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JOSÉ HENRIQUE DE PAULA BORRALHO
A ATHENAS EQUINOCIAL:
A fundação de um Maranhão no Império Brasileiro
Niterói-RJ
2009
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JOSÉ HENRIQUE DE PAULA BORRALHO
A ATHENAS EQUINOCIAL:
a fundação de um Maranhão no Império brasileiro
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em História da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial para
obtenção do Grau de Doutor em História. Área
de concentração: História Social. Linha de
pesquisa: cultura e sociedade.
Orientadora. Profª Dra. Magali Gouveia Engel
Niterói-RJ
2009
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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
B737 Borralho, José Henrique de Paula.
A ATHENAS EQUINOCIAL: a fundação de um
Maranhão no Império brasileiro / José Henrique de Paula
Borralho. – 2009.
332 f.; il.
Orientadora: Magali Gouveia Engel.
Tese (Doutorado) Universidade Federal Fluminense,
Departamento de História, 2009.
Bibliografia: f. 296-313.
1. História do Maranhão – Século XIX. 2. Identidade
JOSÉ HENRIQUE DE PAULA BORRALHO
A ATHENAS EQUINOCIAL:
a fundação de um Maranhão no Império brasileiro
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em História da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial para
obtenção do Grau de Doutor em História. Área
de concentração: História Social. Linha de
pesquisa: cultura e sociedade.
Tese aprovada em ______, ________, de 2009
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________
Profª Drª Magali Gouveia Engel – UERJ
(Orientadora)
_________________________________________________________________
Profª. Drª Adriana Facina Gurgel do Amaral –UFF-Niterói
_________________________________________________________________
Prof.º Drº Théo Lobarinhas Piñeiro –UFF-Niterói
_________________________________________________________________
Profº Drº Ilmar Rohloff Mattos –PUC- RJ
_________________________________________________________________
Profº Drº Matthias Röhrig Assunção –University of Essex (England)
_________________________________________________________________
Sônia Cristina da Fonseca Machado Lino – Universidade Federal de Juiz de Fora
(Suplente)
_________________________________________________________________
Martha Campos Abreu-UFF-Niterói (Suplente)
Niterói-RJ
2009
Para os dois grandes amores da minha vida:
Lúcia e Lucía.
AGRADECIMENTOS
Nominar pessoas que contribuíram para o desenvolvimento de uma tese, dissertação, livro,
enfim, é sempre um risco, no caso de omissão, supressão ou puro esquecimento. Ainda assim,
não mencioná-las seria injusto, ante tanta colaboração nessa empreitada. Portanto, agradeço:
À Lúcia e à Lúcia. A primeira viu nascer e terminar esta etapa, sempre presente, a segunda,
viu terminar, mas não entende muito bem;
À minha família pelo apoio, incentivo, vibração e torcida. Olha eu aqui outra vez!!!;
Aos meus amigos Marcelo, Alan, Lila, Yuri e Milena. Companheiros de luta e labuta na
história e na lide do dia. Estamos todos nesse barco. Obrigado turma;
Aos meus alunos pela compreensão, incentivo, apoio e torcida. Espero que minhas ausências
em sala de aula sejam justificadas;
À Universidade Estadual do Maranhão pelo apoio, pela bolsa de doutorado ao longo desses
quatros anos e por apostar nessa qualificação, não só minha, mas, de outros colegas de
Departamento;
A Cláudio, Ana, Ramsés, Nácia, Roseide, Felipe, Luzente, Tadeu, Borba, Zanoni, Mirtes,
Frank, Dani. Obrigado por estarem sempre presentes;
Á Glória Corrêa, Glorinha. Tudo começou pela revisão do projeto no seu apartamento. Não
vou esquecer. Também a Marcos Fábio e Mônica Lima pelas sugestões;
Ao meu revisor de texto Abílio e a Bruno Azevêdo pelo Abstract;
Á Toni Terças, por sempre consertar meu computador. Ele só quebrava quando mais
precisava. Também pela impressora a laser. A qualidade das imagens ficou melhor;
Agora no Rio:
À Universidade Federal Fluminense, pela oportunidade do doutoramento, pelas disciplinas,
professores e por muito que esse doutorado representa;
Às minhas primas que, mais que abrigo, me deram aconchego de família. Eliane, Eline,
Marcinha. Sem vocês, tudo seria infinitamente mais difícil. Que bom se reencontrar depois de
tanto tempo. A criança cresceu. Também agradeço a Geraldo e aos filhotes. A companhia foi
muito prazerosa.
À Minha orientadora e amiga, Magali Gouveia Engel. Muito mais que uma relação de
orientando e orientador, uma amizade frondosa;
A Agenor Junior, especialmente a você, que foi sempre no ano de 2005, amigo e irmão
inseparável. Trilhamos caminhos juntos, firmamos amizade. Concluímos essa etapa e a
amizade fica.
A Márcio Both, assim como Júnior, grande amigo nessa empreitada. Atravessamos a baía de
Guanabara juntos. Sempre os três.
À Luiza, também colega do doutorado, onde estiver. Espero que também conclua a tese sobre
Pixinguinha e os oitos batutas;
A Ramon, Rômulo e a Cia. Mariocas. Recompor espaços de saudade do Maranhão no Rio foi
uma experiência confortante. Tocar tambor-de-crioula, bumba-meu-boi, cacuriá, viajar,
enfim, ser mais que acadêmico. Minha felicidade em 2005 em parte se liga a vocês. Valeu
gêmeos malucos;
Á Edna, pelas aulas de francês antes do exame de línguas, depois pela amizade, teatro,
cinema, companhia, chopps, pela guarida a César, por tudo. Nossos caminhos vão continuar
se cruzando.
A Raimundo, Haydée, Ramon. Extensão da amizade e carinho de Eliane. Obrigado por me
incorporarem.
À Academia Brasileira de Letras, nas pessoas de André, Luiz e demais funcionários. Que
belas manhãs e tardes vocês me proporcionaram. Boa parte da pesquisa foi feita nessa
fantástica biblioteca. As conversas, o apoio, a ajuda, os cafezinhos, foram crucias para essa
pesquisa. Devo muito a vocês.
À Biblioteca Nacional pelo acervo e pelo bom atendimento, sobretudo, pela figura da
Solange.
Aos funcionários da Pós-UFF, em especial a Estela. Foi muito bom o convívio e a ajuda;
Aos professores Théo, Adriana por contribuírem ao texto de qualificação e também por
participarem da banca, juntamente com Ilmar, Matthias, Sônia e Martha Abreu. Obrigado por
aceitarem o convite.
A Eduardo Gomes, Duda, agora aluno do mestrado da FIOCRUZ. Obrigado por me socorrer
com as capas, com o nada consta da biblioteca e por toda a parte burocrática de envio da tese.
Obrigado por ser meu amigo. Feliz vida no Rio.
A todos enfim, meu muito obrigado!
“A melhor coisa do Maranhão é o povo maranhense”.
Felipe Macedo de Holanda.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS p.12
Parte I
1. A “PENTARQUIA” MARANHENSE COMO IDEAÇÃO DA ATHENAS BRASILEIRA
p.22
1.1 Um tour pela epopéia ateniense em alguns autores maranhenses p.28
Parte II
2. UM BANQUETE PARA POUCOS: um perfil dos membros da elite ludovicense a partir da
análise de O Pantheon Maranhense, de Antonio Henriques Leal, Tomo I, partes I e II p.94
2.1. Um perfil biográfico da elite ludovicense: João Inácio da Cunha p.97
2.2. José Cândido de Morais e Silva: “o Farol” p.100
2.3. Antonio Pedro da Costa Ferreira, Barão de Pindaré p.108
2.4. Brigadeiro Feliciano Antônio Falcão p.116
2.5. O Senador Joaquim Mariano Franco de Sá p.119
2.6. O Senador Conselheiro Joaquim Vieira da Silva e Sousa p.126
2.7. O Senador Conselheiro João Pedro Dias Vieira p.124
2.8. O Dr. Joaquim Gomes de Sousa p.128
2.9. Antônio Joaquim Franco de p.131
2.10. O conselheiro João Duarte Lisboa Serra p.134
2.11. Trajano Galvão de Carvalho p.136
2.12. Belarmino de Matos p.151
2.13. O conselheiro Francisco José Furtado p.160
2.14.A biografia do biógrafo p.166
Parte III
3.1 QUANDO A PENTARQUIA VIRA TETRARQUIA: os quatros notáveis maranhenses e a
construção dos significados da cultura nacional p.170
3.1. Odorico Mendes: a didatização da política na imprensa e a guinada para a literatura p.170
3.2. Francisco Sotero dos Reis e a história da literatura portuguesa e brasileira p.186
3.3. A pedra angular da Athenas Brasileira: Gonçalves Dias p.205
3.4. O anjo do extermínio leva para o panteão etéreo os atenienses p.214
3.5 A monumentalização dos atenienses na tessitura urbana da cidade p.220
Parte IV
AS COLUNAS DE ARYRY DO PANTEÃO LUDOVICENSE: a crítica a ideia de Athenas
brasileira a partir de João Francisco Lisboa p.234
CONSIDERAÇÕES FINAIS p.294
BIBLIOGRAFIA p.296
ANEXOS p.314
Tipografias e jornais p.314
Instituto de Humanidades, de Pedro Nunes Leal p.315
Disposições gerais do Instituto de Humanidades p.317
Jornais Maranhenses Consultados p.319
Jornais Consultados – Rio de Janeiro – 1820-1870 (Biblioteca Nacional) p.325
LISTA DE TABELAS
TABELA 01
Exportação de algodão e arroz no Maranhão p. 62
TABELA 02
Movimentação portuária de barcos nacionais e estrangeiros pelo porto de São Luis p.64
TABELA 03
Navegação de cabotagem em águas maranhenses p. 64
TABELA 04
Estudantes Brasileiros matriculados na Universidade de Coimbra entre 1772 e 1872
p 273
LISTA DE FIGURAS e IMAGENS
Mapa da cidade de São Luís em 1844 p.60
Biblioteca Pública Benedito Leite, cidade de São Luís p.88
A morte de Gonçalves Dias, de Eduardo de p.216
Monumento a Gonçalves Dias em São Luís p.222
Detalhes da praça Gonçalves Dias e da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios p.223
Epígrafe a Gonçalves Dias p.226
Imagens de João Lisboa, Sotero dos Reis, Gomes de Sousa e Odorico Mendes p.226
Praça João Lisboa p.227
Escultura de João Lisboa p.228
Praça Sotero dos Reis p.229
Praça Manuel Odorico Mendes p.230
Praça Gomes de Sousa p.231
RESUMO
Após o rompimento político com a antiga metrópole em 1822, Portugal, no Brasil,
começavam a se desenhar projetos da nação pautados na coesão dos setores dominantes com
o fito da manutenção dos estatutos da escravidão, dos interesses das frações das classes
dirigentes, nos privilégios e na perpetuação da estrutura política que beneficiava determinados
grupos existentes antes do rompimento. No Maranhão, a ligação com a antiga metrópole foi
um empecilho, a principio, para a nova configuração política que se desenhava no Brasil,
acrescentada da desconfiança do centralismo burocrático, capitaneado pelo Rio de Janeiro,
fazendo com que a incorporação do Maranhão ao império só acontecesse em 28 de julho de
1823, sendo a penúltima província a “aderir” à independência brasileira, só superada pelo
Pará. Uma vez rompidos os laços com Portugal, era a hora dos setores dominantes no
Maranhão, famílias abastadas, organizarem o espaço de dominação sóciopolítico da província
negociando a participação e a forma de estruturação da nação emergente, ou seja, articularem
a inserção do Maranhão no império visando a permanência de seus privilégios. Em 1838
eclode a Balaiada, se estendendo até 1841, desorganizando a produção econômica pautada na
agroexportação, radicalizando as diferenças entre os grupos dirigentes da província divididos
entre cabanos e bem-te-vis, conservadores e liberais e, colocando em xeque a condição
“civilizatória” da província. Alicerçado no boom econômico em virtude da agroexportação, a
província passa a desfrutar de um refinamento material revestido em vários setores sociais,
como educação, imprensa, teatro, viagens e, como resposta ao caos impetrado pela Balaiada,
surge um projeto de formação de uma cultura oficial que desse visibilidade ao Maranhão
perante as demais províncias. Tal projeto, pautado na escravidão, visou a exclusão de vários
segmentos sociais, pois o referencial era o europeu, signatário da idéia clássica de civilização,
cujo referente era a Grécia, supostamente o berço da civilização ocidental. Assim, surgiu o
epíteto da Athenas Brasileira, o Maranhão, lugar onde havia florescido gênios como Manuel
Odorico Mendes, Francisco Sotero dos Reis, Joaquim Gomes de Sousa, João Francisco
Lisboa, Antonio Gonçalves Dias, entre outros, caracterizado como Grupo Maranhense,
existente entre 1832 e 1868, quando desapareceu o Semanário Maranhense. Gerações
posteriores a essa passaram a reproduzir esse semióforo ratificando a idéia de que o Maranhão
seria a Athenas Brasileira. Enfim, o Maranhão seria a Athenas Brasileira, pois seus filhos
ilustres na literatura, no jornalismo, na política e vários setores intelectuais, didatizavam a
construção da nação participando decisivamente da emulação da vida pública brasileira, entre
outras palavras, constituíam-se enquanto arquétipos dos signos da identidade nacional.
Palavras-chave:
Athenas Brasileira, identidade nacional, literatura, política, Grupo Maranhense.
ABSTRACT
After the political breaking with the old metropolis in 1822, Portugal, in Brazil, a
national project based on the cohesion of the dominant sectors aiming the maintanence of
slavery, the interests of fractions of the ruling classes, privileges and the perpetuation of the
political structure that benefited certain groups existing before the break started do be drawn.
In Maranhão, the link with the ancient metropolis was an obstacle, at principle, for the new
political configuration that been designed in Brazil, added the mistrust of bureaucratic
centralism, leaded by Rio de Janeiro, making Maranhão’s incorporation to the empire to only
happen on July 28 of 1823, being the penultimate province to "join" the Brazilian
independence, only surpassed by Pará.Once the links with Portugal were broken, was time for
the dominant sectors in Maranhão, wealthy families, to organize the sociopolitical domination
space of the province, negotiating the participation and how to structure the emerging nation,
in other words, articulate the integration of Maranhão on the empire in order the keep their
privileges. In 1838 breaks out the Balaiada, extending till 1841 and disrupting the economic
production based on agro exporting, emphasizing differences between opposite groups at the
province, divided between Cabanos and Bem-te-vis, conservatives and liberals, and putting in
check the province’s “civilizing” condition.Based on the economic boom due to agro
exporting, the province begins to enjoy a material refinement coated in various social sectors
as education, press, theater, travels etc and, in response to the chaos brought by the Balaiada,
comes a project to form an official culture that could bring Maranhão on the spotlights to the
other provinces. Such project, based on slavery, sought the exclusion of various social
segments, because the reference was European, signatory to the classic idea of civilization,
which was referring to Greece, supposedly the cradle of Western civilization. Thus arose the
epitome of Brazilian Athens, Maranhão, where geniuses like Manuel Odorico Mendes,
Francisco Sotero dos Reis, Joaquim Gomes de Sousa, Joao Francisco Lisboa, Antonio
Gonçalves Dias, among others had raised, been taken as the Maranhão Group, between 1832
and 1868, when the Semanário Maranhense ceased to exist. Future generations started to
reproduce this “semiofori” ratifying the idea that Maranhão would be Brazilian Athens.
Finally, Maranhão would be the Brazilian Athens because its illustrious sons in literature,
journalism, in politics and various intellectual sectors, made the built of the nation didactic,
taking active role on the emulation of the Brazilian public life, among other words, were the
archetypal signs of national identity.
Key words:
Brazilian Athens, national identity, literature, politics Maranhao’s Group
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A edição de nº 40, ano IV, da Revista História viva, de fevereiro de 2007 (revista de
história voltada para um público não acadêmico), traz na capa “o Touro Farnese”; detalhe de
uma cópia romana da escultura helênica ocupando quase toda a extensão da capa com
dimensões de 21.05 cm X 27,00 cm. A escultura em mármore branco é de um jovem guerreiro
segurando com a mão direita o chifre e com a esquerda a boca e a narina do animal. Ao lado
de outros títulos e de forma destacada há a seguinte apresentação desta edição: “Magna
Grécia: o esplendor da Itália helênica. A refinada tradição cultural que instruiu a civilização
romana e inspirou o Renascimento”.
Logo no editorial, com o título “Somos todos gregos”, assinado pelo Editor-Assistente
Frank de Oliveira, o tom e o teor da reportagem sinalizaria a posição da revista acerca das
influências e contribuições da cultura grega para a formação do mundo ocidental,
corroboradas por afirmações do tipo: “se o Ocidente nasceu e, em essência, permaneceu
grego, isso se deve em grande parte à profunda helenização de Roma, operação que teve por
teatro fundamental justamente a Magna Grécia” (p. 42).
As vinte e duas páginas dedicadas ao tema reforçam o lugar comum quando se trata da
importância da Grécia como civilização instituinte dos alicerces da cultura ocidental, lastreada
pela função emblemática de dois grandes movimentos sociais europeus: o Renascimento e o
Iluminismo, ambos legitimadores da suposta guinada e alavancada da civilização européia em
relação às que lhe eram paralelas, parafraseando Jean Delumeau (1994). E, contrariamente ao
que afirma a Revista, não foi a tradição cultural grega que inspirou o Renascimento e suas
derivações, e sim os renascentistas que buscaram nas culturas greco-romanas um contraponto
a hegemonia cultural teológica cristã católica medieval.
A matéria da revista está na contramão do livro bombástico do historiador Martin
Bernal: Black Athena: The Afroasiatic Roots of Classical Civilization, publicado em 1987. No
volume 01, que trata da expansão da cultura européia para outros continentes, a partir de
movimentos como as Revoluções Industrial e Francesa, período abordado por ele entre 1785-
1850, o autor questiona o que é clássico numa civilização. A bem da verdade, por que uma
civilização se torna clássica? Sem mencionar argumentos de autores como, por exemplo, Ítalo
Calvino na sua obra Por que ler um clássico (1993), Bernal direciona seu olhar sobre o caráter
racialista, de fundo ariano, acerca das circunstâncias que teriam levado a Grécia a ser
exemplo, modelo, referência, pilar da constituição do mundo ocidental
1
, e como o silêncio
acerca das culturas afro-asiáticas foi uma opção consciente e meticulosa enquanto estratégia
para a fomentação da superioridade racial sobre as demais civilizações.
As influências afro-asiáticas foram sistematicamente ignoradas, afirma Bernal. Este
tipo de atitude legou ao esquecimento as contribuições que tais culturas deram à formação
grega, dentre elas, a semítica e egípcia em amplo espectro, direcionando apenas a influência
dos povos do norte sobre esta civilização.
Sem adentrar nas filigranas da obra, citando questões que atestam as influências afro-
asiáticas sobre a formação grega a partir da lingüística e arqueologia, a obra de Martin Bernal
ao lado de autores que tratam da cultura ocidental como Jean Delumeau (1994), Jean-Pierre
Vernant (2002), Hannah Arendt (2002), Marcos Del Roio (1998), entre outros, cerra fileira no
cômputo geral da visão de civilização apontando o caráter preconceituoso e,
conseqüentemente, desenhando como, ao longo da construção da cognominada modernidade,
forjou-se a fusão greco-romana como esteio e arquétipo de um tipo de vivência e
sociabilidade padrão e hegemônico no mundo do ocidente.
Esta tese não tem a intenção de adentrar no debate de como e por que Grécia e Roma
se tornaram referências para a formação do mundo ocidental. Muito longe disso. A
ATHENAS EQUINOCIAL: a fundação de um Maranhão no Império brasileiro é fruto
de anos de pesquisa e indagação de como, no período imperial brasileiro, parcelas da
sociedade que habitavam a cidade de São Luís de então decidiram se autocognominar
herdeiros da civilização grega, ao tal ponto de assumirem que o Maranhão, então província,
era a Athenas Brasileira, ou seja, possuía os mesmos ou parecidos marcos conceituais para o
Brasil que a Grécia tinha para o Ocidente.
Tampouco esta tese tem a intenção de comparar a Grécia clássica com o Maranhão
imperial, apontando contradições e diferenças. Isso seria, na minha ótica, um equívoco, pois,
ao apontar as dessemelhanças entre estas duas culturas, tomaria a primeira como princípio
inquestionável e dogmático, sem lançar críticas de como, ao longo da formação do
cognominado mundo Ocidental, mais precisamente no momento de sua gestão, a modernidade
— período de aquiescência, construção e consolidação de uma Europa enquanto civilização
referente — foi moldada por movimentos como os equivocados conceitos de Renascimento e
Iluminismo. O “resgate” renascentista da cultura greco-romana foi um dos principais
1
Sobre a trajetória de como o mundo ocidental optou pelo “milagre grego”, ver: ARENDT (2002),
CARTLEDGE (2002), JAEGER (2001), PUGLIESI (2003), ROCHA (1982), SNEEL (2002), VERNANT
(2002). A partir destes e de outros autores, discuto a questão do legado grego sobre as noções de mito, história,
memória, formação do mundo ocidental, modernidade, BORRALHO (2005).
elementos de ilação entre o período helênistíco e o que seria no futuro cognominado enquanto
Europa. O Renascimento construiu uma idéia de ocidente e da Europa como catalisadora
deste princípio.
Os maranhenses e aqueles que participaram da ereção do epíteto da Athenas Brasileira
têm em comum com os forjadores da civilização ocidental o caráter racista e preconceituoso,
pois tal como na Grécia Clássica, escravista, em que culturas como as afro-asiáticas tiveram
papel predominante na sua formação e ainda assim foram sistematicamente negligenciadas,
no Maranhão, imerso na escravidão, a fundação de uma província com características
específicas, dotada de figuras “geniais”, privilegiou aspectos europeizantes em detrimento dos
africanos e indígenas. Esta escolha foi consciente.
Em uma ilha a 2º graus do Equador, em uma sociedade ensimesmada, entrópica,
envolta numa guerra civil de proporções como a Balaiada (1838-1841), ao longo do período
imperial, algumas lideranças intelectuais e políticas encontraram no referencial grego uma
“resposta” ao caos provocado por essa guerra
2
, ao mesmo tempo em que costuraram uma
articulação política entre o emergente estado imperial brasileiro e a recém-formada província
do Maranhão, outrora Estado de vastas dimensões territoriais.
A Athenas Brasileira, além do seu caráter racista e preconceituoso, é também uma
“resposta”, tal como foi o Renascimento para as sociedades que eram paralelas à Europa, ante
o “isolamento” geográfico, cultural, político do Maranhão, mas sobretudo dos habitantes da
ilha de São Luís. O Maranhão, tal como sua capital, é quase também uma ilha, exceto pela
ramificação da Serra do Gurupi.
O comportamento insular de alguns habitantes da São Luís oitocentista é coadunado,
por um lado, pela auto-referenciação de seus costumes, das práticas cotidianas de moradores
que, olhando por sobre a baía de São Marcos, enxergavam um horizonte distante da velha
Europa e de outros centros do Brasil como o Rio de Janeiro; por outro lado, pela busca
incessante de ligação desse mesmo horizonte com a Europa e com outros centros do Brasil.
Esse suposto “isolamento” da corte tornava o Maranhão mais próximo a Portugal que ao
restante do império. O “isolamento”, no entanto, é mais discursivo que objetivo, uma vez que,
se analisarmos a quantidade de navios que entravam e saíam do porto de São Luís, o número
de maranhenses que estudaram em Universidades européias e a própria dinâmica da economia
agroexportadora, veremos que de fato nunca foi empecilho nem geográfico, nem político,
muito menos cultural. Mas foi um recurso discursivo para alguns habitantes da capital, ora
2
A guerra dos bem-te-vis é uma expressão utilizada por Matthias Röhrig Assunção, um dos maiores estudiosos e
especialistas sobre a Balaiada em A guerra dos Bem-te-vis: A Balaiada na Memória Oral, 2008.
reivindicarem mais proximidade econômica e cultural com a antiga metrópole, criticando o
centralismo político e econômico da corte, ora para legitimar que nessa distante ilha forjou-se
uma experiência social tão esplendorosa quanto a Grécia clássica, por isso, constituía-se
enquanto arquétipo para o restante do império.
Isto implica dizer que esse distanciamento circundado pelas águas do Maranhão
possuía uma dupla face: era utilizado enquanto entropia para referendar o espaço vivencial
dos ludovicenses (moradores de São Luís) orgulhosos por seu passado lusófilo, sua posição
estratégica mais próxima de Lisboa que o restante do Brasil, seu passado colonial e, o quanto
tal entropia havia criado mecanismos civilizatórios que o restante da nação não havia sido
capaz de emular. As mesmas águas que afastavam São Luís do restante do mundo eram as
mesmas que serviam de ligação. A entropia de alguns moradores de São Luís havia
possibilitado a criação de uma sociedade com características insulares, ou seja, a linha do
horizonte era ao mesmo tempo defesa/proteção ao que acontecia em outros lugares
solidificando hábitos locais assim como alimentava a possibilidade de transpô-la. O único
problema é que poucos moradores poderiam descobrir, através das viagens, o que havia atrás
dessa linha. Os que a cruzavam e desembarcavam em outros portos, quando retornavam,
alimentavam o desiderato daqueles que nunca haviam rompido as dimensões insulares de São
Luís e da quase “ilha-Maranhão” (até meados do século XIX São Luís era conhecida como
“ilha do Maranhão”). Mas nem todos almejavam viajar para a Europa ou outros lugares. Por
isso mesmo a Athenas Brasileira era aspiração de poucos.
O distanciamento com o Rio de Janeiro e, conseqüentemente, a aproximação com
Portugal proveu uma relação de pertencimento estreito de alguns maranhenses com a
metrópole emoldurando um passado de fortes vínculos. Tal passado cambiou de grau de
intensidade, de inflexão e referenciação. Logo no pós-independência, foi uma arma contra os
novos rumos políticos por que passava a nação, momento de indefinição, cuja “segurança” do
antigo império servia como entificação de um padrão civilizario, portanto, político e social;
porém, à medida que o império brasileiro ia se consolidando, esse passado lusitano foi sendo
ressignificado, encapsulando a herança lingüística e cultural de Portugal como argumento
justificador de que, exatamente por possuir tal passado e herança portuguesa, o Maranhão
estava apto não só a participar do império brasileiro, leia-se formação da nação, como em
alguns aspectos a dar o tom dos elementos constitutivos balizadores de uma nação, como
política, literatura, jornalismo.
Nesse aspecto o Maranhão não destoa do restante do império no que tange à questão
da identidade. Segundo Gladys Ribeiro (2002, p. 21): “a identidade nacional foi sendo
elaborada durante os primeiros anos do império, quando se foi definindo “o que era ser
brasileiro” em oposição ao “ser português”, ainda que sejam necessários estudos amiúdes de
como tal processo se deu nas diversas províncias brasileiras.
No caso do Maranhão, esta tese tem com hipótese a indicação de que a Athenas foi a
forma como os maranhenses participaram do jogo da construção identitária nacional sem que
necessariamente a herança cultural de Portugal fosse relegada. Nesse âmbito, no difuso
processo de construção do que era ser brasileiro em terras maranhenses, o passado lusitano foi
rechaçado quando interessou a comerciantes, funcionários públicos e demais setores
eliminarem suas dívidas, ocuparem cargos e disputarem espaços de poder, para depois ser
recomposto enquanto simbolização dos ícones de uma grande nação, incluindo as
características que poderiam fazer do Brasil páreo ante as nações vizinhas do continente. Ou
seja, a educação coimbrã, os estudos causídicos da formação jurídica, a constituição
lingüística portuguesa, a religião católica, a economia mercantil, haviam constituído bases
para a estruturação de uma nação que por suas condições, já nascera gigante pela própria
natureza. Portanto, a recomposição não é resgate, é transfiguração, adaptação, remodelação,
reestruturação, ressignificação do que interessava, quando interessava e para quem
interessava.
Por se tratar de interesses, falo de pessoas por trás deles. A Athenas, como
mencionado no texto, não foi criação de única mente, não possuiu um único mentor, e sim
uma aspiração de frações de classes conforme mudava o jogo político no Brasil e no
Maranhão. Tais figuras ocuparam espaços de legitimação social, estâncias de poder e decisão,
quer na estrutura administrativa da província, quer na imprensa, na educação formal enquanto
educadores, quer na literatura.
Tais figuras fizeram da Athenas Brasileira um projeto de construção de uma cultura
oficial e, enquanto intelectuais, organizaram a forma como as estâncias sociais legitimadoras
interpretavam a sociedade, posicionavam os indivíduos, controlavam o aparato burocrático do
estado, didatizavam o passado, construíam o futuro, conduziam o presente. Não havia, no
entanto, hegemonia dentro dessas frações de classes, pois cada grupo possuía interesses
específicos dentro da construção do estado burocrático da província e como a província
poderia se articular dentro da formação burocrática imperial. Por isso o subtítulo desta tese se
remete “a uma fundação do Maranhão no império brasileiro”. Não é que o Maranhão passasse
a existir a partir do século XIX, mas como esse novo Maranhão dentro do império brasileiro
poderia ser interpretado e traduzido.
Esses intelectuais organizaram uma parte da cultura maranhense no sentido
gramsciano do termo, ou seja, quando esses atores sociais, ocupando “função essencial no
mundo da produção econômica, de forma orgânica, criaram consciência da própria função”
(GRAMSCI, 1985, p. 03). Funções exercidas na estrutura administrativa do aparato
burocrático como presidentes de província, secretários de estado da província, juízes, fiscais
de higiene pública, professores, no legislativo central, provincial e local, como senadores,
deputados e vereadores, enquanto liberais autônomos como advogados, tipógrafos, redatores,
jornalistas.
Importante frisar que esses atores sociais, exercendo ou não a função de intelectuais,
uma vez que, segundo Gramsci (1985, p. 07), “todos os homens são intelectuais, mas nem
todos desempenham na sociedade a função de intelectuais”, transitavam pelas mesmas
instâncias, formavam pequenos grupos, decidiam entre si e repartiam a condição de
intérpretes, condutores da sociedade maranhense. Dependendo das situações e conforme o
pêndulo da correlação de forças do jogo político na corte e na província, não havia repartição,
havia disputa, guerra, velada e aberta, justa e desleal, com requintes de “civilidade” e
“barbárie” ao mesmo tempo. Tudo em nome da melhor condução possível da província.
Em vários momentos ao longo dos capítulos aponto nomes, instituições, partidos,
situações e circunstâncias em que tais atores sociais se manifestam enquanto intérpretes,
administradores, chefes políticos, arautos do saber. A visibilidade desses atores estava
lastreada pela construção de biografias, ou seja, era necessário fazer conhecer como os
organizadores da cultura oficial maranhense deveriam ser emblematizados enquanto pessoas
insignes, já que carregavam a missão da construção da vida pública. Constituíam aquilo que
Regina Abreu (1996, p. 43) cognominou enquanto “homens-semióforos”, “estabelecendo uma
distância entre eles e os outros, rodeando-se de objetos-semióforos e deles fazendo alarde”.
Essa distância foi construída através da linguagem literária, jornalística e, sobretudo,
biográfica. “Os semióforos são, portanto, pontes entre o mundo visível e o mundo invisível,
são suportes materiais de idéias, desempenham a função de intermediários entre os
espectadores e o mundo invisível de que falam os mitos, os contos e as histórias”, segundo
Regina Abreu (1996, p. 43). A Athenas Brasileira era um mito
3
constituído a partir de
homens-semióforos, portanto, também mitos.
3
Em artigo intitulado “Tempo, história e contra-história” (BORRALHO, 2005, p. 109), discutindo o legado
grego acerca das noções de história, memória, mito, modernidde, e as conseqüências disto para a formação do
mundo ocidental, afirmo, por exemplo, que o mito não pode ser entendido somente como esfera mágica,
fantástica, fantasmagórica, pois é histórico, ordenado. A lenda etiológica (mito) era um estudo das origens das
coisas, embora não fosse um presente continuum, possuía um sentido pragmático desenvolvendo uma
Por fim, a estrutura do texto está dividida em quatro capítulos, que optei chamar de
partes. A primeira parte é um balanço sobre a Atenas Brasileira (grifada sem o H da mesma
forma que aparece nas obras) ao longo da historiografia maranhense. De forma retrospectiva,
a narrativa aborda as obras mais recentes sobre o tema até o século XIX, momento de ereção e
aquiescência do epíteto. O capítulo não faz distinção entre dissertações, livros, artigos em
revistas, mas a repercussão da questão ou reverberando a idéia de Athenas ou criticando-a ao
longo dos dois últimos séculos. Neste mesmo capítulo abordo alguns debates sobre questões
como nação, raça, religião, imprensa, e, sobretudo, literatura, destacando o papel do
romantismo como corrente literária com peso significativo na construção dos sentidos da
identicidade nacional.
Na segunda parte destaco exatamente o papel das biografias na construção de homens-
semióforos, com atenção específica para Antonio Henriques Leal. O referido biógrafo é autor
de Pantheon Maranhense: ensaios biográficos dos Maranhenses ilustres já falecidos,
publicados em dois tomos, quatro volumes, entre 1873-1875. Este capítulo é dedicado
exclusivamente ao tomo I, volumes I e II.
Antonio Henriques Leal, filiado ao partido liberal, constituiu-se enquanto intelectual
orgânico no sentido gramsciano no termo. Segundo Gramsci, (1985, p. 14), “para alguns
grupos sociais, o partido político não é senão o modo próprio de elaborar sua categoria de
intelectuais orgânicos”. Isso se aplica bem à figura de Henriques Leal e à forma como ele
narrou o Pantheon repleto de figuras correligionárias do seu partido. Ainda que tenha usado a
expressão Athenas Brasileira uma única vez ao longo desse tomo quando biografou a vida de
consciência histórica na esperança de que a lembrança os livrasse da mortalidade, do esquecimento e as glórias
dos antepassados dessem legitimidade aos seus descendentes. Heródoto, por exemplo, embora tivesse se
esforçado em distanciar-se das narrativas homéricas, abrindo caminho para uma história empírica ao não
acreditar na intervenção divina, não narrar um passado lendário, criticava os chefes políticos por agirem sob
motivações privadas assemelhando-se aos heróis de Homero, ainda assim, enquadrava-se dentro da tradição
dos contos e de uma estilística influenciada por este último, uma vez que a Ilíada corroborou para o despertar
do que era “ser helênico”, posto que o pan-helenismo não se baseava unicamente nas instituições políticas,
mas, sobretudo nas festas comuns, no culto ao oráculo de Delfos e na língua, segundo Snell (2002). Ou seja, o
despertar de uma consciência historicizante fincada na racionalidade filosófica, opôs mito e história
considerando o primeiro como fantasmagoria que deveria ser abandonada em detrimento de uma investigação
cientifica consubstanciada em uma epistemologia nascente. A compreensão de que o mito é “irreal”,
“fantasioso”, além de obnubilar uma compreensão sobre seu papel enquanto elo de sociabilidades, elemento
gregário, semióforo, cria ideologicamente um referente de que a história científica e somente ela pode
desvendar a câmara escura do passado humano. Para um grego pré-socrático, a oposição entre mito e história
não fazia qualquer sentido. O mito era a própria explicação de sua vida e ele foi porta de entrada do
conhecimento acerca do mundo. O ordenamento do passado humano em etapas organizadas, cronológicas,
evolutivas, ordenadas e progressistas tem sido uma característica das interpretações da história. A Athenas
Brasileira é neste aspecto um mito, pois, ainda que não atemporal, já que todos demarcavam o surgimento do
Grupo Maranhense (1832-1864) como marco fundante do epíteto, não se discutia o porquê do surgimento de
tantos gênios. Além disso, a Athenas Brasileira criou um sentido de organização social, uma explicação sobre o
passado do Maranhão, fundou uma etiologia, um ethos das coisas do Maranhão, estabeleceu o passado
enquanto patrimônio.
Odorico Mendes, ao perfilar a vida de ilustres maranhenses ressaltando suas atividades, quer
na administração pública da corte e da província, quer no jornalismo, exército, literatura,
educação, judiciário e demais áreas, simbolizou para os demais moradores da província, para
os adversários conservadores e para o resto da nação, como os liberais maranhenses estavam
dando suas parcelas de contribuição para a ereção da grande nação. Esta é uma das funções da
biografia: apresentar-se como “um documento histórico destinado a gerações futuras, um
depoimento verídico”, segundo Regina Abreu (1996, p. 71). Ao biografar determinadas
figuras e colocá-las no panteão da imortalidade, Antonio Henriques Leal construía um tipo de
memória sobre o passado desses maranhenses atrelados ao passado da nação brasileira.
A terceira parte ou capítulo está centrado na figura de três grandes pilares da Athenas
Brasileira: Odorico Mendes, Francisco Sotero dos Reis e Gonçalves Dias. A intenção foi
evidenciar que, mesmo alardeando ser o Maranhão um celeiro de grandes poetas, intelectuais,
oradores, jornalistas, matemáticos, físicos, via de regra, a sustentação do epíteto ateniense
estava baseado em cinco figuras constituidoras da “pentarquia maranhense de quatro
notáveis”, exatamente Manuel Odorico Mendes, Francisco Sotero dos Reis, Joaquim Gomes
de Sousa, João Francisco Lisboa e Gonçalves Dias. Chamo de “pentarquia de quatro
notáveis”, pois ao longo do século XIX a evocação da Athenas ressalta a figura destes cinco,
com menor ênfase para o matemático e físico Gomes de Sousa, além do fato de que em boa
parte o espaço das letras ocupou posição bem mais vantajosa que as ciências exatas, fazendo
de Gomes de Sousa muitas vezes uma voz isolada. Seu ponto de inflexão e intercessão não
eram as letras e a forma como estas didatizavam e traduziam os grandes debates nacionais,
por isso, sempre que se ressalta a sua figura, destaca-se a sua capacidade individual de ter sido
um grande estudioso dos números, ao contrário dos literatos, cujo ambiente cultural
proporcionaria condições para a emulação da sensibilidade artística e social.
Propositadamente não menciono a figura de João Lisboa no terceiro capítulo. Mesmo
sendo integrante da pentarquia de quatro notáveis, tomo Lisboa como iconoclasta da idéia da
Athenas Brasileira, mesmo que os demais jamais tenham se sentido atenienses ou tenham
reproduzido tal epíteto, porém, o silêncio ou omissão acerca dessa questão os colocou em
posição diametralmente oposto à de Lisboa, que sempre fez questão de se posicionar, criticar
a sociedade elitista de São Luís, os costumes, a moda, a fala, os hábitos, a religião, a
arquitetura, a pobreza e, sobretudo, a política provinciana — ainda que ele tenha pertencido a
uma elite política, intelectual, sectário das causas liberais exaltadas, atrelado a famílias
importantes e ricas, como a Franco de Sá, e apresente idiossincrasias na sua biografia política.
O quarto e último capítulo é exatamente sobre a posição de Lisboa, sua postura ante a
idéia, para ele bizarra da Athenas, o confronto do que poderia caracterizar uma suposta
condição grega no Maranhão em pleno século XIX com os dados oficiais sobre as condições
estruturais da província no que tange a educação, teatro, tipografias, letramento, economia. A
perspectiva é mostrar o quanto de alvissareiro foi se sentirem atenienses mesmo que as
condições objetivas da cidade de São Luis evidenciassem o contrário.
Cabe um esclarecimento sobre isso. Não foi minha intenção “provar”, evidenciar que
nunca existiu uma Athenas equinocial, afinal, em vários lugares outras sociedades
constituíram para si epítetos, imagens, símbolos, representações, inclusive utilizando a
acepção grega. Ao contrário, quero evidenciar por que parcelas da sociedade maranhense e
mais precisamente da cidade de São Luis erigiram para si este semióforo. Ao tentar explicar
porque querer ser Athenas, espero contribuir para uma hermenêutica da cultura maranhense,
rica em diversidade, polissêmica, afro-descendente, indígena, negra, branca, racista,
preconceituosa, excludente, includente ao mesmo tempo.
Existiu uma Athenas? Sim, para aqueles que assim a consideravam e se consideravam.
Desviando o foco sobre se existiu ou não uma Athenas em plenos trópicos no século XIX,
tento apontar na perspectiva de por que assim frações de classe do Maranhão, colocando-se na
condição de organizadores de toda a cultura maranhense, optaram conscientemente em
selecionar e erigir determinadas representações em detrimento de outros segmentos sociais
que, embora presentes do labor do dia-a-dia do sol tórrido do Maranhão, sempre foram
negligenciados.
Falar da Athenas Brasileira é falar de conflitos sociais, de disputas de memórias, de
opções políticas e sociais, de instrumentação econômica por parte dos detentores do poder
político, das desigualdades de uma nação que nascia pautada na exclusão, na exploração do
trabalho escravo, nas inúmeras diferenças que forçosamente criaram élan de pertencimento a
um grande projeto de nação controlado por elites econômica e política
4
. Ao editarem o epíteto
ateniense não vislumbraram o mosaico compósito da diversidade sócio-cultural do Maranhão,
4
Quando tomo a acepção de elite política ou classe política não é nos termos propostos por Mosca ou Pareto
que, segundo Gramsci, “não é mais do que a categoria intelectual do grupo social dominante: o conceito de
classe política de Mosca deve se avizinhar ao conceito de elite de Pareto, que é uma outra tentativa de
interpretar o fenômeno histórico dos intelectuais e sua função na vida estatal e social” (1985. p. 4). Tanto
Pareto quanto Mosca se apropriam de uma idéia de “solidariedade mecânica e ornica” das classes sociais
eliminando o conflito. Neste aspecto, a elite intelectual seria a representação organizada de uma elite política
ocupando uma função de organização do espaço social dessa mesma elite numa sociedade sem confronto. Ao
contrário, advogo que as elites intelectual e política do Maranhão, ao erigirem uma Athenas, optaram por uma
formação de uma sociedade branca, instruída e refinida sustentada pelo trabalho escravo, excludente,
preconceituosa e distante das diversidades sócio-culturais do Maranhão oitocentista.
encobriram segmentos sociais que ladeavam a reza do latim ao tambor-de-crioula, pratos
“refinados” da Europa ao lado de vendeiros, quituteiras, pregoeiros que não escondiam um
outro Maranhão. Estavam porque sempre estiveram ali.
Cabe ainda alguns esclarecimentos de ordem instrumental do texto. Não há uma
definição prévia da cronologia da temática, embora o recorte, grosso modo, remeta-se
somente ao século XIX. A periodicidade aumenta, recua ou avança à medida que os
conteúdos dos documentos se projetam para trás ou para frente conforme o jogo retórico dos
que queiram afirmar ou detratar a Athenas. Por isso, mesmo dividido em quatro capítulos,
estes não possuem uma ordenação cronológica, encadeada, como se o próximo fosse
necessariamente uma continuação do último capítulo. Todos eles se remetem quase sempre ao
mesmo período, algumas vezes recorrendo à mesma cena, circunstância, situação.
Esta é uma opção narrativa consciente, articulada e programada, tanto pela
necessidade de explicação das mesmas circunstâncias por outras vozes, outros ângulos, outros
atores sociais, como por ser uma tese de análise do discurso literário ou apropriação dele. Por
isso, algumas vezes, uma mesma cena, situação, circunstância aparece de forma repetida nos
quatro capítulos. A repetição é proposital, como se a narrativa levasse o leitor a visualizar em
diferentes momentos uma mesma situação explorada de outra forma, já atribuída de um outro
significado.
Também informo porque às vezes Athenas é grafada com H, às vezes, sem a letra H.
Todas às vezes que grifei com H disse respeito à forma como encontrei em documentos até
meados do século XIX, sem o H, a apropriação do epíteto já acrescido da expressão
“brasileira” depois de meados daquele século.
Os riscos disso também são conscientes. Ao abusar da repetição, acabo por impor uma
visão, abuso da linguagem “explicativa” sobre algum fato, como se a narrativa tivesse em si
mesma uma capacidade auto-regulada, autodefinida, autônoma. Posso, inclusive, incorrer no
mesmo erro de parcelas da historiografia que analisei ao longo texto em que, exatamente pela
repetição de informação e argumentos, construíram uma interpretação sobre o passado,
legitimado, balizado pelo discurso competente, autorizado pelo lugar de onde estes sujeitos
falavam. A minha opção por este tipo de narrativa é, antes de qualquer coisa, uma opção por
este tipo de linguagem.
O jogo das significações está posto.
Parte I
A “PENTARQUIA” MARANHENSE COMO IDEAÇÃO DA ATHENAS
5
BRASILEIRA
A ILUSÓRIA ATENAS
Ah, Essa ilha não se cerca apenas
De praias e marés, também de sonhos
Que em toda parte contam-se às centenas,
Voando como pássaros bisonhos
Nos céus tranqüilos das manhãs serenas,
Às vezes transformando-se em medonhos
Pesadelos que encarnam nossas penas,
Dentro dos pensamentos mais tristonhos,
E as esperanças todas são pequenas
Para manter os corações inconhos,
Pois nos resta assistir às tristes cenas
Dos vôos que no passado eram risonhos,
E agora a Ilha é uma ilusória Atenas
A naufragar-se nos seus próprios sonhos.
(José Chagas, Os azulejos do tempo, p.132)
Viriato Corrêa, Humberto de Campos, Benedito Leite, Graça Aranha, Arthur Azevedo,
Aluízio Azevedo, Raimundo Corrêa, Coelho Neto, Celso Magalhães, Sousândrade, Antônio
Henriques Leal, César Augusto Marques, Lisboa Serra, Pedro Nunes Leal, Belarmino de
Matos, Gentil Homem d’Almeida Braga, Antônio Joaquim Franco de Sá, Francisco Dias
Carneiro, Joaquim Serra, Trajano Galvão, Cândido Mendes, Gomes de Sousa, João Francisco
Lisboa, Gonçalves Dias, Odorico Mendes, Sotero dos Reis. O que liga todos esses nomes? O
que fizeram para merecerem citação nesta tese de doutoramento? Quem eram? Houve
obliteração ou supressão de algum nome?
Essas perguntas, a princípio, podem parecer pueris, sem maior profundidade, se o
questionamento invariavelmente não se remeter a uma noção de região
6
: a mesma a que todos
5
Repeti a grafia Athenas e não Atenas obedecendo à forma como aparecia nos documentos coletados no século
XIX, como jornais, por exemplo.
6
Utilizo aqui a acepção proposta por Ilmar Mattos (1999, pp 23-24) quando afirma que a região – a partir dos
referenciais primários espaço e tempo, entendidos em sua dimensão social – só ganha significação quando
percebida à luz de um sistema de relações sociais que articula tanto os elementos que lhe são internos quanto
aqueles externos. A região, assim, é como uma construção que se efetua a partir da vida social dos homens, dos
processos adaptativos e associativos que vivem, além das formas de consciência social que lhes correspondem.
Para Bourdieu, o que está em jogo é o poder de impor uma visão do mundo social através dos princípios de
divisão que, quando se impõem ao conjunto do grupo, realiza o sentido e o consenso da realidade e da
identidade do grupo (1998, p. 113).
A literatura também tem esse poder de construção de idéia de região quando o discurso histórico se apropria de
imagens literárias ou de reprodução de imagens produzidas pela crítica literária. A historiografia, por sua vez,
também considera o que se passa em alguns lugares como “aspectos regionais”, ao passo que o decorre na
história de grandes centros têm-se como história nacional do Brasil.
esses “nomes-símbolos”
7
pertenceram. O questionamento pode cambiar de grau de
intensidade, se o registro da fala não se detiver simplesmente aos lugares de nascimento, ou
arrolar espasmos episódicos “interessantes” desses nomes, e ainda problematizar o quanto tal
lista pode aumentar se levarmos em consideração os critérios de ingresso em uma antologia, de
qualquer natureza. Há nisso processos pessoais de quem elabora uma antologia ou uma lista de
nomes, evocação de um tipo de memória, legitimidade do habitus
8
e “regras internas” da
hierarquia estabelecida em qualquer cânone.
Todos os nomes acima citados faziam, entre outras coisas, literatura. Literatura não
somente no sentido dos “poemas e romances para serem publicados e lidos silenciosamente,
mas também peças oratórias, discursos e sermões, assim como poemas para serem lidos em
igrejas, salões e teatros”, como sugere Roncari (2002, p. 294), da forma como era concebida
no século XIX, quando os elementos da literariedade não se separavam de debates políticos,
construção da nação, raça, meio, religião, afinal, tais debates se transvertiam em literatura. A
imbricação entre literatura e política existente no Brasil desse referido século, ora se
transmutava sob forma estética e efervescência política, ora ditava o tom dos debates acerca do
futuro daquela nação.
A evocação desses nomes não é mera citação, literatura não é apenas literatura —
entendida enquanto discurso de conteúdo próprio (tal como o jurídico, o médico, o religioso)
—, pois possui repertórios universais (CARDOSO, 1997, p. 23). “A literatura não é o espelho
do mundo social, mas parte constitutiva desse mundo. Ela expressa visões de mundo que são
coletivas de determinados grupos sociais”, segundo Adriana Facina (2004, p. 25).
Por detrás de debates estéticos, não estão elementos meramente estéticos e, por região,
não se compreende apenas a noção de espaço geográfico. Ao ter iniciado este capítulo
arrolando aqueles “nomes-símbolos”, estou evocando uma noção de memória, de identidade
regional e de projeto que tem se operado desde o século XIX no lugar de nascimento e
inserção social ao qual todos aqueles nomes-símbolos pertenceram.
A memória é fragmentada. O sentido de identidade depende em grande parte
da organização desses pedaços, fragmentos de fatos e episódios separados. O
passado, assim, é descontínuo. A consistência e o significado desse passado e
da memória articulam-se à elaboração de projetos que dão sentidos e
7
Enquanto sujeitos sociais emblematizados portadores de uma legitimidade cultural, artística, intelectual que
deveriam ser cultuados, respeitados e imitados.
8
São as regras do jogo introjetadas. O agente sabe como agir inconscientemente. Não se trata de uma estratégia
racional. São os costumes em comum. São sistemas das disposições socialmente constituídas que, enquanto
estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificiador do conjunto das práticas e
das ideologias características de um grupo de agentes, segundo BOURDIEU (1998, p. 191).
estabelecem continuidade entre esses diferentes momentos e situações
(VELHO, 1988, p. 124).
Memória e identidade neste âmbito se conjugam em projeto recorrentemente utilizado
desde o século XIX para “visibilidade e dizibilidade”
9
de uma região “agraciada” por ter tido
ao longo de sua história filhos tão ilustres. Tão ilustres e tão importantes que a simples
evocação desta temática, qual seja: discutir o porquê de tantos nomes na história da literatura e
do pensamento intelectual desta região no transcurso das historiografias literária e histórica,
por si só, merecem uma análise à parte.
Essa temática que virou problemática, uma vez que se tornou objeto de investigação
científica, um questionamento a ser esclarecido, não consiste apenas na simples existência de
tantos nomes na literatura brasileira, na história intelectual e política do Brasil. Por isso
entendo a evocação dos “nomes-símbolos” ao longo da história da “região agraciada”
enquanto “projeto”, utilizando Alfred Schult (1979) citado por Gilberto Velho, como conduta
organizada para atingir finalidades específicas (VELHO, 1998, p. 122). Qual a finalidade
específica? Colocar a lume a importância da região à qual pertencem aqueles nomes e os tantos
outros que não foram citados como lugar de prodigalidade, inventividade, importância no
cenário cultural brasileiro. Como se constrói uma finalidade específica dentro de um projeto
intelectual? Quando se conscientiza a valorização de uma individualidade (VELHO, 1998, p.
123). Eu acrescento: não apenas de uma individualidade, mas da junção de várias outras.
Se a memória permite uma visão retrospectiva mais ou menos organizada de uma
trajetória e biografia, “o projeto é a antecipação no futuro dessas trajetórias e biografias, à
medida que busca, através do estabelecimento de objetivos e fins, a organização dos meios
pelos quais estes poderão ser atingidos” (VELHO, 1988, p. 123).
Quem iniciou o projeto intelectual desta região ainda não mencionada? Esta tese tem a
intenção de evidenciar que seus responsáveis o iniciaram na aquiescência da consecução da
nação brasileira no século XIX, momento este posterior ao rompimento político com Portugal,
de reconstrução da província pós-Balaiada (1838-1841), consubstanciado pela idéia romântica
de genialidade, diferenciação, valorização da singularidade, projeto alicerçado na exploração
do trabalho escravo.
Quando intelectuais, políticos, tipógrafos, biógrafos e literatos, evocando a noção de
pertencimento a um lugar social específico, histórico e cultural, embora de forma difusa,
disléxica e idiossincrática, disputam espaço político-intelectual na composição da nação
9
Expressões utilizadas por ALBUQUERQUE JUNIOR (1999) para conotar a aparência, a expressão de uma
região que estava em processo de consolidação acerca de sua imagem, no caso, o Nordeste.
emergente — uma vez que antes do rompimento político com Portugal em 1822, a elite
política e intelectual desta região proclamava possuir mais relação comercial e cultural com a
metrópole que com a colônia brasileira —, seus autores, a partir do exponencial de
determinadas figuras que se transformam em “ilustres”, construíram um projeto político-
intelectual que as historiografias literária e histórica consolidaram, repetiram e reverberaram
Ad Nausea.
A que região, enfim, estou me referindo? Àquela cuja capital foi legitimada
historiograficamente em 1612, quando de sua suposta fundação, como a única de origem
francesa, fundada por Daniel de La Touche (Senhor de La Ravardiere), François Rasilly, Yves
d’Evreux; àquela que se tornou parte da sede administrativa do Brasil, segundo Carta Régia de
junho de 1621 (estabelecendo como vasto território do Ceará até as margens do Oiapoque,
extinto em 1652 e restaurado em 1654, sem o atual estado do Ceará, quando em 1774
reapareceu com outro nome); lugar onde morou o Padre Antonio Vieira (a sua chegada data de
1653), cujos sermões seriam no futuro pinçados na recomposição da história literária no Brasil
e do Brasil; região onde eclodiu a Revolta de Beckman — utilizada pelo IHGB em sua
empreitada de confecção da história do Brasil como um dos pilares do movimento nativista
brasileiro
10
— ; lugar em que Simão Estácio da Silveira
11
, em seu célebre Relacão Sumária
das Coisas do..., disse: “eu me resolvo que esta é a melhor terra do mundo, donde os naturais
são muito fortes e vivem muitos anos, e consta-nos que, do que correram os portugueses, o
melhor é o Brasil, e o ... é o Brasil melhor e mais perto de Portugal (2001, p. 63)”; região
evocada no século XIX como lugar onde se falava o melhor e mais casto português; penúltima
fronteira a aderir a independência do Brasil
12
; província a ter o segundo teatro brasileiro mais
antigo e a quarta em aparecimento da imprensa; lugar de eclosão da Balaiada; região
exportadora de algodão, açúcar e arroz.
Entre tantos motivos ou leitmotivs, para assegurar a idéia de diferenciação social, foi o
lugar de nascimento, adoção, espaço de congregação dos literatos arrolados no início deste
capítulo, que viu nascer, no século XIX, o epíteto, o projeto “Athenas Brasileira”. Este lugar é
o Maranhão, mas poder-se-ia chamá-lo impunemente de São Luís mesmo, já que ao longo da
sua história, Maranhão se restringiu à sua capital, o que cognominei de sinédoque cultural
10
Sobre esta questão ver NOVINSKI (2006). Segundo esta autora, “Manuel Beckman, conhecido como o
“Bequimão”, fez nas palavras de Varnhagen, a mais séria revolução operada nestes domínios e ainda não
recebeu na sua pátria a glória póstuma que merece (2006, p. 16).
11
Segundo MORAES (1977, pp. 24-27) & SILVEIRA (1979) Apud FARIA (2001, p. 65): “foi um dos primeiros
colonizadores portugueses aonde chegou em 1619, trazendo quase 300 pessoas. Integrou a primeira Câmara
Municipal de São Luís recebendo a incumbência de promover a atração de novos colonos. Para isso, publicou
em 1624 a Relação Sumária das cousas do Maranhão, na qual propagava que o Maranhão é o Brasil Melhor”.
12
A última foi o Pará, em 11 de agosto de 1823, segundo COELHO (1993).
(BORRALHO, 2000): tomar a parte [São Luís] pelo todo [Maranhão]. Este aspecto se
relaciona à forma como as administrações governamentais do Maranhão, tanto no período
imperial, como republicano, sempre previlegiaram e concentraram recursos para o
embelezamento e melhoria dos equipamentos urbanos da cidade de São Luís em detrimento da
província e, depois, estado do Maranhão. Além do que, é recorrente em documentos reportar o
Maranhão restringindo-se a sua capital, como pode ser visto nesta passagem da obra de
Francisco Solano Constancio (1839, p. 22): “as cidades e villas d’esta província são:
Alcântara, Caxias, Turi, Vinhaes, Passo do Lumiar, e Maranhão, que he a cidade capital da
província, e sede episcopal”.
A consciência e valorização de uma individualidade singular são o que possibilitam a
formulação e condução de projetos. No caso maranhense, a Athenas Brasileira abrangeu uma
lista de tipógrafos, presidentes de província, jornalistas, poetas, cronistas e romancistas ao
longo dos séculos XIX e XX, portanto “nomes-símbolos”, homens-semióforos, uma vez que
foram monumentalizados por vários segmentos sociais todas as vezes que se precisou
referenciar a importância histórica deste lugar.
Há distúrbios neste percurso. Embora seja absolutamente factível, do ponto de vista da
crítica literária, a análise estética da produção de autores maranhenses no século XIX e
também no XX não me parece ser o melhor percurso para se pensar a Athenas Brasileira. É
factível, já que, consideravelmente ao longo do século XIX, receberam louros pela
contribuição que deram às produções intelectuais brasileiras; entretanto, para se entrar na
galeria do panteão maranhense, os critérios não eram muito claros. Em primeiro lugar, havia
autores que apareciam e desapareciam na mesma velocidade dos ventos da baía de São Marcos
(baía de acesso à ilha de São Luís). Em segundo, pela desmedida atribuição em se configurar
qualquer escritor enquanto poeta, fazendo com que muitos entrassem no rol do galardão
literário. Há ainda questões relacionadas com a falta de objetividade nas traduções literárias,
muitas criticadas, dentre elas traduções como as do celebradíssimo Manoel Odorico Mendes
(veremos no terceiro capitulo) acerca de Eneida e Odisséia para o português. Críticas também
se estendem quando presidentes de província entraram no hall da fama maranhense, como
Joaquim Franco de Sá e Eduardo Olympio Machado
13
, estreitando laços entre política e
literatura, conforme também cito no segundo capítulo.
13
Acerca de Joaquim Franco de Sá me reportarei a ele no segundo capítulo. Já Eduardo Olympio Machado foi
presidente entre 05 de junho de 1851 e 27 de setembro de 1852. Foi considerado um dos melhores
administradores da província.
Por se tratar de projeto, tomando a inferência de Evaldo Cabral de Mello (1997) sobre
o pantheon restaurador da “tetrarquia pernambucana”: o reinol Vieira, o mazombo Vidal, o
índio Camarão e o negro Henrique Dias, forçosamente utilizo a de “pentarquia maranhense”,
só que não imaginária como a pernambucana (vez que nunca foram coetâneos), mas a que
ligaria às figuras de Gonçalves Dias, João Lisboa, Sotero dos Reis, Odorico Mendes e Gomes
de Sousa, cognominado de Grupo Maranhense (1832-1866), segundo a periodização
estabelecida em historiadores da literatura maranhense
14
, início do projeto Athenas Brasileira.
A lista é bem maior e não se restringe somente a estes cinco nomes. Tomei como base
a repercussão e a importância atribuída a eles ao longo do século XIX, em jornais maranhenses
e fluminenses, livros de poesias, histórias da literatura brasileira, biografias, antologias, artigos
do IHGB, manuscritos, correspondências e documentos ao tempo do império brasileiro
15
.
Falar da Athenas Brasileira é evocar as memórias das disputas que para este epíteto
convergiram e convergem. É falar de algo muito caro à identidade maranhense. Tão caro que
mereceu desde o século XIX a atenção de autores que se debruçaram sobre essa temática, quer
na literatura, quer na história do Maranhão.
Esta é uma das questões cruciais: analisar a operação historiográfica que transmutou a
Athenas Brasileira em algo cristalizado na memória social dos maranhenses, mais
precisamente dos ludovicenses
16
. Com exceção das obras que se ocuparam da descompactação
da história enquanto evento, cotidiano, distintamente da história enquanto linguagem,
conhecimento, técnica, refazendo os percursos das invenções acerca da Athenas Brasileira, as
demais obras, por seu turno, tomaram tal intento como algo dado, não como construção
intelectual, mas natural, irretorquível, inabalável e dogmático.
Silenciar acerca da invenção do mito da Athenas Brasileira para estas obras
17
era e
ainda é obnubilar, não permitir o desnudamento, enfim, não tocar nos projetos de memória
social dos grupos que dela fizeram parte, não revelar as tramas de confecção desse mito.
14
LOBO (1909), REIS CARVALHO (1912), MEIRELLES (1955), MORAES (1977).
15
Refiro-me às correspondências entre Gonçalves Dias e o Imperador D. Pedro II existentes na Academia
Brasileira de Letras, Documentos do Império no Arquivo Nacional, Reuniões do IHGB.
16
São Luizense ou ludovicense é adjetivo gentílico relativo a quem nasce ou está radicado em São Luís. Vem do
latim Ludovico, relativo ao nome próprio Luis. Advertência: o uso do termo ludovicense, para designar os
moradores de São Luis no século XIX, é completa e conscientemente anacrônico. Não há qualquer referência
em documentos levantados por esta pesquisa utilizando tal termo. Tal uso se deve como uma estratégia
discursiva para segmentar como se sentiam os moradores desta cidade em relação ao restante da província.
17
A Athenas Brasileria é uma das temáticas mais estudadas na historiografia maranhense. Desde o primeiro
trabalho de Antonio Henriques Leal (1873-1875), passando por Frederico Corrêa em resposta a Henriques Leal
(1878), ao grupo cognominado de Neo-Atenienses em fins do XIX, Antonio Lobo (1909), Reis Carvalho
(1912), nunca se deixou de fato de mencionar a questão da Athenas, quer na história, quer na literatura. Nos
últimos anos têm surgido trabalhos revisionistas em dissertações de mestrado, como: BARROS (2007),
MARTINS (2002), BORRALHO (2000); em obras como as de LACROIX (2002), CORREA (2001) e (1993),
Ao recorrer ao conceito de historiografia, mais precisamente a que se praticou em
literatura e história, enquanto “operação conceitual”, utilizo tal conceito nos tramites propostos
por Michel de Certeau (2002, p. 73) quando atesta que, “assim como o veículo saído de uma
fábrica, o estudo histórico está muito mais ligado ao complexo de uma fabricação específica
coletiva do que ao estatuto de efeito de uma filosofia pessoal ou à ressurgência de uma
realidade passada”. Para Certeau, toda operação historiográfica é produto de um lugar.
Como produto de um lugar, foi costumaz levantar a bandeira de que desconstruir a
Athenas Brasileira era tocar no caráter da qualidade estética dos literatos maranhenses. Dessa
forma criou-se um invólucro inviolável, abjurando-se o esquema estético e recepção, isolando
os entremeios da criação artística, a hermenêutica, os elementos sígnicos, a semioforização
18
, a
relação entre autor-obra e público, tornando a literatura e as artes, de modo geral, autônomas e
auto-suficientes, sem que fosse possível uma análise social, não só sobre as condições de
criação dos autores, mas, sobretudo, de reprodução dos conteúdos das obras.
A proposta não é a redução da literatura a um hermetismo vulgar do tipo: “dai-me o
meio e a raça e eu vos darei a obra”, como bem frisou Cândido (2000, p. 17), entretanto, será
que se pode ler qualquer coisa sem se perguntar o que significa ler, sem se perguntar quais são
as condições sociais de possibilidade da leitura? (BOURDIEU, 2004, p. 135).
Parcelas das historiografias literária e histórica do Maranhão, ao negligenciarem
questões como estas, esquecera-se de pensar a literatura como campo e que os campos são
espaços de relações hierarquizados, se interpenetram, como: política, cultura e artes.
Esqueceram-se, inclusive, que as condições sociais de leitura sobre a Athenas Brasileira foram
e estão municiadas, autorizadas e balizadas por tais historiografias. Este capítulo tem a
intenção de discutir como alguns autores maranhenses abordaram a questão da Athenas
Brasileira”.
1.1 . Um tour pela epopéia ateniense em alguns autores maranhenses
Nos últimos anos, a questão da Athenas Brasileira, enquanto perspectiva crítica e
problematizadora, tem ganhado relevo em trabalhos revisionistas, levantando algumas velhas
e outras novas visões. Dentre os novos trabalhos, aponto o de Antonio Evaldo Almeida
MÈRIAN (1988); monografias de conclusão de curso de pós-graduação e graduação, quer na UEMA, quer na
UFMA, como os de ARAGÃO (2007), RESENDE (2007), CASTRO (2007), AZEVEDO (2006), BARROS
(2005).
18
Vem de semeion, signo, conforme CHAUI (2000). Aquilo que dimensiona e circunscreve os elementos de uma
determinada cultura, seus pontos de convergência e de identificação a partir de suas práticas sociais e
influências históricas e de tradição. Aquilo que designa semióforos, patrimônios de identidade, cf: POMIAN,
K. (1984). Para Pomian, um semióforo é um patrimônio. Assim sendo, a Athenas é um semióforo, portanto, um
patrimônio dos maranhenses.
Barros, O Pantheon encantado: Culturas e Heranças Étnicas na Formação de Identidade
Maranhense (1937-65), defendida como dissertação de mestrado junto ao Programa
Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, Centro de Estudos Afro-
Orientais (CEAO), da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da
Bahia (FFCH-UFBA), em 2007.
A sua problemática central é perceber como no período assinalado no título, o
Maranhão passou a ser representado enquanto mescla de padrões eruditos e populares entre
brancos, mestiços e negros, construindo-se uma identidade regional via manifestações
culturais, o que cognomina de “identidade modelada”.
Esse processo de “adaptação” (a modelagem da identidade em meados do século XX),
está, segundo o autor, alicerçado em três movimentos “complementares e “interdependentes”:
as manifestações culturais e de religiosidade popular, mestiça e negra, como o bumba-meu-
boi, tambor-de-mina e pajelança, por exemplo, apropriados por segmentos como a imprensa,
ressignificado pelo clero e por parcelas da intelectualidade maranhense; pelo interesse
crescente do Estado Novo, a partir dos intelectuais, em integrar, de forma simbólica, o negro
maranhense à história da região; e pela resistência de segmentos populares aos preconceitos e
perseguições a que estão sujeitos, quer pelo estado, imprensa, clero, intelectualidade.
Nesse âmbito é que a Athenas Brasileira é reapropriada, de forma singular e até então
inusitada. Segundo Barros (2007, p. 17):
Tenta-se construir a idéia de que a Atenas Brasileira só teria sido possível
por causa da mistura racial; que o fundamental do maranhense havia sido
infilltrado pela seiva imaginativa do africano; e que deste viera o elemento
essencial da identidade regional: o amor e apego à terra.
Uma das questões que considero pertinente na dissertação de Evaldo Barros, ainda que
não tenha sido o primeiro a abordar sob esta ótica, é a recorrência do caráter racialista
fomentador da Athenas Brasileira. Ele afirma que a representãção “maranhense-ateniense” só
foi possível no contexto da ideologia do embranquecimento, teorias raciais, importadas da
Europa e aplicadas no Brasil. Segundo ele:
A literatura que trata do “mito da Atenas Brasileira” tem se referido à sua
origem, suas características e desenvolvimento até a Primeira República
(1889-1930), e não o tem relacionado, diretamente, ao problema da cor no
Brasil, elemento central nas relações sociais do país.
Há nessa afirmação duas questões que precisam ser problematizadas: a de que a
literatura existente reforça o período de ereção da Athenas como sendo o do final do século
XIX e início do XX; e a ausência de correlação com o problema de cor no Brasil. Como se
verá nas páginas que se seguirão, Rossini Corrêa (1993) contrapõe estas duas assertivas não
considerando o final do século XIX como início da Athenas e afirmando peremptoriamente
que a Athenas só foi possível a partir da circunstanciação social escravista e escravocrata qual
a elite maranhense era signatária.
A dissertação de Evaldo Barros consubstanciada numa excelente pesquisa documental,
além de demonstrar como a cultura maranhense foi apropriada por estâncias como o Estado
em seu projeto de construção da identidade maranhense, ressignificando antigos elementos
sociais outrora marginalizados, reforça a hipótese de que a Athenas, enquanto elemento
dístico da singularidade maranhense, tem sido reapropriada desde sua ereção para aplacar uma
marca regional, um ethos deste lugar, ainda que de forma antagônica; no século XIX, para
legitimar a sociedade escravista, no XX, para incorporar os segmentos que outrora não eram
percebidos enquanto sujeitos sociais. Assim sendo, ”o Maranhão é reatualizado como Atenas
Brasileira e São Luís como única capital brasileira fundada por franceses” (BARROS, 2007,
p. 17). Este é um elemento que considero importante e novo, já que ao longo do século XIX a
Athenas Brasileira estava restrita à imagem de São Luís e não da província e depois Estado do
Maranhão. A transmutação e ampliação da Athenas para os outros maranhenses faz parte de
um longo movimento de invenção da “maranhensidade”
19
.
Outra obra que julgo importante é: A Fundação Francesa de São Luís e seus mitos
(2002), de Maria de Lourdes Lauande Lacroix. Em sua obra, a autora demonstra como, ao
longo da história do Maranhão, não há referências em documentos acerca da fundação da
cidade de São Luís pelos franceses e que somente em fins do século XIX, século do galicismo,
apareceu menção quanto à fundação não lusitana, ‘na região mais lusitana do Brasil’, da
cidade que recebeu o nome do rei de França, em 1612. O livro percorre as sendas de como a
memória histórica da cidade deixou de considerar os franceses como invasores e passou a
considerá-los como “fundadores”. O mito da fundação francesa aparece no momento de
“decadência” econômica e narcisismo social, momento em que “a história imperial e parte da
republicana absorveram modelos franceses, e o ambiente cultural levou historiadores,
19
Este termo ganhou ressonância durante a campanha de 2006, do então candidato ao governo do Estado,
Jackson Kepler Lago (PDT), expressando as formas de sociabilidade cultural maranhense. Além de uma
estratégia política, uma vez que sua adversária pleiteando novamente chegar ao governo do Estado, Roseana
Sarney (à época PFL), quando governadora (1995-2001), tinha como alicerce de sua administração o apoio a
artistas maranhenes, grupos de bumba-meu-boi, estratégias de revitalização de cultura popular, entre outras
coisas, é também um esforço retórico de criação de um sentido de reconhecimento social por parte dos
maranhenses, consubstanciados, é claro, por políticas públicas, como as ações da Secretaria de Cultura, tais
como: “Carnaval da Maranhensidade”, “São João da Maranhensidade”, ações empretadas pelo órgão
comandado pelo atual Secretário João Ribeiro. Estas ações são uma resposta a Roseana Sarney que criou o
chamado “São João fora de época”, realizado durante o mês de julho, apoiado pela Empresa Vale do Rio
Doce, no Memorial da República Nova, Convento das Mercês, no centro histórico de São Luís, de propriedade
de sua família. O evento se chama “Vale Festejar”. A “maranhensidade” enquanto conceito evoca tudo que
simbolize o que é ser maranhense, incluindo nisso até a Athenas Brasileira como derivação da mistura racial.
intelectuais e, de modo geral, a elite maranhense, à idéia de singularidade da província”
(LACROIX, 2002, p. 50).
Interessa-me sobremaneira a noção de ideologia da singularidade adotada por Lacroix
“enquanto uma visão exagerada de todo um questionável esplendor desse passado, fazendo
com que o maranhense se sentisse superior às populações das outras províncias buscando uma
diferença até suas origens” (LACROIX, 2002, p. 78). Tal ideologia foi utilizada como culto à
sociedade instruída, levando uma constelação de intelectuais ao codinome de Athenas
Brasileira, generalizando “o que era mais imaginário que real, dissimulando a divisão concreta
e efetiva daquela sociedade elitista e preconceituosa” (LACROIX, 2002, p. 75).
A professora Maria de Lourdes Lacroix está na esteira dos que creditam aos intelectuais
de fins do século XIX no Maranhão o nascimento e a consolidação do epíteto de Athenas
Brasileira, o que de fato foi possível constatar em pesquisa, sobretudo nos jornais fluminenses
e maranhenses do século XIX. Há plausibilidade em tal visão, mas advogo que a confecção do
mito da Athenas, ainda que tenha sido reafirmado neste momento, não tenha aí nascido.
A Athenas Brasileira se alimentou de outras circunstâncias. No momento em que o
Império Brasileiro já estava amplamente consolidado, o painel estético não era mais
predominantemente o romântico, ao contrário, havia sido contestado pelo parnasianismo,
simbolismo, realismo e naturalismo. A euforia econômica, fruto das exportações, havia cedido
espaço para o discurso de crise
20
, débâcle, hecatombe econômica, sobretudo nas falas
aristocráticas que acreditavam definhar com a crise agro-exportadora.
A saída de figuras maranhenses para o Rio de Janeiro como Raimundo Corrêa, Aluísio,
Arthur Azevedo e Coelho Neto, contribuíam para o quadro melancólico. A região, que
futuramente seria chamada de Nordeste, definhava em importância econômica, política e
cultural para regiões simbolizadas pelo trem abarrotado de café, como São Paulo, por exemplo,
segundo a visão da época.
As ideologias, e não somente a “ideologia de singularidade”, foram recorrentes ao
longo do século XIX e por razões de evocação e vivencialidade distintas. Aquela que recorreu
à expressão Athenas Brasileira com mais ênfase, saudosismo, nostalgia, não é a mesma quando
de sua ereção. Nisto cabe um esclarecimento: a expressão Athenas Brasileira aparece
recorrentemente na segunda metade e mais vivamente em fins do século XIX, Athenas,
simplesmente, não. Isso se deveu em virtude da idéia de Brasil não estar muito clara naquele
momento, sendo utilizada posteriormente à medida que o império ia se consolidando.
20
Sobre a noção de crise, ver FARIA (2001), CORRÊA (1993), ALMEIDA (1983), TRIBUZZI (1981).
A mera adjetivação “brasileira” é emblemática para sujeitos como João Lisboa, por
exemplo. É que, segundo ele, a expressão Athenas, quando da evocação inicial, não se remetia
ao Maranhão por suas condições sociais, mas aos filhos ilustres “deste impagável Maranhão
(1865, p. 556). Portanto, das vezes em que apareceu a adjetivação, dizia respeito à qualidade
dos filhos ilustres que se tornaram ilustres, não por terem nascido no Maranhão, mas “apesar
de”. A expressão “Athenas Brasileira” só se tornaria recorrente depois do seu surgimento.
A menção à Athenas Brasileira surgida na década de quarenta do século XIX, em
virtude dos arroubos românticos, é criticada possivelmente pela primeira vez por João
Francisco Lisboa em Festa de Nossa Senhora dos Remédios
21
(publicado como folhetim no
jornal Publicador Maranhense em 1851 e reunido no conjunto da obra do autor em 1865) de
forma irônica, referindo-se a membros da elite maranhense cognominando-os enquanto
“atenienses modernos” no conjunto dos três folhetins publicados entre 1851 e 1852 no referido
jornal, a saber: o citado folhetim A Festa de Nossa Senhora dos Remédios (1851), Procissão
dos Ossos (1851) e Theatro São Luís (1852). João Lisboa
22
considerava São Luís uma cidade
desprovida dos mais simples recursos de urbanismo e higiene, tratando ironicamente os seus
conterrâneos que se deleitavam com as belas paisagens barrentas da cidade (1865, p. 556).
Não é irresoluto João Francisco Lisboa ter criticado a elite ludovicense e seu
conterrâneo Gonçalves Dias “dando braços a uma senhora, conversando alegre e satisfeito,
sem deixar rever o menor vislumbre daquella melancholia e desesperação que nos vende em
seus mimosos versos” (LISBOA, 1865, p. 560), ao mesmo tempo em que apontava a noção de
falsa euforia (tanto econômica, social e cultural) em meados do século XIX. Havia muito mais
contradição que coerência em se pensar uma província “distante”, também elitista e
escravocrata como as restantes, eivada de corrupção na política, mas garbosa por seu
crescimento vertiginoso, sazonal e espasmódico, ditar ou ser considerada o berço ou a patente
da genialidade brasileira em decorrência das suas contraditórias condições sociais. Por isso, a
sátira de Lisboa pode ser pensada como “apesar de nascer, estar-se no Maranhão”.
21
Festa Religiosa que acontecia sempre no mês de outubro entre a primeira e a segunda semana deste referido
mês. Era um festejo que mobilizava as gentes citadinas de São Luís, desde a elite até livres, forros e escravos,
ocorrida em frente à igreja homônima à festa. Hoje, no lugar onde se realizava, encontra-se a praça chamada de
Gonçalves Dias, no centro histórico da cidade.
22
Duas obras sobre João Lisboa são importantes: a de Maria de Lourdes Mônaco Janotti em seu célebre trabalho:
João Francisco Lisboa; jornalista e historiador (1977), analisando sua visão de mundo a partir de sua inserção
social, seus referenciais teóricos e políticos, suas contradições, de forma esclarecedora e profunda, além de
comparar os vários trabalhos que já foram escritos sobre ele apontando-lhes seus limites, parcialidade nas
análises e tibieza documental. É um dos mais importantes trabalhos até hoje sobre João Francisco Lisboa. O
outro é a dissertação de Mestrado de Flávio José Silva Soares, intitulada: Barbárie e simulacro no Jornal de
Timom de João Francisco Lisboa, defendida como dissertação de mestrado junto ao Programa de Pós-
graduação da UFPE, em 2002.
O que tornava a relação e o gosto pelo classicismo cultural e lingüístico — um dos
sustentáculos da propagação da Athenas Brasileira —, advindos da forte imbricação entre o
Maranhão e Portugal configurada na presença lusitana em terras timbira
23
e na presença de
maranhenses em terras d’além-mar para estudos do vernaculismo, sobretudo em Universidades
como Coimbra. A presença de portugueses em terras do Maranhão era apontada como
elemento de preservação das belas letras e do classicismo, embora no pós-independência, o
culto dos Neo-Clássicos maranhenses (como Odorico Mendes, Sotero dos Reis e há quem
aponte João Francisco Lisboa), herdado da literatura portuguesa, confrontou-se com os ideais
românticos de criação das letras e cultura nacionais.
A evocação de uma “Athenas Brasileira” nasceu a partir de seu passado de fortes raízes
lusitanas, cultuando métrica, clássicos da literatura portuguesa e hermetismo lingüístico, mas
no momento pós-independência é exatamente essa herança lusitana que os românticos vão
ressignificar.
Uma das questões que considero relevante sublinhar é que a criação do epíteto da
Athenas passou pela reordenação do Maranhão pós-independência aos quadros da nova
configuração política do Império emergente, precedida pelos episódios da Balaiada.
Tal movimento não pode ser meramente configurado como um “levante de negros”
insurretos que se insubordinaram ante as precárias condições fundiárias do Maranhão
24
no
século XIX, e sim, como uma correlação de forças internas em que a província, finalmente,
adentrava nos quadros da nova ordem política pela qual o Brasil passava naquele momento
25
.
O mesmo argumento pode ser usado para o emblema “Athenas Brasileira”, ou seja, o que
antes era motivo de ufanismo (estar mais próximo de Portugal) agora passava a ser
redimensionado como a região que dava as diretrizes da inventividade cultural brasileira.
Esse forte vínculo entre Portugal e Maranhão é expresso nesta passagem de Antônio
Henriques Leal, presente nas obras póstumas de Gonçalves Dias, precedidas de uma notícia da
sua vida e obras (DIAS, 1868, p. XXXV):
23
Tribo indígena existente no Maranhão. Gonçalves Dias ecoou os gritos deste grupo em poemas como Os
Tymbiras e em outros cantos, em sua fase indianista, daí passou a ser uma antonomásia.
24
Sobre esta questão, Regina Faria (2001, p. 32) afirma: na década de 1820, a queda nas exportações de algodão
foi pouco significativa, acentuando-se, porém, nos decênios posteriores. Como o consumo interno era
pequeno, restrito à confecção das roupas dos escravos, o declínio das exportações determinava a diminuição da
produção. Além da concorrência externa, a cotonicultura do Maranhão foi severamente atingida pelas lutas da
Balaiada, revolta ocorrida de 1838 a 1841, envolvendo aproximadamente 20.000 mil pessoas em armas,
incluindo 11.000 rebeldes, dos quais 3.000 escravos e as tropas legais. Este movimento se espalhou pela parte
oriental do Maranhão, a região mais populosa e de maior produção agrícola da província, atingindo inclusive o
Piauí.
25
Essa é a posição defendida por Januária Vilela dos Santos (1983), Assunção (2005). Quem também analisa o
movimento é Janotti (1977) e (2005).
Era a universidade de Coimbra, antes das fáceis rápidas communicações
estabelecidas pelos paquetes a vapor entre esta e as províncias, em cujas
capitães acham-se as nossas faculdades scientificas, o centro quase exclusivo
para onde convergiam os maranhenses que aspiravam á carreira das
sciencias, obtendo os mais intelligentes grande proveito de uma tal
freqüência, por isso que recebiam na convivência e nas palestras dos collegas
e professores das diversas materias, que alli se liam, maior somma de luzes e
de conhecimentos, e robusteciam-se nas que eram próprias de seus estudos e
nas humanidades ou preparatórios que são as verdadeiras e sólidas bases dos
que se prezam de saber.
Mas logo em seguida, refuta tal vínculo e apregoa o fato do Maranhão ter sido a região
de maior combatividade aos portugueses, quando afirmou que foi o lugar onde mais ofereceu
“tenaz resistência ou em que se ferissem os mais sanguinolentos combates pela causa da
independencia. Ainda assim não foi sem lucta prolongada e porfiosa. Às vezes incarniçada...
que os lidadores da pátria conseguiram varrer do nosso solo o domínio extranho” (1868, p.
XX). Mera digressão! Como se os combates pela expulsão dos reinós não tivessem se travado
um ano depois do grito do Ipiranga fazendo com que o Lorde Crochane obrigasse a junta
governativa a capitular ao novo regime. Entretanto, este episódio foi obnubilado pelo processo
de construção da identicidade nacional e maranhense. Para afirmar a diferença, valia apagar o
passado no jogo de disputa de memórias e construção de outras
26
.
Pode parecer paradoxal fazer louvas à Grécia Antiga, considerada como berço da
civilização ocidental, para em seguida os maranhenses se gabarem de serem cultores do
vernaculismo, do português lusitano e, logo imediatamente, abnegarem esse passado de fortes
vínculos. Mas não é. Portugal era a chave de ingresso aos cânones da civilização ocidental e a
compreensão ao que seria brasileiro iria desenvolver-se no processo de entificação da nação
brasileira.
26
Um documento que revela a mudança de posição em relação ao passado lusitano é: “a fidelidade maranhense,
demonstrada na sumptuosa festividade, que no dia 12 de outubro e seguintes, a solicitação do Ilmo. E Exmo.
Sr. Presidente Pedro Jozé da Costa Barros, fez a câmara da cidade, solemnizando os augustos objectos, que
nelles tiverão lugar no anniversário natalício de S. M. o Imperador sua glorioza e sempre memorável
acclamaçao. O Reconhecimento da independência deste império pelos reionos de Portugal e Algarves. O
nascimento do príncipe imperial. A inauguração do busto de S. M o Imperador na salla das sessões da
Câmara desta cidade”, publicada na Typografia Nacional, em 1826. O documento trata do reconhecimento
pelo Maranhão da independência do Brasil, quando o tratado finalmente dava conta deste ato somente em
outubro de 1825 quando este documento chegou ao Maranhão. Foi uma semana de Festa e pomposidade em
que até os portugueses juraram fidelidade ao Imperador. Houve solenidades, missas, peças teatrais, execução
de música, enfim, uma verdadeira festa cívica.
Marcelo Cheche Galvês, aluno do Programa de Doutorado da UFF, Profº do Departamento de História da
UEMA, em tese de doutorado em fase de conclusão, sustenta que atos como a festa cívica, citada acima,
revelam que o Maranhão nunca fora separatista como sempre atestou a historiografia maranhense. Para ele,
separatistas foram as outras regiões, já que os maranhenses se sentiam leais e fiéis à Casa de Bragança.
Portanto, a festa cívica de 1825 era um juramento de fidelidade a D. Pedro I, mas não ao Brasil,
necessariamente.
João Francisco Lisboa compreendia que existia no Brasil, mais precisamente no
Maranhão, uma correlação de forças entre “civilização” e “barbárie”. Depreender a construção
da nação passou pela legitimidade civilizacional que Portugal havia legado ao Brasil.
No momento pós-independência, a crítica ao passado colonial se referiu muito mais ao
jugo colonialista, ao exclusivismo metropolitano e suas reverberações (como controle da
burocracia estatal, proibição da imprensa, proibição do ensino superior) que especificamente a
uma herança cultural européia. Ainda que o romantismo pincelasse as cores do Brasil do
porvir, tais cores estavam tematizadas, de um lado, por um olhar americanista, e de outro, pela
idealização do modelo civilizacional europeu. O índio indianista mais se parecia com um
cavaleiro medieval que com um Aimoré ou um Tremembé.
Para demarcar a diferença das singularidades maranhenses durante o processo de
construção da nação entre meados e fins do século XIX, encontrei várias passagens que podem
ilustrar tal proposição. Nas passagens que se seguirão, retiradas de teses, dissertações e
trabalhos em geral, juntamente com documentos da época, percebe-se que a entonação, os
discursos diretos, monovalentes, polivalentes, os registros da fala quanto ao tempo, ordem e
duração vão mudando de inflexão ao longo desta centúria.
Este ideal de perpetuação das chamas da Athenas é o cerne da obra elencada nesta tese
que trata do surgimento de um grupo que se auto-intitulou “Novos Atenienses”. Rachaduras
Solarescas e epigonismos provincianos: Sociedade e Cultura no Maranhão neo-ateniense:
1890-1930 é o título da Dissertação de Mestrado defendida pelo Profº Manoel de Jesus Barros
Martins, no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco, em 2002.
Professor da Universidade Federal do Maranhão, o autor analisa as representações formuladas
pela elite letrada maranhense “acerca dos processos material e de renovação cultural presentes
na produção intelectual dos novos atenienses, discutindo a recorrência do discurso da
decadência e do mito da Atenas Brasileira” (MARTINS, 2002, p. 10).
A dissertação percorre os “clássicos fundantes” do discurso decadentista em fins do
século XVIII e primeira metade do século XIX (Gaioso, Paula Ribeiro, Pereira do Lago, Inácio
Xavier de Carvalho, Garcia de Abranches, entre outros), apontando-os como legitimadores
daquilo que Almeida (1983) cognominou de “ideologia da decadência”, passando pelos quatro
intelectuais que corroboraram com tal ideologia, só que na segunda metade do século XIX
(Miguel Vieira Ferreira, Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, Fábio Alexandrino de Carvalho
Reis e João Dunshee de Abranches Moura), até atingir o que cognominou de “operários da
saudade”, ou seja, os intelectuais identificados como decadentistas que tiveram a incumbência
de soerguer os louros do passado carregando a história em seus ombros, mantendo acesa a
tradição de glórias da Athenas Brasileira, que para eles nunca deveria ter se apagado. Estes
intelectuais tiveram intervenção prática em diversos ramos como imprensa, política, economia,
educação, administração e, claro, literatura.
São eles os fundadores da Oficina dos Novos, origem da Academia Maranhense de
Letras em 1908, do IHGM (Instituto Histórico e Geográfico Maranhense, em 1925), da
Faculdade de Direito (1925), da Sociedade Musical Maranhense, opinando e atuando
diretamente na condução de estratégias de desenvolvimento do estado do Maranhão,
consagrando-se como a terceira geração de notáveis depois do Grupo Maranhense e da geração
migrante para a capital do Império (Arthur e Aluízio Azevêdo, Coelho Neto, Raimundo
Correa, Graça Aranha). Foram eles: Manuel de Béthencourt, Antonio Franscisco Leal Lobo,
Raul Astolfo Marques, José do Nascimento Moraes, Raimundo Lopes da Cunha e Manuel
Francisco Pacheco (Fran Paxeco).
Rachaduras solarescas e epigonismos provincianos não é a primeira análise acerca dos
Novos Atenienses
27
, mas adentra no conteúdo de suas obras, analisando a participação destes
nos diversos setores sociais, dando subsídios para futuras análises em decorrência da vasta
pesquisa de hemeroteca.
A obra do professor Manoel de Jesus Barros Martins não tem a pretensão de evidenciar
o surgimento da Athenas, e sim sua consolidação e perpetuação a partir do grupo supracitado.
A questão que envolve os Novos Atenienses é a preocupação obsequiosa, o desiderato de
manutenção do referencial ateniense a partir da noção de restauração. Ao fazerem isso, deram
combustível para que as historiografias literária e histórica no futuro consolidassem tal visão
hierarquizante, estereotipada, ao mesmo tempo em que se fizeram notabilizar como
pertencentes à rica história intelectual do Maranhão. Em outras palavras, construíram para si
notoriedade.
Destarte, construíram também uma perigosa armadilha para as futuras interpretações do
passado: a noção de geração
28
. Ao se legitimarem como herdeiros do Grupo Maranhense,
estancaram em blocos as experiências intelectuais existentes, como se no interregno do
aparecimento de supostos ‘redentores’ não existisse vida inteligente. Ainda que percebessem a
existência de alguém que despertasse atenção, este seria subsumido pela compreensão de que,
27
Ver também, Jomar Moraes (1977), Rossini Corrêa (1996) e Borralho (2000).
28
Para Sirinelli, in AMADO & FERREIRA (2005, p. 133): “certamente a geração, no sentido biológico, é
aparentemente um fato natural, mas também um fato cultural, por um lado, modelado pelo acontecimento e por
outro, derivado, às vezes, da auto-representação e da auto-proclamação: o sentimento de pertencer — ou ter
pertencido — a uma faixa etária com forte identidade diferencial. Além disso, e a constatação vai no sentido, a
geração é também uma reconstrução do historiador que classifica e rotula”.
de tempos em tempos, um ‘espírito de época’ brinda pessoas ilustres com a encarnação da
razão absoluta que caminha de forma teleologicamente por sobre a humanidade. As
historiografias literária e histórica no Maranhão passaram a se preocupar com as gerações e,
quando não detectaram a presença ou existência destas, fizeram tábula rasa do passado, como
se as demais produções fora de determinados grupos não merecessem crédito ou análise.
A importância da visualização, do conhecimento da existência dos Novos Atenienses
para a discussão historiográfica na literatura e na história ajuda-nos a pensar os sentidos das
identicidades em construção desde o século XIX no Maranhão, uma vez que demarcou um tipo
de narrativa pontuada, marcada, educou o olhar e a forma de pensar a trajetória intelectual
desta região. Essa é uma das razões por que se deve analisar a historiografia como uma
operação, já que os próprios integrantes deste grupo escreveram obras demarcando períodos,
no fundo, didatizando como se deveria enxergar passado e presente a partir das narrativas
encetadas. Narrativas, se pensarmos as obras distintas dos integrantes, mas Narrativa, se
analisarmos que, ainda de forma polivalente, os discursos reiteraram sempre o mesmo
significado. Sendo assim, podemos utilizar a invariabilidade presente nos discursos dos Novos
Atenienses usando a categoria de Narrativa utilizada por Hayden White (1994, p. 108)
enquanto “uma estrutura simbólica, que embora não reproduza os eventos que descreve nos diz
a direção em que devemos pensar acerca dos acontecimentos e carrega o nosso pensamento
sobre os eventos de valências emocionais diferentes”.
Decadentismo nos Novos Atenienses não é estrutura estética, forma poética, influência
da corrente literária que apareceu em fins do século XIX, cognominado de simbolismo, tendo
Cruz e Sousa como expoente
29
. O decadentismo corporificado no simbolismo é distinto
daquele presente nos Novos Atenienses. Nestes se apresenta mais um saudosismo, uma
idealização do passado, a consolidação do projeto ateniense, um grito para que os maranhenses
empunhassem a bandeira das tradições e não sucumbissem ao presente desolador.
Em 1895, publicaram uma Revista denominada de Philomatia. No Editorial,
justificaram o lançamento, afirmando que:
29
Surgido na França por volta de 1880, “o simbolismo se define como um movimento artístico, relativamente
complexo, abrangendo música, pintura e literatura, na qual se destaca a poesia. Foi com poetas, inicialmente
chamados de hidropatas, a seguir decadentes e finalmente simbolistas, orientados e inspirados por Mallarmé
Verlaine, que adquiriu maior relevo e projeção entre seguidores e outras literaturas. O simbolismo é o recurso
mais adequado para exprimir a evocação, principalmente as mais abstratas, as aspirações e os impulsos dos
instintos humanos. Valoriza o emocional, opõe-se à expressão das idéias e ao uso das imagens, exprime a
emoção em si mesma, capta a sensibilidade indizível, harmonia, emoções, instintos, opondo-se à revolução
formal. A maior expressão brasileira foi Cruz e Sousa, quando em 1892 tentou adaptar o simbolismo a literatura
brasileira, mas, já em 1887, Medeiros e Albuquerque reuniu as produções poéticas dos franceses resultando, em
1983, na denominada Canções da decadênica”, conforme Castello (2004, pp, 330-332).
aquelle que em detrimento do presente enaltece o passado, semelha individuo
que vergastasse as crenças com os ossos de seus pais. Este prolóquio é justo
sempre que o culto do passado é incontestavelmente apllicado como açoute;
não o é, porem, quando nos tactos do presente, postos em confronto com os
do passado, se demonstra a inferioridade d’aquelle não é mais o individuo
que vergasta a crença com os ossos dos pais, mas quem ensina aos filhos a
viverem nobremente como seus pais viveram.
Dolorosamente o dizemos, mas o nosso meio bem que se arrasta decadente. A
cultura intelectual vai baixa e apoucada [...]
[...] Dahi o ser o presente do Maranhão por demais inferior ao passado
(FILOMATIA, ano I, n. I, 1895, p. 01).
A sensação de decadência e estagnação presente nos Novos Atenienses tem insurgência
à medida que as grandes figuras maranhenses iam desaparecendo, sobretudo por razões de
óbito, além dos sentimentos conflituosos; euforia por ser Athenas e melancolia pela ausência
dos que corroboravam com este projeto. São contraditórios também os momentos de percepção
de tal sensação. Ora a morte das figuras-símbolos da Athenas é elencada para afirmar
notoriedade do Maranhão, ora é utilizada para demarcar fases vivenciais da inteligência
timbirense. O sentido da morte é dual, diacrônico: liga-se simbolicamente ao desfecho do
Maranhão, finitude, obsolescência, convalescença; e ao mesmo tempo é a afirmação de que
aquele passado, embora perto, não voltará mais; é idílico, inimitável, pois fez surgir o que o
Maranhão era, ou a forma como os maranhenses se viam ou gostariam de ser vistos,
reconhecidos, portanto, era morte que produzia vida, lembrança, motivo de memória.
Morte que rondava as bandas do Maranhão. Não era somente a morte física, era um
sentimento de nostalgia, de pesar, incapacidade de carregar o fardo da história ante a já
“bastante conhecida enorme transformação que se tem operado na decantada Athenas
Brasileira... abraçados com os livros trabalhai para que o Maranhão além de Manchester
30
,
possa continuar a ser a Athenas Brasileira” (A IDÉIA, 1893, n. 01, p. 01).
À medida que as inteligências morriam ou migravam, o que se via era desconsolo.
Quando Joaquim Serra
31
entra em óbito, o Diário Novo Brasil publicou a seguinte matéria:
30
Manchester do Norte foi uma expressão recorrente utilizado na segunda metade do século XIX durante a
instalação do parque têxtil em São Luís em decorrência da crise da agroexportação. Para autores como Corrêa
(1993), por exemplo, “a idade de ouro” do Maranhão não aconteceu durante o surto agroexportador do algodão
e arroz, e sim, durante a montagem do parque têxtil no Maranhão.
31
Joaquim Maria Serra Sobrinho nasceu em São Luís em 20 de julho de 1830 e entrou em óbito no Rio de Janeiro
em 29 de outubro de 1888. Foi jornalista, professor, político, teatrólogo. É um dos fundadores do Jornal
Coalisão, do Partido Liberal. Em 1867, fundou o Semanário Maranhense. Lecionou no Liceu Maranhense
Gramática e Literatura. Também exerceu o cargo de Deputado provincial (1864-1867), e depois foi Secretário
de Governo da Paraíba. Trabalhou no Rio de Janeiro nos jornais Gazeta de Noticias, Folha Nova e Pais e
também foi Diretor do Diário Oficial, no período de 1872 a 1882. Deputado Geral pelo Maranhão no pleito de
1878-1881. É o autor da célebre obra Sessenta anos de jornalismo no Maranhão, sob o pseudônimo de Ignotus
e participou da obra A casca da caneleira, obra coletiva escrita em 1866.
O Novo Brasil não pode deixar de depositar uma saudade sobre o esquife que
encerra os despojos de um dos mais demodados campeões das liberdades
pátrias, nesta epocha de corrupção assignalada.
Como maranhenses que somos e patriotas que nos julgamos ser, são dois os
motivos que nos levam a cumprir esse doloroso dever.
Que funda magoa acubrunha as letras pátrias, a imprensa brazileira e a
família maranhense neste momento luctuoso, não nos é fácil dizer.
O vacuo que deixa nas fileiras do jornalismo, o illustre morto será difícil de
preencher.
Nem a todos cabe aquelle espírito fino e aquella agudeza que lhe era um dom
especial.
Com a morte de Joaquim Serra o Maranhão perdeu, não resta duvida o ultimo
rebentão dessa antiga falange, que deu tanto lustre a esta província que em
tempos mereceu o titulo de Athenas.
Dos Marques Rodrigues, Gentil Braga, Trajano de Carvalho, Celso de
Magalhães, Antonio Henriques, e tantos muitos, só restava esse único heroe
— Joaquim Serra, que agora foi juntar-se aos companheiros no Pantheon da
História. G. dos Reis (DIARIO DO NOVO BRASIL, 1888, n. 12. p. 04).
A morte física era vicejada em espectro sombrio das nuvens que toldavam os céus do
Maranhão. À medida que os ‘heróis’ desta pátria feneciam, o que subia aos céus não eram os
seus ‘espíritos’, e sim, a constatação da incerteza, da dúvida quanto ao papel a ser
desempenhado pelas figuras que restavam.
A monumentalizacão das figuras-símbolos como Joaquim Serra, por exemplo,
desdobra-se em pelo menos dois vórtices; primeiro, segmenta a divisão dos homens que
deveriam entrar no panteão e os que deveriam ficar de fora — estes últimos se quedariam
apenas em contemplar os primeiros —, levando-os a não perceberem o caráter sectarizante da
suposta legitimidade de que somente alguns homens são ávidos de algo tão extraordinário,
desconsiderando as relações pessoais e políticas entre os pares; segundo, demarca posição
quanto às etapas históricas (o que fomos e o que somos), atribuindo ao destino a fatalidade da
morte e a responsabilidade de que somente alguns homens têm a capacidade de soerguerem as
tradições do passado.
A variedade das inflexões enquanto euforia e/ou marasmo cambiava conforme as
circunstâncias. Nesta passagem abaixo, vê-se o entusiasmo ceder lugar a um ceticismo
mórbido, cheio de agouros, chistes, blagues, zombaria. Via-se perecer, definhar os padrões de
sociabilidade, ao mesmo tempo em que se eregia um padrão distinto em relação às outras
províncias. João Affonso dizia o seguinte:
Não dizemos isto por caturice, por lamentação piegas, por acharmos que o
Maranhão tenha sina de cachorro e caveira de burro, porque entendemos que
só é tolo quem quer, mas é que, sendo nós um pobre povoado anêmico e
fazedor de versos no extremo norte do império, não tendo políticas de
posição como os bahianos, deputação gritadora como Pernambuco,
vencedores no Sport cavallar como S. Paulo, tendências republicanas como o
Rio Grande, lombo de porco e Martinho de Campos como Minas, vivendo
apenas de um passado com meia dúzia de mortos legendários – o Gonçalves
Dias, o João Lisboa, o Odorico Mendes, o Sotero, o Gomes de Sousa, sendo
a nossa influencia política um mytho com dous ídolos – João Pedro Dias
Vieira e Francisco José Furtado (O MALHO, dezembro de 1880, p. 26).
Lamentação ou constatação? João Affonso, um dos responsáveis pela publicação de
outro periódico crítico da província, A Flecha
32
— espécie de sátira à igreja, monarquia e
sociedade maranhense —, pode ser tomado como um dos tantos prepostos que constatam a
decadência sócio-econômico-cultural maranhense nos discursos dos setores aristocratizantes.
Decadência que precisa ser problematizada tanto quanto a noção de euforia.
Em decorrência da incompreensão acerca da dinâmica econômica que mudou a
inflexão dos investimentos redirecionando o tangenciamento para outros setores, como a
tentativa de implantação de um parque fabril no Maranhão na segunda metade do século XIX,
por exemplo, a débâcle assinalada, dizia respeito ao definhamento de um setor econômico (o
agro-exportador sustentado pelo braço escravo) e, conseqüentemente, do setor social que dele
usufruía, a aristocracia. Portanto, a crise econômica, nesse sentido, é uma estratégia discursiva
dos setores que se sustentavam a partir do trabalho escravo estendendo-a para o cômputo geral
da província como se fosse um processo generalizado.
Os lucros adquiridos a partir da estrutura econômica durante o período áureo da
exportação de algodão, arroz e açúcar (1755-1850) beneficiaram determinados setores sociais.
A Athenas Brasileira era uma ideologia fruto do Maranhão escravocrata, portanto,
elitista. O que João Affonso fez, ao apontar as diferenças entre o Maranhão e as demais
províncias, foi sinalizar a estagnação e decadência, portanto, conotar o passado que agora
passava a ser encarado enquanto fardo para esses setores.
Na mesma edição ele brada:
— Mas o que não deixaremos ficar sem espaço n’esta crise porque está
passando o Gabinete Portuguez de Leitura é o seguinte:
No Maranhão, uma cidade lotada em 30:000 habitantes, intitulada Athenas,
onde os poetas brotam espontaneamente como os cryptogramas, onde as
questões grammaticaes assumem o caracter das internacionais, onde circulam
três volumes de Pantheon cheios de gente immortal, onde a rhetorica é uma
preocupação — no Maranhão não se lê, fecha-se uma casa de livros porque
ninguem a procura [...] querem os interessados uma idea nossa? Retirem d’ali
aquelles alfarrábios inúteis e abram as suas salas com o titulo de Gabinete
Portuguez choreographico (O MALHO, dezembro de 1880, p. 96).
32
A Flecha existiu entre março de 1879 e outubro de 1880. Revista de Sátira que alfinetava a sociedade
ludovicense, tratando de questões como: escravatura, proclamação da República, renovação artística e estética,
religião, costumes locais. Era dirigida por João Affonso do Nascimento. Continha charges, desenhos e
gravuras de Aluízio Azevedo. Sobre o Jornal, ver a excelente monografia de conclusão de curso de graduação
de Iramir Alves Araújo, defendida na UFMA (2004).
O conotativo Maranhão, enquanto cidade, deve ser entendido como uma situação em
que é de se estranhar que os “magnânimos athenienses” não lessem, a tal ponto de ter sido
fechado o Gabinete Portuguez de Leitura. Ou grassava a desconstrução do mito atheniense
pela constatação de que os “maranhenses” não liam, ou, de fato, a decadência econômica
social aliada à morte da pentarquia maranhense e à “fuga” das inteligências para a capital do
império os impelia a uma visão pessimista.
O próprio Joaquim Serra, na obra Quadros (poesia, de 1872), ao fazer uma ode a vários
escritores maranhenses, dentre eles Odorico Mendes e Gonçalves Dias, desenhou um “poema-
epitáfio” que poderia ser colocado em suas lápides, caso o corpo de Gonçalves Dias tivesse
sido encontrado. No soneto dedicado ao cantor do Timbira, retumba:
Perante o teu martyrio
Tão grandes, fundos penas,
Como enxugar-te as lágrimas,
Oh, brazileira Athenas?
Outr’ora tantos cânticos,
E hymnos festivaes!
Fundou o coro harmônico,
Elle mudou-se em ais!
Perante a dor tão vivida
Que agora te atribula,
Todo consolo é ephemero,
Toda esperança é nulla!
Carpe convulsa e tremula
A tua viuvez,
Pois hoje está paupérrima
Quem Deus tão grande fez!
O berço feracíssimo,
De tantos gênios, rico:
De João Lisboa másculo
De Souza, de Odorico
Do sábio mathematico,
Do Homero portuguez.
Do passador vernáculo
Irmãos na fama os três!
(O MALHO, dezembro de 1880, p. 96).
Dentro dessa vertente é que a obra Atenas Brasileira: A cultura maranhense na
Civilização Nacional, de autoria de Rossini Corrêa, publicada no ano de 2001, propõe-se a
montar a trama acerca da questão. Obra confusa, ainda que seja apenas a segunda em toda a
trajetória historiográfica cujo enfoque central gira em torno da Athenas. Digo enfoque central,
pois ainda que a polêmica tenha perpassado ao longo da história do Maranhão de forma
encomiástica, crítica, às vezes acriticamente, depois do século XIX este livro é o segundo que
se propõe especificamente a tratar este tema atirando a flecha no calcanhar de Aquiles dos
maranhenses, só para usar uma imagem “greco-timbirense”.
Dividida em 7 capítulos, pode ser apontada como antítese do trabalho fundamental que
o próprio autor fizera em 1993, quando, escavando a “arqueologia” maranhense, tratou a
problemática da Athenas em três capítulos enfocando o caráter aristocratizante, escravocrata,
elitista, desvelando as contradições daquele Maranhão oitocentista.
A obra recorre ao período colonial para justificar a diferença maranhense, passando
pelo Pe. Antonio Vieira, Manuel Beckman, o papel dos Jesuítas, dos cronistas, a Companhia
do Comércio até chegar ao século XIX, com os filhos dos maranhenses que estudaram na
Europa, dando arcabouço a um “ethos maranhense”.
Faz menção à utilização política da Athenas brasileira e à contradição do que ele
cognomina de relação entre Beletrismo e “Folk-Culture”, apontando como uma variável de um
universo oligárquico, que sempre manteve uma relação “paternalista e autoritária com as
classes populares, entregues à pobreza e à miséria, em qualquer hipótese, vulneráveis e como
quê condenadas a percorrerem o caminho da dependência social”(CORRÊA, 2001, p. 34).
Recorre à “dimensão ibérica na cultura maranhense”, sobretudo as profundas relações com
Portugal como elemento intelectual constitutivo da projeção das inteligências locais no século
XIX, apontando as aparentes contradições entre a herança ibérica e sua transmutação em terras
brasileiras, constituindo um pensamento mestiço nas Américas.
Uma das críticas à obra de Rossini Correa é tratar a questão da tradição ibérica como
uma espécie de longa duração da história local, como se os participantes, autores, personagens,
população, enfim, sobretudo a partir do século XIX, tivessem a consciência histórica em suas
cabeças perfilando justapostamente o ontem e o agora de forma clara, a tal ponto de lançarem
mão a nós górdios, sucetâneos para a consecução de um projeto, como se a construção da
história do Brasil não fosse se fazendo na experiência do fazer historicizante, ainda que a
recorrência ao passado ibérico tenha sido utilizada por ele de forma debochada.
Não duvido de que os intelectuais maranhenses não tivessem conhecimento acerca do
período colonial no Brasil, mas levanto suspeita quanto à tradição colonial ser um elemento
suficiente do imaginário na trajetória intelectual da região. Considero mais plausível a
utilização do passado colonial como estratégia persuasiva para a evocação da diferença, até
mesmo estranhamento ao novo direcionamento político encabeçado pelo Rio de Janeiro, a
partir de então, como lugar de proa do recente império brasileiro, do que especificamente uma
tradição ibérica enquanto ethos diferenciador da ou das sociabilidades maranhenses. Como
não explicita seu escárnio, não aprofunda a crítica, deixa em suspensão sua visão sobre essa
circunstância.
A tradição é uma invenção moderna no sentido de que só é possível se perceber o
supostamente “tradicional” quando contraposto ao que é novo, diferente, e à medida que a
modernidade paulatinamente afasta os elementos do ontem, é encapsulado como um ente a ser
preservado, atribuindo-lhe uma áurea, negligenciando os elementos contidos nele também de
construção e invenção social. Sendo assim, não se trata de afirmar que não tenha havido um
passado ibérico colonial no Maranhão, mas como é estrategicamente utilizado pelos
construtores da idéia da Athenas. O que pergunto é: a população maranhense tinha consciência
dessa ou de outras tradições ibéricas a tal ponto de serem consentâneas de um vasto programa
de afirmação da nacionalidade brasileira?
Por também abranger um período longo da história maranhense tentando abarcar as
tradições e as identidades construídas e não ter respondido a questões como essas acima, a
dissertação de Mestrado intitulada Terra e Céu de Nostalgia: tradição e identidade em São
Luís, defendida em 2000, no Programa de Pós-Graduação em História da UNESP-Assis/SP,
por mim, foi criticada. Dividida em três partes (século XIX, primeira metade e segunda do
século XX) ela teve a intenção de analisar as invenções das tradições e das identidades no
Maranhão como estratégia de legitimação de figuras que transitaram entre a literatura e a
política, dentre elas, José Sarney.
José Sarney foi eleito Governador do Estado do Maranhão em 1966, levando para o
escol executivo do Estado figuras que com ele participaram do cognominado Movimento
Modernista
33
(Gerações de 1945 e 1950) na primeira metade do século XX. Ao vencer as
eleições, ele bradou: “é a poesia no poder”. Por entender que ser literato e toda simbologia que
disso decorre no Maranhão o credenciava para o exercício do cargo, ao longo da campanha
eleitoral reiteradas vezes bradou que nele estavam presentes as representações das tradições
maranhenses e que nesse estado não havia de separar a literatura da política, afinal, ele repetia
os exemplos dos conterrâneos Humberto de Campos e Benedito Leite. Além do que, por
diversas vezes afirmou que sua geração modernista de 1945 na São Luís de antão lembrava
aquela de 1845, fazendo uma alusão à Athenas Brasileira, quando viveram os integrantes do
Grupo Maranhense.
33
Quem discute a noção de geração criticando os períodos da forma como são assinalados pelos participantes
dos grupos literários e artísticos é Rossini Correa (1989 e 1993), Borralho (2000).
Para entender as estratégias de persuasão utilizadas por Sarney, a dissertação “viaja”
até o século XVIII, em que setores da historiografia maranhense localizaram como início do
enriquecimento da “idade do ouro” na economia da região a criação da Companhia de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão, em 1755, pelo Marquês de Pombal (outrora Conde de
Oeiras) e do Governador Mello e Póvoas. Essa periodização é tomada como um fausto, pois
qualquer explicação econômica passou a ser vista a partir do início das exportações dos dois
gêneros, portanto da opulência maranhense. Entre os autores intérpretes do período estão
Raimundo José de Sousa Gaioso
34
(final do século XVIII e início do XIX), que foi seguido por
Francisco de Paula Ribeiro, fr. Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres, Antonio Bernardino
Pereira do Lago, Garcia de Abranches e Manoel Antonio Xavier, sedimentando a interpretação
econômica proposta por Gaioso.
Em decorrência das exportações, o Maranhão se colocou na condição de quarta em
importância econômica e São Luís, a quarta cidade brasileira em número de habitantes. As
exportações propiciaram um enriquecimento material possibilitando à aristocracia provinciana
o envio de seus rebentos à Europa, mais precisamente Portugal, França e Inglaterra, também
Rio de Janeiro e Recife para estudos superiores, introduzindo em seus retornos leituras,
costumes europeus e de outras cidades brasileiras.
Nesse período, aumentou a demanda dos serviços de impressão, foi construído o Liceu
Maranhense, surgiram Gabinete de Leitura e Sociedades Literárias, foi fundada a Biblioteca
Pública, apareceram Odorico Mendes, Sotero dos Reis, Gonçalves Dias, João Lisboa, Gomes
de Sousa e tantos outros.
A dissertação passeia ainda pela interrupção do tráfico internacional (1850), pelo fim
da Guerra de Secessão dos Estados Unidos, pela importação do arroz longo e pontiagudo
oriundo da Carolina do Norte, notabilizando, para os que defendem a idéia de crise, o início da
inércia econômica diminuindo a euforia e estabelecendo-se a comparação com o período do
governo de Mello e Póvoas. Paralelamente, surgiu um discurso decadentista e nostálgico em
relação ao passado, pois aos poucos morriam também os integrantes do Grupo Maranhense.
Surge, então, um segundo grupo de literatos e intelectuais como: Aluísio e Arthur
Azevedo, Raimundo Corrêa, Coelho Neto, Graça Aranha, Nina Rodrigues, entre outros, em
“plena crise agroexportadora, levando a esperança de perpetuar-se como terra de
34
Nasceu em Buenos Aires em 1747 e morreu na Vila do Rosário, Maranhão, em 1813. Fazendeiro, foi ajudante
do Tesouro-mor do erário real em Lisboa, Cavaleiro da Ordem de Cristo e tenente-coronel de Milícias quando
chega ao Maranhão. É o autor do célebre: Compêndio histórico-político dos princípios da Lavoura no
Maranhão, obra que exalta o período pombalino e a criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão.
prodigalidade, das belas letras, do talento do bem escrever, minimizando os problemas
econômicos” (BORRALHO, 2000, p.65), não sendo, contudo, suficiente para evitar que estes
literatos rumassem para o Rio de Janeiro e integrassem o grupo fundador da Academia
Brasileira de Letras
35
e, obsequiosamente, constituíssem-se enquanto um modelo “a ser
seguido por sucessivas gerações, como as do final do século XIX e a da metade do século XX,
denominadas respectivamente de: “Novos Atenienses” e “Novíssimos Atenienses”
(BORRALHO, 2000, p. 73). Deste último grupo fez parte o Governador do Estado do
Maranhão e Presidente da Academia Maranhense de Letras eleito para ambos os cargos em
1966, José Sarney.
A dissertação de Mestrado problematiza a questão da “Atenas Brasileira”, mas como eu
estava preocupado com a formação das tradições e das identidades no percurso da história do
Maranhão, não me detive especialmente na questão da formação da Atenas, e sim, com sua
propagação e utilização no campo da política. Além do mais, penso que algumas questões
sobre a temática carecem de uma maior investigação, como por exemplo: a construção ulterior
sobre a “Atenas Brasileira” em Antologias como o Pantheon Maranhense (1873-1875), de
Antonio Henriques Leal; a recepção à crítica que Frederico José Corrêa fez no século XIX
dirigida à Antonio Henriques Leal sobre o panteão maranhense; a reprodução desse discurso
em setores, categorias sociais que não foram incluídos na cidade das letras; a produção cultural
na literatura, jornalismo, política, artes, acerca dos segmentos sociais que também não foram
incluídos na cidade das letras; as contradições da reedição de uma Atenas Moderna numa
cidade constituída em sua grande maioria de analfabetos; as críticas que João Francisco Lisboa
fez à idéia de “atenienses modernos”. Estes são alguns elementos que tentarei problematizar
nesta tese.
Na tentativa de mapear as obras que abordam o tema, estabelecendo uma
problematização, assinalo o segundo livro escrito por Rossini Corrêa, que trata, entre outras
coisas, a Atenas Brasileira. O livro é: Formação Social do Maranhão: o presente de uma
arqueologia, publicado pela Secma (Secretaria de Cultura do Maranhão) em 1993, defendida
como dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da UFPE no
mesmo ano. Como o subtítulo sugere, a obra é uma grande análise acerca das formações
sociais do Maranhão desde o período colonial até segunda metade do século XX. Os capítulos
35
Dos quarenta fundadores, cinco são maranhenses: Coelho Neto cadeira n° 2, Aluízio Azevedo, n° 4, Raimundo
Corrêa, n° 5, Arthur Azevedo e Graça Aranha, cadeiras n° 29 e 38. Dois são patronos: Gonçalves Dias e João
Lisboa; e dois são sócios correspondentes: Odorico Mendes e Sotero dos Reis. A participação maranhense não
pararia por aí na ABL. Continuaria com Humberto de Campos, cadeira nº 20; Josué Montello, cadeira nº 29,
Odilo, Costa Filho, cadeira nº 15 e José Sarney, cadeira nº 38. Há ainda Teófilo Dias, Franklin Távora e Viriato
Corrêa. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Anuário. 1978-1980.
que se referem à Athenas Brasileira são o segundo e o terceiro, na primeira parte da obra, e o
quarto, na segunda parte.
Rossini Corrêa acredita que a fabricação da mitologia da Athenas é fruto, entre outras
razões, do elitismo maranhense que combinou crescimento econômico e esplendor cultural,
distinguindo-se do restante do Brasil através do manuseio de uma “superioridade espiritual”
(CORRÊA, 1993, p. 102). É a primeira análise a apontar o caráter da invenção do mito da
Athenas em meio às disputas intra-regionais e à montagem do Estado Brasileiro no século
XIX.
Não poupa o caráter elitista e europeizante da Athenas ao dizer que:
sob o narcisismo enaltecedor, a prática comunitária dos segmentos
dominantes da sociedade maranhense, que, mergulhados no impasse
angustiante do problema do passado insepulto português e do futuro inseguro
brasileiro, preocupavam-se com a escultura da diferença: reunidos, mas, não
confundidos (CORRÊA, 1993, p. 103).
Essa é, para ele, a condição de essência particular de todos os maranhenses. Ataca os
conteúdos provinciais, etnocêntricos, preconceituosos da cultura com o restante do Brasil e
denota o quanto os maranhenses são devedores, nascidos da Athenas Brasileira, numa
sociedade esmerada num aristocracismo empedernido, “totêmico”, fruto de uma estratificação
social “disseminando a ideologia da unidade potencial, concedendo ao conjunto desigual dos
maranhenses à possibilidade de vir a ser partícipe da convivência intelectual, prestadora de
serviços a emergência da nacionalidade e geradora, em conseqüência, de um panteão”
(CORRÊA, 1993, p. 113). Considera que a mitologia da Atenas Brasileira “foi a manifestação
mais preconceituosa e aristocrática dos senhores: proprietários, governantes e dominantes que
acabou transmitida socialmente através dos mecanismos culturais referendários da organização
estrutural da convivência humana” (CORRÊA, 1993, p. 113).
A obra de Rossini Corrêa não gerou repercussões para além do mundo acadêmico tal
como o livro de Maria de Lourdes Lauande Lacroix e não é de se estranhar. Quando a
Fundação francesa de São Luís chegou às bancas e livrarias, de chofre gerou um impacto não
só nos meios acadêmicos, como alhures, provocando reações através de artigos publicados nos
cadernos Alternativos, gerando debates acalorados, como a imprensa televisiva, que por
diversas vezes convidou-a a prestar esclarecimentos sobre a desconstrução de uma simbologia
que fazia de São Luís a única de fundação francesa no Brasil. O “silêncio” quanto à Formação
Social do Maranhão pode ser entendido se avaliarmos o peso dos sentidos atribuídos a cada
uma dessas questões: a fundação francesa de São Luís contribui para a singularidade dos
ludovicenses, a Athenas Brasileira funda a singularidade.
A Formação Social do Maranhão é leitura obrigatória para a compreensão da
fabricação do mito da Atenas Brasileira, no entanto, por se tratar de um exercício de reflexão,
operação conceitual, considero relevante estabelecer um diálogo com esta obra nos liames da
urdidura da narrativa nela contida. Não se trata de apontar falhas ou erros, equívocos ou
supressão de informações importantes, mas de estabelecer um debate que amplie a
compreensão acerca da temática, já que qualquer discurso é fruto de um lugar de confecção.
Rossini Corrêa acredita que a confecção da Athenas foi um convite que a
intelectualidade maranhense propugnou para participar do novo cenário nacional pós-
independência do Brasil como forma de integração ao império brasileiro, o que, longe de ser
uma mera discussão semântica, não foi um “convite” como sugeriu o autor, foi um pedido de
salvo-conduto das elites, jogo de disputa do manejo da intelectualidade local, uma vez que o
élan político com Portugal havia sido desfeito e não cabia mais o isolamento diante das novas
circunstâncias políticas, acrescido do fato de a província ter sido grassada por uma guerra da
magnitude como a Balaiada.
A recorrência à Athenas desvelava, a partir de então, que a marca indelével do ser
maranhense se fazia em contraposição ao que era ser português, sem que necessariamente se
identificassem enquanto americanos. Era a imbricação dos influxos internos (americanismo,
brasileirismos) e externos (europeu) amalgamando a idéia de identidade brasileira. A aceitação
dos padrões europeizantes de civilização passava pela imbricação, reelaboração e
ressignificação dos modelos civilizacionais brasileiros de existência, como pode ser visto nesta
passagem.
[...] A mocidade, despregando o estandarte da civilização prepara-se para os
seus graves destinos pela cultura das letras; arroteia os campos da
inteligência; aspira as harmonias d’essa natureza possante que a cerca;
concentra n’um foco todos os raios vivificantes do formoso céu, que a
alumia; prova forças, enfim para algum dia renovar pelas idéias a sociedade,
quando passar a geração de homens práticos e positivos, raça que deve
predominar ainda: porque a sociedade brasileira vergôntea separada há tão
pouco da carcomida arvore portuguesa, ainda necessariamente conserva um
parte do velho cepo. Possa o renovo d’essa vergôntea, transplantada da
Europa para entre os trópicos, prosperar e viver uma bem longa vida, e não
decahir tão cedo como nós decahimos (REVISTA UNIVERSAL
LISBOENSE, janeiro de 1848. p. 01).
O artigo transcrito foi redigido por Alexandre Herculano, português, crítico literário e
um dos primeiros depois de Ferdinand Denis (Résumé de l’histoire littéraire du Brésil, de
1826), na Europa, a chamar a atenção acerca do nascimento da literatura brasileira. O artigo é
intitulado: O Futuro literário de Portugal e do Brasil por ocasião dos primeiros cantos —
poesias do Sr. Gonçalves Dias. A evocação do nascimento da literatura brasileira, no que tange
à poesia a partir de um maranhense, foi explorada, desde então, como esperança de uma nação
que como rebento, arrebentaria das Américas para o mundo. Assim, a elite maranhense
explorava a figura de Gonçalves Dias como um dos criadores da língua e poesia nacionais
imbricando língua, progresso e raça, conotando a emergência desta nova nação.
Para evidenciar a forma como setores da elite maranhense impingiram a participação
da província dentro do novo reordenamento político pós-proclamação da Independência,
enquanto estratégia de salvo-conduto e não enquanto convite, como sugeriu Rossini Corrêa, é
necessário olhar como os maranhenses, ou parcelas destes, encararam a nova configuração das
decisões políticas centradas na capital do império, Rio de Janeiro.
Ainda que sede administrativa colonial desde a transferência da capital de São Salvador
para São Sebastião do Rio de Janeiro durante a segunda metade do século XVIII, o
rompimento político com Portugal significou a repartição do poder, antes centrado na
metrópole, para as diversas regiões do país. As inúmeras rebeliões, revoltas ocorridas durante
todo o período imperial demonstravam a fina fragilidade da unidade supostamente nacional,
forjada, entre outras razões, por uma identidade exógena, extemporânea, à procura de
amálgamas que solidificassem o desiderato das elites brasileiras em conter as pressões sociais,
as fugas de escravos, a manutenção de seus privilégios e a perspectiva de transferência do
centro das decisões, antes em Lisboa, depois, comandadas primeiramente por D. Pedro I,
seguido pelas regências, até chegar a D. Pedro II, sempre concentradas no Paço Imperial, ou
Quinta da Boa Vista ou até mesmo em Petrópolis, representando os interesses elitistas.
Sobre a questão da centralização política a partir do Rio de Janeiro, a historiadora
Maria de Lourdes Vianna Lyra, em entrevista concedida a Maria de Lourdes Mônaco Janotti,
faz a seguinte afirmação contextualizando o ambiente propiciador das revoltas no período
regencial:
É importante lembrar que os liberais “exaltados” lutavam não apenas contra a
acumulação de atribuições de poder no Executivo, mas também contra a
administração centralizadora do Estado imperial — que atrelava as províncias
ao governo geral —, e contra a política que centralizava na Corte do Rio de
Janeiro o montante da arrecadação proveniente do pagamento de impostos
sobre a comercialização da produção local. Essa era uma luta travada desde
os primeiros anos a independência pelos liberais “radicais”, que pleiteavam a
distribuição eqüitativa dos poderes constitucionais e a autonomia das
unidades administrativas (as províncias), defendendo que fosse concedida a
elas a prerrogativa da escolha de seus próprios governantes (os presidentes de
província), além da institucionalização de assembléias legislativas próprias
para criar leis específicas, e da retenção das rendas locais, sumamente
necessárias ao desenvolvimento de cada província
36
.
Balaiada, Sabinada, Farroupilha e Cabanagem dão-nos uma amostra de como era difícil
manter a suposta integridade nacional-territorial, além de contestar as decisões que partiam do
Rio de Janeiro e que forjavam uma idéia de Brasil que não era amplamente visualizada em
várias regiões do país com suas imensas diferenças políticas, sociais, culturais e econômicas.
A elite maranhense, sempre mais ligada a Lisboa, Porto, Coimbra que ao Rio de
Janeiro, não viu com bons olhos a formação de um núcleo decisório da balança das decisões
políticas, cuja atenção se voltava mais para as regiões consideradas mais ricas, mais
importantes no jogo político, e até mais próximas da sede do poder. A formação da Athenas foi
uma moeda de troca da elite maranhense em se fazer notar, senão por sua importância
econômica devido à sazonalidade dos preços internacionais do algodão e a precariedade do seu
sistema de produção econômica espalhado pelo interior da província, então, por sua
notoriedade intelectual. Para isso, o artigo de Alexandre Herculano serviu muito bem.
Não foi raro encontrar em artigos de periódicos do Maranhão do século XIX a seguinte
consternação, parecida ou semelhante a esta abaixo, inscrita em O Argos Maranhense, com o
título: “O que fomos e o que somos”. Trata-se de uma longa explanação sobre as misérias a
que estava submetida toda a província após a independência, seu estado de abandono e a
saudade dos tempos em que não se configurava o que considera como degradação total e
completa da corte.
O Maranhão, bem como a grande maioria das províncias do Norte,
vereja sob o peso de uma influencia fatal — avultado aos olhos de uma corte
immoral.
Essa verdade dura e repugnante — de que somos feitoria do Rio de
Janeiro, administrada a vontade de qualquer ente desprezível, delegado dos
nossos senhores, é ahi hoje geralmente reconhecida e detestada.
O Maranhão, colonia desde 1604, cresceo, nutriu-se de viço e ganhou
forças, pena vé-las esgotar e consumir nos trinta annos de sua independência
e gloriosa emancipação. É que a sua união com o Rio de Janeiro lhe tem sido
dez vezes mais prejudicial e desastrada do que a sua antiga subjeição á
metrópole.
Isto quer dizer, o que isto prova com a summa evidencia, é que, apesar
do triumpho de 1822, peoramos consideravelmente de condição: — trocamos
Lisboa pelo Rio de Janeiro, esperando vantagens reaes, e fomos mais
grosseriamente illudidos do que o éramos com o governo d’alem-mar...[ ]
...[ ] se quereis provas –nos vol-as damos...
penetrae no coração de nossa sociedade, tocae no primeiro elemento de
sua vitalidade — comercio...[ ] o nosso porto que até 1820 o era
constantemente freqüentado por numerosos braços mercantes, é hoje em dia
36
Maria de Lourdes Vianna Lyra em entrevista concedida a Maria de Lourdes Mônaco Janotti (2005. p. 62).
apenas visitado pelos navios ingleses que nos attacam de suas fazendas,
exportando pelo preço que nelles próprios estabelecem...
... E após tudo isto pergunta-se em que se gastam os mil contos de réis da
receita annual da província, que uma vês dirão:— fazemos continuamente
saques sobre Londres para satisfazer os juros do grande debito da nação,
pagamos os luxos da corte, carregamos com o funcionalismos — a so pedra
angular d’este magestoso e soberbo edifício social...
... Presos, mantelados ao Rio de Janeiro, parece que até os sentimentos de
brio, dignidade, pendonor, coragem cívica, morreram n’esta terra...
...não é isto saudades d’esses tempos, que já caíram no esquecimento, ou se
foram encerrar nas páginas da história, porque nós aborrecemos tanto o
despotismo dos governos absolutos, como as mentiras do regimem monarcha
constitucional; é pelo contrario a demonstração nua e descarnada da nenhuma
conta, do profundo despreso e do atraso monumental, que para nós tem
produsido a direcção que já esta assentada nos bancos supremos do Rio de
Janeiro, por quase todas as vezes tão bem e dignamente representada n’esta
província infeliz .
A morte um dia se fará valer! (ARGOS MARANHENSE, 10 de abril de
1851, pp. 01-02).
Ilmar Mattos (1999, p. 76) questiona se “estaríamos equivocados se disséssemos que os
interesses ali preponderantes (Rio de Janeiro) se esforçavam para que os demais interesses do
império nela se reconhecessem”? Essa pergunta se baseia na necessidade, entre outras, de o
império, durante o período de domínio do Tempo Saquarema, momento de afirmação desse
regime, ter se empenhado em garantir uma restauração e ao mesmo tempo possibilitar a sua
expansão, tendo que administrar a crise do escravismo colonial, ordenar os interesses das
grandes famílias, conceber uma política de terras e mão-de-obra, uma política tributária,
monetária, creditícia, conter, a partir de ações repressivas, revoltas e levantes, enfim,
administrar homens (1999, p. 85). Porém, durante esse entremeio, a correlação de forças entre
as províncias posicionava a importância política e econômica delas, e nisto vale perguntar
como ficou o Maranhão ou as outras de menor peso econômico e político.
Ilmar Mattos, quando destaca o peso e o papel da província fluminense, aborda a
rotatividade dos presidentes provinciais, questão emblemática em todo o território brasileiro e
que no Maranhão, por vezes, suscitou revolta contra a corte. A rotatividade dos presidentes de
província, décadas após o Ato Adicional, é citada por ele como uma das principais causas do
atraso e insucesso das demais.
Com efeito, se na maior parte das províncias o tempo médio de permanência
dos presidentes nomeados pelo Governo-Geral era de seis meses, na
província do Rio de Janeiro ele foi de dezesseis meses, se consideramos todo
o período imperial, é de vinte e dois meses, caso consideremos apenas aquele
período que, num sentido bastante estrito, vimos denominando de Tempo
Saquarema, isto é, desde 1834 até o início dos anos sessenta (MATTOS,
1999, p. 240).
Isso sem deixar de mencionar que, no caso da Província do Rio de Janeiro, ao contrário
do que acontecia no restante do Brasil, os presidentes quase nunca eram oriundos de outros
lugares, o que no Maranhão provocou ira e crítica, entre outras figuras, de João Lisboa,
conforme pode ser visto nesta passagem abaixo:
Salta um presidente nesta incomparável província, e para logo se tornar
fautor, protetor, chefe, adepto, sectário, servo, e escravo de algum dos
partidos que encontra, se não é que ele próprio o manipula e organiza,
reunindo, aglomerando e disciplinando os ingredientes e fracões que encontra
dispersos [...]
Muitas vezes chega o presidente da corte ainda irresoluto sobre a qual dos
partidos dará o seu apoio, e venderá a sua independência e liberdade, e aqui
mesmo hesita por muito pouco tempo na escolha (LISBOA, 1865, pp. 171-
172).
Portanto, o desagravo dos editores do periódico caracterizado posteriormente como
liberal maranhense, citado em parágrafos anteriores (O Argos Maranhense), contra a
centralização política do Rio de Janeiro, demonstra o quanto aquele momento político por que
passava o Brasil, muito longe de clarificar uma suposta homogeneidade das elites locais,
sinalizava a tensão intragrupos pelo controle e acesso aos presidentes nomeados a partir da
corte e como estes conduziriam os diversos interesses em disputa.
Assim sendo, a construção da Athenas foi elitista sim, como bem frisou Correa, fruto
de rearranjos locais em uma sociedade escravocrata, mas essa elite não era coerente,
homogênea, íntegra e sem contradições.
Rossini Correa, ao afirmar que confessava desinteresse pela “indicação infantil dos
responsáveis” pela mitologia da Atenas Brasileira, preferindo
esclarecer que a ideologia grego-timbirense foi um produto histórico,
resultante das atividades subestruturais complementares dos senhores,
administrando a organização do trabalho à produção e circulação econômicas,
e dos intelectuais, elaborando os parágrafos determinantes da constituição de
uma consciência oficial da sociedade brasileira contemporânea da emergência
e estabelecimento do Estado-Nacional, onde o Maranhão, orgulhoso e
querendo ser mais aristocrático, pretendia colocar-se como depositário
prodigioso de uma superioridade da terra, e, sobretudo do homem (CORRÊA,
1993, p. 123),
despreza as idiossincrasias dos responsáveis pela mitologia “greco-timbirense”, tratando-os
igualitariamente sem considerar as segmentações, os estilos, influências díspares e as disputas
internas.
Se não se interessa pelos responsáveis da mitologia greco-timbirense, então atribui à
coletividade a criação do mito, fruto da mentalidade aristocratizante maranhense. Sendo assim,
o que definia a especificidade desta mentalidade, se epítetos, símbolos e invenções sociais
surgiram em outros lugares como: Veneza Brasileira (Recife), a Athenas mexicana (Vera
Cruz), Atenas Americana (Santa Fé de Bogotá), a Esparta Brasileira e/ou também Athenas
Brasileira (Rio Grande de São Pedro)
37
, a Ateneida Baiana
38
, tantos Argos como os da Bahia,
Santa Catharina, Pernambuco, Plutarco Brasileiro
39
e Maranhense, como João Manuel Pereira
da Silva (também Diderot Brasileiro) e Antonio Henriques Leal, tantos Pantheons Literários
(fluminense, paulista, pernambucano, riograndense) que surgiram ao longo do século XIX, do
qual o maranhense era apenas mais um? Era então a noção de região, o passado lusitano, a
tradição ibérica, as exportações de algodão, açúcar e arroz, o elevado número de escravos ou o
somatório de todos esses elementos, acrescido de quantos mais, além da visão de mundo dos
homens de atmosfera romântica
40
, além da apreciação pelo narcisismo, pelo gosto da
mistificação, do qual os sujeitos sociais no Maranhão, criadores e reprodutores do mito, a
partir de suas condições históricas, tiveram a capacidade de manejar, criar, recriar,
ressignificar conforme suas posições dentro do campo intelectual, controlando lugares de
decisão política e cultural, como as tipografias, a imprensa, o teatro, as escolas, a igreja, entre
outros.
37
Sobre a Esparta Brasileria, ver a tese de Doutorado de Alexandre Lazzari (2004): Entre a grande e a pequena
pátria: literatos, identidade gaúcha e nacionalidade (1860-1910). Lazzari, no 1° capítulo discute o papel
exercido pelo IHGPSP (Instituto Histórico e Geográfico da Província de São Pedro) no processo de construção
da identidade gaúcha ladeada pelos membros da Revista Parthenon Literário. Na construção de biografias, por
vezes mencionaram militares como exemplo de virilidade, bravura e estirpe gauchesca. Mas não foi raro o
aparecimento de biografias de professores também como modelos de cidadãos que deveriam ser cultuados e, até
de mulheres, em sua grande maioria, professoras das séries iniciais. Dentre elas, a Prof.ª Luciana Maria de
Abreu, que segundo Lazari, “apenas alguns meses depois de ser a primeira mulher a discutir na tribuna do
Parthenon Litterário, recebeu, já aos 26 anos de idade, seu esboço biográfico nas páginas da revista (2004, p.
71). Por essa razão, o sub-tópico deste capítulo se chama: “Esparta ou Atenas? Exemplos cívicos e dilemas da
identidade guerreira. Ver também: PORTO ALEGRE, Achylles. Esboço biográfico – Souza Netto. Revista do
Parthenon Litterario, Porto Alegre, agosto, 1874. p. 47; BELLO, Oliveira. A instrucção e o seculo: discurso
proferido no sarau do Parthenon. Revista do Parthenon Litterario, Porto Alegre, janeiro, 1875, p. 19; PORTO
ALEGRE, Apelles. Ensino livre: discurso no 17º sarau do Parthenon. Revista do Parthenon Litterario, Porto
Alegre, fevereiro, 1875, p. 73.
38
Ateneida Baiana foi fundada por iniciativa de Silvio Boccanera Junior a 13 de maio de 1903 em reunião no
Teatro São João, de São Salvador, Bahia, sob a presidência de Damasceno Vieira. Compreendia 3 academias:
Ciências, Letras e Artes, com 100 cadeiras e um conservatório dramático-musical anexo. Não passou da
iniciativa, conforme a Enciclopédia de Literatura Brasileira (2001, p. 286). Ateneu diz respeito a quem nasceu
em Atenas, logo ateneida é o feminino de ateneu.
39
Armelle Enders (2000) num artigo elucidativo sobre a construção de celebridades brasileiras, mostra como o
Brasil foi influenciado e optou pela imitação da tradição acadêmica francesa do século XVIII em construir
celebridades e panteões ao longo do século XIX, sobretudo, a partir de práticas historicizantes do IHGB. Esta
característica marcou a construção da história do Brasil desde meados até a década de 80 daquele século. João
Manuel Pereira da Silva não foi o único a celebrizar figuras políticas, padres, intelectuais. O Panteísmo foi um
traço marcante do período. Ele não cita a obra de Antonio Henriques Leal e nem cita maranhenses que foram
celebrizados.
40
Nesta atmosfera romântica estava incluso: “uma concepção de natureza, uma teoria de vida, da saúde e da
doença”, conforme Furet (1999, p. 13). Segundo este autor, os românticos tinham “a vontade explícita de
colocarem tudo e qualquer iniciativa estética, pouco importando se inspirada pelo mais puro niilismo se pela mais
ortodoxa restauração religiosa, ao serviço da ideologia” (FURET, 1999, p. 203).
Deve-se pensar acerca dos elementos que forçaram a idéia de uma marca distinta do
espaço local a partir da idéia de Athenas Brasileira. Tal configuração pode ser entendida como
afirmação do nacional (em construção) em detrimento do outro, no caso, o português, tomando
por base a tentativa de afirmação da literatura brasileira, que adquiriu “consciência da sua
realidade — ou seja, da circunstância de ser algo diverso da portuguesa — depois da
independência; e isso decorreu, a princípio, mais de um desejo, ou mesmo de um ato
consciente da vontade”, como frisou Cândido (2000, p. 154). Segundo este autor, os
intelectuais do período romântico precisavam mostrar que havia uma literatura que expressasse
características nacionais.
A forma romântica de ingresso neste novo cenário era a afirmação da identidade
regional através da literatura. O surgimento de uma vida intelectual nascia pari passu à
idealização de Brasil, por isso os elementos difusos eram constantes, posto que a nação era o
semióforo que conduzia as ações dos homens, sobretudo das letras.
O Romantismo foi o momento balbuciante onde questões como estas pululavam. A
construção da nação vinha se fazendo ao longo do processo histórico e os vários despertares
que culminaram no século XIX com a aquiescência da idéia de nação, dentre eles, um
movimento estético de cunho europeu, anterior ao Romantismo, que afirmava a nacionalidade
brasileira, cognominado de Arcadismo
41
, configurado nos Neo-Clássicos e Pré-Românticos, e,
mesmo que ainda presos aos moldes universalistas, voltou-se para temas e sentimentos pátrios.
O Arcadismo buscou o enriquecimento do sentimento nativista, reconhecendo a
inadequação de uma linguagem de condicionamento europeu ao ambiente inspirador
americano, embora se pautasse na linguagem mitológica ou no racionalismo clássico —
idealização da Arcádia —, tendo como expoentes: Cláudio Manuel da Costa, Tomas Antonio
Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Santa Rita Durão, Basílio da Gama, segundo José Aderaldo
Castello (2004, p. 117). Manuel Odorico Mendes (1799-1864), político liberal, foi um árcade
pré-romântico, tradutor de Eneida (1854) e Ilíada (1874), entre outras obras, para o
português
42
.
41
“O Arcádismo significou, no Brasil, incorporação da atividade intelectual aos padrões europeus tradicionais, ou
seja, um sistema expressivo, segundo o qual se havia forjado a literatura do Ocidente. Nesse processo
verificamos o intuito de praticar literatura, ao mesmo tempo, como atividade desinteressada e como instrumento,
utilizando-a ao modo de um recurso de valorização do país — quer no ato de fazer aqui o mesmo que se fazia na
Europa culta, quer exprimindo a realidade local”, segundo Antônio Cândido (1981, p. 09).
42
Sua figura pode ser entendida como “o patriarca da tradução criativa em português. Seu projeto é fascinante,
dada a radicalidade com que submete o nosso idioma à estranheza sintática e lexical do grego e latim” (FOLHA
DE SÃO PAULO, 25. 04. 1999, p. 145).
Sotero dos Reis (1800-1871) outro árcade neoclássico, foi membro do Conselho
Provincial, Deputado, Professor, redigiu jornais políticos, literários, científicos e é
considerado o decano do jornalismo maranhense. Escreveu, entre outras obras: Curso de
Literatura Brasileira e também Gramática de Apostilla da Língua Brasileira.
Nada mais simbólico que ter dois maranhenses no momento de construção da nação
como inventores de uma língua portuguesa brasileira: um, tradutor das obras gregas de
Homero, posteriormente, Virgilio e Voltaire; o outro, historiador da literatura portuguesa e
brasileira, que não esqueceu os seus próceres conterrâneos na obra, assim como patenteava a
nova língua que emergia, não a portuguesa, mas a portuguesa brasileira.
No Brasil do século XIX e também no Maranhão, o ideal civilizacional ainda
permeado dos elementos americanos, tão bem expressos em versos como os de Gonçalves
Dias, era o europeu. Durante a construção da nacionalidade, o lugar dessa nação passaria pela
transmissão de valores ocidentais, forjados e alcunhados pelo velho mundo. Mesmo em
movimentos como o Romantismo mesclaram no horizonte um projeto de nação, logo de
civilização, que não abandonariam a marca da ocidentalidade. É ambíguo em época romântica
o forjar de uma identidade regional que trazia consigo um estandarte árcade: idealização da
Arcádia. O Arcadismo se transportava para uma outra era: idílica, idealizada, tal como o
próprio Ocidente idealizou o espaço vivencial grego como clássico, modelo a ser seguido,
obsequiosamente.
A idealização da Grécia Antiga, presente na evocação da Athenas Brasileira, foi se
dando durante o processo de substituição do referente lusitano, padrão a ser superado, sem,
contudo, desgastar-se, desgarrar-se dos cânones da língua portuguesa.
Desde o Renascimento, vinha se consolidando na Europa a imagem de “milagre
grego”, ou seja, a noção de que a Grécia havia atingido o máximo desenvolvimento
civilizacional que deveria ditar as formas ideais de sustentação de qualquer civilização.
A aparente contradição entre a exaltação de um elemento árcade como a idealização da
Grécia, imbricados com os elementos do mais puro “barroquismo” romântico brasileiro, foi
uma das saídas para a afirmação de uma língua brasileira (Odorico Mendes — árcade,
neoclássico, pré-romântico, Sotero dos Reis — árcade, neoclássico), poesia (Gonçalves Dias
— romântico), jornalismo, prosa, história (João Lisboa — neoclássico) para aqueles que
defendiam que o Maranhão não deveria ser olvidado do processo de invenção dos caracteres
da nova nação, dentre eles, biógrafos, tipógrafos, poetas, políticos e jornalistas.
Nesse período se destacou Gonçalves Dias, considerado o maior poeta romântico
brasileiro. Era o momento mais importante de tomada de consciência de particularidade
brasileira, ou seja, de que não mais se poderia continuar considerando os brasileiros enquanto
europeus (portugueses), tal qual faziam os colonos no tempo do domínio português. Não eram
e já não mais queriam ser reinóis ou filhos de Portugal, mas tamm não poderiam se
considerar indígenas.
Quem eram os brasileiros? O que era ser brasileiro? Eram piores ou melhores que o
colonizador europeu? A cultura geral da época romântica por excelência estava voltada, por
um lado, para a valorização das particularidades, como a terra natal, as características regionais
e afirmação nacional e, por outro, para a crítica à civilização urbano-burguesa européia. A
inspiração dos costumes, a independência política, o papel da poesia, a questão da
compensação, progresso, o lugar do local e do universal, o “eu e o outro”, a religião, o
indianismo, a revisão dos valores, a noção de genialidade, as formas de expressão em verso,
música e retórica, o papel da imprensa como símbolo de civilidade, eram algumas das tantas
questões que perpassavam naquele momento.
Segundo Joaquim Manuel de Macedo, a literatura tomou parte nesse projeto de
construção da nacionalidade
e desempenhou, ai, uma função efetiva. Escrever o que quer que fosse –
poesia ou história, teatro ou levantamentos topográficos, romances ou
descrições geográficas, crônicas ou dissertações sobre etnografia — podia
ser instrumento para atingir o objetivo visado. Com uma condição: era
preciso que o que escrevesse fosse considerado “útil e precioso para a
pátria” (MACEDO apud ROUANET 1999, p. 17).
Ainda que não se possa falar em exclusividade das vinculações entre Romantismo e a
idéia de nacionalidade como privilégio do Brasil para Rouanet (1999, p. 9), a fundação do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1838, além do papel das letras, concorreram
para o projeto que tinha por alvo “o desenho dos contornos que se queria definir para a nação
Brasileira” (ROUANET, 1999, p. 16). Afinal, segundo Araújo Porto Alegre, as participações
do Imperador Dom Pedro II nos saraus literários e nas reuniões do IHGB demonstravam que o
“literato já não pertencia a uma existência secundária na ordem social” (ROUANET, 1999, p.
555). Gonçalves Dias e João Francisco Lisboa eram membros do Instituto.
Gonçalves Dias, que Dante Moreira Leite (1992, p. 172) considera como o maior dos
poetas indianistas, é também celebrado por Olavo Bilac, Mário de Andrade e Manuel
Bandeira, de vital importância para as letras brasileiras. José Veríssimo considerou-o, “sem
dúvida, o poeta brasileiro que mais profundamente e extensamente versou a nossa língua:
conhecia-a não das gramáticas, mas do trato com os escritores de todas as épocas, desde os
poetas cancioneiros e dos primeiros cronistas” (VERÍSSIMO apud SODRÉ, 2002, p. 332).
A literatura foi uma aliada do projeto comum que passou a difundir as idéias presentes
no grupo romântico. Maria Helena Rouanet mostra o quanto essas relações estavam
imbricadas. Segundo ela, os versos da Canção do Exílio: “Nossas várzeas têm mais
flores/Nossos bosques têm mais vida” foram tão “eficazes em termos deste duplo movimento
que, além de serem reproduzidos por praticamente todos os românticos brasileiros,
institucionalizaram-se, definitivamente, na letra do Hino Nacional” (ROUANET, 1999, p. 23).
O Romantismo visou a redefinir não só atitude poética, mas “o próprio lugar do homem
no mundo e na sociedade”, segundo Cândido (1981, p. 23) e, ao contrário dos árcades,
concebia de maneira nova “o papel dos artistas e o sentido da obra de arte, pretendendo
liquidar a convenção universalista dos herdeiros da Grécia e Roma, em benefício de um
sentimento novo, embebido de inspirações locais, procurando o único em lugar do perene”
(CÂNDIDO, 1981, p. 23).
Isso nos ajuda a entender que havia vários projetos de nação brasileira em curso e em
disputa, não só no sentido estético, mas também político. Nessa discordância de como deveria
ser a língua portuguesa brasileira, quem deveria fulgurar no panteão estandartizante da pátria?
Aqueles que não liquidavam a convenção universalista dos herdeiros de Grécia e Roma ou os
que reiteravam rejeitar o Classicismo, padrão da arte antiga? Nessa disputa, apoiados pela
figura do Imperador D. Pedro II na emergente nação, venceram os românticos, e no hall da
fama das celebridades eternizadas, inclusive na letra do Hino Nacional, figurou Gonçalves
Dias muito mais que Odorico Mendes ou Sotero dos Reis, não só no plano local, mas
sobretudo nacional, ainda que, para muitos, vicejar a nação nova a partir de elementos como o
Indianismo fosse uma aberração, como por exemplo, João Francisco Lisboa, que via tal
movimento como “uma distorção da realidade, que lhe feria o bom senso racionalista”,
segundo Cândido (1981, p. 22).
Daí que não é de se estranhar os co-provincianos anos antes na província não estarem
juntos na Festa de Nossa Senhora dos Remédios levando João Lisboa a fazer a jocosa
observação ao poeta-mor indianista sobre andar lépido e de mãos dadas a umas senhoras.
A crítica de João Lisboa dirigida a Gonçalves Dias não pode ser tomada
exclusivamente enquanto divergência ao projeto estético que deveria figurar na nova nação,
como também o que tais projetos evocavam. João Lisboa entendia o esforço de tal intento, mas
desconfiava de sua profundidade, aliteração. Possuía um olhar preconceituoso com sua noção
de bárbaros atribuída aos nativos da terra, mas percebia uma simulação quando se elencava ou
se atribuía uma imagem cavalheiresca medieval aos índios brasileiros. De fato, idealizou os
cronistas tanto quanto os indianistas aos índios, contudo, suas críticas aos estandartes
românticos nos ajudam a pensar os diversos projetos que estavam em curso, da nação à
literatura, sem esquecer, é claro, da história.
Sua desconfiança pautada, em parte, em sua concepção de sociedade que antagonizava
civilização e barbárie, não comportava a visualização do grande poeta maranhense andando
pelas ruas de São Luís deleitando-se como uma sociedade travejada de contradições, dentre
elas, a escravidão. O que estava em curso no Império brasileiro era simulacro para João Lisboa
na medida em que as contradições sociais existentes não se coadunavam com a projeção do
que seria a nação. Então a sátira a Gonçalves Dias e aos maranhenses, chamando-os de
“atenienses modernos”, dizia respeito à improbabilidade do Maranhão ser Athenas ou Atenas
Brasileira em meio às gentes ignorantes, à corrupção da política, às fraudes eleitorais, à
escravidão, à pobreza e até as praias barrentas daquele pobre e impagável Maranhão.
No folhetim A festa de Nossa Senhora dos Remédios (1851), a assaz morbidez com que
via as gentes do Maranhão a partir de seu elitismo racial, conferia-lhe um lugar destacado,
para não dizer icônico, fazendo de sua postura uma voz dissonante num período de fausto e
ereção de tradições culturais, pois “sua capacidade de denunciar o clima de falsa euforia
(BARBOSA, 1967, p. 14) de fato contrastava com “a perspectiva de geração normalmente
empenhada em fruir e exaltar as virtudes de um fastigio econômico, desde que se sentia
ateniense por sobre suas riquezas e efeitos” (BARBOSA, 1967, p. 14).
João Francisco Lisboa, ao narrar sobre a festa, tripudiava sobre aquela manifestação
popular e religiosa que nada lembrava uma civilização alvissareira e de bons modos.
Deram seis horas; os sinos, os foguetes, as bombas estrugiam tudo. A rua que
seguia ao largo, começou a encher-se, e a entornar as suas ondas incessantes e
perenes. Toda aquela multidão forma como uma só veia, ou serpente de mil
cores que se arrasta sem cessar, surucucu, jararaca, sarapintada de negro,
branco, vermelho, azul, verde, amarelo, pardo e cinzento. Vista por partes,
são brancos, pretos, mulatos, cafuzos, cabras, caboclos, mamelucos, quartões,
oitões, e outras variedades que escapam a classificação gayoso. São casacas,
paletós, jaquetas, calças modernas, antigas martinicas, vestidos, saias,
quinzenas, mantas, visitas, sapatos, chinelos, pés descalços. Formosura e
fealdade, a graça e o desazo, o vicio e a virtude, a singeleza e a desenvoltura,
a inteligência e a estupidez, todos os sexos, todas as idades (LISBOA, 1865,
pp. 554-555).
De onde advinha a percepção nada ufanista e “realista” deste maranhense polêmico,
historiador e jornalista que incendiava a cidade de São Luís, já por volta de 1838, quando da
eclosão da Balaiada, tendo opiniões tão díspares dos demais, sobretudo dos viajantes de época,
como Robert Avè-Lallement, que lá esteve por volta de 1859, até mesmo sobre a paisagem
urbana da cidade, quando afirmou que também amaria São Luís
se fossem plagas de dourada ou branca areia, e não as praias de lama deste
impagável Maranhão. Que vista tão danosa, que vasto e varegado panorama,
aos olhos ávidos, ao mesmo tempo, e fatigados de tanto objeto vulgar e
ignóbil! A um lado o Anil, a sua oposta margem, a verdura infinda de suas
colinas, a pedreira da Jansen; do outro a baia imensa que desaparece nos
seus sem fins horizontes; a pouca distância de três noveios, relíquias da
antiga opulência comercial; de outro lado, a cidade com a casaria apinhada,
e sobretudo, Santo Antônio, as paredes denegridas de seu claustro, as pardas
arcadas da sua fonte, a sua cerca sombreada de bastas folhagens, e o chão
tapeçado de um verde que o sol estivo principia a dourar (LISBOA, 1865,
p. 100).
As diferenças de opiniões entre Lisboa e Robert Avè-Lallement podem ser
compreendidas a partir da leitura de José de Ribamar em O Maranhão na literatura de
viajantes do século XIX, publicada em 1991. Nesta obra, Caldeira arrola os viajantes que pelo
Maranhão passaram durante o século XIX, a saber: Henry Koster em 1811, Johann Emanuel
Pohl, 1811, Spíx e Martius, em 1819, Alcides d´Orbigny, 1832, Daniel Parish Kidder, 1841,
George Gardner, igualmente em 1841, Príncipe Adalberto da Prússia, 1843, Auguste François
Biard, 1858, Robert Avè-Lallement, 1859, Elizabeth e Louis Agassiz, 1865. Desde os relatos
de Spix e Martius, que relataram merecer São Luís a condição de 4ª cidade do Brasil, os
relatos de viajantes sobre o Maranhão sempre foram utilizados por alguns citadinos como
moeda de troca de reconhecimento de sua condição de requinte perante o resto do império. Os
relatos então serviam como aval de que o Maranhão, diga-se São Luís, merecia estar entre as
grandes cidades brasileiras.
O que José de Ribamar Caldeira aponta é que os viajantes se hospedaram nas casas das
famílias abastadas, tendo contato com os filhos da aristocracia que foram educados na Europa,
com hábitos que não diziam respeito ao montante dos moradores da cidade, mas de uma
parcela dela. A outra questão crucial levantada por ele é que alguns viajantes nunca vieram ao
Maranhão e fizeram seus relatos a partir de comentários de outros e de maranhenses que na
Europa moravam. Daí a discordância de opiniões não somente entre João Lisboa e Avè-
Lallement, mas ao cômputo geral dos viajantes que obtinham uma visão particularizada das
condições sociais do Maranhão e, em especial, de São Luís.
João Lisboa criticava a existência de uma classe de proprietários que se empobrecia
com as crises do algodão e arroz, segundo Janotti (1977), além de salientar o achatamento do
ambiente urbano de São Luís, ressaltando a rudeza dos hábitos provincianos nos seus aspectos
mais tangíveis. Via os seus co-provincianos como desprovidos de senso crítico ao darem
muito valor às festas e espetáculos que em nada enriquecem a vivência social “deste pobre
respeitável público que vegeta em tamanha e tão rigorosa dieta de tudo quanto pode alimentar
e deleitar o espírito, os ouvidos, os olhos, e todas as mais faculdades e sentidos da alma e do
corpo” (LISBOA, 1865, p. 515).
Em todos os momentos seus escritos demonstram o retrato de uma cidade em
decadência que procura manter o antigo brilho adquirido no período áureo do algodão.
Enquanto uma parcela da população procurava manter o sentido aristocrático das relações
sociais, João Lisboa representava a constatação dessa decadência, segundo Janotti (1977, p.
129).
João Lisboa pertencia a uma elite política e intelectual, demonstrando que não havia
unicidade dentro deste grupo. Por que se deve contrapor a visão de Athenas da época com a de
falsa euforia de João Lisboa? Como a crítica de João Lisboa pode ser utilizada para
compreensão dos projetos de fração de mando da província? Em outras palavras, onde estaria a
súbita mudança que permitiu ao Maranhão, quer dizer, São Luís, ser já na primeira metade do
século XIX a Athenas Brasileira?
A cidade possui e ainda possue fachadas e pórticos. Algumas casas traziam e ainda
trazem nesses pórticos datas de séculos anteriores. Era garbosa em seu estilo: ostentava riqueza
de um período ‘áureo e faustoso’. Algumas casas, com suas platibandas, ostentam até hoje eira
e beira, outras, nem beira ou eira. Famílias mais abastadas traziam de Portugal azulejaria para
ornar tais fachadas. A rua mais opulenta era a Portugal: conjunto de casarões em estilo colonial
de três e quatro pavimentos, em cujo térreo funcionava o comércio, nos restantes cômodos,
acomodações aconchegantes para uma cidade provinciana do Brasil do segundo decênio do
século XIX. E no último pavimento, mirantes onde geralmente se avistava toda a
movimentação: o movimento do cais, sobradões com seus telhados e a toponímia da cidade. A
rua se estendia de uma extremidade contígua à casa das tulhas (mercado) até onde a cidade se
limita com as águas dos rios Bacanga e Anil — desaguadouros do mar.
O fim da Rua Portugal, onde tocava os rios, um porto de grande movimentação com
suas velas ao vento aonde chegavam pedras de cantaria, artigos de luxo da Europa, peças de
maquinaria das tipografias locais, livros recém-lançados naquele continente, peixe, camarão,
algodão e arroz partindo.
O primeiro depoimento sobre a estrutura urbana é o de Koster, que visita
São Luís em 1810: as ruas são, na maioria, calçadas, mas não há
conservação. As casas são limpas e bonitas tendo apenas um andar. O térreo
é aproveitado pelos criados, lojas, armazéns, sem janelas geralmente como
em Pernambuco. A família reside no alto e as janelas se abrem para o térreo,
sendo ornamentadas com balcões de ferro (LEFÈVRE, COSTA FILHO,
1979, p. 13).
Do forte inicial, a cidade se espraiou por uma vasta extensão que se estendia, no século
XIX, do bairro da Praia Grande, bairro comercial, político e cultural, local onde se localizava o
maior porto da cidade, passando pelo Portinho, Praia Pequena, Madre de Deus, Desterro até
chegar ao Campo d’Ourique.
Mapa da cidade de São Luis em 1844.
A atividade portuária intensificaria seu ritmo habitual desde a visita de Koster em
1810. Viajantes iriam e viriam, maranhenses embarcariam rumo à Europa, a aristocracia
ostentaria ainda mais suas riquezas, mais escravos chegariam ao porto do Maranhão, mais
escravos do Maranhão rumariam para outras províncias a partir da proibição do tráfico
internacional em 1850, fazendo desse lugar o principal centro de abastecimento de mão-de-
obra escrava, mais casarões seriam construídos.
Robert Avé-Lallement assim afirmou (1961, p.19):
com bastante certeza que nenhuma cidade no Brasil conta, proporcionalmente
ao seu tamanho [...] tantas casas bonitas, grandes e até apalaçadas.
Devo dizer que, depois das três grandes cidades comerciais, Rio de Janeiro,
Bahia e Pernambuco, a cidade do Maranhão merece indubitavelmente a
classificação seguinte, e tem realmente esplêndida aparência.
A mistura das gentes conseguiu-se sobremaneira pelo histórico de exportação dos
gêneros agrícolas do Maranhão desde o período colonial, mais precisamente século XVIII,
quando da existência da primeira Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, até a
acentuada marca de 58.505 toneladas em 1854, fazendo com que o algodão, apesar de branco,
tornasse preto o Maranhão, conforme a asserção de Caio Prado Junior (2000, p. 154).
Nesta citação abaixo de Avè-Lallement sobre as gentes do Maranhão, percebe-se o
resultado de anos de escravidão enchendo as ruas da Athenas Brasileira de escravos, forros,
libertos e vendedores, transeuntes ante o sol tórrido da proximidade com a linha do Equador,
úmido e abafado.
Nas ruas do Maranhão circulava gente endomingada. Uma multidão de
mulheres e moças de cor, nascidas duma mistura de pelo menos três raças,
vagava para cima e para baixo, desembaraçadamente. O calor do Maranhão
a 2 ½ graus do Equador, justifica a nudez dos ombros, dos colos e dos
braços até espáduas, o que faz realçar vantajosamente as formas, muitas
vezes realmente belas, dessas mulheres de cor.
(AVÈ-LALLEMENT, 1961, p. 19).
A integração do Maranhão ao contexto mercantil havia se dado no século XVII pelas
presenças francesa e portuguesa levando à divisão administrativa do Brasil em 1621, com a
criação dos Estados do Brasil e Maranhão. Logo chegaram os açoreanos e implementaram a
produção açucareira juntamente com a utilização de mão-de-obra indígena pelos jesuítas.
Esses elementos, acrescidos do descumprimento do acordo entre a Companhia de Comércio e
os comerciantes, somados com a cobrança do estando, levaram à eclosão da revolta dos
Beckman, em 1684.
Em 1720, a população somava 1500 pessoas. A produção agrícola da região se
assentava em grande parte na mão-de-obra indígena. Por este período se deu a introdução da
moeda metálica em substituição ao escambo com panos de tecidos e, em seguida, o
aparecimento de atividades extrativistas e agrícolas (circulação de mercadorias apropriadas
pelo estanco metropolitano).
Em 1755, com a Criação da 2ª Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e
Maranhão, responsável pelos suprimentos de mão-de-obra escrava, insumos agrícolas e
créditos aos produtores, intelectuais da época cognominaram o fastigioso momento como o da
“idade de ouro” do Maranhão e finalmente, a entrada verdadeiramente desta região nos
quadros do mercantilismo agro-exportador. No pólo extremo do Maranhão ocorria o
aparecimento da nova fronteira agrícola na região de Pastos Bons, colonização Sul do
Maranhão. No entanto, a maior ênfase econômica se situava na órbita do cultivo de algodão,
consubstanciado pela Guerra de Independência dos Estados Unidos. O quadro abaixo
demonstra o crescimento do Maranhão entre meados do século XVIII e início do XIX.
Exportação tonelada
Ano algodão arroz
___________________________________________________________________________
1759 10 -
1766 - 43
1771 61 -
1772 - 974
1774 - 1544
1798 952 -
1819 - 5400
1821 3392 -
Gaioso (1970, p. 415).
Em 1822, o total de escravos somava 84.629, enquanto que o de proprietários rurais era
de 2.683. Os números indicam que, nesse ano, o Maranhão exportou 3.391 toneladas de
algodão, 6.000 toneladas de arroz. Ocorreu também o crescimento da pecuária e exportação de
couros. O Maranhão forneceu ao Tesouro mais tributos que o resto do Império. Têm-se como
características deste período a marca arquitetônica lusófila, o incremento do bairro da Praia
Grande, a construção do teatro local, da imprensa, dos grandes jornais de alta, média e baixa
circulação, das viagens dos filhos da aristocracia para estudarem em Recife, Olinda, Rio de
Janeiro, mas também França, Inglaterra, Portugal, a rivalidade entre Alcântara (sede da
aristocracia rural) e São Luís (sede da aristocracia comercial).
O jornal político O Progresso estampou os seguintes preços correntes na praça de São
Luís, constando os seguintes gêneros de exportação e importação:
aço de Milão e Suécia, aguardente do Estreito de 35 grãos, aguardente em
garrafões, alcatrão sueco, aniz, azeite doce de Estreito, de Portugal, azeitonas
Portuguesas, amêndoas doces com casca, bacalhau, bezerros de França
brancos e pretos, bezerros envernizados de França, brins de ruma, brinz
inglês, breu, batata, cabos de linhos patente de carro, canela, carneiros de
cores surtidas, cera em vela de Lisboa, cera em pão de grumo, chá Hessom,
chá pérola, cerveja branca, cerveja preta, cominhos, cobre de forro,
chouricos, chumbo em grãos, em pasta, em barra, chapeos sello de seda,
capatos de seda de sura, de cordão vão e dita dura, enxadas de ferro, erva
doce, espingardas lazarinas, farinha de trigo americana, franceza, folha de
flandres, fio de vela, fio de porrete, ferro de Suécia, ferro inglez, foices de
roça, de meia dita, ficoens, genebras em garrafões, em botijas, garrafões
empalhados, gangas azuis da India, lona da Rússia, lona ingleza, maçãs
surtidas, machados de roça, de meia dita, olio de linhaça, panno de linho da
feira, panno de linho de Toloens, passas, paços de Lisboa, pezintes
portuguezes, papel de pezo, almaço 1ª sorte, 2ª e 3ª, papel branco francez,
papel branco florete, erdo, papel de embrulho, pimenta da Índia, peixe da
Suécia, peixe d’América, polvora, queijos flamengos, rapé de Lisboa, retroz
sortido, sabão amarelo, sabão branco, spermacete em velas americanas, de
composição, tamancos surtidos, taboadas de Flandres, toucinho portuguez,
violas envernizadas, vinagre, vinho tinto do Porto, de Lisboa, branco dito,
tinto de Marseille, tinto de Barcelona, muscatel engarrafado, Bordeaux,
Champagne (O PROGRESSO, 17.02.1847. n. 33, p. 03).
Enquanto os gêneros recebidos de outras províncias do império na mesma ocasião
eram:
arroz em casca do Pará, assucar branco, assucar mascavado, amarras de
piassaba, borraxa fina, borraxa grossa, cacau, café de casca, café descascado,
cravo, castanha do Pará, comaru, charutos, tapioca, urucu, fumo maependim,
da Bahia vinham; colla, capatos de borracha, guaraná, olio de cupahiba,
puxeri, rapé nacional, salsa parrilha boa, inferior, tabaco em pó, de Santos
vinha; toucinhos (O PROGRESSO, 17.02.1847. n. 33, p. 03).
Ao passo que o Maranhão exportava os seguintes produtos:
Algodão de 1ª qualidade, de Serra, assuçar branco, aguardente, arroz em
casca, quando do vapor, arroz quando de outras fábricas, quebrado ou miúdo,
alamados, azeite de andiroba, de carrapato, de gergelim, carne secca, café em
casca 40 ƒ, charutos, chifres de boy, couros de boy salgados verdes, e couros
de boy seccos da terra, com guia, foguetes do ar, farinha de mandioca,
d’agua, feijão da terra, fumo de molho, boys vivos, fumo de corda, genebra
em garrafões, em botijas, gergelim, gomma do siel, grude de peixe, gengibre,
milho, mendobim, mel de cana, licor sortido, panno d’algodão largo, estreito,
sabão da terra escuro, amarelo, sebo em rama, sal, tapioca, taboado de
costado, de bacury, de cedro, de louro, porauba, tequira, vaqueiros.
(O PROGRESSO, 17.02.1847. nº 33, p. 03).
A entrada e a saída desses artigos podem ser compreendidas, se olharmos na atividade
portuária da cidade de São Luís em meados do século XIX. Ainda que o discurso do setor
agroexportador fosse de declínio econômico, pois 1850 demarca a interrupção do tráfico
internacional, a lista dos navios estrangeiros e da navegação de cabotagem com suas
tonelagens e equipamentos dão-nos uma medida do que os moradores de São Luís poderiam se
aquinhoar com a chegada de novidades advindas da Europa, como também de outras
províncias brasileiras.
Na outra página, há dois quadros
43
que demonstram as atividades portuárias da cidade
de São Luís em barcos nacionais e estrangeiros.
43
Maranhão antigo: estradas e caminhos, meios de transporte, baseado no Dicionário Histórico e Geográfico
da Província do Maranhão, de autoria de César Marques, (1984, p. 14).
1854-1855
Nacionalidades navios tonelagem equip.
americanos 12 1818 86
belgas 02 432 20
franceses 10 1768 142
hanoverianos - - -
espanhóis 7 1356 88
ingleses 22 9519 353
noruegueses - - -
portugueses 21 5590 329
brasileiros 07 1460 98
TOTAL 81 21943 1116
Aportaram no Porto do Maranhão 81 navios no biênio 1854-55 com 21.943 toneladas
de produtos de 9 nacionalidades, incluindo o Brasil. Não é de se estranhar que as elites
maranhenses de sentissem uníssonas com as novidades existentes de então, mantendo ligações
com outras regiões do mundo e do Brasil. Aquela sensação de distanciamento, senão cultural,
pelo menos economicamente, poderia ser atenuada. Atraía a atenção de viajantes e
comerciantes a vantajosa posição geográfica de São Luís e o profundo calado do porto, além
do encurtamento da viagem para a Europa.
No quadro abaixo, um demonstrativo da navegação de cabotagem realizada em águas
do Maranhão.
1854-1855
Províncias navios tonelagem equip.
Pará 37 4852 360
Piaui 12 1774 130
Ceará 10 596 64
Pernambuco 11 1778 124
Rio de Janeiro 01 287 13
TOTAL 71 9287 691
Este momento de crescimento econômico é afetado pela proibição do tráfico
internacional em 1850 - Lei Eusébio de Queiroz. A produção algodoeira começa a declinar ano
após ano até 1869 com o fim da guerra de secessão nos Estados Unidos. Com o fim do
conflito, os Estados Unidos voltaram a suprir o mercado europeu, principalmente o inglês, com
o algodão, que antes era fornecido pelo Maranhão. O aumento do custo da escravaria e
estagnação dos preços do algodão reorientaram a economia para o açúcar.
O Maranhão passava a ser exportador de escravos a partir de 1850, invertendo a
polaridade econômica da produção de algodão, arroz e açúcar, ou seja, a região que havia se
notabilizado pelo escoamento da produção agrícola sofria as conseqüências da dependência de
demanda do mercado externo — característica do modelo mercantil agroexportador — e via
singrar pelo mar do Maranhão a força de trabalho que antes sustentava a economia local. Era o
fim do discurso da euforia da prosperidade maranhense que, aliada aos falecimentos e partidas
dos intelectuais para o Rio de Janeiro, engrossavam o caldo da melancolia. Setores ligados à
agroexportação fizeram do início das exportações um fausto, como se não existisse vida antes
da chegada de Marquês de Pombal.
Carlos Alberto Ximendes (1999) desconstrói a idéia de que antes da Política Pombalina
o Maranhão estivesse imerso em uma profunda pobreza e miséria. Este autor mostra que
existiam acumulação de riqueza, várias profissões, atividade portuária, comércio com outras
províncias, como Pará e Pernambuco, e uma dinâmica voltada para o mercado interno
existente entre o período de 1612 a 1755, portanto antes da criação da Companhia de
Comércio. Esta análise é importante, pois ajuda a desconstruir interpretações que afirmam a
plantation e a agroexportação como únicos elementos capazes de produzir riqueza no contexto
colonial e no século XIX.
Esses dados acima revelam a fragilidade da tese dos que defendiam a imagem de
decadência e estagnação econômica como sinônimo de crise reforçando a análise de que a
apropriação desta imagem era uma invenção social como forma de barganha política junto ao
estado e uma estratégia de manutenção da escravidão.
Regina Faria, em dissertação de Mestrado, após uma profunda análise sobre a
economia maranhense ao longo do séc. XIX e as divergências quanto aos usos dos termos
decadência e crise, critica a noção de decadência e afirma categoricamente (2001, p. 38):
[..] diante do exposto, espera-se ter ficado claro porque se considera
inadequado o termo “decadência” para qualificar o que estava ocorrendo na
economia do Maranhão no decurso do século XIX. Discorda-se também da
idéia de “involução”, contida no sentido dado à “decadência” e explicitada
por muitos autores que analisam as conseqüências da Abolição. De fato, o 13
de maio foi o momento final da crise terminal da agroexportação do
Maranhão. Mas foi a grande lavoura que se desagregou; a pequena produção
baseada no trabalho familiar, que vinha se ampliando desde meados daquele
século, expandiu-se, passando a ser o padrão de produção no setor agrícola. A
pequena produção estava nas grandes propriedades, com os “moradores” ou
“agregados”, nas denominadas “terras de santo”, terras de preto” ou nas terras
devolutas das áreas de exploração mais recentes, com os chamados
“posseiros”.
Foi em parte este sucinto balanço acima descrito que proporcionou um fastigioso
crescimento econômico que se transmutou em crescimento cultural desde o início das
exportações em 1755 que teriam proporcionado a São Luís no século XIX o título de Athenas
Brasileira. Era essa euforia que João Lisboa tanto criticava. Foram essas as circunstâncias que
sedimentaram na historiografia maranhense a idéia cabal de que São Luís era a encarnação
brasileira do período clássico grego.
As disputas entre os diversos segmentos da elite maranhense (grandes proprietários
rurais, burguesia, comerciantes, profissionais liberais, intelectuais etc.) nos vários setores, da
política e da intelectualidade, leva-nos a pensar nos projetos em jogo: biográficos,
autobiográficos, econômicos, políticos, entre outros e, por conseguinte, a forma como esses
diversos segmentos pensavam a condução da sociedade.
João Lisboa, ainda que pertencente à elite maranhense, pode ser tomado como
emblema dessas divergências, portanto tomar a Athenas como apenas de interesse aristocrático
é não considerar os vários aspectos aqui elencados: das disputas internas dentro da composição
dessas elites até a reordenação da política brasileira imperial e a forma como cada um desses
segmentos comporiam suas relações de força. Os emblemas forjados nesse cenário estavam
concomitantemente em disputa. Todos os segmentos sociais das elites maranhenses se
interessavam em considerar a província como Athenas Brasileira? Supostamente não, ainda
que uma parcela significativa pudesse usufruir desse epíteto como forma de legitimação,
reconhecimento, significação e justificativa social.
Os segmentos portugueses ou ligados a eles eram menos eufóricos em relação a
Athenas enquanto um estandarte que segmentava o passado lusitano, outrora referenciado, em
detrimento do nacional em construção, ainda que este setor dominasse o comércio de São Luís.
Liberais exaltados discordavam do papel da imprensa quando artigos de jornais
exaltavam e defendiam presidentes de província que pelo Maranhão passavam fenecendo a
condução política conservadora. Os liberais exigiam de setores da imprensa uma atuação mais
livre, mais combativa e menos laudatória, ainda que existissem jornais de cunho
exclusivamente partidário, incluindo os liberais.
Ora, se o Maranhão era Athenas e a imprensa foi um dos seus sustentáculos, como
podia calar ante as atrocidades, fraudes, desgovernos, descalabros cometidos por sucessivos
presidentes, muito deles sem grande formação educacional, em meio a uma cidade repleta de
“magnânimos” leitores?
Conservadores criticavam a postura e atuação daqueles que “destruíam” os alicerces
das instituições emergentes e em nada contribuíam à nação ou à província com suas posturas
consideradas radicais, intempestivas e inconciliadoras, dentre eles, exaltados liberais.
Setores intelectuais não gozavam de liberdade de expressão, pois dependiam dos
recursos, ora da elite aristocrática, ora de segmentos do setor comercial e até da própria igreja
para a publicação e aprovação de suas obras, variando de posição conforme o grau de
dependência econômica e política.
Público leitor estava à mercê das intempéries, dos combates das trincheiras jornalísticas
pintadas pelas cores das composições políticas, do grau de passionalidade com que se
atacavam ou defendiam determinados posicionamentos, da variegada existência de jornais,
panfletos, brochuras que apareciam e desapareciam ao sabor do amadorismo, das condições
financeiras, das alianças e da saúde de seus responsáveis, sem esquecer da colagem que se
fazia das notícias que vinham da Europa.
Camadas pobres não eram consideradas como partícipes do edifício social chamado
sociedade maranhense, pois não votavam, não poderiam ser votados, possuíam parcos recursos
e, por isso, seus reclames não estavam estampados nos periódicos.
Os escravos com seus braços sustentavam o cômputo da sociedade, mas não eram
cidadãos, tal como na Grécia antiga, aliás, na hellas grega ou maranhense, quem eram os
cidadãos? Na Grécia antiga, nem meteco, perieco, mulher ou cidadão de baixa renda; no Brasil
e, por consequinte, no Maranhão, somente os de condição censitária.
Portanto, Rossini Corrêa perde de vista a possibilidade de entender as divergências
internas de construção nacional durante o período ao desconsiderar as disputas intra-
aristocráticas. Enumerando todos esses argumentos citados, a obra Formação Social do
Maranhão, de Rossini Corrêa, ao desprezar os responsáveis pelo mito da Athenas,
desconsidera que a criação mitológica não é fruto de toda a elite, mas de uma parcela dela,
atendendo a interesses, condições e situações muito específicas.
A outra obra selecionada é Apontamentos de Literatura Maranhense (1ª edição 1976,
segunda, 1977), de autoria do Ex-Presidente da Academia Maranhense de Letras e crítico
literário, Jomar Moraes. Ao estabelecer sua visão acerca da literatura maranhense dentro dos
quadros da brasileira, repete o que já havia sido decantado vastamente sobre a questão.
Adotando a periodização 1832/1868 para o Grupo Maranhense, constituído de Neoclássicos e
Românticos, já no quarto parágrafo da página 85, afirma:
...Neste contexto se desenvolveu um destacado grupo de poetas, jornalistas,
romancistas, teatrólogos, biógrafos, historiadores, tradutores, matemáticos e
tantos outros intelectuais, que proporcionaram a São Luís o codinome de
“Atenas Brasileira”. Constituí-se de dois grupos que se sucederam ao longo
do período imperial. O primeiro denominado “Grupo Maranhense” atuou
entre 1832 e 1868, e dele fizeram parte escritores que se tornaram conhecidos
nacional e internacionalmente. São seus integrantes: Manuel Odorico
Mendes, Francisco Sotero dos Reis, João Francisco Lisboa, Trajano
Galvão de Carvalho, Antonio Gonçalves Dias, Antônio Henriques Leal,
Joaquim Gomes de Sousa, Joaquim de Sousa Andrade (Sousândrade) e
César Augusto Marques. Menores repercussões
tiveram: Frederico José
Corrêa, Lisboa Serra, Cândido Mendes de Almeida, Pedro Nunes Leal,
Belarmino de Matos, Gentil Homem d’Almeida Braga, Antônio Joaquim
Franco de Sá, Francisco Dias Carneiro, Joaquim Serra, entre outros.
Marcaria o fim desta primeira etapa de produção a extinção do Jornal
Semanário Maranhense em 1858 (MORAES, 1977, p. 85).
Justificando ou estabelecendo as razões pelas quais foi possível o surgimento de tantos
nomes, ou ainda, a justificativa da alcunha Athenas brasileira, aponta a fundação da biblioteca
pública, do Liceu Maranhense, do Seminário Episcopal de Santo Antonio, da Associação
Filomática, Associação Literária, Atheneu Maranhense, Instituto Literário Maranhense, Escola
Onze de Agosto, do Instituto de Humanidades, considerado o primeiro estabelecimento
particular a manter uma cadeira de Literatura. No mínimo um contra-senso. Se o Grupo
Maranhense surgiu em 1832, como pôde o Atheneu, fundado em 1858, o Instituto de
Humanidades, surgido em 1862, e a Escola Onze de Agosto em 1870, terem contribuído para o
desenvolvimento intelectual daquele momento?
Jomar Moraes conceitua o Grupo Maranhense “nem como escola literária ou estilo de
época, mas tão somente a contemporaneidade dos maranhenses literariamente importantes, não
atentando para as diversas filiações estéticas de cada um (MORAES, 1977, p. 90), assumindo
mesmo que conviveram Neo-Clássicos e Românticos; “aqueles ainda presos ao passado,
enquanto que uma juventude impelida pelos ventos da renovação” (MORAES, 1977. pp 90-
91).
A obra perfaz a história da literatura maranhense desde o período colonial até segunda
década do século XX retomando a sempre mesma visão já instituída acerca do beletrismo
desta região, além de reafirmar o que a historiografia literária legitimou, ou seja, hierarquiza
em grau de importância fases distintas da literatura no Maranhão obedecendo ao princípio de
que o Grupo Maranhense se constitui como era “clássica”, dividindo as diferentes épocas das
experiências das letras entre “Gerações” (Grupo Maranhense ou “Autonomia Literária”, de
1832 a 1868); 1870/1890 - ou “Sopro Renovador”, tendo como expoentes: Celso Magalhães,
Teófilo Dias, Adelino Fontoura, Artur Azevedo, Aluisio Azevedo, Raimundo Corrêa, Coelho
Neto, Graça Aranha, Frutuoso Ferreira, Euclides Faria, José Ribeiro do Amaral, Manuel de
Bèthencourt, Hugo Leal, Barbosa de Godois, Nina Rodrigues, João de Deus do Rego, (João
Dunshee de Abranches; 1899/1930 — Novos Atenienses ou a “Regeneração Intelectual”,
figurando autores como Antonio Lobo, Fran Paxeco, Maranhão Sobrinho, Domingos Barbosa,
Nascimento Moraes, Viriato Corrêa, Vespasiano Ramos, Correa de Araújo, Humberto de
Campos; e simplesmente, Depois de 1922.
Para cada uma dessas etapas subdivide os integrantes de cada uma das gerações entre
“os mais importantes” e os de “menor repercussão ou poetas menores”, não estabelecendo um
novo olhar, uma nova forma de se pensar a literatura, uma nova periodização, ao contrário,
reforça o que já está estabelecido, hierarquiza as distintas fases a tal ponto de terminar a obra
citando despretensiosamente o que aconteceu “depois de 1922”.
Uma outra questão a ser levantada é quanto aos participantes de cada uma dessas fases.
Se atentarmos para o que ele designou de “sopro renovador”, veremos os nomes de Artur
Azevedo, Aluisio Azevedo, Raimundo Corrêa, Coelho Neto, Graça Aranha e Nina Rodrigues,
que, em terras do Maranhão, não permaneceram e não se notabilizaram em seus lugares de
pertencimento posterior enquanto maranhenses, mas tiveram a capacidade de se adaptarem a
esses lugares, assumindo um perfil de debate em “tons nacionais”, olvidando as questões ditas
regionais — no caso dos que foram para o Rio de Janeiro, tiveram a capacidade de se
“carioquizar”.
Se compararmos a geração seguinte “Novos Atenienses e a regeneração cultural” com
a relação estabelecida por Manoel de Barros Jesus Martins (2002), notaremos que os nomes de
Viriato Corrêa e Humberto de Campos não aparecem. Isto diz respeito à construção de
memórias e biografias, como também antologias que possuem a plasticidade de agregar
nomes, valores ou atribuir sentido de pertencimento para figuras em suas épocas.
Por volta de 1860, a pentarquia maranhense já estava em plano local consolidada. No
entanto, se recuarmos até o início do século XIX, veremos que algo de extraordinário deve ter
acontecido para que, já na metade desse século, uma euforia tomasse conta do Maranhão, não
só no plano econômico, como já frisado, mas, sobretudo, no cultural. É que nas palavras do
ex-presidente da Academia Maranhense de Letras e historiador da Literatura, “é de espantar-se
que nunca desmerecerá incomum admiração o aparecimento de tão vigorosa quão multiforme
literatura por uma geração herdara de sua terra nenhuma tradição literária sistemática
(MORAES, 1977, p. 90).
A obra de Jomar Moraes se encaixa na perspectiva da narrativa histórica enquanto
metalinguagem, pois tem o poder de “explicação” — problematização do fazer histórico
através do processo de formalização e ritualização (imposição e repetição). A imposição se
estabelece imperativamente quando detentora de um saber e informação específica (história da
literatura), estabelece nexos, sentidos e configura o que é supostamente real, no caso, a
Athenas enquanto “uma verdade” instituidora e instituinte da legibilidade social. A repetição
se dá quando, pelo uso recorrente de transmissão de informações, legitima versões instituídas
sem questionar, problematizar os nexos que fazem da historiografia uma metalinguagem. Isto
porque Apontamentos de Literatura Maranhense, de 1977, repete a mesma argumentação de
Panorama da Literatura Maranhense, de autoria do historiador Mário Martins Meirelles,
publicado em 1955.
Mário Martins Meirelles, conceituado historiador maranhense, produtor da mais vasta
produção acadêmica do Estado, considerado o decano da historiografia maranhense no século
XX, está na esteira dos que reforçam a idéia de uma Athenas Brasileira sem nenhum
questionamento ou problematização.
Já no prefácio, escrito por Luso Torres, há a indicação do tom que perpassará a obra: a
capacidade criativa dos habitantes de São Luís deveu-se aos numerosos “filhos do Reyno e não
menos d’Africa”, transformando a cidade num “centro que havia de breve revelar tenaz e
violentamente lusitano na cor política e nas tendências imaginativas” (MEIRELLES, 1955, p.
09). Em seguida o prefaciante não esqueceu a menção ao Pantheon Maranhense, de Antonio
Henriques Leal, como monumento e exemplo de edificação do futuro contra o tempo das
indiferenças e esquecimento da memória, ratificando tal obra enquanto documento-
monumento, nos moldes propostos por Le Goff.
Mário Meirelles, ao percorrer a história da literatura brasileira, indicando as principais
tendências e escolas, menciona a ausência de literatos maranhenses em momentos da
inventidade literária antecedente ao Romantismo. Isso acaba por reforçar a noção de
genialidade do Grupo Maranhense, pois, se “o Maranhão continuava e continuou toda essa
centúria (século XVIII), no período de formação literária, sem acompanhar de maneira alguma
a evolução que se processava no sul” (MEIRELLES, 1955, p. 29), como pode saltar à
condição “espetacular do Grupo Maranhense, aquela plêiade gloriosa e imortal que conquistou
e nos legou o título invejável de Atenas Brasileira” (MEIRELLES, 1955, p. 30)? Esse tipo de
veiculação reforça a tese de que a produção literária existente antes do Romantismo não
contribui para o processo de criação de uma literatura brasileira, posto que não existiria ainda
uma literatura brasileira, o que é discutível, uma vez que os elementos da cognominada
literariedade, ainda que se nutra das circunstâncias políticas — rompimento com Portugal —,
não estão inexoravelmente ligados a ela.
Uma das questões que suscito em relação às afirmações de Mário Meirelles é se a
produção das crônicas produzidas no Maranhão antes de 1822 não merecem, à luz da crítica
literária, a condição de boas literaturas por seus elementos estéticos não estarem à altura da
produção romântica ou, se olhar dirigido ao romantismo não está permeado da condição
indissociável de só considerar o que é bom em literatura aquilo que contribuiu para a
emancipação dos caracteres coloniais e fenecimento da nação brasileira. Se for este último
argumento a resposta, não há outra caracterização ao Grupo Maranhense que não o de “plêiade
gloriosa e imortal”, pois foi este grupo que permitiu ao Maranhão ser reconhecido enquanto
Atenas Brasileira e não Atenas Portuguesa das Américas!
Mário Meirelles não problematiza a condição do que vem a ser literatura em suas
filigranas, ou seja, quando os elementos estéticos e lingüísticos são afetados pelas próprias
circunstâncias de seus produtores, confeccionadores, estarem em ambientes fora de seus
domínios, no caso, as crônicas de portugueses feitas no Brasil sofreram influência do ambiente
brasileiro e a futura literatura brasileira seria influenciada pela herança portuguesa e pela
presença maciça de portugueses residindo no Brasil. Ao se deter e enfatizar a questão de como
pôde ter surgido um grupo tão extraordinário como o Maranhense, sem ter quase existido nada
antes, tal como faria Jomar Moraes, além de seccionar as correntes literárias enquanto
estanques, perde de vista o processo de formação da literatura brasileira antes do Romantismo,
exaltando somente esta corrente e carreando para a genialidade de seus representantes a única
teorização possível para a emergência daquele grupo.
Este tipo de argumento perpassa toda a obra e é pontualmente ressaltado, como nesta
citação abaixo:
Com o advento do Romantismo e coincidindo com a nossa política, efetivou-
se a nossa emancipação literária. O Maranhão, integrando-se então,
definitivamente naquele movimento de renovação intelectual e fé-la da
maneira mais brilhante com o chamado Grupo Maranhense encabeçado pelas
figuras excelsas de Odorico Mendes, Gonçalves Dias e João Lisboa,
secundadas pelas de Sotero dos Reis, Gomes de Sousa, Gentil Braga, Dias
Carneiro, Joaquim Serra, Trajano Galvão e muitas outras — plêiade imortal
que nos legou a responsabilidade de Atenas no Brasil (MEIRELLES, 1955,
p. 48).
As palavras “coincidindo”, “secundadas” e “responsabilidade” foram destacadas com o
sentido de analisar a semântica e a hermenêutica destas. A análise semântica de coincidência
indica a correlação casual desprovida de intencionalidade, paralelismo de eventos sem
vinculação, mas, hermeneuticamente, coincidência lega à noção de que não houve qualquer
comutação entre política emancipatória contribuindo para o fenecimento de uma estética,
linguagem, discurso, ordem, polivalência na literatura. Este tipo de argumento está na
contramão dos historiadores da literatura brasileira que, obsequiosamente, estabeleceram
durante muito tempo a cronologia da história literária no Brasil pari passu à história política.
No entanto, seria ingenuidade afirmar que Mário Meirelles desconhecia a produção
historiográfica literária brasileira. É mais plausível especular que a expressão coincidência foi
referida para reforçar o caráter de genialidade dos maranhenses como capacidade meritória por
viverem numa província longínqua dos debates acerca da independência, muito mais vinculada
a Portugal e sem nenhuma tradição literária.
A expressão “secundadas” chama a atenção pelo menos por dois aspectos. Primeiro,
por destacar as figuras de Odorico Mendes, João Lisboa e Gonçalves Dias num patamar acima
de Sotero dos Reis, Gomes de Sousa, Gentil Braga, Dias Carneiro, Joaquim Serra, Trajano
Galvão. De novo o argumento da hierarquização. Vale questionar qual o critério da separação:
estético ou importância política? Ou, se os elementos políticos se apropriaram da estética
literária para afirmar que, com o nascimento de uma literatura “verdadeiramente” brasileira, já
existia uma nação brasileira, uma vez que não podem os literatos perceberem, fruírem,
sentirem, captarem elementos de uma nacionalidade sem que eles existam e transformem isso
em remissão. Segundo, com quantos intelectuais se faz uma Atenas? Com três, em primeiro
plano e agregados dos demais.
Já a expressão responsabilidade é mais emblemática. Ser e ter responsabilidade
implica uma condição ontológica, axiológica de condução, proteção e condição de vanguarda,
à frente dos demais, cuidar, vigiar, cumprir, carregar, estar e direcionar um processo. Assim, o
Grupo Maranhense teve a responsabilidade de colocar o Brasil numa condição de
respeitabilidade paritária às demais nações européias. Cumpriu a missão de ensinar às outras
províncias como se tornar modelo, ícone, emblema e monumento.
Isto, para além de ser uma mera ilação, foi uma circunstância histórica. As atas
44
das
reuniões da Revista Parthenon Literário, do Rio Grande de São Pedro, a partir do ano de
1872, mostram o quanto admiravam a Athenas Brasileira. Neste círculo literário o referencial
intelectual do Rio Grande de São Pedro não era o Rio de Janeiro, e sim, o Maranhão, dando
conta do extraordinário movimento intelectual que se operava na distante província do Norte.
Neste círculo foi mencionado por diversas vezes o envio da coleção de leis daquela província
aos integrantes da revista. Sempre que o Maranhão era mencionado, era como exemplo a ser
seguido, afirmando que na província do Norte é que era bom, pois lá é que as coisas
funcionavam, mencionando inclusive o grau de desenvolvimento educacional. Para ilustrar o
grau de referência prestada ao Maranhão, este discurso de Aurélio Verissimo é exemplar:
Póde parecer lá fóra que possuindo já tão crescido numero de escolas, vamos
caminhando com celeridade pela estrada do progresso moral na mesma
44
Citação de trecho das Atas. 13/05/1872: “Lido ofício do Presidente da província do Maranhão”. 16/06/1873:
“Lido ofício do secretário de presidência do Maranhão”. 10/11/1873: Lido ofício da presidência da província
do Maranhão falando sobre a remissão da coleção de leis daquela província. Sobre fundação de aulas noturnas,
há citações como essa: “no Maranhão, em São Paulo e em outras províncias os espíritos patrióticos todos os
dias contribuem com avultados donativos para a construção de prédios destinados a escolas públicas”, cf,
RIBEIRO, Hilário. Revista do Parthenon Litterario, Porto Alegre, julho, 1873.
proporção do desenvolvimento material que tem assignalado estes ultimos
annos; mas a verdade é que ha outras províncias, o Maranhão por exemplo,
que conta 134 escolas, mas que são escolas. Por muito felizes nos deviamos
ter se igualassemos o Maranhão na brilhante rota que leva em seu
desenvolvimento moral e mesmo material. Temos talvez aqui filhos illustres
por seu saber para collocar em frente de Gonçalves Dias, Odorico Mendes,
Sotero dos Reis e outras notabilidades que constituirão e constituem ainda
hoje o orgulho d’aquella porção do imperio; mas falta-nos sobretudo
iniciativa, sobretudo gosto e amor para ganhal-os na carrera em que vão á
busca dos largos fructos que a instrucção póde dar
45
.
As hipérboles presentes em Mário Meirelles para designar aquele momento da
emergência do Grupo Maranhense, inclusive como parâmetro para outras províncias, mais se
aproximam de um texto literário que de história. As figuras de linguagem utilizadas por ele
saltam das páginas como lavas de um vulcão, literalmente:
Era como um vulcão emergido inopinadamente cujas lavas alargavam o
clarão e o fumo que se erguiam de sua cratera levavam bem mais longe a
notícia do fenômeno inédito! A erupção fora naquele segundo ciclo (1832-
1868)...os abalos císmicos, o ribombar indefinido de trovões incógnitos,
vinham do ciclo preliminar; e o espraiamento das lavas de fumaça e o
lançamento das línguas de fogo e rolos de fumaça ainda perduram até o
terceiro, até o limiar do século XX (MEIRELLES, 1955, p. 52).
Mário Meirelles, por insistir em demasia na tentativa de explicação do fenônemo
Grupo Maranhense, fazendo do IV capítulo dessa obra a razão principal de sua argumentação
do tipo: “é um mistério que não compreendemos e por isso mesmo, insistimos em que apenas
está para ser desvendado. Aguardamos a boa vontade de um paciente pesquisador”
(MEIRELLES, 1955, p. 52), chama a atenção para as condições de reprodução intelectual de
São Luís antes de 1832, citando nominalmente a existência dos que produziam algo no
Maranhão.
Entre os cultores de letras que viviam na cidade, ele cita: Raimundo José de Sousa
Gaioso (português radicado no Maranhão), José Tomaz da Silva Quintanilha (português de
nascimento, brasileiro naturalizado), Joaquim José Sabino (português de nascimento,
brasileiro naturalizado), José Joaquim Pereira (nascido no Brasil), José Manuel da Silva
Oliveira (nascido no Brasil), Francisco de Paula Ribeiro (português de nascimento, brasileiro
naturalizado), Sebastião Gomes da Silva Belford (nascido no Brasil, maranhense), Bernardo
José da Gama (nascido no Brasil), José Constantino Gomes de Castro (nascido no Brasil,
maranhense), Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres Maranhão (português de
45
BITTENCOURT, Aurelio Verissimo de. Instrução obrigatoria: discurso pronunciado no 15º sarau do
Parthenon. Revista do Parthenon Litterario, Porto Alegre, dezembro, 1874, p. 258.
nascimento, brasileiro naturalizado), Antonio Bernardino Pereira do Lago (português),
Manuel Antonio Xavier (nascido no Brasil, maranhense), João Crispim Alves de Lima
(português de nascimento, brasileiro naturalizado), João Antonio Garcia d’Abranches
(português de nascimento, brasileiro naturalizado), Domingos Cadavilla Veloso (português
radicado no Maranhão), Antonio Joaquim Picaluga (português de nascimento, brasileiro
naturalizado), Antonio da Costa Duarte (nascido no Brasil, maranhense), Raimundo José da
Cunha Matos (nascido no Brasil), Joaquim José da Silva Jardim (português radicado no
Maranhão), João Inácio de Moraes Rego (nascido no Brasil), Henrique Roberto Rodrigues
(nascido no Brasil), Pedro de Sousa Guimarães (nascido no Brasil), José Pereira da Silva
(nascido no Brasil, maranhense) e Rodrigo Pinto Pisarro (português).
Todos ocupavam cargos públicos e alguns ocupavam cargos eclesiásticos. Uma
parcela era constituída de portugueses ou brasileiros naturalizados. Se foi esta geração a
detentora dos bens de circulação cultural que propiciou a fundamentação dos alicerces da
Athenas anos depois, o mérito do Grupo Maranhense reside em ter emergido em meio a um
cenário local dominado por portugueses ou brasileiros por adoção? Ou em contraposição a
eles?
Esta obra virou referência e guia de consulta obrigatória para os estudiosos da
literatura maranhense, a tal ponto que todas as obras surgidas após ela, sem exceção,
repetiram-lhe os argumentos e periodizações. No entanto a obra de Mário Meirelles já era
devedora em argumentos e periodização quanto às etapas da fase da literatura maranhense a
uma outra que lhe antecedeu.
Jomar Moraes repetiu Mário Meirelles, que por sua vez repetiu Reis Carvalho em
Literatura Maranhense (1912), artigo publicado na Biblioteca Internacional de obras
célebres. Neste artigo, o autor divide a literatura maranhense em três ciclos, fases distintas: o
primeiro, de 1832 a 1868, balizado pela publicação de o Hino á tarde, de Odorico Mendes,
até o desaparecimento do Semanário Maranhense; o segundo, de 1868 até 1894, tendo como
marco referencial a obra O Mulato, de Aluízio Azevedo; e, finalmente, o terceiro, de 1894 até
a contemporaneidade do autor, representado por obras como Frutos Selvagens, de Inácio de
Carvalho, Mosaicos, de Domingos Barbosa e, Canaã, de Graça Aranha.
O primeiro ciclo, ainda que composto por figuras como Trajano Galvão, Marques
Rodrigues, Gentil Braga, Dias Carneiro, Joaquim Serra, Franco de Sá, Odorico Mendes,
Frederico José Correia, Sousândrade, pode ser resumido pela presença “de um grande
prosador e um grande poeta: João Lisboa e Gonçalves Dias”, este último, o “poeta por
excelência do Maranhão e do Brasil” (REIS CARVALHO, 1912, p. 9738). Gonçalves Dias,
por sinal, torna-se a agulha de marear, o norte, o ponto de inflexão para as outras fases da
literatura maranhense. Todas as vezes que pontuou destaques nos dois ciclos posteriores,
sempre os comparou com o cantor de timbiras, como nos casos de Raimundo Corrêa — “o
Gonçalves Dias do segundo ciclo literário” (REIS CARVALHO, 1912, p. 9342) —; Aluízio
Azevedo, com sua obra O Mulato, que significava para a nova corrente literária “o que são
para o Romantismo os Primeiros Cantos, de Gonçalves Dias” (REIS CARVALHO, 1912, p.
9345) e, elogiando a poesia de Inácio Raposo, (terceiro ciclo), evocando “reminiscências da
grande lira de Gonçalves Dias” (REIS CARVALHO, 1912, p. 9350).
Este artigo, por sua contemporaneidade e pelo lugar de sua evocação e reprodução
(Biblioteca internacional de obras célebres: colleção das produções literárias mais célebres
do mundo, na qual estão representados os autores mais afamados dos tempos antigos,
medievais e modernos), traz expressa a importância do Romantismo para a significação da
literatura brasileira dentro dos cânones ocidentais, tendo o Maranhão contribuído para este
processo, exatamente com a contribuição de Gonçalves Dias.
Como um componente fomentador da literariedade brasileira, a literatura maranhense
é destacada por sua configuração intrínseca, cujos elementos de sua especificade são
encapsulados pela poesis de figuras como Trajano Galvão, “lírico como Gonçalves Dias, que
consagrou o lirismo à vida do sertão” (REIS CARVALHO, 1912, p. 9739), destacando
poemas como O Calhambola, A Creoula, Nuranjan, Jovino. A partir de elementos como o
negro, ao invés do índio, o sertão, ao invés da vida urbana, Reis Carvalho, ao citar as poesias
de Trajano Galvão, Dias Carneiro e Marques Rodrigues, engloba o que cognomina enquanto o
“grupo dos brados campesinos (REIS CARVALHO, 1912, p. 9740), utilizando recursos e
recorrendo a uma temática “essencialmente maranhense”. Quais seriam os elementos
constitutivos e característicos que fundamentaram uma poesia eminentemente maranhense?
Lendas, usos e costumes, amor à natureza brasileira através da natureza maranhense, ou seja,
a valorização dos elementos tipificadores do Romantismo brasileiro.
Ainda acerca do 1º ciclo, reafirma a brevidade de Franco de Sá (1836-1856),
cognomina Odorico Mendes enquanto o 1º poeta maranhense, representante da transição entre
o período clássico para o romântico, elogia Frederico José Corrêa e Sousândrade, este
primeiro, autor de Inspirações Poéticas, “dous anos depois dos Primeiros Cantos de
Gonçalves Dias terem vindo à luz no Rio de Janeiro, mas composto antes de 1842” (REIS
CARVALHO, 1912, p. 41) e elogia o segundo, autor de o Guesa. Ressalta-se que, ao exaltar
Odorico Mendes, destaca as críticas feitas às suas traduções, considerando que, mesmo com
todas as censuras, tais obras representam “documento imorredouro de quanto a língua
portuguesa, não obstante o seu caracter analítico, pode aproximar-se da admirável concisão do
latim e do grego, sem perder a propria vernaculidade” (REIS CARVALHO, 1912, p. 41). Sob
este aspecto, Reis Carvalho é um dos primeiros historiógrafos da literatura maranhense a
apontar as críticas que Odorico Mendes recebeu acerca das traduções das obras clássicas
gregas, latinas e neolatinas para o português.
Estabelecendo o Grupo Maranhense como o grande estandarte da criatividade local e
nacional, estabelece que os ciclos posteriores são inferiores ao que lhes precedeu, afirmando
que o “Maranhão não é mais um centro literário como no período anterior” (REIS
CARVALHO, 1912, p. 42).
Como já assinalado em páginas anteriores, acerca deste tipo de hierarquização e os
problemas decorrentes disso, esta classificação, além de obnubilar os caracteres específicos
das poesias em cada época, toma como inflexão o lugar de nascimento dos autores como
referência para se julgar a inserção dentro da literatura, e não mais a temática, linguagem e
abordagem, como lendas, costumes e natureza. Se em páginas anteriores ressaltou poetas que
impingiram uma tipicidade literária especificamente maranhense, para o 2º ciclo, a terra onde
nasceram demarca agora as posições dentro da literatura brasileira. Isto coincide com a idéia
de que naquele momento era preciso reforçar a imagem do Maranhão do passado, de suas
tradições literárias. Ademais, Raimundo Corrêa, Coelho Neto, Aluízio Azevedo, Graça
Aranha faziam parte de uma constelação de escritores de renome nacional, portanto era
necessário evocar as suas origens, ainda que dentre alguns deles, como Raimundo Corrêa, por
exemplo, “filho intelectual da metrópole nem siquer viveu os primeiros anos em terra
maranhense. Quasi não chegou a nascer no Maranhão...” (REIS CARVALHO, 1912, p. 42).
Os outros poetas deste ciclo por ele citado são: Teófilo Dias, Hugo Leal, Adelino Fontoura,
Euclides Faria, Teixeira de Sousa, Teixeira Mendes, Celso Magalhães.
Outro destaque para esta geração é o surgimento de um romance especificamente
maranhense. Se o primeiro ciclo fez surgir a poesia maranhense, o segundo demarca o
romance. Como característica, ressalta a obra Um estudo de temperamento, de Celso
Magalhães
46
(1850-1879), “idealizando a vida campestre nos seus mínimos pormenores”
(REIS CARVALHO, 1912, p. 44). O elemento campestre, a vida rural, demarcou enquanto
expressão estética, o nascedouro de uma escrita, “real, simples e tocante da vida do sertão”
que se transmutou para a literatura.
46
Sobre Celso Magalhães ver a dissertação de Mestrado de Helidacy Maria Muniz Corrêa, intitulada: Bumba-
meu-boi: a construção de uma identidade (2001).
O terceiro ciclo, por seu turno, é demarcado por escritores que não saíram do
Maranhão e se incumbiram mais ainda da missão de soerguerem as tradições literárias
daquele Maranhão portentoso, cheio de grandes vultos. Como mencionado, inscreve a
publicação de Frutos Selvagens, de Inácio de Carvalho, como baliza iniciadora deste período,
tendo sempre o Grupo Maranhense como parâmetro, pois se o novo “cenáculo não possui o
mesmo valor intelectual e social do primeiro, se nelle faltam individualidades comparáveis
aos prohomens daquele tempo, possui, todavia, apreciáveis beletristas em verso e prosa”
(REIS CARVALHO, 1912, p. 44). Deste ciclo figuram nomes como: Aluízio Porto, Inácio de
Carvalho, Inácio Raposo, Maranhão Sobrinho, Costa Gomes, Vieira da Silva, Humberto de
Campos, Correia de Araújo, Antonio Lobo, Viriato Corrêa, Domingos Barbosa e Astolfo
Marques.
Diferentemente de Jomar Moraes (1977), que considera Maria Firmina dos Reis uma
poetisa medíocre e sequer menciona a existência de mulheres escritoras, Reis Carvalho afirma
que em todas as fases não se pode esquecer a presença delas, enumerando algumas que se
destacaram e suas respectivas obras, tais como a mencionada autora de Úrsula e Contos á
beira mar, Maria Firmina dos Reis, Maria Cristina Alves de Oliveira Matos, autora de Amor e
Desencontros, Leonete de Oliveira, com Flocos, além de Jesuína Augusta Serra, Mariana Luz
e Laura Rosa, essas três últimas não deixaram obras publicadas.
Para o autor, a história da literatura maranhense, até aquele momento, estava resumida
em apenas quatro obras: O Pantheon Maranhense, de Antonio Henriques Leal, Um Livro de
Critica, de Frederico José Corrêa, Sessenta anos de Jornalismo, de Joaquim Serra e Os Novos
Atenienses, de Antonio Lobo. Aqui, reside um dos maiores méritos do artigo de Antonio Reis
Carvalho. Sem entrar nas filigranas das críticas de Frederico José Corrêa à obra de Henriques
Leal, retoma alguns argumentos deste primeiro para desconsiderar alguns exageros cometidos
pelo segundo acerca da qualidade dos escritores maranhenses, evocando o bom senso e
comedimento. Segundo ele, nesta longa e esclarecedora afirmação (REIS CARVALHO,
1912, pp. 55-56):
O Maranhão nunca produziu gênios como Henriques Leal faz supor e o
próprio Frederico Corrêa admite, classificando como tal Gonçalves Dias.
Nenhum intelectual maranhense jamais produziu obras capitães na arte, na
sciencia e na filosofia, capazes de assinalar uma época na evolução total da
humanidade e estodear os seus autores na galeria dos gênios. Produziu sim, e
continua a produzir, espíritos de escol, muito acima do vulgar, taes como
Gonçalves Dias como poeta e Teixeira Mendes como pensador; mas a maior
parte, destacando-se embora da mediocridade, atinge apenas o grau de
notabilidade peculiar a inteligências pouco acima do comum, desenvolvidas
e aperfeiçoadas pela cultura. Entretanto, este juízo severo atenua-se aferindo
o mérito dos escritores maranhenses pelo critério nacional. Na civilização
brasileira propriamente dita, entre os intelectuais da nossa pátria, figuram
maranhenses, plêiade rara e distinta. Assim considerados, podem recordar os
atenienses de outrora, muito embora não tenham influído tanto na evolução
nacional como os intelectuais de Atenas na civilização planetária. Mas só
assim e, como diz o poeta, se as cousas grandes só podem comparar com as
pequenas, é que o Maranhão, a cidade de S. Luís, merece a tradicional
antonomásia de Atenas Brasileira.
A única discordância entre Mário Meirelles em Panorama da Literatura Maranhense
(1955) e Reis Carvalho em Literatura Maranhense (1912) apontada pelo primeiro reside na
seguinte questão: para Reis Carvalho, a fase posterior ao Grupo Maranhense “era de
qualidade inferior por faltarem individualidades” (REIS CARVALHO, 1912, p. 9748) como
Gonçalves Dias e João Lisboa, o que provocou a seguinte contestação de Mário Meirelles
(1955, p. 120):
aqui pela primeira vez, discrdamos de Reis Carvalho... o segundo momento
literário conta maior número de escritores de valor e mais variadas
manifestações. Inferior por que? O próprio ensaísta se desdiz quando
reconhece que a quantidade de intelectuais de valor e de mais variadas
manifestações é maior; di-lo, ressalte-se, só porque não se repetiram um
cantor dos Timbiras e um Timon! Em compensação tivemos na poesia,
Adelino Fontoura, Coelho Neto e Graça Aranha, e, finalmente no teatro,
Arthur Azevedo, que foi também poeta e contista.
O artigo de Reis Carvalho, embora não tão conhecido do grande público tanto quanto
os textos de Jomar Moraes e Mário Meirelles, contém elementos dos ritos de
institucionalização por servir também de modelo, espectro, baliza e ser ele, o autor, um sujeito
posicionado a falar da história literária maranhense, vez que seu texto foi publicado numa
enciclopédia, numa antologia que reuniu os trabalhos “mais célebres de todo o mundo”. Para
uma região (Maranhão) e um campo (a literatura) que sempre precisaram de outorga,
autorização, legitimação, remissão, ter um artigo sobre as qualidades literárias numa grande
enciclopédia, ainda que permeadas de problematizações, já servia de acalanto para aqueles
que, assim como Reis Carvalho, acreditavam que o Maranhão definhava ano após ano desde o
desaparecimento do Grupo Maranhense.
Reis Carvalho, ao enumerar as obras que resumiam a história maranhense cita a de
Antonio Lobo, Os Novos Atenienses, de 1909. Além de prestar homenagem ao seu
contemporâneo lidador das causas literárias maranhenses, repete-lhe alguns argumentos,
reforça uma perspectiva de análise do passado, constrói memória e tenta estabelecer a sua se
aproximando das quatro citadas enquanto instrumento de referenciação historiográfica.
A referida obra em questão, Os Novos Atenienses: subsídio para a história literária do
Maranhão é de autoria dde um dos mais importantes intelectuais maranhenses do início do
século XX. Ele, um dos integrantes da Oficina dos Novos, órgão que futuramente se
encarregaria da função de fundar a Academia Maranhense de Letras, em 1908, seria
consagrado à memória e história literária maranhense como um dos responsáveis pela
tentativa de regeneração do “marasmo” que abateu o Maranhão por aquelas épocas.
A obra é dividida em três partes: uma “introdução”, “os fatos”, e as
“individualidades”, momentos em que constrói seu argumento sobre o nível que se encontrava
a literatura maranhense. Como preâmbulo dos argumentos levantados durante a obra, na
introdução, cita Adolphe Coste (Príncipes d’une Socilogie Objective), como inflexão acerca
do que vem a ser literatura, separando-a da história, enquanto ciência e o quanto o estágio de
desenvolvimento de uma sociedade influi na capacidade artística, científica, filosófica,
beletrista desta mesma sociedade. A citação de Adolphe Coste ilustrava, segundo ele, a
constatação da decadência econômico-financeira transvestida na inferioridade da vida
sociológica.
A obra, como o próprio título sugere, preocupa-se em historiar o desenvolvimento
contemporâneo da literatura maranhense e, diferentemente das outras histórias, começa a
partir do fim da primeira geração de notáveis, Grupo Maranhense, mais precisamente com o
encerramento das atividades do Semanário Maranhense, em 1868, por óbvias razões.
Se sua intenção é exatamente demarcar como a sua geração se incumbiu da missão de
soerguer o passado brioso de antigos escritores, o marco referencial tomado como ínicio da
decadência e marasmo é exatamente o fim daquele ciclo, pautado exatamente pelo
desaparecimento do Semanário. Depois dessa fase, inicia-se essa “trístissima e calijinosa
noite, em que, por tão longo tempo, viveram imersas as suas letras, noite cortada, por vezes,
pelo clarão fujidio de algum astro errante” (LOBO, 1909, p. 22). Exemplos desse tempo
sombrio têm–se em atos como os que Aluízio Azevedo sofreu por conta da publicação de O
Mulato, virulentamente atacado no periódico A Civilização.
Os clarões que tentavam rasgar aquelas noites repousavam em figuras como Manuel
de Béthencourt, português, radicado no Maranhão, professor de filosofia do Liceu que se
acercava de jovens sedentos de saber, como Aluzio Porto, Inácio Xavier de Carvalho,
Euclydes Marinho, Montrose Miranda, Manoel Miranda e o autor de Literatura Maranhense,
Antonio Reis Carvalho.
Outros lampejos encontravam para publicação de periódicos como O século (existente
até 1890), em que o autor de Os Novos Atenienses, Antonio Lobo, a obra em questão,
colaborou, além de Philomatia, Estudante, até que um fato considerado inusitado irrompeu a
letargia em terras gonçalvinas e demarcou a fase caracterizada por ele como “renascimento”:
a passagem de Coelho Neto por São Luis, em 1899, causando alvoroço na cidade, em virtude
da peregrinação aos “estados do Norte” a serviço da Comissão Central dos Festejos
Comemorativos do Centenário da Descoberta. Além de grande festividade, cercada de muita
pompa, burburinho, que levou inclusive a formação de uma comissão para recepcioná-lo, um
encontro entre duas figuras de gerações distintas selaria, para Antonio Lobo, a continuidade, a
perpetuação e ao mesmo tempo uma ligação entre o Maranhão de outrora, brilhante, e uma
realidade do presente: Sousândrade brindava a chegava de Coelho Neto. O último
representante do Grupo Maranhense prestava honras ao príncipe da literatura brasileira. O
passado encontrava o presente.
A obra, daí em diante, narra os feitos da Oficina dos Novos, seus desdobramentos, até
citar nominalmente os intelectuais que despontavam no cenáculo literário por seu turno.
Outra obra, anterior à de Antonio Lobo e que contém os mesmos argumentos, é: O
Estado do Maranhão em 1896, de autoria de José Ribeiro do Amaral. Essa obra mescla tal
inflexão numa espécie de balanço acerca do que fora aquela região em tempos atrás e o que
ainda poderia ser. Numa espécie de brado retumbante, recorda que o Maranhão “fora a
primeira nas letras, conquistada para este recanto das terras brazileiras, pelos maiores vultos
da literatura nacional” (AMARAL, 1896, p.1), para em seguida, quedar-se de consternação ao
constatar que “se empalidece e obumbra-se n’este ultimo quartel do século, parecendo viver
apenas das recordações e da fama d’aqueles que sublimaram suas épocas e o transcurso da
fulgurosa existência”. Mas alerta: “nem por isso extinguiu-se e apagou de vez: — como todos
os phenomenos da natureza, tem o entendimento os seus brilhos e os seus estádios de repouso
e descanso” (AMARAL, 1896, p.1). O gigante Maranhão, para Ribeiro do Amaral, estava
apenas em letargia, adormecido.
Não é de estranhar essa jocosa sensação de em tudo ser grande, uma variação em
chamar a atenção para si, atrair olhares, fazer-se notar. Por alusão, pode ser entendido como o
mesmo recurso utilizado por Gilberto Freyre para reafirmar a importância da região Nordeste
ante o crescimento econômico da região centro-sul do país valendo-se da recorrência
tradição/região + passado, quando em anos posteriores fundou o Centro de Tradições
Regionalista Nordestino. Era um tipo de afirmação quando a região de Freyre passava a ser
caudatária da condução política nacional antes e pós-proclamação da República. No caso da
terra de Ribeiro do Amaral, a questão da singularidade também envolvia o embate em torno de
um passado cada vez mais distante, também cada vez mais revitalizado e ressignificado nas
tramas da memória que se queria denotar.
Pontuar sobre o que fora tempos idos jogava para as circunstâncias do destino a
fatalidade de nunca mais se poder vislumbrar aquele período mítico, inimitável, ao mesmo
tempo em que qualquer esforço na tentativa de soerguê-lo era em vão. Aqueles nomes
símbolos eram um acidente da história, um capricho dos deuses ao tempo do Olimpo. Era a
encarnação do hellas grego.
Para Ribeiro do Amaral (1896, p. 2):
[..] em todos os ramos da actividade teve o Maranhão suas glórias, e glórias
reaes e fecundas: — na política, nos primórdios da nossa organisação,
conquistou a palma dominando, pelos seus estadistas o movimentoso
scenario: — na productividade do solo, foi celleiro abundantissimo de todo o
norte do paiz; — nas artes, equiparou-se as outras circunscripções
administrativas;— nas sciencias, teve Gomes de Souza, Lacerda, Frei
Custódio Serrão; — nas letras, Gonçalves Dias, Lisboa, Odorico Mendes,
Sotero, Henriques Leal, Serra, Trajano Galvão, Gentil Braga e tantos outros,
que deram existência e luzimento a litteratura nacional, ganhando na liça do
entendimento as glorias immorredouras da fama, que não fenecem com a
geração que teve a dita do seu convívio delles.
Mas contentou-se com tam peregrinas entidades ubertosa fecundidade desta
terra de promissão, tam bem classificada – Athenas Brazileira?
Rótulo não uníssono mesmo no momento de aquiescência da fabricação do mito. Nem
todos concordavam com tal rotulação por razões as mais diversas, ou por estarem longe de São
Luís, fora dos grupos, dos pares que participavam da criação e sustentação de tal emblema, ou
por possuírem uma visão crítica acerca da província e entenderem como se moviam suas
entranhas, ou ainda, por não constarem na obra Pantheon Maranhense, de Antonio Henriques
Leal, ficando assim fora da consagração ritualística da genialidade local.
Dentre os críticos, se encontra Frederico José Corrêa e sua obra Um Livro de Critica,
escrita em 1878. Frederico José residia em Olinda quando tomou conhecimento da propagação
da Athenas Brasileira. Obra eivada de críticas personalistas, é a mais contundente sobre o
assunto. Coterie é glosa que perpassa todo o conteúdo e é a chave de compreensão para o
percurso trilhado por ele, pois a partir de relações pessoais estabelecidas em São Luís durante
a primeira e segunda metade do século XIX, Frederico Corrêa pretende explicar como se
constroem antologias e biografias obedecendo a critérios rigorosamente empáticos,
encumiásticos, laudatórios, hiperbólicos, sem critérios artísticos e científicos.
Coterie é uma expressão francesa que indica a existência de um grupo sectário,
grupelho, “panelinha” e é tomada para explicitar como no Maranhão foi via de regra para
ascensão de nomes desconhecidos, exaltação de trabalhos de qualidade duvidosa e também de
construção de memória, sem esquecer inclusive o porquê da não inclusão de determinados
nomes, como de Cândido Mendes, e como biógrafos do porte de Antonio Henriques Leal
adorava cortejar autoridades.
Nada mais apreciável do que um bom livro de critica. O seu autor,
collocando-se acima de todas as considerações que fazem o espírito de roda,
só olha ao mérito real, e com uma justa e acertada censura proclama os
talentos de uns, confunde a mediocridade de outros, corrige erros onde não
forão notados, descobre belezas que á outros escaparão, faz calar a opinião de
tantos que se fizerão juizes, sem o poderem ser, e desmascara a petulante
coterie que se serve de meios industriosos para dar celebridade á quem a não
merece, só porque pertence à certa família de privilegiados, só porque
estudarão juntos ou os ligão outros laços e circunstancias que gerão a
communhão de interesses (CORRÊA, 1878, p. 03).
A intenção de sua obra, segundo ele, era desmascarar “a imprudente coterie e não
consentir que ela zombe por mais tempo da credulidade e paciência publica, nesta dita Athenas
Brasileira, onde ella principalmente se aninhou e tem produzido numerosa prole” (CORRÊA
1878, p. 17). Admite que a capacidade de se emularem figuras não foi uma característica
exclusiva do Maranhão, mas afirma que em nenhum outro lugar isto foi tão audacioso. Esta
audácia estava umbilicalmente vinculada à existência de “certas famílias privilegiadas, que
monopolizão tudo quanto é bom, e fora das quaes não há talento, saber a corte desses príncipes
de raça, ou se filião á elles pela política e outros laços” (CORRÊA, 1878, p. 21).
A sua contundência era disparada a figura de Antonio Henriques Leal: o mais audaz
membro da coterie, “que se fez arbitro supremo dos talentos e virtudes alheias, para exaltar a
uns e deprimir a outros” (CORRÊA, 1878, p. 25). Certa feita disse: apareceu num jornal
apregoando que João Francisco Lisboa aprendeu latim em seis meses “appelando para o
testemundo do mestre em commum, que o confirma com o seu silêncio, por que também
lucrava com estas imposturas” (
CORRÊA, 1878, p. 25).
Esnobava a idéia de chamar São Luís de Athenas, pois a dúvida pairava acerca da
Athenas ser a província ou somente a cidade. Afinal, pergunta ele: foi ali onde nasceram
Gonçalves Dias, Cândido Mendes de Almeida, Vieira da Silva, João Lisboa, Sotero e outros?
“Só se foi por ser ella o berço natal do Plutarcho de todas as celebridades e incelebridades
maranhenses, o ilustre dr. Antonio Henriques Leal” (
CORRÊA, 1878, p.29).
Dá uma pista de como se difundiu entre os maranhenses tal asserção. Segundo ele:
Qualquer estudante de preparatório se tem conta de um sábio, como Arago;
carrega um orgulho desmedido, e dá logo para escrever gazetas. Fora da
província, tratam-se reciprocamente por atheniense, mostrão-se tão
presumidos, que incorrem no ridículo e desprezo dos outros provincianos
(CORRÊA, 1878, p. 28).
E isto se tornou uma espécie de habitus. Depois de enunciada a idéia da Athenas, a
vinculação da imagem passou a ser lugar comum e motivo dos co-provincianos se orgulharem
em serem maranhenses. Era uma forma de identificação com o lugar de pertencimento, ao
mesmo tempo de notoriedade, já que se diferenciavam dos demais por tal etimologia, fazendo
do lugar de origem um ethos, uma simbologia garantidora da respeitabilidade social.
Anuncia a diferenciação ao apontar o espírito de grandiosidade em se fazer desmedido
merecimento por suas capacidades. Satiriza a obra de Antonio Henriques Leal ao afirmar que
“quatro pantheons se conhecem desde a antiguidade. Um coube á Grécia, outro á Roma, outro
á França e o quarto á Athenas brasileira já que os nossos athenienses não se contentão com
pouca cousa” (CORRÊA, 1878, p. 43). Como se não bastasse o hiperbolismo nos elogios,
louvores, considera tal obra “um compêndio enfadonho de louvaminhices e pieguices sem
fim” (CORRÊA, 1878, p. 43).
Não poupou figuras monumentalizadas da pentarquia maranhense, exceção feita à de
Gonçalves Dias. As mais duras críticas foram disparadas a Francisco Sotero dos Reis, “dono
de um francês ruim”, apontando-lhe os erros gritantes das traduções existentes em sua obra.
Reclama que por ter criticado Sotero, “que commettia bastantes lapsos em portuguez”, foi
denunciado “ao Santo-officio da coterie” e por isso foi maltratado (CORRÊA, 1878, p.23).
Admitia que Sotero dos Reis era um bom latinista e vernaculista; “muito versado na
litteratura clássica das tres línguas, latim, francez e portuguez, mas pouco conhecedor da
literatura moderna” (CORRÊA, 1878, p. 70). Criticou-o ainda por seu Curso de Literatura ser
parcial e falso para com os seus contemporâneos, sobretudo, quando se tratava de políticos,
enfaticamente os presidentes de província, como também seu ex-aluno, João Lisboa.
Quanto a Odorico Mendes, considera-o um homem distinto e um bom literato, no
entanto, quem o lê como tradutor de Virgilio, “sente desde o primeiro até o último verso, um
travo horrível, que gera o constrangimento, filho da incapacidade do autor” (CORRÊA, 1878,
p. 52).
Sobre Odorico Mendes, fez o seguinte comentário (1878, p. 49):
não conheci pessoalmente Odorico Mendes; o que sei delle é pelo ouvir á
outros que o conhecerão e tratarão. Tenho-o em conta de um homem
distincto e de um homem de bem. Como litterato, apprecio principalmente
delle o seu Hymno á tarde, escrito no gosto clássico; mas como traductor
de Virgilio, caio das nuvens quando vejo os louvores immerecidos que se lhe
tecem, porque, em verdade, não conheço nada pior! Qualquer censura que se
lhe faça fica muito aquém do que se sente, lendo-se esses rudes,
indigestaque moles, chamada Virgilio Brasileiro, que me fez recorrer ao
texto latino para entender o portuguez!
Para além das motivações que levaram à não inclusão de Frederico José Corrêa, a sua
obra, ao apontar as motivações políticas e pessoais, coloca em xeque a qualidade da produção
literária, artística e intelectual de figuras como Manuel Odorico Mendes e suas traduções de
obras gregas e neolatinas para o português.
Não se esqueceu daquele que, apesar de não ser literato, poderia ter transformado a
“tetrarquia” maranhense numa “pentarquia”, posto que em vários compêndios de literatura
maranhense, sobretudo nos citados aqui, Gomes de Sousa aparece em todos eles.
Quem ler o pantheon e não souber a falsa sciencia que reina neste paiz, o que
muito facilita a impostura litteraria concluirá que o Dr. Joaquim Gomes de
Souza foi um prodígio de intelligencia, um dos maiores gênios que tem
produzido a humanidade, o primeiro sábio que tem o todo o Brasil e um dos
maiores que tem visto (CORRÊA, 1878, p. 138).
Termina a obra explicando por que Cândido Mendes, embora de elevado currículo, não
mereceu ser imortalizado no Pantheon de Antonio Henriques Leal. Outrora, Cândido Mendes,
quando ainda era membro do partido conservador, publicou um libelo intitulado Legubio
Joanico contra a figura de João Lisboa ao tempo que contendia com o Partido Liberal. Tal
libelo foi utilizado por outro arqui-rival do Timon, seu opositor na confecção da história e do
sistema historiográfico brasileiro ao tempo do IHGB, Adolpho Varnhagem. Assim, contemplar
a presença daquele que municiou o competidor do maranhense na construção de um modelo de
interpretação da história brasileira, ía de encontro aos princípios da plêiade maranhense na
tarefa de postulação dos valorosos homens do torrão, nem que para isso fosse necessário
obnubilar a presença de Cândido Mendes. Antônio Henriques Leal era amigo e correligionário
de João Lisboa.
Ao apontar os interesses familiares e políticos por detrás da vinculação de certos
nomes e as estratégias de pedir cartas a amigos portugueses para granjeios de maranhenses
com vistas ao reconhecimento social, desnuda os mecanismos utilizados por Henriques Leal e
qual a finalidade da sua obra.
Ao criticar a qualidade das traduções de Virgilio feitas por Odorico Mendes e sua
exaltação, aponta em direção àquilo que Bourdieu, posteriormente no século XX, denunciaria
enquanto equívoco do caráter eminentemente autônomo da crítica literária, pois segundo
Bourdieu (2004, p. 142):
Há uma probabilidade de que tomemos como evidente tudo o que esse
letrado tomava como evidente, a menos que se faça uma critica
epistemológica e sociológica da leitura. Situar a leitura e o texto lido numa
história da produção e da transmissão culturais significa ter uma
possibilidade de controlar não só a relação do leitor com seu objeto, mas
também a relação com o objeto que foi investido nesse objeto.
Não posso cometer o anacronismo de remissão das características da crítica literária ao
tempo de Odorico Mendes em meados do século XIX, pois esta ferramenta de análise da
produção textual, embora ensaiasse seus primeiros passos em meados deste século, só surgiria
enquanto matéria específica, profissionalização, no final desta centúria. Entretanto, tomando
Bourdieu como analogia à crítica de Frederico José Corrêa acerca da qualidade das traduções
do Virgilio Brasileiro, vê-se a condição dos sujeitos posicionados que eram Antonio
Henriques Leal (o Plutarco maranhense) e de todos os que repetiam seus elogios ou faziam
outros, não só no Maranhão, mas alhures, enquanto ‘ilustradores’ e visualizadores para o resto
da sociedade maranhense e brasileira do quão importante era a figura do Virgilio Brasileiro
para as letras pátrias.
Não se pode negligenciar as motivações que teriam levado Frederico José Corrêa a
disparar em sua obra contra a idéia, para ele absurda, de um panteão literário em plena São
Luís do século XIX, seus critérios de ingresso, seleção de personalidade e os adjetivos
atribuídos aos incluídos no rol desta biografia coletiva, sem nos perguntarmos o porquê de sua
exclusão. Afinal, era homem de “grossa ventura”
47
, influente e destacado no cenário político
ludovicense e não menos merecedor de estar no Pantheon por sua biografia
comparativamente aos outros que lá se encontravam, pois os arrolados na biografia,
necessariamente não eram literários, aliás, lista-se um percentual significativo de políticos.
Um dos motivos, já mencionados, para sua não inclusão no Pantheon Maranhense é
que, quando de sua confecção, Frederico José Corrêa já não mais se encontrava em São Luís,
residia à época em Olinda, portanto, distante das relações pessoais com Antonio Henriques
Leal e longe da caracterização da zona de influenciação político-social citadina, legado ao
olvido público e não merecedor, para os critérios de Antonio Henriques Leal, de perpetuação
de sua memória enquanto um herói do panteão maranhense. Sem esquecer que sua biografia
47
Dr. Frederico José Correa. No dia 26 de maio falleceu n’esta cidade o Dr. Frederico José Correia, advogado e
autor de várias obras litterarias. Fazemos nossas as palavras com que o Paiz noticiou esse triste acontecimento.
Fallecimento - falleceu hontem o Dr. Frederico José Corrêa, 6º vice-presidente da provincia, procurador fiscal
aposentado do thesouro provincial e antigo advogado desta cidade. Foi o finado autor de vários escriptos em
verso e prosa, da qual com gosto o estudo da língua, da qual publicou há pouco tempo um glossário, sua ultima
producção litteraria impressa. Era natural de Caxias e tinha 63 annos de idade. Exerceu, além dos cargos acima
mencionados exerceu muitos outros, como o de Deputado Provincial, commandante de guarda nacional, e
inspector do Theatro, e em todos elles sempre procedeu honradamente e dando novas de homem instruído. O
Tempo: Órgão do Partido Conservador. Segunda-feira, 06 de junho, anno IV. p. 03. Faleceu em São Luís em 26
de maio de 1880 aos 63 anos de idade.
não se coadnuva com os objetivos da obra de Henriques Leal: exaltar os construtores do
estado nacional imperial a partir do Maranhão.
Um Livro de Critica foi confeccionado para amealhar o Pantheon Maranhense, de
Antonio Henriques Leal, publicado em dois tomos entre 1873-1875. Pantheon Maranhense:
ensaios biográficos dos maranhenses ilustres já falecidos é a obra monumento da Athenas
Brasileira. É a ratificação de um percurso iniciado na década de quarenta do século XIX, que
naquele momento, com os óbitos dos integrantes da pentarquia, ganhava finalmente seus
epitáfios, suas lápides.
Pantheon ou Panteão em grego era o espaço de culto às divindades locais e
estrangeiras que poderiam ser celebrizadas publicamente. Esta peculiaridade foi um traço de
dominação a que os gregos submeteram os povos conquistados: a permissão e não intromissão
em seus caracteres religiosos, demarcando supostamente alteridade e respeitabilidade. Como a
religião na Grécia Antiga ocupava lugar de destaque, o panteão ocupava na Ágora a
iconicidade ritualística da sociabilidade urbana, fazendo com que os gregos prestassem a
devida referência aos seus respectivos deuses, abjurando do princípio de decidir sobre suas
vidas, concedendo a estes tal prelazia, cultuando-os e admirando-os como exemplos a serem
seguidos, mas nunca atingidos. “O culto que os homens observam para eles traduz a
submissão do fraco ao forte, do inferior ao superior. Cumprir os ritos é, no respeito e na
gratidão, honrar os deuses como o súdito deve honrar seu senhor”, segundo Pierre-Vernant
(2002, p. 236).
O Panteão simbólico estabelecido por Henriques Leal segue princípios semelhantes ao
homônimo grego, só que, ao invés de encará-los como deuses, encara-os como homens
anormais, acima dos demais, heróis, gênios da raça, merecedores de uma obra imorredoura na
memória dos maranhenses.
A função do Pantheon Maranhense descrito por Mário Meireles no prólogo da obra,
reeditada em 1987, sobre o seu autor, era
assim como um abrangente retrato de grupo com que o autor, como se fora
um fotográfo ou pintor, tentou reunir e preservar, para o conhecimento dos
coevos e para a memória dos pósteros, a imagem de cada um daqueles seus
conterrâneos e contemporâneos que, já falecidos, ele conhecera e admirara, e
os quais, por sua inteligência, por seu talento, por sua cultura, por seus
serviços, por suas obras haviam sido — e disso ele era testemunha, os
responsáveis primeiros de a província natal ter, quase instantaneamente, se
transformado do Maranhão velho, pobre e inculto, da Colônia, no Maranhão
Novo, enriquecido e admirado do Império, o que ele podia testificar porque
antes já lhe estudara e escrevera a historia (LEAL, 1875, 1987, p. XVII).
E de fato conquistou tal empreitada, pois neste mesmo prólogo, Mário Meirelles, ao
fazer um balanço da importância da obra que venceu a que lhe opunha — Um Livro de crítica
—, verifica que esta se tornou um manual sobre a história de ilustres maranhenses, deveras
utilizado para referendar a importância histórica desta província e futuramente estado, quer
nos jornais, nos discursos políticos, nas escolas, nas antologias poéticas, nas biografias, quer
nos manuais de história da literatura brasileira e maranhense, a tal ponto que em três de
janeiro de 1937, um manifesto dirigido
à Assembléia Legislativa do Estado, subscrito por mais de cinqüenta
intelectuais da terra, em o qual está dito que é o Pantheon Maranhense o alto
monumento que a dedicação e o amor de Antônio Henriques Leal à nossa
terra erigiram e entregaram á edificação do futuro a desafiar e até as injurias
do tempo. Não obstante, e conquanto em conseqüência o Decreto-Lei n. 115,
de 16 de setembro de 1938, autorizasse o Executivo a mandar providenciar
uma segunda edição da obra, outro meio século decorreu sem que se o
fizesse (LEAL, 1873-75, 1987, p. XVII).
O Panteão materializado no espaço público em forma de praça só veio de fato a existir
entre 1945 e 1950, quando a praça Deodoro sofreu uma intervenção com a construção da
Biblioteca Pública Benedito Leite de um lado da rua do Passeio, e de outro lado da rua, com a
ereção da praça do Panteão contendo bustos de maranhenses ilustres ao longo dos séculos
XIX e XX. O estilo arquitetônico do prédio é Neoclássico, uma referência ao partenon grego,
sustentado por seis colunas em estilo jônico, guarnecendo imperiosamente as praças Deodoro
e Panteão, bem no coração do centro histórico da cidade.
Foto 01
48
. Biblioteca Pública Benedito Leite
O Tomo I de o Pantheon Maranhense é dedicado a Luis Antonio Vieira da Silva, autor
do célebre História da Independência da Província do Maranhão (1822-1828), publicado em
1862, que por seu intermédio, conseguiu, atráves do Ministério da Agricultura, a nomeação de
Antonio Henriques para uma comissão em Portugal, quando, já debilitado de saúde,
atravessava dificuldades.
O primeiro biografado é Manuel Odorico Mendes. Já no primeiro parágrafo afirma que
este foi o fiel “intérprete de Virgilio e Homero, foi entre nós o iniciador do bom-gosto literário
e do esmerado cultivo da vernaculidade e das letras clássicas” (LEAL, 1873-75, 1997, p. 09).
Doravante enquanto iniciador do bom gosto literário foi então um dos responsáveis, “sem
constestação a esse benefício, que deve o Maranhão o primar neste ponto às suas irmãs, e
merecer de alguns escritores o mui lisonjeiro epíteto de Atenas Brasileira” (LEAL, 1873-75,
1997, p. 09).
48
Essa foto e as demais foram tiradas por mim, numa tarde ensolarada de 25 de fevereiro de 2007, com uma
câmara digital Sony Cyber Shot P 150, com 1 megapixel de resolução.
Detalhe da fachada principal da Biblioteca Benedito Leite, na praça Deodoro, no centro de São Luís em frente
à praça do Panteon. O referido prédio foi construído em 1951, em decorrência da Lei N° 320, de 03 de
fevereiro de 1949, durante o governo de Sebastião Archer da Silva (1947-1951).
Muito significativo iniciar a galeria de biografados como Odorico Mendes enquanto
estratagema de legitimação e certificação de sua obra afirmando ser o Maranhão a Atenas
Brasileira. Para os que leriam, Odorico Mendes e o estandarte da Atenas serviam enquanto
preâmbulo dos próximos biografados, induzindo o leitor a suavizar suas supostas críticas
quanto aos critérios de ingressos e a relação dos citados. Nisto reside uma subestratégia: se o
Maranhão era Atenas, logo os que constavam no Pantheon estavam sob a condição inviolável
de contestação.
A vernaculidade a que se referia Antonio Henriques dizia respeito à posição estética
assumida por Odorico Mendes enquanto cultor do arcadismo, admirador do classicismo e de
autores românticos como Madame Stäel, Chateubriand e Lamartine, convicto de que o
caminho a ser percorrido pela nação em busca da afirmação da civilização brasileira deveria
ser da repetição do que acreditava ser o beletrismo. Por isso, ao se empenhar nas traduções das
obras gregas e neolatinas para o português, ou ser mais um dos tradutores, assumia a
responsabilidade de ser um herói, digno de ser seguido, imitado na acepção de Henriques Leal.
O mesmo papel que desempenhou na imprensa ao estabelecer o debate com Garcia de
Abranches, João Crispim, depois brigando com a política imperial, exercia enquanto tradutor,
para figuras como Antonio Henriques Leal, ‘a missão’ de levar aos concidadãos o gosto
esmerado pela verdadeira cultura, antibárbara que se praticava no Maranhão.
O empenho efetuado por Antonio Henriques Leal na monumentalização da obra de
Odorico Mendes não se restringiu apenas em elogios e na longa explanação da vida do
maranhense ao longo das 45 páginas, recheadas de uma excelente pesquisa, detalhes
minuciosos e elogios sem fim, como também no esforço em levantar fundos para a publicação
da primeira tradução para o português das obras de Homero junto a estabelecimentos
comerciais em São Luís sob a consignação da Assembléia Legislativa Provincial e da
construção de um monumento público em uma das praças da cidade.
A caracterização do panteão das celebridades maranhenses já estava em construção
mesmo antes da confecção do livro de Antonio Henriques Leal. O livro era a culminância de
culto às personalidades tão característico do século XIX, não só no Maranhão como alhures
o que Antero de Quental cognominou de “escola do elogio mútuo”.
Panteão foi uma glosa vastamente utilizada no século XIX, assim como atribuir
expressões que de alguma forma lembravam ou faziam correlações com mestres da literatura
estrangeira, tidos como universais, filósofos, marcas e balizas da civilização clássica.
A formação do panteão na Grécia antiga “constitui um modo de pensar, de distinguir,
de classificar os fenômenos naturais, sociais, humanos, ligando-os às diversas Potências que
nelas se manifestam e que os comandam(VERNANT, 2003, p. 236). As potências que se
manifestaram no cenário nacional e local do século XIX eram figuras incomuns, cuja
notoriedade só se respaldava por dominarem ferramentas de linguagem e comunicação de
difícil decifração social para outros segmentos letrados e, sobretudo, para os não letrados.
Essa característica em se atribuir nomes-títulos era a busca por referências
legitimadoras das ações e pensamentos consubstanciadas pelo suposto respaldo e significação
que o nome-título embutia, ou seja, considerar Odorico Mendes o Virgilio Brasileiro era
transladar para a cena pública a importância que este passava a ter pelo grau de expressividade
e importância que o respectivo homônimo teve no passado. Assim, Odorico Mendes tinha a
importância para as letras nacionais tal como teve Homero para os gregos e Virgilio para os
romanos. Essa referência nunca era pautada num referente pátrio, um herói braziliense do
passado, quer colonial, quer imperial, e sim, sempre distante geográfica, espacial e
culturalmente, cuja simbolização descartava os embates de construção da memória, as
contradições políticas e sociais do referente, resgatando somente os elementos heróicos
plasmados pela idealização. Odorico Mendes foi imortalizado no espaço simbólico do panteão
maranhense caracterizado como Athenas Brasileira, cujos elementos de ritualização, reuniu
princípios de idealização clássica da civilização ocidental, acrescido dos exageros do
romantismo nacional.
Depois da biografia de Odorico Mendes, aparecem as de João Inácio da Cunha, Sotero
dos Reis, José Cândido de Morais e Silva (o Farol), Senador Antônio Pedro da Costa Ferreira
(Barão de Pindaré), no Pantheon I. Na parte II, também no primeiro Tomo, aparecem as de
Brigadeiro Feliciano Antônio Falcão, Senador Joaquim Franco de Sá, Senador Conselheiro
João Pedro Dias Vieira, Dr. Joaquim Gomes de Sousa, Antônio Joaquim Franco de Sá,
Conselheiro João Duarte Lisboa Serra, Trajano Galvão de Carvalho, Belarmino de Matos e
Senador Conselheiro Francisco José Furtado.
O tomo II, parte III, publicado no ano de 1875, trataé única e exclusivamente de
Gonçalves Dias. A última parte do livro é dedicada a João Francisco Lisboa, Antonio Marques
Rodrigues e ao Doutor Frei Custódio Alves Serrão.
**********************
O Maranhão
entre todas as suas irmãs é ella a que se dedica com mais escrúpulo e
seriedade a estudos litterarios; é aquella que apresenta com mais orgulho
vultos taes como Gonsalves Dias (sic), Odorico Mendes, João Lisboa, Sotero
dos Reis e outros na republica das lettras; e Joaquim Souza e Custodio Serra
na das sciencias.
Já houve quem a chamasse de Athenas brasileira, e o nome conferido em
tão solemne baptismo, não foi nunca contestado e nem posto em duvida,
pelos que conheçam a abençoada terra.
Se a grande phalange dos talentos de primeira ordem, que era a vanguarda
illustre do Maranhão, jaz hoje quase aniquilada pelo braço da morte; muita
intelligencia primorosa e opulenta ahi se levanta para reatar os fios das
gloriosas tradiçções (SEMANÁRIO MARANHENSE, 01.09.1867, p.01).
O apelo acima feito pelo Semanário Maranhense apareceu depois da morte de três dos
integrantes da pentarquia maranhense. Três morreram num intervalo de dois anos entre 1864 e
1866, exceção feita a Sotero dos Reis, falecido em 1871.
A segunda vez que a pesquisa detectou a expressão Athenas foi em 02 de agosto de
1859, no diário Correio Mercantil, da cidade do Rio de Janeiro, na secção “Noticias do
Interior” (leia-se Maranhão), em uma carta enviada pelo correspondente do Maranhão em 15
de julho do respectivo ano. Dizia a nota:
Aproxima-se o dia 28, que é o dia da nossa adhesão à independência, e nem
há movimento que indique festejo algum. O ano passado houve tanta bulha,
tanto entusiasmo, que fez-me desconfiar que neste ano nada haveria. Somos
um pouco athenienses.
E por falar-lhe em Athenas, lembra-me do Timon. Chegou da Europa o Sr.
Comendador João Francisco Lisboa. Não se sabe ainda se virá permanecer ou
se apenas gozar dos meses de licença, para de novo regressar à Europa.
Consta-nos que estão muito adiantados os seus dois importantes trabalhos, A
vida do Padre Antonio Vieira e a História do Maranhão.
A freqüência do discurso interativo do correspondente, reiterando o sentido atheniense
nos dois momentos supracitados, circunstâncias (independência do Brasil/adesão do Maranhão
e referenciação à figura ilustre de Lisboa), demonstra que havia uma sutil compreensão de que
este atributo demarcava a posição de alguns maranhenses “como um pouco athenienses” de
um lado, e “por falar em...” ao se referir à presença de João Lisboa colocando-o acima dos
indistintos cidadãos provincianos.
A idéia de Athenas havia sido forjada na década de quarenta. Dunshee de Abranches
em O Cativeiro, ao retomar as memórias de sua avó, Marta Alonso Alvarez de Castro,
fundadora da primeira escola feminina de São Luis, Nossa Senhora da Glória, em 1844, e a
mãe dos escritores, Aluzío e Arthur Azevedo, Emília Pinto Magalhães Branco, dá pistas
significativas, segundo Janotti (2005), sobre a ambiência do Maranhão entre 1818 e 1880.
Segundo esta autora (2005, p. 46):
as rememorações de Emília Branco sobre as desgraças cotidianas de sua
época são precias e minuciosas. Ela considerava a Balaiada um divisor de
águas: “as grandes catástrofes civis seguiam-se quase sempre períodos de
funda reparação espiritual
49
. Com essa expressão introduz em sua
rememoração um excelente panorama do período de florescimento das
letras, ciências e artes do Maranhão, o qual acompanhou e dele participou.
Aluízio Azevedo, depois que partiu de São Luís para fixar residência no Rio de
Janeiro, em decorrência da recepção a sua obra O Mulato, onde foi muito criticada, em artigo
sobre a publicação do romance do conterrâneo Raimundo Corrêa, de forma esclarecedora e
emblemática, dispara a raiva que lhe abateu contra a sua terra natal e dá pistas de como toda
essa história de Athenas finalmente começou. Eis o que ele explana nesta longa citação:
Raimundo Correa é filho do Maranhão, dessa paupérrima província que, por
um abuso de retórica de 1840, ficou classificada de Atenas Brasileira.
Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, Gomes de Sousa, Odorico Mendes,
Sotero, Galvão, e outros vultos que pereceram com a metade do nosso século
e que arrolados se acham hoje pelo ilustre Doutor Antônio Henriques Leal no
seu Panteon Maranhense, foram pretextos para tão pretensiosa classificação;
todavia ninguém mereceu menos do Maranhão que esses homens ilustres. O
mesmo acaba de suceder com os modernos maranhenses, que o folhetinista
citou ao lado daqueles, para endeusar a famigerada província.
Todos ou quase todos esses vultos maranhenses cujos nomes são aqui
repetidos com o amor e respeito, e cujo talento flameja, ora na imprensa, ora
na ciência, ora na literatura, nunca receberam da sua província a menor
prova de simpatia. O Maranhão só festeja um filho, isso mesmo às vezes,
depois que de fora o aclamaram. Antes, não se contenta em despreza-lo,
escarnece-o. precisamos restabelecer a verdade. A César o que é de César.
Maranhão não é Atenas brasileira, Maranhão não é mais que uma triste
província de terceira ordem, sem originalidade, sem caráter nacional, sem
literatura, sem ciência de espécie alguma, sem a menor noção de Belas
Artes, e sem comércio ao menos. A opinião pública é lá formada e dirigida
por uma meia dúzia de portugueses ignorantes e retirados dos negócios; a
sociedade diverte-se a falar mal da vida alheia; o trabalho mais rendoso é o
tráfico de escravos, e os tais Atenienses de maior monta na província os
únicos que ela respeita, não passam de alguns tipos pretensiosos, cheios de
regras gramaticais e tolice.
O único grêmio literário que lá existe é um desconjuntado Ateneu
Maranhense, onde há trinta anos vão aos domingos alguns empregados
públicos espectorar as suas asneiras. De todo esses maranhenses que o
generoso folhetinista citou, não há um só que deva à sua província o menor
serviço, a menor prova de gratidão. Ela é principalmente ingrata com os
filhos que mais a tornam conhecida.
O autor destas linhas, a quem o folhetinista tão injustamente colocou a lado
dos maranhenses de verdadeiro mérito, se bem que seja menos autorizado a
voltar-se contra a sua província, não hesita a declarar que, por ocasião de
publicar aí o romance O Mulato, enquanto no Rio de Janeiro, São Paulo e
Pernambuco erguiam-se Joaquim Serra, Valentim Magalhães, Tobias
Barreto, Urbano Duarte, Clovis Bevilacqua, Ariripe Júnior, Sá Vianna,
Capistrano de Abreu, Alcides Lima, e muitas outras penas de igual valor,
procurando anima-lo e prosseguir, ela, a tal Atenas de contrabando, só
encontrava descomposturas para atirar sobre seu filho romancista.
49
Essa citação é mencionada pela autora em outro artigo de sua autoria intitulado: Três Mulheres da Elite
Maranhense, 1996, decorrente de uma comunicação apresentada no XVIII Simpósio Nacional de História da
ANPUH, em julho de 1995.
[...] Ao maranhense distintos, que tiveram a feliz idéia de deixar a província,
onde nunca seriam apreciados, para erguerem fora um nome ilustre, todos os
nossos afetos e todas as nossas ovações. Mas para esse agregado de
nulidades pretensiosas, que constitui a ilha miserável em que nascemos, todo
o nosso desprezo e todo o nosso esquecimento.
(Folha Nova, Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1883 Apud YVES-
MÈRIAN, 1988. pp. 328-330).
A primeira vez que a pesquisa detectou a expressão “Athenas” foi em 1851 nos
folhetins de João Francisco Lisboa, escritos entre esse ano e ano seguinte, criticando a
efervescência romântica, ufana utilizadora dessa expressão desde a década anterior.
A idéia da Athenas caiu em solo fértil. O mito estava criado.
Parte II
UM BANQUETE PARA POUCOS: um perfil dos membros da elite ludovicense a partir
da análise de O Pantheon Maranhense, de Antonio Henriques Leal, Tomo I, partes I e II.
Uma das formas de se pensar a extensão e os limites da Athenas Brasileira é analisar de
onde os seus propagadores falavam, quais eram suas bases sociais, as distâncias entre este
projeto e a noção de povo que se tinha no século XIX no Maranhão. No momento em que se
contrapõe tal projeto com o conotativo povo, ou seja, sua antítese, pode-se aferir que tal
projeto foi uma tentativa de formação de uma cultura oficial cujos códigos sociais de conduta,
recepção e retroalimentação se pautaram numa sociabilidade com características consideradas
refinadas e não perfiladas com práticas cotidianas do restante da população maranhense.
A Athenas Brasileira não foi criação de uma única mente, não teve um único mentor,
posto ter sido uma aspiração social de frações de classes detentoras de poderes políticos e
econômicos na província, capazes de se colocarem na condição de intérpretes e condutores da
sociedade. A pesquisa não detectou quem primeiro pronunciou a expressão, aliás, isto pouco
importa, mas quando, ou seja, o nascedouro da enunciação discursiva fomentadora de um tipo
de sociabilidade que não era de todos os moradores, mas de uma parcela não muito
significativa assim, do ponto de vista numérico.
Nesse âmbito, o conceito de sociabilidade aplicada a Athenas Brasileira como
instrumento de interpretação de códigos sociais nos ajuda a pensar como esta enunciação se
propagou, difundiu-se, amalgamou-se com os princípios nascentes do estado brasileiro e dos
grupos políticos maranhenses.
Quanto ao momento desta enunciação, fica perceptível no pós-Balaiada, como já
mencionado no primeiro capítulo, momento coincidente com a emergência de grupos políticos
que, antes da revolta, tinham seus poderes políticos restritos aos locais de atividade
econômica, e que depois começaram a desenhar a formação política dominante na província
por toda a centúria oitocentista.
Sobre o momento de afirmação de grupos políticos no Maranhão, Flávio Reis nos diz
que (2007, p. 49):
A reflexão sobre o processo de formação do sistema de dominação política
no Maranhão requer a distinção preliminar entre dois períodos. O primeiro
compreende o início da década de 1820 até o final da década de 1840 e
apresenta um extremo fracionamento das facções políticas, expresso nas lutas
entre famílias importantes de proprietários rurais das regiões do Itapecuru e
da Baixada, economicamente as mais significativas. Neste momento, não
existia propriamente um setor voltado para a ocupação da política e o padrão
de liderança ainda predominante era aquele típico da dominação local, onde
os chefes de clãs exerciam os postos de mando como atividade subsidiária.
No segundo período, a partir das décadas de 1850 e 1860, iniciou-se uma
situação de um padrão de carreira política.
Embora a enunciação da Athenas Brasileira não possa ser dissociada da gestação de um
grupo responsável pela organização e pelo exercício do espaço político, não se trata de afirmar
peremptoriamente que foi uma estratégia de afirmação de grupos ou famílias específicas,
enquanto bandeira e/ou estandarte contra adversários, na tentativa de angariar espaços
públicos, cargos notariais ou coisa do gênero. Não foi uma estratégia de um determinado
grupo político, e sim um perfil da elite ludovicense. Embora não tenha sido uma estratégia de
um grupo específico, não se sustentaria e nem teria ressonância sem este tipo de
circunstanciação, vide que sem os mecanismos de legitimidade social, como imprensa, poder
judiciário, tribuna e espaços públicos por onde a elite transitava, não teria alcance para além
daqueles que a propalaram.
Sem o arranjo político dos grupos que começavam a desenhar políticas públicas, não
era possível mapear as ações de controle do aparato burocrático do estado, as medidas
impetradas no beneficiamento de setores econômicos
50
e até as disputas intra-elite,
evidenciando suas contradições e ausência de homogeneidade.
A Athenas Brasileira não estava acima das disputas políticas, por vezes foi ameaçada
pelos administradores da província — como no caso da prisão de Belarmino de Matos,
conforme veremos adiante —, sendo um elemento de querela entre os segmentos políticos
locais. Foi um mote pelo qual poderiam alardear que os sectários do estado brasileiro em
formação eram os únicos capazes de conduzirem o debate político, a máquina burocrática, a
vida pública, para além de uma idéia “anárquica” de democracia ou de que todas as gentes
poderiam participar da vida política da nação, em meio às disputas político-ideológicas entre
liberais e conservadores enquanto condutores da vida pública. A Athenas era um referente de
afirmação de civilidade, de amadurecimento civilizacional, era uma característica da
sociabilidade elitista.
Por sociabilidade estou cognominando um conjunto de ações, práticas sociais,
comportamentos, repetições de ação e discursos, percepções, que envolvem um ethos, um
manejo, estratégias que entificam e identificam grupos, criam élan, laços de pertencimento,
reconhecimento da igualdade, da semelhança e também da desigualdade, da diferença.
50
Flávio Reis (2007) mostra como ao longo do século XIX a estrita relação entre política econômica adotada
pelo estado no Maranhão beneficiou setores econômicos que, via de regra, eram detentores também de poderes
políticos. O Estado estava a serviço dos grupos econômicos no Maranhão.
Esta sociabilidade em construção somente pôde ser vislumbrada com mais evidência
pari passu à formação de grupos políticos dominantes no Maranhão que, embora tenham, na
década de vinte, ensaiados seus campos de atuação, criando inclusive condições para a eclosão
da Balaiada, só seriam mais facilmente reconhecidos a partir da década de quarenta,
exatamente quando pode se afirmar a existência, de fato, de partidos políticos no império.
Sobre a formação desses grupos políticos, Mário Meirelles (2001, p. 242) nos conta
que:
No Maranhão, a consciência política de um dualismo partidário entre
situacionistas e oposicionistas começou, com o governo do segundo
presidente, Costa Barros (1825-1827), acentuou-se no de Costa Pinto (1828-
1829) com o incidente havido com José Cândido apoiado por Odorico
Mendes, e definiu-se depois de Araújo Viana (1829-1832), quando os liberais
provocaram o motim da Setembrada, que se transformaria na Revolução de
novembro de 1831 e acabou por degenerar-se na sangueira da Balaiada
(1838-1841), cujos autores intelectuais, denunciava-se, eram José Cândido,
João Lisboa e principalmente Estevão Rafael de Carvalho, com o seu famoso
jornaleco O Bem-te-vi.
Os oposicionistas que Mário Meirelles menciona seriam futuramente chamados de
Liberais
51
. Antonio Henriques Leal era um liberal. Isso, no entanto, não impediu que dedicasse
O Pantheon a Luis Antonio Vieira da Silva, um conservador
52
, demonstrando que a Athenas
Brasileira, apesar das divergências ideológicas, era compartilhada por membros de visões
políticas antagônicas.
As biografias escritas por Antonio Henriques Leal, em O Pantheon Maranhense, são
uma demonstração deste grande processo de afirmação de grupos políticos, uma conjugação
da sociabilidade atheniense, além de uma exemplificação das disputas intra-elite. A obra, para
51
Conforme Meirelles (2001, p. 243), a formação Liberal com perfis mais definidos congregou-se em torno da
Liga Progressista fundada em 1846, na administração de Joaquim Franco de Sá, natural da cidade de
Alcântara. A liga era composta por “Bem-te-vis”, “Marrecos” e “Luzias”, árduos defensores de idéias
republicanas e franco opositores dos monarquistas, defensores do “legitmismo português”, também chamados
de “Estrelas”, “Saquaremas” e “Cabanos”, signatários do Partido Conservador, fundado por Silva Maia,
também alcantarense, em 1862. Compunham a Liga Progressista: Franco de Sá, Barão de Grajaú, Carlos
Fernando Ribeiro, Dias Vieira, Costa Ferreira, Nunes Gonçalves, Francisco Furtado, Fábio Alexandrino Reis
de Carvalho, Isidoro Jansen Pereira, Antônio Henriques Leal, Coutinho Vilhena, Tavares Belfort, Almeida
Oliveira, Paula Duarte, Joaquim Serra, Antônio Rego, entre outros. “A direção dos Conservadores, de
princípio ficou com o dr. José da Silva Maia, secundado por Gomes de Castro, Vieira da Silva, Cândido
Mendes, Dias Carneiro, Heráclito Graça; por fim, com a cisão partidária provocada em 1877 por Vieira da
Silva, separando-se “maistas”e “castristas”, a hegemonia foi, à proporção que envelhecia Silva Maia, passando
às mãos de Gomes de Castro”, ainda segundo Meirelles (2001, 243).
52
A afirmação de que Luis Antonio Vieira da Silva é um Conservador não é tão tranqüila assim. Wilma Peres da
Costa (2005, p. 62) afirma que em meados da década de 1860, os liberais iniciaram a revisão da versão
saquarema da construção da nacionalidade e o acento que ela punha na idéia de continuidade. Para a
autora, abre-se caminho para a idéia de conflito, neste contexto ela inseriu a obra de Vieira da Silva, sem
chama-lo, textualmente, de liberal. Em outras palavras, ao escrever sobre a Independência do Maranhão
enfocando a guerra e a não a nação, ele foge as características das versões conservadoras sobre a origem da
nação.
além das críticas de Frederico Corrêa, interpretando-a como concessão e formação de uma
coterie, também pode ser vista como o resultado de um perfil dessa elite corroborando para a
construção de uma cultura oficial brasileira no plano local.
O Pantheon Maranhense é um instrumento para se perceber de onde os sujeitos
sociais, membros da Athenas, falavam, embora não sejam eles que falam, e sim o autor, que
fala por eles. Ainda que não retrate toda a elite, aliás, nunca foi essa sua intenção, os critérios
de inclusão na obra — conseqüentemente, os de exclusão — não levam em consideração
somente a capacidade intelectual dos biografados, perfilando literatos, jornalistas, juristas,
oradores, entre outros, mas também de políticos, reforçando o elemento de distinção social por
condição de notoriedade como qualidade de pertencimento a uma elite.
Via de regra, Antônio Henriques Leal elenca os biografados enquanto “liberais” e
“conservadores” logo após o rompimento político com Portugal, tomando como inferência um
tipo de separação partidária que, a rigor só existiu enquanto definição exclusiva e restrita após
a abdicação de D. Pedro I. Não se trata de uma incongruência conceitual por parte do autor do
Pantheon acerca da política no Brasil naqueles primórdios, mas um tipo de construção de
memória da nação exaltando as ações dos homens ligados ao que seria no futuro chamado de
Partido Liberal, nos momentos iniciais da edificação da vida pública no país, pós-emancipação
política.
2.1. Um perfil biográfico da elite ludovicense: João Inácio da Cunha
No tomo I, depois da biografia de Manoel Odorico Mendes, Antonio Henriques Leal
narra a vida de João Inácio da Cunha, o Visconde de Alcântara. Alcântara, como mencionado
no primeiro capítulo, era a sede da aristocracia rural do Maranhão e núcleo importante de
grandes famílias ricas
53
que futuramente se adensariam sob a forma de dois grupos políticos:
de um lado, os Conservadores, os Viveiros, os Mendes, os Sousa, os Cerveira; de outro, os
Liberais; os Franco de Sá, os Costa Ferreira, os Ribeiro, os Serrão, conforme Meirelles (2001,
p. 242).
Segundo informações de Antonio Henriques Leal, João Inácio da Cunha, nascido em
São Luís em 23 de junho de 1781, filho de Bento da Cunha e Mariana Mendes da Cunha, foi
mais um dos membros da elite maranhense a estudar em Coimbra. De regresso ao Brasil,
53
Jerônimo de Viveiros (1977, p. 51) traz a seguinte relação das famílias de origem nobre de Alcântara: Serrão,
Ribeiro, Ponsadilha, Guterres, Franco de Sá, Costa Ferreira, Viveiros, Sousa, Duarte, Morais, Gomes de
Castro, Araújo.
tornou-se Desembargador da Relação da Bahia, exercendo o cargo na Casa de Suplicação em
1809. Casou-se com Violante Luísa de Vasconcelos, filha do Capitão Filipe Néri de
Vasconcelos e Antônia da Cunha Vasconcelos.
D. João VI o nomeou juiz privativo de todas as causas concernentes à arrecadação do
dízimo, recebendo a insígnia de Cavaleiro da Ordem da Torre e da Espada. Exerceu ainda os
cargos de Intendente-Geral de Polícia do Rio de Janeiro e Desembargador do Paço.
Condecorado com a Ordem do Cruzeiro, foi convidado por D. Pedro I para assumir a primeira
pasta ministerial da Fazenda do Império em 28 de setembro de 1822, recusando-o em
detrimento dos cargos de desembargador do Paço e da Intendência-Geral.
Foi eleito deputado pela Assembléia Constituinte do Maranhão em 1823, e em 1825
recebeu o título de Barão de Alcântara. Em 1826, foi eleito Senador por esta província,
ocupando ainda os cargos de membro do Supremo Tribunal de Justiça, Ministro dos Negócios
por duas vezes e uma de Ministro da Justiça, sendo agraciado com o título de Visconde de
Alcântara, em 27 de agosto de 1829. Amigo estreito de José Bonifácio de Andrade e Silva,
amizade cultivada na época da faculdade de Direito, logo após bacharelar-se em 1806, sendo
nomeado juiz de órfãos em Lisboa, exerceu também cargo no Supremo Tribunal de Justiça, foi
Ministro de Estado, Conselheiro da Coroa e Senador do império. Considerado um dos
entusiastas da independência, “recebeu
54
, mais de uma vez, do Príncipe Regente
condecorações e homenagens, como a insígnia de Cavalheiro da Ordem de Cristo e o cargo de
regedor da Justiça. Ao contrário do que afirma Antonio Henriques Leal, não foi ele criador da
Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (órgão de que Antonio Henriques Leal
futuramente se tornaria sócio honorário). Segundo Lúcia Guimarães (2002, p. 679), foi Inácio
Álvares Pinto de Almeida quem a fundou em 10 de outubro de 1827, embora João Inácio da
Cunha tivesse participado de sua inauguração em 1828, juntamente com o Marechal Francisco
Cordeiro da Silva Torres e Alvim e Manuel Ferreira da Câmara Bitencourt. João Inácio da
Cunha nomeou o Desembargador Cândido José de Araújo Viana (depois Marquês de
Sapucaí)
55
como presidente da Província do Maranhão. Morreu em 14 de fevereiro de 1834
aos cinqüenta e três anos.
O que teria levado Antonio Henriques Leal a colocá-lo no panteão da imortalidade? A
confirmação de que além de coterie, uma das intenções do Pantheon, que não pode ser
54
“Receber” é força de expressão, os títulos no império eram sempre requeridos. Cargos sim eram distribuídos,
como o de Conselheiro.
55
“Quarto presidente da província do Maranhão, desembargador da Relação de Pernambuco, cavaleiro da Ordem
de Cristo e oficial da Ordem do Cruzeiro, depois Marquês de Sapucaí. Governou o Maranhão entre 14 de
janeiro de 1829 a 13 de outubro de 1832”, segundo Mário Meirelles (2001, p. 225).
pensada como obra isolada de seu autor —que teve aceitação, recebeu colaboração e foi
aguardada com expectativa, criando uma espécie de sistema literário —, era ser um mostruário
do perfil dos homens que construíram a nova nação. Sob este prisma, a Athenas Brasileira
analisada somente sob o enfoque literário, embora não se constitua enquanto erro, é uma
redução, um recorte mui singular que ao invés de aclarar uma análise estrutural das
sociabilidades maranhenses, foca a observação para a idéia de terra de singularidade,
genialidade; foco largamente difundido pelas historiografias histórica e literária.
Ao começar a obra narrando a vida e feitos de João Inácio da Cunha, Antonio
Henriques Leal didatiza as histórias dos grandes homens do Maranhão. Se ele queria narrar a
trajetória dos grandes homens que nasceram em solo maranhense, evidenciando o que as
historiografias futuramente chamariam de terra de poetas, terra de singularidade, terra onde se
fala o melhor português, etc, poderia “escavar a arqueologia” (expressão utilizada por Rossini
Corrêa, 2003) e a genealogia dos grandes intelectuais, dos grandes poetas desde o período
colonial, contudo, acentuou a amizade de João Inácio da Cunha com José Bonifácio de
Andrada e Silva, os cargos que assumiu, suas teias de relações no judiciário, suas vinculações
com D. João VI, D. Pedro I, “baluartes” da desvinculação com Portugal.
Ademais, há um outro aspecto a ser notado já no perfil do segundo biografado (vale
relembrar que a ordem é a seguinte: Manoel Odorico Mendes, João Inácio da Cunha,
Francisco Sotero dos Reis, José Cândido de Morais e Silva e o Senador Antônio Pedro da
Costa Ferreira, Barão de Pindaré): a concepção de vida pública.
Sujeitos sociais tanto para Antonio Henriques Leal quanto para uma fragmentação da
sociedade (a elite), eram aqueles que poderiam ser vistos, notados, apreciados e cultuados,
logo, os ocupantes das estruturas de dominação, quer política, quer administrativa, quer social,
exemplos arrolados nos dois tomos da obra.
Vida pública neste aspecto era a mediação da construção do estado em consonância à
formação e aos instrumentos que regulamentavam a sociedade: leis, princípios, opiniões,
educação, comportamento, poder de influenciação, servindo de exemplaridade. A vida pública
no Brasil já existia desde os idos coloniais, mas a vida pública no espaço de formação do
estado brasileiro emancipado politicamente, estava se consolidando naqueles momentos. A
Athenas Brasileira então era a simulação da concepção de vida pública maranhense dentro da
estruturação do estado brasileiro. Diversificadamente, os debates nos jornais, nas tribunas, nos
palanques políticos eram a transladação da vida política grega e romana antigas,
exemplarmente configurada na vida pública maranhense. Era a sinalização para o resto do
Brasil de como, no Maranhão, estava se processando a relação entre estado e sociedade. Por
isso, se para a historiografia literária obnubilar as figuras políticas da Athenas foi uma
estratégia de salvaguarda do campo literário, para Antonio Henriques Leal, João Inácio da
Cunha merecia estandarte no panteão, vide ser uma ampliação do panteão literário para o
político.
2.2. José Cândido de Morais e Silva: “o Farol”
Depois de João Inácio da Cunha e Sotero dos Reis, Antonio Henriques Leal detém-se
sobre a vida de José Cândido de Morais e Silva, o “Farol”. Salta aos olhos a análise da
situação política do país como preâmbulo do biografado; liberalismo, peleja contra
despotismo, absolutismo, tempos inglórios da pátria, jugo metropolitano, para depois narrar
sobre os acontecimentos que marcaram a província nos anos pós-independência até os idos de
1829, considerado por ele como tempos ditatoriais, pois:
É bem de ver que foi laborioso, incerto e não sem tropeços o tirocínio da
liberdade no nosso país, e isto, sobretudo, em algumas províncias do norte do
império que não gozaram, nos anos mais próximos ao da aclamação da nossa
independência, dos direitos garantidos pelo pacto fundamental. Fosse que o
governo se arreceiasse das agitações que começaram de surgir empós o
livramento do jugo da metrópole, ou reminiscências do regimém colonial, o
certo é que a maioria dos presidentes foi escolhida da classe militar: — era
uma continuação dos tenentes-generais das antigas capitanias, nem mais nem
menos (LEAL, 1873, 1987, p. 98).
Antonio Henriques Leal pontuou o militarismo nos idos iniciais da província para fazer
uma ponte com as injúrias e perseguições que José Cândido de Morais e Silva sofreu enquanto
jornalista durante o período do governo do Marechal Manoel da Costa Pinto
56
, sob acusação
de abuso da imprensa. A alcunha “O Farol” era uma analogia a que este símbolo remetia: luzes
na escuridão. As luzes eram os artigos escritos no jornal homônimo à sua alcunha, ou seja, o
jornalista passara a ser reconhecido pelo impresso que redigia e imprimia, O Farol. Tal jornal
fazia oposição aos caramurus. Desta feita, o preâmbulo da sua vida é narrado pelos episódios
antes da chegada e posse do Desembargador Cândido José de Araújo Viana, em 14 de janeiro
de 1829, considerando a província até então “um vasto aquartelamento, os habitantes soldados
bisonhos, porque esta data foi quando se desanuviou o sol vivificador da liberdade, inaugurou-
se o regimém constitucional em toda a sua plenitude, e restabeleceu-se o império da lei”
(LEAL, 1873, 1987, p. 98).
56
O Marechal de Campo Manoel da Costa Pinto foi presidente da província do Maranhão de 28 de fevereiro de
1828 a 13 de janeiro de 1829, segundo a Revista do IHGB, 3º trimestre de 1873, fev-mar de 1869, tomo 36, pt
2, v. 47, p. 181.
A feitura do preâmbulo se digna a ser alvitre, relatando as doutrinas de Jean-Jacques
Rousseau, Mably, Benjamin Constant, a história da Grécia e Roma antigas, os fóruns da ágora
ateniense, os discursos de Catão e Demóstenes, a ebulição da vida jornalística em centros
como Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo a partir de diários como a Aurora Fluminense,
A Astréia, O Farol Paulistano, e sobre figuras como Evaristo da Veiga, Costa Carvalho,
Vergueiro, Feijó e Odorico Mendes. Este último, além de colaborador no Farol, protestou
contra as perseguições a que José Cândido de Morais e Silva foi submetido, tornando-se seu
amigo próximo, prócere das mesmas concepções liberais e uma das vozes mais combatentes
das atrocidades cometidas pelo presidente da província e da situação política no Maranhão.
Neste instante, a correlação com todas essas questões estribava-se nesse impresso, considerado
por Antonio Henriques Leal um jornal como nunca houve outro:
que exercesse ascendente mais decidido sobre a população, nem tribuna que
atraísse mais vitrines, ou granjeasse com a sua imensa popularidade tão
frenéticos e espontâneos aplausos. Podia dele dizer-se que ao seu mando a
província agitava-se, palpitando todos os corações afinados pelo seu e
bradando todas as vozes uníssonas; porque o seu pensamento era o de todos
que nele confiavam (LEAL, 1873-1987, p, 99).
O Farol Maranhense foi o primeiro impresso liberal do Maranhão, nas palavras de
Antônio Henriques Leal. Começou a circular em 27 de dezembro de 1827. Seu fundador
ganhou respeitabilidade política com as árduas defesas que fazia de liberdade, ainda que
restrita, pois argumentava em um dos seus editoriais (16 de maio de 1828, nº 31) que: “uma
liberdade ilimitada só traz consigo a anarquia, a desordem e todos os males que podem suceder
aos homens em sociedade”. Os alvos de crítica de José Cândido de Morais e Silva eram os
abusos contra a Constituição, a liberdade individual e da imprensa e a defesa árdua da
propriedade dos brasileiros
57
. Sim, pois numa província em que os portugueses gozavam de
satisfatória condição pecuniária, de privilégios em cargos públicos, controlavam o comércio, a
defesa da propriedade era uma bandeira de luta contra os estamentos ainda existentes no
Brasil, mesmo depois de rompidos os laços com a antiga metrópole. Também se assevera que
a defesa da propriedade dos cidadãos brasileiros ia de encontro a tudo que a presença
portuguesa representava, sobretudo no Maranhão, pois a posse de bens nas mãos de
portugueses sinalizava um impedimento para a expulsão, extradição, vide que estas garantias
estavam asseguradas constitucionalmente. Ademais, com condições pecuniárias vantajosas, os
portugueses possibilitavam a circulação de impressos como a Bandurra e a Minerva, atrelados
57
Ilmar Mattos (1999) afirma que uma das semelhanças entre Liberais e Conservadores residia na defesa da
propriedade privada, na defesa da estratificação social dos brasileiros. Neste aspecto, liberais e conservadores
não se distanciavam muito.
ao que seria futuramente chamado de Partido Conservador, “Corcunda”, cognominado por
Antonio Henriques Leal como “reacionário”, pois defendia a recolonização do Brasil. A luta
contra a idéia de recolonização e contra o retorno de D. Pedro nos episódios da abdicação do
trono contribuiu para a morte do jornalista.
O jornalista, que morreu numa manhã de 18 de novembro de 1832, nascera 25 anos
antes num distrito de Itapecuru-Mirim, em 21 de setembro de 1807. Filho de pai português,
Joaquim Esteves da Silva, e da maranhense Joana Pereira de Abreu, cedo com a família se
mudou para São Luís, onde iniciou seus primeiros estudos. Órfão de pai aos 09 anos de idade,
foi amparado por parentes e pelo Comendador Antônio José Meirelles
58
, português que
financiou seus estudos na França. Continuou seus estudos de medicina, iniciados no país
gaulês, em Lisboa, quando decidiu abandonar tal carreira para matricular-se em grego na
Universidade de Coimbra. Retornou ao Maranhão em 02 de fevereiro de 1823, dias depois da
chegada de Lord Cochrane
59
.
Os episódios em torno da independência marcariam profundamente a sua vida como
jornalista. Antonio Henriques Leal nos conta que, dias depois da sua chegada, foi informado
da notícia da expulsão do Comendador Meireles para o Rio de Janeiro, sendo aviltado por
setores da população por suas ligações com este comerciante português. Tais episódios o
fizeram se retirar da capital para o interior da província, retornando três anos depois, em maio
58
O Comendador Antonio José Meirelles fez fortuna no Maranhão nos primeiros anos dos oitocentos,
principalmente através do comércio de escravos e dos contratos que obtinha para o abastecimento de carne
para a cidade de São Luís. À época da independência, Meireles era o comerciante mais rico do Maranhão. Foi
o primeiro português expulso do Maranhão pela Câmara Geral de 15 de setembro de 1823, situação utilizada
pelos seus devedores para rifarem suas dívidas para com ele, pois muitos comerciantes de São Luís haviam
contraído empréstimo a juros. Para mais informações, ver Antonia da Silva Mota (2007, p. 84-103).
59
Segundo Lucia Bastos Pereira das Neves (2002, pp. 488-489): “nascido em 1755, Thomas Alexander
Cochrane era descendente da família nobre escocesa e foi o décimo conde de Dundonald. Almirante britânico,
notabilizou-se na Marinha inglesa no período das guerras napoleônicas, participando depois da independência
do Brasil. Em 1814, perdeu o assento no Parlamento para o qual tinha sido eleito como candidato reformista e
radical, foi expulso da Marinha Real e sentenciado a um ano de prisão, ao comprovar-se seu envolvimento
numa fraude da Bolsa de Valores, decorrente da circulação em Londres de falsas notícias sobre a morte de
Napoleão e a ocupação de Paris pelas tropas aliadas, que provocaram uma grande especulação com títulos do
governo britânico. Quatro anos depois, aceitou o convite do Chile para assumir o comando da obsoleta armada
do país na luta pela independência, conseguindo neutralizar a esquadra espanhola no sudeste do Pacífico e
capturar a fortaleza de Valdívia. Em seguida, comboiou o exército de San Martin na invasão do Peru, mas
opiniões diversas quanto à estratégia a adotar resultaram num rompimento entre os dois. Da mesma forma,
desentendeu-se com o governo chileno por causa de seus salários e recompensas e, em 1823, decidiu rumar
para o Rio de Janeiro, onde foi contratado pelo imperador Pedro I para comandar a esquadra brasileira. No
Brasil, atuou decisivamente na imposição da Independência à Bahia e ao Maranhão, e, em Pernambuco, junto
com Francisco de Lima e Silva, que comandava as tropas por terra, contribuiu para a repressão da
Confederação do Equador. Embora agraciado com o título de marquês do Maranhão, Cochrane não deixou de
atritar-se com o governo brasileiro a respeito de recompensas de guerra, retornando à Europa em 1825. Em
1831, voltou a oferecer, “sem qualquer recompensa”, seus serviços a Pedro I, já Pedro IV de Portugal, para
conduzir o exército constitucionalista dos Açores ao continente, mas sua proposta foi recusada. Reintegrado à
Marinha inglesa em 1832, ainda comandou uma base na América do Norte (1848-1851), falecendo em 1860,
com a patente de Almirante.
de 1826, um ano depois da chegada de Odorico Mendes ao Maranhão. Sustentou-se nesses
anos em São Luís ministrando aulas de primeiras letras, geografia e francês no
estabelecimento aberto por ele, assim como em casas particulares e no quartel para os cadetes.
Antonio Henriques Leal ao narrar sobre as aulas que José Cândido de Morais e Silva
ministrava, dá-nos uma importante pista acerca do tipo de sociabilidade que se desenvolvia
naquele momento, já que:
Em contato e relacionado com particulares das principais famílias; sendo
então numerosa e importante essa classe, porque a mocidade desse tempo
gostava de alistar-se na tropa de linha, já por moda e por ter em muita conta a
carreira das armas, já por ficar até certo ponto independente do pátrio
domínio, sem que os mais deles, já por ficar até abastardos, tivessem o ônus
das rondas, sentinelas, e outros serviços pesados, que eram feitos pelos
sargentos a quem cediam os soldos (LEAL, 1873, 1875, p. 103).
Esta citação é emblemática, pois acentua a importância de famílias existentes no
Maranhão, denotando as que tinham acesso a algum tipo de educação formal e contatos com
professores de formação européia. Não só chama atenção à adjetivação “principais famílias”
indicando a separação de classes sociais, as possibilidades de acesso à educação, como a
preferência dos jovens: “a mocidade desse tempo gostava de alistar-se na tropa de linha.... “por
moda e por ter muito em conta a carreira das armas”. Ora, a conduta da mocidade se obstinava
às armas e não às letras, não só por ser mais atrativo financeiramente, mas por aceitação, ou
seja, status social. Por ser aceitação, repetição e reprodução de um comportamento social entre
essa faixa etária é que a carreira militar se tornou um modelo de comportamento almejado,
ambicionado e difundido. Ainda que as condições políticas da província contribuíssem para
esta circunstanciação, ter como horizonte uma carreira militar indicava que o ideário da
Athenas, enquanto culto às letras, ainda não era um padrão de sociabilidade
60
e só o seria
60
A sociabilidade atheniense substituiu a da carreira militar e permaneceu como um élan de congraçamento
provinciano, amesmo longe das paragens maranhenses como um elemento de reconhecimento entre co-
provincianos, até quando as condições de sua eficácia simbólica não foram ameaçadas por novas
sociabilidades. Estou partindo da premissa de que tal sociabilidade, ainda que vastamente reproduzida até os
dias de hoje, já não se configura mais enquanto um mito. A existência de trabalhos acadêmicos criticando a
questão indica que algo aconteceu na identidade ludovicense que os levou a desmistificarem a Athenas
brasileira. Não é possível afirmar peremptoriamente que tal noção tenha tanta repercussão nos dias de hoje,
aceitação e já não é um padrão inquestionável entre os jovens. A reverberação do mito atheniense serve hoje a
interesses muito específicos como propaganda turística, identidade local presumida por grupos sociais
distintos que não querem tocar na inviolabilidade deste símbolo, entidades que necessitam da sua perpetuação
como forma de autolegitimação, auto-reprodução, autoconsagração, como, por exemplo, Academia
Maranhense de Letras; supostos guardiões das letras. Hoje, considero a “Jamaica Brasileira”, São Luís —
capital brasileira do reggae —, um tipo de sociabilidade mais cultuada entre os jovens que a Athenas
Brasileira. A Jamaica [tal como São Luis], negra, pobre, suplantou a Athenas, branca e elitista. Sobre a
Jamaica ver DA SILVA, Carlos Benedito Rodrigues, Da Terra das palmeiras à ilha do Amor. Reggae, lazer e
identidade cultural (1995).
Segundo BARROS (2007, p. 28): a representação do Maranhão como Atenas Brasileira não passará intacta
diante das transformações locais, nacionais e globais que modificam, em diversos países da América Latina,
quando as condições de sua reprodutibilidade, visibilidade e dizibilidade tivessem
plausibilidade nas salas de aula, em artigos de jornais, no alarido das ruas.
Um outro aspecto importante a ser grifado está na frase: “aí estava em contato e
relacionado com os filhos das principais famílias”. Numa sociedade de aproximadamente
30.000 habitantes
61
, estar bem relacionado permitiu acesso a informações privilegiadas, grupos
de poder, regalias, oportunidades, contatos e circulação de idéias que reforçam o caráter
concentrador de uma elite. O Farol, ainda que não pertencente a uma elite econômica,
pertenceu a uma letrada, possibilitando-o fundar o segundo colégio de “instrução e de
educação da província” (LEAL, 1873, 1987, p. 104) em parceria com Manuel Pereira da
Cunha.
Abandonando a carreira do magistério, lançou-se à empreitada jornalística, fundando o
impresso liberal que lhe causou tantas perseguições políticas: a primeira se deu na
administração de Manoel da Costa Pinto. Com a saída deste presidente, José Cândido de
Morais e Silva gozou de relativa tranqüilidade quando assumiu a província Romualdo Antônio
Franco de Sá
62
. A sua tranqüilidade só durou até 28 de fevereiro de 1828, quando Romualdo
deixou o cargo e assumiram as pastas de presidente da Província e Comandante das Armas os
seus algozes, respectivamente, o Marechal Manuel da Costa Pinto e Luis Alexandre Maria de
Robert, o conde de d’Escragnole.
Este presidente tentou, sem lograr êxito, proibir a circulação do Farol e fechar a
tipografia sob a alegação de abuso da imprensa, concitando o promotor público Joaquim José
Sabino por diversas vezes a processá-lo. Essas batalhas jurídicas o levaram a uma
depauperante situação econômica, mesmo se livrando de todas as acusações. Em sua
arbitrariedade, desrespeitando a lei e abusando de seu cargo, Costa Pinto ordenou o
encarceramento de José Cândido de Morais e Silva em 08 de agosto de 1828, mesmo sabendo
que sustentava três irmãs e uma tia. Doente, foi transferido para o hospital regimental, ficando
internado durante 05 meses, sendo revogada sua prisão somente em 14 de janeiro de 1829 por
ordem e determinação do mais novo presidente da província, Cândido José de Araújo Viana
(futuro Marques de Sapucaí), em um dos seus primeiros atos. Gozando de amizade com o
novo presidente da província, retomou as atividades de impressão do Farol, viveu momentos
profícuos e uma relativa tranqüilidade na administração deste presidente, até se iniciarem dias
comunidades imaginadas fundadas em cor, raça e cultura. Ela não desaparecerá totalmente. Entretanto, não
será a principal e única idéia-imagem que significa o Maranhão e os maranhenses diante de outras regiões e da
própria nação, como até então ocorrera, particularmente até os anos 1920.
61
Esses dados dizem respeito a 1821, apontados por Spix e Martius, quando estiveram no Maranhão.
62
Presidiu de 1º de março de 1827 a 27 de fevereiro de 1828, pai de Joaquim Franco de Sá.
conturbados em decorrência da abdicação de Pedro I ao trono. O seu consórcio com Araújo
Viana transformou seu impresso numa folha semi-oficial, “publicando atos do governo”...[ ]
além de “uma subscrição que promoveu para a compra de dois mil volumes com que
enriqueceu a nossa biblioteca pública, criada a 05 de maio de 1831, por aquele ilustrado
administrador” (LEAL, 1873, 1987, p. 111).
A bonança que soprava na tipografia do “farol” estava com os dias marcados. José
Cândido de Morais e Silva e Frederico Magno Abranches
63
tomaram partido nas lutas contra a
deposição do príncipe-regente, iniciando uma revolta e acossando o presidente da província,
até então amigo do “farol”, perturbando a ordem social e mobilizando segmentos populares e
militares com uma lista de exigências para a retomada da normalidade. Segundo Mário
Meirelles (2001, p. 227), as exigências continham:
1. A expulsão de todos os oficiais portugueses, mesmo naturalizados
brasileiros, das tropas de 1ª e 2ª linhas;
2. A suspensão de funções ao chanceler da Relação, Francisco de Paula
Pereira Duarte, aos desembargadores Manuel Inácio Cavalcante de Lacerda,
João Capistrano Rebelo, Domingos Nunes Ferreira, Francisco Gonçalves
Martins, Joaquim José Sabino, Francisco Carneiro Pinto Vieira de Melo, e ao
ouvidor José de Almeida Guatimozim;
3. A demissão de todos os que não fossem brasileiros natos, do
funcionalismo da fazenda e da justiça;
4. A expulsão, da província, de todos os reconhecidos inimigos da
independência e das instituições liberais no Império, especialmente os
religiosos do convento de Santo Antônio, os padres José Pinto Teixeira e José
Rodrigues de Almeida, e mais oito civis que nomeavam, sendo dois do
Itapecurú-Mirim e dois de Caxias, e marcando, para os residentes em São
Luís, o prazo de 24 horas;
5. Por fim, que em tempo algum se julgasse criminoso o movimento.
O presidente ainda tentou amainar os ímpetos solicitando o alargamento do prazo das
reivindicações, a manutenção dos postos dos portugueses que exerciam cargos eletivos e a
permanência dos brasileiros natos, obtendo, intransigentemente, a negativa como resposta por
parte dos líderes. Araújo Viana não puniu os militares envolvidos nos episódios conhecidos
como Setembrada
64
e atendeu parcialmente as reivindicações, enviando, para a província do
Pará, os frades. O clima esquentou. O não atendimento integral das reivindicações ainda foi
agravado pela prisão de dois oficiais envolvidos nos episódios desta revolta; Félix José do
Rego Piauiense e Manuel Pereira da Silva, ambos do 20º Batalhão dos Caçadores, no mês de
novembro. Em protesto, os líderes da Setembrada se mobilizaram em frente ao Campo
63
Filho de Garcia de Abranches, português, editor do Jornal O Censor, principal inimigo de Odorico Mendes.
Nasceu em São Luís em 03 de maio de 1804. Foi professor de filosofia do Liceu, doutor em direito pela
Universidade de Coimbra, secretário da província do Maranhão, deputado geral e cônsul do Brasil na Caiena
Francesa e Nauta, Peru. É o autor de Elementos de Gramática Latina, 1848, conforme Coutinho (2007, p. 92).
64
Sobre a Setembrada, ver Abranches (1931).
d’Ourique, diante do quartel do 20º Batalhão, liderados por José Cândido Morais e Filho e
Egídio Launé. Desta feita, os revoltosos não contaram com o apoio do coronel José Demétrio
de Abreu, militar que apoiou a revolta, falecido pouco depois do primeiro levante, sendo
facilmente vencidos pelas tropas do capitão Feliciano Antônio Falcão, auxiliado pela
guarnição de Caxias, dos marinheiros de guerra e da tropa da 11ª Artilharia. Cerca de dez
líderes foram presos, com exceção de José Cândido e Egídio Launé. Foragidos, rumaram para
o interior da província. O consórcio entre Odorico Mendes e José Cândido se estreitaria mais
ainda, pois o primeiro, recém-chegado do Rio de Janeiro, deu guarida e proteção ao amigo em
sua casa em São Luís sob auspício da imunidade parlamentar.
Os demais foragidos continuaram a mobilização pelo interior da província sob a
direção de Antônio João Damasceno marchando contra a cidade de Itapecuru-Mirim, depois
seguiram para Icatu e Rosário sofrendo novas derrotas. Conseguiram se reorganizar e de
assalto se apossaram do armazém de pólvora, já na capital da província, porém, não lograram
êxito. As últimas investidas dos revoltosos depois da derrota na capital aconteceram em
Caxias, Parnaíba, Brejo
65
, quando o líder Damasceno foi morto em julho de 1832. Era o fim da
segunda fase da revolta ressurgida em novembro de 1831, chamada inicialmente de
Setembrada, depois Novembrada.
Depois do abrigo de Odorico Mendes, José Cândido de Morais e Silva se escondeu na
residência da viúva D. Francisca Tereza de Araújo Nogueira, e de lá alugou uma casa na rua
dos Remédios, de propriedade da viúva do Barão de Anajatuba. As perseguições ao foragido
eram constantes e, não resistindo, entregou-se às forças policiais da província. Sendo preso,
acometeu-se de grave enfermidade. Nem o fato de ser casado com a sobrinha do Visconde de
Alcântara, Mariana Emília da Cunha, irmã da futura esposa de João Francisco Lisboa, Violeta,
em 15 de outubro de 1831, rendeu-lhe maior sorte. Em decorrência da enfermidade, morreu
em 18 de novembro de 1832, juntamente com a revolta que organizou e na qual lutou.
A trajetória de José Cândido Morais e Silva é emblemática por indicar a posição que
grupos políticos no Maranhão tomavam assento. A efervescência do debate em torno das
causas futuramente identificadas como liberais e a forma de combate a estas idéias também
indicavam o projeto de poder que se desenhava naquela província do Norte. Um dos motivos
de rompimento com o presidente de província — o desembargador Cândido José de Araújo
Viana, indicado para o cargo através do Visconde de Alcântara, tio da esposa de José Cândido
de Morais e Silva — foi a bandeira da federalização das províncias, idéia surgida em
65
Todas estas cidades, não por coincidência, foram as que se envolveram nas lutas pela independência.
Pernambuco e arduamente pregada durante os episódios da Setembrada. Quando o presidente
da província tomou conhecimento da proporção e dos princípios defendidos pelos revoltosos,
não medrou esforços para combatê-los e aniquilá-los. A idéia de federalização feria os
interesses do presidente da província e, enquanto um alarido altíssono, perturbava o sono dos
conservadores, pois uma possível vitória federalizante no Maranhão logo se irradiaria para
outras províncias brasileiras.
Esta veiculação com idéias federalizantes e separatistas é sustentada por Frederico
Magno Abranches em um dos seus discursos durante a revolta, transcrito por Dunshee de
Abranches (1931, p. 108), conforme segue abaixo:
É no Norte do Brasil que as classes intelectuais têm mais avançado nos
conhecimentos humanos e é no Norte do Brasil que o espírito liberal é mais
puro e mais ardente, maximé nos sertões onde o amor à pátria é mais vivo e
capaz de todos os sacrifícios pelas liberdades públicas. Apesar de tudo isso,
na Corte, o que existe para nós outros, é a política de dois pesos e duas
medidas. Se no sul, se levantam protestos ou revoluções, os Ministérios
mandam logo emissários pacificadores que tratam as populações com justiça
e com respeito à sua soberania. Para o norte, é o que se vê: quaisquer queixas
e reclamações são logo abafadas à bala e a baioneta, como se o seu povo
fosse composto de bestas-feras e selvagens! Basta de ilusões: ou Federação
ou Separação.
Antônio Lopes, em História da Imprensa no Maranhão, transcreve um trecho da carta
em que Frederico Magno Abranches relata a decepção que os revoltosos tiveram com o
presidente da província. Num dos trechos diz (LOPES, 1959, p. 80):
Nós somos os réus da Setembrada, os maus brasileiros, os infames rebeldes
nortistas, que não mereceram a anistia e devem ser exterminados a ferro e
fogo... Nós, que confiávamos no presidente que parecera ter nobremente
capitulado diante do bem público, fomos logo depois traídos, processados e
perseguidos como bandidos, porque sonhamos abnegadamente com a
autonomia das províncias e a expulsão dos estrangeiros dos postos de
comando, a fim de tornar de fato e de direito o Brasil dos brasileiros.
Exterminados a ferro e fogo”!
Entre outras coisas, a trajetória do Farol se confunde com a contundente posição
política de jovens lideranças que se aglomeravam em torno dele, além da atuação exaltada do
amigo e correligionário, Odorico Mendes, participante na abdicação de D. Pedro I. A
combatividade desde os tempos dos jornais Argos da Lei e Despertador Constitucional
66
, de
66
Inicialmente o Despertador Constitucional era para ser impresso em São Luis na Tipografia Nacional, única
existente na cidade e de propriedade do governo. Impedido por Costa Pinto, que baixou uma portaria vetando
qualquer publicação do deputado, mandou imprimir no Rio de Janeiro, em 14 de agosto de 1828, na Tipografia
de Torres. Nos apensos da obra de Antônio Lopes há uma informação equivocada quanto à data da publicação
do Despertador, 1826, quando o correto é 1828, durante a presidência de Costa Pinto.
1828 — este último confeccionado na cidade do Rio de Janeiro, cujo único número foi feito
exclusivamente para defesa de José Cândido de Morais e Silva —, marcaria sua trajetória
enquanto árduo defensor das causas constitucionais e dos abusos cometidos pelos dirigentes
das províncias.
A menção a José Cândido de Morais e Silva no Pantheon serve como símbolo do
conturbado período dos debates e das disputas políticas no Maranhão, anos depois da
emancipação política. Seu galardão foi assegurado na obra de Henriques Leal enquanto
estratégia de didatização da vida pública para as futuras gerações como construção de
memória. Que lições este autor desejava ao relatar a vida do jornalista? Entre outras coisas, a
de que ao invés dos jovens maranhenses ambicionarem a carreira das armas, deveriam lutar
contra as arbitrariedades e truculências dos dirigentes públicos, almejarem a carreira da pena
na luta por idéias de livre expressão, bandeiras defendidas por um jovem liberal de espírito
iconoclasta, aspirante a líder de uma jovem nação. Entretanto, veremos à frente que sua
opinião sobre os militares mudaria.
O resgate do farol como mártir do antilusitanismo servia à construção da memória dos
liberais enquanto redentores e construtores da nação.
2.3. Antonio Pedro da Costa Ferreira, Barão de Pindaré
O último biografado da primeira parte do Pantheon I é ninguém menos que o Senador
Antônio Pedro da Costa Ferreira
67
, o Barão de Pindaré, um dos chefes políticos mais
importantes do Maranhão na primeira metade do século XIX, patriarca de uma família política
influente, mais um ente da família alcantarense, mais um “liberal” escolhido por Antônio
Henriques Leal.
Antes de narrar a vida do Barão de Pindaré, Antônio Henriques Leal (1873, 1987, p.
123) dispara: “desde a inauguração do sistema constitucional que duas famílias poderosas por
seus haveres e importância — a de Costa Ferreira e Franco de Sá de um lado e a de Viveiros
de outro —, se disputam predomínio e decidem as eleições naquela comarca”. Isto seria de
somenos importância se a configuração política no Maranhão não estivesse estritamente ligada
ao que acontecia a quatro léguas de São Luís, cruzando a baía de São Marcos, na antiga aldeia
67
Tio de José Ascenço da Costa Ferreira que era filho do Comendador José Ascenço da Costa Ferreira. Juiz de
direito, desembargador, procurador da Coroa, presidente da Relação do Maranhão e Ministro do Supremo
Tribunal Federal. Foi Deputado Geral de 1853 a 1856 pelo partido liberal. É o autor da obra: Lições de
Economia política, 1872.Cf Viveiros (1977, p. 120).
de Tapuitapera, exatamente a comarca onde Antônio Pedro da Costa Ferreira espraiaria seu
domínio político, a cidade de Alcântara.
Nascido em 26 de dezembro de 1778, na então vila de Alcântara, filho do Tenente-
Coronel Ascenso José da Costa Ferreira e de Maria Teresa Ribeiro da Costa Ferreira, aos 14
anos seguiu para Coimbra, onde se graduou no curso de Humanidades, Cânones, em 1803.
Retornou ao Maranhão para cuidar das propriedades do pai (fazendas) em 1810, casando-se
com sua prima Rosa Francisca da Costa Ferreira. Deste casamento nasceram: Gustavo
Ascenso da Costa Ferreira, Lucrecia Rosa, Cássio Antônio, o futuro tenente-coronel do
Estado-Maior, Franklim Antonio, Ascenso, Américo e Corina.
Em 1808, o então governador do Maranhão, Francisco de Melo Manuel da Câmara,
nomeou-o como fiscal da junta da vila de Alcântara, tornando-se logo depois superintendente
até 1823, sendo nesse mesmo ano eleito deputado para as cortes portuguesas. Nos episódios
que envolveram a independência do Maranhão, Lord Cochrane, depois de destituir Miguel
Ignácio dos Santos Freire Bruce e nomear interinamente Manuel Teles da Silva Lobo,
convidou Antônio Pedro da Costa Ferreira a ser seu Conselheiro, ocupando posteriormente o
cargo de secretário do governo e, em 1826, o de Conselheiro-Geral da província. Foi dele a
proposta de criação de dois hospitais longe das povoações, da manutenção do hospital do
Bonfim, do projeto de indexação da região do Tury-assu
68
ao Maranhão, pertencente ao Pará,
da criação da Biblioteca Pública em 1829, sendo de fato inaugurada durante o governo de
Cândido José de Araújo Viana dois anos depois, em 05 de maio de 1831, com 315 volumes
doados por Antônio Pedro da Costa Ferreira, e da criação das cadeiras de ensino primário nas
vilas mais importantes da província. Foi eleito Deputado Geral na 2ª legislatura que teve o
Maranhão para o período de 1830-1833, sendo logo depois nomeado Ministro do império. Em
1834 foi nomeado pelo regente Feijó para a presidência do Maranhão permitindo-lhe criar o
Tesouro da província, a Polícia Rural, o Corpo de Polícia e a Secretária da presidência.
Milson Coutinho (2007, p. 31) nos conta que:
No senado, onde tomou posse a 10.06.1837, Costa Ferreira teve posições
estas de destaque; votou contra a vitaliciedade do senado; a favor da
destituição de José Bonifácio, a favor da tutoria de dom Pedro II. Na Câmara
dos Deputados, votou contra o processo do ministro da Justiça Feijó e contra
a competência exclusiva da Câmara para realizar reformas constitucionais.
68
Em discurso no senado efusivamente defendeu: “a vista das razões expendidas, augustos e dignissimos
senhores, he evidente que o municipio de Turyassu não pode continuar a pertencer ao Pará, sem gravíssimo
prejuizo para os seus habitantes, e deve ser incorporado ao território do Maranhão, única província capaz de
protegê-los seja pela proximidade de sua capital, seja pela sua riqueza e numerosos recursos, seja em fim para
conservar illesas entre os dous povos as relações de mutuo interesse e simpathia”, conforme a obra O Tury-
assu ou a incorporação d’este território a província do Maranhão. Rio de Janeiro, typografia de Agostinho de
Freitas Guimarães & Cia. 1851, p. 05. Biblioteca Nacional, sessão de livros e pesquisa documental.
Pelos serviços prestados na vida pública foi agraciado com o oficialato da
Imperial Ordem do Cruzeiro (1841) e com o título de Barão de Pindaré, em
1854.
Foi eleito para a lista tríplice de senador com 150 votos concorrendo com
Fábio Gomes da silva Belfort (74 votos) e Joaquim Antônio Vieira Belfort
(40 votos).
Como no Pantheon só poderiam figurar notáveis de emulação da vida pública
maranhense, o autor não se esqueceu de mencionar que é de autoria do Barão de Pindaré,
através da Lei n.º 11, de 06 de maio de 1835, a determinação de salvaguardar a data de 28 de
julho de 1823 como feriado provincial, dia de festividade cívica: data da “adesão” do
Maranhão à independência do Brasil, feriado estadual até os dias de hoje.
O Barão de Pindaré entrou em óbito aos 82 anos de idade, em 18 de julho de 1860,
porém, sua descendência política viveria por muitos anos. Foi avô de Felipe Franco de Sá
(falarei dele adiante), pai de José Ascenso da Costa Ferreira
69
, tio e sogro de Joaquim Mariano
Franco de Sá. A Junção dessas duas famílias marcou profundamente a história política do
Maranhão no século XIX e essa trajetória está visceralmente ligada à trajetória deste patriarca.
* * *
Se analisarmos de perto a lista dos biografados na Parte I do Pantheon: Manuel
Odorico Mendes, João Inácio da Cunha, Francisco Sotero dos Reis, José Cândido de Morais e
Silva e Antônio Pedro da Costa Ferreira, notaremos algo em comum entre eles: todos estão
vinculados ao nascimento da vida pública brasileira no Maranhão pós-independência
colaborando, aos seus modos, para o edifício social como sinônimo de doação à “causa
nacional”. A seleção dos biografados segue um princípio: com exceção de Sotero dos Reis,
todos tiveram formação européia antes dos episódios de 07 de setembro de 1822. Isto coincide
com a opinião do próprio Antonio Henriques Leal no prefácio escrito por ele na obra de Luis
Antonio Vieira da Silva, A História da Independência do Maranhão, de 1862. Nela, o autor do
Pantheon afirma que o atraso da independência do Maranhão não se deve à falta de amor dos
maranhenses à pátria, mas ao ambiente intelectual acanhado existente na província antes do
rompimento político com Portugal. Ora, a falta de emulação intelectual em sua visão estava
69
Segundo Milson Coutinho (2007, p. 56, 57): José Ascenso nasceu em 10 de fevereiro de 1823 em Alcântara.
Bacharel em Direito pela Escola de Olinda graduando-se em 1845, foi juiz de direito da comarca da Chapada
até 1861, depois foi transferido para Paraíba do Norte até 1871, se transferindo posteriormente para a de São
Luis. Foi Desembargador do Tribunal da província do Goiás, depois Pará e em 1883 assumiu a do Maranhão.
Em 14 de fevereiro de 1885 foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Foi ainda procurador da
Coroa, presidente da Corte. Também exerceu os cargos de deputado-geral na legislatura de 1853-1856. Como
Presidente da província do Ceará foi exonerado em 1864. Recebeu a Ordem de Cristo. Faleceu em 27 de julho
de 1897e publicou a obra Lições de Economia Política.
relacionada ao fato de “os ilustres maranhenses” não estarem em solo pátrio nos preâmbulos
da independência, vazio preenchido, por exemplo, pelas figuras biografadas quando de seus
retornos da Europa, cumprindo “uma missão civilizacional”: a transladação de um ambiente
propício a uma verdadeira concepção da res publica.
Outro detalhe: a inclusão do então cabano Francisco Sotero dos Reis pode, a princípio,
derivar uma imagem de um panteão repleto de figuras que construíram a vida pública do
Maranhão independentemente de suas inclinações políticas. Ledo engano. Sotero dos Reis só
pertenceu às lides do partido Cabano até inicio do governo de Joaquim Franco de Sá, quando
ingressou na Liga Progressista
70
, dirimindo sua antiga rivalidade com João Francisco Lisboa.
Sotero dos Reis iniciou a sua carreira como jornalista do partido conservador, apoiando
inclusive a Lei dos Prefeitos de 1839
71
, depois seguiu sua trajetória profissional como
professor, latinista, gramático, escritor, e não exclusivamente como político, ou seja, na
efervescência da Athenas Brasileira, apareceu como pedra angular da formação e concepção
de uma educação formal, como divulgador de concepções partidárias ligadas ao
conservadorismo e depois ao liberalismo. Não é com a mesma ênfase e enfoque que os demais
aparecem na obra. Neste aspecto, a coterie criticada por Frederico José Corrêa anos depois da
publicação da obra é sequaz, exeqüível, inteligível e producente.
O mesmo princípio foi utilizado para a dedicatória ao seu amigo Luis Antônio Vieira
da Silva, também vinculado ao partido conservador, tal qual o famoso professor do Liceu. Luis
Antonio Vieira da Silva, filho do juiz Joaquim Vieira da Silva e Sousa e de Columba de Santo
Antônio de Sousa Gaioso, neto de Raimundo de Sousa Gaioso, nasceu em Fortaleza, Ceará,
em 02 de outubro de 1828. O futuro Visconde de Vieira da Silva exerceu os ofícios de
advogado, poeta, jornalista, escritor, parlamentar, ministro. Doutor em Direito pela
Universidade de Heildelberg, em 1854, foi um dos fundadores da Associação Literária
70
Sobre este episódio Janotti (1977, pp 97-98) afirma: “durante o governo de Joaquim Franco de Sá (10-1846 a
11-1847), Sotero dos Reis e Lisboa passam a pertencer, como membros destacados, à Liga Liberal
Maranhense, que era o partido governista. Pode-se, portanto, fala-se não em reconciliação, pelos menos em
aproximação dos dois jornalistas”.
71
Para Maria Januária Vilela dos Santos, (1983) a Lei dos prefeitos está diretamente relacionado com a eclosão
da Balaiada, pois permitia recrutamento desordenado gerando revolta as populações mais pobres. Segundo
Mário Meireles (2001, p. 233): “a Lei dos Prefeitos e Subprefeitos, de 26 de julho de 1838, sancionada pelo
presidente Camargo, e consequente do Ato Adicional da Constituição, era apontada aos municipes como uma
nova arma de perseguições e vinditas na mão do governo; e, então, faziam vivos, na memória do povo rude
dos campos, os métodos de Silva Lindoso, em Alcântara, do Panaca, em Guimarães, de Dourados, em Cajapió.
Quem também aborda a questão da Lei dos Prefeitos explicando suas conseqüências é Janotti (1977). Para
Janotti, uma das razões entre a forte relação política entre Lisboa e os Franco de Sá é o descumprimento dessa
Lei em Alcântara quando estes governavam a cidade.
Maranhense
72
. Em 1854, exerceu a função de secretário de governo do Maranhão e em 1859
foi diretor de terras públicas, sendo depois eleito deputado provincial. No ano seguinte
presidiu a Assembléia Legislativa do Maranhão, sendo reeleito para a legislatura 1861-1863.
Dissolvida essa câmara, retornou como Deputado Geral para o mandato entre 1867-1863,
depois 1870-1873. Foi ainda presidente da província do Piauí, do Maranhão (assumindo o
cargo em 02 de fevereiro de 1876), senador do Império a partir de 03 de novembro de 1871,
conselheiro do Estado (1882), Ministro da Marinha (1888) e Visconde de Vieira da Silva
(1889).
Quando ainda morava em São Luis, foi um dos fundadores do Partido Constitucional
em 1863, cujo programa era abertamente defendido pelo jornal tri-semanário A situação. Foi
nessa época que, juntamente com João da Matta de Moraes Rego, César Augusto Marques,
João Vito Vieira da Silva e Torquato Rego, fundou o primeiro Instituto Histórico e Geográfico
do Maranhão
73
e, em 1865, dessa vez ao lado Sotero dos Reis, Francisco Vilhena, Heráclito
Graça, Antônio Henriques Leal, Antônio Rego, reunidos no colégio de Humanidades, dirigido
por Pedro Nunes Leal, discutiam a formação de agremiações literárias e o futuro da vida
cultural da província, tanto que, na ânsia de resolver os problemas em torno do “marasmo
cultural”
74
do Maranhão, foi um dos fundadores do Jornal de Instrução e Recreio, em 1844, ao
lado de Antonio Henriques Leal e Augusto Frederico Collin, jornal em que Antonio Gonçalves
Dias fez sua estréia literária.
72
Segundo o Jornal de Instrução e Recreio, de 15 de Fevereiro de 1845, 1º trimestre, vol. 01, p. 01, a
Associação foi fundada em 01 de janeiro de 1845. Tinha a seguinte organização: Membros efetivos e
funcionários. Presidente: Luiz Antonio Vieira da Silva, Vice-Presidente: Augusto Frederico Collin,
Secretario: Roberto Augusto Collin.
Comissão revisora: Luiz Antonio Vieira da Silva, Augusto Frederico Collin, Augusto César dos Reis
Raiol,Editores e thesoureiro: José Tell Ferrão, Antonio Henriques Leal.
Membros honorários: Alexandre Theophilo de Carvalho Leal, Antonio Borges Leal de Castello Branco,
Antonio Carneiro Homem de Souto Maior, Antonio Gonçalves Dias, Antonio Rego, Ayres de Vasconcellos
Cardoso Homem, Fernando Luiz Ferreira, Francisco José Furtado, Frederico José Correa, Gregório de Tavares
Osório Maciel da Costa, João Cândido de Deus e Silva, José Joaquim Rodrigues Lopes, Manuel Jansen
Pereira, Pedro Nunes Leal, Raymundo José Faria de Mattos, Tibério César de Lemos.
Membros correspondentes: Alexandre d’Araujo Costa, Álvaro Duarte Godinho, André Carneiro Benjamin,
Antonio José de Carvalho Pires Lima, Antonio Rangel de Torres Bandeira, Cypriano Fenelon Guedes
Alcanforado, Estevão de Albuquerque Mello Montenegro, João Pedro dos Santos, Joaquim Correia de
Magalhães, José Joaquim Ferreira Vale, Padre Manuel Altino Barbosa, Tenente-Coronel Manuel Lourenço
Bogea, Pedro José d’aleo, Raymundo José de Sousa Gayoso, Thomaz Ferreira Guterrez.
Colaboradores: André Benjamim, Antonio Carneiro Homem de Souto Maior, Antonio Gonçalves Dias,
Antonio Henriques Leal, Antonio Rangel de Torres Bandeira, Antonio Rego, Augusto César dos Reis Raiol,
Augusto Frederico Colin, Frederico José Corrêa, Gregório de Tavares Osório Maciel, José Joaquim Ferreira
Vale, José Ricardo Jauffret, Luiz Antonio Vieira da Silva, Manoel Bentero Fontenelle, Pedro de Sousa
Guimarães, Roberto Augusto Collin.
73
Não logrou êxito, desapareceu para ressurgir em 1925.
74
Falarei acerca desse debate e dessa iniciativa no segundo e quarto capítulos.
É desse período também os vínculos amistosos com Antônio Henriques Leal,
incumbindo-o posteriormente de prefaciar sua obra, A História da Independência do
Maranhão, de 1862, oferta retribuída logo depois com a dedicatória da obra O Pantheon
Maranhense: ensaios biográficos dos Maranhenses ilustres já falecidos. Como já
mencionado, é no prefácio da obra de Luis Antônio Vieira da Silva que o Plutarco Maranhense
antecipa os argumentos sub-reptícios presentes na coleção de biografias acerca do
acanhamento intelectual que vivia a província antes dos episódios da independência. Vale a
pena frisar: a ordem de aparecimento dos biografados é cronológica, cujos vínculos se
remetem à independência e à formação do estado brasileiro, leia-se, construção da nação e da
noção de ordem pública na província.
A dedicatória da obra ao amigo Luis Antonio Vieira da Silva destoa do restante dos
biografados, notadamente “liberais”. Acontece que os vínculos com o amigo se travaram no
campo literário e na peleja de ambos na “edificação” deste campo, na simbolização dos signos
lingüísticos, efervescência cultural, passando ao largo das suas diferenças partidárias.
Ademais, é preciso relativizar a contundência da defesa das idéias liberais, já que Antonio
Henriques Leal, embora tenha exercido cargos eletivos como vereador de São Luís (1865-
1866), sendo presidente da Câmara dos Vereadores e depois eleito deputado provincial (1866-
1867), também a presidindo, jamais se notabilizou como grande político, não o impedindo, em
sua curta trajetória partidária, de ser um historgrafo dos passos da história recente da nação
brasileira, colocando-se “acima” dos particularismos e politiquices provincianas. Entre outras
coisas, sua preocupação com o estafe intelectual de sua terra o fez ser convidado para editar as
obras de Gonçalves Dias e, por amigos e parentes de João Lisboa, a revisar e editar as obras
completas do timon maranhense. Antonio Henriques Leal e Luis Antonio Vieira da Silva, em
tempos de mocidade, haviam granjeado mudar o mundo, emular e estimular o ambiente
literário na província, sorver os louros da construção deste tipo de clima. Ambos possuíam a
mesma idade; o primeiro nasceu em 24 de julho de 1828, o segundo três meses depois.
Ao prefaciar a História da Independência do Maranhão, apontou sua linha de
raciocínio acerca de como enxergava a história do Brasil iniciando o argumento do projeto
social que acreditava, argumento seguido na obra dedicada ao seu amigo, emoldurando as
grandes figuras públicas já falecidas e homenageando o autor da única obra existente até
aquele momento sobre a saga “independentista” do Maranhão
75
. A dedicatória não é mera
concessão à coterie, é a continuação de um argumento que iniciou naquele prefácio.
75
Até hoje apenas três obras exclusivamente sobre a independência foram escritas: a de Luis Antônio Vieira da
Silva (1862, 1972), a de Maria Esterlina Mello Pereira (1982) e a de Mário Meirelles (1972). A quarta e
Porém, a recepção à obra O Pantheon não consternou apenas o conterrâneo Frederico
José Corrêa. Na abertura da parte II do primeiro tomo, há uma advertência feita pelo próprio
autor quanto à recepção desse volume por parte de um dos seus colegas, membro do IHGB,
notadamente, o 1º Secretário deste órgão, o Cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, em
relatório apresentado à sessão magna de 25 de dezembro de 1873, publicada no Jornal do
Comércio, com data de 25 deste corrente mês. Assim transcreveu Antônio Henriques Leal as
observações feitas pelo cônego (LEAL, 1873, 1987, p. 181):
Recebemos no derradeiro dia de sessão ordinária um exemplar do Pantheon
Maranhense devido à laboriosa e patriótica pena do nosso consócio o Sr. Dr.
Antônio Henriques Leal. No volume que acaba de sair da imprensa nacional
de Lisboa, lêem-se as biografias de Manoel Odorico Mendes, João Inácio da
Cunha (Visconde de Alcântara), Francisco Sotero dos Reis, José Cândido de
Morais e Silva e Antonio Pedro da Costa Ferreira (Barão de Pindaré). Faltou-
me tempo para detidamente apreciar substanciosa obra; mas o seu simples
título e exposição de plano, foram bastantes para entristecer-me, julgando
descobrir nela tendências autonômicas e um certo particularismo que muito
desejava ver banido da nossa recente literatura.
Enquanto sujeito posicionado para falar não em nome do IHGB, mas por pertencer a
ele, o cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro expressa o velho temor das “tendências
autonômicas” e o significado que isto subjazia, como o antigo problema da cissiparidade da
nação e o receio da antiga concepção conservadora que uniu cabanos e liberais em prol da
suposta unidade do império, sustentando o pilar da propriedade privada, da escravidão
receando a haitização. Como integrante de uma instituição que foi encarregada de “inventar a
nação”, subjaz igualmente estarem superadas as fases de diatribes, querelas, pendengas,
litígios, disputas, revoltas e reviravoltas na política que contendiam com o projeto de
coletividade, de integração e inviolabilidade do território nacional, que tão acentuadamente
marcaram a trajetória do Brasil naquele século, como os episódios das revoluções de 1817
(Praieira) e 1824 (Confederação do Equador) em Pernambuco; da dissolução da Assembléia
Constituinte em 1823 e da outorga da Constituição de 1824; a ascensão dos liberais em 1831 e
a cisão destes entre “regressistas” e “progressistas”; o aumento da centralização política no
Rio de Janeiro; a implantação do Ato Adicional de 1831, que, segundo Magali Gouveia Engel
(2002, p. 60), foi comumente visto como “o grande marco das medidas descentralizadoras do
período regencial — entre as quais, a criação da Guarda Nacional de 1831 e o código de
processo criminal de 1832 —, estabelecendo modificações na Constituição de 1824”; a queda
bastante esclarecedora, está em fase de confecção; a tese de doutoramento de Marcelo Cheche Galves, do
programa de Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense, da qual utilizei alguns argumentos sobre a
temática, como da cronologia e fundamento de Antonio Henriques Leal sobre o porquê das escolhas dos
biografados, optando pelo critério de regresso ao Maranhão durante e pouco depois dos episódios da
independência.
de Feijó e a consecutiva ascensão de Araújo Lima; as revoltas provinciais como a Balaiada,
Sabinada, Farroupilha, Cabanagem; a formação propriamente dita dos partidos políticos a
partir das décadas de 1830-40 com a consolidação dos “Saquaremas” no período de D. Pedro
II depois da derrota dos “Luzias” em 1842; a suposta unidade política com o período da
“Conciliação” nos anos 1850; a redução do poder de antigas lideranças locais nas províncias
76
;
a ascensão dos movimentos abolicionistas e o debate sobre o futuro da nação; até a
efervescência das discussões dos ultraconservadores acerca da manutenção da grande
propriedade, do estatuto da escravidão, das indenizações pela perda do braço escravo, entre
outras coisas.
O Pantheon, sob este enfoque, não era a visualização de grandes figuras brasileiras,
não que o panteísmo fosse uma empreitada deletéria enquanto louvaminha de grandes figuras
públicas, muito pelo contrário, mas a questão era a exaltação de cidadãos de uma única região
acentuando o que ele designou de “particularismo”, empreitada não cultuada pelas práticas
historicizantes do IHGB.
Antônio Henriques Leal, na construção da memória dos primeiros anos do império,
sub-repticiamente evocou a sua concepção ideológica e de seus correligionários como os
legítimos altaneiros participantes da “festa cívica”. Isto implicou em digressões sobre o tipo de
narrativa dos biografados, cujos adjetivos sempre se vincularam às características positivas,
transformando-os em personagens pensados como num roteiro de um romance, elogiando-os
como se fossem sujeitos acima do bem e do mal e não imersos em jogos políticos cujos
interesses específicos deitavam objetivos em relações de poder. Enfim, ao exaltá-los como se
estivessem livres de intempéries e contradições, acabou por desumanizá-los, transformando-os
em super-homens, em mitos.
Tudo isso, no entanto, iria se acentuar com a segunda parte da obra e a relação dos que
constam nela. Segue a ordem por apresentação: o brigadeiro Feliciano Antônio Falcão, o
Senador Joaquim Franco de Sá, o Senador Conselheiro Joaquim Vieira da Silva e Sousa, o
Senador Conselheiro João Pedro Dias Vieira, o Dr. Joaquim Gomes de Sousa, Antônio
Joaquim Franco de Sá, o Conselheiro João Duarte Lisboa Serra, Trajano Galvão de Carvalho,
76
O império teve que lançar mão de ações políticas com o fito de minar as antigas lideranças locais existentes
nas demais províncias brasileiras, como por exemplo, a reforma eleitoral de 1857 e a criação dos círculos
eleitorais de um deputado e a inelegibilidade dos agentes de poder executivo e do poder judiciário para as
assembléias provinciais, câmara geral e a lista tríplice senatorial, nos distritos em que exerciam suas funções,
conforme Flávio Reis (2007).
Belarmino de Matos e o Senador Conselheiro Francisco José Furtado. A lista dos liberais só
aumentaria nesta segunda parte da obra.
2.4. Brigadeiro Feliciano Antônio Falcão
Se na primeira parte da obra o militarismo causava ao autor consternação e indignação,
nesta segunda, ao começar biografando um brigadeiro, pode-se supor que os tempos de
atrocidades e perseguições na província haviam cessado e que, agora, os militares exerciam
missões mais nobres.
Nascido em São Luís em 31 de maio de 1810, dentro do quartel do Campo d’Ourique,
era filho do brigadeiro português Manoel Antônio Falcão e de Maria do Carmo Monteiro. O
fato de ser filho de militar de alta patente cedo o entronizou nas lides da hierarquia,
sobressaindo-se em relação a outros bem mais velhos. É que Henriques Leal considerava
normal uma criança de 03 anos de idade ser nomeado cadete, em 26 de outubro de 1813; aos
dez, ser alferes, em 04 de julho de 1820 e, aos quinze; capitão, em 03 de maio de 1825,
respondendo pela guarnição da cidade de Caxias, sendo empossado em 19 de março de 1828.
De 1832 a 1836 respondeu pela Companhia da Guarda Municipal da capital, depois
comandou o policiamento de toda a província, sendo nomeado pelo então presidente Costa
Ferreira. Na administração do presidente Manuel Felizardo de Souza e Melo
77
foi nomeado,
em 13 de março de 1839, para comandar as tropas contra os rebeldes balaios e em 07 de
agosto desse mesmo ano, assumiu o primeiro batalhão da brigada pacificadora.
É demasiado conhecido na historiografia o abandono e o silêncio que os liberais
encetaram ante a crueza das batalhas durante a revolta, sobretudo quando os balaios levavam
de vencida as tropas oficiais, aumentando o número de mortos, capitulando vilas e vilarejos,
arregimentado negros, pobres, forros por onde passavam e colocando em xeque o estatuto da
escravidão no Maranhão.
O relato de Gonçalves de Magalhães
78
se tornaria depois a via oficial de interpretação
das batalhas, exaltando os feitos de Luis Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, e
enchendo as páginas de seu diário com o relato do sangue derramado pelos “perturbadores da
paz social”, “sanguinolentos”,“facínoras” negros balaios. À medida que os relatos chegavam a
77
Tenente-coronel de engenheiros Manuel Felizardo de Souza Mello, governou a província de 03 de março de
1839 a 16 de fevereiro de 1840, Cf: a Revista do IHGB, 3º trimestre de 1873/fev-mar de 1869. Tomo 36, pt 2.
vol. 47. 1873. p. 180.
78
Memória histórica e documentada da Revolução da Província do Maranhão: desde 1839 a 1840. Este relato
primeiro foi publicado pela Revista do IHGB em 1848, depois impresso por Belarmino de Matos (tipografia
do Progresso) em 1858. A 3ª edição, Rio de Janeiro, B. L Garnier, data de 1865.
São Luís, causavam torpor ou alívio, dependendo do resultado dos confrontos. É também
conhecida a forma como o presidente da província e comandante das Armas no Maranhão,
Luis Alves de Lima e Silva, foi arrebatado como “salvador do terrível fim” que poderia levar
aquela rebelião. Na lista dos elogios ao patrono do Exército acrescentam-se os do autor do
Pantheon. Em uma página inteira discorre louvas às campanhas vitoriosas do “nobre”
comandante das armas, relatos tirados diretamente da narração de Gonçalves de Magalhães.
Nesse entremeio, aparece a participação de Feliciano Antonio Falcão e, sem rodeios e sem
cerimônia, dispara sobre sua atuação brava e heróica em uma das campanhas (LEAL, 1873,
1987, p. 191):
Ficaram nesta ação feridos e mortos perto de mil homens, pondo a final
termo à peleja e afugentando os rebeldes os reforços frescos, que sob as
ordens do intrépido Alferes Antônio de Sampaio (depois morto em brigadeiro
na campanha do Paraguai), vieram acudir o Major Falcão. Foi nesse dia
memorável que o bravo militar maranhense recebeu o batismo de sangue,
cobrindo-se de louros e de feridas recebidas com denodo, calma e desprezo
da vida, como quem estima o brio e a pátria mais que tudo, e do que já dous
dias antes havia dado sobeja prova em uma escaramuça.
Páginas a fio seguem relatando a participação do até então novel capitão por suas
árduas campanhas até receber a patente de major, em 09 de outubro de 1839. Em março do
ano seguinte foi alçado à secretaria de guerra, assumindo depois o acampamento de Vargem
Grande e, em seguida, à terceira coluna, recebendo a patente de major e o oficialato da Ordem
Imperial da Rosa. Foi ainda nomeado prefeito da polícia da capital se graduando depois como
Tenente-coronel, em 1842. Chefiou o comando do 7º batalhão de caçadores, a guarnição de
Caxias, o comando do 5º batalhão de fuzileiros até assumir a patente de brigadeiro.
Do Maranhão seguiu para Pernambuco quando o Conselheiro da coroa, Ministro da
Guerra, Manuel Felizardo de Sousa e Melo, responsável pelas operações no Norte do Império
transferiu o 5º batalhão de fuzileiros para lá. Naquela província, em 1848, eclodiu a Revolta
Praieira. Era mister que o brigadeiro atuasse pela debelação do movimento e assim, assumindo
sob as ordens do Marechal-de-Campo Coelho, ficou responsável pela perseguição aos
revoltosos na vila de Limoeiro. Por estes feitos em mais uma revolta recebeu em maio de 1849
o oficialato da Imperial Ordem do Cruzeiro, a Comenda da Rosa e a honraria de coronel por
distinção. Suas façanhas em operações militares não pararam por aí. Em 1852 atuou na
campanha do Prata recebendo a insígne de brigadeiro, sendo no mesmo ano nomeado Diretor
do Arsenal de Guerra da Corte, membro do Conselho de Administração desse arsenal e, de
retorno a Pernambuco, assumiu no ano seguinte o cargo de Comandante das Armas. Faleceu
em 16 de agosto de 1855. Antônio Henriques Leal encerra sua epopéia citando o fato de ter
morrido longe de sua terra natal, tal como Odorico Mendes e Gomes de Sousa.
De todas as biografias, a do brigadeiro é a que possivelmente apresenta maior
idiossincracia, recebendo inclusive duras críticas de Frederico José Corrêa, e não é de se
estranhar. Se na parte primeira da obra desdenha da mocidade pelos anseios da carreira militar,
ao narrar a vida de Feliciano Antônio Falcão, faz concessão a esta categoria pelos préstimos na
manutenção da ordem social e no impedimento da mudança da estrutura da sociedade,
olvidando, dessa maneira, o período de truculência e atrocidades dos primeiros anos de
administração da província pós-independência. Isso implica dizer que, quando os militares
obstacularizaram os princípios liberais ou qualquer possibilidade de alternância de poder que
favorecesse esses sectários, suas ações foram interpretadas como truculentas, mas quando os
mesmos militares serviram de anteparo e manutenção da ordem estabelecida, unificando o
discurso tanto liberal quanto conservador, como no caso da Balaiada, foram consagrados como
heróis, vide o caso do brigadeiro.
A escolha de sua biografia obedece a um certo princípio. O Plutarco Maranhense quis,
na montagem da obra, escrever uma epopéia, uma saga de ilustres maranhenses, por isso
incluiu um militar que participou da derrocada de duas grandes revoltas que colocavam em
xeque um padrão de sociabilidade, requinte, um estilo de vida das classes mais abastadas. Não
importava se, quando da eclosão da Balaiada, a província era administrada por um político
conservador cujas ações estavam diretamente vinculadas às motivações da revolta e sua
inapetência em resolver o conflito ter sido um prato cheio para os sectários liberais. Não. Não
importava mais as mesquinhas disputas por cargos, o mexerico das vidas alheias com intuito
de denegrir adversários que tanto marcaram aquele período da imprensa maranhense. Jornais
apareciam ao sabor das paixões, ainda que muitos desaparecessem com a mesma intensidade,
muitos deles repletos de artigos sob pseudônimos. Quando de fato a província se deu conta da
envergadura, dos transtornos, mudanças e radicalização da Balaiada, o que passou a ser
defendido foi o estandarte da “civilização”. O velho receio da haitização soprava os ventos que
toldavam as nuvens do Maranhão. A Balaiada era a haitização maranhense. Nada mais justo
que celebrizar um brigadeiro que porfiou para a manutenção da civilidade provincial. Vivam
os militares!
2.5. O Senador Joaquim Mariano Franco de Sá
Como sempre acontece, antes de começar a narrar sobre os meandros da vida das
celebridades, para o repertório inicial da vida do referido senador, o Plutarco Maranhense
adverte que dentre tantos presidentes que pelo Maranhão passaram sem que a população se
recordasse de suas gestões ou virtudes administrativas, em tal lista não se encontraria o nome
de Joaquim Franco de Sá. Alcantarense, filho do ex-presidente de província, Romualdo
Antônio Franco de Sá e de Estela Francisca Costa Ferreira, o nascimento deste rebento
significou a perpetuação de uma tradição política iniciada por seus pais pela via matrimonial,
pertencente às famílias mais ricas daquela cidade, cujos laços aumentariam com o nascimento
do sobrinho e genro do Barão de Pindaré. Joaquim Franco Mariano de Sá se casou com a filha
do Barão de Pindaré, Lucrecia Rosa Costa Ferreira.
Seguindo os mesmos passos que os filhos das ilustres famílias brasileiras, em 1826
atravessou o oceano atlântico, apontando as velas para o velho continente, aportando na
Universidade de Coimbra
79
, onde se matriculou e concluiu o curso de Humanidades, depois
iniciando o de Direito, também nessa universidade, e finalizando-o na Academia de Olinda,
em 1832, seguindo a velha tradição bacharelesca do campo jurídico por onde trilhou a elite
brasileira no século XIX e por onde, via de regra, se iniciava a carreira política.
Como suas pretensões era ocupar cargos e iniciar sua jornada política na província, oito
meses após sua graduação em Direito, já ocupava a cadeira de Procurador Fiscal da Fazenda
Nacional e em fevereiro de 1834, já se assentava como juiz de Direito da comarca de São Luís.
Foi um dos fundadores do jornal Americano, diário vinculado ao partido liberal que começou a
circular em 21 de janeiro de 1836, cujo objetivo, adverte Henriques Leal, era, além da
divulgação de idéias liberais, a promoção e a defesa da administração provincial do Barão de
Pindaré, juntamente com outro jornal que circulava à época, redigido pelo jovem político, João
Francisco Lisboa, o Echo do Norte. A defesa do seu tio rendeu-lhe frutos; com a saída do
então presidente para a Corte em 1837, Joaquim Franco de Sá assumiu a vice-presidência da
província. Assumiu ainda no final do ano anterior a função de Juiz de Direito da comarca da
sua cidade natal e, em 1841, a suplência como deputado da Assembléia Geral. Três anos
79
Jerônimo de Viveiros (1977, pp. 62-63) traz a relação dos maranhenses nascidos em Alcântara que estudaram
em Coimbra, foram eles: “Custódio Alves Serrão, José Constantino Gomes de Castro, José Ascenço da Costa
Ferreira Ribeiro Lima, Basílio da Costa Leite Dourado, José Mariano Franco de Sá, Antonio Pedro da Costa
Ferreira, Inácio Gabriel de Almeida, Vital Raimundo da Costa Pinheiro, Raimundo Felipe Lobato, José
Mariano Correia de Azevedo Coutinho, Gentil Augusto de Carvalho, Antonio Raimndo Franco de Sá, José
Melitão Frazão Castelim, Frederico José de Novais e Alexandre José de Viveiros, Feliciano Xavier Fernandes
Nogueira, Estevam Rafael de Carvalho, José Roberto Ferreira de Sá, Francisco Mariano de Viveiros Sobrinho,
Francisco Leandro Mendes, José Tomaz Ferreira Amaral e Antonio Ferreira do Amaral”.
depois foi nomeado presidente da província da Paraíba, ficando nesse cargo apenas cinco
meses, quando retornou como deputado-geral pela província do Maranhão. O decreto de 01 de
maio de 1842 dissolveu a Assembléia, sendo convocado novo pleito, foi reeleito, porém,
novamente houve a dissolução desta casa pelo decreto de 24 de maio de 1844, quando, mais
uma vez, Joaquim Franco de Sá, reeleito, conseguiu concluir seu mandato para a legislatura de
1845-1847, sendo o quarto deputado mais bem votado
80
.
Este período é marcado pelo acirramento das disputas entre liberais e conservadores,
tendo dois grandes expoentes da Athenas Brasileira digladiando-se cada qual em seus jornais,
o primeiro, ex-professor do segundo, Sotero dos Reis, na Revista, e João Francisco Lisboa, no
Publicador Maranhense. A província repercutia os acontecimentos da corte, sobretudo as
tendências e dissidências políticas ocorridas dentros dos partidos. Os liberais, quando
convidados a fazer parte da estrutura de poder monárquico e afirmação de D. Pedro II, no
período do qüinqüênio liberal, já expressavam a cisão interna em 1842 em São Paulo e Minas
Gerais e iriam, durante a formação dos seis gabinetes liberais, acentuar tais diferenças.
No Maranhão, a divergência entre os liberais ocasionou a primeira cisão também no
ano de 1842, em decorrência do predomínio da família Jansen que controlava o partido. Esse
controle foi o responsável pelo alijamento da candidatura de João Francisco Lisboa para
Deputado Geral em detrimento do nome de Isidoro Jansen, filho de Ana Jansen. Os dissidentes
liberais agruparam antigos rivais, como os descontentes do antigo partido cabano, agora
reunidos sob a alcunha de Gavião. Sotero dos Reis, antigo opositor dos liberais, inimigo
mordaz de João Lisboa, passava a defender princípios que tanto combatera.
Neste período, segundo Henriques Leal, estava por toda a parte a “ruína, o desbarato, a
confusão, o caos; era esse o estado de decadência e abatimento a que tinha descido o
Maranhão em 1846, não pela índole e costumes dos seus habitantes, mas por culpa e influição
dos seus administradores incapazes ou frouxos” (LEAL, 1873, 1972, p. 208). Entrementes, sob
a liderança de Joaquim Franco de Sá ocorre a formação da Liga Progressista vinculando a
imagem de um período conturbado na política marcado pelo predomínio “de facções sem
princípios, sem idéias e sem patriotismo, que substituíam todos esses nobres e sagrados
sentimentos por individualidades” (LEAL, 1873, 1972, p. 208), anterior à formação política do
partido qual era signatário e ao período de sua gestão como presidente da província, tomando
posse em 27 de outubro de 1846. Sem cerimônia, o narrador afirma que sob esta designação
vieram agrupar-se “todos os homens de boa vontade” e reunindo “muitos dos diversos bandos
80
A ordem foi: João José de Moura Magalhães, José Jansen do Paço, José Tomás dos Santos Almeida e Joaquim
Franco de Sá.
em que estava retalhada a província” atribuindo a esta agremiação a capacidade de
organização após a “descida do Maranhão” (LEAL, 1873, 1972, p. 208). Sob o guarda-chuva
da Liga Progressista os dissidentes liberais de 1842 e 1845 davam as mãos e tentavam deixar
de lado suas pendengas políticas.
A suposta “ascensão do Maranhão” se relacionou com o aparecimento do jornal O
Arquivo (1846), tendo como colaboradores: Gonçalves Dias, Antônio Henriques Leal,
Frederico José Corrêa (estes dois últimos futuros rivais), além do surgimento do primeiro
jornal diário de São Luís, O Progresso, que circulou a partir de janeiro de 1847, redigido por
Fábio Alexandrino de Carvalho Reis
81
, (também colaborador do Arquivo), Teófilo Alexandre
de Carvalho Leal e Antônio Rego.
Usando de falso cabotinismo, Henriques Leal, ao referendar Franco de Sá como o
redentor do Maranhão, propositadamente omite que o então presidente da província
colaborava ao lado dele como prógono do movimento literário de São Luís, já que futuramente
despontaria a figura de Gonçalves Dias como um dos iniciadores do romantismo brasileiro,
além de não mencionar que participava da “pequena legião dos homens de boa vontade” sob a
esfinge do partido liberal. Quando Antônio Joaquim Franco de Sá assumiu a província, além
de arregimentar as “melhores figuras” políticas do Maranhão sob sua liderança, durante sua
gestão apareceram um impresso voltado para artes, letras e ciência (O Arquivo), com
participação de Gonçalves Dias; o primeiro diário do Maranhão (O Progresso); João Francisco
Lisboa militando no jornalismo, primeiro com o Echo do Norte, depois com o Publicador.
Tudo isso sem falar nos feitos da administração do jovem liberal: as obras públicas, finanças,
criação de repartição de obras, e na lavoura, incentivando cultivo da cana-de-açúcar, durante
muito tempo um dos carros-chefe da economia maranhense. Segundo Faria (2001, p. 34): “a
passagem do Maranhão de importador de açúcar é atribuída a ação do Presidente Joaquim
Franco de Sá, por ter tomado uma série de medidas para incentivar-lhe a produção, quando
administrou a província”. Por tudo isso, enfim, na lista dos presidentes de província que a
população maranhense deveria se recordar por suas ações e virtudes administrativas,
fatalmente constaria o de Joaquim Mariano Franco de Sá.
Mas as honras por seus feitos não vieram somente pelos eleitores maranhenses, e sim
por obra e graça do imperador D. Pedro II, escolhendo-o na lista tríplice como Senador em
81
Nasceu em Itapecuru-Mirim em 13 de outubro de 1815. Filho de Antônio José dos Reis, era bacharel em
Direito, graduado pela Escola de Olinda em 1838. Foi professor do Liceu, coletor de rendas provínciais,
procurador fiscal do tesouro, inspetor da alfândega no Pará, vice-presidente desta província. Fundador do
colégio Primavera no Rio de Janeiro, foi ainda Deputado-Geral pelo Maranhão (1848-1851, 1861-1863, 1864-
1866). Recebeu oficialato Imperial da Rosa, autor das obras Breves Considerações sobre a Lavoura (1852),
Criação e aumento do imposto (1868), segundo Milson Coutinho (2007, p. 49).
1849, também o nomeando desembargador da relação do Maranhão, pela carta imperial de
janeiro de 1851. Sem poder fazer mais nada pelos moradores da província do Maranhão, a
morte o ceifou em 10 de novembro de 1851.
Com a morte de Joaquim Franco de Sá, abre-se mais uma vez uma vaga para o Senado,
porém, dessa vez, os saquaremas emplacam seu líder Jerônimo José de Viveiros, eleito
Senador em 1852. A partir desse ano, os Saquaremas de Alcântara passaram a controlar a
política maranhense por um bom período.
O que Antonio Henriques Leal omitiu de grande importância, foram as manobras e
atitudes tomadas por Joaquim Franco de Sá para manter-se no poder. Depois da cisão de 1842,
outro racha ocorrera no partido liberal em 1845, segmentando-o em três correntes: a
predominante, liderada pela família Jansen; a liderada por Ângelo Carlos Muniz
82
e a dos
bem-te-vis de Alcântara e Caxias. A conclamada Liga Liberal, cuja liderança estava a cargo de
Joaquim Franco de Sá, agregava os Jansenistas, João Lisboa e os antigos cabanos Sotero dos
Reis e a família Belfort, ficando de fora a facção controlada por Ângelo Carlos Muniz e
cabanos como Cândido Mendes de Almeida
83
e Severino Dias Carneiro
84
. Aos poucos a Liga
se enfraquecia em virtude do domínio que os Franco de Sá e os Jansen exerciam no seio do
partido, chegando ao ato derradeiro das eleições, a Assembléia Geral de 1847. Foram os
seguintes nomes apontados pela Liga: Joaquim Franco de Sá, Fábio Alexandrino de Carvalho
Reis, Francisco José Furtado e João Duarte Lisboa Serra. Os dissidentes que lançaram suas
candidaturas foram: Isidoro Jansen, Mariano Franco de Sá e João Pedro Dias Vieira. João
Duarte Lisboa Serra era apoiado pelo presidente da província. Joaquim Mariano Franco de Sá,
Fábio Alexandrino de Carvalho Reis e Francisco José Furtado eram os mais expressivos e os
mais cotados a levar aquele pleito. Lisboa Serra tinha o apoio do Ministro Alves Branco.
Saíram vencedores: Franco de Sá, Isidoro Jansen, Francisco José Furtado e Fábio Alexandrino
Carvalho Reis.
Foi aberta vaga para o Senado. Joaquim Franco de Sá planejou sua eleição para esta
casa, pois, caso se tornasse Senador, abriria espaço para que Lisboa Serra assumisse como
Deputado, já que era suplente e indicado por Alves Branco. Joaquim Franco de Sá via nessa
82
Proprietário rural. Foi senador de 1852 a 1863. Faleceu em 04 de maio de 1863.
83
Nasceu na vila do Brejo, Maranhão, em 14 de outubro de 1818. Filho de fazendeiros, seu pai chefiou as
guarnições de Caxias contra a balaiada. Foi promotor público (1841-1842), secretário de Governo, fundador
em Caxias do jornal Brado de Caxias, deputado provincial, foi deputado geral nas legislaturas: (1842-1845),
(1846-1849), (1853-1856), (1857-1860), (1869-1872). Senador escolhido em 1871, foi membro do IHGB e se
notabilizou pela criação do Código Filipino. É autor de mais de dez obras, dentre elas: Código de Processo
Penal para o Distrito Federal, 1925. Faleceu em 01 de março de 1881.
84
Dr. Severino Dias Carneiro era formado em direito. Filho do Comendador Severino Dias. Ele herda do pai o
título de comendador.
oportunidade a chance de se aproximar do Ministro. Traindo os Jansen, permite que Carlos
Fernando Ribeiro, futuro barão de Grajaú, vice-presidente da província, escolhesse ao seu
critério funcionários e outras pastas administrativas sem deixar espaço para os Jansen. À
medida que a eleição para Senado transcorria, Franco de Sá se desespera com os resultados.
Impugna atas eleitorais, controla a Câmara dos Vereadores, órgão que apuraria as eleições,
exclui vereadores e consegue ser incluído na lista tríplice. Seu sogro, Costa Ferreira, teve peso
decisivo para a sua nomeação como Senador. A liga não existia mais. Os Jansen decrescem em
importância política.
Outro fator que agravou sua trajetória enquanto presidente da província foram as
demissões em massa dos “bem-te-vis puros”, liderados por José Cursino Raposo, José Maria
Barreto e José Mariani. Em resposta a essa atitude, o Jornal Bentevi publicou a seguinte nota:
“o nosso partido está habilitado a pagar, no dia 1º de cada mês, os ordenados dos seus
correligionários que forem demitidos pelo Sr. Joaquim Franco de Sá” (O Bentevi, 2ª fase, col.
da Bib. Nacional Apud Viveiros, 1977, p. 76). João Francisco Lisboa consentiu com as
demissões e chegou inclusive a justificá-las. Acerca destes episódios nos diz Janotti (1977, p.
107):
João Francisco Lisboa assiste a tudo isso como Deputado provincial,
jornalista e advogado, que tanto elogiara os princípios morais de Joaquim
Franco de Sá e teve que participar dos conchavos, de transigir, e se usarmos
uma figura de Jean-Paul Sartre, teve que meter a mão na imundície para
conhecer melhor a si mesmo.
Antonio Henriques Leal simplesmente suprime da biografia de Joaquim Antonio
Franco de Sá um dos principais motivos do desencantamento de João Lisboa com a política,
sobretudo com os Franco de Sá, por não querer publicizar as atrocidades do seu colega
correligionário e as contradições do seu partido. Aliás, os pormenores das dissidências no seio
dos liberais não aparecem ao longo da obra.
2.6. O Senador Conselheiro Joaquim Vieira da Silva e Sousa
O único não vinculado à falange liberal na denominação feita por Antonio Henriques
Leal que consta na segunda parte do tomo I do Pantheon é o Senador Conselheiro Joaquim
Vieira da Silva e Sousa, possuidor, dentre outros méritos, do de ser pai do amigo de Antônio
Henriques Leal, Luis Antônio Vieira da Silva. Filho do coronel de milícias e fazendeiro Luis
Antônio Vieira da Silva (nome que homenageia o neto) e de Maria Clara Gomes de Sousa,
nasceu na vila do Rosário em 12 de janeiro de 1800
85
. Demorou dezessete anos para que
também descobrisse os encantos e fascínios da faculdade de Direito de Coimbra, concluindo
sua graduação em 1822, retornando ao Maranhão nos entrementes da independência,
exatamente em outubro desse ano. Reforçando a tese de que o ingresso para o Pantheon deriva
da inserção na vida política no Brasil durante e posteriormente aos episódios da
independência, Antônio Henriques Leal dedica três páginas à participação efetiva de Joaquim
Vieira da Silva e Sousa como atuante partidário da emancipação política do Brasil.
Quando de sua chegada, envolveu-se nas lutas em prol da emancipação sendo detido
pela Junta Governativa que administrava a província comandada pelo brigadeiro Sebastião
Gomes da Silva Belfort, pelo chefe de esquadra, Felipe de Barros Vasconcelos, e pelo
Desembargador João Francisco Leal.
Luis Antônio Vieira da Silva, em História da Independência do Maranhão: 1822/1828,
nos conta que no dia 13 de agosto de 1823 foi eleita a primeira Câmara de Vereadores de São
Luís pós-independência, tendo como representantes o major Rodrigo Luis Salgado de Sá e
Moscoso, como presidente, capitão Manuel Bernardo Lamagnere, José Tavares da Silva,
Francisco Corrêa Leal, Antônio Guilhon, tenente-coronel Raimundo Ferreira de Assunção
Parga, Manuel Raimundo Corrêa de Faria e, seu pai, Joaquim Vieira da Silva e Sousa que,
além de membro da Câmara, tornou-se, no mês seguinte, secretário do Comandante das
Armas, Rodrigo Salgado. Em decorrência de sua prisão, foi nomeado para a segunda Junta
Governativa Provisória, cujos membros eleitos foram: Miguel Inácio dos Santos Freire Bruce,
como presidente, José Félix Pereira de Burgos, governador-das-armas, padre Pedro Antônio
Ferreira Pinto do Lago, secretário, Lourenço de Castro Belfort, coronel José Joaquim Vieira
Belfort, Antônio Joaquim Lamagnere Galvão, Fábio Gomes da Silva Belfort e Antônio Belfort
Pereira de Burgos.
Antônio Henriques Leal faz questão de ressaltar o equilíbrio emocional e o bom senso
estabelecido por Joaquim Vieira da Silva nos episódios concernentes à independência quando
a Câmara dos Vereadores propôs a deportação dos portugueses do Maranhão e a imposição de
taxa de 6$400 sobre todos os que quisessem permissão para permanecer residindo no
Maranhão. Resistindo a este projeto, convenceu os pares a recuarem da proposta, alertando-os
85
Antônio Henriques Leal equivocadamente inicia a biografia desse senador narrando que este nascera “nos
primeiros dias deste século tão fértil”. Acontece que o ano de 1800 ainda faz parte do século XVIII e não XIX,
que só iniciou nas primeiras horas do ano de 1801. Outra informação incorreta consta no sitio do Senado
Federal “http://www.senado.gov.br/sf/senadore/senadores_biografia” quando afirma o local de nascimento
como sendo São Luiz, quando o correto é a freguesia do Rosário.
sobre os perigos e as conseqüências dessas atitudes e revertendo o projeto para expulsão
apenas dos portugueses considerados vadios, mas a taxa foi mantida.
Já como juiz da comarca de São Luís, mais uma vez se defrontaria com as conturbadas
circunstâncias da independência, dessa vez confrontando o Almirante Lord Cochrane, que, de
retorno ao Maranhão em 1824, reclama o pagamento por seus préstimos à adesão do
Maranhão ao Império. Cochrane deporta o presidente da província
86
e saqueia os cofres
públicos, mas é enviado para o Rio de Janeiro por ordem do juiz dos ausentes da comarca de
São Luís, Joaquim Vieira da Silva. Por esta brava atitude foi transferido para Fortaleza em
maio de 1826, sendo promovido em 1829 a Ouvidor da comarca daquela cidade, período no
qual nasceu o amigo de Antônio Henriques Leal, Luis Antonio Vieira da Silva, em 1828.
Ainda residente no Ceará, impediu a deposição do Vice-presidente que respondia
interinamente pela província, quando o partido Conservador tentou depô-lo em decorrência
dos episódios da abdicação de D. Pedro I do trono, conseguindo debelar o movimento jurando
lealdade ao trono de D. Pedro II. Depois destes episódios, seguiu nomeado presidente da
Província do Rio Grande do Norte, onde arregimentou, nesse mesmo ano, as tropas locais,
contendo a onda de revolta em virtude também da abdicação de D. Pedro. Do Rio Grande do
Norte passou a administrar sua província natal, sendo nomeado em 13 de outubro de 1832. Foi
eleito Deputado Geral para a legislatura de 1834-1837. Por causa da turbulenta transição da
Regência Trina para a Una, foi convidado pelo Ministro da Guerra, João Paulo dos Santos
Barreto, e pelo da Justiça, Alves Branco, a compor o Gabinete imperial do Regente Diogo
Feijó, assumindo o cargo em 20 de janeiro de 1835. Não é difícil entender as razões do
convite. A descentralização pós-abdicação de D. Pedro acentuava as tendências separatistas
como as do Pará, Bahia e São Pedro do Rio Grande. Logo, se por um lado a formação de
gabinetes contendo políticos de regiões distantes do Rio de Janeiro significava um relativo
aumento de poder das elites regionais, por outro, tentava pela negociação buscar legitimidade.
Depois da participação na regência de Diogo Feijó, foi reeleito deputado geral pelo
Maranhão para o mandato de 1838-1841 e, durante o período da Balaiada, assumiu como juiz
a função de desembargador da província. Foi um dos que apoiaram a criação do Banco
Comercial, a função de Vice-provedor da Santa Casa de Misericórdia e a fundação da
Sociedade Filomática, instituição criada para dar apoio aos produtores agrícolas. Em 1854
tomou posse como presidente da corte imperial, depois Ministro da Marinha, do Exército em
1855, e em 1864 se tornou Ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Seis anos depois se
86
Miguel Ignácio dos Santos Freire Bruce tomou posse em 9 de julho de 1824 e foi deposto em 25 de dezembro
desse mesmo ano. No seu lugar Cochrane nomeia Manuel Teles da Silva Lobo.
tornara Senador escolhido na lista tríplice que continha, além dele, José Joaquim Vieira
Belfort, Francisco Mariano de Viveiros Sobrinho, obtendo 281 votos; o menos votado dos três.
Recebeu as condecorações de Cavaleiro da Ordem de Cristo, Fidalgo Cavaleiro e membro
honorário da Academia Imperial de Medicina, a qual ele fundara. Faleceu em São Luís, em 23
de junho de 1864, aos 64 anos de idade.
2.7. O Senador Conselheiro João Pedro Dias Vieira
Dispor sobre a vida de pessoas situadas dentro do jogo político maranhense foi o moto-
contínuo utilizado por Antonio Henriques Leal para dar à narrativa uma estrutura de coerência
prosaica, de conteúdo insigne, já que se tratava das trajetórias de vidas tidas como não-
comuns. A estratégia quase sempre é a mesma; tratar de suas vidas com candura, retirando o
caráter de altivez, como quem carrega nos ombros uma cruz pesada, com ares de cristandade,
tratando a vida com fleuma, embora soubessem de suas responsabilidades, obedecendo ao
princípio cristão de ser simples como uma pomba e prudente como uma serpente.
Essa estratégia não foi diferente com João Pedro Dias Vieira. Sempre que a vida de um
dos biografados não é digna de ser monumentalizada, como em artigos de jornais, por
exemplo, é computada à falta de desvelo de correligionários, à truculência de adversários
políticos, à ausência de acuidade dos provincianos que não valorizavam grandes homens
quando os viam e nem sabiam reconhecê-los quando se deparavam com eles. João Pedro Dias
Vieira é mais um desses “injustiçados” que a Antonio Henriques Leal coube a tarefa de
reparar, vivificar sua memória. No entanto, a narração de sua biografia chama a atenção por
um aspecto peculiar: pela primeira vez o autor dispara contra os seus correligionários, pelo
apoio à nomeação do presidente da província, o conservador, desembargador, João Antônio de
Miranda, que a presidiu entre 13 de maio de 1841 a 24 de junho de 1842, momento posterior
ao fim da Balaiada em que, vencidas as circunstâncias de ameaça à civilidade, era hora de
retomar os embates em torno do controle político e do realinhamento das disputas intra-elite.
João Pedro Dias Vieira foi um dos dissidentes liberais.
Filho do capitão-de-milícias, Manuel Inácio Vieira e de D. Dionísia Dias Vieira,
herdou dos seus pais fortuna das fazendas e prestígio político. Nasceu na vila de Guimarães a
30 de março de 1820 e cedo rumou para início dos estudos em São Luís, sendo aluno de
Francisco Sotero dos Reis. Em 1837 ingressou na academia de Olinda, quando, ao lado do co-
provinciano Fábio Alexandrino de Carvalho Reis, Antônio Borges Leal Castelo Branco,
Carvalho Moreira e Francisco José Furtado, redigiu o jornal liberal Argos Olindense,
causando-lhe problemas com os professores de orientação política contrária à sua,
transferindo-se para a Academia de Direito de São Paulo, onde concluiu sua formação
bacharelesca.
Como era de praxe, o ingresso na vida política profissional se deu a partir do início da
carreira no judiciário; foi nomeado promotor de Alcântara, depois transferido para São Luís.
Bradando a inépcia da oposição liberal ao presidente da província, o autor afirma que
compeliu estas circunstâncias, juntamente com Francisco e Fernando Vilhena, Fábio
Alexandrino de Carvalho Reis, antigo colega egresso da escola de Direito de Recife, a feitura
de um jornal chamado de O Maranhão, depois O Dissidente, onde expunham as divergências
com os correligionários do partido, tendo como motivo expoente, citado acima, o apoio ao
presidente de província conservador. Sem êxito na oposição, foi exonerado do cargo de
promotor público em decorrência das lides políticas, passando a exercer à função de advogado,
só conseguindo retornar a função de promotor em 1846, exercendo-a na cidade de Itapecuru-
Mirim.
Foi neste mesmo ano que se casou com Isabel Nunes Belfort, filha do Coronel Antonio
Sales Nunes Belfort — que porfiou nas lutas de independência —, quando também ingressou
na Liga Maranhensem concorrendo como deputado-geral nas eleições de 1847, não sendo
eleito, mas conseguindo o cargo de deputado provincial por duas legislaturas. Passou a
exercer, então como suplente, o cargo de juiz municipal de São Luís. O recém-empossado
presidente de província Eduardo Olympio Machado
87
, seu antigo colega da escola de Direito
de São Paulo, nomeou-o Procurador Fiscal do tesouro, depois Delegado de polícia da capital,
Procurador Fiscal em 1854 e Diretor-Geral das terras públicas, função paralelamente à de
Professor de Filosofia, Retórica e Geografia no Seminário Episcopal.
Em 1855 foi nomeado presidente de província do Amazonas quando pediu exoneração
e voltou ao Maranhão em 1857, assumindo a função de fiscal do Banco Comercial da
província. Foi eleito para a legislatura 1857-1860 e reeleito em 1860 como deputado-geral,
valendo-lhe a indicação para a lista tríplice do senado e se tornando membro vitalício em
1860. Antes de se tornar Senador, ainda cumpriu a chefia da província interinamente, em 19 de
abril de 1859, na condição de Vice-presidente por seis meses. É desse período como presidente
interino que regularizou os serviços de navegação a vapor conseguindo subvenções do
governo central e concessão de uso da empresa que explorava tais serviços.
87
Foi presidente de província em três ocasiões: de 05 de junho de 1851 a 08 de julho de 1852, de 28 de setembro
de 1852 a 17 de maio de 1854 e de 15 de julho de 1854 a 11 de agosto de 1855.
Quando da formação do segundo gabinete Zacarias
88
, em 15 de janeiro de 1864,
ocupou primeiro a pasta da Marinha, depois a de Estrangeiros, exercendo ainda interinamente
a da Agricultura, desocupando-se da primeira e terceira pastas e ficando oficio somente na de
Estrangeiros. Como membro efetivo do Conselho Naval, ficou sob sua responsabilidade a
inspeção dos portos do Maranhão e Pará, quando, nas palavras de Antonio Henriques Leal, a
ausência de acuidade dos correligionários e a truculência dos adversários, que não valorizavam
grandes homens quando os vêem e nem sabem reconhecê-los quando se deparam com eles,
levaram-no ao infortúnio de ser vilipendiado por jornais liberais acerca dos relatórios da
Marinha que diziam respeito à inspeção dos portos nas províncias as quais havia sido
encarregado de fiscalizar. Os relatórios davam conta do retorno de João Dias Vieira dessa
missão sem, no entanto, apresentar-lhe os resultados.
Acometido de grave enfermidade, faleceu em 30 de novembro de 1870 recebendo a
viúva uma pensão anual de 1:200$000 pelos préstimos deste Conselheiro ao estado. Recebeu
em vida as honras de Conselheiro, Ordem Imperial da Rosa e Grã-Cruz da Ordem Ernestina da
Casa Ducal de Saxe.
2.8. O Dr. Joaquim Gomes de Sousa
O quinto integrante da “tetrarquia ateniense” (Francisco Sotero dos Reis, Manuel
Odorico Mendes, Antônio Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa) seria conhecido ainda no
século XIX como o “gênio da matemática”, “um dos maiores cérebros da nação” e receberia
no século XX uma homenagem póstuma, tendo uma das praças de São Luís o seu nome,
próxima às de Gonçalves Dias e Odorico Mendes.
Como a vida do matemático não foi um primor na carreira política, a confecção dessa
biografia segue um roteiro distinto. Ao contrário das demais, cuja ênfase recai sobre a
militância político-partidária, os cargos públicos, os grandes debates parlamentares, a gestão
da coisa pública, a de “Sousinha” desde as primeiras páginas, recorre à sua tenra idade com
detalhes e minúcias, diferentemente das demais que sempre começam com o nascimento,
rápidas pinceladas sobre os primeiros estudos e saltam até o início das carreiras políticas,
jurídicas ou administrativas.
88
Zacarias Góes de Vasconcelos teve três gabinetes: o de 1862, chamado de Ministério dos três dias, o que se
iniciou em 15 de janeiro de 1864, correspondente à estréia dos progressistas no poder, e o de 1866 a 1868,
segundo Lúcia Guimarães (2002).
Nascido em 15 de fevereiro de 1829, no sítio da Conceição em Itapecurú, filho do
Major Inácio José de Sousa e de Antônia de Brito Gomes, o rebento recebeu o nome de
Joaquim em homenagem ao seu tio, o conselheiro Joaquim Vieira da Silva, pai de Luís
Antonio Vieira da Silva.
Foi o narrador da Balaiada, o autor de Memória histórica e documentada da Revolução
da Província do Maranhão, desde 1839 a 1840, Domingos José Gonçalves de Magalhães, à
época do nascimento de “Sousinha”, Secretário do Governo da província, freqüentador da casa
dos seus pais, quem descobriu “a genialidade” da criança e recomendou a seus genitores que
explorassem tal virtude e investissem na sua educação. Acatada a sugestão, Gomes de Sousa
seguiu com seu irmão, José Gomes de Sousa, para Pernambuco, onde estudava direito. Com a
morte do seu irmão em 1842, seguiu para o Rio de Janeiro no ano seguinte, matriculando-se na
escola militar, tornando-se cadete do 1º batalhão de artilharia. Desistindo da carreira das
armas, matriculou-se na faculdade de medicina em 1844, onde dividia casa com o também
estudante de medicina, Antônio Henriques Leal.
Em 1848 bacharelou-se em ciências matemáticas e físicas, doutorando-se no mesmo
ano. Disputando vaga com Escaragnolle se tornou, aos 19 anos de idade, lente-substituto da
Academia Militar quando ainda cursava o quarto ano de medicina. Publicou na revista
Guanabara, dirigida pelo conterrâneo Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de Macedo e Araújo
Portoalegre, Fragmentos de cálculo integral, rendendo-lhe contenda com o Dr. Joaquim José
de Oliveira, lente da academia militar, passando a ser conhecido no Rio de Janeiro com a
disputa se arrastando por meses a fio com cobertura da imprensa.
Exerceu entre 1852 e 1863 cargo de Secretário da Comissão Diretora da Construção do
Regime Interno da Casa de Correção da Corte, quando teve a oportunidade de visitar vários
países da Europa, viajando pela primeira vez em 1854 para a França e se tornando amigo do
matemático francês M. Crouchy. É desse tempo a publicação de seu trabalho sobre ciências
naturais, discutido na Academia Real de Ciências de Londres e reverberado no Brasil através
do Jornal O Diário, do Rio de Janeiro, no ano de 1855, dando conta dos elogios que este
brasileiro recebia no velho continente. Depois de passar pela França e Inglaterra, fixou
residência em Dresden, na Alemanha, juntamente com Gonçalves Dias, iniciando a sua obra
sobre antologia poética
89
. Mesmo morando na Alemanha, foi eleito deputado-geral pela
província do Maranhão para a legislatura de 1857-1860 com os votos de Itapecuru, tendo
89
Anthologie Universelle, choix des meilleurs poésis lyriques des diverses nations dans les Langues Originales
par Joaquim Gomes de Sousa, Leipzig – F.A. Brocklihns, 1859. vol. Em 8º compacto, 944 páginas, segundo
LEAL, 1873, p. 246.
também como representantes eleitos: José Joaquim Vieira Belfort, Francisco Mariano de
Viveiros Sobrinho, João Pedro Dias Vieira, Cândido Mendes de Almeida, Viriato Bandeira
Duarte.
Sendo obrigado a retornar ao Brasil, na viagem de volta, passou algumas horas em
Portugal onde esteve em contato com quem tanto admirava, João Francisco Lisboa. Tempo
suficiente para demonstrar indignação pela sua indicação a deputação geral, causando espanto
ao timon maranhense a sua tibieza em assuntos políticos, sua completa desinformação sobre o
que se passava no Maranhão e seu interesse apenas em assuntos de física e matemática, sem ao
menos se esforçar em aprender com o mestre João Lisboa os percalços da vida política no
Brasil, sendo tais impressões relatadas numa carta escrita por João Lisboa ao amigo Antônio
Henriques Leal, cujos trechos ele transcreve em sua obra.
Para a conclusão dos trabalhos de presidente da Comissão Diretora da Construção do
Regime Interno da Casa de Correção da Corte, retornou à Europa em fins de 1857, momento
em que tem a oportunidade de defender a tese de doutorado em medicina na faculdade de Paris
e receber títulos científicos nas universidades de Londres, Berlim e Viena. Retorna ao Brasil
em 1858 e ao Maranhão em 1859.
De um período de enfermidades no Brasil, onde morreram sua esposa e seu filho,
retornou à Europa para tratamento médico, vindo a falecer em 1º de junho de 1863, trazendo
para os maranhenses tal notícia muita consternação, pesar, dor e sofreguidão, nas palavras do
autor. Era o anjo da morte que ceifava um típico representante da Athenas Brasileira. Era a
morte, enfim, a sorte que restava a estes brasileiros do norte. Antonio Henriques Leal expressa
a dor compungida de seus conterrâneos (LEAL, 1873, 1987, p. 252):
A fatalidade pesava sobre o Maranhão! Seus quatro maiores engenhos tinham
desaparecido em pouco mais de um ano e todos longe dos amigos e da pátria,
sem acharem até hoje — três deles — a sepultura na terra natal! João Lisboa,
na capital do reino de Portugal, a 26 de abril de 1863, Gomes de Sousa em 1º
de junho do mesmo ano. Odorico Mendes a 18 de agosto de 1864, em
Londres, e por último Gonçalves Dias, a 3 de novembro de 1864 desse
mesmo ano, tendo o oceano por saudário!
O promissor político liberal publicou em vida as seguintes obras: Recueil de memories
d’analyses matemátiques – Leipzig, 1857; Dissertação sobre o modo de indagar os novos
astros sem auxílio de observações diretas - Rio de Janeiro, 1858; Antologie Universalles cheis
des meilleurs poesis de diverses nations dans les langues originales - Leipzig, 1859; Melánge
de cacul integral – Leipzig, 1882; Fisiologia geral das ciências matemáticas; Leis da
Natureza ou código de legislação em que, passando em revista o universo, pretende expor as
leis fixas, gerais e invariáveis que presidiram a sua organização, S/D.
2.9. Antônio Joaquim Franco de Sá
A constelação de bens nascidos em Alcântara ganharia mais uma estrela, fruto de um
casamento entre duas famílias ricas e influentes politicamente, tipicamente aristocráticas, cuja
simbiose se personificou com o nascimento de Antônio Joaquim Franco de Sá, filho do ex-
presidente de província, Joaquim Franco de Sá, e de Lucrécia Costa Ferreira, filha do Barão de
Pindaré. Nascido em 16 de julho de 1836, não viveria muito, mas o suficiente para ser
entronizado nas odes dos poetas timbirenses. Estudante do colégio N. Srª dos Remédios em
São Luís, dirigido por Domingos Feliciano Marques Perdigão, não se pode atribuir ao seu
torrão natal sua completa formação poética, já que muito cedo, em decorrência da vida política
itinerante do pai, viajou para a Corte a fim de complementar os seus estudos, mais
precisamente em 1850.
Do Rio de Janeiro seguiu para Olinda, iniciando os estudos em Direito em 1852.
Quatro anos depois foi acometido de uma grave enfermidade quando visitava sua cidade natal,
vindo a falecer posteriormente na cidade de Recife em 26 de janeiro
90
, aos vinte anos de idade.
A sua poesia foi reunida e publicada
91
por iniciativa de seu irmão, Felipe Franco de Sá.
A inclusão de Antonio Joaquim Franco de Sá no Pantheon Maranhense é a repetição
de uma inflexão na tipologia da escrita biográfica feita por Antônio Henriques Leal iniciada
com a de Gomes de Sousa. A inclusão do matemático e físico sinalizava que um panteão não
se fazia somente com figuras políticas, mas também comnios da matemática, do romance,
da poesia. Por volta da década de 1850, os nomes de Gonçalves Dias, João Lisboa e Odorico
Mendes por demais ecoavam e ressoavam como tipificação de um intelectual emblematizado
pelo Império, leia-se, dos elementos constituintes da simbologia de uma nação, no caso, uma
nação emergente. Gomes de Sousa, para além de sua capacidade intelectiva em resolver
cálculos, medir a distância entre as estrelas, descobrir curas para doenças, receber
reconhecimento internacional por sua inteligência nos grandes centros de ressonância e
reconhecimento do desenvolvimento científico ocidental, preenchia um vácuo deixado pelo
desencantamento com que Antonio Henriques Leal passou a demonstrar para com seus colegas
correligionários de partido. Gomes de Sousa, sendo um membro do partido liberal,
representaria um novo perfil de político que, ao invés de questiúnculas e politiquices do
período, levaria para o parlamento o alto debate de grandes questões que diziam respeito ao
90
Há conflitos quanto à data de falecimento. A biografia escrita pelo seu irmão Felipe Franco de Sá (1867, p.
XVI) assinala o dia 26 de janeiro, Antonio Henriques Leal (1872, p. 263) descreve o dia 28 deste mês e Jomar
Moraes (1977, p. 132), afirma ter sido o dia 29.
91
Poesias. Publicação póstuma, com uma notícia biográfica e apreciação crítica, por seu irmão Felipe Franco de
Sá. São Luis, Tipografia de Belarmino de Mattos, 1867.
desenvolvimento e progresso científico da humanidade, demonstrados textualmente nas
páginas dedicadas à sua biografia. Entrementes, o encontro com João Lisboa possibilita várias
interpretações acerca do conteúdo da carta escrita pelo timon maranhense a Antônio Henriques
Leal.
A “ingenuidade” e o desinteresse pelas questões “mundanas” da parte do matemático
podem ser interpretadas, por um lado, como despreparo para assuntos terrenos, para embates
que não seguem princípios lógicos e nobres, como os do campo da política, por outro,
enquanto sublimação de argumentos, retórica, eloqüência que ele julgava de tão alto nível que
seus pares dentro do parlamento brasileiro não conseguiam atingir, captar, sequer tergiversar,
emular, discutir, fazendo de Sousinha, um ser especial, único, porém deslocado do seu tempo e
do seu espaço. Ou seja, a política não era mais o lugar singular onde figuras destacadas
contribuíam para a elevação da cidadania, era um teatro de horrores onde pessoas como
Gomes de Sousa jamais atuariam e teriam destaque, por isso espíritos que se julgavam nobres,
como João Lisboa, haviam se retirado dela. A carta era uma advertência.
O mesmo princípio flexiona a biografia de Antonio Joaquim Franco de Sá: o único que
não exerceu a política ou que não teve tempo de fazê-la, cuja existência, além de dividi-la com
a dedicação aos estudos do campo jurídico na Escola de Recife, deteve-se ao exercício de
poetizar
92
.
Antônio Henriques Leal, nas onze páginas narrando a vida curta e passageira do jovem
poeta, segue na íntegra a biografia de dez páginas escrita pelo irmão, não só nos argumentos,
como no estilo, teor, focando o aspecto literário, sua precocidade em assuntos da escrita, sua
extremada sensibilidade, sua sensitividade, inclusive prevendo sua morte, enfatizando um tipo
de afetação tipificadora dos poetas da época.
Logo no começo, tanto Henriques Leal quanto Felipe Franco de Sá consternam a
fatalidade da morte que ceifou a vida portentosa de meteoros como Álvares de Azevedo,
Junqueira Freire, Casimiro de Abreu e, claro, Joaquim Franco de Sá. Ambos enfocam o
nascimento aristocrático do jovem poeta, mas é o irmão quem enfatiza que aquele berço era o
mesmo de Gonçalves Dias e Odorico Mendes (FRANCO DE SÁ, 1867, p. VIII). Esse tipo de
narrativa feita por ambos alude à justaposição entre célebres poetas de renome nacional e o
jovem poeta maranhense num esforço de comparação entre eles, justificando que a morte
impediu uma brilhante carreira, alicerçada pela tradição maranhense de entoar os cantos de
92
Jerônimo de Viveiros (1977, p. 123) faz a seguinte declaração sobre sua condição literária: “Alcântara
orgulha-se de ter sido berço de um dos maiores poetas maranhenses — Antônio Joaquim Franco de Sá, filho
do Senador Joaquim Franco de Sá e D. Lucrecia Rosa Costa Ferreira, nascido no dia 16 de julho de 1836”.
Éroto
93
, embora no final da biografia escrita por Felipe Franco de Sá, há uma nítida distinção
entre o tipo de poesia feita por Álvares de Azevedo e seu irmão, considerando a do primeiro,
inapropriada e antilírica, como ele mesmo sublinha nesta passagem:
Nesta época reinava entre nós o gosto da escola sceptica e sensualista,
propagado pelas admiráveis poesias de Álvares de Azevedo, então
recentemente publicadas. Audaz incredulidade, misanthropia altiva,
pungente ironia, ostentação do vicio e até de imaginários crimes, realçado
tudo isso por sombria tristeza e dourado pelos esplendores de ardente poesia,
era o que geralmente fascinava as imaginações juvenis. Andava em moda
affectar saciedade de gozo, tédio da vida, mysteriosos remorsos, amargos
dissabores; soltar paradoxos blasphemos, satânicas gargalhadas, gritos de
desespero e scepticismo. Desse funesto contagio soube preservar-se Antonio
Joaquim. Lia e admirava muito a brillhante poesia de Byron e Musset;
porém mais amava a de Victor Hugo e Lamartine, a santa poesia das nobres
paixões, o sublime culto do ideal, do enthusiasmo, dos sentimentos grandes
e puros (FRANCO DE SÁ, 1867, p. XIII).
Ao distinguir a poesia do seu irmão da praticada por Álvares de Azevedo, Felipe
Franco de Sá utiliza a estratégia de, em primeiro plano, aproximar o leitor da importância de
ambos no cenário poético, aproximação assinalada pela fatalidade da morte. Segundo, de
distanciá-los quanto ao estilo, métrica e temática, salvaguardando ao seu irmão o referencial
de poesis lírica, alegre e feliz, mesmo com o presságio da morte, e não com o Eros ou Éroto da
loucura, doença, de um tipo de verve literária que entorpecia a juventude influenciando-a
negativamente. Era esse tipo de memória que tanto Antônio Henriques Leal quanto seu irmão
queriam construir e preservar.
E seu irmão logrou êxito ao confeccionar a biografia enquanto visibilidade e
dizibilidade poética. Mesmo sem escrever um livro em vida, tendo suas poesias publicadas
postumamente, Antonio Joaquim Franco de Sá já fulgurava cinco anos depois da sua morte
como poeta consagrado na obra que teve a função de salvaguardar a memória dos antigos
escritores e dar voz aos novos, a saber: Parnaso Maranhense. Colleção de Poesias
94
. Já no
prólogo, a comissão anuncia que a “missão” da obra, além de imitar o Parnaso Lusitano, era
não só “salvar a muitos do olvido, senão também para que por esse meio se tornasse bem
93
Na mitologia grega, Erato ou Éroto (de Eros, amor), está relacionada à poesia amorosa, significado do nome:
adorável. Segundo Márcio Pugliese (2003, p. 92) “Éroto, presidia a poesia lírica e anacreôntica. Com o ar
alegre e feliz, é coroada de mirto e rosas. Segura na mão direita uma lira e na esquerda, um arco; tem um
pequeno cupido ao seu lado e, por vezes, pomba-rolas a seus pés”. Segundo Pierre Brunel (2005, 321), “a
influência de Eros resume-se no sofrimento, e os poetas lhe atribuem uma crueldade que contrasta com a
mansidão de Afrodite. Segundo Sófocles, Eros engendra a loucura, e o tema do Eros-nosos (doença) é
desenvolvido por Eurípides. Mais sutilmente, este último distingue dois Eros, diferenciando o amor que leva à
virtude daquela que leva à indignidade. A questão da duplicidade de Eros ocupa o centro do debate em O
banquete de Platão”.
94
Parnaso Maranhense. Colleção de poesias. Comissão Organizadora: Gentil Homem de Almeida Braga,
Antonio Marques Rodrigues, Raymundo de Brito Gomes de Sousa, Luiz Antonio Vieira da Silva, Joaquim
Serra, Joaquim da Costa Barradas. São Luis, Typografia de Bellarmino de Mattos, 1861.
patente a tendência e particular aptidão, que existe entre nós para esse ramo litterário”
(BRAGA et all, prólogo, 1861). Oito poesias de Antônio Joaquim Franco de Sá foram
selecionadas: O sol e a princesa (pág. 18), Arrependimento (pág. 19), Amor e namoro (pág.
21), Sete de setembro (pág. 23), Soneto (pág. 27), Meus namoros de Olinda (pág. 29), Nenia
(pág. 25) e, Improvisos (pág. 38).
A sua morte foi retratada da seguinte forma no jornal Diário do Maranhão, numa
mensagem escrita por Antonio Marques Rodrigues:
Antonio Joaquim Franco de Sá, mancebo de reconhecida ilustração, e poeta
eminente, e caracter honestíssimo, já não existe! O Anjo da morte contou
seus dias, e hoje prantea o Maranhão um filho esperançoso, que promettia
ganhar a gloria immorredoura nas lides litterárias da pátria...
(Diário do Maranhão, 16 de fevereiro de 1856, n.º 123)
Se o Parnaso Maranhense servia como mostruário do tipo de poesia que se metrificava
na Athenas Brasileira, é de causar estranhamento que, dentre aqueles que figuravam nesta
obra, estivesse um poeta, segundo seu irmão, que se detivesse afastado de uma literatura
praticada por autores como Álvares de Azevedo, considerado um poeta antenado com as
transformações literárias de sua época e não absorto numa escrita “imune” à dinâmica da
própria língua e da capacidade de absorção de valores capazes de influenciar e sofrer
influência, caixa de ressonância das transformações sócioculturais.
Se querer ser Athenas era arquétipo de uma região produtora de novas linguagens,
dentre elas a poética, Antônio Joaquim Franco de Sá não era o melhor modelo, a julgar pelo
critério e entendimento do seu irmão sobre a perfeita literatura.
2.10. O conselheiro João Duarte Lisboa Serra
95
Com o conselheiro João Duarte Lisboa Serra aumenta a relação dos que aparecem entre
os biografados de Antonio Henriques Leal por razões de vinculação ideológica próxima à sua.
Igualmente liberal nas concepções, ainda que não filiado às lides dessa agremiação política, o
deputado-geral pelo Maranhão por duas legislaturas e Diretor do Banco do Brasil não
constituiu assim um glamour de currículo dentro dos moldes de uma cognominada grande
personalidade, exceção ao padrão henriquesniano.
Como de praxe, no preâmbulo dos pormenores da vida listada, já inicia justificando a
mudança de percurso na trajetória estudantil de João Duarte Lisboa Serra, de um promissor
95
Antonio Henriques Leal se baseou na biografia escrita por Fábio Alexandrino de Carvalho Reis sobre João
Duarte Lisboa Serra, de 1º de junho de 1855, publicada em 11 de março de 1856, no Jornal Diário do
Maranhão.
estudante, ainda em terra coimbrã, para um pragmático, obstinado e eficiente apreciador de
letras, não da musa das letras, mas de câmbio, derivação da movimentação financeira,
empregado da fazenda pública, operador de banco.
Nascido na região da grande lavoura de algodão, Itapecuru, em 31 de maio de 1818, é,
igualmente como os demais, bem nascido, filho de aristocratas, tendo como pais o
Comendador Francisco João Serra, rico proprietário rural, e Leonor Duarte Lisboa, também
filha de fazendeiro.
Como era costume o envio dos filhos para início dos estudos na capital da província,
João Duarte Lisboa Serra foi mais um que teve como professor de latim, Francisco Sotero dos
Reis, revelador das “belezas de Virgilio e Horácio, para que pudesse avaliar por si, senão
também de incutir-lhe o gosto pela literatura e pelos clássicos” (LEAL, 1873, 1987, p. 272).
De São Luís, após apreciação das primeiras letras, ingressou no curso preparatório para cursar
matemática e ciências naturais, bacharelando-se em 1841.
Em 1842 foi nomeado pelo Ministro da Fazenda, Manuel Alves Branco, como Inspetor
da Tesouraria da província do Rio de Janeiro. Cinco anos depois se elegeu deputado-geral pelo
Maranhão e, no ano seguinte, tornou-se presidente da província da Bahia, exercendo o cargo
por apenas 30 dias indicado por Paula Sousa e Melo, sendo exonerado em 29 de setembro de
1848 pela ascensão do novo gabinete
96
comandado pelo Visconde de Olinda.
Pedro de Araújo Lima, que o havia exonerado do cargo de presidente da província da
Bahia, nomeia-o logo depois Conselheiro do Império e tesoureiro-geral da fazenda nacional. O
Ministro da Fazenda, Conselheiro Rodrigues Torres, coloca-o no cargo de diretor do Banco do
Brasil, cargo que exerceu até a morte.
Em 1853 foi reeleito deputado-geral para a legislatura que duraria até 1856 quando
recebeu o convite para tomar parte no gabinete do Marquês de Paraná, recusando-o. Faleceu
em 16 de abril de 1855.
Sem tanto brilhantismo em sua carreira política, segundo Antônio Henriques Leal, deve
o Brasil, no entanto, ao acanhado conselheiro os conselhos prestimosos que ofertou a ninguém
mais, ninguém menos que um dos maiores poetas românticos brasileiros, seu conterrâneo,
Antonio Gonçalves Dias. Data da época que estudava em terras d’além mar a insistência com
seus colegas de casa para que dessem guarida ao estudante maranhense poder se alojar sem
recursos, além de incentivá-lo a não fraquejar, não claudicar de seus objetivos, aconselhando-o
96
O gabinete Paula Sousa e Melo foi o último do qüinqüênio Liberal. Em 20 de julho de 1848 é criado o cargo
de presidente do Conselho de Ministros (serão 32 até 1889, um a cada 16 meses, na grande maioria presidida
por políticos do Norte do país, vinte e três no total). Em 29 de setembro de 1848 ascende ao poder o gabinete
conservador do Visconde de Olinda, Pedro de Araújo Lima.
ainda que retornasse a Caxias como o seu coração assim declinava, além de lhe socorrer com
préstimos financeiros quando ambos moravam na cidade do Rio de Janeiro, isto sem contar
com a sua indicação para que Gonçalves Dias assumisse o cargo de diretor do Liceu de
Niterói. Ou seja, ter sido deputado-geral por duas legislaturas, Inspetor das finanças do Rio de
Janeiro, tesoureiro-geral do Tesouro Nacional, primeiro presidente do Banco do Brasil na sua
redefinição enquanto instituição financeira, presidente da província da Bahia, Conselheiro do
Império, Oficial da Ordem da Rosa e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
são honras que não equivalem, na ótica do biógrafo, ao papel decisivo na vida de Gonçalves
Dias.
2.11. Trajano Galvão de Carvalho
Dentre todas as biografias do Pantheon, a de Trajano Galvão é a que provoca mais
inquietações pela inusitada trajetória do maior pax-vóbis (bonachão, desacelerado) descrito por
Antonio Henriques Leal e pela difícil condição de situá-lo dentro de uma categorização
esquemática — tal argumento serve para os demais biografados —, já que a vida de qualquer
sujeito é mais emblemática, polissêmica e multifacetada do que qualquer ato de descrição,
acentuando-se ainda mais esta circunstância quando se trata da figura em questão.
Tal biografia se diferencia das demais, pois os aspectos ressaltados de sua vida se
distanciam, em parte, do cômputo geral daquela obra: erigir personalidades enquanto
arquétipos-partícipes da vida pública, figuras laureadas, condecoradas, lutadoras, nada
parecidas com Trajano Galvão. Não por ser ele um pária, mas alguém ao mesmo tempo
associado à figura de um anti-herói, um poeta das causas sociais, um apreciador da cultura
popular, um integrante da elite econômica com hábitos e comportamentos voltados para os
segmentos mais pobres, sem grandes vaidades e afetações tão típicas do século XIX, um
crítico da vida palaciana, burocratizada, mesquinha, medíocre, comensal, recusando-se a se
locupletar em cargos públicos. Entretanto, também pode ser associado a alguém que não
estava completamente ou ingenuamente deslocado da vida política na província, sem
quaisquer relações de interesses, desligado dos acontecimentos, dos rumos por que passava o
Maranhão, sem a devida compreensão do seu papel enquanto poeta, lançado mão deste
artifício e capacidade para atacar, agredir, laurear, granjear quem quisesse e conviesse.
Da mesma forma pode ser pensada sua poesia e prosa, dividida em temáticas dísticas e
aparentemente contraditórias, quando vistas mais de perto, percebe-se o homem por detrás
dela; suas variações, sua filiação ideológica e política, matizes, inquietações e contradições.
O filho de Francisco Joaquim de Carvalho e Lourença Virginia Galvão nasceu em 19
de janeiro de 1830, na vila de Nossa Senhora de Nazaré, à margem do Rio Mearim. Aos oito
anos mudou-se para Lisboa, onde iniciou seus estudos no colégio José Pedro Roussado. Em
decorrência da proibição do exercício de advocacia no Brasil, para aqueles que se
bacharelavam em instituições estrangeiras, retornou ao torrão em 1845 para cursar a Faculdade
de Direito de São Paulo. Durante os exames preparatórios, teve que aprofundar conteúdos que
a escola de Direito exigia, como os de história antiga e do Brasil, quando passava horas
tocando flauta, sendo requisitado nas noites de saraus e tendo sua imagem associada à
vadiagem, causando-lhe transtornos com lentes que seguidamente o reprovaram nos exames.
É de influência de Antônio Henriques Leal a motivação para que Trajano Galvão se
retirasse da Faculdade de Direito de São Paulo e prestasse exames na de Olinda, assim
fazendo, quando lá ingressou em início de 1849, período mais profícuo de sua produção
poética. Porém, mais uma vez os embates com lentes desta instituição também o levaram a
abandonar o curso e se retirar ao Maranhão para a fazenda dos padrinhos no Alto Mearim, só
dando cabo de conclusão de sua graduação nesta mesma academia em 1854, negando-se a
permanecer em Olinda após o término, retornando ao Maranhão para a mesma fazenda dos
tios e padrinhos quando se decidiu casar com Maria Gertrudes, em 1856.
Os amigos, no intuito de o posicionarem em qualquer trabalho diferente da ambiência
rural, convidaram-no a prestar exames para lente de história geral e língua portuguesa na mais
tradicional instituição de ensino da capital da província, o Liceu Maranhense, chegando até a
se dirigir a São Luís, entretanto desistiu da empreitada quando tomou conhecimento de que
dois dos seus ex-colegas prestariam o mesmo exame. Retornou para a fazenda.
Os caminhos de Antônio Henriques Leal e Trajano Galvão se estreitariam mais ainda
na obstinação do primeiro em conseguir uma ocupação para o segundo. Depois do encontro no
Rio de Janeiro, quando insistiu para que Trajano rumasse para a província de Pernambuco a
fim de que cursasse Direito, Antônio Henriques Leal, usando de sua influência, conseguiu uma
vaga de Promotor Público para o amigo na comarca do Alto Mearim, região da fazenda que
tanto amava. Declinou da oferta e Antonio Henriques se queixou afirmando que “nem ao
menos prestou juramento do cargo” (LEAL, 1873, 1987, p. 290). Preferiu a vida na fazenda.
Seu padrasto lhe constitui como seu procurador oferecendo casa, comissão, serviço
doméstico gratuito, porém refusou igualmente esta oferta, preferindo sua vida na fazenda.
Em 1862, quando teve que ir à capital para tratamento de saúde, recebeu mais um
convite. Dessa vez para lecionar na Instituição de Ensino que despontava para ser um
importante centro educacional da província, o Instituto de Humanidades
97
, de propriedade do
seu primo, Pedro Nunes Leal, onde lecionavam professores como: Francisco Sotero dos Reis
(Latim); José Ricardo Jauffret (Grego); Gentil Homem de Almeida Braga (Filosofia e
Retórica); Henrique Eduardo Costa (Francês); Alfredo Bandeira Hall (Inglês); seu amigo
Antonio Henriques Leal (História); Jorge Maria de Lemos e Sales (Geografia); Alexandre
Theophilo de Carvalho Leal (Princípios Elementares de Geologia e Agricultura); Joaquim da
Costa Barradas (Princípios Elementares de Economia Política e Direito Commercial); José
Raymundo da Cunha (Doutrina cristã e Moral religiosa), entre outros. Nem a possibilidade de
conviver com essa constelação educacional foi suficiente para fazê-lo permanecer neste
estabelecimento e na cidade. Retornou um ano depois para a fazenda.
O que tanto lhe prendia na fazenda do Alto Mearim? Que estilo de vida levava que
tanto perturbava e incomodava seus amigos a tal ponto de por vezes ofererem-lhe empregos?
Com a palavra, a visão enviesada e incompreendida do amigo Antonio Henriques Leal. O
biógrafo nos conta que Trajano Galvão não desperdiçava seu tempo “com atitudes
embrutecidas dos nossos agricultores” (LEAL, 1873, 1987, p. 290), caçando, cuidando de
animais, tendo conversas pueris e inocentes, e sim, lendo, escrevendo e no tratamento de
pequenas enfermidades com medicamentos homeopáticos nos trabalhadores da fazenda e
moradores das cercanias. Foi em decorrência dessas ações em acudir a quem necessitava, que
já acometido de tumor nas nádegas, uma noite prestou socorro debaixo de chuva torrencial
durante todo o trajeto agravando seu complicado quadro de saúde e vindo a falecer de febre
tifóide e pneumonia em 14 de julho de 1864, deixando viúva e duas filhas órfãs.
A despeito de como os citadinos moradores de São Luís o encaravam, notadamente
seus amigos, retirava da simplicidade rural sua verve literária, sua ambientação para a reflexão
sobre o estilo de vida da cidade e na cidade que em nada o atraía. Foi recusando sucessivos
convites e ofertas que se posicionava contra os encantos e fascínios da vida política, da carreira
jurídica, pois seu foco, olhar e desejo não estavam voltados para o estilo de vida dos homens
de paletós-saco, cujas retóricas haviam depreendido dos manuais de filosofia greco-romana e
eloqüentemente encantavam os que reconheciam nisso um símbolo de civilidade.
Por escolha absolutamente pessoal, dentre os biografados de Antonio Henriques Leal,
foi o único a fazer o movimento contrário: o de retorno às suas origens, de volta à vida
campestre às margens do rio Mearim, talvez porque nunca as tenha esquecido. Estava na
contramão daqueles que depois de se bacharelarem em Direito lutavam por cargos na
97
Falarei deste Instituto no quarto e último capítulo.
administração jurídica, por vezes começando em pequenas comarcas, mas ambicionando uma
estância de maior sagração, e daqueles que buscavam quaisquer outras formas de lotação nas
repartições públicas.
Era romântico no sentido irrestrito da palavra, nos trâmites propostos por Michel Löwy
quando afirmou (1995, p. 47): “o indivíduo romântico é uma consciência infeliz, sofrendo por
causa da cisão, procurando restaurar vínculos que são os únicos a realizar seu ser”. A cisão era
a equação operada entre dar conta das exigências do consumo da trama burguesa, do padrão
ocidentalizante em curso, da competitividade, da necessidade em dar respostas, galgar espaços
sociais mais ambicionados e os vínculos com um mundo que, além de serem os únicos que
realizavam seu ser, apascentavam seu espírito perturbado pelas chagas que acometiam seus
próximos, longe dos benefícios epistemológicos da medicina e da estrutura de atendimento de
uma cidade de médio e grande porte naquele século, como São Luís, por exemplo.
Ao recusar viver na cidade, recusava os signos que nela habitavam, como a mentira, o
simulacro, o fascínio, características das cidades invisíveis e imaginárias de Ítalo Calvino
(1990), porém, tais representações são de cidades reais, habitadas por homens reais, cidades
enquanto moradias dos homens, por onde Trajano Galvão passou e jamais se reconheceu nelas,
como São Luís, Rio de Janeiro, Lisboa, Recife, São Paulo, cidades onde, mesmo transitando e
morando, jamais pertenceu a qualquer uma. Nenhuma destas ou qualquer outra jamais o
reteria, estava como se não estivesse, como alude Ítalo Calvino sobre diferentes tipos de
homens que se portam diferentemente em relação a uma urbe, já que: “a cidade de quem passa
sem entrar é uma; é outra para quem é aprisionado e não sai mais dali; uma é a cidade à qual se
chega pela primeira vez, outra é a que se abandona para nunca mais retornar” (CALVINO,
1990, p. 115). Trajano Galvão passou por todas aquelas, mas não permaneceu, nunca se
permitiu aprisionar. Seu vórtice estava na vida “simples” de homens e mulheres “de vida
simples” e sem requinte.
O gosto refinado de “fino trato e muito gosto literário, de uma crítica judiciosa e
ilustrada com o estudo acurado e inteligente” (LEAL, 1873, 1987, p. 290) não o impedia de
conviver com “gente rude e ignorante, naqueles sítios, onde só de longe em longe via por
acaso homens de tal ou qual cultura” (LEAL, 1873, 1987, p. 290). Muito pelo contrário, foi do
convívio com essa gente, do contato estreito e próximo que nasceu uma poesia diferenciada,
cuja temática, ao invés de cantarolar as musas gregas, é ritmada pelos sons africanos do
tambor-de-crioula
98
, pela saia rodada da negra das senzalas, pela sexualidade das mulheres que
98
Sobre esta dança, ver Ferreti (org): Tambor-de-crioula; ritual e espetáculo (2002).
celebravam a fertilização do solo e delas mesmas com a “pungada”, “umbigada”, imitando
uma cópula sexual. As barrigas ritmadas e cadenciadas pelos sons dos tambores “crivador”,
“meião” e “grande” se encontram num rito erótico e festivo numa alusão à ausência dos
homens na África enquanto as mulheres cuidavam da economia doméstica, da educação dos
filhos, entre outras coisas.
Trajano Galvão fez “etno-poesia”
99
, negra, enquanto temática e conteúdo social. Uma
poesia a serviço das condições de vida dos negros no Maranhão sem o olhar preconceituoso e
racialista que os considerava inferiores, inumanos, bestializados, coitados e dignos de pena.
Trajano Galvão, mesmo sendo de cor branca, subverte a Athenas Brasileira utilizando os
códigos de legibilidade intelectual, como a literatura, para dar vazão ao grande percentual
populacional do Maranhão, esquecido, não visto e que tanto perturbava com as lembranças e
possibilidades de uma rebelião ou revolta como a Balaiada. Sua poesia é uma das primeiras a
positivar os elementos culturais africanos ou de origem africana, colocando-se a partir dos
elementos culturais afrodescendentes, naturalizando comportamentos e atitudes, descrevendo
suas características sem estigmatização de não serem portadores de sociabilidades de traços
europeizantes, exaltando a espontaneidade das ações, da alegria e da força de coesão social.
Há abaixo, um exemplo da poesia ritmada pelo som dos tambores, transcrição de A
Crioula:
Sou cativa... que importa? folgando
Hei de o vil cativeiro levar! ...
Hei de sim, que o feitor tem mui brando
Coração, que se pode amansar!...
Como é terno o feitor, quando chama,
À noitinha, escondido com a rama
No caminho — ó crioula, vem cá! —
Há nada que pague o gostinho
De poder-se ao feitor no caminho,
aceirando, dizer — não vou lá — ?
Tenho um pente coberto de lhamas
De ouro fino, que tal brilho tem,
Que raladas de inveja as mucamas
Me sobre-olham com ar de desdém.
Sou da roça; mas, sou tarefeira.
Roça nova ou feraz capoeira,
Corte arroz ou apanhe algodão,
Cá comigo o feitor não se cansa;
99
Conforme mencionado no primeiro capítulo, Antonio Reis Carvalho faz alusão a estas poesias em Literatura
Maranhense (1912). Quem também as cita e as analisa é Regina Faria (2001), no terceiro capítulo de sua
dissertação intitulado: “as muitas faces da sujeição”, abordando a questão do negro em suas poesias, como
Gonçalves Dias (poema: A Escrava, de 1844), Sousândrade (O Príncipe Africano e a Maldição do Cativo,
ambas de 1857), Celso Magalhães (O Escravo, de 1867) e as três de Trajano Galvão: O calhambola,
Nuranjam e A Crioula.
Que o meu cofo não mente à balança,
Cinco arrobas e a concha no chão!
Ao tambor, quando saio da pinha
Das cativas, e danço gentil,
Sou senhora, sou alta rainha,
Não cativa, de escravos a mil!
Com requebros a todos assombro
Voam lenços, ocultam-me o ombro
Entre palmas, aplausos, furor!...
Mas, se alguém ousa dar-me uma punga,
O feitor de ciúmes resmunga,
Pega a taça, desmancha o tambor!
Na quaresma meu seio é só rendas
Quando vou-me a fazer confissão;
E o vigário vê cousas nas fendas,
Que quisera antes vê-las nas mãos.
Senhor padre, o feitor me inquieta;
É pecado ... ? não, filha, antes peta.
Goza a vida... esses mimos dos céus
És formosa... e nos olhos do padre
Eu vi cousa que temo não quadre
Com 'o sagrado ministro de Deus...
Sou formosa... e meus olhos estrelas
Que transpassam negrumes do céu
Atrativos e formas tão belas
Pra que foi que a natura mais me deu?
E este fogo, que me arde nas veias
Como o sol nas ferventes areias,
Por que arde? Quem foi que o ateou?
Apagá-lo vou já — não sou tola...
E o feitor lá me chama — ó crioula
E eu respondo-lhe branda "já vou".
Chamei de etno-poesia não apenas a feitura de A Crioula, como também a confecção
de O Calhambola e Nuranjan, todas presentes na obra Três Lyras: colleção de poezias dos
bachareis: Trajano Galvão de Carvalho, Antonio Marques Rodrigues, Gentil Homem de
Almeida Braga, de 1863, este último seu colega de Lyceu. Tanto em O calhambola quanto em
Nuranjan são descritas a ambiência da vida rural, a tranqüilidade da mata, a exaltação da fauna
e flora, a proximidade dos homens “simples com a natureza” — uma derivação da concepção
holística africana de meio ambiente em que homem e natureza não são elementos estanques,
diferentes, e sim, integrados, harmônicos —, a abundância de riqueza da terra suprindo as
carências dos homens, como também a negativização da escravidão, a tentativa de reversão da
condição social dos negros em que, pelo orgulho em serem fortes, subvertem a dominação
física e simbólica transformando a resistência em força, a dor como elemento de
reidentificação social dos negros ao apontar que quem chora, aceita sua condição, a
semelhança entre a onça e a bravura dos mais resistentes, a acentuação de que na natureza as
leis dos homens não vigoram, a dignificação e positivação dos que resistem assemelhando-os e
consagrando-os como reis, o horror da herança escravocrata herdada pelos filhos.
Em Nuranjan, especificamente, de novo a positivação da condição negra é colocada se
aproximando em adjetivação com a poesia A Crioula, sobretudo porque Nuranjan é uma
negra que dança ao som dos tambores tanto quanto A Crioula. Porém, as semelhanças não vão
muito além disso. Em Nuranjan, não há espaço para humanização da escravidão ou
possibilidade de amenização da crueza do cativeiro, ao contrário, o cativeiro é vil, o feitor é
bruto, os recônditos do coração de Nuranjan são quase imperscrutáveis, chorar é vergonhoso
tanto quanto em O Calhambola, a escravidão é um pesadelo, a mata é testemunha das
atrocidades e um elo de ligação aprisionando homem e terra, o trabalho é labor, é penoso.
Já em A Crioula, Trajano Galvão, ainda que colocando a dançarina negra em posição
de submissão em relação ao feitor no instante em que sublima, minimiza as condições do
cativeiro, coloca seu algoz e carrasco também em pé de igualdade e até de submissão
intermediada pela dança, seduzindo e subvertendo o jogo de poder quando negocia e se nega
aos caprichos e desejos de seu feitor. Resta à cativa, pela negociação da sedução, suportar o
horror dos maus tratos e da condição horrenda da escravidão, mas utiliza as condições que
possui e domina para se vingar daquele que com a chibata e pela força impõe sua vontade. Ela,
ao contrário, não lhe restando outra condição a não ser ceder à violência simbólica e física dos
maus tratos, a não ser que opte pela morte, tem, enquanto mulher e dançarina, a decisão de
negar aos caprichos do seu algoz, fazendo-lhe implorar na calada da noite aos seus encantos,
podendo “abrandar seu coração” e se deleitar com a negação.
O espaço da negociação do conflito
100
pode estar resumido à sua condição de mulher-
objeto, situação perpassada durante todo o período colonial envolvendo não só feitores como
também os senhores da Casa-Grande, por vezes recorrendo ao estupro ou à tática de escolha
das mais bonitas mucamas para trabalhos domésticos e não da lavoura, aproveitando-se de sua
condição sócio-política para envolver ou usurpar os corpos das cativas, mas é exatamente esse
espaço de mediação que em A Crioula há a humanização da existência desta mulher quando
percebe a inveja de outras cativas ao olharem seus colares, balangandãs, chocalhos amarrados
100
João José Reis (1989) amplia a noção de resistência escrava. Além das conhecidas fugas, compra de alforrias,
lutas, mortes, entre outras formas, aborda a questão da Negociação e do Conflito (título da obra) como
mediação de um melhor tratamento para com seus senhores. Algumas fugas não tinham a intenção de evasão
do lugar do trabalho, mas estratégia de reivindicação de condições menos humilhantes.
na canela, sabendo-se bela apesar de roceira, atraindo olhares de interesse e positivando sua
condição quando estabelece que é ela quem dá as regras no jogo da sedução.
É no tambor-de-crioula onde acontece a maior subversão. A condição dos cativos é
sustentada todas as vezes que o sol da manhã adentra as frestas e gelosias da senzala fazendo-
os se recordarem que nasce mais um dia de labor de sol a sol, sem direito à dignidade, vigiados
por chicotes, açoites, maus tratos. No tambor não. Ali, naqueles curtos e breves instantes de
torpor, o espaço é de lazer, devoção, subversão moral e religiosa, rememorização dos tempos
de liberdade em África, tocando instrumentos retirados da mata, folgando na noite adentro em
homenagem ao santo negro São Benedito. Ali, nos batuques dos três tambores, brancos não
são reis e nem senhores, não podem dançar e nem são convidados, não podem tocar e não são
homenageados, cultuados, reverenciados ou temidos. Reis e rainhas são os executores da
dança: afinado a fogo, tocado a murro e dançado a coice. Ali, no torpor da dança de origem
africana não há espaço para comedimento ou refinamento cultural europeu, ali, é o espaço de
congraçamento, sociabilidade, sublimação da condição cativa e exaltação dos elementos
afrodescendentes. Ali está um Maranhão que a elite branca e ilustrada, se conhece, torce a
cara, desdenha e no fundo teme, envergonha-se. Envergonham-se em ver mulheres numa
oblação da sexualidade que ao mesmo tempo mistura fertilidade da terra e do ventre num
movimento em que mata, capoeira, rio, vento, calor não são elementos estanques e diferentes
de onde os homens vieram e são. Ali, não há pecado ou condenação, tampouco cinismo em
condenar as etnias afrodescendentes, sentir nojo destas durante o dia e recorrer aos seus
caprichos sexuais à noite, ou o falso moralismo católico de vigários e padres em aceitarem a
confissão de “alguém que não tem alma”, mas se excitam ao verem os seios através das fendas
das rendas das crioulas quando comungam.
A beleza exultante e exaltada não é das musas gregas, não é a simetria das formas do
rosto longilíneo, dos lábios finos, dos olhos claros, cabelos alourados e lisos, e sim de peitos e
lábios volumosos, quadris largos, ancas sinuosas que se requebram freneticamente
compassadas com as batidas. Aí sim, a crioula é rainha e pode-se dar ao luxo de aceitar o
convite do feitor sem ser tola, ingênua ou submissa. A decisão é dela. O fogo aceso para afinar
os tambores também queima dentro dela.
O fato de Trajano Galvão poetizar sobre a condição escrava não elimina a crueza da
escravidão, não o redime de ser um beneficiário da estrutura escravocrata no Brasil —
inclusive podendo se dar ao luxo de recusar empregos, tendo como aporte, ser sobrinho e
afilhado de proprietários de terra no Maranhão —, não o retira da condição de pertencimento a
uma elite. Entretanto, o torna diferente de todos os outros biografados que, embora tenham
quase sempre a mesma origem social, nunca sequer se preocuparam em olhar para os negros,
achar beleza em mulheres negras, poetizar sobre suas condições. A etno-poesia de Trajano
Galvão não acaba com a escravidão, suas mazelas e prejuízos, mas positiva os trabalhadores
que são os escravos. Não se trata de fazer apanágio elogioso a um branco por querer ser um
tutor, defensor ou libertador da condição escrava como se os afrodescendentes sempre
precisassem da tutela de um branco para ter elogiado suas características e qualidades. Muito
pelo contrário, a poesia de Trajano Galvão, por utilizar elementos não muito comuns do
romantismo enquanto temática, não está direcionada especificamente para os
afrodescendentes, e sim aos não afrodescendentes, seus iguais, para aqueles que leriam e
consumiriam sua poesia nos saraus, nos jornais, nas antologias, nos manuais de literatura
maranhense e brasileira. Trajano Galvão, ao viver, conviver e escrever sobre os cativos, não se
torna igual a eles, era sabedor das diferenças étnicas e culturais, torna-se diferente dos seus
iguais que não olhavam para os cativos, não conseguiam fazer poesia da realidade que viviam,
criticavam-no por querer se nutrir de uma vida simples e rural, rejeitar um modelo de vida no
qual ele não se enquadrava. Ele fez da poesia um elemento da diferença, de contestação da
iconicidade atheniense luso-brasileira-maranhense.
Além da etno-poesia, dedicou-se também às de cunho crítico, como as diatribes que
ironizam os aficionados por cargos públicos, desejosos por indicações políticas todas as vezes
que um novo presidente de província era nomeado. Tão logo o novo presidente tomava
assento, acercavam-se em volta dele uma legião de bajuladores oferecendo seus préstimos de
serviço e devoção independentemente da filiação ideológica e política do presidente.
Era dessa cidade-escriturária
101
que Trajano Galvão fugia recusando os sucessivos
empregos, da cidade que mente, engana, onde as relações eram mediadas por interesses
intimamente privativos, às vezes inescrupulosos, subterfugida por traições, inverdades,
aparências dos jogos da política, oriunda da pólis polissêmica, multifacetada, sedutora e
seduzida.
Como já mencionado, o conjunto de sua produção, tanto em prosa quanto em poesia,
foi reunido nas obras Três Lyras (1863), publicada por Belarmino de Matos — um dos maiores
tipógrafos brasileiros de todo o período imperial —, no Parnaso Maranhense, em jornais
acadêmicos de São Paulo e Olinda, além de uma crítica literária da obra de Francisco Sotero
101
Angel Rama (1985, p. 54) faz a seguinte observação: “através da ordem dos signos, cuja propriedade é
organizar-se estabelecendo leis, classificações, distribuições hierárquicas, a cidade letrada articulou sua
relação com o poder, a quem serviu mediante leis, regulamentos, proclamações, cédulas, propaganda e
mediante a ideologização destinada a sustentá-lo e justificá-lo”... “Foi a distância entre a letra rígida e a fluida
palavra falada, que fez da cidade letrada uma cidade escriturária, reservada a uma estrita minoria”.
dos Reis: Postillas de Grammática Geral aplicada à língua portuguesa pela anályse dos
clássicos, ou, Guia para a construção portuguesa
102
, uma sátira mencionada por Antônio
Henriques Leal sobre a Festa de Nossa Senhora dos Remédios
103
, tal como fizera João
Francisco Lisboa e, uma outra, intitulada Chronica Parlamentar
104
, destinada a determinados
Deputados provinciais que tomaram posse no ano de 1861, publicada no jornal O Progresso,
entre 16 de julho e 08 de outubro de 1861.
Dessa poesia crítica da vida intramuros do poder tem-se a pérola O Nariz Palaciano.
Embora longa e extensa, a transcrição na íntegra permite visualizar o escárnio e a diatribe com
que trata aqueles que vociferavam a proximidade com o centro das decisões, a estância de
decisão administrativa da província, que em última instância, representava a fração de poder
no império. Eis a poesia:
Festivais repicam sinos,
Troa no forte o canhão,
Correm velhos e meninos,
Ferve todo o Maranhão:
Vêm doutores, vêm soldados,
E os públicos empregados
Com seu ilustre inspetor.
Por que acorre tanto povo?
Chegou presidente novo,
Nosso Deus, nosso senhor...
Mineiro papa-torresmo:
Ou baiano caruru?
Seja que for, é o mesmo,
Temos nariz, e eles...
Presidente Maranhense?
Que tolo há ‘i que em tal pense?!
Nem por graça isso se diz...
Índio ou chim, não nos desbanca,
Não há mais forte alavanca,
Do que um vermelho nariz
Feliz três e quatro vezes
Quem rubro nariz sortiu!...
Nos políticos revezes
Que narigudo afundiu?
Diz errada voz imiga,
102
Da análise que faz da obra de Sotero, destaco dois trechos emblemáticos: “seja, porém, como for, o valor do
serviço prestado pelo Sr. Sotero à língua portuguesa sobe de ponto, e as suas modestas Postillas tomas as
proporções incalculável, — pois parecem destinadas a operar a regeneração dela, quando na quarta e quinta
seções se trata da estrutura do período gramatical”. “O Sr. Sotero, pois, com a publicação das suas Postillas,
fez um relevantíssimo serviço ás letras pátrias, à instrução pública e, especialmente, aos amantes e estudiosos
da língua vernácula, que possuem agora uma bússola, com que se guiem na leitura tantas vezes aparceladas e
naufragosa dos clássicos”. Ambas as citações estão nos apensos de O Pantheon, de Henriques Leal (p. 166).
Trajano estava avalizando a obra do mestre.
103
Antonio Henriques Leal afirma em O Pantheon (pág. 291) a seguinte informação sobre a sátira da Festa de
Nossa Senhora dos Remédios: “em prosa, conseguiu-se dele o juízo crítico que vem em seguida à 1ª edição
das Postillas de Gramática de Francisco Sotero dos Reis, um engraçado folhetim sobre a Festa dos Remédios,
que apareceu em 1856, no Diário do Maranhão”. O Jornal O Diário do Maranhão foi localizado tanto quanto O
Progresso, onde foi possível encontrar a sátira aos parlamentares chamada de A Chronica, mas ao contrário
desta, não foi localizada a menção sobre a Festa dos Remédios, apesar do bom estado de conservação do
microfilme em que se encontra o jornal, com poucas mutilações em pouquíssimas páginas e poucas ausências
dos números do jornal. O Microfilme contém quase que na íntegra todos os números do Diário do Maranhão
no ano de 1856. O microfilme de número 156 se encontra na Biblioteca Pública Benedito Leite, secção de
obras raras, São Luis.
104
Publicada no jornal O Progresso, anno XII, números 31, 32, 33, 35 e 36, entre os dias 13 de julho e 08 de
outubro de 1861.
Que impera só a barriga
Nos negócios do país;
O que a mente minha alcança,
E que, se lucro é de pança
O trabalho é do nariz.
Por isso no grande entrudo,
Que chamam governo cá,
Folga muito o narigudo,
Quando nos chega um baxá:
Pencas agudas e rombas,
Mil elefantinas trombas,
Nesse dia toma sol:
Qual torreia, qual se achata,
Qual na ponta faz batata,
Qual se enrosca e é caracol.
Bem como na culta França,
Cada qual seus animais
Leva, cheio de esperança,
Este um carneio merino,
Aquele toiro turino,
Outro um cavalo andaluz:
Tal, quando o mandarim salta,
Um por um, a ilustre malta
Seu rubro nariz conduz.
E assim como então é de uso
A chusmada feira erguer
Aos céus o rumor confuso
Dos que vêm comprar, vender;
O anho bale, grunhe o cerdo,
Orneia o jumento lerdo,
Brioso nitre o corcel;
Tal a turba nariguda
Nos trombones a chegada
Festeja do bacharel.
Vem por entre esta harmonia
O da corte homem cortês,
Faz à esquerda cortesia,
A destra mesura fez...
Mil narizes sobem, descem;
Na câmara do seu palácio,
Vindo da Municipal
Vê-se o ilustre pascácio
Como pisado num gral:
Curte consigo, nem geme,
Que um bom nariz é bom leme
Posto à popa... em bom lugar!
Um por os monstros olha,
Que o trabalho está na escolha,
Do que melhor lhe quadrar.
(Não de pudor) enrubescem
no furor de cortejar,
vibram talhos de montantes,
Dessas espadas gigantes
Que roidão soube jogar...
Permita Vossa Excelência
Que aos sábios ponha a questão,
É caso de consciência,
É um “quid júris ratão...
Nestes contratos ocultos
Dizei vós, sábios consultos,
Que tendes as lei d cor,
Quem é que fica lesado?
O mui nobre narigado,
Ou o vil narigador?
Nariz Palaciano é um escárnio sobre o burburinho da vida política na província do
Maranhão e que pode facilmente ser identificada com as condições políticas do Brasil no
século XIX. Como os presidentes de província gozavam de privilégios perante a corte, já que
suas nomeações eram demonstrações das correlações de força entre os partidos, figuras
políticas e tendências de gabinetes, a chegada destes administradores causava euforia, receios,
temores e estratégias de cooptação, afinal, segundo Ilmar Mattos (1999), com exceção da
província fluminense, onde os presidentes administravam por mais tempo, no restante do país,
o ciclo administrativo variava entre 6 e 12 meses, fazendo com que os maranhenses
expectassem sobre o futuro “Deus do Maranhão”, como alude a poesia.
Quase nunca os presidentes eram de suas terras de nascimento, aliás, se olharmos
atentamente a trajetória dos políticos maranhenses que constam no Pantheon, percebe-se a via
de regra para as nomeações: eram escolhidos para administrar províncias vizinhas e os
políticos de outras vizinhas províncias eram designados para o Maranhão, numa espécie de
permuta, conforme dito no primeiro capítulo. Isso atendia a uma estratégia muito específica: a
corte se esquivava da pressão exercida pelos grupos políticos de uma determinada região,
nomeando administradores estranhos às disputas políticas locais, não permitia que os
presidentes se consolidassem como lideranças e montava sua rede de poder conforme a
correlação de forças mudava na capital do império. Estas nomeações fundamentavam-se, como
observou José Murilo de Carvalho (2003), na retomada de uma velha prática portuguesa de
fazer circular seus administradores por vários postos e regiões do Império.
Janotti cita o que João Lisboa pensava acerca desses administradores. Segundo ela, ao
expor o pensamento do maranhense, afirma (1977, pp. 71-73):
O presidente de província é visto como um carreirista que, pulando de cargo
em cargo secundário e burocrático, em diversos Estados do país, consegue,
através de recomendações de deputados ao Ministério, um lugar de presidente
de província distante. Ele precisa servir aos deputados do Rio de Janeiro e aos
interesses do ministro que o protege, na razão direta das relações Ministério-
Parlamento, o que faz tremer à chegada de cada navio que vem com notícias
da Corte, e, qual inquisição tardia, poderia trazer a sua demissão.
[...]
As cenas em que descreve a chegada do novo presidente e a corte de
bajuladores repentinamente mudando de amo, e as últimas decisões do
presidente deposto, são representativas de seu próprio caráter (p. 73).
Na página 72 ela enfatiza: “o presidente da província, como representante da Corte, era
o agente direto corruptor da política provincial, na medida em que se servia dela para os seus
interesses eleitorais”.
O nariz palaciano é uma referência aos enxeridos, bisbilhoteiros, que viviam cheirando
quais os gostos, preferências dos novos administradores sem mãos a medir o que fazer para
agradá-los. Pode até ser uma referência a uma pessoa específica, mas não é de todo forçoso
associá-lo a uma prática, uma ação estratégica de tantos quanto recorriam ao artifício de se
“enroscar como um caracol”, se envolverem nas malhas do poder, independentemente da
patente, farda ou beca.
Porém o mesmo autor das etno-poesias, da crítica à vida palaciana, da sátira aos
Deputados da Assembléia Provincial que tomaram posse em 1861, aquele que recusava ajuda
de amigos para a locação em determinados empregos, também possuía uma verve ufanista,
laudatória, sinalizando o tipo de relação política que ele estabelecia. Afinal, se os amigos se
prestavam a ajudá-lo, e estes estavam inseridos em um ambiente de disputa e afirmação, é de
se supor que Trajano Galvão declinava alguma tendência política, contrastando com a visão
bucólica de poeta isolado, romântico, absorto, ensimesmado, suspenso no ar, longe das intrigas
ou do jogo político. O conjunto da sua poesia presente nas Três Lyras aponta o contrário. A
simples existência de uma poesia como O Nariz Palaciano, indica que alguém despreocupado
com os bastidores da política provincial não se prestaria à feitura de versos com aquele
conteúdo. Ademais, as experiências vividas em Portugal, São Paulo, Recife e São Luís deram-
lhe substrato inspirador e material literário para os seus versos. Mesmo estando nestas cidades
sem estar, habitando sem morar, fizeram-no aguçar uma capacidade nada sutil em escarnar
práticas sociais que abominava. O crítico da vida palaciana declinou suas orientações políticas
transpostas para poesias como O Brazil, Ao dia 28 de julho, Á morte do Dr. Eduardo Olympio
Machado e Á sentidissima morte do brigadeiro Falcão.
A primeira, notadamente ufanista, exalta as qualidades pátrias estribando o porvir
esplendoroso que merecia a nação, tão grande quanto a sua extensão territorial, a riqueza de
sua flora (temática recorrente em suas poesias), a comparação entre o passado e o futuro,
pendendo um otimismo sobre o que ainda estava por vir e sem grande referência ao que
passou, ou seja, a história brasileira não era fulgurante, mas o vindouro seria, diferentemente
de uma parcela dos intelectuais, que num esforço de construção da história nacional brasileira,
detratavam a antiga metrópole portuguesa. No poema Brazil, Trajano Galvão não faz qualquer
menção a Portugal, uma omissão consentida e estratégica, já que o vórtice romântico olhava
para trás para significar o que ainda viria e, quanto mais se falasse da antiga metrópole, mais se
atrelaria a um passado que precisava não ser esquecido, e sim, silenciado.
Em Ao Dia 28 de julho, o autor tem um espasmo de orgulho identitário gentílico e
provinciano. No imaginário social dos maranhenses, quanto mais tempo se passava, mais esta
data representava uma fantasmagoria construtora de um grande império após a adesão do
Maranhão à independência brasileira. O dia 28 de julho de 1823 marca, para os maranhenses, a
ultrapassagem da última barreira que impedia a marcha da ereção da grande nação: “a
espontânea vontade” de abandonar o jugo metropolitano e a consentânea ação de uma nação
livre. Um equívoco. Como mencionado no primeiro capítulo, o Maranhão não foi a última
província a “aderir” a emancipação política, e sim o Pará, em 03 de agosto daquele ano.
Ademais, todas as circunstâncias que envolvem o processo de capitulação da província passam
ao largo de um reducionismo meramente aderente do Maranhão ao império. Tal poesia acaba
por enfatizar uma construção social que serviu a interesses mui específicos, sem participação
popular, silenciada por várias décadas e só rompido tal silêncio por esta poesia escrita em
Recife, em 1853, publicada na obra Três Lyras, em 1863, um ano depois da obra
historiográfica que narra os aspectos da guerra, História da Independência da Província do
Maranhão, em 1862, de autoria de Luis Antonio Vieira da Silva. Trajano Galvão
imperativamente ordena: “Maranhão, orgulha-te!...” “Ergue a fronte sublime!...”, afinal, “já
tens um futuro, és um membro do vasto Brasil!”... Esta mera locução diz muito sobre tudo o
que já foi escrito até agora. Ainda que sem mencionar a expressão Athenas Brasileira, o autor
concorre para os mesmos signos que seu futuro biógrafo, sem se dar conta, apontaria: a
Athenas foi um elemento de articulação das elites maranhenses no jogo de construção do
império brasileiro, império este “qual árvore gigante” (GALVÃO et all 1863, p. 10) de matas
frondosas, de uma indústria nascente, de uma arte rebenta que frutificaria. O Maranhão era um
galho do grande tronco chamado Brasil, não tinha porque se envergonhar. A data da adesão
105
cumpria o papel de fazer os maranhenses se lembrarem, quer dizer, não se esquecerem disto.
As duas últimas de caráter laudatória, encomiástica, fazem por alguns instantes
esquecer-se do autor das Crioulas, Nuranjan, Calhambola, do desprovido de vaidade,
despretensioso, incompreendido, aproximando-se do jeito e estilo narrativo do amigo Antonio
Henriques Leal, colocando-o em contradição com sua própria poesia, como O Nariz
Palaciano, por exemplo. Em Á morte do Dr. Eduardo Olympio Machado e em Á sentidissima
morte do brigadeiro Falcão, o mesmo argumento utilizado para criticar os narigudos
palacianos, poderia ser reposto para a sua poesia. Qualquer opositor do ex-presidente da
província do Maranhão, ao ler uma homenagem póstuma escrita por Trajano Galvão em forma
de poesia, poderia facilmente questionar: — Trajano Galvão, ao exaltar somente os aspectos
positivos da administração de Eduardo Olympio Machado, perde de vista o distanciamento
necessário para “isenção” de uma análise ponderada, transforma-se em um sequaz apaixonado,
partidário e se torna tão igual quanto aqueles que tanto escrachou, zombou, tornando-se
anedótico, panfletário e até cômico! Entretanto, é no final da poesia que se percebe a
semelhança entre ele e Antônio Henriques Leal ao exclamar: “Calai-vos, pois, calumniadores
sórdidos, que disputaes aos vermes seu cadáver, as Gemonias são p’ra vos na Historia, para
elle o Pantheon!...” (GALVÃO et all, 1863, p, 26). Desonra, na sua acepção, era criticar este
arauto da administração pública relegando seus críticos ao lixo da história, pois a Eduardo
Olympio Machado, só restava a glória.
Trajano Galvão sabia da importância da literatura enquanto construtora de sentidos e
significados sociais completando sua rede sígnica enquanto emissão, recepção e remissão da
105
Como as festas possuem esta característica, a de vivificar, em 1856, uma grande pomposidade marcou esta
celebração. “Este dia para nós tão memoravel e gloriozo, por se anniversário da adherencia desta província a
causa da independência do império, foi este anno festejado com a maior solemnidade possível”. E de fato foi. O
Te Deum começou com uma missa em ação de graça na catedral da Sé seguida com a reverência à Guarda
Nacional pelo presidente da província. No teatro a noite, foi encenada a peça Lucia de Lammermoor, precedida
pela exposição da Ellegie de S. Majestade o Sr. D. Pedro II entoando o hino nacional. A roupa era de gala preta
e luvas brancas, setim branco, fitas verdes e amarelas nas cinturas das damas. Fizeram saudações à
Constituição, a família imperial e a independência, segundo o Diário do Maranhão, 30 de julho de 1856, p. 03.
obra, no caso, da poesia. Ao perjurar os caluniadores de Eduardo Olympio Machado e sagrá-lo
ao panteão maranhense, tornou-se tão assecla dessa administração quanto qualquer um que,
sem considerar os méritos, presta-se tão somente a criticá-la. Assim, mesmo existindo um
certo consenso sobre a qualidade administrativa deste presidente, o enfoque passa a ser a
defesa pessoal, empática, e não uma análise objetiva da condução da província.
As mesmas circunstâncias estão presentes em Á sentidissima morte do brigadeiro
Falcão. O referido brigadeiro é o mesmo Feliciano Antônio Falcão, cuja trajetória de vida foi
relatada por Antônio Henriques Leal e que consta neste capítulo em páginas anteriores. O
brigadeiro Falcão, falecido em agosto de 1855, tem nesta poesia suas qualidades elevadas ao
mais alto céu, uma vez que sua morte fez vibrar cordas do alaúde do poeta e o sino repicar em
sons de tristeza, a dor harmônica pela perda fazendo lágrima rolar, a brisa fresca trazendo seus
ais compungidos, pois, o “Maranhão, berço de gênios”...lamentava que a “espada prodigiosa”,
o “filho mais forte” não vivia mais.
Trajano Galvão, chamando o Maranhão de berço de gênios e Feliciano de “gênio do
Brasil” (GALVÃO, 1863, p. 39), sucumbe a Athenas Brasileira. Sucumbe à necessidade de
autoreferenciação, autoconsagração, aos exageros românticos de em tudo exacerbar, ampliar,
carregar nas tintas o peso de sentir qualquer coisa por si e pelos outros. A sensibilidade
aguçada com a morte do brigadeiro Falcão acaba por tomar dimensões para além da
importância política que lhe foi atribuída. Em se tratando de poesia, nenhuma incongruência;
ela reflete a dor e os sentimentos que seu autor queria expressar, entretanto, enquanto
construção de memória, foi mais um ingrediente nesta simbiótica relação de vultos e epítetos,
como o da Athenas.
A existência de poesias de cunho encomiástico, ufanista e laudatório elimina o caráter
bonachão, o jeito pax-vóbis, despretensioso, boêmio, tocador de flauta ou a riqueza das etno-
poesias que Trajano Galvão escreveu? Não. Ninguém tem a obrigação de ser linear, pois
ninguém o é, livre de contradições, dubiedades, idiossincrasias em que as relações pessoais ou
inclinações políticas dirimem a qualidade estética, a capacidade criativa da belaletra, da pena.
Muito pelo contrário, a poesia reverbera as inquietudes, as angústias existenciais, as divisões
internas, o infortúnio, não a vontade de encerrar uma dor, mas de libertá-la. Este tipo de
exercício em contrapor dois Trajanos, como se uma parte de um fosse estranheza fundo sem
fundo, o outro Trajano todo mundo, não serve especificamente para criticar sua poesia ou sua
trajetória, e sim, a apropriação sobre estes dois elementos, exatamente, sua poesia e trajetória.
A questão está na confecção de sua biografia potencializando somente um aspecto de sua vida,
colocando-o acima de qualquer suspeita, como ele próprio fez com Eduardo Olympio
Machado e Feliciano Falcão. A preferência pela vida na fazenda não o impedia de enxergar o
que acontecia na cidade, ou se refugiava nela para não dar vazão ao citadino que habitava
dentro dele.
2.12. Belarmino de Matos
O penúltimo biografado do Pantheon II é também um ícone do percurso político-
intelectual da província maranhense desde a ruptura brasileira com Portugal até sua morte. Não
por ser político, nem intelectual, e sim um tipógrafo, não um tipógrafo qualquer, mas um dos
mais importantes do Maranhão naquele século e da nação. Sobre seus ombros e por suas mãos
pesavam e teciam a arte ainda rudimentar de montar prelos, afixar rolos, dobrar papel, pregar
caracteres, passar tinta. O trabalho pesado e pouco reconhecido exigia horas de dedicação,
baixo salário e muitos, muitos desgostos.
Para o tipógrafo Belarmino de Matos, o seu trabalho era arte, não se importando tanto
assim com o conteúdo, e sim com a qualidade estética, a boa divisão das matérias, a melhor
impressão, a melhor letra para um tipo específico de papel, a formatação do texto, a dobra de
um jornal, a encadernação de um livro. Por suas mãos passaram boa parte das obras mais
importantes de maranhenses e também de autores como José de Alencar que, ao invés de
confeccionar seus livros na Corte, preferiu algumas vezes imprimí-las em sua tipografia, para
alguns, a certeza de um excelente trabalho.
Por se importar mais com a confecção do que com o conteúdo que saía de sua
tipografia, morreu pobre, doente, execrado publicamente na cidade que, para alguns, era a
Athenas Brasileira e que assistiu bestializada um processo jurídico se arrastar por meses a fio
encarcerando e adoecendo aquele que publicava obras, jornais e panfletos, ressoando inclusive
a idéia da própria Athenas.
Desde o aparecimento do manuscrito Conciliador do Maranhão, em 15 de abril de
1821, a arte tipográfica, veículo propulsor da atividade jornalística, andaria a passos módicos
até o aparecimento de Belarmino de Matos. A primeira obra impressa se dá em 1826 com o
reconhecimento e a proclamação da independência brasileira. Até 1830 foi a única tipografia
que havia na província passando a se chamar depois de Tipografia Nacional Imperial, quando,
em 1835, Clementino José Lisboa fundou a Tipografia Constitucional. Nesse mesmo ano, João
Francisco Lisboa e Frederico Magno Abranches, o mesmo que lutou ao lado de José Cândido
de Morais e Silva na Setembrada, fundaram uma tipografia que mais tarde foi comprada pelo
Major Inácio José Ferreira. Em 1846 F. de S. N. Cascais vendeu sua tipografia para Fábio
Alexandrino de Carvalho Reis, Teófilo de Carvalho Leal e Antonio Rego, fundando o primeiro
diário do Maranhão, de orientação política liberal, em 1847, O Progresso. Além de publicar
este jornal, também saiu dos prelos dessa tipografia romances, a segunda edição dos Anais
Históricos do Estado do Maranhão, de Bernardo Pereira de Berredo, O Almanaque da
Província, de Antonio Rego. Foi nessa tipografia que Belarmino de Matos se tornou tipógrafo.
O diário O Progresso, em 1849, passou a circular apenas três vezes por semana, tendo
como proprietário agora Antônio José da Cruz, momento que a oposição aos liberais com o
apoio do presidente de província, Herculano Ferreira Penna
106
, ofereceu um emprego ao
proprietário dessa tipografia, abandonando a publicação do jornal, fazendo com que Francisco
Ribeiro e José Joaquim Ferreira Vale montassem outra tipografia, levando Belarmino de Matos
e seus aprendizes a trabalharem nela.
Antonio Henriques Leal afirma que os liberais no Maranhão perderam terreno político
desde 1849, sobrevivendo apenas do jornalismo como instrumento de contestação e
propagação de suas idéias. Com a política da Conciliação a partir da década de 1850,
acercaram-se em torno do presidente da província, Antônio da Cruz Machado
107
, os grupos
antagônicos que, através do jornal Conciliação, preparavam terreno para as eleições de 1856.
Antes das eleições um episódio demarcou qual seria a postura dos liberais durante a
presidência do Conservador Antônio Cruz Machado. Jerônimo de Viveiros (1977, p. 84)
afirma que no dia da chegada do novo presidente ao Maranhão, em 09 de dezembro de 1855,
ele não se submeteu à quarentena, conforme lei provincial, por ter passado pela Corte onde
grassava a cólera. Essa atitude foi interpretada como ofensiva e desrespeitosa, levando o
vereador liberal Antonio Rego, seguido por toda a bancada, menos o voto do chefe do partido,
Carlos Ribeiro, a protestar contra o presidente, apoiado por Raimundo Teixeira Mendes,
Antonio Nogueira e Encarnação da Silva. Uma das estratégias do partido liberal, além da
publicação do desrespeito do presidente no jornal Diário do Maranhão, com data de 11 de
dezembro de 1855, foram os pedidos de demissão de Antonio Henriques Leal e Afonso Saulo
Pierrelevée enquanto membros da Comissão de Higiene Pública.
Os ânimos estavam exaltados e setores da imprensa assumiam claramente suas posições
e inclinações chegando a mencionar quais candidatos deveriam ser eleitos. As eleições de 1856
representavam a possibilidade de controle político da província pelos liberais, a tal ponto que
jornais como A imprensa, de Carlos Fernando Ribeiro, e a Moderação, de José Joaquim
106
Presidiu entre 07 de janeiro de 1849 a 07 de novembro deste mesmo ano.
107
Advogado provisionado Antonio Cândido da Cruz Machado, presidiu entre 10 de dezembro de 1855 a 23 de
fevereiro de 1857. Político conservador, antes de vir para o Maranhão comandava a política em Serro-Frio,
Minas Gerais e depois seguiu como presidente da província de Goiás antes de presidir a do Maranhão.
Ferreira Vale, representavam as pretensões daquele partido, ao passo que A Nova Época, de
propriedade do Barão de São Bento, Francisco Mariano de Viveiros, apoiava Francisco
Mariano de Viveiros Sobrinho
108
, candidato à Assembléia Geral dos conservadores pelo 2°
círculo (Alcântara, Santo Antonio e Almas e São Bento), assumindo a defesa de sua campanha
abertamente.
Os editores da Conciliação e os do Diário do Maranhão antes do pleito postergavam
qual deveria ser o papel da imprensa, não omitindo a capacidade deste veículo de cumprir seu
verdadeiro papel, segundo eles, o de informar, conforme pode se verificar neste verdadeiro
manifesto.
Vão se aproximando as eleições para deputados geraes e observa-se uma
completa mudez nos jornaes acerca dos homens que nos devem ir representar
no parlamento. Bom seria que o jornalismo, cujo fim é esclarecer o publico
sobre seus interesses, tratasse d’indicar os candidatos para que estes fossem
apreciados com anticipação por aquelles que lhe teem de prestar seus votos, e
não sejão apresentados da eleição, como tem acontecido até hoje. É tempo
que a população desta província reconheça e se convença que os seus
representantes devem ser apreciados pelos seus merecimentos e virtudes
civis, para poderem defender os direitos e interesses públicos; e que é preciso
de uma vez dar de mão a esses homens sem capacidade que só vão arranjar
para si ou para os parentes-bécas-commendas-baronatos-empregos de pingues
rendimentos e despachos para os intrigantes de partidos etc & etc; é mister
enfim que o reinado do ventre cai e suba ao throno em seu lugar o da
intelligencia e do mérito.
Nós que infelizmente não temos um grande numero de pessoas aptas para
bem nos representar, devemos aproveitar esses poucos que temos escolhendo
os seguintes cidadãos, na nossa opinião os melhores, e que nos parecem
reunir sufficiente somma de capacidade, em quanto nos não apresentarem
outros que os excedam:
Os Srs. Francisco José Furtado.
Fábio Alexandrino de Carvalho Reis.
Francisco de Mello Coutinho de Vilhena.
João Francisco Lisboa.
Cândido Mendes de Almeida
João Nunes de Campos.
(Diário do Maranhão, 06 de fevereiro de 1856).
O jornal foi ainda mais longe. Depois da nota de 06 de fevereiro descrita acima,
comemorou a publicação dos nomes que comporiam a comissão eleitoral para as eleições,
108
Nasceu em Alcântara em 12 de janeiro de 1819 e morreu na mesma cidade em 10 de janeiro de 1860. Era
filho do Senador Jerônimo José de Viveiros e de Ana Rosa Mendes de Viveiros. Doutorou-se em matemática
em 1839 pela Universidade de Coimbra. Em 1848 foi eleito Deputado Provincial e em 1857 torna-se Deputado
Geral. Em 1853 recebe o título de Barão de São Bento e em 1855 recebe o de fidalgo da Casa Imperial. Em
1859 compõe a lista tríplice para o Senador na vaga deixada pela morte de seu pai, Cf, Viveiros (1977, pp.
116, 117).
apoiando dessa vez candidatos ao cargo de vereador e juiz de paz
109
daquele ano, em nota
publicada em 25 de agosto, retroativa ao dia 22 de agosto, data em que a comissão foi
conhecida. A nota assegura que melhores nomes não poderiam ter sido escolhidos, pessoas
honestas, de “passos desinteressados”, e convencidos estavam que o presidente da província
“cumprirá a solemne promessa que constantemente tem feito de não intervir, directa ou
indirectamente, com força armada ou por outro qualquer moda, nas proximas eleições,
deixando livre a votação e considerando a mesma comissão” (DIARIO DO MARANHÃO, 28
de agosto de 1856, p. 03). Compunham a comissão: Francisco de Mello Coutinho de Vilhena,
presidente, Luis Carlos Ferreira de Castro, Antonio Henriques Leal, Joaquim Baptista da
Cunha, José Joaquim Ferreira Valle.
Fazia parte da estratégia do presidente da província, que mesmo no período da
Conciliação declinava apoio a determinados candidatos, o fim das fraudes eleitorais, a
eliminação dos recrutamentos, demissões e perseguições. Porém, nada disso aconteceu. A
oposição ao presidente acompanhava e denunciava através da imprensa as arbitrariedades
cometidas por ele, como a fixação de portarias impedindo, através da força policial, a votação
de determinados eleitores alegando a falsidade do pleito, chegando até a prisão e instauração
de processos criminais. A oposição pagaria caro pela publicação das irregularidades. O número
13 do Jornal Conciliação foi impedido de circular por trazer charges, blagues, sátiras sobre os
processos criminais, bem como protestos de eleitores sobre o pleito, cassação de votos da
oposição, entre outras coisas. No dia 10 de janeiro de 1857, os operários da Tipografia de José
Maria Correia de Frias, onde o jornal era publicado, e os da Tipografia de Carlos Fernando
Ribeiro, que retomou a publicação do Jornal O Progresso, foram tomados de assalto pela
polícia, sendo presos. Este caso ganhou repercussão não só na província como em várias partes
do Brasil com artigos que defendiam o direito à livre expressão da imprensa. Quarenta e quatro
dias após os episódios da prisão dos tipógrafos, D. Pedro II exonerou o presidente da província
do cargo. Belarmino de Matos e seus companheiros de profissão poderiam finalmente retomar
109
As chapas defendidas pelos editores do jornal eram as seguintes; Vereadores: Dr. José M. Barreto Junior,
comaadante superior da Guarda Nacional, Raimundo Teixeira Mendes, engenheiro civil, João José Fernandes
da Silva, negociante, Pedro Miguel Lamagnere Vianna, lavrador, Antonio Nogueira de Sousa, proprietário,
Antonio Rego, médico, Jorge Mariana de Lemos e Sá, negociante, Carlos Fernando Ribeiro, advogado,
Francisco de Mello C. de Vilhena, advogado. Juiz de Paz, 1º Distrito; Dr. José Miguel Pereira Cardoso,
médico, Capitão Raymundo Penaforte d’Araujo, negociante, Dr. Domingos Feliciano Marques Perdigão,
professor público, Dr. Manoel Tavares da Silva, cônego. 2º Distrito: Joaquim Antonio da Silva Ferreira,
negociante, Dr. Hermenegildo Antonio da Encarnação e Silva, advogado, Luiz Pereira Lapa, Proprietário,
Manoel Silvestre da Silva Couto, negociante. 3º Distrito: José Carlos Pereira do Castro, empregado público,
Francisco Sotero dos Reis, professor público, Fábio Alexandrino Lisboa Parga, negociante, José Thimoteo da
Costa, empregado publico. 4º Districto: Dr. Thibério Cezar de Lemos, professor público, Trajano Candido dos
Reis, José Lopes de Mattos, empregado público, José Antonio Falcão.
seus trabalhos com mais segurança, mas não sem temor. O clima de insegurança pairava no ar.
Foi necessário transferir, na calada da noite, os equipamentos de impressão da tipografia de
Carlos F. Ribeiro para uma outra residência para dar conclusão aos trabalhos de pequeno
formato.
Entretanto, mesmo com os alardes, os liberais sofreram mais uma derrota: o Barão de
São Bento foi eleito Deputado; Carlos Ribeiro abandonou luta política no Maranhão e seguiu
para o Amazonas para ser secretário do presidente da Província, exatamente o seu conterrâneo
e correligionário, João Pedro Dias Vieira; e, Ferreira Vale ingressou na carreira diplomática.
Esses episódios foram determinantes para que Belarmino de Matos conjeturasse a
possibilidade de fundação de Associação de Tipógrafos para a defesa dos seus interesses, da
seguridade financeira, já que muitos passavam privações. Com a posse do novo presidente da
província, Manuel Gomes da Silva Belford
110
, Barão de Coroatá, jornalistas, tipógrafos,
intelectuais em geral, fundaram em 11 de maio de 1857, a Associação Tipográfica
Maranhense.
Os oposicionistas liberais, responsáveis pelos jornais Progresso e Estandarte, se
agruparam num único ramo político e passaram a editar o jornal A Imprensa, ainda no ano de
1857. Com a saída dos donos da tipografia C. F. Ribeiro e J. J Ferreira Vale do Maranhão,
Belarmino de Matos arrendou a tipografia e se responsabilizou total e completamente pela
publicação do jornal. À frente desta tipografia, editou num só volume a História da Revolução
dos Balaios, de Gonçalves de Magalhães, os libretos das óperas das companhias líricas do ano
de 1856, todos os Almanaques Administrativos da província do Maranhão entre 1856 e 1870.
Data desse período em que Belarmino de Matos arrendou a tipografia, a fase em que Antonio
Henriques Leal assumiu como editor-chefe o jornal político A Imprensa. Carlos F. Ribeiro
havia se mudado para a província do Amazonas para assumir o cargo de secretário de
presidente de província, retornou ao Maranhão em 1861 fazendo a defesa do presidente da
província, Major Primo de Aguiar
111
, que era duramente criticado por Antonio Henriques Leal
em seus artigos no jornal pelo qual era responsável. Antonio Henriques Leal entregou o cargo
e assumiu a responsabilidade de editar A Imprensa, ressuscitou O Progresso, que, dessa vez,
passou a ser impresso na tipografia de José Maria Correia de Frias.
Em 17 de julho de 1861, as forças policiais, sob o comando do presidente da província,
Francisco Primo de Sousa Aguiar, ameaçaram todos os proprietários das tipografias
110
Administrou entre 24 de fevereiro e 29 de maio de 1857.
111
Major de Engenheiros, Francisco Primo de Sousa Aguiar, presidiu de 25 de abril de 1861 a 22 de janeiro de
1862.
consideradas independentes, prendendo tipógrafos e quebrando os prelos. Por ser estrangeiro,
Correia de Frias teme a deportação e encerra a publicação do Jornal O Progresso. Belarmino
de Matos oferece sua tipografia para a continuação da publicação deste jornal, mas Antonio
Henriques Leal o aconselha a recusar a oferta temendo que os donos suspendessem o
arrendamento. Sem ter onde imprimir o jornal liberal, já que todas as outras imprensas
apoiavam a administração provincial, Antonio Henriques Leal aconselha o amigo Belarmino
de Matos a abrir sua própria tipografia. Sem recursos, o tipógrafo retruca advertindo que não
possuía meios para a empreitada. Foi quando Antonio Henriques Leal, gozando de prestígio na
praça da cidade, abriu uma carta de crédito no Banco Comercial sob sua fiança, permitindo que
Belarmino comprasse das firmas Julio Duchemin e Alix Fournier & Rordorf prensas e os
demais equipamentos.
Dois anos depois, a tipografia de Belarmino de Matos já se aquinhoava à de Carlos F.
Ribeiro e passou a receber encomendas de várias partes da província e do Brasil. Dos seus
prelos saíram obras, tais como: Postillas Gramaticais, de Sotero dos Reis; As Poesias, de
Antonio Joaquim Franco de Sá; as Comédias, de Luis Quadros; Um coração de mulher,
Versos e poemas, de Joaquim Serra, as traduções de Laboulaye, Um mundo Caminha,
traduções de Pelletan; Estatísticas da Província do Ceará (2 volumes); Obras, de João
Francisco Lisboa (4 vol); Curso de Litteratura, de Sotero dos Reis; Gramática Portuguesa (1
vol.); a tradução dos comentários de Júlio César (06 fascículos); Obras póstumas de Gonçalves
Dias (06 volumes); Impressos, de Andrade; Parnaso Maranhense (1 vol); Três Lyras; a
tradução de Eloá de Vigny por Gentil Homem de Almeida Braga; Motins Políticos, de Antonio
Rayol; História da Independência do Maranhão, de Luis Antônio Vieira da Silva; Comentários
da Constituição, do desembargador Sousa; Impressos e gemidos, de José Coriolano de Sousa e
Lima (02 volumes); Confidências, poesias de F. C. de Figueredo; Curso Elementar de
Matemática, de João Coqueiro; Os Miseráveis e O Homem que ri, de Victor Hugo, além de
uma série de romances, obras encomendadas do Pará, Ceará, Piauí, Pernambuco e um conjunto
considerado de relatórios de Presidente de Província de várias partes do Brasil.
Cinco anos após a fundação da Associação Typograhica Maranhense, no momento que
a tipografia de Belarmino de Matos estava em pleno vapor, fazendo com que seu nome
ressoasse para além do Maranhão, estavam vários dos membros da Associação reunidos na
casa do tipógrafo José Maria Correia de Frias para uma sessão solene em comemoração à
atividade tipográfica. Apesar das duas tentativas em dois momentos distintos de cerrar as
portas da atividade tipográfica no Maranhão e silenciar a atividade jornalística com a
truculência dos presidentes de província e a perseguição aos impressos liberais, aqueles que
acreditavam viver em plena efervescência ateniense, vide que no mesmo ano que foi editado
Lés Miserables, 1862 em Paris, era editado no Maranhão, na tipografia de Belarmino de
Matos, congraçavam-se num seleto grupo de intelectuais, jornalistas, políticos para festejar a
invenção de Gutemberg. Nesta longa citação abaixo é possível visualizar o que pensavam os
que estavam ali reunidos sobre as celebrações e a importância da arte tipográfica.
Associação Typographica. No dia 08 de corrente teve lugar na casa do Sr.
José Maria Correia de Frias a sessão solemne da Associção Typographica
Maranhense. O público já tem conhecimento do programna do festejo e
portanto só nos cumpre accrescentar que esse programna foi muito e muito
excedido. Perante o Exm. Sr. Presidente da Província e um luzido concurso
de pessoas gradas e artistas de diversas profissões abrio-se a sessão solemne
estanto presente quase todos os operários typographos maranhenses.
Os sócios honorários Dr. Jorge Junior José de Conselho Estrella e Jorge
Sobrinho pronunciarão discursos análogos, e em seguida fizerão o mesmo o
Sr. Tenente-Coronel Fernandes Luiz Ferreira, redactor do artista, o Sr.
Mesquita artista typograpo e os relatores das comissões das Sociedades
Atheneu Maranhense, Luso-brasileira e a do Gabinete Portuguez de Leitura.
O Sr. Dr. Antonio Henriques Leal, digno presidente honorário da
Associação Typographica depois de proferir uma allocução, convidou a nova
mesa administrativa a tomar posse. Empossada esta, o Sr. Correia de Frias,
Presidente effectivo da Associação convidou os circunstantes para um copo
d’agua, depois de ter feito distribuir uma bella poesia do Sr. Rocha Borba,
magnificamente impressa n’aquelle momento.
A mesa estava servida com esplendor e profissão. Forão feitos entre outros
os seguintes brindes:
— a memória de Guttemberg; a arte typographica; ao Exm e Revm. Sr.
Arcebiso da Bahia, protector da Associação Typographica maranhense e ao
Exm. Sr. Presidente da Província pelo Sr. Correia de Frias.
— a imprensa, grave e moralisada da província, representada ali pelos Srs.
Dr. Gentil Braga, Joaquim Serra, cônego Santos Themistocles Aranha e
tenente-coronel Ferreira, ao decano da imprensa maranhense, o illustrado Sr.
Sotero dos Reis, que se achava ausente, pelo Sr. Dr. Antonio Henriques Leal.
— ao digno presidene honorário da Associação Typographica, ao Sr.
Belarmino de Mattos, Frias, Bezerra, aos proprietários das typographias , J. J.
Ferreira e R. d’Almeida, e outros Srs. Typographos moninalmente
mencionados, pelo Sr. Gentil Braga.
— ao Exm. Sr. Presidente da Província, pelo Sr. Themistocles Aranha.
— Aos Srs. Ex-redactores de jornaes, que se achavão presentes. Drs. Rego,
Roxo, Leal e Jorge Junior, as glórias litterarias do Maranhão, os Sr.
Gonçalves Dias, Odorico Mendes, Gomes de Sousa e João Lisboa, pelo Sr.
Serra.
Finalmente o Exm. Sr. Presidente da província fez um brinde aos
maranhenses e a prosperidade da Associação Typographica, rematando as
saudades feitas na primeira mesa de S. M o imperador por Exa.
(O Jornal A Coalição, de 11 de setembro de 1862, anno I, número 63, p. 01).
Quatro anos depois, os integrantes da Associação Typographica, felizes, celebravam
solenemente os avanços da imprensa no Maranhão. Se soubessem o que acometeria sobre o
maior tipógrafo maranhense, não brindariam o estágio e o desenvolvimento da imprensa na
província.
No dia 10 de julho de 1866, Belarmino de Matos era preso sob a acusação de
apropriação indébita dos bens do Cônego Rocha Viana, cura da Sé de São Luís, morto em
julho de 1865. O tipógrafo tinha sido designado pelo juiz da comarca de São Luís para ser
testamenteiro do Cônego. Com o sumiço do testamento, do qual ele não era beneficiário,
efetuou alguns pagamentos com base nas cartas deixadas pelo Cônego. Foi o suficiente para
sua prisão. Vários recursos foram impetrados e várias fianças foram pagas, em vão. O processo
se arrastou até 07 de maio de 1867 quando a Suprema Corte negou todos os recursos para a
manutenção de sua prisão considerando-o inocente, uma vez que o testamento finalmente
havia sido encontrado, decidindo finalmente pela sua soltura, já completamente arruinado
financeiramente, doente, desnutrido, acometido de beribéri, abatido, humilhado. Belarmino de
Matos ainda continuou seus trabalhos por menos de três anos, quando em decorrência da
prisão veio a falecer em 27 de fevereiro de 1870.
A prisão de Belarmino de Matos revela a face mais vil da politicagem provinciana
ateniense em São Luís na segunda metade do século XIX. O próprio Antonio Henriques Leal,
filiado ao partido liberal, denuncia os motivos que levaram a sua prisão: a motivação foi
política e impetrada pelos próprios correligionários do partido. Por motivos financeiros,
Belarmino de Matos deixou de publicar o Jornal A Coalição em virtude do partido liberal
jamais ter pago, contribuído ou arcado com os custos de impressão, levando-o à quase falência.
Seu amigo e fiador Antônio Henriques Leal o aconselhou a imprimir o jornal O Conservador,
seduzido pela promessa de pagamento assíduo e vantajoso. Assim o fez. Na chegada dos
liberais ao poder nas eleições de 1866, estava armada a arquitetura de sua prisão, na verdade,
uma retaliação.
A longa e custosa operação jurídica, incluindo a arbitração de uma fiança de
19:000$000 de réis, a sucessiva troca de advogados da capital que não conseguiam tirar-lhe da
prisão, os inúmeros solicitadores de fiança, o envolvimento de Luis Antonio Vieira da Silva
como novo advogado do Belarmino de Matos, sem lograr êxito na tentativa de soltura,
revelam, ao lado dos episódios das prisões dos tipógrafos em 1857 e 1861, a face obscura da
Athenas e um questionamento acerca do propalado desenvolvimento jornalístico e tipográfico
do Maranhão.
Desde o aparecimento da imprensa no Maranhão até a morte de Belarmino de Matos
em 1870, um dos pilares de sustentação da idéia de Athenas Brasileira, exatamente a atividade
jornalística e tipográfica passou por momentos variegados, difusos e distintos. Autores como
José Maria Correia de Frias (Memória sobre a tipografia maranhense, 1866); Ignotus,
pseudônimo de Joaquim Serra (Sessenta anos de Jornalismo: a imprensa no Maranhão, 1883);
Antônio Lopes (História da Imprensa no Maranhão: 1821-1925, publicado em 1959), e mais
recentemente, Laurence Hallewell (O livro no Brasil. Sua história, 1982), concorrem dentro da
mesma ótica: relatam a intensa atividade jornalística e tipográfica no Maranhão, mas não
levam em consideração as circunstâncias das feituras dos impressos e nem quem eram os
homens por detrás dos jornais. Este último autor, além de repetir a alcunha atribuída a
Belarmino de Matos como o “Didot Brasileiro”, o pionerismo técnico que se operava em São
Luís, chega a afirmar (HALLEWELL, 1982, p. 96):
Durante esses anos (1840 até meados da década de 1880) São Luís foi não
apenas o mais importante centro editorial das províncias, e o único de
importância nacional, mas também o lugar em que a qualidade do trabalho
dos melhores impressores ultrapassava toda e qualquer realização da corte
nessa época. Dois nomes se destacam: Belarmino de Matos e José Maria
Correia de Frias, rivais amistosos, cujos contínuos esforços para superar as
realizações do êmulo foram a causa principal do desenvolvimento técnico e
estético da produção de livros no Maranhão.
Além de citações contundentes como essa, cita frases de José Veríssimo considerando
Belarmino de Mattos “talvez o melhor impressor que já teve o Brasil” (HALLEWELL, 1982,
p. 104), assim como retoma os mesmos argumentos historiográficos de Joaquim Serra e
Antônio Henriques Leal.
A quantidade de jornais existentes ao longo do século XIX propiciava uma sensação de
que o jornalismo era um instrumento pedagógico e didático dos elementos identificadores da
vida pública no Brasil de então. Somado à quantidade de jornais existentes no Maranhão com a
existência de dois grandes tipógrafos, sendo um deles alcunhado de Didot Brasileiro, e a
imensa atividade jornalística, não foi difícil emular a sensação de estarem em consonância com
o que acontecia no restante do mundo e do Brasil. Aliás, como veículo de transmissão e
recepção de idéias, os anúncios, os folhetins, os recortes de outros jornais, até a publicação de
notícias sobre a vida e obra de conterrâneos, criaram desejos e sensações de autonomia de
pensamento, de co-participação da civilidade nacional, estreitaram laços, diminuiram os
espaços, circunscreveram linguagens, forjaram identidades.
José Maria Correia de Frias, Joaquim Serra e Raimundo Lopes afirmam que, de 1821,
com o aparecimento da primeira tipografia, passando a se chamar Tipografia Nacional imperial
até 1900, seus prelos imprimiram várias obras, jornais e panfletos no Maranhão, conforme nota
em anexo
i
.
Belarmino de Matos, nascido na cidade de Axixá, à margem esquerda do Rio Munim,
em 24 de maio de 1830, morreu na cidade de São Luís em 27 de agosto de 1870. O menino,
que aos 6 anos de idade veio para São Luís com a família que decidiu não retornar para Axixá
quando os episódios da Balaiada eclodiram dois anos depois, fixando-se na capital
definitivamente, iniciando sua arte na Tipografia Temperança, de propriedade de Manuel
Pereira Ramos, não imaginava que seu nome ressoaria como um dos mais importantes artífices
deste ramo naquele século e que estaria associado ao desenvolvimento intelectual de sua
província.
Os seus companheiros de Partido Liberal não achavam isso. A Athenas Brasileira era
uma fantasmagoria, os interesses partidários estavam acima de qualquer coisa, acima inclusive
do Didot Brasileiro. Conforme afirmei no início deste capítulo: “a Athenas Brasileira não
estava acima das disputas políticas, por vezes foi ameaçada pelos administradores da
província”. A prisão e morte de Belarmino de Matos confirmam isso.
2.13. O conselheiro Francisco José Furtado
A última biografia escrita por Antonio Henriques no volume primeiro do Pantheon foi
sobre o inimigo mordaz de Cândido Mendes de Almeida. Ministro da Justiça por duas vezes,
presidente de Província, Deputado, Senador, enfim, Francisco José Furtado reúne os atributos
dignos na concepção de Henriques Leal para finalizar sua obra enquanto documento-
monumento das celebridades maranhenses.
Na sessão solene de Câmara temporária de 24 de julho de 1870, Cândido Mendes, que
passava a ocupar a vaga no Senado deixada pela morte do até então seu inimigo, Conselheiro
Francisco José Furtado, assim discursou em homenagem ao conterrâneo:
Sr. Presidente, deu-se ontem à sepultura o corpo de um cidadão distinto que
ocupou nesta casa o cargo de seu presidente, e que durante sua vida prestou
ao país relevantes serviços que como magistrado, quer como presidente de
província, e principalmente como ministro da Coroa e presidente de
Conselho: refiro-me ao Conselheiro Francisco José Furtado, senador por
minha província [apoiados].
A exemplo do que se tem praticado em outras ocasiões eu requeiro que se
consigne na ata de hoje o profundo pesar que esta augusta câmara sente por
lamentável acontecimento [apoiados], e que ao mesmo tempo, como
testemunho do mesmo pesar, se levante a sessão [apoiados].
Eu como antigo colega do ilustre finado, desde as primeiras letras até os
estudos superiores, e sobretudo como deputado pela província do Maranhão,
que ele tão dignamente representava [apoiados], e interpretando com
fidelidade os sentimentos de meus honrados colegas de deputação, tanto
como presentes como ausentes...(LEAL, 1873-1987, p. 356).
A sessão solene foi realizada na Câmara temporária, posto que a nação vivia dias
turbulentos na política. A dissolução da Câmara era uma constante e a mudança nos Gabinetes,
uma rotina. Entre 1864 e 1868, nos quatro gabinetes que assumiram o poder, nada mais, nada
menos que quarenta ministros se sucederam. Isso explica em parte a decepção que Francisco
José Furtado teve com seus correligionários do Partido Liberal após terem sido convidados por
ele a participarem do seu próprio Gabinete, organizado em 31 de agosto de 1864, vinte e um
dias depois de ter sido empossado presidente do Conselho de Ministros. A recusa de seus
correligionários se baseava na transitoriedade dos gabinetes, preocupados que estavam com
posições mais definidas e estritamente pessoais. É que depois do cognominado “qüinqüênio
liberal”, 1844-1848, os liberais assumiram claramente interesses particulares e específicos em
troca da participação na vida política e burocrática do país, já que os seus opositores, os
conservadores, controlavam a máquina estatal. Para este impasse surgiu a proposta da
Conciliação, período que durou 6 anos e três meses, quando finalmente os conservadores
retomam o controle burocrático, em 1858. A Conciliação é o resultado da incapacidade de
ambos os grupos eliminarem as forças políticas antagônicas completamente, além de arranjo
dos grupos dominantes na manutenção da estabilidade monárquica e, no controle do estado
face às reivindicações sociais, exemplo último, as da Revolução Praieira. Francisco José
Furtado, um “liberal histórico”, era terminantemente contra a Conciliação.
Em uma de suas análises do período político por que passava o império, fez duras
críticas às tendências do seu próprio partido, fazendo alegações como essas:
O partido que abandona as urnas, ou se condena a um longo ostracismo ou
pelo menos indiferentemente se prepara para uma revolução.
Que magnífica situação estragaram a ambição e a deslealdade de alguns
conservadores, que se ligaram aos liberais em 1862! E os infelizes liberais
carregaram com os erros e desatinos de que foram em grande parte vítimas
desde 12 de maio de 1865 até 12 de julho de 1868 (FURTADO apud LEAL,
1873-1987, p. 354).
Francisco José Furtado havia sido eleito senador pelo Maranhão conquistando 759
votos, disputando a vaga com o fazendeiro Isidoro Jansen Pereira (756 votos) e com o
advogado Marcelino Nunes Gonçalves (756 votos), após a vacância do cargo ocasionada pela
morte de Ângelo Carlos Muniz, tendo sua posse confirmada em 30 de julho de 1864. A sua
eleição para Senador se relacionou com a posição política que já ocupara, primeiro, sendo
nomeado novamente como Ministro da Justiça, 1864, após ter sido reeleito Deputado pelo
Maranhão para o período de 1864-1867, quando assumiu a presidência da Câmara dos
Deputados, também no ano de 1864. Reassumiu a condição de Ministro da Justiça (já tinha
sido em 24 de maio de 1862, durante o período do Gabinete Zacarias), que por sua vez, se
relacionou com o mandato que exercia como deputado-geral pelo Maranhão para o período de
1861-1863.
É na substituição do Gabinete Zacarias, considerado um liberal progressista, que
Francisco José Furtado na condão de Ministro da Justiça enfrentou as circunstâncias mais
espinhosas do cargo: a guerra contra o Uruguai e a guerra do Paraguai. Como Ministro, estava
diretamente envolvido nas circunstâncias que culminaram na guerra do Paraguai, embora tenha
se afastado do cargo em 08 de maio de 1865 e o conflito tenha começado em dezembro de
1864 e se prolongado até 1870. Antes do afastamento, tomou decisões culminantes, como o
Decreto nº 3.371, que criou os Voluntários da Pátria, na prática a convocação para a guerra, a
inclusão da Guarda Nacional no conflito e a suspensão de processos contra militares com o fito
de incluí-los na guerra.
Quanto ao conflito contra o Uruguai, pesou-lhe sobre os ombros a responsabilidade do
envolvimento do Brasil na contenda com a nação vizinha, uma acusação deturpada, segundo
Henriques Leal, já que a animosidade havia se estabelecido antes da ascensão do Gabinete de
31 de agosto, ainda na época do Gabinete de Zacarias Góis de Vasconcelos. As ações
decorrentes disto se relacionaram diretamente com o seu Gabinete, incluindo a tomada em 02
de janeiro de 1865 da fortaleza de Paissandu e a rendição de Montevidéu em 20 de fevereiro
ocasionando o armistício, além da participação direta na exoneração do cargo de diplomata do
Conselheiro Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco, sob a alegação de claudicar dos
interesses nacionais e não resguardar as bases da fronteira.
É também na qualidade de Ministro que assina o Decreto n° 3.310, de 24 de setembro
de 1864
112
, concedendo a emancipação a todos os africanos livres existentes, assim como a
emissão de um aviso-circular, com data de 02 de janeiro de 1865, resguardando a liberdade
individual por abuso nas prisões preventivas ou na demora no andamento dos processos. Em
24 de abril de 1865, expede o Decreto n.º 3.453 reformulando a legislação hipotecária,
estabelecendo as bases da sociedade de crédito real, o que na prática, era um adendo da Lei nº
1.237, de 24 de setembro de 1864, que regulamentava o uso do crédito mediante a grave crise
financeira instalada em 10 de setembro com o fechamento da casa bancária Souto & Cia. Com
o fechamento dessa casa, houve uma correria generalizada para saques dos correntistas em
112
Collecção das Leis do Império do Brasil de 1864. Tomo XXVII, Parte II. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1864, pp. 160-161.
seus respectivos bancos, gerando desconfiança e temor no setor creditício e colocando em
xeque o sistema financeiro brasileiro, sendo necessária a força policial para dispensar a
multidão somente às 21:00 hs, amontoada na rua Direita, desde às 15:00 hs. A saída da crise
foi contornada pela convocação do Conselho do Estado, feita por Francisco José Furtado, para
a tomada de algumas decisões, dentre elas:
A 17 desse mesmo mês fez baixar o decreto n.º 3.308, suspendendo o
prorrogando por 60 dias, contado de 9, os vencimentos das letras, notas
promissórias e quaisquer outros títulos comerciais pagáveis na Corte e
província do Rio de Janeiro, assim como os protestos, recursos em garantias e
prescrições; aplicando aos negociantes não matriculados as disposições do
artigo 898 do código comercial, referentes às moratórias, que como as
concordatas, poderiam ser concedidas amigavelmente pelos credores que
representassem dois terços do valor de todos os créditos; determinando mais
que as falências dos banqueiros e casas bancárias, ocorridas dentro desses 60
dias, fossem reguladas por decreto especial, e tornando finalmente por
deliberação dos presidentes de província estas medidas extensivas a outras
praças do império (LEAL, 1872-1987, p. 340).
Antes de entrar para o Senado, ser reeleito Deputado, Francisco José Furtado havia
tomado assento na Câmara Temporária na legislatura 1861-1863, cuja posse data de 26 de abril
de 1861. O decreto de 12 de maio de 1863 dissolveu essa legislatura e, no ano seguinte a sua
eleição, tomou posse como Ministro da Justiça. A sua escolha para a Câmara Temporária
ocorrera pouco tempo depois de um racha entre os liberais para as eleições de 1858. Naquele
ano havia sido eleito Senador para a vacância deixada pela morte do Barão de Pindaré, embora
não tenha sido empossado no cargo. Em 1859, novas eleições foram marcadas para o Senado e
a briga entre as lideranças do Partido o levou a indicar Fábio Alexandrino de Carvalho Reis
para o seu lugar. Como a lista tríplice para o Senado já estava completa, o arranjo político
entre o Presidente da Província, o Conselheiro João Silveira de Sousa
113
e setores do Partido
Liberal culminou na sua escolha e na de Fábio Alexandrino de Carvalho Reis como os dois
representantes liberais para a Câmara dos Deputados.
À época, Francisco José Furtado era um conhecido juiz da vara comercial da comarca
da capital, Juiz que Antonio Henriques Leal advoga nunca ter se separado da militância
política, não lhe imputando segundo ele, nenhum prejuízo aos seus créditos de “justiceiro e
imparcial”... provando que “a magistratura e a política podem andar associadas e paralelas, no
homem honrado, sem que jamais se toquem, se impeçam nem se prejudiquem” (LEAL, 1873,
1987, p. 335). Mais uma das tantas idiossincrasias do notável biógrafo, uma vez que a
militância político-partidária é decorrente de inclinações ideológicas cuja opção por uma
113
Presidiu entre 26 de setembro de 1859 a 24 de maio de 1861.
determinada corrente, um segmento, uma escolha em conferir às suas concepções o melhor
caminho, a mais correta via de condução administrativa, cidadã, pública, além das motivações
privadas, íntimas, relacionais, cujos valores necessariamente não estão atrelados aos elementos
nobres da política, ao juízo da res publos, e sim, a interesses intrínsecos do poder político, às
vantagens, barganhas, influências, estratégias. Sem entrar na discussão semântica de
imparcialidade, oriunda do cientificismo do século XIX, dentre eles, o positivismo, em que a
própria inclinação política assumida por um juiz, por si só, coloca em suspeição qualquer ação
proveniente de seu julgamento.
Passou a exercer o cargo de juiz da vara comercial da capital da província do Maranhão
meses depois de se exonerar da função de presidente da província do Amazonas, período em
que a administrou entre 10 de novembro de 1857 e 30 de maio de 1858. “Curiosamente”,
assumiu o cargo depois do seu conterrâneo, João Pedro Dias Vieira. No exercício do cargo,
regulamentou a instrução pública, construiu um cemitério público, implementou a navegação
neste rio com recursos do tesouro, estabeleceu casas de educação para os índios e propôs as
seguintes ações: a criação das colônias de ocupação do rio Madeira, o estreitamento das
comunicações entre a província do Mato Grosso e a Bolívia, visando ao aumento das relações
comerciais, a abertura de um caminho militar entre as províncias do Mato, do Amazonas e das
Repúblicas Cisplatinas e o aumento da esquadra brasileira para guarnição da fronteira com o
Peru, vide que dois vapores de guerra deste país navegaram em águas brasileiras em atividades
comerciais na província do Pará desrespeitando as leis fiscais do país.
Um ano antes de se tornar Presidente de província do Amazonas, havia sido removido
para a 2ª vara do crime, da fazenda e auditoria da guerra na cidade de Belém, em 1848. A
remoção era decorrência da ascensão dos conservadores ao poder e o fim do qüinqüênio
liberal. Francisco José Furtado se tornara juiz da comarca de Caxias, interior do Maranhão, por
decreto de 20 de setembro de 1848, porém, mal assumiu o cargo, foi logo transferido. A sua
transferência era uma clara resposta ao pleito de 1848 que havia lhe sagrado Deputado pelo
Maranhão para a Câmara Temporária de 1848 a 1851, pela primeira vez. Ou seja, o cargo de
juiz da comarca de Caxias deu-lhe expressão política a ponto de ser tornar Deputado e, como
juiz, recebeu a retaliação política com a transferência para Belém, embora só tenha residido
nesta cidade entre 1849 a 1856, pois como Deputado, rumou, a princípio, para o Rio de Janeiro
em 17 de maio de 1848. Eram tempos de instabilidade política com os decretos de 05 de
outubro e 19 de fevereiro de 1849, que respectivamente, adiava a sessão daquele dia e
dissolvia as câmaras. Os desdobramentos da Revolta Praieira de Pernambuco, notadamente de
cunho liberal, assombravam os conservadores, embora o programa da Revolta fosse bem mais
radical que os discursos dos representantes daquela filiação partidária.
Para evidenciar as relações entre a carreira do judiciário e a política mostrando como a
primeira serviu de trampolim para a segunda, a sua ascensão começa na cidade de Caxias,
onde sucessivamente foi eleito presidente da Câmara Municipal. As sucessivas indicações para
a chefia desta casa estavam estritamente ligadas à função que um recém-bacharel em Direito,
recém chegado de Recife, à época com 23 anos de idade, assumira como juiz em 1841, em
plena efervescência da Balaiada. O cargo de juiz era uma recompensa aos serviços e préstimos
que havia se empenhado em debelar do movimento. Chegado ao Maranhão em 1839, o jovem
bacharel rumou para Caxias para o socorro de sua mãe, viúva que então morava no centro do
conflito.
O futuro Ministro da Justiça e Presidente do Conselho de Estado havia dado os
primeiros passos para a sua carreira político-jurídica quando se matriculou na Academia de
Direito de Recife, dando cabo de conclusão de graduação em 1839. É desse período a profícua
amizade com o também estudante de Direito, Fábio Alexandrino de Carvalho Reis, o mesmo a
quem abdicaria da indicação ao Senado. Estes dois, juntamente com João Pedro Dias Vieira,
futuro presidente da província do Amazonas, sucedido por Francisco José Furtado, Borges,
Vilhena e Carvalho Moreira, futuro Barão de Penedo, redigiam o jornal O Argos Olindense,
impresso responsável pela malquerença e animosidade entre os jovens estudantes e os lentes da
Academia de Direito de Recife, motivo da transferência de João Pedro Dias Vieira para a
Academia de São Paulo.
Estava montada a ambientação para o futuro baluarte das causas liberais, exceção a um
fato trágico: a morte do seu padrasto, Raimundo Teixeira Mendes
114
, rico fazendeiro,
assassinado a tiros em frente à igreja matriz a mando dos chefes políticos ligados ao partido
conservador, na cidade de Caxias, em 27 de outubro de 1837. Tal morte marcaria
profundamente sua formação política.
114
O padrasto de Francisco José Furtado não é o mesmo que depois receberia o título de apóstolo do positivismo
no Brasil. Seu homônimo nascera em 05 de janeiro de 1855, na cidade de Caxias, e falecera no Rio de Janeiro,
em 28 de junho de 1927. Além de adepto daquela corrente filosófica, republicano, idealizador da bandeira
nacional, foi autor, entre outras obras, de: A pátria brasileira (1881), Culto positivista no Brasil (1881), A
questão do nativismo (1886), La philosophie clinique d’aprés August Comte (1887), A liberdade individual e a
questão do trabalho (1888), Abolicionismo e clericalismo (1888), A incorporação do proletariado (1889),
Nossa iniciação ao Positivismo (1889), Ensino Septennial sobre o dogma do positivismo (1890), República
Ocidental. Ordem e Progresso. Família e pátria brasileira (1891), A Bandeira Nacional (1892), Benjamim
Constant (1892), O comunismo anarquista (1893), Exame da questão do divórcio (1893), La situaciona
actualle do positivismo (1895), Le positivisme et la pedamtocracie algebrique (1897), As últimas concepções
de August Comte (1898), O amor sem par (1890), Hino ao Amor (1902), O culto Catholico (1903), As
agitações políticas e a regeneração humana (1922), segundo Meirelles (1955, pp. 134-135).
O menino que, em 1827, havia se mudado para a cidade de Caxias para o início das
primeiras letras, não era maranhense de nascimento, nascera no Piauí, na cidade de Oeiras,
capital daquela província, em 13 de agosto de 1818, filho do médico Francisco José Furtado,
morto em 1820, e de Rosa Costa Alvarenga, filha de uma abastada família piauiense, que se
casaria em 1826 com Raimundo Teixeira Mendes.
Com Francisco José Furtado se completa a relação dos biografados de Antonio
Henriques Leal no volume I.
2.13. A biografia do biógrafo
Do casamento de Ana Rosa de Carvalho Reis e Alexandre Henriques Leal, ricos
proprietários rurais, nasceu Antônio Henriques Leal, no povoado de Cantanhende, região do
Itapecuru, em 24 de julho de 1828. Como de costume, cedo rumou para São Luís para o início
das primeiras letras e depois seguiu para o Rio de Janeiro, onde se graduou em Medicina.
De regresso ao Maranhão, participou, fundou e ingressou em círculos literários e
estâncias de consagração social, como o Liceu Maranhense, o Instituto Literário Maranhense,
o Gabinete Português de Leitura, na condição de sócio honorário, o Ateneu Maranhense e a
Associação Tipográfica Maranhense. Foi ainda, na capital do império, sócio correspondente do
IHGB e da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e, em Portugal, da Sociedade Médica
de Lisboa.
Em 1855 foi nomeado para a função de auxiliar da Junta da Higiene Pública, da qual se
demitiu em virtude do presidente da província, Antônio Cruz Machado, desrespeitar a lei de
quarentena. No Rio de Janeiro, foi regente do colégio Dom Pedro II, onde tamm acumulou a
função de diretor deste internato. Exerceu dois cargos eletivos: o primeiro, como vereador da
cidade de São Luís, entre 1865 e 1866, onde foi presidente desta casa; e em 1866, como
Deputado Provincial, onde também exerceu a presidência, sempre pelo Partido Liberal.
Na lide do jornalismo político, nos anos de 1847 e 1848, colaborou no Progresso,
mesmo jornal do qual em 1861 se tornaria editor-chefe, e, ao lado de Fábio Alexandrino de
Carvalho Reis e Antonio Rego, fundou a Imprensa, em 1857, trabalhando neste impresso até
1861. Redigiu ainda, entre 1864 e 1865, o Publicador Maranhense e colaborou neste mesmo
período em A Conciliação.
Afora o jornalismo político, participou de impressos de caráter literário e cultural,
como O Arquivo, Jornal de Instrução e Recreio (onde Gonçalves Dias estreou como poeta,
organizado por Augusto Frederico Collin, poeta e jornalista, secretário de governo da
província do Paraná), Semanário Maranhense e Revista Universal Maranhense. Escreveu, em
1860 os Apontamentos da Província do Maranhão, o Calendário Agrícola, História da
Província do Maranhão, a introdução da História da Independência da Província do
Maranhão, notas biográficas das Obras de João Francisco Lisboa. Participou da Casca da
Caneleira, traduziu as Cartas de Química, de Jules Liebig, em 1867, escreveu o prólogo das
Obras Póstumas de Gonçalves Dias, os quatro volumes do Pantheon Maranhense, os dois
volumes dos Apontamentos para a História dos Jesuítas no Brasil e a biografia de Antônio
Marques Rodrigues, em 1875. Faleceu em 29 de outubro de 1885, depois de retornar de Lisboa
para o Rio de Janeiro, onde residia.
Antonio Henriques Leal não pode ser tomado como único formador de uma
intelligentsia política no Maranhão no século XIX, ainda que mapeie seu rosto. Olhando de
perto, para além de uma construção aberrante de formação cidadã e espaço público em seu
entorno, com sua participação direta e entre seus pares, o que fica caracterizado ao ler sua obra
de biografias é que todos os presentes no Pantheon circulavam e transitavam pelos mesmos
espaços, decidiam e participavam dos lugares e estâncias de poder, quer político, econômico,
ou sóciocultural. Isto tem a ver com o diminuto tamanho da cidade, o tamanho da população,
mas não só. Tem muito mais a ver com as regras da legibilidade urbana, ou seja, os códigos de
aceitação, circulação e legitimação do poder, como a formação educacional, o poder judiciário,
a imprensa, instituições promotoras e veiculadoras de informação e detentoras da formação.
Excetuando-se escravos, forros, iletrados, pobres, o núcleo decisório da província, construtor
de significados sociais, em parte, está presente nesta obra.
Raras foram as exceções dos mencionados que não eram oriundos de famílias
abastadas, além da misoginia em não ter relacionado em toda a sua obra uma única mulher, a
não ser quando se tratava das mães. Uma das questões a serem levantadas é que, ao relacionar
os que ali se encontram, deixou de fora uma parte significativa da sociedade, exaltando aqueles
que participaram da estruturação política do império sendo maranhenses, mas omitiu quantos
maranhenses que poderiam constar em sua obra: os que abandonaram, mudaram ou
simplesmente, buscaram reconhecimento e notoriedade longe do torrão que tanto se orgulhava
de ter gerado filhos ilustres contribuidores daquela nova nação. Isto sem tocar no caráter
politiqueiro das circunstâncias provincianas do Maranhão que, apenas de forma tangencial, ele
menciona, sempre para consubstanciar a correlação com a vida dos biografados.
Se São Luís era Athenas Brasileira, porque tantos atenienses buscavam outras paragens
até mesmo para reconhecimento de suas literaturas? Os dados apresentados por Mário
Meirelles e trabalhados por Dorian Isabel Santos Azevedo (2006), mostram uma situação
controversa. Segundo Azevedo (2006, p. 26):
Dos 78 intelectuais maranhenses de maior evidência no âmbito de
consagração literária, 61 formaram-se fora da Província, grande parte da
Europa, e, posteriormente, com o surgimento das primeiras faculdades no
Brasil, estudaram em Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Os dados
revelaram também que do total pesquisado, 37 estudaram e se radicaram
foram do Maranhão, 22 estudaram fora e retornaram para morar na província.
E por último, a informação de que apenas 16 intelectuais estudaram no
Maranhão e adquiriram conhecimento através das leituras de publicações
importadas e do incentivo dos primeiros mestres.
Se mencionarmos aqueles que, embora tenham nascido no século XVIII, tenham vivido
até o século seguinte, contribuindo intelectualmente para a elevação da província, como
Raimundo José de Sousa Gaioso, nascido em 1747, em Buenos Aires, falecido em Rosário,
interior do Maranhão, em 1813, até os que nasceram em 1873, chega-se ao montante de cento
e oitenta e dois expoentes literários que não são mencionados na obra, até por razões óbvias, já
que, quando esta estava saindo do prelo, figuras como Catulo da Paixão Cearense (nascido em
São Luís em 1863), Inácio Xavier de Carvalho, Domingos Perdigão, Teodoro Ribeiro Junior,
Aquiles Lisboa, estes três últimos nascidos entre 1872 e 1873, não poderiam ainda ser
celebridades. Todavia, se levarmos em consideração as figuras de destaque desde Raimundo
José Gaioso até Custódio Almeida Pueza Serrão, nascido em Alcântara em 1799, e falecido no
Rio de Janeiro em 1873, ano da publicação do Pantheon, chega-se ao número de trinta e hum
expoentes literários que, com exceção dos quatro notáveis (Odorico Mendes, Gonçalves Dias,
João Lisboa e Sotero dos Reis), sequer aparecem na relação.
Sendo assim, qual a finalidade de escrever tal obra, se seu autor abandonou a carreira
política, exercendo apenas dois cargos eletivos, escrevendo-a relacionando pouquíssimos
romancistas, poetas, jornalistas, carreando a idéia de ilustres co-provincianos, tendo como
principal suporte a trajetória política dos escolhidos e suprimindo a informação de que poucos
maranhenses permaneciam em solo mater, como pode ser aferido pelos dados acima, buscando
outras paragens depois de terem colaborado na edificação do estado brasileiro e, relegando a
grande existência de escritores que colaboraram para a afirmação do epíteto ateniense, como
ele mesmo afirma logo na abertura de sua obra ao falar de Odorico Mendes, relatando que
alguns escritores denominaram-na de Atenas Brasileira? O Pantheon é mais que uma obra de
biografias; é uma história política do Maranhão no século XIX contada a partir da participação
das figuras relacionadas. Sua obra escrita para os amigos ou grupelho de classe pode ser
também lida como um ensaio sobre as virtudes de alguns integrantes do partido liberal,
sectários e caudatários de suas acepções naquela centúria. Esta obra é também uma história do
Maranhão sobre os liberais escrita por um liberal, nem tão atuante assim do ponto de vista do
combate nas tribunas, mas importante na construção de símbolos da civilidade e da memória.
Antonio Henriques Leal foi um intelectual orgânico, no sentido gramsciano do termo, do
partido ao qual pertencia, embora as biografias escritas sobre ele até hoje nunca tenham
mencionado esta questão. Como diria Jacques Le Goff (1996. p. 426): “tornarem-se senhores
da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos
indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas”.
Parte III
QUANDO A PENTARQUIA VIRA TETRARQUIA: os quatros notáveis maranhenses e
a construção dos significados
115
da cultura nacional
3.1. Odorico Mendes: a didatização da política na imprensa e a guinada para a literatura
Em 1825, na cidade de São Luís, circulava o primeiro número do Jornal O Argos da
Lei, escrito e dirigido por Manuel Odorico Mendes. Durante a sua existência, teve como
principal rival outro jornal, O Censor, surgido em 24 de janeiro deste mesmo ano, dezessete
dias após o aparecimento do Argos da Lei, e findado em maio de 1830, escrito e dirigido pelo
português João Antonio Garcia de Abranches
116
. Durante a vigência desses dois jornais, a
disputa política era travada entre um setor considerado conservador e o outro, defensor de
princípios próximos ao do liberalismo
117
— Odorico Mendes era sectário deste último —, e
entre brasileiros e portugueses.
O jornal O Argos da Lei, segundo Jorge (2000, p. 01), foi o primeiro a circular com um
objetivo específico: “cuidar dos interesses maranhenses e debater-se contra aqueles que
desejavam a recolonização do país”.
Para a mitologia grega, Argos era um monstro de cem olhos que piscava todos
alternadamente deixando sempre cinqüenta abertos. Argos foi morto pelo deus Hermes em
favor prestado a Zeus por vigiar uma de suas amantes transformada em ovelha que estava sob
vigilância do monstro de cem olhos. Afrodite ressuscitou Argos, arrancou seus olhos e os
arremessou na cauda do pavão.
A simbologia do Argos utilizada por Odorico Mendes o colocava na condição de vigia;
protetor da causas brasileiras, da liberdade de imprensa. De olhos sempre abertos, o redator do
Argos denunciou a prisão do também jornalista José Cândido de Morais e Silva, redator do
jornal o Pharol Maranhense, pelo presidente da Província, Manuel da Costa Pinto, sob o crime
de abuso de poder da imprensa.
115
Segundo Fredrich Barth (2000, p. 128), “o significado é uma relação entre uma configuração ou o signo e um
observador, e não alguma coisa sacramentada em uma expressão particular. Criar significado requer o ato de
conferi-lo, como sugere Weber”.
116
Garcia de Abranches, aos 52 anos, casou-se pela segunda vez com Marta Alonso Veado Alvarez de Castro
Abranches, conhecida por D. Martinha, fundadora da primeira escola feminina de São Luis, Nossa Senhora
da Glória, em 1844, avó de Dunshee de Abranhces, autor de O Cativeiro, conforme aparece no final do
primeiro capítulo.
117
Sobre este assunto, ver o verbete “liberalismo”, escrito por Magali Gouveia Engel, em Dicionário do Império
(2002, p. 476).
O que Isabel Lustosa (2000) classificou como “insultos impressos” acerca dos embates
travados na incipiente imprensa braziliense, depois entendida como brasileira, entre os diversos
segmentos sociais, intelectuais e políticos, pode ser tomado como parâmetro para a condição de
São Luís. Tanto Odorico Mendes quanto Garcia de Abranches exerceram função pedagógica
ao didatizarem em seus respectivos jornais os grandes debates nacionais, como o próprio papel
da imprensa
118
, a concepção teórica de uma constituição, a historização do estado e dos
governos, a exemplificação e tipificação dos modelos de tipos de despotismo, a usurpação do
poder, os desmandos políticos, entre outras questões.
Sob este âmbito é que a figura de Odorico Mendes, ainda na década de vinte do século
XIX, começava a ganhar notoriedade. Odorico Mendes exerceu cargos públicos, representando
o Maranhão, sendo Deputado por esta província por três legislaturas e uma por Minas Gerais.
Ganhou, em início da década de trinta, mais espaço político durante o período regencial,
quando opositores do imperador D. Pedro, na tentativa de aplacar as disputas locais e reafirmar
a sua condição de condutora da nação pós-abdicação do imperador, momento em que a atuação
de Odorico Mendes foi decisiva, convidaram-no para ser um dos seus integrantes da Regência
Trina Provisória. Defensor desta durante a menoridade de D. Pedro II, recusou o convite de
membro da Regência Trina Permanente, indicando para o seu lugar João Bráulio Muniz
119
.
118
Marcelo Cheche Galvês no artigo intitulado: Os primeiros anos da tipografia nacional no Maranhão: a
legitimação da Ordem (2006, p. 01), aventa que, enquanto “a historiografia maranhense dedicada à imprensa
do século XIX articula a instauração da tipografia (novembro de 1821) aos ares da constituição portuguesa e
ao caráter inovador da administração de Bernardo da Silveira”, ele advoga que a instalação foi uma estratégia
de controle político do aparato burocrático do estado como manipulação e veiculação das ações de Bernardo
da Silveira, descaracterizando a noção de “inovação”.
119
Segundo Magali Gouveia Engel (2002, pp. 400-402): “João Bráulio Muniz, filho de Raimundo José Muniz e
de Anna Isabel Lamagnere Muniz, nasceu no Maranhão, em 1796, no seio de uma família de agricultores.
Formou-se em direito na Universidade de Coimbra. Elegeu-se deputado à Assembléia Geral pelo Maranhão
por duas vezes consecutivas, exercendo o cargo entre 1826 e 1831. Integrou, junto com o deputado José da
Costa Carvalho e o brigadeiro Francisco de Lima e Silva, a Regência Trina Permanente que governou o Brasil
entre 1831 e 1835. Ao lado do companheiro de bancada — como Odorico Mendes, talvez o mais prestigiado
deputado maranhense —, participou das pressões que conduziram à abdicação de D. Pedro I em 07 de abril de
1831, integrando as forças liberais moderadas e então ascenderam ao poder. Em 17 de junho, com 35 anos de
idade, seu nome foi aprovado para compor a Regência Trina. Pouco depois, ao lado de seus companheiros
regentes Costa Carvalho e Lima e Silva, enfrentou as manifestações que eclodiram no Rio de Janeiro entre 14 e
16 de julho, apoiando irrestritamente as enérgicas medidas repressivas tomadas pelo então ministro da Justiça,
Diogo Feijó. Em 1832, estando Costa Carvalho afastado da corte, suas diferenças com o brigadeiro Lima e
Silva se explicitaram. Embora divididos, os dois regentes enfrentaram a tentativa de golpe parlamentar que
objetivava transformar a Câmara dos Deputados em Assembléia Constituinte. No mesmo dia, o ministério
demitiu-se e a 30 de julho a Regência Trina apresentou sua renúncia. Mas a intervenção de Honório Hermeto
Carneiro Leão, poderoso político liberal moderado, reverteu a situação, impedindo que a Câmara fosse
efetivamente transformada em Assembléia Constituinte e que a Regência efetivasse a sua exoneração. Em
dezembro de 1833, contudo, José Bonifácio foi destituído do cargo de tutor de D. Pedro II, decreto cuja
promulgação contou com o decisivo apoio de João Bráulio Muniz. As dificuldades enfrentadas pelo governo
regencial tornavam-se cada vez mais complicadas. As indisposições que opunham os regentes Bráulio Muniz e
Lima e Silva foram agravadas pela atitude do primeiro, pressionando e conseguindo que Carlos Miguel, filho
do brigadeiro, fosse preso, acusado de ter assassinado, no largo da carioca, o jornalista Clemente de Oliveira,
que atacara seu pai e as senhoras da família Lima e Silva em matéria publicada no Brasil Aflito. Antes de
Jacobina Lacombe, na apresentação das CARTAS de ODORICO MENDES, faz a
seguinte afirmação (1989, p. 06):
O General Miguel de Frias, chefe do levante que conduziu à abdicação de D.
Pedro I, encontrou no Quartel-General do Campo de Santana o general
Francisco de Lima e Silva, Odorico Mendes, o major Vieira Souto e José
Ribeiro da Silva. Odorico e Ribeiro convocaram os deputados que elegeram a
Regência Provisória.
A posição que Odorico Mendes ocupou no Maranhão permitindo-lhe expressividade
política, tendo por cargo o de Deputado, apareceu após a sua campanha em defesa dos direitos
dos cidadãos brasileiros, sobretudo em 1825, quando utilizou o jornal O Argos da Lei como
espaço de denúncia da posição que os portugueses desfrutavam no Maranhão, sendo eleito para
a primeira legislatura de 1826 a 1829.
O que havia acontecido no Maranhão antes da chegada de Odorico Mendes desde as
lutas pela independência que lhe permitiu em seu retorno de Portugal tanta expressividade
política?
Em algumas províncias, determinados segmentos sociais se mostraram mais exaltados,
outros mais reticentes, alguns atônitos. Afinal, não se tratava exatamente de um vazio de poder
deixado pelo rompimento com o império lusitano, e sim de uma reconfiguração dos estatutos
de dominação política que ora se delineavam nos diferentes extratos das elites brazilienses
120
.
No caso do Maranhão, os interstícios desde a proclamação da Independência até a
institucionalização do novo império, não foram nem de longe tranqüilos ou ternos. Na
província que continha substancialmente um número razoável de portugueses, as condições do
comércio, da lavoura, da burocracia estatal e até da estratificação social ficaram deveras
conturbadas, sem desconsiderar as circunstâncias específicas que se deram durante o processo
de emancipação política no Brasil.
Domingos Cadavelle Vellozo, procurador dos Índios de Vianna e dos da Povoação de
Santa Helena do rio Turiassu no Maranhão, em Època horrível no Maranhão: presidência de
Miguel Ignácio dos Santos Freire Bruce
121
, de forma exaltada neste folheto, tenta evidenciar as
supostas atrocidades cometidas pelo então presidente da província, que mais tarde seria
destituído do seu cargo pelo Lord Cochrane, já que o panfleto foi redigido após a sua
destituição. A forma violenta como se deram os “pegas”, “lustros”, perseguição aos
portugueses, o momento de instabilidade na lavoura pela reconfiguração das relações
concluir o mandato, o que se daria em 12 de outubro de 1835, sofreu um ataque cardíaco, falecendo aos 39
anos, no dia 20 de setembro de 1835”.
120
Tomei a expressão braziliense conforme aparece grafada nos textos da época.
121
VELLOZO, Domingos Cadavelle. Época horrível do Maranhão: presidência de Miguel Ignácio dos Santos
Bruce. Reimpresso na Typografia Nacional do Rio de Janeiro, 1825.
comerciais entre Portugal e Brasil, os excessos cometidos durante a presidência de Bruce e a
resistência daqueles que não aceitavam perder peremptoriamente as regalias e as benesses dos
tempos coloniais, estão neste panfleto de mais de noventa páginas configurando o clima de
instabilidade instaurado no Maranhão.
Além do temor provocado pelas notícias difusas, conturbadas e distorcidas pela
incipiente imprensa maranhense, as divergências quanto aos rumos, o teor da virulência e as
disputas travadas entre os mais exaltados e os mais moderados, a proposição pelos novos
cargos, os embates pelos espaços políticos, estão preenchidos em sentido contundente neste
panfleto que, no fundo, pretendia e pretendeu ser um manifesto.
Domingos Vellozo responsabiliza diretamente o presidente Bruce pela situação, por ele
cognominada de caótica, em que se encontrava o Maranhão. Considerou que, em tempos de
Bruce, a agricultura entrou em uma fase de declínio e hecatombe, já que o “Maranhão,
província rica e commerciante, sempre florescente nos dias do chamado despotismo; é hoje
pobre e assolada...”(VELLOZO, 1825. p. 03).
Para destacar a virulência dos embates em torno da luta pela ‘agregação/capitulação’ ou
ainda ‘adesão’ do Maranhão à Independência, narrou o confronto entre as tropas enviadas do
Rio de Janeiro pró-independência e as forças que resistiam ao novo regime. Pontuou que no
interior da província, sangue havia sido derramado, foram cometidas atrocidades contra
mulheres, crianças, gado e a instalado um clima de terror que vencia em “carniçaria a todas as
províncias do Norte, huma nova Pariz durante o governo da Convenção Nacional, e só por esta
primazia de mortandade podia muito bem ser a capital das províncias confederadas do
Equador” (VELLOZO, 1825, p. 05).
Este folheto, juntamente com os demais, sobre os embates em torno da independência
do Brasil e a discussão acerca da adesão e/ou capitulação da província do Maranhão é
importante à medida que nos auxilia na reflexão dos vários e das especificidades dos projetos
de Estado que estavam em curso e da complexidade de intitularmos como tal um lugar que,
longe de estar pacificado, coeso ou mesmo integrado, foi disputado pelas forças das novas
elites, supostamente nacionais, que faziam frente às concepções ligadas ao antigo regime, no
caso, as possibilidades de reconciliação e mesmo manutenção da colonização do Brasil. Para
isso, as atitudes tomadas por Cochrane eram assim justificadas.
A questão acerca da instabilidade instalada no Maranhão pós-independência
relacionou-se ao quadro político que, necessariamente, não se configurou como de
enquadramento ao estafe monárquico brasileiro, muito pelo contrário. Uma junta Provisória
122
e Administrativa do Maranhão foi organizada em Lisboa em início de 1822, antes mesmo do
grito do Ipiranga, comandada por portugueses em virtude das Cortes Constituintes até os
primeiros meses de 1823, tentando manter a província ainda ligada ao império português.
Quando tropas ‘nacionalistas’ advindas do Ceará e Piauí cruzaram a fronteira do Maranhão
obrigando fazendeiros a se renderem ao novo regime, queimando fazendas daqueles que ainda
se mantinham fiéis a Portugal, o processo de capitulação estava em curso, corroborado pela
adesão do comandante geral do Itapecurú-Mirim, José Félix Pereira de Burgos, e
complementada pela chegada de Lord Cochrane, em 1823.
José Félix Pereira de Burgos instituiu um governo provisório em Itapecurú-Mirim,
região dos cocais, dirigido pelos interesses intra-elitistas de três grandes famílias influentes no
Maranhão: Burgos, a Bruce e a Belfort, que, disputando áreas de influência a partir das regiões
do Maranhão que comandavam, por vezes entraram em conflito gerando uma desconfiança por
parte de setores conservadores e camadas pobres quanto aos rumos da monarquia brasileira e
configurando o que a historiografia maranhense cognominou como a guerra dos três Bês, ou
período da guerra civil ou, ainda, como a fase das “revoluções”
123
.
Miguel Bruce, que chefiou a junta provisória, não hesitou em usar de violência e não
coibiu o uso dela quando se tratava de perseguir os portugueses para a instauração da nova
ordem pós-colonial. Para fazer frente aos adversários, recorreu ao instrumento considerado
imperdoável e inaceitável dentro dos setores intra-elitistas no final de 1824: abrir as portas das
cadeias e convocar livres, forros, escravos, entre outros, formando milícias em defesa dos
interesses supostamente nacionais, levando a elite maranhense a execrá-lo pela quebra de um
princípio de dominação política, qual seja: nunca envolver estes setores nas querelas das
frações de comando.
O período do governo de Bruce conhecido como “bruciana”, que chegou a expulsar
todos os portugueses solteiros da província
124
, explica apenas em parte o sentimento
antilusitano nascente no Maranhão de então. A adesão de comerciantes de São Luís e de
122
Juntas provisórias 1820 – Presidente: Exm. Bispo Frei Joaquim Felipe de Barros Vasconcelos, Thomaz
Tavarez da Silva, João Francisco Leal, Antonio Rodrigues dos Santos, Caetano Jose de Sousa, Sebastião
Gomes da Silva Belfort. 1823 – Presidente Miguel Ignácio dos Santos Freire Bruce, Jose Joaquim Vieira
Belfort, Antonio Joaquim Lamagner Galvão, Fabio Gomes da Silva Belfort, Padre. Antonio Pereira do Lago,
Antonio Raimundo Belfort Pereira de Burgos, segundo ALMANACK DO MARANHÃO, 1848. p. 64.
123
Sobre esta discussão ver ASSUNÇÃO (2003).
124
Sobre essa questão ver os 3 editais que tratam do assunto. O edital de 1º de abril de 1824, assinado por
Miguel Bruce, presidente da Junta Provisória e Administrativa e em acordo com o conselho militar, rezava que
todos os portugueses solteiros e sem posse e bens de raiz deveriam ser expulsos do Maranhão no prazo de oito
dias sob a alegação de criadores de desordem e tentativa de subjugação da província ao governo português.
fazendeiros do Maranhão à causa da independência, mesmo antes dela se efetivar, em virtude
da crise do setor agroexportador, ajuda-nos a pensar o surgimento de um sentimento
‘patriótico’ em uma terra que sempre se orgulhou dos seus vínculos culturais, econômicos e
afetivos com Portugal e como isso se revestiu numa discussão sobre independência do
Brasil/adesão do Maranhão/independência estética-literária-cultural quanto à tenacidade dos
vínculos com a antiga metrópole.
Lago (1822, 2001) aventa que o Maranhão, às vésperas da independência, contava
com 75% de população de origem escrava e liberta, sendo a de maior contingente entre todas
as demais capitanias brasileiras. O tráfico internacional de escravos controlado pela
Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão estava nas mãos dos mercadores portugueses
radicados em São Luís.
Mathias Röhrig Assunção (2003) informa que a situação favorável dos preços
internacionais do algodão levou muitos plantadores a aumentarem o efetivo escravo e, quando
a situação tornou-se desfavorável depois de 1815, em decorrência da ação dos ingleses na
economia maranhense, o Maranhão entrou em processo de crise econômica caracterizada
como débâcle, hecatombe da agricultura. Embora, como salientado no primeiro capítulo, seja
necessário relativizar a noção de crise existente nesse momento.
A adesão à independência do Brasil seria uma esperança dos setores produtivos do
Maranhão de se livrarem das dívidas contraídas junto aos portugueses
125
e também da
tentativa de recuperarem os cargos públicos, outrora ocupados pelos portugueses. Portanto, o
antigo sentimento de pertencimento ao império lusitano, de estar mais próximo de Portugal,
que tanto orgulhava os maranhenses, pouco a pouco começava a ser substituído pelos
referentes “atraso”, “opressão”, “ausência de liberdade” em determinados segmentos sociais,
mas reverberado como se fosse comum a todos os maranhenses.
O período de governo de Bruce cintilava ainda outros agravantes. A aproximação com
setores populares, o período de instabilidade política caracterizado como “anárquico”, levou
setores “exaltados” a concordarem com a monarquia e se posicionarem contra os ideais
republicanos e democráticos. A “pacificação do Maranhão”, encetada por Lord Cochrane,
levou alívio aos que temiam insurreições das camadas pobres, haitização do Maranhão e o
aumento da participação destes setores nos assuntos políticos. No entanto, uma parte dos
cargos públicos, que ora eram ocupados por portugueses na esfera provincial, começavam a
ser disputados por setores supostamente nacionais. A configuração política que outrora
125
Quem defende esta questão é Mathias Röhrig Assunção (2003).
antagonizava portugueses e brazilienses passava a acomodar as divergências entre
brazilienses e brazilienses, fracionando suas posições e as decisões quanto aos rumos da
província.
A contundência do panfleto de Vellozo acerca do período bruciano pode ser
interpretada como temor de setores elitistas provinciais quanto ao encaminhamento que a
província poderia tomar optando por tendências notadamente revolucionárias em meio a um
grande contingente escravo. Sob este aspecto, a independência do Brasil e a adesão do
Maranhão a esta causa acercavam-se de um de receio, temor, mas também, abria precedentes
para a polemização na imprensa.
O panfleto escrito por Vellozo foi um dos tantos escritos nos primeiros decênios do
século XIX e é uma exemplificação dos tipos de debates encenados na vida pública
maranhense. Nesse espaço discutia-se tudo, mesmo numa província acentuadamente iletrada,
onde o privilégio da codificação e decifração das letras era de fato de pequenas parcelas da
população. A temática “independência” ocupou posição vantajosa e foi um instrumento de
simbolização de como as elites ensaiavam seus papéis. Afinal, a imprensa serviu como
elemento de pedagogização, didatização dos códigos culturais e ideológicos em construção,
sendo por vezes também um elemento coercitivo, pois nem todas as vozes estavam ali
representadas ou foram reverberadas. Entretanto exerceu a função de denúncia, de cisão
dentro do espaço intra-elitista. O panfleto de Domingos Cadavelle Vellozo, escrito no Rio de
Janeiro, para onde foi enviado como preso, servia enquanto exemplo, já que exprimia anseios
contrários a Bruce, portanto, de outras famílias e grupos políticos.
Quando José Félix Pereira de Burgos aderiu à causa da independência e instaurou um
governo provisório em Itapecurú-Mirim, o consenso entre as forças de resistência ao império
colonial no Maranhão era de que, na montagem da nova estrutura administrativa provincial,
políticos de várias regiões comporiam a nova ordem, sobretudo os de Caxias, importante
região economicamente, pela produção de algodão, assim como os do sul do Maranhão,
região ocupada pelos pecuaristas oriundos da Bahia e do Piauí e que sempre contestaram o
centralismo político dirigido por São Luís, bradando em algumas ocasiões a separação da
província, propondo a divisão ao meio entre o centro-sul maranhense e a região litorânea,
encabeçada por São Luís. José Felix Pereira de Burgos, no entanto, amalgamou o governo
provisório entre membros políticos da região do Itapecurú-Mirim e de São Luís, sobretudo
entre as famílias já mencionadas.
Bruce, que foi o primeiro presidente da província do Maranhão (1823-1825), alijou do
exercício de seu mandato a influência das demais famílias, provocando cizânia entre a fração
política provincial. Os panfletos que atacavam seu governo, entre eles o de Domingos
Cadavelle Vellozo, além de representarem o temor dos segmentos elitistas de uma
aproximação com setores pobres da população, receosas de perderem suas condições de
mando, quer político, quer econômico, eram também dissonantes da posição inquietante das
duas famílias alijadas do processo, assim como dos tantos outros segmentos que não se
sentiam contemplados e representados pelo seu governo.
Esse papel que a imprensa passava a ocupar ganhou mais visibilidade à medida que se
analisa a quantidade de panfletos, manifestos (sempre impressos fora do Maranhão), jornais
que circularam desde o aparecimento da imprensa.
O último número do Conciliador do Maranhão noticiava a chegada das tropas a São
Luís vindas da vila de Itapecurú-Mirim sob o comando do Tenente-Coronel José Félix Pereira
de Burgos, exigindo “para o bem da salvação pública” que esta cidade aderisse à causa da
independência. O último número deste jornal
126
foi considerado aviltante, não apenas pela
divulgação de um confronto iminente que tentava dar cabo ao império português, como
também pela defesa dos princípios emancipatórios do Brasil. As tropas ‘nacionalistas’
proclamaram a adesão do Maranhão à independência em 14 de julho de 1823, tendo sua ação
frustrada pela chegada de tropas portuguesas ao porto de São Luís nesse mesmo dia, iniciando
violentos confrontos. As forças supostamente ‘nacionalistas’ lograram seu intento quatorze
dias depois. Em 28 de julho de 1823, caía a penúltima barreira para a integralização do
território brasileiro. O Maranhão ‘aderia’ aos estamentos da independência nacional. Essa data
simboliza, até os dias atuais, a adesão do Maranhão à independência do Brasil, sendo feriado
estadual. Conforme exposto no segundo capítulo, foi da autoria do Barão de Pindaré, “através
da Lei n.º 11, de 06 de maio de 1835, a determinação de salvaguardar a data de 28 de julho de
1823 como feriado provincial”.
Miguel Bruce foi destituído do cargo e provisoriamente foi escolhido por Cochrane o
baiano Manuel Teles da Silva Lobo. Dom Pedro I, porém, nomeou o cearense Pedro José da
Costa Barros, iniciando novos confrontos na província, já que o escolhido de Cochrane se
recusou a entregar o cargo, fazendo-o somente em 02 de setembro de 1825, após cometer
injustiças e perseguir politicamente seus adversários, recorrendo à violência.
A data de 1825 como momento ainda de debates quanto à emancipação política
brasileira pode parecer destoada em relação ao que acontecia no restante do Brasil, mas no
Maranhão, as coisas ainda fervilhavam. Em 1824 Cochrane retornou a São Luís para cobrar a
126
A primeira página do último número do Conciliador aparece nos apensos da obra de Luis Antonio Vieira da
Silva.
dívida pela libertação do Maranhão, que segundo ele, não havia ainda sido liquidada. A
chegada do comandante gerou novos tumultos na já conturbada província.
É neste clima de instabilidade política e social que em 07 de janeiro de 1825 circulava
o primeiro número do jornal de Odorico Mendes se estendendo até sua última edição em 10 de
julho desse mesmo ano. Essa é uma das razões para a promoção de Odorico Mendes em terras
timbiras. Retornado de Coimbra em 1824 por razões não esclarecidas, uma vez que para seus
críticos, como Garcia de Abranches, a razão da não conclusão dos estudos superiores em
Matemática tenha sido a falta de recursos financeiros, obrigando-o a voltar para o Brasil, e,
para os seus defensores, foi o clima hostil a que os brasileiros foram submetidos. No
Maranhão, já regresso de Portugal, onde teve contatos com leituras das mais variadas,
sobretudo de clássicos franceses, foi o primeiro a usar a imprensa em defesa de idéias
consideradas avançadas para a época, como o republicanismo, democracia, além de utilizá-la
como espaço para a didatização de temas como governo despótico, ausência de liberdade de
imprensa, a função do parlamento, o melhor governo.
Com o Brasil emancipado, acreditava ser aquele o melhor momento para a ereção de
uma nação pautada em princípios emancipatórios, livre de caracterização como o despotismo
que vivia ao tempo colonial e até mesmo do império brasileiro, comandado por D. Pedro I, por
isso, a insistente oposição ao jovem imperador.
O jornal Argos da Lei granjeou-lhe possibilidade de ser reconhecido e elencado à
condição de Deputado por recorrentemente denunciar abusos de poder dos sucessivos
presidentes de província que por lá passavam, servindo de inspiração para outros jovens acerca
da compreensão do papel social de um jornalista. Entre aqueles que foram influenciados por
Odorico Mendes, figura ninguém menos que João Francisco Lisboa.
João Francisco Lisboa dedicou-lhe uma biografia publicada em 1865, precedida de uma
notícia bibliográfica escrita por Antonio Henriques Leal. A biografia compreende as obras
completas do Timon Maranhense, precedidas pelos folhetins: A procissão dos Ossos, Festa de
Nossa Senhora dos Remédios, Eleições e partidos políticos no Maranhão, Vida do Padre
Antonio Vieira, Theatro de São Luís. A biografia havia sido publicada originalmente no nº VII
da Revista Contemporânea de Portugal e Brazil, de outubro de 1862.
Ao iniciar a biografia sobre seu conterrâneo, João Lisboa queda-se quanto ao
desconhecimento da existência de uma literatura brasileira em Portugal, denunciando o
desdém e o ar de superioridade que os portugueses sentiam ao avaliarem o grau de
desenvolvimento cultural no Brasil a partir da transformação da língua de Camões, já que na
antiga colônia, incorporaram-se os “novos meneios, as incorrecções e os modernos
gallicismos” (LISBOA, 1865, p. 62) que tanto afetavam os descendentes do grande poeta
quinhentista.
As exceções assinaladas por Lisboa se referem a Alexandre Herculano e Castilho, que
não só conheciam a literatura brasileira, como admiravam poetas e oradores como
Montalverne e Gonçalves Dias. João Lisboa toma o desconhecimento da literatura brasileira
em Portugal como um dos tantos exemplos da ignorância dos habitantes daquele país d’além
mar sobre quase tudo que se processava no império americano, excetuando-se os preços de
câmbio, mercadorias, movimento marítimo e empórios comerciais.
Por que João Lisboa, ao iniciar uma biografia sobre Odorico Mendes, reportou-se ao
reconhecimento da literatura brasileira em Portugal? Por que considerava que o Brasil merecia
melhor crédito? Por que sua resignação em frases como essas: “[...] e o facto de resto explica-
se pela circumstancia de que aquella capital do norte (Porto), invertidos os antigos papeis, é
hoje em dia uma especie de colonia do Brasil, a quem apenas fornece os braços que lhe
sobejam [...]” (LISBOA, 1865, p. 493) e [...] “as causas da anomalia observada em Lisboa são
simples e manifestas, nem seria difficil consigna-las aqui; mas adiado esse exame mal cabido
n’este lugar, basta dizer que o Brazil valia bem a pena de ser mais bem conhecido [...]”
(LISBOA, 1865 p. 493)? A resposta está nas três páginas seguintes.
João Lisboa menciona a ‘longevidade’ da constituição brasileira existente desde a
independência política, autônoma em relação às intempéries dos partidos políticos, às guerras
civis “que por vezes nos aflligiam, ora reprimidas com vigor, e sempre localisadas, nunca
ameaçaram involver no seu incendio o paiz inteiro”
127
(LISBOA, 1865, p. 494). A polícia civil
e social estava se aperfeiçoando, o comércio se avolumava, o Rio de Janeiro se aquinhoava
127
Dito isto por quem foi supostamente um dos teóricos e intelectuais que apoiaram a Balaiada, atitude muito
comum na época, pois Timandro, por exemplo, seria um liberal que apoiaria a Praieira e morreu Senador pelo
Partido Conservador. Quanto à participação, apoio intelectual ao movimento, Janotti (1977), (2005) discute a
questão ao analisar o referencial de pensamento de Lisboa e afirma, por exemplo, que Antonio Henriques Leal
o defendeu dos ataques sobre sua ligação com o movimento feito a partir de jornais como Sete de Setembro,
Investigador Consitucional, Crônica dos cronistas, o Amigo do Pais, o Legalista. Segundo Janotti (1977, p.
82): “João Francisco Lisboa denuncia a despótica dominação dos prefeitos que, inconstitucionalmente
nomeados para o comando da guarda nacional no interior da província, estabeleceram um regime de opressão
policial, agravado, pelo recrutamento indiscriminado. Estas são as razões que para ele deram origem a Balaida.
A imprensa situacionista, liderada por Sotero dos Reis, viu nos ataques “bem-te-vis” (liberais exaltados) e
principalmente nos de Lisboa, a preparação ideológica da revolta”. Ou seja, para os conservadores, João
Francisco Lisboa era responsável pela insurreição, para os Liberais, a sua associação com a Balaiada era uma
estratégia de difamação.
Em artigo escrito em 2005 (p. 54), Janotti afirma ainda sobre os enlaces políticos em torno da Balaiada:
“Durante todo o período inicial da Balaiada, os bem-te-vis não cansaram de responsabilizar os cabanos pelo
crescimento da revolta, pela ineficiência da administração, pela corrupção da guarda nacional, aproveitando-se
da insegurança geral, vaticinar um grande derramamento de sangue na província. A cúpula do partido dos bem-
te-vis pretendeu manipular os revoltosos, transformando-os em instrumentos de suas ambições através de hábil
campanha jornalística, na qual divulgou vários manifestos dos chefes dos movimentos, veiculando as razões
que os moviam, sem, contudo, hipotecar-lhe solidariedade”.
como uma grande cidade pelo movimento do porto, pelas tantas atividades internas, suas belas
casas de campo, um relativo contingente de estrangeiros, que “offerece á attenção do viajante
uma physionomia muito mais pronunciada de cidade européa que a própria vetusta Lisboa, sua
antiga metrópole” (LISBOA, 1865, p. 495).
Se o passado colonial havia legado ao presente a vastidão dos espaços e distâncias, a
escassez de mão-de-obra, o desembaraço da escravidão e todos os problemas que dela
decorrem não assustavam o atual momento que os brasileiros viviam, nem quanto ao futuro,
segundo Lisboa. Ainda que os brasileiros se ressentissem de um passado brioso como o das
velhas nações, não se compadeciam em pezares disfarçando a ausência de uma história
fulgurante utilizando-se de “artifícios e prestigios de uma litteratura exuberante” (LISBOA,
1865, p. 495). Mesmo sendo uma nação recente, já contava no domínio das letras com um
significativo número de poetas, oradores, jurisconsultos, estadistas e economistas e os
brasileiros tinham fé que “não retardará um dia a marcha progressiva com que caminha aos
seus altos destinos” (LISBOA, 1865, p, 496). Entre os homens distintos e eminentes existentes
na América, contudo desconhecido, estava Odorico Mendes, segundo João Lisboa. Para o
Timom maranhense, Odorico era:
cultor apurado e assíduo da língua que fallamos os dous povos irmãos, e um
dos primeiros entre os mais abalisados dos seus mestres; defensor
enthusiasta da antiga glória lusitana; e admirador ardente e apaixonado por
Camões, Ferreira, Moraes, e Nascimento, quem mais que elle merecia
lembrado e preconisado? O seguinte facto, entretanto, mostrará a
consideração que, como todos esses títulos, elle mereceu n’este paiz a
litteratura militante (LISBOA, 1865, p, 496).
A condição de literato de Odorico Mendes é explanada por João Lisboa ao longo de sua
produção, destacando o famoso Hymno á tarde, escrito em Coimbra à época em que cursava
Matemática, ressaltando as saudades da terra pátria e a fase tenra da sua vida, a infância.
Do retorno de Odorico Mendes ao Brasil e das circunstâncias que se deram ainda em
Portugal, quando este ainda lá vivia em torno dos episódios da independência brasileira; da
constituição das cortes de Lisboa; da dissidência política entre D. Pedro e os brasileiros; na
dissolvição da constituinte; na deportação dos Andradas; no golpe de estado; nos atos violentos
do imperador; na sublevação de Pernambuco; na guerra do Prata; na abdicação do trono; no
período regencial, é que em parte se detém a biografia de Odorico Mendes. João Lisboa faz
esse grande tour para situar as circunstâncias dos dois anos de guerra civil instalada no
Maranhão em virtude da independência e o papel que Odorico Mendes executou enquanto
redator do Argos da Lei e de sua querela com o português Garcia de Abranches. Salienta que
as circunstâncias da chegada de Odorico Mendes ao Maranhão se deram quando a guerra civil
amainava, mas não os ânimos. Estes, ao contrário, não estavam aplacados e a qualquer
momento irrompiam contendas, sobretudo pelas representações ideológicas nas quais os
diversos segmentos sociais estavam simbolizados acerca da existência dos “partidos políticos”
que usavam a imprensa como veículo de contestação, divulgação e promoção dos seus
princípios. Os partidos, ainda que não existissem institucionalizados, eram o “brasileiro” e o
“português”, defendido por diários como O Censor e O Amigo do Homem, este último redigido
pelo advogado português João Crispim. João Lisboa não poupa críticas ao partido português,
afirmando que, por ter assumido características tão específicas, ficou conhecido como
“absolutista”. Essa era uma das razões do triunfo do Argos da Lei: lutava contra o despotismo
e concitou seu redator à sua primeira legislatura.
Morando no Rio de Janeiro representando a província do Maranhão, “Odorico alistou-
se na phalange liberal, e inscreveu o seu nome a par dos nomes illustres de Evaristo, Paula
Sousa, Vergueiro, Feijó, Vasconcellos, Carneiro Leão, Limpo, Costa Carvalho, e tantos
outros” (LISBOA, 1865, p. 507) que, a partir da utilização da imprensa como espaço de crítica
aos rumos do império brasileiro, culminou nos episódios que João Lisboa conclamou como a
“revolução de sete de abril”. É desse período a radicalização política que dividiu as facções
entre os “caramurus ou restauradores” e “brasileiros”, encampando trincheiras e polarizando os
debates.
Segundo ainda Lisboa, Odorico como orador de primeira ordem, foi secretário da
câmara dos deputados, autor da lei de abolição dos morgados e da primeira reforma liberal.
Enquanto jornalista, fundou, ao lado de Vergueiro, Feijó e Costa Carvalho, o jornal Astréa, do
Rio de Janeiro. Fundou, também ao lado de Costa Carvalho, a primeira tipografia de São Paulo
e o Pharol Paulistano. Escreveu também nos jornais Sete de Abril, Aurora, Jornal do
Commercio, Liga Americana, “onde de companhia com o senador Aureliano, depois Visconde
de Sepetiba, combateu as injustas pretensões da França ao nosso território do Oyapoc”
(LISBOA, 1865, p, 509).
Depois do Argos da Lei e dos episódios em torno da defesa do redator do Pharol
Maranhense, José Candido de Morais e Silva, que foi preso, Odorico processou o presidente
da província, o General Costa Pinto, encampando ferrenha luta, sendo proibido por ele de
editar e publicar qualquer outro jornal.
Depois desse episódio, rumou para Minas Gerais para disputa na Câmara dos
Deputados, onde teve que enfrentar críticas, desconfiança e resistência. O Editor do Jornal
Brasil, do Rio de Janeiro, desdenhou de sua figura política, seu anonimato nas terras mineiras
e da sua tentativa de se eleger por aquela província. Em uma longa resposta, o editor de O
Novo Tempo, em uma nota intitulada “um bravo em favor do mérito”, de 29 de julho de 1844,
saiu em defesa da candidatura de Odorico Mendes exclamando a importância dele para a
política e a literatura brasileira. Eis, no parágrafo abaixo, a transcrição do artigo do Jornal
Brasil feita pelo Novo Tempo sobre Odorico Mendes, e logo abaixo a resposta e a defesa do
Virgilio Brasileiro.
Tratando-se dos candidatos a deputados por Minas, diz o Brasil que um
apresentado pelo governo é o Sr. Odorico Mendes; e em continente pergunta
muito irado: que tem feito o Sr. Odorico, que importância tem seu nome?
Com que titulo será recomendado aos eleitores mineiros? Sabe latim, traduz
verso e verso as églogas de Virgilio; é homem honesto, bom pai de família,
como inspetor da tesouraria da província do Rio de Janeiro não tem mostrado
falta de zelo, nem espírito perseguidor: sim, isso tudo é exato, e mais ainda
que nesse sentido quizessem dizer apoiaríamos; porém para ser deputado é
tudo isso suficiente, e para ser deputado em província em que talvez não haja
vinte pessoas que conhece ao nobre deputado?
E o Sr. Odorico Mendes, na opinião do Brasil homem honesto, bom pai de
família, empregado honrado, zeloso de seus deveres e incapaz de
perseguições. Ora eis aqui cinco qualidades, cada uma das quais vale um
tesouro, e que todas juntas não há valor que as pague. Dizei-nos, Sr. do
Brasil, a honra não é hoje, desgraçadamente, fruto entre nó muito vasqueiro?
Não será ela muito e muito necessária naquele que tem de lutar contra as
sugestões da ambição de muitos que procurão enriquecer à expensas dos
cofres públicos; naquele que deve defender os interesses do seu paiz com
dignidade, tendo muitas vezes de resistir as seduções do poder, e não poucas
às do estrangeiro; naquele que deve do alto da tribuna denunciar os que
desfrutão em Santo ócio (?) o dinheiro da nação, e as malversações dos
funcionários públicos, qualquer que seja a sua gerarchia?
EXALTAÇÃO DAS QUALIDADES PESSOAIS DE ODORICO
E quanto à illustração? Sabe latim, traduz verso a verso as églogas de
Virgilio, diz o Brasil. E supõe o Brasil, que traduzir as Eneidas de Virgilio (é
a tradução que o Sr. Odorico Mendes começou), não verso a verso, por que
isso é impossível, mas simplesmente em verso, e procurando quanto é
possível imitar a concisão do poeta romano, é trabalho inglório, que nem –
um apreço tenha, que não inscreva o nome de quem o desempenha nas
páginas dos homens illustres da república das letras? Quanto estamos
atrasados!!! Como se avalião as letras do nosso pais! E é um escritor publico
quem quer ridicularisar o Sr. Odorico Mendes por traduzir as Eneidas de
Virgilio, e verso a verso, como ele supunha possível!
SOBRE OS LITERATOS QUE TRADUZIRAM HOMERO
Quanto a significação política do seu nome, confessamos que não é o Sr.
Odorico Mendes um Thieres, um Guizot, um Pitt, um Russel; mas há no
Brasil muitos desse nomes? E quantos Odoricos temos nós?
Terá mais significação política o nome de um Bernardino Jacinto da Veiga,
de um Vasconcelinhos, de um Barbosa de Almeida, de um Bernardo
Belisário, de um Tamanduá e que Jandos?
Oxalá todas as províncias nos mandem homens honestos, bons pais de
família, empregados zelosos do cumprimento dos seus deveres, estranhos e
preguiçosos, e tradutores de Virgilio, como o digno brasileiro, o Sr. Manoel
Odorico Mendes.
Em agradecimento aos editores do Jornal Novo Tempo, em 05 de agosto do mesmo ano,
na página 04, Odorico Mendes faz o seguinte comentário:
Srs. Redatores – agradeço muito a defesa que de mim tomarão o que em meu
desabono tem escrito o Sr. redator do Brasil; mas peço-lhes encarecidamente
que desistão dessa defesa, porque confesso a minha pouca valia, e reconheço
a superioridade e vantagem que me leva o mesmo Sr. redator do Brasil, em
todos os ramos do conhecimento humano.
Sou, M. Odorico Mendes.
Descontente, cético em relação à política, partiu para Paris para a sua grande
empreitada: a tradução de obras gregas e latinas para o português. Antes de sua partida e do
abandono da política, Odorico tentou a sua sexta eleição para Deputado pelo Maranhão, não
conseguindo sequer um terço da sua última votação por ter abandonado as trincheiras do
partido exaltado e ter se filiado aos moderados. Caiu em descrédito. Em carta
128
dirigida ao
amigo Antonio de Araújo Ferreira Jacobina, com data de 25 de novembro de 1860, quando
morava na capital parisiense, escreveu essa seguinte consternação:
...Ouça mais: nunca pedi um voto para as quatro legislaturas em que fui
Deputado; e agora que estou velho, julgo indigno do meu constante e caracter
o ir mendigar suffragios ao meu paiz natal, onde soffri mil vilipêndios e
donde quase que fui constrangido a emigrar para o Rio de Janeiro, paiz em
tive melhores amigos e tenho ainda alguns. Se os maranhenses me quizessem,
bem occasiões tem tido de o mostrar; mas eu nunca lhes hei de supplicar que
me elejam: demais, elles têm lá pessoas de maior merecimento. — Assim,
meu amigo, pagas as minhas dividas, irei a Lisboa, e lá para o Maranhão; irei,
não pedir voto, mas alguns palmos de terra da pátria para cobrir meus ossos.
— Pergunta-me-á porque desejo ir para Lisboa: respondo que por ser muito
mais barato que Paris, e porque lá pretendo imprimir a minha traducção da
Ilíada, que em que em dous annos cuido que será concluída; e, se a ambição
de ser senador se apossar de mim, ficarei sem o ser e sem acabar a minha
Ilíada, a qual espero que faça a honra a mim e a nossa literatura, se não me
ilude o amor próprio.
Depois da posição de político e jornalista no Maranhão, Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais, Odorico Mendes se dedicou à produção literária enquanto tradutor das obras
clássicas gregas e latinas para o português como Ilíada e Odisséia, de Homero; Eneida, de
Virgilio; Merope e Tancredo, de Voltaire.
Neste momento, o fato de ter desempenhado um papel importante no jornalismo e na
política se entrelaçaram com sua condição de literato. Jornais
129
e a historiografia maranhense
128
Cartas de Odorico Mendes. Coleção Afrânio Peixoto, da Academia Brasileira de Letras (1989, p. 77).
129
O Jornal Diário do Maranhão, de 26 de julho de 1856, p. 01, traz a seguinte manchete: “Eneida Brasileira”.
Ao longo de duas páginas e 5 colunas, o artigo faz os maiores elogios à tradução de Odorico Mendes. Assim
sempre ressaltaram a primazia, em alguns casos, o pioneirismo das traduções de Virgilio feita
por Odorico Mendes para o português, porém se esqueceram de comentar que não foi pioneiro,
muito menos o único e há até quem critique a qualidade de tais traduções.
A “Noticia Bibliográfica”, publicada na Revista Guanabara em 1850, trazia a seguinte
informação:
Um cultor de letras, amigo das musas, pessoa de nossa amizade, nos
comunicou a Eneida Brasileira ou tradução da Eneida de Virgilio pelo Sr.
Manoel Odorico Mendes, da qual já tínhamos visto alguns pedaços
impressos nos jornais da corte há tempos. Muito folgamos com ler esta
versão; nada menos esperávamos do traductor de quem já tínhamos lido com
satisfação algumas peças dramáticas traduzidas pelo mesmo senhor. Com
effeito, esta versão do nosso patrício nos encheo as medidas. Muitas são as
versões da Eneida em todas as línguas vivas da Europa, e só na língua
portugueza temos visto três: a de João Franco Barreto, a de Lima Leitão, a
de conde Obidos, ou offerecida a este fidalgo, em um volume de quatro, que
algum tempo tivemos; temos noticias de outra feita na Bahia e, que ainda
não vimos.
Frederico José Corrêa em Um livro de crítica (1878) já denunciara este tipo de
estratagema em acentuar o caráter da genialidade dos maranhenses, exacerbando-lhes os
talentos, negligenciando as críticas e omitindo informações. A notícia acima descrita não
desmerece a qualidade nem o esmero da tradução de Odorico Mendes, entretanto eram a
questões como essas que Frederico José Corrêa se reportava: o exagero nos elogios como fez
Antonio Henriques Leal na obra Pantheon Maranhense e a subtração de informação da
existência de outras traduções com o fito de granjear notoriedade intelectual.
A notícia de outras traduções das obras de Voltaire para o português, pelo menos no
Rio de Janeiro, era assaz conhecida dentro do segmento letrado. Analisando os jornais
maranhenses desde os primeiros decênios do século XIX, seus conteúdos quanto ao que
acontecia na capital do império, o intercâmbio de informações, muitas das vezes a reprodução
na íntegra das reportagens, as revistas científicas e culturais, percebe-se a importância que o
Rio de Janeiro detinha enquanto espaço de divulgação das letras brasileiras e dos últimos
acontecimentos, portanto suspeita-se da omissão da existência de outras traduções de Virgilio
no Maranhão exceção feita à obra Curso de Litteratura Brasileira e Portuguesa, de
Francisco Sotero dos Reis, de 1866, mencionando as outras traduções de Virgilio , que havia
sido divulgada em Revistas como a Guanabara, da qual Gonçalves Dias era membro e
fundador, e de notícias como esta estampada com o título de: “A Eneida de Virgílio e seus
como Gonçalves Dias que teve reconhecimento em Portugal pelos Cantos Iniciais, os maranhenses se
orgulharam pelo artigo escrito por A. G. B. de Figueredo, membro do Instituto de Coimbra.
tradutores”, publicada na Revista Scientifica, Literária, do Rio de Janeiro, igualmente no ano
de 1855, em sua página três.
Havendo nós escripto algumas linhas ácerca das diversas traduções da
Eneida de Virgilio, e as confrontando, fizemos sentir que a melhor que se tem
feito e que existe sob o domínio publico, é sem duvida a que imprimiu, em
1845, o Sr. João Gualberto Ferreira dos Santos Reis.
Sabíamos que em Paris estava publicando o illustre poeta brasileiro, o Sr.
Manoel Odorico Mendes, uma versão sua do mavioso cantor de Enéas, e
agora que a imprensa annuncia o trabalho do illustre Sr. Odorico Mendes,
procuramos lê-lo, e da sua leitura colligimos, que a Eneida de Virgilio está
vestida sim, á brasileira, porém com os ornatos do poeta bahiano.
Não é de hoje, como já dissemos, que se trabalha, entre os povos cultos, por
traduzir fielmente os escriptos do encantador amigo de augusto... algumas há,
que parecem mais uma imitação que verdadeira e fiel traducção: a de Leonel
da Costa, a de Franco Barreto, e a do médico Lima Leitão, eram as melhores
que até agora se conhecia em portuguez, sem metter em linha de conta muitos
pedaços imitados ou traduzidos por Camões, Garção, José Maria da Costa e
Silva... Mouzinho de Albuquerque, que em muitos lugares imitou mais que
traduziu, as vezes é tão confuso que escurece o pensamento de Virgilio.
Antônio Lopes menciona a existência de outras traduções feitas por Odorico Mendes,
sempre de forma defensiva, ratificando a necessidade de afirmar que as do maranhense
levavam de vencida outras existentes, como nesta passagem (LOPES, 1959, p. 70):
Latinistas e críticos da estatura de um Borges de Figueredo, um Antônio José
Viale e um Sotero dos Reis consagraram as traduções virgilianas do douto
maranhense como superiores as traduções de João Francisco Barreto, Lima
Leitão e Barreto Feio. Cumpre lembrar também os encômios de Ferdinand
Denis, Inocêncio da Silva. Ferdinando Wolf, Joaquim Alves da Silva e
outros. Ferdinand Wolf não hesitou em qualificar a tradução da “Eneida” a
melhor de quantas até então feitas na língua portuguesa.
Por que traduzir obras gregas e latinas para o português? Porque era inadmissível
traduzir as línguas nativas dos índios nacionais ou das várias etnias africanas existentes no
Brasil. Na confecção do edifício chamado de nação, o elemento indígena serviu como
motivação, aliteração de uma língua nova; a portuguesa brasileira, mas não para fazer frente às
outras, tidas como clássicas e ideais.
Odorico Mendes, desde o seu surgimento na vida pública ludovicense, atuando no
jornalismo, na política e na literatura, dominou mecanismos de legibilidade urbana como a
língua, o debate na imprensa sobre a política até atingir o posto de diferenciação justificado
pela existência de uma plêiade de notáveis que haviam se destacado ‘apesar de serem
maranhenses’, para aos poucos se tornar um dos tantos notáveis, ‘por ser maranhense’. A
modificação da conotação ‘apesar de ser maranhense’ para ‘por ser maranhense’ é uma das
questões sutis e de difícil percepção na questão da Athenas Brasileira. Por Odorico Mendes ter
sido um dos iniciadores da didatização na imprensa maranhense dos grandes debates nacionais
e internacionais, ele foi galgado à condição de notável, herói e elemento dístico da sociedade,
mas ao longo da construção de sua biografia, a questão do seu pioneirismo sobressaiu-se em
detrimento do aplanamento de ausência de debate anteriormente a ele, como se o pioneirismo
não contivesse sub-repticiamente um não-lugar, uma ausência, aridez até mesmo de pares e
interlocutores para suas discussões. Ou seja, ao falar-se de Odorico Mendes, classificaram-no
como uma espécie de gênio que se destacou numa terra de tantas tradições, tradições estas que
sempre teriam existido, desde os tempos coloniais, por isso mereceu figurar no panteão
maranhense. Ou então, circunscreve-se a seguinte posição análoga a esta, qual seja: de que uma
hora para outra, ‘inexplicavelmente’, surgiram tantos notáveis. Odorico Mendes foi um deles, o
primeiro ou o iniciador dos demais.
Mas uma coisa soa de forma bizarra. Por que em carta escrita em 1860 se ressentia de
seus conterrâneos? Por que afirmara que só voltaria ao Maranhão para cobrir seus ossos? Por
que morreu pobre e esquecido? Essa é a condição que cabia a um genial deus do olimpo
maranhense? Esse era o tratamento que a Athenas Brasileira prestava aos seus imortais?
3.2. Francisco Sotero dos Reis e a história da literatura portuguesa e brasileira
Outro notável imortalizado no panteão da Athenas Brasileira foi Francisco Sotero dos
Reis. Primeiro Diretor do Liceu Maranhense, fundado em 1838, professor de várias gerações
de maranhenses, incluindo figuras destacadas das gerações que com ele granjearam a posição
do olimpo ateniense maranhense, como João Francisco Lisboa. Além de professor do Liceu,
foi redator do jornal Investigador
130
e depois da Revista
131
(1840-1850), rival da Crônica
Maranhense
132
, principal instrumento com o qual apoiou a lei dos Prefeitos de 1839 e atacou
seu ex-aluno, João Francisco Lisboa. Tamm lecionou no Instituto de Humanidades, fundado
em 1862, por Pedro Nunes Leal; instituição em que sua obra considerada a mais importante foi
o pilar do ensino da língua portuguesa em São Luís. A obra a que me refiro se chama Curso de
Litteratura Portugueza e Brazileira, publicada em quatro tomos entre 1866 e 1867.
A obra é uma análise da história da literatura portuguesa desde os primórdios do
nascimento da língua lusitana até a consolidação dos literatos brasileiros. Sotero dos Reis tinha
a devida compreensão de que os mecanismos que envolvem um sistema literário estavam em
130
Segundo Ignotus (Joaquim Serra, 1883, 2001, p. 27), Sotero dos Reis funda o Investigador em 1836, e dura
até 1840, quando é substituido pela Revista.
131
Antônio Lopes (1959, p. 33) a considerou de “grande significação literária”.
132
Fundada por João Francisco Lisboa. Existiu entre 02 de janeiro de 1838 até 17 de dezembro de 1840.
processo de construção e consolidação, por isso entendia que os elementos da literariedade, que
iriam a boa parte legitimar a posição da literatura enquanto campo, não poderiam estar
plenamente desenvolvidos ou compreendidos quando a língua portuguesa se via ainda às voltas
com o desenlace da língua castelhana, da qual, em parte, derivou. Por isso Sotero dos Reis,
estabelecendo comparação entre as diferentes fases da história da literatura portuguesa,
considerou os três últimos séculos até a publicação de sua obra, ou seja, os autores
quinhentistas e barrocos, os menos importantes em qualidade literária, mas os construtores da
língua portuguesa.
O Curso tinha a dimensão de sua função pedagógica, pois na primeira página do
primeiro tomo, na introdução, sublinha que todo literato tinha a obrigação de conhecer sua
língua, no caso em particular, a língua portuguesa. E, por obrigação, não recorreu somente ao
aspecto da mera tarefa de arrolar nomes, episódios ou circunstâncias que jactam o
conhecimento mnemônico, tão característico da educação brasileira nos séculos XIX e XX,
como forma de demonstração de saber, portanto de poder, numa sociedade parcialmente
iletrada em que a eloqüência e retórica, balizadas pelas citações e referências mútuas, tornavam
os homens notáveis, e sim da obrigação em compreender que o português, sendo a língua mais
nova das neolatinas, tornou-se, segundo ele, em apenas quatro séculos, aquela cuja poesia épica
não teve semelhante.
Como Sotero remete às origens de Portugal e, conseqüentemente, à língua portuguesa
desde os séculos XI e XII, passando por autores como Bernardim Ribeiro, Gil Vicente, El-rei
D. Duarte, Azurára, João de Barros, D. Affonso Henriques, Egas Moniz Coelho, sem esquecer
o quinhentista Camões, a obrigação a que se refere reside no fundamento do sentimento
lusitano, tão essencial para o desenvolvimento de uma poesia épica cujo substrato foi o lirismo
de um sentimento nacional e que Camões flamulou possivelmente como o mais importante
dentre os poetas d’além mar.
O Curso de Sotero não medra quando o assunto é auto-referenciação. Ao percorrer os
outros manuais de literatura portuguesa não economiza nas críticas quanto ao método utilizado,
considerando-os “cheios de resumos superficialissimos” (REIS, 1866, p. XV), pois o que se
poderia aprender de determinados autores se tornou “ligeiro e infructifero” (REIS, 1866, p.
XV). Usou de eufemismo para diminuir a suposta importância que ele mesmo conferiu à sua
obra, visto não considerar seu trabalho completo a partir do ponto de vista concebido, pois ele
mesmo afirmou: [...] “não, não nutro semelhante vaidade”! (REIS, 1866, p. XV), mas entra em
contradição ao afirmar que, mesmo sendo seu trabalho apenas “um imperfeito ensaio”,
sustentou na página seguinte que até aqueles dias tais métodos utilizados nos países de língua
portuguesa para o ensino da literatura não eram os mais apropriados.
A justificativa da existência do Curso de Litteratura residia no convite feito pelo diretor
do Instituto de Humanidades, Dr. Pedro Nunes Leal que “insistentemente” o convidou para a
ministração da cadeira de literatura, afinal, a “instrução” era o princípio legitimador da
existência de tal obra, tanto mais por ele ser o próprio professor da disciplina
133
. Nada mais
honroso que ser convidado para ministrar literatura brasileira e portuguesa a partir de sua
própria obra num lugar que, segundo ele, atingiu um progresso desde a sua fundação, sendo
naqueles dias
um dos melhores estabelecimentos de educação do Brazil ... e o único de
empreza particular quem mantem uma cadeira de litteratura, tanto para seus
alumnos, como para aqueles que querem assistir ás respectivas prelecções,
pois não consta até agora que haja outro no império que o faça (REIS, 1866.
p. XXI).
E além do mais, tinha por diretor um homem com formação européia capaz de dotar seu
estabelecimento distinguindo-o dos demais pela existência de um plano geral de estudo,
“completo para a instrução primária e secundária aperfeiçoada de grammatica geral aplicada á
lingua portugueza, cujo estudo é mui pouco cultivado no Brazil” (REIS, 1866, p. XX). Ele era
o autor da gramática aplicada à língua portuguesa.
Deveria ser mais bem cultivada no Brasil, segundo ele. Afinal, apesar de recentemente
nascida, a literatura brasileira já se fazia brilhante, embora não se fizesse saber conhecer de sua
existência em Portugal (por razões que veremos adiante), onde os estudos sobre a língua
portuguesa eram mais sérios e refletidos. Sotero dos Reis, neste momento, está chamando a
atenção para a importância da língua enquanto instrumento de referenciação social e identidade
pátria, por isso iniciou sua obra remontando às origens da língua concomitantemente ao
surgimento de Portugal enquanto nação, destacando a posição de Camões.
E mais, justifica a obrigação de saber-se da língua com perfeição, imprescindível para
os outros conhecimentos, censurando a ausência da atuação do governo provincial no pleno
desenvolvimento do conhecimento da língua portuguesa. Logo o Maranhão, que afirmava ser
“desejoso em caminhar para o progresso intelectual” (REIS, 1866, p. XXI), mas possuía apenas
133
Sotero dos Reis repetia o exemplo de A. Pereira Coruja que Sacramento Blake citado por Lazari (2004, p. 38)
afirma ter sido um pródigo escritor de livros didáticos. Ele lista apenas as primeiras edições, como Compêndio
da Língua Nacional, dedicadas à mocidade Rio-grandense, Porto Alegre, 1835; Manual dos Estudantes de
Latim, dedicado à mocidade brasileira, Rio de Janeiro, 1838; Compêndio de Ortografia da Língua Nacional,
dedicado a S. M. I, o Sr. D. Pedro II, Rio de Janeiro, 1848; Aritmética para meninos, Rio de Janeiro, 1850;
Manual de Ortografia da Língua Nacional, Rio de Janeiro, 1852; Compêndio da Gramática Latina, Rio de
Janeiro, 1852; Lições de História do Brasil, Rio de Janeiro, 1855.
dois estabelecimentos para estudos específicos da língua; um era o conceituado Lyceu, fundado
em 1838; outro, não menos importante, o próprio Instituto de Humanidades.
Ele considerava e constatava a real situação do Maranhão como “uma província de
segunda ordem, e inferior a muitos respeitos á outras do império” (REIS, 1866, p. XXI), mas
contra-argumentou esta condição quando afirmou que seria muito bom “desejar, no progresso
das letras, que suas irmãs a imitassem no amor ao estudo da língua materna e litteratura que
della dimana: o melhor, e com especialidade em matéria de progresso intellectual” (REIS,
1866, p. XXI).
Nisto reside uma aparente idiossincrasia: como pode uma província que possuía apenas
dois estabelecimentos onde se ensinava a literatura portuguesa, querer ser desejada e imitada
por suas irmãs, vide que em progresso, leia-se desenvolvimento econômico e mesmo
intelectual, sustentara a condição de província de segunda ordem, que não contava “aliás com
os recursos de primeira ordem do império”? Aparente idiossincrasia, já que a condição
secundária do Maranhão para ele não foi empecilho para o aparecimento de tantos nomes
consagrados durante o império, como se as condições para o estabelecimento das letras numa
província dentro de uma monarquia imperial fossem mero fruto dos talentos individuais e não
de suas condições sociais de reprodução.
Esta aparente idiossincrasia legitimava a Athenas Brasileira; se não se poderia olhar
para o Maranhão por sua condição econômica de segunda ordem, olhar-se-ia então por sua
presença na língua e literatura nacionais, de primeira ordem. Uma obra escrita por um
maranhense a partir de um método adequado para ser lecionada em uma das melhores escolas
do império, a rigor, a melhor, dirigida por um homem distinto de formação educacional
européia e ministrada pelo mestre da língua portuguesa residente numa província longíssima,
encarregar-se-ia de não fazer se esquecer dessas questões
134
.
No Livro I inicia com a conceituação de literatura tomando emprestado de Bonald e
Lamartine as acepções respectivas desta enquanto “expressão da sociedade e expressão
memorável do homem transmitida ao homem por meio da palavra escripta” (REIS, 1866, p.
04). Ao concordar com estes princípios subjazia a idéia de desenvolvimento intelectual e
134
Lafaiete Rodrigues Pereira, num artigo escrito no Diário do Povo, n. 164, 165, 166, de 1868, fez o seguinte
comentário sobre a importância e obra do mestre: “o distinto professor maranhense aplicando ao seu ensino o
método de Villemain, funda entre nós a verdadeira crítica literária e preenche uma lacuna de há muito sentida.
As letras pátrias estavam ainda à espera de seu historiador”. Este artigo foi transcrito nos apensos da obra O
Pantheon, de Henriques Leal, (p. 158).
moral, tomado como depuração civilizacional, o fato de o Brasil estar em pleno
desenvolvimento de sua literatura como espelho da nação
135
.
Tomando isto como preposto para a literatura brasileira, fica fácil a localização de
quando a literatura reforçava os sentimentos e valores nacionais, sobretudo se lermos em
Ferdinand Denis, na obra Resumo da história da literatura brasileira, publicada orginalmente
em 1826, que o que estava em curso era a ultrapassagem da visão homem-terra do período
colonial para uma etapa compreendida enquanto nativismo-nacionalismo na fase romântica.
A preocupação com a língua portuguesa em Poranduba Maranhense, de autoria de
Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres Maranhão, as traduções das obras gregas e latinas
para o português de Odorico Mendes e o destaque citado pelo próprio Sotero dos Reis de que,
nas províncias do Norte, sobretudo no Maranhão, “o accento é aportuguezado” (REIS, 1866, p,
XVIII), percebe-se que, nos primórdios da literatura brasileira, tal como ocorrera em Portugal,
a condição estética foi precedida pelas questões lingüísticas enquanto afirmação de uma
identidade pátria. Ou seja, a estilística era importante, porém, primordial era fincar uma
posição cultural a partir da língua
136
.
Na lição II, chama-nos a atenção a defesa feita por Sotero dos Reis ao Arcadismo. Ele
conclama que esta corrente literária regenerou a poesia portuguesa, “expellindo os demônios da
litteratura o máo gosto, que até então a havia invadido e contaminado” (REIS, 1866, p. 54). A
que regeneração o mestre da língua portuguesa se reportava? Quais eram os demônios que
atordoavam a pena dos escritores lusitanos? Não custa lembrar, apesar de a mera utilização
cronológica para designar as correntes literárias ser uma limitação, como, aliás, o é em
qualquer circunstância sociocultural, que comumente utiliza-se como temporalidade conceitual
precedente ao arcadismo, o barroco ou maneirismo.
O barroco marcadamente gongórico, rebuscado e exagerado, além de subsumir a noção
de homem perante Deus, acentuando a pequenez daquele diante do criador, demarcando o
quanto é imerecedor das graças divinas, da salvação, pode ser pensado como uma das poucas,
senão a única escola, corrente, característica, que perpassa toda a literatura brasileira, até os
dias atuais. Barrocos foram os primeiros povoadores, a transmigração da religião católica para
terras americanas, a catequese e a tentativa de subjugar os índios nativos, Gregório de Matos
135
Antonio Cândido (2000) e Adriana Facina (2004) questionam em que medida a literatura é expressão social.
Para Antônio Cândido “depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de
sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção de mundo,
ou reforçando neles os sentimentos dos valores sociais” (CÂNDIDO, 2000, p.19).
136
Benedict Anderson (1989) defende de que a língua foi um instrumento de afirmação da nacionalidade, das
identidades e instrumento de formação de comunidades políticas.
Guerra com sua verve paladina denunciadora da ‘exótica civilização lusófila’ em terras
tupiniquim, o Arcadismo referenciado no Classicismo tentando fundir concepções culturais
clássicas, cultura ibérica em terras americanas, a distorção do índio-motivo do romantismo,
exagerando-lhe as formas, acentuando seus valores, legando-lhe uma postura cavalheiresca
medieval, uma Athenas Brasileira recalcitrante e sequiosa em definir seu papel político a partir
de determinados segmentos sociais, dividida entre a antiga posição que ocupava dentro da
estrutura colonial no Brasil e o novo ordenamento imperial, entre outras coisas.
Sotero dos Reis não possuía tal visão e seria anacrônico cobrar-lhe tal compreensão.
Todavia isso não elimina a necessidade do exercício de crítica cultural aos elementos
contribuidores da identidade nacional, seus pressupostos e suas conseqüências para o
desenvolvimento da nação. Afinal, não perceber as contradições sociais existentes no Brasil
desde o período colonial, os conflitos oriundos do modelo colonizador, a bem da verdade, da
colonização, as sociabilidades existentes e suas regras e lógicas internas, enxergando-nos
somente a partir de uma cosmovisão clássica “mais depurada cujas scenas e as produçções da
América, bem como os usos e costumes de seus aborigenes, forão admiravelmente descriptos”
(REIS, 1866, p. 54) pintadas e interpretadas, é também não ler quem eram os brazilienses, que
depois seriam cognominados de brasileiros.
Nisto reside uma implicação que venho sustentando nesta tese, qual seja, de que a
Athenas Brasileira imbricava numa trama que ao mesmo tempo reunia elementos arcádicos,
idealizadores do classicismo grego e romano, passando pelo formalismo da língua culta
européia, o português, sendo um elo de ligação aos cânones da civilização ocidental, até a
tentativa romântica de rompimento com o arcadismo, digo, de suas características e da
confecção de signos supostamente nacionais, frisando, entre eles, uma poesia com palmeiras,
guerreiros amazônicos, relva, mata, jararaca, sucuri, ananás e enchente amazônica, sem
necessariamente isto ser uma contradição. É que a Athenas foi construída a partir das figuras
que no Maranhão existiram e despontaram pertencentes a princípios estéticos dísticos, posições
políticas antagônicas, modelos conceptuais de sociedade por vezes conflitantes.
A execração do barroco feita por Sotero dos Reis era a forma como ele enxergava a
sociedade em que ele vivia — tão bem descrita por João Lisboa nos seus folhetins —, onde
escravos eram vendidos no mercado, as paredes corroídas pelo tempo, tempo fáustico montado
como uma operação historiográfica pelos intérpretes da economia maranhense que
notabilizavam o período pombalino, ‘construtor do Maranhão’, e que naquele momento
agonizava pelos preços internacionais de algodão levando paúra aos agricultores, fazendo com
que os antigos casarões, símbolos da opulência, com suas fachadas ornadas com azulejaria
portuguesa de influência árabe, passassem a dividir espaço com uma relva que subia dos
telhados com seus mirantes, como uma espécie de jardins suspensos, avistando somente o
horizonte ausente de velas ao vento dos barcos que outrora atracavam no porto. Não atracavam
mais em demasia, não traziam mais objetos da Europa, os ‘tigres’ continuavam a jogar o esgoto
doméstico nas Praias Grande e Pequena, a Balaiada entre 1838 e 1841 havia ameaçado ‘a pax
urbana’ evidenciando as imensas contradições existentes na província e na cidade.
Tal execração ao barroco e sub-repticiamente ao nosso barroquismo, era explicada pela
fundação da Academia Real das Sciencias de Lisboa fundada em 1780, no reinado de D. Maria
I, que tinha função de denotar a diferença entre a língua castelhana, até aquele momento muito
presente na língua portuguesa, como forma de diminuir a influência dos “dominadores
espanhóis e levar á sua pureza pela leitura e imitação dos clássicos, cujas obras erão
apresentadas como modelo pela academia real das sciencias, que mandava publicar as inéditas,
e reimprimir as já publicadas” (REIS, 1866, p, 57).
Não à-toa a devoção prestada por Sotero dos Reis à figura de Pombal, pois este, além
de participar da ‘regeneração’ da língua e da literatura portuguesa, reformou, segundo Sotero
dos Reis, os estudos de português, melhorou a Universidade de Coimbra e criou o colégio dos
nobres.
Sendo assim, o arcadismo livrava a língua e poesia portuguesa de suas características
gongóricas diferenciando-se da influência política e cultural espanhola na tentativa de
consolidação do português como símbolo de um novo império, uma nova língua neolatina,
moderna, utilizada para aplacar o passado e construir um novo mundo, não só nas Américas,
como na África e partes da Ásia. O barroco, neste sentido, era a correlação do período de
dominação espanhola, por isso deveria ser crivado, pois remetia a uma condição de submissão
ao vizinho ibérico, cujas circunstâncias também estavam presentes na história do Brasil ao
tempo da união das duas coroas. A substituição do barroco se fazia pela construção de um
outro referente, igualmente europeu, mas construída na história do Ocidente como paradigma
civilizacional, lugar onde haviam nascido a história enquanto narrativa, o teatro, a poesia, a
filosofia, a democracia, os jogos olímpicos, enfim, os elementos regeneradores da barbárie.
Assim, obnubilado pelo Classicismo, Sotero dos Reis esquivava-se das condições sociais que
encontrava em São Luís todas as vezes que saía de casa para ministrar aulas no Instituto de
Humanidades.
A Athenas Brasileira, o barroquismo maranhense, cumpria dessa forma duas funções:
de um lado, remetia ao legado clássico da antiguidade, paradigma acima de qualquer
questiúncula nacional, servindo de exemplo, tal como fizera a Academia Real das Sciencias de
Lisboa, cuja perfeição só se atingiria pela repetição dos clássicos; de outro, pela fusão do
padrão civilizacional clássico com os elementos do americanismo, ou seja, dos caracteres
brasileiros contribuidores das civilizações modernas, surgidas pós-renascimento e iluminismo
em que o século XIX fulgurava como culminância desta longa trajetória.
O século XIX foi repleto de significados. Da compreensão das noções de nação, raça,
língua, religião, ciência, progresso, razão, desenvolvimento, cultura e civilização, passando
pelas relações de identicidade na América Latina, Caribe e Estados Unidos, à consolidação de
um paradigma de pensamento legitimador da racionalidade grega que teria consubstanciado a
ocidentalização do mundo, expressa na forma de refletir, pensar, dialogar, planejar, viver, em
detrimento do oriente — modelo antitético —, o século XIX emblematizou a idéia de que,
finalmente, homens e mulheres haviam atingido o máximo desenvolvimento humano, o
esplendor, a emancipação de dogmas e preceitos considerados ultrapassados.
Tal paradigma de pensamento, baseado na razão instrumental, foi esboçado no século
IV a.C na Grécia Antiga, idealizado no período helenístico, reafirmado no período do domínio
romano, revitalizado durante o Renascimento, ressignificado durante o Iluminismo,
consolidado no século XIX.
Neste século, enquanto desdobramentos do século XVIII, fulguraram as vitórias das
“luzes” contra o “obscurantismo”, do saber contra a desrazão, da “civilização” contra a
“barbárie”, das liberdades de imprensa e política contra o absolutismo. O século XIX viu
emergir grandes teorias científicas, filosóficas e políticas: Darwinismo (biológico e social),
Socialismo (utópico e real), Positivismo, Idealismo, Anarquismo e Determinismo. Viu
igualmente a ascensão de uma grande nação, os Estados Unidos, o conluio das grandes
potências européias quanto à partilha da África, os grandes debates acerca da conotação e
função da arte e da literatura e seus desdobramentos, as antologias literárias, a belle époque
enquanto momento fulgurante de uma burguesia que desfrutava das benesses da era vitoriana,
o nascimento da fotografia, os primeiros cinematógrafos, a publicidade.
Na América Portuguesa, este século também presenciou grandes transformações como
a chegada da família real portuguesa e toda a comitiva ao Brasil em 1808, decorrente da
invasão das tropas francesas em terras lusitanas em 1807, fruto de um projeto de império luso-
brasileiro que já vinha há algum tempo sendo gestado por estadistas portugueses, entre os quais
D. Rodrigo de Souza Coutinho. As conseqüências seriam percebidas imediata e
posteriormente: abertura dos portos, criação da Academia Real de Belas Artes e do Banco do
Brasil, a transferência da Biblioteca Real para o Rio de Janeiro, a elevação do Brasil à
categoria de Vice-reino de Portugal e Algarves.
Os ‘ventos’ do iluminismo também seriam sentidos na maior e mais importante colônia
portuguesa, pois, com a exigência das Cortes acerca do retorno de D. João VI a Portugal e
também do seu filho, tendo o ‘Fico’ em 09 de janeiro como resposta, os precedentes para uma
futura emancipação política haviam sido semeados.
A emancipação só aconteceria em 07 de setembro de 1822 marcando profundamente a
história política, social e cultural do Brasil. Que nação nascia então? Qual era a comutação
entre povo e nação? Resultante do modelo de império que se configurou no pós-independência,
o Brasil nascia amalgamado pela suposta idéia de unidade política e territorial, lastreado pelo
receio e temor das elites da emancipação dos escravos. De fato, a união em torno da escravidão
foi um elo importante para os projetos de nação e a consolidação política dos imperadores D.
Pedro I e II.
Sotero dos Reis, morto em 1871, obviamente, não viu grande parte desses
desdobramentos do século XIX sinalizados anteriormente, mas não se pode impunemente
afirmar que tais questões não tensionavam os moradores das diversas províncias brasileiras a
participarem ou se sentirem pertencentes das transformações que se operavam na Europa e na
América, e isso vale, é claro, para São Luís. Ser uma Athenas era situar-se no contexto
nacional, era dizer de que forma poder-se-ia contribuir para que a nação brasileira fizesse
frente às demais nações da América hispânica
137
.
Como sujeito posicionado a falar das belas letras, professor do Lyceu e do Instituto de
Humanidades, escritor das Postilas de gramática geral aplicada à língua portuguesa pela
análise dos clássicos (1862), Gramática portuguesa; acomodada aos princípios gerais da
palavra seguidos de imediata aplicação prática (1866), e Curso de literatura portuguesa e
brasileira (1866-1873), todas ensinadas no Instituto de Humanidades, didatizava o que era a
verdadeira cultura, como seus alunos deveriam enxergar a língua, conseqüentemente, as
sociedades brasileira e maranhense.
Culturas essas que deveriam estar imunes às outras influências, como a francesa, que
segundo Sotero, corrompeu o bom uso da língua com o “emprego de termos e modo de dizer
francezes” (REIS, 1866, p. 60). Essa influência, notadamente acentuada no Brasil a partir de
meados do XIX, adentrou nas searas portuguesas ainda em fins do século XVIII sem que nada
137
Angel Rama (1984) aponta a posição dos literatos ao longo da história da América hispânica e portuguesa
dentro da composição urbana das diversas nações. Para além do estudo das particularidades de cada nação, a
posição dos literatos foi muito parecida na história das Américas portuguesa e espanhola exercendo a função de
construtores de sentidos sociais, codificação e decodificação de símbolos culturais, desenhistas de políticas
públicas, intérpretes das realidades, pedagogos do conhecimento, mestres, tal como fora Sotero dos Reis.
pudesse fazer a Academia Real de Sciencias de Lisboa para barrar “á torrente do mal, que
invadia rapidamente todos os domínios da litteratura” (REIS, 1866, p. 60).
Sotero dos Reis comenta que essa invasão foi em decorrência da vitória das armas que
animou os franceses fazendo ecoar o triunfo da liberdade e inspirando outros povos a
devorarem livros, ensinamentos, doutrinas, filosofias, e tudo o que exprimisse o pensamento
francês. Essa invasão, comenta ele, não ocorreu somente em Portugal, como em todos os povos
de origem latina que poderiam mais facilmente incorporar expressões, frases e estilo. Houve
então, em Portugal e no Brasil, uma avalanche de obras “eivadas de galicismos grosseiros”
(REIS, 1866, p. 61), muitas delas de péssimas traduções, que passaram a influenciar o
comportamento das elites — ele utiliza a expressão alta sociedade —, atingindo até mesmo
hábitos familiares. Assim, o Arcadismo que havia livrado a língua de Camões e de Vieira da
corrupção barroca, maneirista, castelhana, agora ia lentamente sucumbindo ao galicismo, já
que “o estudo dos clássicos foi completamente abandonado pelos afrancezados” (REIS, 1866,
p. 61). A resistência à má influência coube aos heróicos Francisco de Manoel do Nascimento,
Manoel Maria Barbosa du Bocage e o padre Antonio Pereira de Souza Caldas, este último,
brasileiro.
O mestre maranhense não viveu suficiente para ver sua mais nova aversão, o galicismo,
enquanto influência da língua portuguesa, fincar suas raízes profundas no Brasil e de forma
diferenciada no Maranhão, sendo utilizado para afirmar a condição da Athenas Brasileira
138
.
A influência gálica também teve seus reveses. Em decorrência da invasão francesa em
Portugal, a família real se transferiu para o Brasil (1808), elevando-o à categoria de reino
Unido a Portugal e Algarves em 1815, trazendo grande contingente de portugueses e
retornados que em Portugal viviam. Para Sotero dos Reis, isso teve um efeito positivo, pois os
conhecimentos passaram a ser mais difundidos no Brasil, ainda que não houvesse liberdade de
imprensa. Com a transferência da Corte para o Rio de Janeiro esta cidade passou a ser um
centro de difusão e irradiação do conhecimento literário e científico para o resto da nação,
lugar por excelência onde uma parte significativa dos membros do panteão maranhense
escolheu para morar e viver da pena, exceção feita ao próprio Sotero dos Reis.
138
No primeiro capítulo mencionei o livro da Profª. Maria de Lourdes Lauande Lacroix, A fundação francesa de
São Luís e seus mitos, para citar o debate quanto a suposta fundação francesa da cidade em 1612 como forma de
legitimação da especificidade maranhense, ideologia da singularidade, termo utilizado por Lacroix em
substituição ao titulo de Athenas Brasileira em meio ao quadro de melancolia pela morte dos expoentes do Grupo
Maranhense e transferência dos “neo-atenienses” para a cidade do Rio de Janeiro. A evocação da fundação
francesa de São Luís era ao mesmo tempo uma referência ao galicismo reinante no país de então, uma recorrência
ao passado mítico de São Luís e uma substituição a este epíteto pelo vazio deixado pela morte e transferência para
o Rio de Janeiro de figuras de renome nacional.
O Curso de Litteratura Portugueza e Brazileira adota a mesma metodologia e os
mesmos elementos usuais para designar a separação entre a literatura das duas nações: o
rompimento político entre Brasil e Portugal, em 1822. Essa periodização, embora didática,
contém problemas quanto à definição do que vem a ser literatura e literatura brasileira, mesmo
ainda no século XIX. É que, enquanto expressão da sociedade, os elementos definidores do que
viriam a ser a literatura brasileira já estavam em curso muito antes do rompimento político com
Portugal. Há autores que fincam suas origens desde os primórdios da colonização, quando os
primeiros cronistas, ao narrarem a exuberância da terra brasilis, não estavam meramente
descrevendo, e sim interpretando a natureza brasileira, enriquecendo a língua portuguesa e
construindo uma visão balizadora de como os futuros brasileiros eram vistos e se viam
139
.
Há autores que não concordam com a idéia do surgimento da literatura brasileira
presente nos cronistas, mas na fase barroca, tendo como exemplificação, Gregório de Mattos
Guerra, “o boca do inferno’, cuja poesia, além dos elementos lingüísticos do português
lusitano, já continha expressões, ideais, visões, estrutura de pensamento característico das
sociabilidades brasileiras. Este tipo de raciocínio está vinculado com a noção de tipos ideais
específicos. É caso, por exemplo, de Luiz Roncari, ao advogar que, para se pensar a literatura
particular de um dado país, “temos que olhar, ao mesmo tempo, para aquilo que ela deve a esse
acervo comum e em que contribui para a sua transformação e enriquecimento” (RONCARI,
2002, p, 22).
A cultura literária no Brasil contém elementos do fundo literário comum, mas também
adquiriu e desenvolveu características próprias. A Carta de Pero Vaz de Caminha, considerado
o primeiro documento literário do Brasil, o universo e imaginários europeus presentes na
historiografia e na literatura em autores como Gândavo, Gabriel Soares, Fernão Cardim,
Fernandes Brandão e Sebastião da Rocha Pitta, atrelam-se muito mais ao Brasil na literatura do
que a literatura no Brasil especificamente, para Roncari. As alegorias, que segundo Barthes,
são essencialmente uma significação aproximando um significante e um significado, presentes
na história literária no Brasil, pouco diziam daquilo que Roncari designa como “novas
elaborações literárias da grande tradição que chamamos de literatura ocidental” (RONCARI,
2002, p.24).
As características próprias da cultura literária brasileira foram se dando a partir, não
apenas enquanto extensão da Europa, mas o quanto em certa medida era também a negação
139
É isto que Roger Chartier define como representação, quando “homens através de seu tempo, em lugares e
tempos distintos foram capazes de se perceber e perceber os outros e ao mundo, construindo um sistema de idéias
e imagens de representação coletiva e se atribuindo uma identidade” (1994. p, 10).
dela, pensando referenciais como: “dispersão”, “descontinuidade”, “fluidez”, “diversidade”,
“instabilidade”, “provisoriedade” e “ambigüidade” da sociedade brasileira no período colonial,
segundo Novais (1997).
Portanto, adotar a divisão da história literária brasileira pari passu à história política,
como fez Sotero dos Reis, é admitir que antes da emancipação política não havia literatura,
assim sendo, só se poderia produzi-lá em ambiente emancipatório, independente, e desse
modo, o período que Portugal esteve sob o domínio espanhol não pode ser caracterizado como
da literatura criativa, digna de ser celebrizada como poesia moderna nascida do latim; qualquer
vinculação com tradição literária no Maranhão, antes do século XIX, seria ilegítima,
incoerente. Os ensinamentos de Sotero dos Reis no Instituto de Humanidades seriam, neste
aspecto, inócuos, ele ensinava letra morta, vez que de 1822 (data da emancipação política) até
1866 (quando foi publicado o curso que regia suas aulas), não houve tempo suficiente para se
legitimar uma cultura literária no Brasil, uma tradição que pudesse fazer frente à antiga
metrópole. Ou então, a genialidade maranhense era de tal monta que em tão pouco tempo
floresceram um Virgílio e Homero Brasileiro, um Timon, um Plutarco maranhense e o grande
poeta romântico.
A tentativa romântica de emancipação dos caracteres lusos na literatura brasileira, na
sua primeira fase, é devedora do passado lusófilo assim como o Arcadismo, embora em menor
proporção, pois ainda que celebrasse o nascimento de uma nova nação, de uma literatura nova,
considerava que éramos a extensão da Europa pelo tronco português ou que Portugal havia
legado ao Brasil. Árcades, dentre eles Sotero dos Reis, confirmam essa posição, ao festejar na
Licção VII:
o interessantíssimo espectaculo de uma nova sociedade política que se
desenvolve, de um povo de raça latina florescendo na América, de uma nação
recente; o espectaculo da Nação Brazileira emancipada, e figurando no
cathalogo dos povos cultos, independentes e livres (REIS, 1866, p. 67),
admitindo que a melhor coisa que Portugal fez em toda a sua história, foi colonizar e povoar o
Brasil. Mas se engana quem pensa que tal celebração presente em Sotero dos Reis possa ser
confundida com o ufanismo romântico, pois embora conclame ser o Brasil a segunda potência
da América, e em pouco tempo seria “uma das maiores do mundo” (REIS, 1866, p. 68), tal
celebração é no fundo uma forma de culto a Portugal, pois o Brasil só possuía tais atributos por
professar a mesma religião, falar a mesma língua e ter os mesmos costumes. A nação brasileira
seria eternamente devedora àquela a quem “deve sua origem” (REIS, 1866, p. 68). Ao celebrar
o nascimento de uma grande nação vincula-a ao torrão que teria lhe dado todas as condições
para que assim o fosse. Nesse sentido, o romantismo presente na acepção do professor
maranhense seria o surgimento de uma literatura com tipos específicos da cultura brasileira
onde predominariam “as composições da cor local”, mas sem os exageros levados a excesso,
“que só nos faça enxergar aborigenes entre um povo de raça latina, qual é o brazileiro” (REIS,
1866, pp. 71-72). O mesmo medo presente nos indianistas da primeira e segunda fase
romântica.
Essa conciliação entre a descoberta de elementos exultantes da brasilidade e o
sentimento de dívida e de ainda pertencer a Portugal foi característica da primeira fase do
romantismo. Como foi sinalizado no primeiro capítulo, em pleno período imperial havia
artigos nos jornais maranhenses celebrando o período ‘áureo’ da colonização portuguesa
rememorando com saudades um tempo em que, se não havia liberdade, pelo menos não
decepcionava com promessas efusivas de dias melhores e vindouros na nova fase política.
Sem enfatizar o abandono ou ultrapassagem da fase arcádica na literatura brasileira,
Sotero dos Reis narra o predomínio do gosto romântico introduzido pelos poetas europeus do
século XIX, como Byron, Lamartine, Victor Hugo, Almeida Garret, Chateubriand, ainda que
admita que mesmo no século XVIII, em poemas como Caramuru e Uraguay, respectivamente
de Santa Rita Durão e José Basílio da Gama, predominaram a cor local, costumes, cenas e
paisagens da América, na única circunstância em que menciona não estarem presentes deuses e
fábulas gregas, mas o florescer de uma literatura brasileira.
Ao mencionar os poetas mais notáveis no momento de produção de sua obra, cita o seu
conterrâneo Manoel Odorico Mendes, tradutor de Virgilio e Voltaire; Antonio Gonçalves Dias,
autor de Poesias Americanas e os Tymbiras; Gonçalves de Magalhães, autor da Confederação
dos Tamoios, Suspiros Poéticos, Mistérios; e o Sr. Manoel de Araújo Porto-Alegre, autor das
Brazilianas.
Curiosa a menção de Manoel Odorico Mendes como um dos grandes poetas brasileiros
daquele momento em meio aos integrantes da chamada primeira geração romântica. Curiosa,
pois nas antologias poéticas e nos livros de história da literatura brasileira, o Virgilio brasileiro
não aparece como um dos grandes poetas, exceção feita a Ferdinand Wolf, que menciona seu
Hymno à tarde. Ademais, a posição enquanto jornalista e tradutor sempre se sobressaíram à de
poeta. Conquanto, a minha curiosidade é justificada, pois onde se presta a exemplificar a
posição de Odorico enquanto poeta, detém-se somente nas suas traduções.
A obra, daí em diante, em nada se diferencia de o Pantheon Maranhense. Presta-se aos
mesmos elogios desmedidos, construção de memória, exaltação das figuras maranhenses,
notadamente, Odorico Mendes, João Lisboa e Gonçalves Dias. Mas isso é sugestivo. Se
contrapusermos a historiografia maranhense ao longo dos séculos XIX e XX quanto à
periodização dos grupos literários, as gerações e seus respectivos exponenciais nos manuais de
literatura e na historiografia com o silêncio no livro que se pretendeu ser um manual da história
da literatura portuguesa e brasileira para os alunos do Instituto de Humanidades, cabe um
questionamento: onde foram parar os outros maranhenses, como Gomes de Sousa,
Sousândrade, Frederico José Corrêa, Lisboa Serra, Cândido Mendes de Almeida, Pedro Nunes
Leal, Trajano Galvão, Belarmino de Matos, Gentil Homem de Braga, Antonio Joaquim Franco
de Sá, Dias Carneiro, Joaquim Serra, César Marques, Antonio Henriques Leal, Maria Firmina
dos Reis, Luis Antônio Vieira da Silva, Franklin Távora, Antonio Marques Rodrigues, Celso
Magalhães, Teófilo Dias e Adelino Fontoura? Onde foram parar os participantes do Parnaso
Maranhense, de 1861 ou os escritores da Casca da Caneleira, de 1866?
O Parnaso Maranhense: colleção de poesias de autores maranhenses, reuniu cinqüenta
e dois poetas, foi organizado por Gentil Homem de Braga, Antonio Marques Rodrigues,
Raymundo de Brito Gomes de Sousa, Luiz Antonio Vieira da Silva, Joaquim Serra e Joaquim
da Costa Barradas. No prólogo, conforme já mencionado no segundo capítulo, seus autores
anunciam a intenção da obra: imitar o Parnazo Lusitano e retirar do olvido mostrando as
tendências estéticas dos novos poetas maranhenses. Seguindo a ordem alfabética, o grupo de
amigos anunciou que não incorporaria o cômputo das poesias de vários outros poetas que
poderiam fazer parte desta coleção por não terem concluído a confecção destas, sendo
necessário um segundo volume, o que nunca aconteceu. A obra mescla autores de expressão
local e nacional como forma de patentear a intenção e legitimar a iniciativa, além de dar
respaldo àqueles que nunca haviam publicado suas poesias em qualquer lugar, servindo de
exemplos aos que não se sentiam inspirados ou encorajados a se lançarem na empreitada da
escrita, já que serviu de estímulo o fato de um jovem, na sua primeira experiência enquanto
poeta, estar ladeado por escritores como Gonçalves Dias e Sotero dos Reis.
O cantor dos Tymbiras, por sinal, é que encabeça a lista. Depois de Antonio Gonçalves
Dias, aparecem
140
figuras como Olympio Gomes de Castro, Presidente da Província, os filhos
140
Além destes aparecem ainda: Augusto César dos Reis Raiol, Augusto Olympio Gomes de Castro (Presidente
da Província), Alfredo Valle de Carvalho, Augusto Frederico Colin, Antonio de Carvalho Oliveira, Ayres da
Serra Souto-Maior, Caetano Candido Cantanhede, Caetano de Brito Sousa Gayoso, Celestino Franco de Sá,
Coriolano Cezar Ferreira Rosa, Eduardo de Freitas, Francisco Sotero dos Reis, Francisco Dias Carneiro,
Fernando Vieira de Sousa, Felippe Franco de Sá (filho de ex-presidente de província e morto aos 21 anos de
vida checar a informação se é ele ou o pai), Fabio Gomes Faria de Mattos, Francisco Sotero dos Reis, Junior,
Gentil Homem d’Almeida Braga, João Duarte Lisboa Serra, José Ricardo Jauffret, José Bernardes Belfort Serra,
José Pereira da Silva, Joaquim Maria Serra, Sobrinho, José Mariano da Costa, Joaquim de Sousa Andrada, João
Emiliano Valle de Carvalho, J. J da Silva Macarana, João Antonio Coqueiro, Doria Jesuína Augusta Serra, Luiz
Antonio Vieira da Silva, Luiz Vieira Ferreira, Luiz Miguel Quadros, Manoel Odorico Mendes, Manoel Benicio
Fontenelle, Maria Firmina dos Reis, Nuno Álvares Pereira e Sousa, Pedro Wenescop Cantanhede, Raymundo
Brito Gomes de Sousa, R. Alexander Valle de Carvalho, R. A de Carvalho Filgueira, Raimundo Pereira e
de Odorico Mendes, Sotero dos Reis e Antonio Joaquim Franco de Sá. Afora o Parnaso
Maranhense, não há menção aos filhos de Sotero dos Reis e Odorico Mendes em qualquer
outra antologia, biografia ou coisa do gênero. Quanto a Antonio Joaquim Franco de Sá,
conforme mencionado no segundo capítulo, seu irmão Felippe Franco de Sá, quando de sua
morte, reuniu o conjunto de suas poesias e publicou uma ode em sua homenagem.
Eduardo Olympio Machado, presidente da província, falecido em 1857, é homenageado
nesta ontologia por Alexandre Rafael de Carvalho com o poema “à morte do dr. Eduardo
Olympio Machado”.
O varão forte, o justicioso Olympio,
Novo Theseu, que da requicia os monstros
Sangue-se dentes com os rayos lídimos
Da justiça desfez...
... calai-vos, pois, calumniadores sórdidos,
que disputaes aos vermes seu cadáver
as gemanias são p´ra vos na historia,
para ele o Pantheon!...(BRAGA et all, 1861, p. 26).
É a monumentalização da política simbolizada na poesia, momento em que um
presidente da província adentra os quadros do panteão provinciano, igualando-se aos heróis da
literatura local, tal como fizera o Pantheon de Antonio Henriques Leal para a biografia de
ilustres maranhenses.
A obra é repleta de poesias que glorificam a família real e, em demasia, a figura do
Imperador. É simbolista do ponto de vista do conjunto das poesias cantando um enredo: o
ufanismo da nação. Isto fica evidenciado em poemas como Vinte e oito de julho: anniversario
da liberdade maranhense e O Brasil, de Francisco Marques Rodrigues; ao faustissimo dia 07
de setembro, de Manoel José Oliveira. No Poema Brasil o simbolismo pátrio é entoado em
forma de cântico perpassado em quatro estrofes do soneto sempre rimando a última palavra da
primeira linha com a segunda linha, a terceira com a sexta e a quarta com a quinta. O elemento
de comparação das abundâncias brasileiras é sempre a Grécia e Roma. Uma espécie de
demonstração de que já não se precisava mais dos elementos destas duas nações para se
reconhecer a grandiosidade brasileira. Em todo o poema um elemento simbólico das
civilizações clássicas é contraposto a um símbolo nacional.
Os tempos soberbos da grécia formosa,
E os arcos de Roma , de Roma orgulhosa,
Não cobrem, não ornam meu pátrio Brasil;
Estatuas não temos, primores das artes,
Mas temos os bosques por todas as partes,
Sousa, Ricardo Henriques Leal, R. Valentiano de M. Rego, Severiano Antonio de Azevedo, Trajano Galvão de
Carvalho, T. F de Gouveia Pimentel Belleza.
E as verdes palmeiras viçosas a mil
Os rios gigantes, as límpidas fontes,
As flores, os fructos, os prados, os martes,
Esmaltam, protegem meu pátrio Brasil,
E o canto das aves na selva escutamos,
E o sol não tememos, e a sombra buscamos
Nas verdes palmeiras viçosas a mil
As vênus, as graças, os loucos amores,
Celestes no marmor, na forma, nas cores,
Não temos, não temos no pátrio Brasil;
Mas temos as virgens d’olhar expressivo,
De rosto moreno, caracter altivo,
E as verdes palmeiras viçosas a mil
E virgens e homens e bosques e mares
E tudo que vive na terra, nos ares,
É bello, é sublime no pátrio Brasil;
Azul é o céu, as florestas frondosas,
Valentes os homens, as virgens mimosas,
E as verdes palmeiras viçosas a mil.
(BRAGA et all, 1861, p. 26).
A outra obra mencionada acima, negligenciada por Sotero dos Reis, foi A casca da
Caneleira, escrita em 1866. Obra coletiva escrita a onze mãos sob forma de pseudônimos por
Flávio Reimar (Gentil Homem de Almeida Braga), Pietro de Castelamare (Joaquim Serra),
Pedro Botelho (Raimundo Filgueiras), Rufo Salero (Marques Rodrigues), Jaime Blumm
(Trajano Galvão), Nicodemus (Sotero dos Reis), Judael de Babel-Mandeb (Henriques Leal),
Stephens Van-Ritter (Dias Carneiro), Golodron de Bivac (Sabbas da Costa), Iwan Orloff
(Caetano C. Cantanhede), Conrado Rotenski (Sousândrade). Casca da Caneleira é uma novela
escrita aos moldes de La Croix de Berny, dirigida por George Sand, que pretendia ser uma
resposta a Antero de Quental e à Questão Coimbrã.
A Questão Coimbrã é interpretada como o surgimento do Realismo em Portugal, uma
reação ao ultra-romantismo, ou como o próprio Quental classificava: “a escola do elogio
mútuo”. A Questão Coimbrã surgiu quando Antonio Feliciano de Castilho, respeitável e
conhecido escritor português, protetor dos escritores mais jovens, defensores do status quo e
distantes das questões políticas e sociais porque passara a Europa de então, como a discussão
acerca do socialismo, do anarquismo, do liberalismo, entre outras questões, em carta ao editor
Antonio Maria de Pereira, sobre a qualidade do Poema da Mocidade, escrito por um dos seus
apadrinhados, Pinheiro Chagas, aproveitou o ensejo para criticar veementemente o que
chamava de exibicionismo, obscuridade e desvirtuose do real sentido da poesia que praticava
um grupo de jovens de Coimbra: Teófilo Braga, Antero de Quental e Vieira de Castro.
Em resposta a Castilho, Antero de Quental, numa carta, afirmava a necessidade de
independência dos jovens escritores, a missão dos poetas em meio às grandes transformações
em curso e aos problemas ideológicos de então e à insignificância dos poemas que Castilho
escrevia. Por outro lado, em defesa de Antero, Teófilo Braga afirma que a celebridade de
Castilho devia-se à sua cegueira e reafirmava a necessidade de renovação da literatura. As
trocas de farpas de ambas as partes seguiu por meses a fio sem solução.
A princípio, quando da publicação da Casca da Caneleira, a novela saía em partes nos
jornais maranhenses O Publicador e A Coalição. A repercussão foi lida como uma defesa aos
princípios defendidos por Antero de Quental. Ledo engano. Nas secções “exordio dispensável”
e “caleidoscópio final”, que correspondem respectivamente ao prefácio e ao posfácio da obra,
há chistes, blagues em relação às figuras de Antero e seus seguidores. E disto deriva mais uma
problematização.
Se a Casca da Caneleira é uma mera defesa do ultra-romantismo, portanto de Castilho,
então como fica a posição a vanguarde da elite literária maranhense, auto-referenciada de
Athenas Brasileira, em defender em literatura princípios, normas, estética do que era
considerado status quo, meros elogios mútuos, repetição sempre das mesmas coisas em meio
às perturbações que sacudiam o mundo e Brasil, inquietando a pax de espírito dos escritores,
logo eles, caixas de ressonâncias e porta-vozes das mudanças sociais que se transmutavam em
linguagem literária? Entretanto, cabe um recurso de defesa à vanguarda literária maranhense.
Em meio às farpas entre Castilho e o grupo de Coimbra, sobraram lascas para a ex-colônia,
Brasil, seus respectivos leitores, escritores e a literatura.
Na tentativa de ofender Castilho, no folheto Bom Senso e Bom gosto, publicado no ano
de 1865, Antero de Quental dizia textualmente que a literatura de Castilho enchia os olhos,
encontrava guarida somente no Brasil, “uma turba de gente que nunca leu nem pensou”
(ROMEU JUNIOR apud AUGUSTI, 2004, p. 03). As declarações de Quental caíram em solo
fértil com a Questão Coimbrã envolvendo as elites esclarecidas, segundo Augusti
141
(2004)
citando Pinheiro Chagas. Não tardou para que se levantassem no Brasil respostas às
declarações de Quental.
141
Augusti (2004) em Polêmicas literárias e mercado editorial Brasil-Portugal na segunda metade do século
XIX, afirma que “a defesa dos brasileiros, sustentada via de regra sobre o argumento da dependência dos
portugueses em relação ao público leitor da ex-colônia, parece encontrar respaldo nas taxas de alfabetização
exibidas por Portugal que, em 1900, contava com 78, 6% da população analfabeta. Com um público leitor
diminuto e, provavelmente, dependendo do mercado consumidor de livros do Brasil para escoar a sua produção
literária, não interessava aos homens de letras portugueses ter suas obras contrafeitas ou mesmo ver a literatura
brasileira prestigiada em suas terras. Isso explica em parte os ataques sofridos pelos escritores brasileiros, assim
como a parca recepção de suas obras em periódicos portugueses do século XIX”, p. 07.
Se a Casca da Caneleira é uma resposta ao desagravo de Quental quanto à inteligência,
a qualidade dos leitores e da literatura brasileira, a ação dos sportmen (como os autores se auto-
intitularam) é mais coerente com a condição de atenienses que enquanto defensores de uma
escola onde a crítica à produção textual está subjugada por uma ação entre amigos, por um
habitus que não vacila em criar uma rede de proteção aos seus pares, excluir os não pares e não
enxergar a literatura sem antes saber de que pena ela foi produzida.
Há, além dessas questões, uma outra inquietante: por que Sotero dos Reis omitiu a
produção da Casca da Caneleira e seus respectivos escritores no Curso de Litteratura
Portuguesa e Brasileira se, além de ser uma resposta à Questão Coimbrã que se relacionava
mais que diretamente à história literária portuguesa, ele mesmo foi um dos participantes da
novela? É de autoria de Sotero o capìtulo Um coração de mulher, de seis páginas, narrando a
infelicidade de uma jovem, Julia, no casamento por amar outro homem, Américo, que outrora
o desprezara por ser pobre, não podendo afortuná-la com as benesses que o dinheiro poderia
lhe proporcionar, tal como fazia o Comendador das Neves, seu marido.
A novela, no fundo, é uma provocação aos riscos que se correm em desprezar a riqueza
lingüística obtida pelo arcaísmo da língua, suas influências originais, a vernaculidade, a
existência de um padrão de escrita considerado castiço, anticoloquial, forma culta.
Uma hipótese para a omissão da novela em seu curso seja o descompromisso da obra,
que não pretendia ser algo além do que se propunha: uma diatribe, por isso não considerava
como cânone merecedor de quaisquer prestígios maiores. Mas ainda assim fica a dúvida: por
que, em nenhum momento, em o Curso de Literattura, frisou a importância de outros autores
que não Odorico Mendes, João Lisboa e Gonçalves Dias? Talvez porque concordasse que, para
entrar na história literária, não bastasse apenas produzir uma novela, ainda que ela se
propusesse a ser uma espécie de La Croix de Berny em terras palmeirais. Se esta hipótese
estiver correta, abre-se mais um precedente para crítica à tal Athenas Brasileira.
Se adotarmos a periodização proposta estabelecida por Reis Carvalho (1912), seguida
por Mário Meirelles e Jomar Moraes, de segmentar o surgimento de tantos nomes de
ressonância nacional entre Grupo Maranhense (1832 a 1868) e Atenienses (1868 a 1898), uma
justificativa para a ausência do suposto grupo dos Atenienses no Curso de Litteratura seria a
morte de Sotero dos Reis em 1871, posto que não tivera tempo de presenciar a emergência de
outras figuras. Sotero dos Reis se referia aos que tiveram eco no cenário nacional, justificando
a idéia de que o reconhecimento deveria ser pautado pela cidade das letras, Rio de Janeiro. A
divisão entre “Grupo Maranhense” e “Atenienses” recai no emblema do quadro comparativo
entre as distintas fases da literatura maranhense, levando as sucessivas gerações que emergiam
a cultuarem a pentarquia como ícone, símbolo, deuses presentificados, quer no Pantheon
Maranhense, de Antonio Henriques Leal, quer no panteão simbólico do mito que os cinco
integrantes do Grupo Maranhense passaram a constituir.
Dito isto, a emergência dos supostos atenienses enquanto segunda geração de notáveis,
segundo o marco assinalado por autores da historiografia maranhense, é 1868, mas a existência
dos integrantes desta geração, obviamente, tem que ser anterior a esta data. Vamos aos
argumentos.
Os que defendem que São Luís teria sido a Athenas Brasileira repousam na justificativa
de que, a partir do funcionamento do Teatro União (1816) até 1868 (desaparecimento do
periódico Semanário Maranhense), nessa cidade surgiram O Conciliador em 1821, o primeiro
jornal do Maranhão; a Biblioteca Pública em 1829; o Liceu Maranhense em 1838; o Seminário
Episcopal também em 1838; o Gabinete Português de Leitura em 1852; o Instituto de
Humanidades em 1862; o Instituto Literário Maranhense em 1865; as typografias, de 1822 até
as mais famosas como as de Belarmino de Matos em 1847 e de José Maria Correia de Frias em
1864; A Poranduba Maranhense: sinopse histórica da região contendo uma coleção de
etimologias brasílicas com um dicionário abreviado em tupinambá-português de autoria de
Francisco Nossa Senhora dos Prazeres Maranhão, que foi encontrado somente em 1843 por
Adolpho Varnhagem, uma obra vultosa de caráter coletivo; O Parnaso Maranhense de 1861; a
simultaneidade da publicação do romance de Victor Hugo Les Miserábles em 1862; A casca da
Caneleira de 1866; uma sociedade philomatica; uma associação tipográfica; debates
acalorados na imprensa local; apresentação de peças teatrais de vários lugares da nação e da
Europa; escolas de formação educacional conceituadas; o Semanário Maranhense, o mais
importante do Maranhão existente entre 1867 e 1868; e um número significativo de biógrafos,
tipógrafos, juristas, matemáticos, historiadores, filólogos, poetas, jornalistas, romancistas,
contistas que marcaram a história literária brasileira durante todo o século XIX.
Ora, ou a divisão entre Grupo Maranhense e Ateniense não passa de uma digressão da
historiografia maranhense para legitimar a história intelectual local, ou a não menção a estes
fatores relacionados acima na obra de Sotero dos Reis era uma disputa velada quanto ao
prestígio dos seus conterrâneos, concorrendo com ele próprio, silenciando as suas
notoriedades. Ou ainda, a Athenas Brasileira nunca, de fato, existiu para além de uma invenção
dos seus criadores e reprodutores, existindo apenas como discurso reiterativo dos que
precisavam deste rótulo para sublimar frustrações, serem reconhecidos intelectualmente,
legitimar posições, forjar identidade.
O próprio Sotero dos Reis, nos quatro tomos de sua obra, jamais mencionou a
existência da Athenas, embora tenha contribuído diretamente para a reprodução dela, pois
mencionou em demasia as figuras dos seus três outros conterrâneos ao longo de sua obra. Os
tomos três e quatro são dedicados quase que exclusivamente a eles.
3.3. A pedra angular da Athenas Brasileira: Gonçalves Dias
Quando Alexandre Herculano noticiou os primeiros elogios a Gonçalves Dias
anunciando os seus Primeiros Cantos, talvez o poeta português tivesse a devida dimensão do
que fazia. Não que soubesse em que o poeta timbirense se transformaria, da sua importância
nas letras brasileiras, mas do que estava representado naqueles primeiros poemas.
Em páginas anteriores, citei a Questão Coimbrã como exemplo da tensão política
existente entre as elites letradas portuguesas e brasileiras e como o silêncio proposital em torno
da existência de uma literatura brasileira em terras lusitanas atendia a interesses específicos,
sobretudo, do mercado de leitores nas duas nações.
Quando Alexandre Herculano propagou o nascimento de uma literatura brasileira com a
figura de Gonçalves Dias, a questão estética e a qualidade dos poemas do maranhense, ainda
que não fosse sua intenção, seu artigo estava revestido de tensão política, afirmação da
nacionalidade, disputa entre as elites das duas nações, sobretudo, porque em Alexandre
Herculano a literatura portuguesa havia perdido seu intento e fôlego inicial, era decadente e
passadista, nostálgica exatamente ao contrário do que representava a poesia de Gonçalves
Dias , fruto de encantamento pela terra americana e dos sentidos que disso derivava, sua
importância para o Brasil e sua utilização enquanto um instrumento de disputa política.
A literatura nesse momento estava inerte em valores que iriam propagar a pujança da
nova nação brasileira, legitimada por uma narrativa que em tudo evocava sentimentos de
pertencimento, de grandiosidade, não necessariamente de antinomia em relação ao passado,
mas da transformação dos valores do passado em algo novo, radiante, que indicava ‘ao outro’
sua condição emancipada capaz de singularizar sua existência. O artigo de Alexandre
Herculano caiu como uma luva nesse sentido. Primeiro, porque fora escrito de fora para dentro,
um português colocando acima de qualquer suspeita a possível contestação de que se tratava de
uma questiúncula de uma ex-colônia, ainda que sub-repticiamente servisse como uma espécie
de aval, dependência de reconhecimento de um escritor da antiga metrópole tutelando a
existência de uma literatura brasileira. Segundo, porque o reconhecimento veio acompanhado
de uma constatação: Portugal representava o velho, o Brasil era o novo.
Do ponto de vista da afirmação da nacionalidade, isto não pode ser desprezado. A
repercussão do artigo de Alexandre Herculano nos jornais do império foi imediata e pesou
decisivamente para a visibilidade e dizibilidade do cantor timbirense e de sua utilização pelo
império brasileiro dentro do projeto criador da nação
142
. O império brasileiro não era
imposição apenas dos imperadores D. Pedro I e II, ou da regência ou mesmo dos Saquaremas,
mas podia ser pensado a partir do que Shohat e Stam advogam “quando as histórias nacionais
são apresentadas como se exibissem a continuidade de um tema de grande escala” (SHOHAT e
STAM, 2006, p. 144).
A grande escala em questão era a nação, e a literatura brasileira anunciava a existência
de um sentimento nacional. O Artigo de Alexandre Herculano, publicado na Revista Universal
Lisboense em 30 de novembro de 1847, transcrito na íntegra pela Chronica Literária do Rio de
Janeiro, em janeiro de 1848, com o titulo: “Futuro literário de Portugal e do Brasil por ocasião
dos primeiros cantos — poesias do Sr. A. Gonçalves Dias”, apontava que esta nova nação
estava viva, nova, infante, esperançosa, ao contrário da
velhice humana, a velhice d’ellas é tediosa e melancólica. Separado da mãe
pátria, menos pela série de acontecimentos inopinados, a que uma observação
superficial lhe atribue a emancipação, do que pela ordem natural do progresso
das sociedades, o Brasil, império vasto, rico, destinado pela sua situação, pelo
favor da natureza que lhe deu opulência, a representar um grande papel na
história do novo mundo, é a nação infante que sorri: Portugal é o velho
aborrido e triste, que se volve dolorosamente no seu leito de decrepidez; que
se lamenta de que os raios do sol se tornassem frouxos, de que se encurtassem
os horizontes da esperança, de quem um crepe fúnebre vele a face da terra.
Perguntae, porém, ao povo infante, que cresce e se fortifica além dos mares,
que se atira ridente pelo caminho da vida, se é verdade isso o ancião na
tristeza do seu vegetar inerte, e que, encostado na borda do mundo, deplora,
pobre tonto, o mundo que vae morrer!
O artigo é emblemático por várias razões. O silêncio denotado na imprensa portuguesa
acerca da existência da literatura brasileira é quebrado e denunciado, antecipando e invertendo
o que Antero de Quental vinte anos mais tarde faria na sua lidima com Castilho ao exclamar
que o Brasil só servia como mero depositário de uma literatura ultrapassada. Segundo
Alexandre Herculano, o Brasil era o principal mercado do pouco “que entre nós se imprime, e
será fácil conjecturar que no domínio das letras, como em importância e prosperidade, as
nossas emancipadas colônias nos vão levando rapidamente de vencida”. O contéudo do artigo
estava diametralmente oposto às declarações de Antero de Quental anos antes, ao apontar que
não somente existia literatura, como tal literatura em pouco tempo ultrapassaria em qualidade a
142
Segundo Shohat e Stam (2006, p. 144) “o conceito de nação ao invés de se constituir a partir da vontade de
uma pessoa funciona, a bem da verdade, como unidade fictícia imposta a um conjunto de indivíduos”.
portuguesa. Assim, as declarações de Antero anos mais tarde demonstravam desconhecimento
sobre a condição literária no Brasil ao propagar que se tratava de uma nação de analfabetos,
ignorantes e incultos, relevando ao mesmo tempo sua ignorância sobre o que produzia naquela
nação, demarcando a estratégia política e editorial de Portugal em fazer do Brasil o principal
mercado editorial e não produtor de literatura.
Decorrente do artigo de Herculano, balizado por sua tutela, o jornal a Chronica
Literária dedicaria especial atenção ao jovem poeta maranhense no mesmo ano. Já respaldado
por seus Cantos de estréia, a imprensa fluminense espectou com ansiedade o lançamento de
sua obra. Em 13 de fevereiro de 1848, o jornal anunciava que, após ter brindado a literatura
brasileira com sua obra inaugural sendo muitíssimo feliz na sua estréia, já se achava no prelo
para sair com brevidade o segundo tomo das poesias do Sr. Gonçalves Dias. O poeta, segundo
o jornal, era
um gênio ardente e de sublime aspirações; a cada idéia que exprime e que
deixa como ponto de visão no seu progresssivo e extraordinário
desenvolvimento intelectual, grangeia novos louros, que tão viçosos como a
sua fronte, entre tecem-lhe a coroa literária que tão sinceramente lhe
desejamos (CHRONICA LITERÁRIA, 13.02.1848, p. 01).
Em 08 de abril o jornal reproduzia a poesia A um poeta exilado e, em 18 de junho,
analisando o momento político por que passava a Europa, em decorrência das revoluções
burguesas e “ao indiferentismo religioso, descepticismo moral ao caos” (CHRONICA
LITERÁRIA, 18.06.1848, p. 01), surgiram os cantos harmoniosos de Gonçalves Dias,
“suspiros de amor, esperança e saudade... pharol único em noite tenebrosa, guia seguro ao
viajante perdido” (CHRONICA LITERÁRIA, 18.06.1848, p. 01). Se todo povo tem uma
literatura diferente conforme as suas diversas fases, tendo Homero, a Bíblia, Virgilio, Horácio,
Dante como exemplos, tinha-se no Brasil, Gonçalves Dias. Se Dante Alighieri era a expressão
de uma Itália sanguinolenta, tendo sido perseguido e torturado, o poeta brasileiro era fruto de
um passado e um presente de tranqüilidade. Dante era marcado pelo “gênio tenebroso”,
Gonçalves Dias pelo “pacificador”.
O artigo responsabiliza ainda a literatura pelo mundo que dela emana, ou seja, a
capacidade de criação de sentidos de realidade a partir dos sistemas literários. O autor do
artigo, X. de M., colocando os poetas na condição de co-partícipes da construção do mundo,
afirmou que estes seriam responsabilizados pelas desgraças ou louvores que semeassem. Na
fila dos que seriam abençoados estavam Lamartine, Thomaz More, Fenélon e Bernardim de St.
Pierre. Quanto às maldições, recairiam sobre “a Guerra dos deuses, a donzela de Orleans,
Hume e Diderot”. Voltaire e Rousseau seriam simultaneamente abençoados e amaldiçoados.
É neste momento que as imbricações da literatura enquanto construtora de sentidos
sociais
143
se torna imanente. Segundo o artigo,
o futuro estudará nos poetas de hoje a história de hoje; se o poeta é
verdadeiro, a sua obra é um monumento histórico de que o futuro se
aproveitará, e mais de um juiz exacto se tem baseado sobre tais documentos:
os poetas não são historiadores, mas dizem claramente quais as idéias que
forão aceitas, reprovadas, ou em questão: quem não conhece a Roma de
Horácio e de Juvenal pelas suas obras; quem não conhece a França de
Voltaire pelas obras de Voltaire? Shiller não nos revela a Alemanha do seu
tempo? Lamartine, Victor Hugo e Barbier não dirão do futuro qual a França
nesta metade do século? (CHRONICA LITERÀRIA, 18.06.1848, p. 02).
O artigo, além de compará-lo à figura de Dante, estabelece uma outra não menos
inquietante: Gonçalves de Magalhães, autor de Confederação dos Tamoios. Até aquele
momento, o Dias era considerado discípulo de Magalhães, o que, segundo X. de M., não
possuía fundamento, pois a única semelhança existente entre ambos era o fato de serem poetas.
O segundo, ainda que tenha cantado o sabiá, as palmeiras e o Amazonas, ainda que se
lembrasse da pátria, era discípulo de Lamartine, era um europeu. Magalhães seria lembrado
pelo seu cosmopolitismo e a poesia deveria conter valores cosmopolitas, “mas o poeta tem
pátria, e um poeta sem pátria, sem amor e sem Deus é um poeta imperfeito”.
Em 10 de novembro de 1849, o periódico Beija-flor, do Rio de Janeiro, noticiava a
estréia literária da Revista Guanabara, editada por Manoel de Araújo Porto-Alegre, Gonçalves
Dias e Joaquim Manoel de Macedo. Em 15 de dezembro, quando de fato a revista artística,
científica e literária lançava seu primeiro número, o Jornal Beija-flor destacava a posição dos
editores frisando a importância de Gonçalves Dias sem menosprezar os demais. A nota dizia
ser ele “um talento de larga espehera, e pode se classificar como um dos criadores da poesia
nacional brasileira (BEIJA-FLOR, 15.12.1949, p. 01). Efusivamente a nota deste dia termina
com uma constatação: vivia-se naquele momento “uma nova era a literatura do Brasil”.
Em 05 de janeiro de 1850, com a publicação de um artigo cujo título era: Reflexões
succintas sobre a poesia – obras poéticas do Sr. D. J Monteiro, o debate acerca da criação da
literatura nacional ficava cada vez mais evidente. Ainda que a análise se detivesse sobre a
poesia de D. J Monteiro e de como ele fora influenciado pela poesia indianista, todas as poesias
143
A literatura concorreria para a construção da história, pois, enquanto discurso representativo, faz a erupção do
ontem, expressa relação de poder (Pesavento, 1998), constrói enredos arquetípicos (Paul Ricoeur, 1987), e a
realidade social. “Toda obra literária tem uma função crítica, já que, ao gerar um universo rico e múltiplo de
personagens e situações, é levada a representar também as posições que sua visão do que sua visão de mundo
recusa, ou seja, a obra também exclui valores humanos que não concorda” (CARDOSO, 1997, p. 29). O que os
Primeiros Cantos recusam não está expresso, mas o que concorre ao longo de suas páginas é a celebração
ufanística da nação.
que expressavam tal ímpeto estético são de autoria do maranhense. Este longo artigo evidencia
a disputa travada no interior da literatura brasileira e entre uma fase marcadamente nativista,
ultrapassada por uma veste grega e romana até atingir sua autêntica condição singular. Destaca
os autores brasileiros que marcaram a fase arcádica: Pe. Caldas, Cláudio Manoel da Costa,
Santa Rita Durão, os Alvarengas, S. Carlos, Cordovil, Basílio da Gama, Tomas Antonio
Gonzaga, Paranaguá, sem mencionar Manoel Odorico Mendes e Francisco Sotero dos Reis, e
critica a fase meramente repetitiva das imitações e traduções das obras européias (francesas,
inglesas, portuguesas e espanholas). Quando os autores daqueles países “se deleitavão com as
belezas de suas Arcadias”, os brasileiros se sentiam impelidos a admirarem as belezas do torrão
brasileiro.
O autor do artigo, N. J. da Costa, ao falar da revolução literária em cada nação, destaca
Lord Byron na Inglaterra, Lamartine na França, Almeida Garret em Portugal, aponta
Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias como os responsáveis pela mudança na literatura
brasileira. O primeiro, como reformador da poesia, o segundo, enquanto “nosso poeta mais
nacional” (BEIJA-FLOR, 15.12.1949, p. 05), ambos responsáveis pela libertação da influência
clássica na literatura brasileira. Ao mesmo tempo em que louvava em demasia Gonçalves de
Magalhães por ter libertado a literatura nacional de tal influência, cita o nome de Odorico
Mendes, ladeado pelas figuras de Eloy Otony, José Maria Velho, F. Souza Silva e Norberto,
como um dos poetas mais destacados daquele momento.
Um outro artigo na mesma secção, assinado por B. J. Borges, traz o papel da imprensa
enquanto difusora do saber, “das luzes e aperfeiçoamento moral de um povo nascente” (BEIJA
FLOR, 15.12.1949, p. 05). O artigo critica o afastamento do jornalismo da literatura para se
aproximar da política, constituindo-se numa “guerra de extermínios e na luta de princípios;
uma cadea de epithetos afrontosos, diatribes, injurias, calumnias, eis o progresso do jornalismo
do Brasil!” (BEIJA-FLOR, 15.12.1949, p. 05). Conseqüentemente, essa seria a perspectiva da
literatura brasileira. Eis ai a justificativa para a menção da revista artística, científica e literária
Guanabara, que representava a redenção e a revolução das letras nacionais, a difusão das
ciências, por isso a importância dos seus editores “três gênios, três architetos” (BEIJA
FLOR, 15.12.1949, p. 06) , responsáveis pela promoção da emulação no cenário intelectual.
A própria Revista Guanabara não se furtaria em saudar a importância intelectual de um
dos seus editores. No tomo I, de 1850, traz a história do Maranhão escrita por Gonçalves Dias.
Na página 230 noticia a publicação dos Últimos cantos e, na 266, suplica para que o título do
livro fosse inverídico, que estes não fossem os derradeiros cantos do autor timbirense que deu
tantas glórias ao Brasil. A revista segue comemorando o estágio embrionário da literatura
nacional, páginas a fio, com reverência a Eneida Brasileira, de Odorico Mendes,
Confederação dos Tamoios, a Independência do Brasil, Os Palmares, A Nebulosa, Os
Tymbyras.
Após um longo interregno, a revista retoma suas atividades em 1854. No ano seguinte,
na secção “Poesia Brasileira”, o título do artigo sobre a história da literatura é dedicado
inteiramente ao autor dos Tymbiras. O artigo menciona sua originalidade e fecundidade ao
tocar nas lendas, canções e costumes das tribos brasileiras. Entre as lendas citadas estão a da
Mãe d’àgua (uma sereia brasileira de cabelos aloirados que vive nas profundezas dos rios
caudalosos, atraindo homens e meninos com seu canto mágico, fazendo-os morrerem
afogados); O Gigante de Pedra (menção ao penhasco que guarnece a baía de Guanabara na
entrada da cidade do Rio de Janeiro, reverenciando o passado de glórias e o porvir da nação);
Marabá (entoação à forma como os índios retratam os mestiços) e, finalmente, Tabyra
(narração sobre as guerras fratricidas entre os índios, proporcionando a dominação portuguesa).
O artigo termina afirmando que Gonçalves Dias se deteve em todos os gêneros, exceto um: a
poesia dramática, inexistente no Brasil. Por ter produzido poesia em quase todos os gêneros,
isto fazia dele o mais popular poeta brasileiro.
Os Últimos cantos receberam atenção ainda da Marmota na Corte de 11 de março de
1851, mencionando que não cabia àquele jornal de modas e variedades avaliar as poesias “de
quem já conta por si as mais bem aparadas pennas, não só do Rio de Janeiro, como de todo o
Brasil” (A MARMOTA NA CORTE, 11.03.1851, p. 01). Do dia 11 de março até o dia 18 do
corrente mês, a secção de literatura foi dedicada exclusivamente ao poeta.
Em o Guaracyaba, também do Rio de Janeiro, entre os vários artigos sobre literatura
enlaçando a literatura portuguesa e a brasileira, também não se esquece do valoroso poeta.
Entre os adjetivos estão: a singeleza de sua poesia, a expressão original da beleza versada em
língua portuguesa de que já havia anunciado Alexandre Herculano e a singularidade para o
Brasil dos seus cantos (GUARACYBA, setembro de 1850, p. 89).
No jornal da corte O Corsário, há a indignação com a situação caótica da literatura
brasileira recheada de mesquinhez política, rixas, brigas, um verdadeiro mar salgado,
afirmando que poderia ser diferente se saudasse a publicação de mais um volume de poesias do
grande poeta nacional. O público foi “mimoseado” com este gênero tão raro e a imprensa
“deveria saudar este acontecimento glorioso para o Brasil” (O CORSÀRIO, 15.03.1851, p. 01).
Mas isso não aconteceu, revelando o estágio de debate existente na imprensa de então. Isso se
tornava mais grave, pois, como se podia não atentar para evento tão magnânimo e voltar as
atenções para ações que não engrandeciam o espírito? Afinal, tratava-se do lançamento do
livro de Gonçalves Dias que “marca uma época distincta, nova, o d’um progresso admirável no
desenvolvimento dos seus estudos, e da sua inteligência” (O CORSÁRIO, 15.03.1851, p. 01).
Também mereceu atenção a citada obra do autor maranhense no dia 22 de março do
mesmo ano, apontando-o como o “momento literário de maior glória para o país” (O
CORSÁRIO, 22.03.1851, p. 02). Mas, em 12 de abril, a poética Gonçalvina foi usada como
denúncia social. Ao narrar “os feitos heróicos das tribos generosas e selvagens como o leão dos
desertos”, o poeta desmascarava e envergonhava “sociedade gasta, estafada, e ignobilmente
hypocrita em que vivemos, e que se chama civilizada”.
Este tipo de denúncia, apesar de rara e espaçada, atingia em cheio a tentativa romântica
de evocação de tipos nacionais sem afrontar as questões que lancinavam a condição indígena
no Brasil de então. O extermínio seguia a passos largos em todo o Maranhão, onde foram
criadas frentes de ocupação, colonização e catequese indígena. Sob a justificativa da montagem
dessas colônias e catequeses, as tribos que viviam na província foram sistematicamente
dizimadas, dando origem a povoados, vilas e cidades a partir de 1836.
À medida que as colônias iam se instalando, as notícias nos jornais da capital, as
mensagens, discursos, falas e relatórios dos presidentes de província
144
davam conta dos
avanços e dos empecilhos à empreitada usando a expressão “silvícola”, de forma pejorativa
para justificar os atrasos na instalação das colônias.
Enquanto isso, João Lisboa criticava veementemente a temática indigenista dos
românticos. Para ele, não se poderia ter como referencial civilizacional um segmento não
civilizado em meio a uma sociedade “bárbara, inculta”, em que os padrões de sociabilidade
existentes no Brasil eram distorções dos verdadeiros sentidos da cultura.
A intrínseca relação entre literatura e nação ocupava espaço demasiado não só nos
jornais, revistas ou congêneres ao assunto, mas o destaque dado ao nacionalismo e patriotismo,
144
A primeira mensagem que aborda a questão indígena na província do Maranhão data de 1836. Daí em diante,
todas as mensagens, discursos, falas e relatórios dos presidentes de província inexoravelmente abordam a
questão como prioridade do estado. Em todos esses documentos os indígenas (silvícolas) são tratados como
insubordinados, lascivos, detratores e imorais. Para contornar o grave problema a que os índios submetiam a
civilização da província, em 11 de abril de 1852 foi criada a Colônia Indígena de Leopoldina, na região do
Alto-Mearim para a catequese dos índios Pobzés, Cremzés e Tymbiras. O Regulamento n. 426, de 24 de julho
de 1845, criou 5 diretorias de índios, subordinada a um Diretor geral. A Diretoria compreendia 23 aldeias com
3273 indígenas. Eram elas: 1ª Diretoria: comarca da Chapada, com 3 aldeias de índios canela e 703 índios no
total. 2ª Diretoria: chapada dos índios do Rio Grajaú, com 4 aldeias e 677 guajajaras. 3ª Diretoria: Comarca de
Viana, margens do rio Grajaú e fronteira com a Leopoldina, possuía 6 aldeias com 503 índios. 4ª Diretoria:
Caxias, 9 aldeias com 1269 índios, sendo 07 aldeias guajajaras e 02 mateiros. 5ª e última diretoria: Viana, que
possuía 106 índios Gamela. A Lei n. 85, de 1854 criou a Colônia indígena do Pindaré na região banhada pelo
rio do mesmo nome. No intuito de ocupar a região foram criadas, a partir de 1852, colônias agrícolas, tais
como: a de Santa Isabel, a de Santa Thereza, a de Petrópolis, além da colônia de trabalhadores Arapapahy que
tinha a intenção de construir um canal que facilitasse a navegação entre São Luís e a baixada maranhense,
segundo a Falla que recitou o presidente da província do Maranhão, Joaquim Álvares do Amaral, na abertura
da Assembléia da mesma província, em 28 de julho de 1848. Maranhão, Typ. da Temperança, 1848 .
levava os literatos a assumirem o papel de construtores da civilização nacional. Aos poucos, o
Rio de Janeiro foi se constituindo como urbe, onde os vários intelectuais de várias regiões do
país, que para lá migraram, transformaram os elementos regionais em questões nacionais, ou
seja, subsumiram a identidade regional em detrimento dos elementos sígnicos de âmbito e
proporção considerados mais gerais. Isso vale para o cantor das terras das palmeiras. Em todos
os periódicos pesquisados, não foi tão comum a referência ao lugar de nascimento de
Gonçalves Dias, mas sim ao lugar de pertencimento de sua obra, ou seja, a literatura brasileira.
A literatura, embora se alimentasse das diferenças para o escopo de sua criação
artística, não poderia dar ênfase às disputas intraregionais, pois o projeto criador da nação
deveria estar acima de qualquer questiúncula. Não à-toa, a historiografia histórica e literária
sempre se reportou ao que se passava fora dos limites do Rio de Janeiro como “questões
regionais” e o que passava dentro dos limites do Rio de Janeiro como “questão nacional”.
Não por acaso raríssima foi a menção a São Luís enquanto Athenas Brasileira nos
jornais fluminenses. A Athenas Brasileira não poderia ser uma região específica do Brasil ou
ter elementos de uma única região. Conseqüentemente, a historicidade das especificidades
locais e regionais foi subtraída pelo élan aglutinador do império que, atraindo intelectuais de
vários lugares da nação, confeccionaram uma literatura de tipos específicos, ou seja, uma
história à brasileira e não apenas pernambucana, baiana, maranhense etc.
Entretanto, Gonçalves Dias serviu como vórtice tanto para a construção da literatura
quanto para os defensores de Athenas brasileira. À medida que os jornais fluminenses,
indiscriminadamente, apontavam-no como um dos pilares da literatura brasileira, os
maranhenses reivindicavam seu lugar de “pertencimento social”. — “Pertencia ao Maranhão!”,
bradaram os maranhenses: o lugar torrão que lhe permitiu os caracteres geniais que o resto da
nação tomou conhecimento. Quanto mais na capital do império ele angariava prestígio, tanto
mais arrefecia o orgulho ‘por ser maranhense’ e não por ‘apesar de ser maranhense’. É que,
nesse âmbito, as contradições políticas, sociais e culturais da província ficavam escondidas,
não sublinhadas. O destaque dado a Gonçalves Dias enquanto um poeta nacional, sem enfatizar
seu primeiro lugar de pertencimento, tamm atendia a outro princípio subreptício.
Falar do Maranhão e explicar as condições sociais que permitiram o surgimento de um
gênio como ele era adentrar nas condições da sociogênese
145
que legitimavam os defensores da
Athenas Brasileira, logo, nos argumentos da estreita ligação do passado colonial que Portugal
145
O conceito de sociogênese é trabalhado por Elias (1993) para designar o processo civilizador que deu origem
aos estados modernos europeus. A sociogênese é o processo formador, motivacional, original que impulsiona,
condiciona, possibilita as relações sociais de um determinado lugar. Indica padrões de comportamento, eixos
de sociabilidades.
havia legado ao Maranhão, qual foi: uma herança cultural e lingüística capaz de aventar uma
situação diferenciada, ainda que os literatos, intelectuais, desenhistas do império brasileiro não
questionassem, aliás, faziam questão de contrapor tal passado, pois, quanto mais se desse
ênfase à criatividade dos escritores, poetas e romancistas brasileiros surgidos pós-
independência, mais fortalecido seria o projeto de criação da nação.
Os jornais fluminenses não paravam de aplaudir o autor dos Últimos Cantos. O jornal
quinzenal Brasil Ilustrado publicou, talvez, o artigo mais elucidativo e exemplificador das
questões tratadas parágrafos acima. O artigo percorre todos os temas caros à história do Brasil
passando pela natureza, a independência até chegar à literatura. Fica evidente que o nível de
desenvolvimento literário era a medida do progresso individual e da nação. O artigo transcrito
abaixo traz as seguintes afirmações:
A literatura não aparece em um povo, senão depois que ele tem desenvolvido
sua inteligência, em todos os ramos dos conhecimentos, porque a literatura é
o belo de todos os conhecimentos, e não pode por isso precede-los.
Encaremol-a somente pelo lado da poesia. Quem poderá negar que temos uma
literatura, e literatura original? É verdade que ela a principio não fora senão
um arremedo da portuguesa; porém a natureza forte, bela, vigorosa, e
sumariamente poética de nosso solo devia reagir sobre esse estrangeirismo, e
reagiu vede Porto-Alegre, Odorico, Magalhães, Teixeira e Sousa e o bem
original Gonçalves Dias (O BRASIL ILUSTRADO, 15.10. 1856, p. 02).
A Marmota - Folha Popular de 25 de novembro de 1857 noticia com entusiasmo a
publicação da coleção de poesias de Gonçalves Dias na Alemanha, edição de Leipzig de 1857.
A nota comemora o regresso do poeta ao Brasil que se imortalizará por cantos como A canção
do Exílio – datada de Coimbra de 1843.
Os Anais da Academia Philosophica, de fevereiro a 12 de junho de 1858, comentando
sobre as produções literárias ao longo dos anos de 1856 e 1857, cita e comenta as obras
Confederação dos Tamoios, Guarany, de José de Alencar, e Harpas Selvagens, de Joaquim
Manoel de Macedo. Saúda o envio da última composição do poeta maranhense da Europa para
o Rio de Janeiro e afirma que os Tymbiras, além de conquistar o lugar que lhes é devido, os
seus Primeiros Cantos são precursores “de um monumento erguido à poesia brasileira pela
primeira musa americana” (ANAIS DA ACADEMIA PHILOSOPHICA. 01.02 a 12.06.1858).
A Revista Popular, ao se reportar aos jovens escritores e artistas da academia de São
Paulo naquele ano, citando Francisco Leite Bittencourt Sampaio, de Sergipe, afirma que fora
influenciado por Gonçalves Dias no cultivo do gênero nacional. A nota, de forma breve e
direta, assinala: “para marcar o logar, que lhe compete na nossa literatura atual, o Sr.
Bittencourt Sampaio ocupa, como poeta lyrico nacional, o primeiro logar logo abaixo do nosso
Soberbo cantor, o Sr. Gonçalves Dias” (REVISTA POPULAR, 1859, p. 94).
E, para finalizar a repercussão de Gonçalves Dias como um dos pilares da literatura
brasileira e as conseqüências deste para orgulho dos brasileiros e em especial, dos
maranhenses, A Gazeta do Brasil, com o título “Harmonias brasileiras: contos nacionais,
coligados e publicados por Joaquim de Macedo Soares”, 1ª série, que havia sido confeccionado
em São Paulo, no ano anterior, depois de uma longa análise das influências na literatura
brasileira, seu longo desenvolvimento é um questionamento de quando de fato ela nascera,
afirmando que o poeta ocupava um lugar honroso, “o de chefe de uma escola, que traduz os
sentimentos de um povo, interpretando maravilhosamente os instintos d’entusiasmos pelas
causas pátrias e d’um amor dedicado ao nosso país”, preenchido por ele desde 1846 quando
publicou os primeiros versos “marcando uma data histórica na nossa literatura” (GAZETA DO
BRASIL, 03.06. 1860, p. 03).
A referenciação constante acerca do poeta timbirense defraudando a bandeira da
literatura nacional, conseqüentemente, da genialidade brasileira, uma vez que literatura seria a
expressão do espírito de um povo e todos os seus revezes, foi mais que suficiente para
respaldar ações públicas no Maranhão para a perpetuação da memória do maranhense natural
de Caxias.
Em 1862 o jornal A Coalisão
146
circulava pelas ruas de São Luís com a notícia da
ereção de um monumento ao gênio cantor das poesias americanas. A iniciativa havia sido
tomada pelos amigos Antonio Rego, Antonio Henriques Leal, Alexandre Theóphilo de
Carvalho Leal e Pedro Nunes Leal.
Acompanhados do caxiense Francisco José Furtado, dirigiram circulares a vários
maranhenses de várias províncias, solicitando apoio para uma justa homenagem “a um dos
primeiros brasileiros, um dos brilhantes escriptores da língua portuguesa o mavioso cantor
americano”. O objetivo dos valorosos varões não se deu no mesmo ano. Gonçalves Dias, em
vida, não teve a oportunidade de ver seu monumento erguido em uma praça de São Luís.
3.4. O anjo do extermínio leva para o panteão etéreo os atenienses
O ano de 1864 terminaria com a fatalidade trazida pelo anjo do extermínio. Em 03 de
novembro, morria em águas maranhenses, a bordo do Villegaingnon, “o cantor das musas
146
A Coalisão, 02 de agosto de 1862. Ano 01, n. 52.
americanas”, “o maior poeta timbirense”, “um dos pilares da poesia brasileira’, “o gênio”, “o
criativo”, “o principal romântico brasileiro”, Antonio Gonçalves Dias.
O jornal Esperança, do Rio de Janeiro, em artigo de Dias Carneiro, prestava
homenagem ao poeta:
Hontem, a Esperança noticiou a perda de um vulto gigantesco das letras
pátrias; hoje ela vem de novo compungida dar um fraco testemunho de
sentimento pela morte de um dos ornamentos da literatura brasileira!
E quem ousa ceifar tantas vidas, fenecer tantas glórias, fazer baqueiar tantas
esperanças!
A morte!
Todos recuão ante essa barreira invencível, ante esse anjo de asas negras que
esvoaçando em torno de nós lança o braço inexorável deixando cahir o golpe
mortal do seu terrível cutello, sobre o ente que tem de toda extincta a
ampulheta de sua vida.
O Dr. Antonio Gonçalves Dias, o auctor dos primeiros e últimos cantos, de
Beatriz, e de tantas outras obras de vulto, deixou de existir! (ESPERANÇA,
04.12.1864, p. 01).
Na página 02, além de transcrição das poesias do recém-falecido, o impresso
homenageia-o com um soneto com o título À MORTE DE ANTONIO GONÇALVES DIAS
do qual um dos versos dizia:[...] “ao recordar da morte o golpe insano/que há pouco espedaçou
lá no oceano”.
Morte. A morte era combustível inspirador do mal do século. Morte. Era a busca
frenética dos poetas que tanto admiravam por ser inspiração dos sentimentos compungidos,
incompreendidos, do amor mal correspondido ou não correspondido. Morte. Era também a
antítese da vida, era o fim a não ser atingido, encerrava a vicissitude de poder amar, como diria
Gonçalves Dias “se se morre de amor”... Morrer. Neste aspecto é não morrer, é estar vivo, é
possibilitar-se continuar vivendo para ainda uma vez, poder morrer. Mas a morte encerrava a
possibilidade de ainda continuar a morrer-se de amor. O poeta morreu de amor. Ainda que
sobrevivesse ao naufrágio, sucumbiria ante o estado lascinante de sua saúde, deveras agravada
pela doença e pela travessia delongada, recolhido ao porão da embarcação com tosses
ininterruptas, febre terçã, corpo dolorido. Morreu pelo amor à pátria, pois sua maior esperança
era reencontrar os pássaros que no Brasil gorjeavam como não gorjeavam lá, alhures, noutros
lugares, noutras pátrias, sem a natureza exuberante, exótica e frondosa. Seu amor o trouxe de
volta à terra natal, ao lugar amado.
Noutro trecho do soneto, o jornal afirma que: “e depois de sofrer tantos pesares/é justo
que jamais seja esquecido/ o vate que morreu buscando os lares” (ESPERANÇA, 04.12.1864,
p.02). Esperança que nem sequer avistou, pois nos recônditos do porão, não enxergou a baía de
São José de Ribamar, as águas que correm brigando, as águas bravias, o conjunto branco das
dunas dos lençóis maranhenses, na barra de Atins, no desaguadoro do rio Preguiças, onde as
águas doces tocam as salgadas. O mesmo mar do Maranhão que levou o poeta a desbravar o
Brasil e a Europa foi o mesmo que o trouxe de volta para jazigo eterno, repouso e descanso,
conforme transcrito na Esperança: “agora que seu corpo jaz perdido/ e talvez para sempre
nesses mares: monumento immortal lhe seja erguido”.
Eduardo de Sá: A morte de Gonçalves Dias, 1905.
O monumento para qualquer romântico: “poeta maior morre ao retornar a terra natal,
nas águas do Maranhão”. Maior monumento não era físico, era sentimental, espiritual. O
corpo, nunca encontrado, só aumentava a dor da perda, como também alimentava o
enobrecimento da ação, valorizava ainda mais os versos que, com sua morte, passavam a ter
uma evocação de verossimilhança
147
entre tudo que escreveu e a forma como viveu e morreu.
Em o Brasil Literário estampava a seguinte notícia, logo na primeira linha: “ainda
vibram nos arraias da morte, os sons da trompa fúnebre anunciando a queda de vulto
147
No Poema Adeus aos meus amigos do Maranhão, presente nos Primeiros Cantos (1847), as estrofes finais
antecipam o naufrágio do poeta: [...] “Porém quando algum dia o colorido/Das vivas ilusões, que inda
conservo/Sem força esmorecer, - e as tão viçosas Esp'ranças, que eu educo, se afundarem/Em mar de
desenganos; - a desgraça do naufrágio da vida há de arrojar-me/A praia tão querida, que ora deixo/Tal parte o
desterrado: um dia as vagas/Hão de os seus restos rejeitar na praia,/Donde tão novo se partira, e onde procura a
cinza fria achar jazigo”. Quando correu a notícia da morte do poeta, esse poema foi interpretado como uma
premunição.
imponente das pátrias livres!” (BRASIL LITERÁRIO. Rio de Janeiro, 04.12.1848, p. 01) Com
as expressões “pretendia repousar no lar dos seus avós” e “sobre o tumulo do qual iria
descobrir uma saudade” o diário dava uma dimensão da dor dos maranhenses que não puderam
gozar, “ainda uma vez, um adeus”
148
do seu maior representante.
Era a mão do destino fatal que se voltava contra os conterrâneos de Gonçalves Dias,
uma brincadeira dos deuses do Olimpo que, por inveja, não suportavam a sensibilidade do
poeta, a sua engenhosidade e, para não ter que disputar atenção, suas glórias e ter suas honras
divididas, em conluio com Posseidon, agitaram ainda mais as águas turvas do mar do
Maragnon; águas bravias, águas que correm brigando contra a embarcação que trazia a fina
flor da literatura brasileira. Era a desgraça que anunciava sua permanência por um longo
período. Era o castigo dos deuses por terem constituído um herói desafiando a cólera dos que
conduziam o destino dos homens comuns.
E para mostrar que os maranhenses não foram avisados, os deuses do Olimpo já haviam
lançado a sorte quando ceifaram outros atenienses do panteão ludovicense. Naquele mesmo
ano, outros imortais já haviam entrado em óbito, como podemos verificar nesta lamúria
estampada no Jornal A Coalição, quando a província quedou-se atônita ao saber da morte do
cantor da terra das palmeiras. Era um fardo pesado demais para ser suportado... Que triste fim
reservava aos participantes da construção da brasilidade. A nota diz:
[...] Nos que fomos e seremos um dos mais admiradores, seremos fieis e
constantes em nosso culto a memória de um tão excellente nome, e de um tão
rico e superior engenho.
Tem para nós ocorrido este anno de provança em provança a Gomes de
Sousa seguiram-se Trajano Galvão e Odorico Mendes, e a estes Gonçalves
Dias. Talentos não vulgares e que ficam sem outros que os possam substituir
(COALIÇÃO, São Luís, 05.11.1848, ano III, p. 01).
Da pentarquia de quatro integrantes, três morreram naquele fatídico ano: Gomes de
Sousa, Odorico Mendes e o próprio Gonçalves Dias. Para uma província que assistiu à
consolidação da “expansão para dentro”, tendo o Rio de Janeiro como “cabeça do império”,
conforme nos fala Ilmar Mattos (1999), o aumento da lamúria dos plantadores de algodão e
arroz, o crescimento da campanha abolicionista, a nação imersa na Guerra do Paraguai, o
crescimento de regiões como São Paulo e a diminuição da importância política das províncias
do norte, acercar-se em torno da memória desses nomes preenchia o vazio por estarem
geograficamente longe dos grandes debates que pululavam o Brasil.
Todas as vezes que os jornais fluminenses e de outros lugares laureavam figuras como
Gonçalves Dias, servia como forma de lembrança para o restante da nação da existência de
148
Poema de Gonçalves Dias escrito em 1854 depois do reencontro com Ana Amélia.
uma terra a 2º graus do Equador. Mas como continuar se orgulhando por ser uma fábrica de
genialidades, se os mesmos morriam intempestiva, subita e concomitantemente sem que outros
apareçam para ocuparem seus lugares? Não é que outros não nascessem e não se destacassem,
mas não tinham a mesma importância cultural que o Grupo Maranhense tivera, portanto, os
mesmos lugares de pertencimento, de reconhecimento social.
Para tornar isso mais claro, Joaquim de Sousa Andrade, o Sousândrade, César Marques,
Gentil Homem de Braga, Francisco Dias Carneiro, Cândido Mendes de Almeida, Maria
Firmina dos Reis e Antonio Marques Rodrigues eram alguns nomes que já produziam literatura
naquele momento e possuíam certo reconhecimento.
As questões estéticas que envolviam figuras como Gonçalves Dias, por exemplo, dizia
respeito à sua relação com a construção do império brasileiro. Não custa lembrar que era
membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, coligiu documentos do período colonial
em Portugal, em missão oficial, elaborou relatórios sobre a educação nas províncias do Norte
do Brasil, sobre a situação dos índios também nesta região, e não se pode negligenciar sua
estreita relação com o Imperador D. Pedro II.
Quando Alexandre Herculano anunciou para Portugal a existência de Gonçalves Dias,
enfatizou a importância que as letras ocupariam, o futuro promissor, e por que o Brasil seria a
nação do futuro, mencionando o empenho do imperador, sua motivação e ação pessoal
dedicando-se “todos os momentos que pode para salvar das ocupações materiais de chefe de
estado, ao culto das letras” (REVISTA UNIVERSAL LISBOENSE, 01.01.1848, p. 01). Este
talvez seja o maior emblema da relação entre literatura, política e a figura de Gonçalves Dias.
Afinal, segundo Herculano, a terra de Santa Cruz “podia abençoar mais um ilustre filho”. A
bênção foi dada pelas mãos do D. Pedro II. O império patrocinou as viagens de Gonçalves Dias
à Europa, prestou-lhe ajuda de custo e publicação de suas obras, garantindo-lhe sustento. Em
cartas dirigidas ao imperador, vêem-se a relação de amizade e confiança mútua, a admiração e
a estreita ligação entre ambos.
Numa dessas cartas, a de 03 de fevereiro de 1858
149
, enviada de Dresden, na Alemanha,
à Sua Majestade, o poeta comunica que estará encaminhando ao Imperador um exemplar de
seu Diccionário-Tupy e que nos últimos caixotes remetidos de Viena constam uns livros de
presente para a majestade. Comenta a tradução de Virgilio feita por Odorico Mendes, dada por
concluída, e um artigo publicado no Literarisches Zentralblatt, da Alemanha, acerca dos
Tymbiras, que, segundo ele, apesar de terem sido “duas palavras só”, foram mais benevolente
149
Documento existente na Academia Brasileira de Letras, sessão: Centro de Memória, documentação.
Correspondência de Antonio Gonçalves Dias ao Imperador D. Pedro II, no ano de 1858.
que as da Saturday Review que, sem razão, estava esquiva com ele. Na carta de 02 de março,
quando ainda estava em Dresden, comenta a situação política da Europa, de relativa
instabilidade, aconselhando ao imperador que se faça conhecer na Europa o núcleo extenso de
colonos daquele continente existente no Brasil, servindo de estímulo para a imigração dos
demais. Em 05 de maio, comentando sobre os avanços da Commissão de Exploração, atesta
que, da parte que lhe foi confiada, restavam apenas algumas compras em Paris e Londres, por
isso, sem sucesso, havia remetido ao Ministro do Império “um supplemento de crédito de mil
libras que desde novembro ultimo” havia requerido. Continua a carta dando as boas-novas de
Odorico Mendes, Magalhães e João Lisboa. O primeiro, depois de concluída a tradução e a
publicação das obras de Virgilio, começara a tradução da Ilíada, de Homero. O segundo estava
entretido nos seus Ensaios philosophicos. E o terceiro apareceu em cena com mais um volume
do Timon. Gonçalves Dias atesta que o movimento literário no Brasil “que em grandiosissima
parte agradecemos a V. M, devera tornar mais circunspectos os estranhos que se intromettesem
a discorrer sobre o Brasil”. E termina a carta fazendo votos “pela conservação e prosperidade
de V. M e da família imperial, digni-se V. M permittir-me beijar-lhe respeitosamente as
augustas mãos. O mais humilde súdito, Antonio Gonçalves Dias”.
Não era irresoluta tamanha consternação pela sua morte no Maranhão e até mesmo no
resto do Brasil. Foi o maranhense de maior expressividade nacional no século XIX, de maior
envergadura, de maior reconhecimento e de maior prestígio.
O jornal A Coalição, de São Luís, estampava a notícia: “foi desfeixado o ultimo golpe
sobre a infeliz província do Maranhão!” (COALIÇÃO, 10.12.1848. n. 89, p. 02). A expressão
infeliz é sintomática. A euforia já não se estampava nas bocas dos moradores da cidade. Cada
vez mais a expressão Athenas Brasileira, que raras vezes foi citada em jornais, panfletos,
escritos, artigos desde a década de quarenta até aquele momento, passava a ocupar cada vez
mais espaço nos impressos da cidade. Essa era a forma de sentenciar a existência da Athenas;
não abjurar da evocação de que no passado a província fora. Pela repetição e valorização das
singularidades que morriam selavam-se dois destinos: um, de desgraça pela morte trazida pelo
anjo do extermínio; outro, pela lembrança e necessidade de presentificar, a partir da memória,
um passado de glórias. Nesta longa citação do referido jornal, a dor dos maranhenses pode ser
sentida.
A Nioble brasileira já não possue mais filhos laureados, para servirem de
pasto á voracidade do destino!
A colera do senhor tem fatalmente pesado sobre não!
O anjo do extermínio não se tem apiedado do lacerante doêr de tantos peitos!
Que infelicidade esta do Maranhão! Os seus filhos de eleição a guarda de
honra, que engradecia aos das demais províncias, esses paladinos de
esforçadas gentilezas jazem por terra exangues e inanidos!
A terra de S. Luiz extremece na sua dor. Tão rica hontem, tão pobre, tão
mendiga hoje!
O que mais lhe resta a tragar no cálice da amargura?
O viajante que encontrava em seus muros tantos tropheus de gloria, tantos
usos; hoje só vê um vaso cemiterio, e escuta o pranto dos que se pode mais
esperar!
Que sina, que fatal sina foi esta!
Se alguem neste Brasil, podesse ignorar a significação do nome do nosso
poeta, valerá a pena numerar-lhe os feitos! Mas, quem precisa de mais nada
para saber quem era aquelle homem.
O eterno precisava d’elle, faltava-lhe tão doce canto no coro das delicias
immortais!
Pobre e infeliz Maranhão! (COALIÇÃO, 10.12.1848. n. 89, p. 02).
O capricho de Deus era a mortandade dos maranhenses, órfãos de referências, absortos
pela singularidade gonçalvina. Não tardaria para que aquela proposta de criação de uma praça,
monumentalização da figura de Gonçalves Dias, fosse posta em cena. A praça cumpriria o
papel de fazer lembrá-los da figura do poeta, funcionaria como imortalização na memória dos
que, ao passarem por ela, obnubilassem suas visões e perpetuassem os cânticos do cantor dos
Tymbiras.
3.5 A monumentalização dos atenienses na tessitura urbana da cidade
Joaquim Serra, deputado provincial, em discurso de 05 de junho de 1865, na
Assembléia Legislativa Provincial, discursou acerca do projeto de criação do monumento ao
poeta do qual ele era um dos autores. O artigo 1° dizia: “fica o governo authorizado a gastar
até a quantia de dez contos de reis, auxiliando a construção do monumento que se vae erigir á
memoria do cidadão Antonio Gonçalves Dias” (COALIÇÃO, 22.06.1865, ano IV, p. 01).
Joaquim Serra estava firme em seu propósito, ele que também seria reverenciado após a
sua morte. Nesse mesmo discurso justificava a sua intenção e acreditava ser uma missão
empreender tal ação dirigindo o “encargo de quem n’esta casa venha esmolar em nome dos
grandes homens da provincia”. Continua seu discurso pedindo atenção. Dizia que a tarefa não
era difícil, pois havia encontrado outros maranhenses com “ânimos generosos” predispostos a
efetuá-la. Recorre ao significado daquele século, “reparador de injustiças”, que já havia
ensinado que “para certos vultos proeminentes a posteridade começa-lhes ainda em vida”. Cita
os exemplos das nações européias que já haviam prestado suas justas homenagens aos seus
homens ilustres; como os exemplos de Beranger, na França; Byron, nas cavas de Westminster,
na Inglaterra; Schiller, com as apoteoses anuais na Alemanha. No ano anterior, afirmou ele:
deste mesmo lugar, pedi um auxilio para Odorico Mendes; uma outra vez
ergueo-se supplicando igual favor para João Francisco Lisboa, hoje venho
impetrar desta casa o quinhão, que deve caber em partilha á um outro filho tão
dilecto como esses dous, gênio o mais característico e original ente as
summidades maranhenses (COALIÇÃO, 22.06.1865, ano IV, p. 01).
Tudo isso para que, quando no futuro os maranhenses se lembrassem do biênio 1864-
1865, soubessem todos que, naqueles terríveis anos, a província havia perdido “os seus mais
importantes filhos, elles forão chorados e commemmorados d’uma maneira digna d’elles e
digna de nos”. Aplausos concomitantes às vozes bradando: “muito bem, muito bem”!
Ele já pedira auxilio para a ereção de monumentos a Odorico Mendes e João Lisboa
posto que, em 1863 morreram João Francisco Lisboa, em Lisboa, e Gomes de Sousa, em
Londres. Em 1864 foi a vez de Odorico Mendes, também em Londres e Trajano Galvão em
São Luís. Da pentarquia, só restava Francisco Sotero dos Reis. Que sina a dos maranhenses:
verem seus gênios entrarem em óbito em apenas dois anos. Era o início do discurso saudosista
e melancólico que marcaria todo o final daquele século.
Em 09 de novembro de 1864, um abaixo-assinado encabeçado por Sotero dos Reis,
Theophelo de Carvalho Leal, Antônio Rego, dirigido à Câmara Municipal da cidade de São
Luís pedia auxilio para a ereção de um monumento para a perpetuação da “memória de
Gonçalves Dias”
150
. O conteúdo do abaixo-assinado relata o naufrágio “do maior poeta
brasileiro da época presente” que se encontrava enfermo de mal incurável e que desejava
morrer em terras pátrias posto que vinha da Europa.
No segundo parágrafo traz a seguinte consternação:
Este fatal acontecimento não cobrio somente de luto os amigos do poeta, mas
consternou profundamente á toda a cidade de S. Luiz, e há-de causar a mesma
dolorosa sensação em toda a província e em todo o Brasil, que perdem no
illustre morto uma das glorias litterarias mais brilhantes, um dos mais
grandiosos vultos de poetas, um dos gênios mais favorecidos da natureza, que
teem em nossos dias ennobrecido o nome brasileiro.
O texto menciona o antigo projeto dos amigos do poeta na construção, em uma das
praças de São Luís, de um monumento para a veneração dos concidadãos. Empresa difícil,
visto que somente o desejo dos amigos não seria suficiente, por isso solicitava o empenho de
“todos os brasileiros a quem por justo título toca a gloria do nome immortal legado ao Brasil
150
Manuscrito n. 708m-1, g-4, e-30, da Biblioteca Pública Benedito Leite, em São Luís do Maranhão, seção de
Manuscritos e Avulsos.
por Gonçalves Dias, e aos estrangeiros apreciadores do gênio, afim que os auxiliem nesta
patriótica e santa empreza”.
O monumento ao poeta foi inaugurado em 07 de setembro de 1873. A praça, no sentido
norte, foi denominada de Gonçalves Dias e a parte oeste, de praça dos Remédios, segundo a
Resolução nº 13, de novembro de 1900, 36º aniversário de morte do poeta.
Foto 02. Monumento a Gonçalves Dias
Foto 03. Detalhe da praça Gonçalves Dias. Foto 04. Igreja de N.Sra. dos Remédios.
O monumento foi erguido no Largo dos Remédios, no mesmo lugar em que acontecia a
festa mais tradicional de São Luís. Nada mais simbólico que erigi-lo no centro balbuciante da
cidade, de frente para o rio Anil, num frontispício a dez metros acima do nível do mar, de onde
podia se avistar parte da cidade colonial e imperial, defronte às margens da baía de São
Marcos.
O monumento, de mármore branco, olhando-se a partir de sua base, possui quatro
degraus. Acima dos quatro degraus, na base do monumento em forma de quadrante, há quatro
rostos, cada um circundado por um anel e, fora dos círculos que anelam os rostos, reproduções
da casca da palmeira por todo o quadrante onde elas estão. Acima do rosto de uma das esfinges
há uma epígrafe e, acima da epígrafe, inicia-se o caule de uma grande palmeira intervalada por
três anelos distanciados simetricamente sob a forma de folha de louro. Acima do último anelo
de folha de louro, as palmas da palmeira fechadas abaixo da estátua do poeta. Na base da
estátua, ao lado do pé esquerdo, uma máscara de teatro; na mão direita, o poeta segura uma
rama de folha de louro com uma sonata. Sobre o ombro esquerdo, uma manta, e o braço abaixo
deste ombro, dobrado, sustenta a manta sob um ângulo de 90 graus e, na mão, uma brochura de
papel com poesias.
A simbologia deste monumento revela as intenções e as representações do imaginário
social sobre o artista que o criou e a mensagem subliminar que queria transmitir aos que
contemplariam. “A palavra monumentum remete à raiz indoeuropéia men, que exprime uma
das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini)”. O verbo monere significa
‘fazer recordar’, de onde avisar, ‘iluminar’, ‘instruir’. O monumentum é um sinal do passado”,
segundo Jacques Le Goff (2003, p. 526). O mesmo sentido está contido em Francoise Choay.
Segundo este autor, em sua obra Alegoria do patrimônio, a natureza afetiva do propósito de um
monumento é essencial:
Não se trata de apresentar, de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela
emoção, uma memória viva. Nesse sentido, primeiro chamar-se-á
monumento tudo o que o quer for edificado por uma comunidade de
indivíduos para rememorar ou fazer que outras gerações de pessoas
rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças. A especificidade do
monumento deve-se precisamente ao seu modo de atuação sobre a memória.
Não apenas ele a trabalha e a mobiliza pela mediação da afetividade, de forma
que lembre o passado fazendo-o vibrar como se fosse presente. Mas esse
passado invocado, convocado, de certa forma encantado, não é um passado
qualquer: ele é localizado e selecionado para fins vitais, na medida em que
pode, de certa forma contribuir para manter e preservar a identidade de uma
comunidade étnica ou religiosa, nacional, tribal ou familiar (CHOAY, 2006,
p. 18).
A escolha do local revela as intenções do monumento enquanto fazer recordar. A
estátua foi erguida no antigo Largo dos Amores, depois Largo dos Remédios. No local
acontecia a concorrida festa de Nossa Senhora dos Remédios descrita por João Francisco
Lisboa, Aluízio Azevedo (O Mulato) e Graça Aranha (Meu próprio Romance). Era o espaço de
encontro da fina flor da sociedade ludovicense. O monumento está disposto às margens do rio
Anil, num promontório de onde se pode avistar a baía de São Marcos, a cidade de Alcântara ao
fundo e boa parte das edificações de arquitetura colonial. A data da inauguração da estátua, 07
de setembro de 1873, é sugestiva. No dia da conclamação da independência, inaugura-se um
monumento de quem tornou a literatura brasileira independente. Essa era uma das
características dos monumentos românticos: “qualidade estética ou o pitoresco”, segundo
Meneses. A intenção estética, social e política do romantismo, ao conceber um monumento, era
buscar
um instrumento de fácil percepção do passado dos laços afetivos e das
sensibilidades que o movimento artístico quer denotar: as marcas das
construções humanas, o valor moral do fazer a transitoriedade das obras do
homem o poder fundador dos monumentos e a transformação que o tempo
impõe a tudo (MENESES, 2006, p. 34).
É nesse contexto que, segundo Meneses, forjou-se a noção de monumento histórico,
tendo como princípios a valorização da arte, a idéia romântica de identidade e revelação de
saberes e fazeres humanos. A estátua de Gonçalves Dias está repleta da simbologia com intuito
de demarcar o quanto se poderiam cultuar as ações de homens que construíram a revelação da
identidade romântica brasileira.
O monumento de 12 metros desponta sozinho no meio da praça. Não há um só lugar de
que, estando nela, não se possa avistá-lo, altaneiro e destacado. Em sua base há quatro degraus,
indicando quatro níveis de estágio. Acima dos quatro degraus, quatro rostos. Os quatro rostos
em alto-relevo são, respectivamente, por ordem de visualização, a partir da parte frontal da
escultura do poeta, de: João Francisco Lisboa, abaixo da escultura; à direita da parte frontal,
andando-se em sentido anti-horário, vê-se Manoel Odorico Mendes; atrás do poeta, Joaquim
Gomes de Sousa; e ainda em sentido anti-horário, Francisco Sotero dos Reis.
A colocação dos rostos por essa ordem pode ter sido aleatória, a partir da perspectiva do
artista, mas pode revelar também as intenções dispondo a pentarquia pelo critério de
valorização social. Antes de se atingir visualmente a estátua do poeta, necessita-se subir a
disposição de quatro degraus dispostos em quatro níveis indicando quatro estágios de
reconhecimento. O primeiro, João Lisboa, pode indicar a necessidade de se reconhecer que o
Timon estava logo abaixo dos pés do poeta tymbira, uma vez que a posição frontal da estátua
só pode ser visualizada se se olhar primeiro e abaixo para seu desafeto. Mera coincidência? E a
diatribe de João Francisco Lisboa, “o nosso poeta Gonçalves Dias, dando o braço a umas
senhoras, conversando alegre e satisfeito, sem deixar rever o menor vislumbre daquela
melancolia e desesperação que nos vende em seus mimosos versos, hei de estimar que
continuem as suas infelicidades” (LISBOA, 1865, p. 526), pode revelar as intenções do artista,
uma vez que acima da esfinge de João Lisboa está a epígrafe com os dizeres: “OS
BRASILEIROS A ANTONIO GONÇALVES DIAS HOMENAGEM AO GENIO POETICO”.
À sua direita Odorico Mendes denota o prestígio atingido pelo tradutor de Homero e Virgilio e
o destaque que juntos obtiveram no cenário nacional. Atrás do poeta, Joaquim Gomes de Sousa
se destacando por sua genialidade enquanto matemático. Mas a matemática é universal, ou
seja, reconhece-se alguém por sua condição de calcular números, mas os números não
pertencem a nenhuma nação. E finalmente, Sotero dos Reis, o de menor envergadura e o único
que nunca saiu de São Luís. As quatro esfinges estão circundadas por um anel em alto-relevo
destacando seus rostos. Cada rosto ocupa um quadrante da base do monumento, podendo ser
avistado um de cada vez como se observa um quadro ao ar livre. O grande caule de palmeira é
uma referência aos tantos versos que poetizavam a exuberância da natureza brasileira, a
especificidade da flora, a pontuação do amor do poeta singularizado nesta árvore, como em
versos de A Canção do Exílio. O caule intervalado por anelos de folhas de louro é uma
predicação aos vencedores das lutas travadas na Grécia Antiga, que eram reverenciados pela
coroa da vitória simbolizando o mais alto patamar que um lutador poderia obter. Acima do
último anelo de folha de louro, as palmas da palmeira fechadas prontas para desabrocharem
sobre o último caule que recebe a estátua do poeta. A máscara de teatro e a sonata, uma
menção aos textos de Beatriz, Leonor de Mendonça. A manta, distinção de um nobre homem;
e, os papéis, a poesia que tanto o acompanhou ao longo da vida. A cabeça do poeta está
levemente inclinada para baixo. Um olhar plácido contemplando a terra que tanto amava.
Foto 05. Epígrafe incrustada abaixo da base da estátua do poeta e acima da epígrafe de João Lisboa.
Foto 06. João Lisboa
Foto 07. Sotero dos Reis.
Foto 08. Odorico Mendes. Foto 09. Gomes de Sousa
No Diário de Noticias, do Rio de Janeiro, em 18 de julho de 1872, há uma referência ao
monumento que seria erguido a Francisco Sotero dos Reis no Largo do Carmo. Para angariar
fundos, um espetáculo teatral foi realizado no dia 02 do mesmo mês para esse fim. A intenção
dessa vez não logrou êxito. Em 1901, pela Resolução nº 14, de 28 de julho, o Largo passava a
se chamar praça João Lisboa. O dia 28 de julho de 1901 era o 78º aniversário da adesão do
Maranhão à independência. A estátua, no entanto, só foi inaugurada em 01 de janeiro de 1918,
embora a confecção desta tenha sido realizada em 1912, tal como previsto no projeto de 24 de
abril do ano anterior, conforme lei Estadual n. 582. A obra foi confeccionada em Paris por Jean
Magrou, conforme se vê assinada na base da estátua de 1912.
Foto 10. Praça João Lisboa.
Foto 11. Escultura de João Francisco Lisboa.
A praça que finalmente coube ao grande professor do Liceu e do Instituto de
Humanidades é recheada de contratempos e uma das mais vexatórias da cidade que se dizia
orgulhosa de seus vultos. Em 1815, o lugar que futuramente se chamaria praça da Alegria e,
depois, Sotero dos Reis, era denominado Forca Velha, segundo Domingos Vieira Filho em sua
Breve história das ruas e praças de São Luís (1971). Em 1849, com a retirada da forca, passou
a se cognominar de praça da Alegria uma tentativa de sublimação da sua antiga função.
Segundo Domingos Vieira Filho, em 1868, Antonio Henriques Leal, então vereador, sugere à
vereança, em sessão de 13 de agosto, que o logradouro passasse a se chamar de praça Sotero
dos Reis. Acatada a proposição, foi transformada em Resolução, mas, segundo este autor, após
a retirada de Henriques Leal para Lisboa por motivos de saúde, a própria Câmara dos
Vereadores descumpriu a Resolução e lançou mão de outra, retomando o antigo nome do
logradouro, voltando a ser cognominada de “Alegria”.
A retomada do antigo nome gerou constrangimentos e artigos foram publicados
exclamando a situação vexatória a que os vereadores submeteram a memória do velho
professor de português e literatura. Em 1890, outro nome foi sugerido: o do navegador genovês
Cristóvão Colombo, sem sucesso. Em 1889, segundo a Resolução n.º 425, de 1º de agosto,
nova sugestão partia da Câmara dos Vereadores sugerindo que este logradouro ficasse
denominado como praça 13 de maio, também sem sucesso. A foto na outra página é a atual
praça da Alegria como os citadinos de São Luís a cognominam hoje. Ao centro da foto, a
existência de um prédio que sedia um jardim de infância, jardim Decroly, construído sob o
lugar que antes abrigava um mercado edificado em 13 de maio de 1910, na administração do
Intendente Mariano Martins Lisboa, segundo ainda Domingos Vieira Filho.
A foto na outra página é atual, não existe nada que a identifique enquanto praça Sotero
dos Reis: nem busto, lápide, inscrição, placa, nenhuma indicação, nem mesmo o fato de que ele
morava em suas proximidades. Atualmente ela funciona como um pequeno mercado de flores.
Foto 12. Atual Praça da Alegria, que já se chamou Forca Velha, da Alegria, Sotero dos Reis, Cristóvão Colombo,
13 de maio, da Alegria, Saturnino Belo, embora a população se reporte a ela pelo nome atual.
Melhor sorte teve Odorico Mendes. O logradouro que leva seu nome foi denominado
pela Câmara Municipal em 28 de julho de 1901, segundo Resolução nº 14 deste mesmo ano,
mesma Resolução que também criava a praça João Lisboa. O seu busto foi inaugurado em
1905, esculpido por Rodolfo Bernardelli. A praça situa-se apenas a duas quadras da praça
Gonçalves Dias, aproximadamente 100 metros. Os restos mortais do grande tradutor estão sob
o pedestal que sustenta o busto. A antiga lápide, trazida de Londres juntamente com os restos
mortais, diz: “Manoel Odorico Mendes. Exímio poeta brasileiro. Político e patriota extreme.
Transladou Homero e Virgilio em fiel e conciso verso português. Nasceu no Maranhão (Brasil)
a 24 de janeiro de 1799. Morreu em Londres, a 17 de agôsto de 1864”, conforme, em português
e Inglês. A atual placa contém os seguintes dizeres:
Odorico Mendes. Descendente de uma das famílias tradicionais do Maranhão,
Manoel Odorico Mendes nasceu em São Luís, a 24 de janeiro de 1799,
residindo nesta cidade até os dezessete anos. Depois de uma vida dedicada à
política e à literatura, faleceu em Londres, no dia 17 de agosto de 1864. Foi o
primeiro tradutor da obras Ilíada para o português. É considerado o mais
completo humanista lusófono. Réplica do busto original esculpido por
Rodolfo Bernardelli. Recolocado em janeiro de 2007.
Foto 13. Detalhe do busto de Manoel Odorico Mendes, na praça de mesmo nome.
O último logradouro exposto é de Joaquim Gomes de Sousa, completando a pentarquia
de quatro notáveis maranhenses. Autores como Domingos Vieira Filho (1971) e Magnólia
Bandeira de Melo (1991) afirmam que, em 1929, foi lançada a pedra fundamental do
monumento a Joaquim Gomes de Sousa em comemoração ao centenário de nascimento do
matemático por iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, embora a praça só
passasse à tal designação em 1959, trinta anos depois. De forma irônica, Domingos Vieira
Filho comenta: “como tantas outras coisas nesta São Luís, o monumento ao Sousinha não
passou da pedra fundamental” (1971, p. 87). O sarcasmo do autor se referia às condições da
praça naquele momento, não sendo muito distintas das existentes hoje. Não existe busto, placa,
sinalização ou coisa do gênero que indique ser ali sequer uma praça, quiçá, uma em
homenagem a tão ilustre maranhense. Da praça Gomes de Sousa é possível se avistar a
Gonçalves Dias, nem de perto ou longe se assemelham.
Foto 14. Praça Gomes de Sousa.
A monumentalização da pentarquia encetada na composição urbana da cidade sob
forma de logradouros, como pôde ser vista, aconteceu ao longo do século XX, e não durante a
reverberação da existência de uma cidade balizada pelos princípios áticos, quando da
existência dos seus supostos participantes e integrantes e a repercussão de suas importâncias
para o desenvolvimento das suas respectivas áreas de atuação ao longo do século XIX.
A monumentalização sob a forma de objetivação urbana, como praças, ruas etc., por
exemplo, serve como mostruário da forma como os seus cidadãos, moradores e transeuntes
lêem, vivem, relacionam-se, interpretam, conjugam as suas concepções de identidade,
comunidade, sociabilidade, memória e vivencialidade. Se se tomar como parâmetro a ereção
das estátuas e praças como forma de reverenciar a memória dos ‘fundadores’ da Athenas
Brasileira, engrossa-se, mais uma vez, o caldo de desconfiança da relação entre os que os
moradores pensavam e objetivavam em suas práticas citadinas e a imagem da cidade de São
Luís enquanto tal.
A construção de um monumento a Gonçalves Dias é de 1862, mas a sua concretização é
de 1878, e a praça que levaria seu nome, de 1900. Esse raciocínio pode ser tomado enquanto
análise para as praças Odorico Mendes e João Lisboa, ambas de 1901. Se pensarmos no caso
de Sotero dos Reis e Gomes de Sousa, o caldo definitivamente entorna. Quanto ao primeiro, se
era tão importante assim para a memória dos moradores de São Luís, por que a praça, que ao
final não leva mais o seu nome, não se tornou uma condição objetiva quando Antonio
Henriques Leal, enquanto vereador, a propôs? Por que os vereadores, aproveitando a ausência
do requerente, modificaram a resolução e retomaram o antigo nome daquele logradouro?
Quanto a Gomes de Sousa, que também era físico, a proposição de monumentalização física
em forma de logradouro só veio com o centenário de seu nascimento, mas a efetivação em
forma de praça, a foto ainda que parcialmente, mostra que o lugar daquele que foi considerado
um dos maiores cérebros brasileiros do século XIX, Gomes de Sousa, não mereceu sequer uma
escultura de seu crânio tão genial.
Construir placas, atribuir nomes de ruas, praças, avenidas e estátuas é uma das várias
formas de monumentalização. Monumentalizar é lançar o esforço de criação de sentidos
sociais, culturais, políticos de vivencialidade de perpetuação de um certo tipo de memória
como caractere geral e comum a todos. Monumentalizar é transformar uma memória individual
em coletiva. Segundo Maurice Halbwachs (1990, p. 90), “toda a memória coletiva tem por
suporte um grupo limitado no espaço e no tempo”. Sob esse aspecto, é plausível o fato dos
vereadores não darem cabo de edificar uma praça a Sotero dos Reis; a memória em torno dele
dizia respeito a Antonio Henriques Leal e ao grupo muito restrito que com ele compartilhou as
mesmas experiências, quer objetivas, quer discursivas.
Segundo Pierre Nora (1984), que discorda de Halbwachs sobre a espontaneidade da
memória, quer individual, quer coletiva, toda memória é sempre construída socialmente. Os
sentidos em torno da importância de se edificarem monumentos aos vultos do passado não
eram compartilhados pela esmagadora população de São Luís, ainda que o sentido fosse esse:
de ‘educar’, didatizar a importância de culto, valoração, reificação e reverenciação do passado.
“As pessoas participam de universos de discurso múltiplos, mais ou menos discrepantes,
constroem mundos diferentes, parciais e simultâneos, nos quais se movimentam. A construção
cultural que fazem da realidade não surge de uma única fonte e não é monolítica”, segundo
Barth (1999, p. 123).
Se os moradores de São Luís se sentissem atenienses ou pelo menos co-participantes
desse projeto, não haveria tanto esforço para se afirmar enquanto tal. A repetição era uma
forma de auto-afirmação.
Parte IV
AS COLUNAS DE ARYRY
151
DO PANTEÃO LUDOVICENSE: a crítica a ideia de
Athenas Brasileira a partir de João Francisco Lisboa
Os aryrys sustentam as barracas e servem de ornamento para a festa. Usados como
colunas, são agrupados formando um quadrante delimitando os espaços de cada uma. Dentro
das barracas, vendia-se peixe, camarão, bolos, mingaus, entre outras coisas. No ano de 1851, a
disputa pela instalação das barracas e a procura por aryrys não foi tão grande como em anos
anteriores, poucas foram armadas. Era uma ocasião ímpar para apurar em venda o que o resto
do ano não proveu. Essa não era a intenção primordial da festa, mas não se podia impedir que
os vendedores perdessem a oportunidade de encontrar no mesmo espaço todas as gentes da
cidade para oferecer o que tinham.
A cidade se aprumava. O clima era diferente. Não o clima físico dos meses de
setembro, outubro, novembro e dezembro, quando, nas províncias do sul, avizinha-se a
primavera e, nesta cidade, é verão de estiagem, pois as últimas chuvas verteram suas águas
pelas bandas de junho, fazendo com que outubro, mês da festa, a temperatura beirasse os 37º
graus centígrados, mas o clima festivo, sentimental e espiritual, pela expectativa e ansiedade
de um ano inteiro para que os participantes pudessem vestir suas melhores roupas, tomar parte
das novidades, mexericar vida alheia, encontrar os dirigentes da província, as gentes ilustres,
poetas, intelectuais, para expiação e pietismo de todos os pecados, enfim.
Era a festa mais concorrida. Em tom jocoso, um autor de um folhetim homônimo à
festa narrou, nesse gênero literário, os costumes e hábitos locais que considerava grosseiros e
anti-refinados. Poucos escaparam as suas diatribes. O folhetim era uma resposta à acusação
que lhe pesava de misantropia e, ao levar ao conhecimento de um público mais geral, leitor de
jornal, o simulacro da sociedade revestido na festa acerca de como se enxergavam enquanto
avançados, mais alvissareiros que de fato autocríticos, auto-referenciados, denunciou que, ao
invés de misantropo, era ele quem enxergava a miopia social, a ausência de criticidade e a
necessidade frenética de se singularizarem a partir de epítetos, títulos, gestos e criação de
códigos sociais que os diferenciassem de qualquer outra sociedade.
151
Aryry ou Ariri na grafia contemporânea: Planta da família das palmáceas (Diplothemium campestre), de fruto
drupáceo amarelo cuja parte carnosa tem propriedades febrífugas, e de folhas forrageiras, empregadas no
fabrico de vassouras e trabalhos trançados; buri-do-campo, coco-de-vassoura, coqueiro-pissandó, guriri-do-
campo, imburi, pissandó ou pissandu, segundo o Dicionário Brasileiro de Botânica. Era comum nos festejos de
São João em São Luís até a sua extinção na década de 1980.
O autor sabia de sua posição e da proporção do alcance do seu folhetim, digo folhetins,
pois a descrição da festa religiosa, que sempre ocorria no mês de outubro, foi apenas o
primeiro saído da sua pena de prestígio e da posição social que ocupava para contrapor-se aos
critérios de sociabilidade que a sociedade em que ele vivia elencava para situar-se. O folhetim
servia bem a essa função.
O gênero folhetim, surgido em meados do século XIX, era uma obra literária de prosa
de ficção ou romance com uma narrativa mais direta, menos psicologizante, menos densa,
popularizada para facilitar a compreensão da escrita literária e divulgação do romance. Era
geralmente escrita em capítulos seqüenciados, edição seriada; publicados em jornais e revistas
semanalmente acompanhados por seus leitores. Seus críticos o acusavam de simplificação,
desvio de perspectiva da verdadeira literatura. Porém, ocupou um papel importante na
didatização da função da literariedade à medida que corroborava para a criação de um sistema
de significação literária entre autor, obra, público e remissão da própria obra. Obviamente, os
que lhe criticavam partiam da premissa da não necessidade de “simplificação e redução” de
uma narrativa surgida para expressar sentimentos compungidos de um autor, distintamente de
uma linguagem formal, cotidiana, escriturária que existe exatamente para ser literatura e não
outra coisa. Nisto residia a intenção do autor do folhetim homônimo à festa: descrevê-la em
linguagem mais acessível e com a perspectiva de abrangência maior que nos romances
convencionais.
É preciso relativizar a abrangência de leitores do gênero folhetim, quantos compravam
jornais, qual era a sua repercussão, suas conseqüências, mas enquanto estratégia de descrição
da sociedade, seu autor sabia de suas intenções, o que queria atingir.
Seu autor se autocognominava de Timon. Timon, em grego, significa “aquele que
venera”, mas o sentido da proposição do empréstimo deste pseudônimo utilizado pelo seu
autor derivava do poeta grego existente no período clássico que desprezava a humanidade. O
pseudônimo de Timon era o de João Francisco Lisboa, que, após a publicação do Jornal de
Timon, em 1852, assumiu publicamente esta alcunha.
João Francisco Lisboa, o integrante da “pentarquia” de quatro notáveis, é
possivelmente também o mais emblemático deles. Nascido às margens do rio Itapecuru, era
uma das vozes dissonantes na sociedade maranhense e, na Festa de Nossa Senhora dos
Remédios, escrita sob forma de folhetim no jornal Publicador Maranhense, nº 1173, de 15 de
outubro de 1851, foi seu maior, mais crítico e melhor observador. Aos seus olhos atentos, a
festa, que se tratava de uma novena, parecia um estranho ritual de egotripes, vaidades,
presunção e comédia.
Na descrição desta
152
, logo no início do folhetim, Timon chama a atenção para as
privações de que as mais distintas senhoritas e senhoras se acometiam a um mês das
celebrações da santa, esquivando-se de comer, vegetando em “tamanha e tão rigorosa dieta de
tudo quanto pode alimentar e deleitar o espírito, os ouvidos, os olhos e todas as mais
faculdades e sentidos da alma e do corpo” (TIMON, 1865, pp. 537-538). Tamanha privação
não se tratava de expiação das culpas pela ingestão de guloseimas e glutonia das mais variadas,
mas uma melhor forma de “ataviar-se”, incluindo nisso perda de “somno”. Ataviar-se para
que? Essas senhoras e senhoritas perdiam noites protegidas pelos anjos à espreita dos navios
que chegavam trazendo “chapéus, luvas, vestidos, quinzenas, cassas, sedas, plumas, rendas,
fitas, flores, pomadas, cheiros e todos os mais generos enfim que dão vida e saúde ás lojas, e
inpthysicam as algibeiras dos freguezes!” (TIMON, 1865, pp 537-538). A vaidade ladeava a
fé. Pretas, cafuzas, mulatas se acotovelavam, disputavam rendas, fazendas, caixas e caixas de
dourado papelão para atender aos caprichos e desejos de suas sinhazinhas. Sapateiros,
alfaiates, costureiras e modistas “não tinham mãos a medir” (TIMON, 1865, pp. 537-538) os
inúmeros pedidos até o término da festa, no curso do último dia da novena.
Timon galhofou das conseqüências do que ele chamou de “deliciosa calamidade”, a
própria festa, e seu impacto sobre a economia pública e privada da cidade, ou como alterava a
rotina dela. Ora, se no evento mais esperado do ano os barraqueiros aguardavam ansiosos o
principiar dos fogos indicando a abertura da novena e sapateiros, caixeiros, alfaiates,
costureiros, comerciantes, pretas, mulatas e cafuzas alvoroçavam-se pela melhor oferta, era
sinal de que, na Athenas brasileira, a vida social estava atrelada ao cômputo religioso e que
durante o resto do ano, não havia outros tantos elementos de entretenimento e festividade de
que a população pudesse gozar espaço de emulação, sorver e apurar novas idéias, fruir seus
pensamentos, debater sofismas e participar da vida política.
Aliás, sobre política é que mais se deteve Timon. Desde a História do Maranhão no
período colonial até as eleições na sua contemporaneidade (1848), João Francisco Lisboa
tornou sua verve paladina uma arma contra os desmandos políticos, as freqüentes fraudes nas
eleições, os joguetes, as manobras das famílias influentes no Maranhão
153
. Daí a utilização do
nome do poeta grego como entificação do que sentia: não um ódio à humanidade, mas ao
152
Semelhante situação ocorria na Festa de Nossa Senhora da Glória, na cidade do Rio de Janeiro, presente no
romance Lucíola, de José de Alencar, ambientado em 1854. Segundo Alencar (2006, p. 16) “a Festa da Glória
era uma das poucas festas da Corte. Conforme o costume, a grande romaria desfilando pela Rua da Lapa e ao
longo do cais, serpejava nas faldas do outeiro e apinhava-se em torno da poética ermida, cujo âmbito
regugitava com a multidão do povo”. A festa se tratava de uma procissão em louvor de Nossa Senhora da
Glória. Dirigia-se para o Outeiro da Glória, onde se encontra a igreja construída no século XVIII, cf notas do
Editor.
153
Famílias Costa Ferreira, Franco de Sá e Viveiros.
simulacro da sociedade maranhense e sua caricaturização enquanto sociedade de corte, cujos
elementos estavam pautados na tentativa de imitação de problematizáveis padrões
socioculturais europeus, alicerçado numa religião que ratificava a escravidão, numa política
travada basicamente entre famílias que se alternavam não na condução da pasta de presidente
da província — vide que a escolha deste dependia do Rio de Janeiro, pois não havia eleições
para o cargo —, mas na disputa pelo Senado, Assembléias Provincial e Geral, além do
judiciário e escalões da burocracia local, numa sociedade, como veremos adiante, parcialmente
iletrada, assentada na economia de agroexportação dependente da flutuação do mercado
externo, tencionando o valor do algodão ora para baixo, ora para cima, tornando a economia
regional altamente concentradora de renda nas mãos dos proprietários rurais que apoiavam
segmentos políticos defensores dos seus interesses nas sessões parlamentares e financiando
diários cujos perfis ideológicos contrapunham posições, como por exemplo, do Deputado João
Francisco Lisboa
154
.
Timon, ao descrever o rebuliço das moças vaidosas que usavam de muitos meneios
para se ataviarem, estranhou que o coiffeur Mr. Ory, de origem francesa, assaz conhecido na
cidade, morador do pavimento térreo da sua casa, não fora muito importunado na ocasião.
Estranho que as citadinas perdessem a oportunidade de aparecer com um penteado feito por
um cabeleireiro francês e chamar atenção. Afinal, “é de notar que no Maranhão as festas
públicas, quer religiosas, quer civis ou políticas, parece que nada valem sem foguetes, sinos,
zabumbas, bandeiras, e aryrys, accessorio obrigado de quasi todas ellas” (TIMON, 1865, p.
539).
Ao se deter sobre as características da festa, Timon proporciona aos leitores a
possibilidade de compreensão dos papéis sociais existentes em São Luís de então. Mikhail
Bakhtin (2002) assinala que há pelo menos três possibilidades de interpretação das festas.
Enquanto manutenção do status quo social, ou seja, as diferenças entre as categoriais sociais
são mantidas, preservadas e representadas a partir dos lugares que os atores sociais ocupam
dentro dela. Isso implica dizer que, em uma microescala, são emblemas das divisões de
categorias sociais existentes. As festas também podem ser concebidas como espaço de inclusão
social. Sob este ponto de vista, fornecem e são mecanismos de integração social. Ainda que
fugazmente, as disputas, as tensões, as explorações, por um instante, cedem lugar a um
convívio entre as elites e setores menos privilegiados, populares, que na ordem do dia não são
154
Segundo o Almanack do Povo de 1848, p. 80: eram Deputados Provinciais: Alexandre Theophilo de Carvalho
Leal, eleito com 350 votos, João Francisco Lisboa, com 291 votos, Manuel Jansen Pereira, com 264, Francisco
Sotero dos Reis, 259 e Francisco José Corrêa, com 198.
notados, mas por instantes fugidios se lembram apenas da alegria e ilusões que elas
proporcionam. Por fim, há percepção da festa como contravenção social. Essa vertente
comporta as duas interpretações anteriores, ou seja, as festas tanto mantêm escalas de
preservação social quanto proporcionam inclusão, porém permitem que durante a duração da
ludicidade, do entretenimento, do lazer, do prazer, haja espaço para a manifestação de
comportamentos considerados inócuos, antipermissivos, reprovados, não-autorizados no
cotidiano. Os valores sociais são invertidos à medida que se busquem, cultuem-se e se
pratiquem atitudes, mormente condenadas, anátemas. Além disso, nesse momento, as práticas
sociais que não são aceitas por categorias populares são criticadas, zombadas e caricaturizadas
como forma de manifestação e contestação sem que a idéia de repressão seja o principal
horizonte dos praticantes.
A Festa de Nossa Senhora dos Remédios cotinha elementos de exclusão e inclusão
social. Timon secciona a festa em duas partes: uma externa e outra interna. Na externa,
o povo sem distinçção de classes e condições, afflue logo ao anoitecer de
todos os pontos da cidade, e occupa promiscuamente o largo dos Remédios,
uns de pé, outros sentados em bancos e cadeiras, uns parados, outros
passeando, aquelles fumando, estes devorando, e alguns até engolphados em
silenciosa e gososa meditação. Cada um vestido segundo o seu capricho. E a
todos a lua ilumina, o vento refresca, e a poeira encommoda soffrivelmente.
Reina por toda a parte o prazer e a cordialidade, e é quase geral a effusão dos
bons sentimentos (Timon, 1865, p. 540).
Ele aproveita a caracterização da disposição das barracas para sinalizar os possíveis
sinais de refinamento e mudanças dos gostos sociais. Em anos anteriores, aproveitavam-se
todos os espaços disponíveis para improvisar entre dez a doze barracas, cobertas de lona onde
se vendiam “costelletas, lombos de porco, tortas de camarão, escabeches, guisados de peixe e
comidas desta feição” (TIMON, 1865, p. 540). Naquele ano, porém, só foi avistada uma e até a
tradicional do Sr. Valença que, de tanta vergonha, foi se acantonar nos fundos da igreja dos
Remédios, tendo como atrativo um cavalinho de pau para os iniciadores da equitação “dando
formidaveis corridas, e quedas estrepitosas e victoreadas” (TIMON, 1865 p. 540).
Timon observou que aos poucos bania-se velhas práticas gastronômicas, remodelando a
disposição dos vendedores como demonstração de uma “progressiva e refinada civilisação”
expurgando “esses focos de indisgestões e borracheiras” (TIMON, 1865, p. 540). O que
substituiu os velhos pratos da culinária maranhense nas duas únicas barracas de comida
existentes? Como saciar o desejo de consumo da imensa “turba” (segundo a expressão do
autor) durante os nove dias da festa? No lugar de peixe, sururu, sarnambi, caranguejo etc.,
“doces leves e delicados, queijadas, bolinhos de amor, pães-de-ló de macaxeira, canudinhos,
capellinhas, rebuçados, melindres, suspiros regados na mais pura água do apicum” (TIMON,
1865, p.540), exceção somente aos que ainda se mantinham fiéis aos antigos hábitos e se
dirigiam às solitárias e envergonhadas barracas. Esses novos pratos eram dispostos em imensas
filas de doceiras que circulavam pelo largo, depois sentavam em cadeiras, costas ao mar, frente
para o público com suas lanternas acesas oferecendo um belo espetáculo ao anoitecer.
A festa seguia também com música. No alpendre de Nossa Senhora tocavam os
Educandos Artífices
155
e a banda de cornetas do Corpo Fixo, de “péssima qualidade”, segundo
ele, na escolha e execução; os instrumentos velhos e rachados logo fazendo com que os
transeuntes desviassem seus olhares para algo mais interessante: o balão! Esse sim merecia
mais atenção. O daquele ano era maior que o anterior e à medida que se passavam os anos
aumentava sua importância e crescia como destaque da festa reunindo artistas locais,
recebendo subvenção do estado para sua confecção.
Na parte interna da festa, ocorrida na nave da igreja, acotovelavam-se pretas e mulatas.
As brancas, “a gente do grande tom, essas ocupam as tribunas, as janellas, e até pulpitos que
das salinhas assobradas, que estão ao lado da igreja, deitam para o interior della” (TIMON,
1865, p. 545). Descreve o lugar onde se acomodavam estas últimas como mais fresco e mais
propício à entrega da devoção religiosa, ao passo que o das mulatas e pretas, um calor aliado
ao hálito de tanta gente aglomerada e espremida tornava o ar insuportável. A falta de educação
dos varões contrastava com o requinte da festa: estes não cediam lugar para as senhoras e
senhoritas, donas e donzelas, que num ritual de falta de etiqueta disputavam lugares para ouvir
e apreciar a música e os cânticos. A música era orquestrada pelo maestro que, sem sucesso em
Lisboa, tentou a sorte grande no Maranhão. Entoada tão habilmente, acompanhada pela
instrumentação, fazia companhia às vozes que subiam aos telhados da nave da igreja. Subiam
num “latim assombroso”, “desarmonioso” podendo destacar-se as melodiosas vozes
reconhecendo-se os timbres das moradoras da cidade, tendo ouvintes que disputavam as
preferências das desafinações.
Timon, receando ver de novo pertubado o Olympo com as antigas discórdias,
bem quizera confundi-las a todas n’uma admiração igual; a necessidade
porém, a cruel necessidade de adaptar-se as instituições ao principio
monarchico que felizmente nos rege, me obriga, força e arrasta a
comprometter-me por uma escolha e preferência (TIMON, 1865, p. 547).
155
Segundo César Castro (2006, p.128) “a Casa dos Educandos Artífices, criada pela Lei n. 105, de 23 de agosto
de 1841, visava à educação profissional de caráter asistencialista às crianças que, pela sua origem, cor e raça,
deveriam ser acolhidas pelo governo, de modo a evitar o crescimetno da marginalidade, diante da pobreza em
que se encontrava a província no pós-Balaiada. Lá se ministravam aulas de vários ofícios, dentre eles,
música”.
Entre as graciosas vozes sobressaía-se a da Dona Rosinha Lelles: a rainha do canto,
embora houvesse quem preferisse a do Sr. Miro, mas Timon, enquanto legítimo respeitador
das instituições, agradava-se mesmo da Vênus do Mantuano. Não admitia dúvidas e suspeições
quanto ao estilo e à escola de canto a que o coro maranhense se perfilava. Afinal, em matéria
de estilo, escola, bom gosto, belas artes, ciências, a refinada civilização ele acompanhava,
admirava, reverenciava e proclamava. Era sabedor, inclusive, de que no Maranhão, “onde se
aprende o francez de preferência, para cantar o italiano, e não falar o português, ao menos
toleravelmente” (TIMON, 1865, p. 549) contrariando a lógica de que é onde se fala o
melhor português do Brasil , havia gente metida a mestre da língua portuguesa, sendo que
um deles foi ter com Timon para discutir os recursos desta exclamando quais eram os limites
da língua, concluindo que: “limites é quando um homem sahe fora dos seus limites” (TIMON,
1865, 1865, p. 549). Ele exclama que, em matéria de escola e estilo, era deveras perigoso
insistir no assunto, pois poder-se-ia deparar com alguém que entendesse que se tratava de
escola de “Carapuça, Rabicho ou do Macaco” (TIMON, 1865, p. 549). Qualquer um que se
metesse a tratar o tema, falava sem propriedade, segundo ele.
E a novena prosseguia. Transeuntes iam e vinham. E continuavam os repiques, os
foguetes, a zabumba e a agitação da onda “popular” (expressão usada pelo autor). Soltaram
mais um balão. Mas esse era para indicar que, naquela noite, a novena chegara ao fim. A
presença negra, cabocla, indígena podia ser notada pelo som da zabumba: primeira
manifestação rítmica, dançante e festiva do Bumba-meu-boi
156
. Numa festa religiosa, ouviam-
se os sons da zabumba de origem africana com pajelança indígena num ritual sincrético,
“popular”, com requintes de côrte, estouro de foguetes, balões, peixes, bolinhos, ladainhas,
música sacra, cânticos em latim, instrumento de sopro, rezas, alaridos, pregões.
Numa outra parte da festa se faziam notar os bailes que ocorriam durante a novena.
Timon reprova-os por “desnaturarem” o real sentido dela, perversão cheia de “excrecencias e
superfetações, mas, sobretudo pela exclusão, por contrariar a sua índole e character popular”
(TIMON, 1865, p. 554). Timon jamais fora convidado para qualquer um desses bailes e usa
uma fábula para justificar o não convite: “não se pode deixar a raposa perto do cacho de uvas”.
No dia seguinte, em um dos bailes a que não fora convidado, desceu a rua do Sol em
direção ao largo dos Remédios, avistou as plagas desertas e abandonadas pelas águas que ele
156
Sobre o bumba-meu-boi ver Carvalho (1995) e sobre a contravenção desta brincadeira, ver Wagner Cabral da
Costa (1999). O Bumba-meu-boi nos idos atuais possui quatro ritmos; Matraca, também conhecido como
sotaque da ilha; Pandeirões, sotaque da região do rio Pindaré-Mirim; Orquestra, sotaque oriundo da região do
rio Munim e o mais antigo, Zabumba, presente na festa de Nossa Senhora dos Remédios. O sotaque, como são
chamados os vários ritmos do bumba-meu-boi e, especificamente o de Zabumba, é executado por tambores de
origem africana tocados em ritmo frenético, acelerado, sendo o mais rústico de todos.
também amaria “se fossem plagas de dourada ou branca areia, mas as praias de lama do
impagável Maranhão”. Era o desaguadouro do rio Anil passando ao lado da igreja dos
Remédios e pelo movimento da maré influenciando o nível do Anil, a cada quatro horas
avançando e recuando sete metros num movimento sinuoso e encantador aos que não
conhecem o fenômeno, influenciando a travessia entre Alcântara e São Luís. Era por volta de
17:30 hs, quando o sol, já não mais a pino, ensaiava seu movimento de se esconder atrás da
linha do horizonte que podia ser avistado do lugar donde anos depois seria erguida a estátua a
Gonçalves Dias. O lugar era privilegiado: avistava-se a Ponta d’Areia, a pedreira dos Jansen e,
ao fundo, bem ao fundo, uma faixa de terra após a baía de São Marcos, o continente,
Alcântara. Avista-se a cidade colonial e imperial, as torres da igreja de Santo Antonio, os
telhados e sobradões, o porto, navios ancorados, a fisionomia da cidade edificada pelo mesmo
engenheiro que projetou a reconstrução da cidade de Lisboa após o terrível terremoto de 1755,
Francisco Frias.
Do largo, Timon contemplava as bandeiras de mil cores, palmeiras de aryrys sequiosas
à espera das sábias, “com o perdão do nosso insigne e inimitável poeta Gonçalves Dias”
(TIMON, 1865, p. 556). Estrugiam as bombas. Retiniam os sinos. Eram seis horas. Avista uma
multidão impossível de ser catalogada mesmo na “classificação Gayoso”. Encontra a “fina flor
da sociedade”; Honorato de Souza, recém-chegado da côrte, vestido elegantemente, embora a
sua candidatura estivesse explodida pelas maquinações tenebrosas”(TIMON, 1865, p. 558),
acusando-o de senilidade; Desembargador Mariani, esperava a indicação do império para o
cargo de Senador, já que havia conquistado o voto popular. O Sr. Tenente-coronel Altino,
oficial do Império da Rosa, sua postura mais lembrava o príncipe Albert, esposo da rainha
Vitória. Mr. Pavion de braços dados ao Sr. Serra Lima e um basilisco
157
disforme que
petrificou o amigo de Timon, Dr. Fábio, que a pedido seu foi mencionado neste folhetim sem
ser nominalmente citado.
Um elegante cavalheiro se dirigiu a Timon e estava vestido com
butes de polimento, calças de cazemira azul, casaca verde com botões
dourados, collete de seda, chão cinzento matisado de flores encarnadas e
ramalhudas chicória empregada ou jabot, lenço de seda de cor atado ao
pescoço de uma maneira graciosa e irreprehensivel, cadêa de relógio
pendente, luvas de pellica cor canário, leve varinha na mão, e pendente da
algibeira um alvissimo lenço de cambraia arrendado a lavrinho,
recescendendo á água de colônia (TIMON, 1865, p. 558).
157
Segundo o dicionário Aurélio: Réptil fantástico, de oito pernas, segundo alguns, em forma de serpente, capaz
de matar pelo bafo, pelo contato ou apenas pela vista, e segundo outros, em forma de serpente ápode com um
só olho na fronte.
Era João Gomes Claro, amigo de Timon, fiscal surdo, aclamado como “primeiro leão de
primeira classe da festa e da província” com mandato até o ano seguinte; Gonçalves Dias; Sr.
Florêncio Mattos e o Sr. Luiz Ferreira, ambos obesos, debalde discutiam com as devidas
barrigas o Sr. Mattos em balança batia as 9 arrobas , Reverendo vigário Padre Camillo,
Olympio Machado dos vigários, evitou tamanho duelo pançudo.
Na manhã seguinte, uma outra missa iniciou os trabalhos da novena. Novamente o
mormaço solapava a ilha: ar quente, portas fechadas, a mesma falta de candura dos cavalheiros
que expulsavam as senhoras de seus lugares. Todos ouvem ou fingem ouvir o sermão de Frei
Dorotheu num português inaudível, tanto quanto o latim dos lábios maviosos das senhoras e
senhoritas nos cânticos. Timon queda-se em devaneio e espreita a estátua de Nossa Senhora
dos Remédios sorrindo candidamente, orgulhosa por tantas homenagens, monopolizando o
amor e a devoção dos fiéis, contente por não ter sido solapada em preferência pela Santa
Philomena que impunha seus serviços da graça divina, e quiçá não ultrapassasse em
preferência o velho São Gonçalo, tão desprestigiado pelos maranhenses.
Já eram cinco da tarde. Os fiéis aproveitam para levarem souvenirs da festa. Levavam
de vencida em preferência as medidas (fitilho, fitas da santa) que mediam uma vara de
comprimento, de várias larguras, de todas as cores ornadas em letras douradas e prateadas com
o nome dela. Ninguém resistia. Numa barraca ao lado da igreja improvisou-se um leilão.
Vendia-se de tudo: “doces, plantas, flores, fructas, segredos, galanterias, animaes, domésticos,
selvagens, terrestres, aquáticos, amphibios, aves e quadrúpedes, chirimbabos e bichinchos”
(TIMON, 1865, p. 567). O largo estava em polvorosa. Gente subia, descia, falava, gesticulava,
gritava, comprava, vendia, e pretos, brancos, homens, mulheres, tornando aquilo mais próximo
de uma feira.
Foi bonita a daquele ano. Por alguns momentos a sensação de prazer e alegria fez os
negros se esquecerem dos ferros e açoites, as diferenças sociais desaparecerem, como
inadvertidamente não comentou frei Dorotheu em seu último sermão. Tudo é fugaz. “Não
importa, é um momento de repouso nesta lida que só tem a morte por termo, é um conforto
para recommeçar-se com mais vigor a tarefa do dia seguinte” (TIMON, 1865, p. 569).
Havia ainda um restolho de fogos de artifícios. Subia mais um balão. Desarmaram as
barracas e puseram abaixo as colunas de aryry. Timon interiormente cumprimenta a rainha e o
príncipe Albert e sorrateiramente se despede sem alarde. Uma tristeza o invade. Nada o
consola. Sem remédios e sem murmúrios se despedia “o misantropo”.
Mas o misantropo não partiria para sempre. Sempre estava à espreita de uma nova e
inesperada ocasião que pudesse celebrar a vida maranhense e suas facetas. Desta vez, numa
tarde ensolarada de novembro de 1851, menos de um mês depois de finda a Festa de Nossa
Senhora dos Remédios, apreciava a procissão do dia de finados: A Procissão dos Ossos. Era a
ritualização da morte vicejada pelas lamentações murmurantes, pela dor e sofrimento da perda,
pelo lugar que ela ocupa na sociedade ocidental amainada pelo conforto que a religião
proporciona, pela simbolização que ocupa nas mentes e nos corações dos participantes da
procissão que caminhavam pelas ruas de São Luís silenciosamente cadenciados pelo redobrar
dos sinos.
Timon observa o espetáculo lúgubre. Para ele, era como se a marcha fúnebre
constituída de moribundos atendesse ao chamado dos mortos para que os acompanhassem ao
som dos sinos. Só a religião tem esse poder: o domínio da morte. A procissão, ao adentrar a
rua de São Pantaleão, avista a igreja do mesmo nome; uma das mais formosas da cidade, suas
torres “esbeltas e delgadas se arrojam gentilmente aos ares e dominam todo o Maranhão com
tanta graça senhoril” (TIMON, 1865, p. 576). Lamenta a edificação rústica e simplória da
secretaria da igreja ao lado do templo “deformando miseravelmente o frontispício”, fruto do
mau gosto e da ausência de admiração das artes no Maranhão e dos amadores do “feio e
desalinhado, pois por toda parte, e sempre com o pretexto das acommodações, vão deixando
traças que assignalem o seu mau gosto” (TIMON, 1865, p. 576). Até o pátio interno do palácio
do governo estava sendo invadido por aquele tipo de construção existente ao lado do templo da
igreja de São Pantaleão.
Timon subindo o degrau de uma das torres da igreja avista a cidade: a ponta d’areia, na
outra margem da foz do Rio Anil que pode ser avistada também do largo de Nossa Senhora
dos Remédios, a outra margem do Rio Bacanga com sua relva densa e verdejante das encostas
de mangue. Do lado oposto, no sentido da fonte do Apicum, roupas brancas estendidas ao sol
salpicando de alvura a vista e flutuando pelas cordas amarradas colorindo a paisagem. Mas
nem o bucolismo da cena o interessava, apenas o quadro do ‘sexteto melancólico’ (grifo meu):
a igreja de São Pantaleão, ao lado da casa dos expostos, à frente da casa, o cemitério dos
ingleses, ao fundo deste, o cemitério católico da Misericórdia, à frente da casa, o hospital da
Caridade e o hospício dos lázaros. Ele queda-se o quanto a morte impõe seu limite à vida e
quanto aquela composição urbana dos seus espaços simbólicos poderia ser inconsciente,
crueldade ou imposição da moral. “Foi posto ali o doente para a cura e salvação do seu corpo,
ou como preparação da morte para salvação da sua alma somente?” (TIMON, 1865, p. 576).
Qualquer que fosse a resolução da questão, de qualquer uma das janelas dos edifícios citados
ter-se-ia a lembrança da condição humana, da fragilidade e, ainda que um solfejo de vida
soprasse um moribundo, por algumas janelas de alguns desses edifícios adentrariam os sons
dos badalos dos sinos avisando que a morte era espreita.
Da ritualização da morte não escapava a diferenciação social. A morte era também um
momento em que as distâncias entre os vivos ficavam acentuadas. Dos testamentos que
prescreviam como deveriam ser os enterros, passando pelas especificidades das irmandades
que eram organizadas a partir da condição pecuniária dos membros, a simbologia das vestes
mortuárias até as revoltas das cemiteradas que protestavam contra a proibição dos
enterramentos nas igrejas a partir do surgimento dos cemitérios, a liturgia da morte era um
momento da representação do fosso social existente em vida. Timon conta que (TIMON, 1865,
p. 577):
antes de 1830 os enterros eram feitos nas igrejas; para o antigo cemiterio, que
ocupava justamente o mesmo local, onde se reconstruiu o actual, ia só a gente
mais humilde e desamparada da fortuna, e os escravos, á quem os senhores e
parceiros não queiram ou não podiam dar mais honradas sepulturas. Havia ali
um espaço reservado para os pagãos ou pretos novos, que os traficantes da
costa d’Africa nos traziam, então cada anno aos milhares, e que aos milhares
tambem escapavam á escravidão pela morte. Esse espaço não era somente
alastrado de ossos, senão de contas e missangas de todas as cores, com que
aquelles míseros usavam de ataviar-se, sobrevindo nelles a vaidade á perdida
liberdade.
O cemitério repetia a segregação social que nas igrejas era contumaz, e pretos, forros,
livres, pobres tentavam, nesse istmo de consumiseração, aproximar-se através da condição
digna de existência que as cidades dos homens havia lhes negado. Era a esperança de que na
vida vindoura na cidade de Deus não haveria senhores e escravos, elite e pobreza, chibatas e
açoites e a sacralização da morte colocaria nos mesmos patamares brancos e pretos. A morte
era um instante fugidio de sublimação. Aos que ficavam restavam as lembranças de que o
cemitério encerrava o ciclo da vida e que para lá todos iriam, indistintamente de credo, cor e
condição social como uma espécie de réquiem entoado pelos dobros dos sinos da procissão dos
ossos, lembrando aos viventes as recordações dos que já habitavam esta mansão demarcando
que lá seria a futura residência dos que faziam e acompanhavam o cortejo. “Nos que aqui
estamos, por vóis esperamos”, está escrito numa lápide de um do cemitério de São Luís, o do
Gavião.
Timon lembra que o cemitério, enquanto cidade dos mortos, competia em população
com a dos vivos. Isso era uma clara referência a 1851, ano de plena crise da agroexportação,
um ano após a interrupção do tráfico internacional de escravos em que, na província do
Maranhão, os setores agroexportadores afirmavam estarem vivendo uma estagnação
econômica. Subrepticiamente correlacionava a procissão à sociedade, o cemitério à cidade. A
descrição desoladora do cemitério católico da Misericórdia era a transferência de como
enxergava a sociedade: feia, pobre, lúgubre. A descrição da rudeza do local não era uma
conotação de humildade, mas de “penúria e nudez” (TIMON, 1865, p.578). A penúria e nudez
diziam respeito à ausência de requinte social, de opulência, contrastante com o ar imperioso
dos seus habitantes mais alvissareiros que coerentes com suas condições materiais.
A sociedade, no fundo, era moribunda, enclausurada numa ilha cercada pelas águas que
ao mesmo tempo em que a ligavam ao resto do mundo — isto é claro, para aqueles que podiam
embarcar para outros portos —, serviam de barreira natural, impedindo a conexão com o que
acontecia para além da ilha de Upaon-Açu. Não havia luxuosidade no cemitério católico
porque uma parcela significativa dos que jaziam eram pobres, tal como o grosso modo da
sociedade ludovicense. Os aquinhoados financeiramente não constituíam um percentual
significativo para estabelecer um padrão de requinte neste ou qualquer outro cemitério, quer o
dos Ingleses, quer o dos Passos. Mas a maior pobreza de que se ressentia o observador astuto e
atento a tudo era civilizacional, pois ao seu ideal de civilização não competia as seguintes
características: uma sociedade cabocla, escravocrata, mestiça, cujo sistema político estava
assentado nas fraudes; uma parcela de jornais políticos, ainda que combatentes, incipientes, em
virtude do número significativo de iletrados; controle exercido pelo poder público sobre este
aparelho de comunicação; ausência de “partidos” mais fortes e representativos de suas próprias
ideologias; de uma educação voltada para a arte que se fizesse notar na arquitetura da cidade;
uma sociedade autoreferenciada, insular, em que os poucos consumidores de um padrão social
distinto do cômputo geral estendiam seus modos vivendis para o restante da sociedade como se
fosse comum a todos, embora, na ordem do dia, as diferenças ficassem muito bem balizadas,
inclusive na hora da morte; nessa mesma parcela da sociedade que não compreendia o
movimento diacrônico de setores populares, como aqueles que, na Festa de Nossa Senhora dos
Remédios, tocavam zabumba, enquanto senhoras e senhoritas acochadas por seus espartilhos
cantavam num latim indecifrável dentro das igrejas; nas divisões de categorias sociais muito
bem representadas na Procissão dos Ossos entre brancos ricos, brancos pobres, pretos, mulatos
e forros.
Por diacronia me refiro a uma sociedade cujo substrato econômico baseado na
agroexportação tinha, por força de trabalho, a mão-de-obra escrava aumentando os ganhos dos
senhores plantadores de algodão e arroz gerando uma elite condensada, enquanto outras
parcelas viviam da burocracia estatal, do comércio e da agricultura de subsistência. Além
disso, outros elementos compõem esse conceito, tais como: um pequeno segmento social que
se orgulhava de ter estudado nas melhores universidades européias, enquanto, na própria
capital da província, o número de escolas das letras era insuficiente para atender até mesmo
setores médios; uma província em que a acepção de diacronia se acentuava quando se compara
a economia, a estrutura urbana, a educação entre a cidade de São Luís e as do interior, a tal
ponto que, durante todo o século XIX, o termo “São Luís” foi sinédoque de “Maranhão”
revelando uma variação dentro da já citada diacronia. A primeira diacronia dizia respeito às
distâncias entre os diversos segmentos sociais existentes dentro da capital. A segunda, à
geração de uma espécie de economia reflexa: um enorme descompasso entre São Luís e o
restante da província. Embora a produção de algodão e arroz ocorresse no interior do
Maranhão, o escoamento se fazia pelo porto da Praia Grande, em São Luís.
O aspecto lúgubre existente nos cemitérios de São Luís ainda dava conta das recentes
chagas que haviam assolado a cidade. A criação dos cemitérios era fruto da discussão
sanitarista que tomou conta do Brasil nos primeiros decênios deste século, alegando a
necessidade de separação entre vivos e mortos, sobretudo pelos sepultamentos no interior das
igrejas. O miasma provocado pela decomposição dos corpos era o principal argumento da
necessidade de criação de um espaço público específico para os cemitérios, obedecendo às
normas de higiene e sanidade física. Com a criação dos cemitérios, os devotos se revoltaram
em vários lugares do império
158
, alegando sacrilégio das autoridades civis que arbitravam
sobre o direito destes de estarem mais perto de Deus pós-morte. A igreja, dessa forma,
funcionava como veículo de transposição da alma para o purgatório. A proibição desta prática
foi interpretada como arbitrária, pois fazia com que o pensamento laicizado, imanente,
sobrepujasse o transcendente, divino. Dentre as chagas que acometeram São Luís, em 1851,
estava o grande surto de febre amarela
159
.
Ao conferir e averiguar os jazigos, Timon pessoaliza a morte, identificando as figuras
conhecidas com seus respectivos túmulos, seus ornamentos e adereços, como o de mármore
branco do médico Dr. Soares, pai do Visconde d’Uruguai, ministro dos estrangeiros — cuja
lápide em latim continha os dizeres: Quase flos egreditur et conteritur (apud TIMON, 1865, p.
580) — que o levou a pensar em Malherbe e Chateubriand, sobretudo este último, quando
exclamava que a religião tem a capacidade de nivelar todos pela morte, tornando todos iguais
perante a justiça divina crivada pelo sangue de Cristo. Estas idéias, dizia ele, se aplicavam
perfeitamente num país escravocrata cindindo entre opressores e oprimidos, e “onde a morte
158
Sobre este assunto ver REIS (1991): nos dois primeiros capítulos discute a cemiterada.
159
Segundo a Falla dirigida pelo exm. Presidente da provincia do Maranhão, o Dr. Eduardo Olimpio Machado,
á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1851. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1851, naquele ano a febre havia matado 703 pessoas que
foram enterradas nos três cemitérios da cidade: da Misericórdia, dos Passos e dos Ingleses.
formidável abolicionista, vai cada dia delindo a injustiça e a desigualdade” (TIMON, 1865, p.
581).
A procissão saía na noite anterior ao dia de finados. Irmandades, padres, lanternas,
Cristo crucificado, santos, bandeirolas, música militar, vestes brancas e negras caminhavam
sob o retinir dos sinos. Um ilustre literato, afastando-se dos seus afazeres, cultua a musa das
letras e compõe versos inspirando-se na procissão. Era Augusto Frederico Collin
160
. Quando a
procissão adentra a rua Grande, Timon se depara com um mulato debruçado à janela da casa
de seu senhor, acompanhado de violão, cantarolando modinhas cujos versos eram de um outro
poeta maranhense, enchendo de alegria o espírito de Timon. Não era qualquer poeta, era o
“mais harmonioso, o mais puro e correto de todos os nossos poetas” (TIMON, 1865, p. 589).
Os versos falavam de morte, vida, das virtudes, apropriados para aquele dia, segundo ele. Eis o
poema
O furacão da morte
Entra medonho os campos da existencia
Perdôa a seccos troncos
Leva consigo florescentes plantas.
Cuidados de colono esperançoso!
Sobre o meu leito pobre
Se debruça a cruel, fita-me os olhos:
Um perfeito sorriso
Lhe torce os lábios pálidos; já vejo
As mágoas, as saudades da partida:
Da pátria o doce ninho,
Da mãe (tão tenra!) as lagrimas sentidas,
Dos irmãos, dos amigos,
O último adeus, e em Lethes ensopado
O negro manto, que me cubra a campa!
Quão triste a final scena!
Mas o quadro da vida inda é mais triste!
As breves alegrias
N’um só ponto apparecem mal distinctas,
E sombreiam-lhe o fundo os infortúnios,
Que bens há cá na terra?
O crime estende o formidável sceptro,
Raro fulge a virtude:
Em torno ao coração o prazer da vôa:
160
Um dos integrantes em 1846 do “Archivo: jornal Scientifico e literário”, ao lado de Alexandre Theophilo de
Carvalho Leal. A. Carneiro de Souto Maior, Antonio Gonçalves Dias, Antonio Henriques Leal, A. R de
Torres Bandeira, Antonio Rego, Reis Rayol, Frederico José Corrêa, Maciel Costa, Tell Ferrão, Ferreira Valle,
Antonio Vieira da Silva, Berucio Fontenelle, F. A de Carvalho Belo e Faria de Mattos. No mesmo ano se
tornaria Vice-Presidente, membro da comissão revisora e colaborador da Associação Litterária Maranhense.
Foi um dos colaboradores da Revista Universal Maranhense, em 1849 e 1850. Em 1861 integrou a coletânea
de poesias de autores maranhenses na obra: Parnaso Maranhense com o poema “Ella”.
A dor penetra e vai sentar-se no âmago!
Eu, que em meus devaneios
Sonhei tanto com glórias e venturas,
Vi sempre derribadas
As esperanças, e o pungente alfange
Da desfortuna contra mim alçar-se!
No circulo afanoso
Dos meus jovenis annos, nada encontro
Que agradeça ao destino;
Da velhice os pezares me aguardarão?...
Contente apararei o extremo corte (TIMON, 1865, pp, 598-590).
O poema era de Odorico Mendes. Timon astutamente zomba da Athenas Brasileira
terminando o folhetim com uma modinha cantarolada por um mulato ao som do violão com
letra de Odorico Mendes, que em uma das estrofes dizia: “eu, que em meus devaneios/ sonhei
tanto com glórias e venturas/ vi sempre derribadas/ as esperanças, e o pungente alfange/ da
desfortuna contra mim alçar-se”, em plena procissão de dia de finados chamada de Procissão
dos Ossos. A morte que estava cortejada na procissão era a esperança de redenção do mulato
que cantarolava a modinha, era o mote dos versos do poeta que teve seus sonhos e anseios
tragados pela desfortuna, era o próprio espelho da sociedade ludovicense.
O folhetim A Procissão dos Ossos foi publicado no dia 08 de novembro de 1851, n°
1183, no jornal Publicador Maranhense.
O último folhetim selecionado nesta tese é Theatro São Luís, de 25 de março de 1852,
publicado no mesmo jornal de número 1238. Neste, Timon correlaciona o teatro enquanto
expressão artística, monumento vistoso em que se congregam admiradores da arte da
representação, encenação de dramas, epílogos, com a encenação das ações públicas citadinas
ocorridas, por exemplo, dentro do teatro São Luís.
O teatro São Luís fora fundado em 1816, quando se chamava Teatro União, passando à
denominação de São Luís em 1852. O primeiro teatro foi erguido no Largo do Palácio, nas
casas junto às do Dr. João Caetano Lisboa e do negociante José Moreira da Silva. Outro
apareceu mais tarde, em frente ao quartel onde se ergueu a Biblioteca Pública, no velho Campo
d’Ourique. Um outro ainda apareceu na praça da hortaliça ou do mercado, conforme Serra
(1965, p.145).
Eleutério Lopes da Silva Varela fez edificar o União em 1815. O teatro de Silva Varela,
que se associou a Estevam Gonçalves Braga, foi construído ao lado do Convento do Carmo.
Impedida a construção pelas irmãs carmelitas, o prédio foi finalmente erguido na rua do Sol e
não no largo do Carmo por considerarem as irmãs que o profano não poderia conviver ao lado
do sagrado.
Uma das razões para a confecção deste folhetim era a modificação do nome de União
para São Luís no bojo do pacote de leis
161
que regulamentavam a prática da arte dramática. O
pacote de leis tratava de uma sucessão de atos que, desde 1850, legislavam sobre o que Timon
chamou de “a grande constituição theatral” (TIMON, 1865, p. 594), sucedida por instruções
orgânicas em 1851, até os regulamentos de 03 e 05 de março de 1852
162
, que, entre outras
razões, afixavam normas de conduta dentro das dependências do prédio.
Timon inicia este folhetim consternado com a sua suplência nas eleições provinciais
para o cargo de Deputado em 1851. A sua suplência, segundo ele, era fruto da “ingratidão, da
fraude e da má fé que de mãos dadas, o excluíram do logar que legitimamente lhe competia,
para o collocarem, entre os derradeiros supplentes, em um ponto tão baixo que ainda a sonda
lhe não pôde chegar” (TIMON, 1865, p. 591).
Pleiteando ainda o posto de Tenente-coronel do batalhão de reservas sem sucesso,
reconhece que teria que recorrer aos préstimos dos amigos que exerciam relações de
influência junto ao poder caso quisesse galgar algum posto na província, uma vez que justiça
não era a maior virtude dos habitantes do Maranhão. Consternação maior obteve quando soube
da indicação de outro co-provinciano para o posto aspirado, a tal ponto que estava disposto a
romper com o seu partido e transformar-se empolítico beija-flor” a sugar o néctar onde ele
estivesse. Como se tudo não bastasse, o referido iconoclasta das injustiças timbirense vê-se
deparado com o regulamento de 05 de março de 1852, impetrado pelo “triumvirato”
163
, que
governava e administrava a maior casa de espetáculos do Maranhão com despotismo. É nesse
161
O Teatro União foi particular até a instituição do artigo 41, da Lei Provincial n.° 514, de 28/10/1848, e
também da Lei n° 376, de 22/10/1850, passando ao controle da província, cf. MARQUES (1876, p. 51).
162
Depois de concluída a obra de reforma do teatro, este foi aberto ao público em 14 de março de 1852. O texto
do relatório afirma que “a comissão administrativa (que Timon tanta criticava), usando a autorização que teve
para engajar uma companhia para o teatro, mista de declamação e canto, contratou para novos atores, um
regente de orquestra e um diretor de cena, a despesa anual de 12.019$800 réis. Com a música, gastou
7.464$000. O balancete do 1° trimestre constatou um déficit de 1.402$630 réis”, segundo a Falla dirigida pelo
exm. sr. vice-presidente da província do Maranhão, o brigadeiro Manoel de Sousa Pinto de Magalhães, á
Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 28 de julho de 1852. Maranhão, Typ.
Maranhense, 1852.
163
A comissão administrativa, que Timon classifica como “Triumvirato”, encerrou suas atividades em 01 de
março de 1853, passando a administração da casa para a responsabilidade do empresário Germano Francisco
de Oliveira, segundo o Relatorio do presidente da provincia do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio
Machado, na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 1° de novembro de 1853, acompanhado do
orçamento da receita e despeza para o anno de 1854. Maranhão, Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1853.
instante que correlaciona política e teatro: golpes, revoluções, constituições erguidas e
destituídas, estados de sítio em vários lugares do mundo representam as mesmas cenas teatrais
dos bastidores de “perfidia e oppressão” da política maranhense.
A ação despótica em criar um novo regulamento para o teatro escondia, para ele, as
pretensões comerciais que os dirigentes da casa almejavam.
Lembram-se todos da melluria com que os dictadores fallavam a principio
nas assinagturas, dizendo a uns que eram baratissimas, a outros que cada um
escolhia o seu camarote onde bem lhe convinha & &, mas de repente, e com a
data de 03 de março, estala um annuncio em todos os jornaes, que os
assignantes pagassem o imposto de um trimestre adiantado dentro de cinco
improrrogáveis (até 08 de março) sob pena de revilia, exclusão, e devolução!
(TIMON, 1865, p, 595).
Timon, cobrado várias vezes, pagou a assinatura de cinqüenta mil réis, embora
preferisse parcelá-la quinze a vinte dias após a publicação do regimento. Este ato extorsivo
vinha acompanhado dos artigos 1º e 2º, que pautavam exclusivamente sobre pagamentos,
senhas e bilhetes. O 3º “é uma verdadeira monstruosidade; como proibir n’um paiz livre que
cada qual se acompanhe dos seus escravos?” (TIMON, 1865, p. 596). O 7º proibia o hábito de
fumar. O 10º, a garantia de lugares marcados por qualquer sinal de quem escolhesse o assento
na platéia previamente. Ele duvidava do cumprimento desse artigo mediante a falta de modos
dos freqüentadores do teatro.
Porém, como se importar com questiúnculas menores como os artigos do regimento se
o teatro possuía “um soberbo lustre, vertendo torrentes de luz, por mil bocas ou canudos,
inundando a salla e as galerias, reflecte no ouro, no bronze, nas sedas, nas perolas, nos
diamantes, no olhar ardente das bellas, offende, deslumbra, offusca e cega os nossos!”
(TIMON, 1865, p, 602). Tal indumentária provocava arrepios, admiração, estupefação nos
espectadores colocados nos vários lugares da casa de espetáculo. O teatro era formoso;
encravado na rua do Sol, irradiava a luz do orgulho do ser maranhense, sendo símbolo da
opulência, graça e gosto destes por esta arte, construído ironicamente a 50 metros da praça
que, em anos posteriores, receberia o nome de João Francisco Lisboa.
O teatro de fato era soberbo:
Fundo branco em geral, nos tectos e caixas dos camarotes, e fundo azul
celeste nas pilastras do arco do proscenio, mas tudo soberbamente esmaltado
e matizado com molduras de ouro, festões e carrancas de bronze, arabescos e
baixos relevos, que suspendem, alegram e cantam. Nas pilastras se vêm as
musas de dança e do canto, do drama trágico, e do drama mofador,
acompanhadas de emblemas e attributos, e no meio de uma admirável
profusão de flores e fructos, que o capricho intelligente da arte derramou com
largas mãos, do bojo talvez de uma cornuscopia que tambem ali se enxerga.
Que magnífica cortina de setim verde nos recata os mysterios da scena, com
sua rica barra de ouro, e como está gentilmente meia arregaçada por laços e
cordões do mesmo lusente metal que a terra cria! Defronte, a grande tribuna,
igualmente recatada, desdobra as vistas já fatigadas de tantos esplendores, o
seu largo manto de velludo cremezim (TIMON, 1865, pp 603-604).
Mas nada adiantaria tamanha pomposidade sem os arautos freqüentadores desta
requintada casa. Lá estavam a princesa Callimacki, embaixatriz da sublime Porta, a branca e
delicada Amina, mais à frente a majestosa Juno e a volumosa Ceres, a cruel Tormenta, e
Força-dos-corações, “languida e voluptuosa, mas não menos perigosa que a terrível
companheira” (TIMON, 1865, p. 604). Avista ainda a graciosa Hebe, o padre Camilo, sempre
metido nas grandes ocasiões.
“Era a Grécia, em summa, o Maranhão, o Olympo e o Oriente em peso que se tinham
dado rendes-vous para aquelle templo das musas e das artes; eram deusas, bellezas, e huris de
toda a casta” (TIMON, 1865, p. 605). Timon, aturdido, via-se nas fábulas das mil e uma noites,
mas seu julgamento o fez crer que aquela noite valesse como se fosse mil.
A confluência de personagens orientais e ocidentais descritos no folhetim tenciona a
forma como o narrador encarava a falta de critérios dos espectadores em se portarem num
teatro, a babilônia de sentidos pelo alarido de vozes, gestos e comportamentos, o gosto
duvidoso pela arte dramática, a forma autoritária como o “triumvirato” comandava aquela
casa, a qualidade das peças que ali eram encenadas, a necessidade de ser visto como uma
sociedade de corte, enfim, era a forma caricata explorada por recursos da linguagem literária
para alfinetar a pomposidade citadina, ainda que não se entendessem bem quais eram os
critérios de pomposidade.
“Ó athenienses, ó povo espirituoso e sem igual”, exclama Timon! (1865, p, 608). Isso
era mais que uma exclamação, era um desabafo de quem se sentia solitário no papel de
iconoclasta da sociedade maranhense quanto aos mecanismos de compreensão do
desenvolvimento das sociabilidades locais, sabendo, inclusive, escolher as ferramentas
necessárias para a crítica cultural de como os participantes dessa corte poderiam ser vistos.
Essa crítica, no entanto, não era direcionada somente aos leitores dos seus folhetins, ou seja,
aos que eram representados às vezes de forma direta, às vezes caricata, como também àqueles
que como ele eram também folhetinistas e equivocadamente não compreendiam o papel da
literatura denunciadora, não ofereciam um repertório de cenas e situações aos seus leitores
sobre as circunstâncias da vida social. Seus confrades folhetinistas, queixa-se ele, olhavam a
todas aquelas cenas como fruto de mau gosto e ausência de juízo, e isso era uma forma obtusa
de encarar a história que “deveria ser escrita com critério e sisudez que ella requer” (TIMON,
1865, p. 609), conforme ele a fazia.
Esse folhetim, assim como os dois outros, assumem o papel de denúncia e crítica social
direta. Os nomes das personagens neste e nos outros não assumem a característica de
verossimilhança, são situações corriqueiras, colhidas no calor dos acontecimentos cujas
personagens são facilmente identificadas na cena pública em algumas ocasiões e
caricaturizadas, exageradas, distorcidas em outras. Ele afirma a aproximação entre literatura e
história, sobretudo quando as condições objetivas da sociedade são transpostas (mas nunca de
forma objetiva, sempre através do olhar do autor) diretamente para a obra literária. Os
folhetins descritos mesclam elementos de ficcionalidade e denúncia social ao mesmo tempo
em que se distanciam em certa medida da forma usual deste tipo de prosa literária que
caminhava ao longo do século XIX cada vez mais para um caminho dístico das ciências e das
escritas que utilizavam uma narrativa pautada em metodologia científica, como a história, por
exemplo. É que os folhetins de Timon são mais histórias da vida cotidiana de São Luís que, de
fato, contos, romance. Os elementos do romance estão presentes quando não há necessidade de
balizar sua narrativa em dados comprobatórios cuja preocupação seja o critério de
documentum, atestado, e também quando o leitor é forçado a estabelecer nexos, usar a
imaginação para se situar em circunstâncias em que sujeitos sociais estão ali descritos, mas não
diretamente imediatizados.
Outros lapsos de ficcionalidade presentes em todos os folhetins, e neste
exclusivamente, dizem respeito ao cenário social dos dirigentes do teatro chamados de
“triumviros”, quando os descreve enquanto califas, sultões, numa clara menção ao despotismo
e ausência de práticas constitucionais ou colegiadas. Esta menção diz respeito à imagem que o
Oriente ocupava nas representações dos povos ocidentais enquanto antinomia, antítese, o outro
modelo existencial que não deveria ser seguido, imitado por ser a própria essência de governos
tirânicos, conforme Norberto Bobbio (1987) e Norbert Elias (1993). Ainda que o modelo do
triumvirato tenha sido uma circunstância política ocorrida durante o Império Romano, nesta
fase, Roma necessariamente não está vinculada exclusivamente ao ocidente e a menção à
divisão tripartite de poder é apenas uma alocução quanto ao número de dirigentes do teatro e
não uma menção clara a Roma. Outro elemento a ser notado relaciona exatamente a forma
despótica de direção do teatro, encabeçada por um triumvirato, numa sociedade notabilizada
por ser a Athenas Brasileira.
Os elementos subjacentes presentes no folhetim são críticas a uma sociedade de
notáveis que se sentiam como Hebes, Junos, Ceres, em meio a califas como Aaron-el-Raschid
e princesas Callimack’s, comportando-se “mais ao modo oriental que ao grego” (TIMON,
1865, p. 608), perpassado em toda a obra. Ele utiliza elementos comparativos entre as distintas
civilizações oriental e ocidental denotando o quanto a alvissareira ludovicense continha muito
mais elementos que execrava por serem atenienses do que podiam imaginar ou se permitiam
notar. Neste sentido, a literatura dos folhetins citados ocupa uma posição diferenciada de
outras narrativas quando necessita compor um enredo inteligível por utilizar-se de vários
recursos sem necessariamente dar explicações, metodizar sua aplicabilidade. A narrativa, por
si só, é autojustificada, legitimada, usando situações estapafúrdias, exógenas ao cenário
cotidiano como recurso apelativo à criatividade.
Timon, em meio a lustres nababescos, Hebes, Junos, Ceres, chama a atenção para a
folia de carnaval desferida pela execução da banda dos educandos artífices em pleno templo da
arte grega, com pessoas bem vestidas, lugares marcados, regulamento da casa embaixo do
braço, obrigando o triumviro califa a arrancar o condão
da boca do educando, para logo, e com não menor rapidez, dispersar toda a
festival comitiva, esgueirando-se cada um, inerte, encolhido e cabisbaixo,
como quem fôra apanhado onde não supunha, ou accordava de uma
embriaguez d’opio ou champagne (TIMON, 1865, p. 610).
Depois de interrompida a intrépida banda de folia de momo no fim do espetáculo, pela
primeira vez recorre a uma espécie de hipálage
164
, mencionando que, no fim do espetáculo,
cujas minúcias ele deixaria para as calendas gregas, o ator Lisboa apareceu para cantar uma
ária de Attila de Verdi. Conta que seu amigo João Augusto confidenciara-lhe que ele seria
convidado para encerrar o ato, mas, por ocasião da repercussão do folhetim Nossa Senhora dos
Remédios, o convite por pouco não digressou por seus críticos o considerarem inculto na arte
de cantar, desconhecedor de música, afirmando que nesta matéria “entendia tanto como lagar
de azeite” (TIMON, 1865, p. 611). Calúnia desmedida retrucou Timon! Afinal, o Maranhão
era sabedor de que havia cursado com aproveitamento “a escola de canto-chão do reverendo
Joaquim Francisco, e quando não fosse assim, Timon podia amar a música, como qualquer um
adora o sol fulgurante sem entender de astronomia” (TIMON, 1865, p. 611). Superados os
empecilhos que atravancavam o Sr. Lisboa de cantar, este finalmente apareceu em seu ato solo,
sendo efusivamente aplaudido, assim como o arquiteto do teatro logo na sua aparição, o Sr.
Albuquerque.
164
A hipálage segundo Faraco & Moura (1990, p. 439): “é uma figura de linguagem que consiste em atribuir a
um ser ou coisa uma qualidade ou ação que logicamente pertence a outro ser que também está expresso ou
subentendido na mesma frase”.
A utilização da aproximação de uma hipálage está quando o narrado, Timon, menciona
o narrante, João Francisco Lisboa. Neste momento criador e criatura se misturam e a criatura-
personagem, Timon, descreve a aparição do ator Lisboa para cantar uma ária de Verdi. O ator
Lisboa se trata do criador do folhetim, o referido João Francisco Lisboa, isto é em seguida
assumido quando o narrado confessa: [...] “porfiou comigo que era Timon que ia cantar, a
convite do califa, e por ser dia d’annos?”, para em cinco linhas depois confessar: ... “por
occasião do meu folhetim dos Remédios, muitos invejosos do grande merito da rainha
cuidaram de rebaixa-lo”. Por fim, assume que Timon e o Sr. Lisboa eram a mesma pessoa:
“pois bem, o Sr. Lisboa appareceu e cantou no fim, e foi tão phreneticamente applaudido”.
A ação pertencia a Timon, mas ele recorre ao seu criador Lisboa como se ele tivesse
criado vida própria e passasse a controlar a narrativa, colocando narrante e narrado na mesma
cena, embora toda a circunstância fosse uma utilização de linguagem do narrante.
Um outro traço fictício presente nesta cena, uma cilada literária, é a probabilidade do
Sr. Lisboa não ter cantado a ária mesmo sem ser um profundo conhecedor de música, assim
como “quem adora o sol não precise entender de astronomia, como todos amam o perfume e
matiz das flores, o murmúrio da fonte, o sorriso das bellas, e a gentileza e travessura da
infância, sem pretenções scientificas ou artísticas de qualquer especie” (TIMON, 1865, p.
611). É que, no último parágrafo da página 610, quando inicia a narração da cena, ele
menciona: “no fim do espectaculo, cuja descripção e panegyrico guardo para escrever lá para
as kalendas gregas, depois de mais bem informado, e de dormir um pouco sobre o caso, no fim
digo, appareceu o actor Lisboa para cantar uma aria do Attila de Verdi”. Ora, calendas gregas
significa: “o dia de são nunca”, “o dia que nunca há de vir”, pois os gregos não possuíam
calendas, que vem de calendário, o primeiro dia dos romanos. Outro detalhe que poderia passar
despercebido está na expressão “e de dormir um pouco sobre o caso”, sugestionando que tudo
não passou de um delírio, um sonho.
Por que Timon, que em páginas anteriores havia criticado os seus colegas folhetinistas
por não contarem a verdade, não utilizarem a escrita com a aspereza que requer a história com
critério e verdade, recorreu à dubiedade ao mencionar o episódio do canto da ária do Sr.
Lisboa deixando em suspensão se de fato ocorrera ou se tinha sido uma quimera, mais uma
peripécia fictícia, um recurso literário? Primeiro, para mais uma vez criticar os supostos
conhecedores de música do Maranhão, que se diziam habilitados sobre o tema sem o serem,
assim como o distinto debatedor e profundo conhecedor da língua portuguesa que ao se
deparar com o autor dos folhetins digredia com ele acerca dos limites da língua portuguesa,
afirmando que o limite da língua era quando “um homem atingia seus limites”, em A Festa de
Nossa Senhora dos Remédios. Desta forma, o narrador critica o obstáculo ao seu nome sob o
argumento de não ser especialista; no entanto, se fizesse parte daquela sociedade de “espírito
sem igual” sem ser contestador, seria aceito e aplaudido, mesmo sem ser especialista,
evidenciando que a capacidade de aceitação dentro dos círculos não diz respeito
especificamente ao talento, inventividade, genialidade, mas à reprodução das condições de
interesse, aos enlaces de poder, às benesses para perpetuarem-se ações, práticas culturais
legitimadoras de determinados segmentos sociais. Segundo, para enfatizar ainda mais a crítica
ao recorrer à intertextualidade, mencionando o quanto o folhetim A festa de Nossa Senhora dos
Remédios não fora aceito nos círculos elitistas da cidade, fora criticado, detestado por ter
ridicularizado membros dessa mesma elite da qual ele era integrante, embora não
compartilhando determinadas práticas. O folhetim Theatro de São Luiz se remetia à Festa de
Nossa Senhora dos Remédios utilizando tipos, personagens, situações, trama, comungando a
mesma idéia: zombaria e escárnio. Terceiro, porque somente na literatura criativa e
imaginativa de um sonho de um dia de são nunca, Timon ou Lisboa seriam aplaudidos
freneticamente naquela casa ‘grego-árabe’.
Timon, enquanto personagem de João Francisco Lisboa, usava o mesmo mecanismo da
sociedade da qual ele fazia parte, o delírio, mas revertia em seu benefício para evidenciar o
quanto esse sentimento era bizarro, por vezes gongórico, fruto muito mais de um
pertencimento a lugar social, de um lugar de referência, de afirmação de identidade de
determinados grupos do que pela transverberação de ações que ele classificou como populares.
Os mesmos sujeitos que publicavam antologias poéticas, escreviam em jornais, liam,
participavam de saraus, freqüentavam as missas aos domingos, ansiavam a Festa de Nossa
Senhora dos Remédios, enviavam seus filhos à Europa, rezavam e caminhavam na procissão
dos ossos, vestiam-se a caráter para assistir às peças que vinham da Europa, liam Gonçalves
Dias, choravam com a leitura de sua obra, discriminavam-no por ser mulato, viam grandes
‘gênios’ nascerem, mas poucos de fato se consolidarem em solo maranhense — pois todos, ou
quase todos, muito cedo rumaram para outras paragens —, eram os mesmos sujeitos que
conviviam com o som da zabumba durante a festa, enquanto outras pessoas rezavam em latim.
Pela capacidade de compreensão da sóciogênese maranhense e em que medida isto era
extensão e negação de como os ludovicenses se autocognominavam, é que Lisboa classificava
tais comportamentos como delirantes.
Em certa medida é uma idiossincrasia, anacronismo, transferir para meados do século
XIX uma cobrança acerca do que era ser brasileiro e maranhense quando os mecanismos de
compreensão da nacionalidade, da identidade regional, além de estarem em processo de
construção, estavam em disputa dentre os vários segmentos políticos e sociais com seus
respectivos projetos de Estado. Entretanto a ação das elites maranhenses em quererem ser
Athenas Brasileira foi uma opção consciente, posicionada dentre os vários projetos que
estavam em curso. O fato de existir vozes dissonantes no seio da elite maranhense, como a de
João Francisco Lisboa, sinaliza que existia a hipótese de contraponto, de reflexão, de
possibilidade de agrupamento social que não excluísse outros sujeitos que, muito longe de
serem invisíveis, estavam na labuta do sol dos trópicos, nas feiras, na lavoura, no comércio,
nas procissões, nas embarcações, no mar, em vários lugares. A exclusão dos setores pobres,
livres e cativos revela uma opção política e ideológica das elites maranhenses, posto que na
construção do referencial de sociedade, não compelia construir o edifício social ao lado dos
sujeitos que sempre foram excluídos, alijados dos mecanismos de poder, quer burocrático, quer
simbólico, quer da memória social ou da inteligibilidade identitária.
Na Athenas Brasileira não convinha escravo adentrar a sala nababesca do teatro São
Luís, assim como também, na Grécia Antiga, escravo não era cidadão. As semelhanças, no
entanto, não vão muito longe disso. O caráter elitista se fazia presente na São Luís do século
XIX assim como na Grécia Antiga, pois ambas não comportavam a noção de alteridade para
aqueles que viviam além dos domínios do que era designado como sociedade.
Isso não quer dizer que João Francisco Lisboa discordasse completamente de tal noção,
pois o criador de Timon defendia a concepção clássica de civilização, por isso criticou o
indianismo gonçalvino vide que não compreendia um herói nacional vestido com penas e
cocás. E isso explica também por que abandonou a luta em defesa dos balaios quando estes,
depois de tomarem a cidade de Caxias, ameaçaram marchar em direção à capital da província.
O instrumental intelectual e político em apoio à Balaiada e aos balaios foi uma estratégia de
luta contra o partido opositor, o Cabano, mas, à medida que a revolta recrudescia e aumentava
a possibilidade de uma grande reviravolta na estrutura social e política da província, e quiçá do
Brasil, a partir da insurreição de negros, forros, livres, pobres insurretos, revolucionando o
cenário social, João Lisboa silencia no seu jornal a Chronica Maranhense e o partido Liberal
retirou seu apoio à causa revolucionária.
Timon, nas páginas finais do folhetim, acentua o caráter de crítica ao classicismo
maranhense. Ao sair do teatro, “ouviu a aterradora noticia de que o drama ia ser repetido no
próximo domingo!” Imediatamente redigiu um anúncio passando as chaves do seu camarote a
preço e prazos módicos. Informa o endereço, a quem interessar, do seu escritório: “rua do sol,
como quem vae para a Sé, a mão direita, sobradinho próximo ao ourives, José Feliciano”
(TIMON, 1865, p. 615). Não sendo necessário publicizar o anúncio, já que os triumviros
resolveram alterar a data de domingo para quinta-feira, rasgou o bilhete com júbilo no coração.
Timon, considerando-se derrotado, conclama uma trégua “entre oprimidos e
opressores” (TIMON, 1865, p. 616), extirpando-se conspirações e pateadas, artigos e folhetins
desde que se permita levar chapéus, uma ama para as crianças, diminuição do número de atos e
a possibilidade, “devido a cegude atheniense, de acrescentar-se no numero de pessoas que cada
assignante queira ou possa levar em companhia” (TIMON, 1865, p. 616), sem que
necessariamente se revogue a lei, apenas se faça vista grossa e alivie a execução dos artigos do
regulamento.
Alfinetando a qualidade das peças que eram encenadas, critica a escolha da diretoria,
optando por peças mais curtas consideradas de melhor aceitação. Desdenha das damas centrais
consideradas por ele como sisudas e obesas, preferindo as “damas littoraes ou de beira-mar:
moças, esbeltas, vivas e aéreas” (TIMON, 1865, p. 617). Estende a crítica aos sensores das
peças que corroboram com os erros da comissão por pura falta de experiência e conhecimento
teatral na hora da sugestão e escolha das encenações por nunca terem viajado para conhecerem
outro teatro que não o “São Luís”.
Termina o folhetim sugerindo seu nome para uma missão em viagem pelos principais
países da Europa para conhecimento da arte dramática relatando os regulamentos,
constituições, leis e costumes, analisando as condições de outros teatros não “podendo a
missão ser de mais de seis, nem menos de quatro annos, á rasão de quatro contos de reis por
anno (afora as ajudas de custo), com a condição de no fim da viagem ser obrigado a
administrar o theatro com ordenado nunca maior a 2:800$000 reis annuaes” (TIMON, 1865, p.
618). Fazia isso como missão patriótica, afinal, ele era brasileiro de origem grega e aguardava
ansiosamente a resposta em respeitoso silêncio.
Muito pode se extrair das obras de João Francisco Lisboa e em especial dos seus
folhetins. Com requintes de ironia, deboches, diatribes e por ser evidentemente obras de
literatura, não podem ser tomados ao pé da letra, nem como espelho nítido da sociedade
ludovicense, uma vez que a literatura necessariamente não precisa dizer algo preciso, nítido ou
coerente acerca do que descreve, fazendo dela uma linguagem específica que nem está no
campo das ciências, nem da arte, nem em qualquer outro a não ser o seu. Mas ela o diz. Diz,
pois seu escritor é fruto das contradições sociais, do seu tempo, da sua historicidade, do
processo cultural que o transformou em literato e das formas, estratégias, narrativas que
escolhe para o seu repertório e das derivações que disso emanam: por que escolhe, como,
onde, quando e para quem? Essas indagações podem e devem ser remetidas ao escritor dos
folhetins citados.
Por que João Francisco Lisboa preferiu um folhetim para sorver sua crítica à
sociedade? Para quem ele estava escrevendo? O que pode ser extraído dessa leitura? Optei pela
seleção dos folhetins, apesar de serem assaz conhecidos no Brasil e no Maranhão, por ser uma
linguagem cujo discurso, às vezes direto, às vezes indireto, escrito em narração monofônica,
contém polissemia acerca das intenções direcionadas pelo autor, podendo-se abstrair uma série
de interpretações sobre a cidade de São Luís e seus moradores em meados do século XIX.
Algumas notas explicativas são pertinentes. As obras de João Francisco Lisboa foram
deveras estudadas na história política brasileira e maranhense, na literatura e no jornalismo,
mas os seus folhetins, considero, na historiografia literária e histórica sobre o Maranhão, não
terem sido devidamente analisados. Isso não implica afirmar que a análise presente nesta tese
de doutorado seja a mais apropriada, mas a ausência de uma atenção mais acurada na
historiografia maranhense sobre os folhetins de João Lisboa é que mais me interessa neste
momento.
A ausência de uma atenção mais acurada pode estar relacionada à forma como a
temática Athenas Brasileira sempre esteve vinculada ao imaginário do povo maranhense, mais
especificamente nos moradores de São Luís. Sempre foi moeda de troca, um arauto, um salvo-
conduto todas as vezes que o isolamento geográfico, político e econômico fazia os moradores
desta cidade se lembrarem de suas condições objetivas. A Athenas era, e ainda é, uma
idealização do passado, um mito garantidor do elo de entificação e identificação entre os
moradores da cidade que se sentiam, e ainda se sentem, irmanados por um passado brioso,
estabelecendo um modus vivendis pautador de ações de políticas públicas, desenhos de
configuração urbana, criando sentidos de memória e pertencimento social.
As historiografias literária e histórica possuem grandes parcelas de responsabilidade
sobre a parca produção analítica dos folhetins de João Lisboa. Por não terem adentrado nas
minúcias dos folhetins, fizeram tábula rasa do passado, não problematizando o porquê de um
grande arauto da intelectualidade maranhense, cultuado e admirado, merecedor de uma estátua
na praça que até meados do século XX foi o espaço de ebulição e expressão popular mais
importante da cidade, ter sido crítico de comportamentos habituais, inclusive de seus pares.
Para alguns, João Lisboa disparava sua flecha, com o perdão da licença poética, contra
os desafetos políticos, o que de fato foi sua grande marca. Mas penso que isso reduz e muito a
importância dos seus folhetins. Para os desafetos políticos dedicou uma parte significativa de
sua biografia, de sua intelectualidade, quer no jornalismo, quer em obras como o Jornal de
Timon, mas isto não o contentou, pois para ele a política não era um aspecto isolado da
sociabilidade maranhense, ao contrário, as sociabilidades maranhenses é que revelavam os
traços marcantes da política. Nesse aspecto, os folhetins se apresentam como peças
importantes na montagem da sociogênese maranhense.
João Lisboa dá excelentes pistas de como a Athenas Brasileira contribuiu e muito para
a sociogênese maranhense, ainda que não tenha usado tal conceituação e nomenclatura,
ajudando-nos a pensar que o mito Athenas, apesar de ser mais um epíteto da cidade, dentre
outros
165
, foi o mais emblemático, o marco fundador do Maranhão, cuja seta da modernidade
desta região mescla elementos do novo e do velho, assim como outras modernidades que
coadunam passado e presente, arcaico e moderno, antigo e novo. A modernidade maranhense
sempre estabelece se somente se a marca indelével da Athenas Brasileira for seu principal
estandarte. Desta feita, a Athenas (o velho) não pode ser descartada do processo de
modernização da cidade (o novo).
Senão vejamos. Um dos temas transversais em todos os folhetins foi a escravidão.
Embora para Marc Bloch toda expectativa analítica sobre o passado não nasça no passado, mas
no presente, João Lisboa sinaliza para a caracterização de uma sociedade escravocrata. Por
sociedade escravocrata, estou me referindo a uma dependência do mercado externo, marca da
agroexportação, cujo principal veículo de comutação econômica eram as commodites. No caso
do Maranhão, os principais produtos eram algodão e arroz gerando uma estrutura dual; de um
lado, um setor “moderno” e especializado voltado ao atendimento do desenvolvimento do
capital, propiciando o enriquecimento dos setores agroexportadores, a elite econômica; de
outro, um setor “arcaico e tradicional”, pouca monetarização dos setores pobres, livres e
cativos gerando exploração e miséria.
Os dados estatísticos apontam que em determinadas etapas do século XIX o Maranhão
possuiu o maior contingente populacional escravo do Brasil. O que João Lisboa demonstrou
era o desconforto das elites de São Luís, de extrema dependência da mão-de-obra escrava
terem que conviver em locais onde necessariamente estes elementos não deveriam estar
presentes, como por exemplo: dentro das igrejas, ao som dos batuques da zabumba, nas
procissões remindo expectativas de se libertarem do jugo da escravidão pós-morte, no teatro.
Se isso não era desconforto, então por que o “triumvirato” decretou uma resolução proibindo a
entrada de escravos nas dependências do teatro? Qual era então o argumento? Mas não apenas
isso. A economia escravista era percebida nos traços urbanos da cidade, na falta de uma
165
Única capital francesa do Brasil, petit Paris, ilha dos amores, Manchester do Norte, Ilha rebelde e Jamaica
brasileira.
dinamização econômica de vários outros setores, no padrão de consumo, na falta de requinte
das casas, nas ruas esburacadas, lamacentas, nos túmulos sem suntuosidade, nos cemitérios
pobres, nas doenças endêmicas, nas casas pobres ao lado das igrejas e do palácio do governo,
no pedido para que os assinantes dos camarotes do teatro pudessem levar outros
acompanhantes, no quanto as pessoas bem vestidas chamavam a atenção, nas quituteiras e
doceiras que transitavam no Largo dos Remédios, nas barracas pobres de pau-a-pique, no
desconhecimento sobre grandes peças teatrais e na ignorância sobre o que se passava em
outros teatros, entre outras coisas.
A economia escravocrata também teve suas reveses no caldeirão da sociogênese
maranhense. A escravidão propiciou encontros interétnicos dos grupos africanos que para o
Maranhão vieram, o toque das zabumbas troava mais que os badalos dos sinos, o tambor-de-
crioula, afinado a fogo, tocado a murro e dançado a coice, empolgava as noites dos brincantes
em homenagem a São Benedito, o contingente alijado da economia agroexportadora retirava
seu sustento das águas do rio e mar incrementando a culinária dos maranhenses que, embora
gostassem das novidades de outras iguarias, não esqueciam as antigas barracas que vendiam
peixe, sururu, sarnambi, carangueijo, torta de camarão durante os festejos de Nossa Senhora
dos Remédios, pregoeiros que vendiam especiarias, a estrutura orgânica da economia
maranhense, fazendo de São Luís o grande pólo de escoamento da produção agrícola,
obrigando barqueiros, comerciantes, vendedores a se aventurarem pelas águas do Maranhão
em longas viagens de suas cidades até à capital proporcionando intercâmbio cultural, trocas
comerciais, entrega de jornais de outras cidades.
Ao mesmo tempo em que as zabumbas troavam na festa de Nossa Senhora dos
Remédios mesclando-se com as rezadeiras, havia quem considerasse a prática do bumba-meu-
boi nefasta, imoral, devendo ser proibida pela ação policial. Os que defendiam a prática da
brincadeira eram abertamente criticados considerando seus aspectos rudes, como aparece em
notas como esta.
No tempo da injuria chefatura de Policia do Sr. Dr. Amaral, e presidência do
celebre Sr. Silveira de Souza a Imprensa – nobile Coalição, escrivinhada
pelos mesmíssimos sujeitos de hoje, apotheosarão o bumba-meo-boi no
ultimo ponto, demorando-se até nos elogios, que fasião aos remexidos de mãe
Catharina, não obstante que o periódico moderação com todas as suas forças
pulverisasse essa gente, e bumba e seus padrinhos; porém, tempora mutantes,
eis a Coalisão, n. 26, a pedir podas (o que por minha parte concorde) ao sul
divertimento, que só merece reprovação de tal gente depois que se entornou o
caldo do boi (JARDIM DAS MARANHENSES, São Luís, S/D n. 42. p. 04).
Do ponto de vista comportamental, os folhetins propiciam um grande quadro de como
era o perfil da elite maranhense. Os ilustres cavalheiros não cediam lugares a senhoras e
senhoritas, disputavam espaços com elas por vezes atropelando-as na procura por um lugar.
Diziam-se copiadores das instituições gregas, mas no plano político local eram governados
praticamente por algumas poucas famílias. Esperavam ansiosamente a Festa de Nossa Senhora
dos Remédios, sinal claro da ausência de outros elementos festivos, lúdicos, que sinalizassem
uma dinamicidade da vida social. Não havia uma grande escola de música, enfim.
João Lisboa é um preposto à idéia bizarra de sociedade classicista em plenos trópicos, a
uma Athenas Brasileira sem os pilares essenciais de uma sociedade com códigos culturais
coadunados com seus princípios coerentes com a sua condição material e espiritual. Por isso
mesmo é uma figura-chave, pois usa os mesmos mecanismos classicistas para derrubar os
argumentos de uma sociedade que se pensa clássica, embora não fugisse muito “do esteriótipo
do político provinciano da época, embora com mais talento e sobriedade”, conforme Janotti
(1977, p. 27).
A contribuição das críticas de João Lisboa, no entanto, não o eximem do exercício de
problematizá-lo enquanto um sujeito de seu tempo, lugar, inserção política. João Lisboa,
nascido de “uma tradicional, mas empobrecida família ligada à agricultura”, segundo Janotti
(1977, p. 21), era um partidário liberal, cujo grupo político o rifou da indicação para Deputado
Geral
166
em detrimento de Isidoro Jansen, filho de Ana Jansen, membro dessa importante
família alcantarense, como já mencionei no segundo capítulo. Publicou O Brasileiro (23 de
agosto a 16 de novembro de 1832), depois passa a publicar O Farol Maranhense depois da
morte de José Cândido Morais e Silva. Era exaltado. Foi Deputado pela primeira vez para a
legislatura (1834-1837), Secretário de governo (1835-1837), reeleito deputado (1838-1841).
Em 1842, com a divisão do partido liberal, publica o Eco do Norte (03 de julho de 1834 a 22
de novembro de 1836), onde acentua a decepção com os políticos locais, incluindo seus
correligionários. Em 1848 retorna como deputado à Assembléia provincial.
O momento de escrita dos folhetins é o desencantamento com a política, da exclusão,
do cerceamento de suas pretensões e objetivos pessoais. Embora reconhecido como integrante
da Athenas no momento de difusão dos folhetins, a efusividade se dá perto de sua morte,
quando distante das condições locais de reprodução, já não incomodava mais, precisava ser
resgatado como um ilustre conterrâneo. Isso não quer dizer que durante a difusão dos folhetins
166
Em nota do dia 11 de setembro de 1856, p. 02, os editores do Diário do Maranhão
escrevem uma nota
pedindo votos abertamente para o comendador João Francisco Lisboa para o cargo de Deputado Geral pelo
círculo da capítal. A nota diz que não há ninguém que mereça esse cargo do que o referido pelo talento e
ilustração, além de mencionar as suas notabilidades literárias, a nota afirma que é um dos melhores talentos
não só no Brasil como em Portugal, não só como escritor, orador e jornalista. Pede ainda encarecidamente
que, em nome do patriotismo, os seus concorrentes desistam de suas candidaturas em prol dele. À época,
João Francisco Lisboa se encontrava em Portugal.
não fosse reconhecido em plano local como um grande orador, político, historiógrafo,
jornalista, e sim, que a apropriação da sua imagem enquanto integrante da Athenas é posterior
às de Gonçalves Dias, Odorico Mendes, embora tenham falecido quase todos os três no
intervalo de dois anos. Segundo Janotti (1977, p. 44):
Quando da publicação dos “Jornais”, Lisboa já é um pacato e metódico
redator do Publicador Maranhense que uma outra vez revive a sua antiga
chama panfletária. Seus escritos foram aceitos como crônicas locais e
largamente procurados, se acreditarmos em Antonio Henriques Leal.
A utilização de João Lisboa enquanto crítico da Athenas é um contraponto às parcelas
sociais que o elegeram enquanto integrante dessa iconicidade. Sendo assim, ao rejeitar esta
simbologia, João Lisboa anuncia as contradições dessas parcelas, suas limitações, suas
aspirações e os elementos de sustentabilidade do símbolo que o elegeram. Como anunciado
desde o primeiro capitulo, criticava o romantismo gonçalvino e indianista por discordar do
enfoque, da temática e da apropriação das etnias ou da figura do índio como legítimo
representante da brasilidade. Rejeitava, por seu padrão europeizante e racista não comportar a
idéia de miscigenação, de mistura e da impossibiliade nos trópicos da imitação dos padrões
clássicos de civilização. Ao zombar dos padrões culturais dos moradores de São Luís,
zombava da imperfeição dos movimentos dos freqüentadores do teatro que tentavam imitar “os
verdadeiros cultores desta arte”, desdenhando do Maranhão por não ser a Europa, aliás, não só
o Maranhão, como o resto do Brasil. Embora se preocupasse com a aplicação dos elementos
teóricos da política, amplamente debatidos e difundidos no velho continente, ressignificados
em terras sul-americanas, não acreditava na possibilidade da criação de códigos culturais feitos
a partir da releitura da política num mundo embricado entre a antiga ordem e a nova amplitude
do espaço sócio-político que era o Brasil. Acreditava, sim, que grandes homens, como Odorico
Mendes, possuíam a capacidade de incorporação dos elementos clássicos europeus, por isso
criticou os portugueses que desconheciam o estágio do desenvolvimento literário brasileiro.
Ele era moralista, tradicionalista, preconceituoso, defensor dos interesses das grandes famílias
proprietárias, como os Franco de Sá e Jansen, por exemplo, segundo Janotti (1977).
Uma das formas de se perceber a recepção às suas críticas está no folhetim Theatro São
Luis, quando o convite para que encerrasse a ária foi desfeito, ou seja, era impactante demais
ter um ente da elite escancarando as próprias idiossincrasias nos jornais, ironizando os
comportamentos que julgavam refinados. João Lisboa, nas entrelinhas, quis dizer aos seus co-
provincianos que o momentâneo enriquecimento havia provocado um surto, um espasmo de
gozo material, mas que não era suficiente para se igualarem aos seus referentes.
O sentimento alvissareiro de parcela dos moradores da cidade tem suas origens em
decorrência do devaneio momentâneo da aquiescência do padrão de consumo em virtude do
vertiginoso crescimento econômico oriundo das exportações de algodão e arroz desde 1755,
data da criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Os maranhenses,
obstante setores da elite maranhense, passaram a gozar o privilégio do enriquecimento do setor
produtivo agro-exportador reverberando em outros setores como uma cadeia produtiva: a
criação da tipografia, a criação do teatro, a compra de livros na Europa, o envio de filhos da
aristocracia para estudarem naquele continente, a circulação de jornais, a criação de vários
periódicos, a instalação de tipografias que passaram a receber trabalhos de outras províncias
brasileiras, a criação de escolas das primeiras letras, o aumento populacional da cidade,
incremento da imigração.
Os dados apresentados abaixo sobre alguns setores da vida ludovicense ajudam a
entender os fundamentos da crítica de Timon. Analisando-se instituições, centros e os
respectivos nomes que as dirigiam e/ou colaboravam de alguma forma com essas agremiações,
vemos como as pessoas que circulavam nesses locais eram quase sempre as mesmas,
evidenciando que a circulação de idéias e costumes transitavam nos mesmos lugares.
Estar presente nos locais de decisão ou nas instâncias legitimadoras de determinadas
imagens ou discursos foi o principal estratagema adotado por segmentos letrados em São Luís,
mas os dados nas páginas que se seguirão com suas respectivas informações contrapõem o
discurso alvissareiro com as condições objetivas da cidade. Comparando-se estilos das casas,
número de peças de teatro e companhias que se apresentavam na cidade, tipografias, jornais,
instituições literárias, número de escolas e dados da instrução primária e secundária,
bibliotecas, obras publicadas, entre outras informações, é possível se aferir em que medida as
críticas de Timon eram pertinentes ou não.
A primeira informação que considero pertinente diz respeito aos nomes que figuraram
no rol da intelectualidade brasileira no ano de 1801. Antes dessa data, nem na Academia
Brasílica dos Esquecidos, nem na Academia Brasílica dos Renascidos
167
aparecem nomes de
Maranhenses. Somente por volta de 1801, segundo um artigo da Revista do IHGB, intitulado
O Brasil intelectual em 1801, numa relação de “naturalistas, botânicos, chimicos, médicos,
mathemáticos, jurisconsultos, moralistas, historiadores, publicistas, oradores sagrados, poetas,
litteratos, armas e artistas” (Revista do IHGB, tomo LXIV, 1901, p. XIV), a única menção
167
Ambas tinham a função de estudar a história do Brasil sob os ângulos natural, eclesiástico e político. A
primeira foi fundada em 1724 e a segunda , em 1759. A intenção era dar visibilidade aos intelectuais que caíram
no olvido ao longo do tempo.
feita a um maranhense que mereceu destaque por sua condição intelectual diz respeito ao
“coronel Sebastião Gomes da Silva Belford, autor do Roteiro e mappa da viagem da cidade de
São Luiz até a corte do Rio de Janeiro”, feito na Impressão Régia do Rio de Janeiro em 1810.
Aliás, menção quanto à inteligência, sagacidade, perspicácia dos maranhenses não se
encontram em manuais de literatura, antologias, biografias, enciclopédias antes dessa data, mas
nas entrelinhas dos autores que discorreram acerca da sociabilidade maranhense, enquanto
capacidade intelectiva, sensorial, perceptiva de viver, sentir, dançar, sonhar, comer, aliterar,
como nos discursos do Pe. Jesuíta Antonio Vieira
168
e também do Governador Francisco de Sá
e Meneses, este último, ao retratar o comportamento dos “maranhotos”
169
. Em ambos a
retratação dos tipos locais está acompanhada de jocosidade, sátira, uma espécie de denúncia da
insubordinação, da incapacidade destes em se sujeitarem ao padrão, estilo europeizante de
vida, em contraste a uma elite com vista sempre voltada para o horizonte além da linha quase
infinda do istmo do Atlântico, olhando por sobre as ondas da baía de São Marcos.
O teatro, que poderia ser um elemento de expressão singular e uma marca da condição
cultural da cidade, penava por suas circunstâncias e coadunava com o repertório das críticas
que existiam. A falta de requinte dos freqüentadores do teatro, sinalizada em Timon, era
decorrência da ausência desses estabelecimetnos no Maranhão antes da fundação do teatro
União, em 1816. José Jansen (1974) relata que os episódios políticos dificultavam a
organização e apresentação de espetáculos, sem qualificar qual a natureza dos impedimentos
políticos. A promoção de festas recreativas em casas de famílias por parte da Sociedade
Recreativa Maranhense era uma das poucas manifestações de atividade de lazer existentes na
cidade. A organização da Sociedade Dramática tentando manter um programa de atividades
era igualmente o esboço da atividade teatral, segundo o autor.
Desde 1841 a Sociedade Dramática Maranhense havia dado um novo impulso à vida
teatral de São Luís, revelando numerosas vocações de atores. “Várias companhias francesas,
168
Padre Antonio Vieira em seu célebre Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, no ano de 1654, na cidade de
São Luís, assim afirmou: “[...] que se as letras do abecedário se houvessem de repartir pelas várias províncias de
Portugal não haveria que o M pertenceria de Direito à nossa província? Porque M Maranhão, M Murmurar, M
motejar, M maldizer, M mexericar, é, sobretudo, M mentir com os pensamentos. Que no Maranhão até o sol era
mentiroso, porque amanhecendo muito claro, e prometendo um formoso dia, de repente e dentro em uma hora
se toldava de nuvens, e começava a chover como mais no entranhando inverno, e daí que não era para admirar
que mentissem os habitantes como o céu, que sobre eles influía” (VIEIRA, 1965).
169
Como eram chamados os habitantes do Maranhão por volta de 1731 na ocasião da inquirição do Santo Oficio
chamando a atenção para o comportamento dos habitantes do Maranhão, considerando-os lascivos, perniciosos
e desafiadores das práticas cristãs católicas, segundo NOVINSKY (2006). Quem também faz menção às
atitudes dos maranhenses é Luiz Mott (1995), quando a Inquisição do Santo Oficio denotava a insubordinação
desses habitantes.
italianas e portuguesas apresentavam ali espetáculos líricos ou peças de teatro, em tudo se
procurava imitar a Europa”, conforme Yves-Mérian (1988, p. 14).
Gonçalves Dias, redator do Jornal cientifico e literário, autor da grande maioria dos
artigos desse periódico, na sessão destinada à arte dramática, conta que “no dia 14 deste mez
subio a scena no theatro desta cidade – a torre de Nestlé – que dizem ser de Mr. Gaillardet,
mas que continua a vir conjuntamente com as obras de Mr. Dumas” (O Archivo; jornal
scientifico e litterario, 1846, p. 11).
Por volta de 1846, além de parcas peças que eram apresentadas, apesar da suntuosidade
do teatro, apenas as atividades da Recreativa, da Sociedade de bailes e pequenas festas nas
casas de Inácio José Alves de Sousa, D. Ana Jansen, Joaquim Braga e D. Luiza Marcelina
Nunes Gonçalves e Ângelo Carlos Muniz movimentavam a cena festiva e elitista da cidade,
conforme Jansen (1974, p. 39), já que os brincantes de Bumba-meu-boi não participavam
delas.
Era este o cenário que propiciou a Timon um repertório de ironias ao que se passava na
única casa de espetáculos da cidade. A falta de hábito de se ver e analisar grandes peças,
produzir bons roteiros, a descontinuidade das companhias, a ausência de grandes atores
levaram os moradores a se comportarem no teatro São Luís como se estivessem num grande
baile, tal como faziam durante a Festa de Nossa Senhora dos Remédios.
De forma indireta o editor do jornal Argos Maranhense, dois meses depois de
publicado o folhetim Theatro S. Luiz, escrevia uma nota com o título: “A cidade de São Luiz e
o theatro do mesmo nome e seus actores” (O Argos Maranhense, 1853, p. 01), direcionada aos
supostos críticos do estágio de desenvolvimento teatral na cidade, não mencionando, enquanto
estratégia, que se tratava de uma resposta às diatribes de Timon, escrita com sujeito
indeterminado.
As correlações entre o folhetim e a nota são claras e diretas, assinalando os elementos
presentes na escrita de Timon, rebatendo-lhe os argumentos com o mesmo sarcasmo. A nota,
que pretendia ser uma resposta, acaba por legitimar as críticas, na medida em que se atém
somente aos aspectos elencados no folhetim, não apresentando contrapontos, como a atividade
teatral, conforme o título do artigo sugere. Acaba assumindo a postura queixosa das críticas
dirigidas ao povo do Maranhão com um fundo de ressentimento por um dos seus grandes
intelectuais ter exposto e publicizado o que considerava ser aquela sociedade de corte.
No primeiro parágrafo, relaciona os adjetivos atribuídos ao Maranhão pelos seus
críticos, tais como: “terra clássica dos ananazes, das bananas maças, e das palmeiras onde
canta o sabiá, pátria primitiva dos comedores de arroz e dos falsificadores de eleições, como
dizem lá no Rio” (O Argos Maranhense, 1853, p. 01), enquanto emblematização das diversas
imagens que possuía a província, agudizando o quanto de perverso, de injusto há nessas
significações. Como recurso para se rebater tal escárnio, a exploração dessas atribuições
potencializa o exagero, diminuindo, por conseguinte, a relevância do seu conteúdo, pois indica
que ela contém em si um elemento de desqualificação daquilo que é zombado,
desconsiderando suas características positivas. A nota, ao potencializar o Maranhão enquanto
terra das bananas, entre outras coisas, conduz o leitor a pensar que tudo que vier
posteriormente, ainda que contenha elementos de verossimilhança, tem sub-repticiamente uma
carga de desmerecimento no bojo da narrativa que não deve ser levada tão a sério. Ou seja,
ainda que o Maranhão tenha banana, ananazes, palmeiras e fraudadores de eleições, não se
resume a isso e nem são essas características que melhor o definem.
As paisagens e locais existentes na cidade, “bacanga pittoresco, o seu campo d’ourique
e o seu Remédios”, também descritas nos folhetins de Lisboa, ao lado dos hábitos rudes dos
seus moradores, costumes e índoles, como o uso da rede que também existe em “Sevilha com a
la Giralda, grande o Alcazar, Madri o Mancanares, e Cadiz não sei o que”, um céu magnífico,
são mencionados como defesa para pontuar que esta era a terra pátria do autor da nota. Dito
isso, inicia sua consternação ao mencionar as calúnias destiladas ao Maranhão: “dizem uns que
aqui não vivem durão, outros que vegetão como os prosaicos e desabitados cogumelos, outros
enfim que vão criando crusta, e insensivelmente passando para a ordem dos moluscos” (O
Argos Maranhense, 1853, p. 01).
Enumerando todas as características que qualificariam o padrão cultural da cidade,
como ausência de comércio de idéias, fazendo com que cada um viva com o seu grau de
instrução, sem ter com quem dialogar, tergiversar, feliz por não desaprender o que já se sabe,
sem distrações, sem sociedades, com um severo toque de recolher seguido rigidamente às
21:00 hs, condenando seus moradores à monotonia, servindo de alimento para as brocas, sendo
a política responsável por tudo estragar e atropelar a vida social, o autor petarda que tudo isso
não passava mais do que “miseraveis sophismas! Pequeninas calumnias! Injustiça flagrante!”,
indicando que logo em seguida responderia à altura com ênfases como esta: “passemos a
pulverizar taes disparates”. No entanto, eis a resposta:
Principiemos pelo principio....ah! mas lembra-me, tínhamos de fallar do
teatro S. Luiz, e dos actores e muito longe nos levaria a digressão d’este
maldito preâmbulo; e então o Maranhão se ensoberbece com possuir o
elegante, vasto e esplendido Theatro S. Luiz, o que ainda não sera nada,
senão possuísse tambem uma companhia de actores, que por ora deixamos
sem ephiteto, porque d’ella vamos nos occupar immediatamente.
Rogo-te, amigo leitor, que se meu juízo e minha critica não forem do teu
agrado, facas de conta que tenho mau gosto, e te lembres...
Ora, a companhia não é lá essas coisas, dizia um sujeito, mas para o
Maranhão serve. Obrigado pelo cumprimento! É absolutamente como se
dissesse: A companhia é destinada para a cidade do Rio Negro, onde terá o
seu talento de brilhar perante aquelle publico tão illustrado e enthusiastas das
bellas artes, como virgem d’emoções. Examinemos nós mesmos...
Este systema de accomodação ou de universalidade como quizerem, parece-
nos algum tanto elástico de mais; nem todos podem ser grandes em tudo... (O
Argos Maranhense, 1853, p. 01).
Não seria lastimoso defender a qualidade teatral da cidade e um esforço hercúleo em
responder a Timon, se a idéia da existência do teatro fosse bem aceita pelo conjunto dos
moradores da cidade. Mas ao passarmos a vista em notas como essa: “o Theatro do Maranhão,
único divertimento que proporciona algumas horas de distração do povo, tem si constituído
uma perniciosa atividade ao publico socego” (A Voz do Bacanga, 1854, n. 09, p. 04),
percebemos que as críticas de Timon possuíam fundamentos.
Não é de estranhar que Timon galhofava da expectativa que os freqüentadores do
teatro consumiam à espera de novas peças. Não havia muito que fazer além de poucos saraus,
soirées, bailes realizados pela associação recreativa em ‘poucas casas de família’ (grifo meu).
Porém, não é somente o fato de a cidade não ter outra atividade de entretenimento,
divertimento, lazer que salta aos olhos, mas também a expressão “perniciosa atividade ao
público sossego”.
Como já mencionado, decorridos quarenta anos depois da proibição da edificação do
teatro no lugar original pelas freiras carmelitas em virtude da crença de que o “profano não
poderia ladear o sagrado”, é de se estranhar que um dos poucos divertimentos da cidade —
motivo de orgulho dos ludovicenses —, o segundo teatro mais antigo do Brasil, ainda fosse
considerado estorvo.
Um outro registro de uma peça vinda da Europa com data de 1859 diz respeito à
chegada da companhia lírica italiana de G. Marinangelle, com o título “Prima Dona
absoluta”
170
. Nove anos depois, no novo Theatro de S. Luiz, o empresário Vicente Pontes de
Oliveira, juntamente com a Companhia Dramática, começava a organizar os trabalhos que se
iniciariam em fevereiro do próximo ano contando com artistas da envergadura de Joaquim
Augusto Ribeiro de Souza, “nome conhecido em todo o Brazil, e que de há muito rivalisa com
o do célebre trágico brasileiro João Caetano”
171
.
170
O Globo, anno VI, terça-feira, 24 de maio de 1859, n. 94. p. 04
171
ALMANACK DO POVO PARA 1867-1868, p. 66.
Definitivamente era a picardia o que melhor definia o humor dos maranhenses. Na
ausência de grandes peças, a saída seria a motivação literária dos talentos escondidos. Em
contraste com promessas de dias melhores, peças melhores, a nota no jornal Museo
Maranhense era apenas mais uma exemplificação da coexistência entre euforia versus
marasmo, sempre tencionando promessas de uma província melhor e o não cumprimento
destas. Segundo a nota
172
:
Grandes costumam ser as promessas dos que tem lançado mão de emprezas
litterarias para o augmento dos seus interesses, porém como muito pouco nos
resultarão da nossa, ou para melhor dizermos remi-vos, promettemos atirar a
barra até os limites do possível atendendo sempre ao melhoramento da
provincia.
Em um outro periódico
173
, a necessidade de aquiescência cultural, publicações de
artigos sobre o atual desenvolvimento da literatura e o quadro desolador das artes no Maranhão
motivaram um grupo de amigos a publicarem o Jornal de Instrução e Recreio. A ânsia de se
estar em compasso com o grau de desenvolvimento das letras e artes em outros países
inquietava deveras os que se preocupavam com essas questões. Logo no início, a nota afirma:
“não foi certamente incessante o desejo de vangloria que nos obrigou a publicar um jornal. O
estado de inércia a que têm chegado a nossa litteratura, o desanimo geral nas artes e sciencias,
nos incitarão esta publicação” (INSTRUÇÃO E RECREIO, 1844. vol. 01. p. 01). Mais uma
vez a noção de descompasso, de atraso em relação aos países, cuja nota designa como
“civilizados”, permeia a empreitada de confecção deste periódico. A intenção era válida,
porém, somente com as mesmas mãos a confeccionar, produzir artigos o transformariam em
mais um impresso que daria conta apenas e repetidamente da produção que se fazia alhures.
É nesse sentido que se pode raciocinar acerca do estágio de desenvolvimento
sociocultural da província do Maranhão; a necessidade de criação de mais um jornal
tencionando estimular o desenvolvimento das artes e letras. No entanto, seus elaboradores por
não problematizarem as circunstâncias que envolviam as produções literárias e artísticas, além
de não lograrem êxito, corriam o risco de aumentarem as fileiras dos compungidos, resignados,
que dia após dia lamentavam a situação de penúria da província. Como a noção de cultura não
era extensiva ao restante da população, sobretudo não letrada, a angústia sentida por esses
produtores culturais era fruto de uma egotripe, de uma vaidade eminentemente pessoal, em
decorrência de um sentimento de não pertencimento a um ambiente de efervescência, e não
porque efervescência não poderia ser gozada pelos demais habitantes da cidade.
172
Museo Maranhense: periódico de instrucção e recreio. Maranhão, typografia Monarchica const. de F. S. Nº
1842, 01 de julho a 15 de agosto de 1842, ns 1-4. n. 01. Sexta-feira, 01 de julho de 1842, p. 01.
173
Jornal de Instrução e Recreio. Fevereiro 15, de 1845. 1º trimestre. Vol. 01, p. 01.
Desculpai, maranhenses, o arranjo da nossa empresa, revelai mesmo as faltas,
involuntários commeter-mos, e acceitai como um brado e a favor das letras a
apparição do nosso jornal de instruçção e recreio. Procuraremos fazer o
possível, para que senão desenvolva entre vós, o desgosto de ter concorrido
para este jornal (JORNAL DE INSTRUÇÃO E RECREIO. 15. 02. 1845.
Vol. 01, p. 01).
Há questões a serem colocadas a partir desta citação. Para quais maranhenses eles
escreviam, quem os veria com desgosto pela promoção de mais um jornal? Quais eram as suas
faltas? Para quem pediam desculpas? Se eles assumiam a responsabilidade pela promoção do
gosto pelas letras locais, então era porque se viam como sujeitos posicionados (responsáveis)
por tal empreitada, reconheciam as suas colocações diante das circunstâncias e acreditavam na
possibilidade de mudança. Entre os fundadores deste jornal estavam Antonio Henriques Leal,
Luis Antonio Vieira da Silva, Fábio Alexandrino de Carvalho Reis. Foi neste jornal que
Gonçalves Dias estreou como poeta. Conforme aparece no segundo capítulo, a partir de ações
de Antonio Henriques Leal e Luis Antonio Vieira da Silva mudariam o marasmo cultural da
província, tanto mais por se vincularem à administração do presidente da província Joaquim
Mariano Franco de Sá.
Este tipo de crença, de que era possível desenvolver o gosto pelas letras, possuía várias
gênesis. Uma delas era a compreensão das letras enquanto ícone de cultura civilizada, assim
sendo, somente os portadores, praticantes, intérpretes e manejadores deste tipo de linguagem
possuíam tal cultura. A outra deitava crença de que no passado muito recente este tipo de gosto
e apreciação existia firmemente no plano local. Afinal, de onde saíram tantos ilustres literários
e como? Como a cultura é um processo dinâmico, já não importava tanto assim a essa altura
como havia nascido tal crença, quem era o idealizador ou quais eram os idealizadores de uma
província celeiro de grandes literatos, mas como esta perspectiva alimentava, passava em certa
medida a ser o mote que impulsionava a organização de associações literárias, jornais,
panfletos, artigos, poemas, romances, contos e escolas, para uma faixa específica de habitantes
da cidade, embora, ao falarem de Maranhão, São Luís, falavam como se tais lugares fossem
comuns a todos, como se todos os habitantes corroborassem com a imagem de uma província
culta, e sua capital, ilustrada. Precisavam de um lugar para se referenciarem, o Maranhão, mas
o Maranhão enquanto lugar civilizado, não era referência de todos.
Na página seguinte do jornal, o presidente da Associação Litteraria Maranhense, Luiz
Antonio Vieira da Silva, em discurso
174
louvando a criação deste periódico, cuja publicação
estava a cargo desta associação, acompanhando o raciocínio do editorial, seguiu o mesmo
174
Discurso recitado pelo Presidente da Associação Litteraria Maranhense na Sessão da Instalação da mesma,
em 1º de janeiro de 1845, p. 02.
esquema de análise comparativa entre sociedades civilizadas-desenvolvidas versus quadro
desolador do Maranhão, tendo como ponto de inflexão o grau de desenvolvimento artístico e
literário. Como a Grécia era o exemplo a ser seguido, iniciou a fala lamentando: “já não temos
os quadros de Apelles, nem as estátuas de Phidias” [...] e, como presidente “da única
associação litteraria que aqui existe”, recobrou os ânimos de seus pares para que não
abandonassem a empresa, “apesar de ser o estado da nossa província desanimador [...] e Oxalá
chegue ella atinga ao grão de perfeição de que é merecedora”
175
.
Esse discurso não pode ser desprezado, pois seu enunciador era um sujeito em
condições a falar das circunstâncias socioculturais da terra em que vivia. Luis Antonio Vieira
da Silva, além de ser autor da única obra de referência em todo o século XIX e também do
XX sobre a independência do Brasil e suas circunstâncias no Maranhão, era o presidente da
única associação literária que possuía a província no ano de 1845.
A extensão dos que se relacionavam e se congregavam em torno da associação era
vasta. Olhando-se os membros efetivos, funcionários, honorários, correspondentes e
colaboradores
176
, percebe-se uma abrangência significativa da elite intelectual da província. O
conteúdo do editorial e do discurso de Luiz Antonio Vieira da Silva pendulou entre a euforia
pela criação de mais um periódico salvador do marasmo e o desânimo pela falta de gosto pelas
letras. A princípio uma contradição, uma vez, que enquanto presidente, estava na condição de
porta-voz dos que se sentiam congregados e representados. Os que se gabavam da Athenas
Brasileira eram os mesmos que lastimavam sua condição recalcitrante.
Este movimento pendular, no entanto, é apenas aparentemente contraditório, alicerçado
num apanágio de dois vórtices. Um, enquanto recurso dos redentores da condição “desoladora”
175
Jornal de Instrução e Recreio. Fevereiro 15, de 1845. 1º trimestre. Vol. 01, p. 01.
176
Membros efetivos e funcionários. Presidente: Luiz Antonio Vieira da Silva, Vice-Presidente: Augusto
Frederico Collin, Secretario: Roberto Augusto Collin.
Comissão revisora: Luiz Antonio Vieira da Silva, Augusto Frederico Collin, Augusto César dos Reis
Raiol,Editores e thesoureiro: José Tell Ferrão, Antonio Henriques Leal.
Membros honorários: Alexandre Theophilo de Carvalho Leal, Antonio Borges Leal de Castello Branco,
Antonio Carneiro Homem de Souto Maior, Antonio Gonçalves Dias, Antonio Rego, Ayres de Vasconcellos
Cardoso Homem, Fernando Luiz Ferreira, Francisco José Furtado, Frederico José Correa, Gregório de Tavares
Osório Maciel da Costa, João Cândido de Deus e Silva, José Joaquim Rodrigues Lopes, Manuel Jansen
Pereira, Pedro Nunes Leal, Raymundo José Faria de Mattos, Tibério César de Lemos.
Membros correspondentes: Alexandre d’Araujo Costa, Álvaro Duarte Godinho, André Carneiro Benjamin,
Antonio José de Carvalho Pires Lima, Antonio Rangel de Torres Bandeira, Cypriano Fenelon Guedes
Alcanforado, Estevão de Albuquerque Mello Montenegro, João Pedro dos Santos, Joaquim Correia de
Magalhães, José Joaquim Ferreira Vale, Padre Manuel Altino Barbosa, Tenente-Coronel Manuel Lourenço
Bogea, Pedro José d’aleo, Raymundo José de Sousa Gayoso, Thomaz Ferreira Guterrez.
Colaboradores: André Benjamim, Antonio Carneiro Homem de Souto Maior, Antonio Gonçalves Dias,
Antonio Henriques Leal, Antonio Rangel de Torres Bandeira, Antonio Rego, Augusto César dos Reis Raiol,
Augusto Frederico Colin, Frederico José Corrêa, Gregório de Tavares Osório Maciel, José Joaquim Ferreira
Vale, José Ricardo Jauffret, Luiz Antonio Vieira da Silva, Manoel Bentero Fontenelle, Pedro de Sousa
Guimarães, Roberto Augusto Collin.
da província que, assumindo o fardo de libertá-la de suas condições deploráveis, redimiriam-na
e colocariam-na no lugar de que era “merecedora” através de ações como a criação de mais um
jornal voltado para a instrução. O outro, enquanto imagem perante o restante da nação de que,
apesar da distância, de suas circunstâncias, o Maranhão era a Athenas Brasileira. Tal apanágio
tinha dois públicos alvos: a sociedade maranhense e o restante do Brasil. Internamente,
assumiam que a província ia mal das pernas, mas perante o Brasil, apesar de suas
circunstâncias, era celeiro de grandes intelectuais.
Este tipo de discurso desolador era lugar comum em meados deste século nos diários da
cidade. No Jornal da Sociedade Philomathica Maranhense mais uma vez estava presente a
comparação entre o estágio de desenvolvimento intelectual dos países civilizados e o Brasil.
Segundo a nota, naqueles países todos os dias formavam-se novas associações, fundavam-se
novos jornais concorrendo para o desenvolvimento das ciências, das artes e das letras que
auxiliavam e exerciam ação direta e imediata sobre a indústria e a moral pública e privada. No
Brasil, ao contrário, “vivemos, todavia condemnados a toda a sorte de privações fizicas e
moraes, em conseqüência do desgraçado estado de atrazo em que nos achamos, em relação aos
differentes ramos dos conhecimentos úteis”
(JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMÁTICA,
01.01.1846. n. 01, p. 01). O artigo conclama os brasileiros a não serem apenas meros
espectadores e caudatários do desenvolvimento dos referidos países e que estes poderiam
concorrer ao estágio pretendido, abandonando a apatia e as lamentações, esforçando-se para
demoverem os obstáculos que impediam o crescimento da nação.
No Maranhão, uma das possíveis saídas do estado de letargia intelectual foi a criação
da Revista Universal Maranhense no ano de 1849, contando com colaboradores residentes da
província e de outros lugares. Os integrantes convidaram nomes importantes que poderiam dar
visibilidade, como Manoel Araújo Porto Alegre. A intenção era quebrar o isolamento e
fomentar a efervescência dos debates sobre as tendências ocorridas no mundo. Logo no
primeiro volume
177
colaboraram: Alexandre Theophilo de Carvalho Leal, Antonio Rego,
Augusto Frederico Collin, Carlos Chidloe, A. J. Monteiro, Fabio Alexandrino Carvalho Reis,
Gregório T. O Maciel da Costa, João Antonio de Carvalho Oliveira, Nunes de Campos,
Joaquim Norberto de Souza e Silva, J. C. de Menezes e Sousa Junior, José Jauffret, Joaquim
Ferreira Valle, Manoel Pereira da Silva e Raimundo Jose Ferreira Valle.
Como resolver o estágio de letargia da província em relação às artes e letras se a
situação educacional era lastimável? Analisando-se os dados relativos à instrução pública
177
Revista Universal Maranhense, collaborada por muitos escritptores distinctos. Primeira serie, tomo 01, p.
1849-1850. Maranhão Typographia Maranhense, 1850.
primária e secundária, o número de bibliotecas, o número de alunos matriculados e
alfabetizados, compreende-se a consternação que rondava o presidente da única associação
literária do Maranhão.
Nos dados apresentados pelo Jornal O Progresso
178
para o ano de 1847, a estatística
apontava que, naquele ano, o total de alunos que freqüentaram as diferentes aulas de instrução
primária e secundária na província era de 2.391, sendo que 107 estavam matriculados no Liceu
Maranhense nas primeiras séries. Nestas mesmas séries, 1333 eram do sexo masculino e 247
do sexo feminino. Nas escolas particulares permitidas pelo governo, 486 eram do sexo
masculino e 86 do feminino. Segundo este mesmo jornal
179
, eram as seguintes as cadeiras
lecionadas na maior e mais importante instituição de ensino da província, o referido Liceu,
naquele mesmo ano:
Philosophia racional e moral: Antonio Joz e Galvar
Rhetórica e Poética: Antonio Bernardo da Encarnação e Silva
Geographia e História: Cândido Mendes de Almeida
Língua Latina: Francisco Sotero dos Reis
Língua Franceza: Francisco Raimundo Quadros
Língua Ingleza: Antonio Janses do Paço
Desenho Civil: Domingos Tribuzzi
Arithmetica, Álgebra, Geometria: João Nepomuceno Xavier de Brito
Cálculo e Escripturação Comercial: Luiz José Joaquim Rodrigues Lopes.
(O PROGRESSO, 14.04.1847. N° 72, p.01).
O Liceu, que mudou de professor de retórica e política para o ano de 1848, substituindo
Antonio Bernardo da Encarnação e Silva por Manoel Jansen Pereira, tinha como lente de
língua latina o mesmo indivíduo que exercia o cargo de Inspetor de Instrução primária da
província. Desde a fundação do colégio até este referido ano, os números dos alunos que por lá
passaram demonstram o alto grau elitista da instrução provincial. Entre 1843 e 1848, são os
seguintes os números de alunos ano após ano que lá estudaram: 1843 – 23, 1844 – 26, 1845 –
62, 1846 - 39, 1847 – 36, 1848 – 31
180
. Se compararmos o montante dos habitantes somente de
São Luís entre 1843 e 1848 (em torno de 30.000 hab) com o número de alunos que passaram
pela maior escola de instrução primária e secundária do Maranhão, vemos a desproporção
entre o número de habitantes/alunos. Embora a educação no século XIX de fato fosse
privilégio de poucos, não sendo preocupação do estado a universalização do ensino, pergunta-
se então se somente os que estudaram em Europa eram suficientes para assegurar o grau de
instrução, o requinte da sociedade a tal ponto de sustentarem o epíteto de Athenas Brasileira?
178
O Progresso, jornal Político, litterario e commercial, 14 de abril de 1847, n. 72. p. 01.
179
O Progresso, jornal Político, litterario e commercial. 26 de novembro de abril de 1847, N. 232, p. 03.
180
Almanack do Maranhão para o ano de 1848, p. 124.
Segundo José Murilo de Carvalho, o número de nascidos no Maranhão que estudaram
em Coimbra entre 1772 e 1872, correspondeu a 8,70% dos estudantes brasileiros que por lá
passaram no mesmo período, sendo a quarta em percentual.
Estudantes brasileiros matriculados em Coimbra por província entre 1772 e 1872
e distribuição provincial por população no ano de 1823, segundo Francisco Morais Apud
José Murilo de Carvalho (2003, p. 73).
____________________________________________________________________________
Capitania/Província % de estudantes colocação % da população colocação
____________________________________________________________________________
Pará 3,70 3,41 10º
Maranhão 8,70 2,41 13º
Piaui 0,08 14º 2,84 12º
Ceará 0,40 11º 6,40
Rio G. do Norte 0,08 15º 2,01 15º
Paraíba 1,21 3,64
Pernambuco 11,52 11,73 3º
Alagoas 0,08 16º 3,20
Sergipe 0,24 12º 3,13 11º
Bahia 25,93 2º 15,44
E. Santo 0,24 13º 2,13 14º
Rio de Janeiro 26,81 10,70
Minas Gerais 13,61 15,11
São Paulo 3,70 9,21
Santa Catarina 0,00 18º 1,69 16º
Rio G. do Sul 1,53 5,07
Mato Grosso 0,40 17º 0,85 18º
Goiás 1,21 1,31 17º
Cisplatina 0,48 10º ?
100,00 100,00
(N=1.242) (N= 2.813.351)
Este quadro também revela que, no ano de 1823, o número de alunos maranhenses que
estudaram em Coimbra representava 2,41% da população da província no mesmo período,
ocupando a 13ª colocação dentre as que tiveram alunos estudantes desta instituição. A
porcentagem de 2,41% de estudantes maranhenses que estudaram em Coimbra no ano de 1823
é 12 vezes maior do que o maior percentual de estudantes maranhenses que passaram pelo
Lyceu em 1845, ou seja, 0,20% da população.
É preciso relativizar estes números, uma vez que para Coimbra afluíam parte
significativa da elite brasileira por não possuir o Brasil, no período de dominação política
portuguesa, estudos superiores, obrigando os que quisessem seguir estudos mais avançados a
rumarem para lá. Dentre outras universidades, vinte e três anos depois do rompimento com
Portugal e vinte e dois anos após a província atingir o percentual de 2,14% de seus habitantes
que estudaram em Coimbra — a maior referência dos estudantes brasileiros —, a Athenas
Brasileira, em meados do século XIX, não havia ultrapassado ainda o percentual de 0,20% de
alunos no ano em que mais brasileiros por lá passaram, 1845.
Aqui reside mais um problema. Em cem anos a província foi apenas a 5ª a ter alunos
nascidos em seu solo a passarem pelo grande centro de referência de estudantes brasileiros e,
na província, durante os cinco primeiros anos do Lyceu, o número de estudantes atingiu apenas
0,68% da população. Há uma descontinuidade entre o grau de instrução das séries iniciais e a
continuação dos estudos superiores.
A crítica de Frederico Corrêa de que os estudantes maranhenses em Coimbra se
cumprimentavam e se tratavam enquanto “atenienses”, sendo ridicularizados pelos demais, é
mais um dado de que a Athenas Brasileira era fruto de um tipo de estratagema de segmentos
elitistas que, não problematizando as condições objetivas da província natal, usavam tal
referente como elemento de identificação de si em relação aos outros, no caso, os demais
estudantes brasileiros que também lá estudavam, do que especificamente como um
reconhecimento de que, no Maranhão, as questões como educação e instrução, por exemplo,
eram tratadas com maiores acuidades.
Se o Lyceu era referência em instrução e ensino, o percentual de 0,68% do montante da
população maranhense que lá estudou representava o conjunto dos segmentos das elites
econômica, política e cultural durante a metade do século XIX? Se os demais filhos das elites
estudavam em outras escolas e em outras províncias, o que fazia de São Luís uma Atenas?
Nascer em solo maranhense ou ter garantidas as condições de reprodutibilidade de um
ambiente voltado para a instrução e ilustração?
A outra escola conceituada que merecesse atenção por seu programa de ensino e por
professores de renome local só surgiria dezenove anos depois da fundação do maior
estabelecimento da província. Neste interregno, nenhum outro grande acontecimento no plano
educacional aconteceu no Maranhão.
Trata-se do Instituto de Humanidades, fundado por Pedro Nunes Leal. Antes de sua
fundação, Pedro Nunes Leal publicou um artigo no jornal A Coalição
181
em maio de 1862,
mapeando os principais problemas educacionais da província, apontando logo de início o
estado de atraso em que se achava a instrução primária, culpando não só o governo, como
também os que se achavam encarregados de ministrá-la à mocidade. O conteúdo do artigo trata
de uma denúncia responsabilizando o governo por não levar em consideração as habilidades
181
A Coalição, San Luiz, sabbado, 03 de maio de 1862, anno I, numero 02.
dos professores que lhes ofereciam oposição, indicando para a ministração das cadeiras os seus
aliados a partir do critério do apadrinhamento político (o termo utilizado por ele é
“patronato”), ainda que não possuíssem habilitações para o cargo. Como exemplo, cita o que
denominou como conhecido “caso do professor de primeiras lettras da villa de Tutoya” (divisa
com a província do Piauí) que se acha completamente impossibilitado de continuar a exercer o
magistério, e até mesmo já se acha suspenso do exercício do seu emprego!”. Segundo Pedro
Nunes Leal, a nomeação desse professor foi uma escandalosa relação de proteção política que
o Tenente-Coronel e chefe de um partido local desta vila quis e pressionou o governo para que
assim o fizesse. Fato comum, afinal, para preenchimento do cargo, basta tão somente ser
“oppositor eleitor de parochia, ou bom espolita de eleições, que esta servido!” Ele conclui
afirmando que, enquanto o critério do favorecimento político fosse moeda de troca utilizando
nomeações de professores, o grau educacional na província não se reverteria.
O artigo, escrito em abril e publicado em maio de 1862, foi sucedido por uma nota do
dia 27 de agosto em que apresentava à sociedade maranhense o mais novo Instituto
Educacional da cidade: o Instituto de Humanidades. A nota é também um ‘desabafo’ repleto da
missão, do dever, do fardo de mudar a história para a reversão da situação caótica educacional.
Ele considerava que estava tomado sobre os meus ombros o pezado encargo de educar a
mocidade e considerava o magistério, antes como uma missão melindrosa, do que como uma
especulação mercantil
182
. Convidou grandes escritores das letras locais, dentre eles, Trajano
Galvão de Carvalho, para ministrar aulas no Instituto como forma de demonstração do que
poderia ser feito. O último empecilho havia sido transposto, pois com o arrendamento da
quinta de Antonio Henriques Leal, situada à rua das fontes das Pedras, próxima às ruas do
comércio e da Madre Deus, finalmente a mocidade poderia aquinhoar-se da boa instrução com
os melhores professores do Maranhão.
Como demonstração de que estava disposto a equipar sua escola com o que de melhor
havia no plano educacional, o diretor do Instituto incumbiu Borges Leal de contratar em Paris
“uma pessoa habilitada que possa vir n’esta provincia e no collegio pôr em prática o systhema
adoptado em França para o ensino da Infância” (A COALIÇÃO, 1862, n° 59, p. 01). Não sei
se o instrutor ou professor francês veio até o Maranhão adotar o método de ensino mais
apropriado para as séries iniciais, porém é sabido que o referido Instituto se tratava de um
internato e externato para educação e instrução de jovens, cujo diretor era graduado em Direito
182
A Coalição, San Luiz, quarta-feira, 27 de agosto de 1862, anno I, número 59.
pela Universidade de Coimbra, possuíndo um vasto plano de instrução geral dividido em
instrução primária e secundária, do primeiro ao décimo ano, conforme anexo
ii
.
Entre seus professores encontravam-se os mesmos que ocupavam lugares nas
instituições literárias, associações tipográficas, redatores de jornais, como Antonio Henriques
Leal, Alexandre Theóphilo de Carvalho Leal, Gentil Homem de Braga, Joaquim da Costa
Barradas e ninguém menos do que Francisco Sotero dos Reis, professor de Latim e autor da
obra que era o grande manual de estudos elementares da literatura portuguesa. Isso fazia do
Instituto de Humanidades, ainda que uma escola de ensino primário e secundário, um lugar de
congregação de figuras de proa da intelectualidade local, ademais por serem poucos os espaços
de convergência destas figuras.
Por ter sua obra ministrada como manual de estudos dos clássicos da literatura
portuguesa, Sotero dos Reis se constituía como um dos mais importantes professores do
Instituto, tanto por sua condição de latinista, quanto por ter sido mestre de personalidades
como João Francisco Lisboa.
Se atentarmos para as condições de ingresso no referido Instituto em decorrência das
condições pecuniárias dos alunos, reforça-se o argumento do caráter concentrador e elitista da
educação em São Luís em meados do século XIX e o espaço diminuto da reprodução das
idéias que nestes locais circulavam. Ademais, como já dito, por serem poucos os espaços e
sempre as mesmas pessoas que transitavam entre eles, criou-se um lugar comum às decisões e
deliberações que aí se tomavam. O estreitamento das relações pessoais dificultava a
capacidade de contestação e confrontamento dentro dsses meios — vide o exemplo da imensa
dificuldade que Pedro Nunes Leal encontrou para instalar o referido Instituto, sendo ‘salvo’
pelo amigo Antonio Henriques Leal, o mesmo que em 26 de dezembro de 1864, foi reeleito
por unanimidade, presidente honorário da Associação Typographica Maranhense
183
.
O Instituto recebia apenas 03 (três) alunos gratuitamente desde que fossem residentes
nas freguesias
184
onde se encontrava a escola e mais um aluno de cada escola das freguesias da
capital, desde que provassem suas penúrias condições pecuniárias.
Esforços como os de Pedro Nunes Leal em carregar o “fardo” de educar a mocidade
maranhense não seriam revertidos com a restrição de acesso à sua escola pela imposição das
condições de ingresso e permanência e pelo alto grau de exigência em fardamento, higiene,
vestuários íntimos e de passeio, conforme conta nas disposições gerais, em anexo
iii
.
183
Segundo o Jornal A Coalição. San Luiz, sábado, 27 de dezembro de 1864.
184
No ano de 1862 São Luís possuía três freguesias: Vinhaes, Bacanga e São José dos Índios. Eram chamadas de
1ª, 2ª e 3ª freguesia.
Uma outra demonstração de que as mesmas pessoas circulavam pelos mesmos lugares
e que a circulação de idéias também estava restrita às mesmas pessoas é a aplicação da obra
Rudimentos de Geographia para uso das escolas de instrucção primária, de autoria de
Antonio Rego, aprovada para ser aplicada nas escolas de segundo grau da província
185
.
Nem a aplicação da obra de Antonio Rego, o fardo de Pedro Nunes ou o plantel
invejável de seu Instituto, reverteram o quadro educacional da província anos depois, e nem
poderia, já que o caráter sectarizante e exclusivista era destinado a poucos, conforme pode ser
visto nas disposições gerais do Instituto de Humanidades.
O número diminuto de escolas e a restrição de acesso a estas criavam uma barreira para
o desenvolvimento sociocultural da cidade, levando jovens a confeccionarem jornais e revistas
cujos conteúdos das notas e editoriais eram quase sempre queixosos. Mesmo a existência de
uma elite letrada não era suficiente para o estágio de ilação cultural que os jornais exigiam. O
número de escolas atendia aos interesses dessas elites, mas num universo de 30.000 almas com
baixo percentual de alfabetização, o tão sonhado “estágio que merecia atingir a província”
ainda seria utopia, no sentido estritamente grego do termo. Além disso, o elevado contingente
de escravos e de escravos iletrados na cidade colocava em xeque a própria reprodutibilidade de
hábitos considerados refinados, já que dos 30.000 habitantes da cidade de São Luís, 60 % da
população, aproximadamente 16.500, eram de origem africana. Isto quer dizer que, por não
possuírem renda, o acesso ao consumo de jornais, livros, revistas, panfletos, chapéus, bengalas,
chás, hábitos como freqüentar teatro, viajar, freqüentar bailes e festas era deveras restrito.
A opinião mais geralmente seguida a respeito da população da capital do
Maranhão, é que ella não é inferior a 30.000 almas.
A falta de dados exatos argumentão os que assim pensão do modo seguinte,
que se não há um resultado que satisfaça completamente, leva ao menos
muito próximo ao conhecimento da verdade. A cidade contem 3.265 casas,
das quaes podemos muito bem suppor, sem medo de errar, que estão 3.000
constantemente habitadas; ora, dando para cada uma destas, attendendo-se
quer a grande quantidade de escravos das famílias abastadas, uns empregados
no serviço de seus senhores, outros pagando-lhes jornal por quanto os officios
são quase todos exercidos por maior numero de obreiros de condição servil, e
quer a excessiva fecundidade dos pobres ter-se-há em resultado numero igual
aquelle em que computou a totalidade da população, que se compõe em
grande parte de indivíduos chamados comumentes de cor, que são aqueles
que descendem ou d’africanos ou dos naturais do paiz, podendo calcular-se
quanto a condição em metade escrava, e a outra metade livre e liberta, cujos
direitos políticos são pela nossa constituição mas restrictos que dos livres
(ALMANACK PARA O POVO, 1868, p. 169).
185
A Coalição, San Luiz, 16 de fevereiro de 1864.
Em São Luís, no ano 1867, as escolas existentes eram: Collegio São Caetano, Instituto
de Humanidades, Lyceu Maranhense, Collegio Episcopal de N. Srª dos Remédios, Collegio
Perdigão, Collegio de N. Srª da Glória, Collegio de Santa Anna (para educação de meninas),
Collegio de N. Srª da Conceição, Collegio de N. Srª do Nazareth (para meninas). Em relação à
Instrução Eclesiástica havia: Pequeno Seminário, Casa dos Educandos Artífices, Nossa
Senhora do Recolhimento, Asylo de Santa Thereza, Fundição da Cia. de Navegação a Vapor
com aulas de torneiro ferreiro, caldeiro, fundidor, modelador (ALMANACK PARA O POVO,
1868, p. 43). Isto equivalia a uma escola laica para cada 3.333 habitantes. Como escravo não
freqüentava escola, logo o percentual cai para uma escola para cada 1500 habitantes, ainda que
este percentual se relacione aos que estavam em idade escolar.
Em relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial para o ano de 1867
186
,
acerca do estado de instrução pública para toda a província do Maranhão, o Sr. Lafayete
Rodrigues Pereira, Ex-Presidente da Província
187
, afirma que existiam 97 cadeiras de primeiras
letras, sendo 60 do sexo masculino e 37 do feminino. 3228 alunos freqüentaram as 86 que
funcionaram neste referido ano, dos quais 2498 pertencem ao sexo masculino e 730 ao
feminino. Segundo o relatório, apenas 20 alunos estudavam nas escolas primárias, sendo 11 na
capital, 3 na vila do Itapecuru-Mirim, 02 na freguesia de S. Miguel, 2 no Icatu, 1 em Arayoses,
e 1 na vila do Rosário. Das 21 Escolas particulares de ensino primário que existiam na
província, 15 eram dedicadas ao sexo masculino e 6 ao feminino. Dos 904 alunos, 625 eram do
sexo masculino e 279 do feminino. Os apenas 11 alunos que estudavam na capital
representavam somente 0,36% do número de habitantes da cidade.
Durante todo o ano de 1867, acrescidos os que freqüentaram também aulas em escolas
públicas, chega-se ao montante de 4.132 alunos os que freqüentaram o ensino primário em
toda a província. Se distribuirmos o montante dos alunos pelas 107 escolas públicas e
particulares que funcionaram durante o ano de 1867, chegaremos ao número de 38 alunos por
cada escola. O relatório conclui a seguinte proporção:
Arcando-se em 200.000 almas a população livre da provincia (o que esta
abaixo da realidade) e tomando-se por base do calculo o numero de escholas
acima mencionado 107 segue-se:
1º que houve o anno passado uma escola para 1962 habitantes
2º que por 100 habitantes houve 2 alumnos e 9/10
Segundo os cálculos de acreditados escriptores de estatística, o numero de
meninos em idade escolar corresponde a 1/7 da população. Admittida esta
porporção da população em 200.000, segue-se na provincia 28.571 meninos
186
Almanack Para o Povo, 1867, 1868, pp. 53 a 56.
187
Presidiu entre 14 de junho de 1865 a 18 de julho de 1866.
estavam em idade escolar, mas só freqüentarão as aulas primarias 4,132
crescem por tanto na ignorância das primeiras lettras 24,439.
Mesmo na capital é enorme a desproporção. Qualquer que seja enfim a
fabilidade destes cálculos é fora de duvida que um numero considerável de
meninos deixa de receber o ensino primário. Este resultado seria
profundamente lamentável em
quaisquer condições sociaes, mas o é
dobradamente em um paiz livre como o nosso, onde todo o cidadão é chamado a
intervir na direcção dos negócios públicos.
(ALMANACK PARA O POVO, 1868, pp, 53-56).
Segundo os dados de Marques, o número de alunos que estudaram em 1873 foi de
4.793, em relação aos 4.132, sete anos antes, ou 661 alunos, que correspondem a 16 %, ou
ainda, um aumento de 94,42 alunos por ano, distribuídos em 3.642 do sexo masculino e 1.151
do feminino para aquele ano.
Se compararmos com os dados apresentados por César Marques (1876, p. 45) para o
ano de 1876, dez anos depois do relatório de Lafayete Rodrigues Pereira, vemos que a situação
educacional não havia se modificado substancialmente. Pelos dados apresentados por Marques
citando o artigo 6º da Lei Provincial nº 1006, a província do Maranhão no referido ano havia
gastado apenas 1/6 de toda a renda, 116$000 do montante de 738.413$000 que arrecadou
naquele ano.
Dez anos depois do relatório, o número de cadeiras públicas para as primeiras letras
passou de 97 para 134, ou seja, 37 escolas que correspondem a um aumento 38,02 %, ou 3,7
escolas a mais por ano. Em 1866 existiam 97 cadeiras de primeiras letras, sendo 60 para o sexo
masculino e 37 para o feminino. Dez anos depois, o número de cadeiras havia aumentado em
72,38%, sendo que das 134 cadeiras existentes, 82 eram destinadas ao sexo masculino e 50
para o feminino, representando um aumento de 61,19% das cadeiras para os homens e 38,8%
para as mulheres em 10 anos, ou ainda, 22 cadeiras a mais para os homens (2,2 por ano) e 13
cadeiras a mais para as mulheres (1,3 por ano).
No que se refere ao ensino secundário, Marques se reporta ao tipo de ensino que era
ministrado no Lyceu Maranhense, onde se ensinava latim primário e secundário, francês,
inglês, gramática geral da língua portuguesa, geografia, matemática elementar, filosofia
racional e moral, retórica e história universal, tendo naquele ano 111 alunos matriculados. Cita
ainda a Casa dos Educandos Artífices com 174 alunos distribuídos entre 160 alunos
matriculados em aulas de desenho linear e 14 em geometria prática e mecânica.
Quanto à instrução secundária e primária particular, havia 11 colégios, sendo 06
freqüentados por 400 alunos e 5 por 478 alunas. César Marques assinala a existência do
Seminário de Nossa Senhora das Mercês com 154 alunos, da sociedade Onze de Agosto
188
que
possuía 214 alunos, da Sociedade Patriótica 1º de dezembro e beneficente dos Caixeiros com
aulas de português, francês e comércio contando com 44 alunos, e de 14 salas de aulas
particulares em toda a província, sendo 11 para meninos e 53 para meninas.
Se no tocante à instrução primária e secundária os números não eram contagiantes, os
dados relativos às instituições fora do padrão institucionalizado da educação ministrado ou
concedido pelo estado que também assumiam a função de educar, no sentido de que
ensinavam, propagavam, reproduziam, publicizavam um determinado tipo de conhecimento,
práticas e costumes, como associações literárias, por exemplo, revelam que a situação não era
diferente. As associações literárias existentes na província que poderiam oferecer um
contraponto à situação caótica da educação no Maranhão, no entanto, não conseguiram
reverter o quadro.
Não à toa, mesmo após o pleno funcionamento das referidas escolas, as aulas de
Francisco Sotero dos Reis e de outras intelectualidades locais e o fardo de Pedro Nunes Leal
em educar a mocidade não haviam revertido o clima de marasmo e de ausência de emulação
literária da cidade.
A sensação de estar-se em consonância ao que acontecia para além da baía de São
Marcos aumentaria em 1862. O Jornal O Publicador Maranhense, em uma pequena nota do
dia 01 de junho, anuncia que no dia 16 de julho próximo anunciaria a publicação do romance
de Victor Hugo, Les Miserábles “que tanto barulho tem feito no mundo litterario. Os volumes
de 120 páginas serão publicados de 15 em 15 dias a razão de 1:000 reis pagos na ocasião da
entrega” (PUBLICADOR, 01.06.1862, p. 03). Em edição do dia 04 de novembro anunciou a
publicação da obra As três Lyras.
Em fins de 1864, outro jornal se levantou na árdua missão de erguer o bom gosto pelas
letras, mesmo parecendo essa atitude fora de propósito, “porque no meio dessa quase geral
apathia que quotidiamente vae enervando a influencia, e bom gosto pelas lettras”
189
.
188
Fundada por lembrança e influência do aniversario de Augusto Olympio Gomes de Castro, em 11 de agosto
de 1870, pelos Drs. João Antonio Coqueiro, Antonio de Almeida da Oliveira, Martiniano Mendes Pereira e
Manoel Jansen Pereira. Tinha por finalidade o estabelecimento de cursos noturnos para a classe dos artistas.
Funcionava num prédio na rua do Egypto. Pela Lei Provincial n. 1088, de 17 de julho 1874 foi criado um curso
nominal com o fim de habilitar os profissionais para o ensino primário. Incumbida esta sociedade de organizá-
lo, conseguiu em 1873, sendo freqüentado por 59 alunos, segundo Marques (1876, p. 50). Marques, no entanto,
não menciona Antonio Enes de Sousa como um dos fundadores da escola 11 de agosto. Nascido em São Luís
em 06 de junho de 1848, faleceu no Rio de Janeiro em 03 de março de 1920. Doutor pela Universidade de
Zurique e engenheiro de minas pela Academia Real de Freiberg. Foi professor da Escola Politécnica do Rio de
Janeiro, Diretor da Casa da moeda e Deputado Constituinte, foi membro da sociedade Química de Berlim. É
patrono da cadeira n. 24 do IHGM, segundo MEIRELLES (1955, p. 125).
189
Echo da Juventude, dia 11 de dezembro de 1864. N. 01 ao 03, até 21 de maio de 1865. N. 01 até 24.
Os editores compreendiam que algo deveria ser feito e não apenas ficar parado,
meditando no silêncio dos gabinetes diante da exigüidade de seus conhecimentos.
Confessavam encampar a urgente e difícil causa que advogavam enquanto novos soldados
que, ardendo pelos combates a favor da grande causa universal, apresentavam-se na areia da
luta, exercitavam-se e pelejando ao mesmo tempo. Acreditavam que seus golpes não eram
débeis e vibrariam a favor de algo útil.
Mas para desespero ou contrariedade dos editores do Echo da Juventude, nada
conseguiu mudar o quadro. A voz iconoclasta de João Lisboa na pessoa de Timon encontrava
eco nesses inúmeros jornais que surgiam e publicizavam a penúria em que se encontrava a
província e mais precisamente a cidade de São Luís. Embora a matriz e as matizes com que
falavam Timon e os editores desses jornais acerca das condições culturais da província fossem
distintas, pelo menos essas vozes convergiam quanto ao estágio da educação, da emulação
literária, do clima cultural, dos debates, dos ânimos, apesar de que, em Timon, a crítica se
referia a uma contraposição ao espírito alvissareiro da Athenas e, nos jornais, era quase sempre
um clamor para a reversão do quadro caótico.
O autor de Timon morreu sem ter visto a mudança. Em 1863 morrem João Francisco
Lisboa, em Lisboa, e Gomes de Sousa, em Londres, longe da tentativa da mocidade em fazer
de São Luís um espaço onde, além de captarem o que se produzia alhures, um lugar de criação
das idéias que consumiam. A sua morte, aliada à de Gonçalves Dias e Odorico Mendes no ano
seguinte, corroboraram para o quadro do que os editores dos jornais cognominavam como
caótico e melancólico.
Como solfejo e harpa de inspiração para a mudança, ironicamente a publicação das
obras de João Lisboa em 1866, aliada às outras publicações e iniciativas, deu novos ânimos ao
mundo letrado da cidade. Neste ano, o único sobrevivente da pentarquia ateniense-
ludovicense, Sotero dos Reis, publicou o seu Curso de Literatura Portuguesa, em 5 volumes e
foi publicado também A casca da Caneleira. O ano de 1866 foi promissor, pois várias obras
vieram a lume
190
. Naquele ano começou a funcionar o Instituto Litterario Maranhense,
190
Dentre elas: João Francisco Lisboa, precedidas de uma noticia biográfica do autor, por Antonio Henriques
Leal, 4 vols, preços 12$000; O livro dos Meninos, Curso Elementar d’instrução Primaria, por Antonio Rego,
2ª edicão, 1º vol, preço: 1$000; Rudimentos de Geographia para uso das escholas de instrucção primaria, por
Antonio Rego, 2ª edição, 1 vol, preço 600 rs; Livro do povo, de Antonio Marques Rodrigues, 5ª edição, 1 vol,
preço 800 rs; Gil Braz de Santilhana, nova edição, 1 vol, preço 3$000 rs; Tentativas poéticas, de Severiano
Antonio d’Azevedo, 1 vol, preço 2$000 rs; Memória sobre a Typographia Maranhense, do typographo
Joaquim Maria Correa de Frias, 1 vol. Esta obra foi impressa composta para ser apresentada na Exposição
Nacional; O mundo Marcha, de Eugenio
Pelleton, traduzido por Sebastião Pedro Nolasco, 1 vol; A Casca da
Caneleira, 1 vol; O salto de Leucade, de Joaquim Serra, 1 vol; Bequimão, drama histórico em 7 atos, de
Sabbas da Costa, 1 vol, preço 2$; Compendio de Grammatica, de Pedro de Sousa Guimarães, 1 vol, preço 1$;
presidido por Francisco Sotero dos Reis, ficando sob a guarda deste Instituto a Biblioteca
Pública
191
. Tinha por finalidade investigar e estudar a história e geografia do Brasil, e em
especial a do Maranhão, difundir a instrução e desenvolver o gosto pelas letras e ciências
192
. A
metodologia empregada consistia em oferecer cursos gratuitos, disponibilizar a biblioteca e
publicar obras e uma revista mensal. Estava organizado em 6 comissões com o encargo de
selecionar, organizar e publicar trabalhos nas áreas de redação e instrução pública, história e
geografia, literatura, ciências filosóficas e ciências positivas.
A outra Associação Literária em atividade ainda naquele ano era o Atheneu
Maranhense
193
, fundado em 15 de outubro de 1858. Tinha as mesmas finalidades do Instituto
Literário e as comissões existentes cuidavam da redação da associação, de sua constituição
fiscal, além de uma terceira que cuidava da justiça e ordem.
Movidos pelo ímpeto que estimulava a criação de associações literárias, a atividade
tipográfica e pelo montante de obras que saíam dos prelos, no ano seguinte, Joaquim Serra,
Sousândrade, Gentil Braga, Antonio Henriques Leal, entre outros, fundaram o periódico
literário Semanário Maranhense. Talvez por esta razão tenha se erguido mais este periódico
com vistas à redenção cultural da cidade. Assim como os outros, o Semanário Maranhense, em
seu primeiro editorial, fez um balanço das condições culturais da cidade e constatou a grave
apatia reinante que imobilizava qualquer ação de mudança e, assim como os demais, tamm
prometeu a revolução, a grande virada que poderia levar ao caminho desejado. No quadro
analisado em seu editorial, constataram a seguinte situação:
[...] Não há uma festa, um baile, uma parada, um incêndio, nem o mais
insignificante escândalo a ser registrado.
Todos bocejão por falta de assumpto para a conversação, e ninguém – se
atreve a perguntar o que há de novo pelo receio de uma resposta atravessada e
vazia de novidade...
Infelizmente, porém, só posso annunciar a próxima publicação do primeiro
volume das obras posthumas de Gonçalves Dias, e o terceiro do Curso de
Litteratura do Sr. Sotero dos Reis.
Gramática Franceza, de Chapsal, 1 vol, preço 2$ encomenda; Novellas por Manoel H. da Silveira Espínola, 1
vol; Poezias de Tullio Belleza, 1 vol; A Religião, de Augusto Olimpio Gomes de Castro, 1 vol; Relatório
apresentado a Assembléia Legislativa Provincial pelo ex-Presidente La Fayette Rodrigues Pereira, 1 vol;
Reflexões acerca do progresso material da provincia do Maranhão, de autoria de Miguel Vieira Ferreira, 1
vol., segundo Almanack do Povo para os anos de 1867-1868, p. 68
191
Conforme Lei Provincial n. 752 de 1º de julho de 1866.
192
Instituto Litterario Maranhense. Vice-Presidente: Francisco de Mello Coutinho de Vilhena, Secretario:
Antonio Henriques Leal, Bibliothecario: Antonio Rego, Thesoureiro: Luiz Carlos Pereira de Castro,
segundo o Almanack para o Povo de 1867-1868, p. 63.
193
Ateneu: lugar público na Grécia Antiga onde os literatos liam suas obras. Associação Litterária Atheneu
Maranhense. Presidente Honorário: cônego magistral Manoel Tavares da Silva, effectivo, tenente coronel
Fernando Luiz Ferreira. Sua estrutura era assim constituída: Presidente effectivo, 1º e 2º secretários, um
orador, um thesoureiro, um chefe da secretaria, dois secretários adjuntos, e a três comissões, segundo o
Almanack para o Povo de 1867-1868, p. 63
.
Entretanto, onde estão tantas obras, que o publico espera impaciente, ei o
fazem tantos escriptores festejados e bem queridos em o nosso mundo
litterario?
Uns dormem o somno da morte, e as suas obras jazem esparsas, mao grado a
ancidade publica...
Poucos, bem poucos trabalhão, e esses mesmos tomados de um desanimo
latente, e como que envergonhados das horas, que dedicão aos estudos
litterarios.
Trajano Galvão, e Franco de Sá não tem ainda as suas obras collecionadas,
Dias Carneiro, Marques Rodrigues e Nuno Álvares vivem calados e perdidos
na multidão.
Entre os poucos que ainda trabalhão, consta-se Souza Andrade a preparar os
últimos cantos do seo imaginoso Gueza Errante, e Gentil Braga que completa
a traducção da Eloa e a sua delicadíssima Clara Verbana.
Mas o que significa o silencio dos poetas que escreverão a noute?
(SEMANÀRIO MARANHENSE, 1867, p. 01).
Mas assim como as outras iniciativas este sopro de renovação não passou de um solfejo
de fato, já que o Semanário Maranhense cerrou suas portas logo no ano seguinte de sua
criação.
Dois anos após o Semanário Maranhense ter cerrado suas portas, apenas duas
associações literárias estavam de pé: O Instituto Litterário Maranhense
194
e a Sociedade
Litterária Atheneu Maranhense. Havia ainda sociedades beneficentes e de categoria de
atividade de trabalho, como: Sociedade Manumissora 28 de julho
195
, Sociedade Beneficente
dos Ourives, Sociedade Protectora dos Artistas, uma Associação Typographica, 7 colégios de
educação primária e secundária: Perdigão, São Caetano, São João Batista, Sant’anna, Nossa
Senhora Nazareth, Santa Izabel, Lyceu, 38 músicos e professores de música instrumental e
vocal, sendo 38 homens e 2 mulheres, 13 médicos (incluindo Antonio Henriques Leal e César
Augusto Marques).
Em 1871 o Instituto Litterario Maranhense, com a mesma diretoria, e a Sociedade
Litterária Atheneu Maranhense ainda permaneciam de pé e estavam ladeadas pela Sociedade
Litterária Onze de Agosto. Desapareceram as sociedades Beneficente dos Ourives e a
Protectora dos Artistas, permanecendo apenas a Manumissora 28 de julho e a Associação
Typographica Maranhense
196
.
194
Instituto Litterario Maranhense. Nessa nova configuração aparece o nome de Braulino Cândido do Rego
Mendes como 2º Secretário. Os demais cargos permaneciam os mesmos de quando da sua fundação três
anos antes, segundo o Almanak Administrativo da Provincia do Maranhão, anno I e II, 1869 e 1870.
195
Sociedade Manumissora 28 de julho. Presidente: Frederico José Corrêa, Vice-Presidente: Tolentino Augusto
Machado. 1º Secretário: César Augusto Marques, Segundo o Almanak Administrativo da Provincia do
Maranhão, anno I e II, 1869 e 1870, publicado pela Typografia de A. Ramos de Almeida, organizado por
João Cândido de Moraes Rego, que era chefe da secção da Secretaria do governo.
196
Almanack Administrativo para os anos de 1871 e 1872.
Em 1875, somente o Atheneu Maranhense e a Sociedade Onze de Agosto ainda
realizavam atividades, já que o Instituto Litterario Maranhense não mais existia. A obra Breve
noticia sobre a província do Maranhão
197
, que se tratava de um relatório da Repartição de
Estatística do Império, contraria a situação constatada pelos editores do Semanário
Maranhense, acentuando que a condição material não é o que melhor caracterizaria a
província,
mas sua illustração, sua avidez de progresso, e a facilidade com que a
civilização o affeicoa as formas de uma das mais cultas sociedades d’entre as
principaes do império. Se na republica das lettras o Maranhão apresenta com
orgulho três nomes contemporâneos conhecidos no Brazil e fora delle,
Gonçalves Dias, João Lisboa e Odorico Mendes, certamente que não offerece
factor menos significativos e notáveis para exemplo do seu desenvolvimento
industrial (RELATÓRIO DE REPARTIÇÃO DO IMPÉRIO, 1875, pp 2-24).
O relatório menciona a existência das duas sociedades literárias citadas e outras
associações trabalhistas existentes naquele ano, como: Beneficente dos Ourives, Beneficente
Militar, Beneficente Protetora dos Caixeiros, Beneficente do Divino Espírito Santo, Festa
Popular do Trabalho, Fraternal Maranhense, Patriótica 1º de dezembro, Humanitária 1º de
dezembro, Maranhense Promotora de colonisação, Manumissora 28 de julho, Harmonia
Maranhense e Typographia Maranhense.
A divergência entre o relatório do império e a consternação dos editores de jornais
repousava na distância entre a reverberação da idéia da Athenas fora dos limites da província,
pautada em parte na expressão que tiveram no passado recente, Gonçalves Dias, João Lisboa e
Odorico Mendes, e as condições objetivas que contrapunham grau de instrução, quantidade de
escolas, entre outras razões, com a invenção social da Athenas Brasileira. As condições
objetivas da cidade de São Luís tornavam-se um fardo mais pesado para aqueles que gostariam
de ver a cidade coadnuda com sua fama de “ilustrada e ávida por progresso” do que o de Pedro
Nunes Leal em carregar a missão de educar a mocidade.
Um ano depois, apenas o Atheneu Maranhense, que fora fundado em 1858,
condecorado com o título da Ordem Imperial e não tinha nenhum órgão na imprensa, ainda
existia, apesar de que, segundo Marques (1876, p. 50), “há mais de um anno que não celebra
uma só sessão”. Em outras palavras, existia de direito, mas não mais de fato.
Para uma sociedade que se orgulhava de sua posição literária, o quase completo
desaparecimento de instituições que cuidavam de seu maior patrimônio reforça a hipótese de
que a existência dos que despontaram no cenário brasileiro por suas condições culturais, era
197
Breve noticia sobre a província do Maranhão. Typographia da Reforma, 1875, Relatório da Repartição de
Estatística do Império. p. 21 a 24. Acervo do Arquivo Nacional, Sessão Obras raras.
fruto de suas capacidades individuais, suas inventividades, suas inteligências, suas articulações
sociais e políticas, o tipo de educação, a situação histórica em que o país vivia, do que
especificamente das condições ofertadas pela província do Maranhão, quer pela gestão pública
ou civil.
Tomando como base a inferência feita pelo relatório do império mencionando
Gonçalves Dias, João Lisboa e Odorico Mendes como arautos desta sociedade e como
indicadores de quanto no Maranhão a ilustração era o que melhor a caracterizava, é possível
afirmar que independentemente das genialidades dos três maranhenses mencionados, o
destaque e o prestígio obtido por eles se relacionaram em grande parte à situação histórica em
que o país vivia e como suas inserções serviram para os interesses políticos em questão. Por
isso, ao mencionar os três, o relatório evoca o quanto estes poderiam ser lembrados pelo
império e para o resto do Brasil.
Se se pensar em uma sociedade de leitores em virtude da quantidade de periódicos
existentes, dos esforços em se congregar associações literárias e a quantidade de obras
publicadas, é de se supor que esta sociedade apreciasse e cultuasse o hábito da leitura e,
conseqüentemente, preservasse os espaços de aglutinação das obras, dentre elas, as bibliotecas.
No entanto, César Marques (1876, p. 47) nos conta que a biblioteca pública, a primeira
a existir na província, fundada em 1829 através da subscrição de dois vereadores da câmara
municipal, por indicação do senador Antonio Pedro da Costa Ferreira, depois Barão do
Pindaré, no Conselho da Província. Em 1851, 22 anos depois de sua fundação, este guardião
do saber abrigava “apenas 3.341 volumes, dos quais 2.691 encontravam-se em perfeito estado
de conservação, 75 estavam velhos e organizados e 575 sem condições de uso” (O FAROL,
1851, n. 42, p. 02). No período em que Timon disparava seus escárnios aos hábitos e aos
habitantes da cidade, a biblioteca pública suplicava socorro.
Dois anos depois, a antiga biblioteca pública dividia as atenções do universo de leitores
da cidade enquanto guardiã dos livros. O Gabinete Português de Leitura era fundado em 09 de
outubro de 1853. Em 1856 o Gabinete possuía 71 sócios acionistas e 19 honorários. A
mensalidade dos acionistas somava 828$000 e dos assinantes 240$9000. Tinha em seu acervo
1320 volumes, sendo que apenas 1085 eram de propriedade do Gabinete, o restante era
depósito para consulta. Naquele ano, Antonio Marques Rodrigues doou 4 obras, João Quirino
de Aguiar, 1, João da Silva Leite, 6, João Vicente Ribeiro, 7, Jorge Cezar de Figaniere, 1, João
Francisco Lopes, 1, e David Gonçalves de Azevedo, 5. O total de empréstimos de obras não
ultrapassou 2517 saídas para a leitura. Recebia regularmente os seguintes jornais de São Luis:
O Diário do Maranhão, O Publicador Maranhense, O Constitucional, O Estandarte, O
Observador, O Ecclesiástico e A Sentinela (DIÁRIO DO MARANHÃO, 06 de fevereiro de
1856, p. 03). Decorridos quinze anos após sua fundação, possuía apenas parcos 3.000
exemplares divididos entre obras de várias línguas e em especial relativas à literatura, para
onde concorriam em grande parte os assinantes. Vinte e três anos depois passava a ter 4.000
obras distribuídas em 11.000 volumes, e sua freqüência não passava de 6 pessoas por noite.
A antiga biblioteca, como já mencionado, em 1866 passou à guarda do Instituto
Litterário Maranhense em 23 de julho do referido ano e, desta vez, 37 anos após sua fundação,
seu acervo já batia 19.000 exemplares.
Porém, com a dissolvição da Sociedade Litterária Maranhense, o acervo passou a ser
administrado pela Sociedade Onze de Agosto, mas sem maiores explicações, Marques afirma
que o acervo regrediu para apenas 4.000 exemplares. Sendo assim, depois de possuir 3.341
exemplares em 1851, seu acervo aumentou em apenas 19,7% vinte e dois anos depois.
Além da biblioteca pública, Marques menciona a existência da Biblioteca Popular
fundada com donativos particulares com 4.169 volumes, jornais do Império, da Europa e dos
Estados Unidos. Em 1872 foi freqüentada por 2.633 leitores, e em 1873 por 3.107 pessoas.
Esta biblioteca recebeu dos cofres públicos ao todo 6000$000, não sendo o suficiente para
desalojar-se “de uma casa muito pequena e quente por não haver dinheiro para alugar outra”
(MARQUES, 1876, p. 47). O referido autor doou a esta biblioteca os exemplares do Frei José
Marianno da Conceição Vellozo, autor da Flora Fluminense, segundo o autor, a única na
província.
A última biblioteca mencionada por Marques era a Militar, fundada pelos oficiais do
batalhão de infantaria para uso interno, com 700 volumes entre literatura, ciências, artes,
legislação, indústria e religião.
Se compararmos o número de bibliotecas existentes em 1875 com o total de habitantes
da província (ainda que esses dados sejam incorretos, pois não há a relação das bibliotecas
existentes no interior da província) neste mesmo ano, que era de 359.040 hab., chegaremos ao
espanto número de 0,01 volume por habitante do Maranhão.
Em 1876 existiam 4 bibliotecas com 19.869 volumes. Dividindo-se o número de
habitantes da capital da província, que eram aproximadamente 40.000, pelo número de
exemplares, chega-se a 2,01 volumes por habitante. Embora isto não represente de fato o
universo de leitores em São Luís, pois desde 1811 havia grande circulação de livros trazidos
pelos livreiros
198
que vinham da Europa não só sob encomenda, como também para o comércio
198
O Conciliador n. 37, de 17 de novembro de 1821, p. 06, noticia que Francisco José Nunes, compositor de
tipografia da Corte Real, recebia encomendas de jornais, folhetos e livros de Portugal. Não é possível aferir o
na praça de São Luís, além dos filhos da aristocracia que estudavam na Europa aquinhoando-se
do mundo da escrita, trazendo informações, esses dados revelam, entretanto, a atenção dada
pelas autoridades públicas e civis com o grau de instrução dos moradores da província, e em
especial com os da capital. O número de alunos acrescidos da quantidade de bibliotecas, de
volumes existentes em seus acervos, da quantidade de freqüentadores desses locais com a
proporção do aumento de exemplares ano após ano, reforçam a tese de que os elaboradores de
determinadas imagens na cidade, conseqüentemente, de seus consumidores e reprodutores,
restringiam-se a uma parcela muito pequena da sociedade.
Esta informação pode ser confrontada com os dados da estatística do império que
afirma: “em relação a instrução, sabem ler e escrever 44.375 homens e 24.196 mulheres,
analphabetos 97.567 homens e 117.963 mulheres, livres, dos escravos, sabem ler 51 homens e
21 mulheres, não alphabetizados 36.838 homens e 38.029 mulheres” (
RELATÒRIO DE
REPARTIÇÃO DO IMPÈRIO, 1875, p.24).
Os números mostram que homens e mulheres livres letrados somavam 68.571 pessoas
de um universo de 359.040 habitantes do Maranhão, ou seja, 19,09% da população, sendo que
os homens representavam 64% do universo dos que sabiam ler e escrever e as mulheres 36%.
O montante de homens e mulheres livres iletrados somavam 215.530 pessoas, 60,02 % dos
habitantes, sendo que os do sexo masculino representavam 27,1% e, do sexo feminino 32% da
população iletrada. Os escravos somavam 20% da população total. Os letrados, que eram
apenas 71, representavam 0,10% do universo dos que sabiam ler e escrever, sendo os homens a
maioria absoluta com 71%. As mulheres letradas representavam 0,03% do universo total dos
que sabiam ler e escrever, 29% dos escravos alfabetizados. Por último, os dados dos escravos
não alfabetizados. Somavam 74.867, sendo 36.838 homens e 38.029 mulheres. Representavam
25,78% do universo dos que não sabiam ler e escrever, sendo que os homens somavam
49,20% dos escravos iletrados e as mulheres 50,79%.
Esses dados revelam informações interessantes. Primeiro, o percentual de homens e
mulheres livres letrados era relativamente baixo, não atingindo 20% da população, reforçando
a imagem do pequeno círculo de leitores de jornais, romances, panfletos e congêneres,
aumentando a idéia de uma elite condensada, ainda que leitores não sejam somente os
alfabetizados ou letrados, pois todos, de uma certa forma, lêem a sociedade, reproduzem
informações, concordam, discordam, participam da vida social. Refiro-me especificamente à
leitura formal, institucionalizada, aquela encontrada nas estatísticas e que são manipuladas
número de livrarias, já que, neste período, os livros eram vendidos de forma avulsa e em vários lugares, como
boticas, mercados, quitandas etc.
para reforçar argumentos ou contradizê-los. É essa leitura institucionalizada que me interessa,
exatamente para contrapor a informação de uma sociedade altamente ilustrada.
Segundo, diametralmente oposto, o contingente de homens e mulheres livres iletrados
era 80% dos habitantes do Maranhão. Isso explica o baixo crescimento de volumes nas
bibliotecas da capital após décadas
199
, o baixo índice de freqüentadores destas, o baixo índice
de alunos que freqüentavam as escolas e os parcos recursos que o poder público investia em
instrução, apenas 1/6 da arrecadação provincial.
Terceiro, a desproporção entre homens e mulheres livres letrados era expressiva: estava
na casa dos 28%. A condição da mulher circundava a desigualdade e misoginia. O século XIX
era herdeiro do século das luzes, da razão instrumental, da sociedade laicizada, era o século do
cientificismo, do saber operacionalizado, portanto a condição da mulher no Brasil e no
Maranhão naquele século não condizia com o padrão erudito desejado, ainda que isto não fosse
199
Gonçalves Dias, em missão oficial pelo império, vistoriando as condições da província do Maranhão
encontrou a seguinte situação das bibliotecas e das dificuldades da província: “febre amarela se havia
propagado n’esta capital (escolas fechadas, repartições sem funcionários) [...] uma das missões – coligir todos
os documentos concernentes à história do país, que porventura existissem nas bibliotecas e arquivos dos
mosteiros e das repartições públicas”. Convento Sto. Antonio 2.000 volumes “quase todos danificados a ponto
de não poderem servir” – volumes de Teologia Casuística, de Filosofia Rançosa, Teatro de Voltaire e
Metastasio, Montesquieu, Sto Agostinho e Sta Antonio... de manuscritos, um registro do convento que data de
uma época muito próxima, um índice de materiais da Bíblia e um Tratado de Deo uno el trino. Eis a livraria
de Sto Antonio, que é a melhor de todas as de Ordem Religosa do Maranhão. As Mercês tiveram, em outro
tempo, uma grande e vasta livraria: lembram-se ainda algumas pessoas do tipo que, frequentando as escolas, lá
iam com os seus companheiros gazear na livraria do Convento, e por brinquedo se atiravam com os livros uns
aos outros, sem que alguém interviesse para lhes dar côbro...os (livros) que restam cabem em três pequenas
prateleiras. A (livraria) do Carmo carece de tudo, livros, estantes e local para eles. Arquivo dos Jesuítas e, por
tal forma que em 1831, fazendo-se um exame nesses papéis, por ordem do então presidente o Sr. Candido José
de Araújo Viana, cujo nome se acha ligado a não poucas tentativas de melhoramento e reformas nesta
província, não se achavam senão mil volumes, e, esses, completamente destruídos. O Sr. Araújo Viana [....]
lembrou-se de formar uma biblioteca, contando de formar o seu núcleo com obras, que recebesse em donativo
de particulares, ou comprando as com as quantias, porque outros subscrevessem. Os cofres provinciais
concorreram também, mas escassamente, e montou-se a biblioteca maranhense. Muitos dos particulares
concorreram com obras de valor e somas em dinheiro, enquanto outros, disfarçando a sua má vontade,
remeteram volumes traçados e danificados. Biblioteca em 1851–2691 bons livros, 575 estado sofrível, 75
inteiramente estragados Total – 3341. O que posso asseverar a V. Exa é que esse estabelecimento está muito
abaixo das necessidades da província, sendo muito inferior em escolha de obras a livrarias particulares.... Ora,
há ainda bem pouco tempo se começou a fazer coleção dos jornais da capital, e feita ela, terá talvez de perder-
se, porque não haverá dinheiro para sua encadernação. É de certo lastimoso que se haja de recolher e arquivar
quantos papeluchos saíam na imprensa em forma de jornal, quantas diatribes, quantas proposições ou
parvoices passam pela cabeça dos foliculários; mas é isso preferível, quanto à mim, à incúria ou ao capricho de
algum potentado, que tivesse, o poder de banir de tais depósitos a folha ou papel, que lhe fosse desairoso.
Decretos de 10.01.1825 e 02.01.1838, que mandaram recolher à corte, os documentos, que importassem a
nossa história. Por fim, para completar o que faltar da história do Maranhão, dever-se-ia reunir a coleção do
Censor, que só se poderá encontrar nas mãos de algum curioso, a Crônica Maranhense dos anos a de 1839 e
1840, que parece ter sido tão útil ao Sr. Magalhães no trabalho, que há tempos apresentou no Instituto sobre
esta época da província” conforme: GONÇALVES DIAS, Antonio. Exames nos arquivos dos mosteiros e das
repartições públicas. RIHGB T. 16 V.16 1853, p. 377-391, em carta ao Ilmo. e Exmo. Visconde de Monte
Alegre, Min. do Império, pp. 377-78.
tão diferente em relação a outros países ocidentais. Ademais, a diferença entre homens
escravos alfabetizados e mulheres escravas também alfabetizadas era de apenas 0,07%.
Um outro dado reforça o caráter de quem detinha os mecanismos de legibilidade
interpretativa e legitimadora da condição cultural da cidade: a quase inexistência de museus.
Os museus são guardiães por excelência, da memória, e de um tipo específico de memória que
se quer preservar didatizando o olhar sobre os diversos tipos de patrimônios existentes, dos
materiais aos imateriais, imanentes. César Marques cita a existência de apenas dois, ambos
voltados para a história natural: um criado pela biblioteca popular e outro, pela biblioteca
pública, ficando este último sob a custódia da Sociedade Onze de Agosto por determinação da
Assembléia Provincial. Este último museu foi criado em 1839 pelo presidente da Província
Vicente Thomaz Pires de Camargo, pelo capitão José Joaquim Rodrigues Lopes, na época
atual marechal do corpo de engenheiros. Mesmo funcionando num dos salões da biblioteca
pública, Marques, de forma contundente, afirma: “não vale cousa alguma por hora. O da
Biblioteca popular é muito melhor e promete prosperar” (MARQUES, 1876, p. 47).
Ora, se os dois únicos núcleos de museus existentes eram pequenos e o que foi criado
em 1839, funcionando nas dependências da mais antiga e maior biblioteca da província, era
sofrível, perdendo em expressão e acervo para o da biblioteca popular, onde estavam então os
mecanismos de criação, preservação e reprodução de um tipo de imagem que os criadores,
detentores e administradores de instituições culturais queriam legitimar?
À medida que a economia cafeeira ganhava vigor, que a escravidão chegava ao seu
limite, que a região que mais tarde seria chamada de Nordeste decrescia em importância
política e econômica e a grande quantidade de literatos, intelectuais abandonavam o Maranhão
em sua busca de sustento e maior expressão, a consternação passava a ser o mote dos discursos
na cidade.
A Athenas andava a passos largos para a sua efetivação enquanto mito, pois sua
condição passava a ser etérea, inquestionável, sem a precisão de como havia surgido, repetida
por várias gerações que não conheceram os conterrâneos ilustres que permitiram ao Maranhão
não ser apenas conhecido como grande produtor de algodão e arroz.
Por essas e outras circunstâncias que os jornais, outrora retumbantes, passavam cada
vez mais a expressar um céu de melancolia, saudosismo, desânimo e descrença de que a cidade
de São Luís pudesse voltar a gozar de plenitude sociocultural. Não entendiam que a Athenas
era um elemento de afirmação da identicidade local, de sentidos sociais de autoreferenciação,
autoidentificação e de idealização do passado enquanto estratégia de fuga ante as condições
lancinantes do presente.
A questão continuava rondando os limites da interpretação. Nas últimas décadas do
século XIX não se pode impunemente narrar sobre crise econômica no Maranhão tal como não
se pode atribuir as mesmas interpretações de crise para o período pós-pombalino de fins do
XVIII e início do XIX. Mais uma vez o prejuízo econômico é apenas de setores da economia,
uma vez que esta é diversificada. Nas últimas décadas do XIX, o Maranhão vivenciou um
surto industrial em virtude da implantação do parque têxtil que possibilitou a abertura de várias
fábricas na capital e também no interior da província. De novo a comutação se dava entre
euforia de setores da economia com possibilidade de retorno da Athenas ou reapropriação da
Athenas para aplacar o suposto fracasso da implantação do parque têxtil. Mais uma vez
nasciam apologias, epítetos, explicações, usos e abusos do momento de que província vivia.
Com o surto industrial das últimas décadas do XIX aparece a expressão “Manchester do
Norte”.
Os usos do passado se adequavam a ocasiões e circunstâncias desde que a singularidade
maranhense fosse o mote. Quando a história deixa de ser problematizada para ser consumida
como produto da trama burguesa, ela serve a interesses de afirmação de seus intérpretes,
intérpretes do passado. Afirmações como essa:
[...] Mas, apesar de tantas vantagens, é, n’esta Athenas, desanimador o modo
porque são tratados os trabalhos litterarios, pois, além de soffrerem quase qui
geral aversão, só serem encarados pelo...
Mas, Athenas, assim não considera, só tracta de suffocar os filhos cujos
lábios vê balbucia – amor as lettras! (O SORRISO, 12.04. 1885, p. 01),
reforçavam a ontologia ateniense tratada como uma entidade que acabou e nunca mais voltará.
Por essas e outras que a existência de uma Athenas Brasileira numa província distante, na qual
seus filhos mais ilustres não permaneciam, começava a aparecer cada vez mais bizarra,
carnavalesca.
Em 1899, J. da Silva, escrevendo um artigo na Revista Meridional, saiu com essa sátira
a Athenas;
O Maranhão, a Athena de opera buffa que produziu esse mulato
pretencioso e besta que se chama Gonçalves Dias, glorificado por três
gerações de imbecis, que produziu Odorico Mendes, o profanador do renome
aureloado e esplendente do Cysne de Mantua, que produziu tambem, para
gloria essa taba de bugres papalvos e vandálicos, o padre Guedelha Mourão,
o Senador Benedito Leite e o Monsenhor Brito, o Maranhão, fecundo sempre,
viu nascer em sua capital lá para as bandas do cemiterio de São Pantaleão, do
Cutim ou da ladeira do Quebra-bundas, esse portanto que, não obstante, foi
obrigado a expulsar de seu seio a ponta-pés.
E elle aqui chegou e foi crescendo, dizendo asneiras e engordando até
chegar ao estado que vemos.
Ah! Que pena não temos uma vara de fumo de Codó para zurzar o
lombo desse Casmurro, que nem sequer sabe como seus semelhantes
francezes, lourar sua mediocridade e velar com as parras do estylo
estrelladamente malicioso, faustosamente immoral, os fructos de sua
pornographa grosseira.
E viva o Brazil, que é terra dos gênios e o assombro da humanidade
(REVISTA MERIDIONAL, Rio de Janeiro, 28.02. 1889, pp. 71-72).
J. da Silva não sabia o que o aguardava. Quando em São Luís chegou a notícia do
artigo da Revista Meridional, os ânimos ficaram exaltados. O jornal O Piaga, na pessoa de
Bidico Rodrigues, encarregou-se de responder às “grosserias” de J. da Silva e defender a honra
da Athenas com essa resposta raivosa e indignada:
J. da Silva, da Revista Meridional
Essa víbora peçonhenta esse cão damnado a vivar sedento no sepulchro de
nossas glórias, pertubando-lhes o silencio da morte e a morder tanta gente
boa; está povoado, a hydrophobia o atacou e para sanar a bílis venenosa
dessa moléstia canina – bolas de sebo - e não dar-lhe troco porque o seu
contagio ser-nos a perniciosos.
Não estamos acostumados Sr. Silva a dar ouvidos aos cães que ladram
moedas de bronze nas tabernas em continuo tagarellas, porque aqui seriam
inúteis os nossos esforços a alimentar chimeras e perdido o nosso latim a
convencer bócios, filhos do apeudetismo e das paixões sem regras.
Fallar dos maranhenses, seu selva, da Athenas Brazileira, do berço illustre
de Gonçalves Dias – o sublime cantor dos Tymbiras – de João Lisboa – o,
imortal do Timon – de Gomes de Sousa, de Sotero dos Reis, de Trajano
Galvão, de Franco de Sá, de Joaquim Serra, de Maranhão Rodrigues, de
Celso de Magalhães, de Henriques Leal, de Gentil Braga, do Padre Castelo
Branco, de Arthur Azevedo, de Coelho Neto, de Raymundo Correa...
Bidico Rodrigues (O PIAGA, 11.06.1899. p. 04).
A expressão Athenas, que apenas timidamente apareceu quando de sua construção em
meados do século, para Aluizio Azevedo aparece na década de 1840 “por um abuso de
retórica”, tornando-se lugar comum nos jornais nas últimas duas décadas do século XIX.
Ainda que sua evocação não tenha sido meramente encomiástica, laudatória, o fato de sua
repetição, mesmo contestando o sentido, criar uma espécie de ‘ontologia’, passando a existir
metafisicamente, teleologicamente todas as vezes que ocupou as rodas de discussão, provocou
a confecção de artigos em jornais, foi ensinado em salas de aula, ocupou o imaginário dos
maranhenses como um semióforo, um sinal a ser seguido por poetas que queriam seguir o
exemplo dos mestres de outrora, ou até mesmo, quando se atacou os críticos sob a acusação de
denegrirem o Maranhão, de invejosos, de ressentidos e resignados por não terem alcançado o
talento das penas dos criticados.
Mas a crítica das circunstâncias da ereção do epíteto Athenas não foi tão comum. Além
de João Lisboa e Frederico José Corrêa, Aluisio Azevedo é uma das outras exceções. Ele
sentia vergonha da Athenas, para ele, ridícula, absurda, idealizada, elitista. Em quase todas as
outras circunstâncias foi utilizada para referendar posições, quer de um grupo, quer pessoais,
ou ainda do estado. Expulso de São Luís em decorrência da publicação do romance O Mulato,
em que ferozmente atacava a moral católica, sofreu perseguição e execração pública,
sobretudo do Jornal A Civilização
200
, que lançando mão de calúnias, desmereceu as
características literárias do jovem escritor. Em Folha Nova, jornal do Rio de Janeiro,
aproveitou a ocasião do lançamento do livro de poesias do conterrâneo Raimundo Corrêa para
atacar com virulência sua terra natal, o ambiente provinciano e a necessidade dos jovens
escritores em terra terem que sair do Maranhão, caso quisessem de alguma forma sobreviver.
Em apenas alguns trechos selecionados do longo artigo, é possível visualizar o desabafo do
autor de O Mulato.
[...] O Maranhão é o Maranhão, terra de um glorioso passado, terra que tem
produzido belos talentos, terra de grande sociabilidade, e onde o espírito de
iniciativa é incontestável: para que esse título de Atenas, lembrança exótica
de algum precursor do hilariante Tartarin?
O Sr. Albuquerque Mello atira-me uma das mais graves injúrias com que
se pode magoar um homem de bem: chamando-me ingrato. É preciso notar
que não estou preso ao Maranhão pelo reconhecimento de qualquer
benefício; mas nenhum maranhense poderá amá-lo mais do que eu amo;
nenhum, que de lá se ausentou, tem as saudades que eu tenho.
É por amar o meu berço que protesto contra essa classificação que, longe
de o engrandecer, o torna ridículo. É preciso não amar com desvario, mas
com bom senso, e não emcampar, por fraqueza de caráter, todas as toleimas
de que nos queiram tornam cúmplices.
Sou um homem simples, e cujo espírito repugnam todos os excessos de
imaginação. Assim como não perdoaria o indivíduo que, examinando minha
casa, me dissesse: - ‘Você mora num palácio!’ – também não perdôo a quem
me venha dizer que sou filho da Atenas Brasileira.
Essa frase sempre me pareceu um motejo atirado à minha saudosa terra,
tão digna de admiração e respeito. Não é preciso que eu me arvore em
ateniense para estimar e amar a cidade ilustre em que tive a honra de nascer e
onde quisera morrer...
201
A crítica pontual de Aluisio Azevedo referia-se a uma sociedade elitista, escravocrata,
preconceituosa que era São Luís presente no romance O Mulato. A sociedade ludovicense, ou
parte dela, não gostou da sua representação em linguagem literária, tanto mais por esta obra ser
um marco de um novo gênero literário nacional, esgarçando os hábitos da elite local. Era uma
circunstância inversa à da Athenas, uma vez que a qualidade da pena da belaletra estava a
serviço não da exaltação da positividade maranhense, mas de suas amplas contradições.
200
Sobre o Jornal “A Civilização”, ver a excelente monografia de conclusão de curso: A civilização católica: o
Movimento reformador católico através da Educação e da Imprensa na São Luís oitocentista, de Wheriston
Silva Neris, defendida na UFMA (2007).
201
Jacyntho José Lins Brandão Apud Raimundo Magalhães Júnior, in: Artur Azevedo e sua época. Rio de
Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1966.
Esta não seria a última vez que se ouviria falar em Athenas Brasileira. Ao longo do
século XX, as novas gerações se encarregaram de perpetuar o mito. A singularidade começava
a ser difundida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos, no Maranhão, diversos trabalhos acadêmicos têm surgido tendo
como enfoque a perspectiva revisora e crítica da formação, identidade e história desse lugar.
Em grande parte, essas revisões são decorrências do processo de amadurecimento, de
incorporação e de novas reflexões do fazer historicizante, incluindo novas questões teóricas
das quais seus autores têm se aquinhoado. Uma outra parte deve-se ao acesso a documentos, a
compreensão sobre o papel da historiografia e a tarefa de reescrita da história desse lugar que,
durante todo o século XX, esteve restrita a determinadas figuras responsáveis pela
interpretação do passado do Maranhão.
Não caberia como pretexto o argumento de que boa parte destas figuras intérpretes da
história do Maranhão não possuíam formação acadêmica em história, uma vez que a operação
historiográfica não é condição sine qua non, pré-requisito e prerrogativa exclusiva de
historiadores, mas de todos aqueles que operam a narrativa do passado. No entanto, ao se
apegarem e se tornarem “proprietárias”, “donas” de instituições guardiãs do passado, lugares
de depósito de documentos importantes do Maranhão, tornaram-se, por conseguinte, porta-
vozes e legítimas personas posicionadas a falarem pelo Maranhão, vide que também por
estarem próximas às estâncias de poder, ajudaram no desenho de políticas públicas,
fomentaram discussões, planejaram a estruturação do espaço urbano, sugeriram a construção e
ereção de monumentos, definiram o papel dos patrimônios bioculturais.
Dessa forma é que a Athenas Brasileira virou um patrimônio biocultural garantidor de
espaços de poder, lócus discursivo de quem se sentia autorizado a interpretar o Maranhão,
chave de leitura da história, temática asseguradora daqueles que reiteradamente poderiam
discorrer e ter o que falar.
A Athenas Brasileira, além de fundar um Maranhão, ser moeda de troca no período
imperial, garantir trânsito de pessoas entre as instituições, foi fruto e solidificou uma entropia
entre os moradores de São Luís que os autorizou a “pensar” toda a província e depois todo o
estado do Maranhão, negligenciando, silenciando as diversidades geográficas, sociais e
culturais das diversas regiões do estado, carreando recursos para a capital, fomentando
diferenças e aumentando a sensação de abandono de outras áreas.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o sul da província, que já no século XIX
reclamava da falta de assistência, das diferenças entre a capital e esta região e não se
reconhecia no discurso de um Maranhão que tinha São Luís como seu único emblema. Já
naquele período ameaçavam com a tentativa de separação da província, hoje uma realidade,
senão por seus aspectos legais, jurídicos e administrativos, mas pelo desejo de criarem um
estado do Maranhão do Sul que nada tem a ver com São Luís e, conseqüentemente, com as
derivações disso, dentre elas, a Athenas Brasileira. Os moradores do Sul do Maranhão não
vêem a hora de separarem.
Aliás, recoloco uma pergunta que já foi antes feita por alguns autores, dentre eles,
Rossini Corrêa (1993) e Evaldo Barros (2007): a Athenas era e estava restrita apenas a São
Luís ou se estendia ao restante da província e depois Estado do Maranhão? Evaldo Barros
responde. Na sua dissertação de Mestrado, ele mostra como, ao longo do século XX,
moradores do estado reivindicavam para si a condição da Atenas como sendo um epíteto do
Maranhão e não apenas de São Luis.
Essa é também uma das questões por que considero importante discutir um tema por
demais estudado na história do Maranhão. Quanto mais se falava da Atenas, mais se
distanciava do mito, mais se produzia dizibilidade sobre ela, mais legítima era a sua condição
objetiva, ainda que mais contraditória fosse sua afirmação, mais anedótica fosse sua
reprodução. Por isso, se no século XIX serviu como articulação na feitura do espaço político
imperial, no XX, foi a tábua de salvação da identidade regional ante as condições lancinantes
do Estado, cada vez mais pobre, cada vez mais longe de um passado faustoso.
Discutir o século XIX é adentrar nas minúcias dos argumentos balizadores da
construção da nação, da especificidade local, da identidade pátria. Claro que os signos dessa
identidade, ou das identidades, foram redimensionados no século posterior, outros criados,
mas o início dos embates e os projetos de poder começaram naquele século.
Por isso se justifica uma tese sobre a temática mais debatida e estudada na história do
Maranhão, a Athenas Brasileira. Por ter se transformado num mito, quanto mais se fala e se
diz sobre ela, mais se pode encobrir ou descortinar determinados aspectos quase intangíveis,
intocados, sagrados.
Para uns, não se discute a Athenas Brasileira, pois ela é a etiologia fundadora do
Maranhão. Não se deve questioná-la, afinal, qual é o problema dos mitos, qual é o problema
em ter-se uma origem, já que é um patrimônio dos maranhenses, que criou identidade e
ninguém suporta não ter identidade, estar solto, sem laços e vínculos, sem relação de
pertencimento, sem sentimento gregário. Para outros, discutir a Athenas é segurar o fio de
Ariadne da formação do Maranhão que diz muito ou pouco da compósita formação mosaica
brasileira.
Afinal, “somos todos gregos”?
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ANEXOS
i
Tipografias e jornais:
a de Ricardo Antônio Rodrigues de Araújo, de 1822 e que durou até 1850; a de Daneil Garção de Melo,
Tipografia Melandiana, de onde saiu O Censor, de Garcia de Abranhces; a Tipografia Constitucional,
em 1830, de propriedade de Clementino José Lisboa; a Tipografia Monárquica Constitucional, de
Francisco de Sales Nunes Cascais, a primeira a importar prelos franceses; a Tipografia Maranhense,
durou de 1846 a 1849; a de Manuel Pereira Ramos, fundada em 1840, que passou depois as mãos de
Belarmino de Matos; a de José Maria Correia de Frias, e a Tipografia Teixeira, fundada em 1900.
Destas tipografias foram impressos os principais jornais e panfletos: O Conciliador, de 1821; O Argos
da Lei, 1825, de Odorico Mendes; O Censor, de Garcia de Abranches, durou entre 1825 a 1831; A
Aclamação a constituição Brasileira, em 1826; O Farol, de José Cândido Morais Silva, de 1827 a
1831; O Brasileiro, 1832, Eco do Norte, 1834-1836, A Crônica, 1838-1841, todos os três de
responsabilidade de João Francisco Lisboa; O Bem-te-vi, de Estevão Rafael de Carvalho, 1838, franco
apoiador da Balaiada, cujos artigos eram escritos também por João Lisboa; A Revista, 1840-1850, de
Francisco Sotero dos Reis, onde se digladiava com o Timon Maranhense; O Publicador Maranhense,
1842; O Progresso, 1847, primeiro jornal diário do Maranhão; O Constitucional, 1851-1856, Jornal de
Timon, 1852-1855; A Coalição, 1862 a 1866; O Conservador, motivo da prisão de Belarmino de
Matos, de 1866, Semanário Maranhense, 1867-1868; O Tempo, de 1878 a 1881; Diário do Maranhão,
1873; O País, de 1863 a 1881; O Pensador, 1880; A Civilização, 1880-1900; A Pacotilha, 1880; O
Globo, 1889; Revista do Norte, 1901-1905, além de romances, poesias e congêneres. Outros jornais
existiram ao longo do século XIX, excetuando-se os do interior da província não relacionados aqui, tais
como: O abelhudo: folha dos curiosos, A Actualidade: períodico Imparcial, litterario critico e noticioso,
Almanak Administrativo da provincia do Maranhão, São Luis-Ma, Almanak Administrativo, mercantil
e Industrial, Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Maranhão, Almanak do Diário do
Maranhão, Almanak do Maranhão, Almanak do Povo, Almanak Histórico de lembranças brasileiras
,
Almanak Popular, Mercantil, Industrial e Scientifico do Maranhão com folhinha para o anno de 1848,
Almanak do Povo, A Alvorada: órgão litterario, critico e noticioso, O amigo do Homem, annuario da
aug. E resp. loj. Cap. Estrella do oriente, O apreciável, O Archivo: Jornal scientifico e litterario, O
Argos: jornal democrata, Argos da Lei, Argos Maranhense: periódico Liberal. Arre e Irra, O artista:
jornal dedicado a Industria e principalmente as artes, A Bandurra, O Bemtevi Maranhense, Brado
Maranhense, O Brasileiro, A Brisa: jornal litterario, critico e recreativo, O Cacete, O Canella,
Carapuça: órgão de todas as classes, O Censor, O Christianismo: Semanário Religioso, Chronica
Maranhense, A Cigarra, Civilização, Clarim da Monarchia: folha politica e litteraria, Christianismo, A
Coalização, O Commercio, A Conciliação, O Conciliador: jornal politica litterario e commercial, O
Conciliador do Maranhão, O Conservador: folha Política e Industrial, O Constitucional: folha política,
litteraria e commercial, Constitucional: órgão do Partido Conservador, Correio d’annuncios e
Semanário commercial do Maranhão, Correio da tarde: folha diária, Correio Maranhense, Correio
Semanal do Maranhão, Correspondência ao Sr. Redactor da Estrella, A Cruzada: diário político-
religioso, litterario, commercial e noticioso, Cruzeiro, Defesa que apresentou ao publico o coronel
Isidoro J. Pereira, O Democrata, O Despertador: jornal político e litterario, O Despertador
Constitucional, Despertador Maranhense, Diario de Noticias: órgão político, noticioso e commercial,
Diario do Maranhão, Domingo: jornal critico, litterario, noticioso e recreativo, Domingo: Semanário
critico e litterario, O Ecclesiastico: periódico dedicado aos interesses da igreja, O Echo: jornal critico e
noticioso, Echo da juventude, O Echo da verdade, Echo do Norte
, Echo Liberal: órgão político e
noticioso, O Ensaio: órgão estudantal, A Epocha: periódico político e litterario, A Eschola: orgão
estudantal, Estado do Maranhão: diário político, litterario e noticioso, O Estandarte: folha política e
Industrial, A Estrella da tarde: períodico recreativo, A Estrella do Norte do Brazil, A Estrella
Maranhense: jornal instructivo, moral e recreativo, O Estudante: jornal Litterario e critica, Exposição
Evangélica, O Farol: Folha política e commercial, Farol Maranhense, A Fé: jornal religioso e
litterario, A Flecha, Folhinha de algibeira para o ano de 1843, terceiro do bissexto 1843, Gazeta de
noticias dedicado aos interesses do commercio, da lavoura e industria, Gazeta Extraordinária do
governo da província do Maranhão, O Globo, O Globo: jornal diário, O Guajajara: O Governo:
periódico critico, litterario e recreativo, O Homem do povo, A Hora: diário independente, A Idéia:
órgão do gremio litterario maranhense, A Imprensa, Investigador Constitucional, O Investigador
Maranhense, O Jardim das Maranhenses, Jornal da Lavoura: orgão especial da lavoura do Maranhão,
Jornal da Sociedade philomática maranhense, Jornal de Instrução e recreio, Jornal de Timon, Jornal
do Commercio, O Jornal dos Annuncios, Jornal Maranhenses, Jornal para todos, O Legalista, O
Liberal, A Luta: jornal de idéias livres, Luzia, O Malagueta Maranhense, O Malho. Chronica mensal, A
Marmota Maranhense: folha litteraria e recreativa, A Marmotinha: jornal joco-serio, litterario e
recreativo, O Mexeriqueiro, O Militar, A Minerva: folha política, litteraria e commercial, A Mocidade:
jornal litterario, critico e noticioso, A Moderação, O Monarchista, Monitor: Reservista dos Interesses
públicos, Museo Maranhense: de instrucção e recreio, A Nação, O Nacional, A Nova Epocha: Folha
política e Industrial, O Novo Brazil: orgão republicano, O Novo Pharol, O Observador, A Opinião
Publica: jornal político e noticioso, A Ordem: órgão do commercio e lavoura, Ordem e Progresso:
jornal político conservador,
Pacotilha: Hebdomadário critico e noticioso, O Paiz: Jornal Catholico,
Litterario, commercial e noticioso, O Pensador: órgão dos interesses da sociedade moderna, O
Philomatica. Revista Artística, scientifica e philosophico, O Piaga: periódico litterario, commercial e
noticioso, O Poraquê, Porto Livre: Jornal político, commercial e noticioso, O Porto Franco, O Porvir:
órgão da classe estudantal, O Progresso: Jornal político, litterario e commercial, Publicador
Maranhense, Publicador Official, Publicola Brasileiro, O Pugnador: periódico dedicado a deffensa da
política conservador, O Ramalhete: jornal litterario e recreativo, O Recreio dos maranhenses, A
Republica: Jornal Official do governo do Estado do Maranhão, A Revista: folha política e litteraria,
Revista de Instrução e Educação, Revista Juvenil: Jornal litterario, critico e noticioso, Revista
Universal Maranhense: Sciencias-agricultura Industria litteraria-bellas artes, Noticias e commercio, O
Rondante político, O Salvador da liberdade, O Século, A Semana: folha litteraria, commercial e
noticioso, Semanário Maranhense, O Semanario Official, A Sentinela, A Sentinela da Liberdade, O
Sorriso; periódico critico, litterario e recreativo, A Situação: jornal político, Suplemento ao dissidente,
O Telegrapho, O Tempo: órgão do Partido Conservador, Tymbira, 1849, O Tymbira do Povo, Tribuna
do Povo, O Tribuno: jornal liberal, A União Postal: Órgão philatelico e noticioso, O Unitário, O
Universal: Imparcialidade, justiça e tolerância, O Verdadeiro patriota, Vinte oito e julho: jornal para
tentamens litteraneos, O Volcão, A Voz do Bacanga.
ii Insituto de Humanidades, de Pedro Nunes Leal.
Plano geral de instrução
1º grau. Ler, escrever e contar: doutrina cristã e civilidade;
2º grau. Gramática e língua portuguesas; analise dos clássicos; princípios de moral, história,
chorographia do Brasil, resumo da história universal, sagrada e profana, elementos de geografia,
dissertações escritas acerca destes assuntos, caligrafia, exercícios de memória.
Instrução Secundária
Abrange o estudo das línguas assim vivas como mortas, ciências e letras, as línguas são o
português, o francês, inglês, alemão e algumas outras, quando houver alunos que as queiram estudar
sem prejuízo de outras disciplinas, que se requerem como preparatórias para estudos superiores. As
línguas mortas são: a latina e o grego.
O ensino delas divide-se em duas classes, a saber. 1º rendimentos da gramática, leitura e
princípios de tradução. 2º estudo aperfeiçoado de gramática e natureza da língua, análise de clássicos,
escrita ditada em português e vertida imediatamente língua estrangeira.
Para o completo estudo do português haverá mais outra classe do português clássico, e se
aperfeiçoarão os alunos no método de recitas prosa e verso, verterão do francês para o português obras
clássicas d’aquela língua, para que melhor se possam corrigir os galicismos da nossa, farão analises e
comparação das boas frases portuguesas da construção da língua e beleza dela. Far-se-a há mais o
estudo da literatura e língua portuguesa pela analise dos clássicos, não só quanto à beleza do estilo,
eloqüência e elegância de direção e especialmente, quanto a pureza da linguagem, para destarte se
contrair o habito de escrever com propriedade.
Nas ciências e letras se compreende o ensino: 1º da Filosofia racional e moral dos princípios do
direito natural, 2ª da Aritmética, álgebra e geometria, trigonometria retilínea, 3ª dos princípios de
Química, Física e introdução a história natural, geologia e agricultura, 4 geografia, cronologia e historia
universal, 5ª da oratória, política, literatura geral, 6ª da escrituração comercial, operações relativas ao
comércio, noções de direito comercial, operações relativas ao comércio e noções de direito comercial e
das gentes, dos princípios de economia política.
Belas-artes
O estudo das belas-artes, compreende o desenho, música, dança, esgrima, ginástica, distribuição das
matérias.
Instrução Primaria
1º ano
exercícios de pronuncia, de leitura de memória- noções elementares de numeração taboada das quatro
operações aritméticas, princípios de escrita- doutrina cristã.
2º ano
continuação dos exercícios de leitura e de memória- princípios da moral, preceitos de civilidade, noções
elementares de história e geografia com especialidade do Brasil, exercício de escrita, praticas das
quatro operações aritméticas por números inteiros e que brados, desenho linear.
3º ano
continuação dos exercícios de leitura e de memória, de escrita e de desenho linear – seguimento do
estudo das operações aritméticas-gramáticas da língua portuguesa, elementos de geografia e de historia
universal. Princípios elementares de geografia dissertações escritas sobre os assuntos já estudados –
escritas ditada para aperfeiçoamento da ortografia – rudimentares de historia natural, de direito natural,
publico e de economia política.
Instrução Secundária
4ª ano
4ª Gramática geral aplicada a língua portuguesa pela análise dos clássicos;
5ª rudimentos de gramática latina e princípios de tradução.
6ª rudimentos de gramática francesa, leitura e princípios de tradução
5ª ano
7ª continuação do estudo de gramática geral
8ª estudo aperfeiçoado da gramática latina, tradução vocal e por escrita da mesma língua, análise de
clássicos portugueses
9ª continuação do estudo da língua francesa
10ª rudimentos da gramática da língua inglesa e princípios de tradução
6º ano
11º continuação do estudo aperfeiçoado da latinidade, instrução sobre a mitologia e costumes dos povos
antigas, analises e versão dos clássicos portugueses
12º continuação do estudo da língua inglesa
13º rudimentos da gramática da língua alemão
7ºano
14º estudo da literatura e língua portuguesa, aperfeiçoamento no método de recitas prosa e verso,
análise portuguesa, aperfeiçoamento no método de recitas prosa e verso, analise e comparação das boas
fases portuguesas, construção da língua e beleza dela, exercício de reação
15º continuação do estudo da língua alemão
16º rudimentos da gramática da língua grega e princípios de tradução
17º aritmética, álgebra, geometria elementar e trigonometria e suas aplicações praticas mais usuais
18º filosofia racional compreendendo o estudo das faculdades da aluna, os elementos do
pensamento,origem, formação e expressão das ideais
8º ano
19º continuação do estudo da língua grega
20º pneumatologia ou filosofia e psicologia filosófica, a critica deles, fundamentos da moral e direito
natural, historia, comparação e critica dos princípios, sistema de filosofia
21º retórica, política, literatura geral, historia da literatura portuguesa e brasileira
9 º ano
22º geografia e cronologia principalmente de Brasil
23º princípios de historia universal
24º escrituração comercial, operações relativas do comércio
10º anno
25º curso elementar de literatura e análise dos clássicos
26º continuação do estudo de geografia
27º continuação do estudo da historia universal
28º princípios elementares de química física, introdução a historia natural
29º princípios de geologia e agricultura elementar
30º princípios de direito comercial e das gentes, economia política elementar.
Todas os alunos são obrigados a freqüentar a aula de doutrina cristã e moral religiosa.
PROFESSORES NO INSTITUTO DE HUMANIDADES
Instrução primaria
1º e 2º ano - Marcellino da Exaltação Fernandes, no estabelecimento.
3º ano – Jorge Maria de Lemos e Sá, Rede Sant’anna 6.
Instrução Secundária
Latim: Francisco Sotero dos Reis – Rua da Paz, 43
Grego: José Ricardo Jauffret, Rua das Violas
Francês: Henrique Eduardo Costa
Inglês: Alfredo Bandeira Hall
Alemão: vago
Gramática geral aplicada á língua portuguesa e analise dos clássicos: Luiz Carlos Pereira de Castro
Curso Elementar de Literatura e análise dos clássicos: Francisco Sotero dos Reis
Matemática elementares: Francisco César da Silva Amaral
Filosofia e Rhetorica: Gentil Homem de Almeida Braga
Historia: Antonio Henriques Leal
Geografia: Jorge Maria de Lemos e Sales
Escrituração Mercantil: Jorge Maria de Lemos e Sá
Princípios Elementares de Química e Física: vago
Princípios Elementares de Geologia e Agricultura: Alexandre Theophilo de Carvalho Leal
Princípios Elementares de Economia política e direito commercial: Joaquim da Costa Barradas
Doutrina cristã e Moral religiosa: José Raymundo da Cunha
ii
.
iii
DISPOSIÇÕES GERAIS
As condições de admissão são as seguintes:
1) nenhum alumno será admitido a cursar as aulas deste estabelecimento, padecendo moléstia contagiosas;
2) nenhum alumno será admitido antes de completar 5 annos de idade
3) poderão ser admitidos como os alumnos externos gratuitos, três da freguesia em acha o colégio, e um por
cada uma das outras duas freguesias da cidade, para que esta admissão se verifique é indispensável que se
prove; 1º falta de meios; 2º honestidade da família; 3º que os alumnos venham vestidos decentemente, 4º os
alumnos internos pagarão mensalmente: até 10 annos de idade – 25$000;
até 15 annos – 30$000
de 15 em diante – 35$000
sendo dois ou mais irmãos pagarão todos prestação igual ao de menor idade delles:
os semi-internos:
até 10 annos de idade – 13 $ 0000
“ 15 - 15$000
de 15 de idade em diante – 18$ 000
Os externos que freqüentarem o anno de instrucção primaria:
---- 3$000
2 e 3º anno – 4$000
instrução secundária
por uma aula só – 6$000
por duas – 10$000
por mais de duas- 12$000
o ensino de bellas artes é pago a parte a saber
por cada uma das aulas – 4$000
5º todas as prestações serão pagas adiantadas.
O collegio poderá fornecer durante todo o tempo de residência dos alumnos todo o tempo de residência dos
alumnos internos, toda a roupa, mobilia, livros, medico e botica, pagando-se pelo de dez annos, mais 100$000
annuaes, até 15 annos 120$000, de 15 em diante 160$000. Este acréscimo será pago em duas prestações iguaes:
em janeiro e julho de cada anno.
6º começado o mez, entende-se vencido, e por tanto, embora o alumno se despeça ou seja despedido antes do fim
do mez, a prestação deverá ficar paga por inteiro. Se algum alumno deixar de freqüentar o collegio, por qualquer
espaço de tempo, e não der disso aviso, pagará ainda assim o mez por inteiro.
7º pelos dias de férias não há abatimento nas prestações dos alumnos, pois não há nos honorários dos
empregados
8º no fim de cada mez dará o professor ao director do collegio uma nota circunstanciada do aproveitamento
moral e instructivo dos seus discípulos que será transcripta em livro especial, donde se extrahirão copias, que
serão enviadas aos Paes ou tutores, ao tocante unicamente aos filhos ou tutelados delles.
O enxoval para os collegiaes será o seguinte:
Para uso interno do collegio: roupa branca – 6 camisas, 6 pares de ceroula, 12 ditas de meias, 6 lenços de assuar,
6 lençoes, 6 toalhas de mão, 4 guardanapos e 4 fronhas.
Roupas de cor: 12 camisas, 6 blusas de brio pardo, 6 pares de calças de dito
Calçado: 2 pares de sapatos brancos, 2 ditos de botinas pretas
Para limpeza: 1 escova para fato, 1 dita para dentes, 1 dita para unhas, 1 dita para cabeça, tesoura para unhas,
pente fino, dito para alisar, espelho, bacia, servidor e sabonete;
Mobília: 1 cama de lona
para quando sahirem a passeio: fardeta, calça, bonet de panno cor de pinhão e lenço preto, para os alumnos até
15 annos de idade, sobre-casaca, calça de panno preto, colete de setim, lenço preto e chapeo redondo, para os de
15 annos em diante.
Jornais Maranhenses Consultados.
A
01. O abelhudo: folha dos curiosos. São Luis-Ma, 27 nov. 1898; 26 mar. 1899, 1898, 1899.
02. O abolicionista. São Luiz-Ma, 27 jul, 1885.
03. Actualidade: órgão dos interesses da lavoura e commercio.Vianna-Ma. 4 out, 1884.
04. A Actualidade: períodico Imparcial, litterario critico e noticioso. São Luis-Ma, 16 ago,
1900.
05. Água Benta, Caxias-Ma, 23 mai, 01 ago 1849.
06. Almanak Administrativo da provincia do Maranhão, São Luis-Ma, 1869-1875.
07.Almanak Administrativo, mercantil e Industrial. São Luis-Ma, 1858-1858.
1860,1862,1864,1866,1868.
08. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Maranhão. São Luis-Ma, 1896.
09. Almanak do Diário do Maranhão São Luiz-Ma, 1878-1882, 1878-1882.
11. Almanak do Maranhão. São Luiz-Ma, 1848.
12. Almanak do Povo. São Luiz, 1867-1868.
13. Almanak Histórico de lembranças brasileiras. São Luiz-Ma, 1862-1868.
14. Almanak Popular, Mercantil, Industrial e Scientifico do Maranhão com folhinha para o
anno de 1848. São Luiz-Ma, 1848.
15. Almanak do Povo. São Luiz-Ma, 1867-1868.
16. A Alvorada: órgão litterario, critico e noticioso. São Luiz-Ma, 08 set, 10 nov. 1895.
17. O amigo do Homem. São Luiz, 16 jul 1825; jan-dez 1827.
18. Annuario da aug. E resp. loj. Cap. Estrella do oriente. São Luiz-Ma, 1875-1879.
19. O apreciável. São Luiz-Ma, 1863, 01 jan-dez 1867, jan 23, dez 1863, 1869, 1876, 1869.
20. O Archivo: Jornal scientifico e litterario. São Luiz-Ma, 28 fev. dez 1846.
21. O Argos: jornal democrata, São Luiz-Ma, 16 jul, 07-25 set 1897.
22. Argos da Lei. São Luiz-Ma, 07 jan-10 jul, 1825.
23. Argos Maranhense: periódico Liberal. São Luiz-ma02 jan 1851, 03 set 1852.
24. Arre e Irra. São Luiz-Ma16 set, 07 out. 1846.
25. O artista: jornal dedicado a Industria e principalmente as artes. São Luiz-Ma25 mai
1862- ago 1863, mar-1868, 25 jul de 1869.
26. O artista Caxiense: órgão do “club patriótico dos artistas Caxienses”, Caxias-Ma, 09
jun 1891.
27. A aurora: folha política e commercial, Caxias-Ma12 abr, 01 dez 1849.
B
29. A Bandurra. 15 jan, 31 dez 1828.
30. O Bem te vi. São Luiz-Ma30 jun-out 1838, jul 1847 abr 1848, mai jun, out 1849, nov
20 dez, 1853.
31. O Bem te vi caxiense, Caxias-Ma21 mai, 6 out 1849.
32. O Bemtevi Maranhense. São Luiz-Ma14 out, 05 nov. 1847.
33. Brado: órgão político, litterário, critico noticioso.Caxias-Ma, 11 mar 1884, 1886, 1886.
35. Brado de Caxias: Thono e liberdade, Caxias-Ma 20 ago 1845, 02 mar 1846.
36. Brado Maranhense. São Luiz-Ma08 out. 1846.
37. O Brasileiro, São Luiz-Ma08 fev-set 1830, ago 16 nov. 1832.
38. A Brisa: jornal litterario, critico e recreativo, São Luiz-Ma, Ago 1872.
C
39. O Cacete, São Luiz-Ma29-31 jun 1846.
41. O Canella, São Luiz-Ma12 mai, 10 ago 1849.
42. Carapuça: órgão de todas as classes. São Luiz-Ma12 jun, 20 jul 1884.
43. O Censor: São Luiz-Ma24 jun-mar-dez 1825, fev, mar, mai, jul, 26 mai, 1827, out
1828, abr, mai, nov, 1829, mai 1830.
45. O Christianismo: Semanário Religioso São Luiz-Ma01 mai 1854, 30 abr 1855.
45. A Chronica : jornal político. Caxias-Ma01 jan, 05 fev 1853.
46. Chronica Maranhense. São Luiz-Ma01 jan 1838, 24 mai 1841.
47. Chrysalida, Caxias-Ma15 mai 1884.
48. A Cigarra, São Luiz-Ma12 out 1829, 17 abr 1830, 05 de agosto, São Luiz-Ma.14, 27 jul
1849.
49. Civilização, São Luiz-Ma18, 25 jun, 1881, jan-mai, jul-dez, 1887, jul, 1888, jan, 1889,
04 out 1890.
50. Clarim da Monarchia: folha politica e litteraria. São Luiz-Ma, 30 out 1861, 27 mar 1862.
51. Christianismo. São Luis-Ma, 1854-1855.
52. A Coalização. São Luiz-Ma, 06 fev, 1862, 11 mar 1866.
53. O Commercio, São Luiz-Ma05 jan, fev, abr, 22 jun 1861.
54. O Commercio de Caxias : periódico agrícola, Industrial, artístico e noticioso, Caxias-
Ma 05 jun 177, set 1879, ago 1881, jan 1885, set 1886, 06 jan 1894.
55. A Conciliação, São Luiz-Ma27 set-29 nov, 1856.
56. O Conciliador: jornal politica litterario e commercial, São Luiz-Ma09-18 fev 1853.
57. O Conciliador do Maranhão, São Luiz-Ma15 abr-mai, nov-dez 1821, jan 1822, 16 jul
1823.
58. O Conservador: folha Política e Industrial.São Luiz-Ma13 dez, 1858, dez 1859, jan-
fev, abr, jun, dez, 1860, jan, e jun de 1861; jan-out e 06 de dez de 1862.
59. O Constitucional: folha política, litteraria e commercial, São Luiz-Ma28 out 1851, jan
1854, out 1855, jan 1863, 31 dez 1864.
60. Constitucional: órgão do Partido Conservador.São Luiz-Ma29 ago 1872.
61. O Corisco: orgam Imparcial, critico e noticioso, Caxias-Ma.01 mai 1895.
62. O Correio Caxiense, Caxias-Ma26 ago-set, nov 04 dez 1854.
63. Correio d’annuncios e Semanário commercial do Maranhão, São Luiz-Ma22 abr
1845, fev, mar, jun, ago, 15 de set 1851.
64. Correio da tarde: folha diária, São Luiz-Ma01 dez 1909, set 1910, jan- 30 dez 1911.
65. Correio Maranhense, São Luiz-Ma25 mar-nov, 1847, abr, 09 ago 1848.
70. Correio Semanal do Maranhão, São Luiz-Ma09 dez 1834.
71. Correspondência ao Sr. Redactor da Estrella, São Luiz-Ma, 1830.
73. A Cruzada: diário político-religioso, litterario, commercial e noticioso. São Luiz-Ma11
out-nov 1890, jan 1891, abr-set-dez 1892.
74. Cruzeiro, São Luiz-Ma28 jan, mai, jul, 1884, 12-27 jan 1885.
D
75. Defesa que apresentou ao publico o coronel Isidoro J. Pereira, São Luiz-Ma, 1843.
76. O Democrata, São Luiz-Ma22 mai, 12 out 1879.
77. O Despertador: jornal político e litterario, São Luiz-Ma01 jul-set 1852, nov, 1852, 22
abr 1854.
78. O Despertador Constitucional São Luiz-Ma14 ago 1828.
79. Despertador Maranhense, São Luiz-Ma22-27 fev 1839
80. Diario de Noticias: órgão político, noticioso e commercial. São Luiz-Ma18 ago 1893.
81. Diario do Maranhão, São Luiz-Ma20 set, 1855 dez 1856, mar 1855, 1856, 1857, jun
1858, jan 1874, dez de 1874, 1875 a 1885.
82. Domingo: jornal critico, litterario, noticioso e recreativoSão Luiz-Ma28 out-05 nov
1883.
83. Domingo: Semanário critico e litterario, São Luiz-Ma1872, 15 mar 1874.
E
84. O Ecclesiastico: periódico dedicado aos interesses da religiãoSão Luiz-Ma01 out 1852,
set 1857, dez 1860, jan- set, dez 1861, jan, 30 set 1862.
85. O Echo: jornal critico e noticioso.21 mar, 24 abr 1886.
86. O Echo Caxiense, Caxias-Ma04 jan 1852.
87. Echo da juventude, São Luiz-Ma11 dez, 18864, 21 mai 1865.
88. O Echo da verdade, São Luiz-Ma26 mar 1860.
89. Echo do Norte, São Luiz-Ma03 jul 1834, 31 out 1836.
90. Echo Liberal: órgão político e noticiosoSão Luiz-Ma15 nov 1884.
91. O Ensaio: órgão estudantal13 set 1890.
92. A Epocha: periódico constitucional e político Caxias-Ma25 dez 1852, 08 jan 1853.
93. A Epocha: periódico político e litterario, São Luiz-Ma1842, 1853, 26 jun-15 nov 1849.
94. A Eschola : orgão estudantal São Luiz-Ma28 ffev, 1891.
95. Estado do Maranhão: diário político, litterario e noticiosoSão Luiz-Ma12 dez 1891.
96. O Estandarte: folha política e IndustrialSão Luiz-Ma15 jan-dez, 1849, jan-abr 1851,
out 1853, 1854, 1855, 04 dez, 1856.
97. A Estrella da tarde: períodico recreativo.São Luiz-Ma07 jun, 27 set 1857.
98. A Estrella do Norte do Brazil, São Luiz-Ma11 jul, 1829, 15 mai 1830.
99. A Estrella Maranhense: jornal instructivo, moral e recreativo.São Luiz-Ma01-18 set 1859.
100. O Estudante: jornal Litterario e criticaSão Luiz-Ma15 jun-08 jul 1870.
101. Exposição Evangélica, São Luiz-Ma16 abr, 1865, 25 mar 1866
F
102. O Farol: Folha política e commercial, São Luiz-Ma01 mai 1850, dez 1851, jan, mar-abr,
set-dez, 1852, jan, ago, out 1853, ago, 02 dez 1854.
103. Farol Maranhense, São Luiz-Ma26 dez 1827, ago 1828, jan-dez 1829, jan-jun-jul-dez.
1830, jan-dez 1831, jan 29 out 1833, 108. 11 maio 1850, 02 dez 1854.
104. A Fé: jornal religioso e litterario, São Luiz-Ma04 set 1864, 09 jun 1868.
105. A Flecha, São Luiz-Ma15 mar 1879, 09 out 1880.
106. Folhinha de algibeira para o ano de 1843, terceiro do bissexto 1843.
G
107. Gazeta Caxiense: órgão dos interesses públicos, Caxias-Ma29 mar 1893, 29 dez 1895.
108. Gazeta de noticias dedicado aos interesses do commercio, da lavoura e industria,
São Luiz- ma.09 abr, 02 out 1883
109. Gazeta Extraordinária do governo da província do Maranhão, São Luiz-Ma 1823.
110. O Globo: São Luiz-Ma20 jan 1852, set 1855, jul 1858, 30 dez 1859, 1889.
111. O Globo: jornal diárioSão Luiz-Ma07 set 1889, 03 jun 1890.
112. O Guajajara: São Luiz-Ma01 abr-ago, out 1840.
113. O Governo: periódico critico, litterario e recreativoSão Luiz-Ma22 mar, 24 mai, 1885.
H
114. O Homem do povo, São Luiz-Ma24 set 1846, 23 set, 23 out 1847.
115. A Hora: diário independente São Luiz-Ma28 jul-nov 1926,jan 31 dez 1927.
116. A Idéia: órgão do gremio litterario maranhense01 de maio de 1883 a setembro de 1885.
117. A Imprensa, São Luiz-Ma04 jun 1857, 01 fev, 1862.
I
118. Investigador Constitucional, São Luiz-Ma13 out 1836.
119. O Investigador Maranhense, São Luiz-Ma16 abr, 16 ago 1836.
120. O Jardim das Maranhenses, São Luiz-Ma06 jun, ago, dez 1861, 13 jan, 1862.
J
121. Jornal Caxiense, Caxias-Ma07 mar-dez, 1846, mai-out 1848, abr-dez 1849, jan-jun, set-
dez 1850, jan-ago 1851, mar-mai, jul,out, nov 1852.
122. Jornal da Lavoura: orgão especial da lavoura do Maranhão.São Luiz-Ma.15 jun 1875, 30
dez 1876.
123. Jornal da Sociedade philomática maranhense, São Luiz-MaOut 1846, jun 1847.
124. Jornal de Caxias: órgão commercial e noticioso,Caxias-Ma09 nov. 1895 , dez 1897,
jan- set, nov-dez 1898, jan-set, dez, 1899.
125. Jornal de Instrução e recreio, São Luiz-Ma15 fev 1845, 20 jan, 1846.
126. Jornal de Timon, São Luiz-Ma1852-1853, 1858.
127. Jornal do Commercio, São Luiz-Ma08 jun, 1858, 31 dez 1860.
128. O Jornal dos Annuncios, São Luiz-Ma 01-15 mar 1831.
129. Jornal Maranhenses, São Luiz-Ma09 jul, 1841, 01 jul 1842.
130. Jornal para todos, São Luiz-Ma28 mar, out, 22, nov 1877.
L
131. O Legalista, São Luis-Ma15 abr, jun 08 out 1840.
132. O Liberal, São Luiz-Ma25 jul, ago, out 1870, jan, abr, 1871, jun- ago, dez 1872, jun
1873, mai 1886- 22 abr 1887.
133. A Luta: jornal de idéias livres.São Luiz-Ma09 ago 1891.
134. Luzia, São Luiz-Ma11 mai, 27 jul 1849.
M
135. O Malagueta Maranhense, São Luiz-Ma30 jun-jul, 1844, 19 ago 1848, 19 ago 1848.
136. O Malho. Chronica mensal, São Luiz-Ma, out-nov, 1880, jan 1881.
137. A Marmota Maranhense: folha litteraria e recreativa.São Luiz-Ma26 nov 1850, jan 16
mai 1851.
138. A Marmotinha: jornal joco-serio, litterario e recreativo, São Luiz-Ma13 out 1852, 12 fev.
1853.
139. O Mexeriqueiro, São Luiz-Ma08 de maio, 07 jun 1849.
140. O Militar, São Luiz-Ma11 dez 1839.
141. A Minerva: folha política, litteraria e commercialSão Luiz-Ma21 ago, 1828, 05 mai 1829.
142. A Mocidade: jornal litterario, critico e noticiosoSão Luiz-Ma01 ago, 1875, 24 jun 1876.
143. A Moderação, São Luiz-Ma26 mar 1857, dez, dez 1859, fev, 1860, 17 out 1861.
144. O Monarchista, São Luiz-Ma15 jun, 27 set 1841.
145. Monitor: Reservista dos Interesses públicos, São Luis-Ma21 abr-mai, ago 1870, jul 1871.
146. Museo Maranhense: de instrucção e recreio São Luiz—Ma10 jul, 15 ago 1842.
N
145. A Nação, São Luiz-Ma12 maio, 1869, abr, 31 jan 1971.
146. O Nacional, São Luiz-Ma 28 jun, 1890.
147. O Norte: órgão das idéias democráticos, Barra do Corda23 mai 1889.
148. A Nova Epocha: Folha política e Industrial São Luiz-Ma12 jul-1856, 20 nov 1858.
149. O Novo Brazil: orgão republicano 21 jul-dez 1888, jan-fev, abr, 20 dez 1889.
150. O Novo Pharol, São Luiz-Ma, 24 set, 02 out 1852.
O
151. O Observador, São Luiz-Ma29 jul, 1847, dez 1849, jan-mar-dez, 1850, jan 1851, 11 fev.
1861.
152. O Observador: órgão dos interesses públicos, Caxias-Ma, 14 abr 1882.
153. A Opinião Publica: jornal político e noticioso, São Luiz-Ma24 ago 1861.
154. A Ordem: órgão do commercio e lavoura Vianna-Ma28 mar-abr, jun, ago, out, nov, 1882.
155. Ordem e Progresso: jornal político conservador, São Luiz-Ma, 26 dez, 1860, 30 jan 1862.
P
156. Pacotilha: Hebdomadário critico e noticiosoSão Luiz-Ma30 out-dez, 1880, abr-set, nov-
dez, 1881, jan, 1883, dez 1888, 30 out-dez, 1880, abr-set, nov-dez, 1881, jan 1883, dez
1888, jan-mar, jul, dez 1889, jan 1890.
O
157. O Paiz: Jornal Catholico, Litterario, commercial e noticioso São Luiz-Ma, Mai 1863, jan
1889.
158. O Pensador: órgão dos interesses da sociedade modernaSão Luiz-Ma10 set, 1880, 30 nov.
1881.
159. O Philomatica. Revista Artística, scientifica e philosophicoSão Luiz-Ma02 out, 1895, 15
jan 1896.
160. O Piaga: periódico litterario, commercial e noticiosoSão Luiz-Ma03 nov 1898- 17 dez
1899.
161. O Poraquê, São Luiz-Ma, 10 set 1829, 04 fev, 1830.
162. Porto Livre: Jornal político, commercial e noticioso, São Luiz-Ma26 ago, set 1861, jan
1862, 20 set 1865.
163. O Porto Franco, São Luiz-Ma25 jun, 31 dez 1849.
164. O Porvir: órgão da classe estudantal, São Luiz-Ma15 jun, 20 ago 1895.
165. O Progresso: Jornal político, litterario e commercial, São Luiz-Ma, 189. 04 jan, 1847, jun
1852, jan, 1853, dez 1855, jul. 1856, mai, 1857, mar, 1861, 31 jan 1862.
166. Publicador Maranhense, São Luiz-Ma09 jul 1842, 1843,1844, dez 1851, jan-abr, jun-dez
1852, jan 1853, jul 1857, jan-dez 1858, jan-fev, mai, dez 1859, jan 1860, jul, 1864, jan
1865, jun-fev, mai, dez 1859, jan 1860, jul 1864, jan 1865, jun 1869, jul 1870, dez, 1871,
jan 1874, jun, 1875, jan-jun, 1876, jan, 1877, 31 dez 1865.
167. Publicador Official, São Luiz-Ma21 out-dez, 1831, jan-abr, dez 1832, jan-nov, 1833, abr-
dez 1834, jan-abr, jul 1835, mai 1836, jan, 1837, abr 1839, fev, abr-mai, 1840, jan, 06
mai, 1841.
168. Publicola Brasileiro, São Luiz-Ma, 1834, 06 fev, 1834.
168. O Pugnador: periódico dedicado a deffensa da política conservador Caxias-Ma09 abr, 30
jun, 1859.
R
170. O Ramalhete: jornal litterario e recreativo, São Luiz-Ma25 mai-jun, ago-nov, 1863, fev, 15
abr 1864.
171. O Recreio dos maranhenses, São Luiz-Ma20 out 1839.
172. A Republica: Jornal Official do governo do Estado do Maranhão, São Luiz-Ma23, 31 dez
1889, jan-abr, 04 dez, 1890.
173. A Revista: folha política e litteraria, São Luiz-Ma06 jun 1842, jan, mar-mai, ago-nov 1843,
jan-jun, set, nov-dez, 1844, fev, abr, dez, 1847, jan 1848, 06 dez 1850.
174. Revista de Instrução e Educação.São Luiz-ma11 ago, 1877- 27 jul, 1878.
175. Revista Juvenil: Jornal litterario, critico e noticioso, São Luiz-Ma10 ago. 1876, 22 jun
1877.
176. Revista Universal Maranhense: Sciencias-agricultura Industria litteraria-bellas artes. 177.
Noticias e commercio, São Luiz-Ma, 1849, abr 1850.
178. O Rondante político, São Luiz-Ma.
S
179. O Salvador da liberdade, São Luiz-Ma, 06 mai, 08 jun, 1849.
178. O Século, São Luiz-Ma, 02 dez, 1858, 04 mar 1861.
179. A Semana: folha litteraria, commercial e noticioso, Caxias-Ma12 abr, 03 mai 1896.
180. Semanário Maranhense, São Luiz-Ma, 01 set 1867, 08 set 1868.
181. O Semanario Official, São Luiz-Ma22 dez 1830, jan, mar, 20 abr 1831.
182. A Sentinela, São Luis-Ma, 1855-1856.
183. A Sentinela da Liberdade, São Luiz-Ma, 15 abr, 1849.
184. O Sorriso; periódico critico, litterario e recreativo, São Luiz-Ma, 22 mai, 24 mai 1865
185. A Situação: jornal políticoSão Luiz-Ma18 jun, 1863, nov 1866, mai, out, 1868, fev 1869,
abr 03 set, 1870.
186. Suplemento ao dissidente, São Luiz-Ma, 1843.
T
187. O Telegrapho, São Luiz-Ma28 dez, out dez, 1877, ago, dez, 1878, mai, jul, 1880, jun, set,
dez, 1882, mai, jul, 07 dez 1883.
188. O Telegrapho, Caxias-Ma, 24 out 1847, out 1848, mar, 1849, 17 jul, 1851.
189. O Tempo: órgão do Partido Conservador, São Luiz-Ma05 jan 1880- 02 ago 1881.
190. O Tigre de Caxias, Caxias-Ma13 out. 1846, 1849.
191. O Tymbira, São Luis-Ma, 1849.
192. O Tymbira do Povo, São Luiz-Ma, 16 abr-jul, dez, 1849, ago, 1853, dez 1855 jan, 1858, 26
dez, 1859.
193. Tribuna do Povo, São Luiz-Ma, 16 abr-jul, set, dez 1849 ago, 1853, 1855, jan 1858 26 dez
1859.
194. O Tribuno: jornal liberalSão Luiz-Ma, 25 ago 1883, jul 1884, 29 set, 1885.
U
195. A União Postal: Órgão philatelico e noticioso, São Luiz-Ma05 ago, 1893.
196. O Unitário, São Luiz-Ma17 out, 03 nov 1846.
197. O Universal: Imparcialidade, justiça e tolerância, São Luiz-Ma06 nov, 23 dez 1852.
V
198. O Verdadeiro patriota, São Luiz-Ma, 12 out, dez 1848, 14 dez 1849.
199. Vinte oito e julho: jornal para tentamens litteraneos, 31 mar-abr, 1870, 28 jul, 1892
201. O Volcão, São Luiz-Ma, 10 abr-jun, 01 ago 1849.
202. A Voz do Bacanga, São Luis-Ma, 07 out 1848, abr-nov 1849, jan 1850, mai 1853, 24 mar
1854.
Jornais Consultados – Rio de Janeiro – 1820-1870 (Biblioteca Nacional).
A
1. Actualidade (10-25 maio 1858)
2. A Moderação do cosme manhoso (2 dez 1833)
3. Abelha
4. Absoluto (23 dez 1864 – 06 jan 1865)
5. Acadêmico (04 out 1869)
6. Acajá
7. Album Literário (15
ago – 01 abr 1861)
8. Album Semanal (2 nov 1851 – 30 jan 1853)
9. Americano (07 jul – 25 out 1831)
10. Amigo do Rei e da Nação bem da ordem
11. Anaes Fluminense de sciencias, artes e literatura
12. Anais da academia philosophica (fev – 12 jun 1858)
13. Andradista (26 nov 1833)
14. Anônimo (04 mai – 13 jul 1840)
15. Anuário do club de literatura (1887)
16. Araribóia (20 abr – 20ago 1853)
17. Arca de Noé (12 fev – 05 dez 33)
18. Aristarcho (09 mai – 2 jun 1840)
19. Arquivo Literário - 16 ago - 13 dez 1863
20. Artista (07 jan 1866)
21. As tres aristocracias.
22. Atalaia (31 maio – 2 set 1823)
23. Atheo (10 ago – 14 set 1851)
24. Atlante
25. Atleta (7 abr 1856 – 23 jul 1857)
26. Aurora (03 – 10 set 1865, 15 jun – 17 ago 1851)
27. Aurora academica (15 set)
28. Aurora fluminense (26 mai – 22 ago 1855)
29. Auxiliador (24 ago – 3 set 1841)
B
30. Baboza (04 set – 12 nov 1833)
31. Bacorinho ou repanzo de dezertado (29 j an – 28 mar 1836)
32. Bela Fluminense (10 jul 1864)
33. Bem-te-vi (31 ago 1867)
34. Biblioteca brasileira (jul – ago 1863)
35. Binóculo (05 out 1862)
36. Bodoque mágico (19 abr – 25 ago 1851)
37. Borboleta (22 mar-14 jan)
38. Brado americano (25 mar – 12 abr 1859)
39. Brado do amazonas (05 abr – 23 mai 1845), (20 abr – 20 jun 1849)
40. Brasil (29 mar 1857) - 03 abr - 30 set. 1863, jan- 50 – jun52)
41. Brasil aflito (20 abr – 29 jul 1833)
42. Brasil artístico (25 mar 1857 – mar 1858, 25 mar)
43. Brasil comercial (14 mar – 30 jul 1858)
44. Brasil ilustrado - 14 março 1855-31 dez 1856
45. Brasil literário (20 nov 1864 – jan 1865)
46. Brasileiro (01 nov 1857 – 14 jan 1858), (04 fev 1832 – 20 mar 1833)
47. Brasileiro imparcial (2 jan – 28 dez 1830)
48. Brasiliense (04 – 31 mai 1838)
49. Brazil (25 jul 1865 – 01 set 1866)
50. Burro magro (23 nov 1833 – 10 jan 1834)
C
51. Caboclo (17 fev – 25 abr 1849)
52. Cabrito (07-20 nov 1833)
53. Café da tarde (15 maio )
54. Califórnia (30 mar – 05 abr 1849)
55. Camaradinha (ago 1851)
56. Carapuça (27 fev 1850)
57. Caricatura (14 out 1851)
58. Carijó carioca (04-25 abr 1853)
59. Carioca (17 ago 1833 – 21 jan 1834)
60. Carranca (23 out 1849)
61. Cartilha do povo (18 dez – 25 dez 1859)
62. Catão (21 set 32 – 07 out 33)
63. Charadista (10-17 nov 1850)
64. Chronica Fluminense (01 fev – 11 mar 1865)
65. Chronica Literária (02 jan – 12 nov 1848)
66. Chronista (01 jun – 31 ago 1862)
67. Cidadão (15 abr – 06 jun 1856, 17 mar 1838 – 16 mai 1839) (25 abr – 21 jun 1849)
68. Cidadão soldado (16 nov 1833)
69. Cidade do Rio de Janeiro (23 mar 1850)
70. Clamor publico (18 ago – 29 jan 1861)
71. Clarim da liberdade (12 nov 1831 – 21 jun 1833)
72. Clarim dos teatros (17 mai 1851)
73. Clarin, Echo da união (25 mar 49 –7 nov 52)
74. Cometa
75. Conciliador do Reino Unido
76. Conciliador Fluminense (11 set – 06 out 32)
77. Consequente (11 – 30 jan 1836)
78. Conservador (06 jul – 13 ago 47)
79. Constitucional (7 jun – 9 ago 1859, 04 mai – 10 set 31, 1862-1863, 8 set – 1842)
80. Constituinte (21 mar – 16 jun 1849), (21 mar – 16 jun 49)
81. Contrariedade (13 mar 19 abr 49)
82. Correio da tarde (03 jan 1848 – 10 jul 1852)
83. Correio do Imperador (15 nov 1836 – 15 mar 1838)
84. Correio mercantil (1858 – setembro 1859)
85. Correio Nacional (03 nov 1869 – 16 nov 1870)
86. Corretor de petas (09 nov 1841)
87. Corsario (08 mar – 22 abr 1851)
88. Corsário vermelho (31 mai 1851)
89. Coruja te atrae
90. Cosme (15 dez 49)
91. Cosmorama na Bahia (02 out – 22 set 49)
92. Crença (12 jul. – 22 nov. 1863)
93. Critico (1842)
94. Cruzeiro do Sul (07 jul – 18 ago 1849)
95. Curupira (1852-3)
96. Cysne (15 mai – 01 jun 1864)
D
97. D. Pedro II (23 jun – 14 set 1838) (14 nov 1833)
98. Daguenotypo (18 jul 1845)
99. Defensor do comercio (05 – 15 jun 1850)
100. Democrata (01 jan 1868)
101. Desengano das papeletas (05 mai 49) 120.
102. Despertador (27 mar – 31 dez 1838)
103. Despertador constitucional extraodinário
104. Despertador Fluminense
105. Despertador Municipal (11 jan – 4 nov 1850)
106. Diabo no mundo (03 abr 49)
107. Diário de notícias (21 mar 1868 – 27 set 1872)
108. Diário do Comercio (01-31 jul 1866)
109. Diário do Rio de Janeiro (1840)
110. Diario Oficial (01 out 1862)
111. Durindana (04 – 18 set 1864)
E
112. Echo Americano (25 mar 1860)
113. Echo da Imprensa (10 ago – 26 out 1856)
114. Echo do Rio (2 ago 1843 – 24 fev1844)
133. Eco da voz portuguesa (01 ago – 15 set 47)
115. Eco popular (09 dez 1866 – 11 jul 1867)
116. Emigrado alemão (02 jul 1853)
117. Ensaio escolastico dos estudantes do atheneo turuano (02 dez 1859 – 02 mar 1860)
118. Entreacto (01 maio – 24 set 1860)
119. Época (21 out – 17 dez 1853)
120. Esbarra (12 nov – 2 dez 1833)
121. Escorpião (25 out 1862 – 23 nov 1863)
122. Escudo da liberdade (01 out 1841)
123. Espectador da América do Sul (26 jul. 1863)
124. Espelho (4 set 1859 – 01 jun 1860)
125. Esperança (10 jul 1864 – 06 jul 65)
126. Espirito publico (24 ago – 21 dez 1862)
127. Estafeta (29 set – 29 dez 1866)
128. Estandarte (11 mai – 06 jun 1851)
129. Estrea literária (15 out – 30 nov 1864)
130. Estrela brasileira (17 nov 1823 a 12 jul 1824)
131. Estrela dalva (fev. mar. 1863)
132. Estrela do ocidente (12 abr 1849)
133. Evaristo (26 set – 15 nov 1833)
134. Exaltado (04 ago 1831 – 15 abr 1835)
135. Exorcista
F
136. Fantasma (4 – 22 jun 1850)
137. Figaro chroniqueur (3 abr – 8 mai 1859)
138. Filha de timandro (12 abr 49)
139. Filho da sentinella da monarquia (3 ago – 24 set 1840)
140. Filho da terra (07 out 1831 – 21 fev 1832)
141. Filho do Brasil (04 jul – 13 out 1840)
142. Filho do sete d’abril (16 jul 1838 – 26 mar 1839)
143. Fluminense (03 nov 1835 – 30 abr 1836) (10 – 15 ago 1867) (23 dez 1840)
144. Folgazão (26 jul. 1863)
145. Folha Juvenil (19 nov 1853 – 11 fev 1854)
146. Formiga (? jan 1862 – 26 ago 1863)
147. Futuro (07 jul – 29 nov 1869)
148. Fuzil (01 abr – 05 ago 49)
G
149. Galeria (15 abr – 30 mai 1840)
150. Galeria romântica (31 jul – 21 ago 1864)
151. Gaúcho na corte (31 mar 49)
152. Gaveta do Diabo (06 set – 13 out 1868)
153. Gazeta de Domingos ( 06 jan – 03 fev 1839)
154. Gazeta do Brasil (03 jun – 02 ago 1860)
155. Gazeta do Instituto Hanemaniano (ago 1859 – jan 1860)
156. Gosto (05 ago – 07 set 1843)
157. Granadeiro (22 mar – 16 mai 1845)
158. Grátis (10 abr 1850 – 6 fev 1852)
159. Grinalda (10 nov 1850, 23 jul – 12 nov 1848)
160. Grito da razão (17 jul 1840)
161. Grito da razão na corte do Rio de Janeiro (23 fev – 22 mar 1825)
162. Guanabara (1850-1854)
163. Guaracyaba (set 1850 – 29 jan 1854)
164. Guarda Nacional (06 – 26 fev 1836, 05 ago – 09 set 1866, 13 fev- 3 ago 1849)
165. Guasca na corte (01 mai – 19 ago 1851)
166. Guerra do thesouro (18 mai 1866)
167. Guerreiro (08 jan – 12 nov 1853)
H
168. Heraclito (08 set – 26 dez 1867)
169. Homem de cor (14 set – 04 nov 1833)
170. Homem do povo (26 fev – 12 nov 1840)
195. Homeopathia (28 jul – 4 ago 1850)
171. Hospital dos loucos (18 fev – 20 mar 1862)
I
172. Idéia
173. Império (07 mar – 07 jun 1860)
174. Independente (22 ago – 20 nov 1850)
175. Indicador da utilidade pública (12 abr – 30 nov 1836)
176. Iris (13 ago 1845)
J
177. Jaguarary
178. Jardim literário (21 ago 1864)
179. Jornal da sociedade amante da instrução (28 ago 1839)
180. Jornal da sociedade philomatica (abr – maio 1859)
181. Jornal das famílias (1863-1865)
182. Jornal do Domingo (22 mai 1864)
183. Jornal do povo (07 abr – 12 mai 1862, 18 mar – 17 jun 1866)
184. Jornal dos artistas (8 dez 1862)
185. Jornal dos tipógrafos (1858)
186. Jornal para todos (01 mar1869 – 26 jan 70)
187. Judas (07 abr 49)
188. Jurujuba dos Farroupilhas (07 set – 16 nov 1831)
189. Juventude (09 jul 1867)
L
190. Lafuente (16 nov 1833)
191. Le Nouvellisse (03 jul. – 23 jul. 1863)
192. Lealdade (28 jan 1868)
193. Lei (03-30 jun 1853)
194. Liberal luzitano (30 jun – 9 ago 1836)
195. Liberal protestante (06 ago – 13 dez 1863)
196. Lucubrações juvenis (19 mar – 6 abr 1850)
197. Luseiro Fluminense (17 fev 1832)
198. Luzitania triunfante (06 dez 1833)
199. Lyra de apoio (jul 1869 – 11 abr 1875)
M
200. Maca do brasileiro Mágico (23 nov 1851 – 23 mai 1852)
201. Maiorista (1841)
202. Maribondo (2 fev – 4 mai 49)
203. Marmota – Folha popular – 03 de jul 1857 – 31 dez 1858
204. Marmota (09-16 mar 49)
205. Marmota Fluminense (4 de maio 1852 – 30 dez 1852)
206. Marmota na Corte (07 set 1849 – 30 abr 1852)
207. Martinho (06 abr – 24 ago 1851)
208. Matraca dos Farroupilhas (22 nov 1831 – 06 mar 1832)
209. Meio cara (11 nov – 15 dez 1833)
210. Menino Travesso (set 1842)
211. Mensageiro da Câmara dos Deputados (21 jun – 2 jul 1831)
212. Merrimac (18 out – 1863 – 28 fev 1864)
213. Messe (01jan - 15 dez 1860)
214. Mestre José (05 set – 07 out 1833)
215. Microscópio
216. Militar Brioso (28 fev – 3 jul 1855)
217. Minerva Brasiliense (01 nov 1843 a 15 out 1844)
218. Mocidade (15 jan – 15 fev 1862)
219. Moderador (03 fev – 27 mar) (10 abr 1830 – 2 abr 1831)
220. Moleque (31 mar 49)
221. Monarchista do Século XIX (17ago – 07 set 1839)
222. Monarchista Imperial (09 ago – 2 set 1841)
223. Monitor português (05 jul – 2 ago 1866)
224. Montanista (09 mar – 11 abr 1851)
225. Mosaico (16 abr. 1863)
226. Mosquito (1869-1871)
227. Mulher do simplicio (10 mar 1832 – 30 abr 1846)
228. Mutuca nas galerias da câmara baixa (8-13 mar 1850)
N
229. Nacional (11set 32 – 13 nov 33 / 21 set 72 – 03 jan 73)
230. Neto do Simplicio (1831)
231. Nicodemos (01 – 22 mar 1851)
232. Noticiador (16 set – 31 out 49)
233. Noticiador Curioso (26 mar – 16 jun)
234. Nova Minerva (dez 1845 – jul 1846)
235. Novo Brasil (10 mar 1869)
236. Novo Domingueiro (02 mai – 4 jul)
237. Novo Gabinete de leitura (1850)
238. Novo Tamoyo (30 nov 1831)
239. Novo Tempo (fev 1844)
O
240. O Defensor da Legalidade (16 jan – 2 set 1835)
241. O Simplicio endiabrado (07 mai 1839)
242. Observador das galerias (11 mai – 9 set 1830)
243. Observador
244. Omnibus (19 jun – 6 set 1843)
245. Opinião geral (13 mar 1850)
246. Opinião Nacional (24 set 1851)
247. Oriente (01 ago- 1863)
248. Orsatista (01 mar – 05 jun 1851)
249. Ortiga (10 ago 1839 – 07 mai 1840)
P
250. Pagode catucá (29 mar 1849)
251. País (24 fev – 15 set, 17 mar – 10 nov 1860)
252. Papagaio
253. Paquete para fazer carreira (mai 1866 – set 1867)
254. Para a ilha das tranquibernias (mai 1866 – set 1867)
255. Parlamentar (21 abr – 19 dez 1866)
256. Patriota (01 set – 28 nov 1849)
257. Pavilhão Nacional (17 set 1850)
258. Pernilongo (10 out 1864)
259. Philantropo (06 abr 1849 – 18 jun 1852)
260. Piloto (20 ago 1832)
261. Popular (07 abr 1838)
262. Pregoeiro (05 – 26 jan 1839)
263. Propagador dos conhecimentos úteis (abr 1836)
264. Propheta (16 ago – 22 out 1866)
296. Propugnador (13 jul 1824)
265. Propugnador da Maioridade (19 mai – 21 jul 1840)
266. Publicador literário (31 ago 1836)
R
267. Rabequinha (3 ago 1851)
268. Rabugento (21 set – 30 nov 1862)
269. Recreador (15 jan – 16 abr 1865)
270. Recreio do belo sexo
271. Reforma (09 dez 1851 – 22 mai 1852, 17 set – 15 nov 1851)
272. Regeneração (18 ago 1840 – 30 mar 1841, 07 ago 1866 – 31 dez 1867)
273. Regenerador do Brasil (28 set 1831)
274. Regente (12 nov 1831 – 18 fev1832)
275. Relâmpago (10 ago – 07 set 1856)
276. Republicano (17 dez 1831)
277. Revista Fluminense (1868 – jan 1869, 24 ago – 02 set 1865)
278. Revista homeopática (out – dez 1859 / jun-jul)
279. Revista Literária (1883)
280. Revista Literária e Recreativa (03 dez 1857 – 28 jan 1858)
281. Revista Luso-Brasileira (15 jul - 31 jul 1860)
282. Revista Popular (1859)
283. Revista Scholastica de Ciencias e Letras (set. 1863 – fev 1864)
284. Revista Semanal (14 jan-21 jan 1860)
285. Revista Teatral (22 jan – 18 mar 1860)
286. Revista Tipográfica (01 fev – 30 jul 1864)
287. Rio Grandense (1841)
288. Rusguentinho (29 nov 1833 – 17 fev 1834)
S
289. Sabatina Familiar de Amigos do Bem
290. Santa Cruz (04 out 1864)
291. Saudade
292. Sceptico
293. Século XIX (02 jan 1866 – ago 1867)
294. Semana Familiar (02 fev – 06 abr 1862)
295. Soberano (28 ago 1864)
296. Social (17 jun 1845 – 05 jun 1846)
297. Soldado Aflito (9 nov 1833)
298. Solitário (19 jan 1850)
T
299. Tamoyo (15 jan – 29 mar 1851)
300. Teatrinho do Sr. Severo (1833)
301. Tebyriça (15 jun – 15 jul 1862)
302. Terra de Santa Cruz (26 abr 1850)
303. Torre de Babel (09 jan – 6 mar 33)
304. Torto da Artilheria (06 nov 1833)
305. Trabalho (11 out 1868 – 05 jan 1873)
306. Trabalho Escolástico
307. Tribuna (10 mar – 9 jun 1845)
308. Tribuna Acadêmica (01 jul – 20 set 1864)T
309. Triumpho da Legitimidade
310. Triumviro Restaurador (21 out 1833)
311. Trombeta Constitucional (05 – 12 set 1840)
312. Tyrano
V
313. Verdade Constitucional
314. Verdade sem rebuliço (31 out – 19 dez 1864)
315. verdadeiro credito rural ( 1859)
316. Veterano ou o pai do filho da terra (24 out 1831)
317. Vida Fluminense (1868-1869)
318. Violeta Fluminense (06 dez 1857 – 31 jan 1858)
319. Voto Livre (11 set – 24 nov 47)
320. Voz da Razão (14 set – 22 out 1831)
321. Voz da Verdade (1831)
Y
322. Ypiranga (01 ami – 01 jun 1865, 10 dez 1831 – 22 fev 1832)
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