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Paralelamente a essas cartas, Capacci e Diogo Soares prepararam uma lista de latitudes (altura
dos graus), calculadas somente a partir da longitude de Vila Boa de Goiás. Esse trabalho, assim como
outros que também se destinavam às demarcações, se restringiu apenas ao circuito real. De padrão
oficial e científico, fez parte de uma política secreta de omissão de dados concretos sobre as longitudes
e as reais posições dos territórios, não só para os espanhóis como também para os portugueses e
colonos. Essa política corroborou o desenvolvimento de uma cartografia de expressiva circulação
local, empírica e espontânea, ao sabor dos sertanistas, mas que apresentava significativos equívocos.
Só no rico conjunto de mapas dos irmãos da Companhia de Jesus encontravam-se informações
mais corretas sobre a situação real dos confins além-mar, como o mapa jesuítico editado em alemão
por Mateus Seutter
64
; a Carte du Cour du Maragnon ou de la Grande Riviere des Amazones, de Charles Marie
de La Condamine (1745); a Descripçam do Continente da America Meridional que nos pertence com os Rios, e
Montes, que os Certanejos mais experimentados, dizem ter encontrado, de Gomes Freire de Andrade (1746); o
Mapa de la Província y Missiones de la Compañia de IHS del Nuevo Reyno de Granada, do Padre José Gumilla
(1741). Esse mapas e os “riscos” de Gonçalves Pereira, as informações missioneiras, e por fim, as
memórias e as viagens de sertanistas permitiram a execução do Mapa das Cortes. Este foi um instrumen-
to essencial e engenhosamente construído com desvios estratégicos de informações favoráveis a Por-
tugal, feito para que a Espanha aceitasse quase toda a proposta lusa de delimitação e legitimação do
território invadido a oeste de Tordesilhas, como previa o Plano de Gusmão, iniciado em 1736.
Por conta dessa manipulação, Siqueira Bueno afirma que “os portugueses saíram na frente e durante cerca
de 30 anos desenharam mentalmente e materialmente o território”
65
, cuja posse queriam oficializar com as negoci-
ações do Tratado de Madri, assinado em 14 de janeiro de 1750. Nessa época, Goiás já contava com a
capital Vila Boa, os aldeamentos do Rio das Pedras, Rio das Velhas, Santana e Lanhoso, no Desembo-
que
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, e mais de cinqüenta arraiais, que se concentravam nas regiões de Vila Boa (Barra, Ferreiro, Ouro
Fino, etc.), com Meia Ponte e Santa Cruz ao sul; na região do Rio Maranhão (Traíras, São José, Cachoeira,
etc.), contendo Crixás a oeste; e na região do norte (Natividade, Pontal, Conceição, etc.)
67
. Foram esses
núcleos urbanos que, de suporte para a busca pelo ouro, contribuíram para a conquista dessas terras.
64
Em recente texto para a Revista da Biblioteca Mário de Andrade, de São Paulo, o pesquisador português Mário Clemente Ferreira, baseado em
novos documentos, refuta a utilização da carta Le Paraguay ou les RR. PP. de la Compagnie de Jesus ont répandu leurs Missions de Jean-
Baptiste Bourguignon D’Anville como uma das fontes de referência para a elaboração do Mapa das Cortes. Segundo ele, diferentemente do
que é bastante divulgado, a importante fonte para o dito mapa foi a edição alemã de Mateus Seutter. In: FERREIRA, Mário Clemente.
Cartografia e Diplomacia: o Mapa das Cortes e o Tratado de Madri. mimeo. Porto, outubro de 2005.
65
SIQUEIRA BUENO, Beatriz P. Tese de doutoramento. Op. Cit., p. 688.
66
PALACIN, Luís. O século do ouro em Goiás. Goiânia: Editora da UFG, 1994, p. 82.
67
Barra (atual Buenolândia, 1727), Ferreiro (1727), Anta (1727), Ouro Fino (Itaiu, 1727), Santa Rita e Santana, (1727, futura capital Vila Boa),
Guarinos (1729), Jeroaquaré (1729), Meia Ponte (Pirenópolis, 1731), Jaraguá (1737), Corumbá (174?), Santa Cruz, (1729), Santa Luzia (Luziânia,
1746), Bonfim (Silvânia, 1774), Pilar (antes, Papuam 1741), Maranhão (1730), Água Quente (1732), Traíras (1735, atual Tupiraçaba), São José
do Tocantins (Niquelândia, 1735), Cachoeira (1736), Arraial de Crixás, 1734, Ouro Podre ou Arraias (1740), São Luís (mais tarde Natividade,
1734), São Félix (antes, Carlos Marinho, 1736), Muquém (1736), Cachoeira (1736), Jeroaquara (Santa Rita, 1736), Pontal (1738), Porto Real
(atual Porto Nacional, 1738), Barra de Palma (Paranã, 1740), Cavalcante (1740), Amaro Leite ou Lavrinhas (1742), Tesouras ou São Miguel das
Tesouras (1757), São Miguel (Almas, 174?), Carmo (Monte do Carmo, 1741-1746), Cocal (1749), Couros (1749-1750), Desemboque (?); Flores
(1740), Couros ou Formosa da Imperatriz (1736/50), Chapada da Natividade (1740/49), Chapada da Areia (Príncipe, 1750), Conceição do
Norte (Conceição do Tocantins, 1741), Corriola (1740), Santa Rosa (1740), Veadeiros, (Alto Paraíso, 1750), Forte (174?), Lavrinhas (1741),
Mato Grosso (1750), Chagas (São Francisco de Goiás, 1740), Montes Claros (Santo Antônio do Descoberto, 1757), Piloens (Comércio Velho,
1733/46), Manchão do Vaz (Rio Claro, 1733/36), Descoberto ou Piedade (Porangatú, 1740?).