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se exercem no mesmo domínio do acaso
127
. Um mundo que nunca acolhe inteiramente a
ordem, nós já conhecemos o seu nome; contingência
128
. Nesse debate incerto entre a forma e
a matéria, entre a determinação e o infinito, entre Deus e o mundo, ou, como diz Aristóteles,
entre o “melhor” e o “necessário”
129
.
E “a prudência é uma virtude e não uma ciência, mas é outro gênero de conhecimento”
130
. Apresenta a prudência como virtude, não da alma racional, mas de uma das partes, que
diferentemente da parte científica, diz respeito ao contingente
131
. Poder-se-ia dizer que a
filosofia se adquire e que é, por isso, meritória, enquanto a prudência e os predicados que
127
Sobre a dificuldade da execução, ver também EN, II, 9,1109a 24. A ética de Aristóteles seja a única ética
grega para qual não havia homens bons e maus, nem bons nem maus absolutamente, mas somente homens a
caminho do bem-proficientes ou a caminho do mal. O mal não está no fim, que é universalmente bom, mas na
impotência dos meios que os condena á multiplicidade e torna possível sua desordem. A última palavra dessa
filosofia do mal, que ao mesmo tempo em que restaura o trágico das coisas também absolve os homens, será dita
por Plotino: não é embora queiram o bem, mas porque o querem, os homens fazem o mal e, antes, fazem mal uns
aos outros (Enéadas, III, 2, 4,1. 20-23 Bréhier).
128
Em outros textos Aristóteles analisa a ação humana segundo outro esquema: o da relação entre universal e
particular. São extremos comentados desde a Idade Média, que apresentam o processo da ação sob a forma de
silogismo “prático”. Mas também se observam as diferenças entre as duas doutrinas. A causalidade formal se
conhece, enquanto a causalidade eficiente se exerce. O problema, então, é saber qual das duas doutrinas é a mais
aristotélica. Allan privilegia o vocabulário do universal e do particular. Ora, reconhecer a universalidade da lei
na particularidade das ações singulares, seria a tarefa de toda moral .(GAUTHIER-JOLIF in Eth. Nic, I, op.cit.
210; GAUTHIER, La morale d’Aristote, op.cit.36.) Allan, D.J. The philosophy of Aristotle, p177. Nota que a
idéia de uma aplicação do universal ao particular, que caracteriza a passagem da ciência à arte, já se encontra em
Platão (Fedro, 268a-271d, citado por Allan in autour d’Aristote, p. 331). É preciso observar que as duas
fórmulas se encontram no livro VI, onde a phronêsis é descrita tanto como capacidade de escolha judiciosa dos
meios (sobre o esquema universal-particular (cf. VI, 8,114b 15; 9, 1142a 14 e todo o cap. 9). Para o esquema
fim-meios (cf. VI, 12, 1143a 33; 13). Acreditamos, no entanto, que a originalidade de Aristóteles se situa antes
na intuição, tão estranha a Platão, de uma dissonância possível entre o fim e os meios e na existência correlata de
uma deliberação seguida de escolha.
129
Segundo a observação de Aubenque, freqüentemente é comum vermos na doutrina aristotélica da prudência
uma relação de oposição entre a sabedoria e a prudência e enquanto uma “reina” outra “governa”. A prudência
governa imediatamente a ação humana, seria então um tipo sabedoria prática oposta à sabedoria teórica. Porém,
não podemos qualificá-la como disposição prática, pois então se distinguiria mal da virtude ética, mas Aristóteles
sempre insistiu sobre o estatuto de virtude dianoética. O caráter intelectual destacado por Aristóteles pela
importância que foi atribuída à prudência no momento da deliberação na preparação da escolha, a qual aparece
com exato inverso da inspiração arbitrária. Dizer que a proairesis é um desejo deliberado, é o mesmo que dizer
que ela é um desejo intelectual, ou ainda um intelecto desejante. E se, no livro VI da EN Aristóteles insiste que
não há escolha sem disposição moral, também acrescenta que não há escolha sem intelecto e sem pensamento
129
.
Logo, para Aristóteles, não é entre a dianoia e o nous, entre a discussão e a intuição, que passa a cisão essencial,
mas entre o pensamento do necessário e o pensamento do contingente. “Ora, está claro que a virtude, no sentido
coerente do termo (isto é, a virtude moral), nem pode contar com os caprichos da natureza, nem mesmo esperar
numerosos anos” (AUBENQUE, 2008, p. 239).
130
EE, 1246b 35-36.
131
Mas Aristóteles ao contrário do pensar de Platão é a cisão do próprio mundo real que determina uma cisão
paralela no interior da razão, e não somente no interior da alma cognitiva. Entre essas duas partes da alma
racional não há mais hierarquia, tal como estabelecia Platão, mas para Aristóteles, o que uma ganha em exatidão
seu objeto perde em proximidade e em familiaridade (EN, VI, 7, 1141b 4).