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TRATADO
DE
Direito Penal Allemão
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TRATADO
DE
Direito Penal Allemão
PELO
D". FRANZ VON LISZT
professor da Universidade de Halle
TRADUZIDO DA ULTIMA EDIÇ ÃO E COMMENTADO
PELO
Dr. José Hygino Duarte Pereira
ex-professor da Faculdade de Direito do Recife
ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
UNICA TRADUGÇÃO AUTORISADA PELO AUTOR
TOMO II
RIO DE JANEIRO
F. BRIGUIET & C. - Editores 10 • 19 Rua Nova do
Ouvidor 16 e 18
7422-96 1899
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PARTE ESPECIAL
§ 79. — Exame do systema
LITTERATURA. —V. Liszt, Z., 8º, 133. Cons. as
monographias mencionadas no § 12. I
I.—A distincção entre os bens jurídicos que o crime
ameaça e que a pena protege, e portanto a
distincção entre os interesses que pela lei gozam de
protecção juridica e propriamente da do direito penal
serve de base á classificação das materias da parte
especial da nossa sciencia, base hoje geralmente ac-
ceita nos tratados deste ramo do direito.
O bem jurídico, objecto da protecção do direito,
em ultima analyse é sempre a existencia humana nas
suas diversas fórmas e manifestações. Ella é que é o
bem jurídico, isto é, o centro de todos os interesses
juridicamente protegidos. Mas a existencia humana nos
apparece como existencia do homem considerado na
sua individualidade ou como exis-
tenc
ia dos membros da communhão na sua collecti-vidade.
Todos os interesses atacados pelo crime e protegidos
pelo direito penal se distinguem conse-quentemente
em bens do individuo e em bens da collectividade.
T. 11 1
2 TRATADO DE DIREITO PENAL
II.—Bens do individuo.
Quando se diz que a existencia do individuo
deve ser objecto da protecção do direito, isto signi
fica que a ordem juridica, como ordem de paz, lhe
assegura o livre exercicio de suas faculdades. Este é|
o supremo interesse, o bem jurídico do individuo.
Das differentes direcções dessa manifestação do
proprio ser deve resultar a divisão dos bens jurí
dicos individuaes.
A protecção do livre exercicio das faculdades
comprehende em primeiro logar, como condição de toda
manifestação da existencia humana, a protecção da vida
physica, a integridade do corpo. E' este pois o primeiro e o
mais importante dos bens jurídicos individuaes.
Comprehende mais todas as direcções da actividade, que,
como manifestações do individuo eminentemente pessoaes, a
elle se prendem de um modo inseparavel. Obtemos assim um
segundo grupo, o grande grupo dos interesses que podem ser
classificados como bens juridico* incorporeos (immateríaes).
Pertencem a este grupo: 1.°, a consideração pessoal
entre os membros da communhão (a honra); 2.°, a liberdade
individual -, 3.*, a livre disposão do proprio corpo nas
relações sexuaes (a honra sexual), e bem assim a conservação
do sentimento moral; 4.º, os direitos de família; 5.º. a
liberdade religiosa; 6.*, a inviolabilidade do domicilio (direito
domestico), bem como a preservação das relações pessoaes e
sociaes contra toda intervenção indebita (segredo da
correspondencia epistolar etc.); 7.% a consciencia de poder
estar seguro da protecção da «ordem de paz em todas as
manifestações da propria actividade (paz jurídica).
Aos bens incorporeos contrapomos um terceiro grupo de
interesses individuaes, que se distingue do segundo sob
todos os pontos de vista: o dos
EXAME DO BTSTEMÀ 3
direitos patrimoniaes. Assignala a diflerença especifica
o facto de que taes interesses não são eminentemente
pessoaes, não se acham indissoluvelmente ligados ao
individuo; nos direitos patrimoniaes a actividade
individual é materialmente ligada, desses direitos
resulta um império sobre cousas ou pessoas, que pôde
ser separado de quem o tem, transferido a outrem e
apreciado em dinheiro. Nelles a personalidade 4I0
titular do direito fica completamente na penumbra; o
bem jurídico da propriedade não muda de natureza,
quando é transferido de A para B. A esta natureza
especial dos direitos patrimoniaes corresponde a
protecção, que o direito lhes dispensa, summamente
desenvolvida e que de nenhum modo se esgota em
preceitos prohíbitivos.
Entre os bens puramente incorpóreos e os direitos
patrimoniaes interpõe-se, facilitando a transição
daquelles para estes, um quarto grupo de interesses
juridicamente protegidos, que Gareis, Kohler e outros
denominam com muita propriedade direitos
individuaes ('). E' a individualidade espontânea e
creadora, o talento eminentemente pessoal do cultor
das artes plásticas, do sábio investigador, do inventor
industrial, que para as suas producções pede protecção
jurídica. Até aqui os direitos indi-viduaes e os bens
puramente incorpóreos se tocam, mas não se
confundem. A idéa artística precisa de fórma para
externasse; a força creadora do espirito
(•) Gareis, Encyclopãdie, 79, nota 1?, indica a littoratura. Posteriormente
elle introduzi" a denominação de «direito» de individualidade» (1892). Contra a
idéa e M denominação pronunciam-so v. Meyer, 7811 Merkel, 837, v. Ihering,
Rechisschuiz gegen injuriose Rcchtsver-leimngen, Dogmat. Jahrb., 28.*, 166
(oap. 10). No sentido do texto a expressão direito individual foi empregada pela
2.* camará criminal na dec. de 29 de Março de 81, 4, 36, bem como pela I
a
camará civil na dec. de 2 de Outubro de 86, 18.*, 28 (das dec. de dir. civ.).
TRATADO DE DIREITO PENAL
se manifesta na matéria e pela matéria. Com
esta corporificação da idéa, porém, torna-se possível
que ella se separe do seu autor (embora somente
em parte), que seja transferida a outrem (com
quanto incompletamente), e apreciada em di
nheiro (comquanto de um modo imperfeito). Eu
posso transmittir ao editor a obra em manuscrípto,
por mim composta, para que elle a publique, ou ao
emprezario o autographo da minha opera, rara que
elle a faça representar. Essa transmissibilidade appro-
xima os direitos individuaes dos direitos patrimoniaes,
sem que uns e outros inteiramente coincidam (
a
);
e assim a formação de um novo grupo especial se
impõe como uma necessidade do systema. fj
Best'arte obtemos a seguinte classificação dos
crimes que attentam contra os bens do individuo:
1.°, crimes contra o corpo e a vida;
2.°, crimes contra os bens incorpóreos;
3.°, crimes contra os direitos individuaes;
4.°, crimes contra os direitos patrimoniaes.
A estes quatro grupos accresce um quinto con-
cernente aos crimes que se assignalam, não pelo
objecto, mas pelo modo, e especialmente pelo meio da
aggressao; os crimes que consistem no abuso de
instituições publicas, bem como no abuso de descobertas
e inventos humanos, para a leo de interesses juridi-
camente protegidos 43, I, 2). O Estado, commi-
nando penas contra taes attentados e criando assim um
grupo de infracções homogéneas, não converte
interesses até então não existentes ou não prote-
(*) Não se esqueça que a conversão do direito de autor em direito
de reproducçâb (isto é, uma transformação substancial) é consequência
de toda transferencia por parte daquelle. O direito á marca não pôde ser
separado da firma que a marca designa, e pôde ser transferido com
esta. Cons. também a dec. do Trib. do Imp. de 2 de Julho de 85, 12.°,
827.
EXAME DO 8YSTEMÀ 5
gidos em novos bens jurídicos, mas completa o arsenal
das armas necessárias para a protecção de interesses
desde muito existentes e desde muito protegidos,
embora de um modo insufficiente. A este grupo
pertencem os crimes de perigo commum, o abuso de
matérias explosivas e a falsificação da moeda, de
documentos e de mercadorias.
III. — Bens jurídicos da collectívidade.
Podjpmos distinguir três grupos. O Estado, como
tal, nos representa a collectívidade; a administração
publica com a sua acção tutelar e promotora de in-
teresses, a actividade, o trabalho da collectívidade.
Também a força que mantém unido o todo e põe as
partes componentes em movimento, o poder
publico, considerado tanto em abstracto como em seus
órgãos, precisa de protecção jurídica.
As acções puníveis contra a collectívidade
formam, pois, as seguintes categorias:
l.
a
, crimes contra o Estado (os crimes políticos);
2.
a
, crimes contra o poder publico;
3.
a
, crimes contra a administração publica.
t
LIVRO PRIMEIRO
Crimes contra os bens do individuo
CAPITULO I
Crimes contra o corpo e a vida
L DO HOMICÍDIO
§ 80. — Conceito e espécies
LITTEBATUEA.—Kõstlin, Mor d unã Totschlag, 1838 ; v.
Holtzendorff, Das Verbrechen ães Mordes und die Todes-strafe,
1875 ; o mesmo, H H, 3?, 405; Hálschner, 2°, 19.
Homicídio é a destruição da vida inumana.,
I. O homicídio tem por objecto o homem, isto
é, o ser vivo nascido da mulher. Nascer quer dizer ter
existencia própria fora do seio materno. B' esta a
circumstancia característica que distingue o homicídio
do principal caso do aborto. A existencia independente
não data somente do momento em que se opera
completa separação entre a criança e a mãe, nem
remonta tão pouco ao começo dos movi-
8 TRATADO DE DIREITO PENAL
mentos de expulsão (dores do parto), mas começa com
a cessação da respiração placentaria do feto e com a
possibilidade da respiração pelos pulmões (*) (
a
). Todo
ser vivo nascido da mulher é homem, ainda o chamado
monstro (
b
) (o ser vivo de formação irregular), quer a
continução da vida seja impossivel (monstrum no
sentido estricto), quer não (os gémeos siameses) (
2
). A
viabilidade não é condição necessária; um
recemnascido inviável pôde ser objecto de homicídio,
como o pôde ser um velho in extremis.
II. Também pôde ser objecto de homicidio o
próprio agente; mas, segundo o direito allemão em
vigor, não só o suicidio mesmo, senão também
(*) A questão 6 de grande importância pratica, porquanto a lei
sujeita á pena* o homicidio culposo, mas não o aborto culposo. As opi-
niões são muito divergentes. Consideram como circunstancia decisiva o
começo das dores do parto, Hãlschner 2.°, 61, v. Meyer, 524, Wehrli,
Kindesmord, 94, Mittelstein, 68., 34.°, 178, a dec. do Trib. do Imp. de 29
de Set. de 83, 9.°, 181. Exigem que uma parte qualquer do corpo tenha
sabido do seio materno Binding, 1?, 220, nota 6?, Merkel, 308,
Olshausen, \ 211, 1, v. Holtzendorff, H H., 8.", 451, Finger, 11, Horch,
Abtreibung, 45, a dec. do Trib. do Imp. de 8 de Junho de 80, 1. , 446.
Cons. Ortloff, Kind oder tut f 1887, o mesmo, Physiologische
Kennzeichen fur Beginn imd Ende der Bechtsfàhigíceit, 1890.
(
a
) Consequentemente é necessário que se achem fora do ventre
materno os órgãos respiratórios exteriores. N. do trad.
(**) O monstro podo ser objecto de homicidio, mas o assim o
mola ou o ovo degenerado que não pode ter existencia fora do ventre
materno e converter-se em ente humano. Casper-Liman, Olsh., 1. c. N.
do trad.
(*) Já no direito commum a questão era controvertida. Predominava
a opinião, segundo a qual não se dava homicidio, quando o monstro
tinha «forma de animal* (assim pensavam Damhouder e J. 8. F.
Bõhmer, seguindo o direito romano). O direito prussiano de 1721
permittia matar, quando se verificasse que o recemnascido não era do-
tado de intelligencia.
r
DO HOMICÍDIO Ò
(ás mais das vezes) a instigação e a cumplicidade no
suicídio são isentos de pena (§ 34, nota 7.
a
). Determinar
um individo, não imputável, a suicidar-se é autoria
mediata (§ 50, II) (
c
).
III. A acção consiste em causar a morte.
Também aqui 28 II) equivale a causar no sen
tido estricto o dar causa, e portanto o pôr uma con
dão (occidere, mortis causam prcebere). Pouco im
porta o meio empregado. Não é necessário que a
morte seja o resultado de uma actuação material,
pôde resultar do terror, do somno obstado etc. A
intervenção porém da acção livre e dolosa de outrem,
nesta como em outras matérias, exclue a responsa
bilidade pela relação causal 28, III). Assim, se
gundo o ponto de vista do direito, não se dá homi
cídio, si A por continuadas vexações impelle B a
matar-se. A' acção equivale plenamente a omissão,
quando e em tanto quanto o autor tinha a obrigação
de agir 29); a mãe que, deixando de ligar o cordão
umbilical ou de alimentar o recemnascido, lhe oc-
casiona a morte, é culpada de infanticídio.
IV. O Cp. imp. distingue o homicídio doloso e
o culposo; o primeiro comprehende, além do homi
cídio commum, o homicídio a instancias da victima
e o infanticídio.
(°) Da impunidade do suicídio segue-se, segundo os princípios ge-
raes, a impunidade da cumplicidade no suicídio; mas o instigador de
ser considerado como autor mediato de um assassinato ou de um ho-
micídio, quando a victima é um incapaz (Merkel), ou foi coagida ou de
tal modo illudida que não percebeu o desfecho fatal do seu acto
(Holzendorff), pois em taes casos o instigador faz do suicida um mero
instrumento. Binding vae mais longe, afirmando que a instigação para o
suicídio é sempre autoria de assassinato ou homicídio, these defensável
de lege ferenda, mas insustentável de lege laia, porquanto o O. p. ali.
trata a instigação como cumplicidade. N. do trad.
10 TRATADO DE DIREITO PENAL
§ 81. Do homicídio commum doloso. Historia
LITTERATURA. Brunnenmeister, Das TòUmgsverbre-\
chen im attrõmischen Eecht, 1887 : Alfred, Die Eniwicklung
des Begríffes Mord bis zwr Karolina, 1887 ; Frauenstàdt,
Blutrache imã TotscUagsuhne, 1881; Brunner, 2.°,627; Wa-
chenfeld, Die Begriffe von Mora imã TotscMag soioie rper-
verletzung mit todlichem Ausgang in der Qesetzbung seit der
Mitte des 18. Jahrlmnderts, 1890. «
I. Desviando-se dos outros direitos indo-ger-
manicos, o antiquíssimo direito romano considerava
o homicídio como crime que attenta contra a ordem
jurídica do Estado, e retirava o respectivo processo e a
punição ao arbítrio dos particulares; em uma pretendida
lei de Numa já se equiparava nas penas á morte dada de
um modo directo e material, ao ceedere, a producção
mediata da morte, o morti dare ou mortis causam
prcebere (cons. porém Pernice, SachbescJiadigung, 148).
Desde Sylla as disposições do direito romano em
matéria de homicídio tinham por base a lex Cornélia de
sicariis et vene-ficiis (D. 48, 8, C, 9, 16); a pouco e
pouco muito ampliada, ella com minava a pena de inter
dicção contra o assassinato, a espreita com intuito
homicida, o envenenamento (e os respectivos actos
preparatórios), o incêndio para o fim de matar, o
suborno do juiz ou da testemunha em causa capital e
muitos outros casos. Posteriormente recahiam sobre as
pessoas de condição as penas de deportação e perda dos
bens, e sobre os humildes a pena de morte. Como caso
especialmente grave destacou-se o parricidium tomado
em uma nova accepção, isto é, como homicídio do
próximo parente {lex Pompeia de 699 a. u., D. 48, 9, C,
9, 17) ; depois que Constantino renovou o mos
majorum, este crime era punido com penas es peciaes,
com o culeus ou ensacamento do culpado,
DO HOMICÍDIO 11
I conjunctamente com cane, gálio, gallinaceo, et vipera et
simia. Desde Adriano tentou-se distinguir entre a
premeditarão e o impetus. Não é exacto que o ho-
micídio culposo, como tal, fosse punido (§ 35, nota 2*).
II. A primitiva edade média aliem ã, em com-I
pleta divergência com o direito romano, fazia consistir a
importância capital da matéria na distincçâo entre os
casos de homicidio. Além do homicídio do parente (L%x
Rio., 69, 2) e do que era prepetrado com offensa de uma
relação especial de fidelidade (pctit treason do direito
inglez), assignalava-se a distincçâo entre o assassinato e
o homicidio simples. ; Assassinato era a morte dada
secreta e perfidamente, | furtivo modo, caracterizada pela
occultação do cadáver ; homicidio era a morte dada em
combate publico e honroso, cuja responsabilidade o
autor não receiava assumir. Punia-se o assassinato com
penas muito mais severas (*). A perseguição do autor de
um homicidio propriamente dito, como outr'ora a vin-
gança do sangue, era deixada á parentela do offen-dido;
a Ledigung (reconciliação em razão do homicídio)
dependia do arbítrio de quem tinha o direito de
perseguir,— instituição esta que se conservou até os
tempos modernos — ao passo que contra o assassino
fugitivo se pronunciava a proscripção mediante o
processo respectivo (
2
).
Não raro as leis sobre a paz publica ameaçaram
pura e simplesmente com a morte o crime de ho-
micídio, mas ainda na segunda metade da edade média
(') Três vezes o valor do Wehrgeld entre os Francos e nove vezes o
mesmo valor entre os Allemães, Frisões, Bavaros e Saxonios e também
especialmente nos, capitulares, a morte, Cap. 596 (Borctius, 16). Cona.
Giinther, 1.°, 182.
(*) Ainda assim é na Bamberguense, mas não na Carolina. Na
legislação territorial conservou-se além do século XVII; expressamente
em Hamburgo ainda em 1608.
12
TRATADO DE DIREITO PENAL
reapparece frequentemente a antiga concepção (Es
pelho da Suabia, 174). Ao mesmo tempo vae pe
netrando na linguagem jurídica dos allemftes a dis-
tincção estabelecida pelos juristas italianos entre o
dolus premediiatus e o impetus, que acaba por ligar-se
com a distincção do direito germânico (
3
). Em geral
sao diversas as penas do assassinato e as do homi
cídio : para aquelle reserva va-se a roda, para este
a espada (Esp. da Sax., 13). Mfi
ff III. A Carolina, art. 137, funda-se na intuição
allemft: «... outrosim que, segundo o costume, o ma-
tador doloso e perverso seja executado na roda, e o que
tenha commettido homicídio por cólera e
arrebatamento.... o seja com a espada. No homicídio
doloso, como o que for perpetrado em pessoa de
elevada dignidade, no senhor do próprio agente, em
pessoa nobre ou em um parente próximo, a pena poderá
ser augmentada, antes de seguir-se a morte, com algum
castigo corporal, como seja a dilaceração com tenazes
ou o arrastamento, para que se incuta maior terror » (*).
No art. 130 encontra-se menção especial do
envenenamento.
IV.— A sciencia do direito commum, sem se
preoccupar muito com o art. 137 da Carolina,
assigualava no homicidium dolosum um certo numero
de casos que deviam ser punidos com penas mais
graves. De ordinário distinguiam-se: a) o parrícidium,
a morte dada a um parente, crime a respeito do qual se
estabeleciam muitas graduações na pena (e
minuciosamente tratado pelo direito saxonio
(*) Suscitada pela 1. 11, $ 2, D, 48, 19. Vêr a glosa ao Espelho da Saxonia,
o direito municipal de Strasburgo de 1249, o de Francfort de 1297.
Classificação feita por Claras : 1.° homicidium simpUx ; a) necessarium, b)
casuale, c) culposum, d) dolosum; 2.° homicidium deli-beratum: a) cx
propósito, b) ex insidiis, c) prodiioriutn, d) per assassinium.
(*) Sobre a controvertida interpretação deste art. vêr Wachenfeld.
DO HOMICÍDIO
13
de 1574, IV, 3, e também pelo prussiano de 1620), b) o
homicidium proditorium, morte com emboscada (Engau,
Bohmer e outros), c) o latrocinium, roubo á mão armada
(segundo Corpsow) ou matar para roubar flucri faciendi
causa, segundo Koch, Engau e Bohmer), d) o assassinium
(esta denominação, tomada á seita politica-religiosa dos
Mahometanos chuitas, que se fundou em 1090, tornou-se
vulgar desde o sgculo XII; assassinator é o mandante,
assassinus o mandatário; já o direito prussiano de 1620
punia como homicídio a simples aceitação do mandato), e)
o veneficium, a morte por envenenamento. Especialisava-se
também o propricidium ou suicídio 34, nota 7.
a
). Cedo
começaram as legislações a occupar-se com a questão da
causação. Nas constituições saxonias, 4.°, 6, se encontra
mencionado o erro sobre a pessoa. Também o homicídio por
omissão é expressamente regulado. Por meio do dolus
indirectus 38, nota 8) ampliou-se a idéa do homicídio a
casos, em que não se dava amimus occidendi, mas simples
intenção hostil (o pravus animus de Carpsow). Neste
sentido o direito prussiano de 1721, os cod. austríacos desde
1787 até 1852 e o Allg. Landrecht, art. 806.
V. O Allg. Landrecht ou direito commum
prussiano punia como assassino e mandava executar na
roda, de cima para baixo, quem, com o animo premeditado
de dar morte, commettesse realmente um homicídio.
Especialisava também o homicídio ajustado e o mandado
(art. 839 e 849), o homicídio por paga (art. 834), o matar
para roubar (art. 855), o envenenamento (art. 856) e o
homicídio na pessoa do parente (art. 873). O Cod. francez e
o cod. bavaro de 1813 abriram novos caminhos. O Cod.
francez denomina meutre todo homicídio voluntário, e
assassinai o homicídio com préméditation ou guet-apens.
O cod. bavaro de 1813 contrapõe ao assassinato o
•:
14 TRATADO DE DIREITO PENAL
homicídio: aquelle é caracterisado pela premeditação
na resolução e pela reflexão na execução, e este
por ser praticado na effervescencia da cólera. 0 di
reito inglez encontra, como d'antes, no dolo preme* |
ditado (malice. aforethought) a distincçâo entre murder
e mamlanghter. I
VI.— Na legislação moderna a distincçâo entre o
assassinato e o homicídio tem valor somente, porque
facilita limitar-se a pena de morte a um pequeno numero
de casos. Regularmente toma-se para base da distincçâo o
dolo premeditado e o não j premeditado. Assim faz o C. p.
imp. que segue o cod. francez de 1810 e o prussiano de
1851. O projecto austríaco, o russo e o suisso porém
abandonaram com razão esta característica também viva-
mente impugnada por Haus, v. Holtzendorff, Berner,
Halschner, Wachenfeld e outros, e contrapõem ao caso
normal do homicídio doloso, de um lado, uma serie de
casos graves, e, do outro, o homicídio commettido sob a
influencia de uma violenta emoção.
§ 82. — Do homicídio commum doloso O
direito vigente
LITTERATURA. Kràwel, G S., 38, 177 ; "Wachenfeld,
Die Uéberlegung in unserm heutigen Morãbegriff, diss., 1887.
I.— Segundo o G. p. imp., commette assassinato
(art. 211) quem mata dolosamente, si a morte é
executada com reflexão, e homicídio propriamente dito
(art. 212), si a morte não ê executada com reflexão (").
Com esta redacção que se approxima da
\.', ; „-.„»'-- —
(») Totscklag, o homicídio doloso simples, e Mord, o assassinato. O
que os destingue é uma circumstancia toda subjectiva; este 6 praticado
com reflexão, a sangue frio, e não assim aquelle. O legislador
DO HOMICÍDIO
15
do cod. saxonio e se afasta da do prussiano, quiz o
legislador accentuar que o centro de gravidade está na
execução : o homicidio resolvido com reflexão, mas
sem reflexão executado, deve ser considerado e
punido, não como assassinato, e sim como homicidio
simples. Essa divergência, porém, atten-tamente
considerada, nada tem de essencial. A reflexão é uma
característica da resolução, e não do dolo 2£, nota
2.
B
). Na hypothese figurada a resolução primitiva foi
abandonada, e, na verdade, o homicidio assenta sobre
uma nova e não reflectida resolução. Podemos pois
admittir as seguintes definições : assassinato é o
homicidio doloso e reflectido, e homicidio simples o
doloso, mas não reflectido (
1
).
A pena do assassinato é a morte, a do homicídio
simples é reclusão por tempo o inferior a cinco
annos.
Si um dos codelinquentes obrou com reflexão, e o
outro não, o primeiro se faz culpado de assassinato e o
segundo de homicidio simples. A insti-
não usou da expressão mH Vorbeãaeht, com premeditacão, mas da expressão
mit Uéberlegung, com reflexão, talvez para não dar a entender que entre a
resolução e a execução deve medear, no caso de assassinato, um certo espaço de
tempo mais ou menos longo. Com effeito, cara-cterisar a resolução calma e
reflectida pelo decurso do tempo, como faz o nosso C. p., art. 39, | 2, é facultar
aos peiores assassinos, aquelles que são capazes de conceber e de executar
immediatamente o crime a sangue frio, uma causa de attenuação de pena. N. do
trad. H (>) O Cod. prussiano diz no art. 176: «quem mata dolosamente e com
reflexão»... e do mesmo modo a maior parte dos coda. allemães. Que a redacção
do C. p. imp. não expressa uma alteração real é contestado pelo Trib. do imp. e
pela opinião commum. Correcto é especialmente lschner, 2.°, 52, nota 1?—
Mas é inútil dizer que a letra do O. p. é que regula quanto a formulação dos
quesitos no processo perante o jury e em geral quanto ás circumstancias que
devem ser declaradas na sentença.
o
16 TRATADO DE DIREITO PENAL
gação ao assassinato pôde ser punível como homicidio]
simples e vice-versa (
2
).
II. O homicidio é punido com pena maisl
branda (C. p., art. 213), quando o agente, excitado
por violências ou injurias graves dirigidas contra a
sua pessoa ou contra a pessoa de algum dos seus
parentes, ás quaes não deu causa, é levado imme-
diatainente a praticar o facto, ou quando se dão
outras circumstancias attenuantes.
e
m Pena: encarceramento por tempo não inferior
a seis mezes. Também aqui o homicidio conserva o
caracter de crime; a tentativa é pois punível
(§ 25, IV). §
« Violências e injurias graves »: estas expressões
não devem ser tomadas no sentido technico, nellas se
comprehende também, por ex., o adultério.— O
adverbio «immediatamente» não se deve entender com
relação ao logar e ao tempo, significa a continuação da
emoção violenta que a a Afronta provocara. O art.
213 do C. p. imp. deriva do art. 231 do C. p. francez. O
mínimo excessivamente brando de seis mezes de
encarceramento foi admittido durante a discussão
parlamentar do cod., resultando d'ahi uma insolúvel
contradicçSo com os arts. 216 e 217, que fixam
máximos superiores
III. Casos punidos com maior rigor (excluída
a attenuação do art. 213): I
1.°, o homicidio commettido para que o agente
remova o obstáculo que se oppõe á execução da
infracção emprehendida, ou para que evite ser sur-
prendido em flagrante (C. p., art. 214).
2.°, O homicidio commettido na pessoa de um
ascendente (C. p. art. 215).
(*) Egualmente Berner, 280 e 603, Hãlsctaner, 1? 489, v. Moyer,
281. Contra, Geyer, H H, 4?, 162, Merkel, 807, Olshausen, \ 60, 6.
DO HOMICÍDIO
17
Ambas estas disposições derivam do C. p. fran-cez
(art. 304 e 302). A pena ê reclusão de 10 a 15 annos
ou reclusão perpetua. O cod. prussiano de 1851 infligia
a pena de morte. O emprehendi-mento coruprehende
também os actos preparatórios (§ 47, nota 2.") (
3
). A
acção emprehendida deve ser punivel segundo o direito
allemão, embora não o seja segundo o direito imperial.
A proposição \para designa a intenção como
motivo. A pena grave do art. 215 não recae sobre o
co-autor ou cúmplice que não é parente da victima.
§ 83. — Do infanticídio
LlTTEttATURA. Jordan, Bigriff und Sfrafp âea Kin-
Idmmordcs, 1844; Knntze, Der Kindesmord, 1 860; v. Kleisr,
Das Yerhrecheu der Khiâexlotunfl, 1862; v. Fabrico, Lehre von
der Kindesabtreibung ioid wrm Kindeiemovd, 1868; Welirli. \Der
Kindesmord, 1889; Clolsmann, Die Kindestòlimg, 1889 (sem
importância). — Cons. Dõrfler nas BHittern fur ge-íriehfíiehe
Medizin de Friedreioh, 44.", 269.
B I. O infanticídio, que o direito romano o
especializou em nenhum dos seus períodos, converteu-
se no direito allemão sob a influencia da Egreja em
crime distincto, mas em contraste com as disposições
brandas dos penitenciaes (que indicavam a vergonha
como o movei da mãe iIlegítima e contemplavam o
infanticídio entre os crimes da carne), era punido com
a pena de morte (enterrar a viva e empalar). Tal é
também o ponto de vista da Carolina, cujo artigo 131
assim se expressa: «as mulheres que matam secreta,
voluntária e perversamente os filhos, que delia
receberam vida e membros, são
(*) Egualmente Geyer, 2.°, 6, Hiilschncr, 2.°, 45, v. Holtzen-
dorff, H H., 3 °, 441, Olshausen, { 214, 2. Conirà, v. lleyer, 518
e outros.
T. ii ai
18 TRATADO DE DIREITO PENAL
enterradas vivas e empaladas segundo o costume. |
Para que se evite o desespero, sejam essas malfei- j toras
afogadas, quando no logar do julgamento houver j para
isso commodidade d'agua. Onde, porém, taés crimes se
dão frequentemente, permittimos, para maior terror de
taes mulheres perversas, que se observe o dito
costume de enterrar e empalar, ou que, antes da
submersão, a malfeitora seja dilacerada com tenazes
ardentes ». Na alta Aliem?nha (onde, como na Áustria,
em geral não era costume a sub- | mersao) a praxe
contentava-se ás mais das vezes | com a decapitação;
em outros logares, como em j Breslau (Z., 10.°, 13),
executou-se o empalamento | de facto até o século XVII
e depois simbolicamente (GHinther, 1.°, 262, 2.°, 68). A
Saxonia fazia uso do culeus (cont. sax., 4.°, 3). Esta
pratica foi introduzida na Prússia em 1714, mas abolida
em 1740. Cedo (já no começo do século XVIII) (*) a
litteratura do direito natural apoderou-se da questão | do
infanticídio e assignalou a serie de circumstancias
attenuantes que tornam patente a injustiça da pena de
morte; segundo a opinião desses escriptores, o que
sobretudo importa são as medidas preventivas. Não
tardou que a legislação os seguisse. O edicto prussiano
de 1765 restringio a applicação da pena
(*) Já nas Meditationen de Leyser. Servin e outros entendiam
mesmo que o facto devia ficar completamente impune. A questão posta
a concurso em 1780 por Dálberg e Michaelis sobre os melhores meios
para a prevenção do infanticídio provocou uma alluvião de escriptos
mais ou menos frívolos. Veja-se especialmente o trabalho de Pestalozzi
publicado em 1783 sem o nome do autor : Ueber Gesetzgébung und Kin-
desmord. W uma mescla de verdades e de phantasias, de investigações e
de figuras. O infanticídio é ao mesmo tempo o assumpto favorito da
litteratura amena do tempo. Sobre o decenmo de 1770 a 1780 (espe-
cialmente o Kindesmòrderin de Schiller) cons. Max Koch, Helftrwh
Peter Sfurz, 1879, p. 210. Do lado opposto estava J. Mõser (Abeken 1.°,
868, 2.°, 164), que censurava a brandura da nova legislação,
DO HOMICÍDIO
de morte, e a Theresina de 1768, comquanto ainda
prescrevesse o empalamento do cadáver, Agava sobre-
tudo importância á prevenção do infanticídio. Muito
frisante é o direito commum prussiano de 1794 (2.°, 20,
902) que obriga a mãe a instruir a filha de 14 annos
sobre os signaes da gravidez e o modo de atar o cordão
umbilical. Nada obstante, encontramos sempre a pena
de morte, que pela primeira vez a Áustria em 1803» e a
Baviera em 1813 aboliram. Desde Ientão o infanticídio
tem conservado na legislação allemã (não assim na
Inglaterra e na França) a sua posição privilegiada,
accrescendo que a minoria das legislações (inclusive
o cod. austríaco e o hol-landez, bem como os Cod. da
Suissa franceza) equipara em these a mãe legitima á
illegitima.
II. Infanticídio é o homicídio doloso (com ou
sem reflexão) do filho illegitimo pela mãe durante o
parto ou immediatamente após o parto (C. p., art. 217).
A expressão infanticídio comprehende, pois, tanto o
assassinato como o homicídio simples do recem-
nascido. O infanticídio culposo deve ser punido
segundo o art. 222.
Hl. Objecto do infanticídio é o filho, e não o
feto (§ 80, nota 1.*), e, na verdade, o filho na occasião
do parto, isto é, desde a cessação da respiração
placentaría até a solução da ligação physiolo-gica entre
elle e a mãe (cordão umbilical) ou logo depois do
parto.
Nesta segunda hypothese, a brandura com que a
lei trata o infanticídio tem um limite no tempo, logo
que cessam os presuppostos em que o legislador se
baseou, isto é, logo que termina a situação de que
resulta a condição mais favorável da infanticida (
2
).
(') O C. p. imp. não quiz com razão fixar o tempo, como fazia a
legislação anterior. Cone. também as Observações ao Cod. bavaro de 1818.
20 TRATADO DE DTRETTO T»EKAT. I
---------------
,—_—
.
.
---------
; •'
..........
[
I Ora, a razão por que o infanticídio é tratarM com
menos vigor está, de um lado, na força «los' motivos
que impeli em a parturiente a dar morte ao seu fructo
illegiiimo, e, de outro lado, na diminuic/io, da
imputabilidade occasionada pelo acto do parto, 30,
nota 1). Não discutiremos si estas vazões mereciam que
o legislador as tivesse tanto em conta. Seja como fôr,
deve-se ftuppor que o legislador considerou a primeira
delias como decisiva, ílbis que a segunda pode actuar do
mesmo modo sobre a mãe legitima (").
Não 6 necessário que o vecem-nascido seja viável.
A legitimidade do filho deve ser determinada, sem
se terem em attenção as presumpçôes do direito civil. O
erro da mãe sobre a legitimidade do filho não tem
influencia (
a
).
(") Segundo a opinião commura, o infanticidio imo se. pode dar,
pmquanto o foto permanece inteiramente no ventre materno, embora tenham
começado a? dores do parto. O período do nascimento pro-lnnga-se desde que
nina parte da criança se acha fora de ventre materno aa completa separação
do cordoo umbilical (OUh. $ 217, 8 a). Depois do parto, o infanticídio ainda
pôde dar-se, einquanto perdura a situação psycologica determinada pelo parto
(Merkel), a excitação e os motivos particulares do infanticídio (Berner).
Holuendorff porém entende que o art. 217 aproveita á infanticida, quando
houve continuidade entre o parto e a morte. Segundo o nosso direito a morte
dada ao infante nos se/e primeiros dias do seu nascimento, ainda que por
terceiro e -por motivos inteiramente estranhou à honro, è infanticídio e acarreta
penas sempre mais brandas de que as d<> homicídio qualificado (art. 208 e 291
do O. p.). N. do trad.
(*) Egualmente TJiuding. Kortmn, 2.°, 513. Contra, Geyer, 2.°, 8,
Ilálschner, 2.°, fiO. v. Meyer, 107, Olahausen, \ 217, 5, Kessler, Ein-willigung,
103, VVchili, 70. A verdadeira doutrina decorre desta consideração: o erro da
autora não versa sobre o resultado da acção, mas sobre a relação jurídica para
com o lilho.
DO HOMICÍDIO
21
IV. a mãe mesma pode ser autora, mas
tanto pode sel-o a mulher não casada, como a ca
sada, si o filho é illegitimo. Tem appli cação as penas
mais brandas do infanticídio, quer a mãe concorra!
para o resultado na* forma da autoria, quer na dal
cumplicidade, ao passo que terceiros co-delinquentesj
(autores ou cúmplices) devem ser punidos em razão
de homicídio conimuin (§ 58, II).
V. —^Pernis : reclusão por tempo não inferior a
três ânuos; Decorrendo e-ircumstancias atleuuautes,
encarceramento pur tempo não inferior a dois
annos (*) (').
§ 84.—Do homicídio a pedido da victima
LrTTRKATUK.v. Bõhlau, GA., 5?, 489, Mitterniaier,
JG A., 9% 433; Abegg, G A., 13?, 387; Ortuiaun, G A., 25,
104, 207, 195; v. Wáehter, G S., 20V, 5.
I I.— A morte dada, a quem a pede é assumpto que no
século XVIII vivamente discutiam os es-criptores do direito
commuin, Kress, Bohmer, Engelhard, o posteriormente
Soden e outros entendiam,
í'i Cumpra notar qtue., -egumlo o urt. 307, n. 1, cl'» C. p., a inhumação
ou a suppressão do cadáver du uin receni-nascido podo ser punida como
contravenção. O C". p. porem não qualifica o delieto de oceultação da gravidez
ou do parto que se encontra no direito commum do ultimo período.
(
b
J Entre as penas dos árts. 217 c -13 do C. p. ali. ha uma notável falta
du proporção. O infanticídio com alteuuantes é punido com mais rigor (2 annos
de encarceramento no minimo) do que o homicídio doloso simples com
attcnuautes (U mezes de encarceramento uo minimo). A morte de uma criança
certo tempo depois do nascimento pôde pois ser punida com menos rigor do
que o iufauticidu.. 2T. do trad.
•l
22
TKATADO DE OIKEITO V&NAL
contra a opinião de Carpsov, Matheus Leyser, Wil*
lenberg, que a punição devia ser menos rigorosa. O
direito prussiano de 1721 comminava a pena de
homicidio em toda a sua plenitude. O AUg. Land-rechty
art. 884, punia-o, pelo contrario, como cumplicidade no
suicidio, e portanto com penas muito mais brandas do
que as do homicidio doloso. À maior parte dos cod.
territoriaes (figuram na excepção o cod. prussiano de
1851, o austríaco de 1852,1 o bavaro de 1813) seguiam
este exemplo, ao que os decidio a difficuldade e talvez a
impossibilidade de extremar o homicidio em questão da
cumplici-l dade no suicidio. A disposição do C. p. imp.
deriva do direito saxonio (já existente em 1855). No
mesmo sentido o cod. ngaro, o hollandez e quasi
todos os projectos novos. A jurisprudência franceza
considera o homicidio a pedido como homicidio com-
mum (não assim Ghauveau).
II.— Segundo o art. 216 do C. p. imp., o homicidio
a pedido é o homicido doloso (com ou sem reflexão),
para cuja pratica o agente foi determinado pelo pedido
expresso e sério da victima.
Faz-se mister a livre e consciente solicitação de
um adulto capaz de imputação. A resolução doi crime
deve ter sido provocada no agente pela vi-ctima;
consequentemente não basta o consentimento. O facto
deve pois corresponder, como na instigação, á vontade
do solicitante. A supposiçao errónea acerca da
solicitação não lhe pôde supprir a falta (*).
III.— Penas : encarceramento de 3 até 5 annos.
Gomo não se trata de um caso de assassinato ou
homicidio punido com menos rigor, mas de uma in-
fracção sui generisy deve ella ser considerada como
(
x
) Egualmente Binding, 1.°, 721. Contra, além de outros, Geyer,
2, 7, v. Holtzendorff, H H, 3 v, 447, v. Meyer, 512, Olshausen, | 216, 4.
DO HOMICÍDIO 2£t
delido (
2
). A tentativa é pois isenta de pena, segundo o
art. 216, mas pôde ser punível como offensa physica
(
8
).
Como a lei não prevê circumstancias attenuantes,
em hypothese alguma o mínimo da pena pôde ser
inferior a 3 annos (
4
).
K §^85. — Do homicídio culposo
í O homicídio culposo, estranho ao direito romano
ainda depois de Adriano, é frequentemente mencio-
nado nas fontes allemães da edade média e nas obras
dos escríptores italianos. O art. 146 da Ca-
(*) Em sentido contrario Hãlschner, 2 v, 68, e Kohler, Studien, 1.° v.,
128.
(*) Egualmente as dec. do Trib. do Império de 16 de Novembro de 80,
2.°, 442, e de 4 de Novembro de 98, 24, 369, v. Holtzendorff, H H, 3.°. 447 e
outros. Em sentido contrario Baumgarten, Versuch, 864, Binding, 1.°, 721,
Geyer, 2.°, 7, Hálscbner, 2.°, 68, nota 8, Olshausen, g 216, 6, e também todos
os que admittiam a impunidade da offensa physica, dada a annuencia do
offendido. Cons. o § 86, nota 4.*.
(
4
) N'este sentido v. Meyer, 521, Olshausen, § 216, com a opinião
commum. Contra, Binding, 1.°, 468, Hãlschner, 2.°, 68, v. Hol-tzendorff, H H,
3.°, 447 e outros que entendem dever applicar-se o mínimo do art. 213 (*).
(») « Quem mutila ou offende outrem voluntariamente em razão de um
pedido de morte, diz Holtzendorff, o pode escapar á pena, pois a vontade de
morrer não inclue a de ser lesado.» Mas Binding observa que d'ahi resultaria a
seguinte contradicção: o crime consum-mado (a morte dada a pedido) faria
incorrer em 5 annos de encarceramento no máximo, ao passo que a tentativa
(offensas pbysicas) poderia acarretar a pena de reclusão por 6 annos e
eventualmente por 10. Segundo Olshausen, o legislador, deixando impune a
tentativa da morte solicitada pela victima, 'não quiz também punir os actos ten-
destes ao homicídio, N. do trad.
24
TRATADO DE DIREITO PENAL
rolina, traduzindo livremente a lei 9 § 4.° e a lei 11,
proem. D., 9, 2, não fez mais do que envolver em|
roupagem romana intuições germânicas (').
II. — O art. 222 do C. p. commina contra oj
homicídio culposo a pena de reclusão até 3 annos. O
autor incorre na pena de reclusão até 5 annos, quando
não prestou a attenção particular a que estava obri-1
gado em razão da sua funcção, profissão ou industria. |
Segundo os princípios geraes 28?'II, 2), a|
imputação do resultado não é afleetada pelo concurso j
resultante da culpa de um terceiro ou do morto mesmo; o
que faz cessar a responsabilidade pelo resultado é a
acção livre e dolosa de um imputável. A cumplicidade
no suicídio não de pois ser considerada como
homicídio mediato.
(') Ainda no século passado c de aecordo com o E«p. da SM., 2.°,
14, 1, 2.°, 38,2.°, 65 e dns constituições saxrmias, 4.°, 11, pagava-se | na
tíaxonia o Wehrgeld ao parente que porseguia (20 thalers por um homem
e 10 por uma mulher), quando o delinquente no homicídio culposo não
era condemnado á pena corporal. Nas demais partes da Allcinaulia
coneedia-se uma aetio legis Aqnillce utilis.
gDA OFFENSÀ PHYSICA
| 8tT — Historia e conceito
LrTTERATUUA. Gever, H H., 2, 517, 4, 36.};
Hàlscbuer, 2."; 83; Beruer, GS., 18.°, 11), GA., 14/\
trabalhos do 12." congresso dos juristas alie mães (rela-
tórios de Thonisen); Kecker, G A., 33.°, 70, niouographia
também publicada em separado em 1885 ; Giintber, Ueber
die JTtiupMaãien der gesohichtlichen Entwickhing áes Ver-
breehcns der Ror per rerlrfz mi ff uná stein-er fíextrafun;/, diss.,
1884 ; Sclimidt, G S., 42.", 57 ; Seheillei, Die Ànascheidung
deu Verbreehens der schxceren KòrpernerletxHng etc, diss.;
1890.—Sobre a aunucucia do offendido, ver o S 34, IV.*
I. — O conceito'tia oUcusa pliysica, como crime
1
stti
generis, ó estranho ao direito romano. A olFen.su physica
absorvia-se na idéu indeterminada da injuria, que a
principio só tinha applicação no campo dos delictos do
direito civil.
E' certo que as doze taboas comininavam o talião
contra membrwn ruptum, não seguindo-se composição (ni
cum co pacitj; mas por os fnictum aut cottimm, cabia
multa (300 ou 500 asses) c igualmente nas demais injurias
(25 asses). O direito pretoriano substituio essas multas
precisamente tarifadas pela aetio injuriarum wstimatoria
do direito civil. Em certas circumstancias podia dar-se
também o cri-
o
o
o
2'6
ÍBATADO DE DIBEITO PENAL
men vis. No tempo das Qcestiones perpetua três casos
de injuria eram considerados como injuria atroees, o
pulsare, o verberare e o domum W introire, dos quaes
somente os dois primeiros podem corresponder á idéa
moderna da ofiensa physica. Por isso mesmo] ficou
também estranha aos práticos italianos a ofiensa
physica, como crime independente.
Não assim a edade média allemã. as leis
barbaras prestavam xima attenção ás offensas
physicas (p. 22). As fontes da edade média ulterior] as
imitaram. Em geral distinguiam-se, de um lado, as
simples pancadas (correspondentes á romana injuria
real) e, do outro lado, as feridas sangrentas e as
mutilações (Làhmungen, debilUationesJ. As primeiras
entravam na competência da baixa justiça, contra as
segundas comminava-se (também no Esp. da SaX. e nas
leis sobre a paz publica) a pena de perda da mão. Além
disto especialisava-se o arrancar faca etc.
Apezar do silencio da Carolina, conservou-se, no
período do direito commum, a concepção do direito
allemão que considerava a ofiensa physica como
delicto sui generis e a punia, pelo menos nos casos
mais graves, com pena criminal.
A sciencia manteve o delicto da violatío corporis
ou lesse, sanitas, ainda depois que a legislação terri-
torial (já assim o direito bavaro de 1616, o prus-siano
de 1620) começava a cingir se á intuição romana. Ao
passo que no Direito commum prussiano ainda estava
quasi de todo obliterada a linha divisória entre a injuria
e a ofiensa physica, esta ultima era tratada de um modo
independente no código austríaco de 1803, no código
francez e no código bavaro de 1813. Tal é o ponto de
vista da nova legislação; mas esta foi pouco feliz no
seu esforço tendente a precisar a idéa da ofiensa
physica e a graduar a penalidade das lesões que nessa
idéa se
t»A OPtttfBA. PHÍSlCA
27
i comprehendem, considerando-se nesta parte regalar-
•mente como círcumstancia decisiva, além do modo da
perpetração, a gravidade do resultado, o qunl não raro
(cod. húngaro de 1878, italiano de 1S89) é f medido pela
duração da enfermidade ou da inhabi-llidade para o
trabalho, que tenha sido causada.
II. — 1.° Offensa physica é a ofensa (injuridica)
da integridade corporal de outrem. Dá-se, quando a
1 actividade physica no seu curso regular — tal como
1| existia no momento do acto, é lesada. Deve-se I
porém exigir um certo gráo de perturbação que, em ,
these, não pôde ser determinada de um modo mais I
preciso (").
São pois offensas physicas : a acção do empurrar I
e de bater (o pulsare e o verberare dos Romanos), I os
ferimentos (os coups et blessures do cod. francez), [ a
mutilação, a paralysação; o cortar os cabellos, o I
quebrar os dentes; o causar uma enfermidade phy-I sica
ou mental; o produzir vómitos, diarrhéa, der-I
ramamento de sémen; o embriagar, entorpecer,
hypnotisar; o provocar dôr, a provocação de incom|
modo ou mal-estar, repugnância, aversão, medo,
(*) Stòrung der kòrperlichen Unversehrtheit, literalmente «per* I turbação
da integridade do corpo». Esta definição da offensa physica é geralmente aceita.
Segundo Oeyer, offensa physica (violatio eorporis, crimen Icesm sanitatis) é a
perturbação da situação physiologica de | outrem ; segundo Merkel, é a acção
injuridica e perturbadora do bem-estar exercida sobre o corpo de outrem, em
tanto quanto o facto não constitue um outro delicto especialmente qualificado
pela lei. Assim nas offensas physicas se comprehendem não as lesões
corporaes e o damno á saúde, senão também outras perturbações do bem-estar
physico, bem como podem ellas ser praticadas por meios mecânicos, chi micos e
até psychícos. A este largo conceito da offensa physica não corresponde o do
nosso direito que somente assim denomina as leaòei corporaes (art, 808 do C. p.
brasileiro). N. do trad.
!
28
TRATADO DE DIREITO PENAL
terror, somente quando a perturbação não 6 inteiramente
destituída, de importância; e sob o mesmo prestrpposlo, a
influencia perturbadora exercida sobre os sentidos
(charivari, luz ofluscante, fétido, coçar, fazer cócegas,
contacto impudico); o causar fome e sede.
O resultado pode ser produzido immediataiuente polo
movimento muscular do próprio agente ou mediante
utilísacão de um instrumento (açulgr um o). A' acção
equivale a omissão (privação de alimentos), dadas as
condições já conhecidas.
Em caso algum se faz mister sensação de
dôr
(
T
).
2.° O C. p. decompoz a idéa una da oífensa physiea
em duas sub idéas que diílicilinente se dís-eriniinam: maus
tratos e ãamno d saúde. Aquelles consistem em pancadas,
choques c outros eileitos exteriores produzidos immediata
ou niediataniente sobre o corpo de outrem; este na
perturbação das funeções internas do corpo (também na
privação de alimentos, provocação de náuseas, terror étc).
Ambas as espécies concorrem frequentemente no mesmo
acto (
2
).
(') E' correcta n dcc. tio Trib. do Imp. de li! de Abril de 80 19", 130
(
b
).
(
b
) A oífensa pbvsica não se caracterisa pela producção de dôr; p»r um
lado pode constituir offensa physica uma acção que provoquo repugnância,
náusea, sem causar dôr, e por outro uma acção que não seja sentida pelo
offendido. E' neste sentido a doutrina do Trib. do Imp. Ver Olsliausen, $ 227,
v. 4." N. do trad.
(*) As opiniões são muito divergentes. Cons. Ilerner, 510. llálscber, 2.»,
84, v. 3Ieyer, 530, OUbausen, g 228, 3 a C,v. Wáchter, 841. Segundo
Olsliausen, vias de facto ou maus tratos physicos são a producção de
íncommodo ou a perturbação do bem-eslar, bem como as lesões á integridade
do corpo, e dom no á saúde a producção do uma enfermidade. Esta doutrina
conduz a resultados de nenhum modo
DA OFFEXSA PHYSICA 29
|---------------------------~ —- ---------------------------------------------------
3v A o (Tensa physica constitue ao mesmo tempo uma
injuria (real), quando é expressão consciente de
desconsideração. Neste caso tem appli-eação o artigo 73 do
C. p.
I 4." O dolo da offensa physica pôde ligar-se com o dolo
indeterminado (eventual) do homicidio. O dolo do
homicidio envolve as mais das vezes o da offensa eventual
(
a
).
III. —«Os princípios geraes concernentes á ille-
galidade do acto e ás causas que a excluem 34) têm
absoluta applicação ú, offensa physica. Assim é também
com relação a todo excesso praticado no exercício de um
direito (poder disciplinar, direito que a profissão confere
etc).
O consentimento do offendido suscita dificuldades ('§
34, not. C).
E, As disposições do C. p. não prestam apoio (pelo menos
em relação aos casos graves) á hypothese, decididamente
incompatível com a nossa consciência [jurídica, de que o
bem da integridade corpórea deva ser abandonado ao
capricho individual. I)eve-se pois considerar como
indifferente o consentimento do offendido. A influencia que
no homicidio o consentimento da victima exerce sobre a
penalidade da acção não é uma prova contra esta asserção,
mas a
jsatisfactorios na maior parto do? casos e especialmente no caso muito
discutido do « corte de trança » (
c
).
(') E' muito discutida a questão de saber como deve ser considerado o ii
corte de trança» (Zopfal>sclmeulen), caso frequente na pratica. As opiniões são
muito divergentes. jVIerkel não no « facto em si » uma offensa pbysica, ao
passo que H. Meyer e v. Listz nelle vêm sempre nina offensa á integridade do
corpo; HerbH o considera como dam no á saúde ; Geyer como mau trato;
segundo 01shausen,| ora é uma, ora outra causa. N. do trad.
(
s
) Em sentido contrario especialmente Olshausen, \ 228, ló. A questão
leni importância na desistência da tentativa de homicídio.
30
TRATADO DE DIHEITO PENAL
seu favor, pois do art. 216 do C. p. devemos inferir! que
se fazia mister uma disposição expressa no sentido de
dar tal effeito ao consentimento, e, apezar disto, o
consentimento dá apenas logar á attenuação da pena,
não exclue a illegalidade do acto. Sem exaggero póde-
se qualificar a mutilação consentida! pelo offendido
como o crime mais grave depois do homicídio. Quanto
ás offensas physicas de pouca importância, a questão
resolve-se pela consideração de que as offensas
physicas dolosas, mas leves, somente podem ser
processadas em virtude de queixa, e, si a queixa é dada,
apezar do consentimento do offendido, a pena pôde ser
reduzida a um dia de encarceramento ou a uma multa de
3 marcos (
4
).
(*) De accôrdo as dec. do Trib. do Imp. de 16 de Nbv. de 80, 2.°,
442, e 22 de Fev. de 82, 6.°, 61; Hãlschner, 1.°, 471, 2.°, 91; Breithaupt.
VoUmti non fit injuria, p. 66. Contra, Binding, 1.°, 722, 724, Olshausen
J 228, 9, v. Wãchter, 190, v. Hippel, Z. 12.°, 917. Ortmann, O A. 26,
119, Zimmermann, Gr A., 29.°, 441, Kronecker, O S. 85.°, 219, Kessler,
Einoilligung, 78, Ròdenbeck, Ziveikampf, 88, 47 e O. S., 87, 140.
Geyer, 2.°, 17, Merkel, 120 v. Meyer, 819, admittem a impunidade nas
offensas physicas leves. O cod. Josepbino de 1787, art. 121, declarava
expressamente ser indifferente o consentimento. B' para desejar uma
disposição de lei (").
(*) A doutrina, que appliea a regra —voUnti non fit injuria a
todos os casos de offensa physica, tira argumento sobretudo do art. 216
de O. p. allemão: si no caso de homicídio, o legislador no pedido da
victima a causa de uma importante attenuação da pena, seria uma
inconsequência o ter absolutamente em conta a vontade do offendido
nas offensas physicas, resultando d'ahi que as offensas physicas graves
feitas em quem nellas consentio viriam a ser punidas com mais rigor do
que a tentativa de homicídio no caso do art. 216 (embora a tentativa
acarretasse os casos os mais graves da offensa physica). Uma opinião
média ê defendida por Geyer, Scharper, Merkel e outros, segundo os
quaes o consentimento do offendido só exclue a illegalidade do ftoto nas
offensas leve». N. do trad.
BA OFFENBA PHY8I0A, 31
§ 87. — Espécies de offensa physica
LlTTEBATURA. — Ao n. II v. Btiri, O S., 34.*, 342. Sobre
a idéa do que seja arma, v. Kries, O A., 25. Ao n. III, os tratados
de medicina legal.
As disposições do C. p. com as alterações feitas
pela lei dé* 1876 nos levam a distinguir:
I.A offensa physica dolosa e leve (art. 223). Esta
infracção é delicto; a tentativa é pois isenta de pena
(não assim no proj. austr.), ao passo que no damno real
a tentativa é punível.
A offensa physica leve distingue-se em simples e
aggravaãa; da-se esta ultima, quando o offendido é um
ascendente.
Penas: no caso simples encarceramento até 3
ânuos ou multa até 1.000 marcos; no caso grave,
encarceramento por tempo não inferior a um mez, mas,
occorrendo circumstancias attenuantes, tem applicaçao
a pena ordinária (art. 328).
II.—A ofensa physica dolosa e perigosa (art. 223
a). Dá-se quando a offensa é coramettida:
1.°, por moio de uma arma, especialmente de
uma faca ou outro instrumento perigoso;
2.°, por uma aggressão insidiosa (especialmente
mediante emboscada ou qualquer outro ataque im-
previsto vindo de Jogar encoberto);
3.", por vários indivíduos em commum 50,
nota 9) ; I
4.°, por um acto que (no caso dado) exponha o
offendido a perigo de vida.
A palavra arma não deve ser aqui tomada no
sentido technioo 93, II); significa todo instrumento
que, aggressiva ou defensivamente, é apropriado a
offender de um modo mechanico e mediante
32 TRATADO DE DIREITO PENAI.
a a p plica «-fio que no caso occnrrente lhe foi dada,
pouco importando o destino e a applicação ordinária
do instrumento cm questão. Assim uma pegada
chave de porta, uma argola, um copo de cerveja,
podem ser como ta es considerados. Neste sentido a lei
mem-iona exemplificativãmente, como armas, «a faca
e outros instrumentos perigosos.»
Instrumento é todo objecto material e movei que pode
ser posto em movimento pela Joiva phy-síea do homem;
também o c a pedra, um gato atirado, mas não um cão
açulndo ou um louco incitado (•). No caso concreto deve
dnr-se perigo, jj isto »', a possibilidade de offensa. (')
Nestes quatro casos faz-se mister que o agente
tenha consciência do que occorre uma das cireum-
stancias aggra vantes, isto é, que o seu neto põe em
perigo a vida de outrem, que clle se serve de uma arma
etc. (').
Penas : encarceramento por tempo não inferior a
dois mezes; occorrendo circumstancias attenuantes (art.
228), encarceramento até 3 ânuos ou multa até 1.001)
marcos.
(*) Isto é, entende-se por instrumento o que opera mediunicamente, o não
physiolo!*K'iiniente como o cãi>, ou chi mien mente, como o vitríolo. N. ilo
trnd.
(') Muito controvertido Olshtiusen, \ 228 ti, 5, vacilla, como o Trib. do 1
iii p. O art. 8B7, n. 10, do Cod. p. pune com penas próprias dii contravenção
aquelle que cm uma rixu em que se acha envolvido por culpa Mia ou em um
ataque (ainda procedente delia somente e não de vários) serve-se de uma arma
ollensiva, e>pecialmente de uma faca ou de outro instrumento perigoso.
("j De aeeordo quunto á conclusão Hãlscliner, 2?, 9õ, Merkel,
298, v. Meyer, 686, Ol.-hausen, 8 288, a, 12, Lucas. Subjective
\'er*e/iitldti>u/, 27; Contra, com a opinião predominante Trib. do Imp.
por ultimo a dec. de 14 de Fevereiro de 84, 10\ 101. Náo é clara a
idec. de 12 de Março de 88, 17?, 279.
*
PA OFFENSA PHYSTCA
III. — A ofensa physica dolosa e grave (art. 224) dá-se,
quando a acção tem por consequência : 1.°, a perda
a) de um membro importante (em relação ao or-
ganismo), a denominada mutilação (não basta pois que
o membro fique simplesmente inutílisado, e por outro
lado, a reparabilidade pela arte medica, ex.: pela
rhinoplastica, não impede a applicaçSo do artigo em
questão);
b) da vista por um ou por ambos os olhos, isto é a
perda (permanente) da faculdade de reconhecer os
objectos, embora perdure a sensação da luz ;
c) da audição, e, na verdade, por ambos os ou-
vidos, isto é, a perda (permanente) da faculdade de
perceber sons articulados, embora perdure a sensação
do som;
d) da palavra, isto é, da faculdade de expressar
idéas por sons articulados;
é) da faculdade de procrear, isto é, não da aptidão
para a copula, mas da aptidão para a reproducção (a
faculdade de gerar e a de conceber).
O direito romano incluio a castração entre os
crimes de que trata a lei Cornélia de sicariis {apa-
dones aut thlíbias /acere) e punia também quem se
prestava a essa operação (castrados como escravos,
cantores etc). Em 558 Justiniano comminou contra tal
crime a pena de talião. A circumcisão, permittida
somente aos judeus, era punida como castração (L. 11,
D., 48, 8, Nov. 142). O direito franco impunha o Wehr-
\geld em seu pleno valor. O art. 133 da Carolina
considerava como caso de homicídio (homicidium con-
\dicionale) o causar a incapacidade de procrear (infe-
cundidade), bem como o aborto. A sciencía do direito
commum posterior, porém, tratava a procuratio
\sterilitatis como crime especial, e lhe applicava penas
arbitrarias. A praxe não manteve a pena de morte. A
nova legislação, apartando-se do art. 316 do C.
I T. II 3
*|
34 TRATADO DE DIREITO PENAL
|p. francez, não considerou a castração, como crime) mi
generis.
A provocação de um parto precoce não está;
comprehendida no art. 224. como não está a perda'
do olfacto ou do gosto. I
2 Uma deformação permanente e relevante,J
isto é, uma deformidade que altere o aspecto ex
terior, comquanto não deva ser necessariamente evi-j
dente e o fato a possa encobrir ou a asfce a possa
dissimular (cabelleira, dentes postiços, olho de
vidro) (
s
). 1
3."— Grave damno á saúde* a saber, quando o
offendido cae :
a) em estado de enfermidade, isto é, de grave e
chronica languidez sem determinada esperança de cura
;
b) em estado de paralisia, isto é, quando se
uma lesão (que affecte pelo menos mediatamente todo
o individuo) da faculdade de contrahir voluntariamente
os músculos (inclusive o sphincter do anus ou da
bexiga) e especialmente da faculdade de mo-ver-se no
espaço (também sem determinada esperança de cura);
c) em estado de alienação mental, no sentido
declarado no § 37, o que comprehende também os
estados de inconsciência e de degenerescência. Uma
perturbação transitória porém não é cahir em estado de
alienação mental; a mesma conclusão resulta da
equiparação com o o estado de enfermidade e de
paralysia».
Penas : reclusão a 5 annos ou encarceramento
por tempo não inferior a um anno; occorrendo cir-
l
9
) Em divergência quanto ao primeiro caso, de accordo quanto ao
segundo, Olshausen, § 224, 6.° e a dec. do Trib. do Imp. de 1 de Ou-
tubro de 86, 14% 344.
tf
DA OFFENSA PHYSZOA 35
cumstancias attenuantes (art. 228), encarceramento por
tempo não inferior a um mez.
A pena tem applicação, embora em relação ao
resultado grave o se dolo ou culpa por parte do
agente 35, nota 6.*) A tentativa é possível 45,
nota 8."), quando a acção incompleta causa o resultado
grave. Si o agente tinha em vista o resultado produzido
(e portanto si obrou com o desígnio de "8 causar),
incorre na pena de reclusão de 2 até 10 annos. Si o
resultado porém que o agente tinha em vista não se
produzio, as penas do art. 255 devem ser moderadas
nos termos do art. 44. Em desaccordo com o que
dispõe relativamente ao caso de que trata o seguinte n.
IV, o C. p. (por equivoco) não admitte circumstancias
attenuantes.
IV. — Ofensa physka dolosa, de que resulta u
morte do ofFendido (art. 226). A tentativa é também
possível, quando a acção fica incompleta. F? Penas :
reclusão por tempo não inferior a 3 annos; occorrendo
circumstancias attenuantes (art. 228), encarceramento
por tempo não inferior a 3 mezes.
I V. Ofensa physica culposa (art. 230). Admissível,
quer como damno á saúde, quer como mâo trato
physico (
4
).
Penas: multa até 900 marcos ou encarceramento
até 2 annos. Dando-se violação de um dever especial
da funcção, da profissão ou industria do agente, a pena
pôde ser elevada a 3 annos de encarceramento.
(*) De accordo Olshausen, \ 230, 1, com a opinião commum. Em
sentido contrario entendem Berner, 616. Hàlschner, 2.°, III, Geyer, HH,
3.°, 584 e outros, que o mau trato physico pode ser praticado
dolosamente (").
(
b
) A razão é que o vocábulo Misahandlung (mau trato) não pode
significar uma offensa meramente culposa. Geyer, 1, c. N. do trad.
36 TRATADO DE DIREITO PENAL
§ 88. — Processo e punição
LTTTERATURA. Quanto ao n. III, ver o § 67 e quanto
ao n. TV, o § 72, III.
I I. 0 processo pôde ser iniciado em virtude de
queixa (0. p., art. 222), quando se trata de offensas
physicas dolosas e leves (menos nos casos do art. 223
a), ou de offensas phyaicas culposas, salvo si a offensa
foi commettida com violação de mm dever da funcção,
da profissão ou industria. A retirada da queixa é
admissivel quando o delicto foi commettido contra um
parente (art. 52, ai. 2.*).
II. A queixa cabe ao offendido ou ao seu re-
presentante (§ 44). Segundo o disposto no art. 232 do G.
p., a excepção contida nos arts. 195 e 196 também tem
aqui applicação, isto é, o marido e o pae, bem como o
superior hierarchico do offendido, podem dar queixa
além deste e independentemente deste (§ 96, II).
Nas offensas physicas reciprocas o prazo dentro
do qual a queixa deve ser dada pôde ser ampliado ou
restringido. A idéa de reciprocidade não exige que haja
uma relação de facto ou uma relação causal; basta que
o queixoso tenha também offendido áquelle de quem se
queixa (*). Neste caso dada a queixa por uma das
partes, a outra, sob pena de perder o seu direito, é
obrigada a queixar-se, o mais tardar, até a terminação
dos debates finaes na primeira instancia; mas pôde
fazel-o, ainda quando a esse tempo tenha decorrido o
prazo dos três mezes (C. p., art. 232, combinado com o
art. 198).
(') De accordo a decisão do Tríb. do Imp. de 4 de Junho de 80,
2.°, 87, Gabler, Ueble Naehrede, p. 85, Geyer, 2.°, 89, Glaser, 2.°, 28,
Hãlschner, 2.°, 209, Kroneeker, G S., 88.°, 21, v. Meyer, 681 e outros.
Contra, Bernerj 477, QUhausen \ 198, 1.° Schútze, 866
DA OFFENSA PHYSICA
37
Esta disposição porém não tem applicação, quando
a reciprocidade se entre offensa physica e inju-
ria (
2
) (•).
*
I
I III. Em todos os casos de ofiensa physica (
8
), o
tribunal pode, além da pena, pronunciar, a favor do
oíFendido e a seu pedido, uma multa privada até a
importância de 6.000 marcos.
A imposição da multa impede que o oífendido
possa faáfèr valer qualquer outra pretenção á indem-
nisação. Os indivíduos condemnados ao pagamento da
multa respondem por ella solidariamente (art. 231).
IV. Retorção (art. 233). Quando offensas
physicas leves (
4
) tiverem sido respondidas immc-
diatamcnte com outras taes ou offensas physicas leves
com injurias ou estas com aquellas, o juiz pôde, em
relação a ambos os accusados ou em relação a um
delles, impor uma pena inferior quanto ao género ou
quanto ao grau, ou ainda não impor pena alguma.
L (') Controvertido. De aceordo Olshausen, \ 198, 7. H (') Em todos os
casos em que se uma offensa physica dolosa ou culposamente
praticada no sentido do art. 228, embora também punirei segundo uma
outra disposição do C. p , pôde ser pronunciada a multa privada. Em
sentido contrario a opinião conimum, e também Olsbausen, $ 232, 5 (").
(») O art. 232 do C. p. ali. manda applicar a disposição do art.
19tf (compensação no caso de injurias reciprocas) ás offensas physicas,
cujo processo depende de queixa. Como esta disposão é excepcional,
enlende-se que não deve ser ampliada ao caso de reciprocidade entre
injurias e offensas physicas, embora a retorsão tenha sido immediata.
N. do trad.
(
v
) Segundo a opinião coirimum, a disposição do art. 231 do C. p.
ali. sobre a multa privada por offensa physica, tem applicação noa
casos de offensa physica previstos no cap. 17 do C. p., e não quando ii
offensa physica é uma aggravante (art. 118) ou constituo um outro
delicto (art. 242, 251, 255). N. do trad.
\*) Comprehendidas tanto no art. 223, como no art. 230, quando
não se tenha dado um resultado grave no sentido dos arta. 224 e 226.
WPJI
III. PSRICLTPAÇAO DA VIDA
(br
§ 89. — Da exposição (*)
%
LITTBRATOBA. V. Holtzendorff, H H., 3 463;
Platz. Geschichte ães Verbrechens der Aimetzung, 1876; v.
Sctmartze, G 8. 14.*. 52; v. Buri, G S. 27, 517; Hàlschner,
2.°, 76; Blster, Hst. l.°, 993.
I. Historia. Ao passo que o direito da Re-
publica romana, como o da primitiva edade média
allemã, guardava silencio a respeito deste crime,
encontramos no período do Império romano, desde a
primeira metade do III século, disposições muitas
vezes repetidas contra a expositio infantium (C, 8, 52)
que todavia era tratada não como crime especial e
independente, mas como caso de homicidio. Assim
a considera também Justiniano na Nov. 153.
Foi o direito canónico que considerou a expo-
sição como perigo de vida e a individualisou como
crime independente. Apezar da vacillação dos ju-
ristas italianos, a mesma conceão foi aceita pela
Carolina no seu art. 132, segundo o qual « a mulher
que no intuito de livrar-se do filho, o abandona»,
deve ser punida com a pena de morte, si o filho
(») O vocábulo Atusotzung é empregado para significar tanto a
exposição propriamente dita como o abandono. 2t. do trad.
PERICLITAÇlo DA TIDA
39
morre, e, no caso contrario, com pena extraordinária. A
Carolina absteve-se de fazer referencia á pena do
infanticídio que se encontra ainda na Bamberguense. O
direito commum (o prussiano de 1620, o austríaco de
1656 até 1768) distinguia dois casos, o qualificado,
quando se dava intensão de homicidio e o simples na
hypothese contraria, e impunha no primeiro caso a pena
do infanticídio e no segundo uma pena menos rigorosa.
Foi a Áustria que em 1751 descriminou pela primeira
vez precisamente a exposição do homicidio, ao passo
que o Allg. Landrecht prussiano conservou a concepção
do direito commum. PS A legislação moderna (já neste
sentido o cod. bavaro de 1813, art. 134), seguindo o
direito canónico e alguns escriptores do direito
commum (como J. S. F. Bohmer), faz extensiva a pena
á exposição de pessoas incapazes de valer-se flanguidij
em geral.
II.—Conceito.—Segundo o C. p. imp. (art. 221),
os caracteres da exposição são os seguintes:
1.° Como objecto, uma pessoa incapaz de valer-se
em razão de sua edade juvenil, debilidade ou enfermi-
dade (
b
). Com relação a edade juvenil o cod. imp. não
aceitou com razão a limitação fixada pelo cod. prus-
siano (7 annos); cumpre pois saber neste, como nos
outros casos, si se ou não incapacidade da pessoa
para valer-se e portanto si o menino exposto se acha
bastante desenvolvido para tirar-se da situação de
abandono pelas suas próprias forças ou invocando
auxilio estranho (
c
), A debilidade pôde resultar da
(
h
) Incapaz de valer-se (hvlflos) ê em geral a pessoa, cuja vida ou
saúde corre perigo sem o auxilio de terceiro (Hálschner, Holtzen-dorff).
N. do trad.
(°) Assim Eubo faz distincções arbitrarias (pondera Olsh. \ 221,
3 a), quando affirma que (húlflos) em razão da idade juvenil é uma
criança de 5 annos abandonada em uma rua frequentada, mas não uma
criança de 6 annos, bem como também não se pode consi-
40 TBATADO DE D1KEITO PENAL
senilidade, mas não é de necessidade que seja esta| a
causa. Como enfermidade devem ser também con-
sideradas as perturbações mentaes (mas não a pri~|
vação de consciência que se dá em situações nor-mães
do corpo, como um somno profundo), e principalmente
os estados de torpor e embriaguez; estão também no
caso da lei as pessoas chlorofor-misadas ou
hypnotisadas, bem como os imbecis. Não se porém
exposição, quando a incapacidade de valer-se resulta de
outras causas que não as mencionadas na lei (o
agrilhoamento, o amordaçamento, a extenuação, a
surdez-mudez). I 2.°, Gomo acção.
a) A exposição em sentido próprio, a remoção do
offendido da situação em que se achava para uma outra.
A acção consumma-se pois, logo que se interrompem
as relações em que se achava o offendido para com o
mundo exterior. O offendido deve ser posto em uma
situação de privação de soccorro, isto é, passa para
uma situação em que a integridade do seu corpo ê posta
em perigo (
d
). Assim não se exposição, quando o
agente, prompto a prestar soccorro, aguarda na
visinhança que o exposto seja acolhido por terceiros;
mas a simples possibilidade de salvação por intermédio
de terciro não basta.
b) O abandono em uma situação de privão de
soccorro. E' punivel somente quando o abandonado se
achava sob a guarda do agente, ou quando este
dorar húlflus em razão da edade uma pessoa de 16 aunos abandonada
em uma floresta deserta. N. do trad.
*) A hulflose Lage, o estado de abandono, de privação de todo
soccorro não significa o mesmo que o lieu solitaire do art. 349 do C. p.
francez. A duvida que surge no direito francez sobre saber si commettej
o crime em questão a mãe que abandona, alta noite, o filho em uma rua a
essa hora solitária, não tem fundamento no direito allemão. N. do trad.
PERICLITAÇAO DA VIDA 41
tinha a obrigação de transportal-o, de recebel-o ou de
procurar-lhe abrigo. Nesta, como em outras matérias
29), a obrigação pôde resultar da lei, de um contracto
ou de um acto anterior, por exemplo, do facto de haver
o agente recebido uma criança exposta das mãos de um
terceiro não culpado (
l
).
Não se faz aqui mister a remoção para outro sitio;
mas deve operar-se uma separação no espaço, ou
porque,o agente se tenha afastado ou porque fora
interceptada a entrada etc. A simples falta do [cuidado
que o dever impõe não basta (
2
).
3.°, Como dolo, a consciência da importância
da acção sob o ponto de vista do perigo. Ideal
mente o dolo concernente ao perigo não exclue o
dolo concernente á offensa, como este não exclue
aquelle Ç) (
e
). I
('; De accordo Hãlschner, 2?, 79 Merkel 802, v. Meyer, 647, Schútz e, 393,
nota 15, dec. do Trib. do Imp. de 21 de Março de 88, 17?, 200; contra, Geyer,
2?, 12, Olsbausen, g 221, 6.
(») De accordo as dec. do Trib. do Imp. de 12 de Junho de 83, 8.°, 343, e
21 de Fevereiro de 84, 10? 183; Geyer, 2?, 12. Lands-berg, Komtnissivdelikte,
204 ;• contra, Hãlschner, 2.°, 77, v. Meyer, 647, Olsbausen, g 221, 7. Uma
ampliação da lei ao abandono de crianças em logar não privado de soccorro
(porex.: na sala de espera de uma via-ferrea) seria desejável.
(
3
) Egualmente v. Meyer. 491, nota 20, Scbútze, 894, nota 16; \eontrd,
Binding, 1.°, 359, Hãlschner, 2.°, 81 Olsbausen, § 221, 18. A questão tem
importância na desistência da tentativa. Consequências especiaes resultam de
que o art. 217, admitte circumstancias attenu-antes, mas não o art. 221, ai. 3.
(
c
) O direito allemão trata a exposição como crime que consiste em pôr em
perigo a vida ou a saúde de uma pessoa incapaz de valer-se; no mesmo sentido
o direito francez, o belga, o austríaco, o brasileiro—com reslricção aos menores
de 7 annos. D'ahi segue-se que para a existencia do crime, é necessário, mas
basta, o dolo concernente ao perigo, isto é, basta que o agente tenha a
consciência de que a pessoa incapaz corre perigo quanto á vida ou a integridade
do corpo. Si
42 TRATADO DE DIREITO PENAL
III. Penas: a exposição é regularmente adicto.
A pena que a lei commina é encarceramento de 3 mezes
até 5 annos; e quando o filho é abandonado pelos pães
(legítimos ou naturaes) (*) encarceramento por tempo
não inferior a 6 mezes. A gravidade do resultado (ainda
quando não tenha sido produzido dolosa ou
culposamente) é que converte a exposição em crime.
Quando a pessoa exposta ao abandono soffre uma grave
ofiensa physica, a pena é reclusão até 10 annos e no
caso de morte, reclusão de 3 até 15. annos.
A tentativa só é punível quando a exposição é
crime, e é possivel, quando a acção tentada accarretar
um dos resultados graves (§ 45, nota 8).
§ 90. — Do envenenamento
LITTERATURA. Gengler, Yerbrechen der Vergiftung,
1842; Mittermaier, O A, 4 e 5; Berner, G S., 19?, 7 ; Geyer,
HH, 39,557, Hálschner, 2?, 103.
I. Historia. — o direito moderno, consi-
derando o envenenamento como perigo para o
a intenção do agente é matar o exposto, e si este morre, dá-se infanticídio ou
homicídio commum, conforme forem as circumstancias do caso. Quid júris, si o
agente desistir da tentativa de homicídio?| Dá-se em todo caso o crime de
exposição. Tal é a solução do autor fundada em que o dolo concernente ao
homicídio 6 compatível com o dolo (eventual) concernente ao perigo. Binding,
1. c. e com elle Olshausen, 1. c, entendem pelo contrario que o dolo concernente
ao homicídio exclue o dolo concernente ao perigo, pelo que não admittem a
concurrencia dos crimes de exposição e homicidio. O proj. hraz., art. 309 e seg.
cinge-se ao G. hol. e ao cod. ital. que tratam a exposição como ofiensa do dever
jurídico relativo á guarda da pessoa incapaz de valer-se. K". do trad.
(*) B não o sogro e a sogra, os padrastos, os pães adoptivos e os avós.
ÍERlCLITAÇlo DA TIDA
43
jcorpo ou para a vida, provocado intencionalmente pelo
emprego de certos meios, o converteu em crime pui generís.
A legislação de Sylla, isto é, a lei Cor-nclia de sicuriis et
veneficiis, qualificou como crime a
propinação, o preparo, a compra ou venda de ve-neno, mas
os imperadores romanos, sob a influencia
fde intuições da egreja, puzeram em intima contacto
b envenenamento como maleficium com a magia íc.
9, 12). Assim procedeu também a edade média palleinE;
neste sentido o Esp. da Sax., 2,° 13, 7, que por isso punia
o envenenamento com a morte] fpelo fogo. A Carolina, art.
130, comminava a pena ida roda contra aquelle que «por
meio de veneno lesasse outrem no corpo e na vida »; o
legislador presuppunha a intenção de homicídio e a morte
como resultado, mas não exigia taes requisitos ; o I
envenenamento era, pois, reconhecido como crime I
independente. O direito commum e a legislação que lo seguia,
cingindo-se ás constituições saxonias, 4, |18,
indívidualisaram o envenenamento de fontes e^ I prados
como crime de perigo commum; mas as mais das vezes
o envenenamento era considerado I (não pelo direito
austríaco de 1656 até 1768, ' mas jpelo mesmo direito de 1787
a 1803, bem como pelo I Allg. Landrecht prussiano) como
caso de assassinato I á falsa e fé desfarte perdeu a sua
independência I como crime especial. Seguindo os
escriptores do I direito commum posterior (Grolmann,
Feuerbach, I Martin e outros), o cod. prussiano de 1851
con-I verteu de novo a envenenamento em crime inde-
pendente e o imita o C. p. imp., que rigorosamente I distingue
o perigo individual e o commum (envenenamento de fontes,
etc).
II.— Conceito.— Segundo o art. 229 da C. p.,
I são estes os caracteres do crime de envenenamento.
1
l.°, Como meio a lei exige ou o veneno, isto é,
uma substancia apropriada, ainda quando adminis-
m
Í
44
TEATADO DE DIBKITO PENAL
trada em pequenas doses, a destruir a saúde por acção
chimica, ou outras substancias apropriadas a destruir a
saúde quer chimica quer mechanicamente (por ex.,
vidro pulverisado), e portanto, substan-j cias que,
segundo a expressão do art. 301 do C. p. i francez,
produzem a morte mais ou menos rapidamente. Na idéa
do veneno também se comprehendem as matérias
contagiosas que podem ser transferidas de corpo a
corpo, como o virus do cb?lera, da sy-philes, da
tuberculose, etc.
2.°, A acção consiste na propinação de ditas
substancias, isto é, no emprego do veneno em sentido
próprio, na sua introducção no organismo, e portanto
no sangue do offendido. Si o veneno é propinado por
meio «de violência ou de engano, si a sua in-troducção
no organismo se opera pelos órgãos digestivos ou pelos
órgãos da respiração (narcotisação), por injecção
subcutânea ou por qualquer outro modo, é
absolutamente indifferéhte.
Com a propinação do veneno o crime consum-
nia-se; a eventual âpplicação de contra-venenos não
exclue as penas do art. 229 do C. p. A punibilidade da
tentativa impossível (assucar em logar de arsénico)
rege-se pelos principios geraes já examinados no §47.
«- È.\ O dolo deve comprehender a representação
de que as substancias propinadas são próprias para
destruir a saúde. A representação de que a acção
destruirá a saúde não é necessária ; basta pois o dolo
quanto ao perigo. Deve accrescer mais, como motivo
da acção, a intenção de prejudicar a saúde de outrem
86, II). O envenenamento é consequentemente
crime que consiste em pôr em perigo, na intenção de
causar uma offensa. Si o dolo do agente vae até a
morte pelo veneno, dá-se um concurso ideal dos arts.
211 e seguintes de um lado, e do art. 229 do outro,
porquanto o dolo relativo á
PERICLITAÇAO DA VIDA 45
Joffensa bem pôde incluir o dolo relativo ao perigo
[(alternativa ou eventualmente) (
l
) (').
(') Egualmento v. Meyer, 438 Herzog, Vermeh, 235; contra, Binding,
Normen, 20,520, lschnor, 2.°, 101, Olshnusen, § 229, 9. tPóde dar-se, pois,
se o agente desiste da tentativa de homicídio, envenenamento punivel.
(*) O art. 229 do 0. p. allemão diz: «nquello que na intenção de prejudicar
a saúde de outrem, administrnr-lhe veneno ou outra substancia prop*isia a
destruir a saúde, será punido etc.» O crime de envenenamento exige pois da
parte do agente a i o tenção de prejudicar a saúde de outrem, mas não suppõe
para a sua consummuçSo a pro-ãucçâo de um resultado qualquer; a cominação
do art. 229 dirige-se contra a tentativa de uma offensa physica dolosa, em tanto
quanto o meio empregado é o veneno ou nutra substancia própria
-
a destruir a
saúde. Esta é a doutrina corrente (Olsh. J 229, n. 1). "Binding, porém, (Nortnen,
2.°, p. 519) caracterísa o crime de envenenamento,
[não como offensa physica, e sim como mero «crime de peri cl i tacão »
(Qtfàhrdungsverbrechen). O veneflcio, diz elle, ó crime consumado, desde que
alguém na intenção de prejudicar a saúdo de outrem pro-pina-lhe veneno,
embora este por qualquer eventualidade não produza o seu effeito. O veneflcio
se apresenta pois sob a sua verdadeira luz, quando o consideramos como
crime que consiste em por em perigo; «6 crime de periclitaçã>> da vida
qualificado pela intenção do agente de produzir, mediante veneno, ama offensa
physica». E' este também o ponto de vista do autor que caracterísa o .veniflcio
como a crime de preríclitação na intenção de offehsa ». O dolo do agente deve
pois consistir na sciencia de que a sub-tancia a aâmi—
t nistrar a outrem é própria a destruir a saúde e deve ser acompanhado
! da intenção de prejudicar a saúde. Náo é porém necessária a intenção de destrui
1-a. Si o agente tom tal intenção, concorrem os crimes de
: envenenamento e homicídio, do sorte que, dada a desistência da tentativa de
homicídio, o agente pôde ser responsabilisado pelo crime
! consummado de envenenamento (contra, Binding e outros); porquanto, segundo
a doutrina do autor, o animus oceidendi pôde envolver (alter-
[ nativa ou eventualmente) o animus Icedendi. No nosso direito o
envenenamento foi sempre considerado como caso de homicídio (Ord. 1. 5, t,
85 i 2, C. crim. de 1830, art. 192). O 0. p. vigente conservou esta tradição no
art. 294; mas, depois de ter tratado o envenenamento
S)
46 TRATADO DE DIREITO PENAL
III.—Penas : normalmente reclusão até 10 nnnos;
quando a acção causa uma grave offensa pnysicar (art.
224), reclusão por tempo não inferior a 10 annos.
Também nesta parte a applicação da penalidade superior
depende somente de que se produza (embora sem dolo
ou culpa) o resultado grave. Entretanto a tentativa é
possível, quando * um dos mencionados resultados é
causado pela acção incompleta ou frustrada. Assim, por
exemplo, a tentativ»/ de envenenamento por meio de
injecção frustrasse, mas dá em resultado uma syncope
cardíaca ou a perda da vista do individuo que o agente
pretendia envenenar (na luta a ponta do instrumento
penetra no olho da victima}. Ver o § 45, nota 6.
Gonjunctamente com a pena de envenenamento
pôde ser pronunciada a multa privada, pois o enve-
nenamento é sempre offensa physica, consummada ou
tentada (-).
§ 91.— Do aborto
LITTERATURA. — Hrehorowicz, Das Verbreehen der
Abtreibung. der Leibesfrucht, 1876; v. FabriCe, Kies-
abtreibung imã Kindesmorã, 1868; v. Holtzeiulorf, HH, 3?,
465 ; v. Wãchter, G. S., 29, 1 ; Horch, Abtreibung, 1878;
HãJsctmer, G S., 32?, 583; o mesmo, 2?, 64;. Jungmann,'
Das Verbreehen 'der Abtreibung, 1893 (sem valor); Elster,
Hst. 1?, 13 — Oons. os tratados de medicina legal.
«Historia.—O antigo direito romano deixou ás notai
censórias e ao poder fraterno a repressão do aborto Y
abadio partus, procuratio abortusj. Commi-nações
emanadas do poder publico só se encontram
como homicídio qualificado, definio-o no art. 296 como crime inde-
pendente, esquecendo-se entretanto de fixar as penas t N. do trad.
(*) Em sentido contrario Geyer, 2.°, 22, Hãlschner, 2.°, 112,
Merkel 802, Olshausen, \ 231, 4. Schutze, 404.
»
t *
PERICLITA ÇÃO DA VIDA
47
desde Sepfimius Severus (1. 4, D., 47, 11,1. 8, D., 48, 8).
Cumpria sustar a corrupção dos costumes
[ domésticos, consequência da repugnância, tfto commum
entre as múíneres romanas, ao desempenho dos deveres
maternos; indigno parecia ao imperador que
*o cônjuge, impellido ao casamento por amor á pro-creaçflo
da prole, fosse illudido pela esposa em suas esperanças.
Conceder ao embrião uma protecção especial cRfttrariava a
concepção estóica dos jurisconsultos romanos que
consideravam o feto como mulieris' j>ortio vel viscerum.
'Outro foi o pensamento do direito canónico e do direito
allemão da edade média que neste particular estava sob a
influencia daquelle. A morte do fructo animado afigurava-
se como homicídio. Mas, segundo a doutrina defendida
pelos doutores eccle-' siasticos, aceita pelo direito secular e
baseada no segundo livro de Moysés, animado ê o embrião
somente quando nelle penetra a anima racionalis, isto é, de
seis até 10 semanas depois da concepção. Antes desta época
o aborto só era punido arbitrariamente.
^A Carolina collocou-se no mesmo ponto de vista. O
;rW 113 dispõe: «quem, por meio de violência, 'M*
administrando substancias ou beberagens, provocar uma
mulher a abortar um filho vivo, si tal "crime for praticado
dolosa e perversamente, será decapitado, como homicida; e
a mulher que em si mesma provocar aborto, seja afogada ou
de
r
outro modo punida com a morte. Si, porém, a criança,
cujo aborto foi provocado, ainda não era viva, con-sulte-se
o parecer dos entendidos em direito.»
Comquanto logo se generalisasse entre os médicos a
convicção da inexactidão da distincção entre fructo animado
e não animado, a legislação, a jurisprudência e também a
sciencia do direito commum a man-| tiveram até muito
depois de entrado o século XVIII,
48 TRATADO DE DIREITO PENAL
dando-lhe outro fundamento. As constituições saxo-'
nicas, 4
o
, 4 (egualmente o direito austríaco de 1696)
faziam distincção entre a primeira e a segunda metade do
período da gravidez (sons, ainda assim o Allg. Landrecht
prussiano, art. 986); a praxe considerava ás mais das
vezes como decisivo o appare-eimento dos movimentos
do feto no seio materno (ainda assim o moderno direito
inglez).
D'entre os jurisconsultos foi Leyzef (f 1752) o
primeiro que rejeitou em these a distracção; mas a sua
opinião só a pouco e pouco veio a prevalecer (
n
).
Na legislação moderna trata-se de garantir o feto e
também a vida e a saúde da mulher gravida contra
attentados perigosos. Destas considerações resulta o
duplo aspecto do aborto nos códigos : de um lado elle é
homicídio ou periclitação do feto, e de outro periclitação
da mulher gravida. A's disposições do G. p. imp. (art.
218 a 220) não pôde ser poupada a censura de que, pela
sua redacção L obscura e defeituosa, tem dado occasião
a numerosas e difficeis questões.
II Conceito.
l.° O objecto é o ser ainda não nascido, isto é, o
frueto que não attingio ainda á vida independente fósa
do ventre materno 90, nota l.
a
), o ovo vivo e
fecundado, em todas as phases de sua evolução.
2.°, A acção é
a) o aborto no sentido próprio, isto é, a pro-
vocação (illegal) úo nascimento prematuro, embora o
dolo do agente não se dirigisse á morte do feto
(») Sobre o que seja o fetu» animaius, vitalis, non viíalis et tnmen
formatm, cona. M. Freire, I. J. Crim., t. 9., J 14. Ver as interessantes
disposições do seu Cod. Crim. sobre o aborto, tit. 31, \ 26 a 29 6 o
respectivo commentario. N. do trad.
PERIOLITAÇÃO DA VIDA
4d
nem este resultado tenha sido produzido (
1
). Deve-se
pois admittir como punível o aborto que a viuva,
gravida logo depois da morte de seu marido, por obras
de outrem, provocasse aos oito mezes da gravidez para
fazer crer que o filho é legitimo.
b) O homicídio do feto no seio materno.
I O processo pelo qual o aborto é produzido, quer
consista na applicação de «meios exteriores ou
mechanico
r
.£, quer na administração de «meios in-
ternos ou dynamicos» (meios abortivos no sentido
estricto), ou quiçá em efíeitos psychicos é, quanto ao
conceito do crime, indiAferente. A tentativa de
suicídio por parte da mulher gravida em caso algum é
punivel como aborto consummado ou tentado (
a
).
III. — Espécies.
l.° O caso simples (art. 218) comprehende o
aborto produzido tanto pela própria mulher gravida,
como por um terceiro com o consentimento delia. Con
sentimento significa o mesmo que a «sciencia e vontade»
do art. 220 ; aqui, como nos demais casos, este requisito
---------------------
(') Muito controvertido. No sentido do texto Janka, 216, Merkel, 309, v.
Meyer, 540, Ortloff, Gr S. 34.», 445, v. Wâchter, 386, e 6 S., 29.°, 10, "Wehrli,
KindesVótung, 96 (como anteriormente Martin e outros escriptores de direito
commum); contra, além de Berner, Binding, Geyer, Hálschner, v.
Holtzendorff, Sontag, Schútze, especialmente Olshausen, J 218, 1 (também
Jungmann, 18), bem como a dec. do Trib. do Imp. de 9 de Julho de 81, 4.°,
880, e em geral a opinião commum que exige sempre a morte do feto, quer
pela sua expulsão prematura, quer pelo effeito sobre elle exercido no., seio ma-
terno, sendo o feto expulso morto. Mas as razões produzidas pelos
adversários, e especialmente a historia dos arte. 218 a 220 do C. p., não
convencem em face da lettra clara dos mesmos arts. que em geral
CONTRAPÕEM ABORTAR X MATAR.
(*) Egualmente v. Holtzendorff, HH, 3.», 459, Finger, 142; contra, v.
Meyer, 648, Olshausen, \ 218, 6.
T. II 4
50
TRATADO DE DIREITO PENAL
presuppõe a imputabilidade de quem consente (*). Mas
a acção do terceiro, para que caia sob a mesma escala
penal applicavel ao aborto produzido pela própria
gestante, deve constituir autoria ou co-autoria,
segundo os princípios geraes (a lei exige que o terceiro,
para promover o aborto, «tenha applicado á mulher
gravida meios externos ou tenha administrado meios
internos ») ; o facto de fornecer simplesmente os meios
cahiria, como cumplicidade por assistência, sob a
escala penal Reduzida. A mulher gravida pôde figurar,
com relação á acção do terceiro, como co-autora ou
também como cúmplice, segundo os princípios geraes.
Penas :•' reclusão até 5 annos ; occorrendo cir-
oumstancias attenuantes, encarceramento por tempo
não inferior a 6 mezes. O juiz deve considerar
sempre como attenuante, á vista do disposto no
art. 217, a illegitimidade do feto, como algumas
leis novas (o cod. húngaro e o proj. russo) pre
screvem expressamente. I
Da lettra do 3
o
ai. do art. 218 «applicado ou
administrado » resulta que está fora de questão a
criminalidade do terceiro, quando tentou somente
applicar ou administrar os meios, sem que o con-
seguisse (a mulher gravida, por exemplo, não pôde
tragar a beberagem mal cheirosa). Dá-se porém
tentativa punível, si os meios de facto applicados ou
administrados não produzirem resultado, isto é, não se
seguio o aborto ou a morte do feto (*).
2.° O aborto por paga (art. 219). Dá-se quando
(') Egualmente Geyer, 2.», 10, bem como as dec. do Trib. do
Imp. de 13 de Julho de 87, 16.°, 184 e 10 de Junho de 90, 21.», 14;
contra, Hâlschner, 2.°, 70, Olshausen, g 218, 7.
(*) Neste sentido a opinião commum, especialmente Olshausen,
$ 218, 9. Contra, o Trib. do Imp. repetidas vezes, e por ultimo na dec.
de 10 de Junho de 90, 21.°, 14; também Baumgarten, Versuch.
PERICLITA çlo DA VIDA
51
alguém, mediante paga, forneceu, applicou ou admi-
nistrou os meios á mulher que se fez abortar ou que
matou o feto. Paga significa proveito pecuniário e
portanto não oomprehende vantagem de outro género
(§ 107, III, 1) (
5
).
E Penas : reclusão até 10 annos. A importância desta
disposição, estranha ao 0. p. prussiano, está na
considerável elevação da escala penal applicavel á
actividade de terceiros retribuída e tão frequentemente
exercida como profissão. Assim não o applicar ou o
administrar meios tendentes ao aborto (isto é, um acto
de autoria ou co-autoria), senão também o fornecer
meios abortivos (isto é, um acto de assistência) são
punidos com esta penalidade superior, ao passo que os
outros actos de cumplicidade (conselho, animação,
etc.) incorrem nas penas mais brandas do art. 218. Este
pensamento fundamental do legislador leva-nos
também á conclusão de que o concurso da própria
mulher gravida em caso algum de ser punido
segundo o art. 219: o pôde ser segundo o art. 218,
ai. 1.° ou 3.° ('). O aborto ou a morte do feto é,
segundo o texto da lei condição de punibilidade. se
pôde pois admittir tentativa punível segundo o art. 219,
quando, apezar de ter falhado ou ficado incompleta a
acção do assalariado, seguio-se o parto, mas em razão
de outra actividade (
7
). Abstracção feita
(*) Neste sentido a opinião commum. Contra, Olshausen, \ 219,1. K (•)
Contra, as deo. do Trib. do Imp. de 10 da Abril de 80, 1.*, 850 e 18 de Julho
de 87, 16." 184; Hãlschner, 2.*, 71, v. Meyer 642—645, Olshausen, $ 219, 2,
Schútze, 891, nota 9 ; de accordo com o texto Geyer, 2.°, 10, v. Kries, Z.. 7.°,
687. Ver também o g 62, V.
(') De accordo no essencial a opinião commum, e especialmente o Trib.
do Imp. em uma rie da dec. em que se conforma com a jurisprudência do
Trib. superior de Berlim. Contra, Geyer, 2." 10, Hãlschner, 2.°, 78, v. Meyer,
546, Olshausen, § 219, 3.
52
TRATADO DE DIBEITO PENAL
deste caso, a tentativa poderá ser punida segundo o art.
218.
3.° Aborto produzido por um terceiro tem
sciencia ou vontade da mulher gravida (art. 220).—
Tanto serve de fundamento á criminalidade do agente a
falta de consentimento da mulher gravida, quando o
agente obra com sciencia delia (por ventura vio-
lentamente), como a falta de sciencia, embora o
consentimento tenha sido dado. A mojte da mulher
gravida não pôde ser punida ao mesmo tempo com o
crime de aborto, pois o feto não tem existencia própria
e separável da existencia materna.
Penas : reclusão por tempo não inferior a 2 annos
; si a acção causou a morte da mulher gravida, reclusão
perpetua ou por tempo não inferior a 10 annos.
Não é necessário que haja culpa em relação ao
resultado grave, porquanto este é também aqui
condição de punibilidade. A tentativa no caso grave é
possível, quando o acto que constitue a tentativa causa
o resultado grave, isto é, quando os meios empregados
para o aborto não produziram a expulsão ou a morte do
feto, e sim a morte da gestante (talvez por infecção do
sangue).
§ 92. Da rixa
LUTEKATUKA. Berner, Q 8., 18.°; Geyer, H H., 3,°.
551; Hãlschner, 2.°, 107; Marti, Der Bauffíanãel mit
Beriicksichtigung det fransischen und schweizerischen Rechts,
diss. 1891.
I. Historia. As^ offensas physicas e as
mortes produzidas em uma rixa offerecem á apre-
ciação jurídica dificuldades especiaes sob dois pontos
PEKICXITAçIO DA VIDA
63
de vista: 1.° é muitas vezes impossível verificar com
segurança qual dentre os co-participantes causou a morte ou
a offensa pbysica; 2.° pôde succeder que o resultado
produzido provenha do concurso de varias
offensas.
italiana da edade média posterior, fontes
allemães, occupou-se muitas
difficuldades, a respeito das quaes o (1.
11, § 3, D., 9, 2, confr. com a 1.51, Cod.)
nos deixou decisões contradictorias; mas os juristas
italianos o fizeram mais do que estabelecer ficções
violentas. A Carolina contentou-se também com um
expediente desta natureza, quando dispoz no art. 148: «
sabendo-se que a pessoa morta foi mortalmente ferida por
mais de um individuo... não se podendo fazer certo por acto
de quem e de que mão veio a morrer, os que fizeram a
offensa serão todos punidos como homicidas. » A
legislação territorial do período do direito commum, apezar
de todo o esforço para uma regulamentação adequada
(cons. por exemplo as constituições saxónicas, 4.°. 7), não
foi mais feliz. O Allg. Landrecht prussiano, art. 844,
determinava ainda que se considerasse como homicida
aquelle que foi o primeiro a fazer uso de uma arma
mortífera.
A legislação moderna, desde os cods. de Braum-
schweig e da Prússia, tem procurado evitar todas as
supposições arbitrarias, mas o êxito desses esforços tem
sido apenas parcial. O mesmo póde-se dizer do art. 227 do
Cod. p. Imp. que comprehende dois casos essencialmente
diversos e no tocante ao segundo delles contêm
disposições de todo ponto injustificáveis. O melhor alvitre
seria (como faz o proj. russo) (
a
) punir com o possivel
rigor a co-partici-
(•) Também o proj. luisso, art. 64. N. do trad.
A sciência
bem como as
vezes com taes
direito romano
64
TRATADO DE DIREITO PENAL
paçfto em uma rixa como delicto contra a tranquilidade
publica.
II. — Primeiro caso. Segundo o 1." ai. do art. 227,
quando em uma rixa ou ataque por parte de diversos
fôr alguém morto ou gravemente offendido, todo
individuo que tiver tomado parte na rixa ou no ataque,
somente pelo facto de sua co-participação, sepunido,
uma vez que não se tenha achado envolvido na luta
sem culpa sua. Consegtuntemente, dados os demais
requisitos, a co-participação como tal é punível. O
facto de ter alguém tomado parte em uma rixa é com
todo o acerto convertido em delicto especial, ela morte
ou a grave offensa physica que tenha acontecido em
condição de punibilidade.
Rixa é a disputa entre mais de duas pessoas que
redunda em vias de facto. Ataque significa o mesmo
que «aggressão material» ou vias de facto no sentido
declarado no § 95, nota 2.
a
Co-participante é todo individuo que se acha
presente no logar e na occasião da rixa e que presta o
seu concurso de um modo material ou moral (como
por excitação etc). Uma vez que a rixa se apresente
como facto uno, não importa que a cooperação tenha
tido logar antes ou depois do momento em que
aconteceu a morte ou a offensa physica.
Si é conhecido o autor da offensa mortal ou grave,
pôde elle ser punido segundo os arts. 224 e seg. do C.
p., ao passo que os demais co-partici-j pantes
respondem nos termos do art. 227.
A pena é encarceramento até 3 annos. Não pôde
ser pronunciada a multa privada, porquanto o culpado
não é punido em razão da causação do resultado, mas
em razão do delicto especial de tomar parte em rixa (
1
).
(>) De accordo Hãlschner, 2 112, v. Meyer, 668, "Wachter,
Bnsse, 50. Contra, Olshàusen, J 231, 4, com a opinião commum.
PEBIOLITAÇAO DA VIDA 55
III. Bem diversa é a importância da disposição
contida no 2ai. do art. 227. Si em uma rixa ou ataque
por parte de diversos é alguém morto ou offendido
gravemente, e esse resultado provêm de varias
offensas (dolosas e não culposas) (
2
) que nâo o
causaram singularmente, e sim pelo seu concurso, cada
um dos indivíduos, sobre os quaes recae a
responsabilidade de taes offensas, poderia ser punido,
segando os princípios geraes, com as penas dos arts.
224 e 226.
O legislador, porém, sem razão plausível e levado
somente de reminiscências históricas, estabeleceu para
este caso uma escala penal especial que, comparada
com os citados artigos, é, por um lado, de uma
brandura desproporcionada, e, por outro, de um rigor
não justificado. A revogação de todo este tdinea é,
pois, uma urgente necessidade.
Penas: reclusão até 5 annos; occorrendo cir-
cumstancias attenuantes (art. 228), encarceramento
por tempo não inferior a um mez. A multa privada
pôde ser pronunciada, quando se dá ofíensa phy-sica.
I § 93.—Do duello
LITTEEATURA. —Valiosa exposição DO justificação do proj.
prussiano de 1833 (p. 101 e seg.). Teichmann, HE, 3? 381, 4*.
354 ; Bõdenbeck, Der Zweikampf im Verhãlt-niss zur Totung
und Kbrperverletzung, 1883 ; Hálscher, 2°, 923 e G S., 34?, 1,
35?, 161. Lucker, na Bev. Grúnhut, 15?, 760. Levi, Zur Lehre
vom Zweikampfverbrechen 1889. Bodenheimer, Die
geschichtliche Geneais der strqfrechtlichen Sedrohung der
Vorberettungshandlv/ngen zum Zweikampf im St. ír. J3. filr das
ãeustche Reich, dm., 1891 —Sobre os
(
2
) De accordo Hálschner, 2.°, 110 e outros; eontrà, Olshausen, l 227,
17.
o
66 TRATADO DE DIREITO PENAL
duellos de estudantes, especialmente Soutag, Z., 2? 1, v.|
Buri, OS., 34?, 364; Ziramermann, G. 8., 349, 379;
Erovecker, G. 8., 369, 201; Martin, Die juristische Behand-
lung de» shiãentisohen SchlãgerãucUs, 1887; Berger, Da» sol
genannte mnenkaniache Duell und die studentische ScfàãgerA
men»ur, 1892. Oons. tamm Groabbon, La science du
pnitU d?hmneur, 1894.
I. Historia e classificação.. Desde a segunda
metade da edade média encontramos disposições
contra o desafio, o «reptar ou requestar para combate»,
as quaes, de um lado, prendem-se á protecção
concernente ao direito domestico, e de outro á pro-
hibição do duello judiciário. (*) A o começo do sé-
culo XVII, sob a influencia das constituições saxónicas
(4, 10), o provocado, ainda quando matasse o seu
adversário, era apenas punido com pena arbitraria. Não
tardaram porém a apparecer severos éditos sobre os
duellos em diversos paizes da Alle-manha (em Reuss já
em 1603, na Áustria em 1624) para impedir a
immoralidade que sob uma nova forma se ia
introduzindo importada dos paizes latinos (*). O votum
imperii de 1668, que nunca chegou a ter força de lei,
inlligio a pena de sepultura ignominiosa ao morto em
duello, e ao sobrevivente a de morte infamante.
As opiniões dos escriptores do perio.do philoso-
H (
l
) Numerosas nos auento» austríacos. Com. Osenbrúggen, Alm.
\Strafreeht, 212 o 864 j Benaeok, Zur Oesehiehte des deutschen Siraf-
prasesses (1886), 65. O direito bavaro de 1616 fala ainda em «violação
do domicilio (heimsuchen) por injurias*. Os novos escriptores esquecem
ás mais das vezes esta rolação e com parcialidade accentuam a influencia
do direito franoez.
(•) O autor refere-se especialmente á França, onde de 1689 a 1608
morreram 800 pessoas em duello e 7.000 duellistas foram perdoados.
Ver sobre a legislação portugueza « Ord. Man., 1. 6, t. 62, e Phil., t. 48.
N. do trad.
r
PEBICLITAÇlo DA VIDA 57
phico divergiam. Ao passo que Beccaria, Soden e outros
entendiam que o duello em geral devia ficar impune ou
pelo menos não devia ser punida a pessoa provocada,
Frederico 2.° e José 2." queriam severíssima punição.O
Allg.Landrecht prussiano, art. 667, considerava o duello
como um delicto cavalheiresco e, propriamente, como
desforço por autoridade privada da injuria recebida ; punia
a morte do adversário como «assassinato ou homicídio,
infligia a ambos os contendores a pena de perda da honra e
da nobreza, e mandava affixar no pelourinho a effigie do
delinquente fugitivo. V. Savigny ainda julgava adequada
(como d'antes Michaelis, Sunnenfels e outros) a applicação
de penas infamantes. Só apouco e pouco o legislador do
século XIX se convenceu de que a contradicção entre o
preceito prohibitivo da lei penal e o preceito imperativo do
costume exigia urgentemente uma pena, na verdade severa,
mas não infamante. Assim o C. p. Imp., seguindo o Cod.
prussiano de 1851, lançou o (abstracção feita dos casos
de que tratam os arts. 207 e 210) da pena de prisão em
fortaleza, como custodia honesta para a punição do duello.
A razão da criminalidade do duello não está em que
elle, como combate entre dois indivíduos (duellum),
perturba a paz publica, pois modernamente o duello trava-
se ás mais das vezes em sitio retirado e solitário ; também
não está em que, como desforço pessoal e injusto, estorva
o andamento da justiça publica por uma intervenção de
autoridade privada, pois a justiça é simplesmente posta á
margem e não se faz violência a ninguém; mas está em que
o duello é um jogo da vida, um compromisso da própria e
da alheia existencia que o Estado julga não dever
contemplar impassivelmente.
Sob o ponto de vista do systema o duello oc-cupa,
entre os crimes contra a vida, logar correspon-
58 TRATADO DE DIBBITO PENAL
dente ao que cabe ao jogo de azar entre os crimes
contra o património (
2
).
II. Conceito. O C. p. não define o duello,
presuppoe o conceito dado pelo costume, o que tem
importância para a solução de uma serie de questões
especiaes. Em geral podemos dizer que o duello é o
combate ajustado e conforme as regras tradic-cionaes
ou estipuladas entre duas pessoas com armas
equivalentes. O conceito do duello não exige que as
armas sejam mortíferas, mas o nosso direito vigente só
pune o duello com armas desta natureza. P Para a idéa
do duello é indifferente o motivò.í o se deve suppôr
(com Berner, Halscher e outros) que o duello por
negócios de honra ou somente este e o que tem a
vingança por movei é duello no sentido da lei. (
c
)
A idéa de combate exige emprego reciproco de
força e de destreza. Não ha duello, quando os
adversários ajustam (expressa ou tacitamente) dar uma
satisfação apparente á honra e ambos atiram para o ar.
Também não é duello o denominado duello americano
(tirar a vida á sorte). Si se quer sujeital-o á pena, faz-se
mister (pois faltam todos os outros pontos de vista da
lei penal) a creação de uma
(') São da mesma opinião Finger, 168, Geyer, 2.°, 14, v. Meyer,
448, Olshausen, g 201, 11, v. Kohland, Oefahr, 6, Sonntag, Z., 2.°, 3,
Stooss, Grundzúge, 2.° 81, v. Wãchter, 2.°, 989, mantém a concepção
de que o duello é crime dirigido contra a administração da justiça (").
Quando a lei o faz menção do duello (como o cod. francez, o bavai'0
de 1813, a Noruega desde 29 de Junho de 1889, não assim a Bélgica e a
grande maioria dos outros Estados), é muito difficil resolver a questão
de saber si o duello 6 em geral punível, attenta a sua importância toda
especial e mais correcto parece responder negativamente. Oons. a
jurisprudência franceza.
(") Também como tal classificado por Per. e Souza nas suas «Classes
dos Crimes», p. 94.
(*) Em sentido contrario o C. p. braz., art. 818, { 6. N. do trad.
PERIOLITAçIo DA VIDA
59
nova figura especial, cuja melhor classificação seria no
duello (
3
) (
d
), O combate deve ser convencionado. E'
pois duello o chamado encontro fJRencontreJ, mas não
o assalto {AttackeJ, pois neste o aggredido usa de
legítima defesa.
('} No sentido do texto é presentemente a opinião da maior parte
dos escriptores, a de Berner especialmente, 14. Encontram-se
disposições espectees no Cod. hung., art. 288, no Cod. austríaco e no
proj russo. Ver a proposta de Beicbensperger ao Reisehstag allemão,
1886. As opiniões divergentes mais importantes são: 1.*, o duello ame-
ricano é duello (Neubauer, .«4%. òaterr Oerichtszeitung, 1866, n. 6, 19,
Gúder, 6 A, 18, 540, Schutze, 293 nota 7 (mas em sentido contrario o
mesmo Schutze na O. S., 88.*, 121); 2.°, é cumplicidade em suicídio (v.
Jfeyer, 556, Schaper, HH, 2.°, 117, Teichmann HH, 8.», 896, Ortloff,
152, Villnow, 617); 3.*, é homicidio com assentimento da victima
(Kõhler, Studien, 1.°, 144); 4.°, é assassinato (I), —Binding, 1.702.
Correctamente observa Berner que os duellos á pistola e á queima-roupa
etc. não devem ser comprebendidos na idéa de duello.
(*) Duello americano. Assim se chama o pacto em virtude do
qual os adversários se compromettem sob palavra de honra a que o
designado pela sorte suicidar-se-ba dentro do prazo determinado. E'|
evidente que neste caso não se trata de um duello, pois falta o principal
característico que é o combate: o sorteio não pôde ser como tal
considerado. Deve-se considerar como assassinato a morte daquelle
contra quem a sorte se pronunciou ? Sim, responde Binding, 1. o.: «o
favorecido pela sorte que não desligou o adversário da palavra dada, e
que portanto quer a sua morte e o coage a matar-se, é simplesmente um
assassino I Si elle exigi» do adversário, que procurava salvar a vida, o
cumprimento do compromisso tomado, deve ser punido—e na verdade
com toda a justiça— nos termos do art. 211 do C. p. ali. (assassinato), e
não se pôde falar em homicidio de quem consente, pois o agente cedeu á
pressão de um compromisso de honra». Mas, como observa Teichmann,
1. c, essa pressão não obsta que semelhante suicídio seja uma aetio
Itbtra in causa, e portanto a influencia exercida pela outra parte deve ser
considerada como instigação ou cumplicidade no suicidio, o que a lei
ali. o pune. A questão, segundo o nosso direito, encontra solução no
art. 299 do C. p. que pune o induzimento ao suicidio. N. do trad.
»
l« ,
60 TRATADO DE DIBEITO PENAL
- - > ..................... —i "—
A expressão arma deve ser aqui tomada no sentido
stricto (technico); comprehende todo instrumento que é
apropriado a causar, aggressiva ou defensivamente,
determinadas offensas physicas, dando-se-lhe a
applicação que deve ter segundo o seu destino.
O pugilato o é pois duello, como não o é o box
inglez ou a luta corpo a corpo dos habitantes dos
Alpes. A arma, porém, deve corresponder ao costume
tradicional, deve ser «arma de duello» neste sentido;
bengalas e bastões não comprehendem-se neste
numero, como não se comprehendem a faca e o punhal,
ou a massa d'armas e a funda.
Não é requisito necessário a egualdade das armas,
nem mesmo a egualdade quanto ao género, quando esta
não é exigida pelo costume (*). E' porém in-
dispensável, como decorre da idéa de combate, que as
armas sejam equivalentes, de sorte que de antemão não
pareça indubitável a victoria de um dos contendores
(*) Pela mesma razão deve haver da parte destes uma
certa equivalência que deixe ao menos favorecido uma
esperança de triumpho, ainda que fraca. Si em um
duello á pistola um dos adversários que não é cego
atira sobre o outro que o é e o mata, dá-se, para o
direito como para a moral, um assassinato commum.
A lei exige mais que as armas sejam mortíferas, e
portanto armas que tenham certa propriedade. Arma
mortífera é aquella que, tanto na ag-gressão como na
defesa, é apropriada a causar offensas physicas mortaes,
dando-se lhe a applicação que deve ter segundo o seu
destino.
(*) Como a lei presuppoe dada pelo costume a idéa do duello,
não se pôde considerar comprehendido no conceito legal o duello entre
mulheres.
(°) A opinião commum exige a egualdade das armas. Olshausen,
g 201, n. 10. No mesmo sentido o G. p. braz., art. 818, g 2. N. do trad.
i
PEEIOLITAÇAO DA VIDA
61
Não se «combate com armas mortíferas»,
quando as armas não são destinadas a causar oífensas
mortaes ou perdem esta qualidade em razão de um
apparelho especial de protecção. Não basta que a arma
tenha uma determinada propriedade, é neces-
I sario que no combate ella seja empregada de um modo
correspondente a essa mesma propriedade. As pistolas
não podem ser utitisadas em distancias superiores ao
«respectivo alcance, e não se bate em duello quem está
revestido de uma couraça. O com-
I bate mesmo deve ser de natureza a pôr a vida em perigo.
Assim, os duellos habituaes dos estudantes,
denominados Schlãgermensuren, podem ser lutas me-
recedoras de pena (impunes, segundo o direito
positivo), mas não constituem o duello punível no
sentido do C. p. (
6
). Não têm applicação as disposições
penaes sobre a offensa physica e a rixa, porque as
oífensas feitas em duello fazem parte do duello e não
podem ser, separadamente delle, sujeitas a penas (
6
).
Os preceitos académicos sobre os duellos
(") As opiniões e as razões que as justificam são muito divergentes. De
accordo quanto á conclusão, posto que somente em parte quanto ás razões,
Geyer, 2?, 15, Hãlschner, 2?, 498, Merckel, 306, v. Meyer, 668, Olshausen, §
201, 13,14, Binding, Normen, 1? 392, nota 40, Levi, 110, Balan, Duell und
Ehre, 1890, p. 6, nota, Kronnecker, O S., 35?, 214, Teichmann, HH, 3?, 894,
Zessler, Einwilhmg, 95, v. Buri, GS., 84?, 356, denlieck, GS., 37?, 144,
Sontag, Z., 2?,5, Willnow, G S., 87, 166, v. Jagemann, H G., 2
o
, 158, Berner,
86. Ver também Z., 8?, 362. Em sentido contrario, o Trib. do Imp., depois
de muita vacillação, considerou, por dec. das camarás criminaes reunidas de 6
de Março de 88, 8?, 87, a Schlagmensur como duello punível no sentido da
lei.
(') Egualmente Binding, 1?, 368, 724, Geyer, 2°, 16, cap. 3, Sontag, Z.,
2?, 7, e outros, e especialmente todos os escriptores que entendem dever ficar
impune a offensa physica feita em quem nella consente (g 86, nota 4). Em
sentido contrario, Hálschner, 2?, 961, Merkel, 806, v, Meyer, 669. A opinião
dos adversários obriga a punir com mais rigor o duello destituído de perigo do
que o perigoso.
>
62 TRATADO DE DIREITO PENAL
----- —^----- ..........
-------- .
doa estudantes foram revogados pelo C. p. como leis
penaes, mas não como leis disciplinares (
7
) (*). O
duelo consuma-se, logo que um dos adversários
começa o combate, isto é, serve-se da sua arma para
aggredir, embora esta (a pistola) falhe, ou quando o
duellista intencionalmente, mas sem
(
T
) Egualmente Berner, 432 Binding, 1?, 316, 821, Geyer, 2?, 16,
Hãlschner, 2?, 944, v. Meyer, 664, Olshausen, 16, cap. 2.?; contra, Schiitze,
292, nota 8, Tcichmann, HH 8
o
, 892, Sontag, Z., 6?, 6, Kronecker, G S., 85?,
288, Willnow, GS. 87?, 629, Kessler, Einwilligung, 96; a anterior praxe
prussiana, bem como a lei bavara de introducção de 23 de Dezembro do 1871,
que no art. 8? commina a detenção contra os duellos de estudantes. Em todo
caso é desejável a regulamentação legal de toda esta questão, convindo que a
lei declare expressamente que a Sehlãgermensur está cotnprehendida na
competência disciplinar das universidades.
(") Schlãgermensuren, duellos de estudantes. «Uma tradição anti-
quíssima das universidades allemães exige que os estudantes, para serem
membros titulares das sociedades em que costumam filiar-se, tenham feito as
suas provas de bravura, batendo-se pelo menos uma vez em duello com alguns
dos collegas. São pois forçados a provocar entre si questões que possam ter
solução pelas armas. Essas espécies de duellos se fazem ã la rapière; os
combatentes devem ferir sempre na cara, mas de talho e nunca de ponta; além
disto, os olhos são protegidos por óculos especiaes, e esses encontros, mais
ridículos do que sérios, têm raramente outro resultado que não seja um gilvaz,
abfuhr, cuja cicatriz, 6 verdade, pôde marcar para sempre a cara do vencido.»
{La Grande Encye., art. duel). Gomo se das notas do autor, é muito
controvertida a questão de saber si esses encontros de estudantes são duellos no
sentido da lei e como taes puníveis ; a solução negativa é geralmente seguida,
ou porque a arma considerada quanto ao seu destino não é mortífera, ou porque
os apparelhos de protecção de facto excluem a possibilidade de uma offensa
mortal, ou porque os adversários não têm a consciência e a vontade de pôr a
vida em perigo. Por ultimo o Trib. Imp., considerando a arma mortífera,
pronundou-se em sentido contrario, e esta opinião é apoiada por Meves, v.
Schwartze e Zimmermann. Ver Olsh., i 201, 14. N. do trad.
6
PERICUTAÇAO DA VIDA 63
intelligencia com o seu contendor, atira para o ar (
8
). A
tentativa (apontar a pistola, levantar o braço para o golpe)
não é punível.
III. O legislador não limitou-se a comminar penas
contra o duello. Consultando o desenvolvimento histórico
deste crime, qualificou também certos actos preparatórios,
como o desafio (
9
) e a acceitação do desafio.
Penas : normalmente (C. p., art. 201) a prisão em
fortaleza até 6 mezes; quando por occasião do desafio é
declarada a intenção (egual a dolo) de que o combate
cessará com a morte de um dos adversários ou quando isto
resulta do género de duello que foi escolhido (C. p. art
202), prisão em fortaleza de 2 mezes a 2 annos.
Como trata-se de um delicto, a tentativa não é
punível. A cumplicidade deve ser julgada segundo os
princípios geraes. O legislador destaca um caso de
cumplicidade por assistência, comminando a pena de
prisão em fortaleza até 3 mezes (art. 203) contra aquelles
que acceitam e desempenham a incumbência do desafio
os portadores do cartel de desafio (a pena não é commínada
contra aquelles que se incumbem de transmittir a
declaração de aceitação por parte do desafiado).
As penas comminadas contra o desafio e acceitação
deste, bem como contra os portadores do cartel, não são
applicaveis (C. p., art. 204), quando os adversários
desistem do duello antes de dar-lhe começo (
10
). Em
contrario á regra (§ 74, I), segundo
(») Egualmente Olshausen, § 206, 1 e a dec. do Trib. do Imp. de
11 de Nov. de 90, 21, 146.
H (*) O desafio deve ser serio. Ver Franok, L., 14?, contra a dec. do
Trib. do Imp. de 13 de Janeiro de 91, 21? 381.
(
,0
) B' necessário que ambas as partes desistam. Egualmente v.
Meyer 662, Levi, 122; contra, Olshausen, J 204, 6, e outros. Também
o' I
64 TRATADO DE DIREITO PENAL
a qual as circumstancias extinctivas de pena só
aproveitam áquellas pessoas a quem concernem, o
«arrependimento efficaz» dos autores principaes apro-
veita n'esta parte a todos os co-delinquentes.
Si o duello efíectua-se, deixam de ser puníveis os
actos preparatórios com relação a ambas as partes
56, II); os demais co-delinquentes, inclusive os
partadores do cartel (C. p., art. 209), respondem
segundo os princípios geraes relativos* á cumplici-
dade, e, neste caso, em razão da sua co-participação no
duello mesmo (
u
).
IV. A pena do duello tem na lei graduações
diversas.
l.° Escala penal normal (art. 205) : prisão em
fortaleza de 3 mezes a 5 annos. Não é admissível a
multa privada.
2.° — Quem mata o seu adversário em duello (por
uma offensa physica dolosamente causada) incorre na
pena de prisão em fortaleza por tempo não inferior a 2
annos, e si o duello é daquelles que só devem terminar
pela morte de um dos dueílistas, a pena é prisão em
fortaleza por tempo não inferior a 3 annos. Esta escala
penal superior não tem ap-pli cação, quando a morte
proveio de uma offensa não dolosa, por exemplo,
porque saltou a lamina da espada, ou porque,
succedendo cahir um dos contendores, a espada do
outro era vou-se-lhe no corpo ; também não tem
applicação, quando em geral a morte o é o resultado
de um ferimento recebido
dá-se a impunidade, quando o provocador, recusado o desafio pelo
adversário, desiste do duello. Contra Hãlschner, 2? 957, Olshausen,! §
204, 6, Levi, 122 e a dec. do Trib. do Imp. de 28 de Abril de 81, 4?
114.
(ix) Egualmente Geyer, 2? 15, v. Meyer, 563, nota 54, Olshausen,
\ 205, 4 , Hãlschner, 2°, 958, Levi, 127, Schíitze. 296, dec. do Trib. do
Imp. de 4 de Dez. de 84, 11?, 279,
i i
PERICLITAÇÃO DA VIDA 65
--------------------------
I
em combate, mas proveio, por exemplo de um aílluxo
de sangue á cabeça determinado pelo apparelho ap-
posto á ferida. Quanto ao mais a idéa ordinária de
causa tem absoluta applicação. £ 3." Si a morte ou a
offensa physíca foi com-mettida com infracção das
regras tradicionaes ou convencionadas do duello, o
infractor (art. 207) deve ser punido segundo as
disposições geraes sobre o homicídio e as oífensas
physicas, quando não tenha incorrido em pena mais
grave segundo as disposições acima mencionadas (a lei
diz pena incorrida, e não pena comminada). O que ha de
especial neste preceito, aliás claro, é que as penas do
duello, quando superiores, devem ser applicadas,
embora o duello deixe de ser duello desde o momento
em que as suas regras são violadas.
Si o duello se eífectuar sem padrinhos, a pena
incorrida nos termos dos arts. 205 e 206 poderá ser
augmentada na razão da metade, com tanto que não
exceda a 15 annos (art. 208).
A cumplicidade deve ser tratada segundo as
regras geraes. Cumpre notar que, quando o tribunal
{ de honra se pronuncia pelo duello, os respectivos
membros fazem-se cúmplices deste, si a sua sen-i tença
exerceu determinada influencia no animo dos "'
adversários no sentido de baterem-se. O legislador
assignalou ainda o seguinte caso como delicto especial
(art. 210) e assim o isentou dos outros requisitos da
cumplicidade: aquelle que intencionalmente (equivalente
a dolosamente) e especialmente por mostras ou ameaças
de despreso excita outrem 51, nota 3) a bater-se em
duello com um terceiro, si o duello tiver logar (embora
não se effectue em razão da provocação), incorre, não na
pena de prisão em fortaleza, que é a pena regular do
duello, mas na de encarceramento por tempo não inferior
a 3 mezes.
T. II 6
I
I
66
TRATADO DE DTKBITO PENAL
São isentos de pena os portadores do desafio, que
procurarem seriamente impedir o duello (e não
simplesmente que este continue). Também não soffrem
pena os padrinhos (
12
), bem como as testemunhas, os
médicos e os cirurgiões chamados para assistirem ao
duello.
(
w
) A idéa de padrinho (em razão da contraposição a portador do
desafio) deve ser limitada á assistência prestada no duello mesmo.
A 1
CAPITULO II
Crimes e delictos contra os bens incorpóreos
I. — DELICTOS CONTRA A HONRA
§ 94. Historia e conceito da injuria
LlTTEBATUBA. Brunner, 2,°, 671: "Weber, Injurien
und Bchmãhsehriften (Í793), |> ed.; 1820; Kõstíin, Mô-
lltiógraphias, 1858; v. Buri, fflónographlas, 1862; Dochovr, H H,
3.°, 337; John. Z., 1.", 277 e contra elle v. Buri> |G S., 33.", 409;
Binding, Diè Ehre und ihre Verletzbarlceit, 1892; Hess. Die
Ehre und ãie Beleidifiung, ães. § 185, ensaio psychologicó-
juridico, Í89Í} Kratz, Der Straf-IrecMUtíhe Begriff und das
passive Sbjékt der EhrberVefali/Ag, 1891; Gahler, Da» Vergehm
der iiblen Nachrede, 1892; Pfenniger, Strafrecfd der Schypeits,
espeeialmfente. á, p. 808 ; Larumascli, Diebgtahl und
Beleidigung, 1893; Hálschner, |2.°, 197; Frahk, G A., 36.°. 36;
Kronnecker, G S., 38:", 481; Stenglléln, G S., 49.*, 79; Eiinift G
A.; 35,1 370; Wilbelm, G S., 45, 161 (extraliido do Mtment der
\jteehtsindrigleeit bei (ler Beleidigung, diss-, 1890) j v. Biilow, G
S., 46.°, 260, 48.°, 1; Landsberg, injurien und Beleidigung,
1886.
Quando as intuições mudam, não B<5 novos
interesses eohvertem-se ém befas jurídicos, como os
bens júridicõs já Reconhecidos soarem intima trans-
68 TRATADO DE DIREITO PENAL
formação. Em nenhuma matéria do direito penal esta
verdade se faz tão patente como no concernente aos crimes
contra a honra.
O que modernamente se denomina honra e o que os
germanos, desde tempos immemoriaes, assim denominavam
é idéa que permaneceu completamente extranha ao direito
romano, para o qual a honra era a plenitude do goso dos
direitos civicos {digni-tatis illaesm status legibus
comprobatus^,«cuja posse ou perda se regulava
exactamente por preceitos positivos e não podia ser objecto
de lesão por parte de terceiros. Embalde procuraremos no
direito romano a idéa moderna da injuria. A adio injuriarum
do direito civil procedia da oííensa physica e no seu
desenvolvimento subsequente veio a compre-hender toda
intervenção prepotente na esphera alheia. O pulsare, o
verberare e o domum vi m-troire da lei Cornélia de injurm
ficam inteiramente fora do alcance da moderna idéa da
injuria. Não tem pois importância essencial para a nossa
doutrina o facto de que na injuria o direito romano ulterior
(1. 10, I., 4, 4, 1. ult., D., 47, 10) deixasse ao oífendido a
escolha entre a actio injuriarum e o procedimento criminal.
Somente em um ponto o direito romano mos-trou-se
em todos os tempos sensível. Já as 12 taboas 3)
ameaçavam com pena capital « quis occentasset sive carmen
condidisset, quod infamiam\ faceret fiagitiumve alteri. » E
no período imperial os libelli famosi, os escriptos anonymos
diffama-torios eram punidos com penas rigorosas.
Outra é a intuição, do direito allemão. Para os
germanos a honra entranha-se na pessoa e com esta quer ser
reconhecida pelos companheiros. Uma palavra a pôde
offender, mas também pôde resta-1 belecel-a a espada, bem
como a sentença dos companheiros e a satisfação dada pelo
adversário. As
%
DELICTOS CONTRA A HONRA 69
leis barbaras enumeram as palavras affrontosas e
insultuosas com as respectivas multas, descrevem as vias
de facto e se alongam sobre as differenças das penas que as
offensas ao pudor de uma dona ou de uma donzella podiam
acarretar. As fontes da edade dia ulterior, especialmente
os direitos municipaes, collocam-se no mesmo ponto de
vista: a retractação, a publica reparação, o pedir perdão ('),
conjunctanfente com o pagamento de certa quantia, ou
substituindo o pagamento, dão satisfação ao ofíendido. Nos
casos graves tinham também appli-cação penas corporaes
(sem mutilação) e a exposição no pelourinho. As mulheres
inflingiam-se a pena de carregar a pedra infamante (
a
) e
castigos análogos. A pena criminal porém (no pescoço e na
mão) não era admissivel.
A Carolina, que não se propunha regulamentar a
baixa justiça, fez somente menção no art. 107 (vêr também
o art. 216) do libello famoso ou es-cripto injurioso
(arguição de um crime) e commínou a pena de talião.
I O direito commum, baseado nas ordenanças po-liciaes do
Império, desenvolveu a doutrina do pasquim (ao qual era
equiparada a pictura famosaJ,
H (') Ainda encontram-se em parte tia legislação do século XIX
(Oldonburgo, Hannover ele)
(
a
) Um dos muitos symbolismos da edade média. Grimm,
Rechtialterthwner, p. 720, cita a seguinte disposição dos Jura tremo-mensia: «
Si duas mulheres altercarem até se esgatanharem, injurian-do-se
simultaneamente, levarão por toda a cidade, pelo caminho da comniuna, duas
pedras presas por ferros, e ambas estas pedras terão um determinado peso; a
primeira as levará da porta oriental até a Occidental, emquanto a outra a vai
espicaçando com um aguilhão de ferro espetado em um pão, o ambas irão em
camisa j a segunda pegará depois nas pedras ás costas e as trará á porta
oriental, estimulando a primeira por seu turno. » (Trad. de T. Braga, Foraea).
N. do trad.
TRATADO DE DIREITO PENAL
mas substituio o talião por pena arbitraria, que nos
casos graves podia elevar-se até a morte (
b
).
A legislação territorial, desde o século XVI até o
século XVIII, deixa ás mais das vezes a injuria ao
direito privado (não assim o direito prus-siano de 1620)
e occupa-se somente com os casos mais graves, como
pertencentes á jurisdicçSo criminal. As constituições
saxonias, que também nesta parte serviram
frequentemente de modelo, indivi-dualisam o facto de
vangloriar-se alguém de ter dormido com uma dona ou
donzella (4, 45) e, quanto ao mais, conferem ao
ofíendido, quando este não se contenta com a acção
civil, o direito de intentar a acção criminal, tendente á
publica retra-ctação em juizo e á condemnação do réo
em pena arbitraria, que podia ir até ao banimento
perpetuo. Não raro (e especialmente nos edictos sobre o
duello) o procedimento official de justiça supplanta a
aceusa-ção privada, que, onde continua, prescreve em
um suíno (nos casos menos graves) (
c
).
A nova legislação foi pouco feliz no modo de
tratar a injuria: não quiz assegurar ao ofíendido uma
reparação correspondente ao nosso sentimento da
honra, quiçá exagerado. Isto é também verdade do C.
p. imp., que deixa indeterminado o difficil conceito da
injuria simples, remette o injuriado á via escabrosa da
aceusação privada e permitte illi-
(
b
) Em Portugal, a primeira lei que punio os libellos famosos ( «
trovas e outras cartas de mal dizer ») foi a de 26 de Abril de 1436,
transcripta na Ord. Aff. t. 6, t. 117, d'onde passou para a Man., t. 29 c
para a Phil., t. 84. Com pena arbitraria deviam ser punidos, tanto os que
escrevessem, como os que divulgassem ou lessem e não rasgassem os
libellos famosos. N. do trad.
(«) Segundo o antigo direito portuguez (Ord. Phil., 1.117 \ 5.°),
as injurias podiam ser demandadas tanto civil como criminalmente. Jí.
I"r., /. J. C, t. 8. N. do trad.
DELIOTOS CONTRA A HONRA 71,
mitadamente a prova da verdade (não assim os proj.
austríacos e o direito francez), ainda quando factos da
vida de família são devassados e trazidos á publicidade
pela imprensa diária, e nas suas com-minações desce a
mínimos extremamente reduzidos. Na impossibilidade
de extirpar-se o duello está a prova irrefragavel da
insuficiência da nossa legislação.
II. Coftceito da honra.
1.° Honra é o valor pessoal correspondente á po-
sição que o individuo occupa entre os seus concidadãos (*).
A honra é pois, antes de tudo, um facto
B (*) Esta concepção é especialmente representada por v. Iheríng,
Zweek i»t Recht, 1,°, 143, 2.°, 645 (também por Sohm, Instítutionen),
Janka, 232, Kronnecker, 484, Merkel, 287, Olshausen, g 185, 2, Oabler,
Kratz, Wilhelm. Com ella relaciona-se a formula de Dochow, B H, 3.°,
387; Stenglein, O S., 42.°, 88 (a honra equivale á consideração
exterior). Divergem v. Meyer, 589 (honorabilidade), Hàl-schner, 2.°,
164 (valor moral), Binding (a injuria não é offensa da honra, mas da
vontade; não assim no vol. 1.°, 726), Hess (ponto ou sentimento de
honra; por isso a injuria, provoca um sentimento de desgosto,
suscitando a idéa de que o offensor se considera superior) ('). H (*)
Honra, diz Olshausen, 1. c, não é expressão idêntica a valor intrínseco
ou dignidade; designa antea o valor que a pessoa tem na sociedade
humana. Assim definem a idéa de honra, de accôrdo no essencial, v.
Liszt (o valor pessoal correspondente á posição entre os concidadãos),
Merkel (o valor social da pessoa ou a situação caracte-ristisada pela
consideração que o individuo encontra da parte dos outros), Kronnecker
(o valor da pessoa na sociedade humana e para esta), Dochow (a
estimação de um homem por parte dos outros), v. Búlow a pretenção
do individuo a que os outros se abstenham de manifestações de
desconsideração ou despreso a sua pessoa), v. Wãchter, que indica
como objecto da offensa a honra exterior, e também Stenglein, que
define a injuria como offensa do direito á consideração exterior. E'
notável o accôrdo entre o conceito da honra dado pelo autor e este
conceito externado por Pereira e Souza nas
72 TRATADO DE DIREITO PENAL
— a consideração que se adquire pela conducta. Mas a
honra significa outrosim o interesse do individuo a ser
considerado segundo a sua conducta. Este interesse é
garantido pela ordem jurídica somente de um modo
negativo, isto é, prohibindo todo o tratamento que seja
expressão da desconsideração) Best'arte é dada a idéa
da injuria (adiante, III).
A consideração suppõe primeiramente o valor moral;
exige também o preenchimento ^os deveres que a posição
impõe (valor social). Para a appli-cação da idéa isto é da
máxima importância.
Esta concepção nos explica a importância especial da
injuria ao soberano. Dirigida contra o mo-narcha, e não
simplesmente contra o homem, ella excede em extenção a
injuria commum tanto quanto a posição do soberano é
diversa da dos seus súbditos.
Explica-nos mais porque constitue injuria não
somente a contestação do valor moral, senão também a
contestação das qualidades e aptidões, que são necessárias
para o desempenho dos deveres resultantes da posição do
individuo. Ha uma honra correspondente á categoria e á
profissão, porque e em tanto quanto ha deveres que a
categoria e a profissão impõem. Injuria quem diz que o
medico é um aprendiz, que o juiz julga como um caloiro,
que o artista é um bom homem, mas não passa de um
borrador, que o chanceller do império discorre como um
limpador de chaminés, que o director da opera é um
director de circo *ou que o pregador é um cómico (").
suas Classes dos crimes: « a honra nada mais ó na nccepçfio vulgar, que a
consideração devida a um cidadão pelo desempenho que elle faa dos seus
deveres. » (P. 28, nota 88). N. do trad.
(•) Foi v. IhPrinç (Zweck im Iiccht, 1.°, 148; quem chamou a attençúo
para a connexão entre a honra e o desempenho dos deveres
DELICTOS CONTKA A HONK.V 73
Assim pertence também á honra o credito (o lado
económico da honra), isto é, a confiança na solvabilidade e
pontualidade do devedor, quando a profissão pede o goso
dessa confiança (
8
). Seria, pois, tão supérfluo e confuso
fazer a lei menção especial do credito, quanto assignalar
expressamente o denominado credito profissional, isto é, a
confiança nos predicados e aptidões necessárias para o
exercício da profissão* (de medico, educadora etc).
2. Titular do bem jurídico da honra pôde ser o
individuo vivo. O morto não é mais sujeito de direitos.
Com effeito, a denominada injuria aos mortos é sempre
injuria aos sobreviventes não aos membros índividuaes
da familia, a quem por ventura
que a posição impõe. « O que tem a honra que ver com o negocio? pergunta
elle, e assim responde: a honra no sentido objectivo (a consideração do mundo)
é o reconhecimento do valor social da pessoa, e no sentido subjectivo é o
próprio sentimento e a iiffirmação desse valor. Para a bonra são decisivas todas
as circumstancias que determinam o valor da pessoa para a sociedade, e
portanto também o é o seu destino social especial. Diversos o os destinos do
artista, do medico, do advogado, mas é uma honra para todos pôr todo o esforço
no desempenho de sua respectiva missão, e uma deshonra o descural-a. Um
artista hábil achará tão incompatível com a sua honra fazer entrega de um mau
trabalho quanto o medico ou o advogado consciencioso servir mal os seus
clientes. Quem assim faz, soffre em sua nomeada. Mas a nomeada e a profissão
(Rufund Beruf) prendem-se intimamente. O modo, como o individuo
corresponde á sua profissão, é a circumstancia que regularmente a sociedade
toma antes de tudo em consideração para medir-lhe a capacidade, isto é, a
aptidão do individuo para a sociedade. N. do trnd.
(*) O credito não é, pois, um bem juridico especial, como pensam
Binding, 1?, 169, Olshausen, jj 187, 6, v. Bõhland, Oejahr. Ainda mais
incorrecto é, com Geyer, 2.°, 38, Hâlscbner, 2.°, 198, Lammasch, 65, v.
Meyer, 590, collocar o credito entre os interesses patrimoniaes. Correctamente
em substancia Hess, 28. Yer o § 95, IV.
(4 TRATADO DE DIREITO PENAL
caiba o direito de queixa, mas á família, como pessoa
collectiva (*).
Em geral o menino não pôde também ser offen-
dido em sua « honra», comquanto seja difficil traçar
a linha divisória; mas devemos admittir a possibili
dade da injuria em relação ao menino, logo que elle
entra em um circulo qualquer de deveres, talvez na
escola, e tem consciência desses deveres. Outro é o
caso do alienado, porque se deve ter enieattenção
o estado anterior de saúde mental (affirmação de factos
do passado do louco que affectam a honra) e o
obscurecimento do seu espirito talvez somente par-
ciai f). 7
Da idéa da honra resulta ainda necessariamente —
toda a antiga litteratura já havia tirado esta consequência —
que não o individuo, senão também grupos de
indivíduos, quando reconhecidos como pessoas collectivas
existentes no corpo social, possuem o bem jurídico da «
honra » e como delle investidos podem ser objecto da
«injuria ». O direito penal do Império porém não tirou esta
consequência. Abstracção feita de disposição especial, elle
só protege
(*) Injuria ao morto admittem Arosler, Die Mòglichkeil einer Injurie an
Versiorbenen, 1871, e v. Meyer, 594. Segundo a opinião predominante, o art.
189 do Cod. p. protege o sentimento religioso dos parentes. Esta opinião,
também manifestada na justificação do C. p.,| é contrariada pela collocação do
art. 189. Com o texto concordam l-Bcbner, 2.», 199, 458, Kratz, bem como
Mainzer, Die Ehre nach deut-schem Reichsslrafrecht, 1834, p. 56.
(*) De ordinário é a questão decidida do mesmo modo em relação ao
menino e ao alienado. Isto observa-se, quer quanto á opinião comrnum, que
admitte a possibilidade da injuria ao menino e ao louco, (também a dec. do
Trib. do Imp. de 2 de Maio d* 84, 10.°, 372, a Olsbausen, g 185, 7), quer
quanto a v. Buri, 8, e John, H R., que contestam uma e outra. Si o acto
(também as vias de facto) é praticado somente na presença do offendido
mesmo, não se pode, como em todo*
DBLIOTOS CONTRA A HONRA
ft
a honra do individuo, e não a do corpo collectivo (
8
).
Contêm excepções: a) os arts. 196 e 197 do C. p.
(injurias a funecionarios públicos e a corpos políticos);
b) art. 187 (comprometter o credito de sociedades
commerciaes); c) art. 189 (protecção da honra da
fiiinilia); accresce d) o art. 166 (ultraje a associações
religiosas). Ver o § 116, II (
g
).
Com a questão da possibilidade da injuria a
ov outros casos, falar em injuria, caso a expressão da desconsideração
não possa ser entendida pelo offendido. É, pois, indubitavelmente parcial
a these: « pati quis injuriam etiamsi non sen ti a t potest» (1. 3, § 2, D.,
17, 10). A questão torna-se muito interessante em matéria de injuria ao
soberano, quando um menino ou ura louco é o portador da coroa (').
(
f
) Segundo a opinião commum, a injuria o suppõe a con-
sciência da honra por parte do offendido, pelo que os meninos e outras
pessoas incapazes podem ser injuriados. Olshausen, § 185, 7. N. do trad.
(') Neste sentido a opinião commum, e também a dec. do Trib.
do Imp. de 12 de Abril de 81, 4,°, 75; cons. especialmente Olshausen,
g 185, 12; contra, Merkel, 290, Schútze, 865, Stenglein, Q. p., 42.°,
84, v. "Wãebter, 388, que admittem amplamente a capacidade era
questão, ao passo que outros a contestara inteiramente. Cons. o
trabalho do Hausmann mencionado no £ 43, e Gierke, Oenossenscha/it-
xfieorie, 147.
(*) O principio entre nós geralmente admittido de que as pes-
isõãs Jurídicas podem ser injuriadas e dar queixa é duvidoso no direito
la lie mão. Dochow (H. H., 3.°, p. 339) o nega: uma unidade collectiva,
diz elle, não pode ter honra peculiar, porque para isto falta a primeira
condição, que é o valor intrínseco. Bem podemos falar em honra de
uma familia, de uma sociedade, mas essa honra coincide com a dos
respectivos membros e somente existe em tanto quanto nelles existe. £
esta ultima honra que o Estado protege, ao passo que aquella não deve
ser considerada como idéa jurídica. Merkel sustenta a these contraria. «
Também as corporações e as sociedades, diz elle, podem ser injuriadas;
isto é tão certo quanto t<>rera ellas um valor social e inte* resse em
preservai o ». A opinião commum pom reconhece como susceptíveis
de injuria as entidades collectivas de que fala a lei (auto* ridades,
corpos políticos). N. do trad.
76 TRATADO D13 DIREITO PENAL
pessoas collectivas não deve-se confundir a de saber] si,
e até que ponto, indivíduos podem ser injuriados! por
uma designação collectiva. Qualificativos, como o «
clero de Berlim », os « tenentes de Braunschweig»,
devem ser considerados sufficientes, logo que por elles
se designem de um modo fácil de reconhecer certas
pessoas, embora fique em duvida qual a pessoa] que se
tem em vista (
7
). Designações geraes, porém, como os
«judeus », os «espiritos livres dá Allemanha»J os «
bolsistas », os « professores », não são próprias a servir
de fundamento á injuria.
III. — A acção.
A injuria é,
1.°, como oflensa á honra, a expreso de de&-\
consideração por palavras ou signaes. Comprehende
não a contestação à) do valor moral, b) e das
qualidades e aptidões necessárias para o exercício da
profissão (p. 72 ), senão também c) todo acto que sirva
de expressão á desconsideração, como palavras
insultuosas e vias de facto, a arguição de defeitos
moraes ou physicos, motejos pesados ou graves
descortezias. Dentre as oífensas a honra dis-tingue-se a
affronta ou ultraje, que se caracterisa pela rudeza da
forma.
2.°, como periclitação da honra, a affirmação de'
factos infamantes, não verdadeiros.
A acção equivale a omissão (não aceitar a mão
offorecida, não corresponder á saudação), quando a
acção pôde ser esperada como obrigada (§ 29).
O resultado produzido pela acção consiste em
chegar a expressão da desconsideração ou a affir-
mação injuriosa ao conhecimento de. outra pessoa,
quer esta seja o oílendido, quer um terceiro. Nesse
momento o delicto consuma-se. Pela entrega de um
papel ao correio, ao telegrapho ou ao compositor
(•) Dec. do Trib. do Imp. de 80 do Set. de 98, 28.°, 247.
I
DELICTOS CONTRA A HONRA
77
não se pôde dizer peremptoriamente que terceiros tomaram
conhecimento do conteúdo do escripto nem se pôde
considerar como indifferente o conhecimento que de facto
tenham tomado.
A tentativa da injuria é concebível, mas não| punível.
Si o modo de expressão escolhido não é apropriado a
levar a desconsideração ao conhecimento de outrem, dar-
se-ha tentativa impossível. L Segundo o direito vigente,
é punível a injuria dolosa. Mas também aqui o dolo consiste
(somente na previsão do resultado, e portanto no
conhecimento da significação injuriosa do acto. Uma
intenção que além disto (o chamado animus inju-riandi)
não se faz mister (
h
).
IV. Os princípios geraes sobre a «illegalidade e a
suppressão da illegalidade » 31 e seg.) pedem, em
matéria de injuria, illimitada applicação. Notaremos
especialmente que o consentimento do oífendido não
derime a illegalidade da injuria, pois a honra não é um bem
renunciável e alienavel (
8
) ; mas em taes casos faltará ás
mais vezes o dolo necessário para constituir o delicto. Si o
agente, porém, tinha o direito de praticar o acto, desappa-
reee a illegalidade da injuria. O legislador quiz no
- - —.------------------------------------------------------------------__~
K (
h
) Como a injuria é indubitavelmente um delicto doloso, diz Olshausen, 1.
c, n. 15, o agente deve «conhecer e querer» todas as eireumstancias que
constituem o delicto; devo pois ter agido com a consciência da offensa á honra
e da illegalidade da offensa. Pode-se designar essa consciência pela expressão
animus injuriandi; mas de nenhum modo é ainda necessária uma «intenção de
injuria» diversa daquella consciência. A voluntariedade da manifestação
injuriosa, ligada á consciência de que ella é illegal e apropriada a offender a
honra de outrem, basta para constituir o corpus delicti. W neste sentido a opi-
nião commum. N. do trad.
(
8
) Contra, Binding, 1.°, 726, Hãlschuer, 1.°, 472, v. Meyer, 349.
I
» I
78 TBAÍÃBO DE DIREITO ÊMií.
art. 193 justamente lembrai' ao juiz esta regra geral e ao
mesmo tempo illustral-a com exemplos, mas o seu
preceito tem frequentemente induzido a justiça em erro.
A disposição especial do art. 193 produz materialmente
o mesmo effeito que produzir-se-hia, si a lei tivesse
expressa e simplesmente incluído na qualificação da
injuria a característica da illega-lidade (§ 40, nota 4.»).
O art. 193 dispõe: «a critica de* obras sobre
sciencia, arte ou industria, as allegações a bem da
effectividade ou defesa de direitos ou de legítimos
interesses, bem como as observações e advertências
dos superiores para com os seus subordinados, as
denuncias officiaes ou pareceres officialmente emit-
tidos por funccionarios e outros actos análogos
somente serão puníveis, quando a existencia da injuria
resultar da forma de taes actos ou das cir-cumstancias
em que occorrerem » (
9
).
(') Já °ò direito comtiluiíi assighalàva uma série de 'casos em que não se
o unimua injuríaríai (neste sentido >3tryck. Koch, Ebgau). Contra a
doutrina do lexto acerca do valbr puramente declaratório do art. 194
recentenièiite v. Bíiloíf, 2?1, Kronnecker, 495 è 499, Merkel, 294, Wllhelm.
Cbrreclíiiiiente Hálschner, "2.°, 184, v. Meyer, 606, Olshau.-en, $ 193, Vem
como Rump. (>}
(') Merkel e outros entendem que o art. 193 em parte é meramente
declaratório, pois não se fazia mister uma disposição ex-prfessa de lei pára
hã!Ô Se cbiisiderarem puníveis actos ofRciaes ou o exercício de iilii poder
disciplinar nos limites legaés; esse artigo, poreni, ilfio é supérfluo ê pelo
cbhtríiriò encerra direito novo parte em que pêrmitte a defesa de gltiiuoi
Ihteresses á custa- da consideração dé| outrem e independentemente dos
requisitos da legitima defesa. Está típiniíití médld foi também èégiiidlt pelo
tribunal do Império em Utáj julgado dê OlitUBrò dé 1881: «o art. 193, àhi se lâ,
íjuaudo declara| nBo serem puhivèls as injúrias bòniméttidas a bem defesa
légi-tiítío» interesses, abre baia excepção para os crimes de injuria, pôiá
quanto aos outros crimes o mesmo fim não pôde isentar os culpados de
responsabilidade.» K. do trad,
ç
DELIOTOS CONTRA A HONRA
Nos « outros actos análogos » de que fala a lei se
comprehendem, por exemplo, o desempenho do dever
de dar testemunho em juízo, o attestado sobre o
serviço do criado, a denuncia dada de boa á
autoridade, a critica de trabalhos militares ou officiaes,
quando públicos (parada militar, sessão do jury, gestão
dos ministros responsáveis), as commu-nicações do
medico ao chefe da família sobre moléstia de algum
dos membros desta, as informações commerciaes em
geral e especialmente as com muni cações do chamado
«escríptorio de informações» ou de «sociedades de
protecção» aos membros respectivos sobre devedores
insolvaveis ou remissos (
10
) etc.
Cumpre ponderar que a «defesa de legítimos
interesses » de terceiros se comprehende no art. 193,
quando e em tanto quanto o agente é chamado a tal
defesa, embora não o seja por um dever jurídico (mas
como amigo, collega etc), e quando a alle-gação é
feita a bem dos interesses em questão. Unia missão
especial da imprensa para a defesa de interesses
estranhos é inadmissível; o redactor de um jornal deve
também mostrar-se habilitado em razão de
círcumstancias pessoaes (").
(
10
) De accôrdo as dec. dó trib. do Imp. de" 30 de Junho de 82, 6.°, 406,
e 20 de Março de 84, 10.°, 8&1, Cordés, GA., 28°, 416, Ehrenberg, ti. S t, 1.",
983, Gerlach no JakrbftchhrA, faova série, de| Conrad, 20.°, Olshausen, g 193,
6.
(
u
) Se accôrdo o Trib. do Imp.,— ultinia dec. a de 16 de Jah. de 94, 25.°,
67, bem como v. Biilow. Vftô muito longe Ktoh-necker, 512: basta que a
allégaeSò tenha sido /«2a realmente para o fim da defesa de legítimos
interesses. Seguêto-ho 'Olshâúséh, \ 193 2.°, v. "Wilhelm. ÍIntretanto cumpre
lembrar (em òpposição áo Trib. do Imp.): 1.° que o redactor, como todo
cidadão, é Chamado pessoalmente á defesa de interesses geràes; 2." que a
clausula geral t actos análogos » pôde ser também adequada onde se deva
contestai' que esteja em questão a « defesa de legítimos interesses.» M. do
trãd.
«
«O TRATADO DE DIREITO PEXAL
No final do art. 193 o legislador firma o prin-j
cipio, aliás subentendido, de que todo excesso do
direito, quer quanto á matéria, quer quanto á fornia
(inclusive o tom da manifestação) entra no circulo da
acção illegal. Mas naquellas palavras também não; se
encontra allusão á intenção de injuria, basta a
consciência da transgressão (
w
).
Deve também ser subentendido que o art. 193,
onde o legislador o enuncia principio algum novo,
tem appli cação a todos os géneros de injuria, e
especialmente á calumnia. Comquanto se possa
conceber um direito de calumniar em casos inteira-1
mente excepcionaes, não se deve em these contestar a
possibilidade de sua existencia (pense-se em um I caso
de legitima defesa ou de extrema necessidade) (
w
) (
J
).
§ 95.— Das espécies de injuria
I.— A injuria propriamente dita (C. p., art. 185) 6
a expressão da desconsideração em que algm tem a
outrem, quer essa desconsideração se manifeste
(**) Contra, as dec. do Trib. do Imp. de 6 de Dez. de 89, 20.°, 100, e 6
de Abril de 92, 28.°, 40; ver Frank, 2, 12.°, 808.
(
u
) De accõrdo a dec. do Trib. do Irap. de 7 de Jun. de 87, 16.°, 139;
presentemente também Olshauaen, \ 193, 2.° com a maior parte dos autores.
(J) Admitte-se que o art. 193 tem applicaçno ao caso do art. 187
(calumnia) não por causa da collocação daquelle artigo, como porque
«podem dar-se casos— embora excepcionalmente em que alguém se
ache assistido de um direito de enunciar uma injuria mesmo calura-niosa:
assim, tratando-se de um individuo accusado do delicto definido no art. 187 que
no plenário sustentara a bem da defesa a sua asserção scientemente falsa, bem
julgou o Trib. do Imp., dec. de 10 de Out. de 81, que ao réo aproveitava quanto
a esta ultima afirmação a excepção do art. 198.» (Olsbausen, \ 293, 2.»). N. do
trad.
DELIOTOS CONTRA A HONRA 81
por um juizo, quer mediante uma affirmação de factos
que envolva um juizo (*). Proposições, como estas «A.
é um embusteiro », «A. me embahio » são em direito
penal absolutamente equivalentes. Mas em todo caso
deve tratar-se de um juizo próprio do autor da injuria,
e não de fornecer dados foara que outrem forme o seu
juizo. Nisto é que está a difierença entre a injuria
propriamente dita, de um lad/), e a calumnia e a
difiamação de outro (").
A questão de saber si se trata de uma expressão
de desconsideração deve ser apreciada, não segundo
uma medida objectiva, mas segundo o modo de ver, a
intuição dos circulos respectivos. Qualificar um
catholico de huguenote ou um protestante de papista
bem pôde ser uma injuria.
Penas :
a) multa até 600 marcos, ou detenção ou en-
carceramento até um anno;
(') A chamada injuria condicional (si fizeres isto, és um patife) ou
é uma injuria actual o incondicional (como expressão de desconfiança
da honorabilidade) ou absolutamente não é injuria, por ser duvidoso
que quem enuncia agora o seu juizo o mantenha depois de realisada a
condição.
() Merkel exprime o mesmo pensamento, dizendo concisamente
que na injuria (como idéa genérica) a acção ou é a expressão da des-
consideração ou é apropriada a provocar em outros a desconsideração.
No 1.° caso -se a injuria no sentido estricto (art. 185 do C. p.) e no
2.° de dar-se a difamação (art. 186) ou a calumnia (art. 187).— A
distiacção entre estas três modalidades da injuria é feita por outros es-
criptores diversamente. A injuria propriamente dita distingue-se da difia-
mação em que esta consiste na affirmação de factos, que expõem outrem
ao ódio ou despreso publico, e aquella em qualquer outra expressão de des-
consideração ; e a difiamação se distingue da calumnia, em que aquella
affirma ou divulga factos, cuja verdade não se pôde provar, e esta
affirrua ou divulga scientemente factos que não são verdadeiros (Do-
chow, HH, 3.°, 848, John, HH, 1.°, 268). N. do trad.
T. II 6
82 TRATADO DE DIREITO PENAL
b) si a injuria consistio em vias de facto, isto) é,
em uma aggressão, embora frustrada (
2
), dirigida
immediatamente contra o corpo da pessoa a injuriar,
multa até 1500 marcos ? ou encarceramento atéj 2
annos. A difíerença no dolo distingue a injuria real da
offensa physica; si o agente (como em regra acontece)
tinha a consciência de que a acção seria) efficaz sob um
e outro ponto de vista, prevalece, j segundo os
princípios geraes, a lei que commina aj pena mais
rigorosa—(C. p. art. 73) (
b
).
II.— A periclitação da honra pela diffamagão ou
maledicência (C. p., art. art. 186), isto é, affirmar ou
divulgar factos em relação a outrem, que sejam |
próprios a tornar despresivel ou rebaixar na opinião
publica a pessoa a quem são attribuidos, e cuja verdade
não se possa provar. Com este delicto contrasta a
enunciação do juizo próprio, embora baseado sobre
factos. A maledicência não é pois ) offensa, mas
periclitação da honra; não é expressão de
desconsideração, mas a communicação de dados, que
podem occasionar a desconsideração por parte de outros
(
3
). Tal delicto não pôde pois ser com-mettido em
presença do interessado (*), mas somente |
(*) Equivalente portanto á «aggressão material» em sentido con-
trario a opinião cominam, especialmente Streit, Widersetzung, 79,
Olshausen, § 94, 2; de accordo Baumgarteu, Vermch, 411, nota 81, v.
Meyer, 604. A chicotada frustrada é injuria real consumada.
(
b
) A opinião commum considera via de facto a acção exercida
dolosa e illegalmente sobre o corpo de outrem» (Berner, Binding,
Hãlschner), ao passo que o autor, v. Schwartze, Baumgarten também
como tal consideram o ataque simplesmente tentado, a aggressão frus-
trada. Olshausen, 1. c. N. do trad.
(») Egualmente Merkel, 287 e 290. Contra, Gabler, 82, Geyer, j
2.°, 27, Kronnecker, QS., 88.°, 488, v. Meyer, 690, Olshausen, g
186, 1.
(*) Egualmente o Trib. do Imp., especialmente na dec. de 80 de
Nov. de 82, 7.°, 286.
DELICTOS CONTRA A HONRA 83
em relação ao interessado em presença de terceiros (
c
)
e consuma-se com a affirmação ou divulgação dos
factos, isto é, logo que estes são levados ao conhe-
cimento de um terceiro. Assim e em contrario ao que
acima ficou dito sob o n. I o que serve de critério não é
a intuição dos círculos, para os quaes a manifestação
foi principalmente calculada, mas o juízo imparcial do
publico.
Aqui tfomo na burla138, nota 1.'), facto é tudo
o que occorre no presente ou que occorreu no passado,
mas não o que pertence ao futuro. A este respeito são
as affirmações do offensor que regulam; mesmo
alguma cousa impossível pôde ser asseverada como
facto.
No numero dos factos comprehendem-se os que
se passam tanto no mundo exterior como no intimo do
injuriado; aos factos materiaes equivalem abso-
lutamente os psychicos, como qualidades, vistas e in-
tenções do offendido (por exemplo, inteão cúpida) (').
O facto é affirmado, quando é asseverado como
objecto de sciencía própria ; é divulgado quando o
(°) Da clausula do art. 186 do C. p. ali,— «quem afflrmar ou
divulgar um facto era relação a outrem....»conelue-se que, para ser
punivel a diffamação ou a calumnia, não basta a afirmação do facto em
presença do offendido, é necessário que se ache pelo menos presente
uma terceira pessoa, como testemunha, embora a manifestação se dirija
directamente áquelle.— O autor porém chegaria a esta conclusão,
ainda quando não existisse na lei a expressão « em relação a outrem »,
porquanto, si a diffamação e a calumnia são delictos que consistem em
pór em perigo, como elle os considera, está claro que não podem ser
commettidos, achando-se somente presente o offendido N. do trad.
(
6
) Em sentido contrario Hãlschner, 2.°, 191, Merkel, 292. De
accordo Geyer, 2.°, 37, v. Meyer, 608, Olshausen, \ 186, 2, e o Trib. do
Imp., ultimo dec. a 9 de Outubro de 98, 24.°, 300 (art. 248 do Cp.)
84 TRATADO DE DIREITO PENAL
agente o communica pov outro modo. A expressão
divulgar não significa aqui, como em outros logares
108, II), fazer accessivel a um circulo não limitado de
pessoas ; comprehende também a com-municação feita
sem a intenção de ulterior divulgação, mesmo a
communicação rigorosamente confidencial.
O facto deve ser próprio a fazer o injuriado
desprezível, isto é, a fazel-o perder inteiramente a
consideração, ainda que somente entre algumas pessoas
; ou a rebaixai-o na opinião publica (em um circulo não
limitado de pessoas), isto é, a min-guar-lhe a
consideração. Que este effeito de facto se produza, não
se faz mister.
O dolo do agente deve versar sobre esta qualidade
do facto, bem como sobre a relação entre o facto e a
pessoa oífendida.
Com esta incidente —«cuja verdade não se pôde
provar » o legislador expressou do modo o mais
claro possível que a impossibilidade de provar os
factos é uma condição de punibilidade, e, como tal, fora
da acção delictuosa 43, III). D'ahi se-gue-se não ser
necessário que o dolo do agente se estenda até a
impossibilidade da prova, e que portanto, ainda
quando o agente supponha possivel a prova ou quando,
sem culpa sua, a impossibilidade delia resulta de
circumstancias exteriores, como por exemplo, a morte
das testemunhas oculares, podem dar-se as
circumstancias constitutivas do delicto definido no art.
18G (°).
(•) Neste sentido a opinião commum, comquanto a justificação
Reja duvidosa. De accordo especialmente o Trib. do Imp.; ultima dou.
a 23 de Setembro de 80, 19.°, 886. Divergente Binding, Iformen, 2.°,
611. E' erro admittir neste caso culpa (como faz Lõning, 30)| ou uma
presumpção (como fazem Schinid, Pràsumiionen, 67, o Kupp, modernes
Eecht, 66).
DfiLÍCTOS COlíTBA A BOUHA 85
I Penas:
a) multa até 600 marcos, ou detenção ou en-
carceramento até um anno ; I
b) si a injuria foi commettida a) publicamente,
isto é, de modo que a affirmação seja acces-sivel a um
circulo de pessoas individualmente níio determinado
nem circumscripto, ou b) si foi divulgada por meio de
escriptos, imagens ou representações, multa até 1.500
marcos ou encarceramento até 2 annos.
A palavra divulgação deve ser aqui tomada no
sentido technico (§ 108, II).
M III.—A periclitação da honra pela calumnia (
7
)
(C. p., art. 187) distingue-se da diffamação ou
maledicência 1.", em que em vez de factos, «cuja
verdade não se pôde provar», trata se de factos
(f que não são verdadeiros » e 2.°, em que o agente
procede de « ». E isto também se dá, quando
o agente affirma ou espalha um facto determinado,
cuja exactidão lhe parece duvidosa. Basta, pois,
nesta matéria, como em todas as outras, o dolo in
determinado (
8
). I
O Desde Feuerbach e Grolmann a calumnia como oífensa do
«direito á boa nomeada» (também assim Hess) distinguo-se da injuriai
como oífensa da «bonra civil», e é definida como imputação de actos
illegaes ou próprios a rebaixar no conceito publico. A nossa concepção
da calumnia como periclitação da honra tem sido vivamente
impugnada por Geyer 2.°, 87, Kronnecker, 488, Olshausen, § 186, 1.°,
187, 1, Stooss, Grundzúge, 2.°, 298- As razões dos adversários não nos
convenceram. Solapar a honra o é ainda oífensa da honra,
comquanto aquelle facto (e isto sempre alarmamos) seja tão abomi-
nável e punivel quanto este. A expressão «pôr o credito em perigo»
não favorece certamente os adversários.
(*) Egualmento v. Meyer 611. Contra Hãlschner, 2.°, 197 Lucas,
Subjektive Verschuldung, 45 Olshausen, $ 187, 3, bem como o Trib.
0
9 r
86
TRATADO DE DIREITO PENAL
Quanto ao mais as circumstancias constitutivas
coincidem com as da maledicência.
Penas : encarceramento até 2 annos; occorrendo
as circumstancias aggravantes mencionadas acima
sob o n. II b, encarceramento por tempo não in
ferior a um mez. Occorrendo circumstancias atte-
nuantes, a pena pôde ser reduzida até um dia de
encarceramento ou pode-se infligir uma multa não
excedente a 90D marcos.
XV.A periclitação do credito pela calumn] (art.
187) é a affirinação ou a divulgação de factos próprios a
prejudicar o credito 94) de outra pessoa e que de
lhe o imputados. Que esta disposição tomada ao
cod. saxonio de 1868, protege também o credito de
sociedades commerciaes, comquanto ellas sejam
pessoas collectivas, é geralmente admittido.
Penas : as declaradas sob o n. III.
V.—A periclitação da honra da família pela ca-
lumniã contra os mortos (C. p., art. 189) (
9
), isto é,
ultrajar alguém a memoria de uma pessoa morta,
affirmando ou divulgando de factos que em vida
a fariam desprezivel ou a rebaixariam na opinião
publica. A expressão ultrajar não é empregada aqui no
sentido technico 94), é, pelo contrario, destituida
inteiramente de importância. os parentes mais
próximos têm o direito de dar queixa, a saber, os pães e
os filhos (legitimos ou naturaes; § 89, nota 4.*) e o
cônjuge. A protecção do direito penal limita-se aos
poucos membros da familia, que, attenta á sua
immediata ligação com o finado, podem
do Imp. (ver o § 38, nota 6.*). Sobre a relação da calumniã para a falta
accusaçâo ver adiante o g 180, I. (») Mumm, Os., 48.°, 197,
DELIOTOS CONTRA A HONRA 87
ser considerados como affectados também pelo juizo
que sobre elle se forme (§ 94, nota 4.*) ('').
Penas : encarceramento até 6 mezes ; occor-rendo
attcnuantes, multa até 900 marcos.
§ 96.Do processo e punição da injuria
I.— Cata a prova da verdade dos factos des-
apparecem os delictos definidos nos arts. 186, 187 e
189 do C. p., os quaes, segundo o seu respectivo
conceito, exigem a inverdade ou pelo menos a inde-
momtrabUidade dos factos affirmados ou divulgados.
Também no caso do art. 185 a verdade dos factos
(quando de factos se trata) exclue a illegalidade, salvo
si foram excedidos os limites traçados ao direito de
dizer a verdade e o agente, produzindo os factos, lhes
accrescentou alguma cousa que envolva uma injuria
(art. 192).
Si o facto imputado é uma' acção delictuosa e
punível (embora o seja somente segundo o direito
estadual), considera-se (art. 190) a prova da verdade
do facto
d) como produzida, si o injuriado foi con-
deinnado em razão desse facto e em virtude de
sentença que tenha passado em julgado;
b) como não produzida e inadmissível, si, antes
da affirmação ou divulgação do facto, o injuriado foi
absolvido por sentença que transitou em julgado, quer
em razão de uma circumstancia que exclua a
(
d
) Do art. 189 decorre, e tem sido julgado pelo Trib. do Imp. (Olsh., {
189,2), que dá-se ultraje á memoria do morto, quando o acto em questão
constituiria o delicto de caliunnia em relação a uma pessoa viva, pelo que o
art. 189 não tem applicação, feita a prova da boa do Recusado quanto á
verdade do facto. N. do trad.
88 TftATAfiO DÉ DÍRÈITO PENAL
culpa, quer em razão de uma circumstancia extin-
ctiva de pena (
x
).
Não está porém neste caso a « declaração de
isenção de pena » de que trata o art. 199 etc.
Si a acção delictuosa foi denunciada á autori-j
dade para o fim de provocar-se o procedimento cri-j
minai, o processo e o julgamento relativos á injuria
ficarão suspensos até que o juiz competente decida I
que não deve ser iniciada a instrucção«ou até que
termine a instrucção iniciada (art. 191). Nesse entre
tanto interrompe-se a prescripção, segundo o disposto
no art. 69 do C. p.
*
II.— O processo por injuria só pôde ser instau-1
rado em virtude de queixa. E' permittido em todos os
casos retirar a queixa (art. 194 do C. p.; § 44, nota 12).
Quanto ao direito de dar queixa, prevalecem os
princípios geraes 44). Si varias pessoas foram
ofFendidas por uma designação collectiva, cada uma
das pessoas reconhecidamente designadas tem o direito
de queixar-se.
Não se pôde dizer o mesmo da injuria feita a uma
entidade collectiva. Como a respeito de dois dos casos
deste género (art. 189 e 197) encontram-se na lei
disposições especiaes e expressas, resta considerar o
caso em que é compromettido o credito de uma
sociedade commercial. A este respeito o que cumpre
aífirmar é que a queixa (como a accusação privada)
pôde emanar das pessoas em geral competentes para
representar a sociedade.
(>) Consequentemente também quando é admittida a prescripção
(ver o § 76. nota. 8). Egualmente Binding, 1», 826, nota 7. Contrà,\
Hcinze, H H, 2.°, 625, Olshausen, ? 190, 3.— Que o art. 190 tem
também applicação ao caso do art. 186, parece-nos fora de duvida.
Contra, Olshausen, J 190, 4; a favor da doutrina correcta Hálschner,
2.°, 204, v. "Wachtcr, 892, nota 13.
DEtlCTOS CONTRA A HONfiA
89
Si â injuria foi feita á mulher casada ou a menores
que se achem sob o pátrio poder, tanto os injuriados
como o marido ou o pae têm o direito de queixar-se
(art. 195) (
2
).
Si a injuria foi commettida contra uma autoridade,
um funccionario publico, o ministro de um culto ou
um individuo pertencente á força armada no exercicio
ou por motivo do exercício de suas funcçÕes, o .direito
de dar queixa compete não só aos offendidos, senão
também aos respectivos supe-
(*) B' geralmente admittido que não se trata de um caso da ityuria
mediata ou obliqua do direito commum. No caso do art. 189 não tem
applicação o art. 195 (•).
) O direito romano distinguia as injurias em immediatas e me-
diaias, e denominava mediatas as que, sendo feitas ao filho, ao es-
cravo, á mulher casada, revertiam sobre o pae, o senhor, o marido
(1. 1, } 3, D., 47, 10); consideravam-se com uma unidade as pessoas
ligadas por certas relações, quaes as que resultam do pátrio poder, do
casamento. Esta doutrina, admittida pelo direito commum (ver o tratado
de Feuerbach, § 281), não o é no moderno direito allemão. Os
«motivos» do C. p., referindo-se ao art. 195, dizem: «este artigo não
tem em vista a denominada injuria mediata; quer, porém, assegurar os
direitos da mulher casada e dos filhos sob o pátrio poder». O art. 195
confere pois ao marido e ao pae o direito de queixa, não porque os
considere simultaneamente offendidos, mas para que melhor possam
defender o interesse da mulher ou do filho offendido. A lei supprimio
assim as numerosas controvérsias que a doutrina suscitava. Mas em
outro sentido entende-se também por injuria mediata a que, sendo
dirigida contra uma determinada pessoa, é ao mesmo tempo
offensiva da honra de outra. Quem qualifica alguém de filho adulte-
rmo, qualifica a mãe de adultera. Dão-se em taes casos diversas in-
jurias e cada um dos injuriados tem o direito do queixa. « Esta espécie
de injuria mediata, diz John (H L, 1.°, 267), o O. p. ali. reconhece,
embora não se tenha a este respeito pronunciado expressamente' por
uma disposição de lei».— Neste sentido podemos também dizer que o
nosso direito admitte a injuria mediata (ver a antiga distincção em M.
Freire, I. J. C, tit. 8.°, § 2). N. do trad.
90
TRATADO DE DIREITO PENAt
riores hierarchicos (art. 196)' (^ A legislação hS
perial «nflo admittio porém o delicto por offensaj da
honra official» oriundo do direito commum e que se
encontra no cod. prussiano.
O processo da injuria depende, não de queixa, mas
de autorisação 43), quando a injuria é com-mettida
contra alguma das assembléas legislativas] do Império
ou de um Estado do Império (*) ou contra um outro
corpo politico (art. 19*7).
Quando as injurias são reciprocas, o prazo da
queixa pôde soífver alteração nos termos do art. 198 do
G. p. Si uma das partes queixa 90, nota 1), a
outra, sob pena de perder o seu direito, deve queixar-
se, o mais tardar, até terminarem os debates na
primeira instancia, mas assiste-lhe o direito de fazel-o,
ainda quando nessa época tenha decorrido o prazo
dos três mezes.
III. Retorsfio (art. 699). Si a injuria foi
retorquida em acto continuo, o juiz pôde isentar de
pena ambas as partes ou somente uma delias (§ 72,
Hl), (")•
(*) Ver sobro o conceito da autoridade o 5} 170, sobre o do
funccionario publico o art. 159 do Cp., e sobro o de ministro de um
culto o art. 121. 3STo caso do art. 195, como no do art. 196, regula,
quanto á qualidade do injuriado, a epocha da injuria e, quanto a da
pessoa competente para dar queixa, a epocba do offerecimento desta
(Divergentes em parte Olshausen, § 196, 5, Stenglein, G S., 42.°, 79,
bem como o Trib. do Imp. nas doe. de 18 e 25 de Fev. de 89, 19.°, 28).
Vários superiores, quer da mesma categoria, quer entre si
hierarchisados, o competentes simultânea e independentemente para
dar queixa.
(*) Pertencem a este numero o o Reichsiag e o Bundesrat,
mas também a delegação da Alsacia-Lorena, bem como os senados e
as assembléas legislativas das cidades banseaticas.
(
b
) Injurias reciprocas não significam pois a mesma cousa que
reiorsão ou compensação de injurias. Para a reciprocidade não se
DBLIOTOS CONTRA A HONRA M
IV. Nos casos dos arts. 186 e 187 (e não no
caso do art. 185), quando a injuria prejudica a fortuna,
a industria ou a carreira do injuriado, o tribunal pôde, a
requerimento deste, impor uma multa privada até 6000
marcos. Neste caso o offen-dido não poderá obter mais
outras perdas e interesses.
Além da multa privada, a lei (art. 200) admitte
na injuria duas outras fórmas de satisfação privada
(§58,1,1.°): I
1.°, a expedição da sentença condemnatoria ao
offendido á custa do condemnado (prescripta era todos
os casos) (
5
);
I 2.°, o direito conferido ao injuriado (isto é, a quem
deu a queixa ou propoz a accusação privada) (
s
) de
publicar a sentença condemnatoria (e não sim-
plesmente o dispositivo delia) á custa do condemnado.
--------- -*•
exige que as injurias se sigam uma á outra immediatamente no tempo,
nem mesmo que entre ellas haja uma relação causal ou de facto (este
ultimo ponto porém é objecto de duvida). No caso de retorsão, pelo
contrario, a injuria recebida deve ser respondida em acto contínuo, isto
é, sob a impressão immediata resultante do insulto, e não quando a
calma se tenha restabelecido. A simples reciprocidade de injurias
não tem outro effeito senão au-torisar o offensor que é accusado a
propor uma acção de reconvenção no prazo indicado no art. 428 do C
do pr. p. ali., embora se ache esgotado o prazo dos três mezes para a
queixa. O effeito da retorsão em acto continuo é habilitar o juiz a
declarar isentos de pena ambos os offensores ou um delles. Note-se que
não pôde o juiz, neste caso, moderar simplesmente a pena quanto ao
género ou quanto ao gráo, como faculta o art. 233 do C. p., quando se
trata da compensação de offensaa physicas leves com injurias ou vice-
versa. N. do trad.
(•) Ambas as questões são muito controvertidas. De accordo
Olshausen, \ 200, 6, 14, bem como o Trib. do Imp. na dec. de 24 de
Set. de 86, 14.°, 827.
02 TÊATADO DE MBEITO PENAL
Esta satisfação tem logar nas injurias commet-
tidas publicamente ou por divulgação de escriptos,
imagens ou representações, qualquer que seja o género
da injuria. O modo e o prazo da publicação o
prescriptos na sentença. Si a injuria foi feita em um
jornal ou em uma publicação periódica, o dispositivo
da sentença será, a requerimento do offendido,
publicado nos jornaes, e, sendo possível, | no mesmo
jornal ou periódico e na mesma secção e com os
mesmos caracteres da publicação da injuria (
c
).
) Nas injurias publicas (conimettidns por divulgação de escriptos,
imagens e representações), o art. 200 do C. p. ali. prescreve que o juiz,
quando condem nar o offensor, autoiise no dispositivo da sentença o
offendido (embora este o o peça) a publicar a sentença á custa do réo.
Ao juiz cabe determinar o modo e o prazo da publicação, e portanto
declarar si a sentença será publicada com ou sem os respectivos
considerandos, uma ou varias vezes, em um ou em vários jor-| naes etc.
Si se trata de injuria impressa em jornal ou revista, o dispositivo da
sentença será, a requerimento do offendido e á custa do offensor,
publicado nas folhas publicas e, sendo possível, no mesmo jornal ou
revista (o que será promovido pelo próprio tribunal). Quanto á
expedição de uma cópia da sentença ao offendido á custa do offensor,
diseute-se si esta medida tem cabimento em todos os casos de injurias
ou si somente nas injurias publicas. N. do trad.
II.—CRIMES Já DELICTOS CONTRA A LIBERDADE
INDIVIDUAL
| 97. — Idéa dos crimes contra a liberdade
LITTEBATUBA.—Bruck, Zur Lehre von den Verbrechen
gegen die WUlensfreiheit, 1875 ; Kõstlin, monograpbias
(1858), 417; Villnow, G A., 24?, 104; Geyer, HH, 39, 557;
Hãlschner, 2?, 117 ; Scbuabel, TJéber die notiyende-Geivait,
diss., 1889; Knitschky, GS., 44? 249.
I.— Liberdade pessoal no sentido do direito penal é o
interesse individual juridicamente protegido que consiste
na livre manifestação da vontade. E' liberdade de acção, e
não mero livre arbítrio; o constrangimento para que
alguém tolere alguma cousa é também ofFensa á liberdade
(*).
('•) Por liberdade pessoal, diz Geyer, HH, 3.", 568, entendemos a
liberdade de dispor dos movimentos do nosso corpo, e portanto de
fazer ou deixar de fazer alguma cousa segundo a nossa própria von-
tade. Não é pois correcto considerar (como fazem Haberlin, Hâlscbner,
Kõstlin e outros) os crimes contra a liberdade como crimes contra o
livre arbítrio (ou a liberdade psychologica), pois trata-se somente de
um attentado contra a liberdade de manifestar externamente a vontade,
de agir ou deixar de agir n'essa conformidade. D'ahi infere-se que a
intenção de pôr alguém em uma situação de privação do livre arbítrio e
consequentemente de não imputabilidade ou que a realisação de tal
intenção não é certamente um característico da idéa do crime contra a
uberdade pessoal. N. do trad,
94 TRATADO DE DIREITO PENAL
A liberdade individual pôde ser offendida sob
tantas fórmas independentes quantos são os diversos
modos do seu exercício; mas no sentido estricto da
expressão não se pôde denominar crimes contra a
liberdade aquelles que limitam ou supprimem a
liberdade individual como meio para a offensa dej
outros bens jurídicos. Assim o roubo e a extorsão
constituem crimes contra o património; constranger um
funccionario publico a praticar um acto official é
resistência contra o poder publico ; o rapto, segundo a
sua natureza e o seu desenvolvimento histórico, e
apezar da concepção contraria do nosso] C. p., é crime
contra a moralidade. Impedir o exercício de actos
religiosos é delicto « que se refere á religião »; impedir
o exercício do direito de eleger e de votar é crime « que
se refere ao exercício dos direitos políticos». D'est'arte
a offensa da liberdade individual caracterisa-se no
direito penal pela sua] importância supplementar,
subsidiaria. A perturbação da paz jurídica porém (a
ameaça) e a violação da paz domestica dirigem-se
desde logo contra bens, cuja distincção da liberdade
individual é desejável tanto para a sciencia como para a
administração da justiça.
II.— Offensa á liberdade, como livre manifes-
tação da vontade, pôde ser:
1.°, o impedimento opposto a que a vontade se
exerça segundo uma certa direcção ou a coacção para
que se exerça segundo determinada direcção
('constrangimento J ;
2.°, o impedimento opposto á livre locomoção j
((sequestrnção da liberdade) ;
3.°, a sujeição de uma pessoa ao poder physico de
outra (rapto de homem, de que é uma subdivisão j o
trafico de escravosJ.
III.— Prescindindo-.se da tentativa impossível,
não se pôde dar a possibilidade de unia acção pu-
CRIMES B DELIOTOS CONTRA A LIBERDADE 95
nivel, quando o individuo atacado não gosa, em virtude de
razões jurídicas ou de razões de facto, do bem jurídico que
se pretende offender. Assim como o cego o pôde ser
privado da luz dos olhos ou o miserável não pôde ser
roubado, também o pôde ser constrangido quem é
incapaz de manifestar a sua vontade em geral ou segundo a
direcção de que se trata. Ninguém falará em livre
manifestação da convicção religiosa, em livre exercício do
direito politico de eleger e de votar, e consequentemente
em offensa de taes bens com relação a creanças envoltas
em cueiros.
A sequestraçâo da liberdade suppõe egualmente que a
pessoa atacada é capaz, por si ou pedindo o auxilio de
outrem, de mover-se no espaço ; o individuo accommettido
de um espasmo, ou mergulhado em profundo somno, o
menino surdo de nascença e que não pode fazer-se
entender por signaes, não pode ser privado da sua
liberdade.
E' bem diverso o caso no rapto de homem. B IV.—
Os meios, pelos quaes a liberdade pôde ser oífendida,
são:
B 1.°, a violência, isto é, o emprego de força phy-sica para
sobrepujar uma resistência relevante, quer seja esta opposta
por um individuo, quer por um objecto. A violência é
sempre acção violenta sobre a matéria, é sempre meio
material, e nunca, considerada em si, acção sobre a vontade
ou coacção. Sem duvida, a violência deve ser meio para
fim, isto é, deve servir para influenciar o exercício da
vontade da pessoa a violentar j mas não deixa por isso de
ser força physica brutal. Assim, a violência pôde ser
applicada immediatamente contra o corpo da pessoa que se
quer violentar (violência á pessoa) ^ e pôde dirigir-se ao
seu fim mediatamente (violência contra a pessoa). Isto é
possível: 1.°, pela violência feita a terceiros, por exemplo,
ao conductor do cego;
96 TRATADO DE DIREITO PENAL
2.°, por violência feita a cousas, por exemplo, des-
truição de um passadiço, de uma carruagem de viagem,
subtracção dos remos de um barco, tirar| dos gonzos
portas e janellas para obrigar os moradores a largar a
casa (
l
). A violência é irresistível j (art. 52 do C. p.),
quando impossivel é oppor-lhe resistência.
2.° A ameaça, isto é, a perspectiva de um mal que
supprima ou restrinja a livre manifestação da vontade.
Como mal pôde ser considerada a cobrança judicial de
uma divida, a denuncia dada ao ministério publico,
uma communicação ao parente, uma publicação pela
imprensa etc. Considerada em si, a causação do mal
pôde ser conforme ou contraria ao direito; a promessa
de uma acção punivel é apenas uma das espécies
da ameaça. A modalidade mais grave é a ameaça de
um perigo actual para o corpo ou vida. Não é
necessário que a ameaça seja séria, isto é, que
quem a faz pretenda executal-a ou que a execução
seja possivel \ (ameaçar enfeitiçar, ameaçar com uma
arma descarregada) ; ella, porém, deve parecer séria ao
ameaçado, de sorte que seja apropriada a actuar sobre a
reso- j lução d'este, e o agente deve ter consciência
de que a sua ameaça produz tal effeito. Também a
| ameaça deve ser sempre dirigida contra a pessoa,
cuja liberdade se pretende coagir, deve ser destinada
e própria a influenciar o exercicio de sua vontade;
mas não é necessário que o mal, destinado a exercer tal
influencia, affecte immediatamente a pessoa de que
se trata,—pôde ser dirigido contra j cousas. A
ameaça pôde ser enunciada expressamente ou por
gestos (levantar o braço, apontar a
(
l
) Também nestes dois casos deve a violência ser sentida pnysi
camente pelo constrangido (doe, do Trib. do Imp. de 9 de Abril de 90,
20, 854).
CRIMES E DELICTOS OONTEA A UBERDADE 97
arma etc.). A possibilidade da fuga ou da resistência
não exclue a idéa de ameaça (
2
). 2j
P 3."—O artificio (
3
), o qual consiste em enganar
outrem sobre a importância da acção como causa, e
portanto em suscitar ou alimentar um erro em outrem,
phantasiando-se, desfígurando-se ou supprimindo-se
factos. Também o artificio pôde ser dirigido contra
terceiros; pôde, por exemplo, induzindo em erro o
funccionario publico ou o director de um hospício de
alienados, servir de meio para a sequestrarão da
liberdade (*).
§ 98. Historia dos crimes contra a liberdade
LITTEEATUBA sobre o trafico de escravos. Gareis, HV.,
29, 553. Fuld, GS., 429, 35, v. Martitz, Archiv fiir Òfenfl.
Éeckt, 19, 3. Leutner, Der Schwartze Koãex (o trafico de
escravos africanos, o acto geral de Bruxellas de 2 de Julho
de 1890 e o plano das suas medidas para a repressão do
trafico criminoso, 1891).
I.—A concepção dos crimes contra a liberdade
que acabamos de expor, e sobretudo o preciso assi-
gnalamento da liberdade individual como bem júri-
(*) Cumpre lembrar que a violência, quando está em perspectiva
a sua continuação, constituo ao mesmo tempo uma ameaça.
(
3
) Não se distingue essencialmente da fraude e do ardil. NSo
pensa assim Olshausen, g 234, 2.
(*) Suscitam dificuldades o torpor, a embriaguez, a narcotisação,
a hypnotisação etc. Taes meios o considerados sempre como artifici
por Hâlschner, 2.°, 243, Olshausen, g 234, 6, Schutze, 417, nota 9?, e
sempre como violências por Binding, Normen, , 626, nota 766, Herbst,
\(i A, 26.°, 49, v. Lilienthal, Z, 7.°, 878, v. Meyer, 684, nota 18. Correcto
é somente distinguir entre o estado de torpor produzido por violência
(golpp sobre a caba), por amea (coagir a aspirar cbloroformio) e o que
é produzido mediante artificio (engano sobre o efleito). Neste sentido
também Schnabel, 30.
T. n 7
98 TRATADO DE DIREITO PENAt
dico do cidadão, são essencialmente de origem mo-j
derna. O crimen vis dos Romanos, com que a legis-
lação se occupou desde o fim da Republica em razão
das commoções internas (lei Plotia, 665 a. u., as leis de
Pompeu, César, Augusto), apezar da dis-tincção
vacillante entre a vis publica e a vis privataA teve
sempre caracter politico; por sua natureza intima, é
perturbação da ordem publica, ainda quando o
attentado se dirija contra particulares? Outro tanto
póde-se dizer da vioiatio pacis publica? do direito;
allemão. A' Carolina é estranha a idéa do crime contra
a liberdade, e o direito commum não foi além de uma
incertíssima e confusa applicaçao do crimen vis (
b
).
O direito romano posterior (O. 9, 5, de prívatis
carceribus inhibenâis, Zeno, 486) considerou a seques-
trarão como offensa aos direitos soberanos do Estado e
deste modo influenciou a legislação territorial da
Aliemanha até muito depois de entrado o século XIX
(a Thereziana fala ainda em cárcere privado).
No direito romano o rapto de homem fplagiumj \
se tornou crime independente, quando uma lex
Fobia (D. 48, 15, C, 9, 20), deoretada depois da guerra
federal, comminou pena especial contra a re-ducção de
pessoa livre á escravidão ou do escravo ao poder do
delinquente. Constituições imperiaes posteriores
aggravaram as penas a principio brandas; Constantino
comminou mesmo a pena de morte. A edade média
aliemã punia o rapto de homem nas leis barbaras
(por ex., a lex Bib., 16, vender para além das
fronteiras), impondo o wergeld em toda a, sua
plenitude ou mesmo um múltiplo do wergeld, e
(M Sobre o crime de «assuada ou Força simples» em Portugal
ver a Ord. Aff., 1. 5. tít. 45, Man., t. 51, Phil., tít. 46, e o interessante
commentario de M. Freire ao 1.16 do seu C. Crim. Sobre cárcere pri-
vado, a Ord. Aff. 1. 5, t. 92, Man., t. 68, Pb.il., t, 95. K. do trad.
ÍTfcIMES E DELICT08 CONTRA A LIBERDADE 99
posteriormente também a pena de morte, pois as fontes
ora equiparavam o capturar homem ao homicídio (Bsp.
da Sax., II, 13, 5), ora designavam e tratavam esse
crime como furto gravíssimo (Esp. da Suab., 227). No
silencio da Carolina o direito commum teve de voltar
ao direito romano, mas in-dividualisou de um lado o
rapto de infante, e de outro a alligiaçâo ou plagium
milifare, como casos qualificados, e ás mais das vezes
ameaçados com a pena de morte. Faltou porém uma
clara concepção de principios até depois de começado
o século passado ; ainda J. S. F. Bohmer (e egualmente
o direito bavaro de 1751) tratava o rapto de homem
como caso de furto.
II. Assignala uma nova orientação o AUg.
Lanãrecht prussíano, art. 1677: «quem detiver por
violência, sequestrar ou forçar um homem a fazer
alguma cousa contra a sua vontade.........» Desfarte
e de accordo com a concepção da primitiva edadel
média alle (o ligare das leis barbaras), não sói
consideravam-se a detenção e actos análogos como
attentados contra a liberdade do individuo (cap. 13 —«
das offensas á liberdade»), senão também fir-mou-se
claramente pela primeira vez a idéa do
constrangimento. O movimento scientifico (Grolmann,
Feuerbach, Tittmann) obedeceu a este impulso, e
assim a separação entre o bem jurídico da «liberdade
individual» e o da «paz publica» ficou' sendo uma
acquisição imperecível para a legislação moderna.'
III. A campanha contra o trafico de escravos
negros nos mares públicos {la traite des noirs) co
meçou pelos fins do culo passado (Wilberforce, 1759-
1833) e foi iniciada pela Inglaterra mediante tra
tados e leis (cessação do trafico pela lei de 1807,
cessação da escravidão pela lei de 1833, em vigor
desde 1843). Nos congressos de Vienna, 1814-1815,
e de Verona, 1822, as potencias ahi representadas
100 TRATADO DE DIREITO PENAL
declararam que o trafico de escravos era offensivo ao
direito internacional da Europa; mas apenas alguns
estados deram a esta declaração a necessária sancçao
por meio de disposições penaes, como a Áustria
pelo decreto de 1826 (art. 95 do C. p. de 1852), a
França pela lei de 4 de Março de 1851. Veio dar novo
impulso ao movimento o tratado de quintupla
alliança de 20 de Dezembro de 1841 concluído
entre a Inglaterra, a França, % Rússia, a Áustria, e a
Prússia, mas não ratificado pela França, ao qual
adherio o Império da Allemanha, substituindo a
Prússia, pelo tratado de 20 de Março de 1877 celebrado
com a Inglaterra. Entraram também a exercer a sua
actividade legislativa os Estados da Allemanha; a
ordenança prussiana de 8 de Julho de 1844, as leis
de Bremen, Hamburgo e Liibeck (1837), do
Mecklenburg-Schwerin (1846), do Olden-burg (1876)
comminaram contra o trafico penas em parte
realmente severas. Pelo acto de Berlin relativo
ao estado do Gongo de 26 de Fevereiro de 1885 e
especialmente pelo acto geral de Bruxellas de 2 de
Julho de 1890 a campanha foi levada dos mares
públicos ao continente africano afim de ata-car-se o
trafico nas suas raizes —a caçada de escravos.
O direito allemão em vigor (') não offerece o
necessário apoio para a luta contra o trafico. As leis
territoriaes acima mencionadas não tem applicação
nos paizes sob o protectorado da Allemanha. O direito
autonómico de regulamentação em matéria penal que
compete ao imperador e ao chanceller do Império com
relação aos territórios sob o protectorado
(') Sobre a legislação estrangeira cons. o confronto organisado na
secção colonial do minisrio das relações exteriores (1891). Accrescen-
tem-se a lei turca de 4 e 16 de Dezembro de 1889 e a belga de 8 de
Julho de 1898,
CEGUES E DELIOTOS CONTBA A LIBERDADE 101
16, nota 4) é completamente insuficiente. O facto
do trafico não incide no art. 235 do C. p. E' porém a
seguinte circumstancia que sobretudo impede o
procedimento criminal contra a caçada de escravos: o
facto passa-se no interior da Africa, é portanto
praticado no estrangeiro e sob certas condições
pôde ser punido no pais 12, IV). Assim não se
faz sentir a necessidade de uma lei imperial es* peei
ai, confb está de antemão indicada a sua matéria. E'
para lamentar que o projecto oíBcial de 1890-1891,
apezar dos seus graves defeitos technicos, não tenha
sido convertido em lei (").
B § 99 Do constrangimento
L LITTEKATUBA. Geyer, H H., 3.° 567, Hálschner, 2.°,
118.—Ao n. V, Hílse, G A., 37.°, 277; Meves, G A. 40.° 265;
Stieda, HSt, 4.', 690; Bòninger, Die Bestrafung ães
ArbeUsvertragsbraclis 189J, p. 27; Lõwenfeld, Archio fur
soziale Gesetzgébung, 3.° 383 ; Appelius, 3ÍG, 886.
I.— Constrangimento, segundo o art. 240 do C.
p., é a ofensa da liberdade pessoal em uma determinada
direcção da sua manifestão', é portanto a coacção
exercida mediante violência ou a ameaça de um crime
ou delicto para obrigar alguém a praticar ou a deixar
de praticar uma certa acção, ou a tolerar que tal acção
seja praticada. A tolerância é uma espécie da
abstenção ; na ídéa genérica da abstenção
comprehendem-se a tolerância e a abstenção em
sentido estricto, as quaes se distinguem em que esta
assenta sobre a vontade, e aquella sobre a ne-
cessidade. Assim a abstenção, mas não a tolerância,
suppõe uma resolução, embora coacta (coacção para
(•) E' a lei de 28 Julho de 1895 (betr. die Bettrafung des
Sklavenruubes und des Sklavenhandels). N. do trad.
102 TBÀTADO DE DIREITO PEJTAt
ouvir proposições impudicas). Nestes delictos a exi^
gencia da queixa foi abolida pela Novella de 1876;
II. — Segundo a lei, os meios para o emprego)
do constrangimento são:
1.°—a violência (§ 97, IV. 1.°); fl
2.° a ameaça 97, IV, 2.°) e, na verdade, a
ameaça de um crime ou delicto.
Além da violência e da ameaça, a lei não menn
cionou como meio adequado o artificio. Hão se pôde
pois considerar como bastante para dar-se o con-
strangimento o emprego de artifício. A' sujeição da
vontade não equivale de um modo absoluto a captação
do consentimento, á subjugação o engano.
I1T. O constrangimento é punível, quando
illegal, isto é, quando o objectivo do constrangimento,
ou o meio empregado ou um e outro são injuridicos.
Assim o constrangimento deixa de ser illegal,
quando o agente estava autorisado não (1.°) a exigir
a acção, a abstenção ou a tolerância em questão, senão
também (2.°) a empregar o meio coactivo de que fez
uso, e portanto a empregar a violência ou a fazer a
ameaça de actos, que, sendo praticados sem uma
autorisação especial, constituiriam crimes ou delictos
(*). Pôde pois incorrer nas penas da lei o
constrangimento para a abstenção de uma acção
inimoral e até de uma acção punível (
a
).
(') De aecordo a opinião commum. Heste sentido, por exemplo,
Olshausen, $ 240, bem como a jurisprudência firmemente estabelecida
do Trib. do Imp.; e também em substancia Kronnecker, GS., 32.°, 60 e
Z, 3.° 368. Contra, Bruck, 57, e John, Z, 1.°, 222, que apenas referem o
«illegalniente» da lei aos fins do constrangimento. O caso do
constrangimento é muito diverso do da extorsão (C. p. 653, adiante] l
140), em que qualquer ameaça basta, e portanto a ameaça de males que
o promittente tem o direito de causar.
(*) Segundo as regras da grammatica, o «illegalmente» do art. 240
do O. p. ali. (que qualifica o constrangimento) refere-se aos meios de
CRIMES E DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 103
Como o legislador contempla excepcionalmente
no art. 240 a ilegalidade como circumstancia con-
stitutiva do delicto, si o agente suppõe erroneamente
ser legal o acto, fica isento de pena (§ 40, nota 4*) ;
mas não é necessário que tenha conhecimento de
serem os actos por elle promettidos punireis como
crimes ou delictos.
IV.— O constrangimento consuma-se, segundo
o C. p. (os* cod. territoriaes variavam), com a acção, a
abstenção ou a tolerância coagida. A tentativa e
coacção; mas Kronnecker e John ponderam que, com quanto se possa
distinguir entre a violência illegal e a não illegal, o se pode fazer
mesma distracção quanto á « ameaça de um crime ou delicto » V\ que é
sempre injuridica. D'abi concluio Kronnecker qtie o «illegalmente» refere-se
somente á violência, ao passo que John e outros entendem que esse
adverbio refere-se aos fins do constrangimento. Segundo a
opinião commum, o caracter delictuoso do constrangim'ento está na
-illegalidade dos meios coactivos que foram empregados, pouco
importando para a existencia do delicto que a acção coagida seja ou
não licita, punivel ou não punível, proveitosa ou prejudicial ao
constrangido, ou mesmo que o forçador tenha direito ao acto a que
coagio. A ameaça de um crime ou delicto o é necessariamente
illegal, entendendo uns que a lei allude ao caracter objectivo da acção, e
outros que da punibilidade da ameaça realisada não se segue que a
ameaça não realisada seja punivel. O autor aceita uma e outra
interpretação que na verdade não se excluem, admittindo que a
illegalidade tanto pode estar no meio empregado como no fim a que
tende a coacção.
A illegalidade do constrangimento é excluida pela legitima defesa;
fora deste caso, não se pôde considerar isento de pena o constrangi-
mento que tenha por fim impedir um acto illegal ou mesmo punivel.
Assim, segundo H. Meyer, é constrangimento punivel impedir por
meio de violência que alguém se suicide. Em semelhantes casos porém,
observa Olshausen (g 240, 11 e 12), faltará frequentemente a con-
sciência da illegalidade, que é necessária para a existencia do dolo no
delicto em questão.—So nosso direito (art. 180 do C. p.) ambas as ques-
es encontram fácil solução na clausula —«jé impedindo de fazer o que
a lei permitte, obrigando a fazer o que «Wa não manda». N. do trad.
|
i»
^
I
104 TRATADO DE DIREITO PENAL
punível, e começa com o emprego da violência ou da
ameaça, como meio para obrigar á pratica da acção, á
abstenção ou á tolerância.
Penas: encarceramento até um anno ou multa até
600 marcos.
V.— A liberdade de trabalho, como faculdade
de concluir ou desfazer contractos livremente em
matéria de trabalho, envolve a liberdade de coneerA
tarem-se os indivíduos entre si para pmcederem em\
commum de certo modo. De accordo com este prin-f
cipio a legislação da segunda metade do século XIX (lei
sobre a industria, art. 152) reconheceu a liberdade de
coalisão e abolio as penas que anteriormente tinham
sido comminadas contra taes concertos; sujeitou,
porém, a penas especiaes a coacção para obrigar
alguém a tomar parte em uma coalisão (mas não
para obstar que alguém nella tome parte), bem como a
coacção para impedir que alguém saia da coalisão (mas
não para obrigar a que nella permaneça) .
O art. 153 da lei sobre a industria dispõe: c quem,
por coacção á pessoa, por ameaças, injurias (C. p., art.
185 a 187) ou declaração de interdicção, determinar ou
tentar determinar outrem a tomar parte em coalisões
ou a prestar obediência a coalisões, que tenham por
fim a obtenção de maior salário ou de melhores
condições de trabalho, prin-cipalmente mediante a
suspensão do trabalho ou a despedida de
trabalhadores, ou quem por eguaes meios impedir ou
tentar impedir que alguém se retire de taes coalisões,
será punido com a pena de encarceramento até 3
mezes, si a lei penal ordinária não comminar pena
mais grave».
Gomo se vê, a lei trata formalmente em de
egualdade os patrões e os operários. E' necessário que
a coacção seja feita á pessoa, não bastam violências
contra as cousas, como a destruição de
CRIMES E DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 105
instrumentos, o entulhamento de poços. A lei amplia - os
meios adequados á pratica do constrangimento ; mas
neste numero não entram os meios que tenham sido
ajustados pelos interessados, como multas, perda da
qualidade de sócio etc. A pena da tentativa é ' a
mesma do crime consumado. O Reichstag rejeitou I com
razão as comminações penaes do proj. de 1890, que eram
muito mais rigorosas e sem imparcialidade recahiajn
somente sobre os operários.
§ 100. — Da sequestração da liberdade
LITTERATURA. Geyer, HEL 39, 587: Hàlschner.
29, 133.
I. — Sequestração da liberdade é a suppressão
completa, comquanto transitória, da liberdade de
locomoção, e portanto da faculdade de escolher o logar
de residência, o que presuppõe a possibilidade de
movimento (§ 97). Distingue-se do constrangimento
em que não é coacção para a pratica de uma acção
determinada, ou para uma determinada abstenção ou
tolerância (
a
).
() Não se pôde pois reduzir o facto constitutivo deste delicto á
prisão ou detenção illegal de uma pessoa em um logar dado. O interesse
que o direito nesta parte protege é o «da livre locomoção e livre escolha
da residência»: tão punivel é, sob este ponto de vista, a detenção de um
individuo em um logar determinado, quanto, por exemplo, a sua
remoção forçada de um logar para outro e qualquer outro attentado
contra a livre disposição da pessoa no concernente á sua locomoção e
residência. Assim o art. 239 do G. p. ali., depois de mencionar o
encarceramento, acerescenta a clausula geral —ou privar alguém por
outro modo da liberdade individual.— Não pertencem porém a esta
categoria de deliotos os actos que, como bem observa Merkel, excluem,
não uma determinada manifestação da vontade naquelle sentido, mas a
liberdade mesma de deliberar — por exemplo, causar a embriaguez
completa de alguém. N. do trad.
106 TRATADO DE DIREITO Í>ENAÍ
De accordo com o desenvolvimento histórico do
crime, a lei (art. 239 do C. p.) individualisa como caso
principal a prisão, isto é, a detenção em um recinto,
seja por meios mechanicos, seja mediante suscitação
ou utilisação de idéas que tolham a locomoção (medo,
vergonha, sugestão hypnotica). Não importa que o
logar tenha uma ou mais sabidas, si estas (como o
agente sabe) são desconhecidas ao preso ou acham-se
guardadas pelo aggnte ou pelos seus auxiliares. Como
casos de sequestração da liberdade podem ser
apontados: a detenção em um hospicio de alienados,
em um claustro, em um bordel, o facto de amarrar e de
encadear, de tirar a escada por onde álguem desceu a
Um poço pro-| fundo, de pôr em estado de torpor ou
em estado hypnotico. Também é circumstancia
constitutiva deste crime a illegalidade ; é pois
necessário que o agente tenha consciência de que o
acto é illegal (§ 49, nota 4.").
II. O C. p. não enumera no art. 239, como fez
na definição do constrangimento, os meios aderj
quados á pratica do crime em questão. D'ahi se-| gue-se
que não a violência ou a ameaça de um crime ou
delicto, senão também todos os meios em geral
apropriados a influir sobre a liberdade de acção de
outrem, são adequados para a sequestração da
liberdade. Isto é especialmente verdade a respeito do
artificio 97). Somente quando o procedimento do
individuo privado de liberdade apre-senta-se como acto
seu, livre e doloso, é claro que não se trata mais de um
crime.
O crime consuma-se com a suppressão da liber-
dade, A sequestração prolongada e crime continuo. A
prescripção não de pois começar a correr senão
depois que tal situação tenha cessado (§ 77, nota 4.*).
CRIMES E DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 107
III. — Penas:
a) no caso simples, encarceramento de um dia até
5 annos;
b) si a sequestração prolongou-se por mais de
uma semana, ou si do facto mesmo da sequestração ou
do tratamento dado á victima durante essa situação,
resultou uma grave offensa physica, reclusão até 10
annos; occorrendo circumstancias attenuantes,
encarceramento por tempo não inferior a um mez;
c) si das circumstancias mencionadas sob b
resultou a morte do offendido, reclusão por tempo não
inferior a 3 annos; occorrendo circumstancias
attenuantes, encarceramento não inferior a 3 mezes.
Nos casos mencionados sob as lettras b e c a
tentativa é punivel, quando o resultado (morte ou
offensa physica) proveio da acção tentada 45, nota
8.*).
§ 101. — III. Do rapto de homem
LITTERATURA. Dobbelmann, De crimine plagii, 1866;
HálBChner, 2.% 137 ; Knitschky, G S., 44.°, 249.
I. Rapto de homem é a usurpação de poder
physico immediato sobre um homem. No facto de
apoderar-se o agente de um homem está a diffe-rença
entre o rapto de homem e a exposição 91); o
primeiro delictò é offensa da liberdade, o segundo
periclitação da vida. O crime em questão compre-
hende dois casos: 1.°, o rapto de homem propriamente
dito; 2.°, o rapto de menor (').
(") Menschenraub, crime correspondente ao plagium dos Roma-
nos (D. 48, 15, C. 9, 20), que consistia na reducção de pessoa livre á
escravidão e no furto de escravo. Sendo inapplicaveis as novas rela-
ções as disposições do direito romano sobre o plagiwm, Jeuerbacb,
baseando.se no recessum imperii de 1612, ampliou o conceito deste
108
TRATADO DE DIEEITO PENAL
II. Dá-se o rapto de homem propriamente
dito (art. 234), quando alguém, por violência, ameaça
ou artificio, apodera-se de um homem para deixal-o
ao abandono 91) (
b
), ou para reduzil-o á escra
vidão ou servidão, ou para sujeital-o ao serviço
militar ou marítimo estrangeiro (
c
). 9
crime e assim o definio: « o facto de apossar- alguém te
(por artificio ou violência) de um homem, no intu«*o de dispor delle
arbitrariamente para um fim qualquer » (isto é, no intuito de « ar
o raptado em uma situação em que dependa do arbítrio alheio »). Com
esta generalidade o crime comprehendia a escravidão, a servidão, a
alliciação, e «delle se podiam fazer culpados os saltimbancos, os
mendigos, que furtassem meninos para empregal-os nas suas artes ou
com elles mendigar, os que furtassem os filhos de hereges para colló-
cal-os em institutos orthodoxos, os roubadores, que raptassem homens
para extorquir o preço do resgate etc. » (Trat., § 262 e seg.) O rapto
1
de
homem e o rapto de menor, derivados assim do plagium, figuravam nos
cod. territoriaes da Allemanha, inclusive o prussiano, donde passaram
para o C. p. imp. N. do trad.
(
b
) Jn hútfloser Lar/e auszusetzen. E' difícil, diz Geyer, exco-
gitar um caso em que, a não ser por expatriação, um homem, que não é
incapaz de valer-se pela sua edade juvenil, debilidade ou enfermidade
(pois neste caso dar-se-hia o crime do art. 221 do C. p.), pôde ser
considerado como deixado ao abandono. Ooltdammer figura o caso de
ter logar o abandono nas montanhas, cujas sabidas o abandonado
ignora, e, segundo parece, exige em geral, perigo para a pessoa ou para
a vida. Mais correctamente explica Hãlscbner que uma pessoa se acha
em estado de abandono no sentido da lei, quando ó levado para fora da
pátria, do logar onde encontrava os meios de subsistência, e é
abandonado em outro donde a volta á pátria lhe é impossível, pelo
menos temporariamente. Em todo caso a idéa 6 vaga e ampla e não se
explica por que razão o abandono de um adulto, que não é débil nem
enfermo, deva ser punido como a exposição de um infante, de uma
pessoa débil ou enferma, ainda quando dessa exposição resulta uma
grave offensa physica I (H H., 8.°, 601;. N. do trad.
(•) Segundo Olshausen (g 234, 8), o vocábulo «estrangeiro», de
que a lei se serve, contrapõe-se a « paiz natal», pelo que o crime
CRIMES E DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 109
A intenção (no sentido de motivo) (*) declarada
na lei é circunstancia constitutiva do crime. Fins
equivalentes, como, por exemplo, a entrega do raptado
a um bando de ciganos ou a uma companhia de
saltimbancos, não bastam. O crime consuma-se com a
obtenção (positiva) do domínio sobre o raptado ; a
tentativa começa com o attentado (negativo) contra a
liberdade individual. O rapto de homem é crime
continuo, dura emquanto se prolonga o domínio
obtido; n'esta conformidade determina-se o começo da
prescripção.
Penas: reclusão de um até 15 annos.
III.— Dá-se rapto de menor (art. 235), quando
alguém, por violência, ameaça ou artifício, subtrae um
menor a seus pães (
2
) ou a seu tutor. Atacada é a
liberdade individual do menor; mas a faculdade de
dispor do bem jurídico em questão não pertence ao
menor, e sim aos pães ou ao tutor. Assim o con-
sentimento d'estes exclue a illegalidade do facto, ao
passo que o do menor é indifferente. Si o menor
mesmo foge, não se dá rapto. A menoridade deter-
mina-se segundo a nacionalidade do raptado, ou, si
elle não a tem, segundo o direito privado do Estado
onde reside (
d
).
pôde ser commettido mesmo na Allemanha. Também não é necessário
que « o serviço militar ou marítimo estrangeiro » seja o de um Estado:
o crime é frequentemente commettido, sujeitando-se marinheiros da
marinha imperial ao serviço de um navio mercante estrangeiro. N. do
trad.
(') Em sentido contrario Binding, Normen, 2.°, 602, Olshausen,
? 284, 6.
(*) Inclusive os pães adoptivos ou de creação, mas o os avós
ou o sogro e a sogra.
(
d
) Alguns criminalistas (notavelmente Olshausen, } 235) con-
sideram o rapto de menor como crime que propriamente se dirige contra
«o direito de educação e de inspecção» pertencente aos pães e tutores,
110
TRATADO DE DIREITO PEIÍAL
Também podem ser autores os pães (legítimos oti
naturaes) e o tutor do menor, quando lhes é retirada a
vigilância sobre este ou essa vigilância não lhes
compete exclusivamente.
O rapto de menor consuma-se, logo que cessa o
poder de quem d'elle está legitimamente investido e se
firma um poder estranho (
8
); a tentativa começa com a
primeira d'estas duas phases.
Penas: normalmente, encarceramento ; si o agente
pratica o facto na intenção (no sentido de motivo) de
servir-se do menor para a mendicidade ou para fins
lucrativos (isto é, tendentes á obtenção de proventos
pecuniários) ou immoraes, reclusão até 10 annos. O
menor não pôde ser punido como cúmplice; é pois
isenta de pena a assistência que elle preste para o seu
próprio rapto.
razão por que é indifferente o consentimento do menor; d'ahi concluem
que o crime se consuma desde que o menor é subtrahido ao poder dos
pães ou tutores, embora o fique sujeito a outro poder. O autor com a
opinião comroum e de accordo com o tit. 18 do C. p. ali., a collo-caçâo
do rapto de menor em seguida ao rapto de homem e a própria
denominação do delicto, o classifica como attentado contra a liberdade,
e entende ser necessário tanto no rapto de menor como no de homem
que o delinquente se apodere da pessoa raptada, e portanto que a an-
terior relação de dependência seja substituída por uma nova. «Sem se
estabelecer uma nova dependência, diz no mesmo sentido Knitschky, só
se poderia dar instigação ou assistência para uma fuga que não éj
punível». N.do trad.
(') Contra a exigência de que se firme o poder do agente pro-
nunciam-se sem razão o Trib. do Imp. nas dec. de 27 e 30 de Nov. de
88, 18°, 273, Merkel, 318, Olshausen, J 235, 1. A favor d'estaexigência
milita a equiparação com o rapto de mulher ({ 108). 'este| sentido é a
opinão predominante.
I
III—CRIMES E DELÍCTOS CONTRA A UBERDADE
SEXUAL E O SENTIMENTO MORAL
§ 102. — Considerações geraes
LITTERATITBA. Brunner, 2?,. 658; v. "Wachter, mo-
nographias, 1835; Binding, Z, 29, 450, e Normen, 19, 196;
Kohler, Z, 7?, 47 ; Hãlschner, 29, 220 o 683; Genneth, Z, 11,
315; Weisbrod, Die Sittliclikèilsverbreclim vor dem ifrpsets,
exame histórico e critico, 1891; Precone, Dei reali contra il
buon costume, lb92 ; Porret, Les êcrits\ contre les mceurs,
1891; Schauer, Zum Begriff der unziich-tif/en Schrift,
contribuição para o esclarecimento do art. 184 do O. p.,
1893, Stooss, Grundzuge, 29, 209; Mainzer, Bié Ehe im
deutscheii ReicJisslrafrecht, 1894. Sobre o concubinato,
Harburger, Z, 49, 499 e a respeito d'este trabalho
Bosenblatt, Z, 59, 272.
I.— A moralidade sexual, isto é, a observância dos
limites traçados pelo costume de cada epocha ao
commercio sexual, não é bem jurídico, não é interesse da
collectividade juridicamente protegido por amor d'elle
mesmo; pelo menos não o é segundo a nossa moderna
concepção. O Estado christão abrio caminho ás relações
sexuaes pelo instituto do casamento e presta attenção ás
relações sexuaes fóra do casamento, quando e em tanto
quanto se dá in-
112 TRATADO DE DIREITO PENAL
vasSo, que importe oíFensa ou perigo, no circulo jip
ridico dos individuos (
x
).
Isto pôde dar-se em duas direcções.
l.° Antes de tudo, a livre disposição da própria
pessoa no tocante ao commercio sexual pede protecção
jurídica. E' este um interesse absolutamente especial,
que muito de perto se relaciona com o bem jurídico da
liberdade, e, em razão da importância social da vida
sexual, se liga intimaraente com a honra, bem como,
em razão da sua importância phy-siologica
(principalmente para a mulher, muito menos para o
homem) liga-se também com a integridade corporal.
O rapto serve de transição entre os crimes contra
a liberdade e os crimes contra a moralidade. O caso
typico é o estupro. A' violência porém equivale o
abuso da influencia resultante de relações es-peciaes,
bem como o aproveitamento do erro ou da
inexperiência da victima (seducção).
2.° Além da liberdade sexual, a lei protege o
sentimento moral do individuo (isto é, idéas moraes
associadas com o sentimento) contra a offensa resul-
tante de acções de outrem impudicas e escandalosas
(
s
).
II.— A affinidade dos dois bens jurídicos, «li-
berdade sexua e <c sentimento moral», e a homo-
geneidade das acções que offendem um e outro jus-
(>) E' certo que o legislador, especialmente em relação £ libi-
dinagem contra a natureza, vae muitas vezes além d'este ponto de vista;
mas essas invasões de caracter duvidoso em um terreno estranho ao
direito não podem abalar a concepção exposta no texto. A favor delia
ver especialmente Precone e Mainzer, 37. A «moralidade publica »
(Hãlschner, 2.°, 683) não é mais do que o sentimento moral de uma
pluralidade indeterminada de individuos (equivocamente v. Meyer,
974).
(») Contra (de um modo equivoco) Scholl, Z, 18.°, 279.
CRIMES E DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 113
tificam a reunião de todos os crimes contra a mo-[
ralidade em um só grupo.
A pratica de uma acção impudica é a base
commum aos crimes d'este grupo. Como tal consi-
I dera-se toda acção que gravemente oífende o de
coro no tocante ás relações entre os sexos, que
I grosseiramente excede os limites que o costume do
minante traça a taes relações. Como espécies da
acção impudjica podem figurar, de um lado, a copula,
isto é, a união natural das partes genitaes, e, de
outro, actos análogos á copula, isto é, os que tendem
I á satisfação do instincto sexual de um modo análogo
ao coito. Si a acção porém não tem caracter sexual,
não se pôde qualifical-a de impudica, apezar de ser
1
gravemente offensiva do decoro (do pudor); por
exemplo, banhar-se nú, desnudar-se a mulher para
servir de modelo ao artista. Si se pôde ver nas
I descripções, nas representações artísticas ou scienti-
I ficas um acto impudico, depende de concorrerem os
caracteres objectivos e subjectivos da idéa; tal nunca
I succede na verdadeira arte, como na verdadeira
[ sciencia, embora a pruderie se escandalise ou a las-
I civia d'ellas abuse para os seus fins (§ 108).
I III.—As intuições relativas á attitude do poder
repressivo do Estado em face das oífensas contra a I
moralidade tem passado em diversas epochas e entre i
diversos povos por numerosas transformações.
Abstracção feita de algumas disposições isoladas,
I o direito romano deixou até o século VIII da cidade I
ao poder do pater-familias e ás notas censórias a I
repressão dos delictos contra a moralidade. Só quando [
a corrupção dos costumes, que se generalisou em
consequência do celibato e da repugnância á pro-I
creação, ameaçou destruir os fundamentos do Estado, la
lex Júlia de adulteriis coercendis (D., 48, 5, C, 9, 9) I
decretada em 736 a. u. sobretudo a bem do interesse I
publico, comminou penas contra certo numero de
T. n
8
114 TRATADO DB DIREITO PBNii
crimes offensivos doe bons costumes, nomeadamente o
adulterium, o stuprum, o lenocinium e o incestus.
Designou>ee como stuprum o coito não violento do
homem com uma virgo vel vidua honeste vivem, mas
nao o concubinato ou o commercio com uma meretriz.
A' primitiva edade média allema ficou no es-
sencial estranho o ponto de vista do interesse publico
na punição dos delictos contra a moralidade. OJ
stuprum simples, como offensa á tutela, resgatava-se
com uma multa paga á pessoa investida do poder
tutelar; mas a pena de morte recahia sobre a mulher
livre que dormisse com o seu servo. A concepção do
direito canónico, que considerava a immo-ralidade
como peccado e com a máxima amplitude sujeitava á
pena até os pensamentos e os desejos, não estava em
condições de ter em conta as relações concretas e de
fazer a luz sobre a natureza júri* dica dos delictos
contra a moralidade. Assim ex-l plica-se a situação da
edade média posterior com os seus bordeis não
tolerados, como reconhecidos e não raro investidos de
direitos espeoiaes.
Adoptando a concepção do direito canónico alie
mão, a Carolina comminou penas nos arte. 116 e 123,
dentre os crimes offensivos da moralidade, contra a
sodomia, o incesto, o rapto, o estupro, o adultério, a
bigamia e o lenocínio. Estas disposições foram
completadas pelas leis imperiaes do século XVI, j e
especialmente pelas ordenanças polioiaes de 1530,
1548 e 1577, que puniam com multa ou prisão o
stuprum voluntariurn, a fornicatio fcum meretricej, o
concubinato (viver em união illegitima), o facto de ter
bordel; aocrescia a penitencia publica imposta pela
Egreja ás mulheres deshonestadas, que esteve em uso
até o século passado.
O commercio entre christãos e judeus era tra-j
trado, ainda no tempo do direito commum (aí? instar
v
O
0HIME8 E DELI0T08 OONTBA A LIBEBDADE 115
I da edade média posterior) (
8
), interpretativamente I como
um caso de libidinagem contra a natureza I (neste sentido
Frôlich); mas, segundo o testemunho I de Kock, Bôhmer e
outros, cahira em esquecimento I desde o século XVII a pena
capital neste delicto. I Por outro lado a Toscana ainda lhe
infligia pena grave I em 1786. A legislação territorial do
século XVII I e do século XVIII exgotou-se em numerosas
com-I minações penaes, ás mais das vezes baldadas, contra I
a immoralidade, ao passo que a jurisprudência es-
forçava-se por attenuar consideravelmente as penas
I rigorosas da Carolina, impondo amplas limitações ás
I circumstancias constitutivas desses delictos. Assim
|exigia-se para a consum mação do coito punível
' - (p. 61) a emissio seminis e em outros actos impu-
Idicos a emmissio (o que Soden e outros impu-
Ignavam).
A enorme extensão das comminações penaes
estabelecidas pela lei produzio um movimento reac-
Icionario no curso do século XVIII sob a influencia
da litteratura do período philosophico, a qual, repre-I
sentada principalmente por Voltaire, Hommel, Cella, I
Soden, Michaelis mas com o protesto de Grmelin,
IFilangieri e outros —- queria reduzir as penas dos
delictos contra a moralidade a proporções tão dimi
nutas quanto possível fosse, porquanto taes delictos
não offendem a ninguém nem põem o Estado em
perigo; e não raro insistia-se nesta asserção, aliás
«pouco confirmada pela experiência, que a prole pro-
Hduzida fora do casamento excede muito em vigor
fle corpo e de espirito ás «débeis e definhadas
plantas» que se geram no leito conjugal (*).
(*) Esp. da Suab., 322, direito municipal de Augsburg (Osen-frugen,
Alam. Strafr., 279).
(*) Cons. Hommel, Philosophisehe Oedanken iiber das Krim.
U, 1784, p. 121 e leg.
116 TRATADO DE DIREITO PENAI.
A. pouco e pouco e com frequentes vacillações a
sciencia e a legislação conseguiram achar o ver-j
dadeiro ponto de vista na concepção e modo de tratar
os delictos contra a moralidade. Este movimento n&o
está de nenhuma forma concluído, e especialmente é
muito pouco satisfactorio o modo por que I o C. p. imp.
trata tanto a libidinagem contra a natureza como o
lenocínio. A idéa directora deve ficar sendo esta: só as
offensas á «liberdade sexual» ou ao «sentimento moral»
podem dar occasião á intervenção do direito penal.
A lei penal actual deixa geralmente impune o
itupntm simples, isto é, o não aggravado commercio
sexual fora do casamento. A disposição contida no art.
361, n. 6, do G. p. imp. contra a prostituição de
profissão visa somente fins concernentes á policia
sanitária e á policia dos costumes. O concubinato
porém é punivel n&o segundo o direito imperial,
mas segundo o direito de vários Estados (
5
) quando
a continuada convivência sob o mesmo tecto dá causa
a escândalo publico. Tendo sido regulada por lei
imperial a «matéria» dos crimes contra a moralidade,
torna-se pelo menos duvidosa a validade de taes
disposições e mais acertado é contestal-a (") (").
(•) Em Wurtenberg, Baden, Hesse, Braunschweig, bem como
na Baviera, segundo a lei de 20 de Marco de 1882.
(•) Egualmente v. Meyer, 989, Olsb&usen, 18, cap. 2.°, Seuffert,
O. p-, 1.°, 101, v. "Wãchter, 607; eontrà (a favor da liberdade da
legislação estadual) Harburger, Z, 4.°, 499.
(») Das numerosas disposições policiaes sobre a matéria em
questão, que outr'ora vigoravam, restam ainda hoje as medidas contra
o concubinato permittidas pela legislação de alguns Estados da Alie*
manha, entendendo-se porém que se deve proceder no caso de es-
cândalo publico e por causa delle. Essas medidas, diz O. Meyer (W V
2.°, p. 465), são comminações penaes que devem ser applicadas pelos
tribunaes. Dada a sentença, a autoridade policial fica autorizada
118 TKATADO DB DIREITO PENAL
Liibek de 1586 (4.°, 7) e o de Hamburgo de 1603
(4.°, 36). A pena era geralmente a decapitação.)
Quanto porém ao rapto propriamente dito, a legis
lação e a sciencia vacillavam. I
Ao passo que a Bamberguense, art. 143, de-
cretava expressamente a pena de decapitação, a
Carolina, art. 118, contentou-se com esta disposição: «
quem raptar uma mulher casada ou uma donzella
reputada contra a vontade do marid* ou do pae, quer a
raptada consinta, quer não etc.» Não admittio pois o
procedimento official de justiça e, quanto ao mais,
remetteu ao conselho dos jurisperitos. Faltava assim ao
direito commum uma base firme. Em geral sustentava-
se que somente uma persona honesta podia ser objecto
do crime (neste sentido Engau, Bòhmer e outros), mas
considerava-se como indifferente o consentimento da
raptada, e a ella mesma impunha-se, pelo facto do
consentimento, uma pena arbitraria (neste sentido o
direito do Palatinado de 1582 e o da Prússia de 1620
até o Allg. LandrecM, art. 1103), com o que
desappareceu a differença essencial entre os dois casos
(
a
).
O Attg. Landrecht prussiano, art. 1095, con- j
templando o rapto, não entre os crimes da carne, como
o fizera todo o direito commum, mas entre | os crimes
contra a liberdade, occasionou uma nova confusão de
idéas. Kleinschrod, Strobel, Grolmann, Tittmann e
outros acompanharam o direito prussiano. Desfarte foi
a legislação impellida para um
(») No antigo direito portuguez a doutrina, baseando-se na Ord.
do 1. 6, t. 18, \\ 1 e 8, distinguia o rapto por violência e o rapto por
seducção; áquelle applicava-se a mesma pena do estupro com violência
(morte). No rapto por seducção, a menor de 17 annos podia accusar
criminalmente o seductor e pedir-lhe dote por acção dvil. M. Freire, I.
J. C, T. 4, 17; P. e Souza, Cias. dos Gró»., j p. 216 e 286. N. do trad.
CKIMES E DELICTC* CONTRA A UBERDADE 119
falso caminho, que não mais abandonou. Em vez de
manter separados os dois casos já discriminados no
direito allemão, e incluir um delles entre os crimes
contra a família, e o outro conjunctamente com o
estupro entre os crimes contra a moralidade, a
legislação costuma juntal-os mais ou menos e os
classifica, comquanto nelles predomine o caracter
sexual, entre os crimes contra a liberdade. Assim faz
também» o G. p. imp. nos arts. 236 a 238, imitando o
cod. prussiano.
II.— Rapto (de mulher) é a usurpação poder
physico sobre uma pessoa do sexo feminino para fins
\sexuaes. Caracterisa-se :
1.°, pelo otyfecto. No caso do art. 236 qualquer
mulher pôde ser objecto do rapto, e no caso do art. 237
o pôde ser a menor solteira. Gomo o fim do rapto é
o casamento ou a libidinagem no sentido de copula,
deve-se exigir que a menor raptada seja púbere.
Faltando este requisito, pôde ter ap-plicaçâo o art. 235
(').
Quanto porém ao autor do rapto, nenhuma
limitação ha a fazer. Gomo é possível o rapto no
interesse de um terceiro, uma mulher pôde também
fazer-se culpada deste crime como autora (
b
).
2.° Pela intenção (no sentido de motivo). A in-
tenção deve dirigir-se á libidinagem ou ao casamento,
e portanto deve referir-se a relações sexuaes. Aqui
cumpre considerar a libidinagem, em razão da sua
equiparação ao casamento, como copula fora delle.
Não pôde pois ser punido nos termos dos arts. 236
(') Contra a equiparação da libidinagem e do coito, consequen-
temente contra a exigência da puberdade, v. Meyer, 1005, e Olsbausen,
§ 236, 3.— O direito commum (neste sentido Decianus e ainda a
Theresiana) admittia lambem o rapto de homem por uma mulher.
(
b
) Neste sentido a opinião commum. Olshausen, 1. c. K. do
trad.
120 TRATADO DE DIEBITO PENAL
ou 237 o rapto para o fim de libidinagem contra a
natureza. Outra era a concepção do direito commum
(Bõhmer).
3.° Pela acção. A lei exige rapto, e portanto | a
obtenção de poder physico immediato. Não basta
exercer pressão sobre os pães para que prestem o seu
assentimento ao casamento (
2
). O caracter es-1 sencial
do rapto é a interrupção do poder e da protecção, sob
que a raptada se achava, e o estabelecimento de uma
nova relação de dependência, o que lembra a tirada no
furto. Não se pôde dar importância decisiva á
circumstancia do afastamento no espaço (
3
); dar-se-hia
rapto, si fosse vedado a quem está investido do poder
tutelar o ingresso no seu próprio domicilio, ou si o
autor, por meio de engano, induzisse os pães a partir e
ficasse com a menor. A interrupção da relação de poder
e de protecção deve operar-se por acto do raptor, o que
não exclue a cooperação da raptada. Não se porém
rapto, quando a «raptada » por si deixa a casa
paterna e vae ter á casa do «raptor » (
c
). Em ambos os
casos o rapto consuma-se com o estabelecimento do
poder do raptor; não é necessária a consecução do fim.
A prescripçao começa a correr com a terminação desse
poder (crime continuo) (
d
).
(*) Merece critica a dec. do Trib. do Imp. de 6 de Maio de 89,
19.», 169.
(*) Contra Olshausen com a opinião commum. De accordo v.
Meyer, 1005. A sciencia do direito commum, seguindo os italianos,
exigia uma deduetio de laco ad locum.
(°) Segundo julgados do Trib. do Imp. e do superior tribunal de
Berlim, dá-se rapto, quando a menor deixa voluntariamente a casa
paterna e é encontrada com o autor, uma vez verificado que por im-
medita actividade deste a menor subtrahio-se ao poder paterno. Olsh.,
3 237, 1. N. do trad.
(*) A consecução de algum dos fins do rapto não é requisito I
CRIMES E DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 12Í
III. — 0 rapto do C. p. comprehende dois
casos :
1.°, O rapto de uma pessoa do sexo feminino l
contra a sua vontade (G. p., art. 236), por meio de
violência, ameaça ou artifício (§ 97, III), e para fim
libidinoso ou para casamento. Os meios devem ser
dirigidos directamente contra a raptada. O con-
sentimento da alienada não tem importância jurídica (•).
Penas : no 1.° caso, reclusão até 10 annos ; no I 2.°,
encarceramento. O processo depende de queixa. Pôde
dal-a a raptada ou o seu representante legal ' (C. p., art.
65).
2.°, O rapto de uma menor solteira com o seu
consentimento, mas sem o consentimento dos pães ou do
tutor, para fim libidinoso ou para casamento (art. 237).
Assim o rapto da mulher casada com o seu
consentimento, bem como o da viuva ou da mulher
divorciada, não incorre no art. 237. Também aqui o bem
jurídico atacado, segundo a concepção da lei, é a
liberdade individual da raptada no tocante ás relações
sexuaes; nada faz ao caso que [ disponha do bem jurídico
outra pessoa que não a mulher a quem elle pertence. A
lei não enumera os meios. Não é pois necessária a
constatação expressa de que o rapto se operou por «
violência, ameaça ou articio »; mas, sem duvida, ha de
com-prehender-se em algumas destas idéas todo meio,
pelo qual a relação de poder e de protecção dos
necessário para a consumação do crime: ft lei qualifica no rapto um acto de
tentativa ou melhor um mero acto preparatório (Lõning). N. do trad.
(•) Contra Oppenhof e Olshausen, «egundo os quaes uma alienada
pôde ser objecto do rapto voluntário, porque a lei o exige a «capacidade de
querer» no sentido jurídico. Olsh., \ 236, 8. M. do trad.
1SÔ TRATADO DB DIBEITO PBNAL
pães ôu do tutor seja interíómpida. Si tal relação
jurídica já se achava de facto interrompida, é fora âe
questão que não se rapto. Segundo a regra
estabelecida no § 62, V, a raptada mesma não pôde Ser
punida como co-autora ou cúmplice. Também não é
punivel a cumplicidade na fuga expontânea da menor.
Penas: encarceramento. O processo depende de
queixa e esta compete somente <a quem está investido
do poder tutelar; pois somente a essa pessoa, e não á
raptada, cabe dispor do bem jurídico atacado (*).
Si o raptor casar-se com a raptada, õ procedi-
mento Criminal terá legar (art. 238), depois que o
casamento fôr declarado invalido, embora o seja por
outra causa que não o rapto. A declaração de
invalidade é uma condição de punibilidade no sentido
de nós conhecido 116, nota 4.
a
). Si quem se casa
com a raptada não é o raptor mesmo, mas o terceiro,
em cujo interesse se fez o rapto, é applicavel o art,
238, uma vez que o terceiro (e quasi sem excepção
será este o caso) figure Como co-autor ou cúmplice, e
portanto como raptor no sentido jurídico da palavra.
§ 104. — Do constrangimento para fim libidinoso
(e especialmente do estupro)
I. O que tem sobretudo importância para a
historia desta idéa é o estupro propriamente dito.
Segundo o direito romano, o estupro, como quasi
todos os crimes contra a liberdade, comprehendia-se
(*) Egualmente Qeyer, 3, 29, v. Wãchter, 876, e outros. Contra
Glshausen, \ 287, 7, que sem razão taxa a nossa opinião de inconse-
quente ; o caioo é diverso do da seducção; vêr o \ 106, II.
OEIMES E DELICTOS CONTRA A UBERDADE 1Ô3
I
na idéa ampla da vis, pólo que podia sei objecto delle não
a mulher, como o homem (talvez pederastia violenta, 1.
5, § 4, D., 48, 6). No direito allemâo porém, o estupro
figurou, em todos os tempos, como crime absolutamente
independente, que attenta contra a honra da mulher
fnotnunftj. Eis porque exigia-se ás mais das vezes, a
honestidade da victima, ao passo que as « mulheres via-
jantes » (e as « amie », Esp. da Suab., 311) deviam tolerar
caricias ainda mesmo violentas. A concepção contraria do
Esp. da Sax., III, 46, 1, que em parte se encontra também
nos textos alamanicos, ficou no essencial isolada. Pela
mesma razão á acção e também a execução da sentença
dependiam da violentada, cuja honra era ás vezes expressa-
mente declarada intacta na sentença. Segundo o Esp. da
Sax. e as leis sobre a paz publica, a pena do estupro era a
decapitação, e, segundo as fontes da Àllemanha superior,
tinham também applicação o enterrar vivo, com ou sem
empalamento. Também nesta parte Schwarzenberg
collocou-se no terreno do direito nacional. A Carolina, art.
119, comminou a pena de decapitação contra aquelle « que
roubasse a honra de dona ou de donzella a uma mulher
casada, viuva ou solteira, de boa reputação »; punia a
tentativa com pena arbitraria e não admittio o procedimento
official de justiça. O direito commum, apezar da opposição
dos escriptores saxonios, a cuja frente estava Carpsov,
manteve a concepção de que o stuprum violentum (em
contraposição á fomicatio violenta cum meretricej só pôde
ser com-mettido em uma pessoa de reputação immaculada;
neste sentido ainda o direito prussiano de 1721, o bavaro de
1751 e o austríaco de 1768, ao passo que o Attg. Landrecht,
art. 1.058, permittia, pelo menos, a applicação de penas
mais brandas, quando a offendida « tinha anteriormente
fama de vida má
124
TBATADO DE DIREITO PENAL
.e dissoluta. » Além do estupro, o direito commum,] de
accôrdo com as constituições saxonias, 4.°, 26 e 31,
individualisava o coito com uma alienada ou com uma
menor de 12 annos, como stuprum nec voluntarium
nec violentum (SchãndungJ (
a
). M No período
philosophico poz-se muitas vezes em duvida
(Voltaire, Reder e outros) a possibilidade do estupro,
quando a mulher oppoe uma resistência seria, e por isso
punia-se somente tal
t
.crime (como| o cod. austríaco de
1787, art. 130), quando era com-mettido, atada a
victima, ou com a exhibição de armas mortíferas ou
com o concurso de varias pessoas. Só desde o Allg.
Landrecht desappareceu da legislação esta limitação.
(") O antigo direito portuguez (Ord. A ff., 1. 5, t. 6, Man., t. 14,
Phil., t. 18) punia o estupro por violência, tanto da mulher honesta
como da meretriz, com a pena de morte, e applicava a mesma pena aos
cúmplices; o consentimento posterior da estuprada ou o posterior
casamento do forçado r com a estuprada não isentava de pena. M.
Freire, t. 4, 16; P. e Souza, Glosa, dos Orion., p. 210 e 282. — Nos
foraes portuguezes o estupro era designado com a denominação de
rousso, roussar, e tratado segundo o velho costume germânico
descripto por Grimm nas suas Antiguidades, p. 633. Cumpria á mulher
violada, diz A. Herculano (Hist. de Port., 4.°, 848), apenas se visse livre,
correr, carpindo-se e denunciando em gritos o nome do delinquente, a
dar a querella aos alvazis, e se por acaso sobrevinha a noite, devia dal-a
na manhã seguinte; ainda fora da villa ou cidade, era necessário para
Ih'a admittirem que, durante o caminho, viesse narrando o successo
aos viandantes, com choros e lamentos, e que apenas chegasse á
cabeça do concelho, fosse patentear ao tribunal a sua desventura ».
Conservado nas leis de D. Affonso IV e de D. Pedro I I que se encontram
transcriptas na citada Ord. An*., esse costume deixou ainda vestígios nas
Ord. Phil. do t. 18 e do t. 184, \ 2.°, nas palavras : « Se alguma mulher
fosse corrupta de sua virgindade por força, de dia ou de noite... e
bradasse logo no dito ermo — Fuão me fozsj isto.... » N. do trad.
CRIMES E DELIOTOS CONTRA A LIBERDADE 125
II. — De accordo com o C. p.|_
tinguir os seguintes casos :
1.° o facto de constranger, por violência ou
ameaça de um perigo actual para o corpo ou para \a
vida, uma pessoa do sexo feminino a sofrer actos
impudicos (art. 176, n. 1).
fc O facto de constranger uma pessoa do sexo
masculino (por exemplo, masturbação por violência,
forçar a actor) de libidinagem contra a natureza)
pôde ser punido nos termos do art. 240. Não era
assim, segundo o art, 244 do G. prussiano, nem
também segundo o direito commum, com quanto este
applicasse em tal caso penas arbitrarias. Não se faz
mister que a offendida seja pessoa honesta. Não é
sustentável que a mulher casada se ache abandonada
sem protecção á brutalidade do marido (obrigar por
violência a actos de libidinagem contra a natureza) ;
todo direito está sujeito a certos limites, cuja
transgressão o converte em violência. Diverso é o caso
do estrupo propriamente dito em que a lei exige de
modo expresso a copula fora do casamento ; mas ainda
ahi pôde dar-se constrangimento punivel. A expressão
«actos impudicos» do art. 176 deve ser tomada em
sentido amplo 102), e a expressão «violência»
refere-se á que é feita á pessoa mesmo da mulher
offendida 97, IV) (
b
). A violência e a ameaça devem
ser os meios empregados para superar-se a resistência
; não basta a vis haud ingrata (
c
).. O dolo do agente
deve envolver a con-
devemos dis-
(*) Si u resistência e a ameaça devem ser dirigidas contra a mulher
mesma é controvertido. N. do trad.
(*) A resistência deve ser teria, como alguns cod. territoriaes declaravam
; si a vis 6 haud ingrata, não ha vontade em contrario por parte da offendida, e
portanto falta uma circumstancia elementar do crime. Não é porém necessário,
observa Olshausen (J 176, 5), que de facto a resistência tenha sido opposta,
quando ella é inútil. N. do trad.
1
126 TRATADO DE DIREITO PENAL
soiencia da resistência que lhe é opposta e de que esta
é superada por violenoia ou por ameaças. Não
somente em virtude dos prinoipios geraes, senão
também em virtude da letra do artigo em questão é
fora de duvida que uma mulher pôde ser autora deste
crime (
d
).
Como figura especial, a lei salienta no art. 178 o
estupro propriamente dito, isto é, o facto de con-
stranger, pelos meios declarados, á copula fora do
casamento. Gomo a lei exige a copula, a estuprada
deve ser púbere (') (
6
).
Penas : a) no caso simples, reclusão até 10 annos;
occorrendo circumstancias attenuantes, encarceramento
por tempo não inferior a 6 mezes;
b) no estupro propriamente dito, reclusão, e,
occorrendo circumstancias attenuantes,encarceramento
por tempo não inferior a um anno;
c) reclusão perpetua ou por tempo nâo inferior a
10 annos nos casos a e b (art. 178), quando do acto
resultou a morte da offendida. No tocante á relação
causal prevalecem os princípios geraes, de sorte que a
morte é imputada ao agente, ainda que a
(*) A mulher pôde ser co-autora, quando conluiou-se com o autor, assim
como o pôde ser um individuo castrado ou muitos indivíduos que tomaram
parte na violência ou na ameaça, ao passo que somente um consumou o acto
impudico. Schwartze, H H, 3.°, 810. N". do trad.
(') Em sentido contrario a dec. do Trib. do Imp. de 17 de Março de 81,
4.°, 28, bem como Geyer, 2.°, 80, v. Meyer, 896, Olsbausen, § 176, 2. A favor
Hálschner, 2.
01
227, nota L», 280, bem como a opinião commum.— Dada a
desistência da tentativa de estupro, pôde ter ap-plicação o art. 176. n. 1, dec.
do Trib. do Imp. de 26 de Agosto de 88, 28.° 225.
(•) A doutrina contraria funda-se em que a idéa de copula exige somente
que a victima seja pessoa do sexo feminino e a possibilidade material da
introducção do membro viril, mas não exige que a victima seja núbil ou maior
de 14 annos. Ver Olsbausen, 1. e. N. do trad.
ft
CRIMES E DELIOTOB CONTRA A LIBERDADE 127
mulher gravida em razão do estupro venha a morrer do
parto; mas a acção livre e dolosa da offendida, por
exemplo o suicídio, interrompe também aqui o nexo
causal. A tentativa é possível 46, nota 8.*),
porquanto a acção incompleta ou frustada pôde acar-
retar as consequências declaradas na lei. í 2. — A
denominada torpeza involuntária, isto é, w facto de
ábusar-se para a copula fora do casamento, de uma pessoa
do tezo feminino alienada ou que se acha em estado de
privação da consciência ou da vontade (mas não o facto
de abusar-se de uma pessoa atada) (
f
). Aqui falta a
circumstancia que caracterisa o estupro, vencer a
resistência alheia; mas este caso é muito semelhante ao
do estupro, porquanto tanto importa que o agente
supere a resistência como que, |se aproveite da
circumstancia de já estar esta ven-
(
r
) Feuerbach, desenvolvendo a doutrina do direito commum, denominou
aiuprum non voluntarium (tmfreiwUlige Schwãchung ou Schàndung, torpeza
involuntária) a copula sem o livre consentimento da mulher, e distinguia-o em
tuprum violentum a copula com mulher honesta por violência, e em ttuprum
nee voluntarium nec violentum a copula com uma pessoa do sexo feminino
sem violência, mas sem o seu consentimento, isto 6, com uma mulher alienada,
embrigada, ador-tnecida, ou com uma impúbere (Trat., \\ 263 e 264).
Contemplada em geral nos cod. territoriaes da Allemanba, a Schãndwig
propriamente dita também foi prevista no C. p. imp. O art. 176, ai. 2, qualifica a
«copula fora do casamento» consumada em uma mulher que se achava em
«estado de privação da consciência ou da vontade», e o art. 177 ( distingue o
caso em que a victima já estava nesse estado, daquelle em [ que o agente
empregou os meios tendentes a pol-a em tal situação, equiparando o segundo
caso ao estupro por violência ou ameaça. 1 Os actos impudicos praticados em
pessoas (de um ou outro sexo) menores de 14 annos foram também previstos ao
art. 176, ai. 2, inat como caso distincto da Schàndung.—O nosso O. p. eó prevê
a Schàn-dung, quando o agente emprega meios «que privem a mulher de suas
faculdades psychicas.» O proj. braz. (revisto, art. 272, § 1, II) preenche esta
lacuna, mas equipara as duas hypotheses. N. do trad.
138
TRATADO MB DIRK1TO PENAL
cida. O consentimento da victinia é juridicainen
indiferente, ainda quando o agente o pudesse pr
suppor (o agente, por exemplo, consumou o coito]
em sua amasia adormecida). Cumpre notar que a
lei refere-se o somente ao coito fora do casamento,
e não a outros actos impudicos. I
Penas; m) no caso simples, as mencionadas
acima sob a\
%) quando o agente viola uma pessoa do sexo
feminino depois de a ter posto para este fita (por
hypnotisaçfto, por exemplo) em estado de privação
da consciência ou da vontade, são applieaveis as
penas do estupro (art. 177);
-
tj no caso aggravado, as penas declaradas acima
sob e.
3. A pratica de aetas impwHeos eom vmm pessm
(do sexo masculino ou feminino) wtenor de 14 ***o.$
(attentados praticados no corpo) ou o facto 4$ seduzir
uma pessoa menor de 14 anitos para $ue pratique m
sofra actos de tal natureza (art. 17o, n. S); caso este
que, em razão da presupposta falta da capacidade de
disposição por parte de taes pessoas, a lei equipara ao
estupro. Por isso mesmo os menores de 1 14 annos não
podem ser responsabilisados como autores ou
cúmplices deste crime (*). O agente deve conhecer a
edade da pessoa de quem abusa; mas
(*) A opinião contraria «fo Trib. do Iiap. h. a dec. de 28 efe Jan.
90, 20.•, ISl; também v. Krtes. Z.. 7.*. 529') conduziria a este resultado: a
masturbação reciproca de wpaaesde lSaaaos seria pusive». mas entre rapazes de
1-3 aiuws não » seria. De- accoedo eva» o taxto Beraer, ttl. Geyer, 2.» SI,
Hàlsrftaety *•, 228,. v. Meyer. M* £*«&. I porém, a p. IST), Ofebausea. } 11*,
H. Villoow, G S..ST.\ 152- -Bá-se seduesão por parte do ageate,. arada ouanâa
o. seco | tenha de W praticado por w terceiro.;, dee. do Tríb. do
Imp~dê] Out. de S9. 20.*, 30 «Mt» a anterior jtirUprttdeQdk
d©JFjHjk_sttp7| de Berlim.
CRIMES E DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 1291
aqui, como nos outros casos, basta o dolo indeter-
minado. B' tão indifferente o sexo do agente, como o
da pessoa offendida. Não é necessário que o menor
tenha consciência da impudicidade do acto.
Penas: reclusão até 10 annos ; occorrendo cir-
cuinstancias attenuantes, encarceramento não inferior a
6 mezes; no caso aggravado cabem as penas de-
claradas acima sob o n. 1 c (
3
).
§ 105. Libidinagem com offensa de certas
relações de dependência
I. -Nesta, como em outras matérias (por
exemplo, nos crimes de responsabilidade), o legislador
equipara á violência o abuso de uma relação especial
de confiança ou de poder que tolha ao offendido a
liberdade de determinar-se. Apezar do silencio da
Carolina, não faltam precedentes históricos.
O direito romano ulterior punia o tutor (C. 9, 10)
que seduzia a pupilla; eguaes disposições en-contram-
se no Esp. da Suabia, 349, bem como na legislação
allemã do periodo do direito commum. A comminação
das constituições saxonias, 4.°, 25, contra o carcereiro
que dorme com a presa confiada á sua guarda foi
muitas vezes imitada. O Allg. Landrecht prussiano, art.
1028, menciona também os fâmulos (").
II. — O 0. p. qualifica (art. 174) :
1.° Os actos impudicos dos tutores com as suas
pupillas, dos pães adoptivos ou de criação com os
filhos, dos ecclesiasticos, professores (públicos ou
(
s
) Cumpre observar que offendido pode ser não o menor se-
duzido, como também a pessoa com quem (ou em quem) elle praticou
os actos impudicos.
() Ver o Cod. Phil., 1. 6, t. 20, 21 e 24. N. do trad.
T. U 9
130
TRATADO DE DIREITO PENAL
particulares), educadores comos menores seus esco-
lares ou discípulos (a lei não menciona as penitentes).
Os actos impudicos devem ser praticados com as
pessoas mencionadas (não simplesmente em sua pre-
sença), isto é, nos seus corpos (posto que não o seja
nas partes genitaes); não bastam, pois, manifestações
impudicas. O sexo do agente é indifferente.
2.° Actos impudicos de um funccionario (') com
pessoas confiadas á sua vigilância ou contra as quaes
tenham de proceder a uma investigação.
3.° Actos impudicos de funocionarios ('), médicos
ou outras pessoas do serviço medico, as quaes tenham
emprego ou occupação nas prisões (sobre esta idéa,
ver o § 172), ou estabelecimentos públicos (isto é,
mantidos á custa dos cofres públicos) destinados ao
tratamento de enfermos, pobres ou outras pessoas
miseráveis, com as pessoas recolhidas nas prisões ou
em taes estabelecimentos;
Penas : reclusão a 5 annos; occorrendo cir-
cumstancias attenuantes, encarceramento não inferior
a 6 mezes. As pessoas que se acham em ditas relações
de dependência não podem ser responsabilisadas como
cúmplices.
| 106. — IV. Seducçâo para a copula
I. No art. 179 o C. p. especialisa o seguinte
caso de «captação para à copula por meio do engano»,
que figurava no direito commum (por exemplo, no
direito prussiano de 1620) : induzir uma pessoa do
sexo feminino à prestar-se á copula,
(
l
) O art. 869 do C. p. não serve aqui de regra. Neste sentido
Geyer, 2.°, 82, Hãlschner, 2.°, 287, 1028, e outros; contra, v. Meyer,
992, Olshausen, § 174, 16, bem como a dec. do Trib. do Imp. de 22 de
Dez. de 81, 6.°, 418.
CRIMES E DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 131
enganando-a com uma simulada celebração de casa-
mento, ou produzindo ou aproveitando um outro erro
que faça suppor legitima a união.
Destas duas alternativas somente a segunda é
essencial á icléa do crime em questão (*). Deve-se pois
entender por celebração de casamento o acto civil que
o direito vigente exige, e não o casamento religioso. A
simulação resultante de um casamento religioso so
pôde bastar, quando occorrem também as
circumstancias características da segunda alternativa.
O exemplo escolástico concernente a esta ultima é o
seguinte : um estranho substituo á noite o marido,
aproveitando-se do erro da mulher que como tal o
considera. Não é necessário que o erro seja produzido
por quem delle se aproveita, pôde ser produzido por
uma mulher. O crime consuma-se com a copula e não
com o consentimento que por ventura a preceda. O
processo depende de queixa, e esta compete á pessoa
enganada.
Penas : reclusão até 5 annos; occorrendo cir-
cumstancias attenuantes, encarceramento por tempo
nunca inferior a 6 mezes..
II. — Ao lado do erro está a inexperiência (§
141). O art. 182 do C. p. pune a seducção, para a
copula, de uma menor, solteira e irrepre-hensivel, que
não tenha completado os dezeseis annos de edade.
Irreprehensibilidade o quer dizer virgindade;
aquella qualidade pôde existir e esta faltar em razão
de um estupro ou de um caso análogo e
(*) E' o delicto denominado Erschleichung de» aussereheliehen
Beischlof» (captação para a copula fora do casamento). As duas alternativas
são a simulação da celebração do casamento, ou a provocação de um erro que
faça parecer legitima a união. Como esta persuasão deve dar-se tanto no
primeiro como no segundo caso, 6 ella a circum-stancia decisiva. X. do trad.
132 TRATADO DE DIREITO PENAL
viee-versa (a menor, por exemplo, consentio em um
acto de libidinagem contra a natureza). A seducção
suppõe que o agente explorou a inexperiência sexual e
a fraca força moral de resistência da menor e deste
modo obteve o seu consentimento para a consumação
da copula. Esta deve ser effectuada com o próprio
seductor (também aqui basta a autoria mediata); a
seducção para a copula com outrem não está
comprehendida no art. 182, mr.s pôde ter os caracteres
do lenocínio. Si falta a seducção, ou si a primeira
provocação partio da menor mesma, é fora de duvida
que não tem applicação o art. 182. O processo depende
da queixa dada pelos pães (*) ou pelo tutor da seduzida
; pois a guarda do interesse offendido esta confiado a
elles, e não á menor, que a lei ainda não considera
como bastante madura e experiente para poder dispor
livremente de sua honra sexual.
Penas : encarceramento até um anno.
§ 107.—V. Do lenocínio
LTTTEBATURA.—Hãlscliner 2.°, 685 ; Engels, Die
Kontroverae ber die ToUendung des Delikta bei der Kwp-pelei,
1884 ; Bohmõlder, Z, 13, 637 ; Stooss, Grmãmge, 2,238. Vêr
no § 188 a litteratura sobre a prostituição.
I. Historia. A idéa de lenocínio, isto é, a
protecção á libidinagem alheia punível como crime sui
generis, data da legislação do século XVI, mas mesmo
no direito actual não obteve ainda uma completa
elucidação.
E' certo que o direito romano do período ulterior
do Império (especialmente a Novella 14) qualificou o
lenocínio de profissão, o facto de ter bordel, como
crime mi generis ; mas tratava o leno-
(') Isto é, do pae ou da mãe.
CRIMES E DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 133
cinio simples como mera cumplicidade por assistência
no adultério ou no estupro, segundo as disposições
vigentes concernentes a estes crimes, infligindo penas
mais severas ao cônjuge ou ao pae proxeneta. Em geral
ficou estranha a idéa de lenocínio ao direito aliem ão
da edade média. Em tanto quanto não se faz applicação
da concepção do direito romano ulterior, encontramos
apenas algumas ordenanças poKciaes relativas aos
lupanares, aliás reconhecidos e regulados. Além disso,
eram frequentemente qualificados como attentados
contra o poder tutelar, e portanto como crimes contra a
família, a seducção de menores para casarem-se sem o
consentimento dos seus pães ou tutores, e o casamento
clandestino, que ás mais das vezes (neste sentido o
direito austríaco de 1656, art. 78, 79 e 80 e as
ordenanças do Codex austriacus de 1550 até 1703) os
equiparava ao segundo caso do rapto 103,1).
Também observa-se, como nos mostram as inscripções
do «livro municipal» de Berlim (edição de festa, 1883,
p. 201 e 204) que o facto de prostituir a própria filha
era punido como traição com a pena de morte e, na
verdade, com a morte pelo fogo.
A Carolina distinguia um caso grave e um caso
simples (o lenocinium qualificatum e o lenocinium
simplex do direito commum). Segundo o seu art. 122,
recahiam a infâmia e as penas do «direito commum»
sobre aquelle «que, por amor do lucro, qualquer que
elle fosse, deixasse voluntariamente que sua mulher
ou filhas se prestassem a actos deshonestos e
vergonhosos», e no art. 123 comminava penas
corporaes contra o lenocínio simples. O direito com-
mum cingio-se a esta concepção (
a
). As novas le-
(
a
) Em Portugal o crime dos alcaides e alcoviteiros foi pela
primeira vez qualificado por uma lei de D. Afibnso IV, que commi-
nava as penas de acoutes e perda dos bens ; D. João I as aggravou,
«
134 TRATADO DE DIREITO PENAL
gislaçoes formam dois grupos. Ao passo que o direito
dos paizes latinos (França, Bélgica, Hespanka, e Itália)
pune somente a corrupção de menores, os cods.
allemães offerecem uma variada mescla das mais
differentes disposições, não raro casuisticamente
formuladas, das quaes as do cod. prussiano, com-í
quanto não se distinguissem por especial clareza,
passaram com insignificantes modificações para o
direito imperial e tem dado occasião % uma série de
questões diflicilimas. O projecto de 1892 somente em
parte as evitava. O chamado trafico de rapar rigas,
considerado em si, não é sujeito a penas (
b
). II.
Conceito. Segundo o art. 180 do 0. p., lenocinio é a
assistência prestada por quem serve de intermedrio,
ou procura occaso para fins libidi-\ nosos. A
libidinagem,, de que fala a lei, comprehende o a
copula fora do casamento, senão também a lascívia
contra a natureza punível entre pessoas do sexo
masculino (
x
).
inflingindo mesmo a pena de morte, o que foi confirmado pela Ord.
AfF., 1. 5, t. 1.6, fonte das compilações posteriores (Man., t. 29, Phil., t.
82). Segundo este ultimo cod., incorreria em pena de morte e na perda
dos bens o que alcovitasse mulher casada, a filha ou irdaquelle com
quem vivesse ou de quem recebesse bem fazer, ou alguma christã para
mouro, judeu ou outro infiel; os pães que alcovitassem as próprias
filhas eram punidos com acoutes e degredo para o Brazil e perda dos
bens; e consentindo o marido que sua mulher lhe fizesse adultério,
«seriam elle e ella açoutados com senhas capellas de cornos e
degradados para o Brazil» (t. 25, \ 9). Este crime era mi generis, mas
punido com penas mais brandas, quando a alcovitaria não produzisse o
effeito intencionado (t. 32, | 7). N. do trad.
(
b
) o é como um acto de proxenetismo. O «trafico de
mulheres brancas» é uma figura criminal que deve ser especialmente
prevista pela lei penal. Assim faz o projecto suisso (art. 10'4; ver o
commentario de Stooss). N. do trad.
(i) Em sentido contrario a opinião coram um (nomeadamente
flãlschner, 2.", 687, v. Meyer, 1008, Olshausen, f 180, 2, e a dec.
CRIMES E DELICTOS GONTRA A LIBERDADE 136
De accordo com a doutrina presentemente cor-
rente, o lenocínio não deve ser considerado como
cumplicidade no sentido do direito penal, mas como
crime independente.
I D'ahi seguem-se as seguintes conclusões :
1.°—O lenonio não suppõe uma acção punível a
que preste assistência, e até justamente observa-se que
na grande maioria dos casos o lenocínio facilita a
copula iliegitima simples e isenta de pena. Quando a
assistência è prestada á libidinagem punível, a regra do
art. 73 do C. p. decide si se trata de lenocínio ou de
cumplicidade em um outro crime (
c
).
2.°—Ainda quando o acto libidinoso favorecido
incorra em sancção penal, a punibilidade do lenocínio
é completamente independente da existencia de culpa
por parte daquelles que praticaram esse acto.
3.°—Nem toda prestação de assistência (de facto
dada, e não simples proporcionamento intencional de
condições mais favoráveis para a libidi-
do Trib. do Imp. de 29 de Maio de 84) estende o conceito d* libidi-
nagem a outros actos impudicos, embora o puníveis.— Além do
lenocínio, a cumplicidade em crime contra a moralidade é punível
segundo os princípios gcraes.
(") Sendo o lenocínio ura delicto especial e não ura simples acto
de cumplicidade, pôde dar-se, ainda quando a libidinagem favorecida
pelo proxeneta não seja punível. Assim a opinião commum e a
jurisprudência dos tribunaes têm entendido que, qualquer que seja o
acto de libidinagem,— ou conforme á natureza e não punível em
virtude do art. 361, n. 6, do C. p., ou contra a natureza e não punível
ex-m do art. 175 a prestação de assistência pôde ser considerada
como lenocínio punivel nos termos do art. 180. Divergem desta
doutrina Merkel e o autor; segundo aquelle, a lei se refere á copula
fora do casamento e a actos análogos á copula, e segundo este, além da
copula, a lei se refere á libidinagem contra a natureza que sujeitou a
penas. 3ÈT. do trad.
136 TRATADO DE DIREITO PENAL
nagem) (
d
) é lenocínio, e sim somente: a) a interme-
diação, isto é, a aproximação de pessoas (indicação ue
casa, levar raparigas a bordeis ou tel-as prestes em
bordeis etc.), e b) o facto de dar ou procurar! occasião,
isto é, local para a pratica da libidinagem.
Consequentemente o lenocínio pôde consistir na
locação de casa á prostituta (
e
), e também no facto de
não denunciar-se a terminação do respectivo contracto
(
a
), de não impedir, de não vigjar, quando occorrem os
requisitos geraes da punibilidade da omissão 29) (
3
),
e indubitavelmente consiste também no facto de ter
bordel, ainda que consentido pela policia (*).
(
d
) O autor allude á jurisprudência do Tiib. do Imp., segundo a
qual a prestação de assistência é a disposição objectivamente mais
favorável das condões da libidinagem como tal, não bastando a pura
intenção manifestada de favorecel-a», isto é, faz-se mister que pela
assistência as condições da libidinagem tenham sido de facto favore-
cidas. Ver Olshausen, § 180, 8. N. do trad.
(•) A jurisprudência do Trib. do Imp. e dos tribunaes superiores
na locação de casa á prostituta para o exercício da prosti-1 tuição
uma prestação de assistência immediata á libidinagem por «
offerecimento de local», e uma assistência mediata na locação de casa a
quem quer convertel-a em bordel. Mas a simples locação de habitação á
prostituta sem aquelle fim não é considerada como lenocínio, poisque a
não locação neste caso não seria somente deixar de favorecer a
libidinagem, senão perseguil-a, o que a lei não exige. Como o lenocínio
pode ser também praticado por omissão, considera-se lenocínio a
abstenção, por parte do locador de habitação á prostituta, de denunciar a
terminação da locação ou de propor a acção de despejo, quando o possa
fazer segundo a lei e segundo o contracto, depois que souber que a
locatária scrve-se da casa para a prostituição. Ver Olshausen, 1. c. N. do
trad.
(') Ver a dec. do Trib. do Imp. de 8 de Maio de 93, 24
a
, 166.
(*) Incorre, portanto, em pena o marido que não impede; dec.
do Trib. do Imp. de 9 de JPev. de 92, 22.°, 282.
(*J O material concernente a esta questão que hoje não é mais
CRIMES B DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 137
'4.°— 0 facto de facilitar ao mesmo tempo a libi-
dinagem de varias pessoas não constitue mais do que
uma acção e portanto não constitue mais do do que um
crime. Facilitar varias vezes a libidinagem das mesmas
pessoas pôde constituir um crime continuado.
5.° As pessoas, cuja libidinagem é facilitada,
não se fazem culpadas de instigação ou de cumpli-
cidade no leiaoeinio, segundo a regra estabelecida no
§ 52, V (
6
).
discutida (especialmente os dez pareceres de faculdades jurídicas da
Allemanha) encontra-se na obra Doa deutsche StQB. und die polizeilich
konzessionierten Bordelle, 1877; accrescente-se O. Meyer, W V, 2.°, 456.
Nesta, como em outras matérias, não tem importância a falta de consciência da
ilegalidade. Si o rufião limita-se a proteger e acompanhar a prostituta, sem
levar-lhe freguezes, não é proxeneta. Em sentido contrario a dec. do Trib. do
Imp. de 17 de Out. de 84, 11.°, 149, bem como Olshausen, j 180, 7 (').
(') A instituição de bordeis es comprehendida na disposição do art.
180 do O. p. ali.; os emprezarios incorrem nas penas do lenocínio. O facto de
ter sido concedida uma autorísação policial nada faz ao caso, pois a polícia não
pôde dispensar na lei penal; tal autorísação é illegal e nulla. Neste sentido
julgou o Trib. do Imp. e se têm pronunciado geralmente os escriptores de
direito administrativo e os criminalistas, e assim opinaram dez das faculdades
jurídicas da Allemanha.— Entretanto, observa v. Meyer (W V, 1. c), a policia
procede como si tivesse a faculdade de conceder taes autorisações. Somente
persegue os que abrem bordeis sem a sua permissão; respeita pelo contrario a
autorísação concedida, como si fora efficaz e regular, uma vez que o
emprezario se sujeite á sua inspecção e observe as suas prescripções. A menor
falta de docilidade pôde dar occasião a que a autoridade policial use do meio
coercitivo de que dispõe a lei penal em estado de infracção continua. «A
policia acha-se assim na situação do credor que fez o seu devedor passar uma
letra falsa para tel-o nas mãos incondicionalmente ». N. do trad.
(*) Egualmente a opinião commum. Ver Olshausen, § 180, 14. Contra,
a dec. do Trib. do Imp. de 13 de Abril de 92, 23.°, 69.
138 TRATADO DE DIREITO PENAL
III. — EspeciesJ
A lei não commina penas contra o simples favo
recimento da libidinagem de outrem, mas somente
contra certos casos graves de lenocínio. Esses casos
são:
1.° O lenocínio habitual 55, III, 3) ou
exercido por amor do lucro (C. p., art. 180). Á\
expressão por amor do lucro designa a intenção
de lucro, isto é, a intenção de objer para si ou para
outrem um proveito patrimonial illegal (cens. sobre
esta idéa o § 138, II, a respeito da burla). Não bastam,
pois, vantagens de outra natureza, como seja prevenir
ou obstar uma denuncia criminal, a promessa de
casamento ou copula, um bródio etc. (
6
). O delicto
consuma-se com a prestação da assistência, sem que
seja necessária a pratica da libidinagem.
Penas : encarceramento; podem ser pronunciadas
a perda de direitos cívicos e a sujeição á vigilância
policial.
2.° — O lenocínio qualificado (art. 181), a saber:
a) o emprego de manobras fraudulentas ten-
dentes a favorecer a libidinagem, (
7
) e portanto o susci-
tar ou alimentar um erro por meio da simulação de
factos, ou pela suppressão ou alteração de factos
verdadeiros: por exemplo, o facto de embriagar, de
attrahir uma mulher sob o pretexto de proporcio-nar-
lhe uma collocação ou emprego. O crime conf suma-se
com a prestação da assistência (ás mais das vezes com
o emprego do artificio).
b) O lenocínio dos pães para com os filhos, dos
(•) De accordo Benner, 485, nota 1?, Hâlschner, 2.°, 690, nota
2?; contra, Geyer, 2.°, 86, v. Meyer, 1002, nota 93, Olshausen, g 180,
11, dec. do Trib. do Imp. de 8 de Maio de 87, 16, 56. Cons. também]
Simonson, Der Begriff de» Vorieils und seme Sttllung im deuischtn
Strafrecht, 1889.
(
T
) Ver o J 97, nota 3.
CRIMES B DELICTOS CONTRA A LIBERDADE 139
tutores para com os tutelados, dos ecclesiasticos,
professores e educadores para com as pessoas a quem
instruem ou educam. Como pães consideram-se tam-
bém os adoptivos e os de criação, bem como os
padrastos, mas não os avós e o sogro e a sogra. M« Si
os filhos figuram activa ou passivamente, si exercem a
libidinagem « com outros ou outros com elles », é
circumstancia tão indiflferente como o respectivo
sexo.g Apartando-se do direito commum, a lei não
individualisou o lenocinio do marido em relação á
mulher. A consuminaçâo se com a pratica da
libidinagem (« pessoas, diz a lei, com as quaes os actos
de libidinagem foram praticados »). O dolo do agente
deve envolver também a consciência da relação em
que elle se acha para a pessoa a quem corrompe.
B Penas: reclusão até 5 annos; por excepção a
privação dos direitos cívicos é aqui prescripta obri-
gatoriamente; o juiz pôde autorisar a sujeição do
condemnado á vigilância policial.
§ 108. — VI. Causar escândalo publico e
distribuir escriptos obscenos
LITTERATURA. —Hálsçlmer, 29, 694 ; as monographias de
Binding, Kõhler, Schauer mencionadas no § 102; Reiffel, G A-,
299, 1 e 39?, 6; Scholl, 55., 139, 279. Ao n. III,
especialmente os commentarios da lei por Klein-feller, Klemm,
1888. (Z., 9?, 563); ahi, como na Z., 89. 376 e 385, encontram-
se outras indicações sobre a litteratura.
I. De accordo com o art. 330 do C. p. francez
e com o art. 150 do Cod. prussiano, o C. p. imp. no
art. 183 pune « quem por um acto impudico der
publicamente escândalo». A expressão acto
impudico » deve ser tomada em sentido amplo
102); tal seria a copula entre cônjuges consum-
140 TRATADO DE DIREITO PENAL
mada de publico. Consideram-se como actos não ffi as
manifestações verbaes, senão também as omissões (').
Escândalo é a offensa do sentimento moral (
2
). O
escândalo deve resultar do acto (e, na verdade, do acto
mesmo, e não da circumstancia de se tornar publico),
isto é, deve alguém, de facto, ter-se escandalisado,
ainda que fosse somente a pessoa contra quem o acto
impudico se dirigia; não basta, pois, que o acto seja
próprio & causar escândalo, embora de facto não o
tenha causado. Não se faz mister um escândalo publico,
mas sim que o escândalo seja publicamente dado; o
acto impudico deve portanto ser publico, isto é,
praticado de modo que possa ser observado
indeterminadamente por muitas pessoas, e não somente
por um circulo limitado de determinadas pessoas ().
Penas: encarceramento até 2 annos ou multa até
COO marcos; conjunctamente com o encarceramento
pode ser infligida a perda dos direitos cívicos.
II. A divulgação de escriptos, figuras e repre- |
tentações obscenas (art. 184); delicto este com o qual
muitas vezes se oceupara a legislação do período do
direito commum. São isentos de pena o preparo, o
annuncio e o facto de ter á venda. A divulgação, de que
são casos, como a lei especialisa, a venda e a
distribuído, suppõe (não assim a communicação) que o
objecto se fez accessivel ao publico, e portanto a | um
circulo não limitado de pessoas determinadas (*).
(') De aecordo presentemente a opinião commum; em especial
Olshausen, § 183, 2. Contra, v. Meyer, 1000.
(') Não o perigo ou o damno moral. Não assim Berner o ScholL
(*) o estão portanto neste caso os actos praticados no com-
partimento de um trem em viagem (e corridas as cortinas das janellas).
(*) Demonstra-o a contraposição estabelecida no mesmo art. 184
com a exposição em «logares que são accessiveis ao publico». Ver #
desenvolvimento no PressreeM de v. Liszt, £ 42. Muito incerta a júris-
CRIMES E DELICT0S CONTE A A LIBERDADE 141
Divulgado é o escripto, desde que facilita-se o tomar
conhecimento delle; ainda não se divulgou, quando
apenas está em preparo ou quando apenas está pre-
parado. E' o escripto mesmo (a figura, a representação)
que deve ser divulgado, isto é, a obra impressa, a
representação figurativa, como taes, devem tor-nar-se
accessiveis; não basta ler perante outrem, contar etc. A
lei equipara á divulgação o facto de expor ou afn$ar
em logares, que o « accessiveis ao publico ». Quem
pinta ou desenha uma figura em uma parede, a expõe.
Mas em todo caso o conteúdo do escripto, da
representação etc. deve ser accessivel á observação do
publico; não basta, por exemplo, que o livreiro
exponha no seu mostrador um livro obsceno fechado,
de modo que só se possa ler o titulo! Obsceno é o
escripto, quando a matéria que delle faz objecto é
tratada de modo a offender gravemente o decoro no
ponto de vista das relações sexuaes. Uma obra
puramente scientifica ou artística, considerada em si,
não incide nunca nesta idéa (
5
).
Penas : multa até 300 marcos ou encarceramento
até 6 mezes.
5 ni. — O art. 4 da lei de 5 de Abril de 1888
sobre os debates judiciários em sessão secreta ac-
crescentou o seguinte alínea 2.° ao art. 184 do C. p.:
« Incorre na mesma pena aquelle que fizer pu-
prudencia do Trib. do Imp. De um lado muitas decisões accentuam que
a lei não exige uma divulgação feita de publico, e de outro lado o Trib.
exclue as communicações confidenciaea e quer uma divulgação «sobre
base mais larga». Oons. também o § 118, nota 2? Olshausen, { 110,
acompanha o Trib.
(*) Como 6 difficil traçar a linha divisória, faz-se mister uraal
redacção muito cautelosa da lei. O mais acertado seria sujeitar á pena
somente quem tratasse da vida sexual por amor do lucro. É digno de
critica o projecto de 1892.
142 TBATADO DE DIREITO PENAL
blicamente communicações próprias a causar escân-
dalo a respeito dos debates judiciários, quando estes, a
bem da moralidade publica, tenham tido logar em
sessão secreta, ou a respeito das peças officiaes que
serviram de base aos mesmos debates ».
A lei não presuppõe um preceito especial que
imponha o dever de guardar silencio. A communi-
cação pôde ser verbal ou escripta. Só é punivel a
communicação dolosa, e o dolo deve versar tanto sobre
a publicidade da communicação como sobre a
circumstancia de que a communicação é de natureza a
causar escândalo. Não é necessário que de facto o
escândalo se produza.
§109.— VII. Libidinagem contra a natureza
LITTEBATUBA. lschner, System, 29, 313; Dalcke,
Gr A., 179, 88; John, Entvmrf, 400; appensos ao projecto
do C. p. da Alleraanha do Norte, 1?, 21; Hâlschner, 2?,
238; anonymo, Z., 12, 34; as obras indicadas acima, p. 142
; v. Kraffb-Ebing, Der KorUràmexuale vor ãem Siraf-richter,
1894.
I. no tempo da Republica o direito romano
occupou-se com a monstrosa nus procedente certa-
mente da Grécia (lei Scatinia de data desconhecida). A
lei Júlia a considerou como stuprum e os imperadores
comminaram a pena de morte ubi sexus perdit locum,
ubi Vénus mutatur in aliam formam. A libidinagem
contra a natureza o foi também desconhecida á
primitiva edade media allemã, como o mostram os
corpore infames de Tácito, as referencias que se
encontram nas leis barbaras e as disposições dos
Capitulares; posteriormente foi ella não raro equi-
parada á heresia. Fiel ao seu excessivo rigor contra os
delictos da carne, o direito canónico,
CRIMES £ DELIOTOS CONTRA A LIBERDADE 143
cujos escnptores se compraziam na explanação das
respectivas questões, declarou vedada toda satisfação
do instincto sexual contra as regras da natureza.
No art. 116 a Carolina com minou a pena de
morte pelo fogo contra «a torpesa de homem com
animal, de homem com homem e de mulher com
mulher». O direito commum restringio a pena de fogo
á bestialidade propriamente dita (neste sentido o
direito austríaco de 1656, não o prussiano de 1620 e de
1721), mas estendeu a qualificação de libidinagem
contra a natureza punível á sodomia contra ordinem
naturee (e portanto a todas as relações sexuaes contra a
natureza entre homem e mulher), bem como ao
onanismo, á satisfacç&o da sensualidade em um
cadáver etc. A litteratura do período philosophico ou,
pelo menos, alguns escríptores (Montesquieu,
Hommel contra Soden, Gmelin) queriam que se limi-
tasse a punição. O cod. josephíno de 1787 relegou a
bestialidade e a libidinagem entre pessoas do mesmo
sexo para a classe dos « crimes políticos » (
s
). O ÂMg.
Landrecht prussiano, porém, dispunha (art. 1069) que
« na sodomia e outros quejandos peccados contra a
natureza, cuja menção, por serem abomináveis, a lei
não fazia, ficasse completamente extincta a lembrança
do facto », e por isso bania o delinquente e mandava
destruir o animal (
b
).
(") Isto é, os crimes policiaes. ~$. do trad.
(*) Sm Portugal o crime de sodomia foi desconhecido ao reinado de
Affonso V, que na sua Ord. do 1. 5, tit. 17 decretou a pena de fogo contra «
este peccado de todos o maia torpe, sujo e deshonesto », por causa do qual
«Deus lançou o deluvio sobre a terra». A Ord. Man., t. 12, o equiparou ao
crime de lesa magestade, accrescentou á pena de fogo o confisco dos bens e a
infâmia para os filhos e descendentes, e estendeu as penas também á
bestialidade, menos a infâmia para os filhos. A Ord. Pb.il., t. IS, ainda foi
mais longe, declarando
144 TRATADO DE DIREITO PENAL
Na nova sciencia e na nova legislação revela-sej o
esforço em parte bem succedido tendente a
eliminar do C. p. a libidinagem contra a natureza ou,
pelo menos, a restringir consideravelmente a idéa deste
delicto. O relatório da commissão scien-tifica
prussiana, que foi constituida para tratar de questões
relativas á hygiene e á medicina, pronunciou-se
também, antes da elaboração do projecto do C. p. da
Allemanha do Norte, a favor
c
da eliminação de taes
delictos (
l
). E certamente com razão. Em muitos casos
que nos" últimos annos foram devidamente
apreciados dá-se perturbação mórbida (appe-j tite
pederastico). A verificação offerece difnculdades que
mal podem ser superadas (libidinagem entre mulheres),
ao mesmo passo que os maiores excessos entre homem
e mulher ficam impunes. Não se offende a liberdade
sexual e o escândalo não deixa por isso de ser punivel.
Poder-se-hia tornar inoffensiva a libidinagem de
profissão por parte de individuo do sexo masculino, a
única que offerece perigo, alte-rando-se o texto do art.
361, n. 6, do C. p.
II.— O direito vigente (C. p., art. 175) pune a
libidinagem contra a natureza.
l.°, entre pessoas do sexo masculino (sodomia
ratíone sexus, pederastia);
2.°, entre homem e animal (sodomia ratione ge-
neris, bestialidade).
que a lei tinha egualmente npplicação ás mulheres que entre si com-|
mettessem peccado «contra natura», e qualificou a molicie, a que
mandou applicar penas arbitrarias. O crime podia ser provado por tes-
temunha singular, era admissível a tortura e do arbítrio do juiz dependia
publicar ou não o nome das testemunhai. Da sodomia conheciam pri-
vativamente os inquisidores. N. do trad.
) Egualmente Hâlschner, 2?, 289,Sontag, G A. 18?, 16,Stooss,
Qrundzúge, 2?, 266.
CRIMES E DELIOTOS CONTRA A LIBERDADE 146
I Por libidinagem devemos entender somente a
copula e actos análogos á copula (coitus per anum) (').
Penas: encarceramento e facultativamente perda dos
direitos cívicos.
§ 110. —VIII. Do incesto
I.— O incesto serve de transição para os crimes
contra os direitos de família. Sob o ponto de vista
jurídico a criminalidade do incesto é indubitável,
quando se trata do abuso da influencia que o ascen-
dente exerce sobre o descendente (§ 102). O O. p. imp.
porém abandonou este ponto de vista, punindo, de um
lado, somente a copula e deixando impunes outras i
mm ora li da d es da maior gravidade, e, de outro lado,
sujeitando á penas a copula entre irmãos adultos.
II.— O direito romano, que não punia o com-
mercio sexual entre parentes como taes, e sim so-
mente a celebração do casamento tendente a este fim,
distinguia entre o incestus juris gentium e o incestus
juris civilis, e incluía no primeiro o casamento entre
ascendentes e descendentes. Semelhantemente o
direito canónico contrapoz ao incesto juris divini o
incesto segundo disposições humanas; ao mesmo
tempo ampliou enormemente a idéa do crime
(Innocencio III foi o primeiro que em 1215 tornou a
limitar a prohibíção de casamento ao 4.° gráo segundo
o direito canónico) e, além d'isso, accres-
(*) Muito mais longe vae a dec. do Trib. do Imp. de 3 de Fev.
de 90, 20.", 225 (introducção do membro de um individuo adormecido
na bocca do réo). Contra e com razão Franck, Z, 12.°, 304 (mas in
correctamente considera punível o caso inverso). E' correcta a dec. do
Trib. do Imp. de 16 de Nov. de 92, 23.°, 289. E' isenta de pena, se-
gundo o mesmo Trib., a masturbação reciproca.
T. II W
146
TRATADO DE DIREITO PENAI.
ce-ntou ao parentesco pelo sangue a cognatio spirm
tualis.
Cedo a intuição da Egreja teve entrada no di-j
reito da edade média allema. A lei Rip., 69, 2, com-,
minava contra o casamento incestuoso o banimento
e a perda dos bens; numerosas capitulares recom-
mendaram a observância dos impedimentos de casa
mento, e decretaram para os casos mais graves a
pena de morte. *
A Bamberguense, art. 142, impunha a pena do
adultério (a decapitação, em certos casos aggravada).
A Carolina, art. 117, dispunha porém que «si alguém
praticasse actos impudicos com sua enteada, nora ou
madrasta, e com outros parentes ainda mak próximos»,
a pena fosse determinada segundo o direito escripto,
consultando-se os jurisperitos. Esta redacção deu logar
a muitas questões que foram por muito tempo
debatidas. Era e ficou sendo controvertido no direito
commum não si as relações illicitas entre irmãos se
comprehendiam naquella disposição, senão também
quaes o género e o gráo da pena applicavel. As
constituições saxonias (4.°, 12) puniam o ascendente e
o descendente com a decapitação, os parentes col-
lateraes com a fustigação e o banimento perpetuo. Esta
doutrina sustentada também por Carpsov foi a que
predominou (n'este sentido o direito hamburguez de
1603, o prussiano de 1620, o austríaco de 1656); mas
algumas legislações (por exemplo, a do Palati-nado de
1582) foram até á pena de morte pelo fogo (•).
(*) N&o encontra-se o crime de incesto no Cod. Aff.; apparece qua-
lificado pela primeira vez na Ord. Man., 1. 6, t. 17, d'onde passou para a Phil.,
t. 18. O incesto júris gentium era punido com a pena de morte pelo fogo ;
sobre o incesto júris civilis com irmã, nora, sogra, madrasta ou enteada recahia
a pena de morte natural e nos demais casos (até o 4.° gráo de afinidade)
applicava-se a pena de degredo para dentro ou
CBIMES B DELIOTOS OOITTBA A LIJJEEDADE 147
I Os escriptores do período philosophico puzeram
muitas vezes em duvida a criminalidade do incesto. A
nova legislação allemã e a estrangeira que a segue
mantiveram o crime, ao passo que os cod. dos paizes
latinos, bem como o cod. hollandez, não contemplam
0 incesto como crime especial.
III. — Segundo o art. 173 do C. p., o incesto
é somente a jjopula, isto é, o ajuntamento natural
das partes genitaes (e não qualquer outro acto im-
moral mesmo contra a natureza): I
B 1.°, entre ascendentes e descendentes, legítimos
ou illegitimos; I
1 2.°, entre affins da linha ascendente e descen
dente (embora o casamento de que deriva a afini
dade tenha sido dissolvido pela morte);
B 3.°, entre irmãos (germanos, consanguíneos ou
uterinos) (
b
).
Penas: no 1.° caso, 1 a 5 annos de reclusão com
relação aos ascendentes, e 1 a 5 annos de en-
carceramento com relação aos descendentes; no 2.° |e
no 3.° caso, encarceramento a2 annos. Em todos os
casos é facultada a perda dos direitos cívicos. Os
descendentes (como no direito commum) o isentos
de pena, quando não completaram ainda os 18 annos
de edade 43, nota 2.*), ao passo que o mplice é
punível segundo os princípios geraes.
fora do reino. — O C. Crím. braz. de 1830 não qualificou especialmente
o casamento incestuoso nem o coito incestuoso; o O. actual seguío esta
tradição. N. do trad.
(
b
l Pouco importa que a copula se consuma no casamento ou
fora d'elle; o que a lei pune não é o facto de contrahir um casamento
incestuoso, mas a consumação da copula em tal casamento. Olshausen,
J 178, 1. N. do trad.
IV. CRIMES E DELICTOS CONTRA OS DIREITOS
DE FAMÍLIA
c
§ 111. — I. Offensa do estado civil 9
LTTTEEATURA. Hãlscbner, 2.°, 459 ; Keis, pie
Unterdruckung und Venderung ães Personenstandes, diss.J
1888 ; Hiuschius, Personenstaiidsgesetz, 3.* ed., 1890; T.
Sicherer, W V., 2.°, 529; Stenglein, N G., 532.
I. — O estado civil ê o conjuncto e ao mesmo a
condição dos direitos de família. Tendo por base o
facto de pertencer um individuo a uma família
determinada, o estado civil designa a posição jurídica
desse individuo não só em relação aos membros da
família, como em relação a todos os outros homens.
Origina-se do nascimento, termina com a morte, muda
com a adopção (e também, segundo o direito
territorial, com o reconhecimento da paternidade
illegitima), com a legitimação, a celebração e a
dissolução do casamento.
A offensa do estado civil é um delicto especial,
mas reconhecido nesta larga accepção pela nova
legislação. O direito romano punia não somente a
mppositio partus (delicto imprescriptivel), senão
tamm o uso de um nome falso fasseveratio falsil
mominis vel cognominis) como guasi falsa; e nessas
comminações era o interesse publico que predominava :
publicè interest partus non subjici, ut ordinum
CRIMES CONTRA OS DIREITOS DE FAMÍLIA 140
dignitas familiarumque salva sit. As fontes da edade média
allemã, bem como a Carolina, guardavam silencio. O
direito comraum (por exemplo, o prus-siano de 1721)
cingio-se ás disposições do direito romano; a Áustria, em
1707, punia com a decapitação a (f suppressão de filhos
alheios », e o Allg. Landrecht prussiano, art. 1.436, como a
maioria dos Cod. territoriaes da Allemanha, comprehendia
na burla a mudança do estado civil (*). Esta concepção é
menos incorrecta do que a classificação do crime em
questão entre os crimes de falsidade recentemente
defendida por Olshausen, § 169, 2, e Reis; porquanto o
meio empregado para a privação dos direitos de família,
resultantes do estado civil, não é o abuso de uma forma de
authenticação, mas a simulação ou a suppressão de factos,
quer se subtraia permanentemente ao conhecimento de ter-
ceiros o facto de pertencer o offendido a uma determinada
família (suppressão do estado civil), quer se faça crer
erroneamente pertencer o individuo a uma família a que na
verdade elle é extranho (mudança do estado civil). Certo ê
porém que se trata de um delicto de caracter inteiramente
especial.
B II. Offensa do estado civil é a subtracção dos direitos
de família, que pertencem a alguém, como membro de uma
família dada, mediante producçõo \de um erro permanente
relativo a esse facto (C. p., art. 169). Entre mudança e
suppressão (occultação | do verdadeiro estado civil) não ha
differença essencial ; mas em todo caso faz-se mister a
creação de uma situação ou estado. Não basta que em um
caso singular alguém se por outrem (art. 369, |n. 8) ou
occulte a morte ou o casamento de outrem.
(*) Ver na Cla$s. dos crim., p. 160 e 348, a legislação portu-
gueza sobre Mulos indevidos e farto svpposto. N. do trad. H
* -|
160 TBATADO DE DIREITO PENAL
Incide porém na lei tanto a suppressão do estado civil
de quem morreu ou de quem nasceu morto, como a
mudança do próprio estado civil, quando deste modo é
affectado o estado civil de outra pessoa viva. O
consentimento do interessado não dirime a
criminalidade, pois o estado civil não está á livre
disposição daquelle a quem pertence (
b
).
De accôrdo com a tradição histórica, o legislador
individualisou, como caso especialmente importante, a
mpposão ou dolosa substituição de infante, isto é, de
uma pessoa, que em razão de sua edade juvenil não
tem ainda clara consciência do facto de ser membro
de uma família dada e por isso não
(
b
) Estado civil {Ptrsonenstand), segundo a definição de Merkel, é
a condição jurídica de uma pessoa como membro de determinada
familia, em razão de descendência, adopção, legitimação ou casamento.
O art. 169 do O. p. ali. pune somente « aquelle que... supprime ou muda
dolosamente o estado civil de outrem ». O que constituo o delicto 6 a «
offensa ao estado civil de outra pessoa »; portanto não incorre nesse
artigo quem muda o próprio estado, sem supprimir ou mudar o estado
civil de outrem, ou mesmo quem se arroga direitos de uma familia
estranha, em tanto quanto este ultimo effeito o se dá; actos desta
natureza podem ser puniveis em virtude de outras disposições da lei
penal, como os arts. 268 (burla), 271 (falsificação), 860, n. 8 do O. p.
(usurpação de nome, titulo etc.) Além disso, a intenção do delinquente
deve ser tendente a produzir uma situação illegitima permanente e não
simplesmente transitória. For mudança do estado civil entende-se a
creação de uma situação, por meio de simulação ou suppressão de
factos, que faça apparecer outrem como investido de direitos de familia,
que não lhe pertencem ; por suppressão entende-se a creação de uma
situação que não permitte a outrem fazer valer praticamente os seus
verdadeiros direitos de familia (Merkel). Pouco importa, porém, para a
existencia do delicto, que a intenção do agente seja prejudicar ou
favorecer alguém; isto é somente o motivo do acto (Schwarze). Bem
diverso é o ponto de vista do nosso O. p., que nos arts. 286, 287 e 288,
considera como circurnstanciaj elementar a intenção de prejudicar a
terceiro.
CBIMES OOTHA OS DIREITOS DE FAMÍLIA 15Í
está em condições de desfazer os planos do agente
(vêr também a § 89) (*) (
c
).
(*) Em sentido contrario Olshausen, § 169, 8; Beis, 77; de
accôrdo Berner, 435, Hâlschner, 2?, 464, v. Meyer, 766.
(") Em regra, diz Schwarze (H H., 3.°, 280), trata-se a suppo-
sição de infante, como o caso principal do delicto, e assim fez também
o G. p. ali. Entretanto este caso não offerece particularidade* que
exijam um tratamento especial, e sem inconveniente a lei poderia
deixar de mencional-o. O art. 169 assignala dois casos: a supposição
propriamente dita e a troca. Dá-se a primeira hypothese, quando um
infante é supposto, sem que outro tenha sido posto á margem, e isto
pôde ocoorrer tanto a respeito de filhos legítimos, como de illegitimos.
Pela supposição de infante pode mudar-se a ordem da successão, dar-
se a transmissão de um fideicommisso etc, ou, com relação a filhos
illegitimos, exigir-se o cumprimento de uma promessa de casamento ou
levantar-se pretenções a alimentos etc. Em taes casos não 6
circunstancia característica que se trate de um proveito para o infante
supposto. Também pode succeder que o acto não offenda o estado civil
de um terceiro, como, por exemplo, si se trata de direitos a alimentos,
em razão do pretendido nascimento de um filho. Nada obstante, dá-se
em todos esses casos supposição de infante e portanto «a mudança do
estado civil do infante supposto ». A troca suppõe a substituição de um
infante por outro. Pôde um menino morto ser substituído por um vivo
ou vie^versa, conforme o engano tiver por fim fazer crer que um
infante é vivo ou que morreu. Certos direitos podem ter por
fundamento tanto a vida como a morte de um infante (fideicomnússo).
Na mesma família e pelos mesmos motivos um menino pôde ser
substituído por uma menina; de dois gémeos pôde o que nasceu
primeiro ser trocado pelo outro. Em regra também aqui occorrerão
prejuízos de caracter patrimonial; mas não é esta a circumstancia
decisiva. Decisivo é somente o facto de que o estado civil de um
infante, e na hypothese em questão de ambos os infantes, foi mudado.
No caso clássico da suppositio pariu», a (pretendida) mãe figura
como autora, o marido como illudido e terceiros como mplices. Mas
é evidente que taes supposiçSes também podem dar-se por occasião de
um parto real, e na verdade sem sciencia da mãe e até contra o seu
particular interesse, caso em que ella figurará como offendida.
Também d* ordinário a supposição opera-se por
182 TRATADO DE D1BEITO PENAL
Penas: encarceramento até 3 annos; quando o
crime é commettido na intenção de lucro, reclusão até
10 annos. A tentativa é punível.
Si não se trata de um crime continuo, a pre-
scripção começa a correr com o acto mesmo, pelo qual
se opera a mudança ou a suppressão do estado oivil.
III.—A lei de 6 de Fevereiro de 1875 sobre o
registro do estado civil e a celebração do casamento
creou novas infracções. Assim o art. 68 da lei pune
com penas próprias da contravenção (multa até 150
marcos ou detenção) a violação do dever relativo ás
declarações exigidas nos arts. 17 a 20, 22 a 24, 56 a 58
da mesma lei. Mas o procedimento criminal não tem
logar, quando a declaração é feita em tempo, embora
não o seja por quem estava em primeiro logar obrigado
a fazel-o, o que é uma circumstancia extinctiva de
pena inteiramente especial.
§ 112. II. Crimes e delictos relativos ã
celebração do casamento
LITTBEATURA.—lschner, 29, 466; Stenglein, NG,
533; Mainzer, JHe Ehe im ãeutschen Strafrecht, 1894.
I. O casamento por captação, também deno-
minado burla matrimonial ( individualisado no
direito austríaco de 1787 e no Allg. Landrecht prus-
siano, art. 1.068, bem como em muitos cod. terri-
occaaião do nascimento; mas pôde acontecer posteriormente, comquanto
is mais das vezes os casos desta natureza se comprehendam na troca.
As disposições do nosso C. p. sobre a offensa do estado civil (arts.
286 a 288), em vez de syntheticas, o casuísticas e por isso mesmo
incompletas. O proj. revisto (arts. 290 a 292) não vae além da offensa
ao estado civil de um infante. N. do trad.
CRIMES 001ÍTRA OS DIREITOS DE FAMÍLIA 153
toriaes, mas não no cod. prussiano de 1851) appro-
xima-se da offensa do estado civil em que tem por fim
crear um estado civil não correspondente á| ordem
jurídica. O C. p., art. 170, distingue dois casos :
1.°—O facto de uma das partes occultar frau-
dulentamente á outra, ao contrahir matrimonio, a
existencia de um impedimento legal (dirimente).
Deve-se entender que ha fraude, quando a outra parte
não contrahiria o casamento, como o agente sabe, si
tivesse noticia do impedimento, e portanto quando a
ignorância de uma das partes é utilisada pela outra,
provindo o engano da supposição, sup-pressão ou
alteração de factos. A idéa de fraude corresponde pois
á de artificio (§ 37, nota 3.*) (
l
).
2.°—O facto de uma das partes persuadir frau-
dulentamente a outra a contrahir casamento, mediante
um engano que autorise a parte enganada a impugnar
a validade do casamento (
a
).
Penas: encarceramento por tempo não inferior a
3 mezes. A dissolução do casamento em razão de uma
daquellas causas é condição de punibilidade 43,
III) (
a
). O processo depende de
(i) Egualmente Hâslchner, 2, 467, v. Meyer, 986, Schutze, 822. Exigem
porém Berner, 437 Binding, Normen, 2.°, 605, Olshausen, § 170, 8.°, a
intenção de prejudicar a outra parte.
I (*) A disposição do art. 170 do O. p. ali. é reproduzida no art. 288 do
proj. braz. revisto. N. do trad.
(*) A questão é idêntica á do adultério (g 114, nota 6?). De accordo
Binding, Normen, 1.° 130, v. Meyer, 880, Reber, Antragsdelikte, 204; contra,
Bennecke, 12, nota 10, Binding, 1.°, 601, Bisas, Begnadiguiigarecht, 45,
Hâlschner, 2.°, 468, 474, Hellweg, Sirafprozesa, 252, v. Kries, Z, 5.°, 12,
Mainzer, 7, Olshausen, $g 170, 6,172, 6, v. Bisch, 262, G 8, 86, 252, o Trib.
do Imp. (repetidas vezes, ultima dec. a de 8 de Fevereiro de 87, 15.°, 26), os
quaes vêem na dissolução do casamento somente uma condição do processo
criminal. Parece porém evidente que, não sendo o casamento impugnado pela
parte illudida, não se dá uma acção punível no
164
TRATADO DE DlBElTOj^^^
queixa (
8
). 0 prazo desta só começa a correr, quando a
pessoa autorisada a dar queixa tem conhecimento da
sentença passada em julgado que dissolve o casamento
43, nota 5.'). A prescripção porém corre do dia em que o
acto foi praticado, e portanto do dia em que o casamento foi
contrahido (§ 43, nota 6.
a
).
II.—Dizem também respeito á celebração do
casamento os três seguintes crimes de responsabilidade
(com os dois últimos ainda nos «occuparemos sob um
outro aspecto):
1.°, o do official do estado civil que celebra
casamento sem observar os preceitos da lei de 6 de
Fevereiro de 1875 (
4
) (art. 69 da mesma lei, multa até 600
marcos);
2.°, o do sacerdote ou outro ministro de um culto
(sobre esta idéa o § 121, V), que procede ás cerimonias
religiosas do casamento, antes de lhe ter sido mostrado que
o casamento fora celebrado perante o official do estado
civil (art. 69 da mesma lei, o qual substituio o art. 337 do
C. p.);
3.°, o do ministro de um culto ou do official do
estado civil que celebra o casamento, sabendo que um dos
contrahentes é casado (C. p., art. 338).
Em todos os três casos pôde também suscitar-se
questão sobre a cumplicidade por assistência no crime de
bigamia.
Penas: no 2.° caso, multa a 300 marcos ou
encarceramento até 3 mezes; no 3.° caso, reclusão a 5
annos.
sentido da lei. Ainda mais longe vae, entre outros, Berner, 441, que
considera a dissolução do casamento como circumstancia constitutiva
do facto.
{*) O aótnenie do ai. 2.° do art. 170 não tem outra significação. E
inapplicavel o art. 65, ai. 2.°.
(*) E' necessário o dolo; dec. do Trib. do Imp. de 27 de Maio de
81, 4.°, 284. Em sentido contrario (obscuramente) Stenglein, 588
CKIMES COIÍTRA OS DIREITOS DE FAMÍLIA 166
' III.—Mencionaremos finalmente que no projecto'
da lei de introducção do 0. civil se contém a seguinte
comminação (ver a nota ao art. 1.250 do primeiro
projecto do cod.) : «incorre em multa até 1.000 marcos
ou em encarceramento até um anno: l.
Q
, quem
contrahir casamento com violação do art. 1.237; 2.°, a
mulher que contrahir casamento com violação do art.
1.241, bem como o individuo que com tal» mulher se
casar, tendo conhecimento do impedimento ao tempo
da celebração do casamento» (
6
).
§ 113—III. Da polygamia
LITTERATUBA.—V. Wãchter, nionographias, 144.
Hàlschner, G8, 22?, 424?; Villnow, GS, 30?, 123; Hál-
schner, 2?, 474 ; Stange, Beitràge zur hre von der Bi-
gamie, diss., 1893; Bennecke, Die strafrechfliche Léhre vom
Ehebrvióh. 1884; Maiuzer Die Ehe im áeutschen Strafrecht.
1894.
I. A polygamia, denominada de ordinário
(mas inexactamente) bigamia, apresenta-se como
offensa do vinculo conjugal por abuso da forma de
celebrão do casamento (*). O direito romano consi-
derava a bigamia somente como stuprum (1.18, C. 9, 9);
a primitiva edade média allemã também não a tratava
como crime especial e a punia como adultério ou
rapto (Frauenstãdt, Z, 10°, 234). Só as fontes
(*) O art. 1.287 prohíbe que, dando-se o divorcio em razão de
adulrio, o cônjuge divorciado se case com a pessoa, com quem se fez
culpado de adultério, quando na sentença de divorcio se declara que o
adultério é a causa deste. O art. 1.241 prohibe que a mulher contraia um
novo casamento antes do decurso de 10 roesses, a contar da época em que o
casamento anterior foi dissolvido ou declarado nullo. H (•) Outr'ora
considerava-se a bigamia como «um adultério continuado sob a forma
de casament. Esta concepção es hoje geralmente abandonada.
Segundo a doutrina corrente entre os criminalistas allemaes,
156 TRATADO DE DIREITO PENAL
posteriores, por exemplo o direito municipal de Ripen
de 1269 (Lõning, Z, 5
o
. 224, cons. também
Osenbriiggen, Alamannisches Strafrecht, 282, Knapp,
Z, 12°, 236) ou a malefizordnung tirolense de 1499 é
que fizeram menção da bigamia como crime inde-
pendente. Ao passo que a Bamberguense, art. 146,
excluía expressamente a pena de morte por contraria ás
leis imperiaes, a Carolina, art. 121, dispunha que os
culpados do crime de bigamia «não fossem
criminalmente menos punidos do que os adúlteros,
comquanto as leis imperiaes não impu-zessem pena
capital a tal crime». De accordo com esta disposição, o
direito commum impunha a pena de decapitação
(como o direito do Palatinado de 1582, o hamburguez
de 1603, o bavaro de 1616, o prussiano de 1620, o
austríaco de 1656), mas exigia a copula camalis para a
consummação do crime, mesmo em razão da
equiparação da bigamia ao adultério (neste sentido o
direito bavaro de 1751, o austríaco de 1786). Os
escriptores do direito
o que constituo o crime de bigamia é a celebração de um novo casamento,
no que já vae a offensa á conjugal; o adultério é circumstancia intei-
ramente accessoria; o que caracterisa a figura criminal em questão é o
«abuso das rmas legaes da celebrão do casamento». Por isso é in-
dispensável que o novo casamento seja contraindo de um modo formal-
mente conforme á lei. Si as formalidades que a lei exige como
necessárias para a celebração do casamento o foram observadas, não
se o corpus delicti, falta o facto constitutivo da bigamia. Por outro
lado, não é necessário que os contrahentes convivam como marido e
mulher, o crime consuma-sc com a celebração do casamento. E nisto
mostra-se uma das consequências praticas da nova intuição, pois a
antiga só podia datar da copula a consumação da bigamia. Um outro
effeito assignalaremos adiante. Este ponto de vista explica a definição
dada no texto, que corresponde á seguinte formulada por Merkel:
•Bigamia é a offensa dolosa do existente vinculo conjugal pela cele-
bração de um casamento mediante abuso das respectivas fórmas legaes.»
29. do trad.
0RIME8 CONTRA OS DIREITOS DE FAMÍLIA.
157
commura (Kock, Kress, Bdhmer e outros) mantiveram
esta concepção, pedindo também a punição do crimen
binorum sponsaliorum, até que a litteratura do período
philosophico (de Thomasius até Soden) poz em
questão a criminalidade do facto em geral. com o
triumpho obtido pelo principio do casamento civil
tornou-se segura e determinada a collo-cação da
polygamia no systema (
b
).
I II.—Segundo o direito vigente (C. p., art. 171), o
que constitue a bigamia é o facto de contrahir
casamento, quando um dos cônjuges é casado, antes
de ter sido o casamento anterior dissolvido, annul-
lado ou declarado não existente (nullo). Esta dis-
posição suppõe a existencia de um casamento que,
embora nullo ou annullavel, corresponda aos preceitos
legaes sobre a forma da celebração. E' punível,
segundo a mesma escala penal estabelecida pela lei,
não a parte casada, como a não casada (
c
). Sobre o
ministro ou o official do es ado civil que celebra o
casamento, ver o § 112, II.
E' necessário o dolo, mas basta o dolo eventual.
A tentativa começa com o inicio do acto da cele-
bração (portanto com a interrogação por parte do
(») Ver a Ord. Aff., 1. 6, t. 14, Man., t. 19, Phil., t. 19. A bigamia (pena
de morte; era considerada caso de adultério e exigia a consummação do
casamento. M. Freire, t. 10, \ 9. N. do trad.
(•) Eis a outra consequência de considerar-se a bigamia como « nbuso
da forma de celebração do casamento ». Ambas as partes são co-autoras, quer
o nubente casado, quer o nubente não casado; este ultimo abusa também da
forma do casamento «para a vida em co comum com uma pessoa casada». O
G. p. francez desconhece pois o caracter essencial do crime de bigamia,
deixando de punir a parte não casada. Incorre egualmente em censura o nosso
C. p., art. 283, para-grapho único, que trata a parte não casada como mero
cúmplice. Não assim o prog. braz. revisto, art. 287 (mas é incorrecta a
redacção — solteiro em vez de não casado). M". do trad.
158
TRATADO DE DIREITO PENAL
official do estado civil), de sorte que os esponsaes, as
proclamas, o trajecto em demanda do official do estado
civil etc, são actos preparatórios isentos de pena. A
consumação opera-se com a celebração do casamento
concluída pela declaração do official do estado civil; não se
faz mister a copula. A bigamia não é pois crime continuo;
pertence ao numero dos crimes que criam um estado ou
situação.
Penas : reclusão até 5 annos ; octóorrendo cir-
cumstancias attenuantes, encarceramento por tempo não
inferior a 6 mezes.
Por força de disposição especial da lei, que não deriva
de princípios geraes e por isso mesmo não pôde ser
ampliada a outros casos, a prescripção só começa a correr
do dia em que um dos dois casamentos for dissolvido,
declarado nullo ou an-nullado.
§ 114. — IV. Do adultério
LITTEEATUEA. V. Wãchter, monographias, 162;
Hãlschner, 29, 469, e GS, 229, 401; Bosenthal, Die
JRechtsfólgen des Mhébruchs nach Kanonisch&m und ãeutschem
Recht, 1880; Bennecke, Die strafrechUiehe Léhre vom Ehe-
bruch, 1884 ; Mainzer. Die Ehe nach ãeutschem Beichsstraf-
recht, 1894.
I.— Historia. Foi a lei Júlia de adulteriis que incluio
pela primeira vez o adultério no numero dos crimes
punidos pelo direito romano com pena publica (D. 48, 5, C,
9.°, 9). Quanto ao mais o legislador permaneceu fiel ás
intuições populares, que se explicam pelo poder domestico
do pater-familias: somente a violação da fidelidade
conjugal e a violação de uma união conjugal estranha pelo
homem (os textos qualificam o adultero de temerator
àlienarum nuptíarumj, mas não o commercio carnal do
homem casado com mulher não casada, apresen-
CRIMES CONTRA OS DIREITOS DE FAMÍLIA 169
tava-se como adulterium. Posto que reduzido a estreitos
limites, o antigo direito de matar ficou reservado ao pae e
ao marido. Segundo o direito de Justiniano recahia sobre o
adultero a pena de decapitação; a adultera era recolhida em
um convento, donde, depois do decurso de dois annos, o
marido a podia tirar (Nov., 174). Desde Constantino o
direito de queixa foi limitado aos parentes mais próximas.
Segundo a concepção do direito alie mão, o adultério
também só podia ser commettido pela mulher casada e seu
cúmplice. Tácito, Germ. 19, nos noticia do poder
repressivo do marido (
1
). A concepção da Egreja, oriunda
da importância do casamento como sacramento, segundo a
qual exigia-se do homem a mesma castidade que da
mulher era exigida (C. 4, C. 32, qu. 4), o podia
prevalecer sobre a do direito secular, comquanto coubesse
ás mais das vezes á justiça ecclesiastica conhecer do
adultério. O Espelho da Suab., II, 13, e o da Sa-xonia, 174,
III, inflingiam á adultera a pena de decapitação j mas ás
mais das vezes a justiça con-tentava-se com uma pena
arbitraria. A Bamber-guense, art. 145, tentou discriminar
exactamente as diversas hypotheses; o homem, que
adulterava com mulher casada, devia ser punido com a
espada, mas o adultério com uma «mulher desimpedida »
seria punido arbitrariamente, e o procedimento official de
justiça caberia nos « adultérios públicos, manifestos e
escandalosos ». A Carolina, art. 120, limitou-se a fazer
referencia «á tradição de nossos antepassados e ao nosso
direito imperial», e assim deixou os movimentos livres á
legislação territorial. Não raro esta tentou equiparar o
homem
(•) Lohm, Das Recht der Eheschliessung, 78; Heusler, Insti-
tutíonen des ãeutachen PrivatreeM».
160
TRATADO DE DIREITO PENAL
e a mulher, e comminou também contra o marido, que
pecasse com uma donzella, a pena de decapitação (Z,
10.°, 235) ; neste sentido as constituições saxonias, 4.°,
18 (Distei, Z, 10.°, 431), o direito prussiano de 1620,
repetidas ordenanças austríacas do XVI e XVII século.
em 1783 a Saxonia abolio a pena de morte. A praxe
era entretanto «incertíssima », como se queixava
Bohmer, e a pena de morte rara vez imposta; somente
quando dava-se escândalo publico (pela convivência
com a concubina), podia-se, segundo as ordenanças
policiaes do Império, proceder ex-officio. Ainda menos
severo foi o período philosophico, que via no adultério
somente a offensa de um direito puramente civil
resultante do contracto matrimonial, o direito á
prestação do dever conjugal e ao exclusivo commercio
carnal. A Áustria em 1787 relegou o adultério para a
classe dos « crimes políticos », e p Allg. Landrecht
prussiano, art. 1062, se mostrou rigoroso para com a
mulher adultera (
a
). A nova legislação, prescindindo-se
de algumas poucas excepções (além da Inglaterra, Ge-
nebra etc., especialmente Hamburgo em 1869),
manteve a criminalidade do adultério (pois considera
(') «Em Portugal, diz P. e Souza (Clata. doa Grim., p. 227), este
crime (adultério) não era cohibido por alguma lei penal, mas era deixado
á vindicta particular, até ao reinado de D. Diniz, como 86 da, sua lei
de 19 de Setembro de 1840, compilada no God. Aff., 1. 6, T. 12. Seu
filho, D. Affonso IV, foi o primeiro que punio o adultério voluntário nos
nobres com o perdi mento dos bens da coroa, nos peães com a morte. A
vindicta particular permittida neste crime ao marido pela Ord. 1. 6, t. 88
pr. 1 e 6, que tem justamente | cahido em desuso, nunca se estendeu
pelo nosso direito ao pae a respeito da filha, posto que outra cousa
dispuzesse o direito romano ». Segundo M. Freire, commentario ao tit. 11
do seu Cod. Crim., o adultério de mulher solteira não era punido como
tal, devendo os barre-gueiros casados ser castigados com penas
pecuniárias, e não com as doa adúlteros. N. do trad.
CBIMES CONTBA OS DIREITOS DE FAMÍLIA 161
0 casamento como fundamento da ordem politica),
comquanto a tenha limitado por diversos modos.
Mas, cumpre notar, tem-se ás mais das vezes es
quecido, principalmente na Allemanha (nfto se pôde
dizer o mesmo do direito dos paizes latinos, do
Japão, do projecto russo), que o facto de ser a
mulher mais merecedora de pena do que o homem
encontra o seu fundamento physiologico na pertur-
baiio sanguints.
M
1 II. O direito vigente. O art. 172 do C. p.
suppõe dada a idéa do adultério. Segundo a lingua
gem commum, o que constitue o adultério é so
mente a copula, isto é, o ajuntamento natural das
partes genitaes : qualquer outro commercio carnal
com pessoa de outro ou do mesmo sexo, por muito
abominável que seja sob o ponto de vista da moral,
não pode ser considerado como adultério (
2
). O ho
mem casado, que constrange uma pessoa do sexol
feminino ao coito (art. 177) ou a engana para o
mesmo fim (art. 179), faz-se também culpado de
adultério; nfto assim o homem não casado que pro
cede por egual modo para com uma mulher casada,
pois neste caso nfto tem logar o divorcio (ver
adiante) (
b
).
E' condição do adultério a existencia material
(*) Sio assim o Allg. Lnndrecht prusiiano, que equiparava ex-
pressamente ao coito «a sodomia e outros crimes contra a natureza».! De
accordo com o texto a opinião commum; também OMuiusen, | 172, 1, e a
d>c. do Trib. do Imp. de 8 de Outubro de 86, 14», 862. Violenta et certa
auspicio fornicationU (C. 12, X, de pracs) não basta.
(
b
) Isto é, no primeiro caso dá-se o concurso ideal do crime definido no
art. 177 ou no art. 179 e do adultério; no segundo caso| porém, o delinquente
não incorre nas penas do adultério, porquanto, I como não é culpada a mulher
casada com quem adulterou, não pode ter logar o divorcio, o que é condição
para a punição do crime de adultério. N. do trad.
I. II
U
I i
I
162 TBATADO DE DIREITO PENAL
de um casamento (portanto não nullo) (
8
), embora
impugnável (annullavel). 0 consentimento do cônjuge
offendido não obsta que o adultério seja punido (*).
Mas o adultério pôde ser punido, quando, em razão
delle, dá-se o" divorcio e deste modo verificado fica
que o adultério tornou impossivel a convivência dos
cônjuges (
5
). A consummação opera-
(») Egualmente Berner, 442, Geyer, 2.°, 89, SUschner, 2.°, 470,
Olshausen, g 172, 2, v. "Wachter, 484. Contra, v. Meyer, 982, Schú-tze, 325.
(*) De accordo Geyer, 2.°, 89, Hãlschner, 2.° 478, v. Meyer, 820, 981,
deo. do Trib. do Imp. de 7 de Junho de 86, 14?, 202, e 6 de Fev. de 94, 25.",
119. Contra, Binding, 1.°, 745, Kessler, GS, 88, 571, v. Eries, Z, 7.°, 682,
Mainzer, 25, Olshausen, g 172, 1. Outro é o caso segundo o art. 1441 do proj.
do Cod. civil que nega ao marido offendido o direito de divorciar-se, quando
elle consentio no adultério (°).
(°) Os que ligam ao consentimento do njuge offendido o effeito de
impedir a punição do njuge adultero fundam-se em que o adultério attenta
somente contra a conjugal, e por isso mesmo só pôde ser punido depois de
decretado o divorcio e em virtude de queixa. Uma e outra cousa dependem da
vontade do njuge offendido; deve se pois entender que o consentimento
deste exclue a punibilidade do adultério (neste sentido também o nosso C. p.,
art. 279, \ 2). A isto respondem o autor e os defensores da doutrina exposta no
texto que a lei classifica o adultério entre os crimes contra a moralidade e que a
honra não é um bem sujeito á livre disposição do individuo. N. do trad.
(*) Portanto o divorcio em razão de um adultério importa a impunidade
de todos os outros. Produz o mesmo effeito a impossibilidade jurídica do
divorcio, v. g., por compensação no adultério, segundo o direito ecclesiastico
commum.— O divorcio é condição de punibilidade ; ver o \ 112, nota 2? E'
completamente arbitraria a distincção que faz Stein, Doa private Wissen des
Richters, 1893, nota 8?— Surgem dificuldades, quando dá-se «adultério duplo
ou simultâneo». Neste caso o co-delinquente casado pôde ser punido, embora
seu casamento não seja dissolvido e o seu cônjuge não dè queixa (
d
).
(*) Só o adultério, sobre que se baseou a sentença de divorcio, pôde ser
objecto de procedimento criminal; todos os outros ficam pois
CEIMES OONTEA OS DIEEITOS DE FAMÍLIA 163
se com o ajuntamento das partes genitaes; não é
necessário o derramamento de sémen. I
I O processo depende de queixa, cujo prazo começa a
correr desde o transito em julgado da sentença de
divorcio 43, nota 6.'), ao passo que a prescripção da
acção começa a correr, segundo à regra geral, desde
a pratica do adultério; mas, em virtude do disposto no
art. 67 do C. p., a prescripção lnterrompe-se durante o
curso do processo de divorcio. A pena do adultério é
encarceramento até 6 mezes.
impunes.— O art. 172 do C. p. ali. dispõe que, decretado o divorcio,
podem ser punidos pelo adultério o cônjuge culpado e o seu cúmplice.
D'ahi conclue-se que, no adultério simultâneo, basta ter sido decretada
I a dissolução de uma das duas sociedades conjugaes para que o co-
I delinquente no adultério possa ser punido, embora o seu cônjuge não
tenha pedido o divorcio nem dado queixa. N. do trad.
V. DEUCTOS CONTRA A LIBERDADE DE
RELIGIÃO E O SENTIMENTO RELIGIOSO
§ 115. — Historia e conceito
LITTEBATURA. Wahlberg, H H, 39, Villnow, G S,
319, 509, 579; Hager, Beitràge zur Lehre von den Reli-
gionsvergehen, 1874; Bott, Zur Lehre von den Religions-
vergehen, diss., 1890 ; Kõhler, 19, 160 : Fuld, G A, 39, 142,
Wach, Deutsche Zntsehrift fur Éirchenrecht, 29, 2, 261.
Crusen, Der atrafrechtliche Schutz ães Rechtsgutes der
JPiet, 1890 (monographias do Kriminálist. Seminar, 2, 1);
Stooss, Grundziige, 29, 182 ; Hinsehius, Éirchenrecht, 49,
790: Th. Moininsen, tia Èistorische ZeiUchrift de Sybel,
449, 389.
I. Poucos crimes ofíerecem maiores dificul
dades do que os delictos contra a religião quanto
a uma concepção verdadeira e fundada em princi-
pios, bem como quanto a sua classificação no systema,
aliás dependente daquella concepção; poucos crimes
têm passado por transformações mais frequentes e
mais rápidas no concernente a sua natureza, extensão
e conteúdo. fl
1.°—Das doutrinas do judaismo deriva a concepção
de que a ordem civil tem a missão de proteger a divindade
vingadora contra a injuria impia.
DBLIOTOS CONTRA A LIBERDADE RELIGIOSA 165
Destfarte Deus foi rebaixado á condição de homem, e em
torno da blasphemia agruparam-se outros crimes de
religião com o caracter de crimen loesce magestatis
divince, que é o primeiro e o mais grave de todos e se
modela nas suas circumstancias constitutivas pelo crime de
lesa magestade humana, assim como a idéa do soberano
divino se modela pela do soberano terrestre.
Tal fdl o ponto de vista do direito romano
ulterior, quando na Nov. 77 decretou contra a blasphemia a
pena de morte pelo fogo afim de que não recahisse sobre o
império a cólera da divindade não aplacada. Sobre esta
novela assenta o recessus im-perii da dieta de Worms de
1495, o qual, por sua vez, sérvio de fundamento ao art.
106 da Carolina. Este cod. comminou penas corporaes —
pena capital ou de perda de membros (perda dos dentes,
segundo as constituições saxonias, 4.°, 1, e a
Josephina de 1707; cons. Gunther, 2.°, 62, e também a
Z, 9.°, 210), contra aquelle que «attribuisse a Deus o que a
Deus não convém, ou por palavras negasse a Deus o que
a Deus compete, e offendesse a omnipotência divina ou a
virgem Maria, Santa Mãe de Deus.» No direito commum
notam-se muitas vacil-lações. A's mais das vezes
distinguiam-se a blasphemia directa e a indirecta e punia-
se a primeira com a morte. Encontram-se também,
principalmente nas constituições criminaes do Império
de 1548 a 1577 numerosas disposições contra o
«jurar e rogar pragas.» Era egualmente punida a falta de
denunciação. Embalde os escriptores do período
philosophico (Montesquieu, Quístorp e outros) pleitearam
a causa da impunidade. José 2.° decretou em 1787
(posteriormente proposta Martini) a prisão no hospicio dos
loucos. Só no Allg. Landrecht prussiano, art. 217
(«quem der occasião a escândalo vociferando de
publico grosseiras injurias »)
WM
166 TBATADO DE DIREITO PENAL
encontramos um ponto de vista novo e aprove^
tavel(').
2.°—O Christianismo,. tendo sido elevado no Império
romano á religião de Estado, foi protegido por diversas
disposições penaes. A apostasia e a heresia figuraram
como crimes politicos, bem como desde 425 (Valentiniano
3.°) , a confissão de paganismo.
Na edade média allemã a heresia «pertencia á júris
dicção ecclesiastica, e nos textos civis é ás mais das vezes
comminada contra ella a pena de morte pelo fogo (Esp. da
Saxonia, 2.°, 13,7). Em território allemão a primeira
queima de herege teve logar em 1229 (Osenbriiggen, 90).
E' também este o ponto de vista da Bamberguense, art. 130.
O silencio da Carolina deixou os movimentos livres á
legislação territorial. O Brandenburgo em 1582, as
ordenanças tyrolenses e numerosas ordenanças austríacas
do XVI e XVII séculos mantiveram a pena de morte.
Carpsov, porém, pedia o banimento. em 1697
Thomasius impugnava a criminalidade da heresia. Mas
ambos os crimes encontram-se ainda no direito bavaro de
1751 e no austríaco de 1768. Também os escriptores do
período philosophico, embora sob um outro ponto de vista,
mantiveram esta concepção. Ao seu ver, a religião é que
ministra as rédeas, com que o Estado governa os súbditos
(Sonnenfels). Em 1787 a Áustria sujeitou a penas a
propagação de doutrinas erróneas e a seducção
(") Em Portugal uma lei de D. Diniz de 7 de Junho de 1368 mandou
arrancar a língua ao blasphemo e queimai-o vivo, rigor que os eod. posteriores
(Aff., 1.1, t. 99, Man., t. 34, Phil., t. 2) modificaram, impondo pena pecuniária
e a de degredo (bem como a de açoutes no caso de ser peão o delinquente). M.
Freire, I. J. Orim., 1. 2, t. 16. N. do trad.
PELIOTOS COlfIBA A LIBEEDADE RELIGIOSA 167
para a apostasia enrista, e a Prússia em 1794 a fundação de
seitas. Ainda presentemente Portugal protege a religião do
Estado.
Na Áustria se operou mudança na legislação pela
lei de 25 de Maio de 1868 ; mas os novos projectos
austríacos coinminam também penas contra aquelles que
tentarem publicamente destruir a fé em Deus.
A meswa concepção, com quanto modificada na
forma, reapparece em nossos dias nos escriptos dos
criminalistas, segundo os quaes a religião, «sendo
por si um dos fundamentos da nossa vida nacional »,
deve ser posta sob a protecção do direito penal
(Wahlberg, Kòhler, Bott e outros) ("). 1
3.°— A verdadeira concepção assenta sobre o
principio de que o Estudo deve limitar a sua missão nesta
matéria a proteger a liberdade da fé religiosa contra a
ofiensa injuridica. Desfarte a perturbação do culto
religioso, a turbatio sacrarum, re]» rim ida com pena
capital no direito de Justiniano (Nov. 123, cap. 31) vem a
ser o ponto essencial nos crimes de religião. O AUg.
Landrecht adoptava em parte o mesmo principio que é
resolutamente observado pelo cod. francez. Na legislação e
na sciencia do nosso século a perturbação da paz tem
passado a oceupar cada vez mais o primeiro plano, como
no-ta-se especialmente nos cod. da Hollanda e da Itália
(motivos deste ultimo, 2.°, 43). O C. p. imp. também não
fala mais em crimes de religião, mas em de-lictos « que se
referem á religião » (Cons. Olshausen, 11, cap. 1).
(
b
) Dominou em Portugal a instituição do Santo Officio creada pela
bulia de Paulo 3
o
de 1636 ; as suas sentenças nos crimes de heresia deviam ser
executadas pela justiça secular, por serem as penas de sangue e de fogo (Ord.,
1. 5, t. 1). Vdr o interessante commen-tario de M. Ereire ao tit. 5 do seu Cod.
Crim. N. ào trad.
168 TRATADO DE DIREITO PENAL
II.—As disposições do nosso C. p. distinguem-se
em dois grupos.
l.° — 0 direito penal protege primeiramente a
liberdade religiosa, isto é, a livre manifestação da
no seio das sociedades religiosas existentes no Estado ;
impedir o culto divino (C. p., art. 167), ultrajar a
sociedade religiosa, suas doutrinas e instituições (art.
166, 2.° ai.), causar desordem em logares destinados á
assembléas religiosas (art. 166, 3.° ai.) são actos que a
lei sujeita a penas. Os ministros não gosam do uma
protecção especial. A tirada ou a damnificação de
cousas consagradas ao culto, a damnificação d'aquillo
que é objecto de veneração, a lei pune com mais rigor
do que quando se trata de outras cousas (art. 243, n. 1,
e art. 304).
2.° — Independentemente de toda base confis-
sional, a lei protege o sentimento religioso do individuo,
isto é, a convicção, accentuada pelo sentimento, da
existencia de uma ordem universal que se eleva acima
do homem. O art. 166, I
o
ai., pune a blasphemia, o art.
168 a ofíensa & paz dos mortos e á paz das sepulturas,
e o art. 304 a damnificação dos mulos ; nesta
categoria, segundo alguns entendem, deve ser também
incluído o art. 189 que pune o ultrage á memoria dos
mortos.
A exposição que se segue limita-se ao exame dos
delictos de que trata o tit. XI do 0. p.
III. A regulamentação por lei imperial dos
denominados delictos contra a religião é exclusiva ;
disposições complementares ou supplementares da
legislação estadual são destituidas de eííioacia (
l
).
(') Em sentido contrario Binding, 1.° 822, Olahausen, 111,
cap. I. Correctamente Kohler, 1.°, 224.
DELICTOS CONTRA A LIBERDADE RELIGIOSA 169
§ 116.—Dos delictos contra a religião
I. — Blasphemia. Segundo o art. 166 do C. p., a
blasphemia consiste em provocar escândalo com offender-
se a divindade por manifestações publicas e insultuosas.
A idéa de Deus não deve ser entendida no sentido de
uma abstracção philosophica fora do espaço e do tempo ou
no sentido do monotheismo coinmum a todas as confissões
christães, mas tal como é de facto concebida pelos que
crêm em Deus dentro e fora das associações religiosas
reconhecidas (*), e assim tanto a offensa a Jesus-Christo ou
ao Espirito Santo, como a oíFensa ao Jehovah judaico se
comprehendem na idéa da blasphemia (
a
).
A offensa, isto é, a manifestação de desconsideração
(como na injuria), deve ser publica, por outros termos,
accessivel a um circulo não limitado de pessoas
determinadas (
z
). A manifestação, verbal
(
J
) De accordo (mas com a limitação baseada na 2* proposição do art.
166 e relativa ás sociedades religiosas) o dec. do Trib. do Imp. de 8 de Março
de 82, 6.°, 77, Bott, 22, Geyer, 2.° 90, Janka, 311 lsbOausen, g 166, 2,
Schútze, 847 ; contra Hãlschner, 2.°, 704, Kohler, 1.°, 165, Merkel, 371, v.
Meyer, 1010, Villnow, 627.
(*) Eata doutrina á idéa de Deus uma base positiva. Segundo
Villnow, Kõhler e Hãlschner, a idéa de Deus no sentido da lei é aquella sobre
a qual estão de accordo as sociedades religiosas mo-notbeistas existentes no
Estado, e segundo Merkel é a idéa geral que a palavra Deus expressa, quando
não se lhe acerescenta algum qualificativo. D'abi resulta que a offensa a Jesus-
Christo, ao Espirito-Santo pôde ser punida como ultrage ás igrejas christães,
mas não como blasphemia. N. do trad.
(') Merecem critica as dec. do Trib. do Imp. de 5 de Jan. de 91, 21.°,
254, e de 28 de Nov. de 91, 22.°, 241 que, para admittir a existencia de um
«circulo limitado», exigem relações pessoaes reciprocas, um «vinculo que
reduza á unidade.» Ver o | 108, nota 4.
IH _ i
HÕZ TRATADO DS DntEiTo-cmrAi/
ou escripta, deve ser insultuosa, isto é, tal que reúna á
rudeza da expressão o conteúdo offensivo 94). Outros
actos (ver o art. 183 do C. p.), como representações
figurativas, não entram neste numero.
A ofiensa por si não basta ; é necessário que cause
escândalo, isto é, que fira o sentimento religioso, ainda
que de um só individuo (§ 108).
Penas : encarceramento até 3 armes.
II. O ultraje ou insulto publico a uma sociedade
religiosa (christã ou não) existente no território federal (não
nos territórios sob o protectorado allemão) e investida de
direitos de corporação é delicto, quando o insulto a) é feito
á sociedade como tal, b) ás suas instituições, ou c) ás suas
praticas (art. 166). Os velhos catholicos, tanto como ramo
da Igreja catholica, como em consequência de especial
reconhecimento (por parte da Baviera), estão sob a
protecção do art. 166.
Também aqui ultraje é a expresssão de des-
consideração sob uma forma grosseira e por isso offensiva
ao mesmo tempo do sentimento, pouco importando que se
externe por palavras ou por outros actos. Das instituições e
praticas (sacramentos, indulgências, culto da Virgem
Maria, monachismo, adoração de santos e de reliquias),
devemos distinguir os dogmas (trindade, humanisação de
Christo, Im macula da Conceição, infalibilidade papal), os
factos históricos (reforma, concilio do Vaticano, celebração
de uma concordata), e os objectos de adoração o manto
santo» de Treves), (
8
) as escripturas santas e as pessoas
adoradas. Mas o ultraje con-
(») Emquanto não vao nisto uma oflfensa á adoração de reli-
quias como tal; dec. do Trib do Imp. de 18 e 20 de Bev. de 98, 24.°,
12.
DBMOTOS CONTBA A LIBERDADE RELIGIOSA 171
cernente a taes objectos ou matérias pôde envolver
um ultraje mediato á sociedade mesma (*).
Basta que haja dolo ; não se faz mister uma
intenção especial (
b
).
Penas: encarceramento até 3 annos.
III.— O facto de praticar um desacato em uma
egreja ou em outro logar destinado a assembléas
religiosas (e não necessariamente ao culto). O logar
de ser destinado não s<5 a sociedades religiosas
reconhecidas, como ás que de facto existem (art.
166). Jj
Desacato é todo procedimento grosseiro e in-
compatível com o destino do logar. O desacato deve
ser praticado «em logar cercado», ainda que da parte
exterior (e portanto não em sitio aberto, em uma rua
publica etc). Também aqui a omissão contrária ao
direito equivale á acção. —Os cemitérios entram no
numero dos logares que a lei protege, quando são
destinados a assembléas religiosas, embora pertençam
a communas. Sob a mesma condição entram também
neste numero os logares destinados á cremação de
cadáveres, mas não os logares destinados a enterros
sem caracter confissional.
Penas : as mencionadas sob o n. II.
(*) As sociedades religiosas que se hostilizam devem observar os
limites traçados a bem do interesse d» paz publica, ainda quando isto as
constranja na livre confissão de suas doutrinas. Diverge Wach.
(
b
) O projecto do C. p. ali. mencionava, além das «instituições e
praticas das sociedades religiosas», as suas «doutrinas ou os objectos de sua
adoração*. Estas ultimas palavras foram supprímidas em virtude de uma
emenda do deputado Lasker. Entende-se pois que o art. 166 do C. p. actual
protege as «instituições e praticas de taes sociedades» e que disto se
distinguem as «doutrinas e os objectos de ado-| ração». Assim o Trib. do Imp.
julgou que naquelle artigo não está comprehendida a offenea a dogmas. N.
do trad.
172
TRATADO DE DIREITO PENAL
IV.— Perturbação do culto (obstar ou perturbar)
alguém, mediante vias de facto (aqui a expressão é
synonyma de violências, § 97) ou ameaças, no
exercício do culto (adoração em com-mum) de uma
sociedade religiosa estabelecida no Estado (no
território federal). O facto de coagir ao exercício do
culto só é punível como constrangimento.
2.°— O facto de impedir ou perturbar dolosa-
mente o culto ou actos do culto de uma sociedade
religiosa, causando arruido ou desordem em uma
egreja ou em outro logar destinado a assembléas
religiosas.
Prevalecem com relação á exclusão da ille-
galidade os principios geraes. E' pois admissível a
legitima defesa da honra contra manifestações inju-
riosas por parte de um ministro do culto (
s
) (
c
).
Penas : encarceramento até 3 annos.
V.— A perturbação do repouso dos mortos e da
paz das sepulturas.
Crime punido na infância dos povos com especial
rigor. O direito romano converteu a sepulchri violatio
em crime sui generis (D. -17, 12, C. 9, 19). Numerosos
textos das leis barbaras da Allemanha occuparam-se
com a perturbação do repouso dos mortos; o direito
franco comminava contra quem profanava um
cadáver a privação da paz fwargus
(*) Dec. do Trib. do Imp. de 24 de Nov. de 90, 21.°, 168. Ver porém o
$ 32, nota 6.
(°) Um certo cura de Neuenweg, discorrendo em uma predica sobre a
situação da communa, usou de expressões um tanto vigorosas que offenderam
o burgo-mcstre; este, não podendo mais conter-se, exclamou: — basta, bastai e
abandonou a egreja. Accusado como incurso no art. 167 do O. p., o burgo-
mestre foi absolvido graças á hábil defesa do seu advogado que demonstrou ter
applicação ao caso a idéa da legitima defesa. Neste sentido julgou o Trib. do
Imp. N. do trad.
DELICTOS CONTRA A UBERDADE RELIGIOSA 173
sit; acima § 4, nota 2). Na edade média posterior encontra-
se mensão especial do esbulho de cadáver freraub, reroupj.
O direito commum manteve, apezar do silencio da
Carolina, a concepção allemã e em certas circumstancias
impunha mesmo a pena de morte (o direito prussiano de
1620). A nova legislação colloca «a perturbação do
repouso dos mortos» (dec. do Trib. do Imp. de 12 de
Março de 85, 12.°, 168) entre os
#
delictos de religião. Com
effeito, of-fende-se o sentimento religioso (de que é uma
espécie a piedade), e não simplesmente o dos parentes do
defunto. É' pois indifferente a consagração religiosa da
sepultura. Além disso, os cemitérios são protegidos pelo
art. 166 e 167 do C. p.
No art. 168 o C. p. qualifica:
1.° A tirada illegal de um cadáver da custodia de
quem está autorisado a guardal-o (
8
).
Cadáver é o corpo humano privado de vida,
emquanto a connexão das partes não cessa de todo ; é
portanto a múmia, mas não o são as cinzas resultantes da
cremação do corpo. O feto nunca é corpo humano 80,
nota 1). Quando o cadáver, por venda a um amphitheatro
de anatomia, torna-se objecto de commercio, converte-se
em cousa, que é susceptível de furto, desvio, damno, mas
não mais do crime de que trata o art. 168.
O cadáver deve ser tirado (
7
) da custodia de quem*
está autorisado a guardal-o; si falta este requisito, i como
acontece com relação a cadáveres que se decompõem
no campo insepultos ou que o
(*) Ver o art. 867, n. 1, segundo o qual incorre em multa até
160 marcos ou em detenção quem, sem sciencia da autoridade, enterra
ou supprime um cadáver, ou indevidamente tira uma parte de um
cadáver da custodia da pessoa autorizada a guardal-o.
(') Somente é punível a tirada do cadáver, e não o insulto, a
offcnsa.
174
TRATADO DE DIREITO PENAL
rio comsigo trouxe, ou que foram encontrados em tumuli e
necrotérios antigos, não se pôde dar o crime em questão.
Quem é apenas co-detentor (por exemplo, o coveiro) pôde
usurpar a detenção exclusiva e portanto tirar (§ 125, III).
2.° A indevida destruição ou damnificação de
sepulturas, isto é, daquelles Ioga res em que de um modo
característico o cadáver é inhumado. Gomo sepultura
considera-se o montículo áê terra que se eleva sobre a cova,
o cercado, a plantação (
8
) (não as grinaldas depositadas
sobre a sepultura), o ataúde com o corpo, e também os
túmulos ou mausoléos; mas o damno feito a estes é punível,
segundo o art. 304 do C. p.
3.°— O desacato praticado {ver acima o n. III—
para com (e não necessariamente 8Óbre)uma sepultura
(esta deve ser o objecto do attentado).
Penas : encarceramento a 2 annos ; facultati-
vamente perda dos direitos cívicos.
(
e
) O facto de colher flores só como damnificação das plantas é
também damnificação da sepultura.
VI.-VIOLAÇÃO DO DOMICILIO E VIOLÃO DE ,
SEGREDOS ALHEIOS
§ 117.— I. Da violação do domicilio
LITTEEATUEA. —Brunner, 2.°, 653; Osenbrúggen, Die
Lehre vom Hnusfrieãen, 1857; Jãger, Der Hausfrejisbmeh,
diss., 1885; Glaser, monographias, 1858; John, H H., 3.°,
254; Hãlschner, 2.° 144.
I. Direito domestico ou domiciliário ê o, interesse
juridicamente protegido da livre manifestação da própria
vontade na própria casa, do livre governo do lar domestico
; bem juridico aparentado com a liberdade individual, mas
de natureza especial (
1
). i» O direito romano não qualificou
a violação do domicilio como crime sui generis,
comquanto nas leis romanas se notem multíplices
tendências a assignalar este delicto.
Assim a pretendida lei Cornélia (acima, § 3) ineluio
entre as iryurioe atroces, ao lado do puhare e do
verberare, o domum vi introire, e o direito posterior
qualificou o delicto especial dos directarii, «qui
*'í||
(') De accordo Olshausen, $ 128, 2. Análoga é a pat campestre (C. p-, art.
868, n. 9, lei policial da Prússia sobre os campos e as florestas, art. 9).
176
TRATADO DE DIREITO PENAL
in aliena ccenacula se dirigunt», sem, todavia, formar uma
concepção clara e precisa desta tentativa de furto
especialmente aggravada.
Nas fontes da edade média, pelo contrario, a
perturbação da paz do burgo e da casa (a hérnia-suchung)
teve desde o começo o caracter de um crime absolutamente
especial, dirigido contra um bem jurídico independente.
Quer se especialise, como no direito primitivo, o assalto
violente com séquito armado {hariraido), quer, como na
edade média posterior, a invasão por parte de um
individuo, é sempre a autoridade sobre o lar que figura
como objecto do delicto. «Queremos, lê-se em numerosos
direitos muniçipaes, que cada burguez tenha em sua casa a
sua fortaleza». O direito bavaro de 1616 fala (como o Esp.
da Suabia) em guarda da «honra domestica». Entretanto a
violação do domicilio, quando não se dava uma aggravação
especial, só era punida civilmente e entrava na competência
da baixa justiça. Tem pois explicação o silencio da
Carolina. No direito commum a violação do domicilio
passou para o segundo plano, sem, todavia, desapparecer
de todo. A's mais das vezes concebia-se a violatio
securitatis ãomesticce como caso nomeado da vis publica
(Koch, Engau e outros; Theresiana). O art. 525 do Allg.
Landrecht prussiano occupa-se com a violarão do
domicilio em seguida á legitima defesa e ao desforço por
autoridade própria ("). A legislação e a sciencia a
classificam já entre os crimes contra a
o) A violação do domicilio com séquito armado (o denominado crime de
assuada) ou sem elle acha-se qualificado no Cod. Man., 1. ,&>' t. 61, e no
Phil., t. 46, como crime sui-generis (ver também o Cod. Aff., t. 78). «Qui, diz
M. Freire (I. J. Crim., t. 4, ? 13), unius-cujusque domui, qua nihil sanctius, nec
omni religione munitius, vim fecerit, vel fores nocendi animo effregerit, ia
Brasil iam perpetuo, nullo licet damno dato, relegatur». N. do trad.
VIOLAÇÃO DO DOMICILIO &0.
177
liberdade (John, Schiitze, Halschner, o cod. prus-|
siano de 1851), entre os crimes contra a ordem
publica. Este ultimo ponto de vista, incontestavel-
mente incorrecto, é também aceito pelo 0. p. imp.
I II. — O art. 123 do C. p. protege o direito domestico,
antes de tudo, no tocante á habitação. Assim se chama
o logar que serve ao homem para o seu descanço
nocturno ordinário (
2
).
Não se eatíge que tal logar seja um edifício (0. p.,
art. 243, n. 2); o navio, o carrinho do pastor, o carro
do artista ambulante (
c
) são também considerados
como habitação. A lei equipara á habitação : o logar
destinado ao negocio, isto é, o logar em que alguém
exerce ordinariamente a sua actividade industrial; a
"propriedade cercada, isto é, a que a cerca assignala
como protegida pelo direito domiciliário, embora
ache-se materialmente separada da casa (
3
); e os
recintos ou espos fechados que são destinados ao
serviço publico.
H (') Divergem a dec. do Trib. do Imp. de 16 de Abril de 86, 12.°, 182, v.
Meyer, 171, Olshausen, \ 128, 8. Correctamente Jãger, 25. O art. 306, n. 3 do
C. p. contrapõe a residência 4 habitação (
b
). (
b
) A doutrina divergente é assim
exposta por Olshausen (| 123,8): habitação é o conjuncto dos logares que
servem para a residência continua ou que podem ser livremente utilisadas por
uma pessoa ou por uma pluralidade de pessoas entre si ligadas (uma família);
dec. do Trib. do Imp. de 16 de Abril de 86. e é necessário que o logar sirva
para o descanço nocturno ; ha, de um lado, habitações que servem Isomente
para a residência durante o dia, e, de outro, ha logares destinados ao repouso
nocturno, como o carrinho do pastor, que não são habitações. N. do trad.
(°) Kúnstlerwagen, isto é, o carroção que serve para o transporte e a
habitação de artistas de feira. N. do trad.
(
3
) Contra, as dec. do Trib. do Imp. de 28 de Nov. e 8 de Pez. de 89,
20.°, 160 (si é fácil conhecer a connexão, não se faz necessária a cerca); cons.
Franclc, Z., 12, 266.
T. II 12
178
TB ATADO DE DIREITO PENAL
0 direito domiciliário pertence a jjue.m tem <dj
direito* de habitação ou aos seus^representantes.
Quando certos logares o reconimenolaiios—A—deter-
minadas pessoas" (o mestre, a criaj.a, a hospede), estão
ellas investidas daquelle direito. A respeito dos logares
que, como vestíbulos, escadas, ante-salas etc, são
destinados á utilidade de vários moradores, cada um
delles tem o direito domiciliário (limitado pelo dos
outros). Em relação aos logares públicos o mesmo
direito pertence a quem pôde sobre elles dispor (
4
) (
d
).
III.—Casos de violação do domicilio. I
1.°—A violação simples se (0. p., art. 123, 1.°
ai.):
a) quando alguém penetra sem direito nos
mencionados logares, isto é, quando alguém entra
vencendo um obstáculo que lhe é opposto, embora
este consista apenas na prohibição declarada ou
(*) Si um logar é destinado a reuniões, a divertimentos, os que
convidam e os que dirigem têm o direito domiciliário; deo. do Trib. do Imp. de
19 de Maio de 98, 24.°, 195.
(*) Estes últimos logares vêm a ser para a administração o que no
commercio particular o os «logares destinados ao negocio». John censura a
lei por ter equiparado os dois casos. « Penetrar sem direito em uma habitação,
no logar destinado ao negocio de um particular ou na sua propriedade cercada,
diz elle, 6 um delicto de natureza inteiramente diversa do facto de penetrar
alguém illegalmente em recintos destinados ao serviço publico. O primeiro
facto 6 um crime contra um direito de caracter privado, contra o direito
domiciliário, e o segundo nada tem que ver com esse direito. Com relação ao
primeiro o principio fundamental—o domicilio é inviovel—é garantido por
este preceito geral prohibitivo—ninguém pôde penetrar em uma habitação
contra a vontade do seu dono; o segundo nenhuma relação tem com estas
disposições concernentes á protecção da liberdade individual. Quanto ao
primeiro, a exigência de que o processo dependa de queixa é indispensável,
quanto ao segundo esta exigência não tem justificação». (HH, 8.°, 154, 159).
N. do trad.
VIOLAÇÃO DO DOMICILIO &0. 179
presumível, e portanto exista somente na vontade
contraria do titular do direito;
b) quando aquelle, que em taes logares se acha R
indevidamente, não se retira, apezar da intimação t do
titular do direito (contra o intruso é admissivel a legitima defesa,
v. g., pela expulsão).
O processo depende de queixa. Esta cabe ao |
titular do direito domiciliário, mesmo quando foi'
offendido na» pessoa do seu representante.
Ir Penas: encarceramento até 3 mezes ou multa
até 300 marcos. Ver também o art. 342 do C. p. 2.°—O
caso qualificado (art. 123, 3.° ai.) dâ-se, quando um dos actos
mencionados sob o n. I é praticado por quem está armado
ou por varias indivíduos em commum (§ 50, nota 9). A palavra
arma I* deve ser tomada no sentido technico (§ 93) (
6
); k
no caso sob a letra è, basta que só depois da entrada o
delinquente lance mão da arma. O agente deve saber que está
armado; não se faz mister uma intenção que vá mais longe.
Cabe o procedimento official. Penas: encarce
ramento de uma semana até um anno.
V: 3.°—O caso gravíssimo (art. 124) dá-se, quando
|> uma multidão publicamente agglomerada penetra
(
6
) Egualmente Hãíschner, 2.°, 154, v. Kries, GA, 25.°, 47;
contra, a opinião commum, e também a dec. do Tríb. do Imp. do
I 18 de Jan. de 83, 8.°, 45; Geyer, 2.°, 26, v. Meyer, 773, Olshansen,
I § 123, 25. (•)
(
e
J Si a violação do domicilio por parte de quem está armado,
diz Olshausen, é punida com pena mais rigorosa, evidentemente o
ponto de vista do legislador foi o perigo d'ahi resultante. NSo se
I deve pois tomar a palavra arma no sentido technico, mas pelo con-
trario deve-se entender que esta expressão comprehende todo in-
strumento apropriado a servir aos fins da aggressão ou da defesa; no
essencial a expressão arma equivale a instrumento perigoso (neste
sentido o Trib. do Imp., o Sup. Trib. de Berlim, Geyer, John, Meyer,
etc.). N. do trad.
TBATADO DE DIREITO PENAL
sem direito nos mencionados logares na inten
ção
(equivalente a motivo) de, com forças reunidas,
praticar violências contra pessoas ou contra cousas. A
expressão multidão significa uma pluralidade desor-
denada, mas não uma enorme pluralidade de pessoas;
as circumstancias do caso concreto é que devem ser
decisivas, é toda tentativa de uma limitação
numérica. Agglomeração é a reunião de vários indi-
víduos ligados por uma intenção commvim e illegal, e
que se apresenta como um grupo TEsfinctõ*. A
agglomeração forma-se publicamente, quando qualquer
pessoa do povo, e não somente certas e determinadas
pessoas, pôde incorporar-se. O dolo deve envolver a
consciência de que o agente faz parte de uma
agglomeração destinada aos fins mencionados. A
intenção de commetter pessoalmente violências não é
necessária.
Penas : encarceramento de um mez até 2 annos.
Incorre nesta pena todo individuo que «toma parte»
(não no sentido technico da cumplicidade) em ditos
actos.
§ 118.—II. Da violação de segredos alheios
LITTEKÀTUEA.—Sydow, WV, 1?, 245 ; Kõhler,
Das
Recht an Briefen, 1893; Hàlschner, 29, 215 ; Liebmann,
Die
Pflicht ães Arztes zur Behrung anvertrauter Geheim-
nisse,
1886; Placzek, Das Berufsgeheimniss ães Arztes,
1893;
Brunstein, Der Schutz der Fabrik- u Gesckãfts- I
geheimnisse,
1887 ; trabalhos do 19? congresso dos juristas
allemães, 1°,
71, 3°, 239; Stooss, Grundzuge, 29, 169.
I. O bem juridico, que o crime em questão
offende, é o interesse juridicamente protegido consistente
em resguardarem-se as relações pessoaes e sociaes contra a
intervenção intrusa de outrem; é um bem especial e
análogo ao direito domiciliário. A livre manifestação da
nossa vontade seria impedida e com-
VIOLAÇÃO DO DOMICILIO &C. 181
promettida, si fosse dado a qualquer devassal-a. Mesmo na
novíssima legislação allemã este bem jurídico s<5 tem
encontrado suflSciente protecção no tocante ao segredo
epistolar, como interesse concernente ao conhecimento
exclusivo da correspondência (*). A violação de alheios
segredos de família só é sujeita a penas com relação a
certas pessoas, e a violação de segredos commerciaes ou
industriaes (prescindindo-se da legislação
1
sobre patentes e
sobre seguros) não tem sido até o presente reprimida pelo
direito penal. II. — Não foi completamente estranho ao
direito romano a repressão do segredo epistolar (1. 1, § 38,
D. 16, 3, 1. 1,41, proem., D., 9, 2). No direito commum o
facto de abrir cartas e documentos, a resiç/natio, era
considerado como falsum e punido com pena arbitraria
(neste sentido o direito tyrolense de 1532 e 1573, o
prussiano de 1620 e 1721). Tal foi também o ponto de vista
do Attg. Landrecht prussiano, art. 1370 (").
(') Lei postal de 28 do Outubro de 1871, art. 5, lei de 6 de Abril de
1892 sobre telegraphos, art. 8; Cod. do p. p., urts. 99 a 101; lei sobre a
fallencia, art- 111; .Laband, 2.°, 60. Cumpre observar que a idén de segredo
epistolar no direito publico não é a mesma do direito penal (•).
(*) Segundo o direito administrativo allemio, entende-se por carta todo
objecto confiado ao correio para ser por elle expedido. « A obrigação do
«segredo epistolar», diz Laband, 1. c, refere-se não somente a cartas e
telegrammas fechados, senão também a cartas abertas, (cartões, vales postaes),
pacotes etc. Aos empregados do correio não é probibido investigar o
conteúdo das cartas, pacotes etc., como também revelar a terceiros o facto
mesmo da correspondência.» Na oflènsa dessa obrigação Gõsse, não uma
violação do « segredo epistolar», e sim uma violação do « segredo do officio»,
que nesta parte só pode consistir em communicnções a terceiros. Mas a
doutrina exposta, observa Laband, tem sido sempre recebida como verdadeira
pela administração postal superior. N. do trad.
(•) Encontrasse qualificado o crime de abrir cartas alheias no
182 TRATADO DE DIREITO PENAL
No século XIX a protecção do segredo epistolar tomou côr
politica; são cuidadosamente determinados pela lei os casos
em que é licito ao poder publico devassar o segredo
epistolar declarado inviolável nas constituições, e o abuso
por parte dos empregados dos correios e dos
telegraphos é qualificado como crime de responsabilidade
(C. p.. art. 354 e 355). O art. 299 do C. p. imp., derivado
immediata-mente do art. 280 do C. prussiano, e
^mediatamente do art. 1370 do Allg. Landrecht, pune
quem, dolosamente e sem autorisação, abre carta ou
qualquer outro documento fechado (a palavra documento
não deve ser tomada no sentido technico do art. 267) que
não era destinado ao seu conhecimento. A acção consiste,
pois, em remover-se o obstáculo opposto pelo fecho (o que
não quer dizer que este seja necessariamente oflfendido) ;
não se faz mister que o agente lesse ou tencionasse ler o
papel. Considera-se fechado o papel, quando só é possivel
lel-o, depois de vencidos certos obstáculos. E' indifferente
o género do fecho (collar, sellar, coser, chumbar); mas não
basta que o papel esteja simplesmente dobrado, envolto em
outro ou atado, bem como não se acham no caso da lei os
documentos abertos, embora guardados em uma secretária
fechada. O papel deve ser aberto sem autorisação, isto
é, contra direito; é portanto necessário que o agente tenha
consciência da illegalidade do seu acto (§ 40, nota 4.').
Com relação á exclusão da illegalidade prevalecem os
princípios geraes (§ 31 e seg.). Notaremos que um direito
relativo á educação pode autorizar
Ood. Man., 1. 5, t. 80, e no Phil., t. 8. Considerava-se o facto como crime de
falsidade; mas, sendo as cartas «do serviço do príncipe », aquelle que de
propósito as abrisse e descobrisse o segredo delias, seria reputado «traidor», e
incorreria por isso na pena de morte (Ciais, dos Çrim., p. 58). N. do trad.
VIOLAÇÃO DO DOMICILIO &0. 183
a abertura do papel. A posição do marido em relação á
mulher determina-se segundo o direito civil vigente. A
cumplicidade por parte do empregado do correio ou do
telegrapho é punivel como crime de responsabilidade sui
generis nos termos dos arts. 354 e 355. A intenção de lucro
(por exemplo, na violação de telegrammas sobre o cambio
ou a cotação) não reconhecida como círcumstancia
aggravante.
O processo depende de queixa. Esta compete ao dono
do documento fechado; si o papel foi expedido, a quem o
expedio até que a propriedade passe ao destinatário, e,
consequentemente, quando o papel é remettido pelo
correio, até que se eífectue a entrega; posteriormente ao
destinatário (
2
) (
c
).
Penas: multa até 300 marcos ou encarceramento até 3
mezes.
III.— A revelação de segredos alheios.
No art. 300 o C. p. sujeita a penas a revelação não
autorisada de segredos, quando é feita por advogados,
procuradores, tabelliães, defensores em causas criminaes,
médicos, cirurgiões, parteiras, pharmaceu-
(*) De accordo Geyer, 2.°, 39, Hãlscliner, 2.°, 247, v. Meyer,
#
779,
Olshausen, f 299; contra, Berner, 610, Merkel 849 e H. H., 3.°, 884 e outros,
que consideram competentes para dar queixa tanto o remet-tente como o
destinatário. Binding, 1?, 625, faz distinccões arbitrarias.
(•) Até a remessa da carta, diz Olshausen, aquelle que a escreveu é o
único competente para delia dispor, e portanto para dar queixa. A remessa ao
destinatário de effectuar-se por um portador ou pelo correio. No primeiro
caso o direito de disposição e de queixa passa ao destinatário, quando o
portador da carta Ih'a entrega. No segundo caso, como o remettente, ainda
depois de entregue a carta ao correio, é quem juridicamente delia dispõe até
que seja entregue ao destinatário, também só ao remettente compete até então
dar queixa. No mesmo sentido Geyer, Hãlschner, Bubo. Merkel e outros
porém entendem que, entre a remessa e o recebimento, são competentes para
dar queixa tanto o remettente como o destinatário. Em substancia é também
esta a opinião de Binding. N, do trad.
184
TRATADO DK DIREITO PENAL
ticos, bem como pelos seus respectivos ajudantes, dado que
os segredos lhes tenham sido confiados em razão da
funcção, profissão ou oflicio.
Segredos são factos da vida privada que interessa
áquelles a quem concernem manter secretos. Taes factos
são confiados: 1.*, quando communicados sob expressa ou
tacita recommendação de segredo; 2.*J quando o agente
obteve conhecimento d'eUes no exercício de sua funcção,
profissão ou \>fitcio. O que os médicos, os defensores, as
parteiras observam no exercício de sua profissão, não é
necessário que lhes tenha sido confiado, considerasse como
tal. Revelar é communicar a outrem. A revelação deve ser
feita sem autorisação, isto é, illegalmente. Segundo as
regras geraes, o desempenho de um dever profissional
(revelar ao chefe da família o .mal venéreo do filho, a
gravidez da creada), a denuncia dada á autoridade, etc.,
excluem a illegalidade; mas o facto de promover interesses
scientificos (publicação de casos de enfermidade) não a
derinte. Terceiros podem fazer-se culpados como
cúmplices.
E' necessário o dolo, bem como a consciência da
illegalidade. O processo depende de queixa, e esta cabe á
pessoa, cujo segredo está em questão, cujos interesses,
portanto, foram offendidos pela revelação (*).
Penas: multa a1.500 marcos ou encarceramento até
3 mezes.
(*) Kgoalmente Liebmaan, 49, T. Merer, 781; contra, a dec. do Trib. do
Imp. de 22 de Out. de SÕ, 18.", 60, Binding, L% 626, Meikel, SSO,
OUheusen, | SOO, 11 <«).
I*) Ofendida é somente a pessoa, cuja confiança foi illadida pela
revelação do segredo, o que não exclue que mais de uma pessoa' tenha o direito
de queixa, por exemplo, o chefe e o respectivo membro da âunilia
relativamente ao medico (Trib. do Imp, Binding. Mcrkel, Sefcwaxtze,
Olahausen). H. do trad.
VIOLAÇlo DO DOMICILIO &0. 185
IV.— O art. 300 do C. p. regulou a matéria em
questão de um modo que inhibe a acção do legislador
estadual. A legislação estadual não pôde pois sujeitar a
penas o facto de serem utilisados segredos alheios ou a
violação de um dever publico e legalmente reconhecido de
guardar segredo (por exemplo, o dever dos corretores, dos
inspectores de fabrica etc.) (*). A nova legislação imperial
accres-centou apenas uma clausula ao art. 300 do C. p.
relativa a segredos de fabricação. A lei de 6 de Julho de
1884 concernente ao seguro contra acci-dentes distingue
um caso simples e um caso qualificado de violação de
segredos alheios por parte dos membros das directorias das
associações, dos seus delegados (art. 82 e 83) e dos peritos
nomeados nos termos do art. 83. No mesmo sentido as leis
de 6 de Maio de 1886 (art. 127 e 128) e 11 de Julho de
1887 (art. 49), bem como a lei de 22 de Junho de 1889 (art.
152 e 153).
I a) Caso simples (art. 107). As mencionadas pessoas
incorrem em multa até 1.500 marcos ou encarceramento
até 3 mezes, quando, sem autorisação, revelarem segredos
de fabricação, de que tenham conhecimento em razão de
suas funcções ou mandato. O dolo é necessário (
6
). O
processo só pôde ser iniciado em virtude de queixa do
emprezario industrial.
b) Caso qualificado 108). A lei commina a pena de
encarceramento, á qual pôde accrescer, como pena
accessoria, a perda dos direitos cívicos,
(*) Egualmente Hãlschner, 2.°, 217. Não se pôde pois considerar
subsistente o art. 418 do G. p. francez relativo a esta matéria. B' outra a
doutrina do Trib. do Imp. na decisão de 3 de Jan. de 87, 16.°, 141, bem como
a de Olshausen, J 800, 1.
(») Contra, Appellius, N. Q., 916 (osquece-se de que é idêntica a
redacção do art. 300 do C. p.)-
186
TUATAHO PE gqatpo natal.
quando as ditas pessoas intencionalmente (equivaleste
a dolosamente) e em prejuízo dos indostriaes- rere-l
larem segredos de fabricação, de gãe tenham eonhe-
cimenio em razão de suas funcções on mandato, ©a
quando imitarem imstallações oa meíhod&s de fabri
cação conservados secretos, àe que tenha» conheci-
mento em razão de suas funccões ou mandato, em
quanto esses processos conservarem o caracter de
segredos de fabricação. Si assim proiederem para
obter para si ou para proporcionar a outrem um
lucro pecuniário (não necessariamente Alegai), poderá,
além da pena de encarceramento, ser imposta uma
multa até 3.000 marcos. I
VII—CRIMES E DELICTOS CONTRA A PAZ
JURÍDICA
§ 119.— Considerações geraes
LITTEBATURA . John, Lanâzwang uwiãerrechtliche
Dróhungen, 1852; Glaser, Monographias, 1858; Geyer, H H,
39, 582; Bruck, Verbrechen gegen ãie WiUensfreiheit, 1875;
Hálschner, 29, 129, 487,
I.— Paz jurídica é a consciência da seguridade
do direito, a confiança no poder protector da ordem
jurídica. Ella é oíTendida, quando essa confiança é
perturbada, embora transitoriamente, pelo receio de
violências contrarias ao direito; é compromettída,
quando dá-se a possibilidade immediata de ser essa
confiança perturbada. Sem duvida póde-se contrapor á
paz do individuo a paz ou tranquilidade publica, como
consciência inherente á sociedade da seguridade do
direito, bem como póde-se distinguir a ameaça ao
individuo da perturbão da tranquillidade publica; mas
esta distincção não é necessária nem conveniente. O
objecto do interesse juridicamente protegido é o
mesmo aqui como alli, porquanto a sociedade em
contraposição á collectividade politicamente organisada
não é mais do que uma pluralidade indeterminada de
indivíduos.
II.— No direito romano o crimen vis, apezar da
distincção sempre duvidosa e vacillante entre a vis
publica e a vis privata, tem em todas as suas
188 TRATADO DE DIREITO PENAL
fórmas o caracter de perturbação da tranquillidade publica.
E' esta idéa fundamental do legislador que liga os casos tão
diversos comprehendidos no crimen vis: o porte de armas, o
tumulto e a sedição, o saque de casas, a invasão da
propriedade immovel, o stuprum violento, o cárcere
privado, a extorsão, o rapto, o abuso de poder por parte do
funccionario publico, o perturbar a administração da justiça.
O sJcopelismus (1. 9, D., 47. 11), anaiogo á coacção
publica do direito commum, tinha somente importância
local.
Este amplo e obscuro conceito corresponde ás
perturbações da paz da edade média allemã, á violação da
paz pactuada ou legal 4, nota 14), da paz da cidade, da
justiça, do exercito, das egrejas, do mercado, da « paz
promettida e ordenada » (que ainda hoje tem certa
importância nos cantões da Suissa).
Como delictos da mesma natureza e designados com
denominações próprias, individualisaram-se o fiirwarten ou
espera (o verwegwarten do direito municipal de Frankfort
de 1578) punido somente com pena arbitraria, e o
Wegelagerung ou emboscada (via lacina no direito franco,
a obsessio viarum, segundo Engau e Bõhmer) punido com a
decapitação, um e outro conservados no direito commum.
No art. 128 a Carolina comminou a pena de decapitação
contra a coacção publica, as ameaças de indivíduos crimi-
nosos e fugitivos do logar natal, crime que se relacionava
com o roubo, a extorsão e a imposição de contribuições,
bem como decretou no art. 129 a mesma pena contra a
diffidatio (ainda neste sentido o direito austríaco de 1768).
Além disso, a legislação imperial do século XVI (a paz
publica de 1548, o recessus imperíi de 1594) occupou-se
ainda com a violação da paz publica, em que se compre-
hendia também a paz religiosa e comminou a pena de
banimento do Império. Debalde o direito com-
CBIMES E DELIOTOS CONTRA A PAZ JUBIDICA 189
mum tentou definir a idéa geral da VÍB, e ao lado desta
idéa, que tinha appli cação subsidiariamente,
especialisou uma serie de «casos nomeados» de
violência publica (como ainda faz o direito austríaco
vigente). Successívamente discriminaram-se os crimes
que não se dirigem contra os indivíduos, mas contra o
poder publico. No tocante á ameaça feita a um
individuo por parte de pessoas, «de quem se devesse
esperar» malfeitoria ou delicto por causas conhecidas
», a Carolina só prescrevia medidas de seguraa ('
dràvbúrgen, secwity for keeping the peace, caução), e
não comminava penas (do mesmo modo o Allg.
Landrecht prussiano, art. 44) (*).
Também a legislação moderna não conseguio
formar idéas claras e precisas e vê-se forçada a supprir
as lacunas do direito commum com disposições
excepcionaes de valor duvidoso para logo abo-lil-as
como inefficazes (*).
§ 120. — Da ameaça
Pondo-se de parte as limitações estabelecidas
pelo direito positivo, a ameaça apresenta-se como
(•) No direito portuguez encontram-se, como medidas correspondentes,
as «seguranças reaes» concedidas pelo juiz ou mesmo immediatamente pelo
príncipe aos que se temessem e receiassem de que outrem o queria offender
nas suas pessoas (Ord. Man., 1. 5, t. 60, Phil., t. 128.; os «termos de
segurança» do nosso direito;, o que não se deve confundir com as «cartas de
seguro» (Ord. Aff., 1. 5, t. 57, Man., t. 49, Phil., t. 129). N. do trad.
(') o foi renovada a lei imperial de 21 de Outubro de 1878 contra os
esforços dos demoeratico-socialistas e dos socialistas ou com-rounistas,
tendentes á destruição da ordem politica ou social existente. Da copiosa
litteratura sobre a questão ver especialmente Kulemann, Die Sozialdemocratie
und deren Behàmpfung, 1890; Stengel, W V, j 2.°, 468.
190
TRATADO DE DIREITO PENAL
perturbação da paz jurídica em razão da promessa de
um mal illegal (*).
No art. 241 o C. p. exige que a ameaça consista
na « promessa de commetter um crime. » A'
perturbação da paz jurídica o legislador substi-tuio uma
idéa estreita, talvez demasiado restricta, mas na pratica
de facil applicação. D'ahi segue-se esta consequência:
para a consummação do delicto em questão faz-se
mister que o anjeaçado (e na verdade segundo a
vontade do autor) tenha conhecimento da ameaça (*)
contra si dirigida, mas não que de facto tenha sido
perturbado na sua seguridade (
a
).
A acção promettida deve constituir objectiva-
mente um crime (no sentido do art. 1.° do C. p.); não
tem influencia o erro do autor sobre esse caracter da
acção. Não se tomam em consideração as quali-
(') E' pois tão incorrecto converter a ameaça em crime contra a
liberdade, como fazem Geyer, 2.°, 22, Hãlschner, 2.°, 129, Schútze, 411,
quanto consideral-a somente como crime que expõe <* perigo, OefahrA p. 7. A
verdadeira doutrina é sustentada por v. Meyer, 268 e também por Stoos,
Orundziige, 2.°, 176 (sentimento da seguridade do direito).
(*) Sobre esta idéa ver o \ 97.
(•) Basta pois a ameaça de um crime para dar-se o facto deli-ctuoso. O
legislador parte do presupposto de que tnes ameaças são em regra próprias a
perturbar a seguridade do ameaçado, mas não exige que assim racceda no caso
dado: o delicto em questão não tem por condição o perigo da ameaça in
concreto, e portanto não é necessário que a ameaça seja feita seriamente nem
que o ameaçado a considera como tal. Também é esta a concepção do nosso C.
p., art. 108. A doutrina do autor é aceita pelo proj. do O. p. suisso, art. 91 (
ameaçar outrem êêriamente por palavras ou actos »). « A segurança pessoal a
que em um Estado civilisado todos Mm direito, diz Stoow no seu coromentario,
será pois protegida contra toda offensa rias. L Cremos ser também este o
pensamento do art. 160 do proj. brax. (revisto), mas não se acha expresso com a
mesma clareza. N. do trad.
CRIMES E DELIOTOS CONTRA A PAZ JTTKIDIOA 191
dades e relações pessoaes do autor (*). Basta que o
crime s<5 mediatamente aflecte o ameaçado (por
exemplo, ameaça-se matar um parente), uma vez que a
acçfto, com quanto somente em virtude de taes
relações mediatas, apresente-se como uma perturbação
da paz jurídica do ameaçado.
Penas: encarceramento até 6 mezes ou multa até
300 marcos. A disposição que exigia a queixa foi
abolida p?la lei de 1876.
§ 121.—As demais perturbações da paz
I. A coacção publica ('), isto é, a perturbação
da tranquiltidade publica por uma ameaça perigosa
segundo o art. 126 do C. p., pela ameaça de um crime
de perigo commum (Cap. 27 do C. p.) O delicto
consumma-se, logo que a ameaça torna-se publica. O
dolo deve comprehender todos os caracteres da figura
criminal em questão.
Penas: encarceramento até um anno.
(
b
) Isto é, o mal promettido, objectivamente considerado, deve
constituir um crime; não basta que tenha esse caracter semente em virtude de
circumstancias subjectivas ou pessoaes ao autor da ameaça, como, por
exemplo, a reincidência. N. do trad.
(•) Landzwang. No direito commum era réo d* Landzwang aquelle que,
«antes ou depois de ter ameaçado praticar um crime consistente em violências
(por exemplo, guerra privada, roubo á mão armada, incêndio), dirigía-se ao
logar onde seria para temer-se seriamente a perpetraçio do crime (por
exemplo, ao logar onde existe uma quadrilha de ladrões); a pena legal era a
decapitação, segundo o art. 128 da Carolina» (Berner). Como reminiscência
histórica, conservou-se esta denominação para designar o delicto definido no
art. 126 do C. p. ali. Para a intelligencia do art. 126, porém, diz John, é
completamente indiferente o conceito da Landzxoang do direito commum,» N.
do trad.
I
P
192
TRATADO DE DIREITO PENAL
II.— Violação da paz publica (
b
).
Segundo o art. 125 do C. p., consiste este delicto
no facto de tomar alguém parte em um ajuntamento
publico, quando esse ajuntamento ('), mediante forças
reunidas, commetter violências contra pessoas ou
contra cousas. O tomar parte em um ajuntamento não
suppõe somente o facto material da juncção, senão
também a consciência de que o individuo faz parte de
um bando destinado a fins criminosos. Para a
criminalidade do facto faz-se mais necessário, segundo
o art. 125, o conhecimento de que o bando commette
violências com forças reunidas ('). Com a pratica das
violências dá-se a consummação em relação a todas as
pessoas que tomam parte no ajuntamento.
Penas: encarceramento por tempo não inferior a 3
mezes; os cabeças 51, nota 3.'), bem como aquelles
que praticarem violências contra pessoas ou
saquearem, arruinarem ou destruírem cousas {saquear
seguifica neste logar a tirada de cousas sob a
influencia do terror causado pela violação da paz
publica; ver o art. 129 do C. p. mil.,) incorrem em
reclusão até 10 annos, e podem ser sujeitas á vigilância
policial; occorrendo circumstancias atte-nuantes,
encarceramento por tempo não inferior a 6 mezes.
(
b
) Landfriedensbruchs Esta denominão dada ao delicto qua-
lificado no art. 125 do C. p. ali., é também uma reminiscência histó-
rica, pois no direito antigo denominava-se « violação da paz publica »
a violência praticada por diversas pessoas armadas, não contra o poder
do Estado, mas contra a « paz do paiz. » (Berner). N. do trad.
I
1
) Ver sobre a idéa de ajuntamento o § 117.—Não basta um
commettimento individual. Contra, a dec. do Trib. do Imp. de 6 de
Março de 90, 20.°, 808.
(») Egualmante a dec. do Trib. do Imp. de 20 de Maio de 90,
20.°, 408, 405; cons. Eranck, Z, 12.°, 296.
0HIME8 E DELIOTOS CONTRA A PAZ JTJBIDICA 193
III.
— O facto de reunir armas e forças militares.
E' punível:
1.°, quem, sem direito, forma ou commanda
um bando armado, ou fornece armas ou munições
de guerra a uma companhia, sabendo que ella se
acha reunida sem autorisação legal (C. p., art. 127,
ai. I
o
.) E' pela disciplina preexistente que a com'
panhia se distingue do bando. A palavra arma deve
ser tomada «no sentido technico 93) Os
quitos ou cortejos lícitos de sociedades de tiro, de
caça, de mascaras, não se comprehendem na clau
sula « não autorisados » da lei; H
I 2.°, quem fizer parte de tal bando armado (ou
companhia reunida). C. p., art. 127, 2.° ai.
Penas: no 1.° caso encarceramento até 2 annos, e no
2.° caso até um anno;
3.° Quem, fora do caso do exercício de uma industria,
amontoar clandestinamente ou contra a prohibição da
autoridade armas ou munições (C. p., art. 360, n. 2).
Penas: multa até 150 marcos ou detenção. E'
admissível o confisco, quer os objectos pertençam ao
condemnado, quer não.
IV. Pôr em perigo a paz publica, exoitando
publicamente as classes sociaes a commetter violên
cias umas contra as outras (art. 130).
I A redacção d'este artigo, que passou do cod. francez para
o prussiano (art. 100, o denominado artigo do « ódio e do
despreso ») e deste para o C. p. imp., mostra claramente
(nas palavras « quem de um modo perigoso para a paz
publica excitar... ») que se deve dar a existencia real de um
perigo para a tranquillidade publica no sentido technico da
palavra e s<5 com a producção desse perigo o delicto se
consuma. Mas, note-se bem, o que se exige não é a offensa
e sim o perigo; que de facto seja perturbada a consciência
da segurança do di-
T. II
194 TRATADO DE DIBEITO PENAL
reito é, para a idéa em questão, indifferente. A paz é
posta em perigo, logo que se a possibilidade
próxima e com ella o fundado receio de que no
primeiro ensejo occorram violências. O dolo deve
comprehender o perigo; mas não se faz mister que a
intenção seja produzil-o. Classes soeiaes são os grupos
de individuos, que internamente se caracte-risam por
intuições e interesses communs e por essas mesmas
intuições e interesses çp distinguem uns dos outros (
3
),
como a burguezia, os operários, os industriaes, os
agrários, os allemães, os polacos, os francezes, os
judeus, os catholicos, os maçons. Sobre o que seja
excitação vêr o § 51, nota 3.
a
Penas: multa até 600 marcos ou encarceramento
até 2 annos.
V. Pôr em perigo a paz publica por abuso do
sacerdócio.
O art. 130 a do C. p., o denominado artigo «
sobre os excessos do púlpito » (*), pune o ecclesias-tico
ou outro ministro de um culto, que no exercido
(durante este) ou por occasião do exercicio do seu
ministério (faz-se mister intima relação):
1.", pregar sobre negócios do Estado ou sobre
elles discutir publicamente de modo a comprometter a
paz publica, em presença de uma multidão ou de
varias pessoas, reunidas em uma egreja ou em outro
logar destinado a assembléas religiosas;
(*) E' muito restricta a dec. do Trib. do Imp. de 4 de Jau. de 92, 22.°,
298, que assignala a estructura social de um modo parcial.
(*) O 1.° ai. do artigo sobre os excessos do púlpito foi estatuído pela lei
de 10 de Dezembro de 1871. Disposições análogas já se encontravam em
vários cod. territoriaes, bem como no cod. francez, arts. 199 a 208 (trovhles
apportês à Vordre public par les ministres des cultes dana 1'exereice de leur
ministèrej. O facto era também punivel como prodiiio no direito commum.
O 2.° ai. foi estatuído pela Novella de 26 de Fevereiro de 1876.
OfilMES E DELICTOS CONTRA A PAZ JURÍDICA 195
2.°, publicar ou espalhar escriptos em que
negócios do Estado sejam tomados para assumpto de
predica ou de discussão e tratados de modo a
comprometter a paz publica.
Ministro é todo individuo que tenha por missão
exercer actos do culto. Bcclesiasticos o os ministros
das confissões eh ris ta es. Aos negócios do Estado se
contrapõem, de um lado, os negócios privados e,«do
outro, os negócios puramente religiosos ; do numero
dos primeiros não o excluídas as ordens emanadas
de autoridades ou funecionarios públicos. Também
aqui se faz mister que no caso concreto a paz publica
corra de facto perigo (e que portanto se a
possibilidade immediata de perturbação), embora o
perigo não provenha de violências. O dolo
comprehende todos os caracteres da idéa em questão,
inclusive o perigo da paz publica. N'este, como em
todos os delictos espe-ciaes a uma classe de
indivíduos, podem terceiros tomar parte como autores
mediatos, instigadores ou cúmplices por assistência.
I Penas: encarceramento ou prisão em fortaleza até
2 annos.
CAPITULO III
Delictos contra os direitos de autor (direitos
individuaes) O
§ 122. — I. Da violação dos direitos de autor em
matéria litteraria
LITTERATUBA. — Ellostermann, Das Urheberrecht cm
Schrift und Kunstwerken, 1876; v. Wãehter, Da» Au-
torrecht, 1875 j Daude, Lehrbuch ães ãeustschen Urheber-
rechts, 1888 ; v. Bar, Intemationales Privatrecht, 2.°, 134 ;
Schnster, Das Urheberrecht cm Werken der Torikwnst, 1891 ;
Dambach, Fmfzig (hitachten, 1891; Kõhler, Das litte-
rarische und ãsthetische Kunstwerlc und sem Autorschutz,
1892 ; Osterich, Neues und AUes vom Urheberrecht, 1882 ;
Seheele,- Das deutsche Urheberrecht an litterarischen, hirnsUe-
rischen und photographischen Werlcen, 1892; Alfred, Die
Seichsgesetze betr. das litterarische und artistische Urhe-
berrecht, 1894 ; Seuffert, O. p-, 1.°, 49; Stenglein, B". G., 1 ;
v. Calker, Délikte gegen die Urheberrechte, 1894; leis sobre os
direitos de autor no paiz e no estrangeiro juntamente com
os tratados internacionaes, 1890.
I. Conceito e historia. Direito de autor em
matéria litteraria é o interesse juridicamente
protegido consistente em que ao autor de um es-
cripto, de uma figura, de uma composição musical
(') Ver o } 79, nota 1.»
198 TRATADO DE DIREITO PENAL
ou obra dramática (e portanto ao escriptor, ao de-
senhista e ao compositor) cabe exclusivamente tirar
proveito de sua producçâo intellectual pela publicação
(
a
).
A protecção jurídica do direito de autor é de
origem tão moderna quanto a sua verdadeira con-
cepção scientifica. Desconhecido ao direito romano e
ao da edade média allemã, bem como ao direito
commum do periodo primitivo, o direito de autor
desenvolveu-se a pouco e pouco, originando-se dos
privilégios concedidos ao impressor que se encontram
no direito territorial desde o século XV, mas que
tinham efficacia no paiz respectivo.
Penosamente foi abrindo caminho, firmando-se,
sobre tudo no século XVIII, a convicção de que a
contrafacção, estygmatisada por numerosos escri-
ptores desde Luthero até Kant, constitue, como invasão
na esphera juridica do autor, um delicto que deve ser
criminalmente reprimido pelo Estado. Os escriptores
do direito commum tratavam o pla-giwn UUerarium
como caso de furto (Kock com citação de Thomasius)
ou de burla (Gmelin). O Allg. Landrecht prussiano, art.
1294, mantinha ainda a concepção de que a
contrafacção de livros concernia ao direito patrimonial,
contemplou-a entre o jogo de azar e a transgressão das
taxas na venda de viveres, e somente protegia os
«súbditos do rei». a legislação da Confederação
germânica (1837 e posteriormente) estabeleceu unidade
de principios a respeito dos requisitos e punição da
contrafacção. Ao mesmo tempo a sciencia esforçava-se
por acertar com a verdadeira concepção do bem
que
(») Esta definição é formulada no ponto de vista da lei allemS de
11 de Junho de 1870, que contempla entre as producções luteranas (em
contraposição ás artísticas) os escriptos, as composições musicaes,| as
figuras ou desenhos para fins scientiftcos. N. do trad.
DELIOTOS CONTBA OS DIREITOS DE AUTOE 199
nesta parte o direito protege ; rejeitou a idéa com
pletamente inaproveitável de uma «propriedade in-
tellectual», foi gradualmente reconhecendo que o
direito de autor, apezar da sua face patrimonial e
em razão da sua connexao com o talento individual, é
objecto de um attentado, cuja classificação não pôde
ser entre os crimes contra o património, comquanto
até o presente não se tenha podido obter accordo
sobre a verdadeira determinação do logar que lhe
compete fora de taes crimes. Sob a influencia da
sciencia, a legislação dos nossos dias tomou um vi
goroso impulso, accentuando, é certo, como outr'ora,
o lado penal da protecção jurídica mais do que
devera. em um ponto precisa ella ainda desen-
volver-se : deve-se, a bem da reciprocidade, tentar
equiparar os direitos dos autores nacionaes e os dos
estrangeiros, quer por meio de tratados, quer com a
fundação de uma união internacional. Também nesta
parte o accordo de Berne de 9 de Setembro de 1886,
concernente á fundação de uma liga para a protecção
das obras de arte e de litteratura, concluído entre
a Allemanha, a lgica, a Hespanha, a França, a
Inglaterra, a Itália, a Suissa e alguns pequenos
Estados, lançou as bases sobre que se pôde com
êxito firmar o desenvolvimento ulterior da protecção
jurídica (''). I
(
h
) Podem sei assim resumidas as principiies doutrinas dos es-
criplores allemães sobro a natureza do «direito de autor» (Autun-ecAt,
Vrheberrechi). Os escriplores antigos consideravam o direito em
questão como uma verdadeira propriedade que pertencia ao autor do
uma producçSo litteraria sobre o seu conteúdo (J. H. Bõbmer, St.
Putter). Modernamente esta opinião foi abandonada, encontrando-se
apenas um ou outro escriptor que a defenda, como, por exemplo,
Eiscnlohr, que aliás somente confere ao autor a propriedade sobre a
forma dada aos seus pensamentos. A maior parte dos novos escri-
ptores, quando servem-se da expressão «propriedade litteraria», querem
200
TRATADO DE DIREITO PENAL
A lei de 11 de Junho de 1870, concernente aos
direitos de autor sobre escriptos, desenhos, com-
posições musicaes e obras dramáticas (cujo modelo foi
a lei prussiana de 11 de Junho de 1837) tem applicaçâo
(art. 61): 1.° a todas as obras de autores nacionaes,
quer appareçam no paiz, quer no estrangeiro, ou
mesmo o tenham sido ainda publicadas; 2.° ás obras
de autores estrangeiros, quando edictadas
somente designar a utilidade ou o proveito patrimonial resultante da
reproducção mecânica da obra, o que ao autor pertence illimitada e
exclusivamente (Jolly, Klostermann, v. WãchterJ. Klostermann
nesse direito patrimonial um direito real (Homeyer o designa como
«direito real de prohibir»), ao passo que Maudry não o contempla entre
os direitos reaes nem entre os direitos de credito, mas forma uma classe
especial para o direito de autor e para outros (direito á firma, á patente),
que se assignalam como «direitos patrímoniaes de caracter absoluto sem
base material». Outros jurisconsultos (Neustetel, Heffter, Bluntschli,
Lewis) consideram o direito de autor como um direito pessoal (isto é,
um attributo da personalidade), e ainda outros (Beseler, Harum) o
caracterisam como um direito pessoal (direito de prohibir a publicação da
producção) ligado a um direito patrimonial (direito de reproduzir a obra
e de distribuir os exemplares). B' também defendida a doutrina de que o
alludido direito patrimonial não se classifica como direito patrimonial
nem como direito de personalidade, e sim como um elemento
inteiramente novo do direito privado (Spondilin, Stobbe). Também ha
quem negue que o direito de autor seja um direito subjectivo a uma
obra litteraria (Oerber, Neuman, Laband). «O direito de autor, diz
Laband, é somente o reflexo de uma limitação da liberdade de
industria*. Gareis denomina os direitos de autor «direitos individuação
(attenta a individualidade e originalidade da producção), denominação
que v. Liszt adopta e recommenda como própria para designar o grupo
de interesses juridicamente protegidos que se interpõe entra os bens
incorpóreos e os direitos patrímoniaes, servindo de transição entre uns e
outros. Vè-se puis que a theoria do Auiorrecht é ainda presentemente
uma das mais controvertidas, pelo menos, quanto a natureza do direito
de que se trata (cons. Lewis, UR., 8.°, 967, Stobbe, Handb. des d.
Priuatr., 3.°, \ 167 o seg.) N. do trad.
DELICTOS CONTBA. 08 DIREITOS DE AUTOB 201
por quem tenha o seu estabelecimento commercial no
território do Império da Allemanha. Apparecer equivale a
publicar-se (
1
).
II.— Contrafacção propriamente dita. l.°— Contrafacção é
a reprodueção mecha/nica a) de um escripto, b) de
desenhos e figuras de geographia, topographia, sciencias
naturaes, archi-tectura, artes technicas e outras
semelhantes que, segundo o se» fim principal, não devam
ser consideradas como obras d'arte, c) de composições
musi-caes — quando a reprodueção é feita sem o consen-
timento do titular do direito e na intenção (equivalente a
motivo) de serem distribuídos os exemplares
contrafeitos dentro ou fora do Império (art. 4 a 7, 43 e
seg., 45 e seg. da lei). Dados certos requisitos, a traducção
constituo também contrafacção; quando a traducção porém
é regularmente feita, gosa ella de protecção egual a que
é concedida ao original. Também constituem contrafacção
as transformações, como a dramatisação de um romance, o
arranjo de uma musica para um outro instrumento, uma
vez que não se opere uma nova creação. Sobre o que seja
distribuição ver o § 108, nota 4.
a
A' contrafacção equipara-se a representação ou a
execução publica (isto é, perante um auditório não
particular) e não autorisada de uma obra dramática,
musical ou dramatico-musical, quer se execute a peça
integralmente, quer com alterações que não sejam
essenciaes (art. 50 e 54).
2.°— B' punível o preparo doloso ou culposo da
contrafacção, bem como dar causa dolosa ou cul-
posamente a que outrem a prepare (art. 8, 20, 54). O
preparo equivale á autoria. Regularmente appa-recerá
como autor do delicto o edictor; só o é o
(>) Oons, v. Liszt, PressrecM, \ 42, 5 — Sobre a punibilidade
dos actos praticados no estrangeiro, ver o § 20.
202
TRATADO DE DIREITO PENAL
impressor, quando sabia que se tratava de uma
contrafacção (
2
). Quanto ao mais têm applicação os
princípios geraes sobre a autoria e a cumplicidade. Dar
causa e determinar outrem, portanto equivale no
essencial á instigação, mas aqui excepcionalmente
comprenhende-se também a determinão culposa, bem
como a determinação dolosa para uma acção culposa
(§ 51, nota 1/) (
c
).
3.°— Penas tanto do preparo cOino da provo-
cação : multa a 3.000 marcos, que no caso de
insolvabilidade deve ser convertida, de accordo com a
lei penal ordinária, na correspondente pena de prisão,
cujo máximo não pôde exceder a 6 mezes. Não se
admittio a reincidência como causa de ag-gravação
(art. 23).
4.°— O preparador fica isento de pena, quando
obra de boa em razão de um erro excusavel de facto
ou de direito (art. 18, 2.° ai). Assim a igno-
(*) Egualmente a opinião com mura. Contra (e com certeza in-
correctamente) Stenglein, N. G., 19, que quer admittir uma autoria
material. Oons. o § 60, II.
(°) Incorrem nas penas da contrafacção tanto o que a prepara
(VeranaialierJ como o que aoceasiona (VeranlasserJ, quer tenham pro-
cedido dolosamente, quer culposamente. Preparador ê a aquelle que
fabrica a obra contrafeita para si e por sua conta ou faz outrem fa-|
brical-a na- intenção de dispor dos exemplares como sua propriedade e
de distribuil-os». Está neste caso o livreiro que edita a obra. Como
occasionador considera-se aquelle que determina outrem a preparar a
contrafacção; está neste caso o escriptor que provocou o livreiro a|
edictar uma obra alheia. Na discussão da lei no Reichsiag propoz-se
que somente incorresse em pena a contrafacção dolosa, e não a culposa ;|
essa emenda, porém, o fui aceita. « Na pratica, diz Dambach, é ex-
tremamente difficil fàzer-se a prova do dolo do contrafactor, ao pnsso
que quasi sempre pôde elle ser aceusado de que, si tivesse tido o devido
cuidado, evitaria a offensa aos direitos do autor ou do edictor: si a lei
punisse somente a contrafacção dolosa, a maior parte dos eontrafa-
ctores ficariam impunes » N. do trad.
DELICT0S CONTRA OS DIREITOS DE AUTOR 203
rancia da illegalidade, quando provém de um erro
excusavel, exclue a pena (§ 40, nota 5.*).
5.°—• Em vez de indemnisação, pôde, conjuncta-
mente com a pena, ser pronunciada, a requerimento do
prejudicado e em seu proveito, uma multa privada até
6.000 marcos. Os condemnados á multa respondem
solidariamente. A imposição da multa exclue qualquer
pretenção ulterior á indemnisação (art. 18 e 54%
I 6.°— Os exemplares contrafeitos em deposito e os
instrumentos destinados exclusivamente á contrafacção
estão sujeitos a confisco (art. 21) e, pronunciado o confisco
com força de cousa julgada, devem ser destruidos ou
privados da forma que os torna próprios á pratica do
delicto e restituídos então ao seu dono. O confisco
comprehende todos os exemplares e instrumentos que
pertençam ao preparador da contrafacção, ao impressor, ao
livreiro-commis-sario, ao distribuidor de profissão e a
quem deu causa á contrafacção.
Cabe o confisco ainda no caso em que o preparador
ou o occasionador da contrafacção não tenha procedido
dolosa ou culposamente, e também tem logar contra os
seus herdeiros.
E' admissível a requisição do confisco em-quanto
existirem os exemplares contrafeitos e os instrumentos da
contrafacção.
7.°— O delicto consumma se, logo que no território
do Império da Allemanha ou fora delle é preparado um
exemplar contrafeito, embora não tenha começado ainda a
distribuição (art. 22). A tentativa não logar á imposição
de pena nem acarreta a responsabilidade civil; mas cabe
também neste caso o confisco dos instrumentos.
8.°— O processo depende de queixa, e esta pôde ser
retirada até a publicação de uma sentença que pronuncie
pena (art. 27). A queixa compete a
204
TRATADO DE DIREITO PENAL
todo individuo prejudicado nos seus direitos de autor
ou de edictor (art. 28). O direito de dar queixa
extingue-se, si não é exercido dentro de 3 mezes a
contar da data em que o interessado teve conhecimento
do delicto e de quem seja o seu autor (art. 36).
9.°— O delicto prescreve em 3 annos a contar do
dia em que os exemplares foram pela primeira vez
distribuídos. A prescripçâo não tomeça pois a correr da
consumação que se opera desde o preparo do primeiro
exemplar (art. 33).
III. As demais violações dos direitos de autor
em matéria li t ter a ria.
l.° Deixar dolosa ou culposamente de citar as
fontes (plagio, art. 24), quando a lei exige a indicação
delias na reproducç&o licita de escriptos publicados
(art. 7 a) (
d
).
Penas: o preparador e o occasionador da repro-
ducç&o incorrem em multa até 60 marcos. Não é ad-
missível a conversão da multa em prisão, nem se
responsabilidade civil. O processo depende de queixa.
Tem aqui applicaç&o o que acima se disse sob o n. II,
8. O delicto prescreve em 3 mezes a contar do dia em
que a reproducção começou a ser distribuída (art. 37).
2.° A dolosa distribuição de exemplares con-
trafeitos (ter á venda, vender, etc, como profissão). |
Penas: as mesmas declaradas sob o n. II, 3;
multa, como no caso sob o n. II, 5. Cabe o confisco,
ainda que o distribuidor não prooeda dolosamente.
(*) A lei permitto que so transcrevam trechos de obras pu-
blicadas ou que se formem collectaneas ou anthologias com excerptos
de diversas obras. Quem isto faz, não commette o delicto de contra-
facção, uma vez que declare os nomes dos autores ou as fontes de que
se utilisou. N. do trad.
DELIOTOS CONTRA OS DIREITOS DE AUTOR 205
Sobre o preparador e o occasionador da contrafacção
recaem a pena e a responsabilidade civil e criminal
(art. 25). O processo depende de queixa, como no
caso sob o n. II, 8. A prescripção opera-se em 3
annos, e começa a correr do dia em que teve logar
a ultima distribuição. I
§ 123. II.* As outras violações do direito
I de autor
LiTTERATURA. Além das obras mencionadas no
§ 122, Lastig, Markenreekt und Zeichenregister, 1990 ; Dam-
bacb, Musterschiitísgesetsi, 1876; v. chter, Das TJrheber-
recht an Werhen der bildenden Kiinste, Photographien und
gewerhlichen Mustern, 1877; Kòhler, Patentrecht, 1878, e
Das Recht des Marken-Schvtzes, 1884; Meili, Markenstrafrecht,
1888; Lass, Das Urhéberrecht an Gébrauclismustern, 1892;
Bobolski, H St., 5.°, 125; Stenglein, U". G., 46 ; Appelíus,
N. G., 112.
I. Segundo a lei de 9 de Janeiro de 1876, art.
5, dá-se violação do direito de autor em matéria de
artes figurativas, quando uma obra desta natureza é
reproduzida sem autorisaçao e para ser distribuída. O
que se disse no § 122, II, 2 a 9, e III, 1 e 2, tem aqui
applicação (art. 16). Trata-se de um bem inteiramente
equivalente ao direito de autor em matéria litteraria e
que somente deste se distingue pelas suas fórmas
externas. A protecção internacional estende-se tanto
sobre um como sobre outro.
A lei não tem applicação á architectura (art. 3);
refere-se, pois, de um lado, ás artes do desenho e da
pintura, e, de outro, á plástica. Em relação á
photographia e a bustos, o direito de reproducçSo
passa a quem encommendou a obra (art. 8). Na copia
feita á mão não pode ser indicado o nome ou o
monogramma do autor da obra, pena de multa até
206
TRATADO DE DIREITO PENAL
500 marcos (art. 6, n. 1). A lei não protege taes
copias, quando feitas para fins indnstriaes (*)•.
II. Segundo a lei de 10 de Janeiro de 1876,
art. 3, dá-se violação do direito de autor concernente
a photographias, quando uma obra photographica é
mechanicamente reproduzida sem autorisação e para
ser distribuída. Também prevalecem aqui os princí
pios estabelecidos no § 122, II, 2 a 9, III, 1 e 2
(art. 9). Com relação a retratos o direito de repro-
ducção passa também, independentemente de con
tracto, á pessoa que encommendou a obra (art. 7).
Faziam-se necessárias disposições especiaes sobre a
protecção de photographias, porque sem outro requi
sito não podiam ellas ser consideradas como obras
de arte figurativa.
III. O direito de autor sobre desenhos e mo
delos de gosto, novos e originaes (isto é, sobre padrões
de objectos para uso e destinados a satisfazer o sen-
(*) O projecto que veio a ser a lei de 11 de Junho de 1870 continha
disposições não só sobre a « propriedade litteraria » como sobre a • propriedade
artistica »; mas, tendo-se manifestado no Reichstag grande divergência de vistas
sobre a questão de saber até onde e em que condições as obras das artes
figurativas » poderiam ser reproduzidas pela industria artística, resolveu-se
destacar do projecto a parte referente a essas obras, bem como ás photographias,
para submetter-se a questão a um exame aprofundado, e por isso só em 1876
foram decretadas as leis respectivas com as datas de 9 e 10 de Janeiro. — A
architectura é sem duvida uma « arte figurativa », mas não se julgou possível
punir como contrafacção a reproducção de construcções expostas ás vistas de
todos, bem como em geral as obras d'arte que se achem permanentemente
collocadas nas ruas e praças publicas. Dá-se o contrario com as photo- \
graphias: não pertencem ellas ao numero das obras das artes figurativas, mas,
attentas as suas relações com estas ultimas, pareceu conveniente conceder-lhes a
mesma protecção. — A copia singular e á mão (Eimeleopie), não sendo feita
para fim de lucro, não constituo contrafacção. (Ver o Annuaire de lig. étr., v. 6,
p. 88 e 107, Dambach, H. H., 4, 479). N. do trad.
DELIOTOS CONTRA OS DIREITOS DE AUTOR 207
timento esthético), é violado, segundo a lei de 11 de
Janeiro de 1876, art. 5, quando o desenho ou o modelo
é reproduzido sem autorisação e na intenção de
distribuição. O que se disse no § 122, II, 2 a 9, e III, 2,
tem aqui applicação (art. 14) (
1
).
Admittida na Inglaterra e na França desde os I
fins do século passado, a protecção dos modelos F
permaneceu estranha ao direito allemão até os ulti-I, mos
annos, o*m excepção dos paizes em que vigo-I rava o
direito francez. depois da annexação da I Alsacia e da
Lorena á mãe-patria, as vivas solici-I tacões da industria
daquelles paizes provocaram a I decretação da lei imperial
de 1876. A lei imperial I collocou-se em um ponto da vista
estrictamente na-[. cional e somente protege os desenhos e
os modelos V de autores nacionaes. Tratados com paizes
estran-I geiros a tem ampliado; o Império da Allemanha I
recusou porém adherir ao tratado de Paris de 1883 |
concernente á protecção da « propriedade industrial». Os
desenhos e modelos inãustriaes (modelos de I objectos de
gosto) somente gosam de protecção I quando são productos
novos e originaes; a lei não I protege os inventos artisticos
ou technicos (
b
). No I art. 2 a lei contêm disposições
especiaes sobre a I pessoa que é titular do direito, e no art.
14 sobre I os exemplares contrafeitos e os instrumentos da I
contrafacção. A prcesuntio júris estabelecida no art. I 13
não tem importância em matéria penal (
c
).
I
---
(') Mas os objectos contrafeitos não são destruídos e sim privados
da forma correspondente ao delido, ou guardados officialmente até que
decorra o prazo da protecção ao direito do autor custa e segundo a
opção do dono).
) Porque os inventos estão sob a protecção da lei sobre as pa-
tentes. N. do trad.
(°) Entendia-se na Allemanha que o melhor modo de favorecer
a industria artística era permittir a livre imitação dos novos modelos
â08 TRATADO DE DIREITO PENAL
IV. Violação do direito aos signaes distin-
ctivos de mercadorias (direito á marca). A disposição
coinmum, que se continha no art. 287 do C.j p. sobre a
protecção dos nomes ou firmas dos fabricantes e dos
commerciantes, mostrou-se logo insuf-ficiente. A
ampliação da protecção ás marcas de| fabrica e ás
marcas de mercadoria, geralmente desejada e antes de
1870 existente em rios Estados da Allemanha, foi
concedida peia lei imperial; de 30 de Novembro de
1874, e ainda em maior escala pela lei de 12 de Maio
de 1874 concernente « á protecção dos signaes
distinctivos das mercado-
industriaes. As queixas da industria da Alsacia-Lovena, impellida, de-
pois da annexação, para o mercado allemão, onde os seus productos não
encontravam a protecção que lhes dispensava a legislação franceza, e o
insuccesso da industria artística allemã na exposição universal de Vienna,
deram nova orientação á opinião publica e puzeram a questão em ordem
do dia; procedeu-se a um longo e minucioso inquérito, de que resul-
taram as três leis de 9, 10 e 11 de Janeiro de 1876, as duas primeiras
para a protecção das obras das artes figurativas e das pbotographias, e a
ultima para a protecção dos desenhos e modelos industriaes. — A
industria artística é completamente distincta das artes figurativas: estas
não têm outro fim que não a manifestação do bello; aquella oflerece
modelos e desenhos que sirvam de typos para dar-se aos objectos uma
conformação de gosto. Esses modelos chamam-se por isso Qesehmàks-
muatern (modelos de gosto) em contraposão aos Oebrouchsmustern (mo-
delos de utilidade), que fazem objecto de uma outra lei. O legislador
não os definio para deixar á pratica e á sciencia o desenvolvimento da
idéa. A lei não protege os modelos de gosto do mesmo modo que as
obras litterarias e artísticas, pois a protecção dispensada áquel-les tem
por condição a inscripção do modelo no registro publico. O art. 18 da lei
estabelece a presumpção de que o dono do modelo — e portanto a uníca
pessoa autorisada a reprnduzil-o — é quem fez a inscripção. — O nosso
O. p. não protege os modelos industriaes; o proj. braz. (revisto), pelo
contrario, liberalisa-lhes a protecção em termos t&o absolutos (art. 359,
\ único, « contrafizer ou alterar») que torna impossível qualquer
imitação. N. do trad.
DELIOTOS CONTBA OS DIREITOS DE AUTOR 209
rias» (
d
), que veio substituir aquella. Nesta matéria
trata-se também da protecção de um direito individual;
os productos do commercio e da industria, do mesmo
modo que as creações da arte e da sciencia, devem ser
protegidos contra a reproducção não auto-risada. E',
pois, completamente incorrecto considera r-se (com
Merkel, v. Meyer e outros) a oflensa da confiança
publica como a circumstancia decisiva e classifícar-áe
entre os crimes de falsidade a violação punível do
direito á marca. Assim não é o comprador, mas o
productor ou o commerciante, quem, como offendido,
tem o direito de dar queixa. Segundo o art. l.° da lei,
aquelle que no seu negocio (embora não seja um
commerciante inscri-pto) (•) quizer servir-se de uma
marca para distinguir as suas mercadorias das dos
outros, deve declaral-a para que seja inscripta no
registro das marcas (a cargo da repartição das
patentes). A in-scripção confere ao interessado o
direito exclusivo de pôr a marca nas mercadorias da
espécie declarada, nos fardos ou envolucros
respectivos, e de pôr em circulação as mercadorias
assim assignaladas,
(
d
) « O titulo dn lei de 1894 não 6 em allemão o mesmo da lei de 1874
por aquella substituída. A. razão disto 6 que a nova lei tem um objecto mais
extenso. A lei de 1874 só se occupava com as marcas ou signaes distinctivos
postos sobre as mercadorias; a de 1894 occupa-M também com as marcas,
mas, além disso, contêm disposições sobre signa os distinctivos que na
Allemanhft não se consideram como marcas, taes como a embalagem, as
disposições dadas ás mercadorias. Por isso a lei de 1894 diz
Warenbeteichnungen, ao passo que a de 1874 dizia Warenmarken. A primeira
palavra significa «signaes distinctivos das mercadorias », a segunda quer dizer
« marcas das mercadorias >. (An-\rtuaire de lég. êtr., 1896, p. 218). N. do
trad.
(•) A lei do 1894 (em contrario á de 1874) protege todos os que
exercem uma profissão qualquer, quer os seus nomes tenham sido in-
scriptos, quer não, no registro do commercio. Annuaire, 1. O. N. do trad.
T. li M
210
TRATADO DE DIREITO PENAL
bem como o direito de fazer uso de tal marca em
annuncios, catálogos de preços, cartas commerciaes,
prospectos, facturas ou peças semelhantes (art. 12).
Incorre em pena, como violador deste direito
1.°, quem, em mercadorias ou nos respectivos
fardos ou envolucros, em annuncios, catálogos de
preços, cartas commerciaes, prospectos, facturas ou
peças semelhantes, sciente e indevidamente aj puzer o
nome ou a firma de outrem, ou ume. marca protegida
nos termos da lei; ou bj tiver á venda (
a
) ou puzer em
circulação mercadorias assim illegal-mente
assignaladas.
Penas: multa de 150 até 5.000 marcos ou en-
carceramento até 6 mezes. O processo depende de
queixa; esta pode ser retirada.
2.° Quem, para o fim de illudir no gyro com-
mercial, a) der, sem o consentimento do titular do
direito, aos objectos mencionados sob o n. 1 uma
disposição considerada no circulo dos interessados
como signal distinctivo de mercadorias do mesmo
género pertencentes a outrem; ou quem bj, para o
mesmo fim, tiver á venda ou puzer em circulação
mercadorias assim assignaladas (art. 15) (
t
).
(*) Sobre esta idêa ver o \ 166.
(') A nova lei não se limita a proteger as marcas devidamente
registradas, cohibe também abusos que a denominada eoneurreneia des-
leal (urilauterer Wettbewerb) tem introduzido. Assim o art. 16 da lei
faz incorrer em responsabilidade civil e criminal aquelle que, na inten-
ção de enganar, & mercadoria uma disposição (Austattung) consi-
derada no commercto como característica das mercadorias de outrem.
«A idéa de disposição, diz Haus (S. W., sup., p. 641), comprehende as
fórmas características da embalagem, do envolucro, da decoração, do
arranjo da mercadoria. Também pôde comprehender marcas susceptíveis
de inscripção. A protecção da lei pom o depende do registro,
suppõe somente o facto de que a disposição tenha no oommercio a
significação de uma indicação especial de certa procedênci. Sobre a
«eoneurreneia desleal» ver o art. 78 do proj. suisso. N. do trad.
DELIOTOS OONTBA OS DIREITOS DE AUTOR 211
I Penas: multa de 100 até 3.000 marcos ou
encarceramento até 3 mezes. O processo depende
de queixa, a qual p<5de ser retirada. I 3.°, Quem
assignala os objectos mencionados sob o n. 1 a)
com as armas de um Estado, ou com
0 nome ou as armas de uma localidade, communa
ou outra círcumscripção municipal para o fim de
induzir em erro sobre a qualidade e o valor das
mercadorias, «ou b) para o mesmo fim tem á venda
ou põe em circulação mercadorias assim assígnaladas.
1 Penas: as declaradas sob o n. 1. O procedi
mento é oflicial.
Em vez de indemnisaçfto, pôde, em todos estes
três casos, ser pronunciada conjunctamente com a
pena, a requerimento do prejudicado e em seu pro-
veito, uma multa privada a 10.000 marcos. Os
condemnados á multa respondem solidariamente. A
imposição da multa privada exclue qualquer outra
pretenção á indemni sacão.
A requerimento do offendido, ordenar-se-ha na
sentença condemnatoria a destruição dos distinctivos
illegaes dos objectos que se acharem na posse do
condemnado, ou, não sendo isto possível, a destruição
dos objectos mesmos assim assignalados (art. 19).
O offendido será também autorisado (art. 19) a
publicar a condemnão á custa do condemnado 58,
nota 3). O modo da publicação e o prazo dentro do
qual ella se fará serão determinados na sentença.
V.— Violação da patente de invenção. A pro-
tecção do direito ao invento (
3
) allia-se á protecção
m (*) Sem razão affirma Appelius, N G., 128, que o direito resultante
da patente de invenção é puro direito patrimonial. Bsta asserção
relaciona-se com a idéa egualmente insustentável de que a patente
deve proteger, o o (real ou supposto) inventor, mas uquelle que
primeiro fez a declaração do invento (*).
(') Segundo as leis allemães de 1877 e de 1891, não é, em
212
TRATADO DE DIREITO PENAL
do direito de autor em matéria litteraria, artística e
industrial, bem como a do direito á marca. Reco-
nhecido desde o século passado na maior parte dos
Estados allema.es, comquanto muitas vezes somente
protegido pela justiça administrativa, o direito á
patente de invenção foi garantido pela lei imperial de
25 de Maio de 1877 (substituída pela lei de 7 de Abril
de 1891), depois que a larga torrente contraria, oriunda
das idéas do free-trade, foi suplantada pelo rápido e
vigoroso reviramento da opinião publica produzido
desde o começo da sexta década deste século.
1.°— A concessão da patente — tem somente
logar, segundo o artigo 1.° da lei, nos novos inventos
susceptíveis de applicação industrial—impede que
qualquer outra pessoa possa, sem consentimento do
concessionário da patente, produzir industrialmente,
pôr em circulação, ter á venda ou empregar o objecto
da invenção (art. 4).
Quem utilisa-se scientemente de um invento
alheio (art. 36), incorre em multa até 5.000 marcos ou
em encarceramento até um armo. O processo depende
de queixa, que pôde ser retirada. Sobre a
these, o inventor quem tem direito á patente, mas a pessoa que primeiro
faz a declaração do invento.. «A procedência do invento, diz E. Meyer
(HK, 1, 718) não é oficialmente verificada, e concede-se a patente,
ainda quando seja fora de duvida que outrem é o autor do invento. Mas
isto significa somente, continua o mesmo escriptor, que nesta phase do
processo a autoridade não tem que examinar as relações jurídicas entre o
inventor e o pretendente á patente; esta não deixa por isso de ser o
premio destinado ao inventor como tal». Com effeito, si quem faz a
declaração o é o inventor, este tem o direito de oppor-se, bem como
de, ainda depois da concessão, fazel-a annullar, mostrando que o
objecto principal da declaração deriva de deseripções, modelos,
instrumentos ou arranjos que lhe pertencem ou de processos de que faz
applicação. No nosso direito, como no direito anglo-americano, a
patente é concedida ao inventor ou a seus legítimos successores (lei n.
8129 de 1882). N. do trad.
DELIOTOS CONTRA OS DIREITOS DE AUTOR 218
punição dos factos praticados no estrangeiro preva-
lecem os princípios geraes. M A condemnação pôde
ser publicada no caso sob
0 n. IV. Em logar de indemnisação, pôde ser pro
nunciada uma multa privada até 10.000 marcos, e
neste caso é inadmissível qualquer outra pretenção
á indemnisação. Sendo vários os condemnados, todos
respondem solidariamente.
As acções oriundas da violação da patente
prescrevem (art. 39) em 3 annos relativamente a cada
um dos factos em que se fundam.
2.°— Não como offensa de um direito individual,
mas como facto que compromette o interesse publico,
devemos considerar o simulação da existencia de
patente, infracção de que a lei trata no art. 40 e com
que aqui nos occupamos somente por con-nexão de
matéria. Dá-se, quando a) alguém assi-gnala objectos
ou os respectivos envolucros com distinctivos
próprios a fazer crer erroneamente que os objectos são
protegidos por uma patente, ou quando ti), em
annuncios públicos, taboletas, cartazes ou outros
meios de publicidade, alguém serve-se de um
distinctivo próprio a induzir em egual erro (*).
1 Pena: multa até 1.000 marcos. Para dar-se
criminalidade basta a culpa (
6
).
VI.— E' calcada sobre a lei relativa ás patentes a
lei do 1.° de Junho de 1891 concernente á protecção
dos modelos de utilidade.
Como modelo de utilidade, em contraposição á
modelos de gosto (acima III) figuram, segundo o art.
1 da lei, os modelos (em relevo) de instrumentos de
trabalho ou de objectos destinados a um uso pratico
ou das suas partes respectivas, em tanto quanto por
uma nova configuração, uma nova dis-
(*) Correctamente v. Meyer, 784.
(•) Dec. do Trib. do Imp. de 28 de Nov. de 98, 24.», 399.
214
TRATADO DE DIREITO PENAL
posição ou mechanismo devam servir a algum trabalho
ou uso pratico (*).
Quem faz uso scientemente de um modelo de
utilidade (registrado), isto é, quem reproduz indus-
trialmente o modelo ou introduz no commercio os
instrumentos ou objectos produzidos pela contrafacção,
os tem á venda ou delles se utilisa, incorre em multa
até 5.000 marcos ou em encerramento até um anno
(art. 10).
O processo depende de queixa; esta pôde ser
retirada.
A sentença condemnatoria deve conferir ao of-
fendido a faculdade de publicar a condemnação á custa
do condemnado. O modo de publicação e o prazo
dentro do qual ella deva efíectuar-se o determinados
na sentença.
Em vez da indemnisação, pode ser pronunciada
conjunctamente com a pena, a requerimento do
offendido e em seu proveito, uma multa privada que
não excederá a 10.000 marcos. Os condemnados á
multa respondem solidariamente (art. 11).
A imposição da multa exclue qualquer outro
pedido de indemnisação.
(*) A lei do 1.° de Junho de 1891 completou a legislação anterior
sobro a protecção dos direitos de autor. Os modelos de utilidade não
estavam comprehendidos na lei de 11 de Janefro de 1876, que tinha
somente em vista os «modelos de gosto», e, por serem pequenos in-
ventos, não convinha applicar-lhes a lei sobre as patentes. A nova lei
resolveu as dificuldades, dispensando, de um lado, o «processo prévio»
necessário para a concessão da patente e moderando as taxas, e, por
outro lado, reduzindo o prazo do privilegio e impondo ao privilegiado,
no caso de contestação, o encargo de provar a existencia dos requisitos
materiaes para a protecção legal. Desse privilegio, se tem feito o mais
largo uso; nos 15 mezes decorridos desde a data em que a lei entrou em
vigor, diz Hauss, fizerem-se 1.600 inscripções, sem se notar uma
diminuição correspondente no numero dos pedidos relativos a patentes
de invenção. N. do trad.
CAPITULO IV Crimes contra
os direitos patrimoniaes
l CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES
§ 124. — I. Do furto. Historia
| LITTEBATUBA. Bosenberger, Ueber das furtum nach
klassischem mischen JRecM, insbes. vòer ãen animus lucri
faeienãi, diss., 1879; Backeni, Unterschi zwisólien dem
furtum da mischen liechts und dem deichen RStGB, 1880
; Cropp, nos Krimin. Beitrãge de Hudtwalcker e iTrummer,
2.°, 3, 234 ; Kõstlin, Krit. Uebenchau, 3.', 149, 334,
Monographias, 1868; Brunner, 2.", 637.
I. No período clássico do direito romano o
furto não passava de um delicto privado. E' verdade
que a lei das 12 tábuas, reproduzindo a distracção
entre o facto flagrante e o não flagrante, punia o
furtum manifestum com pena capital (*), ao passo que
comminava somente a perna duplt contra o furtum
non manifestum. O direito d.e matar que cabia ao
offendido era absoluto com relação ao ladrão
(') Sobre o acto religioso aryano da visita domiciliaria {lance et lido
quoerere, ransake,), (tons. Leist, Gfrãko-italiscTie Recldsgeschischte I 246,
Schrõder, Deutsche Rechtsgeschichte, 848
216
TRATADO DE DIREITO PENAL
nocturno e somente admittido em relação ao diurno, «« telo
se defendebat». Mas já o direito honorário só admittia a
multa como pena applicavel ao furto, isto é, o quádruplo no
furtum mani/estum et prohi-bitum, o duplo no furtum non
manifestum, o triplo no furto conceptum et oblatam. O
direito do período imperial destacou alguns casos como
crimina extraordinária 3.°), contra os quaes comminou
penas criminaes, mas em geral não resultou cTahi grande
4
alteração, si o é verdadeira a duvidosa tradição segundo a
qual, no tempo de Justiniano, em cada furto {rei ipsius)
cabia ao offendido a escolha sobre a acção civil (actio) e o
procedimento criminal (crimen).
E' conhecida a definição de Paulo (1. 1, § 3, D. 47, 2) :
«furtum est contrectatio rei fraudulosa lucri faciendi gratia
vel ipsius rei vel usus ejus pos-sessionisve». Furto é pois
toda apropriação illegal e na intenção de lucro de cousa
alheia movei (Dern-burg), e assim a idéa do furto
comprehende não o furto no sentido do direito actual,
senão também o roubo, o desvio, o denominado furto da
cousa achada, o furto da posse, do uso, bem como alguns
casos de burla. Ao proprietário cabe a conditio furtiva para a
restituição da consa, e a todo offendido a actio furti
f
que é
infamante. Esta ultima é vedada : 1.° entre cônjuges (in
honor em matrimonii), 2.° contra filhos (em razão da unitas
personarum), -3.° contra escravos (em razão do poder
repressivo do pater-famílias).
II. De modo muito diverso é o furio tratado no
direito alie mão da edade dia. Ahi o furto nos apparece
como tirada clandestina de uma cousa da custodia alheia,
e assim distingue-se primeiramente, de um lado, do roubo,
como tirada publica da cousa, e, do outro, do desvio,
como conservação furtiva de cousas achadas ou que de
outro modo chegaram ás mãos do agente, ao passo que o
abuso de confiança
CRIMES OONTBÀ OS PtBEITOS EEAES 217
de cousas dadas em deposito é ás mais das vezes
equiparada ao furto.
Cedo encontramos comminadas, especialmente
nos capitulares, rigorosas penas publicas contra o
furto (acima § 4). a Rib., 79, 1, deixava enforcar o
ladrão apanhado em flagrante. E' sobretudo
importante um capitular de 779, que manda enforcar o
ladrão no terceiro furto.
Eram ntfmerosas as distincções dos casos de
furto e as graduações na punição. Assim era quali-
ficado o furto de certos objectos que precisavam de
maior protecção (a charrua no campo, o gado, o trigo),
ou que se achavam em certos recintos (cas-tellos
reaes, egrejas, moinhos, forjas) ou quando
commet|jido em certas epochas (durante a paz relativa
ao exercito, e especialmente o furto nocturno), o furto
com arrombamento etc. Predominava a dis-tincção
"geral entre o facto flagrante e o não flagrante, e
punia-se a reincidência reiterada com especial rigor.
Mas da máxima importância e dominante em toda a
edade média era a divisão baseada no rvãlòr da cousa
furtada, segundo a qual o pequeno furto devia ser
punido com penas na pelU e no cabello e o grande
com penas no pescoço e na mão; o limite não raro
vacillante entre um e outro encon-tra-se ás.mais das
vezes fixado em cinco scMUings (tanto no Espelho da
Suabia, como nas leis irnpe-riaes). Quando o ladrão
incorria em pena de morte, esta* era dada na forca.
III. — Em geral a sciencia italiana da edade
média contentava-se também nesta parte com pro-
curar pontos de contacto entre o direito romano e a
praxe dominada pelo direito germânico (lombardo). O
que na verdade ella desenvolvia era o direito
germânico.
IV.— N'esta como na maior parte das questões,
a Carolina collocou-se absolutamente no terreno da
o
218
TRATADO DE DIREITO PENAL
concepção do direito allemão. Nos arts. 167 a 175
tratou do furto e de crimes análogos com a maior
minuciosidade, guardando a seguinte ordem: art. 157,
o furto clandestino o mais simples de valor inferior a 5
florins (pena do duplo, eventualmente rcere); art.
158, o primeiro furto publico de valor inferior a 5
florins (banimento, sendo o delinquente susceptível
de correcção, pena do quádruplo); art. 157, o primeiro
furto perigoso (também dé' valor inferior a 5 florins)
com escalada, arrombamento ou armas, «de modo que
o ladrão possa offender a quem lhe opponha
resistência» (pena de morte ou pena corporal grave);
art. 160, o primeiro fartum magnum de 5 ou mais
florins — o florim era pela praxe equiparado ao ducado
húngaro (pena corporal ou capital); art. 161, o segundo
furto (não se faz distincção entre a reincidência e o
concurso) n'este caso o delinquente é considerado
um ladrão famoso e equiparado ao «forçador» (pena de
morte); art. 164, o ladrão menor de 14 annos não deve,
sem causa especial, soffrer pena capital; art. 165, furto
de bens, de que o delinquente é herdeiro immediato,
ou entre conjugues (não se admitte o procedimento
official); art. 166, furto por verdadeira penúria. Os
seguintes arts. 167 a 169, tratam do furto de fructos do
campo, de madeira e de peixes, e o distingue das
subtracções simples. O art. 170 versa sobre o abuso de
confiança. O art. 171 define o furto sacrílego (tem por
objecto ares sacrse e loco sacro, res sacras e loco non
sacro, res non sacraa e loco sacro»), e o art. 172 e seg.
graduam a pena applicavel a este ultimo género de
furto, começando da pena de morte pelo fogo (
a
).
(•) Furtum cognitum nomes componaíur é formula dos foraes
portuguezes a respeito da multa pelo furto; na reincidência enforcava-se o
ladrão. Este direito foi conservado na Ord. Aff., 1. 6, t. 06, que
CRIMES CONTRA. OS DIREITOS REAES 219
V.— Estas disposições foram a base do direito
commum. Este admittia em geral a pena de morte 1.°,
no furto grave; 2
o
, no fartum magnum, e 3.°, no furto
em segunda reincidência. A pena de morte, impugnada
desde o século XVIII, foi primeiramente limitada e
depois abolida (Frederico II, 1743). A nova legislação
manteve a idéa do direito commum, sem que se
deixasse desorientar pelos textos do direito romano
1
.
Duvidas dignas de consideração occorrem no
tocante á questão de saber si a intenção de lucro por
parte do agente é uma circumstancia característica do
furto, e portanto si o furto deve ser considerado como
crime de locupletação ou como offensa da propriedade
(
b
).
mandava pagar o annoveado ao da forca e enforcar o ladrão, si o não
fizesse. A Ord. Man., t. 37 e a Phil., t. 60 distinguiam entre o furto simples e o
qualificado em razão da quantidade (excedendo a marco de prata), do logar
(furto sacrílego), do modo (furto com arrombamento), do numero (terceiro
furto), infligindo ao furto qualificado em regra a pena capital. Os ladrões
formigueiros (os que furtam cousas de insignificante valor, que juntas o
excedem a 400 réis), incorriam em pena arbitraria. Ver a Glass. dos crim., p.
822. N. do trad.
(*) E' sobretudo Merkel quem tem posto em evidencia a necessidade de
caracterisar e tratar o furto, bem como outros crimes congéneres, como
«crimes de locupletação». D'entre os crimes contra a propriedade, pondera elle
na sua aprofundada monographia sobre o furto apud H H, 3.°, destaca-se um
grupo de crimes intimamente relacionados e sujeitos ao mesmo juizo ethico-
juridico (o furto, o desvio, a burla, a extorsão, o roubo e em certo sentido a
bancarota fraudulenta). Podemos designal-os, tomando para base um caracter
que lhes 6 commum e que os distingue dos outros crimes, como «crimes de
locupletação». N'elles a acção não tende somente a causar um damno ao
património alheio, senão também a tirar proveito, a bem dos interesses
próprios do agente, de valores patrimoniaes pertencentes a outrem, isto é, o
delinquente quer loeupletar-se á custa alheia. Essa direcção da vontade
delictuosa tem uma importância pratica muito maior do
220
TRATADO DE DIREITO PENAL
I § 125. — Conceito do furto
LITTERATURA. — Klien, Jtevmon der Qrunãsãtze uber\
das Verbrechen de» Diébstahls, 1806 ; Dollmanu Die Ent-
wendung nach den Quellen de* gemeinen Rechts, 1834; Temme,
Die Lehre vom DiebstaM nach preuss. Recht, 1840; Kõstlin,
Monographiaê, 1858, p. 192; Egidy, Das Verbrechen des
Diébstahls, 1859; Dickel, Thaébestanã des Diébstahls naehi
deutsehem Recht, diss., 1877; Merkel, H H ,39, 618, 4?, 405;
Hálschner, 29, 281: Bohstrat, Z., 1, 383; John, Z., 19, 245;
Eotering, G S., 359, 850, 369, 520, 561, 389, 290; Hilse, G A.,
399, 409. Ullmann, Der ãolus bem DiebstaM, 1870; Geyer,
opúsculos, 327 (intenção de furto); Lamniasch, Beleidigung und
Diébstalà, 1893; Tohler, DiebstaM an Erbschaftssachen, diss.,
1893 ; Eompler, Der Begriff des Qexcahrsams ím Zivil- und
Strajrecht, diss., 1894 Gebauer, Der strafrechUiche Schuts
tcertloser Oegenstànde, 1893.
I. — Furto (C. p., art. 242) é a ofíensa da
propriedade pela illegal apropriação de cousa alheia
que a intenção que visa somente o damno de outrem. Os moveis que
impellcm o delinquente n'aquelle caso, upresentam-se como perigosos e
poderosos adversários de todo o nosso systema económico, e o grande
numero das infracções d'cste género está dando constantemente teste-
munho de sua força, bem como suscita problemas a mais de um ramo
da administração publica. Taes moveis dão ao mesmo tempo a este
grupo do crimes, sob o ponto de vista moral, um caracter especial e
ignominoso. A tirada da cousa alheia para destruil-a afigurft-se ao
juizo popular muito menos odiosa do que a subtracção de uma cousa
na intenção de locupletação á custa do offendido. Somente quando
temos em vista esta circumstancia, nos é completamente intelligivel o
desenvolvimento das disposições jurídicas e o diverso tratamento que, de
um lado, o damno real e, de outro, os crimes do grupo em questão têm
encontrado nas leis. Estes pontos de vista, que prevalecem egual-mente
para todos os alludidos crimes, devem ser attendidos consequentemente
na elaboração legislativa, de sorte que o estudo comparado das
disposões legaes não só permitta evitarem-se a confusão e as con-
tradicções na discriminação d'elles entre si, senão também forneça o
CRIMES CONTBA OS DIREITOS BEAES 221
movei, que o agente para este fim e mediante tirada e
sob a sua custodia. Esta ultima circumstancia
distingue o furto do desvio. Segundo esta definição, o
furto, como o desvio, se consummaria com a
apropriação, mas o direito vigente considera operada
a consummação com a tirada. Furto é pois (C. p., art.
242) a tirada de cousa alheia movei na intenção de
apropriação illegal.
II. — O objecto do furto é uma cousa alheia
movei.
1.° — O objecto deve ser uma cousa corpórea, o
critério para a solução de importantes questões que surgem na discri-
minação d'esses crimes em relação a outras categorias do injusto. O C.
p. ali. resolveu o problema incompletamente. Nas suas disposições
notnm-se differenças que materialmente não se justificam, e as ideas
apparecem ainda em phases diversas do seu desenvolvimento. Eliminou
os elementos heterogéneos em proporções diversas, e não mostra, em
face das mesmas questões, uma completa uniformidade de vistas nem
a mesma resolução.— Estas considerões foram attendidas recentemente
por Stooss no seu proj. do C. p. suisso, cujo art. 69 qualifica como
furto o facto «de apoderar-se alguém de uma cousa para locupletar-se
ou para locupletar a outrem illegitimamente». São estes os caracteres
do furto segundo a opinião publica, diz elle no seu commontario ao
mesmo art., e assim não se considera como ladrão: quem subtrabe um
objecto destituído de valor; quem troca uma cousa por outra do mesmo
valor ou pelo seu pleno valor pecuniário; quem se faz justiça por suas
próprias mãos; quem consome uma cousa contra a vontade do dono,
mas no interesse d'este ; quem apodera-se de uma cousa, não para
locupletar-se, mas para outro fim, por exemplo, para pregar ura logro
ao dono ou aflligil-o, destruindo a cousa subtrahida. O nosso C p.
(art. 330) e também o proj. bras. (art. 329) não caracterisam o furto
como «crime de locupletação », pois o « para si ou para outrem » que
as suas definições exigem refere-se á intenção de apropriação, que não
é idêntica á de locupletação. Entretanto no antigo direito portuguez
era reconhecido que, «se o fim de quem tira a cousa alheia o é o
lucro, mas o damno, o crime possa para diflèrente espécie.» (Glosa,
doa Orim., p. 825). lí. do trad.
222
TRATADO DE DIREITO PENAL
que exclue os créditos (*), o homem etc. 89); mas
partes naturaes do corpo humano (como dentes,
cálculos biliarios etc.) podem ser objecto de furto.
Neste caso estão também os corpos líquidos ou ga-
zosos, como a agua, o gaz, o ar quente, emquanto se
acham em custodia alheia, mas não forças, como a
electricidade. Também podem ser objecto de furto
partes artificiaes do corpo humano, si não se acham
inseparavelmente ligadas ao corpo (como o nariz
artificial). E' indifferente que a cousa tenha ou não
valor commutavel (
2
).
2.° A cousa deve ser alheia, isto é, deve estar
na propriedade de outrem. O furto é impossível,
quando a cousa não é propriedade de alguém. Assim
não podem ser objecto de furto as res nullius, as
cousas abandonadas (derelictas), os animaes selvagens
que conservam a sua liberdade natural (não estão neste
caso os animaes existentes em jardins zoológicos
cercados, os peixes existentes em viveiros particulares
fechados), o enxame de abelhas que emigrou e não foi
seguido.
(') A caderneta da caixa económica só pode pois ser furtada como livro
; o levantamento da somma depositado não 6 furto. Ver adiante a nota 8
a
.
(') Neste sentido presentemente a opinião commum. Gebauer a justifica
solidamente (com elle deve-se concordar que até ahi o furto não se apresenta
como delicio patrimonial). Contra v. Bar, Magaiim /u/r deutsehes Reeht, 4.°,
18, John, Z., 1,267 ; também Hãlschner 2.°, 281, v. Ihering, Dogmatische
Jahrbueher, 23.°, 240. Muito duvidosa (ver Olshaueen, g 308, 1) a dec. do
Trib. do Imp. de 14 de íev. de 84, 10.°, 120 (relativamente ao damno real) (").
(•) John e v. Bar fundam-se na natureza do delicto que 6 uma offensa
dolosa ao património alheio ; mas esta doutrina 6 rejeitada pela opinião
commum, porque o art. 242 do C. p. não exige que a cousa tenha valor
pecuniário, nem a intenção de lucro ou de locuple-tação por parte do agente.
N. do trad.
CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES 223
Também não são susceptíveis de furto os corpos
de animaes enterrados, os objectos sepultados com o
cadáver, emtanto quanto não se deva admittir a
existencia de uma propriedade continua por parte do
successor. Pela mesma razão o furto não é re-
gularmente possível em cadáveres e parte de cadáver,
salvo si se tornarem objecto de commercio (") 116)
; é sempre impossível nas res extra com-mercium, uma
«vez que não tenha havido separação e apprehensão.
Consequentemente também não é furto a offensa de
um direito exclusivo de apprehensão. As cousas que
estão na propriedade do Estado, das communas civis
ou ecclesiasticas, etc, podem ser furtadas, bem como
as cousas que fazem parte de um espolio antes da
addição da herança, quando só por esta a propriedade é
adquirida.
O abandono da cousa pelo proprietário sem
transferencia da propriedade a um terceiro ou ai
transferencia da propriedade ao agente exclue a idéa
de furto, pois neste caso a cousa deixa de ser alheia;
cumpre porém não confundir o consentimento do
proprietário concernente á tirada com o consentimento
concernente á apprehensão (
3
).
A errónea supposição de ter sido abandonada ou
transferida a propriedade é erro sobre uma das
circumstancias elementares do crime (cousa alheia) e
portanto exclue o dolo. A hypothese contraria (não
suppor erroneamente o abandono) pode occa-síonar
uma tentativa impossível e como tal deve ser
(
b
) A tirada não autorisada de um cadáver ou de partes de um
cadáver pôde constituir o delicto previsto no art. 168 ou a contravenção
prevista no art. 867, n. 1 do O. p. ali. N. âo trad. I (*) Vêr adiante o
texto a que corresponde a nota 6? A questão tem sido controvertida
desde os romanos principalmente porque o se tem tentado determinar
de um modo preciso o objecto do «consentimento» do proprietário.
224
TRATADO DE DIREITO PENAL
apreciada. 0 dono mesmo não pôde fazer-se culpado de
furto (consumado) da própria cousa; mas o está no
mesmo caso o co-proprietario em relação á cousa que
não lhe pertence exclusivamente.
3.° A cousa deve ser movei. A' cousa movei
equivale absolutamente a que o agente, talvez jus-
tamente para o fim de furtar, fez movei, como arvores,
fructos, partes de uma casa etc, bem como a trança de
cabellos cortada. A subtracção da posse de cousas
immoveis é de facto e de direito possível, mas não
constituo furto no sentido da lei.
III. A cousa não podia estar sob a custodia do
ladrão, devia estar sob a custodia de outrem. Guarda
ou custodia (não é equivalente á posse no sentido do
direito civil) é o domínio de facto sobre a cousa (a
possibilidade de actuar sobre ella com exclusão de
outrem, o poder de dispor), alliado á vontade
manifestada de fazer valer o próprio poder com
exclusão de qualquer outro (o animas dominí). A
vontade e o poder devem coexistir, aquella ma-
nifestar-se neste. Não é necessário o conhecimento dos
diversos objectos, singularmente considerados, a que
de um modo geral se refere o animus domini (os
objectos encerrados no meu quarto). A custodia, uma
vez estabelecida, perdura até a superveniencia de um
evento que de modo manifesto a faça cessar.
Ella pode dar-se sob as fórmas as mais diversas e
nos mais diversos gráos: o relógio que se acha na
minha algibeira está sob a minha guarda tanto quanto
os livros da minha estante, cuja chave, durante uma
viagem em tempo de ferias, trago commigo, ou o vaso
com moedas que enterrei no campo em sitio por
mim conhecido, ou a jóia de família, que sepultei com
o cadáver de um próximo parente no tumulo da
família. Também o louco ou o menino pode ter uma
cousa sob custodia, bem como
CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES 225
os parentes ou outras pessoas podem tel-a por
elles 0 0.
O furto não pode, pois, ser commettido em re-
lação a cousas que não estão sob a guarda ou custodia
de outrem, como traves que a enchente trouxe e não
assignaladas de modo a reconhecer-se a sua
procedência; o mesmo deve-se dizer das cousas per-
didas, mas não das cousas esquecidas (por exemplo,
deixadas no «carro), occultas, desencaminhadas ou
extraviadas (
d
). Si os objectos que se acham em um
navio naufragado ou que foram alijados durante a
tempestade estão ainda sob a custodia da tripolação é
uma questão de facto. A supposição errónea de que a
cousa não se acha sob a custodia de alguém, constitue
uma tentativa impossível de desvio.
(*) O louco e o menino podem abandonar a detenção, mas não
transferil-a a outrem. Quem a recebe é, pois, ladrão. Egualmente no essencial
OIshausen, § 243, 22; contra Binding, 1?, 714, a dec. do Trib. do Imp. de 19
de Junho de 80, 2.°, 882.
(°) O art. 242 do C. p. ali. exige que a « cousa seja tirada a outrem »,
donde se conclue que a cousa deve achar-se, antes do facto, na posse ou
custodia (Jnnehabung, Geioahrsam) de outrem. E' geralmente admittido que
não se trata aqui, como a respeito da idéa de « cousa alheia », de um ponto de
vista do direito civil; a Oewahraam não quer dizer a posse jurídica no sentido
do direito civil; o que se trata de saber 6 si alguém tem uma cousa em sua
custodia de modo que lhe possa ser tirada. Mas a custodia só se dá, quando ao
poder physico de dispor da cousa aceresce a vontade do detentor de tel-a a si
sujeita, de «dominal-a» (OIshausen, | 242, 15 e 16). S. do trad. j *' (
d
) Perdida
considera-se a cousa, quando o ultimo detentor não sabe o logar em que ella se
acha ou o logar tornou-se-lhe inaccessivel de um modo permanente. A cousa
simplesmente desencaminhada ou extraviada não está perdida, pois o
interessado sabe que ella se acha no interior de certo espaço que lhe é
accessivel (por exemplo no interior da casa). Também não está perdida a cousa
que se deixou ficar em certo logar,.onde pode ser procurada, logo que se lhe
nota a falta (Merkel). N. do trad.
T. n 15
.....
GB
226 TRATADO DE DIRETTO TENAL
0 abandono da custodia por parte do dono exclue a
possibilidade do furto, mas não a exclue necessariamente o
consentimento concernente á apprebensão. Si, tendo o
mendigo penetrado no quarto, o dono espera
tranquillamente que elle se aposse de um objecto de valor
para prendel-o como ladrão, con-sentio na apprehensão,
mas o na tirada da cousa (
6
). A errónea supposição do
consentimento exclue o dolo; o não suppol-o erroneamente
constituo uma tentativa impossivel. Si o consentimento é
captado por meio de engano, dá-se burla.
A pessoa mesma investida da custodia não se pode
fazer culpada de furto (mas somente de desvio); o co-
detentor commette furto, quando usurpa o poder exclusivo
de dispor da cousa. Esta ultima asserção tem grande
importância pratica, pois em numerosos casos a cousa pode
estar sob a custodia de varias pessoas, quer equiparadas
entre si, quer subordinadas umas ás outras. Assim a
subtracção de provisões de armazém por um dos prepostos,
do serviço de prata pela criada, de peças de roupa pelo réo
que cumpre sentença, bem como a apropriação de cousas
alugadas a diversos por parte do locatário de um
apartamento mobiliado (por ex., não completamente
separado), são factos que podem ser considerados como
furto, quando o agente é apenas um co-detentor (
6
) (
e
).
(*) Vêr a nota 8."
(«) De accordo Berner, 542, Merkel, 319, Olshausen, \ 242, 19. Contra,
Hâlschner, 2.°, 289, v. Meyer, 636, dec. do Trib. do Imp. de 18 do Fev. do 81,
3?, 358, e 1." de Outubro de 81, 5?, 43. O ladrão mesmo, tirando a cousa
furtada da co-detenção do seu companheiro no furto, pode-se fazer culpado de
um segundo furto. Divergem a dec. do Trib. do Imp. de 2 de Fev. de 85, li.
0
,
439 e Olshausen, \ 242, 38 (não se trata da realisaçSo da primitiva intenção
sobre repartir-se a apropriação).
(•) A cousa deve estar na posse ou detenção de outrem. Não] se pode,
pois, dar furto, quando a cousa já se acha na posse de quem
CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES 227
IV.— A acção consiste na tirada, isto é, na
interrupção da custodia alheia e no começo da própria.
I 0 modo e o meio por que se opera a tirada são
indifferentes. Quem deixa que o seu cão arrebate um
pedaço de carne do armazém do carniceiro ou que as suas
vaccas pastem em prado alheio, quem, abrindo a torneira,
deriva o gaz do tubo alheio, ou induz um menino ou um
louco a fazer entrega de uma cousa movei, tira no sentido
da lei.
Que a tirada seja clandestina não é mais requisito do
furto desde a Carolina; por outro lado faz-se mister a
ausência de violência e da ameaça de caracter perigoso
para que o furto não se converta em roubo.
V.— A cousa deve ser tirada na intenção de
apropriação illegal.
O requisito do animus lucri faciendi, a <cintenção de
lucro», que exigiam a praxe do direito commum e muitas
vezes também a legislação territorial, foi abandonado pelo
C. p. imp. que nesta parte seguío o cod. prussiano, de
1851. No direito actual o furto não ê delicio de
locupletação. Por isso o deposito do valor da cousa tirada
não exclue a idéa de furto Ç).
delia se apropria (neste caso pode dar-se «desvio» ou apropriação in
débita). Quando, porém, a cousa acha-se na posse ou detenção de diver
sos, o co-detentor que usurpa o poder exclusivo sobre a cousa, commette
furto. Assim o criado pode furtar os utensílios da casa, o hospede de
um hotel os objectos de toiletie, o condemnado os instrumentos de tra
balho, pois que de taes cousas elles dispõem como meros co-detentores.
« Basta, diz Merkel, que o acto faça cessar uma partícula do poder de
facto sobre a cousa por parte de outrem ». Esta doutrina tem sido nu
merosas vezes applicada pelo Trib. do Imp. (Vêr Olshausen, I. c). N.
do trad. H
(
T
) De accordo a opinião commum. Contra especialmente
v. Bar, 16, Dickel, 60, Hãlschner, 2.*, 293, 300, Bindíng, Hàlschner,
228 TRATADO DE DIREITO PENAL
Ápropriar-se é estabelecer, para com a cousa, uma
relação a que falta somente o reconhecimento jurídico
para que tome o caracter de propriedade, é, portanto,
crear uma relação em que a cousa é accommodada aos
fins do agente, como si fôra propriedade sua (uso do
objecto da propriedade, o «se ut dominum gerere»). A
apropriação suppõe pois o pleno dominio sobre a cousa
equivalente á propriedade. Não basta dispor da coSisa
segundo uma direcção singular e determinada, emtanto
quanto nisto não se manifesta a intenção de pleno
dominio. Assim não basta o uso transitório da cousa
(§127), nem também por si o levantamento da
importância de uma caderneta da caixa económica,
quando o agente não se apossa completamente da
caderneta, mas pretende repol-a no seu logar (
8
); não
está no mesmo caso o consumo gradual da cousa. No
tocante á moeda e a papeis que a representam basta o
uso conforme ao respectivo destino ("). Não é apro-
priação a destruição immediata da cousa (
10
), ao passo
que o é a transmissão a outrem (embora immediata, e
quer retribuida, quer não) da cousa que o agente poz
de parte, a mistura de dinheiro
Merkel e outros e recentemente v. Lammasch, 14 e Stooss, Grundzúge,
que reconimendam de lege ferenda a limitação da ideia do furto ao caso
de locupletaçâo.
(
8
) Ver a nota 1.». Divergente a dec. do Trib. do Imp. de 1 de
Maio de 84, 10.", 369 (furto); semelhantemente Frank, Z, 14.», 390
(desvalorisação económica), Hartmann, G. A., 40.°, 259 (mudança de
substancia). Contra, Brucke (correctamente Bauke), G. A., 40. III
(burla); Olshausen, § 242, 29, 246, 2 (como o texto); Schneider, Z., 14,
86 (desvio). Incomprehensivel Binding, 1.°, 280, nota 6 (analogia).
(') E' pois duvidosa a dec. do Trib. do Imp. de 23 de Pev. de 98,
24.°, 22 (sellos de cerveja).
(
10
) Neste sentido a opinião commum, e também a dec. do Trib.
do Imp. de 11 de Fev. de 84, 11.°, 239. Contra, Bachem, 26,
Hãlschner, 2.°, 299, Olshausen, § 242, 80, Ullmann, 70.
OKIMES CONTKA 08 DIREITOS BEAES 229
alheio com o próprio, a divisão da cousa commum. O
dar em penhor o é apropriação, mas somente não o
é, quando existem a intenção e a fundada expectativa
de restituição em tempo hábil (") (*).
(
u
) Já o direito commum exigia o animua e a facultas resti-
tuendi; neste sentido repetidas vezes também o Trib. do Imp., ult. dec.
a de 12 de Fev. de 91, 21.°, 364, e também Merfcel, 318. Basta, porém,
a intençjb, segundo Geyer, 2.°, 51, Hálschner, 2.°, 362, Ols-hausen, g
242, 80.
O A intenção de apropriação illegal é um dos elementos do
furto. Dahi conclue-se que não commette furto quem tira a cousa
alheia, não para delia apropriar-se, mas para destruil-a immediata-
mente. Esta doutrina, que é a corrente, aceita também pelo Trib. do
Imp., foi contestada por Berner, fundando-se em que a destruição
suppõe a Apropriação, a intenção de destruir a de prévia apropriação.
Merkel responde que isto importa confundir a tirada com a apro-
priação, o faz sentir o absurdo de considerar-se como culpado de dam
no quem destroe, por exemplo, um vaso com a bengala, e como culpado
de furto quem se apodera do vaso para despedaçal-o, arro-jando-o de
encontro ã parede. TJllmann, Bachen, Olshausen fazem dis-tincção: si a
intenção do agente, diz este ultimo, é a destruição im-xaediata da
cousa, elle não a porá ás mais das vezes sob a sua custodia, mas, si
assim fizer, deve-se admittir também a existencia da intenção de
apropriação, pouco importando que o fim ultimo seja a destruição.
Conclue-se também que o commette furto quem tira a cousa para
delia fazer uso ou obter um proveito, sem subtrabil-a permanentemente
ao dono. Em taes casos dar-se-ha um furtum usics que, em geral, o C.
p. não pune e que acarreta a responsabilidade civil. Conse-
quentemente entende-se que não constitue furto o dar em penhor a
cousa alheia, si a intenção do agente é resgatal-a posteriormente e
Irestituil-a ao dono; o Trib. do Imp. e também v. Líszt, Merkel e outros
accrescentam que, além da intenção da restituição, deve-se exigir « a
convicção do agente, fundada nas circumstancias, de poder fazel-o ».
Considera se, porém, comprehendido na ia de aproprião o uso que
importa completo consumo da cousa. O Trib. do Império estendeu este
principio á tirada de uma caderneta de caixa económica em um caso em
que o intenção do agente era levantar somente uma parte da quantia
depositada o restituir a caderneta ao seu dono. Esta decisão
230 TRATADO DE DIBEITO PENAL
A apropriaçSo deve ser illegal. Assim não se
furto, quando o agente tem direito a que lhe seja
transferida a propriedade da cousa ou quando oceorre
um caso de desforço licito por autoridade própria; não
se pôde dizer o mesmo, si a cousa tirada é destinada a
satisfazer uma outra pretenção. Quem tira dinheiro
para pagar-se de um credito valido não commette
furto, quando -&• hypothese que raríssimas vezes
occorrerá tiver direito á transferencia das moedas
justamente tiradas. A supposiçao errónea sobre a
legalidade, como erro sobre uma circumstancia
elementar do delicto, exclue o dolo.
A lei exige a intenção de apropriação illegal no
sentido de motivo que vae além do dolo (
12
).| E, na
verdade, o agente deve ter a intenção de apropriar-se
da cousa primeiramente, pelo menos, para si, e não
immediatamente para um terceiro (
g
). A esta intenção
deve alliar-se a consciência da ille-galidade.
tem sido impugnada, admittindo uns (como Merkel) que o uso de um
documento pôde constituir furto, quando em virtude do uso o
documento perde todo o seu valor e utilidade, e entendendo outros
(Olshausen, v. Liszt) que o documento pôde ser objecto de furto
como cousa material. V. Liszt admitte porém que o uso do dinheiro e
dos titulos que o representam constituo furto. N. do trad.
») Ver o § 88, nota . Eg.ualmente Friedlãnder, Z., 11.°, 401.
Contra, Binding, Normen, 2.°, 658, Hálschner, 2, 292, Olshausen, J
242, 27.
(
B
) Isto 6, não se furto quando o agente o teve a posse da
cousa, sendo esta removida directamente do poder do dono para o de
um terceiro. Assim, segundo a jurisprudência do Trib. do Imp., não
incorre nas penas do furto o vendedor de cousa alheia, que encarrega o
comprador de a tirar do poder do dono; faz-se mister que o vendedor
primeiramente a tire por acto seu do poder de quem a tem sob sua
custodia e então a passe ao comprador (em sentido contrario, Merkel).
Olshausen, 1. c, 24. N. do trad.
CRIMES CONTRA 08 DIREITOS REAES 231
VI.—O furto consuma-se com a tirada con
sumada, e portanto logo que o agente põe a cousa
sob a sua própria custodia (
I3
). I
I A tentativa, que, apezar de ser o furto um delicto, é
punível, começa com a interrupção da custodia alheia,
e portanto em diversos períodos, conforme a
segurança e a forma dessa custodia. Assim começa
com o arrombamento, com a escalada, com a
introducção furtiva, quando se trata de cousas
(") Assim o basta, de um lado, que o agente lance mão da
cousa (tbeoria da eontreeiatio) e o é, de outro lado, necessário que a
remova do logar em que actualmente 6 guardada ou mesmo que a
ponha em segurança (theoria da ablaiío ou da illatio). A concepção que
mais se approxima do direito actual é a denominada theoria da a-
pprehensão (
h
).
(
h
) Como o furto é a tirada da cousa alheia na intenção de
apropriação, o furto consuma-se, desde que ae dá a tirada, isto ó, desde
que a cousa passa da «custodia» do possuidor para a do delinquente. A
intenção deste deve comprehender os dois momentos da tirada e da
apropriação, mas o furto consuma-se, logo que a primeira intenção se
realiza, independentemente da realização da segunda. Jfi' isto o que se
chama a «theoria da apprehensão». A consumação não depende pois de
que «a custodia* ou o domínio de facto que pela subtracção se
estabelece sobre a cousa se ache seguro. Também não é necessário
que a cousa tenha sido levada do logar onde se deu a subtracção.
Aquelle que em uma loja mette na algibeira dolosamente objectos que
não comprou, tem sem duvida consumado o furto. O mesmo deve-se
dizer do criado que, na intenção de furtar, oceulta objectos perten-
centes ao amo no interior da própria casa, de sorte que o agente
esteja em situação de dispor delles. Em casos desta natureza, a pos-
terior remoção da cousa não constituo um segundo furto. Mas, por
outro lado, não bosta o simples facto da apprehensão (eoníreciaíio) ou
qualquer «loco movere» para que se consuma o furto: é necessário que
a cousa saia da custodia do possuidor e que se tenha estabelecido a do
delinquente. E' isto uma questão de facto que se deve apreciar e
resolver, segundo as circumstancias concretas do caso (Merkel,
Olshausen), N. do trad.
232 TRATADO DE DIREITO PENAL
guardadas em logares fechados ; data da apprehensão,
si se trata do gado no campo, da madeira cortada na
floresta, ou do facto de estender-se a mão, quando com
isto é compromettido o domínio do proprietário
sobre a cousa.
VII.—No furto a offensa de um bem jurídico, a
custodia, é meio para a offensa de outro, a propriedade.
Si nos cingirmos ao conceito scientifico do furto, tanto
os donos como os possuidores se apresentam como
offendidos no sentido da linguagem commum. No
sentido technico, porém, da palavra 44) offendido é
somente quem está investido do bem immediatamente
atacado, e portanto quem tem a custodia. Sob o ponto
de vista do direito vigente 6 ainda mais segura esta
conclusão; este de tal modo põe a offensa da custodia
no primeiro plano que para a idéa do furto exige
somente a simples offensa intencional á propriedade.
Entretanto a opinião dominante, dando em geral
demasiada e indevida amplitude á expressão offendido,
admitte que podem ser considerados como offendidos
pelo furto tanto o proprietário como o possuidor Ç*). A
questão tem especial importância em relação ao furto
que é punido com penas brandas (§ 126, V) (').
(") Esta doutrina é representada especialmente pelo Trib. do
Imp. (como fora d'antes pelo tribunal superior de Berlim), ultima dec. a
de 20 de Março de 84, 10.°, 210, bem como por Birkmeyer,
Mecklenb. Zeitschrift, 6.°, 171, Geyer, 1.°, 208, 2.°, 50, Hãlschner, 2.°,
306, v. Meyer, 868, Olshausen, $ 247, 8, e ainda por Binding, 1.°, 672,
que aliás notável) só por furtado o proprietário. A maioria dos
escriptores admitte que somente o proprietário é offendido; neste sentido
v. Bar., G A, 19.° 649, Dochow, H H, 4.°, 262, Herzog, G S., 26.°, 209,
Merkel, 822 e H H e 8.°, 712, Ruktrat, G S., 24.°, 144, v. Schwartze,
GS., 25.°, 188. No sentido do texto Schutze, 446.
(') Sobre esto ponto ha grande variedade de opiniões: a) offen-
didos são tanto o proprietário como o possuidor (o Qewahrsamainhaber,
CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES 233
§ 126.—Das espécies de furto
LiTTERATtJRA. v. Schwartze, Die Léhre vom aus-
gezeiclineten DiebstuM, 1863 ; Hager, G S., 30; B. Temme,
Ueber den Betrag cies DiébstaJúa, 1867.
I.—Furto simples (C. p., art. 242).
Pena: encarceramento e facultativamente perda dos
direitos cívicos (art. 248).
II. — Furto qualificado (art. 243).
Penas: reclusão a 10 annos ; occorrendo cir-
cumstancias attenuantes, encarceramento por tempo não
inferior a 3 mezes. Accessoriamente á pena de
encarceramento pôde ser imposta a perda dos direitos
cívicos; accessoriamente á de reclusão pôde ser au-torisada
a sujeição á vigilância policial (art. 248). I Sem razão
plausível, o 0. p. imp. abandonou a distincção do antigo
direito germânico, baseada na cousa furtada, entre grande e
pequeno furto, a qual foi mantida pela Carolina e se
encontra em muitas legislações territoriaes. Também não se
encontram no C. p as disposições derivadas do antigo
direito e muitas vezes reproduzidas nos cod. territoriaes
(inclusive o prussiano), segundo os quaes o furto de cousas
desamparadas e que por isso mesmo precisam de maior
protecção era reprimido com
o que tem a custodia)—Trib. do Imp., Klebs, Geyer, Hálschner,
Olshausen; 6) ofTendido é somente o proprietário v. Bar., Herzog,
Merkel, v. Schwartze; e) offendido é somente o possuidor v. Liszt,
Schútze, Rubo; d) offendido é sempre o proprietário, e somente o
possuidor, quando lhe advém prejuízos patrimoniaes—opinião inter-
mediaria sustentada por F. Meyer e também por Hálschner e por
Meves (Olshausen, $ 247, 8). No antigo direito portuguez reconhecia-se
que anão só aquelle a quem pertence a propriedade, senão também
aquelle que tem só a posso, pôde queixar-se do furto» (Ciosa, dos
Grim., p. 326). N. do trad.
23i TBATADO DE DIEBITO PENAL
penas aggravadas. 0 furto de cousas que loucos ou meninos
tenham comsigo, e o furto praticado em occasião de
incêndio ou de inundação, contemplados no cod. prussiano
entre os casos graves, não o são no C. p. imp.
Segundo o C. p. imp. os seguintes casos devem ser
tratados como furto qualificado :
1.° O antigo furto sacrílego {sacrilegium em
sentido estricto). Dá-se quando de** um edifício! destinado
ao culto 116) furtam-se objectos que ao culto são
consagrados, isto é, objectos destinados a que nelles ou
com elles se exerçam actos do culto. Não pertencem pois a
este numero as caixas de esmolas. Si o objecto é ou não
consagrado ou bento no sentido religioso é circum-stancia
indifferente.
2." 0 furto com arrombamento (furto violento} é
aggravado em razão da superior clausura do logar
atacado e em razão da energia da resolução criminosa.
Dá-se quando o furto é commettido em um edifício ou
recinto mediante escalada, arrombamento exterior ou
arrombamento interior de cousas destinadas a guardar
objectos.
Edifício é o espaço circumscripto por paredes e tecto
e que apresenta uma construcção fixa sobre o solo
(immovel), ainda que o seja somente pelo próprio peso,
como, por exemplo, circos, cabanas, estribarias, barracas,
lojas, trink-halh que tenham certo peso, mas não, de um
lado, o carrinho do pastor ou o carro do artista ambulante,
navios, trenós, balões areostaticos, e, de outro lado, espaços
subterrâneos, como os poços de minas. Ao edifício
equipara-se o espaço cercado, isto é, uma parte da
superfície da terra protegida por certos obstáculos, embora
não sejam de importância, contra a invasão] de estranhos.
Neste caso estão a coutada, o poço de mina, o poço para a
agua.
CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES
235
Arrombar é superar o obstáculo por meio de
violência « com ofFensa da substancia material da
cousa ('), o que não comprehende, por exemplo, o
facto de separar os batentes da porta, de tirar um prego
etc. (*). Escalar é contornar o obstáculo, penetrando-se
por logar não destinado á entrada e somente accessivel
com grande esforço. Esta expressão comprehende
também o entrar de rastos (
2
). Arrombamento*interno
ê a abertura violenta e com
(>) Egualmente Merkel, HH., 8675, Olshausen, | 248, 17. A opinião
commum porém contenta-se com a violência (também a dec. do Trib do Imp.
de 5 de Julho de 81, 4.° 858, Geyer, 2.°, 46, v. Meyer, 665).
(*) Nem toda abertura violenta incide na idéa de arromba
mento. Quem separa os batentes de uma porta fechada de modo a
poder correr o ferrolho, ou quem abre a porta abalando-a, ou quem
suspende os batentes, ou remove a fechadura tirando os parafusos e os
pregos, abre de um modo i Ilegal e (em sentido amplo) violento, mas
não se faz culpado de arrombamento. Segundo a linguagem commum
que deve servir de guia na ausência de uma disposição de lei em con
trario o arrombamento consiste no destruir ou damniflcar aquillo que
constituo o fecho. A favor desta doutrina milita também a circum-
stancia de que o crime de dam no, quando praticado como meio para
o furto, tem sido considerado absorvido pelo furto qualificado em
razão do arrombamento, porque este idealmente encerra em si o facto
do damno, concepção que seria certamente incorrecta, si se admitlisse
arrombamento sem damno (Merkel, Olshausen). A opinião commum
porém não aceita esta doutrina e admitte que se arrombamento
sempre que o obstáculo opposto á tirada da cousa pela clausura do
edifício é vencido por meio de violência, quer haja offensa da sub
stancia do objecto que constituo o fecho, quer simplesmente offensa da
sua connexão mechanica. O art. 358 do nosso O. p. logar ás
mesmas duvidas; não assim o art. 331, IV do proj. braz. N. do
trad. I
(*) Contra, a dec. do Trib. do Imp. de 12 de Abril de 82, 6.° 187,
Geyer, 2.°, 47, Hâlschner, 2,°, 820. De accordo Olshausen, § 2
o
43, 19.
236
TE ATADO DE DIREITO PENAL
offensa material de cousas ou logares fechados e
destinados a guardar objectos (e não meros envol-
tórios), como armários de parede, fardos de merca-
dorias, caixas, cofres, malas, a deslocação da solda de
um tubo de gaz, etc, e também a abertura de partes
fechadas do edifício C*). A abertura deve operàr-se no
interior do edifício. n 3.° O furto com chaves falsas,
mencionado nas leis barbaras da Allemanha, dá-st
quando, para penetrar em um edifício ou em um logar
cercado, ou para a abertura das portas internas ou de
objectos existentes no interior, o agente serve-se de
chaves falsas ou de outros instrumentos que não são
destinados a abril-os regularmente (gancho, faca,
pedaços de chumbo que, lançados em logar de moeda
pela bocca do autómato, o fazem funccionar) }. Esses
instrumentos, em contraposição aos que são próprios
para arrombamento, fazem funccionar o mecanismo
especial da fechadura. Chave falsa é também a
primitiva e legitima que perdera-se, e foi subtrabida e
retida pelo agente, logo que a mesma chave é
substituída e não é mais destinada a abrir regularmente
a fechadura em questão.
4 O furto de objectos em expedição men-
cionado no direito austríaco de 1768 e no Allg.
Landrecht prussiano (furto postal), dá-se quando em
uma estrada publica (isto e, franqueada ao uso publico,
embora se ache no domínio privado), rua, praça
publica, via fluvial ou via férrea, ou em um
(
b
) AUtraccão feita de edifícios e de «espaços cercados», BehHtnia
designa tudo o que pode ser fechado o «e destina á guarda de objectos, quer
seja uma cousa movei independente, quer ama parta especial de| um edifício
ou de um «espaço cercado* (OUhausen, \ 248, 22). N. do tmd.
(•) Ver Auwer, Der Rr.chUtchu.tz der Automaíen naeh gem. Recht,
dÍM., 1091 ; Gunther, Da* AutomatenrecM, dias., 1892.
CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES 237
edifício ou pateo dependente da administração postal,
ou em uma estação de via férrea, subtraem-se cousas
pertencentes á bagagem de um viajante ou objectos
destinados a ser transportados, cortando-se ou des-
prendendo-se o que serve para segural-os ou pre-
serval-os, ou mediante emprego de chaves falsas ou de
outros instrumentos não destinados a abrir taes
objectos regularmente. As expressões cortar e des-
prender devem* ser tomadas em sentido amplo; a
perfuração de vasos, o facto de desatar ataduras
também nellas se comprehendem.
A expressão via-ferrea comprehende somente as
vias providas de trilhos fixos e servidos por meio de
foas natura es mortas (mechanicas), como o vapor, a
electricidade, a força de gravidade, mas o as vias
servidas por animaes (*). As vias-ferreas pri-
(*) Egualmente (quanto ao art. 812 do C. p.) as dec. do Trib. do Imp. de
19 de Maio de 86,' 12°, 205 e 17 de Set. de 85, 12. °, 371. Contra a unidade da
idéa de via-ferrea no sentido do direito penal Olshausen, § 243, 17 e em uma
exposição aprofundada Loock, Der strafrechtliche Sehute der Ei&enbahnen,
1893, p. 155. Segundo o primeiro, o que importa somente saber é si a via-
ferrea expede ou não bagagens, e o ultimo por isso nega a protecção do art.
243, n. 4, a todas as linhas secundarias (°).
(°) A lei não distingue entre as diversas espécies de vias-ferreas, e por
isso muitos entendem que as linhas servidas por animaes não estão excluídas
da protecção legal. Segundo Olshausen, o ser a tracção por força animal não é
círcumstancia decisiva j o que cumpre saber é si pela via-ferrea se fazem
viagens, nas quaes seja costume a conducção de bagagens; si tal é o caso,
pouco importa a natureza da força motora, e não se comprehende porque,
quanto ás linhas servidas por animaes, a solução deva ser em principio diversa
da que se admitte em relação ás vias-ferreas Incaes destinadas ao transporte de
pessoas. Loock evita esta inconsequência, negando a protecção do art. 248, n.
4, a todas as linhas locaes. O autor porém funda-se na «unidade da idéa de via-
ferrea», pois que s<5 assim se chama a linha provida de trilhos fixos e
servida por força mechanica. N. do trad.
238
TRATADO DE DIREITO PENAL
vadas (das fabricas, minas, etc.), attento o fim da
comminação penal, não entram neste numero; mas
não se pôde dizer o mesmo das vias-ferreas secun
darias de bitola estreita ou dos tramsways urbanos
a vapor. O objecto a expedir são os objectos desti
nados á expedição, logo que se acham nos logares
enumerados, embora ainda não tenham sido entregues
á empreza de transporte. fl
6.°—O furto á mão armada dá-se, quando o
ladrão ou algum dos cúmplices traz comsigo armas na
occasião da perpetração do furto.
A palavra arma deve ser tomada aqui em sentido
technico ('). O C. p. afasta-se da Carolina que
considerava circumstancia aggravante a resolução por
parte do agente de fazer eventualmente uso da arma (o
direito commum exigia o animus laãendi). Como a
razão da penalidade superior applicavel ao furto á o
armada é o facto de ser maior o perigo objectivo (pela
possibilidade do uso da arma), é in-differente não
que o agente tivesse a intenção de servir-se da arma em
caso de necessidade, senão também que o offendido,
com ver o ladrão armado, se sentisse ameaçado em sua
segurança pessoal. Dá-se pois a circumstancia
aggravante, si o soldado traz o seu sabre ordinário; não
se porém, si elle acompanha o seu parque de
artilharia ou si a criada leva ao armeiro a espada do
amo. Quem traz comsigo uma arma descarregada, está
armado, caso não lhe falte a munição necessária. O
dolo do agente deve comprehender também a posse
da arma (
d
).
(*) Ver acima, \ 98. Egualmente Geyer, 2.°, 48, Hâtschner, 2.°,
329, v. Kries, G A., 25.°, 83, 48; contra, Berner, 651, Merkel, 821, v.
Meyer, 670, Olshausen, \ 243, 46, Schutze, 485.
(
d
) O art. 243, n. 5, do C. p. ali. não exige que o autor ou o
cúmplice se tenha provido de arma para a pratica do furto, mas que
traga uma arma comsigo na occasião do facto. D'ahi conclue-se não
CRÍMES COSTKA OS Dl* RITOS «KA ES 230
."— O furto por quadrilha ê o que ê eommet- j
tido por vários indivíduos associados para a praticaI de
crimes de furto ou roubo 49). A forma da
«cooperação» (autoria, ro-autoria, cumplicidade) ê\
indi florente (•).
7."—O furto nocturno dá-se, quando o furto é
commettido á noite em edifício habitado, onde o
agente se introduzio furtivamente ou se occultou com
a intenção de cotnmetter o crime, ainda que ao tempo
do furto os moradores nao se achassem presentes.
I Ao edifício habitado se equiparam o legar cerca-lo
que a tal edifício pertença e as construções de todo
género que ani existam, bem como os navios, quando
hsditados.
Edifício habitado ê o que serve ao homem para ol
seu repouso nocturno ordinário (§117. nota). Por noite,
entendesse (como resulta do fim da disposição legal),
não o espaço de tempo em que perdura a obscuridade,
mas o período do descanso nocturno, segundo lo uso do
logar Ç). fntroduz-$e furtivamente^ quem
ser neecMario que o agente M tenha Intencionalmente armado, basta quo
esteja armado. O fundamento da aggravação da pena nao está pol« n>
cara ter perigoso do delinquente que M revela ao beto •!« armar***,
no perigo objectivo do seu eanprehandimenU* em rea&o do porte da
arma. O facto d* estar o delinquente armado pode facilmente oeca-«ionar
o aso d'ella, ai terceiro* (miarem prendel-o ou perwguil-o, bem .••;..•,
incutindo medo no dono da couaa, pdde induzir este a nao <•••-lútir ao d-
dJcto. Ma* e*ta» avra* possibilidades, pondera Merfcel, cri-tfcando o cit.
«ri., aio justificam a oomminaçao de uma penalidade superior estatuída
em termo* gemes; seria preferível que a latra da lei correspondesse á
«theoria subjectiva*. N. do trad.
(•) igualmente Hâlschner, 1.», 657, 2.°, 880, nota 1 », Merkel, H H,
$•, 693, Olsbauaan, | 243, 48; contrd, v. Meyer, 672, Scbutaa, 485.
() De aooordo Berner, 551. Ge/er, 2.°, 48, Hálscliner, i.°, 882 v.
Meyer, 667; eontrà, Merkel, 821, OUhausen, | 248, 52, dec. do Trib, do
Imp. de 23 de Dez. de 80, 8.*, 209.
240 TRATADO DE DIREITO PENAL
entra clandestinamente, subtrahindo-se de propósito ás
vistas de outrem. Não é necessário que a intro-ducção
se tenha operado á noite.
III. — Furto em segunda reincidência (C. p.,
art. 244 e 245; acima, § 69). Requisito: duas
punições anteriores no pais por furto, roubo, rece-
ptação, furto e extorsão equiparados ao roubo. Pouco I
importa que as penas anteriores tenham sido pro-
nunciadas por tribunaes civis ou militares ou por
autoridades policiaes, uma vez que se trate de pena
criminal propriamente dita; também a reprehensão
basta como pena anterior, mas não basta uma pena
accessoria, como a privação de direitos civicos nos
termos do art. 37 do C. p. (
8
) (°). Não importa a
denominação technica dos crimes anteriores, mas
deve haver intima homogeneidade entre elles e os
crimes enumerados no art. 244. Assim as penas
anteriores impostas em razão de subtracções que o
direito vigente distingue do furto (como a subtracção de
comestíveis, as subtracções no sentido das leis de
policia rural e florestal etc.) não justificam a
applicação da disposição que aggrava a reincidência.
Em relação ao 1.°, ao 2.° e ao 3.° facto, equivale com-
pletamente á autoria a cumplicidade, bem como á
consummação a tentativa. Também basta uma con-
demnação anterior em virtude do disposto no art. 259,
ai. 3.°, do 0. p. (§ 52, nota 9).
Entende-se que a condemnação anterior foi pro-
ferida no paiz, quando o tribunal de que emana,
(
8
) Egualmente a dec. do Trib. do Imp. de 7 de Julho de 90,
21.°, 85; presentemente também Olshausen, | 244, 6.
(
e
) O 0. p. ali. não exige somente uma condemnação anterior,
como o C. pmssiano, mas uma «punição anterior», e portanto faz-se
mister que o accusado não tenha sido condemnado, senão também
que tenha cumprido a pena no todo ou em parte. N'este sentido a
jurisprudência do Trib. do Imp. N. do trad.
OEIMES CONTEA OS DIREITOS EEAES 241
pertence ao paiz, embora pertencesse ao estrangeiro
ao tempo do julgamento.
As penas anteriores devem ter sido, no todo ou
em parte, cumpridas ou perdoadas. Si decorrer um
decennio entre o cumprimento ou a remissão da
ultima pena e o commettimento do novo furto, não se
applica a pena da reincidência (prescripção da
reincidência). Não se toma porém em consideração o
lapso de tempo decorrido entre a 1.' e a 2.' con-
demnação.
Penas: aj no furto simples, reclusão até 10 annos
e occorrendo circumstancias attenuantes en-
carceramento por tempo não inferior a 3 mezes (art.
242) ; b) no farto qualificado, reclusão por tempo não
inferior a 2 annos, e occorrendo circumstancias
attenuantes encarceramento por tempo não inferior a 1
anno (art. 243). O art. 248 tem também applicação
aqui.
IV,— O furto equiparado ao roubo (art 252) dá-
se, quando o ladrão, sorprendido em flagrante (e
portanto depois de consumada a tirada da cousa),
emprega violência contra alguma pessoa ou ameaça
alguém de morte ou de ferimentos immediatos para o
fim de conservar a posse da cousa furtada, e isto
suppõe que a violência e a ameaça não foram os
meios empregados para a tirada (§ 97, IV) Q. Penas as
do roubo.
V. Casos punidos com penas brandas (C. p.,
art. 247, o furto domestico e o furto entre parentes).
l.°—Não é punido o furto commettído por as-
O Não se trata aqui de um caso de roubo propriamente dito,
mas de um furto qualificado. Que é necessário um furto consummado,
resulta não só da clausula da lei — para conservar a posse da cousa
furtada, senão também de que, si o furto não estivesse consummado, o
emprego de violência ou de ameaças o converteria om roubo. "8. do
trad.
T. II 18
242
TEATADO DE DIREITO PENAL
cendente contra descendente ou entre cônjuges (art. 247,
2.
a
ai.; § 43).
2.° Como delictos, cuja prosecução depende
relativamente de queixa 44, nota 11), o C. p. menciona
dois casos (art. 247, ai. l.°):
a) sem outra condição, o furto commettido em
prejuízo de parentes, tutores ou preceptores (0. p., art. 52,
ai. 2.°, — furto entre parentes);
ò) quando se trata de cousas de «valor insignificante,
o furto em prejuízo de pessoas para as quaes o delinquente
se achava na relação de aprendiz, ou em cuja casa convivia
como fâmulo (a circumstancia decisiva é o livre accesso
dos logares).
Conforme o que foi dito no § 125, VII, o que regula é
a relação do agente para com a pessoa que tem a custodia
da cousa. O processo depende de queixa, quando os
objectos furtados pelo filho ao pae pertencem a um
terceiro, mas o, quando os objectos furtados a um
terceiro, pertencem ao pae do delinquente. A queixa pôde
ser retirada.
Ambas as disposições (l.
a
e 2.
a
) não têm appli-cação a
cúmplices ou a favorecedores, que não se achem em uma
das relações designadas (C. p., art. 247, ai. 3.*).
§ 127.— Casos análogos ao furto
LITTEEATURA.— Lenz, Der Strafrechtliche Schutz ães\
Pfanãrechts, contribuição para a historia e a dogmática
do direito das obrigações, 1893, p. 75; Friedlánder, 2.,
11.°, 369 (furto de comestíveis); Schwartze, Der Futter-|
ãiebstahl (monographias do Krimmalist. Seminar, 3.°, 3),
1893.
Da idéa do furto (e, pelo menos em parte, da idéa do
desvio) desprenderam-se no curso do desenvolvimento
histórico e tornaram-se independentes certas infracções
que reunimos aqui em connexão
CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES 243
com o furto, para melhor exame da matéria, com-
quanto essas infracções, singularmente consideradas,
possam reclamar melhor collocação no systema da
parte especial. Note-se que temos de tratar de figuras
criminaes independentes, ás quaes nSo é ap-plicavel
de um modo incondicional o que foi dito sobre o furto.
I I.— Uso* indevido ou furto do uso. I No direito
romano o fartum usas foi expressamente incluído no
furtum 124,1). A edade média allemã tratou, pelo
contrario, alguns casos desta natureza, o facto de
utilisar-se alguém de cavallo alheio (Ritmaria, Espelho
da Suabia) ou de barco alheio, o facto de cultivar
terreno de outrem—como delictos especiaes sujeitos á
multa. A scíencia e a praxe do direito commum
recorreram muitas vezes á concepção do direito
romano, mas quanto mais se desenvolvia a idéa
moderna do furto, tanto menos nella se accommodava
o uso indevido, a que falta de todo a intenção de
apropriação. Assim rios cod. territoriaes, como por
exemplo, o saxonio, foram levados a decretar uma
pena especial e applícavel em geral ao uso indevido
(
a
).
Segundo o 0. p. imp., o uso indevido só é punível
em um caso especial, e aggravado pelo abuso da
confiança publica (art. 290), isto é, quando os que
emprestam publicamente sobre penhor servem-se, sem
direito, dos objectos dados em penhor. São mutuantes
públicos sobre penhor aquelles, cujo negocio é
franqueado ao publico. Outros casos de uso indevido,
como o facto de usar alguém de roupa alheia, de
utilisar-se de um bilhete de theatro ou
I (*) O furto do uso, punido como caso de furto no antigo direito
portuguez (Ord. 1. 5, t. 60, \ 8) e pelo C. Crim. bras. de 1880 (art.
258), não o é pelo nosso C. p. vigente (ver o art. 831 n. 2) nem pelo
proj. bras. revisto (ver o art. 888/ li. do trad.
244
TRATADO DE DIREITO PENAL
de via-ferrea pertencente a outrem, de ler jornaes e
livros alheios, de servir-se de capa ou chapéo de sol
alheio, não são puníveis, não se dando burla.
Pena : encarceramento até um anno, a que podei
accrescer multa até 900 marcos.
II.— Furto da posse (recuperação do penhor) .j
Segundo o art, 289 do C. p., é tirada (*) de cousa
movei; mas, em contraposição,, ao furto, é tirada da
própria cousa pelo dono ou de cousa alheia por um
terceiro em proveito do dono. O delicto é commettido
contra o usufructuario, o credor pigno-raticio, o usuário
ou pesssoa que se ache investida de um direito de
detenção; compromette ao mesmo tempo e ás mais das
vezes (mas não necessariamente) a satisfação do direito
que a detenção da cousa tem por fim garantir. Pode ser
também agente um co-detentor. A tirada em proveito
próprio por quem não é dono pôde ser punida como
furto. Pertence a esta categoria de casos especialmente
a retirada de moveis introduzidos na casa pelo locatário
contra a vontade expressa ou tacita do locador (o
dêménager à la lune); mas não a destruição de taes
objectos (
2
). A tirada deve operar-se fraudu-\
lentamente, isto é, na intenção de offender-se o direito
do detentor (
8
). E' necessário que o dolo com-prehenda
o direito de quem tem a custodia.
Penas: encarceramento até três annos (podendo
accrescentar-se-lhe a perda dos direitos cívicos) ou
(') A idéa é mais ampla do que no furto, pois não se exige a
custodia do titular do direito. Ver Lenz, 118.
(*) Ver o § 125, nota 10. Egualmente a dec. do Trib. do Imp. de
29 de Março de 87, 15, 434; não assim no caso do art. 187 do C. p.
Contra Olshausen, g 289, 7.
(') Egualmente com a opinião commum a dec. do Trib. do Imp.
de 2 de Março de 94, 25.°, 155. Contra, Binding, Nortnen, 2.°, 597.
CRIMES CONTRA OS DIREITOS EEAES 245
multa até 900 marcos. A tentativa é punível. O pro-
cesso depende de queixa. O art. 247, ai. 2 e 3 do C. p.
(§ 126, V) tem também aqui applicação, mas não o art.
243.
I III.—O furto rural e o florestal, que o direito allemão
distingido sempre do furto commum, foram reservados
pela lei de introducçâo do C. p., art. 2, para a
legislação territorial (*). Não podem pois ser
considerados furto no sentido technico do C. p. I IV.—
A apropriação indevida tanto das munições
empregadas nos exercícios de artilharia, como das
balas de chumbo lançadas nos logares do alvo por
occasião de exercícios de fogo por parte das tropas
(art. 291). Esta disposição passou da ordem de
gabinete prussiana de 23 de Julho de 1833 para o Cod.
prussiano art. 349, n. 5, que qualificou o facto como
contravenção; mas o C. p. imp., tendo em attenção o
alto preço das munições, deu-lhe o caracter de delicto.
A circumstancia característica que (abstracção feita do
objecto estrictamente limitado) distingue este delicto
do furto está na forma especial do poder de dispor dos
objectos enumerados no art. 291, poder que pertence
ás tropas. E' fora de duvida que não se trata de um
abandono da propriedade acompanhado de um direito
publico de nova aprehensão : a custodia de taes
objectos, sem cessar de todo, é levada ao seu limite
extremo, em tanto quanto as munições de artilharia
não vão além dos limites do campo de exercício e as
balas se acham nos logares públicos do alvo. Eis
porque não é applicavel o art. 291, e sim o art. 242,
quando
(*) Ver o § 19, nota 4. Furto florestal é a subtracção de pro-
ductos das florestas (especialmente madeira), emquanto não são perce-
bidos; furto rural 6 a subtracção de fructos no campo. As leis estaduaes
encerram outras limitações. W desejável uma regulamentação por lei
imperial.
246 TRATADO DE DIREITO PENAL
a custodia é plenamente conservada, como por
exemplo a respeito do material que se acha nos locares
de tiro ou de alvo fechados. Também não tem
applicacão o art. 291, quando a custodia cessa
completamente, como nos exercidos em aguas publicas
(
6
).
I Penas: encarceramento até um anno ou multa até 900
marcos.
V. O facto de cercear por meio de exca-
vação ou cultura terreno alheio, caminhe publico
ou privado, ou uma raia divisória (art. 370, n. 1) (
b
).
Penas: multa até 150 marcos ou detenção.
VI. O facto de tirar, sem direito, de um
caminho publico ou particular terra, pedras, relva,
ou de extrahir de terreno pertencente a outrem,
terra, barro, areia, cascalho ou mama, ou húmus
das charnecas, ou de tirar de terreno pertencente
a outrem relva, pedras, mineraes ou outros objectos
análogos, cuja exploração não se ache sujeita á
outorga, concessão ou permissão da autoridade (
c
).
Penas: as mesmas mencionadas sob o n. V.
(*) Muito controvertido. A opinião predominante considera o
art. 291 como a disposição especial; neste sentido Binding, Normen,
1.*, 21, nota 10, 2.°, 485, Hãlschner, 2.«, 811, Merkel, 319, v. Meyer,
698. Olshausen, § 291, admitte o concurso ideal. Ao nosso ver, os arts.
242 e 291 se excluem reciprocamente.
(
b
) Esta infracção não é um caso de furto, porque tem por
objecto cousa im movei (o que um terreno perde, acresce ao outro que
lhe é contíguo). N. do trad.
(°) Este facto é tratado geralmente como um furto « privilegiado
», pois o objecto é mobilisado e tirado; certo é porém, que não pode ser
considerado como furto em todo caso e incondicionalmente, porquanto
não é necesrio que a cousa seja alheia (o delicto pôde ser commettido,
ainda quando o caminho pertença ao delinquente). N". do trad.
m
CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES 247
VII. 0 furto de comestíveis, isto é, a sub
tracção de viveres ou artigos de valor insignificante
ou em diminuta quantidade para serem logo consu
midos (art. 370, n. 5). Distingue-se do furto, como
do desvio, já pelo valor insignificante do objecto e
pela alludida intenção; o fim da subtracção não
é a apropriação, mas o consumo immediato (
8
).
A necessidade de preparo que preceda o consumo
não exclue a idéa, como não a exclue o facto de
outrem tomar parte no consumo; não se compadece
porém com a venda, com o donativo ou com o
deposito dos objectos furtados. Viveres são os ali
mentos e bebidas destinados á nutrição do corpo
humano; artigos outras matérias que podem ser por
[este absorvidas (com excepção de remédios). Entre
os artigos contam-se o tabaco, os charutos, os per
fumes, mas não os combustíveis, as matérias de
illuminação. No numero dos artigos se compre-
hendem também as flores, quando o utilisadas
como cheiro e não como ornato. A subtracção de
que se trata, em razão de sua independência, não
pôde ser considerada como furto propriamente dito,
debaixo de relação alguma, e sobretudo no concer
nente ás aggravações dos arts. 243, 244 e 245 do
C. p. Si o agente emprega violência ou ameaça,
deve admittir-se a existencia de roubo ou de
extorsão (
7
). I
(') Contrapõe-se pois a ambos. Neste sentido a opinião predo-
minante, especialmente Olshausen, $ 370, n. 5 a. Segundo a dec. do
Trib. do Imp. de 7 de Março de 93, 24.°, 88, corresponde somente ao
furto.
(') A questão é muito controvertida. A dec. das camarás
crimínaes reunidas de 7 de Julho de 86, 14.°, 313 considera, com a
opinião commum, o furto de comestíveis como furto, mas, apezar
disso, não quer, (inconsequentemente) applicar as aggravações do art.
248 do O, p. — A pratica continuada não pode mudar a natureza
248 TRATADO DE DIBEITO PENAL
Penas: as mesmas declaradas sob o n. V.
O processo depende de queixa. Esta pôde ser
retirada. As subtracções praticadas por ascendentes
contra descendentes ou entre cônjuges não o punidas
(
a
).
VIII. O furto de forragem (art. 370, n. 6 do C.
p.) (
8
) consiste na tirada (não no sentido
da subtracção. Correctamente Eriedlãnder, 412; contra, a dec. do Trib.
do lmp. de 26 de Abril de 88, 17, 332, Olshausen, § 370, n. 6 (").
(
d
) Segundo o Trib. do lmp. e a opinião de Berner, Binding,
Hãlschner e muitos outros, o Mundraub (furto de comestíveis) é
verdadeiro furto sob o ponto de vista subjectivo e objectivo, pois a
peculiaridade desta espécie de subtracção consiste na qualidade, ou na
quantidade, ou no valor do objecto subtraindo, bem como na intenção
de im mediato consumo, circumstancias estas que nada têm de incom-
patíveis com as que constituem o furto commum. Outros porém, como
Geyer, v. Liszt, Ortoloff, Friedlãnder, entendem que o Mundrcacb,
caracterisado pela intenção de im medi ato consumo, sendo este o seu
fim e não a apropriação, é um facto distincto do furto, pelo que não lhe
podem ser applicadas as aggravações do art. 248 do G. p. Os que
seguem a primeira opinião, chegam também a este resultado,
sustentando que a penalidade attenuada do art. 870, n. 5, prevalece a
respeito do Mundraub, quer elle constitua um furto simples, quer
constitua um furto sggravado. O Mundraub tem por objecto viveres
(Nàhrungsmittel) ou « artigos de goso » (OenusamittelJ, sem definir a
lei o que se deva entender por taes expressões. O que decide pois é a
linguagem usual. No tocante aos « artigos de goso », por taes se
entendem geralmente os objectos que podem ser consumidos, isto é,
que podem ser introduzidos no corpo humano pelos seus órgãos e se
consomem pelo goso, pouco importando o sentido pelo qual esse goso
se opere. A distincção porém não é o precisa, que o mesmo género
não possa ser comprehendido em uma ou outra idéa (Olshausen, § 870,
6). N. do trad.
(
8
) Especialisado na legislação territorial da Allemanha, desde o
século XVIII (Hannover, 1710, 1736, 1772, projectos prussianos desde
1827, Mecklenburgo, 1847, Saxonia, 1866). A praxe e a sciencia
vacillam. O direito vigente assenta sobre uma ordenança prussiana de
30 de Maio de 1861.
CCBIMBS OONTJtA OS DIBEITOS BEAES
249
technico, mas no mesmo sentido da subtracção no furto de
comestíveis) (
9
) de cereaes ou outras forragens destinadas
ou próprias para a alimentação do gado, contra a vontade
do proprietário (
10
), mas para alimentar o seu gado. Esta
infracção e na verdade, em razão do emprego da cousa
subtrahida em proveito do proprietário — não pôde ser
considerada como furto ou desvio no sentido technico da
legislação •imperial (").
I § 128. — II. Do roubo
LITTEBATUBA. Breidenbach, Verbrechen cies Baubes
nach rom. Jteeht, 1839: Kõstlin, monographias, 1858, 389;
Merkel, HH., 3.°, 714; Villnow, JRaub und Erpressung,
1895 ; v. Buri, GS., 29, appenso'; Wanjek, GA., 27.°, 194;
Hãlschner, 2.", 364. — Sobre a pirataria, vêr os tratados de
direito internacional.
I. Historia. O roubo, como figura criminal
independente, é oriundo do direito allemão. Apenas
designado no antigo direito romano como furto im-probus
(Gaio, 3.°, 209), o roubo foi sujeito á pena privada do
quádruplo pela aetio vi bonorum raptorum (D. 47, 8) que o
pretor Lucullus introduzio em 677 ou 678 a. u. para o caso
de violenta tirada por parte de uma turba armada;
posteriormente repri-miram-se com penas publicas certos
casos de roubo', ora como vis fcum armis, ex incêndio,
naufrágio; 1. 3, D., 48, 6), ora como crimen
extraordinarium flatrones, grassatores; 1. 28, § 10, D., 48,
19). Mas a idéa geral do roubo ficou desconhecida ao
direito romano.
(°) Contra, Schwartze, 270.
(
,0
) Também aqui basta o dolo eventual; contra, Schwartze (em razão
das palavras contra a vontade).
(
u
) Falta a intenção de apropriação; vêr Schwartze, 236.
250 TRATADO DE DIKEITO PENAL
O direito allemao da edada média, pelo contrario,
distingui o precisamente desde o começo a tirada
publica de cousa alheia e a tirada furtiva; e,| depois que
no curso da edade média, especialmente J nas leis
sobre a paz publica e nas compilações, a violência
tornou-se característica da idéa de roubo e desfarte
soffreu considerável augmento a respectiva penalidade,
o furto e o roubo foram sempre tratados como crimes
essencialmente diversos, devendo ser aquelle punido
com a corda, e este com a espada, como violação da
paz; mas sobre o «verdadeiro roubo de estrada »,
commettido contra padres, peregrinos e mercadores nas
estradas reaes, recahia a pena de forca. Assim na
Carolina não encontramos a comminação penal contra o
<r roubador perverso e subjugado » (art. 126) entre os
numerosos artigos referentes ao furto, mas muito longe
delles, entre o crime de incêndio e a revolta, de sorte
que ficou evidentemente assigualada a direcção do
roubo contra a segurança geral.
No direito commum fazem-se sentir duas cor-
rentes de opiniões. Uma, especialmente representada
por Carpsov, considerava o roubo como banditismo,
latrocinium (assim a Áustria em 1656 e 1768, a
Baviera em 1751); a outra (Bõhmer, Meister, Engau)
via o caracter da rolharia, depre-datio, grassatio, na
violência contra as pessoas (se-guio-os a Prússia em
1620 e 1794). A legislação territorial deste culo
vacillava também, principalmente com relação ao
momento da consummação e só em parte foi bem
succedida no seu esforço tendente a separar, de um
lado, o roubo do furto e, do outro, o roubo da extorsão
(
a
).
(") O Cod. Phil. 1. 5, t. 61, de aceôrdo com o Man., t. 88 punia o
roubador com a pena capital, quando o roubo era praticado em
povoação, valendo a cousa tomada mais de mil réis, ou quando
-
CRIMES CONTRA OS DIREITOS RBAES
251
0 C. p. imp., segundo o cod. prussiano, reunio o
roubo e a extorsão no mesmo capitulo e assim separou
externamente o primeiro tanto do constrangimento
como do furto, de sorte que, apezar de applicarem-se
todos os caracteres do furto á idéa do roubo, este deve
ser considerado no direito actual como crime
independente.
II. Conceito. Segundo o art. 249 do C. p., faz-
se culpado de roubo « quem, por meio de violência
contra uma pessoa ou de ameaças que acarretem
perigo actual para o corpo ou a vida, tira cousa alheia
movei para delia apropriar-se íllegal-mente. »
1.° — Caracterisam pois o roubo em primeiro
logar os méis empregados para a tirada, isto é, os
meios pelos quaes o agente obtém a própria custodia
da cousa ameaças que acarretem perigo actual para
o corpo ou a vida e violência contra uma pessoa. Este
ultimo meio 97) é sempre violência feita á pessoa
('), isto é, a quem de facto tem a
praticado em caminho, no campo ou em qualquer Jogar fora da
povoação, valendo a cousa mais de cem réis. O que caracterisava o
roubo era a violência á pessoa (M. Freire, I. J. Crim., t. 6, § 9). O
nosso Cod. Crim. de 1880 e o actual equiparam (sem razão) a
violência contra as cousas á violência contra as pessoas; não assim o
proj. bras., art. 385; (vér porém o paragrapho único do mesmo artigo).
N. do trad.
(') Si não admittir-se a intelligencia dada no texto, só resta
affirmar a existencia de uma «insolúvel antinomia » entre o art. 265 de
um lado, e os arts. 249 e 258 do C. p. do outro. E' o que fazem em
desespero de causa Binding, 1.°, 462, Geyer, 2.°, 58, v. Meyer, 717,
720, nota 18 (").
(
b
) Tem sido o tormento dos criminalistas allemães traçar as
linbas divisórias entre o roubo (art. 249 do C. p.), a extorsão (art. 253) |
e a extorsão equiparada a roubo (art. 255), os quaes todos se cara-
cterisam pelo emprego da violência ou de ameaças. No tocante aos
252
TKATADO DE DIREITO PENAL
cousa que se pretende tirar. Não basta a violência feita
a cousas (arrebatar a cadeia do relógio), nem a
violência feita a outras pessoas (por exemplo, ao
menino para obrigar a mãe a entregar o objecto). O
emprego destes meios distingue, de um lado, o roubo
do furto, cujos caracteres, quanto ao mais, lhe são
communs, e, de outro lado, da extorsão 140). D'ahi
resulta que a denominada « extorsão equiparada a
roubo » (C. p., art. 2SS) não pôde ser extorsão.
2.° Uma outra circumstancia distingue ainda o
roubo da extorsão. O roubo é tirada de cousa alheia
movei, dirige-se pois immediatamente contra a
custodia e mediatamente contra a propriedade; a
extorsão, porém, dirige-se contra o património em
geral. Por isso a denominada « extorsão equiparada a
roubo » também não pôde ser roubo. E', pelo contrario,
como o nome o está indicando, um crime de natureza
especial, que se forma pela combinação j dos meios
adequados ao roubo com os objectos próprios da
extorsão e que do melhor modo se pôde conceber
como uma ampliação do roubo, em virtude da qual este
se converte de crime real em crime patrimonial.
Consequentemente a « extorsão equiparada a roubo »
deve ser tratada em seguimento a este (adeante, III, 4).
3.° O roubo (como o furto) consumma-se com
a tirada consummada da cousa, sem ser necessária a
dous últimos crimes, Binding, Geyer e v. Meyer chegaram mesmo a
reconhecer uma insolúvel antinomia», devida a um « erro de
redacção». entre os arts. 263 e 265. A theoria do autor se acha
explicitamente exposta no \ 140. Aqui elle fez applicação dessa theoria,
sustentando que no roubo a violência é feita direcamenteo ao possuidor
da cousa tomada, pelo que não bastam violências a cousas nem contra
outras pessoas, embora tenham sido empregadas como meio de actuar
sobre a victimu do roubo. N. do trad.
CRIMES CONTRA OS DIREITOS REAES 253
apropriação effectiva; a tentativa punível começa com
o emprego da violência ou das ameaças.
III. — Casos do roubo. R 1.° — Roubo simples
(art. 249). M Penas : reclusão; occorrendo
circumstancías at-tenuantes, encarceramento por
tempo não inferior a 6 mezes.
2.° — Caso qualificado (art. 250). As circum-
stancías aggrívantes são em parte as mesmas do furto,
de sorte que deve-se consultar o que se disse no § 126.
Dá-se roubo qualificado :
a) quando o roubador ou um dos cúmplices traz
comsigo armas na occasião da perpetração do crime;
b) quando o roubo é commettido por vários in-
divíduos associados para a pratica continuada de
crimes de roubo ou furto (associação de malfeitores);
c) quando o roubo é commettido em um caminho
publico, rua, praça publica, via-ferrea, via navegável ou
em pleno mar (banditismo, pirataria, crimes que o
direito commum punia com a pena de decapitação). A
idéa de «pleno mar» se determina segundo os
princípios de direito internacional j os arts. 3.° a 5.° do
C. p. têm também aqui applicação. Não é necessário
que a «via navegável» seja utíli-sada como tal;
também pertence a esta categoria o roubo contra
pessoas que pescam ou que se banham.
d) Quando o roubo é commettido á noite em um
edifício habitado 126); onde o delinquente se
introduzio clandestinamente para commetter furto ou
roubo, ou conseguio penetrar por violência (contra pes-
soas ou cousas), ou onde se occultou para o mesmo fim.
e) Quando o roubador foi punido no paiz
como roubador ou em razão de furto equiparado a
roubo (art. 252) ou de extorsão equiparada a roubo
(art. 255, roubo em primeira reincidência). O art. 245
do C. p. tem também aqui applicação.
Penas: reclusão por tempo não inferior a 5
254
TRATADO DE DIREITO PENAL
annos; occorrendo circumstancias attenuantes, encar-
ceramento por tempo não inferior a 1 anno.
3.° Caso gravíssimo (art. 251) é o roubo,, por
occasiao do qual uma pessoa é torturada, ou] quando da
violência empregada resultou uma lesão grave ou a
morte, pouco importando que a pessoa torturada,
offendida ou morta seja o roubado mesmo ou um
terceiro. A expressão torturar (análoga ao atormentar
do art. 360, n. 13) exige que o delinquente tenha
causado dôr physica prolongada e de certa intensidade.
A pena grave recae sobre todo delinquente que, tendo
conhecimento da tortura ou da violência, toma parte no
roubo, embora não tome parte nesses actos mesmos (
c
).
Penas: reclusão perpetua ou por tempo não
inferior a 10 annos.
4.° — Extorsão equiparada a roubo (art. 253). Dá-
se quando o delinquente, na intenção de obter para si
ou para um terceiro um lucro illicito, constrange
outrem a praticar ou a deixar de praticar uma acção ou
a tolerar que uma acção seja praticada, empregando
violências contra a pessoa ou ameaças que acarretem
perigo actual para o corpo ou a vida (
2
). I Penas: as
do roubo.
5.° — O furto equiparado a roubo (C. p., art. 252)
não é roubo, como já se notou no § 126, IV, mas furto.
IV. Accessoriamente á reclusão pôde em
todos os casos ser autorizada a sujeição á vigilância
policial (O. p. art. 256).
H (") Isto é, a disposição do art. 251 é applicavel a todos os co-delinquentes,
mesmo áquelles que nem directa, nem indirectamente tomaram parte na
tortura, uma vez que não possam invocar o art. 69 do C. p. N. do trad.
(*) Sobre os caracteres da idéa vêr o g 140 (extorsão).
CBIME8 OONTBA OS DIREITOS BEAES
255
§ 129.
III. Do desvio ou apropriação
Kj
inbita
I
LITTEBATUBA. Sehútze, GS., 21.°, 115; v. Ste-
mann, Das Yergehen der TJnterschlagimg und Vntreue, 1870;
Merkel, HH., 3.°, 689; Huber, Unterschlagung, 1875;
Kapf, XHe Unterschlagung, 1879; Hãlscbner, GA., 15." 1;
"Walther, Die Lehre vom Funããiebstahl, 1849; Rotering,
GS., 36.°, 520, 561; Fuchs, GA., 32 161; Hálschner.
2." 345. *
Kj I. Historia. Ao passo que o direito romano
incluio o desvio, sem outra distincção do furtum, na
larga idéa deste, a edade média allemã distinguia ás
mais das vezes a conservação furtiva de cousas dadas
em confiança e a simples conservação de cousas
achadas ou obtidas de outro modo eventual. Assim a
Carolina dispunha no art. 170: « quem se houver
dolosamente e em prejuízo do credor a respeito de
bens alheios que de bôa fé lhe foram dados a guardar e
a conservar, será punido com as penas do furto ».
Equiparou, pois, ao furto quanto ás penas o abuso de
confiança, como crime independente. No direito
commum era muito controvertida a classificação tanto
do abuso de confiança como do simples desvio.
Carpsov, Kress, Koch, Engau, mantinham a concepção
do direito allemão, collo-cavam o desvio como furtum
improprium (contrecta-\tio fida) ao lado do furto e
contentavam-se com uma pena diminuta (neste sentido
o direito do Pa-latinado de 1582, o de Franckfort de
1578, o da Prússia de 1620). Outros, como Bõhmer
(também o direito bavaro do 1751, o austríaco de 1768
e de 1787) absorviam o desvio completamente no furto.
Só na nova legislação e a pouco e pouco é que o
desvio tomou uma forma accentuada: abandonou-se | a
limitação, tantas vezes repetida, relativa a cousas
dadas em confiança (« abuso de confiança »), distin-
256
TRATADO DE DIREITO PENAL
guiu-se o desvio, como delicto real, da infidelidade,
como offensa de direitos de credito, e da burla que em
geral se dirige contra o património; a idéa despio a sua
fórmula casuística. Ao passo que o Cod. prussiano de
1851 fala ainda em «bens obtidos com obrigação de
restituição, guarda, administração ou entrega» e os
equiparou ás cousas achadas ou obtidas eventualmente,
o art. 246 do C. p. define o desvio em termos
inteiramente geraes como «apropriação illegal de cousa
alheia movei, que o agente tinha sob a sua guarda ou
custodia ». Com esta fórmula geral desappareceu a
necessidade de individualisar-se a occultagõo do
achado, que se designava também como « furto da
cousa achada »| e que em parte (por exemplo no direito
austríaco) era tratado como burla (
B
).
II.—Conceito.
1.°—O objecto do desvio é, como no furto, uma
cousa alheia movei. Consequentemente os direitos em
geral, e especialmente os direitos de credito não
podem ser objecto de desvio, como não o podem ser de
furto, ao passo que o documento comprobatório do
direito ou que lhe serve de titulo,
(
a
) Ao passo que o furto consiste na tirada da cousa alheia para o
fim de apropriação, o desvio consiste somente na apropriação. D'ahi
conclue-se que o furto attenta immediatamente contra a posse e
mediatamente contra a propriedade, e que o desvio attenta directa e
immediatamente contra a propriedade. Por isso mesmo no desvio é
indifièrente o meio porque a cousa veio ao poder do delinquente (a
cousa pôde ter sido achada, confiada, ou ter vindo ao poder do agente
por erro, engano, caso fortuito, etc), uma vez que o acto o constitua
um outro crime congénere, como o furto ou a burla. Com a formula
genérica do art. 246, o C. p. ali. «unificou» a ideia do desvio. Essa
formula é sem duvida preferível is disposições casuísticas do art. 881 do
nosso C. p., que incorre também em censura por tratar o desvio ou a
apropriação indébita como caso de furto. N". do trad.
CRIMES CONTRA OS DIREITOS RE A ES 257
pôde, como cousa, ser objecto tanto de um como de outro
crime. A transferencia da propriedade a quem tem a
detenção da cousa exclue absolutamente a possibilidade do
desvio, embora exista uma obrigação pessoal de restituil-a
ou de applical-a a um fim inteiramente determinado. Si se
operou ou não a transferencia da propriedade, deve ser
decidido exclusivamente segundo os princípios do direito
civil agente no logar do facto ; de presente póde-se
considerar como geralmente abandonada a idéa de «uma
propriedade segundo o direito penal», sympathíca
especialmente á praxe prussiana (
b
). A questão torna-se
difficil e importante, quando ha tradição, o frequente na
pratica, de cousas regularmente fungíveis. E' segundo as
circumstancias do caso dado devidamente consideradas
que se deve sempre apreciar, si os objectos entregues
conservam ou não no caso em questão essa sua qualidade
ordinária, si a restituição deve ser in genere ou ín espécie,
e portanto si a propriedade dos objectos passou ou não a
quem os recebeu. Não s<5 o assi-gnalamento dos objectos
entregues (por exemplo, o facto de estar sellado o
envolucro que contem as notas de banco), senão também
as condições patri-
(
b
) A jurisprudência seguida* pelos tribunaes e especialmente pelo
tribunal do Império AZA, tanto no desvio como no furto, a ideia da
propriedade segundo o direito civil, não admittindo que «se amplie por
analogia a lei penal a pretexto de não serem suficientes os prin-cios do direito
civil para attender-se ás necessidades do direito penal»; o superior tribunal de
Berlim porém tem em varias decisões sustentado doutrina contraria, isto é,
que decisiva é, não a idéa da propriedade segundo o direito civil, mas a
relação jurídica de facto existente entre o agente e o prejudicado, de sorte que
pode-se admittir o desvio mesmo quando esteja em causa um mero direito
pessoal á entrega de dinheiro etc. E' a esta «propriedade segundo o direito
penal» que allude o texto. K. do trad.
T. n w
258 TRATADO DE DIREITO PENAL
moniaes da pessoa que recebe e as suas relações para
com a pessoa que entrega, e especialmente os ajustes
estipulados e os usos em matéria de negocio são as
circumstancias reguladoras para a decisão da questão
(*).
Quanto ao thesouro, o desvio por parte do in-
ventor é possível, quando segundo o direito civil'
respectivo, pelo facto mesmo do achado, um terceiro (o
proprietário do solo ou o Estado) adquire imme-
diatamente a propriedade de uma parte do thesouro e
não simplesmente um direito á restituição.
2Segundo a disposão expressa da lei, o agente
já deve ter a cousa sob a sua guarda. Nisto está a
differença entre o desvio e o furto. Em rigor a
descriminação seria terminante e decisiva, si a lei a
formulasse de um modo negativo, por exemplo nestes
termos : «uma cousa que o agente não tirou,
para este fim, da guarda de outrem........... » Mas a
actual redacção o offerece séria difficuldade a uma
praxe intelligente.
O modo por que o agente obteve a guarda da
cousa, seja por acaso, por erro, por um acto de
confiança da parte do actual detentor ou finalmente
por um acto punível, pouco importa ; mas neste ultimo
caso a apropriação será regularmente absorvida pela
tirada punível (§ 55, nota 4) (
c
). A apro-
(') Nesta conformidade resolve-se no caso concreto a questão de
saber si o banqueiro commette desvio no tocante a papeis de credito
que lhe foram entregues em «deposito descoberto*. Não assim quanto
a dinheiros entregues em razão do cargo ; vêr o § 177, VII.
(?) Em muitos casos pode-se dar o crime de desvio, apezar de
ser illegal o meio empregado para a obtenção da cousa. Assim aquelle
que tira a cousa alheia sem a intenção de apropriação e depois delia se
apropria, commette o crime de desvio, e não o de furto; aquelle que
obtém por artificio fraudulento a entrega da cousa alheia na intenção
de usar delia e posteriormente arroga-se o domínio, commette
CRIMES CONTRA. OS DIREITOS REAES 259
priaçíío de uma cousa achada (perdida por outrem)
deve ser considerada indubitavelmente como des-
vio ().("). I
3.°—A acção consiste na apropriação da cousa
alheia movei. A ideia é a mesma appiicavel ao furto
(vêr o § 125, V); mas no desvio é necessário que o
agente estabeleça o seu domínio sobre a I cousa,
equivalente á propriedade, por um acto ou por uma
omissão significativa do animus domini. M 4.° A
illegalidade da apropriação é circum-stancia elementar
do delicto; o erro sobre a illega-lidade tem, portanto,
importância. Assim a suppo-siçSo errónea de que o
proprietário consente na apropriação exclue a ideia do
desvio, ao passo que deve-se admitir a existencia de
uma tentativa impossível, quando o agente ignora o
consentimento
também o crime de desvio, e não o de burla (ver Olshausen, $ 246,9, |
268, 56 e). Merkel faz a respeito do desvio e da burla uma outra
distincção : -se burla, quando o agente induz outrem por meio de
engano a transferir-lhe a propriedade da cousa; dá-se desvio, quando o
dono foi induzido fraudulentamente a transferir a posse da cousa e
delinquente delia se apropria, pouco importando que este tivesse for-
mado tal resolução antes ou depois da transferencia. Quando porem a
cousa é tirada na intenção de apropriação, o facto posterior da
apropriação o constituo um novo delicto e o delinquente incorre
somente nas penas do furto; a mesma solução é admittida por
Olshausen quanto á burla, quando a cousa é obtida na intenção de
apropriação. N. do trad.
(*) Ainda quando a cousa acbada jé guardada na intenção de
apropriação; pois também então dá-se a guarda antes da apropriação.
Não é claro Olshausen, \ 246, 9, cingindo-se aos motivos do C. p.
(
d
) O meio pelo qual a cousa foi obtida é indifferente para a idéa
do desvio, mas pode ter importância para qualiflcal-o. O desvio, com
efiêito, é crime qualificado, quando a cousa fora confiada ao
delinquente, e como tal se considera a cousa entregue em virtude de
um acto jurídico, obrigando-se quem a recebe A transferil-a a outrem,
a aliçnal-a ou a restituil-a. N. do trad.
260
TRATADO DE DIREITO PENAL
de facto dado. Exemplo : fumo os charutos do meu
companheiro de quarto que está viajando ou uti-liso-me do
vinho do seu celeiro para obsequiar um amigo commum.
5.°—A consumação opera-se com a apropriação
effectiva (não assim no furto), A tentativa punível, apezar
de ser delicto a infracção em questão, dá-se com o começo
da apropriação.
6.°—O offendido e o proprietário, somente o
proprietário, mas o a pessoa que entregou (confiou) a
cousa ao agente.
III.—Espécies.
l.°—Desvio simples (O. p., art. 146).
Penas: encarceramento até 3 annos ; occorrendo
circumstancias attenuantes, pôde ser imposta uma multa até
900 marcos.
2.°—O abuso de confiança ou desvio de cousas dadas
em confiança, isto é, em virtude de um acto jurídico com
obrigação de entrega ou restituição.
Penas : encarceramento a 5 annos ; occorrendo
circumstancias attenuantes, multa até 900 marcos.
3.°—Casos punidos com penas brandas (art. 249), as
mesmas do furto 126, V). Aqui a circumstan-cia
decisiva é a qualidade do proprietário offendido.
Accessoriamente ao encarceramento, pode em todos
os casos ser pronunciada a perda dos direitos cívicos (art.
248).
§ 130. — IV. Do damno real
LITTEEATUEA. Kõstlin, Monographias, 1858, p. 169;
Luder, Die Verniogensbeschaãigimg, 1867; Pernice, DieSach-
beschãdigung nach rom. Becht, 1867; Merkel, HH, 3.°, 848, 4,
455; Hálschner, 2.", 386; Botering, G 8., 47, 211.
I- Historia. E' á nova legislação que o damno
real deve a sua collocação no systema como
CBIMES CONTEA OS DIREITOS EEAE8 261
delicto independente. Além do damnum injuria âatum
da lei Aquilia o direito romano punia, extra ordinem,
somente alguns delictos especiaes como o damno de
arvores, cearas e vinhas, de muros, portas e ruas, e na
verdade porque attentavam contra o interesse publico.
Na edade media allemã encontramos também uma serie
de comminações penaes, como as que se referem ao
damno de animaes, de sebes e cercas, campos e
prados, jardins e .florestas, mas falta a idéa geral do
damno real. A Carolina, apezar dos seus arts. 167 e
168, não offerecia base sufficiente ao desenvolvimento
desta figura criminal. S<5 a novis-i sima legislação
tentou preencher tão sensível lacuna. Tendo separado
o grupo das infracções florestaes e ruraes que reservou
para a legislação especial, e abandonado a
denominação de « damno patrimonial » própria a
induzir em erro, o C. p. imp. conseguio fixar no art.
303 com aproximada exactidão a idéa do damno real;
mas com a redacção do art. 304 e o accrescentamento
do art. 305, que não pertence á mesma categoria, logo
obscureceu consideravelmente a idéa apenas obtida, ao
passo que, por outro lado, alguns criminalistas (')
tentaram privar o delicto em questão da sua forma
accentuada, alargando-o de modo a convertel-o em
«damno patrimonial» (").
(') Especialmente Lúder. Contra elle Dochow, Hâlsehner, Glaser,
.Mericei; mas Halscliner vse também muito longe nos seus projectos.
(•) O damno de que trata o cáp. 26 do C. p. ali. 6 somente o damno
real, isto é, a lesão material de cousas; attenta contra a propriedade, e não
contra o património em geral, nem se exige mesmo que o damno acarrete um
prejuízo patrimonial. Protegido é somente o proprietário, e não o
usufructuario, o credor pignoraticio etc; o objecto da qualificação é
unicamente a damnificação ou a destruição, e não quaesquer outras oflensas a
direitos renes; os créditos ficam inteiramente foro da protecção legal. Outro
tanto póde-se dizer das disposições sobre o damno contidas noa arts. 326 e
seg. do nosso C p. N. do trad.
262
ÍBATADO DE DIREITO PENAL
II. — A idéa e seus caracteres.
Damno real é a ofensa á propriedade pela lesão
material e- illegal de uma cousa, cuja utilidade fica
extincta ou prejudicada.
l.° O objecto é também aqui uma cousa alheia,
que, em contrario a todos os demais delictos offen-
sivos de direitos reaes, tanto pode ser movei como
immovel. Os animaes entram neste numero. Também
aqui não é necessário que a cousa tenha valor patri-
monial (§ 125, nota 2) (
b
J. O art. 303 do C. p. só
protoge cousas alheias, cousas já existentes na pro-
priedade de outrem; o envenenamento de animaes de
caça, ainda sem dono, não constitue, pois, damno real
(§ 131).
2.° A lei designa a acção como damnificação
ou destruição. A damnificão prejudica a utilidade da
cousa; a destruição a torna inútil, no todo ou em parte,
para o fim a que se destina; mas em todo caso faz-se
mister que haja lesão da substancia material. A perda
da utilidade, mesmo permanente, não está, pois, neste
caso (deixar voar o pássaro, lançar a cousa ao mar),
quando a substancia material fica intacta (
2
) (
c
). O
consumo da cousa (queimar
(
b
) O C. p. ali. não exige que a cousa tenha valor apreciável em
dinheiro, e neste sentido é a opinião commum. O Trib. do Imp. porém
entende que a cousa deve ter valor, pelo menos, para o dono pelo
interesse que elle lhe ligue. H. Meyer também não vê uma invasão na
esphera alheia, si a cousa é destituída de todo valor e importância. N.
do trad.
(*) Egualmente as dec. do Trib. do Imp. de 19 de Out. de 85,
13?, 27 a 81 de Marco de 90, 20, 858; Geyer, 2.°, 41; Hãlachner, 2?,
887; Merkel 816 e HH, 8.°, 858; v. Meyer, 625, Olshausen, | 808, 4.
Cbnfr,admittem damno real, 618, Lúder, 76, Schutze, 499, Ziebartb.,389.
) Comprehender na expressão « causar damno a cousa » também
effeitos que a deixam plenamente intacta e inalterável, e que somente
saúdam, em prejuízo do proprietário, a relação entre elle e a cousa (tor-
OEÍMES CONTRA OS BX&BEfoS REAES
263
fogos de artifício) não é damno real, mas apropriação.
Um conjuncto natural ou artificial de cousas consi-
derado na sua unidade pode ser também objecto de
damno real. Exemplos: desmontar uma machina,
desmanchai* a composição typographica, deixar fugir
o enxame de abelhas, deixar escapar o gaz, inutilísar
uma ponte, tirando-lhe as traves. Mas nestes casos
deve dar-se ^empre uma cessação completa ou parcial
da connexão que corresponda á offensa da substancia
material no damno de uma cousa individual. Si faltar
este requisito, não se dá, apezar de prejudicada a
utilidade da cousa, damno real, embora se prejuízo
patrimonial (
3
). Não se faz mister a diminuição de
valor. A producção de uma cousa nova por meio da
transformação do metal, pela pintura da madeira ou do
patino, não é damno real, comquanto se offenda a
substancia material. O facto de borrar um livro está no
caso da lei, mas não a correcção de erros de
impressão. Ao prudente arbítrio do juiz cabe traçar a
linha divisória.
3.°—A {Ilegalidade é em todas as espécies do
damno real uma circumstancia elementar; a con-
sciência da illegalidade é pois necessária para a
criminalidade do agente. O caracter illegal do acto
dirime-se segundo os princípios geraes. Assim, por
exemplo, a autorisação dos que têm o direito de caça
para matar cães vagabundos deve ser apreciada
segundo os preceitos vigentes da legislação estadual.
nal-a sem valor ou ínaccessivel ao dono), como querem Hãlschner,
Oppenhoff, Lúder, é uma opinião arbitraria. Assim a diminuição do
valor da cousa que se produz sem actuar-se sobre a sua existencia ma-
terial (fazer baixar a cotação de títulos por falsas publicações) não
constituo o crime de damno (Merkel). K. do trad,
(*) Vae mais longe Hãlschner, § 303, 4, seguindo a dec. do
Trib. do Imp. de 17 de Jan. de 90, 20.*, 182 (trata-se de uma machina
paralisada pela introducção de um corpo estranho).
264
TRATADO DE DIREITO PENAL
4A consummaçào opera-se com a damnificação
ou destruição effectiva da cousa; a tentativa é punível.
5.°—Ofendido, no sentido technico da palavra (e
portanto competente para dar queixa), é sempre e
somente o proprietário da cousa damnificada (
4
).
III.—Espécies.
l.°—O damno real simples (art. 3*03).
Penas: multa até 1.000 marcos ou encarceramento
até 2 annos. O processo depende de queixa. Esta pode
ser retirada, quando o damno é praticado contra um
parente (§ 52, ai. 2).
2.°—Damnificação ou destruição de res sacras,
religiosas, publica! (art. 304). A lei enumera: os
objectos da adoração de uma sociedade religiosa
estabelecida no Estado, os objectos consagrados ao
culto, os túmulos 116), os monumentos públicos, os
objectos d*arte, de sciencia ou de industria con-
servados em collecções publicas (isto é, franqueados
ao publico) ou publicamente expostos, os objectos de
utilidade publica (inclusive arvores e arbustos) ou que
servem para aformosear caminhos, praças e passeios
públicos, embora não se destinem a este fim.
Penas: encarceramento até 2 annos ou multa
(*) De accordo Binding, 1.°, 620, Geyer, 2.°, 42, Hâlsctmer, 2.°, 889,
Herkel, 817, v. Meyer, 628, Olshausen, § 808, 18. Contra, oonsiderara v. Bar.,
OA. 19, 648, Schutze, 498 e outros oom a primitiva jurisprudência prussiana e
o Trib. do Imp. (dec. de 12 de Maio de 80, 1.°, 806 o 22 de Junho de 81, 4.°,
326 e 18 de Junho de 83, 8.°, 899) competente para dar queixa toda pessoa que
foi offendida immediaiament» pela damnificação da cousa (quer o direito que a
esta se refere seja real, quer pessoal). Ksta opinião vae de encontro á
consideração de que, segundo ella, também o proprietário pode ser autor nos
termos do art. 803 do O. p.
CRIMES CONTRA 08 DIREITOS RE A ES 265
até 1.500 marcos. Accessoriamente ao encarcera-
mento pôde ser pronunciada a perda dos direitos
cívicos.
Somente por amor da connexão — seja dito
explicitamente — este caso pôde ser tratado, com o
damno real, entre os delictos contra a propriedade : o
attentado contra a propriedade é completamente
supplantado pela offensa do direito de uso publico
(também o proprietário pôde ser autor). |* 3.°—
Destruição total ou parcial (e não damnifi-cação) de
edifícios, navios, pontes, diques, caminhos construídos,
vias-ferreas e outras construcçòes pertencentes a
outrem (art. 305). Por construcção en-tende-se toda
obra permanente e independente, fixada sobre o solo
(ainda que seja pelo próprio peso) e levantada por
mão humana ("). Os caminhos construídos
comprehendem tanto as vias terrestres como as
navegáveis, quando fabricadas por mão humana. A
idéa de via-ferrea é a mesma dada no § 126, nota 4.*
(
fl
).
Penas: encarceramento por tempo não inferior a
um mez. O caracter do damno real simples, como
crime contra a propriedade individual, é plenamente
conservado no art. 305; ao mesmo tempo este delicto,
derivado do art. 437 do C. p. francez, serve
(') Portanto cousas immoveis. De accordo a dec. do Trib. do Imp. de 14
de Fev. de 87,15. 263; vae mais longe Olshausen, § 305, 2 (também moinhos
que podem ser removidos). Somente em relação a «navios» a lei foi além.
Estes, como as pontes, devem ser de «certa importância* (não uma barquinha,
um passadiço de simples tábuas) ; dec. do Trib. do Imp. de 27 de Fev. de 98,
24.°, 26. O «edifício», que se caracterisa por paredes e tecto 126), é uma
espécie de « construcção ».
(•) Loock, Sehutz der JSisenbahnen, p. 148, refere o art. 305 ás vias-
ferreas servidas por locomotivas e abertas ao trafego publico (não ás estradas
locaes, as que pertencem á industria privada).
266
TBATADO DE DIREITO PENAL
de transição entre o damno real e os crimes de perigo
commum.
4.°—Sobre o damno de cabos submarinos cons. o
§ 149.
5.°—Em uma série de casos a importância do
damno real, como crime contra a propriedade, fica de
tal modo na sombra que parece acertada a classificação
de taes casos entre outras figuras criminaes ou que
sejam tratados de um modo independente.) Ver o C. p.,
art. 90, n. 2, 133 e seg., 168, 265, 274, 306 e seg., 315
e seg.; infracções florestaes e ruraes etc.
tt—VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE OCCUPAÇÀO
§ 181.
LITTEKATUKA.—Ao n. I, Distei, Z., 13?, 259; v. Wách-
ter, Jàadrecht und Jagdvergéhen, 1870; Wagner, Die
preussische Jagesetagébung, 2* ed., 1889; Dalche, Da»
preussische Jagãrecht, 2? ed., 1888 ; Eotering, GA., 32?,
340; Vallert, Das Jarecht ães Grossheraogtums Sachsen,
1887 j Hâlschner, 2?, 338; v. Brummeck, H S t, 4?, 646.
Ao n. H, v. Standinger, Der Mschereischutm durch die
Strafgeseúsbung, 1881, e W V, 1?. 408; Buchenberger,
HSljS?, 516; Stengleiu, NG., 654 e 672.
I. — Violação do direito de caça.
l.° A historia deste delicto começa com o fim
da edade média. Ao passo que a praxe do direito
commum ás mais das vezes applicava por analogia o
art. 169 da Carolina (furto de peixe), os legisladores
territoriaes entraram a decretar, desde o século XVI,
comminações penaes numerosas e em parte cruéis,
mas quasi sempre baldadas, contra o furto de caça. As
duvidas suscitadas pelos criminalistas sobre a
verdadeira natureza do bem jurídico, que nesta parte o
direito penal protege, impediram até modernamente
um accôrdo geral quanto á classificação deste delicto
no systema penal e a sua concepção no ponto de vista
dos princípios. O 0. p.
268
TRATADO DE DIREITO PENAL
imp. bem e devidamente *o incluio no capitulo col-
lectivo, que se intitula «r lucro illicito » (').
2.° — Conceito.
Direito de caça é o direito exclusivo de occupar
animaes de caça (quadrúpedes e pássaros, mas não os
ovos dos voláteis) (*) (
a
). Quaes sejam os « animaes de
caça *, decide-se, segundo o direito estadual que vigora
no logar do facto. Os animaes que não o de caça (si
não são tambeuf' próprios para a pesca) podem ser
livremente apanhados. O erro sobre a qualidade de ser
o animal de caça exclue o dolo. Não se pôde pois dar
violação do direito de caça, quando já teve logar a
occupação. Animaes selvagens que se acham em
logares cercados, animaes de caça domesticados etc,
podem ser objecto de furto, mas não do delicto
definido no art. 292 do C. p. (
b
)
(') Sobre a protecção do titular do direito em matéria rural è de caça, vêr
o 2 171.
(*) Muito mais longe vae Ziebarth, 387 (direito exclusivo á totalidade
da caça como tal).
(*) As avesinhas e os ovos dos voláteis são protegidos, não pelo art.
292, mas pelo art. 868, n. 11, do C. p. ali. Vêr adiante o n. 3, d. N. do trad.
(") O animal selvugem é rea nulliua e como tal objecto de occupação.
Segundo o direito romano adquire-se pela occupação a propriedade da caça
apprehendida. O dono do solo tem, na verdade, o direito de prohibir que outrem
cace na sua propriedade (jtu pro-hibendi ne quis ingrediretur); pode pois
expulsar o caçador e até propor contra elle uma aetío injuriarum ou um
interdictum uti possi-deiis. Mas si, nada obstante, alguém apprebende um
animal de caça em terreno alheio, o apprehensor adquire pela occupação a
propriedade da caça (1. 3, § 1, D., de rer. aequir. dom.) Outros são os princípios
que tem seguido o direito allemão desde remota antiguidade. Formou-se um
grupo especial de « direitos de ocupação » (Aneignungs-reehte), a que
pertenciam o direito de caça, o de pesca, o jtu nau-fragii etc. Quando ha um
direito de occupar cousas sem dono, a
YIOLÀÇlo DE DIREITOS DE OCOUPAÇlO 269
A violão do direito de caça consiste no exercido
desta em togares onde o agente não es autorizado a
caçar. O que regula é o logar onde se acha o animal, e
não o logar onde se acha o caçador. Eu caço no meu
districto, quando do districto do
occupação por parte de quem não está investido desse direito não faz adquirir
a propriedade da cousa occupada. O denominado Jagdrecht ou direito de caça
é o direito de occupação em relação aos animaes de caça; confere, o a
propriedade dos animaes de caça, mas o direito exclusivo de occupal-os. O
facto da occupação e o direito de occupação, devem pois concorrer para a
acquisição da propriedade no caso dado. O moderno direito allemão
considera o direito de caça, assim entendido, como um corollario da
propriedade do solo, tendo cessado em geral as regalias sobre o solo alheio. O
proprietário do terreno porém pôde exercer o direito de caça, quando o
terreno tem uma certa superficie, cuja extensão varia, segundo as leis locaes.
No caso contrario, forma-se um districto de caça com os terrenos visinhos,
onde a caça pôde ser então exercida em proveito dos proprietários, mediante
intervenção da autoridade communal ou por associação dos mesmos
proprietários (Jagdverbànden, Jagdgenossenschafíen). Essas sociedades
constituem uma « communhão », em que as resoluções da maioria obrigam a
minoria. O direito de caça, como direito exclusivo de occupação, suscita a
questão de saber a quem pertence o animal no caso de furto da caça
(occupação illegal). Não pertence ao delinquente, porque falta o direito de
occupação. Não pertence a quem está investido desse direito, porque de facto
não occupou o animal de que se trata. A questão tem sido geralmente resolvida
a favor do titular do direito de caça, entendendo uns que se neste caso um
modo singular de acquisição da propriedade, outros, que o occupante ágio
como «representante involuntário» de quem tinha o direito; Gerber confere a
este ultimo somente um direito pessoal contra o ladrão para a exhibição do
animal que, apezar da occupação, permanece res nullius; Dernburg e Brunner
vão mais longe, reconhecendo no titular um direito de immediata occupação
do animal nas mãos de quem quer que elle se ache (H. Brunner, H. B., Stobbe,
Handb., 2.°, J 161). Sobre o antigo direito portuguez, ver M. Freire, /. J.
Oritn., III. 3, 4. N. do trad.
-*»J
Ô70 TRATADO DE DIREITO PENAL
meu visinho surprehendo o animal que naquelle se
acha. E' pelo contrario illegal e punivel o facto de
perseguir em districto alheio o animal já ferido (*).
Faz-se mister a consciência da illegalidade. A
expressão efercicio de caça comprehende dois factos:
a) O procurar e perseguir o animal, e portanto, a
espreita, a emboscada, o armar laços e ciladas, como
delicto consumado. Nilo é necessária a intenção de
occupaçfio.
b) A occupação effectiva do animal de caça, quer
esta se opere ou não ao modo do caçador (veneno).
Está no mesmo caso o apossar-se alguém de animal
morto (embora o animal tenha sido levado morto ao
districto) (*). Si se pôde dizer o mesmo da apropriação
de pontas de veado etc. é questão que se resolve
segundo o direito estadual vigente (
d
).
(') O direito estadual podo determinar o momento em que se
opera a occupação, mas nfio conferir o direito de perseguir a caça.
Frequentemente divergente Olshausen, \ 292, G. (").
(°) Wddfolge 6 o direito de seguir a caça ferida ou levantada fora
do próprio districto e portanto em terreno alheio. Em alguns Estados da
Allemanha foi elle abolido pelas novas leis e ordenanças, visto ter
cessado o direito de caçar em terreno alheio. Olshausen o admitte onde
as leis locaes o concedem expressamente, doutrina que outros
impugnam, fundando-se na generalidade da disposição do art. 292 do
C. p. N. do trad.
(*) Ficaram assim revogadas as disposições em contrario da
legislação estadual. Egualmente Olshausen, | 292, 2 e 7. Oonirà,
Dalche, 174.
(
d
) Gomo os arts. 292 a 295 do C. p. ali. regulam a «matéria das
offensas puníveis do direito de caça », entende-se que ficaram revogadas
as leis locaes penaes sobre a occupação do «animal morto» (Fallwild),
e assim tem julgado o Trib. do Imp. Dalche porém segue opinião
contraria, porque «a idéa de caça é somente applicavel ao animal vivo
o portanto não se pôde considerar como regulada pelo O. p. a matéria
da occupação do Fallwild ».— Do principio de que a
VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE OCOUPAÇlO 271
Offendido é em todos os casos quem está in-
Testido do direito de caça.
3.°— Espécies.
a) O caso simples (C. p., art. 292).
Penas: multa até 300 marcos ou encarceramento
até 3 mezes. O processo depende de queixa, quando o
delicto é praticado contra um parente (C. p., art. 52,
ai. 2). A queixa pôde ser retirada.
ti) O cas
(
p qualificado (art. 293) dá-se quando
0 delinquente faz uso, não de armas de fogo ou de
cães, mas de laços, redes, armadilhas ou outros
apparelhos, ou quando o delicto é commettido em
tempo prohibido, ou nas florestas (
5
) ou á noite, ou por
varias pessoas em commum 50, nota 9). A ex
pressão á noite significa nesta parte (não assim no
furto, ver o § 126, nota 7.
a
) o tempo da obscuri
dade, isto é, desde o pôr a o nascer do sol, in
clusive o crepúsculo, e não o tempo do descanso
nocturno, segundo o uso do logar.
Penas: multa até 600 marcos ou encarceramento
até 6 mezes. A queixa não é necessária. (
6
).
1 c) O furto de caça como profissão (C. p., art.
294) ou fazer profissão do exercício illegal da caça
(§ 55).
caça só é licita no próprio districto, segue-se que si, por caso fortuito, por
forças na tu mes, ou por ter sido levado pelos es, o animal morto é
introduzido em districto alheio, fica sujeito a ser oecupado pelo dono deste
(principio diverso do direito romano, 1. 13, Inst., de rer. di»., também
admitiido no nosso). N. do trad.
(
5
) Aqui o que regula é a estação do caçador; dec. do Trib. do Imp. de
8 de Fev. de 94, 25.°, 100.
(*) De accordo o Trib. do Imp., como dantes o trib. superior de Berlim,
segundo firme jurisprudência (ver a dec. daquelle de 28 de Junho de 81, 4.*,
830); egualmente Berner, 603, Binding, 1.°, 608, nota 2, Olshausfn, 385, e H
H, 3.*, 840, V. Meyer, 688, Sohútze, nota 11 o outras.
272 TRATADO DE DIREITO PENAL
Penas: encarceramento não inferior a 3 mezes, e
accessoriamente pôde ser pronunciada a perda dos
direitos civicos, bem como a sujeição á vigilância
policial.
Em todos os três casos (art. 295), o fusil, os
petrechos de caça e os cães que o delinquente tinha
comsigo na occasião do delicto, bem como os laços,
redes, armadilhas e outros instrumentos devem ser
confiscados, quer pertençam ou não aç. condemnado e
quer sejam ou não destinados ao exercicio da caça (
7
).
d) Pertence também a esta categoria, pelo menos
em parte, o art. 368 n. 10 e 11 do C. p. Incorre em
pena de multa até 60 marcos ou em detenção até 14
dias;
a) quem, sem consentimento da pessoa investida
do direito de caça ou sem outra autorisação (
8
), é
encontrado apparelhado para a caça em terreno de
outrem e fora dos caminhos destinados ao uso com-
mum, embora não esteja caçando;
b) quem, sem direito, tira ovos ou as novas
avesinhas de pássaros de caça (ou de canto) (
9
).
II.— Violação do direito de occupar peixes e
carangueijos, bem como ostras communs ou perolinas
e outros animaes aquáticos próprios para a pesca
segundo o direito estadual.
(
7
) Ainda que as armas etc. tenham sido subtrahidas ao pro-
prietário por um acto punível. Contra, a dec. do Trib. do Imp. de 2 de
Julho de 88, 18.°, 43, Kõhner, Einziehung, 36, nota 1.°, Olshausen, §
295, 4.— O confisco da caça abatida não é especialmente mencionado
em attenção aos princípios de direito privado.
(*) E' necessário a consciência da illegalidade. Neste sentido a
opinião commum. Contra, Olsbausen, § 868, n. 10 a.
(*) As palavras entre parentheses foram substituídas pela lei de
22 de Março de 1888 concernente á protecção dos ssaros (ver o l
188).
VIOLAÇÃO DE DIBEITOS DE OCOTJPAÇÃO 273
Também aqui trata-se da violação de um direito
exclusivo de occupaçao, ao passo que a offensa da
propriedade alheia constitue furto. A Carolina, art. 169,
cingindo-se á concepção da edade média aílemS (Esp. da
Saxonia, 28, 1), declara furto o facto de tirar peixes de
«viveiros ou reservatórios», e distingue este caso do em
que «alguém pesca em aguas correntes e livres que
pertençam a outrem ». Seguido o direito vigente que se
afasta do cod. prussiano, o ponto capital está também em
saber si se operou a occupaçao j os peixes existentes em
viveiros fechados são objecto de furto.
O C. p. distingue :
1.°, a simples pesca de peixes e carangueijos sem
autorisação (art. 370, n. 4).
Penas: multa até 150 marcos ou detenção. I 2.° O
facto de pescar, sem autorisação, peixes ou carangueijos
durante a noite, fazendo-se uso de fachos ou substancias
prejudiciaes ou explosivas (art. 296). A este numero
pertencem, segundo a lei prussiana de 30 de Maio de 1874
concernente á pesca, «as iscas envenenadas ou outros
meios próprios para entorpecer ou destruir os peixes, os
cartuchos ou outros meios explosivos ».
Penas: multa até 600 marcos ou encarceramento até 6
mezes. Aqui como no caso sob o n. 1.°, é necessária a
consciência da illegalidade. Sobre o que seja substancia
explosiva, ver o § 155.
3.° O estrangeiro que, sem autorisação, pesca nas
aguas territoriaes (
10
), incorre nas penas declaradas sob o
n. 2, ainda quando não occorra alguma das circumstancias
aggravantes do art. 296 (C. p., art. 296 a). Sobre a co-
participação de nacionaes, ver acima a § 21 O
estrangeiro porém só pôde
(
l0
) Também aqui, como acima, é o direito estadual que deter-
mina quaes são os «animaes aquáticos » próprios para a caça.
T. II 18
274 TRATADO DE DIREITO PENAL
tomar parte no facto praticado por um nacional como
co-autor. 0 que regula em cada caso é a nacionalidade
do empresário; o estrangeiro ao serviço de um nacional
não incorre em pena.
Este art., que a Novella de 1876 accrescentou ao
0. p., reserva aos nacionaes, de accordo com os
princípios do moderno direito internacional, a pesca
nas aguas territoriaes 21) e ao mesmo tempo
dispensa protecção penal ao bem jurídico assim creado
(°).
Além da pena de multa ou
#
encarceramento, deve
ser pronunciado o confisco dos apparelhos de pesca
que o delinquente tinha comsigo na occasião do
delicto, bem como o dos peixes (em sentido amplo)
encontrados no barco, pouco importando que os
apparelhos e os peixes pertençam ou não ao con-
demnado.
4.° A regulamentação policial da pesca no mar
do Norte fora das aguas territoriaes effectuou-se pelo
tratado de Haya ajustado a 6 de Maio de 1882 entre a
Allemanha, a lgica, a Dinamarca, a França, a
Inglaterra e a Hollanda. A lei allemã de 30 de Abril de
1884 concernente á execução do tratado fez extensivas
as disposições dos arts. 6 a 23 do
(•) Mares territoriaes (Kústengewàssem), isto é, ft parte do
oceano que banha o littoral e que se considera como uma prolongação
do território nacional, e não as aguas interiores (Binnengewãssem),
onde a pesca é licita ao estrangeiro nas mesmas condições em que o é
ao nacional.— Não ha direito privado de pesca nos mares territoriaes; o
delicto de que se trata não é pois uma offensa a direito individua], e sim
ao direito soberano do Estado de regular a exploração dos mares
territoriaes e portanto a pesca.— Como trata-se de um delietum pro-
prium, autor de ser o estrangeiro, ao passo que os nacionaes co-
delinquentes podem ser punidos em virtude do art. 296 a do jC. p.
como instigadores ou cúmplices (salva a hypothese da autoria mediata).
N. do trad.
TIOLAÇlO DE DIREITOS DE OOOXTPAÇlo 275
tratado aos barcos durante o tempo em que se detêm
nas aguas terrítoriaes pertencentes ao mar do Norte.
As infracções (também das ordenanças executivas
decretadas pelo Imperador), quando o delinquente
não incorra em pena mais grave, segundo as leis
penaes ordinárias, são punidas com multa até 600
marcos ou encarceramento até 6 mezes. No caso de
trazer ou usar o delinquente de instrumentos ou
apparelhos p/tjibidos, devem elles ser confiscados,
quer pertençan ou não ao condemnado. Si não é
possível o processo ou a condcmnaçao de determi
nada pessoa, pôde ser em todo caso decretado o
confisco. I
5."— A lei de 4 de Dezembro de 1876 com-mina
multa até 5.000 marcos contra os allemaes e os
estrangeiros pertencentes á tripolação de um navio
allemão que infringirem as ordenanças decretadas pelo
Imperador (com assentimento do Bun-desrat)
concernentes á restricção ou prohibiçâo da pesca (e
não da caça) de phocas durante certas epochas do anno
(segundo a ordenança de 30 de Março de 1877 desde o
1.° de Janeiro até 3 de Abril de cada anno) nas regiões
situadas entre 67.° e 75° de lat. sept. e 5.° de long. or.
e 17.° de long. contados do merediano de Greenwich.
H III. A violação do direito de mineração não é
objecto de lei imperial com relação ao território
federal (não assim quanto aos territórios sob o pro-
tectorado); esta matéria é apenas tratada em parte pelo
direito estadual.
III.- CRIMES E DELICTOS CONTRA OS DIREITOS
DE CREDITO (direitos pesso?es)
§ 132.— I. Não implemento do contracto
LITTEKATUEA.— Historia: R. Loning, Der Yerttrags-
bruch unã seine Heclitslgen, 1? V., Der Vertragsbruch im
ãeutschen Recht, 1876; Sikel, Die Bestrafung ães Yertrags-
bruches u analoger Rechlsverletztingen in Deutschlanã, 1876.
Sobre a violação do contracto referente ao trabalho: B.
Loning, H S t., 19, 751, Dietz, Vertragsbruch im Ar-beits-
unã Dientsverliàlinis, 1890 ; Boninger, Die Bestrafung ães
Arbeitsvertragsbruchs der Arbeiter, insbesonãere der
gewerblichen Arbeiter, 1891. Cons. também as indicações do
§ 99, V, e do § 173.
I. Âssignalada no direito romano com a infâmia,
tratando-se dos contractus famosi (mandato, deposito,
sociedade e tutela) e não raro sujeita á multa na edade
média allemã, a violação de contracto foi isenta de pena no
direito commum, como o é em geral na legislação
moderna. Encontram-se, é verdade, nas ordenanças
territoriaes relativas a officios, a criados e a matérias
análogas comminações penaes contra certa ordem de
violações de contracto que ás vezes se concebiam como
revolta contra a autoridade; mas falta a idéa geral. No
ultimo de-cennio adquirio especial importância a violação
de contracto por parte dos operários. A questão somente
pôde ser solvida do ponto de vista da politica social.
OBIMES &C. CONTRA OS DIREITOS DE CREDITO 277
I II.— A legislação imperial pune a violação de
contracto em alguns poucos casos isolados, cuja
criminalidade é considerada sob um ponto de vista
diverso do não preenchimento do que fôra pactuado.
A esta categoria pertencem :
1." o não preenchimento de certos contractos de
fornecimento celebrados com a autoridade (0. p., art.
329). J^ lei considera a violação de taes contractos
como crime de perigo commum 153). I 2.° A
violação do contracto sobre engajamento de
marinheiros, único caso de violação de contracto que
é, como tal, sujeito a penas.
A lei distingue duas infracções. g- a) Da primeira
trata o art. 298 do C. p. (') Dá-se, quando o marinheiro
deserta com a soldada que recebeu ou occulta-se para
esquivar-se ao serviço a que se obrigou, pouco
importando que o delicto seja commettido no paiz ou
no estrangeiro e por nacionaes ou estrangeiros. Em
virtude desta clausula a pena é applicavel
independentemente da criminalidade do facto no logar
do delicto, requisito que aliás exige o art. 4 do C. p. A
razão de ser da lei está em que tal delicto não é
punido, segundo o direito inglez e o americano.
I b) Da outra infracção trata o art. 81 da lei de 27
de Dezembro de 1872 sobre gente do .mar.
Penas: no caso sob a, encarceramento até um
anuo; no caso sob i e em virtude de queixa do capitão,
multa a300 marcos (respectivamente 60 marcos) ou
encarceramento até 3 mezes.
(') Como s definição abi dada é repetida em substancia no art.
81 da lei sobre gente do mar de 1872, dove-se considerar como
revogado o art. 298 do O. p. Egualmente Olsbausen, § 298, 1. Contra,
1
Binding, 1.°, 849 e 866, nota 15, Damme, G A, 46.°, 310, Geyer, 2.«,
63.— O art. 298 do C. p. deriva do art. 279 do Cod. prussiano e
respectivítmente do art. 1642 e seg. do Allg. Landi: prass., 2.", 8.
278
TRATADO DE DIREITO PENAL
§ 133. Da infidelidade (")
LITTERATURA. v. Stemann, UnterscJãagung und Un-\
treue, 1870; Wahlberg, opúsculos, 2?, 183; Kronecker, G
A., 34?, 402; Katz, ÍHe strafrecMUchen Bestimmwngem ães
Hanãélsgesetzbuchs, 1885, p. 90; Hálschner, 2?, 391: H A.
na G A., 36?, 346; Kleinfeller, N G, 168.
I.— Historia. — O desenvolvimento histórico da
infidelidade prende-se, de um lado, á violação de
contracto e, de outro, ao desvio. O art. 170 da Carolina,
que trata do «abuso de confiança», compre-hende
indistinctamente o desvio e a infidelidade, ao passo que
as ordenanças policiaes do Império (como outr'ora o
Espelho da Suabia) comminavam penas contra o tutor
infiel ou negligente. Frequentemente concebida nos
séculos XVII e XVIII como caso qualificado da
idéa ampliada da burla (também assim no direito
prussiano), a infidelidade obteve gradualmente uma
collocação independente n'este século sob a
influencia do 0. p. francez (art 408, ábus de
confiancè). O C p . imp. segue em parte o prussiano, e
em parte o saxonio (art. 287, ai. 2). A infidelidade do
procurador judicial (a prcevaricatio do direito romano),
que o C. p., por um contrasenso, collocou entre os
crimes de responsabilidade, correctamente devia ser
tratada como um caso de infidelidade (
b
). As caixas
de soccorro industriaes e as
(") Como abuso de confiança também se dá no desvio ou apropriação
indébita (art. 246 do C. ali., art. 331, 2.°, do nosso O. p.), designamos o crime
de que agora se trata com a denominação de «infidelidade D, que aliás é a
traducçâo do vocábulo «untreue». N. do trad.
C) A. collocacão do crime de «infidelidade de procurador judicial » no
C. ali. entre os crimes de responsabilidade é uma reminis-scencia do O.
prussiano, que considerava o advogado como funccionario
OBIMES &C. OONTBA OS DIREITOS DE OBEDITO 279
caixas de seguro, bem como as companhias anonymas
e as sociedades em commandita por acções offere-
recem com as suas multiformes e muito complicadas
relações, numerosas occasiões ao descuramento de
interesses alheios confiados á gestão de mandatários.
Não raro a legislação actual liga as suas commina-
ções penaes, cujo fim é a protecção d'esses interesses,
a idéa da infidelidade.
I
II.— O art. 266 trata da infidelidade propria-
mente dita. Pôde ella ser definida: a violação de deveres
que resultam de relações contractuaes ou quasi
contractuaes e que consistem em selar alguém interesses
patrimoniaes alheios confiados aos seus cuidados.
Distingue-se da violão de contracto, que se
apresenta como simples não preenchimento do pa-
ctuado, pela sua direcção positiva contra interesses
alheios, e do desvio, que I ofíensa á propriedade, pela
sua direcção contra direitos pessoaes de outrem.
A infidelidade dírige-se contra o direito de ou-
trem a que sejam zelados os seus interesses patri-
moniaes. Somente taes interesses, e não, por ventura,
interesses concernentes a uma acabada educação
moral, a uma solida formação do espirito e do
coração, ao robustecimento da saúde e ao desen-
volvimento das forças physícas, são os objectos que a
infidelidade ataca, e por isso mesmo é ella crime
patrimonial. E como essas pretenções de outrem re-
sultam de relações contractuaes ou quasi contractuaes,
podemos com razão classificar a infidelidade, no
grupo dos crimes contra o património, entre os crimes
contra os direitos pessoaes ou de credito e em
seguimento immediato á violação de contracto.
publico. A clausula—em razão da sua qualidade official — que se nota
no art. 356 do C. ali. é um claro vestígio d'aquella intuição do C. prus-J
siano. N. do trad.
280 TRATADO DE DIREITO PENAI.
Para a consummação faz-se pois mister um damno
patrimonial (como na burla; § 138).
S O art. 266 do C. p. pune : / I
a) Os tutores, curadores, administradores de bens,
depositários de bens sequestrados, syndicos ou
administradores de massas, testamenteiros e admi-
nistradores de obras pias, que intencionalmente procederem
de modo a prejudicar as pessoas ou cousas (bens de todo
género e portanto créditos) confiadas a sua vigilância. A
expressão proceder com-prehende também a omissão
illegal (deixar de propor acção etc); não é necessário que o
objecto da acção ou da omissão seja um negocio de caracter
jurídico (está também no caso da lei a suppressão de do-
cumentos etc.);
è) Os mandatários, que dispuzerem intencionalmente
de créditos ou outros bens (moveis ou ímmoveis, direitos)
do mandante e em prejuízo d'este. Si os bens são do
mandante é questão que se resolve segundo os princípios
do respectivo direito civil. A disposição pode também
resultar de uma omissão (não interrupção da prescripção,
não interposição de um recurso etc);
(?) Os agrimensores, leiloeiros, corretores, expe-
dictores, commissarios, pesadores,.medidores, aparta-!
dores, ensaiadores, estivadores e outras pessoas que
assumem perante a autoridade o compromisso de bem
desempenhar as suas funcções, quando, nos negócios que
lhes são commettidos, prejudicarem in-1 tencionalmente as
pessoas, de cujos interesses tratam.
Em todos os três casos o adverbio intencionalmente,
que substitue o dolosamente do art. 246 do cod. prussiano,
deve ser entendido como equivalente a este; não é
necessário que o movei da acção seja causar prejuízo.
Penas : encarceramento e facultativamente perda j dos
direitos cívicos. A infidelidade é aggravada,
CEIMES &0. CONTBA OS DIREITOS DE OBEDITO 281
quando o agente a commette afim de obter para si
ou para outrem (motivo) um proveito pecuniário
(não necessariamente illegal; § 138). N'este caso
pôde, accessoriamente á pena de encarceramento,
ser pronunciada uma multa até 3.000 marcos. Â cir-
cumstancia exclusiva de pena mencionada noart. 247,
ai. 2.*, do 0. p. o tem applicação á infidelidade.
III. A legislação imperial sobre seguros am
pliou consideravelmente as disposições do art. 266
do 0. p-, extendendo-as a novas relações. Taes são
as seguintes leis : I
I 1.° lei de 7 de Abril de 1876 concernente ás caixas de
soccorro inscriptas, modificada pela lei do I
o
de Junho de
1884, art. 34;
2." lei de 15 de Junho de 1883 concernente ao seguro
de operários contra enfermidades, modificada pelas leis de
10 de Abril de 1892 e 1 de Janeiro de 1893, art. 42;
3.° lei de 6 de Julho de 1884 concernente ao seguro
contra accidentes, art. 26, ampliada ao seguro contra
accidentes e enfermidades das pessoas que se
empregam ha industria rural e florestal (art. 31 da lei de 5
de Maio de 1886), ao seguro contra accidentes das pessoas
que se empregam em construcções (art. 12 da lei de 11 de
Julho de 1887), bem como ao seguro de gente do mar (art.
32 da lei de 13 Julho de 1887);
4.° lei de 22 de Junho de 1889 concernente ao seguro
contra a velhice e a invalidez, art. 59.
y IV. O art. 249 da lei concernente a companhias
anonymas e ás sociedades em commandíta por acções,
segundo o texto de 1884, commina penas muito mais
rigorosas aos sócios pessoalmente responsáveis, aos
membros do conselho fiscal e aos liquidadores de uma
sociedade em commandita por acções, bem como aos
membros do conselho fiscal e I aos liquidadores de uma
companhia anonyma, que
282
TRATADO DE DIREITO PENAL
procederem intencionalmente de modo a prejudicar a
sociedade.
I Penas : encarceramento e ao mesmo tempo multa até
20.000 marcos, e facultativamente perda dos direitos
cívicos.
V.— Segundo o art. 140 da lei de 1 de Maio de
1889 concernente ás associações cooperativas de
industria e de economia, é um tanto mais branda a pena
comminada contra os membros da directoria, os
membros do conselho fiscal e os liquidadores que
procederem intencionalmente de modo a prejudicar a
sociedade (
x
).
Penas : encarceramento e ao mesmo tempo multa
até 3.000 marcos, e facultativamente perda dos direitos
civicos.
VI.—A infidelidade do procurador judicial.
O direito romano distinguia dois casos: a prce-
varicatio ppria ou suborno do accusador em um
judicium publicwm, e a prcevaricatio imprópria ou
patrocínio infiel da causa por parte do advocatus ou
patronuB. O art. 135 da Carolina tratou somente do
segundo caso e em seguimento aos crimes de falsi-]
dade (como o haviam feito os italianos). No direito
commum costumava-se também tratar a infidelidade do
procurador judicial como falsum. A nova legislão
contemplou frequentemente a prevaricão I entre os
crimes de responsabilidade em razão da posão of&cial
do procurador. O C. p. imp. conservou esta classificação,
com quanto o seu fundamento ti-vesse desapparecido
(°).
(') A lei de 20 de Abril de 1892 concernente ás sociedades de
responsabilidade limitada não contem comminaçâo penal especial contra
a infidelidade. ȣ
{") O advogado e o procurador não são funccionarios públicos,
como o declara o art. 859 do C. p. ali. que por isso não se haroonisa
CRIMES &0. CONTRA OS DIREITOS DE CREDITO 283
Bj 0 art. 356 pune o advogado^ o procurador ou
qualquer outro mandatário judicial, quando, nos
negócios que lhe são confiados em razão de sua
qualidade official (?), faltam aos seus deveres, ser
vindo ambas as partes na mesma causa com os seus
conselhos ou assistência. I
Penas : encarceramento por tempo não inferior a 3
mezes; si o delinquente procede de modo a prejudicar
o s*eu cliente de connivencia com a parte contraria,
reclusão até 5 annos. O art. 356 s«5 tem applicação ao
processo penal, quando se acham em presença duas
partes (accusação privada); não tem pois applicação á
relação do defensor para com o ministério publico (
d
).
com o seu art. 856; elles. exercem somente um « offenllichcn beruf»,
de que resultam certos direitos e deveres públicos. As funcções de
advogado e de procurador foram reunidas pela lei do 1.° de Julho
sobre os advogados. W. do trad.
(
d
) Servir ambas as partes na mesma causa. Isto tanto pode
acontecer durante o mandato conferido por uma delias (pai? ocimum
prtesens), como depois da extincção do mandato, mas antes da termi-
nação da causa (patrocinium successivwm), isto é, tanto prevarica o r
advogado que serve ao mesmo tempo a ambas as partes, como o que
depois de ter servido a uma, passa a servir a outra na mesma causa; pois
com a cessação do primeiro mandato não cessaram os cífeitos da confiança
que a parte depositara no advogado, communicando-lhe os seus segredos.
Neste sentido se tem pronunciado a praxe E' controvertido si por causa
deve-se entender o feito ou a matéria que pode ser objecto de diversos
processos. A letra da lei presta-se á primeira intelligencia. A expressão
«faltar aos seus deveres» designa todo acto do advogado, pelo qual elle
illuda a confiança da parte. Não tem pois applicação, quando o acto é
destinado a promover os interesses de ambas as partes, por ex., mediante
uma conciliação. O serviço tanto pode consistir em conselhos como em
actos, em acções como em omissões, embora não effectuados em nome da
parte; basta que o procurador promova os interesses contrários da outra
parte, como deixar decorrer um prazo fatal. (Meves, H H, 8). N. do trad.
284
TRATADO PE DIREITO PENAL
§ 134.— III. Da bancarota
HISTERIA E CONCEITO
LITTERATTJRA. Hobler, Shakespeare vor dem Forum\ ãer
Juri8prudenz, 1884; v. Hoiningen, os denominados Hurie
Beitrãge zur geschicliUiclim Entwicldung ães strajbaÀ ren
Bankrotts in Deutschlanã, 1878; Hálschner, 2.°, 308; Meves, G
A, 36, 377, e contra elle Klein&ller, G S, 43.?,] 161; Cohn, G A,
41.", 198. Neumeyer, ffistorische tmã ãog-\ matische Darstellimg
ães sirafbaren Barikrotts unter beson\ ãers emgéhender
Untersuchung ãer Schulãfrage, obra premiada em concurso,
1891. Schimidt,Derstrqfbare Bankbruchl in historisch-
ãogmatischer Enttoiókelung mil besonãerer Be-\ rucksichtigung
ãer Schulãfrage, 1893 (trabalho de notável solidez) ; Eeichart, G
S, 49, 81; Kleinfeller, N G, 681 ; os commentarios á lei sobre a
falleueia, e especialmente o de Petersen e Kleinfeller, 3.» ed.,
1892.
I.— A responsabilidade criminal do devedor
insolvavel e fugitivo data dos fins da edade média e
apparece primeiramente nos direitos municipaes ao
lado da execução pessoal por dividas do direito civil, a
qual se ia tornando gradualmente mais branda. As
ordenanças policiaes do Império serviram de base a
numerosos edictos e decretos relativos á bancarota
promulgados nos diversos paizes e cidades da
Allemanha (tem especial importância o decreto das
cidades hanseaticas de 1620), ao passo que a resolução
da dieta do Império de 1670-1671 não J obteve força de
lei e o direito commum applicava as disposições sobre a
falsidade aos ãecoetores, ban-1 coruptores ou falliti (
a
)..
(*) O crime de bancarota acha-se qualificado no 1. 5, t. 66 da
Cod. Phil. que não encontra correspondente nos cods. anteriores (a ord.
foi tirada do 1. 5, t. 19, da « Nova recopilação»), A pena era a dos
«ladrões blicos e roubadores », e por consequência a capital, o tinha
applicação (cit. Ord., \ 10) a qualquer pessoa, ainda que não fosse
mercador. Ver o com. ao t. 41 do Cod. Orím. de M. Freire. W. do trad.
CRIMES âeC. CONTRA 00 DIREITOS DE CREDITO 285
-------- --------- _— . ------ ------------ ------------ ------------- ------------ ----------- ——— - i - - .. .-
A nova legislação cíngio-se de preferencia ao di-
reito francez (Cod. do Com., art. 586 e seg., C. p.,1 art.
402 e seg.). Delle deriva a limitação das disposições
penaes á bancarota do commerciante, limi-tacão que
passou para o cod. prussiano de 1851 e para o C. p.
imp. Foi a lei imperial de 10 de Fevereiro de 1877
sobre fallencia, cujos arts. 208 a 212 substituíram os
arts. 281 a 283 do G. p. que tornou a estabelecer a
equiparação (já existente no AUg. Landrecht
prussiano) entre o negociante e o não negociante, a
qual se tornou sobremodo necessária, depois que a lei
de 29 de Maio de 1868 abolira a prisão por dividas em
todo o território federal. I II. A bancarota pertence
ao numero dos delictos, cuja ideia acha-se ainda cm via
de desenvolvimento: a 8ciencia e a legislação não
chegaram a resultados decisivos. Por isso mesmo a
intelli-gencia e a applicação pratica das disposições
legaes ofTerecem maiores difficuldades em relação á
baa-J jcarota de que relativamente a outras figuras cri-
minacs que tomaram a sua forma definitiva.
1.° Deixando á margem o direito vigente,
podemos considerar a bancarota como ofensa dos\
direitos do credor pelo devedor mediante diminuição
dolosa ou culposa do património deste ou occultação
de sua situação patrimonial ('). Direitos do credor, eis o
objecto que a bancarota peculiarmente ataca; os
créditos são offendidos nos meios destinados a sua
satisfação, o património do próprio devedor. Assim a
bancarota é indubitavelmente oífensa no património e
dirige-se contra os direitos creditórios,
(') Esta noção pode ser considerada como dominante, o ó es-
pecialmente seguida pelo Trib. do Imp. (dec. da 1* de Abril da 81, 4.*,
e 17 de Marco de 82, C.°, 94). Como periclitaçio do património
considera a bancarota Kleinfeller, N. O., 682, bem como em parte v.
Rohland, Gefahr, 80
286
TRATADO DE DIREITO PENAL
embora, por suas consequências, vá além dos interesses
patrimoniaes das pessoas immediatamente
interessadas, abalando a confiança e compromet-tendo
a segurança do credito em largos círculos)
indeterminados e não susceptíveis de ser limitados (
b
).
Conforme a diminuição do património do devedor tem
por fim prejudicar os direitos dos credores, ou, sem
esta intenção, procede da falta de economia, devemos
distinguir duas espécies de bancarota: a simples e a
qualificada.
2.° O direito vigente formou a ideia da ban-
carota de um modo que em parte diverge desta noção.
Segundo o direito vigente, dá-se bancarota punível
quando o devedor, que suspendeu os seus pagamentos ou
cuja fallencia foi aberta, praticou certos actos
(exactamente enumerados pela lei) (°). O con-
(
b
) A bancarota não é pois um caso ou uma variedade da burla,
como tantas vezes se tem dito. Na bancarota, observa Merkel, o ponto
capital está em que os credores não recebem o que lhes é devido,
resultado este que pode ser produzido pelas fórmas as mais diversas de
um procedimento culposo, ao passo que na burla outrem é induzido a
dispor dos seus bens em prejuízo próprio. Esta dis-tincção tem
importância nas questões relativas ao commettimento culposo, a
consummação, á culpabilidade etc. Si não se tratasse na bancarota do
uma figura criminal independente, accrescenta o mesmo escriptor, não
teria justificação sujeitar-se a normas especiaes a bancarota mesma do
negociante, pois a maior importância dos actos em questão, quando
praticados por negociantes, poderia ser devidamente attendida,
comminando-se penas mais rigorosas para semelhante caso.) de burla.
N. do trad.
(°) A suspensão de pagamentos não acarreta necessariamente a
abertura da fallencia, bem como esta pode ser aberta independeu-
temente d'aquelle facto (art. 94, ai. 2, e 95 da lei de 1879 sobre a
fallencia). O processo criminal pode pois ser instaurado, dada uma ou
outra destas duas condições. Note-se que, como o autor adeante
advertirá, os actos enumerados pela lei podem ser anteriores ou poste-
riores á suspensão de pagamentos ou á abertura da fallencia. N. do trad.
CRIMES &0. CONTRA OS DIREITOS DE CREDITO 287
fronto desta definição legal com o conceito scien-l
tifico assignala os seguintes desvios : I a) A esta nossa
exigência geral offensa aos direitos creditórios, o
direito vigente substituo um facto precisamente
designado, suspensão de pagamentos ou a abertura de
fallencia. Isto quer dizer:
0 legislador corta, uma vez por todas, a questão de
saber si, no caso occurrente, deu-se offensa dos
direitos- dos Credores. Admitte peremptoriamente a
offensa como dada, si aquelle facto se produzio;
considera-a peremptoriamente como não dada na
hypothese contraria. O valor pratico desta suppo-
' síção legal é tão claro quanto é duvidoso o seu
valor scientifico.
O facto que a lei exige comprehende dous casos
:
1 a) a abertura de fallencia, que, segundo o
art. 94 da lei, ê determidada pela insolvabiliãade do
devedor, isto é, pela incapacidade (de facto exis
tente) de ministrar os meios para pagamento de
dividas vencidas;
H /?) a suspensão de pagamentos, isto é, o não
pagamento de uma divida vencida em razão de
real, supposta ou pretextada insolvabilidade, e que
por isso se deve distinguir, de um lado, da inca
pacidade real de solver as dividas fluctuantes, e, de
outro, do excesso de dividas, da superioridade do
passivo sobre o activo. I
b) Em logar desta nossa exigência em termos
geraes diminuição dolosa ou culposa do património
do devedor, o direito vigente enumera uma série de
actos precisamente designados, que regularmente
(mas não sempre) peoram ou pelo menos com-
promettem a situação patrimonial. A consequência
desta formula casuistica é a exclusão de todos os
outros actos, ainda que sejam completamente equi-
valentes.
288
TRATADO DE DIREITO PENAL
3.° Do conceito da bancarota assim fixado
resulta :
a) a suspensão de pagamentos ou a abertura de
fallencia é condição de punibilidade 43, III) (
2
). A
totalidade dos credores interessados na mesma
suspensão de pagamentos (ou abertura de fallencia)" é
que está investida do bem jurídico atacado.
b) Esta condição de punibilidade, sendo, como é,
una, converte em unidade jurídica o
c
conjuncto dos actos
praticados pelo devedor commum (§ 55, notai 3.").
E d'ahi segue-se mais:
a) Si, relativamente á mesma suspensão de
pagamentos (ou abertura de fallencia), o devedor
praticou vários dos actos enumerados no mesmo artigo
da lei (jogo por differenças na bolsa e destruição dos
livros), dá-se uma s<5 acção punivel, e não uma
pluralidade de acções puniveis.
(*) Esta doutrina tem sido nos últimos tempos vivamente im-
pugnada. A maior parte dos cscriptores considera a suspensão de
pagamentos como circumstancia elementar do delicto. Neste sentido
Kleinfeller, N. G., 682, Neumeyer, 128, 178, .Schmidt, 130 ; Oohn,
204, 216, pelo menos relativamente ao art. 210; e também o Trib. do
Imp., ultima dec. a de 20 de Set. de 87, 86.°, 188. Não é claro Reichart
(presumpção de insolvalidade). O o se poder exigir dolo ou culpa em
relão á suspensão de pagamentos (como geralmente se admitte) milita
de um modo decisivo a favor da nossa opinião (
d
).
(
d
) A lei não exige que a suspensão de pagamentos ou a abertura
de fallencia se ache em relação causal com algum dos actos por ella
enumerados ou que resulte do dolo ou culpa do agente. Os actos em
questão podem ser praticados mesmo depois da suspensão \ de
pagamentos ou da abertura da fullencia (talvez determinada por um
caso fortuito). O dolo ou culpa do delinquente só se refere aos actos que
a lei qualifica como casos de bancarota. A suspensão de pagamentos ou
a abertura de fallencia não é pois um elemento do facto delictuoso, mas
uma mera «condição de punibilidade». Deste principio resultam
importantes consequências praticas. Ni do trad.
CBIMES OONTBA OS DIBEITOS DE OBEDITO 289
b) Emtanto quanto se trata da mesma suspensão
de pagamentos (ou abertura de fallencia), não se pode
admíttir duas bancarotas, embora se dêm as
circumstancias constitutivas tanto do caso simples
como do qualificado; nesta hypothese o devedor ifaz-
se culpado somente de uma bancarota, e na verdade da
bancarota qualificada, P c) Não é necessário que haja
relação causal entre os acto» do devedor e a suspensão
de pagamentos (ou a abertura de fallencia).
d) Não se exige dolo ou culpa propriamente
dita em relação á suspensão dos pagamentos (ou a
abertura da fallencia) que se effectuou. I
K é) Os actos enumerados pela lei podem preceder ou
seguir a suspensão de pagamentos (ou a abertura de
fallencia); no primeiro caso o delicto con-suma-se com
a suspensão de pagamentos, e no segundo com a pratica
do acto respectivo. Segundo os prin-jcipios geraes
45, nota 8."), deve-se admittir a {existencia de
tentativa, quando se a condição dei punibilidade,
mas o acto ficou incompleto ou falhou. Não se pode,
pelo contrario, dar tentativa punível, quando não se
verificou ainda a suspensão de pagamentos (ou a
abertura de fallencia) (
3
) (
e
).
4.° Segundo a lei sobre a fallencia, autor é todo
devedor, e não somente o devedor commerciante.
Também os membros da directoria de uma compa-
(*) Divergem a dec. do Tríb. do Imp. de 9 de Nov. de 86,18.*,
41; Baumgarten, Verutch, $67, Kleinfeller, NG., 688, v, Jfeyer, 789,
Meves, 383, Neumeyer, 173, Heichart, 316, Schmidt, 141.
(*) Segundo o nosso direito, a bancarota do commerciante tamm
não pode ser punida, senão depois que lhe é aberta a fallencia. Não
assim, porém, quanto á bancarota do devedor não commerciante, pois
que neste caso o crime dá-sc e pode ser punido, desde que o devedor
se constituir «maliciosamente» em estado de insolvência (art. 837 do
C. p.). ÍT. do trad. I
9. II 19
290 TRATADO DE DIHEITO PENAL
nhia anonyma ou sociedade inscripta, bem como os
liquidadores de uma sociedade commercial ou sociedade
inscripta, que suspendem os seus pagamentos ou a respeito
de cujo património se abrio fallencia, podem fazer-se
culpados de bancarota, quando nessa qualidade praticaram
os actos que a lei sujeita a penas. Segundo o art. 81 da lei de
20 de Abril de 1892 concernente ás sociedades de
responsabilidade limitada, as disposições dos arts. 209 a
211 da lei sobre a fallencia tem applicação aos gerentes de
taes sociedades que suspendem os seus pagamentos ou a
respeito de cujo património se abrio fallencia, quando nessa
qualidade praticarem os actos que a lei qualifica.
5.° O lograr e a epocha da pratica do delicto devem
ser apreciados, segundo os principios geraes relativos á
acção considerada como unidade jurídica 55, I). O
delicto em questão é, pois, commettido onde e quando são
praticados os actos qualificados pela lei. O logar e a epocha
da suspensão de pagamentos são indifferentes (
4
).
6.° Quanto á cumplicidade prevalecem as regras
geraes, em tanto quanto não as modifica o art. 212 da lei
sobre a fallencia.
§ 135. — Das espécies de bancarota
De accordo com a tradição, a lei distingue duas
espécies de bancarota.
A bancarota simples (art. 210 da lei sobre
a fallencia). Presupposta a suspensão de pagais Também
divergem nesta parte a decisão do Trib. do Imp"
de 20 de Set. de 87,16.°, 188, Cohn, 208, Kleinfeller, NG., 688, Schmidt,
139. Correctamente Neumeyer, 167, Reichart, 294.
CRIMES CONTRA OS DIREITOS DE CREDITO 291
mentos ou a abertura de fallencia, dá-se, quando o
devedor
I 1.°, consome sommas excessivas ou contrae dividas
em razão de gastos largos, jogo ou especulações por
simples differença em mercadorias ou papeis de bolsa
(e não contractos de entrega a prazo) (
a
); I 2.°, não tem
os livros commerciaes que a lei exige, ou os occulta,
destroe ou os escnptura tão desordenadamente que
por elles não se pôde saber
0 estado do seu património;
3.°, deixa de fazer, com violação do preceito do
C. Com., o balanço do seu activo e passivo em tempo
devido.
1 Pena: encarceramento até 2 annos.
E' erróneo designar este caso como bancarota
culposa. Os actos enumerados pela lei podem ser
praticados dolosa ou culposamente (
b
). Não se pode
porém exigir culpa em relação á suspensão de pa-
gamentos (ou á abertura de fallencia) pelas razões
acima dadas (
]
).
(
a
) IÂeferungsverirag ou iÂefervngsgetchãfi o contracto pelo
qual alguém se obriga a entregar em certo prazo e por um determinado
preço cousas que ainda o possue. Não é a taes contractos, como o
autor faz sentir incidentemente, que a lei se refere, e sim ao denomi-
nado Differenzhandél ou Differenzgescft, isto é, a contractos cujo
implemento por parte do vendedor consiste em entregar, não a merca-
doria mesma, mas a differença entre o preço ajustado e o preço da
mercadoria, segundo a cotação do mercado no dia e logar em que deve
ser entregue. N. do trad.
(>) O que distingue, sob o ponto de vista subjectivo, a banca-
rota qualificada da bancarota simples o 6 o dolo, e sim a intenção
de prejudicar os credores. N. ão trad.
(
]
) A questão é muito controvertida. 1." Neumeyer, 144 e 148,
exige dolo ou culpa em relação & suspensão de pagamentos, 2? a 6?
[ed. deste tratado exigia o dolo em relação aos actos que a lei enumera.
Esta concepção vae de encontro á possibilidade de que o agente tenha
292 TRATADO DE DIREITO PENAL
------------ *---------------------------------------------------------------------- ;
II. A bancarota qualificada ou fraudulenta (art.
209 da lei). Ao facto da suspensão de pagamentos ou
da abertura de fallencia deve além dos actos que a
lei enumera accrescer, como motivo, a inteão de
causar damno aos credores, isto é, de prejudical-os nos
seus direitos. A comminação da lei refere-se ao
devedor:
1.°, que occulta (isto é, subtrae á observação ou ao
conhecimento) ou desvia (isto é, subtrae permanente ou
transitoriamente á disposão dos credores) (
2
) bens, quer
estes sejam cousas moveis ou immoveis, quer créditos.
Está neste caso o facto de garantir j com hypotheca um
credito phantastico, bem como a destruição, o abandono
de uma cousa, mas não o damno ou a depreciação;
2.°, que reconhece ou exhibe dividas ou con-
tractos no todo ou em parte phantasticos;
3.°, que não tem os livros commerciaes que a lei
exige;
4.°, que occulta ou destroe os seus livros com-
merciaes (ainda os que não tenha a obrigação de
possuir), ou os altera ou os escriptura de modo que por
elles não se pôde saber o estado de sua fortuna.
Penas : reclusão; occorrendo circumstancias at-
tenuantes, encarceramento por tempo não inferior a
três mezes.
culposamente ignorado a sua obrigação concernente aos livros commer-
ciaes; 3? o Trib. do Imp. abandonou a sua primitiva opini&o que abstrairia
de toda culpa (dec. de 18 de Fev. de 85, 13.°, 354); 4.° 6 inteiramente
impossível a hypotboso de uma terceira forma de culpa (diversa do
dolo e da culpa propriamente dita) estabelecida pela dec. do Trib. do
Imp. de 6 de Abril de 86, 14.°, 87, e Moves. 890. Contra com Glúck,
Neumeyer, 144 e 148 o especialmente Kleinfeller, MO, 698. (') Não é
necessária a remoção de um logar para outro. Egual-mente a dec. do
Trib. do Imp. do 4 de Dezembro de 91, 22.» 242.
CRIMEH CONTBA OS DIKEITOS DE CREDITO 293
136. — Delictos análogos á bancarota
A lei sobre a fallencia reúne á bancarota, como
casos mais ou menos análogos, os seguintes delictos:
I 1.° O favorecimento de um dos credores ou a
I denominada graiification (art. 211 da lei). Dá-se
quando (pre&jipposta a suspensão de pagamentos oul
j a abertura de fallencia) o devedor, conhecendo a sua
insolvência, e na intenção (') de favorecer a um
credor (imo 6 necessário que seja um credor da fal
lencia propriamente dito) (") de preferencia aos outros,
I eoneede-lhe uma garantia ou lhe dá satisfação que
elle uão podia exigir ou que não o podia quanto ao
modo ou quanto ao tempo. Si o devedor tinha o
I dever de agir, basta a omissão (por exemplo, não
defender-se contra a acção do credor). H
I Este delicto corresponde também á idéa geral I da
bancarota oflensa aos direitos dos credores por
diminuição do próprio património, mas fica entre as
duas espécies de que tratamos. Distingue-se da ban-
carota simples, porque o agente tem consciência de que
o seu acto importa diminuição do próprio património
como meio de satisfazer os credores ; distingue-se da
qualificada, porque falta a intenção de prejudicar os
credores, intenção que é substituída pela de favorecer
um dos credores de preferenciaj aos outros. A esta
ultima liga-se inseparavelmente a consciência (portanto
dolo, e não intenção) de pre-judkar os demais
credores. Si o devedor suppõe
H (>) Equivalente »motivo. Neete sentido a doo. do Trib. do Itnp. m
17 do PovewJro do M, 24. •, 6. Qmtrà (muito susceptível do eritka) u
doo. do 23 do Setembro d* 03. M.°, 255 (| 38, nota 4). Ver Neu-Uyer,
187; contra, Klein foller, N O, 705. Reichart, 32, L f» (») I* to ê,
póil>- siT um crodur •'«(•aratiita o* jmr* dominii ou M or# crmlitiu.
N. do trad.
294
TKATADO DE DIREITO PENAL
erroneamente que o credor tem direito a ser satisfeito
de preferencia aos outros, este erro impede a
applicação da lei.
Penas : encarceramento até dois annos.
Segundo os princípios geraes a cumplicidade de
terceiros é possivel; mas o credor favorecido deve ficar
isento de pena (
s
) (
b
).
II. —A cumplicidade de terceiros
c
na bancarota
deve ser tratada em geral segundo os princípios or-
dinários ; mas a lei (art. 212) qualificou certos casos
como crimes sui generis e assim os isentou dos outros
requisitos da cumplicidade.
A lei pune:
1.°, quem (presupposta a suspensão de paga-
mentos ou a abertura de fallencia) occulta ou desvia no
interesse do devedor bens d'este;
2.°, quem, no interesse do devedor ou afim de
obter para si ou para outrem um proveito pecuniário
(não necessariamente illegal), faz valer no processo,
em seu próprio nome ou por interposta pessoa, créditos
imaginários.
Penas: reclusão até 10 annos; occorrendo cir-
cumstancias attenuantes, encarceramento ou multa até
6.000 marcos. A tentativa e a cumplicidade são
(«) Ver o Í 52, V. Egualmente Dalcko, G A, 342, v. Kries, Z, 7.°
651, v. Meyer, 742, Neumeyer, 189, Keichart, 825, Zadeck, G S, 40,
561. Divergente frequentes vezes o Trib. do Imp., ult. dec. a de 31 de
Janeiro de 90, 20.», 214, bem como Kleinfeller, N G, 702, Schmidt,
202, 214, segundo os quaes o credor pode ser punido, quando, instigando
ou auxiliando, vae além dos limites da cumplicidade, que ne-
cessariamente se dá na mera aceitação.
(
b
) O «favorecimento» supe uma cumplicidade necessária, que
consiste pelo menos na aceitação por parte do credor; como a lei pune
somente o devedor, segue-se que o credor favorecido deve ficar isento
de pena, ainda quando tenha sido instigador ou cúmplice por assis-
tência em virtude de outros actos. N, do trad.
CKIMES CONTBA OS BIBE1TOS DE CREDITO 295
possíveis, segundo as regras geraes. Deve-se ad-J mittir a
existencia de tentativa, quando o acto de cumplicidade fica
imperfeito ou falha, mas dá-se a condição de punibilidade
(§ 45, nota 8).
III.— Com a bancarota a lei relaciona ainda um
delicto especial do credor do fallido, delicto que se
apresenta como um perigo abstracto para os w-j teressesdos
outros credores:a venda do voto (art. 213). Il)á-se quando
um dos credores obtém do devedor commuin ou de outras
pessoas, ou faz prometter vantagens particulares para votar
em certo sentido no concurso dos credores.
A lei suppõe uma votação imminente; com a obtenção
ou a promessa da vantagem dá-se a con-summação do
delicto, embora o voto posterior não; corresponda ao
ajuste; é possível a cumplicidade dei iterceiros, mas não a
da pessoa que suborna (texto correspondente á nota 2.
a
).
Não é necessário que a vantagem seja patrimonial. Não
basta a venda cie abstenção do voto:
Penas: multa até 3.000 marcos ou encarceramento até
um anno.
IV.— Os membros da directoria e os liquidadores de
uma companhia anonyma incorrem em pena nos termos do
art. 249 c, n. 2, da lei de 18 de Julho de 1884, quando
deixam de requerer em devido tempo a abertura de
fallencia. A mesma disposição applica-se ás sociedades
cooperativas de industria e! de economia segundo o art.
142 n. 2 da lei de l.°de Maio de 1889, bem como aos
gerentes e liquidadores de uma sociedade de
responsabilidade limitada segundo o art. 82 da lei de 20 de
Abril de 1892.
Penas : segundo a lei de 1884, encarceramento até
três mezes eao mesmo tempo multa até 5.000 marcos;)
occorrendo circumstancias attenuantes, applica-se somente
a multa. Segundo a lei de 1889, multa até 600 marcos
ou encarceramento até três mezes ou
296 TRATADO DE DIREITO PENAL
ambas as penas ao mesmo tempo. Segundo a lei de
1892, encarceramento atrês mezes e multa até 1.000
marcos ; occorrendo circunstancias attenuantes
somente multa. Conforme estas duas leis, não incorre
em pena quem provar (nos termos da lei de
1892, <ta respeito de quem se verifica») que a omissão
n.lo é devida á culpa. O acto culposo é também punível.
As leis estaduaes, que impõem penas pela não
observância das disposições relativas á declaração do
regimen dos bens no casamento do devedor commum,
foram mantidas pelo art. 5 da lei de intro-ducção á da
fallencia.
§ 137. — IV. Frustar a execução
LITTERATURA. Merkel, H H, 3.°, 834 ; Hãlschuer, 2.*
423; Lenz, Der stra/rechtliche Schutz des IfanãrecMs,
1893, p. 123.
Assim como as disposições penaes contra a
bancarota punem o facto de frustar-se a execução
geral, assim o art. 288 do G. p. (modelado pelo art. 310
do cod. saxonio de 1868) sujeita a penas o facto de
frustar-se a execução especial. São pois semelhantes em
um e outro caso os interesses que fazem objecto da
lesão: alli os créditos da totalidade dos credores do
fallido, aqui o direito do credor singular que se propõe
executar o devedor (*).
Segundo o art. 288 do C. p., é fraudada a
execução, quando aquelle que está ameaçado de uma
execução forçada (a própria pessoa ameaçada, e não
um terceiro) aliena (isto é, renuncia com ou sem re-
tribuição) ou desvia 135, nota 2.°) bens na intenção
de illudir a satisfação do credor.
('; No delicto análogo definido no art. 187 do O. p. trata-se de
desrespeito para com o poder publico (ver o | 174).
CRIMES CONTRA. OS DIREITOS DE CREDITO 297
Ha ameaça de execução forçada, quando, se-
gundo as circumstancias occurrentes, deve-se suppor
que o credor passará sem demora á execução forçada.
Não é necessário que tenha começado o processo da
execução; pôde bastar o arresto, a pro-positura da
acção, o protesto da letra por falta de pagamento, e até
a intimação extrajudicial. Credor não é aqui somente o
titular de direitos pessoaes, senão também o de direitos
reaes. A intenção (motivo) deve ser tendente a frustar a
execução e, na verdade, a execução de que o devedor
está actualmente ameaçado; por um lado não deve
dirigir-se somente contra uma medida singular de
execução, e por outro não é necessário que se dirija
contra a execução em absoluto. Quem trata somente de
satisfazer um outro credor, não incorre na lei (
a
).
(*) Segundo a eommunis opinio e a jurisprudência do Trib. do
Imp., não é necessário que haja uma sentença exequível nem mesmo
que a execução forçada tenba sido requerida. O que cumpre saber é| si
das circumstancias resulta a intenção do credor de passar á execução
forçada, dada a sua possibilidade jurídica. Essa intenção, porém, elle a
deve manifestar por actos significativos, e como tal se considera toda
diligencia ou acto judiciário para a effectividade do credito, inclusive A
propositura da acção. O Trib. do Imp. admitte que esta regra soffre
excepções, podendo a intenção do credor resultar também de outras
circumstancias e especialmente da natureza do credito, por exemplo, o
vencimento de uma letra.— A intenção do devedor deve sempre
consistir em frustar a satisfação do credor na execução forçada immi-
nente; não é, pois, necessária a intenção de excluir essa satisfação
completamente e para sempre, isto é, não se faz mister que o credor,
pela alienação de bens etc, fique inteiramente destituído de meios. A
intenção em questão não deve ser simples dolo, mas o motivo do acto,
pois que, si assim não fora, a limitação excepcional ao direito do devedor
de dispor do seu patrinio soffreria uma indevida ampliação. (Olshausen,
§ 288, ns. 4, 13, 14). E' indiferente que o devedor tenha realisado a sua
intenção, e também não é necessário que se tenha chegado á execução
forçada (Iterkel). N, do trad.
IV.- CRIMES E DEUCTOS CONTRA O PATRIMÓNIO
EM GERAL
§ 138.— I. Da burla.— Historia e conceito
LITTEKATURA. Merkel, Krim. Abhandlungen, 2.',
1867, e H H, 3.°, 750, 4.°, 432 ; Grycieki, Staãien iiber
den strafbaren Betrug, 1870; Zimmermann, G 8, 29, 120 ;
Feige, G A, 26, 103; Waag, G 8, 31.', 242 ; M. St., G 8,
40, 81 Hàlschner, 2.°, 245 ; Pfizer, G 8, 41.°, 337 (burla
no jogo) ; Kõhler, Treu und Glauben im Verkehr, contri
buição para a doutrina sobre a burla punível, 1893 ;
Bommel, Der Betrug, estudo de direito penal com um
exame completo da jurisprudência do Trib. do Imp.,
etc, 1824. -J
I.— Do período posterior a Adriano data a ori-j gem
de uma nova figura criminal do direito romano, o
stellionatus (D. 47, 20, C. 9, 34; a denominação deriva do
stellio ignotus) que, além de dar logar á adio doli do direito
civil, constituia um erímen extraorãinarium. Tal é a base
da idéa moderna da burla. O direito romano ulterior deu-lhe
pouco desenvolvimento; certo é somente que se exigiam o
damno effectivo do património e uma certa calliA ditas por
parte do agente, por onde se vê que o crime em questão, em
contrario aos casos áe/almm, dirigia-se contra a esphera
jurídica do individuo.
As fontes da edade média allemã mencionam apenas
a burla uma ou outra vez (direito tyrolense de 1459,
lafcherey), mas na praxe era ella frequen-
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 299
temente punida com penas graves, mesmo com a morte
(Z., X, 242). A Carolina não a conhece. A legislação
territorial posterior cingio-se, em parte, immediatamente
ao direito romano (como o direito austríaco de 1656). Nas
obras de Carpsov e dos escriptores que o seguiam, o
stellionatus apparece como uma idéa subsidiaria destituída
de toda importância pratica.
o direito commum posterior, principalmente na
segunda metade do século passado, reconheceu a
importância pratica da idéa da burla; mas não eram ainda
claras a concepção e a discriminação deste crime. Ora
exígia-se, para a consumação, um damno real do
património, ora bastava o emprego da fraude. Sobretudo
deu-se demasiado elasterio ao conceito da burla (como a
legislação austríaca e a prussiana do século passado) :
comprehendia elle também todos os casos de falsidade, e
até offensas de outros interesses (o perjúrio e outros
delictos) que não os patrimoniaes.
Em face desse exagero, a legislação do presente
século reconduzio a burla ao terreno que lhe é natural,
reduzindo-a a crime contra o património. Tal é também o
ponto de vista do C. p. imp., que só se distingue do cod.
prussiano por ter abolido a burla qualificada (
a
).
(*) Reproduzindo o direito português no seu Cod. Orim., t. 40, M.
Freire dá o seguinte conceito da burla: «cbama-se burlão e illi-çador o que usa
de burlas, fraudes e enganos nos seus contractos e negociações em prejuízo de
terceiro». E no § 5 accrescenta: «toda a impostura, collusão, fraude, illicio ou
engano, sendo prejudicial a ter» criro, e não pertencendo a algum delido
próprio e nomeado, se castigará semelhantemente». No commentario ao
mesmo titulo explica : « por burlão e illiciador entendo eu neste titulo tudo o
que as leis romanas entendem debaixo do crime chamado stellionatus, de que
ha titulo especial no Dig. e Código. 0 mesmo entendimento e signi-
300
TRATADO DE DIREITO PENAL
I Burla é o dam/no feito ao património alheio na
intenção de locupletação e mediante emprego de um
engano artificioso, isto é, suscitando-se ou entretendo~se\
um erro. Quem obra é a pessoa mesma de cujo prejuízo
se trata, sem ter consciência da importância da sua
acção ou omissão como causa; juridicamente!
considerado, o agente não é pois quem se prejudica a si
mesmo, é sim o burlão que causa um dam no a outrem.
Pelo meio empregado para o damno (engano), a burla
distingue-se da extoro, cujos meios são a violência
ou a ameaça e que, quanto ao mais, de perto se
relaciona com este ultimo crime. A burla na sua
qualidade de crime tendente á locupletação dirige-se,
como a extorsão, contra o
ficação têm estas palavras na Orei. actual do 1. 5, t. 65 e nas antigas
citadas no fim dos paragraphos. As palavras burla, donde vem burlão, e
UHeiar, donde vem illiciador, convém á significação, que a Ord. lhes
dá, e com propriedade se applica uma e outra áquelles que burlam, se
riem e enganam os outros ». Mas as penas devem ser menos severas do
que as dos falsarios e ladrões, «porque não falseam letras ou sí-gnaes,
não fazem violências, e directamente não furtam», além de que «alguma
falsidade e culpa se pôde imputar áquelles, que se deixaram enganar».—
Quanto á pena da burla no mesmo direito, D. Diniz, considerando a
burla antes como delicto civil do que criminal, não impoz outra que não
a de pagar o devedor da cadôa, querendo o credor. Affonso V deu ao
delicto caracter criminal, acerescentando as penas (1. 5, t. 89) que os
cod. posteriores (Man., t. 65, Pbil., t. 65) adoptaram; mas este ultimo as
elevou até á pena capital, sendo a burla da valia de mais de vinte mil
réis.— O C. p. braz., no 1. 2, t. 12, cap. 4, contém disposições
casuísticas, em parte derivadas dos casos figurados no Cod. Pbil.,
disposições que, sob o titulo de « estellionato, abuso de confiança e
outras fraudes», reúnem crimes de natureza di* verta; o conceito próprio
da burla encontra-se no n. 6 do art. 338, mas ainda ahi sem uma
formula geral. O proj. braz. (revisto) substituo essa legislação casuística
pela disposição genérica do seu art. 340 que caracterisa o estollionato
como crime patrimonial por meio de engano e para o fim de
locupletação. N. do trad.
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 301
património em geral e destarte distingue-se essen-
cialmente dos crimes que se dirigem contra deter-
minados elementos de património, dos quaes até aqui
temos tratado.
l.° O artificio consiste em simular factos, ou
em alterar ou supprimir factos reaes, como meio para
a producção ou manutenção de um erro.
A idéa do que seja facto é a mesma que tem
applícação na* injuria (§ 95, nota 5) (*).
2.° Mas não se pode falar em erro, quando
não se uma representação errónea, e sim completa
ignorância do facto, o que tem importância para a
apreciação do caso dos denominados « passageiros
intrusos » (
2
). Dar causa ao erro ou entretel-o são
factos equivalentes. Um e outro podem ser praticados,
guardando-se silencio sobre factos que um dever
juridico obriga a declarar. Esse dever pode também
resultar de usos e costumes ou de um procedimento
anterior (§ 29).
E De accôrdo com o que fica dito, deve ser também
apreciada a criminalidade da denominada <c burla
concernente ao credito », isto é, o facto de induzir
outrem a conceder credito ou a continuar o credito
concedido, dando-se circumstancias (como, por exem-
(') Egualmente a firma jurisprudência do Trib. do Imp., ultima dec. a
de 14 de ÍTov. de 93, 24.°, 205.
(*) Não ha burla, si o conductor (o cocheiro da diligencia postal ou de
bond) não suspeita que transporta o passageiro. Egualmente a dec. do Trib. do
Imp. de 13 de Março de 88, 17.°, 217; negam simplesmente que haja burla, v.
Bar, OS, 40.°, 461, Olshausen, \ 263, 2*, bem como Kõhler, 49 (este ultimo,
porque em relação ás vias publicas de communicação exclue-se a burla).
Sobre a questão dos bilhetes de torna-viagem, vêr a polemica entre de Jonge e
v. Bar (2, 9.", 686 a 688) e Stenglein, OS, 42.°, 151 (»).
\*) Blinder Passagier, o passageiro de «contrabando», o passe-volant,
o que viaja, por exemplo, em uma diligencia postal, sem se ter inseri pto. N.
do trad.
t
302
TRATADO DJ8 DIREITO PENAL
pio, a insolvabilidade do devedor) que mais ou menos
compromettem a satisfação do credor. Somente quandol
o agente guarda silencio a respeito de taes circum-
stancias, e portanto quando o credor devia esperar que
ellas lhe fossem communicadas, porque todas as
apparencias exteriores do devedor faziam crer a
existencia dos meios necessários para o pagamento,
pode-se falar em burla. O mesmo se deve dizer da
burla que consiste em não pagar o agente despezas que
fez em um hotel (ZechprellereiJ, pois é uma
modalidade da burla concernente ao credito.
3. A lei exige que o agente use de engano a na
intenção de obter para si ou para outrem um proveito
patrimonial illegal ». Em outros logares o 0. p. designa
este elemento subjectivo como « intenção de lucro»;
empregámos acima a expressão «intenção de
locupletação». Mas também aqui a palavra intenção
designa o motivo da acção. A intenção deve accrescer
ao dolo, considerado este como consciência do damno
por meio de engano (*).
Proveito patrimonial é todo proveito apreciável
em dinheiro. Comprehende não s<5 o augmento do
património, e portanto a acquisição de um novo direito
real ou pessoal, senão também todo avan-tajamento da
situação patrimonial. Isto se dá, e somente se dá,
quando o facto faz crescer o valor pecuniário do
património. Neste caso tanto pode estar a segurança de
direitos existentes (mediante penhor, caução, letra,
documento etc.), como o augmento material de bens, e
ainda o evitar-se a ameaça de um damno. Illegal é o
proveito a que o agente não tinha uma pretenção
fundada em direito (
4
).
(*) Egual mente com relação ao art. 258 a dec. do Trib. do Imp.
de 12 de Outubro de 91, 22.°, 17!.
(*) De accordo a jurisprudência completamente firme do Trib.
do Imp.; Berner, 672, Geyer, 2.°, 57, v. Meyer, 699. Contra, Bin-
*
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 903
Neste caso está não somente o proveito contrario á lei,
senão também o grupo enorme, e na pratica
importantíssimo, dos interesses que são indifferentes
ao direito. O adjectivo não tem, pois, uma significação
positiva, mas meramente negativa; muito mais
adequada seria a formula «proveito não fundado
em direito ». Assim não se burla, quando o engano
artificioso foi o meio empregado para o bom êxito de
uma pretanção legitima e já exigível.
O erro sobre a illegalidade do proveito pa-
trimonial e portanto a supposição errónea de que
existia uma pretenção jurídica á obtenção do proveito
exclue a criminalidade; a supposição errónea do
contrario dá logar a uma tentativa impossível.
4.° A burla consummada suppSe damno cau-
sado ao património, e consequentemente um prejuízo
apreciável em dinheiro. Mas damno patrimonial não é
somente a diminuição do património, isto é, a perda
de um direito real ou pessoal, senão também tudo o
que torna peior a situação d'elle (por exemplo, o facto
de provocar-se um perigo de perda). O damno dá-se,
pois, e somente se dá, quando em razão do facto
soffre reducçâo o valor pecuniário do património.
Pôde estar neste caso a renuncia de uma segu-
rança relativa a uma pretenção existente; o pôde
estar o facto de frustrar-se um ganho futuro, quando
este já era objecto de uma pretenção (
d
). O damno
ding, Normen, 2.°, 660, Finger, 268, Hàlschner, 2.°, 278, 883, Merkel, 826 e
H. H. 3.°, 788, Olshausen \ 263, 46, Schútze, 466. Frmnck considera illegaes
somente os proveitos, cuja restituição pôde ser pedida judicialmente por quem
os concede. Ver também Simonson, Der Begriff des VorteUí vmd seine
Stellung im deuinehen Sirafreeht, 1889.
(
a
) O facto de frustrarem-se esperanças incertas sobre a Requisição de
bens ou de frustrar-se a occasião de lucros, cuja realisação
304 TRATADO DE DIREITO PENAL
. _______________ . . . . . •',,. . -_
feito ao património pôde ser permanente ou transitório
; a possibilidade de futuro resarcimento não exclue esta
ideia. Si a pretenção, que foi illudida, não é
reconhecida pelo direito (por exemplo o salário da
prostituta, a paga do criminoso assalariado) não se
pôde admittir burla.
Gomo burla é crime tendente á locupletacão. e|
portanto o proveito de um lado e a perda do outro
devem absolutamente corresponder-se, «-não se pôde
falar em burla, quando o enganado recebe plenamente o
equivalente d'aquillo que aliena. Nem todo engano é
burla. Não sou enganado si me induziram por meio de
engano a segurar-me em uma companhia que não a que
eu tinha em vista, a en-commendar charutos a um
negociante que me é estranho, a trocar títulos públicos
por títulos indus-1 triaes egualmente seguros, a receber
em vez de vinho natural um vinho artificial precioso.
Releva ponderar que o que está em causa é a situação
patrimonial do enganado; é para elle, é para o seu
património que a contra-prestacão deve ter o valor da
prestação. Si o equivalente é outro que não o desejado,
a mudança da situação patrimonial pôde apresentar-
se com o caracter de damno, sobretudo quando o
restabelecimento do estado primitivo (por
depende de eventos incertos, o constituo em regra um prejuízo que
sirva de base ao crime de burla. Pôde dar-se porém damno patrimonial,
quando existe uma pretenção juridicamente fundada (direito
adquirido) ao lucro (Trib. do Imp., Hãlschner). Assim é objecto de
damno, como Merkel observa, tudo aquillo «de que se de dispor
cffectivamente por um acto jurídico», e neste caso está um direito
futuro, quando a espectativft d'elle é uma consequência jurídica de um
direito adquirido (Hãlschner). Pela mesma razão uma clientella ou
uma freguezia já existente, que como tal representa um valor patri-
monial, pode ser objecto do crime em questão (Olshausen, 1. c, 21, 28).
N. do trad.
H
OEIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GEBAL 305
exemplo, mediante alienação da cousa recebida) não é
possível sem detrimento (
5
) ("). 5.°. O engano deve
ser o meio empregado para o damno; aquelle e este devem
estar em relação causal. E' o enganador quem prejudica o
património do enganado; mas isto não obsta que rios
intermediários sejam utilisados como meios. O burlão,
assim como se serve do prejudicado mesmo, pôde
também» servir-se, segundo os princípios geraes, de outras
pessoas como meios para os seus fins. Por outros termos :
não é necessário que a pessoa enganada e a pessoa
prejudicada sejam idênticas. Sem duvida, o enganado deve
de facto estar em condições de poder dispor do património
da pessoa a prejudicar de um modo a esta damnoso, mas
não é necessário que essa situação resulte de uma relação
jurídica especial entre o enganado e o prejudicado (
f
).
H (
8
) Egualmente a opinião predominante, especialmente a resolução
das camarás eriniinaes reunidas de 20 de Abril de 87, 16?, 1 (a este
respeito O. S., 43°, 321); contra M. Stenglein, G. S., 40?, 81.
(
e
) Stenglein sustenta que a circumstancia decisiva não é o valor
do objecto estimado em dinheiro, mas «a apreciação subjectiva que
assenta sobre relações e fins individuaes». Esta doutrina, diz
Olshausen, abandona o terreno da lei, porquanto, em vez do damno
patrimonial que ella exige, considera sufficiente uma mudança ou alte-
ração patrimonial». O que parece correcto, accrescenta elle de accordo
com a jurisprudência do Trib. do Imp., é não fazer maior concessão ás
relações individuaes do que admittir-se a existencia de damno patri-
monial, quando o adquirido não tem valor para o enganado, ou tem um
valor inferior, e o enganado não está em condições de alienar logo a
cousa adquirida por preço correspondente ao seu valor objectivo a
salvo de damno. (Olshausen, 1. c. 22). N. do trad.
O A lei não diz quem deve ser enganado, pelo que admitte-se
não ser necessária a identidade do enganado e do prejudicado; o en-
ganado bem pôde ser outrem que não o prejudicado, uma vez que essa
diversidade de pessoas não obste á necessária relação causal entre
T. II 20
306
TRATADO DE DIREITO PENAL
Note-se que em um processo pôde uma das partes
prejudicar a outra, mediante engano do juiz (
fl
); mas
neste caso é necessário que não se trate de allegações,
cuja falsidade pôde ser facilmente reconhecida pela
advertência da outra parte (ou da pessoa a prejudicar),
e não confirmadas por provas que influenciem o animo
do julgador; faz-se mister que o engano provenha de
provas. O mesmo se deve dizer, quando o official de
justiça, mediante engano, executa de novo a sentença já
executada (
8
).
o engano o o damno. Neste sentido a opinião commum. Com effeito, o
enganado pôde ter um direito próprio á cousa ou pôde ser um repre-
sentante do proprietário. No primeiro caso, o enganado é ao mesmo
tempo o prejudicado, e nos outros o damno pôde recahir também sobre
elle (si ágio culposamente) ou somente sobre o proprietário (si o enganado
não está obrigado a indemnisar). O engano por si não pôde actuar
immediatamente sobre o património, quer do enganado, quer de um
terceiro. O nexo causal entre o engano e o damno resulta forçosamente
do acto do enganado, e pois o engano deve ser calculado para mover
outrem, o enganado, á pratica de certo acto e deve ter realmente esse
efieito. O acto do enganado que occasiona o damno não pôde deixar de
ser uma disposição de valores patrimoniaes, e deve consistir em uma
alienação em sentido amplo de bens próprios ou alheios. Neste ultimo
caso entende Merkel que o enganado deve estar juridicamente na
situação de dispor do património da pessoa a prejudicar; Hãlschner, v.
Liszt, Schvartze, Olshausen vão mais longe, admittindo que de
também bastar uma «possibilidade de facto*. N. do trad.
(*) Contra: 1.°, hler, que em relação ao juiz não considera
nunca como burla o pleito de fé; 2.°, Rommel, 65, segundo o qual
bastam também as allegações não verdadeiras.
(
g
) Não se relação causal quando o juiz, movido por allega-
ções da parte de nenhum modo provadas, profere uma sentença ou
pratica um acto do que resulte damno para a outra parte-; dado que o
juiz se tenha enganado, o damno o tem por causa o engano, mas o
descuramonto dos deveres que ao juiz incumbem (tal é a opinião
commum e a jurisprudência do Trib. do Imp.). O caso, porém, é diverso,
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 307
A captação de dadivas é burla, quando quem a
faz foi realmente induzido em erro. Não ha burla,
quando falta a relação causal e o que determinou o
doador foi, não o engano, mas o desejo de ver-se livre
de uma solicitação importuna, ou a sua generosidade e
abastança. O mesmo deve-se dizer do encarecimento da
mercadoria e dos prospectos concernentes á fundação
de emprezas (
7
) (
h
).
quando o engano 6 produzido pela exhibição de documentos falsos ou
falsificados, ou de documentos verdadeiros, mas que nada provam, como
uma letra verdadeira, paga e não cancelada, ou de uma quitação que
se refere a outra divida que o a que fax objecto do pleito. Também
assim tem eido julgado pelo Trib. do Imp. (Olshausen, 1. c, 16, 40 a).
N. do Trad. I
H C) Bcrtsch, Ueber Landsireieherei und Bettel, 1894, p. 68; Leutner,
Bettelunfug und Bettelbetrug, 1892. — Feige, GA, 26?; Merkel, H.H., k.°, 436;
flãlsner, 2?, 978; Mõller, ffrúnderprozesse, 2? ed., 1876; Steinglein e
Mittelstãdt, relatórios paro o 14? congresso dos jur. ali. Como é difficil fazer a
prova do engano (frequentemente trata-se de especulações infelizes) são
necessárias disposições especiues, como AS que em parte se contém na lei
sobre sociedades unonymas de 18 de Julho de 1884 (ver adiante o l 191. Ver
Hecht, trabalhes do 18? congresso, 1.°, 104).
(") « Não é necessário, diz Merkel (H. H., 8.°, 757) que o engano te
caracterise por um apuro e uma efficacia particulares. Nomeadamente não se
deve excluir em geral a « simples mentira», como muitos outr'ora admittiam,
ou suppor na simulação uma qualidade tal que não seja possível ao critério
ordinário proteger-se contra a illusão, ou que esta tenha tal força que
subordine ao burlão a intelligencia e a vontade de outrem sem resistência.
Certo é que o Cod. p ali. não offerece ponto de apoio para taes exigências. Ao
contrario, prevalece em face delle a these de que basta a simples relação causal
entre o engano e a acção do enganado, quando esta ultima occasiona a offensa
que constituo a burla ». É controvertido si as simulações do mendigo, as
inverdades contidas nos reclames do commercio e especialmente nos
prospectos sobre fundação do emprezas ( Qrúndungsprospecten) são meios
próprios para a pratica da burla. Os tríbunaes se têm muitas vezes oceupado
308
TRATADO DE DIEEITO PENAL
6.° A tentativa punível, ainda quando a burla é
delicto começa com a simulação, alteração ou
suppressão de factos. Si o damno que se pretende é
inexequível, attento o meio empregado pelo agente, dâ-
se tentativa impossível, que será julgada segundo as
regras geraes.
7.° Ofendida é sempre a pessoa prejudicada no
seu património, e portanto não o é necessariamente a
pessoa enganada.
8.° Quer historicamente, quer segundo o direito
positivo, distingue-se da burla a defraudação de im-
com questões oriundas de taes prospectos. Merkel, Môller, v. Liszt, v.
Schwartze e outros, sem contestar a possibilidade do nexo causal entre
o engano e o damno em taes casos, consideram que ás mais das vezes
esso nexo falta ou que pelo menos não é demonstrável. « Prospectos
mentirosos, diz Merkel, bem podem induzir em erro aos tomadores de
acções o faltar entretanto o nexo causal entre o erro e o damno. O
essencial é que justamente o erro exerça uma influencia decisiva sobre a
resolução de que procede o damno. Mas muito frequentemente suecede,
como se sabe, que não foi a confiança na solidez e nos lucros da empreza
e na segurança das communicações feitas pelos fundadores ou pela
directoria respectiva a circumstancia que determinou a entrada em uma
sociedade anonyma, e. sim a intenção formada, em vista de uma
apparencia que se suppunba segura, de transferir ai acções a outros em
tempo opportuno e com lucro. Si o accionista contou com isto, o tem
razão para reclamar, como enganado, a protecção do direito penal. O
caso não é o mesmo, quando o primeiro tomador de acções foi
realmente enganado por um prospecto mentiroso, e por esse erro
determinado a tomal-as, mas transferio em tempo e sem damno o papel
relativamente desvalorisado a outrem que não conbecia o prospecto. O
ultimo negocio e o damno d'ahi resultante não podem ser tomados em
consideração na questão sobre o engano causado pelos fundadores
mediante o prospecto, pois não foi sob a influencia do erro produzido
por este que o acto decisivo teve logar. O primeiro tomador porém
(suppostas as outras exigências) foi enganado e o facto de lançar a perda
sob outrem não tira, que com relação a si se realisasse em um momento
dado a idéa da burla ». (H. H, 4.°, 489). N". do Trad.
OEIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 309
postos ou taxas, que ainda quando as suas circum-
stancias constitutivas correspondam plenamente ás da
burla, deve ser julgada de accordo com as respe
ctivas leis especiaes (
8
). (Sobre esta matéria ver o
§ 196). I
§ 139. — Espécies da burla
LiTTEEAfTJBA. — v. Spesshardt, Der Veraicherungs-
beirug im H. St. G. B. unier Beriiekaichiigung der wióhMg-sten
misliinãiseíten Geaetzgébungen, 1885.
I I. Burla simples (C. p., art. 263). I Penas :
encarceramento, e facultativamente multa até 3.000
marcos, bem como perda dos direitos cívicos ;
occorrendo circumstancias attenuantes, pode ser
imposta exclusivamente a pena de multa. O processo
depende de queixa, quando o delicto é commettido
contra um parente (C. p., art. 52, ai. 2.°), o tutor ou o
preceptor; a queixa pode ser retirada.
II. Burla em segunda reincidência (0. p., arts.
264 e 245). Requisitos: o) duas condemna-ções
anteriores pronunciadas no paiz em razão de burla; ò)
cumprimento total ou parcial, ou remissão das penas
pronunciadas; c) que não tenha decorrido o prazo (10
annos) da prescripçfto da reincidência (ver os §§ 57, I,
e 69).
Penas: reclusão até 10 annos e ao mesmo tempo
multa de 150 até 600 marcos ; occorrendo cir-
cumstancias attenuantes, encarceramento por tempo
não inferior a 3 mezes e facultativamente multa até
3.000 marcos.
H (*) Egualmente a dec. do Trib. do Imp. de 20 de Março de 90 20.°, 806;
Honemann, Defraude und Beirug (Monogr.do Kriminal. Se-Iminars, S.°, 4)
1894. Mas restríctamente Olshausen, 22.°, cap. 3 (somente quando a lei
especial realmente diverge quanto ás circunstancias do facto).
310
TRATADO DB DIBEITO PBNAL
III. A denominada burla concernente ao seguro
que do Allg. Landrecht prussiano passou para o Cod.
prussiano, e deste para o 0. p. Imp., nada tem de
commum com a burla propriamente dita a não ser o
nome e o logar que occupa no systema do Cod. Trata-se
na verdade de um crime de incêndio aggravado pela
intenção de burla. Segundo o art. 265 do C. p., o crime
em questão dá-se,j quando alguém, na intenção de
lograr, põe fogo á cousa movei ou immovel segura
contra o fogo, ou lança á costa ou faz naufragar um
navio que se acha seguro em si, em sua carga ou em seu
frete. Das diversas « burlas concernentes ao seguro » a
lei individualisou as que dizem respeito ao seguro
contra incêndio e contra sinistros maritímos.
« Intenção de lograr » ou intenção de burla é o
desígnio de obter para si ou para outrem, no todo ou
em parte e em prejuízo do segurador, a somma
segurada, mediante simulação de um caso de força
maior que, na verdade, é provocado pelo segurado.
Aqui deve-se tomar a intenção como motivo, e não
como dolo. Qualquer outra intenção de lucro, por
exemplo, obter uma recompensa pelo auxilio prestado,
não basta. pôde ser autor o que quer obter a somma
segurada para si ou para outrem (*), e si determinar
um terceiro a atear o incêndio, é, não instigador, mas
autor mediato (§ 50, II, 3).
Comquanto o facto de pôr fogo, considerado sob
o ponto de vista da idéa da burla, seja um mero acto
preparatório, deve-se entender, como se infere da
elevação da escala penal, que trata-se de um crime
inteiramente especial, tendo em si mesmo
(') £ não somente o segurado mesmo (como v. Spesshardt, 36,
Olshausen, \ 265, 4.°, bem como a 5." ed. deste tratado suppoem). De
accordo Kõhler, Studien, 1.°, 130 e dec. do Trib. do Imp. de 9 de Dez.
de 92. 23.°, e 80 de Jan. de 98, 23.°, 426.
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 311
a razão de sua criminalidade. Deve-se, pois, admittir a
possibilidade de uma tentativa punivel. E pela mesma
razão, si a burla projectada é realmente ef-fectuada, devem
ter absoluta applicação os princípios geraes sobre a
unidade e a pluralidade na acção de-lictuosa. Isto procede
também em relação ao seguro excessivo e punivel segundo
o direito estadual (por ex., segundo a lei prussiana de 8 de
Maio de 1837, art. 20). *
Penas: reclusão até 10 annos e ao mesmo tempo
multa de 150 até 6.000 marcos; occorrendo circunstancias
attenuantes, encarceramento por tempo não inferior a 6
mezes, e facultativamente multa até 3.000 marcos.
§ 140. — II. Da extorsão
Bj LITTERATURA. Kõsfelin, Monographias, 407; Glaser,
monographias, 155; Merkel, HH, 3.°, 724, 4.°, 416;
Dalcke, GA, 17; Villnow, Éaub, Érpressung, etc. 1875 ;
Katz, GS, 31, 434; v. Wãchter, Uéber Gewatt bei der Er-
presswnff, 1875 ; Hálschner, 2.°, 378.
I. Historia. O rmen da idéa da extorsão
encontra-se no direito romano ulterior. Como torná-ra-se
antiquado o crimen repetundarum e mostrava-se
insuficiente o actio quod metus causa, surgio no período
imperial o crimen extraordinarium especial denominado
concussio (D., 47, 13), que dava-se, quando alguém
extorquia vantagens patrimoniaes, simulando o exercicio
de uma funcção publica (cone. publica) ou intimidando
com uma acção criminal (cone. pri-vota, crimen minari).
A Carolina (também assim a edade média al-lemã)
não conhecia a extorsão como idéa independente
(comquanto a coacção publica apresentasse intima
afinidade; ver o § 121, I). O direito com-
312
TB ATADO DE DIREITO PENAL
inum foi, pois, levado a desenvolver a concussio ro-
mana (assim o fez ainda o AUg. Landreckt prussiano,
art. 1254); mas suscitava graves dificuldades o fixar de
um modo pratico as relações entre a extorsão e os
crimes congéneres, principalmente entre a extorsão e o
roubo. a legislação deste culo conseguio a pouco
e pouco formular uma definição, pelo menos em parte,
satisfactoria. Na muito .discutida idéa hybrida da «
extorsão equiparada ao roubo » o Cp, conserva um
evidente vestígio daquella confusão de idéas do direito
commum que ainda não pôde ser de todo dissipada.
II. — Conceito da extorsão.
Segundo o art. 293 do C. p., dá-se extorsão,
quando alguém, com o fim de obter para si ou para um
terceiro um proveito patrimonial iIlegal, constrange
outrem por meio de violência ou de ameaças a praticar,
tolerar ou deixar de praticar alguma acção.
l.° A extorsão distingue-se da burla, antes de
tudo, pelos meios empregados para o damno pa-
trimonial : na burla, mas não na extorsão, o preju-
dicado não tem consciência da importância da acção
como causa; na extorsão, mas não na burla, elle tem
consciência de que a acção não é livre. O facto de
apontar o agente uma pistola descarregada, a animação
de que é representante de uma temida quadrilha de
roubadores etc, podem ser tomados em consideração
como meios adequados tanto á extorsão como ao
roubo, mas não como adequados á burla. A' parte esta
distincção, a extorsão tem de commum com a burla, de
um lado, a direcção contra o património, e, de outro
lado, a utilisação, para os fins do criminoso, da própria
actividade da pessoa a offender.
2 Do constrangimento separa-se a extorsão
(abstracção feita da differença dos meios próprios ao
constrangimento de que adeante falaremos), porque
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL
313
á extorsão accresee a intenção de locupletação. 0
constrangimento dirige-se contra a liberdade, a ex-
torsão dirige-se primeiramente contra a liberdade, mas
por ultimo e de um modo decisivo contra o
património.
3.° — acima examinámos a relação entre o
roubo e a extorsão 128). A distineção está, pois,
principalmente na qualidade dos meios próprios ao
constrangimento. Como taes a lei enumera a) a amea
simplesmente 97, IV, 2), exceptuada a ameaça de
um perigo actual para o corpo ou a vida; b) a violência
simplesmente (§ 97, IV, 1), exceptuada a violência
feita á pessoa do coagido; c) a estes dois meios o art.
337 equipara o abuso de autoridade ou a ameaça de um
determinado abuso de autoridade. Si são empregados
os meios da extorsão, e não os do roubo, deve-se
admittir que se o crime de extorsão, embora o
offendido fosse coagido a tolerar a tirada de uma
cousa alheia movei (em relação ao autor).
4.° Sobre a intenção de locupletação veja-se o
que se disse no § 138, II, 3. O art. 253 do C. p. não
exige que o património tenha sido de facto pre-
judicado.
c^ 5.° A consumação opera-se com a acção, a
abstenção ou a tolerância coagida. A tentativa começa
com o emprego da violência ou da ameaça e é sempre
possível.
6.° — Ofendida é sempre a pessoa coagida a agir,
a abster-se ou a tolerar, o portanto não o é
necessariamente a pessoa contra quem a violência ou a
ameaça foi empregada, nem também necessariamente a
pessoa, cujo património é prejudicado. |' III.
Espécies de extorsão.
l.° — A extorsão simples (art. 253).
Pena: encarceramento por tempo não inferior a
um mez.
314
TRATADO DE DIREITO PENAL
2." A extorsão é qualificada (art. 254), quando
commettida mediante ameaça de morte, incêndio ou
inundação.
Pena: reclusão até 5 annos.
3.° A extorsão equiparada ao roubo (art. 255),
segundo entendemos, é uma ampliação do roubo, em
virtude da qual ella é convertida de crime contra a
propriedade em crime contra o património, e por isso já
tratámos deste crime como roubo (§ 138).
Accessoriamente á pena de encarceramento por
extorsão (nos casos 1.° e 3.°), pôde ser pronunciada a
perda dos direitos civicos; e accessoriamente á pena de
reclusão (nos casos 2.° e 3.°), pôde ser autorizada a
vigilância policial (art. 256).
§ 141. — III. Exploração criminosa.
Considerações geraes. a) A lesão de menores
LITTERATURA. Merkel, HE, 3 v., 845; Hálschner,
2.°, 427.
I. Importância segundo os principios. Como
meios de prejudicar o património — além da coacção e
do engano, o primeiro dos quaes exclue a liberdade de
acção e o segundo a consciência do valor da acção
como causa o legislador admitte ainda a exploração
da irreflexão, da inexperiência ou das necessidades de
outrem. Nesses casos, embora se interponha o acto
apparentemente livre e consciente do prejudicado
mesmo, entende o legislador que se deve lançar á conta
do agente o resultado produzido. Com effeito segundo
a intuição do legislador, a irreflexão e a inexperiência
excluem a consciência do prejudicado quanto ao valor
causal da acção, e a neces-
OBIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAI. 315
sidade tolhe no todo ou pelo menos em parte a
liberdade da resolução. Destfarte o legislador admitte,
com uma amplitude absolutamente justificável, a
existencia de nexo causal entre a acção do agente e o
damno produzido, quando, rigorosamente mantidos os
princípios geraes 28, III), tal connexão deveria ser
contestada. Mas fal-o somente dadas certas condições
esgeciaes precisamente determinadas, e utilisa-se da
sua concepção para formar apenas duas idéas
estrictamente limitadas, a lesão de menores e a usura
(*).
II.— O Código penal, imitando a lei prussiana de
2 de Março de 1857 (
2
), que deriva do Allg.
Landrecht, commina penas nos arts. 301 e 302 contra
a lesão de menores, isto é, <r contra o damno patrimonial
causado na intenção de locupletarão, mediante
utilisãção (equivalente á exploração) da irreflexão e
inexperiência de um menor». A lei distingue um
caso simples e um caso qualificado.
(') A ampliação desta idéa e a consequente protecção reforçada dos
fracos (economicamente considerados) seriam de todo possíveis. São dignos
de nota os novíssimos projectos da Áustria, da Noruega e da Suissa. Sobre o
denominado « systema da troca » ver o \ 190.—A utilisãção da superstição, da
fraqueza de espirito, da sobreexcitação de outrem podo ser punida como
burla. A exploração da palavra de honra de officiaes, de estudantes maiores
ete., não constituindo usura, é isenta de pena. (•)
I (°) O projecto suisso colloca sob a protecção da lei as pessoas «que, por sua
fraqueza de caracter, sua leviandade, sua inexperiência ou pelo seu estado de
necessidade, acham-se em uma situação de inferioridade económica». O art.
80 commina as penas da usura contra quem, «de propósito deliberado abusar
da fraqueza de taes pessoas para obter a promessa ou a concessão de
vantagens excessivas, fora de toda proporção com o serviço prestado ». N. do
trad.
(
2
) Ver o cod. penal francez, art. 406Lex Plcetoría (do VI século da
cidade?)
316 TBATADO DE DIREITO PENAL
1.° 0 caso simples (art. 301) dá-se, quando
alguém, utilisando-se, na intenção de lucro, da irre-
flexão ou da inexperiência de um menor, o fizer
subscrever (portanto sem a cooperação do repre-
sentante legal) uma declaração de divida, uma letra,
recibo, caução ou qualquer outro documento que
encerre obrigação (como no art. 302 pagamento de
uma quantia ou prestação equivalente), ou obtiver de
um menor uma promessa de pagamento mesmo verbal.
Também aqui intenção de lucro significa intenção de
locupletação 138, II, 3). Irreflexão é a não
preoccupação das consequências ulteriores;
inexperiência a ignorância em matéria de negócios
(rusbicitas). E' necessário que a «utilisaçã destes
defeitos acarrete um damno patrimonial. A promessa
verbal equivale á que é dada por actos de que a
promessa se infere 137, II, 4). E' in-differente que a
iniciativa do negocio proceda de uma ou de outra parte.
Em todo caso o menor mesmo não pôde ser
responsabilisado como cúmplice (§ 52, V, 1).
Penas: encarceramento até 6 mezes ou multa até
1.500 marcos. O processo depende de queixa.
2.° O caso qualificado (art. 302) dá-se, quando
alguém, na mesma intenção e do mesmo modo, fizer
um menor prometter, em virtude de um contracto e
mediante empenho ou palavra de honra, juramento ou
qualquer outra affirmação ou segurança análoga, o
pagamento de certa quantia ou a prestação de alguma
cousa que tenha valor pecuniário.
Penas: encarceramento até um anno ou multa até
3.000 marcos. Acccssoriamente ao encarceramento,
pôde ser pronunciada a perda dos direitos civicos. Em
egual pena incorre quem aceitar a cessão de um
credito, sabendo que o pagamento foi pro-mettido por
um menor do modo acima indicado. O processo
depende de queixa.
0EIME8 OONTKA O PATRIMÓNIO EM GEBAL
317
§ 142.— Continuação.— b) Usura
I LITTEBATUKA. v. Lilienthal, nos Jahrbiichern de
Conrad, 1880; v. Schwartze, Das Beichsgesetz betreffend ãen
Wucher (Bezold), 1881; Fuld, G. S. 49.°, 28. Seuffert, 2.°,
14.*, 549 (trabalho valioso); Meisner, N. G. 1." sup-
plemento, p. 1.; commentarios á lei de 1893 de Barre,
Friedmann, Fuld, Geiershófer, Henle, Hõinghaus, Koffkaj
os materiaes em G A, 41, 230. Blodig, Der Wucher unã
seine Gesetzgebung, 1892 ; A. Wagner, no Manual de
Schomberg, Pol. OeJconomie; Caro, Der Wucher, estudo
politico-social, 1893.— Sobre a usura no campo, especial-
mente os trabalhos da associão de politica social, vol. 35,
38 ; v. Lilienthal, Z, 8.° 157 ; Eger, Formulierte Vorschlãge
zur Gesetzgebung iíber ãen Wucher auf ãem Lande, 1893.
I.— Historia.— Desde o tempo das 12 taboas a
legislação romana prestou especial attençao á usura, isto é,
á transgressão do fenus unciarium, comminando contra
ella, além da pcena quaãrupli, a multa edilicia. No período
imperial individualisou-se, além do dardanariato, a annona
frauãata. Segundo a lex Júlia (de César ou de Augusto), a
usura era punida com a pena de 20 annos e anteriormente
o fôra ainda com maior rigor.
Nova e incomparavelmente mais severa é a intuição
da Egreja christã, que prohibio o juro em geral, e
considerou toda violação de tal preceito como usura
punível. Carlos Magno (Cap. de 789) introduzio a mesma
prohibição na legislação civil. Encontramos, além d'isso,
na segunda metade da edade média numerosas disposições
contra a usura commercial sob as suas differentes fórmas
(principalmente como « atravessamento »). As ordenanças
poli-ciaes do Império do século XVI e as leis territoriaes
posteriores (como o Allg. Lanãrecht prussiano) oc-
cuparam-se muitas vezes com a usura e a ameaçaram com
penas pecuniárias e infamantes e ainda com a prisão e o
banimento.
318 TRATADO DE DIREITO PENAL
Ao passo que os fundadores do protestantismo
mantiveram a concepção do direito canónico, operou-se sob
a influencia dos grandes jurisconsultos do século XVI uma
transformação essencial na idéa da usura,, que logo
encontramos .na legislação do Império e que chegou a um
resultado provisório no recessus imperii de 1654. A usura
apresenta-se agora com o caracter que tivera primitivamente
no direito romano, como transgressão da taxa legal do jiaro
(5 °/o)-
Não tardou que o movimento fosse mais longe e
exigisse a abolição de toda lei sobre a usura. A philosophia
racionalista e a theoria económica por ella influenciada
encetaram pelo meado do século passado a campanha a
favor da liberdade do juro e, até certo ponto, com êxito.
Assim as leis sobre a usura foram abolidas na Áustria em
1787, mas restabelecidas em 1803 (
a
). pelo meado deste
século o movimento reformista obteve triumpho completo e
a si mesmo fatal com relação ás leis territoriaes da
Allemanha, que, comquanto consideravelmente
divergentes, em sua maioria puniam apenas a usura
qualificada (occulta ou profissional). Depois que o
Wurtemberg em 1839, a Baviera em 1861, Liibeck em
1863 aboliram as suas disposições penaes sobre a usura, a
federação da AUe-manha do Norte tomou também logar
entre os Estados que suppunham poder dispensar leis sobre
a usura, e abolio-a pela lei de 14 de Novembro de 1867, que
em 1871 foi extendida a todo o Império.
Muito cedo firmou-se a convicção contraria. Desde a
lei de 24 de Maio de 1880 (publicada em 31 de Maio, e em
vigor desde 14 de Junho do mesmo anno) a usura em
matéria de credito figura
(») Ver sobre o antigo direito portuguez o Cod. Phil., 1. 4, t. 67
e o alv. de 17 de Janeiro de 1767. Class. dos Crimes, p. 888. 2T. do
trad.
-#
OBIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 319
entre as acções delictuosas segundo o direito alle-
mão. Mas as queixas que se levantaram sobre a
usura em matéria de commercio não attingida pela
lei, especialmente sobre a usura no campo, provo
caram a lei complementar de 19 de Junho de 1893.
As mais importantes innovações desta lei concernem:
1" á ampliação das disposições da lei de 1880 sobre
a usura em matéria de credito (art. 302 a); 2
a
á
punição da lesio enorme nos contractos (art. 302 e);
3
a
á obrigação imposta ao credor de liquidar contas
annualmente com o seu devedor (art. 4 da lei de
1893). O ('•) 1
II. —A usura concernente ao credito.
l.°—Caracteres da idéa.
2.° Segundo o art. 302 a do C. p., esta espécie
de usura dá-se, quando alguém, por occasião de um
empréstimo (quer se trate de formar ou de dissolver o
contracto, de conceder o empréstimo ou de servir de
intermediário), de prorogação de prazo para o
pagamento de uma divida ou de qualquer outro acto
bilateral tendente ao mesmo fim
(') Ver também a lei de 18 de Julho de 1884, sobre as sociedades anonymas, art.
191. Sobre a duvida de direito publico (infun-I dada) acerca da validade da
Novella de 1893, ver Seuffert, Z.,
14.°, 607.
(") Ver as leia citadas no Annuaire de législation êtrangère,
t
I
commentadas e precedidas de uma noticia histórica. Note-se a nova I forma sob
que reappareceram na Allemanha as leis sobre a usura. I Ao passo que a
legislação antiga fazia consistir a usura punivel no W excesso do juro legal ou
usual, a lei de 24 de Maio de 1880 considera
este facto como secundário e faz consistir o dolicto na exploração
I gananciosa das necessidades ou da inexperiência de outrem no ponto
I de vista económico, e a lei de 19 de Junho de 1893 deu-lhe uma
enorme extensão, comprehendendo também no conceito da usura todos
os outros contractos em geral, além do mutuo e dos negócios de cre-
.ditou—K-do trad.
320 ZÍBÃTÃÕÕ ^pÊ^f^ãTO£PENAE;
^^<>^fl^^^HH0raâHHp|^âe^9PHHPPBí^|
ou necessidade de outrem, obtém em proveito próprio
ou de terceiro a promessa ou a concessão de vantagens
pecuniárias (sobre esta idéa ver o § 138, II, 3) de tal
modo superiores á taxa habitual doj juro que, segundo
as circumstancias do caso, se torne manifesta a
desproporção entre a prestação e essas vantagens. Além
da irreflexão e da inexperiência (§ 141) a lei menciona a
necessidade, isto é, a urgente, embora transitória,
precisão de dinheiro (uma imperiosa precisão de
credito) ; somente a necessidade económica (e não,' por
exemplo, um perigo de vida) está no caso da lei. A
expressão exploração, de que a lei se serve (equivalente
a utilisacão), por si mostra ser necessário que se
damno patrimonial; mas a lei põe todo o cuidado em
dizel-o positivamente.
g^tiff,Entretanto se pode admittir como existente o
damno, quando 1.° é excedida a taxa habitual do juro ;
2." se manifesta desproporção entre a prestação do
credor considerada no seu valor para
0 devedor (
8
) e as vantagens que o credor obteve
ou fez promettor. As despezas que o negocio oc-
casiona, o perigo de perder etc. (premio do risco),
devem ser levados em conta.
1 Suscitam dificuldades os negócios de credito que
a lei de 1893 equipara ao empréstimo. Deve-se en
tender que n'este numero se comprehende, não toda
satisfação de uma necessidade momentânea de di
nheiro (vendas de cousas ou créditos abaixo do seu
valor), mas somente aquella que obriga o neces-
(') As palavras sublinhadas foram inseridas pela lei de 1898.
(*) Egualmente v. Lilienthal, Z., 8.°, 208. Contra as dee. dó
Tríb. do Imp. de 6 de Jan. de 86, 11.° 389, e de 26 de Fev. de 90, 20.°,
279, com a opinião commum. Ver Koffka, 62 (que considera) porém
como reguladora a estimação subjectiva do devedor)^
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 321
sitado a um reembolso ulterior. A denominada «usura
concernente á cessão » incidirá pois ás mais das vezes
no art. 302 e, porquanto o seu «fim económico» não é
o do empréstimo, não é a concessão de credito (
c
).
3.° Penas da usura em matéria de credito.
a) Caso simples (art. 302 a). Encarceramento até
seis mezes e multa até 3.000 marcos ; faculta-
tivamente perda dos direitos cívicos.
b) Caso qualificado (art. 302 b). Dá-se quando
alguém dissimula (usura? palliatcé) (*) os lucros
usurários que estipula para si ou para outrem ou que
faz prometter (prometter, não obter) por meio de
letras, ou sob empenho ou palavra de honra, ju-
ramento, seguranças ou protestos análogos. O «pro-
testo» deve referir-se ao proveito mesmo e não sim-
plesmente a pontos accessorios (relações de família etc.)
Penas : encarceramento até um anno ou multa até
6.000 marcos ; facultativamente perda dos direitos
cívicos.
c) A autoria e a cumplicidade regem-se pelos
princípios geraes; mas o art. 302 do C. p. fez de uma
modalidade da cumplicidade, a denominada «co-usura»,
um delicto especial. Nas penas mencionadas sob os
ns. 1 e 2 incorre quem, com conhecimento de causa,
adquire um dos créditos em questão (por contracto, e
não por herança) e a) o aliena, ou b) exige os lucros
usurários.
(°) A cessão é uma das fórmas usadas para illudir-se a lei, isto é,
cedem-se ao usurário créditos reaes, mas o vencidos, por uma
insignificante quantia em dinheiro, ou dividas perdidas, obrigan-do-se
o cedente por seu pagamento, mediante um preço insignificante pela
cessão (v. Lilienthal, HH. 4. 7). N. do trad. H (*) Não é necessário
engano por parte do devedor; basta que a agiotagem fique occulta a
terceiros. Dec. do Trib. do Irop. 11 de Outubro de 88, 18.<>, 882.
T. IX 81
322 TRATADO DE DIREITO PENAL
d) Usura profissional ou habitual (C. p,, art. 302 d;
referencia aos casos a até c). Penas : encarceramento
por tempo não inferior a três mezes e multa de 150 até
1.500 marcos. A privação dos direitos cívicos é
prescripta obrigatoriamente.
Na ausência de disposições especiaes, as regras
geraes sobre o effeito retroactivo da lei penal 18)
têm applicação á usura. Assim os arts. 302 a e 302 b
referem-se somente aos contractos usurários
concluidos depois de 14 de Junho de 1880; no art 203 c
incidem somente os créditos usurários que foram
adquiridos depois de 14 de Junho de 1880, quer se
tenham originado antes, quer depois desta data (
8
).
III. A usura em negocio (a usura relativa,
também denominada usura real, denominação muito
restricta).
l.° Conceito. Segundo o art. 302 e (acre-
scentado pela lei de 1893), esta espécie de usura é a
exploração effectuada nas mesmas condições acima
declaradas, mas com relação a outros negócios que não
os de credito enumerados no art. 302 a. A usura em
negocio é pois a idéa geral, que com-prehende também
a usura nos contractos, cujo objecto é o credito. A sua
criminalidade porém depende do exercício habitual ou
como profissão. A taxa usual do juro é substituída pelo
«valor da prestação». Toda sorte de usura entra nesta
categoria : exploração por parte do operário ou do
patrão, do locador, dos agentes de theatro e
negociantes de objectos d'arte, na venda de parcellas
de terra e no arrendamento de gado, na elevação dos
preços pelos syndicatos de industrias e pelas colisões
de
(
J
) Egualmente Merkel, 341, v. Meyer, 748, nota 25; contra, dec.
do Trib. do Imp. de 26 de Abril de 81, 4.° 110, bem como Olshausen
com a opinião predominante.
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL
323
especuladores que na Allemanha se denominam Kartelle
e Ringe (
d
). H 2.°— A pena é a do art. 302 d (ver
acima).
IV. Comminaçoes penaes que se relacionam
com a lei sobre a usura. I
1.°— O art. 360, n. 12, do C. p. (texto da lei de
24 de Maio de 1880) dispõe o seguinte : «Quem
empresta sobre penhor ou quem resgata vendas a
reífd, infringindo no exercício de sua profissão os
respectivos regulamentos, e especialmente excedendo
a taxa do juro fixado por lei estadual ou por
disposições das autoridades competentes, incorre em
multa até 150 marcos ou em detenção» (
6
).
2." A lei de 1893, art. 2, accrescentou ao art.
367 do C. p., como n. 16, a seguinte disposição : «
quem infringir os preceitos policiaes sobre
I
(
d
) Designam-se na Allemanha e na Áustria com o nome de Rar-telle as
mesmas associações que se denominam na Inglaterra Trades unions of íhe
employers, na França syndicata ães patrona e nos Estados-Unidos poola, isto
é, as associações de industriaes que se propõem a accommodar a producção ás
necessidades do mercado e a distribuir egualmente os productos entre as suas
emprezaa. «Os Kartelle de tal modo se generalisaram na Allemanha que não
ha talvez um ramo de industria era que não exista alguma d'essas associações»
— Os Ringe, denominados comera nos Estados-Unidos, são coalisões que têm
por fim actuar sobre os preços. Ao passo que os Kartelle esforçam-se por
introduzir um pouco de ordem no chãos da economia moderna,
accommodando a ofiferta á procura afim de que os industriaes possam contar
com a sabida dos seus productos, os ringe são coalisões de especuladores que
proseguem somente o fim de elevar o preço de um artigo para vendel-o com
lucro». {HW. der Staatawissenschaften, art. Untemehmerverbãnde). N. ão
trad.
(*) Sobre a nullidade dos contractos usurários ver os arts 8 e 4
da lei de 1893, e sobre as restricções relativas á exploração industrial
da criação de gado (sob o regimen do arrendamento), do commercio
de immoveis ruraes, ver o art. 85 da lei sobre a industria (texto da
[lei de 1898).
324
TRATADO DE DIREITO PENAL
a ordem a observar nos leilões públicos ou sobre o
forneoimento de bebidas espirituosas antes de um
leilão publico ou durante o seu curso, incorre em multa
até 150 marcos ou detenção».
3.°— O art. 4 da lei de 1893 obriga a todo aquelle
que faz profissão de negócios de dinheiro ou credito
(contractos bilateraes, pelos quaes uma dasj partes,
como profissão e mediante retribuição, concede prazo
para o pagamento) (
7
) a apresentar ao seu devedor,
dentro dos três mezes que se seguirem ao fim de cada
anno, um extracto da respectiva conta, do qual conste,
não o total, como a causa da obrigação. A omissão
dolosa (abstracção feita dos effeitos civis) é punida
com multa até 150 marcos ou detenção.
§ 143. IV. Periclitação do património a) Do
jogo de azar
LITTER ATURA.—Brnck, Uéber Spiél unã Wette, 1868;
Scliuster, Das Spiél, seine Êntwiékélung imã Bedeutang im\
ãeutschen Reéht, 1878; Schonhardt, Uéber ãie Bestrafung des
Gliicksspiél im ãttern rôm. Recht, 1885 ; lschner, 2.°, 443;
Stenglein, Z., 3.°, 111, Jonas, Z., 2.°, 551; Behm, H. St., 4.°, 77.
I. Como compromisso da fortuna própria e
da alheia, o jogo de azar classifica-se entre os crimes
0) Esta disposição não tem applicação: 1.° quando a divida resulta
de um único negocio concluído durante o anno, sobre cuja existencia e
total o devedor recebeu communicação por eecripto ; 2.° aos bancos
públicos, bancos de emissão, bancos de credito territorial ou bancos
hypotbecarios por acções, estabelecimentos públicos de empréstimo,
caixas ecomicas ou de empréstimo de corporações publicas, sociedades
inscriptas, quando neste ultimo caso se trata de negócios] concluídos com
os «eus membros ; 3.°, ás relações de negocio entre com-merciantes, cujas
firmas se achem inscriptas no registro do commercio.
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 325
contra o património. 0 legislador vela sobre os interesses
patrimoniaes dos cidadãos, ainda quando estes procedem
sem a necessária previdência. Considerações económicas
levam pois a prohibir e a punir o jogo de azar. Além disso,
devem ser também attendidos os respeitos da policia dos
costumes e da politica financeira que militam contra tal
jogo. De accordo com o ponto de vista policial, o le-
gislador não incluí o na qualificação do jogo de azar, como
circumstancia constitutiva, o perigo do património.
Por jogos de azar devemos entender aquelles em que
o acaso decide do êxito de um modo, senão exclusivo, pelo
menos preponderante. A elles se contrapõem os jogos em
que a victoria e o lucro dependem principalmente da
habilidade, do calculo ou da força, e que por isso se
denominam jogos de arte ou de habilidade. Como o jogo
de azar é de-licto contra o património, delle se distinguem
os denominados jogos de entretenimento em que o valor
das paradas não é o que se tem em consideração (').
Comprehendem-se pois na idéa do jogo de azar as apostas
nas corridas de cavallos, quer essas apostas sejam
concluídas no totalisador offieial, quer nos book-makers
particulares (escriptorios de apostas), quando não
concorrem somente os sócios entendidos de associações
particulares de corridas, mas pôde também tomar parte,
mediante pequenas contribuições, o publico em geral que
ignora as qualidades e os defeitos dos animaes em questão,
ou que pelo menos só os conhece de um modo inteiramente
superficial (
2
).
(>) O que decide o é o costume dos interessados, mas a opi-
nião geral. Dec. do Trib. do Imp, de 28 de Maio de 89, 190,°, 263.
(') Para a solução é em ultima analyse indifferente que com a
opinião commum se tome para ponto de partida a distincçâo de
326
TRATADO DE DIREITO PENAL
A consumação opera-se com a primeira parada. A
concessão de local, de apparelhos próprios para jogo, o
facto de servir a jogadores etc., são actos de
cumplicidade.
II.— Espécies do jogo de azar punirei.
1.° Ter, sem autorisação, jogo de azar em
caminhos públicos, ruas, praças publicas ou em logares
de reunião publica (C. p., art. «360, n. 14).
Também aqui publicidade quer dizer que o logar
é accessivel a um grupo não exclusivo de
direito civil entre jogo e aposta (cons. entre outros Hess, monogra-phias
sobre matérias de direito civil e penal, 1892) ou que, como com razão
fazem Geyer, 2.°, 72, Pfizer, G. S. 41.°, 358, Stenglein, Z. 8, 111, Be
considere aquella distincção como destituída de importância para o
direito penal; pois a opinião commum considera também taes aposta»
romo jogo, tendo em attenção que o interesse de quem aposto não é a
confirmação da sua asserção, roas o ganho. K'este sentido a dec. do
superior trib. administrativo da Prússia de 6 de Abril de 1882 (com-
municada por ./unas, Z., 2.° 651, onde se encontra uma excellente
exposição da matéria) ; as dec. do Trib. do Imp. de 29 de Abril de 82,
6.°, 172, 80 de Junho de 82, 6.°, 421 e 7 de Julho de 82, 7.°, 21;
também Olshausen, § 284, 3, v. Marcinoweki, no Deuíscken Woehen-
hlatt, 6.°, 862. Uma ordenança administrativa que pcrmitta a ex-
posição e a utilização do totalisador sob certas condições (cons. a
ordenança prussiana de 30 de Ag. de 86, Z., 7.°, 455), o pode limitar
a applicação dos arts. 284 e 285 do O. p. (não assim quanto ao art. 360,
n. 141). Contra, Olshausen, \ 360, n. 14, nota d. Também o facto de
serem as rendas appcadas a fins sociaes (o aperfeiçoamento da creação
de cavallos) não obsta que a exploração seja profissional (*).
(") No direito civil distingue-se o jogo da aposta; a differença
está em que a aposta se caracterisa por uma divergência de opiniões,
cabendo o premio á asserção confirmada pelo evento; quanto aos
effeitos, a aposta, segundo o direito commum, é em regra protegida por
uma acção, e não assim o jogo, salvo os que «virtutis causa flunt, ubi
pro virtute certamen fit» (Stobbe, Handb., § 193, Lilienthal, H.H.) A
«communis opinio* quer manter esta distincção no direito
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 32?
pessoas. Penas : multa até 150 marcos ou detenção ;
'facultativamente confisco do dinheiro existente na
mesa do jogo ou na banca, quer pertença ou nfio ao
condemnado.
2.° Fazer profissão 55) do jogo de azar (C. p.,
art. 284). Penas: encarceramento até 2 annos ;
facultativamente multa de 300 até 6000 marcos e
perda dos direitos cívicos. Si o condemnado é es-
trangeiro, a policia pôde expulsal-o do território
federal, e, voltando sem permissão, incorre nas penas
do art. 361, n. 2, do C. p.
penal, por entender que o legislador não podia considerar como indif-ferentc o
dar por não existente uma distincção admittida sem contestação ao tempo da
confecção do cod. Outros, como Stenglein, Geyer e Liszt, seguem a doutrina
contraria, considerando a aposta também como jogo e equiparando-a em tudo
ao jogo de azar, quando a aposta tenba os caracteres dento. Os que seguem
porém a primeira opinião chegam ao mesmo resultado, como o autor observa e
bein mostra o seguinte trecho de OIshausen, I. c, cuja doutrina pertenço ao
primeiro grupo: «Tem sido muito controvertido, quando devem ser
considerados jogo* do azar os contractos designados como «apostas». E' fora
de duvida que o jogo do azar só 6 punível, quando a perda ou o ganho depende
essencialmente do acaso. Quanto ao mais no exame em questão
(nomeadamente em relação ás chamadas «apostas por corridas de cavallos») só
se attende, com razão, á essência do negocio, o assim nem o nome nem a
formal contraposição de opiniões divergentes é considerada como
circumstancia decisiva, devendo-so somente indagar si o que, na verdade,
corresponde á intenção dos oontractantes é a solução de uma divergência de
opiniões ou a obtenção de ura lucro. Segundo o desenvolvimento que de facto
têm tomado as relações relativas ás corridas de cavallos, na pratica se conside-
ram como jogos de azar exercidos por occasião de taes corridas o negocio dos
book-makers (Trib. do Imp., dec. de 29 de Abril e 12 de Julho de 1882) e as
apostas no «totalisador», (Trib. do Imp., dec. de 30 de Junho e 7 de Julho de
1832)». O projecto do cod. civil ali., art. 748 'é~ 749, equipara o jogo e a
aposta, declarando que nem daquelle nem desta resultam obrigações. N. do
trad.
328
TEATADO DE DIREITO PENAL
3.° 0 dono de um local destinado a reuniões
publicas, que ahi perniittir jogos de azar ou que prestar
o seu concurso para dissimular a existencia de taes
jogos, incorre em multa não excedente a 1.500 marcos.
Esta disposição passou do Allg. Land-\ recht para o C.
prussiano e deste para o C. p. imp. (art. 285).
§ 144.— b) Loteria
LITTERATURA. Endemann, Beitge zwr Geschichte
der LoUerie, 1882 ; Merkel, HH, 3.° 829; Halschner, 2/
449, Leuthold, v. Meyer, WV, 1119, 2.°, 55 ; v. Heckel,
HS.t, 4.°, 1067; Damme, GS, 46.°, 462 ; Kònnberg, Die
Lotterievergehen nach mecíãenib. Lanães&rafrecM, 1893. Ao n.
III, Stenglein, N. G., 220.
I I.— Em rigor a loteria está comprehendida na idéa do
jogo de azar. Entretanto o C. p. imp., seguindo o cod.
prussiano, que por sua vez seguira o AUg. Landrecht e
as ordenanças posteriores, menciona aquella ao lado
deste (*).
(") Segundo Stobbe (Handb. § 195), o «contracto de loteria » é
de natureza especial, e não um a contracto de jogo»; pois o resultado
não depende da actividade do emprezario e do comprador do bilhete.
Também não está em questão qual das partes perderá. O comprador do
bilhete tem de pagar a entrada e o emprezario o premio; incerto até ao
sorteio 6 somente quem dentre os que contractam com o emprezario
receberá o premio. Ainda quanto aos effeitos,. distingue-se a loteria do
jogo em que daquella resulta acção e não deste.—O mesmo civilista
considera também a rifa como um contracto especial, pois que não é
jogo, nem um mixto da compra e do jogo, nem uma etntio spei ;\ nem
pôde ser considerado como venda da cousa á totalidade dos jogadores com a
clausula de que receberá a cousa vendida como dono exclusivo aquelle
dentre elles que tirar a sorte, segundo Grollmann, Mittermaier e muitos
outros entendem. N. do trad.
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 329
H Essa individualisação explica-se pela historia da
prohibição das loterias; prohibição que se encontra
desde o século XVI, conservando a aos tempos
modernos caracter fiscal. O AUg. Landrecht, art. 428,
punia ainda a loteria como lesão dos direitos (fiscaes)
da coroa. Nessa phase do desenvolvimento das idéas, o
Estado quer explorar para os seus fins a ganância dos
súbditos, e por isso protege o cidadã*o contra a
exploração por parte de emprezas estrangeiras ou de
emprezas nacionaes privadas (monopólio protegido
pela pena). NSo prohibe que se exponha ao jogo o
património, mas reclama para si o lucro que a loteria
proporciona ao emprezario. Abandonado este ponto de
vista pela nova legislação, o delicto mudou de
natureza : o facto encontra agora a razão de sua
criminalidade em que o jogo põe em perigo,
compromette o património próprio e o alheio.
II.— O O. p. commina no art. 286 penas contra a
organisação, sem permissão das autoridades, de rifas
publicas de cousas moveis ou immoveis, e
especialmente contra a organisação de loterias pu-
blicas (*), isto é, de sorteios, cujos prémios são em
dinheiro (").
(*) Assim a « matéria da loteria » está regulada e a legislação estadual
não pode também por sua vez regulai-a. Não tem pois eficácia jurídica a lei
snxonia de 4 de Dezembro de 1887, como não o tem a lei prussiana de 29 de
Julho de 1885 sobre o jogo em loterias não prussiana?. De accordo Olshausen,
$ 284, 6. Divergente a opinião commum (por exemplo, Binding, 1.°, 828, nota
17) e a firme jurisprudência do Trib. Sup. de Berlim e do Trib. do Imp.;
recentemente também Delius, Das preussisehe Oesetz beir. das Spiel in
ausserpreus-sischen Lotierien, 1889, bem como Damme, 469, e Eõnnberg, 25.
b) Uma loteria está organisada (viranstaliet), quando acha-se
designado o objecto delia e os bilhetes podem ser adquiridos por terceiros
(Oppenhof). N. do trad.
330
TBATADO DE DIBEITO PENAL
A rifa e a loteria são contractos bilateraes, em que
uma das partes (o organisador do jogo) se obriga, sob
certas condições, a pagar uma certa quantia ou a
entregar uma certa cousa (premio), ao passo que a outra
parte se obriga incondicionalmente a pagar uma
determinada quantia (entrada ou parada). Quem vende
bilhetes de loteria alheia não é <t organisador», mas
pôde ser cúmplice. O jogador é isento de pena 52, V,
3). Deve se admittir que se também o jogo em
questão, quando a entrada é ao mesmo tempo o preço
dej uma prestação real, isto é, quando á loteria se liga
uma subscripção de uma obra scientifica, uma
representação theatral, ou quando, como nas charadas a
premio dos jornaes de família, põe-se em jogo o premio
entre os que acham a decifração. Também a esperança
de lucro obtida por copartici-pação em uma loteria
(talvez mesmo permittida)) pôde tornar-se objecto de
um novo jogo punivel (bilhetes parciaes, promessas).
Diz-se que neste caso ha um contracto de venda (emtio
speij ou pacto promissório (
c
). Outro é o caso, quando a
propriedade mesma do bilhete é, por determinada parte,
transmittida a outrem (contracto de companhia).
°) Chama-se Promessengesehãft ou Heuergesch&ft, diz Gareis (apud
HH), o contrato de compra e venda, pelo qual o vendedor promette ao
comprador, mediante um determinado preço, pagar-lhe o lucro que couber a
um bilhete individualmente designado (isto 6, papel de credito que promette
um lucro possível em razão de um futuro sorteio). O objecto da compra é o
lucro incerto como mera possibilidade; o contracto em questão é pois uma
espécie de emtio spei (e não emtio rei speraice) e delle deriva acção, pouco
importando que tenha sido ou não intencionada a real entrega do bilhete ou
mesmo que o vendedor tenha ou não a propriedade dello. A emissão de taes
promessas é punivel, embora os bilhetes, sobre que ella se basêa, pertençam a
uma loteria autorisada. (Merkel). N. do trad.
OBIMES CONTBA O PATRINIO EM GERAJL 331
A rifa e a loteria são publicas, quando é per
imi ttido a qualquer pessoa tomar parte nellas. 0
dolo é necessário (
a
) e deve comprehender a con
sciência de que se trata de um jogo publico orga-
nisado sem a auto ri sacão da autoridade competente.
B' indifferente o motivo do agente; também são
puníveis as loterias e rifas para fins de benefi
cência.
O delicto consumma-se no momento em que é
possível ao publico tomar parte no jogo, pouco im-
portando para a idéa respectiva que tenha sido
emprehendido ou não o sorteio ou mesmo que tenha
sido vendido um s<5 bilhete.
Penas : encarceramento até 2 annos ou multa até
3.000 marcos.
g III.—A emissão de papeis a premio, cujos juros são,
no todo ou em parte, objecto de jogo entre os
credores, apresenta-se como uma combinação do
mutuo com um contracto de jogo. A legislação
imperial teve de proteger, de um lado, o mercado
allemão contra a inundação de papeis a premio
estrangeiros de pequeno valor, e, de outro lado, de
uniformisar a emissão e a venda de títulos nacíonaes
desta natureza (
d
).
(*) Contra, Olshausen, g 286, 11.
(
d
) Nos empréstimos denominados Lotierieatúeihen, o portador
do titulo ou bilhete recebe a maior parte do juro do seu capital e
sacrifica á esperança do lucro a outra parte, que é destinada a consti-
tuir o premio. E' uma antiga forma de empréstimo conhecida na
Inglaterra no século XVII e introduzida no século passado em vários
paizes da Europa. Na AU amanha taes títulos eram emíttidos pelos
Estados, pelas cidades, pelas companhias de vias férreas, pelos insti-
tutos de credito territorial, etc, o que provocou a lei imperial de 8 de
Junho de 1871. As «promessas ou pactos promissórios», a que alludio
o autor no texto sob o n. II, tomam de ordinário por base os títulos
desses empréstimos. N. do trad.
332 TBATADO DE DIBEITO PENAL
A lei de 8 de Junho de 1871, concernente aos títulos a
prémios e ao portador, prohibe no art. 6.°: 1°, a
emissão no Império da Allemanha de títulos de
obrigação ao portador, que garantam a todos ou a uma
parte dos credores, além do pagamento da somma
expressamente declarada, prémios devidos aos títulos
que forem designados por via de sorteio ou por outro
modo dependente do acaso e cuja importância seja
também determinada do mesmo modo, salvo si alguma
lei imperial autorisar a emissão para o fim de ser o
producto emprestado ao Império ou a algum dos
Estados que delle fazem parte.
Pena: multa egual á 5." parte valor do nominal
dos títulos que fazem objecto da infracção, não po-
dendo a multa ser inferior a 300 marcos.
2.° A transferencia (e não a aceitação) desses
títulos que a) tenham sido emittidos no paiz depois
da publicação da lei de 8 de Junho de 1871 ou — b) no
estrangeiro depois de 30 de Abril de 1871. E' caso a
estes equiparados o de serem taes papeis objecto de
negocio ou de corretagem nas bolsas ou em outros
logares de reunião destinados á negociação de papeis
de credito (bolsas clandestinas):
Pena: a mesma declarada sob o n. 1.
3.° A transferencia de ditos papeis, que tenham
sido emittidos no estrangeiro antes do 1 de Maio de
1871 e não sellados.
Os negócios equiparados ao caso sob o n. 2 são
também tratados aqui como o facto da transferencia. A
lei tornou-se executória desde 14 de Junho de 1871.
Pena: a mesma declarada sob o n. 1.
4.° Annunciar publicamente, ofFerecer á venda,
recommendar os tulos mencionados sob os ns. 2 e 3,
bem como cotal-os. Pena: multa até 300 marcos ou
encarceramento até 3 mezes.
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 333
IV.—A lei imperial de 16 de Maio de 1894,
concernente a pagamentos por conta, contém uma única
comminação penal que aqui encontra a sua melhor
collocação: quem vende ou, por outro contracto tendente
ao mesmo fim, aliena bilhetes de loteria, títulos a premio e
ao portador, ou cautelas referentes a taes bilhetes ou
títulos, mediante pagamentos parciaes, incorre em multa
não excedente a 500 marcos, rouco importa que a entrega
do titulo se effectue antes ou depois de pago o preço. O
comprador, segundo o que foi dito no § 52, V, 3, é isento
de pena (
e
).
§ 145.—c) Perigo occasionado por contrabando
LITTERATURA.—Hâlschner, 2 e 396; Damme, GS.
46.', 310; Pappenheim, Z., 13 e 842.
O art. 297 do C. p. imp., derivado do art. 278 do C.
p. prussiano e mediatamente do direito marítimo da
Prússia de 1727, cap. 4.°, art. 31, tem por objecto
(*) Abzahlungsgescháft (venta ã tempêrament, segundo a expressão
franceza) é a exploração commercial que consiste na venda de mercadorias
mediante pagamentos parciaes do preço em prazos regulares. Foi sobretudo o
apparecimento das machinas de costura que deu occasião á introducção desse
modo de pagamento tão commodo ás pessoas privadas de recursos para a
acquisição de objectos caros e necessários ao exercício de certas industrias. A
concurrencia apoderou-se deste género de negocio e o estendeu na
Allemanha, como na Áustria, a toda sorte de mercadorias (relógios, jóias,
quadros, vestidos, etc). Abandonando mesmo o campo do negocio em
mercadorias, o Abzahlungsgescháft introduzio-se no commercio de papeis de
credito, e especialmente de bilhetes. Os abusos que não tardaram a apparecer
pediam medidas legislativas. Estas foram dadas pela lei de 16 de Maio de
1894, que regulou a «venda por pagamentos parciaes», mas só a prohibio no
concernente a bilhetes de loterias e a papeis ao portador que podem dar sorte.
N. do trad.
334 TRATADO DE DIBEITO PENAL
um delicto de caracter inteiramente especial. Pune o
passageiro ou marinheiro, que sem sciencia do capitão
introduzir a bordo objectos próprios a pôr em risco o
navio ou a carga, porque podem dar causa ao embargo
ou ao confisco do navio ou da carga (contrabando fiscal
ou contrabando de guerra); e manda applicar a mesma
disposição ao capitão que assim proceder, sem sciencia
do armador. M A lei refere se somente aos navios
destinados á navegaçflo marítima e ás pessoas
taxativamente enumeradas (') (terceiros podem ser
punidos como cúmplices). O dolo deve comprehender a
consciência do perigo. A consummação opera-se com o
facto da introducção dos objectos a bordo.
Penas: multa até 1.600 marcos ou encarcera-
mento até 2 annos.
§ 146. — V. Receptação (real)
LITTERATUEA. Villnow, Raub unã Erpressung, Be-
giinttigung und Hehlerei, 1875 ; Gretener, Beguiutigung unã
Helilerei in historischãogniatischer Darstélhmg, 1879 : Merkel,
HH., 3.*, 375, 4,°, 419; Waldthausen, GA. 29.°, 375;
Hálschner, 2.°, 859, 887.
I. E' no direito romano posterior parte a actio
furti eoncepti para a condemnação no triplvm) que
encontramos qualificado de um modo indepen-dente o
crimen receptatorum, isto é, de delinquentes designados
como pessimum genus hominum, sine quibus nemo latere
diii potest (D., 47, 16); e nesse crime comprehendia-se
tanto a occultacão de cousas obtidas ( por furto ou roubo
como a occultação do criminoso.
(') Fappenheim propõe a seguinte redacção: «quem, sem
sciencia do armador ou do afretador de um navio destinado a nave-
gação marítima, introduzir a bordo objectos, que etc.)
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 335
A edade média allemã equiparou a occultação da I cousa
furtada ao furto, mas não considerou a receptação como
crime sui generis. D'ahi o silencio da Carolina na sua parte
penal, comquanto mencione no art. 40, entre os indicios
contra os que «r auxiliam ladrões e roubadores », o facto de
«ter alguém parte ou quinhão scientemente e de modo
perigoso em cousas furtadas ou roubadas ». [' No direito,
commum e na legislação que a tinha por base considerava-
se ás mais das rezes a receptação, juntamente com o
favorecimento, como caso de cumplicidade no crime
praticado contra o património (n'este sentido o Allg.
Landrecht, mas não o direito prussiano de 1620, que
qualificava a compra de cousas furtadas como delicto sui
generis) (*).
Os códigos deste século tentaram, de um lado, separar o
favorecimento da receptação, e, de outro lado, assignar a
ambos o logar que lhes compete no systema da parte
especial. Esses esforços, insuficientemente apoiados pela
sciencia sempre vacillante (sobretudo em relação á
concepção do favorecimento) não conduziram até aqui ao
fim desejado. O C. p. imp., apartando-se sem razão
plausivel do C. p. prussiano, não só reunio o favorecimento
e a receptação no mesmo capitulo, como os poz em
intima, mas I forçada união, creando a idéa hybrida e de
todo maUograda da receptação simples (art. 258). Cumpre
pelo contrario sustentar, como idéa capital na legisla-j ção e
na sciencia, que a receptação e o favoreci-\ mento devem
occupar no systema logares inteiramente [diversos,
porquanto a receptação é crime contra o I património, e o
favorecimento é crime contra a ad-I ministração da justiça
(§ 181).
II. — Segundo o art. 259, a receptação (real)
(consiste em que o agente, impellido por interesse
(') Ver o Cod. Phil., 1. 6, t. 60, § 6. N. do trad.
I
I
I
336
TRATADO DE DIEEITO PENAL
próprio, occulta, compra, acceita em penhor, ou de
outro modo obtém ou concorre para serem traspassadas
a outrem cousas que elle sabe ou deve saber, segundo
as circunstancias, terem sido obtidas por uma acção
punível. A receptação (real) apresenta-se,j pois, como
manutenção e na maior parte dos casos ainda como
segurança e aggravação de uma situação] patrimonial
contraria ao direito, accrescenta-se ao damno já
effectuado, o presuppõe segundo o seu próprio
conceito e colloca a cousa sjibtrahida ainda j mais
longe do poder de dispor por parte do dono. l.°
Objecto da receptação são as cousas obtidas por meio
de uma « acção punível » e portanto cousas (e não
direitos) moveis ou não, alheias ou próprias. A
receptação é possível em relação á caça que passou
ao domínio do ladrão, ou em relação a cousa que o
proprietário subtrahio a quem tinha o direito de detel-a.
Mas objecto da receptação são somente as cousas
mesmas que foram obtidas immediatamente pelo acto
delictuoso, e não outras cousas que as I substituíssem
ou o producto que d'ellas procede (
b
). As cousas devem
ser obtidas por meio de uma acção punível, pouco
importando que esta seja crime, de-licto ou
contravenção. O acto punível pode ser offensa á
propriedade ou qualquer outro delicto contra o
(") A cousa pode pertencer ao auctor do facto delictuoso ou ao
receptador mesmo. Assim o Trib. do Imp., dec. de 11 de Dezembro de
1888, julgou ter-se dado receptação em um caso em que a cousa, dada
em penhor, pertencia ao accusado, e fora obtida por sus mulher me-
diante um acto punível segundo o art, 289 do O. p. (tirada do penhor).
Deve haver relação causal entre a acção punível e a obtenção da
cousa por parte do delinquente. Essa relação causal é interrompida,
quando as cousas criminosamente obtidas são substituídas por outras.
Não é pois objecto de receptação a cousa comprada com o dinheiro
furtado, ou o producto em dinheiro da cousa furtada. Neste sentido a
opinião commum. N. do trad.
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 337
património, mas não é necessário que se dirija contra
este; também as cousas que foram obtidas por meio
de falsidade, homicídio, perjúrio etc., são objectos
possíveis de receptação.
E' necessário que a acção delictuosa tenha sido o
meio pelo qual a cousa fora obtida. Tal acção ! deve,
pois, preceder como facto consummado á receptação,
deve ter impresso na cousa a macula que a
acompanha. Si o delicto de desvio só se opera pela
venda da cousa, o comprador não é receptador, mas
cúmplice (
c
). Si a cousa foi obtida por meio de um
delicto, cujo processo dependa de queixa, cumpre ter
em vista a importância da queixa como requisito
processual 44). Não sendo dada a queixa ou sendo
retirada a queixa dada, não deixa de haver um acto
delictuoso, embora não se possa instaurar ou continuar
o respectivo processo; podem, pois, ser objecto de
receptação as cousas obtidas por meio de tal acto. Si a
acção (principal) foi praticada por um individuo sem
imputabilidade, como tal acção não é « punível», não
pode dar-se receptação, mas é possível que se o
delicto de desvio ('). Uma circumstancia pes-
(") B' também necessário que a cousa existisse ao tempo do
delicto em virtude do qual foi obtida; d'onde se concluo que as cousas,
não obtida», mas produzidas por um acto delictuoso, não são objecto
de receptação. N. do trad.
(!) Isto é tamm verdade dos impúberes (ver o g 87, nota 2).
Egualmente Binding, Normm, 2°, 572, Geyer, 2.°, 77, Herbst, G- A.,
20,°, 120, v. Meyer, 759. Contra, Olshausen, <S 259, Z.°, e também a
dec. do Trib. do Imp. de 6 de Junho de 83, 6.°, 886, e a de 17 de
Dezembro de 88, 18.», 298 (
d
).
(*) A questão versa sobre saber si pode dar-se receptação, quando
a acção principal foi praticada por um menor de 12 annos que, apezar
de sua malícia, não incorre em responsabilidade criminal em virtude
do disposto no art. 55 do C. p. De accôrdo com a jurisprudência do
tribunal superior da Prússia, o Trib. do Imp. tem decidido mais de
luma vez no sentido afirmativo. N. do trad.
T. n 22
I
338
TRATADO DE DIREITO PENAL
soai exclusiva de pena, pelo contrario, não é incom-
patível com a idéa da receptação (por exemplo, furto
entre cônjuges, § 43, II).
Basta fazer certo na sentença que a cousa foi
obtida por uma « acção punivel »; não é necessária
uma designação mais precisa da acção.
A cousa não é obtida «mediante uma acção pu-
nivel», quando a acção, pela qual a cousa foi obtida, é
considerada em si punivel, mas não°em relação a
acquisição da cousa, isto é, quando o agente adquiria
pela acção a propriedade da cousa. Isto procede a
respeito da mendicidade, da prostituição, do
contrabando, do exercício da caça por pessoa com-]
petente, durante o tempo em que é vedado caçar. A esta
mesma conclusão nos leva a consideração de que é da
essência da receptação a manutenção de uma situação
patrimonial illegal, o que em taes casos não se dá (°).
2.° A acção oonsiste em que o receptador
subtrae a cousa, ainda mais do que ella se achava
subtrahida, ao poder de dispor de quem de direito,
difficulta ou torna impossível o restabelecimento desse
poder.
A lei menciona taxativamente no art. 259 os
(*) A receptação suppõe um viti/um rei, que consiBte em ter
sido a cousa obtida por uma « acção punivel ». A doutrina restringe à
lettra da lei para exceptuar os casos em que, apezar de ser punivel o
meio empregado para a obteão, todavia o delinquente adquire a
propriedade da cousa, isto 6, fal-a sua de um modo materialmente
conforme ao direito e não apenas de um modo formal e sujeito á
impugnação. Assim a prostituição é (em certas condições) punivel, 6
também o é a mendicidade, mas a prostituta faz seu o salário que lbe
pagam, o mendigo a esmola que lhe dão; as cousas d'este modo obtidas
não podem ser objecto de receptação, pois o ha uma situação
patrimonial illegal, que a receptação venha manter. Não estaria no
mesmo caso a cousa obtida por burla. N. do trad.
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 339
actos que se comprehendem nesta idéa. Enumera-; a) a
oecultação, que difficulta ou torna impossível ao titular do
direito achar a cousa (por exemplo, a transformação do
metal furtado); b) o obter a cousa por compra, penhor, ou
por outro meio, em virtude do qual o receptador receba do
autor o poder de dispor, c) o concorrer para a transferencia
da cousa a outrem (isto é, somente a alienação económica
por venda, troca, apeamento, etc.), embora a transferencia
não se opere. Cumpre notar que na expressão obter
também se deve entender comprehendido o goso material
(comer, beber) da cousa obtida, com tanto que o
consumidor tenha de facto obtido o poder de dispor.
H 3.° A receptação deve operar-se no interesse próprio
(não necessariamente illegal) do receptador. Não é
necessário que o proveito seja pecuniário 107, nota 6).
Si a intenção é favorecer o autor da acção delictuosa, não
se pôde admittir a existencia de receptação (real).
4.° A receptação pôde ser commettida dolosa ou
culposamente.
a) O dolo consiste em que o agente tem consciência
da importância da acção, como causa; elle deve saber, não
só* que occulta, vende cousas, etc., senão também que
essas cousas foram obtidas por uma acção punível. o se
pôde porém exigir o conhecimento de tal acção segundo
sua espécie e suas circumstancias.
b) Também a receptação culposa é punível. Mas,
por um lado, toda culpa não incide na lei; e, por outro
lado, incide na lei, não a culpa lata, senão também este
caso inteiramente determinado do procedimento culposo,
isto é, quando o agente « deve saber, segundo as
circumstancias, que a cousa foi obtida por uma acção
punível ». A culpa deve
340
TRATADO DE DIKBETO PENAL
pois, referir-se justamente á procedência da cousa
receptada (
2
).
5.° A receptão consumma-se, desde que é
praticado um dos actos enumerados pela lei, desde que
a cousa um novo passo para além do alcance I do
titular do direito. Si A comprou em França, no 1.° de
Janeiro, uma cousa furtada e a vendeu na Alle-j manha
no 1.° de Julho, pôde ser responsabilisado em razão
da compra e não em razão da venda. Outras pessoas
porém, podem, a respeito da mesma cousa, fazer-se
culpadas de uma receptação ulterior. (
f
)
(*) Ver o § 41. Ver egualmente v. Meyer, 761, Seuffert, Z. 14.°,
598. A opinião dominante nas palavras em questão uma regra sobre
a prova do dolo (e portanto uma irrefragavel presumpção de culpa).
Neste sentido a dec. do Trib. do Imp. de 29 de Setembro de 81, 2.°, 85 e
Olshausen, § 259, 21. Exigem dolo indeterminado Schútze, 461, nota
14, v. Schwartze, G 8., 28.°, 894, Waldthausen, Q A. 29.°, 408. E'
necessário que haja culpa lata, segundo Merkel, H H., 4.°, 480, e a dec.
do' Trib. do Imp. de 28 de Abril de 80, 2.°, 140. Basta qualquer culpa,
segundo v. Buri, G S., 20, 61. Geyer, 1.°, 118, Merkel, 827.
(') Cada um dos actos enumerados no art. 259 do O. p. opera a
consummação da receptação, de modo que a pratica de um outro acto
relativo á mesma cousa por exemplo, traspassar a cousa a outrem
depois de tel-a oceulto, não constituo uma nova receptação (neste
sentido a jurisprudência do Trib. do Imp.) Isto porém entende-se de
quem se fez culpado da receptação e não do terceiro que adquire a
cousa ou pratica alguns dos actos enumerados na lei, conhecendo ou
devendo conhecer o vitium rei inheerens. W controvertida a questão de
saber si esse vicio fica expurgado, quando alguém adquire a posse da
cousa bona fide. Essa queso, diz Olshausen (1. c, 18), deve ser
resolvida negativamente, poisque a situação patrimonial illegal creada
pelo delicto não deixa de existir em razão da boa de um dos
adquirentes da cousa, comquanto este, por falta do elemento subjectivo,
não seja culpado de receptação (também neste sentido o Trib. do Imp.,
bem como Geyer, Merkel, Hàlschner, Binding etc.); contra,
Oppenhoff, Schwartze, Villnow. N. do trad.
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL 34Í
6.° — A autoria e a cumplicidade regem-se |
pelos princípios geraes.
Como a receptação não é cumplicidade e sim
delicto mi generis, dever-se-hia considerar possivel
dar-se cumplicidade punível por parte de quem se
envolveu no crime que precede a receptação (
3
); mas
a occultação e a alienação da cousa pelo primeiro
autor e seus cúmplices apparecem, em todos os casos
de apropriação illegal, como realisação de uma
circumstancia essencial á idéa do crime que antecede
a receptação e portanto como actos isentos de pena
(ver o § 55, II, 4 b).
III. — Espécies.
1." Receptação simples (art. 259). Pena, en
carceramento. I
H 2.° Receptação profissional ou habitual (§ 55).
Pena, reclusão até 10 annos.
I 3.° Receptação em segunda reincidência
(art. 261). Penas : ^]
W a) Reclusão por tempo não inferior a 2 annos
(occorrendo circumstancias attenuantes, encarcera-
mento por tempo não inferior a 1 anno), quando a
ultima acção concerne a um furto qualificado (art.
243), a um roubo ou crime equiparado ao roubo (furto
e extorsão equiparados ao roubo); mas p receptador
deve saber que o crime antecedente á receptação tem
tal caracter.
b) Em todos os outros casos reclusão até 10
annos; occorrendo circumstancias attenuantes, encar-
ceramento por tempo não inferior a 3 mezes.
No tocante ás condemnaçôes anteriores tanto
vale a receptação própria como a imprópria (art. 258).
Quanto ao mais ver o § 57, I.
(*) Neste sentido a opinião commum, por exemplo, Olshausen, | 269,
27. Ver também o J 181.
342 TRATADO DE DIREITO PEHAL
Em todos os casos (1 a 3), a perda dos direitos
cívicos pôde ser pronunciada conjunctaniente com a
pena de encarceramento imposta em razão de
receptação; bem como pôde ser pronunciada a sujeição
á vigilância policial por occasião de cada con-demnação
em razão deste delicto (art. 262).
4.° O art. 370) n. 3, do C. p. qualifica um facto
análogo á receptação: c incorre era multa até 150
marcos ou em detenção quem compra on recebe em
penhor de um offioial on soldado das forças de terra ou
mar peças de uniforme ou de equipamento, sem
permissão por escripto do respectivo commandante ».
Incorre também em pena o dono que as vende ou dá
em penhor. Deve-se admittir (de accordo com o art.
73) que se receptação, quando os objectos não
pertencem a quem os vende ou empenha.
CAPITULO V
Crimes que se caracterisam pelo meio empregado
para o commettimento
I. OS CRIMES DE PERIGO COMMUM DA
LEGISLAÇÃO IMPERIAL ,
§ 147. — Considerações geraes
_|LITTERATU. Schaper, HH, 3.° 859; Hãlschner,
^°, 593 ; Siebenhaar, Z, 4, 245; Botering, GA, 31.° 266;
as obras mencionadas no § 28 sobre a idéa de perigo.
I. — O C. p. imp., ad instar do C. p. saxonio de 1838,
reunio no capitulo 27 da 2.
a
parte um grande numero
de acções delictuosas sob a denomi-I nação de «
crimes e delictos de perigo commum ». Taes acções
caracterisam-se em geral por esta cir-cumstancia—
suscitam um perigo commum ; mas um exame mais
acurado da matéria mostra que, de um lado, ellas
correspondem a esse característico de um I modo
essencialmente diverso, bem como que o mesmo
característico se encontra em outras acções não com-!
prehendidas neste capitulo (por exemplo, a contravenção
definida no art. 366. n. 2 a). A denominação
344
TRATADO DE DIREITO PENAL
crimes e delictos de perigo commum tem,)
pois, um objecto seguramente determinado, adoptando-
se de um modo incondicional a linguagem da lei.
Assim razões praticas recommendam, de um lado, que
se restrinja a referida denominação aos casos,
contemplados no cap. 27 do C, e de outro lado, que ella
se applique a todos esses casos.
II. Não é possível, como fica dito, uma con
cepção uniforme de todos os crimes que pertencem
a esta categoria; mas bem podemos determinar o
caracter do grupo, partindo dos casos typicos. Como
taes, apresentam-se os crimes de incêndio e de inun
dação. Elles assignalam-se como um desencadea
mento de forças naturaes (a que aliás cabe papel)
preponderante no serviço de fins humanos) para a
realisação de commettimentos hostis á sociedade e
á humanidade (§ 43).
Quem solta as cadeias a forças naturaes, não
pôde traçar os limites onde ellas se deterão, e medir
as consequências que a própria acção acarretará
comsigo: as forças naturaes desencadeadas zombam
do poder e do previsão individuaes. Desse illimi-
tado e desse incommensuravel resulta a idéa de pe
rigo commum, que serve de vinculo ás disposições
contidas no capitulo 27 do 0. p. A mesma consi
deração explica também o facto histórico de que a
extensão e o objecto deste grupo de crimes varia
e augmenta com as invenções e os descobrimentos
humanos.
III. A idéa de perigo commum exige:
1.° Que se perigo no sentido desenvol- j
vido á p. 195.
2.° Que corram perigo, de um lado, o corpo ou
a vida, e, de outro, a fortuna, mas não os outros bens
jurídicos do individuo ou da collectividade. Não
conforma-se com a linguagem usual da lei assignalar
também como delictos de perigo commum, por exem-1
DOS CRIMES DE PERIGO OOMMTJM
345
pio, os de imprensa, comquanto esta designação seja lógica
e juridicamente muito apropriada. B o.° - Que se perigo
commum, isto é, uma situação, em que não é simplesmente
uma única pessoa investida dos bens mencionados ou não
são somente varias pessoas investidas de taes bens e
determinadas quanto ao numero e á individualidade que
correm perigo, mas um circulo não limitado de pessoas
indivàlualmente não determinadas. Deve-se, pois, admittir
que se perigo para o corpo ou para a vida, quando é
certo que a offensa ameaça somente uma pessoa ou um
numero limitado de pessoas, mas essas pessoas não podem
ser individualmente determinadas. Si se trata de perigo
commum para a propriedade alheia, esta definição precisa
de uma modificação; perigo commum significa neste caso
o perigo a que fica exposto um circulo não limitado de
cousas individualmente não determinadas, embora
pertençam a um só proprietário.
De dois modos o legislador utilisou-se desta
circumstancía para a formação das diversas figuras
crimínaes.
a) A respeito de certos crimes o legislador teve em
vista na comminação penal a qualidade ordinária da acção,
embora essa qualidade não se verifique no caso dado; o
perigo conhnum não é então caracter essencial da idéa, a
acção também o é consequentemente crime que consiste
no perigo, mas é injusto policial (§ 31, nota 4). Exemplo, o
incêndio (quando este não é, como damno real, crime que
consiste na offensa de um bem jurídico).
Ò) Em outros casos, como na inundação, o legislador
considera o perigo commum como caracter essencial da
idéa, e assim a occurrencia desta circumstancía no caso
dado é condição indispensável para que seja possível a
condemnação ou punição. Na applicação das diversas
figuras criminaes em
346 TRATADO DE DIREITO Ir.
questão cumpre ter em attenção esta variante ;no modo por
que o legislador se utilisou da circum-stancia do perigo
commum (
a
).
§ 148. — I. Incêndio e inundação
LrrTERATUKA. "V. Wãçliter, De crimine incendii. 1833;
Osenbriiggen, Die Branãstiftung, 1854; Ullxann, GB, 30,i
689; Wanjek, G S, 31, 1; Hálschner, 1.°, 606 ; Gantier,
Étude sur le crime dHnceie, 1884 ; Pape, Vermch una\
VoUendung bei der Brastiftung, diss. 1889. — Giinther, 1.°
12; Brunner 2.°, 654. —Ver também v. Spesshardt,
Versichermgsbetrug, 1885.
I. Historia. O incêndio é o mais antigo dos crimes
de perigo commum. as 12 taboas prescreviam (1. 9 D.
47, 9) : « qui sedes acervumve fru-menti juxta domum
positum combusserit, vinctus verberatus igni necari jubetur
». Entretanto é duvi-l doso podermos affimar que no direito
romano existia o crime de incêndio como crime sui generis.
A lei Cornélia contemplou entre os casos de homicídio o
facto de incendiar para matar 81), e no período imperial
o direito mal foi além desta concepção, comquanto se
individualisasse (1. 28, D. 48, 19) o
(») Os motivos do C. p. ali. declaram que no capitulo 27 acham-
se reunidos crimes e delictos, «cuja pratica suscita a probabilidade de
um perigo commum para pessoas ou para cousas». Entretanto nos
arts. 812 e 814 (inundação) o legislador incluio o perigo commum
como circumstancia constitutiva do delido. Os demaia delictos não
exigem perigo m concreto, caracterisam-se por um perigo «n abatracto,
isto é, a juízo do legislador,, o actos de natureza a produzir tal perigo
ordinariamente, embora não o produzam no caso dado. For outros
termos, pertencem á categoria do in~\ justo policial, ao passo que os
delictos dos arts. 812 e 814 são crimt$\ de periclitação propriamente
ditos, pois consistem antes em comproA mciUr do que em letar bens
jurídicos. N. do trad,
DOS CBIMES DE PERIGO OOMMUM 347
incêndio ateado no interior da cidade em casa ou triila, bem
como fossem punidos com pena extra-I ordinária os <c
messium per dolum incensores vi-| nearum olivarumque », e
finalmente chamasse também a attenção do legislador, pelo
menos em certo sentido 35, nota 2), o incêndio culposo. O
direito allemão, que em todos os tempos considerou o in-
cêndio como crime independente, distinguia os seguintes
casos: o incêndio ateado secreta, furtivamente, o denominado
Mordbrand, e o incêndio pu-
I blicamente (violentamente) ateado (Waldbrand). O
f. espelho da Saxonía dispunha ainda (II, 3, 4 e 5):
« o autor de um Mordbrand soffrerá o supplicio da roda; a
quem queimar um homem sem Mordbrand cortar-se-ha a
cabeça »; ao passo que as fontes da Allemanha superior
comminavam ás mais das vezes a morte pelo fogo (*).
A Carolina, art. 125, contentou-se com esta
lacónica disposição : « os incendiários perversos serão
B justiçados com a morte pelo fogo ». O direito coinniuui,
apezar da impugnação de Carpsov (o direito austríaco de
1768, entre outros, o acompanhou) adoptou a distincção entre
o incêndio simples e o qualificado ; {Mordbrand), comquanto
os extremasse de um modo ' vacillante (como o direito
hamburguez de 1603, o
II prussiano de 1620, o austríaco de 1696); mas foi-se
accentuando cada vez mais o ponto de vista do pe-
[ rigo commum (Engau, Koch, Bôhmer, — « contra se-
I curitarem publicam, ignis periculosa ») (*). Também
(*) O facto de atear um incêndio secretamente á noite era desi-
I gnado na edade média, como Mordbrand, Nachtbrand ou Mordnachtbrand,
.o contrapunha-se ao Waldbrand, ao incêndio ateado de dia violenta
mente, em publica faida (Brunner, JRechtsges., 2.° 655, Schutze,
\Lehrb., I 108). N. do trad. M
| (*) Sobre a morte pelo fogo do incendiário ver Gunther, 2.* 87.
Esta pena foi executada ainda em 1804 em Eisenach.
348
TKATADO DE DIREITO PENAL
a nova legislação apresenta notáveis vacillaçoes, que se
manifestam principalmente no modo de applicar a idéa
de perigo commum (
b
).
II. — Conceito do crime de incêndio.
Crime de incêndio a lei não o define é a
destruição total ou parcial de um objecto por combuso, e
portanto, pelo calor que a força natural e desencadeada
do fogo produz. Distíngue-se do dam no real pela
circumstancia do perigo commum. Mas nem todo
damno de perigo commum por incêndio é crime de
incêndio no sentido da lei. Esta enumera taxativamente
os casos de incêndio de perigo commum e desfarte
resolve, uma vez por todas, a questão de saber si no
caso dado occorre ou não aquella circumstancia (
a
).
O incêndio consumma-se, logo. que não somente
põe-se fogo á matéria inflammavel, como também o
fogo atea-se, isto é, vae além da matéria inflammavel,
de modo que, ainda mesmo retirada esta, é possivel a
continuação do abrasamento por si mesmo. Não é
necessário que se formem chammas ; a carboni-sação
progressiva, a continuada combustão basta.
O arrependimento effectivo 75) é admittido
como circumstancia extinctiva de pena (C. p. art. 310;
não assim o cod. prussiano de 1851) e foi ampliado da
tentativa á consummação (não assim o art. 46 do C. p.).
Dá-se o arrependimento effectivo, quando o J agente
extingue o incêndio antes que este tenha j
(
b
; Segundo o antigo direito portuguez, o incêndio culposo era um caso
de damno aggravado (Ord. Phil., 1. 5, t, 86, U
4
e
5), e ao incêndio doloso
applicava-se o direito romano. O nosso O. p. vi-j gente trata o incêndio ora
como mera aggravante (art. 89, g 8), ora como circumstancia elementar (art.
294), ora como crime mi generia\ (arte. 186 a 142, 146 a 148). N. do trad.
(*) Devem ser, pois, applicadas as disposições penaes sobre o damno
real, quando forem mais rigorosas (O. p., art. 78).
DOS CRIMES DE PERIGO COMMTJM 349
sido descoberto e tenha resultado outro damno além
da simples combustão do objecto destinado a servir de
fóco ao incêndio. Que se faz mister a própria
actividade do agente resulta tanto da letra como do
fim da disposição. São, porém, indifferentes os meios
de que o agente se serve para a extincção do incêndio;
a invocação de auxilio estranho não obsta a
applicação do art. 310. Como trata-se de uma
circumstancia *extinctiva de pena, esta circumstancia
aproveita a todo co-delinquente autor, instigador
ou cúmplice em cuja pessoa occorre, mas somente
por esses pôde ser invocada (§ 74, II).
III. — Espécies. I 1.° — O incêndio doloso
com perigo commum (abstracto) para a vida.
Caso simples (art. 306). Dá-se quando é posto
fogo:
a) a um edifício destinado a reuniões religiosas
(§ 126);
b) a um edifício, embarcação ou cabana que
sirva de habitação 117, nota 2.*, sejam ou não para
isto destinados, e não sirvam de habitação somente
aos agentes), embora no momento do facto nenhuma
pessoa ahi se achasse ;
B c) a um logar que sirva temporariamente para a
assistência de pessoas, si o fogo foi posto ao tempo
em que pessoas costumavam ahi assistir, embora no
momento do facto nenhuma pessoa ahi |se achasse (
c
).
(•) O caso sob a letra c pede como objecto um logar onde pessoas
costumam assistir ou deter-se temporariamente, embora não sirva de
habitação, o que comprehende theatros, escolas, fabricas, tríbunaes de justiça,
minas, diligencias postaes etc. Neste como no caso da letra b, é indifferente
que no momento do facto pessoas se achem presentes, porque o perigo
commum que caracterísa o delicto é um mero perigo abstracto e não uma
circumstancia constitutiva. N. do trad.
360 TRATADO DB DIREITO PENAL
- .■■■ —... ....................................................................................................................................— .. __
0 dolo do agente deve versar sobre as cir-
cumstancias características assignaladás nos ns. 1 a 3.
Caso qualificado (art. 307). Occorre o caso qua-
lificado :
a) quando o incêndio deu causa á morte de uma
pessoa que, na occasião do fogo, se achava em um dos
logares incendiados (
s
). Não é necessário que haja dolo
ou culpa do agente em relação a esse resultado.
b) Quando o agente ateou o incêndio na intenção
(equivalente a motivo) de facilitar um assassinato ou
roubo (portanto nos termos do art. 249 a 251, e não nos
termos do art. 252 ou 255), ou de provocar uma
sedição. A realisaçfto da intenção constituo uma acção
nova e independente (
d
).
e) Quando o incendiário, tendo em vista impedir
ou dilnVultar a extincção do fogo, afasta ou inutilisa a
p parelhos próprios para a extincção de incêndio (*).
Não se comprehende nesta disposição o facto de
embriagar bombeiros, de deixar escoar-se a agua etc.
Penas : reclusão por tempo não inferior a 10
annos ou reclusão perpetua.
No caso sob a a tentativa é possível, quando a
acção incompleta ou falha deu causa á morte do
(*) A presença no logar (conhecida do agente) ao tempo do
facto deve ter sido a causa da morte que se seguio. Isto succede, por
exemplo, quando uma das pessoas presentes morre de terror ou por ter
saltado pela janella etc. ; mas não quando alguém, tentando apagar o
incêndio, salvar pessoas ou cousas (actos que depois do facto o
levaram ou fizeram voltar ao logar), encontra a morte.
(
d
j Ver a regra estabelecida pelo autor no { 50, II, 4 *. j N. do
trad.
(°) Antes ou depois do incêndio (Hãlschner, Olshausen). N. do
trad.
DOS 0BIME8 DE PERIGO OOMMTJM 361
modo qualificado pela lei; e no caso sob e, quando o
incêndio não foi além da phase da tentativa.
2.° Incêndio doloso com perigo commum (ab-
stracto) para a propriedade ou a rida (G. p., art. 308).
CDá-se, quando é posto fogo a edifícios, embarcações,
cabanas, armazéns, provisões de mercadorias depo
sitadas em praças publicas para este fim destinadas,
provisões de productos agrícolas ou de materiacs
de construcçao ou de combustíveis, searas, florestas
ou turfeiras (*), e esses objectos I
a) pertencem a estranhos o denominado «incêndio
ímmediato»). Deve-se pois admittir a impunidade, não
quando o dono presta o seu consentimento, como quando
o fogo é posto em cousas sem dono, por exemplo,
edifícios abandonados (não se dando tentativa impossível).
b) Ou pertencem ao incendiário, uma vez que as
cousas incendiadas, por sua natureza e situação, sejam
próprias a communicar o fogo a um dos edifícios ou
logares designados no art. 310, n. 1 e 3,1 ou a um dos
objectos pertencentes a outrem acima declarados
(«incêndio mediato»).
Penas : reclusão a 10 annos; occorrendo cir-
cumstancías attenuantes, encarceramento por tempo não
inferior a 6 mezes.
3." O incêndio culposo (art. 309) é somente
punível, quando o incêndio pertence ao numero daquelles
que a lei designa nos arts. 306 e 308.
(
4
) embarcações e cabanas não devem ser inteiramente insi-
gnificantes quanto ao seu valor e tamanho (g 180, nota 6). A idéa de provisões
exige, de um lado, que ellas tenham uma certa importância e, de outro, que se
destinem a uma applicação futura. Na expressão floresta comprehende-se não
a madeira como também tudo o que cobre o solo, como o matto, o musgo,
as folhas; não está comprehendida porém a charneca.
352 TBATADO DE DIREITO PENAL
Penas : encarceramento até um anno ou multa a
900 marcos; si o incêndio deu causa á morte de uma
pessoa, encarceramento de um mez até 3 annos.
Accessoriamente á reclusão, pôde em todos os
casos de incêndio ser autorisada a vigilância policial
(art. 325).
4." Ao incêndio é equiparada (art. 311) a
destruição total ou parcial de um objecto qualquer por
meio de pólvora ou de outras substancias explosivas. O
art. 310 do 0. p. (attenta a sua col-locação) não tem
aqui applicação (
5
).
IV.— A inundação.
Ao passo que o Cod. romano no titulo « De Nili
aggeribus rumpendis » (9, 38), e varias ordenanças
locaes da edade média sobre diques, encerravam
disposições concernentes a inundações pro-positaes,
não se encontram disposições análogas, quer na
Carolina, quer no direito commum. Uma ou outra vez
(como no direito do Palatinado de 1585) é a inundação
tratada nas leis territoriaes como crime sui generis.
a nova legislação (já o AUg. Landrecht prussiano, art.
1571, o tinha feito), tendo em attenção o perigo
commum, collocou a inundação ao lado do
desencadeamento da força natural do fogo.
Inundação — a lei não a define é o desen-
cadeamento da força natural d" agua. Para a idéa da
(
5
) Ver o 3 155. Matérias explosivas são aquollas, cuja explosão
produz uma violenta distensão de fluidos ou gazes e destfarte a
destruição do seu envolucro. Matérias que explodem de outro modo
que o por inflammSo, o pertencem a esta categoria (como o vapor
d'agua). Ver a dec. do Trib. do Imp. de 21 de Janeiro de 92, 22.°, 804.
Numerosas com mi nações contra actos que expõem a perigo de fogo,
encerra o cap. 29 do O. p. (os arts. 867, ns. 4 a 6, 368, ns. 3 a 8, 369, n.
8).
DOS (TEIMES DE PERIGO COMMTTM
353
inundação o basta porem qualquer enchente ou
transbordamento; é necessário que não esteja mais no
poder do agente dominar a força natural, cujo
(desprendimento provocara. Assim o C. p. incluio a
característica do perigo commum na idéa da inun-
dação. Deve pois a culpa do agente (dolo ou culpa
propriamente dita) comprehender também esta cir-
jcumstancia elementar (").
l-
f
Escies.
r 1."— Inundação dolosa. I
a) Com perigo commum (no caso dado) para
a vida humana (art. 312). Penas: reclusão por
tempo não inferior a 3 annos; si a inundação causou
j a morte de uma pessoa (embora não fosse por
submersão), reclusão por tempo não inferior a 10
annos ou reclusão perpetua. A tentativa do caso
(qualificado é, dadas as condições conhecidas 45,
nota 8), possível.
E b) Com perigo commum (no caso dado) para a
(propriedade (§ 313). Penas: reclusão; si o agente
jnão tinha outra intenção (no sentido estricto) senão
proteger a sua propriedade, encarceramento por
[tempo não inferior a um anno (
7
).
2."— Inundação culposa (art. 314) com perigo
[commum (no caso dado) para a vida ou a propriedade.
Penas: encarceramento até um anno; si a inundação
causou a morte de uma pessoa, encarce-jramento de um
mez até 3 annos.
Accessoriamente á reclusão pôde ser autorisada I
vigilância policial (art. 325).
(*) De accordo Binding, Normen, 2.°, 580, Hãlscbnor, 2.», 688, V.
Meyer, 913; divergente Olshausen, \ 812, 6, em razão da collocação i£do
adverbio dolosamente; mas elle mesmo reconhece a insuffi ciência |e_sua
doutrina. — (
7
) A acção conserva o caracter do crime. Cantora, v.
Meyer, £, Olshausen, g 313, a,
T. II 23
S
354
TRATADO DE DIREITO PENAL
§ 149.— II. Crimes e delictos contra as vias-ferreas
e telegraphos
LITTEBATURA. Moller, Das Verbrechen gegen ãi%
materielle Integritãt der Eisenbahmn, 1846; Mevea, G 8,
2tt.% 167 e 242 ; Halachner, 2.°, 641; Loocb, Der straf-
rechtliche Sckntz der Eiseribalmen im DnitskJien Reich, 1883
(Monograpliias do Kriminal. Scminar, 3.°, 2). Snppor, I)a8
cUutsche EisenbaJmíttrafrechl, diss. 1893 mbach, GS.,
23.°, 241; o mesmo, Das Telegraphenslrafrecht, 1872—
Lauterbacta, Die Strafbarlce.it der Beschããigung unterseeischer
TelegraphenJcàbel auf hoher Sce, diss. 18b9 ; Dambach, HV,
8.°, 337 ; Stengleio, NG, 299. Os materiaes coneer-
oernentes á lei complementar de 1891 acham-se impressos
na GA., 39.°, 29.
I.— Pôr em perigo o transporte por via-ferrea. A
protecção que o direito penal dispensa ao trafego em geral
tem acompanhado pari-passu o desenvolvimento das vias-
ferreas. A idéa de via-ferrea deve ser tomada no sentido
explicado 126, nota 4.
a
) ('). Aqui pouco importa que a
via-ferrea seja destinada .a fins públicos ou privados (as
vias-ferreas de fabricas, minas etc), e egualmente que se
ache aberta ou não ao trafego publico. Transporte significa
o trafego na linha em geral, e não um trem individual e
determinado; mas o trafego somente se dá, quando opera-se
do modo correspondente á idéa de via-ferrea, isto ê, por
forças naturaes mortas (inclusive o movimento de carros
mediante utilisação de diíferenças de superfície) e sobre
trilhos fixos. Não está neste caso o transporte que tem por
motor a força animal ou humana (carro de manivella).
(') De aecordo nesta parte Looek, 168; Stooss porém inclue
também as vias-ferreas servidas por animaes.
DOS CRIMES PE PEEIGO COMMTTM 355
A' parte uma única excepção, o 0. p. somente
pune o facto de comprometter-se o transporte por via-
férrea, quando tal facto é commettido a) mediante
damnificaçuo da estrada, do material rodante ou
outros accessorios da via-ferrea, ou b) pondo-se
obstáculos na linha por meio de falsos signaes ou de
outro modo.
Para «a consummação é necessário que, no caso
dado, se tenha de facto posto em perigo o transito, mas
não que tenha havido perigo commum para ai vida
ou para o património, perigo que aliás sempre
acompanha aquelle (
a
).
Em relação á illegalidade prevalecem os prin-
cípios geraes. A extrema necessidade, o desempenho
de um dever offícial etc. a exclue. Aqui, como em
outros casos, não é necessária a consciência da
illegalidade.
Quanto ás penas o Cod. distingue:
a) o perigo causado dolosamente (art. 315).
Penas: reclusão até 10 annos; no caso de grave
oífensa physica (art. 224), reclusão por tempo não
inferior a 5 annos; no caso de morte, reclusão por
tempo não inferior a 10 annos ou reclusão perpetua.
() O transporte por via-ferrea ê posto em perigo, quando,
segundo as circunstancias do caso, occorre o fundado receio de que a
u ti sacão da estrada de ferro para os fins que lhe são próprios, o tra-
fego pela linha seja prejudicado, embora o receio não provenha do
perigo imminente de um determinado transporte. Assim, por exemplo,
o transporte ou transito em geral é posto em perigo, quando, sem
conhecimento da administração, tiram-se os trilhos de uma linha em
exploração, pois, ainda que o primeiro trem ordinário só" muito pos-
teriormente tenha de passar pelo logar damni ficado, de modo que seja
provável descobrir-se em tempo o facto e evitar-se o prígo do alludido
trem, o deixa por isso de ter sido posto em perigo o trafego como
tal, o qual pôde naturalmente dar occasião á expedição de trens extra-
ordinários etc. (Olshausen, $ 816, 7). N. do trad.
356
TRATADO DE DIREITO PENAL
Pôde ser autorisada a vigilância policial (art. 325) .j A
tentativa rege-se segundo os princípios geraes.
O dolo deve comprehender nao só o damno da
via-ferrea etc, senão também o perigo do transporte.'
I 2.°— O perigo culposamente causado (art. 316).
Penas: encarceramento até um anno; no caso de
morte encarceramento de um mez até 3 annos. A culpa
deve referir-se ao perigo do transporte, ao passo que o
acto que causa (damno da estrada etc.), pôde
operar-se dolosa ou culposamente (
b
).
A pena declarada sob o n. 2 é applicavel aos
conductores e a outras pessoas encarregadas da
inspecção e do movimento da linha que, descurando os
deveres que lhes incumbem, comprometterem a segurança
do transporte. Nao é pois necessário que o perigo
resulte do damno da estrada etc. Em relação á culpa,
procede o que se disse acima: ella deve referir-se ao
perigo do transporte, ao passo que a falta de exacção
no cumprimento dos deveres pode ser dolosa ou
culposa (
2
).
(
b
) O perigo pôde ser provocado culposamente, o quando o
acto que o provoca (damno da estrada, colloração de obstáculos) é
praticado culposamente, senão também quando o é dolosamente (por
exemplo, um damno proposital, mas sem previsão do resultado relati-
vamente ao perigo do transito). N. do trad.
(*) Não assim a opinião commum, que faz abstracção de toda
culpa, porquanto o que decide, como em todo delicto por omissão, é o
ponto de vista policial. No mesmo sentido também ffinger, Begriff «ler
Gefahr, 48, nota 1.*, Loock, 203, Olshausen, { 816, 6 (vôr porém o {
86, nota 4), a dec. do Trib. do Imp. de 18 de Maio de 86, 12.°, 203.
Outros, como Hãlscbner, 2.°, 848, contemplam a violação culposa do
dever. Correctamente Geyer, 2, 116. Segundo a dec. do Trib. do Imp. de
9 de Outubro de 91, 22.°, 168, a falta de exacção deve ser dolosa ou
culposa, mas o é necessário [que o perigo do transporte fosse
previsirel (•).
(*) A questio versa sobre saber so basta que haja uma relação
causal entre a violação do dever (dolos» nu culposa), por parle do
DOS CRIMES DE PERIGO OOMiiUM
357
II. Impedir ou comprometter o serviço de um
telegrapho destinado a fins blicos. (Lei de 13 de Maio
de 1891).
Telegrapho é o apparelho permanente (eléctrico,
óptico etc), que transmitte a communicação por elle
expedida, não na sua forma primitiva, mas por meio de
reproducção ('"). Pouco importa que ©| telegrapho seja
terrestre, subterrâneo ou submarino. O art. 3 KJ da lei de
1891 equipara expressamente aos telegraphos os
apparelhos postaes pneumáticos e os apparelhos
telephonicos (
3
). E' indiffe rente que os telegraphos sejam
públicos ou privados; mas devem servir a fins públicos. A
acção, determinada mais precisamente pela lei de 3891,
deve consistir no damno ou alteração feita em partes ou
accessorios do telegrapho. Neste numero entra o facto de
cortarem-se os fios telegraphicos, de derri-barem-se os
postes etc, mas o o de impedir que os empregados
desempenhem os seus deveres. O delicto só consumma-se,
quando a exploração é de
emj> regado o o perigo do transito, ou se é ainda necessário quo a
culpa do empregado se refira a esse perigo. A opinião commurn,
seguida também pelo Trib. do Imp., adopta a primeira doutrina;
o autor, Geyer, Hàlsehner e outros, adoptam a segunda, e portanto
entendem que o delicto não se dá, quando o empregado, apesar do
seu procedimento culposo, não podia prever o perigo, quando este,
por exemplo, podia dar-se em circumstancias extraordinárias, que
não eram de esperar. N. do trad. H
(
a
) A essência do telegrapho consiste em que elle reproduz de um
modo apreciável, em um logar, o pensamento externado em outro, som que
com a noticia se opere a transmissão de um objecto e especialmente do meio
que serviu originariamente para a communicação. (Olshauseii). K. do trad.
(') Deste modo foi resolvida no verdadeiro sentido uma questão
vivamente controvertida a respeito dos tclephones, pelos quaes se também
transmissão de ondas sonoras. Ver especialmente a dec. do Trib. do Imp. de
28 de Fevereiro de 83, 19.°, 55.
358 TBATADO DE DJBEÍTO PENU,
facto impedida ou compromettida. Segundo o conceito
do delicto, não é necessário que no caso concreto se dê
perigo commum, mas este sempre se dá, quando a
utiiisação do telegrapho é impedida ou perturbada (*).
Quanto ás penas a lei distingue :
1.°, O commettimento doloso e illegal (C. p., art.
317).
Penas: encarceramento de um mez afe* 3 annos.
O dolo deve comprehender o impedimento ou o perigo
da exploração.
2.°, O commettimento culposo (art. 318).
Penas : encarceramento até um anno ou multa até
900 marcos. A culpa deve comprehender o
impedimento ou o perigo, ao passo que o acto que
causa pôde ser praticado dolosa ou culposamente.
Na pena declarada sob o n. 2, incorrem as pessoas
encarregadas da inspecção do serviço dos telegraphos
e seus accessorios, quando, por falta de exacção no
cumprimento dos seus deveres, impedem ou
compromettem o serviço. Também aqui tem
applicação a regra relativa ao caso correspondente do
perigo do transporte por via-ferrea.
III. Em ambos os casos (I e II) a lei com-mina
uma pena accessoria especial.
Os empregados condemnudos por alguns dos
delictos mencionados poderão ser inhabilitados para
exercer emprego na administração de uma via-ferrea
ou telegrapho ou em determinados ramos desse
serviço.
Os directores de uma companhia de viação
(*) A lei de 1891 desempenhou o compromisso que o império da
Allemanha tomara sobre si no art. 2, ai. 1.* do tratado internacional de
14 de Março de 1884 (vôr o \ 21. V, 1) concernente a protecção do
cabo submarino.
DOS CRIMES DE PERIGO COMMtJM 359
férrea (
5
) ou de um estabelecimento telegraphico destinado
a fins públicos, que não despedirem imme-diatamente o
empregado condemnado, depois de terem recebido
communicaçâo da condemnação passada em julgado,
incorrem em multa até 300 marcos ou encarceramento até
3 mezes (C. p., art. 320). NSo é necessário o dolo, basta a
culpa.
Nas mesmas penas incorre : 1.°, o empregado
declarado incapaz, si acceitar emprego no serviço de uma
via-ferrea ou estabelecimento telegraphico; 2.°, aquelles
que, tendo conhecimento da incapacidade, admittirem no
serviço o individuo declarado incapaz (
8
).
IV. — A lei ai lema de 21 de Novembro de 1887 para
a execução do tratado internacional de 1884 concernente á
protecção do cabo submarino pune no art. 2.°, com penas
próprias da contravenção (multa até 600 marcos ou
encarceramento a 3 mezes) todas as infracções das
disposições que se contém nos arts. 5 e 6 do tratado
relativo a protecção dos navios ao serviço do cabo.
§ 150. III. Crimes e delictos relativos a
construcções hydraulicas, perigo da na
vegação etc. I
I. Destruição ou damno de construcções
hydraulicas (conductos d'agua, represas, ensecado-res,
diques, molhes e outras obras), de pontes, barcos de
passagem, caminhos, aterros (ainda que
(
5
) Sob esta relação não ha differoa entre as companhias par-
ticulares e as vias rreas do Estado. Neste sentido a opino co nmum
também Loock, 207. Conirà, Olsliausen, | 820, 2.
(*) Assim está também comprehendido o caso daquelle que,
tendo sido declarado incapaz para determinado ramo do serviço, é
depois adraittido nesse mesmo ramo. Neste sentido a opinião comnwm.
Contra, Olshausen § 320, 4.
360
TEATADO PB DIREITO PENAL
não sejam públicos), de apparelhos existentes nas
minas para esgotamento das aguas, introducção do ar,
entrada ou sahida dos trabalhadores, o facto de estorvar
as aguas (e não somente a navegação) de rios, vias ou
canaes navegáveis, quando d'ahi resulta) perigo para a
vida ou a saúde de outrem (exige pois a lei perigo
commum no caso dado) ('). Não basta que haja perigo
para o património.
1.° Quando o facto é praticado» dolosamente
(art. 321), penas: encarceramento por tempo não
inferior a 3 mezes; si resultar uma grave offensa
physica (art. 224), reclusão até 5 annos; si resultar
a morte de uma pessoa, reclusão por tempo não
inferior a 5 annos. 'Accessoriamente á reclusão,
pôde ser autorisada a vigilância policial (art. 325).
O dolo deve comprehender também o perigo (~).
O resultado grave porém é somente condição de
punibilidade. ';
2.° Quando praticado culposamente (art. 326),
penas: encarceramento até um anno, no caso de damno,
e, si resultar a morte de uma pessoa, encarceramento de
um mez até 3 annos. A culpa, ( como o dolo, no caso
antecedente, deve comprehender também o perigo.
Causar um damno (isto é, converter-se o perigo em
offensa «á vida ou á saúde de outrem ») (
3
j é
condição de punibilidade. I
(>) Egualmente Hâlschner 2.°, 653, Siebenimar, 2, 4 °, 286.
Contra, com a opinião conimuui, Geyer, 2.°, 117 Olshausen, § 331, 7
(perigo de varias pessoas).
C) De acrdo lschner, 2.°, 653, v. Meyer, 903 Cu>tí,\
[Olshausen, § 321, 8.
(
8
) Muito controvertido. A dec. do Trib. do Imp. de 19 de Abril
de 88, 8.°, 218, iuclue também o-damno á propriedade. Egualmente
Geyer, 2.°, 118, lschner, 2.°, 655, Olshauseu, g 826, 4.1 Em sentido
contrario milita a redacção do art. 821 e a relação geral entre o perigo
e"-a offensa. Correctamente v. Meyer, 908.
DOS OfilMES DE PEBIGO COMMUM 361
I II. Crimes e delictos relativos a signaes de navegação,
ou melhor, a signaes destinados á segurança da navegação
e a outros signaes collocados, isto é, postos (também os
fluctuantes) para o mesmo [fim. A lei menciona o facto de
destruir, tirar ou inutilisar taes signaes, ou apagar taes
fogos, ou deixar de collocal-os, com violação dos deveres
do cargo, ou eollocar um falso signal, que possa com-
prometter a'segurança da navegação (marítima ou fluvial),
e especialmente o facto de accender á noite, nos pontos
elevados do littoral, fogos que tornem perigosa a
navegação (basta perigo commum em abstracto).
I 1." — Quando o facto é dolosamente praticado (art. 326),
penas : reclusão até 10 annos; si resultar o naufrágio de
uma embarcação, reclusão por tempo o inferior a 5
ânuos; si resultar a morte de uma pessoa, reclusão por
tempo não inferior a 10 annos [ou reclusão perpetua. E'
facultativa a sujeição á vigilância policial, segundo o art.
325.
2.° — Quando culposamente praticado (art. 326),
tem applicação quanto á idéa e quanto á pena o que se
disse acima sob os ns. 1 e 2.
III. Fazer sossobrar ou dar á costa uma
embarcação, pondo-se em perigo a vida de outrem
necessário perigo commuin in concreto) (
4
). I" 1.°
Quando o facto é dolosamente praticado (art. 323), penas:
reclusão por tempo não inferior a 5 annos; si resultar a
morte de uma pessoa, reclusão por tempo não inferior a 10
annos ou [reclusão perpetua. B' facultativa a sujeição á
vigi-jlancia policial (art. 325).
¥^ (*) Eguttlmente Siebeubaar, Z., i.°, 287; Contra, Geyer, 2.°, 118;
Hàlechner, 2.°, 659, v, Meyer, 918, Olshausen, \ 823, 3, Rotering, le
A, 31.°, 277.
362 TRATADO DE DIJtKITO FKKAÍ.
2.° Quando praticado culposamente (art. 326),
tem applicação quanto á idéa e quanto á pena o que
acima se disse sob os ns. 1 e 2.
O dolo e a culpa devem compr o *
perigo.
§ 151.—IV. Crimes e delictos relativos a
enfermidades contagiosas
Para não separar na exposição dos crimes de perigo
comimun os que o legislador reunio sob este titulo,
oceupar-nos-liemos também n'este logar com os arts. 327
e 328 do C. p., comquanto taes artigos já em razão de sua
intima e indissolúvel connexEo com outras leis
imperiaes, em razão de seu cara-
:
' cter de «leia em
branco» (porque têm em vista certas e determinadas
prescripções), devem ser mais correctamente
classificadas no ponto de vista do sys-tema entre os
delictos contra a administração publica e propriamente
entre os delictos contra a,policia sanitária.
I.— O art. 327 do C. p. pune aquelle que viola
scientemente as medidas de isolamento ou de
vigilância, ou as prohibições relativas á importação
que a autoridade competente tenha estabelecido para o
fim de prevenir a introdueção ou a propagação de uma
enfermidade contagiosa (*).
Neste numero comprehendem-se somente as me- .
didas a que a lei se refere, e não outras prescri- 1 pções
da autoridade tendentes ao mesmo fim. Da redacção do
artigo resulta que a lei não tem em vista regulamentos
permanentes, mas as prescripções que são decretadas ou
que entram em vigor em re-
(') Isto é, enfermidade contagiosa para o homem, embora ataque
também os animaes.
DOS CRIMES PE PERIGO COMMUM 363
Bfigão a uma determinada enfermidade imminente ou
Bique já está lavrando (
2
).
Penas i encarceramento até 2 annos; si em consequência
da infracção fôr alguma pessoa atacada da enfermidade
contagiosa, encarceramento de 3 mezes
I Até 3 annos.
II. — O art. 328 pune aquelle que viola scien-
temente as medidas de isolamento ou de vigilância)
j! ou as prohibiçoes relativas á importação que a autoridade
competente tenha estabelecido para o fim
\\-áe prevenir a introducção ou a propagação de epi-
%ootias.
As circumstancias constitutivas deste delicto -
Correspondem plenamente ás do art. 327; o que ha de
novo é que figuram as epizootias em logar das
enfermidades contagiosas. Os princípios acima esta-
belecidos têm pois também applicação a este caso. Penas:
encarceramento ate um anno; si em Consequência da
infracção o gado fôr atacado de «pizootia, encarceramento
de um mez até 2 annos.
§ 152.—V. Envenenamento de fontes e de
V objectos de uso
I. — O envenenamento de fontes e prados, como
crime distincto e independente do envenenamento
ímples 90, I), tem o seu fundamento nas constituições
saxonias (4.°, 18), que comminavam a pena de morte pelo
fogo. O mesmo pensamento en-contra-se reproduzido na
legislação territorial do direito commum (como o direito
do Palatinado de 1682, o prussiano de 1620). No novo
direito este
(*) De accordo a dec. do Tri-b. do Imp. do 24 de Janeiro de
17.°, 72. Contra, Geyer, 2.°, 118, Hàlschner, 2.°, 675, v. Meyer, I,
Olíhausen, § 327, 5.
364
TRATADO DE DIREITO PENAL
crime serve de transição immediata para a falsificação
de viveres e artigos análogos. Mas a denom nada «lei
sobre os viveres» 156) especificou, de um lado,
certos objectos que servem 4 alimentação, ao goso ou
consumo, porque qualquer falsidade ou falsificação
d'elles envolve maior perigo, e, de outro lado, indo
muito além do art. 324 do C. p., não qualificou o
facto de comprometter-se a saúde, senão também o
damno do património pòr meio da fabricação e venda
de objectos falsificados de pequeno valor (equivalentes
ou succedaneos).
II. — O art. 324 do C. p. qualifica:
a) o envenenamento de fontes ou reservatórios^
d'agua que servem para o uso de outrem (isto é, que
fornecem agua para o uso pessoal de outrem, e que
portanto não são utilisados como meio de exploração,
para lavagem, bebedouro de aniinaes, pesca, etc.);
b) o envenenamento de objectos destinados á
venda ou ao consumo publico (portanto sem limitação
e determinação individual de tomadores), ou o facto
de misturar com esses objectos substancias que o
agente sabia serem próprias a destruir a saúde, dado o
uso de ta es objectos conforme ao seu destino;
v) o facto de vender, ter á venda ou r em
circulação (') scientemente taes objectos envenenados
ou misturados com substancias perigosas, guardando-
se silencio sobre suas qualidades. Entra n'este numero
a transferencia a outrem. Basta o perigo coin-mum
abstracto.
Quando o facto é dolosamente praticado (art.
324), penas: encarceramento até 10 annos; si re-
(') A palavra vender deve ser tomada no sentido do direito civil.
Ter á venda é ter prestes para à venda. A expressão pòr em circulação
designa toda transmissão (mesmo não retribuída) do poder de dispor a
outrem.
DOS CRIMES DE PERIGO OOMMTJM
365
saltar a morte de uma pessoa, reclusão por tempo
[não inferior a 10 annos ou reclusão perpetua. E'
:S facultativa a sujeição á vigilância policial (art. 325).
Quando praticado culposamente, tem applicação
|a pena declarada acima no § 150, I, 2 (art. 326).
§ 153.—VI. Inexecução de contractos
,çle fornecimento I
LITTERATURA. —Hálscliner, 29, 681; Lass, Da» DetiM
I gegen Me Kriegsmacht des Staats nach § 229 St. G B. 1888.
T Cons. também as obras mencionadas no § 132, e especial-
I mente Sickel, 174.
I. — Apartando-se de princípios que aliás observa I em
outras matérias, o C. p. sujeita a penas no art. 329,
dados certos requisitos, a violação do con-I tracto de
fornecimento concluído com uma autoridade. I Esta
disposição deriva do Cod. francez (art. 430 la 433) que,
entretanto, refere-se somente a forneci-Imentos para a
administração militar. O cod. prus-Isiano imitou o
francez, protegendo também os fornecimentos que deviam
ser feitos em uma situação Ide calamidade publica, e,
comquanto os demais cod. lallemães não fizessem o mesmo e
a sciencia não se joecupasse com tal delicto, passou aquella
disposição para o C. p. imp. com equiparação da marinha im-
perial ao exercito. Não attendeu porém o legislador que o
delicto definido no art. 329, na sua primeira parte (adiante,
II a) não se assignala tanto pelo seu caracter de perigo
commum quanto pela sua |direcção contra o poder
militar do Estado. Mais correcta é a concepção do cod.
húngaro e do cod. tollandez e dos projectos austríacos.
II.—O art. 329 do C. p. pune a inexecução isto é, a
não execução no tempo determinado ou egundo o modo
estipulado) do contracto celebrado
360 TRATADO DE DIREITO PENAL
com uma autoridade e relativo: a) ás necessidades
do exercito ou da marinha em tempo de guerra (')• b)
ao fornecimento de viveres para o fim de pre-venir-se
ou de remediar-se uma calamidade publica, quer esta
resulte de colheita, de inundações, de irrupção do
mar, quer de outras causas, como o typho causado pela
fome ou outras pestes.
O que regula nao é a época em que o forne-
necimento deve ser feito, nem aquella em que o
contracto foi concluído, mas sim o momento em que
as necessidades surgem e pedem satisfação.
Penas:
1.°—No caso de dolo, encarceramento por tempo
nâo inferior a 6 mezes; facultativamente perda dos
direitos civicos. Basta o perigo commum abstracto; O
dolo deve comprehender tamm o destino dos
fornecimentos.
2.°—No caso de culpa, isto é, da inexecução
culposa do contracto (aqui é também necessário que o
agente tenha conhecimento do destino dos forne-
cimentos), encarceramento até 2 annos. Mas a pu-
nibilidade depende de que se tenha causado «damno»,
isto é, que não fossem satisfeitas as necessidades do
exercito ou da marinha, ou que a calamidade publica
não fosse prevenida ou remediada (
3
).
As mesmas penas applicam-se também aos sub-
fornecedores, intermediários e mandatários dos for?
necederes, que, sabendo o fim do fornecimento,
deram causa dolosa ou culposamente á inexecuçRo do
contracto.
(') Não comprehendem-se pois na lei outros contractos, como
por exemplo os contractos para o transporte de tropas. Actos contra
alliados, bem como actos praticados por estrangeiros no estrangeiro,
devem ficar impunes.
(') De accordo Geyer, 2.°, 121, I^oss, 62. Vão roais lorig» v.
Meyer, 926, Olshausen, $ 829, 6.
DOS CRIMES DE PERIGO OOMMUM 307
§ 154.—VII. Violação das regras da arte
I das construcções
I O facto de suscitar-se um perigo para outrem em
razão das violações das regras, geralmente recebidas,
da arte das construcções na execução ou direcção de
uma obra ('), facto que o cod. prus-siano, seguindo o
AUg. Lanãrecht, incluio entre as oíTensas physieas,
foi incluído pelo C. p. imp. entre os delictos de perigo
commum (art. 330).
Segundo a redacção da lei, deve dar-se, no caso
concreto, perigo commum, e, na verdade, para a vida
ou a saúde. O perigo deve resultar do estado actual da
constracção; não pdde depender de um facto futuro
(por exemplo, desenvolvimento da construcçSo).
Não é necessário o dolo, basta a culpa; aquelle e
esta devera comprehender o perigo.
Penas: multa a900 marcos ou encarceramento
até um anno.
' (') A lei tom npplicnçno a toda actividade constructora, quer
|se trate de construir sobre o solo ou abaixo delle, de construcções hy-
draulicas ou relativas a minas (dec. do Trib. do Imp. de 10 de Nov,
de 92, 28.°, 277) quer ria execução da transformação nu demolição de
edifícios (dec. de 23 de Jau. de 94, 25?, 20. Contra, a de 4 de Nbv.
de 90, 2.", 142). 9
II—DO ABUSO DE MATÉRIAS EXPLOSIVAS
§ 155.
5 LITTERATURA.—Hálschner, G S, 389, 161; ScheiffJ Das
Dynamitgeaetz von 9 Juni 1884, 1886; Neokamp, HSt, 59,
816 ; Appellius, XG, 549.
I.—A lei de 9 de Junho de 1884 contra o
«emprego de matérias explosivas, criminoso e de
perigo commum», lei provocada pela repetão dos
attentados dos anarchistas, qualificou novos crimes,
que encontram neste logar a sua mais conveniente!
collocação, comquanto em parte digam respeito á
policia industrial (frustrar a inspecção do Estado),
e em parte se relacionem com outras figuras crí-i
minaes (a provocação publica, deixar de dar denun
cia etc). Isto mesmo mostra incontestavelmente
que o meio de ataque é que caracterisa esses)
delictos e desfarte determina a sua classificação no
systema da parte especial. E' lamentável a péssima
redacção da lei. I
gj II.—Os delictos de que trata a lei de 9 de Junho de
1884 formam os seguintes grupos:
1.°—Comprometter dolosamente a propriedade,)
a saúde ou a vida de outrem, quando o perigo
DO ABUSO DE MATEBIAS EXPLOSIVAS 369
resulta do emprego de matérias explosivas (*) (art. 5).
Fazem-se mister no caso dado o perigo e a consciência
delle.
Pena: reclusão.
Si do facto resultar uma grave offensa physica,
reclusão por tempo não inferior a 5 annos, e si resultar
a morte de uma pessoa, reclusão perpetua ou por
tempo não inferior a 10 annos (art. 5.° ai. 2.°). A
tentativa 4 possível (§ 45, nota 8).
Si do facto resultar a morte de uma pessoa e o
agente podia prever esse resultado, pena de morte (art.
5, ai. 3.°) (
2
).
p 2.°— A estas disposições liga-se a comminação
contra conluios criminosos («conspiração de dynami-
tistas ») e outros actos preparatórios.
a) Si vários indivíduos concertarem-se para a
execução de algum ou de alguns dos actos de que trata
o art. 5.° ou associarem-se para a pratica continuada
de taes crimes, embora ainda não determinados
individualmente, incorrem na pena de reclusão por
tempo não inferior a 5 annos, ainda que a resolução
criminosa não se tenha manifestado por
(') Sobre o que seja matéria explosiva ver o £ 148, nota 1. O emprego
de matérias explosivas como meio próprio para tiro (art. 1?, ai. 8? da lei) não
se comprehende no art. 5.°.
(*) Disposição inteiramente obscura. Quem pre que a sua
acção tem por consequência a morte de uma pessoa, obra dolosamente.
Quem não o prevê, mas podia e devia prevel-o, obra culposamente.
A lei applica pois a pena de morte, de um lado, a casos em que
a applicação desta pena comprehende-se, e de outro, a casos em que
necessariamente não se sequer culpa. Referem a disposição á culpa
Geyer, 2.°, 122 e Lõning, 102. Uns exigem culpa lata, outros dolo
indeterminado. Segundo Appelius, 568, trata-se de uma dispensa de
prova. Não assim segundo a justificação do projecto. Não são claros
Hãlschner, 2.°, 683, nota l.
a
e v. Meyer, 912. Contra a disposição
(como contra os defeitos da lei em geral) Seuffert, St O. 1.°, 40.
T. II 2*
370 TRATADO DE DIREITO PENAL
actos que constituam um começo de execução (art. 6). A
conspiração e a associação são portanto punidas como
crimes mi generis. Assim deve-se considerar excluída a
possibilidade de uma tentativa punível (
3
). Em contrario á
regra geral e em virtude de expressa disposição da lei
(«ainda que...etc»), a execução do crime concertado não
obsta que seja punido o acto preparatório (§ 56, II) (
4
).
è) Quem publica, obtém, encommenda ou tem
(scientemente) em sua posse (equivalente a detenção de
facto) matérias explosivas na intenção de em-pregal-as ou
de habilitar um terceiro a empregal-as de modo a
comprometter a propriedade, a saúde ou a vida de outrem,
incorre em pena de reclusão até 10 annos (art. 7, ai. l.°).
Incorre na mesma pena quem transmitte á outra
pessoa matérias explosivas, sabendo que taes matérias são
destinadas á pratica de um crime previsto no art. 5 (art. 7,
ai. 2.°).
c) Quem fabrica, obtém, encommenda, tem
scientemente em sua posse ou transfere a outras pessoas
matérias explosivas em circumstancias das quaes não
resulta que taes actos tendam a um fim licito, incorre em
reclusão até 5 annos ou encarceramento por tempo não
inferior a um anno.
Esta disposição o tem applicação ás matérias que o
Bundesrat designar (
5
) nos termos do art. 1, ai. 3 da lei
(art. 8).
3.°— Violação das prescripções que têm por fim a
fiscalisação do fabrico, venda, posse e intro-ducção de
matérias explosivas (prescripções de policia industrial).
(
8
) Em sentido contrario Appelius, 661.
(*) Erroneamente a 5* ed. deste tratado.
(
8
) Matérias explosivas que são preferidas como meios próprios
para tiro.
DO ABUSO DE MATÉRIAS EXPLOSIVAS 371
1 Quem, infringindo o disposto no art. 1, ai. 1,°
da lei, emprehende, sem autorisaçfto da policia,
fabricar, importar do estrangeiro, ter á venda, vender
ou de outro modo transferir a outrem matérias
explosivas, ou quem é encontrado na posse de taes
matérias, sem mostrar a licença da policia, incorre,
qualquer que seja o fim que o agente tenha em
vista, na pena de encarceramento de 3 mezes até
2 annos (ar*. 9, ai. 1.°). I
I Na mesma pena incorre quem viola as prescri-
pções do art. 1, ai. 2." ("), bem como as prescri-
pçoes emanadas das autoridades oentraes nos termos
do art. 2, ou as disposições policiaes já decretadas
ou que forem decretadas sobre o commercio das
matérias explosivas, a que se refere o ai. 1." (art. 9,
|aL !•) O-
4.°— Provocar publicamente 173) a trans-
gressão da lei, bem como louvar a transgressão
(glorificação J.
I Quem faz provocação de publico e deante de uma
multidão de pessoas no sentido de ser com-mettido
algum dos crimes definidos nos arts. 5 e 6 da lei ou de
participar-se delles, ou quem isto faz, espalhando
escriptos, por editaes públicos, por pu-jblica exposição
de escriptos ou de outras representões, ou ainda em
escriptos ou outras representações (
8
), [incorre na pena de
reclusão (art. 10, ai. 1).
(*) Eseripturação de registros sobre a quantidade das matérias
explosivas fabricadas etc, sobre as procedências o os logares onde param;
obrigação de apresentar esses registros.
(*) Portanto não se comprobendem nesta disposição as matérias
explosivas que «) são proferidas como meios próprio* para tiro, ou que ») são
fabricadas, possuída*, introduzidas ou vendidas por empregados federaes ou
locaes da administração competente e para uso próprio.
(') palavras em gryplio faltam nas qualificações da nossa legislação
imperial concernentes ás outras provocações publicas. Deste
372
TE£Mift^jMjniiME>IFMBXL
Na mesma pena incorre quem do modo indi-cado
excita ou seduz 51, nota 3) para a pratica dos crimes
de que trata o ai. l.°, especialmente louvando-os ou
representando-os como factos gloriosos (art. 10, ai. 2).
5.°— Deixar de dar denuncia (§ 182, IV).
Incorre na pena do art. 139 do C. p. quem,] tendo
tido conhecimento de um modo
t
.fidedigno da
machinação de um crime previsto no art. 5 da lei, de
1884 ou de um concerto previsto no art. 6 ou de facto
que constitua um dos crimes previstos no art. 7 da
mesma lei, deixar de dar denuncia em tempo devido á
pessoa ameaçada pelo crime ou á autoridade policial
(art. 13) (
9
).
III.—Penas accessorias e medidas objectivas.
Nos casos dos arts. 5, 6, 7, 8 e 10 pôde ser |
autorisada a vigilância policial.
Nos casos dos arts. 5, 6, 7 e 8. e no caso de ser
applicavel alguma das disposições do art. 9 deve ser
decretado o confisco dos objectos destinados ao preparo
das matérias explosivas e nelle empregadas, bem como
o confisco da provisão de taes matérias existente em
poder do condemnado, quer lhe per- j tença, quer não
(art. 11).
Finalmente a lei estende as disposições contidas
no art. 4, ai. 2.°, n. 1 do C. p. (concernentes á punição
dos actos delictuosos praticados no estrangeiro) aos
crimes previstos nos arts. 5, 6, 7, 8 e 10 da mesma lei
(art. 12).
modo vae-se além da idéa da provocação publica. Na realidade o art.
10 pune também a tentada instigação para coparticipação no preparo
de um crime relativo a matérias explosivas.
(•) Notem-se as divergências relativamente á redacção do art.
189 do C. p.
III. — DA FALSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS
§ 156.
ffl
LITTERATURA. Os trabalhos preliminares da lei
encontram se na G A, 27." Edições da lei coniraentadas por
v. Meyer e Finkelnburg, 2? ed., 1885; Zinn, 2? ed,, 1885;
Kleinfeller, N G. 323. Finkelnburg, W V., 2?, 30, 152;
Lobner, Die Gezetgbung des alten unã nenen] DeuUehen
JBeichs wiãer Verfàlschung der Nahrimgsmittel, 1878; v.
Scliwartze, 31, 81.°; Halschner, 2.", 665; Reiffel, G A. 39.°,
109; Uffelmann, HSt., 5.°, 2; Damme, GS, 45.°, 125. [**>-
Exposição hisrica apud Elben, Zur Lehre von der
WarenfàUtchung, 1881. Aos n.°" IV, V e VI, a ed. de
Haas com os materiaes, 1887.
B I. A falsificação de mercadorias, crime pre-
sentemente qualificado pela lei de 14 de Maio de 1879
(modificada pela lei de 29 de Junho de 1887) concernente
ao commercio de viveres, artigos de consumo e objectos
de uso, forma a transição entre os crimes de perigo
commum e os de falsidade. Com os primeiros tem de
commum o attentar de um lado contra o corpo e a vida,
bem como contra o património, e, de outro lado, o recorrer
a forças natu-raes, que, comquanto não actuem de um
modo imponente, realisam ainda com maior segurança a
obra da destruição; com os segundos a peculiaridade da
acção, a contrafacção e a falsificação, a fabricação ou a
adulteração abusiva de certas fórmas conhecidas no
commereio. Si houvesse, pois, um grupo de crimes de
falsidade systematicamente justificado, a falsificação de
374
TRATADO DE DIREITO PENAL
mercadorias, pelo menos a da legislação imperial -—
poderia reclamar uma collocação especial no seio delle.
II. na edade media allemã a falsificação de
mercadorias tinha certa importância. Os direitos municipaes
continham muitas disposições penaes relativas á
falsificação das mercadorias de ouro e prata, de panno e
seda, de alimentos e bebidas. Encontra-se comminada
mesmo a pena de morte (2, 10, 242). Também as
ordenanças policiaes do Império como as dos Estados
occupam-se com delictos análogos. O art. 133 da Carolina
punia com pena criminal, e em certos casos com a de morte,
aquelle « que, de modo doloso e perigoso, falsificasse
medidas, balanças, pesos, especiarias ou outras mercadorias
e delias se utilizasse e as desse por verdadeiras ». O direito
commum individualisou a falsificação de mercadorias, e
principalmente a « adultera tio vini » como « caso nomeado
»| de falsum e a punia, em certas circumstancias, mesmo
com a pena de morte (ás mais das vezes dada na forca como
pena do furto). O direito austríaco de 1707, a propósito do
envenenamento, as-signalou alguns casos. O AUg.
LandrecM, art. 733, comminava a pena de um a3 annos
de prisão contra quem falsificasse viveres de modo nocivo
á saúde, ao passo que no art. 1442 considerava como «
bnrla publica » qualificada a falsificação de mercadorias e a
de medidas e pesos.
Faltou á legislação allemã deste século a com-
prehensão da importância pratica do delicto em questão, e
foi-lhe necessário o estimulo de paizes estrangeiros,
principalmente da Inglaterra e da França, para reintroduzil-
o no nosso direito penal (
a
).
III.—A lei de 14 de Maio de 1879, que
(•) Ter na Class. dos Orim., p. 199 a 203, a antiga legislação
portugueza sobre « medidas falsas e mercadorias corruptas ou venenosas »
(crimes contra o commereio publico, segundo P. e Souza). 2í. do trad.
DA FALSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS
375
imita frequentemente a lei ingleza de 1875, refere-se (art. l.°)
ao commercio de viveres e artigos de consumo 127, VII.),
bem como ao de brinquedos, tapetes, cores, utensilios para
comida ou bebida, utensílios de cosinha, e ao negocio de
petróleo e encerra disposições de importância diversa no ponto
de I vista dos princípios, as quaes serão aqui reunidas para
delias darmos uma idéa synthetica.
A. — Antes de tudo o commercio dos alludidos
I objectos —e nesta parte trata-se de medidas de po
licia sanitária ou industrial — é sujeito á inspecção
do Estado (arts. 1 a 4).
A resistência a essa inspecção (recusar a en-
trada nos logares destinados ao negocio, oppor-se a que as
mercadorias sejam examinadas, revistas em
I presença das autoridades policiaes competentes) su
jeita, quando não tenha appli cação o art. 113 do
O. p., á multa de 50 a 150 marcos ou á detenção
(art. 9). Além disso, foi conferido ao Imperador
(com o concurso do Bundesrat) um amplo poder re
gulamentar ( art. 5 a 7), em virtude do qual podem
ser prohibidos a fabricação, o deposito, o enfarda-
mento, a venda e o emprego de certos objectos.
A infracção de taes ordenanças é punida com multa
até 150 marcos ou com detenção (art. 8).
Ba
B. As seguintes disposições visam em pri
meiro logar a protecção do património contra o pre
juízo resultante de falsificações. Devemos distinguir
estes dois casos :
1." A contrafacção ou a falsificação de viveres ou
artigos de consumo para o fim de illudir-se o commercio
(enganar deve ser o motivo). Contrafacção significa neste
logar a fabricação de succe-daneos ou equivalentes (não
designados como taes); a falsificação (não assim a
falsificação de moedas e documentos, em que se trata de
meios de authen-ticação e de sígnaes representativos do
valor) é todo
376 TKATADO DE D1BE1TO PENAL
acto humano, pelo qual é dada á mercadoria a ap-
parencia de qualidades superiores, isto é, mais valiosas
do que as que ella de facto tem (
b
).
2.° O facto de vender scientemente viveres ou
artigos de consumo corrompidos, contrafeitos ou
adulterados, calando o vendedor esta circumstancia,
bem como o de pol-as scientemente á venda com
designações próprias a induzir em erro (
I
). Corrom-\
pida se acha a mercadoria, quando em consequência de
uma mudança do seu estado regular torna-se imprópria
a servir como alimento ou como artigo de consumo.
Não estão neste caso os fructos não maduros, a carne
do vitello não nascido (').
(
b
) Segundo Olshausen, diz-se falsificada a mercadoria, quando, mediante
um acto nella mesmo emprehendido, a mercadoria é peio-rada, conservando a
mesma apparencia de qualidades superiores ás que possue. Uma e outra cousa
tém logar frequentemente pelo addiciona-mento de substancias, mas também
pôde ter logar tirando-se substancias de que a cousa deva compor-se ou por
ambas as operações. Assim, «quando vinho Wiker é vendido por Hocheimer,
não se falsificação, porque falta o primeiro característico da falsificação de
uma cousa, o effeito sobre ella exercido». Em geral, o delicto em questão o
pôde ser encontrado na simples denominação não verdadeira, na falsa etiqueta
ou embalagem de uma cousa. A doutrina contraria (v. Schwartze, Meyer e
Finkelnburg) é incompatível com o sentido não duvidoso da palavra e com a
redacção da lei. Em CHSO dado pôde o facto constituir o crime de burla ou uma
offensa da lei sobre as marcas de fabrica. Também não se dá falsificação,
quando emprestam-se qualidades a um objecto, sem que se falsifique ou se
imite um objecto que tenha realmente essas qualidades (Merkel). W. do trad.
(•) Faz-se mister uma transferencia retribuída. Não assim no «introduzir
na circulação». Ver também o \ 162, nota 1*.
(*) Contra, Eleinfeller, 854 («).
(°) Contra egualmente o Trib. do Imp. (dec. de 3 de Janeiro de 82)
relativamente ao vitello não nascido, bem como Olshausen, que considera
corrompido o género, «quando o processo do seu desenvolvi* mento natural
para producto normal é impedido». N. do trad.
DA FALSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS 377
Cada um destes factos ê punido com as penas de
encarceramento até seis mezes e multa até 1500 marcos ou
com uma delias (art. 10). Si um dos factos designados sob
o n. 2 é praticado culposamente, o autor incorre em multa
até 150 marcos ou detenção (art. 11).
C. Finalmente as disposições do 3." grupo
protegem a saúde contra falsificações de perigo commum.
Esíe 3.° grupo comprehende os seguintes casos :
1.° — O facto de fabricar objectos destinados a servir
a outrem como alimentos ou artigos de consumo, de modo
que o consumo dos ditos objectos (
3
) (conforme ao seu
destino) seja próprio a prejudicar a saúde, bem como o
facto de vender, ter á venda, introduzir na circulação
géneros, cujo consumo é próprio a prejudicar a saúde
humana, como alimentos ou artigos de consumo.
2.° O facto de fabricar peças de vestuário,
brinquedos, tapetes, utensílios para comida ou bebida,
utensílios de cosinha ou petróleo, de modo que o uso de
taes objectos conforme ao seu destino ou o uso previsível
seja próprio a prejudicar a saúde humana (
4
), bem como o
facto de vender, ter á venda, introduzir na circulação os
ditos objectos.
Em ambos estes casos não é necessário que o
comprador soífra damno em seu património, bem como
não é necessário que labore em erro. Assim a transferencia
do objecto mesmo com a declaração de suas qualidades
nocivas é punível.
(*) O consumo mesmo, e não porventura as representações e sen-
sações que o acompanhem ou o sigam (náuseas etc.). Dec. do Trib. do
Imp, de Outubro de 88, 18, 185.
(*) Sobre esta idéa ver o § 86.
378 TRATADO DE DLBEITO PENAL
A pena é graduada do seguinte modo :
a) Quando o facto é praticado dolosamente, I a)
no caso simples (art. 12), encarceramento e
facultativamente perda dos direitos vicos. A tentativa
é punível. Si resultar uma grave offensa phy-sica (art.
224) ou a morte de uma pessoa, reclusão até cinco
annos.
b) No caso qualificado (art. 13) e que se dá,
quando o consumo ou o uso dos objectos mencionados
é próprio a destruir a saúde (
6
) e o agente tem
conhecimento dessa qualidade, reclusão até 10 annos.
Si resultar a morte de uma pessoa, reclusão por tempo
não inferior a 10 annos ou reclusão perpetua. E'
facultativa a sujeição á vigilância policial (com
fundamento immediato no art. 324 do C. p.).
b) Quando o facto é praticado culposamente (art.
14), multa até 1.000 marcos ou encarceramento até
seis mezes. Si resultar damno á saúde de uma pessoa,
encarceramento a um anno ; si resultar a morte de
uma pessoa, encarceramento de um mez até três annos.
Nos casos do 3.° grupo o confisco dos objectos
em questão, quer pertençam ou não ao condemnado,
deve ser pronunciado obrigatoriamente com a pena,
mas é facultativo, como medida objectiva. Nos demais
casos o confisco pôde ser ou não pronunciado com a
pena (art. 15).
Pode ser ordenada a publicação da condemna-ção
(
e
) á custa do condemnado. A publicação da absolvição
deve ser ordenada a requerimento do absolvido, á
custa do thesouro ou do denunciante (art. 16) (
7
).
(*) Sobre esta idéa ver o § 90.
(•) Aqui é pena accessoria j ver o J 58, nota 8. Também a dec-do
Trib. do Imp. de 8 de Março de 84, 10.°, 206.
(') Sobre o emprego das multas (art. 17) ver o g 63 Ver o art. 367
n. 7 do C. p. (no sentido de que este continua a subsistir a dec. do
DA FALSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS 379
IV. As disposições da lei sobre viveres foram
completadas pela lei de 25 de Junho de 1887 concernente
ao commercio de objectos que contem chumbo e zinco.
As transgressões da lei quando commettidas pro-
fissionalmente 55, III) são punidas com multa até 150
marcos ou detenção (art. 4). Incorre na mesma pena quem
fabrica, para o preparo de géneros ou artigos de consumo,
mós em cuja face destinada ao trabalho tenha applicado
chumbo ou matérias que contenham chumbo, ou quem,
para o preparo de géneros ou artigos de consumo, faz uso
de taes mós. Neste ultimo caso não exige-se que o agente
faça disto profissão (art. 5). Com a pena pôde ser
pronunciado
0 confisco dos objectos que foram fabricados, ven
didos, postos á venda ou empregados em contrario
ao preceito da lei, bem como o confisco das mós
lillegalmente fabricadas. O confisco pôde ser decre
tado, embora não possa ter logar o processo ou ai
condemnação de determinada pessoa (art. 6). Os
arts. 16 e 17 da lei sobre viveres têm também
aqui applicação.
1 V. Novo complemento offerece a lei de 5
Ide Julho de 1887, concernente ao emprego de ma
térias colorantes prejudicíaes á saúde, na fabricação
de géneros, artigos de consumo, comestíveis, brin
quedos e outros objectos de uso. O ponto capital da
[lei (art. 1 a 11) está nas suas minuciosas disposi
ções technicas, que é escusado reproduzir neste logar.
t Quem fabrica, guarda ou enfarda, vende ou
nem á venda objectos comprehendidos nas disposi
ções da lei (que somente em parte exige seja o
[Trib. do ímp. de 18 de Junho de 85, 12.°, 801). Este art pune com
penas próprias da contravenção quem põe á venda ou vende bebidas ou
neros falsificados ou corrompidos e especialmente carne aflèctada de
pichinas.
380
TRATADO DE DDMaTjíjySNÀIí
delicto praticado profissionalmente), incorre em mult*
até 150 marcos ou detenção (art. 2). Ao confisco) tem
applicação o que acima se disse sob o n. IV (art. 13).
Tem também applicação os arts. 16 e 17 da lei sobre
viveres.
VI. A mesma categoria pertence a lei de
12 de Julho de 1887, concernente ao commercio
dos succedaneos da manteiga (margarina) (
8
). Emj
substancia, a lei exige que se faça
1
claramente co
nhecido o succedaneo como tal.
As transgressões são punidas com multa até 150
marcos ou detenção; na reincidência, multa até 600
marcos ou detenção ou encarceramento até 3 mezes.
Esta ultima disposição não tem appli-cação, quando
decorrem 3 annos a contar da data em que a pena
pronunciada em razão da infracção anterior foi
cumprida ou perdoada. Com a pena (e também
independentemente de ser alguém con-demnado) é
permittido o confisco (art. 5). Os arts. 16 e 17 da lei
sobre viveres não têm aqui applicação.
VII. Também a lei de 20 de Abril de 1892,
concernente ao commercio de vinhos, bebidas vino-
sas ou análogas ao vinho, destinados a servir como
objectos de alimentação ou de consumo, estabeleceu
novas comminações penaes, que completam as dis
posições da lei sobre viveres.
Segundo o art. 7.° da lei de 1892, incorre nas
penas de encarceramento até 6 mezes e multa até
1500 marcos ou em uma destas duas penas :
a) quem addiciona dolosamente ao vinho as
matérias designadas no art. l.° da lei, ou tem á
venda ou vende taes vinhos; |
(*) Por margarina a lei entende as preparações análogas á
manteiga, cuja parte gordurosa não provém exclusivamente do leite
(art. 1, ai. 2).
PA FALSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS
381
1
:
ò) quem tem scientemente á venda ou vende [ vinho a
que se addicionára uma parte technica-mente pura de
assucar de canna ou de beterraba, ou uma parte
technicaraente pura de glycose, usando de designações que
façam crer não se ter feito tal accrescimo.
Si o facto mencionado sob a lettra a) é praticado
culposamente, a pena reduz-se á multa até 150 marcos oú*
á detenção (art. 8.°).
Com excepção do caso sob a lettra ò), ê per-
mittido o confisco das bebidas, posto que ellas não
pertençam ao condemnado, bem como o é, quando
não pôde ter logar o processo ou a condemnaçâo
) de determinada pessoa (art. 9.°).
VIII. Finalmente pertence á mesma categoria a lei
de 19 de Maio de 1891, concernente ao exame dos canos e
fechos das armas de fogo portáteis, isto é, das armas que
podem ser utili-sadas e manejadas por uma só pessoa.
Segundo o art. 9.° desta lei, incorre na pena de multa
até 1000 marcos ou na de encarceramento até 6 mezes,
quem tem á venda ou vende ou intro-] duz na circulação
armas de fogo, cujos canos ou fechos não estão providos
dos signaes de exame prescriptos ou permittidos. O
confisco deve ser pronunciado, ainda quando a arma não
pertença ao condemnado, e é admissível, embora não possa
ter logar o processo ou a condemnaçâo de determinada
pessoa.
IV. CRIMES E DELICTOS RELATIVOS Á MOEDA
§ 157. — Historia e collocação no systema
LITTEEATUBA. Merkel, H EL, 3.°, Hãlschner, 2.°,
570; Oubser, IHe Miinzverbrechen in der kantonalen G-esetzA
gébung der ScJnveitz, estado comparado e critico, 1891.
I.—Historia.—No direito romano o crime dei
moeda falsa propriamente dito {nutrimos radere, tim
gere, fingere) era uma das duas matérias principaes da
lei Cornélia testamentária nummaria. Si esta inclusão
na idéa tão ampliavel do falmm compro-mettia o
desenvolvimento independente da figura
1
criminal em
questão, este tornou-se impossível, quando o direito
posterior, vendo na falsificação da moeda! a oífensa de
direitos soberanos, a considerou em parte como crimen
Icesa majestatis (C. 9, 24).
Nas fontes da edade media allemS a falsificação
da moeda é ás mais das vezes punida comj a morte
pelo fogo (o Espelho da Suabia a punia com a
decapitação), e o facto de possuir ou emittàr moedas
falsas com a perda da mão (Espelho da Saxonia, 2.°,
26, 1).
A Carolina distingue no crime de moeda falsa
1
três casos: 1.°, «quando alguém imprime fraudulen-
tamente na moeda um outro signal»; 2.°, «quando J
CRIMES B DELIOTOS RELATIVOS A MOEDA 383
serve-se de um metal que não é o verdadeiro; 3.°, «quando,
de um modo perigoso, tira á moeda o seu verdadeiro peso»
casos que podemos designar como falsificação de
moeda, burla monetária e bi-lhonagem. Somente no caso
gravíssimo tinha appli-cação a pena de morte pelo fogo
(*), e nos demais a pena recahia sobre o corpo e os bens.
Nesta pena incorria quem prestasse scientemente a sua
casa para o ^rime.
, A legislação posterior (ordenança imperial sobre a moeda
de 1559, edicto sobre a moeda de 1759 e outros decretos),
em parte sob a influencia de falsas intuições sobre a
politica monetária, augmentou a confusão reinante.
Âccrescentou-se ao crime de moeda falsa o facto de
exportar ou fundir moedas nacionaes boas e o de introduzir
moedas estrangeiras más. A sciencia do direito commum
distinguio na falsificação da moeda 1.°, os casos que «in
falsum in-\ cidunt», 2.°, os que «in crimen Icesce majestatis
in specie incidmt» e 3.°, os que «in utrumque ineidunt», e
limitou a applicação da pena de morte. Na legislação
territorial foi-se accentuando cada vez mais pelos fins do
século XVIII, o ponto de vista puramente fiscal. Assim o
Allg. Landrecht collocou os crimes de falsificação da
moeda entre «as usurpações e lesões dos direitos
reservados ao Estado». r No novíssimo período a idéa foi
consideravelmente ampliada, equiparando-se ás espécies
amoedadas o papel-moeda, bem como outros papeis de
credito representativos da moeda (moeda-papel). Ao
mesmo tempo a sciencia embaraçou a verdadeira
concepção, visto como, mantendo a idéa inteiramente
inaproveitável do falsum, considerou como
(*) Sobre a morte pelo fogo do moedeiro falso que ainda se
applicava já entrado o século XVIII, ver Gunther, 2.°, 45.
384
TRATADO DE DIREITO PENAL
objecto da lesão, nos crimes contra a moeda, o
pretendido bem jurídico da publica fides (a confiança
no commercio segundo o direito) e nesta conformidade
determina a collocaçâo de taes crimes no systema.
Entretanto, o C. p. imp. não trata da moeda falsa em
connexão com a falsificação de documentos, que o
legislador collocou entre os crimes contra o
património, mas em connexão muito diversa (').
II. — Collocaçâo systema ti ca dos crimes contra
a moeda. Esses crimes assignalam-se como acções
illegaes concernentes a determinados signaes que re-\
presentam o valor. O direito vigente considera como
taes : I
1.°, a moeda, isto é, o meio das trocas reco-
nhecido pelo Estado (como medida e representação
H (•) Os três cod. da monarehia portugueza (A ff, 1. 5, t. 6 e 82, Man. t.
6, Phil. t. 12) comminavam as penas «de morte natural de fogo e
confiscação de bens» aos que cunhassem moeda de sua própria
autoridade, ainda que o metal fosse approvado pelas leis e de legitimo
toque, e «morte natural e perdi mento dos bens» aos que cerceassem ou
corrompessem a moeda, chegando a diminuição ao valor) de mil is
(pela legislação posterior os cerceadores de moedas foram em certos
casos sujeitos ás mesmas penas dos fabricadores de moeda falsa, bem
como equiparou-se a este crime a falsificação de apólices e outros papeis
de credito). Os cúmplices incorriam nas mesmas penas dos autores; a
casa em que se fabricasse moeda falsa era confiscada, salvo si
pertencesse a viuva ou a orphão menor de 14 annos. Estas penas cruéis,
oriundas do direito romano, ezplicam-se por conside-rar-se a moeda
falsa como crime de lesa-magestade. P. e Souza ainda a classifica como
«crime contra os direitos do imperante», ao pasip que para Mello Freire
ha traição e crime de lesa-magestade, «quando a moeda falsa se faz,
não por interesses particulares, mas em ódio do publico e com o fim de
usurpar a jurisdicção real». Ooi. Oritn., com. ao t. XIV. Segundo o
nosso C. p. e o proj. braz., a moeda falsa é crime contra a «fé
publica». N. do trad.
OBIMES E DELIOTOS RELATIVOS Á MOEDA 385
do valor) e, na verdade, tanto a moeda metallica, como
o papel-moeda, tanto as moedas nacionaes, como as
estrangeiras (art. 146 do C. p.) [- 2.° — Os papeis
fiduciários representantes da moeda (moeda-papel)
mencionados no art. 149 do C. p. (
8
), a saber : as
obrigações, as notas de banco, as acções, recibos
provisórios ou quitações que os representam, pagáveis ao
portador, bem como os I respectivos ffoupons de juro,
de dividendo ou de renovação, que tenham sido
emittidos pela Federação da Allemanha do Norte, por
um dos Estados da Federação ou por um Estado
estrangeiro, ou por communas, corporações, sociedades,
ou particulares autorisados a emittir títulos dessa natureza. l
No art. 4
o
n. 1 o 0. p. reconhece a importância
internacional da moeda : ainda quando com-mettidos no
estrangeiro por nacionaes ou por es-| trangeiros, os
crimes contra a moeda não punidos, I independentemente
de outra condição, segundo o I direito pátrio (§ 21).
Os crimes contra a moeda (denominação esta muito
estreita em face do direito vigente) pertencem pois
ao grupo das acções puníveis que, I caracterisadas pelo
meio empregado para o attentado, I dirigem-se contra
differentes bens jurídicos.
O direito que ao Estado pertence de bater moeda, o
interesse do publico na segurança do Icommercio segundo
o direito e os interesses pa-itrimoniaes dos cidadãos
reclamam de um modo fegualmente imperioso que o direito
penal proteja la moeda. E' por amor desses interesses e o
por causa da «integridade da moeda» considerada em si
que o Estado decreta as suas comminações penaes.
nNesta conformidade determina-se a collocação das
(') Não menciona os sellos, as estampilhas postaes, dos tele-
Igraphos, de seguro etc-; ver o f 168, III, IV.
T. II 25
I
386
TBATADO DE DIBEITO PENAL
acções puníveis contra a moeda e relativas a esta
no (
3
) systema da parte especial.
Esta concepção encontra plena confirmação, si
tivermos em vista as acções que a lei qualifica. A
acção pode ser, é certo, uma falsificação, isto é, o
abuso da moeda como tal e na importância que é
devida á sua forma material reconhecida. Mas este
caso de falsificação propriamente dita não compre-
hende todas as acções que entram na categoria dos
crimes contra a moeda; não têm ellas entre si outra
relação senão o meio commum de ataque contra os
bens jurídicos — a moeda.
§ 158. — Espécies
I. A falsificação propriamente dita (C. p., art.
146) comprehende dois casos :
1.° a contrafacção, isto é, a fabricação illegal de
moedas illegitimas. Pouco importa que ellas equi-
valham ou não em valor metallico ás moedas legitimas
(*), bem como que imitem ou não um cunho de facto
existente (fabricação de moedas de quarenta marcos).
B' escusado dizer que a moeda illegitima deve ter um
certo grão de analogia com a legitima; não sendo
assim, somente se poderia falar em tentativa
impossível de moeda falsa ou em burla con-
(*) Contra, a opinião dominante; por ex. Hãlschner, 2.°, 571, nota 2.
Indo ainda mais longe, Lõning colloca os crimes contra a moeda entre os
crimes contra os direitos do -Estado referentes l moeda. Sobre não ser
sustentável a idéa da publica fides como bem jurídico independente, ver Liszt,
Falsche Aussage (1877) p. 9 ; contra, Gubser, 49, Lanterburg, EidendeLikte,
188, Stooss Orundtúge, 2, 809.
(') A questão tem subida importância pela progressiva desvalo-ri-acão
da prata.
CRIMES E DELIOTOS RBUTTVOS i MOEDA
387,
I gummada. Basta que se dê a possibilidade de círcula-
I ção, embora limitada. E', pois, bastante a semelhança para
induzir em erro no commercio ordinário. A moeda
ãesmonetisada, isto é, posta fora de curso, nfto
I é mais moeda, pelo que deve considerar-se juridicamente
como contrafacção o facto de dar-se a espécies
desmonetisadas a apparencia de moeda valida, com-
I quanto a lei tenha incluído este caso entre as adul-
teraçÕes da moeda (
a
).
2.° A falsificação em sentido estricto da moeda, I isto é,
o facto de eífectuar-se uma mudança na moeda
legitima que lhe a apparencia de valor superior.
Também entram nesta qualificação o pratear, o dourar
moedas de metal vil e casos análogos (
b
).
I () Não se faz mister uma habilidade especial do falsario ou
[ uma semelhança tal entre a moeda falsificada e a legitima que possa
[ iliudir a qualquer pessoa, hasla que a moeda falsa tenha a apparencia
\ da legitima, e portanto uma certa analogia com esta (Merkel). Segundo
I o Trib. do Imp. é uma questão de facto si, no caso occurrente, dá-se
[ uma semelhança própria a induzir outrem em erro; basta que a moeda
I falsa possa, no commercio ordinário, enganar ás pessoas não perspica-
I zes. Scbwartze pi Tem entende que cumpre somente saber si a intenção
1 do agente é emittir a moeda falsa como legitima. Também Hãlschner
considera como circumstnncia indiflerentc a possibilidade de ser alguém
illiidido. — Mas somente porque não exi>ta moeda legitima do valor da
moeda falsa (por ez.: moeda falsa de 40 marcos) não se deve negar a
I semelhança (Oppfnhoff, Hãlschner, B. Meyer, Olshausen). N, do trad.
U (*) A adulteração exige uma falsificação da moeda legitima que,
i por uma mudança nella effectuaclii, lhe dê a apparencia de valor supe-
Irior. Como a lei não declara em que essa mudança deve consistir, não I
necessário que na moeda metallica a falsificação verse sobre o cunho
[ou sobre o peso, pode consistir também, por exemplo, no pratear uma
moeda de cobre (Olshausen, Hãlschner etc). E de outra opinião Berner,
segundo o qual não se dá neste caso falsificação, porque a moeda nfto
«falsificada no seu cunho e no seu peso é verdadeira. — Já Pereira e|
8"uza observara (Ciosa, doa Crim., p. 67) que, assim como a moeda
para a sua perfeição requer três cousas: a matéria, a forma e o peso,
I
388 TRATADO DE DIREITO PENAL
Tanto a contrafacção, como a falsificação, segundo!
os seus conceitos, exigem da parte do agente a intenção
de fazer circular a moeda contrafeita ou falsificada, isto
é, a intenção (equivalente a motivo) de usar da moeda
illegitima como legitima ou de outro modo introduzi 1-a
no commercio, como legitimo meio de troca (§ 152,
nota 1). A moeda deve ser transferida «como legitima;
quem a recebe deve, pois, estar em erro sobre a sua
illegitimídade. Entretanto basta que a intenção do
agente seja conseguir este fim por intermédio de uma
ou de varias pessoas. O usar é, segundo a concepção da
lei, uma espécie do introduzir na circulação. A intenção
de introducção não se dá, pois, quando o agente con-
serva o poder de dispor, e, portanto, quando apresenta
apenas a moeda para obter credito, occultar um
desfalque etc. (*). Também o facto de offerecer, sem
que a moeda saia das mãos de quem offerece, não é
introduzir na circulação, mas, em certas cir-
cumstancias, pode constituir uma tentativa de intro-
ducção (°).
da mesma aorte nestas três cousas pode dar-se a falsificação. Pratear ou dourar
uma moeda de cobre é falsifical-a na sua forma para dar-lhe a apparencia de
um valor superior. N. do trad.
(*) Egualmente Geyer, 2.°, 9, v. Meyer, 961, Olshausen \ 146.
Contra, a dec. do Trib. do Imp. de 28 de Maio de 86, 14?, 161.
(°) No art. 146 o C. p. ali. exige expressamente a intenção por parte do
agente de « usar ou de outro modo introduzir na circulação» a moeda falsa ou
falsificada. A intelligencia da palavra usar em con-j imposição a introduzir na
circulação tem suscitado duvidas. Segundo uns, usar 6 um caso de introducção
na circulação, uma espécie (exemplificação) desta ultima como idéa geral; o
uso de que fala a lei suppõe, pois, uma alienação ou transferencia a outrem da
disposição da moeda É usar da moeda falsa no sentido da lei vendel-a a um
colleccionador de moedas, dal-a em caução para ser restituída in genere, ou
passal-* a um terceiro para que delia se utilise (no essencial Berner, Hâlschner,
JL Meyer, Olshausen, v. Liszt). Segundo outros, a palavra usar tem
CRIMES E DEXJOTOS BELATIVOS A MOEDA 389
Entretanto a consummação não opera-se só com
o facto da introducção na circulação, mas data desde
jo facto da falsificação (
d
).
Penas: reclusão por tempo não inferior a 2 annos,
facultativamente a vigilância policial; occor-rendo
circumstancias attenuantes, encarceramento.
II.— A burla monetária ou nummaria (C. p., art.
147), isto é, o facto de introduzir na circulação
moedas falsas (contrafeitas ou falsificadas) (°). A ex-
um sentido mais amplo, coroprehende todo uso que se faça da moeda
falsa como preterididamente legitima. Neste sentido v. Wãchter (todo
uso da moeda em virtude do qual ella entre no commercío na sua
funcção de dinheiro), v. Schwartze (logo que a moeda, embora não entre
no oomraercio, é empregada como legitima), Merkel (o uso não suppõe
necessariamente uma alienação) e especialmente o Trib. do Imp. na
dec. de 28 de Maio de 1886 (a contrafacção da moeda para obtenção
de credito mediante a apresentação das moedas falsas incorre no art.
146). De accordo com esta doutrina também entende-se que é usar da
moeda falsa dal-a em caução mesmo com a obrigação de restituição in
speoie (Merkel). N. do trad. H
H (
d
) 0 crime conaumma-se com a falsificação, dada a mencionada
intenção; fazer uso da moeda falsa ou introduzil-a na circulação é
circumstuncía constitutiva do crime definido no art. 146, de sorte que o
agente, depois da falsificação, é punível, embora abandone a sua
intenção criminosa. O agente incorre também nas penas do crime con-
summado, ainda que a moeda seja reconhecida falsa no acto da emissão.
Dá-se a tentativa do crime em questão, quando a fabricação começou,
sem ter terminado em relação a uma moeda (Olshausen). N. do trad.
L (*) Múntbetruff, burla monetária. Esta expressão, também usada por
Berner, v. Schwartze, faz crer que se trata de um caso de burla
caracterisada pela introducção de moeda falsa. Merkel a critica, porque
o crime de moeda falsa do art. 147, como o do art. 146, não reúne
necessariamente os caracteres da burla. Com effeito, a lei não exige
que o agente tenha a intenção de obter para si ou para outrem um
proveito patrimonial illegal (supponha-se que a moeda falsa tenha o
mesmo peso e valor da legitima, ou que o recebedor de uma moeda
falsa passa-a a outrem como legitima, mas gratuitamente). N. do trad.
390 TKATADO VE DIREITO PENAL
pressão introduzir na circulação designa também aqui
os actos pelos quaes o dinheiro é introduzido no
eommercio, embora a introducção se opere por moedas
singulares.
A burla é punida, dados os seguintes requisitos :
1.°—Quando a falsificação foi- effectuada pelo
introduetor mesmo, mas (a lei diz incorrectamente
também) sem a intenção de introduzir & moeda na
circulação (
f
).
2.°—Quando o introduetor obtém de outro modo
a moeda falsa, tendo conhecimento de sua falsidade.
3.°—Quando o agente importa do estrangeiro a
moeda falsa para o fim de introduzil-a na circulação
(no paiz ou no estrangeiro).
Nos dois primeiros casos a consummação opera-se
com a introducção na circulação e no terceiro data já da
importação. No primeiro caso a moeda deve j ser
introduzida no eommercio «como legitima», mas o
nos dois últimos. (
K
) A pena é a da moeda falsa (art.
146).
III.—O caso do art. 148 do C. p. classifica-se na
burla monetária, isto é, receber alguém moedas
contrafeitas ou falsificadas, como boas, e, depois de
reconhecer a sua illegitimidade, pol-as em circulação
como legitimas (
3
). Receber suppõe transferencia por
parte de outrem, e portanto não comprehende o I facto
de obter o agente as moedas por acto unilateral (furtar,
achar etc).
(') E' um caso de mala fides superveniens que consiste em in-,
troduzir na circulação, como legitima, a moeda que o introduetor
contrafez ou falsificou sem essa intenção. N. do trad.
(
(
) No primeiro caso o art. 147 exige expressamente que a
mceda falsa seja introduzida na circulação como legitima, e não repete
esta exigência nos dois últimos casos. N. do trad.
(*l Sobre a relação para a burla, ver Kõhler, Treu unS\ Gluuben
im Verkehr, 1893, p. 27.
*"
CRIMES E DELIOTOS RELATIVOS A MOEDA 391
I A consummação opera-se com a introducção na
circulação. Penas: encarceramento até 3 mezes ou
multa até 300 marcos. A tentativa é punível.
I IV.—A denominada bilhonagem (C. p., art. 150),
I isto é, pôr em circulação moedas legitimas e destinadas
a circular, mas diminuidas no seu valor me-tallico por
um processo mechanico ou chimico (aparar, limar,
raspar* etc.). O acto apresenta-se pois como crime
contra a moeda no sentido estrícto; diminuições
correspondentes no papel-moeda nfto se com-prehendem
no art. 150. A bilhonagem é punível dados os
seguintes requisitos:
1.°, quando o cerceamento foi eífectuado pelo
agente;
2.°, quando o agente introduz habitualmente
1
55. III) na circulação e pelo seu valor integral f moedas
cerceadas por outrem;
3.°, ou quando o faz de intelligencia com o t|
cerceador. I
Penas : encarceramento e facultativamente multa
até 3.000 marcos, bem como perda dos direitos ci-
I viços. A tentativa é punível. I
I V.—Fabricar ou obter puncção ou buril, cunhos, |
gravuras, laminas ou outras fórmas que sirvam para
a confecção de moedas na intenção de commetter
I um crime de moeda falsa (art. 151).
I Como se vê, a lei sujeita á uma pena especial,
como crime sui generis, certos actos preparatórios ou
de tentativa; taes actos deixam pois de ser puníveis,
quando é commettido o projectado crime de moeda
lfalsa. Penas: encarceramento até 2 annos. -4 Em
todos os casos até aqui mencionados (*),
(*) Neste numero também entra a bilhonagem do art. 160 do 10. p.
Contra, a opinião commum, especialmente Olshausen, { 150, 2.
I
f
392 TKATADO DE DIREITO RENAL
deve ser pronunciado o confisco das moedas contra
feitas ou adulteradas, bem como o confisco dos objectos
designados sob o n. V, posto que não tenha logar
o processo ou a condemnação de pessoa determi
nada (§ 152). I
VI.—Relacionani-se com os crimes de moeda
falsa propriamente ditos as contravenções de que trata
o art. 360, ns. 4, 5 e 6 do G: p. (penas, multas até 150
marcos ou detenção), a saber:
a) a fabricação dos objectos designados sob o n.
V sem ordem por escripto da autoridade, ou a entrega
delles a outrem que não a autoridade; 1
b) emprehender a reproducção desses objectos ou
a impressão de modelos dos papeis a que a lei! se
refere, sem ordem por escripto da autoridade, ou a
entrega de provas a outrem que não a autoridade;
c) fabricar ou espalhar impressos ou desenhos
que na forma ou nos ornatos se assemelhem ao papel-
moeda, bem como fabricar fórmas que possam servir
para o preparo de taes impressos ou desenhos.
Gonjunctamente com a pena pôde ser pronun
ciado o confisco dos meios de reproducção dos im
pressos e dos desenhos, pouco importando que per
tençam ou não ao agente. a
VII. Finalmente, em connexão com a matéria
de que temos tratado, devemos fazer menção da lei de
26 de Maio de 1885 concernente á protecção contra a
contrafacção do papel que é empregado no preparo de
bilhetes do thesouro (
6
). Papel egual ou semelhante, em
relação ás marcas exteriores características, ao que é
empregado para a confecção de bilhetes do thesouro,
de sorte que se possa notar a difierença, applicando-
se especiall attenção, não pôde, sem permissão, ser
fabricado ou
(*) Kleinfeller, NG. 249.
OBlMES E DELICTOS ItELATIVOS i. MOEDA 393
importado do estrangeiro, vendido, posto á venda ou
de outro modo introduzido na circulação (art. 1) (")..
Penas : no caso de infracção dolosa, encarceramento
até um anno, e, quando o acto é praticado na intenção
de commetter se um crime de moeda falsa,
encarceramento de 3 mezes até 2 annos. No caso de
culpa, multa até 1000 marcos ou encarceramento até 6
mezes (art 2). Conjunctamente com a pena (e também
independentemente delia) deve ser pronunciado o
confisco (art. 3).
(*) Ver o 2 162, nota !.•.
V. —CRIMES E DELICTOS CONCERNENTES A
DOCUMENTOS
§ 159. — Considerações geraes
LiTTEBATURA.. Merkel, H H, 3
o
, 784, 4.°, 441;
John. Z. 4.° 1; contra elle Buri, GS, 36.° 193, (Beitràge, 260):
Mommsen, GS, 36.", 34. ; contra elle, v. Buri, GS, 36, 310;
John, Z, 6.°, 88; contra, v. Buri, 39.° 36; v. Kries, Z, 6.* 88,
especialmente á p. 148; Riedel, GS. 38.°, 534 e GS. 390,
161; Borne, GS. 41.°, 383; Weismann, Z, 11.° 1, 2/ 518;
Teichmann, na Gazeta de Heusler, 7.°, 347.
I. Historia e collocação systematica. A in-
criminação da falsificação de documentos, como a da
moeda falsa, tem a sua origem na lei Cornélia tes-\
tamentaria nummaria, cujas disposições a principio
limitadas á falsificação dos testamentos foram con-
sideravelmente ampliadas, para comprehenderem uma serie
de casos de quasi-falsvm. O direito allenião deu o caracter
de crime siá-generis á falsificação de sellos e de
documentos {chartce, noticia, cartas patentes, outorgas) e
ordinariamente a punia com a perda da mão ou também
com a pena d'agua fervente. A Carolina, art. 112,
comminava a pena ca-j pitai ou penas corporaes contra
aquelle que « fizesse sellos, cartas, tombo ou registro de
uma proprie-j dade, de rendas ou juros, falsos » O direito
commum, incluindo a falsificação de documento na idéa
geral
OBIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS 395
I e indeterminada da falsidade, como offensa á fé publica,
oppôz notável embaraço á verdadeira con-I cepção.
Também o C. p. do Imp. induz em erro, I usando da
inscripção « falsificação de documentos », I com quanto o
objecto do cap. 23 não corresponda a este titulo, e assim leva
a sciencia a manter a tra-i dição antiquada e inexacta.
Somente,no caso do art. 267 dá-se falsificação
no sentido próprio. Mas ainda ahi o facto de falsi-
j ficar é completamente supplantado pelo facto de
I usar, com que se opera a consummação do crime. Na
I falsa authenticação (art. 271) trata-se tão pouco de
falsificação quanto na destruição de documento alheio
I (art. 274, n. 1). v\
O traço commum aos crimes que pertencem a I este
grupo pôde ser encontrado no facto de terem I elles por
objecto documentos, e portanto meios de I prova. Como nos
crimes que têm por objecto a [ moeda, é o meio, e não a
direcção do attentado, B que assignala o caracter especifico
do grupo. O le-
gislador não protege os documentos por amor d'elles
mesmos, mas por amor dos variados bens jurídicos,
para os quaes o documento pôde ter importância no
I commercio segundo o direito.
O documento não é mais do que a idéa central I em
torno da qual agrupam-se outros delictos que o I legislador
reunio no capitulo 23. Si o marco não I apresenta se sempre
como documento, comquanto possa figurar como tal, nos
signaes representativos |de valor, de que tratam os arts. 275
e 276, a idéa de documento é completamente abandonada.
II.— O C. p. não nos o conceito do que seja
documento; os motivos o suppõem «conhecido e fir-
|memente estabelecido». Na verdade, esta supposiçfto
um erro lamentável; pois cada um dos caracteres Ido
conceito é tão controvertido quanto a idéa funda-Imental,
sobre que elle assenta.
396
TRATADO DE DIREITO PENAL
No sentido do direito penal (não assim no sentido
do direito processual), documento é todo objecto do
mundo exterior, que tenha sido preparado para
provar, pelo seu conteúdo intellectual (e não somente !
pela sua existencia) um facto juridicamente relevante.
Consideram-se pois como documentos não só os es-
criptos (inclusive phonogrammas), senão também
outros objectos, que por palavras ou sígnaes repre-
sentativos de palavras são próprios e se destinam á
communicação de pensamentos: monumentos, enta-
lhes, mossas, marcos, sellos, armas etc. . podem
também entrar n'este numero. O documento deve ser
feito, passado, lavrado, isto é, deve lhe ter sido impresso
o seu destino de prova por uma vontade reguladora no
momento de ser elle criado ou mesmo posteriormente. E'
somente a taes documentos que o direito penal concede a
sua protecção peculiar, e não a todos os que têm
importância no processo civil e no processo criminal. O
que constituo a es-sencía do documento é o seu destino
de prova, e não a sua «aptidão para a prova» (
1
).
O documento deve ser destinado a provar um
facto juridicamente relevante (e não somente a iden-
tidade do objecto ou a quem elle pertença), isto é, um
facto que, por si ou ligado a outros, origem a
relações jurídicas, as extingue ou altera (").
(') De accordo Berner 580, Hãlschner, 2.°, 520, Olshausen, § 269,
8, Stooss, 2.°, 825, Ziebartb 888; também a dep. do Trib. do Imp. de 19
de Dez. de 87, 17.°, 108, e 26 de Out. de 89, 20.°, 6 e 19 de Out.j de
91, 22.°, 182. Contra, especialmente as camarás eriminaes reunida* | na
dec. de 6 de Março de 83, 8, 92; Borne, v. Buri, John, v. Kries,
Mommsen, Kiedel.
(*) Na linguagem usual a palavra documento toma-se n'uro
sentido ora amplo, ora restricto: no primeiro caso, documento 6 todo
objecto que pôde servir de prova, e no segundo, todo objecto desti-
nado a servir de prova. E' nesta ultima accepção, que se toma ».
CRIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS 397
Os documentos são públicos ou privados, nacio-naes
ou estrangeiros. Consideram-se públicos, segundo o art.
380 do C. do pr. civil, aquelles que a autoridade passa com
as fórmas prescriptas e nos
| limites de suas attribuições, ou os que silo passados por
outra pessoa revestida de fé publica a respeito
Idos negócios que entram na sua competência. Todos |os
demais documentos são privados. Documento privado
nacional é o que é passado no paiz (embora por um
estrangeiro), documento publico nacional é o que é
passado por uma autoridade nacional (embora no
estrangeiro, por exemplo, pelo cônsul allemão de
Londres). A lei concede a mesma protecção aos
documentos nacionaes e aos estrangeiros.
O documento publico ê também documento, e
portanto deve corresponder ao conceito acima dado;
palavra documento no direito penal allemão; assim se chama « todo objecto
corpóreo e inanimado (e não somente os escriptos) õVftinado a provar factos
juridicamente relevantes » (prescindindo por ora de opiniões divergentes).
Deste conceito não se segue que o objecto seja próprio a provar os factos que
elle se destina a provar; a falta de « aptidão para a prova» (Beweirfàhigkeit)
não lhe tira a qualidade de documento. A lei porém obriga a fazer uma
distincção. O art. 207 do C. p. considero objecto de falsificação « os
documentos públicos ou o documento particular que fôr relevante para a yrova
de direito» ou {relações jurídica»». Assim no documento publico a lei
importância jurídica á simples forma, independentemente do conteúdo,
punindo a falsificação, ainda quando o documento seja irrelevante para
relações jurídicas. A razão é que, como explica Beroer, «quando o Estado
eleva um objecto á categoria de documento, exige, sem outra condição, que
seja respeitada a forma documentai, e pune como offensa ao direito a lesão
dessa forma ». Quanto aos documentos privados porém, é necessário que elles
tenham força probante, « efflcacía probatória» (Beweiserheblichkeit) para
relações de direito. Sem tal effleacia não existe documento. Este requisito o
se contém na idéa de documento, mas lhe é accrescentado (no essencial, H.
Meyer, Hãlschner, Berner, v. Liszt, Olshausen) — Esta doutrina tem contra-
398
TRATADO DE DIREITO PENAL
mas tanto basta para que, independentemente de outra
condição, o documento publico fique sob a protecção
da lei penal. O legislador exige simplesmente respeito a
forma documental. Não assim quanto aos documentos
privados. Elles somente gosam da plena protecção da
lei penal, quando, sós ou em ligação com outros meios
de prova, o rele-\ vantes para a prova de direitos ou de
relações juri-\ dicas; além de ser o documento destinado
á prova, além da relevância do facto, faz-se mister a
relevância do documento como prova. o é este um
caracter que decorra da idéa de documento, mas foi
accrescentado aos outros caracteres. Um objecto
destinado a fazer certo um facto, pôde entretanto ser
completamente irrelevante para a prova desse facto; a
actual estructura do processo (especial-
dictores. O Tríb. do Imp. entende que é da essência da idéa de
documento a « aptidão para a prova » de ura facto, e muitas vezes tem
assim julgado. No mesmo sentido Geyer, Merkel e outros. E' também
controvertido si se deve considerar como documento somente o objecto
destinado a servir de prova, ou si o objecto simplesmente próprio para
isto. O Trib. do Imp. tem vacillado, pronun-ciando*se em um e outro
sentido. Merkel pronuncia-se energicamente pela primeira opinião. O
documento, diz elle, suppõe « uma vontade que o tenha destinado a dar
testemunho de certos factos, pouco importando, quanto ao mais, que
esse destino lhe tenha sido dado por occasião de originar-se o objecto ou
posteriormente ». No nosso I direito penal a idéa de documento é a
mesma que tem curso no processo civil ou criminal; se consideram
como documentos os escriptos (instrumento»). No direito penal allemão
esta idéa foi ampliado-, segundo os motivos do C p., porque « a
experiência tem mostrado que na pratica o utilisados como meios de
prova de direitos e relações jurídicas objectos que não podem ser
designados como escriptos, e que também são «dmittidos nos pleitos,
baseiando-se nelles as deci-soes judiciarias. Dada esta importância de
taes documentos, em juizo e fora delle, deve desapparecer a limitação da
« falsificação em documento » aos escriptos. N. do trad.
CRIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS 399
mente a livre apreciação da prova) pôde limitar este
contraste a poucos casos, mas não o pôde supprimir de
todo. Não é necessário, cumpre notar, que a relevância da
prova se refira justamente aos factos, para cuja prova o
documento foi destinado. A relevância ou efficacia
probatória do documento privado, suppõe que aquelle
que o passou é nelle nomeado ou pôde ser facilmente
conhecido pelo documetto, embora somente ligando-se
este a outras circumstancias. A assignatura não é pois
necessária; basta, de um lado, o sello, toda sorte | de
assignatura por meios mecânicos, e, de outro | lado, a
menção da firma, o assignar de cruz, as j iniciaes do
nome; póde-se mesmo prescindir de I toda assignatura
(marcas de placa, mossas nas arvo-| res destinadas ao
corte, carimbo nos bilhetes de estrada de ferro), quando
sobre a pessoa que passa o documento ou de quem elle
emana não ha duvida. í Não é necessário que o autor do
documento por elle contraia obrigações (testemunhos,
relatórios).
§ 160. — I. Da falsificação de documento
propriamente dita
I.— A acção.
I Segundo o C. p. Imp., a falsificação de documento consta
de dois actos que podem occorrer I separadamente no
tempo e no espaço a falsifi-\ cagão e o uso do
documento. Destes dois actos é porém o ultimo que
prepondera. Desfarte o cara-meter essencial do crime de
falsificação é abandonado 16 torna-se decisivo o ponto de
vista da burla.
l.°— A falsificação comprehende : I a) a
contrafacção ou falsificação em sentido lestricto, isto
é, a fabricação de uma forma do-
400
TRATADO DE DIREITO PENAL
cumental de attestação não authentica. Não autheÉj tico
é o documento, quando o seu testemunho expresso ou
tácito em relação á pessoa de quem emana não é
verdadeiro. Consequentemente é também falsificação
de documento a assignatura de uma pessoa morta ou
em geral de uma pessoa que não existe, e não a exclue
o facto de estar de intelli-gencia o terceiro, cujo nome
deve ser assignado, salvo si a i Ilegalidade dirime-se
em virtude de um mandato etc. (*). Ao envez, não se
pôde admittir a existencia de falsificação, quando a
assignatura é de facto do pretendido autor do
documento, mas foi obtida por engano ou ameaça, ou
quando não é verdadeiro o facto realmente affirmado no
documento pelo seu autor (*).
b) A falsificação de um documento authentico,
(*) O que a este respeito decide são os preceito* do respectivo direito
civil. O direito prussiano, por exemplo, exige para a representação em negócios
jurídico* procuração por escripto, de sorte que a autorisaçfio por outra forma
dada para o uso do nome de outrem não torna o documento authentico. A
opinião commum porém é contra a doutrina do texto, pois entende que o
falsamente da lei significa — sem o consentimento do portador do nome (como
no nosso direito penal). A isto replica Merkel: « o portador do nome não é a
única pessoa interessada em não ser o seu nome posto por outrem sob um
documento. Também aquelle a favor de quem o documento é passado tem
interesse em que a assignatura, de cuja authentícidade depende a força
probante do documento, emane do portador do nome, que seja verdeira; o seu
consentimento também importas. N. do trad.
(
b
) Isto é, o documento falso quanto ao conteúdo, mas authentico
quanto á pessoa de quem emana o constituo (não se tratando de documento
publico) crime de falsificação. Assim não é crime de falsificação passarem as
pessoas immediatamente interessadas documento* sobre negócios ou relações
jurídicas simuladas. Em taes casos pode dar-se burla. N, do trad.
CRIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS
401
/
isto é, uma alteração tal do seu conteúdo, que o
documento deixe de provar aquillo que primitiva-'
mente provava ou a prova primitiva sofira uma
transformação. Para a idéa é indi Aferente que oj
conteúdo actual do documento corresponda ou não
á verdade material. I
I c) Segundo o art. 269 do C. p. Imp., derivado do direito
francez por intermédio do cod. prussiano, á falsa
fabricação de documento é equiparado o enchimento de
um papel com assignatura em branco, isto á, o facto de
encher alguém um papel revestido da assignatura
(genuína) de outrem sem a vontade do signatário ou contra
as suas instrucções, dando-se ao papel o caracter de
documento ou, como sem duvida podemos accrescentar,
dando-se-lhe conteúdo diverso do convencionado.
2.°— Usar com o fim de enganar, isto é, fazer
uso do documento nas relações jurídicas, como um
I meio de prova sob forma material, com a expressa
| ou tacita affirmação de sua legitimidade e authen-
j ticidade. E' indifferente que o engano verse dire-
| ctamente sobre os factos, para cuja prova o do-
j cumento é destinado, ou sobre outros factos. Egual-
j mente o ê que se consiga o fim — enganar a outrem.
A exhibição material do documento, que se acha
nas mãos do agente, é o caso mais frequente do
uso, mas não é o único; basta qualquer disposição,
em virtude da qual o documento seja posto sob as
[vistas da pessoa a enganar, quer um intermediário i
|lh'o exhiba, quer lhe chegue ás mãos de outro
modo (mettendo-se-lhe no bolso, collocando-se o do-
cumento em um livro, entre outros papeis, na
estante etc.). Para a consummação é necessário que I
10 enganado observe materialmente o documento.
JA referencia a um documento, a leitura delle ou a
[affirmação de sua legitimidade (si o documento não
ao mesmo tempo exhibido), a apresentação de
T. II
20 I
MH
402 TRATADO DE DIREITO PEKÀL
uma cópia (si esta mesma não é apresentada como
documento) não é usar (*).
Assim a entrega de um telegramma assignado
com um nome falso excepcionalmente poderá serj
considerado como falsificação de documento, por
quanto pelo telegramma a expedir o empregado do
telegrapho não é enganado e nenhum documento
recebe o destinatário recebendo o telegramma ex-
pedido (
2
). Só é diverso o caso, quando (e, segundo
(*) Contra, Olshausen (basta a possibilidade da observação);
semelhantemente v. Meyer, GS, 47.°, 97; Weismann, Z, 11.°, 76, bem
como o Trio. do Imp., especialmente na dec. de 8 de Abril de 89, 19.°,
215. Ver também a dec. de 10 de Dez. de 86, 16, 10 (basta a leitura) e a
de 27 de Junho de 87, 16.°, 228 (basta a cópia).
(*) A dec. das camarás criminaes reunidas de 6 de Março de 83,
8.", 92, como dantes o superior tribunal de Berlim, admitte em geral a
existencia de falsificação de documento, porque o telegramma expedido é
um documento, que o expedictor fabricou mediatamente (e também fez
chegar ao seu destino ?), servindo-se do interdio do empregado do
telegrapho, e portanto «mediante utilisação de forçai naturaes».
Bgualmente Geyer, 2.°, 103, Hãlschner, 2°, 646, John, 1.°, 608 e seg.,
Merkel, HH. 4.", 449, v. Meyer 932, bem como na GS, 47.«, 105,
Mommsen, GS, 28.°, 611, 36.°, 66, Olshausen 2(17,1 41, Scherer,
GS. 28.°, 606 e outros. Esta doutrina desconhece a natureza do
telegrapho, que consiste em uma reprodueção independente da
communicação (ver o 3 149, II). No sentido do texto relativamente ao
telegramma expedido, Binding, Normen, 1.°, 206, Dambach, GS, 28.°,
298, Meves, HH, 8.°, 1006. Weismann (acima, nota 1) considerai o
telegramma expedido como documento original Ortloff, GA. 28.*, |
203, entende que a entrega do telegramma a expedir é fazer uso. Oontrá\
(e portanto de accordo com o texto) a opinião da maioria e também de
Olshausen, Heusler, Arehiv fur die Zivilistische Praxis, 62.°, 286. | Os
tratados de extradicção, em parte, fazem expressa menção do caio (por
exemplo, o tratado com o Estado do Gongo de 26 de Julho de 1890
afaux en écriture* ou dana les dépêches télégraphiques»). (")•
(°) No exame desta interessante questão tem-se em attenção o te-
legramma original (Aufgabedepesche) e o telegramma expedido (Ankunfto
I
CRIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS 403
*• lei sobre os telegraphos de 16 de Junho de 1891,
isto sem duvida possível) o expeditor é convi-
dado a fazer a prova da legitimidade de sua assi-
gnatura ou a faz voluntariamente. Neste caso a
entrega do telegramma constituo o facto de usar
para o fim de enganar (
3
).
étfeache). Em relação ao primeiro, ti o telegramma tem por objecto
factos juridicamente relevantes e está revestido de auignatura (na
hypotheso falsa) é sem duvida ura documento no sentido do art. 267 do
C. p. ali. Mas a entrega de tal telegramma ao telegraphista não 6 fazer
um de documento falso em relação a este, porque o expeditor nenhuma
prova tem que fazer, o seu acto tem por fim fazer chegar | o telegramma
fielmente ao destinatário. Também a entrega do telegramma ao
telegraphista o é fazer uso do documento era relação ao destinatário,
porque a este não é exhibido ou accessivel o telegramma original (neste
sentido o Trib. do Imp.). Quanto ao telegramma expedido, pôde elle ser
considerado como documento no sentido do O. p.? A questão é
respondida negativamente por v. Liszt, Moves, Oppenhoff e outros,
porque o empregado do telegrapho não
expede uma cópia autbentica do original, o telegramma expedido
[ é uma reproduecao ou transformação do telegramma original e cuja
I exactidão não é autfaenticada. Esta solução porém é contestada por
outros. Assim como em certos casos, diz Olshausen, a simples cópia
de um documento original apresenta-se como documento, devemos
i considerar também — de accordo com o uso dos telegraphos e os
' habito* da vida pratica— o telegramma expedido como um documento
i que o expeditor fabricou, utilisando-se do telegraphista como instruía
mento; a cópia official do telegramma, posto que não authenticada, - é
recebida pelo destinatário, caso não suspeite alterações, como prova
II da conformidade com o telegramma original; o destinatário deixa-se ia-
fluenciar por essa cópia, como si recebera uma communicação original, de
li sorte que, segundo os hábitos do publico, o telegramma expedido 6 tido
' como documento. E desse documento (attenta a sua falsa assignatura) o
II ' expeditor faz uso em relação ao destinatário para o fim de enganar,
! utilisando-se egualmente do intermédio do empregado do telegrapho
II i (Trib. do Imp., Hãlschner, Merkel, v. Schwartze, Olshausen). N. do trad.
(*) Quando um empregado do telegrapho telegrapha sob falso
nome ao collega que está sentado ao apparelbo, pôde dar-se falsificação,
404 TRATADO DE DIREITO PENAL
Não soffre duvida que podem ser diversas a| pessoa
a enganar e a pessoa a prejudicar.
II. A intenção. Tanto a intenção como o |
uso devem derivar de uma intenção contraria ao
direito, isto é, a intenção do agente é fazer uso do
documento nas relações jurídicas como meio de prova
para o fim de enganar. Essa intenção deve dar-se
na primeira phase da actividade criminosa, ao passo
que na segunda não é mais do que o dolo, isto é, J
a consciência de que o agente faz uso do documente
como meio de prova para o fim de enganar. A in-|
tenção de causar damno não é também aqui neces
sária.
III. — Espécies.
Segundo o art. 267 do C. p., dá-se falsificação de
documento, quando o mesmo individuo, com intenção
contraria ao direito, contrafaz ou altera um documento
publico nacional ou estrangeiro, ou um documento
particular relevante para prova de direitos j ou relações
juridicas e delle faz uso para o fim de enganar.
A' falsificação de documento o art. 270 equipara
o facto de fazer alguém uso de documento falso ou
falsificado, sabendo que é falso ou falsificado, para o
fim de enganar.
A falsificação ou o uso constitue a autoria (ou co-
autoria). O uso repetido do mesmo documento j falso,
bem como o facto de usar-se uma só vez de J vários
documentos falsos, só constitue uma acçãoj punivel.
IV. — Tanto no caso do art. 269 como no do]
art. 270, a consummação só se opera com o uso do
documento. A tentativa, que na simples falsificação |
caso o apparelho imprima automaticamente os sigrmes nas tiras de
papel que se desenrolam. Não assim si o recebedor não a noticia,
mas a ouve immediatamente pelo apparelho em funcçao.
CRIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS 405
de documento não é punível, começa no caso do art.
267 com o inicio da falsificação (*), e começa no
caso do art. 270 com o inicio do uso.
V. A pena normal 6 encarceramento (art. I 267).
Tem applicação a pena aggravada (art. 268), I quando a
falsificação é fectuada 1." na intenção de lucro, isto é,
quando a intenção do agente é obter para si ou para
outrem um proveito patrimonial (não necessariamente
injusto) (
5
), e 2." na intenção (equivalente a motivo) de
causar damno a outrem (não necessariamente
patrimonial) (
6
).
Pena aggravada: a) na falsificação de do-!
cumentos privados, reclusão até 5 annos, e facultativa'
I (*) Muito controvertido. De nccordo Berner, 683, Geyer, 2.*,
104, Merkel, 122, bem como em HH., 3.°, 807, 4.°, 448, "Weismann
Z., 11, 78, e u dec. do Trib. do Imp. de 27 de Maio de 87, 1C.°, 133.
\ Contra, Baumgarten, Versuch, 418; Birkmeyer, Teilnahme, 107; Cobn,
Vermtch, 640; Hãltchner, 2.°, 553; Kõhler, Studien, 18; Sohútze, 487; j
I as dec. do Trib. do Imp. de 2 de Out. de 82, 7.°, 54, e de 17 de Dez.
I de 85, 18.*, 218, e especialmente Olshnusen entendem <|iio as circum-
I stuncias do caro dado é que devem decidir. Baumgarten, Vermtch, 418,
I Cobn, Versuch, 1.°, 640, Kõhler, 1.°, 18, receitam incondicionalmente
I a hypothese da tentativa,
t
&
) Portanto diversamente do que se na burla. De accordo o Trib. do
Imp. (repelidas vezes, ultima dec. a de 16 de Out. de 84, li.
4
, f 166); Fuchs, O A,
1», 425, Geyer, 2.°, 103; Moves, HH., 3.°, 894; I Olshausen J 268, 1. Cnirâ,
Binding, 1?, 464. nota 24, Hãlsrhner, 2?, [ 651, Merkel, HH., 3.°, 799, v. Meyer,
987, Simonson, VorieU, 29. Basta, I pois, a intenção de dar occasião a que o
dovedor cumpra a sua obri-I gação. Quanto ao mais ver o § 138.
(*) Neste sentido a maioria, especialmente Berner, 684, Geyer, 1,2?,
108, v. Meyer, 937, v. Wãchter, 468. Correctamente as dec. do I Trib. do Imp. de
5 o 12 de Março de 83, 8.°, 188. Dcve-se, pois, I- considerar também como
bastante a offensa á honra, a privação da liberdade (não, porém., o inallogr» de
um pruzer, de ura baile, de uma I sociedade). Contra o texto, Hãlschner, 2.°, 662,
Merkel, HH., 3°, ROO, I Olshausen, § 268, 3.°, Schútze, 488, nota 16.
t
406 TRATADO DE DIREITO PENAL
mente multa até 3.000 marcos; b) na falsificação de
documentos públicos, reclusão ate 10 annos e fa-
cultativamente multa de 150 até 6.000 marcos.
Occorrendo circumstancias attenuantes no caso a)\
encarceramento por tempo não inferior a uma semana,
e no caso b) por tempo não inferior a 3 mezes;
facultativamente multa até 3.000 marcos. Accesso-
riamente á pena de encarceramento pode ser pro-
nunciada a perda dos direitos civicos (art. 280).
§ 161. — II. A falsa attestação (falsificação
intellectual de documentos)
LITTEEATURA. J. "Weiss, Das Examen in strafrecht-
Uelier Betrachtwig, contribuão para a doutrina da falsi-
ficação intellectual, diss., 1891.
I I. E' da essência da falsificação de documento | a
contrafacção ou a alteração da forma destinada á
authenticação. Para a idéa da falsificação é indifferente
que o conteúdo do documento, tal como resulta da
contrafacção ou da adulteração, conforme-se ou não
com a verdade. Apezar da conformidade, pôde dar-se |
falsificação (por exemplo, o devedor, que pagou o
credor, mas que não recebeu delle quitação, fabrica
uma quitação). Pôde, apezar da não conformidade, ser
inadmissivel a hypothese de uma falsificação (por
exemplo, o credor que não foi pago é levado I por
artificio do devedor a passar-lhe quitação). Mas neste
caso a forma de authenticação, externamente
inatacável, verdadeira e não falsificada, está ao serviço
da inverdade: no seu conteúdo ella é falsa. Assim surge
a idéa da denominada falsificação material ou
intellectual de documento (denominação ppria a
induzir em erro), ou mais correctamente a •idéa da
certificação ou attestação falsa, «le faux intellectuel»
do direito francez (Cod. penal francez, |
CRIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS 407
art. 147), donde este crime passou para o Cod. prus-siano
(art. 252) e d'ahi para o Cod. allemão.
II. O C. p. Imp. qualifica somente a attes-j tacão
publica, materialmente inexacta, ou nos termos do art. 271,
a attestação em documentos ('), livros e registros públicos,
de declarações, aotos ou factos que são relevantes para
direitos ou relações jurídicas, quando essas declarações,
aotos ou factos não tiveram logáV ou tiveram logar de
outro modo, ou
I quando emanam de pessoa que funccionou em qualidade que
não lhe pertence, ou de pessoa diversa da que é| designada
em dictos actos. A lei exige a relevância jurídica das
declarações, actos e factos, e não a re-
I levancia da prova; mas os livros, registros etc, devem ter
força probante justamente a respeito das declarações de
que se trata (
2
). Os livros e registros públicos, de que a
lei faz expressa menção, com-
prehendeni-se na idéa de documento publico, de sorte que
essa menção especial ê supérflua; os livros e registros
devem também certificar declarações, actos e factos
juridicamente relevantes. Entram nesta categoria os
registros cadastraes e hypothecarios, os registros das
patentes, os registros concernentes ao commercio, á
navegação, ao estado civil, e bem assim os róes das prisões
e penitenciarias relativos aos réos que cumprem ou
cumpriram penas, mas não o registro criminal do
ministério publico.
O empregado publico que faz-se culpado scien-temente
de falsa attestação, commette crime de responsabilidade (art.
878). O individuo que o é empregado publico
abstracção feita da cumplici-: dade em crime de
responsabilidade é punido : «) quando provoca a falsa
attestação (art. 271), isto éJ
I-
(') A idéa é a mesma enunciada acima.
(*) Egualmenle a dec. do Trib. do Imp. de 30 de Junho de 90, 21, 81.
I
408
TRATADO DE DIKEITO PENAL
quando causa a que o empregado publico, na
ignorância da verdade, certifique no livro, ou registro
publico etc, factos nfio verdadeiros (por exemplo,
que A é a mãe do recemnascido, que B conveio no)
cancelamento da hypotheca inscripta a seu favor) (
3
);
b) ou quando faz uso de uma falsa attestação para
o fim de enganar (art. 293).
í
9
A consummação opera-se no primeiro caso com
a iuscripção e no segundo com o uso.
l
A tentativa
é isenta de pena (*).
Penas em ambos os casos : encarceramento até 6
mezes ou multa até 300 marcos; si o facto é praticado na
intenção de locupletação ou de preju-dicar-se a outrem
160, notas 5 e 6), reclusão até 10 annos e facultativamente
multa de 150 até 6000 marcos.
Ocoorrendo circumstancias attenuantes, encar-
ceraniento e facultativamente multa até 3000 marcos J (arte.
272 e 273).
§ 162. — III. Os demais crimes concernentes a
documentos
I. — A subtracção de documento (art. 274, n. 1),
incorrectamente classificada na burla pelo cod. prus-j sia.no,
contrasta com a contrafacção. Assim comoj esta é a
fabricação, aquella é a sonegação de do~-& cumento
(nacional ou estrangeiro) como meio de prova. A idéa
de documento deve, pois, exigir j
(*) Ver o % 177, VI. Ver a lei sobre gente do mar de 27 Dezembro de
1878 (art. 93, ns. 1 e 99, n. 2).
(
4
) Quem dá causa a que o empregado enganado faça a inseri peão,
commetto, segundo a regra geral (g 50), o crime de responsabilidade. O art. 271
do C. p. favorece, pois, sem nenhuma jus o individuo que não é empregado
publico.
OBIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS 409
I também aqui que o documento seja destinado a
[provar, mas não exige a relevância da prova (
,
).
[Como actos de subtracção, a lei enumera, de um lado, a
destruição ou a damnificaçâo do documento, e nesta parte
o que está em questão em primeiro Jogar é o conteúdo do
meio de prova e só mediatamente a sua substancia
material, e, do outro lado, a siqipressão. A expressão
supjmnrir comprehende tanto o occtutar como o extraviar
135, II, I). Não basta, pois, a apropriarão do uso; mas
basta impedir que um terceiro tome conhecimento do do-
cumento (*) ou que o documento lhe seja entregue. A
intenção de fazer posteriormente uso do do-
I cumento não exclue a applicação da lei (
3
), pois o uso
posterior não tira que o documento tenha sido supprimido.
A acção é punível, dados os dois seguintes
requisitos :
1.° que o documento não pertença ao agente ou não
lhe pertença exclusivamente (não bastam direitos reaes de
um terceiro) (');
2." que a subtracção se opere na intenção (equi-
valente a motivo) (•'') de prejudicar-se a outrem.
(') Igualmente a doo. do Trib. do Imp. de 22 de Out de 88, li", 141,
Homo, OS, 41.° 806, Geyer, 2.°, 105, Hâlachnor, 2.", 600, Morkol, IIII, 3.°,
807; contra, John, 8.°, 184, Olahausen, { 274, 2, quu Umbem ncsU parte
consideram como regulador o art. 267 do C. p.
(') Egualmente n doe. do Trib. do Imp. do 80 de Maio de 00, 20.»,
418.
(•) Egualmente n dec. do Trib. do Imp. de 26 de Jan. de 83, &°, 79;
«mim, Geyer, 2.», 106, Hilsobner, 2,°, 662, Olshausen, R «4, «.".
(*) Egualmente Hálschner, 2.», 660, Merkel, HH, 8.°, 807, v.
Meyer, 044; contra, Olahausen, i 274, 2.°.
(») Egualmente a dec do Trib. do Imp. de 24 de Junho de 87, 16,
160; contra, Geyer, 2.°, 106, Olshausen, { 274, 7.
410 TBATADO DB DIBBITO PBNAL
Não é necessário que o prejuízo seja patrimonial \\
basta, pois, difficultar-se a prova em um processo de
accusação privada.
Penas : encarceramento e facultivamente multa
até 3000 marcos. E' também facultativa a perda dos
direitos civicos (art. 280).
II. — Arrancamento de marco (art. 274, n. 2|.J
O marco não se comprehende necessariamente] na
idéa de documento. Si o marco tem o destino e a
relevância de prova, certo é que prova, não pelo seu
conteúdo, mas pela sua existencia, quando delle não
constam signaes representativos de palavras. Assim o
arrancamento de marco figura tanto no direito romano
como no da edade média allemã de um modo
completamente independente ao lado da falsificação de
documento, independência esta que sobretudo se deve a
idéas religiosas tenazmente arraigadas (
6
). A Carolina,
art. 114, punia com pena arbitraria, aquelle que «
perversamente e de modo perigoso deslocasse, abatesse,
tirasse ou mudasse divisas, limites, balisas ou marcos ».
O direito eoni-mum manteve este ponto de vista.
Entretanto salta aos olhos a analogia entre este delicto e
os delictos concernentes a documentos. E como a
deslocação de divisas pôde apresentar todos os
caracteres da| falsificação de documentos, a pena menos
rigorosa, . que o C. p. lhe inflige, suscita fundada
critica.
O art. 274, n. 2, pune quem, na intenção de
prejudicar a outrem, 1.° supprime ou destroe; 2." torna
(•) A pena especial, mencionada por Griínm, ReehteaUertíimer, J 547,
enconlra-se também frequentes vezes nas colleeções austríacas de assentos dos
escabiuos (*).
(*) O violador do marco era enterrado até o pescoço e sobre a .jj sua
cabeça passava o arado tirado por quatro cavallos.— Ver sobre a "J rancamento
de marco a Ord. Aff., 1. 5. t. 00, Man., t. 96, Phil., t, N. do trad.
CEIMES OONOEBríENTEB A DOCUMENTOS 411
Iirreconhecível ou remove; 3.° ou falsamente colloca I um
marco ou outro signal destinado (
7
) (pela auto-1 ridade
publica ou por quem de direito) a assignalar I os limites de
um prédio ou o nivei d'agua. Estes I três casos correspondem
á suppressão, á alteração e I á contrafacção de documentos.
Em cada um dei los I presuppõe-se que a divisa tem em si
impresso o seu I destino de servir de prova. A suppressão de
um I signal que lembra o uivei a que a agua attingio [ por
occasifto de uma enchente notável não incide Imo art. 274.
Penas : encarceramento e facultativamente multa I
até 3000 marcos.
III. Acções puníveis que têm por objecto o I sello
(papel sellado, sellos adhesivos, impressos em I branco
sellados, carimbos), bem como as estampilhas I do correio e
dos telegraphos (sello de franquia I postal, envolucros
sellados, vales postaes e cartões I postaes). Como a
legislação imperial não equipam I incondicionalmente as
instituições estrangeiras ás I nacionaes e, quando o faz, dil-o
sempre expressa* I mente, as disposições concernentes a
esta matéria I se referem a sellos e a estampilhas
nacionaes. 1 A verdadeira collocação systemática deste
grupo de acções puníveis seria entre os crimes concernentes
á moeda (0. p., art. 149) ou entre os crimes concernentes ás
rendas publicas 197). Inconsequen-I temente o C. p. o
classifica nos crimes concernentes I a documentos (
8
).
(
7
) Também u raia limitrophe entre dois prédios. O art. 870, n.
1, do C. p. tem em vista o facto de cavar ou cultivar, r não o de
desviar. Dec. do Trib. do Imp. de 29 de Dez. de 91, 22.", 286.
(•) De accordo Hãlscbner, 2.°, 566, Heinze, StaaisrecM, 131,
Olsbausen, § 276, 2. Contra, Herkel, HH, 3.°, 810, v. Meyer, 942, o >.
também a dec. do Trib. do Imp. de 20 de Junho de 82, 6.°, 387. — I Não
distribuem-se mais envolucros sellados.
412
TRATADO DE DIREITO PENAI.
........
Os factos que se comprehendem neste grupo sa©I 1."
Contrafazer ou falsificar, na intenção de] fazer uso, objectos
de dita. natureza, bem .como fazer uso de taes objectos
falsificados, embora a falsificação não provenha do agente
(art. 275). A expressão usar comprehende, além da
defraudação do imposto, a alienação dos objectos
falsificados. A consummação o pêra-se, no primeiro caso,
com a falsificação, e no segundo com o uso. Penas:
encarceramento por tempo não inferior a 3 mezes e
facultativamente perda dos direitos civiços (art. 280).
2.° — Utilisar-se scientemente em papeis su^r~ jeitos ao
sello de sello já servido (sello adhesivo, j papel sellado,
impressos em branco sellados, carimbos, art. 276). A lei de 13
de Maio de 1891 equipara a este caso a utilisação de
estampilhas do correio ou dos telegraphos empregadas para
a franquia, depois de ter-se supprimido no todo ou em parte o
signal de inutilisação. Penas: multa a 600 marcos. Em
contrario ao disposto no art. 73, esta pena deve ser imposta,
além da pena da defraudação.
3.° — Alienar ou ter á venda papel sellado que] já fora
utilisado, tendo sido apagados os caracter!
-
nelle inscriptos,
bem como sellos adhesivos, im pressos em branco
sellados ou carimbos cortadj ou destacados que já tenham
servido anteriorment) Pena: multa até 150 marcos.
4.° — Fabricar fórmas, que possam servir par) o
preparo de papel sellado etc., sem ordem por es] cripto da
autoridade, ou entregal-as a outrem quj não á autoridade
(C. p., art. 360, n. 4). Pena multa até 150 marcos ou
detenção.
5.° — Emprehender estampar as fórmas desj gnadas
sob o n. 4 ou a entrega de exemplares n| termos do art. 360, n.
5 do C. p. Pena: a do n. 41
E' facultado o confisco nos" casos sob os ns. 4j e 5,
pertençam ou não os objectos ao condemnado.
CRIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS
413
A lei de 13 de Maio de 1891 fez extensivas as
disposições legaes nos casos sob ns. 3 a 5 ás es-tampilhas do
correio e dos telegraphos (
n
).
IV. — A's mencionadas disposições a lei de 22 Ide Junho de
1887 concernente ao seguro contra a velhice e a invalidez
accrescenta as suas commina-ções penaes protectoras das
marcas do seguro (
xo
) I (arts. 154 e #155). A lei qualifica :
1.° — A contrafacção ou falsificação de taes
marcas na intenção de fazer uso, bem como o facto de
usar delias. Penas: encarceramento por tempo não
inferior a 3 mezes e facultativamente perda dos di
reitos cívicos.
H
B
B 2.° — O facto de utilisar scientemente marcas
já utilisadas, bem como alienar ou ter á venda
scientemente marcas já servidas, tendo sido apa-
n gados no todo ou em parte os signaes de desvalo-risação
nellas postos. Pena : a mesma indicada sob o n. 1.°;
occorrendo circumstancias attenuantes, pôde ser imposta
uma multa, não superior a 300 marcos ou detenção.
Em ambos os casos (1 e 2), deve ser pronun-ciado o
confisco das marcas, pouco importando que
(*) Pelo tratado da união postal universal de 4 de Julho de 11:891, art.
18, todos os Estados contraetantes ohrigam-se a punir o fem prego fraudulento
de sei los postaes fui si ficados ou já usados, bem pomo a prohibir e a impedir
todos os actos fraudulentos concernentes Êao fabrico, venda, negocio ou
distribuição de vinhetas e sólios do ser-j Iço postal falsificados ou de tal
modo contrafeitos, que possam f-erj [confundidos com os sei los e vinhetas
usados pela administração de Una das partes contraetantes. O Império da
Allemanha não desem-fcpenhou ainda esta obrigação.
(
I0
) Não pertencem a este numero os cartões de quitação pastados
segundo a lei sobre a invalidez, os quaes são verdadeiros documentos. Dec.
do Trib. do Imp. de 27 de Outubro de 93, 24.°, 348.
H
fciéâ
414 TRATADO DE DIREITO PENAL
pertençam ou não ao condem nado. Cabe o confisco,!
ainda que não tenha logar o processo ou a condenw
nação de determinada pessoa.
3.° a) A não autorizada fabricação de fórmas
que possam servir para o preparo das marcas, bem
como a entrega das marcas a outrem. H
b) O enrprehender, sem autorização, estampar as
mencionadas fórmas, bem como entregar exemplares)
a outrem.
Penas: multa até 150 marcos ou detenção; j
pôde ser pronunciado o confisco das fórmas, pouco
importando que pertençam ou não ao condemnado. I
V. — Acções puníveis que têm por objecto papeis
concernentes a identidade das pessoas. O art. 363 do
C. p. inclue neste numero passaportes, dispensas]
militares, cadernetas do aprendiz viajante, ou outros
papeis destinados a attestar a identidade de uma
pessoa (como um acto de baptismo), cadernetas de|
criados ou de operários ou outros attestados exigidos
por disposições especiaes, attestados de bôa conducta
ou de capacidade. E' punível: 1.°, a falsificação ; 2.°, o
fazer uso seientemente de taes papeis; ] 3.°, o uso de
documentos verdadeiros, mas passados para outrem ;
4.", a transferencia de ditos papeis a outrem. Em todos
estes quatro casos, o agente deve j ter a intenção de
illudir a autoridade, ou a um particular para
favorecer a situação própria ou alheia (").
Comquanto os mencionados papeis sejam indu-
bitavclmcnte documentos no sentido do art. 267 M la
intenção que o art. 363 exige, apezar de inde-1
terminada e genérica, comprehende-se em todo case |
(
ll
) Si M intt-nçfio tende i obtenção de um determinado pr«
»tu »ppli.vei» oe art». 207 o ••. Deu. do Trib. do Imp. de[
Novembro de 91, 22.*, 226. Também pôde dar-ae borU. Dwj
de Abril de 92, 2S.°, 43.
CRIMES CONCERNENTES A DOCUMENTOS 415
na intenção « contraria ao direito » de que trata aquelle
artigo; comquanto se assim uma falsificação de
documento propriamente dita, que é tanto mais perigosa
quanto taes falsificações pertencem ao officio dos
criminosos de profissão, a nova legislação, sob a influencia
do direito francez, converteu esses actos em crimes
especiaes relativamente á falsificação de documentos e
lhes inflige uma pena, cuja brandura não tem justificação
(detenção ou multa até| 150 marcos).
. VI. Acções puníveis que têm por objecto attestados
concernentes á saúde. Taes attestados não são
necessariamente documentos, porque não são
necessariamente destinados a provar factos juridicamente
relevantes. Mas, ainda quando tal seja o caso, não m
applicação os arts. 267 a 273 do C. p., comquanto o se
possa allegar razões ponderosas que justifiquem um
tratamento menos rigoroso.
A lei pune:
1.°, quem, arrogando-se a qualidade de medico ou de
pessoa approvada pertencente ao corpo medico (
12
), ou
servindo-se sem autorização do nome de uma pessoa que
tenha tal qualidade, passa um attestado sobre o estado de
sua própria saúde ou da saúde de outrem, ou quem
falsifica um attestado desta natureza regularmente passado
e delle usa para illudir as autoridades ou as companhias de
seguro. Pena: encarceramento até um anno (C. p. art. 277);
2.°, os médicos e outras pessoas approvadas do
corpo medico que passarem scientemente, sobre o estado
da saúde de alguém, um attestado falso para
(") Si cstSo comprehendidas neste numero as parteiras, decide-se
segundo as leis estaduaes. De accordo Olslmusen, £ 277, I, Hãlscfaner,
2, 569, as inclue sempre, a Dec do Trib. do Imp. de 27 de Março de
84, 10, 340, não as inclue nunca.
416 TKATADO DE DIREITO PENAL
ser exhibido a alguma autoridade publica ou a uma
companhia de seguros (attestado falso). Pena: en-|
carceramento de 1 mez até 2 annos (art. 278);
3.°, quem, para induzir em erro sobre o estado de
sua saúde ou da saúde de outrem, a uma autoridade
publica ou a uma companhia de seguros, fizer uso de
attestado comprehendido nos termos dos arts. 277 e
278. Pena: encarceramento até 1 anno (art. 279).
Em todos os três casos pôde ser pronunciada,
accessoriamente á pena de encarceramento, a de perda
dos direitos oivicos (art. 280).
LIVRO SEO-UNDO
Crimes e delictos contra os bens jurídicos
da collectividade
CAPITULO I
CRIMES CONTRA 0 ESTADO
§ 163. — Exame synthetico
LITTEEATUBA. Feuerbacb, PhilosopMach-juristisóhe
Untersuchung iiber das Verbrechen des Hochverrats, 1778;
Zirkier, Die gemeinrecktliehe Lehre vom Majestãtsverbrechen
und Hochverrat, 1836; Weiske, Hochverrat und Majests-
verbrechen, das crimen majestatis der Romer, 1836; Kostlin,
\LHe perdueUio unter den rômischen Konigen, 1841; aceres-
centem-se os trabalhos de Gu.nth.er mencionados na Z, 12,
603; Hepp, Pólitische und unpólitische Staatsverbrechen, 1846;
v. Feder, Das Staatsverbrechen des Hochverrats, 1850;
Brunner, 2, 685 ; Homberger, Der Begriff de» politischen
DeliMs und dessen Verwertung im materiellen Strafrecht des
Deutschen JReichs, 1893; De Filia, Dei reati contro la si-
\curezza interna dello Staio, I, 1888.
I. Considerações geraes. O conceito do crime
politico depende do conceito do Estado em uma epocha
dada. As transformações politicas re-flectem-se nas
comminações penaes, pelas quaes a
T. n
87
418
TRATADO DE DIREITO PENAL
communhão politica procura proteger-se. A monarchia
absoluta e a monarchia constitucional, a aristocracia e a
republica democrática armam-se para dar combate, com a
mesma inflexibilidade, aos adversários de sua soberania. .
Assim justifíca-se a posição especial em que é
collocado o crime politico não na legislação nacional
(penas graves, mas nem sempre infamantes), como na
assistência jurídica internacional, sobretudo no tocante á
extradição 22). O mesmo facto explica este phenomeno
que em toda parte se observa : lentamente e depois de
repetidos reviramentos de opinião, a legislação e a sciencia
chegam a uma discriminação firme e jurídica das diversas
espécies do crime politico. Examinando o crime politico á
luz de considerações puramente ideaes, dis-tinguem-se
nelle três grandes grupos:
1.° O ataque contra a ordem politica interna, tal
como a constituição a estabelece, quer a constituição seja
escripta, quer não. Ora, a constituição não fixa o
território do Estado, como determina quaes são os
depositários do poder publico uno ou dividido.
Assim,nos é dada a idéa scientifica da alta traição.
2.° X) ataque contra a segurança, exterior do
Estado ou traição contra o pais, e o crime que a prepara
nos tempos de paz armada, a revelação de segredos
militares. ^
3.° — O ataque contra os Estados estrangeiros, ataque
que, em virtude do constante incremento das relações entre
os paizes mais afastados, pôde reagir sobre os interesses
nacionaes, affectando-os de um modo muito sensivel.
Na historia e no direito vigente esta distincção deixa-
se apenas reconhecer por lineamentos mal seguros e
variáveis. pelo fim do século passado conseguio-se
separar da alta traição a traição contra
CRIMES CONTRA O ESTADO 419
o paiz. A preponderância que cabe ao rei na forma
loooarchica levou a um desmedido exagero da idéa do
crime de lesa-magestade, ao passo que os direitos
políticos dos cidadãos e das assembléas representa-
tivas a pouco e pouco vieram a gosar da protecção
do direito penal.
Os attentados contra Estados estrangeiros são
punidos, mesmo pela legislação dos nossos dias, de
um modo incompleto e ás mais das vezes sob condi-
ções restrictivas.
II. A perduellio, uma das duas idéas funda-
mentaes do antigo direito romano 3), e origem da
moderna idéa da alta. traição, passou para o segundo
plano pelos fins da Republica. Nas tribulações da
guerra civil foi a ponco e pouco substituída pelo
crimen magestatis (mencionado pela primeira vez na
lei Appuleja de 652 ou 654 a. u.), entendendo-se por
tal toda offensa da amplitudo ac dignitas do povo
romano. Em 673 Sylla commetteu o processo e o
julgamento a uma nova quoestio. Além disto dava-se
a perduellio, quando alguém animo hostili emprehendia
alguma acção pela qual fosse ameaçada a existencia
do Estado. O crimen magestatis sobreviveu á queda
da Republica, mas mudou de caracter: em vez do
povo figurava a plenitude dos direitos soberanos
reunidos na pessoa do príncipe. O abuso que impe-
radores tyrannicos fizeram desta dúctil figura criminal
(magestatis singulare et unicum crimen eorum qui
crimine vacarent, dizia Plinio) obteve sancção legal
na celebre Lex quisquis (1. 5, C. 9, 8), que Arcádio e
Honório decretaram em 397.
Na edade média allemã a traição militar prati-
cada contra os companheiros apparelhados para a
expedição e contra o seu chefe, de que tratam as leis
barbaras, converteu-se em quebra da devida ao
senhor feudal, em infidelidade (Rib. 69, 1, punida
com a morte). A idéa da felonia comprehendia
jâfllH
420
HHBHH
também, além deste caso gravíssimo, o procedimento
desleal para com outras pessoas, a quem o delinquente
devesse» fidelidade. Que o facto se dirigisse contra o
senhor feudal, não era caracter da idéa, mas
circumstancia aggravante.
Apezar de ser o crime politico de natureza emi-
nentemente nacional, o crimen mqfestatis do direito
romano foi também admittido no direito allem&o pela
bulia áurea de 1556, como mais cedo o havia sido no
direito canónico. A Bamberguense admittio ex-
pressamente no art. 132 (« penas d'aquelles que
ofiendem a magestade imperial ou real ») o crimen
iesce magestatis, e no art. 133 lhe equiparou a offensa
que o delinquente fizesse a seu senhor. O art. 135 trata
da traição militar (proditio) e além disto o art. 149
occupa-se com a felonia no sentido do direito allemao
(não falta a menção do companheiro de leito e do
amigo próximo parente), a que com-mina a pena de
esquartejamento. A Carolina adoptou [somente as
disposições sobre a felonia (art. 124). O seu silencio
sobre o crime de lesa-magestade provinha, sem duvida,
da competência da Gamara Imperial; em todo caso
ninguém punha em duvida que continuassem a vigorar
as disposições do direito romano (").
(") Em Portugal a constituição de Arcádio e Honório passou para
o Cod. Aff., 1. 5, t. 2, e d'ahi para o Man., t. S, e para o Phil., I t. 6. No
seu Cod. Crim. M. Freire reunio sob a denominação de alta traição o que
no direito allemão se denomina alta traição e traição contra o paiz, e a
distingido do crime de lesa magestade. O primeiro verifica-se *odas as
vezes que directamente se ataca o Estado, o imperante ou o seu poder;
quando o se offende, porém, directamente o Estado nem o imperante
na sua pessoa, nem o seu alto e supremo poder, mas a sua dignidade,
auctoridade e direitos, -se o crime de leszumagestade. « A nossa Ord.
tirada das leis romanas, diz elle no seu commentario, o distingue, como
julgo ser necessário, um e outro crime e chama a um e outro geralmente
de lesa-magestade, com a diiferença de primeira e segunda cabeças na
forma dag mesmas leis.» N. do trad.,
CKIMES CONTRA. O ESTADO
421
0 direito commum não podia chegar a discri-
minações firmemente estabelecidas. A idéa da felonia
ia cahindo em esquecimento. Até certo ponto o crimen
kesae magestaiis foi ampliado (neste sentido o direito
austríaco de 1696) a todos os crimes dirigidos contra a
administração publica, como a revolta, o attentado
contra a escolta, o declarar guerra, o exigir
contribuições por ameaças, a falsificação de cartas
patentes, moedas e sellos, a usurpação de regalias, o
cárcere privado etc. Embalde tentou-se individualísar a
perduellio (e egualmente a proditio), como traição
militar contra o paiz; também não teve resultado a
tentativa feita por Carpsov, apoiado na 1. un., C, 9, 7,
de destacar a maledictio in prin-cipem como crime
especial, cujo processo e punão dependiam do
príncipe.
quando na segunda metade do século XVIII, |
sob a influencia das novas intuições que os escri-
ptores do período philosophico prepararam e desen-
volveram, e sobretudo em consequência da vigorosa
direcção dada aos grandes Estados da Allemanha por
príncipes eminentes, o vivo espirito de uma renovação
ampla e profunda penetrou na legislação, pôde ella
libertar-se do influxo entorpecedor do crimen
magestatis do direito romano.
em 1787 a Áustria distinguia a alta traição da
traição contra o paiz. De um modo ainda mais claro e
preciso o AUg. Landrecht prussiano qualificou os
attentados contra a constituição, a vida e a liberdade
do chefe do Estado como alta traição, e o facto de
provocar-se um perigo externo e de comprometter-se a
segurança do Estado em relação a potencias
estrangeiras como traição contra o paiz. O crime de
injuria ao soberano foi definido com maior precisão.
A litteratura, que também nesta parte tinha á frente
Feuerbacb, seguio o caminho assim indicado.
422 TBATADO DE DIREITO PENAL
'Á' legislação^allemã impoz-se mais a necessidade
politica de attender ás relações entre o império e os
Estados federados, e ás relações destes entre si.
O art. 74 da Constituição da Federação da
Allemanha do Norte, apoiando-se em uma resolução
federal de 1836, dispoz que os attentados criminosos
contra a integridade, os órgãos e as autoridades da
Federação seriam punidos segundo as leis estaduaes,
como si fossem perpetrados contra algum dos Estados.
Logo depois o Império decretou no seu O. p. as
necessárias comminaçoes que receberam um notável
complemento pela lei de 3 de Julho de 1893,
concernente á revelação de segredos militares.
III.— Desde que o povo foi chamado.a tomar
parte nos negócios públicos, a protecção dos direitos
politicos dos cidadãos ficou sendo um importante
objecto da legislação penal. Comquanto muitos dos «
direitos politicos » garantidos nas cartas constitu-
cionaes, como a inviolabilidade do domicilio, o se-
gredo da correspondência epistolar, a liberdade in-
dividual, fossem posteriormente reconhecidos, graças a
um exame mais calmo, como bens jurídicos destituídos
de caracter politico, e se referissem as acções, que
contra elles attentam, ao direito com-mum e aos
crimes de responsabilidade, ao passo que outros
direitos, como a liberdade de imprensa, o direito de
associação ou o de reunião, foram por uma serie de
comminaçoes penaes, não tanto protegidos na sua
existencia, quanto circuniscriptos cm limites
legalmente fixados certo é que os crimes e delictos
contra os direitos cívicos entraram definitivamente nos
códigos penaes da Allemanha. O C. p. imperial,
também nesta parte sob a influencia do direito francez
(Godé penal, art. 109 a 113) por intermédio do cod.
prussiano, comprehende sob esta denominação dois
grupos de acções puníveis essen-
CRIMES CONTRA O ESTADO
423
cialmente diversas. As suas eomminações penaes
protegem 1.° as assembléas legislativas do Império ou dos
Estados da Federação (inclusive o senado e a
representação das cidades hanseaticas livres), como
depositários do poder legislativo conferido ao povo, e 2.° o
direito politico de voto e de eleição conferido ao cidadão
allemão.
IV.— Dos attentados contra Estados estrangeiros, o
G? p. imperial trata apenas sob a deno-í minação de «
acções puníveis contra Estados amigos» dos que
correspondem á alta traição, das offensas para com o
soberano, da injuria a embaixadores e do desacato a
symbolos de autoridade ou de soberania.
§ 164.— I. Da alta traição
LITTERATURA.— Knitschky, Das Verbrechen cies Hoch-
verrats, 1874 • John, HH, 3, 3; Hãlschner, 2, 720.
I.— Conceito. Alta traição — em contraposição á
traição contra o paiz é o attentado contra o Estado na
sua estabilidade interna e consequentemente contra a sua
existencia como individualidade. Os actos de alta traição
não perderiam o seu caracter, ainda quando o Estado,
contra o qual se dirigissem, fosse o único existente na
terra. O Estado, como individualidade, suppõe o território,
a constituição e os depositários do poder publico 163).
Na idéa una da alta traição comprehen-dem-se pois três
grupos diversos de acções; mas do circulo da alta traição o
direito imperial vigente separou, para formar espécies
distínctas do crime politico, 1.° a offensa ao soberano
167); 2.° o attentado contra o senado e a representação das
cidades hanseaticas livres (§ 168, I); 3.° o attentado
424 TRATADO DE-DIREITO PENAL
contra o direito politico dê voto e de eleição, bem
como contra as assembléas legislativas (§ 168, II).
O objecto contra o qual attenta a alta traição
proprian ente dita é a communhão politica nacional,
consequentemente o Império da Allemanha e cada um
dos Estados que d'elle fazem parte. Por outro lado á
alta traição applica-se somente o direito penal nacional,
ainda quando a acção punível tenha sido praticada no
estrangeiro, quer por um nacional, quer por um
estrangeiro (C. p., art. 4, n. 1, § 21, IV)T).
II.— A legislação imperial enumera casuistica-
mente as acções (com exclusão de outras quiçá
equivalentes), nas quaes um attentado contra a
estabilidade interna do Estado. Constituem, pois, alta
traição no sentido do direito vigente :
1.°— O assassinato e a tentativa de assassinato
contra o Imperador, o imperante do Estado de que o
delinquente é súbdito, ou do Estado onde o delinquente
tem a sua residência. O que regula é pois o logar da
residência do delinquente e não. o logar do delicto
30). Esta disposição não é applicavel ás republicas que
fazem parte da Federação allemã, bem como não o é
aos regentes (
b
).
(•) Alta traição é o attentado contra o monarcha, como soberano,
a constituição politica e o território do Estado (Berner). A alta traição
tem por objecto o imperador, os imperantes dos Estados que fazem
parte da Federação, a constituição do império da Allemanha, as
constituições dos Estados, o território do Império, e os territórios doa
Estados. O imperador é protegido pelas disposições sobre a alta traição
na sua qualidade de cbefe do império da Allemanha, e os príncipes
federaes como investidos do poder publico estadual (John). N. do trad.
(
b
) O art. 80 do O. p. ali. trata somente da alta traição contra o
chefe do Estado. O crime ahi definido pôde ser commettido a)
contra o imperador, a quem cabe a presidência (pr&sidium) do Im-
CRIMES OONTSA. O ESTADO
425
I Pena, morte (art. 80). Esta disposição, que, depois
do restabelecimento da pena de morte 10), foi
aceres centada á lei em virtude de uma emenda do
deputado v. Kardoff, colloca em face do homicídio
doloso e premeditado, definido no art. 211 do C. p.,
um crime novo e independente. Este, como caso grave
de alta traição, e não como homicídio punido com
nena especialmente aggravada, distin-gue-se do
nomicidio sobretudo pela importância eminentemente
politica do objecto sobre que recae o ataque (
x
) (°).
O art. 50 do 0. p. tem applicação á pessoa
estranha, que for cúmplice. Da equiparão da con-
summação e da tentativa resultam (
2
) a) a impos-
sibilidade de uma desistência que exima da pena, e bj
a impossibilidade de ser reduzida a pena do mplice
(
d
).
perio da Allemanha; 6) contra o imperante do Estado federal de que o
delinquente é, ao tempo do facto, cidadão; e) contra o imperante do
Estado onde o delinquente residia ao tempo do facto, pouco im-
portando que o facto tenha sido praticado em Estado diverso do da
residência. Assim o imperador e os imperantes dos Estados são prote-
gidos por disposições penaes mais severas de que os demais príncipes
allemães e os depositários do poder supremo nas cidades livres hansea-
ticas, a que a opinião commum nega a protecção do art. 80, assim
como aos regentes (Olshausen). N. do trad.
) O homicídio do soberano a seu pedido seria portanto punível
em virtude do art. 80.
E (o) O crime do art. 80 não é um caso qualificado do crime
1
definido
no art. 211 (assassinato), mas um caso qualificado da alta traição
(Trib. do Imp., Binding, v. Wãchter). Mas em virtude do disposto no
art. 59 tem applicação, não o art. 80, e sim o art. 211, quando o agente
ignora que a pessoa, contra quem attenta, é o imperador (Olshausen).
N. do trad.
(») Ver o $ 48, nota 6, e o \ 61, nota 6.
C) A doutrina do autor é impugnada por um grande numero de
criminalistas, que entendem ter a lei simplesmente equiparado as
426 - TBATADO DE DIREITO PENAL
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
--------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------
2.° 0 facto de emprehender alguém (fora do
caso previsto sob o n. 1) matar, prender, entregar ao
inimigo ou tornar incapaz de governar o imperante de
um Estado da Federação (art. 81, n. 1). Matar não
comprehende o homicídio culposo, mas sim o
homicídio doloso, premeditado ou não (").
3.° — O facto de emprehender alguém mudar
violentamente a constituição do Iniporio da Alle-
manha, ou a constituição de um dos Estados da
Federação allemã, ou a ordem de successâo no throno,
estatuída em alguns d'elles (art. 81, n. 2), Por
constituição devemos entender as instituições
fundamentaes sobre que assenta a actividade do
Estado, quer enumeradas, quer não, na constituição;
penas da tentativa ás do crime consummado, sem, todavia, abrir uma
excepção ao principio do art. 46 sobre a desistência da tentativa. « A
favor desta opinião, diz Berner, militam claramente os mais óbvios
princípios de política ». Também o Trib. do ímp. e rios criminalistas,
entre os quaes o próprio Merkel que admitte a conclusão do autor
mencionada sob a letra a, entendem que, na ausência de uma disposição
expressa, a cumplicidade não podo ser punida com a pena de morte
somente porque a lei equiparou na pena a tentativa ao crime
consummado. A applicação da pena de morte á cumplicidade, diz Ols-
hausen, offenderia o principio — nulla pana sine lege. N. do trad.
(*) O art. 81, n. 1, comprehende todos os casos de homicídio
doloso não comprehendido no art. 80, que, como foi dito, menciona
somente o caso qualificado da alta traição. Assim si alguém assassinar]
o imperante de um Estado da federação, de que não seja cidadão ou
onde não tenha residência, incorrerá, não no art. 80, e sim no art. 81,
D'ahi resulta porém esta incongruência: si a victima fosse, não o im-
perante, mas um simples particular, o delinquente deveria ser punido
com a pena de morte, como incurso no art. 211. Este absurdo, assigna-
lado por John, Merkel evita, dizendo que no caso de assassinato dar-se-
hia um concurso ideal de crimes, e, segundo os princípios que o regem,
o delinquente deveria ser punido com a pena mais rigorosa do art. 211.
N. do trad.
CRIMES CONTRA O ESTADO
427
portanto as attribuições do chefe do Estado, de um
lado, e a reunião e as attribuições dos corpos legis-
lativos, de outro. Pertenceria a taes attentados uma
mudança do direito de voto, mas não a alteração da
liberdade de imprensa, ou da liberdade religiosa (
3
).| A
mudança projectada deve ser violenta, e assim ficam
excluídas as meras ameaças (*) (*).
4.° 0
#
facto de emprehender alguém a) incor-
porar violentamente, no todo ou em parte, o território
federal a um Estado estrangeiro, ou desannexar uma
parte do território federal; b) incorporar vio-
lentamente, no todo ou em parte, o território de um
Estado federal a outro Estado federal, ou desannexar
(*) Contra, Homberger, 41.
(
4
) Egualmente Geyer, 2, 127, Hãlschner, 2, 737; contra, Bcrner, 860,
Merkel, 376, v. Meyer, 797, Olshausen, \ 81, 6, Schútze, 255, nota 17.
(
r
) Segundo John, o basta, para dar-se o crime de alta traição, que o
attentado tenha por fim mudar uma disposição da constituição ou accrescentar
á constituição uma disposição nova: é necessário que o attentado se dirija
contra a constituição e se proponha a substituil-a por outra, convertendo, por
exemplo, a monarchia em republica ou vice-versa. Tem maior numero do
defensores a opinião de que não se deve identificar a constituição cora a carta
constitucional, pois a constituição de um Estado comprehende muito mais do
que esta, além de que nem todas as disposições contidas em uma carta
constitucional são por sua natureza constitucionaes; constituição quer dizer
simplesmente instituições fundamentaes. Per violência, uns entendem
somente a via absoluta, outros também a vis compulsiva e portanto as
ameaças, quando podem ser apoiadas pela força. « Em regra, diz Berner, a
violência deve ser physicn. Mas, si a violência vera do alto, é possível que
ella se verifique pela influencia que a autoridade politica pode exercer em
virtude do cargo, ainda sem o emprego da força pbysica. Neste caso dá-se o
requisito da violência no abuso do poder. A illegitima suppressão da
constituição por meio de ura decreto ministerial que fosse executado sem
violência pbysica, bem poderia ser punida como alta traição ». N. do trad.
428 TEATADO DE DIREITO PENAL
uma parte do território de um Estado (art. 81, 3 e 4 (
6
)
().
Penas applicaveis aos casos 2 a 4: reclusão
perpetua, ou prisão perpétua em fortaleza. Occor-rendo
circumstancias attenuantes, prisão em fortaleza por
tempo não inferior a 5 annos (°); accessoria-mente á
prisão em fortaleza pode ser imposta a pena de perda
dos cargos públicos que o culpado exerça, bem como a
dos direitos procedentes de publicas eleições.
III. — Actos preparatórios. I
1.° — No caso sob o n. II, 1.°, o C. p., de accôrdo
com a concepção do direito commum, pune a tentativa
com as penas do crime consummado, e nos casos 2 a 4
dispõe o mesmo a respeito do em-prehendimento. O
art. 82 do C. p. contem a seguinte definição do
emprehendimento, definição que prevalece somente
em matéria de alta traição: « emprehendimento é todo
acto destinado a pôr immediata-mente em execução o
intento criminoso ». Não é, pois, o começo da
execução, mas o acto que leva ao começo d'esta, o
acto que immediatamente a pre-
(
5
) O facto de converter alguém violentamente em província
imperial todo o território de um Estado da Federação só pode ser
considerado como alta traição segundo o n. 2 do art. 81.
(s) O attentado contra o território federal deve ter por fim in-
corporal-o no todo ou em parte a um Estado estrangeiro, ou desanne-
xal-o para converter a parte desannexada em Estado independente e
estranho ao Império; o attentado contra o território de um Estado
federal tem por fim incorporal-o no todo ou em parte a outro Estado
federal ou desannexal-o para converter a parte desannexada em Estado
distincto, mas pertencente á Federação (John). N. do trad.
(
6
) O máximo da prisão em fortaleza é aqui, como em geral,
15, e não 10 annos. Não importa que se tenha dado um erro de redacção.
Ver o \ 16, nota 5. Incorrectamente Berner, 354, Schutze, GA, 366,
Sontag, Redactionsversehen, 54, o mesmo, Festungshaft, 174. No sentido
do texto a opinião commum.
CBJMES CONTRA O ESTADO 429
para. Por outras palavras: o emprehendimento da alta
traição tem mais amplitude do que a tentativa, e assim
comprehende também actos preparatórios; mas, em
contraposição á outra significação da palavra, somente
comprehende os actos preparatórios que confinam
immediatamente com a tentativa (
7
).
Desta concepção segue-se que, em contraste com
a idéa geral do emprehendimento, os actos
preparatórios remotos não podem ser punidos como
emprehendimento da alta traição; o designio deve ter
passado a phase de esforços não individuali-sados, e
tomado a forma palpável de uma acção determinada,
embora não se achem resolvidas todas as
particularidades da execução, concernentes ao logar,
ao tempo e aos meios.
São também impossíveis a tentativa de empre-
hendimento, a desistência delle e a reducção da pena
do cúmplice (vêr a nota 2.').
2.° Os arts. 81 e 82 deixam pois impunes os
actos preparatórios na sua maior parte.
Os artigos seguintes preenchem esta lacuna,
sujeitando a penas os demais actos preparatórios, e,
na verdade, o fazem de modo que certos actos
notavelmente perigosos incidem em penas superiores,
(') A questão é muito controvertida. A opinião commum con-
sidera o emprehendimento simplesmente como tentativa; neste sentido
Berner, 862, Bindíng, Normen, 2, 454, Knitschky, 160, etc. Outros
vêm no emprehendimento a idéa restrieta com relação á tentativa;
neste sentido, especialmente Geyer, 2, 127, bel, Untemehmen, p. 6.
Hãlsohner, 2, 744, v. Meyer, 253, Olshausen, § 821, 1, Schútze, 236,
dec. do Trib. imp. de 13 e 18 de Junho de 87, 16, 166. Ver o <S 46,
nota 2 (»).
(
h
) A opinião predominante, contraria á do autor, quer evitar a
incongruência que se nota entre o art. 80 e o art. 81; ao passo que o art.
80 só equipara, no caso qualificado, a tentativa ao crime consum-mado,
o art. 81, no caso simples, equipara ao crime consummado o em-
prehendimento, isto é, actos por sua natureza preparatórios. N. do trad.
430 TBATADO DE DIREITO PENAL
e os outros são punidos segundo uma escala penal
commum e inferior. Em todos os casos deve-se tratar
do preparo de um determinado emprehendi-mento de
alta traição.
a) A conspirão de alta traição (0. p., art. 83)
é o concerto de varias pessoas para a execução de
um emprehendimento deste crime (§ 49, 111).
Penas: reclusão ou prisão em fortaleza por tempo
não inferior a 5 annos; occorrendo circum-stancias
attenuantes, prisão em fortaleza, por tempo não
inferior a 2 annos. Accessoriamente á prisão em
fortaleza, pôde ser pronunciada a perda de certos
direitos cívicos.
b) Na mesma pena incorre (art. 84) aquelle que,
para preparar a execução de um crime de alta traição,
a) entretiver intelligencia com um governo estrangeiro
(
8
) (basta que se entabolem negociações, não é
necessário a conclusão delias) /?) abusar do poder que
lhe fora confiado (sobre pessoas ou cousas) pelo
Império, ou por algum dos Estados da Federação, ou y)
alistar ou exercitar tropa no manejo das armas.
c) Qualquer outro acto preparatório de um
emprehendimento de alta traição (art. 86).
Penas: reclusão ou prisão em fortaleza até 3
annos ; occorrendo circumstancias attenuantes, prisão
em fortaleza de 6 mezes a 3 annos.
d) A provocação publica (art. 85) para a exe
cução de um acto previsto pelo art. 82 do C. p.
(e portanto não pelo art. 80!) (
9
) poderia ser mais
(*) Também consideru-se como tal o governo de um .Estado
federal em relação ao governo de outro Estado federal. Contra,
somente OIshausen, g 84, 3.
(•) Egualmente Geyor, 2, 128, Hãlschner, 2, 750; contra,
Klõppel, Pressreckt, 403, OIshausen, § 85, 2, dec. do Trib. do Imp. de
5 de Dezembro de 81, 5, 215.
CRIMES CONTRA O ESTADO
431
correctamente classificada entre as provocações pu-
níveis (art. 173), mas por connexidade de matéria a
mencionaremos neste Jogar. Surprehendente—e sem
duvida absurda é a referencia ao art. 82, sobretudo
porque o caracter especial da provocação, em
opposição á instigação, está na falta de determinação
do acto a que se provoca 173). Entretanto, segundo
o direito vigente, deve-se exigir que a provocação* se
refira a um emprehendimento exactamente
determinado nos termos do art. 82.
Penas: reclusão até 10 annos ou prisão em
fortaleza por egual tempo (isto é, de um até 10 annos).
Occorrendo circumstancias attenuantes, prisão em
fortaleza de um até 5 annos.
Como trata se, segundo a concepção que aca-
bamos de accentuar, de um crime independente de
provocação publica, e não como nos artigos ante-
riores, de um acto preparatório do crime de alta
traição, deve-se admittir aqui a possibilidade de
tentativa punível.
Quando nos casos dos arts. 80, 81, 83 e 84 do C.
p. iniciar-se a instrucção, podem ser sequestrados os
bens que possuir o accusado, ou que posteriormente lhe
tocarem, até terminar a instrucção por sentença
passada em julgado (C. p. art. 93 ; Ivêr o C. do pr. p.,
arts. 480, 333 e seg.) (')•
(') O C. p. prussiano, art. 78, tirava ao condomnado á morte ou á
reclusão perpetua, por crime de alta traição, a faculdade de dispor dos seus
bens e, como medida necessária para acautelar a execução desta pena, privava
o réo da administração do seu património durante o processo. O C. p. ali.
imitou esta ultima disposição sem adoptar a primeira, e por isso incorre em
censura. Si no caso de condemnação, diz John, cessa o sequestro, si ao
condemnado é restituída a disposição dos seus bens, não se sabe por que razão
figura o art. 85 entre as disposições concernentes ao direito penal material. N.
do trud.
432 TBATADO DE DIBElTO PENAL
§ 165. II. ' Traição contra o paiz
LITTEBATUKA. —v. Kries, Z., 7, 597; Múller, GS, 40, 204.
Hálschner, 2, 753; Lammasch, Militàriacher Síaaisoerrat und
Spionage im õsterr. Strqfgesetzenttcurf, 1892. Daugelmaier,
Militãrrechtliche unã militãrethische Ahhanãlwngen, 1892, p.
194.
I. Traição contra o paiz é o attentado contra a
seguraa exterior e a situação do Estado como potencia,
e portanto contra o Estado considerado na posição que
occupa entre os outros. Ao contrario da alta traição,
este crime é possível, dada a coexistencia de varias
communhões politicas. A ligação do delinquente com
um Estado estranho distingue da alta traição a traição
contra o paiz. Diversamente do que se naquella, é
nesta de importância capital a relação de fidelidade do
cidadão para com o seu Estado; quando o próprio
súbdito allia-se ao inimigo, a guerra que faz á pátria é
vil e perversa, apresenta-se como perduellio 3),
como perfídia (
a
).
Mas o estrangeiro pode fazer-se também culpado
de traição contra o paiz nos seguintes casos:
1.° Na denominada traição diplomática (C. p.,
art. 92) a nacionalidade do delinquente é em geral
indifferente.
(*) A segurança exterior do Estado é também atacada pelo crime
de alta traição, visto como a lei assim qualifica o emprehendimento
que tem por fim desannexar partes do território de um Estado. A dif-
ferença essencial entre o crime de alta traição e o de traição contra o
paiz está em que naquelle o Estado é considerado em si mesmo, ao
passo que neste é considerado como uma individualidade que coexiste
com outros Estados. Para a idéa da alta traição basta a existencia do
Estado como communbão politica, e para a da traição contra o paiz é
presupposto essencial a existencia de relações do Estado para com outros
(John). N. do trad.
CRIMES CONTRA O ESTADO
433
2.° 0 estrangeiro, que commette um dos
crimes ou delictos definidos nos arts. 87, 89 e 90 (e
não no arfe. 88!), emquanto reside no território federal
« sob a protecção do Império da Allemanha» (a
clausula « sob a protecção etc.» é inteiramente su-
pérflua) ou de um dos Estados da Federação, é punido
do mesmo modo que o nacional (C. p.. art. 91, ai. 2).
3." Quanto ao mais o estrangeiro culpado de
ta.es crimes e delictos deve ser tratado segundo os
usos da guerra (*), isto é, segundo os princípios do
direito internacional (
b
).
Por outro lado cumpre lembrar que, em virtude
do art. 4, n. 2, do C. p. 21), o allemíio culpado de
alta traição contra o Império da Allemanha ou contra
algum dos Estados da Federação (
2
), embora a tenha
praticado no estrangeiro, responde, indepen-
dentemente de outra condição, segundo o direito
nacional, bem como que o C. p. mil. augmentou
consideravelmente nos arts. 155, 157 a 161 o nu-
f
1
) Sobre a falta de clareza de»ta disposição ver v. Kries.
(
h
) D'ahi segue-se que os crimes especificados nos arts. 87, 80 e 90 do
C. p. ali., quando commettidos pelo estrangeiro no estrangeiro durante a paz,
não o puníveis. Durante a guerra, sendo commettidos no estrangeiro, devem
ser punidos segundo os usos da guerra, e sendo commettidos no pais, cumpre
distinguir si o estrangeiro pertencia ou não ás forcas inimigas, pois no primeiro
caso deve elle ser punido segundo os usos da guerra, e no segundo, como si
fora nacional (Olsbausen). N. do trnd.
(*) A traição militar contra o paiz só pode ser dirigida contra o império
da Allemanha (°).
(') O direito de declarar guerra o fazer a paz é, segundo a Constituição
federal, um attributo do império allemão, e por isso somente este, como tal, e
não algum dos Fstados, pode ser objecto da «traição militar». Como, porém,
nas relações internacionaes durante a paz também figuram os Estados que
fazem parte do império, podem ser objecto «da traição diplomática» tanto o
império como qualquer dos Estados (John). N. da trad.
T. II «
434
TRATADO DE DIREITO PENAI
mero dos casos em que são punireis actos praticados
no estrangeiro (ver o § 201, IV).
Na traição contra o paiz, como na alta traição o
direito nacional só concede a protecçflo da lei penal á
communhão nacional (ao império e aos respectivos
Estados). Falta disposição correspondente ao art. 102
do C. p. (§ 169, II, 1).
A traição contra o paiz distingue-se em militar e
em diplomática. A primeira consiste ha assistência de
caracter militar dada a uma potencia estrangeira, e a
segunda em qualquer outra assistência (presup-posta a
limitação legal da criminalidade a certos casos).
Comquanto esta distincção seja pouco feliz,
conservamol-a para summariar os casos de traição
contra o paiz.
II. A traição militar comprehende os seguintes
casos:
1.° O conluio ou conspiração (entreter intel-
ligençia, art. 87), com um governo estrangeiro (não
állemão) para induz il-o a fazer guerra contra o
império da Allemanha.
Penas:
a) reclusão por tempo não inferior a 5 annos;
occorrendo circumstancias attenuantes, prisão em for-
taleza de 6 mezes a 5 annos.
b) Seguindo-se a guerra (embora não tenha
sobrevindo em razão das machinações do agente),
reclusão perpetua (
d
) ; occorrendo circumstancias
(
a
) A superveniencia de guerra é somente condição de uma penalidade
superior e não circumstancia constitutiva do facto qualificado pela lei, pois esta
não exige relação causal. E, porém, necessário que haja, observa Olshausen, «
connexão quanto ao tempo ». Com effeito-nãt» se pode considerar em todos os
casos como uma circumstancia ag, gr a vante uma guerra que sobrevenha
depois do facto delictuoso até o seu julgamento; no longo prazo para a
prescrípção da acção penal a guerra pode sobrevir tão tarde depois da pratica
do crime que entre
CRIMES CONTRA. O ESTADO 43S
attenuantes, prisão em fortaleza por tempo não inferior
a 5 annos.
Accessoriamente á prisão em fortaleza, pode ser
pronunciada a perda dos cargos de que o delinquente
esteja investido, bem como a dos direitos procedentes
de publicas eleições.
2.°—Engajar-se o allemão para o serviço da força
militar inimiga (seja como combatente ou em outra
qualidade, por exemplo, de empregado, medico, pre-
gador etc.) durante uma guerra contra o império da
Allemanha, ou tomar armas contra o império da
Allemanha ou contra os seus alliados (art. 88).
Penas:
a) Si o delinquente, antes do rompimento da
guerra, se achava engajado ao serviço do inimigo,
reclusão de 2 até 10 annos ou prisão em fortaleza por
egual tempo; occorrendo circumstancias attenuantes,
prisão em fortaleza até 10 annos.
b) Si não é este o caso, reclusão perpetua ou
prisão perpetua em fortaleza; occorrendo circum-
stancias attenuantes, prisão em fortaleza por tempo
não inferior a 5 annos.
Accessoriamente á prisão em fortaleza, perda dos
cargos blicos de que o delinquente esteja investido,
bem como perda dos direitos procedentes de publicas
eleições.
3.° Favorecer dolosamente (quem... presta
assistência, art. 89) uma potencia inimiga durante
uma guerra contra o Império da Allemanha, ou causar
prejuízo ás forças militares do Império ou dos seus
alliados (
3
).
ella e este nenhuma connexão exista quanto ao tempo. — O nosso O. p. exige,
ao contrario do direito allemão, relação causal entre a provocação e a
declaração de guerra (art. 88). N. do trad.
(») Nos arte. 89 e 90 do C. p. a lei de 3 de Julho de 1893, art. J.°, fez
algumas alterações (sem importância).
436
TRATADO DE DIREITO PENAL
Aqui, como em geral, o dolo consiste na con-
sciência da importância da acção como causa. Não se
pôde exigir uma intenção que além disto, um
animus hostilis especial. Tomar parte em um emprés-
timo de guerra levantado pelo inimigo, facilitar a
evasão de prisioneiros de guerra pôde ser traição contra
o paiz, embora o primeiro acto proceda talvez somente
do desejo de lucro, e o segundo somente da
benevolência do agente.
Opera-se a consummação, logo que é de facto
prestada a assistência 107), e portanto logo que a
situação militar do adversário torna-se mais vantajosa,
e menos favorável a das forças allemães.
Penas : reclusão até 10 annos ou prisão em
fortaleza por egual tempo (isto é, de 1 até 10 annos);
occorrendo circumstancias attenuantes, prisão em for-
taleza até 10 annos. Perda de certos direitos cívicos,
como no caso sob o n. 2.
4.° O art. 90 destaca do crime definido no art.
89 (acima sob o n. 3) alguns casos graves para
sujeital-os a penas aggravadas.
Em reclusão perpetua, nos casos menos graves
em reclusão por tempo não inferior a 10 annos, e
occorrendo circumstancias attenuantes em prisão em
fortaleza por tempo não inferior a 5 annos (e perda
parcial de direitos civicos, como no caso sob o n. 3),
incorre o allemão que dolosamente, durante uma
guerra contra o Império da Allemanha:
a) entregar ao inimigo fortalezas, desfiladeiros,
praças occupadas ou outros postos de defesa, bem
como tropas ou pessoas que façam parte das tropas
allemães ou alliadas;
b) entregar ao inimigo, ou destruir ou inutilisar
em proveito delle, obras de fortificação, navios ou
outras embarcações da marinha de guerra, dinheiros
públicos, depósitos de armas, munições ou outras
provisões de guerra, bem como pontes, vias-fer-
OKIMEH CONTKi. O ESTADO 437
reas (
4
), telegraphos e (lêa-se ou) meios de trans-l
porte;
c) fornecer ao inimigo SOCCOITO de gente, ou
provocar pessoas que façam parte das forças alle-
niftes ou alliadas a desertar para o inimigo;
d) communícar ao inimigo planos de operações,
de fortalezas ou de posições fortificadas ;
é) servir de espião ao inimigo, ou dar abrigo,
occultar ou prestar assistência a espiões do inimigo;
/) excitar revolta entre as tropas alleinães ou
alliadas.
I III. A traição diplomática dá-se, segundo o art.
92, quando alguém (seja um alleo ou um es-
trangeiro) dolosamente (não basta simples culpa):
1." communica a um governo estrangeiro (e
não a um individuo sem mandato) ou divulga se-
gredos do Estado ou planos de fortalezas, ou do-
cumentos (não em sentido- technico, nesta expressão
comprehendem-sc também, por exemplo, os modelos
de armas), peças ou informações, sabendo que, a bem
dos interesses do Império da Alleinanha ou de um dos
Estados da Federação, taes documentos, peças e
informações devem ser conservados secretos com
relação a outro governo (mesmo allemão) (
s
);
2." destroe, falsifica ou supprime, para com-
proinetter direitos do Império da Alleinanha ou de um
dos Estados da Federação em relação a um governo
estrangeiro, documentos ou meios de prova
concernentes a esses direitos (ver o § 160 e seg.);
(*) Sobre esta idéa ver o g 12G, nota 4. Contra Loeck, Slrnf-
rechílicher Schutt der Eisenbalmen, p. 161 (todus as estradas militares,
bem como em geral as que são próprias para o transporte de muni
ções e material de guerra em larga escala). H
(*) Jíão entra neste numero a communkação du noticias publicadas
ou de factos que não são verdadeiros (como a afirmação de faltas DO
armamento do exercito allemão, embura animem o inimigo a atacar).
438 TRATA ÍK> Dfc ÕTREITO ffefíAt
3." trata com outro governo um negocio do
Estado que lhe tenha sido commettido pelo Império da
Allemanha ou por um dos Estados da Federação em
prejuízo dos seus committentes (infidelidade; ver o §
133).
Penas : reclusão por tempo não inferior a 2 annos
; occorrendo circumstancias attenuantes, prisão em
fortaleza por tempo não inferior a o mezes.
IV. Em todos os casos de traição contra o
\ paiz pôde ser decretado o sequestro dos bens do
accusado do modo declarado no § 164, V (art. 93).
V. O C. p. mil., art. 57, denomina traição
de. guerra a traição contra o paiz commettida em
campanha. Ver o § 202, I.
VI. — Ao mesmo grupo pertencem dois novos
delictos qualificados pela lei de 5 de Abril de 1888
(ver o § 108).
l.° Quando o tribunal resolve funccionar em
audiência secreta, a bem da segurança do Estado, pôde
impor ás pessoas presentes o dever de guardar silencio
sobre os factos de que tiverem conhecimento pelos
debates, acto de accusação e outras peças officiaes do
processo. Incorre em multa a 1.000 marcos, ou
detenção ou encarceramento até 6 mezes quem, por
uma communicação não autori-sada, violar este
preceito (art. 2.° da lei).
2.° No mesmo caso não pôde a imprensa pu-
blicar resenhas dos debates. A mesma disposição
prevalece, depois da terminação do processo, em re-
lação á publicação do acto de accusação ou de outras
peças officiaes do processo. As infracções sujeitam as
penas declaradas no n. 1 (art. 3.° da lei) (
fl
).
(*) Vèr também os crimes o delictos de que trata o g 188 deste
tratado,
SggBBm
CRIMES CONTRA O ESTAbO
439
§ 166.— III. Espionagem e revelação de
segredos militares
LiTTERATURA.—Seuffert, Z. 14, 578; Stenglein, 2fG
;
1171;
Hanke, Archiv fiir óffenlliclies Recht, 4, 457.
I. As disposições que vigoravam sobre a es
pionagem e a revelação de segredos militares (C. p.,
art. 90 e 92) foram consideravelmente ampliadas
pela lei de 3 de Julho de 1893 concernente á reve
lação de taes segredos. Esta lei tomou para modelo
a legislação de outros paizes, e especialmente a lei
franceza de 18 de Abril de 1886.
O que seja segredo militar foi ao mesmo tempo
definido de um modo preciso no art. 1.° da lei, e essa
definição regula com relação a todos os factos que a lei
qualifica.
Assim devemos entender por segredo militar todos os
eseriptos, desenhos e outros objectos, cujo segredo é
necessário no interesse da defeza do paiz ( e não em geral
a bem do Império e dos Estados da Federação), embora a
autoridade competente não tenha expressamente declarado
que taes objectos devem ser considerados secretos. Entram
n'este numero os planos de mobilisação, os planos de forta-
lezas, portos militares, fortificação das costas, os desenhos
e modelos de armas e canhões, etc.
II. — A espionagem de segredos militares, isto
é, o facto de obter alguém a posse ou o conheci
mento de taes objectos, é agora também punível em
tempo de paz. Devemos distinguir dois casos;
1.° A espionagem simples (art. 4.°). São necessários
o dolo e a illegalidade (consequentemente também a
consciência desta, § 40, nota 4). O motivo (curiosidade,
desejo de servir á pátria) é iudif-ferente. A tentativa é
punível.
440 TRATADO DE DIREITO PENAL
Penas: encarceramento ou prisão em fortaleza a 3
annos; accessoriamente pôde impor-se multa até 5.000
marcos. Occorrendo circumstancias atte-nuantes, pôde ser
imposta a multa simplesmente (art. 4.°).
2.° A espionagem é aggravada, quando o agente tem a
intenção de usar de taes objectos ou do respectivo
conhecimento para fazer a outrem communi-cações que
compromettam a segurança do Império (art. 3."). A
espionagem apresenta se pois como auto preparatório, e não
como tentativa de traição. íái iniciou se ou consummou-se a
execução d'essa intenção, tem applicação, segundo o art. 73
do C. p. (pois não se trata de um crime novo e independente
) as disposições mais rigorosas relativas á traição (
l
).
Penas : reclusão a10 annos; facultativamente multa
até 10.000 marcos.
Segundo o art. 6.°, de ser pronunciada, acces-
soriamente á pena de encarceramento, a perda dos cargos
públicos de que o culpado esteja investido ô dos direitos
resultantes de eleições publicas (
2
), e accessoriamente a
toda pena privativa da liberdade (
3
) a vigilância policial.
III.—Revelação de segredos militares dá-se, quando o
agente faz chegar ao poder ou ao conhecimento de outrem
objectos da natureza daquelles a que a lei se refere (arts.
1.°, 2.° e 7.°). D'est'arte
(*) O art. 1." da lei contem, segundo a regra geral (g 56) e apesar de
aduiittir o reconhecimento de circumstancias atteuuantcs (prisão em
fortaleza), a co mini nação mais grave. Egualmente quanto ao resultado, mas
censurável em pontos de facto (em razão da admissão de communicRção
tentada) a dec. do Trib. do Imp. de 16 de Dez de 93, 2õ.° áõ. Ver também
Seutíert, 693.
(
z
) Ver o g 66, III, 2.
(»; Ver o § 65, I.
CRIMES CONTlíA O ESTADO
,4=411
0 art. 92, n. 1, do C. p. foi consideravelmente am
pliado, mas não revogado, em tanto quanto trata-se
de segredos militares (
4
). Devemos distinguir três
casos de revelação:
1." A revelação dolosa simples (art. 2.°). E'
necessária a illegalidade (
5
) (e portanto a conseien-; cia da
illegalidade). O agente deve saber que a manutenção do
segredo interessa á defeza do paiz (°).| A tentativa* é
punível, mas se dá, quando o agente suppõe
erroneamente que a manutenção do segredo c necessária.
Penas: encarceramento ou prisão em fortaleza até 5
ânuos; facultativamente multa até 5.000 marcos.
2." — A revelação dolosa qualificada dá-se,
1 quando o agente sabe que a sua eoin muni cação
com-
promette a segurança do Império da Allemanha (
7
).|
A tentativa é punível. Aqui não é necessária a
consciência da illegalidade (art. 1).
Penas: reclusão por tempo não inferior a 2 an-n3s;
facultativamente multa até 15.000 marcos; oc-
(*) Ampliado, porque o art. 92 exige divulgação ou communi-c i';ão a
uin govcruo estrangeiro, e a lei contenta-so com a communi-c ição a outrem.
Não revogado, porque a expressão «communicaçSo de I n >licias» diz mais
que a expressão « eonimunicar o conhecimento de um objecto», o que suppõe
uma descri pção completa e substitutiva da observação material. Egualmente
Seuffert, 589, e Stenglein, 1171; [contra, a dec. do Trib. do Irap. de 16 de Dez.
de 93, 25.°, 46.
(*) E' a mesma idéa geral. Nenhuma razão tem Stenglein,| 1174,
exigindo a violação do um dever especial.
(«j O agente deve lambem saber que a communicação compro-] mette
o interesse da defeza do paiz. A isto liga-se necessariamente a consciência de
um perigo para a segurança do Império da Allemanha. Não podemos pois
reconhecer differença palpável entre o art. 1.° o o art. !d.° da lei. Ver porém
Seuffert, 593.
(') Ver a nota anterior. A ideia de perigo é a mesma idéa geral. Ver
sobre isto Seuffert, 598.
442 fkAfJLDO DÈ DIREITO fÊNAÍ.
correndo circumstanoias attenuantes, prisão em for-
taleza por tempo não inferior a 6 mezes, e faculta*
tivamente multa até 10.000 marcos. O art. 6 da lei o
tem aqui applicação.
3.° A revelação culposa (art. 7). E' somente
punivel como autor (não assim quanto ao cúmplice)
aquelle a quem os objectos forem confiados offícial-
niente, ou são accessiveis em razão de funeção ou de
um encargo official; neste caso estão também os
industriaes incumbidos de uma fabricação (não os seus
operários). Aqui é expressamente exigido que se
comprometia a segurança do império da Alle-manha
(
8
). A culpa tanto pode provir do erro do agente sobre
tratar-se de segredo militar, como da ignorância de
que, pelo seu procedimento, elle faz os objectos
accessiveis a outrem.
Penas: encarceramento ou prisão em fortaleza até
3 annos ou multa até 3.000 marcos. Accessoria-mente
á pena privativa da liberdade pôde ser imposta uma
multa até 3.000 marcos.
IV. Além da espionagem e da revelação de
segredo militar, a lei de 1893 qualificou ainda outras
acções, que em parte são actos preparatórios, e em
parte são de natureza puramente policial:
1.° O concerto sobre a espionagem qualificada
ou a revelação qualificada, quando não foi levado até á
execução ou até á tentativa punivel (conspiração, art.
5).
Penas: encarceramento por tempo não inferior a 3
mezes; facultativamente multa até 5.000 marcos. E'
isento de pena quem, tendo tomado parte em um
concerto desta natureza, denuncial-o antes que a
autoridade saiba do facto e de modo a tornar possível a
prevenção do crime (§ 74, III). Também aqui, tem
applicação o art. 6 da lei.
(
8
j Ver a nota 6,
CRIMES COiÍTRA O EStADO
443
2.° — Deixar de denunciar (art. 9).
Quem tiver conhecimento de modo fidedigno de um
dos crimes previstos nos arts. 1 e 3, quando for possivel
prevenir a perpetraçao de dito crime, e deixar de avisar á
autoridade em tempo opportuno, incorre, sendo perpetrado
o crime ou uma tentativa punível, na pena de
encarceramento.
Incorre «era penas próprias da contravenção (multa
até 150 marcos ou detenção) quem, contra as ordens da
autoridade militar devidamente affixadas, penetrar no raio
dos logares fortificados, nos estabelecimentos militares ou
marítimos, nos navios ou embarcações da marinha de
guerra, nos terrenos de exercicio ou experiências militares
(art. 8). Não exime de pena a ignorância culposa de taes
ordens.
V. A lei tem applicação, independentemente de
outra condição, aos crimes previstos nos seus arts. 1, 3 e 5,
quando commcttidos no estrangeiro por nacionaes (art. 10)
(
9
).
§ 167. — IV. Da injuria ao soberano
LITTEBATOBÃ. lschner, 2, 764; Zimmermann,
GA., 31.°, 103; Gertschen, GA., 32, 53.
I. — Conceito. Idealmente a honra de quem está
investido da soberania do Estado não é diversa da do
individuo. A idéa da honra, devidamente concebida (94,
II), tem elasterio bastante para corresponder a todas as
posições sociaes. Mantemo-nos, pois, nos limites da
definição geral da injuria, definindo a «injuria ao
soberano» como offensa da consideração devida ao
monarcha (na qualidade de depositário dos direitos
soberanos do Estado). Depois do que
(•) Sobre as duvidas de direito publico (infundadas) acerca da
validado de toda a lei, ver Seuffert. 607.
441 TJtATADO DE DUtJSlTO PENAL
ficou dito em logar competente, não é necessário insistirmos
em que essa consideração quanto ao seu objecto e extensão
eleva-se tanto sobre a que é devida ao particular quanto a
posição do soberano sobrepuja a dos particulares.
Subentende-.se também que o delinquente deve saber que é
o soberano a pessoa a quem injuria. A qualificação de um
crime! especial de injuria ao soberano si prescindirmos
da escala penal modificada correspondentemente á
gravidade e á natureza politica do crime tem
importância jurídica sob o seguinte ponto de vista.: as
disposições especiaes estabelecidas com relação á injuria
ordinária (e portanto não derivadas da idéa deste crime),
taes como as que dizem respeito á exigência da queixa, á
accusação privada, á multa prrvada, á compensação etc,
nenhuma applicação tem á injuria ao soberano (").
(*) A antiga doutrina do direito commum aliem ão distinguia
entre o crimen Icesce majestatis, isto é, a offensa ao príncipe como cbefe
do Estado, e o crimen Icesce venerationis, isto é, a injuria ao príncipe
como homem. A doutrina moderna regeitou completamente esta dis-
tincção, e o conceito da injuria ao soberano comprehende todas as
injurias contra o imperante. «Segundo o C. p. ali., diz Berner, as
injurias ao soberano não com prebendem simplesmente as injurias. Por
isso a expressão MãjestMsbeleidigung é errónea, mas não pode ser dis-
pensada, porque é technica. Além das injurias, em que se comprebendem
tanto a injuria simples como a diffamacão e a calumnia, o C. p. incluiu
nas suas disposições as vias de facto ». No antigo direito portuguez,
o crime de « dizer mal del-rei » (Ord. 1, 5, t. 7) era julgado pelo mesmo
rei ou pelas pessoos a quem o rei commettesse esse encargo, e punido
com pena arbitraria que podia ir até á de morte. O C. Criíu. bras. de
1830 nào qualificou como crime especial as injurias contra o imperador,
mandando apenas punil-as com o dobro das penas estabelecidas para a
injuria commum (art. 242;. O C. p. vigente trata a injuria e a calumnia
contra o presidente da Republica do mesmo modo que a injuria e a
calumnia communs necesria a queixa do ofiendido). O proj. br&as.
apenas as distingue quanto ás penas (art. 818, I). N. do trad.
CRIMES CONTRA. O ESTADO 445
Todas as conclusões porém que decorrem, quer da
idéa da injuria, quer das idéas geraes do direito penal,
devem ser absolutamente applicadas á injuria ao soberano,
embora tenham sido accidentalmente admittidas no
capitulo 14 do C. p. Assim o art. 193 nfio na verdade,
como tal, mas por sua matéria (*)( que ^ decorre de
princípios geraes deve também servir de regra para a
apreciação da injuria ao so-| berano, e o mesmo deve-se
dizer da prova da verdade etc. (
2
).
I Somente o monarcha, os membros de sua familia e a
pessoa que o representa (o regente) podem, segundo o
direito actual, ser objecto da injuria em questão; esta
especial protecção do direito penal não se estende á honra
dos depositários dos direitos soberanos dos Estados nas
republicas da Allemanha. De accôrdo com a estructura
constitucional do império da Allemanha, a lei destaca o
imperador, <íj imperante do Estado de que o delinquente é
súbdito e o do Estado em que o delinquente reside de todos
os outros príncipes federaes, comquanto o imperador não
figure como soberano no ponto de vista do direito publico.
Como não ha, segundo o direito publico, uma
«familia imperial», os membros da familia do Imperador,
e especialmente o «príncipe herdeiro do Império da
Allemanha» podem ser tomados em consideração
como membros da familia real (e o her-
(') Ver o § 94, "MI. Egualmente no essencial Hiilschner, 2.°,
768; Morkel, 887 j v. Meyer, 809; Olshausen, 96.°, 7, o a dec. do Trib.
elo imp. de 21 de Maio de 88, 8, 888. I
(«) De accôrdo v. Bar, Trat., p. 246; Geyer, 2,151; lschner, 2, 768;
John, HH, 8, 69; Ziramermann, GA, 81* 198. Contra, especialmente
Gortchen, GA 82, 68; Merkel, 868, v. Meyer, 809.°, Olshnu-sen, 95, 7,
Wilhelm, Das Moment der Rechtswidrigkeit bei der Belei-\diqn.ng, diss.,
1890, dec. do frib. do imp. de 28 de Jun. de 80, 2, 218.
446 TRATADO DE DIREITO PBtfll
deiro presumptívo como «príncipe real da Prússia»);
resultado este que de nenhum modo corresponde ás
relações de facto (
3
) (
b
).
As penas graduam-se, conforme trata-se de injuria
propriamente dita ou de vias de facto. Também aqui á
acção corresponde a omissão, quando um dever
jurídico obrigava o delinquente a fazer o que deixou de
fazer; o facto de deixar-se alguém ficar sentado por
occasião de um viva levantado ao soberano não é pois
por si só injuria a este. Vias de facto designam também
nesta parte (ver o § 95, nota 2) a injuria real (
4
) ). A
expressão injuria tanto comprehende a offensa á honra
como o facto, consciente ou não, de compromettel-
a (arts. 185,
(
s
) A falta de claresa das idéas fundam entaes do legislador na
regulamentação da injuria em questão resulta dos titulos completa-
mente inadequados dos respectivos capítulos do C. p. («injuria ao so-
berano, injuria aos príncipes federaes»).
(
b
) O imperador não figura como monarcha ou soberano do im
pério, mas como «um membro privilegiado, a quem cabe certa parte
ideal no poder publico imperial: elle não exerce as attribuições que
lhe foram conferidçs em seu próprio nome, mais em nome do império
ou dos governos fedeores» (6. Meyer). N. do trad.
H {*) Cumpre observar que toda violência (iIlegal) para com o so
berano ba de apresentar-se sempre como injuria.
H (°) Muito mais amplo é o conceito que formam Bcrner, Aferirei
e outros das vias de facto, como Majestãtsbeleuhgivngen. «Em todas as
offensas pessoaes ao chefe do estado, diz Berner, acha-se um momento
politico pelo qual ellas constituem alta traição ou injuria ao soberano,
e como taes são punidas. Por isso esses dois conceitos devem abranger
todo o campo de taes offensas. Emquanto limitou-se a lesa-magestade
ás injurias, constituíam todas as outras offensas contra o chefe do es
tado crimes de alta traição. Desde que o conceito deste crime foi re
duzido a mais estreitos limites, alargou-se o de lesa-magestade para
comprehender todos os actos de violência contra o chefe do Estado que
não se consideram como actos de alta traição. O C. p. allemão os com
prehende sob a denominação de vias de facto.» N. do trad.
j
CRIMES CONTRA O ESTADO 447
186 e 187 do C. p.) A offensa á honra da familia por
injuria a soberanos mortos é punível nos termos do
art. 189 do C. p. E' indiferente que a injuria verse
sobre actos públicos do soberano ou sobre actos de sua
vida privada. Também as manifestações que se
referem a actos do governo referendados pelo ministro
responsável podem constituir injuria ao soberano,
quando e em tanto quanto encerrem um juizo ou
facilitem formar-se um juizo que seja ofíensivo da
consideração devida ao monarcha; o mesmo deve-se
dizer das manifestações feitas depois de ter o
monarcha cingido a coroa, mas concernentes a factos
que se passaram em épocas anteriores.
As injurias commettidas por um allemão no es-
trangeiro contra o imperante de um Estado Alie mão
(não contra a familia do imperante ou contra o regente
de um Estado da Federação) devem ser punidos,
independentemente de outra condição, segundo o
direito penal nacional (C. p. art. 4, n. 2, ver § 21).
II.— Penas das vias de facto.
l.° Sendo as vias de facto praticadas contra o
imperador, o imperante do Estado de que o de-
linquente é súbdito ou do Estado em cujo território o
delinquente residia, reclusão perpetua ou prisão
perpetua em fortaleza, nos casos menos graves re-
clusão por tempo não inferior a 5 annos ou prisão em
fortaleza por egual tempo. Accessoriamente á prisão
em fortaleza pode ser pronunciada a perda de certos
direitos civicos. Occorrendo circumstancias
attenuantes, prisão em fortaleza por tempo o inferior
a 5 annos.
2.° Sendo as vias de facto praticadas contra
um membro da familia do imperante (
fi
) ou o re-
(
6
) O facto de pertencer alguém a uma% casa reinante determi-
na-se, não segundo o parentesco, mas segundo o direito publico e os
1448 TRATADO DE DIREITO PENAL
gente do Estado de que o delinquente é súbdito ou do Estado em
cujo território residia, reclusão por tempo não inferior a õ annos
ou prisão em fortaleza por egual tempo; em casos menos grave
reclusão ';| até 5 annos ou prisão em fortaleza por egual tempo;
occorrendo eirumstanrias attenuantes, prisão em fortaleza de um
até 5 annos (C. p., art. 96).
3."— Sendo as vias de facto praticadas contra outro
imperante, reclusão de 2 até ífl annos ou prisão em
fortaleza por egual tempo; occorrendo circumstancias
attenuantes, prisão em fortaleza de 6 mezes até 10 annos
(C. p. art. 98).
4."—Sendo as vias de facto dirigidas contra algum
dos membros da família de um imperante ou contra o
regente de algum dos Estados da federação, reclusão ate 5
annos ou prisão em fortaleza por egual tempo. Occorrendo
circumstancias attenuantes, prisão em fortaleza de um mez
até 3 annos (C. p., art. 100).
III. — Penas da injuria simples.
1."—Contra as pessoas designadas sob o n. II,
1, encarceramento por tempo não inferior a 2 mezes
ou prisão em fortaleza de 2 mezes a 5 annos; acces-
soriamente á prisão pode ser pronunciada a perda
de certos direitos civicos (art. 95).
2.° — Contra as pessoas designadas sob o n. II,
2, encarceramento de um mez até 3 annos ou
prisão em fortaleza por egual tempo (art. 97).
3.° — Contra as pessoas designadas sob o n. II,
3, encarceramento de um mez até 3 annos ou
estatutos privados da família. Ver a dec. do Trib. do Imp. do 28 da
Setembro de 1891, 22, 141 (injuria ao príncipe Fernando da Bulgária).
Na Alsacia-Lorena o imperador não figura como soberano, os mem-
bros da fumilia imperial não podem pois ser considerados como membros
da família do soberano. Ver Laband, I, 716. O mesmo deve-se dizer
com relação ao protectorado allemão,
loBIMES OOKTBA O ESTADO 449
prisão em fortaleza por egual tempo. 0 processo
pôde ser iniciado com autorísação do fendido (art. 99).
4.° Contra os regentes (não contra os membros da
família do soberano) dos Estados designados sob |n. II,
4, encarceramento de uma semana até 2 annos ou
prisão em fortaleza por egual tempo. O processo
pôde ser iniciado com autorísação do oífendido (art.
101).
o
§ 168. — V. Crimes e delictos relativos aos
direitos políticos dos cidadãos (
a
)
LITTEEATUBA. Hálschner, 2, 778 e 782; Drenkmann,
GA, 17, 163; Schneider, 08, 40, I.
I. —Acções puníveis contra as assembléas le-
gislativas do Império da Allemanha ou de um estado
da federação. A essas assembléas equiparam-se o
senado e a representação das cidades livres han-
seaticas (*).
1.° Emprehender : 1.° dissolver uma dessas
assembléas; 2.°, constrangel-as a tomar ou a deixar do
tomar uma resolução; 3.°, retirar delias violentamente
algum dos seus membros (art. 105).
Penas: reclusão por tempo não inferior a 5 annos
ou prisão em fortaleza por egual tempo. Oc-correndo
circumstancias attenuantes, prisão em fortaleza por
tempo não inferior a um anno.
(•) Arte. 105 a 109 do G. p. ali. Nestes artigos o legislador qualifica um
grupo de delictos, cujo traço característico consiste em obstarem que a vontade
da communhão politica se manifeste^livremente e de um modo conforme to
direito publico. Taes delictos atacam im-mediatamente o livre exercício dus
attribuições das assembléas le-| gislativas e já o exercício dos direitos políticos
de voto e eleição do cidadão aliemão (Merkel). N. do trad.
(') As injurias contra as assembléas legislativas são mencionadas
especialmente no art. 197 do C. p. Ver o J 96, nota 4.
T. n
20
TRATADO DE DIREITO PENAI.
2.° — Impedir por violência ou ameaça de
uma acção punível algum membro de ditas assembléas
: 1." de dirigir-se ao logar da assembléa, ou 2.° de votar
(art. 106). Sobre as idéas de violência e ameaça ver o §
97. Segundo o art. 839, ai. 3, equivale a estes meios o
abuso de poder ou ai ameaça de um determinado abuso
de poder. O constrangimento positivo, especialmente
para votar, não entra na qualificação da lei; mas pode'
ser punido nos termos do art. 240 do G. p.
Penas : reclusão até 5 annos ou prisão em for-
taleza por egual tempo. Occorrendo circumstancias
attenuantes, prisão em fortaleza até 2 annos.
II. Acções puníveis contra o direito político de
voto e eleição.
1.° Impedir o exercício do direito de votar ou
de eleger, isto é, obstar por violência ou ameaça de
uma acção punível que um allemão (não o estrangeiro)
exerça o seu direito politico de votar ou de eleger, isto
é, o direito de tomar parte nos negócios públicos do
Estado (província, circulo) e das communas mediante o
voto em geral e a eleição de representantes em
especial.. As expressões « exercício de direitos
políticos » (art. 107) e « negócios públicos » (arts. 108
e 109) são, pois, equivalentes.1 As eleições
ecclesiastácas o estão comprehendidaaj na lei, como
não o estão as eleições de camarás commerciaes ou as
que devem ter logar em virtude das leis sobre o seguro
etc. (') Ao « impedimento » não
(*) A questão é muito controvertida. De necordo ao OMenci&l â dec.
do Trib. do Imp. de 9 de Novembro do 2, 7, 223, Borner, 872, (W«r,», 198;
HaUchner, 2, 784; v. Mcyer, 820; Dochow; Schnoidlor. Contré, especialmente
OUbauaen, { 107, 2 (*).
0") Vere» a dUctudo sobre a intelligeneia daa palavra» SUiaíê-
burgrrlieht Iitchle (direitos politico*) que se Um no art. 107, « eom trnp"-
:,:»" á expressão hffcnUíclien AngeUgenheitm (negocio* pu icos),
450
CRIMES OOKTJBA O ESTADO
451
equivale o constrangimento para o exercicio do direito de
votar e de eleger em geral, mas equivale o constrangimento
para exercel-o em um sentido diverso daquelle que
corresponde á vontade do coagido. (O art. 339, ai. 3, do C.
p. tem também aqui ap-plicação.)
Penas: encarceramento por tempo não inferior a 6
messes ou prisão em fortaleza (dê um dia) até 5 annos. A
#
tentativa é punível.
2.° — A falsificação eleitoral (art. 108) compre-hende:
1.° a falsificação propriamenia-difa. ou pro-1 ducção de um
resultado inexacto por occasião de uma operação eleitoral
(não em outras votações) relativa a negócios públicos, e 2.° a
alteração do resultado eleitoral,. Por esta expressão «
resultado eleitoral » não devemos entender a eleição deste ou
daquelle candidato, nem a proporção dos votos ou , a acta
eleitoral, mas o exercicio do direito eleitoral Ide um modo que
de facto corresponda á lei. A fal: j (sificação eleitoral não é
T
pois, cmoe. da falsidade -no , (sentido próprio, e portanto não
^ abuso de uma I .forma dê attestação. O resultado ej^itoxal
ê falsifi- ( (cada[ quando o exercicio do direito de voto
não j (corresponde de facto á lei, consequentemente quando, í
jpor exemplo, o individuo que não é eleitor é j
jadmittido a votar, ou o eleitor é admittido a votar} ' varias
vezes; é alterado, quando a verificação do resultado não
corrresponde ao exercicio real do voto, consequentemente
quando, por exemplo, as cédulas entregues foram
inexactamente contadas
que o legislador empregou nos arts. 108 e 109. O Trib. do Imp. e os
criminalistas citados pelo autor entendem que o legislador não quiz
expressar idéas diversas, referio-se a todos os negócios públicos, quer
do Estado, quer das communas. Olshausen e Rubo limitam o art. 107
aos negócios do Estado, com exclusão dos negócios das communas, N.
do trad.
452 TRATADO DE DIREITO PENAL
e registradas (
2
). Em ambos os casos o dolo é re-
quisito necessário. Não soffre duvida que se trata
somente de eleições effectuadas no paiz. Penas:
a) Si o agente estava incumbido de recolher as
cédulas eleitoraes ou de voto ou os signaes destinados
a substituil-as, ou de redigir a acta, encarceramento de
uma semana até 3 annos.
b) Si o agente não estava investido de tal
funcção, encarceramento até 2 annos.
I Em ambos os casos pôde ser imposta a pena de perda
dos direitos civicos.
3.° O trafico do voto ou corrupção eleitoral, isto é,
a compra ou venda do voto em um escrutínio publico
(no paiz, art. 109) (
8
). A idéa da compra segundo o
direito civil não tem aqui ap-plicação; mas é
necessário um pacto, embora não expresso, que tenha
por objecto, de um lado, a promessa do voto em certo
sentido, e do outro, a prestação correspondente. A
promessa unilateral do voto ou do equivalente é, como
tentativa, isenta de pena. A corrupção que tem por fim
abster-se o votante de dar o seu voto não incide na lei.
Também nella não incide um pacto apparente, quando
o votante se reserva in petto a disposição do seu voto.
Um proveito de qualquer natureza basta como
prestação correspondente ao voto (ver o § 107, nota 6);
não é necessário que o proveito seja pecuniário.
Penas: encarceramento de 1 mez até 2 annos;
pôde também ser pronunciada a perda dos direitos
civicos.
) Egualmente Geyer, 2, 188, v. Meyer, 80, nota 10, Schneidler,
OS, 40, 14, e especialmente as dec. do Trib. do Imp. de 2 de Junho de
90, 20, 420 e de 6 de Abril de 90,21, 414. Contra, Olshausen, g 10, 2.
(*) Vêr também o que se disse no g 136, III, sobre a compra 4e
voto no processo da fallencia.
CRIMES CONTRA O ESTADO 453
§ 169.-—VI. Crimes e delictos contra Estados
estrangeiros
H LITTERATURA. Lammasch, Z 3, 396 ; v. Martitz,
Internationale EecMshU/e, 1, 60, 71; E. Ounet, Offences et
lactes kostiles commis par des particuliers contre un État
létranger, 1887 ; Stooss e MoreU, Kevista suissa, 1, 149,
304 ; Pfenni^er, 611 j v. Bar, Tratado, 267; Rosenblatt,
Archiv /Ur offentliches Recht, 8, 97.
I. 0 direito internacional confere direitos e
impõe obrigações, não aos cidadãos de um Estado,
mas ao Estado mesmo. o Estado é o sujeito de
direitos internacionaes; elle, consequentemente,
é o único sujeito possível de um delicto de direito
internacional. Mas cada Estado, pelo facto de per
tencer á communbâo dos Estados civilisados e unidos
segundo o direito internacional, está obrigado a re
primir e a punir attentados contra algum dos outros,
quando commettidos por pessoas sujeitas ao seu
poder. A violação dos preceitos estatuídos para este
fim constitue, pois, uma offensa ao direito pátrio,
ao direito nacional, e não ao direito internacional (').
Por isso mesmo a legislação nacional pôde limitar-se
a proteger por meio de suas comminações penaes
somente os Estados que fazem parte do grande
grupo unido pelo direito internacional, bem como
pôde limitar a protecção do direito penal aos tempos
em que seja amistoso o commercio internacional. E'
neste sentido que o nosso C. p. fala em « Estados
amigos ».
II. O C. p. imp. qualifica os seguintes actos
como « acções hostis contra Estados amigos ».
(!) Incorrecto é pois designar, como o fazia a 5." edição deste
tratado, os delictos pertencentes a esta categoria, como acções puníveis
contra o « direito internacional >.
54 TBATADO DE DIREITO PENAL
1.° Praticar contra um Estado estrangeiro ou o
seu imperante um acto que, sendo praticado contra um
Estado da Federação, seria punido, como alta traição,
nos termos dos arts. 81 a 86 (art. 102).
Gomo condição de punibilidade, o art. 102 exige a
garantia da reciprocidade, isto é, uma correspondente
punição aggravada do mesmo acto segundo o direito
estrangeiro, si fosse dirigido contra o Império da
Aliem a nha ou contra um Estado da Federação. Não é
necessário que tal garantia seja dada por lei ou por
tratado, pôde também sei-o por uma praxe judiciaria
que afiance a sua observância no futuro.
Ao passo que o allemão é responsável por taes
actos, quer os pratique no paiz, quer no estrangeiro, e
quando ahi os pratique, por elles responde sem a
limitação dos arts. 4.° e 5.° do C. p. (§ 21), o es-
trangeiro é responsável, quando os pratica durante a
sua residência no paiz. Também aqui o que regula é o
logar da residência, e não o do delicto.
O processo depende de queixa do governo es-
trangeiro, e a queixa pôde ser retirada.
Penas:
a) nos casos dos arts. 81 a 84 do C. p., prisão em
fortaleza de 1 até 10 annos; occorrendo circunstancias
attenuantes, prisão em fortaleza de 6 mezes até 10
annos.
b) nos casos dos arts. 85 e 86, prisão em for-
taleza de 1 mez até 3 annos.
2.° A injuria (real ou não real) feita ao im-
perante ou ao regente de um Estado que não faz parte
da Federação germânica (art. 103).
A reciprocidade deve ser garantida. Os pre-
sidentes de republica não são protegidos, como pro-
tegidas não são as nações estrangeiras. Também não o
é o papa; comquanto elle se ache investido de alguns
direitos soberanos (como o de enviar e re-
CRIMES CONTRA O ESTADO
455
ceber embaixadores etc), não é soberano (pois fal-
tam-lhe território e povo).
Pena: encarceramento de uma semana até 2
annos ou prisão em fortaleza por egual tempo. A
queixa é necessária; competente para dál-a é o go-
verno estrangeiro. Pôde ser retirada (
2
).
3.° — A injuria (real ou não real) feita a um
embaixador ou encarregado de negócios acreditado
junto á corte de um Estado da Federação ou ao senado
de uma das cidades livres hanseaticas (art. 104) (
3
).
Penas: encarceramento até 1 anno ou prisão em
fortaleza por egual tempo. O processo depende de
queixa; esta pôde ser retirada.
4.° Acções puniveis concernentes a symbolos
da autoridade ou soberania de um Estado estrangeiro
(art. 130 a). As circumstancias constitutivas e as penas
correspondem ás do art. 135 do C. p. Oons. o § 174,
V.
(
2
) Si a queixa é dada, o processo prosegue officialmente. Neste
sentido a opinião commum. Contra, Olahausen, § 108, 5.
(') Os arts. 186 e seg. do O. p. têm applicação, quando as penas
são mais rigorosas. A accusação privada é aqui possível. Em sentido
contrario a opinião commum.
CAPITULO II
Crimes e delictos contra o poder publico
T* K 170. — L Intervenção violenta em actos
officiaes
LITTERATURA John, HH, 3, 115, 129 ; Schultz, Der
WidersUmd gegen die auawãrtige Staatsgeioalt, 1881; Hiller,
Die JRechtmãssigJceit der Aumbung i/m, Begriffe des Vergehens
der WiãeisetzlichJceit, 1873; o mesmo, GS, 27 ; Bõlze, GA,
23; v. Kirchenheim, GS, 30 ; Guggenheimer, Der Irrtum
des Thaters in Bezug auf die Hechtmàssiglceit der
Amtsausubung, 1883 ; Freund, Arehiv fiir iiffenfliches Recht,
1, 108, 355; van Hamel, Revista hollandeza, 1, 19; Schiitze
Notwendige Teilnahme, § 62 ; Hálschner, 2, 789 ; Streit, Die
Wiãersetzung gegen die Staatsgewatt, 1892.
I. O direito pátrio reforça a protecção de direito
penal com que ampara a actividade dos seus
funccionarios, como executores da vontade do Estado.
Essa protecção é dispensada somente aos seus
funccionarios. Assim como a nossa legislação não
equiparou ao paiz o Estado estrangeiro e os seus
representantes, mesmo quando por disposições expressas
sujeitou a penas os attentados contra paizes estrangeiros,
também não teve motivos ou melhor ainda menos motivos
teve para equiparar aos funccionarios nacionaes os
estrangeiros. Como faltam disposições expressas e
especiaes, é consequente
Í
458
TRATADO DE DIREITO PENAL
referirmos as comminaçoes que vamos examinar neste
paragrapho somente ás violências commettidas contra
funccionarios públicos do paiz (') (").
(') A questão é justamente nesta matéria vivamente debatida. No
sentido do texto, v. Bar., Trat., 272 ; Geyer, 2, 137 ; Hâlschner, 2, 794
(que apoiu-se no art. 359 do C. p.); van Hamel, Heinze, GA, 17, 737,
John, 6, 1, Schultze, 69, v. Wâchter, 505. Contra, Berner, 374, v.
Meyer, 789, Schutze, Sireit, 260, e também as decisões do Trib do Imp.
de 15 de Fev. de 88, 8, 63, e de 14 de Jan. de 87, 15, 221. Ao nosso
ver, são os arte. 102 a 104 do C. p. que decidem a questão. Segundo a
opinião contraria, estes artigos seriam ineonse-quencias inexplicáveis.
Accresce, como argumento novo e convicente, o art. 82 do tratado de 6
de Maio de 1882 concernente á pesca no mar do Norte, segundo o qual
a resistência contra os cruzadores encangados da policia «deve ser
considerada como resistência contra o poder publico da nação a que
pertence a embarcação de pesca», disposição esta que é intelligivel,
si a equiparação em questão não deriva de princípios gemes. No mesmo
sentido o art. 7, ai. 4, do tratado de 16 de Nov. de 1887 para a
suppressão do trafico de aguardente entre os pescadores do mar do
Norte no alto mar. Mas estas disposições ainda não se tornaram até aqui
direito allemão.
(") A questão ventilada é esta : «os crimes c delictos definidos no
cap. 6 do G. p. ali. («resistência contra o poder publico») podem ser
punidos ex-vi do art. 4. no 3, quando praticados pelo nacional no
estrangeiro e contra o estrangeiro ?» A solução afirmativa admit-tida
pelo Trib. do Imp. é continuação da jurisprudência do superior trib. de
Berlim sob o regimen do C. p. prussiano de 1851 ; mas a opinião
predominante entre os criminalistas é em sentido contrario. Foi John
quem levantou a duvida e resolveu a questão negativamente. Seria um
contra-senso, diz elle, 1. c, à) suppor a necessidade de disposições
penaes expressas para a protecção de Estados estrangeiros contra
attentados de alta traição e offensas ao soberano (art. 102 a 104), e
considerar taes disposições dispensáveis em relação á sedição, á
resistência contra o funccionario estrangeiro etc.; b) admittir a ne-
cessidade da garantia da reciprocidade para a punibilidade da alta
traição e offensas ao soberano no primeiro caso, e entender que essa
garantia é dispensável no caso do cap. 5; c) serem no primeiro caso as
penas incomparavelmente menores em relação ás penas applicaveis
CRIMES E DELIOTOB CONTRA O PODES PUBLICO 469
Cingindo-se ás disposições do direito romano sobre a
seditio e o tumultos, a Carolina, art. 120, punia com a
decapitação, e em casos menos graves com penas
corporaes e com o banimento, aquelle que «perigosa,
dolosa e perversamente provocasse tumultos do povo
contra a autoridade». O direito commum observava esta
disposição, tratando-se da seditio simpleg (iá em 1620 a
Prússia individualisou os cabeças), ao passo que os casos
graves eram considerados como alta traição. Além disso,
os direitos municipaes da edade media allema tinham
comminado penas graves contra a violência feita contra os
servidores da cidade, taes como guardas, juizes,
funccionarios públicos, e o direito commum considerava a
violatio personarum publicaram como caso especial da vis
publica. D'ahi originaram-se na nova legislação (direito
francez de 1791, AUg. Land-recht), mas sempre com
frequentes vacillações, os crimes especiaes de sedição e
tumulto, de um lado, e de resistência á autoridade, de
outro.
II. Dá-se resistência á autoridade publica, quando
alguém oppõe resistência por meio de violência ou ameaça
de violência ao funccionario publico competente para a
execução de leis, de ordens e actos das autoridades
administrativas ou das sentenças e mandados das
autoridades judiciarias e que esexercendo regularmente
as suas funcções.
A idéa de funccionario de_ve ser inferida do art.
359 do C. p. (ver o § 176, III); mas a lei
I
----
aos mesmos atontados, quando dirigidos contra o paiz, e serem no
segundo caso absolutamente as mesmas. Certo, não pôde ncar impune
o prussiano, por exemplo, que penetrar no território russo e ahi
offender um guarda florestal; mas o delinquente deve ser punido, não
segundo o art. 117, e sim segundo o art. 228 (offensa physica), pois si
praticasse o facto na Prússia contra o guarda russo, seria punido
segundo este, e não segundo aquelle artigo. M". do trad.
460
TBÁTADO DE DIKEITO PENAL
(C. p. art. 113) equipara aos funccionarios as pes
soas que forem chamadas a prestar-lhes assistência,
os agentes da força armada ou de uma guarda mu-J
nicipal, civica ou de segurança. A lei de 21 de
Novembro de 188 7 também lhes equipara os ca
pitães de navio, quando chamados a proteger o
cabo submarino (adiante, nota 3).
1
O exercício da funcção, como o direito
commum exigia (Leyser, JEngau e outros) deve ser
regular, e o é, não s<5 quando o acto official entra na
competência geral do funccionario, senão também
quando no caso concreto, tomadas na devida
consideração as circumstancias que no momento se
offereciam ao funccionario, parecia-lhe necessário
pratical-o, embora se verificasse posteriormente, me-
lhor conhecida a situação, que o acto era supérfluo, ou
mesmo não justificado (
b
). Não toma-se porém em
(
b
) Isto é, a regularidade do exercício da funcção exige: 1.°, que o
funccionario seja competente para a pratica do acto (não tfi abstracto, mas no
caso dado); 2.°, que as formalidades legaes te-| bam sido observadas e 3.°, que o
funccionario tenha procedido «conforme ao dever» (lealmente), quando a
legalidade do acto depende da supposição por parte do funccionario da
existencia de certas circumstancias. Eis como Binding, 1, c, expõe a doutrina.
«Dois grupos de actos officiaes suscitam dificuldades. l.° O acto praticado pelo
funccionario é correcto formalmente, mas faltam os requisitos ma-teriaes que
justificam a medida aos olhos do legislador. Si o funccionario sabe que faltam
esses requisitos, si, por exemplo, prende soientemente um individuo innocehte
como suspeito de crime, -se indubitavelmente uma illegalidade que habilita o
offendido a usar da legitima defesa (resistência). Quidjuri», quando o
funccionario suppõe por erro existentes requisitos que de facto não existem ?
Cumpre distinguir : a) a lei faz depender o direito ou o dever de praticar o acto
official o tanto da existencia daquellas circumstancias, como da supposição
de sua existencia por parte do funccionario, cujo juizo se basea em um exame
leal, «conforme ao dever» (pflichtmàssig). O funccionario é de ordinário
autorisado a proceder assim, quando se
OBUSES E DETJOTOS CONTRA O PODER PUBLICO 461
consideração o facto de ser o funccionario que executa
obrigado a obedecer á ordem de seu superior (
e
).
trata de medidas de segurança contra perigos prováveis, e especialmente
quando o perigo impede ou dificulta uma cuidadosa anisa eognita que
acarretaria demora. A policia é obrigada a prender aquelle a quem suppõo ter
apanhado em flagrante, quando suspeito de fuga (art. 127 do 0. do pr. 'p.). Si a
suspeita da autoridade policial é infundada e o assassino apparente matou em
legitima defesa, não deixa por isso de dar-so aquella obrigação e o offendido
não pode usar de legitima defesa, b) A medida depende legalmente de factos
determinado*, e não da supposiçáo de sua existencia. Assim a prisão
preventiva depende de mandado judicial contra pessoa determinada, a
execução de pena de uma sentença passada em julgado, a execução forcada de
uma carta de sentença executória. Em todos esses casos, dada a ausência de
taes factos, a medida é illegal, não se faz mister que o offendido com ella se
conforme, embora o funccionario obre bema fide, ou mesmo por um erro
absolutamente desculpável. Dirige-se portanto o mandado de prisão ou a
execução da pena ou a execução forçada contra pessoas que não as
verdadeiras, ou quer o executor penhorar bens não sujeitos a penhora (art. 716
do C. do pr. civ.), ó licita a legitima defesa. 2.*. Desfarte está aberto o
caminho para a solução do caso. em que o funccionario hierarchicamente
inferior executa uma ordem obrigatória, cujo conteúdo é illegal. No mandado
de prisão, o nome da pessoa que tem de ser presa é de propósito escripto
falsamente, para que seja preso o seu irmão, e a policia recebe esse mandado
para executal-o. -se em taes casos uma singular contradicção. O
funccionario incumbido da execução está obrigado a desempenhar a
incumbência, e, consequentemente, prendendo, acha-se no exercício regular de
sua funeção. Parece portanto que o art. 118 exclue toda resistência contra o
funccionario nesta hypothese. Nada obstante é incontestável que a medida
emanada do órgão superior do poder publico não perde a sua illegalidade
relativamente ao offendido por causa da pragmática do serviço ; o ataque á
liberdade do individuo não é ex-vi Ugis e o art. 63 (legítima defesa) lhe o
direito de defender-se. Como o intuito do art. 118 não 6 limitar a legitima
defesa contra o funccionario publico, não se deve interpretar o art. 68,
restringindo-o pelo art. 118, mas ao envez restringir este por aquelle. N. do
trad. (°) O acto illegal não deixa de sel-o, porque é executado em
462
TRATADO DE DIREITO PENAL
0 facto de suppor erroneamente o funccionario
que o acto é legal não suppre a falta da legalidade.
Desde que são ultrapassados os limites da legalidade,
começa neste caso, como em todos os outros, a jus-
tificação da resistência (
d
).
A resistência deve ser opposta a quem está no
«exercício da funcção», e portanto deve dirigir-se
contra o acto official mesmo como tal. A recusa de
declinar o nome, de restituir uma cousa, de abrir
portas, de deixar-se prender, é isenta de pena, como
«resistência passiva ». A lei exige que a re-
virtude de ordem superior. A resistência que o funccionario offendido
poderia oppor ao funccionario, de quem emana a ordem, si este a
executasse pessoalmente, pode ser tamm opposta ao subalterno que
executa a ordem. « Affirmar o contrario, diz John, é esquecer que o art.
118 (resistência) não trata de decidir si o funccionario subalterno se faz
responsável pela execução da ordem (a ordem do superior pôde eximir
o executor de responsabilidade)», e sim de decidir si aquelle que resiste
incorre em pen,a pelo facto da resistência». N. do Trad.
(
d
) «A opinião pessoal do funccionario ou de quem resiste
sobre a legalidade do acto official, diz John, nada faz ao caso ..........
O juiz, chamado a julgar da criminalidade da resistência, tem de decidir
esta questão: segundo os preceitos que regulam as attribuições dos
funccionarios, podia o funccionario proceder quanto ao logar, ao tempo
e ao modo, como procedeu ? Si o juiz responde afirmativamente, a
resistência é punível, embora o funccionario suppuzesse que,
praticando o acto, não exercia regularmente o seu cargo, ou embora a
pessoa que resistio acreditasse ser legal a resistência. Si o juiz responde
negativamente, a resistência como tal é isenta de pena, isto 6, não é
punivel nos termos do art. 118, embora o funccionario estivesse
convencido da regularidade do seu acto e o resistente considerasse illegal
a sua resistência ». A boa fé do funccionario porém é tomada em
consideração no caso figurado, em que lhe é licito suppor existentes
os requisitos da legalidade do acto; e quanto ao erro, não do
funccionario, mas de quem resisto, a opinião de John tem muitos
contradictores, como se vè da nota 2. N. do trad.
vsiKEasvaa^^^ow^L^^^^^ivsiJ^II^^
sistencia seja opposta por meio da violência (contra
pessoas ou cousas) ou ameaças de violência (§ 97).
E' necessário o dolo, e aqui este comprehende
todos os elementos do acto delictuoso. Duvidosa e
vivamente controvertida é a questão de saber si a
regularidade do exercício da funoção deve ser
considerada como uma das circumstanrias constitu-
tivas ou como condição de punibilidade; si, portanto, o
erro* do agente sobre este ponto exclue ou não o dolo.
Não a lettra do art. 113, como o seu espirito e a sua
historia militam a favor da primeira solução. A
supposição errónea do agente, que o exercicio da
funcção é irregular, exclue pois a punibilidade da
resistência (
2
) (°).
Penas: encarceramento de 14 dias até 2 annos;
occorrendo circumstanrias attenuantes, encarcera-
mento até um anno ou multa até 1.000 marcos (
8
).|
(
í
r^õmêíhãntêmênlc Binding, Jfa rmen, 2, 589; Franck, Z, 12, 294;
Geyer, 891; v. Moyer, 818; Olshnusen, \ 118, 28; Streit, 109. Contra, Hillor,
Reehtmãtaigkeii, 78; John, HH, 8, 118; Lucas, Ver-\schuldung, 26; Ziebart,
866, bem como o Tríb. do Imp. repetidas vezes, ultima dec. a de 10 de
Fevereiro de 86, 12, 6. TT também o i 171, nota 2.
(•) Os que pensam com o autor fundam-se em que a regularidade do
exercício da funecão 6 circumstancia constitutiva do delicto e portanto, em
virtude do art. 69, o dolo deve versar também sobre este requisito. « No
delicto em questão, diz. Binding (1. o.), o dolo consiste na vontade consciente
de oppôr alguém resistência ao exercicio regular do poder publico por parte de
um funecionario», donde se segue que « a convicção da illegalidade do acto
exclue o dolo, quer o acto seja regular, quer o erro seja imperdoável
(tínverzeihlicli)». Basta porém o dolo eventual, e assim quem tem apenas
duvidas sobre a legalidade do acto e resiste, correndo o risco de que o
funecionario esteja exercendo regularmente a sua funecão, incorre no art. 118
(Olshausen, 1. c.) N. do trad.
(*) Disposições especiaes encontram-se frequentemente nas leis
accessorias (como na lei sobre a união aduaneira de 1 de Julho
464 TRATADO" DE DIREITO PENAL
III. — Aggredir alguma das pessoas enume-
radas sob o n. II, que se ache no exercício re-j guiar
de sua funcçao ou serviço (C. p., art. 113). A
aggressão equivale a vias de facto (§ 95, nota 2). j Não
é necessário que ella tenha por fim frustrar uma
execução forçada. Penas, as declaradas sob) o n. II.
IV. — Emprehender coagir por violência ou
ameaça (não necessariamente ameaça de violência) uma
autoridade (*) ou um funccionario, para que faça ou
deixe de fazer um acto do seu officio j (art. 114).
I Penas : encarceramento por tempo não inferior j a 3
mezes; occorrendo circumstancias attenuantes,
encarceramento até 2 annos. Si o acto reúne tanto
de 1869, arts. 148 e 161, na lei concernente ao imposto sobre o sal, de
12 de Outubro de 1867, art. 17, nas leis sobre o imposto das cervejarias
e o imposto da aguardente, de 4 e 8 de Julho de 1868, arts. 37 e 68, na
lei sobre o imposto do malte, de 81 de Maio de 1872, art. 36, na lei
sobre o imposto do fumo, de 16 de Julho de 1879, art. 41).
Frequentemente são comminadas penas disciplinares complementares.
Tem particular importância as disposições da lei sobre gente do mar;
vêr o § 196, VIII. Vêr também a lei de 21 de Novembro de 1887,
concernente á protecção do cabo submarino, art. 8, que assim dispõe: «
os arts. 113 e 114 do C. p. tem applicação, quando os actos nelles
previstos são praticados contra os capitães de navio, designados no art.
10 do tratado, achando-se os ditos capitães no exercício das attri-buiçõcs
que o tratado lhes confere ».
(
4
) E' pela existencia própria e permanente no organismo da
administração publica, que a autoridade se distingue do funccionario.
Autoridade é o depositário ideal e permanente de direitos e deveres
pertencentes ao Estado. Resolução das camarás criminaes reunidas de
14 de Novembro de 1888, 18, 246 (*).
(*) Isto é, autoridade é o órgão da administração ou da justiça
idealmente concebido como instituição. Funccionario é a pessoa ou
são as pessoas, que em um momento dado representam a autoridade. N.
do trad.
^^^^■■^^^^^■■i^^^^^HHH
as circumstaneias constitutivas do crime previsto no art.
113 como as do crime definido no art. 114, applica-se a
pena mais rigorosa (
5
).
V. Sedição é o facto de tomar alguém parte
em ajuntamento publico, que occasião a prati-
car-se, com forças reunidas, um dos actos designados
sob os ns. I a III (art. 115) (
f
).
Penas :• encarceramento por tempo o inferior ja 6
mezes (delicto). Os cabeças 51, nota 3), bem como os
que commettem algum dos actos designados sob os ns. I a
III, incorrem em pena de reclusão até 10 annos, e
accessoriamente pôde ser autorisada a vigilância policial.
Occorrendo circumstaneias attenuantes, encarceramento
por tempo não inferior a 6 mezes (crime).
VI. — Ajuntamento é o facto de reunir-se uma
multidão de pessoas em estradas, ruas ou praças
publicas (isto é, accessiveis a todos). Segundo o
art. 116 do C. p., o ajuntamento só é punível,
quando a multidão, tendo sido por três vezes inti
mada a dissolver-se pelo funecionario competente
ou pelo commandante da força armada, não o faz.
E' necessário o dolo; este não se dá, quando o
agente ignorava a tríplice intimação. Por outro
lado, não é necessário que o agente tivesse ouvido
as intimações.
(*) A opinião commum considera a disposição do art. 113 como
especial em relação á do art. 114. Neste sentido também Olshausen;
elle reconhece pom que esta opinião conduz a resultados mui pouco
satisfactorios. Insustentável é a distineção que faz Streit, 66.
(') Pouco importa que o ajuntamento não tenha por fim a
pratica de taes delictos. Desde que algum delles é praticado com
forças reunidas », todas as pessoas que fazem parte do ajuntamento
são puníveis em virtude de sedição, ainda mesmo as que não con
correm para a pratica do facto delictuoso. N. do trad.
"}
T. ii ao
466 TRATADO DE DIREITO PENAL
---------------------------------------------------
Penas: encarceramento até 3 mezea ou multa até
1.500 marcos. Oppondo-se resistência em um
ajuntamento, com forças reunidas, ao funccionario' ou á
força armada, ou empregando-se violência (contra
pessoas ou cousas), aquelles que tomamj parte nesses
actos incorrem nas penas da sedição (").
§ 171.II. Violências contra coiteiros ou guardas
florestaes
I.—Imitando a lei prussiana de 31 de Março de
1837, o C. p. imp. pune com penas rigorosas a
violência feita a empregados florestaes ou coiteiros,
aos proprietários de florestas, ás pessoas que tenham
direitos sobre florestas ou direitos de caça, e aos fiscaes
nomeados por essas pessoas (art. 117 a 119); qualifíca-
a de «resistência á autoridade publica» e assim equipara
taes pessoas, que são ás mais das vezes particulares ou
pelo menos não são necessariamente fune-cionarios
públicos, aos representantes do poder publico, visto
como precisam da protecção especial do direito penal
contra ataques illegaes (*).
II.—Incidem na lei dois casos correspondentes
aos que foram indicados no § precedente sob os ns. II e
III:
1.°—A resistência opposta por violência ou
ameaça de violência contra as ditas pessoas, quando se
acham no exercicio regular de sua funcção ou direito.
2.°—A aggressão (§ 95, nota 2.
B
) contra ditas
(•) Sobre a sedição militar, vêr o O. p. mil., art. 106 a 110
(adiante, § 202).
(') For isso mesmo a protecção limita-se aos nacionaes. Contra
Olshausen, ? 117, 1.
CRIMES E DELIOTOS CONTRA O PODER PUBLICO 467
——— - - —— ----------------------------- _____ ____ J _
pessoas durante o exercício de sua funcção ou
direito.
Também aqui o dolo deve comprehender a
consciência de que o adversário está exercendo re-
gularmente a sua funcção ou direito (
2
). Não é
necessário, como circumstancia constitutiva do delicto,
que o acto illegal tenha sido praticado dentro do
districto, ou mesmo que tenha sido praticado fora
delle, mas em relação immediata com um acto da
funcção ou de exercício do direito effectuado no
interior do districto; basta que o acto delictuoso se
dirija contra as pessoas enumeradas pela lei, as quaes
precisam da protecção especial do direito penal.
Também a letra clara da lei não justifica a opinião,
segundo a qual o art. 117 não tem em vista o exercício
do direito de caça ou de outro direito pertencente a
ditas pessoas, mas somente os actos tendentes á
protecção das florestas e da caça no exercício da
respectiva policia contra os que se fazem culpados de
delictos florestaes ou de caça (
3
).
III.—As penas têm gradações diversas : .
a) Escala normal: encarceramento de 14 dias até
3 annos; occorrendo circumstancias attenuantes,
encarceramento até um anno (art. 117).
b) Quando a resistência ou o ataque é acom-
panhado de ameaças com armas de fogo, machados ou
outros instrumentos perigosos, ou quando é com-
mettida com violências para com a pessoa (do func-
cionario ou do titular do direito), encarceramento.
(*) Neste sentido a opinião commum, especialmente a dec. do
Trib. do Imp. de 7 de Jan. de 90, 20, 166.
(*) Em sentido contrario a opinião commum, e especialmente o
Trib. superior de Berlim por uma jurisprudência de 84 annos, bem
como o Tribunal do Império repetidas vezes, ultima decisão a de 7 de
Jan. de 90, 20, 166. Correctamente v. Meyer, 821.
468 TRATADO DE DIREITO PENAL
por tempo não inferior a 3 mezes; occorrendo cir-
cumstancias attenuantes, encarceramento por tempo;
não inferior a um mez (art. 127) (*).
c) Quando a resistência ou o ataque occasiona uma
offensa physica na pessoa que foi objecto da resistência
ou do ataque, reclusão até 10 annos; occorrendo
circumstancias attenuantes, encarceramento por tempo
não inferior a 3 mezes ^art. 118). I d) Quando um
desses actos fôr commettido por varias pessoas em
commum 50, nota 9), a pena (a até c) poderá ser
augmentada com a metade do máximo fixado pela lei;
mas o encarceramento não poderá exceder a 5 annos
(art. 119).
§ 172.—III. Da soltura de presos
LITTERATUEA.—John, H H, 39, 142; lschner, 2°,
960; Stenglein, Z, 4?, 487.
I.—A soltura de presos é um attentado contra o
poder publico, que tem o preso a si sujeito, e nesta
conformidade determina-se a collocação deste crime
no systema da parte especial. Por «presos» devemos
entender os réos presos preventivamente e os que
cumprem penas, bem como os individuos presos civil
ou policialmente; entram também neste numero os
individuos detidos em casas de trabalho nos termos do
art. 362 do C. do pr. p., mas não os recolhidos em um
estabelecimento de educação correccional nos termos
dos arts. 55 e 56 do C. p. (*),
(*) As idéas de violência e ameaça o as mesmas explicadas
no 3 97. A de instrumento é a mesma do art. 223 a do C. p.| Em sentido
contrario Olshausen, $ 117, 12.
(>) Contra, a dec. do Trib. do Irap. de 8 de Nov. de 86, 16°, 39,
e também v. Meyer, 848, Olshausen, 2 120, 2.
CBIMES E DEUCTOS COKTBA O PODEB PUBLICO 469
ou em hospícios de alienados. Basta a custodia em virtude
de um mandato de comparecimento, mas não a apprehensão
por um particular nos termos do art. 127 do C. do pr. p. Os
prisioneiros de guerra internados sob palavra de honra,
sendo-lhes designado um determinado logar de residência,
acham-se não só moralmente, como de facto, sob o poder da
autoridade, e portanto são «presos» no sentido da lei (
2
) (»).
II.— A concepção do direito commum concernente
á soltura de presos {efractio carceris) assenta sobre o direito
romano. Este qualificara desde o período imperial não
só a soltura por intermédio de terceiros (eventualmente
punível como lesa magestas), senão também a própria
evasão do preso. Sobretudo punia o carcereiro, o
commentariensis, que deixasse fugir o preso, e a este
respeito tentava distinguir, mas de um modo muito pouco
satisfactorio, entre o dolo, a culpa e o acaso. Nos casos
graves infligia ao carcereiro a pena de talião (
3
).
Semelhantemente a Carolina, art. 180, dispunha: «o
guarda de uma prisão criminal, que facilitar a fuga a
um preso, incorrerá na mesma pena que o réo que elle
deixar fugir. Si, porém, o preso fugir da prisão por negli-
gencia do dito guarda, essa negligencia será punida
conforme as circumstancias do caso». O direito
commum substitui o a pena de talião (que ainda se
F>
I
(*) Egualmente Merkel, 395, e expressamente o C. p. mil., f 159.
Contra, v. Meyer, 848, Olshausen, g 120 a.
(
a
) «Diz-se em sentido amplo que está preso todo individuo privado de
sua liberdade, mas, segundo a lei, só se considera como tal aquelle que foi
privado de sua liberdade individual por um órgão do poder publico em virtude
de razões de interesse publico, e em consequência disto acha-so no poder da
autoridade competente» (Olsliausen). N. do trad.
(•) Gunther, 1.°, 150.
470
TBATADO DB DIREITO PENAL
encontra no direito do Palatinado de 1582, no ham-i
burguez de 1603 e no prussiano de 1685) por penas
arbitrarias e, em opposição aos textos romanos, man
teve o principio de que a punição da evasão espon
tânea do preso contraria o instincto tão natural j
quanto poderoso da liberdade e portanto é inútil e
inadmissível (
b
).
']
HL—O C. p. distingue três casos (
4
) :
1.°—A evasão espontânea regularmente impune,
é punível como motim, nos termos do art. 122 do O.
p., a saber:
a) como motim contra as pessoas, quando os
presos se ajuntam e, mediante forças reunidas, a)
atacam os empregados do estabelecimento ou as|
pessoas encarregadas da vigilância; b) ou lhes op-põem
resistência, ou c) emprehendem constrangel-os a fazer
ou a deixar de fazer alguma cousa.
b) como motim contra as cousas, quando os
presos se ajuntam, e, mediante forças reunidas, em-1
prehendem uma evasão violenta.
Penas: encarceramento por tempo não inferior I a
6 mezes; os amotinados que exercerem violências
contra os empregados do estabelecimento ou pessoas
(
b
) Segundo o antigo direito português, o arrombamento de
cadeia e a effectiva tirada do preso eram punidos com a morte nos casos
graves, e noa menos graves com a pena criminal ou civil a que o
mesmo preso estava obrigado, ou com açoutes e degredo. O preso que
fugisse sem violência ou auxilio de fora, incorria em pena arbitraria; no
caso contrario, era havido o delicto por confessado. (Vir a legislação
citada na Cia»», do» Orim., p. 89). Nos arte. U, 12 e 13 do seu Oad.
Orim,, M. Freire reconhece que o preso que foge só ó criminoso,
quando resiste ao carcereiro ou arromba a cadeia, pois fugir não é
crime». N. do trad.
(*) Vèr também os arte. 68, na. 11, 79, 80, 144 e 169 do O. pJ
Mil. (adeante, | 202).
CRIMES E DELIOTOS OONTEA O PODEE PUBLICO 471
incumbidas da vigilância, incorrem na pena de reclusão até
10 annos, e poderão- ser sujeitos á vigilância policial.
Quanto ao mais, basta para a punição o facto de tomar
parte o preso no ajuntamento, sabendo que pelos
companheiros será commettida uma de ditas acções
(acima, § 121).
2.°—Soltar dolosamente um preso da prisão, do
poder da força armada ou do poder de um funo cionario
publico ou de qualquer outra pessoa (
5
) incumbida de
vigial-o, eseoltal-o ou guardal-o (art. 120). A este delicto 6
equiparada a cumplicidade dolosa na evasão espontânea do
preso, comquanto esta não soffra penas, ao passo que a
instigação para a evasão é isenta de pena.
A instigação e a cumplicidade relativas a um dos
actos puniveis enumerados no art. 120 podem ser punidas
segundo os principios geraes. Mas, conforme o que se
disse no § 52, V, 2, o preso mesmo não pôde ser
responsabilisado como instigador ou cúmplice no delicto
de que trata o art. 120 (
6
).
Penas: encarceramento até 3 annos. A tentativa,
também a da cumplicidade para a evasão espontânea, é
punível. Os empregados são punidos nos termos do art.
347 (§ 177, V, 5).
3.° Deixar fugir dolosamente (e não culpo-
samente) o preso, ou facilitar dolosa ou culposamente a
soltura do preso (quer se trate da soltura por intermédio de
um terceiro, quer da evasão es-
(
6
) Aqui são tomados também em consideração os particulares a quem
incumbe a vigilância dos reos durante o trabalho fora das prisões.
(•) De accordo Borcnert, VerantmorUichkeit 16, Geyer, 2.°, 146, e Z,
2.°, 815, Herzog, G S, 34.°, 81, Kõhler, Studien, 1.°, 136, Krã-wel, G S, 84.°,
605, v. Kries; Z, 7.°, 522, 636, Merkel, 394, v. Meyer, 861. Qmbrà a dec. do
Trib. do Imp. de 29 de Nov. de 80, 3.°, 140, Hãlschner, 2.°, 960, Olshausen, \
120, 7.
472 TBATADO DE DIREITO PENAL
pontanea do preso) quem está incumbido de vigial-o
(guardal-o) ou escol tal-o (art. 121).
Penas: a) no caso*de dolo, encarceramento até 3
annos; b) no caso de facilitação culposa da fuga,
encarceramento até 3 mezes ou multa até 300 marcos.
§ 173. — IV. Provocações delictuosas
i
LiTTERATUBA. lsclmer, 2?, 796Ao n. IV, Geyer,
H H, 49, 143; Stemann, G S, 28; Meves, Strafgesetz]
novelle, p. 328; Hálschner, 1?, 407; Eeiflfel, G 8, 42?, 175;
Witte, Eròrterwngen iiber den § 49 a, ães Strafgesetzbuches
fiir das Deutsche Reich, diss., 1888.
I. — Conceito. A provocação (
x
) a um acto punível ou
pelo menos illegal, em tanto quanto o direito positivo a
qualifica, constitue um crime mi generis. Não pôde pois ser
considerada e tratada como instigação tentada, em quanto a
legislação conceber a instigação como cumplicidade em
crime de outrem, pois tal crime o se ou não é ne-
cessário que se dê. Por isso mesmo é completamente
indifferente tanto para a concepção no ponto de vista dos
principios como para a collocação sys-tematica da
provocação punível a natureza do acto, a que se provoca. A
provocação tem si em mesma a razão de ser de sua
criminalidade; é desprezo, menoscabo ostensivo da lei do
Estado e da vontade do poder publico que n'ella se
manifesta. Bem claramente nota-se este seu caracter na lei
sobre a imprensa (adeante, III, 1), cujo art. 16 sujeita a
penas a provocação a uma acção que não é sequer illegal.
Assim a cumplicidade (a instigação e a cum-
(') A simples approvação ou louvor de um acto punivel não
sujeita a penas. Não assim segundo a lei sobre matérias explosivas 5
vôr o $ 166-—Sobre o que seja «excitar» vêr o § 51, nota 3.
ORIM0B8 E DELIOTOS CONTRA O PODER PUBLICO 473
plíoidade por assistência) em provocações puníveis é de
todo possível. Também é admissível a tentativa, mas esta
é punível, quando a provocação mesma constituo um
crime propriamente dito. Pela mesma razão o provocador
não commette mais de um crime, embora a provocação
deva ter por e(leito varias acções puníveis (ver também o §
52, nota 8).
Si deixarmos de parte o art. 112 do C. p., bem como o
%aso especial do art. 49 a do mesmo cod., e até certo
ponto a disposição da lei sobre matérias explosivas
mencionada adeante sob o n. III, 2, o nosso direito pune
somente a provocação publica (*). O perigo commum
resultante deste crime está justamente em que seu effeito
não pôde ser medido e dominado, em que de nenbum
modo se pôde prever como se comportará a faísca lançada
áj multidão, si ella atea um incêndio devastador ou si
extinguir-se-ha sem fazer mal e sem deixar vestígios. Esse
perigo commum compensa sobejamente o facto de ficar a
provocação publica abaixo da instigação quanto á certesa
do fim e do meio a empregar para a sua realisação.
Para a consumação faz-se mister em todos os casos
que a provocação chegue ao conhecimento da-quelle a
quem se dirige; na provocação publica basta pois que
tenha d'ella conhecimento qualquer pessoa que não seja
cúmplice no facto.
As provocações puníveis são qualificadas em parte
pelo C- p., e em parte por diversas leis ac-cessorias.
(') A lei diz: «aquelle que publicamente,deante do uma multidão,
ou por distribuão ou publica affixaçâo, ou por exposição publica de es-
criptos ou outras reproduces etc., provocar...». Sobre a idéa de multi-
dão vêr o i 117; sobre a distribuão o i 108. Não é necessário que a pro-
vocação seja dirigida á multidão. Dec. do Trib. do Imp. de 10 e 21 de
Outubro de 81, 6, 60.
474
TRATADO DE DIREITO PENAL
II. —Provocações puníveis qualificadas pelo Cp.
1.°— acima tratamos 164) da provocação)
publica a um crime de alta traição (C. p. art. 85).
2.° A provocação publica á desobediência (em-
bora passiva) das leis, ordenanças validas (*) ou ordens
emanadas da autoridade publica nos limites de sua
competência (ainda que não tenham sido decretadas
para casos geraes, mas para um caso dado, art. 110) (
3
).
A desobediência não pôde ser rela-| tiva a uma
obrigação singular ou ao acto official que se funda nas
leis, ordenanças ou ordens, deve, pelo contrario, dirigir-
se contra as bases impessoaes e legaes da ordem
jurídica existente, contra a força obrigatória da lei
mesma. A provocação á violação de um contracto
{greve) pôde incidir no art. 110 (e isto raramente
succederá), quando se provocar abertamente, não á
violação de um contracto, mas «ao despreso da lei, da
sua autoridade e força obrigatória» (
4
). O dolo deve
comprehender também a
(') Ordenanças validas (rechtsgiUtige Verordmmgen). A constituição
prussiana, art. 106, dispõe : «as leis e ordenanças são obrigatórias, quando
tenham sido publicadas na forma prescripta pela lei. O exame da validade das
reaes ordenanças devidamente publicadas não compete ás autoridades, mas
somente ás camarás». D'ahi segue-se que uma ordenança, não conforme ao
direito publico, não valida, o deixa por isso de ser obrigatória desde que
tenha sido legalmente publicada. Foi para abrir «brecha» (Olshausen) neste
principio que no art. 110 do C. p. ali. se accrescentou á palavra ordenanças o
qualificativo validas, de sorte que o crime em questão não se dá, quando
provoca-se a desobediência a uma ordenança, que, comquanto publicada e
obrigatória, não é valida. N. do trad.
(») Contra, Olshausen, § 110, 19.
(*) Deaccordo Frank, Z, 14, 875, Goltdammer, Materiálen, 2.°, 112, R.
Iiõning, H8t, 1.°, 761, Olshausen,? 110, 16 ; de accordo quanto ao resultado e
de um modo cada vez mais preciso também o Trib. do Imp, dec. de 8 de
Dezembro de 89, 20.°, 68, de 28 de Novembro e 3 Dezembro de 89, 20, 160,
28 de Janeiro de 91, 21.°, 298, 8 e 16 de
CRIMES B DEL1CTO» CONTRA O PODER PUBLICO 475
consciência de que a ordenança ê valida, de que a
ordem entra na competência da autoridade (*). 3
Penas: multa até 600 marcos ou encarceramento
até 2 annos.
3.* A provocação publica a um neto punível
(art. 111). O acto deve ter caracter criminal, segundo o
direito allemâo, embora seja punível somente segunde
o direito estadual, ou constitua somente uma
contravenção. O dolo do agente deve comprehender a
consciência da criminalidade do acto ao qual provoca
(*),*
Assim os arts. 110 e 111 qualificam dois factos
essencialmente diversos, e nao se pôde designar um
delles como o facto geral e o outro como o especial
(
7
). Tem, pois, applicaçfio o art 78 do G. p. (*).
Janeiro de 91, 31.*, 804, 2 da Fevereiro de 91, 81.*, 866, 27 de Ou*
|:-
;
;
r • de ti, li* 166, l.«*e JUIIM «V ff. St», IS». Ba* omttaV
tnrio (ea ral a favor da criminalidade) R"-#maao, MOMO/S-KCIMA*
Auffimirmny mm Strrík strafbar t di-«., 1892. Klõppal, PrUTmmi,
899, • ut< ode que .. art. 110 i applieev
(
uaad* o» prwvooMa '
la-napoe da pupuWio mea BO ao de*re ; de obrincú** pat Diana.
V*r n litti--ntiir* wn!i- > .iu im 1 la*!L
(•) De aeoordo v. Btej- SM, OUhauaeo,, | li". SB. (Xmtrà o!
dc-c. de 10 de Pevereiro de 86, l'J. , S. Vê> tau>b*-n o | 1T0, nota "_'.|
(•) Vêr adoente a BOU 12.
C) Divergente- a* doo. do Trib. do Imp. de 19 de AbeU de 81. 4.°,
106 1 de Dezembro da 90, 21.°, 192, Bcroor, 876, (Sever, 2.", 186, v.
Meyer, 887. De aeoordo oom o testo no eaiencial a* dec. do Trib. do Imp.
de 18 • 16 de Março do 84, 10.°, SM, bom eoao Hilacbner, 2.°, 797,
Klòppat, Pt-owrorAl, 899, Olabanaen, | IH, 8.
(•) Ao poeto que o art. 110 nâo dlttingue entre n ptovocaeào que
produzi» efleilo o a que nio o produaio, 6 o «ate aawtaãem a que o art. Ill
ligo capiul importância, pou». »endo o ;-•.■■
;i
'. - '| eeguida do uma acção
punível ou do M—Uiva de uma accio punível, o art. 111 equipara o
provocador ao iníUgador do delie* ou K-Jiiud", «, no caso contrario,
inflige pena» espectaca, DOT lontra conâidorom eete ultimo delicio,
como um caso especial do
476
TRATADO DE DIREITO PENAL
Penas: multa até 600 marcos ou encarceramento
até 1 anno; mas a pena, quanto á qualidade e ao gráo,
não pôde ser mais grave do que a pena comminada
contra a acção mesma, a que o delinquente provocou. Si
o effeito da provocação for a acção punível provocada
ou uma tentativa de dita acção, o provocador será
punido como si fora instigador. O agente é, porém,
instigador no sentido technico da palavra e punivel,
não segundo o art. 111, mas segundo o art. 48 do C. p.,
quando concorrem os caracteres da idéa da instigação
(versar o dolo sobre a pratica de uma acção
determinada por uma ou varias pessoas determinadas}
(
8
).
Não se pôde; pois, determinar de um modo geral, si
o facto qualificado no art. 111 constituo um
crime, um delícto ou uma contravenção; esta de-
terminação só pôde resultar da natureza do acto, a] que o
agente provocou.
4.° A provocação ou excitação (posto que não
seja publica; § 51, nota 3): á) de um militar do exercito
alie mão ou da marinha imperial a desobedecer as
ordens do seu superior, b) de um militar licenciado a
desobedecer a ordem de appello ao serviço (art. 112)
(
9
).
Pena: encarceramento até 2 annos.
art. 110, cuja applicaç&o excluo a daquelle. Outros consideram os dois
artigos como independentes, de sorte que, reunindo o facto os | caracteres de
ambos, applica-se, em virtude do art. 78, a pena mais) rigorosa. N. do trad.
(") Divergentes Binding, 1.°, 690, Geyer, 2.°, 186, Hãlscnj 2.°, 800,
Olshausen, J 111, 6. Si aquelle, que provocou ao crime furto, já foi
varias vezes punido por furto etc, cabe neate caso aggravacSo resultante da
reincidência.
(*) Lei sobre o serviço militar de 9 de Novembro de l\ arta. 6, 7 e lõ;
C. p. mil., arte. 4 a 6; lei militar de 2 de JJ] de 1874, art. 66.
CRIMES E DEUOTOS CONTRA O PODER PUBLICO 477
III. — Outras provocações puníveis.
1." Provocar publicamente, por meio da im
prensa, a que se contribua para o pagamento de
multas e custas devidas em razão de um acto pu
nível, bem como accusar publicamente, por meio da
imprensa, o recebimento das contribuições pagas
para os mesmos fins (art. 16 da lei sobre a im
prensa).
#
Penas: multa até 1000 marcos ou encarceramento até
6 mezes (art. 18, n. 1 da lei). As quantias recebidas em
virtude de tal provocação ou o valor respectivo será
confiscado em proveito da caixa dos pobres do logar da
collecta.
2.° — Provocação publica a um acto punível segundo
a lei de 9 de Junho de 1884 sobre matérias explosivas. Ver
o § 155.
3.° — O C. p. mil., arts. 99 a 102, e a lei sobre gente
do mar, art. 88, contém também casos de.provocação
punível (comquanto nem sempre publica). Ver os §§ 102 e
195, VII.
IV. — Ao lado da provocação publica figura |
desde a Novella de 26 de Fevereiro de 1876 o
crime sui generis (não deve ser considerado como
instigação tentatada) que faz objecto do art. 49 a
acerescentado ao C. p. Este artigo, denominado
artigo Duchesne, cujo modelo se encontra na lei
belga de 7 de Julho de 1875 (
10
), comprehende :
a) o facto de provocar-se alguém a commetter um
crime (em sentido estricto) ou a tomar parte em um crime,
bem como a aceitação da provocação;
("*) Loi contenant des dispositions pénales contre les offres ou
propositions de commettre certains crimes ». Provocou-a o facto de ter-se
offerecido um certo Duchesne ao arcebispo de Paris, M. Hyp-polyte, para
assassinar Bismarck. Encontra-se a lei impressa no appenso III dos motivos
da Nov. de 1876.
478 TRATADO DE DIREITO PENAL
b) o facto de offerecer-se alguém a commetter um
crime ou a tomar parte em um crime, bem como | a
aceitação do ofFerecimento.
Mas a provocação e o ofFerecimento simples-]
mente verbaes, bem como a respectiva aceitação, são j
somente puníveis, quando acompanhados de van-
tagens de qualquer género (§ 107, nota 6), por
onde se manifeste a seria resolução daquelle de \
quem emana a proposta. A' provocação e ao offe-
recimento verbaes equivalem os symbolicos (fazer
signal com a cabeça, com a mão etc); com elles con-
trastam não só a provocação e o ofFerecimento es-
criptos, senão também os que são reforçados de um
modo qualquer, pelo qual se reconheça indubitavel-
mente a seriedade da resolução ("). Si a provocaçãoj ou
o ofFerecimento não é serio, também a aceitação fica
isenta de pena. A provocação e o ofFerecimento devem
ser a expressão de uma resolução (tomada |
condicionalmente) que pela aceitação torna-se incon-
dicional. O dolo do agente deve comprehender
também aqui a consciência da criminalidade do
acto (
12
).
O crime também aqui se consumma, logo que a
provocação, a acceitação ou o ofFerecimento chega,
correspondentemente á vontade do agente, ao co- J
nhecimento da outra parte. A cumplicidade, tanto
sob a forma da instigação como sob a da assistência,
é possível.
i
Não é necessário observar que o individuo, de
quem emana a provocação, a aceitação ou ofFereci*
(
u
) Estaria neste caso, por exemplo, a provocação ao aborto,
sendo ao mesmo tempo acompanhada da entrega dos meios abortivos.
Contra, a dec. de 12 de Novembro de 80, 8.°, 80 e 24 de Janeiro de 84,
6, 46; Olshausen, \ 49 a, 4.
(») Contra, a dec. de 31 de Janeiro de 90, 20.°, 198, Frank, Z,
12, 281, Olshausen, \ 49 a, 8.
m
0KIME8 B DELIOTOS CONTRA O PODER PUBLICO 479
mento, deve ser imputável para poder ser punido. Mas
o se pode falar também em provocação ou
offerecimento puníveis, quando falta á outra parte a
imputabilidade. E o mesmo deve-se dizer da acei-
tação, quando a provocação ou o offerecimento emana
de um individuo não imputável. A razão desta these
está na relação de mutua dependência entre a
provocação e o offerecimento de um lado, e a
aceitaçãê de outro.
Si o acto punível é realmente tentado ou con-
summado, o crime do art. 49 a do C. p. converte-se
em cumplicidade ou em autoria.
A pena do art. 49 a é somente applicavel,
«quando a lei (imperial ou estadual, esta ultima no
campo que lhe foi reservado) não commina outra
pena». As penas do art. 49 a são : a) quando o crime
projectado é punido com pena de morte ou de
reclusão perpetua, encarceramento por tempo não
inferior a 3 mezes; b) quando punido com pena
menor, encarceramento até 2 annos ou prisão em
fortaleza por egual tempo. Accessoriamente á pena de
encarceramento pode ser pronunciada a perda dos
direitos cívicos, bem como pode ser au-torisada a
vigilância policial (
c
).
(°) O art. Duchesne, que pune a tentada instigação de um crime
como crime sui generis em completo desaccordo com as tradições do
direito allemão, artigo occasionado pela lei belga de 1875 votada em
satisfação £ Allemanha depois da proposta do belga Duchesne ao arce-
bispo de Paris, tem sido objecto de acerbas criticas dos mais compe-
tentes commentadores do C. p. allemão. « A tortuosidade que o art. 49 o
introduzio no direito penal, diz Berner, leva-nos a perguntar si a
Allemanha não podia responder á Bélgica com uma lei mais amadu-
recida ». « Essa reforma, diz Geyer, foi uma desordenada invasão no
direito penal que em um vasto circulo poz tudo em confusão ».— Eis
resumidamente a critica deste ultimo criminalista em um dos seus
pontos capitães. « O art. 49 a pune a provocação não só para a pratica
480
TRATADO DB DIREITO PENAL
§ 174.— V. Menoscabo do poder publico
LiTTEBATUBA.— Dissertado no appenso V dos mg
tivos do C. p., p. 221; Hàlschner, 2.', 634.—Aoj|
Klõppel, PrewechL 415.—Ao n. II, Zimmermami, GS,r
Ao n. V e VII, Lenz, Schutz deu Pfanãrechts, 215 e li
I. — A denominada difamação do 'poder publicai isto
é, a affirmaç&o ou a divulgação publica e con-| sciente
de factos níío verdadeiros ou adulterados para tornar
despresiveis as instituições do Estado ou os decretos da
autoridade (G. p., art. 131).
Ao passo que o direito commum (por exemplo, o
direito do Palatinado de 1582) punia com a decapitação
a provocação á desobediência e ao des-preso da
autoridade, por meio de escriptos injuriosos, e o AUg.
Landrecht prussiano, art. 155, espe-
de um crime, oomo pam ã oopartkipaoifo, isto 6, n mstígãçaõ para ã]
instigação ou pura n cumplicidade em um crime. B' pois punivel] aquelle que,
querendo commettor pessoalmente um crime, provoca outrem para ser co-ãutor
ou mplice. Aqui recuamos para aquém dos limites da conspiração. Com e d
cito, em face do art. 49 a é não fomente punivel quem tentou debalde formar
uma conspiração deli-ctuosa, senão também quem debalde procurou obter um
accordo que, caso se realisasso, não seria sequer uma conspiração, isto é, não
passaria de um ajusto para a co-autoria. Quem obtém animo oceidendi\ um
veneno que produz prompta o seguramente a morte fica impune ;| quem porém
debalde tenta mover outrem a que lhe obtenha tal veneno incorre em pena, logo
que communicou que trata-se de um crime I £' pois nessa communicafâo que
deve estar o punivel do facto. Quem nada communica a respeito do seu plano ao
vendedor do veneno (podendo nisto haver um accordo tácito) 6 isento de pena,
comquanto obtenha realmente o veneno.— Si considerarmos mais que na idéa
da coparticipação ou cumplicidade lato sensu comprehendem-se também a
instigação para a instigação (ín infinitum), a cumplicidade (aticto getuu) para
a instigação, e a instigação, bem como a cumpli-
CRIMES E DELIOTOS CONTRA O PODER PUBLICO 481
cialisava o facto de provocar-se descontentamento
Icontra o governo, o C. p, prussiano de 1851 cin-gio-se
ao direito francez no seu art. 101 (o denominado «
artigo repressivo do ódio e do despreso »). À redacção
do art. 131 do C. p. imp. é calcada sobre a do art. 187
do mesmo cod. Mas o art. 131, indo além do art. 187,
exige que o agente reúna ao dolo a intenção de fazer
despresiveís as instituições do •Estado ou os decretos da
autoridade. Quanto ao mais, referimo-nos ás
considerações feitas a respeito do art. 187 95, IV).
Sobretudo não basta a enunciação de juizos geraes e
não confirmados por factos (
I
).
A' parte o art. 103 a do C. p., a lei também aqui
protege exclusivamente o poder publico nacional; mas
a protecção estende-se não ao poder do Estado de
que o agente é súbdito ou onde reside, senão também
ao de todos os outros Estados da
cidade, para a cumplicidade, abre-se-nos pela idéa da provocação para a
coparticipação em um crime uma perspectiva semelhante a dos salões, cujas
paredes revestidas de espelhos reflectem indefinidamente a imagem de cada
objecto.— Depois da provocação, o é mais possível uma desistência que
isente de pena; porque a reacção contra uma acção, para cuja punibilibade não
se exige que ella produza algum effeito, ou é impossível (no caso de
instigação mallograda propriamente dita) ou não se toma em consideração. O
instigador, que escolhe um outro meio de instigação que não a provocação,
pôde na verdade ficar impune, ainda quando o instigado tenha-se adiantado até
uma tentativa punível, si aquelle obstar a execução do crime; si instigou porém
por provocação no sentido do art. 49 a ha de ser sempre punido nos termos
deste art., pois a pena ahi comminada é incondicional, e não pôde ser evitada,
ainda que o provocador obste o resultado. A punibilidade segundo o art. 48
(tentativa) cessa em virtude daquella reacção, mas não a punibilidade segundo
o art. 49 a, que impõe-se irremissivelmente desde que occorram as condições
ahi estabelecidas». (BB, 4, 162). N. dotrad.
(•) Dec. do Trib. do Imp. de 14 de Novembro de 93, 24.°, 887.
T. II
31
H
482 TRATADO DE DIREITO PENAL
Federação. Protegido é somente o poder publico]
existente e o o passado, que não se acha mais
em relação com a actualidade. H
Por instituições do Estado devemos entender as
que são partes essenciaes e permanentes da constituição
ou da administração publica, como, por exemplo, o
Bundesrat, o Reichstag, o serviço militar obrigatório, o
casamento civil, etc, mas não os institutos geraes do
direito, como o Casamento, a familia, a propriedade
etc. (
2
) A expressão « decretos », comprehende também
a lei, mas não os projectos de lei. O facto de ter sido o
decreto expedido para um caso individual, o impede
a applicação do art. 131.
A consummação opera-se com a affirmação ou a
divulgação dos factos. Não é necessário que o agente
consiga o seu fim, nem mesmo que os factos sejam
adequados a conseguil-o (
3
).
Penas: multa até 600 marcos ou encarceramento
até 2 annos.
II. A usurpação de oargo publico (C. p., art.
132), isto é, o facto de exercer alguém, sem titulo, um
cargo publico, ou de praticar um acto que não podia ser
praticado senão em virtude] de um cargo publico
(embora o acto mesmo não se comprehenda na
competência do supposto cargo).
Devemos inferir a idéa de « cargo publico » do
art. 31 do C. p., e applicar também a ampliação
(*) Egualmente a dec. do Trib. do Imp. de 6 de Outubro de 91,
22.°, 253 (não « os elementos da civilisação humana em geral»).
(
s
) De accordo OUhauaen, g 181, 7; contra, a dec. do Trib. do
Imp. de 28 de Janeiro de 80, 1.°, 161, bem como Geyer, 2.°, 146»
Hàlschner, 2.°, 886.
CRIMES E DELICTOS CONTRA O PODER PUBLICO 483
dada á mesma idéa no ai. 2 desse artigo. Não entram pois
neste numero os cargos ecclesiasti-cos (*).
Penas : encarceramento até um anno ou multa até 300
marcos (
6
).
III. A dolosa destruição, suppressão ou
damnificação (
6
) de documentos, registros, autos ou outros
objectos guardados oficialmente em logares a este fim
destinados, ou confiados officialmente (ainda que
transitoriamente) a empregado publico ou a um particular
(art. 133).
Também pôde ser autor o empregado depositário;
neste caso a regra do art. 73 decide si tem applicação o art.
133 ou o art. 358 do C. p. A apropriação e especialmente o
consumo do objecto (lenha, artigos de escriptorio ou
matérias próprias para a illuminação) não incidem no
art. 133 (
7
).
Penas: encarceramento; si o acto 6 praticado na
intenção de lucro (
8
), encarceramento por tempo
(*) Egualmente a opinião dominante e especialmente a legislação
ecclesiastica da Prússia, Baden, Hesse. Contra, lschner, 2.°, 887, v. Meyer,
827, Olshausen, § 182, 2.
(») Vêr também o art. 360, ns. 7 e 8 do C p., que assim dispõe: «incorre
em multa até 150 marcos ou em detenção, quem fizer uso indevidamente das
armas imperiaes, das de um príncipe federal ou das de um Estado, bem como
quem usar indevidamente de uniforme, vestimenta ou distinctivo oflicial,
condecoração ou insígnia de alguma ordem, ou usurpar titulo, dignidades ou
títulos de nobreza, ou arrogar-se, perante funccionario publico, no exercício de
suas funcções, um nome que não lhe pertença ».
(*) Vêr o § 162. Não basta pois occultar.
(') Dec. do Trib. do Imp. de 18 de Novembro de 93, 24, 886.
(8) A mesma idéa do § 138, II, 8. Egualmente Hãlschner, 2.°, 841.
John, HH, 3.°, 186, Merkel, HH, 4.°, 456. Contra, v. Meyer, 839, Olshausen,
§ 138, 8, Schútze, 286, nota 80, e outros, segundo os quaes basta qualquer
vantagem material.
484 TRATADO DE DIBBITO PENAL
não inferior a 3 mezes; accessoriamente pôde ser
pronunciada a perda dos direitos cívicos.
IV. — Arrancar, deteriorar ou desfigurar acin-j
tosamente ordenanças, ordens ou avisos das autori-
dades ou funccionarios públicos, quando taes editaes,
ordenanças, ordens ou avisos se acharem affixados em
logares públicos (art. 134). O adverbio acintosamente
designa a intenção tendente á psoducção do resultado
prohibido como motivo do acto. Este é praticado para o
fim de manifestar-se menospreso ao poder publico,
para fazel-o despresivel ou ridículo. Com esta
expressão contrastaria o adverbio levianamente,
próprio para designar um acto doloso, sem que este
visasse o alludido resultado.
Penas : multa até 300 marcos ou encarceramento
até 6 mezes.
V.— Tirar, destruir ou deteriorar acintosamente
symbolos públicos da autoridade do Império ou de um
soberano de um Estado da Federação ou contra taes
objectos praticar actos de vilipendio (art. 135). Entre
«symbolo da autoridade» e «symbolo da soberania»
não ha differença (
9
); balisas, bandeiras, armas, escudos
entram n'esta categoria.
Penas: multa até 600 marcos ou encarceramento
até 2 annos.
VI.— A violação de sellos dá-se, quando alguém,
sem direito, quebra, desprende ou deteriora dolosa-
mente um sello publico posto pela autoridade ou por
funccionario publico para o fim de fechar, marcar ou
sequestrar objectos, ou quando alguém levanta o
(>) A maior parte dos escriptores (vêr Olshausen { 135, 1) dis-
tinguem) ; mas torna-se assim impossível harmonizar com as disposi-
ções do art. 186 a relação em que se acha o Império para os Estados
que d'elle fazem parte.
CBIME8 E DELIOTOS CONTRA O PODER PUBLICO 485
obstáculo resultante da apposiçâo official do sello (art.
136). (
10
) Pouco importa o modo de fechar o objecto; o
chumbo, a cera ou o carimbo são meios adequados.
Também pouco importa que o obstáculo official seja
levantado, violando-se o sello ou de outro modo. O
sello deve ter sido posto regularmente, isto é, nos
limites da attribuiçao official. Pena, «encarceramento
até 6 mezes.
VII.— A violação de embargo (facto na edade
média frequentemente assignalado como delictuoso)
dá-se, quando alguém, dolosamente (isto é, tendo
conhecimento do acto official), desvia, destroe ou de
outro modo subtrae á apprehensão, no todo ou em
parte, cousas moveis ou immoveis (não créditos) (")
penhoradas ou (de facto) embargadas (venda em hasta
publica, sequestro, arresto, prohibiçao de alienação,
estar a cousa sob observação etc.) pelas autoridades ou
funccionarios competentes (art. 137). A efficacia da
apprehensão, isto é, a observância dos preceitos legaes,
é requisito indispensável á criminalidade do facto. O
delicto consumma-se, logo que a cousa é subtrahida,
isto é, logo que é interrompida a custodia official
resultante da apprehensão, o que pôde também
acontecer sendo enganada a autoridade. Não é
necessário que o agente aproprie-se da cousa,
(
10
) Ver a lei de 1 de Julho de 1869 sobre a união aduaneira,
arte. 144 e 161, e a lei sobre o imposto do sal de 12 de Outubro de
1867, art. 16.
) De accordo Berner, 401, Geyer, 2.°, 148, Merkel, 400, Wys-
zomirski, G A, 86, 1, quanto £ conclusão também Lenz, 199, e espe-
cialmente a dec. das camarás criminaes reunidas de 8 de Março de 98,
24.°, 40. Contra, a dec. do trib. sup. de Berlim tomada em assembleia
plena de 31 de Março de 1866, repetida a 3 de Julho de 1871, bem
como (deixando de parte os commentarios ao C. do pr. civ.) Hàlschner,
2.°, 846, v. Meyer. 840, Olshausen, £ 137, 1.
486 TBATADO DE D1BEITO PENAL
nem mesmo que tenha a intenção de apropriar-se
d'ella.
Pôde ser autor tanto o proprietário ou o penhorado,
como um terceiro, e até mesmo o credor,) a favor do
qual se operou a apprehensão, ou o offi-cial de justiça.
e
CAPITULO III
Crimes e delictos contra a administrão publica
§ 175. — Considerações geraes
I. A' manifestação da vida individual, ao pleno e
livre desenvolvimento das forças dos indivíduos,
corresponde, como manifestação da vida collectiva, o
trabalho da administração publica. A moderna concepção
do Estado abre-lhe e facilita-lhe de dia em dia, por novos
domínios, o caminho que tem de seguir para o
preenchimento de sua missão, isto é, colligir as forças
collectivas e applical-as a bem da collectividade. Ao lado
da protecção dos interesses individuaes, a que um
doutrinarismo de vistas curtas pretende limitar a missão do
Estado jurídico, figura a promoção dos interesses
collectivos como supremo alvo do Estado administrativo
(
tt
).
(») Rechtsstaat, expressão muito usada pelos publicistas allemães, cujo
sentido porém é discutido. Segundo Stahl, como segundo Gneist, Rechtsstaat
é o « governo segundo leis ». No texto o autor emprega a palavra para
designar o Estado que tivesse unicamente por fim a tutela do direito (accepcão
adoptada pela escola de Kant) em contraposição ao Estado, que além do fim
jurídico, tem fins administrativos (Verwaltungsstaat). N. do trad.
488
TRATADO DE DIREITO PENAL
II.—A administração publica, nas suas duas direcções
principaes, como manifestação da força vital do Estado
que ampara e que promove interesses, precisa da
protecção, da lei penal. Quanto mais vasto . for o campo
em que a administração publica tiver de exercer a sua
actividade, tanto maior será o circulo, e tanto mais variado
o objecto das acções que contra ella se dirigirão e que
deverão sejr refreiadas por comminações penaes. Eis
porque somente uma pequena parte das infracções, com
que nos occupa-remos neste capitulo, tem atraz de si uma
longa historia. Dos grandes grupos somente os crimes de
responsabilidade,—cuja punição é necessária para que a
administração garanta-se a si mesma e garanta os
interesses sob a sua protecção contra os seus próprios
órgãos e os crimes que attentam exclusivamente ou de
preferencia contra a administração da justiça, missão
fundamental e a mais antiga do Estado, bem como os
crimes relativos ao juramento, remontam a um longínquo
passado. Os demais grupos são pela maior parte de nova
ou de novíssima data. Mas, si é indubitável que na
legislação penal de um povo em um período dado do seu
desenvolvimento encontramos o inventario daquelles
interesses, que o mesmo povo no mesmo período
considera como os seus bens mais importantes e valiosos,
também é incontestavelmente lacunoso todo systema
scientifíco de direito penal que não puder achar logar ou o
logar correspondente na intima connexão de suas partes
para os crimes contra a administração publica (e por isso
mesmo tal direito não pôde ser conceituado de systematico
nem de scientifíco). Em parte alguma a essência e a
direcção da politica moderna manifestam-se com mais
clareza do que nas comminações penaes que protegem os
operários in-dustriaes ou na punição dos abusos das
especulações financeiras.
CRIMES CONTKA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 489
III. Consequentemente S classificação dos
delictos que pertencem a este grupo tem por base a
differença dos ramos da administração. Ha porém
uma serie de delictos que não compromettem somente
este ou aquelle ramo da administração, mas a
administração em geral, e por isso devem ser
destacados. Taes são de um lado os crimes de
responsabilidade, e, de outro, os crimes concernentes
ao juramento. Os crimes do direito militar formam o
fecho de todo o grupo.
I.CRIMES DE RESPONSABILIDADE
-------------------.— <j.
§ 176.— Historia e conceito
LITTBRATURA.—Zucker, Amtsverbrechen, 1870; Meves,
H H, 3.°, 916, 4.°, 338; Hecker, G S, 31; Oppenheím, Die
RecMsbeugungsverbreclwn ães BSt G Bs, com uma in-
troducção sobre a natureza dos crimes de responsabilidade,
1886 ; Meves, G S, 39.°, 216. Hálschner, 2.°, 1014; H.
Seuffert, WV, 1, 47, e StG, 1.", 66. —Ver também as
indicações litterarias do § 58, II— G. Cohn, JHe\
Justizverweigerung im áleutschen Becht, 1876 ; H. O. Leh-
man n, Bechtsschutz gegenuber Mngriffen von 8taatsbeamten\
nach altfrãnltischem Becht, 1883.— Sobre os «crimes dos
ministros de religião», ver Hinschius, H H, 4.°, 497 ;
Laband, 1.°, 447 ; Hánel, 1., 455.
I.— Crimes de responsabilidade prescindindo
por ora das limitações estabelecidas pela lei o as
violações do dever que o cargo impõe, quando taes
violações acarretam penas criminaes, e não simples-
mente penas disciplinares. A razão por que não basta;
a pena disciplinar está em que a violação do dever
funccional offende ou compromette ao mesmo tempo
um outro bem jurídico do individuo ou da collecti-
vidade. Como os crimes de responsabilidade, quaes-
quer que sejam os bens jurídicos, contra os quaes elles
se dirijam directa e immediatamente, ameaçam em
ultima analyse o andamento da administração publica e
certamente apresentam-se, nas relações de direito
publico, como uma infidelidade, as modalidades, sob
que nós os encontramos na historia do direito penal,
são determinadas pela forma e consti-
CRIMES DE RESPONSABILIDADE 491
tuiçfto do organismo da administração, as quaes
variam conforme os tempos e os logares.
II.— Comprehende-se pois facilmente que tanto o
direito romano como o direito allemão da edade média não
tenham para nós nesta matéria outra importância que não a
de tradições históricas sem viva relação com o presente. Os
crimes de responsabilidade d*. Republica romana, o
crimen repetun-darum e o ambitus, o peculatus e o crimen
sodalicio-rum, figuras criminaes a que o processo criminal
dos Romanos deve todo o seu desenvolvimento 3),
perderam a primitiva importância, quando a plenitude do
poder foi transferida do povo para o princeps. Na edade
média allemã, apezar das minuciosas disposições da lex
salica sobre a denegação de justiça e a recusa de penhora,
e apezar das severas ameaças contra o juiz injusto contidas
na lex Ribuaria (88 : de vita componai), não se obteve uma
noção geral dos crimes de responsabilidade.
O Espelho da Saxonia, II, 13, 8, punia na verdade a
denegação de justiça com o talião, as leis sobre a paz
publica occupavam-se com o juiz injusto, e não raro era
recommendado ao senhor territorial e á justiça senhorial o
preenchimento dos seus deveres ; mas embalde
procuraremos encontrar na Carolina um crime de
responsabilidade. A legislação imperial e a legislação
territorial dos séculos XVI e XVII utilisaram-se em parte
das disposições antiquadas do direito romano, e a sciencia
do direito commum a ellas recorreu, para acharem o funda-
mento necessário ao modo de tratar os «delicta
ministrorum principis» (
a
). Foi no período do despo-
(») Também nos cod. e nos tratadistas do antigo direito por-
tuguês não se encontra a idéa geral do crime de responsabilidade. M.
Freire, que nas I. J. Orím. tratara do peculato, da concussão o da peita
entre os crimes communs, foi o primeiro que deu uma defl-
492 TRATADO DE DIREITO PEKAL
tisme éclairé, que o rei declarou ser o primeiroj servidor
do seu Estado, que o direito prussiana conseguio pela
primeira vez indicar á legislação] também nesta parte
novos caminhos. O direito novo tentou extremar entre si
as faltas disciplinares os crimes de responsabilidade e
formular com É meza os conceitos destes crimes, mas
até o presente sem resultado notável. Também outras
influencias fizeram-se sentir. O movimento politico do
meiado deste século accrescentou novas disposições
penaes tendentes á protecção dos direitos dos cidadãos
contra excessos eventuaes da administração publica, e
acontecimentos recentes deixaram também os seus ves-
tígios. Assim o capitulo 28 do C. p. offerece, mais do
que qualquer outro, um quadro de disposições
casuisticas muito ampliadas e, nada obstante, la-
cunosas, ao lado das quaes ha espaço para a intervenção
da legislação estadual.
III.—Segundo o C. p. imp., são crimes de re-
sponsabilidade os actos contrários ao dever que o
capitulo 28 sujeita a penas criminaes, quer com-
mettidos por funccionarios blicos propriamente
.ditos, quer por outras pessoas incumbidas do des-
empenho de funcções publicas. Funccionario é aquelle
que, em virtude de nomeão do Estado, é chamado a
exercer a sua actividade a bem dos fins do Estado
(consequentemente sob a autoridade deste) e como
órgão do poder público. O art. 359 do C. p. põe em
evidencia a « nomeação » e a « relação de serviço» (*)
nição geral dos crimes de responsabilidade no seu Cod. Orim., tit.iM
pr.: «os crimes próprios dos juizes e officiaes de justiça e outras pes-
soas, que têm officios e cargos públicos, commettidos contra a sua
particular obrigação e nos mesmos cargos e officios, que administram
vem debaixo do nome geral de prevaricação». N. do trad.
(*) Não são pois funccionarios os escreventes (copistas) que a
acham para com a administração em uma mera relação de direito civil
CRIMES DE RESPONSABILIDADE
493
sem pretender dar uma definição que esgote a matéria; mas
declara ser indifferente que se trate de ^rai serviço
immediato ou mediato do Império ou de algum dos Estados
da Federação, de nomeação provisória ou definitiva,
temporária ou vitalicia, que o nomeado perceba
vencimentos fixos ou somente emolumentos, e que tenha
ou não prestado juramento. Indo além do nosso conceito,
inclue expressamente entre os funccionarios o notário, sem
ter em attenção que a posição deste varia, segundo o direito
local. Os advogados e os solicitadores, os jurados, os juizes
árbitros e os escabinos não são funccionarios públicos (não
assim os juizes do commercio, segundo o art. 116 do cod.
de org. jud.), comquanto as pessoas com-prehendidas nas
três ultimas categorias exerçam funcções publicas no
sentido da lei (art. 31, ai. 2). Destfarte as idéas de funcção e
de funccionario não se correspondem, e mais correcto seria
substituir as expressões crimes de responsabilidade pela
periphrase de que a lei se serve na inscripção do cap. 28, —
«crimes e delictos commettidos no exercício de funcções
publicas». Cumpre mais notar que o cap. 28, em razão da
connexidade, muitas vezes qualifica também acções
punveis de pessoas que não são funccionarios nem exercem
funcções publicas (").
(•) Segundo o direito allemão, nem todos os quo exercem
funcções publicas são funccionarios. O jurado, o vogal, o juiz arbitro
etc. não são funccionarios, comquanto desempenhem funcções publicas.
Os deveres que se ligam ao exercicio da funcção e os devores do func-
cionario não são expressões idênticas, como Laband teve o merecimento
de pôr em evidencia no seu Direito Publico. As normas especiaes que
a lei penal tem em vista, quando qualifica os crimes de responsabili-
dade, não se dirigem simplesmente ao funccionario publico, senão
também ás pessoas que embora não o sejam, exercem funcções publicas.
O crime de responsabilidade é pois crime de funcção, o que se com-
mette no exercicio da funcção e contra os deveres delia. Taes crimes
494 TRATADO DE DIBEÍTO PERAL
Os crimes dos ministros de religião (crimes de
responsabilidade em matéria ecclesiastica) não formam,
segundo o direito imperial, um grupo especial; a sua
regulamentação foi em grande parte deixada á
legislação estadual (
2
).
I IV. Os crimes de responsabilidade dividem-se em
próprios (puros) e impróprios (mixtos) : os primeiros
são os que podem ser commettidos por
funccionarios, e os segundos são aquellés em que a
qualidade de funccionario constituo uma circum-
stanciã aggravante.
Pertencem também aos crimes de responsabi-
lidade impropriamente ditos os que são previstos nos
arts. 128, 129, 230, 316, 318 e 322 do C. p., ao passo
que o art. 174 ns. 2 e 3 qualifica um crime de
responsabilidade propriamente dito. Esta distincção
tem importância em relação ao modo de tratar a
cumplicidade de terceiros. Sobre este ponto referimo-
nos ao que ficou dito no § 53.
distinguem-se em próprios e impróprios. Os primeiros só podem ser
commettidos por quem exerce uma funcção publica, pois consistem na
violação de normas que se dirigem a taes pessoas. Normas ha,
porém, que se dirigem a todos e que por qualquer podem ser violadas,
mas, quando violadas por quem está investido de funcção publica, dá-se
também uma offensa dos deveres que esta impõe; nestes casos a qualidade
de funccionario ou o facto de exercer o autor uma funcção publica é
uma causa de aggravação de pena. Assim, applicando esta distincção ao
nosso C p., vê-se que são crimes de responsabilidade propriamente ditos,
em regra, os de que trata o liv. 2.°, t. 5,°, e impropriamente os de que
tratam o art. 207 (confr. com os arts. 181, cárcere privado), 123 (confr.
com o art. 189), 208, § 1.°, (confr. com o art. 258), 231 etc. N. do
trad.
(*) Figuram como funccionarios no sentido do art. 869 do C. p.,
quando lhe são confiadas funcções publicas (por ex., a administração do
património ecclesiastico). Vêr também os arts. 180 a a 338- Sobre os
funccionarios militares, vêr o C. p., Mil., art. 154 e adeante o § 201, III,
1.
RECURSOS
CRIMES DE RESPONSABILIDADE 495
Uma outra classificação os distingue em geraes
ou particulares, segundo podem ser commettidos por
qualquer funccionario ou somente por certo grupo de
funccionarios.
I A summa importância dos crimes de responsa
bilidade para a administração publica, e consequen
temente para os interesses da collectividade, expli-
ca-nos porque, em contrario aos principios, aliás
observados ^pela nossa legislação, os crimes desta
natureza, quando commettidos no estrangeiro, quer
por nacionaes, quer por estrangeiros, podem ser
ipso facto processados segundo o direito nacional
(§ 21).
Releva por ultimo mencionar neste logar que,
conjunctamente com a pena de encerramento ap-
plicavel a uma serie de crimes de responsabilidade
(arts. 331, 339 até 341, 352 a 355, 357), embora a dita
pena seja inferior a 3 mezes, pôde ser também
imposta aos funccionarios públicos (bem como a ter-
ceiros codelinquentes), pelo tempo de um até 5 annos,
a perda da capacidade para exercer funcções publicas
(C. p., art. 358, ver o § 21).
§ 177. — Dos crimes de responsabilidade
LiTTERATURA. Ao D. 1, Kronecker, GA, 81, 361;
Feichmuller, JMe Besteohvmç nach dem 81GB, dias., 1887 ;
Alcalay, AUive und passive Bestechunç, 1889. Ao n. LX,
dec. do trib. sup. de Berlim de 20 de Outubro de 1875 na
GA, 23, 460 ; v. Holzendorff, Rechtsgutachten, relatórios
acerca do processo do conde H. v. Arnim por Wahlberg,
Merkel, v. Holzendorff, e Rolin-Jacquemynis, I, 75; \j)er
Prozess Arnim, exposto por um velho jurista, com
II annexos, 17, I, 77; justificação da lei complementar
de 1876.
I. A acceitaçuo de presentes por negócios do of-
ficio ou a corrupção em um sentido amplo (o crímen
496 TRATADO DE DIREITO PENAL
repetundarum ou baratteriae do direito commum) (
a
).
O 0. p. distingue os seguintes casos :
I.° — A corrupção passiva em sentido amplo ou a
illicita aceitação de presentes. Dá-se quando o
funccionario publico aceita, exige ou deixa que lhe
promettam presentes ou outras vantagens 107, nota
6) em razão de um acto actual, passado ou futuro do
seu offieio, embora esse acto considerado em si não
seja contrario ao dever (C. p., árt. 331) ('). O presente
deve ser a prestação correspondente (o; equivalente) a
um acto do offieio que possa ser indicado. Si o
presente é dado em attenção a um uso geral (como
gorgetas, presentes de anno novo), para recompensar
obséquios especiaes o concernentes ao offieio. para
satisfazer deveres de hospitalidade, ou o sentimento de
gratidão pessoal, ou para expressar a consideração etc,
não se corrupção. A lei, ou quando esta o permitte,
o consentimento do superior hierarchico de fazer
desapparecer a illegalidade da aceitação etc. A
exigência de emolumentos que não são devidos incide
no art. 352 do C. p. A aceitação, a exigência etc. pôde
ser também indirecta, como a não restistuição do pre-
sente feito á mulher do funccionario. A aceitação da
promessa de um presente ainda não determinado
quanto ao objecto basta (
2
) (
b
).
("•) Crime de peita, segundo a denominação clássica do nosso direito
(ant. dir.—Ord. Aff., 1, 5, t. 31, Man. t. 56, Phil., t. 71).
(') Ver também o art. 140 do C. p. mil., o art. 17 da lei sobre o imposto do
sal de 12 de Outubro de 1867 e o art. 6 da lei sobre o imposto do álcool de 8
de Julho de 1868.
(•) Dec. do Trib. do Imp. de 20 de Maio de 92, 28.° 141.
(
b
) A dadiva ou a vantagem em questão deve ser aceita por causa de um
acto do offieio. A lei exige pois que haja relação causal entre a aceitação e o
acto do offieio; não basta a aceitação de certa vantagem por occasião de um
acto d'esta natureza (n'este sentido a opinião
Penas: multa -até 300 marcos ou encarceramento até
6 mezes.
f Ex-vi dos arte. 333 e 334, ai 2, o doador não pôde ser
punido nos termos do art. 331, mas, segundo algumas leis
accessorias (
3
), incorre nas denominadas penas de ordem.
Quanto ao mais, os princípios sobre a cumplicidade têm
inteira applicação.
2.° A corrupção passiva simples em sentido es-
tricto. Dá-se* quando o funccionario publico aceita, exige
ou deixa que lhe promettam presentes ou outras vantagens
em razão de um acto offensivo do dever do officio ou do
serviço (art. 332). O acto contrario ao dever deve ser um
acto do officio ou do serviço, ainda que consista somente
no abuso de uma faculdade; não entram n'este numero os
actos alheios ao officio ou ao serviço, embora pro-hibidos
ao funccionario publico.
coramum). D'ahi segue-sequeo accordo entre o subornado e o subornador deve
consistir em que a vantagem refira-se ao actodo officio como prestação
correspondente (Trib. do Imp.) Segue-se mais que o acto deve ser determinado
e concreto de tal modo que se possa demonstrar a relação consciente (Trib. do
Imp.). Mas não é necessário que a relação diga respeito somente a um acto
singular, pôde concernir a uma pluralidade de actos, a uma acção que se
componha de vários actos. Também a in-dividualisação do acto não exige que
elle seja determinado em todas as suas particularidades, basta que o agente
queira induzir o empregado a exercer ou abusar do seu officio em uma certa
direcção (idem). Nenhuma razão ha para exigir-se que as prestações de uma o
outra parte estejam em uma relação de egualdade. Segundo o art. 15 da lei
sobre os funccionarios públicos, «o funccionario deve obter o consentimento
de seu superior para aceitar dadivas ou recompensas por actos do seu officio».
Hãlschner d'ahi conclue que o funccionario que aceita presentes com o
consentimento do seu superior não incorre no art. 381 do C. p. (Olshausen,
831,3, 7, 10). N. do trad.
(») Lei sobre a união aduaneira de 1869, art. 160, lei sobre o imposto de
cervejaria de 1872, art. 86, e lei sobre o fumo de 1879, art. 141.
T. II 3*
498 TRATADO DE DIREITO PENAL
Penas : reclusão até 5 aunos; oecorrendo cir-
cumstancias attenuantes, encarceramento. Tem ap-|
plicação ao doador o que se disse acima sob o n. 1.
3.°—A corrupção simples activa em sentido es-|
trioto. Dá-se quando alguém, por meio de presentes,,
offertas ou promessas, procura induzir um funccio-nario
publico ou um agente da força armada (seja directamente,
seja por interposta pessoa) a praticar um acto contrario ao
respeotivo officift- ou serviço I (art. 333). Aqui trata-se
somente de actos futuros ou que o corruptor pelo menos
tem por taes.
Penas: encarceramento e facultativamente perda dos
direitos cívicos; oecorrendo circumstancias at-| tenuantes, a
pena pôde ser multa até 1.500 marcos.
4.° O suborno (activo e passivo) do juiz. Dá-se
quando o juiz, o arbitro, o jurado ou o escabino aceita,
exige ou deixa que lhe promettam presentes ou outras
vantagens, para dirigir ou decidir, a favor, ou em prejuízo
de um dos interessados, uma causa, cujo processo ou
julgamento lhe incumba (art. 334).
Pena: reclusão.
Quem dá, offerece ou promette incorre também em
reclusão; mas, oecorrendo circumstancias attenuantes, esta
pena pôde ser substituída pela de encarceramento.
Em todos os quatro casos a sentença pronunciará o
confisco, em proveito do Estado, dos objectos recebidos (e
não dos simplesmente promettidos ou exigidos) ou do seu
valor (art. 335).
II. Violação dolosa do direito. Dá-se, quando o
funecionario publico ou o arbitro (mas o o escabino ou o
jurado) favorece ou prejudica uma das partes no processo
ou no julgamento de uma causa (art. 336) (
c
).
Pena *. reclusão até 5 annos.
(•) Beugung de» Reehts (violar, torcer a lei). Corresponde ao
crime de prevaricação definido no art. 207 § 1 do nosso C. p. Trata-se
CRIMES DE RESPONSABILIDADE
499
III. Infracções relativas & celebração do casa-
mento mencionadas no § 111.
IV. Violência feita ao cidadão por abuso de
poder.
1."— O constrangimento illegal, por abuso de
poder ou por ameaças de um determinado abuso de
poder, para que alguém faça ou deixe de fazer ou
tolere algujna cousa (art. 339). O que se disse no § 90
a respeito do constrangimento simples e especialmente
sobre a ciroumstancia da illegalidade tem também aqui
applicaçfto.
Pena: encarceramento. A tentativa é punível. M
2.° As qualificações de certos crimes, que, como
casos especiaes, se destacam da idéa geral do
constrangimento (taes são os casos dos arts. 106,107,
167 e 263 do C. p.) foram ampliadas pelo art. 339, | ai.
3, no sentido de que a lei considera como meios
adequados para a pratica de taea crimes o abuso do
poder ou a ameaça de um determinado abuso de poder
por parte do funcoionario publico.
3.° A ofensa physica, que o funocionario
publico no exercício ou por occasião do exercício do
seu cargo commetter ou deixar que outrem com-metta
(art. 340) (*). A expressão «deixar commetter »
comprehende não somente: a) a ordem, caso em que o
funccionario figura sempre como autor, quer lo
executor proceda dolosamente quer o, senão
também b) o simples facto de não impedir, uma
da ofiensa ao direito objectivo, de normas do direito material ou pro-
cessual. A definição legal, que se refere ao funccionario e ao arbitro,
não comprehende o jurado nem o escabino. A exclusão do jurado ex-
plica-se, porque arte é um juiz de consciência e nâo tem de dar asj
razões do seu voto; quanto ao escabino, porém, ha uma lacuna na lei
(Olshausen). N. do trad.
(*) Ver os aro. 122, 128 6 148 do O. p. mil. (adeante, $ 202). |
*5
500 TRATADO DE DIREITO PENAL
vez que o funccionario seja obrigado por força do|
cargo a impedir (
5
).
Não é necessária a queixa nem se admitte a
compensação no caso do art. 340; mas o facto de ser o
autor funccionario publico não pôde tirar aoj oífendido
o direito de reclamar a multa privada. São applieaveis
as disposições sobre a offensa physica comuiúm,
quando mais rigorosas.
Penas: a) encarceramento por tempo não in-1
ferior a 3 mezes; occorrendo circumstancias atte-
nuantes, encarceramento de um dia até 5 annosJ ou
multa a900 marcos; b) si é grave a offensa physica
(art. 224), reclusão por tempo não inferior a 2 annos;
occorrendo circumstancias attenuantes, pôde ser
imposta a pena de encarceramento por tempo não
inferior a 3 mezes.
4.°— A offensa á liberdade pessoal, isto é, o
comparecimento forçado, a apprehensão provisória e a
detenção, a prisão que o funccionario publico effectue
dolosa e illegalmente ou deixe que outrem effectue,
bem como o facto de prolongar o funecio- j nario
publico dolosa e illegalmente uma privação qualquer da
liberdade (art. 341).
Penas: as do art. 239, mas no minimo encar-
ceramento por tempo não inferior a 3 mezes.
5.°— Violão do domicilio por parte do funecio-j
nario publico no exercicio ou por occasião do exer-1
cicio do seu cargo (art. 342, § 117).
Penas: encarceramento até um anno ou multa
até 900 marcos (
6
).
(
6
) Egualmente Aldosser, UnterlaswngsdeWde, 132, Geyer, 2.°,
196, v. Meyer, 882. Oont, Hftlschner, 2?, 1048, Landaberg, Kommiê-'
rivxUlikte, 213, Oppenhoim, 221, Olshausen, f 840, 3, Scbfltee, 6H,
nota 8.
(*) Ver a lei sobre a união aduaneira do 1? de Julho de 1869,
lart. 126.
CRIMES DE RESPONSABILIDADE 501
V.—- Abuso de poder em matéria de processo
penal (inclusive o processo disciplinar).
l.°— Empregar (ou deixar que outrem em-
pregue), no curso da instracção de um processo, meios
coactivos para extorquir confissões ou declarações (art.
343). Por instrucção devemos entender todo processo
dirigido por uma autoridade competente (e não
somente por um tribunal) (
d
) para o fim de averiguar
um acto criminal ou disciplinarmente punível.
Pena: reclusão até 5 annos.
2.°— Requerer ou ordenar o funccionario pu-
blico dolosamente a iniciação ou a continuação de
uma instrucção contra pessoa, cuja innocencia lhe é
conhecida (art. 344). A «innocencia» deve ser
apreciada relativamente e é compatível com uma
culpa menos grave (*").
3.°—Deixar o funccionario publico executar uma
pena, sabendo que ella não pode ser executada ou que
a pena a executar é diversa quanto ao género ou ao
gráo (art. 345). A expressão «deixar executar»
comprehende não a ordem, como o facto de não
impedir indevidamente a execução, | mas não
comprehende o facto mesmo de executar (
7
).
C) Isto é, também pela policia. N. do trad.
(') A innocencia é relativa, porque só se deve tomar em consideração a
innocencia d<> réu quanto ao acto em virtude do qual se requer ou se instaura
o processo. Dá-se, pois, o requisito da innocencia, ainda quando o réo seja
culpado de. um facto punível de menor gravidade (por exemplo, de um furto
em vez do roubo que faz objecto da instrucção). N. do trad.
(') Contra, as dec. do Trib. do Inip. de 9 de Jan. de 82, 5.«, 832, e 21
de Jan. de 89, 19.°, 842, Binding, Normen, 2.°, 494, Geyer, 2.o, 196, v.
Meyer, 886, Olshausen, \ 386, 3. De accordo no essencial Hâlschner, 2.°,
1080. Infelizmente a letra da lei torna inevitável a doutrina do texto. O
(fj O art. 846 diz simplesmente «deixar executar», o incluindo
assim na qualificação do delicto o facto mesmo de executar,
502 TBATADO DE DTÉElTO ttBNÂL
Como pena consideraín-se também as denominadas
((penas de orde {OrdnungsstrafenJ, mas não ás
medidas de coacção.
Penas: a) no caso do dolo, reclusão; b) no caso de
culpa, encarceramento ou prisão em fortaleza até um
anno ou multa até 900 marcos. Dá-se culpa,] quando o
Funccionario labora em erro em relação á
admissibilidade oú ao ihodo da execução c
4.°— O lacto de favorecer o crime, isto é, a)
deixar de proceder contra uma acção punível, ou b)
praticar um acto próprio a dar causa á absolvição do
rèo ou a uma condemnação não conforme com a lei, ou
c) não promover a execução da pena imposta, ou
finalmente d) fazer executar uma pena mais branda do
que a infligida, quando taes actos ou omissões
procedem de funccionario publico que, em razão de
seu officio, coopera para o exercício do poder de punir
ou para a execução da pena, e são praticados na
intenção de subtranir alguém indevidamente á pena
legal (art. 346) (
8
). À expressão «acção punível»
comprehende todas as acções sujeitas a penas
criminaes, mas não as que deveih ser punidas
disciplinarmente. A «intenção» é equivalente ao dolo.
Penas : reclusão até 5 annos ; occorrendo
circumstancias attenuantes, encarceramento até um
mez.
5.° Deixar o funccionario publico evadir-se o
preso, ou dar fuga ou facilitar a fuga do preso, cuja
vigilância, escolta ou guarda lhe foi confiada (art. 347)
(
9
).
ao passo que nos arts. 841, 342, 348 usou da alternativa «fazer ou
deixar fazer». N. do trad.
(») Ver o C. p. Mil., art. 118 e 119 (adeante, | 202).
(*) Vêr o § 172 e também o art. 144 do O. p. mil. (adeante, {
202).
CRIMES DE BESX>OHBABIT,IDADE
603
Penas : a) no caso de dolo, reclusão até| |5 annos;
occorrendo circumstancias attcnuantes, encarceramento por
tempo não inferior a um mez; 6) si a fuga (a evasão
expontânea ou a soltura por intermédio de terceiro) e
favorecida ou facilitada culposamente, encarceramento a
6 meses ou multa « 600 marcos. A tentativa c puniveí,
comquanto a tentativa» de favorecimento constitua uma
tentativo, de cumplicidade por assistência (§ 52, nota 4). |
VI. Acções puníveis concernentes a documentos
(art. 348).
1.* — Com relação & fabricação de documentos a lei
sujeita a penas o funecionario publico, autori-sado a lavrar
documentos públicos, que, nos limites | da sua competência,
certifica falsa e dolosamente factos juridicamente relevantes
ou inscreve falsamente factos desta natureza em registros ou
livros | públicos. Lavrar (expressão diversa de passar)
documentos públicos é certificar factos com força |
probante. Para a consummaçâo não é necessário o uso do
documento. (Vêr quanto ao mais o § 161).
Pena: encarceramento por tempo não inferior a um
mez.
2.° Com relação á conservação de documentos, a
lei sujeita a penas o funecionario publico, que destróe,
supprime, damnifica ou adultera documentos que lhe
tenham sido confiados ou que lhe sejam aocessiveis em
razão do officio. O facto de oocultaT simplesmente não
basta (
10
). Também aqui documento é todo instrumento
destinado a attestar factos juridicamente relevantes; neste
numero entram os documentos particulares, embora o
tenham força probante (§ 159).
Penas: as indicadas sob o n. 1.
(io) Diverge o art. 274, n. 1 do C p. (acima, | 162). Vér| também a dec.
do Trib. do Imp. de 29 de Abril de 92, 28.°, 99.
504 TRATADO DE DIREITO PENAL
Em ambos os casos (1 e 2) reclusão até 10
annos, á qual póde-se accreseentar uma multa de
150 até 3.000 marcos (art. 349), quando o J
agente pratica o acto na intenção de obter para si ou
para outrem um proveito pecuniário ou de causar )
damno a outrem (§ 160, notas 5 e 6).
VII. — O peculato -se, quando o funecionario
publico desvia dinheiro ou cousa ("),cque em caracter
official (e portanto não por occasião do exer- \ cicio do
officio ou como particular merecedor de especial
confiança) recebeu ou tem sob a sua guarda,! mesmo
excedendo os limites de sua competência! (art. 350) (
6
).
Pôde ser autor todo funecionario publico (e não
somente os thesoureiros) que tem de receber ou de
guardar oficialmente dinheiros ou outras cousas. A lei
faz menção expressa do dinheiro, porque em contrario
ao que suecede no desvio commum 129, nota 1)
deve-se considerar como
(
u
) Sobre a apropriação por consumo vâr o \ 174, nota 6. I O
art. 370, art. 5 do C. p. (furto de comestíveis) não é applicavel ao
funecionario publico.
(s) A clausula « em caracter official » não quer dizer que na «
competência do officio » se comprehenda o recebimento ou a guarda da
cousa que faz objecto do peculato. A praxe, de accôrdo com a opinião
predominante, diz Olsbausen, reconhece- a existencia do requisito legal,
desde que a cousa é entregue ao funecionario na supposição de estar
elle autorisado a recebel-a ou guardal-a, embora não tenha para isso
competência, pouco importando que o funecionario mesmo esteja ou
não em erro a este respeito, que a entrega lhe tenha sido feita de um
modo formal ou materialmente não conformo com á lei, ou ainda que o
facto seja prohibido. Por outro lado, porém, não basta que a entrega
tenha sido feita « por occasião » de um acto ou do exercício do officio,
ou por causa da posição official do empregado, como, por exemplo,
quando elle é considerado pessoa de confiança, justamente em razão do
emprego. N. do trad.
CRIMES DE RESPONSABILIDADE 505
excluída regularmente, em relação ao funccionario, a
fungibilidade do dinheiro recebido em caracter official.
Penas : encarceramento por tempo não inferior a 3
mezes, facultativamente perda dos direitos ci-| vos. A
tentativa é punível.
A pena é aggravada (reclusão até 10 annos, e
occorrendo circumstancias attenuantes, encarceramento por
tempo o inferior a 6 mezes), quando o funccionario
publico, com respeito ao peculato, escri-ptura
irregularmente, falsifica ou supprime contas, registros ou
livros destinados ao lançamento ou fiscalisação das receitas
ou despezas, apresenta balanços ou extractos inexactos de
ditas contas,! registros ou livros, ou peças justificativas
inexactas, j ou quando, com respeito ao peculato, faz
indicações falsas em barris, saccos ou pacotes sobre o
dinheiro n'elles contido.
VIII. — A concussão (
12
), isto é, a percepção de
emolumentos, taxas, impostos, honorários que o agente
sabe não lhe serem devidos ou excederem a quantia
devida, constitue um delicto :
1.°—Quando o facto é praticado por funccionario
publico, advogado, procurador, ou outro mandatário
judicial que tenha de perceber emolumentos ou outros
honorários por actos do seu oíficio e em proveito próprio
(art. 352). Dá-se o delicto, ainda que o funccionario não
esteja autorisado a exercer a funeção de que se trata; não
assim quando a prestação é exigida, não como retribuição
e sim como presente.
(") O erimen superexactionis do direito commum (1. un. 0.10, 20 j
Nov. 124, c. 8). Minuciosamente tratado no Allg. Landreehíí prussiano.
Quando dão-se também as circumstancias constitutivas do art. 263, tem
applicacão o art. 73.
506 TttATADO DE DÍHElTO PEN
Penas : multa até 800 marcos, ou encarceramento
até um anno. A tentativa é punivel.
2.° Quando o facto é praticado por funccio-l
nairo encarregado de perceber impostos, taxas, ou
outras contribuições destinadas a cofres públicos,' si
deixar illegalmente de recolher ao respectivo cofre, no
todo ou em parte, as quantias recebidas. Não é
necessário que se effectue a apropriação. O art. 353
tem applicação a prestações em dinheiro (
13
).
Pena : encarceramento por tempo não inferior] a 3
mezes.
Incorre na mesma pena o funecionario que, por
occasião de despezas officiaes em numerário ou em
espécie, faz reducçÔes dolosa ou illegalmente e leva a
conta a despeza como feita por inteiro (art. 353, ai.
2.°).
IX. Acções puníveis praticadas por funcio-
nários ao serviço do ministério das relações exteriores
do Império da Àllemanha (art. 853 a, do C. p. «
artigo-Arnim » ).
l Violão do segredo official, communicando! o
funecionario publico illegalmente a outrem peças que
lhe foram confiadas cu que lhe são acoessiveis em
rao do officio, ou communicando a outrem as
instrucçÕes que lhe foram dadas pelo seu superior ou
o conteúdo d'ellas.
Autor pôde ser todo funecionario que estiver ao
serviço do ministério das relações exteriores,) das
legações, consulados ou institutos scientíficos do
Império da Àllemanha (e não dos Estados da Fe-
deração) nos paizes estrangeiros. O agente deve
(
1S
) Não tem pois applicação, quando, por exemplo, exigem-se
viveres, a prestação gratuita de serviços etc. Egualxnente Olshausen, §
350, 8; contra, Hàlschner, 2?, 1086, nota 2, v, Meyer, 879.
CRIMES DE RESPONSABILIDADE 5Ô7
-----------------------------------------
-----------------------------------------
j
ser funccionario no momento do facto ; indiscrições
ulteriores de um ex-funccionariô o incidem na letra do
art. 353 a (").
2.° Dolosa desobediência a instrucções dadas
officialmente pelo superior (
15
).
3.° — Communicação de factos imaginários ou
I desfigurados ao superior na intenção (equivalente a
motivo) de «nduzil-o em erro em actos do seu officio.
Pôde ser autor o funccionario incumbido de uma
missão no estrangeiro ou o funccionario empregado em tal
missão. Por missão no sentido da lei devemos entender ás
embaixadas do Império da Allemanha ou de algum dos
Estados da Federação (
M
) junto a um governo estrangeiro.
Penas: encarceramento ou multa até 5.000 marcos.
X. Delictos dos empregados dos correios ou dos
telegraphos.
l.° Abrir ou supprimir 162, I) illegalmente o
empregado do correio cartas ou pacotes -entregues ao
correio. A este facto a lei equipara o de per-(mittir o
empregado do correio que outrem pratique acto da mesma
natureza, ou o de prestar assistência a outros na pratica de
tal acto (art. 354). Entre « as cartas » (conceito, § 197, nota
l.
a
) «omprehen-dem-se os vales postaes, ainda que o
expeditor nenhuma outra observação lhe tenha aceres
centado.
Pena: encarceramento por tempo nâo inferior a 3
mezes.
2.° Delictos dos empregados de telegrapho ou de
outras pessoas encarregadas da fiscalisação
(
l
«) De accordo Geyer, 2.°, 200, HáUchner, 2?, 1089, v. Meyer, 488 ;
contra, Olshausen, g 353 a, 3.
(i5) Egualmente v. Meyer 888, contra Hãlschner, 2?, 1089,
Olshausen, § 363 a, 10.
(
u
) Contra, Olshausen, § 353 o, 6.
508 TRATADO DE DIKEITO PENAL
ou do serviço de um estabelecimento telegraphico
destinado ao uso publico (art. 355), a saber: a) Mj
sificação de telegrammas entregues ao estabeleci
mento; b) abertura ou suppressâo illegal de tele]
grammas ; c) revelação do respectivo conteúdcfi
Também aqui a lei equipara a estes factos a per-, missão
dada a um terceiro para a pratica de algum d'elles, ou a
assistência prestada a um terceiro para o mesmo fim.
Pena: encarceramento por tempo não inferior J a
3 mezes.
XI. — A infidelidade do procurador judicial (prce-
varicatio) que a lei classificou indevidamente entre
os crimes de responsabilidade (art. 356) foi tratada
no § 133, V, entre os casos da infidelidade punivel (
b
). \
XII.
A connivencia do superior hyerarchico
(art. 357) dá-se: 1.° quando o chefe de serviço
induz ou emprehende induzir (") dolosamente o su-1
bordinado a praticar, no exercicio do seu officio, uma
acção punivel (e portanto não simplesmente algum
dos crimes ou delictos previstos no cap. 28 do C. p); j
2.° quando deixa scientemente que o subordinado pra- ]
tique uma acção d'esta natureza; 3.° quando a
acção punivel praticada por outro funccionario con
cerne a negócios sobre que o accusado exerce vi
gilância ou inspecção. Nos casos sob os ns. 2 e 3 dá-se J
um delicto por omissão, porquanto existia a obri
gação de impedir. A pena da connivencia é a mesma
do acto, a respeito do qual se dá a connivencia.
(
h
) Os proj. bras. 1.° (art. 229) e 2.° (art. 207), qualificando a
« infidelidade do patrono » como prevaricação (denominação imprópria,
por incompatível com a accepção technica desta palavra), não corri
giram o erro da collocaçáo systematica, pois também a classificam
como crime de responsabilidade. N. do trad. Ji
(") Sobre as idéas « seduzir e emprehender » ver o { 61, nota 8,
o o § 46, nota 2.
I
II. DEPOIMENTO FALSO
(Os denominados crimes concernentes ao jnramento)
U78,
-Historia e collocação systematica
LITTERATTJBA.— Dochow, HH, 3.° 229 e seg.; v. Liszt,
Meineiã vmã falsclies Zeugn.1% 1876 ; o mesmo, Die falsete
Aussage vor Gericht or óffenãicher Behôrde, 1877 ; Ja-
gemann, GS, 29.°, 340 ; Voigt, GA, 28.°, 222; Halschner
2.°, 902; Lanterburg, Die Ehlesverbrcchen, dias., 1886;
Harburger, Die Teibiálme an dem Verbrechen and St. GB,
§ 159, durch Anstiftung oder Beihilfe, 1887 Sobre as
questões legislativas (juramento anterior, posterior, « per-
júrio » etc.), Ditzen, Z, 6.°, 204, bem como os trabalhos
mencionados na Z, 7, 227 e seg.—Rotering, GA, 40.°, 93:
Gõbel, Unteméhmen imã Verleiten im ãeuUelim Reichsntraf-
recht, iiutbes. in der Materie ãss Meineiãs, dias., 1891 —
Brunner, 2.°, 681. Sobre o direito romano, Leonbard, nos
presentes de festa a "Wetzell, 1890, especialmente á pag. 25.
Ver também Giinther, especialmente 2.°, 60.
I. — Historia. O direito romano, tanto no período
antigo como no tempo dos jurisconsultos clássicos, e ainda
sob o império do Christianismo, não fez o crimen perjurei
objecto de uma acção penal independente. Este facto
explica-se pela rigorosa separação entre o fas e o jus no
antiquíssimo direito, entre o direito e a moral no tribunal
dos censores e finalmente pela concepção processualistica
do juramento decisório no período clássico. Só em casos
510
tATADO DE DIREITO PENAL
especiaes, e sempre em consequência da violação de um
direito ligado ao perjúrio, algumas constituições imperiaes
o mandavam punir, como, por exemplo, quando alguém
jurava falso, invocando o genium principis (crime
considerado como lesa-magestade) ou quando o perjúrio
servia de meio para um crime de estellionato etc. Também
não encontra-se o reconhecimento, em these, da
criminalidade do perjúrio na legislação dos imperadores
christãos. «
Não assim quanto ao testemunho falso. Punível desde
os primeiros tempos (as doze taboas mandavam precipitar o
culpado da rocha Tarpeia), o testemunho falso foi
desenvolvidamente tratado na legislação de Sylla, e devia
ser processado e punido de accordo com a lei Cornélia de
sicariis ou de accordo com a lei Cornélia de falsiis,
conforme fosse dado em um judieium publicum ou não.
Sobre essas disposições baseou-se o direito romano
posterior.
O direito da edade média allemã não separou o
perjúrio e o falso testemunho, principalmente em razão da
natureza jurídica especial do conjura* mento (
a
). As leis
barbaras comminavam ora a multa simples (lex salica,
ribuaria, Bajuviorum), ora o wergeld (lex Burgund.,
Langob.) ora — sob a influencia do christianismo — a
pena capital (neste sentido o direito dos Frisões e dos
Saxonios). Nos
|y
(") Com effeito, os « conjuratores », os «Eideshelfe não podiam
incorrer em perjúrio, pois o que juravam era somente a sua na
aifirmação do accusado e o a verdade do facto, como testemunhas;
estas podiam ser perjuras. « Òs Eideshelfer, diz Grimm, o passavam
por perjuros, quando juravam a innocencia de um culpado, e assim
distinguiam-se das tentem unhas oculares ou auriculares propriamente ditas,
cujo testemunho falso era sempre perjúrio. Destas po-dia-se dizer que o
essencial era a verdade da declaração a que acorescia simplesmente o
juramento e daquelles que o juramento era a cireum- ú stancia capital ».
(D. RechUaltert, p. 862). N, do trad.
.
DEPOIMENTO FALSO
511
capitulares encontramos frequentemente comminada,
como talião symbolioo, a perda da mão, com que é
prestado o juramento. Muitas vezes assignala-se a
criminalidade do instigador. Onde ellas guardavam
silencio, fazia-se valer a competência da justiça
ecclesiastica e consequentemente o direito canónico, que
classificava o perjúrio, como offensa á divindade, entre os
crimes mais graves. Não raro também notai-se a influencia
do direito romano (
1
).
A Carolina, art. 107, adoptou o ponto de vista das
fontes da Allemanha meridional. Comminou contra aquelle
« que jurasse falso de um modo formal ante juiz ou
tribunal » primeiramente a infâmia e depois a perda dos
dedos, que levanta quem presta juramento. Mandou porém
applicar a pena de talião, quando alguém «jurasse falso
para que outrem fosse condemnado a pena criminal». Do
falso testemunho tratou a Carolina no art. 68 (egualmente
pena de talião). O instigador incorria na mesma pena do
autor.
O desenvolvimento posterior da doutrina, tanto no
direito commum, como na legislação territorial, dependeu
sobretudo do modo variável por que se concebia em these
o crime em questão. De um lado tratava-se o perjúrio como
um caso qualificado de offensa á divina magestade (o
direito prussiano de 1620, Bohmer, e outros), de outro lado
(o direito austríaco de 1656, Kock e outros) como um caso
de falsidade. no século XVII a pena da Carolina fora
substituída pela perda das phalanges dianteiras dos dedos
de que faz uso quem presta juramento, pena esta também
substituída posteriormente por uma outra arbitraria.
Na segunda me-
(') A este respeito é especialmente interessante a glosa de Lan-
genbeck ao direito municipal de Hamburgo (XV século). Ver v. Xiiszl,
Meineid, 78.
512
TRATADO DE DIREITO PENAL
tade do século XVIII triumphou a concepção que
no perjúrio um caso qualificado de burla (o|
direito austríaco desde 1787 até o presente, o Allg.\
Landrecht prussiano, art, 1.405, depois especial
mente Feuerbach). No mesmo século a doutrina
defendida em 1818 por Mittermaier, segundo a
qual o perjúrio attenta contra a «boa » e por
tanto pertence ao grupo dos crimes de falsidade,
encontrou geral acceitação (
b
). *
II.— Esta concepção, ainda hoje dominante e
representada por Glaser, Merkel, Schwartze, Do-j
chow, Schiitze, Berner, v. Meyer e outros, é de todo
ponto insustentável, admittindo-se mesmo que' tenha
justificação a creação daquelle grupo de crimes. Os
crimes de falsidade assignalam-se externamente por
esta circumstancia : o delinquente abusa
(
b
) « Cingindo-me a Portugal, diz M. Freire (com. ao t. 7 do seu
Cod. Orim.), os perjuros têm soffrido diversas penas. O senhor, rei D.
Diniz, por lei feita em Coimbra aos 11 de Janeiro de 1340, mandava
matar, decepar as mãos e os pés, e tirar os olhos aos que dessem
testemunho falso ou o fizessem dar. Esta pena pareceu áspera ao senhor
rei D. Affonso V, e na sua Ord. do 1. 5, t. 37 a modificou, mandando
açoutar os perjuros, e que lhes cortasFem a lingua junto ao pelourinho,
pois que com ella haviam peccado. A Ord. actual do t. 64 e a do senhor
rei D. Manoel, no t. 8, em todo o caso civil) ou crime, põe pena de morte
ao que jurou falso e de perdimento dos bens. E a respeito dos que
induzem, fubornam ou corrompem as testemunhas, faz differença entre
as causas civis e criminaes, capitães o não capitães, para absolver e para
condemnar, como se de r da dita Ord. a que me remetto ». A cit.
Ord., de accordo com o direito romano, punia como perjúrio o falso
testemunho'; M. Freire porém qualificou no seu projecto toda « violação
dolosa ou culpável de juramento licito », mesmo quando extrajudicial,
posto que delle « não se seguisse prejuízo»—Segundo o C. p. e os proj.
braz., puníveis são somente as falsas declarações em juízo, classificadas
como crimes contra a «publica» ao lado da moeda falsa e da falsidade
de documentos. O proj. 2.° supprime o juramento. N. do trad.
DEPOIMENTO FALSO
513
da confiança que se á forma de attestação reconhecida e
materialmente apreciável, e essa confiança é illudida pela
fabricação de uma forma o au-thentica ou pela alteração
de uma forma authentica. Nada disto se no perjúrio. A
forma é verdadeira e não falsificada; é somente o conteúdo
que converte o juramento em perjúrio. D'ahi segue-se que
os crimes concernentes ao juramento não encontram o seu
verdadeiro logar ao lado da moeda falsa e da falsificação
de documentos, e que, portanto, não pertencem aos crimes
de falsidade.
Accresce uma outra consideração. O legislador não
protege a forma do juramento em si ou a forma que lhe é
equiparada; pune o perjúrio, quando o juramento é
prestado ante o juiz ou autoridade competente para tomal-
o. Assim nos é dada a verdadeira concepção systematica
dos crimes concernentes ao juramento: elles dirigem-se
contra a administração publica em geral, e contra a admi-
nistração da justiça em especial, quando esta toma para
base de suas decisões declarações solemnemente
affirmadas. Com effeito, taes crimes compromettem a
administração publica com relação á exactidão material de
suas decisões, ou apresentam-se como offensa da
administração publica no seu direito a declarações
conforme á verdade por parte das pessoas que lhe são
sujeitas. Esta concepção leva-nos logicamente a exigir do
legislador que sujeite também a penas a declaração falsa
não jurada, e que, partindo desta, como caso normal,
considere somente como circumstancia aggravante a
declaração falsa reforçada pelo juramento. Mas d'est'arte
desapparece do systema da nossa parte especial o grupo
independente dos «crimes concernentes ao juramento» (
2
).
) Mantemos pois a concepção já enunciada em 1877 em
pposição á opinião dominante. Resolutamente seguem-na Lauter-
T. II **
êlá TBATADO DE DTBBTTO PENAL
§ 179.— O direito vigente
0 C. p. regulou de um modo completo a matéria
dos crimes concernentes ao juramento. D'ahi| segue-se
que as disposições das legislações terri-| toriaes sobre a
criminalidade da falsa declaração o jurada deixaram
de vigorar (§ 19). I I.— Espécies.
1." O perjúrio propriamente dito da-se, quando
alguém (e não simplesmente como parte em um
processo civil) presta scientemente um juramento
burger, 142, o Stooss, Grundziigc, 2.°, 447. Também acceitam-na
quanto ao essencial Geyer, 2.°, 165, Hãlschner, 2.°, 904, John, 280,
ning, 131, Merfcel, 406, Olsbausen, 9, cap. 1." (contra v. Meyer, 957).
Beguem-na o cod. húngaro e o ítal., e os projectos austríacos. Si o
depoimento falso deve ser concebido como delicto contra a adminis-
tração da justiça ou como delicto contra a administração em geral é
questão de pouca Importância. (°)
(°) Também confórmasse plenamente com a doutrina do texto o
projecto do O. p. suisso, que entre os « delictos contra a administração
da justiça» contempla as «falsas declarações em juizo » (art. 171). No
seu commentario, diz Stooss: «as declarações feitas em juizo, quer
emanem de uma parto, ou de uma testemunha ou de um perito, devem
ser punidas, não por causa de sua aolemnidade ou do juramento que o»
corrobore, mas porque são próprias a impedir ao juiz o descobrimento
da verdade. E' pois como fonte de convicção para o juiz que a
declaração em juizo merece a protecção da lei penal. Além do que em
muitos cantões, o juramento que confirma declarações feitas em juizo
foi supprimido, e a Const. fed., considerando que o juramento é um acto
religioso, concede a qualquer pessoa o direito de não prestal-o, sem
resultar prejuízo para quem o recusa. Nada obstante, o delinquente
merece uma repressão mais severa, quando em uma forma solemne
affirma ou confirma a sinceridade de sua declaração, e sobretudo
quando apoia essa affirmaçSo com um juramento ou um voto. As
considerações que precedem justificam a classificação de taes infracções
entre os delictos contra a administração da justiça ». N. do trad.
DEPOIMENTO FALSO
515
falso, quer o juramento lhe tenha sido deferido, referido ou
exigido ex-officio (art. 153). Pena: reclusão até 10 annos. O
conceito do perjúrio exige pois: a) um juramento prestado
em processo civil ou em outro, qualquer que seja a espécie
a que o juramento pertença. Que o processo corra perante
uma autoridade do paiz ou do estrangeiro 6 cir-cumstancia
indifferente, uma vez que o juramento seja prestado no paiz
(*). A invocação da divindade, como testemunha da
verdade, é indispensável á idéa do juramento; mas a forma
da invocação não tem influencia (
1
). Assim a omissão das
solemnidades usuaes ou prescriptas pela lei, quiçá a
mudança ou troca das formulas adoptadas pelas confissões,
não aílecta a criminalidade (
b
).
(") Sobre o juramento deferido ou referido vêr o C. do pr. civ. ali.,
art. 410 e seg. Gomo o art. 168 do O. p. trata somente do Juramento
ddeferido, referido ou ex-officio exigido», exclue o juramento extrajudicial,
pois aquellas expressões technicas designam o Juramento prestado em
um processo regular. — Por sua natureza o juramento deferido ou
referido suppõe um processo contradictorio ; a legislação actual só o
admitte nos processos civis. Por juramento imposto ex-officio entende-
se o que a autoridade pode exigir ex vi legis. Este ultimo juramento não
requer necessariamente um processo contradiotorio, basta um processo
legalmente ordenado, em que caiba A autoridade processante a
attribuição de exigir da parte que preste juramento. Tamm não 6
necessário que o juramento seja exigido por um tribunal, pôde sel-o por
qualquer outra autoridade que para tanto esteja auto-risada, e neste
numero comprehendem-se até autoridades estrangeiras, como, por
exemplo, os cônsules, quando a legislação do respectivo Estado permitte
a imposição de juramento (Olshausen). N. do trad.
(') O não emprego da palavra «juro» não impede pois que se
perjúrio. O mesmo póde-se dizer da suppressão da clausula «assim Deus
me ajude». Contra, Hãlsehner, 2, 907, Olshausen, \ 158, 1.
(•>) O do C. pr. civil (art. 444) e o O. do pr. p. (art. 62, e 288)
prescrevem a formula do juramento quanto ás palavras pelas quaes
516
TRATADO DE DIREITO PENAL
0 juramento deve ser «deferido, referido ou in-
posto ex-ojjkioti. Por estas palavras a lei reconhece j ser
necessário que a autoridade que toma o juramento tenha
em geral competência para tomal-o, e que nas causas de
natureza da que se trata o juramento seja permittido.
Não são porém neeessarias a competência da autoridade
e a admissibilidade do juramento no caso dado (°). Por
isso o individuo declarado por sentença incapaz de jurar
pôde fazer-se culpado de perjúrio. Nao assim quanto
aos menores relativamente ao juramento, pois a estes,
segundo o pensamento do legislador, falta
completamente a comprehensâo da importância do
juramento e portanto a capacidade para prestar um
juramento que tenha valor sob o ponto de vista do
direito penal (
2
) (
d
).
deve começar o acabar («juro perante Deus omnipotente e omnisciente...
Assim Deus me ajude»). Vêr também o art. 442 daquelle cod. e o art. 59
deste sobre a advertência relativa á importância do juramento. O
juramento é prestado, repetindo-sc ou lendo-se a formula que contem o
teor do juramento, levantada a mão direita durante o acto. N. do I trad.
(
c
) O juramento, a que se refere o art. 153, suppõe o concurso de
um autoridade competente em geral (in abstracto): si falta-lhe com-
tencia para dirigir um processo da natureza daquelle de que se trata ou
para em processo de tal natureza tomar um dos juramentos designados
naquelle artigo, não ha juramento prestado no sentido do C. p Não é
porém necessária a competência in concreto, isto é, não se faz |
mister que a autoridade seja competente para conhecer do processo
caso dado ou para n'elle admittir o juramento em questão. N.
trad.
(') Egualmente Hãlschner, 2.°, 910, bem como em geral a opinião
commum, especialmente a dec. do Trib. do Imp. de 26 de Março | de 81,
4.°, 32. Contra, John, 282, v. Meyer, 961, Olshausen, | 168, 8. j
(*) São absolutamente incapazes de jurar os menores de 16 annos
(C. do pr. p., art. 56, C. do pr. civ., art. 358, 1,485, 2). Segundp_£
Olshausen, a questão de saber si um menor de 16 annos, admittido jurar,
pôde commetter o crime de perjúrio, dependi; de ter ou nfio <T1
DEPOIMENTO FALSO
517
0 juramento pactuado entre as partes como
transacção não pôde ser considerado deferido, referido ou
imposto ; deve pois ficar impune o perjúrio a que der logar
tal juramento, ainda quando elle tenha sido tomado pelo
juiz (
3
). Que isto revele uma lamentável lacuna na nossa
legislação é tanto menos sustentável, quanto o Estado não
tem o mínimo interesse em facilitar esses juramentos con-
tractuaes.
b) A falsidade do facto attestado sob juramento.
No juramento de credulitate o facto consiste na
convicção da verdade daquillo que se jura; o jura-
menor o critério necessário para compreheiíder a criminalidade do juramento
falso que prestara. Hãlschner entende, pelo contrario, que a lei declara o menor
de 16 annos, com relação ao perjúrio, incapaz de imputação, e assim resolveu
negativamente a questão da existencia ou não existencia do critério
necessário.— Os perjuros incorrem na perda da capacidade de servir de
testemunha ou de perito sou juramento (art. 161 do C. p.) A questão de saber si
o individuo, condem nud o a esta pena e, apezar disto, admittido a jurar como
testemunha ou perito, pode commetter o crime de perjúrio, tem sido resolvida
pela affirmativa. « O art. 161 do C. p., diz Dochow, dá apenas uma in-strucção
ao juiz no sentido de não mais ou vir o perjuro como testemunha juramentada;
o perjuro mesmo não ficou por isso desobrigado do seu dever de dar
testemunho. Isto procede também quanto ao perito. O dever de dar
testemunho, isto é, de fazer declarações no sentido da lei e de corroborar a
verdade d'cilas com o juramento não fica extincto pelo facto da audiência nem
pelo juramento que leve logar por um equivoco do juiz ou — o que raramente
succederá — apezar do conhecimento da razão da incapacidade.» N. do trad.
(3) Egualmente a dec. do Trib. do Imp. de 8 de Outubro de 81, 5.°, 94;
Berner. 338, Geyer, 2.°. 157, v. Meyer, 903, Olshausen, § 153 10; contra,
Fuchs, GA, 30.°, 340, Hãlschner, 2.°, 912, v. Schwartze, GS, 34.°, 52. Aquella
decisão deu occa^iâo a uma proposta da Saxonia ao Bundesrat (impressa na
Z., 2.°, 401). Ver também os trabalhos do 17.° cong. dos jur. ali. (1884), e
especialmente os relatórios de Stockel Daud e Hagemann, que se pronunciam
contra a doutrina do texto
518
TRATADO DE DIREITO PENAL
mento de credulitate é portanto falso, quando quem jura
não tem tal convicção. Fixado o thema ou teor do
juramento, a questão de saber si o juramento cor-
responde á realidade resolve-se somente segundo a letra
do teor jurado, sem que se possa distinguir entre as
partes essenciaes e as não essenciaes. O credor, a quem
o empréstimo de 1.000 marcos foi restituído a 12 de
Janeiro, não commette perjúrio, jurando que não
recebera o dinheiro a 13 de Janeiro (
e
).
c) A consciência, por parte de quem jura, da
falsidade do facto attestado sob juramento. Conse-
quentemente, no juramento de credulitate, quem o
presta deve ter consciência de não estar convencido da
verdade daquillo que jura. Também aqui basta
(°) O juramento de credulitate (Qlaubenseid), no sentido em que o autor
emprega esta expressão, tem por objecto, não a asseveração de factos, mas a
afirmação de um juizo ou convicção. Uma das mais notáveis applicações deste
juramento no direito allemão encontra-se no art. 224 do O. do pr. civ., segundo
o qual, quando não se trata de factos pessoaes ou de que tenha conhecimento
pessoal a parte a quem é deferido o juramento, este deve ser prestado nos
seguintes termos: —«que, apóz verificação e investigações escrupulosas, a parte
adquirio a convicção de ser o facto verdadeiro ou não verdadeiro.» Neste caso,
prescindindo-se da verdade da aifirinação quanto á investigação e ao exame do
facto, a falsidade do juramento pode consistir na não conformidade entre o
juizo enunciado e a convicção de quem jurou. Não assim quanto ao juramento
de veritate. Pouco importa então a convicção de quem prestou o juramento.
«Não se perjúrio nem tentado, nem consummado, quando o depoente tem
por falso um facto verdadeiro, e, apezar de sua convicção, jura a verdade do
mesmo facto. Segundo a sua convicção, a testemunha vio A, mas de um modo
scien-temente falso assegura ter visto B, e entretanto foi na verdade B quem ella
vio». A declaração deve ser objectivamente falsa. Para decidir-se pois si um
juramento é falso, o que cumpre ter sobretudo em vista é o «thema ou teor do
juramento» (EulesnaU, Eidesnorni). N. do trad.
DEPOIMENTO FAXBO 619
0 dolo indeterminado. Não se faz mister, além do
dolo, a intenção de prejudicar (
f
).
d) O perjúrio consumma-se com a terminação! do
acto do juramento; a tentativa data do seu começo (
e
).
1 2.° — O perjúrio da testemunha dá-se, quando
alguém, perante autoridade competente para tomar
juramento^ confirma scientemente um falso teste
munho ou um falso relatório com juramento, ou
viola scientemente, por um falso testemunho ou por
um falso relatório, o juramento prestado antes das
suas declarações (art. 154).
A lei exige pois:
a) um testemunfw ou um relario confirmado com
juramento. Ao relatório equipara-se a traducção feita
por interprete. As respostas as perguntas ad gmeralia
(ou sobre relações e circunstancias pes-soaes) estão
naquelle caso, quando o protesto dei dizer a verdade a
ellas se estende (e isto decide-se segundo a redacção da
formula do juramento). E'| circumstancia indifferente
que o juramento tenha sido prestado antes ou depois
(
b
).
(
r
) No crime de perjúrio o dolo consiste em que o perjuro faz| de fé,
isto é, conscientemente, uma declaração falsa. Esse dolo, diz Dochow, pôde
comprehender ainda outras circumstancias, por ex., a| intenção de prejudicar,
de enganar etc.; mas taes circumstancias não entram na definição do perjúrio, e
somente devem ser tomadas em consideração para a graduação da pena». ST.
do trad.
(B) A tentativa de perjúrio dá-se com o começo da prestação do ju-
ramento. Todos os actos anteriores são preparatórios e não constituem começo
de execução, taes como a aceitação do juramento, o comparecimento em juieo
para prestal-o, a declaração da testemunha de estar prompta a jurar, mesmo o
facto de levantar a mão (Olsnausen). N. do trad.
(
h
) Os allemães denominam Oeneral^und Personalfragen as perguntas
que, antes do depoimento, devem ser feitas a testemunhal sobre a sua
qualificação e as suas relações com o aceusado ou com as
TRATADO DE DIREITO PENAL
b) A falsidade do testemunho ou do relatório] A
falsidade pôde consistir na suppressão de factos
essenciaes. E' pois fora de duvida que o perjúrio em
questão pôde dar-se por omissão de factos; mas
também aqui a criminalidade da omissão depende da
obrigação de agir. O silencio a respeito de factos é
punível, quando ha a obrigação de declaral-os, e esta
obrigação, independentemente dfi expressa
interrogação sobre os factos, existe para a teste?
munha, pois que lhe incumbe dizer plenamente a
verdade (').
c) O dolo da pessoa que jura (acima I c).
ã) A consummação opera-se com a conclusão do
depoimento verbal ou escripto (
4
), o qual deve ser
considerado como uma unidade; a tentativa punível
data do começo do depoimento. Deve-se admittir
também a existencia de tentativa, quando o agente tem
por falsos os factos objectivamente verdadeiros que
jura.
Penas : reclusão até 10 annos. Si o falso tes-
temunho é dado em causa criminal e em prejuízo
partes, o outras «circumstancias próprias a esclarecer o juiz a respeito
do grau de confiança que as declarações da testemunha merecem » (C.
do pr. civ., art. 860, C. do pr. p., art. 67). Como a testemunha qualifica-
se e «diz aos costumes» antes de jurar, surge a questão de saber si
incorre em perjúrio por inexactidões que se contenham nesta parte de
suas declarações. O perito é sempre juramentado antes de dar o seu
parecer, a testemunha o é em regra antes de depor, mas a lei autorisa
em certos casos o juramental-a posteriormente (C. do pr. civ., arts. 356
e 357, G. p., arts. 60 e 61). N. do trad.
(') A testemunha jura «dizer conscienciosamente a verdade pura,
toda a verdade e somente a verdade» (juramento promissório)! ou «ter
dito conscienciosamente a verdade pura, toda a verdade e| somente a
verdade» (juramento assertorio ; C. pr. p., art. 61, C. doj pr. civ., art.
859). N. do trad.
(*) Não diz o contrario a dec. do Trib. do Imp. de 21 de Abril de
92, 23.°, 86.
520
DEPOIMENTO FALSO
521
do accusado (expressão que não deve ser tomada no
sentido technico do Cod. do pr. penal) (
J
), sendo este
condemnado á pena de morte, ou de reclusão ou a outra
pena privativa da liberdade, superior a 5 annos, reclusão
por tempo não inferior a 3 annos. Não é necessário que
haja relação causal entre o testemunho e a condemnação;
também não é necessário oue se culpa (dolo ou culpa
propriamente dita) do agente em relação á condemnação,
porquanto esta é uma condição de punibilidade. Si o dolo
tendia a provocar a condemnação á morte do accusado e
este foi, em razão do testemunho falso, condemnado e
executado, -se assassinato ou homicidio. Deve-se
admittir a existencia de tentativa, quando o testemunho
ficou incompleto, mas teve logar a condemnação do
accusado (
6
).
3.° Casos equiparados ao perjúrio (art. 155): d) o falso
testemunho do membro de uma sociedade religiosa, a que
a lei (o direito estadual) permitte o emprego, em logar do
juramento, de certas formulas solemnes de asseveração,
quando o depoimento é dado sob a formula adoptada pela
respectiva communhão;
b) o falso testemunho de uma i parte, testemunha ou
perito sob a do juramento anteriormente prestado no
mesmo negocio (e não em outro que se ache
processualmente ligado com o actual) ;
c) o falso testemunho do perito sob a do
[juramento anteriormente prestado para o exercício do
seu officio.
d) o falso testemunho do funccionario (C. p.,
art. 359; acima § 176), sob a do juramento
prestado para o exercício do seu emprego.
Penas, as dos ns. 1 e 2.
(j) Ver o art. 165 do C. do pr. p. N. do trad.
(
5
) Ver o $ 46, nota 0. Contra, Olshausen, g 154. 13.
522
TRATADO DE DIREITO PENAL
4.°— Fazer scientemente uma falsa affirmação
substitutiva do juramento perante autoridade que tenha
competência para receber taes affirinações, ou dar
scientemente um testemunho falso, referíndose a uma
affirmação desta natureza (art. 166) (
k
). A competência
da autoridade deve referir-se em geral ao recebimento
de affirmações substitutivas do juramento. Si no caso
dado a affirmação çra ou não admissível, e si esta foi
feita sem requisição ou officialmente requisitada, são
circumstancias indif-ícrentes. A affirmação deve ser
feita á autoridade verbalmente ou por escripto; mas não
é necessário que o seja na presença da autoridade.
Pena, encarceramento de um mez até 3 annos.
5.° A falsidade culposa em sentido amplo, isto
é, o culposo commettimento de um dos actos
enumerados sob os as. 1 a 4 (art. 163). Aqui faz-se
mister: «) a falsidade do facto declarado; ò) a
ignorância da falsidade por parte de quem depõe; c) a
ignorância deve ser devida á culpa, deve ter sido
possível evital-a, si o culpado appli-casse o cuidado
que lhe cumpria ter (
6
).
D'ahi segue-se que um juramento de credulitate
culposo é juridicamente impossível; porquanto o que
constituo o seu conteúdo é a convicção de
(
k
) EidesstaUliche Versicherung ou Versicherung an J5idesstatt\
(affirmação substitutiva do juramento) é uma forma menos solemne de
asseverar a verdade de uma declaração. A questão de saber em que oasos deve
ser prestado o juramento ou basta o compromisso de dizer a verdade « em logar
do juramento » resolve-se segundo o direito particular (Dochow, HE, 1.», 614,
HH, 3.°, 238). N. do trad.
(") No caso do art. 166 a culpa pôde também consistir emv ignorar
o agente que o escripto por elle assignado continba uma affirmação
substitutiva do juramento, tendo elle, entretanto, conhecimento da falsidade do
facto affirmado. Dec. do Trib. do Imp. de 5 de Dezembro de 90, 21.°, 198.
Vêr \ 41, v.
DEPOIMENTO FALSO 523
quem jura a respeito da verdade do facto a verificar. Si
essa convicção existe, o juramento corresponde á verdade,
embora o facto não seja verda* deiro; si não existe, dá-se
um perjúrio consciente, ainda que o facto seja verdadeiro
(
7
).
No juramento de credulitate, reforçado por esta
clausula —« depois de cuidadoso exame e informação »,
é
#
posBÍvel uma falsidade culposa em relação, o á
convicção, e sim a esta mesma clausula; mas neste caso o
juramento de credulitate conver-te-se em juramento de
veritate.
Pena, encarceramento até um anno.
6.° — Ao passo que a instigação não seguida de
effeito é em geral isenta de pena 52, nota 4), o art. 169
do C. p. qualifica o facto de emprehen-der-se seduzir
outrem a dar um falso testemunho (subornaMo testium no
direito romano e no direito commum), como delicto sui
generis, no qual, portanto, pôde dar-se cumplicidade
punível. Sobre a idéa de seducção ver o § 51, nota 3. A
expressão emprehender, indo muito além da idéa de
tentativa, comprehende também os actos preparatórios (
8
).
Por isso mesmo não é admissível a tentativa de
emprehender seduzir, pois apresentar-se-hia como
tentativa de tentativa, ou como tentativa de acto
preparatório (§ 45, nota 9). Pela mesma razão
C) Vôr v. Liszt, Falaohe Aussage, 61. De accordo a deo. do Trib. do
Imp. de 21 de Abril de 82, 6.°, 205, e 27 de Fevereiro de 86, 12.°, 68. Contra,
a dec. de 7 de Outubro de 82, 7.°, 186, bem como Geyer, 2.°, 160, v. Meyer,
973, Olshausen, \ 163, 8 (mas este reconhece que em regra dar-se-ha perjúrio
consciente).
(
8
) De accordo a dec. do Trib. do Imp. de 4 de Junho de 83, 8.°, 364,
Góbel, 11, Hãlschner, 2.°, 926, Olshausen, \ 169, 8, e em geral a opinião
commum. Contra, Berner, 132, v. Meyer, e especialmente Harburger, 358.
Vêr quanto ao mais o § 46, nota 2.», e o 3 164, nota 7."
524 _TOATADO_^
1
D^^râõa^^AL
deve-se também considerar excluída a possibilidade
de que a desistência da tentativa exima de pena
(§ 48, nota 5). I
A provocação feita a B para seduzir C a dar um
falso testemunho deve ser considerada como seducção
mediatamente emprehendída contra C e portanto é
punivel nos termos do art. 159, quer B corresponda,
quer não, á provocação (mallograda) (
9
). Si, em razão
de uma seducção immediata ou mediata, realisa-se o
falso testemunho, dá-se instigação, e não o caso do art.
159.
Penas :
a) tratando-se de perjúrio ou de algum caso a elle
equiparado, reclusão até 5 annos;
b) tratando-se de falsa affirmação substitutiva de
juramento, encarceramento até um anno.
M 7." O facto de seduzir outrem a dar um
testemunho (objectivamente) falso (o dolo deve existir
em quem seduz e faltar em quem jura) foi convertido
egualmente em delicto sui generis pela legislação
imperial, com violação das regras sobre a autoria
mediata (§ 50, nota 2.
a
). Assim a lei favorece, de um
modo tão absurdo theorica quanto praticamente, a
provocação do falso testemunho (
10
). Mas, uma vez que
tal ó a lei, o ari_JL60 do C. p.|
(*) Neste sentido v. Liszt, 186; egualmente a dec. do Trib. do
Inip. de 9 de Novembro de 80, 3.°, 26, Hálschner, 2.°, 928, Olshausen,
2 169, 7. Contra, Geyer, 2.°, 160, e Z. 2.°, 310, Harburger, 358, v.
Meyer, 970, Suhmitz, GS, 47.°, 40 (que admittem instigação no caso
do art. 159).
(
10
) Vèr v. Liszt, 188. De accordo Berner, 425, Hálschner, 2.°,
930, Kõnlor, 1.°, 128 e Patentrecht, 526, Merkel, 407, v. Meyer, j 870.
Contra, Borchert, Verantwortlichkeit, 106, Gôbel, 16, ssmeryV
Miitelbare Thãterschaft, 66, Sehultze, Die Verléitung zuni falschenl
JEide, 1870, Voigt, G A, 28.°, 222. Mas Gôbel, ao menos, concede]
que as cominínações do art. 160 foram mal escolhidas.
DEPOIMENTO FALSO 525
deve ser também applicavel, quando quem jura
procede culposamente ("). A ia de seducção exige
que se determine outrem <t prentar juramento.
0 art. 160 não tem pois applieação, qnando A,
por meio de artifício, suscita em B, js't resolvido a
1 depor, um erro sobre o facto a depor.
Penas: a) na seducç^o para jurar falso, eneá
eeramento áté 2 annos e facultativamente perda
doe direitofe cívicos; 6) na sedueçao para a falsa
aflirmaçfto substitutiva do juramento, encarceramento
até 6 mexes.
A tentativa e punível. A consummaçfto só se
com o juramento efectivamente prestado. A cum-
plicidade (instigação e assistência) é punível (').
II. — Puniçfto.
1." No testemunho falso e doloso da teste-
munha ou do perito, a lei (art. 157). tendo em
(») Kgoalment* a dec. do Trib. do Imp. do 2 de A .le 94, 25.°,
21*.
(*) O art. 189 pano o beto da emprehendi t- • luzir outrem
pan» Jurar falto «dentem
x—tm
•>rert«-
n
crin
•>* gmrri»;
a is:-ligação
illogrãda, pon
•oborwnde joaar
cri
mo do porjurio, o —to eaao
«dor aorA pautM
p!ic<-
n«t crim*
<*d* dm priocipgomo» • a» »* appli-
çação
tara o
art.
1S9. O
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p«i % eaiarçáVi do •Ores
pa
jur»r
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p
parto do aadoaido.
V.
do trad.
626 TRATADO DE DIREITO PENAL
attenção a situação de constrangimento moral por parte
de quem jura, reduz a pena incorrida (e que por isso
deve ser declarada na sentença) (
,2
) á metade, como
máximo, e a um quarto como minimo, devendo-se
converter a reclusão por tempo inferior a um anno em
prisão (§ 71, II, 1), nos seguintes casos:
a) quando a declaração da verdade pôde acarretar
contra o depoente um processo pôr crime ou( delicto (e
não por contravenção) Ç
3
);
b) quando o depoente fizer uma falsa declaração a
favor de pessoa a respeito da qual tenha o direito de
recusar o seu testemunho, não tendo sido advertido
d'esta circumstancia (
m
); I
2.° Tem cabimento a mesma reducção de pena
(art. 158), quando aquelle que se fez culpado de
perjúrio ou de falsa affirmaçâo substitutiva do
juramento retractar o seu depoimento perante a au-
toridade que o tomou, antes de ter sido o falso tes-
temunho denunciado, ou de ter-se inciado inquérito, e
de ter occorrido um prejuízo para outrem (
M
).
('•) Egualmente Doebow, H H, 3.°, 246, Geyer, 2.°, 159, |
Olsbausen, | 157, 2; contra a doe. do Trib. do Irap. de 28 de Julho de 84,
11.°, 42.
(") Si quem jura suppõe erroneamente dar-se o perigo de um
processo, esse erro nâo tem influencia; vôr v. Liszt, 244. De accordo
Geyer, 2.°, 159. Contra, v. Meyer, 965, nota 49, Olshausen, g 167, 9. J
A moderação da pena aproveita aqui (como no caso do art. 167, n. 2)
somente a pessoa que jura e não aos cúmplices; dec. do Trib. do Imp. de
29 de Julho de 91, 22.°, 106.
(
m
) Sobre as pessoas que podem recusar o seu testemunho em
juizo ver os arte. 61 a 66 do C. do pr. p. e arte. 348 a 850 do C. do pr.
civ. N. do trad.
(
14
) Quando occorrem vários casos do art. 167 ou quando são
applicaveis o art. 167 e 168 em relação ao mesmo testemunho falso,
tem cabimento uma só reducção da pena incorrida. Dec. do Trib. do
DEPOIMENTO FALSO
527
3.°—Se o falso testemunho é culposo (art. 153 a
156), a lei liga á retractação feita em tempo, dados os
requisitos mencionados sob o n. 2, o effeito de
circumstancia extinctiva de pena (art. 163, ai. 2).
4.°— Em toda condemnaçao em razão de perjúrio
(nos termos dos arts. 153 e 154, e não nos termos dos
arts. 159 e 160), não tendo cabimento a reducção da
pena nos termos do art. 157 ou 158, deve ser
(necessariamente) pronunciada a perda dos direitos
cívicos e, além d'isto, a incapacidade perpetua do
condemnado para jurar como testemunha ou perito
(art. 161, ai. 1). Esta disposição é também applicavel á
instigação para o perjúrio, mas não á tentativa (ez-vi
do art. 45) (
15
).
Nos casos dos arts. 146 a 159, pôde ser pro-
nunciada, accessoriamente á pena de encarceramento,
a perda dos direitos civiços (art. 161, ai. 2), uma vez
que a pena de encarceramento imposta attinja a 3
mezes (art. 32).
Imp. de 12 de Out. de 83, 9.°, 74. 6 prejuízo a accusação em razão de um
crime mais grave do que o crime de facto comtnettidp. Dec. do Trib. do Imp.
de 18 de Abril de 88, 17.", 807.
(•*) Egualmente a dec. do Trib. do Imp. de 12 de Nov. de 85, 18.°, 76;
Olshauser, ? 161, 1. Contra, Dochow, H H, 3.°, 249, Geyer, 2.°, 160, v.
Meyer, 967, Schõtze, 816, nota 23.
III CRIMES E DELICTOS CONTRA A ADMINIS-
TRAÇÃO DA JUSTIÇA
§ 180. — Da denuncia falsa
LITTEKATTJRA.—Kõstlvn, Monographias, 39; v. Bitri,
Monographias, 1862, 24.—Raspe, Das Verbrecken der Ca-\
himnia nach rim. Recht, 1872; Dochow, H H, 3.°, 253;
John, Z., l.°, 277; Herzog, G S, 37.', 81; Hess, Die\ Lehre
von der falschen Anschuldigung, diss., 1888; l-schner, 2.°,
875; Teichmann, Revista do direito suisso, nova rie, 9.°,
346; Gimther (em diversos togares); "We-gele, Zur
Geschichte der falschen Anschiddigung, 1892.
I. A collocação aystematica da denuncia falsa
offerece difficuldades especiaes. Conforme um 'F outro
d'entre os bens jurídicos, contra os quaes se dirige a
denuncia falsa, é posto no primeiro plano em razão da
conformação variável do processo penal, o crime em
questão muda de caracter: ora apparece como inducção da
justiça em erro, ora como calumnia qualificada, ora como
sério compromisso para a segurança jurídica do individuo.
Segundo o C. p. imp.,| que collocou no cap. 10 da 2." parte
a denuncia falsa entre os crimes concernentes ao juramento
e relativos á religião, e considera como essencial a
denuncia dada á autoridade, deve-se ter por decisivo o
primeiro dos alludidos pontos de vista,— o atten-tado
contra a administração da justiça, comquanto a
II
CRIMES CONTRA A A DMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA 529
disposição do art. 165 bem mostre a affinidade entre a
falsa denuncia e a calumnia ('). Importante con-
sequência d'esta concepção é que o consentimento
dado pelo denunciado não tem influencia.
II.— Segando o direito romano, a falsa accusa-
ção (qualificada por uma lei Remmia de 693 a. u., e
posteriormente pelo Senastus consultum Turpilia-num
do anuo 61 da era christã) entrava no numero dos três
crimes de que se podia fazer culpado o accusador.
Esses três crimes eram, segundo a 1. 1.°, § 1.°, D., 48,
16: 1 o calumniare (falsa crimina intenderej, 2.° a
prcevaricatio (vera crimina abscon-derej, 3 a
tergiversatio (omnino ab accusatione desis-terej. A pena,
desde o período imperial, era o talião ligado com a
infâmia. Além d'isto, a lex Cornélia de sicariis punia a
dolosa provocação de uma condem-nação em crime
capital.
As fontes da edade média mencionam relativa-
mente muitas vezes a falsa accusação, sem que,
todavia, a distinguisse de um modo bastante preciso,
de um lado, da calumnia, e do outro, da o
prosecução da accusação levantada, e não raro com-
minavam (tanto as leis barbaras como as compilações)
a pena de talião.
A Carolina no art. 110 trata somente do li-bello
difíamatorio 94). Mas a praxe do direito commum,
em relação com a generalisação e o aperfeiçoamento do
processo inquisitorial, estendeu as disposições desse
art. á denuncia falsa dada a uma autoridade, e
substituia-se ordinariamente o talião
\X\
(') Bgualmente Berner, 428, Binding, 1.°, 559, Dochow, H H, 8.°, 255,
Hâlschner, 2.°, 897, Hess, 8, Merkel, 408, Olshausen, 10.°, cap. 1, Stooss,
Gmndzúge, 2.°, 441, Toichmann, 358, v. "Wachter, 500, e especialmente a dec.
do Trib. do Imp. de 23 de Dez. de 92, 23.°, 871. Contra, Kessler, Q S, 38.°,
575, Lôning, 108, v. Meyer, 774.
T II
w
530 TRATADO DE DIREITO PENAL
(que ainda encontra-se no art. 1.431 do AUg. Land-
recht prussiano) por penas arbitrarias. na legislação
territorial cessou a ligação entre a denuncia falsa e o
libello famoso e converteu-se a denuncia falsa em
crime mi gen&ris, cuja verdadeira collo-j cação
systematica continua a ser discutida pelos criminalistas,
como d'antes (*).
III.—Segundo o C. p. (art. 164), o crime de que se
trata consiste em dar alguém denuncia a uma
autoridade, imputando a outrem de a pratica de
uma acção punivel ou a violação de um dever do cargo
ou do serviço.
A falsa accusação, como a palavra denuncia o
está mostrando, suppõe indubitavelmente a actividade
espontânea do denunciante («voluntariedade da
denuncia»); não está pois neste caso a declaração feita
por quem é interrogado como testemunha ou accusado.
Na apresentação de uma accusação privada pôde dar-se
denuncia no sentido da lei. a denuncia mesma, e
não o arranjo artificial de indícios ou a suppressão de
provas da defesa, incide na lei.
A accusação deve ser dirigida contra determinada
pessoa; a imputação feita a um individuo
(*) os motivos do C. p. de Braunschweig (citados por
Dochow, H H, 8.°, 256) haviam posto em evidencia que a falsa de-
nuncia não é uma espécie de injuria ou calumnia, ao envez da con-
cepção a que se inclinam o cod. francez, o belga, o austríaco etc. O fim
principal da falsa denuncia não é attentar contra a honra, mas «acarretar
ao innocente uma punição*. Convém notar sobretudo esta
circumstancia; ao passo que a injuria é um puro delicto privado, a| falsa
denuncia attenta immediatamente contra instituições do Estado, pois
justamente a instituição, que é destinada a proteger o direito, por ella se
converte em instrumento da injustiça. E' por ahi que se determina o
caracter próprio da falsa denuncia e se assignala especialmente a sua
criminalidade. N. do trad.
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
531
imaginário é tão isenta de pena quanto a falsa denuncia da
própria pessoa. A accusação deve ter também por objecto
um facto determinado; não bastam accusações vagas. O
acto delictuoso, objecto da accusação, deve ter todos os
caracteres do de-licto em questão. Si, conforme o teor da
denuncia, falta a illegalidade necessária do facto, a
imputabi-lidade ou a culpa do accusado ou uma condição
de punibilidade; si, por exemplo, alguém é accusado de ter
morto a outrem em legitima defesa ou em estado de
completa embriaguez, não é appli cavei o art. 164; mas
neste caso pôde dar-se injuria. O mesmo deve-se admittir,
quando o direito de punir esextincto por occorrer uma
circumstancia extin-ctiva de pena (prescripcão, perdão
etc.), ou uma circumstancia justificativa pessoal (furto
entre cônjuges) ou por faltar um requisito processual, uma
vez que isto decorra do conteúdo da denuncia; pois em
todos estes casos não pôde ter logar o procedimento
criminal (
2
).
A accusação deve ser objectivamente falsa, isto é,
deve estar em contradicção com os factos. Também a
alteração ou a suppressão de circumstancias, quando muda
essencialmente a importância do facto, torna falsa a
accusação.
A accusação deve outrosim ser falsa subjectiva-
mente, isto é, o denunciante deve saber que a denuncia está
em contradicção com os factos. O denunciante deve
proceder dolosamente, isto é, deve ter a consciência de que
a sua denuncia provocará um procedimento criminal ou um
processo disciplinar. O dolo indeterminado (eventual)
basta neste, como nos outros casos 38, nota 6.
B
). Não é
ne-
(») Egualmente no essencial v. Meyer, 775, Olshausen, \ 164,9, o
especialmente as doe. do Trib. do Imp. de 27 de Set. de 90, 21?, 101 de 23 de
Dez. de 92, 23?, 371,
532 TBlTADO DE DIREITO PENAL
cessaria uma intenção que além do dolo; a falsa
accusação não deixa de ser criminosa, porque o fim í
ultimo do denunciante é desviar a suspeita que se levanta
contra a sua pessoa ou obter a revogação da sentença
contra elle proferida. Si a denuncia é dada de boa fé, mas
posteriormente o denunciante convenceu-se da falsidade
delia (mala fides super-\ veniens), não pôde ser punido
em virtude do art. 164 do C. p., porquanto a
consummação do Slelicto ope-rou-se com a apresentação
da denuncia á autoridade ;j mas o procedimento do
denunciante posterior á apresentação da denuncia pôde
ser punivel sob um outro ponto de vista, por exemplo,
como falso tes-j temunho.
Penas : encarceramento por tempo não inferior a
um mez e facultativamente perda dos direitos cívicos.
No caso de condemnação do denunciante, o art. 165,
ai. 1, permitte, não como pena acces-soria, mas como
satisfação privada 58, nota 3) : 1.° que o tribunal
autorise o oífendido a publicar a sentença á custa do
condemnado (o modo da condemnaçâo e o prazo em
que esta se fará serão determinados na sentença) ; 2.°
que seja entregue ao oífendido uma copia da sentença
á custa do condemnado.
Não pode proseguir o processo que tem por
objecto a falsa accusação, emquanto o processo ini
ciado e o respectivo julgamento estiverem pendente)
(art. 164, ai. 2). r
§ 181.—II. Favorecimento e receptação
LITTEBATURA.— Vêr as obras citadas no § 146, e mais
Samuely, GS, 32.°, 1; Herzog, GA, 29, 112 e GS, 34.°, 81;
Waldthausen, GA, 29.°, 375; v. Bari, Zur\ Lehre von der
Teilmhme am Verbrecheik unã der JBegiins-tigwng, 1860, bem
como Beibràge, 31 (1877); Geyer,
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA 633
HH, 2.", 417, 4.°, 170; Merkel, HH, 3.°, 735, 4.°, 419 :
Halscbner, 2.°, 859; v. Meyer, 301.— Stenglein, Z., 4.°,
497 ; Kõhler, Stuãien, 1.°, 154 ; Nieland, IJeber Ziisam-
mentreffen von Begunstigung mit Tlnahme, diss. 1892.
Brunner, 2.°, 575 ; LonÍDg, Z, 5.°, 549; Gúnther, 1.», 236.
I. — O favorecimento desprendeu-se a pouco e pouco
da idéa da cumplicidade 49, III, 2). Ao passo gue o
direito romano posterior converteu o crimen receptatorum
em crime mi generis, que devia ser punido extra-ordinem,
a edade media al-lemã, desde as leis barbaras até o século
XVI, entendera que o homisio do delinquente fugitivo, e
sobretudo do proscripto, devia ser considerado como
cumplicidade no crime e punido com a mesma pena
applicavel ao autor. A Carolina e o direito com-niuni que
nella se estribava adoptaram em geral o mesmo ponto de
vista, comquanto muitas vezes (Carpsov, Kress, Bohnier e
outros, com cuja opinião conformaram-se o direito
prussiano de 1620 e o austríaco de 1768) o favorecimento
fosse concebido como delicto independente. A nova
sciencia, acompanhando Feuerbach, considerou ás mais
das vezes o favorecimento como cumplicidade po&t-
facium, e a legislação dos nossos dias lhe restituio a sua
posição independente, sem que, todavia, tal doutrina
encontrasse na sciencia geral aceitação. Entretanto esta
concepção, também aceita pelo C. p. imp. em opposiçâo ao
cod. prussiano, é a única que corresponde á natureza intima
do crime em questão (
a
).
(*) A antiga duittrinu, que cuutebia o favorecimento cuuio concurso
aubaeguens nd deliciam, foi abandonada polo C. p. ali., visto como esto
converteu o favorecimento cm crime mi generis o colloeou-o na parte especial,
maa ao mesmo tempo obscureceu a sua noção, ligando-o á receptação. A
natureza do favorecimento continua a ser objecto de controvérsia entre os
criminalistas. Segundo Meyer, Scbútze e especialmente Villnow
{favorecimento da culpa), o favorecimento é uma espécie de cumplicidade.
Mcrkol nclle vê uma «forma
534 TRATADO DE DIREITO PENAL
II. — Nas suas duas fórmas, isto é, como se-
gurança pessoal (segurar o culpado contra a punição),
<* como segurança real (segurar o proveito obtido pelo
crime), o favorecimento apresenta-se como embaraço
opposto á administração da justiça publica.
de culpa» tão geral como a cumplicidade, pois o favorecimento pode
dar-ee a respeito de todos oa crimes, e por isso o oolloca na parte geral
do systema. Os fautores ou favorecedores do crime e os mplices, diz
elle, são culpados em relação á mesma violação do direito, mas cora
esta differença: que estes dão origem á lesão e aquelles ajudam a mantel-
a. Por sua natureza o favorecimento não tem relação mais immediata
com o furto e a burla do que com qualquer outro delicto. A ligação
exterior, em que o favorecimento foi posto pelo Cod. com estes
delictos, oceulta, em vez de deixar sobresahir, a característica desta
«forma de culpa*. Não ha razão plausível para o contem-plar-se o
favorecimento na parte geral do cod. O o ser o favorecimento uma
espécie de cumplicidade não é razão para isto. Para a doutrina contraria
encontra-se um irrecusável fundamento na relação geral do
favorecimento para com as diversas espécies de delicto ô a sua
dependência do crime a que se segue ; pois a parte geral tem por fim
regular relações geraes deste nero (HH, 8, 785). A opinião
predominante porém é a do texto. Oeyer, por exemplo, assim as-signala
a distineção entre o favorecimento e a cumplicidade. «A idéa do
favorecimento está em uma intima relação com a da cumplicidade, mas
ao passo que se deve designar esta como concurso intencional, para a
origem de um crime, o favorccimerfto é uma reacção intencional contra
os effeitos jurídicos do crime. Si a cumplicidade promove o mal, que
constituo o facto delictuoso, o favorecimento, pelo contrario, promove a
continuação do mal originado, actuando para que a reparação
criminal não se siga (subtrae o culpado á acção criminal ou á execução
da pena) ou para que se frustre a reparação civil (assegura ao culpado o
proveito tirado do crime)». E d'ahi concluo que* a verdadeira collocação
do favorecimento é entre os «crimes contra a administração da justiça»
(HH, 2, 170). No nosso direito ha uma notável lacuna no tocante ao
favorecimento, com o qual a lei não se oceupa na parte geral nem na
especial (salva a hypothese especial do art. 21 | 4 do O. p.), lacuna que
os proj. 1? e 2? não preenchem. N. do trad.
V
CRIMES CONTRA Ã ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA 635
Quer, como favorecimento pessoal, estorve a justiça
criminal, quer, como favorecimento real, tente tornar
impossivel a reparação civil, o favorecimento impede
seguirem-se os effeitos jurídicos que o Estado liga á
pratica do crime ou do delicto. Determina-se assim a
collocação do crime em questão no systema da parte
especial. O favorecimento não é cumplicidade
no
t
crime commettido, porque não concorreu com uma
condição para o resultado que se pro-duzio ; com a
receptação real, que é crime puramente patrimonial,
nada tem, em these, de commum. No nosso direito
vigente o favorecimento foi posto em ligação com a
receptação real pela infeliz idéa intermediaria da
receptação pessoal (C. p., art. 258) Ç) (
b
).
(*) A mesma doutrina no essencial é defendida por Binding,
Normen, 2.°, 468 e 666, Gretener, 99, Hãlscnner, 2.°, 864, Lõning,
132, Stooss, Ortmdzuge, 1.°, 250, Villnow, 62, Geyer, Merkel, Herzog,
eod. I. Muito positivamente a aceita a dec. do Trib. do Imp. de 18 de
Fev. de 90, 2.°, 238 («attentado contra a administração da justiça»). Esta
doutrina hoje dominante tem por autor v. Buri (1860); mas, comquanto
elle defina o favorecimento de accordo com o texto, como «manutenção
de uma situação actual e il legal produzida por uma acção punivel,»
esquece todavia fl.°) a differença intima entre o favorecimento e a
receptação real, e (2.°) a impossibilidade de conceber-se uma e outra
como modalidades da cumplicidade; v. Meyer, pelo contrario, considera
o favorecimento como cumplicidade. Binding, Gretener e Olsbausen
pretendem separar completamente o favorecimento pessoal e o real e
incluir este entre os crimes contra o património. Hálschner entende que
a receptação real é também crime contra a administração da justiça.
(
b
) No art. 267 o C. p. qualifica o favorecimento sob as suas
duas rmas, pessoal (subtrahir o culpado á punição) e real (segurar os
proventos do crime). Quando a assistência do favorecedor é prestada
por interesse próprio, as penas são aggravadas. O art. 269 define a re-
ceptação real (vôr o § 146 deste tratado). No art. 258 o legislador
procurou combinar as duas figuras, definindo o crime denominado
636 TRATADO Í>E DISEITO PENAL
III. — Segundo o art. 257 do 0. p., dá-ae fa-l
vorecimento, quando alguém, depois da perpetração de
um crime ou delicto, presta scientemente assistência ao
autor ou cúmplice para subtrahil-o á punição ou para
assegurar-lhe os proveitos resultantes do crime ou
delicto. (
2
)
1.°—a) Assim o favorecimento suppõe primeira-
mente a existencia de um crime ou delicto.
O favorecimento de uma contravenção só pode
ser sujeito a penas pela legislação estadual nas ma-
térias de sua competência; segundo o direito imperial,
tal favorecimento é excepcionalmente punido nos
termos do art. 22 da lei de 24 de Junho de 1887 sobre o
imposto do álcool. Mas se pode admittir a
existencia de um crime ou delicto, quando occorrem
todas as respectivas circumstancias constitutivas. Sob
este ponto de vista não se pode fazer distincção entre o
favorecimento pessoal e o real. Por isso mesmo dá-se
também favorecimento, quando o acto favorecido é um
delicto, cujo processo depende de queixa e esta não foi
apresentada (vêr o § 146).
Como o favorecimento distingue-se justamente
da cumplicidade em não concorrer com uma condição
para o resultado, segue-se que, para dar-se favore-
cimento, o acto do favorecido deve apresentar-se
receptação pessoal, que se , quando alguém, por interesse próprio, se
faz culpado de favorecimento, sendo o crime principal e precedente o
desvio, o furto simples ou qualificado, o roubo ou algum dos crimes
equiparados ao roubo. "A receptação pessoal vem a ser assim um delicio
duplamente qualificado. «O legislador, diz Merkel, não foi feliz na re-
gulamentação da matéria. Separou cousas connexas e reunio cousas di-
versas por sua natureza, e todas as particularidades das disposições
legacs revelam falta de orientação sobre a carãcteristic a das diversas
acções, de que trata o cap. 21 do C. p.» N. do trad.
(') Vêr também o art. 149 da lei de 1 de Julho de 1869 sobre a
união aduaneira.
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTA 637
como acabado, embora tenha ficado (
c
) na phase de
crime incompleto.
O favorecedor deve agir dolosamente, isto é, deve
saber que a pessoa a quem favorece commetteu um
crime ou delicto no sentido da lei. A supposição
errónea de que trata-se apenas de uma contravenção
exclue consequentemente a criminalidade.
b) O ftcto consiste em uma prestação de assis-
tência (emprehendida em uma intenção duplamente
determinada). Para a consummação é pois necessário
que de facto a situação do culpado se torne mais
favorável (clausula semelhante ao «prestar assistên-
cia» no lenocínio, § 107, II), embora não se consiga o
intuito. Conforme o fim que o delinquente tem em
vista, o favorecimento distingue-se em pessoal e real.
2.° — Dá-se favorecimento pessoal, quando a
intenção do favorecedor (equivalente a motivo) é
) Não 6 a consummação do crime, diz Geyer, o momento de-
cisivo, segundo o qual deve-se verificar si é ainda possivel a cumpli-
cidade ou si se pode dar favorecimento. Não raro dá-se a consum-
mação do crime antes que o resultado intencionado pelo delinquente e
que constituo o facto delictuoso so tenha produzido, de sorte que a
consummação formal «ainda o coincide com a consummação materia.
Quem concorre scientemente para esta não é favorecedor. Está neste
caso aquelle que ajuda o ladrão a levar a cousa furtada, ou que impede
a extincçâo do fogo posto. O mesmo deve-se dizer daquelle que, dado
um crime continuo, contribuo para a pratica continuada delle, por
exemplo, para a manutenção de uma prisão, comquanto aqui já se a
consummação formal do delicto ao tempo da cooperação. Pode pelo
contrario o começo da actividade favorecedora datar de uma epoeba
anterior á consummação do crime, a que so refere; a assistência não
toma por isso o caracter do cumplicidade, si o criminoso nenhum
conhecimento tem do taes medidas (por exemplo, de medidas tendentes
a facilitar a fuga depois de commettido o delicto), ao passo que dá-se
sempre cumplicidade, quando o favorecimento é promettido ao crimi-
noso antes de terminar a acção delictuosa (antes que se dê ãeliclum
perfecium). N. do trad.
538 TRA.TADO DE DIREITO PENAL
subtrahir o culpado á punição, isto é, á condemna-ção
ou á execução da pena (embora a execução j tenha
começado). B' indifferente que o favorecido tenha ou
não conhecimento da actividade do favorecedor. Como
actos de favorecimento, mencionaremos os seguintes:
occultar o autor do crime ou delicio; impedir a denuncia
(
3
), apagar os vestígios do facto ou influenciar as
testemunhas (*), induzir em erro a autoridade, tomar a
culpa sobre si, dar falsas informões em um
depoimento ou recurso de graça (
6
), facilitar a fuga,
soltar o detido, cumprir a pena de prisão ou pagar a
multa sob o nome do condem-nado etc. Não se
porém favorecimento, quando a importância da multa
entra no património do con-demnado, ou isto succede
antes que o condemnado a pague (doação) ou depois de
tel-a pago (resti-tuiçâo) O (-).
(*) Que o facto de não dar denuncia, apezar da obrigação de dal-a, não é
favorecimento, resulta do art. 139 do O. p.
(*) Si o empenho de influenciar testemunhas a favor do accusado não
teve resultado, se pode admittir tentativa de favorecimento, visto como a
situação do accusado não tornou-se mais favorável. Egualmente Frank, Z. 12.°,
819, v. Meyer, 307; Contra, Olshausen, $ 257, 10, de accordo com as dec. do
Trib. do ímp. de 13 de Fev. de 90, 20.°, 233 e de 28 de Jan. de 91, 21.", 376.
(*) Egualmente v. Meyer, 305. Contra, Olshausen, \ 257, 19, com a
opinião commum.
(*) Confronto das opiniões em Eeinhardt, Oeldstrafe, 69. Ac-
crescentem-se von der Decken, Z, 12, 97, e Eaff, Ist Zahlung einer Oeldstrafe
fur einen Andem Begúnstigung 1 diss., 1892 (ambos ad-mittem que em todos
os casos dá-se favorecimento). Vêr também o 2 63, note 2.*.
(*) Subentende-se que a acção não constitua um outro delicto
especialmente nomeado, como receptação, evasão de presos, falso testemunho,
perjúrio etc. Com relação ao pagamento da multe, deve-se distinguir, diz
Olshausen, três casos: doação para pagamento da multa, reembolso da multa
paga e pagamento em nome do condemnado sem
CREMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA 539
O favorecimento da própria pessoa ê isento de
pena; mas o favorecimento de um cúmplice ou co-
autor pelo outro incide na lei (
7
). Segundo os prin-
cípios estabelecidos no § 52, V, 3.°, a instigação de
um terceiro para favorecer o instigador, e a assistência
ao favorecimento por parte do favorecido são tão
isentos de pena quanto o favorecimento da própria
pessoa; (
8
) (
e
).
mandato deste. Nos dous primeiros casos não se favorecimento: a
importância paga sae do património do condem nado e não é illegal a
reparação do damno material, seja por uma precedente doação, seja por um
resarcimento posterior. No 3 caso porém ha favorecimento, quando o
pagamento teve logar mediante engano da autoridade e portanto com violação
do art. 271; pois por tal pagamento a multa não pode ser satisfeita e a
assistência mesma vae de encontro ao direito. Quanto ao pedido de graça, a
questão do favorecimento 6 também muito controvertida. Trata-se de saber si a
apresentação de um pedido de graça por parte de terceiro constitue
favorecimento, quando o pedido se funda em dados sciontemente falsos.
Segundo Olshausen, a solução deve ser negativa, si Be trata simplesmente de
allegações falsas; porquanto, assim como o ha em geral direito á verdade,
também não tem a autoridade investida da attribuição de agraciar, a quem o
pedido e apresentado, direito a que sejam verdadeiras as informações do peti-
cionário. A apresentação de tal pedido não pode pois ser considerada como
illegal (neste sentido a opinião commum). Não assim-quando o pedido de
graça é acompanhado de documentos falsos e puniveis nos termos da lei penal,
pois n'este caso dá-se uma assistência incompatível com o direito e que
consiste em subtrahir o delinquente á punição. N. do trad.
(') Vêr especialmente Nieland.
(
8
) De accordo Binding, 1.°, 361, Geyer, 2.°, 153 e Z. 2.°, 318,
Hâlschner, 2.°, 882, Herzog, G S, 34.°, 83, Kohler, 1.°, 117, v. Kries, Z., 7.°,
523,538, v. Meyer, 808, Schutze, 161 e outros. Contra, o Trib. do Imp. (como
d'antes o trib. sup. de Berlim) nas dec. de 7 de Abril de 81, 4.°, 60, e 11 de
Jun. de 83, 8.°, 866; v. Buri, G S, 29.°, 60, Olshausen, 2 267,27, Waldthausen,
G A, 29,893. Ver acima o 146, nota 3.
(•) E' geralmente admittida a impunidade do auto-favoreeimento.
Disçute-se porém si o autor de um crime ou o cúmplice em um crime
640 TBATADO DE DIREITO PENAL
Dá-se favorecimento real, quando a intenção do
favorecedor é assegurar ao culpado os proveitos do seu
crime ou delieto. Como trata-se aqui de frustrar a
reparação civil, e portanto de assegurar uma situação
patrimonial contraria ao direito, de-ve-se entender, de
um lado, que o proveito de que fala a lei é patrimonial,
e, de outro lado, que tal proveito não basta, quando não
impede a reparação
podo fazer-se tamm culpado do favorecimento com relação ao mesmo
crime. Na praxe a questão tem sido muitas vezes resolvida pela negativa
e neste sentido pronunciam-se Scbwartze, F. Meyer, Bilnow ele. Esto
ultimo apoía-se sobretudo no 8.* ai. do art. 257 do C. p. que pune como
cumplicidade a promessa de favorecimento feita antes do crime para
d'uhi concluir que não se pode dar concurso de cumplicidade e de
favorecimento na hypothese acima figurada. Si assim fora, a promessa
feita anteriormente e rualisada pelo favorecimento posterior ao crime
viria a ser menos rigorosamente punida contra a intenção do legislador
do que o favorecimento prestado por um mplice, mas sem tal
promessa. Outros porém entendem que, sendo o favorecimento um crime
independente com um objecto próprio, o não uma espécie de
cumplicidade, não é duvidosa a possibilidade do concurso, quando o
autor favorece o co-autor ou o cúmplice ou é favorecido por algum dos
co-dolinquentos. Em taes casos, diz Geyer, é certo que, depois da
pratica do delieto, prestou-se assistência a um outro culpado do crime e
portanto dão-se as circumstancias constitutivas do favorecimento.
Aparte a duvida sobre ser esse concurso real ou ideal, discute-se também
sobre saber si o auetor do delieto pode ser culpado de favorecimento,
porque instigou outrem a favorecel-o ou porque se fez cúmplice no
favorecimento a sua própria pessoa. Bin-ding resolve resolutamente a
questão pela negativa, fundando-se no principio por cl lo estabelecido
de que a pena da instigação é subsidiaria á da autoria, e portanto não
pode ser applicada, quando a autoria (como o auto-favorecimento) não é
punida. V. Liszt funda-se no mesmo principio: onde a lei não pune a
autoria de certo facto não pode punir o autor como instigador ou
cúmplice no mesmo facto, principio de que se encontra uma outra
notável applicaçSo no caso do suicidio. N. do trad.
V *
OEIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTA 641
(concerto do relógio subtraindo, cura do cavallo
furtado) Q.
Concebendo e tratando a nossa legislação o fa-
vorecimento como crime independente, fora mister
uma disposição especial que fizesse depender de
queixa o processo respectivo. Entretanto tendo-se em
vista as disposições dos art. 63 e 247, ai. 3, do C. p., o
primeiro dos quaes chama sobretudo a attenção, aeve-
se sustentar que, quando o processo do facto principal
depende de queixa, o favorecimento também pode
ser processado em virtude de queixa (
9
). O legislador
cae assim em uma inconsequência que não cabe ao
interprete fazer des-apparecer.
5" A mesma inconsequência repete-se nas
disposições sobre as penas. Estas são:
Multa até 600 marcos ou encarceramento até um
anno. Si o autor prestou assistência no seu próprio
interesse (
10
), encarceramento. A pena porém não
pode ser mais grave, quanto ao género ou ao grau do
que aquella que a lei commina contra a acção
principal.
O favorecimento é isento de pena (circumstancia
justificativa pessoal), quando o autor ou o cúmplice
favorecido immediata ou mediatamente é parente do
favorecedor e a assistência tem por fim subtrahir o
culpado á punição (art. 257, ai. 2).
O Isto é, o favorecimento real, assegurando ao delinquente os
proveitos do seu crime, deve consistir cm actos que impeçam ou difi-
cultem o restabelecimento da situação anterior. Não está neste caso o
aimples concerto do relógio ou a cura do cavallo que outrem furtara.
N. do trad.
(9) De accordo a opinião commum. Contra, especialmente
Olshausen, g 259, 51.
(
w
) Não mero proveito patrimonial; vêr acima o § 107, nota 6.
542 TRATADO DE DIREITO PENAL
0 favorecimento deve ser punido como cumpli-
cidade por assistência, quando foi promettido antes da
perpetração do crime ou do delicto 52). Esta
disposição tem também applicaçao aos parentes (artigo
257, ai. 3.°).
IV. O favorecimento qualificado, que a lei (art.
258) denomina impropriamente receptação (também
denominado receptação pessoal em contraposição á
receptação real), dâ-se quando o favorecimento
(pessoal ou real) é prestado por interesse próprio e
relaciona-se com certos crimes contra a propriedade
(furto, roubo, furto e extorsão equiparados ao roubo).
Penas: 1.° si o favorecido commetteu um furto
simples ou um desvio, encarceramento; 2.° si com-
metteu um furto qualificado, um roubo ou um crime
equiparado ao roubo, reclusão até 5 annos. Occor-
rendo circumstancias attenuantes, encarceramento por
tempo não inferior a 3 mezes.
A receptação é punivel, ainda que o receptador
seja parente da pessoa favorecida. O dolo envolve a
consciência de que se um dos alludidos crimes
contra a propriedade. A tentativa é punivel na
hypothese a que se refere o n. 2, e neste caso 45,
nota 8) a tentativa é possível, logo que occorre a
condição de punibilidade, si a acção do favorecedor
ficar incompleta ou não tiver resultado.
Quanto á receptação habitual ou de profissão (art.
260), á receptação em segunda reincidência (art. 261),
á perda dos direitos civicos e á vigilância policial, são
também applicaveis á receptação pessoal as
disposições da lei relativas á receptação real (§ 146).
»
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTA 643
§ 182. III. Os outros delictos contra a
administração da justiça
LiTTERATURA. Ao n. I, Hâlschner, 2.°, 932. Ao
n. n, v. Liszt, Pressrecltt, § 46, 4 ; Hâlschner, 2.°, 854,
bem como as obras indicadas no § 42. Ao n. Dl, Hâlsch-
ner, 2.°, 852. Ao n. IV, Hâlschner, 2.°, 855; Hess, Die
Angeigepflicht im Strafrecht (monographias sobre o direito
penal do Seminário jurídico da Universidade de Breslan, 1,
2.» caderneta) 1892.
I. Violação do juramento é a infracção dolosa da
segurança dada em juizo sob promessa jurada (C. do pr.
civ., art. 101) ou da promessa que se contem em um
juramento de «manifestação », (art. 162 do C. p.), nos
casos em que o direito estadual ainda o admitte (segundo o
C. do pr. civ. e a lei sobre fallencia o juramento de
manifestação é prestado sob a forma assertoria, e não sob a
forma promissória). Si o juramento de manifestação
contem duas partes, uma assertoria e outra promissória, a
violação de uma e outra é possivel por actos diversos e
independentes. Punida é somente a violação dolosa do
juramento, e não a culposa, com-quanto esta ultima
também seja possivel. Em outros casos que não os
previstos no art. 169 do C. p., por exemplo, na violação do
juramento que o funecio-nario presta para assumir o
exercício do cargo, a violação do juramento por si não
é punível (').
Pena, encarceramento até 2 annos.
(») O delicto de que se trata suppôe um juramento pelo qual
alguém tenha promettido o cumprimento de certo dever. A testemunha
ou o perito juramentado antes de dado o depoimento ou o parecer
viola, sem duvida, o seu juramento, quando o depoimento ou o parecer
é seira temente falso; mas nestes dous casos o O. p. ali. equipara a
violação do juramento ao perjúrio (art. 168). Como delicto distincto a
violação do juramento é punível, quando se trata do « juramento de
644 TRATADO SE DIREITO PENAL
II. A publicação pela imprensa do acto de
accusação ou de outras peças officiaes de um processo
criminal antes de terem sido publicadas em audiência
publica ou de estar findo o processo (lei sobre a
imprensa, art. 17).
Penas, multa até 1000 marcos ou detenção ou
encarceramento até 6 mezes (lei sobre a imprensa, art.
18, n. 1).
III.— Violação do dever de concorrer para a ad-\
ministração da justiça por parte daquelle que, tendo
sido intimado como testemunha, jurado ou escabino, ou
que, sendo legalmente obrigado a funccionar como
perito, allega factos que não são verdadeiros para
excusar-se.
Pena: encarceramento até 2 mezes.
garantis » ou do de « manifestação ». O primeiro é toda segurança pro^
mettida em juizo sob juramento. O segundo 6 o que presta quem faz
declaração de bens existentes em seu poder. « O juramento de mani-
festação, diz Berner, contem uma parte assertoria (que foram declarados
todos oa bens e nenhum se occultou) e uma parte promissória
1
(que será
fielmente declarado qualquer outro bem que o declarante souber
pertencer ao património). O art. 162 só diz respeito á parte promissória;
e si também a parte assertoria fôr offendida, será appli-cavei o art. 158
(perjúrio) conjunctamente com o art. 162 (isto éJ dar-se-ha concurso
real)». V. Liszt observa que a actual legislação imperial conhece o
«juramento de manifestação» sob a forma assertoria (vêr os art. 711,
769, 780 do O. do pr. civ. ali.), de sorte que tal juramento sob a forma
promissória só será possível nos casos em que a legislação estadual a
permitta. Na hypothese figurada por Berner, a dupla violação do
juramento assertorio e promissório suppôe actos diversos e
independentes, pois a parte assertoria seria offendida no acto do
juramento, ao passo que a parte promissória o poderia ser por um
acto posterior. Em todos os demais casos, a violação do juramento
não é punivel. Assim a violação do juramento de um funccio-nario
publico não sujeita a penas, quando não acompanhada de uma acção por
si punivel ou, pelo menos, de um crime de responsabilidade. N. do trad.
CBIME8 CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA 545
Esta disposição não prejudica as penas de «orde
applicaveis no caso de não comparecimento. A mesma
observação procede a respeito da recusa de fazer
declarações ou de confirmai as com juramento (art. 138, ai.
3). Ver também o § 58, III, l.|
IV.—Deixar de denunciar á autoridade ou á< pessoa
ameaçada e em tempo útil o projecto de certos crimes (*).
Os crimes a que a lei se refere são a alta traição (C. p., art.
80 a 82, e não art. 83 a 86), traição contra o paiz, o crime (e
não o delicto) de moeda falsa, o assassinato, o rapto de
homem, os crimes de perigo commum. A estes acereseem o
crime previsto no art. 13 da lei de 9 de Julho de 1884 sobre
matérias explosivas 155), e os crimes definidos nos arts.
1 a 3 da lei de 3 de Julho de 1893 sobre a violação de
segredos militares (art. 9 da mesma lei). O facto de o
denunciar é punível, dados estes dois requisitos: a) ter
tido alguém conhecimento fidedigno do projecto,! quando
era possível prevenir a perpetração do crime;. \b) ter sido o
crime perpetrado ou tentado (art. 139). O requisito sob b é
condição de punibilidade no sentido explicado no § 43, III.
Si o conhecimento do crime proveio de fonte fidedigna é
circumstancia que deve ser apreciada subjectivamente e não
objectivamente, isto é, sob o ponto de vista do
omittente~(*).
(') Delicto punido segundo o direito romnno somente no por-
recidio e na moeda falsa (I. 2, D. 48, 9, 1. 0, g 1.°, D. 48, 10),
segundo as leis imperiaes do século XVI na blasphemia e na moeda
falsa, segundo a sciencia e a legislação do direito commum (direito
bavaro de 1768) em todos os crimes graves. Ver também o C. p.
mil., art. 60 (a omissão da denuncia como co-antoria), 77 e 104.
l
x
) Egualmente a opinião commum, e especialmente Hess, 22,
Olshausen, \ 189, 8, Stenglein, NG, 1179. Contra, v. Meyer, 847,
Schútze, 287, nota 84. A favor da opinião manifestada no texto milita
T. II 35
546 TRATADO DE DIREITO PENAL
0 dever de denunciar subsiste, quando a execução do
crime começou, mas não está ainda completa. No
crime continuo (§54) o dever de denunciar, longe de
cessar com a consummação jurídica do crime, subsiste
emquanto esto dura. Não assim nos crimes que criam
um estado ou situação. Não obstante o art. 257, ai. 2,
do C. p., são também obrigados a denunciar os parentes
do agente, bem como as pessoas isentas do dever de
servir de testemunha ; não, porém, as pessoas que
tomam parte no crime projectado, como co-autores,
instigadores ou auxiliares. A razão desta excepção
apparente está no caracter subsidiário da disposição do
art. 139 relativamente ás disposições sobre a autoria e a
cumplicidade (vêr o § 56, nota 3*). Só a omissão
dolosa, e não a culposa, é punível (
3
). Pena:
encarceramento.
V.—As leis barbaras germânicas (especialmente .
a lex salica) reconheciam um grande numero de delictos
«processuaes», que ás mais das vezes eram punidos
com a multa simples. Nas fontes da edade média
posterior encontram-se também numerosas
comminações penaes que pertencem á mesma categoria,
e hoje inteiramente antiquadas. No direito commum
representa papel importante a violação da promessa
jurada deo vingar-se (Urphedebruch,
tnmbem a redacção mais clara da lei sobre matérias explosivas («obtém
conhecimento de um modo fidedigno»),
(*) A razão decisiva está em que não se compadeceria com o
caracter subsidiário do art. 139 punir a autoria e a cumplicidade so-
mente no comtnettimento doloso, e a omissão de denuncia também no
commettimento culposo. Esta doutrina tem contra si, 6 certo, a opinião
commum (espccialmante Hess, 48. e Olshausen, § 189, 12), que a 5.*
edição deste tratado seguia. Correctamente Binding, Normen, 2." 499,
nota 720, Qeyer, 2.°, 164,
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO BA JUSTIÇA 547
urfeda de non ulciscendo), violação a que o art. 108 da
Carolina impunha as penas do perjúrio. Muito menos
severamente era punida a violação da «promessa de não
voltar» {Urfeda de non redeundó), a simples violação
do banimento. Encontra-se ainda hoje o seu ultimo
representante na comminação do art. 361 do C. p. n. 2
65). O «fazer-se justiça por autoridade própria» não
é hoje punido (§ 19).
§ 183.—Crimes e delictos contra a administração de
negócios militares
LITTERATURA.—Os tratados de direito publico e de
direito administrativo, John, HH, 3?, 301; Hálschner, 29, 989.—
Ao n. VI, HálBchner, 29, 849; Bokemeyer, Archiv fiir
Ôffentliches Becht, 89, 147.—Ao n. VII, VIII e XI; Kleinfeller,
NG, 470, 466 e 487.—Ao n. XI, v. Liszt, JPressrecJit, % 46, 2,
e as obras indicadas no § 42.
I.—O alliciamento (art. 141), isto é, o facto de
angariar um allemão para o serviço de uma potencia
estrangeira ou de levar um allemão a alli-ciadores de
uma potencia estrangeira (
1
).
O alliciamento figura como oífensa aos direitos
soberanos do Estado em matéria militar. O atten-tado
contra a liberdade individual passa completamente
para o segundo plano; nisto está a diferença entre este
crime e o plagium militare do direito commum (§ 98),
e o rapto de homem definido no art. 234 do C. p.
Pena, encarceramento de 3 mezes a3 annos. A
tentativa é punivel.
(i) A palavra alliciamento designa a resolução dolosa de outrem
e nada tem de commum com a pratica do facto como profissão (ou
negocio) Incorrectamente Olshausen, § 141, 2.
548 TRATADO BE DIREITO PENAI.
-— - ■■ ------------- -------------------- ■■ i — — - ■■ — —I
I II. — Induzir dolosamente um soldado allemãoj a
desertar ou favorecer a sua deserção (art. 141) (
8
).
Segundo o art. 69 do C. p. mil., deserção é a
ausência não autorizada na intenção de subtrahir-sej
permanentemente quem se ausenta á obrigação legal ou
contractual de servir. A deserção consiste pois na
ausência e com este facto consumma-se. A' retirada
para outro logar equivale completamente a occultaçãoj
no mesmo logar (por exemplo, esconder-se o desertor
na casa da amante, em uma pedreira, etc.). Que a
deserção seja crime continuo é asserção de todo ponto
errónea (
3
). Por isso o facto de facilitar a deserção
(cumplicidade e não favorecimento) é possivel,
emquanto esta não é delicto consummado, e portanto
emquanto o desertor não consumma a fuga por elle
projectada do logar do serviço para outro, onde, pelo
menos provisoriamente, esteja a salvo de apprehensão.
O facto de facilitar pôde consistir na instrncção
ministrada ao militar antes da deserção sobre os passos
a dar posteriormente.
O legislador considera o facto de induzir á
(*) Yêr os art. 60 e seg. do O. p. mil. e a este respeito Hecker 169, bem
como adeante o § 202. Sobre a deserção (herialie) na edade media, vêr Waitz,
4.°, 676, Osenbrúgen, Alam. Sírafreeht, 399 (também o Espelho da Saxonia,
1.°, 40).
(
3
) De accordo Bcrner, 406, Merkel, 404, bem como a dec. do Trib. do
Imp. de 1 de Pev. de 82, 6.?, 7. Contra, Binding, 1.°, 548. j nota 10, Geyer, 2.°,
162, Olsbausen, J 141, 3. Duvidoso v. Meyer, 857. O. caso 6 diverso segundo o
C. p. mil., art. 76 (Hecker 135), mas esta disposição é estranha ao C. p. imp.
(*)
(*) Segundo a decisão cit. do Trib. do Imp., «a deserção não é crime
continuo, consumma-se com a ausência iIlegal, e desde então não se pode mais
conceber uma instigação para semelhante crime*. I Segundo o art. 76 do O. p.
mil., a deserção é pelo contrario crime continuo, porque a prescripção da acção
começa a correr do dia em que, sem a deserção, terminaria o tempo do serviço
imposto por lei ou pelo qual o desertor se engajara. N. do trad.
OEffiSS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR 519
deserção e de facilital-a como delicto independente. Este
seu pensamento já se revela materialmente em ter elle
evitado as expressões technicas instigação e
cumplicidade por assistência. Deste presupposto segue-se
necessariamente que a criminalidade do facto em questão é
completamente independente de um acto qualquer, seja
consummado, seja somente tentado, por parte d'aquelle que
se trata de induzir a fugir ou cuja deserção se quer facilitar.
Penas, as declaradas sob o n. 1. A tentativa é punível.
III. A inhabilitação dolosa para o desempenho do
serviço militar, quer a pessoa mesma obrigada ao serviço
militar tenha-se mutilado, ou inha-bilitado de outro modo,
quer a inhabilitação provenha de acto de terceiro, a pedido
do interessado (art. 142). Neste ultimo caso tanto o
individuo obrigado ao serviço como o terceiro que o
inhabilita figuram como autores. Por outras palavras, a lei
não admitte aqui por excepção (§ 28, III, 1) uma in-
terrupção da relação causal, comquanto o terceiro, que
intervém como causa intermediaria, tenha consciência do
valor causal de sua acção.
Não se exige uma absoluta inaptidão, basta que o
agente, depois do facto, não seja mais tão apto em relação
ao modo e á extensão quanto dantes.
O delicto consumma-se com o acto (mutilação etc.)
No mesmo momento começa a correr a prescripção. Esta
pôde pois consummar-se, antes que tenha legar a
apresentação do individuo ao serviço e com ella o
reconhecimento da inhabilidação.
Penas, encarceramento por tempo não inferior a um
anno e facultativamente perda dos direitos ci-| viços (
4
).
(
4
J Vèr também o O. p. mil., art. 81 e a este respeito Hecker,
178, e adeante o g 202.
550 TBATADO DE DIBEITO PENAL
IV'. O emprego de meios tendentes 9 tnch&M em
erro (embora não adequados) na intenção de sub-j
trahir-se o agente, no todo ou em parte, a obrigação do
serviço militar (art. 143) (
s
). Entre esses meios figuram
a simulação, a suppressão ou a alteração de factos (no
sentido explicado no § 138, nota 1), e as simples
mentiras somente quando incidem em uma destas
ideias.
Penas, encarceramento e facultativamente perda
dos direitos civicos.
As mesmas penas têm applicação aos cúmplices
(instigadores e auxiliares), art. 143, ai. 2. Abre-se
assim uma excepção, que mal se justifica, ao principio
51, nota 6), segundo o qual a pena do cúmplice por
assistência deve ser medida nos limites da escala penal
reduzida.
I V. Emigração offensiva da obrigação do serviço
militar (").
l.° — Emigrar o individuo obrigado ao serviço
—— -
(
6
) Dolicto qualificado pela primeira vez em 1855 na legislação
penal da Prússia.
(') Todo allemão 6 obrigado ao serviço militar (Const. imp.J art.
57). A obrigação começa aos 17 annos de edade completos o pro-longa-
se até os 45 annos completos (ordenança mil. de 28 de Setembro de
1876, I, § 4, e lei do 11 de Fevereiro de 1888 concernente ás mo-
dificações do serviço militar obrigado). Todo individuo obrigado ao
serviço militar é sujeito ao recrutamento desde o 1.° de Janeiro do anno
em que completa 20 annos de edade (lei mil., art. 10, ordenança mil. |
20) ('•).
(
b
) Wehrpflicht é o dever legal de prestar o serviço militar, dever
que incumbe em geral ao allemão e que deve ser prestado pessoalmente.
Dos 17 até os 45 annos todo allemão a quem este dever incumbe
pertence ao Landsturm. O serviço activo porém só começa aos 20 annos
(mediante sorteio dentre os obrigados ao serviço) e dura três annos. O
serviço inactivo distingue-ae em Reserve e Lan4sturm.\ Aq^uelle
(reserva propriamente dita, Landwehr, Seeivehr, Ei-aatzreacrvt)
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR 561
militar com violação de uma ordem especial decretada
pelo Imperador e publicada em tempo de guerra ou de
perigo de guerra (art. 140, n. 3).
Penas, encarceramento até 2 annos e facultati-
vamente multa até 3.000 marcos. A tentativa é
punível.
2.° —- Deixar sem permissão o território federal
o individuo obrigado ao serviço militar na intenção
(equivalente a motivo) (
7
) de não entrar no serviço do
exercito ou da marinha (no serviço activo ou na
reserva), bem como permanecer fora do território
federal na mesma intenção, depois de ter attingido a
edade em que começa a obrigação do serviço activo
militar (art. 140, n. 1).
Penas, multa de 150 até 3.000 marcos ou en-
carceramento de um inez até um anno. A tentativa é
punível.
3.° Emigrar, sem permissão, o official da
reserva ou o medico da reserva, que tenha a categoria
de official (C. p., art. 140, n. 2; disposição repetida na
lei militar do Império de 2 de Março de 1874, art. 60,
n. 2.)
Penas, multa até 3.000 marcos ou detenção ou
encarceramento até 6 mezes. A tentativa é punível.
Em todos os três casos podem os bens do ac-
cusado ser sequestrados até á concurrencia da semma
que o juiz julgar necessária para garantir a multa mais
elevada que possa ser pronunciada, bem como as
custas do processo (C. p.. art. 140, ai. 3).
dura rcgularintmte até os 39 aiinos. Assim mililarpjlichiig e uwAr-j pjlichiig
não são expressões idênticas; emprega-se aquella denominação para designar
dentre as pessoas sujeitas ao dever militar as que podem ser recrutadas para o
serviço activo. N. do trad.
(') Egualmente a dec. do Trib. do Imp. do 1." de Nov. de 84, 11.», 880;
Contra, Binding, Normen, 2.° 697, Geyer, 2.», 161, Sãlscliner. 2.°, 981, v.
Meyer, 854, nota 7, Olahausen, \ 140, 2.
552 TRATADO DE DIREITO PENAL
Nos tres casos do art. 140 opera-se a consuin-
mação com a emigração ou o abandono do território
federal; no segundo caso do n. 2 (permanecer fora do
território federal), o delicto consumnia-se, logo que o
individuo attinge a edade em que deve prestar o serviço
militar activo. Si neste ultimo caso dá-se
indubitavelmente um crime continuo, o mesmo de-ve-
se admittir, apezar da letra em contrario, a respeito dos
outros casos, que são mais graves. A pres-scripção
começa a correr da terminação da obrigação de servir
ou da volta ao território federal.
O autor deve ser allemão no momento do facto; é
indiferente a sua nacionalidade ao tempo do processo.
Desviam-se deste principio os tratados denominados
Bancroft celebrados entre os Estados-Unidos da
America do Norte, de um lado, e a Federação da
Allemanha do Norte (a 22 de Fevereiro de 1868), bem
como a Baviera, o Wurttemberg, Baden e Hesse de
outro lado. Segundo esses tratados, o allemão natu-
ralisado nos Estados-Unidos, voltando á Allemanha,
pode ser ahi responsabilisado em razão de delidos
praticados antes de sua emigração, e não em razão de
acção delictuosa resultante do factu mesmo da
emigração.
4." — a) Emigração não autorisada de um re-
servista licenciado ou de um licenciado alistado no
Landwehr ou no Seewehr do 1.° bando ou apello; b)
emigração de um individuo alistado no LcmdweJm ou
Seetvehr do 2.° bando ou apello, sem prévio aviso á
autoridade militar (0. p., art. 360, n. 3; confrontar com
a lei militar do Império de 2 de Maio de 1874, art. 69,
n. 8, e a lei de 11 de Fevereiro de 1888, art. 4, 11 e 19)
(").|
(*) O súbdito allemão não pode renunciar a ma qualidade de
eidadão por um acto unilateral, fass-se mister que o Estado renuncie
lambem o vinculo que a ai o prende (Entlanmng aus dem Staaisver-
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR 553
Pena, multa até 150 marcos ou detenção (
8
).
VI.—Em seguimento immediato aos delictos de que
temos tratado (definidos nos arts. 140, 141, 142 e 143), o
C. p. commina penas, no art. 144, contra quem fizer
negocio 45, III, 2) de induzir allemães a emigrar,
simulando factos, enganando-os scientemente com
informações inexactas ou empregando outfos meios
artificiosos.
Com effeito, é esta a collocação que melhor
corresponde tanto á historia como á direcção do delicto em
questão, cuja origem deve-se procurar no plagiwn mUitare.
Do mesmo modo que o alliciamento e com este o
reuniam o direito austríaco de 1787 e o Allg. Landrechty
art. 143 (ahi como caso de alta traição) o induzitnento
figurava nos cod. territo-riaes do século XIX como um
cerceamento das
band). Esse acto de renuncia pode ter por fim a emigração pura outro Estudo
allemão ou para o estrangeiro. No primeiro caso a demissão deve ser
concedida, desde que o cidadão prove ter adquirido a qualidade de membro de
um outro Estado allemão. No segundo caso pode ser recusada ou somente
concedida mediante determinadas condições a certas pessoas que se acham
ligadas ao Império ou aos Estados por deveres especiaes (serviço militar,
emprego publico). Incondicionalmente deve ser recusada aos militares da
activa. A. outras pessoas que, comquanto nào se achem no serviço activo, tèm
ainda de preencher um- Wehr-pflieht, pôde ser concedida nestas condições:
1.° aos sujeitos ao Wehrpflieht que ainda não foram recrutados (dos 17 aos 45
annos), em virtude de um attestado da denominada Kreisersatzkommission de
que o supplicante não quer emigrar simplesmente na intenção de subtrahir-se
ao serviço militar; 2.° aos alistados na reserva lato setisu com o consentimento
da autoridade militar, segundo as distincçõss feitas no texto, a que esta nota se
refere. N. do trad.
(
8
) Sobre o processo nos casos 1 a 4, vêr o C. do pr. p. art. 470 e 476.
Vêr também as contravenções de que tratam a lei militar do Imp. de 2 de Maio
de 1874, art. 88 e a lei imp. de 11 de Fevereiro de 1888, concernente ás
modificações do serviço militar, art. 11 e 26; e uuais Kleiufeller, N G, 477.
Õ5á TRATADO DE DIREITO PENAL
forças militares do Estado. Oomquanto esta concepção
ache-se actualmente abandonada e cessasse o
parentesco com o allieiamento, não soífre duvida que o
delicto definido no art. 144 do C. p. dirige-se antes de
tudo, nâo contra interesses privados, mas contra
interesses públicos (
9
).
Pena: encarceramento até 2 annos.
VIL—Infracções das disposições decretadas ex-vi .
da lei de 13 de Junho de 1873 sobre as contribuições de
guerra e relativas á declaração e apresentação de cavallos
para o exame preliminar, o exame definitivo ou á leva
(art. 127 da lei) (
d
).
Pena: multa até 150 marcos.
VIII.—Infracções da lei de 21 de Dezembro de
1871 concernente ás limitações da propriedade
immovel no raio das fortalezas (art. 32).
Penas: multas até 15 ou 150 marcos.
IX.—A lei de 19 de Junho de 1883 sobre os
portos militares pune as infracções respectivas com
(*) De accordo no essencial lscliner, 2.°, 849, e especialmente
Lòning, 180. Contra, Merkel, 860, v. Meyer, 786. No século XVIII
(ver, por exemplo, o edicto de Frederico Guilherme 1.° de 1721)
intuições económicas contribuíram também para e. punição do induzi-
mento á emigração. O art. 144 tem por base a ordenança prussiana de
20 de Janeiro de 1820. Si conjunctamunte com o art. 140 do O. p. está
também em vigor a lei prussiana de 7 de Maio de 1863 concernente á
expedição de emigrantes, deve-se, pelo menos, considerar como
extremamente duvidoso. Pela afirmativa incidentemente a dec. do Trib.
do Imp. de 27 de Nov. de 86, 13.°, 81. Feia negativa muito
positivamente Andréa, Z, 12.°, 664.
(*) Fará prover o exercito de cavallos, o art. 26 desta lei impõe a
todos os donos de cavallos (com as excepções ahi mencionadas) a
obrigação de entregarem á autoridade militar, mediante indemnísação
do valor fixado por peritos, segundo os preços do tempo de paz, os
cavallos considerados idóneos para o serviço militar. N, do trad.
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR 555
penas próprias da contravenção (arts. 2 e 4 da
lei). O
X.—Levantar ou publicar, sem autorisação,
planos de fortaleza ou de outras obras de fortificação
(C. p., art. 360, n. 1). A lei protege as fortificações
do paiz. Ver o § 170, nota l.\
Pena: multa até 150 marcos ou detenção. E'
permittidoao confisco dos planos, quer pertençam ou
não ao condemnado.
XI.—Fazer publicações (pela imprensa) concer-
nentes a movimentos de tropas ou a meios de defesa
em tempo de guerra ou de perigo de guerra, apezar de
publicada a ordem prohibitiva do chanceller do
Império* (lei sobre a imprensa, art. 15). Também aqui
trata-se somente da protecção do Império da
Allemanha.
Pena: multa até 1000 marcos ou detenção, ou
encarceramento até 6 mezes (lei sobre a imprensa, art.
18, n. 1).
XII.—Do não implemento de contractos de
fornecimento concluídos com a autoridade publica
para satisfação das necessidades do exercito ou da
marinha em tempo de guerra (C. p., art. 329)
tratámos em outro logar por connexidade de matéria
(§ 153).
XIII.—Segundo o art. 4 da lei de 28 de Maio de
1894 concernente «á protecção dos pombos-correios e
ao emprego desses pombos em tempo de guerra»,
pôde ser decretado, em caso de guerra, por uma
ordenança imperial, que o emprego de pombos para a
transmissão de noticias, sem o consentimento das
autoridades militares, será punido com a pena de
encarceramento não excedente a três mezes.
í
10
) Kleinfeller, NG, 487.
V.
o
§ 184. Acções puníveis contra a fiscalisação da
imprensa pelo Estado. Delictos relativos à
policia da imprensa.
LITTERÀTURA. Ver o § 42; accrescentar Jolly,
W V., 2.°, 300 ; Kulemann, Sozialdemocratie, 240 ; Meves,
G A., 39, 16 ; Klóppel, Das Reiclispressrec (exposição
«cientifica de accordo com a lei e a praxe, tendo-se em
attençao as necessidades praticas da applicação do direito),
Leipsig, 1894.
Fonte: a lei sobre a imprensa de 7 de Maio de 1874.
I.— Violação da obrigação de mencionar, em cada
impresso, o nome e a residência do impressor e do edictor
(ou do autor ou autor-edictor, quando a publicação é feita
sem intermediário), e bem assim offensa da obrigação de
declarar, em cada periódico, o nome e a residência do
redactor responsável, que tenha as qualidades exigidas pela
lei (art. 6 a 8) :
1.°, por meio de declarações scientemente falsas (art.
18, n. 2) — e neste caso o edictor de um periódico é
responsável, quando deixa que se indique falsamente
alguém como redactor;
2.°, ou por outro modo (art. 19, n. 1).
H Penas: no caso sob o n. 1, multa até 1.000 marcos ou
detenção ou encarceramento até 6 mezes; no caso sob o n.
2.°, multa até 150 marcos ou detençfto.
DELI0T0S RELATIVO» k POLICIA DA IMPRENSA 557
L
II.— Violação da obrigação de entregar um
exemplar de cada numero de um periódico, logo que
comece a distribuição ou a expedição (art. 9).
Penas: as mesmas declaradas sob os números 1 e
2 (art. 19, n. 2).
III.— Violação da obrigação de inserir avisos
officiaes nos periódicos (art. 10) (').
Penatí: as mesmas declaradas sob os números 1 e
2 (art. 19, n. 3). O processo depende de queixa.
No caso de condemnação e também no caso
de absolvição, por ter o accusado que recusou ille-
galmentc a inserção procedido de boa a sentença
deve ordenar que se faça a inserção do artigo enviado
á redacção no primeiro numero seguinte (art. 19, n. 3).
IV.— Violação da obrigação imposta ao redactor
responsável de um periódico de inserir, a pedido do
interessado, e sem interpolações ou sup-pressões, as
rectificações de factos que tenha publicado (art. 11)
(").
Penas : as mesmas declaradas sob os números 1 e
2 (art. 19 n. 3). O processo depende de queixa. Tem
applicação a disposição mencionada sob o numero III
a respeito da inserção obrigada.
V. Distribuição de periódicos estrangeiros
com violação da ordem prohibitiva do chanceller do
(») O redactor responsável de um periódico, que aceita annun-cios, 6
obrigado a publicar os avisos que lhe tenham sido transmit-tidos pela
autoridade mediante pagamento dos preços usuaes em um dos dois números
immediatos da folha (art. 10 da lei). N. do trad.
(
h
) Uma vez que, acerescentn a lei, a rectificação seja asslgnada por
quem a envia, o incorra em lei penal e se limite a declarar factos. N, do
trad.
iv
558 TRATADO DE DIREITO PENAL
Império baseada no art. 14 da lei sobre a im-
prensa (
c
).
I Penas : as mesmas declaradas sob o numero I, 1
(art. 18, n. 1).
VI.— Distribuição dolosa ou reimpressão de
impressos sequestrados (art. 28). D Penas: multa até
150 marcos ou encarceramento até 6 mezes.
O art. 22 da lei sobre a imprensa fixa um praso
especial para a prescripçílo dos delictos de imprensa
77, I).
(°) Si no decurso de um anno forem certos números de um
periódico estrangeiro condemnados por duas vezes em virtude dos arts.
14 e 42 do C. p., pôde o chanceller do Império, dentro de dois mezes
depois que a ultima sentença passar em julgado, prohibír a ulterior
distribuição desse periódico por tempo não excedente a dois annos (art.
14 da lei). N. do trad.
VI
§185.— Transgressões relativas ao direito de
associação
LITTERATUBA.—Th. Mommsen, De coUegii» et soãaliciis
ant. Jiom., 1843; Merkel, H St, 2.°, 845; Kayser, Mono-
graphias, 1873 ; lschner, 2.°, 502; Mascher, Da» Ver-
\tammlunga- imã VereinsrecM Deutschúmds, 2 ed., 1892 ;
Jolly, W V., 2*, 606; Kulemann, Sozialdemocrotíe, 221 (com
ama exeellente synthese)— sobre o direito de associação e de
reunião na Prússia, Delias, 1891; díspar, 1894.
I. Segundo o direito romano posterior, fa-zia-
se mister o consentimento da autoridade para a
fundação de associações. O facto de tomar alguém
parte em uma associação não permittida era punido
como crimen extraordinarium (D. 47, 22). As fontes
da edade media allecedo comminaram penas (cap.
de 779) contra as sociedades prohibidas fgil-doniaj. O
numero das comminações penaes augmentou com o
florescimento das cidades e o fortalecimento do poder
publico (
1
). Segundo o direito commum (Bngau e
outros), dissolvia-se o eollegium Ulicitum e puniam-se
os respectivos membros com penas arbitrarias. O
AUg. Landrecht, art. 185, sujeitou a
(*) Esp. da Sax., 2, 1, direito municipal de Bamberg, art. 480.
Osenbriiggen, Alam. Strafreeht, 401; John, StrafrecM in Norddeutach-
land, 187.
560 TBATADO DE DIREITO PENAL
penas as sociedades secretas. Como a vida politica dos
governados reanimou-se sob a influencia da revolução
franceza, e, de outro lado, dispertaram-se as apprehensões
dos governos ante as consequências desse movimento, as
disposições das leis estaduaes contra a coparticipação em
sociedades não permit-tidas tornaram-se mais numerosas e
mais rigorosas. Assim o edicto prussiano de 20 de Outubro
de 1798 prohibio todas as sociedades secretas. legislação
da confederação germânica seguio o mesmo caminho : uma
resolução federal de 20 de Setembro de 1819 prohibio todas
as sociedades de estudantes; uma outra de 5 de Julho de
1832 estendeu a prohibição a todas as sociedades politicas
em geral. Depois que a lei de 1848 sobre os direitos
fundamentaes dos allemães reconheceu expressamente e em
geral o direito de associação, foi elle admittido, embora me-
diante certas restricções, na maior parte das cartas
constitucionaes da Allemanha, e a resolução federal de 13 de
Julho de 1854, que tentou de novo introduzir limitações, não
foi publicada em alguns Estados, e em outros não tardou em
ser abandonada. A constituição do Império, art. 4, n. 16,
sujeitou á inspecção do Império e incluio na competência de
sua legislação «as disposições sobre a imprensa e o direito
de associação ». Mas deste direito si prescindirmos das
comminações do C. p. imp. a legislação imperial não tem
feito uso até o presente.
II. O C. p. imp. sujeita a penas o facto de tomar
alguém parte em sociedades que sejam perigosas em razão
de sua constituição ou dos seus fins e occupações. Por
sociedade devemos entender toda agremiação que em
virtude de sua constituição e da subordinação dos seus
membros (organisação) pro-segue fins communs. Neste
caso não esuma sociedade livre de convivas, como não
está um partido politico, cujos membros se achem
somente ligados
DIREITO DE ASSOCIAÇÃO 561
pelo accordo das opiniões. A expressão «tomar parte»
designa a qualidade de sócio, a qual pôde ser reco-
nhecida não em virtude de uma admissão formal
(titulo de sócio, pagamento da contribuição, etc.)
como também em razão de uma admissão meramente
de facto. A lei qualifica somente o facto de tomar
parte; os fundadores de uma sociedade não podem
pois ser punidos, quando não são membros delia (
2
).
1." Tomar parte em uma sociedade, cuja
existencia, organisaçâo ou fins devem ser occultos ao
governo, ou cujos membros obrigam-se a obedecer a
chefes desconhecidos ou a obedecer incondicional-
mente a chefes conhecidos (art. 128). Não é neces-
sário que a manutenção do segredo seja imposta ex-
pressamente; também não é necessário que de facto o
segredo tenha sido guardado, uma vez que tal seja o
intuito. As lojas maçónicas e as ordens religiosas
(jesuítas) incidem na lei, como qualquer outra
associação, desde que se dêm estes requisitos (e es-
pecialmente a obediência absoluta).
Penas : contra os membros, encarceramento até 6
mezes; contra os fundadores e os directores en-
carceramento de um mez até um anno. Contra func-
cionarios públicos pôde ser pronunciada a perda da
capacidade para o exercício de cargos públicos pelo
tempo de um até 5 annos.
2.° Tomar parte em sociedade que tenha por
um dos seus fins ou por uma de suas occupaçÕes
impedir ou paralysar por meios illegaes (ainda que
não puníveis) a execução de leis ou de medidas to-
madas pela administração publica (art. 129).
(») Egualmente O. Meyer, 884, Olshausen, i 128. Contra, a dec.
do Trib. do Imp. do 1.° de Maio de 82, 6.°, 216. A favor da doutrina
do texto milito tombem o art. 17 da lei «obre os socialistas, que
expressamente distingue a qualidade de sócio e a actividade exercida
no interesse da sociedade.
í
562
TRATADO DE DIREITO PENAL
Penas: contra os membros, encarceramento até um
anno; contra os fundadores e directores da so-1 ciedade,
encarceramento de 3 mezes a 2 annos. Contra os
funccionarios públicos pôde ser pronunciada a perda da
capacidade para o exercício de cargos públicos pelo
tempo de um até 5 annos.
m °
E
r
ftWfcCè,
[
VII
§ 186.— Acções puníveis contra a policia de
segurança
LITTERÀTUBA.— Sobre a questão dos remédios se-
cretos, Frank, 7, 8.°, 51; Bahte, HSt, 3.°, 726.
I.— A legislação imperial incluio entre as con-
travenções uma serie de infracções pertencentes a esta
categoria, as quaes todas têm caracter puramente policial e
bem podiam ter sido deixadas á regulamentação local.
Entram neste numero as violações daquellas disposições
que são tomadas para o fim de proteger-se a vida, o
património e de um modo muito geral a ordem publica.
Uma discriminação precisa em relação ás demais
contravenções policiaes não é possível nem
imperiosamente reclamada.
II.— Como pertencentes a este grupo mencio-
naremos as seguintes contravenções:
Art. 361, n. 9, do C. p. (ver o § 37, nota 2.'). Incorre
na pena de detenção quem deixar de desviar meninos ou
outras pessoas, que estejam sob o seu poder e inspecção e
com as quaes conviva, da pratica de furtos, ou de
infracções das leis aduaneiras ou fiscaes, ou das leis
concernentes á protecção das florestas, searas, caça ou
pesca. Esta disposição não prejudica a responsabilidade
pelas multas ou outras prestações pecuniárias que caiba
564 TRATADO DE DIREITO PENAL
ao autor. Em vez de detenção, pôde ser imposta
uma multa até 150 marcos.
Pertencem outrosim ao mesmo grupo as contra-
venções definidas nos arts. 366, ns. 2 a 10, 366 a, 367,
ns. 2 a 6, e 8 a 15, 367 n. 5 a (accrescen-1 tado pela lei
de 13 de Maio de 1871), 368, ns. 1 a 9, 369, ns. 1 a 3.
Destas disposições basta-nos destacar-uma, cuja
modificação ou substituição tem sido varias vezes
pedida nestes últimos tempos. Segundo o art. 367, n. 3,
é punido com multa até 150 marcos ou com detenção
quem, sem autorisação da policia, preparar, tiver á
venda, vender ou de outro modo passar a outrem
venenos ou medicamentos, cujo commercio não é livre.
Assim a legislação imperial não sujeita a penas a venda
ou o annuncio de «remédios secretos». Consideram-se
como taes aquelles, cuja composição e preparo não são
declarados nem conhecidos das pharmacopéas do
Estado. A legislação estadual não pôde sujeitar a penas
a venda de taes remédios (em razão da lei sobre a
industria e da ordenança de 4 de Janeiro de 1875), mas
somente o respectivo annuncio (*). E' desejável uma
regulamentação por lei imperial.
______
(') Deve-se pois considerar como ainda vigente o art. 86 da lei
franceza de 21 de Germinal, anno XI. Neste sentido a dec. do Trib. do
Imp. de 21 e 28 do Nov. de 87, 16.*, 869.
vm
§ 187.— Acções puníveis contra a policia -
sanitária
LiTTERATUBA. Wahlberg, opúsculos, 3.°, 293;
Hálschner, 2.°, 677 ; os tratados de direito administrativo.
Goschkareten, Die Gesetzbung betreffenâ das Gesund-
heilsicesen im Deuhschen Reich, 1888; Wiener, Handbwch der
Mediziíuãgesetzgébung des Deutsehen Reichs, 2." v., 1883-
1887. Ao n. II, Wengler, Die Viehseuehengeselzbung
Deutschlands, 1881 ; Damann, W V., 2.°, 809: Stenglein,
N G., 403 Ao n. III, Bapmnnd, Da» Reichsimp/gesetz,
1889 ; Herbst, G A., 40°, 273; Kleinfeller, N G., 313.—
Ao n. IV, Hermes, W V., 2.°, 329 ; E. Loning, H St, 5.°,
882; Stenglein, K G., 544.
A legislação imperial procurou garantir a obser-
vância das disposições concernentes á sanidade, quer
decretadas pelo Império em virtude do art. 4 n. 15 da
Constituição imp., quer pelos Estados, comminando
penas em parte muito rigorosas. _
A este grupo pertencem:
I.— As violações das disposições relativas á
prevenção de epidemias (art. 327), das quaes
tratámos acima como crime de perigo commum
151).
II.— As violações das disposições que m por
fim prevenir a introducção ou a propagação de
epizootias. , x
1.° A sciente violação das medidas de isola-
mento ou de vigilância, ou sobre prohibições de
566 TRATADO BE DIREITO PENAL
importação tomadas pela autoridade competente (art.
328), das quaes também tratámos no § 151. 2.° A lei
de 21 de Maio de 1878 concernente ás infracções das
prohibições decretadas para o fim de prevenir-se a
peste bovina, assignala um caso especial, comminando
penas superiores e em parte ampliando as
circumstancias constitutivas do facto, de sorte que o
art. 328 do G. p. só tem ajpplicação subsidiariamente.
a) Infringir scientemente as disposições re-
strictivas ou prohibitivas da importação de ruminantes
vivos decretadas em virtude da lei de 7 de Abril de
1869 (art. 1). Penas: encarceramento de um mez até 2
annos. A tentativa é punível (ao passo que não o é,
segundo o art. 328 do C. p.). A acção consiste na
importação contraria ao preceito prohibitivo ('). O
conhecimento da prohibição é necessário para a
punibilidade do facto. A acquisição para o fim de
importação é acto preparatório isento de pena (').
b) O caso é qualificado (art. 2), quando o agente
commette a infracção na intenção (equivalente a
motivo) de obter para si ou para outrem um lucro
pecuniário (não necessariamente illegal; § 160, notas 5
e 6), ou de causar damno a outrem (não
necessariamente ao património de outrem). Penas :
reclusão a6 annos ou encarceramento por tempo não
inferior a seis mezes.
e) Infracção culposa das disposições restrictivas
ou prohibitivas a que se refere a letra a (o art. 328 do
O. p. qualifica a infracção commettida «cien-
temente). Penas: multa até 600 marcos ou encar-
ceramento até 3 mezes (art 3 da lei). Com relação
(') A' autoria o 4 cotnplicidade têm appiicaçlo <M principio* geraef.
Inteiramente confuso Stenglein, 404. (*) Incorrectamente Stenglein,
406.
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA SANITÁRIA 667
ás pessoas, cujo domicilio ou residência habitual não distar
mais de 15 kilometros da fronteira, ou que fizerem
profissão de negociar com taes animaes, pre-sumir-se-ha
culposa a ignorância da prohibiçâo, salvo si provarem que,
sem culpa sua e em razão de cir-cumstancias especiaes,
não puderam ter conhecimento das medidas prohibitivas (§
35, nota 2.")
d) íji em consequência da infracção, o gado for
atacado do mal, o agente incorrerá no caso a em
encarceramento por tempo não inferior a 3 mezes, no caso
b em encerramento até 10 annos, no caso c\ em multa até
1.000 marcos ou encarceramento até um anno.
3.° Falta de exacção no desempenho da obrigação
de desinfecção que incumbe ás administrações de vias-
ferreas por occasião do transporte de gado. Segundo o art.
5 da lei de 15 de Fevereiro de 1876, as pessoas a quem
incumbe, em razão do seu emprego ou de um mandato,
ordenar, executar ou fis-calisar a desinfecção, incorrem em
multa até 1.000 marcos e, si em consequência da falta de
exacção o gado fôr atacado do mal, em multa até 3.000
marcos ou encarceramento até um anno. i 4.° A lei de
23 de Junho de 1880, modificada pela lei do 1.° de Maio
de 1894 (servio-lhe de modelo a lei prussiana de 25 de
Junho de 1875), concernente á prevenção e á suppressão de
epizootías (exceptuada a peste bovina) contém uma serie
de disposições, cujas infracções são punidas com penas
próprias da contravenção quando o incorram em penas
superiores nos termos das leis em vigor. A importância da
lei com relação ao art. 328 do C. p. está em que o
conhecimento das medidas decretadas não é circumstancia
elementar do facto, e consequentemente incide também na
lei a ignorância culposa. A exclusão da peste bovina, que
ao legislador aprouve fazer, tem esta consequência: as
transgres-
568
TRATADO DE DIREITO PENAL
soes das medidas decretadas contra a peste bovina, que
não forem restricções ou prohibições da importação,
podem ser punidas, quando scientemente com-
mettidas.
III. As violações da lei imperial de 8 de Abril
de 1874 concernente á vaccinação, quando
commettidas pelos pães, pães de creação, tutores,
directores de escola, bem como por quem? vaccinar
sem autorisação, sujeitam a penas próprias da con-
travenção. Penas próprias do delicto (multa até 500
marcos ou encarceramento até 3 mezes) recaem sobre
quem se houver culposamente na operação da vac-cina
(§ 41, 1).
IV. A lei imperial de 3 de Julho de 1883
concernente á prevenção e á suppressão da phylo-xera,
lei decretada para a execução da convenção
internacional de 3 de Novembro de 1881, pune as
infracções respectivas com multa até 150 marcos ou
detenção.
V. Outras comminações penaes de que, por
connexidade de matéria, tratámos em outros lo-
gares ou com que ainda nos occuparemos, dizem
também respeito, no todo ou em parte, á policia
sanitária. Taes são algumas comminações da lei
sobre os viveres 156), varias disposições sobre a
policia dos costumes 188) e a policia industrial
(§ 190) e prescripções relativas á das construcções etc.
IX.
§ 188. — Acções puníveis contra a policia
dos costumes
LITTERATURA. — Ao n. I, Krauss, H G., 2?, 407;
Miinsterberg, W V., 1?, 191; congresso de Roma sobre
prisões (1885) 1?, 507, 2?, 558, com informações copiosas;
Kòhne, Z, 9? 282; Beonecke, 36?, 553: Rotering, G A.,
322, 34?, 123; Puld, G 8., 36?; 553; Benedikt, Z, 11?,
710; Stolling, TJéber das Umherziehen ais Lastreieher,
1891; Lentner, Bettelunfug und Bettélbetrug, 1892; Bertscb,
TJeber Landstreicherei und Bettel, 1894; Sichart, Z, 13?; 1.
Os trabalhos da União Internacional de direito penal de
Paris, 1893. — Ao n. II, motivos do projecto de uma lei
imperial de 1881 e 1892; v. Oettingen, Moralstatistilc, 3'.
1
ed.; Bar, Der Alcoholismus etc., 1878; o mesmo, Die Trmik*
sucht und Vire Abwehr, 1890; Martins, Der Kampf gegen
Álkoholmissbrauch, 1884; Krauss, H G., 2?, 401; Fuld, G.
8., 40.°, 401. Trabalhos do 19? e 20? congr. dos jnr. alie-
mães; congresso de 8. Petersburgo sobre prisões (1890;
especialmente os relatórios de Heinze e v. Lilienthal). A
legislação estrangeira é indicada no appenso ao projecto
allemão de 1892. Indicações litterarias no H St, 4.°, 1155.
— Ao n. IV, Krauss, H G., 2.°, 404, v. Oettingen,
Moralstalistik; Stnrsberg, Die Frostitution und ihre
Bekãmpfung, 2 ed., 1887; Schmãlder, Die Bestrafung und j
polizeiliehe Behandlung der gewerbmâssigen Unzucht, 1892;
Oarlier, Les deux prostitutions, 1887; Barre, G A, 40.°,
127; Benk, H St, 5.°, 295; Z., 13.°, 110; Tarnowsky,
Frostitution und Abolitionismus, 1890, projecto de uma lei
imperial de 29 de Fevereiro de 1892 (lei Heinze). — Ao n.
V, exposição completa de v. Hippel, Die Tierquãlerei \in
der Gesetzgebung des In und Auxlaes, 1891; Scholl, Z.,
13.°, 279; Kõhler, G 8., 47.°, 32; Bregenzer, Tierethik,
exposição sobre as relações moraes e jurídicas entre o
570 TRATADO DE DIREITO PENAL
homem e o animal, 1894. Ao n. VI, v. Lilienthal, H.
H, Unfug; Frank, G A, 34.°, 145, G A, 36.% 267, G A, |
38.°, 418 ; v. Bar, G 8, 40/, 429; Leuthold, W V., 2.
#
,
645; GillischwsM, G A., 39.', 129; Hacke, Der grobe
Unfuff, 1892; EoterLng, fhhrUusiglcett, 62; Kukotscb, Grober
Utifug, uma apreciação opportuna, 1892. Ao n. VIL
Leuthold, W V., 2.', 278. Ao n. VIII, Miiller, W
V., 2.», 467. H
I. O art. 361, n. 3 c 4, do C. p. pune com a pena de
detenção a vagabundagem e a mendicidade. A detenção
pôde ser acompanhada de trabalho I forçado (§ 62, II, 4),
bem como a sentença pôde pôr o condemnado á disposição
da polícia superior (art. 362). O que caracterisa
essencialmente a vagabundagem é o facto de vaguear-se,
mendigando, de um Togar para outro. Nfto está pois neste
caso o vadio das grandes cidades ('). Como culpados de
mendicidade são punidos os que mendigam, mandam ou
induzem meninos a mendigar, ou o desviam I da
mendicidade pessoas que se achem sujeitas ao seu poder ou
vigilância e com as quaes convivam sob o mesmo tecto.
Mendigar é invocar a compaixão publica, e com isto o acto
se consumma, embora não se siga o resultado desejado.
Differente do facto de mendigar para si ou para outrem é o
de fazerT collecta para pessoas estranhas.
(•) A lei, diz OUhausen (} 361, 1) qualifica o wguiar, a cale deva —r d* HW»
lufar para outro; náo basta pois o percorrer uma srxando cidade, como o está indicando
o vocábulo laiuhtreicken. Além disso, a vagabundagem, que aliás não 6 incompatível
com a posso de um domicilio, deve ser um vaguear é custa alKtut e como meto am
mdm. K" portanto um delicto que pertence á categoria do* denomi-nados • delicto*
collectivos a retine em ai todos os carartarca écm de- I lietot pot habito - da pnimtt,
O no«» direito (art. M0 do 0. p- braa.) náo qualilca propriamente O vaguear, mm o
«adiar, isto 1é, o deixar alguém de exercitar prviaáio, offlcío ou qualquer mister em
que ganhe a vida, não possuindo meio do subsistência <• domicilio corto em que ha
bit*;». V. do trad.
mm
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA DOS COSTUMES 571
Não é possível lutar eficazmente contra estes,
dous delictos congéneres sem, de um lado, propor-
cionar-se trabalho aos que o procuram (estações de
alimentação, colónias de trabalhadores, escriptorios
para a indicação de trabalho) e, de outro lado, sem
penas de longa duração appÚcaveis aos mendigos e
aos vagabundos incorrigiveis (
b
).
H (
b
) Desde 1870 tem-se desenvolvido na Allemanha diversas instituicções
destinadas a indivíduos realmente necessitados e errantes á procura de trabalho,
tendo-se em vista distinguil-os dos mendigos e dos vagabundos para proteger
os primeiros e deixar os segundos á perseguição da policia. A' parte a
assistência dos pobres de data muito anterior, figuram entre essas instituições:
a) as estações de alimentação (Naturalverpflegstatíonen), onde fornece-se
alimentação, em troca de trabalho, a trabalhadores errantes e assim habilitam-se
os que o procuram a seguir viagem, mantendo-se ao mesmo tempo severamente
a prohibição da mendicidade. O agasalho 6 por tempo limitado e exi-gem-se
papeis que attestem a identidade da pessoa. Km 1887 existiam na Prússia 917
estações deste género, õ) Colónias de trabalhadores (Arbeitercolanien)
destinadas á recepção de pessoas aptas para o trabalho, mas provisoriamente
desoccupadas; também alti o trabalho é condição do agasalho. Em 1889
existiam 20 colónias na Allemanha. Elias formam uma vasta associação
(particular), a cuja frente está uma directoria central com sede em Berlim,
cabendo a administração de cada colónia a um comité local. A principal
occupação é a agricultura. e) Escriptorios para a indicação de trabalho
(ArbeiUnachv>eiJ). Frequentemente ligados ás mencionadas instituições e
muitas vezes soa, | esses escriptorios servem de intermediários entre a offerta e
a procura de trabalho.— Taes instituições porém, dia Rumpelt (St. W., 6, 968),
não dispensam o Estado de lançar mão de medidas policiaes. Si já em tempo de
paz a mendicidade occasiona nas cidades o furto, nos campos o roubo e a
extorçào, a vagabundagem nos dias de commoçâo apre-senta-se sempre como
um elemento predisposto a violências e á destruição. Em face desse perigo o
Estado deve ter apparelhadas as suas armas. A única pena accommodada,
efficaz e sensível para os mendigos é coagil-os a um trabalho duro e duradouro.
Tal é também o voto do congresso sobre as prisões, reunido em Roma em
1886: « que 1' indigent qui, malgrê cette assistence ainsi reglée, se livre au
vagabondage et
572 TRATADO DE DIREITO PENAL
II. A lei commina a mesma pena nos quatro
seguintes casos entre si connexos:
1.° Nella incorrem os que se dão ao jogo, á
embriaguez ou á ociosidade de modo a cahir'
(justamente por esse procedimento) em um estado tal
que, para a própria sustentação ou para a sustentação
das pessoas, euja alimentação lhes incumba, se faça
mister auxilio estranho por intermédio da autoridade
(art. 361, n. 5).
2.° Os que, recebendo soccorros da assistência
publica,' recusarem, por indolência, dar execução aos
trabalhos proporcionados ás suas forças de que a
autoridade os incumbir (art. 361, n. 7).
3.° Os que, tendo perdido a sua pousada
ordinária, não obtiverem outra no praso fixado pela
autoridade, salvo justificando que para este fim fize-
ram todas as diligencias necessárias (art. 361, n. 8).
4.° Os que, estando em condições de poder
sustentar as pessoas, cuja alimentação lhes incumbe,
esquivam-se ao cumprimento deste dever, apezar de
intimados pela autoridade competente, de modo que se
faça mister auxilio estranho por intermédio da
autoridade (art. 361, n. 10, accrescentado ao C. p. pelo
art. 2 da lei de 12 de Março de 1894, concernente á
modificação da lei sobre o domicilio de assistência e á
reforma complementar do cod.).
Não se encontram pois disposições especiaes na
legislação imperial contra a embriaguez ('). Os
tombe ftous le coup de IA loi, aolt puni séVercmont par doa Iravaux
obligatoires dana d es maisons de travai),» N. do trad.
(>) Sobro o C. p. mil. ver Hecker, 290, e adeante o | 202, XI.I C.
A lei lobre gente do mar pune aquelle que te embriaga, eatande no
serviço do navio. Ai Ma imperiaee etrrrilorieea desde o aeculo XVI até
o século XVIII oontinbaiu numerusee t-omminacãet contra a intem-
penui^jk e n embriaguez.
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA DOS COSTUMES 573
projectos de 1881 e 1892 nfto tiveram seguimento.
Seria desejável: 1.° a punição de quem se embriaga e
no estado de embriaguez pratica uma acção pu-niyel
(isto é, a punição da embriaguez como delicto MM
generis)', 2.° uma rigorosa aggravão da reincidência,
dados os mesmos requisitos; 3.° a custodia dos ébrios
habituaes em asylos especiaes, podendo a detenção
tornar-se perpetua, quando isto se fizesse mister e
cfepois de declarada a interdicção; 4.° a prohibiçâo da
venda a retalho de bebidas alcoólicas a pessoas jovens
ou embriagadas, bem como aos ébrios. Seria pelo
contrario completamente erróneo pretender modificar
os principios geraes sobre a im-putabilidade.
III.— Em 16 de Abril de 1887 foi assignado em
Haya pelos plenipotenciários do Império da
Allemanha, da Bélgica, da Dinamarca,, da França, da
Inglaterra e da Hollanda o tratado internacional para
«a suppressão do trafico de aguardente no alto mar
entre os pescadores do mar do Norte ». Tendo a
França recusado ratificar o tratado, os
plenipotenciários dos outros Estados resolveram, na
conferencia de 14 de Fevereiro de 1893, que elle fosse
executado sem a França. A 11 de Abril teve logar a
troca das ratificações. Seis semanas depois o tratado
entrou em vigor.
Dentre as disposições estipuladas devem ser
mencionadas neste logar as seguintes:
H 1.°, o art. 2 do tratado prohibe: 9
a) a venda de bebidas espirituosas a pessoas que
se achem a bordo de um barco de pesca ou que
pertençam a um barco de pesca;
b) a venda de ditas bebidas por parte de taes
pessoas;
c) a troca de ditas bebidas por quaesquer
objectos, e nomeadamente por productos da pesca,
574 TBATADO DK DrEBITO PJ5NAL
apparelhos de pesca ou objectos próprios para a
esquipação de navio.
2.° O direito de vender a pescadores (excepção
feita de bebidas espirituosas) provisões de bocca e
outros objectos que sirvam para o uso delles depende
de uma concessão por parte do Estado, a que o navio
pertence. Os navios que gosa-rem dessa concessão
devem trazer um distinctivo especial.
3.° As potencias contractantes obrigaram-se a
decretar as necessárias comminações penaes para a
observância das disposições do tratado.
Deste dever desempenhou-se o Império dal
Allemanha, promulgando a lei de 4 de Março de 1894,
segundo a qual as infracções dos arts. 2 e 3 do tratado
que acima mencionamos sob os ns. 1 e 2, quando
commettidas no alto mar, são punidas com multa não
excedente a 600 marcos ou encarceramento até 6 mezes
(art. 1). As comminações penaes são também appli
caveis (art. 2) ás infracções com-| mettidas nas aguas
territoriaes allemães do mar do Norte, qualquer que
seja a nacionalidade do navio ou barco.
IV.— Uma rigorosa vigilância da prostituição,
emquanto devermos considerar impossível extirpal-a,
é imperiosamente exigida no interesse tanto da policia
dos costumes como da policia sanitária. Importa
também não perder de vista a ligação entre a libi-
dinagem de profissão e os criminosos. A severa
vigilância das prostitutas localisadas e sujeitas á
inspecção, e a implacável perseguição das meretrizes
de rua ou clandestinas são as medidas que melhor
corresponderiam ás eircumstancias actuaes, e que
tornariam dispensáveis disposições especiaes contra os
rufiães. Poderia então deixar de ser punida como
lenocínio a locução de casas a prostitutas. Tal era,
INFRACÇÕES CONTRA. A POLICIA DOS COSTUMES 575
pelo menos em parte, o ponto de vista do projecto de 1892
(lei Heinze). Até aqui a legislação imperial (texto de 1876)
não tem tomado também nesta matéria mais do que meias
medidas.
No art. 361, n. 6, o 0. p. pune com a pena de detenção
as mulheres que, estando sujeitas á fiscalisação da policia
por fazerem profissão da prostituição, violarem as
prescripções policiaes decretadas a*hem da segurança da
saúde, da ordem ou da decência publica, ou que fizerem
profissão da prostituição, sem estarem sujeitas a tal fisca-
lisação. A detenção pôde ser acompanhada de trabalho
forçado 62, II, 4), e a sentença con-demnatoria pôde
ordenar que a fique á disposição da policia superior
65, II).
V.— 1.° A crueldade para com os animaes (que a
Inglaterra punia no século XVIII, e que na Alie manha
em 1838 foi pela primeira vez expressamente prevista
pela Saxonia) é punida pela legislação imperial, não— e
com razão —como reconhecimento de que os animaes
tenham direitos («protecção dos animaes»), mas como
ofiensa ao sentimento moral da população. O art. 360, n.
13, do C. p. commina multa não excedente a 150 marcos
ou detenção contra quem de publico ou de modo a causar
escândalo atormentar perversamente ©u maltratar
brutalmente animaes. O tormento que resulta de
experiências em animaes vivos, especialmente a
vivisecção, quando praticado a bem da sciencia e segundo
os seus preceitos por pessoas competentes, como exercicio
de profissão juridicamente reconhecida, não sujeita a
penas. Mas, dado que excedidos sejam os limites traçados
pelo fim da investigação scientifica, tal facto só é punivel,
segundo a redacção actual do art. 360, n. 13, do C. p.,
quando praticado publicamente ou de modo a causar
escândalo. Cumpre examinar si estes dois requisitos não
576 TRATADO DK DIREITO PDÍAL
poderiam ser supprimidos, aggravando-se ao mesmo
tempo a pena (").
2,°, Devemos também mencionar aqui que as
infracções da lei de 22 de Março de 1888 oonoer-
nente a protecção dos pássaros (*), e as infracções
das medidas decretadas pelo Bundtsrai ex-m da
mesma lei o punidas com penas próprias da contra-
venção.
Trata-se, em substancia, 1.* do facto de tirar
ou destruir ninhos, ovos ou avesinhas, 2.* da ca-
ptura em massa, 3.* da caça em tempo prohibido.
Nas mesmas penas incorre aquelle que deixa de
desviar da pratica de ta es actos meninos ou outras
pessoas que estejam sujeitas a seu poder ou vigi-
lância e com as quaes conviva (art. 6).
VI. — Desordem grave. Incorre na pena de-
clarada sob o n. V, 1, aquelle que, indevidamente,]
fizer barulho que perturbe a tranquillidade publica
ou causar uma desordem grave (art. 360, n. 11). Esta
disposição, tirada do AUg. Landrec/if, art, 183 (ou de
uma ordenança prussiana de 17 ilu Agosto de 1835)
tem por lini proteger o publico (a ideia contraria é -
também aqui um circulo limitado de j pessoas) contra
actos dolosos e próprios a causar um incommodo
immediato. R' muito discutido o que se deve entender
por «desordem grave a. Para que o art. 360, n. 11,
não se converta em uma disposição subsidiaria que
comprehenda tudo, faz-se mister
(•) A K-i tagl«U do MM (crmtts to «nimah «(, N i M, Vkt. c, 77)
neatring i utd«nv«]Bieato M expuifladM acienliflow •obra anlmae*.
Katratanto MU M alo é mata vincas do que a in*jw-l cçio p-r parte doa
minitlerio* da iartruoçfto publica Da Allcmanha. O taa MBH da JKIVO
aliemio aabari defciiJ-r intaroaaa da livre inreatigaçao contra
exigência» «xeaaaivaa da um «enUmentalUnto eialtado PlanamaanU
da aooorJ.i roa llippel.
' Ktainfaltar, .S. u. ::. Bdtçio do tailo do Iteitw, l**t
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA DOS COSTUMES 577
uma limitação que aliás não resulta da ideia de « des-
ordem» (ver o § 116) nem do qualificativo «grave». Como
a lei equipara á «desordem grave » o « barulho que
perturba a tranquillidade publica», a limitação pôde ser
encontrada na direcção do acto contra «a ordem publica
externa». Neste caso estaria o facto de dar-se causa a um
ajuntamento de pespoas nas ruas (mediante pregão ou
affixação de noticias inquietadoras, exposições, procissões,
gritos de fogo etc.); mas não estariam o boycoit (
d
),
annuncios pela imprensa etc. {*). E' inútil dizer que tanto o
barulho como a desordem podem ser causados por meio do
emprego de instrumentos vivos (cães etc).
VII. — Nilo observância da hora policial.
Incorre em multa não excedente a 15 marcos aquelle
que permanece, além da hora determinada pela policia,
em uma taverna ou lugar de diverti-
(*) A jurisprudência também a do Trib. do Imp. nas dec. de 17 de
Maio de 87, 16, 98, 8 de Junho de 89, 19.°, 294— vae muito longe. De
accordo no essencial Berner, 672, Frank, Gillischewski, Hacke, v. Meyer, 10,
20, Olshausen jj 360, n. 11, e especialmente v. Bar.
(
d
) O meio de combate denominado boycott deriva o seu nome do
inglez Charles Cunningham Boycott, agente de lord Eme, que na Irlanda
provocou contra si o ódio da landleague e a interdicção por esta lançada contra
elle. O systema propagou-se na America e Europa. Na Alleraanha
«entende-se por boycott, diz M. Heckel (Stw., v. supl., 262), a interdicção
lançada contra um industrial pela associação dos operários, interdicção que
oxclue do commercio os productos do industrial perseguido. A medida é pois
dirigida não tanto contra o industrial odiado ou contra um grupo de industriaes,
quanto contra as suas mercadorias. Des farte os industriaes devem ficar
arruinados, e nenhum operário pôde entrar em qualquer relação com os
interdictoa sem incorrer também na interdicção. O boycottismo serve para
completar e reforçar as grèees e para submetter o capital ás exigências do
trabalho». N. do trad.
678 TBATADO DE DIBEITO PÉM AL
mento publico, apezar de advertido pelo dono do
estabelecimento ou pelo seu representante, ou por um
agente policial.
0 dono do estabelecimento, que tolera a presença
de freguezes em hora prohibida, incorre em multa não
excedente a 60 marcos ou detenção até 14 dias (art.
365).
VIII. As infracções das prescripções (esta-
duaes) decretadas para a protecção da guarda dos
domingos e dias de festa são punidas com multa até 60
marcos ou detenção até 14 dias (art. 366, n. 1).
X
§ 189. — Acções puníveis contra as
moedas e os bancos dò Império
LITTERATUBA. lschner, 2.°, 976: Kleinfeller, N.
O. 247; Steinglein, N. G., 205.
I. Segundo o art. 13 da lei sobre moedas
de 9 de Julho de 1873 compete ao Bundesrat fixar
o valor, além do qual não podem ser oíferecidas e
dadas em pagamento moedas estrangeiras de ouro e
prata, bem como prohibir a circulação de moedas
estrangeiras.
As infracções das prescripções decretadas pelo
Bundesrat, quando praticadas por habito ou como
profissão 55), são punidas com multa até 150
marcos ou detenção até 6 semanas.
II. Da attribuição que lhe foi conferida pela
constituição federal para legislar sobre bancos, o
o Império fez apenas uso a respeito das notas dos
bancos de emissão. Das disposições da lei de 14 de
Março de 1875 sobre bancos interessam-nos as se
guintes :
1.° E' prohibida a emissão não autorisada de
notas bancarias ou de outros títulos ao portador e sem
juros (neste numero comprehende-se também a
emissão de notas bancarias de valor inferior a 100
marcos). Art. 55.
Penas : multa equivalente ao decuplo da impor-
680
TRATADO DE DTREITO PENAL
tancia dos títulos emittidos. A multa não pode ser
inferior a 5.000 marcos.
2.° Segundo o art. 43 da lei as notas de um
banco que, ao tempo da publicação da mesma lei,
achava-se no goso do direito de emissão, não podem
servir para pagamento fora do Estado que lhe con-
cedera tal faculdade. Esta prohibição com prebende
também a troca das notas por outras, ou yor moedas ou
papel-moeda.
As infracções são punidas nos termos do art. 56
com multa até 150 marcos.
3." Notas de bancos estrangeiros ou outros
títulos ao portador e sem juros, emittidos por estran-
geiros ou por corporações ou sociedades estrangeiras,
não podem servir para pagamento no território do
Império, quando seu valor é indicado, exclusivamente
ou não, em moeda do Império ou de um dos Estados da
Allemanha (art. 11).
Penas i multa de 50 até 5.000 marcos. Si a
infracção é praticada como profissão, o infractor
incorre, além da multa, em encarceramento até um
anno (art. 57). A tentativa é punível.
4." —- Aos bancos de emissão é prohibido: aj\
aceitar letras de cambio; b) comprar ou vender a prazo,
por conta própria ou alheia, mercadorias ou títulos que
tenham cotação, bem como constitui r-se garantes de
taes operações.
Os membros da directoria, que infringirem esta
disposição, incorrem em multe até 5.000 marcos' (art.
68).
5." Os bancos que, ao tempo da promulgação
da lei. achavam-se no goso do direito de emissão, não
podem, fora dos limites do Estado, que lhes concedeu
essa faculdade, effectuar por sua conte operações
bancarias por meio de filiaes ou de agentes, bem como
não podem, como sócios, ter_pjwte_ejn_
estabelecimentos bancários (art. 42) .1
MOEDAS B BANCOS DO IMPEE.IO
581
Por infracção desta disposição os directores do
estabelecimento filial, os agentes e os sócios do banco
e os membros da respectiva directoria são punidos
com multa até 5.000 marcos.
6.° Expor scientemente de um modo falso ou
incompleto a situação do banco nas publicações que a
lei exige (no art. 8).
Penas (contra Os membros da directoria): en-
carceramento até 3 mezes (art. 56, n. 1).
7." Organisar inexactamente os balanços exi-
gidos no art. 10, resultando d'ahi indicar-se, como
total da circulação das notas sujeito ao imposto, uma
somma inferior á somma real (art. 59, n. 1).
Penas (contra os membros da directoria): multa
equivalente ao decuplo do imposto defraudado, não
podendo ser a multa inferior a 500 marcos.
8.° — Na mesma pena (mínimo o decuplo da
emissão illicita) incorrem as mesmas pessoas, quando
o banco eniitte mais notas do que lhe é permittido
fazer, ou quando a corporação, autorisada a emittir
títulos ao portador e sem juros, excede o limite da
autorisação (art. 59, n. 3).
XI -ACÇÕES PUNÍVEIS CONTRA A POLICIA
INDUSTRIAL
§ 190.—I. Infracções da lei sobre a industria
LITTER ATURA.— Os commenfcarios á lei sobre a in-
dustria, Meves, Die StrafbeMimmungen der Getcerbeordnung
na Geaetzgebung de Bezold, 3?, 1; Kuleuiann Der Arbei-
terschutz somt und jezt in Deutschland uiul im A usland; Seuf-
fert StG, 46, Landmann, HSt, 1? 41; Appelius, N. O., 713.
Fontes : a lei sobre a industria de 21 de Junho
de 1869 (novo texto, segundo a lei do 1.° de Julho
de 1893), modificada pela lei do 1.° de Junho de
1891. Por esta ultima lei «protectora dos operio as
disposições da lei sobre a industria foram desen-
volvidas no sentido da mensagem imperial de 17 de
Novembro de 1890 para o fim de impedir-se a explo-
ração dos operários industriaes (ou pelo menos de al-
gumas de suas classes) pelos patrões, regular-se a
vida, a saúde, a moralidade e a educão dos operários
le pôr-se sob a fiscalisaçao do Estado os contractos re-
lativos ao trabalho (ordem do trabalho nas" fabricas).
I. Nos arts. 143 a 153 (prescindindo-se do
caso de constrangimento de que já tratámos no § 99, V)
la lei sobre a industria sujeita a penas os seguintes
factos:
I 1.° Violar o industrial (art. 116) a obrigação
que lhe incumbe de pagar o salário dos seus ope-
rários em dinheiro e em moeda corrente do luv
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA INDUSTRIAL 583
peno (art. 146, n. 1, prohibiçao do «systema da troca»
ou do pagamento do operário em mercadorias). Se-
gundo o art. 115, não podem os industriaes creditar
mercadorias aos seus operários; mas podem fornecer-
lhes ou proporcionar-lhes viveres pelo preço da ac-
quisão, medicamentos e assistência medica, o alo-
jamento e o goso da terra, mediante o aluguel ou a
renda que for de uso no logar, o combustível, a luz, o
sustento ordinário, bem como os instrumentos e os
materiaes necessários ao trabalho de que estejam in-
cumbidos, levando em conta o valor de taes prestações
na occasião do pagamento do salário. As violões dos
preceitos relativos ao pagamento do salário e aos
descontos (art. 115 a, «não nas hospedarias e nas
tavernas» etc), bem como á retenção do salário (art.
119 a) são punidas nos termos do 148 n. 13.
2.° Violar as disposições dos arts. 135, 136 e
137 ou as disposições que forem decretadas em
virtude do art. 139 e 139 a, sobre o emprego de
menores e de mulheres nas fabricas (art. 142, n. 2);
violar as disposições dos arts. 41 a, 55 a, 105 b até g
sobre o descanso nos domingos e dias de festa (art.
146 a) ; violar as prescripções relativas á manutenção
da decência e dos bons costumes (art. 120 a até e, art.
147, n, 4); impedir que os operários menores de 18
annos (art. 120) frequentem as escolas de
aperfeiçoamento (art. 150, n. 4); explorar uma fabrica,
onde não exista regulamento sobre o trabalho (art.
134 a), ou não observar as ordens da autoridade (art.
134 i) sobre a substituição ou as modificações de tal
regulamento (art. 147, n. 5); não cumprir o dever (arts.
134 e e g) de submetter á autoridade dito regulamento
(art. 148, n. 12).
3.°__ Violar a prohibiçao (art. 56, n. 6) de
offerecer-se á venda, em commercio ambulante, ma-
térias explosivas, especialmente fogos de artificio,
pólvora e dynamite (art. 146, n. 4) ; explorar por
584 TRATADO DE DIREITO PENAL
conta própria uma industria sedentária, que não]
possa ser iniciada sem autorisaçâo especial da po
licia (concessão, approvação, nomeação), bem como
abrir um estabelecimento industrial que, para ser
explorado, precise de autorisaçâo com relação á si
tuação ou ás condições do local ou ás condições de
installação, antes de obtida a necessária autorisaçâo
(art. 147, ns. 1 e 2) (*.).
f
4.° Intitular-se indevidamente medico (cirur-
gião, oculista, parteiro, dentista, veterinário) ou usar de
titulo análogo, pelo qual quem delle usa faça crer ser
pessoa examinada pertencente ao corpo medico (art.
147, n. 3).
5.° Iniciar uma industria sedentária sem fazer
as declarações que a lei exige (art, 148, n. 1); deixar de
communicar o começo ou a cessação de uma agencia
de seguros contra o fogo (art. 148, n. 2) ; deixar de
declarar o local da exploração (art. 148, n. 3) ;
explorar um estabelecimento destinado ao ensino da
dansa, da gymnastica, da natação ou á alguma das
industrias mencionadas no art. 35, apezar da
prohibiçSo da autoridade, ou deixar de fazer as
declarações regulamentares ao iniciar o exercício de
taes industrias (art. 148, n. 4).
G.°— Infringir o art. 33 b, segundo o qual os
divertimentos, que são oíferecidos de casa em casa,
devem ser autorisados pela policia local; infligir os
arts. 42 a 44 a sobre as restricções impostas ao
cominercio do mascate, á compra de mercadorias e á
procura de commissôes; transferir o titulo de legi-
timação ou a patente relativa ao coinmercio ambulante
para que outrem se utilise de taes papeis (art. 148. n.
5); dar scientemente falsas informações para obter um
titulo de legitimação, uma patente relativa ao
commercio ambulante, ou permissão para
(>) V» UunWi» o ari. SOO, v. 9 <J.J C. p.
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA INDUSTRIAL 685
trazer comsigo outras pessoas (art. 148, n. 6); fazer o
conimercio ambulante sem patente, vender pro-ductos em
primeira mão ou mercadorias preparadas pelo próprio
vendedor (art. 59), apezar da prohibição imposta nos
termos do art. 59 a (art. 148, n. 7). ffi
7.° Infringir os arts. 56, 56 a e 56 b, segundo os
quaes são ou podem ser excluídos do commercio
ambulante certos objectos ou a prestação de certos serviços
(art. 148, n. 7 a) ; violar as restricções estabelecidas nos
arts. 56 c, 60 a, ai. 2, 60 e, ai. 2 e 3, relativamente ao modo
de exercido da industria (por exemplo, prohibição da
entrada em casa alheia, de andar uma menor a mercadejar
de casa em casa; art. 148, n. 7 i); violar as restricções que
tenham sido declaradas na patente para o commercio am-
bulante de accordo com os arts. 60, ai. 1, 60 b, ai. 1 ou 60
d, ai 3 (art. 148, n. 1c); trazer comsigo, no commercio
ambulante e para fins indus-triaes, menores de 14 ãnnos
(art. 148, no de 7 d); infringir as disposições decretadas
pelo Bundesrat de accordo com o art. 56 d relativas ao
estrangeiro que exerce o commercio ambulante (art. 148,
n. 7 c).
8.° Exceder as taxas fixadas ou approvadas pela
autoridade (art. 148, n. 8).
9." Violar o industrial os deveres que a lei lhe
impõe para com o aprendiz confiado aos seus cuidados
(art. 148, n. 9); aceitar o aprendiz despedido por quem
exerce a mesma industria antes de decorrerem nove mezes
depois de rotas as relações de aprendizado com o antigo
patrão (art. 131, ai. 2); infringir alguma disposição tomada
pela corporação de officio de accordo com o art. 100 e, n.
2 e 3 (art. 148, n. 10).
10.' Infligir penas não previstas no regula-mento
sobre o trabalho (art. 134, e) ou exceder o máximo da
quantia que a lei permitte, bem como applicar as multas
ou a importância do salário que
586 TRATADO DE DIKEITO PENAI.
fôr retida (art. 134, n. 5) de um modo não previsto no
dito regulamento (art. 148, n. 11); não fazer as devidas
inscrípções na lista de que trata o art. 134 c (art. 150, n.
5).
11.° Não trazer comsigo a licença (art. 42 b)
ou o título de legitimação (art. 43) durante o exercício
da industria (art. 149, n. 1), não trazer comsigo a lista
dos impressos offerecidos á yenda (artigo 56, ultimo
ai.) ou a patente (art. 60 e
t
ai. 1) no commercio
ambulante (art. 149, n. 2).
12.° Exercer o commercio ambulante com
violação das restricções declaradas na patente rela-
tivamente ao nero das mercadorias ou serviços (art.
149, n. 3 e 4); trazer comsigo ou fazer-se acompanhar
de pessoas sem a devida autorisaçâo no commercio
ambulante (art. 149, n. 6).
13.° Infringir as disposições policiaes sobre as
feiras (art. 149, n. 6).
14.° Violar as obrigações impostas aos patrões
pelos arts. 105 c, ai. 2, 134 e, ai. 2, 138, 138 a, ai. 5,
139 i, relativamente á orgauisação das listas, affixação
dos regulamentos sobre o trabalho, etc.
16.° Usar indevidamente o titulo de « mestra
de corporação de officio »j deixar de fazer as decla-
rações prescriptas no concernente ás relações da
corporação, bem como dar informações falsas em taes
declarações (art. 149, n. 8).
16.° Tomar o industrial, que foi privado dos
direitos cívicos, menores de 18 annos ao seu serviço
(art. 106); empregar um operário, violando as
disposições dos art. 106 a 112 relativas as cadernetas
de trabalho dos menores de 21 annos (artigo 150, D.
1); fazer inscrípções na caderneta de trabalho
destinadas a designar o operário de um modo que náo
resulte da letra do respectivo attestado (art. 146, n. 3);
violar outras disposições relativas
1
INFRACÇÕES OONTBA A POLICIA INDUSTRIAL 587
ás cadernetas (art. 150, n. 2); inutilisar ou destruir
dolosamente a caderneta aberta sob o nome do autor.
II. — Penas:
1.° No caso do art. 146, multa até 2000
marcos e, no caso de insolvabilidade, encarceramento
até 6 mezes.
2.° -»- No caso do art. 146 a, multa até 6000
marcos ou detenção.
3." No caso do art. 147, multa até 300 marcos
ou detenção.
4.° No caso do art. 148, multa até 150 marcos
ou detenção até 4 semanas.
5.° No caso do art. 149, multa até 30 marcos
ou detenção até 8 dias.
6.° No caso do art. 150, multa a20 marcos
ou detenção até 3 dias.
III.—Sobre a prescripção (art. 145) vêr o § 77
Quanto ao concurso ideial das infracções das leis
físcaes, vêr os art. 147 e 148 daquella lei. Sobre a co-
responsabilidade do dono da industria, capaz de dispor,
quando, com sciencia sua, o seu representante pratica
uma acção punivel (art. 151), vêr o § 58, nota 5.\
§ 191. — II. Acções puníveis concernentes às
sociedades anonymas
LlTTEBATUBA. Katz, Dfe gtrafrecMlichen Bestim-
muiigen ães Hanãélsgesetzbuchs etc., 1885; Fulfl, G 8, 37.°,
431; Hãlschner, 2.°, 978, Kleinfeller, N. G. 167. Os
commentarios á lei sobre as sociedades anonymas.
Como as disposições do direito vigente, que
baseava-se sobre a Novella de 11 de Junho de 1870
concernente ás companhias anonymas e ás sociedades
em commandita por acções, mostraram-se na pratica
588
TKATÀDO DE DIREITO PENAL
insufficientes para obviar o abuso de empresas aven-
turosas nas suas múltiplas manifestações, com quanto
estas se reduzam sempre ás mesmas fórmas funda-
mentaes, o legislador imperial teve de ampliar con-
sideravelmente, como o fez pela lei de 18 de Julho de
1884, as comminações penaes existentes e ao mesmo
tempo de exacerbar as penas, sobretudo ligando á pena
de encarceramento fortes multas que vão muito além
do máximo até então fixado 63, II). Nesta parte o
fim que a legislação prosegue é aggravar a
responsabilidade civil e criminal dos indivíduos que
tomam parte immediata ou mediata na fundação de
empresas, e a responsabilidade dos que incumbem*se
de administral-as e fiscalisal-as, bem como dispensar
maior protecção aos accionistas e ao publico por meio
de disposições penaes e de c penas de ordem ».
A lei de 1884 pune as seguintes acções, que se
acham juxtapostas de um modo muito arbitrário.
I. A infidelidade dos directores da sociedade,
de que já tratámos no § 133, III.
II. — As falsas informões scientemente (') dadas
em um annuncio de acções ou para o fim de ser
inscripto no registro commercial o contracto social
ou a elevação do capital. A consummação opera-se
com a falsa informação. Não é necessário que os só
cios ou terceiros soffram damno patrimonial.
Segundo o art. 249 a incorrem em encarcera-
mento e ao mesmo tempo em multa até 20,000)
marcos:
1." os sócios pessoalmente responsáveis ou os
membros do conselho fiscal de uma sociedade
(•) Bula o dolo indeterminado (} 95, nota 6.*). Contra, Kluia-
1
ftikr.
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA INDUSTRIAL 589
em commandita por acções, bem como os fundadores, os
membros da directoria ou do conselho fiscal de uma
sociedade anonyma, que, para o fim de ser inscripto no
registro commercial o contracto social, derem scientemente
informações falsas a respeito da subscripção ou da entrada
do capital dos comman-ditarios ou do capital da companhia
anonyma, ou a respeito das declarações exigidas nos art.
175 b ou 209 b (especialmente sobre as vantagens dos fun-
dadores) .
2.°— Aquelles que, a respeito de ditos factos, derem
scientemente falsas informações em um an-nuncio de
acções a que se referem os arts. 180 a e 213 *.
3.°— Os sócios pessoalmente responsáveis ou os
membros do conselho fiscal de uma sociedade em
commandita por acções, bem como os membros da
directoria e do conselho fiscal que, para ser inscripta no
registro commercial a elevação do capital da companhia
anonyma (art. 180 h e 180 i, 215 a e 215 b), derem
scientemente falsas informações a respeito da realisaçao do
capital actual ou da sub-| scripção ou da realisaçao do
capital elevado.
Pôde ser ao mesmo tempo pronunciada a perda dos
direitos civicos.
Occorrendo circumstancias attenuantes, tem
applicação a multa.
III.— O art. 249 a comprehende: 1.° a occul-tação da
situação patrimonial da sociedade ou—companhia ; 2.° e
3.°, a emissão antecipada de acções (antes das entradas ou
antes da inscrípção no registro commercial); 4.°, a emissão
de acções, cujo valor for inferior ao valor nominal fixado
pela lei (acções de pequeno valor). O dolo é necessário no
primeiro caso, e não nos outros.
Os sócios pessoalmente responsáveis, os membros
do conselho fiscal e os liquidadores de uma
>•
590 TBATADO DE DIBEITO PEKAI.
sociedade em commandita por acções, bem eomo
os membros da directoria, os do conselho fiscal e
os liquidadores de uma sociedade anonyma incorrem
em encarceramento até um anno e ao mesmo tempo
em multa até 20.000 marcos:
1
I.°, quando, em exposições e synopses sobre a
situação patrimonial da sociedade ou em relarios
dirigidos á assembléa geral, encobrirem scientemente
ou apresentarem de um modo falso o estado dos
respectivos negócios;
2.°, quando emittirem as acções antes de ter
sido integralmente realisado o valor nominal respe-
ctivo ou o valor que houver sido fixado nos casos
dos arts. 175 a, n. 2, 180 h, ai. 2, 209 «, n. 2, 216 a,
ai. 2.*;
3.°, quando, no caso de ser elevado o capital da
companhia anonyma ou da sociedade em com-
mandita por acções, emittirem aões ou passarem
recibos provisórios antes da inseri pçào do capital
no registro commercial;
4.% quando emittirem acções de valor inferior
a 1.000 marcos ou passarem recibos provisórios que
não contenham as declarações prescriptas nos arts.
181 a, ai. 3, 212 * ai. 4.*
No caso sob o n. 1 pôde ser também pronun-
ciada a perda dos direitos cívicos.
Occorrendo circumstancias attenuantes, sé tem
applicaçXo a multa.
IV.— O art. 249 e comprehende : 1.* o facto
de não elegerse o conselho fiscal; 2.* o facto de o
denunciara* a fallencia (já mencionado no § 136, IV).
Não ê necessário provar a culpa.
Incorrem em encarceramento ate 3 mezes e em
multa até 6.000 marcos os sócios {teiMoalmente
responsáveis, os membros do conselho fiscal os
Jjquidadores do uma sociedade em commandita por
acefe*, bem como os membros da directoria, os do
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA INDUSTRIAL 591
conselho fiscal e os liquidadores de uma companhia
anonyma, quando por mais de três mezes a sociedade não
tenha tido conselho fiscal ou quando este não tenha tido o
numero de membros que é necessário para poder deliberar.
Occorrendo circumstancias attenuantes, tem
applicação a multa.
Não incorre em pena 35, nota 3.*) o que provar
qiie o conselho deixou de ser eleito ou completado (ou que
a fallencia deixou de ser proposta) sem culpa sua.
V.— O art. 249 d pune: 1.° o determinar arti-
ficiosamente outrem a tomar parte na sociedade; 2.° o
emprego de manobras fraudulentas tendentes a influenciar
a cotação das acções; 3.° o facto de passar um certificado
falso ou de fazer uso delle para o voto (falseamento da
vontade da maioria). O dolo é necessário.
Incorre em encarceramento até um anno e em multa
até 10.000 marcos:
1.°, quem em publicações (prospectos e outros
annuncios) expõe scientemente factos que não são
verdadeiros (
2
) ou altera factos verdadeiros para
determinar terceuos a tomar parte em uma empreza por
acções;
2.°, quem, na intenção de burla, (
8
) emprega meios
artificiosos para actuar sobre a cotação das acções 142
nota 1.*);
3.°, quem scientemente passa um certificado falso ou
falsifica (nesta expressão está também comprehendida a «
falsidade ») um certificado relativo ao deposito de acções
ou recibo provisório destinado a servir de prova para o
exercício do direito de
(') A idéa respectiva no § 138, nota 1.» (') Isto 6, na intenção de
obter para si ou para outrem, por meio de engano, um proveito
pecuniário illegal. Ver o \ 188, II, 8.
592 TRATADO DE DIREITO PENAÍ.
voto em uma assembléa geral, ou quem fax uso de
tal certificado, sabendo ser falso ou falsificado.
Tamm pôde ser pronunciada a perda dos di-l
reitos cívicos.
Ocorrendo circumstancias attenuantes, tem
applicação a multa.
Si a publicação é feita na secçfto dos annuncios
de um periódico e o autor da publicação a subscreve,
e si este se acha ao alcance do poder judiciário de
algum dos Estados da Federação, o art. 20, ai. 2.*,
da lei sobre a imprensa de 7 de Maio de 1874 42,
nota 2.*) não tem applicação.
I VI.— A venda de voto (o texto e a pena mol-j dam-
se pelo art. 213 da lei sobre a f alienem).
Segundo o art, 249 e, incorre em multa até"
3.000 marcos ou em encarceramento até um anno
quem obm a conceso ou a promessa de proveitos
especiaes 107, nota 6.*) para que, por occasião de
uma votação em assembléa geral de eommandi-
tarios ou de accionistas, vote em certo sentido. A
compra de voto não é sujeita a penas (*).
VII. Uso indevido de acções alheias por
occasião do voto. Incorre na multa de 10 a 30 marcos
por cada acção, não podendo ser a multa inferior a
1.000 marcos, aquelle que, sem estar autorisado a
representar o dono e sem o consentimento d'este,
utilisa-se de acções alheias pnra o exercício do di-
reito de voto. Incorre na mesma pena quem toma
emprestado mediante retribuão acções alheias em
logar do dono exerce o direito de voto, bem como
quem concorre «cientemente para esse acto, empres-
tando as acções (art. 249/).
I AMÍID O «MB prad Umbem ato p64» «r JXJ >!•» mm» MM»
uc»«W **•. Tm | St, v. l^Mlwtt v. Krm, Z, 7,\ til; < - K''
IWr, 188.
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA INDUSTRIAL 593
§ 192. — III. Os outros casos
LITTERATURA.—Hálschner, 2.°, 973; Hilse, Z, 12.°,
553 e G S, 49.°, 45; Felisch, Z, 12 °. 755, e G A, 41.°, 105;
Seuffert, St. G., l.°, 47; Appelius, N G, 889; Kleinfeller, M
G., 191, 347. Os trabalhos sobre a legislação concernente
ao seguro de Wõdtke, Eosin, Piloty, Gorrex, Nefcmann,
Schmitz.
I.—Infracções das disposições (estatuídas a bem do
interesse publico) da lei de 7 de Abril de 1876 (modificada
pela lei de 1.° de Junho de 1884) sobre as caixas de
soccorro registradas (
a
).
Incorrem em multa a 300 marcos os membros da
directoria, os da commissão e os administradores de uma
succursal. O proceder dolosamente em pre-juizo da caixa
faz incorrer nas penas da infidelidade (§ 133).
II. A lei concernente ás sociedades cooperativas
de industria e de economia do 1.° de Maio de 1889,
moldada pela lei sobre as sociedades ano-nymas, contem
uma serie de comminações penaes (
b
).
1.° —O art. 140 pune a infidelidade (vêr § 134).
(») Eingeschriebene Hil/shissen (caixas de soccorro inscriptns).| Assim
se chamam as sociedades livres de soccorro mutuo para o caso de enfermidade,
quando são como taes admittidas pela autoridade administrativa e inscriptas no
registro respectivo. Elias «ocupam uma^posi-ção especial no systema allemão
dos seguros contra as enfermidades. N. do trad.
(
b
) Erwerba-und Wirtsehaftsgenossensehaft ou simplesmente Oe-
nossenschaft é a denominação geral com que na Allemanha se designam as
novas fórmas de associação oriundas do movimento cooperativo. A lei de
1889 as define: « as sociedades de numero não limitado de sócios que tom por
fim promover a industria ou a economia dos seus próprios membros mediante
uma exploração commum». N. do trad.
T.JII 38
|0 art. 141 dispõe: cos membros da dire-i do conselho
fiscal e os liquidadores incoí-bncareeramento até um
anno e em multa I mui «s, quando, nas
oommunicacões e de-que dev m fazer á justiça,
prestarem scien-j informações falsas, ou nas exposições
e sobre situação patrimonial da sociedade, |os_~
membros e as sommas pelas çuaes elles ou nos
relatórios á assembléa geral Jrçm scientemente (
l
) de
um modo falso o espectiro* negócios ». ser
pronunciada a perda dos direitos ci-ricos. Occorrendo
circumstnncias attenuantes, só tem
3." Segundo o art. 142, incorrem em multa até
COO marcos ou em encarceramento até 3 mezes ou
em ambas as penas:
a) os membros da directoria, os do conselho
fiscal e os li lidadores, quando por mais de três
mexes a soca* le nao tenha tido conselho fiscal ou
ha falt «o numero de membros que é
noc< <río para poder deliberar;
è) os membros da directoria ou 08 liquidadores,
quando, violando os preceitos dos arts. 92, 111 e
134, deixarem de propor a abertura da fallencia
(vêr o IV).
incorre em pena o que provar que a omissftoj
nao fei d la a eulpa ma.
4.*—Segando o art. 143, os membro*
rectoria incorrem i tn multa até OOO marcos, quando
seu- ia a fins oouimerciaes diversos
dos enumerado* no art 1 . ou quando ditas pessoa»
,,. Mt i M *Xn Imnalom .,,,,. .,,„ .u,,,.,,!,!,', „,.
r
;«ll
«r« | M. M«»
nmtAOÇOES CONTRA A POLICIA INDUSTRIAL 595
blicos, cuja discussão incide nas leis relativas ao
direito de associação e de reunião.
Segundo o art. 144, os membros da directoria da
«união das sociedades para o fim de revisão »,| (
c
)
incorrem em multa até 600 marcos, quando deixam de
informar a assembléa nos termos do art. 57, ai. 2.
Nfto» incorre em pena o que provar que a
omissão não foi devida a culpa sua.
Segundo o art. 45 (venda de voto), incorre em
multa até 300 marcos ou em encarceramento; até um
anno, quem obtiver a concessão ou a pro-j messa de
vantagens especiaes para que, por occa-sião de uma
votação em assembléa geral, vote em certo sentido
191, V).
III. — As disposições penaes da lei de 20 de
Abril de 1892, concernente ás sociedades de re-
sponsabilidade limitada, moldam-se em parte pelas da
lei sobre as sociedades anonymas (§ 191), mas são
muito menos rigorosas. tratámos dos firts. 81 je 82
da lei de 1892, quando nos occupámon com a
bancarrota. Nella não se encontram comminações
contra a venda de voto e contra a infidelidade. Resta
apenas mencionar, neste logar, o art. 80.
Segundo este artigo, incorrem em encarcera-
mento até um anno e em multa até 5.000 marcos:
1.° Os gerentes e os sócios que, para o fim de
ser inscripto no registro commercial o contracto
social, derem scientemente falsas informações ao
tribunal acerca da realisação do capital. Incorrem nas
mesmas penas os gerentes que procederem do mesmo
modo para o fim de obter a inscripção do augmento
do capital no dito registro.-
(•) « União piu-n o fim do revisã 6 a que formam varias co-
operativas para a revisão dos seus negócios. Pela lei de 1889 essa re-
visão é obrigatória. N. do trad.
59G TRATADO DE DIREITO PEXJ
2." Os gerentes que, para o fim de m
inscripto no registro commereial a redução do]
capital, fizerem scientemente falsas asserções á 'juf-j
tiça, quanto ao pagamento ou á segurança dos
credores.
3.* Os cios, os liquidadores, bem como os
membros do conselho fiscal ou de um orgao alogo,!
que em communicaçõea. de caracter pubjjeo enco-
brirem ou expuserem falsamente a situação patri-
monial da sociedade.
Pôde ser também pronunciada a perda dos
direitos cívicos.
Occorrendo circumstancias attenunntes, tem.
applicaçSo a multa.
IV. A lei de 13 de Maio de 1884 sobre o|
fabrico de phosphoros e os respectivos direitos
aduaneiros, pune:
1.* As infracções ao art. 1.°, segundo o qual
taes objectos só podem ser preparados em fabricas
destinadas exclusivamente a esse fim, quando nellasj
se empregue phosphoro branco.
Penas: multa até 300 marcos e no caso de
insolvabilidade, detenção. Pôde ser ©onjunctamente
pronunciado o confisco dos phosphoros fabricados e
dos objectos utilisados para a fabricão i Ilegal
1 (art. 3). I
2* infracções das disposições do art 2J
que t(6m por fim proteger a anude doa meninoa a
dos jovens operários (art. 4).
Penas: multa a 2.000 marcos a, no caso de
insolvabilidade, encarceramento alé 0 nu-/.<-- As
multas aio recolhidas ao cofre de que trata o art.
116 da lei i Sr* a industria, (vêr f 63).
Km um a outro caso, basta que aa culpa
propriaaswUdiU.
de 16 da Junho da 1* », modificada t-essa lata 4a
la
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA INDUSTRIAL 597
10 de Abril de 1892 e do 1.° de Janeiro de 1893,
concernente ao seguro dos operários contra enfermidades,
cabe mencionar, neste logar, as commina-ções que
garantem a observância dos preceitos da lei, visto como
tratámos das disposições referentes á infidelidade.
l.° — Incorre em multa até 20 marcos quem não
cumpre a obrigação de fazer as declarações sobre a entrada
ou a sahida prescriptas no art. 49 e no art. 2.°, ai. 2, ou
quem deixa de fazer os avisos de que trata o art. 49 a.
2.° — Incorrem em multa até 300 marcos ou em
detenção os patrões, que descontarem intencionalmente, no
pagamento do salário de pessoas sujeitas á obrigação do
seguro por elles empregadas, quantias superiores ás que a
lei permitte nos arts. 53 e 65, ou infringirem a disposição
do art. 53, ai. 3 (obrigação imposta ao patrão insolvavel de
recolher immediatamente o desconto do salário á caixa
competente), ou a prohibição do art. 80 (impedir ou
restringir, em prejuízo dos seguradores, por contractos
isto é, mediante regulamentos ou convenções particulares
a applicaçâo da lei sobre o seguro contra enfermidades).
Art. 82.
3.° Além das pessoas incumbidas da direcção ou
da fiscalisação do estabelecimento, o patrão incorre em
pena, quando a infracção foi commettida com sciencia sua,
ou quando não empregou todo o cuidado que, segundo as
circumstancias, podia empregar na fiscalisação da
empreza, ou na escolha ou na vigilância dos gerentes ou
fiscaes (art. 82 a).
4.° — Os patrões que, tendo feito descontos, em
virtude do art. 53, nos salários das pessoas por elles
empregadas, retém as quantias descontadas, na intenção de
tirar um proveito pecuniário illegal para si ou para outrem,
ou de causar um prejuízo ao seguro communal ou á
caixa local interessada,
OB IHJtK ' PKKAL
S»» acce«k>namente, UII. multa a 3.000 i
bem «orno a perda doe dh cívicos. Oco
circumstancia» ai teima tem u a
VI—Ao envés a lei de 6 do Julho de 18 I
concernente ao seguro contra aecidentee dei.v um
geral, que as directorue das associações mnuteul
a observância doe precei - leg s por meio fio «p,
do ordem» (arta. lÕS a 106). Com pena* criuiiti
elo somente punidas a infi lidado «loe membi da
directoria ou doe eeua deleg» (| 1SS), .
lacto de segredos eoneeraent, á explorada T*l
também o ponto d»- vista da lei de 6 do M
de 1886 nobre o seguro eoutra aoc rito m>
midades des peeeoaa que ee empregam na n irul-
lure e na sílvicultui (oe art» 125 a 125 tratam
das «pena* do ordem*, o art. 81 da infidn lade, os
arta. 127 o 128 da revelação do segredos). O
dovo-M lambem diaer das doas leie de 11 e do
Jnll do 1887 eeaeenwnt. «o seguro centra
dentes das f» '|ttc eeii .ram em cmuit <
o ao eeguro > amritim. òatras peaeu. «|
VII -A Md 11*1 lomWde 18* seguro
eaatra a vel «J e iavalidea i »ntéui. das
«pena* d. -rdea» do ioo tratam art*
-. (lota) |
M
(| 139) v > revelação d* «greeV
t pxi am (Mi • • t
OU
P*
ui «
m em
INFRACÇÕES CONTRA A POLICIA INDUSTRIAL 599
Art. 148. Incorrem nas mesmas penas ;;
f
1.°, os patrões que descontarem scientemente no
pagamento do salário das pessoas a seu serviço sujeitas á
obrigação do seguro mais da metade do total dos sellos
empregados ou a empregar relativamente aos dois últimos
períodos do salário;
2.°, os prepostos que fizerem scientemente um
desconto excessivo;
3.°, tos pessoas que retiverem indevidamente e em
prejuizo do dono o cartão de quitação.
As penas declaradas sob os ns. 1 e 2 não têm
applicação ao caso do art. 119 (interrupção do trabalho e
das relações de serviço).
Art. 149. Os patrões que empregarem scientemente
sellos diversos dos que são prescriptos, bem como os
prepostos e os segurados que fizerem scientemente tal
emprego illegal, incorrem na multa de 20 até 1000 marcos
ou em encarceramento. Occor-j rendo circumstancias
attenuantes, a pena pôde ser reduzida até 3 marcos ou um
dia de detenção.
Art. 151. Quem fizer nos cartões de quitação (
2
)
inscripções ou observações que o art. 108 pionibe
(observações sobre o procedimento ou o trabalho do dono
do cartão) incorre em multa a 2.000 marcos ou
encarceramento até 6 mezes. Occorreudo circumstancias
attenuantes, o encarceramento pôde ser substituído por
detenção.
I Art. 154. Incorre na pena de encarceramento por tempo
não inferior a 3 mezes e facultativamente na perda dos
direitos cívicos quem fizet-sellos falsos para empregal-os
como verdadeiros» ou falsificar sellos verdadeiros para
empregal-os por~valor
(*) Os cartões de quitação figuram como documento» blicos.
Consequentemente a falsidade e a falsificação são puuiveis segundo o art. 267
do C. p. Ver a dec. do Trib. do Imp. de 17 de Junbo de 92, 23.°, 179.
de Batias falsas aa falsificados.
Incorre nas mesmas pensa quem e cartões de
quitação sellos já servidos, a outrem oa tiver 4
Tenda se s das, depois da ter feito
desapparecer no tõdo
--
©^
-
êníj parta at signae* da
inutUisaçfio. Oecorreudo eireum* stanciaa
attenuantes, a pena pôde ser reduzida a uma multa
nâo excedente a 3.000 niarens aa á| detcnçlo.
Al«'m disto, tnandar-se- cooA«ear os sellos,
quer pertençam, quer não, aa eoademeado. O com |
fisco te» i.i.r. ainda quando determinada passes
não possa ser processada oa eoadeuinads.
Art. 166. Iscorre em malta até 160 marcos oa
detenção noétn, asai eueommenda par aseripte da
um eaUheíeciuvnto da seguro aa da ema autoridade:
ou outras fórmas se* poaaaai servir para a preparo
da eeUea (de seguro) oa aa entregar a estreai aae
nio a estabelecimento de «efruro aa á autoridade;
2.*, .a
ti
.: aataajpar es oejeetea ssaaeie-
nado» ses a a. e* eairessr as respectivas es*
tampas a outrem qee ala a eeUWWeiawnto de
segure es a aatoti la.
Al' ds multa ou d*' i'°Si*. pode ser v< iitt*
eieao a sonhas» da- ouacçess, esabo* eU , quer
perteaçasm, quer ala. aa caadoainsds.
xn
§ 193. — Acções puníveis relativas
â policia dos pesos e medidas e à policia
concernente ao quilate dos metaes
LITTEEATUBA.—Stenglein, N Q., 237.
I.—Infracções da lei sobre pesos e medidas.
0 art. 369 n. 2 do C. p. pune com multa ató 100
marcos ou detenção até 4 semanas os indus-triaes ou
negociantes em cujo poder se encontrarem balanças,
medidas ou pesos falsos ou não providos da marca de
aferição, e próprios para o uso do seu negocio, ou que
se fizerem culpados de outra violação das prescripções
sobre a policia dos pesos e medidas ('). Além da multa
ou detenção, será pronunciado o confisco das
balanças, pesos e medidas ou outros objectos desta
natureza.
II.—Infracção da lei de 20 de Julho do 1881
concernente á indicação da capacidade dos vasos para
líquidos.
Segundo o art. 5, incorrem em multa até 100
marcos ou em detenção até 4 semanas os hoteleiros ou
taverneiro» que infringirem as prescripções da
(') Lei sobre pesos e medidas de 17 de Agosto de 1868 (em
vigor em todo o Império desde 1 de Julho de 1875) e lei sobre aferição
de 27 de Dezembro de 1884
602 TRATADO M DUUUTO fSHAL
lei. Será prooui. Io o c dos vasos
trados que 11S0 * uuíormaretn a* pr< lefraee
e poder-Sí iii tam u orue r que seja
III.—Al iufi Mações da lei de 20 de Juuho do
1888 eobre itrque rçSo doe navi aeerretaai a
elevaçto doa dir- « de arqueação ao dobro até ao
«lecuplo (ert. 32).
i \* __ lVrtctiirm fituilu fiit** v.i*>
rilWl
„-
infra* da lei 4a 16 de Julho de ixs i -obre o
título das obrai de ourivesaria.
8eguodo o art 9, incorre om multa »• 1.000
mnrcoe oo «v rcer . HUI ale 6 m
j qnca derkra o título em obra* d* uro ou j'
V—* •nruad© lei. oto devem trsaer tal
"i •• • "
titulo,
nitle;
mi* a
de obrai de oure ou praU
. «orai fx •• á VOftda
ou.**
• it
XIII
§ 194.—Acções puníveis relativas aos correios,
telegraphos e vias-ferreas
LITTEBÀTU.—Bezold, Die strafrechttichen Bestim-
\mv/agen in ãem Geselz iíber das Posiwesen, na Gezctzgebung
de Bezold, 39, 1, p. 355 ; Supper, Das detUsche Eisenbahn-
IstrafrecM, diss., 1893; Manz, Arcldv fiir òffenttiches Recht, 79,
479 ; Fischer, HSt, 5?, 176; v. Bar, Das Geselz iiber das
Telegraphentoesen des ãeiiischen Reichs, sem data; Fuld, |GS,
479, 61; Stenglein, N G., 251.
A exploração das vias-ferreas e dos telegraphos é
protegida por uma série de comminações penaes estatuídas
contra as perturbações que occasionam perigo eommum
149); as acções puníveis doa empregados dos correios e
dos telegraphos, relativas a cartas, pacotes e telegrammas
confiados aos estabelecimentos postaes e telegraphicos,
entram no grupo dos crimes de responsabilidade 1.778);
da contrafacção e falsificação de sellos dos correios e dos
telegraphos e de enveloppes sellados, bem como do uso de
sellos e enveloppes falsos ou falsificados tratámos, por
connexidade de matéria, quando nos occupámos com a
falsificação de documentos 162, III; ver também
adeante o § 197, I). restam, pois, para o grupo que faz
objecto deste paragrapho, as infracções seguintes:
1.°, infringir as disposições «relativas ao publico»
prescriptas pelos arts. 53 a 61 da lei de 5 de Junho
SW TMATADO UE DtKfctflO MC* Al.
iie 1893 sobre o mr% » du >M pr oaal»
Nos «to. 42 43 da lei da
em movimento , inl
li «IO
I! 8<|ylo * M ".<M 38 <M Outub»
1871 («to. 18. • -J : .«
IO. -VÊ+U i W d « 6 4 i AM * IftfS
r«*» * 4.* 4»
XIV
9
§ 195.— Acções puníveis relativas á
navegação
LITTEBATURA.— Knitschky, Die Seegesetegebung ães
LDeidochen Reich*, 1883, (ed. do texto); Meves, Geselzgebung
ães Deutschen Reich» mit Erlanterunqcn, parte 3, v. I
o
(com-
mentario); Hálschner, 2, 983 e 831; Katz. Die straf-rechUichen
Bestimmungen ães Handehgeseizbuchs, 1885, p. 113; Stoerk, HV,
26, 525; Knitschky, ArcMv fiir òfentliehes Recht, 7, 255; ver
também STegropontes, Zustãndigkeit der Staaten fiir die auf ãem
Meere begangenen Dclikl?, 1894 ;| Stenglein e Kleinfeller, NG,
587. Os manuaes do direito marítimo de Lewis, Perels e
Wagner.
o direito commum assignalava uma serie de
delictos marítimos (por exemplo, o facto de dar causa ao
abalroamento de navios, a dupla denominação do navio
etc). Especial importância tinham esses delictos no antigo
direito penal das cidades hanseaticas (o direito hambúrguer
de 1603). O novo direito allemao, pelo contrario, prestou-
lhes mui pouca attenção. A legislação imperial (cuja
competência nesta matéria deriva do art. 4, ns. 7 «~9 e iart.
54 da constituição) assenta em parte sobre o direito inglez.
Serviram de modelo principalmente o Merchant Skipping
act de 1854 e o Gommercial\ Code of signals for the use of
ali nations.
I.— Violações das prescripções da lei de .25 de
Outubro de 1867 sobre a nacionalidade dos navios
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ACÇÕES PtTfíTVEIS RELATIVAS Á NAVEGAÇÃO 607
V.— O art. 145 do C p. sujeita a penas as violações
de certas ordenanças decretadas pelo Imperador. Cumpre
mencionar:
1.°— A ordenança de 7 de Janeiro de 1880 (que
substituio a de 23 de Dezembro de 1871), contendo
medidas para a prevenção do abalroamento de navios no
mar, em vigor desde o 1.° de Setembro de 1880 (trazer
pharoes, usar de signaes phonicos e moderar a marcha
durante o nevoeiro, a direcção que os navios devem tomar
para des-viar-se um do outro etc).
2.°— A ordenança de 15 de Agosto de 1876 sobre o
modo de haverem-se os capitães depois de um
abolroamento de navios no mar (cada capitão deve prestar
ao outro os auxílios necessários para prevenir ou attenuar
as consequências prejudiciaes do abalroamento, quando o
puder fazer sem notável perigo para o próprio navio e as
pessoas que n'elle se achem, bem como, nas mesmas
condições, declarar o nome, o porto do registro e a
direcção do respectivo navio).
3."— A ordenança imperial de 14 de Agosto de 1876
sobre os signaes de que os navios devem servir-se no mar
e nas aguas territoriaes para pedir piloto ou soccorro.
A pena é, segundo o art. 145 do C. p., multa a150
marcos. Da ordenança infere se que incorre na pena a
violação, não dolosa, como culposa ; nunca porém a
violação não culposa.
VI.— Violação das disposições .da lei de 27 de
Dezembro de 1872 sobre a obrigação que incumbe aos
capitães de navios mercantes de receber a bordo homens
do mar, quando .necessitem de soccorro.
Pena, multa até 150 marcos ou detenção.
VII. Infracções das disposições da lei de 17 de
Maio de 1874 sobre naufrágios. Esta lei veio
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ACÇÕES PUNÍVEIS RELATIVAS A NAVEGAÇÃO 609
Das acções que a lei sobre gente do mar sujeita a
penas, mencionaremos:
1.° A violação do contracto de engajamento
(art. 81 e 82); penas da contravenção (vero § 132).
2.° Esqui var-se o marinheiro ao serviço (ar-
tigo 84), multa até o valor correspondente á soldada de
um mez.
3.° — Grave violação do dever que o serviço|
impõe ao marinheiro (art. 84), multa até o valor
correspondente a um mez de soldada.
4.° Recusar obediência a ordens reteiradas do
superior (art. 86), encarceramento a3 mezes e multa
até 300 marcos. A pena é aggravada quando a recusa é
combinada entre duas ou mais pessoas da guarnição
(art. 87); a lei admitte circumstancias attenuantes.
5.° — Emprehender coagir o superior a fazer ou a
deixar de fazer um acto do serviço; emprehender
resistir violentamente ao superior, ou empregar vias de
facto (art. 89).
Penas, encarceramento até 2 annos; occorrendo
circumstancias attenuantes, multa ate 600 marcos.
Aggravam-se as penas, quando o delicto é commet-
tido em commum por varias pessoas que para este fim
se tenham ooncertado (art. 91). Em todos os casos a lei
admitte circumstancias attenuantes. E' punido como
cúmplice por assistência (art. 92) quem recusa
obediência a ordens de superiores tendentes a prevenir
ou a reprimir ta es actos (ver o § 51, nota 6.*).
6." Provocar duas ou mais pessoas da tripo-
lação para a pratica de um dos actos mencionados sob
os n.°" 4 e 5 (art. 88).
Penas, si a provocação teve resultado, as da
instigação, e si não teve, multa até 300 marcos com
relação á provocação aos actos mencionados sob o n.
4, e multa até 600 marcos ou encarceramento a
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ACÇÕES PUNÍVEIS RELATIVAS A NAVEGAÇÃO 611
da Allemanha 21). Sobre o começo da pre-
scripção ver o § 77.
X. — A navegação e a pesca nas aguas terri-
toriaes (cabotagem) o ordinariamente reservadas aos
nacionaes. £' este também o ponto de vista da
legislação allemã que protege este privilegio dos
nacionaes por meio de comminações penaes contra
capitães estrangeiros. Regem a matéria as seguintes
leis:
1.° Lei de 22 de Maio de 1891 concernente á
navegação costeira.
I O capitão de navio estrangeiro, que explora
indevidamente a navegação costeira, incorre em multa
até 300 marcos (art. 3). Pôde também ser pronunciado
o confisco do navio e das mercadorias que
indevidamente transportar, embora não pertençam ao
condemnado. Tem correspondente applicação o art. 42
do C. p.
2.° O art. 296 a do C. p. pune os estrangeiros,
que pescam indevidamente nas aguas terri-toriaes da
Allemanha (§ 131, II, 4).
XV.- ACÇÕES PUNÍVEIS RELATIVAS AS RENDAS
V DO MPERIO
I 196. — Considerações genes
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A ad
INFRACÇÕES CONTRA AS RENDAS DO IMPÉRIO 613
lisação de instituições publicas); 2.°, os impostos
aduaneiros pela entrada, sahida ou transito de objectos
sujeitos a taes direitos; 3.°, os impostos de consumo sobre o
sal, o fumo, o assucar, a cerveja e a aguardente, com os
quaes relaciona-se o imposto sobre as notas de banco que
figura como imposto de industria; 4.°, o sello de letras,
cartas de jogar e papeis de credjto, no qual se comprehende
o denominado imposto de estatística. Esta classificação
será observada na exposição que faz objecto dos
paragraphos seguintes.
II. Outra sea classificação, si tivermos em vista
os caracteres distinctivos dos actos que a legislação
imperial qualifica como puníveis.
l.° Sob este ponto de vista, apresenta-se a
defraudação como o typo e o modelo de todos os delictos
contra as rendas publicas, e a pena respectiva como o
centro de todas as disposições penaes que se referem ás
finanças do Império. Consiste a defraudação em não serem
pagos os direitos que são devidos segundo a lei. Este facto
não é punível incondicionalmente, pois em geral bastam os
meios do direito privado para coagir-se o contribuinte ao
preenchimento do dever legal. O legislador não costuma
lançar mão da pena criminal senão quando se faz
indispensável o concurso do individuo para facilitar o
conhecimento da. existencia e do quantum da divida e
quando di lfic.il é a fiscalisação. A pena deve também
recahir sobre a simulação de factos, bem como sobre a
adulteração ou a suppressão de factos verdadeiros. A
defraudação reúne então todos os caracteres da idéa de
burla : o património do Estado c prejudicado na intenção
de lucro por meio de um erro artificiosamente provocado
(§ 138, nota 8). Entretanto a defraudação figura desde
tempos iiumemo-riaes como um deficto independente e
diverso da burla. A razão disto es cm parte na
distincção
614 TRATADO DE DfBBTTO TWt,
(que alia* actualmente nâo »ul' t«< auu- «atra •
podar de panir rriminAlm*nt« e i poder 4a p"
policialmente, # portanto n i AM d» &»
miai» do i ri * 1 * n» mater to < •>•• de
r«,q*« AMea*
mento CBUMMIO ao iadi* idoo.
• defr»od*r*n anlA ainda ;
estai fará • anato 4* «I
a aogaiata r» rra MM *M_
ran toato 4» nafta —a ~7~~ aaoii TBTJ
tratada a : . '........ it«j- ,doa que vi -mm
I r**p«(tA aaafla. A ki aepoeéal !•»• • -!*• á aaral.
1*—Alá«4adalra«4afla,i^ ornai Tm li r*>«Ba
delícia ada«a*tra a»i tal. O ooo **a< «•> •wtr aa
iaipor to,* -ato ••tf* i«4o»*'
» ;* pai 01 j »** oo tf 'BB.
rmwfi' toa ao laip^to aetoo • aa* -«a ' '• a
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4/ - A* aaataíéakfiaa aaatr «toa aV «aa
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ABO ajan» aa otolaç*»» 4i p* Baa 4a
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«a, • *«•» a
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INFRACÇÕES CONTRA AS RENDAS DO IMPÉRIO 615
III. — Encontram.-se nas comminações penaes das
leis físcaes e aduaneiras do Império muitas par-
ticularidades. O predominio de interesses puramente
fiscaes, a accentuaçao da idéa de intimidação, e, por outro
lado, o esforço tendente a estabelecer uma equação entre o
crime e a pena, que se expressasse, si possível fosse, por
cifras, a imitação de antigos modelos legislativos e a
tendência d'ahi resultante a coartar, por meio de disposições
casuísticas, o arbítrio do juiz, todas estas circumstancias
concorrem para fazer das leis em questão uma mina de
notáveis singularidades em matéria de direito penal. Um
minucioso exame delias não é aqui possível; mas
passaremos em revista as mais importantes. Sirva de
modelo a lei sobre a união aduaneira.
l.° As circumstancias, cujo concurso deve dar-se
para que o acto possa ser considerado «como effectuado »,
são muitas vezes descriptas a nas mínimas
particularidades; veja-se, por exemplo, o art. 136 da lei
sobre a união aduaneira com os seus nove números, que
por sua vez apresentam muitas subdivisões.
2.° Encontram-se frequentemente presumpções de
culpa (§• 35, nota 3); bastam os factos para que se sigam as
penas e ao accusado toca fazer a prova de sua innocencia
para escapar á punição ou para obter, pelo menos, a
substituição da pena criminal por uma « pena de ordem ».
3.°— A pena de multa, regularmente applicavei em
primeiro logar, consiste em um múltiplo ou em uma
fracção do imposto que foi defraudado 62, III). A
conversão da multa em prisão, conversão que não é
admittida em um caso (lei sobre o sello), rege-se
frequentemente por uma regra diversa da que é
estabelecida pelo C. p. (§ 71).
A medida do confisco é largamente applicada » e em
sua applicação rege-se por disposições minu-
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ISFKACÇÕES CONTRA AS K E.ND AH DO IMPÉRIO 6l7
8.°— Finalmente os prasos para a prescripção são
fixados em desaccordo com o G. p. (§ 77). bem como
estabelecem-se disposições especiaes sobre o começo e a
interrupção da prescripção.
§ 197. — I. Violação do dever relativo ao pagamento de
taxas
LITTKRATUKA. Além das obras indicadas no § 196,
Dambach, Commentario á lei postal, 6? ed., 1892; Bydow,
WV, 2.°. 291; Stenglein, NG, 251.
I.— Segundo a lei postal do Império da Àlle-|
manba de 28 de Outubro de 1871, são punidos,
como «defraudações do porte e defraudações pos-
taes » (art. 27 a 33), os seguintes factos: I
1." Violar o monopólio postal, expcdin-lo
mediante retribuição, cartas (') e jornaes políticos de um
logar para outro, quando nelles existam estabelecimentos
postaes (portanto o se compre-hende na lei a expedição
dentro do mesmo logar) (").
(') Carta é tudo objecto fechado remeltido pelo correio que Inão te
comprehende no conceito de pacote. Mão ó necessário que contenha u mu
oommunicMção cfcripta. lies to sentido a dec. do Trib. do Imp. de 23 e 28 de
Maio de 91. 12.°. 22 e Stenglein, 253. Pouco importa o modo porque a carta é
fechada.
I (") Poxlregal (o direito real postal) é a attribuição exclu.-iva
do correio para o desempenho de certos negócios que estuo a seu
cargo; Postzioang (a coacção postal) é o dever dos particulares de
servir-se do correio como intermediário para o desempenho desse* ne
gócios. O Postregal e o Postzwang que outr'oru tiveram grande ex
tensão, tem sido mais e mais cerceados pela nova legislação e presen
temente existem para cartas e jornaes. Objecto do Postzwang é :
1.*, a expedição de cartas lacradas, cosidas, ou de outro modo fechadas;
2,°, a expedição de jornaes sobre assumptos políticos, que apparcçara
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mais de uma vsz por semana. Por jornaes políticos se entendem os
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INFRACÇÕES CONTRA AS RENDAS DO IMPÉRIO 619
II.— Os delictos previstos nos arts. 275 e 276 do C.
p., de que já tratámos no § 162 em con-nexão com a
falsificação de documentos, apresen-tam-se em certo
sentido também como defraudações qualificadas de taxas
dos correios e dos telegraphos, ou como actos preparatórios
de taes defraudações.
III. Segundo a lei de 16 de Maio de 1896 sobre a
infroducçâo dos sellos dos telegraphos, incorre na pena
declarada sob o n. I quem utilisa-se de taes sellos já
desvalorizados para a franquia de telegrammas.
§ 198.— II. Infracções relativas a direitos
I aduaneiros I
LITTERATURA. Além das obras mencionadas no §
196, Lõbe, Das desche Zollstrafrecht, 2* ed., 1890 ;
Weinsheimer, Die Strafgesetze in Zoll- mui 8teuermchen
f
1881; Thummel, Z, ]2.°, 784.
I. Neste logar podem ser mencionadas as mais
importantes disposições da lei do 1." de Julho de 1879
sobre a união aduaneira.
l.° Commette contrabando quem emprehende (*)
importar, exportar ou fazer transitar objectos,_çuja
importação, exportação ou transito a lei prohibe.
A pena consiste no duplo do valor da cousa que faz
objecto do contrabando e não pôde ser inferior a 30
marcos. Os objectos são confiscados (art. 134).
Commette defraudação quem emprehende (*) es-
quivar-se indevidamente ao pagamento de direitos de
importação ou de exportação. A pena consiste no
f
1
) A idéa do emprehendimento é a mesma idéa geral. Contra,
Stenglein, N G. 902 (completamente obscuro).
>
INFRACÇÕES CONTRA AS RENDAS DO IMPÉRIO 621
delictos homogéneos) acarreta o dobro da multa e, em
regra, cada uma das seguintes reincidências a pena de
prisão por tempo não excedente a dous annos. A
prescripção da reincidência opera-se em três annos (§§ 140
a 143).
3.° — Entre as circumstancias aggravantes são as
seguintes as de maior importância.
a) No contrabando commettido por uma quadrilha de
contrabandistas, a pena em que incorrem os chefes é
aggravada por um a seis mezes de prisão, e a em que
incorrem os cúmplices por um a três mezes de prisão. Na
reincidência, ou quando a associação é permanente, a pena
applicavel é prisão por um a dous annos, ou por seis mezes
a um atino (art. 146). I
b) Quem commette contrabando ou defraudação sob
a protecção de um seguro, incorre, além da pena j
comminada contra o delicio, em prisão por um alé três
mezes. se nova aggravação, quando o facto é praticado
por três ou mais pessoas associadas para este fim. A lei
pune também o segurador, ou os j directores, os prepostos
incumbidos da contabilidade e os sócios da Companhia de
seguro com a pena de prisão (até 2 annos); os fundos da
Companhia são confiscados (art. 147).
e) Quem, por occasião da pratica do delieto, trouxer
comsigo armas para resistir aos empregados aduaneiros,
incorre, além da pena ordinária, em prisão por 6 mezes a
um anno (art. 148).
4.° — Estas disposições sãg completadas por uma
serie de penas de « ordem ». A responsabilidade subsidiaria
de terceiros e a execução do confisco regem-se por
disposições especiaes. Si concorrerem com o contrabando
ou a defraudação outros actos 1 delictuosos, applicam-se as
penas do contrabando ou da defraudação cumulativamente
com as penas que forem applicaveis a taes actos (art,
158). No caso
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INFRACÇÕES CONTRA AS RENDAS DO IMPÉRIO 623
como appenso D, o Império da Allemanha tomou o
compromisso de sujeitar a penas as infracções das leis
aduaneiras austro-hungaras. O Império desem-penhou-se
d'esta obrigação, mandando vigorar a lei de 17 de Julho de
1881, decretada em virtude do antigo tratado.
l.° O contrabando é punido com a pena de
confisco % com a multa do dobro do valor da cousa que
faz objecto do delicto. A multa não pôde ser inferior a 30
marcos (art. 2).
2.° A defraudação de direitos aduaneiros incorre,
além do confisco, na multa do quádruplo dos direitos
defraudados (art. 3).
3.° o podendo effectuar-se o confisco, será elle
substituido pelo pagamento do valor do objecto, e, si não
se puder verificar qual seja esse valor, o delinquente se
condemnado a pagar uma quantia entre 75 e 3.000 marcos
(art. 4).
4.° — As outras infracções sujeitam a penas de «
ordem » (art. 5).
5.° No caso de insolvabilidade, a multa con-verte-
se em prisão por tempo correspondente, nos termos do C.
p. A prisão não pôde exceder a 6 mezes (art. 6).
§ 199. — III. Infracções relativas a impostos
I. — Infracção da lei de 12 de Outubro de 1867,
concernente ao imposto sobre o sal (não vigora nos
Estados do sul).
A lei commina contra a emprehendida defraudação a
multa do quádruplo dos direitos defraudados ; a multa não
pôde ser inferior a 30 marcos. O sal respectivo ou os
apparelhos ficam sujeitos a confisco (art. II). Na primeira
reincidência a multa é elevada ao quádruplo (art. 12).
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INFRACÇÕES CONTRA AS RENDAS DO IMPÉRIO 625
demnado a uma multa entre 30 e 300 marcos (art. 31).
Na primeira reincidência a multa correspondea oito
vezes o valor do imposto defraudado, e nas outras
applicar-se-ha a pena de encarceramento por tempo
não excedente a 2 annos ou, nos casos menos graves,
encarceramento ou multa, penas estas que não poderão
ser inferiores ao dobro das da primeira reincidência
(art. 33). A prescri-pção da reincidência opera-se em 3
annos (art. 34). As pequenas contravenções acarretam
« penas de ordem » (arts. 35 e 36). O art. 38 trata da re-
(
sponsabilidade subsidiaria de terceiros, e o art. 39 da
conversão da multa, dado o caso de insolva-bilidade.
A defraudação prescreve em 3 annos (art. 40).
IV. Infracções da lei de 8 de Julho de 1868 «
concernente ao imposto do álcool em vários Estados
da Federação e em partes do território» (entrou em
vigor no 1.° de Outubro de 1887 em todo o território
da União destinada á percepção do imposto sobre o
álcool). A lei assenta o imposto sobre a capacidade das
cubas de maceração e a matéria prima.
Commette defraudação quem emprehende um
acto industrial, que sujeite ao pagamento do imposto,
sem que tal acto conste do plano de exploração
executado pela estação arrecadadora, on^quem de tal
modo desvia-se do dito plano, que d'ahi resulte uma
diminuição do imposto (art. 50). A pena é o quádruplo
do imposto defraudado. Na primeira reincidência a
multa corresponderá a oito vezes o valor do dito
imposto, e em cada uma das seguintes a 16 vezes (arts.
32 e 53); mas, segundo o art. 40 da lei de 24 de Junho
de 1887, não de a multa exceder a 6.000 marcos. A
pena da primeira reincidência é acompanhada da perda
do direito de distillar por dous mezes, e a pena da
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INFRACÇÕES CONTRA AS RENDAS DO IMPÉRIO 627
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(art. 21). Dando-se contravenção (ver .o § 61, nota 4), a
cumplicidade por assistência e o favorecimento são
punidos com multa até 150 marcos (art. 22). Os arts. 23 e
24 regulam a aggravação da reincidência.
3.° As infracções da obrigação relativa á
rectificação dos álcoois são punidas com multa até 1.QP0
marcos. Quanto ao mais, applicam-se penas de ordem (arts.
26 e 27) ou multas, como medidas executivas (art. 31).
4.° Segundo os arts. 28 e 29, os donos e os
directores de distillações, independentemente do
procedimento contra « o autor propriamente dito »,
incorrem em multa a5.000 marcos (ver o § 58, nota 5).
Em certas condições pôde ser-lhes vedado
0 exercicio da industria (art. 30). O art. 32 re
gula a responsabilidade subsidiaria dos industriaes
e commerciantes.
5.° A conversão da multa no caso de insol-
vabilidade rege-se pelos arts. 28 e 29 do C. p.; mas o
máximo da pena de prisão por defraudação em
reincidência reiterada não pôde exceder a 2 annos (art. 34).
6.° — A acção penal prescreve em 3 annos (art. 35).
VI. — Infracções da lei de 31 de Maio de 1891,
concernente ao imposto sobre o assuear (em vigor desde o
1.° de Agosto de 1892). Os direitos são cobrados, como
imposto de consumo, sobre o peso do assuear destinado ao
consumo interno. Como as disposições penaes moldam-se
em geral pela lei sobre o imposto do álcool, basta neste
logar indicar as matérias qu,e fazem objecto da lei em
questão.
1 Cap. 5 da lei. Disposições penaes: 1.°, con
ceito da defraudação (arts. 43 a 46); 2.°, penas
(art. 47); 3.°, aggravação no caso de reincidência
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INFRACÇÕES CONTRA AS RENDAS DO IMPÉRIO 629
scientemente sob a sua guarda, incorre, por cada
baralho, na multa de 30 marcos (art. 10). Na mesma
pena incorrem os hoteleiros ou outras pessoas que
recebem hospedes, quando com sciencia d'elles se fizer
uso em suas casas ou estabelecimentos, de cartas que
não tenham sido selladas (art. 10, ai. 3). Incorre ainda
na mesma pena quem, tendo introduzido ou recebido
do estrangeiro cartas de jogar, não as apresentar ao
sello (art. 11). A multa calculada do modo indicado
não poderá ser inferior a 500 marcos, quando quem
aliena, tem á venda ou sob a sua guarda, introduz ou
recebe do estrangeiro cartas de jogar, commerciar em
cartas de jogar (art. 12). Disposições penaes especiaes
prevêem outras infracções (art. 13 a 16). O art. 18
regula a responsabilidade subsidiaria de terceiros. A
acção penal prescreve em 3 annos (art. 20). Quanto ao
mais, applicam-se por * analogia as leis aduaneiras
(art. 19).
IV. Infracções da lei concernente ao sello
imperial do 1 de Julho de 1881, modificada pela lei de
29 de Maio de 1885, novo texto dado pela lei de 27 de
Abril de 1894 (sello de papeis de credito).
l.°— Quem emitte, aliena, em penhor acções,
rendas ou obrigações, ou faz qualquer outro negocio
inter vivos a respeito de taes títulos ou effectua pa-
gamento, sem observar as prescripções da lePsobre o
respectivo imposto, incorre em multa equivalente a 25
vezes o valor dos direitos defraudados, não podendo a
multa ser inferior a 20 marcos por cada papel de
credito. A multa deve ser paga integralmente por toda
pessoa que, como contractante ou em outra qualidade,,
tenha tomado parte na emissão, transferencia, penhor
ou outro negocio (art. 3.°). Na mesma pena incorre
quem fizer acquisição de papeis de credito
estrangeiros obtidos mediante contracto
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INFRACÇÕES OONTBA AS RENDAS DO IMPÉRIO 631
applicar-se-ha uma multa entre 150 e 5.000 marcos
(art. 26).
Alem dos três mencionados casos de defrau-
dação, a lei pune também outras infracções de menor
importância com penas menos rigorosas (art. 4.°, ai. 2,
art. 21 e 24). No caso de insolvabilidade a multa não é
convertida em prisão (art. 37). Quanto ao mais, t^rn
applicação por analogia as disposições da lei sobre o
sello de 10 de Junho de 1867.
V. As contravenções da lei de 20 de Julho de
1879 concernente «a estatística do commercio entre o
território aduaneiro da Allemanha e o estrangeiro »
provocam somente «penas de ordem» (*), que não
podem exceder a 100 marcos (art. 17).
(>) Em sentido contrario Stenglein, N. O., 234, que é obscuro e
contradictorio.
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CBIMKS MILITABE8
633
tiram a necessidade de codificar o seu direito militar.
Baseando-se no art. 61 da Constituição federal da
Állemanha do Norte, a ordenança de 29 de Dezembro
de 1867 introduzio o direito penal militar vigente na
Prússia, e especialmente o C. p. mil. prussiano de 3 de
Abril de 1845, em todo o território federal,
comprehendidos Baden e Hesse, mas excluído o reino
da Saxonia. Assim ao tempo da fundação do Império
da Állemanha coexistiam os seguintes cod. militares,
em parte, muito divergentes entre si: 1.° o cod.
prussiano de 1845; 2
o
o saxonio de 4 de Novembro de
1853, 3
o
o bavaro de 29 de Abril de 1869; 4
o
o
wurttemberguense de 20 de Julho de 1818. Fez-se logo
sentir a necessidade de uma regulamentação uniforme
e correspondente á mudança das relações j a
unificação do direito penal civil ainda mais imperiosa
a tornou. Não tardou que os esforços empregados
dessem o resultado desejado O C. p. mil. da
Állemanha de 20 de Junho de 1872 (introduzido na
Alsacia-Lorena pela lei de 8 de Julho de 1872)
começou a vigorar no 1.° de Outubro do mesmo armo.
II.— Crimes ou delictos militares são as acções,
contra os quaes o C. p. mil. commina penas. Dis-
tinguem-se em delictos puramente militares e em deUctos
militarmente qualificados : os primeiros são os que só
podem ser commettidos por militares, e os segundos
são crimes communs, que o C. p. mil. sujeita a penas
especiaes (delida militaria própria et imprópriaJ. Os
actos puniveis dos militares, que não constituem crimes
ou delictos militares, são julgados segundo as leis
penaes ordinárias (art. 3) As infracções militares
distinguem-se também em crimes e delictos: são
crimes, quando punidos com as penas de morte,
reclusão, encarceramento ou prisão em fortaleza por
mais de cinco annos; sãop
delictos, quando punidos com penas de prisão por
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CRIMES MILITARES
635
2.°, aos officiaes à la suite, que não pertencem ao
exercito allemão ou á marinha imperial, quando forem
provisoriamente admittidos ao serviço, bem como em
relação a actos contra a subordinação militar, que
praticarem, emquanto trazem o uniforme militar (art.
2.°, ai. 3);
3.°, aos gendarmes dos Estados, que ao tempo da
introducção do C. p. mil., eram militares, se-gundo
a"legislação estadual (lei de intr., art. 2, ai. 2);
4.°, ás pessoas que pertencem ao que se deno-
mina o « séquito do exercito », isto é, a todas as
pessoas (carreteiros, enfermeiros, reporters, etc), que
durante uma guerra contra o Império da Alle-manha,
acham-se no exercito em operações, em razão de uma
obrigação de serviço ou de uma obrigação conti actual,
ou que por outro motivo se detém no exercito ou o
seguem (arts. 155 e 156);
5.°, aos empregados de um navio de guerra, bem
como ás pessoas embarcadas para um fim attinente ao
serviço (art. 166). Estas ultimas pessoas, porém,
estão sujeitas ás leis de guerra, quando o navio acha-
se* em estado de guerra (isto é, quando navega fora
das aguas territoriaes) (
b
);
prestados á administração da guerra ou da marinha, o se tornam por
isso militares, nem quem os presta fica sendo militar. A cir-|
cumstancia decisiva é ter o empregado a categoria de militar, e estar
portanto sujeito a um superior militar e dever a obediência militar. E'
pois militar o empregado que tem tal categoria, embora não se lhe
appliquem as leis militares em toda a sua plenitude, ao passo que são
civis os demais empregados da administração da guerra ou da marinha,
embora em alguns pontos também lhes possam ser applicadas leis
militares. N. do trad.
(
b
) u O estado de guerra de um navio, diz o art. 164 do C. p.|
mil., equivale na marinha ao estado de mobilisaçao. Todo navio da
marinha que navega fora das aguas territoriaes é considerado em
estado de guerra ». N. do trad.
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CRIMES MILITAREM
637
IV.— Em relação á efficacia do C. p. mil. quanto
ao espaço, cumpre ter em attenção os seguintes
importantes princípios:
1.°—As infracções commettidas em paiz es-
trangeiro por militares, que ahi se achem no exercito
ou em serviço, devem ser punidas, como si tivessem
sido commettidas no território federal (art. 7).
#
2.°— O allemão ou o estrangeiro que em ter-
ritório estrangeiro oceupado por forças allemaes
commetter um acto punivel segundo as leis do Império
da Allemanha contra tropas allemaes ou pessoas que a
ellas pertençam, deve ser punido, como si o acto
tivesse sido praticado no território federal (art. 161).
3.° Os deli et os militares que nas relações
de serviço commum forem commettidos contra mili
tares de Estados alliados, devem ser punidos, pre-
supposta a garantia da reciprocidade, como si tives
sem sido commettidos contra militares allemaes
(art. 8).
B
V.— Penalidade do C. p. mil. A. Penas prin-
cipaes (faltam a detenção, a multa e a reprehensao):
1.° pena de morte; 2.° penas privativas da liberdade, a
saber, a) reclusão, b) encarceramento, c) prisão em
fortalesa, d) recolhimento (recolhimento á casa,
recolhimento moderado, médio, rigoroso). B. As
penas aeeessorias affectam somente a honra, a saber,
1.° penas contra as pessoas que pertencem ao estado
militar, a) eliminação do exercito ou da marinha; V)
demissão; c) degradação; d) transferencia ; 2.° penas
contra empregados militares, perda
direito de trazer o uniforme. Mas, accreEcenta em nota, como as dis-
posições especiaes do G. p. mil. não se referem aos reformados, as
ditas penas somente podem ser appl adas por oecasião de condem nação
em razão de crimes civis ». N. do trad.
638T ^RATM»_J3LPnysnoJ?I!âlt
do cargo; 3.° em alguns delictos militares (art. 134 e
138), perda dos direitos cívicos.
VI. - - Quanto ao mais, as disposições geraes 1
do C. p. civil têm applicação por analogia aos crimes
e delictos militares (art. 2). Cumpre porém notar
os seguintes desvios a que já nos referimos na
parte geral deste tratado: I
1.°— Em relação ás penas infaman^s como
accessorias ás penas da tentativa (art. 46), ver o §66.
2.° O art. 47 trata especialmente da ordem dada
pelo superior (§ 34, nota 1.*). Si uma lei | penal é
violada em razão da execução de uma ordem relativa ao
serviço, responsável é somente o superior de quem a
ordem emanou. O inferior que obedece, porém, incorre
nas penas da cumplicidade, 1.° quando excede a ordem
que lhe foi dada; 2.° quando sabe ser a ordem
concernente a acto, que tem por fim um crime ou
delicto militar ou civil.
3.° — O art. 48 declara expressamente que o
juízo do delinquente não tem influencia sobre a
criminalidade do acto (§ 40, nota 6).
4.° A violação de um dever relativo ao serviço
occasionada pelo receio de um perigo pessoal é,
segundo o mal redigido art. 49, ai. 1, tão punível
quanto a violação dolosamente praticada (ver o § 33).
5.° A embriaguez devida a acto do culpado
não é, segundo o art. 49, ai. 2, uma causa de at-
tenuação de pena (ver o § 37, nota 7).
6.° Segundo o art. 50, a adolescência do
delinquente o tem influencia sobre as penas 37,
nota 3).
7.°— Segundo o art. 51, o processo de um crime
militar independe de queixa (ver o § 33).
(') Hecker, 46, ver Jagemann, HG, 1.°, 167.
CRIMES MILITARES
639
8.°— Apartando-se do C. p. imp., o C. p. mil.
admittio nos arts. 53 e 55 circumstancias aggra-vantes
geraes. Entre ellas não figura a reincidência.
§ 202. — Dos crimes e delictos militares
I. Traição militar, isto é, a traição contra o
paiz commettida em campanha (arts. 57 e 58).
Em relação ao direito commum, as penas são
consideravelmente aggravadas; nos casos do art. 58 é
até infligida a pena de morte. O art. 59 qualifica a
conspiração e o art. 60 impõe as penas da co-autoria á
omissão da denuncia. O arrependimento efficaz é,
segundo o art. 61, uma cireunistancia ex-tinctiva de
pena.
II. Comprometter as forças militares em cam
panha, isto é, toda violação do dever relativo ao
serviço, pelo qual facilitem-se os emprehendimentos
do inimigo, ou as tropas nllemães ou ai liadas em
operações fiquem expostas a perigo ou ti soffrer
damno (art. 62).
Nos casos graves do art. 63 tem applicação a
pena de morte.
III.
Ausência sem autorisação e deseão (art.
64 a 68). Estas duas infracções distinguem-se em
que a deserção suppõe, segundo o art. 69, a in
tenção por parte do agente de subtrahir-se, não
transitoriamente, mas permanentemente, á obrigação
de servir imposta pela lei ou resultante de um
contracto.
I Em certas circumstancias (arts. 71, 72 e 73) a
deserção é punida com a pena de morte. A deserção
em commum aggrava a pena (art. 72), o
arrependimento efficaz a attenúa (art. 75). A omissão
da denuncia (art. 77), o facto de induzir a desertar e o
de favorecer a deserção são sujeitos a
* *
640 TRATADO DE DIREITO PENAL
penas (art. 78). Entre estes crimes, a lei classificai
a evasão espontânea (art. 79) e a infracção do
recolhimento á casa (art. 80). I
IV.Mutilão da ppria pessoa e simiddgao] de
defeitos. A' semelhança dos arts. 142 e 143 do C. p.
imp., o C. p. mil. pune no art. 81 aquelle que,
mutilando-se, torne-se incapaz para desempenhar a
obrigação de servir, bem como aquelle que deixa que
outrem o inhabilite; no art. 82 pune quem inhabilita
outra pessoa a seu pedido, e no art. 83 quem empregsi
manobras fraudulentas para subtrahir-se no todo ou em
parte á obrigação de servir. V.Cobardia (arts. 84
a 88).
As penas são differentemente graduadas. Segundo
o art. 84, incorre em pena de morte quem durante o
combate foge por cobardia, e por palavras ou gestos
induz os camaradas a fugir.
VI.— Crimes e delidos contra os deveres da
subordinação militar (art. 89 a 113).
Este capitulo reúne factos diversos, a saber, 1.°,
faltar ao respeito devido ao superior (art. 89); 2.°, faltar
a verdade ao superior em negócios concernentes ao
serviço (art. 90) ; 3.°, injuriar o chefe ou quem occupa
no serviço uma categoria superior (art. 91); 4.°,
desobedecer a ordens relativas ao serviço ou recusar
expressamente a obediência (art. 92 a 95), crime este
punido em certas circumstancias com a pena de morte;
5.°, resistir (art. 96), isto é, empreheuder impedir por
violências ou ameaças que o superior execute uma
ordem relativa ao serviço, ou constrangei o a fazer ou a
deixar de fazer um acto do serviço ; 6.°, empregar vias
de facto contra o superior (art. 97), crime que em
campanha é punido com a pena de morte. Nestes seis
casos as penas são attenuadas, quando o subordinado 6
excitado por um acto do superior contrario ás
CRIMES MILITARES 641
prescrípções legaes ou que exceda os limites do poder
deste, e pratica immediatamente um dos ditos crimes
(art. 98) ; 7.°, provocar ou excitar á desobediência, á
resistência ou a vias de facto (art. 99 correspondente
ao art. 112 do C. p. imp.); 8.°, concitar vários militares
a praticar em comnium um dos crimes enumerados no
art. 99 (art. 100); 9.°, provocar reuniões de militares
para o fim do deliberarem stfbre negócios ou
instituições militares, bem como colligir assignaturas
para queixas ou representações collectivas ou provocar
descontentamento relativamente ao serviço (art. 101 e
102); 10.°, motim militar, isto é, concertarem-se vários
militares para, em commum, desobedecerem, resistirem
ou empregarem vias de facto (art. 103 a 105); 11.°, a
sedição militar (ver o art. 115 do C. p. imp.),— dá-se
este crime, quando juntam-se vários militares e
emprehendem, com forças reunidas, recusar servir ao
superior, resistir-lhe ou praticar vias de facto contra
elle (art. 106 a 110); é em certas circunstancias punido
com a pena de morte ; 12.°, desrespeitar, injuriar,
desobedecer, resistir, empregar vias de facto contra
uma guarda militar (art. 111), —crime punido como si
o acto fora praticado contra o superior; 13.°, duello a
que o serviço dê occasião.
VII.— O abuso de poder (art. 114 a 126) con-
trasta com os crimes e delictos de que trata o capitulo
antecedente.
A este grupo pertencem os seguintes crimes ou
delictos; 1.°, abusar do poder para fins que não são
attinentes ao serviço, exigir ou aceitar presentes,
empréstimos de dinheiro etc. (art. 114); 2.°, deter-
minar ou -emprenender determinar um inferior á
pratica de actos puniveis (art*. 115 e 116); 3.°, im-
pedir que o inferior queixe-se ou represente (art. 117);
4.°, exceder o poder de infligir penas (art. 118) ; 5.°,
exercer influencia illegal sobre a justiça (art. 119);
T. u «
642
TBATADO DE DIB EITO PENAL
6.°, arrogar-se o poder de mandar ou de punirj
(art. 120); 7.°, injuriar ou tratar o inferior de un|
modo contrario ás prescripções legaes (art. 121);
8.°, seviciar o inferior ou prejudicar-lhe a saúde
(art. 122 e 123). As guardas são também equi
paradas nesta parte, como no capitulo antecedente,
aos superiores (art. 125).
]
VIII. Acções illegaes commettidas em campanha}
contra as pessoas ou a propriedade (art. 117
t
a 136). O
furto, o desvio, a offensa physica, o attentado contra os
bons costumes commettidos em campanha por militar
podem ser processados independentemente de queixa
(art. 127).
Os factos que a lei qualifica são: 1.°, o esbulho não
autorisado (art. 128); 2.°, a pilhagem (art. 129 a 133)
punida em certos casos com a pena de morte. Commette
este crime aquelle que em campanha, abusando do
pânico suscitado pela guerra ou de sua superioridade
militar, a) na intenção de apropriação ilíegal, toma
abertamente ou constrange a entregar cousas
pertencentes aos moradores do logar, b) levanta sem
direito impostos ou contribuições forçadas ou excede a
medida das contri-1 buições que deve levantar, e assim
procede no seu próprio interesse. A este crime a lei
equipara a destruição ou devastação perversa ou
acintosamente feita em campanha de cousas alheias (art.
132). 4.°, o despojar individuos mortos, feridos ou
presos (art. 134); 6.°, o saquear, crime perpetrado por
quem, deixando-se ficar atrás das tropas, commette
vexações para com os moradores (art. 135).
IX. Outros actos illegaes contra a propriedade
(arts. 137 e 138).
flj 1.°, Damnificar, destruir ou abandonar iIlegal-mente
um objecto pertencente ao serviço (art. 137); 2.°, a)
furtar ou desviar, no serviço ou com offensa de
relações do serviço militar, cousas que lhe te-
OEIMES MILITABES
643
nhani sido confiadas ou que lhe sejam accessiveis em
razão do serviço ou de ditas relações; b) furtar ou
desviar cousas em prejuízo do superior, de um
camarada, do dono do alojamento ou de pessoa que
pertença á casa deste.
X. Violação de deveres do serviço no exercício
de fmtcçòes especiaes (arts. 139 a 146).
l.°, Fazer oficialmente asseverações falsas (art.
139); 2.°, deixar-se subornar (art. 140); 3.°, faltar ao
dever em um serviço de guarda (art. 141), crime
punido em certas cir cu instancias com a pena de
morte; 4.°, causar damno grave ao navio ou a seus
accessorios por falta de exacção no desempenho do
serviço (art. 142); 5.°, deixar praticar actos puníveis
(art. 143); 6.°, deixar dolosa ou culposamente fugir
um preso, bem como não effe-ctuar uma prisão (art.
144) ; 7.°, faltar ao dever na gestão de negócios
administrativos (art. 145).
XI.— Outros actos contra a disciplina militar
(art. 146 a 152)
1.°, Abandonar a guarda ou o corpo (art. 146);
2.°, descurar a físcalisação dos seus inferiores e não
proceder contra actos puniveis (art. 147); 3.°, dar
causa a uma fensa physica por falta de cuidado
relativamente a armas ou munições (art. 148) ; 4.°,
fazer uso indevido da arma ou provocar outrem a usar
indevidamente da arma (art. 149); 5.
u
, casar-se sem
autorisação official (art. 150); 6.", embriagar-se (art.
151) a embriaguez é punivel, quando o militar em
serviço ou depois de ter sido mandado ao serviço,
torna-se, por tal causa, incapaz de des-empenhal-o; 7.°,
abusar do direito de representação (art. 152).
FIM DO TOMO SEGUNDO E ULTIMO
ÍNDICE ALPHABETICO
Os algarismos romanos indicam o volume o os arábicos a pagina.
Abactio partus — I, 17.
Abandono —II, 40.
Aborratio ictus — I, 283.
Abigei — I, 17.
Abolição ou amnistia — 1, 471, nota
b.
Aborto — II, 46.
Abuso de autoridade para fim libidinoso
— II, 129.
Abuso de confiança — II, 260. » de
matérias explosivas — II, 368.
Abuso de poder — II, 499. » do
púlpito — II, 194.
Acção, definição — I, 193.
Acções impudicas — II, 113.
Accumulação de penas — I, 459.
Actio injuriaram — I, 151, II, 25.
Actiones liberce in causa — I, 260.
Actiones populares — I, 15. H
Actos de execução — I, 332, 359.
» preparatórios — I, 331.
Acto de vontade — I, 193. T. n.
Adaptação artificial, I, 100.
Adolescência — I, 115, 264.
Adultério — II, 158.
Affirmação substitutiva do juramento
— I, 622.
Affronta, ver ultrage.
Agents provocateurs — I, 371.
Aggravação da pena — I, 447.
Agglomeração de pessoas — II, 180.
Ajuntamento illicito — II, 465.
Aliiciamento — II, 547.
Alta traição — II, 428.
Ameaça, como crime sui generis II,
189.
Ameaça, como meio de coacção II,
96.
Anarchistas — II, 189, nota 1.».
Animal, como sujeito de crime —
I, 188.
Animus injuriandi — II, 77. Annona
fraudata — II, 317. Anthropologia
criminal — I, 106. Apparelhos postaes
pneumáticos —
II, 369.
Apparelhos de protecção — I, 229.
42
646 TRATADO DE DIREITO PENAL
Appetite pedcrastico — II, 144.
Apropriação, definição — II, 228.
» indébita, ver desvio.
Apostasia — II, 166. Aquoa et ignis
interdictio — I, 17. Arma, definição —
II, 60. Armas de fogo portáteis — II,
881. Arrancamento de marco — II, 410.
Arrependimento efficaz — I, 466.
Arrombar — II, 285. Artificio — II, 861.
Artigo-Arnim — II, 606. Artigo-
Duchesne — II, 477. Assalto — II, 69.
Assasinato — II, 18, 14, 424.
Assassinium — II, 18. Asseinbléas
legislativas — II, 440. Assignalamento
anthropometrico —
I, 117, nota 7.
Assistência Internacional — I, 169.
Associação de malfeitores — I, 853;
II, 268.
Assuada — II, 176, nota a. Attenuação
da pena — I, 447. Attestado medico —
II, 415. Atormentar animaes — II, 575.
Atypias — I, 110. Ausência de
imputabilidade -1,262. Autor-editor —
I, 276, nota a. Autoria, definição — I,
848, 866.
intellcclual — I, 866.
collateral — I, 368.
Autoridade, definição — II, 464,
nota 4 e g.
B
I
Balnearii — I, 17.
Barobergunnae — I, 8Ô.
Bancaroto — II, 284.
Bandeira federal — II, 606. Banditismo
— II, 268. Bando, ver associação de
malfeitores.] I Bannus regius — I, 25,
nota a. I Baretteria — II, 496. Bem
jurídico, definição — I, 93. Bens, divisão
— II, 1. Bestialidade, ver sodomia.
Bigamia — II, 166. Bilhetes do thesouro
—Ml, 892. Bilhonagem — II, 891.
Biologia criminal — I, 106. Blasphemia
— II, 169. Book-maker — II, 826. Bordel
— II, 186, nota 4. Burla — II, 298.
D matrimonial — II, 152.
• concercente ao credito — 11,801.
» concernente ao seguro —11,810.
a em segunda reincidência — II, I
809. Busse, ver multa privada.
O
Cabeça — I, 864.
i Cabo telegraphico submarino — II,|
869.
Cabotagem — II, 611.
Cadáver — II, 178.
Caderneta — II, 228. I
Caixas inseriptas — II, 281, 698.
Calumma — II, 81, nota a. Ciilumniare
— II, 629. Capacidade dos vasos para
liquido*
— 11,601. Cárcere privado — II 106,
nota a. Carolina — I, 38. Carta,
definição — II, 617, nota 1. Casa
habitada — II, 289.
INDIOB ALPHABETICO
647
Casas de correcção, antigas — 1,416.
» » modernas — I,
432, nota a.
Casamento simulado — II, 180.
Castração — II, 88.
Causa — I, 204.
Causas de aggravação I, 447. » de
attenuação — I, 460. » da
criminalidade — I, 104.
Causalidade na omissão — I, 209.
Cédula eleitoral — I, 295.
Cemitério — II, 171.
Chaves falsas — II, 286.
Chefe do Estado, immunidade — I,
176.
Circumstancias que excluem ou ex-
tinguem a pena — I, 805, nota c.
Classes sociaes — II, 194.
Clausula relativa ao attentado — I, 175.
Coacção jurídica — I, 97.
» psychica — I, 101, nota 3. »
publica — I, 191.
Co-autoria — I, 359.
Código penal da Allemanha, historia—
I, 76.
Código penal francez — I, 61.
Códigos territoriaes — I, 62.
Começo de execução — I, 832.
Commercio de aguardente no mar do
Norte — II, 678.
Commercio de objectos que contem
chumbo e zinco — II, 879.
Commercio de vinhos — II, 380.
Commissão, definição — I, 198.
Commetimento em oommum—1,862.
Comminações penas absolutas — I,
444.
Comminações relativamente deter-
minadas — I, 446.
Compensação, ver retorsão.
Composição, ver "Wergeld.
Compurgação — I, 22. Computação na
pena incorrida, —
I, 467.
Con-causa — I, 201.
Concubinato — II, 116.
Concurrencia desleal — II, 210,
nota 1.
Concurrencia de leis penaes — 1,891.
Concursus ad delictum, ver cumpli-
cidade.
Concursus creditorum — II, 286.
» delictorum — I, 881.
Concurso real — I, 896.
» ideial — I, 390, notas 1 e a.
Concussio, concussão — II, 811,506.
Condição, em que differe de causa
I, 204.
Condições de punibilidade — I, 806.
Confiar cousas — II, 260. Confiar
segredos — II, 184. Confisco dos
instrumentos e produ-
ctoB do crime — I, 401. Conluio —
II, 484. Connexão causal — I, 201.
Connivencia do superior hyerarchico
II, 608.
Consciência da illegalidade — 1,284.
Consentimento do offendido em geral
— I, 245.
Consentimento no adultério II, 162,
notas 4 e c.
Consentimento no homicídio — II, 21.
Consentimento na injuria II, 77.
» na offensa physica —
II, 29.
Consentimento no rapto — II, 121.
648 TBATADO DE DIKBITO PENAL
| Conspiração — I, 353; II, 442.
Constrangimento, como delido —
II, 101. Constrangimento, como
exclusão da
ilegalidade — I, 239.
Constrangimento para fim libidinoso
— II, 122. Constrangimento para a
pratica de
um acto offidal II, 4«4. 0>n*trutv>*
hydraulicM — II, 859. Contummação
do crime I, 821. Contrabando II,
888, 614, 819. Contracto de companhia
II, 330. para fornecimento
II,
365. Contrafacção etn matéria
lideraria [^ — II, 201.
Contrafraocio de moeda — II, 386.
Contribuições de guerra — II, 654.
Contravenção — I, 185. Convénio da
pena —• I, 454. Corpo eolkcttro ~ 1,
190, notas 1
. : II. T --.
< pos militares CJlnmgftiro* — I, j
179.
' n q >J ou peiU — II, 496
Corto4atraria — 11,88, notas 1« «.
« tfWM alheia — II, 222.
|* » corpora — II, 221. I
» WB valor — II, 221-' ea —ti
In lalo — 1. 188.
rea Mfttife trkto — 1, 186.
» por oawbaln propriamente dito
— i.m. |
U - ajo* oaatMâa iífi|ir'.prl»menl§
«*•—i, **7.
I«
lUrltw I, 888.
. s—pMe - I, MT.
L •' «MIMO - i, m. |
«Ml.ao4o - 1, H
, Crime formal — I, 196, nota 4
t
»
material — I, 194, M*R 4. | »
1»'habito — li "•• I
» como occupaçao — I, 88«.
» como negocio — I
t
888.
«de perigo com m um — II, ESJ
. falho — I, 826. .1
a por omissão — I, 329.
nota 6.
Crime politico — IV174*; II, 417.
putativo — I, 287.
Crimes cujos processos dependem do
autorisacSo — I, 311;
ou de queixa — I, 811. Crimes
militares — II, 682.
» " de lorupl.Ucno — II, 219,
note 6. ' Crimes do
responsabilidade—11,490
s dos diplomatas — II, 606,
• da eccteslasticos — II, 494.
dos empregados dos correio* I
o dos tetegrapbos — II, 807.
Crimes concernentes a documento*
Crina» ounre ratas ao juramento
^-11, 509. CriflNO > - f H * rn- uK' • Al
r**íi'Jíit» do
Estado •* li. til
Crimes ootmaottido* em paia estran-
geiro ~- II, 164.
Crimes «potra o direito internad
Ml — N. 42*. 464, nota I.
Cria «ootra a liberdade tadlvidaaJ
Cfisaas aasttra oa dimtas j» i * » [
II, 432 »» Crimes eostf* a «*"*!»
— II, St*.
• »«Ml - M. li». I
• « mnnii — U , I
«04.
ÍNDICE ALPHABETIOO 649
Crimes contra a religião — II, 169.
Crimen vis — II, 185, 249.
» majestntis — II, 419. Crimina
extraordinária — I, 16.
» publica — I, 14. Criminalidade
aguda — 1,109.
» chronica — I, 109.
Criminologia — I, 104.
Criminos% por indole — I, 109.
» de occasião — I, 109.
Critério — I, 264. Cumplicidade
— I, 848, 363.
necessária — I, 855,
876. Culeus — II, 10.
Culpa, definição — I, 249.
» em sentido estricto — I, 289.
» nas contravenções — I, 255,
nota e.
Culpa, dolo determinata — I, 276,
nota 8. H
Culpa consciente e inconsciente —
I, 293, nota 5. Custodia, definição —
II, 224.
Dam no ao património — II, 808. »
real — II, 260.
» á saúde — II, 28. Dnr em
penhor cousa alheia — II,
229, nota/. Dardanariato — II, 817.
Deformação — II, 84. Defraudaçâo —
II, 808, 618. Degeneração mental — I,
267. Delicto em sentido estricto —
1,185. Delictos de imprensa, definição
I, 294. Denuncia falsa — II,
180.
Deportação — I, 117, nota 8.
Deprecatio — I, 161, nota b. Desacato
— II, 171. Desafio — II, 63.
Desenvolvimento detido — I, 266.
Deserção — II, 648. Desinfecção — II,
667. Desistência da tentativa — I, 842.
Desordem grave — II, 676. Destruição
— II, 262, 265. Desvio ou apropriação
indébita —
II, 266. Desuetudo — I, 184,
nota Z>. Detenção, pena de — I,
422.
» correccional subsequente
— I, 432.
Determinismo — 1, 122, nota 5. Dever
funccional, como exclusão da
illegalidade — I, 242. Diffidatio — II,
188. Diflamaçio ou maledicência— II,
82. Directarii — II, 175. Direito de
associação, transgressões
— II, 659.
Direito de asylo nos crimes políticos —
I, 174.
Direito domiciliário — II, 175. » de
exercer a profissão, privação como
pena accessoria — I, 409.
Direito de guerra na edade média -— I,
28.
Direito de matar reconhecido ao marido
— I, 244, nota 4.
Direito de mineração — II, 275.
» penal, definição — I, 1.
» » canónico — 1, 26 , |
nota 13.
Direito penal costumeiro — I, 138,
notas 1 e a.
Direito penal estadual — I, 61, 14".
m?
660 TRATADO DE DIREITO PENAL
Direito penal internacional —1,165.
militar — II, 6S2.
• em tempo de pax e em
tempo de guerra — 1, 180.
Direito penal relativo ia sociedade*
por acções — II, 587.
Direito subjectivo — I, 94, nota a.
Direitoi de autor — II, 197.
I' > cívicos — I, 435.
individuai — II, 3, 197.
a de occupação — II, 207.
a politico» — II, 449. Divisão
tripartida dos crimes—1,184. Divorcio
— II, 182. Divulgação de escripto» —
II, 140. Documento, definição — II,
895. Dolo, definição — I, 270.
antecedente e subsequente —
I, 278, note 8. Dolo eventual — I,
273, noto e. j [ » gemi ~ I, 270,
notas 8 • d. *' • indeterminado — I,
278,
* indirecto—1,278, nota» 8a d.
premeditado e repentino — I,
199, notas 2 «6; II, 14.
Dolos malus — 11, 253, noto 8. j
Domuiu vi introire — II, 28 e 27.
Duello— II. 68. '• americano —
II, 58, boto d'
Kbrie* — I» 118, nota 8.
Kditor^utor — I, 298, acto sv
Kdifici», deí — II, 2»
Educação forcada — I, llt, 936,
noto f. H
Effracton* — I, 17-Mto
mtf>«ctivo—1, 144, aatoa.
EaetoUade*, inuaunidad* — 1,180.
Embaixador, injuria — II, 456.
Embriagues — I, 269, noto T.
a como contravenção —•
II, 672.
Emenda — I, 100. I
Emigração de pessoas obrigadas ao
serviço militar — II, 680. I
Emigração voluntária de raos — I,
118, nota 7. Emissão de notas
bancarias — II,
579. Emissão de papeis a prémios —
II,
381. Emprego de tintas
prejudiclaes 4
saúde — II, 879. Em
prebendar — I, 827.
com relação á alta
traição — II, 428. Eraprebender
com relação ao hooil-
eidio — II, 17.
EmprmUmo sobre penha*— II,248.
Encarrevamenlo — 1, 422.
J
Encontro — II, 89. Enganar — II,
305, notas J
t
y, A. Envenenamento —
II, 42.
a da fontes • da ob-
jectos 4a uso — II, 883.
Erro em geral — I, 279.
4o medico — I, 298.
a da redacção — I, 134.
tvpogrepaloo — I, 130, asta 6.
Error to parsona ou la objecto — |
I. 28».
Epiaootfa - II, 888, 834
K<c*tar
EacasMtoliaar poc, aeta* Impudicos
II. I;'. I
......lsaawtla.|.aiiaaéi ll.Ma
f ires «alisar torture»!» aaisnaaa —
II. 676.
INDIOE AI
Escriptos obscenos — II, 140.
Escriptorio de informações — II, 79.
Espelhos — I, 80, nota e. Espionagem
— II, 439. Estados amigos — II, 458.
Estado civil — II, 148. Estados do
inconsciência — I, 269. Estado jurídico
e Estado administrativo — II. 487.
Estado de sitio — I, 181, nota a.
Estatística criminal — 1,106, nota 2.
Estellionato, ver burla. Estupro — II,
122. Evasão espontânea — II, 470.
Exceder a legitima defesa —• I, 281
e 282. Excessus mandati — I, 869,
nota a. Excitação — I, 366, nota 3.
» como causa de attenuação
no homicídio — II, 292. Execução
forçada, frustrar a — II,
296. Execução da pena de morte —
1,414. » das penas de prisão—
1,421. » da multa — I, 427. »
da pena de reprehensão —
I, 429. Exercício da profissão como
exclusão
da i Ilegal idade — 1, 246.
Exigências da Politica Criminal —
I, 122. Expedição da sentença — I,
400. Exploração criminosa — II, 814.
Exposição de infante — II, 88.
Expulsão de estrangeiros — I, 434.
Extorsão — II, 311.
» equiparada a roubo — II,
254. Extradicção — I, 169. Extrema
necessidade — I, 283.
651
P
Facto —II, 83, 301.
Faida— I, 21.
Fallencia, ver bancarota.
Falsa attestação—II, 406.
Falso testemunho, ver perjúrio.
Falseamento da vontade da maioria —
II, 691.
Falsificação de documento— II, 399.
» intellectual, ver falsa at-
testação.
Falsificação eleitoral — II, 451.
»• de mercadorias — II,
873.
Falsificação da moeda — II, 386.
» de telegramma — II,
608, 402, nota a.
Falsum — II, 882.
Favorecimento não é forma da cum-
plicidade — I, 854.
Favorecimento como crime sui ge-
neris — II, 632.
Favorecimento do credor — II, 298.
» da deserção—II, 648.
Fazer justiça a si mesmo — I, 248.
Feto — II, 8, nota 1.
Fiança —II, 189.
Fim a que a acção se dirige — 1,272.
Fins da pena — I, 98.
Fontes do direito penal — I, 182.
Frcdum — I, 28, nota_e.
Frevel —I, 27.
Funcção publica — I, 435, nota 1.
Funccionario publico — II, 492.
Funccionarios estrangeiros—II, 467.
Furto, definição —II, 220.
» com arrombamento—II, 284. »
com chaves falsas — II, 286. » á
mão armada — II, 238.
1
652
TRATADO_PijDnynig_HgíAX_
lPurtõ~nõcturnõ ^1172307"
por quadrilha— II, 239.
- domestico-II, 242.
entre parentes — II, Ml.
portal — II, '-'30.
» rural a florestal — II, 168, noU 4;
146. Furto iMrilago —XI, 284.
. da cou*a achada — II, 256.
I cadáver • d* objectoa en-|
t-rradui com o cadáver- 11,223. Furto,
de wartlnli- II, 247. s da forragens —
II, 248. '• equiparado» roubo-41,241.
em segunda reincidência—
II, 240.
Furtutn — II, 21"
poaaaaaJoab-11, 244.
HL^a^Ha^H
<:• !. .
<ír»v*--I
(
4*8. Graduação ê*
pena — I, 112. Or—itorea—II.
S4». ^-JL_ij>L_j7i^_
Homicídio a pedido da victima —
II, SI. Homicidium proditoriumII,
181 Honra, definição —II, TL |Hoi
Hora policial —II, 67". Hypnotismo,
como exclusão da im-
putabilid.de-II, 260.
Hypnoti—o, como coacção -11,97
_nota__4^_ I
Tgnor^ndaT^Te^
I Ilegalidade, como «a.rartari*U«o da
ideia ia crime — I, 21».
Império da lei penal, quanto ao e»-|
paço —I, 155.
Império da lai penal, quanto 4 mata
— I, 147.
Império da lai penal, quanto 4a pes-
soas—I, 17<i.
I m padir o «artiato do di rei to da Votar
-H.ua
Importa*-II, «II.
Mft»li
ImpMinV
HaaXaçta, I
HUSortaaW
i~H, 177.
BMul—I. A.
Incarto- If, 148.
In janutla, «W aeUdoa A'
Bi
_V^lO
l ,»- amuou
li
ÍNDICE ALPHABEtIOO
653
Infância — I, 263.
Infante —II, 89, 150.
Infanticídio — II, 17.
Infidelidade —II, 278.
» do diplomata — II, 438.
» do procurador judicial —
II, 282. Infracções das leis sobre
impostos —
II, 619, 623. Infracções das leis sobro
as moedas e os bancos do Império —
II, 579. Infracções das leis sobre o sello
II, 628. Infaabilitar-se para o serviço
militar
— II, 549.
Injuria — II, 67.
» á magestade — II, 443. » real —
II, 82, nota b. Injurias reciprocas—II,
90. Injurise atroces — II, 26, 174.
Injusto civil e injusto criminal — I,
301, notas 1 e b. Injusto policial — I,
220, notas 4
e a. Injusto punível e não punivel —
I,
301, nota 6. Innocuidade — I,
116, nota 7. Instigação —II, 350,
363.
» tentada —II, 371.
InstrumentoII, 82. Intenção
— I, 272.
» de apropriação — II, 227. » de
lograr —II, 310. » de lucro- II, 802.
Interesse — I, 98. » Interpretação
das leis penaes — I,
134, nota e.
Interrupção do nexo causal — 1,202.
» da prescripção — I, 483.
Intervenção violenta em actos of-
flciaes — II, 457.
Intimidação — I, 100.
Inundação — II, 852.
Jogo de azar — II, 324.
Juramento — II, 516, nota a.
H » contractual—II, 517.
» de credulitate e de veri-
tate — II, 517, nota e, 623. Justiça
retribuidora — I, 125. Justificação da
pena — I, 120, notas 1 a 4.
Latrocinium — I, 17. Latrones —II,
13, 249. Ledigung, conciliação judicial
— I,
27. Legislação penal policial — I,
150,
nota 2.
Lei, definição — I, 136.
Leis penaes accessoriaa — I, 84.
» » em branco — I, 138.
» » intermediarias—I, 145'
Lex Galpurnia — I, 18.
Leges Cornélia — I, 14.
» Julias -1, 14, II, 118, 168.
Liberdade de conlisão — II, 104.
Liberdade individual ou pessoal —
II, 93. Liberdade de trabalho —II, 104.
Libertação condicional—I, 420, 425.
Legitima defeza—I, 225. Lenocínio —
I, 132. Libello famoso—II, 69.
Libidinagem contra a natureza — II,
142.
654 TJtATADO DE DIKEITO PENAL
Libidinagem com offensa de certas
relações de dependência — II, 189.
Litteratura do direito penal aUemão
- I, 138. Livre arbítrio — I, 122.
Locação de casa á prostituta — II,
180, nota e. Logar do
facto — I, 213. Lotaria —
II, 828. Loucura — II, 269.
• moral (moral insaniO/)
II, 269.
Maledicência — II, 82.
Mio trato — II, 28.
Marcas de fabrica e de mercadorias
— II, 208. Marca* de seguro
— II, 418. Margarina — II, 880.
Matéria — I, 148.
explosiva — II, 862, nota
•; 868. Medidas policia* — I, 401.
Mendicidade, ver vagabundagem —
11. 482. Menino, si pode ser
injuriado — II,
74 Menom, lecio de — 11, 814.
Menoridade segando o direito penal,
ver adolescência. Menoridade,
influencia sobre a pena
- i,a« m,
««.«,!,.• do poder publico — II,
Metfcodo da srknda do direito|
- 1.2 Militaras-. U, '.A. MiaseU» de
religilo — 11, 194.
Moeda, definição — II, 617. Modelos
de gosto — II, 808. Modelos de
utilidade — II, 218. Moderamen
inculpaUe tutela — II,
281. Moléstia* contagiosas — II,
862. Momento da acção — I, 218.
Monomania — I, 268. Monstros»
Vemu — II, 142. Monstrura — II, 8.
Mordbrand — II, 847, nota «. Morte
do criminoso — I, 466.
* civil — II, 248, nota 8.
Mortos, Injuria aos — II, 78. Motim
de preso*— II, 470. Motivo da acção
— I, 116, 199, 878. Movimento
corpóreo—1,198, nota a. Multa —
1,486.
como se converte em prisão —
I, 444. Multa, questões de Utje
/«renda — I,
116. Multa privada — I,
489. Multidão — 2, 179.
Mutilação — II, 88.
Nacionalidade doa navio* mercante*)
— II, 606. Não denunciar crimes
— II, 878,
448, 546, HBMIUIIIII — II, 97, nota
4,
rltorfa* -.11, §11.
ewoasaal- i 88*
í Volte, deflnKi' — II. !
JfofíiuJw — I, tt, IsVutM I I A
Nuilum crime» tine tuge— I, 180.
INDIOE ALPHABETIOO
655
O
Objectos em expedição — II, 286.
Obrigação de receber a bordo homens
do mar — II, 607. Ociosidade — II,
672. Occasionar a contrafacção —
11,201,
nota c. Occultar — II, 292, 889.
Ofíendido, definição — I, 315.
» no crime de furto — II,
232, nota t. Offensa feita pelo próprio
dono do
bem — I, 247. Offensa pbysica — II,
27. Offensas physicas reciprocas—II,
86. Omissão — I, 20ii, 101. Onanismo
— II, 146, nota 2. Ordem do superior
I, 243. Ordenanças criminaes — I, 86.
Ordenança como fonte do direito
penal — I, 186.
P
Pagamentos por conta — II, 838. Paiz,
definição — I, 161. Palinodia — I, 161,
nota 6. Papel dos bilhetes do thesouro
— II,
392. Parentela — I, 19. Parentesco
— I, 240, nota 6. Parricidium — I, 11;
II, 12, 16. Pasquim — II, 69.
Passageiro de contrabando—II, 801.
Patente de invenção — II, 201. Paz
jurídica — II, S87. Paz publica — I,
28; II, 188. Peculato — II, 604.
Pederastia, ver sodomia. Pedra
infamante — II, 69, nota a.
Peita, ver corrupção. Pena, definição —
I, 400. Penas, systetna penal — I, 408.
Penas accessorias concernentes á
honra — I, 410, 436. Penas accessorias
concernentes ã liberdade — I, 409, 480.
Penas accessorias concernentes ao
património — I, 409. Pena
addicional — I, 461, notas
1 e b! Pena col lectiva — I, 460. Penas
disciplinares — I, 404. Pena de morte
— I, 80; II, 410. Penas de ordem — I,
408, 406. » policiaes — I, 407. »
principaes — I, 409. » de prisão — I,
416. » » , historia — I, 416. »
privadas — I, 161. » processuaes —
I, 406. » subsequentes, 1, 408. » da
cumplicidade — I, 462. » da tentativa
— I, 461. » na mão e no pescoço —
I, 31. » na pelle e no cabello — 1,82,
nota g. Penologia — I, 104, nota e.
Pequenas penas de prisão — 1,118.
Perda dos direitos cívicos—I, 436.
Perduellio — I, 11. Periclitaçio, pôr em
perigo — 1,196.
» da honra — II, 82.
Período dos eneyclopeclistas ou phi-
losophico — I, 66.
Perjúrio — II, 514.
Perseguição dos feiticeiros — I, 62.
Perturbação do culto — II, 172.
» da paz da sepultura —
II, 172.
666
TRATADO DE DIREITO PENAL
Perturbatio sanguinis—II, 161. Pictura
famosa — II, 69. Pirataria — II, 258.
Plagiato — II, 204. Plagium — II, 98,
553.
litterariuni — II, 198.
Pluralidade do acções que constituem
um só crime — II, 360. Poder
correccional e disciplinar —
I, 244. Policia dos costumes — II, 669. »
da imprensa — II, 556. » das
industrias — II, 582. da navegação — II,
605. dos pesos e medidas — II,
Policia de segurança — II, 563.
» da viação — II, 603.
Politica criminal — I, 3, 93.
Polygamia — II, 155. Pombos-
correios — II, 555. Pôr em
circulação — II, 364.
» á disposição da autoridade — I,
432. Portador do cartel de desafio,
pena
II, 63.
Portos militares — II, 654.
Pnevaricatio — II, 282. Praxe
— I, 133. Premedilação — I,
199.
» no homicídio — II, 13,
14. Preparo da contrafracção —
201,
nota c. Prerogativas do correio — II,
604. Prescripção — I, 20. Prescripção
da acção — I, 475.
ii da execução — I, 484.
Presumpção da autoria do redactor
1,297.
Presumpção de culpa — I, 253, notas
4 e c. Prevenção geral — I, 100.
Principio da accumulação das penas
I, 459.
Principio da justiça universal — I,
158.
Principio de protecção — I, 167.
» territorial — 1,166. w Prisão
cellular — I, 425.
D em fortaleza — I, 422 e 423.
» preventiva, ver computação.
Procurador bastante para dar queixa
I, 315.
Probibição de frequentar certos legares
— I, 431.
Prostituição — II, 574.
Protecção dos animaes em geral — II,
675.
Protecção dos pássaros — II, 676.
D das phocas — II, 275.
» de modelos, ver modelos de
gosto e de utilidade.
Protecção das obras de arte figu-
rativa — II, 205.
Protecção de pbotographias — II, 206.
Prova da verdade — II, 87.
Proveito patrimonial — II, 302.
Provocação, definição—1,366, nota 3.
Provocações delictuosas — II, 472.
Publicação do acto de aceusação — II,
544.
Publicação da sentença — I, 400.
Q
Quadrilha de roubadores — II, 253.
Qualidades e relações pessoacs do
agente — I, 376.
**,
*\
V. t
ii
»
601.
ÍNDICE ALPHABETIOO 657
Queixa, a quem compete — I, 815.
» prazo — I, 318.
requisitos — I, 319.
» quando é permittido reti-ral-a — I,
319. QuíBstiones perpetuas — I, 18.
Quilate dos metaes — II, 601.
R
Rapto — II, 117.
a de homem — II, 107.
» de menor — II, 109.
Receptação pessoal — II, 632.
» real — II, 834.
Reclusão — I, 409, 423. Reciprocidade
— II, 454. Recuperação de direitos
cívicos, ver
rehabili tacão.
j
Redactor responsável — I, 296.
I Regicídio, ver alta traição.
i
a no direito internacional
penal — I, 174. Regimen penitenciário,
ver systema. Regularidade do exercício
da funcção
— II, 460. Rehabilitação -— I,
438, nota 8. Reincidência — I, 896.
» como causa de aggra-
vação—I, 448, nota o; 116, nota 7.
Relações pessoaes do delinquente,
ver qualidade. Relações que
constituem outrem em
estado de subordinação, abusar
delias para fim libidinoso— 1,127.
Remédios secretos — II, 664.
|
Reprehensão — I, 429. Representante
legal do offendido —
I, 815. Requisitos processuaes — I,
810.
Resenhas dos debates parlamentares
I, 248.
Resistência contra o funccionario pu-
blico — II, 459. Resistência contra
coiteiros, verguar-
da-caça.
Responsabilidade criminal, ver culpa.
H » ministerial—1,406.
Resultado do acto, definição — I,
193. Resultado grave, como causa de
ag-
gravação — I, 266. Retorsão na
injuria — II, 90.
» na oflensa physica —1,468;
II, 37. Retractação do depoimento
falso —
II, 626. Revelação de segredos
alheios — II,
180. Revelação de segredos de
fabricação
II, 186.
Revelação de segredos militares —
II, 489. Rifa — II,
829. Rixa — II, 92.
Roubo — II, 249.
S
Saccularii — I, 17.
Sacrilegium — II, 234. H
Saquear — II, 192. -
Satisfação privada na injuria — II, 91.
Schlãgermensur (duello de estudantes)
— II, 61, notas 6 a 7 e e.
Schmerzensgeld (preço da dor) — I,
162.
Schwarzenberg — I, 86.
658 TRATADO DE DIREITO PENAL
Sedição — II, 465.
Seduccão, definição—II, 866, nota 3.
para a deserção — II, 648.
» para a emigração—II, 553.
» para falso testemunho —
II, 523, 524. Seduzir menor honesta
— II, 181. Segredo epistolar — II,
181, 507. Seguro contra accidentes —
II, 281,
598. Seguro contra infermidades —
II,
281, 597. Seguro contra a invalidez e
a velhice
— II, 281, 598. Sellos e estampilhas,
falsificação —
II, 411. Sentença condicional—1,114,
nota b.
» indeterminada — I, 116.
Sentimento religioso — II, 173,
Sepulchri violatio — II, 172.
SequestraçSo da liberdade — II, 105.
» de bens —II, 481, 438.
Signaes para a navegação — II, 861.
Skopelismua — II, 188.
Sociedades por acções — II, 587.
» de protecção — II, 79.
» religiosas, injuria — II,
170. Sociedades secretas — II, 560.
Societas delinquere non potest — I,
190. Sociologia criminal — I, 105.
Sodomia — II, 144. Soltura de presos
— II, 468. Somno — I, 269.
Stellionatus — II, 298. Subornatio
testium, ver seduccão. Suborno do juiz
— II, 498. Subtracção — II, 408.
Suicídio — II, 246, nota 7.
Sujeito do crime — I, 189.
Suppositio partus — II, 148.
Suppressão, ver subtracção.
do estado civil — II,
149. Surdi-mudez — I, 266.
Suspensão da liberdade de imprensa
— I, 182. Suspensão de pagamentos —
II, 287. Symbolo de autoridade — II,
455. System a auburniano — I, 418. »
belga sobre a responsabilidade nos
delictos de imprensa — I, 298. Systema
das penas por culpa — I,
298. Systema penal — I,
408.
» penitenciário I, 418.
pensylvaniano I, 418. »
progressivo — I, 419.
Taidigung, conciliação extrajudicial
— I, 27.
Taxas — II, 618, 617. Telegrapho — II,
357, 604. Telephonos — II, 367, nota 3.
Tentativa, definição e historia — I,
821. Tentativa como causa de
attenuação
— I, 827.
Tentativa acabada e não acabada —
I, 325.
Tentativa impossível absoluta ou re-
lativamente — I, 836. Tentativa
qualificada — I, 827. Theoria da
apprehensão no furto —
II, 281, noto 18.
INDIOB ALPHABETIOO 659
Theoria da ablatio ou illatio II, 231,
notas 13 e h.
Theoria da contrectatio II, 231,
notas 13 e A.
Theorias sobre o direito penal I,
100, notas 8 a 5.
Theorias mixtaa — I, 125, nota 7.
Theoria das normas 1, 96, notas 2 e
e.
Theorias da «presentação e da vontade
no dolo — I, 270, notas 2 e a.
Ter á venda, definição II, 364, nota
1.
Território sob o protectorado allemão
I, 162, nota a. I
Tirada da cousa alheia — II, 227.
» iIlegal de um cadáver, ver
furto. Títulos ao portador, ver
emissão. Tolerância, em relação á
omissão —
II, 101. Tornar innocuo o incorrigível
— I,
116, nota 8. Torpesa involuntária—
II, 127,nota/. Torpor — I, 97, nota 4.
Tortura — I, 82. Torturar — II, 264.
Trabalho forçado sem encarceramento
I, 113.
Trabalhos legislativos — I, 187. Trafico
de escravos —- II, 99.
» de mulheres brancas — II, 134.
Traição contra o paiz — II, 438.
» diplomática — II, 437.
» militar — II, 484.
Tribu — I, 5.
Turbatio sacrorutn — II, 167. Typo do
criminoso — I, 109, notas 4 e a.
U
TTltrage, definição — II, 76. Ultrajar a
memoria de uma pessoa
morta — II, 86. Ultrajar uma
sociedade religiosa —
II, 170. Unidade de acção — I, 882.
Unidades de pena — I, 445, nota 6.
Ungerichte — I, 27. União aduaneira —
II, 622. Urphedebruch, urfeda de non
rc-
deundo — II, 547.
Usura — II, 817.
» em matéria de credito — II,
819.
Usura em negocio — II, 322.
Usuras palliatie — II, 321. M
Usurpação de cargo publico — II,
482.
V
Yaccina — II, 568. m
Vadios — II, 482. Vagabundagem —
II, 570. Velhos catholicos — II, 170.
Venda de bebidas alcoólicas — II.
573. Venda do voto no concurso de
cre-|
dores — II, 295. Venda do voto em
eleições publicas
II, 462. Venda do voto nas
sociedades por
acções — II, 592. Venditio fumi —
I, 17 Veneficium — II, 18. Veneno,
definição — II, 43. Vias de facto,
definição — II, 82.
H
660
TRATADO DE DIREITO PENAL
Vias de facto contra o fanccionano
publico — II, 464. Vias de facto
contra o rnouarcha
— II, 446. Viabilidade — II, 20.
Via-ferrea, definição — II, 237.
Vigilância policial — I, 116, nota
7, 480. Vindicta — I, 6. Violação do
contracto — II, 276. i> dó direito
de caça II, 264. » dó domicilio
II,' 176. » do embargo — II, 486.
» do juramento — II, 648. »
das regras da arte das con-struccões
— II, 367. Violação do segredo
official — II,
606. Violação de sellos — II,
484. Violatio pacis publica', ver paz
pu-
bllosH
Violência — II, 95.
, irresistível-II, 289, nota
Vivisccção — I, 245; H,
576
*^^
Volenti non flt injuria — I, 245, |
nota 6. ^^H
Volta do estrangeiro expulso — Ij
484. ^T^
Voluntariedade — I. 197.
Vontade - I, 200, nOa 8.
„ inconsciente-1,200, notai
Waldbrand - II, 347, nota a.
Wergeld-I, 22, nota 7; 27.
Z
Zecbprellerei (lograr o hoteleiro) -
II, 302.
7422 —
J'\
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