanto, a formação de um Sistema de Mercado. Ademais, para o perfeito
funcionamento do sistema seria preciso a não interferência de qualquer agente externo ao
mesmo. Por meio do binômio procura/oferta os preços se auto-regulariam. Em última
análise, neste tipo de mercado a esfera econômica estaria separada da esfera sócio-
política.
2
Nas sociedades ainda não sujeitas ao Sistema de Mercado, ao contrário, a economia
estaria atrelada às relações sociais. O lucro não as moveria prioritariamente, e os
indivíduos agiriam de modo a proteger a sua situação, o seu patrimônio e as suas
exigências sociais. Os bens materiais não seriam tomados como valores estritamente
econômicos. Antes se encaixariam em processos de produção e circulação atrelados a
determinados interesses sociais, seja de prestígio, seja de subsistência. Logo, o sistema
econômico estaria determinado por motivações “não-econômicas”,
3
traduzidas em
paradigmas tais como dotes, alianças políticas, relações de parentesco, de compadrio, etc.
4
Além disso, por não possuírem mecanismos de auto-regulação econômica, o homem (o seu
trabalho) e a natureza (matéria-prima) não seriam visto como mercadorias imersas em um
contínuo comprar e vender. Em suma, no quadro esboçado por Polanyi a venda da força de
trabalho não era considerada condição para que os indivíduos provessem a sua
subsistência, caracterizando uma frágil divisão social do trabalho. Isto implicava em uma
baixa circulação de numerário e bens, redundando numa fraca liquidez (crédito) nesta
organização econômica. Além disso, por serem bastante influenciadas por redes de
2
Ibidem, pp.59-62.
3
Ibidem, p. 65. Cf. também, a este respeito, as observações THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São
Paulo: Cia. das Letras, 2002.
4
Cf. KULA, Witold. Teoria econômica do sistema feudal. Lisboa: Ed. Presença, 1979.
19
relações sociais, e não somente por condições de mercado, em tais economias os
investimentos e o excedente se direcionavam a manutenção de uma hierarquia social em
princípio desigual.
5
Discípulo de Polanyi, Giovanni Levi buscou conceituar melhor a noção de redes de
relações sociais a partir do estudo do mercado de terras em Santena, uma comunidade
camponesa do Piemonte do século XVII. De acordo a ele, ali as relações de sociabilidade
podiam ser entendidas como estratégias dos indivíduos, que não se esgotavam em uma
racionalidade visando o lucro: estavam, antes, ligadas à busca da constituição e controle do
mundo natural e social.
6
Dessa forma, as flutuações dos preços da terra deveriam ser
apreendidas em um contexto no qual compradores e vendedores uniam-se por laços
parentais, de vizinhança, de clientelismo e, mesmo, de dependência pessoal, ligações estas
a determinar o valor das propriedades negociadas.
7
A idéia de estratégia, e com ela a de
negociação/conflito, é fundamental como instrumento de análise das sociedades coloniais
lusas.
8
Por estarmos trabalhando com uma sociedade regida pelos valores e práticas
arcaizantes, o dom
9
adquire aqui toda sua importância. Nessas sociedades os mecanismos
de distribuição do poder eram caracterizados pela formação de “redes clientelares” e pelas
5
Fernand Braudel aponta que em sociedades preocupadas com a manutenção de suas hierarquias, como a
européia entre os séculos XV-XVIII, nem sempre os excedentes econômicos tinham uma direção produtiva,
sendo estes, de modo recorrente, aplicados no sentido de adquirir status social. Exemplo disso seriam os
comerciantes atacadistas que, após acumularem grandes fortunas, compraram terras visando a promoção
social, muito embora esse tipo de investimento não lhes fornecesse o mesmo montante de capitais que as
atividades comerciais. Cf. BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo séculos XV-
XVIII. Os Jogos das Trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996, pp.125-128 e 215-218(Volume 2).
6
Sobre as idéias de estratégias, Levi foi influenciado pelas idéias do antropólogo Fredrik Barth. Para este as
ações individuais estavam calcadas em escolhas e cálculos. Os recursos que cada indivíduo possuía para
tomar suas decisões estavam atrelados a sua cultura, a sua percepção de mundo. Porém, cabe ressaltar que os
conhecimentos, as experiências e as orientações de cada sujeito variavam, por exemplo, devido a sua posição
social, do mesmo modo que eram diferenciados os resultados obtidos, muitas vezes não sendo àqueles
esperados, Cf. BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro:
Contra Capa Livraria, 2000.
7
LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte no século XVII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, pp.131-172.
8
As estratégias não se referem somente à nobreza ou aos grandes comerciantes. As negociações ocorriam
nos diferentes segmentos das sociedades pré-industriais. Daí ser fundamental apreender os dons e os contra-
dons que entrelaçavam os diversos agentes sociais. Sobre dom e contradom cf. GODELIER, Maurice. O
enigma do Dom. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
9
Cf. MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU, 1974; GODELIER, op. cit., 2001.
20
trocas de favores entre os indivíduos, baseada na “economia moral do dom”. O
Funcionamento desta economia do dom, assentava-se em três valores básicos : dar, receber
e restituir, tríade que regia a natureza das relações sociais e por conseguinte, das relações
de poder. Como não podia deixar de ser, as trocas regidas por tal sistema eram
profundamente desiguais. Tal prática foi bastante exercida no âmbito do Império português
através do acesso dos súditos a cargos da governança e pela concessão de honras e mercês
aos mesmos, prática bastante difundida entre os principais homens de negócio de Salvador.
A concessão de mercês tinha início com o rei e ia sendo transmitida a pessoas de menor
hierarquia de forma a reproduzir o poder e hierarquizar os sujeitos, inserindo-os em
relações de favor e dependência.
10
A economia política de privilégios deve ser trabalhada
no âmbito da negociação entre poder local e poder central, entre as redes pessoais e
institucionais de poder.
11
Durante e após a constituição da sociedade colonial, as elites utilizaram diferentes
estratégias – dentre as quais políticas de alianças, sistemas de mercês e luta pelos cargos de
governança - para se manterem no topo da hierarquia econômica e administrativa da
colônia. As ligações existentes entre os funcionários régios e as elites locais evidenciavam
“ganhos” e “perdas” para ambos os lados. Todavia ao estabelecerem tais ligações, esses
indivíduos podavam a possibilidade de realizarem outras, requerendo, por parte deles, um
alto grau de refinamento na escolha de qual rede clientelar iriam se aliar. Dentre as
estratégias utilizadas pelas elites, a política de aliança foi amplamente empregada, como,
10
HESPANHA, Antônio Manuel & XAVIER, Ângela B. “As redes clientelares”. In: HESPANHA, Antônio
Manuel (org.). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editora Estampa, 1998, pp. 340-2.
11
Levi aponta que as escolhas individuais estavam baseadas na política de prestígio. Segundo ele, as
sociedades pré-industriais eram assimétricas e desiguais, contudo um camponês poderia usar sua dependência
frente a um senhor como cálculo econômico. Cf. LEVI, Giovanni. Centro e periferia di uno stato assoluto:
tre saggi su Piemònte e Liguria in età moderna. Rosenberg & Sellier, s/d. Transpondo a teoria de Levi para a
América portuguesa podemos supor que havia trocas desiguais entre senhor e escravo, onde ambos saíam
ganhando. Do mesmo modo é de se supor que os colonos mantivessem com a administração régia na colônia
esse sistema de trocas.
21
por exemplo, as constituídas no século XVIII via matrimônio entre os grandes
comerciantes de Salvador e a elite agrária da Bahia.
12
De posse de alguns desses conceitos, Fragoso e Florentino, em estudo sobre o Rio
de Janeiro (c. 1790-c. 1840), assumem que a reprodução social se dava a partir de um
mercado colonial atlântico de natureza não-capitalista. A produção da mão-de-obra escrava
no continente africano ocorria por meio de mecanismos não-econômicos, fundados na
violência, implicando, pois, na apropriação social do trabalho alheio. Tal fato explica o
baixo preço dos cativos. Ao trabalho escravo, soma-se a existência de uma grande
variedade de formas de produção não-capitalista no interior da colônia, como a peonagem
e o campesinato, que garantiam uma oferta elástica de alimentos e insumos básicos a baixo
custo, além do fator terra, livre por definição.
13
Portanto, as principais variáveis para se
entender o mercado atlântico colonial, são: o homem (escravo), alimentos e terras livres.
Associando semelhante contexto à estratégia metropolitana, voltada para a apropriação do
resultado final da economia colonial através do lucro sobre a alienação (comércio), os
autores desvelam a pré-condição para o surgimento e posterior consolidação hegemônica
do capital mercantil da Colônia no âmbito do mundo atlântico.
14
Eis as noções (economia pré-industrial, redes de relações sociais/estratégias, e
sistema atlântico) que nos ajudarão a apreender aspectos sócio-econômicos bem como a
atuação de agentes sociais na cidade de Salvador na segunda metade do século XVIII.
No período abordado neste trabalho, Salvador deixou de ser o centro administrativo
do Brasil, com a mudança da capital para o Rio de Janeiro. Porém, a cidade portuária ainda
exercia um papel fundamental para a economia da América lusa. Seu porto era o segundo
em volume de desembarques de cativos africanos em terras brasileiras o que dava a cidade
12
FLORY, & SMITH, op. cit., 1978, pp. 576-7. Segundo Levi, o casamento era uma excelente oportunidade
para as escolhas individuais. LEVI, op. cit., s/d.
13
FRAGOSO e FLORENTINO, op. cit., 1998, p.28.
14
Ibidem, p. 28-29.
22
um caráter dinâmico no que tange ao fluxo comercial. Desta maneira, a capital baiana foi
um pólo que atraiu uma gama de homens ávidos a investirem nas atividades mercantis.
Muitos dos quais acabaram se enriquecendo e galgando um status diferenciado.
A história de Salvador tem sido apresentada sob diversas visões e discursos, como
registro de viajantes, narrativas com descrições de fatos ocorridos na cidade e ser entorno,
descrições pormenorizadas elaboradas por cronistas coevos e trabalhos acadêmicos que
sistematizaram o conhecimento a cerca da primeira capital do Brasil. Muitos desses
estudos se concentram nos séculos XIX e XX, períodos que ultrapassam nosso tema de
pesquisa. Cabe a nós destacar alguns autores que contribuíram sobremaneira na
compreensão da história dessa região durante a época colonial.
Um primeiro grupo de relatos históricos é formado por narrativas de fatos e
acontecimentos eventuais, sem possuirem necessariamente uma interligação. Essas
descrições não se propunham a escrever uma história integral de Salvador.
15
Sebastião da Rocha Pitta
16
passou a tratar em seus textos com mais detalhamentos
aspectos da cidade de Salvador. Em trabalho publicado no ano de 1730, analisou com
acuidade aspectos da “cidade da Bahia”, abordando particularidades de sua construção e
organização político-administrativa. Para tanto, estabeleceu uma análise cronológica dos
governos e governantes, bem como de seus respectivos feitos na Bahia do período colonial
José Antônio Caldas em seu trabalho descritivo de Salvador, escrito no ano de
1759, expõe os aspectos da urbe de maneira simples e encadeada, sem a preocupação de
analisar as diferentes características existentes na cidade. Nesse sentido, o autor retrata
15
GANDAVO, Pero Magalhães. História da Província de Santa Cruz. São Paulo: Melhoramentos, 1971;
SOUSA, Gabriel Soares. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional/
Editora da Usp, 1971; SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil: 1500-1627. o Paulo/Brasília:
Melhoramentos/INL, 1975; CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo/Brasília:
Editora Nacional/INL, 1978.
16
PITTA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Belo Horizonte/ São Paulo: Itatiaia/Edusp,
1976.
23
características política, administrativa, econômica, jurídica e religiosa, apenas utilizando-se
de referências nominais e quantitativas, sem demonstrar a dinâmica que envolvia essas
diversas categorias sociais.
17
Luís dos Santos Vilhena foi quem melhor descreveu e representou a cidade de
Salvador do Setecentos. Disposto em vinte e quatro cartas, Vilhena abordou todos os
aspectos sócio-econômicos, político-administrativos que compunham a paisagem
soteropolitana. Em seus relatos, Salvador é concebida como uma unidade orgânica, um
verdadeiro mosaico urbano onde havia a interligação de aspectos, políticos, econômicos,
institucionais, geográficos, sociais, demográficos, culturais e religiosos.
18
alguns relatos de viajantes estrangeiros,
19
pouco preocupados em esmiuçar o
cotidiano da capital baiana. Debruçavam-se suas narrativas sobre aspectos que
consideravam pitorescos ou que lhes despertasse o interesse. Decorrentes de uma
percepção individual, muitas descrições de viajantes expunham impressões pessoais sobre
a cidade portuária, fazendo comentários, sobre espaço geográfico, construções, meios de
defesa, atividades econômicas, hábitos e costumes da população. Desprovidas de uma
análise aprofundada, resultavam em apenas comentários genéricos, de baixo conteúdo
qualitativo e reflexivo, quase sempre eivados por considerações depreciativas sobre a
sociedade como o emitido por le sieur Gentil de la Barbinais sobre a presença de escravos
na cidade de Salvador,
(...) todos os anos chegam mais de 25.000 [escravos] na Baía de Todos os
Santos, e contam-se mais de 1.500 a cidade de São Salvador (...) Esses
17
CALDAS, Antônio José. Notícia geral desta capitania da Bahia desde o descobrimento até o seu presente
ano de 1759. Rio de Janeiro: IHGB, 1946.
18
VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, 3 vols., 1969.
19
FROGER, François. Relations du Voyage de M. de Gennes au detroit de Magellan, fait em 1695, 1696 et
1697 aux Cotes d’Afrique, Detroit de Magellan, Brésil, Cayenne e Isle Antilles. Paris: Michel Brunet, 1968;
FRÉZIER, Amedée François. lation du Voyage de la mer au sud des Côtes du Chili, duPerou et du Brésil,
faite pendant lês années 1712, 1713 2 1714, par M. Frézier, ingénieur ordinaire du Roy. Paris: P. Berger,
1967; DAMPIER, William. Voyages. Amestredã: (1
a
. edição 1705); LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma
viagem ao Brasil. São Paulo: cia. Ed. Nacional, 1969 (1
a
. Edição 1805).
24
escravos fazem muitas confusões nas cidades, e apesar de serem
rigorosamente castigados, acontece diariamente alguma nova desordem.
São ladrões, traidores e capazes dos maiores crimes. (...) O Brasil é apenas
um antro de ladrões e assassinos; nele não se nenhuma subordinação,
nenhuma obediência; o artesão com sua adaga e espada insulta o homem
honesto e o trata de igual, porque são iguais na cor do rosto (...)
20
A fundação da cidade de Salvador foi tema de muitos estudos. Um desses trabalhos
é elaborado por Teodoro Sampaio. Em sua obra, Sampaio, traçou um painel geográfico da
capitania da Bahia antes da constituição de sua capital no ano de 1549. Em sua abordagem
privilegiou as características formativas da sociedade urbana, como os corpos político-
administrativo e religioso, além de apontar o perfil dos primeiros colonos.
21
Outros autores focaram também seus estudos na fundação de Salvador, como Pedro
Calmon e Edison Carneiro. O primeiro enfatiza fundamentalmente os aspectos político-
institucionais, uma vez que sua preocupação era demarcar a fundação da cidade de
Salvador a partir de um contexto onde se buscava a centralização política-administrativa do
território colonial. Não há análise sobre os agentes sociais nem mesmo de características
sócio-econômicas locais.
22
Edison Carneiro percebeu a fundação da cidade como instrumento indispensável
no apoio político-administrativo da coroa portuguesa em terras americanas. Assim
procurou abordar as complexidades envolvidas na construção de uma cidade, partindo dos
desenhos propostos para delimitar a urbe e de suas características mais específicas,
20
BARBINAIS. “Voyages” apud VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do
Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 85.
21
SAMPAIO, Teodoro. História da Fundação da cidade de Salvador. Salvador: Tipografia Beneditina,
1949.
22
CALMON, Pedro. História da fundação da Bahia. Salvador: Museu do Estado, 1949.
25
focando a atuação do trabalho diário de seus habitantes e o resultado produtivo dessas
atividades. Carneiro aponta que Salvador extrapolou a função para qual tinha sido criada.
De mero suporte para facilitar a colonização a uma das cidades mais importantes da
América e do império português.
23
Walter Pinho, percorreu um caminho distinto. Seu estudo focaliza os séculos XVI e
XVII. A cidade foi entendida de uma maneira generalizante, sem, no entanto,
contextualizá-la no âmbito do Império português. Não houve preocupação por parte desse
autor em abordar os aspectos sócio-econômicos, nem a dinâmica interna do centro
urbano.
24
Thales de Azevedo em Povoamento da cidade de Salvador aborda o crescimento
demográfico incentivou o surgimento de múltiplas funções e atividades que provocaram o
dinamismo da cidade de Salvador ao longo dos séculos XVII e XX.
25
Affonso Ruy priorizou em seu estudo a evolução e o papel desempenhado pelas
instituições política-administrativa desde do período colonial até o republicano.
26
Dentro
desse viés, recentemente, Avante Sousa elaborou seu trabalho, tendo como foco central a
compreensão dos mecanismos de funcionamento do poder local, notadamente a Câmara
Municipal, enfatizando sua composição social, suas atribuições e capacidade de
intervenção na organização dos diversas atividades econômicas na urbe.
27
Ainda no aspecto sobre história institucional de Salvador, devemos destacar o
clássico trabalho de Russell-Wood. A análise de seu estudo recaiu sobre uma das mais
23
CARNEIRO, Edison. A fundação da cidade de Salvador, 1549: uma reconstituição histórica; A conquista
da Amazônia. Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/INL, 1980.
24
PINHO, Walter. História Social da cidade do Salvador (1549-1650). Salvador: Beneditina, 1968.
25
AZEVEDO, Thales de. Povoamento da cidade de Salvador. Salvador: Itapuã, 1969.
26
RUY, Affonso. História da Câmara Municipal da cidade do Salvador. Salvador: Câmara Municipal, 1953.
27
SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século XVIII). São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo, 2003. Tese (doutorado).
26
importantes e respeitadas instituições da Bahia colonial: a Santa Casa de Misericórdia. O
período por ele analisado abrande todo o século XVII e primeira metade do XVIII.
28
Embora o foco de seus trabalhos tenha sido o século XIX, Kátia Mattoso nos
fornece poderosos mecanismos de análise para compreendermos a centúria anterior,
principalmente questões relativas aos aspectos sócio-econômicos, estratificação e
hierarquias sociais da cidade de Salvador.
29
Sobre a riqueza e o desenvolvimento de atividades agrícolas nos subúrbios de
Salvador e áreas do Recôncavo baiano, destaca-se o trabalho de Stuart Schwartz. O foco
deste trabalho recaiu sobre a constituição das grandes e médias propriedades inseridas na
estrutura agro-exportadora açucareira, bem como a atuação dos diversos agentes sociais
envolvidos com a produção do açúcar, como o plantador de cana, o senhor de engenho, o
comerciante e os escravos.
30
Dentro dessa temática insere-se também o trabalho de Vera
Ferlini, no qual foram analisadas as diversas relações sócio-econômicas desenvolvidas na
sociedade açucareira.
31
As relações entre categorias sociais distintas no período colonial em Salvador,
foram o tema trabalhado por Rae Flory.
32
Assim, a autora buscou analisar a constituição
dessas ligações desenvolvidas entre plantadores, senhores de engenhos, comerciantes e
artesãos, bem como a constituição do mercado local.
28
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755.
Brasília: Ed. da UnB, 1981
29
MATTOSO, Kátia de Queirós. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São
Paulo/Salvador: HUCITEC/Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978 & Da revolução dos Alfaiates
à riqueza dos baianos no século XIX: itinerário de uma historiadora. Salvador: Corrupio, 2004
30
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São
Paulo: Cia. das Letras, 1995.
31
FERLINI, Vera. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no nordeste colonial. Bauru: EDUSC,
2003.
32
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese
(doutorado).
27
No que tange seu aspecto comercial, destacam-se os trabalhos de José Roberto do
Amaral Lapa e Pierre Verger. No primeiro, o enfoque recai sobre o comércio marítimo no
âmbito do Império português. Lapa procurou destacar a importância do porto de Salvador e
seu papel nos primeiros séculos de colonização, enfatizando primordialmente sua
localização estratégica.
33
Pierre Verger, em estudo de grande fôlego, apontou a relações
intrínsecas entre a praça mercantil de Salvador e a região da baía do Benin, localizada na
África Ocidental, constituídas pela realização do tráfico transatlântico de escravos, que ao
longo de toda a sua duração proporcionou um “fluxo e refluxo” entre sujeitos das duas
margens do Atlântico.
34
David Smith buscou analisar a atuação dos comerciantes da praça de Salvador. Para
tanto sua investigação se deu a partir da comparação dos agentes mercantis da capital
baiana com os estabelecidos na cidade de Lisboa, ao longo do século XVII.
35
A classe e a atividade mercantil de Salvador também se tornou objeto de estudos no
trabalho de Catherine Lugar. Em sua pesquisa, Lugar procurou esmiuçar as diversas
formas de comércio desenvolvidas em Salvador, desde a quitandeira de rua, passando pelas
lojas de varejo, até as grandes negociações marítimas. Da mesma maneira, buscou traçar
um perfil dos indivíduos que atuavam na carreira mercantil.
36
John Norman Kennedy buscou analisar a formação e a constituição social da elite
local. Em seu estudo percebemos que para além dos agentes proprietários de grandes
posses de terra, havia elementos do grupo mercantil, militar e da governança que faziam
parte do denominado grupo formador da elite de Salvador. Seus signos de distinção não
33
LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia. São Paulo: Hucitec, 2000.
34
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os
Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.
35
SMITH, David G. The mercantile class of Portugal and Brazil in the Seventeenth Century: a socio-
economic study of the merchants of Lisbon and bahia. 1620-1690. Austin: The University of Texas, tese
(doutorado) - 1975.
36
LUGAR, Catherine. The merchant community of Salvador, Bahia, 1780-1830. New York: State University
of New York at Stony Brook, 1980, tese (doutorado).
28
passavam pela riqueza que possuíam, como também pelo prestígio e status que adquiriam
ao longo de suas vidas.
37
Dentro dessa temática relacionada à riqueza, temos o estudo de Maria José Rapassi
Mascarenhas. Trabalhando com inventários post-mortem, a autora analisou a estrutura
social na qual estava embutida a riqueza. Da mesma forma, buscou apontar como esta
mesma riqueza se manifestava na sociedade soteropolitana entre os anos de 1760-1808.
38
Nossa tentativa, portanto, ao iniciar essa pesquisa foi de alargar os conhecimentos
até aqui elencados. Buscamos iluminar os dispositivos e agentes que punham em
funcionamento o mercado na cidade de Salvador, na segunda metade do século XVIII.
Nesse sentido, elegemos um corpo documental principal que pouco tinha sido trabalhado:
as escrituras públicas dos dois ofícios de notas que existiam na época na cidade de
Salvador.
39
Rae Flory trabalhou com essa documentação entre os séculos XVII e XVIII,
mas precisamente entre 1698 e 1715. Esse corpus documental encontra-se arquivado no
Arquivo Público do Estado da Bahia, em condições precárias. Daí a nossa dificuldade em
fazer um levantamento sistemático de todo o período desde o ano de 1751 até 1800. De
todo modo, foi possível arrolar uma grande quantidade de informação, cuja análise será
trabalhada ao longo da tese.
Assim, no capítulo 1 buscamos apontar os principais aspectos sócio-econômicos da
cidade desde de sua fundação até o fim do século XVIII, focando nossa abordagem nos
últimos cinqüenta anos do Setecentos. Dentre as diversas atividades econômicas, buscamos
destacar a produção açucareira, fumageira e da farinha de mandioca, bem como o comércio
negreiro, fundamental para o entendimento da dinâmica social na cidade de Salvador.
37
KENNEDY, John Norman. “Bahian Elites, 1750-1822”. In: Hispanic American Historical Review, 53 (3),
1973, pp. 415-39
38
MASCARENHAS, Maria JoRapassi. Fortunas coloniais elite riqueza em Salvador, 1760-1808. Tese
(doutorado) – curso Pós-Graduação em História Econômica, USP, São Paulo, 1998
39
APEB, judiciário, Livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
29
Nesta parte do capítulo, trabalhamos de forma intensiva com as informações armazenadas
no bando de dados The Transatlantic Slave Trade.
40
No segundo capítulo, o enfoque recai sobre os padrões de investimentos da
sociedade baiana, verificando o peso dos diversos setores na economia da cidade. Para
tanto, foram utilizadas as escrituras públicas de compra e venda. Buscamos fazer uma
análise comparativa com outras regiões e períodos, bem como a confrontação entre as
informações notariais e aquelas arroladas nos inventários post-mortem para uma melhor
compreensão do perfil do mercado local.
Além do padrão de investimento, foi analisado o perfil do mercado de crédito em
Salvador. Esse foi o tema abordado no terceiro capítulo. Utilizamos para isso as escrituras
públicas de empréstimos e os dados apontados nos inventários baianos. Assim, pudemos
verificar o peso das instituições coloniais e dos agentes privados no desenvolvimento do
sistema creditício. Também aqui buscamos fazer comparações com perfis encontrados em
outras áreas de características pré-industriais.
No capítulo quatro buscamos mostrar os mecanismo de acumulação de bens que se
davam fora do mercado. Mas uma vez trabalhamos principalmente com as escrituras
públicas, focando a análise nos documentos de doação e dote, bem como no sistema de
transmissão de heranças.
Por fim, o último capítulo é uma tentativa de seguir as trajetórias de alguns homens
de negócio, principalmente aqueles que atuavam no comércio de escravo, mostrando suas
origens, estratégias pessoais e resultados obtidos ao longo de suas carreiras, que passaram
a ter atuação preponderante na praça mercantil de Salvador no último quarto do século
XVIII. Apontamos e analisamos mecanismos de ascensão social e a inserção na elite
40
ELTIS, David; RICHARDSON, David; FLORENTINO, Manolo & BEHRENDT, Stephen. The
Transatlantic Slave Trade: a Dataset on-line. www.slavevoyages.org
30
baiana. Nesta parte do trabalho, foram utilizadas fundamentalmente fontes qualitativas de
caráter biográfico, além de documentos administrativos e uma farta bibliografia.
Mesmo tendo um caráter claramente monográfico, delimitado pela análise de
documentação específica, o trabalho que ora se inicia tem como objetivo contribuir para
um melhor entendimento das estruturas sócio-econômicas na Bahia colonial,
principalmente da segunda metade do Setecentos.
31
CAPÍTULO I
32
Aspectos sócio-econômicos da cidade de Salvador
A expansão marítima possibilitou ao Estado português a constituição de um vasto
império. A princípio, as conquistas do ultramar nada mais eram do que algumas feitorias
comerciais alocadas no litoral das novas posses territoriais. Posteriormente, passou a uma
política de divisão das terras em capitanias, prática bastante difundida na América e nas
ilhas atlânticas. A incursão de corsários e piratas de outras nações européias, bem como o
baixo aproveitamento econômico fez com que a Coroa portuguesa percebe-se a
necessidade de tomar posse de fato das novas áreas, a partir da construção de estruturas
administrativas e mercantis mais complexas. Nesse sentido, devemos entender a criação de
vilas e cidades, como a de Salvador, no ano de 1549.
A cidade de Salvador foi fundada um ano após a instituição do governo geral em
terras brasileiras para ser sua sede. Anteriormente, poucos núcleos urbanos tinham sido
criados na América portuguesa, a maioria por vontade dos próprios donatários das
capitanias, tais como: São Vicente (1532), Porto Seguro (1535), Olinda (1537), Ilhéus
(1536) e Santo Amaro (1538). Ainda na segunda metade do século XVI, foram criadas as
cidades do Rio de Janeiro (1565), Filipéia de Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa
(1584) e São Cristóvão de Sergipe (1590) e as vilas de Piratininga, atual São Paulo (1554),
Camamu, Boipeba e Cairu, na capitania da Bahia, todas no ano de 1565.
41
Ao longo dos séculos XVII e mais fortemente no XVIII, essas novas organizações
político-administrativas foram se consolidando e expandindo-se em solo brasileiro. Vários
núcleos urbanos foram erguidos não como incentivo a um dinamismo econômico, mas
também atrelados ao desejo de agrupar populações dispersas e de facilitar a cobranças de
41
SILVA, Sílvio Bandeira de Mello e et. al. Urbanização e metropolização no Estado da Bahia: evolução e
dinâmica. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1989, pp. 43-53.
33
tributos por parte da Coroa. Assim foram construídas Belém do Pará (1616), São Luís do
Maranhão (1639), Vila Rica (1711) e Vila Boa de Goiás (1726).
As cidades e vilas coloniais da América portuguesa foram instituídas a partir de um
modelo metropolitano. Em quase tudo se assemelhavam aos núcleos urbanos de Portugal,
como na forma do traçado urbanístico e nos propósitos de suas funções, principalmente
naquelas de caráter comercial, como as de Salvador, Rio de Janeiro, São Luís, Recife,
Belém.
A cidade de Salvador
Em 1534, o rei de Portugal decide colonizar o Brasil, a partir do sistema de
capitanias hereditárias, modalidade utilizada nas ilhas do Atlântico. Dividida a América
lusa em 15 capitanias, coube a Francisco Pereira Coutinho a colonização da Bahia, papel
que passou a desempenhar em 1536, ano de sua chegada.
42
Na redistribuição de terras recebidas da Coroa, o donatário Pereira Coutinho
contemplou não apenas seus companheiros de viagem como também o antigo morador da
terra, o Caramuru, português de nome Diogo Álvares que habitava as terras baianas
pelos menos 20 anos. Caramuru recebeu as sesmarias das terras que ocupava, legalizando-
se assim, dentro de uma nova estrutura, uma posse que, até então, tinha sido aceita pela
população autóctone.
43
Pereira Coutinho não obteve sucesso na tentativa de colonizar as novas terras. Dez
anos após sua chegada, abandonou suas posses, em decorrência dos desentendimentos
entre os indígenas e seus homens que causaram mortes e destruição de bens de ambos os
lados.
42
MATTOSO, Kátia de Queirós. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São
Paulo/Salvador: HUCITEC/Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978, p. 91.
43
Idem.
34
Os conflitos não ocorriam apenas entre os portugueses e os gentios da terra.
Disputas eram travadas entre os próprios colonos, representadas, por exemplo, na revolta
incitada pelo padre Bezerra contra o donatário Pereira Coutinho. Para escapar da fúria
ensandecida da população, Pereira Coutinho buscou refúgio na vizinha capitania de Porto
Seguro e de lá nunca mais saiu.
44
No final da década de 1540, a região voltava à estaca zero. Após a fuga de Pereira
Coutinho, o incipiente núcleo de povoamento fora destruído por navios franceses.
Restaram apenas ruínas queimadas e cerca de 50 pessoas de origem européia que passaram
a contar com a proteção de Caramuru e seus índios. Foi esse o cenário encontrado quando,
em 1549, forças metropolitanas lideradas por Tomé de Souza aportaram na baía de Todos
os Santos para estabelecer o governo geral. Esses remanescentes passaram a dar apoio aos
recém-chegados.
45
Na época de sua criação, para ser sede do governo geral do Brasil, Salvador foi
descrita por cronistas coevos e por estudiosos de diferentes épocas como sendo uma cidade
constituída de ruas estreitas, um espaço com muitas fortificações, representando a
preocupação da Coroa portuguesa com a defesa do território.
46
Na parte alta, localizava-se
o centro político-administrativo, como os prédios do governador, Palácio do Bispo, da Real
Fazenda, Câmara, cadeia e casas pertencentes aos moradores. Evidentemente, tratava-se de
construções bastante precárias, uma vez que os materiais utilizados nas edificações eram
de taipa. Defronte ao mar, localizavam-se pesados canhões prontos para salvaguardar a
44
CALMON, Pedro. História da fundação da Bahia. Salvador: Museu do Estado da Bahia, 1949, p. 95.
45
MATTOSO, op. cit., 1978, p. 92.
46
SOUSA, Gabriel Soares. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional/
Editora da Usp, 1971; SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil: 1500-1627. o Paulo/Brasília:
Melhoramentos/INL, 1975; GANDAVO, Pero Magalhães. História da Província de Santa Cruz. São Paulo:
Melhoramentos, 1971; SAMPAIO, Teodoro. História da Fundação da cidade de Salvador. Salvador:
Tipografia Beneditina, 1949; CARNEIRO, Edison. A fundação da cidade de Salvador, 1549: uma
reconstituição histórica; A conquista da Amazônia. Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/INL,
1980;
CALMON, op. cit., 1949; AZEVEDO, Thales de. Povoamento da cidade de Salvador. Salvador: Itapuã,
1969.
35
cidade. Na parte baixa, localizava-se o porto e no seu entorno toda a vida comercial da
cidade com os seus armazéns, trapiches e lojas que vendiam produtos de diversas
naturezas, vindos de todos os cantos do império. A ligação entre as duas partes da cidade
se dava pelas ladeiras e pelo guindaste dos Padres, no colégio dos Jesuítas, por onde
subiam e desciam mercadorias.
47
Segundo o viajante Froger, que esteve em Salvador no
ano de 1696, pelo fato da cidade ser dividida entre uma parte alta e baixa, “(...) os carros lá
são impraticáveis, os escravos substituem os cavalos, e transportam de um lugar para outro
as mais pesadas mercadorias; é também por essa mesma razão que é muito comum o uso
do palanquim”.
48
Criada como cidade, Salvador recebeu um termo de grandes dimensões e foi dotada
de um rossio. O termo da cidade representava o território sobre o qual se exercia o poder
municipal. Já o rossio era uma parte do termo demarcado junto ao núcleo urbano que era
utilizado para a pastagem de animais domésticos e para a coleta de lenha, fundamental nos
afazeres caseiros da época. Segundo Kátia Mattoso, o termo da cidade de Salvador, tal
como havia sido delimitado no século XVI, não sofreu nenhuma modificação até meados
do século XIX.
49
Segundo dados apontados por Luís dos Santos Vilhena, em 1801, a cidade de
Salvador estava dividida em dez freguesias urbanas e nove suburbanas, como verificamos
nos quadros a seguir:
47
MATTOSO, op. cit., 1978, p. 95.
48
FROGER. “Relations du Voyage de M. de Gennes au detroit de Magellan, fait em 1695, 1696 et 1697”
apud VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os
Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 80.
49
MATTOSO, op. cit., 1978, p. 116.
36
Quadro 1.1 – Freguesia urbanas de Salvador, 1801
Freguesias Ano de fundação
1552
Nossa Senhora da Vitória 1561
Conceição da Praia 1623
Santo Antônio Além do Carmo 1646
Santana do Sacramento 1679
São Pedro, o Velho 1679
Santíssimo Sacramento da Rua do Passo 1718
Nossa Senhora das Brotas 1718
Santíssimo Sacramento do Pilar 1720
Nossa Senhora da Penha 1760
Fonte: VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, vol.
2, 1969, pp. 460-1.
Quadro 1.2 – Freguesia suburbanas de Salvador, 1801
Freguesias Ano de fundação
São Bartolomeu de Pirajá 1608
Nossa Senhora do Ó do Paripe 1608
São Miguel de Cotegipe 1608
Santo Amaro da Ipitanga 1608
Nossa Senhora da Encarnação do Passé 1608
Nossa Senhora da Piedade de Matoim 1609
Senhor do Bonfim da Mata Séc. XVIII
Santa Vera Cruz de Itaparica Séc. XVIII
37
Santo Amaro de Itaparica Séc. XVIII
São Pedro do Sauípe da Torre Séc. XVIII
Fonte: VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, vol.
2, 1969, pp. 460-1.
Ao longo da primeira metade do século XVII, Salvador se expandiu para além de
suas fronteiras originais. Foram fundadas entre os anos de 1608 e 1609 novas freguesias
urbanas, como observamos no quadro 1.2. A freguesia de Nossa Senhora da Conceição da
Praia passou a se destacar entre as demais devido ao aumento de seu papel comercial,
atrelada à exportação e importação, bem como da instalação da indústria de construção
naval.
50
De acordo com o relato do viajante Le Gentil de la Barbinais, que permaneceu em
Salvador entre novembro de 1717 e fevereiro de 1718, as embarcações construídas nesta
cidade eram “equipadas com muito menos despesas do que na Europa: o país fornece toda
a madeira em abundância e a melhor que se possa desejar para a construção de navios, não
somente para os mastros mais ainda as popas, forrações, curvas lemes, etc. É uma madeira
incorruptível.”
51
Essa atividade industrial se desenvolveu rapidamente, tornando-se uma
das mais importante de todo o reino no século XVIII. Segundo relatos de Vilhena, de 1801,
o arsenal existente na Bahia era o “mais regular que a América portuguesa conserva para
ocorrer às precisões da Marinha não real, como mercantil, tanto nacional, como
estrangeira, que neste porto entra necessitada de socorro.”
52
Ao longo do século XVIII, a cidade continuou a se expandir. Novas edificações
foram erguidas, ruas foram traçadas, mas a configuração original foi preservada. O centro-
administrativo permaneceu na praça do Palácio. O espaço religioso e cultural no Terreiro
50
LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 60.
51
BARBINAIS. “Voyages” apud VERGER, op. cit., 1987, p. 84.
52
VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, Vol. 1, 1969, p. 499.
38
de Jesus e no Cruzeiro de São Francisco. Foi melhorada e aperfeiçoada a ligação entre as
cidades alta e baixa, com a construção de novas ladeiras. A cidade se ampliava para além
das Portas do Carmo, onde se estendia a freguesia de Santo Antônio. Na direção das Portas
de São Bento, o traçado urbano atingia o forte de São Pedro, com a demarcação de novas
vias. A cidade baixa que antes se restringia a apenas uma rua, onde se localizavam
trapiches, armazéns e casas comerciais, passou por uma remodelação, com aterros,
tornando possível a ocupação residencial e a intensificação da atividade comercial.
53
O aumento populacional e a expansão geográfica da urbe fizeram com que a
Câmara Municipal pusesse em prática, a partir da edição de posturas, algumas normas e
mecanismos que garantissem a urbanização da cidade em aspectos pouco ou nunca
observados pela municipalidade. Assim, foram consertados e construídos fontes de água,
calçamento, alinhamento de ruas, pontes, praças e casas.
54
Mesmo passando por uma série de mudanças e de aperfeiçoamentos na malha
urbana, Salvador não conseguiu se manter como o centro político da América portuguesa.
No ano de 1763, a sede administrativa do governo geral foi transferida para o Rio de
Janeiro. Essa reorientação político-administrativa decorreu da necessidade de se garantir a
segurança e o controle de espaços populosos e economicamente estratégicos para o
Império, como as áreas de exploração mineral nas Gerais e as de fronteiras na estremadura
da América, região de conflitos acirrados com os espanhóis. Devido à sua privilegiada
posição estratégica, o Rio de Janeiro poderia desempenhar bem a função de sede colonial.
Para além do fator geográfico, muito o porto carioca se tornara a porta principal da
saída de mercadorias produzidas no centro-sul do Brasil e de entrada de produtos vindos
das mais diversas partes do reino, transformando-se na principal praça mercantil da
53
SOUSA, Avante Pereira. Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século XVIII). São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo, 2003. Tese (doutorado), p.
58.
54
Ibidem, p. 59.
39
América lusa, no que Antônio Carlos Jucá de Sampaio bem denominou a “encruzilhada
comercial do Atlântico Sul português.”
55
No decorrer do século XVIII, novas categorias sociais surgiram na cidade. Dentre
elas, destacou-se os homens de negócio que, a partir da concentração de recursos
financeiros, econômicos, sociais e políticos, passaram a ter um maior peso no cotidiano da
urbe. Assim, no alvorecer do século XIX, Salvador mantinha suas características e
importância no contexto colonial, cidade portuária que servia de entreposto de mercadorias
vindas de diversas partes do império.
A população de Salvador
Mesmo com seu crescimento demográfico, Salvador conservou suas características
físico-urbanísticas adquiridas ao longo do período colonial. Mas qual o tamanho real dessa
população?
Essa pergunta é de difícil resposta devido à precariedade de fontes que atestam o
número de habitantes na América portuguesa. Na época de sua fundação, estima-se que
viviam na cidade de Salvador cerca de 1.500 pessoas. Podemos considerá-la bem povoada
dentro dos padrões vigentes, uma vez que estava no mesmo patamar de núcleos urbanos
importantes do reino, como Guimarães, Setúbal, Lagos e Beja, cujas populações no
período giravam em torno de 1.000 a 1.6000 indivíduos.
56
Segundo dados apontados por
Fernão Cardim, alguns anos depois, a população aumentou consideravelmente. Em 1583, a
cidade contava com três mil portugueses, oito mil índios cristianizados e entre três e quatro
mil escravos africanos.
57
55
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas
econômicas no Rio de Janeiro (c.1650 – c .1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
56
SAMPAIO, op. cit., 1949, pp. 178, 199.
57
CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo/Brasília: Editora Nacional/INL, 1978, p.
175.
40
Ao longo do século XVII, a cidade foi se desenvolvendo vinculada à produção e ao
comércio de açúcar. Novos prédios foram erguidos, ruas traçadas. Com medo de novas
invasões estrangeiras, como a que ocorreu na década de 1620, quando holandeses
ocuparam a sede político-administriva da América portuguesa, construíram-se sete novos
fortes em pontos estratégicos da cidade. Ao final do Seiscentos, calcula-se que viviam na
cidade cerca de 20 mil pessoas, enquanto que no Rio de Janeiro habitavam menos de 12
mil indivíduos.
58
Segundo relato do capitão William Dampier, que esteve na Bahia no ano
de 1699, a maioria dos habitantes de Salvador era composta por escravos.
59
Na primeira metade do século XVIII, houve uma forte expansão demográfica na
cidade. Novas áreas passaram a ser ocupadas. Contudo, não houve mudanças significativas
do núcleo original. A população aumentara consideravelmente. Estima-se que de 21 mil
habitantes em 1706, saltara para 40 mil, em 1759. Em toda a capitania da Bahia viveriam
cerca de 100 mil pessoas em meados do século.
60
Por volta da década de 1770, surgem os primeiros dados que possibilitam estimar o
tamanho e a distribuição da população de todo o Brasil colonial. Esse material é fruto de
listas que foram elaboradas por comandantes de milícias locais e padres de paróquias, por
ordem da Coroa, cujo objetivo era determinar o número de homens capazes de usar armas
e estimar o total de possíveis pagadores de impostos. Preocupavam-se, portanto, com a
idade e sexo dos indivíduos. Nesses registros foram excluídas as crianças abaixo dos sete
anos, como também subestimaram o número de indígenas que se encontravam fora do
limite da autoridade portuguesa.
Os mapas das paróquias eram enviados aos funcionários das comarcas, os quais,
por sua vez, endereçavam os relatórios de maneira condensada para seus superiores que
58
SOUSA, op. cit., 2003, p. 57.
59
DAMPIER, William. “Voyages” apud VERGER, op. cit., 1987, p. 83.
60
SOUSA, op. cit., 2003, pp. 57-8.
41
enviavam anualmente em forma de tabela para Lisboa. Contudo, segundo D. Alden, com
exceção da capitania de São Paulo, raramente esses registros foram remetidos com
regularidade. De todo modo, o mencionado autor conseguiu estabelecer estimativas da
população para as diversas áreas da América lusa, principalmente para os anos de 1776 e
1800. Conforme apontam seus dados, durante o século XVIII, em que pese o processo de
migração para as áreas mineradoras e de pastoreio no oeste e sul do Brasil, o grosso da
população (78,8% em 1776 e 73,4% em 1800) se concentrava em torno dos principais
portos e no interior das capitanias costeiras, especialmente nos tradicionais centros de
exportação de gêneros agrícolas: Paraíba, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro.
61
Evidentemente, o processo de urbanização avançava com velocidade diferente nas
diversas partes do Brasil. Calcula-se que, no final da década de 1770, o número médio de
habitantes das 36 vilas da capitania do Rio de Janeiro, excluindo-se a capital, era de apenas
1.625. Em 1780, a cidade do Rio de Janeiro contava com 38.707 habitantes. No mesmo
ano a capitania da Bahia possuía 193.598 pessoas, sendo que dessas, 170.489 viviam na
capital, em seus subúrbios mais próximos e nas oito vilas que a cercavam na baía de Todos
os Santos.
62
Cabe ressaltar, que as estimativas são baixas, uma vez que não foram
contabilizadas crianças menores de sete anos, em alguns casos também, os escravos.
B. J. Barickman, nos fornece estimativas da população da cidade de Salvador, ao
longo do século XVIII, que compilamos no quadro 1.3. Por volta da metade da década de
1770, a capital baiana possuía uma população maior que qualquer outra cidade no
continente, excetuando Filadélfia que na época contava com 40 mil pessoas.
63
Desta forma,
Salvador constituía-se num dos mais importante núcleos urbanos da América lusa no
Setecentos. Contudo, é importante apontar que, ao longo da segunda metade do século
61
ALDEN, op. cit., p. 328-31.
62
Ibidem, p. 531.
63
Ibidem, p. 533.
42
XVIII, ocorreu um decréscimo progressivo da população. Talvez a explicação para este
fenômeno tenha sido a transferência da capital do Brasil para o Rio de Janeiro, em 1763,
que teria acarretado um processo de esvaziamento da cidade, que parece ter perdurado até
a virada do Setecentos para o Oitocentos. De todo modo, ao longo do século XVIII,
Salvador manteve o posto de cidade mais populosa do Brasil, posto que seria perdido para
o Rio de Janeiro, entre os anos de 1808-22.
Quadro 1.3 – População de Salvador, 1706 - 1805
Ano População
1706 21 601
1755 37 453
1757
a
34 442
1757
a
37 323
1759 40 263
1768 40 922
1775 33 635
1780 39 209
1805 45 600
Fonte: BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano – açúcar, fumo mandioca e
escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.
98.
a. Resultados de dois censos, ambos realizados em 1757.
Nos censos elaborados a partir de 1776, não havia a obrigatoriedade de apontar a
cor das pessoas, nem ao menos a origem. Entretanto, alguns governadores exigiam essa
informação. Esse levantamento foi feito principalmente nas capitanias onde havia um
43
grande número de cativos. Mormente, a distinção era feita em quatro categorias: brancos;
pardos; pretos; e índios. Alguns outros relatórios apenas faziam a diferenciação social entre
homens livres e escravos. Pelo fato da escravidão indígena ter sido abolida oficialmente em
1750 (embora não na prática), todos os escravos numerados deviam ser considerados
africanos ou crioulos. Infelizmente, esses dados são encontrados para a Bahia no ano de
1810, quando o ministro do Interior mandou elaborar censos nas principais capitanias, nos
quais foram incluídas as categorias anteriormente mencionadas. Esses dados foram
reunidos e resultaram num relatório enviado pelo lorde Strangford, ministro inglês
estabelecido no Rio de Janeiro, para seu governo. Como demonstra o material censitário,
cerca de dois terços da população do Brasil na época eram compostos de negros e mulatos.
No caso da Bahia, cerca de 78,6% eram negros ou mulatos, 19,8%, brancos e 1,5%, índios.
A população escrava representava 47% e os livres de cor eram 31,6%.
64
Segundo M. L. Marcílio, a reprodução entre os escravos negros no Brasil era de
modo geral baixa, “a mais baixa de todos os setores da sociedade em todos os tempos”.
65
Alguns fatores contribuíam para essa assertiva, quais sejam: o baixo valor do preço do
escravo importado, as precárias condições de vida dos cativos, a baixa taxa de feminilidade
nos plantéis. Além desses fatores, como mencionado anteriormente, apostar na criação de
uma criança escrava por doze ou quatorze anos até esta atingir a idade de trabalho seria um
investimento arriscado O custo e os riscos muitas vezes eram superiores ao preço de
mercado de um escravo adulto. Desta maneira, a alta taxa da população de cor percebida
em Salvador é debitária do tráfico internacional de escravos. A escravidão era uma
instituição disseminada por toda a sociedade. O capitão Dampier em viagem à Bahia
64
Ibidem, p. 535.
65
MARCÍLIO, Maria Luísa. “A população do Brasil colonial”. In: BETHELL, Leslie (org.). América Latina
Colonial. Vol.2, São Paulo: Edusp, s/d, p. 329.
44
relatou que “à exceção das pessoas da mais baixa classe, não quase habitantes que não
tenham aqui escravos em casa.”
66
A composição da sociedade soteropolitana colonial era complexa, longe de haver
uma dicotomia entre senhores e escravos. Em fins do século XVIII, Luís dos Santos
Vilhena, dividiu a sociedade em várias corporações (magistrados; financistas; clero;
militares; comerciantes), povo nobre e mecânico; e escravos.
67
István Jancsó desdobrou os componentes sociais apontados por Vilhena.. Segundo
Jancsó, o corpo de funcionários é formado por altos membros da administração civil, como
Governador, Chanceler, Ouvidor Geral do Crime, Ouvidor Geral do Civil, Tesoureiro
Geral. Um segundo segmento é constituído pelo Juiz da Coroa da Fazenda, Guarda-mor e
Distribuidor do Tribunal da Relação, Escrivão dos Agravos e Apelações. Num terceiro
grupo situam-se os funcionário da administração real subalternos. A distinção entre esses
indivíduos se dava pelos rendimentos anuais obtidos com salário e emolumentos. os
comerciantes se dividiam entre aqueles que faziam o comércio a distância e aqueles locais.
Os militares eram diferenciados pelas disparidades de ganhos, riqueza e prestígio que
possuíam. O povo nobre era em sua maioria formado por grandes lavradores, senhores de
engenho e se situavam no topo da hierarquia social da colônia. O povo mecânico era
composto por uma variedade de mestre de artes mecânica, tais como, ourives, alfaiates,
pedreiros, escultores, etc. O corpo eclesiástico era constituído por uma miríade de
indivíduos, que se distinguiam entre si pela condição econômica e prestígio de foro
especial da justiça. Por fim os escravos, que representavam cerca de 30% da população da
capitania e 18% do contingente urbano de Salvador.
68
66
DAMPIER, William. “Voyages” apud VERGER, op. cit., 1987, p. 82
67
VILHENA, op. cit., 1978, pp. 55-7.
68
JANCSÓN, István. Na Bahia, contra o Império história do ensaio de sedição de 1798. São Paulo/
Salvador: Hucitec/UFBA, 1996, pp. 77-86.
45
Açúcar, tabaco e farinha
Desde o início da colonização iniciada em meados do século XVI, a economia da
Capitania da Bahia estava baseada na produção e venda de açúcar para o mercado externo,
sendo o seu Recôncavo a região mais significativa. Se no início, a fundação da cidade de
Salvador estava atrelada a um papel político-administrativo visando à ocupação da colônia,
em meados do século XVIII, notamos sua importância no que tange ao desempenho
econômico desse núcleo urbano. Segundo Thales de Azevedo, com desenvolvimento da
exportação de produtos como açúcar, tabaco, algodão, couro e madeira, a cidade viu a
emersão de uma nova categoria social, como os homens de negócio, atrelados ao aumento
da atividade mercantil da cidade.
69
O porto de Salvador servia como um entreposto de todo
tipo de mercadoria trocada no âmbito do império português, sendo o açúcar o de maior
destaque.
Produzido no Recôncavo da Baía de Todos os Santos, em áreas do termo de
Salvador como Pirajá, Matoim, Cotegipe, Itaparica e Paripe, de vilas como São Francisco
do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, Maragogipe e Muritiba, e de outras regiões como
Ilhéus, Porto Seguro e Sergipe, o açúcar chegava ao porto da capital e era remetido para a
Europa.
70
Por quase um século, foi o nativo a principal fonte de braços para impulsionar os
engenhos produtores de açúcar nas regiões mencionadas. Até a década de 1560, eram
poucos os cativos oriundos da África que trabalhavam na Bahia. A transição da mão-de-
obra indígena para a africana está atrelada à percepção positiva dos portugueses sobre o
trabalho destes. Essa familiaridade do colono luso era caudatária da experiência do cativo
áfrico na Península Ibérica e ilhas atlânticas como trabalhador doméstico, artesão urbano e
69
AZEVEDO, op. cit., 1969, p. 167.
70
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São
Paulo: Cia. das Letras, 1995, pp. 90-3.
46
escravo especializado. Muitos dominavam as técnicas do fabrico do açúcar, habilidade
desenvolvida nas ilhas da Madeira e de São Tomé. Além disso, muitos desses escravos
inicialmente provinham da África Ocidental, onde eram comuns trabalhos na agricultura,
com o gado e ferro, úteis na lavoura açucareira.
Para além da visão positiva do trabalho africano, a população autóctone estava
sendo devastada por epidemias devido ao contato microbiano com as levas de imigrantes
do Velho Mundo. Ao colapso demográfico soma-se a resistência dos jesuítas que
pressionavam a Coroa para pôr fim à escravização dos índios. Em 1570, foi promulgada a
primeira lei contra a escravidão indígena. Posteriormente, mais duas foram editadas, em
1595 e 1609. Embora não tendo eliminado o trabalho dos nativos na América portuguesa, a
legislação em conjunção a grande mortandade do povo indígena, tornou ainda mais
atraente aos olhos dos portugueses a opção pelo elemento africano.
Contudo, a transição do trabalho indígena para o africano se deu de forma lenta e só
se consolidou em meados do século XVII. O padre Manoel Soares estimou que na Bahia
no ano de 1587, cerca de 60% dos cativos eram índios.
71
Dados levantados por Schwartz
para o engenho Sergipe apontam o crescimento gradual da utilização do braço áfrico. Em
1572, apenas 7% dos 280 escravos adultos eram africanos. Já no ano de 1591, essa
população representava 37% dos 103 indivíduos. Em 1638, dos 81 escravos que havia no
engenho, todos eram originários da África ou eram crioulos.
72
O século XVII pode ser caracterizado como o período em que o colono na América
portuguesa fez a opção definitiva pela mão-de-obra africana, em que pese à diferença de
quase um triplo no preço do escravo proveniente da África em relação ao indígena. A
economia baiana, mesmo tendo problemas com a política fiscal e comercial portuguesa,
71
GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1975, p. 100.
72
SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 68.
47
teve um desempenho relativamente bom durante o século XVII, com os preços do açúcar
altos o bastante para permitirem que os lucros dos senhores de engenho pudessem
compensar os custos com a compra de escravos, tarefa da qual o Estado português se
eximia de qualquer responsabilidade e que era item primordial nas despesas dos produtores
de açúcar.
Logo os agricultores ficaram dependentes do fluxo do tráfico negreiro para
recompor a população escrava, visto que fora negligenciado o crescimento vegetativo da
população cativa, seja pelo desequilíbrio sexual entre os escravos (cerca de dois homens
para cada mulher), seja pela alta taxa de mortalidade de crianças e adolescentes. Tais
diferenças foram sempre acentuadas pela tendência do comércio transatlântico de africanos
favorecer os homens em relação às mulheres e os adultos em relação às crianças. Apostar
na criação de uma criança escrava por doze ou quatorze anos até esta atingir a idade de
trabalho seria um investimento arriscado para os agricultores baianos.
Na década de 1680, ocorreu uma drástica baixa no preço do úcar brasileiro,
enquanto os custos se elevavam. Esse fato estava relacionado ao surgimento de colônias
produtoras de açúcar localizadas nas Antilhas ocupadas por franceses, ingleses e,
principalmente, holandeses. Destes locais os europeus passaram a suprir seu mercado
interno, reduzindo a participação do açúcar brasileiro em suas praças comerciais. Se na
década de 1630, cerca de 80% desse produto comerciado em Londres era de origem
brasileira, por volta de 1670, essa participação caiu para 40%, chegando, ao ano de 1690, a
apenas 10%.
73
Com o fomento da fabricação açucareira em escala mundial, os produtores
brasileiros foram perdendo a sua capacidade de lidar com a queda do preço desse artigo no
mercado internacional.
73
Ibidem, p. 162.
48
Com o crescimento da produção de açúcar nas Antilhas, aumentou-se nesta região a
demanda por mão-de-obra escrava. Com efeito, o novo mercado para o braço africano
tendeu a elevar o preço do cativo tanto na África quanto na revenda no Brasil, espremendo
ainda mais os lucros dos plantadores. O valor do escravo, que era alto devido à procura
das ilhas caribenhas, tornou-se exorbitante em decorrência da necessidade de braços nas
recém-descobertas zonas mineradoras brasileiras.
Apesar da elevação no preço de compra, a descoberta do ouro pelos paulistas, no
interior da América portuguesa, região hoje conhecida como Minas Gerais, ocorrida por
volta de 1690, gerou um aumento na demanda por escravos no Brasil, propiciando o
imediato incremento dos desembarques de africanos através do porto de Salvador.
Os negociantes da Bahia, desde o início da mineração, perceberam a oportunidade
de grandes lucros, uma vez que nas regiões mineradoras o preço do cativo era bem superior
ao de Salvador e à área do Recôncavo baiano. Além disso, recebiam em ouro pela venda
dos escravos, enquanto os senhores de engenho da Bahia pagavam a esses traficantes com
açúcar, muitas vezes comprometendo a safra seguinte.
74
Os senhores de engenho passaram
a queixar-se da falta de mão-de-obra. A Coroa resolveu intervir delimitando o número de
escravos que podiam ser remetidos para as áreas mineradoras com o alvará de 1701.
75
Logo esta legislação mostrou-se ineficiente. Muitos baianos, principalmente os
comerciantes negreiros, argumentavam que alguns escravos não serviam para trabalhar na
lavoura e deveriam ser disponíveis para a venda às minas. Mais forte que o temor da lei era
a ganância dos comerciantes baianos em lucrar com as lavras de ouro.
Embora existisse terra em abundância tornava-se escasso o elemento reprodutor da
empresa açucareira, o escravo. No ano de 1702, foram enviados para Portugal 507.609
74
Ibidem, p. 166.
75
APEB, coleção manuscritos., Ordens Régias de 20-1-1701. Este alvará estipulou que os paulistas
podiam adquirir duzentos cativos de Angola por ano no porto do Rio de Janeiro.
49
arrobas de açúcar baiano, sendo de 249 produtores diferentes dos quais se calcula que 100
fossem lavradores não proprietários de moendas.
76
A Bahia remeteu anualmente para o
reino 507.500 arrobas de açúcares produzidos em 146 engenhos, segundo cálculos feitos
por Antonil, ao final do primeiro decênio do século XVIII.
77
Em 1720, a produção caiu
para cerca de 420.000 arrobas. Portanto, podemos sugerir que o tráfico baiano procurava
desviar a oferta de escravos para as regiões mineradoras em expansão, em detrimento da
empresa açucareira nordestina.
Os escravos da Bahia eram redirecionados para a região aurífera das Gerais
costeando o rio São Francisco e o rio das Velhas, percorrendo uma distância de
aproximadamente 200 léguas (c. 1.200 km). Pelo menos até a segunda década do século
XVIII, foram os traficantes baianos os principais fornecedores de trabalhadores escravos
para as minas. Tal fato mudou com a abertura do “caminho novo”. Se, percorrendo o
“caminho velho”, que ligava o Rio de Janeiro à região mineradora via Paraty, gastava-se de
43 a 99 dias, dependendo do número de paradas, a partir da abertura do novo caminho, na
década de 1710, o percurso de 80 léguas (c.480 km), passa a ser feito em doze ou até dez
dias.
78
Uma crônica da época relata que o recém-descoberto caminho foi importante para
que o Rio de Janeiro se destacasse no comércio com as minas em detrimento da antiga
comunicação por terra, que era realizada com grandes dificuldades, a partir da Bahia de
Todos os Santos.
79
Apesar de não mais representar o mercado preferencial e estratégico da
reposição de cativos, atividade que o Rio de Janeiro passou a desempenhar a partir da
76
Ibidem, p. 149.
77
ANTONIL, André João, Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p.140. Segundo
Antonil, foram exportados para Portugal 14.000 caixas de açúcar.
78
ANTONIL, op. cit., 1976, p. 184-7.
79
PARSCAU, Guillaume François. “A invasão francesa de 1711”. In: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho
(Org.). Outras visões do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos (1582-1808). Rio de Janeiro: Jo
Olympio, 2000, p.135.
50
terceira década do século XVIII, a Bahia exerceu um papel complementar para o
atendimento da demanda na região das Gerais.
O ano de 1750 é marcante para o estudo da sociedade colonial brasileira por se
tratar do momento em que a produção aurífera atinge seu auge.
80
Durante toda a segunda
metade do século XVIII, houve uma reacomodação devido ao decréscimo da atividade
mineradora em direção à agricultura, fonte tradicional de riqueza na América lusa. No
litoral, o resultado dessa reorientação foi uma retomada da prosperidade, calcada na
expansão da produção de alguns gêneros básicos tradicionais, como açúcar e fumo, assim
como no desenvolvimento de novos produtos de exportação, quais sejam: algodão, arroz,
cacau, café e anil. Esse fortalecimento agrícola desenvolveu-se mediante a recuperação de
mercados importantes, principalmente na Europa, e o trabalho escravo, mormente de
africanos, sem, no entanto, ter ocorrido o aperfeiçoamento de técnicas agrícolas.
Alguns estudiosos apontam que, entre 1750-1770, a América lusa passava por um
período de decadência econômica, gerada principalmente pelo declínio da mineração
refletida na diminuição das rendas da Coroa portuguesa provenientes do Brasil, bem como,
pela queda da exportação de açúcar da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro para a Europa
devido aos baixos preços no velho continente, e do declínio da lavoura fumageira, por
causa das dificuldades encontradas no comércio de escravos na Costa da Mina. Além
disso, as exportações de cacau na Amazônia estavam sendo prejudicadas pela escassez de
mão-de-obra indígena, pela dificuldade de transporte e pelo baixo preço do produto. Para
esses mesmo autores, a recuperação se inicia por volta de 1780 como o “renascimento
agrícola”, principalmente nas regiões ligadas ao litoral. Esse ressurgimento seria uma
resposta de vários fatores, como as medidas adotadas por Pombal e seus sucessores;
desenvolvimento da indústria algodoeira na Inglaterra e França; o desaparecimento de
80
PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: uma contribuição aos estudos da
economia atlântica no século XVIII. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1979, p. 114.
51
importantes fornecedores de açúcar no Caribe (notadamente, a ilha de Saint-Domingue); e
o recrudescimento das hostilidades franco-inglesas, que acabaram por relegar suas colônias
ao segundo plano.
81
Acreditamos que ao invés de “ressurgimento” da agricultura, que nos passa a falsa
idéia de desaparecimento anterior, defendemos que teria ocorrido nesse período um
fortalecimento de atividades rurais devido à reacomodação da economia e principalmente
ao incremento do tráfico negreiro.
O aumento de mão-de-obra escrava disponível possibilitou a expansão da atividade
agrícola na Bahia. Agora não havia mais a concorrência forte das regiões mineradoras.
Contudo, levas de cativos recém-chegados continuaram a ser remetidos para as regiões
interioranas da América lusa. Entre 1739-1759, a Bahia enviou aproximadamente 2.100
cativos por ano para a capitania mineira, enquanto o Rio de Janeiro foi responsável pela
remessa de cerca de 3.900 cativos.
82
Na década de 1760, foram enviados para Minas
Gerais cerca de 60% dos escravos despachados em Salvador (cerca de 920 por ano),
fazendo de Minas o destino preferencial dessas remessas.
83
Contudo, ao analisar os dados
dos despachos conjugados ao tráfico internacional, verificamos que houve um decréscimo
na demanda mineira por braços africanos. Dos escravos novos que chegavam à Bahia,
entre 1728 e 1748, período de grande produtividade mineral, calcula-se que 40% tenham
sido redirecionados para as Minas.
84
Já entre os anos de 1760-70 houve uma queda
significativa nesses números. Apenas 18% dos novos que chegaram a Salvador foram
81
Cf. ALDEN, Dauril. “O Período final do Brasil Colônia: 1750-1808”. In: BETHELL, Leslie (org.).
América Latina Colonial. Vol.2, São Paulo: Edusp, s/d; SCHWARTZ, op. cit., 1995.
82
GOULART, op. cit., p. 170.
83
Sobre a redistribuição de escravos a partir da praça de Salvador cf. RIBEIRO, Alexandre V. “O comércio
de escravos e a elite baiana no período colonial” In: FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antônio Carlos de Jucá;
ALMEIDA, Carla Maria (orgs.). Conquistadores e negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos
trópicos. América Lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, pp. 311-35.
84
GOULART, op. cit., 1975, p. 165.
52
remetidos para a região das Gerais, uma média anual de 882 escravos.
85
A diminuição
desse fluxo para as lavras mineiras estava atrelada à redução da produção de minérios.
Muitos desses escravos não eram remetidos apenas para a mineração, ma, também, para
atividades econômicas majoritariamente voltadas para o mercado interno, constituído de
pequenos e médios senhores.
86
Assim, apesar do declínio da prospecção mineral, o
desempenho da economia mineira, ao longo do século XVIII, fez com que ela
permanecesse como um dos grandes pólos de demanda por africanos.
87
O movimento de despachos de escravos da Bahia para outras regiões, que não a das
Gerais, aponta para a diversificação da economia colonial. Surgiram novas áreas que se
converteram em abastecedoras do mercado interno. É certo que as exportações brasileiras
caíram cerca de 60% entre 1760 e 1776, mas o desempenho do tráfico atlântico, nas
últimas décadas do século XVIII, como veremos adiante, indica que à crise da mineração
não se seguiu a decadência generalizada da região sudeste, sugerindo a realocação dos
fatores de produção.
A redução no fluxo de cativos do porto de Salvador para regiões de mineração
possibilitou uma maior oferta de mão-de-obra nas áreas próximas à capital baiana,
favorecendo dessa maneira, o fomento da atividade agrícola na região. Dados levantados
por B. J. Barickman mostram que as unidades produtivas de açúcar na Bahia aumentaram
nesse período. Se no ano de 1755 contavam-se 172 engenhos na capitania, em 1795, esse
85
RIBEIRO, op. cit., 2005, cap. 4
86
Sobre a mudança das atividades econômicas em Minas Gerais no final do século XVIII e início do XIX ver
MARTINS, Roberto. “Minas Gerais, século XIX: tráfico e o apego à escravidão numa economia não-exportadora”. In:
Estudos
Econômicos, 13 (1), São Paulo: FIPE, 1983.
87
A segunda região que mais recebia escravos da Bahia era a Capitania de Goiás. Aproximadamente 13%
dos escravos despachados de Salvador destinavam-se para esta região. Em vilas, fazendas e veios de Goiás e
Mato Grosso, entre fins do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX os escravos provenientes da
África Ocidental eram maioria entre os africanos. Ver KARASCH, Mary. “Central Africans in Central
Brazil, 1780
-1835”. In: HAYWOOD, Linda M. Central Africans and cultural transformations in the American
diaspora. New York/Cambridge: Cambridge University Press, 2002, passim.
53
número atingiu 353, pulando para 400 três anos mais tarde.
88
No final do século, a zona
açucareira estendia-se por cerca de 16 léguas a norte e a nordeste do porto de Salvador.
89
Com isso, a exportação anual de açúcar, que na década de 1770 foi estimada em 10 mil
caixas por ano (aproximadamente 440 mil arrobas), se elevaria no decênio seguinte para
cerca de 480 mil arrobas anuais, chegando, no final de década de 1790, a uma média de
11,5 mil caixas de quarenta arrobas (cerca de 760 mil arrobas por ano).
90
Segundo
apontamentos feitos por D. Alden, entre 1757 e 1798, as exportações de açúcar baiano
subiram cerca de 55%. Como aproximadamente 10% do açúcar produzido na Bahia eram
consumidos localmente, a produção anual parece ter aumentado, entre 1759 e o início do
século XIX, de 360 mil arrobas para algo em torno de 880 mil, o que representa um ganho
de 69%.
91
Um fator importante nessa mudança foi a ascensão de Pombal que permitiu à
América portuguesa experimentar reformas que objetivavam o fortalecimento da economia
colonial. Durante o período pombalino (1750-1777), o sistema de frotas também foi
abolido (1765), medida bem aceita por toda a comunidade mercantil de Salvador, pois
intentava estimular o comércio colonial com os mercados exteriores. Procurou-se
implementar também uma reforma tributária, com a eliminação ou redução de várias taxas
em 1776 os valores dos fretes foram reduzidos, visando à diminuição dos custos para os
senhores de engenho e o incentivo das trocas.
Além das medidas pombalinas, contribuiu positivamente para o bom desempenho
da produção e exportação de açúcar baiano a revolta de escravos na ilha de Saint
88
BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano açúcar, fumo mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 74-5. No ano de 1755 os dados englobam 126
engenhos na Bahia e 46 no Sergipe; em 1795, 221 engenhos eram da Bahia e 132 do Sergipe; em 1799, 260
eram baianos e 140 sergipanos.
89
ALDEN, op. cit., p. 557.
90
BARICKMAN, op. cit, 203, p. 346; ALDEN, op. cit., pp. 557-9; SCHWARTZ, op. cit., 1995.
91
ALDEN, op. cit., p. 558.
54
Domingues, em 1791. Essa colônia francesa nas Antilhas era a maior produtora de açúcar
do mundo. Durante aproximadamente uma década, travou-se nesta ilha uma intensa guerra
que resultou na independência do Haiti. A produção de açúcar local foi praticamente
eliminada. Em face desse acontecimento, os baianos herdaram um imenso mercado
consumidor, fortalecendo sua indústria açucareira. Com o preço do escravo em baixa,
tornou-se possível comprar um maior número de cativos e, conseqüentemente, expandir a
produção açucareira.
Mas não do açúcar vivia a economia da Bahia. A capitania era responsável por
mais de 90% do fumo brasileiro comerciado para Europa, África e para o restante do
Brasil. Cerca de um terço da produção era consumida pelo mercado interno. O fumo de
rolo antes de ser exportado era armazenado em Salvador num único depósito, onde
funcionários da Mesa de Inspeção o examinavam e aferiam sua qualidade. Os rolos de
primeira e segunda qualidade eram selecionados e exportados para Portugal. O melhor
fumo em folha era reservado para ser enviado a Goa. Menos da metade da produção anual
era reputado de boa qualidade para atender ao mercado europeu e de Goa. O que sobrava
era considerado refugo. A lavoura fumageira não teria como sobreviver se tivesse que
desperdiçar sempre mais da metade da sua produção. Contudo, esse refugo ou o fumo de
terceira qualidade tinha um amplo mercado no Brasil e, principalmente, era fundamental
para o comércio de escravos feito pelos baianos na região da Costa da Mina. Enrolado em
melaço puro, o fumo destinado à África tornava-se adocicado. Esta forma de confeccionar
os rolos dava um aroma especial e o tornava muito apreciado pelos africanos da África
Ocidental.
92
Plantações de tabaco espalhavam-se por diversas partes do entorno de Salvador,
chegando até mesmo em localidades do agreste baiano como São José das Itapororocas
92
BARICKMAN, op. cit., 2003, p. 64; VERGER, op. cit., 1987, p. 21.
55
(atual Feira de Santana), Ipirá, São Gonçalo dos Campos, Inhambupe, Pedrão e Água
Fria.
93
De todo modo, o local privilegiado para o cultivo do tabaco era a área do recôncavo
baiano, mais precisamente na vila de Cachoeira, distante 14 léguas da cidade de Salvador.
Desde 1640, se praticava nessa localidade o cultivo comercial do fumo. Segundo B. J.
Barickman, a concentração dessa cultura em Cachoeira era estimulada pelo tipo de solo
arenoso e leve encontrado na região.
94
De acordo com Schwartz, por volta de 1697, havia
em Cachoeira quatro armazéns, nos quais se guardava o fumo que era transportado em
pequenas embarcações até Salvador, de onde seguiam para diversas partes do Império.
95
Cálculos de contemporâneos apontaram que havia nessa área aproximadamente 1.500
fazendas de tabaco responsáveis por uma produção de 35 mil rolos por ano. As
exportações anuais de fumo baiano parecem ter alcançado cerca de 320 mil arrobas no
período de 1750-66 e na década de 1780 chegou a 615 mil, conforme dados levantados por
D. Alden. É possível que, na década de 1790, tenha ocorrido o auge da produção de tabaco
na Bahia. Decerto, foi no último decênio do século XVIII que os preços atingiram o
patamar mais elevado do século, em média quase o dobro do início da década de 1750.
96
Os aumentos do preço do tabaco baiano e das exportações estão atrelados ao
crescente fluxo de embarcações que partiam de Salvador para resgatar escravos na Costa
da Mina. Na década de 1750 partiram para a região ocidental do continente africano em
média, 10 navios por ano. Já no último decênio dos Setecentos, zarparam em média, 18
embarcações anuais, todas com grandes carregamentos de rolos de tabaco.
97
Embora, tenha
aumentado a remessa de fumo para a África, o vel estimado das exportações na década
de 1790 foi acentuadamente inferior (cerca de 452 mil arrobas) ao observado para a década
93
MATTOSO, op. cit., 1978, p. 26; SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 85.
94
BARICKMAN, op. cit, 2003, p. 42.
95
SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 85.
96
ALDEN, op. cit., pp. 562-4.
97
Sobre o movimento de navios negreiros partindo de Salvador cf. RIBEIRO, op. cit. 2005, anexo 3.
56
de 1780 (615 mil).
98
De todo modo, o fumo desempenhou papel preponderante para o
desenvolvimento da economia baiana, uma vez que era o item principal utilizado pelos
comerciantes negreiros de Salvador na negociação com os régulos africanos no litoral da
Costa da Mina, principal região fornecedora de escravos para a Bahia.
O açúcar e o fumo estavam longe de serem os únicos produtos que moldavam a
paisagem social e econômica da cidade de Salvador e do seu entorno. Gêneros de primeira
necessidade tinham amplo espaço de produção na região. Servindo não para a
subsistência da população local como também na complementação da economia de
exportação, a mandioca, utilizada no fabrico de farinha, destaca-se como sendo a lavoura
de subsistência mais cultivada nas terras vizinhas da capital baiana.
A maior parte da produção de farinha nos séculos XVII e XVIII provinha da vila de
Camamu, na capitania de Ilhéus. Esta e outras vilas da redondeza eram visitadas por
contrabandistas de diversas partes da colônia que abasteciam suas embarcações de farinha
para ser revendida no Rio de Janeiro, em Pernambuco, em São Vicente e demais portos
coloniais. Na segunda metade dos Setecentos, café também passou a ser remetido de
Camamu para Salvador, enquanto a vila de Cairú passou a enviar farinha, café e arroz.
99
Embora tivesse disponível uma vasta gama de alimentos, a dieta trivial do baiano
resumia-se a um pequeno número de itens, no qual se destaca a farinha de mandioca. Rica
em amido, a farinha garantia aos habitantes uma alimentação repleta em calorias. Decerto,
os baianos comiam outros gêneros ricos em carboidratos e que eram produzidos localmente
como o inhame, o aipim (conhecido como mandioca-mansa) e a batata-doce. De maneira
diminuta, o pão feito com farinha de trigo importada complementava a dieta do baiano. Era
mais comum observá-lo, segundo crônicas de época, nas mesas dos moradores mais
abastados da cidade, geralmente de imigrantes portugueses. Certamente, havia também um
98
ALDEN, op, cit., p. 564.
99
AHU, CA, Bahia, docs. 18.296; 18.315.
57
grande consumo de arroz, feijão e milho, mas seu papel na alimentação cotidiana era
secundário se comparado ao da farinha de mandioca.
100
De acordo com os dados
levantados por B. J. Barickman, entre 1785-1850, o arroz, o feijão e o milho correspondem
apenas a 12% de todos os gêneros que entraram no celeiro público de Salvador, sendo o
restante (88%) representado pela farinha. O consumo diário de farinha na cidade era de
567 gramas por pessoa. Essa era a porção distribuída aos presos pobres da cadeia, aos
soldados aquartelados e aos escravos empregados no celeiro público de Salvador.
101
Os
escravos nas fazendas e nas roças deviam consumir uma parcela ainda maior de farinha,
por ser tratar junto com a carne-seca, do alimento básico nas áreas rurais. Sem dúvida, a
farinha desempenhou papel fundamental na dieta comum dos habitantes de Salvador e de
sua periferia.
Presente tanto nas mesas dos ricos quanto na dos pobres e nas cuias dos escravos, a
farinha de mandioca possuía um mercado local potencialmente grande. Provavelmente,
devido ao tamanho da população urbana da capital baiana e de vilas vizinhas, a produção
da farinha era quase que totalmente vendida localmente na segunda metade do século
XVIII.
Obviamente, não de farinha viviam os habitantes de Salvador no século XVIII,
embora fosse um item indispensável na dieta da população baiana. Segundo relatos de
época, a boa localização atrelada ao clima permitia o abastecimento da cidade durante todo
o ano de uma variedade de víveres, com abundantes tipos de hortaliças e frutas tropicais. O
fato de estar de frente ao mar tornava acessível a seus habitantes mariscos e carne de
baleia. Pelo porto chegavam o dendê da África ocidental; a carne-seca era importada do sul
do Brasil ou da região do Rio da Prata; alho, azeite de oliva, vinho, queijo, manteiga,
bacalhau e farinha de trigo vinham da Europa.
100
VILHENA, op. cit., 1969, pp. 159, 200.
101
BARICKMAN, op. cit., 2003, p. 91.
58
Do sul da Bahia, nas regiões de Caravelas e Rio das Contas também havia produção
de farinha de mandioca. Já em Belmonte, Canavieiras e Uma, na capitania de Porto
Seguro, a lavoura de arroz se destacava. Sua produção embora não fosse grande, era
direcionada para Salvador.
102
Embora se utilizasse mão-de-obra escrava nessas culturas, o
que predominava era o trabalho familiar.
103
Dos sertões mais distantes eram enviadas grandes levas de reses que asseguravam,
mesmo que, de forma irregular, o abastecimento de carne verde para a cidade de
Salvador.
104
O gado não servia de alimento, mas também era utilizado como força
motriz no sistema manufatureiro dos engenhos. Segundo Thales de Azevedo, as primeiras
cabeças de gado chegaram à Bahia vindas de São Vicente, provavelmente antes da
instalação do Governo Geral. Ainda no século XVI, começou-se de forma incipiente as
primeiras criações ao redor de Salvador, em propriedades de Garcia d’Ávila em Itapagipe,
Itapuã e Tatuapara.
105
Mais tarde se expandiram sertão adentro, onde havia vastos campos
e proximidade de fontes d’água, como rios e lagos. Nesse sentido, o vale do rio São
Francisco tornou-se o local por excelência dos currais baianos.
106
Outras áreas, como as fumageiras e as mineradoras eram abastecidas pela pecuária.
Consumia-se uma grande quantidade de couro para se embalar os rolos de tabaco, que
depois eram exportado. Além de ser vendido no exterior, o couro era bastante consumido
na colônia. Era utilizado para a fabricação de surrões para o armazenamento de açúcar e
outros produtos.
107
Consumia-se uma grande quantidade de couro para se embalar os rolos
de tabaco, que depois eram exportados, além de servir como alimento. A carne também
102
BNRJ, sessão ms, II, 34,6,21.
103
SCHWWARTZ, op. cit., 1995, p. 86.
104
VILHENA, op. cit., 1969, pp. 57, 61, 126-7, 130; MATTOSO, op. cit., 1978, p. 53-4; 255-7; 301;
BARICKMAN, op. cit, 2003, p. 90.
105
AZEVEDO, op. cit., 1969, pp. 320-1.
106
ANTONIL, op. cit., 976, p. 199; AZEVEDO, op. cit., 1969, pp. 321-3.
107
SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil 1500-1820. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978,
p. 168.
59
passara a ser bastante consumida pelos moradores da cidade, das vilas, engenhos e
fazendas do entorno de Salvador e do sertão.
108
Para a boa consecução da pecuária na região, foi constituída uma rede de serviços
que envolvia diferentes agentes sociais, como o criador, o negociante e o consumidor. Foi
preciso abrir novos caminhos e estradas que ligavam o sertão ao litoral. Os currais, os
diversos açougues e os curtumes de Salvador estavam todos sob administração da Câmara
Municipal, que garantia a regularidade do fornecimento do produto e a lucratividade do
comércio.
109
A feira de Capuame, distante cinco léguas de Salvador, era o principal mercado de
gado da Bahia no século XVIII. Além da capital, abastecia a região do Recôncavo. Estima-
se que a média anual de gado comercializado, entre os anos de 1791 e 1811, era maior que
18 mil cabeças. De todo modo, havia muitas queixas dos soteropolitanos relacionadas à
falta do produto nos açougues da cidade.
110
Assim como a pecuária, a mineração possibilitou a abertura de vários caminhos que
se interligavam dentro e fora da capitania e tinham um ponto comum: a cidade de
Salvador. Os dois núcleos importantes de mineração na Bahia foram Rio das Contas e
Jacobina, localizados na região da Chapada Diamantina. Até meados do século XVIII, nas
minas existentes nessas áreas foram produzidas quantidades consideráveis de ouro. Assim
como os veios auríferos das Gerais, essas localidades demandavam constantemente o envio
de escravos, necessidade suprida pelo porto de Salvador que anualmente remetia levas de
africanos para fazer a prospecção dos metais.
111
108
AZEVEDO, op. cit., 1969, pp. 175; 201.
109
SOUSA, op. cit., 2003, p. 67.
110
Idem.
111
Sobre a remessa de escravos partindo do porto de Salvador para as diversas praças mercantis da América
portuguesa, cf. RIBEIRO, op. cit., 2007.
60
As estradas abertas na Bahia em função da mineração facilitaram a circulação de
mercadorias e pessoas entre as diversas regiões econômicas da capitania. Produtos vindos
dessas áreas chegavam a Salvador de onde eram exportados para as diversas partes do
Império. Entre esses gêneros destacavam-se o açúcar, fumo, couro, aguardente, melaço,
arroz, algodão, cacau, café, madeira e óleo de baleia.
112
Do exterior chegavam a Salvador gêneros manufaturados vindos do Reino, como
armamentos, pólvora, tecidos, louças, ferramentas, azeite de oliva, queijo, manteiga,
vinagre, vinho, farinha de trigo, chumbo, alcatrão.
113
Da Índia tecidos e especiarias.
114
Da
África, marfim, cera e escravos.
Além das transações mercantis internacionais, Salvador se destacava também no
comércio de cabotagem ao longo do litoral e do interior da América lusa. Calcula-se que
anualmente quarenta navios ligavam o porto soteropolitano ao carioca, levando tabaco,
escravos e tecidos da Índia e trazendo farinha, milho feijão, arroz e toucinho. No século
XVIII, intensificou-se o comércio entre a Bahia e a capitania do Rio Grande de São Pedro,
que utilizava entre quarenta e cinqüenta navios
115
, transportando roupas, tecidos, sal,
açúcar, doces e escravos
116
para serem trocados por farinha de trigo, couro, queijos, velas,
milho, sebo e, principalmente, carne seca e salgada, indispensável na dieta dos escravos.
117
O Rio Grande ocupou a posição de fornecedor de charque para a Bahia
desempenhado, até o final do século XVII, pela capitania do Ceará que perdeu seu posto
devido às constantes secas. De todo modo, da região cearense continuaram sendo enviados
112
AHU, CA, Bahia, docs. 2320; 2321; 9724; 9725; 9730; 9731;13037; 13038; 13039; 13144; 13145;
13146;
113
AHUM, CA, Bahia, docs. 18296; 18298; 18299; 18300; 18301; 18302; 18305; 18306; 18307; 18308;
18309; 18310; 18312; 18313; 18315;
114
Sobre o comércio da Bahia com a Índia cf. LAPA, op. cit., 2000.
115
AHU, CA, Bahia, docs. 20521-26.
116
Sobre o comércio de escravos entre a Bahia e o Rio Grande do Sul, cf. RIBEIRO, op. cit., 2007.
117
VILHENA, op. cit., 1969, p. 57.
61
para Salvador diversos gêneros como farinha, couro e algodão, comercializados por
chumbo, breu, ferragens, tecidos brancos e coloridos.
118
A Bahia mantinha também ligações comerciais com outras regiões do centro-sul do
Brasil. Para São Paulo, além de escravos, partiam navios carregados com tecidos, roupas e
objetos de prata que eram trocados por farinha de trigo, milho, toucinho e uma variedade
de legumes. Para a região do rio da Prata, eram remetidos escravos, tabaco, tecidos,
ferragens, madeira e de lá se importava principalmente prata e peças de couro.
119
Com regiões próximas como Sergipe e Alagoas, Salvador mantinha relações
comerciais, a partir de revenda de mercadorias vindas do Reino, adquirindo em troca,
farinha, feijão, arroz, legumes, porcos e galinhas. Gêneros alimentícios, como arroz e
legumes, eram os itens principais remetidos do Espírito Santo. Já com comarcas da própria
capitania, a capital baiana importava madeira, cacau, farinha, arroz e café de Ilhéus;
garoupas e farinha de Porto Seguro.
120
O comércio feito entre a Bahia e a capitania de Minas Gerais envolvia fazendas
brancas e de cor, armas, ferragens, pólvora, chumbo, chapéus, e diversas quinquilharias.
Mais eram os escravos que tornavam volumosas as transações entre o porto de Salvador e
as regiões mineradoras das Gerais. Desta localidade, partiam o ouro e pedras preciosas que
ornavam as igrejas baianas e enfeitavam as mulheres da capital.
A pesca desempenhava um papel importante no comércio local. As zonas
pesqueiras onde se encontravam as maiores colônias de pescadores ficavam na baía de
Todos os Santos e em Porto Seguro. Desta comarca chegavam cada semana em Salvador
mais de dez embarcações carregadas de garoupas e meros salgados. na águas da baía de
Todos os Santos os pescadores se especializaram na caça à baleia que consistia, até o ano
118
Ibidem, p. 58.
119
Idem; sobre as remessas de escravos da Bahia para a Colônia do Sacramento cf. RIBEIRO, op. cit., 2007.
120
VILHENA, op. cit., 1969, p. 58.
62
de 1798, em monopólio real. Esta atividade envolvia diversos setores e pessoas,
responsáveis não pela pesca como também pela fabricação do óleo, usado na
iluminação. A pesca da baleia e a extração de seu azeite tornaram-se proeminentes na
Bahia, durante o governo de Diogo Botelho (1602-8), sob o comando de Pedro Urecha que
trouxe de Biscaia barcos e pessoas experientes no ofício.
121
Tal atividade foi facilitada e
consolidada devido à grande presença de baleias que sobejavam na águas da baía de Todos
os Santos.
122
A atividade pesqueira, em pequena escala, era amplamente realizada por quase
todos os moradores que viviam à margem da baía, tendo em vista o mar ser bastante
piscoso. Era uma forma de garantir o alimento para a sobrevivência da família. O
excedente era vendido pelas ruas de Salvador. Até chegar à mesa do consumidor final, o
pescado passava nas mãos de diversas pessoas, em sua maioria mulheres negras
conhecidas como ganhadeiras, o que acabava por elevar o preço da mercadoria e tornava
seu consumo arriscado devido o tempo de exposição em altas temperaturas.
123
O tráfico transatlântico de escravo
Muitos cronistas relataram a importância da atividade comercial de Salvador,
demonstrando que, para além de uma dinâmica político-administraviva, a cidade
desenvolveu-se atrelada à atividade mercantil. No início do século XIX, o viajante Thomas
Lindley descrevia que o comércio na cidade era “espantoso”. Observou que mais de
oitocentas lanchas e sumacas contribuíam no transporte de mercadoria para a capital,
121
SOUSA, op. cit., 2003, p. 76.
122
SOUSA, op. cit., 1971, p. 139.
123
VILHENA, op. cit., 1969, pp. 126-7.
63
interligada a diversas cidades banhadas pela baía de Todos os Santos, a vilas distantes, a
Europa, Ásia e África.
124
A proeminência do comércio em Salvador foi facilitada devido à localização
estratégica do porto de Salvador, do ponto de vista náutico e militar. As águas calmas da
baía de Todos os Santos tornaram-se um lugar privilegiado para as intensas transações
comerciais. Por esta razão, foi considerado por fontes coevas como “o porto do Brasil”,
durante o século XVII. Papel que Amaral Lapa designou, talvez exageradamente, como
uma espécie de pulmão por onde respirava a colônia.
125
De fato, a atividade mercantil era disseminada entre os habitantes soteropolitanos.
Em 1723, o vice-rei do Brasil, Vasco César de Menezes, afirmou que eram poucos os
moradores que não faziam algum tipo de comércio, fosse pequeno ou grande, internamente
ou externamente à colônia.
126
Dentre os diversos tipos de comércio desenvolvidos em Salvador, o de maior
envergadura era o tráfico transatlântico de escravos, não pelos valores envolvidos como
também por se tratar do mecanismo principal de viabilização da própria sociedade
colonial, visto que era a partir do comércio internacional de africanos que os colonos
adquiriam a força de trabalho indispensável na organização econômica colonial. Nesse
fluxo mercantil, além da carga humana, eram negociados panos da Costa, cera, tabaco,
ouro, azeite de palma, canela, sabão. Mas, sem dúvida, o foco estava no comércio de
africanos. O valor envolvido nas importações de produtos africanos, no ano de 1798, girou
em torno de 720:000$000, sendo que, aproximadamente 92% desse total, se referiam a
transações com escravos.
127
124
LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo: cia. Ed. Nacional, 1969 (1
a
. Edição
1805), p. 171.
125
LAPA, op. cit., 2000, pp. 1-2.
126
APEB, provisões, v. 56, p. 127.
127
VILHENA, op. cit., 1978, p. 61.
64
O comércio de escravos brasileiro começou em meados do século XVI e
compreendia a maior parte de todo o tráfico atlântico de escravos realizado no período.
Provavelmente os primeiros cativos africanos teriam desembarcado na América lusa na
primeira metade do Quinhentos com a chegada dos primeiros colonos portugueses, uma
vez que no Reino já se importava braço africano desde meados do século XV.
128
Não se sabe exatamente o ano que ocorreu o primeiro desembarque de africanos na
América portuguesa. Affonso E. Taunay apontou que os primeiros escravos áfricos vieram
para o Brasil com Martim Afonso de Sousa em 1525, apenas alguns anos antes de ele se
apossar da Capitania de São Vicente, tornando-se um dos primeiros produtores de açúcar.
Todavia, pouco fundamento histórico para isso. Embora existam relatos de cativos
africanos trabalhando em engenhos de açúcar quando de suas fundações, Martim Afonso
de Sousa não chegou à América lusa antes de 1530, pois, neste ano, navegava pelo litoral
buscando um local para se estabelecer. O visconde de Paiva Manso e Pedro Calmon
sugeriram que o primeiro navio negreiro teria chegado ao Brasil em 1516, vindo de
Angola, mas esta opinião também carece de fundamentação histórica, pois em 1516 a costa
angolana ainda era um território pouco conhecido dos portugueses para que eles tivessem
carregado escravos de lá diretamente para o outro lado do oceano.
129
No início do
comércio transatlântico de escravos, os africanos eram levados do litoral da África para a
Europa onde eles trocavam de embarcação para fazer a travessia oceânica para as
Américas.
130
Além do mais, neste período, o arquipélago de São Tomé e Príncipe, na baía
de Biafra, era um destino muito mais atraente para os navios negreiros vindos de Angola
128
TENREIRO, Francisco. A ilha de São Tomé. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar (Memórias, 24,
2.º série), 1961, p. 72.
129
Essas hipóteses foram resumidas em GOULART, op. cit., 1975, pp. 95-9.
130
ALMEIDA, António de Mendes, “The Foundations of the System: A Reassessment of the Slave Trade to
the Spanish Americas in the Sixteenth and Seventeenth Centuries”. In
: ELTIS, David; RICHARDSON,
David. (Orgs.). Extending the Frontiers: Essays on the New Transatlantic Slave Trade Database. New
Haven: Yale University Press, 2008.
65
do que o Brasil, visto que a indústria de açúcar das ilhas tinha se expandido e ainda
serviam como um porto de parada para reabastecimento das embarcações da rota das
Índias Orientais.
131
Affonso de E. Taunay sugere que o primeiro desembarque de escravos africanos na
América portuguesa teria ocorrido na Bahia em 1538, com a chegada de Jorge Lopes
Bixorda, arrendatário do comércio de pau-brasil, inaugurando desta forma o tráfico
transatlântico.
132
Gabriel Soares de Sousa menciona que o tráfico para a Bahia teria se
iniciado após 1549, quando Tomé de Sousa estabeleceu o Governo Geral do Brasil em
Salvador. De acordo com seus apontamentos, indícios de que em 1550 a Coroa
portuguesa enviou uma “partida” de africanos para nova cidade de São Salvador. Contudo,
tanto na referência de Taunay, quanto na de Soares de Souza, permanece a dúvida se esses
cativos teriam vindo diretamente da África ou de Portugal.
Como mencionado anteriormente, a indústria açucareira na América portuguesa se
expandiu baseada na força braçal do gentio da terra, embora os colonizadores desejassem
escravos africanos. Para os anos de 1539, 1542 e 1555 cartas para a Coroa de Duarte
Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco, requisitando autorização para a importar
cativos africanos. Em 1545, Pedro de Góes e Martin Ferreira, colonos em Paraíba do Sul,
na região sudeste, também demandavam por escravos africanos. Entretanto, a Coroa tratou
dessas questões apenas em 1559, expedindo um alvará ao governador de São Tomé no qual
tornava-se lícito que todo proprietário de engenho, munido com uma licença emitida pelo
governador do Brasil, pudesse comprar a 120 escravos na região do Congo.
133
Esta
131
TENREIRO, Francisco. A ilha de São To. Lisboa: s/d, 1961, p. 72.
132
TAUNAY, Affonso de E. “Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil colonial”. In: Anais do
Terceiro Congresso de História Nacional - terceiro volume. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB)/Imprensa Nacional, 1941, p. 533.
133
GOULART, op. cit., 1975, pp. 95-9. Cf. também CARDOSO, Gerald. Negro Slavery in the Sugar
Plantations of Veracruz and Pernambuco, 1550-1680. Washington D.C, s/d, 1983, pp. 75-6. Agradeço a
Daniel Domingues da Silva por esta referência.
66
permanece sendo a referência mais antiga sobre o comércio de escravos direto entre África
e América portuguesa e sugere que, embora africanos pudessem ter estado presentes no
Brasil desde o início da colonização, o comércio brasileiro de escravos começou como uma
atividade privada, estimulada pelos primeiros colonos, orientada para o fornecimento de
mão-de-obra, regulada pelo Estado português e calcada numa experiência de cem anos.
A partir do banco de dados The Transatlantic Slave Trade
134
conseguimos capturar
apenas sete registros de viagens, datados da segunda metade do século XVI, ligando o
Brasil à África.
135
Quatro destas levaram escravos para regiões do nordeste brasileiro, duas
para o sudeste e uma para uma região não especificada. Todas embarcaram escravos no
litoral africano do atlântico sul, com as mais antigas embarcando escravos em São Tomé,
como sugerido pelo alvará real. Três viagens foram patrocinadas por comerciantes
portugueses e três por mercadores holandeses que também transportavam uma grande
quantidade de açúcar brasileiro para os mercados europeus.
136
Uma das viagens não tem
nenhuma informação sobre a nacionalidade nem o nome do patrocinador, enquanto as
restantes parecem terem sido efetuadas por particulares. Os comerciantes portugueses
financiaram as viagens mais antigas, em 1574, 1575 e 1582, importando 341 escravos para
Pernambuco e Bahia. As viagens dos negociantes holandeses ocorreram todas no ano de
1597, mas não há registro do número de escravos por eles importados e apenas duas
indicações da região do desembarque dos escravos, ambas no sudeste do Brasil.
Obviamente, estas sete viagens não são representativas do comércio de escravos no Brasil
no século XVI. Por ora, comparada com as evidências históricas disponíveis, elas
134
Doravante Voyages.
135
ELTIS, David; RICHARDSON, David; FLORENTINO, Manolo & BEHRENDT, Stephen. The Trans-
Atlantic Slave Trade: a Dataset on-line. www.slavevoyages.org ; cf. viagens de números 1137, 11593,
11594, 40788, 40789, 4952 e 98835.
136
SCHWARTZ, Stuart “A Commonwealth within Itself: the Early Brazilian Sugar Industry, 1550-1670” In:
SCHWARTZ, Stuart (ed.). Tropical Babylons: Sugar and the Making of the Atlantic World, 1450-1680.
Chapel Hill: s/d, 2004, p. 166.
67
confirmam muito dos padrões posteriores desenvolvidos no tráfico de escravos do Brasil,
como uma atividade privada no atlântico sul, orientada para o fornecimento de mão-de-
obra.
Em diversos estudos podemos encontrar estimativas para o volume do tráfico
baiano de escravos. Viana Filho calculou em vinte mil o número de africanos que entraram
na Bahia no século XVI e duzentos e cinco mil no século seguinte.
137
Um outro cálculo
para o século XVII é fornecido por Maurício Goulart. Segundo este autor, dois mil
africanos foram importados anualmente pelo porto de Salvador na primeira metade do
Setecentos.
138
Goulart sugere que esta média tenha sido ligeiramente superior para os anos
seguintes até a descoberta dos primeiros veios auríferos na década de 1690, quando
ocorreu um crescimento vertiginoso do tráfico baiano. Em estudo recente, David Eltis
estimou em quinze mil africanos aportando na Bahia ao longo do século XVI e
aproximadamente cento e oitenta mil no século XVII.
139
Para o século XVIII e primeira metade do XIX, foram construídas várias séries
baseadas em documentação coeva. O quadro 1.4 nos informa os números obtidos por
diversos estudiosos do assunto. Observando o referido quadro, notamos diferenças nos
valores encontrados em cada coluna. Isso se justifica pelo tipo de material utilizado por
cada historiador. Muitas vezes houve a junção de informações contidas em documentação
seriada com fontes de caráter qualitativo, como relatórios comerciais, cartas
administrativas, além do acréscimo de informações contidas em outros estudos. Cabe
ressaltar que as estimativas de Pierre Verger estão calcadas exclusivamente no comércio
baiano com os portos da África Ocidental.
137
VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1988, p. 158.
138
GOULART, op. cit., 1975, p. 113.
139
ELTIS, David. “The Volume and Structure of the Transatlantic Slave Trade: A Reassessment.” In: The
William and Mary Quarterly, vol. 58, Issue 1, 2001, p. 36.
68
Quadro 1.4 – Estimativas do volume de escravos desembarcados na Bahia, 1681-1855
Ano Alden
(por
Schwartz)
Viana
Filho
Goulart Verger Verger (por
Manning)
Eltis Santos
Ribeiro
1681-90 17 200 17 747
13 344
1691-
1700
60 800 55 687
43 089
1701-10 70 000 86 400 76 868
53 303
1711-20 70 000 67 200 85 993
67 240
1721-30 66 256 14 250 a
63 400 69 451
53 207
1731-40 47 520 47 500 49 000 32 712
38 517
1741-50 46 016 41 468 b
39 200 39 160
46 795
1751-60 63 500 38 416 24 615 c
34 400 33 913
36 421
1761-70 29 500 41 446 19 267 c
36 000 43 852
50 522
1771-80 31 500 29 816 15 554 c
30 000 34 506
47 032
57 435
1781-90 24 000 20 233 12 234 c
32 700 34 918
50 933
56 796
1791-
1800
39 000 63 850 62 301 40 842 b
53 100 59 689
74 524
69 406
1801-10 65 708 54 900 38 339 d
72 900 87 635
74 151
72 262
1811-20 50 975 55 000 55 352 59 000 70 700
71 951
1821-30 70 247 55 000 72 066 51 800 71 600
75 529
1831-40 120 000 55 000 1 675 e 54 800 32 500
1841-50 120 000 63 046 63 000 66 100
1851-55 785 e 1 900
OBS: a. dados para três anos;
b. dados para nove anos;
c. dados para seis anos;
d. dados para oito anos;
e. dado para apenas um ano.
Fontes: SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial,
1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 283; VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um
ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, pp. 155 e 157;
GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São
Paulo: Alfa-Ômega, 1975, pp. 215, 216 e 272; VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de
escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo:
Corrupio, 1987, pp. 661-3; MANNING, Patrick. “The slave trade in the Bight of Benin, 1640-
1890”. In: GEREMY, Henry A. & HOGENDORN, Jan S. (eds.). The uncommon market. Essays in
the economic history of the Atlantic slave trade. New York, 1979, pp. 136-8; ELTIS, David. “The
Volume and Structure of the Transatlantic Slave Trade: A Reassessment.” In: The William and
Mary Quarterly, vol. 58, Issue 1, 2001, p. 36; SANTOS, Corcino Medeiros dos. A Bahia no
comércio português da Costa da Mina e a concordância estrangeira”. In: SILVA, Maria Beatriz
Nizza da (org.). Brasil colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, pp. 236-
7; RIBEIRO, Alexandre. O tráfico de escravos e a Praça mercantil de Salvador (c. 1680-c. 1830).
Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 2005 - dissertação (mestrado), anexo 2, pp. 114-8.
69
O banco de dados Voyages, entretanto, oferece estimativa fundamentada em
extensos arquivos documentais como também em bibliografias sobre o tema. Estes dados
foram construídos a partir de numa metodologia desenvolvida em 1969 por Philip Curtin e
comumente encontrada em vários estudos sobre o comércio de escravos.
140
Essencialmente, ela utiliza as séries mais completas de número de escravos transportados
por cada nação européia disponíveis em arquivos ou em materiais publicados, ajustando-os
esses números cronológica e geograficamente. O banco de dados Voyages é uma
ferramenta importante para nos auxiliar com esses números, uma vez que ele foi
inteiramente construído sobre registros de viagens negreiras. Em 1930, por exemplo,
Pandiá Calógeras calculou baseado no censo de 1820 que o volume de africanos chegados
ao Brasil seria de 13,5 milhões. Roberto Simonsen e Maurício Goulart decresceram essa
estimativa consideravelmente, para aproximadamente 3,5 milhões, na década de 1940.
Simonsen baseou sua avaliação em cálculos feitos sobre a quantidade de mão-de-obra
necessária para produzir cada item da pauta de exportação brasileira e também sobre a
demanda de trabalhadores domésticos. Já Goulart, apoiou-se nos diversos censos regionais
e em relatórios sobre exportação e importação de escravos da África para o Brasil. Curtin
obteve resultado similar aos apontados por Simonsen e Goulart, estimando o número de
escravos desembarcados no Brasil em 3,6 milhões. Agora, o banco de dados Voyages
estima esse volume em 4,9 milhões, algo próximo ao indicado por Arthur Ramos (5
milhões) e, posteriormente, por Luís Viana Filho (4,3 milhões), em seu estudo baseado no
comércio de escravos na Bahia.
141
140
CURTIN, Philip D. The Atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969.
141
FRAQUELLI, Jane Elizabeth Aita. “Métodos Usados para Avaliar o Volume do Tráfico de Africanos para
o Brasil,” In: Revista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vol. 5 (1977), pp. 305-318. Ver
também Curtin, p. 267 e o banco de dados www.slavevoyages.org.
70
A partir do banco de dados Voyages, montamos o quadro 1.5. Estima-se que
1.349.724 escravos africanos foram importados na Bahia desde o século XVI até 1850.
142
Esta cifra representa cerca de um terço de todo contingente africano desembarcado no
Brasil durante a vigência do comércio negreiro transatlântico. É importante frisar que o
Brasil foi o principal destino para os africanos que cruzaram o Atlântico, recebendo quase
40% de todos os escravos desembarcados no continente americano.
Quadro 1.5 – Volume do comércio de escravos na Bahia, 1582-1851
Ano # de escravos Ano # de escravos Ano # de escravos
1582-1700 106 066 1751-60 75 833 1811-20 113 376
1701-10 85 719 1761-70 66 751 1821-30 99 437
1711-20 109 283 1771-80 73 267 1831-40 12 142
1721-30 106 962 1781-90 76 539 1841-51 64 329
1731-40 89 985 1791-1800 93 259
1741-50 87 694 1801-10 89 066 TOTAL 1 349 724
Fonte: ELTIS, David; RICHARDSON, David; FLORENTINO, Manolo & BEHRENDT, Stephen.
The Trans-Atlantic Slave Trade: a Dataset on-line. (doravante www.slavevoyages.org )
A primeira viagem com escravos para a Bahia registrada no banco de dados
Voyages ocorreu no ano de 1582, período em que se dava a transmutação da mão-de-obra
indígena para a africana na lavoura açucareira baiana e momento no qual o comércio
negreiro ainda não havia se consolidado. O século XVII permanece como um dos mais
obscuros períodos do comércio transatlântico de escravos para a Bahia, uma vez que
poucos registros foram descobertos ou preservados. As estimativas para as duas centúrias
142
Viana Filho em estudo pretérito se aproximou destes números. Segundo este autor, um milhão e trezentos
mil escravos teriam entrado na Bahia durante todo o período do tráfico cf. VIANA FILHO, op. cit., p. 159.
71
seguintes são mais completas. Um mero maior de registros de viagens resistiu ao tempo
e pode ser coletado em arquivos no Brasil, Portugal e África, tendo sido extensivamente
incorporados no banco de dados Voyages. Para além disso, pesquisadores publicaram uma
quantidade considerável de material nos quais fornecem não apenas o número de escravos
desembarcados em uma dada região por período determinado, mas também documentos e
registros de navegações apontando os totais anuais de escravos importados, jornais da
época, principalmente no século XIX, e séries de licenças para navegar à África
concedidas nos Setecentos e Oitocentos pela administração da Bahia, depositadas em
arquivos do nordeste do Brasil e Rio de Janeiro.
143
A partir de meados do século XVII, quando da transmutação do trabalho servil
indígena para o africano verificamos que o fluxo de navios que ligavam as duas margens
do Atlântico se intensificou, como podemos verificar no quadro 1.6. Essa elevação da
participação de embarcações envolvidas no comércio transatlântico de cativos na Bahia
acarretou um crescimento no número de desembarque de gentios da África no porto de
Salvador. É preciso ressaltar, mais uma vez, que existem lacunas serem preenchidas
sobre o tráfico baiano no Seiscentos, principalmente entre os anos de 1600 a 1675.
143
Algumas dessas fontes estão disponíveis no Arquivo Histórico Municipal de Salvador, como os
documentos de relativos as inspeções de saúde feitas a bordo dos recém-chegados navios negreiros por
funcionários da Câmara Municipal, cf. dices 178.1 e 182.1; Os jornais são vários, mas para a Bahia ver
especialmente A Idade d’Ouro no Brasil arquivado na BNRJ; As licenças para navegar saindo da Bahia estão
localizadas no ANRJ, códice 141 (17 vols.) e no APEB, dices 439, 440, 443, 449, 456 e 626-3.
72
Quadro 1.6: Movimento de negreiros e volume de escravos desembarcados na Bahia,
1581-1700
Ano Navios # escravos desembarcados
1581-85 1 166
1606-10 1 356
1611-15 1 361
1646-50 6 2 134
1651-55 4 1 423
1661-65 4 1 428
1671-75 5 1 771
1676-80 13 4 626
1681-85 16 5 532
1686-90 33 11 734
1691-95 66 23 515
1696-1700 151 53 012
Fonte: www.slavevoyages.org
Vários comerciantes passaram a atuar nessa atividade, fundamentalmente a partir
do final do século XVII, pois vislumbravam grandes lucros devido à descoberta dos
primeiros veios auríferos no interior da América portuguesa que gerariam uma demanda
contínua por mão-de-obra. Desta forma, verificamos um brusco aumento no número de
desembarque de escravos no porto de Salvador, principal responsável pelo fornecimento de
trabalhadores para as regiões de prospecção mineral durante as três primeiras décadas de
73
atividade, papel que, a partir do final da década de 1720, passou a ser desempenhado pelo
porto do Rio de Janeiro.
144
Quadro 1.7 – Percentual de escravos desembarcados em Salvador distribuídos pelas
regiões pelas regiões da partida do navio, c.1560-1851
Região de partida dos navios
Região de
desembarque
Amazônia
Bahia Pernambuco
Sudeste
do Brasil
Portugal
Outros
Total
Bahia
0 96,0 0,6 2,0 1,2 0,2
100
Fonte: www.slavevoyages.org
O comércio de escravos para o Brasil era feito por navios à vela, sendo, portanto,
influenciados pelos ventos e correntes marítimas do Atlântico. O quadro 1.7 nos mostra as
principais regiões de partida dos navios negreiros que desembarcavam escravos africanos
na Bahia. Basicamente, as expedições eram feitas no sistema bilateral, no qual o navio saia
da América, embarcava escravos no continente africano e retornava para a América. Cerca
de 96% das embarcações atuavam nesse sistema.
145
Este foi um padrão característico do
Atlântico sul e se distinguia da maioria das empresas de outras nacionalidades que atuavam
144
Sobre a concorrência entre Bahia e Rio de Janeiro para atender o mercado consumidor mineiro de
escravos cf. RIBEIRO, Alexandre V. O tráfico de escravos e a Praça mercantil de Salvador (c. 1680-c.
1830). Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2005 - dissertação (mestrado), cap. 1.
145
Nos portos do Pará e Maranhão prevalecia o sistema triangular. Cerca de 80% de todos os cativos
introduzidos nestas localidades chegaram em navios saídos da Europa. Já Pernambuco operava no sistema
bilateral como a Bahia. Cerca de 85% dos escravos que desembarcaram em Pernambuco chegaram em navios
que haviam partido da própria capitania. Cf. RIBEIRO, Alexandre V. & SILVA, Daniel Domingues da.
“Amazônia e
Nordeste do Brasil no comércio transatlântico de escravos: um recenseamento do tráfico
brasileiro ao norte do Rio de Janeiro”. Texto apresentado no V Colóquio Internacional Trabalho Forçado
Africano – Brasil, 120 anos da abolição. Salvador, 2008.
74
no comércio transatlântico de escravos, principalmente as que operavam no Atlântico
norte.
146
O sistema de navegação refletia a orientação dos ventos e correntes marítimas do
oceano Atlântico. Havia dois movimentos que determinavam as rotas transatlânticas do
comércio de escravos. No Atlântico norte, os ventos e as correntes marítimas
movimentam-se no sentido horário o que forçava os navios que partiam da Europa para o
Caribe a descer primeiro em direção à Linha do Equador e depois navegar para o norte. No
Atlântico sul, ocorre o inverso, pois os ventos e a correntes marítimas fazem um
movimento no sentido anti-horário. Navios navegando do Brasil para a África tinham
primeiro que seguir a corrente marítima brasileira rumo ao sul para cruzar o oceano e
tomar a corrente de Benguela para navegar para o norte ao longo da costa africana. A
divisão das duas partes do oceano é feita pelas águas calmas na região do Equador, as
quais tendem a diminuir a velocidade dos navios à vela.
Ventos e correntes marítimas também permitiram a formação de conecções entre
algumas regiões americanas com regiões específicas na África. O comércio de escravos
brasileiro importou cativos de cinco amplas regiões africanas: Senegâmbia, Costa da Mina,
baía de Biafra, África Centro-Ocidental e Sudeste Africano. A Senegâmbia compreendia a
costa entre os rios Senegal e Gâmbia e foi uma das primeiras regiões a fornecer escravos
ao tráfico transatlântico. No litoral da Senegâmbia, os navios luso-brasileiros embarcavam
escravos nos portos de Cachéu e Bissau e em mercados próximos estabelecidos na região
de Serra Leoa, nas ilhas de Cabo Verde e Bijagós.
A Costa da Mina era o maior território costeiro envolvido no comércio de escravos.
Compreendia a área entre as atuais Libéria e Nigéria. Nessa região, os capitães portugueses
146
Sobre a instituição do comércio bilateral no Atlântico Sul cf. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos
viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
75
e brasileiros faziam majoritariamente o comércio na baía do Benin. a Baía de Biafra
corresponde à região entre aos atuais Nigéria e Camarões, onde os traficantes ingleses
tiveram grande atuação. Porém, essa localidade também forneceu escravos em grande
quantidade para os comerciantes brasileiros.
A região Centro-Ocidental estava entre as primeiras grandes fornecedoras de
cativos para o Brasil. Compreendia a área atual que vai do Gabão até o sul de Angola, onde
havia a forte presença de comerciantes luso-brasileiros.
Finalmente, a última região da África a se engajar no comércio de escravos
brasileiro foi o sudeste africano, o qual corresponde principalmente a atual costa de
Moçambique. A rota que conduzia ao sudeste africano era a mais longa de todas
envolvidas na atividade negreira e foi considerada apenas como uma alternativa às demais
fontes de escravos, exceção feita para as ilhas francesas situadas no oceano Índico.
Algumas regiões africanas mantinham relações estreitas com específicas áreas na
América portuguesa. Amazônia,
147
por exemplo, comercializou especialmente com
Senegâmbia por quase toda a vigência do tráfico brasileiro. A Senegâmbia estava mais
próxima da Amazônia do que outras regiões africanas e convenientemente localizada para
se engajar no sistema triangular entre Portugal, África e Amazônia. Embora a Senegâmbia
tenha sido uma das primeiras fontes de escravos no comércio transatlântico, ela pouco
atuou no início dessa atividade na Bahia. O comércio de escravos começou como uma
atividade bem desenvolvida em meados do século XVI e, desde então, a região Centro-
Ocidental africana foi a principal fonte abastecedora de cativos, principalmente para as
capitanias produtoras de açúcar do nordeste, como Bahia e Pernambuco. Esse padrão
permaneceu até fins do século XVII, quando um surto de varíola na região de Angola
147
Aqui Amazônia compreende a região onde se localizavam os portos de Belém do Pará e São Luís do
Maranhão.
76
obrigou os navios baianos e pernambucanos a buscar uma nova fonte alternativa de
escravos: a Costa da Mina.
Quadro 1.8 – Origem africana dos escravos desembarcados na Bahia,
c.1580-1850 (% de escravos desembarcados)
Regiões Costeiras Africanas
Períodos
Senegâmbia Costa da
Mina
Baía de
Biafra
África
Centro-
Ocidental
Sudeste
Africano
1580-1600 - - - 100 -
1601-1625 - - - 100 -
1626-1650 18,7 - 6,3 75,0 -
1651-1675 - - - 92,9 7,1
1676-1700 - 72,7 11,2 15,3 0,7
1701-1725 0,9 80,4 9,3 9,0 0,4
1726-1750 1,2 56,2 7,5 35,0 -
1751-1775 0,3 59,1 2,6 37,2 0,7
1776-1800 - 61,8 4,4 33,5 0,3
1801-1825 0,3 51,3 9,2 35,2 3,9
1826-1850 1,7 30,5 4,4 62,4 1,0
Fonte: www.slavevoyages.org
O quadro 1.8 nos fornece, em períodos de 25 anos, a contribuição de cada região
africana para a Bahia por percentagem de escravos desembarcados. Nele podemos observar
a mudança de rota ocorrida no comércio de escravos da Bahia, direcionadas para a região
da Costa da Mina, nas últimas décadas do século XVII. Os baianos tinham algumas
77
vantagens em relação aos demais comerciantes brasileiros para atuar nesta região africana,
como, por exemplo, o tabaco enrolado no melaço, muito apreciado pelos chefes africanos
dessa localidade e o ouro contrabandeado da região de Minas Gerais.
148
Nos primeiros vinte e cinco anos do Setecentos, a Costa da Mina forneceu cerca de
80% de todo o escravo desembarcado em Salvador. Mas, a partir de meados da década de
1720, os principais portos de resgate de cativos localizados na Costa da Mina (Ajudá,
Popó, Jaquin), passaram a ser atacados pelo reino do Daomé que iniciara sua expansão do
interior do continente para o litoral ainda nos primeiros anos do século XVIII. As guerras
locais desarticularam as redes mercantis que abasteciam a costa africana com levas de
escravos vindas do interior. Alguns dos mais importantes embarcadouros da região foram
destruídos, como Jaquin. Muitos correspondentes de comerciantes baianos foram presos,
escravizados ou assassinados. A estrutura comercial estabelecida anos fora
desarticulada. Foi um período danoso para o comércio negreiro da Bahia.
149
Com a impossibilidade de atuar nos portos tradicionais, a solução encontrada por
alguns comerciantes foi negociar em outras áreas africanas. Como a região do Congo-
Angola era dominada por mercadores cariocas, restou aos baianos a opção de se
direcionarem mais para ao sul, especificamente no porto de Benguela. Assim, percebemos
o aumento percentual dessa localidade na participação do comércio negreiro baiano. De
todo modo, por ser uma região nova, onde não havia vínculos comerciais preexistentes, as
negociações nessa área não foram tão frutíferas, como àquelas outrora realizadas na Costa
da Mina. Não à toa verificamos no gráfico 1.1 um período longo de decréscimo do fluxo de
148
VERGER, op. cit., 1987, pp. 19-31.
149
Sobre os conflitos na região africana da Costa da Mina cf. VERGER, op. cit., 1987; LAW, Robin. The
Slave Coast of West Africa, 1550-1750. Oxford: Oxford University Press, 1991; MANNING, Patrick.
Slavery, colonialism and economic growth in Dahomey, 1640-1960. Cambridge: Cambridge University
Press, African Studies Series # 30, 2004; RIBEIRO, “The Trans-Atlantic Slave Trade to Bahia (1582-1851)”.
In
: ELTIS, David & RICHARDSON, David. (Orgs.). Extending the Frontiers: Essays on the New
Transatlantic Slave Trade Database. New Haven: Yale University Press, 2008, pp. 130-154.
78
africanos que desembarcavam na cidade de Salvador, o qual se inicia na década de 1720 e
perdura até a década de 1780, atingindo seu menor nível na década de 1760.
Gráfico 1.1: Médias qüinqüenais de entradas estimadas de escravos africanos na Bahia,
1582-1855
1
3
5
7
9
11
13
15
1676-1680
1686-1690
1696-1700
1706-1710
1716-1720
1726-1730
1736-1740
1746-1750
1756-1760
1766-1770
1776-1780
1786-1790
1796-1800
1806-1810
1816-1820
1826-1830
1836-1840
1846-1850
Desmbarques de escravos por mil
Fonte: www.slavevoyages.org
A recuperação iniciou-se na década seguinte, calcada na reorientação do comércio a
partir da abertura de novos portos para o trato negreiro no litoral da África Ocidental. Com
o fechamento das antigas praças litorâneas de embarque de escravos na Costa da Mina e
diante de resultados inexpressivos obtidos na região de Benguela, os negociantes baianos
passaram a comercializar em portos mais a leste, na baía do Benin, tais como: Onim (atual
79
cidade nigeriana de Lagos), Porto Novo e Badagri. Desta forma, como observamos no
gráfico 1.1, o tráfico baiano de escravos foi revigorado, atingindo, a partir de então, novos
patamares, parecidos com aqueles das primeiras décadas do Setecentos. Não obstante, o
fortalecimento do comércio negreiro estimulou, como mencionado, o desenvolvimento
da produção no setor agrário da América portuguesa, nas últimas décadas do século XVIII,
principalmente na região de Salvador e seu Recôncavo.
No século XIX, a demanda por escravos da Bahia passou a se alimentar não apenas
da economia, mas igualmente da política. Houve pressão por parte dos ingleses pelo fim do
tráfico de escravos desde a primeira década do século. Várias embarcações baianas foram
apreendidas pela marinha britânica no litoral africano. Tais pressões resultaram em 1815,
na assinatura de um tratado entre Portugal e Inglaterra, que aboliu o comércio de escravos
em portos africanos ao norte da Linha do Equador.
150
À medida que o abolicionismo expandia-se pelo Atlântico, ele minava alguns
aspectos básicos do tráfico de escravos para a Bahia. Restringiu o acesso às fontes de
escravos com a proibição do comércio ao norte da Linha do Equador, em 1815. Assim,
muitas das regiões africanas fornecedoras de escravos passaram a estar fora do limite para
o comércio legal. Senegâmbia, Costa da Mina e Baía de Biafra estão localizadas ao norte
do Equador. A Costa da Mina em particular, como observamos no quadro 1.8 era a maior
fonte de escravos para a cidade de Salvador.
Comerciantes de escravos em toda a América reagiram contra a expansão do
abolicionismo. Para eles, a abolição violava leis naturais e estava sendo politicamente
imposta pelo poder da marinha britânica. Os traficantes baianos, por essa razão, também
tentaram quebrar a expansão do abolicionismo. Eles, primeiro, buscaram importar escravos
de regiões africanas localizadas no Atlântico sul. O quadro 1.8 nos mostra que a
150
BETHELL, Leslie. The Abolition of the Brazilian Slave Trade: Britain, Brazil and the Slave Trade
Question, 1807-1869. Cambridge: University Press, 1970, capítulos 1 e 2.
80
importação de cativos oriundos da África Centro-Ocidental cresceu mais no século XIX,
como também o Sudeste Africano passou a ser mais visitado. Esta região havia
abastecido alguns negreiros brasileiros com poucos escravos em períodos anteriores, mas
surgiu como uma importante fornecedora de cativos apenas no século XIX. Moçambique
forneceu alguns escravos para a Bahia no século XVII devido à ocupação de holandeses na
região de Angola, mas, no século XIX, tornou-se a fonte complementar da demanda de
braços africanos para todas as regiões do Brasil.
Embora ilegal, os traficantes continuaram navegando para as regiões situadas ao
norte do Equador. O quadro 1.8 mostra também que a Bahia ainda estava engajada
fortemente no comércio de escravos da Costa da Mina, apesar da presença dos cruzadores
britânicos nesta região. Os traficantes baianos também criaram mecanismos para frustrar a
interdição de se comerciar escravos na África Ocidental. Muitos partiam com passaportes
falsos para ir comprar africanos em Molembo ou Cabinda, mas, na verdade, se dirigiam
para os portos de Ajudá, Lagos, Porto Novo e Badagri. O que comprova tal subterfúgio é
que das 54 embarcações capturadas na baía do Benin e julgadas em Serra Leoa, entre 1822
e 1830, 40 tinham passaportes emitidos para Molembo, na região Congo-Angola.
151
Um
grande número de capitães de navios, carregados ou não com escravos, quando pegos pela
marinha britânica, justificavam a sua presença acima da Linha do Equador mostrando a
permissão que tinham para transitar pela rota de Molembo, na qual “sempre” incluía uma
escala estratégica nas ilhas de São Tomé e Príncipe. Com isso, muitos acabavam burlando
a proibição aproveitando-se para se dirigir aos antigos portos abastecedores de escravos na
África Ocidental. Assim fez o comandante do navio Estrela que tinha permissão para tocar
151
VERGER, op. cit., 1987, p. 407.
81
nas ditas Ilhas a caminho de Molembo. Porém, acabou capturado quando carregava sua
embarcação com escravos que acabara de adquirir no porto de Badagri, em 1822.
152
Alguns comerciantes tiveram o requinte de providenciar dois passaportes para a
mesma embarcação, um destinado à região de Molembo ou Cabinda para comerciar
escravos e outro para a Costa da Mina, objetivando o comércio de produtos legais. É o caso
de Anacleto José Barbosa, proprietário dos brigues Leal Portuense e Furão”. Ambas as
licenças foram retiradas em 18 de julho de 1829. O primeiro navio, que nunca saiu de
Salvador, tinha licença para o comércio legal de azeite de palma na Costa da Mina. o
suposto “Furão”, apelido do Leal Portuense, voltou em 06 de novembro de 1829, a
princípio de Cabinda com 568 escravos.
153
Na verdade, o comandante levou consigo as
duas licenças dadas ao mesmo navio para se assegurar que se fosse vistoriado em águas
proibidas escaparia ileso, mostrando a licença que lhe garantia estar na região para fazer o
comércio legal de óleo de palma. A segunda licença (a de resgatar escravos em Cabinda),
era necessária para entrar em Salvador com o carregamento de escravos comprados na
Costa da Mina. O plano não funcionava quando a embarcação era vistoriada no retorno
à América ainda em águas do hemisfério norte. Nesses casos, o navio, a carga e a
tripulação eram arrastados pela marinha inglesa até Serra Leoa, Rio de Janeiro ou Londres
onde ocorria o julgamento do comandante da expedição por um tribunal misto anglo-
português.
154
Invariavelmente, o capitão acabava condenado, a embarcação apreendida e os
africanos libertados. Havia apelação por parte do governo brasileiro em favor da
absolvição do comandante que era quase sempre negada. Pierre Verger conseguiu, a partir
da documentação produzida com esses julgamentos, constituir vinte e cinco combinações
com os nomes verdadeiros e os apelidos usados pelos donos das embarcações para driblar
152
www.slavevoyages.org
153
www.slavevoyages.org
154
RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para
o Brasil(1800-1850). Campinas: Ed. da Unicamp, 2000, p. 98.
82
o Tratado de 1815.
155
Além do uso dessas artimanhas, os comerciantes de escravos
buscaram modernizar suas embarcações, empregando navios a vapor no comércio de
escravos transatlântico a fim de escapar do cerco britânico.
Assim, mesmo nos anos subseqüentes ao Tratado de 1815, o tráfico baiano
manteve-se com vigor, como observamos no gráfico 1.1. Apenas entre 1822-24, devido às
lutas travadas na Bahia pela Independência do Brasi,l houve danos ao comércio
transatlântico de escravos. Em 1822, assistiu-se também a Inglaterra condicionar a
legitimação internacional do novo país à abolição do tráfico e um tratado foi finalmente
assinado em 23 de novembro de 1826. De acordo com o artigo primeiro, ao fim de três
anos, contados a partir da ratificação do documento pelo governo inglês, o comércio
negreiro seria considerado ilegal para todos os súditos do imperador brasileiro. Mesmo
com a proibição do tráfico, levas de africanos continuavam a desembarcar em Salvador,
após 1830. Esses desembarques clandestinos continuaram a ocorrer com bastante
freqüência entre 1830-1850, sob a complacência das autoridades locais, nas ilhas de
Itaparica e dos Frades e na praia de Itapuã. O número estimado de escravo importado na
Bahia nesse período é de 75.872.
156
De forma geral, pairava a idéia de que a prosperidade
do Brasil ainda era depende do tráfico de africanos. Ao mesmo tempo em que crescia a
repressão, os negreiros baianos aumentavam a capacidade de ludibriá-la, como Joaquim
Pereira Marinho e José de Cerqueira Lima, dois dos maiores contrabandistas de escravos
desta época.
157
Em fins dos anos 40 no século XIX a situação mudou. Pressões pelo fim do tráfico
negreiro partem desta vez do próprio Brasil. Parece que as sucessivas humilhações
impostas pela repressão inglesa, ao longo dos anos, estavam resultando numa mudança de
155
VERGER, op. cit., 1987, pp. 440-4.
156
www.slavevoyages.org
157
XIMENES, Cristina Ferreira Lyrio. Joaquim Pereira Marinho: perfil de um contrabandista de escravos
na Bahia, 1828-1887. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1999. Dissertação (mestrado).
83
pensamento acerca do comércio negreiro. Outro fator, e talvez mais decisivo na forma de
encarar a importação de africanos, foi as muitas revoltas ocorridas no Brasil,
particularmente na Bahia, na primeira metade do século XIX. Muitos temiam que
ocorresse no Brasil o que se passou no Haiti no início dos Oitocentos. Desta forma, em
1850, a Lei Eusébio de Queirós, pôs fim ao comércio transatlântico de escravos nos portos
brasileiros.
158
Construída para abrigar a sede do poder político-administrativo da colônia, a cidade
de Salvador se destacou pelas suas atividades mercantis. Eram diversos os produtos
comercializados no porto. As conecções mercantis ligavam a capital da colônia a diversas
partes do Império localizadas na Europa, Ásia, África ou interior da América portuguesa.
Na segunda metade do século XVIII, observamos que a capitania da Bahia vivia
um desenvolvimento no setor agrícola, calcado na produção de itens voltados para o
mercado externo, como açúcar e para o atendimento da subsistência como as lavouras de
mandioca, onde se produzia a farinha, gênero fundamental na dieta da população da cidade
e do meio rural. Essa atividade dependia sobre maneira do braço escravo importado do
continente africano. Cativos que eram negociados por ouro vindo das Gerais e rolos de
tabaco produzidos em roças, fazendas e sítios localizados no entorno de Salvador.
A população de Salvador, centro urbano mais populoso da América portuguesa no
Setecentos, era em sua maioria composta por pessoas de cor, decorrência do peso do
tráfico transatlântico de escravos que anualmente fazia chegar ao porto soteropolitano
grandes levas de africanos. Salvador recebeu cerca de um terço do volume total de
desembarque de cativos áfricos efetuadas na América portuguesa, mostrando o peso dessa
praça mercantil no comércio internacional de escravos.
158
Sobre o debate a cerca do fim do tráfico de escravos no Brasil cf. RODRIGUES, op. cit., 2000.
84
O trato negreiro estruturado de forma bilateral pôs em contato regiões das duas
margens do Atlântico. Do lado africano, se destacavam a Costa da Mina pelo importante
papel desempenhado como principal fornecedora de escravos, a partir de fins do século
XVII, e a presença constante da oferta de cativos da região Congo-Angola.
Essa característica diversificada do tráfico baiano garantiu não apenas o suprimento
da demanda por mão-de-obra, mas, também, devido às diferentes origens dos africanos
desembarcados, vindo de vários recantos africanos, matizou a população soteropolitana.
Muitos estudiosos tendem a ver o Rio de Janeiro como o centro do comércio de escravos e
conseqüentemente a fonte de diversidade étnica no Brasil. Entretanto, o centro de tal
diversidade nas origens dos escravos concentra-se, de fato, nas regiões ao norte do Rio,
principalmente na Bahia que recebeu, ao longo dos séculos, grandes levas de cativos
vindos da Costa da Mina e da região Congo-Angola.
85
CAPÍTULO II
86
O mercado de compra e venda dos bens rurais, urbanos e comerciais
A proposta desse capítulo é apontar os padrões de investimentos da sociedade de
Salvador entre os anos de 1750 e 1800. Para tanto, utilizaremos as escrituras públicas
referentes aos dois ofícios que existiam neste período na cidade. Essa documentação se
encontra depositada no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). A catalogação não
foi feita por ofícios, mas sim por nome de tabelião o que nos impossibilita saber de qual
cartório provém cada livro analisado. Infelizmente, devido ao grau de degradação no qual
se encontram esses livros de notas, muitos registros ficaram impossibilitados de serem
trabalhados. De todo modo, ainda consideramos esse material de fundamental importância,
pois abrange todo o período da pesquisa.
Sabemos que a análise a seguir não busca apontar a verdade numérica no que tange
à compra e venda da sociedade soteropolitana colonial. Isso ocorre não pelo fato de não
termos conseguido levantar toda a documentação notarial devido ao mencionado estado
de degradação ou pela perda do material ao longo dos anos, mas também por acreditarmos
que nem tudo que foi transacionado no período histórico foi registrado. Como nos foi
alertado por Antônio Carlos Sampaio, baseado nas Ordenações Filipinas, apenas os bens de
raiz com valor acima de 4$000 e os móveis acima de 60$000 tinham que ser registrados
em escrituras públicas.
159
Além disso, é possível que muitas transações envolvendo bens de
maior monta não tivessem sido registrados pelo simples motivo de envolverem pessoas que
confiassem umas nas outras, como por exemplo, a venda de uma propriedade de pai para
filho. Assim sendo, o que buscamos é mostrar com as escrituras a representatividade de
alguns padrões de investimentos feitos pela sociedade da época. Além disso, ao longo da
159
SAMPAIO, Antônio C. J. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no
Rio de Janeiro (c. 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 54.
87
tese poderemos confrontar os números apurados nas escrituras com outros, obtidos em
fontes de natureza diversa, o que nos possibilitará uma maior acuidade com os dados e
maior refinamento de nossas análises.
uma variedade de escrituras públicas, compondo um conjunto extremamente
heterogêneo. Tal diferenciação nos permite abordar diversos aspectos da vida cotidiana dos
habitantes de Salvador. Alguns exemplos dessa farta documentação são as procurações,
escrituras de doação de patrimônio, fiança, confissões de dívidas, formação de sociedade,
de alforrias, compra e venda, empréstimos. Nessa parte do trabalho, nos limitaremos as de
“compra e venda”. as de empréstimos serão analisadas no capítulo 3, enquanto as de
doação no capítulo 4.
Desta forma, procurei levantar as escrituras de “compra e venda” (geralmente
intituladas “venda e quitação”) qualquer que fosse o objeto transacionado. Após a
constituição de um banco de dados com tais informações, busquei separar esse material em
cinco categorias diferentes: negócios rurais, negócios urbanos, negócios comerciais,
embarcações e outros.
160
Após a coleta do material e a imersão no banco de dados, buscamos agrupar as
informações por décadas para uma melhor análise. Cabe mais uma vez lembrar que
estamos cientes de que as diversas formas de investimentos de uma sociedade colonial e,
por conseguinte, de sua reprodução não passam apenas no mercado. Existem outros
mecanismos que abordaremos em um capítulo posterior.
160
Foram extremamente pequenos os casos que classificamos como outros, como por exemplo, todo tipo de
objetos, escravos e pequenas manufaturas.
88
Quadro 2.1 – Participação percentual dos diversos tipos de vendas no valor total transacionado na cidade de Salvador entre 1751 e 1800 por
décadas (em mil-réis)
Negócios rurais Negócios urbanos Negócios comerciais Embarcações Outras vendas Valor total nos
negócios de compra e
venda
Empréstimos Período
Valor N.E valor N.E Valor N.E valor N.E
valor N.E valor N.E Valor N.E
1751-60 136:537$681 82 92:044$044 116 13:750$820 17 7:650$000 6 249:981$725 221 216:141$678 75
% 54,6 37,1 36,8 52,5 5,5 7,7 3,1 2,7 100 100 86,5 33,9
1761-70 70:271$079 69 49:727$990 127 37:964$000 14 6:400$000 10 107$290 1 164:470$359 220 79:569$291 91
% 42,7 31,4 30,2 57,7 23,1 6,4 3,9 4,5 0,6 0,4 100 100 48,4 41,4
1771-80 147:634$899 129 77:927$300 184 13:689$753 33 21:070$000 19 1:308$000 9 261:629$952 374 159:155$612 195
% 56,4 34,5 29,8 49,2 5,2 8,8 8,0 5,1 0,5 2,4 100 100 60,8 52,1
1781-90 103:822$146 121 126:248$115 191 46:503$073 63 17:212$200 20 3:411$115 13 297:196$649 408 205:202$486 185
% 34,9 29,6 42,5 46,8 15,6 15,4 5,8 4,9 1,1 3,2 100 100 69,0 45,4
1791-1800
154:657$007 169 171:581$011 258 102:100$022 96 32:364$980 32 5:113$865 15 465:816$885 570 303:622$507 237
% 33,2 29,6 36,8 45,3 21,9 16,8 6,9 5,6 1,1 2,6 100 100 65,2 41,6
Obs.: N.E = número de escrituras
Fonte: Anexo 1.
246
Se os inventários post-mortem funcionam como “fotografias” marcando um
instante da vida de um indivíduo, as escrituras funcionam como um “filme”. Sua análise
permite ver o mesmo indivíduo atuando em diversos momentos ao longo de sua existência.
Além disso, elas refletem as estruturas da sociedade e suas conjunturas econômicas. De
início, elaboramos a quadro 2.1 a partir de 1804 escrituras de “compra e venda” e 793
escrituras de “empréstimos”.
De forma geral, em Salvador os bens arrolados na documentação de venda e
quitação, eram do setor rural ou de prédios urbanos, tendo esse último um peso maior no
número de escrituras (49,1% do total). Para todos os períodos, os negócios envolvendo
bens urbanos são majoritários. O que pode explicar o peso da quantidade de transações
envolvendo negócios urbanos é o fato de estarmos trabalhando com uma área urbana (a
documentação analisada neste capítulo foi produzida nos dois cartórios que se encontram
no perímetro urbano de Salvador).
As escrituras envolvendo bens agrários giravam em torno de 30% do total. Mesmo
tendo uma participação inferior no total da escrituras, nas décadas de 1750, 1760 e 1770, o
valor transacionado envolvendo bens rurais foi majoritário. Esses dados são derivados não
do maior valor dos bens agrários frente aos demais como também refletem a expansão
da produção agrícola pela qual passava a capitania da Bahia no período analisado, como
foi abordado no capítulo 1. A partir da década de 1780, notamos um decréscimo na
proporção dos recursos investidos nesses bens. Contudo, eles continuaram a drenar cerca
de 30% do capital alocado nas negociações de compra e venda no mercado soteropolitano.
Por seu turno, situação diferente é percebida quando analisamos os bens urbanos.
Como dito anteriormente, embora fossem majoritários em números de escrituras para todos
os períodos, isso não reflete no montante negociado. Somente nas duas últimas décadas do
247
século XVIII, os valores envolvendo negócios urbanos tornaram-se mais representativos
do que os rurais.
Um dado que nos chama atenção é o decréscimo dos valores dos negócios urbanos
ao longo dos anos. Se entre 1751-60 chegaram a representar 36,8% de todo o montante
negociado, no período de 1771-80 esse percentual cai para 29,8%, isso sem ter ocorrido
um decréscimo percentual significativo de escrituras envolvendo esse tipo de bens, que
poderia explicar tamanha queda do volume transacionado. Na década de 1751-60, cerca de
52,5% das escrituras envolviam bens urbanos. No decênio seguinte essa participação
aumentou para 57,7%, entretanto a representatividade dos recursos caiu de 36,8% para
30,2%. A explicação para esse decréscimo dos recursos alocados no mercado de compra e
venda de bens rurais reside no preço dos imóveis da cidade de Salvador.
De maneira geral, os bens urbanos caracterizavam-se por dois tipos de habitação: o
sobrado e a casa térrea. Segundo, Nestor Reis Filho, além das dimensões, a diferença
principal estava no tipo de piso, assoalho no sobrado e “chão batido” na casa térrea. Assim,
definiam-se as relações entre os tipos de habitações e estratos sociais. Os pisos térreos dos
sobrados, também de terra batida, quando não eram usados como lojas, destinavam-se aos
animais, escravos ou permaneciam vazios, mas nunca eram utilizados pelo proprietário e
sua família.
161
Na paisagem baiana, o mais comum era a presença de casas térreas. Havia também
as “casas nobres”. Diferente dos sobrados que eram estreitos e fundos, permitindo a
abertura de poucas janelas, a casa nobre, geralmente situadas nas cercanias do centro da
urbe, eram mais elegantes, possuíam um espaço maior , apresentando, assim um número
maior de janela e um maior espaço interior refletindo numa maior comodidade. As casas
mais ricas preservavam a intimidade, com salas e espaços definidos para as mulheres,
161
REIS FILHO, Nestor G. Quadro de arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1997, p.28.
248
hóspedes e escravos. Existiam também aposentos destinados às orações, repouso, lazer,
alimentação, etc.
162
Dos inventários post-mortem da cidade de Salvador elaborados entre 1760 e 1808,
arrolados por Maria José Rapassi Mascarenhas, em cerca de 50% continham casas
próprias, em chãos próprios ou foreiros. Essa representatividade se fazia em todas as faixas
de fortuna. Muitos inventariados eram proprietários de uma ou mais casas de aluguel.
163
Vejamos o gráfico 2.1. Nele, podemos visualizar o preço médio dos bens urbanos
arrolados nas escrituras públicas. Foi possível avaliar o preço de 876 imóveis, entre
sobrados (266) e casas térreas (570). Salta aos olhos a desvalorização que ocorreu no valor
das casas, cerca de 40% nos primeiros trinta anos da nossa amostragem, corroborando com
a informação obtida no quadro 2.1 sobre o decréscimo percentual do montante total
envolvendo as transações dos bens urbanos. A partir de 1780, notamos uma melhora nos
preços das casas, período no qual aumentaram percentualmente os investimentos nos bens
urbanos. os sobrados tiveram uma queda de 10% na década de 1760. Por volta de 1775
os valores desses imóveis voltaram a subir recuperando as perdas dos anos anteriores. Ao
que parece a diminuição dos valores dos imóveis deveu-se a fatores conjunturais.
A desvalorização dos imóveis urbanos pode estar atrelada à mudança da sede do
vice-reinado para a cidade do Rio de Janeiro, em 1763, acarretando um esvaziamento
populacional de Salvador. Isso foi verificado em dados apontados no quadro 1.3 do
capítulo 1. Calcula-se que no ano de 1768, o tamanho da população fosse de 40 922
pessoas. Esse contingente decresceu, atingindo em 1775 o número de 33 635 habitantes.
No final da década teria ocorrido uma recuperação populacional, quando se estima que no
ano de 1780 a capital baiana contava com 39 209 pessoas. Apesar dessa recuperação, essas
162
ALGRANTI, Leila. “Famílias e vida doméstica.” In: NOVAIS, Fernando & SOUZA, Laura de Mello e
(org.) História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 101-103.
163
MASCARENHAS, Maria José Rapassi. Fortunas coloniais elite riqueza em Salvador, 1760-1808. Tese
(doutorado) – curso Pós-Graduação em História Econômica, USP, São Paulo, 1998,p. 163.
249
estimativas nos mostram uma queda substancial no ritmo de crescimento populacional da
cidade de Salvador na segunda metade do século XVIII. Conseqüentemente, teria ocorrido
uma maior oferta de moradia frente à demanda pouco crescente.
Gráfico 2.1 – Média dos valores dos bens urbanos, Salvador,
1751-1800 (em mil réis)
0
100000
200000
300000
400000
500000
600000
700000
800000
900000
1000000
1100000
1200000
1751-60 1761-70 1771-80 1781-90 1791-1800
sobrado casa
Fonte: Anexo 2.
Além disso, verificamos no capítulo 1 que a década de 1760 representou um mau
momento da economia de Salvador, exemplificado pela queda no nível do comércio,
principalmente do tráfico negreiro. Essa atividade era fundamental, visto que era a forma
primordial da reprodução física do cativo na América portuguesa. A revenda de escravos
250
recém desembarcados para as diversas áreas da América lusa gerava capital que adentrava
na cidade e fomentava o seu mercado. Nesse caso destacava-se o pagamento em ouro feito
pelos donos de lavras em áreas do interior da própria capitania da Bahia, de Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso, regiões que continuavam a ser abastecidas de cativos por
comerciantes baianos.
164
Assim, o declínio do comércio de escravos acarretou um menor
volume de recursos a serem investidos na cidade. Nesse sentido, na década de 1760, o
volume de dinheiro aplicado nas negociações caiu em todos os setores, assim como no
número de escrituras, com exceção das transações envolvendo bens comerciais, cuja
representatividade saltou de 5,5 para 23,1 %. Na verdade, esses números são fruto de uma
grande negociação envolvendo a venda de um trapiche no ano de 1769, por 30:000$000
efetuada pelo alcaide-mor da cidade, José Pires de Carvalho e Albuquerque e sua esposa,
Isabel Joaquina de Aragão, ao capitão e homem de negócio, Teodósio Gonçalves da Silva e
sua mulher, Ana Luíza de Queirós e Silva.
165
De todo modo, como as demais categorias,
houve também um decréscimo na participação de escrituras envolvendo bens mercantis na
década de 1760.
De forma geral, os preços na cidade de Salvador permaneceram estáveis entre os
anos de 1750-80. Ainda na década de 1770, alguns produtos tiveram seus valores
aumentados devido ao desenvolvimento econômico, mas nada que causasse uma
diferenciação brutal em comparação aos preços verificados na metade dos Setecentos. A
arrancada vai ocorrer conforme aponta Kátia Mattoso em meados da década de 1780, com
o considerável aumento no preço do açúcar.
166
Entre 1750-73, segundo a autora, a curva do
164
Sobre o comércio de escravos da Bahia para as demais regiões da América portuguesa, cf. RIBEIRO,
Alexandre V. “O comércio de escravos e a elite baiana no período colonial” In: FRAGOSO, João;
SAMPAIO, Antônio Carlos de Jucá; ALMEIDA, Carla Maria (orgs.). Conquistadores e negociantes:
histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América Lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007, pp. 311-35.
165
APEB, judiciário, Livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 110, p. 39.
166
MATTOSO, Kátia. “Conjuntura e sociedade no Brasil no final do século XVIII: preços e salários às
vésperas da Revolução dos Alfaiates, Bahia, 1798”. In: MATTOSO, Kátia. Da revolução dos Alfaiates à
251
preço desse produto mostra-se como uma linha horizontal, apesar de ligeiras altas em 1756
e 1762.
167
Dados levantados por D. Alden também nos mostram certa estabilidade do preço do
açúcar no período considerado. A média da arroba entre os anos de 1751-55 foi de 1$386.
No lustro seguinte houve um pequeno aumento acarretando um preço médio anual de
1$583. Entre 1761-65, o valor médio voltou a diminuir (1$423), atingindo 1$327 anuais
entre 1766-68.
168
Gráfico 2.2 – Médias qüinqüenais dos índices de preços, Salvador, 1741-69
0
30
60
90
120
150
1541-45
1746-50
1751-55
1756-60
1761-65
1766-69
açúcar
carne de vaca
farinha de
mandioca
galinhas
azeite de oliva
Fonte: ALDEN, Dauril. “Los movimentos de precios em Brasil antes, durante y después
del auge del oro, con referencia especial al mercado de Salvador, 1670-1769”. In:
JOHNSON, Lyman & TANDETER, Enrique (orgs.). Economías coloniales precios e
salarios en America Latina, siglo XVIII. México: Fundo de Cultura Econômica, 1992, pp.
405-6.
riqueza dos baianos no século XIX: itinerário de uma historiadora. Salvador: Corrupio, 2004, p. 43.
167
Ibidem, p. 36.
168
ALDEN, Dauril. “Los movimentos de precios em Brasil antes, durante y después Del auge Del oro, con
referencia especial al mercado de Salvador, 1670-1769”. In: JOHNSON, Lyman & TANDETER, Enrique
(orgs.). Economías coloniales – precios e salarios en America Latina, siglo XVIII. México: Fundo de Cultura
Econômica, 1992, p. 376.
252
Para além do açúcar, D. Alden estipulou o índice de preços para outros gêneros
comercializados na cidade de Salvador no período de 1710-1769, como azeite de oliva,
carne de boi, galinha e farinha de mandioca. Com tais informações, foi possível elaborar o
gráfico 2.2 estabelecendo médias qüinqüenais Nos limitamos a trabalhar com os dados
referentes aos anos de 1741 a 1769 (último ano com valores disponíveis).
A partir do gráfico 2.2, observamos que os preços mantiveram-se estáveis com
tendências de quedas no último qüinqüênio, exceção ao azeite de oliva, artigo importado
de Portugal, que oscilou bastante durante todo o período, tendendo à alta no período final
da amostra. O preço deste produto em Salvador estava atrelado aos registrados em Lisboa e
no Port
o. Essas últimas altas refletem as insuficiências do abastecimento devido aos
embarques irregulares nos portos portugueses, situação que foi agravada com o terremoto
na cidade de Lisboa no ano de 1755. Depois desse evento, os preços subiram
constantemente, mantendo-se altos até o final do período.
169
O preço da carne de boi no mercado de Salvador subiu até a década de 1730 e
posteriormente permaneceu estável, exceto em anos de seca. A carência desse tipo de
alimento verificada no início do século XVIII se dissipou com a permissão de se criar gado
dentro da faixa de 40km do litoral baiano. Mas sem dúvida, foi do interior do nordeste,
principalmente da capitania do Piauí, bem como do desenvolvimento gradual da atividade
pecuária nas antigas áreas de mineração que garantiram ao mercado de Salvador preços
estáveis a partir de meados do século.
170
Por volta do ano de 1772, inicia-se um período de
alta, ainda que de forma gradual, que se acelerou no ano de 1792 com a diminuição da
entrada de reses no mercado de Salvador. Segundo dados de K. Mattoso, no ano de 1791
foram levadas ao abatedouro da capital baiana 21 044 cabeças de gado. No ano seguinte
esse número despencou para 15 698, voltando a se recuperar apenas na virada do século.
169
ALDEN, op. cit., 1992, pp. 396-7; MATTOSO, op. cit., 2004, p. 37.
170
ALDEN, op. cit., 1992, pp. 382-3.
253
Segundo Luís dos Santos Vilhena, essa era uma prática deliberada dos monopolistas que
especulavam como o preço da carne bovina.
171
A política utilizada pelos fornecedores
diminuindo por conta própria a entrega de mercadoria objetivando o aumento dos lucros,
atrelada a uma onda de seca que atingiu a região entre 1790-3, seriam os motivos pela
elevação do preço da carne nos últimos anos dos Setecentos.
172
A carne de galinha que fazia parte da dieta dos enfermos foi sempre mais cara do
que a carne bovina ao longo de todo o século XVIII. Segundo D. Alden, uma galinha
adulta pesando 900g valia de dez a vinte vezes mais que o mesmo peso de carne bovina.
173
Os preços das aves permaneceram altos até 1730, quando começaram a baixar. Segundo o
gráfico 2.2, a carne de galinha manteve uma tendência de queda ao longo do período
analisado.
Um outro item fundamental na dieta do povo baiano era a farinha de mandioca,
como mencionamos no capítulo 1. Depois da escassez do produto, verificada na virada do
século XVII para o XVIII, o preço da farinha manteve em constante alta até a década de
1730. Já em meados do Setecentos encontrava-se em queda, resultado do desenvolvimento
de lavouras de mandioca por diversas áreas vizinhas a cidade de Salvador, mais
notadamente nas vilas do Recôncavo, conseguindo desta forma, atender a demanda
crescente no mercado baiano.
174
Segundo dados apontados por B. J. Barickman, após 1770,
o preço da farinha continuou estável na Bahia. O preço médio do alqueire de farinha
comercializado em Salvador na década de 1850 não era mais alto em termos reais do que o
verificado para a década de 1780.
175
171
VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, vol. 1, 1969, p. 128.
172
MATTOSO, op. cit., 2004, pp. 39-40.
173
ALDEN, op. cit., 1992, p. 384.
174
ALDEN, op. cit., 1992, pp. 385-90; MATTOSO, op. cit., 2004, pp. 40-2; Sobre a cultura de mandioca e o
fabrico da farinha no Recôncavo baiano cf. BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano açúcar, fumo
mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
175
BARICKMAN, op. cit., 2003, p. 159.
254
De maneira geral, os índices de preços tanto dos itens produzidos internamente
quanto dos vindo do exterior tiveram um comportamento semelhante até o terremoto de
Lisboa. Depois de 1755, os produtos importados passaram a ter uma tendência de alta
enquanto que os produtos locais um viés de baixa. Em alguns casos mantiveram seus
índices até adiantados do século XIX.
Tão importante quanto os gêneros alimentícios para verificar a dinâmica do
mercado de Salvador é o valor do escravo. Em vários momentos houve aumento no preço
do cativo. Segundo Antonil, o valor de um escravo adulto em Salvador em 1704 era de
89$000. Oito anos depois era avaliado em 114$000.
176
Nas décadas de 1720 e 1730, os
escravos eram vendidos por cerca de 3,3 vezes mais do que os que se vendiam na cidade de
Salvador na década de 1690.
177
Essa alta era reflexo da carência de braços que se sentia na
cidade devido à alta demanda das regiões mineradoras. Com a diminuição da
produtividade mineral, os preços dos escravos caíram na Bahia. Dados levantados por D.
Alden mostram que no ano de 1738 um escravo era negociado por 200$000. Já em 1743, o
valor de um cativo era de 120$000, caindo para 100$000 no ano de 1756, voltando a subir
para 163$000 em 1769. A partir da década de 1770, com o aumento do comércio baiano na
Costa da Mina, o preço do escravo manteve-se estável até o início das pressões inglesas
para por fim ao tráfico transatlântico de escravos, nas primeiras décadas do século XIX.
178
De maneira geral, os preços negociados na praça de Salvador a partir de meados do
século XVIII, mostravam uma certa estabilidade, não sendo caracterizado nenhum grande
surto “inflacionário”. Somente nos últimos anos dos Setecentos verificamos tendências de
alta, como a do açúcar e a da carne bovina. Portanto, o padrão observado na venda de casas
parece estar em conformidade com a estabilidade encontrada nos preços dos itens mais
176
ANTONIL, André João Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p. 272-3.
177
ALDEN, op. cit., 1992, pp. 377-8.
178
Ibidem, p. 378; BARICKMAN, op. cit., 2003, pp. 231-5; VERGER, op. cit., 1987.
255
importantes do cotidiano do soteropolitano, parecendo ser um fator conjuntural a queda
verificada na década de 1760.
Antônio Carlos Sampaio trabalhou com as escrituras públicas dos cartórios do 1
o
. e
2
o
. ofícios de notas da cidade do Rio de Janeiro entre 1650-1750. Em suas análises,
Sampaio verificou comportamento parecido ao que observamos para a sociedade de
Salvador, até fins da década de 1770, qual seja: o forte peso dos valores das transações
envolvendo negócios rurais, embora não fossem predominantes em número de escrituras,
exceção feita à década de 1690, momento no qual representaram mais que a soma de todos
os outros negócios. Do mesmo modo, o autor chama atenção para o número significativo
de escrituras de bens urbanos, conquanto representassem uma fração pequena frente ao
total dos valores negociados. Para Sampaio, o peso do montante envolvido na aquisição de
bens rurais devia-se ao fato destes bens possuírem valores mais elevados do que aqueles
encontrados na urbe. Era no setor rural que se encontravam os bens de maior valor
agregado, como os engenhos.
179
Tal percepção também é válida para o caso de Salvador. No ano de 1779, por
exemplo, Antônio Gomes Ferrão Castelo Branco e sua mulher venderam um engenho com
todas as suas benfeitorias e escravos pela quantia de 30:000$000 a João Vilela de
Carvalho, homem de negócio da praça de Salvador.
180
Por outro lado, nesse mesmo ano, a
soma de todos os bens urbanos negociados foi de 9:622$885, valor três vezes inferior a
negociação do engenho.
181
O bem urbano de maior valor negociado em 1779 foi uma
morada de casa de sobrado vendida por Inocêncio José da Costa, capitão e homem de
negócio, a Antônio da Costa, cirurgião-mor da cidade, pela quantia de 1:700$000.
182
Com
179
SAMPAIO, op. cit., 2003, p. 74.
180
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 120, p. 326v.
181
Conferir anexo 1.
182
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 120, p. 334v.
256
o montante pago pelo engenho era possível comprar dezessete sobrados parecidos ao que o
capitão Inocêncio vendeu.
Quadro 2.2 – Valor médio dos bens arrolados nas escrituras de compra e venda em
Salvador, 1751-1800
Bens Média Mínimo Máximo
Sobrado (266) 745$000 66$000 3:300$000
Casa térrea
(610)
291$780 22$000 1:000$000
Engenho (29) 9:186$144 2:800$000 31:000$000
Fazendas de
cana (38)
3:586$800 800$000 9:900$000
Fazenda de
Gado (43)
2:450$000 200$000 8:800$000
Roças (45) 370$000 70$000 1:021$000
Fonte: APEB, Livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
OBS: 1- valores em mil réis
2 - os números em parênteses referem-se a quantidade de bens avaliados nas
escrituras.
O quadro 2.2 nos mostra dados relativos aos preços médios dos imóveis
transacionados em Salvador. Analisando o período como um todo, os valores de
negociação dos engenhos chegaram a variar no nimo de 2:800$000 a um máximo de
31:000$000, sendo de 9:186$000 a média dos preços baseados na transação de vinte e
nove engenhos, incluídos terras, benfeitorias e escravos. Numa amostragem de trinta e oito
fazendas de cana observamos que o valor máximo de 9:900$000 e mínimo de 800$000,
257
com média 3:586$800. Já as fazendas de gado bovino e cavalar tinham preços variando de
200$000 a 8:800$000, com valor médio de 2:450$000, verificado nas negociações de
quarenta e três fazendas. A comparação desses valores com os de sobrados e casas nos
permite constatar o peso e a quantia necessária para o investimento em bens rurais.
O valor da terra produtiva variava conforme o tipo de solo, de cultivo e localização.
Além disso, devia se levar em consideração também as benfeitorias e a existência de
equipamentos capazes de beneficiar o produto colhido. Era o caso dos engenhos, que por
estarem aptos a realizar a fabricação do açúcar. Segundo o quadro 2.4, um engenho valia
aproximadamente doze sobrados ou trinta e duas casas térreas. Não podia ser diferente,
pois ao contrário dos imóveis urbanos, os bens rurais tinham características produtivas,
compondo-se de moradia, terras para a plantação ou criação de animais, escravos,
ferramentas e, no caso dos engenhos, fábrica para a produção de açúcar. Cabe mais uma
vez ressaltar, que nesse momento a Bahia experimentava um desenvolvimento nas suas
atividades agrícolas, com o aumento da produção de açúcar, fumo e farinha, por exemplo,
como observado no capítulo 1.
Entre 1684-1725, período anterior ao analisado no quadro 2.2, Rae Flory constatou
que o valor de um engenho sem escravos variava de 1:400$000 a 33:300$000, sendo de
15:200$000 a média dos preços.
183
Ainda segundo a autora, o gasto se elevava quando se
contabilizava o custo da mão-de-obra escrava. Calculando a necessidade de pelo menos
trinta homens para executar as tarefas cotidianas de um engenho, o valor médio subiria
para 20:000$000, superior, portanto ao período analisado neste trabalho. Infelizmente,
Flory não calculou os valores relativos aos bens localizados na urbe, o que nos impede de
fazer uma comparação temporal com dados apontados na quadro 2.4.
183
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. The University of Texas at Austin, PH.D teses,
1978, pp. 63-4.
258
Schwartz calculou em seu estudo que os engenhos da Bahia variavam de um valor
mínimo de 10:620$000, em 1741 a 37:409$000, em 1816, sendo sempre o valor da terra
superior a soma dos escravos. Maria José Mascarenhas, verificou a partir dos inventários
post-mortem que a variação no valor dos engenhos era de 8:242$100 em 1762 a
30:406$000, em 1804. Apenas em um engenho inventariado o valor total da escravaria se
sobrepunha ao da terra. Assim, confirma-se que a terra cultivada era mais valiosa do que a
escravaria.
184
Analisando o quadro 2.1 notamos o quanto importante era o investimento em bens
rurais. Mesmo com a queda verificada a partir da década de 1780, cerca de um terço dos
recursos continuavam a ser direcionados para o setor agrário. Grande parte do capital
acumulado em atividades mercantis era redirecionada para a agricultura.
A partir dos dados coletados em 178 inventários entre 1760 e 1800, por Maria José
Mascarenhas, montamos o quadro 2.3 que mostra o padrão de investimento dos indivíduos
na praça de Salvador.
Neste quadro verificamos que o setor de crédito era hegemônico, concentrando
entre 51,4 a 24,4% da riqueza dos baianos. O perfil disseminado do crédito nos inventários
soteropolitanos será analisado no capítulo seguinte. Por ora, observamos o investimento
nos demais setores. Logo abaixo do crédito, verificamos a forte presença do setor rural,
que representava entre 18,8 a 39,1% das aplicações. Essa informação corrobora o padrão
encontrado nas escrituras públicas de compra e venda, qual seja: a transferência de boa
parte do capital mercantil para o setor agrário.
184
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 118.
259
Quadro 2.3 – Participação das atividades econômicas (%) nos inventários post-
mortem de Salvador, 1760-1800
Anos
Inventários
Montemor Dívidas
ativas
Escravos
Bens
rurais
Bens
urbanos
Embarcações
Prata
1761-
70
38 187:313$938
43,0 20,9 18,8 14,3 1,2 0,1
1771-
80
15 71:026$034 25,7 25,6 37,7 6,1 3,4 1,4
1781-
90
47 181:186$053
51,4 15,9 29,3 1,3 0,6 1,4
1791-
1800
78 490:427$785
24,4 17,3 39,1 17,4 0,5 1,3
Fonte: MASCARENHAS, Maria José Rapassi. Fortunas coloniais elite riqueza em Salvador,
1760-1808. Tese (doutorado) curso Pós-Graduação em História Econômica, USP, São Paulo,
1998, anexo 1.
Numa sociedade de Antigo Regime, o investimento em terra era um mecanismo
fundamental para a obtenção de status e prestígio social. Assim, acreditamos que embora
houvesse um crescimento do setor comercial em Salvador a partir de meados do século
XVIII, não havia uma distinção muito clara entre a elite mercantil e agrária da cidade. Tal
diferenciação se fez presente a partir do último quarto do século. Assim, entendemos a
atuação do grande comerciante Custódio Ferreira Dias, dono da maior fortuna
inventariada. Seu montemor foi avaliado em 304:156$594 sendo que 101:640$000 estava
atrelado a atividades rurais, posse de engenhos, roça e fazendas de gado. Outros
120:000$000 correspondia a sua vida ativa, demonstrando sua participação como
260
usurário, e 18:000$000 referentes a propriedades urbanas e comerciais, como lojas, casas e
armazéns.
185
Outro homem de negócio que possuía investimentos em bens agrários era Manoel
Pereira de Andrade. Sua fortuna foi avaliada em 193:975$000. Aproximadamente
49:000$000 ou um quarto de sua riqueza estavam vinculados ao setor agrário, como a
posse de dois engenhos e uma fazenda de gado. Possuía 24:000$000 em escravos,
provavelmente, trabalhadores de suas propriedades rurais. Cerca de 27:700$000 referia-se
a bens urbanos e mercantis, como casas, lojas e embarcações. Assim como Custódio
Ferreira Dias, atuava como usurário. Possuía aproximadamente 41:000$000 em dívidas
ativas.
186
Os perfis desses indivíduos mostram a diversificação dos investimentos ao longo
da vida, principalmente vinculados ao setor agrário, como terras, engenhos, fazendas e
plantéis de escravos.
Em quase todos os inventários encontramos a posse de terras, expressadas em
engenho, fazendas de cana ou gado, sítios ou roças. Assim como verificado nas escrituras
públicas, os bens rurais de maior valor eram os engenhos. Estes por sua vez estavam
sempre atrelados às fazendas de cana. Muitos proprietários plantadores de cana não
possuíam a moenda para beneficiar sua produção, por isso dependiam de um engenho. Este
por sua vez dependia de um grande número de lavradores de cana-de-açúcar para se manter
em funcionamento. Rae Flory calculou que para cada engenho havia a vinculação de
quinze plantadores de cana, que forneciam grande parte da colheita que era moída,
diminuindo, desta maneira, os gastos do senhor de engenho com plantações e escravaria.
As maiores fazendas de cana eram bem parecidas com os engenhos, obviamente sem a
moenda.
187
Segundo Schwartz, na segunda metade do século XVIII, havia entre setecentos
185
APEB, judiciário Inventário de Custódia Ferreira Dias, 1801,4/1741/221/5.
186
APEB, judiciário Inventário de Manoel Pereira de Andrade, 1793, 4/594/2063/7.
187
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
261
e oitocentos plantadores de cana no Recôncavo baiano.
188
No Rio de Janeiro, em que pese
a o papel primordial dos engenhos no setor agrário, na segunda metade do século XVII, era
praticamente inexistente as fazendas de cana. Segundo Antônio Carlos J. de Sampaio, a
explicação para esse fato reside nas características específicas dos arrendamentos de
“partido de cana” feitos no Rio de Janeiro.
189
Na Bahia, os lavradores de cana situados no interior de um engenho, eram
obrigados a entregar metade do açúcar produzido a partir da sua cana, e mais um terço ou
um quarto da parte que lhe cabia como pagamento pelo uso da terra.
190
Muitos senhores de
engenho obtinham uma renda mediante arrendamento de parte de suas terras, visto que
desde o início do século XVII, toda a área canavieira do Recôncavo estava apropriada.
Sendo assim, as únicas formas de se ter acesso a terra era pela compra ou arrendamento.
Muitos proprietários, ao invés de receber em cana, preferiam que o pagamento pelo
arrendamento fosse feito em dinheiro. Tal prática, tornou-se uma importante fonte de renda
para a elite agrária colonial, de acordo a Francisco Carlos Teixeira da Silva.
191
Segundo Rae Flory, a posse de bens vinculados à produção açucareira na Bahia era
bastante instável. Fazendas e engenhos trocavam de donos com muita freqüência. Isso
ocorria devido ao grau de endividamento dos senhores de engenho. Cerca de 60% desses
senhores eram imigrantes ou filhos de imigrantes portugueses, caracterizando uma
reciclagem continua no interior da elite agrária. Essa mudança de proprietário ocorria a
partir da constituição de laços matrimoniais entre membros do setor comercial com filhas
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese
(doutorado), p. 31.
188
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São
Paulo: Cia. das Letras, 1995,p. 177-8.
189
SAMPAIO, op. cit., 2001, p. 106.
190
FERLINI, Vera. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no nordeste colonial. Bauru: EDUSC,
2003, pp. 171-7.
191
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A morfologia da escassez: crises de subsistência e política
econômica no Brasil colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). Tese (doutorado) – curso Pós-
Graduação em História, UFF, Niterói, 1990, cf. cap. 8.
262
de senhores de engenho ou pela aquisição via mercado. Desta forma, muitos homens de
negócio com o capital acumulado na atividade mercantil se aproveitavam para comprar
parte ou a totalidade de um engenho ou fazenda de cana, tornando assim novos senhores de
engenho.
192
Além de unidades açucareiras, havia fazendas de gado no setor agrário baiano.
Dados computados de inventários por Maria José Mascarenhas mostram a presença de
vinte e cinco fazendas de gado, sendo que destas, vinte e quatro eram exclusivamente
bovinas enquanto uma era mista, pois além da criação de gado, plantava-se tabaco. O tipo
de gado criado nessas propriedades era vacum e cavalar. Praticamente em todos os
inventários, o valor do gado era superior ao da terra, que estavam quase todas localizadas
no sertão baiano e áreas interioranas de outras capitanias nordestinas.
193
Um outro tipo de propriedade rural bastante comum nas escrituras de compra e
venda de Salvador era a roça. Em geral esse termo significava a cultura e não a
propriedade da terra. Segundo M. J. Mascarenhas a maior parte desses cultivadores não era
proprietária da terra. Plantavam em roças de chão foreiros, pagando foros anuais ou
sazonais aos donos da terra. Nos inventários analisados pela autora, verificou-se a
existência de mais de setenta famílias donas de roças, situadas em sua maioria no entorno
de Salvador.
194
As roças de Salvador se distinguiam quanto à produção de alimentos de
subsistência e quanto à produção voltada para a venda no mercado local. Muitas dessas
unidades produziam mais de uma variedade de culturas. Associava-se principalmente a
mandioca com gado, mandioca com frutas, mandioca com milho, mandioca com coqueiro,
192
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese
(doutorado)pp. 83-4; 97.
193
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 130.
194
Ibidem, p. 133.
263
dendezeiro com frutas variadas.
195
A mesma diferenciação foi observada por Alice
Canabrava em relação à pequena propriedade existente em São Paulo do século XVIII.
Havia a lavoura voltada ao abastecimento de autoconsumo e as que eram de subsistência,
cujo excedente agrícola era vendido nas regiões próximas.
196
De todo modo, em que pese o fato de em quase todos os inventários baianos
aparecerem a posse de alguma propriedade do setor rural, segundo dados apontados no
quadro 2.1, houve um decréscimo significativo das cifras relacionadas a aquisição de bens
rurais. Se na década de 1750 essas transações respondiam por cerca de 55% de todo o
montante, no último decênio do século esse percentual cai para 33%. De todo modo, é
ainda um percentual bastante significativo, representando um terço dos investimentos
efetuados na praça de Salvador.
Voltemos ao quadro 2.1. Com a recuperação do tráfico negreiro a partir da década
de 1770, como verificamos no capítulo 1, a atividade comercial ganhou novo impulso.
Desta forma, notamos o aumento das negociações envolvendo bens mercantis, que passam
a demandar mais investimentos. Assim recursos que até então eram direcionados
majoritariamente para o setor rural, passam a ser alocados em atividades comerciais, como
a aquisição de lojas, armazéns e embarcações.
No início de nossa amostragem, a representatividade dos bens comerciais nas
escrituras era de 7,7% referentes a 13:750$820 ou 5,5% de todo o montante transacionado
no mercado de compra e venda. na última década do século, cerca de 17% das escrituras
referiam-se a negociações de bens comerciais, respondendo por 22% da soma total dos
valores alocados no mercado de compra e venda o que significava a quantia de
102:100$022.
195
Ibidem, p. 134.
196
CANABRAVA, Alice “Decadência e riqueza”. In: Revista de História. São Paulo: v. 50, n. 100, 1974. pp.
360-3
264
Os bens envolvidos nessas transações eram majoritariamente lojas, mas havia
também trapiches, armazéns, etc. Do número total de inventários levantados por Maria
José Mascarenhas, encontrou-se trinta e quatro propriedades de lojas abertas, sete donos de
armazéns e cinco de trapiches. Vendiam-se vários tipos de artigos nas lojas, como pano de
linho, de lã, estopa, bretanha, holanda, aninhagem, chapéus, fechaduras de portas, lenços,
papel, linha, enxadas, pregos, machados, cetim, seda, panos de algodão da terra, cobre,
tabuleiros, e outras mercadorias.
197
O crescimento das negociações desse tipo de bens estava fortemente atrelado ao
fortalecimento do capital mercantil na cidade de Salvador na segunda metade do
Setecentos, principalmente a partir de meados da década de 1770. Um outro dado
corrobora essa análise: a negociação de embarcações. Entre 1751 e 1760, o valor referente
às compra e venda de embarcações foi 7:650$000, somatório encontrado em apenas 2,7%
(seis) das escrituras. Já na última década, essa representatividade subiu para 5,6% (trinta e
duas) atingindo a cifra de 32:364$980 ou cerca de 7% do montante total. Juntos, bens
comerciais e embarcações passaram a somar quase 30% de todo o montante negociado em
Salvador entre 1791-1800, um acréscimo considerável, se compararmos à década de 1750,
quando a soma dessas duas categorias significava apenas 8,6% de todo o valor negociado
no mercado de compra e venda.
Nos inventários baianos encontramos uma variedade de embarcações bem como do
valor estipulado para cada tipo. Nas escrituras públicas de compra e venda, encontramos o
valor mínimo de 100$00 para uma alvarenga e o máximo de 4:800$000 para uma sumaca.
A média do valor das embarcações negociadas na documentação notarial era de
aproximadamente de 1:800$000. Nos inventários baianos registros de navios avaliados
em 20:000$000, até uma simples alvarenga de 70$000. Ambas as embarcações eram de
197
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 145.
265
propriedade da rica comerciante Maria Joaquina de Barros.
198
A maioria dos armadores
possuía ou era sócia de embarcações na faixa de 2:000$000 para baixo.
199
Outro fator que ratifica o fortalecimento do capital mercantil na praça de Salvador é
o aumento da participação do crédito no dia a dia da população, após uma queda brusca na
década de 1760, período no qual a atividade comercial passava por dificuldades. No
quadro 2.1, observamos que a cada dez anos o percentual do montante disponibilizado para
empréstimo aumentou frente ao volume total de recursos alocados no mercado
soteropolitano. Depois de atingir o menor nível, 48,4% entre 1761-70, começou no decênio
seguinte uma forte recuperação, atingindo a cifra de 303:622$507 ou cerca de 65,2% do
que fora usado no mercado de compra e venda. A disponibilidade de maior acesso ao
crédito está diretamente associada ao aumento da participação dos agentes mercantis na
sociedade. Como veremos no capítulo seguinte, no Antigo Regime, via de regra, eram os
indivíduos atuantes nas atividades comerciais que controlavam o sistema de crédito. Logo,
o aumento dos empréstimos em Salvador é caudatário do robustecimento da classe
mercantil na cidade.
Para além do incremento das negociações envolvendo bens urbanos, mercantis,
embarcações e do volume de empréstimos, percebemos ainda no quadro 2.1 um aumento
na participação da categoria “outros”, para o qual não há um registro na primeira década de
nossa amostragem e na seguinte aparece apenas uma vez.
Essa categoria compreendia todo tipo de objetos, escravos e até mesmo
manufaturas, como a fábrica de sinos vendida junto com o escravo crioulo de nome Luís,
mestre da dita fábrica, no ano de 1793, por Manoel da Silva Teixeira a Antônio José, que
pagou a quantia de 419$584.
200
198
APEB, Judiciário, Inventário de Maria Joaquina de Barros, 1808,8/3299/3.
199
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 147.
200
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 133, p. 6v.
266
Na colônia as atividades manufatureiras reduziam-se a pequenas indústrias
estimuladas a atender as necessidades locais. O alvará de D. Maria I, de 1785, interditava o
surgimento de fábricas na América portuguesa e determinava o fechamento das existentes.
O viajante Lindley constatou que teria iniciado uma fundição de bronze para canhões que
não teria deixado vestígios. eram permitidas a fabricação de couros e certas bugigangas.
Segundo relatos do viajante, um tecelão que tentara abrir uma tecelagem de algodão na
Bahia, fora preso e enviado para a Europa, tendo seu maquinário todo destruído.
201
Chega a ser surpreendente, portanto, a venda de uma fábrica de sinos. De forma
geral, eram apenas permitidas manufaturas que beneficiavam o couro, o algodão, a
indústria naval, fábricas de velas, de óleos de baleia, de costuras, olarias e serrarias.
Segundo dados apontados por Maria José Mascarenhas, a partir da análise dos inventários,
todos essas indústrias aparecem na documentação, sendo a mais comum o beneficiamento
de algodão presente em oito inventários, seguido pela fabricação de cera/vela, observada
em quatro inventários, curtume em três, olaria, construção civil e costura em dois, serraria,
estaleiro e fábrica de azeite de baleia em um.
202
Assim, a partir dos dados apresentados no quadro 2.1 percebemos o quanto
complexa estava se tornando a sociedade soteropolitana, refletindo na diversificação dos
investimentos com o passar dos anos. Essa matização das aplicações caracterizava o
fortalecimento do capital mercantil na cidade de Salvador, verificada a partir da década de
1770.
A trajetória do mercado de compra e venda verificado na cidade de Salvador na
segunda metade do século XVIII, é similar a observada por Antônio Carlos Jucá de
Sampaio, na praça do Rio de Janeiro, entre 1650 e 1750. Ainda no século XVII, percebe-se
201
LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo: cia. Ed. Nacional, 1969 (1
a
. Edição
1805), p. 173.
202
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 150.
267
um forte investimento no setor agrário presentes nas escrituras públicas de compra e venda.
De acordo com Antônio Carlos Sampaio, mesmo sendo uma importante praça portuária, o
capital mercantil da cidade carioca era pouco desenvolvido no Seiscentos. Desta maneira,
grande parte das rendas obtidas no comércio era direcionada para a agricultura. Essa forte
transferência de recursos marcava uma forte característica da sociedade fluminense, qual
seja: não havia ainda uma clara distinção entre a elite mercantil e agrária. Esse padrão pode
também ser verificado seguindo a trajetória de alguns indivíduos, que se destacavam na
atividade mercantil e se transformavam em membros da elite agrária local, muitos através
da aquisição de engenhos, como Salvador Correia de e José Gomes da Silva. Para
Sampaio, esse comportamento estava atrelado a busca por status e reconhecimento social,
visto que no topo da hierarquia social colonial, em termos de prestígio localizava-se a elite
agrária. Assim, muitos que conseguiam acumular capital nas atividades mercantis
procuravam investir em terra (notadamente engenhos) para fazer parte da elite.
203
Essa
busca por reconhecimento social e prestígio também foi observada na biografia dos
principais homens de negócios baianos, em sua maioria traficantes de escravos, na segunda
metade do século XVIII, questão que será abordada no capítulo 5.
O padrão de investimento verificado no Rio de Janeiro do Seiscentos perdurou até
os primeiros anos do século seguinte, caracterizando uma baixa capacidade de acumulação
mercantil dessa sociedade. De acordo com Sampaio, no século XVII, predominava a forma
“de acumulação senhorial, baseada num conjunto de práticas que envolvem tanto as
atividades mercantis quanto a ocupação de cargos públicos e uniões políticas entre as
diversas famílias da elite local.”
204
O quadro se modificou com o avançar do século XVIII. Os negócios rurais que
antes eram destaque, passaram a perder peso relativo, embora continuassem com o maior
203
SAMPAIO, op. cit., 2001, pp. 76-8.
204
Ibidem, p. 78.
268
valor médio dos bens negociados. A razão para essa perda da participação dos bens rurais
nas transações de compra e venda é a expansão da população urbana na cidade carioca que
provocou um aumento na demanda por imóveis na urbe e por conseguinte elevou o valor
dos mesmos. Uma segunda razão foi o fortalecimento do capital mercantil na praça do Rio
de Janeiro, refletindo, por exemplo no aumento da participação nas escrituras de vendas de
embarcações, bem como dos valores negociados.
205
Essa mudança é verificada na mudança
de direção dos investimentos realizados pela sociedade fluminense. O peso dos recursos
das transações envolvendo bens rurais cai para um terço. Na década de 1740, pela primeira
vez, o valor relativo às negociações de bens urbanos superou os negócios agrários. Todas
as vendas não-rurais têm sua participação aumentada, como embarcações e outras vendas.
Como analisando anteriormente, essa mudança do padrão de investimento verificado no
Rio de Janeiro ao longo da primeira metade do século XVIII, ocorreu em Salvador apenas
em meados da segunda metade do Setecentos.
João Fragoso analisou para os anos de 1800 a 1816 as escrituras de compra e venda
também na praça carioca. Em seu estudo podemos verificar a consolidação do padrão de
investimento que começou a ser traçado ainda na primeira metade do Setecentos, qual seja:
o fortalecimento dos investimentos atrelados a atividade mercantil, como a aquisição bens
comerciais e embarcações frente ao decréscimo da alocação de recursos no setor rural.
Somado as negociações de navios, as transações envolvendo bens mercantis tornaram-se
hegemônicas na sociedade carioca. As quantias direcionadas para esse tipo de negócio, em
quase todos os anos, correspondem a pelo menos o dobro dos valores médios encontrados
no setor agrário, o que significa que, embora as atividades mercantis não gerassem valor à
205
Ibidem, pp. 84-5
269
produção social, tinham uma cotação de mercado superior à produção agrícola, esta sim
responsável pela reprodução da sociedade.
206
De início, esses dados podem indicar uma contradição, pois afinal trata-se de uma
economia regulada e reiterada quase que exclusivamente pela produção agrícola. Seria
necessário, portanto, um alto e contínuo investimento nesta área. Contudo, Fragoso
percebe que essa economia assentada em agricultura extensiva dependia da incorporação
de mais terras e homens sem a necessidade de um desenvolvimento técnico da lavoura.
Estas condições, segundo o autor, eram satisfeitas no espaço colonial a preços reduzidos,
devido à presença de três condições fundamentais: fronteira agrícola aberta; oferta elástica
de mão-de-obra; produção de alimentos a preços baixos. Desta maneira, a conjugação
desses fatores facultava a reiteração desta sociedade. Conseqüentemente, o fato de se poder
manter as atividades agrícolas com baixo investimento, abria a possibilidade para o desvio
de capital para outras atividades não atreladas a geração de riqueza.
207
Assim, no início do
século XIX, foi possível que na praça mercantil do Rio de Janeiro ocorresse uma distinção
clara entre o grupo mercantil e a elite agrária. Isso não significava que os membros do
grupo mercantil não investissem em terras. Mas apenas quando o faziam, era em menor
proporção ao aporte de recursos verificados para outros setores como urbanos/comerciais e
embarcações. Estes sim passaram a ser o foco dos investimentos do capital mercantil no
Rio de Janeiro.
Frente a esses dados do Rio de Janeiro do início do século XIX, a economia da
cidade de Salvador na segunda metade do XVIII possuía uma capacidade menor para gerar
riqueza via atividade comercial. Contudo, o cenário começou a se modificar a partir de
meados da década de 1770. Como analisado anteriormente, os investimentos dessa
206
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 337.
207
Ibidem, pp. 340-1.
270
sociedade tornaram-se mais diversificados no último quarto do século, por conseguinte
houve uma redução percentual nos investimentos em bens agrários. Essa transformação no
padrão do mercado soteropolitano estava atrelada ao desenvolvimento e fortalecimento da
classe mercantil.
A partir dos dados coletados por Maria José Mascarenhas nos inventários baianos
pudemos elaborar o quadro 2.4 que nos mostra os grupos sociais que se encontravam entre
os 10% maiores inventariados de Salvador entre os anos de 1760-1808. Esse conjunto era
formado por trinta e dois indivíduos, cujos montemores variavam de 304:165$000 a
19:573$810. Observando o quadro 2.4 verificamos o peso do grupo mercantil no acumulo
de riqueza. Dos trinta e dois indivíduos arrolados nos inventários como sendo os
possuidores de maior fortuna, quatorze eram homens com atividade mercantil,
apresentando-se assim, como o grupo dominante. Em sua maioria eram negociantes
internacionais, atuando principalmente como traficantes de escravos. Em seguida aparecem
os senhores de engenho, como oito representantes. A categoria que unia as duas atividades
anteriores corresponde a quatro sujeitos, o mesmo número de fazendeiros da amostragem.
Quadro 2.4 – Categoria Social presente na maior faixa de fortuna (10%) observada
nos inventários baianos, 1760-1808
Ocupação Quantidade
Comerciantes 14
Senhores de engenho 9
Comerciantes/senhores de engenho 4
Fazendeiros 4
Outros 2
Fonte: MASCARENHAS, Maria José Rapassi. Fortunas coloniais elite riqueza em Salvador,
1760-1808. Tese (doutorado) curso Pós-Graduação em História Econômica, USP, o Paulo,
1998, anexo 1.
271
Devemos ressaltar que a elaboração desses inventários concentrou-se
principalmente entre os anos de 1791-1808, sendo que nove foram feitos na última década
do século XVIII, enquanto dezesseis, foram constituídos na primeira década do
Oitocentos. Desta forma, essa amostragem reflete a transformação pela qual passava a
cidade de Salvador desde o início do último quarto do Setecentos, como o incremento da
atividade e a preponderância do grupo mercantil.
Segundo David Smith e Rae Flory durante o século XVII e na primeira metade do
XVIII, não havia na Bahia uma dicotomia entre os agentes dos setores rurais e
comerciais.
208
O capital mercantil ainda não era forte o suficiente para fazer frente ao
poder agrário, sendo a classe mercantil pouco desenvolvida. Antônio Carlos Sampaio
acredita que esse era o motivo da diferença entre o padrão percebido por ele no mercado
carioca pré-1700 e por Fragoso no início do século XIX. E mais, esse mesmo autor
acredita que parte das rendas obtidas no comércio era transferida para o setor rural e vice-
versa. Múltiplos investimentos feitos quase simultaneamente impediam que uma elite
mercantil se destacasse do setor agrário no Rio de Janeiro pré-1700.
209
Contudo, no caso baiano esse perfil parece ter se alterado no último quarto do
século XVIII, com o incremento da atividade mercantil e o desenvolvimento de um grupo
capaz de ter uma atuação intensiva na economia soteropolitana. O surgimento de um forte
grupo mercantil não significa o início de um confronto com o grupo rural. Muitos homens
de negócio continuavam a fazer pesados investimentos no setor agrário, como uma
estratégia na obtenção de prestígio e status. Nesse sentido, o foco de seus investimentos era
208
FLORY, Rae & SMITH, David Grant. “Bahian Merchants and Planters in the Seventeenth and Early
Eighteenth Centuries”. In: Hispanic American Historical Review, 58 (4), 1978.
209
SAMPAIO, op. cit., 203, pp. 75-6.
272
direcionado a aquisição de engenhos de açúcar, denotando uma preocupação desses
indivíduos de galgar respeitabilidade social.
210
Voltando às escrituras de compra e venda, foi possível levantar os bens adquiridos
pelos homens de negócio e elaborar o gráfico 2.3. Cabe aqui um comentário sobre a
documentação notarial. Em muitas escrituras esses indivíduos eram identificados como
“homens de negócio residentes nessa praça”, uma clara distinção desses sujeitos a
comunidade mercantil da cidade. É assim que aparece no ano de 1764, Joaquim José
Gomes, descrito como “homem de negócio dessa praça de Salvador” quando compra um
sobrado de Félix Xavier Roquete, no valor de 600$000.
211
quando se tratava de um
mercador, a designação na fonte era a seguinte: “mercador e morador desta cidade”, como
foi descrito Vicente de Oliveira Batista, quando comprou no ano de 1784, uma morada de
casas térreas de Clemente José da Silva, ao custo de 290$000.
212
Antônio Carlos Sampaio
também verificou que essa designação ocorria nas escrituras públicas do Rio de Janeiro
desde o século XVII.
213
Devemos ressaltar que não se trata de todo o universo de bens comprados por esses
indivíduos uma vez que, mesmo com o cruzamento de fontes não foi possível estabelecer a
categoria profissional de todos os compradores presentes na documentação. Da mesma
forma, acreditamos que algumas compras envolvendo homens de negócios possam não ter
sido capturadas pelas fontes notariais.
210
Sobre o comportamento na busca por prestígio social desses homens de negócio cf. capítulo 5.
211
APEB, judiciário, Livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 105, p. 214v.
212
APEB, judiciário, Livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 124, p. 291.
213
SAMPAIO, op. cit., 2001, p. 80.
273
Gráfico 2.3 – Bens adquiridos pelos homens de negócio de Salvador, 1751-1800
32,1
30,3
18,3
18,9
0,4
Rurais
Urbanos
Comerciais
Embarcações
outros
Fonte: APEB, judiciário, Livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
Assim, a partir de dados constantes na documentação notarial, cruzados com outros
materiais investigativos, conseguimos montar o gráfico 2.3. Nossa amostragem refere-se a
cento e noventa e sete compras efetuadas pelos homens de negócios. Observamos no
gráfico 2.3 que a representatividade dos bens comerciais era de 18,3% e o de embarcações
18,9%, caracterizando assim a aplicação em negócios comerciais. De todo modo, na
segunda metade do século XVIII, parte da renda oriunda do setor mercantil ainda era
alocada no setor agrário, cerca de 30%, o que nos faz acreditar que, alguns homens de
negócios da Bahia, no limiar do século XIX, ainda tinham como estratégia à aquisição de
bens rurais como forma de obtenção de prestígio ou como opção de investimento para
diversificar seus negócios. Desta forma, aparecem figuras híbridas como Custódio Ferreira
Dias e Manoel Pereira de Andrade, considerados por nós como sendo comerciantes/senhor
274
de engenho, uma vez que, embora tivessem atuação no trato de longa distância, não se
eximiram de comprar grande propriedades rurais como engenhos.
Quadro 2.5 – Participação dos homens de negócios de Salvador na compra de bens
rurais, 1751-1800
Valor total 612:922$812
Valor H.N. (a) 96:228$881
% 15,7
Total de compras 570
Total H.N. (b) 49
% 8,6
Fonte: APEB, judiciário, Livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
OBS: (a) valor das compras feitas pelos homens de negócios; (b) número de compras feitas
pelos homens de negócios.
O quadro 2.5 nos mostra o peso dos investimentos dos homens de negócios no setor
rural. Nela fica bem marcado o montante aplicado por esses homens no agro baiano.
Embora tivessem participação de apenas 8,6% das compras envolvendo bens rurais, a
quantia relativa a essas transações representava 15,7% de todo o capital transacionado
nessas aquisições. Tal volume de negócio pode ser explicado como uma estratégia própria
deste grupo, pois o investimento em terras e engenhos era tido como um mecanismo para a
obtenção de status nesta sociedade. Muitos acabavam transferindo o controle dessas
propriedades para seus filhos, adicionando prestígio à sua família, enquanto o negociante
continuava a exercer sua atividade mercantil de onde obtinha rendas vultosas.
Assim, encontramos no ano de 1771, Frutuoso Antônio de Mesquita, homem de
negócio da praça de Salvador adquirindo um engenho, pela quantia de 8:000$000, de
275
Leonor Sena da França Corte Real.
214
Compra mais vultosa fez João da Silva Mourinho, no
ano de 1788 ao comprar por 29:000$000, um engenho com todas as suas benfeitorias, de
Antônio Francisco da Cruz Brandão.
215
Não engenho era adquirido pelos homens de negócio no setor rural. No ano de
1772, Francisco Bernardes do Vale, comprou uma fazenda de gado vacum e cavalar por
2:019$800, de João da Silva de Almeida Pereira.
216
Já Bernardo da Rocha e Sousa
adquiriu, no ano de 1779, uma fazenda de cana de Francisco do Amaral, pelo valor de
800$000.
217
No Rio de Janeiro era pequena a participação dos homens de negócio na aquisição
de engenhos. Contudo, se faziam presente na compra de outras propriedades rurais.
Segundo Antônio Carlos Sampaio, na primeira metade do século XVIII, a um grande
investimento dos homens de negócio cariocas na compra de unidades produtoras de
alimentos. Sozinhos, responderam por mais de um quinto das compras, sendo o valor
aplicado por eles bem superior a média geral (46,5%).
218
Como verificamos no gráfico 2.4, as opções dos homens de negócio eram bastante
variadas no que tange a seus investimentos. Alguns, como Luís Gomes Coelho, atuavam
em atividades rentistas, comprando imóveis urbanos para alugar. No ano de 1755, Luís G.
Coelho aparece nas escrituras adquirindo um sobrado de Francisco Almeida Viana ao custo
de 987$340.
219
Doze anos depois, o mesmo comerciante comprou duas moradas de casas
térreas de pedra e cal, a primeira da viúva de Diogo Pereira da Silva, dona Clara das
Neves, ao valor de 140$000, a segunda do capitão Francisco Xavier de Castilho, por
214
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 114, p. 170v.
215
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 128, p. 77v
216
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 114, p. 303.
217
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 120, p. 232.
218
SAMPAIO, op. cit., 2001, p. 127.
219
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 97, p. 77.
276
180$000.
220
Por fim, no ano de 1774, Luís Gomes efetua mais duas compras de sobrados,
um a Silvestre André Torres, ao custo de 700$000 e o outro de Tomé de Jesus da Silva
pelo valor de 180$000.
221
Muitas vezes o capital para a compra dos bens era obtido mediante empréstimos
realizados na praça de Salvador. Foi assim que o capitão Pedro Ferreira de Souza
conseguiu amealhar a quantia necessária para efetuar a compra desejada. No ano de 1755,
o capitão conseguiu junto à Irmandade do Santíssimo Sacramento da cidade de Salvador
um empréstimo de 150$000.
222
Com esta quantia, acrescida de dinheiro previamente
acumulado, Pedro Ferreira pode comprar no mesmo ano, do alferes Sebastião de Araújo
Góes um sobrado pelo valor de 300$000.
223
o homem de negócios João de Oliveira
Braga precisou recorrer ao Convento de Nossa Senhora das Almas da cidade de Salvador
após comprar um engenho cujo valor foi 8:500$000.
224
Junto à instituição religiosa
conseguiu o crédito de 400$000.
225
Provavelmente, esse capital serviria para dar o impulso
inicial a produtividade do engenho uma vez que eram altas as despesas para se colocar e
manter em produtividade um engenho de açúcar.
O que buscamos apontar nesse capítulo foi a representatividade dos padrões de
investimentos na sociedade baiana colonial. A partir das escrituras públicas de compra e
venda, verificamos que houve um decréscimo do peso dos negócios rurais. Se até a década
de 1760 esse tipo de investimento se sobrepunha aos demais, a partir do último quarto do
século XVIII, sua participação declinou, embora continuasse a representar cerca de 30%
220
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 109, pp. 19v e 54.
221
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 115, pp. 175 e 261v.
222
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 106, p. 28v.
223
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 97, p. 99.
224
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 118, p. 110v
225
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 118, p. 280v.
277
dos recursos alocados no mercado de compra e venda. Desta forma, a aplicação de recursos
no setor agrário era um traço estrutural dessa sociedade.
Conjugado a queda da participação dos bens agrários, verificamos um incremento
nos demais setores, como urbanos, comercial, de embarcações, bem como um aumento de
quantia disponibilizada a crédito frente ao montante total aplicado no mercado. Esta
mudança estava atrelada ao desenvolvimento e consolidação do grupo mercantil a partir de
meados da década de 1770. Assim, observamos na cidade de Salvador o início de uma
transformação verificada na cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século XVIII.
De todo modo, os homens de negócio, que faziam parte da elite comercial, buscavam a
diversificação de seus investimentos. Se grande parte das rendas obtidas nas negociações
era direcionada para o setor mercantil, também o era para o setor rural. A posse de um
engenho provocava a transmutação de um indivíduo que ganhava prestígio e status,
qualidades fundamentais numa sociedade de Antigo Regime. Assim atestamos que ao
contrário de ser uma sociedade monolítica, a Salvador da época colonial passava por
mudanças, principalmente no que tange ao seu mercado. Vejamos como se comportou o
sistema creditício na cidade ao longo da segunda metade do século XVIII.
278
CAPÍTULO III
279
Crédito e empréstimos
No capítulo anterior procuramos observar as transformações pelas quais passou a
economia da cidade de Salvador na segunda metade do século XVIII, a partir do mercado
de compra e venda de bens rurais, urbanos e mercantis . Para tanto, utilizamos as escrituras
públicas como fonte. Neste capítulo que se inicia, continuaremos traçando o perfil do
mercado da capital baiana, tentando buscar uma visão mais geral dessa sociedade, a partir
da análise do sistema de crédito.
Mais uma vez alertamos para a limitação da documentação utilizada na elaboração
dessa análise. De forma alguma queremos que esses dados obtidos das escrituras públicas e
inventários post-mortem tornem-se retratos fidedignos da história. Muitos empréstimos
eram efetuados de maneira informal no dia a dia da sociedade colonial, tornando
impossível sua captura por meio das escrituras públicas. O que desejamos é apenas apontar
a representatividade dos padrões de investimentos da sociedade colonial na Bahia.
É recorrente na historiografia a idéia de que havia a escassez de moedas tanto na colônia
quanto na metrópole. Segundo Stuart Schwartz,
A própria metrópole freqüentemente sofria com a carência de moeda metálica e,
após o século XVI, dependeu do fornecimento espanhol de prata da América.
Quando esse fornecimento começou a minguar, em meados do século XVII,
ocorreu uma grave escassez monetária. No Brasil, a situação foi ainda mais difícil.
Embora no século XVI ainda não houvesse na colônia uma casa da moeda, o
acesso à prata peruana era conseguido por contrabando com Buenos Aires. Esse
fluxo sofreu interrupção na década de 1620 e estancou-se na de 1640. (...) Em
1670, o governador-geral, em resposta à pressão local, escreveu à Coroa que este
“país está sendo perdido por falta de dinheiro”.
226
226
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São
280
Para solucionar o problema, criou-se em 1698, no Rio de Janeiro a primeira Casa da
Moeda na colônia. Dezesseis anos depois, foi criada uma em Salvador. Ambas
funcionaram ininterruptamente de 1734 a 1808. Contudo, a questão não foi resolvida.
Segundo Jobson Arruda, os meios de pagamentos não se expandiram no vel desejado,
apesar da grande produção aurífera e da expansão dos negócios coloniais ao longo do
século XVIII, chegando mesmo a rarear a moeda em finais do Setecentos.
227
A escassez de numerários foi verificada também pelo cronista Ambrósio Brandônio
no início do século XVII. Segundo este autor, a falta de moedas generalizou pela colônia a
prática do escambo, utilizando-se principalmente o açúcar como moeda de troca. Ainda
conforme relatos de Barndônio, para pagamentos de serviços realizados no Reino, bastava
que o colono enviasse “um caixão de assucar”.
228
A escassez de moedas na colônia foi verificada por Maria José Rapassi
Mascarenhas em seu estudo sobre a riqueza na cidade de Salvador na segunda metade do
século XVIII. Segundo dados levantados pela autora, na maioria dos inventários post-
mortem arrolados entre 1760 e 1808, havia falta de moedas. Mesmo nos inventariados mais
proeminentes, eram pequenos os valores referentes ao dinheiro líquido, tornando-se
comum o pagamento das dívidas com produtos ou bens de famílias.
229
De acordo com o
relato do viajante Thomas Lindley, no início do século XIX, o escambo ainda era a moeda
pela qual realizava-se o comércio no Brasil.
230
Maria José Mascarenhas encontrou em alguns inventários referências a pagamentos
em espécie como açúcar, tabaco, tecidos, escravos e até mesmo imóveis. Caso parecido
Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 178.
227
ARRUDA, J. Jobson. “A circulação, as finanças e as flutuações econômicas.” In: SERRÃO, Joel (org.).
Nova história da expansão portuguesa. Lisboa: Estampa,, vol. III, 1986, p. 190.
228
BRANDÔNIO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das grandezas do Brasil. Rio de Janeiro: Publicações da
Academia Brasileira, 1930, p. 57.
229
MASCARENHAS, Maria José Rapassi. Fortunas coloniais – elite e riqueza em Salvado, 1760-1808. Tese
(doutorado) – curso Pós-Graduação em História Econômica, USP, São Paulo, 1998, p. 184.
230
LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo: cia. Ed. Nacional, 1969 (1
a
. Edição
1805), p. 151.
281
encontramos na venda de uma fazenda de cana com suas benfeitorias efetuada por José
Antônio Viana e sua mulher, para Manoel Pinto Cardoso. Este realizou parte do pagamento
com uma morada de casas térreas e um sobrado.
231
Ainda em seu estudo, Mascarenhas observa que embora faltassem moedas nos
inventários, era comum a presença de objetos de prata e ouro. Desta maneira, a explicação
de Schwartz não confere, uma vez que para este autor a escassez de moedas estaria atrelada
á ausência de metais preciosos na colônia. Poucos eram os indivíduos que não tinham
qualquer peça de prata em sua casa, pois este metal por possuir um valor considerável,
estimulava o entesouramento, além de ser um símbolo de prestígio e status social.
232
A ausência de moedas também foi percebida nos inventários do Rio de Janeiro
levantados por João Fragoso. A participação de moeda sonante era ínfima. Para os anos de
1797-99 correspondia a 4,4% do valor total dos bens arrolados. Em 1820, 3,4% e em 1840,
1,0%. Essa representatividade sobre para 7,1% em 1860.
233
Voltamos ao paradoxo: como explicar a ausência de moedas numa sociedade onde
eram comuns utensílios de prata, por exemplo? A explicação para esta questão reside na
idéia de circulação social da moeda, concentrada nas mãos dos setores mercantis da
sociedade. Este perfil também foi observado por Roggiero Romano nas sociedades da
América espanhola. Segundo este autor, a carência de moedas de prata, ouro e cobre era
provocada pelos comerciantes que controlavam a liquidez da economia.
234
Nesse sentido, o crédito vai desempenhar papel fundamental nas sociedades de
Antigo Regime, como forma de dirimir o problema ocasionado pela pequena circulação de
231
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 116, p. 195.
232
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 184.
233
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 308.
234
ROMANO, Roggiero. “Fundamentos del funcionamiento del sistema económico colonial”. In:
BONILLA, Heraclio (org.). El sistema colonial en la América española. Barcelona: Editorial Crítica, 1991,
passim.
282
moeda. De forma geral, nas sociedades pré-industriais o acesso ao dinheiro se dava
comumente via comerciantes, uma vez que eram eles que conseguiam de maneira rápida
fazer a rotação do capital e por conseguinte, detinham a liquidez do sistema.
235
Com isso,
não é errôneo afirmar que era uma pequena elite mercantil que detinha o controle do fluxo
monetário nessas sociedades.
É o que observamos nos dados levantados por Mascarenhas nos inventários post-
mortem de Salvador. Poucos inventariados possuíam “dinheiro de contado”. Os valores
mais altos desses bens pertenciam sempre aos comerciantes, que variava de cinco contos
de réis a dez mil réis, estes últimos referentes aos pequenos comerciantes.
236
Tal fato
demonstra a baixa liquidez da economia colonial, fruto da escassez de dinheiro e da
concentração do numerário nas mãos do grupo mercantil. Desta forma, o acesso ao crédito
em suas diversas formas era crucial para os distintos setores que compunham a sociedade
colonial, uma vez que era pequena a participação do dinheiro sonante no cotidiano das
pessoas.
Para além da baixa circulação de moeda e da concentração do numerário nas mãos
de comerciantes, outros fatores atuavam para estimular o mercado de crédito. Segundo
Antônio Carlos Sampaio, o caráter agrário da economia colonial fomentava o mercado de
crédito. A principal característica do mercado agrário era o descompasso entre o ciclo
agrícola, que era anual, e as necessidades que se fazia presentes no dia a dia das pessoas
como insumos e alimentos. O descompasso era compensando pelo sistema de contas-
correntes, no qual os comerciantes adiantavam para os produtores os artigos necessários
para a sua manutenção em troca das safras vindouras.
237
235
FRAGOSO & FLORENTINO, O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite
mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790 - c. 1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, passim.
236
MASCARENHAS, op. cit., 1998, anexo 1.
237
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “O mercado carioca de crédito: da acumulação senhorial á acumulação
mercantil (1650 – 1750)”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: FGV, n. 9, 2002, p. 2.
283
Além disso, havia também o fator mão-de-obra que era obtida exclusivamente no
mercado. Isso acabava gerando um endividamento dos setores rurais frente aos mercantis.
Nesse sentido, essa relação significava a transferência antecipada de parte do sobretrabalho
a ser produzido pelo escravo para o comerciante responsável pela sua venda, o que acabava
por reduzir a capacidade de acumulação do senhor e contribuindo ainda mais para sua
dependência e endividamento frente ao grupo comercial.
238
De todo modo, não senhores de escravos ou proprietários de terras recorriam ao crédito,
mas também pequenos e grandes comerciantes, militares, funcionários da Coroa, viúvas,
etc., como abordaremos mais adiante. De forma geral, essa prática era disseminada nas
sociedades de Antigo Regime. Foi o que observou Peter Spufford ao analisar os inventários
da região de Kent, na Inglaterra, entre os anos de 1568 a 1740. Ele encontrou dívidas
passivas em 81% dos 13.586 inventários levantados, com uma média de três dívidas por
inventário.
239
Recorria-se ao crédito quando os lucros obtidos numa atividade não eram
suficientes para cobrir os custos, quando se necessitava de capital para expandir um
empreendimento, para se iniciar uma unidade produtiva ou qualquer outra atividade
econômica e até mesmo para comprar bens que expusessem sua privilegiada condição
social. Desta forma, buscava-se crédito para quase tudo, da aplicação na produção à
compra de objetos de uso pessoal e manutenção de status e prestígio.
A historiadora Maria Manuela Ferreira da Rocha a partir da análise de dívidas
ativas e passivas encontradas nos inventários post-mortem de Lisboa, entre 1780 e 1830,
verificou que a maior parte dos gêneros que circulavam entre a metrópole e os portos
238
Ibidem, pp. 2-3.
239
SPUFFORD, Peter. “Les liens du crédit au village dans l’Angleterre du XVIIe siècle.” In: Annales:
histoire, sciences sociales. Paris: Armand Colin, 49e année, n.6, 1994, p. 1359-73.
284
brasileiros foram comercializados de acordo a um sistema de compensação.
240
Os
comerciantes lisboetas enviavam os produtos para seus agentes comerciais ou sócios na
colônia e estes remetiam para a metrópole mercadorias brasileiras. O valor da transação era
contabilizado em contas-correntes dos dois lados do Atlântico, mas este não era pago.
Somente quando da abertura dos inventários portugueses dos homens de negócio, fazia-se
a apuração de todas as dívidas ativas e passivas. Essa era uma prática usada comumente no
período, baseada nas relações pessoais de confiança e honra.
João Fragoso e Manolo Florentino perceberam que as relações comerciais
envolvendo negociantes do Rio de Janeiro e de Portugal criaram uma cadeia de
adiantamento e endividamento, tornando-se padrão nas atividades mercantis de longas
distâncias dos homens de negócios, fossem portugueses, brasileiros ou até mesmo ingleses.
Estes homens de grosso trato também atuavam na concessão de empréstimo ou
adiantamento de mercadorias para outros comerciantes que atuavam nas demais partes da
do Império português.
241
Também no tráfico de escravos, essa cadeia de endividamento se fazia presente.
Manolo Florentino verificou que o processo do tráfico de escravo do interior africano à
venda aos colonos na América se dava a partir do adiantamento das mercadorias.
Comerciantes angolanos adiantavam fazendas, aguardente, tabaco, pólvora e armas aos
sertanejos que se dirigiam ao interior. Por sua vez, essas mercadorias tinham sido
conseguidas antes pelos negociantes citadinos com os capitães dos navios negreiros,
endividando-se assim, frente ao capital traficante.
242
A cadeia de adiantamento e endividamento foi bastante utilizada ao longo de todo o
240
ROCHA, Maria Manuela Ferreira. Crédito privado num contexto urbano, Lisboa 1770-1830. Florença,
tese (doutorado) - Departamento de História e Civilização do Instituto Universitário Europeu, 1996, passim.
241
FRAGOSO & FLORENTINO, op. cit., 2001, pp. 206-7.
242
FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997, pp. 133-4.
285
período colonial pelos homens de negócio. Um expoente dessa atividade foi Francisco
Pinheiro, comerciante português que possuía ramificações em diversas partes do Império
lusitano. Francisco Pinheiro vendia a crédito todo o tipo de mercadoria, desde escravos
obtidos majoritariamente na Costa da Mina,
243
passando por bebidas, alimentos e tecidos.
Segundo Maria Bárbara Levy, os juros cobrados nas vendas a prazo por Francisco Pinheiro
na região de Minas Gerais chegavam a ser de 8 a 12% ao ano. Como aponta Levy, esse alto
percentual dos juros era justificado pelo fato de haver grandes possibilidades de o credor
sumir pelo sertão adentro ou pelos portos, esquivando-se assim de saldar suas dívidas.
244
Ainda no universo mineiro, Cláudia Coimbra do Espírito Santo analisou as ações de almas
como práticas creditícias em Vila Rica no século XVIII. De acordo com a autora, o crédito
era obtido mediante juramento da alma.
245
Num contexto impregnado pelo catolicismo,
onde a vida se pautava pela salvação pessoal e pelo medo do inferno, o empenho da
palavra servia como instrumento fiador do crédito. Ao jurar, o mutuário utilizava-se da
confiança que a sociedade depositava em sua pessoa. O juramento em falso em uma ação
de alma, que significava o não cumprimento da palavra empenhada poderia significar a
danação da alma, o que gerava uma forte pressão social e íntima. A não execução de uma
ação desse tipo acarretava a fama pública, repercutindo na perda do crédito. Sem
crédito na praça, o indivíduo não precisaria morrer para experimentar a danação de sua
alma.
As escrituras pública de crédito em Salvador
243
Sobre a participação de Francisco Pinheiro no comércio de escravos na Costa da Mina, ver
GUIMARÃES, Carlos Gabriel. “O fidalgo-mercador: Francisco Pinheiro e o ‘Negócio da carne humana’,
1707-1715”. In: SOARES, Mariza Carvalho (org.). Rotas Atlânticas da diáspora africana: da Baía do Benim
ao Rio de Janeiro. Niterói: edUFF, 2007, pp. 35-64.
244
LEVY, Maria Bárbara. História financeira do Brasil colonial. Rio de Janeiro: IBMEC, 1979, p. 94.
245
ESPÍRITO SANTO, Cláudia Coimbra do. “Comprar, vender, emprestar, trocar, anotar... empenhar:
práticas creditícias no cotidiano do Antigo Regime”. In: VARELLA, Flávia Florentino; MATA, Sérgio
Ricardo da & ARAUJO, Valdei Lopes de (orgs.). Anais do I Seminário Nacional de História da
Historiografia: historiografia brasileira e modernidade. Mariana: UFOP, 2007, p. 10.
286
No início da ocupação territorial da América portuguesa no século XVI, segundo
Stuart Schwartz, boa parte do crédito disponível no mercado baiano provinha de
investidores estrangeiros, como de holandeses, italianos ou metropolitanos. a partir do
século seguinte parece que esse padrão tornou-se menos importante, se não
desaparecido.
246
Novos mecanismos de fornecimento de crédito foram instituídos, sendo
uma das mais utilizadas as escrituras de empréstimos registradas nos cartórios da cidade de
Salvador.
De maneira geral, dentre outras informações, nessas escrituras é possível detectar os
envolvidos na transação como o credor e o devedor; valor do dinheiro disponibilizado a
crédito e os juros embutidos; a data da efetivação do empréstimo; as garantias dadas pelo
mutuário. Com a análise dessa documentação traçaremos o padrão do sistema creditício na
praça mercantil de Salvador na segunda metade do século XVIII.
Comecemos nossa investigação observando os valores e percentuais de
empréstimos frente às escrituras de compra e venda presentes no quadro 3.1. A
comparação entre os dois modelos de escrituras é uma tentativa de perceber o peso que os
empréstimos possuíam nessa sociedade. Primeiramente, o que notamos é uma forte
presença do crédito na praça de Salvador. De maneira geral, o percentual de escrituras de
empréstimos girava em torno de 30% do total de escrituras encontrado na cidade. Contudo,
a representatividade do volume de empréstimo frente ao total transacionado na cidade era
maior. Algo em torno de 40% do fluxo de dinheiro de Salvador estava atrelado ao crédito.
246
SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 179.
287
Quadro 3.1 - Participação do crédito frente ao percentual de vendas e do valor total
transacionado na cidade de Salvador, entre 1751 e 1800 (em mil réis)
Transações de compra
e venda
Empréstimos Total
Anos
Valor N.E. Valor N.E. Valor N.E.
1751-60 249:981$725
221 216:141$678
75 466:123$403
296
% 53,6 74,6 46,4 25,4 100 100
1761-70 164:470$359
220 79:569$291 91 244:039$650
311
% 67,4 70,7 32,6 29,3 100 100
1771-80 261:629$952
374 159:145$612
195 420:775$564
569
% 62,2 65,7 37,8 34,3 100 100
1781-90 297:196$649
408 205:202$486
185 502:399$135
593
% 59,1 68,8 40,9 31,2 100 100
1791-1800 465:816$885
570 303:622$507
237 769:439$392
807
% 60,5 70,6 39,5 29,4 100 100
Fonte: Fonte: APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador (livros 90 a 139)
Embora fosse bastante significativo o percentual de numerário vinculado ao sistema
creditício, esse montante nunca foi maior do que a totalidade das transações de compra e
venda. Cabe ressaltar que o bom desempenho do mercado de compra e venda estava
atrelado vigorosamente a uma boa estrutura de fornecimento de crédito na sociedade. Em
muitas aquisições efetivadas que encontramos nas escrituras soteropolitanas notamos a
forte presença do papel desempenhado pelos empréstimos. Era a partir da sua obtenção que
muitos compradores conseguiam gerar capital para efetuar o pagamento do bem adquirido.
Nesse sentido, encontramos no ano de 1755, o capitão Pedro Ferreira de Souza comprando
288
do alferes Sebastião de Araújo Góes um sobrado pelo valor de 300$000.
247
Para tanto,
realizou um empréstimo no valor de 150$000, também em 1755, junto à Irmandade do
Santíssimo Sacramento da cidade de Salvador.
248
Com esta quantia, acrescida de dinheiro
previamente acumulado, Pedro Ferreira pode efetuar a compra desejada. o homem de
negócios Frutuoso Antônio de Mesquita precisou recorrer ao Convento de Nossa Senhora
das Almas da cidade de Salvador após comprar um engenho cujo valor foi 8:000$000.
249
Junto à instituição religiosa conseguiu o crédito de 400$000.
250
Provavelmente, esse capital
serviria para dar o impulso inicial à produção do empreendimento uma vez que eram altas
as despesas para se colocar e manter em atividade um engenho de açúcar. Muitas vendas
de bens eram feitas com pagamentos a prazo, o que também caracteriza uma forma de
concessão de crédito.
A participação mais expressiva dos empréstimos ocorreu entre os anos de 1751-60,
quando chegou a representar quase a metade de todo o dinheiro que circulou na cidade e
quase o mesmo percentual do volume envolvidos no mercado de compra e venda. a
menor participação do crédito ocorreu no decênio seguinte. Como abordado
anteriormente, essa foi uma década atípica, momento no qual Salvador deixou de ser a sede
política da colônia e quando a cidade enfrentava uma crise numa das suas principais
atividade econômica, o tráfico de escravos, acarretando uma série de conseqüências que se
refletem na baixa oferta de dinheiro para empréstimo. Em períodos de crise econômica,
como o vivenciado por Salvador na década de 1760, uma retração do crédito,
principalmente, se os principais agentes provedores estivessem em crise também, como era
o caso dos comerciantes e da Santa Casa de Misericórdia.
247
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 97, p. 99.
248
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 106, p. 28v.
249
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 114, p. 170v
250
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 114, p. 180v.
289
Quadro 3.2 – Tipos de credores em Salvador, 1751-1800 (valores em mil réis)
Credores
Instituições Privado Total
Anos
N.E
Valor % N.E Valor % N.E
Valor %
1751-60 57 162:106$258
76,0
18 54:035$420 24,0 75 216:141$678
100
1761-70 43 35:965$319 45,2
48 43:603$972 54,8 91 79:569$291 100
1771-80 40 32:465$500 20,4
155 126:679$112 79,6 195
159:144$612
100
1781-90 35 20:896$381 10,2
150 182:740$905 89,8 185
204:866$486
100
1791-
1800
23 9:267$764 3,1 224 294:354$743 96,9 247
303:622$507
100
Fonte: APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador (livros 90 a 139)
Analisando com mais acuidade os dados encontrados nas escrituras de
empréstimos, notamos que em meados do século XVIII, parte considerável desse capital
era disponibilizada por instituições coloniais como o Juízo de órfãos, as Ordens Terceiras,
Irmandades e a Santa Casa de Misericórdia. O quadro 3.2 nos indica o tipo de credores
atuantes na praça de Salvador entre os anos de 1750-1800. A forte presença das
instituições no mercado de crédito ocorreu, sobretudo na década de 1750, período no qual
foram responsáveis por 76,0% do montante total transacionado. Já nos decênios seguintes
houve uma queda brusca na participação das instituições frente ao peso do volume total de
empréstimos efetuados. Entre 1761-70, esse valor atinge 45,2. Na década seguinte, 20,4%.
Entre 1781-90 o percentual caiu para 10,2 e 3,1 na última década do Setecentos. A
diminuição da participação das instituições como credoras pode estar relacionado à crise de
caixa pela qual algumas passaram como também, ao processo de fortalecimento do grupo
mercantil que começou a atuar com mais força no mercado de crédito baiano na segunda
290
metade do século XVIII. De todo modo, apesar da diminuição da participação no mercado
de crédito, as instituições baianas foram responsáveis pelo empréstimo de
aproximadamente um terço do montante ofertado a juros, aparecendo em cerca de um
quarto das escrituras públicas.
Esse padrão mostra-se um pouco inferior ao verificado para os anos iniciais do
século XVIII. Rae Flory estudou o acesso ao crédito de 1698 a 1715, período no qual o
sistema de empréstimo de numerários era bastante difuso na sociedade baiana. Segundo os
dados analisados pela autora, os empréstimos concedidos pelas instituições representavam
45% do volume total, sendo a Santa Casa de Misericórdia responsável por
aproximadamente 60% da quantia do crédito institucional e um quarto do montante total de
trezentas escrituras analisadas por ela.
251
O dinheiro obtido pela Santa Casa vinha, em geral, de doações testamentárias em
troca, por exemplo, de um determinado número de missas que deveria ser realizado em
prol da alma do doador. Mas eram comuns também doações em vida. Esse montante
adquirido era repassado a terceiros na forma de empréstimos a juros, que variavam de 5% a
6,25% ao ano. Os mutuários favorecidos pela Santa Casa eram aqueles que de alguma
forma tinham ligação estreita com a Instituição, como os confrades e membros do conselho
diretivo. Membros da elite baiana estavam regularmente representados nas listas de
devedores da Santa Casa.
252
O status e a condição social do mutuário eram atributos
importantes para se conseguir vantagens na hora de efetuar o empréstimo, como a obtenção
de uma quantia alta, juros inferiores ao da praça, prazos maiores para a quitação. Muitas
vezes, o devedor acabava por pagar apenas os juros, jamais quitando a dívida. Obviamente,
251
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Tese (doutorado) - The University of Texas at
Austin, 1978, p.73.
252
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755.
Brasília: Ed. da UnB, 1981, passim.
291
este desleixo com a cobrança dos empréstimos ao longo dos anos, fruto da aproximação
entre mutuário e credor, acarretou dificuldades financeiras às instituições credoras. Talvez
resida neste ponto um dos motivos da queda brusca do peso das fontes institucionais de
crédito a partir da década de 1760.
Muitas dessas instituições devido à crise de meados do século, tiveram dificuldades
em resgatar os empréstimos concedidos. Muitos mutuários se viram em apuros para solver
suas dívidas com as instituições. Assim, criou-se um círculo vicioso, no qual sem os
pagamentos dos empréstimos efetuados, as instituições baianas viram diminuir seus
recursos para serem aplicados no sistema creditício, reduzindo, portanto a oferta de
dinheiro. No caso dos particulares isso não ocorreria porque mesmo que alguns sofressem
esse tipo de problema seriam facilmente substituídos por outros. É importante sublinhar
que se considerarmos somente os particulares os valores emprestados são crescentes ao
longo de toda a segunda metade do século. Isso tem a ver com os agentes envolvidos no
sistema de crédito da cidade, o qual analisaremos mais adiante.
Na Bahia da segunda metade do século XVIII, como observamos, as instituições
foram perdendo espaço no papel de credor ao longo dos anos. De todo modo, se tomarmos
o período como um todo, veremos que aproximadamente 30% do montante
disponibilizados ao crédito foram ofertados por esses institutos, contabilizados em 198
escrituras.
Rae Flory observou que, no início do século XVIII, além da Santa Casa, havia
outras instituições de caráter religioso que disponibilizavam dinheiro a crédito em Salvador
como o Convento de Santa Teresa, que logo depois da Misericórdia, foi a segunda fonte
institucional que mais emprestou dinheiro, 3,6% do total. Seguida a este, aparece um outro
convento, o de Santa Clara do Desterro (3,2%), a Ordem Terceira de São Francisco (2,3%),
Ordem Terceira do Carmo (1,9%), Irmandade do Santíssimo Sacramento (1,7), Irmandade
292
de Santo Antônio e Conceição (1,6%) e por fim, a Irmandade de São Pedro dos Clérigos
(1,3%).
Quadro 3.3 – Instituições fornecedoras de crédito no mercado de Salvador,
1751-1800 (em mil réis)
Instituição Credora Valor %
Santa Casa de Misericórdia 90:027$990 34,8
Ordem Terceira do Carmo 19:402$584 7,5
Ordem Terceira de São Francisco 8:278$000 3,2
Irmandade de São Pedro dos Clérigos 7:500$000 2,9
Convento de Santa Teresa 7:200$000 2,8
Mosteiro de São Bento 3:800$000 2,4
Convento de Santa Clara do Desterro 6:200$000 2,3
Juízo de Órfãos 5:691$424 2,2
Irmandade do Santíssimo Sacramento 3:363$114 1,3
Outros/indeterminado 105:032$655 40,6
Total institucional 260:701$122 100,0
Fonte: APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de
Salvador (livros 90 a 139).
No quadro 3.3 podemos observar o peso relativo de cada um deles na segunda
metade do século XVIII. A Santa Casa de Misericórdia aparece com uma participação de
34,8%, maior do que o período analisado por Rae Flory. A Ordem Terceira do Carmo
aumentou sua participação no sistema de crédito, sendo responsável pela oferta de 7,5% do
dinheiro institucional. Outras instituições baianas continuavam envolvidas no mercado de
crédito, como as Irmandades de São Pedro dos Clérigos, do Santíssimo Sacramento, a
Ordem Terceira de São Francisco, o Convento de Santa Teresa e o Mosteiro de São Bento.
293
Este último, no ano de 1660, obteve um sexto de sua renda com a cobrança de juros sobre
empréstimos.
253
O Convento de Santa Clara do Desterro era também uma dessas
instituições. Acumulava capital cobrando dotes no momento da inserção de uma noviça e
por meio de legado.
254
Tais quantias depois eram redirecionadas ao mercado na forma de
crédito. Tal como a Santa Casa, o Desterro concedia créditos a mutuários escolhidos, com
juros inferiores aos cobrados na praça. Mesmo com todas as facilidades não foram poucas
às vezes em que tanto a Misericórdia quanto o Desterro tiveram dificuldades para receber o
que havia sido emprestado ou mesmo os juros cobrados sobre a quantia. Segundo Russell-
Wodd, isso ocorria porque as regras sobre as garantias dos empréstimos não eram
seguidas. Por diversas vezes essas instituições tiveram que entrar na justiça para reaver o
valor emprestado, resultando, em muitos casos, na perda do valor disponibilizado a
crédito.
255
Muitos devedores buscavam ser eleitos para a Mesa da Santa Casa, pois
descobriram que desta maneira conseguiriam ocultar suas dificuldades no pagamento de
suas dívidas junto à instituição.
256
A novidade observada em nossos dados é a presença do Juízo de Órfãos como fonte
de crédito institucional. Diferente das demais, essa instituição não tinha um caráter
religioso. Flory não achou nenhum registro dessa instituição como fonte de empréstimo
entre os anos de 1698-1715. O dinheiro disponibilizado pelo Juízo de Órfãos provinha de
heranças dos órfãos, conseguidos de forma geral, a partir da arrematação de seus bens em
praça pública.
De todo modo, tal qual o período trabalhado por Flory, a Santa Casa se destaca
como sendo a principal instituição fornecedora de crédito da Bahia, responsável por 34,8%
253
SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 180.
254
Sobre os mecanismo para a inserção no convento de Santa Clara do Desterro cf. SOEIRO, Susan A. “The
social and economic role of the convent: women and nuns in Colonial Bahia, 1677-1800”. In: Hispanic
America History Review (HAHR), 1974.
255
RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, p.83; SOEIRO, op. cit., 1974, passim.
256
RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, p. 82.
294
do montante institucional ou 10% do volume total de empréstimos. Como foi apontado,
esse dinheiro entrava na Misericórdia via doações de terras, prédios urbanos, dívidas
ativas, muitas vezes no momento da morte de um indivíduo. Desta maneira, essa
instituição propiciava que o capital anteriormente paralisado, voltasse a circular na
economia. Era um mecanismo eficaz para fazer circular o capital numa economia onde
havia escassez de numerários.
Quadro 3.4 – Soma total dos empréstimos efetuados pela Santa Casa de
Misericórdia de Salvador por década, 1751-1800 (em mil réis)
Santa Casa de Misericórdia
1751-60 1761-70 1771-80 1781-90 1791-1800
56:927$872 15:878$928 10:690$488 5:530$000 1:000$600
Fonte: APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
Analisando mais detalhadamente nossas fontes, observamos que essa
representatividade da Santa Casa ocorreu ao longo do século XVIII, embora seu peso tenha
caído constantemente com o passar dos anos, como podemos observar no quadro 3.4. O
volume de empréstimo efetuado entre os anos de 1761-70 foi aproximadamente de um
quarto daquele ofertado na década anterior. A tendência de queda na participação da Santa
Casa mantevesse constante, chegando a emprestar apenas 1:000$600, na última década do
século XVIII, uma participação ínfima para aquela que até meados dos Setecentos
representava a principal fonte provedora de dinheiro a risco no mercado creditício de
Salvador.
Esses exemplos de crédito institucionais foram mecanismos de produção de capital
criados pelas sociedades coloniais para fazer frente à escassez de numerário, típico de
economias pré-industriais. Em ambos os casos, como para todos os outros relativos às
295
instituições, a origem do dinheiro não estava, ao menos de forma direta, atrelada à
atividade mercantil. Era no momento da morte de alguns indivíduos que parte dos bens
acumulados ao longo de uma vida era transferido para instituições religiosas ou laicas,
como no caso do Juízo de Órfãos. Esses bens eram transformados em capital e repassados
para outras pessoas interessadas em crédito. Esse mecanismo foi bastante eficiente para por
em circulação uma riqueza que em parte ou no todo já se encontrava fora do mercado.
257
No que tange ao papel desempenhado pelas instituições na praça do Rio de Janeiro,
notamos algumas diferenças em comparação com a praça de Salvador. A participação da
Santa Casa como instituição credora, por exemplo, foi praticamente inexpressiva na cidade
carioca. Não foi encontrado nenhum empréstimo feito pela Misericórdia entre os anos de
1650-80.
No século XVIII, a Santa Casa respondeu por 3,4% dos valores transacionados.
Ainda assim, bastante limitado se comparado com os números encontrados para a Bahia
durante o mesmo período.
258
Segundo dados apontados por Antônio Carlos Sampaio, entre 1650-1700, o Juízo
de Órfãos destacou-se como instituição credora. Segundo o autor, essa instituição era a
principal fonte de recursos da economia carioca, estando presente em quase um quarto de
todas as escrituras de empréstimos, representando aproximadamente um terço do montante
transacionado no período.
259
A partir da primeira metade do século XVIII, esse quadro sofre alterações. Embora
ainda apareça como agente credor na década de 1710, o Juízo de Órfãos desaparece das
escrituras no decênio seguinte, tornando insignificante sua participação no mercado de
crédito nos anos posteriores.
260
Sampaio entende que essa mudança estava atrelada ao peso
257
SAMPAIO, op. cit., 2002, pp. 8-9.
258
SAMPAIO, Antônio C. J. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no
Rio de Janeiro (c. 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 195.
259
Ibidem, p. 193.
260
Ibidem, p. 194.
296
crescente que vinha ganhando a atividade mercantil do Rio de Janeiro. Tal
desenvolvimento possibilitou o surgimento de novas fontes de empréstimos, notadamente
os homens de negócios.
Não no âmbito da América portuguesa se deu a participação das instituições no
sistema creditício. Na América hispânica, houve forte participação institucional,
principalmente de caráter religioso, como fonte de capital. Assim como suas congêneres
brasileiras, os recursos dessas instituições provinham quase que em sua totalidade de
doações testamentárias. Estas sociedades coloniais também buscavam criar mecanismos
próprios para a circulação de capital numa tentativa de resolver a falta de numerário em
suas economias.
261
Analisando o crédito na sociedade da Nova Espanha, Linda Greenow observou que
vários signos monetários foram usados como moedas devido à escassez de numerário. Esse
mecanismo conviveu ao lado de diversos instrumentos de crédito, como a cessão e o
endosso de dívidas, compensação de contas, etc. Segundo Greenow, estes recursos
permitiram suprir a falta de liquidez, aumentar o capital circulante e reservar as moedas e
os metais preciosos para as atividades onde as expectativas de ganhos eram mais
promissoras.
262
Greenow analisou os protocolos notariais da Cidade do México no século XVI onde
percebeu que as operações creditícias foram a segunda prática mais recorrente nas fontes
compulsadas, estando atrás somente das escrituras de representação. Como não havia
instituições oficiais fornecedoras de crédito, tal prática ficou a cargo das instituições
eclesiásticas, dos comerciantes e de pessoas que se encarregavam da arrecadação de
261
SAMPAIO, op. cit., 2002, p. 9.
262
GREENOW, Linda. “El credito em Nueva España” In: Hispanic American Historical Review, 81, 1, 2001,
p. 133.
297
impostos. Com o passar dos anos, esses grupos foram ganhando posição dominante na
concessão de crédito.
263
Parte do ganhos auferidos pela prática do crédito era reinvestida pelos comerciantes
na aquisição de cargos públicos, tanto na administração quanto no recolhimento de
impostos. A participação na administração colonial consolidou a esfera de atuação e o
poder da elite mercantil mexicana.
264
Segundo John Kicza, as rendas obtidas pelos comerciantes da Cidade do México
eram usadas para a ampliação de suas atividades comerciais, para o investimento em outro
campo da economia e, principalmente, para pagar as importações de produtos europeus e
asiáticos.
265
Ainda de acordo com o autor, junto com os comerciantes, as instituições
eclesiásticas, como mosteiros, conventos e irmandades religiosas, foram se tornando as
principais fontes de financiamento da economia colonial, sendo uma das mais destacadas a
irmandade de Nuestra Señora de Aránzazu.
266
A participação das instituições de caráter religioso como fontes poderosas de
crédito se deu em outras áreas da América hispânica. Os que mais se beneficiavam desse
sistema eram indivíduos da elite local, por possuírem acesso privilegiado e condições
favoráveis para quitar suas vidas. Kathryn Burns mostra a importância para as famílias
de Cuzco no século XVII em ter uma ou mais filhas fazendo parte de conventos, como
ocorria na Bahia, em relação ao Convento de Santa Clara do Desterro, por exemplo.
267
Ter
um membro da família dentro de um mosteiro e, principalmente, se estiver ocupando um
263
Ibidem, p. 134.
264
Ibidem, p. 138.
265
KICZA, John. Empresários coloniales famílias y negócios em la ciudad de México durante los
borbones. México: Fondo de Cultura Económica, 1986, pp. 71-2.
266
Ibidem, p. 76.
267
BURNS, Kathryn. “Nuns, Kurakas and credit: the spiritual economy of seventeenth-century Cuzco” In:
Colonial Latin Americab Review. Oxford: Carfax, v.6, n.2, 1997.
298
cargo de direção, tornava mais fácil o acesso ao crédito como também facilitava as formas
de pagamento.
268
Segundo João Fragoso, este desempenho das instituições aponta para uma relativa
autonomia da economia colonial frente aos grupos mercantis metropolitanos.
269
Assim,
podemos afirmar que as instituições desempenharam um papel fundamental concernente à
circulação de capital no âmbito colonial até o início do século XVIII no Rio de Janeiro e
meados da mesma centúria em Salvador, quando os homens de negócio ainda tinham uma
participação incipiente nos mercados locais, incapazes ainda de controlar o sistema de
crédito bem como a própria liquidez da economia.
A queda da participação das instituições como fontes de crédito no âmbito colonial
está atrelada ao desenvolvimento do grupo mercantil. No Rio de Janeiro, a transformação
no perfil do sistema creditício ocorreu nos primeiro anos do século XVIII. Já na Bahia, a
consolidação dos negociantes como controladores da circulação de numerários se verificou
ao longo da segunda metade do Setecentos.
Segundo dados apontados por Antônio Carlos Sampaio, entre 1711-20, os homens
de negócio cariocas foram responsáveis por 21,4% do valor total oferecido a juros. Nas
décadas seguintes, esse percentual passou a ser de 46,2%, 58,1% e 42,4%, para os períodos
de 1721-30, 1731-40 e 1741-50, respectivamente.
270
Para Sampaio, o crescente aumento da
participação de agentes vinculados ao comércio no sistema de crédito demonstra a
268
Cabe ressaltar que no Peru ao longo do século XVII, não as instituições religiosas tinham participação
no mercado de crédito. Segundo Margarita Suárez, o papel dessas instituições tem sido supradimensionado,
deixando-se de lado as funções exercidas pelos mercadores e banqueiros. Desde finais do século XVI alguns
mercadores de Lima começaram a receber depósitos e praticar operações creditícias em suas casas mercantis
que adquiriram o título de bancos públicos com o passar do tempo. Assim segundo Suárez, a partir da
primeira metade do século XVII, junto com a Igreja, os mercadores passaram a controlar o sistema de crédito
no vice-reinado do Peru. Ver, SUÁREZ, Margarita. Desafios transatlânticos mercadores, banqueros y el
estado em el Peru virreinal, 1600-1700. Lima: PUC-Peru, Fondo de Cultura Econômica e Instituto Francés
de Estúdios Andinos, 2001, pp. 23-4.
269
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
270
SAMPAIO, op. cit., 2003, pp. 190-1.
299
transformação pela qual passava a economia carioca, qual seja, a distinção de homens
ligados somente às atividades mercantis daqueles atrelados às atividades agrárias. No
século XVII, não havia ainda uma esfera mercantil distinta das demais atividades
econômicas no Rio de Janeiro. Havia uma forte ligação entre a acumulação mercantil e a
atividade agrária, sendo que esta absorvia grande quantidade do capital obtido pelo
mercado. Desta maneira, até a última década do século XVII não havia uma elite mercantil
strito sensu que se distinguisse totalmente da elite agrária.
271
na centúria seguinte, é
perceptível a distinção entre senhores de engenho e homens de negócio. Enquanto os
primeiros passam a se destacar como fornecedores de crédito, os segundos passam a ter
uma participação praticamente nula como fonte de numerários, passando a aparecer apenas
como devedores. A atuação dos senhores de engenho como credores, segundo Sampaio se
apenas em ocasiões muito específicas, ligadas a empréstimos de parentes ou
relacionados a dívidas antigas.
272
No caso baiano, os dados de R. Flory mostram que os homens de negócio foram
responsáveis por aproximadamente um quarto do montante de dinheiro disponibilizado ao
crédito entre 1690-1715, representando a segunda fonte mais ativa de capital, vindo logo
atrás das instituições. Outros profissionais residentes em Salvador e também atuantes como
credores foram os clérigos, advogados, alguns militares e oficiais régios, representando
12,5%. Até mesmo alguns senhores de engenho emprestavam dinheiro, correspondendo a
7,3% do montante transacionado.
273
Uma grande variedade de credores possibilitava um
contínuo acesso ao crédito. Assim, um indivíduo que necessitasse de crédito
constantemente poderia dirigir-se a uma fonte alternativa quando um provedor tornava-se
esgotado.
271
SAMPAIO, op. cit., 2002, p. 12.
272
Idem.
273
FLORY, op. cit., 1978, pp. 72-4.
300
Dentro dessa perspectiva, Flory observou que havia uma forte dependência de
produtores agrários com uma grande variedade de credores. Muitos senhores de engenho
hipotecavam suas propriedades como garantia de pagamento dos empréstimos efetuados
com até doze diferentes credores institucionais ou privados.
274
Para o período de 1751-1800 contabilizamos 569 escrituras de empréstimos cujos
credores eram pessoas físicas. Isso representa 78,5% de todo o montante disponibilizado a
crédito nas escrituras coletadas. Montamos o quadro 3.5 distribuindo o volume de crédito
por cada grupo social. O universo de pessoas envolvidas no sistema de capital a risco era
bastante variado. É possível apontar que entre os credores físicos havia advogados,
militares, proprietários rurais, religiosos, agentes da governança e comerciantes.
Infelizmente, não conseguimos levantar a atividade desempenhada para todos os
indivíduos relatados como credores nas escrituras. De todo modo, o que podemos
apreender diante desses dados é que havia uma oferta variada de fontes de financiamento
na sociedade baiana colonial e uma autonomia relativa frente aos grupos metropolitanos.
274
Ibidem, p. 74.
301
Quadro 3.5 – Participação de cada grupo de credores no sistema de crédito em
Salvador, 1751-1800 (em mil réis)
N.E Credores Valor
transacionado
% frente ao
volume
privado
% frente ao
volume total¹
192 Homens de
negócio
399:224$377 56,8 44,6
130 Comerciantes-
senhores de
engenho
188:300$860 34,1 26,8
71 Profissionais
citadinos²
22:378$048 3,2 2,5
46 Senhores de
engenho
7:160$975 1,1 0,8
41 Militares 4:475$609 0,6 0,5
89 Indeterminado 29:509$836 4,2 3,3
569 Total 702:615$152 100 78,5
Fonte: Fonte: APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
Obs: 1 – O valor total de crédito transacionado no período foi 895:121$922.
2 – Neste grupamento incluímos: advogados, religiosos, agentes da governança, etc.
Ainda observando o quadro 3.5 percebemos que o grupo mercantil aparece em
aproximadamente 34% das escrituras totalizando cerca de 45% dos fundos totais
disponibilizados na praça. Se considerarmos apenas os empréstimos oferecidos por pessoas
físicas descartando os desconhecidos, os homens de negócio aparecem como responsáveis
por cerca de 57% do total.
302
Em comparação com dados levantados por Flory, fica evidenciado que ao
considerarmos toda a segunda metade do século XVIII houve um aumento na participação
dos homens de negócio no sistema de crédito de Salvador e conseqüentemente um
decréscimo das instituições como agentes ativos. Fato este percebido nos dados apontados
no quadro 3.2, onde fica perceptível que essa mudança no padrão foi se desenrolando ao
longo das últimas décadas dos Setecentos.
A inversão do perfil do tipo de credor em Salvador ocorreu justamente na década de
1760, período no qual a economia da cidade passava por dificuldades, como alertamos
anteriormente. Com a redução do volume de dinheiro disponibilizado a crédito, a
participação de agentes privados tornou-se mais importante do que à institucional. Muitos
desses agentes deviam estar de alguma maneira envolvidos com atividades mercantis,
como o comércio de escravos. Por isso, mesmo se tornando majoritário frente aos
empréstimos institucionais, o volume total de dinheiro emprestado nessa década caiu em
relação ao decênio anterior.
Analisando isoladamente a década de 1770, verificamos que 32,6% do volume de
capital disponibilizado foram feitos por homens de negócio, enquanto este mesmo grupo
foi responsável por apenas 15,8% do montante total na década de 1750. Esses dados
evidenciam que estava ocorrendo um incremento na importância dos agentes mercantis na
participação do sistema de crédito. No final do século XVIII, a participação dos
comerciantes como agentes ativos de empréstimos tornou-se mais importante do que havia
sido até então. Isso ocorreu devido ao declínio financeiro de algumas instituições
fornecedoras de crédito como a Santa Casa de Misericórdia, bem como da consolidação de
algumas carreiras mercantis distintas de outras atividades. A mudança pela qual passava o
mercado de Salvador nesse momento, foi aquele vivenciado pela praça carioca no início
303
dos Setecentos. A circulação de numerários e o controle da liquidez da economia
soteropolitana passavam para as mãos dos comerciantes com o findar do século XVIII.
A partir de alguns inventários baianos constituídos no período por nós estudado,
podemos observar que as maiores fontes de crédito provinham dos comerciantes,
principalmente daqueles que se dedicavam ao comércio de longa distância. Uma das
maiores fortunas inventariadas, 234:981$000, pertencia a Maria Joaquina de Barros,
correspondendo esse valor a soma total dos bens e dívidas ativas.
275
Comerciante de
escravos, Maria Joaquina era dona de três embarcações, um navio grande no valor de
20:000$000, um brigue avaliado em 3:200$000 e uma alvarenga de 70$000. Além do
comércio de escravos africanos, possuía uma loja de tecidos e várias casas de aluguel.
Embora fosse dona de vários bens, sua fortuna estava mesmo atrelada ao crédito. Cerca de
84% de seu montemor (aproximadamente 194:000$000) era constituído por dívidas ativas,
como dinheiro emprestado e valores de mercadorias a receber. Com tamanho valor a
receber, Maria Joaquina de Barros aparecia como a maior credora da praça de Salvador em
sua época.
abordado por nós no capítulo anterior, o segundo maior credor que encontramos
nos inventário foi Custódio Ferreira Dias, que era o possuidor da maior fortuna pessoal de
Salvador, avaliada em 304:165$000, sendo cerca de 40% ou 120:695$000 constituído de
dívidas ativas.
276
Atuava no comércio de longa distância, também como traficante de
escravos. Na capital baiana possuía uma loja aberta, dois armazéns e um trapiche. Mas não
da atividade mercantil vivia Custódio. Ele era dono de quatro engenhos e uma grande
escravaria, uma das maiores de Salvador, sendo um personagem emblemático da sociedade
soteropolitana da época. Custódio Ferreira Dias se enquadra na categoria de comerciante-
senhor de engenho que foi responsável pela oferta de 34% do crédito privado ou de
275
APEB, judiciário Inventário de Maria Joaquina de Barros, 1808, 8/3299/3.
276
APEB, judiciário Inventário de Custódia Dias Ferreira, 1801,4/1741/221/5.
304
aproximadamente de 27% do volume total de dinheiro disponibilizado para empréstimos
em Salvador, como apontado no quadro 3.5.
Esse grupo de homens com atividades bifurcadas entre o rural e o comercial ainda
era muito forte em Salvador em finais do século XVIII, bem como ainda o foram por boa
parte do século XIX. Embora houvesse um incremento de indivíduos que atuassem apenas
no setor mercantil, havia ainda aqueles que por estratégia de vida direcionavam grande
parte de seus rendimentos obtidos via comércio para atividades agrárias, pois percebiam na
carreira mercantil um mecanismo eficiente para angariar capital que pudesse ser investido
em atividades agrícolas. Outros misturavam suas atividades como forma de obter status e
prestígio. Muitos queriam legar para seus descendentes um modo de vida que os afastasse
da atividade mercantil, associando-se desta forma a um estilo de vida ligado a posse de
terra. Como observou Antonil:
O ser senhor de engenho é tulo a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser
servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser homem de
cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quando
proporcionalmente se estimam os títulos entre fidalgos do Reino.
277
Sendo assim, era comum a existência de outros indivíduos com o mesmo perfil e
comportamento verificado no inventário de Custódio Ferreira Dias que aspiravam galgar a
partir da aquisição de propriedades rurais o status de “nobreza” que esse tipo de bem
oferecia.
É o caso de Manoel Pereira de Andrade, dono da quarta maior fortuna inventariada
e quinto maior credor particular. Seu montemor foi avaliado em 193:975$000, sendo cerca
de 21% ou 41:372$000 referentes à vida ativas.
278
Sua fortuna era composta por dois
engenhos, uma fazenda de gado, um alambique, uma loja aberta, um trapiche com
277
ANTONIL, André João Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p. 75.
278
APEB, judiciário Inventário de Manoel Pereira de Andrade, 1793, 4/594/2063/7.
305
equipamentos de descaroçar e prensar algodão, um barco grande e duas lanchas, uma
grande e outra pequena. Também atuava no comércio de escravos africanos, fazendo
negociações em portos da África. Assim, como Custódio Ferreira Dias, Manoel Pereira de
Andrade era comerciante e ao mesmo tempo senhor de engenho e ainda administrador do
real donativo do açúcar e tabaco.
279
O casal Maria Pereira Rangel e João Ribeiro da Silva aparecem como os terceiros
maiores credores privados de Salvador. Sua fortuna foi estimada em 77:120$000.
280
Sua
dívida ativa de dinheiro emprestado e de valor de mercadorias a receber era de
aproximadamente 50:000$000 ou cerca de 65% do montemor. Atuavam no comércio de
longa distância, mantendo ligações com as cidades do Porto e de Lisboa, bem como com
portos africanos, onde faziam o comércio de escravos. Praticavam também comércio com
regiões do interior da América portuguesa como Piauí, Minas Gerais, Goiás, Cuiabá e
Sergipe, atuando no fornecimento de escravos e outros mercadorias para essas regiões.
O quarto maior credor encontrado nos inventário foi Antônio Nunes Leitão, com
uma fortuna avaliada em 44:000$000.
281
Sua dívida ativa correspondia a impressionante
94% de sua fortuna, cerca de 41:500$000. Apenas conseguimos extrair a informação de
que o inventariado era sargento-mor, devido à precariedade do estado de conservação de
seu inventário.
282
Assim sendo, Antônio Nunes Leitão exemplifica o papel desempenhado
pelos militares como fornecedores de crédito em Salvador. Eles aparecem em quarenta e
uma escrituras como credores, responsáveis por 0,6% do dinheiro privado emprestado,
como observamos no quadro 3.5.
Para além da participação dos comerciantes nos fundos disponibilizados a crédito
mediante escrituras, eles eram responsáveis também por outros mecanismos de
279
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 190.
280
APEB, judiciário Inventário de Maria Pereira Rangel e João Ribeiro da Silva, 1790, 4/1760/2230/4.
281
APEB, judiciário Inventário de Antônio Nunes Leitão, 1768, 4/1592/2061/9.
282
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 190.
306
fornecimento de capital. Na ausência de numerário, os comerciantes podiam fornecer
empréstimos sob outras formas que não fosse a monetária. De acordo com Schwartz, os
senhores de engenho constantemente se viam em necessidade para aquisição de material
operacional como mão-de-obra, ferramentas e equipamentos.
283
Cabia aos comerciantes o
fornecimento de tais mercadorias a base de crédito. Nessas condições eram mantidas
contas abertas nas quais os senhores de engenhos e proprietários rurais se abasteciam de
mercadorias e produtos muitas vezes importados, como escravos africanos, com a
promessa do ajuste de contas ao final da safra. Em muitas ocasiões o pagamento do débito
se dava mediante sacas de açúcar a um preço abaixo do mercado. Ainda segundo Schwartz,
esse tipo de negociação foi imprescindível para a capitalização da indústria açucareira na
Bahia.
284
O crédito era fundamental para a manutenção e sobrevivência de uma propriedade
rural devido aos gastos constantes e à baixa lucratividade. De 1698 a 1715, senhores de
engenho, plantadores de cana e de tabaco absorveram respectivamente 35,0%, 16,8% e
9,8% do volume total do capital disponibilizado na praça baiana.
285
Isso significava que
mais da metade do dinheiro a risco era direcionado para a área rural, mais do que isso, para
a produção dos dois principais artigos da pauta de exportação baiana, o açúcar e o fumo.
Tal fato era decorrência da baixa lucratividade da atividade agrária o que acarretava em
endividamentos crônicos.
Embora aparecessem nas escrituras como responsáveis por aproximadamente 1%
do dinheiro emprestado, como foi apontado no quadro 3.5, os senhores de engenhos se
notabilizaram mais por serem tomadores de empréstimos. Contudo, eles também acabavam
desempenhando o papel de credores como um mecanismo de controlar subordinados
283
SCHWARTZ, op. cit., 1999, p. 182.
284
Idem.
285
FLORY, op. cit., 1978, p. 75.
307
envolvidos na indústria açucareira. De acordo com Schwartz, um procedimento comum era
o senhor de engenho conceder financiamento a um lavrador de cana, que em troca se
comprometia a moer seu produto no engenho credor.
286
Ainda segundo o mesmo autor,
diante da falta de moedas, geralmente os senhores de engenho concediam crédito na forma
de escravos, equipamentos ou terras, com objetivo de obter a cana cativa. Assim, esses
senhores conseguiam mesmo sem dinheiro em caixa fornecer empréstimos e obter a
matéria-prima necessária para o bom funcionamento de seu engenho.
287
Essa estrutura de
crédito para além de gerar um forte vínculo e laços de dependência entre senhores de
engenho e plantadores de cana, ajudou a manter a hierarquia da elite açucareira baiana.
O senhor de engenho José Pires de Carvalho e Albuquerque, inventariado em 1808
e dono da terceira maior fortuna encontrada nos inventários, 200:937$000, foi um dos
senhores de engenho fornecedores de crédito. Possuía três engenhos, três fazendas de gado,
duas de cana. Sua dívida ativa girava em torno de 26:000$000, o que fazia dele o maior
credor entre os senhores de engenho. Tinha a receber mercadorias comprometidas pelos
devedores no momento da elaboração do empréstimo. Contudo, sua dívida passiva era de
25:082$488, cerca de 12,5% de seu montemor, o que o colocava na terceira posição como
maior devedor.
288
Luís Carlos da Silva Pina de Melo, inventariado no ano de 1789, aparece como o
segundo maior credor entre os senhores de engenho, com dívida ativa de 8:200$000,
equivalendo a 5,5% de seu montemor, avaliado em 147:521$000. Contudo sua vida
passiva era de aproximadamente 40:000$000 ou 27,1% de sua fortuna, o que o colocava no
topo dos maiores devedores entre os senhores de engenho.
289
286
SCHWARTZ, op. cit., 1999, p. 183.
287
Ibidem, p. 184.
288
MASCARENHAS, op. cit., 1998, pp. 188-93.
289
Ibidem, pp. 188-92.
308
O terceiro maior credor dentro desse grupo social foi Sebastião Gago da Câmera,
inventariado em 1762, com montemor de cerca de 63:000$000, sendo aproximadamente
8:000$000 ou 12,2% referentes a dívidas ativas. Era dono de quatro engenhos, alambique,
fazenda, uma casa e lojas alugadas. Sua dívida passiva era pequena se comparada à ativa,
apenas 1:900$000 ou 3% de sua riqueza.
290
Antônio Marinho de Andrade, inventariado no ano de 1802, foi o quarto maior
credor entre os senhores de engenho. Possuía uma fortuna avaliada em aproximadamente
71:000$000, constituída por um engenho, uma olaria e uma casa de farinhas. Sua dívida
ativa era de 5:323$000 ou 7,5% de sua fortuna. Embora tenha atuado como credor,
Antônio Marinho de Andrade não nega seu perfil de senhor de engenho atrelado ao crédito
como devedor. Sua dívida passiva representava 54% de seu montemor ou cerca de
38:000$000, representando a segunda maior dívida passiva encontrada nos inventários.
291
Havia também aqueles que tinham uma dívida maior do que a soma total de sua
riqueza, como o caso de Antônio da Costa, que era senhor de engenho, cirurgião-mor e
boticário. Inventariado em 1779, sua fortuna foi avaliada em 15:324$000, mas sua dívida
passiva era de 20:823$000.
292
Antônio da Costa é exemplo de proprietário de terra que se
endividou para iniciar seu empreendimento. Sua dívida foi feita com o intuito de comprar
seu engenho, que no momento de elaboração do inventário ainda não tinha sido totalmente
quitada.
Assim, analisando os inventários baianos percebemos que os possuidores de dívidas
ativas mais altas estavam, de algum modo, atrelados à atividade mercantil, mesmo que
esses credores não estivessem desvinculados da atividade agrária, como nos casos de
Custódio Ferreira Dias e Manoel Pereira de Andrade. os maiores devedores se
290
Idem.
291
Idem.
292
Ibidem, p. 193.
309
encontravam no grupo dos senhores de engenho. A analise dos inventários evidencia que
nas mãos do grupo mercantil estava a liquidez da economia de Salvador, logo, tornaram-se
a fonte principal do crédito, dinheiro este fundamental para os senhores de engenhos que
constantemente recorriam aos empréstimos para tocar seus empreendimentos. Desta
maneira, formou-se uma relação intrínseca entre proprietários rurais e comerciantes.
Devemos salientar também que além de transações financeiras, as relações de
créditos muitas vezes podiam estar atreladas a relações sociais de outra natureza como a
formação de alianças. Um homem de negócio ao fazer um empréstimo para um senhor de
engenho, por exemplo, estaria objetivando a aproximação das famílias. Desta relação
surgiriam laços mais fortes como a constituição de matrimônios. Enfim, em sociedades
pré-industrias, as relações de crédito podiam abarcar igualmente relações financeiras e
sociais. Talvez essa seja a explicação para que mesmo tendo dificuldade para tocar seus
negócios, alguns senhores de engenho tenham atuando como credores, mesmo sendo
grande tomadores de empréstimos, como nos casos apontados anteriormente. Era uma
forma de garantir a subordinação de proprietários menores, mantendo, desta forma, a
hierarquia social no setor agrário.
Os dados baianos coincidem com os levantados por Antônio Carlos Sampaio para o
Rio de Janeiro na segunda metade do século XVII, quando os senhores de engenho eram os
grandes devedores. Eles foram responsáveis por adquirir cerca de dois terços de toda
dívida passiva na década de 1680. A participação desse grupo social diminuiu no século
XVIII, pois neste momento surgiram novos atores dispostos ao endividamento, como
lavradores, artesãos e comerciantes, reduzindo assim o espaço e o dinheiro disponível aos
senhores de engenho. Além disso, neste momento estava ocorrendo uma crise no setor
310
açucareiro fluminense que impôs a retirada desses indivíduos do mercado de capital a
risco.
293
A garantia para o recebimento desses empréstimos na maioria das vezes era bens
imóveis como casas, sobrados, engenhos, fazendas, terras e canaviais. Muitas vezes um
mesmo bem acabava sendo empenhado em mais de um empréstimo, o que gerava muitas
dificuldades na hora da cobrança dos credores.
294
Os senhores de engenhos envoltos a
dívidas intermináveis utilizavam-se de algumas leis como as de 1663, que impediam as
penhoras de escravos e equipamentos dos lavradores e senhores de engenhos,
295
e 1723 que
impediam o confisco total de um engenho. Isso acarretava disputas judiciais que
perduravam por anos. Em alguns casos, os engenhos eram levados a leilão para saldar as
dívidas. O problema nessas situações era que os lances dados estavam muito aquém do
valor real das propriedades, devido à baixa disponibilidade de dinheiro em caixa. Os
credores tinham que se contentar nessas situações com promessas de pagamento parcial ao
fim de cada safra. Nesse sentido, os credores se sujeitavam a uma espera adicional para ter
parte de seu capital de volta.
296
Como garantia de pagamento, muitos acabavam hipotecando seus bens, como
verificamos por exemplo na escritura pública de 1766 em que José de Sousa Pereira tomou
empréstimo a Joaquim José Gomes no valor de 500$000 e deu como garantia a hipoteca de
uma morada de casas de sobrado avaliadas em 1:100$000.
297
Ao longo de toda a segunda
metade do século XVIII hipotecar bens era a principal forma de avalizar que o empréstimo
seria pago.
293
SAMPAIO, op. cit., 2003, pp. 199-201.
294
SCHWARTZ, op. cit., 1999, p. 179.
295
FERLINI, Vera. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no nordeste colonial. Bauru: EDUSC,
2003, p. 282.
296
SCHWARTZ, op. cit., 1999, p. 182.
297
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 107, p. 238.
311
Em estudo sobre o sistema de crédito no Termo de Vila do Carmo, em Minas
Gerais, na primeira metade do século XVIII, Carlos Kelmer Mathias, observou que os
plantéis de escravos eram as principais garantias para a quitação das vidas. Analisando
inventários post-mortem, Mathias verificou que as dívidas passivas eram superiores as
comparadas às ativas, o que poderia acarretar o não pagamento dos débitos. Contudo, o
autor observou que os cativos presentes na documentação seriam a garantia necessária para
saldar as dívidas, uma vez que a soma do valor do plantel superava o montante das
obrigações de empréstimos. Assim, nas palavras de Mathias, “em um contexto em que a
terra era barata e as dívidas ativas de baixo valor, o escravo surgia como o bem mais
valioso no qual investir, pois, dentre outros fatores, constituía-se na principal via de acesso
ao crédito [assim] o escravo se metamorfoseava em crédito.”
298
Segundo Maria José Mascarenhas, as hipotecas continuaram sendo bastante usadas
no final do Setecentos e início da centúria seguinte, como observou a partir da análise dos
inventários post-mortem.
299
Vários tipos de bens eram hipotecados. Desde bens imóveis,
como terra fazendas e engenhos a escravos. Havia também hipotecas de peças de prata e
até mesmo um simples par de brincos de ouro.
300
Sabe-se que as dívidas e os juros contraídos e não pagos em vida eram quitados
durante o processo de abertura do inventário post-mortem e da partilha dos bens. Fazia-se
um leilão dos bens em praça pública pelo preço de avaliação ou com acréscimo de alguns
mil réis ao valor atribuído pelos avaliadores. Era comum ocorrer o seqüestro de bens, para
298
MATHIAS, Carlos L. Kelmer. “Considerações acerca do movimento do crédito no termo de Vila do
Carmo, 1713-1756”. In: VARELLA, Flávia Florentino; MATA, Sérgio Ricardo da & ARAUJO, Valdei
Lopes de (orgs.) Anais do I Seminário Nacional de História da Historiografia: historiografia brasileira e
modernidade. Mariana: EdUFOP, 2007, pp. 1-4.
299
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 203.
300
Analisando a sociedade da Nova Espanha, John Kicza observou que como regra geral as garantias para
empréstimos exigidos por instituições eclesiásticas ou particulares, era a propriedade rural, como fazendas
com suas terras cultivadas. Aqueles que não pudessem adquirir pela compra uma propriedade rural, deveria
faze-lo mediante casamento com alguém cuja família fosse dona de propriedades agrárias. Ver KICZA, op.
cit., 1986, pp. 34-5.
312
garantir a sobrevivência dos herdeiros quando estes fossem ainda menores e para o
pagamento da própria dívida constante nos inventários. Nesse sentido, o processo de
abertura de um inventário tornava-se um acontecimento que propiciava a circulação de
numerários ou de bens com valor de moeda, aumentando a possibilidade de novos
empréstimos.
Numa sociedade em que era pequena a liquidez devido à baixa circulação de
moeda, o momento da abertura de um inventário e de sua partilha era bastante aguardado
como um tempo de pagamento, de saldar os débitos e de prestação de contas. Débitos ou
parte deles eram quitados e credores recebiam seu dinheiro. As pessoas que deviam aos
herdeiros do inventariado tinham que pagar suas dívidas, para que o montemor da partilha
fosse composto, para posteriormente ser dividido entre os legatários.
Desta forma, o crédito se tornava uma boa fonte de investimento. Como
observamos nas escrituras públicas de Salvador, o dinheiro era disponibilizado a juros, o
que acarretava um rendimento através da cobrança dos mesmos para os credores. Assim, a
prática da usura foi bastante disseminada na colônia.
De forma geral, em Salvador, cobrava-se juros de 5 a 6,25% ao ano.
301
Na Europa,
segundo Valentim Prada, os juros giravam em torno de 6,6 a 10% durante a primeira
metade do século XVI, recuando para 6% em épocas posteriores.
302
Portanto, os juros
cobrados na praça de Salvador apresentavam-se no padrão europeu.
Como observamos anteriormente os proprietários rurais foram os maiores
tomadores de empréstimos. Contudo, havia uma gama variada de pessoas dispostas a pedir
empréstimos, como militares, religiosos, desembargadores, oficiais régios, homens de
301
Segundo Schwartz, as restrições da Igreja à usura restringiam a cobrança de juros a 6,25% ao ano. Esta
permaneceu nesse patamar até 1757, quando foi baixada para 5% numa tentativa de atender a demanda dos
senhores de engenho que constantemente reclamavam da elevada taxa de juros. Ver SCHWARTZ, op. cit.,
1999, p. 179.
302
PRADA, Valentim. História econômica mundial. Das origens à revolução Industrial. Porto: Livraria
Civilização Editora, 1972, p. 323.
313
negócios. Estes últimos não apresentavam dívidas tão altas quanto os senhores de
engenhos, mas também faziam dívidas.
É o caso de Maria Joaquina de Barros, a maior credora individual encontrada nos
inventários. O fato de ela possuir 84% de seu montemor atrelado à dívida ativa não a
eximia de possuir dívidas passivas. Grande comerciante, atuando em diversos ramos,
Maria Joaquina possuía um saldo devedor de 25:393$000.
303
Entre os comerciantes-senhores de engenho, encontramos grandes devedores
também, como o mencionado Manoel Pereira de Andrade, possuidor da segunda maior
dívida passiva encontrada nos inventários, cerca de 36:000$000 ou 18,5% de seu
montemor.
304
Atuando em ramos diversificados como comércio de longa distância,
produção agrícola e arrematação de contratos de dízimos, era natural que Manoel fizesse
uso intensivo do crédito para desenvolver seus empreendimentos. Para Mascarenhas, que
analisou também o referido inventário, a dívida de Manoel Pereira de Andrade deve se
referir aos donativos não pagos à Fazenda real, uma vez que era comum encontrar casos de
arrematadores de dízimos reais com dívidas altas.
305
Analisando um total de trezentos e vinte e dois inventários da cidade de Salvador,
Mascarenhas observou que quanto maior a faixa de valor da fortuna, mais débito
existia.
306
Esse tipo de transação encontrava-se em todos os níveis de riqueza, desde aquele
que possuía centenas de contos de réis aos que tinham apenas dezenas de mil réis. Em
linhas gerais, quem se encontrava no nível de riqueza de até 2:000$000 era credor.
307
O
acesso ao crédito, desta forma, era uma prática extremamente usual em sociedades pré-
industriais, comum em todos os níveis sócio-econômicos.
303
APEB, judiciário Inventário de Maria Joaquina de Barros, 1808,8/3299/3.
304
APEB, judiciário Inventário de Manoel Pereira de Andrade, 1793, 4/594/2063/7.
305
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 194.
306
Idem.
307
Ibidem, p. 191.
314
Ainda segundo dados levantados por Mascarenhas, os comerciantes tendiam tanto
quanto os senhores de engenho a buscar crédito, sendo o percentual de devedores de ambos
os grupos sociais bastante próximos. A diferença reside nos valores de dinheiro obtido,
sendo sempre superior no caso dos senhores de engenho.
308
Rae Flory ao analisar os dados das escrituras de 1698 a 1715, observou que o
percentual de senhores de engenho que recorria ao crédito era bem maior que o do
comerciante, cerca de 34% contra 17,4%.
309
O aumento dos comerciantes no acesso ao
crédito se deu justamente no momento em que essa categoria também se consolidava na
cidade de Salvador.
Dos inventários analisados por Mascarenhas, apenas em quatorze os montemores
eram inferiores às dívidas passivas dos inventariados. Entre esses havia indivíduos
presentes nas mais diversas categorias sociais e níveis de riqueza, como um dono de
engenho, um administrador do contrato dos dízimos, artesãos, pescadores de baleia e
fabricante de azeite, e até mesmo comerciantes, fossem pequenos, médios ou grandes.
310
Era o caso de Francisco José da Silva Freire. Inventariado em 1800, o comerciante de
escravos, dono de loja aberta de tecido e outras mercadorias, possuía uma fortuna avaliada
em 34:077$000, sendo sua dívida passiva estipulada em 53:725$000.
311
De todo modo, a maioria dos inventariados levantada por Mascarenhas possuía
débitos menores que a soma de todos os seus bens arrolados nos inventários. Isso mostra
que a situação das dívidas em Salvador não chegou a representar um problema, pois os
débitos eram contornáveis na medida em que a soma de capital presente na fortuna dos
baianos na segunda metade do século XVIII era suficiente para efetuar o pagamento dos
empréstimos efetuados
308
Ibidem, pp. 194-5.
309
FLORY, op, cit., 1978, p. 75.
310
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 195
311
Ibidem, p. 193.
315
Observando as escrituras de crédito, nos chama atenção o número expressivo de
mulheres que captaram empréstimos. Aproximadamente 25% das escrituras tinham
mulheres como mutuários o que totalizava cerca de 13% do crédito disponibilizado. Em
sua maioria eram viúvas, como Teresa Ferreira de Sousa, viúva do mestre-de-campo
Caetano Lopes Vilasboas, que tomou junto ao Convento de Santa Clara do Desterro, no
ano de 1769, a quantia de 1:600$000 a juros de 5% ao ano.
312
Com a morte do cônjuge,
essas mulheres se viam em situação de penúria, tendo que muitas vezes recorrer aos
credores para sobreviver. Algumas delas, como dona Inácia de Araújo Pereira, recorriam
aos usurários apenas em último caso. Viúva do coronel Garcia de Ávila Pereira, ela se viu
imersa em dívidas. Começou a se desfazer de seus bens em 1755, com a venda de um sítio.
Ao longo dos anos, foram vendidos mais seis sítios e duas fazendas, arrecadando um
volume de 3:522$000. Ao que tudo indica, essa quantia não foi suficiente para resolver
seus problemas financeiros, pois em 1772 no ano que vendeu três sítios, dona Inácia
recorreu às irmãs do Convento de Nossa Senhora do Carmo e pegou emprestados
1:707$336. Não registros da cobrança de juros. Talvez as irmãs tenham se solidarizado
com a situação de penúria na qual se encontrava dona Inácia.
313
Mas é provável também
que a importância e a projeção social de dona Inácia, pertencente a uma das famílias mais
poderosas e antigas da Bahia, justifiquem a não-cobrança de juros por parte das irmãs do
Convento de Nossa Senhora do Carmo.
Muitas mulheres recorriam ao crédito não apenas para suprir suas necessidades de
subsistência, mas sim para manter sua vida luxuosa. O gasto com vestuários, jóias, prataria,
mobílias, casa nobre eram bastante dispendiosos. Esses bens eram necessários para se
manter um padrão de vida, para marcar a distinção social, o prestígio e o status tão
312
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 110, p. 89.
313
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 114, p. 424v.
316
importantes numa sociedade de Antigo Regime, como bem nos alerta Norbert Elias.
Segundo este autor,
Numa sociedade em cada manifestação pessoal tem um valor socialmente
representativo, os esforços em busca de prestígio e ostentação por parte das
camadas mais altas constituem uma necessidade de que não se pode fugir. Trata-se
de um instrumento indispensável à auto-afirmação social, especialmente quando
[...] todos os participantes estão envolvidos numa batalha ou competição por status
e prestígio.
314
Nas sociedades de Antigo Regime, ter crédito na praça significava possuir prestígio
social. Numa sociedade onde era escassa a moeda, tornava-se vital a presença do crédito.
Ninguém conseguiria ser verdadeiramente rico sem possuir dívidas e créditos. Como
alertado anteriormente, esse padrão se refletia em todos os veis de riqueza e grupos
sociais. Segundo o viajante Lindley, no início dos Oitocentos, no Brasil, uns concediam
créditos aos outros em larga escala, demonstrando o quando estava disseminado na
sociedade tal prática.
315
Tal percepção foi bem resumida nas palavras de Alice Canabrava,
[o acesso ao crédito] como instituição completamente aceita, a
excepcionalidade das cobranças judiciais, a anuência quanto à elevada soma
de capital financeiro investida em títulos de crédito de valor duvidoso, os
‘papéis que nunca se hão de arrecadar’, são práticas consagradas que põe
em relevo o consenso quanto ao sustento do padrão da aparência de que
deviam desfrutar várias camadas da hierarquia social.
316
Se por um lado era grande a procura por empréstimo por parte das pessoas físicas,
de outro foi insignificante a participação das instituições coloniais como mutuárias,
314
ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 83.
315
LINDLEY, op. cit., 1969, pp. 172-3.
316
CANABRAVA, Alice “Decadência e riqueza”. In: Revista de História. São Paulo: v. 50, n. 100, 1974, p.
358.
317
situação diferente do que foi observado quando analisamos os tipo de credores. Apenas 18
registros de empréstimos foram feitos para instituições, todas religiosas. O montante
envolvido nessas transações representou 1,6% da quantia total disponibilizada a crédito no
período estudado. Curiosamente, dois desses empréstimos foram feitos por outras
instituições religiosas, a saber: no ano de 1751 a Irmandade das Santas Almas emprestou a
juros de 5% ao ano a quantia de 1:000$000 a Irmandade do Santíssimo Sacramento da
Conceição da Praia; também no ano de 1751, outro empréstimo foi efetuado pela
Irmandade do Santíssimo Sacramento para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos da quantia de 200$000 a juros de 6,25% ao ano.
317
Flory também percebeu uma pequena representatividade das instituições atuando
como devedoras. Seus dados indicam que apenas 1,1% da soma total do dinheiro a risco
foi captado por essas instituições.
318
Ao que parece, os mecanismos utilizados por essas
organizações para se financiarem se situavam fora do mercado, como doações individuais,
dotes, e na maioria das vezes mediante recebimento de herança.
Concentração dos empréstimos
Vejamos agora o grau de concentração desses empréstimos. Para tanto, elaboramos
os quadros 3.6 e 3.7 que nos indicam os 10% maiores valores fornecidos a crédito nas
escrituras e os 50% menores, respectivamente. Optamos por fazer a comparação
verificando o peso de cada uma dessas porcentagens nos decênios.
317
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 90, pp. 153; 244.
318
FLORY, op. cit., 1978, p. 75.
318
Quadro 3.6 – Concentração total dos empréstimos nos 10% maiores, 1750-1800
NE % Valor %
1751-60 8 10,7 131:414$140 60,8
1761-70 9 9,9 27:928$821 35,1
1771-80 19 9,7 66:682$011 41,9
1781-90 19 10,3 76:983$117 42,8
1791-1800 24 9,7 129:039$565 42,5
OBS: valores em mil réis
Fonte: Apêndice 1.
Quadro 3.7 – Concentração total dos empréstimos nos 50% menores, 1750-1800
NE % Valor %
1751-60 37 49,3 18:155$902 8,4
1761-70 46 50,5 14:640$749 18,4
1771-80 98 50,0 24:030$987 15,1
1781-90 91 49,2 32:196$210 17,8
1791-1800 123 49,8 53:437$561 17,6
OBS: valores em mil réis
Fonte: Apêndice 1.
A primeira conclusão que tiramos ao observar os quadros 3.6 e 3.7 é o alto grau de
concentração no mercado de crédito da cidade de Salvador. Nos cinco períodos, os
empréstimos mais vultosos foram sempre muito superiores ao de menor volume. Esta
diferença torna-se significativa devido ao fato dos maiores aportes representarem um
quinto do total dos menores. Na década de 1751-60 essa diferença mostrou-se mais
expressiva, quando os 10% mais altos empréstimos representaram uma fatia de 60,8% do
319
montante total, enquanto os 50% menores juntos contabilizaram apenas 8,3%, uma
diferença superior a 700%. uma explicação para essa altíssima concentração expressa
nesse período. No ano de 1760, um convento religioso emprestou ao Provedor da
Alfândega da Bahia, Rodrigo da Costa de Almeida, a exorbitante quantia de
77:130$000.
319
Esse empréstimo sozinho demonstra o alto grau de concentração desse
sistema. Tal monta significou 31% de todo o capital posto ao crédito nesta década. A
média dos empréstimos nesse período era de aproximadamente 2:900$000. O valor tomado
pelo Provedor, portanto, excedeu em mais de vinte e três vezes a média. Se fizermos os
cálculos sem esse registro teríamos a seguinte situação: os oito maiores empréstimos
(10,8% do total) somariam 64:284$140, o que representaria 43,1% do montante posto a
crédito na década. o peso das 50% menores (vinte e três escrituras) somaria 27:928$821
representando 18,7% do montante. Ainda que essa diferença fosse de mais de 200%, esses
valores parecem mais próximos da normalidade do sistema de crédito em Salvador.
Nos períodos seguintes as taxas dos maiores continuam muito superiores aos
montantes dos menores. Entre 1761-70 essa diferença era superior a 100%,mais de 300%
para os anos de 1771-80 e superiores a 200% nas duas últimas décadas do século XVIII.
Tal grau de concentração mostra que eram poucos aqueles que tinham acesso a quantias
vultosas no mercado de crédito baiano. O que pode explicar tal fato é que dos 10% maiores
empréstimos efetuados para todo o período (setenta e nove no total), vinte e oito foram
realizados por instituições como a Misericórdia e o Desterro. Embora um número variado
de pessoas recorresse a essas instituições, eram poucos aqueles que efetivamente
conseguiam uma quantidade significativa de numerário. Para tanto, era necessário possuir
status e prestígios, muitas vezes ter vínculos com essas instituições, como, por exemplo,
319
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 103, p. 115v.
320
ser um membro da Santa Casa de Misericórdia ou possuir um parente feminino
pertencendo ao Convento de Santa Clara do Desterro.
Ao observarmos os valores médios notamos que a concentração tendia a
permanecer. As médias aproximadas dos maiores empréstimos nas décadas de 1750, 1760,
1770, 1780 e 1790 eram respectivamente 16:400$000 (8:000$000, se não considerarmos o
empréstimo feito ao Provedor da alfândega da Bahia), 3:100$000, 3:500$000, 4:000$000 e
5:400$000. Já as médias dos volumes dos menores eram de 490$000, 318$000, 245$000,
353$000 e 434$000. Ao que parece, o aumento no número de créditos expedido na cidade
de Salvador estava atrelado a uma maior pulverização das quantias, mas não significou
uma melhor redistribuição do dinheiro. Pelo contrário, um número pequeno de escrituras
continuou a concentrar uma grande quantidade maior dinheiro.
Talvez a explicação para este panorama esteja na saída ao longo da segunda metade
do século XVIII das grandes instituições credoras, encarregadas de vultosos fundos
colocados a risco. Elas foram responsáveis como mencionado anteriormente por
aproximadamente um terço do montante disponibilizado para empréstimos referentes a
25% das escrituras públicas no período de 1751-1800, sendo que essa participação caiu de
76,0% nos anos de 1750 para 2,4% na década de 1790. Neste momento, a opção de
investimento passou a se direcionar para um número menor de empréstimos a pessoas de
confiança, que oferecessem menos riscos na hora de quitar seus débitos. Parece ser uma
estratégia para garantir com mais segurança o retorno do montante. Por seu turno, esses
dados acarretaram numa maior atuação dos credores físicos. São eles que passam a atuar
na pulverização do crédito em substituição ao papel até então exercido pelas instituições.
Isso indica uma mudança pela qual estava passando o mercado baiano, como o crescimento
e fortalecimento dos homens de negócio e a tomada por parte desses da liquidez da
economia.
321
Mas não na Bahia essa concentração se fazia presente. Dados trabalhados por
Antônio Carlos Sampaio apontam perfil similar no sistema de crédito da praça do Rio de
Janeiro.
320
Ao comparar a segunda metade do século XVII com a primeira do século
XVIII, o autor percebe que houve um aumento no grau de concentração. Se no primeiro
período os 10% maiores empréstimos significavam 35,3% do valor transacionado e os 50%
menores correspondiam a 21,8%, nas décadas posteriores, os montantes dos maiores
passou a ser de 44,4% e dos menores de 13,7%.
321
Sampaio aponta a saída do sistema no
século XVIII do principal credor do Seiscentos, o Juízo de Órfãos, que atuava como um
dispersor dos valores de pequeno e médio porte, o que é bem diferente do que acontece na
Bahia, onde as instituições fazem os maiores empréstimos. Conjugado a este dado ocorreu
o incremento da participação de agentes vinculados aos negócios mercantis. Nos
Setecentos, a elite comercial passou a ser responsável não só pela concentração dos valores
totais dos empréstimos como também por aqueles de maior monta.
322
Isso demonstra a
capacidade dessa nova elite de mobilizar e disponibilizar grande somas de numerários.
O que buscamos apontar nesse capítulo é a representatividade dos padrões do
sistema de crédito na sociedade baiana colonial. A partir da análise das escrituras públicas
de empréstimos, verificamos o papel fundamental das instituições coloniais como credoras
ao longo do século XVIII, principalmente até a década de 1760, com destaque particular
para a Santa Casa de Misericórdia, responsável pelos empréstimos de vultosas quantias. Ao
que parece, a dependência frente a essas instituições se por um lado demonstra uma
fragilidade do capital mercantil local, ainda não sendo capaz de controlar o mercado de
320
SAMPAIO, op. cit., 2003, p. 204.
321
Idem, p. 205.
322
Segundo Sampaio, dos 38 maiores empréstimos da primeira metade dos Setecentos, 20 (52,6%) tinham
como credores homens de negócios, responsáveis por 60,5% do valor toal. Cf. SAMPAIO, op. cit., 2003, p.
205.
322
crédito e, por conseguinte, a sua liquidez, por outro demonstra autonomia desta economia
em relação aos grupos mercantis metropolitanos.
De todo modo, mudanças significativas ocorreram na segunda metade dos Setecentos.
Percebemos a queda na participação das instituições e o incremento da atuação de agentes
físicos, fundamentalmente os ligados às atividades comerciais. Logo, os homens de
negócios envolvidos com comércio de longa distância passaram a controlar o sistema
creditício de Salvador, isso porque esses agentes sociais, ao terem o controle da liquidez da
economia, puderam disponibilizar para toda a sociedade capital em forma de crédito. O
mecanismo de empréstimos de numerários ou mercadorias foi fundamental para a
manutenção de diversos empreendimentos rurais, carentes em sua maioria de capital de
giro, indispensável para a boa consecução dos negócios.
Nesse sentido, os senhores de engenhos aparecem como o grupo principal quando
analisamos os devedores nas escrituras públicas e inventários post-mortem. Assim, laços
estreitos foram firmados entre agentes mercantis e proprietários rurais, uma vez que os
primeiros tornaram-se os principais fornecedores de crédito para os segundos. Com isso
não é errôneo afirmar que boa parte dos capitais envolvidos na produção açucareira
pertencia aos comerciantes. Não seria possível o bom desenvolvimento da atividade da
produção do açúcar sem os créditos oferecidos pelos comerciantes para o estabelecimento
e manutenção dos engenhos, o fornecimento de instalações para o embarque das
mercadorias, bem como a organização do comércio.
Observamos também que para além do papel de tomadores de empréstimos, os senhores de
engenhos aparecem nas fontes documentais como eventuais credores, principalmente
direcionado aos plantadores de cana. Isso fazia parte da estratégia de terem esses pequenos
proprietários rurais subordinados a sua pessoa, mantendo assim a hierarquia rural sem
alterações, onde os senhores de engenho se manteriam no topo.
323
Portanto, o crédito desempenhava diferentes papéis numa sociedade de Antigo Regime.
Sua principal função, sem dúvida, era gerar capital para por em funcionamento atividades
econômicas, vinculada, desta forma, a escassez de moedas existentes em sociedades pré-
industriais. Mas não podemos deixar de salientar que o acesso ao crédito estava interligado
à questão referente ao prestígio social.
Muitas das dívidas passivas adquiridas pelos indivíduos visavam atender a uma
necessidade relacionada ao modo de vida luxuosa. Numa sociedade com características e
valores fidalgos, os gastos suntuosos se faziam necessários. Desta maneira, era
imprescindível ter acesso ao crédito, para se poder atender as exigências de gastos que
marcassem a posição prestigiosa do indivíduo. Daí a grande difusão do crédito pela
sociedade colonial, averiguada não só nas escrituras públicas como também nos
inventários em todas as faixas de fortuna, sendo as dívidas mais vultosas encontradas entre
as maiores fortunas. Ter crédito e contrair grandes dívidas numa sociedade de Antigo
Regime, como a de Salvador da segunda metade do século XVIII, era uma clara
demonstração de riqueza e prestígio social.
324
CAPÍTULO IV
325
Formas de aquisição e transmissão de bens e riquezas
O caminho que estamos trilhando ao longo desse trabalho está calcado na análise
do mercado de compra e venda, bem como do sistema creditício da cidade de Salvador.
Obviamente, essa opção se deve em grande medida ao tipo de material utilizado na
pesquisa de caráter notarial, baseada nas escrituras públicas entre os anos de 1751-1800.
Contudo, como nos alerta Antônio Carlos Sampaio, numa economia de
características pré-capitalistas o mercado está longe de possuir todas as explicações. Como
observado anteriormente, nas transações de mercado perpassam relações sociais tais
como parentesco, alianças, compadrios, etc. que envolvem muitas vezes compradores e
vendedores; credores e devedores. Desta maneira, muitos dos bens obtidos nessas
sociedades se davam fora do mercado.
323
O objetivo, portanto, deste capítulo é apontar e analisar as formas mercantis e não-
mercantis de acumulação e reprodução social, destacando a importância de tais práticas no
estudo da sociedade de Salvador ao longo da segunda metade dos Setecentos. O foco se
dará na análise da transformação desses mecanismos de acumulação.
Como ponto de partida, analisaremos as diversas maneiras de aquisição dos bens
rurais na segunda metade do século XVIII, que estavam sendo disponibilizados no
mercado de compra e venda. Posteriormente faremos o mesmo tipo de análise dos bens
urbanos e comerciais. O objetivo é aferir o peso relativo do mercado e de outras formas de
aquisição desses bens. Para tanto, utilizaremos as escrituras públicas notariasi dos dois
cartórios de Salvador.
323
SAMPAIO, Antônio C. J. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no
Rio de Janeiro (c. 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 273.
326
A opção por esse corpo documental se pelo fato de ser apenas a partir desse tipo
de documentação que conseguiremos obter informações sobre a forma de aquisição de uma
quantidade significativa de bens, embora pareça contraditório utilizarmos justamente uma
documentação típica de mercado. Desta maneira, torna-se possível a partir do
levantamento dos dados nas escrituras de compra e venda fazer uma análise sobre os
mecanismos não-mercantis de acumulação, uma vez que poderemos absorver de que modo
os vendedores haviam adquirido seus bens transacionados.
Um outro questionamento passível de ser feito alude ao fato da amostra trabalhada
neste capítulo referir-se apenas ao universo de propriedades urbanas, rurais e comerciais
que estiveram no mercado no período analisado, não sendo, portanto, a totalidade daquelas
existentes em Salvador em cada momento. Contudo, devido ao caráter das informações
presentes nas escrituras, bem como a inexistência de melhor material documental que
pudesse nos fornecer uma representatividade mais precisa do conjunto de propriedades,
optamos por explorar esses dados. De todo modo, não negamos a distorção que pode haver
em tais números agregados. Mas acreditamos poder dirimi-la através da análise num
período de cinqüenta anos.
Aquisição de bens rurais
Começamos a examinar os dados referentes à aquisição de bens rurais. Para tanto,
elaboramos o quadro 4.1. O período de 1750 a 1800 foi dividido em décadas, pois
acreditamos ser melhor para visualizar e analisar tais dados.
Encontramos nas escrituras quatro modalidades de aquisição das propriedades, a saber:
compra, herança, dote e doação. A primeira informação que nos salta aos olhos é a
participação das aquisições por compra no decorrer dos anos. Esse era o principal
327
mecanismo durante o período colonial de se conseguir um bem mediante mercado. Se nas
primeiras duas décadas da nossa série (1751-60, 1761-70) esse tipo de aquisição não
representava a principal forma de acesso às propriedades rurais (37,5% e 46,3%
respectivamente), tal quadro foi se alterando, tornando- majoritária ao longo dos decênios
seguintes.
Quadro 4.1 – Formas de aquisição dos bens rurais vendidos em Salvador, 1751-1800
Formas
de
aquisição
Arrematação/compra
Herança Dote Doação Total
Anos N % N % N % N % N %
1751-60 27 37,5 36 50,0 3 4,2 6 8,3 72 100
1761-70 23 42,6 28 51,8 1 1,8 2 3,7 54 100
1771-80 56 54,4 51 49,5 2 1,9 4 3,9 103 100
1781-90 77 51,3 67 44,7 1 0,7 5 3,3 150 100
1791-
1800
106 51,2 92 44,4 1 0,5 7 3,4 207 100
Fonte: Anexo 3
Esta mudança no perfil das aquisições dos bens rurais pode estar atrelada às
transformações pelas quais vinha passando a cidade de Salvador ao longo da segunda
metade do século XVIII, com uma maior monetarização da economia e o aumento da
participação de agentes mercantis nos negócios da cidade, como observamos no mercado
de compra e venda e no sistema creditício. Desta forma, a transferência de bens rurais
mediante o mercado cresceu em importância.
328
a participação da herança no acesso às propriedades rurais apresentou ligeira
queda ao longo do tempo. Nos primeiros três decênios sua participação oscilou em torno
de 50%. Já nas duas últimas décadas sua representatividade atingiu a média de 44%.
Contudo, na década de 1760, a transmissão de bens do setor agrário através do legado
familiar atingiu sua maior marca, 51,8. Cabe aqui uma análise, pois foi justamente nesse
período que a cidade de Salvador conheceu sua pior situação econômica, marcada pelo
menor nível do comércio de escravos de africanos, atividade de suma importância para
fazer girar a economia da capital baiana. Não à toa, os níveis de compra e venda, como
também de crédito se mostraram extremamente retraídos nesses anos. Tais fatos refletiram-
se nos preços de venda dos bens negociados no período. Atrelado a isso, Salvador deixou
de ser o centro político da colônia, acarretando um esvaziamento econômico e
populacional nos anos seguintes. Não é de se estranhar, portanto, que num momento de
fragilidade econômica, o acesso às propriedades rurais tenha se dado majoritariamente pelo
legado familiar, seja pela falta de interesse em vender um bem a preços baixos, seja pela
falta de moedas circulando na economia. Cabe ainda ressaltar que foi este o último período
no qual a participação das aquisições conseguidas mediante herança aparecem como forma
principal de obtenção dos bens. Após a década de 1760, essa forma de transmissão de
propriedade tornou-se secundária na cidade de Salvador sem, no entanto, ver diminuída sua
participação de imediato.
Em estudo realizado para a cidade do Rio de Janeiro, englobando o período de
1650-1750, Antônio Carlos Sampaio percebeu que a participação das heranças era
inversamente proporcional à participação das aquisições mediante arrematação/compra. A
partir da década de 1730, o peso das propriedades herdadas em relação ao total tendeu a
cair, mas segundo o autor, não para afirmar se essa era uma transformação definitiva ou
apenas uma situação conjuntural, uma vez que ele encerrou sua análise na década de 1750.
329
Ao longo dos cem anos examinados pelo autor, as aquisições por herança representaram
cerca de um terço do total das propriedades rurais colocadas à venda.
324
Em áreas de recente ocupação era de se esperar que poucas ou nenhuma aquisição
de terras ocorresse via herança. Foi o que observou Helen Osório em estudo sobre a
capitania do Rio Grande de São Pedro. No ano de 1784, 18,2% do acesso a terra se deu
pelas formas interpessoais e não-monetarizadas, geralmente de caráter parental. Entre esse
mecanismo, destaca-se a herança, que representou apenas 5% dos casos. Mas de todo
modo, como bem nos chama atenção a autora, tratava-se de uma novidade na maneira de
se obter a terra nessa região.
325
Para o Rio de Janeiro, Antônio Carlos Sampaio encontrou algumas aquisições por
meio de sesmarias, fato não observado nas escrituras de Salvador.
326
A obtenção de uma
propriedade mediante o sistema de sesmarias era bastante comum no início da colonização
ou ocupação inicial de novas regiões, o que definitivamente não se aplica ao caso de
Salvador e seu entorno, visto que a ocupação dessa região tinha se dado praticamente
duzentos anos antes do inicio de nossa análise. Desta maneira, no findar do processo de
ocupação territorial, findava-se também a concessão de sesmarias. Além disso, muitas
dessas novas posses eram colocadas à venda logo após sua obtenção, reduzindo, assim, sua
importância no sistema agrário. Com isso, foi possível criar um mercado de terras como
também outras formas de acesso a esses bens.
A ocupação de novos solos se dava de forma geral através da distribuição de
sesmarias. É possível observar pelos dados do Rio de Janeiro um crescimento desse tipo de
aquisição se compararmos a segunda metade do século XVII com a primeira do século
XVIII. A explicação para tal aumento está na ocupação de novas terras, principalmente
324
Ibidem, p. 277.
325
OSÓRIO, Helen. O Império português no sul da América – estancieiros, lavradores e comerciantes. Porto
Alegre: ed. UFRGS, 2007, p. 91.
326
SAMPAIO, op. cit., p. 279.
330
próximas ao Caminho Novo, segundo afirma Sampaio.
327
De acordo a este mesmo autor, a
pouca expressividade ou nenhuma participação das sesmarias no acesso às propriedades
está atrelada também ao fato de que boa parte das concessões de sesmarias a partir do
século XVII no Rio de Janeiro destinaram-se às ordens religiosas, que optavam por possuir
imensas propriedades de onde podiam retirar seu sustento. Desta forma, eram raras as
propriedades desse tipo que retornavam ao mercado.
328
Vale também ressaltar que as sesmarias funcionavam como mecanismos para a
formação patrimonial. Por isso, muitas delas eram legadas aos herdeiros da família do
sesmeiro original, tornando-se quase impossível a sua detecção nas escrituras públicas. De
todo modo, acreditamos serem inexistentes ou quase, a aquisição por meio de sesmarias de
propriedades rurais em Salvador após 1750 , dado o caráter consolidado de ocupação
territorial da região.
Nos dados relativos à capitania do Rio Grande dos Setecentos trabalhados por
Helen Osório, observamos a forma de aquisição primária de terras. Segundo a autora, as
propriedades conquistadas mediante sesmaria representavam 7,1% do total. Predominavam
as datas na região correspondendo a cerca de 29%. Uma outra modalidade bastante comum
foi o “despacho do governador”, representando aproximadamente 22% das apropriações
primárias de terra. Esse era um tipo de despacho estatal que concedia terra. Dependendo do
tamanho da mesma era necessário requerer junto ao vice-rei a carta de sesmaria. Se
somarmos esse volume aos referentes às datas e as sesmarias, veremos que esses tipos de
mecanismos não-mercantis englobavam 59% do total na forma de obtenção inicial da terra,
enquanto àquelas obtidas por arrematação, compra ou arrendamento eram inexpressivas,
tendo aparecido apenas um caso (0,1%).
329
327
Ibidem, p. 280.
328
Idem.
329
OSÓRIO, op. cit., pp. 88-9.
331
Ao analisar a posse no ano de 1784, Helen Osório percebeu uma mudança
substancial nas aquisições de terras comparadas ao período inicial. As terras apropriadas de
forma legal sancionadas por representantes do Estado (sesmaria, data e despacho)
passaram a representar um terço do total, enquanto cresceu em importância o peso das
compras e arrematações, que significavam 34,8%. Poderia parecer um paradoxo esses
dados por imaginarmos que o Rio Grande ainda era uma região de fronteira aberta em fins
do século XVIII. Mas é a própria autora que soluciona a questão, uma vez que,
(...) a fronteira agrícola não é uma situação dada, não é uma característica inerente
a qualquer território, mas produto da ação humana. A fronteira abre após a
conquista, após a eliminação do risco, do inimigo ou da transposição de barreiras
físicas, geográficas. (...) A localização da fronteira ou os limites de sua expansão
também são dados pelas qualidades do solo e meios de transporte. Logo, a
delimitação da fronteira também ocorre em função do que se pode, ou se quer,
cultivar ou criar e comercializar.
330
Nesse sentido, quando a fronteira está fechada, com as terras monopolizadas, aos
pretendentes à posse da terra resta apenas se submeter a gastos monetários para comprarem
ou ocuparem, sob a forma de arrendamento, algum terreno pretendido.
Helen Osório também observou o caráter especulativo de muitas aquisições de terra
sancionadas pelo Estado, como sesmarias e despachos. Muitas propriedades eram vendidas
no mercado logo após sua obtenção. Segundo dados levantados pela autora, dos quarenta e
nove despachos concedidos entre 1780 e 1781, vinte e três já tinham sido vendidos em
1784.
331
Fato este observado por Francisco Carlos Teixeira da Silva para o Rio de
Janeiro e Bahia. De acordo a esse autor, algumas propriedades recebidas em sesmarias
eram vendidas logo após a sua concessão sem nunca antes terem sido cultivadas. Para
330
Ibidem, p. 92.
331
Ibidem, p. 96.
332
Teixeira da Silva, esse era um ingrediente mercantil, especulativo, típico de sociedades de
Antigo Regime.
332
Uma outra ausência percebida em nossos dados é a da posse como forma de
obtenção de propriedades. Tal fato foi verificado também por Antônio Carlos Sampaio em
seu estudo sobre o Rio de Janeiro. O autor encontrou apenas uma referência de aquisição
mediante posse para todo o período de 1650-1750. A situação se inverte completamente
quando observamos dados para o século XIX, momento no qual a posse era a forma mais
comum no acesso e expansão de propriedades, principalmente, se considerarmos o período
entre 1822 quando ocorre o fim do sistema de sesmarias - e a assinatura da Lei de Terras,
em 1850.
333
Dados referentes a áreas do Rio Grande apontam que apenas 12,5% da totalidade
das aquisições das propriedades rurais num primeiro momento tinham ocorrido por meio
da posse, segundo nos aponta Helen Osório. Contudo, a essas posses declaradas a autora
agregou os casos não informados, que significavam a não apresentação de qualquer
documento comprobatório da propriedade da terra. Assim, do conjunto das terras, 41% do
total não possuíam tulo algum ou sanção legal. Esse percentual no ano de 1784, atingiu o
patamar de 15%, o que caracteriza um grande declínio desse tipo de mecanismo para
aquisição de bens rurais.
334
regiões de Minas Gerais do século XVIII apresentam um perfil diferenciado
tanto do observado em Salvador, quanto no Rio de Janeiro e na capitania do Rio Grande.
Conforme aponta Angelo Carrara, ao longo do Setecentos a forma mais usual de aquisição
de propriedade rural era a posse. A explicação de tal fato reside, segundo o autor, na
332
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A morfologia da escassez: crises de subsistência e política
econômica no Brasil colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). Tese (doutorado) – curso Pós-
Graduação em História, UFF, Niterói, 1990, p. 33.
333
MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista Brasil,
século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, capítulo 4.
334
OSÓRIO, op. cit., pp. 91-3.
333
constante necessidade do sistema agrário mineiro de se expandir ocupando novas áreas,
para atender uma demanda contínua por terras, demanda esta de pessoas que vinham de
outras regiões da América portuguesa buscando um chão para trabalhar.
335
Curiosamente, nas escrituras públicas para o termo de Vila do Carmo na comarca
de Vila Rica, em Minas Gerais no período de 1711 a 1756, em nenhuma transação
envolvendo propriedades rurais foi encontrada aquisição mediante posse. Como podemos
observar no quadro 4.2 a forma mais usual de aquisição de bens rurais era a arrematação
ou compra, representando 83,7% da totalidade das propriedades postas à venda.
336
O que
pode explicar a diferença nos números encontrados nas escrituras de Vila do Carmo com
os dados apontados por Carrara é o tipo diferenciado de documentação analisada. Carrara
não trabalhou com livros de notas, onde se torna quase impossível menção a aquisição de
posse, uma vez que não era uma prática legalizada e de difícil comprovação devido à
ausência de documentação que confirmasse a titulação da terra. Muitas vezes ocorria de o
proprietário requerer sesmaria para legalizar uma terra conquistada mediante posse, para
que assim pudesse por seu bem à venda. Além disso, na primeira metade do século XVIII,
as quatro comarcas que constituíam a capitania de Minas Gerais possuíam muitas
diferenças entre si, o que dificulta o estabelecimento de um padrão único para toda a
região.
Quadro 4.2 - Formas de aquisição dos bens rurais vendidos no termo de Vila do Carmo,
capitania de Minas Gerais, 1711-1756
337
335
CARRARA, Ângelo. Agricultura e pecuária na capitania de Minas Gerais (1674-1807). Tese
(doutorado) – curso Pós-Graduação em História, UFRJ, Rio de Janeiro, 1997, pp. 138-41.
336
Os dados apresentados no quadro 4.2 referem-se apenas as escrituras em que foi possível encontrar
informação sobre a forma que o bem foi adquirido, não contemplando, portanto, o conjunto total das
escrituras de bens rurais dos livros de notas.
337
Agradeço a generosidade de Carlos Kelmer Mathias por ter me cedido as informações para a elaboração
deste quadro.
334
Formas de
aquisição
Arremataçã
o/ compra
Herança
Dote Doação Sesmaria “Haver
fabricado”
Outros Total
N % N
% N
% N
% N % N % N
% N %
1711-56 420
83,7 1 0,2 4 0,8 3 0,6 17 3,4 54 10,7
3 0,6 502
100
Fonte: ACSM, LN. 01-80
De todo modo, em nossa amostra, é possível que o silêncio das fontes em relação
ao sistema de posse esteja atrelado não ao fato da região de Salvador localizar-se numa
área de fronteira quase fechada, mas também ao costume de no Brasil colonial serem feitas
diversas transações de compra e venda via escrituras particulares, mesmo relacionadas a
valores superiores aos permitidos nas Ordenações Filipinas, como nos alerta Antônio
Carlos Sampaio.
338
Desta forma, é possível que tenha nos escapado aquisições de terras
acessadas mediante posse.
Essas propriedades deveriam ser transacionadas em escrituras particulares devido à
ausência de um título legal que afiançasse o pertencimento da terra. Da mesma maneira,
não é impossível que muitas das transações de terras existente nas escrituras no qual não
encontramos informação sobre sua aquisição tenha se dado mediante sistema de posse. Isso
era fruto da inexistência de qualquer titulação referendando o domínio da propriedade.
Também por isso, ressaltamos que os dados por nós trabalhados apenas apontam uma
imagem parcial do mercado de bens rurais.
Os dotes e as doações têm importância relativa entre a aquisição dos bens rurais na
cidade de Salvador. De todo modo, apesar de pequena a participação desses dois itens, eles
aparecem ao longo de todo o período de análise, o que caracteriza tais práticas como
estratégias na transmissão e acumulação de bens da sociedade.
338
SAMPAIO, op. cit., p. 278.
335
O dote procurava garantir ao novo casal meios necessários para o início de uma
nova etapa de vida. Muitas vezes o dote englobava em seu valor parte da herança a ser
recebida para quem era dotado. Encontramos um exemplo desse tipo de dote no ano de
1769. Maria Isabel Pereira recebeu de sua mãe, Bernardina de Jesus Maria José, viúva de
Antônio José Pereira, um dote que incluía terras com cabeças de bois e três escravos, além
de um enxoval, que, segundo a documentação, somados o valor de cada item
corresponderia à parte que cabia à nubente da herança de seu pai.
339
Essa aproximação entre o dote e a herança também foi percebida por Sampaio em
sua análise sobre a sociedade fluminense. Segundo o mesmo autor, o dote nem sempre
representava a antecipação do pagamento da herança, mas podia confundir-se em parte
com o pagamento da própria.
340
A participação percentual do dote de bens rurais, como observamos no quadro 4.1,
tende a se reduzir com o passar dos anos no século XVIII. Se em meados do século XVIII,
correspondia a cerca de 4%, em finais do mesmo século passa a representar menos de 1%,
chegando mesmo em alguns anos a “desaparecer”. Cabe lembrar que bens urbanos também
eram oferecidos em dote, análise que faremos mais adiante, mas no caso de Salvador, eram
bem menos expressivos do que em relação aos bens rurais.
A análise do quadro 4.2, referente à região do termo de Vila do Carmo, em Minas
Gerais, demonstra também a pequena participação do dote como forma de aquisição das
propriedades colocada à venda na primeira metade do século XVIII. Como em Salvador, o
dote na região mineira de Vila do Carmo possuía uma diminuta importância entre as
diversas possibilidades para aqueles que buscavam adquirir uma propriedade rural. Uma
explicação para essa pequena participação da prática do dote nas escrituras de compra e
venda é que por estar destinado à formação de patrimônio, o dote acabasse por ser herdado
339
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 107, p. 145v.
340
SAMPAIO, op. cit., p. 282.
336
pelos filhos dos dotados, não aparecendo, portanto, no mercado de compra e venda. Assim,
a maior parte das propriedades rurais conquistadas mediante dote estaria fora do mercado.
Porém, não acreditamos ser essa a razão para a diminuta presença de dotes na
documentação. Devemos levar em consideração também que na segunda metade do século
XVIII, período no qual focamos nossa análise, os dotes mais do que servir como meio para
acumulação de patrimônio, tinham a função de fornecer aos recém casados uma
oportunidade para iniciar uma nova unidade familiar, preparada para os percalços que por
ventura poderiam aparecer. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da atividade mercantil
pela qual vinha passando a cidade de Salvador, mostrava-se oportuna para a ascensão
social, não sendo forçoso a obrigatoriedade de se dotar filhas com grande quantidade de
bens, principalmente, aqueles de caráter produtivo. Além disso, seria natural por estarmos
trabalhando com cartórios situadas numa área urbana, que o número de dotes envolvendo
bens rurais fosse pequeno. Contudo, o peso de dotes envolvendo bens urbanos é menor do
que os rurais como já apontamos anteriormente.
Dados levantados por Sampaio para o Rio de Janeiro entre 1650-1750 mostram
uma participação mais robusta da prática do dote presente nas escrituras de compra e venda
de bens rurais se comparada aos dados de Salvador e Vila do Carmo. De todo modo, em
sua análise o dote aparece apenas como a terceira forma mais comum de se obter um bem
rural, estando atrás da arrematação/compra e da herança. Esse tipo de transmissão de
propriedade alcançou apenas nos anos de 1661-1690 o vel de 10%.
341
Como aponta
Sampaio, o dote não era um elemento fundamental na estratégia de acumulação,
desempenhando um papel menor principalmente frente a outras formas de aquisição, como
por exemplo, a partilha de herança.
342
341
Ibidem, p. 281.
342
Ibidem, p. 282.
337
É importante ressaltar que o dote possuía importância que variava de acordo com a
região e época considerados. Nesse aspecto que se destacar o estudo de Muriel Nazzari,
que analisou a prática do dote em São Paulo de 1600 a 1900 e suas transformações sofridas
ao longo do tempo. Segundo a autora, no início do século XVII, nenhuma filha de
proprietários ia para o casamento sem uma contribuição em bens para o sustento do novo
casal. Quase todas as nubentes recebiam um dote. Aquelas que se casavam sem dote
provavelmente eram órfãs de algum dos genitores, portanto levavam consigo sua
herança. Já em meados do século XVIII, 9% das famílias que possuíam propriedade
deixavam que suas filhas se casassem sem um dote e sem herança. Eram geralmente
descendentes de pequenos proprietários. Um século depois, aproximadamente três quarto
das noivas iam para o casamento de mãos abanando, sem nenhuma contribuição para o
sustento inicial de sua nova família. Esse declínio, de acordo como Muriel Nazzari se deu
em todos os estratos sociais, pois metade das famílias mais ricas deixou que suas filhas se
casassem sem dote. Mesmo as famílias que concediam dotes, não o faziam para todas as
filhas.
343
Tais dados caracterizam a queda da importância do dote na sociedade colonial
localizada no meio rural. É de se imaginar que essa perda de importância do dote tenha
ocorrido de forma mais acentuada nos meios urbanos, como a cidade de Salvador ou
mesmo nas áreas de exploração auríferas de Minas Gerais.
Na região do Rio Grande, Helen Osório encontrou um pequeno percentual de dotes
nas formas de aquisição das propriedades listadas no ano de 1784, cerca de 3%, com
quarenta e oito casos levantados. Na sua maioria, os dotados eram criadores. Isso segundo
a autora, está ligado ao fato de que eles faziam parte dos grupos das famílias mais antigas
343
NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote. Mulheres, famílias e mudança social em São Paulo,
Brasil, 1600-1900. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, pp. 263-64.
338
da região. Da mesma forma, foram os criadores que também mais utilizaram o sistema de
sesmarias e de outras formas interpessoais, como herança para ter acesso a terras.
344
De forma geral, nos dotes rurais de Salvador encontramos terras e ferramentas,
além de objetos para a casa que entendemos se tratar do enxoval. Mas em todos os dotes
rurais o item escravo. É o que observamos por exemplo no dote feito por João Ferreira
Lisboa e sua esposa, à sua filha Joana, no ano de 1755. Foram entregues à nubente 10
escravos, 10 braças de terras com ferramentas e cabeças de boi e enxoval.
345
É importante
destacar que receber escravos no dote significava a possibilidade de lucrar duplamente,
pois além de servirem como mão-de-obra, podiam também ser vendidos gerando renda ao
novo casal em formação.
No caso fluminense, é grande a presença de escravos como um dos itens dos dotes
(incluindo rurais e urbanos). No período de 1650-1700, cerca de 60% dos dotes contavam
com escravos em sua composição. No século seguinte, essa participação dos cativos caiu
para perto de 40%.
346
Na capitania de São Paulo, a presença de escravos nos dotes era
muito mais expressiva do que no Rio de Janeiro. Segundo dados apontados por Muriel
Nazzari, no século XVII, dos vinte dotes levantados em dezenove havia a presença de
cativos (95% dos casos). No Setecentos, esse percentual continuou alto, pois dos quarenta
e um dotes apurados em trinta e três havia escravos, representando uma taxa de 80%.
347
O
grande peso da quantidade de cativos envolvidos nos dotes paulistas está atrelado ao perfil
rural da sociedade abordada onde o escravo era um item fundamental na reprodução e
acumulação de riqueza.
Outra forma de transferência não-mercantil de bens era a doação. No caso de
Salvador, as doações rurais eram muito mais significativas que os dotes. No primeiro
344
OSÓRIO, op. cit., pp. 93, 98-9.
345
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 96, p. 178.
346
SAMPAIO, op. cit., p. 287.
347
NAZZARRI, op. cit.,pp. 199.
339
período de nossa amostragem (1751-60) esse tipo de aquisição representou 8,3% do total,
como podemos observar no quadro 4.1. No findar do século, houve até mesmo um
incremento do número de doações, embora seu peso relativo tenha declinado frente aos
demais tipos de aquisições.
De maneira geral, as doações eram livres de obrigação (quando não se estipulava
nenhuma cláusula para recebimento da benesse) ou com obrigatoriedades (quando existia
uma contrapartida para o recebimento do bem). Em nosso levantamento, encontramos
apenas informação sobre a doação da propriedade, sem no entanto haver menção se houve
alguma contrapartida ou não, como no caso de Manoel Álvares do Couto que doou para
seu filho sete braças de terras no ano de 1754.
348
Doações como a feita por José Cardoso de Morais no ano de 1760 a sua sobrinha,
Ana Teresa de Morais de 10 braças de terras e dois escravos assemelham-se muito a um
dote.
349
O que o difere é que esse tipo de benesse não estava atrelado a um contrato de
casamento específico. De todo modo, a doação deixa clara que o doador pretendia ajudar
no futuro dote de sua sobrinha.
Outra semelhança entre as doações e os dotes é a grande quantidade de genros
agraciados. No ano de 1762 temos a informação de que Pedro de Miranda vendia um sítio,
sendo que parte dele havia sido obtido anteriormente por doação de seus sogros.
350
No caso do Rio de Janeiro, as doações possuíam um caráter familiar. Um quarto
das doações ocorria entre irmãos. Tais números redefiniam a distribuição da riqueza no
interior das famílias, bens esses que em sua maioria eram herdados ou por herdar.
351
Segundo Antônio Carlos Sampaio, “o importante nessas escrituras é que além de
‘corrigir’o caráter igualitário do sistema de herança, concentrando os bens a serem
348
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 93, p. 185.
349
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 102, p. 236.
350
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 104, p. 200.
351
SAMPAIO, op. cit., p. 294.
340
transmitidos num número menor de herdeiros, ele ainda estabelecia uma diferenciação
final entre os próprios beneficiados.”
352
Não à toa, Sampaio anotou que os doadores em sua
maioria eram homens, geralmente solteiros e religiosos. Ao doar parte ou a totalidade de
seus bens herdados ou que haveria de herdar, o irmão doador evitava que houvesse uma
fragmentação do patrimônio da família e ao mesmo tempo garantia que os bens ficassem
com aqueles que teriam condição de reproduzi-la. Essa era uma estratégia comumente
usada para diminuir o número de herdeiros e evitar a dispersão do patrimônio da família.
Do mesmo modo, deve ser entendida a doação de tios para sobrinhos, que visava a
manutenção em família dos bens conquistados ao longo do tempo.
353
No caso de Salvador, encontramos uma variedade maior no perfil do doador, mas
também casos como o padronizado no Rio de Janeiro. Temos o caso de José Miguel do
Espírito Santo, religioso que doou a seu irmão Pedro Luís uma fazenda com bois e
escravos, em 1750 e que o mesmo Pedro colocou à venda no ano de 1759.
354
Situação
parecida a de Luís de Souza Lima que recebeu de seu irmão, o religioso Antônio de Souza
Lima, oito braças de terra no ano de 1753.
355
Desta forma, nos parece nítida a opção por
manter nas mãos de alguns indivíduos o patrimônio da família, evitando que o mesmo se
fragmentasse. Contudo, os poucos casos capturados nas escrituras, mostram que pelo
menos para essas famílias, essa estratégia fracassou, pois foram bens que se encontravam
posteriormente disponibilizados no mercado.
Aquisição de bens urbanos
Passemos agora para a análise da forma de aquisição dos bens urbanos na cidade de
Salvador. Para tanto, montamos o quadro 4.3. Numa primeira comparação com as
aquisições das propriedades rurais, notamos um peso muito mais significativo da compra
352
Ibidem, p. 295.
353
Ibidem, pp. 295-6.
354
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 103, p. 145v.
355
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 93, p. 19.
341
como mecanismo de acesso aos bens. Essa participação majoritária do mercado nas
aquisições urbanas foi observada ao longo do nosso período de estudo, fruto de um
processo pelo qual a cidade vinha passando desde meados do século XVIII: o aumento da
mercantilização da economia. Contudo, nas duas primeiras décadas de nossa análise, o
acesso aos bens urbanos se deu de forma semelhante à aquisição de bens rurais, uma
participação majoritária do legado familiar gente a arrematação/compra.
Quadro 4.3 – formas de aquisição dos bens urbanos vendidos em Salvador, 1751-1800
Formas
de
aquisição
Arrematação/compra
Herança Dote Doação Total
N % N % N % N % N %
1751-60 41 41,4 51 51,5 1 1,0 6 6,1 99 100
1761-70 45 46,4 50 51,5 1 1,0 1 1,0 97 100
1771-80 85 54,1 68 43,3 1 0,6 3 1,9 157 100
1781-90 76 53,1 66 46,1 1 0,7 143 100
1791-
1800
133 59,6 86 38,6 4 1,8 223 100
Fonte: Anexo 4.
Notamos ao analisar o quadro 4.3 que as aquisições mediante compra foram se
tornando majoritárias nas três últimas décadas do século XVIII. Tal fato encontraria
explicação em uma maior participação do mercado na vida social da população de
Salvador. Em contrapartida, o peso percentual das heranças como forma de se ter acesso às
propriedades urbanas caíram na medida em que aumentava a atuação de aquisição via
mercado. O último decênio é bastante ilustrativo nessa mudança que ocorreu no cenário
342
soteropolitano. Cerca de 60% de todos os bens adquiridos foram feitos mediante transações
comerciais.
Nesse sentido, a dinâmica de obtenção de bens urbanos se processou de forma
ligeiramente diferente daquela observada para o meio rural. Sua mudança se deu de
maneira mais rápida e intensa. Curiosamente, nas duas amostragens o percentual da
atuação do mercado como meio de se ter acesso aos bens no período inicial (1751-60)
eram parecidos, representando cerca de 40% da totalidade. Esse percentual vai aumentar
em ambas as esferas. Na década de 1771-1780, observamos que a aquisição via mercado
era praticamente a mesma, girando em torno de 54%. A partir deste período as aquisições
via mercado intensificaram-se mais no meio urbano do que no rural. Na última década do
século XVIII, enquanto no meio urbano o acesso via mercado aos bens correspondia a
cerca de 60%, no meio rural essa cifra era de aproximadamente 51%. Isso demonstra que o
setor urbano conseguiu se recuperar de maneira mais rápida da crise enfrentada em anos
anteriores.
Essa transformação ocorrida nos últimos trinta anos do século XVIII pode ser
explicada pelo maior dinamismo da cidade de Salvador no que tange a um maior
desenvolvimento de suas relações comerciais. E aqui é preciso novamente ressaltar o papel
desempenhado pelo tráfico de escravos africanos, que foi revigorado a partir dos anos de
1770, com aberturas de novas rotas e portos no continente africano. Salvador nessa época
passou a receber um contingente de cativos nunca antes observado em período anterior.
Obviamente, isso irá gerar um maior dinamismo de sua economia com o aumento do fluxo
de capital na cidade.
Atrelado a isso, podemos sugerir que a aquisição desses bens urbanos via mercado
passa a ser parte da estratégia das famílias como forma de acumular capital. Notamos isso
pela diminuição percentual das formas não-mercantis de acesso a essas propriedades. O
343
dote tem participação quase insignificante, não tendo sido encontrado registro algum dessa
modalidade após a década de 1770. Já as doações, embora ainda apareçam
esporadicamente ao longo do período estudado, viram seu peso representativo cair de
aproximadamente 6% dos primeiros dez anos da amostragem, para 2% no último decênio
do século XVIII.
Ao mesmo tempo em que percebemos uma maior participação dos bens urbanos
comprados, notamos uma queda na proporção dos herdados, marcando um caráter mais
volátil desse tipo de propriedade. Ao longo de sua existência, qualquer tipo de bem, fosse
rural, urbano ou comercial, seria legado para algum herdeiro. Nesse sentido, um
incremento na proporção de aquisição via mercado sobre as heranças caracteriza uma
circulação mais rápida desses bens, uma vez que ocorre uma menor dependência do ciclo
de vida do proprietário na transmissão das propriedades.
Uma outra característica na forma de aquisição dos bens urbanos é a
impossibilidade de haver posses ou sesmarias, uma vez que nesse período a urbe de
Salvador encontrava-se totalmente ocupada, com suas referentes titulações. De todo modo,
isso não marca uma distinção com as aquisições rurais de Salvador, pois como
mencionamos anteriormente, não encontramos nenhum registro de posse de bem alcançado
mediante sesmaria ou posse. A menção a ausências desse tipo de mecanismo de
transmissão nos serve para reafirmar o caráter mercantil das propriedades localizadas na
urbe soteropolitana.
344
Quadro 4.4 - Formas de aquisição dos bens urbanos vendidos no termo de Vila do Carmo,
capitania de Minas Gerais, 1711-1756
Formas de
aquisição
Arrematação
/compra
Herança Dote Doação “Haver
fabricado”
Outros Total
N % N % N
% N % N % N
% N %
1711-56 299 83,5 4 1,1 1 0,3 3 0,8 50 14,0 1 0,2 358
100
Fonte: ACSM, LN. 01-80
Dados relativos ao termo de Vila do Carmo, em Minas Gerais na primeira metade
do século XVIII mostram o papel primordial do mecanismo de aquisição via mercado
como forma de se ter acesso às propriedades urbanas, como podemos observar no quadro
4.4. Aproximadamente 84% das aquisições se deram mediante arrematação/compra e
apenas 1% via herança. Não é de esse estranhar o peso considerável do mercado na forma
de aquisição dessas propriedades por se tratar de uma região bastante dinâmica, fruto
principalmente da principal atividade econômica da região, qual seja: a mineração.
Do mesmo modo, por se tratar de uma região de ocupação ainda recente no período
analisado, pouco mais de 50 anos, nos parece que o sistema de herança ainda estaria por
ser implementado na localidade. Curiosamente, não registros de bens urbanos obtidos
por sesmarias ou posses. Diferentes de outras áreas de ocupação mais antiga, como Rio de
Janeiro e Salvador, onde esse tipo de aquisição encontrava-se virtualmente bloqueado pelo
simples fato de toda a territorialidades dessas urbes já se encontrarem ocupadas com suas
respectivas titulações. Mas no caso de regiões mineiras que ainda estavam sendo
desbravadas seria factível que encontrássemos esses tipos de aquisições não-mercantis.
Talvez o que possa explicar tal situação seja a natureza dos bens vendidos: casas, sobrados
e lojas. Não registro de venda de terrenos, pois, como o bem vendido era o imóvel
345
construído, o vendedor declarava apenas que havia adquirido o referido bem, e não o
terreno.
Isso fica melhor explicitado se observarmos que o a segunda maior freqüência
urbana nas formas de aquisição era “haver fabricado”. Essa categoria significa que um
sujeito poderia ter adquirido o terreno por sesmaria, onde teria construído um imóvel com
seus escravos. Como a venda era do imóvel, e não do terreno onde fora erguido, o
vendedor declarava “haver fabricado” o dito bem. Desta forma, em meio urbano, tanto de
sociedades já consolidadas como as recém estabelecidas, não aparecem nas fontes notarias
os registros de sesmarias quando da transação de propriedades.
Na análise feita por Sampaio, para o Rio de Janeiro, encontramos bastantes
semelhanças com o que ocorria no cenário baiano. A primeira delas é o incremento que
verificamos ao longo do tempo na forma de aquisição de bens urbanos mediante o mercado
em comparação ao acesso de propriedades rurais, que tendeu a se manter estável. O
mercado tornou-se preponderante no acesso aos bens urbanos no século XVIII. Segundo
esse autor, essa transformação é reflexo do dinamismo urbano fruto da participação da
cidade do Rio de Janeiro nos eixos mercantis do Império português.
356
Dinamismo esse
percebido em Salvador apenas nas últimas décadas do Setecentos.
Tal como em Salvador, o peso dos bens urbanos herdados diminui no Rio de
Janeiro. A representatividade dos legados era de um terço no século XVII. Cai para um
quarto na primeira metade do século seguinte. Tal fato marca mais cedo na sociedade
fluminense em comparação com a soteropolitana a maior volatilidade das propriedades
localizadas na urbe.
357
A preponderância das aquisições via mercado no que tange aos bens urbanos no
Rio de Janeiro estava atrelado ao desenvolvimento do setor mercantil na sociedade
356
SAMPAIO, op. cit., p. 284.
357
Ibidem, pp. 274-5.
346
fluminense, apontado por Sampaio, desde fins do século XVII. O espaço urbano fornecia
as melhores condições para que o capital mercantil se reproduzisse, através da aquisição ou
construção de propriedades voltadas ao comércio, como lojas, armazéns, trapiches, etc. Ao
fazer uso da estratégia de aquisição via mercado, os negociantes ampliavam o grau de
mercantilização da sociedade de maneira geral, aplicando ai seus recursos obtidos em seus
negócios imperiais. Com isso, o crescimento da urbe carioca estaria condicionado desde
então pelos movimentos e conjunturas do setor mercantil.
358
Tal perspectiva também é observada na cidade de Salvador, principalmente quando
analisamos as aquisições de bens de caráter comercial e embarcações. Quase a totalidade
dos bens que conseguimos apurar a forma pela qual haviam sido adquiridos se deu via
mercado, através da arrematação ou compra, conforme podemos observar no quadro 4.5.
Esses dados reafirmam o caráter mercantil dessas propriedades, bem como mostra que com
o avançar do século XVIII, a cidade de Salvador foi se tornando cada vez mais dinâmica
no que tange a sua mercantilização. Prova disso, segundo abordado anteriormente, é o
aumento das transações envolvendo bens de natureza comercial, como lojas, trapiches e
embarcações verificadas principalmente a partir da década de 1770.
Quadro 4.5 – Formas de aquisição dos bens comerciais e embarcações vendidas em
Salvador, 1751-1800
Arrematação/compra Herança Doação Total
N % N % N % N %
1751-
1800
133 93,7 6 4,2 3 2,1 142 100
Fonte: Anexo 5
358
Ibidem, pp. 284-5.
347
Os mecanismos de acesso não-mercantis a bens de caráter comercial praticamente
são irrelevantes dentro do conjunto total de aquisições. De todo modo, ainda encontramos
para todo o período seis legados e três doações. Todas as heranças foram deixadas por
comerciantes para seus filhos numa aposta de manter o negócio em mãos familiares, que
nesses casos, posteriormente se mostrou equivocada. Por encontrarmos poucos bens
comerciais sendo vendidos oriundos de herança, acreditamos que a estratégia de legar para
seus descendentes a boa consecução dos negócios familiares tenha surtido efeito, pois
senão, seria possível de se imaginar que um número maior de bens mercantis recebidos em
partilhas acabasse por retornar ao mercado para serem postos à venda, o que
definitivamente não aconteceu na cidade de Salvador.
Segundo Catherine Lugar, era comum que o principal membro de uma empresa
mercantil de caráter familiar sem filho deixasse seu legado para os seus sobrinhos,
tomando o cuidado para que a posse dos bens não caísse nas mãos dos cunhados. Temia-se
que os bens da família fossem apropriados por outros indivíduos que desvirtuassem os
negócios familiares. Assim, essa preocupação que estranhos pudessem se apropriar da
riqueza acabavam por tornar explícito a vontade do inventariado, como no caso do
comerciante Francisco Martins da Costa, que foi bem explícito ao excluir os seus cunhados
de qualquer parte relativas a administração do legado, garantindo diretamente a seus
sobrinhos o cuidado com o mesmo.
359
De todo modo, encontramos seis exceções a essa estratégia, qual seja, a de
disponibilizar no mercado um bem que representasse um negócio familiar. Isso aconteceu,
por exemplo com José do Barbosa Leal que no ano de 1777 pôs à venda uma loja que
359
LUGAR, Catherine. The merchant community of Salvador, Bahia, 1780-1830. New York: State
University of New York at Stony Brook, 1980, tese (doutorado), p. 231.
348
havia herdado de seu pai.
360
Vários motivos poderiam ter motivado essa conduta de se
desfazer de um patrimônio comercial de família. Entre eles, a necessidade de gerar capital
devido a endividamentos ou para aplicar a renda obtida com a venda da propriedade em
outro negócio mais vantajoso. Outro motivo poderia ser a redivisão do bem adquirido na
partilha, como no caso dos irmãos Antônio da Costa Lima e João da Costa Lima que
venderam a loja herdada de seu pai Caetano Lima, no ano de 1783, no valor de 300$000,
para posterior divisão do rendimento.
361
Havia também o motivo que estava atrelado à vocação, exemplificada na venda de
uma loja com sobrados por 800$000, que o padre Manoel Gonçalves de Moraes efetuou no
ano de 1787, propriedade que havia sido herdada de seu pai.
362
É possível imaginar
simplesmente que se desfazer de um bem comercial poderia estar atrelado à falta de
interesse em se manter no ramo comercial.
Quanto às doações, são irrisórios os números disponíveis. Acreditamos que devido
ao seu caráter de ajuda inicial para a constituição de uma unidade produtiva, as doações
não fizessem sentido dentro do mundo urbano e conseqüentemente comercial. Embora
tenhamos encontrado um número maior de doações envolvendo casas e sobrados do que
bens comerciais, percebemos que não houve uma alteração na quantidade de bens doados
ao longo da segunda metade do século XVIII, mas sim um decréscimo da participação
relativa dessa modalidade de aquisição como verificamos no quadro 4.3. De todo modo,
dentro da perspectiva de doações que funcionavam como uma espécie de dote, sem haver
um contrato matrimonial em jogo ou como uma estratégia de evitar a fragmentação do
patrimônio da família é que vislumbramos as doações de bens na urbe de Salvador. Parece
ter sido esse o intento de José da Silva Cruz e sua esposa, que doaram para sua filha
360
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 118, p. 205.
361
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 124, p.127.
362
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 127, p. 22.
349
Vitória Maria de Jesus e seu falecido marido, uma morada de casas de pedra e cal e que no
ano de 1791 era colocado á venda pela referida viúva.
363
O que podemos verificar na análise da forma de aquisição de bens de caráter rural,
urbano e mercantil postos a venda é que houve uma modificação com o caminhar do
século XVIII. Se em meados do setecentos havia uma predominância nas formas não-
mercantis de acesso a essas propriedades, como os mecanismos de herança, dote e doações,
com o passar dos anos tal quadro foi se modificando. Tal fato estaria coadunando à própria
mudança pela qual passava a sociedade soteropolitana, com o incremento de sua atividade
mercantil, exemplificada na expansão do comércio de escravos africanos. Desta maneira,
as escolhas e estratégias passaram a se pautar cada vez mais pelas conjunturas do mercado.
Não à toa, o peso das aquisições que se davam mediante arrematação e compra
suplantaram a soma de todas as demais tanto no que se refere aos bens rurais como aos
bens urbanos, sem falar na quase totalidade dos bens comerciais e embarcações. Ao
caminhar para um novo século, a cidade de Salvador se mercantilizava rapidamente,
mesmo os bens de natureza rural estavam destinados a passar pelo mercado, tornando-se
junto com os bens da urbe em instrumento fundamental na acumulação de capital.
Dentro desse novo panorama, devemos relembrar K. Polanyi, para o qual a
economia em mercados pré-industriais está inserida no conjunto das relações sociais.
364
No
entanto, o que os dados trabalhados nesse capítulo nos apontam é que o mercado passou a
desempenhar cada vez mais um papel fundamental na reprodução de hierarquias sociais
com o findar do século XVIII. Nesse sentido, os aspectos sócio-econômicos passam a ser
cada vez mais levados em consideração nas estratégias dos diversos grupos sociais.
363
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
.e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 131, p. 62.
364
Sobre uma melhor análise de Polanyi, cf. Introdução.
350
CAPÍTULO V
351
Enobrecimento numa sociedade de Antigo Regime: traficantes de
escravos na Bahia, algumas trajetórias pessoais
Nos capítulos anteriores, vimos o aumento da atuação do grupo mercantil na cidade
de Salvador, ao longo da segunda metade do século XVIII, verificado, principalmente, na
maior participação desses agentes mercantis nas transações econômicas que pautavam o
dia-a-dia da cidade. Bem sucedidos em suas carreiras, os negociantes direcionavam sua
riqueza para a aquisição de bens rurais, urbanos e comercias, bem como passaram a
exercer uma posição fundamental no sistema de crédito.
Após terem suas carreiras consolidadas e refletindo na constituição de grandes
fortunas, muitos agentes mercantis buscavam o reconhecimento e o prestígio social. Numa
sociedade de Antigo Regime, determinados mecanismos estavam disponíveis para que eles
alcançassem tal intento. Assim, buscaremos mostrar, neste capítulo, como na colônia foi
possível a membros da elite comercial vencer o preconceito contra sua atividade,
conquistar respeitabilidade social e, em muitos casos, status de nobre. Para tanto,
apontaremos o perfil, as escolhas e estratégias
365
utilizadas por esses indivíduos, seguindo
suas trajetórias de vida, principalmente, daqueles que atuavam no tráfico de escravos
baiano, uma vez que esta atividade era inerente a vida profissional dos grandes negociantes
de Salvador.
No âmbito da sociedade baiana colonial a atividade mercantil desempenhou um
papel-chave nas relações sociais. Quase todos os habitantes livres da cidade de Salvador se
365
Aqui tomo como base as considerações do antropólogo Fredrik Barth, para quem as ações individuais
estavam assentadas em escolhas e cálculos. Os recursos que cada indivíduo possuía para tomar suas decisões
estavam atrelados a sua cultura, a sua percepção de mundo. Obviamente não se trata de uma racionalidade
ilimitada, na qual o indivíduo conhece todos os aspectos do mundo que o cerca. Cabe ressaltar também que
os conhecimentos, as experiências e as orientações de cada sujeito variavam, do mesmo modo que eram
diferenciados os resultados obtidos, muitas vezes não sendo àqueles esperados (Cf. BARTH, Fredrik. O guru,
o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000).
352
dedicavam a alguma forma de comércio, fosse os de miudezas nas ruas da cidade; em
bancas de quitutes, de frutas e legumes; voltado para o mercado interno ou externo; de
lojas ou tabernas. Havia, assim, uma grande variedade entre os diversos tipos de
comerciantes, sendo que a principal distinção feita pelos contemporâneos era entre os
mercadores de loja e os grandes negociantes que, no século XVIII, passaram a ser
denominados “homens de negócio”. Os primeiros dedicavam-se ao comércio varejista,
feito em lojas na cidade de Salvador, e eram conhecidos como “mercadores de loja aberta”,
pois atuavam diretamente nas vendas dos produtos. Já os homens de negócio
invariavelmente estavam engajados no trato atlântico, aquele por atacado e de longa
distância, direcionado para o Reino, África e Ásia, interligando, desta forma, o porto de
Salvador com diversas partes do Império português.
366
Muitos desses negociantes desempenhavam importante papel em outras atividades
mercantis como na redistribuição de mercadorias paras a diversas praças regionais da
América lusa, arrematação de contratos, empréstimos para os agricultores, pequenos
comerciantes e proprietários rurais. Alguns destes homens eram também possuidores de
loja de varejo, mas diferentemente dos mercadores de loja aberta, nomeavam assistentes,
geralmente sobrinhos, que desempenhavam a função de vendedor.
Preconceito sobre o comércio e os comerciantes
366
VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, Vol. 1, 1969; FLORY, Rae.
Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants, and artisans of
Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese (doutorado), p. 218;
MATTOSO, Kátia. “Bahia opulenta: uma capital portuguesa no Novo Mundo (1549 1763)”. In:
MATTOSO, Kátia. Da revolução dos Alfaiates à riqueza dos baianos no século XIX: itinerário de uma
historiadora. Salvador: Corrupio, 2004, p. 292.
353
Diversos estudos historiográficos abordaram a idéia de preconceito que recaía
sobre o comércio e o grupo mercantil no Império português. A maioria desses trabalhos
teve como base a obra de Charles Boxer, na qual é destacada a existência de um forte
preconceito contra os comerciantes na sociedade portuguesa. De acordo com Boxer, essa
visão negativa originou-se dentro de uma perspectiva de hierarquia cristã medieval que
situava o mercador num nível inferior aos das sete “artes mecânicas” (camponeses,
caçadores, soldados, marinheiros, médicos, tecelões e ferreiros). Desta maneira, os agentes
mercantis não se encontravam nem no topo do grupo de trabalhadores mecânicos.
367
David Smith, em seu estudo sobre a classe mercantil de Portugal e Brasil do século
XVII, entende que, mesmo com poder econômico, os comerciantes portugueses
permaneciam sem direitos políticos e socialmente eram desprezados. Para atenuar esse
paradoxo entre poderio econômico e menosprezo social, a Coroa portuguesa agia
mantendo a separação entre cristão-novos e cristão-velhos, além de garantir a alguns
indivíduos o enobrecimento. Essa possibilidade de ascensão social era dada apenas àqueles
que fossem bem-sucedidos em sua carreira mercantil. Assim, segundo Smith, o Estado
português ao permitir promoção social de parte da elite mercantil, atuava no
enfraquecimento da coesão desse grupo social e subordinava seus membros mais
proeminentes a uma estrutura social tradicional.
368
Dentro dessa perspectiva abordada por Smith, Carl Hanson, situou os comerciantes
num estágio intermediário da classificação social, entre “as classes privilegiadas” e o
“resto da população”. Apesar de apontar a existência de um preconceito generalizado
contra os mercadores na sociedade lusitana, ele percebe a possibilidade de enobrecimento
367
BOXER, Charles. O império marítimo português, 1415 1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002,
p. 311.
368
SMITH, David G. The mercantile class of Portugal and Brazil in the Seventeenth Century: a socio-
economic study of the merchants of Lisbon and bahia. 1620-1690. Austin: The University of Texas, tese
(doutorado) - 1975, pp. 178-80.
354
por parte daqueles mais diligentes e bem relacionados socialmente. Para Hanson, o
preconceito não impedia a ascensão social individual, mas, sim, do conjunto do grupo
mercantil.
369
Para Joaquim Romero Magalhães, o mercador não estava num estágio
intermediário como apontado por Hanson, mas, sim, num estágio transitório entre
“mecânico” e fidalgo. Magalhães não se refere a todo o grupo mercantil, mas apenas
aqueles que se destacavam em sua atividade, que tinham possibilidade de adquirir bens
simbólicos e pudessem desempenhar um comportamento que remetessem a um estilo de
vida nobre.
370
Antônio Carlos Jucá de Sampaio critica essa visão hegemônica de uma elite
mercantil subordinada tanto política quanto socialmente, atrelado a um forte preconceito
existente na sociedade portuguesa. Segundo Sampaio, o problema não está na existência ou
não da visão negativa sobre os mercadores, mas no caráter geral desse preconceito e no seu
vínculo com a subordinação do grupo mercantil no interior da sociedade lusa. A explicação
para tais opiniões residiria na idéia de travamento pelo qual passou o grupo mercantil,
impedido, assim, de seguir seu caminho natural, de se constituir em classe, tornando-se
uma alternativa viável ao poder da nobreza.
371
Ainda nas palavras de Sampaio, “essa visão
[hegemônica na historiografia] traz em si uma concepção clara, marcada por uma forte
tautologia, de qual seria o papel dessa ‘burguesia’: destruir o Antigo Regime e fazer a
Revolução Industrial.”
372
Em discordância a essa visão tautológica, Jorge Pedreira, em seu estudo sobre os
homens de negócio na cidade de Lisboa, entre 1755-1822, percebeu que os bem-sucedidos
369
HANSON, Carl. Apud SAMPAIO, op. cit., 2006, p. 78.
370
MAGALHÃES, Joaquim Romero. “A sociedade”. In: MAGALHÃES, Joaquim Romero (org.). História
de Portugal. Lisboa: Estampa, 1997, v.3, p. 409.
371
SAMPAIO, op. cit., 2006, pp. 79-81.
372
Ibidem, pp. 81-2.
355
eram aqueles que tinham a possibilidade concreta de se enobrecer, de ver diminuída a
distância que os separava da nobreza titulada. Para este autor, o fato de se tornarem nobres
não significava trair-se, mas, sim, de se inserir no grupo que, de fato, controlava a
sociedade portuguesa do período.
373
Desta maneira, esses homens não tinham o desejo de
em conjunto tomar as rédeas da sociedade e impor um novo modo de vida de caráter
burguês em contraposição àquele de caráter aristocrático.
374
Nos estudos referentes ao Brasil colonial, alguns historiadores buscaram destacar a
existência de um forte preconceito contra o comércio e o grupo mercantil. Um dos
expoentes dessa visão é Laima Mesgravis que defendia a idéia de uma sociedade colonial
fortemente hierarquizada na qual tornava-se impossível à ascensão do grupo mercantil, fato
que teria perdurado, até mesmo após a Independência.
375
Alguns estudos mostram que a existência de preconceito em relação à atividade
comercial e ao grupo mercantil não foi um impedimento para a ascensão social dos homens
de negócio no âmbito colonial. Segundo Rae Flory, o comércio foi a principal forma de
promoção social na Bahia.
376
Contribui para isso, também, o fato de não haver uma
distinção muito clara entre elite agrária e mercantil.
373
PEDREIRA, Jorge. Os homens de negócio na praça de Lisboa de Pombal ao Vintismo (1755-1822)
diferenciação, reprodução e identificação de um grupo social. Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1995.
Tese (doutorado) , p. 98.
374
Em outras sociedades de Antigo Regime encontramos comportamentos parecidos. Segundo David
Hancock, membros da elite comercial inglesa buscavam adquirir hábitos aristocráticos a fim de garantirem
respeitabilidade e adquirir status. Um dos mecanismos utilizados por esses indivíduos era a compra de
imponentes moradias com imensos jardins e obras de artes. Cf.: HANCOCK, David. Citizens of the world
London merchants and the integration of the British Atlantic community, 1735 1785. Cambridge:
Cambridge University Press, 1995, cap(s): 9 e 10. Essa também era a postura desempenhada pelos
comerciantes na América hispânica, como o grupo mercantil da Cidade do México, estudo por John Kicza.
Segundo este autor, membros da elite comercial mexicana usaram diversas estratégias com o objetivo de
ganharem prestígio e status, tais como formação de aliança com membros da elite local a partir de
matrimônios, alianças com a governança local mediante fornecimento de crédito e compra de postos
governamentais; inserção nas instituições de caridade; acesso de familiares às principais instituições
religiosas; e compra de bens agrários, principalmente de terras cultiváveis. Cf.: KICZA, John. Empresários
coloniales famílias y negócios em la ciudad de México durante los borbones. México: Fondo de Cultura
Económica, 1986, cap VII.
375
MESGRAVIS, Laima. Apud SAMPAIO, op. cit., 2006, p. 84.
376
FLORY, op. cit., 1978, p. 256-8.
356
No Rio de Janeiro do século XVII, o preconceito, se havia contra o comércio ou o
grupo mercantil, não era explícito. Segundo Sampaio, isso acontecia pelo fato dos
comerciantes não representarem uma ameaça à nobreza da terra, uma vez que os bem-
sucedidos eram assimilados pelos nobres locais ou apenas excluídos das decisões políticas.
O preconceito torna-se presente quando os homens de negócio crescem em número e
adquirem uma capacidade de acumulação de riqueza maior do que as das melhores
famílias da terra, tornado-se assim uma verdadeira ameaça ao poder tradicional local.
377
Desta forma, se existia uma visão negativa sobre o comércio e o grupo mercantil na
América portuguesa, devemos situá-la no espaço e no tempo. De todo modo, o preconceito
não tornou impossível que membros dessa mesma categoria social galgassem posições
sociais superiores. Nesse sentido, devemos entender as estratégias usadas pelos homens de
negócio na busca para se diferenciar dos demais mercadores.
Segundo Jorge Pedreira, houve uma progressiva distinção entre o comércio por
atacado e o retalhista em Portugal. No século XVIII, essa diferenciação entre mercador e
homens de negócio tornou-se mais marcante. Quanto mais se aproximava da nobreza, mais
os homens de negócio se distinguiam dos ofícios mecânicos e dos pequenos
comerciantes.
378
Assim, esta era uma forma de distinção em relação aos demais
comerciantes que tinham contra si a idéia pejorativa do “defeito mecânico”, qual seja, a de
que usavam suas próprias mãos para ganhar seu próprio sustento. Essa diferenciação,
elaborada entre os homens de negócio e os demais mercadores, converteu-se num fator
importante na estratégia de enobrecimento dos primeiros. Ser homem de negócio
significava estar atrelado à “arte mercantil”, e não mais ao exercício mecânico diário do
377
SAMPAIO, op. cit., 2006, p. 91.
378
PEDREIRA, op. cit., 1995, pp. 65-71.
357
comércio. Desta maneira, uma provável origem mecânica poderia ser perdoada desde que
passassem a viver à “lei da nobreza”.
379
As sociedades mercantis e o tráfico de escravos
Não havia uma homogeneidade mesmo entre os mais destacados mercadores que
atuavam no comércio por atacado e de longa distância. Em seu estudo Jorge Pedreira
percebeu também uma hierarquização entre esses indivíduos. Embora a profissão de
negociante fosse aberta a qualquer um que possuísse talento para os negócios e um cabedal
mínimo para investir, havia certas atividades que não estavam disponíveis a todos, como o
comércio por atacado. Diversos fatores como redes de correspondentes, acesso ao crédito e
operações de financiamento do Estado, sociedades, heranças sociais, relações familiares e
profissionais determinavam aqueles que executariam seus negócios sem resultados
expressivos daqueles que se alojariam no alto da hierarquia, sendo considerados a elite
mercantil. Mesmo após atingir o topo, era necessário continuar a fazer uso desses
instrumentos, pois não era fácil manter-se entre os melhores.
380
A vida mercantil
definitivamente não era um mar de navegação tranqüila.
Na Bahia, tal proposição é verdadeira no caso do comércio transatlântico de
escravos. Embora muitos negociantes participassem do trato negreiro, atraídos pela alta
rentabilidade, poucos dominavam os conhecimentos específicos para uma execução
satisfatória dos negócios. A natureza empresarial do tráfico transatlântico de escravos na
praça de Salvador era bastante seletiva cerca de 10% das empresas que mais fizeram
viagens à África foram responsáveis por aproximadamente 40% do total de viagens. Tal
monopolização era decorrente da grande necessidade de alto investimento inicial para se
379
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “Comércio, riqueza e nobreza: elites mercantis e hierarquização
social no Antigo Regime português.” In: FRAGOSO, João et al. (orgs.). Nas rotas do Império: eixos
mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT, 2006, p. 90.
380
PEDREIRA, op. cit., 1995, p. 150.
358
aventurar numa expedição de longa jornada, pois essas empreitadas envolviam uma série
de riscos tais como pirataria, mortes, naufrágios, etc, que redundavam sempre em grandes
prejuízos para os administradores do negócio.
381
Afora a necessidade de grande cabedal, era importante que os negociantes de
escravos mantivessem relações sociais que favorecessem suas atividades, como a
participação em sociedades, por exemplo. Entre 1678 e 1815, das 2.277 expedições saídas
de Salvador para o resgate de escravos no continente africano, 448 (cerca de um quinto)
eram constituídas por parcerias.
382
Um tipo bastante comum era a sociedade binária entre
um sócio que ficava no local sede dos negócios e um que embarca no navio e tomava a
frente das negociações,
383
como a desenvolvida pelos homens de negócio e os capitães de
negreiros encarregados das expedições à África. Geralmente tal sociedade era acertada
para apenas uma viagem e serviam para dividir os custos empreendidos entre os diversos
sócios envolvidos, reduzindo o montante com o qual cada um deveria contribuir. Atitude
conservadora dos homens de negócio que é melhor apreendida quando notamos que a
sociedade era também uma forma de se minimizar possíveis perdas, caso o negócio não
saísse como o planejado.
Por todo o Império português, os mercadores buscavam também se associar a
homens que estavam estabelecidos em diversos portos de comércio atuando como
correspondentes. É o caso de Francisco Pinheiro Neto que mantinha uma verdadeira rede
de comissários pelas principais regiões da América lusa e portos africanos.
384
Seu irmão,
381
Sobre o grau de concentração nos negócios negreiros transoceânicos na praça de Salvador cf. RIBEIRO,
Alexandre Vieira. O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador (c. 1680 c. 1830).
Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) UFRJ,
2005, capítulo 3.
382
ELTIS, David & RICHARDSON, David. Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database.
www.slavevoyages.org
383
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo Séculos XV-XVIII. Os Jogos das
Trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996 (Volume 2), p. 383.
384
DONOVAN, William. Commercial enterprise and Luso-Brasilian society during the Brazilian gold rush:
the mercantile house of Francisco Pinheiro and the Lisbon to Brazil trade, 1695-1750. Baltimore: The Johns
359
Antônio Pinheiro Neto era o responsável pelos negócios no Rio de Janeiro. Em Salvador,
Francisco Pinheiro contava com o apoio de Baltazar Álvares de Araújo. Além dessas duas
praças, possuía correspondentes em Angola, Minas, Pernambuco e em outras regiões da
América lusa.
385
Segundo Leonor Freire Costa, a constituição de agências de sociedades era inerente
ao comércio no Atlântico no século XVIII. Devido às longas distâncias a serem
percorridas, que agravavam os custos e tornava imprescindível a acuidade da informação,
estavam disponíveis modelos de agenciamento que podiam ser o de transmitir a um único
indivíduo múltiplas competências mediante uma procuração delegando plenos poderes ou
estabelecendo uma sociedade comandita. Na base da relação entre esses indivíduos estava
a confiança recíproca. A no outro e o conhecimento pessoal entre as partes envolvidas
tornavam-se assim indispensáveis ao bom andamento dos negócios mercantis.
386
Muitos homens de negócios baianos possuíam correspondentes nos portos de
embarque de escravos no continente africano, como José Narciso Soares que tinha como
sócio, em Quilimane, João Bonifácio Alves da Silva e Manoel José de Magalhães, cujo
correspondente era Francisco José Luís Vieira, estabelecido em Angola.
387
No porto de
Benguela, a partir de 1730, os investimentos e atuações de comerciantes brasileiros
começaram a suplantar os do reino. Tal preponderância foi alcançada devido à
disponibilidade dos brasileiros em comercializar tecidos indianos artigo bastante
apreciado pelo povo de Benguela - e a oferta de créditos feita por seus comissários.
388
Exemplo de baiano que possuía familiaridade no trato de escravos em Benguela foi José de
Hopkins University, 1990, tese (doutorado), p. 93.
385
LISANTI FILHO, Luís. Negócios Coloniais (uma correspondência comercial do século XVIII). Brasília /
São Paulo: Ministério da Fazenda / Visão Editorial, 1973, 5 volumes.
386
COSTA, Leonor Freire. “Entre o açúcar e o ouro: permanência e mudança na organização dos fluxos
(séculos XVII e XVIII).” In: FRAGOSO et al., op. cit., 2006, p. 101.
387
BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil – BA.
388
FERREIRA, Roquinaldo. Transforming atlantic slaving: trade, warfare and territorial control in Angola,
1650-1800. Los Angeles, 2003. Doutoramento - University of California, p. 112-20.
360
Assunção Melo.
389
Na maioria das vezes, esses representantes mercantis eram exilados políticos ou
criminosos ou tinham atuado como tripulantes de negreiros. Muitos desses correspondentes
tornaram-se comerciantes bem-sucedidos, atingindo postos na governança colonial na
África e constituindo uma vasta rede mercantil, como o mulato Joaquim José de Andrade e
Souza Meneses que constituiu sociedades no Rio de Janeiro e Lisboa. A maior parte desses
homens retornou à América, estabelecendo-se como homens de negócios, atuando com o
auxílio de suas conexões africanas.
390
Para além de sociedades com portos de além-mar, os negociantes de Salvador
formaram também associações com traficantes de outras praças mercantis no Brasil, como
João Ferreira Guedes, sócio de José Soares, comerciante do Recife; José Antônio
Rodrigues Viana, sócio da família carioca Ferreira dos Santos; e José Ricardo da Silva que
era sócio da família Velho da Silva, também do Rio de Janeiro. As duas famílias cariocas
estavam entre as mais especializadas no trato negreiro.
391
Além de facilitar as trocas mercantis, a estratégia de manter correspondente em
diversos portos dava aos grandes homens de negócio a primazia da detenção da
informação, fator crucial para o bom desenvolvimento de uma carreira de comerciante, em
época de esparsa e lenta circulação de notícias.
392
O privilégio da informação possibilitava
aos negociantes saber antecipadamente as necessidades que se faziam em cada região e
direcionar o produto certo a ser vendido.
Embora fosse extremamente custoso, o produto gerado pelo comércio de escravos
era altamente rentável. O traficante baiano lucrava do lado africano por se apropriar
389
Ibidem, pp. 127-8.
390
Ibidem, pp. 129-31.
391
BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil BA; FLORENTINO Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico
de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 243.
392
BRADEUL, op. cit., 1996, p. 353.
361
socialmente do trabalho alheio, uma vez que a produção da mão-de-obra escrava na África
ocorria por meio de mecanismos não-econômicos, fundados na violência. Na outra
margem do Atlântico ganhava sobre a crescente demanda, cada vez mais ávida e disposta a
pagar um alto preço pelo cativo. Em meados do século XVIII, enquanto na costa da África
o cativo era resgatado por 6$000 a 12$000, seu valor no mercado de Salvador muitas vezes
ultrapassava 100$000.
393
Desta forma, a venda de um carregamento médio de navio (230
escravos) poderia gerar algo em torno de 23:000$000.
A diversificação dos negócios era uma marca dos agentes comerciais. Por atuarem
em um mercado instável e com poucas opções,
394
podemos sugerir que os traficantes
buscavam investir de forma a mais diversificada possível, para garantir segurança às suas
aplicações e diminuir os riscos, operando por exemplo no sistema de crédito, como
verificamos no capítulo 3. Grande parte dos traficantes atlânticos participava também do
mercado de redistribuição de cativos, muitas vezes remetendo grandes levas de homens
para as diversas praças econômicas da América portuguesa. Entre os traficantes
responsáveis pelo envio dessas remessas de escravos para áreas interioranas encontramos
Pedro Gomes Caldeira que também participava da esfera transatlântica.
Em agosto de 1761, Gomes Caldeira mandou para Minas Gerais 100 cativos novos
e, em julho de 1763, outros 118.
395
É possível aventar a hipótese de serem escravos recém-
desembarcados de um de seus navios, uma vez que este homem de negócio, desde a década
de 1730, atuava no comércio negreiro. Começou como mestre de navios que percorriam
a rota Bahia-Costa da Mina. Em meados do século XVIII, ocupou o cargo de tesoureiro da
393
BNRJ, Anais – 1906; cf. também a discussão sobre o preço dos escravos feita no capítulo 2.
394
Trabalhamos com a idéia de mercado pré-industrial apreendida em Karl Polanyi para analisar a sociedade
escravista colonial. Segundo este autor, nas sociedades pré-industriais a venda da força de trabalho não era
considerada condição para que os indivíduos provessem a sua subsistência, caracterizando uma frágil divisão
social do trabalho. Isto implicava em uma baixa circulação de numerário e bens, redundando numa fraca
liquidez (crédito) nesta organização econômica, o que reduziria a opção de investimentos. Cf. POLANYI,
Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000, pp. 59-65.
395
APEB, dice 249.
362
Casa da Moeda da Bahia.
396
No ano de 1755, o encontramos como senhorio de seu próprio
navio.
397
Não dúvidas de que fora favorecido pela atuação numa atividade altamente
rentável, o tráfico internacional de escravos. Mas nos parece, sobretudo, que o traficante
não se deu por satisfeito. Após se firmar como proprietário de embarcações, procurou
ampliar seu leque de possibilidades atuando também na terceira perna do tráfico, passando
a fazer grandes remessas de cativos para a região das Gerais. Pedro Gomes Caldeira sabia
que ao dispor grande quantidade de escravos para as Minas e demais localidades tinha
junto com os outros grandes fornecedores o controle da reprodução física do sistema
escravista na colônia, tornando dependentes os pequenos mercadores e negociantes dos
centros receptores.
Outra vantagem para os homens de negócios que atuavam no comércio de africanos
ocorria quando se transacionava com os agentes nos portos coloniais ou na própria África
que, ávidos por fecharem os negócios rapidamente, para aumentar a velocidade de seu giro
de capital, viam-se frente aos únicos agentes coloniais de quem podiam receber com garantia
de liquidez. Isto conferia aos negreiros uma nova condição, permitindo-lhes redefinir as suas
relações tanto com o mercado interno quanto com o internacional. Podemos postular,
portanto, que, em um contexto de hegemonia do capital mercantil, o capital traficante
abarcava o topo da própria elite comerciante da América portuguesa.
A historiadora Catherine Lugar constituiu duas listagens para os anos de 1788 e
1798, contendo em cada uma vinte nomes dos maiores comerciantes de Salvador que
pagaram taxas de importação na alfândega da cidade. Na primeira listagem, um quinto dos
comerciantes eram traficantes de escravos. no ano de 1798, oito dos vintes comerciantes
arrolados eram negreiros, sendo que três ocupavam a lista nas primeiras colocações,
396
AHU, Bahia, docs. 8055.
397
www.slavevoyages.org
363
explicitando o lugar destes comerciantes de almas no interior da elite mercantil, o topo.
398
Desta maneira, o tráfico negreiro destacava-se como sendo uma atividade importante no
enriquecimento de membros do grupo mercantil baiano. Contudo, como abordado
anteriormente, esses indivíduos buscavam o respeito social, o distanciamento dos demais
membros do grupo e a aproximação com um estilo de vida ligado à nobreza.
Uma lista elabora em 1757 por José Antônio Caldas relaciona 120 “homens de
necio, mercadores, traficantes e todas as mais pessoas que na cidade da Bahia vivem de
alguns neros...”.
399
O cruzamento desses nomes com a documentação existente para o
período e com o banco de dados Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database
400
permitiu constatar que no mínimo 59 desses homens estavam envolvidos no comércio
transatntico de cativos. Seguindo a trajetória de alguns desses traficantes arrolados nesta
listagem, perceberemos algumas estratégias utilizadas no acúmulo de riqueza e prestígio
social no período colonial.
Escolhas matrimoniais
Como mencionado no início deste capítulo, o grupo mercantil de Salvador era composto
por indivíduos que atuavam nas mais variadas formas de comércio, desde o vendedor de
quitutes até o grande traficante de escravos. Dados levantados por David Smith e Rae
Flory apontam que esta comunidade entre os anos de 1680 e 1740 era composta de 83% de
portugueses (110 homens), e 6% brasileiros (8 homens). Dos portugueses, cerca de 73%
provinham da região do Entre Douro e Minho, norte de Portugal, região pobre onde
398
LUGAR, Catherine. The merchant community of Salvador, Bahia, 1780-1830. Stony Brook, 1980.
Doutoramento - State University of New York, pp. 165-9.
399
CALDAS, Antônio José. Notícia geral desta capitania da Bahia desde o descobrimento até o seu presente
ano de 1759. Rio de Janeiro: IHGB, 1946, pp. 317-21.
400
www.slavevoyages.org
364
sobrava gente e faltava terra.
401
A maioria dos portugueses que emigrava para a Bahia
tinha um histórico familiar de trabalho na lavoura.
402
Muito provavelmente este padrão
geral se repetia entre os maiores comerciantes atlânticos de escravos. Segundo Flory,
embora o comércio com a África fosse menos dependente das finanças e conexões do
reino, os traficantes de cativos escolhiam seus sucessores entre imigrantes portugueses, na
maioria dos casos um parente.
403
Os dados referentes à origem dos homens de negócio e mercadores baianos,
mostram que era pouco comum filhos de negociantes estabelecidos na Bahia seguirem a
carreira do pai. O grupo mercantil, nesse sentido, estava sendo constantemente renovado a
partir da inserção de novos membros, muitos dos quais vindos de fora da colônia. Isso
ocorria apesar de um filho de comerciante contar com enormes vantagens quando decidia
seguir a mesma carreira de seu pai, devido à acumulação prévia de capital, aos
conhecimentos adquiridos sobre as práticas mercantis e pela constituição de redes sociais
preestabelecidas.
Ao que parece a carreira de um grande comerciante iniciava-se como auxiliar ou
caixeiro de alguma casa comercial importante, fosse na sede ou nas demais áreas do
Império português. Entre os homens de negócio que atuavam na praça de Lisboa de 1755 a
401
Do restante 4% (5) provinham das ilhas atlânticas e 7% (9) de outras nações européias. Cf. FLORY, Rae
& SMITH, David Grant. Bahian Merchants and Planters in the Seventeenth and Early Eighteenth
Centuries”. In: Hispanic American Historical Review, 58 (4), 1978, p. 575.
402
Smith aponta que no século XVII, na Bahia, o imigrante português que se estabelecia como mercador era
oriundo do norte de Portugal cujo pai era agricultor. Esta emigração teria sido gerada pela possibilidade que
muitos vislumbravam de ocupar as vastas terras disponíveis na Bahia, onde poderiam obter rapidamente o
sucesso almejado. Contudo, nos parece que esta hipótese não faz sentido, uma vez que estes homens ao
chegarem à Bahia, se estabeleciam na cidade e passavam a atuar na atividade mercantil e não na atividade
agrária. Acreditamos, portanto, que o fator primordial de dispersão da população norte portuguesa seria a
extrema pobreza e a falta de opções para se manter na região. Cf. SMITH, op. cit., 1975, pp. 286-7. Júnia
Furtado observou que os comerciantes que se estabeleciam em Minas Gerais no século XVIII provinham
também do norte de Portugal, principalmente das províncias do Minho e Douro. Chegavam solteiros às
Gerais. o possuíam vínculos familiares na nova terra. Na sua maioria, eram descendentes de cristãos-
novos e, por já estarem habituados, buscavam no comércio uma maneira pida de enriquecimento. Cf.
FURTADO, Júnia. Homens de negócio: a interiorização da Metrópole e do comércio nas Minas
Setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 275.
403
FLORY, op. cit., 1978, p. 228.
365
1822, aproximadamente 40% teriam iniciado sua trajetória mercantil em outras regiões de
Portugal ou mesmo no Brasil, ilhas atlânticas, Ásia ou África. Antes de se lançarem no
ultramar, atuavam transitoriamente em um algum tipo de ofício mecânico, como
caixeiro.
404
Geralmente, aprendiam a “arte de mercadejar” com algum parente ou
comerciante experiente de sua relação.
A maioria desses mercadores chegava solteira à Bahia. Buscavam constituir
matrimônio com moças residentes na cidade de Salvador ou na área do Recôncavo Baiano.
Rae Flory e David Smith levantaram o local de nascimento de 101 esposas de homens de
negócios e comerciantes da cidade de Salvador, entre os anos de 1680 a 1740, e
constataram que aproximadamente 90% delas eram mulheres nascidas na Bahia. Foi
possível apontar a profissão de 56 pais dessa moças, sendo 18 homens de negócios e 22
senhores de terra.
405
Tais números indicam as opções preferenciais dos negociantes por
filhas da elite local no momento de constituir matrimônio, fossem da elite mercantil ou da
elite agrária.
406
A formação de alianças entre os setores mercantil e agrário na Bahia via casamento
indica um mútuo interesse social e econômico, contrapondo a idéia de rivalidade política
existente entre esses dois grupos.
407
Membros da elite local viam nessas alianças a
possibilidade de usufruir os conhecimentos e conexões dos homens de negócio bem como
do capital mercantil. Para os negociantes, significava a garantia de respeitabilidade social e
a constituição de laços familiares, o que devia ser de fundamental importância para os
portugueses recém-chegados.
408
Segundo David Smith, não havia uma atmosfera de
404
PEDREIRA, op. cit., 1995, pp. 218-21.
405
FLORY & SMITH, op. cit., 1978, pp. 576-8.
406
Este padrão de matrimônio também foi verificado por Peter Burke na sociedade de Veneza do século
XVII, onde os comerciantes buscavam constituir casamento com membros da aristocracia local. Cf. BURKE,
Peter. Veneza e Amsterdã: um estudo das elites do século XVII. São Paulo: Brasiliense, 1991, passim.
407
Sobre as idéias de conflitos entre os grupos rurais e mercantis cf. RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e
Filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Brasília: Ed. da UnB, 1981.
408
FLORY & SMITH, op. cit., 1978, p. 577; KENNEDY, John Norman. “Bahian Elites, 1750-1822”. In:
366
rivalidade entre os setores da elite agrária e os grandes homens de negócio, mas, sim, de
cooperação.
409
No caso do Rio de Janeiro, o perfil dos sogros dos negociantes é semelhante.
Segundo dados apontados por Sampaio, cerca de um quarto eram homens de negócio
enquanto senhores de engenhos/nobres da terra representavam aproximadamente um terço.
Em relação aos homens de negócio, o percentual caracteriza uma endogamia de grupo que
fica mais latente quando são coadunados os demais grupos de comerciantes: contratadores,
mercadores e trapicheiros. O percentual nesse caso sobe para 50%. Assim, num conjunto
de 40 matrimônios onde foi possível determinar o sogro dos homens de negócios, 20
tinham origem mercantil e 14 na elite agrária.
410
A manutenção de uma empresa comercial familiar estava ligada ao futuro dos
herdeiros. Como observado anteriormente, em Salvador não era comum a transmissão dos
negócios mercantis para um filho, tendo em vista que a maioria dos negociantes provinha
de fora. Desta forma, o cálculo matrimonial relativo a seus filhos legava aos homens de
negócio duas escolhas a serem feitas: o afastamento da atividade mercantil na sua segunda
geração ou sua continuidade através da incorporação de homens de negócios como genro.
Assim, era bastante comum a endogamia no grupo mercantil. Filhas de homens de
negócio casavam-se com comerciantes, mesmo que esses ainda não estivessem no topo de
sua carreira. Desta forma, garantia-se a perpetuação da família nas atividades comerciais,
mesmo que os filhos homens optassem por um novo estilo de vida. O matrimônio
endogâmico também possibilitava a constituição de laços e redes entre diferentes famílias
envolvidas no comércio.
Hispanic American Historical Review, 53 (3), 1973, p. 419.
409
SMITH, op. cit.,1975, pp. 391; 402.
410
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “Famílias e negócios: a formação da comunidade mercantil carioca
na primeira metade do setecentos.” In: FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; ALMEIDA,
Carla. (orgs.). Conquistadores e negociantes: Histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América
lusa, século XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 243-4.
367
Vejamos agora os caminhos escolhidos por dois dos mais bem sucedidos traficantes
de escravos da Bahia, exemplos dos padrões matrimoniais apontados anteriormente: os
Pedro Rodrigues Bandeira (pai e filho). O primeiro descendente dessa família a se
estabelecer na Bahia foi o comerciante português nascido em Viana do Castelo (Minho) no
ano de 1709, Pedro Rodrigues Bandeira (“o pai”, falecido em Salvador no ano de 1778),
possuidor de várias embarcações que faziam comércio para cidades da Europa, Ásia e
África. Pedro R. Bandeira aparece na listagem elaborada por José Antônio Caldas como
um dos “homens de negócio estabelecidos na Bahia que possuía maior inteligência nos
preceitos mercantis e capacidade para freqüentar o comércio”.
411
Provavelmente, Pedro
chegou à Bahia ainda na primeira metade do século XVIII.
No início da década de 1760, casou-se com a viúva Dona Ana Maria de Jesus
Magalhães Correia Lisboa, nascida na cidade de Cachoeira no Recôncavo Baiano em 1730,
filha do abastado proprietário de terras e dos Ofícios de Tabelião e Escrivão dos Órfãos,
coronel Lourenço Correia Lisboa com Dona Maria dos Santos Magalhães.
412
Deste
casamento, Pedro Rodrigues Bandeira teve quatro filhos: Joaquina Josefa de Santana
Bandeira (1763), Clara Caetana do Sacramento Bandeira (1764), Maria da Encarnação
Bandeira (1766) e Pedro Rodrigues Bandeira (1767).
Pedro R. Bandeira ocupou os cargos de Ofício de Meirinho da Comarca da parte sul
da Bahia, Ofício de Porteiro e Corregedor de Folhas da Relação da Bahia, Ofício de
escrivão dos órfãos da Câmara e Donativos da Vila de São Francisco do Sergipe do Conde,
Contador Geral da Fazenda da Bahia. Foi capitão do Regimento dos Úteis em Salvador e
membro da Ordem Terceira de São Francisco e Irmão da Santa Casa de Misericórdia.
413
411
CALDAS, op. cit., 1946, p. 317.
412
BULCÃO SOBRINHO Antônio de Aragão. Famílias bahianas. Salvador: Imprensa Oficial, v. 3, 1946,
pp. 3-4.
413
BULCÃO SOBRINHO, op. cit., 1946, p. 3; LUGAR, op. cit., 1980, p. 236; AHU, Bahia, docs. 8904;
9240; 9250; 10225.
368
Os matrimônios de suas filhas enquadram-se no padrão de alianças verificado entre
os filhos de comerciantes baianos. A primogênita, Dona Joaquina casou-se no ano de 1782
com o comerciante português nascido no Douro, Custódio Ferreira Dias, traficante de
escravo e caixeiro de Pedro Rodrigues Bandeira. Sua segunda filha, Clara Caetana do
Sacramento Bandeira constituiu núpcias em 1795 com 1.º Barão do Rio das Contas,
Francisco Vicente Viana, filho do também traficante português e recolhedor de tributos
rurais Frutuoso Vicente Viana com Dona Teresa de Jesus Gonçalves da Costa. Ainda
jovem, Francisco Vicente Viana foi enviado para Coimbra onde terminou seus estudos no
ano de 1773. De volta à Bahia, foi indicado no ano de 1775 para o cargo de Juiz de Órfãos
e, posteriormente, no ano de 1779, alçado ao posto de Ouvidor da Comarca baiana.
414
Já a
terceira filha, Maria da Encarnação permaneceu solteira assim como o quarto e único filho,
Pedro Rodrigues Bandeira.
415
O casamento de Clara Caetana possibilitou a seu pai, Pedro
Rodrigues Bandeira, a formação de uma aliança com Frutuoso Vicente Viana também
considerado como um “dos homens de negócio da Bahia que possuíam maior inteligência
para as atividades mercantis”.
416
Embora não tenha constituído matrimônio, Pedro Rodrigues Bandeira (o filho)
conseguiu, ao longo de sua vida, amealhar uma fortuna. Era considerado um dos homens
mais ricos e influentes do Brasil, no início do século XIX. Foi um dos maiores
exportadores de fumo e aguardente, muito em função de sua atividade como traficante de
africanos. Também possuía embarcações que faziam o comércio para a Europa e Ásia. Foi
414
KENNEDY, op. cit., 1973, p. 423; BULCÃO SOBRINHO, op. cit., 1945 e 1946, pp. 98-100 e p. 29;
AHU, Bahia, docs. 12857; 13284.
415
BULCÃO SOBRINHO, op. cit., 1946, p. 30.
416
CALDAS, op. cit., 1946, p. 317. Frutuoso Vicente Viana nasceu na cidade de Viana do Castelo, no
Minho, no ano de 1711. Foi o primeiro da família a fixar residência na Bahia, no ano de 1725 com 14 anos de
idade. Em 1750, casou-se com Teresa de Jesus Gonçalves da Costa, nascida na cidade de Braga, no Minho.
Frutuoso faleceu em Salvador no ano de 1787, tendo sido em vida familiar do Santo Ofício, capitão do
regimento dos úteis e vereador do Senado da Câmara, proprietários de prédios urbanos e de navios, que
faziam o comércio marítimo com praças européias e asiáticas. Tornou-se um rico negociante, proprietário de
engenhos de açúcar no atual município de São Francisco do Conde. Cf. BULCÃO SOBRINHO, Antônio de
Aragão. Famílias bahianas. Salvador: Imprensa Oficial, v. 1, 1945, p. 97.
369
proprietário de diversos prédios em Salvador, de seis engenhos de açúcar (Vitória, Buraco,
Pilar, Moinho, Conceição e Subaré) nas vilas de Cachoeira e Santo Amaro no Recôncavo
Baiano e de grandes fazendas de criação de gado no sertão. Devido à sua vultosa fortuna,
foi um dos homens mais respeitados de seu tempo, sendo um grande provedor da Fazenda
Real e de diversas Instituições de caridade existentes na Bahia. Exerceu o cargo de
Tesoureiro da Fazenda Real, de Diretor da Casa da Moeda e foi membro do Conselho
Geral da Província da Bahia, entre 1828-34. Foi também Deputado representando a Bahia
nas “Cortes Gerais” em Lisboa, no ano de 1821. Como seu pai, foi membro da Santa Casa
de Misericórdia na Bahia, tornando-se seu Provedor em 1826. Foi condecorado com o
título de Fidalgo Cavaleiro da Casa Real e Comendador da Ordem de Cristo.
417
Faleceu em
Salvador aos 68 anos, em 1835, solteiro e sem filhos, deixando uma verdadeira fortuna
como herança.
418
Os casamentos das filhas de Pedro Rodrigues Bandeira indicam assim a opção pela
endogamia mercantil, uma vez que uma delas constituiu matrimônio com um homem de
negócio e outra com um filho de um proeminente negociante. Esse tipo de matrimônio era
bastante comum entre os filhos de comerciantes baianos. Desta forma, Pedro Rodrigues
Bandeira garantiu a manutenção de seus empreendimentos com a incorporação de genros
negociantes. É bem provável que esse tipo de opção matrimonial tenha se tornando
preponderante frente àquele estabelecido com membros da elite agrária na cidade de
Salvador, uma vez que com o desenrolar do século XVIII, a elite do grupo mercantil
passou a desempenhar um papel mais importante, destacando-se e, por conseguinte,
417
As comendas foram mais disputadas do que os hábitos, pois eram propriedades territoriais com
rendimentos que variavam de 49$000 a 1:000$000 de réis. Na colônia, apenas heróis de guerra foram dignos
de merecer tamanha honraria. Somente com a chegada da família real em 1808, a comenda se tornou
difundida entre os coloniais. Cf. SILVA, op. cit., 2005, p. 99.
418
BULCÃO SOBRINHO, op. cit., 1946, pp. 30-2; LUGAR, op. cit., 1980, p. 236.
370
distanciando-se da elite agrária. Contudo, acreditamos que esse deslocamento de interesse
entre esses dois agrupamentos só se tenha consolidado no século XIX.
Susan Sokolow observou também que prevalecia a endogamia nas escolhas
matrimoniais do grupo mercantil de Buenos Aires, no século XVIII. Segundo a autora, a
estratégia utilizada pelos comerciantes portenhos era a de se casar com as filhas dos mais
antigos e bem situados negociantes, como uma estratégia para fortalecer os laços pessoais.
O parentesco matrifocal era importante para alimentar a coesão do grupo e consolidar a
comunidade mercantil. Dos 77 novos comerciantes (homens que não apareciam numa
listagem anterior constituída em 1778) arrolados na cidade em 1801, 53 estavam ligados
familiarmente como filhos, genros, cunhados ou sobrinhos, a comerciantes
estabelecidos. A endogamia funcionava também como uma forma de atrair novos homens
e perpetuar a posição social e econômica de sua família por intermédio da linha feminina,
uma vez que o sistema de transmissão de bens dos comerciantes portenhos acabava por
fragmentar toda a riqueza amealhada ao longo de uma carreira profissional. Por isso,
tornou-se difícil que um filho equiparasse seu pai na sucessão de seus negócios, muitas
vezes decaindo e tendo que recomeçar a acumular bens.
419
O perfil de casamentos endogâmicos foi verificado também por John Kicza em seu
estudo sobre a Cidade do México colonial, como sendo o mais usual entre membros do
grupo mercantil. Um grande número de filhos e sobrinhos dos comerciantes casava-se com
indivíduos pertencentes a outras famílias poderosas de negociantes. Assim, nas
corporações dos comerciantes era possível encontrar familiares ligados por laços
consangüíneos ou matrimoniais atuando no controle do poder.
420
Desta forma, lutavam em
419
SOKOLOW, Susan. “Marriage, birth and inheritance: the merchants of Eighteen-Century Buenos Aires”.
In: Hispanic American Historical Review, 60 (3), 1980.
420
KICZA, op. cit., 1986, pp. 171-8.
371
conjunto por seus interesses num formidável agrupamento político que tinha como base a
família.
Havia ainda a opção pelo não casamento. Muitos pais direcionavam seus filhos para
mosteiros ou conventos, com o intuito de obter vantagens tendo a inserção de um membro
familiar numa determinada ordem religiosa. Para além disso, haveria um outro motivo: não
ver a fortuna da família dispersada. Por isso, nessa época, era muito comum a presença de
padres e freiras pertencentes às famílias dos homens de negócio. Ao morrem ou mesmo em
vida deixavam a parte que lhes cabia da herança para seus sobrinhos. Nesta perspectiva
deve ser entendido o caso da filha solteira de Pedro Rodrigues Bandeira, bem como de seu
único filho que, ao morrer, deixou para seus sobrinhos uma das maiores fortunas
acumuladas na cidade de Salvador.
Homens de negócio solteiros não eram incomuns nas famílias mercantis.
Historicamente, esses homens foram descritos como sovinas, prisioneiros de seus
negócios, indiferentes aos prazeres e distrações da vida, apenas interessados em acumular
cada vez mais riqueza. Foi assim, que o viajante inglês Thomas Lindley retratou o
envelhecido Antônio de Oliveira e seu estabelecimento de comércio na Bahia, no início do
século XIX.
421
A opção pelo celibato está relacionada ao cálculo econômico estipulado
pela família. Esses homens acumulavam capitais, resultado da poupança de toda uma vida
e adquiriam conhecimentos mercantis. Assim, conscientemente podiam transmitir essa
fortuna pessoal e o talento para mercadejar para jovens parentes, freqüentemente sobrinhos
que serviam a eles como aprendizes e assistentes. Se tivessem se casado, a riqueza
acumulada se desintegraria quando da partilha de seu montemor.
Para além do caso de Pedro Rodrigues Bandeira, a outros que ilustram bem essa
situação na Bahia como a carreira de Domingos da Costa Braga. Natural da cidade de
421
LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo: cia. Ed. Nacional, 1969 (1
a
. Edição
1805), pp. 148-9.
372
Braga, Domingos era descendente de uma importante família de negociantes estabelecida
em Salvador. Antes dele, vieram do reino tios, primos e irmãos. Recém-chegado no Brasil,
trabalhou como auxiliar nos negócios de seus familiares. Aos poucos, inseriu-se no trato
negreiro, amparado por laços de parentesco, tornando-se um dos mais bem-sucedidos e
ricos homens de negócio de Salvador, no século XVIII.
422
Ao morrer, no ano de 1793,
deixou como herdeiro de seus bens e da administração de seus negócios, seu sobrinho,
João de Oliveira Braga, de apenas 16 anos de idade, a quem havia ensinado
conhecimentos básicos sobre a prática de comerciar.
423
Essa preocupação em legar a herança e a administração dos negócios familiares aos
sobrinhos, mesmo quando esses fossem tão jovens, estava ligado ao desejo dos
testamentários de ver continuado o trabalho desenvolvido em vida. A escolha dos herdeiros
nesse sentido era proposital, a fim de encorajá-los à inserção nos mundos do negócio.
A conquista de honrarias
A atuação no comércio de escravos possibilitou a muitos homens de negócio uma
grande mobilidade geográfica e social, como observado na trajetória dos Rodrigues
Bandeira. O fato de estar no topo do grupo mercantil não era suficiente para muitos desses
negociantes. Ao longo de suas bem-sucedidas carreiras, os comerciantes de escravos
buscaram o reconhecimento da sociedade, vivendo “à lei da nobreza”, almejando títulos
honoríficos, galgando o status de nobre colonial. Segundo Nizza da Silva, ser nobre na
colônia significava a obtenção de honras pelo foro de fidalgo da Casa Real, hábitos de
422
KENNEDY, op. cit., 1973, pp. 421-2; RUY, Affonso. História da Câmara Municipal da cidade do
Salvador. Salvador: Câmara Municipal, 1953, pp. 364-5.; AHU, Bahia, docs. 1777; 8806; 9625;
423
APEB, Judiciário, inventário de Domingos da Costa Braga, 1793, 04/1575/2044/02; AHU, Bahia, doc.
8.875.
373
ordens militares, instituição de morgados, ocupação de cargos nas Câmaras ou postos da
oficialidade das ordenanças.
424
Esse foi o caminho trilhado por Agostinho Gomes, também citado na lista elaborada
por José Antônio Caldas como um dos mais respeitados negociantes da praça de Salvador.
425
Natural da província de Traz-os-Montes, filho de pais lavradores, partiu para Salvador, após
uma temporada em Lisboa exercendo o cargo de caixeiro na casa de um comerciante. Na
Bahia, foi tamm caixeiro e estabeleceu-se com uma loja que, posteriormente, entregou aos
cuidados de seus empregados. Passou a se dedicar ao comércio de escravos na rota Bahia-
Costa da Mina. Após alguns anos em terras baianas, constituiu núpcias com Isabel Maria
Maciel. Mais tarde, atuou como moedeiro da Casa da Moeda na Bahia. Na década de 1760,
recebeu o hábito da Ordem de Cristo. Nesta altura da vida, Agostinho Gomes era familiar
do Santo Ofício. Em 1765, foi admitido como membro da Santa Casa de Miserirdia. No
ano de sua morte, 1793, Agostinho Gomes ostentava os títulos de cavaleiro professo da
Ordem de Cristo e familiar do Santo Ofício, suficientes para lhe dar áurea de nobre.
426
A partir da descrição da trajetória de Agostinho Gomes, devemos apontar algumas
considerações sobre a forma de se obter os hábitos das ordens militares e o prestígio
proporcionado pela posse dos mesmos, que perfaziam um número de três: Ordem de Avis,
Ordem de Santiago e a mais prestigiosa, Ordem de Cristo. De acordo com Nizza da Silva,
os hábitos das ordens militares eram as mercês mais pedidas e concedidas na colônia e na
metrópole. Cabia ao rei conceder tal distinção. Os pedidos dos coloniais, antes de
chegarem ao rei, passavam pelo crivo do Conselho Ultramarino. Se o monarca concedesse
424
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Ed. Unesp, 2005, p. 132. Para uma
melhor compreensão sobre as Ordens Militares cf. OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado
Moderno: honras, mercês e venalidades em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001.
425
CALDAS, op. cit., 1946, p. 317.
426
ALVES, Marieta. “O comércio marítimo e alguns armadores do século XVIII, na Bahia”. In: Revista de
História de São Paulo, São Paulo, n.º 86, 1971, pp. 475-6; SILVA, op. cit., 2005, pp. 184-5; BARROS,
Francisco Borges de. Novos documentos para a História Colonial. Salvador, s/d; AHU, Bahia, docs. 12054 e
12190.
374
a benesse, o processo era encaminhado para a Mesa da Consciência e Ordens, onde eram
ouvidas diversas pessoas que testemunhavam sobre o modo de vida do solicitante, bem
como sobre seus ascendentes.
427
Às vezes, esses autos se arrastavam por muitos anos,
principalmente quando os interrogatórios constituídos ao longo do processo indicavam
uma ou duas questões a serem reparadas face às rígidas regras. Nesses casos, as
habilitações eram aprovadas caso houvesse a dispensa desses impedimentos, o que não
era fácil de ocorrer. Assim, muitos acabavam desistindo ou morriam antes de verem
aprovadas suas solicitações.
428
As exigências eram grandes para aqueles que buscavam a conquista de uma Ordem
Militar. Os candidatos ao recebimento do hábito deviam ser nobres, fidalgos, cavaleiros ou
escudeiros, ter o sangue “limpo”, sem mácula, nem qualquer tipo de impedimento por
defeito mecânico ou de qualidade, não ser herege e nem ter cometido crime de lesa-
majestade, sendo casado, saber se a mulher não se opunha à sua entrada na Ordem
Militar.
429
Como sabemos, se fossem seguidas à risca as regras, muito dificilmente um
traficante de escravo estabelecido na colônia, oriundo de uma região pobre de Portugal e
filho de pais lavradores receberia tal mercê. Para alcançar o título almejado teria que contar
com a boa vontade do rei na concessão de dispensa de algum impedimento.
Alguns homens de negócio foram agraciados com esta benevolência real. Em
períodos de guerra, havia mais tolerância com os defeitos de qualidades dos solicitantes.
No século XVII, exemplos de índios condecorados com hábitos das ordens militares por
terem lutado ao lado dos portugueses. De todo modo, ser aceito como um membro destas
ordens era, por vezes, mais difícil do que ser fidalgo da Casa Real, pois como verificamos
nas palavras de Nizza da Silva, “enquanto o ser fidalgo da Casa Real dependia apenas da
427
SILVA, op. cit., 2005, pp. 98-9.
428
OLIVAL, op. cit., 2001, p. 164.
429
Idem.
375
vontade do rei, para receber os hábitos das ordens militares era preciso passar por toda uma
engrenagem com suas regras próprias que, no século XVII, permaneciam ainda muito
rígidas.”
430
Somente em meados do século XVIII foram afrouxadas as normas para a
obtenção do hábito em uma ordem militar, como a revogação em 1773 do item “limpeza
do sangue para se entrar na Ordem de Cristo, medida que estava atrelada ao fim da
distinção entre cristãos-velhos e novos determinada por Pombal no mesmo ano.
431
Ser cavaleiro significava ter o privilégio isenção do pagamento de impostos como
também a possibilidade de um julgamento privativo.
432
Essas prerrogativas de Justiça e
Fazenda tornaram-se o desejo de muitos homens de negócio por toda a colônia, não
como uma forma de distinção social, mas, também, para a boa consecução de seus
empreendimentos. Com a ascensão de Pombal, muitos homens de negócio puderam atingir
o objetivo de se nobilitar, pois a carreira passou a ser valorizada, tornando-a compatível
com a idéia de nobreza. Exemplo da mudança de postura pode ser percebida com o
estabelecimento das companhias de comércio do Grão-Pará e Maranhão e Pernambuco e
Paraíba, para as quais o governo português procurou atrair acionistas garantindo aos
mesmos que a atuação em uma companhia seria um excelente mecanismo de se obter a
nobreza adquirida, ao invés de ser algo desonroso, estando, inclusive, os acionistas
originários capacitados a receber os hábitos das ordens militares.
Nesta mesma época, as relações comerciais da Bahia com a Costa da Mina
passavam por dificuldades. Os principais traficantes baianos sentiram-se prejudicados pela
liberdade do comércio com a região concedida pelo decreto real de 30 de março de 1756.
No ano seguinte, doze dos principais homens de negócios de Salvador, membros da Mesa
do Bem Comum, assinaram um projeto de criação de uma companhia de comércio, que
430
SILVA, op. cit., 2005, p. 106.
431
Ibidem, p. 100.
432
Ibidem, p. 103.
376
seria chamada de Companhia Geral da Guiné, entre eles encontramos Luís Coelho Ferreira
(almejava o cargo de Provedor), Joaquim Inácio da Cruz (seria o vice-Provedor), Antônio
Cardoso dos Santos, Manoel Álvares de Carvalho, Frutuoso Vicente Viana (na época, era
deputado da Mesa de Inspeção), Francisco Xavier de Almeida (Inspetor da Mesa de
Inspeção).
433
Segundo a proposta apresentada pelos negociantes, esta companhia teria a
exclusividade do comércio com todos os portos da Costa da Mina, sendo vedada a
presença de navios do Rio de Janeiro, permitindo apenas alguns de Pernambuco. Os navios
baianos teriam também a permissão de ir traficar em outros portos da costa africana, como
Angola e Moçambique. Propunham também a construção de um novo forte na região da
Costa da Mina para a defesa de ataques dos rivais europeus e do descalabro dos africanos.
Parece-nos que a proposta de uma companhia de comércio estaria também vinculada a uma
reação de alguns comerciantes baianos ao aumento de importância dos negociantes da
praça carioca.
O estatuto desta companhia fora inspirado nos existentes, como a do Grão-Pará
e Maranhão. Tal como era assegurado na companhia do Norte, os homens de negócios
baianos buscavam garantir acesso ao status de nobreza para os acionistas. Aos olhos do
governo português, o pleito dos traficantes de Salvador pareceu um despautério, uma vez
que, em 1743, eles haviam rejeitado uma proposta da Coroa para a criação de uma
companhia de comércio para por ordem nos descaminhos do trato negreiro. Além disso, as
insistentes críticas à liberdade do comércio, advindas com o decreto de 1756, não foram
bem vistas pelo Primeiro Ministro. A resposta de Lisboa foi dura, bloqueando a criação da
companhia. Além disso, a Coroa pôs fim a Mesa do Bem Comum dos Homens de
Negócios da Bahia, o que ocorreu em todas as áreas do Império, passando a ser a Mesa de
433
AHU, CA, Bahia, doc. 2804.
377
Inspeção a única encarregada de resolver questões relativas à atividade mercantil,
resolução que contrariava os interesses dos comerciantes baianos.
434
O impedimento de criação de uma companhia de comércio retardou, mas não
impossibilitou que os principais homens de negócios da Bahia tivessem acesso aos hábitos
das ordens militares. É o que verificamos seguindo a trajetória de Antônio Cardoso dos
Santos, tido como um dos homens de negócio mais ricos, possuidor de inteligência acerca
dos preceitos mercantis e capacidade para freqüentar o comércio. Era dono na cidade de
Salvador de casa de comércio na conformidade dos grandes negociantes.
435
Foi um dos
grandes traficantes a requerer frente à Coroa, no ano de 1757, o estabelecimento de uma
companhia mercantil na Bahia.
Português, natural da província do Minho, filho legítimo do lavrador Pedro
Domingues e de Antônia Francisca, Antônio Cardoso dos Santos emigrou para a Bahia na
primeira metade do século XVIII. Relatos de contemporâneos atestam a sua presença em
solo baiano no ano de 1739. Trabalhou na companhia de um tio e, depois, foi caixeiro da
casa comercial de José Francisco da Cruz Alagoa, amealhando cabedal para se inserir no
comércio transatlântico de africanos. Seus navios foram responsáveis por diversas viagens
à África para o resgate de escravos. Formou sociedade com dois outros ricos comerciantes
de cativos, Clemente José da Costa e Frutuoso Vicente Viana, que juntos, no ano de 1768,
arremataram o contrato dos dízimos reais por 125 mil cruzados.
Era natural que Antônio Cardoso dos Santos ambicionasse o reconhecimento social.
No ano de 1766, pleiteou e conseguiu o hábito da Ordem de Cristo. Sua trajetória de
sucesso não se encerra aqui. No ano de 1767, ele estava à frente dos desígnios da Ordem
Terceira de São Francisco e, em 1771, alçou ao posto de Provedor da Santa Casa de
434
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os
Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, pp. 101-8 e 119-20; SILVA, op. cit., 2005, pp.
179-80; AHU, CA, Bahia, docs. 2804, 2805.
435
CALDAS, op. cit, 1946, pp. 316-7.
378
Misericórdia (nesta época o escrivão da Santa Casa era o seu sócio Frutuoso Vicente
Viana). Além dessas honrarias, ocupou os cargos de Tesoureiro Geral da Capitania da
Bahia e o de tenente-coronel do Regimento dos Úteis,
436
no ano de 1781. Casou-se tarde,
na década de 1770, quando se aproximava dos 60 anos de idade, enquanto sua noiva, Ana
Joaquina de São Miguel tinha apenas 19 anos. Ela era filha do traficante de escravos
Francisco Barroso Marinho de Castro e de Ana Quitéria do Nascimento que, quando se viu
viúva, tomou as rédeas dos negócios da família, tornando-se uma ativa comerciante de
cativos africanos. Antônio Cardoso dos Santos morreu em 1786, na Bahia. Teve dois filhos
com Ana Joaquina, Pedro Antônio (1779-1818) e Ana (1783-1817).
437
A aquisição de prestígio e riqueza por parte desses homens de negócio o
significava qualquer preconceito dos mesmos em relação às suas atividades. O
“enobrecimento” conquistado com a Ordem Militar não afastou Antônio Cardoso dos
Santos dos negócios negreiros. Até um ano antes de sua morte, verificamos que navios de
sua propriedade continuavam zarpando para o continente africano.
438
A opção deste
armador pode evidenciar que as honras e títulos recebidos traziam respeito e
reconhecimento para aqueles que atuavam outrora numa atividade não muito bem vista,
embora a denominação de homem de negócio o associasse ao domínio da “arte
mercantil”, ao invés das atividades comerciais “vis” do dia-a-dia. Mesmo após sua morte,
coube a jovem viúva, dona Ana Joaquina, seguindo o exemplo de sua mãe, cuidar dos
negócios do falecido marido.
439
Mãe e filha estavam entre os poucos exemplos de mulheres
viúvas que se encontravam atuantes na elite mercantil baiana.
436
O Regimento da Gente Escolhida e Útil ao Estado (Regimento dos Úteis) foi instituído em 1774, pelo
governador Manuel da Cunha Menezes. Tratava-se de uma tropa urbana composta pelos principais
comerciantes de Salvador. O posto de comando era o de Tenente-coronel. Cf. VILHENA, Luís dos Santos. A
Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, Vol. 1, 1969, pp. 244-7.
437
KENNEDY, op. cit., 1973, p. 421; SILVA, op. cit., 2005, p. 186; AHU, CA, Bahia, docs. 2804, 2805.,
www.slavevoyages.org
438
www.slavevoyages.org
439
Idem.
379
Em 1799, Ana Joaquina constituiu novas núpcias, dessa vez com um oficial do
regimento de artilharia local, José Inácio Accioli Vasconcelos Brandão.
440
Com o
casamento, José Inácio tomou a frente dos negócios empreendidos por Ana Joaquina. Em
seguida sua filha Ana, casou-se com Felisberto Caldeira Brant Pontes, nascido em
Mariana, Minas Gerais, pertencente a uma das melhores famílias mineira. Caldeira Brant
era tenente-coronel de infantaria, Inspetor Geral das Tropas e, posteriormente, ganhou o
título de marquês de Barbacena.
441
o filho primogênito de Antônio Cardoso dos Santos, Pedro Antônio, herdou de
seu pai as prerrogativas oficiais e soube tirar proveito do casamento de sua irmã. Em
conjunto com seu cunhado, o futuro marquês de Barbacena e com o expoente negociante,
Pedro Rodrigues Bandeira, atuou em vários projetos, como a introdução em seus engenhos
na ilha de Itaparica dos primeiros moinhos a vapor e o serviço de navegação a vapor pelo
rio Paraguaçu. Ao morrer, Pedro Antônio não havia tido um filho legítimo. Toda sua
fortuna de 30:000$000 foi dividida entre a Santa Casa de Misericórdia e um crioulinho
chamado Rodozinho. Pelo fato de ainda ser criança, sua mãe, uma mulher negra,
resguardou a herança do menino.
442
Para aqueles impossibilitados de serem habilitados pelas ordens militares, o
caminho era pleitear e se contentar com um título de menor prestígio, como o de familiar
do Santo Ofício que não era visto como sinal de nobreza, diferente do pertencimento a uma
das três ordens militares. Aos que solicitavam tal honra, era necessária a prova da pureza
de sangue, embora a Inquisição (instituição que outorgava a nomeação) não se preocupasse
com os antecedentes “mecânicos”. Uma condição importante para ser agraciado com a
familiatura era possuir um grande cabedal, pois havia altos gastos com deslocamento para
440
José Inácio Accioli Vasconcelos Brandão nasceu em Sergipe no ano de 1751, filho do capitão José Barros
Pimentel e sobrinho do Vigário Geral da Arquidiocese Baiana. Cf. LUGAR, op. cit, 1980, p. 238.
441
LUGAR, op. cit., 1980, p. 238.
442
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 139, p. 375v.
380
as diligências exigidas pela ocupação do cargo.
443
Esta exigência era perfeitamente
atendida pelos ricos homens de negócio. Para estes, tornar-se membro do Santo Ofício
significava um atestado de virtuosidade de seu sangue, afastando o estigma de cristão-novo
de sua família. Era um passo importante para posteriormente se obter honrarias maiores
que lhe conferisse o status de nobre. Na América portuguesa, entre 1570 a 1820, foram
concedidas 3.114 habilitações de familiares, dos quais mais da metade (1.813) foram para
homens de negócio, sendo que no período de 1721-1770, quando os membros do grupo
mercantil galgavam por reconhecimento social, eles foram agraciados com 1.114 dos 1.687
ofertados.
444
Um desses títulos foi obtido por David de Oliveira Lopes, um dos maiores homens
de negócio da praça mercantil de Salvador. Natural da Comarca de Guimarães, norte de
Portugal, comerciava com a metrópole e diversos portos do continente africano.
445
Com
Luís Coelho Ferreira, de quem foi sócio, montou uma expedição para o resgate de escravos
nos distantes portos de Moçambique, no ano de 1760.
446
A estratégia de David de Oliveira
Lopes para conseguir sua nobilitação parece ter seguido o percurso apontado no parágrafo
anterior. Após ser reconhecido como familiar do Santo Ofício, tornou-se cavaleiro da
Ordem de Cristo. No ano de 1771, teve seu pedido aceito para se tornar membro da Santa
Casa de Misericórdia. Estava também incluído no Regimento dos Úteis quando da sua
constituição, em 1774.
Tal como seu par, Antônio Cardoso dos Santos, David de Oliveira Lopes se
manteve atuante no trato de africanos até pouco antes de sua morte, ocorrida em 1782.
447
Sem dúvida, a obtenção do título de cavaleiro em uma dessas ordens era uma das formas
443
SILVA, op. cit., 2005, pp. 159-61.
444
Ibidem, pp.163-5.
445
CALDAS, op. cit., 1946, pp. 317-21; www.slavevoyages.org
446
www.slavevoyages.org
447
ALVES, Marieta. “O comércio marítimo e alguns armadores do século XVIII, na Bahia”. In: Revista de
História de São Paulo, São Paulo, n.º 81, 1970, p. 182.
381
de nobilitação mais almejadas pelos homens de negócios, mas isso não significava o
abandono do modo de vida mercantil.
Alguns traficantes tinham que se contentar com apenas o título de familiar do Santo
Ofício, como no caso de Teodósio Gonçalves da Silva, que Catherine Lugar classificou
como sendo um típico “mercador benfeitor sem filho”.
448
Português, natural da província do
Minho, nascido em 1725,
449
era filho de pais lavradores, donos de suas próprias terras.
450
Emigrou para a Bahia ainda na primeira metade do século XVIII, se inserindo na atividade
mercantil. Dez anos depois sua chegada, tornou-se administrador do trapiche de úcar
chamado Julião, de propriedade do expoente comerciante e traficante de escravos, Simão
Pinto de Queiroz, portugs oriundo da região do Douro.
451
Casou-se, em 1760, com Ana de
Sousa Queiroz e Silva, filha do seu patrão. Em sociedade com seu irmão, José Gonçalves da
Silva, e sobrinho, Antônio Dias de Castro Mascarenhas, constituíram uma grande fortuna
com o corcio para Portugal, Ásia, África e de cabotagem na América portuguesa, sendo
proprietário de seis navios, um engenho em Jaguaripe, propriedades urbanas e destilaria na
cidade de Salvador.
452
Seu sobrinho soube se aproveitar das relões desenvolvidas previamente por ele,
pois constituiu matrimônio, casando-se com outra filha de Simão Pinto Queirós, Maria
Vitória de Jesus. Quando da morte de Sio Pinto Queis, Antônio Dias Mascarenhas
herdou o trapiche Julião e Gonçalves da Silva adquiriu o trapiche vizinho, Barnabé.
453
448
Catherine Lugar estipulou três categorias de comerciantes existentes em Salvador entre 1780 e 1830: o
mercador benfeitor sem filhos; o comerciante-senhor de engenhos; o comerciante solteiro. Acreditamos não
ser uma boa divisão para marcar os diversos perfis de mercador porque muitos deles podiam ser enquadrados
nas três categorias mencionadas, como, por exemplo, Pedro Rodrigues Bandeira, filho. Cf. LUGAR, op. cit.,
1980, pp. 226-47.
449
BARROS, op. cit., s/d, passim.
450
SILVA, op. cit., 2005, p. 185.
451
AHU, Bahia, docs. 4.467, 4.468, 5522, 5523, 5551.
452
AHU, Bahia, docs. 11651; 11652; 11653; 11654; 11792; 11793; 11794; KENNEDY, op. cit., 1973, p.
420.
453
APEB, Judiciário, livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador, livro 106, p. 65.
382
Familiar do Santo Ofício desde 1753, Teosio Goalves da Silva foi nomeado
mestre-de-campo no ano de 1796. Mas seu desejo era o de conseguir um hábito de ordem
militar. Prerrogativas não lhe faltavam. Em busca de seu sonho, chegou a ocupar o cargo de
Provedor da Santa Casa de Misericórdia na Bahia.
454
Por volta de 1782, ele e sua esposa
tinham uma fortuna calculada em cerca de 212:000$000. Sem filhos, começaram a se
desfazer de sua riqueza. a Misericórdia recebeu de doação aproximadamente
48:000$000.
455
Para seu sobrinho legou bens no valor de 105:000$000.
456
O rico traficante
morreu no ano de 1803, sem ver o seu desejo de tornar-se membro de uma ordem militar
realizado. Sua esposa, D. Ana de Sousa Queirós e Silva, faleceu um ano depois.
457
Ser membro de uma irmandade
Como observado em alguns exemplos anteriores, para além da nomeação do
título de familiar do Santo Ofício e cavaleiro de uma Ordem Militar a inserção em
associações de irmandades e ordens religiosas era mais um caminho a ser seguido para se
obter status na sociedade colonial baiana. A mais prestigiosa dessas instituições foi a Santa
Casa de Misericórdia, fundada na Bahia, em meados do século XVI.
458
Para David Smith,
a entrada de homens de negócios na Santa Casa se deu desde o século XVII, contrapondo-
se ao estudo de Russel-Wood que defende que esse movimento se iniciou apenas no início
do século XVIII, quando os comerciantes baianos começaram a suplantar as riquezas dos
proprietários rurais.
459
Segundo Smith, entre 1663 e 1685, 33 dos 223 homens admitidos na
classe superior da Misericórdia eram homens de negócio.
460
Corroborando esta tese, Rae
454
BARROS, op. cit., s/d.
455
LUGAR, op. cit., 1980, p. 243.
456
APEB, judiciário Inventário do casal Teodósio Gonçaves Dias e Ana de Sousa Queirós, 1804.
457
ALVES, Marieta. “O comércio marítimo e alguns armadores do século XVIII, na Bahia”. In: Revista de
História de São Paulo, São Paulo, n.º 70, 1967, pp. 542-3.
458
Sobre a história da Santa Casa de Misericórdia na Bahia cf. RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981.
459
SMITH, op. cit., 1975, pp. 386-7; RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981.
460
Idem.
383
Flory aponta que entre 1673 e 1700, pelo menos 54 dos 324 homens admitidos como
irmãos de alta posição eram negociantes.
461
Na primeira metade do Setecentos, aferimos
que dos 34 Provedores da Santa Casa que foram eleitos, pelo menos sete destes homens
eram traficantes de escravos.
462
entre os anos de 1780 e 1800, Catherine Lugar
contabilizou ser negociantes 27% dos irmãos de alta posição e os de menor envergadura, a
presença de mercadores correspondia a 61% do total.
463
A importância desempenhada pelos homens de negócio na cidade de Salvador, por
volta de meados do século XVIII, ganhava cada vez mais relevo. Assim, preteridos de ter
acesso as mais prestigiosas irmandades coloniais, resolveram eles próprios criar a sua
própria confraria: a de Santo Antônio da Barra.
464
Segundo Catherine Lugar, a maioria de
seus membros estava engajada no tráfico de escravos na Costa da Mina.
465
Havia também as instituições religiosas responsáveis pelo acolhimento de mulheres
oriundas de prestigiosas famílias. Alguns mercadores, na impossibilidade de arrumar bons
casamentos para suas filhas recorriam ao convento de Santa Clara do Desterro em
Salvador, primeiro convento fundado na América portuguesa, em 1677. Para lá, eram
enviadas as filhas das melhores famílias baianas. Ao pleitear uma vaga, o pai tinha que
contribuir com um vultoso dote, provar a idade da filha, que a mesma era batizada e tinha
“sangue puro”.
466
Ter o “sangue puro ou limpo” significava não ter nenhum resquício da
presença de judeu, mouro ou negro na sua ascendência familiar. A maior preocupação das
autoridades era com os cristãos-novos (judeus convertidos ao catolicismo).
461
FLORY, op. cit., 1978, p. 262.
462
São eles: Pedro Barbosa Leal (1703; 1704), José de Araújo Rocha (1716), Antônio Ferrão Castelo Branco
(1718), Antônio Gonçalves da Rocha (1725), Francisco Lopes Vilas Boas (1726), André Marques (1739,
1749), Custódio da Silva Guimarães (1743); RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, pp. 115 e 295-8;
www.slavevoyages.org
463
LUGAR, op. cit., 1980, p. 225.
464
RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, p. 50
465
LUGAR, op. cit., 1980, p. 222.
466
SOEIRO, Susan. “The Social and economic role of convent: women and nuns in Colonial Bahia, 1677-
1800”. In: Hispanic American Historical Review(HAHR), 1974, p. 214.
384
Embora tivessem um peso menor na comunidade dos homens de negócio em
comparação com a cidade de Lisboa, os cristãos-novos também desempenharam um
importante papel econômico na sociedade baiana.
467
A esses homens era vedada a
possibilidade de ser membro da Santa Casa de Misericórdia ou de ter algum familiar como
parte do Desterro. Ser aceito por uma irmandade religiosa, como a Santa Casa ou o
Desterro, era a chance de provar que o sangue de sua família era imaculado. Porém, nos
parece que muitos comerciantes cristãos-novos podem ter pertencido a essas irmandades
devido às dificuldades da época de se comprovar a “pureza do sangue” de uma pessoa,
como nos alerta David Smith.
468
De todo modo, não sendo aceito na Misericórdia, o
cristão-novo poderia optar por entrar na Ordem Terceira dos Carmelitas, onde não havia a
necessidade de provar que o sangue de sua família estava “limpo”. Não nos surpreende,
portanto, que devido à ausência de comprovação, os comerciantes compunham a maior
parcela dos membros da Ordem Terceira das Carmelitas, desde o século XVII.
469
Acesso a postos da governança local
Outra forma de se alcançar reconhecimento social e privilégios se dava mediante a
ocupação de postos em órgãos da governança colonial, como os cargos da Câmara
Municipal. Exercer um dos principais ofícios camaristas significava ascensão ao status de
nobreza ou, pelos menos, da afirmação da condição de nobre. Sendo assim, segundo Maria
467
FLORY & SMITH, op. cit., 1978, pp. 585-6.
468
Segundo este autor não havia na época colonial uma metodologia confiável e eficiente para determinar a
ascendência judaica de um sujeito. A fonte mais utilizada pelos contemporâneos era o pertencimento à Santa
Casa de Misericórdia, que comprovaria o sangue imaculado do indivíduo. De todo modo, mesmo após ser
aceito pela Misericórdia, sobre alguns ainda pairavam dúvidas acerca de sua ascendência, principalmente
sobre os homens de negócio, por possuírem uma associação pretérita com o povo judeu. A principal
estratégia utilizada por esses homens era deixar fortunas de herança para a Santa Casa quando de sua morte.
Desta forma, acreditavam que dissipariam qualquer resto de dúvida que ainda persistissem sobre a pureza do
sangue de sua família. Cf. SMITH, op. cit., 1975, p. 281; 388.
469
Ibidem, pp. 389-90. Sobre a atividade profissional dos irmãos das Ordens Terceiras de Salvador cf.
MARTINEZ, Socorro Targino. Ordens Terceiras: ideologia e arquitetura. Salvador: Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 1979, dissertação (mestrado), pp. 125-30.
385
Fernanda Bicalho, a participação da administração local via Câmara foi um dos mais
concorridos mecanismos de nobilitação, pois fornecia diversas prerrogativas políticas.
470
Para além do reconhecimento social, propiciava aos ocupantes vantagens financeiras com o
recebimento de emolumentos.
A Câmara era a principal instância local de decisão. Suas competências abrangiam
as atividades sócio-econômicas e a gestão da vida cotidiana. Entre suas funções
preponderantes estavam a de fiscalizar, disciplinar, regular, orientar e, em alguns casos,
penalizar, todas outorgadas aos seus ocupantes.
471
Os preços também eram estipulados pela
Câmara, assunto que era de extremo interesse dos comerciantes.
Se, por um lado, era grande a abrangência de atuação da Câmara, por outro, eram
poucos aqueles que tinham competência para exercer tais funções. Segundo Avanete
Sousa, no século XVIII, o poder local em Salvador encontrava-se nas mãos de um seleto
grupo de indivíduos, destacados por suas origens nobiliárquicas, por sua situação social,
riqueza e ascendência familiar. Essas pessoas eram identificadas como principais da terra,
monopolizando as instituições políticas locais, configurando uma elite camarária que
ocupava os cargos públicos da municipalidade, criando obstáculos e dificultando, assim, a
inserção de outros segmentos sociais ao poder de decisão sobre a coisa pública.
472
Até o ano de 1740, os ocupantes desses cargos camarários eram oriundos do setor
agrário. A partir desta data, a configuração do estatuto social desses oficiais sofreu
alterações, devido à ordem real de D. João V que possibilitou aos homens de negócio fazer
parte das listas eleitorais, concorrendo para o posto de conselheiros municipais, tornando-
470
BICALHO, Maria Fernanda. “As câmaras ultramarinas e o governo do Império.” In: FRAGOSO, João;
BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a
dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 207.
471
SOUSA, Avante Pereira. “Poder local e autonomia camarária no Antigo Regime: o Senado da Câmara da
Bahia (século XVIII).” In: BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia (orgs.). Modos de governar:
idéias e práticas políticas no Império português, séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005, p. 318.
472
SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século XVIII). São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo, 2003, tese (doutorado), p.
348
386
os capazes de desempenhar cargos públicos.
473
Sem dúvida, a Coroa com essa medida
procurava atrair para junto de si, homens possuidores de extensos cabedais.
Essa medida rapidamente se refletiu no perfil dos homens que tinham acesso aos
cargos da Câmara. Analisando o século XVIII, como um todo, do ponto de vista das
origens econômico-sociais, Avanete Sousa verificou que havia uma certa heterogeneidade
na constituição da nobreza camarária, sobressaindo-se componentes ligados às atividades
agrárias (cerca de 50%), seguidos por agentes mercantis (aproximadamente 20%),
burocráticos e por aqueles que enquadramos como sendo comerciantes-senhores de
engenho, o que reafirma a idéia de que ainda não havia uma distinção clara entre essas
duas categorias sociais. Embora pertencentes a diferentes segmentos da sociedade, os
oficiais da Câmara formavam um grupo composto por indivíduos que detinham condições
privilegiadas concernente a aspectos econômicos, morais e sócio-culturais.
474
A seguir,
temos alguns exemplos que apontam o desempenho de comerciantes de escravos nestes
cargos.
Luís Coelho Ferreira, Familiar do Santo Ofício, foi um dos negociantes mais
atuantes tanto no comércio atlântico de escravos quanto na sua redistribuição para as áreas
mineradoras da América portuguesa. Era também tido por José Antônio Caldas como um
dos “(...) homens de negócios em que na cidade da Bahia se considera maior inteligência
nos preceitos mercantis, e capacidade para freqüentar o comércio (...)”.
475
Como
mencionado anteriormente, em 1757, Luís Coelho Ferreira em conjunto com outros 11
traficantes reivindicou a criação na Bahia de uma companhia de comércio para resgatar
escravos na Costa da Mina, proposta essa que se mostrou infrutífera. Entre 1760-70, Luís
473
RUSSELL-WOOD, op. cit., 1981, p. 50.
474
SOUSA, op. cit., 2005, p. 319.
475
CALDAS, op. cit., 1946.
387
remeteu para as Gerais e Goiás 17 levas de escravos.
476
Atuou como procurador da
Câmara em duas oportunidades, em 1748 e em 1767. Na década de 1760, arrematou por 16
mil cruzados (6:400$000) a hereditariedade do cargo de Guarda-mor da Alfândega da
Bahia. Como mestre-de-campo foi comandante de um dos terços auxiliares na cidade de
Salvador. Próximo ao ano de seu falecimento (1784), fez um requerimento à Coroa
portuguesa solicitando a renúncia do cargo de Guarda-mor em prol de seu filho, Luís
Coelho Ferreira do Vale Faria, então Desembargador da Relação da Bahia. Este cargo
permaneceu em poder da família até 1799, quando o, então, vereador do Senado da
Câmara de Salvador, Luís Coelho Ferreira do Vale Faria, renunciou ao posto devido a
compromissos com outras atividades administrativas.
477
Já a filha de Luís Coelho Ferreira,
Luísa Francisca Severim, casou-se, em 1769, com Antônio Moniz Barreto de Sousa e
Aragão, sargento-mor, fidalgo cavaleiro da Casa Real e membro de uma das principais
famílias baianas ligadas à terra, os Moniz Barreto,
478
marcando a relação que existia entre
componentes da elite mercantil com os da agrária.
Assim como Luís Coelho Ferreira, outros traficantes atuaram em cargos
administrativos como Clemente José da Costa, natural de Lisboa, que antecedeu o próprio
Luís no cargo de Guarda-mor, arrematado no ano de 1757 por um período de três anos ao
custo de 750$000.
479
Este traficante, que fora membro da Mesa do Bem Comum extinta em
1757, recebeu a honra de pertencer à família do Santo Ofício. Ocupou outros cargos de
prestígio como os de Ministro da Ordem Terceira de São Francisco (1768) e de Provedor
476
APEB, Códice 249; www.slavevoyages.org
477
KENNEDY, op. cit., 1973, p. 421; AHU, Bahia, docs. 6530; 11537; 13054; 13641; 13673; 13792; 15011.
478
JABOATÃO, Fr. Antônio de S. Maria (adaptado por Afonso Costa). Genealogia baiana ou o catálogo
genealógico de Fr. Antônio de S. Maria Jaboatão, adaptado e desenvolvido por Afonso Costa. RIHGB, Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, vol. 191, abril-junho 1946, p. 39.
479
AHU, Bahia, doc. 10229.
388
da Santa Casa (1772).
480
No trato negreiro, constituiu sociedade com grandes homens de
negócio, como Antônio Cardoso dos Santos e Frutuoso Vicente Viana.
Trajetória parecida teve seu irmão, Inocêncio José da Costa, também natural de
Lisboa. Especialista no tráfico atlântico foi procurador da administração do tabaco na
Bahia.
481
Familiar do Santo Ofício, Inocêncio ocupou também os prestigiosos cargos de
Provedor da Santa Casa de Misericórdia, em 1782, tendo sido reeleito em duas
oportunidades, e de Prior da Ordem Terceira do Carmo, sagrando-se benemérito. Os
irmãos Inocêncio e Clemente José da Costa foram nomeados como membros do
Regimento dos Úteis no ano de sua fundação em 1774 juntamente com os principais
homens de negócios da Bahia. Nesta listagem constavam também os nomes de Pedro
Rodrigues Bandeira (pai), Luís Coelho Ferreira, David de Oliveira Lopes, Antônio
Cardoso dos Santos e Manuel do Ó Freire. Em 1796, Inocêncio José da Costa foi agraciado
pela rainha D. Maria com o título de tenente-coronel do Regimento dos Úteis.
482
Ao acompanhar a trajetória de alguns homens de negócio, podemos sugerir que a
ligação entre os traficantes e a governança colonial visava a atender não só os interesses do
grupo mercantil, como também da elite administrativa, da qual faziam parte muitos
comerciantes. Os mercadores de escravos, devido à alta rentabilidade de seus
empreendimentos, podiam oferecer aos membros da governança em Salvador,
oportunidades de negócios e vultosos empréstimos, muitos dos quais nunca saldados. Ao
mesmo tempo, essas conexões garantiam ao mercador proteção aos seus negócios, muitas
vezes sendo favorecido em disputas comerciais, isenção de pagamento de algumas taxas e,
até mesmo, tolerância de atividades ilegais como o contrabando de ouro para a África.
480
ALVES Marieta. “O comércio marítimo e alguns armadores do século XVIII, na Bahia”. In: Revista de
História de São Paulo, São Paulo, n.º 67, 1969, p. 98.
481
KENNEDY, op. cit., 1973, p. 421; www.slavevoyages.org
482
AHU, Bahia, docs. 14436, 14564.
389
Cabe ressaltar mais uma vez que tanto as alianças com a elite agrária quanto com a elite
administrativa visavam ao prestígio e ao reconhecimento social desses homens de negócio.
O investimento em terras
O investimento em bens rurais foi também bastante difundido entre os homens de
negócios, como mostramos no capítulo 2. Cerca de 30 % dos investimentos dos
comerciantes eram direcionados para aquisição de bens agrários. Embora tenham
participado em apenas 8,6% das transações, o montante aplicado por eles no agro
representou 15,7% do total.
483
Eram propriedades focadas na plantação de cana-de-açúcar
e tabaco na área do Recôncavo Baiano e em fazendas de criação de gado no sertão. Nestas
fazendas produziam o fumo e a aguardente indispensáveis no comércio em portos
africanos.
A posse de bens rurais tinha outra finalidade econômica. Servia também para
garantir o pagamento de empréstimos efetuados na praça. Esse artifício foi observado por
John Kicza na Cidade do México colonial. Aqueles que possuíssem uma propriedade rural
com suas benfeitorias tinham mais facilidade em obter crédito.
484
Mesmo aplicando capital em propriedades rurais, os traficantes permaneciam
focados em sua carreira mercantil, devido à alta rentabilidade do comércio de africanos.
Muitas vezes eram os filhos desses mercadores que comandavam os negócios da família no
meio rural. Essa era uma estratégia na qual os maiores homens de negócio baianos
utilizavam para desviar seus filhos das práticas mercantis, estabelecendo-os como senhores
de terras em áreas próximas a cidade de Salvador, adicionando status e prestígio a suas
famílias.
485
483
Cf. capítulo 2.
484
KICZA, op. cit., 1986, pp. 34-5.
485
KENNEDY, op. cit., 1973, pp. 423-4; FLORY & SMITH, op. cit., 1978, pp. 576-82. Fernand Braudel
390
Foi o que fez o capitão e homem de negócio Bernardo da Rocha e Sousa. No ano de
1779, comprou de Francisco do Amaral pela quantia de 800$000 uma fazenda de plantar
cana numa freguesia rural de Salvador.
486
A posse de terras não significava o abandono da
carreira mercantil. Contudo, era uma tentativa de direcionar sua família para atividades
outras que acarretassem prestígio ao seu sobrenome.
Segundo Alice Canabrava, na colônia sem terra ninguém era considerado de fato
“rico”. Assim, na fortuna de muitos homens de negócio, em sua maior parte mobiliária,
existia um grande percentual de componentes agrários, uma vez que a posse da terra era
base indispensável para o prestígio social.
487
Não por acaso, havia uma disseminação nos
inventários baianos da posse de propriedades rurais.
488
Tornar-se um proprietário de terras poderia ser o primeiro passo para se transformar
num senhor de engenho. Essa busca por um novo estilo de vida estava ligada às aspirações
de uma sociedade fundada em valores aristocráticos e nos ideais de fidalguia, prestígio,
honra e privilégios. Desta forma, buscavam na aquisição de bens rurais a realização desses
valores, um status de nobreza que ela oferecia.
aponta que em sociedades preocupadas com a manutenção de hierarquia excludentes, como a européia entre
os séculos XV-XVIII, nem sempre os excedentes econômicos tinham uma direção produtiva, sendo estes, de
modo recorrente, aplicados no sentido de adquirir status social. Exemplo disso seriam os comerciantes
atacadistas que, após acumularem grandes fortunas, compraram terras visando a promoção social, muito
embora esse tipo de investimento não lhes fornecesse o mesmo montante de capitais que as atividades
comerciais. Cf. BRAUDEL, op. cit., 1996, pp.125-128 e 215-218.
486
APEB, Judiciário, livros de notas do 1., 2. e 3. ofícios de Salvador, livro 120, p. 232.
487
CANABRAVA, Alice “Decadência e riqueza”. In: Revista de História. São Paulo: v. 50, n. 100, 1974. pp.
365-6.
488
MASCARENHAS, op. cit., 1998, p. 121.
391
Ocupação de postos de ordenança
Uma outra estratégia no acúmulo de prestígio e reconhecimento social por parte dos
comerciantes era a obtenção de altos postos no Regimento das Companhias de Ordenança,
como pudemos observar nos diversos exemplos de carreiras citadas anteriormente. Muitos
desses homens buscavam as patentes de capitão, sargento-mor e tenente-coronel (a patente
mais alta) das forças regulares organizadas nas paróquias e distritos de Salvador. Já na
década de 1680, quatro dos oito postos de capitão da cidade de Salvador eram ocupados
por homens de negócios. Entre os anos de 1718-1720, 63 indivíduos preencheram o posto
de capitão de companhias sendo que mais de um terço eram comerciantes. Muitos foram
posteriormente alçados ao posto de sargento-mor. Este é o caso do negreiro Bernabé
Cardoso Pereira Ribeiro que ganhou o título de capitão de companhia no ano de 1716 e o
de sargento-mor, em 1721.
489
Em Pernambuco, tal como na Bahia, os negociantes
vislumbravam o reconhecimento social ocupando um dos postos da Ordenança, constituído
de pessoas idôneas e capazes.
490
Em meados do século XVIII, foram instituídos os terços de auxiliares, sendo que o
posto de mestre-de-campo (similar ao de um coronel) era o de maior prestígio e também o
mais cobiçado, pois tinha como primazia o controle de tropas de um terço. Um mestre-de-
campo poderia eventualmente substituir um governador de Capitania por um determinado
período. Ser possuidor de um desses títulos não era necessariamente indicativo de façanhas
militares, mas, sim, de prestígio e poder. Isso era mais evidente nas localidades para além
da cidade, onde um oficial militar poderia representar a única autoridade institucional. Até
1709, os postos das ordenanças eram controlados pelas famílias mais tradicionais, uma vez
que eram as câmaras, compostas em sua maioria pela aristocracia agrária, as responsáveis
pelas indicações. Tal panorama começou a mudar com a crescente inserção de homens de
489
SMITH & FLORY, op. cit., 1978, pp. 587-8.
490
SILVA, op. cit., 2005, p. 153.
392
negócio nos cargos camarários. Em 1709, o processo de indicação foi alterado. A partir
desta data, as câmaras junto com o ouvidor da comarca teriam que indicar três nomes ao
rei que escolheria, baseado em consultas ao Conselho de Guerra, o nome mais apropriado.
A nomeação do título de maior prestígio dos terços de auxiliares, o de mestre-de-campo,
também ocorria a partir de uma lista tríplice indicada pelo governador da província. Após
uma consulta ao Conselho Ultramarino, o monarca fazia sua escolha. Ao longo do século
XVIII e primeiras décadas do século XIX, pelo menos dez comerciantes de escravos
tiveram a honra de atingir tal posto.
491
É claro que nem todos os traficantes de escravos tornaram-se homens poderosos
com vultosas fortunas, possuidores de prestígio e merecedores de respeitabilidade por parte
da sociedade baiana colonial. Muitos negociantes tiveram insucessos nas suas investidas
comerciais devido ao risco inerente ao tráfico de escravos mortes, fugas, raptos, etc.
Outros, talvez por escolha, ou uso de uma estratégia que se mostrou equivocada não
puderam desempenhar um papel de destaque na vida político-social na Bahia.
492
Manoel do Ó Freire, português natural de Lisboa, é um exemplo típico de um
homem de negócio da Bahia que vivenciou altos e baixos na sua vida social. Devido à
fortuna acumulada e as relações empreendidas a partir do tráfico de escravo, Manoel do Ó
Freire fora admitido como irmão da Santa Casa de Misericórdia no ano de 1776. Foi
listado juntamente com outros importantes homens de negócios como sendo possuidor de
grande inteligência para atividades mercantis.
493
Mantinha negócios com Portugal e África.
Contudo, sua sorte mudou com o apresamento de um de seus navios no litoral da Costa da
491
São eles: Antônio Cardoso dos Santos, Antônio de Almeida Viana, Inácio Antunes Guimarães, Inocêncio
José da Costa, José Inácio Aviaivoli Vasconcelos Brandão, JoPinheiro de Queirós, Luís Coelho Ferreira,
Pedro Barbosa Leal, Teodósio Gonçalves da Silva e Teodósio Gonçalves Dias. Cf. www.slavevoyages.org
492
Mais uma vez me apoio nas análises do atropólogo Fredrik Barth sobre as opções de escolhas individuais.
Cf. BARTH, op .cit., 2000.
493
CALDAS, op. cit., 1946, p. 317.
393
Mina, que lhe gerou vultosos prejuízos.
494
Manoel procurou reverter sua situação cobrando
de seus devedores dívidas antigas. No ano de 1785, confiscou o engenho Boca do Rio,
localizado na paróquia do Paripe, em Salvador. Não foi a primeira tentativa de arresto por
parte do comerciante. Anteriormente suas tentativas foram impedidas pelo governador
baseado nas leis de 1663 e 1723, que vedava a execução da hipoteca quando estava em
jogo um engenho. Manoel do Ó Freire conseguiu executar a dívida porque seu mutuário
deixou de pagar as prestações anuais. Contudo, o caso não se encerrou. O devedor entrou
na justiça e a disputa se desenrolou por mais de nove anos. Durante todo o tempo o
engenho permaneceu inativo.
495
Quando finalmente ganhou a causa, Manoel do Ó Freire se
encontrava em total estado de penúria, sem dinheiro para investir na manutenção do
engenho. Sua situação econômica em 1800 (ano de sua morte) era descrita como precária
por contemporâneos.
496
A partir da análise das trajetórias pessoais de alguns traficantes de escravos,
verificamos a grande mobilidade geográfica e social possibilitada pela inserção no grupo
mercantil de Salvador. Nesta cidade, são inúmeros os casos bem sucedidos de traficantes,
na sua maioria portugueses oriundos de uma região pobre, no norte de Portugal, que
conseguiram se estabelecer, enriquecer e galgar respeitabilidade social, inserindo-se no
interior da elite baiana, durante o período colonial, muitas vezes atingindo status de nobre.
Esta mobilidade social se deveu ao caráter da economia colonial onde predominava um
regime compulsório de produção, caracterizado pela debilidade da circulação monetária
que reduzia as opções de investimento, restringindo a riqueza a um pequeno número de
494
www.slavevoyages.org
495
AHU, Bahia, doc 25395.
496
BARROS, op. cit..; CALDAS, op. cit., 1946.
394
agentes econômicos que detinham liquidez suficiente para por em funcionamento os
mecanismos econômicos para além de esferas locais, motivo pelo qual a circulação de
mercadorias a longa distância surgia como o grande mecanismo de acumulação da época,
em especial o tráfico de africanos.
Ao se diferenciar dos demais comerciantes, os homens de negócio passaram ser
bem visto pela sociedade, não mais como indivíduos ligados a uma atividade mecânica,
mas, sim, como aqueles que dominam a “arte mercantil”. Puderam, desta forma, fazer
alguns cálculos econômicos que lhes garantissem uma projeção social com o intuito de se
aproximar e até mesmo se inserir entre a elite local. A busca por prestígio e status social
guiou a carreira de muitos dos comerciantes de escravos baianos, utilizando-se para isso
diversos mecanismos de enobrecimento que estavam disponíveis. Nem sempre foram bem-
sucedidos. Havia o elemento imponderável, uma vez que, esses homens de negócio não
dominavam racionalmente todos os aspectos do mundo que o cercava. O fracasso era uma
possibilidade factível.
Assim, não queremos aqui defender que todos os comerciantes de escravos na
Bahia colonial obtiveram sucesso almejado, mas apenas indicar que a estes homens,
principalmente aos maiores traficantes, possuidores de grandes fortunas, foi possível
buscar ao longo de suas vidas, a partir de cálculos e instrumentos disponibilizados pela
sociedade de Antigo Regime, prestígio e a respeitabilidade.
395
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
396
Em um período de cinqüenta anos pudemos verificar as transformações pelas quais
passou a cidade de Salvador. Assim, diferente do que alguns clássicos costumam apontar, a
época colonial não era estática.
497
Muitas foram as alterações observadas na sociedade
baiana por nós analisada, rompendo com a idéia de que a história colonial foi homogênea
durante todo o tempo.
Essa percepção de mudança fica mais evidente quando confrontamos os aspectos
por nós apontados e analisados com àqueles trabalhados por Rae Flory.
498
A autora
concentrou sua análise na cidade de Salvador no momento de transição entre os séculos
XVII e XVIII. Contudo, exceção feita a um aumento da atuação dos homens de negócio,
Flory não apontou modificações pelas quais passava a sociedade colonial da época. Assim,
trabalhou, as últimas décadas do Seiscentos e as primeiras do Setecentos como um bloco
uniforme. A partir de nossa análise, verificamos que foram muitas as modificações
percebidas nessa sociedade, não do fortalecimento dos homens de negócio, mas também
do aumento do capital mercantil nas diversas funções sócio-econômicas da cidade; da
mutação do perfil do sistema de crédito; do crescimento do mercado como veículo
primordial no acesso aos bens; nas transformações verificadas no agro, com a expansão da
lavoura açucareira e de outras culturas como o tabaco e a mandioca, caudatários da
ampliação do tráfico internacional de africanos. Observamos também a entrada de muitos
agentes mercantis no setor rural mediante aquisição de terras pelo mercado. Aqui cabe
observar que Vera Ferlini em seu estudo sobre as conjunturas pela qual passava o agro
baiano, termina sua análise sem perceber grandes alterações, como se a “sociedade do
497
NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo:
HUCITEC, 1983; PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1977.
498
FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period: the sugar platers, tobacco growers, merchants,
and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Austin, The University of Texas, 1978, tese
(doutorado).
397
açúcar” do início do século XVII fosse igual àquela verificada na segunda metade do
século XVIII.
499
Em nosso trabalho, como mencionado anteriormente, várias foram as mudanças
observadas no período analisado. Elas refletem sobretudo o desenvolvimento da atividade
comercial e o fortalecimento do grupo mercantil na atuação sócio-econômica da cidade.
Não é de se estranhar, pois, que esses indivíduos buscassem com mais vigor a inserção no
interior da elite colonial e dela passassem a fazer parte.
A que se ressaltar o papel desempenhado pelo porto de Salvador, importante elo de
conecções mercantis que interligavam a capital da colônia a diversas partes do Império
localizadas na Europa, Ásia, África ou interior da América portuguesa. Nesse sentido
ressaltamos a atuação primordial do comércio de escravos africanos. O tráfico negreiro
estruturado de forma bilateral pôs em contato regiões das duas margens do Atlântico. Pelo
oceano, chegavam a Salvador escravos oriundos de vários recantos do continente africano,
que eram posteriormente redistribuídos para diversas regiões da América lusitana,
transformando e matizando a paisagem humana no Brasil. Do mesmo modo, tornou-se um
mecanismo fundamental no fluxo de recursos para a capital baiana.
O fortalecimento da atividade comercial bem como as atuações do grupo mercantil
tornaram-se preponderante no último quarto do século XVIII. Assim, os homens de
negócio envolvidos com comércio de longa distância passaram a controlar o sistema
creditício de Salvador, isso porque esses agentes sociais, ao terem o controle da liquidez da
economia, puderam disponibilizar para toda a sociedade capital em forma de crédito,
ocupando um espaço antes reservado as instituições coloniais.
Ao caminhar para um novo século, a cidade de Salvador se mercantilizava
rapidamente. Em meados do Setecentos havia uma predominância nas formas não-
499
FERLINI, Vera. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no nordeste colonial. Bauru: EDUSC,
2003
398
mercantis de acesso às propriedades, padrão que foi modificado com o incremento da
atividade comercial. O acesso aos bens passa a ser feitos majoritariamente pelo mercado.
Desta forma, o peso das aquisições que se davam mediante arrematação e compra
suplantaram a soma de todas as demais tanto no que se refere aos bens rurais como aos
bens urbanos, sem falar na quase totalidade dos bens comerciais e embarcações. Mesmo os
bens de natureza rural estavam destinados a passar pelo mercado, tornando-se junto com os
bens da urbe em instrumento fundamental na acumulação de capital. Assim, as escolhas e
estratégias de reprodução de hierarquias sociais passaram a se pautar cada vez mais pelas
conjunturas mercantis.
Nesse sentido, a prevalência do capital mercantil modificou o mercado de compra e
venda de bens, ganhando destaque àqueles associados à urbe e ao comércio. Embora, tenha
sua representatividade diminuída, o investimento no setor agrário não desapareceu,
atraindo cerca de um terço dos investimentos, marcando dessa maneira um traço estrutural
da sociedade. Essa era uma característica dos homens de negócio, qual seja: a busca pela
diversificação de seus investimentos e nela, ainda que de forma menos expressiva residia a
opção por bens agrários. Assim, no fim do Setecentos, ao falarmos de elite colonial em
Salvador, devemos observar que estamos lidando com um grupo cada vez mais
heterogêneo, com um grande contingente de indivíduos originários da atividade mercantil.
No findar do século XVIII a sociedade soteropolitana não se reconheceria mais
como aquela de meados do mesmo século. Havia mudado. Tornara-se mais dinâmica.
Fruto principalmente do desenvolvimento mercantil e do aumento da participação dos
homens de negócio estabelecidos em Salvador.
399
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11653; 11654; 11792; 11793; 11794, 11537; 12054; 12190, 12857; 13284;13054; 13037;
13038; 13039; 13144; 13145; 13146, 13641; 13673; 13792; 14436, 14564, 15011, 18296;
18315; 18296; 18298; 18299; 18300; 18301; 18302; 18305; 18306; 18307; 18308; 18309;
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412
ANEXOS
246
Anexo 1 – Participação percentual dos diversos tipos de vendas no valor total transacionado na cidade de Salvador entre 1751 e 1780 por ano
(em mil-réis)
Negócios rurais Negócios
urbanos
Negócios
comerciais
Embarcações Outras vendas Valor total Empréstimos Ano
Valor N.E
valor N.E
Valor N.E
valor N.E
valor N.E
valor N.E
valor N.E
1751
5:579$860 7 6:660$000 9 3:880$000 4 16:119$860
20 5:600$000 7
% 34,6 35,0
41,3 45,0
24,1 20,0
100 100
34,7 36,4
1752
1:190$000 3 2:240$000 7 800$000 1 850$000 1 5:080$000 12 14:918$321 9
% 23,4 25,0
44,1 58,3
15,7 8,3 16,7 8,3 100 100
293,6 75,0
1753
2:774$096 7 3:790$000 7 6:564$096 14 8:750$000 3
% 42,3 50,0
57,7 50,0
100 100
133,3 25,0
1754
5:599$000 7 8:785$000 8 14:384$000
15 18:525$804 6
% 38,9 46,7
61,1 53,3
100 100
128,8 40,0
1755
12:988$000
9 8:552$340 10 21:540$340
19 8:568$000 7
% 60,3 47,4
39,7 52,6
100 100
39,8 36,8
1756
3:380$000 6 4:987$000 11 1:162$420 2 9:529$420 19 30:377$349 7
% 35,5 31,6
52,3 57,9
12,2 10,5
100 100
318,8 38,5
1757
15:781$019
7 17:861$020
20 1:100$000 2 1:500$000
1 36:242$039
30 20:092$204 9
% 43,5 23,3
49,3 66,7
3,0 6,7 4,1 3,3 100 100
55,4 31,2
1758
7:169$920 10 3:080$080 5 10:250$000
15 1:380$000 5
% 70,7 66,7
29,3 33,3
100 100
13,5 33,3
1759
17:410$416
9 18:997$212
20 3:208$400 6 2:600$000
2 42:216$028
37 3:600$000 5
% 41,2 24,3
45,0 54,0
7,6 16,2
6,1 5,4 100 100
8,5 14,3
1760
64:665$370
17 17:091$392
19 3:600$000 2 2:700$000
2 88:056$762
40 104:330$000
17
% 73,4 42,5
19,4 47,5
4,1 5,0 3,1 5,0 100 100
118,5 42,9
1761
9:777$736 11 8:317$161 15 994$000 2 1:200$000
2 20:288$897
30 14:040$000 13
% 48,2 36,7
41,0 50 4,9 6,7 5,9 6,7 100 100
69,2 43,3
1762
13:452$685
14 3:011$263 15 550$000 1 900$000 2 17:913$948
32 9:694$469 3
% 75,0 43,7
16,9 46,9
3,1 3,1 5,0 6,2 100 100
54,4 9,4
1763
3:086$165 3 4:809$787 15 550$000 1 1:000$000
1 9:445$952 20 6:500$000 7
247
% 32,7 15,0
50,9 75,0
5,8 5,0 10,6 5,0 100 100
68,8 35,0
1764
4:663$353 3 6:914$497 8 800$000 1 12:377$850
12 9:050$000 12
% 37,7 25,0
55,9 66,7
6,5 8,3 100 100
73,1 100
1765
5:574$720 3 1:989$120 8 580$000 1 8:143$840 12 17:324$436 21
% 68,4 25,0
24,4 66,7
7,1 8,3 100 100
212,7 175,0
1766
3:900$000 2 2:710$000 8 6:610$000 10 4:650$000 5
% 59,0 20,0
41,0 80,0
100 100
70,3 50,0
1767
7:771$364 14 5:570$442 13 900$000 1 14:241$806
28 4:679$066 8
% 54,6 50,0
39,1 46,4
6,3 3,3 100 100
32,8 28,6
1768
4:526$739 3 2:195$694 9 800$000 1 7:522$433 13 2:700$000 3
% 60,2 23,1
29,2 69,2
10,6 7,7 100 100
35,9 23,1
1769
9:997$357 11 7:496$036 17 31:870$000
4 700$000 1 50:063$393
34 7:970$410 14
% 20,0 32,3
15,0 50,0
63,6 11,8
1,4 2,9 100 100
15,9 41,2
1770
7:520$960 5 6:713$990 19 1:720$000 3 1:800$000
3 107$290 1 17:862$240
31 2:960$910 5
% 42,1 16,1
37,6 61,3
9,6 9,7 10,1 9,7 0,6 3,2 100 100
16,6 16,1
1771
25:645$506
18 12:779$868
15 1:700$000 2 2:400$000
2 360$000 3 42:885$374
40 16:109$509 19
% 59,8 45,0
29,8 35,0
4,0 5,0 5,6 5,0 0,8 7,5 100 100
37,6 47,5
1772
8:028$160 15 6:489$830 25 1:500$000 4 16:017$990
44 8:085$260 15
% 50,1 34,1
40,5 56,8
9,4 9,1 100 100
50,5 34,1
1773
12:538$224
12 9:847$836 19 1:200$000 3 1:800$000
1 25:386$060
35 21:091$664 34
% 49,4 34,3
38,8 54,3
4,7 8,6 7,1 2,8 100 100
83,1 100
1774
4:223$834 10 5:686$415 24 980$000 3 1:720$000
3 12:610$249
40 12:224$426 17
% 33,5 25,0
45,1 60,0
7,8 7,5 13,6 7,5 100 100
96,9 42,5
1775
2:822$342 7 3:195$967 10 1:044$327 2 2:100$000
3 9:162$636 20 21:183$503 20
% 30,8 35,0
34,9 50,0
11,4 10,0
22,9 15,0
100 100
231,2 100
1776
3:678$440 5 1:663$600 5 980$766 2 2:200$000
2 8:522$806 14 10:988$324 15
% 43,1 35,7
19,5 35,7
11,5 14,3
25,8 14,3
100 100
128,9 107,1
1777
1:867$884 4 5:410$423 8 875$642 2 1:050$000
1 9:203$949 15 15:098$724 17
% 20,3 26,7
58,8 53,3
9,5 13,3
11,4 6,7 100 100
164,0 113,3
1778
4:905$221 15 9:657$154 20 1:322$110 5 3:000$000
3 298$000 3 19:182$485
43 14:298$420 20
% 25,6 34,9
50,4 46,5
6,9 11,6
15,6 7,0 1,5 7,0 100 100
74,5 46,5
248
1779
74:119$132
24 9:733$437 28 1:080$000 1 4:800$000
1 89:732$605
54 20:410$455 18
% 82,6 44,4
10,8 51,8
1,2 1,8 5,3 1,8 100 100
22,7 33,3
1780
9:806$156 19 13:462$770
30 3:006$908 9 2:000$000
3 650$000 3 29:925$834
64 19:655$327 20
% 32,8 29,7
45,0 46,9
10,0 14,1
6,7 4,7 2,1 4,7 100 100
65,7 31,2
1781
10:511$568
15 17:038$394
27 4:400$000 9 2:100$000
4 700$000 2 35:749$962
57 25:335$388 22
% 29,4 26,3
47,6 47,4
12,3 15,8
5,8 7,0 1,9 3,5 100 100
70,9 38,6
1782
10:379$910
19 16:429$925
25 4:550$630 6 2:200$000
2 150$965 1 33:711$430
53 22:438$987 25
% 30,8 35,8
48,7 47,2
13,5 11,3
6,5 3,8 0,4 1,9 100 100
66,6 47,2
1783
9:833$500 14 14:420$472
19 3:932$000 6 1:800$000
2 29:985$972
41 20:412$655 19
% 32,8 34,1
48,1 46,3
13,1 14,6
6,0 4,9 100 100
68,1 46,3
1784
8:778$682 12 11:581$640
17 3:800$000 5 900$000 1 549$830 2 25:610$152
37 19:549$888 16
% 34,3 32,4
45,2 45,9
14,8 13,5
3,5 2,7 2,1 5,4 100 100
76,3 43,2
1785
15:086$801
11 11:496$275
16 5:237$555 6 1:120$000
1 32:940$631
34 16:432$281 13
% 45,8 32,3
34,9 47,0
15,9 17,6
3,4 2,9 100 100
49,9 38,2
1786
8:258$873 7 7:087$687 11 3:202$270 5 750$000 1 898$230 3 20:197$060
27 10:513$830 12
% 40,9 25,9
35,1 40,7
15,8 18,5
3,7 3,7 4,4 11,1
100 100
52,0 44,4
1787
10:766$852
8 11:380$507
18 3:918$300 6 1:850$000
2 27:915$660
34 18:726$623 20
% 38,6 23,5
40,8 52,9
14,0 17,6
6,6 5,9 100 100
67,1 58,8
1788
9:714$027 10 13:988$804
18 4:260$754 7 1:692$200
2 562$320 3 30:218$120
40 23:685$755 20
% 32,1 25,0
46,3 45,0
14,1 17,5
5,6 5,0 1,8 7,5 100 100
78,4 50,0
1789
13:028$203
12 8:772$647 20 5:672$648 7 1:800$000
3 29:273$498
42 24:430$980 19
% 44,5 28,6
30,0 47,6
19,3 16,7
6,1 7,1 100 100
83,4 45,2
1790
7:463$730 13 14:051$764
20 7:528$916 6 3:000$000
2 549$770 2 32:594$180
43 23:676$099 19
% 22,9 30,2
43,1 46,5
23,1 13,9
9,2 4,6 1,7 4,6 100 100
72,6 44,2
1791
9:730$883 20 7:183$874 23 9:422$560 9 5:550$380
4 780$000 2 32:667$697
58 30:730$443 23
% 29,8 34,5
22,0 39,6
28,8 15,5
17,0 6,9 2,4 3,4 100 100
94,1 39,6
1792
10:738$677
16 22:079$076
29 6:680$933 8 1:200$000
2 300$000 2 40:998$686
60 27:988$022 22
% 26,2 26,7
53,8 48,3
16,3 13,3
2,9 3,3 0,7 3,3 100 100
68,3 36,7
1793
14:454$531
19 19:424$239
25 6:856$980 9 1:400$000
2 734$900 3 42:870$650
58 24:876$292 20
% 33,7 32,7
45,3 43,1
16,0 15,1
3,3 3,4 1,7 5,2 100 100
58,0 34,5
1794
15:324$593
16 15:939$333
30 9:222$409 10 3:430$000
3 43:916$335
59 34:653$298 28
249
% 34,9 27,1
36,3 50,8
21,0 16,9
7,8 5,1 100 100
78,9 47,4
1795
15:990$486
18 8:890$327 22 12:042$710
8 2:980$000
3 39:903$523
51 32:760$109 27
% 40,1 35,3
22,3 43,1
30,2 15,7
7,4 5,9 100 100
82,1 52,9
1796
11:137$303
12 15:676$094
24 8:987$886 10 3:100$000
3 980$545 3 39:881$828
52 25:655$831 23
% 27,9 23,1
39,3 46,1
22,5 19,2
7,8 5,8 2,4 5,8 100 100
64,3 44,2
1797
19:930$293
19 16:311$664
24 11:870$400
12 7:560$800
6 55:673$157
61 38:672$219 29
% 35,8 31,1
29,3 39,3
21,3 19,7
13,6 9,8 100 100
69,5 47,5
1798
19:143$906
17 18:060$999
27 11:350$387
10 2:060$800
2 1:000$000
1 51:616$092
57 26:781$741 25
% 37,1 29,8
35,0 47,4
22,0 17,5
4,0 3,5 1,9 1,7 100 100
51,9 43,8
1799
18:551$761
18 25:682$405
28 14:382$147
9 1:813$000
3 60:429$313
59 27:701$800 24
% 30,7 30,5
42,5 47,4
23,8 15,2
3,0 5,1 100 100
45,8 40,7
1800
19:654$574
14 22:333$000
26 11:283$610
11 3:270$000
4 1:318$420
4 57:859$992
59 33:802$752 26
% 34,0 23,7
38,6 44,1
19,5 18,6
5,6 6,8 2,3 6,8 100 100
58,4 44,1
Fonte: APEB, judiciário, Livros de notas do 1
o
. e 2
o
. ofícios de Salvador (livros 90 a 139).
Obs.: 1 - N.E = número de escrituras
2 – O número de escrituras refere-se àquele que conseguimos levantar e já analisadas a partir do banco de dados.
250
Anexo 2 - Valor médio dos bens arrolados nas escrituras de compra e venda em Salvador
por qüinqüênios, 1751-80
Período 1751-60 1761-70 1771-80 1781-90 1791-
1800
Valor
mínimo
Valor
máximo
sobrado 695$670 620$512 730$120 765$002 913$724 66$000 3:300$000
casa 357$043 234$657 218$910 259$190 389$112 22$000 1:000$000
Sobrado
com loja
850$000 723$500 680:700 998$350 1:060$152
108$000 2:9800$000
Embarcação
956$250 426$667 842$800 860$610 924$714 70$000 4:800$000
Engenho 5:200$000
5:400$980
5:760$400
7:090$000
7:479$340
2:800$000
31:000$000
Fazenda 1:000$400
901$325 780$750 690$000 702$030 150$000 3:400$000
Fazenda
cana
6:200$000
6:564$000
6:780$000
6:890$000
6:500$000
800$000 9:900$000
Fazenda de
gado
815$666 1:530$390
2:000$000
2:350$000
3:102$490
200$000 8:800$000
Roça 450$000 375$000 325$000 409$000 401$800 70$000 1:021$000
Sitio 400$333 520$000 457$090 487$890 489$230 40$000 800$000
Sitio de
gado
520$000 555$000 510$900 534$400 550$900 150$000 1:680$000
Terra 256$490 348$200 210$600 259$000 289$908 11$000 1:150$000
Fonte: A mesma do anexo 1.
251
Anexo 3 - Formas de aquisição dos bens rurais vendidos na cidade de Salvador entre 1750-
1800
Formas de
aquisição
Arrematação
/compra
Herança Dote Doação Total
N % N % N N % N %
1751 2 33,3 3 50 1 16,7 6 100
1752 1 50 1 50 2 100
1753 2 33,3 3 50 1 16,7 6 100
1754 2 40 2 40 1 20 5 100
1755 2 28,6 3 42,8 1 14,3 1 14,3 7 100
1756 1 25 3 75 4 100
1757 2 33,3 4 66,7 6 100
1758 3 37,5 4 50 1 22,5 8 100
1759 6 46,1 6 46,1 1 7,8 13 100
1760 6 42,8 7 50 1 7,1 14 100
1761 4 50 3 37,5 1 12,5 8 100
1762 4 40 5 50 1 10 10 100
1763 2 66,7 1 33,3 3 100
1764 1 25 3 75 4 100
1765 1 50 1 50 2 100
1766 2 100 2 100
1767 3 37,5 4 50 1 12,5 8 100
1768 1 33,3 2 66,7 3 100
1769 5 45,4 5 45,4 1 9,2 11 100
1770 2 50 2 50 4 100
1771 10 52,6 8 42,1 1 5,3 19 100
1772 6 50 5 41,7 1 33,3 12 100
1773 5 45,4 4 36,7 1 9,1 11 100
1774 3 42,8 4 51,2 7 100
1775 4 66,7 2 33,3 6 100
1776 1 50 1 50 2 100
1777 1 33,3 2 66,7 3 100
1778 8 66,7 4 33,3 12 100
1779 11 50 10 45,5 1 4,5 22 100
1780 9 45 10 50 1 5 20 100
1781 9 50 7 38,9 1 5,6 18 100
1782 12 60 8 40 20 100
1783 8 50 7 43,7 1 6,3 16 100
1784 6 46,1 7 53,8 13 100
1785 7 53,8 5 38,5 1 7,7 13 100
1786 6 75 2 25 8 100
1787 6 50 5 41,7 1 8,3 12 100
1788 5 41,6 7 58,3 12 100
1789 11 55 9 45 20 100
1790 11 57,9 8 42,1 19 100
1791 12 52,2 11 47,8 23 100
1792 10 45,4 10 45,4 1 4,5 1 4,5 22 100
1793 13 61,9 8 38,1 21 100
252
1794 14 63,6 7 31,8 1 4,5 22 100
1795 10 55,5 8 44,4 18 100
1796 6 50,0 6 50,0 12 100
1797 16 69,6 6 26,1 1 4,3 23 100
1798 13 52,0 11 44,0 1 4,0 25 100
1799 15 71,4 6 28,6 21 100
1800 12 60,0 8 40,0 20 100
Fonte: as mesmas do anexo 1.
253
Anexo 4 - Formas de aquisição dos bens urbanos vendidos na cidade de Salvador entre
1750-1800
Formas
de
Aquisição
Arrematação/Compra
Herança Dote Doação Total
N % N % N % N % N %
1751 3 42,8 4 57,1
7 100
1752 2 28,6 3 42,8
2 28,6
7 100
1753 3 42,8 2 28,6
2 28,6
7 100
1754 2 40,0 3 60,0
5 100
1755 3 33,3 6 66,7
9 100
1756 4 36,4 6 54,5
1 9,1 11 100
1757 8 47,0 8 47,0
1 5,9 17 100
1758 1 33,3 2 66,7
3 100
1759 7 38,9 10 55,6
1 5,6 18 100
1760 8 53,3 7 46,7
15 100
1761 5 38,5 8 61,5
13 100
1762 5 45,4 6 54,5
11 100
1763 4 33,3 8 66,7
12 100
1764 1 50,0 1 50,0
2 100
1765 1 20,0 3 60,0
1 20 5 100
1766 4 80,0 1 20,0
5 100
1767 7 70,0 3 30,0
10 100
1768 3 37,5 5 62,5
8 100
1769 6 40,0 8 53,3
1 6,7 15 100
1770 9 56,2 7 43,8
16 100
1771 6 60,0 4 40,0
10 100
1772 10 41,7 14 58,3
24 100
1773 7 46,7 7 46,7
1 6,7 15 100
1774 10 45,4 11 50,0
1 4,5 22 100
1775 6 75,0 2 25,0
8 100
1776 3 60,0 2 40,0
5 100
1777 4 57,1 2 28,6
1 14,3
7 100
1778 9 50,0 8 44,4
1 5,6 18 100
1779 15 60,0 10 40,0
25 100
1780 15 65,2 8 34,8
23 100
1781 8 36,4 13 59,1
1 4,5 22 100
1782 13 59,1 9 40,9
22 100
1783 7 43,7 9 56,3
16 100
1784 8 57,1 6 42,9
14 100
1785 7 63,6 4 36,4
11 100
1786 3 50 3 50 6 100
1787 6 54,5 5 45,5
11 100
1788 7 58,3 5 41,7
12 100
1789 8 57,1 6 42,3
14 100
1790 9 60 6 40 15 100
1791 15 68,2 6 27,3
1 4,5 22 100
1792 11 50 11 50 22 100
254
1793 13 61,9 8 38,1
21 100
1794 15 60 9 36 1 4 25 100
1795 11 55 9 45 20 100
1796 13 59,1 9 40,9
22 100
1797 13 56,5 9 39,1
1 4,4 23 100
1798 14 63,6 8 36,4
1 4,5 22 100
1799 15 62,5 9 37,5
24 100
1800 13 61,9 8 38,1
21 100
Fonte: as mesmas do anexo 1
255
Anexo 5 - Formas de aquisição dos bens comerciais e embarcações vendidos na cidade de
Salvador entre 1750-1800
Formas
de
Aquisição
Arrematação/Compra
Herança Dote Doação Total
N % N % N % N % N %
1751 1 100 1 100
1752 100
1753 100
1754 100
1755 100
1756 100
1757 1 100 1 100
1758 100
1759 5 100 5 100
1760 2 100 2 100
1761 2 100 2 100
1762 2 100 2 100
1763 1 100 1 100
1764 1 100 1 100
1765 100
1766 100
1767 100
1768 100
1769 2 100 2 100
1770 4 100 4 100
1771 2 100 3 100
1772 2 66,7 1 33,3
3 100
1773 2 100 2 100
1774 3 100 3 100
1775 1 100 1 100
1776 2 100 2 100
1777 1 50,0 1 50,0
2 100
1778 5 100 5 100
1779 100
1780 5 100 5 100
1781 6 100 6 100
1782 3 100 3 100
1783 3 50,0 1 16,7
4 100
1784 2 100 2 100
1785 5 71,4 1 14,3
1 14,3
7 100
1786 4 100 4 100
1787 4 80,0 1 20,0
5 100
1788 5 100 5 100
1789 5 100 6 100
1790 3 100 4 100
1791 4 100 4 100
1792 3 75,0 1 25,0
4 100
256
1793 4 100 6 100
1794 7 100 7 100
1795 5 100 5 100
1796 5 100 5 100
1797 4 80,0 1 20,0
5 100
1798 5 100 5 100
1799 5 83,3 1 16,7
6 100
1800 5 100 5 100
Fonte: as mesmas do anexo 1
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