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O pai de Wilhelm Reich filiava-se a esta lógica (a lógica de obter status social
através da formação educacional), pois ao oferecer uma educação com professores
particulares aos filhos, mantendo-os afastados das crianças camponesas vizinhas e suas
influências, julgava proporcionar-lhes condições favoráveis à sua ascensão social.
Norbert Elias, o habitus do duelo do código de honra alemão
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Norbert Elias (1997) também apresenta uma discussão que corrobora as
características da sociedade alemã que acabamos de apresentar, embora o faça por outra
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No Prefácio à edição inglesa do livro Os alemães: a luta pelo poder e evolução do habitus nos séculos
XIX e XX, escrito por Norbert Elias, Eric Dunning e Stephen Mennell pontuam que “Por ‘habitus’ – uma
palavra que usou muito antes de sua popularização por Pierre Bourdieu – Elias significa basicamente
‘segunda natureza’ ou ‘saber social incorporado’” (ELIAS, 1997, p. 09). Porém, ao utilizar o conceito de
habitus no decorrer desta Dissertação, adoto a definição de Marcel Mauss (2003) e a complemento com a
perspectiva sócio-estrutural de Pierre Bourdieu (1983a, 1983b, 1987, 1996) acerca do mesmo conceito.
Mauss nos fornece elementos de como os distintos agrupamentos humanos desenvolvem hábitos e
manejos do corpo que lhes são próprios. Assim, práticas cotidianas como comer, andar, nadar e dormir
são executadas numa multiplicidade de formas segundo regras culturalmente demarcadas. Mauss observa
que, por muitos anos, teve “a noção da natureza social do ‘habitus’. Observem que digo em bom latim,
compreendido na França, ‘habitus’. A palavra exprime, infinitamente melhor que ‘hábito’, a ‘exis’
[hexis], o ‘adquirido’ e a ‘faculdade’ de Aristóteles (que era um psicólogo). Ela não designa os hábitos
metafísicos (...). Esses ‘hábitos’ variam não simplesmente com os indivíduos e suas imitações, variam
sobretudo com as sociedades, as educações, as conveniências e as modas, os prestígios. É preciso ver
técnicas e a obra da razão prática coletiva e individual, lá onde geralmente se vê apenas alma e suas
faculdades de repetição” (MAUSS, 2003, p. 404). O habitus, segundo Pierre Bourdieu, consiste em
“sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas
estruturantes” (BOURDIEU, 1983a, p. 61), de modo a atuarem como um princípio gerador e estruturante
de práticas e representações, o qual “retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição
em um estilo de vida unívoco, isto é, um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas”
(BOURDIEU, 1996, p. 22). Esse autor assinala que uma matriz de percepção, apreciação e ação se forma
a partir desse sistema de disposições duráveis e se efetiva em condições sociais determinadas, em outras
palavras, as condições sociais de produção do habitus são definidas pela estrutura objetiva (BOURDIEU,
1983a) marcada pelas distinções inscritas nas ordens sociais e de legitimidade que definem os grupos
sociais concretos (BOURDIEU, 1987). Assim, a atualização do habitus é realizada através de
determinados estilos de vida correspondentes às diferentes posições ocupadas pelos agentes no espaço
social: “O estilo de vida está vinculado ao habitus, pois o gosto, propensão e aptidão à apropriação
(material e/ou simbólica) de uma determinada categoria de objetos ou práticas classificadas e
classificadoras, é a fórmula generativa que está no princípio do estilo de vida. (...) Cada dimensão do
estilo de vida simboliza todas as outras; as oposições entre as classes se expressam tanto no uso da
fotografia ou na quantidade e qualidade das bebidas consumidas quanto nas preferências em matéria de
pintura ou de música” (BOURDIEU, 1983b, p. 82 e 83).