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TRAÇO DE UNIÃO COMO
VITRINE:
EDUCAÇÃO FEMININA, IDEÁRIO
CATÓLICO E PRÁTICAS ESCOLANOVISTAS
NO PERIÓDICO DO COLÉGIO JACOBINA
ANDREA CARUSO
Orientadora: Profª Drª Ana Chrystina Venancio Mignot
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Rio de Janeiro
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TRAÇO DE UNIÃO COMO
VITRINE:
EDUCAÇÃO FEMININA, IDEÁRIO
CATÓLICO E PRÁTICAS ESCOLANOVISTAS
NO PERIÓDICO DO COLÉGIO JACOBINA
ANDREA CARUSO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Educação.
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Ana Chrystina Venancio Mignot
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Profª Drª Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Profª Drª Libânia Nacif Xavier
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2006
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CARUSO, Andrea Soares
Traço de União como vitrine: educação feminina, ideário
católico e práticas escolanovistas no periódico do Colégio Jacobina
231 fls.
Dissertação (Mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Programa de Pós-Graduação em Educação. Rio de Janeiro, 2006.
Orientadora: Ana Chrystina Venancio Mignot
1. História da Educação. 2. Periódico escolar. 3. Educação feminina
católica. 4. Escola Nova.
Dedicatória
À minha família:
aos que aqui ainda se fazem presentes,
aos que daqui já partiram.
A todos que foram autores na história dessa instituição de amor,
dedico essa suada conquista da minha trajetória.
AGRADECIMENTOS
Imaginar a concretização de mais essa etapa da minha vida sem a existência da
minha família, não seria possível. Por isso, começo a agradecer em especial à Elizabeth
Soares Caruso, mãe e melhor amiga, que sempre sacrificou sua vida em detrimento da
minha; a João Caruso Filho, meu pai, por ter igualmente batalhado para que eu tivesse
sempre o melhor em minha trajetória, trazendo em seu exemplo de vida a lição de que
todo o esforço desprendido e o sucesso alcançado valem à pena quando não
precisamos passar por cima de ninguém; a Marco Antonio Ortiz Vergara, companheiro
nas alegrias, tristezas e inseguranças desse processo, marido que, mesmo depois de
todas essas páginas escritas, ainda permanece casado comigo; e, a Marcelo Soares
Caruso, que mesmo me apelidando de irmã chata, fez-se presente nesse trabalho
ajudando, assim como meu marido, com as “complicações informáticas”.
À minha orientadora, a professora Ana Chrystina Venancio Mignot, que mesmo
à frente da equipe da revista Teias, da qual fiz parte, enxergou-me com olhos de
educadora, falando-me em um dia comum de trabalho: agora chegou a hora de você
cuidar da sua vida acadêmica. Foi a partir daí que, ao me debruçar sobre autobiografias
de mulheres professoras, pesquisa realizada por seu grupo de pesquisa do ProPEd, em
2001, apaixonei-me perdidamente por estudos de gênero. Por esse motivo, acima de
todos os outros, não poderia deixar de agradecer a quem me encontrou, antes mesmo de
eu tê-lo feito.
Não poderia esquecer-me de agradecer a todas as participantes da Costura e
Lactário Pró-Infância (CELPI), em especial à Maria Thereza Napoleão, conselheira
consultiva, que sempre me auxiliou e me acompanhou no trabalho com o arquivo da
instituição ao longo desse percurso; à Gilda Moreira Rodrigues, atual presidente da
entidade filantrópica, que me autorizou a explorar o acervo do Traço de União; à
Priscila Laginestra Tumiati, tesoureira, pelo fato de prestativamente me convidar a
aparecer na instituição, mesmo sem saber que os exemplares do periódico do Colégio
Jacobina, que tempos eu vinha buscando, encontravam-se naquele espaço
arquivados.
À Silvete Jacobina e à Maria Lina Jacobina, que mesmo não me conhecendo
previamente, dispuseram-se, após uma única conversa ao telefone, a estarem comigo na
difícil busca pela documentação utilizada nessa pesquisa. Sem elas, certamente não
conseguiria dar prosseguimento à investigação desejada, o que me faz eternamente
grata.
À Marietta Luiza Lacombe (in memoriam) uma das últimas responsáveis pelo
Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as
informações que ainda lembrava de seu tempo de atuação.
À Eunice Samy e à Rosenilda da Costa Magalhães, por terem me recebido na
sede da Organização Mundial para Educação Pré-escolar, sediada atualmente no
Colégio Bennett, disponibilizando seu tempo para procurar fontes que ajudariam a
traçar a trajetória de Laura Jacobina Lacombe; e à Dona Arlete Pinto de Oliveira e
Silva, que mesmo afastada da Associação Brasileira de Educação (ABE), dispôs-se a
procurar documentos que contribuiriam para essa pesquisa.
À Luana de Sousa Siqueira, minha grande amiga, que esteve ao meu lado nos
momentos de conquistas e também naqueles em que nada mais parecia fazer sentido. É
justamente por sempre me incentivar e oferecer palavras afetuosas, que deixo registrado
meu agradecimento impresso nessa página.
À Ana Amélia Borges de Magalhães Lopes, Gláucia Diniz Marques, Jussara
Pimenta dos Santos, Patrícia Coelho da Costa, Suzana Brunet Camacho, Inês Rocha,
Silmara de Fátima Cardoso, Rosa Maria Souza Braga, Larissa Frossard, Ameris Ribeiro,
Roberta Lopes, meu grupo de pesquisa, onde encontrei não apoio intelectual, mas
também amigas para toda vida. A essas mulheres que fazem desse espaço uma
possibilidade de troca teórica e humana, agradeço pelo apreço que tiveram por mim e
por meu estudo.
À professora Ana Maria Magaldi, que, com profissionalismo e delicadeza, a
partir da leitura do meu projeto, contribuiu com pertinentes sugestões para o avanço
dessa investigação.
Para terminar, gostaria de fazer dois agradecimentos muito especiais: a Deus e
aos espíritos de luz que por Ele foram enviados para guiar as conquistas da minha vida,
entre as quais essa dissertação; e, à minha avó, essa mulher forte e determinada que
sempre ajudou e aplaudiu de as realizações de meus projetos de vida. Devido à dor e
à saudade deixadas por sua ausência, desde maio do ano passado, os agradecimentos
dessa dissertação quase não saíram nesse momento, mas isso seria algo que ela não
aprovaria. Por isso, deixo não o meu agradecimento à Maria Freire Penna, como
também uma feliz homenagem aqui registrada, alicerçada sob a crença de que um dia
voltaremos a nos encontrar. Obrigada por ter estado presente, até o momento que lhe foi
possível, para ajudar a escrever parte dessa história.
RESUMO
Examinar como o Traço de União, periódico do Colégio Jacobina que circulou entre
1908 e 1981 –, constituiu-se um espaço privilegiado para disseminação de um modelo
de educação feminina, do ideário católico e de práticas pedagógicas inovadoras é o
objetivo dessa dissertação. Trata-se de uma pesquisa que se inscreve nas preocupações
fundamentadas em estudos sobre Escola Nova, educação católica e imprensa periódica
escolar. Estruturada em três capítulos, aborda, inicialmente, as fases do periódico a
partir do mapeamento da sua periodicidade; traça a biografia das responsáveis pelo
mesmo, visando a compreender crenças e valores que perpassam o impresso; e, por fim,
analisa temas que, pautados nas representações que emergiram, desde o início do século
XX, relativas ao papel da mulher na construção da nação, foram tratados por ex-alunas,
oradores das cerimônias de formatura e colaboradoras da seção destinada ao Curso de
Educadoras da Infância. Pretende-se com essa investigação contribuir para ampliar a
compreensão sobre os periódicos editados por escolas católicas femininas numa
perspectiva histórica.
ABSTRACT
The objective of this work is to examine how Jacobina School’s Traço de União
journal that circulated from 1908 until 1981 – became a privileged space for spreading a
model of women’s education, the catholic ideology and innovative pedagogical
practices. This research involves issues arisen from studies on “Escola Nova
educational concept, catholic education and school press. It is structured in three
chapters and, initially, it approaches the journal stages by mapping its regularity; it also
traces a biography of the people responsible for publishing the journal, in order to
understand beliefs and values that permeates the published subjects; and, finally, it
analyzes contents that, oriented by representations that have emerged since the
beginning of the twentieth century, related to the role of women in the building of the
nation, have been treated by former students, speakers of graduation ceremonies and co-
workers of the section made for the Course of Children Educators. The intention of this
inquiry is also to contribute for the understanding on journals published by catholic
schools for women, through a historical perspective.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
QUEM EMBALA O BERÇO, EMBALA O MUNDO?...........................
1
CAPÍTULO 1
FOLHEANDO O PERIÓDICO DAS ALUNAS DO COLÉGIO
JACOBINA...............................................................................................
20
1.1.
O manuscrito: nasce um jornal escrito por alunas......................................
22
1.2.
Marcas impressas de uma instituição católica e renovadora......................
34
1.2.1.
Família e escola em um projeto científico-pedagógico..............................
48
1.2.2.
Propagandas, ciência e consumo modernos...............................................
53
1.3.
A escrita jovem e o pacto com o catolicismo nas décadas de 30 e 40.......
61
1.4.
A crise dos ideais da revista em meio ao novo cenário nacional da
década de 50...............................................................................................
75
1.5.
O ponto final da história: a despedida do Traço de União.........................
100
CAPÍTULO 2
AS RESPONSÁVEIS PELO TRAÇO DE UNIÃO.................................
106
2.
As biografias das responsáveis pelo periódico...........................................
108
2.1.
Isabel Jacobina Lacombe: a fundadora do Colégio Jacobina....................
112
2.2.
Laura Jacobina Lacombe: uma educadora a serviço da fé......................... 123
2.2.1.
Viagens pedagógicas e legitimação no cenário educacional......................
125
2.2.2.
Publicações da educadora católica.............................................................
135
2.2.3.
Militância católica e formação de educadoras............................................
145
2.3.
Marietta Luiza Lacombe: a discreta editora do periódico..........................
154
CAPÍTULO 3
DISCURSOS PUBLICADOS SOBRE A MISSÃO DA MULHER
NA SOCIEDADE.....................................................................................
161
3.1.
Divulgando o Jacobina: lar das antigas, recanto das mães de família,
berço das militantes católicas.....................................................................
165
3.2.
“Ecos”: o papel social feminino nos discursos de formatura.....................
176
3.2.1.
Direção, professores e alunas por uma nação católica............................... 179
3.3.
Curso de Educadoras da Infância: elo entre preceitos católicos e
renovadores.................................................................................................
201
CONSIDERAÇÕES FINAIS
MULHERES, TRABALHAI PARA RECONSTRUÇÃO DE UM
MUNDO DIFERENTE............................................................................
215
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................
224
A MÃO QUE EMBALA O BERÇO, EMBALA O MUNDO?
À primeira vista, não seria possível perceber a riqueza existente nas
delicadas páginas do Traço de União amareladas pelo tempo. Escritos,
inicialmente em 1908, em papel almaço e à caneta tinteiro, os jornaizinhos
foram ganhando novas formas, ao longo do tempo, e se transformaram no órgão
de comunicação oficial das alunas do Colégio Jacobina. Guardados no antigo
armário do segundo andar de um velho casarão
1
, esses registros, em um
primeiro encontro, causaram um misto de sensações que despertaram o desejo
de dialogar com esse passado: Quem o escreveu? Em que circunstâncias o
criou? A quem se destinava? Como se desenvolveu? Quanto tempo durou?
Quais ideais influenciaram sua escrita?
Muitas seriam as formas de responder às inquietações que provocam
uma pesquisadora que tem em suas mãos um documento valioso como esse.
Para compreender os discursos que permeiam essa escrita, foi necessário
entender primeiramente o funcionamento do jornal em diferentes momentos.
Visando a descortinar o cenário da época em que o Traço de União foi escrito,
buscou-se compreender também a educação feminina católica daquele tempo e
a importância dessa escrita em um colégio religioso e inovador.
Apesar de ter sido uma iniciativa familiar, a fundação do Colégio
Jacobina em 1902, acompanhou o mesmo projeto das instituições de ensino
privado feminino que se instauravam no fim do século XIX e nos primeiros anos
do século XX no Brasil. Sendo em sua maioria iniciativas de congregações
religiosas, criadas com a finalidade de atender ao público feminino, essas
instituições, de acordo com Chamon (2005), procuravam responder às
demandas de uma sociedade que vinha se modernizando e fazendo novos apelos
à educação da mulher burguesa. Preocupadas fundamentalmente com as filhas
da boa sociedade, essas escolas visavam a preparar, sobretudo, para o universo
doméstico familiar.
Quando não partiam das congregações religiosas, essas iniciativas
educacionais apareciam retraidamente no âmbito doméstico, mas, geralmente,
também sob alicerces religiosos, como foi o caso do Jacobina. Fundado a partir
de uma experiência de ensino num casarão situado no bairro nobre de
Laranjeiras, Isabel Jacobina Lacombe, carinhosamente chamada de D. Belinha,
e sua irmã Francisca Jacobina Lacombe, a D. Chiquita, propuseram-se a criar
uma instituição que se desenvolveu ao longo do século XX.
Eternizado sob a forma de registro escrito, esse colégio instituiu seu
periódico, o Traço de União, que guardou, ao longo de quase setenta anos,
versões femininas acerca da história de sua instituição católica de ensino de
renome, que teve à sua frente mulheres que se destacaram por sua atuação e por
seu investimento no cenário educacional brasileiro, como assinalou Lourenço
Filho no Livro de visitas do colégio, merecendo, posteriormente, um espaço no
periódico:
1
O velho casarão a que essa introdução se refere é a CELPI, instituição sobre a qual falaremos mais à
frente.
Sou partidário de uma educação renovada; partidário convicto, embora talvez um
pouco desorientado. A impressão que devia colher, pois, de uma visita às aulas do
Curso Jacobina, não podia deixar de ser senão a de verdadeira maravilha. Esta obra é
notabilíssima. Não lhe vejo só valor pedagógico, mas social relevantíssimo.
A escola nova que se pretende levantar no Rio, em vista da Reforma Fernando de
Azevedo, poderá em muitas cousas aqui inspirar-se para mais prompta adaptação dos
novos princípios e práticas escolares que nos convenham. Felicito calorosamente às
Exmas. Directoras e Professoras e agradeço de coração, o infinito prazer que me
concederam, dando-me permissão para visitar as classes, onde se vê realmente a
Educação funcional – Lourenço Filho.
2
Ainda que tenha se tornado a expressão de um grupo que se apropriava dessa
imprensa com objetivos específicos de divulgação, o periódico começou a ser
escrito a partir de uma iniciativa informal. Em Como Nasceu o Colégio
Jacobina, livro publicado em 1962, encontram-se as primeiras pistas que
permitem compreender o surgimento do jornal Traço de União em meio ao
desenvolvimento do curso. Recordando os primeiros anos da escola, Laura
Jacobina Lacombe, situou a importância que ele foi adquirindo no cotidiano
escolar, ao registrar que sua mãe Isabel Jacobina Lacombe, filha do Dr.
Antonio de Araújo Ferreira Jacobina
3
, recebeu, incentivada por seu pai, uma
educação que contemplava o que havia de mais moderno em educação no final
do século XIX. Retratado por Laura Jacobina Lacombe, como um homem de
vasto interesse em assuntos educacionais, que participou ativamente na
formação de sua filha junto à direção do Colégio Progresso, do qual era
conselheiro, Dr. Jacobina cuidou de sua instrução, para que ela tivesse um
conhecimento além do das mulheres daquela época. Isso porque, como
2
S/ a. “Noticiário”. Traço de União, n. 1, p. 9.
3
Segundo os estudos de Alves (1997), Dr. Jacobina após ter estudado em Coimbra, recebendo o grau de
Doutor em Ciências Físicas e Matemática e ter concluído Filosofia em Paris, conheceu Paulo Barbosa,
mordomo da Corte Imperial, em uma missão diplomática na Europa. Logo quando retornaram ao Brasil,
Dr. Jacobina foi nomeado ajudante de mordomo da Casa Imperial, cargo que lhe fizera freqüentar os
salões de frivolidade da Corte, onde tomou aversão ao ambiente em que tinha que conviver, exercendo
uma crítica severa à precária moral a que tinha acesso na vida festiva da Corte Imperial, que se
encontrava já em decadência no final do século XIX.
mordomo da Corte, ele havia tomado aversão ao ambiente fútil em que tinha
que conviver e, acabou buscando, dessa forma, o caminho inverso para sua
filha. Em uma carta escrita quando se encontrava em Mogi-Guaçu, no ano de
1888, ele deixa claro à Isabel a intenção que tinha ao lhe proporcionar esse tipo
de educação:
Quando completares teus estudos, nesse dia compreendereis que a idéia de teu pai de
te dar uma educação mais elevada não foi só fruto de rabugice, mas que representa
para ti um capital e um gozo, porque as cousas com que se ocupam as mulheres são
geralmente futilidades e espero que um dia te sentirás acima do comum e isto é,
também, um prazer tanto mais que verás tanta cousa que o comum não vê: então te
recordarás de teu velho pai...
4
Dando continuidade a seu aprendizado, baseando-se nos métodos do Colégio
Progresso no qual se formou e, posteriormente, iniciou o exercício do
magistério, Isabel Jacobina Lacombe, após se casar com Domingo Lourenço
Lacombe, percebeu que na capital republicana não existiam muitos
estabelecimentos de ensino inovadores semelhantes ao Colégio Progresso e, em
1902, fundou consentida pelo marido
5
, um curso em sua casa, com intuito de dar
a suas filhas uma educação de excelência como à que teve acesso no século XIX.
Em uma das férias dessa pequena instituição, no ano de 1908, as filhas de Isabel,
assim como as primeiras alunas desse Curso, tendo pela primeira vez autorização de
seus pais para viajarem sozinhas, foram para a casa de familiares na Fazenda Morro
Alto, localizada na cidade de Amparo, em São Paulo. Como gostariam de enviar
notícias para seus pais no Rio de Janeiro, criaram um jornalzinho manuscrito, cujo
nome escolhido foi O Traço de União. Foram escritos dois exemplares.
6
Alguns anos mais tarde, Laura Jacobina Lacombe, sua irmã Mabel Jacobina
Lacombe e mais três meninas moradoras do Curso, que ainda não tinha nome,
escreveram novo jornalzinho manuscrito para mandar notícias ao Padre Rezende,
4
Antonio Jacobina apud Lacombe, 1962, p. 62.
5
Segundo Moraes (2003) ainda em 1916, o Código Civil conferia à mulher um lugar subordinado ao
homem na organização da família. Ao se casar, a mulher acabava por perder sua capacidade civil plena,
cabendo ao marido dar a autorização para que ela pudesse trabalhar, realizar transações financeiras e fixar
residência.
6
Essa informação foi obtida por meio do livro Como nasceu o Colégio Jacobina. No entanto, no acervo
hoje existente na CELPI, não foram encontrados outros jornaizinhos desse período, além dos citados
nesse texto, que seriam um exemplar de 1908 e dois exemplares de 1910.
cônego que as orientava em sua formação religiosa e considerado por elas um grande
amigo, que fora transferido da paróquia localizada na zona sul do Rio de Janeiro,
próxima ao Curso, para outra na zona norte. A esse jornalzinho, elas também deram o
nome de Traço de União, nome este que permanecerá ao longo do tempo.
Passados muitos anos, em 1924, ainda inspirada no jornalzinho Progresso,
periódico da instituição de mesmo nome, onde Isabel e Chiquita estudaram, Laura,
juntamente com sua mãe e sua tia, decidiu que o, agora, Curso Jacobina também deveria
ter uma publicação própria. Foi que nasceu o impresso que teria o mesmo nome
daquele criado em 1908: Traço de União. Em uma das “Croniquetas”, é possível
identificar os objetivos do periódico:
Essa pequena e tímida folha, organizada pelas alumnas do Curso Jacobina, que neste
momento apparece como uma luz obscura no meio dos jornaes cariocas, vem solicitar
a condescendência do público, para com as minúsculas e pouco desenvolvidas
intelligencias que o formam, assim como, o apoio dos que, nelle vão escrever, para que,
dentro em breve, possa se tornar um interessante jornal, retratando as aspirações e
boas idéias de cada um de seus componentes.
Havemos trabalhar bastante para que elle possa merecer a benevolência do público
amigo e revelar aos olhos de todos que, possuímos algumas collaboradoras bastante
intelligentes, que, talvez, venham a ser, para o futuro, hábeis e talentosas escritoras.
Porém, para que isso se realize satisfactoriamente, contamos com o auxílio de nossos
bons mestres, que como hábeis educadores e amigos, então venham de boa vontade,
nos ajudar, bem como o valioso concurso das nossas ex-colegas, que assim terão
occasião de entrar novamente em comunicação comnosco, ratificando assim o nome do
jornal. (...).
7
Escrito predominantemente pelas alunas do Colégio, o Traço de União, então, é
oficializado no período compreendido entre 1924 e 1981, quando pretende, como
sugerido pelo próprio nome, ser o elo entre atuais e antigas alunas da instituição. Além
das novidades e do cotidiano do colégio, o periódico também divulgava as notícias
daqueles que faziam parte da histórica instituição que era assumidamente católica.
Desta forma, mantinha todos os interessados informados sobre a rotina escolar e
divulgava os métodos inovadores adotados pela instituição, que era tida como modelo
do que havia de mais recente em pedagogia, desde o início do século no Rio de Janeiro.
O periódico teve, na maioria dos números publicados, uma espécie de marca
di
stintiva no expediente, onde aparecia o seu nome sendo desenhado por crianças no
7
Fridoline. “Croniqueta”. Traço de União, 1924, n.1, p.1.
início da primeira página. Acima do nome vinha o ano de publicação em algarismos
romanos, o mês junto ao ano e o número do periódico. Dentro desse espaço,
encontramos, também, de forma não regular, os nomes dos responsáveis pela
elaboração do Traço e o preço cobrado por sua assinatura.
Organizado em seções e artigos, a publicação que ora era chamada de Nosso
jornalzinho, ora de Revista do Colégio Jacobina,
8
agrupava as notícias de acordo com a
série a que a aluna pertencia, gerando, ao longo das décadas, títulos como: “O
Clássico escreve”, “Traço das Antigas”, “Tracinho” (espaço destinado ao primário),
“Traço das Educadoras” e etc, onde se percebe a forte presença da religiosidade na
redação de grande parte dos textos, uma vez que a fundadora do colégio Isabel Jacobina
Lacombe e sua filha e sucessora na direção da instituição, Laura Jacobina Lacombe,
foram importantes militantes católicas.
Por suas páginas, eram contemplados assuntos como moda, literatura, esporte, história, cotidiano escolar, educação
no país, passeios e excursões internacionais realizadas por alunas e direção, nascimentos, falecimentos, notícias das antigas
alunas, arte, comemorações, entre outros. Porém, é possível inferir que, enquanto esses diversos assuntos transitaram ao longo
dos anos de publicação, os assuntos ligados à religião foram, de fato, constantes e permanentes, ainda que em algumas fases
tenham sido mais enfatizados do que em outras.
Católicas fervorosas, Isabel e Laura Jacobina Lacombe faziam questão de que celebrações religiosas, visitas de
membros da Igreja ao colégio, missas de formaturas, mensagens de fé e de comportamento de boas cristãs, textos sobre
virtudes, regras morais e o papel da educadora na sociedade estivessem presentes nas páginas do Traço de União. Na maioria
das vezes, as próprias alunas expressavam tais crenças e produziam textos e imagens para perpetuação dos preceitos religiosos
8
É possível perceber que esse fato aconteceu em vários períodos da publicação, até mesmo quando o
jornal passa a ser considerado revista.
Marca distintiva do periódico do Colégio Jacobina. Traço de União. Arquivo da CELPI.
entre aqueles que eram considerados da família Jacobinense
9
, o que contribuía para criar um modelo de mulher dentro daquela
instituição formadora.
Vitrine do cotidiano escolar do Colégio Jacobina, o jornal, que em 1929 se torna
revista, era composto por textos e imagens que revelaram, ao longo de décadas,
a diversidade que atravessava o campo educativo em meio à hetereogenidade de
seus autores que, de forma singular e não neutra, contribuíram para o
entendimento das práticas institucionais de uma época e, conseqüentemente,
para a construção de uma memória coletiva: O ‘Traço de União’, além de ser um
hyphen amistoso entre as antigas e as actuaes alumnas do Curso Jacobina, é,
também, uma espécie de registro dos factos mais interessantes, passados entre as
alumnas e professora.
10
Apesar de ser possível encontrar a assinatura de alguns raros nomes masculinos,
pode-se afirmar que as maiores colaboradoras do Traço eram as próprias alunas que,
escrevendo e desenhando em suas páginas, traçavam as práticas escolares de seu tempo
dentro daquela instituição que era freqüentada por famílias de alto capital cultural e
econômico. Contudo, podemos perceber que, assim como anunciado nos expedientes
dos primeiros números publicados do jornal, os colaboradores englobavam Todos os
professores e todos os atuais e antigos alunos do Colégio Jacobina. A esses, se somava
a direção que geralmente tinha um lugar de destaque para que pudesse se comunicar,
por meio desse veículo, com alunas e ex-alunas.
Desenvolvido em um período no qual as mulheres tinham a possibilidade
de sair dos bastidores para ocuparem lugares no cenário público, o Traço de
União permite compreender o cotidiano feminino nas distintas épocas nas quais
foi escrito: o modelo de educação recebido, intenção da instrução oferecida,
dificuldades e aberturas de inserção social, valorização como profissional e
mulher, modos de agir, pensar e atuar. Aliás, estas são algumas possibilidades
de compreensão que esse tipo de estudo, por meio da imprensa, e da imprensa
pedagógica, em especial, viabiliza, pois
A análise da imprensa permite apreender discursos que articulam práticas e teorias,
que se situam no nível macro do sistema mas também no plano micro da experiência
concreta, que exprimem desejos de futuro ao mesmo tempo que denunciam situações do
presente. Trata-se, por isso, de um corpus essencial para a história da educação, mas
também para criação de uma outra cultura pedagógica.
11
Com as grandes mudanças ocorridas no âmbito político e econômico que se
aceleraram no século XX, a posição feminina na sociedade foi profundamente
modificada. A mulher da classe média que até então cumpria prioritariamente o papel
9
Essa expressão era utilizada em alguns textos do Traço de União correspondendo a alunas e ex-alunas,
pais, professores, direção e colaboradores do Colégio Jacobina, religiosos ou não.
10
Selva. ‘Croniqueta’. Traço de União, 1924, p. 1.
11
Nóvoa, 2002, p. 11.
de rainha do lar, agora transpunha os limites do doméstico e ingressa no mundo de
trabalho, que fora convocada a cumprir um novo papel diante do que o sistema
econômico lhe exigia. Relacionado com as idéias de doação, não-obrigação, abnegação,
não-necessidade, o trabalho feminino foi inicialmente sinônimo de atividade voluntária.
Isso porque a preparação das filhas das camadas mais favorecidas da sociedade, nunca
deveria ser para sua profissionalização ou para qualquer outro tipo de trabalho que
estivesse ligado, de algum modo, à atividade remunerada (Chamon, 2005). Ainda que,
no começo, o ingresso das mulheres burguesas no universo público tivesse ocorrido de
forma desvalorizada, pode-se dizer que foi a partir dessa brecha que os alicerces do
antigo mundo feminino se modificaram, atingindo, dessa forma, as próprias bases da
sociedade como um todo.
A escrita feminina desse período, então, apresenta-se como um valioso meio de
entendimento das práticas de um tempo que foi decisivo para a emancipação do gênero.
Dentro desse contexto, percebe-se que as pesquisas sobre a mulher-de-ontem,
12
a partir
da imprensa feminina, ganham maior interesse principalmente no que diz respeito ao
período do entre-séculos (segunda metade do séc. XIX e primeira década do séc. XX)
que é quando esse veículo de comunicação cresce e se desenvolve. Segundo Coelho
(2001), ter acesso à imprensa feminina desse período é bastante relevante porque mostra
o alto nível de conscientização alcançado pelas mulheres cultas daquele tempo e o
quanto elas contribuíram para a preparação dos caminhos de hoje.
Partindo desse entendimento, acredita-se que a trajetória da expansão do
Colégio Jacobina e o desenvolvimento de seu impresso, desse modo, possibilitam
compreender como as mulheres de classes privilegiadas foram, aos poucos,
conseguindo modificar a sua história, já que as próprias fundadoras da
instituição, embora se apropriando principalmente de uma justificativa
maternal e doméstica, foram educando outras mulheres que deram
continuidade à formação recebida e ampliaram seus espaços de atuação.
Sendo assim, essa pesquisa se apoiará, a partir dos discursos veiculados no
Traço de União, na tentativa de compreender as relações e tensões de uma dada
sociedade considerando, como nos sugere Chartier (2002), que não existe prática ou
estrutura que não seja produzida pelas representações, contraditórias e afrontadas,
pelas quais os indivíduos e os grupos dão sentido a seu mundo.
13
Debruçar-se sobre as
páginas deste periódico significa entender que a sua própria existência deriva de uma
preocupação comum dos educadores que disseminaram novos métodos de ensino. A
12
Termo utilizado por Coelho (2001).
13
Chartier, 2002, p. 66.
imprensa escolar para eles teve entre seus inspiradores Celestin Freinet, um dos artífices
da Escola Nova na Europa, que defendeu, de acordo com Elias (1997), que a educação
deveria permitir que cada aluno expressasse seus sentimentos e suas emoções,
impressões e reflexões. Criou para que isso se efetivasse, entre outros métodos, a
imprensa escolar, onde por meio de elaboração de jornais, os alunos pudessem
compartilhar leitura com os amigos e familiares. Desde aí, segundo o autor, a
linguagem e a escrita são vistas como meios expressivos não exclusivos do professor ou
de um manual. A criança pode falar livremente, escrever o que deseja. A imprensa
prolonga a expressão escrita, permitindo-lhe ver o que escreve para ser lido pelos
colegas e outros.
14
O fato do periódico ser percebido como um veículo de comunicação que
mesclou ideais foi o que impulsionou esse estudo. O Traço de União se por um lado se
mostrou como o maior divulgador dos métodos inovadores praticados no Colégio
Jacobina para instruir filhas de uma elite carioca, por outro se manteve preso até o fim
de suas edições a concepções tradicionais a respeito do papel feminino na sociedade.
Por isso, faz parte do horizonte desta investigação entender como esse periódico
fundamentado nas representações acerca da idéia de mulher como construtora da nação
propagou, a partir de uma ótica própria das suas responsáveis, discursos sobre
educação feminina renovadora e católica; mulher e trabalho; militância católica
feminina; e escola e família.
A idéia de mulher como construtora da nação é inspirada no estudo de Müller
(1998), no qual a autora se propõe a compreender como os ideais de construção da
nação brasileira que emergiram com a Primeira República produziram sua principal
artífice: a professora primária. Essa concepção que avançou até as primeiras décadas do
século XX, de acordo com a mesma, possibilitou que a mulher, ao assumir essa tarefa
de dar sentido à nação, à pátria, acabasse reinventando sua cidadania, justamente por
passar a ter possibilidade de sair da esfera privada para ocupar a pública, dando, dessa
maneira, sentido e legitimidade à sua inserção profissional.
Os discursos publicados no Traço de União apontam para o fato de que o
Colégio Jacobina se fundamentou nessa idéia de construtoras da nação para instruir suas
alunas, independente dessas optarem pelo magistério. Isso porque as suas dirigentes
consideravam que toda mulher era educadora por natureza devendo, por isso, atuar
14
Elias, 1997, p. 88.
prioritariamente na educação dentro de seus lares e/ou nas escolas, como professoras,
quando assim o desejassem ou fossem permitidas. A partir da educação integral
oferecida por essa instituição renovadora e católica, defendia-se que a mulher estaria
preparada para instruir e formar a consciência dos futuros cidadãos, fosse no âmbito
privado ou no público, objetivando com isso tornar o país mais civilizado, caminhando
em direção ao progresso, pois a mão que embala o berço embala o mundo.
15
Dessa maneira, se no início do século XX, os discursos publicados se pautavam
na idéia de que no feminino se encontrava a essência para a construção de uma
verdadeira nação, ao longo das décadas, é possível ver que a tônica desse mesmo
discurso também passou a girar em torno de palavras como transformação e
reconstrução dessa nação. Contudo, esses ideais sobre a suposta missão da mulher na
sociedade, a partir da década de 50, passaram a não ser tão bem aceitos como antes
pelas alunas, colaboradoras do Traço de União, fato esse que acabou influenciando as
edições da revista.
Toma-se como ponto de partida os estudos de Nóvoa (2002) sobre
imprensa escolar, em que se entende que o Traço de União, a exemplo de outros,
é um lugar de afirmação do grupo e de uma permanente regulação coletiva,
onde além de se ter uma melhor ilustração da riqueza trazida pela diversidade
que atravessa o campo educativo, também é possível encontrar pistas para o
estudo das mentalidades e práticas.
Chegar a esse entendimento, porém, exigiu bastante esforço, não porque o
arquivo é complexo e extenso, como também pelo fato de o Traço de União não ter sido
facilmente encontrado. Inicialmente sabia-se de sua existência na Biblioteca Nacional,
localizada no centro do Rio de Janeiro. No entanto, a coleção se apresentava de modo
bastante incompleto não permitindo entender questões básicas referentes sequer à sua
morfologia.
Isso levou a uma quase desistência desse tema, que as inúmeras andanças em
busca de pistas que fizessem obter informações mais concretas sobre o paradeiro da
coleção completa, em nada resultavam. A fonte mais certa dessa memória, devido a
problemas decorrentes de sua idade, não mais teve condições de prestar testemunho
ou indicar caminhos. Trata-se de Mariettinha Luiza Lacombe, a última editora do
periódico, que tempos com saúde debilitada, acabou falecendo no final de 2004. Foi
e
ntão que após diversas ligações feitas às famílias Lacombe e Jacobina que constavam
nas Páginas Amarelas, Maria Lina Jacobina se sensibilizou com a pesquisa se
15
Essa frase aparece no Traço de União em várias fases, entre as quais, no periódico de 1939, n.1, p.3.
prontificou a ajudar, no sentido de reunir parentes para auxiliar nessa empreitada de
busca dos periódicos, que outrora ajudaram a construir parte da história e da identidade
dessa tradicional escola da família. Assim, após o contato com sua prima, Silvete
Jacobina, chegou-se a Priscila Laginestra Tumiati, Tesoureira da Costura e Lactário
Pró-Infância (CELPI), que prestativamente marcou uma ida a essa instituição.
A CELPI é uma instituição filantrópica não governamental fundada em 1925
pelo Monsenhor José Antônio Gonçalves de Rezende e por Maria Amélia Lacombe, ex-
aluna do Colégio Jacobina, com o intuito inicial de costurar para recém-nascidos da
Maternidade Escola, localizada em Laranjeiras. Nomeada, primeiramente, Grupo Sta.
Terezinha de Jesus, a instituição foi crescendo e atendendo outras maternidades, além
de se responsabilizar por outras novas atividades, como aulas de catecismo e
distribuição de brinquedos e roupas no Natal para as crianças do bairro. Pode-se
observar que o Traço de União sempre foi um grande estimulador dessa obra,
publicando os grandes feitos da instituição filantrópica e pedindo constantemente o
auxílio de pais e alunos durante as décadas em que foi escrito como impresso.
Funcionando até os dias atuais, atualmente com sede em Botafogo, ela é a referência
mais viva que sobrou do Colégio Jacobina, pois todas as terças-feiras algumas ex-alunas
da instituição educacional, principalmente as formadas entre as décadas de 1940 e 1950,
encontram-se para costurar para recém-nascidos de classes populares e para tomar o chá
da tarde juntas.
Logo ao chegar a essa instituição, foi possível sentir o acolhimento promissor
que faltava a essa pesquisa. Ainda não sabendo completamente o que esse lugar
reservava, inicialmente todas as ex-alunas se dispuseram a disponibilizar informações.
No entanto, entre todas, foi a bibliotecária do grupo, Dona Maria Thereza Napoleão
(Conselheira Consultiva), que se dando conta da importância do material guardou-o
no segundo andar da casa, viabilizando a presente pesquisa. Assim, tanto ela quanto
Dona Gilda Moreira Rodrigues (atual Presidente), em especial, merecem ser aqui
destacadas, pois foram as responsáveis pela liberação da consulta dos exemplares do
Traço de União pertencentes ao arquivo dessa instituição.
Apesar de sempre quando solicitadas, elas se mostrarem prontas para dar suas
diversificadas versões, não foram adotados como fonte privilegiada os relatos orais. Isso
porque além de elas não terem participado do processo editorial, também o grande foco
desse estudo se situa no entendimento dos discursos publicados como produtos e
produtores de significados desse periódico.
Cabia, assim, à autora dessa proposta descobrir o que circundava todo aquele
universo de escrita. Em alguns momentos, essas ex-alunas foram solicitadas a esclarecer
alguns aspectos, como no caso do fim do primeiro Curso Normal que o Colégio
Jacobina tentou implantar. A falência desse curso foi simplesmente silenciada no Traço
de União, apenas percebia-se que as colaboradoras normalistas pararam de publicar no
periódico. Nesse sentido, uma ex-aluna ajudou a esclarecer que as normalistas pararam
de escrever, pois o curso durou poucos anos devido ao baixo número de matrículas,
sendo, por isso, o colégio obrigado a desistir desse investimento.
Outras questões como estas não puderam ser respondidas de modo mais oficial.
A documentação do Colégio parece ter sido descartada, seguindo a legislação
vigente,
16
por sua última gestão e por isso, até mesmo o número de matrículas,
ao longo dos anos, não foi possível conhecer para ter uma noção da tiragem da
revista. Pelos dados levantados no próprio periódico, foi possível saber que a
distribuição do impresso chegou a ser feita para mais de 1000 alunas que pelo
colégio circularam, sendo enviado, inclusive, para aquelas ex-alunas que
estavam fora do país. Porém, não foi possível saber a tiragem exata de
exemplares do Traço de União em cada fase de sua publicação, pois esse é um
dado que não aparece em nenhuma edição da publicação, e não há indicações
em outros documentos que serviram como fontes ao longo dessa pesquisa: livros
publicados por Laura Jacobina Lacombe, Como Nasceu o Colégio Jacobina,
Moral cristã e educação, A escola e a vida; documentos pertencentes ao arquivo
da OMEP; o Regimento do Curso Jacobina existente na Biblioteca Nacional; a
moção expedida pela Deputada Yara Vargas em decorrência da morte de
Laura; e a dissertação de mestrado de Luciana Pazito Alves, O Curso Jacobina:
uma experiência de modernização em uma instituição católica (1920/30), que
tendo por objetivo compreender a adoção do escolanovismo no cotidiano dessa
instituição católica feminina, acabou deixando pistas importantes para meu
estudo que procurou, diferentemente do anterior, examinar a importância do
Traço de União na disseminação de preceitos católicos e de métodos inovadores
que estavam alicerçados em determinado modelo de educação feminina
defendida pelas dirigentes da escola e responsáveis maiores pelo periódico.
16
De acordo com as Normas do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, o Artigo n.1 da
Deliberação nº. 239/99, que “Regulamenta o arquivamento de documentos escolares em instituições de
educação básica do Sistema Estadual”, determina que “Arquivo escolar é o conjunto, rigorosamente
organizado, de documentos e informações que comprovem, inequivocamente, a identidade e os fatos
relativos à escolaridade de cada aluno e do conjunto de alunos da instituição escolar e evidenciem, ao
mesmo tempo, os aspectos de organização e ão da escola referentes ao processo de educação e ensino
vivenciado pelos alunos, ao longo de todo o período de funcionamento da instituição.” No entanto,
quando um estabelecimento de ensino é fechado, como foi o caso do Colégio Jacobina, o Parágrafo único
do Artigo n.3 dessa mesma Deliberação determina que “Cessadas as atividades da instituição de ensino,
todos os seus arquivos serão arrolados pela mesma e, em seguida, conferidos e recolhidos ao órgão
regional da Secretaria de Estado de Educação, por Comissão Especial para tal designada, passando a
constituir acervo desta Secretaria, para fins de autenticação de documentos emitidos pela instituição
extinta, ou de emissão de vias autenticadas ou de certidões, sempre que solicitadas pelos interessados, na
forma definida pelo Órgão.” A esta documentação não tive acesso, pois a Coordenadoria de Inspeção
Escolar da Secretaria Estadual de Educação (SEE/RJ) ainda está em processo de organização do arquivo.
Assim como a tiragem, a distribuição do impresso foi outra questão que não se
pôde precisar, apenas acredita-se que para que essa fosse efetivada, teriam variado, ao
longo dos tempos, as formas de cobrança. Nesse sentido, relatos orais das ex-alunas
jacobinenses, referidas, conduziram a diferentes versões relacionadas à aquisição do
Traço de União. Algumas disseram que o valor da assinatura era descontado na
mensalidade do colégio e vendido para as ex-alunas. Outras, contrariamente,
defenderam que nunca foi cobrado valor algum para que as alunas obtivessem os
exemplares. Marietta Luiza Lacombe
17
, responsável pelo periódico durante vinte e três
anos, na última conversa telefônica que tivemos, afirmou que a revista era distribuída
gratuitamente entre as alunas, sendo somente cobrado um valor a pessoas externas à
instituição que viessem a se interessar pela publicação. O dinheiro arrecadado com a
venda ia para a CELPI que assistia a população carente. Disso tudo, a única coisa que se
pôde perceber com maior clareza foi que junto ao expediente apareciam valores em
cruzeiros para aquisição de um exemplar do periódico ou para sua assinatura anual.
Pode-se dizer, assim, que todas as dificuldades encontradas para obtenção de
outras fontes para essa pesquisa acabaram aguçando ainda mais o desejo de penetrar
nesse mundo, predominantemente traçado por mulheres.
Pautei-me nos estudos de historiadores da área de educação que atualmente têm partilhado da análise de novas fontes, buscando
perceber as representações sociais apreendidas pelo discurso dentro de uma dada instituição e/ou grupo, e as diferentes
apropriações que os sujeitos fazem a partir desse discurso. Trata-se, portanto, de buscar compreender as práticas, os valores, as
normas de conduta que se tecem no cotidiano dos diferentes agentes escolares e deixam seus rastros em documentos
institucionais como, por exemplo, os periódicos, fornecendo inúmeras possibilidades de leitura das dimensões da vida escolar
principalmente no que consiste ao universo feminino.
No conjunto dos estudos sobre imprensa pedagógica, os estudos sobre imprensa periódica escolar, como os de Sousa (1997),
Santos (2004) e Cunha (2002) apontam para fato de que outros jornais de instituições educacionais católicas existiam há tempos
com a finalidade de veicular determinados discursos. Publicações como Auxílium, do colégio paulista Santa Inês; Patrocínio,
órgão das alunas do Colégio Nossa Senhora do Patrocínio de Itu; e Pétalas, revista escolar da instituição catarinense Coração de
Jesus surgiram nas décadas de 20 e 30 do século XX, com o intuito de veicular valores durante o processo de formação das
educandas. Tais periódicos, como acontecia com o Traço de União, foram guiados principalmente por preceitos católicos.
O estudo de Sousa (op. cit.), defende que a partir da imprensa periódica educacional e do ensino é possível fazer o mapeamento
da cultura escolar brasileira
18
. Analisando os textos da Revista Auxilium, publicada por 30 anos, desde junho de 1930, em uma
instituição católica de ensino, essa autora se propõe a compreender a formação/educação, intra e extramuros escolares, dada às
alunas e destacar as práticas, prescrições e representações de leitura.
A análise de o Patrocínio, objeto de estudo de Santos (op. cit.), permitiu
compreender o ciclo de vida do periódico, a relação deste com sua instituição
fundadora e as representações e práticas que emergem do cotidiano escolar em
textos e imagens nele publicadas. Procurando entender como as permanências e
mudanças se expressam pelos discursos, a autora conclui que na primeira fase
da revista esses discursos acabavam girando em torno do sagrado, enquanto
17
Marietta Luiza Lacombe, apesar de mostrar grande cordialidade, já se encontrava com a saúde bastante
debilitada no período que teve início esse estudo. Muito poucas foram as oportunidades de um diálogo
mais extenso e frutífero para a aquisição de dados que viessem a contribuir para essa pesquisa. Ao falecer
no fim de 2004, a educadora que era, até então, a última Responsável pelo periódico que ainda
permanecia viva, deixou uma lacuna no que consiste ao entendimento mais aprofundado de algumas
questões relativas à edição e ao funcionamento do Traço de União.
18
Sousa, 1997, p. 93.
que, na segunda fase, devido a mudanças ocorridas no sistema de ensino e,
conseqüentemente no colégio, os discursos acabam se direcionando menos ao
sagrado, embora ainda conservem um certo respeito às freiras e à religiosidade.
Nesse trabalho, a autora conclui que no período publicado
19
entre 1924 e 1955,
as representações e concepções do papel da mulher não sofreram grandes
alterações, podendo ser percebido que a disciplina e o bom comportamento
continuaram aparecendo nas páginas do periódico, ainda que em alguns
momentos pudessem ser notadas determinadas transgressões às regras impostas
pelo colégio.
Analisar as representações sociais do ser professora por meio dos discursos de
formatura publicados na Revista Pétalas foi o objetivo do estudo de Cunha (op.
cit.). Entendendo que esses discursos, proferidos pelas alunas do Curso Normal,
no período de 1945 até 1960, tinham como finalidade dar visibilidade às
atividades discentes relativas ao projeto educacional e religioso da sua
instituição de ensino, a autora procurou compreender as práticas, valores e
normas de conduta veiculadas por aquele grupo. A partir da análise proposta,
Cunha (op. cit.) observa que tanto os discursos quanto os artigos publicados na
revista Pétalas, veiculavam imagens de uma professora ideal, produzindo,
assim, uma idéia harmoniosa e homogeneizadora da profissão docente, em que
os conflitos aparecem silenciados.
Sendo assim, pode-se dizer que juntamente com os outros estudos relacion
ados
a essa mesma perspectiva, objetiva-se com a pesquisa que será aqui
desenvolvida contribuir para o enriquecimento das discussões sobre a imprensa
educacional e formação feminina católica, pois, de acordo com os estudos de
Caspard (2002), pode-se afirmar que a imprensa como fonte constitui um meio
de comunicação muito mais interativo que os tratados ou os manuais e dessa
maneira constitui um dos melhores observatórios do movimento social na obra da
escola e da formação.
20
Citado por Nóvoa (2002), o autor defende, ainda, ser esse veículo de
comunicação, o melhor meio para apreender a multiplicidade do campo
educativo, pois revela as múltiplas facetas dos processos educativos, numa
perspectiva interna ao sistema de ensino (cursos, programas, currículo, etc.), mas
também no que diz respeito ao papel desempenhado pelas famílias e pelas diversas
instâncias de socialização das crianças e dos jovens.
21
A análise da imprensa nos
permite, deste modo, compreender, ainda de acordo com o mesmo autor, as
dificuldades de articulação entre teoria e prática a partir de um discurso
educativo construído por diversos atores, como professores, alunos, pais,
associações, instituições, entre outros. Na imprensa, cada criador está sempre a
ser julgado, seja pelo público, seja por outras revistas, seja pelos seus próprios
companheiros de geração.
22
Regida pela justificativa de Ognier (1984, apud Catani; Bastos, 1997), de que diante da imprensa escolar temos um corpus
documental de vastas dimensões para se pesquisar, pois esse é um bom observatório e um guia prático do cotidiano educacional
e escolar, pretende-se com a análise da coleção do Traço de União, compreender as práticas, valores e, assim, as representações
femininas de um determinado grupo social por meio dos discursos veiculados.
19
Apesar de a autora optar por esse recorte temporal, fica claro para o leitor que a revista foi criada em
1933.
20
Caspard, 2002, p. 46.
21
Nóvoa, 2002, p. 13.
22
Rocha, 1989, p. 9, apud Nóvoa, 2002, p. 13
Examinar como o periódico escolar do Colégio Jacobina que circulou entre
1908 e 1981 se constituiu um espaço privilegiado para a disseminação de um modelo
de educação feminina, do ideário católico e de práticas escolanovistas é o objetivo deste
estudo que está dividido em três capítulos: a análise das fases do periódico; a trajetória
de vida das responsáveis pelo mesmo; e os discursos que foram disseminados nas
páginas do Traço de União.
O primeiro objetiva fazer uma leitura preliminar e um mapeamento das fases das
publicações do Traço de União, em que não somente buscam compreender os aspectos
tipográficos do periódico - história, título, periodicidade, materialidade, formas de
financiamento - como também os ideais veiculados e principais destaques noticiados.
Sendo assim, o periódico no primeiro capítulo será analisado em fases, que vão
desde seu surgimento, como manuscrito, seguindo até o período em que se firmou como
revista. Sendo constituído por textos, fotos, desenhos e algumas propagandas
23
, no
longo percurso que teve, o Traço de União foi composto por 126 edições impressas, que
variam entre 6 e 64 páginas. Conforme o passar dos anos, transformou-se em um
veículo de divulgação que esteve a serviço de ideais católicos e renovadores que se
instituíram no cotidiano do Colégio Jacobina. Após uma leitura exaustiva dos
exemplares do periódico, atenta às dimensões materiais, isto é, aos títulos, imagens,
diagramação, seções, autores, foi possível delimitar cinco fases que o caracterizam em
diferentes momentos. Para tal classificação, o elemento fundamental que emergiu, como
critério definidor, foi o da periodicidade, ou seja, na primeira fase quando era
manuscrito e não tinha ainda uma produção regular; e nas fases seguintes apresentando
publicações de quatro, três, duas e, por fim, uma vez ao ano.
Definidas as fases do Traço de União, a partir de sua periodicidade, em cada
uma me detive naquilo que mais chamava a atenção ou que provocava, de certa forma,
um estranhamento. Uso de pseudônimos, propagandas, e questões referentes à
materialidade do suporte, como as capas - que é preciso lembrar que não texto
fora do suporte que lhe permite ser lido e que não compreensão de um escrito,
qualquer que seja, que não dependa das formas pelas quais atinge o leitor
24
,
exigiram, assim, uma leitura atenta. Desse modo, cada aspecto destes foi objeto de uma
23
Pode-se constatar a presença de propagandas nas últimas folhas de muitos periódicos, tais quais vão
variando de produtos comerciais a confeitarias, editoras, lojas, papelarias, indicações de leituras, cursos e
etc, que serão apresentadas na seqüência do primeiro capítulo.
24
Chartier, 1991, p. 182.
análise que buscava compreender o significado do periódico no projeto educacional do
Colégio Jacobina.
Para entender como emergiram os ideais publicados, o segundo capítulo dessa
dissertação se volta para a história de vida das responsáveis pelo periódico, traçando,
então, a biografia de Isabel Jacobina Lacombe, principal fundadora do colégio em
questão, Laura Jacobina Lacombe, a educadora católica que esteve à frente das edições
da revista por mais tempo, e Marietta Luiza Lacombe, a discreta editora que entrou na
revista no momento em que novos modelos de mulher povoavam as mentes femininas.
Já não havia o mesmo entusiasmo de antes para escrever um periódico que ainda
buscava se fundar em antigas representações de mulher. Acompanhar suas trajetórias
possibilitará compreender, assim, como os seus ideais interferiram e refletiram na
escrita do Traço de União, que este sempre esteve a serviço do que elas construíram
como verdade ao longo de suas vidas. Nessa perspectiva, estudos sobre biografia e
história especialmente os de Carino (1999), Levi (1996), Bourdieu (1996), Grynszpan
(1990) contribuíram para que se pudesse analisar como estas responsáveis se
legitimaram na escola e até mesmo no debate educacional.
Subjacente às biografias traçadas está a compreensão de que muito ainda que
pesquisar sobre as vidas de educadoras. Exemplo disso é a edição do Dicionário de
Educadores no Brasil: da colônia aos dias atuais,
25
organizado por Maria de Lourdes
Albuquerque Fávero e Jader de Medeiros Britto, que traz a biografia de 144 educadores,
entre eles apenas 23 mulheres que dedicaram sua vida ao magistério, o que evidencia
que
ainda muito a pesquisar sobre educadoras, que, aliás, compõem atualmente a
imensa maioria daqueles que se dedicam ao exercício profissional na sala de aula e na
escola.
Dessa forma, a partir das trajetórias traçadas nessa pesquisa, procura-se, além
de contribuir para o enriquecimento dos estudos sobre o pensamento
educacional brasileiro, no caso específico da investigação aqui conduzida,
compreender as intenções subjacentes à produção do Traço de União,
entendendo que ele tem as marcas das dirigentes daquela instituição formadora:
25
Fávero, Maria de Lourdes Albuquerque; BRITTO, Jader de Medeiros (Orgs.). Dicionário de
Educadores no Brasil. 2º Ed. aum. Rio de Janeiro. Editora UFRJ/ MEC-Inep-comped, 2002.
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros (...) embora
aspirem à universalidade são sempre determinados pelos interesses de grupos que o
forjam (...) as lutas de representação tem tanta importância como as lutas econômicas
para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua
concepção... valores... domínios.
26
O terceiro capítulo tem como objetivo compreender como o periódico,
influenciado pela ótica de suas responsáveis, se pautou nas representações que
emergiram em fins do século XIX e início do XX, relativas ao papel social da mulher na
construção da nação, para disseminar discursos sobre educação feminina inovadora e
católica; mulher e trabalho; militância feminina; e escola e família. Cabe ressaltar que,
inicialmente, pensei em recortar o estudo em determinado período, privilegiando uma
das fases do periódico. Porém, na medida em que tive necessidade de compreender as
trajetórias das responsáveis pelo Traço de União, a década de 50 se colocou como
fundamental na vida de Laura Jacobina Lacombe, que essa diretora passou a atuar
com maior visibilidade na educação no cenário internacional, abrindo,
conseqüentemente, espaço no periódico de sua instituição de ensino, para que,
estrategicamente, pudesse continuar a disseminar determinadas concepções acerca da
mulher no magistério, particularmente, na educação infantil. Assim, no último capítulo,
além de mapear os temas tratados pelas ex-alunas e pelos oradores nos rituais de
formatura, também procurei analisar as matérias, as cartas e as imagens relativas ao
Curso de Educadoras da Infância, que foi criado em 1953, servindo de laboratório para
iniciativas posteriores: Curso Normal e Faculdade de Educação.
A partir dessa investigação que se pauta fundamentalmente em estudos sobre
imprensa periódica escolar, educação católica, gênero e Escola Nova –, pretende-se
contribuir para ampliar a compreensão acerca de periódicos produzidos e editados por
escolas católicas femininas no culo XX, esforço este que vem sendo desenvolvido no
âmbito da História da Educação.
26
Chartier, 1989, p. 17.
CAPÍTULO 1
Folheando o periódico das alunas do Colégio Jacobina
O Traço de União, periódico do Colégio Jacobina, foi criado, na primeira década
do século XX, como manuscrito. Trata-se de sua primeira fase, que abriu caminho para
que, com o passar dos anos, a idéia amadurecesse e se desenvolvesse acompanhando a
própria história da instituição de ensino inspiradora de sua escrita.
Assim, logo na década de 20, quando abandona as folhas de papel almaço e
passa a ser impresso, o periódico apresenta, de acordo com sua periodicidade,
mais quatro fases, até 1981, quando, então, deixa de ser publicado. Ao longo
dessas, o reflexo de um tempo e as marcas do grupo social que atuava naquele
espaço parecem se evidenciar por artigos, capas, fotos e até mesmo
propagandas, que se distribuíram pelas diferentes décadas.
Divulgando como seu principal objetivo a necessidade de manter o elo entre
atuais e antigas alunas, o Traço de União como vitrine de sua instituição educacional
católica, tida como referência em métodos pedagógicos no Rio de Janeiro, deixa à
mostra de seus leitores os valores e as práticas escolares cotidianas que disseminavam
um modelo de educação feminina orientada às filhas da elite da capital da República.
Partindo desse entendimento, logo ao iniciar o mapeamento da coleção desse
periódico, algumas inquietações traduzem-se, então, em questões que buscarão
ser respondidas ao longo deste capítulo: Quem escrevia em suas edições? Como
suas seções e artigos foram estruturados? Como o cotidiano da instituição
educacional emergia em suas páginas? Quais práticas e ideais influenciaram
suas edições? Quem eram seus leitores? O que se destaca entre suas diferentes
fases?
A fim de respondê-las, os 3 jornais manuscritos e as 126 edições impressas do
Traço de União encontrados serão divididos em 5 fases estabelecidas a partir da
sua periodicidade, conforme resumido no quadro a seguir:
Quadro com as cinco fases do Traço de União
Fase do Traço de União Anos Total de periódicos
publicados
Nº. de publicações
anuais
1º - manuscrita 1908-1910 3
Sem periodicidade
definida
2º - impressa 1924-1930 27 4
3º - impressa 1931-1948 53 3
4º - impressa 1949-1973 44 2
5º - impressa 1974-1981 2 1
Traço de União. Arquivo da CELPI.
1.1. O manuscrito: nasce um jornal escrito por alunas
Tanto quanto me agradam as viagens imaginárias pelas regiões alheias, tanto me
desagradam as que pelas nessas regiões necessitam de trens (...) o terrível cheiro de
carvão de pedra que fart mal au pour co nus dizem os francezes e que eu poderia
traduzir ao pé da lettra em portuguez para meu uso. Pois a sensação que tenho
participa das duas expressões. Só em dia de partida é que vem ao olfatoral odor, e
dahi para o coração há pouco que andar.
Dizem que a passagem do coração da criança é feita pelo estômago... para o meu ir-
se-há pelo nariz – sinto e a isso me servem nariz e coração...
Nestas condições foi feita a viagem do Rio para cá.
27
“Viagem” é o título que dá inicio à escrita dessa longa história feminina que foi
contada por setenta e três anos, a partir de 1908, quando o curso fundado por
Isabel Jacobina Lacombe entra de férias. Naquele tempo, a experiência
doméstica de ensino dessa educadora, que contava com o apoio de sua irmã
Francisca Jacobina Lacombe, se localizava em Laranjeiras, um bairro
proeminentemente urbano, que via seu espaço físico mudar cada vez mais em
decorrência da crescente industrialização. Nesse período, segundo Alves (1997),
ainda não havia nos códigos de valores das classes mais abastadas da sociedade
um sentido acentuado de isolamento em locais situados distantes do comércio e
27
Bib. Viagem. O Traço de União, 1908, p. 1-2.
da vida agitada. No entanto, por causa de epidemias, mosquitos e problemas de
saneamento típicos de uma cidade que vinha se urbanizando, as pessoas com
maior poder aquisitivo acabavam alternando suas vidas entre residências
situadas em áreas rurais mais distantes e a permanência na cidade onde se
desenvolviam suas atividades cotidianas.
Sendo assim, contra a vida agitada da cidade, o campo aparecia sempre como
uma ótima oportunidade de se refugiar e, por isso, as primeiras alunas do curso, com a
autorização de seus responsáveis, viajaram de trem para a fazenda Morro Alto, de
familiares, aproveitando esse intervalo dos estudos. Laura e Mabel Jacobina Lacombe e
Maria Luísa de Aguiar Neves, filha adotiva de Isabel e Lalu Rios Bastos, que há tempos
haviam aprendido as primeiras letras na pequena instituição educacional, uniram-se a
algumas primas que moravam na Morro Alto com a finalidade de eternizarem pela
escrita os agradáveis momentos passados nesse lugar afamado pelo clima agradável
28
.
Assim, ao conjunto de textos diários que surgiram dessa iniciativa, que tinha como
intuito enviar notícias para Isabel Jacobina Lacombe no Rio de Janeiro suprimindo,
desse modo, as distâncias – foi dado o nome de O Traço de União.
Anunciado logo na parte de cima da primeira página como número único e
grátis, o primogênito de todos os que seriam escritos pelas alunas do Colégio Jacobina
apresenta uma diagramação de três colunas por página, improvisada à próprio punho, e
é destacado por suas autoras como Órgão Familiar e Quistoso.
29
Iniciado em janeiro e
tendo como local de escrita a cidade de Amparo, o primeiro de todos os artigos fala
sobre as impressões da viagem e da fazenda onde se hospedaram as meninas.
28
Milú, O Traço de União, 1908, p. 3.
29
Quistoso significa querido, amado, benquisto.
Bib, Luar, Milú, Fiore Ete, Paulista são alguns dos pseudônimos que contam, ao
longo de quatro páginas, com tinta de cor verde, o dia-a-dia no campo caracterizado por
seu clima agradável. Inspiradas na prática de Isabel Jacobina Lacombe na época em que
escrevia em Progresso, jornalzinho da instituição de mesmo nome onde essa educadora
jacobinense se formou, essas autoras escreveram, em folha de papel almaço, de próprio
punho e com letras desenhadas, o manuscrito que inaugura a que aqui se considerou a
primeira fase do Traço de União.
De acordo com Laura Jacobina Lacombe foi em 1889 que o Colégio Progresso
publicou, impresso, um jornaizinho mensal. Nele, encontramos abundante colaboração
das alunas (...), algumas escrevem com pseudônimos e lamentamos não poder
identificá-las.
30
No tempo escolar de Isabel, muitas escritoras profissionais adotavam
pseudônimos para fugirem das críticas ou para não terem seus trabalhos menosprezados,
que ao longo da história as mulheres foram consideradas intelectualmente inferiores
aos homens. Essa prática de adoção de outros nomes, que seguiu até início do século
XX, tinha a função, segundo Magalhães (1998), de proteger as autoras e suas famílias
de críticas mal intencionadas. No entanto, de acordo com Rocha (2003) os pseudônimos
vão saindo de cena, quando a condição social da mulher vai mudando e dando lugar a
30
Laura Jacobina Lacombe, 1962, p. 10.
Primeira página do Traço de União, escrita em janeiro de 1908. Arquivo da CELPI.
um discurso hegemônico e socialmente aceito para a mulher, como a missão do
magistério, por exemplo. Naquele tempo, as únicas ocupações remuneradas viabilizadas
às mulheres de classe média eram a de enfermeira e a de professora que, segundo
Mignot (2002), não representavam ameaça à imagem de mães exemplares, donas de
casa dedicadas, esposas caridosas e religiosas.
31
Assim, seguindo as regras morais ditadas, entre outras instituições, pela Igreja
Católica, que impunha seus preceitos por meio das escolas e púlpitos,
32
à mulher,
segundo Pinsky e Pedro (2003) devido a suas características supostamente naturais
como abnegação, sensibilidade e delicadeza, foi designada a missão de ser mãe
educadora de cidadãos dentro de uma sociedade que objetivava, em fins do século XIX
e início do XX, construir identidades nacionais, outorgando o mínimo de
homogeneidade à população. Como à escola primária foi dada a responsabilidade legal
e legítima de transmitir essa nova identidade, as mulheres que nesse espaço trabalharam
tiveram a possibilidade de ampliar sua área de atuação, sob a égide de que deveriam
tomar conta da sociedade, assim como faziam com seus lares
33
, sendo qualificadas
como uma espécie de construtoras da nação. Assim, como as mulheres passam a ser
aceitas cada vez mais no âmbito educacional, supõe-se que a escrita dessas poderia ser
instrutiva e, desse modo, vai sendo legitimada desde que não seja descaracterizada em
sua forma, que deveria ter como base a sensibilidade e delicadeza, o que limitava
socialmente a expressão feminina. No caso das alunas do Colégio Jacobina, a escrita
passou a preencher, ao longo dos anos, além desses requisitos, também fortemente,
desde seu início, um outro: a religiosidade, que embalou por muitas décadas as páginas
do jornal.
Essa prática do uso de pseudônimo, contudo, também terá continuidade nos
primeiros jornais da fase do Traço de União, quando, para assinar os textos, algumas
alunas ainda utilizam pseudônimos, inclusive franceses e ingleses como: Elie’le,
Sumonimé, Maglot, Nanook, Ghyslaine. No entanto, de acordo com o que se pode
inferir, tais pseudônimos definitivamente já não são utilizados com a finalidade de
proteger a identidade das escritoras, visto que o que caracterizava e dava vida ao
impresso era justamente a escrita assumidamente feminina. Ao contrário do estudo de
Pessoa (2006) sobre o uso de pseudônimos no periódico Os Nossos Filhos, revista
31
Mignot, 2002, p. 132.
32
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o púlpito é uma “Tribuna para pregadores,
nos templos religiosos”.
33
Pinsky e Pedro, 2003, p. 274.
editada no Estado Novo, em Portugal, as autoras do Traço de União que tiveram essa
prática, não objetivavam escapar da censura política ou escrever escondidas de suas
famílias. A idéia vai justamente no sentido oposto. Publicar no periódico do Colégio
Jacobina era motivo de orgulho para autoras, direção e familiares, já que os textos
selecionados pela instituição tinham como finalidade representar ideais daquele grupo
social. A linguagem delicada e sensível, a propagação dos princípios católicos e a
constatação de que a disciplina era essencial para as moças tementes a Deus, faziam dos
textos um emblema da instrução feminina jacobinense, que mostrava, acima de tudo, a
sensatez esperada para mulheres que se lançavam como escritoras, principalmente nas
primeiras décadas do século XX.
A continuidade na utilização de outros nomes para assinar artigos estava muito
mais relacionada a uma lógica estética, pois as assinaturas com pseudônimos europeus,
por exemplo, davam certo charme e elegância à escrita, já que tudo que vinha da Europa
era considerado, principalmente pela elite daquela época, mais avançado e refinado.
Além disso, a literatura estrangeira, de um modo geral, fazia parte do cotidiano das
alunas, que se apropriavam do nome de personagens literários para assinar os artigos.
Porém, de acordo com artigo publicado em 1933, esse tipo de prática é abandonada logo
nas primeiras edições publicadas ao longo da década de 20, por haver mais interesse em
conhecer as autoras dos diversos artigos.
34
Assim, a partir dessa versão, a pedido dos
próprios leitores, as alunas, e talvez algumas ex-alunas, resolveram se identificar com
seus nomes verdadeiros e com o ano escolar a que pertenceram no Jacobina,
sinalizando, por meio de uma escrita autorizada, quem eram as alunas que aquele
colégio católico instruía.
Assim, se por um lado o primeiro jornalzinho dessa primeira fase
35
foi inspirado
na prática de Isabel de assinar com pseudônimo no Progresso, o mesmo não pode ser
dito em relação às temáticas abordadas. O Traço de União, nesse momento, não
prestigiou as atividades e cotidiano do curso, justamente por ter sido produzido nas
férias. Somente a partir do segundo número é que alguns aspectos relacionados à rotina
jacobinense serão contemplados, aproximando-se mais do estilo do Progresso, que
tinha como objetivo registrar o universo das mulheres instruídas pelo Colégio de mesmo
nome, dirigido pela norte-americana e escolanovista Miss Eleanor Leslie Hentz.
34
S/n. ‘Pequeno histórico do Traço de União’. Traço de União, 1933, n. 3, p. 2.
35
Nessa fase, não é possível encontrar numeração descrita nas páginas do jornal. A numeração utilizada
nesse capítulo para fazer citações, é baseada na ordem em que aparecem as páginas.
O segundo dos jornaizinhos manuscritos desta primeira fase analisada, data de
maio de 1910 e se destacou ainda mais por sua escrita em forma de diário, uma vez que,
em quase todos os dias desse mês, as alunas do curso escreveram com o intuito de
manter contato com o Padre Rezende, amigo do curso desde os primeiros tempos, que
havia sido transferido para uma paróquia em outra região do Rio de Janeiro:
Sob a proteção de N. Senhora começamos hoje o nosso Traço de União no qual
queremos conservar as nossas impressões diárias.
Somos 5 amiguinhas, que prometemos proseguir
36
sempre unidas na marcha quotidiana
em busca de um ideal.
Formamos para este fim uma sociedade, a qual chamamos ‘secreta mystica’.
Hj domingo passamos um delicioso dia juntas trabalhando para o mesmo fim.
Ninguém calcula com que prazer todas nós nos esforçamos fazendo umas balinhas para
adoçar a boca de alguém q só diz palavras doces.
Esse alguém, que com tanto carinho nos guia e aconselha acha se agora bem separado
de nós, no Engenho Novo. É elle o nosso bom Padre Rezende.
As balinhas foram acompanhadas de uma paródia do Padre Nosso, que foi a seguinte:
Padre nosso, que estais no Engenho Novo lembrado é o vosso nome aqui no barracão
37
como em toda a gloria, venha a nós às 5ªs feiras, seja feita a nossa vontade agora e
sempre. Aceita as balinhas, que aqui, vão perdoai se não tiverem gostosas (...) Não nos
deixeis aqui tão sós mas vende cá sempre matar as saudades – Assim seja.
38
Somando vinte e duas páginas, repletas de saudosismos e preceitos religiosos, a
escrita das meninas, que se valiam de pseudônimos nas assinaturas, mantinha uma
relação de amizade com as folhas de papel almaço, onde confidenciavam e relatavam,
em tinta preta, seu dia-a-dia no curso, falavam sobre os maravilhosos feitos do Padre
Rezende no passado e no momento presente, anunciavam datas e celebrações religiosas,
faziam reclamações de situações corriqueiras, narravam sua relação com a religião
durante os dias, atualizavam notícias de pessoas próximas, contavam anedotas com
situações religiosas, escreviam receitas de doces, faziam reflexões, entre outras, que
visavam a perpetuar a forte ligação com o importante amigo e conselheiro religioso.
Quadro com a relação de exemplares manuscritos da 1º fase do Traço de União: 1908 - 1910
ANO MÊS DIAS NÚMERO
DE
COLUNAS
NÚMERO
DE PÁGINAS
1908
Janeiro Não especificado. 3 4
36
Observa-se que a grafia da palavra está incorreta no original.
37
Barracão era o nome dado à primeira casa onde se iniciou o Curso. Localizava-se na Rua Almirante
Tamandaré, no Flamengo, e, segundo Lacombe (1962), era um grande casarão, com grandes salões nos
quais cabiam muitas pessoas.
38
S/a. Traço de União, 1910, p.1.
1910 Maio 1, 2, 3, 4, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15,
16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26,
27, 28, 29, 30, 31
2 22
1910 Junho 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14,
15
2 12
Traço de União. Arquivo da CELPI.
Embora o entendimento da lógica da freqüência em que foi escrito o manuscrito,
no período em destaque, tenha sido dificultada pelo fato de três números do jornal
estarem juntos em uma capa ilustrada, sabe-se que pelo menos um deles
possivelmente se perdeu no próprio local onde estão arquivados todos os documentos
existentes na CELPI. Contudo, entende-se que essa capa seria do segundo ou do terceiro
manuscrito, pois o nome aparece como Traço de União ao invés de O Traço de
União, como surgiu em 1908.
O terceiro e último dos jornais manuscritos a que se pôde ter acesso, data de
junho de 1910, como se pode comprovar na próxima imagem à direita, e estampa, logo
em sua primeira página, a foto do Padre Rezende seguida de um texto de difícil leitura,
devido à letra quase incompreensível, que exalta a comemoração da realização da
primeira missa dita, realizada pelo sacerdote nove anos antes.
Escrito em doze ginas, o jornal segue o mesmo fio condutor do anterior em
relação aos textos que priorizam o cotidiano das primeiras alunas do Curso e de seus
envolvimentos com a religião católica. É possível perceber que a auto-regulação das
alunas se dava de forma bem expressiva na escrita, uma vez que nos três jornais, e mais
ainda nos dois últimos dirigidos ao Padre Rezende, a preocupação em mencionar os
preceitos religiosos aliados às atitudes diárias torna-se marca registrada de quase todos
os textos do amigo confidente Traço de União:
N
ão deveria ser meu o encargo de relatar os fatos, acontecimentos do dia de hoje
porque não tenho facilidade bastante para transmitir os sentimentos. Esta data
comemora a primeira missa dita do Pe. Rezende cujo retrato assim mostramos. Fazem
hoje 9 anos, q pela primeira vez, cheia de santa emoção, fez descer, do alto do céu, em
suas mãos de sacerdote, o rei dos reis, o senhor dos senhores, o bom Jesus,
sacramentado. (...) Que felicidade inigualável, incomparável deve ter sentido neste
momento, em tocar, receber em suas mãos, em seu coração, Jesus, o próprio Jesus que
ainda hoje receberam minhas companheiras; o Jesus que para nos salvar e reunir, por
nosso amor, morreu sobre uma cruz! Ah! Se pensássemos sempre nisto nunca
haveríamos de cometer falta alguma que se quer desagradasse a Elle. (...) O reto do dia
passou-se sobre esta doce impressão.
39
Rompendo o silêncio sobre o mundo, as mulheres brasileiras que tiveram
oportunidade de aprender a ler e escrever, já buscavam refletir sobre a própria vida
desde o século XIX, como observam Mignot, Bastos e Cunha (2000). A partir de uma
escrita estimulada por educadores, familiares e confessores, que visavam a uma
educação dos sentimentos, elas passaram a registrar os acontecimentos mais importantes
do dia, por meio de diários e correspondências entre amigas.
Nesse sentido, a escrita do Traço de União, contemplando em seu início um
aspecto confessional, foi estimulada não somente por Isabel Jacobina Lacombe e outros
familiares que compunham o universo educacional daquelas meninas, mas também pelo
próprio cônego amigo da família Jacobina, o Padre Rezende que, mesmo após ter ido
para a paróquia do Engenho Novo, continuava recebendo com entusiasmo, além dos
diários-correspondências, também as doces balinhas de chocolate preparadas pelas
alunas desse curso:
39
Paulista. S/t. Traço de União, 1910, junho, p. 1.
Capa desenhada à mão de um dos primeiros números do Traço de União
e, ao lado, a primeira página do jornal de
junho de 1910
. Arquivo da CELPI.
Sábado, 11 – 6 – 1910.
Tenho a especialidade de fazer diário em grandes datas: 3 de maio, 11 de junho
celebre batalha do Riachuelo, onde se distinguiram muitos bravos brasileiros.
Depois de um combate de 8 horas os Paraguayanos foram derrotados e a esquadra em
parte destruída o exercito brasileiro era comandado pelo Almirante Barroso.
Tivemos feriado, foi muito bom, pois faltariam meninas (...) aproveitamos para fazer
ballas de chocolate nem precisa dizer para quem... A noite foram todos ao theatro
Theodoro e Cia. Nos ficamos em casa preparamos tudo q Guilhermina deverá levar
amanhã pois ella vae ao Engenho Novo e vai muito cedo(...).
40
Autores de diário, de acordo com Cunha (op. cit.), organizam seu cotidiano pela
escrita, situam-se no mundo tornando a escrita desse uma fonte preciosa para o
conhecimento das maneiras de viver, das idéias que circulam, dos signos e códigos de
comportamento que se impõem em determinado tempo. Assim, expondo dúvidas, mil
nadas, fragmentos da memória pessoal, familiar e grupal de seu tempo, o trabalho com
esse material torna possível dar visibilidade ao que estava destinado ao silêncio e ao
esquecimento.
41
Os diários começaram a ser escritos em segredo, reservados ao privado, até
q
uando, pouco a pouco, passaram a circular pelo meio familiar tomando a
forma de textos vivos, fruto de uma memória familiar, tornando-se essa prática
de escrita, resultado de uma crônica da vida provada, que afirmando-se no século
XIX
42
, faz do privado um lugar de felicidade imóvel, cujo palco é a casa, os atores,
os membros da família, e as mulheres, testemunhas e cronistas... Na
rememoração, as mulheres são, em suma, os porta-vozes da vida privada’.
43
Pode-se dizer que a escrita informal e familiar dos primeiros números do
jornalzinho Traço de União objetivava mais do que uma educação dos
sentimentos por meio do registro confessional. Também anunciava e promovia o
propósito da educação recebida pelas primeiras alunas instruídas naquele
espaço educacional, que apresentavam já nessa prática o reflexo dos ideais de
suas educadoras responsáveis. O curso criado por Isabel foi desde seu início
orientado sob os princípios católicos para educar suas alunas que, logo nos
primeiros tempos, começaram a ser constituídas por filhas do seu círculo de
famílias amigas da vizinhança que possuíam um elevado capital cultural
44
e
partilhavam de códigos de valores muito próximos, dentre os quais, o de
oferecer às suas crianças uma educação moderna. Atendendo à demanda da
sociedade, o Curso Jacobina tinha um projeto pedagógico voltado para uma
40
Paulista, S/t. Traço de União, 1910, junho, p. 9.
41
Cunha, 2000, p. 160.
42
Id.
43
Perrot, 1989, p. 14-17 apud Cunha, 2000, p. 161.
44
Segundo Lacombe (1962) na Rua Almirante Tamandaré, onde se localizava o Curso em sua fundação,
habitavam famílias tradicionais, entre as quais encontravam-se os Aguiar, os Burque de Macedo, os
Niemeyer, os Osórios de Almeida, os Rodrigues Peixoto, os Texeira, entre outros, cujo sobrenome
traduzia a classe social pertencente.
nova sociabilidade que esperava que a mulher fosse instruída não somente para
educar filhos ou possivelmente alunos, mas também capaz de brilhar nos
espaços sociais sendo prendada, capaz de agradar e conversar:
45
Cantos, recitativos, merenda, recreio, orações, palavras de conselho, entremeavam as
aulas de Linguagem, Redação, Caligrafia, Recitação, Geometria, Francês, Física,
Calistenia, Botânica, Desenho, Geografia, História, Música e noções de Religião, que
preparavam, mediante o estudo do catecismo, para a primeira comunhão. O horário,
no entanto, não ousava ultrapassar as 16 horas para não perturbar os compromissos
sociais das alunas: chás verpertinos e visitas familiares.
Aos sábados – jornada escolar menor - era a vez da ora do conto, recitação de
poesias, monólogos e leituras em voz alta de textos em francês, encenação de peças de
teatro.(...) As práticas antes reservadas aos salões, constituíam-se em ensinamento
moral vivo, agradável, ocasiões para compartilhar (...).
46
A
fotografia do curso em seu início, abaixo, permite observar a presença de
crianças de famílias tradicionais como a Ruy Barbosa, Aguiar, Neves, Niemeyer, entre
outras, que ajudaram a dar nome e tradição ao colégio. Além da própria família
Lacombe e Jacobina, também outras apresentam mais de um membro da família na
instituição, como é o caso dos César, por exemplo. Ainda ao longo das fases do Traço
de União, percebe-se que várias gerações de uma mesma família, assim, estudaram
nesse curso ou, ainda, ao se formarem, passaram a fazer parte do corpo docente da
instituição. Isso aponta para a idéia inicial do Jacobina, que irá se prolongar ao longo
das décadas, de associar educação à família.
45
Segundo Mignot (2002), o Curso fundado pela família Jacobina tinha por finalidade, nessa época,
preparar as mulheres para papéis que, socialmente aceitos numa cidade que estava se urbanizando, iam
além dos trabalhos com agulha e cuidados com a casa e com os filhos, pois a estes trabalhos deveria se
somar a organização de festas e reuniões, costumes da alta sociedade da época no Rio de Janeiro.
46
Mignot, 2002, p. 128.
Tomando como exemplo, o texto publicado no Traço de União de 1931, em que
uma aluna do primário descreve seu primeiro dia de aula após as férias, percebe-se
como isso é instituído dentro do colégio ao longo dos anos. Nesse relato a autora fala
que a primeira coisa que fez ao chegar à escola foi abraçar suas companheiras de turma
devido à grande saudade que lhes assomara nas férias e, logo em seguida, juntamente
com as demais, diz ter ido ao encontro da diretora D. Belinha que estava acompanhada
de Laura Jacobina Lacombe para proferir, acolhedoramente, palavras às suas alunas:
Fez-se silencio, D. Belinha entrou, acompanhada de D. Laura. D. Belinha começou a
falar, dizendo: Minhas filhas! Sim, minhas filhas, porque o Curso Jacobina é uma
grande família. É aqui que vocês fazem suas amizades por toda a vida(...) E
complementa seu texto citando a última fala da diretora que, embora fosse sempre
lembrada nos artigos por sua faceta de educadora carinhosa, também era representada
pela exigência da disciplina: Quero que dobrem o zelo e actividade e sobretudo o
comportamento. As antigas alumnas darão bom exemplo ás novas.
47
Laura Jacobina Lacombe, por sua vez, assinalou em suas memórias que a
expansão da instituição se deu a partir dos ideais ligados o somente à família, mas
também à educação moderna, religião e disciplina e que devido a isso, ao passar dos
anos, o colégio viu multiplicar o seu número de matrículas, tendo que aumentar o
quadro de professores e ocupar espaços maiores. Assim, passou da casa de Isabel
Jacobina Lacombe localizada à rua Almirante Tamandaré, onde esteve até 1912, para a
rua Guanabara, onde o Curso se desenvolveu e fortaleceu seus ideais, gerando uma
identidade muito própria. E foi justamente nesse período em que passou a receber o
nome do pai de sua fundadora: Jacobina.
47
Dora Lucylia Guimarães Baptista, 5º ano primário. ‘1º dia de aula’. Traço de União, 1931, n.1, p.6
Primeira fotografia das alunas do Curso. Crianças da foto: Mabel Lacombe, Baby Ruy Barbosa,
Luisa Texeira, Nair Paes, Noemi Cal
das Brito, Maria Luiza Aguiar Neves, Luisa César, Maria
César, Laura Lacombe, Heloisa Almeida, Domingos Octávio, Victor e Mario Lacombe, Emery
Jacobina, Elza Caldas
Brito, Guiomar Niemeyer, Branca Osório de Almeida. Fonte: LACOMBE,
Laura Jacobina. Como Nasceu o Colégio Jacobina, 1962, p. 123.
Em 1916 o Curso passou a ter um caráter mais oficial partindo de um regimento
próprio, em que se mostrava claramente que o maior objetivo do Jacobina, além de um
ensino que viabilizasse a suas alunas o acesso ao que havia de mais moderno em
métodos educativos
48
que eram trazidos do exterior, também era a formação de
professoras:
A organização do plano de estudos e dos métodos de ensino deste externato, foi
colocada em suas linhas geraes pela das escolas americanas (elementary schools de
Boston, Washington e, principalmente, de Nova Iorque.”(...) Tendo a recente Escola
Normal adotado uma orientação de ensino que se aproxima da que vinha sendo
seguida pelo Curso, e ao mesmo tempo, permitindo a admissão ao seu ano, foram
feitas algumas modificações no programa, de modo a que os 5º e anos fiquem
correspondendo ao 1º e 2º anos da Escola Normal.
As alunas que terminarem o ano, estarão assim habilitadas a prestar exame para
serem admitidas ao 3º ano da Escola Normal
49
.
Organizado em curso primário, duração de três anos, e curso secundário
50
,
duração de seis anos, onde eram admitidos também meninos, a instituição assumia
sua posição de ensino preparatório para futuros mestres, embora não fosse um Curso
Normal. No entanto, pode-se perceber, de acordo com a documentação encontrada na
Biblioteca Nacional e levantamento de textos publicados no Traço de União, que a
entrada de meninos no curso nunca foi estimulada. Inclusive, nesse período, é possível
notar que o número não ultrapassava um menino por turma, assim mesmo nas duas mais
adiantadas, o que legitima o caráter predominantemente feminino da instituição
51
. Em
1916 a composição do quadro de alunos era o seguinte:
1- Divisão de classes e turmas
Classe A: 9 alunas
Classe B: 13 alunas
Classe C: 8 alunas
1º ano – 19 alunas
48
Essa persistência em contemplar no colégio Jacobina um ensino moderno para atender as demandas de
seu público alvo, ganhará ainda mais notoriedade quando Laura Jacobina, juntamente com sua mãe Isabel
Jacobina, atuarem fortemente na década de 20 e 30 no cenário político-educacional do país ao se filiarem
a ABE e tentarem com o grupo de educadores denominado escolanovistas, lutar pela implantação de um
ensino diferenciado nas escolas. Em relação a esse tema, será aprofundado especificamente mais à frente,
ao percorrer as fases do Traço de União.
49
Regimento do Curso Jacobina, 1916, preâmbulo.
50
A documentação disponível levantada, não deixa clara a existência e o funcionamento de um Curso
Normal nesse período dentro do Jacobina. O que parece acontecer é a aprovação jurídica e legal de
alunas e alunos poderem passar , quando assim desejarem e após cumprimento de exames, do ano do
ensino secundário do Curso Jacobina direto para os dois últimos anos de qualquer Curso Normal.
51
Essa foi a única informação possível de ser coletada em relação ao número exato de alunos
matriculados na instituição ao longo dos anos.
2º ano – 1º divisão – 9 alunas
divisão – 13 alunas
3º ano – 16 alunas
4º ano- 15 alunas e 1 aluno
5º ano – 11 alunas
6º ano – 7 alunas e 1 aluno.
52
Entre as inúmeras mudanças que constam nesse processo de estabelecimento e
desenvolvimento do Curso, começou Laura, filha mais nova de Isabel, formada, a se
dedicar ao ensino da instituição, e anos mais tarde iria assumir sua direção, durante
décadas, e oficializar, junto à sua mãe e à sua tia Chiquinha, o jornal que guardaria, ao
longo dos anos, a história jacobinense e as práticas escolares daquelas que foram
educadas, inicialmente, para atuar, prioritariamente, como esposas, mães dedicadas e,
quando permitido pela família ou pelo marido, como professoras atuantes, assim como
as primeiras, em prol da nação.
1.2. Marcas impressas de uma instituição católica e renovadora
Conservar é transformar
53
foi o lema em que se pautou o Traço de União para
escrever sobre o cotidiano do Curso Jacobina a partir dessa sua fase. Retratando,
assim, pelo periódico, que a instituição uniu os métodos propostos pelo ideário
escolanovista a um currículo diversificado que se destacava pela excelência e
especificidade feminina nas disciplinas propostas, essa instituição educacional
apresentou um programa que abrangia literatura inglesa e francesa, recitais, botânica,
redação, física, ginástica, história, música, poesias e encenações de peças teatrais. Além
dessas, marcando fortemente a identidade do curso, eram ministradas noções de
religião, com intuito de preparar as alunas para a Primeira Comunhão, e Pedagogia,
ainda que não fosse um Curso Normal. Isso porque, segundo as suas diretoras, a
educação da mulher deveria contemplar tudo o que havia de mais moderno, guiada por
valores católicos, para que as formadas tivessem êxito ao cumprir sua função social que
consistia em educar e formar a consciência de cidadãos.
52
Regimento do Curso Jacobina, 1916, p.16.
53
Expressão utilizada por Laura Jacobina Lacombe para descrever o que era o Colégio Jacobina desde
seu início.
Divulgando muito do projeto pedagógico do colégio que se adequava às
inovações educacionais do momento, as páginas dessa fase do Traço de União, por mais
que tivessem se proposto a tratar do seu ensino moderno, não ocultavam, assim, que a
instituição, acima de tudo, visava com seu currículo a preparar para o exercício de
papéis socialmente aceitos numa cidade que se urbanizava, cabendo à mulher além da
responsabilidade do lar, cuidado com os filhos e trabalhos de agulha, a organização de
festas e reuniões. (...) O objetivo consistia em formar mães de família zelosas, donas-
de-casa exemplares, senhoras de sociedade polidas.
54
Assim como observou Santos (2004) em seu estudo sobre escrita na imprensa
feminina católica, pode-se dizer que o Traço de União além de ter sido uma forma de
regulação de práticas e discursos, também foi uma estratégia de divulgação da
instituição. Veiculando sempre o lado positivo do colégio e de seus preceitos, o
periódico chegou aos leitores, ao longo de todos os anos, na tentativa de fazê-los
reafirmar suas escolhas em relação ao ensino renovador e à religião.
Iniciada em 1924, quando o periódico sofre uma brusca mudança física passando
a ser impresso, essa fase, assim classificada por apresentar quatro edições ao ano até
dezembro de 1930, tem um número de páginas
55
que varia entre 6 a 14 por exemplar,
sendo essas diagramadas em três colunas.
Quadro com a relação de periódicos publicados na 2º fase do Traço de União: 1924 - 1930
56
ANO DATA NÚMERO DO
PERIÓDICO
NÚMERO DE
PÁGINAS
I Maio de 1924 1 6
I Agosto de 1924 2 6
I Setembro de 1924 3 6
I Dezembro de 1924 4 8
II Junho de 1925 1 6
II Agosto de 1925 2 6
II ? de 1925 3 12
II Dezembro de 1925 4 6
III Maio de 1926 1 8
III Julho de 1926 2 8
III Setembro de 1926 3 8
III Dezembro de 1926 4 8
IV Junho de 1927 1 6
IV Agosto de 1927 2 8
IV Setembro e Novembro de 1927 3 e 4 31
V Maio de 1928 1 10
54
Mignot, 2002, p.127.
55
Somente em uma edição comemorativa o número de páginas foge a essa regra e chega a 31.
56
As páginas do Traço de União eram numeradas, na maioria das vezes, até a penúltima folha, não
contendo numeração na última que, geralmente, era constituída por desenhos, fotos e propagandas.
V Junho de 1928 2 8
V Agosto de 1928 3 10
V Dezembro de 1928 4 14
VI Maio de 1929 1 10
VI Julho de 1929 2 10
VI Setembro de 1929 3 10
VI Novembro de 1929 4 10
VII Maio de 1930 1 12
VII Julho de 1930 2 14
VII Setembro de 1930 3 14
VII Dezembro de 1930 4 8
Traço de União. Arquivo da CELPI.
Nessa fase o periódico, enquanto impresso, ainda não apresentava capa ilustrada
e nem possuía sumário, no entanto, duas seções aparecem para ficar ao longo dos
séculos: “Croniqueta”, com o propósito de situar os acontecimentos escolares entre a
publicação anterior e a nova, além de também permitir que alunas formandas
comentassem seu último ano na instituição, e “Registros”, que tinha por objetivo
informar sobre nascimentos, casamentos, noivados
57
, aniversários e falecimentos
daqueles que, de alguma forma, tinham um vínculo com a instituição ou com a família
jacobinense.
A experiência adquirida com os primeiros anos de publicação fez com que o
Traço de União fosse se aperfeiçoando melhor em termos de organização até o fim
dessa fase. Os artigos, que inicialmente eram distribuídos sem critérios muito claros,
passaram, então, pela preocupação de inserção em seções específicas. Nesse contexto,
surgiu, em 1928, a “Trabalhos diversos”, seção que acompanhará o periódico durante as
décadas, para de modo mais organizado separar os textos que, até então, tematizando
assuntos variados e não se encaixando em nenhuma das seções existentes, ficavam
perdidos no meio da publicação.
Ainda no fim dessa segunda fase do periódico, alguns sujeitos escolares
começam a sair do anonimato e passam a aparecer logo nas primei
ras páginas da
publicação. Assim, além das formandas, que tinham espaço reservado na
“Croniqueta”, começaram a assinar os textos os professores e a direção que,
anteriormente se limitavam prioritariamente a orientar a escrita das alunas. Por isso,
essa fase se caracteriza por incorporar os diferentes sujeitos que atuam no Jacobina.
Seus textos ocupam amplos espaços para tratar do cotidiano escolar vivenciado durante
o ano letivo e promover seus ideais pelos discursos. Os discursos das cerimônias
57
Percebe-se que, ao longo das décadas iniciais do século XX, o noivado entre um casal era noticiado
pelos números do Traço de União da seguinte forma: “Contractaram noivado...”.
formais de encerramento de fim do ano letivo do Curso Jacobina e das comemorações
de aniversário da instituição começaram também a ter espaço no periódico em 1928 em
uma nova sessão denominada “Echos”, ou seja, “Ecos”. O nome dessa seção foi dado
justamente por ela publicar, sempre na primeira edição de cada ano, o que se passou no
término do ano anterior, sendo de certo modo, um eco ou repetição daquilo que havia
sido dito anteriormente, mas não teve oportunidade de ser veiculado, em razão das
férias escolares. Versando, entre outras temáticas, sobre a formação feminina no colégio
e sua função dentro da família e da sociedade, os discursos de formatura publicados
nessa seção apareciam em destaque no periódico, onde ganhavam, somente uma vez por
ano, além das primeiras páginas, também um grande espaço nas edições do Traço de
União.
Também, somente no fim dessa etapa, confirmando o seu desenvolvimento,
ocorrem algumas mudanças visíveis nos créditos em destaque no expediente do
periódico, começando, na publicação de junho de 1928, a figurar uma diretoria
composta de alunas que ajudam na elaboração dos textos: Reunimo-nos outro dia para
combinar uma séria questão: a do ‘Traço de União’. Acabada a sessão, ficou decidido
conforme o programa organizado por Laura, que d’óra em diante o jornalzinho terá
uma directoria entregue ás meninas do e ano. Foram criados diversos cargos,
para mais perfeito andamento.
58
Os cargos liderados pelas alunas, de acordo com essa mudança, destacam-se
como Diretora Geral, Tesoureira, Redatora e Secretária, e se observa um revezamento
entre as jovens no exercício dessas funções, ou seja, cada grupo ocupa esses cargos no
período de um ano, possibilitando, desse modo, uma divisão do trabalho e o estímulo
para que diferentes alunas participassem da escrita de seu cotidiano com
responsabilidade e organização. Com isso, Laura acreditava estar dando oportunidade
para que suas alunas descobrissem e desenvolvessem vocações a partir desse jornal que,
em 1929, passa a ser considerado uma revista, estimulando, principalmente em sua
terceira fase, uma identidade mais jovial em suas edições.
No entanto, ainda que ao longo dessa fase tenham ocorrido inúmeras mudanças
até o impresso ficar mais organizado e interessante, um espaço sempre esteve presente e
demarcado. Foi desde os primeiros números da edição que as ex-alunas iniciaram o
exercício da escrita em um espaço que mantiveram até o fim das edições. Enviando
58
Marilia Lustosa. ‘Noticiário’. Traço de União, n. 2, 1928, p. 7-8.
cartas para a publicação, escrevendo para elucidar e propagar os trabalhos voluntários e
filantrópicos que assumiam, elas iam, ao longo dos anos, expressando suas opiniões e se
apropriando desse veículo de comunicação para que, juntamente com outros espaços de
escrita do periódico, pudessem divulgar suas atuações em torno dos ideais católicos.
Seus discursos, assim como o das alunas, partiam nitidamente do princípio de que a
mulher da elite deveria ser educada para atuar na sociedade, construindo uma verdadeira
nação, atuando nos lares como mães e esposas dedicadas, ajudando os pobres nos
trabalhos de caridade e nas escolas formando os futuros cidadãos. Sentindo-se
privilegiadas entre as demais mulheres no início do século, que a educação feminina
ainda se limitava a atender um número reduzido, as formadas pelo Colégio Jacobina
defendiam através das edições que deveriam retribuir à sociedade a instrução recebida:
Ordenou-me D. Belinha que recordasse o curso, no seu início, há 25 anos (...) Era uma
verdadeira família. (...) E tudo ali aprendemos. (...) Hoje o colégio progrediu,
desenvolveu-se (...) No entanto, qualquer uma de nós, ao entrar no Curso Jacobina,
onde nada resta do nosso tempo (...) Onde materialmente nenhuma coisa lembra o
passado, sente-se em ‘seu’ collegio, onde estudou, onde viveu.
É que, se a aparência é outra, o sentimento é o mesmo. Desde o seu primeiro dia, as
diretoras tiveram como ideal, além de ensinar, ‘desenvolver o desejo de adquirir novos
conhecimentos e a vontade de fazer alguma coisa’, esses são na opinião de Elles, os
verdadeiros fins da educação e únicos capazes de nos elevar.
Eu acrescentaria o que ouvi dias: ‘Fazer alguma coisa de modo a procurar pagar à
sociedade o que della recebemos’.
Incutir no espírito de suas alunas esses princípios, foi sempre o ideal das diretoras do
Curso Jacobina.
59
E nisso se fundou a instrução oferecida pelo Jacobina disseminada nas páginas
do Traço de União, ao longo dos anos. As diretoras Isabel e Francisca Jacobina
Lacombe e, posteriormente, Laura Jacobina Lacombe, esforçaram-se para preparar suas
alunas para atuarem em sua suposta missão na sociedade. Para isso, incutiam-lhes
valores arraigados ao catolicismo, procurando trabalhar, assim, o espírito das alunas.
Essa educação integral se destacou justamente por ter como base o escolanovismo, com
ênfase simultaneamente no desenvolvendo do caráter, da personalidade e do intelecto.
Desde quando foi fundado, o colégio procurou ser inovador em seus métodos: as
alunas representavam, cantavam em corais e recitavam influenciadas pela cultura
francesa. As inovações dentro do Jacobina, que se deram a partir da influência do
Colégio Progresso estabelecidas na educação de Isabel, fizeram desta instituição de
ensino, referência no Rio de Janeiro, pois foi a única escola católica de ensino do
59
Branca de Almeida Fialho. Chroniqueta. Traço de União, 1927, n. 1 e 2. p. 24-25.
Distrito Federal, segundo Alves (1997), a adotar a nova educação
60
proposta nesse
período.
Apesar de considerar as perspectivas educacionais desde o seu início, foi
decisivamente, em 1925, que as mudanças metodológicas são consideradas
significativas, tendo grande repercussão no meio educacional e deixando suas marcas
no Traço de União:
Trouxe-nos D. Laura da Europa, algumas novidades e entre ellas, um novo systema
afim de manter a disciplina, muito bem aceito por quase todas as classes.
Consiste no seguinte: cada classe elege (uma vez por mez) uma menina para
presidente, e outras que tem cargos diferentes com sejam: official de limpeza, da
ordem, religião, secretaria, bibliothecaria, etc...Dirigido é facílima a manutenção da
ordem em toda classe, que por sua vez reunidas formam um collegio disciplinado.
61
O novo sistema de ensino trazido de Genebra por Laura Jacobina Lacombe, onde
esteve com a finalidade de cursar as aulas do Instituto Jean Jacques Rousseau, foi um
marco para professores e alunas que entendiam, de acordo com as publicações do Traço
de União, que a partir daquele momento os novos horizontes haviam se aberto para o
Curso Jacobina. Aluna de Édouard Claparède, artífice de muitas teorias da educação
moderna, Laura pôde ampliar seus conhecimentos e contatos, garantindo lugar de
destaque na Associação Brasileira de Educação (ABE), espaço onde se reuniam, desde
1924, renomados intelectuais escolanovistas do país.
Fundado na concepção de ordem social e democracia, os métodos trazidos dessa
viagem, buscavam habituar as meninas para que elas tenham responsabilidade (...)
mesmo na ausência da professora.
62
Isso, assim, era justificado, pois era fato sabido
que para um viver é necessário a ordem.
63
Tal inovação mostrou ser absorvida
rapidamente por professores, alunas e direção que logo atrelaram a Deus o sucesso do
processo: espero pois em Deus, que esta organização não pereça em nosso caro curso e
que D. Laura tenha o prazer de ver que as brasileiras também sabem fazer as cousas
bem feitas...Roma não se fez num dia e temos ainda muito que trabalhar afim de
chegarmos a uma perfeição relativa.
64
60
Nesse tempo, de acordo com Alves (1997), as únicas instituições de ensino que se dispuseram a adotar
a Escola Nova no Distrito Federal, situado no Rio de Janeiro, foram os colégios protestantes que
chegaram no país junto às suas missões de evangelização.
61
Nanook. “Croniqueta”. Traço de União, 1925, n. 2, p. 1.
62
Nanook. “Croniqueta”. Traço de União, 1925, n. 2, p. 1.
63
Id.
64
Id.
Claparède, ao longo dos tempos, passou a ser considerado um grande mestre e
amigo de Laura
65
, chegando inclusive a visitar, quando esteve no Brasil em 1930, as
instalações do Colégio Jacobina: Honrou-nos com sua visita o professor Édouard
Claparède, autoridade mundial em psycologia, mostrando-se interessado pelo ambiente
de família que caracteriza o nosso “curso”. Disse elle ao sair: “C’est mon école idéale,
une grand famille”.
66
As impressões desse intelectual sobre o colégio, foram, assim, publicadas em
mais de uma edição do Traço de União, que soube trabalhar o lado positivo dessa
importante visita para o colégio que naqueles tempos impunha uma imagem de destaque
entre as outras instituições de ensino. Isabel Jacobina Lacombe ao proferir o discurso de
encerramento de fim de ano publicado na seção “Echos” do periódico, falou a alunas,
pais e professores sobre o prazer oriundo da visita de Claparède e, também da Suíça, de
Mme. Artus Perrelet a insigne e conhecida professora de desenho. A modéstia nos faz
calar os conceitos que d’esses mestres ouvimos sobre o nosso trabalho e nossa
organização.
67
Nessa fase do periódico, nota-se que inúmeros foram os intelectuais, diretores de
colégios de outros estados do Brasil, educadores católicos e políticos que se
interessaram em pessoalmente verificar a implantação dos novos métodos no Colégio
Jacobina. Delgado de Carvalho, Lourenço Filho, o oficial de gabinete do Diretor da
Instrução Pública Álvaro de Souza Gomes, o Ministro da Educação Francisco Campos,
o
professor da Academia Superior do Comércio Orlando Gáudio, a cientista francesa
Mme. Henri Píeron, entre muitos outros, constituem a lista de visitantes prestigiados nas
publicações do periódico entre 1924 e 1931.
Alguns desses visitantes não fizeram elogios, como também deixaram
sugestões, como foi o caso de Delgado de Carvalho, geógrafo escolanovista que na
época em que esteve na instituição de ensino, em 1928, participava dos debates da
Associação Brasileira de Educação com as diretoras jacobinenses. Segundo Coelho
(2006), esse conceituado educador inovou o estudo de geografia no país, partindo, para
tanto, dos conceitos desenvolvidos pela escola francesa. Defendendo que a reforma do
65
Essa impressão foi concluída na edição comemorativa dos cinqüenta anos de Traço de União, onde
Laura faz uma homenagem à Claparède e elucida a morte de seu filho, Jean Louis, fato que levou a
educadora a consolá-lo por meio do envio de livros católicos, que abordavam a temática do sofrimento. O
professor, por sua vez, agradeceu por meio de uma carta, onde manifestou, de acordo com o relato de
Laura “toda emoção que lhe tinha causado essa lembrança, grato por ser acompanhado quando sentia esse
vazio, que nunca poderia ser preenchido”.
66
S/n. Noticiário. Traço de União, 1930, n. 2, p. 14.
67
Isabel Jacobina Lacombe, “Echos de 1930”. Traço de União, 1931, n.1, p. 2.
ensino proposta na ABE deveria passar pela transformação dos programas e da prática
dos professores, Delgado de Carvalho divulgou, através de seus livros, novas práticas de
ensino da geografia que, avessas à memorização, se pautavam em atividades como a
cartografia e a dissertação, orientando os professores a dar exemplos com base na
realidade brasileira e usar palavras simples que possam ser facilmente entendidas
pelos alunos.
68
Sendo assim, a partir da ida desse educador ao Jacobina, a sala de geografia foi
readaptada como conta a aluna Zélia Levy: Recebemos dias a visita do Dr. Delgado
de Carvalho, que gentilmente, apresentou sugestões a respeito da “sala de Geografia”
prestes a se organizar. Será explendido quando tivermos uma sala para o estudo
dessa maravilhosa matéria, que nos leva desde a hypóteses cosmogonicas até às
particularidades da geografia regional.
69
Muitos foram os estudiosos escolanovistas que se interessaram por essa
instituição de ensino percebendo-a como referência no Brasil. O relato de Lourenço
Filho publicado em Como Nasceu o Colégio Jacobina nos permite compreender porque
esse colégio era tido como modelo naquele tempo: Não posso, por exemplo, esquecer
que antes de 1930 suas classes primárias representavam das mais belas realizações
do sistema de ‘centros de interesses’ de Decroly, quando ainda êsse educador belga
lutava por implatar-lhe os princípios nas escolas de seu próprio país.
70
Baseada nos métodos de Decroly, educador que Laura havia conhecido em
viagem realizada ao Congresso Internacional de Educação Moderna em Locarno,
quando representou os professores Brasileiros pela ABE, a diretora após fazer um
estágio na Ecole de l’ Ermitage, localizada em Uecle implantou os Centros de Interesse
no Colégio Jacobina.
Segundo Ferrari (2003), os Centros de Interesse são grupos de aprendizado
organizados segundo a faixa etária do aluno. Tais Centros, de acordo com o mesmo
autor, foram criados com base nas etapas da evolução neurológica infantil e, também,
na convicção de que as crianças quando entram na escola estão dotadas de condições
biológicas suficientes para buscar e desenvolver os conhecimentos de seu interesse.
Em um discurso de Isabel Jacobina Lacombe em 1929, é possível entender como
os professores do Jacobina, partindo dos acontecimentos cotidianos, aplicaram esse
68
Coelho (2006), em prelo.
69
Zélia Levy, “Croniqueta”. Traço de União, 1928, n. 2, p. 1.
70
Apresentação de Lourenço Filho. Como Nasceu o Colégio Jacobina, 1962, p. 1.
método nas disciplinas. Ao relatar o afastamento da secretária do colégio, Ottilia
Barbosa de Oliveira, devido à ameaça de febre amarela que apavorou a população da
época, demorando-se as famílias longe da capital e atrazando assim a entrada das
alumnas do curso, Isabel diz ter sido esse assunto palpitante trabalhado pelo professor
de Hygiene com as alunas por meio de conferências sobre a prophylaxia da febre
amarela a explicação scientífica da ‘guerra dos mosquitos’. Segundo a diretora, tornou-
se esse assumpto um verdadeiro centro de interesse, de acordo com o methodo seguido
nas nossas aulas primárias, que estada todas as matérias em torno de uma idéia
central.
O método Decroly que fazia parte também do processo de alfabetização das
jacobinenses, inspirou a recusa de uma aprendizagem de memorização e repetição
dentro do colégio. Partindo do seu chamado método global, esse educador, que era
contrário à alfabetização a partir da união de letras e sílabas, teve, de acordo com Isabel
Jacobina Lacombe, seu methodo, adoptado desde o primeiro ano primário para o
ensino da leitura e da escripta (...) obtendo o colégio com isso ótimo resultado(...).
Apesar das inovações implantadas a partir de 1925 terem trazido grande
visibilidade para o colégio, principalmente por lançarem Laura Jacobina Lacombe em
espaços educacionais de referência, nacionais e internacionais, não seria possível
menosprezar o trabalho que já era realizado na instituição desde sua fundação sob
influência de educadores como Heitor Lyra da Silva, conforme é assinalado pelas
inúmeras publicações do Traço de União.
Heitor Lyra da Silva foi o grande responsável pela implantação de muitos
métodos trazidos da Europa na primeira década do século XX dentro do Colégio
Jacobina. De acordo com o Traço de União, foi sob a influência desse educador que os
programmas se orientaram e os méthodos modernos foram adoptados nesse
estabelecimento de ensino.
71
Além de influente educador amigo e conselheiro das
diretoras do colégio, ele também foi o idealizador da Associação Brasileira de
Educação, como será visto no próximo capítulo. Como parte da história do colégio, esse
professor dedicado mostrou grande preocupação com a educação feminina católica de
seu tempo e, por isso, viajou em busca de novos métodos científicos que foram
implantados naquela instituição de ensino. Após a sua morte, seus feitos foram
eternizados pelo Traço de União, que publicava fotos e discursos do educador com a
71
S/n. “Dr. Heitor Lyra da Silva”. Traço de União, 1926, n. 4, p. 3.
finalidade de elucidar as últimas manifestações lúcidas de sua culta intelligencia, em
pleno accordo com a firmesa de um caracter sem jaça, pois isto representaria bem um
ensinamento e um consolo para os catholicos.
72
Em um dos discursos proferidos no
encerramento das aulas de 1911, que foi publicado em sua homenagem em 1926,
transparece a identidade instituída no curso:
O campo da instrucção feminina vem de longa data se ampliando continuamente. (...)
somente os pessimistas não quererão que temos progredido, mas é necessário conhecer
também como ainda estamos longe do ideal desejável. (...) Para resolver entretanto
esse problema fundamental não infelizmente que fazer novas descobertas e basta
que nos inspiremos no exemplo norte-americano: dar maior valor ao raciocínio do que
a memória, evitar fórmulas feitas, proceder mais por indução, dos fatos para as leis e
para as regras mais do que por deducção, das leis e das regras previamente
estabelecidas, para os factos collocar a prática antes da theoria, conduzir o espírito do
al
umno a fazer por si mesmo o caminho das descobertas scientíficas, pois assim elle
ganhará confiança em seu próprio esforço e achará belleza nas noções adquiridas.
73
Para o educador, a tendência de aperfeiçoamento da educação feminina
acentuava-se em toda parte à medida que a ciência ia progredindo e a civilização se
desenvolvendo, pois com a cultura intellectual a Mulher poderá adquirir na
sociedade moderna o ascendente que a esta está sendo tão necessário, fazendo agir
como força sócia o sentimento guiado pela razão esclarecida.
74
Entendendo que as mulheres deveriam receber uma educação de excelência,
baseada em métodos influenciados pela ciência tanto com base na psicologia, que
introduzia nos meios educacionais descobertas sobre o processo de ensino
aprendizagem, quanto na medicina-higienista, Heitor Lyra da Silva defendeu, assim
como as diretoras do Jacobina o faziam, que a partir dessa perspectiva o sociedade
poderia progredir.
Assim, foi pautado no ideário escolanovista que o Colégio Jacobina promoveu,
por essa fase do Traço de União, a educação feminina reconhecida como pré-condição
de uma sociedade que desejava se desenvolver e civilizar como os países da Europa ou
os dos Estados Unidos. Por isso, todo método ou idéia nova eram trazidos para as
páginas do periódico, divulgando e dando sentido, assim, às inovações constantemente
72
Marilú. “Dr. Lyra”. Traço de União, 1926, n. 4, p.1.
73
Heitor Lyra da Silva “Discurso proferido pelo professor Dr. Heitor Lyra da Silva, por occasião do
encerramento das aulas do ‘Curso Jacobina’, a 17 de dezembro de 1911”. Traço de União, 1926, n. 4, p.
1-3.
74
Id.
implantadas. Pode-se dizer que foram as alunas, principalmente, que deram visibilidade
às atividades desenvolvidas, atividades essas inspiradas no método ativo como, por
exemplo, as inúmeras aulas práticas e aulas passeio, dentre as quais destacam-se visitas
a locais como o Frigorífico de Manguinhos, o Jardim Botânico, a Quinta da Boavista, o
Instituto Histórico Geográfico, o Instituto de Bacteriologia em Manguinhos, o Instituto
Benjamin Constant, o Museu Histórico Nacional, o Instituto Histórico Brasileiro, entre
outros que, em alguns números, mereceram, além de um texto ou relatório em que as
alunas comentavam sobre suas impressões, também fotos da turma em tais locais.
Nesta fase do periódico, a instituição se a ver como uma escola-
laboratório
75
,
na qual havia estímulo à leitura em espaços como o Centro de Debates, o Clube, o
Cantinho da Leitura e o Grêmio, quando temas como geografia, história, ciências e
religião podiam ser selecionados pelas alunas que, a partir de suas escolhas, realizavam
trabalhos e faziam dramatizações evidenciando que, naquela escola, os alunos eram o
centro do processo ensino-aprendizagem:
Hoje cheguei ao colégio, não demos aula de observação, porque D.a Nair chegou
tarde, e assim que ela chegou, nós fomos arrumar a sala para o grêmio, emquanto D.a
Nair apromptava Vera, Wanda, Yedda e Dirce para dansarem. Quando D.a Nair
acabou, nós começamos o grêmio.
75
Expressão utilizada por Alves (1997).
Visita feita a Manguinhos e passeio realizado à Quinta da Boavista pelas alunas do colégio. Traço de União
, 1924,
nº2, p. 2 e 1924, nº4, p. 7. Arquivo da CELPI.
A primeira fui eu que fiz um pequeno discurso, que era assim:
Rio, 1º de outubro de 1929.
Meus senhores, senhoras e collegas.
Não se assustem ao ver um papel tão comprido; não vim fazer um discurso, vim
pedir que ao menos por gentileza, nos dêm palmas, no final.
Depois, Alice tocou piano. Eu não me lembro o que foi, mas, Rafaela, Bebel e Dora
disseram uns versos sobre o Descobrimento do Brasil (...) Depois, Amélia recitou (...)
Depois, Yedda, Dirce, Wanda e Vera dansaram três vezes o minueto e Helena tocou
piano e fomos continuando a dar nossas aulas.
76
No entanto, entendendo a essência católica do Jacobina, pode-se dizer que
jamais o colégio teve a intenção de romper com os fundamentos de um ensino
tradicional. Padre Leonel Franca, um dos apoios teóricos e militantes da direção dessa
instituição educacional, defendia que era triste e mesquinha a concepção esta que faz a
ruptura com o passado a condição de vida para o presente e de salvação para o
porvir.
77
Padre Franca, que deu sua contribuição ao Curso Jacobina em palestras
ministradas às alunas no início dos anos 30, era um importante referencial católico da
direção dessa instituição de ensino. Pautadas nos ideais de intelectuais católicos como
os do Padre Leonel Franca que, de acordo com Magaldi (2001), era afinado com o
pensamento da cúpula eclesiástica do período, pode-se dizer que a direção do Jacobina,
embora passasse os conteúdos das disciplinas de uma forma renovada, nunca permitiu
que a essência da formação clássica tradicionalmente adotada pelas escolas católicas
femininas desse tempo fosse negligenciada. Aliás, o próprio Padre Franca, ainda de
acordo com Magaldi (op. cit.), pregava que o compromisso com a tradição, de modo
algum representaria uma negação das inovações que emergiam no campo educacional.
Contudo, entre outros aspectos, ele entendia que nenhum método ou técnica poderiam
ser expressados de modo dissociado de uma concepção cristã de vida.
Nesse sentido, Magaldi (op. cit.) afirma que o Colégio Jacobina, um dos
precursores da renovação pedagógica no país, a partir desse contexto, mostrou como as
novidades da Escola Nova despertavam o interesse entre os católicos, e foram utilizadas
no seio de um processo de recatolização da sociedade brasileira que ocorreu nas décadas
de 20 e 30.
Ainda que a doutrina católica divergisse em alguns pontos filosóficos e
metodológicos do ideário educacional renovador que emergia, pode-se concluir que a
76
Stella Maria Barbosa de Oliveira. 3º anno primário. “Meu diário”. Traço de União, 1929, n.4, p.7.
77
Franca, 1954, p. 71 apud Magaldi, 2001, p. 140.
direção do Jacobina soube dosar sua posição diante de ambos fazendo com que ambos
convivessem sem muitos problemas em sua instituição de ensino. Dessa forma, percebe-
se, por meio do que era publicado nessa segunda fase, que ao mesmo tempo em que o
Jacobina apostou nas novas idéias educacionais trazidas pelo escolanovismo, também se
manteve preso às tradições cristãs. Aliás, se algo que fica claro, não só nessa fase,
como também na subseqüente, é que o colégio adaptou à modernidade os novos
métodos e os conteúdos sem denegrir, em momento algum, a sua imagem católica.
Para Alves (op. cit.), a novidade da proposta, o caráter pioneiro do Jacobina
entre os católicos e o experimentalismo de suas práticas geravam uma tensão inevitável
que fazia com que a instituição se posicionasse num lugar intermediário entre sua
doutrina e o ideário da Escola Nova. Para a autora, o argumento utilizado era de que a
proposta defendida pela nova educação não feria os ensinamentos do cristianismo.
Assim, unido à moderna forma de ensinar essa mulher que aguardava o
futuro
promissor do casamento, a instituição não deixou de reforçar pelos textos publicados
que a religião era o que, de fato, alicerçava o seu projeto educacional desde 1902,
quando foi fundada. A obediência e a disciplina, que deveriam guiar o comportamento
das jovens, dentro e fora da escola, e a própria forma de pensar a função da educação
recebida, eram embasadas, sobretudo, na moral cristã que foi reforçada ainda mais em
encontros da Ação Católica promovidos pela instituição, principalmente, a partir da
década de 30.
A Igreja, que nesse período estava voltada para o projeto de Renovação
Espiritual Católica, via no avanço científico trazido pela modernidade uma
propensa instauração do caos, uma vez que já não existia elo entre a sociedade e
o Estado. Por outro lado, o projeto de implantação do ideário educacional
inovador, apropriava-se justamente dos avanços trazidos pela modernidade
para traçar seus discursos e metas entre o professorado e as instituições de
ensino.
A estratégia do Jacobina divulgada pelo Traço de União, nesse sentido, parece
ter sido bastante interessante e espelhada na própria ação da Igreja que, nesse mesmo
período, vendo o entusiasmo despertado pelas renovações pedagógicas entre o
professorado, teve que relativizar suas críticas, lançando mão igualmente de estratégias
inovadoras. De acordo com Cunha e Costa (2000), a sobrevivência da Igreja ao longo
dos séculos se deve justamente por essa característica de adaptação às distintas
circunstâncias que se dão no curso da história. Segundo os autores, ela é uma instituição
permanentemente em busca do bem comum para a humanidade, capaz de sobreviver a
circunstâncias sociais diferentes adequando-se às diversas circunstâncias da
realidade
78
. Por isso, de acordo com Carvalho (1994), a Igreja foi catolicizando
aspectos relativos ao ideário escolanovista, partindo de uma apropriação do que seria
passível a uma cristianização e afastando o que era antagônico. Foi desta maneira que a
didática renovada passou a ser adaptada pela própria Igreja nas aulas de religião.
Nesse plano estratégico, entende-se que existiram dois lados: um deles composto
por católicos mais conservadores que atacavam de frente as concepções escolanovistas
tendo como finalidade negá-las na totalidade; e do outro lado, um grupo que buscava,
de acordo com Carvalho (1994), absorver alguns de seus princípios, dando-lhes feição
m
ais condizente com os ensinamentos cristãos. Por isso, não seria possível afirmar que
catolicismo e Escola Nova chegaram a ser ideários opostos. Até mesmo porque o grupo
de intelectuais conhecidos como escolanovistas atuantes na ABE era dividido em uma
ala católica e outra liberal e, por mais que esses apresentassem pontos de atritos,
moviam-se num mesmo terreno de debate: a educação escolar. Segundo Carvalho
(1986), esses dois grupos propunham a reforma educacional sob a ótica da formação da
nacionalidade e tinham como ideal a legitimação de uma educação que situasse o país
dentro dos ditames da Ordem e do Progresso.
Assim, embora os católicos, principalmente os mais conservadores e radicais,
discordassem das implantações pedagógicas que se opunham aos métodos tradicionais,
como aponta o estudo de Alves (1997), eles tinham pensamentos também aproximados
dos leigos escolanovistas em questões relevantes para o país naquele período, como por
exemplo, em relação à valorização da moral e do civismo. Ambos defendiam que o
sentimento cívico deveria ser alimentado como uma forma de chamar a atenção da
sociedade para as questões educacionais. Embora os católicos, renovadores ou não,
travassem essa discussão sob a ótica religiosa e preceitos de sua doutrina,
principalmente no que dizia respeito à moral do homem moderno, eles, assim como os
leigos escolanovistas, concordavam que existia, no início do século, certa crise que
acabaria resultando em um mal estar na sociedade. Crises provenientes, entre outras
78
Cunha; Costa, 2000, p. 132.
coisas, dos efeitos decorrentes da Primeira Guerra Mundial e também do acelerado
processo de industrialização, apontavam para uma sociedade que, para além dos
aspectos positivos trazidos pela modernidade, precisava pensar em soluções para os
problemas decorrentes dessa mesma. Dessa forma, tanto para os católicos, quanto para
os leigos, somente uma educação que visasse a incutir o amor à pátria levando em
consideração as transformações dos novos tempos, poderia trazer consciência ao
homem para saber atuar e melhorar a sociedade nesse difícil momento que atravessava a
humanidade.
Para a Igreja, porém, essa educação deveria ter como base a elevação da
personalidade com a finalidade de haver uma união transcendental com Deus, assim,
todo esse ideal, segundo os católicos renovadores, poderia ser alcançado, de acordo
com Carvalho (1986), por meio de uma política sintonizada com os princípios cristãos.
Para os educadores leigos, o ensino não deveria envolver religião.
Apesar disso, as páginas do Traço de União dessa fase evidenciam que as
dirigentes do Jacobina não foram obrigadas a tomar partido de um dos dois ideários
nesse momento, que existia uma nítida interseção que facilitava e justificava a
aplicabilidade simultânea de ambos nas propostas pedagógicas do colégio. Portanto,
ainda que renovadores leigos e católicos tivessem motivações educacionais um pouco
diferentes, Isabel e Laura Jacobina Lacombe, que pertenciam à ala católica do grupo de
intelectuais da ABE, conseguiram trabalhar em sua instituição de ensino com muitos
métodos trazidos da Europa e dos Estados Unidos, que eram aplicados pelas educadoras
partindo de preceitos religiosos como solidariedade, perseverança, disciplina, respeito e
etc.
1.2.1. Família e escola em um projeto científico-pedagógico
Logo em seu início, o periódico também apresenta como alvo os responsáveis
pelas suas alunas. Como foi possível perceber, o Colégio Jacobina procurou
implantar os métodos e as filosofias da Escola Nova em seu sistema de ensino desde sua
fundação. Várias foram as matérias que, além de figurarem na seção “Trabalhos
diversos” e “Ecos”, também apareciam em outros espaços do periódico jacobinense
com o intuito de divulgar as atividades que derivavam da renovação pedagógica.
Contemplando essa necessidade apresentada pelo periódico, começou a ser
reservado um espaço fixo e específico no Traço de União para criação, veiculação e
legitimação de um elo entre família e escola, que tinha como finalidade disseminar
ainda mais o ideário escolanovista adotado pela instituição de ensino. Assim, além dos
espaços ocupados no periódico para divulgar e construir a imagem da mulher formada
pelo colégio, a revista passou a investir, também, na publicação de imagens referentes a
um projeto científico-pedagógico, proposto pelos intelectuais escolanovistas, que
envolvia as famílias no processo educacional de suas filhas.
Exemplo disso é o periódico de 1925, que anuncia a criação das reuniões do
Círculo de Pais e Professores, inaugurada no Jacobina devido à participação de suas
dirigentes frente à Seção de Cooperação da Família da Associação Brasileira de
Educação (ABE). Tendo sido presidida pela ex-aluna do Colégio, Armanda Álvaro
Alberto, que naquele tempo era diretora da Escola Regional de Merity, as reuniões
começaram a ganhar as páginas do periódico com a finalidade de criar e propagar laços
entre o colégio e a família, com bases na medicina higienista e no projeto escolanovista.
Logo em seu primeiro ano, o jornal anunciava: Oxalá obtenham os outros collegios um
exito tão animador como o do Curso Jacobina.
79
Tais reuniões eram anunciadas pelo periódico com o objetivo de tratar da
cooperação da família na educação, pois, segundo Laura Jacobina Lacombe, estaria nas
mãos desta o remodelamento do país, sendo necessária a união de todos para tratar das
questões da educação na família, levando em consideração os problemas de ordem
moral e higiênica. Isso porque acreditava que as famílias eram aliadas em potencial para
seu propósito de educar cientificamente as crianças de forma higiênica, sobretudo para
que pudesse se adequar a um modelo urbano que vinha se difundindo na sociedade
moderna. A liderança dos círculos era composta por professores e pais, visando à
promoção de um real diálogo entre escola e família. De acordo com a diretora do
Jacobina, seria preciso compreender, no entanto, que os professores não deveriam
insinuar-se na educação familiar, pois os paes regem seus lares e os professores na
Escola.
80
Portanto, as reuniões eram baseadas em que paes e professores, cada qual a
partir do seu papel, de commum accôrdo, trabalhem para o progresso moral das
crianças brasileiras, não recuando diante da tarefa de preparar um grande país.
81
79
S/n. ‘Círculo de Pais e Professores do Curso Jacobina’. Traço de União, 1925, n.2, p.1-2.
80
Id.
81
Id.
Subjacente à proposta da Seção de Cooperação da Família, estava uma
expectativa de sociedade futura mais civilizada, e, para tanto, médicos, psicólogos e
educadores passavam a se preocupar com a educação dada pela escola e pela família.
Assim, as reuniões tinham por objetivo determinar a responsabilidade dos pais nessa
empreitada e qualificar as educadoras para que essas pudessem se tornar profissionais
mais competentes, como aponta Mignot (2002), para interditar, autorizar e legitimar os
cuidados com as crianças. Tais reuniões difundiam e estimulavam práticas que se
inscreviam no projeto maior da ABE, que buscava promover a difusão e o
aperfeiçoamento da educação:
Modelos de condutas, padrões para os costumes, foram forjados numa perspectiva
moralizadora. Em nome dos direitos das crianças, as educadoras ali reunidas,
ampliaram a questão educacional para além da escola. Formularam propostas para as
famílias, a cidade, tentando moldar o futuro do país. Assim, se legitimavam como
interlocutoras no âmbito da própria entidade.
82
de se considerar, também, que ao longo da década de 20, segundo Magaldi
(2001), houve manifestações de desapontamento, por parte de intelectuais e outras
vertentes variadas, a partir dos rumos tomados pela República. As críticas dessa
realidade apontavam, por meio de referenciais científicos, para a ausência de uma
sociedade organizada, onde se pudesse perceber uma identidade nacional. Nesse
contexto, a educação era referenciada pelos intelectuais nacionalistas como o caminho
correto para a superação dos problemas sociais e políticos da nação brasileira e sua
entrada na modernidade.
Examinando o Círculo de Mães de Família da Escola Regional de Merity, a
mesma autora observa que a instituição de ensino enfatizava a importância do
compromisso estabelecido entre as es diante da instituição educacional ao demandar
a participação dessas mulheres por meio da presença ativa e crítica que, por outro lado,
eram alvo de prescrições acerca de comportamentos e atitudes. Para ela, o fato de
pertencer a esse círculo deveria ter como significado para cada integrante:
a adesão ao projeto civilizatório da escola e à tarefa de irradiá-lo em uma dupla
direção: a de sua casa e de sua comunidade. (...) Investia-se com muita força na família
e em especial, na mulher, de quem se esperava um envolvimento total e consciente.
Desta maneira, ao serem educadas diretamente pela diretora da escola, ao receberem
82
Mignot, 2002, p. 205.
lições sobre a melhor maneira de serem mães e de organizarem a sua vida doméstica,
as mulheres erigiam-se em educadoras autorizadas a atuar junto às suas famílias e
vizinhança, sendo ainda profundamente convencidas da importância de sua missão.
83
Dessa maneira, pode-se dizer que os encontros de pais que eram constantemente
divulgados pelo Traço de União, no caso do Jacobina, enquadravam-se em um projeto
nacionalista que visava, além de envolver professores, a também abrir espaço para que
as mães participassem do cotidiano escolar de seus filhos. A valorização da família
como instituição social, segundo Magaldi (op. cit.), foi uma posição compartilhada pelo
clero da época que considerava a mesma o viveiro da pátria.
84
Tomando como exemplo
os discursos do Padre Leonel Franca, pode-se dizer que a mulher foi apontada como a
principal executora da missão educativa, sendo apontada também como a maior culpada
em caso de omissão. A centralidade no papel feminino na educação dos filhos foi assim
defendida por renovadores leigos e católicos que não cansavam de clamar pela
colaboração da família e, em especial da mãe, com a escola.
85
Entende-se, assim, que os artigos publicados que falavam da participação dos
pais na educação de seus filhos revelam muito do pensamento social e educacional do
país, sendo mais constantes até a terceira fase da revista. Apesar da idéia da criação dos
círculos ter se estendido a escolas de elite – como foi o caso do Jacobina e do Bennett –,
ela apresentava preocupações muito voltadas para as populações menos abastadas da
sociedade. Segundo Alves (1997), uma proposta da entidade seria a de que as alunas,
fora do horário escolar, deveriam ser ocupadas com outras atividades para não ficarem
expostas às más influências. A argumentação para o preenchimento do tempo das
crianças de um modo geral, de acordo com Alves (op. cit.), residia nas condições
precárias de vida de suas famílias que exigia que os pais ficassem o dia inteiro ocupados
sem terem condições de acompanhar a educação de seus filhos.
No entanto, a realidade do Jacobina era outra, as mães de sua alunas, por
exemplo, não precisavam trabalhar fora para garantir o sustento da casa e as alunas
ocupavam seus tempos livres com festas, viagens, idas ao clube etc. Talvez tenha sido
por isso que Laura Jacobina Lacombe, em uma das edições do periódico, tenha admitido
que, embora aquela tentativa tivesse conseguido reunir discursos entusiásticos, não teve
continuidade enquanto associação.
83
Magaldi, 2001, p. 82.
84
Padre Leonel Franca, 1955 apud Magaldi, 2001, p. 129.
85
Magaldi, 2001, p. 133.
Ainda que tenha sido uma proposta de base escolanovista, Laura Jacobina
Lacombe não desistiu de implantá-la até o fim dos tempos na instituição. Sempre
reforçando a idéia de que era preciso corresponder às expectativas das famílias que
confiaram suas filhas à instituição e que as famílias também deveriam em contrapartida
acompanhar a formação de suas filhas, ela defendia a permanência de uma associação
direcionada à atuação e à interação das famílias no colégio. No Traço de União de
1939, uma das sócias chega a fazer um apelo aos pais das alunas do Colégio Jacobina
pedindo que resolvessem interessar-se pelos próprios filhos e diz estar contando com a
boa vontade das pessoas para que possam propagar a importância de tal projeto: eis a
razão por que, aproveitando a gentileza de D. Laura, sirvo-me do simpático Traço de
União para que desta vez realize de fato e praticamente sua função: que ele ligue todas
as famílias jacobinas com muitos e muitos traços de união em torno do núcleo central
da A. P.F.
86
Assim, vários foram os projetos disseminados nas páginas do Traço de União
que propiciaram a criação e a divulgação de uma imagem de família efetivamente
participativa na educação dos seus filhos dentro do Jacobina. Começando com o Círculo
de Pais de Família em 1925, que na terceira fase é retomado como Associação de Pais
de Família, a revista procurou promover, a partir de uma proposta escolanovista, um
primeiro diálogo entre essas duas instituições. Em 1940, formou-se um Círculo de
Mães, onde se organizaram conferências por pessoas de destaque, porém, ainda de
acordo com Laura Jacobina Lacombe, foi somente isso. Em 1950, foi iniciada a
Associação de Pais de Família, onde os casais ocupavam os postos conjuntamente, na
diretoria, e essa Associação se filiou à União Nacional de Associações Familiares
(UNAF). Em 1960, a Associação passou a ser novamente Associação de Pais e Mestres,
entrando, de acordo com Laura Jacobina, em uma nova fase de atividades. As diretoras
seriam eleitas por dois anos. Começaram, então, a ser promovidos cursos como a
colaboração com a Escola de Pais, do MEC, e o de Educação Sexual para Pais. Para as
alunas também havia cursos. Costura, cozinha, cinema e datilografia deveriam ocupar
seus tempos fora da sala de aula. Também foram organizadas viagens culturais pelo
Brasil para as alunas, sendo essas acompanhadas por professores. Ao longo da década
de 70, essa associação chegou a promover torneios esportivos, além de cursos de teatro
86
Ernestina Penna Franca. “Associação de Pais de Família”. Traço de União, 1939, n.3, p.13.
e judô para a nova clientela do Jacobina que nesse momento passou a ser constituída
também por meninos.
Todo esse movimento apareceu muito pouco no Traço de União até seu último
número, por isso fica difícil afirmar qual a foi a dimensão desses encontros para as
famílias. No entanto, é possível inferir que eles nunca tiveram fim. Tudo que apareceu
nas edições serviu ao menos para apontar que as investidas da direção foram
incansáveis em relação a isso. Até 1974, ainda que os tempos fossem outros, seguia
Laura defendendo que junto com os pais a sua instituição procurava solucionar os
múltiplos problemas que surgem na sociedade de hoje, não no nosso país, mas no
mundo todo.
87
Em 1981, o primeiro artigo publicado menciona que o periódico ressurge
naquele ano por um esforço conjunto da Associação de Pais e da administração do
colégio com a finalidade de revitalizar as artérias de comunicação entre o colégio e as
alunas e suas famílias
88
.
Assim, o que havia sido plantado de acordo com os ideais escolanovistas do
início do século, apareceu por muitos anos no periódico assinalando a importância do
trabalho conjunto com as famílias na instrução de suas filhas. Porém, essa participação
não se limitou aos aspectos pedagógicos e científicos e, de modo muito próprio, o Traço
de União divulgava que a participação das famílias deveria se dar, também, na
formação do caráter feminino. Temática abordada muito mais eficazmente por Laura na
seção “Ecos”, onde a diretora deixava claro que tanto a instrução quanto a vigilância
que determinariam o caráter das alunas, deveriam ser acompanhadas por mais outra
instituição além da família e da escola: a Igreja.
1.2.2. Propagandas, ciência e consumo modernos
Por entender que o periódico do Colégio Jacobina não tinha como leitores
apenas a direção, os professores, as alunas e as ex-alunas, como também, as famílias,
que faziam parte de um projeto de disseminação dos papéis que deveriam ser
desempenhados por cada sujeito escolar dentro do colégio e da sociedade, os
comerciantes passaram a utilizar o impresso para vender seus produtos, como pode ser
obs
ervado no quadro abaixo:
87
Laura Jacobina Lacombe. “Depoimento”. Traço de União, 1974, p. 27.
88
S/n. “Mensagem da Associação de Pais do Colégio Jacobina”. Traço de União, 1981, p. 3.
As propagandas publicadas ao longo dos anos no Traço de União (1927 – 1969)
ANO DATA NÚMERO DO
PERIÓDICO
NÚMERO DE
PÁGINAS
ANUNCIANTES
TIPO DE PROPAGANDA
IV Setembro e
Novembro de
1927
3 e 4 32 2
Final da página 31
1º) Gráfica Mendonça e Machado
Página 32 completa
2º) Curso Jacobina
VII Maio de 1930 1 12 7
Página 11
1º) Relógio CYMA
2º) Chapéus ARBITER
3º) Joalheria La Royale
Página 12
4º) Curso feminino de Artes decorativas “A
Artisana Decorativas Limitada” Mabel e
mais duas ex-alunas com diploma de Paris.
5º) Ótica/ oftamologistas “Lutz, Ferrano &
Co Ltda”
6º) Engenharia/ construção - “Cia de Viação e
Saneamento”.
7º) Artigos religiosos “Casa Coração de
Jesus”
X Novembro de
1933
3 21 1
Página 21 completa
1º) Curso feminino de Artes decorativas
XI Setembro de 1934 2 14 2
Página 7 anúncio pequeno no canto
esquerdo da página, no fim dos artigos
1º) “Salão Antunes”
Página 13 – anúncio único localizado no
centro da página
2º) “Toddy”
Página 14 – anúncio único localizado no
centro da página
3º) “Papelaria União”
XI Dezembro de 1934
3 14 2
Página 14
1º) Carnet-Crediário da “A Exposição”
2º) Cabeleleiro – “Salão Antunes”
XII Maio de 1935 1 14 3
Página 13 – anúncio único localizado no
centro da página
1º) “Toddy”
Página 14 – anúncio único localizado no
centro da página
2º) “Papelaria Modelo”
XII Agosto de 1935 2 16 3
Página 15
1º) Artigos para presentes – “Casa Daniel”
2º) Fábrica de Balas – “Aurora”
Página 16 completa
3º) Fábrica de Chapéus – “Botafogo”
XII Novembro de
1935
3 14 2
Página 13 completa
1º) “Padaria e Confeitaria Viriato”.
Página 14 completa
2º) Alta costura – “Mme. Soares”.
XIII Maio de 1936 1 10 2
Página 10
1º) “Armazém Fidalgo”
2º) Artigos para presentes – “Casa Daniel”
XIII Agosto de 1936 2 13 1
Página 13 completa
1º) “Moral Cristã e Educação” Livro de
Laura Jacobina
XV Agosto de 1938 2 14 2
Página 14
1º) Typografia – “Baptista de Souza”
2º) “Casa Cruz”
XVI Novembro de
1939
3 17 1
Página 16 completa
1º)Prelo da edição de “Moral Cristã e
Educação” - Livro de Laura Jacobina
XVIII Novembro de
1941
3 18 1
Página 17 completa
1º) Prelo de “A Escola e a Vida” - Livro de
Laura Jacobina
XLVI 1969 1 50 2
Página 49 completa
1º) “Sardinhas Jangada”
Página 50 – anúncio único localizado no
centro da página
2º) “Arroz Citusa”
Começando a surgir no fim dessa segunda fase do periódico, a partir de 1927
mais precisamente, as primeiras propagandas
89
do Traço de União falam sobre o
próprio Curso Jacobina e buscam estimular o consumo de produtos e serviços que
atenderiam ao específico público da instituição, que era representado por famílias da
boa sociedade, católicas e modernas. Como se no quadro anterior, relógios, chapéus,
jóias, alimentos, construtoras civis, cursos de artes decorativas, loja de artigos religiosos
e consultórios médicos, são os anúncios que passam a ser estampados, geralmente, nas
últimas páginas do periódico escolar.
89
Segundo Negreiros (2004), o termo propaganda foi utilizado pela primeira vez, pelo menos
conscientemente, pela Igreja Católica, como forma de levar seus ensinamentos e salvar os outros povos
de cultura diferente, que estariam por se descobrir nos diferentes continentes. Nesse contexto, o termo
propaganda tem seu significado vinculado ao latino "propagare" - "ato de espalhar sementes pela terra
para fazer nascer novas plantas".
Propaganda do Colégio Jacobina
Ainda que não tenha sido nessa segunda fase que o Traço de União apresentou
um maior número de anúncios, foi ela quem abriu caminho para que a revista ganhasse
visibilidade e credibilidade para que os anunciantes, de acordo com o público alvo do
periódico, conseguissem vender seus produtos.
Revelando o que o grupo social daquela época e daquele espaço se interessaria
em consumir, as propagandas aumentaram, então, na terceira fase do periódico quando
esse se filiou à Associação dos Jornalistas Católicos, que tinha justamente a finalidade
de angariar fundos para a revista. Anúncios específicos de confeitarias e padarias,
editoras, artigos femininos, salões de beleza, armazéns, alta costura, fábrica de balas,
papelarias, artigos religiosos, livros, tipografias, cursos próprios para mulheres da elite,
entre outros, passaram a preencher, geralmente, as últimas páginas de um número
expressivo de edições do periódico.
Segundo Brandão (2006), todo anúncio tem caráter documental, pois eles
retratam, pelas informações que fazem circular, pelas ofertas e procuras de produtos e
serviços, o universo dos objetos e das preocupações presentes num determinado grupo
social de uma dada época. Segundo a autora, por fazer parte do discurso cotidiano do
cidadão e, também por se fazer presente desde os primeiros jornais impressos que
começaram a circular, esse tipo de discurso se torna um objeto interessante para
apreender aspectos da língua e da vida social e cultural de uma determinada
comunidade discursiva.
90
90
Brandão, 2006, p. 1.
Propaganda do Curso Jacobina e de lojas e produtos variados de consumo. Traço de União
, 1927, nº3 e
nº4, p. 32 e 1930, nº1, p.11. Arquivo da CELPI.
Direcionadas às alunas jacobinenses pelo ao alto poder aquisitivo, os enunciados
das propagandas se apropriavam de frases atrativas como: Quem tiver que ir a uma
festa, lembre-se do Salão Antunes (imagem anterior) e Não escrevam para o Papae
Noel, porque não adianta. O que adianta é pedirem aos seus Paes, pelo Natal, um
Carnet-Crediário(...) porque com ele, se adquire o que deseja.
91
Isso, de certa forma, sinaliza para o fato de que os anúncios tinham como
intenção atingir prioritariamente as famílias, pressupondo, dessa maneira, que o
periódico chegava aos lares das alunas e era lido por seus pais: Toddy é o alimento do
lar por exellencia. Seu uso continuado tráz saúde e alegria aos paes e aos filhos.
92
Segundo Gouvêa e Paixão (2004), as propagandas nas décadas de 30 e 40 objetivavam
atingir mais precisamente a figura materna das classes médias.
91
Propaganda. Traço de União, 1934, n.3, p. 14.
92
Propaganda. Traço de União, 1934, n. 2, p. 13
Propaganda dirigida às alunas e mães no Traço de União, 1934, n.3, p. 14. Arquivo da CELPI.
Assim, além de serem produtos que atendiam à classe social das alunas, os
anúncios visavam também a atingir, por meio de discursos sociais vigentes, os núcleos
familiares a partir da preocupação com a alimentação de seus filhos. Brites (2000)
argumenta que as propagandas que se estabeleceram na primeira metade do século XX
eram resultado da sociedade moderna que assistia ao desenvolvimento de indústrias e a
uma crescente urbanização, o que acabava por incluir em seu slogan um plano de
consumo baseado, entre outras coisas, nos discursos médicos voltados para a saúde da
criança.
Estava presente no cenário social brasileiro ao longo desse período, de acordo
com Gouvêa e Paixão (op. cit.), um ideário psicopedagógico escolanovista e médico-
higienista que se traduzia nas propagandas como difusão da necessidade de aquisição de
produtos de consumo que se voltassem para a saúde física e mental da criança. Dessa
maneira, pode-se dizer que as propagandas não estiveram alheias às discussões sobre
infância que ocorriam em distintos espaços do governo e da sociedade civil.
Assim, nesse período, a propaganda existiu articulada a um setor industrial em
expansão que investia no crescimento de seu mercado, construindo desse modo o
espetáculo da produção e do consumo sem limites. Segundo Brites (op. cit.), o material
publicitário brasileiro confirma, nesse momento, a importância da indústria alimentícia
como anunciante: As propagandas em que a criança apareceu como alvo e justificativa
do consumo colocavam a alimentação enquanto fonte de saúde, destacando
crescimento e robustez como elementos fundamentais para a infância.
93
Guiada pelas teorias psicogenéticas que emergiam no século XX, a criança, de
acordo com Gouvêa e Paixão (op. cit.), seria diferenciada em períodos distintos de
acordo com o seu desenvolvimento cronológico, ou seja, cada fase de sua maturação
biológica apresentaria especificidades que demandariam diferentes projetos de
intervenção pedagógica. A psicologia apareceria para descrever cientificamente as
especificidades infantis e os parâmetros que conduziriam os projetos pedagógicos no
interior das escolas. Dentro desse mesmo quadro, a medicina higienista voltaria sua
produção, a partir de um diálogo com a produção vigente da psicologia, na promoção da
93
Brites, 2000, p. 252.
Propagandas de alimentos e acessórios no Traço de União, 1934, n. 2, p. 13 e 1935, n.2, p. 15. Arquivo da
CELPI.
saúde infantil como estratégia regeneradora da nação, que via na família nuclear
burguesa e na escola meios propícios para a difusão e a execução de seus ideais.
Família, saúde e escola se viam, desse modo, envolvidas em meio a um projeto
de educação da infância brasileira. No entanto, a família transferiu a responsabilidade
sobre o projeto de instrução e formação à escola. Em contrapartida, a escola, que irá se
reafirmar como espaço natural da infância, nortear-se-á por uma pedagogia dirigida à
família, buscando educá-la com intuito de que essa exerça um papel complementar no
trabalho escolar nessa escola cientificizada. Voltando a atenção para um texto
publicitário que assume uma forma impositória, propositiva e persuasiva embasada no
momento sócio-histórico, as propagandas lançam discursos que devem sensibilizar a
família, em especial as mães que redefiniam, nesse período, seu papel e
responsabilidade na educação e bem estar dos filhos.
Para irradiação dos ideários escolanovista e da medicina higienista, foram
utilizados nessa época vários meios de comunicação, incluindo periódicos. Segundo
Gouvêa e Paixão (op. cit.), a imprensa pedagógica foi utilizada amplamente para esse
fim. Inserindo-se nesse contexto, as propagandas não se limitaram apenas à promoção
da saúde, mas também às demandas escolares: A família deveria incorporar não apenas
novos tempos e espaços escolares coerentes com os tempos e espaços escolares, mas
também novas materialidades, capazes de potencializar e tornar possível o trabalho
escolar.
94
Por isso, de acordo com essas mesmas autoras, produtos que atendessem aos
estudantes, também eram propagados de modo a se fazerem presentes no ambiente
doméstico em consonância com o ideário da Escola Nova. O interesse infantil foi
colocado como fator de aprendizagem, por isso papelarias lançam mão de atrativos
objetos escolares para persuadirem seus principais consumidores: os estudantes.
Anunciada pelo Traço de União, como A maior papelaria da cidade, a Casa Cruz que
não se limitava, de acordo com Mignot (2005), a suportes e utensílios da escrita,
ve
ndendo também materiais religiosos, buscava incutir a idéia de que era a maior
fornecedora dos colégios do Rio de Janeiro e dos institutos de todo o país. Sua investida
em propagandas, de acordo com a mesma autora, garantia que os pais, em cada início de
ano escolar, procurassem-na em busca de seus diversificados e, por isso, convidativos
materiais e artigos.
94
Gouvêa e Paixão, 2004, p. 359.
No entanto, não somente esses tipos de comerciantes se valeram dos discursos
vigentes nessa sociedade. Para De Luca (2000), os jornais apareciam, nesse momento,
como principal mercadoria da nascente indústria cultural, onde ditariam, não por
meio da escrita, como também da imagem, modas e estilo. Por isso, além dos produtos
voltados para a saúde infantil e para as necessidades materiais escolares, os anunciantes
do Traço de União, também eram comerciantes de chapéus, artigos para presentes e
proprietários de salão de beleza e ateliês de alta costura, ou seja, tudo o que mexia com
a vaidade feminina de um modo geral, mas que certamente poderia ter como
consumidor alvo, as moças da classe média.
Entre vestimentas, materiais escolares, alimentos que iam desde doces a bebidas
caracterizadas nutritivas, encontrava-se também o alvo prioritário do Colégio Jacobina:
o catolicismo que, além de representado por artigos religiosos vendidos na Casa Cruz,
na Casa Coração de Jesus e em outras papelarias, também era divulgado em anúncios de
livros.
Assim, acompanhando o cenário social brasileiro da cada de 30 que foi
marcado pelas disputas entre escolanovistas e católicos, a família Jacobina também
mostrou ter espaço reservado para anúncios nas páginas do Traço de União.
Como de costume, valorizando os seus ideais e preceitos católicos, Laura
Jacobina Lacombe indicou, em mais de uma edição, a leitura de seu livro Moral Cristã
e Educação que, entre outras coisas, tinha como preocupação alertar os jovens e suas
famílias sobre os perigos trazidos pela modernidade.
Propaganda de papelaria no Traço de União, 1938, n.2, p. 14. Arquivo da CELPI.
Mabel Jacobina Lacombe, irmã de Laura que não se envolvia como ela na
militância católica, também foi outra a utilizar as páginas do periódico com a finalidade
de fazer a propaganda de seu Curso de Arte Decorativa. Ambas, apesar de anunciarem
coisas completamente distintas, juntamente com outros comerciantes, sabiam que o
periódico era o local ideal para atingir um mesmo público específico que era
constituído, de acordo com as imagens veiculadas pela revista, essencialmente, por
famílias católicas, cultas e modernas pertencentes a uma elite urbana que vinha
crescentemente se estabelecendo no Rio de Janeiro. Ou seja, as propagandas, sem a
intenção de fazê-lo, acabavam legitimando a identidade das mulheres que no Jacobina
se formavam e atribuindo papéis às famílias que, por sua vez, deveriam acompanhar a
instrução de suas filhas, a partir de um projeto médico-pedagógico defendido por essa
instituição católica de ensino.
Enfim, o que marca essa fase impressa inicial do periódico, seja por meio de
propagandas ou artigos, é sem dúvida o fato de que, apesar de se destacar entre as
instituições femininas católicas de ensino devido à implantação pioneira dos novos
métodos, o Colégio Jacobina não fugia totalmente à regra. Ter permitido a entrada de
influências pedagógicas que emergiram naquele período no país, sabendo balancear
com os ideais da doutrina católica, fê-lo referência no Rio de Janeiro e até mesmo em
Propagandas de cursos e livros no Traço de União, 1933, n.3, p. 21 e
1936, n.2, p. 13. Arquivo da
CELPI.
todo país, justamente por se distinguir no que dizia respeito à formação cultural e
intelectual de suas alunas que, ainda naquele tempo, sentiam, como toda mulher, a
limitação da instrução oferecida. No entanto, pode-se dizer que por mais que valorizasse
o desenvolvimento intelectual de suas alunas e apostasse a esse ponto na educação
feminina, tal como aparecia divulgado no Traço de União, a instituição não chegou a
propor nenhuma revolução em relação aos costumes que subalternizavam o papel social
estabelecido para as mulheres. Essas, na concepção do colégio, deveriam ser preparadas
prioritariamente para educar alunos, filhos e, também, para ampararem seus maridos,
como consta na base dos discursos publicados no periódico jacobinense que declaram
eleger em suas práticas um estímulo à conservação dos ideais que creditavam o
progresso da nação à influência feminina.
1.3. A escrita jovem e o pacto com o catolicismo nas décadas de 30 e 40
Duas grandes mudanças marcaram a terceira fase do Traço de União: a
transformação do jornal em revista e a filiação do periódico à Associação dos
Jornalistas Católicos. Completando dez anos de publicação, o Traço de União que,
segundo artigo publicado em 1933, mantinha nesse período a significação de seu nome,
tendo sua tradição
95
é delineado pelo seu notório amadurecimento estrutural, assim
como pela declarada postura editorial de se deter prioritariamente nas questões
defendidas pelo catolicismo nesse momento histórico.
Indo de agosto de 1931 a novembro de 1948, essa terceira fase do Traço de
União se caracteriza por ter três publicações anuais. Variando entre 8 e 22 páginas e
permanecendo com diagramação de três colunas por página, a revista revela, por meio
de textos e imagens, grandes mudanças, tanto para a instituição quanto para o
periódico.
Quadro com a relação de periódicos publicados na 3º fase do Traço de União: 1931 - 1948
ANO DATA NÚMERO DO
PERIÓDICO
NUMERO DE
PÁGINAS
VIII Junho de 1931 1 8
VIII Agosto de 1931 2 10
VIII Novembro de 1931 3 10
IX Junho de 1932 1
88888888 8
IX Agosto de 1932 2 10
95
S/n. ‘Pequeno histórico do Traço de União’. Traço de União, 1933, n. 3, p. 2.
IX Novembro de 1932 3 8
X Julho de 1933 1 8
X Julho de 1933 2 8
X Novembro de 1933 3 21
XI Junho de 1934 1 10
XI Setembro de 1934 2 12
XI Dezembro de 1934 3 13
XII Maio de 1935 1 12
XII Agosto de 1935 2 14
XII Novembro de 1935 3 12
XIII Maio de 1936 1 9
XIII Agosto de 1936 2 12
XIII Novembro de 1936 3 14
XIV Maio de 1937 1 14
XIV Agosto de 1937 2 12
XIV Novembro de 1937 3 15
XV Maio de 1938 1 12
XV Agosto de 1938 2 12
XV Novembro de 1938 3 14
XVI Maio de 1939 1 12
XVI Agosto de 1939 2 10
XVI Novembro de 1939 3 16
XVII Maio de 1940 1 14
XVII Setembro de 1940 2 14
XVII Novembro de 1940 3 10
XVIII Maio de 1941 1 10
XVIII Agosto de 1941 2 16
XVIII Novembro de 1941 3 16
XIX Maio de 1942 1 12
XIX Agosto de 1942 2 12
XIX Novembro de 1942 3 22
XX Junho de 1943 1 14
XX Setembro de 1943 2 12
XX Novembro de 1943 3 8
XXI Junho de 1944 1 12
XXI Setembro de 1944 2 16
XXI Dezembro de 1944 3 13
XXII Junho de 1945 1 13
XXII Setembro de 1945 2 12
XXII Dezembro de 1945 3 18
XXIII Junho de 1946 1 12
XXIII Setembro de 1946 2 16
XXIII Novembro de 1946 3 10
XXIV Junho de 1947 1 12
XXIV Setembro de 1947 2 10
XXIV Dezembro de 1947 3 10
XXV Junho de 1948 1 12
XXV Novembro de 1948 2 – 3 14
Traço de União. Arquivo da CELPI.
A partir da terceira fase os leitores perceberam, de fato, as mudanças que
ocorreram ao se transferir o Traço de União de jornal para revista. Na década de 30, foi
o momento em que surgiram, de acordo com De Luca (2000), as chamadas revistas
ilustradas ou magazines de variedades. Aparecendo como um refinado e pico produto
de mercado de bens culturais, este tipo de periódico recorria, segundo o mesmo autor,
em larga escala a artifícios como imagens, fotos e ilustrações, abordando assuntos
variados como crônica policial e humor, moda, crítica teatral e de arte, reportagens,
poesias, contos, romances, charges, caricaturas, variedades. Para o autor, os magazines
procuravam veicular os produtos culturais, os hábitos e valores necessários para que o
leitor de extratos médios da sociedade pudesse se familiarizar, por um lado, com os
padrões de elegância das classes abastadas e, por outro, com os códigos da
modernidade urbana.
96
Acompanhando o mercado editorial no qual emergiam as revistas ilustradas e os
magazines de variedade, o Traço de União, apresentou, logo no início dessa fase, um
modelo muito próximo das grandes revistas que impressionavam os centros urbanos
brasileiros. Além das charges, ilustrações, caricaturas e as fotos que, desde a fase
anterior eram impressas no jornal, o periódico no novo formato de revista se dedicou
na parte dos artigos a tratar de crônicas policiais e de humor, romances, poesias e, entre
outros, a dicas de moda, em que ditava uma tendência a partir de parâmetros
condizentes com seu público-alvo, pertencente às classes abastadas da sociedade. Dicas
de uso de chapéu e vestido de formatura adequado se apropriavam das matérias, criando
códigos de valores próprios da classe social que freqüentava o Colégio Jacobina.
Muitas dessas tendências que se refletiam no periódico, também representavam
viagens realizadas pelas alunas ao redor do mundo. A Europa continuava sendo ponto
refinado de referências. A idéia de civilização que inspirara as cidades urbanas
brasileiras no início do século, veio de países como França e, por isso, a questão da
modernidade e da sofisticação ainda estavam, naquele momento, bastante associadas a
esse local. As alunas que de voltavam, por isso, eram geralmente as que ditavam
moda no periódico.
E é dentro desse contexto de inovações aliado ao estilo Jacobina que surge, em
1945, a criativa seção A Traça jornal das Troças”, que fazia com que tudo que
permeasse o cotidiano juvenil, como situações ocorridas em sala de aula, os professores
do colégio, os recreios, o perfil das alunas, os estudos das matérias escolares
específicas, entre outros, fossem objeto de humor. Também encontramos
cruzadinhas, charadas, e piadas referentes a momentos femininos, por exemplo. Uma
das piadas que se destacam na caricatura abaixo retrata muito da realidade das moças
96
De Luca, 2000, p. 56.
jacobinenses: uma aluna quer sair de casa vestida de noiva; quando a mãe tenta
interferir, ela argumenta Mas mamãe, este é o único vestido que ele não conhece!!!
N
o entanto, em nota em uma das edições do periódico, percebe-se que nem todas
as alunas estiveram a favor dessa seção que declara nitidamente seu simples objetivo: as
nossas rivais do Traço querem por fôrça acabar com a publicação da Traça dizendo
que é mais nociva que a sua chará, “habituée” das estantes... Calúnias! Nós queremos
(ui! Que é isso-) que as jacobinas só riam “pocachinho”...
97
É fácil encontrar entre as ginas de grande parte dos exemplares da revista,
apelos e pedidos também de auxílio financeiro para ajudar no custo da impressão e na
manutenção da publicação para que, com os recursos arrecadados, houvesse a
possibilidade de contribuir com as obras sociais. Porém, é na edição 2 de 1939 que
encontramos, logo abaixo do sumário, um tipo de apelo inédito e bem diferente do
habitual, dizendo respeito às normas que devem ser observadas por aquelas que
pretendam colaborar no impresso, especialmente, as regras gramaticais:
97
S/n. ‘Nota’. Traço de União, 1945, n.2, p. 11.
Humor no Traço de União, 1947, n. 1, p. 11. Arquivo da CELPI.
As alterações gráficas foram acompanhadas de mudanças na equipe r
esponsável
pela publicação. Aos cargos existentes, somou-se o de Chefe de Propaganda, que
permaneceu somente no ano de 1931. O cargo de Secretária se subdividiu em 1º e 2º, de
1935 a 1937 e, a partir de 1939, eles foram reduzidos a Diretora Geral e Tesoureira
permanecendo assim até 1943.
Em 1944, o cargo de Diretora Geral é subdividido em Diretora-Redatora e
Diretora-Administrativa. Começa, nesse mesmo ano, a aparecer o nome de Laura
Jacobina Lacombe na página 1 como Responsável pelo periódico. A partir de 1945,
além dela e da Diretora-Redatora (que como todos os outros cargos sofria revezamento),
surge a Equipe do Traço que passará a colocar o nome de várias colaboradoras juntas,
sem cargos específicos. A partir desse momento, começaram a aparecer, também,
nomes de colaboradoras que desempenhavam funções como a de desenhistas e
redatoras, que eram fundamentais para o periódico e que, no entanto, perdiam a
visibilidade diante dos cargos hierárquicos que se destacavam.
A “Noticiário” que iniciou como seção somente no fim da fase anterior, passou a
ser, nessa fase, definitiva para o Traço de União, divulgando em todas as edições os
eventos como congressos, reunião de ex-alunas casadas, encontros e datas religiosas nas
quais se reuniram alunas e ex-alunas, visitas ilustres ao colégio, as viagens de Laura
Jacobina Lacombe, por exemplo. A seção também retratava e destacava as noticias dos
Normas para a publicação no periódico Traço de União, 1939, n. 2, contracapa. Arquivo da CELPI.
que faziam parte da família jacobinense; sempre exaltando os feitos daquelas que se
destacavam nos meios sociais, seja pelos trabalhos filantrópicos, viagens pelo mundo ou
por atividades profissionais, como a arte. Muitas vezes, podemos ver essa seção sendo
contemplada por fotos de algum evento que tenha sido mencionado em ginas
anteriores ou até mesmo em outra edição.
Pelo que se pode ler no Traço de União, 1934 foi um ano movimentado.
Observado na publicação número dois desse ano, o periódico deixou de ser anunciado
como Órgão das alunas do Curso Jacobina passando a ser Órgão das alunas do
Colégio Jacobina. Isso ocorreu porque a instituição teve um aumento em seu número de
estudantes e se transfere para a rua Machado de Assis, em Botafogo, sendo, então,
considerado um colégio que, de acordo com os regulamentos governamentais, passou a
ser inspecionado pelo Ministério da Educação. Outro marco foi o aparecimento do
sumário pela primeira vez na Revista de junho de 1934, permanecendo, na mesma, até
1943.
Em 1937 a revista que antes apresentava, embaixo de seu nome, a denominação
Órgão das Alunas do Colégio Jacobina, passou a Revista das alunas do Colégio
Jacobina. Como era de costume, o Traço noticiava os fatos mais importantes do
colégio. Entre estes, nessa fase, está a outra mudança de endereço do Jacobina, que
passa para a rua São Clemente, noticiada no primeiro número de 1940 e, também, a
mudança curricular do curso ginasial que, em 1942, passou de cinco para quatro anos de
acordo com a reforma educacional ocorrida na época. Em uma “Croniqueta” escrita por
uma das alunas que se formaria pelo currículo anterior, essa alteração era ruim e lhe
causava pena das colegas que não mais freqüentarão este último ano, que embora
sendo cheio de espinhos também está carregado de rosas .
98
Com os assuntos distribuídos de forma visivelmente mais organizada, o Traço
de União passou, na maior parte de suas edições, a ter a seguinte ordenação: Capa,
Sumário, “Croniqueta”, “Ecos”, “Grêmio”, “Trabalhos diversos”, “Colaboração das
Antigas”, “Tracinho”, “A Traça Jornal das Troças”, “Noticiário”, Registro” e, em
sua última página, as propagandas que aumentam ao longo desse período devido à
filiação do impresso aos Jornalistas Católicos, como já foi observado. Cabe ressaltar, no
entanto, que em determinados números percebe-se que alguma outra seção podia ser
acrescentada para falar de assuntos específicos, ou até mesmo podia deixar de existir em
98
Maria Luisa Guimarães. 5º série. ‘Croniqueta’. Traço de União, 1942, n.1, p.1.
alguns números ou ser extinta definitivamente da Revista. Também algumas seções
foram criadas ao longo desse período. De qualquer forma, o fio condutor da distribuição
era basicamente o mencionado acima.
Um exemplo clássico do que vem sendo ressaltado em relação ao revezamento
de seções, pode ser ilustrado com as seções “Ecos” e “Grêmio”, que nunca estão
presentes em todas as edições, ainda que permaneçam por toda essa 3º fase.
A “Ecos”, seção mencionada anteriormente, agora é utilizada mais fortemente na
luta dos ideais católicos, onde Isabel e Laura Jacobina Lacombe, após assumirem a
direção do colégio, posicionam-se de modo mais claro em defesa de que a educação seja
renovadora porém embasada nos preceitos da Igreja Católica, sem os quais, segundo as
dirigentes, a instrução perderia seu valor.
Conforme pode ser ilustrado pela perpetuação da seção destinada aos Grêmios,
os métodos escolanovistas, assim, não foram abandonados pela instituição, mesmo após
o embate entre católicos e pioneiros. Tendo sido iniciada na fase anterior do Traço de
União, “Grêmios” passou, a partir dessa fase, a ser mais desenvolvida e freqüente.
Isso porque, certamente, acompanhava o crescimento dessas reuniões dentro da própria
instituição, que passou a ter como objetivo mostrar aos papás e mamãs o progresso dos
filhos, substituindo aquelas grandes festas famosas no Curso Jacobina.
99
Apesar dessa seção não aparecer em todos os números publicados, percebe-se
que o que antes estava restrito a assuntos relacionados à História e à Literatura, se
ramifica em História Universal e Literatura Francesa, por exemplo, havendo, inclusive,
peças teatrais para representar os textos trabalhados nas reuniões do Grêmio no Colégio.
Apontando para uma satisfação das alunas em relação a tal atividade, o Traço de União
criou espaço em suas páginas para que os melhores textos desenvolvidos pelas alunas e
as fotos tiradas nas representações das peças fossem publicados.
99
Luzia Amoroso Teixeira de Castro. 6º ano. ‘Nossos Grêmios. Traço de União, 1933, n.3, p.5.
Complementando esse quadro, “Colaboração das Antigas” elencava as seções
que nem sempre apareciam de forma tão organizada e constante na revista. Muitas
vezes, a participação das ex-alunas se dava em textos que vinham soltos ao longo do
jornal, fosse por publicação de cartas recebidas, temas religiosos, pedidos de auxílio aos
pobres ou, até mesmo, pela escrita exclusiva em edições especiais de comemoração do
aniversário do colégio e do Traço de União. Ou seja, apesar de terem sempre um espaço
reservado nas publicações, a participação das ex-alunas na revista nem sempre vinha
acompanhada do título “Colaboração das Antigas”.
Em relação ao que não sofreu alteração significativa da fase anterior para essa,
podemos citar as seções “Croniqueta” e “Registros”, que mantiveram basicamente as
mesmas particularidades. a “Trabalhos diversos”, que surgiu também na fase,
como uma forma mais evidente de organizar os textos soltos pela revista, passou a
conter somente textos das alunas do secundário, uma vez que o primário ganhou, em
1932, uma seção própria, passando a ter um espaço exclusivo para escrever e desenhar
nas publicações da revista: a “Tracinho”. Romances, historinhas com fins morais, cartas
de alunas que estiveram em viagem, reflexões sobre a vida e o cotidiano escolar,
excursões realizadas pela instituição, resumos de livros célebres, textos sobre figuras
importantes da história brasileira e universal, literatura, arte, percepções de aulas e
outras atividades escolares, encontros e pensamentos dos grupos de alunas Jecistas,
história do Brasil e do mundo, curiosidades, personagens católicos, celebrações
religiosas, ideal de vida, bairros da cidade do Rio de Janeiro, geografia, entre outros
assuntos, motivavam a escrita dos textos que, nesse momento, apresentavam-se com um
grau de maturidade mais homogêneo no espaço referente a “Trabalhos Diversos”.
Encenação das peças “Femmes Savantes” pelo ano e “Fabíola”, pelos alunos do ano secundário
, nos
Grêmios de Literatura e História Natural. Traço de União, 1933, n.3, p.2 e 3. Arquivo da CELPI.
Assim, enquanto a seção “Reminiscência” perdia seu espaço, nota-se que outras
mais apareciam, como foi o caso da “Tracinho” que em um dos seus pequenos textos
explicava o porquê desse espaço ter sido criado no periódico:
Com que prazer vamos todas escrever para esse traço que nos une tão
sinceramente!(...) Com certeza perguntarão:
- “Que é o ‘Tracinho’?”
- E eu lhes responderei:
- É o suplemento que Flavita, professora do 4º ano primário conseguiu arranjar;
para que os nossos pequeninos trabalhos não fossem confundidos com os das
grandes.
100
Dessa forma, as próprias professoras estimulavam a escrita das mais jovens para
a publicação, sobre temas que abordavam o que as crianças pensavam da instituição,
brincadeiras infantis, historinhas, atividades realizadas em turma, grêmios do primário,
excursões, assuntos relacionados às diversas disciplinas da grade curricular, à família, a
atividades fora do universo escolar, à vivência religiosa e primeira comunhão que, entre
outros, eram explorados de modo bastante direcionado ao grau de instrução específico a
que cada pequeno escritor pertencia. Muitos textos, inclusive, retratavam propostas
realizadas em sala de aula.
Porém, o que de fato chama a atenção do leitor nessa fase do periódico é, sem
dúvida alguma, a inserção de ilustrações, caricaturas, piadas com situações cotidianas,
principalmente as escolares, e dicas de moda que passaram a dar uma pitada de humor e
identidade à revista que começava a ter um estilo muito mais leve, jovial e alegre. E
isso, não somente passou a ser prática da revista, como também foi estimulado pelas
próprias alunas que pediam, como podemos constatar ao fim de uma página constituída
por desenhos e curtas piadas escolares, que houvesse uma colaboração das colegas para
que esse tipo de humor, que muitas vezes trazia questões próprias da época e podia vir
100
Vera Maria Licinio Goycochêa. ano primário. ‘10º aniversário do Traço de União’. Tracinho’.
Traço de União, 1933, n.3, p.15.
Marca distintiva do suplemento do curso primário
, “O Tracinho”, que começou a ser publicado a partir do
Traço de União de 1932. Arquivo da CELPI.
em forma de crítica sutil, prosseguisse em outras edições: As alunas que tiverem
algumas respostas e informações no gênero destas que aqui vão, serão muito amáveis
se nos enviarem essa gentil colaboração.
101
Entre as inúmeras conquistas visíveis da revista, que se deram devido à forte
participação da família jacobinense nos assuntos educacionais e religiosos do país e à
sua visibilidade dentro e fora da instituição, podemos destacar em 1934, o recebimento
do prêmio de um concurso de revistas escolares. Na seção “Noticiário” é possível ter
noção da proporção desse concurso, assim como do crescimento da produção de
periódicos escolares na época dentro do país:
Houve um grande concurso de jornais dos colégios
102
promovido pela sociedade de
amigos de Alberto Torres
103
, tendo entrado para esse fim 400 jornaes, sendo 60 de
curso secundário e somente 9 premiados, entre eles o ‘Traço de União’.
Recebeu como premio um volume oferecido ‘Memórias’, de Humberto de Campos, com
a seguinte dedicatória: Aos seus jovens confrades do ‘Traço de união do Curso
Jacobina, com um aperto de mão pela sua vitória e os votos mais vivos pela
prosperidade’. Humberto
104
de Campos .
105
Um pacto oficializado, então, passou a ser, coincidentemente ou não, visível em
seu expediente, quando se observa que, no ano em que foi premiado, o Traço de União
se filiou à Associação dos Jornalistas Católicos (AJC), entidade que o ajudou a angariar
fundos para a efetivação de suas publicações até novembro de 1946, fazendo-o estreitar,
ainda mais, os laços com os temas religiosos: Comunicamos aos nossos leitores que o
101
S/n. S/t. Traço de União, 1948, n.1, p.14.
102
Não foi encontrada nenhuma documentação sobre esse concurso.
103
Alberto Torres era bacharel em direito e ingressou na carreira política, onde se elegeu primeiramente
deputado estadual (1892-1893) e em seguida deputado federal (1893-1896) pelo Estado do Rio de
Janeiro. Convidado por Prudente de Morais, acabou assumindo a pasta da Justiça em 1896,
permanecendo no cargo até 1897. Em 1900 foi presidente do Estado do Rio. No ano consecutivo foi
nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. Segundo dados levantados na Fundação Getúlio Vargas,
ele foi um dos expoentes do pensamento ruralista brasileiro. Torres publicou em 1914 os livros O
problema nacional brasileiro e A organização nacional e, em 1915, As fontes da vida no Brasil, nos
quais concebia o Brasil como um país de natureza essencialmente agrária, onde se opõe ao
desenvolvimento industrialista. De acordo com a mesma fonte, Alberto Torres era nacionalista, defendia
o fortalecimento do Executivo, convocando os intelectuais a participarem da organização da sociedade. A
nação deveria, para ele, organizar-se "como corpo social e econômico, não devendo copiar nem criar
instituições, mas fazê-las surgir dos próprios materiais do país". Suas idéias repercutiram muito na década
de 1930 com o movimento integralista, apesar de sua morte em 1917. Contudo, em homenagem ao
intelectual, foi fundada a Sociedade dos Amigos de Alberto Torres em 1932 com a finalidade de
promover estudos sobre o país. Fonte:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_albertotorres.htm.
104
Humberto de Campos além de memorialista foi também jornalista, político, crítico, cronista, contista,
poeta, biógrafo. Nesse livro que entregou no concurso de revistas ganho pelo Traço de União -
considerado o mais célebre de sua obra - ele escreveu crônicas do começo de sua vida, episódios que lhe
marcaram profundamente. Campos veio a falecer em dezembro do mesmo ano do concurso.
105
Humberto de Campos. ‘Noticiário’. Traço de União, 1934, nº1, p. 9.
Traço de União filiou-se à Associação Jornalística Católica, fundada em São Paulo por
Dom Xavier de Mattos. D’ ora em diante teremos intercambio com trinta revistas. Para
leitura destas será colocada uma mesa na biblioteca onde ficarão em exposição
106
.
Nesse momento de desenvolvimento da Ação Católica no Brasil, os católicos
mantinham uma postura aguerrida e de testemunho em torno de vários setores da vida
social. Dessa forma, segundo Gomes (1996), diante da onda positivista e laicizante do
Estado, eles afirmavam sua postura cristã na sociedade, fazendo emergir grupos como
os operários católicos, os professores católicos, os jornalistas católicos. Além disso, a
própria Ação Católica possuía ramificações que dividiam a juventude cristã em JUC,
JOC, JEC, por exemplo. Para esse mesmo autor, foi dentro desse contexto que foi criada
a Associação Católica de Jornalistas, que tinha uma atividade profundamente
apologética, de combate aos males do mundo e de defesa do cristianismo, da católica
e de sua submissão aos ditames da hierarquia eclesiástica.
A Associação dos Jornalistas Católicos, que primeiramente se chamava
Associação Jornalística Católica
107
, é de acordo com este autor, uma misteriosa
associação, que pouco se pôde encontrar e saber dela. Com sede em São Paulo e,
posteriormente no Rio de Janeiro, a AJC foi fundada em 24 de maio de 1934 e, segundo
pôde ser levantado pelo mesmo autor, essa foi a segunda vez que jornalistas católicos
brasileiros tentavam se organizar numa associação
108
. A AJC pretendia utilizar os meios
de comunicação da época para lutar contra a perda de poder que a Igreja vinha sofrendo
ainda nesse período:
Graças à meticulosidade do relatório dessa organização de jornalistas católicos de S.
Paulo, podemos dar aos nossos leitores a notícia, verdadeiramente auspiciosa e
confortadora, de que o jornalismo católico brasileiro é hoje uma força ponderável,
uma agremiação de classe votada inteiramente à grandeza da Pátria e à defesa da
religião. Além da dedicação extremada que a organização dispensa à defesa dos
interesses e direitos do jornalismo católico, realiza uma eficiente, desinteressada e bem
orientada propaganda em torno das realizações da ACB
109
e uma ativa propaganda de
nossa imprensa católica que se esforça por auxiliar, quer angariando-lhe assinaturas e
anúncios, quer fornecendo-lhe notícias de interesse geral e informações seguras para a
sua orientação.
106
S/n. ‘Noticiário’. Traço de União, 1934, nº3, p. 13.
107
Esse dado foi observado pela autora da dissertação ao observar os expedientes do Traço de União ao
longo dessa fase.
108
Esses dados foram levantados por Gomes (1996) a partir de uma entrevista concedida por Frei Romeu
Dale em 1988, quando falou sobre a criação da União Cristã Brasileira de Comunicação Social (UCBC).
Segundo o Frei, quanto à Associação de Jornalistas Católicos, não foi possível encontrar o mínimo de
dados para expor.
109
.Ação Católica Brasileira. Nota do autor.
Da AJC de São Paulo partiu a iniciativa da Organização Record, que mantém a Radio
Católica Paulista, e à sua abnegada atividade se devem serviços de inapreciável
alcance para a imprensa católica, como o seu departamento de noticiário, a exposição
permanente de livros, departamento de publicidade, para angariar anúncios para os
jornais católicos, e de assinaturas, para a mais ampla difusão de nossos jornais e
revistas. Além dessas atividades, a AJC mantém um bem orientado curso de jornalismo,
indispensável, para quem se pretende habilitar para o exercício da nobilitante
profissão, um Centro de Estudos, sob a invocação de Santo Tomás de Aquino, com
reuniões quinzenais, e uma comissão de crítica cinematográfica e teatral, que é o
embrião da futura e indispensável Legião da Decência, tão fecunda em realizações nos
Estados Unidos e tão insistentemente recomendada pelo Santo Padre para opor um
freio à onda de corrupção que emana do cinema.
A organização jornalística paulista funciona à rua Líbero Badaró, n
o
10, 2
o
andar, e
propõe-se a arregimentar em suas fileiras os jornalistas católicos de todo o Brasil, que
precisam unir os seus esforços e coordenar a sua ação, para enfrentar, como uma
falange aguerrida, a situação perigosa do momento e poder realizar com êxito a sua
obra apostolar.
110
Envolvidas nesse processo de tentativa de retomada do poder da Igreja, as
dirigentes do Jacobina, assim como outros (as) responsáveis por veículos de
comunicações que partilhavam dos mesmos ideais, conseguiram apoio da Associação
dos Jornalistas Católicos. O apoio dessa entidade se traduziu, no caso do Traço de
União, em uma grande contribuição para o aumento das propagandas, como já foi
possível ver, o que ajudou a sustentar sua publicação naquele momento.
O interesse dos católicos pelo periódico das alunas do Colégio Jacobina se torna
claro para quem tem acesso às suas edições, uma vez que os textos publicados giravam
em função dos preceitos cristãos, coisa que a imprensa católica precisava na sua luta
pela afirmação da fé e no combate à incredulidade. Alguns tulos exemplificam isso:
“As Jecistas”, “Relatório do Grupo Therezinha de Jesus”, “Mensagem de paz às
creanças da América”, “Santo Antonio” que, entre outros já apareciam na década de 30,
antes mesmo dessa filiação acontecer. Quando começou a figurar o nome da AJC na
parte superior das primeiras páginas do impresso, esses títulos de cunho religioso deram
margem a outros do mesmo estilo, tornando a revista fortemente ligada à Associação
dos Jornalistas Católicos.
Fora essa questão da escrita voltada para o catolicismo, a notoriedade de Isabel e
Laura Jacobina Lacombe é indiscutível, principalmente depois de abandonarem a
Associação Brasileira de Educação para ajudarem na fundação da Confederação
Católica Brasileira de Educação, entidade que se propunha a defender que a educação
fosse entregue nas mãos da Igreja, como será abordado no próximo capítulo.
110
Revista de Cultura Vozes, 1936, p.432 apud, Gomes, 1996, p.2.
Assim, se por um lado o periódico nessa fase se incorporou ainda mais às
temáticas religiosas, por outro, nota-se que ele foi impulsionado e teve a oportunidade
de se desenvolver ainda mais. Levanta-se aqui a hipótese de que um dos fatores que
auxiliaram esse desenvolvimento, pôde ser verificado pelo aumento no número de
propagandas que, embora não tenha ocorrido de modo excessivo, pôde ser
perfeitamente notado de modo significativo, após, principalmente a filiação da revista à
associação católica.
Enfim, pode-se concluir que essa fase do periódico é intensa, complexa e
multifacetada. Se por um lado estreita ainda mais seus laços com o catolicismo, pelo
fato de suas dirigentes terem se afastado dos chamados pioneiros no início de 30,
militando em prol da educação católica, por outro deixa evidências de que isso não
significou um afastamento completo dos métodos escolanovistas. Os métodos e formas
de pensar a educação foram sendo adaptados como poderá ser visto ao longo da
abordagem de outros temas nos capítulos posteriores.
Embora não seja possível perceber o nome de Celestin Freinet mencionado
como inspirador da prática de escrita de um periódico, no Traço de União, sabe-se que
o pensamento inovador trazido pelo tempo de atuação desse educador, foi o que de fato
inspirou tal prática em instituições educacionais inovadoras escolanovistas. Assim,
pode-se dizer que o T
raço de União que foi criado na fase impressa nunca deixou de ser
influenciado por uma única linha ou estilo. Adicionou, ao longo dos anos, métodos
distintos, conteúdos, novas tecnologias de edição. No entanto, só misturou os elementos
que pudessem ser mesclados aos preceitos católicos. Tudo isso, para atrair leitores e
escritores que contribuíssem para que o periódico, dentro das perspectivas definidas
pelas suas responsáveis, trouxesse em seu sentido as representações condizentes com as
alunas que ali eram formadas. Vale ressaltar que ainda nesse tempo, a maioria das
mulheres recorria à instrução visando a um bom casamento e o catolicismo ainda era a
maior referência de atuação delas.
Completando as diversas facetas apresentadas por essa fase, pode-se dizer que
apesar de traçar um pacto com os ideais católicos, principalmente após a filiação com a
Associação dos Jornalistas Católicos em 1934, as alunas que nesse espaço escreveram,
apropriaram-se de táticas interessantes para que o jornal mantivesse seu humor e um
estilo que o identificasse como uma prática de escrita de jovens. No entanto, ainda que
tenha permitido que essa identidade aflorasse nesse momento conturbado, nunca foram
abertas brechas para que as escritas e imagens que construíam o sentido do periódico
fugissem do que Isabel e Laura Jacobina Lacombe instituíram como verdade. Nesse
sentido, até essa fase, a revista continuou sendo caracterizada como um espaço marcado
por prescrições católicas e escolanovistas, no qual era mantido como objetivo principal,
divulgar e promover os ideais preconizados pelas dirigentes do conceituado Colégio
Jacobina.
1.4. A crise dos ideais da revista em meio ao novo cenário nacional da década de 50
O
Traço de União, marcado muito mais pela falta de colaboração das alunas, do
que pela união em nome dessa publicação histórica, fará com que essa quarta fase seja
apresentada, nesse espaço, separada em duas etapas: a primeira indo de 1949 a 1955 e, a
segunda, indo de 1956 a 1973, quando o periódico passou a ser palco de problemas
internos que surtiram efeitos materiais, estruturais e, conseqüentemente, qualitativos
para as publicações. Ainda que seja possível perceber que a riqueza da revista
permanece até o fim de suas publicações em 1981, a falta nítida de entendimento e de
interesse entre as alunas colaboradoras acaba descaracterizando um pouco a revista. Se
o objetivo principal do periódico era manter o elo entre a chamada família jacobinense,
isso não conseguiu ser passado para os leitores que, por exemplo, somente tiveram a
oportunidade de acesso a esse momento das edições.
Caracterizada por sua semestralidade, essa penúltima fase apresentou
publicações bastante irregulares que, geralmente, saíram a partir do meio do ano.
Permanecendo com uma diagramação que contemplava um número de três colunas por
página até 1957, o periódico começou a apresentar, posteriormente, uma variação entre
uma, duas e três colunas que se distribuíam pelas páginas do mesmo, dando a esse uma
nova identidade que foi, de fato, em relação às fases anteriores, a que chegou a se
aproximar mais do estilo de uma revista nos moldes atuais. O número de páginas foi
aumentando gradualmente: de 17, chegou a 64, em uma edição na qual dois números,
em uma só revista, foram publicados.
E, para completar as diferenças desse período, o sumário passa a ser algo
inconstante e marcado pelos desentendimentos entre alunas de diferentes graus de
estudo, como será possível ver a seguir.
111
Quadro com a relação de periódicos publicados na 4º fase do Traço de União: 1949 - 1973
ANO DATA NÚMERO DO
PERIÓDICO
NUMERO DE PÁGINAS
XXVI Junho de 1949 1 16
XXVI Outubro de 1949 2 16
XXVII Junho de 1950 1 20
XXVII Novembro de 1950 2 24
XXVIII Junho de 1951 1 22
XXVIII Novembro de 1951 2 20
XXIX Ano de 1952 1-2 38
XXX Julho de 1953 1 16
XXX Novembro de 1953 2 20
XXXI Junho de 1954 1 20
XXXI Dezembro de 1954 2 20
XXXII Julho de 1955 1 20
XXXII Novembro de 1955 2 22
XXXIII Junho de 1956 1 28
XXXIII Dezembro de 1956 2 52
XXXIV Julho de 1957 1 32
XXXIV Novembro de 1957 2 28
XXXV Setembro de 1958 1 36
Não é
especificado
Não é especificado Não é especificado 56
XXXVI Agosto de 1959 1 56
XXXVI Dezembro de 1959 2 36
XXXVII Junho de 1960 1 51
XXXVII Dezembro de 1960 2 52
XXXVIII 1961 1 56
XXXVIII 1961 2 44
XXXIX 1962 1 44
XXXIX 1962 2 40
XL 1963 1-2 64
XLI 1964 1 48
XLI 1964 2 36
XLII 1965 1 48
XLII 1965 2 52
XLIII 1966 2 44
111
O sumário nessa fase aparece em alguns números a partir de dezembro de 1956, onde fica nítida a
separação dos espaços ocupados pelas diferentes séries: nos anos de 1962 e 1963, por exemplo, o único
sumário que vem no Traço de União é específico de textos produzidos pelo Clássico.
XLIV 1967 1 40
XLIV 1967 2 33
XLV 1968 1 32
XLV 1968 2 38
XLVI 1969 1 48
XLVI 1969 2 40
XLVII 1970 1 24
XLVII 1970 2 28
XLVIII 1971 1 36
XLIX 1972 1 e 2 44
L 1973 1 e 2 40
Traço de União. Arquivo da CELPI.
Na que aqui foi denominada primeira etapa dessa fase, pode-se dizer que pouco
foi mudado em relação ao desenvolvimento que vinha acontecendo nas duas fases
impressas anteriores. Seguindo uma organização semelhante, as seções da revista
continuam sendo “Croniqueta”, “Ecos”, “Trabalhos Diversos”, “Tracinho”, “A Traça”,
“Registro” e “Colaboração da Antigas”, podendo em alguma edição esse esquema
falhar. Repara-se, no entanto, que as seções “Noticiários” e “Grêmio” foram
praticamente extintas e, as fotos dos “Netinhos do Curso” passam a aparecer com bem
menos freqüência.
É possível notar que nessa fase como um todo, a edição da revista passou a
publicar muitas matérias sobre viagens de alunas e ex-alunas e sobre as curiosidades dos
vários países do mundo. Grandes espaços foram cedidos para descrições e impressões
dos passeios pelas cidades que acabaram se tornando mais atrativas por meio de fotos.
Apontando para o alto poder aquisitivo das pessoas que se envolviam com a instituição,
o Traço de União parece destacar com orgulho as viagens realizadas, em sua maioria,
pela Europa e pelos Estados Unidos. Ressalta-se que também tomaram proporções as
cartas de ex-alunas que moraram ou foram fazer cursos no exterior, sendo essas
publicadas no periódico na íntegra.
Uma outra seção que já existia antes, mas que passou ser ocupada de modo mais
extenso, é a relativa ao “Relatório de Costura e Lactário Pró-Infância”, que muitas vezes
chegou a ser uma seção onde era especificado exatamente tudo o que havia sido
realizado e arrecadado pela instituição filantrópica. Uma forma de prestação de contas
que ocupava em torno de três páginas, saindo nas edições, geralmente, uma vez ao ano.
As caricaturas, brincadeiras e piadas expostas na revista, ainda apareciam
constantemente nas duas etapas dessa fase do periódico. No entanto, não conseguiam
superar a fase anterior que foi fortemente marcada pela interferência jovial nas edições.
O que se percebe de diferente da fase anterior, nas duas etapas dessa fase, são as
caricaturas feitas sobre as próprias colegas de turma e, também, nas últimas páginas de
muitas revistas, caricaturas sobre o cotidiano dentro e fora da instituição e sobre temas
religiosos como, por exemplo, a História da Virgem Maria. Essa prática que se iniciou
na fase, e foi feita, principalmente, nas últimas páginas das revistas da etapa dessa
fase, passou a existir no espaço que era destinado às propagandas que começaram a
desaparecer a partir da década de 40.
Um novo espaço começou a ser ocupado em 1949, segundo solicitação feita na
revista nº1 desse ano:
Inicia-se, neste ano de 1949, o Curso Normal no nosso Colégio, como, aliás, em muitos
outros.
A maior parte das oito meninas que formam o seu primeiro ano, está radicada no
Jacobina, onde vêm ascendendo desde os primeiros degraus. Mas nós três, que viemos
de fora, ainda não nos integramos nas tradições deste nosso novo Colégio. É que ainda
não houve tempo.
Viagem realizada por alunas do Colégio à Europa.
Traço
de União, 1949, n.1, contracapa. Arquivo da CELPI.
Para umas e para outras, entretanto, eu venho pedir um cantinho de página, de vez em
quando, no’ Traço de União’.
Precisamos de uma tribuna para que vocês ouçam a voz do “normal”.
112
Contudo, assim como o pedido de publicação, a iniciativa do Colégio Jacobina
em inaugurar um Curso Normal foi em vão. Segundo relato de uma ex-aluna,
freqüentadora da CELPI, isso ocorreu porque o número de alunas era escasso e, após
formar a primeira turma, o curso deixou de existir na instituição.
Apesar dessa experiência não ter tido êxito, ela certamente a
briu o caminho
para outra de semelhante objetivo que se faz destaque nessa fase. Em 1953 a instituição
fundou o Curso de Educadoras da Infância que, a partir daí, encontrou um espaço
específico no Traço de União. O curso foi um projeto da diretora Laura Jacobina
Lacombe que nesse mesmo ano de 1953 havia, juntamente com outros educadores,
fundado a Organização Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP)
113
do Brasil, como
poderá ser visto posteriormente. Sendo notoriamente a realização do sonho da
educadora, esse curso passou a ganhar a seção “Traço das Educadoras”, onde, por meio
dos textos nesse espaço publicados, percebe-se que, seguindo o mesmo princípio do
ensino regular do colégio, visava a formar futuras mães educadoras que, católicas e com
um vasto conhecimento dado por uma boa educação, pudessem influenciar na formação
de seus filhos, alunos e também atuar em alguma instituição com fins filantrópicos.
A admissão de religiosas como alunas do Curso de Educadoras era freqüente,
uma vez que um dos objetivos do Colégio, ao fundar tal modalidade, era o de prestar
serviço às congregações religiosas para maior progresso das classes infantis nos
colégios católicos. Ao fim de 10 anos do curso, o Jacobina anuncia a importância dessa
formação em artigo publicado no Traço de União, ao mencionar que já havia diplomado
mais de vinte religiosas de doze congregações diferentes, as quais se encontravam
espalhadas por todo o país.
Uma outra novidade da instituição que passou a ter espaço nas páginas dessa
fase, foi a Associação das Antigas Alunas que, segundo artigo publicado na seção
Colaboração das Antigas, teve como objetivo realizar um antigo sonho de organizar um
grupo que reunisse as ex-alunas mais antigas do colégio: Na verdade, se o Colégio
112
Heloisa C. P. de Cordis. 1º ano normal. ‘O curso normal’. Traço de União, 1949, n.1, p.4.
113
Na época de atuação de Laura Jacobina Lacombe nessa entidade, conforme pode ser verificado por
meio de documentações que se encontram em seu acervo, OMEP era Organização Mundial de Educação
Pré-escolar. Atualmente é Organização Mundial para Educação Pré-escolar.
Jacobina vem formando sucessivas gerações de moças brasileiras, desde 1911, seria
interessante congregá-las tôdas, numa associação em que se procurasse manter,
aproximadamente, é claro, aquele mesmo agradável convívio dos tempos de escola.
Assim, sob um enfoque saudosista, acreditava-se que as mais antigas se
assemelhavam mais em relação aos ideais, que nesse tempo, eram questionados pelas
mudanças modernas, cada vez mais aceleradas. A iniciativa havia sido do Colégio
Sacré-Coeur de Jesus que, de acordo com o mesmo artigo, já tinha uma sociedade bem
organizada e com alguns anos de atividade reunida para esse fim e, por isso, imaginou
atingir mais extensamente a tôdas as senhoras e moças da sociedade do Rio de Janeiro
que vêm sendo, muitas gerações, formadas pelos colégios católicos desta cidade.
Para tanto, o Sacré-Coeur convidou representantes dos diferentes colégios católicos
femininos do Rio e começaram a trabalhar no sentido de ser fundada uma ‘Federação
das Associações de Antigas alunas dos Colégios Católicos do Rio de Janeiro’. Tudo
isso teve a finalidade de levar a tôdas as associadas a segurança dos princípios de
moral cristã que nos são incutidos no tempo de colégio o que, muitas vezes, são
esquecidos na vida do mundo, quem sabe se, em grande parte, pela falta de eco, a falta
de apoio, a falta de que seria quase uma ‘associação de classe’ das mulheres bem
formadas.
114
Entre os destaques dessa fase da Revista estão a morte de Isabel Jacobina
Lacombe em 1954, que teve dedicada a edição nº1 da revista em sua memória; e a
comemoração do Jubileu do Jacobina. O Jubileu de Ouro do Colégio em 1952 fez com
que fossem publicados os dois números do ano em uma só edição de 40 páginas, em que
alunas e ex-alunas escreveram carinhosamente sobre tempos passados e mais atuais da
instituição, citando-os de forma áurea e saudosista. A comemoração que aconteceu em
quatro momentos, foi publicada quase que na íntegra ao longo de textos e imagens
representativas
115
.
114
Lya Roquete Pinto. “Colaboração das Antigas”. Traço de União, 1949, n.2, p. 14.
115
A primeira comemoração ocorreu no dia 31 de agosto no cinema Art Palácio, localizado na Avenida
Copacabana, onde as alunas e suas famílias assistiram à estréia do filme Como vivem as alunas do
Colégio Jacobina. A segunda comemoração foi uma cerimônia mais formal no dia 6 de setembro dentro
do Auditório do Ministério da Educação. A sessão foi presidida pelo ex-professor do Colégio Jacobina,
D. Helder mara, que na época era bispo auxiliar do Rio de Janeiro e assistente da Associação de
Educação Católica do Brasil. Tomaram parte da mesa, também, o representante do Presidente da
República e do Ministério das Relações Exteriores, as diretoras fundadoras e a atual, além de
representantes das famílias das alunas, dos professores, das ex-alunas e da Federação Nacional dos
Sindicatos de Diretores de Estabelecimentos de Ensino que foram eleitos para saudarem o Colégio
Jacobina. Os discursos da cerimônia aparecem transcritos no Traço de União e uma surpresa que foi
distribuída ao longo da cerimônia também: o Hino do Colégio Jacobina, que foi feito pelo pai de duas
Entre as ex-alunas que escreveram para prestigiar a instituição nessa data,
Beatriz Mesquita, formada em 1931, deixa pistas sobre a identidade construída pela
instituição a partir de seu tempo. A autora, que destaca em sua fala a professora
Armanda Álvaro Alberto, professora que também era ex-aluna da instituição formada
no início do século XX, conta um pouco do método ativo, base do escolanovismo
aplicado no Jacobina. Lembra, assim, das excursões promovidas pela instituição e das
aulas de observação que ocorriam no jardim do curso:
Lembro-me bem das aulas no jardim do colégio. (...) aprendíamos sem fazer grandes
esforços, tão vivas e tão coloridas eram as aulas de Mandinha, precursora da “Escola
Ativa” que mais tarde tantos adeptos conquistou(...) Em casa, animadas pelo espírito
da professora, possuíamos o nosso museu, plantávamos feijões, milho e criávamos
lagartas para observarmos a metamorfose completa das borboletas. Tudo isso era feito
com o método e seguido de pequenos relatórios anotados diariamente.
Seria possível, embora vinte e tantos anos tenham decorrido, que varássemos da nossas
memórias as melhores horas da nossa infância?
116
Dessa maneira, mostra-se, acima de tudo, que o Colégio Jacobina inspir
ou a
atuação de novas educadoras, assim como o Colégio Progresso fez com Isabel Jacobina
Lacombe, que por meio da instrução oferecida, fundou, por sua vez, um colégio e
reinventou as formas de fazer, tal como Armanda Álvaro Alberto
117
, ex-aluna que se
tornou uma conceituada educadora em defesa da Escola Nova no país.
Foi por tudo que representou o Colégio Jacobina na instrução das mulheres
que, mesmo formadas, à escola voltavam – que o pai de uma aluna resolveu presentear a
instituição de modo muito especial: com um hino de sua autoria.
118
Nele, são
ressaltadas, de forma resumida, as principais preocupações da instituição ao longo das
décadas: a formação integral embasada na religião, na moral e no civismo. Escrito em
um momento que abrange um processo de redemocratização da sociedade brasileira que
começa com o fim da segunda guerra e se estende até a metade da década de 60, quando
os militares assumem o poder através de um golpe, o hino, que passou a ser cantado até
alunas do ginásio. A terceira cerimônia aconteceu no dia 9 de setembro no auditório da Associação
Brasileira de Imprensa, onde se realizou um festival artístico no qual as alunas, após cantado o hino da
instituição, recitaram e representaram peças francesas que, certamente, fizeram relembrar os primeiros
tempos em que a instituição era apenas considerada um curso. O último evento ocorreu no dia 11 de
setembro, sendo o ‘Garden-partydo Colégio. Foi uma festa realizada em um sítio, onde os convidados
chegavam embalados, primeiramente pelo hino do Colégio, e, logo em seguida, pelas músicas francesas
que caracterizaram, principalmente, os tempos das antigas alunas.
116
Beatriz Mesquita. “Mandinha”. Traço de União, 1952, n. 1 e 2, p. 11.
117
Sobre a biografia da educadora e pioneira escolanovista Armada Álvaro Alberto, ver Mignot (2002).
118
O Hino, que passou a ser adotado oficialmente pela instituição, foi de Luiz Guimarães.
o fim desta instituição na década de 80, ao falar do Jacobina retrata em sua letra o que
representou esse colégio ao longo das décadas, procurando sempre caminhar junto com
os ideais sociais que estiveram em jogo na sociedade brasileira:
Jacobina, Jacobina, o teu nome está em nossos corações
Jacobina, Jacobina és o símbolo de muitas gerações
Em muitos anos de existência
Tu és escola de civismo, religião, moral e patriotismo
Sempre soubes te impor por excelência
Orgulho de todas as tuas alunas
A ti nós todas somos gratas
Dos colégios o primeiro entre mil
E para nós o primeiro do Brasil
Jacobina.
119
.
A participação de pais, professores, alunas e ex-alunas, representantes do alto
clero católico e amigos da instituição em geral tanto na cerimônia transcrita pelo
Traço de União, quanto na escrita de textos específicos enviados e publicados nessa
edição do periódico mostra a ligação entre os membros do presente e do passado que
ajudaram, e ainda ajudam, a construir e a registrar a história de um colégio que tentou,
ao longo de cinqüenta anos, ser, antes de tudo, uma grande família de vasta cultura
embasada na moral cristã.
Em relação às mudanças que se deram no corpo editorial, percebe-se, que nesta
fase Marietta Luiza Lacombe, a Dona Mariettinha, substituindo a ainda diretora do
Colégio, Laura Jacobina Lacombe, em junho de 1951, assume o cargo de Responsável
pela revista, onde vai permanecer até o penúltimo número publicado. Junto ao nome de
Mariettinha abre-se espaço para outros que vão mostrando as diferentes habilidades das
alunas jacobinenses. Surgem, assim, cargos para colaboradoras que ficam responsáveis
pelo desenho da capa, supervisão, revisão, paginação, ilustração, correção, fotografia,
correspondência na Europa, departamento fotográfico e artístico, entre outros que
foram mencionados. Contudo, pode-se dizer que a mudança referida em relação ao
cargo de responsabilidade do Traço de União, não acarretou uma ruptura de propósitos
para a revista logo no início: seus fundamentos continuaram voltados para a defesa da
influência do catolicismo na educação feminina.
No entanto, principalmente a partir de meados da década de 50, o discurso
dirigido às mulheres que deveriam, segundo os ideais defendidos por Laura, ser
119
Traço de União, 1952, n.1-2, p.7.
educadoras por natureza, não atraía mais as alunas como antes. Outras profissões
apareciam na sociedade, principalmente após a Guerra Mundial, e de forma mais
efetiva tornavam-se alvo do desejo das formandas que, assistiam, nesse momento, à
implantação de um maior número de universidades no país. Por isso, ainda que
Mariettinha estivesse empenhada em dar continuidade ao trabalho realizado ao longo
dos anos por Laura, isso parecia inviável. Assim, é possível concluir, que o motivo
gerador dos conflitos que serão apresentados a seguir, deu-se em virtude de as alunas
não terem mais interesse em participar da revista como antes, o que acabou por
sobrecarregar aquelas que ainda se interessavam pelas publicações.
Ainda que o ritmo acelerado fosse percebido ao longo de toda essa fase, que
apresentou edições com um grande volume de páginas, é possível notar que o início do
fim se aproximava devido, possivelmente, a desentendimentos e desorganizações
internas. Inaugurando a segunda etapa dessa fase, em 1956 começaram a ocorrer
algumas mudanças tipográficas e editoriais que redefiniram, ao longo dos anos, o
padrão que a revista vinha seguindo até então. A primeira mudança visível está em não
aparecer mais o preço da assinatura da revista, cujo lucro se destinava à CELPI, e o
nome das colaboradoras que ficavam junto ao desenho das crianças na gina nº1 das
edições. Além disso, o aspecto da revista mudou, passando a ter textos maiores, com
assuntos mais explorados e extinguindo a seção Croniqueta que acompanhava o
periódico desde 1924.
Contudo, foi na publicação nº2 de 1958 que a mudança mostrou-se maior: a
caricatura de crianças desenhando o nome da revista, marca que fazia parte da
identidade do Traço, não apareceu mais. Assim, principalmente a partir daí, ainda que
tentasse seguir uma organização próxima da etapa anterior, muitas mudanças eram
perceptíveis. Após a capa e a primeira página, que geralmente era de responsabilidade
da edição da revista, apareciam textos soltos escritos pelo ginásio e pelo clássico, que
não mais apareceram sob o título “Trabalhos Diversos”. Logo em seguida, foram
cedidos espaços para as seções “Tracinho”, “Ecos”, “Relatório de Costura e Lactário
Pró-Infância”, “Traço das antigas”, “Associação das antigas”, “Traço das Educadoras”,
“Registro”. Porém, ainda que esses espaços continuassem existindo, sendo ocupados
com as mesmas finalidades e tivessem como grupo de escritoras as que sempre tiveram,
os títulos das seções passaram a ir sumindo e os textos não foram mais divididos, em
sua maioria, em colunas.
Percebe-se o início das divergências internas para a produção da revista no que
diz respeito à escrita e a ocupação dos espaços dessa escrita. Em 1960, por exemplo, é
possível ver que as escritoras do Clássico fazem questão de mostrar que têm um espaço
separado de todos os outros grupos que escrevem no Traço de União. É como se o
ginásio, primário, as educadoras e ex-alunas, por exemplo, pertencessem a uma segunda
edição dentro da mesma revista. Aparece, inclusive, um sumário próprio e único, que
vem logo após a capa para as alunas desse curso.
Assim, nas revistas do clássico, parte inovadora do Traço de União, ficou
definido que as seções organizariam os textos de acordo com o assunto tratado. Dessa
maneira, Ciência Política, Artes, Cinema, Crônicas, Literatura, entre outras, são
algumas das seções que geraram as matérias, pois, segundo as alunas do clássico, é mais
fácil partir de um assunto determinado para fazermos um artigo, uma reportagem ou
uma crônica.
120
A outra parte da revista, então, foi dividida, de forma não permanente e
constante, em seções tradicionais como: Colaboração de terceiras e quartas séries
ginásio”, “Ginásio”, “Tracinho”, “Traço das Educadoras”, “Registro”, “Noticiário”,
“Associação de pais de família do Colégio Jacobina”, “Costura e Lactário Pró-
Infância”, “As Antigas Escrevem”, entre outras que também surgiram ou receberam
outros nomes ou foram extintas repentinamente.
Um exemplo disso é o “Traço das Educadoras” que, por vezes, aparecia sob
outro título de seção, ou tinha seus textos publicados sem ao menos vir sob qualquer
título. Isso fez com que, em alguns momentos, a escrita das educadoras só pudesse ser
identificada ou pelas assinaturas, que vinham acompanhadas por seu ano e curso, ou
pelas matérias direcionadas à temática da aprendizagem infantil.
Dessa forma, pode-se inferir que havia uma rivalidade hierárquica entre as
próprias escritoras que perceptivelmente, pela primeira vez, fizeram com que o Traço
de União fosse duas revistas em uma e, por isso, deixasse de representar o que ele
sempre tentou: a união dos membros que fazem ou fizeram parte da instituição.
A primeira e a segunda edição de 1959 apresentam as marcas desse difícil
momento. Assinando “a redação” logo nas primeiras páginas, o número 1 desse ano,
que pela lógica teve a participação muito mais efetiva das alunas do clássico, propôs-se
a chamar a atenção daquelas que não vinham colaborando com a publicação. Em
120
S/a. S/t. Traço de União,1961, n. 1, p.9.
resposta às acusações da edição anterior, o ginásio respondeu de forma incisiva que se
elas não participaram, foi porque foram impedidas pelo clássico. E assim, começaram
os problemas de participação que Mariettinha teve que mediar para que as publicações
saíssem pelo menos uma vez ao ano, quando dois números eram publicados em uma
edição, para justificar a semestralidade que caracterizava o periódico nessa fase.
As escritoras do Clássico, como foi possível ver anteriormente, começaram
em 1958 a mudar o perfil da revista completamente. Até mesmo sua marca de
identificação com as crianças desenhadas na primeira página havia sido retirada. As
mudanças se refletiram nos novos tempos e geraram, dessa forma, embates que se
acirraram em 1959. Para mudar o perfil da revista, foi preciso algum grupo assumir a
Assinando “A Redação”, as alunas do Clássico e do Curso Ginasial provocam-
se, por meio de envio de
mensagens pelas edições, com o intuito de cobrar maior participação e colaboração para que a revista
continuasse a ser publicada. Traço de União, 1959, n.1, p.1 e 1959, n.2, folha de rosto.
Arquivo da
CELPI.
postura de resgatar o relacionamento amistoso entre as alunas. Quem parece ter dado o
primeiro passo nessa direção foram as alunas do clássico que tinham sido criticadas por
suas colegas do ginásio que se sentiram excluídas desse processo, como foi
comentado. Uma vez que não passaram por cima de nenhum princípio moral do
cristianismo, essas mudanças foram permitidas pela Responsável do periódico,
Mariettinha. Contudo, a revista, até o fim dessa fase, acabou não tendo mais como fio
condutor o catolicismo e não apresentava mais como centralidade dos seus textos os
preceitos da Igreja que determinavam o papel da mulher na sociedade.
Esse cenário trouxe conseqüências para a materialidade da revista, entre as quais
se destacaram as capas ilustradas que, como a primeira apropriação de um leitor
121
,
passaram a deixar de lado, a partir de meados da década de 50, sua principal faceta
juvenil. Ou seja, se quando foi criada, nos anos 30, a capa ilustrada introduzia a
identidade da escrita que seguia no periódico, que era delineada muito mais por uma
perspectiva adolescente do que infantil ou adulta, esse quadro se inverteu no decorrer
dessa quarta fase, como será visto a seguir.
As capas com imagens impressas começaram a surgir no décimo ano de
publicação, mais precisamente em novembro de 1933, terceira fase do Traço de União,
tendo como característica principal, a forte presença das jovens alunas em sua
elaboração. Fotografias e ilustrações passaram, então, a revelar valores e práticas do
Colégio Jacobina e das mulheres que esta instituição acreditava estar formando.
Geradoras de identidade, as capas se apropriaram do universo jovem jacobinense, do
cotidiano escolar, da religião e de fatos que aconteceram no país e no mundo, para
traçarem verdadeiros legados artísticos, que por trás das imagens pode-se notar o
registro de versões femininas e críticas moderadas de um tempo vivido. Como
embalagens do periódico, elas consagraram, ao longo dos anos, o que a coletividade
pensava ou era levada a pensar sobre um assunto a partir de um determinado espaço e
tempo social.
121
Idéia trabalhada por Chartier (1991).
P
rocurando expressar o cotidiano escolar, em muitas capas se utilizou a
caricatura. Sendo os tipos mais encontrados até começarem os embates internos, seus
temas abordavam as reformas do ensino, como aconteceu quando Gustavo Capanema
ocupava o Ministério da Educação; os aniversários do Traço de União e da instituição;
os rituais escolares (recreio, entrada, provas e etc.); a mudança de prédio e as obras do
colégio; os assuntos relacionados aos conteúdos dados nas disciplinas; o
comportamento das alunas nas aulas; a despedida das turmas dos últimos anos da
A ordem na hora da entrada e a bagunça do recreio. Traço de União, 1934, n. 1 e 1936, n. 3, capa. Arquivo
da CELPI.
Capa temática sobre a Reforma Capanema em 1942, quando a aritmé
tica começou a fazer parte do
cotidiano das alunas e a mudança de prédio ocupado pelo colégio em 1939. Traço de União
, 1942, n. 2
e 1939, n. 1. Arquivo da CELPI.
instituição; e, entre outros, as leituras excessivas que foram a maior fonte de inspiração
das alunas até meados de 50.
Além dos espaços ocupados pelos Grêmios nas publicações, as alunas deixavam
transparecer, em várias capas, o quanto viviam rodeadas de livros. Isso era reforçado
pelos artigos, que mencionavam a literatura como algo que fazia parte do dia-a-dia de
todas as turmas do Colégio. Resumos de livros lidos, enquetes sobre os livros mais
freqüentemente lidos pelas alunas, resenhas, incentivo à leitura e assuntos relacionados
à Biblioteca Heitor Lyra da Silva da instituição ganhavam sempre as páginas da revista.
Entre as capas, as alunas destacaram o livro O inferno de Dante (primeira
imagem a seguir), na década de 40, em que a partir de preceitos e valores católicos,
buscava-se criar uma identidade feminina edificada pelo caminho do bem. Essa leitura,
assim como Pollyanna, de Eleonor Porter e com tradução de Monteiro Lobato e Helena,
de Machado de Assis, entre outras igualmente mencionadas, aparecem como
preferências literárias das alunas do Colégio Jacobina nesse período. De acordo com o
estudo de Camacho (2005) sobre leituras estimuladas dentro de instituições católicas de
Capas sobre a leitura de livros e a Biblioteca Heitor Lyra da Silva, referenciada com freqüência no Traço de
União, 1935, n.1 e n. 2 capa. Arquivo da CELPI.
ensino para moças, entende-se que muitos livros eram utilizados como mecanismos que
se destinavam a modelar a moral feminina. Segundo a mesma autora, as escolas
católicas privilegiaram uma literatura feminina com o objetivo de moldar as mulheres
de acordo com os padrões do cristianismo. Pollyanna, por exemplo, como leitura de
formação, destinava-se às meninas que deveriam ter sua conduta e seus valores
definidos, pois seriam mães, esposas e donas-de-casa.
122
Apesar de essa história não falar diretamente sobre o casamento, que conta sobre a
vida de uma menina de conduta exemplar que não mede esforços para ser solidária e
fazer as pessoas se sentirem felizes, ela elenca a iniciativa que Sousa (2002) denominou
de cruzada em prol das boas leituras, em que as instituições católicas de ensino
procuraram, por meio de historinhas de fundo moral, estimular a leitura verdadeira, ou
seja, aquela que seria válida para edificação do espírito.
122
Camacho, 2005, p. 115.
Aluna lendo “Inferno de Dante” e páginas do diário de uma aluna do Jaco
bina descolando com seus
pensamentos. Traço de União, 1940, n. 2 e 1944, n. 2, capa. Arquivo da CELPI.
Helena, classificado pelas escritoras do Traço de União como romance
psicológico, trata de uma história singela de amores
123
, na qual a personagem principal
aparece como uma moça de sentimentos muito elevados querendo ela, no final do livro,
sacrificar a vida, pelo bom nome de Estácio. Eugênia, personagem secundária da
trama é considerada uma pequena frívola e cheia de vontade, sem saber o que quer
124
.
Assim, a tônica dos discursos que figuravam entre as leituras citadas pelas
alunas do Colégio Jacobina no Traço de União, designava-se a promover um modelo de
mulher e de comportamento feminino pautados em papéis que deveriam ser
desempenhados por elas na sociedade, e o amor ao próximo deveria ser colocado em
primeiro lugar. Dentro dessa instituição, isso se justifica, pois Laura Jacobina Lacombe,
assim como sua mãe, sempre procurou defender que a educação feminina era de grande
valia para sociedade, que somente a mulher, devido a suas características
supostamente naturais, poderia consolidar o bem na humanidade.
Em uma proporção bastante inferior à da prática de leitura, é possível perceber
que o estímulo à escrita de diários também aparece nas capas do Traço de União
(imagem anterior à direita), nas quais as alunas mostram que seus interesses e suas
preocupações cotidianas giravam em torno de questões como provas parciais
determinadas oficialmente desde as reformas educacionais estabelecidas no Governo de
Vargas –, passeios, namoro, casamento, religião, estudos e leituras, sendo, estes últimos,
como sempre, representados por imagens de alunas com livros. Pode-se inferir, no
entanto, que as leituras feitas pelas alunas apareciam em seus diários não somente
citadas, mas também como referenciais que configuravam os limites do comportamento
feminino, uma vez que as boas leituras que apareciam nas ginas do Traço de União,
visavam a edificar os mesmo valores que as alunas representavam nas capas. Assim, se
a escrita diária pôde ser percebida como alvo de disciplinarização e de mecanismos
quando associada a leituras que fizeram com que as próprias alunas passassem a julgar
as suas condutas
125
a partir de parâmetros pré-estabelecidos, as capas seriam uma forma
de tradução da apreensão feita pelas alunas a partir desses ideais que estiveram em jogo
ao se estipularem tais parâmetros.
Diferentemente dos ideais impostos à mulher pela sociedade que ascendia no
primeiro semestre do século XX, o Colégio Jacobina investiu em uma educação que ia
123
Noemi Leal Ferreira, “Helena”. “Leituras”. Traço de União, 1940, n. 2. p. 2.
124
Elisabeth Jacobina Romagueira, “Helena”. “Leituras”. Traço de União, 1940, n. 2. p. 4.
125
Camacho, 2005.
além dos afazeres domésticos, desde o seu início. Nesse sentido, as capas foram grandes
divulgadoras dos sentimentos e anseios daquele grupo de mulheres que, assim como os
homens, aprendiam matemática, física, geografia, química e, eram bastante cobradas
para que obtivessem um desempenho satisfatório, seja perante os pais ou perante as
dirigentes do colégio que eram consideradas como uma espécie de segunda mãe para as
alunas. Assim, muitas imagens tinham como finalidade representar a pressão das
matérias escolares sobre as alunas.
As capas também revelavam o sentimento feminino em relação a te
mas atuais
que envolviam o país e o mundo, como foi o caso das que representaram a Segunda
Guerra Mundial, em que as meninas homenageavam os soldados e simbolizavam,
também, por meio de ilustrações, o desejo de paz mundial. Dentro da revista, por sua
vez, esse simbolismo se traduzia, por meio dos artigos, em representações referentes ao
Caricatura das disciplinas correndo atrás das alunas
dos diferentes graus de ensino e o estudo de línguas e
matemática a partir das exigências da Reforma Capanema. Traço de União, 1949, n.1, capa. Arquivo da CELPI.
papel social feminino dentro desse contexto de crise, já que a mulher era um ser
iluminado e, por isso, imprescindível na transformação da nação.
Também muitas foram as capas que expressavam as dúvidas, os anseios, os
desejos e as perspectivas do universo das jovens alunas. Entre as preocupações com as
guerras e o racionamento de alimentos que poderiam vir como conseqüência delas, os
estudos, e as diversões da época como o cinema, as roupas e compromissos sociais, são
alguns dos pensamentos que pareciam passar pela cabeça das jacobinenses que, também
transpareciam, por meio do que ilustravam nas capas, preocupações com relação a que
Ilustração pelo fim da II Guerra Mundial e capa em homenagem ao Soldado da Força Aérea Brasileira.
Traço de
União, 1946, n. 1 e 1945, n.1, capa. Arquivo da CELPI.
futuro seguir. Ficar em dúvida sobre a seqüência de seus estudos, optar pela vocação
religiosa, viajar, seguir uma carreira artística ou formar uma família se dedicando
somente ao lar, marido e filhos, estabeleciam as escolhas possíveis às mulheres
modernas que pertenciam ao Colégio Jacobina, caricaturadas nas capas do seu
periódico.
Entende-se, porém, que, assim como acontece com a revista de um modo geral,
as capas, em grande maioria
126
, eram de autoria das alunas, mas só eram publicadas com
o aval da instituição. Sem a permissão e orientação da direção do colégio, essas capas
certamente não sairiam e isso se torna notório, devido à forte relação entre o que as
dirigentes tentam pregar e o que é transmitido pelas imagens. As mulheres retratadas
126
Diz-se em grande maioria, pois algumas capas apresentam fotos profissionais como, por exemplo, as
que tinham as alunas representando santas ou outros simbolismos do imaginário católico.
Imagens
que refletem o que se passa pela cabeça das alunas do Colégio Jacobina. Religião, casamento,
guerra, vocação artística, entre outras, aparecem nesse imaginário desenhado. Traço de União
, 1944, n.1
e 1947, n. 3, capa. Arquivo da CELPI.
nas capas do Traço de União, por exemplo, representaram, muitas vezes, o principal
foco da formação católica que receberam para cuidarem da sociedade, pois a elas cabia
o futuro da nação. As capas, assim, unidas à escrita, criavam uma identidade feminina a
partir de ideais muito próprios da instituição, de suas dirigentes e da classe social a que
pertenciam as alunas:
Deus antes de ninguém, Deus que dirige o destino dos povos, dirigiu nossos destinos e
nos fez o que somos hoje. Antes crianças inocentes, não compreendíamos a grandeza e
a sublimidade do divino. Agora, moças, vemos e sentimos o Seu valor.(...) Que cada
uma de nós saiba compreender a verdadeira missão da mulher no mundo.
Que cada uma de nós seja um exemplo para sociedade moderna tão corrompida.
Porém, minhas colegas, não nos esqueçamos da pátria, do nosso querido Brasil.
Cabe-nos engrandecê-lo, fazê-lo amado e respeitado.
“A mão que embala o berço embala o mundo” disse um poeta.
Portanto é imensa a nossa responsabilidade, mas é sublime o nosso dever.
Eis a missão da mulher: Educar.
Educar verdadeiros cristãos.
Educar os homens do futuro.
Educar uma nova geração, que formará um novo Brasil, unido, forte e feliz.(...).
127
Sendo assim, a marca da religião nas imagens das capas até fins da década de 50
aparece representada por fotos ou ilustrações que poderiam vir acompanhadas de
pa
lavras ou frases que ajudavam a dar sentido à escolha dessas na publicação. No
entanto, em relação às fotografias, que em sua maioria eram profissionais, acredita-se
que tenham sido selecionadas pela direção que mostra, assim, sua significativa
contribuição para dar sentido às representações femininas que se fincaram até esse
período explanado.
127
Lina Penna Sattamini. ‘Encerramento das Aulas’. Traço de União, 1939, n.1, p.3.
Percebe-se desse modo que, embora algumas capas estivessem direcionadas a
abordar outro tema principal como, por exemplo, a comemoração do aniversário do
colégio ou da revista, o tema religião poderia estar trançado de algum modo dentro do
contexto principal, como aconteceu no caso da imagem anterior: a Nossa Senhora da
Paz foi utilizada como símbolo de proteção na capa do 15º aniversário do Traço de
União.
Variadas e repletas de intencionalidade, as capas apresentavam os assuntos em
um ciclo, pois a abordagem delas, até o período em que as alunas aceitaram tal
condição, giraram sempre em torno de uma mulher que era educadora por natureza,
cristã se estiver do lado do bem, mãe e esposa por excelência, culta para atender as
necessidades de sua classe social e caridosa, como a religião católica defendia para
justificar a educação feminina. Sendo assim, é possível perceber que ligada à
necessidade de passar, por meio das capas, esse ideal feminino, também se buscava, por
meio dos textos, difundir os métodos da educação pretendida para formar a mulher
jacobinense para que essa atuasse no seio da família e da sociedade.
No entanto, a incidência das fotografias no desenrolar da década de 50 marca o
período de mudanças que ocorria devido à visível falta de interesse das alunas pela
publicação que, ainda naquele momento, insistia em manter como imagem principal do
periódico a mulher culta formada sob preceitos católicos para atuar como educadora.
Por isso, as criativas caricaturas juvenis que ilustravam as ginas do Traço de União
foram dando lugar às fotografias encomendadas pela direção.
Uma aluna vestida de Nossa Senhora e a imagem de Nossa Senhora da Paz na capa de come
moração de quinze
anos de publicação.
Traço de União
, 1950, n.1 e 1938, n. 3, capa.
Arquivo da CELPI.
As capas passam a ser determinadas também por desenhos infantis, não
mais
refletindo, como antes, o complexo universo das alunas adolescentes. Parecia ser mais
fácil, nesse momento, conseguir a colaboração das crianças do que a das alunas de
séries mais avançadas.
Em 1957, por exemplo, a capa foi resultado de um concurso, através do qual
Mariettinha tentava estimular a participação das alunas na publicação: No mês de maio,
foi promovido no colégio, um concurso de pintura a fim de ser escolhida uma capa
Sombra da Cruz de Cristo Símbolo utilizado pelo catolicismo e Foto de uma
aluna no dia de sua Primeira
Comunhão. Traço de União, 1954, n.2 e 1958, n. 2, capa. Arquivo da CELPI.
Ilustrações infantis que começaram a fazer parte das capas do periódic
o, sem que fosse mencionado o
sentido das mesmas. Traço de União, 1960, n. 1 e 1959, n. 1, capa. Arquivo da CELPI.
para o ‘Traço de União’, entre os melhores trabalhos.
128
No entanto, logo acima desse
pronunciamento, continuava a tentativa de alertar as alunas sobre a importância de
colaborar com os trabalhos referentes à publicação, que o periódico seria uma fonte
viva do cotidiano daquele colégio:
A colaboração deve ser viva; é preciso que haja uma grande equipe, do tamanho do
nosso colégio, toda unida, toda ativa. Não está certo que a revista seja movimentada
por poucas meninas do clássico: são as alunas do Primário e do Ginásio as futuras
organizadoras do ‘Traço de União’. Por que futuras e não atuais? O rendimento do
trabalho de todas juntas, do Primário, do Ginásio, do Curso de Educadores e do
Clássico seria evidentemente grande e muito mais completo no sentido de que o ‘Traço
de União’ é uma imagem viva do que se passa no colégio. Tudo o que aqui acontece é
uma fonte de assuntos a ser explorados. Não poderemos ver o valor de certos fatos que
nós como atuais alunas achamos simplesmente corriqueiros e, no entanto, trazem tanta
saudade e encanto às antigas? (...) Façamos portanto uma revista viva, mostrando o
que existe no colégio para nós mesmas e para os que não podem estar mais conosco
constantemente, a fim de que todos saibam que há espírito de colaboração no Jacobina.
As capas que deixaram de representar, em sua maioria, os ideais daquelas alunas
adolescentes, juntamente com os inúmeros apelos apesar de não terem nome, tudo
leva a crer que eram de Mariettinha – contextualizavam o cenário de dificuldades
enfrentadas para que as edições saíssem nos moldes de uma revista, que deveria,
minimamente, apresentar capa e artigos. Mariettinha parecia enxergar o Traço de União
como uma fonte histórica, pois apesar de não utilizar exatamente essa expressão em
seus apelos, conduzia seu discurso nesse sentido para que as alunas percebessem a
importância de não deixar morrer, por meio da escrita, o dia-a-dia que constituía aquela
instituição formadora.
Contudo, não se pode afirmar que as capas deixaram de expressar,
definitivamente, a criatividade na qual se pautava o imaginário das alunas. A freqüência
com que elas deram voz às jovens para que retratassem o universo que as cercava na
década de 60 e 70, por exemplo, foi bem inferior a de décadas passadas. As imagens dos
aniversários do colégio e do Traço de União, que em outros tempos estimularam
interessantes ilustrações das adolescentes, aparecem, agora, sem a energia contagiante
das mesmas que não mais se empenhavam para fazer o melhor na revista que parecia
não ser mais de todas. Levanta-se a hipótese de que o fato de as alunas não se verem
mais escrevendo a partir de ideais que viam a mulher desse novo tempo, como a
128
S/n. Nossa capa. Traço de União, 1957, n.1, p. 1.
imagem e semelhança daquela de décadas passadas, levou-as a não mais se
identificarem com a revista.
Apesar de todos os problemas, pode-se dizer que o Traço de União em seu
conjunto e, com o incansável esforço de Mariettinha, continuou mostrando muito do
cotidiano da instituição. Embora as capas em sua totalidade tenham deixado de ser a
expressão máxima das alunas adolescentes e, por isso, não representassem mais tão
claramente a identidade da mulher formada por aquela instituição de ensino, ainda foi
possível encontrar algumas que procuraram passar para o leitor imagens e pensamentos
do tempo vivido. Isso aconteceu em 1969, quando alunas mostrando estar antenadas
com os acontecimentos mundiais ilustram a chegada do homem à Lua, o que mereceu
artigos e desenhos no interior da publicação. Também em 1974, penúltima revista
publicada pelo Colégio Jacobina, na qual às palavras com significados conhecidos
pelas jovens do início do século, misturam-se aquelas que permeiam, de modo bastante
atual, o universo jacobinense: sexo, seqüestro, exorcismo, religião, tecnologia,
consumo, racismo, esperança, tóxico e, entre outras, Cristo. Isso acontece a fim de
anunciar a aceitação, por parte do colégio, de novos discursos que anunciam as novas
formas de atuação das mulheres na sociedade.
Capa com caricatura homenageando a chegada do homem à Lua e capa que sinaliza, por meio de palavr
as
soltas, as preocupações com o mundo moderno. Traço de União, 1974, n.1 e 1969, n.2. Arquivo da CELPI.
Em relação aos conteúdos dos textos, pode-se dizer que continuaram sendo ricos
e ressaltando o vasto conhecimento das alunas que ali eram formadas. Do Clássico ao
Curso de Educadoras, todas tiveram oportunidade de mostrar seus trabalhos e contar um
pouco do que estavam aprendendo. Aliás, muito mais do que a contínua explanação das
práticas, dos métodos, dos preceitos católicos e do currículo vigente, o periódico foi,
como sempre, um divulgador do cotidiano das mulheres, que já a partir da década de 50,
passam a ter mais facilidade de acesso às universidades, expondo a lição mais
importante dada por essa fase: as novas formas de sociabilidade e direitos conquistados
recompensaram os desafios do passado.
O Traço de União de 1963 evidencia isso. Em uma das reuniões de antigas
alunas, que havia sido promovida pela instituição e fôra realizada no auditório do
Colégio Imaculada Conceição, as ex-jacobinenses ocuparam solenemente um microfone
para compartilhar, com todas as presentes, as escolhas e dificuldades das respectivas
carreiras que tiveram oportunidade de cursar em nível superior. Representantes das
áreas de engenharia, biologia, física, psicologia, história, jornalismo, arte, música,
direito, serviço social e magistério subiram ao palco do auditório para contar sobre suas
experiências profissionais. Os discursos, que foram nitidamente marcados por falas que
ilustravam um cenário de obstáculos que fizeram parte da trajetória feminina nesse
século, foram iniciados por uma engenheira que a partir de seu relato individual contou
a história de muitas mulheres pertencentes à sua classe social. Baseada em fatos de sua
vida que chegavam a ser engraçados, a engenheira disse que desde a época de Colégio
Jacobina foi orientada para não seguir a profissão que desejava. Cita Laura Jacobina
Lacombe, como uma das pessoas que tentou impedir que tomasse esse rumo na vida.
Confirmando essa decisão que ainda não era tão bem vista pelas instituições Igreja,
colégio e sociedade, a ex-aluna, a exemplo de outras mulheres desse tempo, mostrou
que já era mais possível se dedicar a outras profissões:
Não fosse uma obstinada teimosia que me fez vencer forte oposição, tanto em casa
como no Colégio, e hoje não estaria aqui falando esta antiga aluna como
Engenheira.(...) Quando na série ginasial manifestei meu desejo de me formar em
engenharia(...)D. Laura, não sei se está lembrada, gastou horas de seu precioso tempo
tentando convencer-me que esta não era uma profissão em que a mulher pudesse se
sentir realizada (...)Antigamente achavam que a inteligência da mulher não se
adaptava a estes estudos.(...) Nunca notei qualquer diferença no sentido de
inferioridade da inteligência feminina em relação a masculina. Acho que a mulher é
capaz de seguir qualquer curso e exercer com sucesso qualquer profissão.(...)
Terminado o curso trabalhei pouco tempo no escritório de Engenharia, pois casei-me
logo depois e meu marido, que é médico, não concordou de forma alguma que eu
continuasse a trabalhar. (...) Para não abandonar a profissão que tanto me fascinava e
fascina, dediquei-me ao magistério com o que meu marido se resignou. Hoje, apesar de
com 3 filhos continuo a ensinar duas cadeiras da Escola de Engenharia(...). Sinto
perfeitamente realizada com minha família e minha profissão.
129
Laura Jacobina Lacombe, assim como a Igreja Católica, mais uma vez teve que
se adaptar para não perder seu campo de atuação. Não podia desconsiderar os
acontecimentos sociais e nem o fato de que muitas alunas desejavam seguir caminhos
diferentes do que ela planejou para o grupo que formava. Por isso, apropriou-se das
brechas da estrutura vigente para conduzir um discurso pautado agora nas mães que
deveriam manter sua responsabilidade de guiar a infância, ainda que optassem por
carreiras que tomassem mais o seu tempo.
Em relação ao mal estar ocorrido entre as alunas para produção das revistas,
percebe-se que em fins da década de 60 o problema acabou sendo resolvido ou, pelo
menos, silenciado na escrita. Nem sumário do clássico, nem qualquer outro existe mais
a partir de 70: todas as leitoras e escritoras parecem ter se enquadrado ao novo perfil do
periódico sem se sentirem excluídas do processo. Não parou, no entanto, de ser
publicado o pedido de auxílio das colaboradoras para elaboração das edições, mas isso
passou a ser conduzido de forma mais delicada e, inclusive os textos com essa
finalidade, foram assinados pelo próprio Traço de União, evitando, assim, maiores
problemas entre as diferentes séries.
O número de ginas com o passar desse período ou diminuiu ou duas edições
acabaram se transformando em uma. Pelo que se pôde concluir, isso realmente ocorreu
pela falta de interesse e colaboração das alunas, que já não tinham mais o fôlego
produtivo de antes, pois ainda que muito se tenha permitido nas edições para
acompanhar os novos tempos que as mulheres viviam, o periódico ainda era
caracterizado pelo seu cunho retrógrado.
Muito se escuta, entre as histórias contadas por ex-alunas que ainda freqüentam
a CELPI, inclusive, comentários sobre a queda institucional nesse período. Quem sabe
então o declínio do Traço não tenha sido, além da falta de estímulo das alunas,
acarretado pelos problemas enfrentados pela instituição nesse período? Inúmeras podem
ser as possibilidades. No entanto, é fato que a queda no ritmo de produção da revista
dessa fase tem continuidade na seguinte, onde, infelizmente, ela deixa de ser publicada,
como veremos a seguir.
129
Maria Helena de Britto Rodrigues. ‘60 anos passaram’. Traço de União, 1963, n.1 e 2, p. 46.
1.5. O ponto final: a despedida do Traço de União
Ressurge hoje o Traço de União, tradicional revista do Colégio Jacobina, que vinha
hibernando desde 1974.
Trata-se de um esforço conjunto da Associação de pais e da administração do Colégio
no sentido de revitalizar as artérias de comunicação entre o colégio e os alunos e suas
famílias. (...) Todavia não temos vivido apenas vitórias, as dificuldades são
muitas.(...).
130
Na quinta e última fase, percebemos o declínio da Revista em meio a uma crise
que dará fim às publicações e, dois anos depois,
131
ao Colégio Jacobina:
Quadro com a relação de periódicos publicados na 5º fase do Traço de União: 1974 - 1981
ANO DATA NÚMERO DO
PERIÓDICO
NÚMERO DE
PÁGINAS
LI 1974
1 32
Não é
especificado
1981 1 16
Traço de União. Arquivo da CELPI.
Com uma enorme distância entre as suas duas últimas publicações, o periódico
aparece completamente descaracterizado. Tratando de assuntos como literatura, música,
teatro, curso normal na atualidade, religião, historinhas infantis com ilustrações
representativas, versos, passeio realizado pela instituição à exposição no Pavilhão de
São Cristóvão, textos sobre o ex-professor Américo Lourenço Jacobina Lacombe que
fora eleito para a Academia Brasileira de Letras, e uma entrevista com Laura Jacobina
Lacombe, a edição de 1974 termina suas 32 páginas com as duas únicas seções que
permaneceram das fases anteriores: “Noticiário” e “Registro”.
Como se fosse uma previsão da curta trajetória que lhe aguardava, o periódico
desse ano se destacou pela longa entrevista com Laura Jacobina Lacombe: aluna da
turma da instituição, professora e, posteriormente, diretora da mesma desde 1936 e uma
das principais e fundamentais idealizadoras do Traço de União.
130
Texto escrito por Amélia M. Lacombe, última diretora do Colégio. Traço de União, 1981, p. 3
131
Não foram encontrados documentos que precisassem a data certa em que o Colégio Jacobina encerrou
suas atividades. A informação de que a instituição tenha terminado em 1983 foi adquirida por meio de
relatos orais.
A Seção denominada “Depoimento” transcreveu na íntegra as respostas de
Laura, que falou sobre sua forte ligação com o Jacobina, relembrou seus tempos
enquanto estudante, as mudanças e reformas de ensino que influenciaram a vida da
instituição e seus ideais pedagógicos e religiosos, o que pensava a respeito da
participação dos pais na educação de seus filhos, as influências pedagógicas
estrangeiras sofridas pela instituição e sua participação dentro desse contexto, suas
importantes viagens para aprendizado e aplicação de novos métodos educacionais no
colégio, congressos e palestras de que participou e a fundação da OMEP (Organização
Mundial de Educação Pré-escolar) no Brasil.
Quando perguntada sobre o Traço de União declarou sua missão entre atuais e
antigas alunas e mostrou certeza em relação a seu longo e contínuo futuro, sem imaginar
que essa edição era praticamente uma despedida. Segundo Laura, o periódico cumpriu
ao longo das décadas a missão que lhe deu o título. Levando por meio século às
famílias de nossas alunas e ex-alunas, a notícia do que se passava no colégio. Para a
educadora, o Traço de União foi um espaço de formação, pois se manifestaram
muitas vocações de escritoras, pintoras, teatrólogas, etc.
Entendendo as exigências dos novos tempos, a entrevista se desenrola com
Laura mostrando concordância em relação às mudanças que tiveram que ocorrer na
revista e nas novas oportunidades de profissionalização feminina: Encadernamos o 10º
volume e agora vamos entrar em uma nova era, aproveitando os progressos e as novas
técnicas das gráficas e dando oportunidade a nossas alunas do Curso de Publicidade
de aplicarem seus novos conhecimentos na profissão que escolheram.
132
No entanto, foi a revelação explícita de sua grande preocupação em relação à
formação feminina que, por mais que houvesse sido sinalizada por meio,
principalmente, da seção “Ecos” de quase todas as edições dos periódicos, acabou
sacramentando a que, de fato, se dedicaram as dirigentes do Colégio Jacobina durante
todos esses anos: Por motivos providenciais, o Colégio Jacobina tem vindo crescendo
num sentido que, apesar de não ter sido manifestado, desde o início, sempre foi, no
íntimo, sua vocação: a preparação de professores.(...)
133
E completa sua fala
elucidando que foi o Colégio Progresso que cultivou essa necessidade de preparar
educadores, o que acabou contagiando todos os colaboradores do Colégio Jacobina,
desde sua fundação.
132
Laura Jacobina Lacombe. ‘Depoimento’. Traço de União, 1974, n.1, p.26.
133
Ibid., p.29.
Com uma diagramação que alternava duas e três colunas pelas páginas das
edições, verificamos que as publicações de 1974 e 1981
134
apresentaram em seus dois
únicos números a perseverança e o pedido de colaboração não somente dos alunos,
como, também, dos pais:
Neste ano de 1974, uma equipe do grau decidiu se responsabilizar pela edição do
Traço de União. É esta equipe que vem agora dizer os seus propósitos, esclarecer suas
intenções, levar ao conhecimento de todos a sua vontade de criar uma revista viva. (...)
é nossa intenção publicar outro número proximamente. Para isso, precisamos de sua
colaboração. Sem ela, o Traço deixa de ser União. (...)
135
O Traço de União volta a ser publicado no ano em que o Colégio inicia a
comemoração de seus 80 anos.
Esta coincidência de datas tem para nós - Associação de Pais e Direção do Colégio -
um significado importante: a retomada de uma ligação com os antigos alunos, a união
de passado e presente.
Gostaríamos que o Traço viesse a ser um caminho de mão dupla pelo qual circulasse
não apenas aquilo que queiramos divulgar mas também as impressões, comentários e
sugestões dos membros da Comunidade.
136
Com exceção da revista de 1981, quem continuou ditando os rumos efetivos do
colégio e de seu periódico foi Laura, que mesmo na ausência causada pelas inúmeras
viagens que realizava, sempre aparecia moralmente, afetivamente e metodologicamente
nos textos de suas alunas e também nas reportagens e comemorações de início, meio e
fim do ano letivo do Colégio Jacobina. Estruturalmente, Mariettinha foi responsável e,
por isso, editora principal do Traço de União nas últimas fases. Porém, o conjunto das
idéias divulgadas e silenciadas no periódico derivava, ainda, sem dúvida alguma, das
verdades que eram fruto de uma trajetória educacional e religiosa experiente como a de
Laura Jacobina Lacombe.
Continuando, até seu último número, com capa, mas sem sumário, essas edições
fazem acreditar que a pretensão em 1974 era prosseguir com a semestralidade de suas
publicações. No entanto, após ter saído o Traço número 1 deste mesmo ano, somente
em 1981 vai aparecer outra revista que traz em suas páginas muitos textos que entram
no clima da comemoração dos 80 anos do Colégio Jacobina.
134
O jornal de 1974 ainda tem como responsável Marietta Luisa Lacombe que em 1981 passou o cargo
para a Diretora que substituiu Laura na instituição, Amélia M. Lacombe.
135
Editorial assinado por Marta Rocha e Silva de Senna, Maria Fernanda Martins Costa, Marília Arruda e
Ana Cristina Ribeiro Carvalho. Traço de União, 1974, p. 1.
136
S/n. Traço de União, 1981, capa.
Como edição comemorativa, sob a responsabilidade de Maria M. C. Lacombe,
sobrinha de Laura, entende-se que não havia um desejo de pôr um fim na histórica
publicação do Colégio Jacobina. Deixando a mensagem de que a tradição e o novo
convivem
137
esse Traço de União, em meio às atividades dos alunos dos anos 80,
mostrou o que os seus sujeitos escolares do passado cultivaram ao longo das décadas do
século XX:
Querido Presidente,
É uma honra ter o Senhor visitando o nosso colégio. E é com muita alegria e felicidade
que nós o recebemos.
Agradecemos pelo Brasil que o Senhor nos tenta dar um Brasil bom e cheio de vida (...)
O colégio está fazendo oitenta anos e a cada ano procura melhorar mais. E assim o
colégio com seus estudantes fará com que o Brasil cresça cada vez mais. Porque cada
um de nós daqui a pouco servirá o Brasil com seu trabalho.
138
A presença do presidente João Figueiredo e de outras autoridades, entre os quais
se encontravam representantes da alta cúpula da Igreja católica, marcaram o prestígio
adquirido por aquela instituição de ensino que, ao mesmo tempo em que ergueu a
bandeira do catolicismo, foi pioneira e manteve sua característica renovadora no que diz
respeito à implantação de métodos pedagógicos. O discurso publicado na página 12 do
periódico agradecendo ao passado edificador e mostrando que desse mesmo passado
se fazem presentes muitos ideais, como, por exemplo, aqueles descobertos pela
psicologia em que a individualidade da criança começou a ser respeitada apresenta a
identidade do colégio que foi, até seus últimos anos, essa mescla de inovação,
catolicismo e patriotismo:
Senhor Presidente, a sinceridade do seu amor por crianças o trouxe hoje ao nosso
colégio(...) Somos um colégio-menino. Porque sonhamos conquistas. Herdamos a ânsia
das descobertas daqueles que nos formam, desde 80 anos. E é precisamente este
passado de lutas, de derrotas e de vitórias que nos conduz a querer o novo, o além. Os
que nos formaram legaram-nos a bússola que aponta sempre o norte e ensinaram-nos a
construir as naus para que possamos partir em busca da conquista de espaços, na
multiplicidade dos possíveis. Ensinaram-nos a conhecer os ventos e os sinais,
marcaram-nos com o querer descobrimentos.
Aprendemos a admirar o passado (...) Aprendemos que o passado não é sombra, não
tolhe nem escurece, porque é dele que vem a luz que se expande com a aragem de
sonho no presente. (...) Nesta casa, Senhor Presidente, se educam constantemente
jovens de 1 a 84 anos. Uns aprendendo com os outros, dispostos ao novo. A
137
S/a. “Colégio Jacobina Ano 80”. Traço de União, 1981, p. 5.
138
S/a. S/n. Traço de União, 1981, p. 12.
individualidade de cada um é respeitada, criando condições para o crescimento e
aparecimento de todos. (...) Temos respeito por nós mesmos e pelo outro. Acreditamos
em Deus.
139
Creditando os atuais sucessos do Colégio Jacobina aos feitos do passado, essa
edição, constituída em quase cinqüenta por cento por fotos e ilustrações, foi a última de
toda a coleção do Traço de União. O ponto final de uma longa história escrita a partir
da iniciativa de mulheres que estiveram à frente de seu tempo, no que consistia à
incessante busca pelo conhecimento, para, geralmente, cumprir e divulgar uma
importante missão: educar outras mulheres para que nessas florescesse a vontade de
continuar educando a nação a partir dos preceitos religiosos.
139
Ibid, p. 12-13.
CAPÍTULO 2
As responsáveis pelo Traço de União
Em artigo publicado na edição comemorativa dos vinte anos de Traço de União,
a ex-aluna Stella Rodrigo Octavio Moutinho, que foi diretora do periódico na década de
30, deixou depoimento sobre o período e a sua atuação no mesmo. Segundo a autora,
todas as suas colegas que assumiram esse cargo ao longo dos anos, sabiam que a cada
linha lida no periódico, refletia-se a personalidade de Laura Jacobina Lacombe,
orientadora que dava vida e aspecto educacional à publicação jacobinense. Para ela, o
nome da educadora deveria figurar, junto ao título do Traço de União, como sua
Diretora de Honra, num direito que justamente lhe cabe, como colega porque antiga
aluna, e como professora – porque sempre presente em todos os setores da vida
intelectual, social e moral do colégio.
140
No ano seguinte, essa sugestão foi aceita. Acima do nome de todos os
colaboradores do Traço de União começou a aparecer, a partir de 1944, a função
Responsável pelo periódico. Desde aí, ficou oficialmente registrado o que todas as
alunas sempre, indireta ou diretamente deixaram claro em sua escrita: que quem sempre
autorizou, silenciou e determinou o que deveria ser publicado, foi a direção dessa
instituição de ensino, criadora do impresso. Ainda que aparecesse o nome de Laura
Jacobina Lacombe nesse período, sabe-se que esse grupo foi constituído também por
Isabel e Francisca Jacobina Lacombe, tendo a primeira maior visibilidade que a
segunda. Dessa forma, pode-se inferir que o Traço de União, apesar de ser o veículo de
comunicação das alunas do Jacobina, não pode ser considerado uma produção exclusiva
delas.
Assim como todas as colaboradoras do passado que participaram do processo
editorial da revista, também um leitor mais atento de hoje consegue perceber que para
entender os discursos publicados sobre educação feminina católica; mulher e trabalho;
militância católica feminina; e escola e família, fundados nas representações acerca da
idéia de mulher como construtora da nação, é preciso primeiramente compreender um
pouco da história de vida das que incentivaram a produção e ficaram responsáveis pela
mesma nesses mais de cinqüenta anos de publicação e setenta e três de existência. Isso
porque suas trajetórias sempre influenciaram diretamente na forma de agir, pensar e
educar dentro da instituição de ensino e, conseqüentemente no Traço de União, que
enquanto periódico escolar servia como veículo de disseminação das propostas que
amalgamavam as educadoras ali reunidas.
140
Stella Rodrigo Octavio Moutinho. “1934”. Traço de União, 1943, n. 1, p. 3.
2. As biografias das responsáveis pelo periódico
A opção de trabalhar com biografias, nesse momento, foi feita com a finalidade
de preencher as lacunas deixadas pela fonte principal da pesquisa que é o Traço
de União. A escrita publicada nesse impresso deixa explícita a ligação dos
discursos com ideais sacramentados pelas dirigentes do Colégio Jacobina. Desse
modo, com a finalidade de compreender como esses ideais entraram em jogo e o
que se propôs divulgar e fixar pelas páginas do Traço de União, deve-se
entender, primeiramente, a influência sofrida por aquelas que criaram e
orientaram esse impresso escolar. Traçar a biografia de Isabel Jacobina
Lacombe, Laura Jacobina Lacombe e Marietta Luiza Lacombe significa, assim,
apreender perspectivas sob as quais o periódico foi escrito. E isso é uma via de
mão dupla, pois ao mesmo tempo em que traçar a biografia dessas educadoras
nos possibilita entender sob que preceitos o jornal era orientado, também o
periódico nos permite, muitas vezes, compreender e acompanhar os passos
dados em suas trajetórias, ao longo das décadas.
Ainda que muitos registros femininos tenham sido silenciados e outros
destinados ao fogo ou ao esquecimento, sabe-se hoje que a mulher muito tempo
escreveu sobre o mundo do qual ela participou como protagonista. Para além das tarefas
domésticas, compreende-se atualmente, que as mulheres atuaram na política e na
educação em busca da concretização de seus ideais através dos tempos.
Nesse sentido, alguns documentos, que cada vez mais se salvam da destruição e
do descaso com a memória, vão se constituir fontes inesgotáveis de exploração,
podendo ser analisadas de formas distintas por estudiosos de diferentes tradições
disciplinares. Para os historiadores contemporâneos, elas cumprem a importante função
de restaurar o papel dos indivíduos na construção dos laços sociais.
141
Aliás, Le Goff
lembra que o documento o é qualquer coisa que fica por conta do passado; é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que detinham o
poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à meria coletiva
recuperá-lo e ao historiador u-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de
causa.
142
Sendo assim, de acordo com Mignot (2002), percebe-se que muitos
pesquisadores do campo da educação têm se esforçado para trabalhar com
vidas: dar vidas à história e considerar as histórias de vida. E quando os
documentos que nos são fornecidos, fontes primárias de um estudo, são de
cunho pessoal, possibilitam rastrear a biografia dos personagens buscando
acessar a conexão existente entre o indivíduo e o contexto histórico no qual
viveram. Com isso, entende-se que as biografias escritas por historiadores não
141
Chartier, 1994, p. 102.
142
Le Goff, 1996, p. 545.
Fotos de Is
abel Jacobina Lacombe, Francisca Jacobina Lacombe,
Laura Jacobina Lacombe (fund
adoras e dirigentes do Curso) e Maria
Luiza de Almeida Cunha (filha adotiva de Isabel, que inicialmente
iria ocupar, no lugar de Laura, a vice-direção do Colégio Jacobina)
Traço de União, 1927, nº 3 e 4, p. 1. Arquivo da CELPI.
se esgotam em si mesmas, elas geralmente servem para revelar dimensões de
certos problemas de pesquisa que não são possíveis enxergar por meio de outras
vertentes, como é o caso desse estudo.
Dessa maneira, pode-se dizer que biografar sempre tem um sentido. Para Carino
(1999), a biografia tem finalidades precisas como: exaltar; criticar; demolir; descobrir;
renegar; apologizar; reabilitar; santificar; dessacralizar. E quando isso é feito ao encenar
trajetórias individuais, acabamos conseguindo iluminar questões e/ou contextos mais
amplos: o acontecimento, o indivíduo, e mesmo a reconstrução de algum estado de
espírito, o modo de pensar o passado, não são fins em si mesmos, mas constituem o
meio de esclarecer alguma questão mais abrangente, que vai muito além da estória
particular e seus personagens.
143
A biografia para Levi (1996) se apresenta como um meio eficaz na construção
de uma narrativa que elucide elementos contraditórios que constituam a identidade de
um indivíduo e de suas diferentes representações sociais a partir dos distintos pontos de
vista nas diversas épocas. Assim, o autor defende a necessidade de levar em
consideração o período, o meio e a rede de sociabilidade para compreender a atmosfera
que explica a singularidade das trajetórias.
Por meio das biografias, encontramos além da lógica das estruturas, também os
dados sociais e culturais que reconstroem o contexto no qual as personagens principais
estão imersas. Juntando as peças do quebra-cabeça da vida, a fim de reconstituir parte
de suas trajetórias nos locais de formação, nos elos religiosos, políticos, intelectuais e
sociais, busca-se interpretar a identidade construída. Assim, biografar representa traçar
uma trajetória por meio de interpretação e reconstrução de caminhos percorridos ao
longo da vida. Uma das principais tarefas do gênero biográfico, nesse sentido, é
recuperar a tensão entre o individual e o social. Torna-se, assim, preocupação central
dos biógrafos da área de História, a necessidade de desvendar os múltiplos fios que
ligam um indivíduo ao seu contexto: A escolha do individual não é vista aqui como
contraditória à do social: ela deve tornar possível uma abordagem diferente deste, ao
acompanhar o fio de um destino particular de um homem, de um grupo de homens
143
Hobsbawm, 1991, p. 41.
e, com ele, a multiplicidade dos espaços e dos tempos, a meada das relações nas quais
ele se inscreve.
144
Traçar a biografia das dirigentes do Jacobina permitiu desvendar as trajetórias
profissionais experimentadas a partir de suas condições de mulher, branca, católica e
pertencente à boa sociedade e a um cenário político, religioso e educacional próprio de
uma época, pois para Carino (op. cit.) cada homem concreto, individual é, portanto, o
produto dessa simbiose entre sua época, o momento histórico em que vive e sua própria
consciência, ou seja, as condições interiores, espirituais, com as quais também convive.
O homem é, pois, objetividade do mundo e subjetividade da consciência.
145
O estudo biográfico serve ainda para compreender o significado do trabalho
docente na vida dessas mulheres, que não o viam como uma obrigação ou fonte
de sustentação financeira, mas como uma missão social, uma vez que desde sua
fundação, o Colégio Jacobina não tinha, segundo relato das educadoras, fins
lucrativos e sim o objetivo de formar futuras mães e educadoras para uma
nação que se percebia caminhando em direção ao progresso. Com isso, emergem
as representações de ser educadora, dentro da sociedade que elas influenciaram
e da qual sofreram influência.
Entre essas várias condições que contribuíram para formar os modos de pensar e
de agir de Isabel, Laura e Mariettinha, a religiosidade certamente foi a que mais deu
sentido a muitas de suas escolhas, influenciando diretamente suas atuações no campo
educativo. Dogmas da Igreja Católica serviram para guiar as decisões ao longo de suas
vidas como mulheres e educadoras.
Ao buscar no traçado das vidas das três educadoras a singularidade de seus
legados, serão consideradas as condições sociais e culturais de seu tempo e do grupo a
qual pertenciam, além dos modelos de mulher que vigoravam na época para,
conseqüentemente, conseguir compreender o significado da religião e do magistério em
suas vidas, refletidas no periódico da instituição que dirigiram. Assim, justifica-se a
importância de considerar suas redes de pertencimento como propõe Bourdieu (1996):
144
Jacques Revel, 1998.
145
Carino (1999).
Não podemos compreender uma trajetória (...) sem que tenhamos previamente
construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o
conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado ao conjunto de outros
agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos
possíveis.
146
Nesse mesmo sentido, Grynszpan (1990) afirma que o exame de trajetórias
individuais nos permite avaliar estratégias e ações de atores em diferentes situações e
posições sociais, seus movimentos, seus recursos, as formas como os utilizam ou
procuram maximizá-los, suas redes de relações, como se estrutura, como as acionam,
nelas se locomovem ou abandonam.
147
Nas trajetórias das educadoras é possível captar os códigos religiosos e sociais
aos quais estavam submetidas e que foram aceitos e desejáveis para os grupos
que as envolvia. Dessa forma, suas trajetórias contribuíram para significar, em
alguma medida, a educação feminina para seus interlocutores de suas redes de
sociabilidade.
Assim, considerar a rede de pertencimento delas também se faz importante para
entender que essas educadoras não se construíram isoladas da sociedade da qual faziam
parte. Sempre, de algum modo, estiveram ligadas a grupos que as legitimavam e
tomavam-nas com referências para escrever e pensar o mundo em que viviam. Fato que
é percebido ao se confrontarem os discursos de professores, pais, ex-alunas e alunas
com os da direção do Jacobina, para ver emergir, pela narrativa cotidiana dos sujeitos
singulares, a presença daquele coletivo.
Como tiveram início as suas atuações profissionais? Como as educadoras se
moveram no cenário público brasileiro? Quais foram as estratégias de acessos que
permitiram o ingresso das mesmas nas entidades de renome na educação do século XX?
Quais eram os ideais que defendiam? Quais foram seus interlocutores nesse percurso?
Em que medida esses percursos foram elucidados no Traço de União? São algumas das
indagações que buscarão ser respondidas a partir das biografias de Isabel Jacobina
Lacombe, Laura Jacobina Lacombe e Marietta Luiza Lacombe, para que, no próximo
capítulo, seja possível compreender as imagens construídas e divulgadas do Colégio
146
Bourdieu, 1996, p. 190.
147
Grynszpan, 1990, p. 74-75.
Jacobina e da mulher formada nesse espaço por meio do Traço de União. Para tanto,
serão utilizados, nesse momento, variadas fontes documentais disponibilizadas pela
Costura e Lactário Pró-Infância e pela Organização Mundial de Educação Pré-escolar,
além dos números do Traço de União e de alguns livros publicados por Laura Jacobina
Lacombe, especialmente o Como nasceu o Colégio Jacobina.
2.1. Isabel Jacobina Lacombe: a fundadora do Colégio Jacobina
Se conheces o que não podes fazer, deves compreender como é triste a condição da
mulher, a quem Deus deu inteligência igual à do homem, mas, que um sistema
acanhado de educação esteriliza a ponto de não conhecer os seus próprios interêsses,
aguardando o marido, podendo firma-lhe o passo e discernir o verdadeiro caminho.
Vês, pois que a mulher ocupando-se de futilidades perde sua importância como
membro da sociedade, para só tornar-se um objeto de divertimento para os ricos e de
pêso para os remediados.
Se a mulher pudesse ser o braço direito do marido, assegurava seu futuro e o da
família. Mas isso é inútil pregar: a moda e a falta de senso tem mais valor.
148
A carta do Dr. Jacobina, escrita em 8 de outubro de 1889, à sua filha Isabel,
representa os ideais cultivados na educação da fundadora do Colégio Jacobina.
Isabel Jacobina Lacombe, a Dona Belinha
149
, que nasceu em 17 de fevereiro de
1869, influenciada por referenciais de instrução ainda não preponderantes entre
m
ulheres da época, constituiu-se uma educadora respeitada não somente dentro
do Colégio Jacobina, onde permaneceu como diretora por muitos anos, como
também no âmbito educacional em geral.
Sua primeira experiência em uma instituição de ensino como aluna foi aos onze
anos em um pensionato na Europa, país onde seu pai estava sendo submetido a
um tratamento médico. Filha primogênita, ela foi formada, ao longo de sua
vida, por preceitos educacionais rígidos e conceituados.
148
Lacombe, 1962, p. 65.
149
Isabel Jacobina Lacombe morreu em janeiro de 1961.
Naquele tempo, segundo Pinky e Pedro (2003), poucas eram as mulheres que
tinham a possibilidade de participar no campo social com trabalhos educativos
e/ou filantrópicos. Visando a cumprir mais adequadamente a missão feminina
na melhoria da sociedade, muitas mulheres, principalmente na segunda metade
do século XIX, passaram a reclamar por uma melhor educação para si e suas
filhas, confiando a mesma a preceptores ou a colégios particulares, geralmente
de origem estrangeira, como observou Chamon (2005).
A mãe de Isabel, que também colaborou nos primeiros anos do Curso Jacobina,
a Vovozinha, foi uma dessas raras mulheres de seu tempo que recebeu uma boa
instrução e, por isso, defendeu, ao lado de seu marido, a sua necessidade para a
filha. Francisca Idília Barbosa de Oliveira Jacobina, formada por um dos
colégios franceses que se estabeleceram no Rio de Janeiro no século XIX, o
Leuzinger
150
, era uma mulher culta e viajada que influenciou, por isso, o gosto
de Isabel pela língua francesa, embora, segundo Laura Jacobina Lacombe
(1962), também soubesse inglês, italiano e alemão.
Poucas foram as instituições de ensino privado que se destinaram a instruir
mulheres no século XIX. Segundo os estudos de Guido (1992), desde a chegada
da Missão Francesa, em 1816, e, fundamentalmente, após a Independência,
algumas poucas mulheres já reivindicavam o acesso à educação como via de sua
integração no processo de civilização da nação brasileira. No entanto, as
iniciativas pioneiras de ensino feminino que se instauraram no país na primeira
metade do século entre as quais se encontrava, em 1938, a de Nísia Floresta,
que fundou na Corte o Colégio Augusto sob moldes clássicos e humanísticos
150
O nome do colégio segundo Lacombe (1962) é Leuzinger, porém no Traço de União de 1974, Laura
Jacobina Lacombe diz ser Masset o nome da instituição que Francisca Idília Barbosa de Oliveira
Jacobina, sua avó, estudou. Como as famílias responsáveis pelo colégio eram justamente a Masset e
Leuzinger, pode ter ocorrido alguma confusão em relação a seu nome original.
dificilmente conseguiram vingar. Somente a partir da segunda metade desse
século, observou a autora, a situação começou a mudar, lentamente,
acompanhando as transformações sociais. Por meio de iniciativas particulares
foram surgindo os primeiros colégios religiosos e as pequenas escolas leigas, que
eram freqüentados pelas classes abastadas da sociedade.
Assim, com um pai que era defensor da emancipação feminina e com uma mãe
c
onsiderada uma mulher de formação intelectual privilegiada para sua época, a
educação de Isabel foi bastante orientada e impulsionada. Logo que retornou ao
Brasil da viagem à Europa, ingressou no Colégio Progresso, uma das mais
renomadas instituições de ensino para moças da elite carioca daquele tempo,
dirigida pela norte americana Miss Eleanor Leslie Hentz.
Segundo Laura Jacobina Lacombe (1962), Isabel se destacava como a primeira
da classe e em papéis principais nas representações que aconteciam nas festas
escolares, fato do qual seu pai parecia se orgulhar. A diretora do Colégio
Progresso era escolanovista e, segundo Alves (1997), isso fez com que Isabel
assimilasse esse ideário ao mesmo tempo em que sofria influência de uma
formação cultural francesa que, como vimos, era muito própria de algumas
escolas femininas freqüentadas pela boa sociedade daquela época.
Em relação à religião, pode-se afirmar que, embora o Colégio Progresso fosse
dirigido por uma mulher protestante, houve a entrada do ensino católico, uma
vez que, na sociedade brasileira, prevalecia a cultura católica. Isso porque, para
as elites republicanas que se ocuparam de impor à sociedade de seu tempo o
princípio da ordem, o modelo hierárquico e pluralista proposto pela Igreja
Católica, de acordo com Guido (1992), era percebido como mais adequado que o
assimilacionismo protestante. Dessa maneira, segundo a mesma autora, somente
em 1908 foi introduzido o protestantismo no sistema educativo com a fundação
do Colégio Batista, que era direcionado ao público masculino. Para o sexo
feminino, em 1920, foi fundado o Colégio Bennett.
Assim, a instituição fundada por Miss Eleanor Leslie Hentz, sem a intenção de
se confrontar com as práticas católicas predominantes na população brasileira,
entrou na vida de Isabel como uma instituição modelo, primeira a introduzir
aqui os métodos americanos. Sendo a família da diretora protestante, não cogitou
nunca de propaganda religiosa; pelo contrário, entregou a um sacerdote
conceituado o ensino da religião católica, preparando turmas para a Primeira
Comunhão. Dentre as antigas alunas, existem brasileiras, diretoras de colégios e
perfeitas católicas.
151
Dr. Jacobina apesar de ser agnóstico, não se opôs ao fato de Isabel se render ao
catolicismo. Nem mesmo o fato de Miss Eleanor Leslie Hentz ter sido uma
referência feminina de base protestante determinou sua escolha religiosa. De
certo, que pelas cartas trocadas entre Isabel e seu pai, publicadas por Laura
Jacobina Lacombe (1962), percebe-se que isso dificultou a formação religiosa
que almejava, no entanto, ainda que tardiamente, fez sua primeira comunhão
aos dezoito anos.
Assim, pode-se dizer que a orientação intelectual dada por seu pai e por sua
diretora, não se deu igualmente no que consistia à sua formação religiosa. Porém, ao
longo de seu percurso, encontrou o Padre Rezende a quem considerou um grande amigo
que lhe deu apoio espiritual até a morte. Esse sacerdote, mencionado no capítulo
anterior, foi responsável em grande parte pela formação religiosa de várias alunas do
Curso Jacobina, onde encontrou um campo fecundo para disseminar os ideais católicos
que se tornariam a base da instituição. Foi ele quem ajudou, inclusive, a instaurar retiros
151
Lacombe, 1962, p.8.
espirituais e reuniões filantrópicas que serviram de justificativa para que muitas
mulheres não se restringissem ao espaço doméstico.
De acordo com Giorgio (1991), sendo excluídas geralmente da cena política
oficial, as mulheres católicas do século XIX e das primeiras cadas do XX encontram
na benemerência seu campo de ação, onde poderiam desenvolver intensamente uma
atividade sem que fossem censuradas pelos homens.
Apropriando-se, então, dos ideais da cultura católica que viam na mulher da elite
um precioso instrumento para sua luta renovadora da Igreja, Padre Rezende atuou com
grupos diversificados dentro do Jacobina:
(...) Um grupo de moças, antigas alunas e suas amigas, unidas em amistosas reuniões
uma vez por semana, longe da vida mundana, cuidando de divertimentos mais puros,
diferentes destes que nos proporciona actual sociedade, ao mesmo tempo em que
incubindo de uma obra de caridade nas ditas reuniões, foi a maravilhosa idéia que
teve o Padre Rezende, o nosso amigo de tantos anos, e de todos os dias (...) sempre
disposto a unir em estreitos laços de amizade, as suas meninas do Curso Jacobina.(...)
E assim passamos o resto do anno. Inauguramos a nossa sala no edifício novo do
internato, que foi benta por Padre Rezende juntamente com a imagem da nossa
santinha. (...) Em outubro, presidindo uma das nossas reuniões, Padre Rezende
lançou a idéia enthusiasticamente aceita e logo executada, de um retiro
exclusivamente para as antigas alumnas. E assim terminou o ano (...).
152
Estando sempre à frente de seu tempo, já que teve acesso a uma formação
esmerada para os padrões da época e nem sempre autorizada para mulheres,
Isabel assinando com o pseudônimo de Myself foi uma das fundadoras de um
jornalzinho escolar chamado O Progresso no qual, seguindo a mesma forma de
pensar e agir do pai, chegou a fazer críticas ao governo. Em uma outra carta
enviada ao Dr. Jacobina na Corte, é possível ter noção de como isso repercutiu,
uma vez que essa atitude era socialmente inaceitável para mulheres da época: O
nosso jornalzinho teve um sucesso esplêndido, já tem mais de 100 assinantes e
cinco fôlhas deram notícias do seu aparecimento, tecendo-lhe elogios e ao Colégio.
Só a Gazeta pareceu criticar um pouco as alfinetadas que as meninas deram no
152
Letizia Mattos. ‘Notícia Histórica do Grupo Therezinha de Jesus’. Traço de União, 1927, nº 3 e 4,
p.19.
governo, pelo que as meninas se aborreceram. Para mim isso não tem
importância, pois ‘Novidades’ e a ‘Tribuna’ acharam nisso o sal do jornal.
153
Apesar de se considerar crítica e determinada, Isabel não seguiu a carreira de
medicina, como desejava seu pai, nem se dedicou ao teatro, como Dr. Jacobina
chegou a incentivar porque achava que ela deveria ter um destino diferente do
usual. Nesse sentido ela não transgrediu as regras sociais que limitavam o
espaço de atuação feminina, e acabou optando pelo magistério e se casando com
Domingos Lacombe, motivo pelo qual abandonou sua carreira docente no
Colégio Progresso.
153
Isabel Jacobina, 10 de abril de 1889 apud Lacombe, 1962, p. 82.
Isabel e Domingos Lacombe. Traço de União, 1944, n. 1, contracapa. Arquivo da CELPI.
Com ele viveu até sua morte, em 1944, e teve oito filhos: Helena, Mabel, Laura,
Mario, Domingos Octavio, Vitor, Maria Amélia e Américo. Assim como sua mãe
Francisca Idília, Helena, a filha mais velha do casal, morrera de febre amarela,
doença muito temida até então pela sociedade. Aos filhos de sangue se somou a
filha adotiva Maria Luisa de Almeida Cunha a quem Isabel igualmente cuidou e
instruiu. Entre todos estes, pode-se dizer que Américo e Laura foram os que
mais se destacaram por suas atuações enquanto educadores no âmbito nacional.
Américo Lacombe, além de conceituado professor, também teve êxito como
historiador, biógrafo e ensaísta, ocupando cargos importantes como o de
presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o de Secretário do
Conselho Nacional de Educação e o de diretor da Casa de Rui Barbosa. Laura,
conforme relato de sua irmã Maria Luisa, foi à filha a qual Isabel passou o
bastão para dirigir sua obra
154
. Além de católica como todos os seus irmãos, ela
deu seqüência ao grande legado de sua mãe dedicando sua vida ao Colégio
Jacobina e aos propósitos educacionais e religiosos. Importante personalidade
nos debates educacionais nas décadas de 20 e 30, destacou-se especialmente
quando ao lado de sua mãe atuou na Associação Brasileira de Educação, onde
ambas permaneceram até início da década de 30, quando por divergências
políticas e religiosas saíram e militaram, guiadas pelos preceitos do catolicismo,
em prol do que acreditavam ser melhor para o sistema educacional do país.
Após o falecimento de seus dois importantes orientadores educacionais, seu pai
e a diretora da instituição de ensino onde se formou, Isabel começou a organizar
um pequenino esboço de escola – uma aula em sua casa, por volta de 1902, que
terminou se transformando no Colégio Jacobina.
154
Maria Luisa de Almeida Cunha. ‘O Centenário de Dona Belinha’. Traço de União, 1969, n.1, p. 42.
Coincidentemente, foi nesse mesmo ano que outras novas perspectivas de ensino
emergiram para as mulheres da boa sociedade do país. Segundo Guido (1992),
em 1902 o Primeiro Ministro da França, Émile Combés, investia
fulminantemente, no fechamento de todos os estabelecimentos de ensino
religiosos, expulsando-os, por fim, de seu país. Tal fato, que acarretou a vinda
de religiosas de congregações, como a do Sacré-Coeur, para o Brasil, deu-se no
momento em que o nosso país acabava de se transformar em uma República
Laica, como a França, sentindo, por isso, a necessidade de civilizar seu povo.
Desse modo, ainda de acordo com Guido (op. cit.), o aristocrático modelo
educativo católico francês, embasado nos valores e na moral cristã e, também na
formação integral do caráter, aparentava ser o mais adequado para civilizar as
mulheres pertencentes à boa sociedade urbana brasileira, já que essa nação via
na França um modelo de civilidade.
Assim, entre os colégios católicos que passaram a ser ocupados pela elite
feminina no início do século XX, estavam o Sacré-Coeur de Jesus, o Sacré-
Coeur de Marie e o Jacobina que, segundo a autora, eram moldados pela
cultura francesa. Pode-se dizer, deste modo, que a formação recebida por
Isabel no Colégio Progresso e a orientação de seus pais, influenciaram
diretamente na identidade jacobinense, uma vez que ela aplicou metodologias
escolanovistas e disseminou muito das culturas francesa e norte americana na
instituição.
Ainda que o Colégio Jacobina não seguisse rigidamente a filosofia da
Escola Nova, para Alves (1997), as novas questões educacionais trazidas por
esse movimento, ajudaram a expandir o horizonte feminino dentro da
instituição. Transmitir às alunas conhecimentos que estivessem além dos
bordados possibilitava que as mulheres que ali eram formadas, ultrapassassem
as fronteiras do seu universo tradicional do início do século XX.
Em seus discursos publicados no Traço de União, Isabel além da preocupação
com a educação moderna, também assinalava que deveria ser levada em
consideração a formação do caráter, principalmente por meio dos hábitos
difundidos pela educação moral e religiosa. Enquanto professora e,
posteriormente, diretora do Colégio Jacobina, teve uma vida intensa, atuando
para além dos muros de sua instituição. Após a emancipação do colégio em
1919, Isabel pensou em organizar uma série de conferências em função da data
histórica que seria o Centenário da Independência. Durando três anos seguidos,
de 1920 a 1922, essas conferências destinadas em especial ao público feminino,
contaram com a presença e a participação dos mais reconhecidos intelectuais
desse tempo, sendo as primeiras desse gênero a acontecer no Rio de Janeiro.
Nesse momento, a educação feminina no espaço escolar ainda se estruturava no
Rio de Janeiro, como observou Américo Lacombe em artigo publicado no Traço
de União de 1969. As iniciativas haviam sido desprezíveis a ponto de deixar
lacunas culturais nessa sociedade que se pretendia culta e emparelhada com as
européias e na qual faltavam real e fundamentalmente educação feminina.
155
Dessa maneira, a série de conferências destinadas ao público feminino
realizadas por Isabel foi precursora na tentativa de levar às mulheres um estudo
sistematizado em torno de problemas brasileiros, a partir de especialistas.
Segundo relatado no Traço de União, a preocupação em fundar esse tipo de
evento, vinha de longa data. Assim que o Curso Jacobina já apresentava um
número considerável de alunas que haviam se formado, pensou-se em um órgão
que congregasse as ex-alunas que continuassem a se interessar pelas temáticas
relacionadas ao ensino, como um centro de conferências. O que se apresentava
como referencial na época era o da Université des Annales, em Paris, que tinha
um jornal que era regularmente recebido no Rio de Janeiro. Heitor Lyra da
Silva, um dos principais conselheiros do Colégio Jacobina, em correspondência
enviada para Isabel, fala de sua experiência ao visitar esse local:
155
Américo Jacobina Lacombe. “O centenário de D. Belinha”. Traço de União, 1969, n. 1, p. 44.
Paris – 14 de feveiro
D. Belinha
Não estranhará que lhe diga que pensei muito na senhora nos últimos dias, se eu
acrescentar que na semana que findou, de 7 a 14, a segunda que passei em Paris, não
perdi uma só das conferências de 5 às 6, da Université des Annales.
Imagino que possui o respectivo programa, de sorte que não lhe adiantarei grande
coisa dizendo que nos cinco dias da semana, consagrados às conferências, ouvi
sucessivamente falar sobre fotografia a cores, Maria Luísa, La Bruyère, arte russa e
o drama musical. (...) Será lícito pensar que em um dia, não muito remoto, se possa
organizar entre nós alguma coisa de análogo? Eu acredito que sim, julgo que os
elementos que possuímos, seriam suficientes para isso (...) Recomendo-lhe vivamente
a conferência de Edmundo d’Ocagne, sobre as mulheres e a ciência, em cuja parte
final há tanto das minhas, quase ousaria dizer, das nossas idéias”.
156
Apesar de ser retratada muito mais como um centro social do que científico, a
Université des Annales impressionou Heitor Lyra da Silva pela sua preocupação
com a necessidade de cultura científica para as mulheres. Sendo assim, com seu
retorno da Europa, a idéia de criar um curso sistemático de conferências foi
ainda mais cultivada pelos orientadores do Colégio Jacobina.
156
Heitor Lyra da Silva apud Américo Lacombe. ‘O centenário de D. Belinha’. Traço de União, 1969,
n.1, p. 44.
Em um discurso do encerramento das aulas do Curso Jacobina em 1911, Heitor
Lyra da Silva, recordado por Américo Lacombe no Traço de União de 1969,
mencionou que além das conferências que visavam à preocupação com a
Heitor Lyra da Silva e Everardo Backheuser, os principais orientadores de Isabel
em
relação aos trabalhos do Curso Jacobina. Foto publicada em vários números do
Traço de
União em homenagem aos amigos e educadores da instituição de ensino, como
por
exemplo, os números 3 e 4 de 1927. Arquivo da CELPI.
educação feminina, uma outra idéia já norteava seu pensamento: a criação da
ABE. O educador discursou:
A tendência para o aperfeiçoamento da educação feminina, a medida que a ciência
progride a civilização se apura, acentua-se por toda a parte. Pode-se assinalar que a
Alemanha acaba de fundar, em Leipzig, a sua primeira universidade feminina e que
Paris possui, há cinco anos, a tão simpática Université des Annales, cuja organização
eu faço votos para que seja, em breve, adaptada em nosso país (...) acima de tudo é
preciso insistir nos exemplos fecundos da América do Norte, da Suíça, da Bélgica,
onde se cuida seriamente destas coisas e onde a educação, simultaneamente
intelectual e prática, não é a arte estéril e pueril de fazer exames, e sim um verdadeiro
aprendizado para vida.
157
Assim como a ABE, as conferências idealizadas pelos colaboradores
158
do
Colégio Jacobina passaram para a etapa de concretização. Foi justamente no
período em que os ânimos fervilhavam em decorrência da proximidade das
comemorações do Centenário da Independência, quando se realizaram as
primeiras conferências no salão do
159
Jornal do Comércio, descrito por Américo
como o melhor salão de conferências do Rio de Janeiro. Com o intuito de criar
um ambiente mais intelectual do que social, as conferências – que eram pagas,
sendo seus oradores retribuídos – foram ministradas por intelectuais como
157
Ibid., p.45.
158
Entre estes estavam nomes como Dr. Everardo Backheuser, Heitor Lyra da Silva, Thomé Cavalcanti e
Adhemar Costa que ajudavam a orientar o curso de D. Isabel.
159
Segundo Américo Lacombe, o primeiro dia dessas conferências, 8 de julho de 1920, foi ilustrado com
recitativos de poemas patrióticos, terminando com aclamações a Rui Barbosa, que se encontrava presente
no dia. Em 15 de julho do mesmo ano, a segunda conferência foi de Backheuser, que acabou sendo
impressa na Revista do Brasil em outubro de 1920. A conferência não apresenta data na fonte, mas se
sabe que foi de Paulo de Frontin, merecendo publicação na Revista do Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro (IHGB), em 1960, em ocasião do centenário desse orador. Essa terceira conferência terminou
com declamações de poesias de Castro Alves e de Luís Carlos da Fonseca. Dessas, outras conferências
seguiram, como a do Geógrafo Fernando Raja Gabaglia, sobre as linhas de penetração da civilização no
Brasil, merecendo igualmente uma posterior publicação, que ocorreu logo em janeiro de 1921, na Revista
do Brasil.
As conferências do mês de agosto se encerraram com o palestrante Miguel Osório de Almeida, que falou
sobre A mentalidade científica no Brasil, sendo essa também contemplada por uma publicação, que no
livro Homens e coisas da ciência, de Monteiro Lobato, 1925. Assim, devido à importância desse evento
destinado a mulheres, outras foram as palestras alvo de publicações como pode ser conferido no Traço de
União, 1969, n.1.
Coelho Neto, que trabalhou com a idéia de pátria; Dr. Backheuser, sob o título
Brasil surgindo das ondas, ou a história do Brasil antes do Brasil ter história;
Paulo de Frontin, As nossas riquezas latentes acompanhadas de filmes sobre
nossas grandes quedas d´água; entre outros, que contaram também com o apoio
da imprensa. Em 1921, aconteceria a segunda série de conferências
160
que
passaram a ser realizadas no salão da Biblioteca Nacional onde nomes como
Bertha Lutz, bióloga e feminista, que falou sobre a fauna do país e Roquette
Pinto, que escandalizou muita gente fazendo elogios à mestiçagem e falando de
confiança no futuro da raça brasileira, destacaram-se
161
. A terceira série de
conferências aconteceu primeiramente na Associação dos Empregados do
Comércio e, posteriormente no salão do Círculo Católico, um lugar que
acomodava melhor o público que começava a minguar. Temas como Música no
Brasil, obras primas da pintura e monumentos da escultura nacional,
microbiologia a partir de Osvaldo Cruz, a arte de ser mãe, entre outros, foram
ministrados respectivamente por Augusto de Lima, Laudelino Freire, Dr.
Hildegardo de Noranha e Dr. J. P. Fontenelle. Assim, a tentativa de promover
esse tipo de evento, que convocou intelectuais de diferentes correntes e ramos de
atividades, mais uma vez destacou Isabel por seu pioneirismo na tentativa de
levar, cada vez mais intensamente, a instrução às mulheres brasileiras.
160
Dessa segunda série de 1921, constam 12 conferências, em que além das já citadas, encontram-se a de
Agenor de Roure, sobre o governo de Dom João VI, que de acordo com Américo Lacombe, foi publicada
logo em seguida no Jornal do Comércio. Também Rodrigo Otávio, sobre a Independência, Daltro dos
Santos, professor do Colégio Militar, que falou sobre o Segundo Reinado e o diretor do Observatório,
Henrique Morize, dissertando sobre o tema nosso céu tem mais estrelas. Entre estes, voltou a palestrar o
professor Backheuser, e a seguir Armando Frazão, que falou sobre a Flora brasileira, sob o título Nossos
Campos têm mais flores. O mês de setembro se dedicou à literatura, onde Alfredo Pu Jol foi um dos
oradores que inaugurou a proposta falando sobre Machado de Assis e os prosadores brasileiros.
161
Para encerrar a segunda série de conferências, havia sido convidado Rui Barbosa, que até então vinha
acompanhando de perto o evento. Porém, esse orador que falaria sobre Eloqüência no Brasil, por motivo
de doença não pôde escrever seu trabalho e, por isso, de acordo com a sugestão de Coelho Neto, a sessão
se converteu em uma homenagem à eloqüência de Rui Barbosa contando, de acordo com Américo
Lacombe, com a presença do próprio homenageado à sessão, ainda que convalescente, sendo ele recebido
por uma comissão de acadêmicos constituída por Alberto de Oliveira, Luís Murat, Coelho Neto, lix
Pacheco e Afonso Celso.
Pode-se dizer que a mesma ambigüidade que marca a trajetória de Isabel no
tempo de Colégio Progresso, acaba acompanhando e se confundindo com o seu
próprio percurso no Colégio Jacobina. Ao mesmo tempo em que defendia a
formação intelectual das mulheres em seus discursos e práticas, as tradições
retóricas relacionadas à religião e ao papel social feminino eram rigorosamente
estimuladas pela educadora. E isso é, sem dúvida, o que marca e dá vida ao
cotidiano do Colégio Jacobina que era publicado no Traço de União.
Aos noventa e dois anos, morreu Isabel, tendo sido lembrada durante anos pelas
leitoras e escritoras jacobinenses que recordavam em seus textos a mulher e
educadora que, mesmo após ter deixado oficialmente o Colégio Jacobina nas
mãos de sua filha Laura, sentia-se feliz em observar da varanda de sua
residência as alunas na hora do recreio, em aparecer na obra social formada
pelo grupo de ex-alunas, em assistir às aulas de música e, entre outras coisas, em
conhecer os filhos e netos de suas ex-alunas. Uma ex-aluna assim se referiu à
fundadora do Colégio Jacobina:
(...) Foi essa querida mestra, a meu ver, a pioneira da instrução feminina no Brasil.
(...) D. Belinha não só zelava por nosso preparo nas ciências, nas artes e nas letras,
dirigia também nossa educação moral e religiosa. E com todo carinho nos eram
passados aqueles pitinhos às vezes tão necessários. (...) D. Belinha foi sempre
desenvolvendo nosso preparo religioso. Essa educação moral e religiosa que dela
recebemos é que tem sido para nós o esteio na nossa luta desta vida. (..) Com esse
mesmo carinho e entusiasmo que ela acompanhava as nossas filhas as nossas netas e
depois de mais fraquinha quando não podia ir ao colégio, da varanda de seu
apartamento seguia o movimento do recreio. E até o fim de sua vida ela acompanhou
a minha vida e de todas nós suas meninas (...).
162
2.2. Laura Jacobina Lacombe: uma educadora a serviço da fé
162
Anna Soares Brandão de Queirós Mattoso. “Isabel Jacobina Lacombe”. Traço de União, 1961, n.
1, p. 4.
Formada na primeira turma do Curso Jacobina, Laura Jacobina Lacombe ao
longo de sua vida profissional costumava mencionar o início de sua educação nas
páginas do Traço de União. Descrita por sua mãe, em seu livro sobre a criação do
colégio, como uma criança precoce que desejava desde muito cedo aprender as
primeiras letras, a educadora é lembrada nos primeiros tempos de Jacobina:
A minha Mabel requeria cuidados para direção do espírito que acordava ao sair da
primeira infância; tratei pois de lhe formar um grupo de colegas, tornando assim
ameno o estudo das primeiras letras.
Foram convidadas, além de algumas meninas da família, as amiguinhas da vizinhança
com quem já tínhamos relações.
A minha Laura, mais nova, mas com um desenvolvimento precoce, não admitiu fôsse
concedido à irmã o privilégio dos estudos e forçando a porta da sala de aula, se impôs
à nova assembléia... ficou assim formado o núcleo do Curso Jacobina.
163
Em 1911, o Curso Jacobina formava seu primeiro grupo de alunas. Cada uma
delas seguiu um caminho diferente: enquanto algumas optaram pela profissão
163
Isabel Jacobina apud Lacombe, 1962, p. 122.
Laura Jacobina Lacombe no Colégio Jacobina. Acervo da OMEP.
docente, outras se casaram e se dedicaram ao lar e à família. Laura, Mabel e a
filha adotiva de Isabel, Maria Luisa, começaram a lecionar e se especializar
ainda mais em algumas disciplinas juntamente com outras meninas. Segundo
Lacombe (1962), além do Curso Jacobina, as irmãs de Laura também davam
aulas particulares, mas ela não pôde fazer o mesmo pois, de acordo com seu
próprio relato, ainda com quinze anos não inspirava tanta confiança em sair
sozinha: naquele tempo, era raro uma môça sair só, ainda mais uma menina,
como eu, que representava ainda menos uns dous ou três anos do que tinha!
164
164
Ibid., p. 194
Laura, então, que passava mais tempo do que as outras meninas dentro do curso,
começou a se dedicar intensamente a esse, quando assumiu, inicialmente, uma turma
com quatro crianças que tinham entre 5 e 6 anos. Também aceitou ser assistente de dois
professores, entre os quais estava Heitor Lyra da Silva, que na época ministrava
geometria no curso. Com o passar do tempo, Mabel e Maria Luiza se casaram e, pelo
que se pode inferir a partir da documentação encontrada, Laura foi a única filha que
quis dar continuidade aos passos da mãe: a mais môça, a que chamavam de criancinha,
foi a que Deus reservou o encargo de dirigir o Colégio, que se iniciara naqueles bons
tempos
165
!. Isso aconteceu no período em que Isabel se desdobrava para organizar as
conferências em ocasião do Centenário da Independência, evento que, segundo a
mesma, deixou-a bastante cansada. Assim, a diretora do Jacobina começou a pensar em
ter uma auxiliar que a substituísse, chegando à conclusão de que sua filha adotiva,
Maria Luiza, poderia ocupar o cargo. Maria Luiza, carinhosamente chamada de Marilu,
era descrita por Laura e Isabel como uma mulher estudiosa e ajuizada que certamente
poderia ocupar no colégio o posto proposto na década de 20. No entanto, nesse mesmo
período decidiu se casar e formar uma família que, segundo Laura, foi composta por
uma numerosa prole.
Naquele período, como observou Lopes (1997), toda e qualquer atividade fora
do espaço privado poderia representar risco. A mulher, percebida como um ser frágil,
precisava ser protegida e controlada. O trabalho não deveria ser exercido de modo a
afastá-la da sua principal função na vida familiar, constituída pelos deveres domésticos,
pela alegria maternal e pela pureza do lar. As jovens que optassem pelo magistério,
seriam igualmente cerceadas pelas restrições e cuidados com a finalidade de que a sua
profissionalização não se chocasse com sua essência. Assim, partindo desse quadro,
construiu-se para a mulher uma concepção do trabalho fora do espaço doméstico como
ocupação transitória, devendo ser abandonado sempre que emergisse a verdadeira
missão feminina de mãe e esposa. O trabalho, dessa maneira, segundo a mesma autora,
seria aceitável para as moças solteiras até o momento em que essas casassem, ou para
aquelas que ficassem solteironas e viúvas.
166
165
Ibid., p.189.
166
Lopes, 1997, p. 453.
Primeira turma a se formar no Curso Jacobina, 1911. Fonte: Lacombe, 1962, p. 191.
A partir dessa concepção, as filhas mais velhas de Isabel, conforme foram
casando, aos poucos abandonavam o magistério no Jacobina e passavam a priorizar seus
lares. Com isso, a educadora começou a ficar sem opção na escolha de quem indicar
para trabalhar ao seu lado na direção. O problema continuava e, diante da situação,
alguns membros da família sugeriram que Laura, a filha que ainda estava solteira,
ficasse ao lado de sua mãe a fim de auxiliá-la na instituição. Em 1921, aos vinte e
quatro anos de idade, ela aceitou ajudar Isabel, sem imaginar que na década de 30,
estaria preparada para assumir sozinha o cargo que outrora fora dividido por sua mãe e
sua tia.
2.2.1. Viagens pedagógicas e legitimação no cenário educacional
Excelentes resultados, já prevejo, a nossa Diretora tirará dessa viagem, pois dotada de
inteligência robusta e de modo fácil de raciocinar, descobrirá valiosos elementos
para mais desenvolver o seu curso de estudos(...) e por conseguinte, para transmitir-
nos uma instrução ao nível dos melhores estabelecimentos pedagógicos da
Europa.(...)dali poderá a nossa mestra observar as maravilhas da civilização e,
lembrando-se de nós, guardará essas impressões deliciosas para no-las
reproduzir(...).
167
Se não fosse pela indicação bibliográfica, de certo que uma aluna do Colégio
Jacobina diria que esse texto pertencia ao Traço de União e que a diretora referenciada
era Laura Jacobina Lacombe. No entanto, a citação acima faz parte do jornalzinho
Progresso número 5, no qual uma das alunas do colégio de mesmo nome dessa
publicação, em fins do século XIX, escreveu sobre a importância da viagem feita por
sua diretora Miss Eleanor Leslie Hentz à Europa.
A confusão de uma leitora menos atenta, dar-se-ia justamente pela forma muito
parecida de pensar a educação de Laura Jacobina Lacombe e Eleanor Leslie Hentz no
que diz respeito à busca e aplicação de inovações pedagógicas na instrução feminina.
Como já havia sido mencionado anteriormente, a diretora do Colégio Progresso,
instituição onde Isabel Jacobina Lacombe estudou, era protestante, estrangeira e
acreditava na eficácia dos métodos escolanovistas que orientavam as práticas
pedagógicas na sua instituição de ensino.
167
S/n, Progresso, n.5 apud Lacombe, 1962, p 14.
Para se manter atualizada, Miss Eleanor Leslie Hentz, como poucas mulheres de
sua época, viajava para ter acesso às inovações disponibilizadas pelos grandes centros
de referência fora do Brasil. Eram poucas as mulheres que nesse período viajavam sem
a presença de familiares e/ou sem o intuito principal de passear. A história das viajantes
femininas em busca de conhecimento, ainda era recente naquele tempo. Podemos
destacar Nísia Floresta Brasileira Augusta como uma das primeiras mulheres brasileiras
a ir para a Europa em 1849, rompendo, de acordo com Duarte (1999), com os limites do
espaço privado.
Assim, foi a partir de uma iniciativa particular e pouco ortodoxa para mulheres
da época que a diretora do Colégio Progresso foi em busca de novos métodos. Suas
alunas, como vimos pelo artigo acima citado, sentiam imenso orgulho dela, a ponto de
não escreverem enaltecendo suas atitudes inovadoras, como também, após formadas,
pautarem-se em sua atuação para edificarem suas vidas profissionais o que pode ser
visto na trajetória de Emília Meira, fundadora do Colégio Progresso Campineiro e do de
Araraquara, Isabella Robinson Andrews, fundadora do Colégio Andrews, Luísa Ribeiro
Faro, fundadora do Colégio Progresso masculino e da própria Isabel e de Francisca
Jacobina, fundadoras e diretoras do Colégio Jacobina. Todas estas mulheres inspiradas
na educadora que as orientou no Colégio Progresso, foram em busca de uma inserção no
campo educacional.
Dentro do Colégio Jacobina, as marcas deixadas por Miss Eleanor Leslie Hentz
são nítidas, tanto pelos métodos e conteúdos diferenciados dos corriqueiros aplicados na
formação feminina da época, como também pelo modo como os acessos foram
possibilitados a partir da década de 20, quando Laura iniciou suas atividades ao lado de
sua mãe. Se por um lado Isabel se assemelhou à diretora do Colégio Progresso no que
diz respeito ao currículo e às atividades propostas no cotidiano escolar do Jacobina, o
mesmo não poderia ser dito em relação às atualizações buscadas em outros países, parte
que acabou ficando sob responsabilidade de sua filha. Inspirada, assim, possivelmente
naquela diretora, Isabel incentivou Laura a fazer inúmeras visitas ao exterior, valendo-
se também do impresso da sua instituição, para dar visibilidade a essas viagens junto às
alunas, ex-alunas, pais, professores jacobinenses e educadores brasileiros e estrangeiros,
leigos e religiosos que fizeram parte dos debates educacionais mais importantes do país.
Dessa maneira, Laura, impulsionada por sua mãe, teve acesso aos maiores centros de
inovação educacional que existiam na Europa e nos Estados Unidos.
Nascida em 1897, Laura Jacobina Lacombe, filha de Domingos Lacombe e
Isabel Jacobina Lacombe, além de diretora do Colégio Jacobina e Responsável pelo
Traço de União, foi influente militante católica, escritora de livros e educadora de
destaque em entidades como a Associação Brasileira de Educadores (ABE), a
Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal (APC) e a Organização
Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP).
Suas viagens com fins pedagógicos iniciaram-se quando ela teve que auxiliar sua
mãe na direção do Curso Jacobina na década de 20. A família Jacobina, tendo
consciência de que a jovem Laura ainda não estava preparada para substituir sua mãe no
ofício de maior responsabilidade dentro da instituição educacional, começou a pensar
em uma solução plausível para que Isabel pudesse descansar dessa função que tomava
tanto seu tempo, principalmente a partir do crescimento do colégio nos últimos anos.
Por isso, em 1924, Isabel Jacobina Lacombe cogitou trazer uma professora da Europa
para tomar conta do colégio, mas o amigo Carneiro Leão, diretor da Instrução Pública
na época, sugeriu que ao invés de ela mandar vir alguém de fora, que mandasse Laura à
Europa.
Foi em dezembro de 1924 que ela partiu pela primeira vez para esse continente
em busca de novos métodos de ensino. Nessa época, a Europa tinha os maiores centros
escolanovistas e, como o ideário da Escola Nova trazia em sua proposta tudo o que
havia de mais moderno em métodos educacionais, as dirigentes do Colégio não o
aplicaram dentro da instituição, como ajudaram a impulsionar tal ideário no cenário
educacional brasileiro. Para apoiarem mais amplamente o que era proposto pelo
movimento, elas integraram o grupo que se reunia na Associação Brasileira de
Educadores (ABE) com a finalidade de discutir a implantação da educação renovada
nas instituições de ensino do país.
Ao lado de Heitor Lyra da Silva, orientador inconteste da direção do Jacobina,
Isabel Jacobina Lacombe, Fernando Laboriau, Dulcídio Pereira, Amoroso Costa, Bertha
Lutz, Alice Carvalho de Mendonça, Armanda Álvaro Alberto, Amaury de Medeiros e
José Augusto fundaram a Associação Brasileira de Educadores. A esses se somaram
engenheiros, arquitetos e físicos, entre os quais estavam Everardo Backeuser, Paulo
Carneiro, Edgar Sussekindde Mendonça, Francisco Venâncio Filho, Álvaro Alberto,
Menezes de Oliveira. Entre outros, integraram-se também médicos representados por
nomes como Fernando de Magalhães, Roquette Pinto, Artur Moses, Gustavo Lessa,
Carlos Sá, Miguel Couto. Unindo-se a esse quadro, Anísio Teixeira, Lourenço Filho,
Fernando de Azevedo, Consuelo Pinheiro, Paschoal Lemme, Juracy Silveira, Franklin
Botelho de Magalhães, Basílio de Magalhães, entre centenas de outros professores de
todos os graus e níveis de ensino, estavam nas dependências da instituição que foi palco
de importantes discussões que objetivaram elevar a cultura e a dignidade da missão de
educar.
168
A ABE, que fora criada em outubro de 1924, contava, assim, com a participação
de educadores, médicos, engenheiros, advogados e demais interessados nas questões
educacionais do país. Ocupando lugar de destaque entre as associações devido à sua
importante contribuição ao processo de transformação do campo educacional, atuava
promovendo a discussão de temas relacionados à educação em cursos, pesquisas,
conferências, congressos e publicações. A visibilidade da entidade, principalmente no
período entre as década de 20 e 30 do século XX, tornava-se cada vez maior,
aglutinando intelectuais que ajudaram a impulsionar o movimento renovador da
educação no Brasil.
Partilhando na década de 20 das mesmas perspectivas dos idealizadores da
Escola Nova, as dirigentes do Jacobina se apropriaram e se basearam em métodos que
buscavam desenvolver a individualidade, autonomia, disciplina e autocrítica das alunas
no colégio. Laura, que ocupava a função de vice-diretora do Curso Jacobina nesse
período, após a viagem de 1924 começou a fazer várias outras visitas aos países do
chamado primeiro mundo, para ter acesso aos melhores centros de ensino e, assim,
poder contribuir para a expansão dessa moderna forma de conceber a educação. Com
i
sso, garante um lugar na ABE e começa a ampliar sua participação no debate
educacional.
Ao se renderem a esse espaço que congregava setores da intelectualidade, Laura
e Isabel conquistaram maior visibilidade e compartilharam de uma visão de mundo
semelhante à de seus interlocutores que experimentavam grande prestígio naquele
momento da ABE. Com isso, partilhavam no que Carvalho (1986) denominou rituais de
intrapares, em que segundo a autora uma elite letrada exibe suas credenciais oratórias
de pertença a um grupo, e coloca-se a serviço da pedagogia, transformando-se em
espetáculos educativos oferecidos à cidade. No espetáculo, são constituídas e exibidas
168
Associação Brasileira de Educação. A.B.E - Conferência de Miguel Couto, 1927: " No Brasil só há um
problema Nacional a Educação do povo ".
as condições de inclusão na ‘boa’ sociedade.(...) Nessa práticas, dotes de oratória e
regras de etiquetas põem-se a serviço da pedagogia.
169
Em uma edição comemorativa do Traço de União de 1927, a seção Notícias
Históricas do Curso Jacobina, ao recapitular os grandes acontecimentos vividos pela
instituição ao longo dos anos, recorta o seguinte episódio para destacar que em
dezembro de 1924 partiu a vice–directora para a Suissa onde foi cursar as aulas do
Instituto Jean Jacques Rousseau de Genéve. Desse foco de sciencias pedagógicas,
trouxe ella inúmeras idéias modernas, que expoz numa conferência da Associação
Brasileira de Educação, ao mesmo tempo em que iniciou suas adaptações no Curso
Jacobina.
170
A trajetória da vice-diretora do Jacobina começa, a partir daí, a ser ainda mais
contemplada nas páginas do Traço de União. Registrando não a dedicação de Laura
Jacobina Lacombe ao colégio, mas também ao sistema educacional de um modo geral, o
periódico começa a mostrar o quanto as alunas e ex-alunas respeitam e admiram a sua
dirigente, já que, por meio dos textos, fazem referências a seu nome e, também,
parecem se referenciar diante dos valores e métodos institucionais que mesclavam o
ensino inovador com a religião. Assim, de um modo muito parecido com o que
acontecia no Colégio Progresso, espaço comprovadamente inspirador das atuações das
dirigentes e das alunas jacobinenses, os artigos e as imagens buscavam transparecer um
ambiente harmonioso e familiar dirigido por mulheres determinadas que pretendiam
transmitir características maternas de toda suposta boa educadora feminina.
169
Carvalho, 1986, p.129.
170
Traço de União, 1927, n.3-4, p.15.
Acompanhando o desenvolvimento gráfico e tecnológico desse período, o Traço
de União se preocupou em mostrar que, a exemplo de outras publicações da época,
tinha condições de utilizar o sofisticado recurso da fotografia impressa que, de acordo
com os estudos de Kossoy (2001), vinha se desenvolvendo e possibilitando que jornais
e revistas transmitissem as imagens encomendadas dos fatos da história cotidiana do
século XX (p.136). Agradecendo e demonstrando estar aguardando, ansiosamente, a
chegada da vice-diretora que daquele momento em diante passou a seguir rumo a
diversas viagens com a finalidade de se especializar em outros países, no Traço de
União as alunas teciam comentários e publicavam imagens, muitas vezes de forma
carinhosa, com a finalidade de exaltar, noticiar e fixar, por meio do veículo de
comunicação da instituição, a importância dessas viagens para o acesso aos novos
conceitos pedagógicos que formariam a mulher jacobinense que deveria ser, antes de
tudo, disciplinada:
(...) Mas apezar das novidades, D. Laura... não chegava; pensamos mesmo, que ella
nos tivesse esquecido na ‘cidade da luz’ segundo dizem os francezes; porém, nisto
rompeu aqui a notícia de que a nossa mestra, vinha em rumo a ‘cidade luminosa’
segundo o parecer dos cariocas. Chegou finalmente! Foi-nos ella entregue, entre risos
e palmas, pelo Meduana. No dia que compareceu ao collegio para retomar seu
precioso logar foi alvo das mais calorosas manifestações de todas as classes, que lhe
agradeceram o interesse que nos demonstrou e lhe prometeram obediência, desejando-
lhe ao mesmo tempo, a realização de seu ideal; D. Laura agradeceu muito estes
protestos, mas eu acho que ella é da opinião de que o que vale não é só a intenção mas
sim a pratica das promessas.
171
P
ode-se dizer que essa viagem legitimou Laura não somente no Colégio
Jacobina, onde ganhava cada vez mais a admiração de suas alunas e a confiança dos
pais, mas também porque passou a ser reconhecida em outros espaços de atuação. Essa
viagem associada à sua atividade na ABE alavancou inicialmente sua vida profissional e
confirmou ainda mais sua paixão e devoção pela educação. Tendo sido aluna de
Claparède e Jean Piaget, artífices de muitas teorias da educação moderna, Laura
171
Elpe. ‘Croniqueta’. Traço de União, 1925, nº1, p.1
Foto da recepção das alunas à Laura Jacobina Lacombe
, que chegou de sua viagem feita à
Suíça, onde foi conhecer os aperfeiçoamentos pedagógicos para aplicar no Colégio
Jacobina. Traço de União, 1925, nº1, p. 1. Arquivo da CELPI.
ampliou seus horizontes de conhecimento e de contatos. No álbum de viagens
encontrado no acervo da Organização Mundial de Educação Pré-escolar, estão
registrados muitos lugares e pessoas que teve a oportunidade de conhecer na Europa, a
década de vinte. Na primeira gina, pistas que comprovam as amizades que foram
feitas no outro continente: À Laura. Lembrança de um muito ‘grande amigo’. Florença,
22 de março de 1927.
Parecendo ser um presente, o álbum é constituído por muitas fotos de sua
viagem e por dedicatórias que deixam clara a presença da educadora na Universidade de
Genebra, onde aparecem registrados, pela escrita e pela imagem, a escola de atividades
manuais, o local onde se hospedavam estudantes, a sua mesa de trabalho e intelectuais
com os quais conviveu como companheiros de estudos e o próprio Claparède. Além
disso, o álbum foi uma forma de eternizar os lugares por onde Laura passou, como
Paris, Lisboa, St. Germain, Versalles, entre outros, que mostram o quanto essa viagem
foi culturalmente importante para a educadora.
Álbum de viagem de Laura. Acervo da OMEP.
Em 1927, Laura parte para sua segunda viagem à Europa, onde vai representar
oficialmente o Brasil no Congresso Internacional de Educação Moderna, que aconteceu
em Locarno. Para essa viagem foram escolhidos pela ABE dez educadores a fim de
representar os professores brasileiros nesse importante evento internacional. Em um
discurso manuscrito encontrado no arquivo da ABE, é possível compreender o
significado desse congresso para Laura que, graças ao evento, teve acesso aos melhores
educadores da época:
Tendo sido confiada a mim a honrosa missão de representar a Associação Brasileira de
Educação no Congresso Internacional de Educação Moderna realizado em Locarno,
procurei desempenhar bem o meu encargo para corresponder à confiança que em mim
depositaram os diretores dessa Associação.
Como disse no Congresso, não sou eu a pessoa mais competente para representar o
professorado brasileiro, porém sou uma d’ aquellas que mais desejo tem de acertar e
acredita ser aquelle núcleo de sábios o detentor da verdade, no que diz respeito à
‘educação. Aquelle é o foco luminoso que esclarece nas cinco partes do mundo os que
dedicam sua vida à causa mais nobre que existe. (...) Quarenta paises, de todos os
continentes, estavam representados.
172
Ainda nesse discurso, Laura sugeriu que a ABE mantivesse contato com uma
instituição dos Estados Unidos para que fossem conjugados os esforços de ambas em
prol da educação. Os Estados Unidos também eram respeitados por seus centros de
referência escolanovistas, já que, assim como na Europa, após a Primeira Guerra,
passou por diversas modificações sociais que influenciaram o pensamento de seus
educadores e os levaram a propor novas posturas filosóficas fundadas na crítica aos
processos educacionais vigentes, o que se justificava em decorrência do avanço de
ciências como Sociologia, Psicologia, Biologia e Pedagogia (Ferreira; Perim, 2003). No
entanto, foi somente em 1930 que Laura, por outra iniciativa da ABE foi buscar novos
conhecimentos no território norte-americano. Em um discurso de Isabel publicado no
Traço de União, em ocasião do encerramento das aulas de 1929, foi possível verificar
que entre os assuntos relacionados à moral cristã tão exigida das alunas do Jacobina,
estava a elucidação dessa viagem:
172
Laura Jacobina Lacombe, 1º de novembro de 1927.
Está longe de nós, imaginar ter attingido a perfeição, pelo contrário, procuramos
sempre melhorar, insitando os exemplos dos grandes centros de cultura, estudando as
modificações do ensino moderno.
É nesse intento que a de janeiro deve partir para os Estados Unidos a nossa jovem e
intrépida vice-directora Laura Lacombe, aproveitando a feliz iniciativa da Associação
Brasileira de Educação, que promoveu e felicitou essa proveitosa viagem a um grupo
de dez professores brasileiros.
Vae ella fazer um estágio no Teacher’s College em Nova York, em busca da moderna
orientação americana e de novas luzes que venham enriquecer o thesouro intelectual
do Curso Jacobina.
173
Assim como em todas as outras, essa viagem igualmente mereceu uma
conferência na Associação Brasileira de Educação, onde Laura discursou não somente
para os educadores como também para suas alunas do 4º, e anos do Clássico.
Novamente as páginas do Traço de União registraram o acontecimento propagando a
vida profissional daquela que estava prestes a ser sucessora de Isabel.
Essa ida ao Congresso Internacional de Educação Moderna também permitiu a
Laura conhecer o Professor Decroly que a convidou para ir a Bruxelas, onde teve
oportunidade de fazer um estágio na Ecole de l’ Ermitage, localizada em Uecle e
dirigida pelo próprio educador. Quando voltou fez reformas no seu curso primário de
acordo com o método Decroly, como a adoção dos Centros de Interesse no Colégio
Jacobina.
Após seu afastamento da ABE no início da década de 30, devido aos embates
religiosos ocorridos entre renovadores leigos e católicos, a diretora do Jacobina
diplomou-se pela Universidade de Louvain, na Bélgica, onde esteve em 1933.
Aceitando a sugestão de Christine de Hemptinne, presidente mundial da Juventude
Feminina de Estudantes Católicas, e da senhora Loneux, diretora de Escola Normal em
Bruxelas, além de incentivada pelo Padre Leonel Franca, Laura deixou o Brasil para
aprimorar seus conhecimentos acerca dos princípios católicos de educação. Diz ela em
uma edição do Traço de União, ter lucrado muito para o fim a que se destinava, uma
vez que para além do que pôde melhorar no Jacobina, também colaborou com o núcleo
de boa vontade da Associação de Professores Católicos do Rio de Janeiro, escrevendo
artigos para jornais como o Jornal do Brasil.
Pelo seu envolvimento com a Associação de Educação Católica do Brasil,
Laura, mesmo após deixar o cargo que ocupou na entidade por quase 10 anos, a partir
da década de 40, manteve-se presente em congressos, palestras e reuniões que
173
Isabel Jacobina. ‘Echos de 1929’. Traço de União, 1930, n.1, p. 2-3.
envolvessem os problemas relativos à educação e ao catolicismo. Participou dos
Congressos da Union Internationale pour la Liberté de L´Enseignement (U.I.L.E.) e
trabalhou em dois congressos do Bureau International Catholique de l´Infance
(B.I.C.E.), um em Veneza e outro em Paris no qual foi coordenadora do grupo de língua
portuguesa. Também esteve em Bogotá, na Colômbia, juntamente com um grupo de
reitores de colégios católicos e o Assistente Geral dos Maristas, em ocasião da fundação
da Confederação Interamericana de Educação Católica, em 1945. Presidiu uma
comissão de estudos em um congresso em La Paz, capital da Bolívia, em 1948 e voltou
a Bogotá, posteriormente, para o Seminário Regional das Organizações não
Governamentais promovido pela ONU, onde representou a Associação de Educadores
Católicos do Brasil. Além disso, entre outros eventos, representou a D.I.C.E. em um
congresso das Organizações Internacionais Católicas (O.I.C.), em Strasburgo, em 1961.
Na década de 50, Laura se mantinha na direção do Jacobina, onde permaneceu
com o ensino regular, além do Curso de Educadoras da Infância, ao mesmo tempo em
que ocupava a presidência da OMEP, cargo que exigiu inúmeras viagens internacionais.
Além de ter que passar a freqüentar a Europa de dois em dois anos a partir de 1956,
Laura participava das Assembléias Mundiais que ocorreram em lugares como Atenas,
Bruxelas, Zagreb, Londres, Estolcomo, Paris, Washington, Alemanha. Para alguns
países pôde levar grupos de alunas durante esse período. Como veículo de comunicação
e, acima de tudo de divulgação, continuava a educadora investindo no Traço de União
que apesar de nesse período estar sob a responsabilidade de Marietinha Lacombe, tinha
a marca evidente do pensamento de Laura e dos iniciais ideais lançados por Isabel e
Francisca Jacobina Lacombe, cuja bandeira continuava sendo a educação feminina
católica como único meio de instruir adequadamente a mulher moderna para que essa
cumprisse sua missão social. As edições do Traço de União não eram, entretanto,
algum tempo, suficientes para divulgar a forma de Laura pensar a educação. Era
necessário expandir mais ainda por meio impresso os preceitos católicos,
principalmente no que concernia à educação, para que a sociedade que se via como
progressista caminhasse rumo ao que imaginava ser o bem. Por isso, para além do
periódico do Jacobina, a diretora começou a publicar livros, que se constituíram um
meio para ampliar e defender o que tinha como verdade, principalmente na disputa
travada entre católicos e pioneiros para ocupação do sistema educacional no país.
2.2.2. Publicações da educadora católica
Em meados da década de 30 o percurso de Laura parecia apenas começar. Em
1936, a educadora assumiu a direção do Colégio Jacobina. A sua administração seguiu o
mesmo ideário cultivado anteriormente por Isabel Jacobina, mesclando o catolicismo ao
ensino inovador. Outra característica que equiparou a gestão de Laura à de sua mãe foi,
sem dúvida, o forte incentivo à formação de educadoras dentro do colégio que, apesar
de ter um ensino regular, procurava orientar as alunas para que essas optassem por atuar
na missão que cabia, por natureza, a toda mulher: a de educadora, mãe e esposa. No
entanto, ao mesmo tempo em que Laura pode ser considerada de certo modo a
continuidade de Isabel, compreende-se que ela ultrapassou os limites de sua mãe e
ocupou inúmeros cargos importantes na área de Educação, tornando-se com isso uma
referência, cujo nome repercutia cada vez em maior escala nos cenários públicos.
Nesse mesmo período, a educadora resolveu organizar melhor suas idéias em
um livro próprio que orientasse pais, alunas e professoras em torno das questões
relativas à educação de crianças e jovens. Por meio da seção “Ecos” do Traço de União,
a educadora já vinha se propondo a discutir bastante essas questões sob enfoques
católicos, como veremos no próximo capítulo. No entanto, para ela que vivia a euforia
do reconhecimento por ter participado ativamente na ABE e, agora como uma
importante militante católica na Confederação Católica Brasileira de Educação, isso não
bastava. Como muitos educadores católicos desse momento, Laura Jacobina Lacombe
transformou a escrita em uma arma poderosa em defesa das posições da Igreja em
relação à instrução feminina.
Assim foi lançado em 1936, sob a direção de Alceu Amoroso Lima, Moral
Cristã e Educação, pela Empresa Editora ABC Limitada. Composto por 155 páginas, o
livro reflete o pensamento de Laura em instituições de ensino, mostrando a autora, de
forma didática que, diferentemente dos radicais católicos, ela acreditava que estar aberto
às inovações e aos avanços científicos se fazia necessário na sociedade que vinha se
desenvolvendo. Isso, porém, deveria ser feito sempre buscando adaptá-los aos preceitos
religiosos a partir do senso de responsabilidade do cristão. Responsabilidade essa que,
segundo a autora, deveria estar associada ao exemplo dos discípulos de Jesus Cristo,
que foram observados, apontados, imitados e muitas vezes criticados por o estarem
seguindo. O educador católico, de acordo com ela, deveria ter um conhecimento
profundo da sua doutrina, pois assim poderia defendê-la dos ataques ou propagá-las
em torno de nós. Porém, isso não significaria renegar as novas descobertas da ciência:
Não sejamos rebarbativos quanto ao que nos trás o progresso. Estudemos as novas
teorias, sejamos com ponderação o que nela se encontra de útil ao nosso trabalho,
saibamos separar o joio do trigo.
174
Nesse livro, ela deixou clara sua posição em relação aos métodos escolanovistas
e a todos os métodos que visavam a contribuir para uma educação de qualidade, onde
propõe, em oposição aos chamados pioneiros da Escola Nova, que os educadores sejam
pioneiros na união das concepções modernas de ensino com a religião, sendo
intransigentes nos nossos princípios. Com isso, Laura sugere que os educadores
católicos se apropriem dos novos meios educacionais para lutar em um novo ambiente.
A educadora que nesse momento encontrava-se na militância católica contra o ensino
laico, expôs sua oposição aos escolanovistas liberais, explicitando que não estava contra
as renovações pedagógicas, até mesmo porque, segundo ela, as renovações não eram
incompatíveis com o ideal do educador católico. O problema estava na interpretação,
pois para Laura o ensino da chamada Escola Nova estava associado a uma educação
integral e, por isso, ao contrário do que os chamados pioneiros defendiam, essa não
poderia ser dada fora da Igreja Católica, pois essa pode dar educação intelectual,
moral e espiritual na verdadeira acepção.
175
Baseando-se geralmente em autores católicos para justificar sua argumentação,
Laura dissertou sobre o significado real de educação, colocando a importância de essa
ser integral, uma vez que instruir o educando tanto para atuar em suas funções sociais,
assim como preparar para a vida espiritual no presente sendo, por isso, um exercício do
bem na Terra eram suas finalidades. Sendo assim, baseada em Monsenhor Du Panloup,
a educadora afirmou que educação significava cultivar, executar, desenvolver, fortificar
e polir todas as faculdades físicas, intelectuais, morais e religiosa que constituem na
criança a natureza e a dignidade humanas: dar a essas faculdades a perfeita
integridade; estabelecê-las na plenitude do poder de ação.
Esse autor católico diz ser a partir disso que se prepara o homem para servir a
pátria em diversas funções sociais que teque preencher um dia, ao longo de sua vida
na Terra. Para ele, a primeira finalidade da educação é a moral, estando a essa dimensão
subordinadas todas as outras. Sem essa concepção, a instrução não teria nenhum valor,
podendo inclusive se tornar uma arma voltada para o mal. Assim, disparando contra
174
Lacombe, 1936, p. 35.
175
Ibid., p. 37.
toda e qualquer educação pensada fora dos preceitos católicos, o livro objetivava
elucidar que a instrução é uma ação em conjunto, na qual os católicos contariam com a
ação benéfica da graça de Deus que completa e côroa os esforços humanos e sem o
qual não é possível alcançar um alto gráu de processo espiritual.(...).
176
Lançando mão de conceitos como patriotismo e nacionalismo, o livro
disseminou algumas estratégias de conquista do leitor muito parecidas com as do Traço
de União, em que os discursos se atrelavam aos apelos sociais vigentes que não
poderiam ser pensados sem a inserção dos ideais católicos:
(...) Toda cultura pois que deseja a ciência pela ciência está fora da ordem cristã.
A escola deve, além do mais, preparar as crianças e os adolescentes que lhes são
confiados para preencherem a sua função social com maior eficiência. (...) O
nacionalismo é um sentimento coletivo de orgulho que se apresenta como espírito
messiânico de um povo.
Patriotismo não deve ser orgulho cultivado: deve ser a noção da responsabilidade que
temos, cada um de nós, de preencher a nossa parte, por modesta que seja na obra de
engrandecimento da nossa pátria.
177
Esse primeiro livro de Laura foi adotado em várias instituições e bibliotecas que
buscavam seguir na cruzada em prol das boas leituras
178
. Nesse sentido, a fim de
orientar as leituras femininas, pode-se citar o caso da Revista Auxílium do Colégio Santa
Inês estudada por Sousa (2002). Segundo a autora, o periódico, com o intuito de
determinar o que podia e devia ser lido, inaugurou a seção Biblioteca Domingos Sávio,
em que publicou uma lista de livros de formação de autores portugueses e brasileiros,
entrando para essa lista o Moral Cristã e Educação. A exata proporção de leitura e
adoção alcançadas por esse livro não foi possível saber. No entanto, sabe-se, conforme
propagandas espalhadas pelo Traço de União, que ele teve pelo menos duas edições à
venda.
Em 1942, Laura Jacobina Lacombe lança seu segundo livro, A escola e a vida,
em que logo na “Introdução” expõe os objetivos dessa nova publicação de mesmo fim
religioso da anterior:
176
Ibid., p. 13-14.
177
Ibid., p.15-21.
178
Sousa, 2002, 107.
Não teve este livro um plano lógico preconcebido. Fruto de nossas leituras e estudo,
resolvemos publicá-lo a-fim-de que aqueles que se dedicam, como nós, á educação
católica da juventude possam aproveitar o nosso labor.
Muitos nos animaram para isso as bondosas palavras dos que nos leram o primeiro
trabalho, ‘Moral Cristã e Educação’.
Esperamos que neste volume também possa prestar algum serviço aos que trabalham
conosco na Seara do senhor.
179
Assim, como continuação do livro anterior, pode-se dizer que em A escola e a
vida os preceitos difundidos são exatamente os mesmos do livro de 1936, só que
escritos de modo mais filosófico e menos didático. Um trabalho de reflexão sobre o ser
humano, sua formação e seu trabalho na vida moderna, de modo a ser envolvido nos
preceitos católicos. Fazendo uma crítica severa à educação leiga, a autora lança luzes
sobre a finalidade da educação cristã feminina perante a sociedade. Nesse sentido, ela
defende que para se consiguir ter um país melhor, a partir de um povo mais forte tanto
moral quanto fisicamente, seria preciso investir numa educação que provesse as
necessidades de uma boa educação feminina. Para a educadora, a mocidade feminina
estava profundamente prejudicada, apesar de parecer que algumas mudanças
educacionais estivessem vinculadas ao progresso social. Ainda que não negasse a
existência de um avanço alcançado em relação ao aspecto inteletual, Laura acreditava
que esse benefício era obtido em prejuízo de outro: o verdadeiro papel da mulher no lar.
Para ela o entusiasmo em torno dos sucessos femininos que se envergavam para o
terreno das letras, matemáticas e ciências eram ilusórios, pois não eram compensados
pelo abandono e pelo desinteresse das atividades efetivamente femininas e direcionadas
pelos misteres caseiros.
180
Fazendo uma crítica às mudanças educacionais que ocorreram no período
autoritário de Vargas nas décadas de 30 e 40, Laura, que vinha recuando lentamente
sobre alguns métodos aplicados no Colégio Jacobina desde os embates ocorridos entre
católicos e pioneiros, colocou-se contra as exigências oficiais do período defendendo
que a educação feminina deveria ser pensada sob uma orientação especial. Para a
diretora, quem lidava com alunas em especial e entrava em contato direto com a
personalidade adolescente delas sabia que cada uma constituía um problema a resolver,
e por isso deveria compreender que elas eram mais do que um cérebro a encher de
ciencia, pois um coração feminino que pulsa e que busca uma finalidade na sua
179
Lacombe, 1942, Introdução.
180
Ibid., p.63.
formação; há uma alma de mulher com seu instinto materno que anseia por se dedicar.
Para a educadora, os novos programas direcionados para a obtenção de uma diploma
representavam a desilusão dos ideais femininos. Laura, sempre muito preocupada com a
educação das jovens reivindica, a partir de seu livro, uma orientação voltada para a
cultura da mulher, sobre tudo na adolenscencia, já que é nessa idade que ela necessita
de uma orientação toda especial, de acordo com siu psicologia e atendendo à sua
finalidade na família e na sociedade.
181
A reforma desse período, como observaram Schwarzman; Bomeny e Costa
(2000), consistiu na elaboração de um grande painel de regulamentos, normas e projetos
com a finalidade de reformular totalmente o sistema educacional do país. Em 1935,
quando Francisco Campos tomou posse do cargo de Secretário de Educação e Cultura
do Distrito Federal, no lugar de Anísio Teixeira, deixava clara sua crença na
educação como poderoso instrumento de transmissão de valores que favorecia o
disciplinamento e homogeinização dos homens da sociedade.
Como resultado dessa forma de pensar que caracterizou o Governo de Vargas,
algumas medidas foram tomadas, entre as quais, o Plano Nacional de Educação que, de
acordo com os mesmos autores, em 1937 tem o texto final encaminhado para Gustavo
Capanema. Assim, a primeira parte do documento visava a definir o que era o plano:
um código da educação nacional destinado a servir de base ao funcionamento de
instituições educativas escolares e extra-escolares, públicas e privadas, em todo país.
Também visava a definir os princípios gerais da educação nacional, regulamentava a
liberdade de cátedra, o ensino da religião, da educação moral e cívica, a educação
física.
182
Já a segunda parte do plano, inscrevia-se na preocupação com os institutos
educativos, desenhando o grande mapa segundo o qual a educação nacional deveria
ser organizada,
183
havendo, nesse sentido, um ensino comum, do pré-primário ao
secundário.
O ensino primário, assim, ficou como atribuição dos estados, podendo haver
padrões diferentes nos distintos estados. A união teria apenas participação supletiva e
regulamentadora e passou a ser exigido que os diretores de escolas particulares sempre
fossem brasileiros, igualmente a metade dos professores. Em relação ao ensino
secundário, o plano mantinha a divisão de dois ciclos: um fundamental, que deveria ser
181
Ibid., p.64.
182
Schwarzman; Bomeny e Costa, 2000, p. 198.
183
Ibid., p. 200.
concluído em cinco anos, e outro complementar, em dois anos em que, segundo
Schwarzman; Bomeny e Costa (op. cit.), além da ênfase no ensino das línguas como
português, francês e o latim, também passou a ser estipulado o número de horas
semanais para o ensino de cada matéria ao longo dos sete anos.
Na última parte do plano, entre outras coisas, estão as condições para que o
ensino sencudário seja reconhecido, ficando responsável a União pela fiscalização das
instituições. Para o regime didático ficou previsto o exame de admissão em todos os
níveis, freqüencia obrigatória, regime de provas e reprovações, obrigatoriedade do
ensino do canto orfeônico e separação dos sexos entre os alunos.
184
Apesar desse plano não chegar a ser aprovado em sua última instância, o
ministério de Gustavo Capanema não abandonou os ideais intrínsicos a este,
principalmente ao que se referia à educação secundária, onde o ministro imprimiu sua
marca mais profunda. Assim, a
prioridade dada à reforma do ensino secundário no início de 1940 seria uma ocasião
propícia para reafirmação dos princípios mais gerais da concepção educacional do
ministério de Capanema. Os documentos e anotações datados dessa época revelam
cuidadoso trabalho de recuperação das propostas que tinham sido desenvolvidadas
durante a década anterior. O sistema educacional deveria servir ao desenvolvimento de
habilidades e mentalidades de acordo com os diversos papéis atribuídos ás diversas
classes ou categorias sociais. Teríamos, assim, a educação superior, a educação
secundária, a educação primária a educação profissional e a educação feminina; uma
educação destinada à elite da elite, outra educação para a elite urbana, uma outra
para jovens que comporiam o grande exército de trabalhadores necessários à
utilização da riqueza potencial da nação e outra ainda para as mulheres. A educação
deveria estar, antes de tudo, a serviço da nação, ‘realidade moral, política e
econômica’ a ser constituída.
185
O ensino secundário se distinguia, dessa maneira, das outras formas de ensino
médio, pois deveria estar embasado em um conteúdo essencialmente humanístico, além
de sujeito a procedimentos de controle de qualidade bastante rígidos, sendo o único que
possibilitava acesso às universidades. O seu currículo foi apresentado de forma bastante
restrita, e orientado para a formação cultural e de elite. Criava, por outro lado, uma
estrutura burocrática de inspeção e reconhecimento, garantindo que o ensino estipulado
pelo governo estivesse sendo realmente dado pelos colégios. Assim, a instituição de
ensino que desejasse se equiparar às normas, deveria requerer inspeção ao ministério
que, ainda segundo Schwarzman; Bomeny e Costa (op. cit.), deveria acompanhar ao
184
Ibid., p. 203.
185
Ibid., p. 205.
menos por dois anos as atividades de um colégio para que essas fossem reconhecidas
pelo padrão nacional, representado na época pelo Colégio Pedro II. Detendo-se
particularmente ao controle dos exames parciais e finais, a inspeção teve sua concepção
mantida na Reforma de 1942, que consagrou a divisão entre o ginásio, que passou para
quatro anos, e um ciclo de três anos, subdividido em duas opções: o clássico e o
científico. Dentro desse contexto, as instituições de ensino não teriam autonomia sobre
seus programas, não tendo também como incrementar muita coisa ou se diferenciar
muito da instituição modelo, o Pedro II, a qual todos deveriam copiar.
Nesse sentido, não havia mais a possibilidade de se estudar como e o que se
quisesse, pois no fim das contas as escolas deveriam submeter seus alunos a provas
oficiais. Segundo relato de Laura Jacobina Lacombe, na entrevista dada ao Traço de
União de 1974, percebe-se que as mudanças desse momento foram dolorosas e
mexeram com os princípios básicos da metodologia educacional aplicada na instituição
até então. Porém, aderir à reforma foi o meio encontrado para que os pais não retirassem
seus filhos do colégio. Segundo Laura, a partir de meados da década de 30, muitos pais
começaram a colocar suas filhas para prestar exames no Colégio Pedro II, instituição
pública e referencial do governo. A educadora confessava ter ficado decepcionada, uma
vez que acreditava ser o currículo e o diploma do Colégio Jacobina, devido ao caráter
inovador da escola, muito superior ao de muitas outras instituições. Mas os tempos eram
outros, e um diploma oficial era fundamental para aquelas que começavam a pensar em
ser educadas não somente para cumprir atribuições no âmbito doméstico ou no
magistério, principalmente na década de 40. O diploma reconhecido passou a ser
exigido pela elite, e Laura não teve outra escolha senão ceder, que perderia suas
alunas se assim o o fizesse. Isso representou o abandono dos programas elaborados
desde o início do século baseados em uma cultura francesa e mais tarde mesclados com
modelos inovadores norte-americanos. Dentro desse contexto, que tivera início com o
Governo Vargas, o Colégio Jacobina teve que migrar para uma sede própria, onde
instalou laboratórios, sala de desenho, auditório e salas de aula de acordo com as
exigências oficiais, significando um sofrimento profundo para a educadora que edificou
tudo aquilo com tanto sacrifício e devoção: Foram-se os nossos programas, os nossos
métodos! Como eram interessantes(...) Que tortura ver desmoronar o que havia sido um
verdadeiro laboratório pedagógico: sempre preocupados em aprimorar os métodos
desde os primeiros tempos, tivemos que aceitar então o que os franceses chamavam de
‘bourrage de crâne’.
186
As exigências que se iniciaram com Francisco Campos
187
, tiveram seguimento
com Gustavo Capanema que, embora visasse a estabelecer um currículo de conteúdos
meticulosos e específicos que objetivavam criar uma cultura nacional comum
disciplinando as diferentes gerações como garantia de continuidade da pátria – ao longo
de seu governo, pautou-se em medidas retrógradas em relação à formação feminina,
como por exemplo, a restrição da co-educação e a orientação metodológica de seus
programas. Assim, considerando a suposta natureza da personalidade feminina e sua
missão dentro do lar, incluiu no currículo para mulheres a disciplina de economia
doméstica. O ensino secundário feminino, desse modo, deveria se dar em
estabelecimentos exclusivamente para mulheres. Quando isso não era possível,
dependendo da autorização expressa do Ministério da Educação e Saúde, as mulheres
seriam educadas em classes exclusivamente femininas dos colégios mistos.
Discordando tanto da existência de colégios mistos como dos programas oficiais
que buscavam homogeinizar, em grande parte, o cotidiano escolar de homens e
mulheres, Laura Jacobina Lacombe defendeu que a alma feminina deveria ser formada
por um currículo que, diferentemente do do homem, visasse a preparar para as
atribuições maternas e matrimoniais que asseguravam o ambiente propício de um lar
equilibrado e guiado por Deus. A mulher deveria levar a doutrina cristã para casa a fim
de combater os males trazidos não só pela modernidade de um modo geral, mas também
pelas perturbações do mundo do trabalho pelo qual o marido deveria ficar com total
responsabilidade. Pelo menos no caso das mulheres da boa sociedade foi assim, até
186
Laura Jacobina. ‘Depoimentos’. Traço de União, 1974, n.1, p. 25-26.
187
Segundo Saviani (1999), foi após a Revolução de 30, quando foi criado o Ministério da Educação e
Saúde Pública, que o Ministro Francisco Campos aprovou, em 1931, uma Reforma Educacional através
da qual, buscava-se organizar a educação brasileira com caráter de sistema. Com o "Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova", em 1932, foi lançada, de acordo com o mesmo autor, a idéia de plano de
educação como um instrumento de introdução da racionalidade na educação, em que se teve o objetivo de
a essa dar organicidade, ou seja, organizando-a na forma de sistema. Dessa maneira, enquanto no período
pós-30, procurava-se modernizar o país por vias da modernização da educação, os "pioneiros"
formularam essa idéia de plano, entendendo-o como um instrumento de introdução da racionalidade
científica na educação, em que a ciência apresentava-se, no ideário da Escola Nova, como o elemento
modernizador por excelência. Com o golpe do Estado Novo (1937-1945), ao se instaurar um regime
autoritário, o Ministério, com Gustavo Capanema, absorve a idéia de plano, ainda de acordo com Saviani
(op. cit.), como instrumento de modernização oriunda dos pioneiros revestindo-a, contudo, do caráter de
instrumento de controle político-ideológico, o que acabou por deixar marcada a política educacional desse
período.
mesmo porque o trabalho feminino era assimilado como obrigação, quando doméstico,
e filantrópico, quando público.
Pelas páginas do Traço de União, percebe-se que a diretora do Colégio Jacobina
não aboliu completamente os métodos escolanovistas logo a princípio, ainda que tenha
sido obrigada a cumprir normas como provas quatro vezes ao ano que destruíam sua
forma de pensar a aprendizagem com mais liberdade. Abdicar do pensamento
pedagógico que havia edificado ao longo de sua trajetória até então, foi um processo
sofrido e, por isso, efetivado com muita cautela. O governo Vargas se por um lado foi
satisfatório para Laura Jacobina Lacombe e todos os outros educadores católicos, já que
representou, principalmente devido ao apoio de Francisco Campos, a viabilização da
entrada da Igreja no campo educacional, por outro representou a renúncia parcial de sua
forma de conceber a relação entre as alunas e os conteúdos e métodos aplicados no
colégio. O ensino que mesclava escolanovismo com catolicismo teve que ter grandes
ressalvas a partir de normas equiparadas com as determinações do governo, sendo
inspecionadas oficialmente pelo mesmo, o que se traduzia em um sacrifício para as
alunas. E as quatro provas parciais por ano, e as inspetoras ou inspetores para
examinar todos os detalhes, ao que eu chamava de ‘catar pulgas’.
188
Caso as medidas
não se enquadrassem com essas exincias, o diploma não seria reconhecido para o
nível superior ou para cursos técnicos.
Embora a universidade ainda não fosse uma opção da maioria das mulheres
daquela época, até mesmo porque no Brasil essas instituições ainda existiam em número
escasso, ter um diploma oficial representava legitimidade e reconhecimento social de
algo que os pais se propuseram a proporcionar a suas filhas. Além disso, algumas alunas
tinham a possibilidade de cursar o nível superior em países mais desenvolvidos ou
preconizavam o limiar de um novo tempo de mudanças sociais que se acelerariam com
o desenvolvimento econômico prometido e defendido por Vargas.
Contudo, Laura continuava escrevendo sobre a importância da educação cristã
para as moças, não em livros, mas também em vários jornais que ajudavam na
militância católica que se estabelecera ao longo do século XX, como foi o caso do A
Ordem, que tinha como objetivo recatolizar o país, a partir da manutenção da ordem
simbólica religiosa. O periódico se estabeleceu contribuindo também para a manutenção
da ordem política, algo que, de acordo com Rodrigues (2006), era bastante interessante
188
Ibid.
para um governo como o de Vargas. Escrevendo alguns artigos, Laura colaborou para a
discussão proposta pelo periódico, que se colocava, principalmente a partir de meados
da década de 1930, de maneira mais enfática, abordando temas como educação, ação
católica, combate ao comunismo e condenação do liberalismo, cujo erro fundamental,
segundo os católicos, estaria na recusa da unidade espiritual, tida como base de todas as
outras unidades.
189
Porém, em 1962, em Como Nasceu o Colégio Jacobina, livro por várias vezes já
citado nesse trabalho, Laura Jacobina Lacombe não abordou a educação feminina
religiosa como assunto principal. Esse último livro publicado por ela, não é um livro de
fins pedagógicos para especialistas, é, segundo a autora, a história de uma grande
família, que festeja seus sessenta anos de existência.
190
O livro que, de acordo com Laura, era destinado às atuais e antigas alunas do
Colégio Jacobina, tentou elucidar as questões relativas à fundação da instituição de
ensino e contar um pouco dos personagens que ajudaram na construção dessa história, a
fim de que as alunas compreendessem melhor o espírito que cerceava a casa onde se
educam.
191
Dividindo o livro em duas partes, a autora trabalha com A Pré-História, na
qual além do Colégio Progresso, também conta sobre o Dr. Jacobina, sua esposa e
filhas, e Começa a História, que situa o leitor nos primeiros tempos de colégio, falando
sobre as primeiras turmas, as disciplinas dadas, os professores e colaboradores como o
Padre Rezende que ajudaram a introduzir os ideais católicos, fundamento prioritário
dentro da instituição de Isabel e Laura. A apresentação desse livro coube a Lourenço
Filho, renomado educador e um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, que destacou:
Logo no primeiro contato, o que nele mais me deveria impressionar não era o fato de
haver constituído como centro de renovação técnico-pedagógica, como realmente era e
continuou a ser. (...) A renovação técnica é certamente de maior importância na vida
de uma instituição de ensino. Mas o que mais me fazia distinguir o Jacobina de outras
escolas era o ambiente, que ali criara, de um cálido sentimento de simpatia humana,
daquilo que com simplicidade podemos chamar de ar de grande família. (...) Esse
sentimento de comunidade, fundido na influência de várias culturas (...) com uma e
mesma inspiração, a de servir à família brasileira sob a inspiração comum de
sentimentos cristãos, é que, como síntese, pode explicar a inigualável atmosfera desde
o início estabelecida no Jacobina.
192
189
Para um aprofundamento das questões que norteavam a publicação A Ordem, ver Rodrigues (2006).
190
Lacombe, 1962, prefácio.
191
Ibid.
192
Lourenço Filho, Apresentação In: Laura Jacobina Lacombe. Como nasceu o Colégio Jacobina, 1962.
2.2.3. Militância católica e formação de educadoras
A escolha de Lourenço Filho para prefaciar Como Nasceu o Colégio
Jacobina exige compreender que a direção do Colégio Jacobina, segundo Alves
(1997), adotou uma didática renovada ao aceitar ministrar uma educação
segundo os moldes de Escola Nova européia e norte-americana em sua
instituição ao mesmo tempo em que se guiou pelos preceitos católicos, até fins da
década de 20. No entanto, quando os debates entre católicos e escolanovistas se
multiplicavam nos anos 30, Laura e Isabel Jacobina Lacombe foram obrigadas
a tomar partido de um dos lados, já que esses se mostravam cada vez mais
antagônicos. Com isso, incisivamente as duas educadoras optaram por se
deslocarem para o campo religioso.
Ao freqüentarem a Associação Brasileira de Educadores, lócus privilegiado de
debates referentes à implantação da Escola Nova nas instituições de ensino brasileiras,
viam-se em meio a um grupo de educadores constituído de modo bastante heterogêneo.
Leigos, católicos e protestantes se reuniam nesse espaço em favor de uma mesma causa,
tentando não deixar que suas crenças particulares inviabilizassem, na década de 20, as
decisões e medidas nesse espaço propostas. A proposta inicial da ABE era justamente
ser uma entidade capaz de abrigar, segundo Mignot (2002), diferentes correntes de
opinião em prol da educação na causa cívica de combate à indiferença das elites. A
entidade buscou não somente auxiliar em programas básicos de instrução que reduziam
as instituições de ensino a espaço de alfabetização, mas também tentou incutir nas
escolas um espírito de preparação para a vida. Os renovadores, ainda segundo Mignot
(
op. cit.), defendiam que a escola deveria ter uma proposta de educação mais ampla,
sendo utilizada como um importante instrumento de preparação para as mudanças
tecnológicas, divulgando, para uma vida em comunidade, valores democráticos e
relativos à paz. E esse era o ponto de interseção daquele grupo heterogêneo que se
reunia na ABE.
No entanto, com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
ocorrida em 1932, que se deu logo após a IV Conferência Nacional de Educação
realizada no ano anterior, os ânimos se exaltaram, dando margem a um sério conflito
entre educadores católicos e liberais que, de acordo com Valdemarin (2000), tempos
já havia sido iniciado. O documento que defendia uma escola pública laica, regida pelos
princípios de obrigatoriedade, gratuidade e co-educação foi o pomo da discórdia da
árdua disputa teórica e política em que os dois grupos buscaram exibir legitimidade e
competência buscando conduzir, como assinala Cunha (2000), o aparelho educacional
em busca de um novo país.
Nesse cenário de disputa que seguiu pelas décadas subseqüentes, o grupo de
intelectuais católicos do qual Isabel e Laura faziam parte, deu início a uma ampla
campanha de divulgação de sua política educacional, apropriando-se de aspectos
abordados pelos escolanovistas, para adaptar aos seus, como vimos acontecer nas
publicações dos anos 30 e 40 de Laura. Para Cury (1998), o momento da publicação do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi estratégico para os católicos que, ao
perceberem na redação desse documento as frestas existentes que deixavam entrever as
oposições internas, passaram para o ataque acusando o texto de socialista e
comunizante.
193
Foi devido a isso que Isabel e Laura lideraram juntamente com Maria Amélia
Lacombe, Américo Lacombe, Amélia de Rezende, Eliza Rezende, Décio Lyra, entre
outros, o grupo católico que discordava dos pioneiros no que dizia respeito ao poder
público passar a assumir e assegurar o direito à educação de todos, pois defendiam que
a Igreja e a família não deveriam se submeter ao Estado. Segundo Mignot (2002), os
católicos também divergiam em relação à co-educação, que consideravam que essa
poderia ser prejudicial à identidade sexual. Porém, de acordo com a mesma autora, o
principal ponto de discórdia residia na questão do ensino religioso que, enquanto os
pioneiros se opunham a ele, os católicos apoiavam a idéia alegando que a pedagogia
cristã havia sido formadora da nacionalidade.
No cenário de disputa pela ocupação do sistema educacional brasileiro,
a Igreja, que tinha sido colocada de lado desde a Proclamação da República,
aproveitou a crise
194
política, econômica e social que o Brasil estava vivendo nos
anos 20 e 30, para entrar em cena com um novo discurso e retomar, entre outras
coisas, seu lugar na educação do país (Horta, 1994). Para tanto, contou com a
elite para difundir seus ideários na sociedade e, entre essa, encontrava-se a
comunidade do Colégio Jacobina que militou em defesa dos novos objetivos da
Igreja:
193
Cury, 1988, p. 23.
194
Ressalta-se que pioneiros e católicos concordavam que o mundo via-se em crise nesse momento. Crise
social, moral, intelectual e de valores que, segundo Xavier (2004), seria reflexo de uma civilização em
movimento e em mudança (p. 31). De acordo com essa autora, esses dois grupos acreditavam que essa
crise seria resolvida a partir da intervenção das elites. Porém, era no caráter dessa intervenção que
pioneiros e católicos divergiam. Para os primeiros, estava na ciência a chave do progresso da
humanidade, e para os católicos, a religião que se constituía em fator de progresso e viga mestra da
civilização. (Id).
No final da década de 20, a situação estará mudada. O Estado oligárquico liberal
entrará em crise e a Igreja apresentar-se-á como um apoio válido. (...) Como a
Revolução não tinha sido obra dos governos nefastos nem das oposições extremadas,
mas sim obra da Constituição sem Deus, da Escola sem Deus, da consciência sem
Deus, era preciso restituir a lei de Deus, de Cristo e da Igreja, à Constituição, à
Escola, à Família e às Consciências. Em suma: era preciso trabalhar para que os
princípios básicos da ordem cristã voltassem a orientar a Constituição política do país.
195
A trajetória de Laura Jacobina foi muitas vezes inspirada nas tendências
católicas européias, em especial francesas, que passaram a construir um novo sentido na
identidade das mulheres brasileiras. No início do século XX, com intuito de afrontar o
feminismo e as suas práticas laicas de intervenção social, os católicos renovaram os
valores e as capacidades sobre os quais poderiam construir um novo sentido de
identidade das mulheres. Tomando o lugar da dama beneficente, entrou em cena a
militante, que atuaria na Ação Católica. Emerge desse momento uma nova mulher,
aquela que é impulsionada pela ação, como observa Giorgio (1991), sem, no entanto, ter
características semi-viris, como as feministas caricaturadas pelos católicos.
Foi baseada nesses referenciais femininos que Laura Jacobina Lacombe
conduziu os trabalhos de suas alunas e ex-alunas na luta cristã no início do século XX, e
também os seus não para defender os preceitos católicos diante das perspectivas
feministas que reivindicavam novos direitos civis e políticos para as mulheres, como
também entre os educadores que proferiam o afastamento da religião do meio
educacional na década de 30.
A instabilidade gerada pela Revolução de 1930 fez da Igreja Católica uma
instituição possuidora de um aparato respeitável. Ela passou a ser vista como uma força
social absolutamente indispensável para o processo político que estava se desenrolando
no período, como analisado por Carvalho (1998):
Com a revolução de 1930, o campo de consenso constituído em torno do programa de
“organização nacional através da cultura” é implodido. As Plataformas Políticas de
Vargas incorporam tópicos centrais dos discursos dos entusiastas da educação nos anos
vinte, produzindo a expectativa de que era chegado o momento para tornar realidade
esse programa. A criação do Ministério da Educação e Saúde inaugura espaços de poder
e importância estratégica na configuração e no controle, técnico e doutrinário, do
aparelho escolar. Com isso, o consenso em torno da “causa educacional” transmuda-se
em disputa pela implementação de programas político-pedagógicos concorrentes. Nessa
195
Horta, 1994, p.97-98.
disputa, dois grupos se constituem, antagonizando-se a partir de propostas rivais de
controle técnico e doutrinário das escolas: os ‘católicos’ e os ‘pioneiros’.
196
Laura, ao lado de sua mãe, envolveu-se nesse processo, militando contra a
difusão do ensino laico e se dissociou da ABE para alavancar os trabalhos realizados
pela Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal, fato este que pode ser
considerado um marco em seu percurso enquanto educadora e formadora de outras
educadoras, como pode ser constatado no Traço de União, que a partir desse momento
passa a ter um perfil acentuadamente religioso, passando inclusive a se filiar à
Associação dos Jornalistas Católicos.
As atividades da Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal
tiveram início em fins de 1931, sob a direção de Everardo Backhauser
197
e do Padre
Leonel Franca, aglutinando professores cariocas com o propósito de discutir problemas
pedagógicos e formular propostas de ação. Laura atuou como secretária de Backhauser
na APC e, em 1933, quando a entidade cresceu e passou a ser organizada
nacionalmente, sendo criada a Confederação Católica Brasileira de Educação, a vice-
diretora jacobinense continuou, nessa nova entidade, com o mesmo cargo auxiliando o
educador. Em 1934, secretariou uma comissão no Congresso de Educação Católica,
no qual foram reunidos todos os colégios católicos e associações de professores
católicos dos estados do Brasil.
A Confederação promovia, de acordo com os estudos de Salem (1982), cursos e
congressos com a finalidade de formular uma política educacional com base na doutrina
cristã. Segundo a mesma autora, essas duas entidades, que foram constituídas em
contrapartida à Associação Brasileira de Educação, tiveram uma atuação bastante
medíocre, e os congressos nacionais promovidos pelos católicos possuíam um nível
bastante inferior aos dos pioneiros escolanovistas.
No entanto, ainda que enfrentassem dificuldades, as dirigentes do Jacobina
continuaram partilhando dos ideais desse grupo católico e defendiam a instituição
escola como um espaço que deveria ser responsável pela transmissão de valores e
verdades embasados na doutrina da Igreja, fato que se refletiu mais ainda nos discursos
publicados no periódico do Jacobina ao longo da década de 30: deixou-se, assim, de se
196
Carvalho, 1998, p.60-61.
197
Segundo Lacombe (1962), o Educador Everardo Backhauser era agnóstico. Somente após uma de suas
viagens feitas à Europa, ele voltou convertido e passou a se dedicar à causa da educação católica.
mencionar a ABE nos textos do Traço de União e nota-se que cada vez mais a moral e a
educação cristã o defendidas pelos discursos escritos pelas dirigentes do Jacobina e
pelas alunas. Estratégias são montadas para que o periódico envolvesse todos os seus
colaboradores em prol dessa causa. Alunas, ex-alunas, pais e professores sinalizaram a
concordância com um ambiente educacional que fosse guiado pelo catolicismo e
transformaram o periódico do Jacobina em um terreno fecundo de difusão desses ideais,
como veremos no próximo capítulo ao analisar as imagens construídas e divulgadas nos
diferentes espaços da publicação Traço de União.
Seguindo sua linha de ideais e atuações, em 1945, com a fundação da
Associação de Educação Católica do Brasil, Laura foi convidada para ser Secretária
Geral do primeiro presidente da entidade que era o Padre Arthur Alonso. A entidade
surgiu em ocasião do I Congresso Nacional de Estabelecimentos Particulares de
Ensino, realizado em 1944 no Rio de Janeiro e sua primeira sede ocupou uma das salas
do próprio Colégio Jacobina que, nessa época, se localizava na Rua São Clemente.
Em 1953, Laura Jacobina envolveu-se em outro grandioso projeto educacional:
a fundação da Organização Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP)
198
no
Brasil. A educadora, influenciada pelo padre Arthur Alonso, de quem ainda era
secretária, une-se aos educadores Nise Cardoso, Everardo Backheuser, Madre
M. S. Luis Gonzaga Cintra OSU, Madre Maria de Jesus Medeiros SCM,
Lourenço Filho, Sara Dawsey e Madre Mikéal, sob a orientação de Mme.
Herbenière Lebert, presidente da OMEP da França, para levar adiante o que,
segundo Ferreira e Perim(2003), era o sonho de Padre Alonso. Por uma
iniciativa desses pioneiros que também contavam com a participação de
Fernando Azevedo, Anísio Teixeira, Francisco Venâncio Filho entre outros
educadores, a OMEP foi a primeira a fazer o levantamento da situação da Pré-
escola no Brasil.
O Colégio Bennet, instituição metodista, foi a primeira sede da Organização
como anunciado pelo próprio Traço de União, pois esse era o único que possuía um
Instituto Técnico voltado para a formação de professores pré-primários. Posteriormente,
o Colégio Jacobina criou o curso para Educadoras da Infância, incluindo em seu
currículo o estudo do desenvolvimento da criança como base da Educação Infantil
199
.
Em 1955, Laura, que havia deixado de ser secretária de Padre Alonso, assumiu a
presidência da OMEP, onde permaneceria por 25 anos, e transferiu a sede da
Organização para o Colégio Jacobina:
198
A OMEP foi originalmente fundada em Praga em 1948, sendo que somente em 1952 educadores
brasileiros que participaram do congresso no México trouxeram a idéia para o Brasil.
199
Para saber mais sobre a OMEP viste o site: http://www.omep.org.br/historia.htm
.
(...) Quando recebi o encargo de me interessar pela fundação do Comitê Nacional
Brasileiro da OMEP, eu era secretária da Associação de educação católica do Brasil,
associação que teve sua sede no Jacobina desde a sua fundação, em 1945 (e mesmo
desde o seu período preparatório até 1953.
O môdelo de Estatutos que recebemos para fundar o comitê, exigia a existência de
associações pré-primárias como membros. O presidente da A.E.C., padre A.Alonso,
oficiou aos colégios associados, que aderissem ao movimento.
Dezessete Congregações prontamente o fizeram e, animados com essa rápida resposta
ao nosso apelo, fizemos a Assembléia da fundação, contando também com a adesão
do Colégio Bennett, que fundou uma associação e do Colégio Jacobina que se
associou a um jardim de infância em Friburgo.
O primeiro presidente foi o Dr. A. Sabóia Lima, então Juiz de menores.
A Secretária foi D. Nize Cardozo, do Colégio Bennett. A ela coube todo trabalho, pois
Dr. Sabóia Lima adoeceu gravemente (...) Quando levaram o meu nome para
presidente, aceitei o encargo e propus que a secretaria viesse do Bennett para o
Jacobina, a fim de lhe poder dar maior assistência. (...) Propunha-me dar, à OMEP,
a acolhida que havia dado, durante tantos anos a A.E.C.(...).
200
A OMEP permitiu a Laura Jacobina ampliar ainda mais sua presença nos
debates sobre educação infantil e propiciou que levasse às alunas do Curso de
Educadoras de sua instituição tudo o que havia de mais recente em Psicologia e
Pedagogia, criando, inclusive, em 1954, a Associação de Educação Pré-Primária
Jacobina, que era ligada ao Comitê Nacional de Educação Pré-Primária, e da qual
faziam parte professores e alunas do Curso de Educadoras da Infância.
201
Logo que
criado, o curso foi reconhecido pelas autoridades Federais e pouco mais tarde pela
Secretaria de Educação. Após doze anos esse mesmo curso passou a ser denominado
Curso Normal e, mais tarde, com a concessão do nome do Instituto de Educação,
manteve duas especializações: a Administradores e Orientadores de Estabelecimentos
de primeiro grau e a de Especialização para Jardim de Infância.
202
A partir da OMEP, Laura conseguiu estreitar mais ainda seus laços com
instituições católicas de ensino de todo o Brasil, impulsionando os ideais pelos quais
sempre lutou. Nessa tentativa de defender e impulsionar a educação brasileira sob a
vertente religiosa, a educadora manteve, nessa época, correspondência com
representantes religiosos de outros estados. Essas correspondências, que foram
200
Laura Jacobina Lacombe, 1970 (?), acervo da OMEP.
201
Essa informação foi retirada do Traço de União de 1964, nº1 na matéria “A Associação Pré-Primária
Jacobina”. No entanto, em nenhuma outra matéria constam as atividades ou qualquer outra informação
sobre essa Associação.
202
Traço de União, 1972, n.1 e 2, p.1
encontradas no acervo da OMEP, tinham como objetivo promover o curso e incentivar a
vinda de irmãs católicas para o Rio de Janeiro a fim de que essas estudassem no Curso
de Educadoras da Infância do Colégio Jacobina.
Pelo que pode ser inferido pelo Traço de União desse período, as investidas de
Laura tiveram êxito e a instituição teve a presença de muitas religiosas que encontravam
no Jacobina o que ainda não era possível encontrar em outra instituição naquele
momento: um estudo que priorizasse o entendimento do universo da primeira infância,
embasado em princípios católicos e inovações pedagógicas para formar professoras do
jardim de infância e da escola maternal.
Justamente situado em um momento em que havia uma preocupação com os
novos rumos da educação no país, já que se deu na fase considerada por muitos
historiadores como período democrático da República (1945-1964),
203
o Curso de
Educadoras do Jacobina se lançou na formação de muitas moças que saíram pelo Brasil
afora divulgando a importância de se instruir como cristã a criança desde cedo.
Aplicando a psicologia com a finalidade de penetrar no universo das crianças e se
apropriando de um novo conceito de pedagogia que fixava a necessidade do estudo
contínuo, as educadoras mergulhavam na profissão que deveria guiar a criança com
amor, carinho e devoção para que essa não somente fosse instruída, mas que também
fosse educada.
Esse momento de desenvolvimento do Curso de Educadoras no Jacobina se
passou nos chamados Anos Dourados da Formação Docente quando, segundo Martins
(2000), para os professores, caracterizou-se como um período de consolidação de uma
‘cultura pedagógica’ que cunhou o professor como um ‘ser especial’, detentor de um
saber imprescindível e necessário, portador de uma missão: salvar as crianças da
ignorância.
204
Tal momento mescla antigas concepções de mestre ideal, sinônimo de
segunda mãe, e as novas concepções que surgiram da necessidade de o professor
auxiliar a pátria educando para o bem estar social diante de um projeto
desenvolvimentista norteado por princípios democráticos e de formação científica.
Laura também foi secretária e depois presidente da Comissão de Educação e
Cultura da Organização das Entidades não Governamentais do Brasil (OENG), onde
203
De acordo com Ferreira e Perim (2003), essa fase foi movimentada e marcada pelas eleições de 1945,
quando o General Eurico Gaspar Dutra venceu e assumiu o comando do governo; pela constituinte e
promulgação da constituição de 1946; pelo governo Getúlio Vargas a partir de 1951 e de sua queda em
1954; pela eleição de Juscelino Kubischek; pela eleição e renúncia de Jânio Quadros; e pelo governo de
João Goulart.
204
Martins, 2000, p. 64.
permaneceu por dez anos. Em 1958 o Jacobina, sob sua direção, foi a primeiro Colégio
no Brasil a ser associado à UNESCO para dar ensino sobre compreensão internacional.
Por isso, chegou a receber o diploma e a medalha comemorativa dos vinte e cinco anos
em que participou dessa entidade. A educadora se manteve ativa nos Encontros de
Escolas Associadas à Unesco, sendo o primeiro em Sèvres e o segundo no Canadá.
A iniciativa da UNESCO estava pautada em levar alguns colégios de diversos
países para ministrar o ensino sobre as Nações Unidas ou sobre alguns pontos relativos
à Declaração dos Direitos Humanos. Tendo entrado em contato com Paulo Carneiro,
que segundo artigo publicado no Traço de União era representante da entidade no
Brasil, o Colégio Jacobina resolveu se dedicar ao estudo, no correr do seu curso
clássico, da mulher nos diferentes países e nas diferentes épocas da história. Para tanto,
envolveu seu corpo docente no projeto, solicitando que esse incluísse em seu programa
pesquisas referentes aos direitos femininos. No entanto, essa aliança não tratou, como se
pôde perceber, de fazer um estudo crítico sob o aspecto jurídico e se desenrolou de
forma a atrelar ainda mais a questão da educação feminina à religião.
Em 1973, com seus setenta e cinco anos, Laura conquista a sua última valiosa
vitória no campo educacional: o decreto que criava a Faculdade de Educação Jacobina
foi assinado em Brasília. Essa faculdade vinha completar o desejo que sempre tivera na
vida de formar professoras em um último grau de ensino sob uma ótica católica. Assim,
diante de um currículo que abrangia a cadeira de Teologia, a educadora, de acordo com
sua última entrevista concedida ao Traço de União explicitou, ao falar do curso de nível
superior, que como todos sabem, o Jacobina é um colégio católico, que sempre se
preocupou em dar uma formação cristã às suas alunas.
205
Desde o início de seu percurso, a educadora, juntamente com sua mãe, buscava
formar mulheres para que essas educassem nos lares e/ou nas escolas. Preparavam
intelectualmente para que essas assumissem sua missão frente à nação. A primeira
tentativa de estabelecer um curso próprio para essa vocação, que era considerada natural
do sexo feminino, foi desmoronada com a baixa freqüência no início da década de
cinqüenta. Porém, a criação seguida do Curso de Educadoras da Infância concretizou a
realização de seu sonho e abriu as portas para que a formação dada pelo Colégio
Jacobina fosse reconhecida a ponto de poder chegar a ter a sua Faculdade de Educação.
205
Laura Jacobina, “Depoimentos”. Traço de União, 1974, n. 1, p. 30.
Ao morrer, em 1990, Laura Jacobina Lacombe mereceu uma moção emitida pela
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, assinada pela deputada Yára
Vargas, em que, em duas páginas datilografadas, são citados alguns dos grandes cargos
e atividades exercidas ao longo da sua vida. Infelizmente nesse momento, o Traço de
União não existia mais e, portanto, sua partida não pôde ser registrada também nas
páginas do periódico das alunas e discípulas de Laura Jacobina. É possível ver, porém,
que, apesar de sua morte não ter sido registrada nesse espaço que orientou, seus feitos
foram eternizados e divulgados. Laura dedicou a sua vida ao colégio e à defesa de seus
ideais religiosos e educacionais, o que lhe trouxe, ao longo dos anos, respeito,
admiração por parte de professores, famílias, alunas do Colégio Jacobina e também de
muitos religiosos e intelectuais que se cruzaram nas diferentes fases da sua vida e no
período em questão.
Tudo leva a acreditar que a missão desejada, que partilhava de ideais muito
próximos aos de sua mãe, foi cumprida. Foi educadora e, apesar de não ter casado e não
ter tido filhos consangüíneos, satisfez-se por ter tido o que intelectuais e religiosos
consideravam em fins do século XIX como filhas espirituais
206
. Mulheres que, embora
não tenham mais o Traço de União para expressar seus sentimentos, fazem-se, ainda
hoje, valer de outros meios, como, por exemplo, a internet, para eternizar as lembranças
daquela que viveu para instruir educadoras com a finalidade de se alcançar uma Nação
Católica. Ainda nos últimos tempos, com os cabelos brancos, a Dona Laura pois é
assim que todas a conhecem até hoje em dia é recordada, contraditoriamente, como a
doce lembrança do tradicional colégio que dirigiu até quando lhe foi possível:
estudei no colegio jacobina de 1966 até 1970. era um colegio extremamente
tradicional, aonde so estudavam meninas, e tinha um uniforme tao formal, que usava-se
ate gravata. Nao deu para encarar, e fui convidada a me retirar. mas tinham coisas
muito legais, como por exemplo, visitar a diretora - D. Laura Jacobina Lacombe - na
hora do recreio: a gente subia ate a sala dela, naquele elevador antiguinho e
esperavamos o sinal verde para adentrar em sua sala. ela era um amor, e sempre nos
recebia com balinhas de leite da kopenhagen.
207
2.3. M
arietta Luiza Lacombe: a discreta editora do periódico
206
Essa expressão é utilizada por Louro (1997) para explicitar que o magistério feminino quando foi
defendido por intelectuais e religiosos em fins da década do século XIX, era visto como extensão da
maternidade, em que, por natureza as mulheres eram vistas como mães educadoras e seus alunos ‘filhos
espirituais’.
207
Charmaine Marie. Orkut, comunidade das ex-alunas do Colégio Jacobina em:
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=479582
. Acessado em abril de 2006.
Apesar de Isabel e Laura Jacobina Lacombe terem se lançado mais
expostamente pela vida pública e, também em busca de seus ideais que se propagaram
pelo Colégio Jacobina e pelo Traço de União, não haveria como entender o
funcionamento dos mesmos, se não falássemos de Marietta Luiza Lacombe, a filha de
Francisca Jacobina Lacombe que assumiu a responsabilidade do periódico nas suas
últimas etapas de vida.
Carinhosamente chamada de Mariettinha, a educadora diplomou-se, assim como
sua prima Laura Jacobina Lacombe, que em tempos diferentes, pelo Colégio
Jacobina, onde cresceu a partir dos mesmos preceitos religiosos em que se fundamentou
sua família. Parecendo ter se espelhado na trajetória educacional de sua mãe dentro da
instituição educacional para seguir com a sua, pode-se dizer que Mariettinha, a discreta
e
ditora do Traço de União, atuou nos bastidores do Jacobina e de seu periódico.
Francisca Jacobina Lacombe, que era carinhosamente conhecida como tia
Chiquita, nasceu oito anos após Isabel Jacobina Lacombe, a Dona Belinha, sua irmã
mais velha. Talvez sua característica mais marcante tenha sido a rigidez em relação à
disciplina, pois suas ex-alunas unanimemente a descreviam deste modo:
D. Chiquita sempre me pareceu uma professora de vocação perfeita.
Desde que a conheci, admirei seu modo de dirigir as alunas. Irradiava atitude e mal as
alunas pressentiam sua aproximação, aprumavam-se nas carteiras, sentando-se de
modo correto (...) Dicção clara e entonação adequada eram condições imprescindíveis
à apresentação de qualquer leitura, informação ou simples recado.
208
As recordações de D. Chiquita estão unidas à minha infância como as de minha mãe,
sempre atenta, pronta a ralhar, corrigir, orientar e premiar. (...) Daquelas meninas do
primário entregues á sua orientação, tudo sabia, nada lhe escapava. Como nos eram
familiares as suas ordens:
- “Maria, tesinha, ombros para trás! – Teresa, arruma a gaveta de sapateiro! – Vamos!
Meninas, chega de patuscada. – Faça o exame e vamos, você estudos sabe.
Assim ia levando as suas meninas um pouco suas filhas.
Como sabia animar as tímidas e reprimir as vivas!”(...) Foi edificante o seu fim aqui na
terra. Pediu a Extrema Unção respondendo ás orações e oferecendo as mãos para
receber os Santos Óleos (...).
209
Chiquita casou-se em 1912 com o professor Henrique Lacombe, irmão do
marido de Isabel, que a deixou viúva logo em 1923, com dois filhos pequenos, sendo
208
Zumira de Queiroz Breiner. ‘Recordação’. Traço deUnião, 1953, n.2, p. 3.
209
Diva Sampaio Sant’Anna. D. Chiquinha. Traço deUnião, 1953, n.2, p. 3.
um deles Mariettinha. Assim como Isabel, cursou o Colégio Progresso, lugar que a
preparou para auxiliar nos trabalhos do ainda Curso Jacobina, sendo, conforme
mencionado por Laura Jacobina Lacombe (1962), o braço direito da instituição que se
iniciava. Em um único e pequeno discurso que proferiu em ocasião do 33º aniversário
do Colégio Jacobina, é possível ver se expressar, pela primeira vez no Traço de União:
Desde menina habituei-me a considerar minha irmã Belinha como exemplo e modelo
de família, é portanto muito natural que aos 33 anos em que juntas trabalhamos, eu
continue a apreciar-lhe a calma, a diplomacia e o bom senso, na nossa vida trabalhosa.
Conservando-me sempre calada em todas as ocasiões solenes fazia minhas as suas
palavras.
Hoje, porém, sinto necessidade de romper esta norma e dar extensão ao meu
sentimento.
É que, se os anos passam e as rugas surgem, meu coração continúa a sentir a mesma
veemência que vocês conheceram e conhecem. Veemência na zanga, veemência no
afecto, veemência no sentir.(...)
210
Além da disciplina, a ela ficou incumbida a responsabilidade financeira e
administrativa quando essa começou a existir no colégio. Foi professora de botânica,
caligrafia e recitação da instituição. Nos primeiros anos do curso, chegou a organizar
um jardim de infância, tendo seguido para São Paulo com a finalidade de se preparar
para essa responsabilidade. Foi nos primeiros anos do século XX que foi a esse Estado
para realizar entrevista com Oscar Thompson, educador renomado que por muitos anos
foi diretor da Escola Normal da Capital de São Paulo e Diretor Geral da Educação
Pública, que a partir de métodos inovadores contribuiu significativamente para a
educação pública paulistana. Francisca, orientada pelo educador, conduziu o Jardim de
Infância do Jacobina, assim que voltou para o Rio de Janeiro. Ao se casar, ainda se
propôs a ajudar com os trabalhos do Jacobina como havia prometido inicialmente, no
entanto, sua trajetória profissional o foi estimulada, pois viagens significariam,
naquele período, abandono do lar.
Apesar de não ter viajado constantemente em busca de novos métodos
pedagógicos, em 1926, dirigiu um pequeno internato que o Jacobina tentou implantar,
mas esse teve, assim como o Jardim de Infância, vida curta e terminou quando o colégio
se mudou para a Rua Machado de Assis. Sua participação apesar de ter se dado sob o
comando de Isabel, não pode, dessa forma, ser desconsiderada ao se estudar a história
210
Francisa Jacobina Lacombe. ‘Ecos de 1935’. Traço de União, 1936, n.1, p.2.
do Jacobina, uma vez que levou a essa instituição de ensino, contribuições pedagógicas,
disciplinares e religiosas.
Enquanto mulher devotada aos preceitos católicos, Chiquita seguiu os passos da
irmã a quem acompanhou na instituição até a década de 20. nos tempos em que o
colégio era percebido por seu crescimento e desenvolvimento – tendo um quadro
numérico de alunas e professoras que ia muito além do imaginado – ela resolveu deixar
suas atividades profissionais. No entanto, pelos relatos encontrados, pode-se constatar
que, de fato, ela nunca abandonou totalmente o Jacobina: sempre aparecia em
comemorações e eventos religiosos.
Marietta Luiza Lacombe, por sua vez, ficou responsável, igualmente a sua mãe,
pela parte administrativa, ocupando o cargo de Secretária Geral do Colégio Jacobina.
Em 1951, aceitou a responsabilidade de assumir o Traço de União. Contudo, percebe-se
que, assim como sua mãe deixou sua orientação profissional nas mãos de Isabel,
também Mariettinha o fez, só que entregando-a nas mãos de Laura.
Pode-se dizer, assim, que o seu trabalho foi silencioso e se caracterizou por
buscar dar seqüência ao de Laura, principalmente até meados da década de 50, quando
os ideais católicos associados a representações de mulher e de educadora, que foram
difundidos desde o início do século, ainda encontravam um campo fértil no Traço de
União.
Assim como sua mãe, a responsável pelo Traço de União em suas últimas fases
era discreta e pouco gostava de se sobressair nos eventos promovidos pelo colégio.
Deixava essa parte para Laura dando sempre ênfase, por meio das edições, aos seus
feitos. Assim, seu nome, a não ser pelo expediente do periódico, quase nunca apareceu
publicado no Traço de União. Não discursava nas formaturas e seu nome pôde ser
notado uma vez no impresso, quando algumas alunas da série a entrevistaram em
decorrência do aniversário de cinqüenta anos de publicação do periódico. Perguntas
como de quem foi a idéia de fundar o Traço de União apareciam em forma de
curiosidade por parte dessa geração de 1973, que mostrava desconhecer a história da
revista. Mariettinha, sem muitos detalhes diz: da própria Laura. Outra aluna seguiu:
Quem escolheu o nome Traço de União? Mariettinha responde: Foi também D. Laura,
aproveitando o nome de dois jornaizinhos manuscritos nos quais ela colaborava em
menina.
No entanto, quando perguntada sobre a periodização, a parte gráfica e os
trabalhos publicados da revista, a educadora se deteve mais nas respostas. Argumentou,
por exemplo, que as edições conseguiam sair duas vezes ao ano, porque tanto a
elaboração dos trabalhos quanto a confecção do periódico eram demoradas. Em relação
à parte gráfica, disse Mariettinha que a impressão colorida era muito cara e, por isso,
nem sempre era possível publicar capas coloridas. Sobre a redação das alunas, a
entrevistadora Maria perguntou: A senhora sente muita diferença entre os trabalhos de
agora e os das alunas de muitos anos atrás? Mariettinha reconheceu que os trabalhos
são muito diferentes, justamente porque as alunas mudaram, até mesmo o modo de
escrever mudou, como também mudaram os estilos de desenhos e outros trabalhos.
211
Contudo, pelo que se pode dizer, Mariettinha teve sensibilidade e competência
para lidar com as mudanças que apareceram ao longo de sua atuação na revista. A
responsabilidade do Traço de União lhe foi dada em um período bastante conturbado no
colégio, pois a década de 50 foi marcada, entre outras coisas, pela participação feminina
no mercado de trabalho. Segundo Bassanezi (2003), novas oportunidades de emprego
de
spontavam nesse momento, especialmente no setor de serviços de consumo coletivo,
em serviços públicos, escritório e comércio. Uma nova qualificação foi exigida da
mulher, o que exigiu também maior escolaridade provocando, de acordo com a mesma
autora, uma mudança no papel social da mulher.
Como fase de transição, essa se deu de modo muito complexo para a mulher
que, sendo ainda vista, prioritariamente, na ocupação de esposa, mãe e dona de casa,
enfrentou preconceitos sociais referentes ao trabalho em outros campos de atuação que
não estivessem relacionados à maternidade como no caso da educação.
Dentro do Colégio Jacobina, isso não foi diferente. As alunas, que se destacavam
entre a maioria das mulheres no Rio de Janeiro pela instrução que receberam no
colégio, viam nesse cenário traçado em meado do século XX, uma possibilidade mais
efetiva de cursar o ensino superior seguindo carreiras distintas do magistério. Laura, por
sua vez, inicialmente foi contra justamente por achar que essa nova opção de vida
acarretaria um abandono do que deveria ser a principal preocupação feminina: a família,
o lar e a educação que possibilitaria a construção de uma verdadeira nação, onde o bem
prevaleceria.
As alunas jacobinenses, que sempre expressaram seu universo por meio do
Traço de União, começaram a se desinteressar pela publicação no final dessa década,
dando margem aos problemas que verificamos no capítulo anterior. Mariettinha que não
211
Marietta Luiza Lacombe. “Entrevistas”. Traço de União, 1973, n. 1 e 2., p. 8.
expunha sua versão relativa aos fatos, apenas deixava que Laura continuasse se
expressando, por meio dos discursos publicados nas edições do periódico, diante dessa
conturbada situação.
Na década de 60, é possível ver que a revista mudou seu perfil e se sintonizou
mais com o momento daquelas jovens. Laura já parecia aceitar melhor os fatos e
adaptava seus discursos que, embora ainda tivessem visivelmente um cunho religioso,
não mais condenavam as que decidissem dar continuidade à sua formação por meio de
profissões diferentes do magistério. As colaboradoras da revista foram autorizadas por
Mariettinha, então, a publicar textos mais condizentes com seus novos interesses. Em
uma das edições desse período, uma das ginas está dedicada a fazer o seguinte teste:
Você está preparada para o casamento?
Com a finalidade de verificar se as alunas jacobinenses já estavam prontas para
algo tão sério, várias indagações, então, foram sequëncialmente feitas. A família do
noivo, os trabalhos domésticos, a benevolência e o ciúme na relação, as recordações
passadas do noivo, apareciam entre os condicionantes da felicidade matrimonial. Novas
preocupações das moças da época apontavam para o fato de que a sociedade havia
mudado e o casamento não era mais a única coisa que importava para as meninas que se
dedicavam à instrução. Aliás, dependendo do momento da vida em que as estudantes
estivessem atravessando, o casamento poderia até atrapalhar. Porém, ao mesmo tempo
em que a revista se dedicou a essas questões que surgiam no horizonte feminino, não
deixou de publicar textos relativos à religião como “Maria Madalena” e “Salmos”, que
constavam das matérias dessa mesma edição e colocavam em dúvida a procedência de
um bom casamento.
Não deve ter sido fácil conduzir as questões que nortearam, assim, esse período.
Selecionar e editar textos certamente foi um trabalho árduo. Mas Mariettinha parece tê-
lo feito com muita propriedade. Mesmo em meio ao desinteresse das alunas, trabalhou
para que a revista ficasse mais volumosa, bonita e interessante, embora as próprias
capas tivessem perdido um pouco da identidade feminina de outros tempos. Não
conseguiu, no entanto, colocar freios no processo que deu fim ao Traço de União. Isso
parecia estar além do seu esforço. Apesar de não assinar com seu nome, é possível que
tenha chegado a fazer inúmeros apelos para que as alunas enviassem suas colaborações:
Minhas meninas,
Foi preciso que um semestre se passasse para que pudéssemos estar novamente juntos.
Infelizmente este nosso encontro de agora, que deveria ser motivo de alegria e prazer
para ambas as partes, representa tristeza para mim, pois pude verificar que vocês me
esqueceram, não me fazendo interessante e repleto de artigos vivos e palpitantes.
Quantas pessoas estão esperando por mim com ansiedade, inclusive em lugares
distantes como na África, onde moram ex-alunas, e eis que muito acabrunhado vou
chegar sem grandes novidades, e outros artigos de real interesse.
E por quê? Porque vocês nada fizeram por mim. É preciso entender que sou de vocês e
para vocês, incluindo o presente e o passado do colégio.
212
Em seu papel de Responsável, que era muito mais próximo de uma editora,
Mariettinha buscou provocar o lado emocional das escritoras para que contribuíssem
com o periódico, a fim de que este não deixasse de existir. Por outro lado, agradecia as
poucas que se interessavam pelas edições, com o intuito de que não abandonassem a
produção: Não posso alegrar-me com algumas que me escreveram, e a elas agradeço
de coração, se é que revista tem coração. Chegou a deixar claro que estava aberta a
novas idéias que provocassem mudanças no periódico. Queria chamar a atenção das
alunas a todo preço: mas o segundo número vem aí, e conto com vocês para
revolucionar-me. E olhem que vontade de sair diferente e espetacular não me falta, mas
como eu não posso me escrever, fico à espera de vocês para isso e tenho certeza de que
não me deixarão decepcionado. Despedindo-se como se fosse a própria revista que
tivesse escrito, o apelo termina com a finalidade ainda de sensibilizar as colaboradoras:
Até a próxima vez!...O amigo esquecido, Traço de União.
213
Em 1958, com o intuito de atrair a colaboração das alunas, Mariettinha
promoveu um concurso de contos infantis dirigidos para o ginásio e para o clássico:
inscrevam-se com Mariettinha (...) Haverá prêmios para os 3 primeiros colocados. Os
cinco primeiros lugares terão seus contos publicados no ‘Traço de União’, em lugar de
honra.
214
Estratégias, apelos, mudanças editoriais caracterizaram o período de
permanência de Mariettinha que, em 1962, chegou a implorar por contribuição
recorrendo à consciência das alunas, que o trabalho no Traço não era obrigatório
dentro do colégio, a fim de que elas se oferecessem livremente para que a publicação
conseguisse sair:
aparece um novo Traço. Você sabia que ele pertence às alunas do Colégio Jacobina e
por elas deveria ser feito? No entanto é preciso implorar contribuição, senão ele não
sai.
212
Traço de União, 1968, n. 1, p. 1.
213
Id.
214
S/n. “Sensacional concursos de contos infantis”. Traço de União. 1958, n.1, contracapa.
Onde está a colaboração de que tanto necessitamos? Isto é, espontânea. Não é dever de
casa. Muito menos de aula.
Daqui a seis meses teremos um outro. Estamos esperando.
215
Se Laura cuidava da política editorial, coube a Mariettinha imprimir algumas
mudanças significativas do ponto de vista gráfico da Revista. Os pedidos de
contribuições de escrita nas últimas fases do Traço de União, que embora não tivessem
muitas vezes assinatura, eram, provavelmente, de Mariettinha que, vendo-se em meio às
transições temporais, teve de aprender a mediar as publicações entre os ideais de Laura
e o das alunas. A revista começou a enfocar os artigos a partir das novas temáticas
modernas que chamavam a atenção do universo feminino do período. O Traço de União
mudou nas décadas de 60 e 70, já não podia mais ser fundamentalmente norteado pelos
mesmos preceitos de antes.
Ressalta-se, contudo, que jamais o periódico chegou a perder definitivamente
seus referenciais tradicionais que o fundaram no início do século. Adaptou sim, seu
conteúdo e sua forma aos ideais que ainda permaneciam os mesmos. A referência
educacional pela escrita das alunas, ainda nessa fase de Mariettinha, continuou sendo
Laura, até o fim dos tempos de publicação. Assuntos variados eram tratados nas fases
finais da revista. Havia matéria para todos os gostos, mas dentro de certos limites. Para
expressar o lado religioso associado ao pedagógico no periódico, no entanto, espaços
mais restritos passaram a ser utilizados, como a seção reservada às alunas do Curso de
Educadoras da Infância, por exemplo, que era claramente o reflexo dos ideais
defendidos por Laura que, ainda naquele momento, acreditava na força da educação
feminina para construção, reconstrução e transformação da nação brasileira.
215
S/n. Traço de União, 1962, n. 1, p. 1.
CAPÍTULO 3
Discursos publicados sobre a missão da mulher na sociedade
As trajetórias de vida das principais educadoras do Colégio Jacobina refletiram
diretamente nas imagens construídas e veiculadas pelo Traço de União. As escolhas
feitas ao longo de seus percursos orientaram as edições produzidas nesse periódico, no
que um dos propósitos da escrita era tornar pública, por meio dos diferentes sujeitos
escolares, a opinião daquele grupo. Impulsionando e dando propósito a seus ideais,
Isabel e Laura Jacobina Lacombe, apesar de terem assinado poucos textos, fizeram-se
presentes na legitimação da escrita do periódico que se alicerçou nos preceitos católicos
e renovadores para se estabelecer e criar tradição. Valendo-se de estratégias
diversificadas, as educadoras assumiram a responsabilidade do impresso escolar
impondo certas restrições aos colaboradores, fazendo com que a opinião do grupo fosse
veiculada de modo homogêneo.
O papel das responsáveis pelo periódico, assim, merece atenção, pois elas
tiveram o poder das edições em suas mãos e por isso não difundiram idéias, mas
também definiram o que podia e deveria ser lido. Elas sabiam, como nos salienta Dutra
(2004) em relação ao papel de um editor, provocar diferentes sensações no contato com
a escrita, escolher os suportes materiais de leitura e induzir, assim, determinados efeitos
dessa mesma leitura no pensamento e nas sensibilidades do público alvo. Dentro dessa
perspectiva, pode-se constatar que as educadoras do Jacobina tiveram a intenção de
controlar, a seu modo, a recepção do que era transmitido no Traço de União.
Desse modo, o periódico foi um meio privilegiado de influência dos seus
escritores e sobre seus leitores, e ao longo dos anos legitimou imagens da mulher
formada por sua instituição de ensino a partir de ideários católicos, renovadores e
nacionalistas que deveriam ser seguidos por professores, alunas e familiares.
Vários foram os colaboradores que de forma direta e/ou indireta contribuíram
para dar sentido a essas imagens veiculadas nas publicações. Os colaboradores diretos
assinavam textos e escreviam com a intenção de tornar públicas suas idéias. Eram
autores, geralmente alunas de todas as séries, ex-alunas formadas pelo colégio em
turmas de vários períodos do século XX e alguns raros pais. Ao longo dos tempos, esse
grupo foi reforçado pelos professores e pela direção, que ao menos uma vez ao ano,
discursavam pela seção “Ecos” logo nas primeiras páginas, como veremos mais adiante.
Ao longo das edições, também é possível ver cargos específicos de desenhistas,
fotógrafas, editoras, redatoras, chefe de propagandas, secretárias, entre outros, sendo
distribuídos prioritariamente entre as alunas, que eram designadas a ocupar funções
específicas de acordo com suas aptidões, como acontecia com aquelas que se revelavam
nas ilustrações das capas. As escolhas eram resultado de uma seleção feita por Laura
Jacobina Lacombe que decidiu, em 1928, que antes dos textos chegarem a suas mãos,
deveriam passar pelo crivo das próprias alunas envolvidas no processo editorial.
216
Em relação aos colaboradores indiretos, levanta-se a hipótese de que os mais
importantes foram a própria direção, que somente após muito tempo passou a ser
identificada com o título de Responsável no expediente do periódico situado em sua
primeira página, e também os professores, que muitas vezes cobravam que seus alunos
escrevessem sobre determinado tema e selecionavam os melhores textos para
publicação. Homenagem à Nossa Senhora, o Natal, o retiro espiritual, o primeiro dia de
aula, por exemplo, foram motivos de inspiração de redações impressas nas ginas do
periódico.
Em alguns períodos, temas em evidência, consolidaram nas edições a opinião
daquele grupo. Como parecia existir uma concordância de opiniões nos diferentes
textos que abordavam os mesmos temas, entende-se que os professores selecionavam
somente os trabalhos que, além de melhor escritos, também representassem mais
especificamente os ideais daquele grupo social. Na edição número 1 de 1945, por
exemplo, pela capa é possível saber que as páginas do Traço de União estavam
prontas para dar sua versão e opinião sobre o fim da II Guerra Mundial. “Pátria”, “Paz”,
“O fim da Guerra”, “Homenagem a um aviador da F.A.B. que morreu na guerra” e,
entre outros, “A mulher no mundo no após guerra”, discutiam o acontecimento a partir
do depoimento daquelas mulheres que eram instruídas para levar a paz ao coração dos
homens. Em um dos textos a autora diz que o caos reinará na Europa: pessoas famintas,
lares e famílias destruídos e falta de remédio. No entanto, segundo a mesma, entraria
o papel da mulher, que deveria auxiliar espiritualmente e materialmente os
necessitados: Mulheres, trabalhai para reconstrução de um mundo diferente, em que se
pense em paz, trabalho e progresso (...) Mulheres, rogai à Deus por um mundo
melhor...E quando chegar a hora de formar alguma consciência, ó mães, ó professoras,
ó esposas, pregai a paz. Determinando e limitando as funções que deveriam caber às
mulheres para atuarem nesse difícil cenário, o discurso segue com as últimas instruções
216
Ver Marilia Lustosa. ‘Noticiário’. Traço de União, n. 2, 1928, p. 7-8.
para pregação dessa paz que estaria nas mãos femininas: Mas... uma paz que repouse
sobre consciências bem formadas, por um modelo perfeito de Cristo.
217
É interessante observar como as mulheres do Colégio Jacobina percebiam-se
claramente como um grupo reduzido de instrução privilegiada que deveria, por isso,
irradiar o bem na humanidade. Enquanto elite econômica e intelectual, elas
incorporaram aos seus discursos o potencial e a obrigação que, supostamente, deveriam
ser característicos de todas as mulheres católicas frente aos problemas da sociedade,
pois uma mulher que pense e aja bem tem imensa influência sobre os homens que a
cercam, como esposa, e sobretudo como mãe.
218
Entende-se que cada época e cada grupo apresentam discursos que refletem e
expressam o cotidiano das relações sociais que acontecem a partir de um determinado
espaço. Pertencente a um grupo social inscrito na instituição Colégio Jacobina, a escrita
do Traço de União é carregada de valores e concepções intrínsecas a imagens que se
propagam e firmam dentro de um campo de possibilidades institucionais. Pode-se dizer,
assim, que o mundo que chega até os leitores, que esses conhecem e a partir do qual
refletem, de acordo com Baccega (1994), é um mundo que chega editado, sendo ele
redesenhado num trajeto que passa por inúmeros filtros. Segundo a mesma autora, tais
filtros, que são representados por instituições e pessoas, selecionam o que vai ser lido e
visto, montando, assim, o mundo que aquele grupo conhece.
Ao examinar o Traço de União, consegue-se perceber as tramas sociais que
envolvem desde a sua criação ao modo como alguns leitores interpretam os assuntos. Os
textos e imagens que chegavam às mãos das responsáveis pelo periódico, então,
vinham filtrados por professores e alunas, quando, certamente, passavam pela última
clivagem: Isabel, principalmente nos primeiros anos de publicação, e Laura, até o
momento que permaneceu na direção do colégio. Muitos temas que apareciam
impressos nas edições eram abordados na própria sala de aula sob uma ótica muito
própria das dirigentes do colégio. Professores e alunas reproduziam ideais que eram
resultado da educação que acreditava-se ser própria para mulheres católicas que
freqüentavam aquela instituição.
Assim, por vezes como colaboradores diretos e em outros momentos como
indiretos, os diferentes sujeitos escolares ajudaram a escrever essa história que,
217
Anna M. de Souza Leão Braga. 1º ano científico. “A mulher no mundo após guerra”. Traço de União,
1945, n. 1, p. 6.
218
Ibid.
fundamentada nas representações acerca da idéia de mulher como construtora da nação,
utilizou a imprensa para disseminar discursos sobre educação feminina católica; mulher
e trabalho; militância feminina; e escola e família; pautando-se, para isso, em uma visão
própria das dirigentes jacobinenses. Em que se focavam os discursos dos diferentes
colaboradores? Qual a imagem de mulher que eles constroem? Como elementos e ideais
católicos e/ou renovadores, pilares da instituição de ensino em questão, manifestavam-
se nessas imagens construídas? Quais são seus objetivos de veiculação? São algumas
das questões que buscarão ser respondidas a partir da análise dos espaços reservados às
ex-alunas, à seção “Ecos” e ao Curso de Educadoras da Infância que, além de
contemplarem os principais colaboradores da revista, também, por serem fixos e
específicos de determinado grupo, mostram-se mais expressivos no entendimento das
questões postas.
3.1. Divulgando o Jacobina: lar das antigas, recanto das mães de família, berç
o das
militantes católicas
Quem foi que disse que o educador semeia para que outros, mais tarde lhe venham
colher os frutos?
Puro engano! Se alguma semente caiu em terreno sáfaro, será excepção que vi
confirmar a regra.
As minhas antigas nunca se desligaram do novo lar que encontraram no Curso
Jacobina.
Trabalham umas nesta seara amiga, outras nos entregam as filhinhas, netinhas
queridas do Curso, algumas se reúnem no Colégio para a costura dos pobres e muitas
voltam para fazer parte da nossa Pia União.
Haverá maior ventura para uma alma de educadora?
219
O discurso de Isabel Jacobina Lacombe representa o vínculo que a educadora,
desde as primeiras décadas do século XX, dando sentido maternal a sua profissão,
buscou manter com as ex-alunas. É fato que, assim como as dirigentes do colégio, cada
colaborador, independente do espaço que recebeu nas páginas do periódico, partiu das
representações sociais acerca do papel que deveria ser desempenhado pela mulher na
sociedade para dar sentido aos seus discursos publicados. No caso das ex-alunas do
ensino regular, vários foram os espaços a elas reservados, ao longo dos anos, onde elas
se representavam como mães zelosas, mulheres inteligentes, modernas, caridosas e
219
Lacombe, 1962, p.123-124.
devotadas que se reuniam em seu segundo lar, o Colégio Jacobina, com a finalidade
principal de erradicar o mal da sociedade, construindo uma nação melhor.
A participação das ex-alunas buscou confirmar um elo eterno com a instituição,
apontando para o fato de que a escola seria uma grande família, recanto das formadas,
que se reuniam para cultivar valores e preceitos católicos e defender os interesses da
Igreja nas propostas estabelecidas pela Renovação Católica. E, nesse sentido, os
discursos, principalmente sobre militância feminina e escola e família emergiram, como
forma de estímulo à prática militante cristã entre as leitoras.
Desse modo, a fim de compreender os discursos que derivaram dessas
representações de mulheres e suas construções ao longo das fases do Traço de União,
recorre-se aos estudos de Chartier (2002). Para o autor:
Trabalhando sobre as lutas de representações, cujo objetivo é a ordenação da própria
estrutura social, a história cultural afasta-se sem dúvida de uma dependência
demasiado estrita em relação a uma história social fadada apenas ao estudo das lutas
econômicas, mas também faz retorno útil sobre o social, que dedica atenção às
estratégias simbólicas que determinam posições e relações e que constroem, para cada
classe, grupo ou meio, um ‘ser percebido’ constitutivo de sua identidade.
220
Levando-se em consideração as práticas e as representações significadas e
construídas nas divisões do mundo social, Chartier (op. cit.) diz que não se pode pensar
a realidade como uma referência objetiva, externa ao discurso. Exemplificando com a
questão histórica do papel social da mulher, o autor afirma que a diferença entre sexos,
inscrita nas práticas e nos fatos, é sempre construída pelos discursos que a legitimam e a
fundam, e estes mesmos discursos se enraízam em posições e interesses sociais que, no
caso, devem garantir o assujeitamento de umas e a dominação de outros.
221
Também contribuindo para o entendimento das representações no universo
feminino, Cunha (2002) trabalha com esse conceito a partir dos estudos sobre imprensa
educacional e formação de professores. Segundo a autora o que se escreve, diz, produz e
constrói é manifestação da ação humana; representações da realidade e não a realidade
em si. Como essa realidade não é dada, cabe ao pesquisador relacionar-se com as
representações produzidas dessa realidade, para que essas sejam trabalhadas e
220
Chartier, 2002, p. 73.
221
Ibid., p. 97.
entendidas como uma forma de construção social da realidade cuja mediação atravessa
e constitui as práticas através das quais se expressam.
222
É entendendo a história feminina no país que se compreendem as configurações
da representações acerca da idéia de mulher como construtora, reconstrutora e
transformadora da nação. Rompendo barreiras, permeando as brechas sociais e
desafiando a estrutura vigente, as mulheres de classes sociais privilegiadas foram
encontrando, no final do século XIX e início do XX, terrenos fecundos para irem aos
poucos ocupando os espaços públicos, redesenhando, assim, novas formas de
sociabilidades e direitos. Cenário de mudanças profundas no país que ocorreram devido
à implantação do regime republicano, à crescente urbanização, às guerras, ao processo
de industrialização e aos novos meios de comunicação, esse período, segundo Almeida
(1998), assistiu, simultaneamente a esses acontecimentos, ao desenvolvimento das
primeiras reivindicações do feminismo que chamavam a atenção para a questão da
opressão e da desigualdade social a que as mulheres se submeteram até aquele
momento.
A educação da mulher, que fora negada sob o preceito de que conhecimento e
saber eram desnecessários e prejudiciais à delicada constituição física e intelectual do
gênero, passa a ser de suma importância a partir do momento em que, dentro do quadro
sócio-econômico, a figura feminina é convocada a assumir um papel fundamental a
partir dos novos paradigmas sociais vigentes:
(...) mantenedora da família e da pátria (...) Do princípio até a metade do século, a
vida social, as expectativas sobre a conduta feminina, as doutrinações religiosas da
Igreja Católica, as implicações na sexualidade, o controle da feminilidade e as
normatizações sociais, aliadas às exigências de casamento religioso, batismo dos
filhos e a confissão dos pecados, significavam uma exarcebada vigilância do corpo e
da alma das mulheres. A necessidade de instruir-se e educar-se constituía um dos
principais anseios para sua libertação e uma forma de alterar um destino imposto
pela sociedade moralizadora que se erigia nos padrões de uma época resultante de
um acelerado processo de urbanização.
223
As mulheres dos grupos privilegiados da sociedade nesse período, segundo os
estudos de Pinsky e Pedro (2003), conquistaram poderes relacionados ao papel de mãe
que, acrescido da nova função de formar homens, seriam utilizados como justificativa
222
Cunha, 2002,
223
Almeida, 1998, p. 33, p. 78.
para lutas por direitos e por novas inserções e atuações sociais. Assim, a partir da
valorização de virtudes e papéis tidos como femininos (abnegação, afetividade,
docilidade, responsabilidade de zelar pela moral, paciência, entre outros), as mulheres
ampliaram seus espaços de atuação, sob a égide de que deveriam tomar conta da
sociedade, assim como faziam com seus lares.
224
Esse quadro de ocupação da esfera pública foi ganhando espaço na imprensa educacional e feminina desenvolvida em fins do
século XIX e ao longo das primeiras décadas do século XX no Brasil, representando, segundo Almeida (op. cit.), um modo de
veicular idéias e costumes no país. Servindo para possibilitar expandir os sentimentos femininos sufocados, a imprensa aparece
como uma oportunidade de decifrar o cotidiano das mulheres e divulgar as novas formas de sociabilidade das mesmas.
Entende-se, contudo, que os discursos analisados na imprensa educacional, vistos como práticas, configuram-se em construções
de determinados grupos sociais atendendo, de acordo com Cunha (op. cit.), a interesses igualmente determinados e, por isso,
não podem ser entendidos como neutros ou universais. Dado às limitações, é nesse sentido que o Traço de União, assim como
outros impressos, mostra-se relevante para o tipo de pesquisa aqui proposta, uma vez que é suporte de uma escrita que delineia
e enfatiza, a partir de um enfoque local, a mulher representada pelo mundo do qual fez parte, contribuindo, dessa maneira, para
o enriquecimento dos estudos de gênero e de História da Educação na medida em que fornece, em especial, mais uma versão da
cultura escolar, numa instituição feminina.
Atrelando o conhecimento feminino à administração da casa e à criação dos
filhos, as mulheres do fim do século XIX e início do XX, tiveram ingresso no mundo
público, de acordo com Müller (1998), devido à sua suposta competência doméstica.
Segundo positivistas e higienistas, ao educá-las, elas poderiam influenciar
positivamente, no seio da família os destinos da sociedade. Tratava-se de um projeto
civilizatório das família da elite, no qual a mulher teria importante papel na sociedade.
A idéia que emerge com a Proclamação da República é de que não existia um povo,
precisava-se, assim, formá-lo. A escola, então, acabou sendo o espaço público
privilegiado para a construção de uma identidade nacional e também para conformação
da mentalidade popular, sendo a mulher designada a dar vida a todos esses processos:
posta no papel de protagonista dessa epopéia, verdadeira construtora da civilização
brasileira, a professora primária submeteu-se aos processos disciplinadores, adequou-
se ao modelo, transvestiu-se de vestal da pátria. Simbolizou e deu sentido à idéia de
pátria.
225
Apesar de a autora direcionar essa idéia de que a mulher deveria ser responsável
pela construção da nação
226
àquelas que atuaram como professoras primárias, no estudo
aqui desenvolvido, parte-se do princípio de que as construtoras da nação eram formadas
pelo Colégio Jacobina não somente para atuarem nos espaços escolares, mas também
nos lares e na benemerência, com a finalidade de formar a consciência dos futuros
cidadãos. E foi nisso que se fundamentou a instrução feminina dada pela instituição,
224
Pinsky e Pedro, 2003, p. 274.
225
Müller, 1998, p. 172.
226
Essa idéia é baseada na tese de doutorado As construtoras da nação de Maria Lúcia Rodrigues Müller,
1998.
inicialmente pelas mãos de Isabel Jacobina Lacombe e, posteriormente pelas de Laura
Jacobina Lacombe que, ainda na década de 50, defendia essa questão com a mesma
convicção de sua e na década de 20 e 30. Entre os projetos de disseminação desse
ideário, estavam os espaços destinados às ex-alunas nas publicações do Traço de União,
que procuravam definir através dos discursos a imagem de mulher que deveria não
construir, mas, com o passar das décadas, transformar e reconstruir a nação brasileira.
Ao longo dos anos, diversas formas de participação efetiva das ex-alunas no
periódico foram incentivadas pelas dirigentes. Inicialmente, e mais precisamente nos
primeiros jornais da segunda fase, essa tentativa de elo pareceu se dar por objetivos
despretensiosos. Práticas de relatos das viagens e envio de notícias entre as ex-alunas
que saíam do Rio de Janeiro, fosse para passar férias ou morar, passaram a ser
estimuladas, aparentemente, sem nenhuma intenção política. Muitos textos e cartas são
produzidos e enviados para publicação, descrevendo os lugares por todo o Brasil e pelo
exterior, comentando sobre bitos de seus povos e o dia-a-dia das viajantes. Em um
dos periódicos, inclusive, foi possível ver que em um cantinho pequeno do Traço de
União havia um desses pedidos direcionados a ex-alunas que se encontravam fora do
país: Pedimos às ex-alunas do curso, que acham no extrangeiro, que nos mandem
notícias acerca dos paízes que estão viajando. Como será interessante sabermos sobre
as impressões das collegas e costumes dos paízes extrangeiros. O Traço de União tem
leitoras na Hollanda, Itália, na Suissa e no Uruguay.
227
É comum, principalmente nos primeiros números impressos, encontrarmos,
diversas formas de perpetuação do elo de ex-alunas com a instituição nesse sentido.
Seções como “Reminiscências”, nas quais as ex-alunas escrevem textos saudosistas e
descritivos da sua época de colégio, e “Correspondência” e “Cartas”, em que tanto
alunas bem mais antigas quanto as que estão afastadas do curso temporariamente, por
motivos de viagens ou doença, correspondem-se com as colegas, professores e direção,
publicamente, são constantes nas edições da segunda fase.
Além disso, também são encontradas publicações de fotos dos chamados “Os
netinhos do curso” que incentivavam as antigas alunas, que eram mães, a enviarem
retratos de seus filhos a fim de que a grande família do Curso continue sempre unida.
228
Essa seção, que era composta geralmente por imagens que vinham com legendas
explicitando o nome dos pais das crianças que eram ligados ao colégio, representavam
227
S/n. ‘Um apello’. Traço de União, 1925, nº 3, p. 6.
228
S/n. ‘Netinhos do curso’. Traço de União, 1926, nº1, p. 3.
os laços de parentesco que a instituição insistiu em reforçar ao longo das fases da
publicação.
Nesse primeiro momento do impresso, já se nota que variadas fotos são enviadas
para publicação. As leitoras e colaboradoras do periódico institucional mostram-se, a
partir dessa seção, cada vez mais numerosas com o passar dos anos. Ao longo das fases,
essa prática se perpetua e vai criando novos espaços, formas e títulos na diagramação da
revista. Surgem, assim, principalmente a partir da fase do periódico, espaços para a
publicação de fotos de “Os Netinhos Gêmeos do Colégio Jacobina”.
N
o entanto, toda essa preocupação em retratar o colégio como uma grande
família que nunca se esquecia ou rompia com os antigos laços, na verdade, era uma
forma de promover e fazer perpetuar pelos discursos publicados um modelo de
instituição que educava mulheres para um compromisso social a partir do casamento e
da maternidade, de acordo com o modelo francês católico, no qual o Jacobina pretendeu
se inspirar até o fim da direção de Laura Jacobina Lacombe. Responsabilizada pela
educação de várias gerações de uma mesma família, a instituição fundada por Isabel e
Francisca mostrou-se, assim, comprometida com os valores católicos fundamentados na
Fotos dos filhos das ex-alunas enviadas para edição da revista. Traço de União
, 1943, n. 1, p Arquivo da
CELPI.
mãe de família bem educada que fora instruída para contribuir para uma sociedade
melhor.
No período em que teve início o Traço de União como impresso, na década de
20, a preservação e a expansão do catolicismo passava necessariamente pela retomada
de sua posição como guia oficial da espiritualidade das elites e do povo. Dessa forma,
com o objetivo de tornar legitíma sua posição, a Igreja, por intermédio dos intelectuais
católicos, apropriou-se dos diferentes mecanismos para difundir sua concepção cristã
nos meios educacionais. Isabel e Laura Jacobina Lacombe, que já se envolviam na
década de 20 com essas questões e defendiam a educação católica na formação
feminina, começaram a pensar em formas efetivas para atender aos pedidos de difusão
dos ideais da Igreja.
Para tanto, precisariam de novos voluntários para seguir na grande cruzada
religiosa contra os males sociais. Por isso, entende-se que o Colégio Jacobina não se
dava por satisfeito em manter o contato com as ex-alunas indiretamente, como acontecia
por meio do envio e da publicação de cartas, fotos ou textos saudosistas vistos nas
primeiras edições. A instituição, representada aqui por sua direção, na verdade, não
somente desejava como também precisava divulgar pelos espaços da publicação o
contato direto com as que já haviam se formado, principalmente na década de 30.
Assim, se logo nos primeiros números do periódico, as ex-alunas colaboravam
prioritariamente com uma escrita literária, saudosista ou narrativa, pode-se dizer que em
fins da década de 20, esse quadro se inverteu e a suposta participação despretensiosa
dessas nas publicações passou a ser demandada por objetivos mais precisos. Três
propostas emergiram nesse momento diluídas nas páginas das edições do Traço de
União com a finalidade de disseminar, entre os leitores, discursos pautados nas
representações acerca das ex-alunas que, de acordo com seus compromissos e sua
missão na sociedade, sentiam-se motivadas a retornar à sua segunda casa, mantendo a
família do colégio sempre unida. São elas: reuniões e retiros para antigas alunas, curso
de aperfeiçoamento e trabalhos filantrópicos.
Dentro desse contexto, além de mães zelosas, as ex-alunas começaram a ser
representadas, a partir das edições da revista, por outra imagem associada também ao
catolicismo: a da militante católica.
Foi partindo do contexto de retomada do poder católico que o Colégio Jacobina
convocou as ex-alunas e demais membros da família jacobinense para participarem
dessa ação que visava a recatolizar e conduzir o povo conscientizando-o dos ideais a
serem veiculados a partir dos novos objetivos da Igreja. Se no início isso não foi a
prioridade, logo foi possível ver muitas citações no Traço de União sobre grupos como,
por exemplo, as jecistas e as missionárias da Ação Católica
229
, que segundo Alves
(1997), seriam uma espécie de soldados de Cristo, que buscavam erradicar o mal a
partir do discurso católico difundido na época.
Em carta publicada, uma ex-aluna dissertou sobre a intervenção da Igreja na
visão social ocorrida em relação à mulher moderna. Segundo a autora, foi o catolicismo
que abriu os horizontes femininos, defendendo que a alma da mulher é igual à do
homem. Para ela, essa nova concepção trazida pelo catolicismo animava as mulheres a
exercerem por meio de suas luzes intelectuais, e também pelo coração, seu papel sobre
os governos, sobre o povo, sobre a vida de família e sobre a vida religiosa. De acordo
com a mesma autora, enquanto os antigos condenavam a mulher à escravidão, os
modernos incutiam-lhe orgulho, e somente o catolicismo lhe confere a justa medida
nesse grande organismo social.
230
Decididas, como todas as militantes católicas encorajadas pelo cristianismo que
povoava as mentes femininas intelectuais do país, as ex-alunas do Colégio Jacobina,
comandadas por Isabel e Laura, fizeram-se, por meio do Traço de União, presentes na
difusão desse ideário que fazia uma crítica feroz às acusações racionalistas contra a
Igreja.
Segundo, Giorgio (1991), a Igreja Católica do século XIX escreve-se no
feminino, pois começa a perceber que a prática religiosa das mulheres é mais intensa e
regular que a dos homens. Formalizando, dessa maneira, o papel feminino na sociedade
que vinha decretando falência à sua força, o catolicismo renovou os valores sobre os
quais construiu um novo sentido de identidade das mulheres. Reservadas anteriormente
aos domínios privados, as mulheres começaram a ocupar as esferas públicas para
defender os interesses católicos que, a priori, emergiram na França, tocando,
posteriormente, outros países católicos com tempos e intensidades diferentes.
Essa sensação de emancipação dada pelo catolicismo transformou as mulheres
do Jacobina em militantes católicas que executavam, assim como muitas mulheres de
outras partes do mundo, seus trabalhos idealistas de vários modos. Nesse sentido, as
páginas do Traço de União, apareciam como um excelente meio de divulgação e
construção dessa força feminina que surgiu a partir de propostas feitas por esse colégio
229
Tais grupos trabalhavam ações transformadoras a partir do Novo Testamento.
230
Marilu. ‘Cartas de Letizia’. Traço de União, 1926, nº 3, p.8.
religioso. Acreditava-se que só essa mulher formada de modo integral – espírito, caráter
e intelecto - poderia ser capaz de tornar os países lugares melhores para se habitar.
Desse modo, uma primeira proposta do periódico para disseminar os discursos
baseados nessa mulher construída pelo imaginário jacobinense, está nas reuniões e
retiros das antigas alunas promovidos pelo colégio, em que são discutidos temas como a
necessidade da educação feminina para a família e o papel da religião nesse contexto e
no âmbito social. Pia União das Filhas de Maria, por exemplo, enquadrou-se nesse tipo
de encontro que foi divulgado e promovido pelo periódico escolar, principalmente nas
suas e fases de publicação. Precedidas de missas, a Pia União das Filhas de Maria
eram reuniões, nas quais as ex-alunas tratavam de assuntos como a Ação Católica que,
segundo Alves (1997), tinha como objetivo, na primeira metade do século, pleitear e
defender uma teologia mantenedora dos alicerces que estruturavam a sociedade a partir
da idéia de pátria, da constituição da família, do respeito às autoridades e aos
antepassados. Em uma passagem do terceiro número de 1933 do Traço de União é
possível entender a significação dessas reuniões para as mulheres do Jacobina: Ser
apostolo, ser sucessor daquelles discípulos de Jesus que viram e viveram com Ele,
continuar, portanto, uma obra de antepassados tão nobres, é a missão de todo aquele
que se inscreve na Ação Católica. (...) é uma ação própria de leigos tendo por fim a
salvação das almas e a propagação do reino de Cristo.
231
Entre os ideais difundidos nesses eventos, que ganhavam sempre uma matéria no
periódico, reforçava-se a idéia de que a mulher formada pelo Jacobina deveria sair da
instituição preparada para conduzir com amor suas próprias famílias, sendo sua
obrigação acompanhar e compreender os maridos formando-lhes os dotes do
coração
232
. Na palestra que inaugurou as reuniões mensais das antigas alunas em 1925,
a professora Maroquinha Rabello, uma das irmãs de Isabel Jacobina Lacombe, conduziu
o encontro se apropriando de interpretações bíblicas que estipulavam as virtudes que
determinavam quem deveria seguir para o inferno ou para o paraíso. Com esse discurso,
aproveitava-se para fundamentar as representações femininas vigentes e decretar o
papel da mulher na sociedade:
Nós, mulheres que temos pyra
no peito a arder ao fogo o amor sujeito,
nós que temos alma que suspira,
231
Maria Helena Amoroso Castro. ‘Ação Católica’. Traço de União, 1933, n. 3, p. 11.
232
Isabel Jacobina Lacombe. ‘Echos de 1929’. Traço de União, 1930, nº1, p.2-3.
e um coração ao sacrifício affeito...
Nós, que sabemos dedilhar a Lyra
Para cantar o amor puro e perfeito,
Devemos para quando o mal nos fira,
Ter o escudo da fé de encontro no peito
(...) E bemdirá o mundo o nosso sizo,
se cada uma de nós salvar um homem
e leva-lo comsigo ao paraizo!
233
Esses versos que, segundo o Traço de União, encerraram a palestra,
sacramentaram esses ideais católicos e ficou claro que tanto para o bem, quanto para o
mal, a influência feminina, de acordo com tal concepção, passou a ser considerada
determinante. Assim, os encontros das ex-alunas dentro do colégio faziam parte de um
projeto maior de difusão e irradiação dos ideais renovadores católicos que acabavam
ganhando espaços nas publicações do Traço de União, que era lido por alunas, ex-
alunas e familiares.
Fora esses encontros, o Curso de Aperfeiçoamento que, conforme anunciado em
1926, fez o Colégio Jacobina ter a satisfação de ver voltar para esses novos cursos,
diversas antigas alumnas que comprehenderam a necessidade de completar sua
instrucção
234
, seria uma segunda proposta de disseminação de discursos sob o modelo
feminino que o Jacobina pretendia configurar para atuar na sociedade. A partir de aulas
de português, literatura, hygiene, trabalhos manuais, datilografia e estenografia, as ex-
alunas mantinham, além do vínculo com o colégio e com o universo que o norteava,
também uma educação continuada para que ocupassem seu tempo se aperfeiçoando de
modo útil, como a Igreja defendia que fosse.
Segundo os estudos de Camacho (2005), o catolicismo propagava que as
mulheres não deveriam ficar presas às futilidades da vida material. Não deveriam ser
bonecas enfeitadas, mas sim virtuosas e religiosas.
235
De acordo com a mesma autora,
a Igreja condenava a vaidade e defendia que essa deveria ser substituída pela dedicação
e pelo amor ao próximo.
Assim, uma terceira e última proposta de disseminação de discursos percebida,
estaria relacionada aos trabalhos filantrópicos constantes que se fundamentavam,
principalmente, no auxílio à maternidade, quando as ex-alunas entregavam enxovais
233
Mariquinha Rabello. ‘As Heroínas de Dante’. Traço de União, 1925, n.2, p.1.
234
S/a. Traço de União, 1926, n. 1, p. 6.
235
Camacho, 2005, p. 131.
produzidos por elas mesmas no grupo que elas nomearam “Theresinha do Menino
Jesus”.
O campo da filantropia possibilitou que as mulheres da boa sociedade
ampliassem sua vida social e pública, sem que fosse provocada uma ruptura com seu
ambiente natural que deveria ser, de acordo com Guido (1992), a família. Estimuladas
pela cultura católica, as mulheres do Colégio Jacobina se doavam fundamentadas em
um modelo feminino de virtude, amor e devoção ao próximo que justificava a sua
missão na terra.
As mulheres nesse sentido apareciam como poderosas e influentes e, por mais
que sua participação no mundo público fosse incentivado por meio de ideais fundados
em princípios discriminatórios, a possibilidade de sair do âmbito privado defendida pela
Igreja as fez servas, missionárias e militantes prontas a seguirem na cruzada da fé. Se a
Proclamação da República fez com que Estado e Igreja rompessem, gerando um clima
laicizante, às mulheres da elite foi dado o poder de combater de modo a se sentirem
úteis, juntamente com os demais religiosos – a incredulidade, a fim de que o catolicismo
ocupasse efetivamente o terreno da educação.
Baseadas nisso, as ex-alunas, que sempre tiveram espaço reservado nas páginas
do Traço de União, escreviam, na maioria das vezes, pedindo auxílio aos leitores do
periódico e deixando mensagens baseadas em sua cristã; tão aplicada na formação
dada pelo Colégio Jacobina que reforçava a necessidade da caridade e do amor ao
Fotos tiradas no retiro espiritual das antigas alunas com Padre Rezende e na entrega de enxovais à maternidade
.
Traço de União, 1929, nº4, p.3 e 1926, nº4, p.7. Arquivo da CELPI.
próximo, que quem aos pobres empresta à Deus.
236
E foi, sob essa justificativa,
que a participação delas sempre foi bastante presente e ativa não nas primeiras fases
da revista, como também nas posteriores, nas quais se manteve, igualmente, o propósito
principal de mostrar e construir elos por meio de discursos sobre o papel da mulher na
militância católica, na família e na sociedade a partir de ideais intimamente relacionados
à filantropia e à religião: Vemos portanto que as nossas alunas não se dispersaram,
estão agindo, estão no apostolado.
237
“Retiros das antigas”, “Ação Católica”, “Costura
dos pobres”, “Relatório do Grupo Therezinha do Menino Jesus”, “O Congresso
Eucarístico”, “Relatório dos trabalhos da Pia União das Filhas de Maria”, são alguns
dos títulos que, nomeiam constantemente, os textos explorados pelas ex-alunas ao longo
dos anos de publicação, com exceção das edições que saíram a partir do fim da fase,
quando os tempos eram outros e as alunas criavam, mais freqüentemente, perspectivas
de vida que iam além do casamento, da maternidade, dos eventos sociais e da
filantropia. Não que as ex-alunas tenham perdido seu espaço completamente, mas, por
fim, esse, enquanto estratégia de disseminação de imagens femininas atreladas à
construção, reconstrução e transformação da nação, passou a ser suprimido em razão
das novas demandas sociais do nero como veremos melhor ao analisar os discursos
publicados na seção “Ecos”.
3.2. “Ecos”: o papel social feminino nos discursos de formatura
S
e por um lado os espaços reservados às ex-alunas se fundaram na disseminação
de discursos focados mais precisamente na militância feminina católica e na relação
entre escola e família, por outro, os discursos publicados na seção “Ecos”, para além
desses, pautam-se, também, nas discussões sobre mulher e trabalho e educação feminina
católica, enredados na justificativa de que o progresso da nação dependia da atuação
social feminina.
Destinada às formandas, aos paraninfos e à direção para que esses expusessem,
por meio da transcrição dos discursos, os idealismos contidos nos textos formais
proferidos na cerimônia de formatura, a “Ecos” será o segundo espaço aqui analisado.
Caracterizada, mais do que qualquer outra coisa, por sua comunicação direta entre
236
Lílian Fortunato de Britto. ‘Um modo de ajudar as creanças pobres’.Traço de União, 1929, nº3, p. 6.
237
S/n. ‘Pequeno histórico do Traço de União’. Traço de União, 1933, n. 3, p. 2.
direção e leitores, ela se apresenta como a seção mais expressiva do Traço de União.
Buscando construir imagens referentes à instituição de ensino e as alunas que essa
formava, os colaboradores que nesse espaço assinavam, procuraram passar para o leitor
que o Jacobina estava entre os colégios mais conceituados do país, justamente por se
empenhar na formação de mães educadoras cristãs, a partir de métodos modernos, com
a finalidade de que essas exercessem suas supostas funções sociais.
De acordo com o estudo de Cunha (2002), compreende-se que os discursos de
formatura são importantes para fornecer as representações circulantes no imaginário
social de um período, além do instrumental simbólico de uma época e dos papéis sociais
esperados dos sujeitos escolares envolvidos. Os discursos seriam, segundo essa autora,
produções simbólicas de mulheres do seu tempo que, como atores sociais, davam
sentido, pelos discursos, a suas práticas.
Reunindo as falas dos mais hierarquicamente conceituados sujeitos desse colégio
– Isabel Jacobina Lacombe, Laura Jacobina Lacombe, professores e alunas jacobinenses
do último grau de estudo da instituição –, essa seção apareceu no periódico para
legitimar as representações sociais acerca dos ideais de mulher e educadora vigentes,
propagando, no imaginário do leitor, a idéia de colégio ideal.
Além disso, por meio dela também é possível acompanhar as rupturas e
continuidades do processo e do pensamento educacional que se desenrolavam no país a
partir do fim da década de 20 e, também, o que era instituído no colégio a partir desse
cenário. Acima de tudo, os discursos expostos na “Ecos” revelam como Isabel e Laura
Jacobina Lacombe se posicionaram diante dos ideais que emergiram dos momentos
vivenciados socialmente, repercutindo assim diretamente no instituído dentro do
Jacobina e, conseqüentemente, no que foi publicado nas páginas do Traço de União.
Sempre publicado na edição número um de todas as edições do periódico, pode-
se concluir que esse espaço acabava permitindo que os leitores do Traço de União,
começassem o ano letivo com diferentes testemunhos orientados sob visões de mundo e
educação semelhante à de seus pares.
Acredita-se que o nome dado a essa seção, que começa a aparecer em 1928,
deve-se justamente por ela publicar, sempre na primeira edição do ano, o que se passou
no término do ano anterior, sendo de certo modo, um eco ou uma repetição daquilo que
fora dito um tempo, mas que não teve oportunidade de ser veiculado antes, já que as
alunas entraram de férias nesse intervalo de tempo. Apresentava-se, portanto, muito
mais viável publicá-los no início do outro ano, pois os pais das alunas que entravam na
instituição, também poderiam ler e ter acesso ao universo que nortearia suas filhas.
A formatura escolar, de acordo com Cunha (2002), é um dos rituais que
representam momentos especiais construídos pelas sociedades e, geralmente, regulados
pelas instituições que as promovem. Assim, aproveitando que os diplomas eram
entregues na mesma cerimônia de encerramento de fim das aulas, quando compareciam
as alunas de todas as séries e seus familiares, as dirigentes do Jacobina faziam discursos
mais amplos, nos quais falavam sobre o cotidiano do colégio e os ideais que visavam a
contribuir para a formação integral de suas alunas. Ao delas, nesse mesmo dia, juntava-
se o das oradoras e os dos professores, sendo os melhores discursos desse evento
selecionados para publicação. Mas quais eram considerados os melhores?
Para Vaz (1998), o processo de produção de um periódico é resultado de uma
série de filtros que acabam envolvendo a seleção do que é ou não publicado,
transformam o conteúdo em uma representação do real, ou seja, passa a não ser
mais a realidade que está ali presente e sim uma interpretação que se tem dela.
Baseada nisso, pode-se inferir que com a finalidade de transformar as verdades
instituídas pelo colégio, na única possível, as responsáveis pelo periódico
direcionavam e selecionavam o que deveria ser lido para criar uma espécie de
ser percebido, uma representação, que deveria constituir a identidade daquele
grupo ou meio.
238
Assim, tendo sido feita a opção de trabalhar com os periódicos publicados a
o
final da década de 50, pois foi o período em que a seção em destaque parou de ser
publicada, esse estudo defende que o Traço de União, ao divulgar os discursos de
formatura, além de se apresentar como o melhor porta-voz dos ideais semeados pelas
dirigentes e pelos professores dentro do colégio, também passa a ser vitrine do que
havia sido apropriado pelas alunas durante o percurso de formação.
3.2.1. Direção, professores e alunas por uma nação católica
238
Idéia construída a partir dos estudos de Chartier, 2002.
No momento em que foi sugerida a publicação de um espaço específico
destinado ao que era proferido nas formaturas do Colégio Jacobina, o país vinha
atrelando seu progresso à educação. O desenvolvimento industrial em expansão, aliado
ao processo de urbanização das capitais, acabou por entregar à escola a responsabilidade
de contribuir tanto na produção como também na reprodução social, com a finalidade de
legitimar e fortalecer as práticas urbanas que interessavam às elites. De acordo com
Chamon (2005), foi em fins do século XIX e nas primeiras décadas do XX que as
mulheres entraram em cena, sendo chamadas a cumprir a nova missão de reprodutoras
de valores sociais. Consideradas, virtuosas, sensíveis, amorosas, abnegadas, elas foram
eleitas para ficar responsáveis pelo trabalho de preparação de mentes e comportamentos
que consolidavam os interesses da pátria.
Essa missão civilizatória foi entregue às mulheres apoiada por ideais positivistas
e católicos, que objetivavam reconfigurar a sociedade que se via como progressista e
esclarecida, sentindo, por isso, a necessidade de uma regeneração em âmbito nacional.
A partir disso, segundo Almeida (2004), desenvolveu-se a crença numa visão de escola
que cuida, ampara, ama, educa e domestica. Essa crença, que segundo a mesma autora,
seguiu ao longo das décadas do século XX, apoiou-se na figura feminina construída
pela imaginética social e lhe atribuiu o papel de guiar a infância, moralizar os costumes
e reformar a pátria. Assim, a figura da mulher atuante na escola-mãe que redime e
encaminha para uma vida de utilidade e sucesso é esculpida em prosa e verso.
239
Inúmeros apelos foram feitos para a participação da mulher brasileira se efetivar
na ação civilizatória. Pelos discursos, aparecia a importância do papel feminino em
vários setores da vida da sociedade, onde era sinalizada como indispensável sua atuação
para o futuro da nação. Sedutoras justificativas lhes colocavam de forma entusiástica
essa causa social. Exemplos dessas justificativas eram a continuação do trabalho no lar;
a preparação maternal e doméstica, o amor à pátria, a devoção, a missão, a vocação que,
entre outras, esbarravam no orgulho de suas famílias que, muitas vezes, sentiam-se
honradas em ter uma filha missionária a serviço do bem estar social.
Nesse sentido, intelectuais, educadores e políticos se uniram com a finalidade de
intensificar os apelos que defendiam ser o exemplo feminino fundamental para a
recriação dessa almejada pátria brasileira, onde a moralidade era vista como base da
239
Almeida, 2004, p.1.
civilização. Contribuindo também para essas configurações, os discursos veiculados em
manuais e revistas sobre educação, assim como as mensagens expressas nas teorias
pedagógicas e em outros meios de comunicação, apresentaram-se como um
fundamental maquinário simbólico na construção de imagens de mulher e de educadora.
Partilhando desse ideário, pode-se dizer que o Traço de União foi um dos
maquinários da época que alimentava no bojo de seu discurso a educação da
mulher a fim de orientá-la em sua nobre missão dentro da família e da
sociedade. Para isso, divulgou, de um modo muito particular, que somente sobre
a moral católica, com base nas leis de Deus isso poderia ser feito de forma eficaz.
Segundo Magaldi (2001), o movimento católico que surgiu na década de
1910 devido à necessidade de combater o clima laicista instaurado na República
pelo rompimento dos laços entre Igreja e Estado foi conduzido por meio de
instâncias e estratégias variadas. Destaca-se, entre estas, o Centro D. Vital que,
criado em 1922, instituiu-se como um imponente espaço de reflexão que, de
acordo com a mesma autora, era integrado por intelectuais sensíveis a um
cenário social de crise. Esse grupo, que partilhava das preocupações de outros
segmentos da intelectualidade brasileira, daquele tempo, no que consistia à
temática da identidade nacional, diferenciava-se justamente por ter, no núcleo
comum de seu discurso, a defesa da religião católica como referencial básico para
a construção da nação.
240
Nesse sentido, pela defesa de uma nação católica,
241
a educação foi
utilizada fortemente pela Igreja que, por meio do ensino religioso, conseguia
disseminar seus ideais em jogo nesse período. O Colégio Jacobina, assim,
consolidou essa idéia em sua prática, entendendo que ninguém melhor do que a
mulher naquele espaço formada, para ajudar a construir essa nação católica.
O que diferenciava o Jacobina de outras instituições formadoras
femininas católicas desse período, é que esse, apesar de preservar os preceitos
cristãos, foi precursor na idéia de proporcionar a suas alunas, tudo o que havia
de mais recente em métodos educacionais propostos pelo escolanovismo: O
Curso Jacobina procura constantemente modificar seus programas, melhorar e
modernizar os seus métodos, adaptando-os a vida moderna, que se vai também
transformando(...) Professores de hoje, procurai (... ) elevar cada vez mais alto o
nome do curso Jacobina e para esse fim, peço a Deus que lá do alto nos lance sua
benção.
242
Focados nas expectativas promissoras trazidas pela modernidade, os
discursos da direção, que em um primeiro momento eram representados por
Isabel Jacobina Lacombe, configuravam-se no imaginário social relativos ao
papel das mulheres para justificar a educação dada pelo colégio: É espinhosa
por vezes a nossa missão, mas qual neste mundo o caminho a trilhar sem
tropeços... (...) entre as primeiras meninas que nos foram confiadas, descobrimos
hoje com desvanecimento invejável, além das que adoram aos nossos salões, mães
de família exemplares, guiando com inteligência e critério, os primeiros passos dos
filhinhos queridos, nesta quadra difícil da nossa vida social. Além das mães de
240
Magaldi, 2001, p. 119.
241
Id.
242
Isabel Jacobina Lacombe, Traço de União, “Echos”, 1928, n.1, p.1-2.
família, o Jacobina também prestava acompanhamento, segundo a mesma
autora, a um grupo que a vocação para o magistério atirou na mesma estrada que
trilhamos. Com orgulho observamos a boa influencia que vão já exercendo sobre
as discípulazinhas pelo caráter bem formado, pelos conhecimentos que vão
armazenando metodologicamente no desejo de desempenhar esse apostolado
sagrado, na família e na sociedade.
O Curso Jacobina, que assim como o Sacré-Coeur
243
e outras instituições do
período que se empenhavam na educação formal, era visto como um importante espaço
de preparação de mães e esposas que deveriam seguir seus caminhos, guiadas pela
missão socialmente internalizada: a de iluminar mentes com a luz da verdade, instruir
pessoas e moldar as vontades com base no amor e a partir de suas virtudes.
Dessa maneira, ocupando as primeiras páginas do veículo de
comunicação das alunas do colégio, as dirigentes faziam da seção “Ecos” a
vitrine de suas idéias que eram, também, reapropriadas e difundidas por meio
dos discursos de professores e alunas. Assim, selecionadas somente as falas de
ideais semelhantes, é possível perceber que, ao longo dos anos, não costumavam
ser publicados, no periódico, todos os discursos da mesma cerimônia de
formatura que, conforme é possível inferir, sempre eram três: o da aluna
escolhida como oradora, o do paraninfo, o da direção do colégio.
Escritor
Ano
Dirigente Aluna/ oradora Professor/ Paraninfo
1928
Isabel Jacobina - -
1929
- - José Piragipe
1930
Isabel Jacobina Zélia Levy Abel Pinto
1931
Isabel Jacobina S/ nome S/ nome
1932
Isabel Jacobina - -
1933
Isabel Jacobina Maria Helena Castro Christovam L. de
Castro
1934
- Lia Riedel -
1935
- Maria Virgínia Amaury
de Medeiros
-
1936
Isabel Jacobina e
Chiquinha Jacobina
- -
1937
Isabel Jacobina - Mario Faccini
1938
Laura Jacobina - -
1939
- Lina Penna Sattamini -
1940
Laura Jacobina Regina Neiva S/ nome
1941
Laura Jacobina - Padre
Emanuel
D. Barbosa
1942
Laura Jacobina - Ariosto Espineira
1943
Laura Jacobina Marina Helena Lorenzo
Fernandez
Ariosto Espineira
243
Para saber mais sobre essa instituição de ensino, ver Guido (1992).
1944
S/ nome Heloisa Bevilacqua -
1945
S/ nome Anna Mª de Souza Leão
Braga
-
1946
S/ nome Maria Teresa de Abreu
Coutinho
-
1947
? - -
1948
Laura Jacobina Maria Pompéia Rache
Leal Costa
-
1949
Laura Jacobina - -
1950
Laura Jacobina Anna Luiza Cruz Lima
(3º colegial)
J. Mattoso Câmara
Junior
1951
- S/ nome Álvaro Dutra de Araújo
1952
Laura Jacobina - -
1953
- Vilma Guimarães Rosa
-
1954
Laura Jacobina Vera Maria Pacheco
Pereira
Dr. José Oiticica
Filho
1955
Laura Jacobina Teresinha Loureiro Lima Dr. José Oiticica
Filho
1956
? Vera Guimarães
(1º turma de educadoras
formadas)
1º da 4º série
Três paraninfos das
séries
1957
Laura Jacobina
Vera C. Lacombe (Educ.)
e Antiga aluna
Emília Carneiro
Nos trinta anos de periódicos analisados, percebe-se que quem mais teve
espaço nessa seção foi a própria direção, que publicou seus discursos em 24 anos
das edições, sendo em maior número os discursos de Laura que em 1936 passa a
ser diretora no lugar de sua mãe. No entanto, a mudança na direção não foi
significativa, pois ambas, mãe e filha, tinham concepções semelhantes de mulher
e educação, fato comprovado pela própria trajetória de suas vidas que,
inicialmente transitavam entre a fé e a educação: o catolicismo e a Escola Nova.
Em uma propaganda encontrada na revista da Associação Brasileira de
Educação (ABE), é possível saber qual o objetivo da instrução oferecida pelo
colégio naqueles tempos:
Finalidades:
1º - Formar a mãe de família capaz de orientar ou dirigir a educação de seus filhos.
2º - Desenvolver o raciocínio sem abuso da memória pela adaptação ao nosso meio
dos novos méthodos americanos e europeus.
3º - Formar protagonistas dos sãos princípios de moral capazes de melhorar a
sociedade e contribuir para o engrandecimento do Brasil.
244
244
Scholar – Revista da Associação Brasileira de Advocação. Departamento do Rio de Janeiro. N. 1-9,
1930, n.1, ano 1. ABE.
Na década de 20 e princípio da de 30, as dirigentes do Jacobina, ao
mesmo tempo em que atuavam ao lado de educadores leigos no cenário
educacional brasileiro, permaneciam convictas e militantes na causa da
Renovação Católica. Com foi possível ver anteriormente, os ideários
escolanovistas e católicos conviveram sem muitos problemas até 1931, quando
então Laura e Isabel abandonaram a Associação Brasileira de Educadores e
fundaram a Associação de Educadores Católicos (AEC) para continuar
defendendo a presença do ensino religioso nos colégios do país.
Recebendo o apoio de Francisco Campos, Ministro da Educação do
gove
rno autoritário de Vargas, as entidades cristãs traçaram planos de ações
para que a Igreja católica retomasse seu poder nas instituições educacionais em
troca de um novo elo com o Estado. Assim, nesse mesmo ano de 1931, de acordo
com Horta (1994), começou a ser introduzido o ensino religioso nas escolas
brasileiras. Sob argumentos de caráter pedagógico e filosófico, o ministro
desconsiderou a proposta de um ensino laico, proposto pelos pioneiros, e
apostou no apoio da Igreja para consolidação do governo oriundo da Revolução
de 30. Transferindo a responsabilidade da formação moral do cidadão para a
Igreja, o governo atendeu às exigências dos educadores católicos que, até então,
lutavam para que essa tarefa estivesse nas mãos da Igreja.
Por outro lado, pode-se constatar que o Estado utilizou a Igreja como um
poderoso mecanismo para reforçar a disciplina e a autoridade na sociedade.
Para Vargas, a revolução de 30 teria como objetivo o saneamento do ambiente
moral da pátria para reorganizar a moral da República. Com isso, o governo
desejava contar com todas as forças morais do país. Nesse sentido, segundo
Francisco Campos, uma destas forças morais era sem dúvida a Igreja.
De acordo com Horta (1994), a Igreja ainda que reagindo à sua utilização
como instrumento de mobilização política com fins pessoais, acabou assumindo
sua parcela de responsabilidade de formação moral do cidadão e na defesa dos
valores do autoritarismo, em troca do apoio governamental para suas obras e
instituições e de uma ação repressiva contra aqueles que se apresentavam como
um possível obstáculo à sua ação (...).
245
Acompanhando e apoiando a ação católica desse período, entende-se que esse
caminho escolhido por Laura e Isabel Jacobina Lacombe foi o que impulsionou suas
vidas de educadoras e deu sentido, assim, à formação de outras educadoras como pode
ser constatado no Traço de União que, a partir desse momento, passou a ter um perfil
ainda mais religioso do que antes. Compondo, dessa maneira, o grupo de impressos
utilizados como dispositivos de regulação e modelagem do discurso e da prática
pedagógica que estiveram presentes na disputa entre católicos e pioneiros, o periódico
do Colégio Jacobina foi um veículo estratégico de ação.
Segundo Carvalho (1998), os católicos se apropriaram do meio impresso como
um dispositivo que legitimava a autoridade para censurar os princípios da doutrina e da
245
Horta, 1994, p. 292.
prática escolanovista de seus adversários. Defendiam, contudo, tanto pelos impressos
das escolas religiosas, quanto por revistas dirigidas ao professorado, um discurso
escolanovista católico. Tal fato, além de confirmado pelos discursos publicados no
Traço de União, também podem ser verificados nos livros publicados por Laura
Jacobina Lacombe, assim como em seus textos em A Ordem, que entre outros dessa
revista, tinham o objetivo de recatolizar o país.
Os impressos católicos, assim, justificavam uma pedagogia cristã alicerçada em
motivações apresentadas pelo Ministro da Educação que amalgamava em seu discurso
religião, Estado, ordem e pátria, como assinalou Horta (op. cit.):
Onde porém a sua doutrina do estado? (...) E está, ao alcance do estado, um grande
pensamento, uma sólida doutrina, de ordem e paz (...) uma doutrina de hierarquia e de
autoridade, não, portanto uma doutrina religiosa, mas uma doutrina de Estado. (...) Se
a ordem nacional imposta aos patriotas, há de importar-lhes a Igreja Católica, a única
que, sendo universal, não é antinacional. Se queremos portanto preservar o nosso
caráter próprio, reagindo contra as doutrinas de dissolução cosmopolita, as doutrinas
antipatrioticas e antinacionais, embebidas de radicalismo individualista e de suspeitas
fraternidades, havemos de trabalhar pela Igreja Católica, senão pela religião, por
patriotismo.
246
Tentando naturalizar o catolicismo como religião universal, as instituições de
ensino buscavam incutir um discurso que mesclava interesses do Estado com o da
Igreja. O Traço de União não fugiu a essa regra. Com orientação de suas dirigentes, ele
transitou entre a e a ordem assumindo, juntamente com a Igreja, o compromisso
político estabelecido. Em um discurso de formatura de Isabel Jacobina Lacombe, é
possível compreender de que forma as educadoras faziam apologia aos preceitos
religiosos e nacionalistas, tentando envolver suas alunas nos trabalhos da Igreja que se
realizavam dentro do curso: Para coroar os trabalhos do ano tivemos a bela festa do
dia 08, dia de Nossa Senhora da Conceição, que reunimos a Pia União, vínculo
poderoso entre as nossas meninas de hoje e de ontem(...)Foram recebidas novas
aspirantes, novas Filhas de Maria, que ficarão ao mesmo tempo fazendo parte da
grande família do Curso Jacobina(...). Assim, os discursos que apareciam logo nas
primeiras páginas do periódico, buscavam a adesão dos leitores no combate à
incredulidade, por meio de artifícios como a utilização de imagens sagradas e apelos
nacionalistas: Assim velando à luz do Evangelho à moralidade, pela elevação do ideal
246
Francisco Campos apud Horta, 1994, p. 102
cristão, pelo aperfeiçoamento dos nossos costumes, colaborando na edificação da
sociedade na nossa Pátria.
247
Essa foi uma época em que o catolicismo permeou mais efetivamente não
apenas a escrita da Ecos”, como também a maior parte dos artigos publicados na
revista. Todos tendo como propósito a divulgação de ideais e preceitos da doutrina,
objetivando garantir que suas alunas continuassem cooperando com os trabalhos da
Igreja desenvolvidos por grupos como a Pia União das Filhas de Maria que tinha uma
sede no Jacobina.
É nesse sentido que, juntamente com os outros espaços da publicação
mencionados, a “Ecos” se apresentou como um campo cada vez mais fértil para a
difusão dos princípios disseminados pelo colégio, diferenciando-se entre os demais
somente pelo fato de suas responsáveis, por meio deste, promoverem diretamente aos
leitores as suas intenções em relação à educação renovadora oferecida pela sua
instituição.
O estudo de Camacho (2004) sobre uma instituição feminina católica permite
compreender que, a exemplo de outros, o Jacobina traçou como objetivo, nessa época,
preparar almas boas e fortes a partir do cultivo das virtudes cristãs que contribuíam para
a construção do caráter e do futuro de suas alunas. Dentro desse contexto, a educação
integral, que buscava instruir e formar o espírito cristão aparecia como uma
fundamental alternativa na educação feminina.
Era a partir da religião católica, segundo Almeida (2004), que eram
estabelecidas as relações de poder no nível simbólico e no imaginário. Dentro das
escolas, as moças seriam instruídas quanto à importância da castidade e da pureza; para
o padre, nas igrejas, deveria confessar qualquer pensamento impuro; dentro das
famílias, deveria ser impedida qualquer manifestação que se voltasse para a exploração
ou o exercício da sexualidade. No caso de qualquer transgressão apontada por uma
dessas três diferentes instituições que circundavam e completavam a vida das moças,
deveria haver punição.
Assim, partindo quase sempre de um apelo familiar, os discursos publicados
sugeriam que as alunas fossem instruídas não somente no colégio, que também dava o
aparato religioso, mas também em casa a fim de que elas não se expusessem aos perigos
morais da sociedade moderna: Senhoras mães, venho aqui fazer um apelo muito
247
Isabel Jacobina Lacombe, Traço de União, “Ecos de 1932”, 1933, n.1, p. 1-2.
especial a respeito dos divertimentos. (...) não tenham pressa em proporcionar festas de
dança à suas filhinhas. Os prejuízos morais que daí decorrem são mais graves ainda do
que o desinteresse pelo estudo. (...). De acordo com Laura Jacobina Lacombe, o colégio
zelava acima de tudo pelo aperfeiçoamento moral de nossas alunas e procuramos
incutir os princípios morais da nossa santa religião católica, sem os quais não poderá
haver família estável, sociedade moralizada. Assim, a partir dos discursos lidos no dia
da formatura e posteriormente publicados na página principal do Traço de União, a
educadora fazia questão de deixar claro para os familiares que o colégio estava fazendo
sua parte e, dessa forma, instruindo integralmente suas alunas: Além das aulas regulares
de religião, têm as nossas alunas um retiro anual onde recebem do nosso dedicado
amigo Monsenhor Magalhães os conselhos necessários para se manterem cristãs no
meio de uma sociedade francamente pagã. Todo cuidado será pouco para salvaguardar
esse patrimônio religioso dos princípios.
248
Percebe-se, dessa maneira, que a formação do caráter a partir dos princípios
católicos era considerada prioridade para instituições que seguissem a doutrina. De
acordo com Garcia (2001, apud Camacho, 2004), a promoção do homem em sua
integridade dentro das instituições católicas é um reflexo da crença de que todos os
valores humanos encontram a sua realização plena no cristianismo.
249
À altura da instrução recebida, até a década de 50, as alunas respondiam como
verdadeiras discípulas de Laura e Isabel que reconheciam na sua alma feminina, a
fortaleza e a abnegação exigidas da mulher da época. Dissertando sobre a base moral e
cristã cultivada pelo Jacobina, a oradora Regina Neiva reafirmou a importância da
instrução do colégio: Todos esses anos servem como prova de que devemos cultivar
nossa quase infantilidade; por termos vivido num gorgeio constante (...) isto não
representa a negação dos espíritos fortes, de acordo com a autora, contrariamente, isso
viria como afirmativa de almas femininamentes femininas, que num momento dado
podem dar exemplo, de uma candura ímpar, de uma grande abnegação, de dotes outros
inequívocos, apoiados firmemente sobre sólida base de moral cristã.
Igualmente ao que ocorria no espaço destinado às ex-alunas no periódico, a
“Ecos” buscava reafirmar através dos discursos que o Colégio Jacobina era um segundo
lar para todas as suas alunas que, dessa forma, eram vistas como filhas tanto para as
dirigentes quanto para os professores. Dentro desse contexto, as oradoras procuravam
248
Laura Jacobina Lacombe, Traço de União, “Ecos de 1939”, 1940, n.1, p.4.
249
Garcia, 2001 apud Camacho, 2004, p. 132.
mostrar aos pais, professores, direção e outras alunas, o que haviam apreendido
250
e
lançavam mão de discursos que reforçavam a importância da educação integral
oferecida pela instituição e tão útil para sociedade e família: A essa casa chegamos
algumas ávidas de curiosidade e encantamento, com o sorriso ainda da primeira idade,
e dela, todas nós apartamos hoje adolescentes, o espírito aberto a novas realizações e a
novos ideais, o coração formado para a nossa verdadeira missão na família e na
sociedade. (...). Para as alunas formadas nesse período, a escola deveria ser um espaço
que não deveria se preocupar com a parte intelectual, mas também cultivar o
coração, fonte para a mulher de onde emana a única força milagrosa capaz de
governar humildemente o mundo através da bondade, da beleza e do amor.
Defendendo, assim como a direção do Jacobina sempre o fez, a utilização do
conhecimento científico perspectivado sob uma ótica religiosa, as alunas acreditavam
ter recebido, dessa maneira, uma formação completa: E se a ciências sob esse texto foi o
farto alimento do nosso espírito, também a fé religiosa, de que se encheram aqui nossas
almas, foi alimento essencial a pureza dos nossos sentimentos, à nobreza das nossas
ações, à consciência do nosso dever: enfim, à formação do nosso caráter(...).
251
Portanto, fazendo alusão a esse ideário que mesclava educação moderna,
religião e a histórica questão da mãe educadora, a instituição divulgava e
reforçava, em todos os seus discursos, ao longo da década de 30, sua intenção de
formar esposas e futuras mães que, católicas e com um capital cultural dado por
uma boa educação, pudessem influenciar na formação dentro de casa com seus
filhos e, quando permitido pelos maridos, também no espaço público,
geralmente em alguma instituição de ensino primário. Em concordância com o
cenário político, econômico e social daquele momento, a instituição defendia que
a mulher era responsável pelo futuro da nação brasileira que, nesse período,
vivenciava um patriotismo exacerbado que era estimulado, entre outros meios,
por políticas públicas governamentais, como observa Horta:
(...) Para marcar o lançamento da candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da
R
epública, a educação aparece como um dos instrumentos apropriados para
assegurar a “Valorização do homem” e melhorar a condição de vida dos brasileiros
sob o ponto de vista moral, intelectual e econômico. (...) ao tomar posse na chefia do
Governo Provisório, em novembro de 1930, Getúlio Vargas anuncia um programa de
reconstrução nacional (...) A concepção da educação como problema nacional servirá
para justificar a intervenção ênfase na educação moral do cidadão traduzir-se-á,
inicialmente, pela introdução do ensino religioso nas escolas. (...) De acordo com
Vargas, o Brasil transforma-se-ia em uma grande pátria somente quando tivesse
educado seu povo.(...) Assim, ao lado da formação do cidadão capacitado para
250
Apreender nesse sentido quer dizer que além de aprender, as alunas internalizaram determinados
ideais.
251
Helena Castro, Traço de União, “Ecos de 1932”, 1933, n.1, p.3.
engrandecer a pátria com seu trabalho, Getúlio Vargas evoca a necessidade da
preparação de uma raça forte, capaz de amar e merecer esta Pátria engrandecida.
252
Nesse sentido, apesar dos professores e das alunas terem seus discursos
publicados em menor escala que as dirigentes nas décadas de 20 e 30, pode ser
observado que os ideais veiculados por esses diferentes sujeitos que atuaram na escola
eram muito próximos.
Todos eles buscavam, constantemente, atrelar as questões patrióticas
nacionalistas à instrução feminina sob a justificativa de que nessa se localizava o
ponto forte de uma sociedade que desejava progredir. Dessa forma, os discursos
reafirmavam a vocação feminina que consistia em fazer os outros felizes por
meio da prática do bem a partir das leis de Deus. Em um discurso de 1936, o
professor Mario Faccini, diz às alunas que três deveriam ser os sentimentos que
lhes acompanhariam por toda a vida: bondade, justiça, amor. Assim, em forma
de oração, o paraninfo conduz o discurso: Deus! Tu que tiveste a infinita
Bondade de nos fazer nascer sob este céu abençoado em que o cruzeiro cintila (...)
dá a esta mocidade, que hoje transpõe o limiar da verdadeira vida (...) Conduze
este punhado de moças, por entre os escolhos da existência, com a bússola
inigualável de Teu infinito amor. Terminando sua fala, Mario Faccini, ainda em
versos de oração, por meio de imagens femininas sacralizadas, pede que Deus
ilumine as moças ali formadas para que elas consigam obter êxito na condução
da felicidade de todos: Faze de cada uma delas verdadeira serva imorredouro
Culto, afim de que todas possam trabalhar com êxito pela própria felicidade, pela
felicidade do Brasil, pelo bem-estar da humanidade e por tua maior Glória!
253
Nesse período muito foi exigido da mulher. Para além do compromisso
social, a atuação, a presença e a sensatez feminina eram também cobradas nos
lares, antes mesmo do matrimônio. No entanto, antes de pensar no casamento,
que era apontado como o destino provável das meninas da classe média da
época, as alunas do Colégio Jacobina eram exigidas no estudo, já que só a partir
desse poderiam desempenhar bem seu papel dentro de casa.
Segundo Isabel Jacobina Lacombe, todas as mulheres precisavam ter um ideal
em suas vidas e justamente por isso a finalidade do curso era formar educadoras e as
educadoras por saliência na sociedade, são as mães de família. De acordo com a
diretora, apenas uma insignificante porcentagem de mulheres se destinavam às
academias. em relação à constituição de uma família, a estatística nos mostra que o
casamento é o destino provável e natural de nossas educandas. Por isso, a preocupação
do curso se voltava para o aperfeiçoamento das qualidades intelectuais das futuras
252
Horta, op. cit., p. 147-146.
253
Mario Faccini, Traço de União, “Ecos de 1936”, 1937, n.1, p.1.
esposas para que possam acompanhar e compreender os maridos e formar-lhes os
dotes do coração para que possam dirigir os filhos com a base e perfeita da nossa
moral católica.
254
Contudo, o nacionalismo exarcebado que tomou os setores do imaginário social
a partir do golpe de 1937, que instituiu o Estado Novo, como observou Almeida (2004),
acabou alterando a estrutura educativa nacional a partir de uma política educacional
fundada nos interesses das elites: consolidou-se assim nesse período um novo dualismo
educacional: de um lado as elites nas escolas de elevado padrão educativo, de outro as
classes populares sendo preparadas para o trabalho pelo ensino profissionalizante.
255
Foi consagrada com a Reforma de 1942 a divisão entre o ginásio, que a partir de
então seria de quatro anos, e um segundo ciclo de três anos, com a opção entre o
clássico e o científico. Paralelamente, uma série de cursos profissionalizantes também
deveria existir no nível do segundo ciclo, com a finalidade de atender aqueles alunos
que não objetivassem ingressar nas universidades. Sendo assim, segundo Schwartzman;
Bomeny e Costa (2000), os cursos ginasiais, de acordo com as exigências de um
programa mínimo comum nacional, que era controlado pelo Ministério da Educação e
Saúde, também funcionariam como habilitação básica para os cursos profissionais de
nível médio.
O pensamento que conduziu a educação no Estado Novo tinha uma tendência
elitista que refletia uma nítida permanência na dicotomia entre as classes sociais.
Segundo Horta (1994), a inspetora escolar do Distrito Federal, Alba Canizeres
Nascimento, a exemplo disso, defendia que o ensino primário deveria se fixar na
formação elementar mental das massas humanas, e o ensino secundário deveria formar
uma classe superior de cultura, tendo como missão, assim, coordernar as massas de
motores humanos lançados pela necessidade ao trabalho braçal e aumentar assim a
produção dos braços conduzidos por cérebros apenas conscientes.
256
Embora o Colégio Jacobina fosse uma instituição que visasse a atender à elite,
não concordou em preparar suas meninas para comandar o mercado de trabalho, apesar
de ter sido obrigada a mudar seus programas, como vimos no capítulo anterior. Achava
sim que deveria educar suas alunas para que essas atuassem sobre as massas, mas não
visando à profissionalização dessas e, sim, guiando seus espíritos sob a doutrina católica
254
Isabel Jacobina, Traço de União, “Echos de 1929”, 1930, n.1, p. 2-3.
255
Almeida, 2004, p.86.
256
Horta, 1994, p.141
para que elas disseminassem o bem pela humanidade. Isso poderia ocorrer ou através de
serviços filantrópicos ou de carreiras determinadas como femininas como a de
professora. Além disso, uma mulher bem educada poderia acompanhar melhor o marido
no sentido de lhe conferir a paz espiritual.
No entanto, se por um lado os planos educacionais estabelecidos nesse período
se voltaram para a profissionalização, pode-se dizer que, por outro só ajudaram a
reforçar as representações sociais femininas tradicionais. Para o Ministro da Educação,
Gustavo Capanema, os poderes públicos deveriam levar em consideração a diversidade
entre homens e mulheres, pois:
Mesmo reconhecendo que, ‘no mundo moderno, um e outro são chamados a mesma
quantidade de esforços pela obra comum (...) a educação a ser dada à mulher deve
diferir daquela dada ao homem, ‘na medida em que diferem os destinos que a
Providência lhes deu’ (...) ‘se o homem deve ser preparado com a temperança militar,
para os negócios e as lutas, a educação feminina terá outra finalidade, que é o preparo
para vida do lar. (...) ‘é a mulher que funda e conserva a família, como é também por
suas mãos que a família se destrói. Ora, ‘a família é a base da organização social’,
estando por isso ‘colocada sob a proteção especial do estado’. A este compete preparar
Solenidade de formatura da 5º série de 1942. Traço de União
, 1943, n.1, contracapa.
Arquivo da CELPI.
convenientemente a mulher na sua ‘grave missão’, através da educação que lhe é
ministrada.
257
Com a Reforma Capanema, mais uma vez assistia-se à vitória da elite catolica
no campo educacional e à oficialização da separação dos sexos nos colégios, o que se
traduzia na permanência das mulheres em seus espaços tradicionais onde, de acordo
com Almeida (op. cit.), os meninos seriam preparados para ocupar o mundo público, e
as meninas instruídas para o seu papel materno.
Com frases fundadas na tradição do nacionalismo cultural, o trabalho editorial
do Traço de União foi por muitas vezes influenciado. Procurando se engajar na
formação de uma cultura brasileira e na educação do povo, buscavam-se salientar os
deveres das mulheres, na realidade política e nos projetos em curso no Brasil dos anos
30. O papel atribuído à mulher, nas diferentes décadas que até agora foram aqui
analisadas, pareciam, dessa forma, sempre os mesmos, por mais que as finalidades
políticas se redesenhassem para outros fins.
Entre os apelos sociais, que se baseavam em temáticas em evidên
cia, na década
de 40, a II Guerra Mundial também tomou conta das publicações, que para além dos
discursos de formatura, igualmente recebeu solidariamente artigos e imagens de alunas,
como pudemos ver anteriormente. À frente das edições do período, discursos como o do
paraninfo Ariosto, professor do último ano, valendo-se da comoção que tomava a
sociedade da época, expõem o papel do feminino diante da crise vivenciada: (...) Em
meio à confusão dantesca que domina a Terra, porém, ainda não morreu a esperança
de se restabelecer o domínio da razão e do direito, da liberdade e da fraternidade
humana, da felicidade terrena. Para ele, a esperança estava na mulher que, como força
viva, moral e materialmente, lhe caberia no dia de amanhã um papel saliente na
reconstrução do mundo. Colaborando ativamente na salvação da Humanidade,
aceitando as missões que lhe foram impostas pela guerra total, a mulher conquista o
insofismável direito de tomar parte na recomposição do mundo de após a guerra. No
entanto, de acordo com o mesmo paraninfo, seria necessário que essa mulher estivesse
preparada para promover essa reforma moral na Humanidade, incutindo a dignidade no
homem. A educação, segundo essa concepção, deveria preparar as moças para saber
influenciar o homem pelo exemplo, pela bondade, pelo estímulo, pela resignação e,
257
Ibid., p.170
sobretudo, pela dedicação; para conduzir pelo coração e pela inteligência; para
dominar pela abnegação e pelo sacrifício. Si vem cabendo aos homens, até hoje, as
transformações sociais e a mulher tem exercido mediatamente a sua influencia, é a
ela, à sua aparente fraqueza que se há de dever a elevação moral da Humanidade.
258
Seja qual tenha sido a forma, ou a estratégia utilizada, os discursos
representavam o pensamento daquele grupo que, em meio a todas as crises e mudanças
que envolviam o percurso da humanidade pelas épocas, buscava consolidar uma
imagem de mulher supostamente construída em função da proteção e projeção do
homem. Os ideais católicos contidos no Velho Testamento, apropriados pelo periódico,
reforçaram significativamente a visão social de mulher baseados na crença voltada para
sua fragilidade física e moral, ao mesmo tempo em que lhe designava o poder.
Assim, além de disseminar, por meio desses ideais, a condição de subordinação
do gênero feminino, contribuiu para definir o trabalho que deveria ser pelas mulheres
realizado, atrelando a esse, uma justificativa de obrigatoriedade:
A mulher, considerada frágil tanto física quanto moralmente (criatura inspirada a
partir de uma costela de Adão), foi responsabilizada pela maldição imposta por Deus
sobre Adão: a expulsão do paraíso e a busca da sobrevivência pelo suor de seu
trabalho. Adão comeu da maçã proibida, mas foi Eva a causadora do Fracasso de
Adão. Parte da punição que coube a Eva por seu pecado foi o dever da obediência a
seu marido em todas as coisas. Os afazeres domésticos tarefa infindável deveriam
ser justa retribuição pelo pecado cometido por Eva e, também, uma forma de manter a
frágil mulher afastada das tentações.
259
Torna-se claro que os discursos de formatura publicados no período situado
entre 1920 e o início da década de 50, tinham dois apelos que acabavam se completando
e gerando a identidade da mulher pretendida por aquela instituição. De um lado levava
em consideração o contexto social que, ao mesmo tempo em que defendia que a mulher
era um ser sensível e frágil, deixava claro que ela era a figura mais capacitada para tirar
a sociedade das trevas e construir, transformar e reconstruir a nação por meio da
educação. Por outro lado, os preceitos cristãos católicos, fortemente arraigados às
verdades das dirigentes do Colégio Jacobina, pressupunham que a mulher
conseguiria alcançar sua missão, se fosse guiada pela fé, de modo que seu caráter fosse
modelado a partir dos ensinamentos do Criador.
258
Prof. Ariosto Espinheira. ‘Ecos de 1942. Traço de União, 1943 p. 3.
259
Pinsky; Pedro, 2003, p.25.
P
ode-se inferir dessa forma, que apesar das dirigentes do Colégio Jacobina
mostrarem um caráter renovador em relação aos métodos educacionais implantados
naquele período, chegando a ser referência devido a seu pioneirismo entre os colégio
católicos, percebe-se que a instituição não fugiu totalmente à realidade de outras
instituições educacionais daquele tempo. Ter defendido e implantado métodos de ensino
europeus e norte-americanos a fez, de fato, referência no Rio de Janeiro e no país,
principalmente por conciliar a doutrina religiosa vigente à sociedade da época. Aliás, foi
isso que a distinguiu das outras: a preocupação com a formação intelectual de suas
alunas que se sentiam valorizadas enquanto mulheres pertencentes a uma sociedade
Cerimônia de formatura das alunas do Curso Clássico, com a presença
e a benção
de D. Helder Câmara na mesa de entrega dos diplomas. Traço de União
, 1956, n.1,
contracapa. Arquivo da CELPI.
ainda preconceituosa e excludente. No entanto, ainda que valorizasse a instrução de
suas alunas, a instituição não chegou a transgredir as regras e nem a propor uma
mudança drástica em relação aos costumes femininos, pois embora constatasse a
submissão do gênero, embasou suas práticas e discursos no estímulo à conservação do
mesmo.
Com a necessidade de tornar pública sua opinião em concordância com o que
apreenderam, as alunas se propuseram, até então, a agradecer a instrução recebida e a
confirmar o que aquele grupo pensava diante do ser mulher na sociedade em questão.
Representando as formandas e também sendo porta-voz dos ideais jacobinenses, a aluna
que se destacou em 1947 por ter tirado nota dez ao longo do ano letivo, proferiu seu
discurso, elucidando o fato de saber que é uma das poucas mulheres daquela sociedade
que teve o privilégio de ser instruída espiritual e moralmente por um colégio como o
Jacobina. Partilhando das mesmas significações dadas pela direção do colégio em
relação à participação da família na instrução feminina, a oradora ressaltou que a
educação eficiente resulta da colaboração íntima do lar e do colégio. No lar, pelo
ensinamento e exemplo dos nossos maiores, aprendemos e assimilamos as virtudes
quotidianas cujo conjunto integra a nossa personalidade. Para ela, as moças deveriam
receber primeiramente no âmbito privado as primeiras noções do dever, da disciplina e
da ordem; que é nesse espaço que se aprende a obedecer, acatando os ditames de
nosso pais; ali é que hauridamos a compreensão dos deveres para com a pátria, a
família e a sociedade e a do princípio cristão da solidariedade humana. Sendo o
prolongamento do lar, o Jacobina, de acordo com a formanda, havia se colocado até
aquele momento, ao lado de outras instituições de ensino que souberam conservar sua
tradição e manter sua identidade, sabendo preparar mulheres para enfrentar os
problemas da sociedade, pois no mundo atual, conturbado e sofredor, no qual os
problemas mais variados e complexos surgem a cada momento desafiando soluções
justas, a colaboração da mulher se torna não somente exigível, mas imprescindível.
Representando o que as alunas jacobinenses pensavam de si e da aprendizagem
institucional, a oradora do discurso concluiu sua fala deixando claro que nenhuma das
que naquele espaço eram formadas, deveria perder de vista que, o fato de terem
recebido uma educação e cultura elevadas, tendo por isso chegado a um nível mental
superior, tornava os seus deveres para com a pátria, a família e a sociedade (...) cada
vez mais numerosos e mais graves.
260
Contudo, até esse momento, os discursos publicados pareciam ser resultado de
uma naturalização dos papéis femininos impostos pela sociedade desse período.
261
Pelo menos dentro do Jacobina, isso apareceu pela imprensa escolar sem
grande resistência, até a década de 50, quando então essa história começou a
tomar outro rumo.
Na década de 50, as mulheres não eram tão mal vistas pela sociedade ao se
lançarem em profissões diferentes do magistério. Ainda que a atuação dessas não fosse
estimulada declaradamente em ofícios diversificados, muitas se lançavam em outras
áreas, já provando igual capacidade do sexo oposto.
De acordo com Pinsky; Pedro (2003), a primeira metade do século XX passou a
recorrer à mão de obra feminina para ocupar o setor terciário. Assim, bancos, profissões
liberais e serviços públicos, especialmente no período entre guerras, foram os que mais
requisitaram as mulheres. Tal demanda, de acordo com os estudos das mesmas autoras,
foi facilitada por um maior acesso aos cursos secundários e superiores pelas mulheres
de classe média urbana que, encontraram apoio de suas famílias sob a justificativa de
que esses graus de estudos eram sucedâneos para os dotes de suas filhas.
262
Dentro do Jacobina, Laura não incentivava abertamente a iniciativa de suas
alunas que correspondiam às demandas de uma sociedade que se caracterizava,
principalmente após a II Guerra Mundial, pelo desenvolvimento do capitalismo social.
Nos anos de 1950/60 no país consolidaram-se
modelos de crescimento econômico pautados numa industrialização acelerada,
centrada no poder executivo, que desencadeou a ampliação do setor blico e
diversificou suas atividades internas, buscando atender as exigências de uma sociedade
urbano-industrial em expansão e em acelerado processo de transformação institucional
(...) Ao longo desses anos, o ensino superior, particularmente, sofreu impacto das duas
ideologias que se constituíram na base de sustentação dos governos que se sucederam
até 1964.
263
260
Maria Pompéia Rache Leal Costa. ‘Ecos de 1947’. Traço de União, 1948, n.1, p.1-2.
261
Lembrando que cada grupo incorpora o ideário social a partir das vertentes que foram atribuídas
pelo próprio grupo.
262
Pinsky; Pedro, 2003, p. 300.
263
Mendonça, 2003, p.505.
O ensino superior acabou, nesse período, tendo um primeiro surto, em cujo
processo de expansão o número de universidades existentes no Brasil passou de 5 (até
1945) para 37 (em 1964). Por outro lado, de acordo com a mesma autora, o número de
escolas, nesse momento, não chegou a duplicar.
264
Na metade do século XX, assim, a velocidade das mudanças econômicas acabou
provocando um grande impacto sobre o antigo modelo familiar, no qual, segundo
Moraes (2003), as mulheres ingressavam cada vez em maior número no mercado de
trabalho. Com isso, de acordo com a mesma autora, as mulheres vão alcançando
autonomia financeira e rompendo aos poucos com um forte elo tradicional: a
subordinação econômica da esposa ao marido.
Acompanhando o processo de feminização nas universidades de países
desenvolvidos, algumas alunas do Colégio Jacobina almejavam se lançar pelas mais
diversificadas profissões desde a década de 40, como explicita Laura Jacobina Lacombe
(1942) ao mencionar que embora elas quisessem se desvirtuar do caminho designado a
todas as mulheres, ainda faltava no Brasil ensino superior que atendesse a esse desejo.
No entanto, nos anos 50, isso se tornou diferente e, o que apenas era desejo, pôde se
tornar realidade.
Ricas, viajadas e com um vasto capital cultural e intelectual, as alunas do
Jacobina eram alvo certo dentro de uma sociedade que precisava de gente especializada
que acompanhasse o desenvolvimento de seu país naquele momento. Além do mais, os
referenciais de muitas moças que por esse colégio passaram, eram situados em países da
Europa e nos Estados Unidos, onde as mulheres vinham freqüentando universidades
e naturalizando esse difícil processo.
Aqui no Brasil, o trabalho feminino nesse momento ainda enfrentava
preconceitos, pois como essas ainda eram vistas, primeiramente, como mães e donas de
casa, a vida profissional e o casamento apareciam socialmente como forças opostas. De
acordo com Bassannezi (1997), um dos principais argumentos para as ressalvas sobre o
trabalho feminino, embasava-se no fato de que trabalhando, as mulheres deixariam de
lado suas obrigações com maridos e filhos e os afazeres domésticos, o que poderia
acarretar a instabilidade matrimonial.
264
Ver estudo de Cunha (1983) citado por Mendonça ( 2003).
Sob essa mesma prerrogativa, Laura Jacobina Lacombe discordava desse novo
contexto, e continuava reforçando, pelos discursos publicados no Traço de União, que
as mulheres deveriam seguir eternamente sua suposta vocação. Assim, de acordo com a
diretora, as alunas tinham uma visão distorcida e ilusória da realidade que emergia : (...)
Hoje, tôdas têm seus projetos, seus sonhos e vêem, ‘la vie em rose’. Procuram sondar o
futuro, forçando prognósticos ingênuos que vocês imprimam na página de despedida do
‘Traço de União’. Para Laura, as alunas deveriam rever seus conceitos, pois na vida,
segundo a mesma, nada deveria se sobrepor ao destino feminino. Utilizando seu vasto
conhecimento, a diretora se apropriava de autores para legitimar ainda mais sua fala:
Disse Leon Bloy: Plus une femme est sainte, plus elle et femme’.Meditem bem sôbre
essa afirmação e vocês sentirão como tantas mulheres, na sociedade de hoje, fogem ao
seu destino real, umas no ridículo da masculinização, outras, no extremo oposto, na
preocupação de atraírem, entregando-se ao culto de seus dotes físicos. Criticando a
presença feminina nas profissões que supostamente deveriam estar restritas aos homens,
a diretora, por fim se voltou, como sempre, para um apelo social: O mundo precisa de
influencia benéfica da mulher. Diz Gertrude Von Fort que ‘a mulher maternal tem
por privilégio essa função discreta e capital; saber esperar, saber calar, ser capaz,
diante de uma injustiça ou uma fraqueza, de fechar os olhos, perdoar, encobrir...’Só
essa influência befazeja será capaz de trazer a paz a esse mundo(...) Para terminar,
recorre à religião: E para que vocês possam sustentar com vigor essa luta que exigirá
de vocês muito esforço e sacrifício, vocês bem sabem quanto precisarão do apoio da
nossa Santa Religião, na qual procuramos formar a consciência de vocês.
265
Naquele período, as profissões que se afastavam do magistério, ainda não eram
muito bem vistas pela direção do Colégio Jacobina, que se apropriava dos preceitos
religiosos para fundamentar suas falas contrárias às novas demandas sociais femininas.
Aceitava-se, no entanto, que além de professora, a mulher atuasse como assistente
social, artista, musicista que, entre outras, poderiam estar relacionadas à filantropia ou à
cultura, trabalhos que já estavam naturalizados há algum tempo entre as mulheres
pertencentes a classes mais abastadas da sociedade. Aliás, Laura Jacobina Lacombe,
que esteve presente até o fim das publicações do Traço de União, sempre utilizava as
mesmas estratégias para fundamentar seus discursos: apropriava-se de um apelo social
265
Laura Jacobina. ‘Écos de 1953’. Traço de União, 1954, n.1, p. 3.
vigente, de um autor reconhecido, geralmente católico, e de preceitos e valores
disseminados pela Igreja.
Munida de uma visão própria da antiga tradição que dividia o mundo público
(masculino) e o privado (feminino), a educadora se preocupou, principalmente nos anos
40 e 50, em fazer uma crítica à atitude das que resolveram optar por outras profissões
que não correspondiam àquelas nas quais todas conseguem utilizar suas supostas
habilidades como paciência e compreensão, para atuar no papel de mãe amorosa e
esposa cuidadosa:
O ideal masculino era de alguém racional, agressivo, corajoso, capaz de tomar
decisões lúcidas, empreendedor e dominador, apto à vida pública, enquanto a mulher
deveria ser sentimental, passiva, casta, vulnerável, dependente e destinada ao lar. De
certo modo, as próprias mudanças convenceram a muitos que as mulheres não
deveriam deixar suas atribuições de mãe e esposa obediente, permanecendo definidas
por sua relação com um homem. (...) O modelo de maternidade em desenvolvimento
(mães devotadas, que amamentam, educam seus filhos nos primeiros anos de vida e
administram a formação das moças), por sua vez, exigia mais tempo e energia.
Trabalho e lar começaram a ser vistos como dois campos opostos e incompatíveis para
a mulher da boa família.
266
Acredita-se, assim, que pelo fato dos ideais de Laura já não irem ao encontro do
das alunas, em 1956, os discursos de formatura passaram a não ocupar mais as
primeiras páginas como antes. Publicado somente a partir da página 21, o periódico
pr
oclamou a falência de seus antigos preceitos e valores quando se apropriou de
questões que nortearam as mentes femininas para mostrar que as mulheres não
deveriam se prender aos lares, mas seguirem rumo a outros caminhos. Uma professora
do colégio, em 1955, dissertou sobre os ideais a serem seguidos para que depois não
houvesse uma desilusão na vida das formandas. No entanto, apesar de falar em
liberdade de escolha, ela acabou propondo a mesma discussão que colocou em
evidência o papel da mulher cristã na sociedade, buscando delimitar, assim, o campo de
ações das alunas: Os bens materiais devem ser naturalmente queridos, mas não como
finalidade. Assim, se nos falharem, saberemos ultrapassá-los, guiadas pelo ideal que
nos unifica, impedindo que fracassemos. (...) Abrindo o leque de opções femininas, a
professora afirmou que não é somente a perspectiva de um lar futuro que devemos
acolher, para julgar que nossa vida terá um sentido. Por outro lado ela diz que É certo
266
Pinsky; Pedro, 2003, 271.
que poderemos recorrer outras estradas, a serviço da cultura e por dedicação aos
outros. A serviço da educação, em última análise, quaisquer que sejam as modalidades
que possam revestir: assistência social, magistério, secundário ou superior. (...) Por
fim, as intenções ficaram claras e o discurso que a priori parecia decretar liberdade de
escolha, confirmou sua real posição dizendo que para atingir o objetivo que decorre da
opção feminina, dever-se-ia empenhar então o que de mais nosso, mesmo nossa
vida. Este nosso ideal prático e de vida deve evidentemente coincidir com o ideal
religioso, que nos sustentará sempre, apesar de todas as lutas e derrotas possíveis.
267
A adesão entre a classe docente ainda podia ser encontrada, até mesmo porque
fazia parte de uma geração que fora educada a partir dos antigos preceitos. Porém, entre
as jovens, era mais difícil conciliar as verdades do passado com as do presente. No
último ano de publicação da seção aqui analisada, 1957, a revista já começou a ter outra
fisionomia. Desse momento em diante, alguns discursos de formatura que foram
escolhidos para publicação, não apareceram mais em destaque no periódico.
Começaram as grandes mudanças editoriais, sofrendo as capas o reflexo desse processo.
Dentre os discursos que mais se engajavam nos antigos ideais permeados por Laura
Jacobina Lacombe, encontravam-se os que se voltavam às alunas do Curso de
Educadoras da Infância: o novo investimento da dirigente para promoção da educação
católica no colégio e no país. Assim, recomeçou Laura novamente:
Minhas prezadas alunas e afilhadas.
Chegaram vocês, ao fim deste curso onde se prepararam para educadoras!
pensaram bem no que essa palavra significa? terão aprofundado o alcance dessa
carreira? Não é, apenas, uma profissão que vocês abraçam, é uma vocação que as
chama. (...) o nosso curso não visa apenas, forma-lhes a parte técnica. A sua finalidade
é a de preparar educadoras católicas. Temos que preencher as fileiras de um grande
exército que leva almas para o céu. Mas, como, a intuição e a instrução o são
suficientes, vocês se preparam também, na formação católica. Quanta
responsabilidade! É o desabrochar das almas, a tarefa que lhes cabe; é a primeira
centella de uma chama que deve brilhar por toda vida. (...) Pensem bem, pois na
responsabilidade que lhes cabe! Mas como vocês bem sabem, o nosso curso prende-se
a um movimento internacional: a sua fundação visou preencher uma lacuna. A OMEP
devia ter seu núcleo Brasil: faltavam nos elementos católicos para militarem nesse
campo. (...) Hoje vocês pronunciaram o seu compromisso; que o façam
conscientemente, tendo em vista a nobreza de sua significação (...).
268
267
Amélia Maria. ‘Ecos de 1955’. Traço de União, 1956, n.1, p.21.
268
Laura Jacobina Lacombe. “Ecos de 1956”. Traço de União, 1957, n.1, p. 27.
Ao longo da década de 50, as leitoras e escritoras do ensino regular não tinham
mais o perfil daquelas do início do século e, por esse motivo, acredita-se que em 1958, a
seção destinada exclusivamente à publicação dos discursos de formatura tenha sido
extinta do Traço de União. Isso porque os temas que estimulavam a escrita das
colaboradoras, não se inebriavam mais na religião e nem na concepção de mulher
como redentora da nação. Ainda havia, sim, uma perspectiva católica, mas nem mesmo
a edição das revistas conseguiu frear os maiores motivadores da escrita que passaram a
se inspirar em novos paradigmas femininos modernos.
A hipótese aqui levantada é a de que foi dentro desse contexto que teve início a
falta de interesse por parte das colaboradoras em relação à participação no Traço de
União. E isso foi o que certamente acabou gerando os conflitos que foram expostos
anteriormente, que as poucas que efetivamente continuavam atuando nas publicações
ficaram sobrecarregadas. Talvez a revista tenha tido tantos problemas em suas últimas
fases, pelo fato de os ideais que sempre orientaram suas edições entre leitoras e
escritoras terem entrado em choque com ideais da época. não atraíam, por isso, as
alunas na mesma proporção de antes e não impactavam tanto em suas formas de agir e
atuar. A saída foi investir nas educadoras da infância.
3.3. Curso de Educadoras da Infância: elo entre preceitos católicos e renovadores
Nos primeiros anos de colégio, as famílias desejavam, para as filhas, um preparo
intelectual, para freqüentarem a sociedade. Tinham apenas, como meta, o casamento.
Esse preparo inicial era completado fora do Curso, pelas professoras de piano e
declamação (...) Por motivos providenciais, o Colégio Jacobina tem vindo crescendo
num sentido que apesar de não ter sido manifestado, desde o início, sempre foi, no
íntimo, sua vocação: a preparação de professores. (...) Com a fundação do Curso de
Educadoras da Infância, encontrou o colégio a estrada que lhe cabia com justiça: a
formação para o magistério.
O interesse das alunas do curso Normal pela sua profissão, levou-as a apresentar um
abaixo assinado, a fim de que se criasse uma faculdade de Educação.
Veio, pois, à luz esse sonho latente, e, depois de alguns anos de dificuldades e lutas,
decorrentes sobretudo da ida da capital para Brasília, foi assinado, afinal, a 24 de
abril de 1973, o decreto que criava a Faculdade de Educação Jacobina, curso de
pedagogia.
269
269
Laura Jacobina. ‘Depoimentos’. Traço de União, 1974, n.1, p. 27-29.
Quando mais um espaço fixo surgiu no periódico na década de 50, ninguém
poderia imaginar que ele seria o último estrategicamente utilizado para disseminar
discursos pautados nas representações de mulher nas quais Isabel e Laura se alicerçaram
para erguer o Colégio Jacobina no início do século. Com adaptações do ideário
pedagógico renovador dos anos 20 e 30 e uma visão cristã de mulher e educadora
fundada no imaginário social enraizado em fins do século XIX, o Curso de Educadoras
da Infância, fundado em 1953, encontrou logo um espaço específico no Traço de União.
Em uma “Croniqueta”, é possível compreender a finalidade com que foi criado:
Aconteceu... Foi criado, êste ano, o Curso das Educadoras da Infância. Esta iniciativa
mereceu aplausos e simpatia, por ter como fim a preparação das educadoras em
formar a personalidade da criança dentro das responsabilidades e problemas que a
primeira infância apresenta, mas que os adultos esquecem.
270
O curso que tinha, segundo o artigo publicado, a grande vantagem de formar,
não somente professoras, mas também de preparar boas mães educadoras, era de três
anos e tinha um corpo docente composto por professores competentes e
especializados
271
que se distribuíam, inicialmente, entre as disciplinas Biologia
Educacional, Trabalhos Manuais, Filosofia, Psicologia, Desenho, Metodologia e
Música.
Até aquele momento no Rio de Janeiro, de acordo com artigo do Traço de
União, eram poucas as instituições que preparavam mulheres para os cuidados com a
primeira infância: somente a Sociedade Pestalozzi tinha um curso de emergência, o
Instituto Técnico do Colégio Bennet, para formação de professoras do Jardim de
Infância e Escola Maternal, assim, resolveu o Colégio Jacobina preencher essa
lacuna.
272
Como um projeto da diretora Laura Jacobina Lacombe, que nesse mesmo ano de
1953 havia fundado a OMEP (Organização Mundial de Educação Pré-escolar) do
Brasil
273
, o Curso de Educadoras da Infância diferentemente do Curso Normal
274
, que o
colégio havia tentado implantar no final da década de 40, cresceu e viu ao longo dos
anos o seu número de matrículas aumentar, tendo, inclusive, devido à procura, que
270
Lúcia Bartolicci Portugal. “Croniqueta”. Traço de União, 1953, nº1, p. 1.
271
id.
272
Traço de União, 1953, nº 2, p. 6.
273
A OMEP foi originalmente fundada em Praga em 1948, mas somente em 1952 educadores brasileiros
que participaram do congresso no México trouxeram a idéia para o Brasil.
274
O Curso Normal do Colégio Jacobina era, segundo relato de ex-alunas, a paixão da Diretora D. Laura
Jacobina. No entanto, segundo as mesmas ex-alunas, o Curso que era de apenas dois anos, teve somente
uma turma formada na instituição, já que o número de matrículas foi muito baixo.
passar a fazer uma prova de seleção, para escolher, conforme divulgado pela própria
Laura no seu periódico institucional, os melhores elementos.
275
Várias representantes católicas começaram a assinar o Traço de União no espaço
reservado a esse curso. Isso porque, como foi possível ver anteriormente, Laura
estimulou por todo Brasil a freqüente admissão de religiosas como alunas, que um
dos objetivos do Colégio ao fundar tal modalidade era o de prestar serviço às
congregações religiosas para maior progresso das classes infantis nos colégios católicos.
Ao fim de dez anos do curso, o Jacobina anunciou em artigo publicado no Traço de
União que havia diplomado vinte e seis religiosas de doze congregações diferentes, as
quais se encontravam espalhadas por todo o país:
Numa de suas parábolas Jesus fala da semente que caiu no bom terreno, e deu frutos
cento por um. Podemos comparar essa semente com magnífica idéia que teve a D.
275
Laura Jacobina Lacombe. ‘O Curso para educadoras completou 10 anos’. Traço de União.
A diretora Laura Jacobina Lacombe com o grupo de Educadoras
de 1962, entre as quais se
encontram freiras das congregações religiosas de toda parte do Brasil. Traço de União,
1963, n.
1 e 2., p. 26. Arquivo de CELPI.
Laura de abrir um novo curso para formação de professoras pré-primárias, para que o
problema dessa educação acompanhe sempre os progressos modernos.
O bom terreno é o Colégio Jacobina que mais de meio século tem se prestado para
preparar jovens que saibam enfrentar as lutas da vida e dar bons frutos cento por um.
276
Nesse momento de ascensão do curso, o Traço de União vinha passando por
problemas complicados de comunicação, pois os ideais de Laura Jacobina Lacombe
frente à formação feminina, não tinham mais a adesão completa das alunas. Como
observado, o discurso baseado na instrução da mãe educadora não refletia mais a
realidade das alunas que cursavam o ensino regular da instituição. A participação das
alunas na revista teve, nesse período, que ser por inúmeras vezes solicitada, o que não
acontecera nas décadas anteriores. Por fim, o perfil da revista mudou e como ele os
discursos que, repletos de idealismos, sempre foram bem representados pela seção
“Ecos”, que logo nas primeiras páginas traduzia as verdades de um grupo que até
meados de 50 ainda tentava passar pelo Traço de União certa homogeneidade na forma
de pensar a educação institucional e feminina.
Um espaço para o Curso de educadoras no periódico aparecia, assim, como uma
última e ótima oportunidade de aliar os aspectos religiosos e renovadores à instrução da
mulher nos textos publicados, sem que para isso a edição da revista precisasse solicitar
incessantemente auxílio das colaboradoras. Naturalmente a escrita das alunas do Curso
de Educadoras continha moral cristã na proporção devotada de Laura, o que deixou o
periódico com um aspecto mais religioso, embora de modo bem mais reduzido que o da
década de 30, quando o impresso se filiou à Associação dos Jornalistas Católicos. É
provável que, nessa perspectiva, a forte presença de Laura Jacobina Lacombe no âmbito
educacional e suas formas de ser, agir e pensar a partir disso, influenciassem nos
discursos dessas alunas no Traço de União e acabaram, de certa forma, fabricando
professoras
277
, dando significado e sentido ao que era exercer a profissão a partir da
formação dada pela instituição em questão.
Ainda que reservado a um espaço restrito no periódico, o idealismo frente à
religião conseguia se mostrar de modo contínuo nos ensinamentos do Colégio
Jacobina, onde alunas pareciam ter encontrado apoio para associarem o
catolicismo com a profissão que, de forma romantizada, era transmitida pela
escrita. Enquanto vitrine, o Traço de União elucidava, desse modo, que a certeza
276
Cecília de Aguiar. Traço de União. ‘O Curso de Educadores’. 1953, nº2, p. 6.
277
Expressão utilizada por Louro (1997).
da opção pela educação das criancinhas representava a chave para a felicidade
daquelas que deveriam, por obrigação, dar o máximo sem pensar em recompensa
devendo ter presente em seu espírito o grande exemplo do Mestre, que nos deixou
tão lindos ensinamentos e também nos deu o seu grande amor, sem nos pedir
nada.
278
Assim, a intenção do Curso de Educadoras era formar jovens
devotadas, guiadas pelo amor no exercício profissional, como se pode ver nesta
carta escrita em 1963, por Irmã Filotéia:
Prezada D. Laura!
Depois de um longo silêncio em que, contudo, não me esqueci do meu Colégio
Jacobina, é que venho dar-lhe sinal de vida.
E que vidinha feliz, entre a petizada do Jardim de Infância!
Tenho oitenta crianças matriculadas, sendo que pela manhã vêm trinta do preliminar,
de seis anos, e à tarde uma turma de vinte e seis, de cinco anos, e vinte e quatro, de
quatro anos.
A senhora, certamente, vai dizer que são demais, e eu também sei que o ideal é ter
turmas menores, mas aqui é impossível por causa do grande número de crianças e do
pequeno número de Jardins.(...) eu passo 7 horas e meia com as crianças; e quando
saem ainda fico com pena (...) Como me tem ajudado e me ajudarão no futuro os
conhecimentos de Psicologia Evolutiva e de Linguagem de Terezinha Russo, a Prática
de Ensino, de Dona Marina(...) eu aproveito agora na prática, tudo que aprendi na
teoria.(...) Com o tempo escreverei, contando minhas experiências na vida de
Jardineira.
279
Por meio de textos trazidos pela imprensa do colégio, é possível observar que
seguindo o mesmo princípio do seu ensino regular das décadas passadas, a instituição
visava, com o Curso de Educadoras, a formar futuras mães que, católicas e com o
capital cultural dado por uma boa educação, pudessem influenciar na formação de seus
filhos e também em alguma instituição com fins filantrópicos. Algumas ex-alunas
continuavam no Jacobina, onde após estagiarem, ficavam como educadoras no jardim
da instituição, podendo chegar a dar aulas para outras futuras educadoras que estudavam
no colégio.
Os discursos publicados das alunas do Jacobina continham ideais bastante
semelhantes aos das normalistas do Instituto de Educação, referência na preparação de
professoras primárias no Rio de Janeiro. Martins (2000) ao analisar os periódicos
Estrela azul, Normalistas e Tangará produzidos pelas alunas desse Instituto na década
de 40 e 50, fornece pistas para compreender as representações publicadas em textos
pelas futuras professoras. Segundo a autora, na visão das escritoras desses periódicos, a
278
Laura Jacobina Lacombe. ‘O curso para educadoras completou 10 anos’. Traço de União, 1963, nº 1
e 2, p. 26.
279
Publicada no Traço de União, 1963, nº 1 e 2, p. 28.
carreira de professora exigia uma preparação acurada, formando pessoas devotadas
que tivessem condições de ensinar as crianças a viver uma vida melhor, desperta-lhes a
inteligência de modo que elas adquirissem o gosto pelo aprender; devia-se educar em
prol de um Brasil melhor.
280
As idéias atreladas à concepção de mulher como transformadora, construtora e
reconstrutora da nação parecem ter fundado os discursos dessas publicações do Instituto
de Educação, assim como acontecia no Traço de União a partir do espaço destinado às
educadoras jacobinenses, em que igualmente se concebdia à professora esse poder e
essa missão social: ser professora é sacrificar-se em prol da infância; é ter nas mãos o
destino da pátria, é instruir, é educar.
281
As alunas desse instituto, então, percebiam-se
como seres detentores de uma chance rara no que consistia a formação da consciência e
na modelação do caráter da criança. Segundo Martins (op. cit.), associada à figura
materna, professores, deveriam ser do sexo feminino, que as mulheres supostamente,
a partir desse ideário, teriam mais condições de conduzir com eficiência a educação da
infância, já que estariam sempre prontas para doar amor.
Foi partindo desse mesmo princípio que o Traço de União mostrou que o
Colégio Jacobina, com a finalidade de moldar melhor seu currículo às
exigências da formação das futuras mães educadoras, fundou um novo estágio
que surgiu merecendo destaque no periódico: puericultura, tendo por objetivo
instruir nos cuidados com os recém nascidos. Esse estágio para as alunas do
Jacobina, que acontecia no Hospital Maternidade, abordava questões ligadas à
puericultura, sendo incentivado não só para as próprias alunas do Curso de
Educadoras, mas também para as jovens de um modo geral que, segundo os
ideais veiculados, deveriam ser mães um dia e por isso precisariam de tais
ensinamentos
282
: Falar da utilidade desse curso é desnecessário, pois todos
conhecem sua finalidade. Todo serviço em prol da humanidade acarreta em
satisfação. (...) O curso é esplêndido (...) O ambiente encontrado por nós nos
hospitais em que estagiamos é magnífico. (...) Assim, a revista era utilizada para
fazer apelo às jovens leitoras: que venham conhecer de perto esse curso, que para
nós futuras mamães é e será de grande utilidade. Não tenham receio pois serão
orientadas com todo amor e dedicação (...)
.283
Junto à matéria, uma imagem preparada para veiculação, em que uma possível
instrutora segura a criança com a felicidade plena que a ocupação poderia vir a
trazer.
280
Martins, 2000, p. 63.
281
Guaraciaba, 1948, p. 4 apud Martins 2000, p. 63.
282
Ver: Relatório dos Estágios de Puericultura feitos na Maternidade Escola de Anamaria Parkinson.
Traço de União, 1960, nº2, p. 41.
283
Anamaria Ribeiro França. ‘Estágios de Puericultura’. Traço de União, 1960, nº2, p. 40.
A repercussão desse Curso, que entrou para o currículo, foi alvo de algumas
matérias no periódico do Colégio Jacobina. Ressaltando a importância de tal
aprendizado, principalmente entre as ex-alunas atuantes que deixavam muitos relatos
de experiências e frases de efeito registradas na revista jacobinense, os textos
publicados acabavam justificando o discurso de uma época que, aliado aos preceitos
religiosos difundidos pelo colégio, viam na criança o futuro da humanidade.
Nesse sentido, as educadoras defendiam ser
indispensáveis as noções de
puericultura, bem como tudo que se relacione com nossa meta final: a criança.
Ensinando todos os cuidados que devem ser dispensados à crianças recém nascidas
para que cresçam felizes, pois elas são flores vivas pela sua beleza e candura, esse
curso se justificava entre as educadoras do Colégio Jacobina, acima de tudo, porque as
crianças eram consideradas o encanto e a esperança do gênero humano.“Quem embala
um berço, embala o mundo”. A infância é o maior e mais precioso tesouro desse
mundo. (...) São elas fruto genuíno do amor dos esposos.
284
Por meio de antigos discursos, o Traço de União, que já na década de 20
defendia que Quem embala o berço, embala o mundo, utilizou o espaço reservado para
reafirmar, ainda nesse tempo, a necessidade da instrução feminina para um mundo
284
Irmã Alécia e Maria Teresa Cotia. “Os dez anos do Curso para Educadoras: Puericultura”. Traço de
União. 1965, nº2, p. 43.
Imagem de uma das instrutoras do estágio de puericultura
segurando um recém nascido. Traço de União, 1960, n.
2, p. 40.
Arquivo da CELPI.
melhor. E mais uma vez, à mulher é dado o poder que, ao mesmo tempo em que a
legitima enquanto missionária da humanidade, também lhe incube as representações
profissionais de inferioridade em relação ao homem.
A música e o canto, apesar de serem assuntos menos abordados do que a
puericultura, também eram mostrados como parte da preocupação das educadoras que
diziam encontrar nesses dois elementos, meios de expressão da alma infantil e de
manifestação de sua vida afetiva, além de serem fatores importantes para o
desenvolvimento educacional da criança. Segundo o artigo “Música Canto na educação
das crianças”, publicado em 1954, além de aspectos ligados à religião e à psicologia, a
inserção e a integração social também aparecem no centro desse debate:
Visando ao aspecto físico, ressaltamos o valor das músicas que exigem gestos, corridas
etc; emocional dando oportunidade à criança para descarregar as suas tensões
nervosas ou positivá-las; social ou coletivizador, a criança se encontra no grupo como
um membro que toma parte e precisa se integrar; religioso, proporcionando
conhecimentos de religião por meio de versinhos cantados; cívico, desenvolvendo o
sentimento de amor a Pátria à bandeira e finalmente científico dando conhecimentos
vários que podemos transmitir às crianças através da música. Além dêsses benefícios, a
música desenvolve a memória, o ouvido o ritmo e sabemos que “as atividades de nossa
vida estão condicionadas a um determinado ritmo e o ritmo é a própria vida”.
285
Esse momento de desenvolvimento do Curso de Educadoras no Colégio
Jacobina, passou-se nos chamados anos dourados da formação docente. Momento que,
de acordo com Martins (2000), para os professores, caracterizou-se pela consolidação
de uma cultura pedagógica que enxergava o docente como um ser especial, possuidor de
um saber necessário e imprescindível, que tinha como missão a salvação das crianças da
ignorância.
286
Tal momento mescla, assim, antigas concepções de mestre ideal
sinônimo de segunda mãe e as novas concepções que surgem da necessidade de o
professor auxiliar à pátria” educando para o bem estar social diante de um projeto
desenvolvimentista, norteado por princípios democráticos e de formação científica.
Ressaltando questões relativas a esse período, o Traço de União foi conduzindo
o entendimento do leitor que, muitas vezes, por meio do currículo veiculado, deparou-se
com ideais de educadores e educação a partir de concepções retrógradas que
justificavam e davam sentido, ainda naquele período, à formação docente.
285
Sem autor. ‘Música canto na educação da criança’. Traço de União, ano XXXVI, 1959, nº1, p.9.
286
Martins, 2000, p. 64.
Foi partindo desse princípio que as duas mais antigas profissões permitidas à
mulher da classe média, encontram-se nas páginas do Traço de União. Apontando para
a valorização de práticas voltadas à enfermagem, que tornaram a estar em evidência
com a II Guerra Mundial, o texto Novidade no Curso de Educadores, escrito por duas
alunas do segundo ano de 1954 comunicava a abertura da disciplina Socorros de
Urgência. Nessa disciplina, segundo as escritoras, o entusiasmo com que todas as
alunas assistem a essas aulas revelou sua grande necessidade, que, como no caso da
puericultura, o curso não visava a preparar educadoras, como, também, futuras mães.
287
Com imagens que traziam a sala de aula para a revista, as alunas do Curso que,
como o próprio texto afirma, utilizariam os ensinamentos da disciplina tanto na
profissão como em casa na função de mães, revelavam as facetas do ser educadora ao
associar a sua atuação ao cuidado e à filantropia.
288
Nesse contexto, a profissão passou
a ser uma atitude de generosidade, que procurou tornar as alunas úteis para melhor
servir ao próximo e, por conseguinte à Pátria.
289
287
Traço de União, 1954, nº2, p. 21. ‘Novidades do Curso de Educadores’, Suzana Lacerda e Cecília
Aguiar.
288
Para um maior aprofundamento na questão da filantropia e do cuidado na profissão docente, ver
Carvalho (1999).
289
Suzana Lacerda e Cecília Aguiar. ‘Novidades do Curso de Educadores’. Traço de União, 1954, nº2, p.
21.
Imagens das aulas práticas da “Socorro de urgência”. “Novidades do Curso de Educadores”.
Traço
de União, 1954, n. 2, p. 21. Arquivo da CELPI.
Entre todos os destaques, assim como nas simples matérias ou notícias que
abriam espaço para os envolvidos com o curso de educadoras se comunicarem, é visível
a necessidade das alunas, da direção e das ex-alunas mostrarem somente os aspectos
positivos da profissão, até mesmo porque esses estavam acostumados a manifestar
somente o que podia ser lido. E o que podia ser lido era o instituído e o naturalizado.
Por isso, as alunas que colocavam a profissão como chave da felicidade, reforçavam nas
imagens e idéias impressas no Traço de União a possibilidade edificadora de se
construir na criança um adulto melhor preparado para a vida em suas múltiplas
exigências.
A educadora seria, dessa forma, a grande responsável pela felicidade do adulto
que enquanto criança passou por suas mãos e conhecimentos: Para a criança que
atingiu três anos e desenvolveu, harmonicamente as suas faculdades físicas e mentais,
não por acaso mas, de acordo com a orientação precisa, inicia-se, com alegria, o
período pré-escolar, período este que requer muitos conhecimentos da parte de quem
educa, em relação a este pequeno ser, como também sérios cuidado. Isso porque, de
acordo com a mesma autora, do educador dependerá mais tarde em grande escala, a
realização da vida desse sujeito. Não quero dizer que a este fator esteja ligada uma
futura e feliz realização, todavia é um dos mais importantes pois temos provas cabais
dos reflexos de uma infância feliz ou infeliz na vida de um adulto.(...).
290
Levar em
consideração as diferentes etapas de aprendizagem da criança foi um dos objetivos da
pedagogia proposta por esse curso, que se espreitava não somente nos antigos ideais
referentes à mulher, mas também naqueles relacionados aos métodos, que vinham de
adaptações dos ideais desenvolvidos por artífices da Escola Nova nas décadas de 20 e
30.
Por tudo que representava em termos de permanência idealista, pode-se dizer
que o Curso de Educadoras foi ampliando e consolidando seu espaço ao longo dos anos
no Traço de União, e uma das formas de dar ainda mais visibilidade aos aspectos
relativos à profissão, nesse meio de comunicação, foi manter o princípio fundamental da
revista: semear o elo entre antigas e novas alunas. Para isso, incentivou o envio de carta,
como o fazia com as ex-alunas do ensino regular: Pedimos que nos enviem notícias
290
Irmã M. Miquelina. ‘A criança na idade pré-escolar’. Traço de União, 1957, n. 1, p. 4.
regularmente, pois, poderemos, pelo Traço de União,
291
transmitir a todas as colegas.
Para além dos relatos de cotidiano, a escrita dessas missivas acabava, a partir da edição
que se observa no Traço de União, criando modelos de educadoras que dali do Jacobina
deveriam sair para atuar e melhorar o mundo, seja lá em que lugar do Brasil fosse
trabalhar, pois a formação oferecida não era só intelectual, mas moral e espiritual,
envolvendo-as por inteiro.
Estudo de Vaz (1998) sobre cartas de leitores em jornais, mostra que essas são
um importante canal de comunicação que, para serem publicadas, resultam de uma série
de filtros que envolvem seleção do que é ou não publicado, acabando por transformar o
seu conteúdo em uma representação do real.
292
Por meio da publicação dessas correspondências, a revista passou a dar ênfase e,
conseqüentemente, a valorizar a escrita com as atividades profissionais das formadas,
refletindo ideais de um grupo que fez com que a profissão tivesse um significado único
para aqueles que fizeram parte daquela instituição. Longe de serem privadas
293
, essas
correspondências enviadas pelas ex-alunas da instituição tinham o objetivo de se
tornarem públicas viabilizando não comunicar algo, enviar meras notícias, mas na
maioria das vezes servir de bom exemplo para os que dela tivessem acesso na revista.
Impregnadas de valores que conduziam à leitura dentro de um contexto de similaridade,
em que atuais alunas pudessem se esmerar e orgulhar das atuantes e já formadas
educadoras, o que era publicado dessas cartas pretendia ressaltar, de forma romantizada,
a vida profissional das remetentes, que demonstravam em sua escrita aplicar de forma
integral os ensinamentos do Colégio Jacobina.
Em uma das seções editadas, percebe-se como isso era feito: É com prazer que
temos conhecimento das atividades das nossas “Educadoras”. Temos recebido algumas
cartas que nos põem a par desses trabalhos. Da carta de uma das educadoras formadas,
foi publicado somente: Irmã Anilda: “Continúo sempre animada e feliz com meu
jardim”, escreve-nos ela e acrescenta: “Quando nossa província puder, mandará
mais duas fazerem o curso, pois, a nossa Madre acha o proveito 100%. No mesmo
artigo, a fala de outra religiosa foi reescrita pela edição da revista: Irmã Miquelina está
em Caió. Tem cinqüenta e duas alunas (em um jardim misto), divididas em dois turnos,
291
Sem autor. ‘Trabalhos das Educadoras: Notícias de algumas ex-alunas do Curso de Educadoras que
nos escreveram sobre suas atividades’. Traço de União, 1958, n. 1, p.31.
292
Vaz,1998, p.3.
293
Segundo Castillo Gómez, In Sierra Blaz (2003) a carta privada não pode ter implícita uma intenção de
publicação.
pela idade. Diz-nos que ‘segue’ rigorosamente o método do nosso Jacobina, até mesmo
o horário etc. Porém em espaços menores de tempo, devido ao clima, não é possível
trabalhar nas horas mais quentes. Após a interpretação, segue a escrita da autora: Diz
ela: “Estou contente com o meu Jardim aproveitei muitos dos estágios(...) Vão abrir
outro Jardim em Caió, e a professora está fazendo estágio com a Irmã Miquelina!,
Escreve ela: “Veja quanta responsabilidade”.
Seguindo a interpretação da mesma carta, a edição da revista assinala que a
correspondente, quando começou a atuar passou a compreender a razão da cadeira
puericultura no nosso curso, e diz ter ajudado a muitas mães nesse assunto.
Continuando com a publicação das várias cartas recebidas, o mesmo artigo segue
falando das outras alunas formadas pelo curso: Constança Proença fundou o primeiro
Jardim de Infância em Corumbá. Está encantada com suas experiências e com as
crianças daquela cidade. Apesar de serem todas de temperamento diverso, que ela
procura estudar e compreender, ainda não encontrou crianças problemas! as
atuantes Silvia e Lívia Camardelli estão colaborando no Jacobina, com Suzana Lacerda
e Bebel Lacombe.
294
Buscando constantemente o apoio das mães de seus alunos nos assuntos
escolares, como sugerido pela Psicologia e Pedagogia moderna, e readaptando as regras
e horários diante de situações adversas, dos variados locais de atuação, as ex-alunas que
viam seus nomes e relatos de experiência destacados na revista, passavam uma imagem
de satisfação profissional. Assim, mesmo diante das dificuldades, a atuação docente
veiculada parecia repousar sobre características que, desde o início do século,
acompanhavam as educadoras dos primeiros anos escolares da criança: paciência,
abnegação, sensibilidade, compreensão. Tais características, entre outras, tratavam de
definir a profissão a partir de práticas relativas à atenção e à atuação do educador sobre
aspectos extra-cognitivos do desenvolvimento de seus alunos que, como nos diz
Carvalho (1999), estão relacionados à parte física, moral e emocional da criança,
exigindo do profissional da educação uma postura de envolvimento afetivo e
compromisso mediante o educando.
Enfatizando sempre o êxito tido com a opção feita pela referida profissão, as ex-
alunas relatam seus desafios e conquistas, que iam desde as pequenas
dificuldades em sala de aula até os concursos prestados para entrarem em
alguma instituição educacional. Desse modo, como marco em seus testemunhos,
294
Laura Jacobina Lacombe. O que estão fazendo as ex-alunas do curso de educadoras da infância. Traço
de União, 1959, nº1, P. 52
as educadoras reforçavam sempre a qualidade e o resultado positivo do ensino
que tiveram no Colégio Jacobina, como se esse fosse, além de inovador por seu
currículo, uma chave para abrir todas as portas do sucesso, o que parecia
render a propaganda e a recomendação do mesmo por parte das já formadas:
Querida Madrinha
Estou com muitas saudades. Apesar de gostar muito de Brasília, sinto muita falta de
tudo que deixei aí.(...) O nosso curso tem feito grande sucesso, quase ninguém
conhecia o currículo. Trouxe alguns daqueles folhetos e muita gente se interessou. O
concurso foi formidável, muito difícil, mas graças à Deus passei com uma boa
classificação. As provas foram mais ou menos tipo teste eram cinco ao todo
(Português, História, Geografia, Conhecimentos Gerais e Pr. Psicológicos). Cada
uma delas constava de cinco folhas. (...) A parte prática achei a melhor de todas.
Sorteei o ponto de recreação, na minha opinião a mais fácil. Brinquei de roda, pulei,
marchei de chapeuzinho de soldado, enfim virei uma verdadeira criança. (...) Só sei
que no fim da prova a examinadora me deu os parabéns e disse que estava muito
satisfeita.
295
Agradecimentos constantes, consolidação da idéia de família dentro da
instituição, experiências do cotidiano, saudosismo, conquistas, bons exemplos, entre
outros, estiveram contidos nas cartas de ex-alunas que eram publicadas no periódico do
Jacobina. À direção, representada ainda por Laura Jacobina Lacombe, o eterno
agradecimento com carinhosos relatos de atividades e vitórias que cruzaram os
caminhos tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos das educadoras formadas pela
instituição. Desde aquelas que permaneceram, depois de formadas, com suas atividades
no Colégio até as que saíram do Rio de Janeiro ou abriram seus próprios Jardins de
Infância para executar o que aprenderam no Jacobina, o Traço de União acolheu a
escrita para que as que se interessassem pela profissão tivessem acesso à teoria em uma
prática rodeada de representações. E assim, as ainda alunas viam nas páginas do
periódico um espelho que refletia uma imagem perfeita e ideal que incentivava os
estudos e ratificava sua escolha profissional.
Pode-se inferir, assim, que o espaço no Traço de União destinado a esse grupo
não foi somente um lugar de transmissão de conhecimento, mas também de produção
do mesmo, de configurações e permanência de modelos, sobre os quais imprimiu sua
identidade. Aplicando a Psicologia com a finalidade de penetrar no universo das
crianças e se apropriando de um conceito de Pedagogia que fixava a necessidade do
estudo contínuo, as educadoras mostravam querer guiar a criança com amor, carinho e
295
Ritinha. “Traço das Educadoras”. Traço de União, Ano XXXVIII, 1961, nº 1, p. 49.
devoção para que essa não somente aprendesse, mas que também fosse educada a partir
de preceitos religiosos. Preceitos esses que agora, além de espelhados nos ideais de
Laura Jacobina Lacombe, também eram reforçados pelos das próprias alunas que, em
grande número, pertenciam a entidades católicas espalhadas por todo o país que
pretendiam, unidas ao Colégio Jacobina e com o apoio do Traço de União, formar
educadoras missionárias para melhorar o mundo em nome da fé.
Mulheres, trabalhai para reconstrução
de um mundo diferente
O Traço de União deixou à mostra para seus leitores os métodos pedagógicos
inovadores e o ideário católico adotados pelo Colégio Jacobina, com a finalidade de
disseminar, entre o grupo que a ele tinha acesso, imagens referentes a um modelo de
educação feminina que a instituição de ensino procurou legitimar em seu cotidiano. Esta
publicação, propagou, assim, que o objetivo da educação oferecida era possibilitar que
suas alunas tivessem condições de trabalhar para reconstrução de um mundo
diferente,
296
pois acreditava-se que a elite feminina intelectual era a única capaz de
desempenhar essa missão, formando a consciência dos homens, seja no âmbito
educacional ou em seus lares entre filhos e marido.
Dessa maneira, com o objetivo de compreender como o periódico escolar
divulgou esse modelo de educação feminina, alicerçado em valores católicos e práticas
escolanovistas, o estudo voltou-se, inicialmente, para um mapeamento preliminar.
Tomando como referência a periodicidade do Traço de União, foram estabelecidas
cinco fases.
O periódico do Colégio Jacobina em sua primeira fase manuscrita, em 1908 e
1910, evidenciou que havia nascido caracterizado por uma escrita feminina em
forma de diário, em que elos católicos e familiares que o alicerçaram abriam
caminho para que, com o passar dos anos, essa idéia amadurecesse,
transformando-se em um órgão de comunicação oficial e impresso.
Assim, em sua segunda fase que vai de 1924 a 1930, o Traço de União
reapareceu de forma mais elaborada a fim de acompanhar o cotidiano do seu
colégio que havia, nesse tempo, crescido e criado uma tradição entre as demais
instituições educacionais femininas e católicas do Rio de Janeiro. Apresentando
quatro publicações ao ano, o periódico, nesse momento, mesclou métodos
escolanovistas com os ideais católicos, que apareceram disseminados por artigos
e imagens, de modo a traduzir para o leitor uma identidade muito própria da
296
Anna M. de Souza Leão Braga. ano científico. “A mulher no mundo após guerra”. Traço de União,
1945, n. 1, p. 6.
educação oferecida por essa instituição de ensino. Por esse periódico, enfatizou-
se a importância da formação feminina voltada para o desenvolvimento do país,
a partir de um modelo pautado em métodos pedagógicos, criados por
renomados educadores, e em preceitos religiosos fundados, entre outros, na
disciplina.
Em 1931, já como revista, o Traço de União inaugurou sua terceira fase ao
passar as publicações para três vezes ao ano, até 1948. Nesse período, ao mesmo
tempo em que muitas mudanças editoriais foram feitas possibilitando um perfil
mais jovial à revista, também o momento político e educacional vivido pelo país
e a filiação da revista à Associação dos Jornalistas Católicos apareceram como
fatores determinantes na configuração da escrita publicada, que passou a ser
ainda mais informada pelo ideário religioso.
Na quarta fase, que tem início, então, em 1949, a publicação do Traço de União
foi reduzida para duas vezes ao ano, contemplando essa periodicidade até 1973.
Se em suas primeiras edições a revista dessa fase parece se assemelhar à
anterior, o mesmo não pode ser dito quando, em meados da década de 50, os
ideais trazidos pelos novos tempos se confrontaram com ideais tradicionais
disseminados, até então, no impresso. Divergências escritas entre as alunas e a
descaracterização das propostas habituais das capas aparecem como marcas
emergentes nesse período que, em 1974 quando, inaugurada a quinta fase da
revista, passou a ter uma publicação por ano. Em 1981, após um intervalo de
tempo entre as publicações, foi colocado um ponto final nessa longa história.
Havia dificuldade de se manter a qualidade das edições, já que o fio condutor da
revista, a religião e a formação da mulher considerada educadora por natureza,
não atraíam como nas fases passadas suas colaboradoras. Apelos para auxílio
na elaboração do periódico e mensagens escritas criticamente entre as alunas,
manifestaram-se deixando entrever a falta de interesse da maioria das alunas
dessa época pelo Traço de União.
Na análise feita do periódico, foi possível observar que o Colégio Jacobina
partiu da mesma justificativa de outras escolas católicas para poder educar suas alunas
que, em sua maioria, tinham autorização da família para freqüentar um colégio, no
início do século, se esse tivesse como objetivo educar para o lar e a sociedade, a partir
de uma concepção cristã, pois para muitos a educação feminina não poderia ser
concebida sem uma sólida formação cristã, que seria a chave principal de qualquer
projeto educativo.
297
Pode-se dizer, no entanto, que da mesma forma que as preocupações com a
formação cristã de suas alunas entraram em seu cotidiano, também a Escola
Nova, como já mencionado, impôs-se como projeto escolar privilegiado nas
primeiras fases do periódico. Ano após ano, década após década, os valores
católicos e as inovações pedagógicas mostraram-se ideais para educar filhas da
boa sociedade carioca que eram orientadas para terem um conhecimento
superior ao das mulheres de sua mesma época e classe social.
Pelo Traço de União foi possível observar que o currículo do Colégio Jacobina
ultrapassou os afazeres domésticos que as instituições educacionais do início do
século priorizavam e, indo além desse instituído, buscou ensinar geografia,
literatura, história, botânica, entre outras, que buscavam aguçar a visão crítica
nas mulheres. Isso se justificava, entre outras coisas, pois segundo Laura
Jacobina Lacombe (1936): (...) Devemos esclarecer o que consideramos formação
cívica. Não é em absoluto uma tendência muito brasileira em cantar as belesas do
nosso paiz e as suas belesas naturais, de nada adiantam, tão pouco a nosso ver, a
297
Louro, 1997, p. 447.
enumeração dos deveres de cidadão. Para a diretora, seria preciso interessar as
alunas nos problemas do país assim que for possível.
298
Ainda que, para educar as alunas, as diretoras do Colégio Jacobina tenham se
apropriado muitas vezes de justificativas socialmente aceitas, pode-se dizer que essa
instituição de ensino formou de modo peculiar suas alunas, que saíam com um diploma
legitimado pela apreensão de um vasto conhecimento cultural. Por outro lado, os textos
publicados no periódico permitiram compreender que o colégio não propôs nenhuma
mudança radical e nem estimulou a crítica à situação de inferioridade das mulheres em
relação aos homens.
Entre todos esses ideais que apareceram em jogo ao se mapear preliminarmente
o periódico, destacaram-se nitidamente os nomes de Isabel e Laura Jacobina Lacombe
que, como dirigentes dessa instituição de ensino e responsáveis pelo Traço de União,
deixaram transparecer que os discursos publicados partiam de valores e crenças
construídas durante suas próprias trajetórias de vida. Dessa forma, traçar suas biografias
foi importante, pois a partir de suas histórias de vida foi possível compreender como
elas interferiram na escrita desse periódico.
Isabel Jacobina Lacombe, sob influência da educação que recebeu no Colégio
Progresso, declarou-se escolanovista, incorporando às reuniões na Associação Brasileira
de Educação (ABE) sua experiência como professora e diretora dessa importante
instituição que foi o Colégio Jacobina. Quando não teve mais condições de seguir
sozinha na empreitada de formar mulheres a partir da educação moderna, incentivou sua
filha Laura a conduzir seu legado. A partir da década de 20, Laura Jacobina Lacombe
começou a trilhar seu caminho profissional pautada em perspectivas educacionais
semelhantes às de sua mãe. Militante católica, escritora de livros e educadora de
destaque em entidades como a Associação Brasileira de Educadores (ABE), a
Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal (APC) e a Organização
Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP), Laura, que assumiu a direção do Colégio
Jacobina em 1936, foi uma mulher que soube impor e promover idéias cristãs e
pedagógicas ao longo de sua vida.
Renovadoras e católicas, elas estiveram à frente desse colégio que se tornou
referência no Rio de Janeiro e, ao longo dos anos, também no Brasil. Isabel e Laura
298
Laura Jacobina Lacombe, 1936, p. 131.
Jacobina Lacombe diziam apenas querer educar para a vida. Um trabalho que tentava
ser rotulado como quase filantrópico, pois de acordo com os relatos de Laura Jacobina
Lacombe em várias edições do Traço de União, nunca teve fins lucrativos. Em suas
trajetórias reafirmaram e descartaram ideais e com eles formaram educadoras, a partir
do que consideravam certo, divulgando seus passos pelo seu maior aliado, o Traço de
União, que enquanto veículo de comunicação fiel das diretoras promoveu e ratificou as
normas e os valores, ao longo das décadas. Através do Traço de União, as responsáveis
deram visibilidade aos princípios que defendiam, transformando-o em vitrine
privilegiada para expor o modelo de educação feminina, o ideário católico e as práticas
escolanovistas nas quais acreditavam.
O que havia sido cultivado desde os primeiros anos do século XX na instituição,
consolidou-se e perdurou na maior parte das publicações. As diretoras do colégio,
pautadas em representações que emergiram em fins do século XIX, empenharam-se
para formar uma mulher que seria, supostamente, educadora por natureza. Investindo
nesse propósito, Isabel e Laura Jacobina Lacombe utilizaram o Traço de União para
veicular os discursos gerados por esse pensamento, no qual os espaços destinados aos
diferentes sujeitos mostravam que a intenção dessa instituição de ensino era formar
mulheres que devotadas e guiadas pelo amor ao próximo e à Deus, pudessem não
construir a nação, mas também, ao longo das décadas, reconstruí-la e transformá-la, a
fim de que o mundo se recatolizasse, tornando-se, por isso, melhor para se viver.
Dessa forma, trazer esses discursos para o centro do debate, com o objetivo de
examinar como esses ideais foram tratados por ex-alunas, que sempre tiveram espaço
garantido no periódico; por professores, direção e alunas, a partir da seção “Ecos” que
era responsável pela transcrição dos discursos de formatura; e por colaboradoras do
Curso de Educadoras da Infância na difícil década de 50 foi objeto de análise também.
Militantes católicas, mães de famílias, educadoras dos futuros cidadãos, esposas
fiés e dedicadas expressaram um modelo de mulher que emergiu dos textos e imagens
publicados por esses diferentes sujeitos escolares no Traço de União, em que se tentou
mostrar que, a partir da educação recebida naquela instituição de ensino, as alunas
estavam aptas a mudar o mundo. Partindo da idéia de colégio como uma grande família
e embasando-se em uma imagética construída desde o fim do século XIX
299
, quando a
na escola carregou como emblema a destinação das mulheres para educar a nação, o
299
Idéia trabalhada por Almeida (2005).
Jacobina em estreitos laços com o pensamento social fez perpetuar um modelo feminino
e de formação, fixando que às mulheres deveria caber o controle dos homens e a
orientação dos filhos e filhas, afastando dos lares as perturbações e distúrbios gerados
pelo mundo exterior.
300
Pode-se concluir que os discursos publicados, então, apareciam como resultado
de uma naturalização dos papéis femininos impostos pela sociedade em um determinado
período.
301
Embasada nas representações sociais de mulher como educadora, essa
instituição de ensino quis enfatizar, por meio de seu periódico, que formou ano a ano
cada vez em maior número, educadoras cristãs e se utilizou, prioritariamente, dos
discursos publicados para promover suas idéias entre o seu grupo de leitoras e
colaboradoras. Pelo menos dentro do Colégio Jacobina, isso transpareceu pela imprensa
sem grande resistência, até a década de 50, quando então essa história começou a tomar
outro rumo.
Nesse horizonte ilustrado pelas fases do periódico, em que o catolicismo, a
militância, a pedagogia moderna e civilização emergem como conceitos que marcaram
o modelo de educação da mulher jacobinense, foram deixadas pistas reveladoras das
trajetórias de conquistas sociais nada fáceis para as mulheres desse século. Fato que é
possível se perceber, principalmente, ao se revisitar o passado publicado no Traço de
União na década de 1950, quando o periódico passou a refletir mudanças e dificuldades
na elaboração.
O Colégio Jacobina não apoiava os novos rumos profissionais femininos nesta
década, pois suas dirigentes alegavam que isso prejudicaria a atuação primária nos lares
e nas escolas. Laura Jacobina Lacombe deixou à mostra, então, que não abriria mão da
visão de mulher que tinha. Para ela era fundamental formar educadoras na mesma
perspectiva de um discurso que começou a ser proclamado socialmente desde os
oitocentos. As novas moças que entravam no Colégio Jacobina, no entanto, almejavam
outras carreiras. Os discursos do início do século, com isso, já não tinham mais a adesão
das estudantes do ensino regular desses últimos tempos de colégio.
Muitas ainda eram as católicas fervorosas nesse tempo, mas o discurso religioso
sobre as novas conquistas femininas precisava ser mudado para que as alunas
continuassem a participar das edições. A elite intelectual formada pelo Colégio Jacobina
300
Lopes, 1997.
301
Lembrando que cada grupo incorpora o ideário social a partir das vertentes que foram atribuídas
pelo próprio grupo.
queria estar a par das inovações não apenas para criticar, mas também para consumir.
Por isso, discursos críticos sobre os males trazidos pela sociedade moderna precisavam
ser tratados de outro modo para continuarem conquistando seus leitores e
colaboradores.
Nesse sentido, no período em que o magistério deixou de ser uma das profissões
mais almejadas pelas mulheres e elas passaram a ser impulsionadas por outros sentidos
a atuar em outras áreas, alguma saída teria que ser encontrada para que a diretora do
colégio continuasse propagando seus ideais que se fundavam na salvação da
humanidade. Não mais adiantava lançar livros, escrever sedutores artigos: a época era
outra e os novos modelos femininos do mundo moderno, sinalizados pelas dificuldades
e mudanças nas edições do periódico, povoaram as mentes das jovens que começaram a
ver em outras profissões, não somente mais um desejo, mas sim uma possibilidade.
Laura Jacobina Lacombe, como boa estrategista e educadora, preferiu suas
alunas por perto para continuar influenciando, ainda que minimamente, a sua formação
com bases tradicionais. No entanto, ao mesmo tempo em que pareceu se adaptar, ou
pelo menos parar de criticar severamente os novos apelos, para acompanhar suas alunas
do ensino regular, a diretora iniciou o Curso de Educadoras da Infância e passou a
destacar, por meio dos textos e das imagens publicadas, a atuação profissional para fixar
que era preciso mudar a base da sociedade em prol da nação. Apareceram inovadoras
abordagens da Pedagogia e da Psicologia, difundidas em uma seção reservada à escrita
das educadoras, mas que continuava tendo como leitores toda a família jacobinense.
Essas duas disciplinas, que ajudaram a sustentar o projeto educacional dessa instituição
de ensino, então, tiveram continuidade ainda no Curso de Educadoras da Infância na
década de 50.
Paralelamente ao seu ensino regular, Laura Jacobina Lacombe procurou, assim,
consolidar o primeiro Curso de Educadoras da Infância no Brasil, divulgando seus feitos
inovadores pelo Traço de União. Isso porque, a partir dele, percebeu que poderia seguir
formando educadoras cristãs que cultivassem, no caráter de seus alunos, os princípios
católicos. O Traço de União, nesse sentido, continuou a enfatizar a necessidade da
formação católica e de qualidade da mulher para que essa, por meio da educação
infantil, pudesse transformar a sociedade. A nova divulgação desse antigo modelo de
educação feminina justificou-se, mais uma vez, pela necessidade de a mulher atuar
como personagem principal na construção de uma verdadeira nação católica. Portanto,
até meados da década de 60, continuou existindo um espaço no Traço de União, ainda
que de modo reduzido, para propagação desses ideais.
Pelo espaço destinado ao Curso de Educadoras, o Traço de União disseminou
que havia encontrado o colégio a estrada que lhe cabia
302
com justiça: a formação para
o magistério. Esse curso, conforme anunciado pelo periódico jacobinense, acabou
abrindo caminho para outras investidas referentes à formação de professoras. Foi
fundado, assim, em 1966 o Curso Normal, no qual suas alunas apresentaram à Direção
Geral, um abaixo assinado, a fim de que se criasse uma Faculdade de Educação. Após
anos de dificuldades para a implantação dessa, Laura diz ter vindo à luz esse sonho
latente, pois em 1973 foi assinado o decreto que autorizava a criação da Faculdade de
Educação Jacobina, com o curso de Pedagogia. Mais uma vez, o Traço de União esteve
a serviço dessas verdades que atravessaram suas fases em busca da adesão dos leitores.
Dessa vez, porém, não tinha muito poder de disseminação, uma vez que após o
número 1 de 1974, somente mais um edição, em 1981, foi publicada.
Por isso, a promoção dos ideais de Laura Jacobina Lacombe em relação a esse
novo investimento educacional foi limitada, no Traço de União, a uma entrevista
publicada no penúltimo número do periódico, quando a educadora ainda procurava
mostrar que uma verdadeira educação deveria voltar seu olhar para o futuro, por meio
de uma formação integral, entendendo que a mulher, supostamente educadora por sua
condição feminina, só poderia atuar a partir de uma concepção católica de magistério:
Uma escola ou uma Faculdade de Educação, não deve apenas, refletir as idéias da
época, corresponder ao que dela espera a sociedade em que funciona. É preciso algo
mais: é preciso prever também. Digo sempre aos professores: temos que preparar a
criança para viver no ano 2000. Não podemos prever como será o mundo nessa era da
história, porém, a verdadeira educação não é estática, a escola não deve preparar
apenas para atender às exigências atuais, ela terá que preparar o indivíduo para
resolver novos problemas, a se adaptar, quando necessário, as novas situações. Porém,
o indivíduo também, deverá preparar-se, muitas vezes, para reagir, quando necessário
e se tratar do bem comum. (...) Estamos, portanto, em nossa linha, formando
professoras católicas.(...)
303
Ainda que em detrimento desse novo cenário tenham ocorrido algumas
mudanças no perfil do periódico, que também permitiu a publicação de matérias mais
ousadas nas décadas de 50 e 60, não se pode afirmar que houve um rompimento desse
com os fundamentos nos quais suas diretoras pautaram suas trajetórias no magistério.
302
Laura Jacobina Lacombe, 1974, n.1, 29.
303
Ibid, p. 30.
Houve, sim, a redução do espaço para disseminação desses ideais, que acabaram
reservados a um espaço próprio para alunas que decidissem ser educadoras, o que
permite considerar que não mais se defendia com veemência, nos últimos tempos de
publicação, a formação feminina somente para atuação na educação, como uma espécie
de prerrogativa do gênero.
Ao último momento, mesmo após a autorização da implantação de mais esse
espaço de formação de professoras, o periódico não abandonou os antigos ideais que
alicerçavam e justificavam o modelo de educação feminina veiculado nessa instituição
de ensino. Aliás, o Traço de União deixou pistas que levam a considerar que a própria
Faculdade de Educação parece ter sido idealizada justamente com base em tais ideais e,
possivelmente nos princípios e práticas escolanovistas dos quais Laura Jacobina
Lacombe parece não ter se afastado mesmo quando rompeu com a Associação
Brasileira de Educação (ABE), em 1932, fundando a Confederação Católica Brasileira
de Educação.
Em relação à trajetória da Faculdade de Educação Jacobina, apesar de não ter
chegado a ganhar um espaço exclusivo no Traço de União, sabe-se que ela foi efetivada
e, até mesmo, tornou-se referência no Rio de Janeiro. Quais terão sido de fato seus
ideais alicerçadores? Terá essa se destinado prioritariamente à formação de mulheres?
Haverá sido uma continuação do Curso de Educadoras da Infância? Que modelos
femininos vislumbrou formar? E ainda, de que modo preservou os ideais de Laura
Jacobina Lacombe, sua principal idealizadora?
Essas questões não mais poderão ser respondidas a partir da mesma vitrine eleita
para o desenvolvimento do estudo aqui proposto. No entanto, entendendo que elas
partem de um período mais recente, quem sabe outras fontes permitam que outras
pesquisas dêem seguimento a essa história de valores, métodos, crenças e práticas da
educação feminina do nosso país?
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