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UNIOESTE – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CLARICE CRISTINA CORBARI
UM ESTUDO DA CONJUNÇÃO AND EM UMA GRAMÁTICA DA
LÍNGUA INGLESA PARA ESTUDANTES ESTRANGEIROS
CASCAVEL
2005
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CLARICE CRISTINA CORBARI
UM ESTUDO DA CONJUNÇÃO AND EM UMA GRAMÁTICA DA
LÍNGUA INGLESA PARA ESTUDANTES ESTRANGEIROS
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em Letras, pelo
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em
Letras, área de concentração em Linguagem e
Sociedade, da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná.
Orientadora: Profª. Dra. Aparecida Feola Sella
CASCAVEL
2005
2
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CLARICE CRISTINA CORBARI
UM ESTUDO DA CONJUNÇÃO AND EM UMA GRAMÁTICA DA
LÍNGUA INGLESA PARA ESTUDANTES ESTRANGEIROS
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Programa de
Pós-graduação Stricto Sensu em Letras, com área de concentração em Linguagem e
Sociedade, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Cascavel, pela seguinte
Banca Examinadora:
Profª. Dra. Aparecida Feola Sella (Orientadora)
Colegiado de Letras – UNIOESTE / Cascavel
Profª. Dra. Esther Gomes de Oliveira
Colegiado de Letras – UEL / Londrina
Prof. Dr. Jorge Bidarra
Colegiado de Informática – UNIOESTE / Cascavel
Cascavel, 28 de novembro de 2005
3
4
Agradeço,
À Professora Aparecida Feola Sella, pela incansável (e admirável) disposição com que me
orientou, e, principalmente, pela paciência com minhas limitações.
À Professora Esther Gomes de Oliveira, pela valiosa participação por ocasião da defesa.
Ao Professor Jorge Bidarra, pelas importantes contribuições durante todo o processo.
Aos Professores Ivo José Dittrich e Beatriz Helena Dal Molin, pelas preciosas sugestões.
À Any Lamb Fenner, pelas palavras de estímulo e pelo voto de confiança.
A todos os professores, colegas, amigos e familiares que, direta ou indiretamente,
contribuíram para a realização desta dissertação, dando-me força, incentivo e luz.
RESUMO
Objetiva-se, com a presente pesquisa, refletir sobre as orientações a respeito da função da
conjunção coordenativa and (e) presentes em uma gramática de língua inglesa para estudantes
estrangeiros. Para compreender a coordenação e as funções da conjunção em estudo, utilizam-
se autores de língua portuguesa e de língua inglesa, entendendo-se que as discussões sobre a
coordenação com e do português se aplicam, na maioria dos casos, à coordenação com and do
inglês e vice-versa. Tradicionalmente, a conjunção e / and é concebida como um elemento de
conexão sintática com uma função meramente aditiva; no entanto, verifica-se o caráter
multifuncional dessa conjunção na ligação de elementos nos níveis ideacional e interpessoal e
no estabelecimento de relações semânticas de seqüência temporal, causa-conseqüência,
condicionalidade e contraste. Essa multiplicidade de sentidos parece ser favorecida pela
aparente “neutralidade” do e / and, que permite à conjunção abrigar uma conotação adverbial.
Identifica-se o aspecto da linearidade como propriedade característica das construções com e /
and, as quais apresentam uma oscilação de efeitos de sentido conforme se caracterize uma
linearidade mais marcada ou menos marcada. Verifica-se que as noções tradicionais de
independência e de mudança potencial de ordem das orações coordenadas por e / and não se
sustentam diante da percepção de diversas nuances de subordinação sintático-semântica na
coordenação. Espera-se, com esta pesquisa, contribuir para o trabalho de reflexão promovido
por professores de língua inglesa sobre o funcionamento dos mecanismos lingüísticos.
Palavras-chave: Ensino de língua inglesa; Conjunção e / and; Linearidade.
ABSTRACT
The aim of the present research is to reflect on the orientations concerning the function of the
coordinative conjunction and conveyed in an English grammar for foreign students. In order
to understand the coordination and the functions of the conjunction in focus, we use authors
from Portuguese and English languages, taking into account that the discussions on e-
coordination (Portuguese) can be applied, in general, to and-coordination (English), and vice-
versa. Traditionally, the conjunction e / and is conceived as an element of syntactic
connection with a merely additive function; however, it is possible to verify the
multifunctional character of this conjunction in the connection of elements at the ideational
and interpersonal levels, and in the establishment of semantic relations of time sequence,
cause-consequence, conditionality and contrast. This multiplicity of meanings seems to be
favored by the apparent “neutrality” of e / and, which allows it to “shelter” an adverbial
connotation. We identify the aspect of linearity as a characteristic property of e / and
constructions, which present an oscillation of meaning effects according to the more marked
or less marked linearity. We verify that the traditional notions of independence and potential
order changing of clauses connected by e / and cannot be maintained considering the
perception of several nuances of syntactic-semantic subordination in coordination. We expect,
with this study, to contribute to the discussions promoted by English teachers on how the
linguistic mechanisms work in the discourse.
Key-words: English language teaching; Conjunction e / and; Linearity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Retrata-se, nesta dissertação, uma pesquisa sobre como uma determinada gramática de
língua inglesa para estrangeiros enfoca a função dos elementos lingüísticos. O interesse por
um estudo dessa natureza advém da minha experiência pessoal como docente nos níveis
Fundamental, Médio e Superior de ensino, mais especificamente das indagações surgidas
diante do trabalho com a gramática. Com relação à docência de língua inglesa no Ensino
Fundamental (5ª a séries) e Médio, o conflito que se instaura relaciona-se à opção pelo
ensino da língua-alvo privilegiando-se a abordagem da “forma” ou do “conteúdo”, ou mesmo
uma posição intermediária (ou seja, a integração das duas perspectivas). Privilegiar o ensino
da “forma” representa reproduzir uma metodologia tradicional centrada no trabalho com as
estruturas da língua-alvo, isto é, com a aquisição do código. Optar pelo foco exclusivamente
no conteúdo, ignorando qualquer abordagem gramatical, implica a crença de que o domínio da
estrutura dangua emerge intuitiva e naturalmente durante a interação. Finalmente, optar por
uma abordagem integrada, como prevêem as orientações metodológicas da Abordagem
Comunicativa, significa considerar ambos os aspectos da língua, desde que a forma esteja
subordinada ao conteúdo, ao sentido pretendido. Esta parece ser a abordagem mais adequada,
mas demanda um preparo maior do professor tanto na sua formação universitária quanto em
termos de formação continuada, e exige também disponibilidade de recursos que possibilitem
um bom trabalho (material didático adequado aos objetivos, material de pesquisa e de apoio
aos professores, readequação do número de alunos em sala, dentre outros).
O ensino da língua inglesa nos níveis Fundamental (5ª a séries) e Médio atende às
diretrizes oficiais tanto em âmbito nacional (Parâmetros Curriculares Nacionais) quanto
estadual (Diretrizes Curriculares Estaduais), embora na prática essas diretrizes nem sempre se
efetivem. Esses documentos estão ancorados por uma concepção sociointeracionista da
linguagem e da aprendizagem e orientam para um trabalho na perspectiva da Abordagem
Comunicativa. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) sugerem priorizar o
trabalho com a habilidade de leitura, sem, contudo, ignorar totalmente as demais habilidades.
O argumento é o de que a realidade das escolas brasileiras carga horária reduzida destinada
à disciplina, grande número de alunos em sala de aula, falta de recursos materiais e
pedagógicos, formação deficitária do professor etc. não permite um trabalho satisfatório
com todas as habilidades da língua estrangeira, de modo que se torna necessário priorizar o
desenvolvimento da habilidade mais relevante para os alunos brasileiros: a leitura. Como o
contato com textos escritos é maior que o contato com contextos de interação efetivos em
língua inglesa, o trabalho com a leitura possibilita o uso imediato dessa habilidade, além de
atender às necessidades da educação formal (vestibular e ingresso a cursos de pós-graduação).
Assim, o foco no trabalho com a habilidade da leitura pode ser justificado pela função social
das línguas estrangeiras no país e também pelos objetivos realizáveis tendo em vista as
condições existentes.
O atendimento às orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais exige do
professor de ngua inglesa habilidade para desenvolver nos alunos os conhecimentos
necessários para o processo de construção de significados. Uma dessas habilidades é a
compreensão de como os elementos lingüísticos funcionam nos enunciados ou textos. A
construção de sentido, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, envolve não apenas o
conhecimento de mundo e o conhecimento da organização textual, mas também o
conhecimento sistêmico: aspectos léxico-semânticos, morfológicos, sintáticos e fonético-
fonológicos. O conhecimento sistêmico possibilita que as pessoas, ao produzirem enunciados,
façam escolhas gramaticalmente adequadas, e ao interpretarem enunciados, apóiem-se no
nível sistêmico da língua. Portanto, a formação do professor precisa incluir reflexões que o
preparem para o desenvolvimento desses três tipos de conhecimento ao se trabalhar com o
texto.
A dificuldade do professor em ter acesso a leituras e discussões que possam
instrumentalizá-lo para a abordagem recomendada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
representa, de certa forma, um impedimento à implementação efetiva da proposta tal como
idealizada nesses documentos. Na prática, os professores acabam lidando com o texto de
forma superficial (identificação de elementos no nível do conteúdo, sem nenhuma atenção ao
modo como o texto foi construído), ou acabam aplicando os conhecimentos da língua
materna, cuja descrição é freqüentemente balizada pela gramática tradicional, com noções
muitas vezes equivocadas.
A experiência de docência no Ensino Superior instaura um outro conflito que tem
implicações diretas no trabalho com a língua inglesa nos níveis Fundamental (5ª a séries) e
Médio. O trabalho com disciplinas relacionadas à língua inglesa do curso de Letras
Português/Inglês – Unioeste, campus de Cascavel/PR – evidenciou a seguinte questão: a grade
curricular prevê um desenvolvimento progressivo da proficiência da língua-alvo por meio das
disciplinas seqüenciais de Língua Inglesa I, II, III e IV. Como o nível de proficiência dos
acadêmicos que ingressam o curso é heterogêneo (o grupo inclui alunos que têm noções
mínimas da língua inglesa), os docentes são levados a privilegiar a aquisição ao invés da
análise descritiva do funcionamento da língua-alvo. Por essa razão, a reflexão lingüística que
se faz é, em grande parte, similar à que se tem em outros contextos de ensino de línguas. As
aulas de Teoria e Prática de Ensino, por sua vez, centram-se nas questões teórico-
metodológicas concernentes ao ensino e à aprendizagem da língua inglesa. Deste modo, não
muito espaço para a discussão de aspectos específicos dos níveis de análise da língua
fonética, fonologia, morfossintaxe, semântica etc. Essas reflexões são importantes para o
futuro professor, que precisa desenvolver as várias dimensões de sua competência em ensinar
a língua estrangeira, inclusive o conhecimento de como a língua funciona. O resultado é que o
egresso do curso de Letras, dadas as condições de sua formação, muitas vezes acaba adotando
em sua prática docente as duas atitudes extremas anteriormente mencionadas: ou negligencia a
reflexão gramatical, alegando uma preocupação meramente com o aspecto “comunicativo”,
mas sem conseguir resultados satisfatórios com isso, ou enfatiza uma abordagem
predominantemente estrutural, geralmente reproduzindo o ensino tradicional da gramática,
que também não tem sido eficaz.
Tendo em vista essa realidade, constata-se a necessidade de um trabalho maior com a
descrição e análise lingüística, com vistas a instrumentalizar o professor em formação para
sua docência futura. O professor carece de subsídios que o ajudem na tarefa de reflexão
lingüística com seus alunos, de modo que estes percebam o funcionamento dos mecanismos
lingüísticos nos textos com que têm contato ou nos enunciados que produzem. Para que essas
discussões sejam viabilizadas, é necessário um ponto de partida que possa gerar futuramente
outras reflexões acerca do funcionamento dos mecanismos lingüísticos. A opção por estudar
conjunções em língua inglesa se mostrou um ponto de partida relevante, dada a importância
desses elementos na articulação das palavras e orações em sentenças e das sentenças em
textos, indicando a organização estrutural do discurso e fornecendo ao interlocutor instruções
de como interpretar o discurso em termos de sua orientação argumentativa.
A necessidade de uma maior delimitação do trabalho conduziu à opção por pesquisar
apenas a conjunção and do inglês. Justifica-se essa escolha pelo fato de essa conjunção ser
tratada, tanto nos materiais didáticos dos alunos quanto nas gramáticas a que o professor mais
freqüentemente tem acesso, meramente como um conector aditivo. No entanto, a conjunção
coordenativa and é um elemento que não apenas tem uma função sintática de ligação de
elementos, mas veicula, muitas vezes, valores semântico-pragmáticos, estabelecendo, nos
enunciados, relações não exclusivamente aditivas, mas também relações temporais,
condicionais, adversativas, dentre outras, assumindo grande importância na organização
textual e na constituição do sentido. Essa noção é importante para o professor de língua
inglesa, principalmente devido à presença dessa conjunção em textos dos livros didáticos
desde o nível inicial (5ª série).
Assume-se, neste trabalho, a equivalência da conjunção and, do inglês, com a sua
correlata em português, a conjunção e, por duas razões. Em primeiro lugar, porque esses
elementos apresentam, na maioria das vezes, comportamento semelhante nas duas línguas, de
modo que os aspectos abordados com relação a uma são aplicáveis à outra, exceto em alguns
casos específicos (usos idiomáticos ou “idiossincrásicos”). As discussões levantadas, portanto,
aplicam-se a ambas as conjunções, da mesma maneira que, por exemplo, as discussões de
Ducrot sobre os operadores argumentativos em língua francesa se aplicam à língua portuguesa
(prova disso é a grande quantidade de lingüistas brasileiros utilizando Ducrot em suas obras).
A segunda razão por assumirmos um estudo de forma a unificar as discussões sobre as
conjunções and e e reside na freqüente recorrência à língua materna na aprendizagem de uma
língua estrangeira, principalmente nos estágios iniciais: trata-se de um processo natural em
que os aprendizes procuram equacionar uma estrutura da língua-alvo com o seu correlato na
língua materna, sem que isso signifique, necessariamente, uma “tradução direta”. Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), ao iniciar o estudo da língua estrangeira,
o aluno aprendeu os usos da linguagem, e a aprendizagem dessa língua estrangeira vai
aumentar o conhecimento adquirido e construído sobre sua língua materna, por meio de
comparações em vários níveis. Para Widdowson (1978), os aprendizes associam naturalmente
a língua-alvo à maneira como sua primeira língua é normalmente usada.
Levando-se em consideração que a concepção que se tem de ngua direciona o
trabalho a ser realizado com os conteúdos gramaticais em sala de aula, investiga-se, no
primeiro capítulo, como se entrelaçam as concepções de língua e as concepções de gramática.
O percurso histórico da constituição das gramáticas, desde sua origem até o contexto atual,
mostra como a tradição greco-latina influenciou o modo como se concebe a língua e a
gramática, cujas implicações ainda são percebidas no ensino. Busca-se, também, com o
resgate histórico das metodologias de ensino de língua estrangeira, verificar o lugar da
reflexão gramatical na sala de aula de língua estrangeira.
No segundo capítulo, a investigação percorre teóricos que dão conta de explicar o
fenômeno da junção, focalizando o processo sintático da coordenação. Carone (1988), Perini
(1995) e Sandmann (1982) fornecem contribuições importantes por discutirem o estatuto dos
coordenadores no nível sintático (também negligenciado, de modo geral, pelas gramáticas
tradicionais). Garcia (2003) discute a noção de (in)dependência de orações tradicionalmente
utilizada para diferenciar a coordenação da subordinação. Camacho & Pezatti (1998) e
Camacho (1999) categorizam as estruturas de coordenação em simétrica e assimétrica
conforme a possibilidade de mudança de ordem das orações. No tocante à função textual das
conjunções na organização do texto, são importantes as contribuições de Mateus et al. (1983)
sobre conectividade seqüencial (coesão) e conectividade conceptual (coerência), e de Halliday
& Hasan (1987) sobre o caráter coesivo que certos conectivos assumem no texto. Na
compreensão do perfil semântico-argumentativo das conjunções, destacam-se Ducrot (1987;
1989) e Koch (1991; 1997; 2000). O estudo dos autores abordados neste capítulo fornece
subsídios teóricos para a compreensão de que as conjunções o são meros sinalizadores da
organização gramatical das sentenças, mas são elementos que estabelecem relações de sentido
entre os segmentos conectados, além de evidenciar o movimento argumentativo dos
enunciados.
O capítulo três detém-se na descrição da conjunção e / and, tendo como base as
descrições dos autores abordados no capítulo anterior, principalmente as de Koch (2000),
Ducrot (1987), Halliday & Hasan (1987), Camacho (1999), Garcia (2003), além de Neves
(2000), com a descrição do e na dimensão textual, e de Quirk & Greenbaum (1987), com a
descrição semântica do funcionamento do and e a percepção da conotação adverbial dessa
conjunção. Por necessidade de delimitação do trabalho, desconsidera-se o emprego da
conjunção e / and na ligação de unidades menores que a oração, ou seja, na coordenação de
palavras e sintagmas.
No último capítulo, procede-se a uma avaliação da abordagem da conjunção and em
uma gramática de língua inglesa para estudantes estrangeiros. A obra Collins COBUILD
English grammar (SINCLAIR, 1990) foi selecionada de um universo de gramáticas usadas
como material de apoio por professores e estudantes dos cursos de Letras com habilitação em
inglês da região Oeste do Paraná. Descartadas as gramáticas que traziam uma abordagem
muito superficial da conjunção and, constituída de pouca ou nenhuma explicação sobre o uso
ou função desse elemento e de um número reduzido de sentenças-exemplo (freqüentemente
“artificiais”), a obra Collins COBUILD English grammar se sobressaiu por atender
principalmente a três requisitos: por ser bastante conhecida entre a comunidade acadêmica dos
cursos de Letras, por trazer uma abordagem mais abrangente das funções da conjunção and, e
por conter exemplos extraídos de situações reais de comunicação. Verificaram-se quais
aspectos da conjunção and são abordados e, principalmente, propôs-se uma avaliação de
aspectos da função desse conectivo que não foram contemplados. Para isso, os exemplos
selecionados para análise foram reagrupados tendo como fio condutor a noção de linearidade
mais marcada e menos marcada, conforme o vínculo semântico que se estabelece entre os
segmentos conectados.
Ressalta-se que a pesquisa não pretende esgotar todas as possibilidades de análise, mas
apenas levantar alguns aspectos que possam elucidar o funcionamento da conjunção nos
enunciados e, conseqüentemente, nos textos.
1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM, GRAMÁTICA E ENSINO DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA
1.1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E DE GRAMÁTICA
As concepções de gramática historicamente constituídas são reflexo de diferentes
concepções de linguagem, frutos dos diferentes modos de pensamento, perspectivas e
pressuposições que caracterizavam os contextos históricos e socioculturais em que foram
constituídas. Geraldi (1985), Travaglia (2000) e Koch (2003) apontam três concepções básicas
de linguagem, que se relacionam, por sua vez, a determinadas concepções de sujeito, de texto
(ou discurso) e de construção de sentido.
A primeira (e mais antiga) concepção é a da linguagem como representação ou
“espelho” do mundo e do pensamento: a expressão se constrói no interior da mente e se
exterioriza (se traduz) pela linguagem. O sujeito, portanto, caracteriza-se como um sujeito
psicológico, dono de sua vontade e responsável pelo sentido do que produz, o qual deve ser
“capturado” passivamente pelo interlocutor. O discurso, assim, revela-se como um mero
produto do pensamento do autor (KOCH, 2003, p. 13-14). Uma decorrência dessa concepção,
segundo Travaglia (2000, p. 21) e Geraldi (1985, p. 43), é a idéia de que as pessoas que não se
expressam bem é porque não pensam, ou seja, a capacidade do homem de organizar de
maneira lógica seu pensamento é avaliada com base na exteriorização desse pensamento por
meio da linguagem.
Na segunda concepção, a linguagem é vista como um instrumento – ou “ferramenta” –
de comunicação, ou seja, um meio objetivo para a transmissão de informações. A noção de
língua é estrutural: trata-se de um código, ou seja, um conjunto de signos que se combinam
segundo regras e que é capaz de transmitir mensagens de um emissor para um receptor. O
sistema lingüístico é percebido como um fato objetivo externo à consciência individual e
independente desta, cabendo ao indivíduo apenas aceitar essa norma indestrutível
(TRAVAGLIA, 2000, p. 22). Nesse sentido, essa concepção pressupõe um sujeito pré-
determinado, assujeitado pelo sistema: ele apenas se apodera de um código (de uma estrutura)
para produzir seus enunciados, mas não controla o sentido do que diz (a fonte do sentido é a
formação discursiva a que o enunciado pertence). Pressupõe, também, um interlocutor
passivo, a quem basta conhecer o código e decodificar a mensagem (KOCH, 2003).
Finalmente, a terceira concepção a linguagem como uma atividade, um lugar de
interação. Trata-se de uma concepção dialógica da língua, cujo sujeito é social, histórica e
ideologicamente situado, constituindo-se na interação com o outro. Assim, tanto o locutor
quanto o interlocutor são ativos, construindo-se ou sendo construídos, dialogicamente, no
discurso. O discurso constitui uma atividade interativa altamente complexa de produção de
sentidos, que se realiza com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e
na sua forma de organização. Essa atividade de produção de sentidos mobiliza não o
conhecimento do “código”, mas também um vasto conjunto de saberes a serem reconstruídos
no interior do evento comunicativo. No discurso, uma multiplicidade de implícitos que
podem ser detectados quando se considera o contexto da enunciação. O sentido é, assim,
construído na interação entre texto e sujeitos (KOCH, 2003; GERALDI, 1985).
Conforme dito inicialmente, essas concepções não se constituíram no vácuo, mas em
determinados contextos históricos e socioculturais, que devem ser considerados na avaliação
de cada visão de linguagem e de gramática. No âmbito desses contextos, é possível situar
também os manuais gramaticais, depreendendo deles características que refletem tais
concepções de linguagem e de gramática. Essas características estão, muitas vezes, implícitas,
mas podem ser identificadas nos manuais pela análise de alguns de seus elementos:
definições, explicitações das regras, exemplos fornecidos, categorias utilizadas para a
descrição, dentre outros.
A tradição gramatical ocidental nasceu, na Grécia antiga (século V a.C.), estreitamente
vinculada às especulações filosóficas
1
, as quais revelavam a presença de duas visões
conflitivas, sintetizadas na dicotomia phýsis-nómos (natureza e convenção): no primeiro caso,
a língua seria uma reflexão (“espelho”) da realidade natural; no segundo caso, a língua seria
um artefato, mero resultado de um acordo tácito ou “contrato social” entre os membros da
comunidade (MCARTHUR, 1985, p. 43; LYONS, 1979, p. 4). O Crátilo, de Platão (c. 429-
347 a.C.), considerado o primeiro texto ocidental sobre a linguagem, demonstra bem esse
conflito através dos interlocutores que o diálogo retrata: Crátilo sustenta que a língua espelha
exatamente o mundo, Hermógenes sustenta que a língua é arbitrária, e Sócrates representa a
instância intermediária ao sustentar que as palavras são ferramentas, as quais precisam ter
propriedades que as tornem apropriadas ao uso (WEEDWOOD, 2002, p. 25).
A concepção de linguagem vinculada ao pensamento, no entanto, parece predominar
nas reflexões dos gregos antigos. As primeiras descrições da linguagem, atribuídas a Platão,
1
Não havia distinção clara entre Filosofia e Ciência na Grécia antiga, de modo que muitos pensadores
dedicavam-se, ao mesmo tempo, às especulações filosóficas e às observações científicas.
foram estabelecidas sobre fundamentos lógicos
2
: ónoma (nome, ou o ser sobre o qual se fala
algo) e rhēma (verbo, ou ‘o que é falado’, ‘predicadoetc.) eram constituintes da proposição,
a expressão verbal de um juízo. A dicotomia ónoma-rhēma deu origem à tradicional divisão
sujeito-predicado, que se tornou basilar na análise sintática (LYONS, 1979, p. 11;
MCARTHUR, 1985, p. 48). Essa noção ainda perdura nas gramáticas tradicionais, como é o
caso desta definição de oração: “Oração é a frase ou membro da frase que se biparte em
sujeito e predicado” (ALMEIDA, 1992, p. 205). Posteriormente, essas categorias identificadas
por Platão foram ampliadas por Aristóteles, que distinguiu uma classe de palavras com função
conectiva: o sýndesmos, que ligava as “partes do discurso” (LYONS, 1979, p. 11).
As categorias de língua foram, assim, categorias lógicas na sua origem. Conforme
Casevitz & Charpin (2001, p. 52-53), Aristóteles reforça essa coincidência das categorias do
pensamento com as categorias da linguagem: na análise dos tipos de significados do
enunciado, a lógica gramatical é condição da adequação do enunciado a seu objeto. Para os
gregos antigos, aquilo que regula a organização do discurso é idêntico àquilo que regula o
funcionamento do espírito e, eventualmente, a organização do mundo. Até mesmo o
enunciado mentiroso era condenado: a relação pensamento e linguagem teria compromisso
com a realidade, com a verdade.
Essa abordagem filosófica nos estudos da linguagem é reavivada em dois momentos
históricos posteriores: no período medieval e no século XVII. Os escolásticos medievais
pretenderam reduzir todas as ciências, incluindo a gramática, a uma série de proposições cuja
verdade poderia ser demonstrada conclusivamente por dedução, partindo de princípios
presumivelmente constantes e universais. Cabia à gramática científica, ou especulativa
3
, a
descoberta desses princípios (LYONS, 1979, p. 14-15). Posteriormente, a partir do século
XVII, observou-se o retorno dos ideais da gramática especulativa com a publicação da
2
A linguagem devia se submeter aos esquemas mentais, às operações do pensamento: formar um conceito, fazer
um julgamento, raciocinar.
3
Do latim speculum (= espelho), ou seja, a língua reflete a realidade subjacente aos “fenômenos do mundo
físico (LYONS, 1979, p. 15).
Grammaire générale et raisonnée (1660) pelos mestres de Port-Royal. O momento não
poderia ser mais propício: na Europa, a doutrina do Iluminismo concebia a razão como o mais
importante instrumento para se alcançar qualquer tipo de conhecimento. O famoso enunciado
de Descartes Penso, logo existo sintetiza o pensamento da época (cf. FILHO, 1993).
Consoante a esse pensamento, a gramática de Port-Royal objetivava demonstrar que a
estrutura da ngua era um produto da razão, ou seja, a linguagem materializava as operações
mentais conceber, julgar e raciocinar. Segundo os autores, “os homens não falam apenas
para expressar somente aquilo que concebem, mas quase sempre para expressar julgamentos
que fazem das coisas que concebem (ARNAULD & LANCELOT, 2001, p. 30). As classes
de palavras eram semanticamente relacionadas aos objetos do pensamento humano (nomes,
artigos, pronomes, particípios, preposições e advérbios) e à forma e modo do pensamento
humano (verbos, conjunções e interjeições). As conjunções, por exemplo, eram definidas
como “palavras que significam a forma de nossos pensamentos”, isto é, são “partículas [que]
significam apenas a operação de nosso espírito, que agrupa e desagrupa as coisas, que as nega,
que as considera de modo absoluto ou condicional” (ARNAULD & LANCELOT, 2001, p.
123). Segundo Padley (2001, p. 81), com Port-Royal retomou-se a definição aristotélica de
proposição lógica, com o esquema sujeito-predicado fornecendo o quadro essencial de todo
enunciado e balizando a análise sintática.
Essa identificação da estrutura da linguagem com a estrutura do pensamento ainda
perdura em muitas gramáticas. Define-se a frase como “a expressão verbal de um
pensamento”, caracterizada por ter um “sentido completo” (ROCHA LIMA, 1985, p. 203;
205); a oração constitui “[...] a reunião de palavras ou a palavra com que manifestamos aos
nossos semelhantes, de maneira completa, um pensamento” (ALMEIDA, 1992, p. 407); e o
período composto por coordenação é definido como “[...] a comunicação de um pensamento
em sua integridade, pela sucessão de orações gramaticalmente independentes”(ROCHA
LIMA, 1985, p. 230). Nessas gramáticas, as conjunções coordenativas são classificadas em
cinco subcategorias de acordo com critérios lógico-semânticos. Rocha Lima (1985, p. 161-
162), por exemplo, define essas subcategorias da seguinte maneira: as aditivas relacionam
pensamentos similares, as alternativas relacionam pensamentos que se excluem, as
adversativas relacionam pensamentos contrastantes, as explicativas relacionam pensamentos
em seqüência justificativa de tal forma que a segunda frase explica a razão de ser da primeira,
e as conclusivas relacionam pensamentos de tal forma que o segundo encerra a conclusão do
enunciado no primeiro. A repetição da expressão “relacionar pensamentos” materializa a
concepção de língua como expressão do pensamento.
Além da identificação da linguagem com o pensamento, as definições dos autores
acima apontam para uma outra característica da tradição greco-latina: a noção de “sentido
completo” da frase, apontada por Weedwood (2002, p. 34-35) como uma importante
conseqüência da filtragem da doutrina gramatical grega pelos romanos. Em grego, autotelōs
logos dizia respeito à idéia de “expressão auto-sustentada” graças a seus elementos
semânticos e à sua função dentro da totalidade de um texto, mas essa concepção foi distorcida
pela tradição latina, que associou o termo autotelōs a “completo, acabado, perfeito”, levando à
abordagem da frase como independente do texto em que ela aparece e como objeto suficiente
para o conhecimento das relações sintáticas. Essa característica permanece até hoje nos
compêndios gramaticais: a análise sintática se limita às frases, entendidas como enunciados de
“sentido completo”, isoladas do texto. A gramática tradicional não procede à análise
interfrástica, ou seja, os mecanismos lingüísticos não são descritos em sua função textual.
A gramática deixa de ser especulativa para ser técnica (leia-se “prática”) com o
alexandrino Dionísio, o Trácio (séc. II a.C.), a quem se atribui a codificação definitiva da
gramática grega. Sua classificação das oito “partes do discurso” substantivo (ónoma), verbo
(rhēma), conjunção (sýndesmos), artigo (arthron), advérbio (epírrhēma), particípio
4
(metochē), pronome (antōnymía) e preposição (próthesis) foram posteriormente
4
O nome “particípio” deriva do fato de ele “participar”, ao mesmo tempo, das características nominais e das
verbais (cf. LYONS, 1979, p. 13).
incorporadas pelos latinos, mantendo-se praticamente inalteradas durante os séculos que se
seguiram (LYONS, 1979; WEEDWOOD, 2002). No século XVII, a gramática de Port-Royal
trazia as mesmas classes de palavras, com o acréscimo da interjeição, comprovando que, após
dezenove séculos da sistematização proposta por Dionísio, quase nada mudara.
Os latinos, que importaram dos gregos o modelo de gramática, deram ênfase ao
“estudo do certo e do errado”, desenvolvendo uma gramática de cunho normativo mais estrito.
A gramática de Varrão (séc. II a.C.) De Língua Latina –, por exemplo, compunha-se de três
partes: a arte de falar corretamente e de compreender os poetas, as partes do discurso, e uma
discussão sobre o bom e o mau estilo, com advertências contra “erros” e “barbarismos”
comuns e exemplos das “figuras de linguagem” recomendadas (LYONS, 1979, p. 13). Essa
concepção retorna com bastante força no Renascimento, época em que as gramáticas das
línguas européias vernáculas estavam se constituindo e o contexto demandava uma
abordagem mais normativa, devido à urgência em impor o uso dos vernáculos e fixar essas
novas línguas. Segundo Padley (2001, p. 57), as gramáticas das línguas “vulgares” da Europa
constituíram-se sobre o modelo das gramáticas latinas, consideradas um padrão apropriado
sobre o qual regulamentar as novas línguas, consideradas “corrompidas e pouco aptas à
regulamentação”.
A preocupação com a correção também continua presente em muitas de nossas
gramáticas. Em Almeida (1992), o entendimento do que seja um bom manual gramatical em
termos de abordagem do idioma remete aos conceitos de “pureza” da língua e do caráter
modelar do que nela “melhor existe”:
Boa é a gramática que, numa mistura de simplicidade e erudição,
expõe com raciocínios simples e termos chãos o que de melhor existe
no terreno de nosso idioma; que o apresenta ao aluno como diamante
despojado dos cascalhos e impurezas, lapidado, pronto para ser
usado [...] (ALMEIDA, 1992, p. 7).
Em Rocha Lima (1985, p. xvi), os “trechos de bons escritores da língua portuguesa”
servem de modelo ao estudo da sintaxe. Segundo o autor, nem mesmo a rebeldia dos
Modernistas de 1922, com sua “tornitruante intenção demolidora” e “certos exageros postiços
que lhe marcaram a fase inicial”, chegou a ameaçar a tradição gramatical do idioma, fato que
poderia ser comprovado pelo “bom uso” da língua pelos escritores de renome (cf. p. xviii).
Nessas observações, o autor demonstra uma atitude conservadora, pois parece conceber a
mudança da língua como degeneração.
A tradição greco-latina também se fez sentir nas gramáticas de línguas não-latinas. É o
caso das primeiras gramáticas de língua inglesa: o apelo ao caráter “lógico” foi um argumento
de peso para que os autores usassem o modelo latino na sistematização de uma língua
germânica. Na primeira gramática de língua materna do inglês Bref Grammar for English
5
(1586), William Bullokar submete a língua inglesa a categorias gramaticais latinas cuja
aplicação não poderia ser possível por meio de critérios formais, mas apenas semânticos: o
adjetivo invariável do inglês é tratado como uma parte declinável do discurso, e o substantivo
é dotado de cinco casos dos quais um, o possessivo, é formalmente distinto em inglês
6
(PADLEY, 2001, p. 62). Esse procedimento foi adotado, de maneira geral, pelas primeiras
gramáticas de língua inglesa, que apelavam à autoridade do latim pela “lógica” e “clareza” de
sua gramática (MCARTHUR, 1985; PALMER, 1971), noção que influenciou
significativamente a abordagem prescritiva dos gramáticos ingleses do século XVIII. Exemplo
disso é a Short Introduction to English Grammar (1762), de Robert Lowth, cujo propósito era
melhorar e corrigir a língua, freqüentemente posicionando-se contra o uso estabelecido e
acusando quase todos os grandes escritores ingleses de utilizar uma “gramática ruim” (cf.
COLE, 2003; PALMER, 1971, p. 25). Segundo Cole (2003), as idéias de Lowth ganharam
notoriedade após serem adaptadas para o uso em sala de aula. Dentre essas obras, talvez a
mais famosa e a mais representativa das gramáticas tradicionais de língua inglesa seja English
5
Bref: forma arcaica de brief (= breve).
6
O caso possessivo (genitive case) é marcado pela presença de ’s, como em Mary’s book (o livro de Maria).
Grammar (1795), de Lindley Murray, que define a gramática como a arte de expressar
corretamente nossos pensamentos por meio de palavras (PALMER, 1971, p. 25-26). Essa obra
permaneceu em uso por um longo tempo e forneceu o modelo para os escritores de gramáticas
escolares de décadas posteriores, como se pode comprovar pelo exame de duas gramáticas
para falantes nativos, posteriores a Murray: A grammar of the English language (2002), de
Cobbett, e The King’s English (1996), de Fowler & Fowler, publicadas em 1819 e 1906,
respectivamente. Essas obras revelam a preocupação dos autores com as construções
incorretas: Cobbett (2002) critica a “falsa gramática” e os erros e “absurdos” cometidos por
diversas personalidades da época (nem mesmo os discursos da realeza são poupados); os
irmãos Fowler (1996) atacam os pontos em que mais freqüentemente se percebe o uso
incorreto do vocabulário, da sintaxe e da semântica por parte dos escritores e jornalistas da
época.
Na introdução para a obra de Cobbett, Hattersley torna explícita a visão do autor de
que as regras da gramática eram imutáveis, absolutas, e informa que Cobbett baseia toda a sua
análise em um princípio: a gramática deve ser sempre uma extensão da lógica (cf. COBBETT,
2002, p. xii-xiii). É possível perceber vestígios do modelo latino na gramática de Cobbett: os
substantivos apresentam, além da flexão de número e gênero (incluindo o “neutro”), os casos
nominativo, possessivo (genitivo) e objetivo (acusativo), embora a única distinção de caso a
possuir marca formal diferenciada em inglês seja o possessivo; os verbos apresentam quatro
modos – infinitivo, indicativo, subjuntivo e imperativo –, embora na maioria das vezes não se
distingam morfologicamente
7
.
Sintetizando o que foi exposto até aqui, temos que o longo caminho percorrido pela
tradição gramatical greco-latina começou com o “legislador” platônico responsável por
atribuir os nomes apropriados às coisas, passando pelos alexandrinos que estruturaram a
7
Com relação ao infinitivo, este se diferencia pela presença da partícula to antes do verbo propriamente dito: to
go, to write. Nos demais casos, apenas uma análise da sentença pode definir a que modo pertence o verbo:
vejam-se os exemplos a) I write letters every week, b) If I write her a letter, she’ll answer me, e c) Write here,
please, em que a palavra write indica, respectivamente, o indicativo, o subjuntivo e o imperativo.
gramática, pelos latinos que imprimiram à gramática um estatuto de “arte”, pelos escolásticos
medievais e pelos gramáticos renascentistas que retomaram o cunho filosófico, culminando
com os autores prescritivistas do século XVIII (e posteriores). Tudo isso formou o arcabouço
de uma gramática de caráter predominantemente normativo ou prescritivo
8
, também rotulada
como gramática tradicional. No âmbito dessa tradição, a gramática é concebida como um
conjunto sistemático de regras de bom uso da língua, impostas por uma autoridade que “sabe
melhor” e pode, portanto, prescrever como se deve falar e escrever. O que move essa
concepção de gramática é uma concepção de linguagem vinculada aos procedimentos lógicos:
a “clareza” do pensamento humano se reflete na “correção” da expressão, ou seja, no “bom
uso” da língua.
Uma revolução nessas concepções ocorreu no início do século XX, com o advento do
estruturalismo. Com Saussure e com Bloomfield
9
, fundaram-se uma lingüística geral e uma
lingüística descritiva que representaram uma mudança da concepção tradicional do sistema e
do funcionamento da língua. Segundo McArthur (1985, p. 71), o século XX foi o terreno
fecundo em que se desenvolveram as tensões entre a prescrição e a descrição da língua, por
meio de duas abordagens conflitantes: tentativas de se manter uma herança e um padrão da
língua, afirmando o que é “bom”, “correto” e “desejável”, contra um desejo de examinar a
língua e o comportamento social de uma posição mais objetiva possível. Percebe-se, nesta
última opção, a influência do Positivismo: a preocupação com a máxima objetividade e a
análise dos fenômenos sociais como “coisas”, desvinculadas de concepções filosóficas (cf.
LAKATOS, 1992). As idéias de Durkheim
10
, o qual depreende os fatos sociais por meio de
8
Isso não significa que a gramática tradicional não seja descritiva. Segundo Padley (2001, p. 55), a noção de
norma na tradição greco-latina tem dois aspectos: o uso recomendado (normas do bem falar e do bem escrever) e
a norma ou modelo de descrição que impera num dado momento e que determina as escolhas lingüísticas.
9
O estruturalismo saussureano pode ser resumido em duas dicotomias: a) langue (língua), que designa o sistema
lingüístico, em oposição a parole (fala), que designa o comportamento lingüístico; e b) significante (sons) em
oposição a significado (conceito), que se relacionam arbitrariamente. O estruturalismo bloomfieldiano
contemplava uma abordagem behaviorista do estudo da língua, eliminando, em nome da objetividade científica,
toda referência a categorias mentais ou conceituais. (cf. WEEDWOOD, 2002, p. 131).
10
Sociólogo francês que preconizava o estudo dos fatos sociais como “coisas” através de regras de rigor
científico (regras objetivas). (LAKATOS, 1991, p. 45).
um feixe coeso de relações que constitui a realidade social, independente dos indivíduos,
foram assimiladas por Saussure, que concebia a língua como uma instituição social, criada
coletivamente e imposta ao indivíduo.
Apesar da revolução lingüística acionada pelo estruturalismo, a gramática estrutural
(descritiva) não apresentou soluções para todas as questões com relação aos estudos da
linguagem. Dentre as deficiências da gramática estrutural, Roulet (1978) cita a renúncia ao
estudo da significação, considerada inatingível por métodos objetivos e “científicos”, o
tratamento insuficiente da sintaxe (mais ainda que nas gramáticas tradicionais), e a descrição
incompleta do sistema gramatical da língua, sob a forma de um inventário das formas e das
construções que aparecem em um corpus necessariamente limitado. Além disso, a gramática
estrutural procede a uma descrição somente da estrutura superficial das orações, insuficiente
para dar conta de alguns fatos gramaticais importantes
11
.
O estruturalismo tradicional, extremamente apegado aos dados observáveis, recebeu
forte oposição do modelo gerativo-transformacional desenvolvido por Chomsky, que
representou o divisor de águas na lingüística do século XX (WEEDWOOD, 2002, p. 132).
Chomsky desenvolveu o conceito de gramática gerativa
12
, que tinha como um dos objetivos
principais oferecer um meio de análise dos enunciados que levasse em conta o nível
subjacente da estrutura da língua (LYONS, 1987; WEEDWOOD, 2002). Chomsky
estabeleceu uma dicotomia de certa forma semelhante à dicotomia saussureana langue-parole:
a distinção entre competência (conhecimento que permite ao falante produzir enunciados na
língua) e desempenho (comportamento lingüístico do falante). Para Chomsky, a lingüística
deveria ocupar-se com o estudo da competência, e não se restringir ao desempenho
11
Roulet (1978, p. 89) cita o exemplo do sintagma ‘o medo dos inimigos’ na oração O medo dos inimigos
alterou nossos planos, que apresenta um caso de ambigüidade sintática que uma gramática estrutural não pode
explicar. A desambiguação ocorre nos enunciados a seguir, dos quais se pode derivar o sintagma o medo dos
inimigos: a) Os inimigos tiveram medo; isso alterou nossos planos; b) Nós tivemos medo do inimigo; isso
alterou nossos planos.
12
Por gramática gerativa entende-se o conjunto de regras que, operando sobre um vocabulário finito, gera um
conjunto (finito ou infinito) de sintagmas, cada um composto de um número finito de unidades. (cf. LYONS,
1987, p. 124).
(WEEDWOOD, 2002, p. 133). Da mesma forma que o estruturalismo, a teoria gerativo-
transformacional propõe uma homogeneidade do sistema lingüístico, abstraindo a língua de
seu contexto.
A teoria gerativo-transformacional não supriu todas as deficiências das teorias
estruturalistas. Roulet (1978) aponta um dos problemas da gramática gerativo-
transformacional: o de se restringir, de modo geral, à discussão da oração, não fornecendo
informações sobre o nível discursivo (parágrafo, texto), deficiência que seria trabalhada de
forma mais satisfatória com os estudos das correntes lingüísticas filiadas ao que se chama de
‘lingüística da enunciação’. Porém, apesar das limitações que podem ser atribuídas a ambas as
teorias, o fato é que elas contribuíram decisivamente para a reorientação dos estudos da
linguagem. Fundamentando-se nas teorias estruturalistas, que privilegiam a descrição da
língua oral, e na teoria gerativo-transformacional, que trabalha com enunciados produzidos
por um falante-ouvinte ideal, o conceito de gramática adotou um outro direcionamento:
passou a ser concebida como um conjunto de regras efetivamente utilizadas pelos falantes na
construção de enunciados da língua. Esta gramática descreve a estrutura e o funcionamento da
língua numa abordagem sincrônica, ou seja, registra para uma determinada variedade da
língua em um dado momento de sua existência as unidades e categorias lingüísticas
existentes, os tipos de construções possíveis e a função desses elementos, o modo e as
condições de uso dos mesmos (cf. MCARTHUR, 1985; PALMER, 1971). Essa noção
estrutural de língua corresponde à concepção de linguagem como instrumento de
comunicação, ou seja, a língua é vista como um conjunto de signos que se combinam segundo
regras e que é capaz de transmitir mensagens de um emissor para um receptor. Essa
concepção levou ao estudo da ngua como um sistema formal abstrato, um código virtual
isolado de sua utilização (TRAVAGLIA, 2000, p. 22).
Apesar da revolução que o advento da Lingüística representou, os manuais gramaticais
continuaram, em muitos aspectos, fiéis à tradição gramatical greco-latina. De modo geral, os
compêndios gramaticais do século XX pouco mudaram em relação às gramáticas dos séculos
anteriores – conforme constatamos em Rocha Lima (1985) e Almeida (1992) sobrevivendo,
de certa forma, às teorias estruturalistas e gerativo-transformacionais. A partir da segunda
metade do século XX, porém, esse modelo começou a ser sacudido mais seriamente. Uma
nova concepção de linguagem começou a se configurar com o desenvolvimento das correntes
da Lingüística cuja maior preocupação eram os fenômenos mais diretamente ligados ao
processo da enunciação e ao uso que os falantes fazem da língua: a Pragmática, a Análise da
Conversação, a Análise do Discurso, a Semântica Argumentativa e a Lingüística Textual,
dentre outras. Todas elas se ligam, de alguma forma, à Pragmática (cf. TRAVAGLIA, 2000,
p. 23), que estuda os fatores que regem nossas escolhas lingüísticas na interação social e os
efeitos de nossas escolhas sobre as outras pessoas. Ou seja, a Pragmática interessa-se pela
relação entre a língua e o usuário, e, nessa relação, o significado não está atrelado às
condições de verdade, mas às condições de adequação (WEEDWOOD, 2002, p. 143-7). Essas
e todas as demais correntes que podem ser reunidas sob o rótulo de ‘lingüística da enunciação
e do discurso’ têm em comum a concepção da linguagem como um fenômeno social de
interação verbal. A linguagem é um lugar de interação comunicativa, uma atividade de
produção de efeitos de sentido entre os interlocutores, os quais “falam” de determinados
lugares sociais.
1.2 A ABORDAGEM GRAMATICAL NO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
As diferentes concepções de linguagem historicamente constituídas também
influenciaram o ensino de línguas estrangeiras, uma vez que o conceito que se tem de língua
direciona a configuração do processo de ensino-aprendizagem, refletindo-se no modo como o
professor aborda a língua-alvo. Na história do ensino de língua estrangeira, os diversos
métodos e abordagens que se sucederam privilegiavam ora o estudo da “forma”, ora o
“significado” ou o “uso” da língua-alvo. Segundo Celce-Murcia (1991, p. 3), antes do século
XX, a metodologia de ensino de línguas vacilava entre dois tipos de abordagens: o que
enfocava o uso da língua (falar e entender), outro que enfocava a análise da língua (regras
gramaticais).
13
Celce-Murcia (1991, p. 3-4) informa que tanto o período do Grego Clássico quanto o
do Latim Medieval caracterizavam-se por uma ênfase em ensinar as pessoas a usarem as
línguas estrangeiras, uma vez que essas línguas clássicas, primeiro o grego e depois o latim,
eram usadas como línguas francas, principalmente nos contextos da educação, da filosofia e
da religião. A elite instruída necessitava tornar-se fluente na oralidade, na leitura e na escrita
dessas línguas. Assume-se que os professores ou tutores dessas línguas usavam abordagens
informais e diretas para transmitir a forma e o significado da língua-alvo, caracterizando-se
pelo uso de técnicas auditivas e orais e de um material didático composto de um certo número
de manuscritos copiados e dicionários toscos que listavam lado a lado as palavras
equivalentes em duas ou mais línguas.
No Renascimento, o ressurgimento do latim clássico como língua escrita dos
estudiosos e o novo interesse pelo grego favoreceram o estudo normativo dessas línguas da
Antigüidade, ao mesmo tempo em que o homem renascentista se interessava pelas línguas
faladas no mundo. Segundo Celce-Murcia (1991, p. 4), o estudo formal das gramáticas do
grego e do latim se popularizou no período renascentista por meio da produção em massa de
manuais gramaticais propiciada pela invenção da imprensa. No caso do latim, as gramáticas
renascentistas descreviam o latim clássico, que se tornou o objeto formal de instrução nas
escolas. Porém, percebeu-se que a gramática dos textos clássicos era diferente do latim usado
13
Torna-se necessário, aqui, a explicitação usual do significado dos termos “abordagem”, “método” e “técnica”:
a) abordagem (approach) é algo que reflete um certo modelo ou paradigma de pesquisa (uma teoria); é o termo
mais abrangente dos três; b) todo é um conjunto de procedimentos, um sistema que explicita como ensinar
uma língua; os métodos são tipicamente compatíveis com uma (ou às vezes duas) abordagens; c) técnica é o
termo mais específico dos três; trata-se de uma estratégia ou de uma atividade de ensino (ex.: imitação e
repetição). (CELCE-MURCIA, 1991, p. 5).
para propósitos diários (Latim Vulgar), o que resultou no seu paulatino abandono como língua
franca, levando as pessoas a quererem estudar as línguas “modernas”.
No século XVII, o estudo de língua estrangeira voltou a enfatizar a utilidade ao invés
da análise. O tcheco Comenius, famoso professor de língua e metodologista desse período,
publicou livros sobre técnicas de ensino entre 1631 e 1658, nos quais explicitava uma
abordagem indutiva para a aprendizagem de uma língua estrangeira, privilegiando o uso ao
invés da análise da língua-alvo. No início do século XIX, porém, o estudo sistemático da
gramática do latim clássico e dos textos clássicos novamente tomou conta das escolas e
universidades européias. A abordagem analítica da gramática e tradução (Grammar-
Translation Method) firmou-se como um método para ensinar não apenas o latim, mas
também as línguas modernas
14
(CELCE-MURCIA, 1991, p. 4).
O Método da Gramática e Tradução foi a metodologia utilizada por mais tempo na
história do ensino de línguas. Consistia, basicamente, no ensino da língua-alvo pela primeira
língua (todas as explicações eram dadas na língua materna do aluno), com base em três
princípios: a) memorização de vocabulário em forma de listas de palavras; b) conhecimento
das regras gramaticais pelo método dedutivo (partia sempre da regra para o exemplo); e c)
exercícios de tradução e versão de textos literários clássicos. Privilegiava-se a forma escrita da
língua, desde os exercícios iniciais até a última etapa: a leitura dos autores clássicos do
idioma, objetivo final do Método da Gramática e Tradução. Por essa razão, o domínio oral da
língua por parte do professor não era um aspecto crucial: bastava-lhe dominar a terminologia
gramatical e o conhecimento profundo das regras do idioma com todas as suas exceções.
Saber responder prontamente a uma dúvida surgida em aula, ainda que usando a exceção de
uma regra, era mais importante do que saber pronunciar corretamente a mais simples das
14
McArthur (1985, p. 55) informa que o Método da Gramática e Tradução remonta à Idade Média: quando os
estudantes medievais e de épocas posteriores aprendiam latim como segunda língua, eles o faziam por meio de
modelos gramaticais (paradigmas) e via tradução.
frases (LEFFA, 1988). Nesse sentido, o domínio do código lingüístico na forma escrita era o
único objetivo dessa metodologia.
O balanço do pêndulo continuou. No final do século XIX, o Método Direto (Direct
Method), com ênfase na habilidade de uso da ngua, surgiu como uma reação ao Método da
Gramática e Tradução e estabeleceu-se como uma alternativa viável (CELCE-MURCIA,
1991, p. 4). O princípio fundamental do Método Direto é o de que a língua estrangeira se
aprende através da própria língua-alvo, por isso a língua materna nunca deveria ser usada na
sala de aula. Para a transmissão do significado, eram usados gestos e gravuras, mas jamais se
recorria à tradução, uma vez que o aluno deveria aprender a “pensar na língua”. O uso de
diálogos situacionais
15
e pequenos trechos de leitura eram o ponto de partida para exercícios
orais e escritos. A gramática era ensinada indutivamente, ou seja, o aluno era primeiro exposto
aos “fatos” da língua para mais tarde chegar à sua sistematização. Para que ocorresse o
aprendizado automático da língua, usava-se a técnica da repetição (LEFFA, 1988, p. 215).
O Método Direto, porém, encontrou dificuldades em se expandir, devido
principalmente à escassez de professores fluentes na língua-alvo, o que levou as autoridades
educacionais a concluírem que o desenvolvimento da língua oral não deveria ser o objetivo
principal do ensino de línguas, e a endossarem o Método da Leitura (Reading Method), uma
versão atualizada da Abordagem da Gramática e da Tradução. O objetivo principal da
Abordagem para Leitura era, obviamente, desenvolver a habilidade da leitura, com pouca
ênfase nas habilidades orais (recepção e produção da fala). Para isso, procurava-se criar o
máximo de condições que propiciassem a leitura tanto dentro como fora da sala de aula.
Como o desenvolvimento do vocabulário era considerado essencial, tentava-se expandi-lo o
mais rápido possível (embora o número de palavras novas fosse cuidadosamente controlado
nas primeiras lições). A gramática restringia-se ao necessário para a compreensão da leitura,
15
São comuns diálogos com títulos como “no banco”, “na estação”, “fazendo compras” etc. O uso de diálogos
sobre assuntos da vida diária tinha por objetivo tornar viva a língua usada na sala de aula. (LEFFA, 1988, p.
215).
enfatizando os aspectos morfo-fonológicos e construções sintáticas mais comuns. Os
exercícios mais usados para aprendizagem da gramática eram os de transformação de frases.
Ocasionalmente, exercícios de tradução eram também empregados (LEFFA, 1988, p. 217-
218).
A reação ao Método da Leitura surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, quando o
exército americano precisou de falantes fluentes em várias línguas estrangeiras e não os
encontrou. Era necessário que os militares americanos ensinassem aprendizes de línguas
estrangeiras a falar e a entender a língua-alvo de forma rápida e eficiente. Nenhum esforço foi
poupado nesse sentido: o governo americano contratou lingüistas e informantes nativos para
ajudar no ensino de línguas e para produzir materiais, as turmas de aprendizagem foram
reduzidas ao tamanho ideal, e o tempo de estudo foi intensificado. Nasceu, assim, a
Abordagem Audiolingual (Audiolingual Approach/Method), com forte carga na lingüística
estrutural e na psicologia comportamental (LEFFA, 1988, p. 219; CELCE-MURCIA, 1991,
p.5).
Segundo Leffa (1988, p. 219), as premissas que sustentavam o todo, derivadas das
teorias estruturalistas de Saussure e de Bloomfield, formaram uma doutrina coesa que, por
muitos anos, dominou o ensino de línguas. Assim, restabeleceu-se a ênfase na oralidade com
base na premissa de que a língua é fala, e não escrita. Outro princípio dessa abordagem é que
se ensina a língua, e não sobre a língua, baseado na premissa de que se aprendia uma língua
pela prática, não através de explicitações ou explicações de regras. Dessa forma, a gramática
era ensinada através da analogia indutiva. Uma outra característica é o teor behaviorista da
abordagem, fundado na premissa de que a língua é um hábito condicionado que se adquire
através de um processo mecânico de estímulo e resposta. As respostas certas dadas pelo aluno
deveriam ser imediatamente reforçadas pelo professor, e havia uma grande preocupação em
evitar que os alunos cometessem erros. Para isso, o ensino das estruturas básicas da língua era
feito gradualmente, por meio da automação (método dos drills, ou exercícios de repetição)
(LEFFA, 1988, p. 219-221).
O audiolingualismo dominou o ensino de nguas até o início da década de 1970. No
entanto, as objeções, que foram tímidas na década de 1960 e cada vez mais freqüentes na
década seguinte, tomaram corpo, graças principalmente às idéias chomskianas: começou-se a
questionar o embasamento lingüístico e psicológico da abordagem; a primazia da fala cedeu
lugar a uma visão da ngua em que a fala e a escrita eram formas paralelas de manifestação;
devido à capacidade do ser humano de gerar frases novas, a língua não podia ser um conjunto
de hábitos; o professor não devia só ensinar a língua, mas também sobre a língua;
competência na língua é mais importante que a performance dos indivíduos com todos os
erros e hesitações; finalmente, os aspectos universais da língua sobrepujavam de longe as
pequenas diferenças entre uma língua e outra. Seguiu-se ao declínio do audiolingualismo um
ecletismo generalizado, em que floresceram vários métodos, geralmente ligados a um nome, e
às vezes envoltos numa aura de misticismo e com propostas pouco convencionais para o
ensino de línguas (LEFFA, 1988, p. 221-222).
De acordo com Celce-Murcia (1991, p.5-8), o século XX conviveu com todas essas
abordagens anteriores, além de outras bastante utilizadas no último quarto do século. Nas
últimas décadas, popularizou-se uma abordagem concebida a partir dos estudos dos
antropólogos (por exemplo, Hymes) e lingüistas Fhirtianos (por exemplo, Halliday), que
concebiam a língua antes de tudo como um sistema de comunicação: a Abordagem
Comunicativa (Communicative Approach). Nessa abordagem, a meta do ensino de uma língua
seria a de habilitar o aprendiz a se comunicar na língua-alvo, de modo que o conteúdo de um
curso de línguas deveria incluir noções semânticas e funções sociais, e não apenas estruturas
lingüísticas.
Sobre o surgimento da Abordagem Comunicativa, Leffa (1988, p. 224-225) pondera
que, enquanto nos Estados Unidos, quer na lingüística estruturalista de Bloomfield ou na
gramática gerativo-transformacional de Chomsky, os lingüistas se concentravam no código da
língua, analisada ascendentemente até o nível da frase, na Europa os lingüistas mantinham a
tradição dos estudos semânticos e sociolingüísticos, enfatizando o estudo do discurso. Esse
estudo pressupunha não apenas a análise do texto oral ou escrito mas também as
circunstâncias em que o texto era produzido e interpretado. Não faltaram as chamadas
taxionomias, tentativas de classificação sistemática das “noções” e “funções”. O uso de
elementos dessas taxionomias na elaboração de material didático foi uma das características
mais salientes da Abordagem Comunicativa, de modo que até os títulos das unidades eram
muitas vezes expressos em termos funcionais: “perguntando e dizendo o nome”, “oferecendo,
aceitando e recusando ajuda”, “perguntando e dizendo o que as pessoas fazem todos os dias”
etc (cf. LEFFA, 1988, p. 225). A língua era analisada não como um conjunto de frases, mas
como um conjunto de eventos comunicativos, e essa nova visão, aliada a um grande interesse
pelo seu ensino (que não existia na escola gerativo-transformacionalista), veio preencher o
vazio deixado pelo declínio do audiolingualismo.
De acordo com Leffa (1988), o primeiro desafio dos metodólogos foi elaborar um
inventário das noções e funções que normalmente se expressam através da língua. O objetivo
não era descrever a forma da ngua, mas aquilo que se faz através da língua: as formas
lingüísticas seriam ensinadas apenas quando necessárias para desenvolver a competência
comunicativa. O material usado para a aprendizagem da língua devia ser autêntico: os textos
escritos deviam abranger todas as formas de impressos, e os diálogos deviam apresentar
personagens em situações reais de uso da língua.
Nesta abordagem, o uso da língua materna é permitido, principalmente no início do
curso, ou quando se deseja criar um contexto para o uso e aprendizagem da língua-alvo. A
tradução não é proibida, como em alguns dos métodos precedentes, que tinham como
princípio que o aluno deveria aprender a “pensar na língua”. Widdowson (1978), um dos
principais divulgadores da Abordagem Comunicativa, afirma que a tradução constitui uma
experiência de uso da linguagem e não simplesmente de formas gramaticais, e seu propósito é
o de tornar o aprendiz consciente da força comunicativa que tem a língua-alvo, aproveitando-
se do exemplo de funcionamento da sua própria língua. Para Widdowson (1978), os
aprendizes de línguas deveriam ser capazes de reconhecer que as tarefas de linguagem em que
estão engajados refletem a maneira pela qual usam sua própria língua na produção de atos
verdadeiramente comunicativos. Esse princípio leva naturalmente à associação da língua-alvo
àquilo que o aprendiz sabe, ou seja, ao uso dessa nova língua da maneira como uma
primeira língua é normalmente usada.
No que concerne ao trabalho com a gramática no âmbito da Abordagem
Comunicativa, Celce-Murcia (1990, p. 204) informa que muitos educadores assumiram uma
posição extremista, concebendo a gramática como obsoleta. O entendimento desses
educadores era o de que não havia necessidade de nenhuma instrução sobre gramática, seja
explícita ou implícita, pois a língua emergeria como resultado da interação e da comunicação
ou como resultado de insumo (input) compreensível. Pesquisas, no entanto, apontaram que
aprendizes adolescentes e adultos não conseguem assimilar a gramática somente por meio do
uso ou da compreensão da língua, e necessitam de alguma reflexão sobre a estrutura da língua
(cf. CELCE-MURCIA, 1990, p. 205).
Vozes moderadas, no entanto, também se fazem ouvir no interior da Abordagem
Comunicativa: muitos professores e pesquisadores defendem a integração da gramática em
um todo predominantemente nocional-funcional. Celce-Murcia (1990), por exemplo,
sugere uma abordagem “discursiva” da gramática (discourse-based approach to grammar): os
professores e alunos trabalhariam com textos ao invés de sentenças isoladas, ou seja, a
gramática seria compreendida não no nível paradigmático das sentenças, mas no vel do
discurso. A intenção é perceber o que significam as formas e como elas se distribuem em
relação às formas similares no âmbito de um gênero ou registro ou modalidade particular que
se reflete em um texto particular. A autora defende o uso de textos orais e escritos para
ampliar e enriquecer a consciência do estudante de como a gramática funciona no discurso
(abordagem lingüisticamente contextualizada) (CELCE-MURCIA, 1990, p. 212-213).
Widdowson (1978) mostra que a forma é importante para identificar a significação
16
,
que é derivada da relação entre os significados gramaticais das escolhas sintáticas e os
significados lexicais dos itens utilizados na frase. Por exemplo, a significação da frase The
policeman is crossing the street (O policial está atravessando a rua) pode ser explicitada por
meio do conhecimento de que é uma frase declarativa (em oposição a interrogativa), de que o
verbo está no tempo presente (em oposição a passado) e no aspecto gerundivo (em oposição a
perfectivo), e assim por diante. Porém, mais importante que isso é o aluno saber que essa frase
pode se prestar a uma série de diferentes funções comunicativas, dependendo das
circunstâncias contextuais e/ou situacionais nas quais é usada. Assim, a frase acima poderia
assumir, por exemplo, a força ilocucionária de parte de um comentário, digamos, de um
agente posicionado no bar da esquina relatando o que se passa, ou ainda valer como um sinal
de alerta ou uma ameaça. Por essa razão, Widdowson (1978) considera necessário ao
professor de língua preocupar-se com o ensino de ambas as formas de conhecimento, desde
que conceba o aspecto formal como um veículo do aspecto semântico-pragmático dos
enunciados.
Conforme dito acima, as concepções de linguagem subjacentes à prática do professor
de língua estrangeira refletem-se na construção do conhecimento lingüístico, ou seja, o
processo de ensino-aprendizagem adquire uma configuração que se conforma ao modo como
se concebe a língua. Uma abordagem de ensino de língua estrangeira que pretenda superar a
mera aprendizagem do código por meio de regras gramaticais e frases descontextualizadas
deve considerar o modo como o falante mobiliza os elementos lingüísticos para veicular o
sentido pretendido. A compreensão de que o código deve estar a serviço do engajamento do
aprendiz no discurso implica não se limitar à descrição presente nas gramáticas para explicar
16
Por ‘significação’ Widdowson (1978) entende o tipo de significado de uma frase quando isolada de um
contexto lingüístico ou de uma situação específica na qual a frase é produzida.
o funcionamento dos mecanismos lingüísticos. Estes devem ser compreendidos na sua função
no discurso produzido em uma dada situação de interação, aspecto não considerado na
maioria das gramáticas.
No que concerne, por exemplo, aos processos sintáticos de conexão, a gramática
tradicional privilegia a descrição do estatuto da subordinação em detrimento do estatuto da
coordenação. A gramática tradicional não aprofunda, de modo geral, a discussão sobre a
função das conjunções coordenativas tópico em discussão neste estudo –, mostrando uma
preocupação maior com a classificação baseada em critérios lógico-semânticos (herança
greco-latina) e com a exemplificação por meio de sentenças especialmente construídas ou
selecionadas para ilustrar as definições apresentadas. Assim, uma visão das conjunções
atrelada à concepção tradicional impede o professor de reconhecer as multifunções dos
coordenadores nos enunciados e textos com que trabalha em sala de aula.
2 ENTENDENDO A COORDENAÇÃO
2.1 DISCUTINDO A VISÃO TRADICIONAL DA COORDENAÇÃO
2.1.1 A noção de independência e de identidade de funções
O entendimento da gramática tradicional sobre a coordenação é a de que ela realiza
uma conexão de orações “independentes” ou “autônomas”, isto é, de “sentido completo”. As
conjunções coordenativas, por sua vez, são concebidas como meros conectores de elementos
“de mesma espécie” ou “de mesma ordem”, sem se explicitar que os termos ‘espécie’ e
‘ordem’ se referem à identidade sintática das orações coordenadas (cf. ALMEIDA, 1992, p.
344-346; ROCHA LIMA, 1985, p. 160). Alguns autores, porém, esclarecem melhor a função
das conjunções coordenativas: “[...] relacionam termos ou orações de idêntica função
gramatical” (CUNHA & CINTRA 1985, p. 565).
Carone (1988, p. 35) pontua que uma característica atribuída à coordenação é a de que
os elementos coordenados têm a mesma função sintática. Embora muitos gramáticos
defendam que os elementos coordenados apresentem, além da mesma função, a mesma forma,
a posição de Carone é a de que se coordenam funções, não formas. Assim, é possível
coordenar uma oração a um substantivo, a um adjetivo ou a um advérbio, desde que se opere
uma translação, ou seja, uma redução da oração a um valor substantivo, ou adjetivo, ou
adverbial. A autora apresenta o exemplo Vejo você amanhã ou quando der certo, que é uma
legítima coordenação: embora os elementos coordenados não apresentem a mesma forma, eles
estão em conexão com o mesmo elemento subordinante, ou seja, “amanhã” e “quando der
certo” são adjuntos de “vejo”.
De acordo com Garcia (2003, p. 42-45), a idéia de que na coordenação exista um
paralelismo de funções ou valores sintáticos idênticos é tradicional e ortodoxa, sujeita à
revisão. O que ocorre na coordenação, segundo o autor, é que as conjunções coordenativas
relacionam idéias ou pensamentos com um grau de travamento sintático mais frouxo do que
as subordinativas. na subordinação há uma desigualdade de funções e de valores sintáticos,
resultando em um processo de hierarquização em que o enlace entre as orações é muito mais
estreito que na coordenação. Para Garcia (2003), as orações das construções coordenadas são
sintática mas nem sempre semanticamente independentes, enquanto as orações das
construções subordinadas são sempre dependentes de outra, quer quanto ao sentido quer
quanto ao travamento sintático:
Dependência semântica mais do que sintática observa-se também na
coordenação, salvo, apenas, talvez, no que diz respeito às conjunções ‘e’,
‘ou’ e ‘nem’. Que independência existe, por exemplo, nas orações ‘portanto,
não sairemos’? e ‘mas ninguém o encontrou’? Independência significa
autonomia, autonomia não apenas de função mas também de sentido. Que
autonomia de sentido em qualquer desses dois exemplos? Nenhuma, por
certo. A comunicação de um sentido completo se fará com o auxílio de
outro enunciado: Es chovendo; portanto, não sairemos’; Todos o
procuraram, mas ninguém o encontrou’. (GARCIA, 2003, p. 47).
Uma ressalva que se pode fazer a essa afirmação de Garcia é que a dependência
semântica também pode ser verificada na coordenação com e e ou (e talvez com nem). A
exemplo de Garcia, poderíamos questionar em que reside a independência em “e decidimos
ficar em casa”. Essa oração expressa o resultado ou a conseqüência de algo, de modo que o
sentido completo se faz com o auxílio do que foi dito anteriormente: Estava mau tempo e
decidimos ficar em casa (MATEUS et al., 1983, p. 192). Da mesma forma, não
independência de sentido em “ou zangamo-nos a sério”, que retrata uma condição,
completamente interpretada se considerado todo o enunciado: Ou acabas com essa conversa
ou zangamo-nos a sério (cf. p. 197).
Segundo Camacho (1999), casos em que se pode aplicar a tradicional noção de
independência de orações (na perspectiva de que possuem “sentido completo”), mas em
outros casos, que representam a maioria das construções coordenadas, as orações mostram-se
tão dependentes em termos de sentido que nem sequer permitem a inversão da ordem. Essas
duas categorias de coordenação são denominadas pelo autor coordenação simétrica, em que a
conjunção funciona como um conector lógico entre orações equivalentes e reversíveis, e
coordenação assimétrica, em que a conjunção tem a função de veicular relações semânticas de
várias naturezas entre orações não equivalentes. De acordo com o autor, na coordenação
simétrica, cada membro é independente do que o segue e do que o precede em qualquer parte
da sentença completa, de modo que cada membro retém sua integridade e nenhum adiciona
significados ao outro. Já na coordenação assimétrica, “o conjunto é maior que a soma das
partes”, de forma que cada membro conectado leva ao outro, ou seja, nenhum seria verdadeiro
se os que precedem não o fossem também. Extraídos do contexto, os membros não reteriam a
junção causal ou implicacional, comprometendo parte do significado de todo o enunciado
(CAMACHO, 1999, p. 382).
Nesse sentido, uma análise meramente formal se mostra frágil para a descrição da
coordenação, sendo necessária a recorrência à análise semântico-pragmática para uma
descrição mais satisfatória. Segundo Koch (2000), os critérios exclusivamente sintáticos
podem ser insuficientes para explicar os conceitos de coordenação e subordinação:
Os problemas com que se depara o estudioso ao tentar explicar os conceitos
de coordenação e subordinação, isto é, a questão da dependência ou
independência entre orações, decorrem do fato de se adotarem critérios
meramente sintáticos ou formais. Toda oração ou conjunto de orações
veicula significados; forma e conteúdo como também a maneira pela qual
são veiculados são conceitos solidários, que não podem e não devem ser
desvinculados no estudo da linguagem humana. Foi por isso que se fez
sentir a necessidade de se incorporar à teoria lingüística os componentes
semântico e pragmático: o funcionamento global de uma língua pode ser
devidamente explicado por um estudo integrado dos três componentes.
(KOCH, 2000, p. 111)
Esse enfoque revela a inadequação de se falar em orações dependentes (ou
subordinadas) e independentes (ou coordenadas): estabelecem-se relações de interdependência
entre as orações que compõem um período, um parágrafo ou um texto, pois a presença de cada
uma dessas orações é necessária para veicular o sentido pretendido.
2.1.2 A classificação das conjunções coordenativas
A classificação tradicional das conjunções coordenativas compreende cinco
subcategorias, organizadas de acordo com as funções lógico-semânticas de adição, de
alternância, de adversidade (oposição), de explicação e de conclusão. Podemos levantar pelo
menos duas questões a respeito dessa categorização. A primeira delas se refere à vagueza das
definições apresentadas pelos gramáticos. Por exemplo, a definição de Almeida das
explicativas, as quais “ligam duas orações, explanando ou continuando a segunda o sentido da
primeira”, sugere que as conjunções desse grupo, além de introduzir uma explicitação, podem
também “continuar” o sentido da primeira oração (ALMEIDA, 1992, p. 351). Ora, se
observarmos as orações coordenadas, podemos perceber que são muitos os casos, além das
explicativas, em que as conjunções introduzem uma oração que “continua” o sentido da
primeira.
Outro exemplo de definição vaga é a das conjunções aditivas, cuja função é
“simplesmente” ligar dois termos ou orações de idêntica função (CUNHA & CINTRA 1985,
p. 566), ou ligar duas orações, “aproximando-as meramente” (ALMEIDA, 1992, p. 350), sem
nenhuma explicação, neste último caso, sobre o sentido do termo ‘aproximar’ nesse contexto.
Essa definição não explica satisfatoriamente a função do e em enunciados como Prometeu vir
e não veio
17
, em que a conjunção assume uma função adversativa e não “aproximativa”.
Acrescentamos ainda a definição das conjunções alternativas, as quais “relacionam
pensamentos que se excluem” (ROCHA LIMA, 1985, p. 161) ou “ligam dois termos ou
orações de sentido distinto, indicando que, ao cumprir-se um fato, o outro não se cumpre”
(CUNHA & CINTRA, 1985, p. 566), fazendo entender que elas teriam simplesmente um
sentido exclusivo. No entanto, em sentenças como Dá-se desconto especial para advogado ou
economistas
18
, o ou indica inclusão.
17
Exemplo fornecido por Koch (2000, p. 115).
18
Idem.
A segunda questão levantada a respeito da categorização tradicional refere-se à lista de
conjunções, muitas vezes extensa, que algumas gramáticas trazem em cada uma das cinco
subcategorias da coordenação, dando a entender que seriam todas intercambiáveis nos
enunciados em que se inserem. No entanto, nem todos os conectivos de um mesmo grupo têm
o mesmo comportamento. Segundo Perini (1995, p. 335), muitas palavras tradicionalmente
classificadas como conjunções coordenativas apresentam “diversas idiossincrasias que estão
por estudar”. Para o autor, esses conectivos têm, diferentemente dos outros coordenadores, a
propriedade de poder ocorrer em diversas posições na oração, fenômeno que aproxima esses
elementos aos usualmente considerados advérbios, que estabelecem uma conexão semântica
entre duas orações (cf. p. 146). Segundo Garcia (2003, p. 44), conectivos como no entanto,
contudo e todavia são essencial e etimologicamente advérbios, e freqüentemente acompanham
a conjunção e. Esse fenômeno ocorre também na língua inglesa, em que conectivos tais como
so (assim, por isso, portanto), else (então, senão), besides (além disso), yet (contudo),
however (porém, no entanto) e therefore (portanto), dentre outros, podem ocorrer em diversas
posições na sentença, além de freqüentemente acompanharem os coordenadores and (e), or
(ou) e but (mas): and so, and yet, and however, or else, but besides, but then etc. (cf. QUIRK
& GREENBAUM, 1987; HALLIDAY & HASAN, 1987). As propriedades da mobilidade e
da coocorrência observadas nesses conectivos são típicos de advérbios como, por exemplo,
consequently (conseqüentemente).
Sandmann (1982) estabelece uma classificação criteriosa das conjunções
coordenativas do português, utilizando, principalmente, dois critérios fundamentados nos
estudos lingüísticos mais recentes: a coocorrência e a comutação. O primeiro é um critério
sintático, segundo o qual são diferentes em função os elementos que ocorrem lado a lado na
mesma estrutura. O segundo é um critério morfológico, segundo o qual são iguais em função
os elementos que podem trocar-se mutuamente numa posição da estrutura (nesse sentido, é,
também, um critério paradigmático).
Sandmann (1982, p. 57-70) amplia esse estudo, apontando as seguintes características
das conjunções coordenativas: a) não coocorrem, de modo que não há sentenças com e mas ou
and for, por exemplo
19
; b) coordenam elementos de mesma função gramatical, tais como
adjetivo e adjetivo, oração e oração
20
; c) posicionam-se apenas entre os elementos
relacionados, mas nunca no interior do segundo elemento, além de não admitirem a inversão
da ordem das orações introduzidas por elas, como acontece com as subordinativas, de modo
geral; d) podem ser eneárias, como o e e o ou, repetindo-se em todos os novos termos
coordenados, ou binárias, como o mas e o pois, ocorrendo uma única vez; e) podem ser
omitidas, como no caso do e e do ou, que podem ocorrer apenas uma vez (diante do último
elemento coordenado), ou podem ser substituídas por pontuação, como o mas em Perde-se a
vida, ganha-se a batalha; f) possibilita a inversão dos elementos coordenados, desde que a
conjunção se posicione sempre no início da segunda oração, ressalvando-se os casos em que a
sentença expressa relações que pressupõem uma seqüência, tais como a relação causa-efeito.
O resultado é uma classificação mais enxuta, com apenas cinco coordenadores do
português, correspondentes aos cinco grupos da gramática tradicional: e (aditivo), ou
(alternativo), mas (adversativo), pois (explicativo) e logo (conclusivo). As demais conjunções
coordenativas da gramática tradicional ficariam na classe dos advérbios conjuntivos,
principalmente por admitirem coocorrência com os coordenativos e por terem maior liberdade
de posicionamento dentro do enunciado.
A diferença apontada por Sandmann (1982) entre os coordenadores e e ou e os demais
coordenadores quanto à quantidade de membros que podem conectar parece reivindicar uma
subclassificação. Carone (1988, p. 28) explica a organização sintática dos coordenadores em
estruturas binárias e eneárias: na frase Deus é bom, mas é justo, o segundo termo se opõe ao
19
Fogem a essa regra ocorrências como Esses aspectos do problema dizem respeito a planejadores e/ou
economistas, ou como Fui devagar, mas ou o ou o espelho traiu-me, em que as conjunções não estão
coordenando ao mesmo tempo os mesmos elementos, ou seja, não são dois coordenativos com a mesma função.
(SANDMANN, 1982, p.58).
20
Uma restrição que se faz é que o e, o ou e o mas coordenam todos os níveis estruturais, mas o pois e o logo
coordenam apenas orações.
primeiro pelo mas, e fecha definitivamente a construção, uma vez que o valor retrojetivo
21
da
conjunção impede a formação de uma cadeia indefinida de termos coordenados. O mesmo
ocorre com as explicativas e conclusivas, que fecham um par de coordenadas, voltando-se
retrospectivamente para o primeiro elemento: o próprio movimento retrojetivo dessas
conjunções é o responsável pelo fechamento do par. com relação às aditivas e alternativas,
as frases coordenadas organizam-se em pares, como em (entrou em casa) e (fechou a porta), e
cada par pode constituir nova unidade, combinando-se com outra, como em (entrou em casa e
fechou a porta) e (só então respirou aliviado) (cf. p. 29-31).
É possível que a restrição das adversativas, das conclusivas e das explicativas com
relação ao número de elementos que podem conectar seja um indício de uma relação com um
maior grau de travamento (utilizando o termo de Garcia (2003)), não só sintático mas também
semântico, que aquele que ocorre entre as aditivas e as alternativas, cuja liberdade de
organização é maior, indicando talvez uma relação um pouco mais “neutra”. Essa evidência
aproximaria as adversativas, as conclusivas e as explicativas das construções subordinadas,
constituindo, digamos, um grupo intermediário entre as coordenadas “puras” e as
subordinadas “puras”, ao passo que as aditivas e alternativas supostamente seriam mais
legitimamente coordenativas. No entanto, casos em que mesmo as aditivas ou alternativas
não possibilitam agregar mais membros à coordenação, como, por exemplo, na sentença
Mãos ao alto, ou morrerá, em que o acréscimo de mais um elemento é de gramaticalidade
questionável: ? Mãos ao alto, ou morrerá, ou eu atirarei (embora essa repetição possa ser
uma estratégia de reforço utilizada por um assaltante para deixar claro o que acontecerá caso o
assaltado não erga os braços).
2.2 A FUNÇÃO TEXTUAL DAS CONJUNÇÕES
21
A conjunção mas se volta para trás, opondo-se a algo que foi dito anteriormente.
Para Mateus et al. (1983), a textualidade conjunto de propriedades que uma
manifestação da linguagem humana deve possuir para ser um texto (discurso) tem como
componente lingüístico essencial a conectividade, que é uma propriedade relacional e
apresenta um duplo aspecto: a conectividade seqüencial ou coesão, e a conectividade
conceptual ou coerência. Conforme os autores, “[...] existe conectividade entre uma
ocorrência textual A e uma ocorrência textual B se a interpretação de A e B forem
semanticamente interdependentes” (MATEUS et al., 1983, p. 186).
No caso da conectividade seqüencial ou coesão, a interdependência semântica das
ocorrências textuais resulta de processos lingüísticos de seqüencialização, isto é, de ordenação
linear dos elementos lingüísticos. Todos os processos de seqüencialização que asseguram (ou
tornam recuperável) uma ligação significativa entre elementos que ocorrem na superfície
textual são instrumentos de coesão (MATEUS et al., 1983, p. 187). Dentre os mecanismos
lingüísticos de coesão textual, destaca-se a junção ou coesão interfrásica, que “[...] designa os
processos de seqüencialização que exprimem vários tipos de interdependência semântica das
frases” (MATEUS et al., 1983, p. 191). Os autores categorizam a junção nos seguintes tipos:
a conjunção ou junção aditiva, a disjunção ou junção alternativa, a contrajunção ou junção
contrastiva, as condicionais e a coesão temporal. Em muitos casos, os conectivos podem
realizar mais de um tipo de conjunção (cf. p. 192-198).
Halliday & Hasan (1987) também discutem as relações conjuntivas, ou seja, o caráter
coesivo que certos conectivos assumem no texto. Segundo os autores, a coesão é um conceito
semântico, ou seja, é uma relação semântica que é realizada pelo sistema léxico-gramatical
22
.
A coesão ocorre quando a interpretação de algum elemento no discurso é dependente de outro:
um pressupõe o outro, no sentido de que um não pode ser decodificado exceto pela
recorrência a outro. Cada ocorrência de um recurso coesivo no texto é denominada “laço” ou
22
Segundo Halliday & Hasan (1987, p. 5), a língua pode ser explicada como um sistema codificante múltiplo
compreendendo três níveis de codificação: o semântico (significado), o léxico-gramatical (formas) e o fonológico
e ortográfico (expressões); os significados são realizados (codificados) como formas, e as formas são realizadas
(recodificadas) como expressões.
“elo coesivo” (tie). Halliday & Hasan (1987, p. 13) classificam a coesão em cinco categorias
distintas: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical
23
. Cada uma dessas
categorias constitui tipos distintos de relação coesiva, representada no texto por características
particulares (repetições, omissões, ocorrências de certas palavras e construções), que têm em
comum a propriedade de sinalizar que a interpretação da passagem em questão depende de
“algo mais” verbalmente explícito.
O tipo de coesão que nos interessa aqui é o da conjunção
24
, que tem um estatuto
principalmente gramatical, mas contém um componente lexical. Os elementos conjuntivos
não são por si só coesivos, mas de forma indireta, por virtude de seus significados específicos.
Eles não são primariamente mecanismos que se estendem no interior do texto precedente ou
subseqüente, mas expressam certos significados que pressupõem a presença de outros
componentes no discurso. A conjunção é um tipo diferente de relação semântica, a que não é
mais uma espécie de instrução de busca, mas uma especificação da maneira pela qual o que se
segue está sistematicamente conectado ao que o precedeu (HALLIDAY & HASAN, 1987, p.
226-227).
Para classificar a conjunção, Halliday & Hasan (1987) propõem um esquema de
apenas quatro categorias: aditiva (tipificada por and), adversativa (tipificada por yet), causal
(tipificada por so), e temporal (tipificada por then)
25
. Ressalva-se que uma mesma palavra
pode ocorrer em mais de um tipo conjuntivo: then (então), por exemplo, pode ser temporal ou
causal. Os autores diferenciam o caráter conjuntivo do caráter estrutural de um conector: é
conjuntivo quando estabelece uma relação coesiva no texto, figurando entre dois enunciados
em que o segundo está “amarrado” ao primeiro; é estrutural (ou coordenativo) quando
23
Quando Halliday & Hasan (1987, p. 6) dizem que a coesão é uma relação semântica que se realiza pelo sistema
léxico-gramatical, querem dizer que a coesão é expressa em parte pela gramática, por meio da referência, da
substituição e elipse, e parte pelo vocabulário, por meio da coesão lexical. A conjunção está no limite entre os
dois níveis.
24
O conceito de conjunção em Halliday & Hasan (1987) é equivalente aos de junção ou conexão interfrásica de
Mateus et al. (1983).
25
Halliday & Hasan (1987) realizaram o estudo da coesão na língua inglesa.
estabelece uma relação estrutural particular a da coordenação, figurando no interior dos
enunciados. Nessa perspectiva, as relações conjuntivas não são lógicas, mas textuais.
De acordo com Halliday & Hasan (1987), a coesão pode ser no nível interno (no
conteúdo do que está sendo dito) ou no nível externo (no processo de comunicação, na
situação do falante-ouvinte etc.). Segundo os autores, o ouvinte ou leitor invoca dois tipos de
evidência quando, consciente ou inconscientemente, procura determinar o status de um
enunciado: ele usa não apenas as pistas lingüísticas, mas também as situacionais. Em termos
lingüísticos, ele considera os traços específicos que “unem” a passagem, os padrões de
conexão, ou seja, a coesão. Em termos de situação, ele leva em consideração tudo o que ele
conhece do ambiente: o que está acontecendo, qual o papel da língua na situação, e quem está
envolvido, ou seja, todos os fatores extralingüísticos que têm alguma relação com o texto em
si, que são relevantes ao conteúdo do que está sendo dito.
As conjunções podem veicular relações semânticas não apenas de várias naturezas,
mas também em níveis diferentes de análise, como os propostos por Halliday (1970) e
Halliday & Hasan (1987). Esses autores postulam três principais componentes funcional-
semânticos do sistema lingüístico: a função ideacional, a função interpessoal e a função
textual da linguagem. A função ideacional está relacionada à expressão do “conteúdo”, ou
seja, ao significado cognitivo ou conteúdo proposicional das sentenças. Possui duas
dimensões: a experiencial, relacionada à representação da experiência que o falante tem do
mundo real, e a lógica, relacionada às relações lógicas abstratas que derivam apenas
indiretamente da experiência. A função interpessoal diz respeito ao estabelecimento e à
manutenção de relações sociais, à expressão de papéis sociais: perguntar e responder, solicitar,
ordenar, afirmar (asseverar), negar etc. Trata-se da expressão do “ângulo” do falante, ou
representação que o falante elabora da situação de interação, refletindo suas atitudes,
julgamentos, o motivo de se dizer algo etc. Finalmente, a função textual relaciona-se à
formação do texto, ou seja, mobiliza os recursos que a língua tem de criar texto,
possibilitando ao falante construir textos ou passagens conectadas de discurso que são
relevantes e coerentes a si mesmos e ao contexto de situação (HALLIDAY, 1970, p. 140-143;
HALLIDAY & HASAN, 1987, p. 26-27). Em termos de conexão, a ligação de fatos (nível
ideacional) seria realizada por conjunções que funcionariam como conectores lógicos. as
conjunções que estabelecem um elo entre o que é dito e o modo como é dito (refletindo
atitudes do falante, por exemplo), e aquelas que pontuam um processamento textual,
funcionariam como conectores ou operadores discursivos, argumentativos, pragmáticos ou
retóricos.
Para Widdowson (1978), o discurso nem sempre é dependente de coesão explícita.
Embora o desenvolvimento proposicional possa ser explicitamente indicado dessa maneira, é
freqüente encontrarmos amostras de discurso que parecem desprovidas de coesão. Isso ocorre
porque, ao fazermos uso da linguagem, não expressamos apenas proposições, mas realizamos
atos ilocucionários de algum tipo ao expressarmos essas proposições. Quando se reconhece
uma relação entre atos ilocucionários (e não apenas entre proposições), está-se diante da
percepção de coerência.
Para Mateus et al. (1983), a coerência ou conectividade conceptual se caracteriza pela
interdependência semântica das ocorrências textuais, que resulta dos processos mentais de
apropriação do real, e da configuração e conteúdo dos esquemas cognitivos que definem o
nosso saber sobre o mundo (nexos lógicos). Ou seja, a suposição de “normalidade” é uma
propriedade que garante a coerência. Para os autores, as seqüências devem satisfazer aquilo
que sabemos serem as relações lógico-semânticas entre estados de coisas num mundo normal:
ordenação temporal, causa/razão/condição e conseqüência/efeito/resultado (MATEUS et al.,
1983, p. 187-188; 204-206).
Assim, na visão de Mateus et al. (1983), um texto é coerente se os elementos ou
esquemas cognitivos ativados pelas expressões lingüísticas forem conformes àquilo que
sabemos ser a estrutura dos estados, processos e eventos, as relações lógicas entre estados de
coisas, e as propriedades características dos objetos de um mundo “normal”. Nesse sentido, os
autores reivindicam também para o conceito de coerência o caráter da linearidade: quando se
descrevem seqüências de fatos, uma condição cognitiva é a de que a ordem linear das
seqüências seja isomórfica da ordenação temporal relativa dos fatos descritos. Segundo
Camacho (1999, p. 382), a ordem das orações que expressam seqüência temporal é paralela à
ordem dos eventos do mundo real, tornando-se desnecessário adicionar mais especificações de
ordenação temporal aos eventos narrados. Para Camacho & Pezatti (1998), a linearidade é
inerente à linguagem, indicando o conceito geral de pôr as coisas “lado a lado”, quer se trate
da sucessão temporal, quer se trate de premissas lógicas, obedecendo a uma ordem icônica.
Do mesmo modo, segundo Mateus et al. (1983, p. 205), uma condição cognitiva sobre
seqüências textuais formadas por subordinação é a de que reconheçamos uma relação de
causa/razão/condição e efeito/conseqüência entre os estados de coisas descritos. Com relação
a seqüências textuais que descrevem estados, a sua ordenação normal obedece, de modo geral,
a certas relações lógicas do tipo todo-parte, geral-particular, classe-elemento etc., e a
princípios cognitivos a que estão sujeitas a percepção e a atenção. Segundo os autores, “[...] a
ordem de percepção ou de conhecimento dos estados de coisas descritos pode determinar a
ordem linear das seqüências textuais que os descrevem” (MATEUS et al., 1983, p. 205-206).
Nessa perspectiva, em um enunciado como Caiu da janela e morreu, o uso da
conjunção está também relacionado às condições de coerência, dada à exigência dessa
conjunção em particular de ligar fatos que sejam linearmente isomórficos da ordenação
verificada no “mundo real” (outra conjunção, como a subordinativa porque, permite que a
ordem dos fatos conectados seja, em termos lingüísticos, diferente da verificada no mundo
real: Morreu porque caiu da janela). Dessa forma, pensamos que não o aspecto coesivo
deve ser considerado na avaliação do funcionamento das conjunções, mas também o aspecto
da coerência.
2.3. A FUNÇÃO ARGUMENTATIVA DAS CONJUNÇÕES
Conforme dito anteriormente, as conjunções podem estabelecer uma relação entre o
que é dito (nível ideacional) e o modo como é dito (nível interpessoal). Nesse sentido, os
operadores discursivos ou argumentativos refletem as atitudes e julgamentos do falante, os
motivos que ele tem para dizer o que diz. Quando interagimos por meio da linguagem, temos
sempre objetivos, fins a serem atingidos: pretendemos estabelecer certas relações, causar
certos efeitos, desencadear certos comportamentos; ou seja, orientamos os enunciados que
produzimos no sentido de determinadas conclusões. Não se trata aqui da concepção
tradicional de argumentação, segundo a qual o movimento argumentativo é absolutamente
independente da língua, sendo explicado pela situação de discurso e pelos princípios lógicos,
psicológicos, retóricos, sociológicos etc. (cf. DUCROT, 1989, p. 17). Para Ducrot (1989), a
argumentação está na língua: “[...] certas frases de uma língua possuem nela uma força ou
valor argumentativo” (cf. p. 18). Segundo o autor:
[...] muitos atos de enunciação têm uma função argumentativa, que [...]
objetivam levar o destinatário a uma certa conclusão, ou dela desviá-lo. [...]
essa função tem marcas na própria estrutura do enunciado: o valor
argumentativo de uma frase não é somente uma conseqüência das
informações por ela trazidas, mas a frase pode comportar diversos
morfemas, expressões ou termos que, além do seu conteúdo informativo,
servem para dar uma orientação argumentativa ao enunciado, a conduzir o
destinatário em tal ou qual direção. (DUCROT, 1981, p. 178).
Assim, é possível que, em uma dada situação de discurso, dois enunciados apresentem
o mesmo conteúdo informativo, ou seja, não apresentem nenhuma diferença de natureza
factual, mas ainda assim tenham valores argumentativos nitidamente diferentes
26
(DUCROT,
1989, p. 18).
26
Exemplos disso são os enunciados Pedro trabalhou pouco e Pedro trabalhou um pouco. (DUCROT, 1989).
Para descrever o sentido de um enunciado
27
, Ducrot (1987) sugere um esquema com
dois componentes: o componente lingüístico, que atribuiria a cada enunciado uma certa
significação, independentemente de qualquer recurso ao contexto, e o componente retórico,
que consideraria a significação desse enunciado em determinadas circunstâncias nas quais é
produzido, prevendo a significação efetiva desse enunciado em determinada situação. O
componente retórico deve “[...] comportar uma ‘lei de utilidade’ em virtude da qual o ouvinte
está autorizado, em nossa coletividade lingüística, a procurar por que o locutor disse o que
disse, e a interpretar o ato de fala em relação à sua motivação provável [...]” (DUCROT, 1987,
p. 61).
Segundo Ducrot (1987), a intervenção dos componentes lingüístico e retórico são
exigidos para a identificação do pressuposto e do subentendido no âmbito do enunciado.
Numa primeira posição do autor, o pressuposto tem estreita ligação com as construções
sintáticas gerais e trata do próprio enunciado, sem considerar suas condições de ocorrência; é
fato de “língua” e, portanto, lingüisticamente marcado. O subentendido, por outro lado, diz
respeito à maneira pela qual o sentido é veiculado e leva em conta as circunstâncias da
enunciação; é fato de “fala”, possuindo uma ligação com a retórica, pois as inferências se
realizam a partir de um raciocínio do ouvinte.
Ao reavaliar a posição acima, Ducrot (1987) postula a existência de pressuposições
subentendidas, como pedidos subentendidos. Nessa reformulação, o autor postula que a
pressuposição é um elemento do sentido, como uma espécie de retrato da enunciação, e o
subentendido diz respeito à maneira pela qual esse sentido é manifestado e pela qual é
decifrado pelo destinatário. Ao término desse processo, deve-se descobrir a imagem que o
locutor pretende dar ao destinatário de sua fala.
27
Segundo Ducrot (1989), o significado (ou significação) é o valor semântico da frase e o sentido é o valor
semântico do enunciado. O autor define a frase como uma estrutura abstrata, enquanto o enunciado é um
segmento de discurso que tem um lugar, uma data, um produtor e um ou vários ouvintes, ou seja, é uma
ocorrência hic et nunc de uma frase, um fenômeno empírico que não se repete. (DUCROT, 1989, p. 13; 164).
A orientação argumentativa dos enunciados é sinalizada por certos mecanismos ou
“dispositivos” existentes na língua, que são os operadores e conectores argumentativos, os
quais transformam os enunciados referenciais em premissas que viabilizam uma certa
orientação argumentativa do enunciado, situam-no numa certa direção (KOCH, 1997, p. 29).
Dessa forma, segundo a autora, uma descrição semântica dos conectivos estabelece, dentre
outras coisas, o relacionamento entre as possíveis orientações argumentativas dos enunciados
conectados. A descrição semântica de uma expressão deve evidenciar não apenas o “conteúdo
informativo” dessa expressão, mas também todo tipo de indicações com relação ao modo
como essa expressão pode ser usada ou interpretada. O poder argumentativo dos enunciados
deve-se às indicações argumentativas veiculadas pelas sentenças enunciadas, indicações que
não são parte do conteúdo informativo.
Ducrot (1987), Koch (2000) e Fávero (2001) diferenciam os operadores
argumentativos (citados acima) dos operadores do tipo lógico e os operadores do tipo
discursivo. Os primeiros têm a função de apontar o tipo de relação lógica que o locutor
estabelece entre o conteúdo de duas proposições. Segundo Ducrot (1981, p. 11), “[...] existem
na maioria das línguas comuns unidades determináveis, localizáveis, que parecem
responsáveis por conclusões lógicas.” Ducrot (1981), contudo, não tenta encontrar nas línguas
naturais estruturas e funções que sejam realizações de sistemas lógicos, isto é, não tenta impor
a lógica à linguagem, mas procura descrever o que seria a lógica da linguagem, reconhecendo
a função lógica como uma entre as funções da linguagem. Segundo o autor, certos operadores,
como é o caso do e, “[...] possuem suas propriedades lógicas apenas em certo número de seus
empregos e [...] noutros contextos apresentam características nitidamente diferentes
(DUCROT 1981, p. 13). Segundo Koch (2000, p. 131), as relações do tipo lógico são
classificadas, em nossas gramáticas, umas como relações de coordenação (conjuntivas e
disjuntivas), outras como de subordinação (causalidade, condicionalidade). Resultam em
noções inadequadas por serem conceitos meramente sintáticos, por serem discutíveis do ponto
de vista semântico, e por se mostrarem inutilizáveis do ponto de vista pragmático.
O outro tipo de conexão, a realizada por meio dos operadores discursivos ou
argumentativos, tem a função de estabelecer relações pragmáticas, retóricas ou argumentativas
entre orações de um mesmo período, entre dois ou mais períodos e entre parágrafos de um
texto. Segundo Koch (2000, p. 132), as relações do tipo discursivo são, do ponto de vista da
enunciação, muito mais importantes que as do tipo lógico, pois são responsáveis pela
estruturação de enunciados em textos, por meio de encadeamentos sucessivos de enunciados,
cada um dos quais resultante de um ato de linguagem particular. Ao fazerem isso, os
operadores discursivos dão aos enunciados uma direção argumentativa, isto é, orientam o seu
sentido em dada direção.
Koch (2000, p. 132-134) sintetiza as principais características dos períodos formados
por enunciados ligados por operadores argumentativos. Em primeiro lugar, o emprego desses
períodos equivale à realização de duas enunciações sucessivas (dois atos de linguagem
diferentes). Em segundo lugar, o que se afirma o é a relação existente entre o conteúdo de
dois enunciados, mas sim cada um deles, introduzindo-se o segundo por intermédio de sua
relação com o primeiro. Por esta razão, eles poderiam ser apresentados sob a forma de dois
períodos ou poderiam ser proferidos por locutores diferentes. E, finalmente, enquanto os
operadores do tipo lógico encaixam uma oração em outra, transformando-a em termo desta, de
modo a constituírem uma oração com predicado complexo, os operadores argumentativos
encadeiam enunciados, estruturando-os em texto, isto é, constituindo um discurso. Por isso,
aparecem também encadeando orações de períodos diferentes ou parágrafos, ou, ainda,
encadeiam um enunciado com o modo da enunciação
28
.
28
A distinção entre operadores do tipo lógico e operadores discursivos ou argumentativos é, muitas vezes,
questionável, uma vez que o sentido do enunciado depende das condições de ocorrência: um operador
considerado do tipo “lógico” em um determinado enunciado estabelece, muitas vezes, uma relação discursivo-
argumentativa, dada a situação de enunciação. Em outras palavras, o operador é usado no enunciado visando a
atender a determinado(s) objetivo(s) do locutor, caracterizando-se, portanto, como argumentativo.
A posição de Koch (2000, p. 114) é a de que o locutor faz uma opção entre apresentar
essas orações em um período ou em mais de um período, o que resulta em conseqüências
na constituição do sentido. Assim, em muitos exemplos em que a primeira oração pode ser
enunciada independentemente, o acréscimo da segunda vem trazer um novo significado a todo
o conjunto: pode introduzir relações semânticas como de causa-conseqüência, meio-fim,
condição-condicionado etc., ou pode encadear-se sobre a primeira como fator de progressão
do discurso, veiculando valores pragmáticos de extrema relevância que a relacionam não
com a primeira oração, mas também com a própria enunciação.
Sintetizando as discussões deste capítulo, tem-se que a noção tradicional das
conjunções coordenativas como elementos de conexão lógica de termos ou orações
independentes constitui uma visão redutora da multifuncionalidade desses conectivos. As
conjunções atuam também na dimensão textual, sendo um dos elementos responsáveis pela
progressão do discurso e pelo estabelecimento de relações semânticas de várias naturezas
entre as orações e enunciados. Além disso, podem funcionar como operadores discursivos ou
argumentativos, demarcando a inserção do locutor no enunciado.
3 VERIFICANDO FUNÇÕES DA CONJUNÇÃO E / AND
Conforme dito, em nosso estudo, assumimos como equivalentes a conjunção e do
português e sua correlata em inglês, a conjunção and, de modo que os aspectos abordados
com relação àquela são aplicáveis a esta, e vice-versa, salvo especificação em contrário. Esse
procedimento é seguido por diversos pesquisadores: como exemplo, podemos citar os
trabalhos sobre os operadores discursivos da língua portuguesa pautados em Ducrot, que fez o
estudo na língua francesa. Os usos particulares e idiomáticos do e e do and não serão
considerados neste estudo. De modo geral, são poucas as situações em que os usos do e e do
and não são equivalentes, e, nesses casos, o conectivo nem sempre estabelece uma relação que
se poderia chamar de coordenação. Segundo Camacho (1999, p. 375), são usos
“desencadeados por condições lexicais idiossincrásicas” e “não representam escolha do
falante”. Crystal (1999, p. 99) aponta alguns usos idiomáticos do and que são especialmente
comuns em discurso informal, e freqüentemente criticados na escrita
29
.
Por necessidade de delimitação do trabalho, desconsideramos também o emprego do e
e do and na ligação de unidades menores que a oração: a coordenação de substantivos, verbos,
29
Alguns exemplos em que o uso do e não equivale ao do and podem ser encontrados em Crystal (1999, p. 99).
Em construções da linguagem informal como as seguintes, o and não é um coordenador: em (a), equivale à
partícula to, marcadora do infinitivo verbal; em (b), funciona como um intensificador, tal como a palavra very
(muito).
(a) I’ll try and see him. [= I’ll try to see him.] (Tentarei vê-lo / visitá-lo.)
(b) The room was nice and warm. (A sala estava muito quente.)
adjetivos, advérbios, pronomes, preposições, sintagmas nominais etc. Embora a gramática
tradicional do português, de maneira geral, também negligencie a conexão de palavras ou
sintagmas, diversos autores mais recentes, tais como Perini (1995) e Neves (2000), abordam
com mais profundidade esse tipo de coordenação, principalmente sob o ponto de vista
sintático. Em língua inglesa, várias gramáticas contemplam de modo satisfatório a conexão
sintática de palavras e sintagmas por meio do and.
Convencionamos a designação e / and para indicar a equivalência das duas conjunções
com relação aos aspectos em discussão. Entretanto, as conjunções são designadas
isoladamente (somente e, ou somente and) quando fazem alusão direta ao estudo dos autores
utilizados neste capítulo. Como utilizamos a língua portuguesa para a redação deste trabalho,
as sentenças em inglês utilizadas como ilustração das discussões são traduzidas para o
português. Para uniformizar o procedimento, e para mostrar a correspondência do e com o
and, também as sentenças em português são traduzidas para o inglês. Nos lugares em que os
termos e as expressões idiomáticas do português não têm correspondentes em inglês,
conserva-se a língua original, entre aspas, ou faz-se uma tradução mais aproximada.
Os autores que fornecem os elementos teóricos para a compreensão do funcionamento
do e / and, neste capítulo, fundamentam a avaliação da função da conjunção and em exemplos
selecionados de uma gramática de inglês para estudantes estrangeiros, no capítulo 4. A
discussão levantada neste capítulo parte da visão tradicional do e / and como mero conector
aditivo de orações (sentido canônico do e / and). Discute-se essa visão redutora, buscando-se
as evidências do caráter multifuncional da conjunção apontadas por autores como Camacho
(1999), Garcia (2003), Mateus et al. (1983), Neves (2000), Koch (2000), Quirk & Greenbaum
(1987) e Halliday & Hasan (1987). As diversas relações semânticas estabelecidas pelo e / and
tais como causa e conseqüência, seqüência temporal, condicionalidade e oposição
justificariam a sua inclusão em outras categorias além da aditiva, tais como as categorias
adversativa e conclusiva (cf. KOCH, 2000, p. 115). Nessa perspectiva, a conjunção e / and
estabelece, em muitos casos, uma relação que o pode ser considerada como neutra, como
tradicionalmente se concebe.
3.1 O RELACIONAMENTO BÁSICO ESTABELECIDO PELA CONJUNÇÃO E / AND
Na abordagem tradicional das conjunções, o e geralmente é concebido como um
conector que “indica mera relação de nexo” entre as orações (cf. ALMEIDA, 1992, p. 349).
Ressalvamos, porém, que algumas gramáticas tradicionais vão além dessa concepção e
apontam vários sentidos do e, como é o caso de Cunha & Cintra (1985, p. 568-570), que
apresentam os “valores particulares” ou matizes significativos” da conjunção, tais como o
valor adversativo, o conclusivo, o consecutivo, dentre outros. Casos como esse, porém,
representam exceções que destoam de grande parte das gramáticas: a visão preponderante é a
de que a conjunção e / and tem a função exclusiva de “juntar” o conteúdo de duas unidades.
No entanto, a junção (ou união) é pressuposto básico para a coordenação e para a
subordinação. Trata-se de um vínculo que ocorre não por meio das conjunções (síndese),
mas também por meio da conexão assindética.
A relação básica da conjunção e / and é a aditiva (a única reconhecida pela maioria das
gramáticas tradicionais). De alguma forma, o e / and sempre traz em seu bojo o sentido de
adição ou inclusão, ainda que seja uma adição de argumentos ou predicados opostos.
Conforme Neves (2000), o e, em sua função elementar, adiciona elementos indicando
explicitamente que o segundo segmento se acresce ao primeiro. Para a autora, as construções
com e são, em sua maioria, simétricas, ou seja, os membros da adição podem facilmente
permutar de posição, com resultado de sentido que difere “apenas” do ponto de vista da
distribuição da informação. Entretanto, a autora admite que a ordem é pertinente quanto ao
efeito comunicativo: razões comunicativas que levam o falante a indicar primeiro uma
informação e depois outra.
Garcia (2003, p. 42-43) afirma que, por ter como função essencial a de “juntar ou
aproximar palavras ou orações da mesma natureza e função”, o e é uma das conjunções mais
vazias de sentido ou teor semântico. Neves (2000) também considera que, pelo fato de a
conjunção e marcar uma relação predominantemente de adição entre os segmentos
coordenados, esse elemento teria um caráter mais “neutro” em comparação com os demais
coordenadores. Entretanto, Neves (2000) reconhece que essa conjunção assume uma relação
“aparentemente menos neutra” quando conecta segmentos que mantém entre si uma relação
semântica marcada, como contraste ou causa-conseqüência. Porém, não explicita por que essa
relação é “aparentemente” menos neutra. Também Garcia, para quem o e carece de teor
semântico, assume, em nota de rodapé, que em alguns contextos ou situações, a conjunção e
“[...] parece imantar-se do significado dos membros da frase por ela interligados, insinuando
assim idéias de distinção, discriminação, oposição ou contraste, inclusão, simultaneidade,
realce e, ocasionalmente, outras” (GARCIA, 2003, p. 42).
A aparente “neutralidade” do e / and em comparação com outras conjunções
coordenativas (tais como mas e logo) parece ser a responsável pela multiplicidade de sentidos
que esse conector pode assumir nos enunciados. Esse caráter menos marcado do e / and
permite uma espécie de elo com conotações de sentido adverbializado, que reforçariam o tipo
de relação semântica acionada pelo coordenador. Em muitos casos, o advérbio conjuntivo está
explícito no enunciado, ocorrendo juntamente com a conjunção coordenativa como, por
exemplo, e no entanto, e contudo, e portanto – mas em outros, ele está subentendido. Quirk &
Greenbaum (1987), ao discutirem a junção com and, trazem uma contribuição importante
sobre esse aspecto na descrição das implicações semânticas do coordenador. Segundo os
autores, o tipo de relação de sentido que o and estabelece entre os conteúdos das orações
pode ser explicitado por meio do acréscimo de um adverbial (advérbio conjuntivo) nas
sentenças. Assim, conforme Quirk & Greenbaum (1987, p. 257), pode-se inserir o adverbial
inclusivo also (também) nas sentenças em que a segunda oração é uma “adição pura” à
primeira, o adverbial conclusivo therefore (portanto) quando o coordenador estabelece uma
relação de causa e conseqüência, o adverbial temporal then
30
(depois) quando indica seqüência
cronológica, o adverbial adversativo yet (contudo) quando o coordenador estabelece uma
relação adversativa, e assim por diante.
Parece que essa propriedade característica de o e / and abrigar sentidos adverbializados
é uma herança do latim. O et, na sua função de conjunção, assumia valores equivalentes a e
também, e além disso, e até, e então, e depois. O et era também um advérbio, correspondente
a também ou do mesmo modo, como em gere et tu tuum bene (também tu, administra bem os
teus negócios) (cf. FARIA, 1967, p. 358).
Com relação à possibilidade ou não de inversão das orações conectadas por e / and,
Camacho (1999) propõe uma interpretação bifuncional do conectivo em termos de “simetria”
e “assimetria”. Segundo o autor, quando o e figura em uma conjunção
31
simétrica (em que os
membros conectados podem intercambiar-se entre si) equivale ao operador lógico
32
. Neste
caso, conforme o autor, cada membro retém sua integridade e nenhum adiciona significados
ao outro, ou seja, nenhuma das orações constitui pressuposto para que a outra seja
interpretável, de forma que não uma “ordem necessária”. Além disso, a conjunção
simétrica permite livremente qualquer número de membros (cf. CAMACHO, 1999, p. 377-
378). No exemplo a seguir, fornecido pelo autor, o e coordena três membros, que poderiam
ser intercambiados sem prejuízo para o significado:
30
O conectivo then possui dois sentidos: um temporal, podendo ser traduzido por ‘então’ ou ‘depois’, e outro
conclusivo, podendo ser traduzido por ‘então’ ou ‘portanto’.
31
O termo ‘conjunção’ aqui é equivalente aos termos conjunction’, de Halliday & Hasan (1987), ‘junção’, de
Mateus et al. (1983), e ‘conexão’, de Fávero (2001).
32
O é o símbolo lógico-matemático para representar a adição ou conjunção (cf. também MATEUS et al., 1983,
p. 15). Camacho (1999, p. 353) afirma que não identidade total entre as conjunções das línguas naturais e os
operadores da linguagem lógica, e propõe a análise do e sob duas perspectivas: como um conector lógico e como
um conector da linguagem natural.
(1) João fritou o bife, Maria temperou a salada e Antônio refogou a couve.
(João fried the steak, Maria dressed the salad and Antônio sautéed the spring greens.)
Se, como afirma Neves (2000), a ordem é pertinente quanto ao efeito comunicativo, o
exemplo (04) de Camacho faz-nos questionar se o locutor não teve razões para apresentar as
informações na ordem que escolheu. Além disso, como as orações apresentam sujeitos
diferentes, parece que o exemplo se encaixa realmente nessa descrição da conjunção
simétrica. Porém, basta mudarmos o enunciado de modo que fique com um único sujeito
João fritou o bife, temperou a salada e refogou a couve (João fried the steak, dressed the
salad and sautéed the spring greens) para que a ordem seja mais relevante: o verbo no
passado indica um relato e, por essa razão, a ordem provavelmente obedece à seqüência
temporal em que as ações foram praticadas. Outro exemplo de mudança que acarretaria uma
ordem fixa, pelo menos nas duas primeiras orações, é a substituição da palavra ‘salada’ por
‘bife’: * João fritou o bife, Maria temperou o bife e Antônio refogou a couve (* João fried the
steak, Maria seasoned the steak and Antônio sautéed the spring greens.). Um último exemplo
visando a mostrar a fragilidade da noção de “ordem necessária” advém da reconstituição do
possível contexto de ocorrência do enunciado, o qual poderia mostrar que a ordem João fritou
o bife, Maria temperou a salada e Antônio refogou a couve (João fried the steak, Maria
dressed the salad and Antônio sautéed the spring greens) é fundamental se a intenção do
locutor era a de apresentar a alguém os pratos na ordem em que estavam dispostos na mesa e
identificar quem os produziu.
Esse emprego do e como um conector lógico, descrito por Camacho (1999),
corresponde ao conceito de and estrutural, de Halliday & Hasan (1987). Os autores
diferenciam o caráter conjuntivo do caráter estrutural do conector: é conjuntivo quando
estabelece uma relação coesiva no texto, figurando entre duas sentenças e assumindo uma
função adverbial; é estrutural (ou coordenativo) quando está presente em estruturas do tipo
paratático, ou seja, em estruturas cujos membros conectados têm status equivalente (neste
caso, o conector geralmente figura no interior da sentença). Segundo Halliday & Hasan
(1987), o and, nesta perspectiva, está na sua forma lógica elementar: é meramente o marcador
dessa relação estrutural. Nesta função, possibilidade de arranjo em diferentes parênteses,
como em ((men and women) and (boys and girls)) ([[homens e mulheres] e [meninos e
meninas]]) e diferentes seqüências, como women and men, ou men and boys, and women and
girls). Além disso, não um limite fixo quanto à profundidade ou extensão de estruturas
coordenadas: pode-se agregar, em princípio, quantos membros se queira.
O fato de and ter, nos limites da frase, uma função meramente estrutural, funcionando
como conector lógico, conforme postulam Halliday & Hasan (1987), pode ser verdadeiro em
algumas ocorrências, mas não em todos os casos em que o and restringe-se ao âmbito
sentencial, pois evidências apontam que o e / and veicula no interior da sentença valores
semânticos de diversas naturezas, e não exclusivamente um valor de adição (cf. CAMACHO,
1999; KOCH, 2000; MATEUS et al., 1983; QUIRK & GREENBAUM, 1987).
Segundo Camacho (1999), o e nem sempre corresponde ao conector lógico no interior
da sentença. casos em que o conectivo veicula relações causais, temporais, de
similaridade, de identidade tópica etc. Ou, ainda, veicula relações semânticas em diferentes
níveis de análise, conectando, por exemplo, um conteúdo proposicional (nível ideacional) à
representação que o falante elabora da situação de interação (nível interpessoal) (HALLIDAY,
1970; HALLIDAY & HASAN, 1987). Conforme Camacho (1999), nestas circunstâncias, o e
não tem uma função meramente lógica como na conjunção simétrica. Neste caso, o conector
participa de uma conjunção assimétrica, em que a alteração da ordem torna a sentença
agramatical ou, no mínimo, modifica o sentido original. Nos exemplos abaixo, apresentados
por Camacho (1999, p. 381), a inversão põe em jogo diferentes relações de causalidade:
(2) A polícia subiu o morro e os traficantes começaram a atirar.
(The policemen went up to the shanty town and the drug dealers started to shoot.)
(3) Os traficantes começaram a atirar e a polícia subiu o morro.
(The drug dealers started to shoot and the policemen went up to the shanty town.)
Para Camacho, isso se deve ao fato de que o primeiro membro do par é pressuposto
para que o segundo seja interpretável, ou seja, “[...] são as duas orações ligadas como um todo
que contraem a relação de pressuposição, permitindo deduzir que contêm um tópico comum
[...]” (CAMACHO, 1999, p. 355). Nesse sentido, o conjunto é maior que a soma das partes.
Na conjunção assimétrica descrita por Camacho (1999), não existe autonomia dos membros
coordenados, ou seja, existe uma dependência de sentido do segundo membro em relação ao
primeiro, embora as construções apresentem independência sintática. Garcia (2003) chama
esse tipo de construção de “falsa coordenação”, em que coordenação gramatical e
subordinação semântica ou psicológica.
Mateus et al. (1983, p. 192-193) afirmam que a conjunção lingüística
33
não é, de uma
maneira geral, comutativa, pois “[...] a ordem linear das ocorrências textuais articuladas por
conjunção deve corresponder à ordem segundo a qual ocorreram os estados de coisas descritos
nessas mesmas ocorrências”. É por essa razão que o enunciado (02) apresenta uma ordem
linear cuja alteração prejudica o significado da sentença como um todo. Segundo Camacho &
Pezatti (1998), o caso prototípico de bloqueio da mudança potencial da ordem das orações na
conjunção assimétrica é constituído por fragmentos narrativos em que cada evento segue
necessariamente o outro de acordo com a seqüência temporal. Porém, os autores apontam para
a existência de enunciados que, embora não sejam fragmentos narrativos, ainda assim
representam seqüência cronológica. Em outros casos, a seqüenciação é menos nítida, mas
ocorre a representação de diferentes fases num processo maior, o que também reivindica uma
33
Mateus et al. (1983) usam a expressão ‘conjunção lingüística’ em oposição a ‘conjunção lógica’ para definir a
“dupla” função do conector.
seqüenciação. As premissas lógicas apresentam, igualmente, uma ordem necessária cuja
inversão alteraria o sentido.
O conceito de assimetria, conforme proposto por Camacho (1999), sugere uma
atribuição de estatutos diferentes às orações que compõem uma estrutura coordenada, ou seja,
sugere que uma das orações tem uma importância maior que a outra, contendo a informação
principal do enunciado, o que suscita uma comparação com as estruturas de subordinação. No
caso das orações subordinadas, a delimitação do que é principal e do que é subordinado está
sintaticamente marcada, o que não acontece nas estruturas de coordenação, cujas orações têm
o mesmo valor sintático. Segundo Garcia (2003), devido ao fato de a coordenação ser um
paralelismo de funções e valores sintáticos idênticos, os recursos estruturais disponíveis para
dar a devida ênfase a determinada idéia no conjunto do período costumam ser mais limitados
do que na subordinação: estando as orações coordenadas niveladas no seu valor, “[...] o realce
que se queira atribuir ao teor de qualquer delas passa a depender, quase exclusivamente, da
sua posição no período, quando não, evidentemente, de outros meios como a seleção
vocabular e o apelo à linguagem figurada” (GARCIA, 2003, p. 51). Para exemplificar, o autor
cita:
(4) A turma terminou a prova e o professor disse que podíamos sair.
(The class finished the test and the teacher said that we could leave the classroom.)
Na visão de Garcia (2003, p. 51), a segunda oração em (04) constitui o núcleo da
comunicação, uma vez que a oração anterior encerra idéia de tempo (= Quando a turma
terminou a prova...), e, portanto, de circunstância, de fato acessório. Nesta perspectiva de
Garcia (2003), a seqüência (02), de Camacho (1999) A polícia subiu o morro e os
traficantes começaram a atirar –, conteria, no primeiro segmento, uma idéia de tempo, de
circunstância, pois equivaleria a Quando a polícia subiu o morro..., de forma que a
informação mais importante parece se concentrar no segundo segmento. No entanto, ambos os
segmentos conectados ficam no mesmo nível quanto à ênfase, ao passo que o processo de
subordinação permitiria que a informação principal se sobressaísse (GARCIA, 2003, p. 50).
A bipartição funcional do e / and proposta principalmente por Camacho (1999) e
Halliday & Hasan (1987) parece não ser relevante quando se examina a junção de orações
34
.
Preferimos considerar que uma maior ou menor “amarração” sintático-semântica,
dependendo do enunciado em que o e / and é empregado. Parece difícil ocorrer uma
“simetria” total, como se os elementos coordenados tivessem peso idêntico caso fossem
postos nos dois pratos de uma balança. Em nossa concepção, o locutor tem razões para dizer o
que diz na ordem em que diz, e o contexto comunicativo pode mostrar que uma conexão
aparentemente lógico-aditiva revela também outras relações semânticas. O contexto, portanto,
pode indicar o grau de assimetria da coordenação.
No caso da relação de similaridade estabelecida pelo e / and, ou seja, quando o
coordenador introduz uma oração que apresenta um ponto similar à primeira (cf. QUIRK &
GREENBAUM, 1987, p. 257), o travamento sintático é aparentemente mais frouxo, uma vez
que as orações são potencialmente inversíveis. Porém, é possível que haja alguma razão
específica para se dizer algo em determinada ordem. Vejamos o enunciado a seguir:
(5) A trade agreement should be no problem, and (similarly) a cultural exchange could be
arranged. (QUIRK & GREENBAUM, 1987, p. 257)
(Um acordo comercial não seria nenhum problema, e [similarmente] um intercâmbio
cultural poderia ser arranjado.)
Nesse caso, a relação cultural poderia ser uma conseqüência “natural” da relação
comercial entre as comunidades em questão. Ou seja, instituindo-se o acordo comercial,
transação de maior interesse para essas comunidades, automaticamente as portas se abririam
34
O conceito de junção lógica, no sentido da linguagem lógico-matemática, parece fazer mais sentido quando se
trata de ligação de unidades menores que a oração, que não são foco desta pesquisa. Ainda assim, seria
necessário examinarmos tais ocorrências para verificar essa suposição.
para o intercâmbio cultural, que estaria em segundo plano. Neste sentido, a informação
principal estaria em destaque no primeiro segmento.
Dentre as construções com e / and que apresentam um acentuado travamento sintático-
semântico está a relação temporal, que deve ser fiel à ordem cronológica dos eventos:
(6) She washed the dishes and (then) she dried them. (QUIRK & GREENBAUM, 1987, p.
257)
(Ela lavou os pratos e [então, depois, em seguida] os secou.)
Nas construções temporais com e / and, a segunda oração, de certo modo, subordina-
se semanticamente à primeira, na medida em que as ações ou eventos inseridos na segunda
oração pressupõem a realização das ações ou eventos informados na primeira, impedindo a
inversão. Da mesma forma, a relação de causa e conseqüência, cujo sentido pode ser
explicitado pela inclusão de um advérbio conclusivo no enunciado, apresenta um vínculo
bastante íntimo: o evento da segunda oração indica uma conseqüência ou resultado do evento
da primeira oração. Neste caso, a conseqüência subordina-se semanticamente à causa, pois a
inexistência do evento causador implicaria a eliminação do evento resultante.
(7) He heard an explosion and he (therefore) phoned the police. (QUIRK &
GREENBAUM, 1987, p. 257)
(Ele ouviu uma explosão e [portanto] ligou para a polícia.)
A relação condicional, que é um tipo diferente de relação de causa e conseqüência,
igualmente apresenta uma amarração sintático-semântica bastante acentuada, atrelada à
necessidade de o condicionante preceder o condicionado. A dependência sintática, neste caso,
é ainda maior que a observada nas demais relações estabelecidas pelo e / and, uma vez que as
construções condicionais apresentam uma restrição sintática: o verbo da primeira oração deve
ser um imperativo ou conter um auxiliar modal, e o da segunda oração estar no futuro ou estar
modalizado.
(8) Give me some money and (then) I’ll help you escape. (QUIRK & GREENBAUM, 1987,
p. 257)
(Dê-me algum dinheiro e [então] eu ajudarei você a fugir.)
O e / and também pode estabelecer uma relação opositiva entre as orações que
conecta, apresentando nuances que vão desde a mera relação contrastiva até a relação
adversativa mais contundente. No primeiro caso, trata-se de um contraste, confronto ou
ressalva mais tênue:
(9) Maria gosta de livros e Paulo, de brinquedos. (KOCH, 2000, p. 115)
(Maria likes books and Paulo likes toys.)
(10) Robert is secretive and (in contrast) David is candid. (QUIRK & GREENBAUM, 1987,
p. 257)
(Robert é reservado e [em contraste] David é franco.)
Nesses enunciados, uma comparação com a finalidade de ressaltar as diferentes
personalidades ou preferências das pessoas referidas. Segundo Quirk & Greenbaum (1987, p.
257), quando a segunda oração introduz um contraste, o and pode ser substituído por but.
A relação mais explicitamente adversativa estabelecida pelo e / and, freqüentemente
com conotação de ressalva, pode ser exemplificada por (11) e (12). Neste caso, é possível
introduzir na sentença um adverbial de sentido adversativo ou, assim como no tipo de relação
opositiva citada anteriormente, substituir o e / and por mas / but:
(11) He tried hard and (yet) he failed. (QUIRK & GREENBAUM, 1987, p. 257)
(Ele tentou arduamente e [contudo] fracassou.)
(12) Prometeu vir e não veio. [=Prometeu vir mas não veio.] (KOCH, 2000, p. 115)
(He/She promised to come and he/she didn’t.)
Nesses exemplos, a segunda oração introduz um elemento de surpresa na visão do
conteúdo da primeira oração, frustrando a expectativa do interlocutor. Cunha & Cintra (1985,
p. 568) lembram que o valor adversativo do e é, às vezes, fronteiriço do concessivo, sendo
equivalente a e ainda assim:
(13) Torço as orelhas, e não dão sangue.
(I twist the ears, and they don’t bleed.)
Ducrot (1981, p. 244) não considera possível o uso do e quando polarizado por
predicados opostos, como no exemplo a seguir:
(14) João me atacou, mas ele o fez muito tibiamente.
(John attacked me, but he did it very weakly.)
Para o autor, o uso do e não seria possível na seqüência (14) porque os predicados vão
em sentido inverso “atacar” e “atacar muito tibiamente” são contraditórios. Já em (15), o
emprego do e é possível, porque os predicados vão na mesma direção:
(15) João me atacou, e ele o fez muito energicamente.
(John attacked me, and he did it very strongly.)
No entanto, autores como Garcia (2003), Quirk & Greenbaum (1987), dentre outros,
reconhecem o emprego do e / and no sentido adversativo, de modo que a seqüência (16)
parece ser possível:
(16) João me atacou, e ele o fez muito tibiamente.
(John attacked me, and he did it very weakly.)
Tanto em (15) como em (16), a segunda oração representa uma ressalva com relação
ao método de ataque utilizado. Dependendo do contexto de ocorrência e da intenção do
falante (ironizar, comprovar algo dito anteriormente, elogiar etc.), a sentença (16) é tão
aceitável quanto a sentença (15). Evidencia-se, assim, o teor argumentativo da coordenação
com e / and. Embora essa conjunção seja mais neutra em relação a outras conjunções
coordenativas, tais como o mas e o logo, o e / and permite certa mobilização argumentativa
em algumas situações, principalmente se o contexto de enunciação for considerado, ainda que
essa mobilização não se deva exclusivamente à conjunção, mas também ao significado lexical
das palavras e/ou orações em que está ambientada.
3.2 DISCUTINDO UM POUCO MAIS A LINEARIDADE PRESENTE NAS
CONSTRUÇÕES COM E / AND
O conceito de linearidade utilizado neste estudo foi desenvolvido a partir da noção de
“ordem linear”, de Mateus et al. (1983). Nas construções com e / and, a ordem linear constitui
a representação de uma seqüência isomórfica aos eventos do “mundo real” ou a descrição de
estados que obedeça a certas relações lógicas (todo-parte, geral-particular etc.) numa ordem
considerada “normal”. O mesmo ocorre com as relações de causa-conseqüência e
condicionante-condicionado, que apresentam uma ordem considerada lógica ou coerente.
Nesse sentido, uma propriedade das construções com e / and é a de representar seqüências que
sejam, de certa forma, “esperadas” pelos interlocutores, de modo que o vínculo semântico dos
elementos conectados representa um fator que pode garantir a satisfação dessas
“expectativas”. A identidade de sujeitos e o pertencimento dos verbos e complementos ou
objetos a um mesmo campo semântico (eventos realizados em um mesmo ambiente ou
referentes a um domínio comum) podem garantir uma linearidade mais ou menos explícita,
conforme o vínculo que há entre os elementos. A título de ilustração, apresentamos a sentença
* Eu visitei Maria no hospital e o governo planejou a construção de mais uma usina
hidrelétrica (* I visited Maria at the hospital and the government planned to build one more
hydroelectric power plant), em que parece haver um rompimento da linearidade devido a
vários fatores em conjunção, tais como os seguintes: a) os sujeitos são diferentes; b) os verbos
e complementos ou objetos não pertencem a um domínio comum; e c) as orações conectadas
não mantêm uma relação em que a ordem seja relevante (seqüência temporal, causa-
conseqüência etc.). Esses fatores combinados parecem contribuir para que a sentença se torne
inaceitável ou, no mínimo, estranha. A sentença é gramaticalmente possível na língua,
obedecendo aos critérios sintáticos da coordenação, mas não é compatível com a propriedade
da “linearidade” (nos termos propostos neste trabalho) das construções com e / and.
Além disso, as conotações de sentido adverbializado abrigadas pelo e / and também
favorecem a identificação da linearidade dos enunciados. Assim, as relações em que sobressai
o sentido aditivo (sentido básico do e / and), ou seja, aquelas que acolhem (implícita ou
explicitamente) um adverbial inclusivo como também / also, apresentam uma linearidade mais
ligada à identidade entre os sujeitos e/ou ao pertencimento dos verbos (e complementos /
objetos) ao mesmo campo semântico. Vejamos:
(17) He has long hair and (also) he wears jeans. (QUIRK & GREENBAUM, 1987, p. 257)
(Ele tem cabelos longos e [também] usa jeans.)
(18) Ele fuma e toma um cafezinho. (NEVES, 2000, p. 743)
(He smokes and drinks a coffee.)
No enunciado (17), os verbos e seus objetos pertencem ao campo semântico relativo à
descrição da aparência de uma pessoa, e em (18), à descrição de uma cena em que os eventos
são freqüentemente ligados entre si em nossa cultura (quem fuma geralmente bebe muito
café). Além disso, a linearidade é reforçada devido à descrição de aspectos ou eventos
referentes a um mesmo sujeito.
No caso da descrição de ações, muitas vezes há também um aspecto temporal em jogo,
como é o caso de (18). Como os verbos estão no presente, caracterizando-se mais como um
relato descritivo, parece se tratar de ações simultâneas; se os verbos estivessem no passado,
caracterizaria uma narração de ações seqüenciais, abrigando um adverbial temporal
seqüencial, como depois / then. Em enunciados de cunho narrativo, principalmente com os
verbos no passado, a conjunção e / and geralmente expressa seqüência temporal, como
demonstram os exemplos a seguir:
(19) She washed the dishes and dried them.
(Ela lavou os pratos e os secou.)
(20) Levantou-se e saiu. (KOCH, 2000, p. 115)
(He/she got up and left.)
Segundo Camacho, o e, por si mesmo, não indica sucessão temporal, mas “[...] a
ordem das duas orações pode, por convenção, ser icônica em relação à seqüência real dos
eventos descritos” (CAMACHO, 1999, p. 382), ou seja, a ordem das orações é paralela à
ordem dos eventos do mundo real, tornando-se desnecessário adicionar mais especificações de
ordenação temporal aos eventos narrados. Nesse sentido, a coesão e a coerência das
seqüências temporais são garantidas pelo fato de a ordenação temporal relativa dos estados de
coisas satisfazer as condições conceptuais sobre ordenação temporal de estados de coisas
compatíveis no mundo real (MATEUS et al., 1983). Essa característica confere um alto grau
de linearidade aos enunciados que tratam de eventos cronologicamente seqüentes, de modo
que a inversão da ordem produz sentenças ilógicas, isto é, incoerentes, como em (21) e (22).
O vínculo semântico que entre “lavar e secar (os pratos)” e entre “levantar-se e sair” exige
que a seqüência seja fixa.
(21) * She dried the dishes and washed them.
(* Ela secou os pratos e os lavou.)
(22) * Saiu e levantou-se.
(* He/she left and got up.)
Outras vezes, o resultado da inversão da ordem não se caracteriza como ilógico, mas
altera o sentido do enunciado, de modo a retratar uma outra cena, uma outra combinação de
eventos.
Além da ordem icônica dos eventos, os fatores como a identidade de sujeitos e o
pertencimento dos verbos e objetos ou complementos ao mesmo campo semântico também
reforçam a linearidade. Quanto a este último aspecto, percebe-se uma linearidade mais
marcada em (19) que em (20): ‘lavar’ os pratos e ‘secar’ mantêm entre si uma relação mais
próxima que ‘levantar-se’ e ‘sair’. Em termos de expectativas geradas pela primeira oração,
‘lavar’ evoca automaticamente (ou mais facilmente) a ação seqüente de ‘secar’; ‘levantar’
apresenta possibilidades mais amplas de ações seqüentes, tais como se observa nos pares
“levantar e falar”, “levantar e ligar a TV”, “levantar e permanecer na sala” etc.
Outro tipo de relação estabelecida pelo e / and que se caracteriza por uma linearidade
explícita é a relação causal, em que as orações necessariamente apresentam a ordem linear
antecedente-conseqüente. O exemplo seguinte, de Koch (2000, p. 115), mostra que o e pode
introduzir uma conseqüência ou um resultado de algo dito na primeira oração:
(23) Caiu da janela e morreu.
(He/She fell off from the window and died.)
A relação léxico-semântica entre os verbos é relevante para garantir o sentido de
causalidade. Por exemplo, a substituição de ‘morreu’ por ‘sobreviveu’, em (23), não resulta
em uma relação de causa e conseqüência, tanto que não se pode identificar o sentido de
portanto no enunciado:
(24) * Caiu da janela e (portanto) sobreviveu.
(* He/She fell off from the window and [therefore] he survived.)
Note-se que o enunciado (23) também evidencia um aspecto de temporalidade, mas
essa relação temporal é de natureza diferente da verificada nas construções exclusivamente
temporais. Nestas, os eventos estão mais intensamente ligados em termos seqüenciais,
enquanto nas construções causais, os eventos não têm uma relação tão íntima em termos de
seqüência temporal: podem ser eventos simultâneos, ou imediatamente seqüentes, ou distantes
um do outro no tempo. Sendo assim, nas construções causais em que também uma
conotação temporal, o tempo tem importância menor que o resultado do evento ou da ação em
questão.
Mateus et al. (1983, p. 195-196) definem a relação de causa e efeito como
condicionalidade na modalidade factual, no sentido de que o antecedente exprime condições
necessárias ou suficientes para que se verifique o conteúdo proposicional do conseqüente.
Esse tipo de relação se caracteriza semanticamente pelo fato de os conteúdos proposicionais
expressos pelo antecedente e pelo conseqüente verificarem-se no mundo real”, ou seja,
representarem fatos que realmente aconteceram. Os autores apresentam dois exemplos:
(25) Estava mau tempo e decidimos ficar em casa.
(The weather was bad and we decided to stay at home.)
(26) O Pedro não estudou e chumbou no exame.
(Pedro didn’t study and failed the exam.)
Nos enunciados acima, “fazer mau tempo” é causa da decisão de “ficar em casa”; “não
estudar” é a causa da “reprovação”. Entretanto, Mateus et al. (1983) apresentam um exemplo
de relação causal em que a linearidade é mais tênue:
(27) O Luís foi à exposição e comprou o catálogo
(Luís went to the exhibition and bought the catalogue.)
Nessa sentença, o conteúdo proposicional do antecedente não exprime causa, razão,
nem condições necessárias ou suficientes, mas apenas uma condição possível (como por
exemplo, no caso de ter dinheiro, achar o catálogo interessante etc.) para que se verifique o
conteúdo proposicional do subseqüente (MATEUS et al., 1983, p. 196). Pode-se comprovar a
linearidade menos marcada pela possibilidade de identificação de outros sentidos adverbiais
além do portanto:
(28) O Luís foi à exposição e (portanto) comprou o catálogo
(Luís went to the exhibition and [therefore] he bought the catalogue.)
(29) O Luís foi à exposição e (também) comprou o catálogo
(Luís went to the exhibition and he [also] bought the catalogue.)
Um outro tipo de relação causa-conseqüência é a relação condicional propriamente
dita. Este tipo de construção geralmente se caracteriza por apresentar verbo no imperativo na
primeira oração e verbo no futuro (modo indicativo) na segunda oração.
(30) Misbehave and you’ll not get your pocket money. (BURCHFIELD, 1996, p. 52)
(Comporte-se mal e você não ganhará sua mesada.)
Segundo Mateus et al. (1983), tal como nos eventos seqüencialmente cronológicos, o
valor conclusivo é também um produto de ordem icônica, mas que se baseia em processos
lógicos, e não em eventos do mundo real.
Em alguns enunciados com e, no entanto, parece não haver uma compatibilidade ou
identidade semântica explícita, ou seja, alguns enunciados apresentam uma linearidade menos
explícita. Segundo Camacho & Pezatti (1998), para que tais enunciados possam ter um tópico
comum, é necessário combinar itens explicitamente manifestos, pressuposições e deduções
para obter uma afirmação de identidade. Os autores apresentam o seguinte exemplo:
(31) José fuma três maços por dia e eu conheço muitas pessoas que sofrem de câncer.
(José smokes three packs of cigarettes a day and I know many people who suffer from
cancer.)
Camacho & Pezatti (1998) afirmam que construções desse tipo nem sempre têm sua
aceitabilidade garantida. Segundo os autores, para estabelecer um elo coerente entre as
orações em (31), o interlocutor precisa lançar mão de sua experiência, de seu conhecimento de
mundo, ou ainda do discurso prévio que compartilhou com o locutor, e supri-lo com fatos
adicionais. Ou seja, o interlocutor necessita identificar a relação entre “fumar” e “sofrer de
câncer” e inferir que, se muitas pessoas sofrem de câncer porque fumam ou fumavam, José
pode ir para o mesmo caminho, já que fuma muito.
As relações opositivas estabelecidas pelo e / and evidenciam uma linearidade menos
marcada em relação à que ocorre nas aditivas, temporais, causais e condicionais. Isso se deve
ao teor semântico opositivo (seja em termos lingüísticos, seja em termos de conhecimento de
mundo) dos elementos conectados, em que o segundo segmento rompe com a expectativa
criada no primeiro segmento. De acordo com Garcia (2003, p. 43), a conjunção e, neste caso,
contamina-se pelos “pólos semânticos entre os quais se situe”, veiculando um sentido de
contradição, oposição ou contraste.
Garcia (2003) e Quirk & Greenbaum (1987) propõem, para esse uso do e / and, a
substituição por mas / but:
(32) João é político e é honesto.
35
(João is a politician and he is honest.)
(33) João é político mas é honesto.
(João is a politician but he is honest.)
Entretanto, apesar de essa substituição ser possível, o movimento argumentativo que
se observa nos enunciados em que o mas / but parece ser de natureza diversa do observado
nas construções com e / and. Em (33), o locutor, ao inserir um argumento por meio da
conjunção mas / but, refuta o argumento anterior. Ou seja, o argumento de que João é político
acena para uma conclusão negativa, devido a questões culturais (os políticos são geralmente
considerados desonestos), e o argumento de que João é honesto “anula” o anterior e acena
para uma conclusão positiva. Por outro lado, na sentença (32), embora o sentido das duas
orações ainda seja opositivo, o locutor parece acolher os dois argumentos como sendo
compatíveis. Ou seja, o e / and insere um argumento mantendo o anterior, sem refutá-lo:
(34) João é político e é (também) honesto.
(João is a politician and he is [also] honest.)
Nesse sentido, a relação opositiva com mas / but se caracteriza como disjuntiva, ao
passo que a relação opositiva com e / and (no sentido de que são elementos opostos, mas
ainda assim compatíveis do ponto de vista do locutor) é caracterizada como inclusiva
(conjuntiva). Essa compatibilidade garante um caráter linear (embora menos marcado) à
construção opositiva com e / and que não pode ser atribuída à construção com mas / but.
Constata-se, assim, que o aspecto da linearidade está presente na maioria dos tipos de relações
35
Os exemplos (32) e (33) são de nossa autoria.
semânticas veiculadas pela conjunção e / and, embora em graus diferentes. Isso se deve ao
caráter de compatibilidade ou identidade semântica entre os membros conectados pelo e / and.
3.3 FUNÇÕES DO E / AND NA CONEXÃO INTERFRÁSTICA
A abordagem tradicional das conjunções considera, de modo geral, o uso desses
elementos no âmbito frasal, ignorando a conexão de porções textuais maiores que a sentença.
No entanto, as conjunções são elementos fundamentais à organização do texto, fornecendo ao
interlocutor instruções de como interpretar o discurso.
Halliday & Hasan (1987), em seu estudo sobre a coesão em língua inglesa, abordam o
mecanismo da conjunção, que é uma relação semântica de especificação do modo como, num
texto, o que se segue está sistematicamente conectado ao que o precedeu, assegurando o fluxo
informacional. Segundo Halliday & Hasan (1987), o and opera conjuntivamente quando
liga sentenças
36
. Na conjunção, a relação estabelecida pelo and não é coordenativa, mas
aditiva, e o conectivo tem função de advérbio.
Um exemplo de relação conjuntiva incluindo o and é o seguinte:
(35) ‘I said you looked an egg, sir,’ Alice gently explained. And some eggs are very pretty,
you know,’ she added… (HALLIDAY & HASAN, 1987, p. 245)
(‘Eu disse que você se parecia com um ovo, senhor, explicou gentilmente Alice. ‘E alguns
ovos são muito bonitos, você sabe,’ acrescentou...)
Os autores ressalvam que, apesar de o and primordialmente estabelecer uma relação
conjuntiva aditiva, às vezes pode assumir também um sentido adversativo entre duas
sentenças (HALLIDAY & HASAN, 1987, p. 252):
36
Segundo Halliday & Hasan (1987), o and no interior da sentença seria meramente estrutural, coordenativo,
idéia com a qual não concordamos, haja vista os diversos sentidos que and estabelece entre as orações que
conecta na sentença.
(36) ‘Dear, dear! How queer everything is today! And yesterday things went on just as usual.’
(‘Querido, querido! Como tudo está esquisito hoje! E ontem as coisas transcorreram como
de costume.’)
Segundo Halliday & Hasan (1987, p. 246), a relação and também pode assumir formas
enfáticas, com o significado de “há contudo um outro ponto a ser tomado em conjunção com o
prévio”; nesse sentido, teria um “sabor retórico”
37
.
Nos dois exemplos acima, o and parece ter uma conotação anafórica, no sentido de
que é um elemento lingüístico cuja referência não é independente, mas ligada a de um termo
antecedente. Essa interdependência se dá graças ao elo coesivo proporcionado pelo and.
Os autores enfatizam que quando a relação and opera conjuntivamente entre sentenças
para dar coesão a um texto, fica restrita a apenas um par de sentenças (HALLIDAY &
HASAN, 1987, p. 235). Assim, em muitos enunciados, mesmo que as orações estejam
pontuadas como sentenças, não podem ser interpretadas como sentenças separadas, mas como
um único “complexo”. Um uso em que o and coesivo (conjuntivo) talvez mais se aproxime da
função estrutural que ele tem na coordenação, é aquele que indica “o próximo numa série de
coisas a serem ditas”. Neste caso, freqüentemente conecta uma série de perguntas,
significando “a próxima coisa que eu quero saber é...”, ou então conecta uma série de pontos
que contribuem a um argumento geral. Nesta função, parece ter um efeito retrospectivo, tal
como um coordenador tem na sua relação lógica elementar, configurando um fenômeno que
não se limita a uma cadeia de palavras, mas abrange também uma cadeia de estruturas
coordenadas (HALLIDAY & HASAN, 1976, p. 236).
A coesão textual é também denominada conectividade seqüencial, dado que a
interdependência semântica das ocorrências textuais resulta de processos lingüísticos de
seqüencialização ou ordenação linear dos elementos lingüísticos (MATEUS et al., 1983, p.
187). Mateus et al. (1983) vão além de Haliday & Hasan (1987) e incluem a conjunção e não
37
Os autores não fornecem exemplos desse valor do and.
apenas nas categorias da conjunção ou junção aditiva e, excepcionalmente, de contrajunção ou
junção contrastiva, mas a incluem também nas condicionais e temporais. Entretanto, Mateus
et al. (1983) ressaltam que a conectividade não é garantida apenas pelos mecanismos de
coesão, mas também pela coerência (conectividade conceptual), em que as seqüências devem
satisfazer nosso conhecimento a respeito das relações lógico-semânticas entre estados de
coisas num mundo normal, tais como a ordenação temporal e a relação causa-conseqüência.
Segundo os autores:
Qualquer seqüência textual é coesa e coerente se a seqüencialização dos
enunciados satisfizer as condições conceptuais sobre localização temporal e
ordenação relativa que sabemos serem características dos estados de coisas
no mundo selecionado pela referida seqüência textual.” (MATEUS et al.,
1983, p. 197).
Neves (2000), a exemplo de Halliday & Hasan (1987), destaca a relação
predominantemente aditiva que o coordenador e estabelece nos enunciados, assumindo uma
importante dimensão textual. Segundo a autora, o e pode indicar uma adição de “unidades do
sistema de informação” e uma adição de “temas”, além de apresentar um uso pragmático na
adição de pedidos de informação e de argumentos. Na adição de unidades do sistema de
informação, o e constitui uma indicação explícita de que o segundo segmento se acresce ao
primeiro. Esse efeito é acentuado quando uma pausa, denominada “pausa dramática”
(NEVES, 2000, p. 743):
(37) O ar tinha tanta graça excedente que o homem desviou os olhos. No duro chão
empinavam-se os arbustos. E as pedras.
(The air exceed so much in grace that the man looked away. On the hard ground stood up the
bushes. And the rocks.)
O sentido de acréscimo fica mais evidente se interpretarmos o e / and como e
também / and also, mas percebe-se também um alinhamento gradativo em (37). Nesse recorte,
o e / and parece ter um efeito anafórico, uma vez que retoma uma porção anterior do que foi
dito, resgatando o verbo.
De acordo com Neves (2000), o acréscimo pode ter um efeito de acúmulo, como em
(38), ou, ainda, caracterizar-se como uma restrição ao primeiro segmento, como em (39), em
que a adição de informação se em apenas um ponto do segundo segmento, configurando
uma especificação do primeiro:
(38) Afonso, embora morando na chácara, estava presente a tudo. E os assuntos comuns. E os
jogos.
(Though Afonso was living on the smallholding, he was in everything. And the common
subjects. And the games.)
(39) com suas filhas, Sara, é seu dever; e descansada, que passarei muito bem o
domingo, trabalhando.
(Go with your daughters, Sara, it’s your duty; and go unworried, because I’ll spend all the
Sunday working .)
Novamente, nos exemplos (38) e (39), o e / and apresenta um viés anafórico, uma vez
que se projeta para trás, retomando implicitamente elementos de informações anteriores. Em
todas as ocorrências, o e / and imprime ênfase ao que está sendo dito, como se o locutor
quisesse chamar a atenção para o tópico que o conectivo insere no texto.
A adição de temas (NEVES, 2000, p. 745) pode ocorrer com subseqüência temporal,
configurando uma progressão temática, como em (40), ou sem subseqüência temporal,
configurando alternância temática, como em (41):
(40) – Deus lhe acompanhe – dissera-lhe a mulher no dia da viagem. E o retirante juntou-se à
leva.
(– Go with God his wife had said on the day of his journey. And the “retirante” joined the
bunch .)
(41) O pai ocupava a cabeceira da mesa. E o copeiro de jaqueta engomada vinha trazendo os
pratos.
(The father was sitting at the head of the table. And the pantry man wearing a starched jacket
was bringing the dishes.)
A alternância temática em (41) se caracteriza pela apresentação de “cenas” diferentes.
É como se houvesse uma seqüência truncada: nãouma linearidade em termos de seqüência
de eventos.
Segundo Neves (2000, p. 745-750), o e pode, também, obedecer a determinações
pragmáticas, particularmente no início de um novo ato de fala (muito caracteristicamente em
início de turno), indicando:
a) adição de um pedido de informação por meio de uma interrogativa geral, como em
(42), ou parcial (com pedido de informação em um ponto do primeiro segmento), como em
(43):
(42) – Crime?.... Crime, como?
– O senhor investigue, que descobre.
E o criminoso entrou pelas paredes?
(– Crime?.... Crime, what!?
– If you investigate, you’ll find out.
– And did the criminal get in through the walls?)
(43) – Então já são dois favores.
– Exato.
E para quê? E por quê?
(– So, they’re two favours.
– Exactly.
– And what for? And why?)
Segundo nossa interpretação, em (42), a interrogativa introduzida pelo e / and parece
mais uma provocação irônica ou sarcástica do que um pedido de informação, uma vez que a
idéia de entrar pelas paredes é incoerente, ou seja, não se identifica com nenhuma ação
verificável no “mundo real”. O e / and parece ter, neste exemplo, uma função retórica, e
poderia ser substituído por mas / but ou acrescido de então / so. Em (43), é possível que o e /
and não adicione simplesmente um pedido de informação, mas introduza um questionamento
que expressa a indignação do interlocutor com certo estado de coisas.
b) adição de uma solicitação sobre a consideração de um tema:
(44) Distendemo-nos. Seguimos caminho.
E o treino, hein? – disse o nosso quíper bem perto de mim.
(We stretched ourselves. We went ahead.
– And the practice, huh? – said our keeper very close to me.)
c) adição de argumentos, que podem ser em um mesmo sentido de argumentação, com
o segundo enunciado coordenado reiterando a direção argumentativa, como em (45), ou
podem ser em sentido inverso, com o segundo enunciado coordenado invertendo a direção
argumentativa, como em (46):
(45) – De raça, a galinha?
– Raça nada. Pêlo duro. Caipirinha da silva.
E gordinha que tá.
(– A pedigree hen?.
– It’s not a pedigree hen. Tough feathers. “Caipirinha da silva”.
– And quite fat.)
(46) Eu podia fazer isso, mas quis dar-lhe uma satisfação, ver se você concorda. E você não
entende, não agradece.
(I could do that, but I wanted to give you an explanation and see if you agree. And you don’t
understand, you don’t thank me.)
No enunciado (45), o e / and introduz um argumento “a mais”, parece um reforço no
sentido de uma conclusão positiva. Em (46), o e / and tem uma interpretação adversativa,
podendo ser substituído pelo mas / but.
À guisa de conclusão, observa-se que uma característica das construções com e / and é
a relação de compatibilidade semântica entre os segmentos conectados. Segundo Mateus et al.
(1983, p. 192), “[...] duas frases são compatíveis se a verdade do conteúdo proposicional de
uma delas não exclui a verdade da outra, numa situação definida pelo par relevante”. Isso
significa que o e / and é sempre inclusivo, independente da natureza da relação semântica
estabelecida por esse conector.
Constata-se que o e / and pode estabelecer relações de sentido de diversas naturezas
entre as orações e sentenças, relações estas caracterizadas por uma linearidade que pode ser
mais ou menos explícita, dependendo do vínculo semântico que se estabelece entre os
segmentos conectados. Assim, as construções em que o e / and estabelece uma relação de
seqüência temporal, de causa-efeito e de condicionalidade parecem ser mais lineares, e as
construções em que o e / and estabelece uma relação opositiva apresentam uma linearidade
menos explícita.
Além disso, o e / and atua na conexão de porções textuais que vão além dos limites da
sentença (dimensão textual). As contribuições de Halliday & Hasan (1987) e de Neves (2000)
evidenciam o uso da conjunção e / and na conexão de enunciados, assegurando o fluxo
informacional e estabelecendo relações semântico-pragmáticas importantes no interior do
discurso. Ou seja, além de garantir a progressão do discurso, a conjunção e / and tem a função
de demarcar a inserção do locutor no enunciado, por exemplo, por meio da introdução de um
comentário avaliativo ou irônico, ou por meio do efeito enfático do e / and no início de um
novo ato de fala.
4 AVALIAÇÃO DA ABORDAGEM DA CONJUNÇÃO AND NA GRAMÁTICA DE
LÍNGUA INGLESA COLLINS COBUILD ENGLISH GRAMMAR (1990) PARA
ESTUDANTES ESTRANGEIROS
Neste capítulo, procedemos a um exame da parte referente à descrição da conjunção
and na obra Collins COBUILD English grammar (1990), de Sinclair (organizador), destinada
a estudantes de inglês como língua estrangeira. O processo de seleção que resultou na escolha
desta obra transcorreu conforme descrito na introdução deste trabalho. Por meio deste estudo,
objetiva-se, em primeiro lugar, verificar como a conjunção and é abordada e, em segundo
lugar, avaliar alguns aspectos da função desse conectivo que não foram contemplados na obra
ou que não foram explorados com maior profundidade. Para isso, utilizam-se como
sustentação as discussões levantadas nos capítulos anteriores, principalmente no capítulo 3, no
sentido de mostrar que o and possui funções que vão além da mera “junção” de palavras e
orações. Os resultados visam a provocar uma reflexão sobre como uma gramática de língua
inglesa para estrangeiros e, neste caso, considerando-se o estudante brasileiro aborda as
funções da conjunção, tendo em vista a freqüente ocorrência desse elemento nos textos que
constituem objeto de estudo nas aulas de língua inglesa.
4.1 PERFIL DA OBRA
Na Introdução de Collins COBUILD English grammar, explica-se que esta gramática
destina-se a um público heterogêneo: estudantes, professores, examinadores, planejadores de
currículo, produtores de materiais, enfim, todos os interessados na língua inglesa. É uma
gramática desenvolvida primariamente para estudantes estrangeiros de nível avançado, mas
que pode também ser utilizada por estudantes que estejam começando a dominar a estrutura
da língua inglesa, ou seja, “tão logo tenham prática suficiente no inglês para dominar o texto”
(SINCLAIR, 1990, p. v-x).
Tanto no texto introdutório da obra quanto na seção Note on examples esclarece-se a
presença de informações fundamentadas num longo e cuidadoso estudo dos padrões reais do
inglês em uso atualmente, com recorrência a enunciados coletados de textos reais sem passar
por qualquer revisão. Os exemplos ilustrativos não são, portanto, “fabricados”, mas são
selecionados de corpora de textos do banco de dados da Universidade de Birmingham
Birmingham Collection of English Texts –, que inclui diversas fontes, conforme mostra a
seção Corpus acknowledgements, em que o autor agradece a permissão de uso dos materiais:
panfletos, jornais, revistas, livros dos mais variados gêneros, cartas pessoais, transcrições de
falas (tais como palestras, transmissões de rádio, entrevistas e conversas informais) etc.
Ainda na introdução, uma descrição das várias características desse compêndio, as
quais podem ser detectadas em todos os capítulos. A obra é classificada como uma gramática
funcional, que se caracteriza por estabelecer a correspondência entre estrutura e função, ou
seja, é uma gramática que apresenta os padrões da língua e, ao mesmo tempo, mostra as
“coisas” que as pessoas podem fazer com a língua: construir significados, chamar a atenção
para seus problemas e interesses, influenciar outras pessoas e proporcionar a si mesmas uma
“rica vida social”. Cada capítulo é construído em torno de uma importante função da
linguagem (o próprio título traduz a função abordada em cada capítulo), ou seja, a distribuição
do conteúdo obedece a um agrupamento de acordo com o uso dos mecanismos ou estruturas
da língua inglesa.
A obra é definida também como uma gramática de classes, mas o termo ‘classe’ não é
usado como referência às tradicionais classes de palavras (substantivo, adjetivo, verbo etc.).
Significa que a obra oferece uma série de listas de palavras que são usadas em cada estrutura,
isto é, palavras que têm o mesmo comportamento, de modo que o estudante tenha idéia da
quantidade de palavras a que se aplica determinada regra. Em outros termos, trata-se de um
rol de padrões de uso pesquisados nos corpora. Como exemplos, citam-se a lista de
substantivos no plural que raramente são usados sem um modificador, a lista de adjetivos
qualitativos sempre usados em função atributiva, a lista de verbos que usualmente têm como
objeto um humano, a lista de verbos que relatam o que as pessoas dizem, dentre outras.
O texto introdutório descreve a obra como a meio caminho entre as gramáticas que
não consideram o significado e os dicionários que dão algumas informações gramaticais, pois
leva em conta os diferentes significados das palavras, distinções essas que implicam em uma
sintaxe diferente. Por exemplo, um determinado verbo pode ser transitivo em um de seus
sentidos e intransitivo em outro.
Menciona-se também a característica da obra de ser “uma gramática para a produção”,
uma vez que apresenta as “características de produtividade” (productive features) da língua,
ajudando o estudante a variar a escolha de estruturas que expressem apropriadamente os
sentidos que pretende produzir. Um exemplo citado é a regra segundo a qual quase todo
substantivo pode modificar outro substantivo à sua direita (steam = vapor; steam iron = ferro
a vapor), o que leva o usuário a interpretar as diversas combinações a até a imaginar outras
possibilidades de combinações. Segundo o texto, essa gramática não se concentra nas regras
restritivas, que fazem o usuário evitar erros, inibindo a produção.
Dadas as características dessa obra, poderíamos situá-la principalmente na categoria
das gramáticas descritivas que veiculam a concepção de linguagem como instrumento de
comunicação, como um meio para a transmissão de informações. Esse tipo de gramática,
desenvolvida após o advento do estruturalismo mais especificamente do funcionalismo –,
constitui-se como um conjunto de regras efetivamente utilizadas pelos falantes na construção
de enunciados da língua, ou seja, descreve a estrutura e o funcionamento da língua: os tipos de
construções possíveis, a função dos elementos lingüísticos, o modo e as condições de uso dos
mesmos (cf. ROULET, 1978). Note-se o uso de elementos das chamadas taxionomias
tentativas de classificação sistemática das “funções” da língua nos títulos dos capítulos
unidades: “Dando informações sobre pessoas e coisas”, “Relatando o que as pessoas dizem ou
pensam” etc (cf. LEFFA, 1988).
4.2 A DEFINIÇÃO DE CONJUNÇÃO
A junção de palavras, orações e sentenças é abordada no capítulo intitulado
Combining messages (Combinando mensagens). Antes de analisarmos a definição das
conjunções, trazemos à tona a definição do período composto apresentada na gramática. A
noção veiculada é a de que o período composto é uma estrutura que comporta “duas ou mais
orações” que apresentam uma “declaração muito complexa ou detalhada para ser expressa em
uma oração simples” (SINCLAIR, 1990, p. 342). Porém, não uma explicação de que tipo
de detalhamento se trata, ou seja, não critérios para definir o nível de detalhamento das
orações que as autorizam a constituir um período simples ou composto.
A definição das construções subordinadas e coordenadas segue a linha tradicional,
apesar de esta gramática se rotular como funcional: na subordinação, acrescentam-se orações
com “significados subordinados” (leia-se dependentes); na coordenação, ocorre uma “mera
ligação de orações”. Além disso, ao se falar de “significados subordinados”, chama-se a
atenção somente para a subordinação semântica, não se mencionando a subordinação
sintática. No entanto, as considerações de Koch (2000), Camacho (1999), Garcia (2003),
Mateus et al. (1983), dentre outros autores, demonstram que pode haver subordinação
semântica também nas construções coordenadas, em que o segundo elemento tem seu sentido
dependente do que foi enunciado no primeiro elemento, como é o caso, por exemplo, das
relações de temporalidade e de causa-conseqüência.
A conjunção (ainda sem distinção entre subordinativa e coordenativa) é definida como
um elemento que tem a função de ligar as ações em uma sentença e de indicar os diferentes
tipos de relação entre elas. A conjunção subordinativa serve para “desenvolver algum
aspecto” do que se está dizendo, e a conjunção coordenativa para “simplesmente” ligar as
orações (SINCLAIR, 1990, p. 342-343). Consideramos essas definições vagas: o que se quer
dizer por “algum aspecto”? Essa é uma característica somente das subordinativas? Além
disso, a função da conjunção coordenativa é concebida como a de mero conector estrutural,
mas o exame dos enunciados apresentados como exemplos mostra que a conjunção
coordenativa também estabelece relações semânticas nos enunciados.
4.3 AS CARACTERÍSTICAS DA COORDENAÇÃO
A coordenação é definida como a junção de duas ou mais orações (ou palavras, ou
grupos de palavras) de “igual importância” por meio de uma conjunção coordenativa.
Posteriormente, acrescenta-se que a conjunção coordenativa também pode ser usada para
“indicar um relacionamento” entre as orações (SINCLAIR, 1990, p. 373-374). São citadas as
conjunções coordenativas mais comuns, segundo esta gramática: and (e), but (mas), nor
(nem), or (ou), then (então, portanto) e yet (contudo), que podem também ser usadas juntas
numa mesma sentença, como and yet e and then
38
.
Com relação à elipse nas construções coordenadas, menciona-se a possibilidade de
omissão do sujeito na segunda oração caso seja idêntico ao da primeira
39
(quando a conjunção
for and, or ou then), bem como a possibilidade de omissão de outros elementos comuns às
duas orações, tais como o verbo auxiliar ou mesmo seqüências inteiras, a fim de evitar
repetição desnecessária.
No que concerne à coordenação de elementos de diferentes níveis (palavras, orações
ou sentenças), menciona-se que as conjunções coordenativas podem ligar elementos de níveis
inferiores ao da oração: verbos e sintagmas verbais, sintagmas nominais, adjetivos, advérbios,
preposições (desde que se apliquem ao mesmo substantivo), sintagmas preposicionais,
modificadores, e determinantes. As conjunções coordenativas também podem ser usadas para
ligar orações, inclusive aquelas cujos verbos estejam na forma nominal (non-finite verbs).
uma observação com relação ao uso da conjunção coordenativa no início de uma sentença
para imprimir força ou dramaticidade ao que está sendo dito, construção que muitos acham
incorreta.
Com relação às conjunções or e and, cita-se a propriedade de conectar mais de duas
palavras ou orações. Neste caso, essas conjunções são geralmente usadas entre os dois últimos
elementos conectados, com a ressalva de que no discurso informal são usadas muitas vezes
entre cada par de orações ou palavras conectadas.
38
Essa regra, porém, fere um dos critérios para se definir o pertencimento de uma palavra a uma determinada
classe gramatical: a não-coocorrência (cf. SANDMANN, 1982). Estudos de autores como Quirk & Greenbaum
(1987) mostram que o yet e o then não são legítimos coordenadores, mas advérbios conjuntivos.
39
Essa informação é relevante em língua inglesa devido à obrigatoriedade da presença do sujeito na sentença,
uma vez que os verbos não apresentam flexão de número e pessoa (exceto na terceira pessoa do singular do
presente simples).
As conjunções correlativas both... and (tanto... quanto)
40
, not only... but also (não só...
mas também), either... or (ou... ou) e neither... nor (nem... nem) são citadas como elementos
que dão ênfase às orações, ou seja, são usadas para enfatizar que o que se está dizendo aplica-
se a ambos os elementos ligados pela conjunção. Acrescenta-se que esse efeito é obtido
também pelo uso de and also (e também).
4.4 A DISTRIBUIÇÃO DOS EXEMPLOS COM A CONJUNÇÃO AND
A obra não apresenta momentos em que se discute especificamente cada uma das
conjunções coordenativas, diferindo, deste modo, da distribuição canônica que se observa nas
gramáticas tradicionais do português. Assim, os exemplos com and encontram-se dispersos ao
longo de toda a unidade referente à coordenação (com exceção de uma ocorrência localizada
em outra seção, conforme veremos na seqüência). Portanto, quando determinada característica
da coordenação ou das conjunções coordenativas é explicitada, citam-se, de modo geral, para
ilustrar essa característica, exemplos não apenas com and, mas também com outras
conjunções coordenativas.
Identificamos apenas três momentos ou ambientes em que a gramática se detém mais
especificamente sobre o and, ou melhor, apresenta funções cujos exemplos trazem
enunciados com and. Os dois primeiros momentos encontram-se na seção intitulada Linking
clauses (ligando orações). A primeira das funções específicas do and é a de mencionar dois
fatos relacionados entre si, que podem ser informações sobre o sujeito ou ações / eventos
simultâneos. A segunda das funções é a de descrever eventos seqüenciais. O terceiro momento
40
Não há uma tradução literal para a correlativa both... and.
em que a gramática se debruça especificamente sobre o and é na seção relativa à ligação de
mais de duas orações (Linking more than two clauses) (SINCLAIR, 1990, p. 374-375; 383).
Outras funções do and apontadas na obra são compartilhadas com outras conjunções
coordenativas. Com o or (ou), o and compartilha da função de ligar “dois fatos negativos”, ou
seja, duas orações que estejam na forma negativa. Também da mesma forma que o or, o and
pode expressar uma relação de causa e conseqüência em conselhos, desde que o verbo da
primeira oração esteja no imperativo, e o da segunda esteja no futuro (modo indicativo).
Com o but, o and (acompanhado de yet) compartilha da função de adicionar um fato
que contrasta fortemente com o que foi dito na primeira oração. Esse sentido adversativo
também pode ser obtido com o emprego do and sem que esteja necessariamente acompanhado
de yet, conforme apontam exemplos citados por Quirk & Greenbaum (1987, p. 257). No
entanto, a gramática de Sinclair (1990) só apresenta exemplos com and yet.
O and também é citado na seção intitulada Result clauses (correspondentes às orações
subordinadas causais do português), juntamente com as conjunções subordinativas causais (cf.
SINCLAIR, 1990, p. 356). O and, acompanhando ou não do conectivo so (por isso, portanto),
pode ser usado para introduzir uma oração que descreve o resultado de um evento ou de uma
situação expressa na primeira oração.
Essa dispersão dos exemplos contendo and ao longo da descrição da função dos
coordenadores motiva um novo agrupamento de acordo os aspectos semânticos verificados
nos exemplos (vide 4.5). Com esse reagrupamento, tem-se em vista uma sistematização mais
coesa, de modo a garantir o estudo em bloco dos traços sintático-semânticos similares dos
enunciados com and. Ressaltamos que a intenção é avaliar o que foi explicado e acrescentar
comentários sobre aspectos não considerados.
4.5 ANÁLISE DE EXEMPLOS COM A CONJUNÇÃO AND
A análise a seguir compreende um conjunto de vinte e seis sentenças com a conjunção
and, apresentadas como exemplos ao longo da abordagem das conjunções coordenativas (com
exceção de duas sentenças, apresentadas na seção que trata das Result clauses orações
causais). Conforme dito acima, as sentenças foram reagrupadas de modo a garantir o estudo
em bloco das funções do and, conforme as relações que essa conjunção estabelece entre as
orações seqüência temporal, causa-conseqüência, condicionante-condicionado e contraste
e sentenças ênfase, progressão do discurso etc. A organização da análise dos exemplos tem
como fio condutor o aspecto da linearidade das construções com and, conforme exposto no
capítulo anterior (ver seção 3.2), apresentando uma oscilação desde a linearidade mais
marcada até a menos marcada, de acordo com as funções assumidas pela conjunção.
4.5.1 Linearidade mais / menos marcada
Determinadas construções com and parecem representar, em uma análise superficial,
meras relações aditivas: poderíamos, por exemplo, inserir o adverbial also, como sugerem
Quirk & Greenbaum (1987) para os casos de adição “pura”, ou inverter a ordem dos membros
sem prejuízo para a gramaticalidade da sentença. No entanto, muitas delas demarcam uma
posição do locutor, ou seja, revelam uma avaliação ou posicionamento frente a um
determinado estado de coisas. Vejamos:
(1) I’m an old man and I’m sick.
(Sou um homem velho e estou doente.)
Podemos interpretar (01) como uma soma de argumentos levando a uma determinada
conclusão, desenvolvida no encadeamento:
(01a) I’m an old man and (moreover) I’m sick. So, I deserve to be served first.
(Sou um homem velho e [além disso] estou doente. Então, mereço ser atendido/servido em
primeiro lugar.)
De maneira geral, essas orações conectadas de forma a encerrar uma adição são
consideradas como “argumentos de mesma força argumentativa” para a conclusão final (cf.
GUIMARÃES, 2001, p. 124). Mas parece-nos que a segunda oração tem um “peso” maior no
sentido de assegurar a conclusão pretendida, ou pelo fato de ter um efeito cumulativovelho
e ainda por cima doente), ou pelo fato de ter um sentido substitutivo (no caso de falhar o
primeiro argumento, o segundo pode funcionar). O simples fato de o locutor posicionar
determinada oração em primeiro ou em segundo lugar revela uma determinada intenção.
Segundo Garcia (2003, p. 51), por ser a coordenação um paralelismo de funções e valores
sintáticos idênticos, os recursos estruturais para dar ênfase a determinada idéia costumam ser
mais limitados que na subordinação, e o realce pretendido passa a depender, em muitos casos,
da posição da oração no período. Nessa perspectiva, a inversão das orações, apesar de não
mudar o sentido do enunciado, pode revelar uma intenção de convencer o interlocutor na
mesma direção, mas por outros caminhos ou métodos:
(01b) I’m a sick man and I’m old.
(Sou um homem doente e estou velho.)
No caso de o interlocutor não se sensibilizar com o estado de saúde do locutor, o apelo
legal ou moral ao privilégio dos idosos ao atendimento poderia persuadi-lo a mudar de idéia.
Nesse sentido, o locutor constrói estrategicamente seu enunciado de modo a garantir o efeito
desejado, posicionando o argumento mais forte no final. Por essa razão, o segundo argumento
parece ter uma “força” maior. Portanto, não poderíamos dizer que a inversão das orações não
altera em nada o sentido do enunciado, embora a significação se mantenha a mesma. O
conteúdo factual, informativo, continua o mesmo, mas o movimento argumentativo é
diferente.
Essa, no entanto, não é a única interpretação possível para (01). Pode estar em jogo
uma relação de causa e conseqüência:
(01c) I’m an old man and (therefore) I’m sick.
(Sou um homem velho e [portanto] estou doente.)
A aceitabilidade de (01c) permite-nos interpretar (01) como conclusiva, constituindo a
primeira oração a causa para o estado de coisas descrito na segunda oração. Neste caso, está
em jogo a crença que relaciona velhice à doença, ou seja, a idéia de que os velhos geralmente
são doentes ou estão mais propícios à doença. Isso tanto é verdade que uma pequena
modificação na sentença a seguir causa certa estranheza:
(01d) ? I’m a young man and (therefore) I’m sick.
(? Sou um homem jovem e [portanto] estou doente.)
A sentença acima parece incoerente, ou seja, não condiz com a nossa percepção da
relação idade-doença, contradizendo nossa experiência ou conhecimento de mundo. Neste
caso, o yet seria mais aceitável.
(01e) I’m a young man and (yet) I’m sick
(Sou um homem jovem e [contudo] estou doente.)
O therefore seria aceitável se interpretarmos o sick como referente a uma doença de
natureza não física (neurose, vícios etc.), desde que os participantes da interação
compartilhem uma mesma realidade: a vida moderna produz doentes psicossomáticos de
vários tipos, devido à ansiedade, ao stress etc. Ou seja, esse sentido seria válido para as
sociedades em que um alto nível de modernização” e em que os adultos jovens
representam as pessoas que têm as maiores responsabilidades (carreira, família etc.):
(01f) I’m a young man and (therefore) I’m neurotic / ambitious / depressed / capitalist etc.
(Sou um homem jovem e [portanto] sou neurótico / ambicioso / depressivo / capitalista etc.)
O sentido causal implícito de (01) confere ao enunciado uma linearidade mais
marcada, uma vez que, neste caso, uma ordem necessária de causa / razão-conseqüência /
resultado (a velhice constitui razão para o desencadeamento da doença). Além disso, os
adjetivos ‘velho’ e ‘doente’ estão estreitamente relacionados, apresentando uma certa
compatibilidade semântica ressalta-se que se trata de dois atributos com conotação negativa
em nossa cultura. O fato de as orações referirem-se a atributos de um mesmo sujeito reforça o
caráter linear de (01).
Um segundo exemplo que apresentamos é o seguinte:
(2) Her son lives at home and has a steady job.
(O filho dela mora em casa e tem um emprego fixo.)
Aparentemente, trata-se de uma mera adição, em que o and pode ser interpretado
como and also. Além disso, a inversão das orações parece ser possível sem prejuízo para o
sentido geral do enunciado. Entretanto, em uma dada circunstância enunciativa, (02) pode ter
um sentido adversativo:
(02a) Her son lives at home and (yet) has a steady job.
(O filho dela mora em casa e [no entanto] tem um emprego fixo.)
Ao informar que o filho mora “na casa da mãe” e tem um emprego fixo, o locutor tem
uma certa intenção. Está em questão um aspecto cultural: quem tem emprego fixo, tem
condições de ter casa própria; ter casa própria e emprego fixo representa idoneidade. No caso
de (02a), o locutor pretende passar ao interlocutor uma imagem do filho como um
acomodado, ou até mesmo um explorador, por ainda viver com a mãe (ou os pais), tendo
condições de ter sua própria casa, que tem emprego fixo. Visto sob essa perspectiva, o
enunciado (02) reflete uma avaliação do locutor em relação ao estado de coisas descrito.
Nessa interpretação de (02), o enunciado apresenta uma linearidade menos marcada,
dada a implícita conotação opositiva dos elementos conectados. Além disso, não se identifica
em (02) uma relação de causalidade implícita da mesma maneira como se observou em (01).
Vejamos agora outro exemplo:
(3) The company will not be split up and will continue to operate from Belfast.
(A empresa não será dividida e continuará a operar de Belfast.)
Aparentemente, trata-se de mera adição (o and pode ser interpretado como and also).
No entanto, a inserção
41
de moreover (além disso) mostra a existência de um posicionamento
por parte do sujeito.
(03a) The company will not be split up and (moreover) will continue to operate from Belfast.
(A empresa não será dividida e [além disso] continuará a operar de Belfast.)
Em termos de teor de argumentatividade, o enunciado (03a) reúne dois argumentos
com o objetivo de convencer o interlocutor, que pode ser um funcionário da empresa que teme
a cisão da companhia e sua conseqüente mudança de local (o que poderia implicar a mudança
do funcionário de Belfast), ou pode ser o investidor que não esteja interessado em qualquer
mudança do status da empresa, ou pode, ainda, ser o público geral, interessado na
permanência da empresa em Belfast (por gerar empregos, por exemplo). O locutor pode estar
41
A inserção dos adverbiais no enunciado tem como objetivo dar visibilidade a um sentido implicitamente
comportado por and.
desmentindo boatos que ocasionaram uma desvalorização das ações da empresa na bolsa de
valores. Parece, também, uma fala impositiva, que poderia ter partido de um diretor “tirano”.
Em suma, o enunciado (03a), de tom acentuadamente asseverativo, possibilita inúmeras
interpretações.
Se considerarmos a segunda oração do enunciado (03) como logicamente decorrente
do estado de coisas descrito na primeira oração, o and adquire uma conotação conclusiva:
(03b) The company will not be split up and (therefore) will continue to operate from Belfast.
(A empresa não será dividida e [portanto] continuará a operar de Belfast.)
Neste caso, a cisão da empresa resultaria na conseqüente mudança de sede;
permanecendo a constituição atual da empresa, não haveria razões para uma mudança de sede.
Nessa perspectiva, percebe-se uma conotação causal implícita, no sentido de que a não cisão
da empresa resulta na permanência de sua sede em Belfast (relação razão-resultado), o que
confere ao enunciado uma certa linearidade. Entretanto, trata-se de uma linearidade menos
marcada, pois o vínculo léxico-semântico entre os elementos conectados não é tão estreito
quanto o observado em (01), apesar de o conteúdo de “cisão” e “mudança de sede”
pertencerem a um domínio comum (eventos ou estados de coisas relacionados à configuração
de uma empresa).
O exercício feito com o enunciado (03) em termos dos possíveis sentidos pretendidos
pelo locutor nos autoriza a considerar a hipótese de que as construções com uma linearidade
menos marcada são mais dependentes do contexto quanto à sua interpretação que as
construções mais explicitamente lineares, como, por exemplo, a sentença (01), em que um
parentesco léxico-semântico maior entre os elementos conectados.
No enunciado (04), o adverbial either (também)
42
parece reforçar a função de and
de somar argumentos para uma certa conclusão:
(4) Electricity didn’t come into Blackhall Farm until recently and they hadn’t any water
either
(A eletricidadeo veio até a Fazenda Blackhall até recentemente e eles também não tinham
água.)
Nessa sentença, o and soma dois argumentos que vão na mesma direção para uma
determinada conclusão, tal como It is a backward farm uma fazenda atrasada, retrógrada).
No caso de assumirmos essa conclusão para (04), ela não derivaria do conteúdo explícito, mas
do conteúdo que seria acionado pela experiência, pelo conhecimento do mundo do
interlocutor: atualmente, a rede de energia elétrica atinge os lugares mais remotos, e é difícil
imaginarmos um lugar habitado que não tenha pelo menos algum tipo de sistema de coleta e
distribuição de água (mesmo que seja rudimentar).
Em termos de linearidade, não se percebe em (04) um vínculo tão estreito entre os
conteúdos semânticos dos elementos conectados, pois o fato de não haver eletricidade em um
determinado local não implica necessariamente a inexistência de água. Além disso, o sentido
estabelecido pelo and é mais neutro: é basicamente aditivo, sem conotação de causa e efeito
ou de seqüência temporal.
Os exemplos acima demonstram a oscilação dos efeitos de sentido provocados pelo
and, abrangendo as construções que apresentam desde uma linearidade mais marcada, como
em (01), até uma linearidade menos marcada, como em (04). Ressalta-se que os exercícios de
interpretação realizados acima se caracterizam como reconstruções hipotéticas dos contextos
de ocorrência com vistas a depreender os possíveis sentidos pretendidos em determinadas
circunstâncias. Isso é possível devido ao and ter um caráter relativamente neutro e albergar
sentidos adverbializados.
42
O adverbial inclusivo either é usado em frases negativas.
Na seqüência, estão apresentadas as ocorrências, seguindo-se a noção de linearidade
mais marcada até a menos marcada e verificando-se a oscilação que ocorre até o nível textual.
4.5.1.1 Verificando a linearidade temporal mais / menos marcada
O uso do and para descrever eventos seqüenciais é previsto na obra, e dois exemplos
são apresentados para ilustrar esse emprego da conjunção:
(5) She was born in Budapest and raised in Manhattan.
(Ela nasceu em Budapeste e foi criada em Manhattan.)
(6) He opened the car door and got out.
(Ele abriu a porta do carro e saiu.)
A inserção do adverbial temporal then, como sugerem Quirk & Greenbaum (1987),
comprova esse sentido do and:
(05a) She was born in Budapest and (then) raised in Manhattan.
(Ela nasceu em Budapeste e [depois] foi criada em Manhattan.)
(06a) He opened the car door and (then) got out.
(Ele abriu a porta do carro e [depois] saiu.)
No entanto, a seqüência temporal expressa no enunciado (05) não é da mesma
natureza da expressa no enunciado (06): os eventos descritos em (05) implicam uma
seqüência temporal menos imediata – tanto que a inserção de then no enunciado não é de todo
confortável enquanto os eventos em (06) implicam uma seqüência imediata, com uma
conotação próxima à de causa e efeito. Nesse sentido, (06) apresenta um grau de linearidade
maior que (05), uma vez que a seqüência é mais previsível, talvez porque as ações realizam-se
numa mesma ambiência e numa seqüência imediata. Em (05), uma linearidade mais
“frouxa”, menos explícita, talvez porque não se trata de eventos imediatamente subseqüentes.
Em (05b), por exemplo, a segunda oração apresenta um vínculo muito mais próximo (e,
portanto, mais linear) com a primeira do que o vínculo observado em (05a):
(05b) She was born in Budapest and (then) was baptized at the local church.
(Ela nasceu em Budapeste e [depois] foi batizada na igreja local.)
Essa diferença em termos de linearidade confere a (06) uma interpretação
exclusivamente temporal, enquanto o enunciado (05) margem a outras interpretações, o
que pode ser comprovado pela possibilidade de inserção, em (05), de outros adverbiais, além
do temporal then. Vejamos:
(05c) She was born in Budapest and (also) raised in Manhattan.
(Ela nasceu em Budapeste e [também] foi criada em Manhattan.)
A inserção do adverbial aditivo also permite uma descrição de (05c) em termos de
orientação argumentativa do enunciado: o and parece somar argumentos em direção a uma
determinada conclusão, e o also reforça essa conotação aditiva. O efeito é intensificado com a
inserção de moreover (além disso):
(05d) She was born in Budapest and (moreover) she raised in Manhattan.
(Ela nasceu em Budapeste e [além disso] foi criada em Manhattan.)
O procedimento de encadeamento permite desenvolver as conclusões possíveis dos
argumentos conectados em (05). Vejamos duas possibilidades:
(05e) She was born in Budapest and raised in Manhattan. So, she has the best of two worlds.
(Ela nasceu em Budapeste e foi criada em Manhattan. Portanto, ela tem o melhor de dois
mundos.)
(05f) She was born in Budapest and raised in Manhattan. She is not from an insignificant
small town.
(Ela nasceu em Budapeste e foi criada em Manhattan. Ela não veio de uma cidadezinha
insignificante.)
43
Em (05e), o ponto de vista de um enunciador de “mente aberta”, que considera a
cultura de uma antiga cidade européia (Budapeste) e a de um centro urbano moderno, norte-
americano (Manhattan), como tendo o mesmo “peso” em termos da formação do indivíduo.
Em (05f), o ponto de vista é de um enunciador preconceituoso em relação à cidade pequena,
avaliada pelo locutor como insignificante.
É possível também inserir em (05) um adverbial de sentido adversativo, favorecendo
uma outra interpretação:
(05g) She was born in Budapest and (yet) she raised in Manhattan.
(Ela nasceu em Budapeste e [contudo] foi criada em Manhattan.)
Nesse sentido, a segunda oração rompe com a expectativa criada, digamos:
(05h) She was born in Budapest. So, she has a good cultural education.
(Ela nasceu em Budapeste. Portanto, ela tem uma boa formação cultural.)
Neste caso, a cultura européia é considerada como positiva (o valor em jogo pode ser a
tradição, ou a educação de “berço”), em contraposição com a cultura norte-americana,
considerada negativa (nessa interpretação, a cultura norte-americana pode ser considerada
“moderna” demais). A segunda oração, em (05g), apresenta uma espécie de ressalva,
indicando que a pessoa referida não possui uma boa formação cultural. Tem-se, então, o ponto
de vista de um enunciador conservador:
43
O termo ‘cidadezinha aqui não tem necessariamente um sentido pejorativo, que small town refere-se ao
tamanho ou porte da cidade.
(05i) She was born in Budapest and (yet) she raised in Manhattan. What would you expect
from her? Her “modern” cultural education ruined her.
(Ela nasceu em Budapeste e [contudo] foi criada em Manhattan. O que você esperaria dela?
Sua formação cultural “moderna” a estragou.)
Além das sentenças (05) e (06), cuja relação de temporalidade é reconhecida na obra,
outras que também se encaixam nessa descrição, possibilitando a inserção do adverbial
temporal then. Vejamos duas delas:
(7) The telephone rang and Judy picked it up.
(O telefone tocou e Judy o apanhou.)
(8) Haggarty marched him to the door, literally threw him out and returned.
(Haggarty conduziu-o à força até a porta, literalmente atirou-o para fora e retornou.)
As sentenças (07) e (08) assemelham-se a (06) por apresentarem uma linearidade mais
marcada: são eventos seqüenciais mais intimamente ligados, imediatamente subseqüentes,
caracterizando-se quase como uma relação de causa e efeito. Ou seja, a oração introduzida por
and expressa algo de certa forma esperado em vista do que foi dito no primeiro segmento.
nas sentenças (09) a (12) a seguir, há uma linearidade um pouco mais tênue, uma vez que o
que se diz no segundo segmento não traz notadamente um movimento pressuposicional tal
qual propõe Camacho (1999).
(9) She turned and left the room.
(Ela se virou e deixou a sala.)
(10) The boys shouted and rushed forward.
(Os garotos gritaram e precipitaram-se para frente.)
(11) He took her hands from her eyes and led her towards the house.
(Ele tirou as mãos dela dos olhos e conduziu-a em direção à casa.)
(12) Eric moaned something and then lay still.
(Eric disse algo gemendo e então/depois deitou-se e ficou imóvel.)
A afinidade entre os lexemas verbais parece menor nas sentenças (09) a (12) do que a
presente em (07) e (08). O nculo entre “virar-se” e “sair da sala”, por exemplo, é menos
previsível que o existente entre “tocar (o telefone)” e “apanhar (o telefone)”.
Ainda na relação temporal, poderíamos incluir o seguinte exemplo, apresentado como
expressando dois fatos relacionados entre si, em que o and indicaria ações ou eventos
simultâneos
44
:
(13) I sat and watched him.
(Sentei-me e o observei.)
No entanto, é possível introduzir then, o que dá uma idéia de seqüencialidade, e não de
simultaneidade.
(13a) I sat and (then) watched him.
(Sentei-me e [depois] o observei.)
Em termos de linearidade, o enunciado (13) se assemelha aos enunciados (09) a (12),
pois o vínculo léxico-semântico entre “sentar” e “observar alguém” não é tão estreito quanto o
observado entre as orações do enunciado (06) e (07): alguém poderia, por exemplo, sentar-se e
tricotar, ou sentar-se e ler um livro.
Embora as sentenças com um maior grau de linearidade pareçam ser menos
dependentes do contexto comunicativo em termos de interpretação do sentido do enunciado,
essa linearidade não assegura um sentido único aos enunciados, ou seja, mesmo assim pode-se
ter uma outra interpretação. Alguns dos enunciados acima, por exemplo, admitem também a
44
Em inglês, o verbo to sit (sentar) não retrata necessariamente uma ação pontual. Em algumas situações, tem um
sentido durativo, e é nesta perspectiva que é tomado na interpretação de (13) como descrição de eventos
simultâneos. O dicionário de Hornby (2000, p. 1252) traz um exemplo desse caso: We sat talking for hours, cuja
tradução aproximada é “Nós ficamos sentados conversando por horas”.
inserção de adverbiais com sentido não temporal. Em (07), a inserção de even so (mesmo
assim) imprime um sentido adversativo ao enunciado, indicando, por exemplo, que o
combinado era Judy não atender ao telefonema:
(07a) The telephone rang and (even so) Judy picked it up.
(O telefone tocou e [mesmo assim] Judy o apanhou.)
a inserção de therefore nessa mesma sentença resulta na interpretação contrária, a
de que o combinado era que somente Judy atendesse ao telefonema:
(07b) The telephone rang and (therefore) Judy picked it up.
(O telefone tocou e [portanto] Judy o apanhou.)
Em (10), um locutor que quisesse evidenciar a falta de “bons modos” dos meninos,
poderia produzir o seguinte enunciado:
(10a) The boys shouted and (on top of everything) they rushed forward.
(Os garotos gritaram e [ainda por cima] precipitaram-se para frente.)
Em (08), o mesmo efeito pode ser obtido no caso de o locutor ter a intenção de
enfatizar a ousadia de Haggarty em retornar após praticar suas ações violentas:
(08a) Haggarty marched him to the door, literally threw him out and (on top of everything)
he returned.
(Haggarty conduziu-o à força até a porta, literalmente atirou-o para fora e [ainda por cima]
retornou.)
A inserção de outros adverbiais nas orações de sentido temporal, no entanto, não anula
a conotação de temporalidade dos enunciados, uma vez que as ações ou eventos descritos
nessas sentenças expressam, por si só, uma noção de seqüência temporal. Cabe ressaltar que
todas as sentenças que classificamos como temporais consistem de fragmentos narrativos e,
portanto, apresentam uma ordem icônica: conforme Camacho (1999), a ordem das orações na
narrativa é paralela à ordem dos eventos do mundo real. De acordo com Mateus et al. (1983),
a ordem linear das ocorrências textuais articuladas pela conjunção deve corresponder à ordem
segundo a qual ocorreram os estados de coisas descritos.
Nas construções com and (e e) em que há uma relação de seqüência temporal, o último
segmento depende semanticamente do(s) antecedente(s). Embora a primeira oração possa ser
enunciada independentemente da segunda (no caso de o enunciado conter duas orações), é
certo que o acréscimo da segunda oração traz um novo significado a todo o enunciado. Além
disso, a segunda oração não é tão autônoma quanto a primeira, pois a sua interpretação
depende do que foi dito no segmento anterior: como interpretar a seqüência got out (saiu) ou
Judy picked it up (Judy o apanhou) sem recorrência à primeira oração? É preciso resgatar o
conteúdo do primeiro segmento para que se possa interpretar, em (06), que o sujeito saiu do
carro (e não de um ônibus, de uma sala, da casa etc.), e em (07), que Judy apanhou o telefone
(e não um livro, uma bolsa etc.). Em outras palavras, trata-se de uma coordenação assimétrica,
conforme Camacho (1999), em que o primeiro segmento é pressuposto para que o segundo
seja interpretável: negar que o sujeito de (06) abriu a porta do carro implica negar sua
conseqüência imediata, a de que ele saiu; igualmente, negar que o telefone tocou implica
negar que Judy o apanhou. É por essa razão que, muitas vezes, a inversão da ordem dos
segmentos conectados, do ponto de vista semântico, não é possível.
(05j) * She raised in Manhattan and was born in Budapest.
(* Ela foi criada em Manhattan e nasceu em Budapeste.)
(07c) * Judy picked the telephone up and it rang.
(* Judy apanhou o telefone e ele tocou.)
(08b) * Haggarty returned, literally threw him out and marched him to the door.
(* Haggarty retornou, literalmente atirou-o para fora e conduziu-o à força até a porta.)
Em (12a), a inversão é duvidosa, pois o adjetivo still significa ‘imóvel’, ‘quieto’ (mas
não necessariamente ‘calado’). Entretanto, falar (ou gemer) indica um movimento, ainda que
mínimo.
(12a) ? Eric lay still and then moaned something.
(? Eric deitou-se e ficou imóvel e então disse algo gemendo.)
Outras vezes, a inversão é sintaticamente possível, mas modifica o sentido do
enunciado:
(06b) He got out and opened the car door
(Ele saiu e abriu a porta do carro.)
(09a) She left the room and turned.
(Ela deixou a sala e virou.)
(10b) The boys rushed forward and shouted.
(Os garotos precipitaram-se para frente e gritaram.)
(11a) He led her towards the house and took her hands from her eyes.
(Ele conduziu-a em direção à casa e tirou as mãos dela dos olhos.)
(13b) I watched him and sat.
(Eu o observei e sentei-me.)
A inversão resulta na descrição de uma outra cena. Em (06b), o sujeito pode ter saído
de casa ou de uma loja em direção ao carro. Em (09a), o sujeito pode ter saído da sala e depois
se virado para a direita ou para a esquerda, ou, ainda, para trás em direção à porta. Estes são
apenas alguns exemplos de como a inversão modifica o estado de coisas descrito pelas
sentenças.
O último exemplo que apresentamos aqui destoa um pouco dos anteriores. Trata-se de
um relato narrativo, mas as ações não representam exatamente uma seqüência temporal (as
ações poderiam ter se desenvolvido alternadamente, por exemplo):
(14) Mrs. Roberts cooked, cleaned, mended, and went to meetings of the sewing club.
(A Sra. Roberts cozinhava, limpava, remendava e ia às reuniões do clube de costura.)
À primeira vista, parece se tratar de uma relação meramente aditiva, comprovável pela
adição de also:
(14a) Mrs. Roberts cooked, cleaned, mended, and she also went to meetings of the sewing
club.
(A Sra. Roberts cozinhava, limpava, remendava e também ia às reuniões do clube de
costura.)
Porém, o enunciado (14) pode mobilizar argumentos, reunindo uma série de razões
que comprovariam o desprendimento e a dedicação da Sra. Roberts. Assim, os argumentos
são de efeito cumulativo. Esse efeito é realçado se inserirmos o adverbial moreover:
(14b) Mrs. Roberts cooked, cleaned, mended, and (moreover) she went to meetings of the
sewing club.
(A Sra. Roberts cozinhava, limpava, remendava e [além disso] ia às reuniões do clube de
costura.)
A presença da conjunção repetida também pode acentuar o efeito de acúmulo,
conforme Neves (2000).
(14c) Mrs. Roberts cooked and cleaned and mended and went to meetings of the sewing
club.
(A Sra. Roberts cozinhava e limpava e remendava e ia às reuniões do clube de costura.)
Neste caso, a repetição poderia indicar uma certa intenção do locutor: comprovar o
desprendimento e dedicação da Sra. Roberts (da mesma forma que em (14b)), demonstrar a
vida ativa dessa senhora, e assim por diante.
Destaca-se que a sentença (14) apresenta um elevado grau de linearidade, graças à
conjunção de vários fatores: sujeito idêntico, aspecto narrativo e vínculo léxico-semântico
entre as orações (todas as ações referem-se ao domínio semântico das atividades domésticas;
as duas últimas são mais estreitamente relacionadas – ligadas à atividade da costura).
4.5.1.2 Verificando a linearidade marcada pela relação de causalidade
A relação causal, também denominada condicional na modalidade factual (cf.
MATEUS et al., 1983), está representada principalmente pelas sentenças (15) e (16). Ressalta-
se que ambas as sentenças não são citadas na seção referente à coordenação, mas na parte que
trata das construções causais:
(15) Her boy friend was shot in the chest and died.
(O namorado dela foi baleado no peito e morreu.)
(16) She was having great difficulty getting her car out, and so I had to move my car to let her
out.
(Ela estava tendo grande dificuldade em tirar o carro, e por isso tive de mover o meu carro
para deixar o dela sair.)
Em (16), o conectivo so (por isso, portanto) deixa explícito o sentido de causa e
conseqüência. Em (15), poderíamos inserir o so para explicitar esse sentido:
(15a) Her boy friend was shot in the chest and (so) he died.
(O namorado dela foi baleado no peito e [por isso] morreu.)
A sentença (15) retrata também uma relação temporal, o que intensifica o caráter linear
dos eventos descritos:
(15b) Her boy friend was shot in the chest and (then) he died.
(O namorado dela foi baleado no peito e [depois] morreu.)
Porém, a relação temporal fica em segundo plano, pois o sentido causal prevalece,
dado que o conteúdo proposicional do antecedente exprime razão ou condição necessária e
suficiente para que se verifique o conteúdo proposicional do conseqüente (MATEUS et al.,
1983).
A relação semântica de causa e efeito também aparece em outras sentenças da obra.
Em (17), citado na gramática como um exemplo de uso do and na função de ligar “dois fatos
relacionados entre si”, podemos perceber uma relação causal, embora menos explícita que em
(15):
(17) He gained a B in English and now plans to study Spanish.
(Ele ganhou um B em inglês e agora planeja estudar espanhol.)
É necessário apelar para o contexto para interpretar a relação de causa e conseqüência
de (17). O enunciado (17) pode ser interpretado de duas formas: o estudante pode ter tido uma
decepção no inglês, que estava acostumado a tirar A, e então planeja mudar para o
espanhol; ou, então, o estudante entusiasmou-se com a nota, pois estava acostumado a tirar C
ou D, e isso o fez decidir-se por fazer um outro curso de línguas. A decisão pode estar
relacionada com o valor que a avaliação tem para uma determinada comunidade: a escolar.
Quem fala (17), fala do ponto de vista institucional da escola, contexto em que a avaliação
exerce influência decisiva, estabelecendo uma íntima ligação entre aprendizagem e sucesso (o
fracasso na avaliação significaria a não aprendizagem). Dessa forma, a relação de causa e
conseqüência em (17) não é explícita, sendo necessário apelarmos para o contexto. Segundo
Camacho & Pezatti (1998, p. 380), “[...] o tópico comum compartilhado nem sempre está
explicitamente manifesto e identificável”, tornando-se necessário combinar os itens
explicitamente manifestos com as pressuposições e deduções para se obter uma afirmação de
identidade semântica.
A sentença (18) também é apresentada como um exemplo do uso do and para
mencionar “dois fatos relacionados entre si”:
(18) He has been successful in Hollywood and has worked with such directors as Norman
Jewison and Richard Attenborough.
(Ele tem sido bem sucedido em Hollywood e tem trabalhado com diretores tais como Norman
Jewison e Richard Attenborough.)
O fato de o sujeito obter sucesso em Hollywood pode constituir motivo ou razão para
ser procurado pelos diretores de renome, de modo que podemos interpretar o enunciado da
seguinte maneira:
(18a) He has been successful in Hollywood and (therefore) he has worked with such
directors as Norman Jewison and Richard Attenborough.
(Ele tem sido bem sucedido em Hollywood e [portanto] tem trabalhado com diretores tais
como Norman Jewison e Richard Attenborough.)
Mesmo com a inversão das sentenças, como em (18b), a relação causal se mantém,
mas esta seria de um outro tipo. Neste caso, o fato de trabalhar com diretores de renome é que
seria a razão de seu sucesso:
(18b) He has worked with such directors as Norman Jewison and Richard Attenborough and
has been successful in Hollywood.
(Ele tem trabalhado com diretores tais como Norman Jewison e Richard Attenborough e tem
sido bem sucedido em Hollywood.)
Essa interpretação causal é garantida pela experiência dos participantes da interação,
pelo conhecimento de mundo a respeito das relações profissionais no ambiente
hollywoodiano. Essas diferentes interpretações de (18) de acordo com a ordem dos segmentos
parecem evidenciar que a simples ordem das orações na sentença favorece uma ou outra
interpretação.
A sentença (19) é um enunciado em linguagem informal, uma interação tipicamente
coloquial, em que a primeira oração “contextualiza” a cena, e as duas últimas representam a
causa e a conseqüência, respectivamente. Assim, o primeiro and parece ter a função de fazer o
discurso progredir, e o segundo tem um sentido causal:
(19) Mrs Barnett has a gate and it’s not locked and that’s how they get out.
(A senhora Barnett tem um portão e ele não é trancado e é assim que eles saem.)
A sentença (20) representa um caso peculiar de relação causal:
(20) Anna had to go into town and she wanted to go to Bride Street.
(Anna teve/tinha de entrar na cidade e ela quis/queria ir à Rua Bride.)
Nesse enunciado, os verbos modais presentes mostram a junção de uma obrigação e de
um desejo de Anna. Parece haver uma conotação de causa e conseqüência, na medida em que
a primeira oração configura uma condição necessária e suficiente para que Anna realize seu
desejo: para se ir à rua Bride, é preciso entrar na cidade. Interessante observar que a inversão
evidencia esse sentido de causa-conseqüência, que pode ser explicitado pela inserção de so ou
therefore:
(20a) Anna wanted to go to Bride Street and (so) she had to go into town.
(Anna quis/queria ir à Rua Bride e [por isso, portanto] teve/tinha de entrar na cidade.)
Nas construções em que uma relação de causa e conseqüência, a segunda oração
subordina-se semanticamente à primeira, ou seja, a primeira constitui pressuposto para a
interpretação da segunda pelo fato de constituir a razão ou a condição necessária e suficiente
para que ocorra o que se descreve na segunda oração. Por essa razão, a inversão da ordem
pode resultar em sentenças ilógicas ou incoerentes, como em (15c):
(15c) * Her boy friend died and was shot.
(*O namorado dela morreu e foi baleado.)
Em (16a), as orações parecem não ser intercambiáveis se conservarmos o and na
sentença (na hipótese de inversão, a implicação causal não se mantém):
(16a) ? I had to move my car to let her out and she was having great difficulty getting her car
out.
(? Eu tive de mover o meu carro para deixar o dela sair e ela estava tendo grande
dificuldade em tirar o carro.)
Por outro lado, a inversão é possível se a conjunção subordinativa because (porque)
for empregada, caso em que o and não poderá ser usado (devido ao critério da não-
coocorrência):
(16b) I had to move my car to let her out because she was having great difficulty getting her
car out.
(Eu tive de mover o meu carro para deixar o dela sair porque ela estava tendo grande
dificuldade em tirar o carro.)
Em sentenças em que a linearidade é um pouco mais frouxa, a inversão é até possível,
mas com resultado que muda o sentido da sentença. Dessa forma, os enunciados em que
essa relação de causa/motivo e conseqüência/resultado constituem construções assimétricas
(usando a categorização de Camacho (1999)). A característica de narração dos enunciados
reforça a rigidez da ordem, uma vez que se trata de estados de coisas que requerem uma
ordem coerente com aquela desses mesmos estados de coisas no mundo real.
4.5.1.3 Verificando a relação de condicionalidade marcada
A relação semântica de condicionante-condicionado representa um tipo de relação de
causa-conseqüência, porém na modalidade não factual. Esse tipo de relação é reconhecido
pela gramática em análise. Nesse tipo de junção, a primeira oração se caracteriza como
imperativa, e a segunda contém verbo no futuro. Os exemplos em que o and expressa uma
relação de causa e conseqüência em conselhos são os seguintes:
(21) Go by train and you’ll get there quicker.
(Vá de trem e você chegará lá mais rápido.)
(22) Do as you are told and you’ll be alright.
(Faça conforme lhe foi ordenado e você ficará bem.)
(23) You put me out here and you’ll lose your job tomorrow.
(Você me põe fora daqui e perderá seu emprego amanhã.)
Em todos os enunciados, o and tem um teor conclusivo, o que pode ser reforçado pelo
acréscimo do adverbial de sentido conclusivo then, conforme Quirk & Greenbaum (1987).
(21a) Go by train and (then) you’ll get there quicker.
(Vá de trem e [então] você chegará lá mais rápido.)
(22a) Do as you are told and (then) you’ll be alright.
(Faça conforme lhe foi ordenado e [então] você ficará bem.)
(23a) You put me out here and (then) you’ll lose your job tomorrow.
(Você me põe fora daqui e [então] perderá seu emprego amanhã.)
Apesar de as sentenças (21), (22) e (23) apresentarem semelhança com relação às
noções de causa e conseqüência e de teor conclusivo do and, elas apresentam diferentes
nuances de sentido. Em (21), trata-se de uma sugestão e uma justificativa. Em (22), pode ser
uma promessa no caso de o interlocutor fazer o que lhe é previsto em sua incumbência,
poderá, digamos, ser recompensado ou promovido ou mesmo uma ameaça implícita no
caso da não-obediência, algo de ruim poderá lhe acontecer. Em (23), trata-se de uma ameaça
explícita. O fato de a primeira oração estar no modo imperativo não a caracteriza exatamente
como uma ordem ou pedido, mas equivale à construção condicional (subordinada) com if (se):
If you put me out ... (Se você me colocar para fora...).
Como toda construção que apresenta um sentido condicional implica a noção de causa
e conseqüência, a característica da linearidade também lhe é imputável, uma vez que o valor
conclusivo também é produto de ordem icônica. Porém, esta ordem não se baseia em eventos
do mundo real. O vínculo léxico-semântico entre as orações é menor, por exemplo, que aquele
observado nas relações temporais; os modos verbais não são idênticos (imperativo + futuro do
presente). Porém, a linearidade identificável é de outra ordem: baseia-se em processos lógicos.
Segundo Mateus et al. (1983), esse tipo de construção apresenta uma ordem
necessária: o antecedente é condição para que se verifique o conteúdo proposicional do
conseqüente. Nas construções condicionais, as duas orações estão mais intimamente
“amarradas” que nas construções aditivas, o que nos autoriza a afirmar que os enunciados
(21), (22) e (23) se caracterizam muito mais como orações subordinadas que como
coordenadas.
4.5.1.4 Verificando a relação contrastiva
Duas sentenças são representativas desse tipo de relação semântica. Os exemplos
trazem o adverbial adversativo yet, o que não gera dúvidas quanto ao sentido do and nessas
sentenças:
(24) It is a simple game and yet interesting enough to be played with skill.
(É um jogo simples e no entanto interessante o suficiente para ser jogado com habilidade.)
(25) I want to leave, and yet I feel obliged to stay.
(Eu quero partir, e contudo me sinto obrigado a ficar.)
Cabe lembrar que a ausência do yet não descaracterizaria o sentido opositivo da
relação com and, devido ao conteúdo semântico dos elementos conectados. Embora a
gramática de Sinclair (1990) não apresente exemplos do sentido adversativo do and
desvinculado da presença do yet, Quirk & Greenbaum (1987) mostram que é possível o and
sozinho estabelecer esse tipo de relação semântica.
As orações em (24) não são meramente opositivas, pois ‘simples’ não se opõe
diretamente a ‘interessante’. O contraste se explica pela crença de que quanto mais simples
um jogo, menos exige grandes habilidades e, conseqüentemente, mais enfadonho ou menos
desafiador é o jogo, de modo que a segunda oração encadeia-se não sobre o conteúdo da
primeira, mas sobre o significado subentendido. Assim, a primeira oração conta a favor
determinada conclusão, digamos, it’s a boring game, let’s not play it um jogo chato, não
vamos jogá-lo), mas a segunda conta a favor da conclusão contrária, digamos, let’s play it
(vamos jogá-lo). O and, nesse enunciado, introduz uma ressalva à constatação feita na
primeira oração.
Em (25), articula-se um desejo do locutor com a sua obrigação. Como a idéia de
obrigação se posiciona na segunda oração (e, portanto, constitui o argumento mais “forte”), o
locutor pretende passar uma imagem de pessoa comprometida, que põe seus “deveres” acima
de sua vontade pessoal.
A relação opositiva com and constitui, em certo sentido, um rompimento com a
linearidade, uma vez que os elementos conectados apresentam traços semânticos que
contrastam ou se opõem. Porém, a oposição que se institui é de natureza diferente da que
ocorre em algumas construções com but / mas: entendemos que a oração introduzida por and
não elimina o argumento apresentado na oração anterior, mas o mantém. Assim, em (24), o
jogo não deixa de ser simples pelo fato de ser interessante; em (25), o locutor não deixa de ter
vontade de partir, embora seja obrigado a ficar. Sendo assim, a relação opositiva / contrastiva
com and confere ao enunciado um caráter linear, porém bem menos marcado que o observado
nos exemplos relativos a outros tipos de relação (seqüência temporal, causa e efeito etc.).
4.5.1.5 Verificando a relação interfrástica
Com relação à conexão de períodos, a obra apresenta um único exemplo, em que o
and relaciona dois atos de fala (duas frases imperativas), imprimindo ênfase ao segundo
enunciado:
(26) Send him ahead to warn Eric. And close that door.
(Mande-o à frente para prevenir Eric. E feche aquela porta.)
Nesta gramática, a explicação é a de que o uso dos coordenadores, neste caso, imprime
maior dramaticidade à sentença. Neves (2000) também denomina o efeito que o conectivo tem
nesse tipo de construção como “pausa dramática”. Há, na obra, uma observação de que esse
uso (início de oração) é condenado por muitos como incorreto, mas não se esclarece o porquê
provavelmente, tais opiniões são balizadas pela concepção tradicional de que a conjunção
coordenativa não deve iniciar orações. Segundo Halliday & Hasan (1987, p. 233), esse tipo de
reserva em usar a conjunção and no início do período ocorre porque esse elemento é
geralmente visto como estrutural e não coesivo, de modo que uma tendência a considerar
como um todo não coesivo uma composição infantil com and como elo sentencial dominante.
Contudo, segundo os autores, é um fato que a palavra and é usada coesivamente para ligar
uma sentença à outra, e não apenas por crianças.
Em (26), a conexão não se no plano ideacional (isto é, não relaciona o conteúdo
proposicional das sentenças), mas no plano interpessoal, pois visa ao estabelecimento e à
manutenção de relações sociais. O exemplo retrata duas frases imperativas direcionadas a um
mesmo interlocutor, mas a natureza ou o objetivo de cada um desses atos de fala são
diferentes. No primeiro caso, trata-se de uma solicitação no sentido do cumprimento de um
dever ou da execução de um procedimento. No segundo, a ordem parece ter um tom de
reprimenda, e o fato de o and iniciar a sentença, assumindo um tom enfático, parece pôr em
evidência um sentimento do locutor, como, por exemplo, zanga ou irritação. Nesse sentido, o
segundo enunciado expressa a inserção do locutor de maneira mais evidente do que o
primeiro.
Em termos de linearidade, ocorre, em (26), uma ruptura que não pode ser atribuída
apenas ao fato de os atos de fala estarem separados em dois enunciados, ou de constituírem
ordens ou pedidos não executáveis em seqüência, mas que se deve também às diferentes
conotações das ordens ou pedidos. Essa ruptura estabelecida pelo and tem um efeito de
sentido (conforme dito acima), demarcando a posição do locutor diante do estado de coisas
representado nos enunciados.
4.6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O exame das ocorrências selecionadas na obra Collins COBUILD English grammar
(SINCLAIR, 1990) evidenciou que a conjunção and exerce funções que ultrapassam aquela
tradicionalmente prevista, a de simples juntor de termos ou orações de mesma função
sintática. Constatamos que o and estabelece relações de diversas naturezas entre as orações
que conecta, veiculando sentidos cuja identificação ocorre, muitas vezes, graças à conotação
adverbial evocada pelo and / e. Outras vezes, torna-se necessário apelar para as inferências e
para o contexto de enunciação para se detectar os sentidos pretendidos pelos locutores.
Destaca-se a grande ocorrência de orações em que o and expressa predominantemente
seqüência temporal. Esse sentido pode ser percebido, embora em segundo plano, também nas
orações em que essa conjunção estabelece uma relação predominantemente de causa e
conseqüência. Uma característica dessas sentenças de sentido temporal e causal é que todas
constituem segmentos narrativos, o que confere aos enunciados um alto grau de linearidade,
devido ao fato de as seqüências narrativas apresentarem uma ordem icônica em relação à
ordem dos eventos no mundo real. A linearidade presente nas construções com and é ainda
mais reforçada pelo fato de representarem predicados ou ações referentes a um mesmo sujeito,
característica da maioria das ocorrências analisadas. Além disso, as ações descritas nos
enunciados, em muitos casos, realizam-se num mesmo ambiente. Sendo assim, o aspecto da
linearidade se caracteriza predominantemente pelo atendimento às “expectativas” que se
criam no leitor diante da primeira oração, de modo que quanto mais próximo for o vínculo da
segunda oração com a primeira, mais linear é o enunciado.
Pelo fato de as seqüências narrativas com and reproduzirem a ordem em que os fatos
aconteceram e expressarem uma relação de causa e efeito, o primeiro segmento conectado
constitui pressuposto para a interpretação do segundo. Enunciados desse tipo caracterizam-se
por uma dependência semântica do segundo segmento em relação ao primeiro, de modo que o
conjunto é maior que a soma das partes. As construções adversativas com and também
apresentam essa relação de dependência, uma vez que o conectivo introduz uma ressalva ou
um argumento contrário ao apresentado no segmento anterior. As construções condicionais
com and apresentam uma dependência ainda maior, uma vez que o condicionado contrai uma
relação mais estreita com a condição expressa, caracterizando-se muito mais como orações
subordinadas que como coordenadas.
Os aspectos levantados com relação ao emprego do and nos enunciados mostram que
em nenhum dos casos essa conjunção tem uma função meramente estrutural. São poucos os
enunciados com and que têm a propriedade comutativa tradicionalmente atribuída às
construções aditivas. Nem mesmo as construções que apresentam predominantemente a
relação básica de adição são sempre simétricas, ou seja, somente em algumas ocorrências a
ordem não é tão rígida, embora o locutor tenha razões para dizer o que diz em uma
determinada ordem: a opção do locutor quanto ao posicionamento dos argumentos pode
evidenciar uma determinada intenção, conforme vimos nas análises.
Uma das condições reivindicadas para a conexão de orações com and é que elas
apresentem uma compatibilidade semântica ou identidade tópica. Nesse sentido, ocorreria
uma restrição selecional, ou seja, uma restrição com relação aos elementos que podem
“ladear” a conjunção. No entanto, percebe-se que, em muitos casos, certas construções com
and parecem, a princípio, não apresentar compatibilidade entre os membros conectados, sendo
necessário apelar para a experiência ou conhecimento de mundo do falante para se encontrar
um sentido para o enunciado. Freqüentemente, as condições (ou o contexto) de ocorrência do
enunciado também precisam ser acionadas para se depreender o significado possível que o
and assume em uma sentença, ou para identificar a compatibilidade semântica das orações.
Além de veicular relações semânticas de diversas naturezas, o coordenador liga
diferentes níveis de análise: articula não apenas o conteúdo proposicional, mas encadeia atos
de fala distintos, introduzindo, entre eles, relações discursivo-argumentativas distintas
(justificativa, explicação, especificação, comprovação etc.). Evidencia-se, assim, o caráter
multifuncional da conjunção: o uso nos domínios referencial, epistêmico e ilocucional. Por
essa razão, o estudo dos enunciados sob um ângulo estritamente lógico é redutor, haja vista a
necessidade de se levar em conta, na análise, não apenas as relações entre os enunciados
produzidos, mas também as que se estabelecem entre estes e a enunciação. Ou seja, além de
juntar lógica e semanticamente o conteúdo de duas proposições, o and pode estabelecer
relações pragmáticas, retóricas ou argumentativas entre as orações, períodos ou parágrafos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exame da abordagem da conjunção and na gramática Collins COBUILD English
Grammar permitiu não avaliar as orientações dadas a respeito das funções do conector,
mas permitiu também situar a gramática com relação à concepção de linguagem subjacente a
essas orientações. Identificamos uma configuração estrutural do manual que se pauta nas
diversas funções da língua, isto é, no uso dos mecanismos ou estruturas da língua inglesa para
fins comunicativos, o que caracteriza a obra como uma gramática funcional. Ressalta-se que
essa característica é anunciada no próprio texto de introdução à obra.
Esse tipo de gramática filia-se à visão estruturalista, que concebe a gramática como um
conjunto de regras efetivamente utilizadas pelos falantes na construção de enunciados da
língua: os tipos de construções possíveis, a função dos elementos lingüísticos, o modo e as
condições de uso dos mesmos. Essa noção estrutural de língua corresponde à concepção de
linguagem como instrumento de comunicação, ou seja, a língua é vista como um conjunto de
signos que se combinam segundo regras e que é capaz de transmitir mensagens de um emissor
para um receptor.
Apesar de revelar uma preocupação com o uso que se faz da língua e, nesse sentido,
uma consideração dos aspectos semântico-pragmáticos dos elementos lingüísticos a obra
não veicula propriamente uma visão sociointeracionista da linguagem, ou seja, não se
considera, na descrição do funcionamento dos mecanismos lingüísticos, o processo da
enunciação, os fatores que regem nossas escolhas lingüísticas na interação social, os efeitos de
sentido produzidos e os lugares sociais de onde falam os interlocutores.
Na avaliação a que procedemos, adotamos a concepção de discurso como uma
atividade interativa complexa de produção de sentidos, que mobiliza não o conhecimento
do “código” ou da “estrutura”, mas também um vasto conjunto de saberes a serem
reconstruídos no interior do evento comunicativo. Muitos sentidos implícitos podem ser
detectados se as condições de enunciação forem consideradas. É por essa razão que a análise
de um enunciado isolado de seu contexto de enunciação pode ser realizada se
reconstruirmos, por meio de hipóteses, esse contexto. Dependendo da situação, os sentidos
produzidos variam, o que mostra a importância de se estudarem os enunciados localizados nos
textos.
A obra Collins COBUILD English Grammar não constitui um material para reflexão
stricto sensu. uma preocupação com os processos de interlocução, dado o objetivo
centrado na aprendizagem das estruturas e usos da língua. Da mesma forma que outros
materiais didáticos para o ensino de língua estrangeira, a obra organiza descrições com base
nos ambientes interativos previstos de ocorrência. Os exemplos servem para ilustrar as
estruturas a serem usadas nesses ambientes, as quais devem ser apreendidas pelo estudante.
Pelas características apontadas, essa gramática supera a maioria das gramáticas a que
os professores de língua inglesa e estudantes de cursos de Letras freqüentemente têm acesso.
O material aborda os aspectos sintáticos e semânticos dos mecanismos lingüísticos de uma
forma mais detalhada ou aprofundada e margem para a reflexão dos aspectos discursivo-
argumentativos, embora estes não sejam orientados explicitamente pelo material. Trata-se de
um diferencial em relação às gramáticas de língua portuguesa em geral, que não sondam
funções que extrapolem o nível sintático dos elementos lingüísticos.
A gramática tradicional centra sua preocupação na distinção entre subordinação e
coordenação, mas a coordenação “pura” parece ser um mito. Talvez fosse adequado pensar na
existência de diferentes níveis de subordinação. Na chamada coordenação, evidenciam-se
diversas nuances de subordinação sintático-semântica, de acordo com a função do
coordenador no enunciado. A noção de simetria aplicada às estruturas de coordenação não se
sustenta, que a propalada “independência” das orações coordenadas é questionável. Até
mesmo a ordem das orações conectadas é pertinente para a veiculação do sentido almejado. O
locutor tem razões para dizer o que diz na ordem em que diz, e o contexto comunicativo pode
mostrar que uma conexão aparentemente lógico-aditiva revela também outras relações
semânticas.
A visão que comumente se tem de que a conjunção e / and estabelece um vínculo
meramente aditivo entre os elementos conectados também não se sustenta em vista do exame
mais atento dos enunciados. A conotação adverbial implícita de e / and margem a uma
oscilação de usos ou funções que esse elemento assume nos enunciados e textos. A aparente
“neutralidade” do e / and em comparação com outras conjunções coordenativas (tais como
mas e logo) parece ser a responsável pela multiplicidade de sentidos desse conector.
Na sua função textual, o caráter adverbial do and é mais perceptível, considerando-se
que a função do advérbio é realizar uma alteração no sentido de uma frase. A ênfase que o e /
and confere ao texto nada mais é que uma modalização que o locutor imprime à enunciação.
Pode refletir uma avaliação, um modo de ver do falante, de forma que o e / and, nessas
circunstâncias, permite a exposição do locutor. Nesse sentido, o e / and pode veicular relações
semânticas em diferentes níveis de análise, conectando, por exemplo, um conteúdo
proposicional (nível ideacional) à representação que o falante elabora da situação de interação
(nível interpessoal).
As “descobertas” possibilitadas pelo estudo das funções do e / and não têm a virtude
de apontar unicamente o funcionamento desse elemento nos enunciados ou textos (o que seria
um objetivo muito redutor), mas apresentam a vantagem de possibilitar a aplicação dessas
reflexões também na análise de outros fenômenos da língua. Nesse sentido, o estudo pode
fornecer elementos para uma compreensão mais ampla da complexidade do movimento
discursivo e argumentativo que se instaura no enunciado ou texto.
Ressalta-se que a pesquisa não esgotou todas as possibilidades de análise, mas apenas
levantou alguns aspectos que possam elucidar o funcionamento da conjunção nos enunciados
e, conseqüentemente, nos textos. Esse foi apenas um ponto de partida para se refletir sobre
como os diversos elementos funcionam no texto, e como as gramáticas explicitam esse
funcionamento, que o trabalho com a leitura é o recomendado pelos documentos oficiais
que norteiam o ensino de língua estrangeira.
Em termos de aplicação dos resultados desta pesquisa, tem-se consciência de que
muitas das discussões aqui promovidas ficam distantes das que ocorrem efetivamente em sala
de aula, no processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa. Nesse contexto, o que se quer
é que o aluno saiba usar, com o mínimo de adequação, o and (ou qualquer outro elemento
lingüístico) na construção de enunciados na língua-alvo. Porém, refletir sobre o uso possibilita
ao professor uma maior compreensão do funcionamento dos mecanismos lingüísticos nos
ambientes interativos e nos textos com que trabalha em sala de aula. O aluno dos níveis de
ensino Fundamental e Médio, bem como o aluno de curso de idiomas, não precisa tomar
conhecimento de todas as especificidades do funcionamento dos elementos lingüísticos, mas o
professor precisa conhecer bem como funciona a língua que ele ensina.
Enfatiza-se a necessidade de o professor se alimentar sempre de leituras e discussões,
além de dispor de um material de apoio adequado. Com relação ao conhecimento de como os
mecanismos lingüísticos funcionam nos textos, é importante que o professor tenha acesso a
trabalhos de pesquisadores e a manuais gramáticas que apresentem uma descrição mais
completa dos elementos da língua. Na prática, porém, o professor raramente tem acesso a
pesquisas, e as gramáticas que lhe servem de apoio apresentam, muitas vezes, descrições
superficiais, definições vagas e exemplos artificiais, difíceis de ocorrer nos textos, pois são
especialmente fabricados para ilustrar as regras. Além disso, muitas gramáticas não dão conta
de explicar o funcionamento dos mecanismos lingüísticos no texto, pois geralmente se
limitam à descrição no nível frasal. Desconhece-se a existência de uma gramática de inglês
para nativos, que poderia explicitar muitas questões observadas nos textos autênticos, e
poucos professores dispõem de uma gramática de inglês para estrangeiros mais completa.
Nessa situação, os professores acabam lidando com o texto de forma superficial (identificação
de elementos no nível do conteúdo, sem nenhuma atenção ao modo como o texto foi
construído), ou acabam aplicando os conhecimentos da língua materna, cuja descrição é
freqüentemente balizada pela gramática tradicional, com noções muitas vezes equivocadas.
Assim, esperamos, com este trabalho, contribuir para o ensino de língua inglesa tanto
nos níveis Fundamental e Médio quanto (e principalmente) no nível universitário formação
de professores de inglês –, oferecendo elementos para a reflexão sobre o funcionamento dos
mecanismos lingüísticos, especialmente se considerarmos as orientações para que o professor
trabalhe prioritariamente com textos.
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