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indivíduos: essa subdivisão estava nela desenhada vagamente, mas não se teria
acentuado sem a matéria. Assim são criadas incessantemente almas que, no
entanto, num certo sentido, preexistiam. Não são nada além dos riachinhos pelos
quais se reparte o grande rio da vida, fluindo através dos corpos da humanidade.
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O rio da vida, ou consciência, percorre as entranhas da matéria forçando-a e modelando-a.
Assim como as águas recortam o leito que as recebe. Mas como as águas de um rio não são
seu leito, também a consciência não é a matéria que a envolve. Embora possa sofrer abalos
causados por este organismo, ela não perde a sua independência. A consciência que percorre a
matéria empresta-lhe o movimento, e matéria dá à vida a individualidade que lhe é latente.
Todavia, a consciência permanece livre, “é a própria liberdade.” A intelectualidade, ou
inteligência, é o pouso da vida sobre a matéria. Em passagem de extrema beleza e
misticidade, nosso autor descreve as possibilidades oferecidas por este espiritualismo
revigorado por uma visão evolucionista da consciência, diz que ao alcançarmos a
possibilidade de ver o mundo em estado de duração
Não nos sentimos mais isolados na humanidade, a humanidade também já não nos
parece isolada na natureza que ela domina. Assim como o menor grão de poeira é
solidário de nosso sistema inteiro, arrastado com ele nesse movimento indiviso de
descida que é a própria materialidade, assim também todos os seres organizados,
do mais humilde ao mais elevado, desde as primeiras origens da vida até a época
em que estamos, e em todos os lugares bem como em todos os tempos, não fazem
mais do que tornar perceptível pelos sentidos um impulso único, inverso do
movimento da matéria e, em si mesma, indivisível. Todos os vivos se tocam e
todos cedem ao mesmo formidável impulso. O animal encontra seu ponto de apoio
na planta, o homem cavalga na animalidade e a humanidade inteira, no espaço e no
tempo, é um imenso exército que galopa ao lado de cada um de nós, na nossa frente
e atrás de nós, numa carga contagiante, capaz de pulverizar todas as resistências e
transpor muitos obstáculos, talvez mesmo a morte.
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BERGSON. L'évolution créatrice, p.292. “La vie entière, depuis l'impulsion initiale qui la lança dans le monde,
lui apparaîtra comme un flot qui monte, et que contrarie le mouvement descendant de la matière. Sur la plus
grande partie de sa surface, à des hauteurs diverses, le courant est converti par la matière en un tourbillonnement
sur place. Sur un seul point il passe librement, entraînant avec lui l'obstacle, qui alourdira sa marche mais ne
l'arrêtera pas. En ce point est l'humanité; là est notre situation privilégiée. D'autre part, ce flot qui monte est
conscience, et, comme toute conscience, il enveloppe des virtualités sans nombre qui se compénètrent,
auxquelles ne conviennent par conséquent ni la catégorie de l'unité ni celle de la multiplicité, faites pour la
matière inerte. Seule, la matière qu'il charrie avec lui, et dans les interstices de laquelle il s'insère, peut le diviser
en individualités distinctes. Le courant passe donc, traversant les générations humaines, se subdivisant en
individus: cette subdivision était dessinée en lui vaguement, mais elle ne se fût pas accusée sans la matière. Ainsi
se créent sans cesse des âmes, qui cependant, en un certain sens, préexistaient. Elles ne sont pas autre chose que
les ruisselets entre lesquels se partage le grand fleuve de la vie, coulant à travers le corps de l'humanité.”
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BERGSON. L'évolution créatrice, p.293. “Car, avec elle, nous ne nous sentons plus isolés dans l'humanité,
l'humanité ne nous semble pas non plus isolée dans la nature qu'elle domine. Comme le plus petit grain de
poussière est solidaire de notre système solaire tout entier, entraîné avec lui dans ce mouvement indivisé de
descente qui est la matérialité même, ainsi tous les êtres organisés, du plus humble au plus élevé, depuis les
premières origines de la vie jusqu'au temps où nous sommes, et dans tous les lieux comme dans tous les temps,
ne font que rendre sensible aux yeux une impulsion unique, inverse, du mouvement de la matière et, en elle-
même, indivisible. Tous les vivants se tiennent, et tous cèdent à la même formidable poussée. L'animal prend son