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Valdir Arruda
Tradição e Renovação:
a arquitetura dos mosteiros beneditinos contemporâneos no Brasil
Dissertação de mestrado apresentada à
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo sob a orientação
da Prof. Dra. Mônica Junqueira
São Paulo
2007
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Agradecimentos
À prof. Dra. Mônica Junqueira pela amizade, confiança, apoio e orientação ao longo dos
anos.
Aos profs. Drs. Fernanda Fernandes da Silva e Carlos Eduardo Uchôa Fagundes Jr. OSB,
pelo incentivo, comentários e sugestões fornecidas durante o exame de qualificação.
Ao arquiteto Hans Broos, pela generosidade com que nos recebeu, permitindo o acesso a
seu organizado acervo de projetos e, acima de tudo, pela excepcionalidade de sua
arquitetura religiosa.
Ao arquiteto Ubiratan Silva, por sua colaboração ao nosso trabalho, disponibilizando
projetos e imagens de sua produção arquitetônica.
Aos arquitetos Celso Ono, Dalva Thomaz e Ricardo Mendes pela amizade.
Ao arquiteto Valderson de Souza, por compartilhar essa trajetória.
Aos caríssimos monges e monjas beneditinos:
Dom Geraldo Gonzáles y Lima OSB, e comunidade da Cela de São José, onde fui
introduzido à vida beneditina; e a Dom José por permitir nosso acesso ao mosteiro e sua
biblioteca.
Madre Abadessa Martha Lúcia Teixeira OSB, e comunidade da Abadia N.Sra. da Paz, pelo
estimulo, orientação, amizade e orações; agradeço ainda às Ir. Maria Luiza
Freire e Ir. Miriam Teixeira de Almeida e Ir. Maria Cruz, minhas guias na clausura.
Dom Abade Mathias Tolentino Braga OSB, e comunidade da Abadia N.Sra. da Assunção,
que possibilitaram meu aprendizado acerca da filosofia e da tradição monástica;
Dom Paulo Panza OSB, e comunidade do Mosteiro de São Bento de Vinhedo, pela amizade
e auxílio prestado ao longo do tempo;
Madre Abadessa Maria Teresa Amoroso Lima OSB, e comunidade de Santa Maria, em
especial Ir. Maria Letícia Pereira de Campos, pela visita guiada, e zelo arquivístico;
Dom Abade Roberto Lopes OSB, e comunidade da Abadia NSra. do Monserrate, pela
acolhida e visita guiada;
Dom Abade André Martins OSB, e comunidade da Abadia da Ressurreição, pela acolhida,
amizade, generosidade, confiança e orientação; afinal, foi por meio de sucessivos retiros
feitos nesse mosteiro, ritmados pelo trabalho e oração, que pudemos experimentar um
pouco do Mistério e do cotidiano de uma comunidade monástica beneditina.
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Resumo
Estudo sobre a arquitetura dos principais mosteiros beneditinos construídos no Brasil na
segunda metade do século XX, quando simultaneamente à evolução dos costumes e às
novas interpretações das regras religiosas monásticas, os trabalhos construtivos
empreendidos dentro dos claustros adquirem um novo significado. Desse processo de
renovação resultou uma produção heterogênea, que introduz modificações no programa
arquitetônico tradicional dos mosteiros e que requer para sua compreensão um estudo
especifico e aprofundado, face à escassez de informações sistematizadas disponíveis. Por
meio da análise de seis obras contemporâneas e exemplares dessa produção, duas delas
de autoria do arquiteto Hans Broos, o trabalho pretende identificar as contribuições
arquitetônicas presentes nesses projetos para mosteiros beneditinos e analisar sua
adequação aos propósitos de uma vida comunitária consagrada, vinculada com a liturgia
e com a arte, elucidando assim os requisitos básicos para o reconhecimento e crítica dessa
modalidade de produção. Desse modo, o estudo pretende contribuir para a análise do
processo de renovação da arquitetura religiosa brasileira, um tema pouco explorado no
panorama da historiografia da arquitetura nacional.
Abstract
Study about architecture of main Benedictine monasteries built in Brazil during second
half of XXth. Century, when the concurrency of evolutive habits and new commentaries
of religious monastic rules, lead to new meanings of the monastic building. From this
renovation process an heterogeneous production was resulted, introducing changes in the
traditional architectonic program of the monasteries, and to know them requires an
specific and deeper analysis, because they have a few systematic data available. By the
analysis of six contemporary and emblematic works from that production, a couple by
Hans Broos, this study aims identify the architectonical contributions in the projects for
Benedictine monasteries and to investigate their adequacy to the devises of a consecrated
communitarian life, linked with liturgy and fine arts, clarifying basic requirements to a
knowing and critics of this kind of production. Most of all, the study aims to contribute to
an analysis of the process of renovation of Brazilian religious architecture, a very few
researched theme in the panorama of national architectonic history.
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Sumário
Introdução .........................................................................................................................6
Parte I. Tradição e Assimilação.
1.1. Origens da tradição monástica beneditina..................................................................16
1.2. Origens da arquitetura monástica beneditina..............................................................19
1.3. A expansão do monaquismo ocidental e a origem do românico................................27
1.4. A Regra de São Bento e o programa arquitetônico beneditino...................................33
1.5. Introdução da arquitetura monástica beneditina no Brasil – período colonial ...........43
1.6. Mosteiros beneditinos brasileiros nos séculos XVI a XIX.........................................46
1.6.1. Arquiabadia de São Sebastião (Salvador, BA)........................................48
1.6.2. Abadia de São Bento de Olinda (Olinda, PE).........................................52
1.6.3. Abadia de N.Sra. do Monserrate (Rio de Janeiro, RJ)............................54
1.6.4. Abadia de N.Sra. da Assunção (São Paulo, SP)......................................59
1.7. A restauração da Congregação Beneditina Brasileira no século XX e seus efeitos
sobre a arquitetura dos mosteiros. .....................................................................................62
Parte II. Tradição e Renovação
2.1. A decadência da arte sacra e as origens da renovação da arquitetura religiosa..........70
2.2. A renovação da arquitetura monástica na Europa.......................................................74
2.3. A renovação da arquitetura monástica na América do Norte.....................................88
2.4. A renovação da arquitetura monástica no Brasil........................................................92
Parte III. Tradição e Contradições
3.1. A renovação dos mosteiros beneditinos brasileiros contemporâneos.........................99
3.2. Mosteiro N.Sra. das Graças (Belo Horizonte, MG)..................................................101
3.3. Mosteiro de São Bento (Vinhedo, SP)......................................................................107
3.4. Abadia de Santa Maria (São Paulo, SP)....................................................................115
3.5. Mosteiro N.Sra. da Paz (Itapecerica da Serra, SP)...................................................125
3.6. Abadia da Ressurreição (Ponta Grossa, PR).............................................................135
3.7. Cela de São José (Itapecerica da Serra, SP)..............................................................144
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Parte IV Considerações finais.......................................................................................152
Índice das ilustrações.....................................................................................................159
Bibliografia.....................................................................................................................163
Arquivos consultados.....................................................................................................169
5
Introdução
O tema da dissertação é a arquitetura religiosa brasileira contemporânea, em particular a
arquitetura dos mosteiros beneditinos. Essa modalidade tradicional de arquitetura,
introduzida no Brasil por meio das ordens religiosas, já foi objeto de inúmeros estudos e
pesquisas, centrados notadamente no período compreendido entre os séculos XVI e
XVIII. Em sua maioria, tais estudos têm como premissa as relações existentes entre as
diferentes ordens religiosas – jesuítas, franciscanos, carmelitas, beneditinos e
dominicanos – e as ordens arquitetônicas. Neles encontramos informações precisas
acerca da introdução, assimilação e desenvolvimento da arquitetura religiosa brasileira
durante o período colonial.
São raras, entretanto, as pesquisas que têm como foco as trajetórias e o intenso processo
de renovação da arquitetura religiosa brasileira ao longo do século XX, fato inexplicável
se considerarmos sua relevância no âmbito do conhecimento e da cultura. Em nossa
historiografia recente, os ousados edifícios religiosos que pontuam a obra de Oscar
Niemeyer são considerados marcos do processo de renovação da arquitetura
contemporânea. Trata-se de uma arquitetura que propõe uma ruptura com a tradição e
que, em detrimento de seu sucesso internacional, não obteve reconhecimento imediato
por parte das autoridades eclesiásticas. No Brasil, o movimento pioneiro de renovação da
arquitetura religiosa foi fruto de condições excepcionais ligadas ao desenvolvimento do
país, e deriva da obra de Oscar Niemeyer sob o mecenato de Juscelino Kubistschek. O
que equivale a dizer que esse movimento de renovação da arquitetura religiosa brasileira
não contou, em sua origem, com qualquer apoio das conservadoras autoridades
eclesiásticas locais, cautelosas ou refratárias no que diz respeito às realizações mais
audaciosas da arte moderna e satisfeitas com os estilos importados e passados.
Mas isso não significa que o movimento de renovação da arquitetura religiosa brasileira
esteja restrito apenas à obra de Niemeyer e possa, portanto, ser personalizado. Em São
Paulo, por exemplo, essa renovação arquitetônica assumiu um caráter diferenciado:
ocorreu com o incentivo e o apoio das Ordens Religiosas. E a partir da década de 1950,
6
sob amparo dessas congregações, a arquitetura religiosa paulista assume uma feição nova,
com características próprias. Foi com o amparo e defesa dos Dominicanos e Beneditinos,
e por meio da atuação de arquitetos estrangeiros que a arquitetura religiosa tomou aqui
rumos próprios.
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Este é um período de grande expansão do cristianismo, em especial nos países em
desenvolvimento do hemisfério sul, quando novas igrejas e mosteiros são construídos
enquanto as antigas edificações religiosas são adaptadas às modificações litúrgicas
introduzidas pelo Concilio Vaticano II (1962-7). Numa tentativa de abandonar sua
imagem tradicional, hierárquica e conservadora, a Igreja busca adotar aquilo que é
moderno, comunitário e controverso, envolvendo-se assim com os problemas do mundo.
Disso resultou uma produção grande e variada, fruto da inter-relação entre o sagrado e o
secular, com ênfase nas prioridades sociais do cristianismo e impossível de ser
generalizada.
Atento a essas questões e buscando contribuir para o conhecimento do processo de
renovação da arquitetura religiosa brasileira, apresentamos o estudo da arquitetura dos
mosteiros beneditinos no Brasil na segunda metade do século XX quando,
simultaneamente à evolução dos costumes e as novas interpretações das regras religiosas
monásticas, os trabalhos construtivos empreendidos dentro dos claustros adquirem um
1
A Igreja de São Domingos (1953), em Perdizes, ilustra as controvérsias que o processo de renovação da
arquitetura religiosa fomentou em São Paulo. Ela foi objeto de um concurso instituído pelos frades
dominicanos, no qual foi vencedor o projeto de autoria de Sérgio Bernardes (1919-2002). Entretanto, esse
projeto não pode ser construído, pois foi vetado pela Comissão de Arte Sacra da Cúria Metropolitana.
Tentando contornar esse problema, a comunidade dominicana convidou Franz Hepp (1902-1978) para
realizar o projeto para a nova igreja; é ele o responsável pelo projeto atual, que após um longo processo
junto aos órgãos eclesiásticos, foi aprovado com a intercessão do arcebispo de São Paulo. A Igreja de São
Domingos é o primeiro exemplo de “edifício religioso” incluído na antologia “Arquitetura Moderna
Paulistana”, (XAVIER, 1981, ficha 33).
Outro exemplo do processo de renovação da arquitetura religiosa (não incluído nessa antologia) é a Igreja
de São Bonifácio (1966), de Hans Broos, que se firmará como um exímio projetista de edifícios religiosos e
industriais nas décadas seguintes. Nessa igreja são evidentes traços da concepção germânica de uma igreja
“cristocêntrica”, um espaço prático e econômico para a ação litúrgica, onde prevalece a idéia de um altar
único, circundado pela assembléia dos fiéis, e foco de toda a celebração. Essa concepção é retomada pelo
arquiteto na igreja do Mosteiro de São Bento de Vinhedo (1970). Dele também é o projeto da Abadia de
Santa Maria (1976), obra de concepção arrojada e marcada por um intenso rigor construtivo, espécie de
paradigma para projetos e soluções que a arquitetura monástica viria a apresentar no Brasil na segunda
metade do século XX.
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surpreendente dinamismo. É o período em que arquitetos internacionalmente consagrados
são convidados a colaborar com as comunidades monásticas. Dessa associação, resultam
projetos diferenciados e inovadores para mosteiros masculinos e femininos, em várias
partes do mundo.
2
São obras onde a introdução dos postulados do funcionalismo
moderno (simplicidade, formas cúbicas e inteligibilidade de estrutura) e sua associação
com a tradição construtiva monástica resultam em soluções inusitadas e de grande valor
arquitetônico. São projetos para mosteiros que antecipam inovações ainda por acontecer
na liturgia e na própria Igreja, e que constituem o resultado evidente da introdução e
assimilação do ideário da arquitetura moderna internacional no domínio da arquitetura
religiosa.
A escolha de nosso objeto de pesquisa – os mosteiros da Congregação Beneditina
construídos no Brasil na segunda metade do século XX – se deve principalmente a
excelência das abadias aqui edificadas, frutos do pioneirismo e tradição artístico-
construtiva dessa ordem religiosa. Assim, apresentamos uma obra de Francisco Bolonha
(1923-2006); apresentamos e analisamos duas obras de Hans Broos (1921), autor dos
projetos do Mosteiro de São Bento de Vinhedo (1968-1990), em Vinhedo, São Paulo,
(pertencente à Congregação Americano-Cassinense) e da Abadia de Santa Maria (1977),
no bairro do Tremembé, São Paulo, (ramo feminino da Congregação Beneditina do
Brasil).
Também o projeto do escritório BDSEL Arquitetos, (de João Carlos Broos, Altino Mário
dos Santos, Ricardo Júlio Leitner, Arnaldo Villares de Oliveira e Euclydes Rocco Jr.)
para o Mosteiro Nossa Senhora da Paz (1972/2002), (ramo feminino da Congregação
Beneditina do Brasil); e o projeto para a Cela de São José (1987/1992) (Congregação
Beneditina Húngara), de autoria do arquiteto Ubiratan José Almeida Silva e ambientação
do artista plástico Claudio Pastro, ambos em Itapecerica da Serra, SP.
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Entre os exemplos internacionais mais notáveis, destacamos o mosteiro dominicano de Sainte Marie de
La Tourette, projeto de Le Corbusier, em Eveux-sur-l’Arbresle, na França (1953/59), obra pioneira ao
propor “um novo mosteiro, adaptado aos novos tempos”; a Abadia beneditina de Saint. John, projeto de
Marcel Breuer e Hamilton Smith, no estado de Minesota, Estados Unidos (1953/68); a nova ala da Abadia
de São Bento de Valls, projeto de Dom Hans Van der Laan OSB, na Holanda (1955/68). Recentemente, o
Yatsugatake Holy Trinity Monastery, de Kenjiro Takagukai, em Nagoya, Japão (1999).
8
E ainda, o projeto para o Mosteiro da Ressurreição (1981-2005), em Ponta Grossa, no
Paraná, fundação do Mosteiro de São Bento de São Paulo, de autoria de Ubiratan José
Almeida Silva, com sucessivas transformações e acréscimos efetuados pela própria
comunidade monástica ao longo do tempo.
Por meio do estudo desses exemplares, buscamos identificar as contribuições
arquitetônicas presentes nos projetos dos mosteiros beneditinos construídos no Brasil na
segunda metade do século XX. Ao analisar as relações existentes entre o projeto
arquitetônico e vida comunitária, pretendemos elucidar os requisitos básicos para o
reconhecimento e a critica dessa modalidade de produção.
Pesquisando em fontes primárias (nos arquivos da comunidade religiosa e arquivos dos
arquitetos responsáveis pelos projetos dos mosteiros em estudo), por meio de
depoimentos, visitas e levantamentos “in loco”, procedemos à coleta e sistematização as
informações disponíveis a respeito do projeto, construção e reforma desses mosteiros; do
mesmo modo, materiais, técnicas, equipes responsáveis e colaboradores; e também o
período de duração das obras. Isso nos permitiu criar uma base de dados sobre os projetos
selecionados e possibilitou a identificação de seus programas arquitetônicos/espaciais, as
relações que mantém com os lugares onde se encontram instalados, assim como as
transformações que sofreram ao longo de sua construção.
Por meio dessa contextualização, procedemos à avaliação crítica desse conjunto de obras,
buscamos elucidar “por que” os projetos dos mosteiros estudados são contribuições
significativas para a arquitetura brasileira e “de que modo” traduzem uma idéia de
renovação.
Para isso foi fundamental o trabalho de revisão bibliografia. Em levantamento efetuado
junto aos Índices de Arquitetura Brasileira (de 1950 a 2005), encontramos cerca de 250
registros sobre o tema “edifícios religiosos”, coletados em periódicos especializados, dos
quais as revistas Acrópole, Habitat, Módulo, AD Arquitetura e Decoração,
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Projeto&Design e AU constituem as principais fontes de informação. Entre esses
registros, apenas sete tratam especificamente da arquitetura monástica, sendo três deles
diretamente relacionados a nosso objeto de pesquisa, enfocando a obra de Hans Broos. E
são poucos os artigos que propõem uma análise crítica e consistente a respeito da
arquitetura religiosa produzida ao longo de meio século. Entre elas destacam-se os artigos
de autoria de Cecília Rodrigues do Santos
3
e de Hugo Segawa
4
. Cerca de 1/3 do total
desses registros veiculam, de fato, exemplos da arquitetura religiosa brasileira
contemporânea, e fazem parte dos artigos acima citados, o que lhes reforça ainda mais a
importância. Os demais registros são informes heterogêneos tais como artigos sobre
patrimônio histórico, trabalhos de restauro em edifícios religiosos do período colonial,
reedição de antigos textos sobre o tema e alguma menção à produção internacional nesse
setor. Isso demonstra, de modo sumário, uma espécie de indefinição no trato e na análise
dessa questão tão relevante que é a arquitetura religiosa contemporânea no Brasil.
No que diz respeito à produção acadêmica, o panorama tende a ser mais desolador. De
modo geral, as teses e dissertações sobre o tema enfocam, em sua maioria, a arquitetura
religiosa brasileira no período colonial.
5
Estudos específicos que enfoquem as
realizações ditas “modernas” ou “contemporâneas”, produzidas ao longo do século XX,
são escassos. Assim, as referências em língua portuguesa sobre essa modalidade de
arquitetura encontram-se fragmentadas, diluídas numa enormidade de trabalhos
científicos que cotejam outros objetivos e finalidades.
Por esses motivos, a fundamentação teórica da pesquisa será norteada por critérios
apontados por autores e publicações que tratam de questões relativas à historiografia da
arte e da arquitetura, geralmente em língua estrangeira. Em virtude de nossa abordagem
especifica, demos destaque aos textos Arquitectura Monacal en Occidente, escrito por
Wolfgang Braunsfels (1969); L Architecture Bénèdictine en Europe, de Maurice
3
“Porque as catedrais não eram brancas”. Projeto (128):39-75, dez. 1989.
4
“Sentido do Sagrado”. Projeto (137):29-48, dez.1990/jan. 1991.
5
No caso especifico dos mosteiros beneditinos, a tese de doutorado de LINS, Eugênio de Ávila –
Arquitetura dos mosteiros beneditinos no Brasil: séculos XVI e XIX – Universidade do Porto, Porto, 2002,
é a referência fundamental sobre nosso tema de pesquisa. Entretanto, como seu autor salienta, o século XX
demanda ainda um estudo bastante específico a respeito da amplitude das intervenções que ocorreram nas
edificações monásticas nesse período (p. 26).
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Eschapasse (1963); e Arquitectura Carolingia y Románica, de John Kenneth Conant
(1982), obras de referências a respeito da arquitetura monástica. No Brasil, nossa
referência sobre o tema é o doutorado de Eugênio de Ávila Lins, Arquitetura dos
Mosteiros Beneditinos no Brasil: séculos XVI a XIX, defendido junto à Universidade do
Porto em 2002. É um estudo rigoroso sobre a arquitetura dos mosteiros beneditinos no
Brasil, desde a fixação da Ordem em nosso território, com a realização do primeiro
Capítulo Geral da Congregação de São Bento de Portugal, em 1570, e a instituição da
Congregação Beneditina Brasileira, em 1827, momento em que a Província Beneditina
no Brasil se separa da Congregação Portuguesa. (
ÁVILA, 2002, abstract).
Para o entendimento de nosso objeto de estudo foi necessário também uma incursão,
ainda que breve, na história do monaquismo, com o propósito de compreender as origens
e constituição daquilo que se entende por “tradição beneditina”. Nesse sentido, é
necessário destacar a contribuição proporcionada pelo ensaio histórico de Garcia M.
Colombás, “La tradicion Beneditictina” (1989), que nos apresenta a trajetória múltipla e
irregular dessa tradição. Juntamente com o texto de Lucien Regnault “La vie quotidienne
des Pères du desert en Égypte au IVe. Siècle” (1998), tornaram-se fontes inesgotáveis
para o aprofundamento de questões relacionadas à origem, desenvolvimento, expansão e
atualização da vida monástica enquanto tradição viva.
Do mesmo modo, para entendermos as questões presentes no processo de renovação da
arquitetura religiosa ao longo do século XX – questões geralmente associadas aos
embates entre Arte e Liturgia – recorremos a estudos realizados nas áreas da teologia
cristã e da sociologia. Essa escolha foi orientada pela necessidade de analisarmos a
inserção do processo de renovação da arquitetura religiosa na trama da urbanização
contemporânea, nos possibilitando o exame das questões envolvida nas querelas da Arte
Sacra no século XX. Para estudar esse assunto, recorremos à revista “L’Art Sacré”,
publicação francesa fundada em 1935 por Joseph Pichard e que em sua fase áurea (de
1945 a 1955) promoveu e divulgou os principais eventos da história da arte religiosa
contemporânea. Nesse período, quando foi dirigida por dois dominicanos, o P. Pie-
Raymond Régamey e o P. Marie-Alain Couturier, seus editoriais defendiam com
11
veemência a introdução da arte moderna nas novas igrejas e a recuperação das antigas,
danificadas pela guerra e pelo “mau gosto” dos leigos e dos religiosos. Para compreender
a importância dessa publicação foi inestimável o auxilio prestado pela tese de Sabine De
Lavergne “Art sacré et modernité: Les grandes années de la revue L’Art Sacré”,
doutorado em Ciências Teológicas para o Instituto Católico de Paris (1989), publicada
em 1992.
Além dos textos de referência, contamos também com a colaboração dos monges e
monjas da Congregação Beneditina do Brasil, dos monges da Congregação Beneditina
Americano-Cassinense e da Congregação Beneditina Húngara, que colocaram seus
inestimáveis conhecimentos, experiências e respectivas bibliotecas e arquivos à nossa
disposição, possibilitando a pesquisa a projetos e documentos junto a fontes primárias,
assim como a publicações esgotadas ou ainda inéditas.
Desse modo, para alcançar os objetivos propostos, utilizamos textos clássicos a respeito
da arquitetura monástica, estudos sobre o processo de renovação da Arte Sacra no século
XX, obras de referência da historiografia da arquitetura e do urbanismo contemporâneo,
textos de teologia e sociologia urbana, assim como documentos pertencentes aos arquivos
das Congregações Beneditinas existentes no Brasil. As citações usadas na dissertação são
traduções livres de publicações em língua estrangeira (francês, espanhol, italiano, inglês)
realizadas pelo autor. São concisas e foram selecionadas de modo a compartilhar com o
leitor a sabedoria que emana dos textos e de seus autores assim como as descobertas
efetuadas ao longo da pesquisa. Utilizamos ainda imagens fotográficas e croquis das
obras pesquisadas, além de depoimentos inéditos dos arquitetos e dos responsáveis pela
construção dos Mosteiros.
A dissertação apresenta uma cronologia do processo de renovação da arquitetura
monástica beneditina brasileira na segunda metade do século XX estruturada nos
seguintes tópicos:
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1. Tradição e Assimilação
Na Regra de São Bento, código de vida monástica com mais de 15 séculos, não se fala
especificamente do mosteiro e tampouco há disposições para a sua construção. Nela
encontramos apenas uma pequena passagem no capítulo 66:
...seja, porém, o mosteiro, se possível, construído de tal modo que todas as coisas
necessárias, isto é, água, moinho, horta e os diversos ofícios, se exerçam dentro dele.
O mosteiro é, assim, o lugar onde o monge cultiva a vida contemplativa e pratica a arte
espiritual. É onde passa toda sua vida, lugar ao qual está ligado pelo voto de estabilidade
e pelas rigorosas normas da Clausura.
O conjunto monástico, composto pela igreja abacial, clausura e demais dependências, é
geralmente construído fora dos limites das cidades. Sua construção é tradicionalmente um
empreendimento da própria comunidade monástica, auxiliada por benfeitores, fiéis e
trabalhadores assalariados. De tudo isso resulta uma produção arquitetônica
inconfundível, com traços de identidade, uniformidade e repetições, que desafiam o
próprio tempo.
1.1. Origens da tradição monástica beneditina
1.2. Origens da arquitetura monástica beneditina
1.3. A expansão do monaquismo ocidental e a origem do românico
1.4. A Regra de São Bento e o programa arquitetônico beneditino
A produção artística que foi desenvolvida e realizada no Brasil colonial confirma a
maciça influência da Igreja, pois é quase que totalmente religiosa. As congregações
religiosas foram responsáveis por grande parte das construções significativas executadas
no litoral. Estas foram edificadas com recursos próprios, muitas vezes de vulto,
propiciados por suas matrizes européias, que também lhes forneciam projetos, modelos,
orientações e até mesmo os elementos decorativos dos edifícios, tais como pedras, altares,
imagens e pinturas, entre outros. Era inevitável, portanto, a influência e a assimilação dos
padrões estéticos europeus na arquitetura monástica praticada no Brasil pelos beneditinos.
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1.5. Introdução da arquitetura monástica beneditina no Brasil colonial
1.6. Mosteiros beneditinos brasileiros nos séculos XVI a XIX
1.6.1. O Mosteiro de São Bento de Salvador
1.6.2. O Mosteiro de São Bento de Olinda
1.6.3. O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro
1.6.4. O Mosteiro de São Bento de São Paulo
1.7. A restauração da Congregação Beneditina Brasileira e seus efeitos sobre a arquitetura
dos mosteiros.
II. Tradição e Renovação
Uma vez identificados os fundamentos da arquitetura monástica beneditina, trataremos de
investigar os fatores que condicionaram as transformações verificadas na década de 1950,
quando arquitetos concebem projetos inovadores para mosteiros em várias regiões do
mundo, contribuindo assim para o desenvolvimento dessa tradição arquitetônica. É um
período de intensa criatividade e renovação, no qual a arquitetura se coloca à frente de
seu tempo, antecipando um processo de profundas modificações que estavam ainda
latentes no interior da própria Igreja.
2.1. A decadência da arte sacra e as origens da renovação da arquitetura religiosa.
2.2. Origens da renovação da arquitetura monástica na Europa
2.3. A renovação da arquitetura monástica nos Estados Unidos
2.4. A renovação da Arquitetura religiosa no Brasil
III. Tradição e contradições
Entre as décadas de 1950-1970, a arquitetura dos mosteiros beneditinos experimenta um
processo de renovação e se reveste de modernidade. Trata-se de uma produção
heterogênea que possibilitou o estudo que ora apresentamos. Ainda que poucos, os
mosteiros beneditinos exemplares construídos no Brasil na segunda metade do século XX
possuem na diversidade arquitetônica de seus projetos uma identidade inconfundível que
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desafia o próprio tempo. Concebidos no período conciliar, onde impera a idéia do
aggiornamento, são objetos privilegiados para o estudo do efeito das mudanças que as
idéias, as formas e as modas produzem na arquitetura.
3.1. A renovação dos mosteiros beneditinos brasileiros contemporâneos
3.2. Mosteiro N.Sra. das Graças
3.3. Mosteiro de São Bento de Vinhedo
3.4. Abadia de Santa Maria
3.5. Mosteiro N.Sra. da Paz
3.6. Mosteiro da Ressurreição
3.7. Cela de São José
Os mosteiros estudados são exemplares de um lento processo de “aggiornamento”, uma
modernidade tardia que atingiu seu ápice ao longo da década de 1970. Dois deles foram
projetados pelo arquiteto Hans Broos e são essenciais para a compreensão do processo de
renovação da arquitetura religiosa brasileira na segunda metade do século XX. A
narrativa das origens e trajetórias do processo de “atualização” dos mosteiros beneditinos
contemporâneos nos possibilita o conhecimento dessa modalidade de arquitetura,
praticamente ignorada pela crítica especializada. Por meio desses estudos de caso e da
análise das transformações observadas nosso trabalho pretende contribuir para a
construção da crítica e historiografia da arquitetura monástica contemporânea no Brasil,
uma vez que é escassa a analise formal a respeito desse tema, normalmente tratado de
modo panorâmico no contexto da arquitetura religiosa.
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Parte I
Tradição e Assimilação
A vida monástica, como toda vida autêntica, nem retrocede, nem se detêm no passado.
Segue sempre avançando (...) A tradição beneditina não é uma pura conseqüência da
Regra que São Bento
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redigiu, nem de sua vida, tampouco da vida de seus discípulos
imediatos. Intervieram, não apenas em sua evolução, mas em sua própria formação,
personagens, idéias, costumes e instituições que lhe eram alheias (...) Da tradição
beneditina se pode dizer, como se diz da história monástica em geral, que é muito
complicada, porque o ideal comum admite infinitas variantes no tempo e no espaço.
Aceitemos a realidade como ela é: complexa. (
COLOMBÁS, 1989, p.18)
1.1. Origens da tradição monástica beneditina
“Tradição”, uma palavra equívoca, rica em acepções e matizes, é comumente definida
como “um conjunto de normas, de crenças, etc., aos poucos incorporadas nas
instituições”. Alguns a interpretam como “algo inquestionável, ao qual se deve
submissão e respeito”; outros, ao contrário, exatamente por esse imobilismo se negam a
aceitá-la. “Muitos a confundem com a história, e se equivocam, pois a maioria de fatos
que pertencem à história não faz parte da tradição”. Outros a entendem como “culto ao
passado”, que nada mais é que uma idealização, uma “caricatura da tradição”, que gera
rotina, conformismo, falta de criatividade, marasmo e fanatismo. Há ainda aqueles que
ressaltam seu intenso dinamismo, afirmando que tradição não é apenas continuidade,
mas também evolução, variação e mudança. Tantas possibilidades de interpretações,
uma para cada gosto”, derivam da própria definição etimológica da palavra:
Tradição é o termo português do latino “traditio”, que procede do verbo “tradere”,
“entregar”, “transmitir”, (...) e que pode ser entendido de dois modos. No sentido ativo,
significa a ação de transmitir; em sentido passivo, denota aquilo que é transmitido. Em
grego se dá o nome de parádosis à transmissão e de parathéke, “depósito”, ao que se
transmite. “Tradição” em seu pleno sentido é ao mesmo tempo “depósito” (parathéke) e
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Regra de São Bento – Tradução e notas de D. João Evangelista Enout OSB. Rio de Janeiro, Edições
Lúmen Christi, 1992.
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“transmissão” (parádosis) ainda que freqüentemente somente se leve em consideração
sua primeira acepção. (
COLOMBÁS, 1989, p.14)
Esse “fato universal”, a tradição enquanto processo de transmissão e assimilação, por
meio do qual “instituições, normas, idéias, crenças, ritos, costumes e tantos outros
elementos vão sendo comunicados de uma geração a outra”, está presente como
elemento primordial e, de certo modo constitutivo, em todas as sociedades com história.
A cultura de cada povo é o conjunto de suas tradições. Do mesmo modo, enquanto
agrupamento humano, os monges, os mosteiros, as associações monásticas de todo tipo
também possuem sua tradição e suas tradições.
Desde os primórdios da história do monaquismo cristão, a tradição foi objeto das mais
intensas e vivas recomendações dos grandes mestres. Santo Antão, São Pacômio e muitos
outros “Pais do monaquismo” deram origem a diversas tradições paralelas, ainda que
com um importante núcleo comum. Estas tradições, como outras tantas vertentes,
formaram a grande corrente da tradição monástica, que nunca foi homogênea, mas sim
pluralista e variada. Porque, como sabemos, o monaquismo não constitui um sistema
teórico cuja unidade dependeria da coesão de seus princípios; nem tampouco é obra de
um fundador determinado que o plasmara a sua imagem e semelhança. Temos que
afastar, sem o menor vacilo, toda tentação de unificá-lo com se tratasse de um fenômeno
unitário. Cada colônia de eremitas, cada cenóbio, possui suas próprias tradições, e as
sucessivas gerações de monges foram transmitindo-as umas as outras com regularidade
e sem interrupções. Claro é que, com o tempo, a venerável tradição monástica foi se
enriquecendo com novos elementos e, ao mesmo tempo, depurando-se – erros e
deformações também podem ser transmitidos – e sofrendo modificações mais ou menos
notáveis, salvo apenas em seu núcleo inicial (...) Porém, entre os monges mais antigos já
prevalecia a convicção de que a Escritura juntamente com sua autorizada interpretação
prática para uso dos monges, quer dizer, a “tradição dos Padres do Deserto”, constituía
a norma soberana e definitiva a que todos deviam se submeter. (
COLOMBÁS, 1989, p.15)
A obra “La tradición beneditina: ensayo histórico” (
COLOMBÁS, 1989) é uma referência
sobre a história interna do monaquismo, “entendida como história do pensamento, da
espiritualidade, dos costumes, ou seja, da vida das comunidades e dos monges e monjas
que viveram sob a Regra de São Bento”. No prefácio da coleção, Garcia Colombás nos
revela que o fio condutor para a realização desse estudo foi o propósito de “seguir passo
a passo a trajetória, múltipla e irregular, da tradição beneditina”. O ponto de partida
dessa trajetória não foi a Regra de São Bento, mas suas fontes, isto é, à tradição
monástica pré-beneditina, pois “não é possível entender São Bento senão situando-o em
relação ao monaquismo precedente”. Isto porque a “tradição beneditina” representa não
apenas “a continuação ocidental mais frondosa da tradição monástica cristã, com vários
17
séculos de idade quando São Bento escreveu sua Regra, mas ainda, de algum modo, a
continuação da tradição do monaquismo universal, já com vários milênios”. (
COLOMBÁS,
1989, p.18
)
Desse modo, o estudo da “tradição beneditina” enquanto parádosis ou transmissão não
apresenta, ao menos teoricamente, maiores dificuldades, afirma Colombás; mas elas
aparecem inevitavelmente ao estudarmos seu aspecto de parathéke, de depósito. Cabe
então questionar: Qual é a herança da tradição beneditina? Se, como se admite
geralmente, nem toda a “história beneditina” é “tradição beneditina”, que coisas devem
ser incluídas nessa herança e quais devem ser excluídas?
Em realidade, a Regra de São Bento representa não apenas o ponto de partida da tradição
beneditina, mas é também “um compêndio genial e definitivo da sabedoria monástica
primitiva”. Embora seja um documento profundamente tradicional, nela não
encontraremos o termo “tradição”. Mas foi por meio da regra de São Bento, “e dos
exemplos dos monges que viveram sob suas normas, ou até de outras regras que a
influenciaram poderosamente quando começava a desenvolver-se, que brotou a tradição
beneditina”. Desse modo, a sabedoria teórica e prática próprias do monaquismo cristão
primitivo, organizada por São Bento em sua Regra, tornou-se a base para a consolidação
da tradição beneditina nos séculos seguintes:
“Transmitida de uma geração a outra, foi se acrescentando e transformando, se
deteriorando e restaurando, muitas vezes sob a pressão das circunstâncias sociais,
políticas, econômicas e eclesiais, das mudanças de mentalidade que iam se produzindo,
da intervenção de personalidades poderosas e as vezes santas, e ainda, por que não dizê-
lo, da simples e insustentável necessidade de mudança que os homens necessitam
experimentar de vez em quando, a esse imperativo histórico ao qual os monges não
escapam nem escaparão”. (
COLOMBAS, 1989, p.18)
O monaquismo cristão, de suas antigas origens no Oriente aos tempos atuais, é um modo
de vida voltado para a ascese (do grego áskesis, exercício ou desenvolvimento de uma
habilidade qualquer), isto é, o treino ou aperfeiçoamento físico e espiritual. O
recolhimento e interioridade de comportamento, inclusive no trabalho, estão diretamente
associados à figura do monge (tradução do monachós, de monazein – do radical grego
monos – isto é, único ou só, aquele que vive só para si, celibatário), que vive no
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afastamento em busca da unidade interior, centrado unicamente em Deus (“o
mónoothõozõon”). Esta aderência à fé, esta dedicação da existência ao serviço divino
caracteriza a vida contemplativa, e obedece a normas e diretrizes estabelecidas por uma
“Regra” ou código de vida monástica.
Também os mosteiros – nosso objeto de estudo – são essenciais à vida dedicada
incondicionalmente ao serviço de Deus, pois abrigam comunidades que se encontram, de
certo modo, separadas do mundo e protegidas – a denominada fuga mundi. Nos mosteiros,
ao invés de buscar a solidão e o silêncio vagando pelo “ilimitado” do deserto real, o
monge as realiza em meio à vida comum e no interior de um território privado, a clausura.
É no mosteiro, em meio a uma comunidade, que o monge passará toda sua vida,
cultivando a contemplação e praticando a arte espiritual; é no mosteiro que ele irá
cumprir seu voto de estabilidade, obedecendo às rigorosas normas da clausura. Esse
modo de serviço e os meios para sua realização possibilitaram o desenvolvimento da
configuração arquitetônica dos mosteiros, o que nos permite identificar o carisma de cada
uma das famílias religiosas, assim como as soluções apresentadas em seus edifícios, cuja
arquitetura busca materializar a ordem e a clareza da Civitas Dei, a “Cidade de Deus”.
Como a Igreja, da qual é uma miniatura, um mosteiro é um MISTÉRIO. Mistério – ou
sacramento – é a conjunção do divino e do humano numa realidade visível, concreta. É o
sinal visível de uma realidade transcendente, invisível. A face material, exterior de um
mosteiro, (tanto tomando a palavra no sentido de “casa”, construção material, como no
sentido de “comunidade” ou corpo monástico) vela e revela uma realidade invisível e
sobrenatural. (
CASTANHEIRA, 1972, p.59)
1.2. Origens da arquitetura monástica beneditina
Mosteiro (do grego monastérion, latim monasteriu) é a casa de uma comunidade
monástica, masculina ou feminina, tais como os beneditinos, cistercienses, cartuchos,
etc. É freqüentemente confundido com Convento (do latim conventu, de convenire,
convenção, acordo, costume), a casa de uma comunidade religiosa do clero regular ou
das ordens mendicantes. Tanto os mosteiros quanto os conventos possuem suas
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características institucionais e formais particulares. Diferentemente de outras
congregações religiosas, todo mosteiro beneditino é autônomo; entretanto, sua
comunidade pertence a uma Congregação, em razão de sua origem ou situação
geográfica. Os mosteiros beneditinos são numerosos porque dão origem a novas
fundações que posteriormente se tornam independentes. As famílias monásticas são
unidas por uma Confederação.
O mosteiro abriga uma família monástica e antes de ser efetivamente constituído, recebe
o nome de “cela” ou “priorado”, pois é dependente de uma Abadia ou de uma autoridade
episcopal.
7
Uma abadia (do latim abbatia, que deriva do aramaico Abba, que significa
pai) é um mosteiro cuja comunidade monástica conta com pelo menos 12 monges
regulares (que cumpriram o processo de formação), e é coordenado por um Abade ou
Abadessa, à semelhança do cenáculo apostólico, a comunidade formada por Cristo e seus
doze apóstolos.
A origem dessas comunidades monásticas cristãs remonta aos anacoretas egípcios (de
anachorétès; solitário, eremita, aquele que se afasta da sociedade dos homens), os
“Padres do Deserto”, que abandonaram as regiões férteis e povoadas das margens do Nilo
para adentrar no deserto.
Desde o tempo dos faraós, a terra fértil do Nilo é “o domínio do deus da vida, Osíris, e
de seu filho Horus, aos quais se opõe Seht, o deus do deserto hostil e maléfico”. O
deserto é o domínio da morte não somente por ser um lugar estéril e local das tumbas,
mas porque dele vem a própria morte, motivada pela presença de animais ferozes e
bandos de saqueadores. Os egípcios tinham todas as razões para experimentar frente ao
deserto um temor sagrado e uma repulsa instintiva. Era necessário, portanto, um motivo
muito sério para que aceitassem ali se aventurar.
No entanto, para muitos cristão nutridos pela Bíblia, o deserto podia parecer menos
temeroso e em certo aspecto bastante atraente. Foi no deserto que Deus conduziu seu
povo após libertá-lo do cativeiro do Egito para dirigi-lo à Terra Prometida. João Batista
cresceu no deserto e o próprio Jesus para lá se retirava para afrontar o diabo. Muitos
cristãos fervorosos decidiram então acolher o celibato pelo Senhor, e conduzir sua vida
de modo ascético, no início entre a própria família, depois nos confins das cidades, o que
significava adentrar nos limites do deserto.
(REGNAULT, 1998, pp.13-14 )
7
Esses termos são designativos de seu caráter (temporário ou não) de casas de formação monástica.
20
No final do século III, os anacoretas passaram a habitar o deserto vizinho ao rio Nilo, no
Egito, próximo a regiões povoadas; ocupavam grutas situadas nas escarpas rochosas que
se precipitavam sobre o rio ou pequenas cabanas construídas em suas margens. Aos
poucos foram se habituando ao deserto, e adquiriram o desejo de nele se aventurar em
busca de solidão e silêncio.
Entre eles, o mais famoso foi Santo Antão (251-356), que vivia em Pispir, alguns
quilômetros ao noroeste da atual cidade de Beni Suef. Após ter morado mais de dez anos
em uma tumba não muito distante de sua cidade natal, situada na margem esquerda do
Nilo, Antão atravessa o rio para retirar-se em uma fortificação abandonada (...) Ali fica
recluso por cerca de vinte anos, período em que reúne muitos discípulos. Então, sob
inspiração divina, parte para o “deserto interno”. Juntando-se a uma caravana de
beduínos, percorre cerca de 150 quilômetros até escolher, aos pés de uma montanha, o
lugar mais adequado a seu retiro, no qual havia uma fonte e palmeiras e onde mais tarde
foi construído um mosteiro que leva seu nome. (...) Essa porção do deserto situada a
leste do Nilo, chamada Deserto Arábico, rochoso e escarpado, é constituído em grande
parte por cadeias de enormes montanhas que em certos pontos atingem os 2000 metros
de altura. A oeste do rio está o Deserto Líbio, um altiplano calcáreo de cerca de 200
metros de altura, que se perde em meio a dunas de areia. Foi na parte norte deste
deserto, mais próxima ao Delta, para onde se retiram São Amônias e São Macário
(c~309-395), fundadores dos centros eremíticos da Nitria, como Celle e Scete. Nessas
três vocações pioneiras (Antão, Amônias e Macário) nos deparamos com um mesmo
retiro progressivo do mundo que possibilitou a criação, em pleno deserto, de centros de
vida monástica efervescentes. O passo decisivo é aquele por meio do qual abandonam o
“deserto vizinho” ou o “deserto externo” – o que podemos compreender como a franja
do deserto – para adentrar o “grande deserto”, denominado nos textos da Antigüidade
de “deserto distante”, “deserto interior”, “deserto mais profundo” ou ainda, o “deserto
total”.
(REGNAULT, 1998, p.17)
Adentrar no deserto interior com o firme propósito de lá permanecer por toda a vida!
Lucien Regnault interpreta esta “epopéia no deserto” (devido a seu caráter heróico e sua
grande abrangência), como o principal acontecimento ocorrido nos ambientes monásticos
do Egito no início do século IV. Questiona “toda espécie de causas” – econômicas,
políticas, sociológicas – propostas por alguns historiadores para explicar esse retiro
voluntário no deserto. Embora tais causas tenham influenciado gerações posteriores de
Padres do deserto, não se aplicam aos três grandes pioneiros anteriormente citados. O que
orientou uma determinação tão radical, que implicava em ruptura, isolamento, celibato e
até numa espécie de morte voluntária foi a “renúncia evangélica”, a vontade de subtrair-
se de modo total do domínio do mundo para dedicar-se inteiramente a Deus e realizar
integralmente os ensinamentos e a imitação do Cristo.
21
Em nenhum lugar, a não ser entre os anacoretas cristãos, se observa uma ruptura tão
radical com o mundo habitado. É um acontecimento absolutamente novo e típico do
monaquismo cristão, o êxodo em direção ao deserto não em busca de um Deus distante e
abstrato, mas por um Deus que encarnou em Cristo, com a intenção de dar uma resposta
satisfatória ao imenso amor que Deus deu testemunho ao enviar seu Filho, homem como
nós, para sofrer e morrer para salvar-nos. Sem a Encarnação do Cristo a partida dos
monges para o deserto não possui sentido. (...) Este passo insólito, esta separação da
comunidade eclesial poderia ser interpretado como uma deserção, um exagero, inclusive
como aberração, ao mesmo tempo em que é admirada, louvada, exaltada como o ápice
da virtude e da santidade.
(REGNAULT, 1998, p.20)
Assim, a aventura de andar pelo deserto significava primeiramente “fugir dos homens”,
das regiões habitadas, vilarejos ou cidades. Significava também o confronto com
inúmeras dificuldades, pois além de “desabitado, o deserto é também uma terra
inabitável”, incapaz de fornecer o mínimo necessário para a sobrevivência humana. Aos
anacoretas estava reservada uma vida miserável e sofrida, precisamente aquilo que
buscavam os Padres do deserto. É graças a eles, afirma Reignault, que “começou a existir
o deserto monástico, não apenas como espiritualidade, mas como local separado do
mundo, onde os cristãos desejam viver de modo integral o Evangelho
. (idem, ibdem, p.23)
No princípio, as cabanas dos Padres do deserto devem ter sido muito simples e modestas,
como ainda o são muitas habitações rurais egípcias. Entretanto, não eram meras
construções improvisadas, pois necessitavam proteger seus ocupantes do intenso calor, do
frio noturno e também das intempéries, tais como o vento violento e conseqüentes
tempestades de areia. Além disso, necessitavam assegurar a solidão e a privacidade dos
anacoretas. As povoações monásticas pioneiras, espalhadas e rarefeitas, ocorreram em
meio ao território “ilimitado” do deserto. A opção inicial foram os abrigos naturais, tais
como as grutas que existem nos flancos das escarpas rochosas às margens do rio Nilo. Ou
ainda, como fez Santo Antão ao iniciar a vida monástica, as tumbas e ruínas de antigos
templos e fortificações, situadas na periferia das cidades ou vilarejos. E nos lugares onde
o deserto é absolutamente inóspito e plano, os monges não tinham alternativa senão
construir celas (Kellion nos ditos dos Padres do Deserto), uma pequena cabana isolada e
solitária, os eremitérios.
22
A escolha do local para a implantação dos primeiros eremitérios era definida pela
presença de água, que na parte baixa do deserto egípcio (Wadi Natrun) encontrava-se a
pouca profundidade. Após cavarem um poço, os monges construíam ao seu redor as celas,
em uma distância correspondente ao grau de solidão desejado. Não construíam celas
muito próximas umas das outras para evitar a promiscuidade, tampouco muito distantes,
de modo a possibilitar a reunião da comunidade e o auxílio mútuo.
Nessa fase pioneira, a construção das celas era tarefa do próprio monge. O tempo
necessário para a construção era definido por suas dimensões, pelos materiais utilizados,
e “o número, força e a habilidade dos construtores”. Com formas variadas – quadradas,
redondas ou em forma de torre – as celas eram construídas com pedras, fibras, terra
batida, ou argila e palha, materiais próprios do lugar. Eram habitações compactas, com
raras e pequenas aberturas que deixavam entrar o mínimo possível de sol e calor, o que
propiciava algum conforto a seus ocupantes. Sua porta, constantemente aberta, fornecia a
iluminação e aeração adequadas ao recinto. Seu interior consistia num aposento único,
onde o anacoreta rezava, comia, trabalhava e dormia. A cela no deserto era, portanto, um
lugar privilegiado, “o ambiente natural e habitual, mas não exclusivo, do anacoreta”.
Na linguagem comum a palavra cela evoca imediatamente um sentido negativo, uma
prisão, local onde a sociedade confina criminosos, isolados e privados de qualquer
contato e em processo de recuperação. Entretanto, a cela possui um sentido positivo para
os anacoretas, pois é o local para onde se retiram, por livre iniciativa, na busca de melhor
servir ao Cristo. E na cela deveriam permanecer para realizar essa vocação.
O essencial era ficar ali, resistindo à perpetua tentação de sair para se distrair e assim
amenizar o peso da solidão, ou ainda do tédio, que os monges denominavam “acídia”.
Tais recomendações foram dadas em um momento em que o deserto já estava povoado.
Nessas condições, o único meio para estar só com Deus era ficar confinado na própria
cela. E o modo menos perigoso de ceder às tentações era sair da cela apenas para ir
confessar os próprios pensamentos a um ancião, e a resposta era sempre a mesma:
“Permanece na tua cela”. “Permanece na cela e Deus te ensinará todas as coisas”.
Mas estar na cela não é tudo; é antes o modo. A própria palavra grega que significa
“estar consigo”, “recolher-se” e “permanecer” indica o estado de paz e de
recolhimento no qual o anacoreta se esforça para ficar na cela por meio de um conjunto
de observâncias corporais e espirituais. Este estado era definido também em grego
“hesychia” e, nesse sentido, a “custódia na cela” é mais uma disposição da alma do que
23
do corpo. (...) À luz dessa experiência elaboraram pouco a pouco um códice do
anacoreta para “saber viver” na cela, fato que se transformou num costume e depois em
tradição sacra. O ABC desse códice era a perseverança no despojamento inicial feito
pelo monge no instante de sua chegada ao deserto. A cela devia ser separada das coisas
do mundo que ele havia deixado e que não deveriam mais estar a sua volta.
(REGNAULT,
1998, pp.98-112)
A crescente fama dos primeiros anacoretas atraiu toda sorte de admiradores, multidões
crescentes de peregrinos que vinham solicitar-lhes auxílio. Qualquer que fosse a
qualidade ou as intenções do visitante este era acolhido como “enviado de Deus”. Tal
fato propiciou a organização da hospitalidade nos agrupamentos eremíticos do deserto,
criando um zoneamento que definia os locais destinados ao atendimento dos forasteiros e
aqueles destinados à solidão. Primeiramente, a cela individual se ampliou, e passou a
contar com dois aposentos: num deles, o anacoreta trabalhava, comia e recebia os
visitantes; no outro, rezava e dormia. Até então não haviam necessitado construir muros
para salvaguardar a solidão.
Mas a medida que os agrupamentos de eremitas vão se tornando populares, difundiu-se
o uso de esconder as celas em um grande pátio circundado por um muro. Deste modo o
eremita podia “exercitar as pernas” sem sair de sua cela, e nas proximidades fazia uma
pequena horta onde cultivava verduras, além de um poço para fornecer água para beber
e irrigar a horta. Também as incursões devastadoras dos beduínos forçaram os monges a
reagruparem as celas próximas a uma torre fortificada onde todos pudessem se refugiar
em caso de perigo. Parece que a torre foi construída anteriormente ao muro de
fechamento das celas.
(REGNAULT, 1998, p.63)
O dominicano Zander (
ZANDER, 2003, p.131), em seu polêmico texto sobre os Padres do
deserto, sintetiza este processo de formação das comunidades monásticas cristãs que
acabamos de relatar. Segundo esse autor, todos os eremitas da primeira geração (a solidão
como aventura) viveram em celas únicas. Na segunda geração (a geração da solidão
organizada) alguns eremitas ilustres já possuíam eremitérios com duas salas, uma para
dormir e pregar, outra para receber admiradores e admiradoras. Na terceira geração (a da
solidão como espetáculo) se passou rapidamente do eremitério com três salas para outro
com sete salas (combinado com a semana de cinco dias). O eremitério de luxo da terceira
geração compreendia um local para a prece (oratório), uma sala, uma cela para o eremita,
outra para seu discípulo, um local de trabalho, dispensa, cozinha e banheiro, este
localizado fora da construção, o mais distante possível do local de oração.
Simultaneamente a essa organização e ampliação espacial, o eremitério passou a contar
24
também com sistemas hidráulicos-sanitários, revestimentos parietais, além de fornos e
estufas bastante avançados para a época, o que parece indicar a presença de construtores
altamente qualificados no deserto.
Simultaneamente ao desenvolvimento dessas colônias de eremitas surgem, já na primeira
metade do século IV, também no vale do Nilo, os agrupamentos de monges de “vida
comum”, que habitavam em comunidades organizadas ou mosteiros. Do modo como nós
os conhecemos no Ocidente, os mosteiros passaram a existir após São Pacômio (292-347)
estabelecer a vida cenobítica (do grego koinobion – koinos, comum, e bios, vida, que
significa vida em comunidade) e a obediência a um superior religioso. Ex soldado do
exército imperial e cristão neoconvertido (seu mestre foi Palamão), São Pacômio
reconhecia o valor da vida eremítica – “um caminho precioso” – mas questionava a
realidade cotidiana do deserto, “onde heróis solitários vagavam num penoso abandono
ao ócio incontrolado”. Seria possível exercitar o autocontrole vivendo em comunidade
com os outros homens?
No sul do Egito, onde o deserto tem o nome de Tebaida (pois está próximo de Tebas,
atual Luxor), São Pacômio empreendeu o Mosteiro de Tabenesi, o primeiro mosteiro da
igreja católica, uma espécie de “acampamento militar romano”, circundado por quatro
imponentes muros. Ali, protegidos e afastados dos rigores extremos que os anacoretas
experimentavam na solidão no deserto e obedientes a uma estrutura rígida e hierárquica,
cerca de mil e trezentos jovens monges estavam concentrados, todos submetidos à mesma
disciplina e com um mesmo uniforme: a túnica, mais tarde denominada “hábito”.
No Mosteiro de Tabenesi os monges viviam isoladamente, em celas minúsculas, orando e
trabalhando sob a Regra de São Pacômio. Saiam de suas celas ordenadamente, para os
ofícios religiosos e refeições comunitárias, que eram realizados no espaço central do
aglomerado, ao “ar livre”. Em silêncio, voltavam à cela para trabalhar e contribuir para a
manutenção da comunidade. Aos poucos, as atividades são organizadas e os monges
agrupados (de acordo com suas aptidões) em pequenas comunidades independentes. Cada
uma dessas comunidades tinha seu preposto, subordinado ao diretor geral (“oeconomus”)
e todos, sem exceção, eram subordinados a São Pacômio, o abade geral. Essa forma de
25
organização, baseada na obediência e hierarquização das relações comunitárias,
possibilitou a fundação de nove mosteiros masculinos e dois femininos (o primeiro
mosteiro feminino foi fundado por São Pacômio para sua irmã Maria em 340), todos eles
ao longo do Nilo, uns vizinhos aos outros, e que abrigavam ao todo, segundo estimativas
atuais, entre 12.000 a 14.000 monges.
Do mesmo modo que a organização da vida cenobítica, a ordenação e complexidade
desse conjunto monástico pioneiro ocorre gradualmente: aos poucos, as celas individuais
que eram antes instaladas “onde fosse possível” e próximas da fonte de água, começam a
ser implantadas em alinhamento, formando agrupamentos em fileiras qual tendas em um
acampamento militar, ou casas perfiladas numa mesma rua, . Esse arranjo, resultado do
alinhamento das celas individuais, passou a ser conhecido por “Laura”, termo grego que
significa beco ou passagem. O crescimento da comunidade, a conseqüente economia dos
espaços, a organização das atividades comuns e a necessidade de proteção de ataques
externos ajudaram a promover um arranjo cada vez mais compacto e organizado do
conjunto das celas inicialmente dispersas do cenóbio monástico. Grandes blocos de
edifícios foram então construídos para abrigá-las, sempre alinhados e integrados a outros
tantos edifícios agora necessários – a cozinha e o refeitório comunitários, os locais de
trabalho – todos organizados em torno de um ou mais pátios abertos, freqüentemente
circundados por corredores e unidos aos oratórios. Era uma espécie de pequena cidade,
composta pelos aglomerados de celas, oratórios, locais de comércio, estábulos para
tropeiros, hortas e currais, tudo disseminado ao redor da igreja e da habitação principal, o
abrigo da autoridade. E todo o conjunto era cercado por muros!
Muros ao invés do deserto: este é o primeiro golpe de mestre de São Pacômio; o segundo
é a Regra, revelada a ele por um Anjo. Muro mais regra. Tudo isto limita, mas cria
também segurança.
O principio de São Pacômio liberta a ascese egípcia de uma paisagem a qual parecia
estar indissoluvelmente ligada. Para tornar-se monge dentro dos muros ou em uma toca
apenas uma coisa é necessária: uma regra. Com a tradução da Regra de Pacômio, ela é
exportada do Egito para o mundo latino. As traduções gregas e sírias divulgam-na até
aos confins da Pérsia. A tradução etíope difunde a norma da ascese cristã à distante
África Oriental. Graças a São Jerônimo, a regra chega a Roma, à África (Tunísia e
Algéria), à Gália. Ela ira se transforma no futuro em protótipo de todas as regras
monásticas ocidentais.
26
Mas isto não significa que o monaquismo ocidental, em seu desenvolvimento de Pacômio
até Inácio, seguirá uma linha reta. Desenvolvimentos contínuos não ocorrem na Igreja
católica, muito menos no monaquismo. (
ZANDER, 2003, pp.174-176)
Nos séculos seguintes se dá a expansão do monaquismo por todo mundo cristão,
inclusive no Ocidente de cultura latina, processo nitidamente influenciado pelo “modelo
organizacional” de São Pacômio. Entretanto, por ser uma “tradição viva”, o monaquismo
assumiu formas diferenciadas ao se estabelecer no Ocidente, em harmonia com as
condições culturais e a situação das diferentes localidades.
1.3. A expansão do monaquismo ocidental e origem do românico
O monaquismo cenobítico desenvolveu-se ao longo da Idade Média
européia por meio de sua matriz romana fundada por Bento de
Núrsia (ca. 480-543), um jovem que procedia da nobreza local e que
abandonou seus estudos em Roma para se fazer eremita numa gruta
nas imediações de Subiaco. Mas São Bento não permaneceu solitário
por muito tempo: inserido nessa tradição viva que é o monaquismo, foi reunindo
discípulos ao seu redor e pouco a pouco se transformando em “Pai dos monges” e
fundador de mosteiros. Após uma longa experiência como abade, São Bento se fixa no
Mosteiro de Montecassino (fundado em 529), onde escreveu sua Regra (entre 535-540).
Fig 1. Reconstituição da Abadia de Montecassino (Eschapasse, 1963, p.44)
27
“A Regra de São Bento tem um significado diferente das regras das congregações
modernas. São Bento não fundou um instituto religioso, uma congregação religiosa, mas
tomava um fenômeno já existente, já florescente na Igreja e lhe dava uma marca
particular sua; mas não era ele o inspirador deste fenômeno. Por isso, deve-se ver a
Regra como fruto de uma tradição já existente. A Regra era uma codificação de uma
tradição viva. A contribuição de São Bento àquela tradição é imensa e marcou toda a
história sucessiva do monaquismo ocidental, porém a Regra não é, em si, um documento
completo (...), fechado, mas uma partitura sobre a qual a orquestra deve improvisar, sob
a direção do maestro. Pressupõe, então, uma constante inspiração e crescimento.”
8
(
WEAKLAND, 1972, p.10)
As comunidades monásticas e a Europa Ocidental foram progressivamente influenciadas
pela Regra de São Bento, adotada a partir do final do século VII. A Regra de São Bento
tornou-se o expoente do monaquismo ocidental, e embora seja um código de vida em
comunidade composto há mais de 15 séculos, continua sendo a alma dos mosteiros que
presidiram o nascimento da cristandade medieval e que mantém no mundo
contemporâneo a vocação à perfeição.
Ao preparar o terreno para a expansão da cristandade ocidental, a Regra de São Bento
acabou por se transformar numa espécie de “constituição internacional” durante a Alta
Idade Média, quando o monaquismo passou a representar a única forma estável de
comunidade. Dele faziam parte homens que abandonavam as incertezas da vida mundana
e que, agrupados sob a autoridade de um abade, assumiam votos de conversação de
costumes, obediência e estabilidade (conversatio morun, oboedientia et stabilitas) em
busca de uma transcendência espiritual inerente às liturgias monásticas. Essas
comunidades se converteram em uma espécie de paraíso da vida cristã, baluartes da
piedade e da cultura, favorecendo o processo de comunicação e expansão da atividade
missionária, à medida que forneciam a acolhida e a hospitalidade aos peregrinos e
andarilhos de qualquer condição.
8
Trecho do comunicado de D. Rembert Weakland, Abade Primaz da Confederação Beneditina, publicado
em Cadernos Beneditinos 9, 1972, p.10)
28
Juntamente à acolhida e ao trabalho, os monges oravam por todas as criaturas, por meio
do canto contínuo e do louvor permanente que se elevava aos céus como a fumaça do
incenso para a glória de Deus.
Que nada se anteponha ao Ofício Divino”: a regra beneditina coloca no centro da vida
monástica os Ofícios e a Salmodia, isto é, o Canto dos Salmos, que se desenvolve por
sete vezes ao longo do dia. No meio da noite o sino desperta os monges para as primeiras
orações, Prima, seguidas pelas Vigílias (liturgias da noite). Depois, em seqüência, Laudes,
as celebrações de Deus proferidas nas primeiras horas da aurora. Nas horas diurnas, onde
os monges devem se ocupar do trabalho, como os outros homens, acontecem as
chamadas horas menores: o oficio de Tercia, também o de Sexta e o de Noa, que são mais
curtos de modo a não prejudicar demasiadamente o andamento das atividades do
mosteiro. E a prece se eleva novamente ao final do dia, nas Vésperas, que marcam o
inicio da noite, e nas Completas, quando a fraternidade reunida em coro ora por coragem
e proteção para enfrentar os perigos da obscuridade.
Um outro ciclo, anual, se organiza em torno à festa da Ressurreição do Cristo. Uma das
obrigações principais do sacristão e do cantor, monges responsáveis pela ordem litúrgica,
consiste em construir, a cada ano, o calendário e distribuir as diversas leituras, assim
como organizar os ofícios em função das celebrações extraordinárias (memórias, festas e
solenidades). A vida de preces implica, portanto, na experiência ininterrupta do tempo
cósmico. Sustentada por esses ritmos circulares, ora se distraindo ora se distanciando de
todo acidente suscetível de quebrá-los, a comunidade monástica vive assim,
antecipadamente, a eternidade. O eterno retorno das preces diárias e anuais inibe cada
destino particular, suprimindo de antemão qualquer traço de crença na decadência da
humanidade.
Numa sociedade marcada pelos ritos e em estrita relação com as forças sobrenaturais, era
inevitável a expansão das comunidades monásticas e conseqüentemente, dos mosteiros.
Neles, se louvava o Senhor não apenas pelas preces, mas também por meio de oferendas
de perfeição e beleza, representadas pelos tesouros da criação artística tais como a
29
arquitetura, os ornamentos, os paramentos, a ourivesaria, os missais, as iluminuras, etc.,
que em seu conjunto levaram, no século XI, ao florescimento e ao esplendor da arte sacra.
Nos mosteiros também se conservavam as relíquias dos homens e mulheres santificados,
elos de ligação entre o mundo dos vivos e dos mortos, envoltas em ornamentos dignos de
seus atributos de virtude e maravilha. Além disso, os mosteiros funcionavam ainda como
nosocômios (hospitais) e necrópoles, acolhendo os nobres moribundos que em seu leito
de morte vestiam o hábito monástico e, agregados à família monástica, aspiravam pela
graça e esplendor da permissão de adentrar o reino dos justos no paraíso celeste.
O mosteiro atuava como um órgão de compensação espiritual. Ele captava o perdão
divino e o distribuía a seu redor. Sem dúvida, os monges eram os primeiros a ter
benefício de seus próprios méritos. Eles ganhavam o salário invisível que lhe garantiria
o céu por seus préstimos. Os monges trabalhavam em função da saúde de seus parentes
segundo a carne [...] em função da saúde de seus irmãos segundo o espírito [...] os
monges trabalhavam enfim, pela saúde de seus benfeitores – o que lhes fazia afluir para
as mãos muitas doações. (
DUBY, 1984, p.132)
O estudioso anglo-saxão Kenneth. J. Conant, (CONANT, 1982, p.11) considera a arquitetura
românica como o principal fruto artístico do medievo. Para esse autor, a compreensão da
gênese, desenvolvimento e transformação da arquitetura românica requer o entendimento
do monaquismo e do medievalismo incipiente da época tardo clássica. Nessa época, a
despeito da vida ascética dos monges, afluíam às comunidades grandes doações de terras
e de rendas, de resto muito bem administradas:
... Pacientemente, os monges desenvolviam e melhoravam suas propriedades, que eram
geralmente terras improdutivas ou abandonadas quando lhes eram concedidas, e desta
forma os mosteiros se convertiam em áreas cultivadas e capitais agrícolas de extensas
zonas circundantes; pela magnitude de seus domínios territoriais, os mosteiros
cumpriam certas funções administrativas e jurídicas, além de ser uma espécie de capital
espiritual. Sua organização e produtividade tornaram-se a base para a recuperação
econômica da Europa. Além disso, os mosteiros foram escolas para os homens
empreendedores ou mandatários e lugares por excelência para o cultivo do talento
artístico e refúgios para a atividade intelectual. (
CONANT, 1982, p.34)
Por todos esses motivos, afirma Kenneth Conant, os mosteiros deram sustentação aos
quatro pilares fundamentais sobre os quais se apoiaria a civilização medieval:
o renascimento econômico; a fusão dos povos latinos e teutônicos, para a qual foi
fundamental a conversão dos invasores, na concepção coerente do mundo oferecida pelo
30
Cristianismo, e a homogeneidade do pensamento; a sobrevivência do direito romano na
regra monástica, no direito canônico da Igreja e no Sacro Império Romano; o sistema
feudal, que estabeleceu novas hierarquias de poder e permitiu às ordens monásticas
estender de forma geral sua influência e seus benefícios. (...) Os grandes mosteiros
medievais, ao se desenvolverem como poderosas corporações econômicas, educativas e
territoriais, foram muito maiores, complexos e influentes do que haviam sido na
Antiguidade. E na medida em que muitos de seus problemas arquitetônicos eram novos,
sua arquitetura se converteu na arquitetura viva e pujante dessa época. (
CONANT, 1982,
p.34
)
Considerados por inúmeros historiadores como um princípio unificador da cultura
européia medieval, os mosteiros representam uma síntese da cultura germânica com as
tradições tardo-romanas que, aliadas a uma grande influência bizantina e oriental,
constituem as bases de um renascimento artístico posterior e duradouro.
Era uma arquitetura que estava em acordo com a nova política artística da Igreja, em
contraste com Bizâncio e suas construções religiosas revestidas de esplendor; uma
arquitetura que propunha um retorno à simplicidade inerente ao cristianismo primitivo.
Do mesmo modo, a arte figurativa reveste-se de finalidades pedagógicas e direciona-se
para os fatos históricos e religiosos. Assim, em detrimento de sua própria
monumentalidade, as igrejas são readaptadas, tem suas pinturas parietais apagadas e
refeitas, tudo em nome de uma suposta funcionalidade adequada ao novo e conturbado
tempo.
Também a escultura nos séculos VII e VIII encontra sua expressão máxima nos relevos
arquitetônicos decorativos, nos capitéis, divisórias e molduras que adornam as igrejas e
seus claustros. Produtos do artesanato rural, sem grandes requintes de execução, essa
ornamentação tem por temática uma mescla da simbologia bizantina com motivos
autóctones e espontâneos. Para os historiadores, esses relevos constituem uma espécie de
paradigma do ocaso da tradição e do processo de degradação da cultura artística da
Antiguidade. Entretanto, é justamente aqui, no interior dessa arte eclesiástica submetida a
31
finalidades coletivas e imune ao estetismo, que aparecem os germes de uma nova esfera
de criação artística, que se desenvolverá nos séculos IX e X e dará origem ao Românico.
9
A coroação de Carlos Magno como Imperador do Sacro Império Romano Germânico, no
Natal do ano 800, considerado o evento que inaugura a restauração do Império do
Ocidente, assinala simbolicamente a data festiva de uma nova orientação programática da
cultura ocidental para um “renascimento” do antigo. Conforme nos relata Kenneth
Conant, com a criação de um poder central no norte do continente europeu, seria lógico
esperar influências nórdicas na arquitetura produzida a partir do ano 800. Por se tratar de
uma arquitetura de povos migrantes, não poderia ter a beleza e a vitalidade de suas obras
de arte menor; entretanto, assim como suas composições buscavam os efeitos irregulares
da própria natureza, ela se constituiu como uma arquitetura funcional e orgânica.
Essa arquitetura vernácula ou popular era, naturalmente, inadequada para as necessidades
de um programa construtivo imperial e, por isso, para conseguir um aspecto de
monumentalidade passou a depender, em grande parte, de fontes romanas. Assim, os
elementos, os pormenores, os traços seriam romanos, mas a maneira de empregá-los seria
afetada pelo gosto e pela disciplina artística do norte. Durante o período Carolíngio, os
elementos romanos e nativos se combinariam cada vez mais, com admirável criatividade,
na arquitetura religiosa.
As brilhantes idéias desenvolvidas pelos arquitetos eclesiásticos da época de Carlos
Magno foram de importância transcendental. E tem sido reinterpretadas em estilos
sucessivos, século após século, até nossos dias. Os principais arquitetos carolíngios
anteciparam certas características românicas, embora os especialistas não entrem em
acordo acerca desse fato como um marco do inicio da arquitetura românica
propriamente dita. Preferem reservar o termo para a arte, mais coerente, que floresceu
na Europa ocidental desde a época de Oton, o Grande (936-73) e que logo seria
substituída pelo Gótico, a partir de 1130 aproximadamente. Entretanto, o românico
9
Em “Sobre a atitude estética na arte românica”, leitura crítica incluída no volume I do livro História da
Arte Italiana, de G.C. Argan , Meyer Shapiro procura demostrar que “entre os séculos XI e XII havia na
Europa ocidental, no interior da arte eclesiástica, uma nova esfera de criação artística, despojada de
conteúdo religioso e imbuída dos valores de espontaneidade, fantasia individual, alegria da cor e de
movimento, além da expressão do sentimento, que antecipam a arte moderna.” SHAPIRO, Meyer Sobre a
atitude estética na arte românica. In ARGAN, 2003, op.cit, pp.404-422)
32
carolíngio foi criador; também experimentador; um românico ainda em um tubo de
ensaio, mais que um estilo bem formulado e plenamente articulado. E dado que o
componente romano é muito importante, esta denominação de românico carolíngio é
muito adequada para essa arquitetura. Era uma arquitetura destinada a grupos
populacionais relativamente pequenos, e não se trata de uma arquitetura urbana como
havia sido a arquitetura clássica. (
CONANT, 1982, p.32)
Trata-se da arquitetura dos grandes mosteiros rurais, que congregavam cerca de mil
pessoas ou mais, e apresentavam, portanto, problemas arquitetônicos similares aos de
uma pequena cidade. Seu traçado, por outro lado, devia ser monumental e sua
composição mais refinada que a de um povoado. O interior das igrejas monásticas
românicas simboliza o mistério do cristianismo apesar da clareza de seus elementos
(colunas, arcadas, abóbadas). São interiores escuros, misteriosos, baixos. Poucas janelas e
pouca luz. O românico representa assim a expressão de ideais transcendentais além de ser
símbolo do lado masculino do cristianismo. A geometria simbólica permite traçados
abstratos, harmoniosos e significantes, que transmitem personalidade particular aos
edifícios, os distinguindo dos demais. A harmonia da construção assegurada pela
proporção contribui para transmitir a mensagem de fé, de Boa Nova.
Por isso, os mosteiros ocupam uma posição central no processo de desenvolvimento da
arte e da arquitetura no período medieval. E nesse aspecto a influência dos beneditinos é
inquestionável.
1.4. A regra de São Bento e o programa arquitetônico beneditino
A Regra de São Bento nos fala da estrutura fundamental do mosteiro (entendido como
comunidade), de sua organização interna e de suas relações com o mundo. No entanto,
não menciona nem define um programa arquitetônico especifico para mosteiro, tampouco
traça disposições para a sua construção. Isso porque o mosteiro antes de ser uma
construção material é um Mistério, uma “arquitetura espiritual”, isto é, fruto da
Revelação. Encontramos no capitulo 66 da Regra de São Bento (Dos porteiros do
mosteiro, pp.136-137) apenas uma passagem que diz:
...seja, porém, o mosteiro, se possível, construído de tal modo que todas as coisas
necessárias, isto é, água, moinho, horta e os diversos ofícios, se exerçam dentro dele.
33
Nessa passagem é reafirmada a idéia de autonomia (e de clausura) que norteara a
construção dos mosteiros beneditinos nos séculos posteriores. Por outro lado, a
inexistência de prescrições a respeito do programa arquitetônico ou de técnicas
construtivas para a construção dos mosteiros reafirma o aspecto transcendental do
empreendimento. Isso fica evidente no episódio da construção do Mosteiro de Terracina,
traçado por São Bento em uma visão, segundo nos relatou São Gregório Magno:
Outra vez, um homem religioso pediu a Bento que mandasse alguns discípulos a uma
propriedade que tinha perto de Terracina, para construir um mosteiro. Anuindo aos
rogos, Bento escolheu alguns irmãos, institui-lhes o abade e o eu devia ser o seu
prior. À despedida, prometeu-lhes o seguinte:
“Ide, em tal dia irei também eu, e mostra-vos-ei em que lugar havereis de edificar o
oratório, o refeitório dos irmãos, os aposentos dos hóspedes e tudo o que for preciso”.
Recebida a benção, puseram-se logo a caminho; nos dias seguintes, à espera ansiosa
do dia marcado, prepararam tudo que parecia necessário para receber os que
podiam chegar com o grande Pai.
Eis, porém, que na noite em que começava a raiar o dia prometido, o homem der
Deus apareceu em sonhos ao monge que ele constituíra abade, e ao prior deste, e
lhes foi designado minuciosamente cada um dos lugares onde deviam edificar cada
coisa. Quando despertaram do sono, contaram uma ao outro o que tinham visto; mas,
por não darem pleno crédito à visão, aguardaram o homem de Deus na prometida
visita. Este, porém, não chegou no dia determinado, pelo que foram ter com ele,
muito magoados, e lhe pediram: “Esperamos, Pai, que fosses como prometeras, e nos
mostrasses onde deveríamos edificar; mas não foste”.
Ao que lhes disse:
“Porque, irmãos, porque falais assim? Acaso não fui, conforme prometi?”
E quando lhe retorquiram: “Quando foste?”, respondeu:
“Não vos apareci a um e outro quando dormíeis, e não vos mostrei cada local do
mosteiro? Ide, e, como ouvistes na visão, construí todas as dependências do
mosteiro”.
Ao ouvirem estas palavras, ficaram profundamente admirados, e voltaram ao
referido terreno, onde construíram todos os compartimentos do mosteiro como lhes
fora revelado.
10
Na Regra Beneditina vamos encontrar referências “aos compartimentos do mosteiro”: o
oratório, refeitório, às celas para os monges e noviços, e os locais para os convidados e
hóspedes. E prescrições sobre todas as coisas necessárias à vida do monge em clausura: a
10
São Gregório Magno – Vida e milagres de São Bento. Ed. Lúmen Christi, Rio de Janeiro, 1986. Capítulo
XXII: O plano do Mosteiro de Terracina traçado por Bento em uma visão (pp.70-72) (Terracina: cidade da
Itália, na extremidade sul das Lagoas Pontinas, antigamente Anxur)
34
água, o moinho, a padaria, e as oficinas para as várias atividades manuais. A Regra
menciona também a portaria, os muros e a entrada principal. Entretanto, não há
indicações acerca da forma, tamanho, estilo ou ornamentação dos edifícios; tampouco das
relações existentes entre eles e suas conexões. Do mesmo modo, não há qualquer menção
ao claustro.
Isso não deixa de ser paradoxal, uma vez que o claustro irá se tornar um sinônimo do
complexo monástico, e em algumas línguas e dialetos, sinônimo do próprio monaquismo.
O claustro é originário do norte da Itália. Ele não se origina, como se pensava
habitualmente, do atrium das residências romanas; ele deriva do nartex, o pátio semi
aberto situado na ala oeste das primeiras igrejas basilicais. Posteriormente, o nartex foi
transferido para uma posição ao longo de uma das laterais da nave da igreja, criando o
caminho ocidental ao longo do transepto da igreja cruciforme. E mais tarde, o claustro se
transforma em área de circulação e espaço de convivência da comunidade, coordenando
os edifícios entre si.
Coordenação necessária pois para os monges beneditinos, cujo lema é “Ora et labora”, a
união de oração e trabalho é um modo de oferecer a Deus a própria existência,
“moralmente” vivida: nos mosteiros beneditinos todos trabalham, seja em altos estudos
filosóficos e filológicos, seja no artesanato ou ainda no mais humilde trabalho agrícola.
O programa do mosteiro, com sua distribuição cuidadosa de “scriptoria, oficinas,
armazéns e habitações, ao lado da igreja e da sala capitular”, é considerado por Giulio
Carlo Argan como o primeiro esquema da nova organização urbana, que ajudou a
promover a cidade românica, “entendida como entidade cultural, moral e produtiva
capaz de administrar-se de modo autônomo. (
ARGAN, 2003, p.280)
35
Fig. 2 Representação típica de um mosteiro beneditino (RISEBERO, 1982, p.41)
O mosteiro beneditino, lugar da comunidade reunida, tal qual o cenáculo apostólico, se
abre também para o mundo exterior. De seu programa arquitetônico fazem parte os
edifícios voltados à hospitalidade e a beneficência, onde os peregrinos e os pobres podem
encontrar abrigo e subsistência. Mas poucos religiosos têm acesso a essa zona de acolhida
que se abre para o mundo e seus perigos. Habitualmente os monges vivem em clausura,
separados do século por muros que marcam a opção da renúncia. O espaço monástico é,
por principio, interior e fechado. Nesse ambiente de isolamento, o claustro passa a ser
considerado como uma representação simbólica desta ruptura em que consiste a vida
religiosa.
É um pedaço da natureza, porém isolado. Suas proporções mostram que ele participa
das perfeições que a terra não mais conhece após a queda de Adão. Quadrado,
condenado aos quatro pontos cardeais e aos quatro elementos do Cosmos, o Claustro
arranca um pedaço do mundo criado das regras as quais naturalmente está submetido;
ele os restabelece por meio das dimensões exemplares, aquelas da divina quaternidade.
Ao homem que ai escolheu se refugiar, ele fala uma língua completa, acabada, de um
outro mundo. Entre as figuras que serviam de esquemas ao pensamento do claustro, o
símbolo dos ritmos siderais se estabelece em posição central. (
DUBY, 1984, p. 124)
36
Sobre uma das transversais do claustro se eleva a igreja, que por meio dele se comunica
com o dormitório, pois os monges em plena noite devem celebrar o Ofício. Isto porque na
Regra de São Bento, a igreja é concebida como um oratório privado:
... Terminado o Ofício Divino, saiam todos com sumo silêncio e tenha-se reverência
para com Deus; de modo que se acaso um irmão quiser rezar em particular, não seja
impedido pela imoderação de outro. Se também outro, por ventura, quiser rezar em
silencio, entre simplesmente e ore, não com voz clamorosa, mas com lágrimas e pureza
de coração”.(RB. 52)
O oratório, ao contrário das demais igrejas, é de uso exclusivo da comunidade, e o local
onde, em princípio, nenhum estranho tem acesso. Em sua arquitetura ocorrem grandes
modificações técnicas e estilísticas. Assim, ela transforma-se numa espécie de relicário
particular, receptáculo da criação artística do período, revestindo-se de ornamentos
concebidos sob novos conceitos e técnicas, que são os componentes essenciais da cultura
ocidental em formação.
Essa técnica ou essas técnicas são, indubitavelmente, novas, em estado nascente, e, com
certeza, não tem nenhuma relação vital com as técnicas refinadas do mundo bizantino.
Mas, a fim de que uma técnica seja inserida em um processo e em um contexto de cultura,
deve-se definir historicamente com respeito ao passado. Com efeito, as novas técnicas
não recusam absolutamente o grande legado cultural bizantino e, retrocedendo mais no
tempo, o clássico: recuperam-no, assumem-no como um fundamento ou um patrimônio
de experiência a empregar ativamente na consecução do fim a que tendem. Com o
florescimento dos interesses culturais, a arte do mundo oriental não se retira, ou não se
retira imediatamente, do Ocidente: ao contrário, aí se difunde grandemente. Porém,
diversifica o modo de acolher e interpretar as suas mensagens, de recebê-las. (
ARGAN,
2003, p.280
)
Praticamente em toda a área onde florescia o românico existiam exemplos do antigo
estilo romano. A forma de construção romana seguiu considerada como um ideal, e sua
prática nunca chegou a perder-se. O mesmo pode ser dito do desenho arquitetônico com
uma função projetual e para isso é necessário recorrer novamente à época medieval.
A maioria das informações que nos permite conhecer o espírito do início do segundo
milênio provém de documentos e textos que foram escritos nos mosteiros. São
testemunhos pautados por uma ética particular, que emana dos monges, homens cuja
37
vocação conduzia ao ascetismo e a renúncia a todos os modelos de conduta então
vigentes.
A planta denominada de “Saint Gall”, do século IX (829), baseada em uma matriz
geométrica modular, é um dos primeiros desenhos arquitetônicos medievais conhecidos.
Trata-se do documento mais importante da arquitetura beneditina da alta Idade Média,
um esquema arquitetônico ideal traçado com o objetivo de realizar, de modo prático, um
tipo de planificação planimétrica em acordo com a reforma monástica beneditina na
época de Carlos Magno. Representa o traçado de um mosteiro ideal da época carolíngia,
que se conservou na biblioteca monástica de Saint Gall. É o único documento
arquitetônico realizado na Europa antes do século XIII que se conservou até nossos dias.
Isso somente foi possível porque em seu verso foi escrita uma biografia de São Martinho,
o que permitiu que esse pergaminho ficasse sob guarda da biblioteca monástica
(Stiftsbibliothek). Nesse documento estão delineadas tanto as destinações dos edifícios
que compõem o conjunto, o nome dos santos titulares dos altares, as indicações das partes
do mobiliário e suas medidas, como o nome das árvores plantadas no jardim monástico.
11
Podemos denominá-la “modelo ideal”, pois não se conhece nenhum mosteiro da época
que fosse edificado com tal perfeição. Entretanto, seu desenho fornece um testemunho do
nível de abstração gráfica que ainda se conservava na Alta Idade Média, como que uma
espécie de retomada da tradição clássica; uma tradição que já se havia apresentado por
meio do uso da projeção ortogonal, - ainda que não codificada – e que constitui o
referente mais eficaz, a saber, entre a realidade construída e sua representação. (
De
RUBERTIS, 1994, p.88
)
11
Wolfgang Braunsfels denomina Saint Gall de “utopia”, e dedica ao um capítulo inteiro de sua obra
Arquitectura Monacal en Occidente a esse documento.
38
Fig. 3 Planta de St. Gall (CONANT, p.58)
Na introdução de sua obra – L’Architecture Bénédictine en Europe, M. Eschapasse
afirma que não se pode subestimar o lugar e a importância que os Beneditinos ocuparam
na história e na cultura da Europa medieval:
A influência dessa Ordem Religiosa é, ainda hoje, de grande importância, embora se
encontre mesclada – e, portanto confundida – em meio a uma diversidade de
observâncias, criadas ao longo de sua existência e na grande maioria por ela inspirada,
e cujas realizações são pequenas, se comparadas ao que foram em seus períodos de
apogeu. Por outro lado, os mosteiros se encontram atualmente à margem da vida
39
econômica, política e artística, embora tenham desempenhado até o século XII um papel
capital em todos esses campos. (
ESCHAPASSE, 1963, p.9)
Por toda a Europa, os monges beneditinos edificaram grandes Abadias, muitas das quais
foram destruídas, sobretudo entre os períodos que se seguiram à Reforma e à Revolução
Francesa. Seus vestígios, somados àquelas que ainda existem, nos oferecem um
testemunho essencial da arquitetura européia. Os beneditinos foram, acima de tudo, os
criadores de um conjunto arquitetônico que se tornou o mosteiro ocidental. Os
problemas apresentados pela opção de vida comunitária em clausura, tais como o
suprimento das necessidades materiais e espirituais dos monges geraram problemas
monumentais, “resolvidos com um rigor e uma lógica muito maiores do que o foram no
monaquismo oriental”. (
ESCHAPASSE, 1963, p.9)
De modo pioneiro, os beneditinos criaram um programa arquitetônico, ao qual,
sucessivamente, todas as demais ordens religiosas se reportaram, inclusive o próprio
clero secular. Trata-se da combinação de elementos onde nenhum, a princípio, era novo
em si mesmo: a igreja era uma basílica, o claustro relacionava-se ao peristilo, o desenho
em quadras representava a implantação da cidade gálio-romana; mas seu conjunto, o
mosteiro, formava um todo perfeitamente coerente e funcional.
O autor assinala que por meio desse procedimento se estabelece uma equivalência, sobre
o plano arquitetônico, daquilo que representava a Regra de São Bento sobre o plano
institucional: conservação e adaptação do que existia de melhor nos exemplos
precedentes, clareza do conjunto, discernimento e bom senso prático na escolha das
soluções adotadas. (
ESCHAPASSE, 1963, p.10)
A igreja é o lugar mais importante do conjunto monástico, se impondo, sobre todos os
demais edifícios, e apresentado os maiores problemas arquitetônicos e as mais elaboradas
soluções estéticas. Ela é o campo de experiências arquitetônicas propriamente dito. A
igreja dos beneditinos não é resultado de um estilo arquitetônico ou decorativo, mas uma
forma de arquitetura completamente definida em si e por si. E longe de obedecer a
procedimentos fixos, ela passou a propor novas soluções que posteriormente foram
40
adotadas inclusive pela arquitetura civil, mantendo-se como um laboratório constante de
pesquisas técnicas, artísticas e construtivas.
A história da arquitetura até o século XII é incompreensível sem o conhecimento dos
canteiros das grandes Abadias, como também o é a lenta evolução da basílica paleo-
cristã até a catedral gótica. O apogeu da Ordem Beneditina, representado por Cluny,
coincide com aquele da arte românica; e se a arte românica é aquela dos monges, como
se usa dizer, ela é, sobretudo a arte dos beneditinos. (
ESCHAPASSE, 1983, p.11)
Fig. 4 Abadia de Cluny (ESCHAPASSE, 1983, p.36)
A Abadia de Cluny foi instituída em 910 numa independência total: nenhuma intrusão era
permitida, nem dos poderes temporais tampouco dos bispos; seu fundador tinha a
intenção de torná-la semelhante à igreja de Roma: os mesmos patronos, São Pedro e São
Paulo, a protegiam. E foi essa perfeita segregação que permitiu aos monges conceber sua
abadia sem qualquer tipo de pressão exterior, e que possibilitou o sucesso do
estabelecimento cluniascence e sua transformação no fato mais importante da história da
cultura européia do século XI. Em seu apogeu, Cluny possibilitou um enfraquecimento
das tensões humanistas e da cultura clássica estimulando a proliferação da formas de arte
denominadas românicas.
41
Ao longo do século XII, a arte se transforma em decorrência da evolução da Igreja e da
sociedade, o que coincide com a perda de poder e fausto das ordens claustrais. Os
Beneditinos deixam de ocupar um lugar de destaque na história da arquitetura. Novas
ordens religiosas surgem e se expandem, cada qual com suas próprias regras:
Premonstratenses, Cistercienses, Cartuchos, seguidas pelas ordens mendicantes: os
Franciscanos e os Dominicanos. Mas isso não significou uma mudança radical no
programa arquitetônico dos mosteiros, elaborado e aperfeiçoado pelos monges da Ordem
de São Bento. A reação cisterciense possibilitou um despojamento das formas e dos
elementos decorativos, destituindo a arquitetura de tudo aquilo que recordasse a
ostentação e o luxo dos ambientes do mundo profano.
Os beneditinos, entretanto, permanecem fiéis a seu passado. Desde suas origens, eles
haviam ornamentado com profusão suas igrejas, dotando-as não apenas de grandes
dimensões, mas de uma suntuosidade que em cada época foi possível realizar. O culto da
beleza e do luxo, profundamente arraigado na sensibilidade da Ordem, é uma das razões
que explicam a maravilhosa floração das épocas criadoras. E ela não desapareceu após
o período de apogeu. Tudo aquilo que os estilos sucessivos puderam oferecer de mais
sedutor à arquitetura religiosa, os beneditinos trataram de se apropriar: os diversos
estados do gótico, a arte do renascimento, as correntes maneiristas, barroca, clássica e
rococó, o retorno ao antigo; não há nenhuma dessas etapas a que não tenham se
reportado para enriquecer suas obras primas: seja um interior monástico, ou um rico e
decorado retábulo, as estalas, uma escadaria ou uma biblioteca. Sem dúvida, todas essas
construções se constituem, como no período precedente, de seqüências contínuas,
manifestando uma evolução decisiva de formas e estruturas. Não existe, entretanto, uma
arquitetura beneditina no estrito sentido da palavra, mas os novos estilos foram
elaborados à sombra dos mosteiros. E por meio dessas admiráveis e isoladas reuniões,
recorreram à arte dos beneditinos, a seu espírito e seu gosto. (
ESCHAPASSE, 1963, p.10)
42
1.5. Introdução da arquitetura monástica beneditina no Brasil - período colonial.
Toda obra começa e termina por uma oração. (BAZIN, 1957, p.53)
12
A história do monaquismo é um dos temas centrais da historiografia da cultura ocidental,
assim como da arquitetura. O mosteiro como metáfora da Civitas Dei, vai estar presente
como tema principal em diversas manifestações da arte e da civilização, particularmente
a européia. Do mesmo modo, é inegável a influência da Igreja na consolidação da
arquitetura latino americana:
“Na América, estratificada hierarquicamente, o ponto de confluência não foi o Estado...
foi a Igreja. O idioma e a religião constituíram historicamente os elementos de
unificação cultural americana e em torno da Igreja floresceram as artes, a literatura, a
filosofia e a própria arquitetura. Em torno do templo como espaço físico concreto se
formaram os casarios e por sua vez esse templo era a expressão sublimada dessa mesma
população”. (
GUTIÉRREZ, 1983, pp.103-104)
A produção artística que foi desenvolvida e realizada no Brasil colonial confirma a
maciça influência da Igreja, pois é quase que totalmente religiosa. Não havia no território
brasileiro uma tradição cultural própria, “nada de velhas culturas, mas uma população
dispersa de índios nômades. Mesmo o negro é trazido de fora; apesar da escravidão a
que foi submetido, trabalhou no mesmo sentido que o português, isto é, para conquistar a
terra selvagem, para domesticar a natureza virgem”. (
PEDROSA, 1981, p.258)
As congregações religiosas foram, portanto, responsáveis por grande parte das
construções mais representativas executadas no litoral. Durante o período colonial, estas
construções foram edificadas com recursos próprios, muitas vezes de vulto, propiciados
por suas matrizes européias, que também lhes forneciam projetos, modelos, orientações e
12
O esudo de Germain Bazin – A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Record,
1956, é a obra de referência pioneira sobre as questões da arquitetura religiosa brasileira durante o período
colonial. No que diz respeito à história e aos mosteiros da Congregação Beneditina no Brasil, seu autor
contou com a colaboração de D. Clemente da Silva Nigra, monge da Ordem de São Bento e um de seus
mais destacados cronistas.
43
até mesmo os elementos decorativos dos edifícios, tais como pedras, altares, imagens e
pinturas, entre outros.
No final do século XVI e durante todo o século XVII, os portugueses eram na maioria
das vezes os únicos especialistas na arte de construir e calcular. Conheciam o repertório
formal em uso na Metrópole e buscavam introduzi-lo em seus “riscos”, contribuindo
assim para a criação de formas artísticas autóctones, de caráter inter-regional. Disso
resultou, segundo alguns críticos, uma arquitetura local que em muito pouco se distingue
da portuguesa, da qual constitui uma continuação lógica quando não cópia autêntica, e
se desenvolveu paulatinamente no decorrer dos séculos, acompanhando lentamente, e
com atraso, a evolução artística européia. (
VASCONCELLOS, 1997, p. 352-3) Logo, a
arquitetura luso-brasileira do período colonial mantém fortes vínculos com os
movimentos culturais europeus. Oscila entre o maneirismo e o barroco, influências
manifestadas de forma pontual, descontinua e até simultânea, dado o caráter
conservador da arquitetura portuguesa na Colônia,... de fundo românico e popular. (
idem,
ibidem
)
Por outro lado, a necessidade de adaptação ao meio ambiente, as dificuldades materiais e
o anseio por uma expressão própria foram impregnando de atributos autóctones a
arquitetura da colônia, expressão de um modo de fazer daquela sociedade em formação, e
não adstritos a um determinado estilo. Por isso, as construções religiosas do período
colonial na América, singelas e pragmáticas, acolhiam influências culturais distintas, de
origem erudita ou popular, sem que o sentido unitário e peculiar de sua evolução se
perdesse. (
CAMPELLO, 2001, p. 13)
Os mosteiros beneditinos coloniais seguem a tradição artística e construtiva desenvolvida
por essa Ordem religiosa milenar, e contam com um programa arquitetônico próprio
composto por cinco elementos principais: a igreja, a sala capitular, o refeitório, os
dormitórios e o claustro, que dá unidade ao conjunto. Esse programa arquitetônico é
similar aquele utilizado nas abadias européias desde o século XII até o século XVI.
O partido arquitetônico definido pelos beneditinos na baixa idade media, incluía os
elementos essenciais da organização em torno aos pátios enclaustrados, um sistema de
44
vida e economia auto-suficiente e uma tarefa extrativa ou itinerante e mendicante que
serviam à propagação da fé. A progressiva consolidação do mosteiro como centro de
irradiação cultural (biblioteca, oficinas artesanais, farmácia, enfermaria), foi gerando
as pautas de sua complexidade de funções”. (
GUTIÉRREZ, 1983, p. 25-35)
Durante séculos, esse programa arquitetônico para mosteiros foi passando por diversas
adaptações sem que um novo conceito fomentasse sua transformação. As mudanças eram
feitas principalmente nos detalhes, sem jamais afetar a unidade do conjunto. O conceito
adotado permanecia invariavelmente o de uma construção em blocos, que juntos formam
o claustro. Nesses blocos estão situados a sala capitular, o refeitório, a cozinha e a celas
dos monges. Diante deles se encontra o pátio de serviços e, algumas vezes, a residência
abacial, o hospital ou enfermaria.
13
Essa postura é evidente nos mosteiros construídos pelos beneditinos no Brasil, desde o
século XVI até o século XVIII, período em que se dá a fixação dessa ordem religiosa em
nosso território.
Simultaneamente ao processo de construção dos mosteiros coloniais brasileiros, que
seguem o padrão medieval amaneirado, já estavam sendo edificadas, na Europa, as
abadias barrocas beneditinas – em especial na Áustria, Baviera, Suíça, França e região do
Reno. Tratava-se de uma arquitetura nova e atrevida que de forma isolada, mas
semelhante, também foi construída na Itália, Espanha e Portugal.
Essas abadias foram edificadas longe das cidades, quase sempre sobre colinas ou
penhascos, de onde se dominava todo o território. Formavam um conjunto monumental
no qual predominavam as linhas horizontais, acentuadas por um único elemento vertical,
a igreja com suas torres e cúpulas. As abadias incorporaram a arte do paisagismo e, com
isto, passam a ter seus acessos estruturados em meio a elaborados jardins. Apresentavam
também uma importante inovação: a estrutura dos diferentes blocos do conjunto formava
agora uma unidade, reunindo e integrando os vários corpos do mosteiro, de modo a
facilitar o dia a dia da comunidade monástica.
13
A história das abadias beneditinas européias assim como as particularidades de sua arquitetura são
minuciosamente estudadas por Wolfgang Braunfels, professor do Departamento de Arquitetura da Escola
Técnica Superior de Aquisgrán. (BRAUNFFELS, 1975)
45
Enquanto adquiriam a forma e a dimensão de verdadeiros palácios, abrigando uma
comunidade que procedia da nobreza e da burguesia, os mosteiros europeus vão se
convertendo em novos símbolos da perfeição. Sua arquitetura monumental pretendia
unificar as ordens do mundo, do estado e da natureza. Essa tarefa ficou a cargo da
ornamentação que, no século XVIII, tudo conjugava em movimentos ondulantes e
sinuosos. Era inevitável, portanto, a influência e a assimilação da estética barroca na
arquitetura monástica praticada no Brasil pelos beneditinos.
1.6. Mosteiros beneditinos brasileiros nos séculos XVI a XIX
A situação social do Brasil, assim como a das outras regiões da América Latina, era
especialmente favorável ao desenvolvimento de uma arte religiosa. A sociedade civil, ao
menos durante os dois primeiros séculos, é a reprodução daquilo que ela foi na Europa
nos primeiros tempos da Idade Média. Pode-se mesmo afirmar que a brutalidade dessas
origens de nossa civilização foi reforçada pela existência de uma condição mais baixa
que a servidão: a escravatura, que fez renascer a antiga idéia de um senhor possuindo
direitos absolutos sobre todos os que o serviam. Durante muito tempo, a Igreja foi o
único elemento civilizador, o único que procurou amenizar a crueldade dos costumes
vigentes”. (
BAZIN, 1956, p.35-36)
Sem o trabalho do escravo, não haveria mosteiro beneditino no Brasil. Como em
qualquer outra atividade realizada na Colônia, os beneditinos pioneiros, vindos de
Portugal, não tiveram nenhum escrúpulo em se integrar ao escravismo vigente, sistema
iníquo, anti-humano e anticristão, “uma das contradições do tempo”, conforme escreveu
D. Clemente da Silva Nigra, OSB. Os escravos da religião, assim chamados nos
documentos da Ordem, constituíam a classe inferior. Havia também os irmãos conversos.
Eram os filhos das famílias livres e pobres, doados ao mosteiro com o objetivo de receber
educação e aprender um oficio, trabalhando no serviço interno e nas obras da comunidade.
Eles, conjuntamente com os escravos eram responsáveis por todo o trabalho braçal
efetuado nos mosteiros, nas fazendas e engenhos de propriedade da Ordem. Os monges
da Congregação Beneditina de Portugal, intelectuais e contemplativos, na linha da
observância e das tradições Cluniascenes, não se dedicavam aos chamados trabalhos
manuais previstos na Regra de São Bento. Estavam entregues aos estudos sacros e à
46
celebração do louvor divino oito vezes ao dia. Assim, todo o peso do trabalho, tanto o da
casa como o das demais propriedades, recaía sobre os irmãos conversos e os escravos.
Na construção da “Cidade de Deus”, tudo era feito por escravos que atuavam como
oficiais de pedreiro, serradores, carpinteiros, canteiros, pintores de parede, oleiros,
serventes de obra, etc; tudo e todos sob a direção de um monge mestre de obras. E as
Ordens religiosas também não temiam recorrer ao caro processo que era o de importar de
Portugal a pedra trabalhada para as partes nobres da construção. As igrejas e os escravos
foram, portanto, literalmente transportados como carga em navios que, na volta para o
reino levavam em seus porões os produtos da terra: a madeira, o açúcar, as especiarias e o
ouro.
Em 1584, com a elevação do mosteiro de Salvador à condição de Abadia, tem início o
desenvolvimento das Fundações da Província Beneditina do Brasil, subordinada à
Congregação Beneditina Portuguesa, que ocorreram no Rio de Janeiro (1586), em Olinda
(1590-1592), Paraíba (1596) e São Paulo (1598). As atividades das fundações e as obras
de construção desses mosteiros foram interrompidas durante o período das invasões
estrangeiras (franceses e holandeses). No Nordeste a ocupação causou grandes estragos
aos mosteiros de Olinda, da Paraíba e de Salvador que, após a retomada portuguesa,
passaram por um intenso processo de reconstrução e restauração.
Apresentaremos a seguir um panorama da instalação da Congregação Beneditina no
Brasil, dando destaque aos seus principais mosteiros que, desde sua fundação aos dias de
hoje, mantém viva a tradição dessa Ordem Religiosa. Isso nos possibilitará uma
aproximação aos diferentes contextos (econômico, político, social e cultural) em que
esses mosteiros foram construídos assim como seus efeitos no desenrolar da vida
comunitária. Consideramos essa aproximação indispensável para a compreensão e análise
da assimilação e das transformações observadas na arquitetura monástica beneditina
brasileira contemporânea.
47
1.6.1. Arquiabadia de São Sebastião (Salvador, BA)
O primeiro mosteiro beneditino do Brasil, a Arquiabadia de São Sebastião, em Salvador,
foi fundado – a pedido dos moradores da cidade – em 1581-82, e é a primeira abadia de
toda a América. Um primeiro grupo, formado por nove monges, tendo como superior
Padre Frei Antonio do Latrão Ventura, foi responsável pela construção inicial, muito
simples, que contava com um pátio, ao redor do qual estavam agrupados as oficinas e
dormitórios monásticos. No conjunto havia ainda uma pequena capela, a chamada “igreja
velha”, que teve sua origem na ermida de São Sebastião, de paredes de taipa de mão,
erguida pelos jesuítas e doada aos beneditinos em 1581.
Outra igreja, a segunda edificada no local, começou a ser planejada em 1584. Construída
de pedra e cal, e não mais de taipa, as obras da nova igreja seguiam o risco original do
capitão engenheiro Francisco de Frias de Mesquita – que nessa ocasião dirigia também a
construção do Forte de São Diogo – e já estavam bastante adiantadas em 1624, quando se
deu a invasão holandesa. As batalhas para restauração da cidade de Salvador deixaram a
igreja praticamente em ruínas, e o mosteiro bastante danificado, pois foi utilizado como
quartel pelas tropas da armada libertadora portuguesa. Após a expulsão dos holandeses,
os monges retornam para reconstruir e restaurar o antigo conjunto, do qual hoje nada
mais resta.
fig.5 Mosteiro São Sebastião, 1625. (REIS FILHO, p.27) fig. 6 Mosteiro, 1638. (Idem, p. 32)
A construção do primeiro engenho da Congregação, o de São Bento das Lages, entre
1640 e 1650, possibilitou a substituição da antiga igreja por outra, mais ampla. O templo
48
atual começou a ser planejado em 1652 e seu projeto é atribuído a Frei Macário de São
João, natural do reino de Castela e admitido na comunidade monástica no estado de leigo.
Os beneditinos, assim como os jesuítas e franciscanos, mantinham em seus mosteiros e
colégios autênticas oficinas artísticas. Também era comum que outras Ordens, e mesmo
os leigos, recorressem aos serviços de seus artistas e arquitetos. Frei Macário de São
João, bastante requisitado na Bahia, supervisionou a obra, e sua atuação foi
fundamental para a rápida reconstrução da igreja – que teve inicio no ano de 1656 – e
também de seu pórtico, coro e frontispício, construídos no triênio de 1657-1660”.
(
BAZIN, 1956, pp.116-117)
No inicio do século XVIII, as obras fundamentais da igreja estavam terminadas e outra
etapa se iniciou. Foi a construção de um novo pavimento para o Mosteiro, destinado aos
dormitórios dos monges. A obra se estendeu ate 1729. A partir daí, a igreja ganhou seu
primeiro forro, entre 1732 e 1736, cerca de oitenta anos após sua conclusão. Esse forro
foi substituído, posteriormente, pelo atual, de cimento e gesso. No final do século XVIII,
após uma segunda grande reforma na cobertura da igreja, a altura das paredes e o
caimento do telhado são modificados; disso resultou uma construção bem diferente
daquela idealizada originalmente por Frei Macário.
fig.7 Mosteiro São Sebastião, 1758. REIS FILHO, p.45
Em 1848 o novo abade geral manda derrubar a capela mor construída no tempo de Frei
Macário. Em 1855, são iniciadas as obras da nova capela e a finalização da torre direita
da igreja, cuja construção estava parada desde 1656. A torre foi concluída em 1860,
graças à experiência de Frei João de São Bento Teixeira, que é o autor das torres do
Mosteiro de São Paulo e de Sorocaba. A capela mor foi a última obra de arquitetura
49
beneditina edificada com mão de obra escrava. Em 1871 os monges concederam alforria
gratuita e incondicional a seus escravos. A partir dessa data, as obras do mosteiro e da
igreja serão executadas por mão de obra livre assalariada, pagas com dinheiro da Arca da
Congregação.
14
Em 1875 conclui-se a pintura do forro da igreja, monumental painel ovalado cujo tema é
o martírio de São Sebastião, de autoria do pintor baiano João Francisco Lopes Rodrigues.
A seguir, procedeu-se a colocação dos pisos, dos ladrilhos nas capelas laterais, dos novos
púlpitos em mármore italiano e ao douramento dos retábulos dos altares. Em 1880 é
concluída a torre esquerda da igreja; essa obra foi executada por Mestre Cipriano,
provavelmente um dos antigos escravos do Mosteiro.
fig.8 Mosteiro São Sebastião. fonte: LUNA, 1947. fig.9 planta do mosteiro. fonte: IPAC, 1973, p. 69
A igreja do Mosteiro da Bahia apresenta uma nave ladeada por quatro capelas de cada
lado, separadas por arcadas de cantaria. O transepto possui uma cúpula que se eleva a 45
metros de altura, o que distingue essa igreja das demais construções da Ordem Beneditina
no Brasil. Nas extremidades do transepto foram feitas duas capelas, uma para o
Santíssimo Sacramento e outra para São Bento. Uma grade de mármore separa a capela
mor do corpo da igreja. Atrás da capela, está localizada a sacristia. O frontispício da
igreja, dividido em quatro tramos por altas pilastras, é bem pesado e não pertence ao
14
Em cada capitulo geral se estipulava a quota trienal que os mosteiros mais abastados deveriam contribuir
para o fundo da Arca da Congregação. As respectivas quotas aumentavam a cada triênio e, quase sempre,
o mosteiro do Rio de Janeiro dava a maior contribuição, pois era tido como o “mais rico de todos”. Os
mosteiros de Santos, Sorocaba e Brotas ficavam dispensados de contribuir por serem muito pobres. Os de
Jundiaí e o de Parnaíba estavam incorporados ao patrimônio daquele de São Paulo. (Rocha, 1995, p.46)
50
gênero de arte do Frei Macário de São João; ali já se faz notar as primeiras manifestações
do barroco.
Quanto aos prédios, estão agrupados ao redor de um claustro de pilares toscanos. As
galerias deste parecem ser um pouco posteriores às partes principais, como
freqüentemente acontecia. A escadaria apresenta uma disposição monumental: é uma
escadaria reta que se bifurca em duas, sendo que o primeiro lance, no centro, está entre
os dois lances superiores; dá acesso a uma “loggia” de três arcadas que se abre para o
mar e está ricamente ornamentada com mármores coloridos, importados de Portugal em
1704. (
BAZIN, 1956, p. 117)
Na arquitetura brasileira do século XVII, essa igreja é uma das únicas que seguem o
projeto romano do cruzeiro articulado, servindo de apoio a uma cúpula; de cada lado da
nave saem quatro capelas comunicantes. A adoção da cúpula trouxe como conseqüência
uma enorme abóbada de berço com caixotões, que esmaga a nave de São Bento,
inicialmente prevista como uma abóbada de berço abatido com lunetas e com arcos
dobrados.
É preciso observar que a Abadia de São Sebastião, aliás, têm grande semelhança com
uma igreja conventual portuguesa, cuja pedra fundamental foi lançada em 1670: a igreja
do Carmo de Évora. A mesma planta com capelas comunicantes, cúpula, transepto,
mesma elevação, com abóbadas e vãos das tribunas retangulares, como na Igreja do
Espírito Santo de Évora. (
BAZIN, 1956, p.117)
A igreja e o mosteiro passaram por muitas modificações. Empreendidos inicialmente pela
própria comunidade, foram reconstruídos por duas vezes obedecendo a orientações
técnicas de um engenheiro militar e de um monge arquiteto. A construção atual, projeto
de Frei Macário, é uma das mais representativas edificações religiosas do século XVII.
De aparência maneirista e conteúdo barroco, é o resultado de mais de dois séculos de
ininterruptas intervenções, seja para finalizar a obra ou para ornamentá-la.
O mosteiro beneditino de Salvador abriga um colégio, faculdade, biblioteca e museu,
importante centro de referência sobre a Ordem Beneditina, pelo número e estado de
conservação de seu acervo.
Em 1996, o Governo do Estado da Bahia deu inicio ao Plano de Revitalização do
Mosteiro de São Bento, fruto do convênio firmado entre o mosteiro e o Instituto do
Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) e o programa de Obras Sociais da Construtora
51
Norberto Odebrecht. Inicialmente foram restaurados o museu e a biblioteca
monásticos, abertos para visitação pública. Em 2005/2006, a igreja da Arquiabadia de
São Sebastião passou por um processo de restauro geral: a capela, a cúpula e o coro
superior. A maior parte dos recursos utilizados na restauração da igreja foi captada
por meio da Lei Rouanet.
O conjunto é tombado pelo IPHAN registro 148-T-38.
1.6.2. Abadia de São Bento de Olinda (Olinda/PE)
A Abadia de São Bento de Olinda foi fundada entre 1582-92 e tornou-se Abadia em 1596.
A comunidade inicialmente se fixou em uma ermida já existente, onde se encontra hoje o
Mosteiro Nossa Senhora do Monte, do ramo feminino da Congregação Beneditina
Brasileira. Estava situado nos limites da cidade, contando com uma capela, um bloco para
o alojamento da comunidade e o pátio de serviços, entremeados por um claustro. O
mosteiro inicial era muito simples e despojado, e serviu basicamente como alojamento
provisório para os primeiros monges que ali chegaram.
O inicio das obras do novo mosteiro é incerto, embora se saiba que as terras onde se
estabeleceu foram adquiridas em 1597. Em 1630, quando se deu a invasão holandesa, as
obras já se encontravam adiantadas, como podemos observar no fragmento da imagem da
Marina de Olinda, gravura de autor desconhecido e datada de cerca de 1630, que ilustra o
livro de Johannes de Laet. Nela, o mosteiro e a igreja estão situados no interior de uma
paliçada que servia como defesa da cidade no caso de uma invasão.
Fig.10 Mosteiro de Olinda, 1630. (fonte: REIS FILHO, p.78)
52
Vencidos e expulsos os holandeses em 1654, os monges puderam retornar a Olinda e
efetuar a reconstrução do mosteiro, o que se deu lentamente por absoluta falta de recursos.
Sua fachada atual foi desenhada por Francisco Nunes Soares em 1761, quando o conjunto
passou por uma reconstrução parcial. O altar mor foi criado entre 1783-1786.
Entre 1769
e 1786, importantes obras foram realizadas, tais como o aumento da igreja, a demolição
da antiga sacristia, a construção da capela e altar mor, com um majestoso e artístico
retábulo. Delas resultou ainda uma grande transformação na composição das fachadas,
um novo padrão.
O entablamento perdeu sua rigidez original e se recurvou no centro para penetrar no
frontão. Este tende a se alongar desmesuradamente, formando um postiço. Do
tabernáculo central só resta o frontão ondulado, que o arrematava; suas pilastras são
substituídas por volutas que se vêm reunir às antigas que serviam de moldura, e o
conjunto forma uma composição ligada unicamente pelas linhas curvas. O óculo que
decorava o frontão desce para o corpo da fachada, e fica sob a movimentação do
entablamento. O entablamento se verga ligeiramente em forma de vidro de relógio, o
óculo é inscrito numa espécie de cruz de Malta, o frontão se achata um pouco,
conservando a disposição horizontal do frontão com tabernáculo. (
BAZIN, 1956, p.179)
.
Fig. 11 Mosteiro de São Bento de Olinda. Fonte: LUNA, 1947
53
O campanário de São Bento de Olinda apresenta um bolbo reduzido apoiado sobre um
enorme soco ortogonal de faces côncavas e elaboradas, elas mesmas vazadas por um
óculo. Esta forma, rudimentar em São Bento, é uma forma portuguesa da qual
encontramos um exemplo perfeito em Nossa Senhora da Estrela de Lisboa, construída de
1770 a 1790, baseada no risco de Mateus Vicente e Reinaldo Manuel; esse arremate
deriva dos campanários da igreja do convento de Mafra iniciado em 1717 e terminado
em 1730, usando as plantas de Ludovice. (
BAZIN, 1956, p. 184)
O corpo da igreja é formado por seis altares laterais, três de cada lado da nave central,
além de espaçosa sacristia e um belo altar. Embora o mosteiro tenha sido construído
lentamente, conserva uma coesão estilística que foi definida durante a reedificação da
fachada da igreja. E em seu interior abriga um retábulo de talha dourada considerado uma
obra prima da dramaticidade do barroco colonial. Esse altar da igreja abacial do mosteiro
foi restaurado em 2001 por técnicos da Laborarte, da Fundação Joaquim Nabuco,
mediante convênio assinado com a Associação Brasil 500 anos, e com patrocínio da
Fundação Guggenheim. Foi exposto em Nova York no ano seguinte, integrando a mostra
Brazil Body&Soul.
O conjunto é tombado pelo IPHAN registro 50-T-38
1.6.3. Abadia N.Sra. do Monserrate (Rio de Janeiro/RJ)
Ao sul da Colônia portuguesa, a situação foi bem mais amena. Sem grandes abalos em
sua vida cotidiana, os mosteiros puderam se desenvolver, em especial o do Rio de Janeiro.
Entre 1586-1589 foram mandados para esta cidade dois monges sacerdotes com a missão
de fundar um mosteiro beneditino. Antes de iniciarem as obras da igreja e do mosteiro
definitivos, eles construíram celas provisórias ao lado de uma capela já existente, e lá
estabeleceram uma vida regular monástica.
A Abadia territorial Nossa Senhora do Monserrate, teve suas obras iniciadas por volta de
1617, com projeto do engenheiro militar Francisco Frias de Mesquita, engenheiro-mor.
No primeiro terço do século XVII, esse construtor de fortalezas também trabalhou na
54
igreja de Olinda; ficou tão impregnado das formas religiosas que chegou a dar a um
armazém de pólvora a forma de um campanário.
15
As obras definitivas do mosteiro foram construídas aos poucos, em acordo com as posses
da Abadia. A partir de 1669, o arquiteto português frei Bernardo de São Bento Correia de
Souza assumiu a obra, contando ainda com a colaboração do escultor frei Domingos da
Conceição e Silva e do pintor Frei Ricardo do Pilar.
Originalmente, o engenheiro militar Francisco de Frias da Mesquita tinha previsto um
quadrilátero constituído de três blocos principais e apoiado à igreja formando somente
um corredor sobre o claustro. A ala sul foi construída isoladamente, no prolongamento da
fachada da igreja, entre 1660 e 1663. Apresenta tamm uma portaria, precedida de um
alpendre sustentado por duas elegantes colunas toscanas, edificada em 1666.
Em 1684, Frei Bernardo de São Bento projetou a duplicação da ala norte do mosteiro
para abrigar um grande refeitório e, em cima deste, uma biblioteca; essa construção foi
edificada no prolongamento da grande sacristia, encostada à capela mor da antiga igreja,
traçada por Francisco de Frias. A ala leste foi terminada em 1695. As fundações da ala
norte, que contém o refeitório e a biblioteca, foram feitas no século XVII, com base em
documentos datados de 1684, embora a ala tenha sido concluída apenas em 1742. O
refeitório monástico é uma sala com abóbada de berço, de arco abatido, com lunetas e
arcos dobrados; possui um púlpito ao qual se tem acesso através de uma escada escavada
na parede, elemento comum nos refeitórios monásticos europeus da Idade Média.
15
SILVA NIGRA, Dom Clemente da. Francisco de Frias da Mesquita Engenheiro-Mor do Brasil. Revista
do SPHAN (9): 9-85.) (p.42)
55
Fig. 12 Mosteiro do Rio, 1695. Fig. 13 Mosteiro do Rio, 1775. (Fonte: REIS FILHO, p. 162/184)
Um claustro inicial foi construído entre 1685 e 1688, por Frei Bernardo de São Bento,
que foi substituído por um outro, construído posteriormente, após o término da ala norte,
entre 1743 e 1755, cujo projeto Dom Clemente da Silva-Nigra atribui ao engenheiro
militar José Fernandes Pinto Alpoim, nessa época amigo do abade.
No claustro, as galerias, com abóbadas de arestas entre arcos dobrados, se apóiam
sobre sólidos pilares de grés, de corte quadrangular, coroados por uma molduragem
dórica, e ladeados nas faces externa e interna por uma pilastra; a da face externa sobre
desde embaixo até quase a altura da faixa divisória que tem dupla fileira de pedras
salientes – o fecho do arco também é saliente. O segundo pavimento é dividido por
pilastras; as janelas altas têm lintéis curvos. (
BAZIN, 1956, p. 119)
A igreja é uma típica construção portuguesa da Contra-Reforma: edifício austero, com
um corpo central com capelas, três nichos com altar, sem transepto e com torres laterais.
Na fachada, o efeito arquitetônico se concentra no frontispício, precedido de uma galilé
ou pórtico de três arcadas. Esse pórtico, adotado pelos beneditinos (entre os quais ele
remonta a uma tradição secular), serve para certas cerimônias e para reunião das
procissões.
16
16
Galilé é um termo que se usa até hoje em português; tem origem bem longínqua; encontramo-lo com
freqüência durante os séculos XI e XII, especialmente nas consuetudinis da abadia cluniacense de Farfa,
para designar o pórtico ou o nártex da igreja. A província de Galiléia, tres vezes citada no Evangelho de
São Mateus, era considerada a região dos Gentios, de onde o hábito, na época paleocristã, de chamar de
galilea ou nártice, pórtico ou anteigreja, ou mesmo a parte mais baixa da igreja onde podiam ficar os
penitentes, catecúmenos e, em geral, todos aqueles que não tinham direito de chegar até o santuário, nas
proximidades da consagração. O emprego dessa palavra ate hoje, nas línguas portuguesa, espanhola e
inglesa é um exemplo da influência medieval desses países. (BAZIN, 1957, p. 148)
56
Fig. 14 Mosteiro de São Bento do Rio. (Fonte: Arte no Brasil, 1979, v. I, p.96)
O corpo central da fachada, marcado por pilastras em cantaria e delimitado nas laterais
com coruchéus, é ladeado por torres recuadas em direção à fachada. As torres são
cobertas por pirâmides que, junto com as envasaduras, dividem a composição em cinco
tramos e duas partes horizontais. A primeira, em cantaria, é construída por arcadas de
acesso à galilé, com três portões em serralheria, e a segunda, por três janelas voltadas
para o coro. Com janela no tímpano, um frontão triangular encimado por cruz em pedra
arremata o corpo central. Simetricamente ao corpo principal, encontram-se dois
alpendres: o da esquerda corresponde à entrada do mosteiro e o da direita, à sua
portaria. A igreja é precedida por um espaço ou largo de chegada com piso em cantaria.
(
ALVIM, 1997, p.97)
As galerias do claustro são encimadas por quatro corredores cobertos, que servem às
celas; nos cantos livres do quadrilátero, eles se alargam formando vastos salões, com
vista para o mar, e mobiliados com magníficos bancos de jacarandá (executados em
1756-1760); esses salões têm maravilhosos tetos de cedro, em forma de tronco de
pirâmide. (
BAZIN, 1956, p. 120)
57
Fig. 15 Mosteiro do Rio de Janeiro. (Fonte: LUNA, 1947) Fig. 16 Planta. (fonte: BAZIN, 1956)
A planta da igreja de São Bento possuía um corredor e uma sacristia única, do lado da
Epístola, antes da importante reforma de Frei Bernardo de São Bento, que a transformou
num templo de três naves dividido por arcos duplos em cantaria, capela mor com
tribunas e clarabóia, e dependências. Observam-se, na nave esquerda, três capelas
individuais e a do Santíssimo Sacramento, separada por grade; na direita, quatro
capelas, cujo teto é formado por arcos entrecruzados, com exceção da capela do
Santíssimo Sacramento, que é de abobada de berço. (
ALVIM, 1997, p. 195)
Outra das particularidades dos mosteiros portugueses e brasileiros é o mirante
17
, uma
torre de vários pavimentos, cujas janelas às vezes possuem grades, quando se trata de um
convento de clausura rígida, e que serve de belvedere, permitindo aos monges
enclausurados contemplar a cidade ou o campo. O mosteiro de São Bento do Rio possui
atualmente cinco mirantes, em forma de lanternas sobrepostas no teto, nas fachadas com
vista para o mar: quatro na fachada leste e um na fachada norte. Eles foram construídos
sucessivamente, no decorrer do século XIX, pois na construção antiga eles não existiam.
O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro é, na sua simplicidade monástica, um dos
mais belos conjuntos arquitetônicos inteiramente preservados do Brasil. Edificado
17
A palavra mirante lembra aquela que designa a galeria alta com aberturas ou mirande, que encontramos
nas casas e castelos do Languedoc, nos séculos XVI e XVII. O mais antigo dos mirantes monásticos de
Portugal é, que eu saiba, o de Santa Clara de Évora, que remonta ao final do século XVI. No Brasil, o mais
antigo é, sem duvida, um alto mirante que domina a construção monástica de São Bento. (BAZIN, 1956,
p.121)
58
lentamente, no período de um século, é considerado o melhor empreendimento
arquitetônico realizado na cidade do Rio de Janeiro no século XVII. Além da Abadia de
Monserrate, o conjunto abriga o tradicional Colégio de São Bento, as Edições Lúmen
Christi, a Faculdade de São Bento, a Casa de Retiros Emaús e a Obra Social São Bento.
Em 2003 se dá o tombamento definitivo da Capela de São Geraldo, no Alto da Boa Vista
(RJ), “marco referencial na arquitetura carioca por sua raridade e excepcionalidade no
contexto da cidade do Rio de Janeiro”. (Decreto 23202, de 25/07/03, processo
12/003.587/2001). A capela, antiga Cela São Geraldo, faz parte do conjunto arquitetônico
construído em 1905/1906 pelo abade D. Gerardo van Caloen, restaurador da
Congregação Beneditina do Brasil. Junto à capela funcionou, de 1928 a 1938, a Escola
Teológica da Congregação Beneditina do Brasil. Atualmente o conjunto é destinado à
realização de retiros espirituais e encontros religiosos. A capela, entretanto, encontra-se
em precário estado de conservação e acredita-se que seu tombamento junto ao CMPPCRJ
permitirá a captação de recursos necessários para sua restauração.
18
(fonte: osb.org.)
Em 2005/2006 foram feitos restauros nos altares e imagens da Capela Abacial, efetuados
com recursos conseguidos junto ao Programa de Apoio a projetos de Preservação de
Patrimônio do BNDES.
O conjunto é tombado pelo IPHAN registro 9-T-38.
1.6.4. Abadia N.Sra. da Assunção (São Paulo/SP)
A Abadia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, foi fundada em 1598, por Frei
Mauro Teixeira, natural de São Vicente, e transformada em Abadia em 1635. A partir daí,
empreendeu novas fundações na Capitania de São Vicente, em Santos (1650), Sorocaba
(1660) e Jundiaí (1668).
18
As pinturas da capela foram realizadas em estilo beuronense pelo Ir. Conrado Hodapp (1908-?),
irmão converso alemão que posteriormente deixou a Ordem Beneditina. Sua excepcionalidade se deve
ao fato de que é um dos três exemplares desse estilo no Brasil, juntamente com a Igreja Abacial do
Mosteiro de São Bento de São Paulo e a Sala Capitular do Mosteiro de São Bento de Olinda.
59
Ao contrário do que ocorreu na maior parte do Brasil, a arquitetura paulista do período
colonial não nos legou grandes monumentos, em virtude da precariedade das construções,
que até o século XIX, eram em sua grande maioria feitas em taipa ou adobe. O mosteiro
beneditino de São Paulo não constituiu exceção: o conjunto inicial, situado fora dos
limites da cidade, consistia numa pequena capela e quatro celas, e permaneceu em obras
ate 1650.
Uma nova igreja, feita pelo benfeitor Capitão Fernão Dias Paes, fez parte de um acordo
lavrado em escritura pública, no cartório do Mosteiro, que entre outras coisas assegurava
ao benfeitor uma sepultura perene – ou, ao menos, enquanto o mosteiro existir! Á boa
vontade de Fernão Dias Paes (...) uniu-se a habilidade de arquiteto do abade provincial,
Frei Gregório de Magalhães, monge construtor que riscou e edificou o colégio e o
mosteiro da Graça (BA); a capela de São Gregório, no interior do Rio de Janeiro; e o
mosteiro beneditino de Santos (SP). (
MOSTEIRO, 1988, p.55)
Essa igreja era afastada do corpo daquela fundada por Fr. Mauro. Possuía três altares,
púlpito e coro. As obras previam ainda um novo dormitório, anexo à nova igreja; a ele,
somaram-se outros dois blocos, o que possibilitou configurar os claustros internos do
conjunto.
E se foi aos poucos continuando os dormitórios: um que fica fronteiro à cidade, que foi o
que ajudou a fazer o Capitão Fernão Dias Paes, o os outros dois, que fizeram os
prelados que foram sucedendo a este mosteiro. Um deles, que olha para o morro
chamado Jaraguá, que é o segundo da quadra e outro, que é o terceiro, que fecha a parte
da capela mor, que olha para N.Sra. da Penha, tendo pela parte inferior para as oficinas
os lugares convenientes, como se requer nas comunidades”. (
LUNA, 1947, p.31)
Fig. 17 Mosteiro de São Paulo, 1775. (fonte: REIS FILHO, p.189)
60
O mosteiro contava nessa época, além da capela e dormitórios, com refeitório, oficinas,
cozinha, adega e salas destinadas à sacristia e aos paramentos. Possuía ainda os claustros,
configurados pelas sucessivas etapas construtivas.
O despojado conjunto monástico inicial foi modificado pela comunidade ao longo do
tempo, com o auxilio dos inúmeros benfeitores. As obras não cessaram, motivadas pela
necessidade de acomodar a comunidade em expansão, e por um incansável processo de
manutenção motivado pela fragilidade das construções.
Fig. 18 Mosteiro de São Paulo, 1787. (fonte: REIS FILHO, p. 192)
Uma imagem (
Fig. 17, REIS, 2000, p.192), de autoria desconhecida e datada de 1787, mostra
a área do mosteiro de São Bento com a igreja, um muro com três pavilhões, ao lado do
vale do Anhangabaú, onde se encontra hoje o acesso ao Viaduto Santa Ifigênia. Indica
também a Rua da Alegria (1782-1786), atual Florêncio de Abreu. O comentarista assinala
que a fachada da igreja poderia corresponder ao período que antecedeu as obras de sua
reconstrução. Essa fachada corresponde efetivamente ao antigo mosteiro, cuja igreja foi
demolida e reedificada em 1756. O bloco do mosteiro foi reconstruído entre 1797 e 1800.
O novo conjunto foi projetado pelo Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria por volta de
1774, e somente edificado anos depois. De tudo isso, nada mais resta.
61
Fig. 19 Aquarela de Miguel A.B. da Assunção Dutra (1810-1875).
Acervo Museu Paulista. Fonte: Mosteiro de São Bento, p. 22.
Tudo o conjunto foi refeito, mais uma vez, no inicio do século XX. Isso se deve ao
incessante processo de renovação característico da metrópole paulistana. Em nenhum dos
outros mosteiros brasileiros o procedimento de demolição e reedificação foi tão intenso
como aqui. Isto se deve não só à má qualidade do material empregado nas sucessivas
construções, como também ao gigantesco impulso desenvolvimentista ocorrido na cidade
nesse período.
1.7. A restauração da Congregação Beneditina Brasileira e seus efeitos sobre a
arquitetura dos mosteiros.
A proclamação da Independência do Brasil em 1822 interrompeu as relações dos
mosteiros brasileiros com a Congregação de São Bento de Portugal. Em 1827 a Santa Sé
constitui a Congregação Beneditina do Brasil e a Abadia de São Sebastião de Salvador
torna-se a nova sede. Entre 1893 e 1896, o Mosteiro de Olinda dá início à restauração da
vida beneditina brasileira, aniquilada pela política do Governo Imperial e pelo
fechamento dos noviciados em 1855. Em conseqüência das leis que desde o tempo de
Pombal proibiam as congregações religiosas de receberem noviços, os claustros do Brasil
ficaram desertos, diminuindo consideravelmente o numero de candidatos a monge.
62
Em fins de 1889, chegam ao Mosteiro da Bahia os monges restauradores,
simultaneamente à proclamação da República. A partir de 1903, novas mudanças são
introduzidas pelos monges restauradores beuronenses
19
, em sintonia com a estratégia
missionária da congregação beneditina alemã.
Durante todo o século XIX, não se registra nenhuma atividade notável da comunidade
beneditina, na capital de São Paulo. Foi um século cultural e religiosamente morto. O
grande surto paulista começou com a entrada do século XX. E a Ordem de São Bento o
acompanhou. Em julho de 1900, Dom Miguel Kruse toma conta do velho mosteiro e lhe
traz nova vida. Dedica seus primeiros esforços à fundação de um bom colégio de ensino
secundário (...); em 1908, fundou a faculdade de filosofia, a primeira oficial do Brasil.
Este instituto de ensino superior, vivendo em completo isolamento no país, esteve a
principio agregado à Universidade Pontifícia de Louvain. (
MOSTEIRO, 1988, p.62)
O espírito empreendedor de Dom Miguel Kruse irá determinar mudanças consideráveis
tanto de ordem temporal como espiritual, acabando por influenciar a arquitetura
monástica beneditina brasileira no decorrer do século XX, particularmente em São Paulo.
Isso pode ser comprovado no primeiro projeto arquitetônico que a restauração nos legou,
a atual Abadia de N. Sra. da Assunção, projeto elaborado em Munique, na Alemanha,
pelo arquiteto Richard Berndl (1875-1955), e datado de 1911. Sua construção segue o
ritmo do novo século: em dois anos a nova igreja estava terminada. Em 1913 recebeu a
benção e nela foi celebrada a primeira missa. Nesse mesmo ano, é demolido o antigo
mosteiro e construído o novo, que integra o atual conjunto.
19
A restauração da Congregação Beneditina do Brasil, que procurou reverter o panorama desfavorável aos
mosteiros durante o Império e no inicio da Republica, efetivou-se em 1895, quando chegou a Olinda Dom
Gerardo Van Caloen, monge de Beuron, que se tornaria o seu principal articulador. Em 1910 é criada a
nova constituição da Congregação brasileira, moldada na Beuronense.
63
Fig. 20. Fachada da igreja/Richard Berndl , set.1911, p.78 Fig. 21 Vista do conjunto. R.C.Anderson, 1921, p.79
Essa obra de reconstrução do conjunto monumental, que compreende a igreja, a abadia e
o colégio da ordem, durou onze anos. Para a decoração da igreja veio do Mosteiro de
Maredsous, na Bélgica, Dom Adalberto Gresnicht, formado em pintura pela Escola de
Beuron.
20
Auxiliado por irmãos conversos, executou as obras de pintura do templo. Em
agosto de 1922, passados dez anos do início das obras, a igreja foi consagrada e elevada à
categoria de basílica.
20
A Escola de Beuron tem origem na capela de São Mauro, construída próxima ao mosteiro de
Beuron, em 1862, por três arquitetos convertidos à vida monástica: Pierre Lenz, Jacques Wuger e Luc
Seiner. Essa capela era uma mistura de basílica primitiva com um templo grego pagão. Fazia parte de
uma tendência contrária ao capricho subjetivo da moda que, no final do século XIX, deixou a arte
cristã sem um principio fixo, livre ao individualismo do artista. Propunha a monumental na
simplicidade, a medida e a construção severas e harmoniosas, qualidades observadas nas obras dos
egípcios e dos bizantinos. O ornamento constitui assim a base da arte religiosa, marcada pela vida
monástica, ritmada pela liturgia e desenvolvida nas silenciosas abadias beneditinas.
64
Fig. 22 Interior da igreja abacial Fig. 23 Mosteiro de São Paulo. (fonte: LUNA, 1947)
O conjunto é protegido pelo Condephaat /Resolução SC 43/80 (imóvel integrante da área
envoltória do sobrado da Rua Florêncio de Abreu 111); também pelo
Compresp/Resolução 37/92 (imóvel integrante da Área do Anhangabaú); e
Compresp/Resolução 05/91 (imóvel integrante da área envoltória do sobrado da Rua
Florêncio de Abreu 111).
Outro legado do movimento de restauração, também uma iniciativa de D. Miguel Kruse,
foi a instalação do ramo feminino da Congregação Beneditina do Brasil. Em 1907, D.
Ana Abiah da Silva Prado (1878-1944), de tradicional família paulistana, vai à Worcester,
na Inglaterra, fazer seu noviciado na Abadia de N. Sra. da Consolação de Stanbrook, com
o objetivo de realizar a fundação de um mosteiro para monjas beneditinas no Brasil.
Após o tempo de formação monástica, volta a São Paulo em 1911, acompanhada de três
outras monjas daquela Abadia, e instalam-se provisoriamente no Sanatório de Santa
Catarina. D. Ana Abiah, agora Madre Gertrudes Cecília Prado, é nomeada então prioresa
da nova fundação.
Em novembro de 1911, o grupo fundador toma posse do novo mosteiro, residindo num
primeiro bloco edificado onde estabelecem a vida regular monástica. O processo de
construção da antiga Abadia foi demorado e a construção foi sendo realizada aos poucos,
conforme as possibilidades financeiras permitiam. Supõe-se que o primeiro projeto seja
65
de autoria do arquiteto Richard Berndl, o mesmo que projetou o Mosteiro de São Bento e
sua atual igreja abacial, indicado às monjas por Dom Miguel Kruse
.
O mosteiro situava-se na região da Avenida Paulista, na Rua São Carlos do Pinhal, na
época um bairro aprazível e afastado do ruidoso centro de São Paulo. A compra do
terreno e a construção da nova sede do mosteiro, em estilo romano-florentino, foram
financiadas com o patrimônio de sua fundadora. Em 1913 a comunidade já contava com
13 monjas professas, o que propicia sua elevação à abadia – Abadia de Santa Maria – por
meio da Bula “Ad Perpetuam Rei Memoriam”, consignada pelo papa Bento XV. Madre
Gertrudes Cecília é nomeada primeira abadessa e recebe a benção abacial em 08/04/1918,
em cerimônia presidida por D. Duarte Leopoldo e Silva.
21
fig. 24 Antiga sede da Abadia de Santa Maria. (fonte: LUNA, 1947)
Pesquisando as plantas do antigo mosteiro junto ao arquivo da abadia, encontramos as
seguintes datas e referencias à construção do conjunto: 1928 e 1932, com o carimbo da
Construtora Santos. Depois, de janeiro de 1951 até junho de 1959, o projeto ficou sob
responsabilidade do escritório Francisco Grabenweger Ltda. Arquitetos e Engenheiros.
Isso inclui a conclusão das obras da Igreja, somente finalizada em julho de 1954. Antes
21
PRADO, Madre Gertrudes Cecília da Silva (Ana Abiah, fundadora e Primeira Abadessa da Abadia de
Santa Maria, 1878-1944)Deixei tudo para encontra Tudo. São Paulo, 1978. (mimeografia do Mosteiro da
Santa Cruz)
66
disso, as monjas se reuniam para celebrar em pequenas capelas, mas devido à grande
afluência de leigos, as cerimônias litúrgicas passaram a exigir um templo maior.
Na década de 1970, a abadia é transferida para sua nova sede, no bairro do Mandaqui,
zona norte da cidade. O motivo desta mudança, conforme nos relatou Irmã Maria Letícia
Pereira de Campos OSB, arquivista do mosteiro, foram os transtornos causados à
comunidade pela rápida urbanização ocorrida na região da Avenida Paulista a partir dos
anos 1950. A abadia, nos últimos anos da década de 1960, já estava completamente
cercada pelos arranha-céus. Sendo assim, era difícil assegurar à comunidade a
privacidade necessária à vida de clausura. Sem falar do incômodo que os vizinhos do
mosteiro sentiam com o toque ritmado dos sinos que marcam os Ofícios monásticos.
Alguns moradores de prédios manifestavam seu descontentamento atirando no jardim do
claustro garrafas de bebida e latas de conservas, como se ali fosse um depósito de lixo.
Em contrapartida, a diuturna poluição sonora vinda da Avenida Paulista tamm causava
incomodo à vida contemplativa. No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, a
comunidade recebeu inúmera propostas de pessoas interessadas em comprar a área do
mosteiro. Uma delas foi feita pela família Matarazzo, que lhes ofereceu uma troca. Eles
ficariam com o terreno e a construção e dariam às monjas um novo mosteiro em uma de
suas inúmeras propriedades. Do mesmo modo, também ocorreu aos moradores vizinhos o
desejo de preservar o verde que a Abadia oferecia e por meio de ações públicas a
Prefeitura chegou a cogitar a desapropriação do local. Ao final, objetivando reverter essa
possibilidade e correndo contra o tempo, o terreno foi vendido a um grupo de banqueiros
que por sua vez o revenderam à Construtora Indi. Demolido todo o conjunto, ali foi
construído o Hotel Maksoud Plaza, inaugurado em 1979.
As transformações que o processo de restauração da Congregação Beneditina do Brasil
promoveu na arquitetura dos mosteiros da ordem ainda não foram devidamente avaliadas.
Sabemos que elas estão associadas ao panorama de crescente europeização da sociedade
brasileira nas primeiras décadas do século XX e que, de certo modo, contribuíram para o
desprestigio da arquitetura colonial, de tradição luso-brasileira, que passou então a ser
confrontada e considerada simples, tosca e monótona, obediente a um princípio
67
arquitetônico medieval, onde o claustro é o espaço que concentra e unifica as pesadas
massas dos edifícios com diferentes proporções, conferindo-lhes unidade.
Em todos os exemplos de mosteiros beneditinos coloniais citados, os monges iniciam a
construção do mosteiro pelo bloco destinado à moradia, a necessidade mais urgente da
comunidade. Em seguida, procediam à edificação dos corpos que definem e margeiam o
claustro. Posteriormente, pensava-se na igreja e na sua capela mor. A nave era motivo de
preocupação especial e, juntamente com a fachada e seu respectivo frontispício
constituíam a finalização da obra. As galerias do claustro dificilmente eram construídas
desde a implantação do conjunto: constituem uma espécie de arremate da construção,
possibilitando a fluidez da circulação da comunidade pelas várias alas da abadia.
A ornamentação dos interiores e exteriores, sempre bem posterior, adquire um importante
papel na caracterização dessa modalidade de arquitetura religiosa nas diversas regiões da
Colônia. Os elementos decorativos e os revestimentos – a cantaria, os trabalhos em
madeira, a pintura, os azulejos, o estuque – entre outras partes integrantes da composição
espacial, são freqüentemente aplicados muito tempo depois da finalização das obras de
construção. O demorado processo construtivo dos mosteiros propiciou, por isso, a
ocorrência de diferentes estilos em um mesmo conjunto, onde os próprios elementos
decorativos passaram a seguir padrões distintos daqueles imaginado originalmente
quando da concepção de seus traçados. Assim, elementos ornamentais barrocos foram
agregados tardiamente à arquitetura monástica beneditina do período colonial brasileiro,
que conservava as características simples e austeras da arquitetura luso-brasileira
maneirista do século XVII. E somente no início do século XX, com a ação restauradora e
seu projeto cultural é que tal tendência será interrompida e renovada, promovendo
variações no padrão estabelecido. Mas é inegável que dessa somatória de influências e
transformações, desde o modo lusitano e maneirista de fazer arquitetura do século XVI,
das alegorias barrocas do século XVII, do refinado gracioso do rococó do século XVIII
até os revivalismos do início do século XX, resulta a diversidade que é a marca
característica dos mosteiros da Congregação Beneditina do Brasil.
68
Em sua diversidade, os mosteiros beneditinos construídos no Brasil entre os século XVI e
início do século XX são exemplares arquitetônicos totalmente inseridos no repertório
artístico dessa ordem religiosa; além disso, são representantes notáveis da arquitetura
religiosa brasileira do período. Assim sendo, estão protegidos pelas leis preservacionistas
do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – e também pelas
resoluções de entidades estaduais ou municipais responsáveis pelo patrimônio histórico,
artístico e cultural. Além de comunidades vivas, são importantes centros culturais e
educacionais, pois neles funcionam colégios, faculdades, editoras, centros de retiro,
oficinas de arte e artesanato litúrgicos e museus. Todos eles são administrados atualmente
por jovens e dinâmicos abades que, além de velar pela comunidade, enfrentam no dia a
dia a tarefa de zelar por esse patrimônio, em meio a intrincados (e demorados) processos
de restauro e patrocínio.
69
Parte II
Tradição e Renovação
2.1. A decadência da arte sacra e as origens da renovação da arquitetura religiosa.
No final do século XIX, a Igreja vivenciava mais uma de suas crises, imersa num
processo inédito de ruptura com a arte de seu tempo. Reabilitando um extravagante e mal
compreendido “passado medieval”, promove uma arte sacra distanciada de sua
verdadeira fonte, a tradição viva. A partir de 1850, a produção industrial de objetos de
culto promove a rápida substituição do artesanato rural e da arte popular enquanto fontes
constantes da arte religiosa ao longo da história. Nessas condições, a decadência da arte
sacra era inevitável.
É então que se põe ao serviço da Igreja o academicismo devoto, arte híbrida e medrosa
que se afirma por seu valor tradicional, mas que, pela primeira vez desde as origens do
cristianismo, está isolada da arte de sua época, não mais inserida na vida e muitas vezes
a renegando. (...) Simultaneamente, as igrejas se abrem à anarquia e, sobretudo, à
inocência das devoções particulares (...) Imagens estereotipadas que se justapõe num
mesmo lugar, dividindo bizarramente a devoção dos fieis. Nesse momento, intervém a
indústria que, obediente a suas preocupações puramente comerciais, se ampara nessa
espécie de amesquinhamento dos objetos de culto e os multiplica aos milhares pelo
mundo inteiro. As estátuas de gesso, os vitrais ordinários, os interiores neogóticos e as
patéticas imagens de devoção encontram seu lugar nas capelas, nas casas, nos livros de
oração. Não podemos falar de um academicismo devoto. Não é nem estilo, espécie de
pesquisa artística. E um bazar tornado senhor da devoção.
(
PICHARD, 1953, p.7-19)
Joseph Pichard, um dos fundadores da revista L’Art Sacrè
22
, órgão de difusão de novas
idéias e tendências da arte cristã, sistematizou alguns pontos relacionados ao problema
dessa adequação temporal. Inicialmente ele argumenta que a arte cristã está revestida de
três formas principais, coincidentes até certo ponto com sua história: a arte dos
religiosos, a arte secular e a arte dos “artistas”.
22
A revista L’Art Sacré foi fundada em 1935 por G.Mollard, Joseph Pichard e L.Salavin e dirigida por dois
dominicanos, o P.Couturier e o P.Regamey. Foram eles os responsáveis e mentores do movimento de
ressurreição da arte religiosa na primeira metade do século XX, derivado de uma nova concepção de
catolicismo que pretendia recolocar a igreja no centro da criação artística de sua época.
70
A arte dos religiosos, concebida ou executadas pelos mesmos, tem sua origem na
doutrina e é por isso imutável. Revestida de simbolismo e sacralidade, sua vocação
principal é o louvor divino; desse modo, repudia a originalidade, pois Deus não muda;
Não se toca aquilo que é sagrado. É a Arte da cópia, imobilizada por sua fidelidade à
Tradição, e está voltada ao Absoluto. Ao se revestir através dos séculos de significados
cada vez mais herméticos, tornou-se indecifrável para a crescente massa de fiéis.
A segunda forma de arte cristã, a arte do clero secular, que sempre esteve aberta às
influências da arte popular. Suas fontes são as mais diversas, como as tradições
folclóricas, o artesanato, etc. É uma forma de arte que se inspira em fatos evangélicos,
analisados sob seu aspecto humano e nas reações que podem suscitar no coração dos
fiéis. É aquilo que denominamos arte popular cristã, tão antiga como o cristianismo. Arte
naturalista, sentimental, inserida no seu tempo, é expressão dos valores humanos
essenciais e de uma coletividade determinada de fiéis. Por ser a representação de
evangelhos particulares (flamengos, italianos, franceses, etc) e por ser característica de
uma época determinada tende à variação excessiva, podendo facilmente resvalar para
falsas interpretações da doutrina. Seu desenvolvimento nos legou, posteriormente, uma
arte popular fabricada artificialmente para uso religioso, que se caracteriza pela ausência
de rigor na execução das obras, assim como por sentimentalismo, insuficiência e
mediocridade, veículos para a expansão de uma idolatria ignorante.
A arte dos artistas leigos, a terceira forma de arte cristã segundo Pichard, é o caminho
para a solução dessa espécie de decadência da arte sacra. Coincide com o advento da
idade moderna, tempo do pensamento e da filosofia individuais, do homem em busca da
verdade, ainda que verdades parciais. Artistas leigos ao produzirem obras cristãs
fizeram mais que buscar neles próprios a origem de sua criação. Foram obrigados a
repensar, de algum modo, toda a realidade cristã e assim lhe apresentaram uma imagem
rejuvenescida e às vezes espantosa.
Assim, o artista que pretende fazer arte sacra por seus próprios meios se opõe, de alguma
maneira, aos religiosos e à Tradição da qual são guardiões. O leigo fala em seu próprio
71
nome e o faz com uma clareza proporcional à sua capacidade de expressão, de tal modo
que se sente inspirado para comunicar sua experiência pessoal. É a expressão mais pura,
direta e livre de sua vida e de seu sentimento da vida e das coisas. Por outro lado, o
religioso, que faz obra de religioso, deve permanecer enraizado na tradição, e se caso
pretender nos comunicar a própria experiência, esta deve estar em concordância com a
tradição que ele deve representar e manter. Do mesmo modo que em toda a arte engajada,
a arte cristã busca, além da qualidade estética, certo clima edificante em conformidade
com a moral cristã. O dominicano Padre Regamey afirma que é uma arte animada pelas
beatitudes da pobreza, da justiça, da pureza e da paz, que conduzem à plenitude da vida
contemplativa. A arte cristã tem, portanto, aquilo que necessita para ser, porque muito
pouca coisa é necessária ao essencial.(citado em
MERCIER, 1964, p. 5)
E essa simplicidade essencial resultará necessariamente do confronto constante entre os
meios e os fins, entre as intenções e as possibilidades técnicas, que constituem o fermento
para a evolução das formas artísticas. Desse modo, é no espírito da obra de arte que
devemos buscar a marca do cristianismo. A arte da igreja não deve evocar crenças
estranhas ao cristianismo; é pelo sujeito que nela se revela e pelo espírito de onde
procede que a arte cristã se define. Arte cristã ou arte de cristão, como dizemos arte da
abelha ou arte do homem. É a arte da humanidade resgatada. (idem,
MERCIER, 1964, p. 4)
Entretanto, o movimento de renovação da arquitetura é obra da sociedade laica, de uma
civilização que não se coloca como religiosa. E nenhum dos grandes mestres da
arquitetura do século XX resistiu à sedução do sagrado: Frank Lloyd Wright, Walter
Gropius, Marcel Breuer, Alvar Aalto, Le Corbusier, Louis Kahn, Oscar Niemeyer, todos
eles projetaram locais de culto. Seus edifícios religiosos são orientados pela idéia de uma
“síntese das artes” e resultam da colaboração estabelecida entre pintores, escultores e
vitralistas, todos engajados na tarefa de introduzir as técnicas e formas da arte e
arquitetura modernas no domínio da tradição cristã. Isso significou a transposição para o
território da religião de um componente laico inerente à própria cultura contemporânea.
Como efeito, gerou uma fase de intenso experimentalismo que tinha por objetivo inserir a
72
arquitetura religiosa no espírito do novo tempo e interromper o processo de decadência
que vinha experimentando desde o século anterior.
O movimento europeu de renovação da arte sacra fomentou a idéia da inserção da igreja
no centro da criação artística de seu tempo, o que demandava uma espécie de
aggiornamento” ou atualização. Face à decadência apontada pelos próprios religiosos,
às perseguições promovidas por governos anticlericais e ao estado de ruína em que se
encontrava parte das construções religiosas européias após a primeira grande guerra, era
adequado buscar a contribuição dos mais destacados artistas e arquitetos da época para a
realização de um projeto de renovação.
Num período caracterizado pelo declínio da prática religiosa, foi excepcional a
contribuição dos arquitetos nesse projeto de renovação. Embora estivessem todos
mobilizados pela idéia de aggiornamento, muitos deles reconstruíram os escombros da
guerra restituindo-lhes seu aspecto original. Isso não impediu, entretanto, que outros
construíssem de um modo novo, realizando obras caracterizadas pela diversidade de
enfoques e soluções, que viriam a se tornar marcos importantes no processo de renovação
da estética religiosa contemporânea. A ação desses pioneiros possibilitou a difusão e
introdução do ideário do movimento de renovação da arte sacra européia nos outros
continentes. Desse modo, a arquitetura dos edifícios religiosos passa a ser concebida e
apreciada em outras bases, onde a importância das regras tradicionais cede lugar à
emoção e à descoberta de um mundo novo de espaços e de cores, de jogos de sombra e de
luz, adequados ao novo tempo.
As inovações técnicas que desde a Antiguidade se faziam durante a construção dos
edifícios sagrados eram posteriormente aplicadas nos edifícios profanos. Ao longo do
século XX ocorre um processo inverso: as inovações trazidas pelas construções civis são
utilizadas na edificação das igrejas. Disso resulta o progressivo deslocamento da
arquitetura religiosa dos estilos tradicionais e regionais, e a adoção das concepções
dinâmicas e evolutivas da arquitetura civil internacional. Essa mudança radical no
espírito da arquitetura religiosa, embora se afaste de concepção tradicional, não conduziu
73
a um estilo definido. As variações regionais antigas são substituídas pela diversidade de
proposições dos arquitetos contemporâneos, que transformam os projetos de edifícios
religiosos numa espécie de laboratório para as inesgotáveis descobertas da técnica.
2.2. Renovação da arquitetura monástica na Europa
O beneditino francês Dom Bellot
23
(1876-1944) foi um dos precursores do movimento de
renovação da arquitetura religiosa na Europa; de certo modo, é a própria figura do monge
construtor medieval ressuscitado em pleno século XX. Ele possibilitou a retomada da
linguagem e do espírito dos mestres de obra da Idade Média, que renasceu enquanto
tradição viva após um esquecimento de muitos séculos.
Arquiteto formado pela Escola de Belas Artes de Paris em 1900, Dom Bellot fez seu
noviciado em Solesmes (na ilha de Wight) em 1902 e passou a maior parte de sua vida
exilado da França, devido às leis de exceção promulgadas em 1901. Foi um mestre da
utilização do tijolo e por isso é denominado o “poeta dos tijolos”. Em 1906 ele inicia a
construção da Abadia de Saint Paul d’Oosterhout, na Holanda, cujo santuário é concluído
em 1920. Em Oosterhout, o arquiteto utilizou exclusivamente tijolos de cores variadas e
de formas diversas. O efeito harmonioso do edifício, plenamente integrado a uma
arquitetura onde dominam os grandes arcos vazados, resultados da escolha e da
disposição dos tijolos, contribuindo o conjunto para criar, por meio de um processo
particular de difusão da luz, a atmosfera sagrada do edifício.
De 1907 a 1912, ele trabalha na Abadia de Quarr, na ilha de Wight. Após a primeira
guerra mundial, ele se fixa em Oosterhout, depois em Wisques, no Pás-de-Calais, e
constrói um grande número de igrejas na Holanda e na Bélgica. Nesses projetos Dom
Bellot recupera a ordenação clássica dos grandes mosteiros beneditinos, adaptado-a as
23
Sobre D.Bellot, as fontes de referencia foram as seguintes obras:
MERCIER, Georges. L’Architecture religieuse contemporaine en France. Maison Mame, 1968, França,
p.33; SJÖBERG, Yves. Mort et Résurrection de L’Art Sacré. Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1957;
PICHARD, Joseph – L’Art Sacré Moderne. Ed. B.Arthaud, Paris, 1953, pp.36-38.
74
necessidades, aos recursos e ao programa especifico de cada uma das comunidades para
as quais trabalhou. Em todas essas obras D. Bellot utilizou o tijolo, material comum aos
países onde ele construiu, a saber, Inglaterra, Bélgica e Holanda. Na França, refratária a
esse material, Dom Bellot empregou o concreto armado e, em alguns casos, a pedra.
A destruição causada pela primeira guerra mundial favoreceu, a partir de 1918, uma onda
de reconstrução e restauração de muitos edifícios religiosos na Europa. Paradoxalmente,
numa sociedade onde a prática religiosa diminui, a vida monástica conhece um
desenvolvimento notável, que se traduz no plano arquitetônico por meio de dezenas de
mosteiros e conventos que foram então construídos, ampliados ou restaurados. Ainda que
a igreja continue a ser a parte essencial do conjunto monástico, a construção desses
mosteiros, que servem simultaneamente à celebração litúrgica, à habitação dos religiosos
e ao trabalho da comunidade, é uma operação complexa que não escapa das preocupações
funcionais tradicionais da arquitetura monástica.
De 1930 a 1937, Dom Bellot constrói várias igrejas
24
; também constrói e amplia
inúmeros mosteiros, entre eles os novos edifícios do Mosteiro de Wisques, da Pierre-que-
Vire, o convento dos dominicanos de Montpellier, o claustro de Solesmes e o priorado
beneditino de Sante-Batilde, em Vanves, na França.
Utilizando como matéria prima o tijolo colorido com todas as nuances possíveis, do
amarelo ao rosa, do vermelho ao violeta, juntamente com o branco e preto, Dom Bellot
constrói edifícios onde a policromia faz parte da própria construção. A cor das juntas, a
cor dos tijolos, muito variadas e apreciadas na Holanda, permitiram que ele revestisse as
empenas de seus edifícios de modo a ressaltar um extraordinário efeito arquitetônico.
24
Entre elas, a igreja de Comines (norte) com Storez; a igreja de Audincourt, em Doubs (1931); Notre-
Dame de Trévois em Troyes (1933); a igreja de Suresnes (1934), a capela do pequeno seminário de Neuvy-
sur-Barangeon, em Cher, (1935), Saint-Joseph d’Anecy (1936). Ele concebeu também o plano de Notre-
Dame de la Concepction do Porto (Portugal).
75
Fig. 25 Mosteiro de Vanves. D. Bellot (AA, 1938, p.14)
Ele retomou em suas igrejas a forma basilical, adaptando-a aos meios e às condições
locais, mas sempre com a finalidade de utilizar formas e linhas para sublinhar o lugar
eminente do altar, foco da composição. Desenvolveu também uma forma de arco
totalmente nova, que faz partir de uma altura baixa e que dá aos grandes edifícios um
caráter de intimidade, de recolhimento e de união profundamente religioso. Este arco não
é senão uma conseqüência ou ainda um “elemento” de todo o sistema de proporções que
une as relações da base do plano com suas elevações, os detalhes de um e de outro que
darão ao arco sua expressão. É necessário ressaltar que Dom Bellot, assim como os
grandes arquitetos de seu tempo, utiliza o simbolismo numérico
25
em suas composições.
Em 1937 vai ao Canadá e assume os trabalhos do oratório de Saint-Joseph, em Montreal.
Retido pela guerra, começa a construção do priorado de Saint Benoit-du-Lac, vindo a
falecer em 1944.
25
Os construtores antigos cultuavam o número e à forma. As próprias criaturas são números, enquanto
manifestações do Princípio Uno. Retornam ao Princípio como os números retornam à unidade: Deus está
em todos como a unidade está nos números. Assim, o número de ouro, uma constante da natureza
denominada proporção áurea, corresponde ao que os geômetras chamam de a divisão de uma reta em razão
média e extrema; a proporção áurea estabelece um jogo de relações, de tal modo que a menor parte de uma
linha reta tem com a parte maior a mesma relação que esta tem com o todo. Sua expressão é: (a+b/a = a/b
ou a/b = Raiz 5+1/2 = 1.6118033). A estética e filosofia de caráter pitagórico são baseadas no numero de
ouro, no seu simbolismo (o equilíbrio entre o saber, o sentir e o poder) e na verificação de sua existência
nos seres naturais e nas obras de arte, como as Pirâmides, o Parthenon, etc. (CHEVALIER, Jean.
Dicionário dos símbolos, José Olimpio, p. 647)
76
Na Alemanha, o movimento de renovação arquitetônica assumiu um compromisso
teológico: defender a idéia da igreja cristocentrica, isto é, aquela que posiciona o altar de
modo a tornar a celebração eucarística o ponto central do espaço e da liturgia. Desse
modo, o altar do sacrifício passa a ser o lugar dominante que busca atender a realidade do
culto comunitário.
Desse movimento de renovação, interrompido pela segunda guerra mundial, destacam-se,
entre outras, as contribuições de Dominikus Bohm (1880-1955), Martim Weber, Otto
Bartining (1883-1959) e Rudolf Schwarz (1897-1961), responsáveis por algumas das
melhores obras do período, que se distinguem por sua originalidade, pureza de linhas e
modernidade. Seus edifícios religiosos não pretendem solucionar problemas estéticos ou
estilísticos: são recintos simples, severos ou festivos, para a comunidade se reunir em
volta do altar, em oração e comunhão. Rudolf Schwarz era também um pensador,
estudioso de teologia e liturgia e autor de inúmeras obras que abordam o tema arquitetura
religiosa. “Vom Bau der Kirche” (Construir a Igreja: o sentido litúrgico da arquitetura
sagrada), publicado na Alemanha em 1938 e reeditado em 1947, é um trabalho pioneiro
ao abordar o problema da adequação da arquitetura religiosa à sua destinação celebrativa
e pastoral.
No final da década de 1920, o pioneirismo da obra desses arquitetos germânicos fornece
os fundamentos para o poderoso movimento de renovação que a arquitetura religiosa irá
experimentar nas décadas seguintes, movimento baseado não apenas em conceitos de
natureza estética, mas profundamente marcado por questões que proclamam a
necessidade de uma reforma litúrgica e teológica na própria Igreja católica. Os principais
mentores desse movimento de renovação litúrgica, etapa preparatória para o Concilio
Vaticano II, foram Romano Guardini (1885-1968), o beneditino Odo Casel (1886-1948) e
o dominicano P. Coutourier (1897-1954).
77
Fig. 26 Christus König Kirche / 1928 Fig.27 StahlKirche / Colônia 1928
(Dominikus Bohm) fonte: BOHM, p.172 (Otto Bartining) fonte: PICHARD, p.43
Em 1938, Pierre Pinsard
26
, analisando a arquitetura monástica em uma edição da revista
L’ Architecture d’houjourd-hui dedicada a esse tema, conclui seu editorial afirmando que
todas as novidades técnicas que fazem a arquitetura moderna são pouco adequadas ou
de difícil utilização na construção dos mosteiros. O emprego do concreto armado, do
ferro, do vidro, ainda que pequeno, assim como a janela moderna, o pano de vidro, é
francamente contra-indicado para alojar homens que se retiraram do mundo e que por
ele não se entusiasmam”. O autor opina, em outra passagem, “que o caráter mecanicista
e extremamente técnico da arquitetura moderna é muito pouco ascético. Unicamente seu
desejo e aparência de honestidade, o rigor e a franqueza da arquitetura moderna se
aparentam àquilo que deve ser a arquitetura monástica”.
Contrariando tais previsões, uma nova onda de reconstrução ocorre após o fim da
segunda grande guerra em 1945, envolvendo desta vez toda a Europa Ocidental. Embora
seja enorme a quantidade de edifícios religiosos construídos no período pós-guerra, são
poucos os exemplares qualitativamente significativos. Entre as realizações mais
importantes desse período, se destacam duas obras realizadas na França, de autoria de Le
Corbusier, impregnadas de novidades e por um sentimento de rejeição ao ecletismo
vigente. Essas duas obras irão propiciar uma aproximação entre a Igreja e a arte moderna,
26
PINSARD, Pierre. L’Architecture monastique, Architecture d’Aujourd’hui (7):10, Paris, jul. 1938.
78
onde predomina a tendência não figurativa. Muitos acreditavam que essa aproximação
seria inviável, avessa à postura estética tradicionalista da Igreja. E se enganavam, uma
vez que a tendência não figurativa da arte sacra já se encontrava presente na própria
origem do cristianismo, em virtude de sua herança hebraica.
No passado longínquo, a não-figuração foi utilizada com finalidades diversas.
Considerada algumas vezes como essencial à expressão da crença religiosa, ela serviu,
muito freqüentemente, para valorizar a arquitetura e a própria figuração. A partir da
metade do século XIX, ela renasce por oposições sucessivas: oposição ao idealismo,
depois à arte hierática da Escola de Beuron, e enfim, entre as duas guerras, ao
sentimentalismo dos simbolistas e dos expressionistas. O movimento de arte sacra, que
expressa por um lado o sagrado da tradição sobre a qual velam os religiosos, e por
outro, o sagrado pessoal que determina o trabalho do artista, é um marco da história de
nosso tempo. Ele responde a esta exigência profunda que é buscar, sobretudo por meio
da arte, a justificação de nossa vida e de nossas lutas e experimentar, aqui e agora, na
medida do possível, as premissas. (
MERCIER, 1964, p.130)
Le Corbusier, ao projetar nos anos 1950 a famosa capela de Ronchamp (1952-55),
confronta sua linguagem racionalista ao mergulhar totalmente no espírito religioso para
construir uma máquina de oração e persuasão. Em artigo para o Jornal do Brasil
intitulado “Adequação de forma e função”, datado de 23 de maio de 1958, Mario Pedrosa
destaca a importância da obra do gênio revolucionário de Le Corbusier, que assume um
caráter emblemático e se torna o esplendido exemplar de como é possível e fácil, mais
ainda, inevitável e necessária, para que a Igreja Católica possa ter uma arte digna de
seu passado, a colaboração com os artistas mais originais e profundos de nossos dias.
(
PEDROSA, 1981, 341-3)
Quando os dominicanos solicitaram a Le Corbusier esse projeto, ele respondeu de modo
direto: “eu não posso construir para uma célula da sociedade que considero morta!
(
RAGON, 1958, pp. 217-232). Essa resposta objetiva e honesta de um ateu remete
diretamente ao cerne do problema. Pois a renovação da arquitetura religiosa tem início na
França por meio da colaboração de artistas e arquitetos leigos e foi patrocinada pela
comunidade religiosa dos pregadores dominicanos. E era inevitável que tal movimento de
atualização gerasse controvérsias, nos mais variados setores da sociedade, levando a uma
reflexão sobre o papel do sagrado na arquitetura, tanto no passado como no presente.
79
A capela de peregrinações de Ronchamp, com suas formas côncavas e convexas similares,
misturadas e justapostas, apesar de ser uma obra de arquitetura surpreendentemente
econômica, foi apontada por muitos críticos como um deslize irracionalista de Le
Corbusier, uma espécie de novo barroco. Era uma obra que se distanciava dos trabalhos
anteriores do arquiteto, e que contrastava com muitos dos postulados da arquitetura
moderna, em especial a racionalidade produtiva e a industrialização da construção.
Apesar disso, tornou-se um paradigma da arquitetura religiosa moderna.
Do ponto de vista da Liturgia, gerou também uma grande polêmica: com respeito ao
problema da adequação de sua forma à liturgia, Le Corbusier foi categórico quando
afirmou que as exigências do culto intervieram em pouquíssimas coisas. A natureza da
forma era uma resposta a psico-fisiologia da sensação. Em discurso pronunciado em 25
de junho de 1955, durante a consagração da capela de Ronchamp, o arquiteto reiterou sua
afirmação, relatando que esse local de peregrinação, situado em uma colina que já
abrigara um templo pagão e, posteriormente, uma capela cristã destruída pela guerra, fora
projetado para ser uma nave para recolhimento e meditação. Tal concepção, resultado
das pesquisas formais realizadas por Le Corbusier, conduziram-no à percepção de uma
intervenção de natureza acústica no mundo da forma. Desse modo, o ponto de partida
para o projeto da capela foi a acústica da paisagem, o horizonte panorâmico que o lugar
oferece. Para o interior, imaginou uma sinfonia de sombra, de luzes e de claro-escuros,
concretada em uma superfície epidérmica texturada, inteiramente recoberta de cal
branca... tanto no exterior quanto no interior, sem decoração alguma, apenas alguns
vidros coloridos colocados em locais previstos na parede lateral.
O entusiasmo que a obra despertou seja em Mario Pedrosa ou em Ernesto Rogers não foi,
de fato, um consenso entre os críticos. Giulio Carlo Argan, em carta ao editor de
Casabella, datada de 1956, questiona a seriedade de um suposto renascimento, em
formas modernas, da arte sacra; o que levaria a supor que as autoridades eclesiásticas,
conquistadas pela coragem de Le Corbusier, se converteram à arte moderna e não
mandaram mais construir igrejas desprezivelmente “oficiais”. Descrevendo a igreja
como um belo objeto plástico pousado sobre a colina, a servir de módulo para o espaço
80
infinito; argumenta que a obra pouco nos diz sobre sua função social, comunitária.
Portanto, a capela é antes de tudo um monumento, algo que vale por si, pela harmonia
das formas e proporções. A capela de Notre Dame du Haut, apesar, ou por causa de seu
ostentoso primitivismo, não é obra religiosa, é política... é um excesso cenográfico, uma
apologia ao irracional chegando até a identificá-lo, e gratuitamente, com a religião. E
pergunta: será uma espécie de “machine à prier”? (
ARGAN, 2000, p.209-15)
Fig. 28. Capela de Romchamp (1952-55)
Fonte: NORWICH, 1981, p. 241
A resposta é afirmativa, se considerarmos que a capela é o resultado do movimento
renovador iniciado pelos dominicanos, responsáveis pela revista L’Art Sacré, animados
pelo desejo missionário de recolocar a Igreja no centro da criação artística, num período
marcado por guerras e pela expansão do cristianismo nos países em desenvolvimento.
Outra contribuição emblemática de Le Corbusier ao movimento renovador da arquitetura
religiosa é o Convento dominicano de La Tourette, em Eveux-sur-l’Arbresle, próximo de
Lyon. A experiência monástica, exemplo por excelência de vida comunitária, já havia
sido objeto de atenção do arquiteto, que em relatos de uma viagem à Itália em 1907 nos
revela entusiasmado a impressão positiva causada pelo mosteiro cartuxo de Galluzzo,
próximo a Florença, por ele denominada Cartuxa de Ema, o nome do riacho que corta a
cidade de Galluzzo. Ele descreve o mosteiro, com suas celas e salas comunitárias, como
81
uma edificação que o conscientizou da harmonia absoluta que resulta da inter-relação
entre a vida individual e coletiva, onde uns reagem favoravelmente aos outros”. (
CURTIS,
1986, P.181
). Ali encontrou já configurado um princípio que considerou adequado para
organização da vida em comunidade e que poderia ser aplicado à moderna sociedade de
massas.
Fig. 29 Cartuxa de Galluzzo. (AAH, 1938, p.72)
Embora o Convento de La Tourette fosse um empreendimento dominicano, P. Couturier
encorajou o arquiteto a visitar e estudar o mosteiro cisterciense de Le Thoronet, na
Provence, com o argumento de que este exemplar da arquitetura religiosa do século XII
representava uma espécie de “quintêssencia da expressão do ideal monástico”.
Fig.30 Claustro de Le Thoronet fonte: AAH, 1938, p.
82
São Bernardo e os cistercienses, com seus rígidos princípios reformadores e códigos de
construção são os precursores de uma tipologia idealmente neutra de arquitetura
monástica, onde impera um vocabulário formal que conforma necessidade e propósito. A
padronização de soluções, o repúdio das denominadas “impurezas decorativas”, que é
como se referiam às ornamentações românicas, levaram os cistercienses a conceber
mosteiros com soluções estruturais complexas e caracterizadas pela unidade arquitetônica.
As igrejas cistercienses são edificações práticas, com nave única e contínua unida ao
transepto, o que promove um fluxo livre pelo espaço devido à ausência de arcos
transversos. Os interiores amplos, com paredes retas e poucas aberturas, apresentam uma
luminosidade difusa e dramática (em geral proveniente de vidros brancos do clerestório)
que impede fantasias místicas irrestritas. Interna e externamente, os mosteiros dessa
Ordem são caracterizados por uma drástica simplificação ornamental, onde o acaso e a
fantasia ficam excluídos. Esse conceito de unificação espacial introduzido pelos
cistercienses, que de certa forma elimina o vocabulário arquitetônico românico e acelera
a aceitação do estilo gótico em toda a Europa, expressa a busca pela organização e pela
racionalidade, fato marcante tanto para a arquitetura do século XII quanto o será para a
arquitetura do século XX.
27
No projeto de Le Corbusier para o Convento de La Tourette, o diagrama do mosteiro
cisterciense de Le Thoronet é retomado e rearranjado. O convento, com um esquema
horizontal em forma de U retangular, contrasta e se destaca do corpo da igreja, uma
“caixa” onde predomina a verticalidade. O conjunto prefigura assim uma espécie de
cidadela fechada, uma fortaleza medieval em concreto propícia para a vida contemplativa
em meio a uma exuberante natureza circundante.
27
Uma importante contribuição para a pesquisa da arquitetura cisterciense é o trabalho de BUCHER,
François – Cistercian Architectural Purisme – da Universidade de Yale, publicado na revista Comparative
Studies in Society and History, Vol. III, n. 1, Cambridge University Press, outubro 1960, pp. 89-105.
83
Figs. 31 e 32 Convento de La Tourette: esquema e vista aérea do conjunto. (fonte PETIT, 1961)
A distribuição dos setores do mosteiro foi feita em três níveis vencendo a suave
declividade do terreno, à semelhança do programa beneditino tradicional: a igreja, o
claustro, o refeitório e a sala capitular situam-se no piso inferior do mosteiro, as salas de
aula, biblioteca no piso intermediário e as celas e locais de trabalho no piso superior.
Uma inovação é o belvedere situado na cobertura do convento, totalmente disponibilizada
para o uso da comunidade e de onde se descortina um panorama espetacular. O concreto,
profusamente utilizado em todos os elementos construtivos desse mosteiro, atua como
principio unificador da obra.
Os ensinamentos práticos dos cistercienses vão estar presentes em outro projeto exemplar
do processo de renovação pelo qual passou a arquitetura monástica européia na segunda
metade do século XX, a intervenção efetuada pelo monge arquiteto D. Hans van der Laan
na Abadia de St. Benedikt , da Congregação de Solesmes, em Vaals, na Holanda.
O projeto inicial da Abadia de Vaals é de autoria de Dominikus Böhm e Martin Weber,
datado de 1922. O conjunto foi construído parcialmente, sem a igreja abacial, e se
assemelha a uma fortaleza, com suas muralhas e torres edificadas em alvenaria de tijolos
policromados.
84
Figs. 33/34 Abadia de Vaals, 1922. Projeto de Böhm e Weber. (BÖHM,1962, pp.91-5)
Em 1956 o monge arquiteto Dom Hans van der Laan é encarregado de completar o
conjunto, uma missão que durará cerca de trinta anos.
Sem o propósito de diluir as diferenças formais entre a parte existente e sua extensão, o
autor realizou uma obra clara e sóbria. O completo despojamento das envoltórias e tetos
realça as texturas da madeira natural e dos tijolos caiados. Assim, essa ausência de
todo detalhe supérfluo expõem os elementos da construção em sua nudez arcaica. (
AA,
(325):43, dez.99
)
Fig. 35 e 36. Ampliação da abadia (1956); projeto de Dom Hans van der Laan. (AA, 325:43 )
85
Figs. 37, 38,39. Interiores do mosteiro e da igreja abacial de Vaals. (AA, 325:43 )
Dom Hans van der Laan (1904-1991) entrou para a faculdade em 1923, interessado na
pesquisa sobre os reais fundamentos da arquitetura. Em 1927 abandona os estudos e entra
na Abadia de Oosterhout, na Holanda. Em 1929 faz sua profissão monástica; em 1933 é
ordenado padre e em 1938 projeta e constrói uma nova ala para essa abadia. Esse projeto
de ampliação marca o início de uma trajetória de pesquisa, estudos, reflexões, ensino e
experiência construtiva que o levará a formular uma teoria completa da arquitetura,
resenhada no livro Der Architektonishe ruinteri (O espaço arquitetônico), publicado em
1977 e no sábio “Instruments of order”, de 1989.
86
Realizou pouquíssimas obras ao longo de sua vida, todas com uma extraordinária
intensidade e beleza: três mosteiros, na Alemanha, Suíça e Bélgica; um mosteiro feminino
na Suécia, uma capela ortogonal e uma residência privada. A trajetória de D. Hans Van
der Laan nos apresenta uma pesquisa rigorosa sobre o significado e os fundamentos do
construir: do espaço da sacralidade ao ambiente e aos objetos mais comuns da vida
cotidiana.
28
Estudioso dos números e proporções, D. Hans van der Laan descobriu em 1928, o
“número plástico”, sistema de proporção arquitetônica que não deriva da equação cúbica,
ou melhor, quadrática, como aquela que define a seção áurea.
O número plástico deriva da equação cúbica e contém uma resposta para a
tridimensionalidade de nosso mundo. A proporção desempenha um papel crucial na
geração do espaço arquitetônico que começa a existir por meio de relações
proporcionais de formas sólidas que o delimitam. O espaço arquitetônico poderia,
portanto, ser descrito como uma proporção entre proporções. Ele é verdadeiramente
estético, no sentido grego original, isto é, está relacionado não com a beleza, mas com a
clareza da percepção. Suas razões básicas, 3:4 e 1:7, são determinadas pelos limites
superior e inferior de nossa habilidade normal de perceber diferenças de tamanho entre
objetos tridimensionais. O limite inferior é aquele no qual as coisas diferem o suficiente
para se tornarem distintas em tamanho. O limite superior é aquele além do qual elas
diferem totalmente umas das outras. Elas também pertencem a diferentes ordens de
tamanho. A ordem do tamanho contém sete tipos consecutivos entre oito medidas. De
acordo com Hans van der Laan, estes limites são precisamente definíveis. A proporção
mútua das coisas tridimensionais é primeiramente perceptível quando a dimensão maior
de uma coisa é igual à soma de duas dimensões menores de uma outra. A proporção
inicial determina, por sua vez, o limite além do qual as coisas deixam de ter qualquer
relação mútua perceptível. (
PADOVAN, 2004, pp. 181-193)
29
Mais que certo ar de intimismo e simplicidade cisterciense, o que caracteriza a
intervenção na Abadia de Vaals é a utilização do sistema de proporções arquitetônicas
concebido por D. Hans van der Laan. Por sua excepcionalidade se tornou um marco do
processo de renovação dos mosteiros beneditinos ao longo do século XX.
28
Fonte: www.abacoarchitettura.it. acesso 10/1/2006.
29
Fonte: PADOVAN, Richard. Dom Hans van der Laan and the plastic number. In Nexus IV: Architecture
and Mathematics. Ed. Kim Williams, Florença, pp 181-193. Disponível em www. nexuxjournal. com.
Acesso 10/10/06
87
2.3. Renovação da arquitetura monástica na América do Norte
A Congregação Beneditina Americano Cassinense inclui vinte comunidades beneditinas
na América do Norte e exterior, inclusive no Brasil: o Mosteiro de São Bento de Vinhedo
(SP), obra exemplar no panorama da renovação da arquitetura religiosa nacional. A sede
da Congregação é a Arquiabadia de St. Vincent, em Latrobe, Pennsylvania (1846), uma
fundação da Abadia européia bávara de Metten. St. Vincent é a maior comunidade
beneditina masculina do hemisfério norte. E deu origem à Abadia de St. John, fundada
em 1856. Ambas possuem uma posição de destaque nas áreas do ensino secundário e
superior, na aérea da formação teológica, nos setor de pesquisa e no campo editoral.
Os mosteiros da Congregação Americano-Cassinense também passaram por um processo
de renovação arquitetônica ao longo da segunda metade do século XX. O exemplo mais
conhecido dessa renovação é o projeto de Marcel Breuer (1902-1981) e associados para a
Abadia e Universidade Beneditina de Saint John, em Collegeville, Minnesota, datado de
1953-61, que marcou as comemorações do centenário de sua fundação. O plano geral
propunha a substituição da maior parte dos edifícios existentes por outros, com
instalações novas e mais amplas, o que foi feito em seis etapas, seguindo uma estratégia
segundo a qual cada novo edifício do conjunto monástico foi construído, por assim dizer,
à sombra do antigo, que logo foi derrubado.
Fig. 40 Plano de renovação da Abadia de St. John. Marcel Breuer
1953-1968. (Fonte: PAPACRHISTOU, 1970, p.35)
88
A proposta de Marcel Breuer apresenta uma nítida separação entre as áreas da clausura e
aquelas destinadas à vida pastoral e universitária, conectadas por meio dos edifícios que
ambas compartilham: igreja, auditório, biblioteca e o edifício da administração. A igreja
reflete em sua planta os conceitos litúrgicos básicos da Ordem Beneditina; é a edificação
principal e dominante do conjunto, juntamente com a torre dos sinos em forma de
estandarte. É uma igreja monumental, que abriga e congrega mais de 2000 pessoas:
Entra-se na igreja pela extremidade do eixo principal, passando pelo batistério, pela
porta simbólica central e pelo passeio central, até o altar e o trono do abade, ao redor
do qual há um amplo coro com 300 lugares. A posição do trono do abade e do coro dos
monges em relação à assembléia para 1700 fiéis caracteriza a forma da planta, com o
altar colocado no centro da igreja, oferecendo plena visibilidade para os fiéis, para o
coro e ampla galeria. (
JONES, 1963, p.36-55)
Na melhor tradição arquitetônica, esse projeto de Marcel Breuer
30
busca plasmar os
ideais beneditinos por meio de novas formas e estruturas, concebidas e realizadas com os
materiais e técnicas daquele período. Entretanto, o arquiteto é bastante conciso quando
fala a respeito do significado da arquitetura religiosa, conforme se depreende de um
fragmento de discurso feito por ocasião da consagração do templo Westchester, em
Scardsdale, New York, em setembro de 1959:
“...Um lugar destinado ao culto, sempre que possível simples e necessariamente
funcional, difere – ou deve diferir – de um lugar de reunião. Ali tem lugar algo que é
mais que mero evento, mais que um acontecimento social. Há ali um pensamento, uma
atitude face à fé, uma intenção de resolver os problemas da vida. Deveríamos considerar
a igreja, o templo (por menor e mais limitado que seja) como parte de um espaço infinito?
Podemos esperar que sua estrutura geométrica forma parte da estrutura geométrica do
cosmos? Poderiam as superfícies de sua estrutura estender-se para o espaço sem fim?
Por mais modesto que seja o lugar de culto este parece exigir, por si, dignidade e
serenidade. Em sua função está o superar sua própria finalidade para chegar a outra
função superior. Seu destino parece ser aquele de expressar em matéria estática – pedra,
concreto, cristal – a tendência do homem frente ao espiritual. A estrutura inanimada
reflete a vibração de seus pensamentos, de suas emoções, de suas crenças. As sóbrias
ciências da construção e a engenharia têm que conseguir algo mais que uma solução de
30
De Marcel Breuer são também os seguintes projetos para edifícios religiosos:
Igreja de São Francisco de Sales, Muskegon, Michigan, 1961 (com Herbert Beckard, arq. Associado) (p.56-
57); Templo B’Nai Jeshrurun, Short Hills, Nova Jersey, 1961. (p.98-99),(idem); Convento da Anunciacao,
Bismark, North Dakota, 1954-1962. (p. 106-111), (com Hamilton P.Smith, Trayner & Hermanson ). Fonte:
Marcel Breuer. Construcciones y proyetos 1921-1961. Introdução e textos de Cranston Jones. Editorial
Gustavo Gili, S.A., Barcelona, 1963)
89
rotina: a solução tem que se revestir de dimensões simbólicas e expressivas...”
(BREUER,
M. Sobre arquitetura religiosa, Idem, ibdem, p. 252)
Fig. 41. Campanário e fachada da igreja de St. John Fig. 42. Interior da igreja abacial
(JANER, 1962, p.282) (PAPACHRISTOU, 1970, p. 229)
Fig. 43 Bloco de moradia para estudantes Fig. 44. Detalhe da fachada
(PAPACHRISTOU, 1970, p. 229) (PAPACHRISTOU, 1970, p. 228)
Outro exemplo do processo de renovação dos mosteiros beneditinos norte-americanos
é a reconstrução da Arquiabadia de Saint Vincent, sede da Congregação Beneditina
Americano-Cassinense. Em 1963, um incêndio de grandes proporções atingiu a
Arquiabadia de St. Vincent, destruindo muitos dos edifícios que abrigavam o conjunto
educacional. Ao longo dos turbulentos anos 1960, a abadia experimenta um grande
processo de renovação em sua arquitetura, que se dá em 1967, simultaneamente à
90
introdução de novos métodos e programas educativos. O autor do projeto de
renovação de Saint Vincent é o arquiteto Tasso Katselas, que praticamente redefiniu
todo o conjunto monástico. E concebeu um edifício de sete pavimentos para abrigar
as celas, “unidades de habitação” com serviços e equipamentos comunitários
distribuídos pelos andares, térreo e cobertura. Um inusitado mosteiro vertical!
Fig. 45 Novo conjunto de celas Fig. 46 Vista aérea da abadia
(Religious buildings,1979,p.38) (Religious buildings,1979,p.68)
Fig. 47 Andar tipo do conjunto de celas (Religious buildings,1979,p.39)
91
2.4. A renovação da Arquitetura monástica no Brasil
No Brasil, é evidente a preferência pelos estilos importados e passados por parte das
autoridades religiosas ao longo da primeira metade do século XX. Considerado em seu
conjunto, o clero brasileiro é, ainda hoje, muito conservador. Isso levou Bruand afirmar
que todas as igrejas construídas no começo do século (e mesmo mais tarde), lançaram
mão das grandes tradições medievais. E o resultado deixou muito a desejar: não só é
difícil citar um único êxito do ponto de vista estético, como também parece que os
arquitetos e construtores rivalizavam-se numa incrível competição de feiúra. (
BRUAND,
1981, p.42
)
Ele atribui esse resultado à falta de preparo e de gosto, por parte da comunidade de
religiosos e fiéis, à falta de conhecimentos arqueológicos por parte dos responsáveis pelas
construções, e também, à ausência de materiais de boa qualidade.
Era grande a responsabilidade dos arquitetos atuantes no Brasil, no início do século XX.
Eles eram formados segundo os cânones da tradição acadêmica. Suas construções
religiosas, além de responder ao desafio de propor novas soluções, deviam se adequar aos
princípios e formas tradicionais. Isso resultou em uma arquitetura religiosa de ecletismo
histórico – neo-romana, neogótica, neocolonial – cujos autores eram, em grande maioria,
profissionais estrangeiros.
Além dessas criações “arqueológicas”, se distinguem ainda as construções dos
engenheiros e mestres de obra que, possuidores apenas dos conhecimentos básicos a
respeito da diversidade dos estilos, nos legaram a maioria das construções religiosas.
Entre elas, a igreja paroquial típica e bastante conhecida, espécie de pastiche
arquitetônico composto de miscelâneas arbitrárias e prisioneira de fórmulas esclerosadas.
Mesmo com a utilização de novas técnicas e materiais, a arquitetura religiosa brasileira
ainda aspirava por uma radical transformação em suas formas.
92
É por meio dos arquitetos formados na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro
que evolui o movimento de renovação da arquitetura religiosa nacional, bastante
influenciado pela experiência francesa. Isso está evidente no anteprojeto apresentado por
Lucio Costa em 1934, no concurso promovido pela Companhia Siderúrgica Belgo-
Mineira para a construção de um conjunto habitacional em Monlevale (Minas Gerais).
Com nítidas influências do método proposto por Le Corbusier, esse projeto conta com
uma série de equipamentos comunitários, inclusive uma igreja (não-construída),
concebida de modo bem semelhante à Igreja de Raincy, de Auguste Perret.
Sem grandes devaneios formais, a igreja de Monlevade obedece também ao programa
tradicional da construção religiosa brasileira: uma nave ampla, composta por três naves
de abobadas rebaixadas e sustentadas por delgadas colunas, a torre do campanário no
meio da fachada, os elementos vazados de cimento substituindo as paredes, tudo
simplificado ao máximo.
O projeto, ainda que com elementos claramente tomados da arquitetura de Perret,
constituía uma exceção no panorama da época, onde predominava o funcionalismo
destituído de qualquer plástica que era a tendência da arquitetura brasileira anterior à
vinda de Lê Corbusier. (...) No projeto da igreja, Lucio Costa retomava suas tendências
mais significativas: ausência de opinião preconcebida, informação proveniente das mais
diversas fontes, utilização de soluções simples e claras, adaptadas ao meio e á função,
pesquisas modernas sem excluir técnicas tomadas de empréstimo ao passado, quando
ainda adequadas para o caso especifico, simplicidade, elegância e leveza. (
BRUAND,
1981, p. 75
)
Nesse projeto, a renovação da arquitetura religiosa ensaia seus primeiros passos. A
próxima (e decisiva) etapa foi a capela de São Francisco de Assis, primeira edificação
religiosa projetada por Oscar Niemeyer, que integra o conjunto da Pampulha, em Belo
Horizonte, datada de 1943. Por sua audácia no desenho da planta e das formas, esta obra
(concluída em 1945) demorou 14 anos para ser consagrada pela Igreja Católica, pois a
Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio de seu arcebispo Dom Antonio dos Santos
Cabral, considerou o templo moderno demais, fora dos padrões tradicionais e, portanto,
incompatível com o culto.
A capela de São Francisco de Assis é considerada a obra prima do conjunto. Sua
estrutura de abóbadas parabólicas autoportantes, decorrentes dos progressos da técnica
moderna, têm uma expressão arquitetônica de espírito bem diverso. Estrutura
93
empregada por engenheiros para a construção de hangares e pontes, foi utilizada por
Niemeyer com finalidades plásticas uma vez que, do ponto de vista funcional, se prestava
perfeitamente para uma igreja.
A liberdade que emana dessa obra apenas reforça a harmonia e clareza da concepção:
os volumes que correspondem a cada uma das partes – nave, coro, sacristia – são bem
marcados e, ao mesmo tempo, fundem-se perfeitamente; é nítida a distinção entre a parte
estrutural – abóbada autoportante – e as paredes, cuja decoração pictórica ou
revestimento de azulejos realçam a função de simples vedação que lhes foi atribuída.
(
BRUAND, 1981, p.113)
Esta pequena capela causou polêmica. Por se tratar da obra de um leigo, não estava de
acordo a “tradição”. Talvez por isso, poucas vezes nela foi realizado seu propósito maior,
ou seja, funcionar como lugar de culto. Embora adequada para os serviços religiosos,
paira sobre a capela uma espécie de estigma: esse exemplar da moderna arquitetura
religiosa, realizado no Brasil e conhecido internacionalmente, terminou se transformando
tão somente num edifício de caráter histórico, quase abandonado, recentemente
restaurado.
Em outubro de 1947, Lúcio Costa propõe o tombamento preventivo da capela e assume
sua defesa, por se encontrar “em estado de ruína precoce, devido a defeitos de construção
e ao abandono a que foi relegado esse edifício pelas autoridades municipais e
eclesiásticas”. (
PESSÔA, 1999, pp.67-8)
Considerando o “clamor unânime que a obra despertou na Europa e nos Estados
Unidos”, seu valor excepcional enquanto “monumento nacional”, alerta para a atitude
criminosa que seria vê-la arruinar-se por falta de medidas oportunas de preservação,
que levariam posteriormente a um restauro difícil e oneroso. Conclama para sanar os
defeitos apontados em suas considerações os responsáveis pela obra: a administração
municipal, o arquiteto autor do projeto, os engenheiros calculistas e os construtores. E,
por fim, as autoridades eclesiásticas para prover a igreja de alfaias e demais peças do seu
equipamento, indevidamente retiradas ou sequer instaladas, embora pagas.
Esse marco da renovação da arquitetura religiosa brasileira é uma manifestação cultural
isolada no panorama conservador que orientava a construção de igrejas na primeira
metade do século XX no Brasil. A capela, concebida sob condições excepcionais, não
94
estava adequada aos cânones das autoridades eclesiásticas brasileiras desse período,
pouco interessadas em associar-se aos desatinos da modernidade. Exemplo disso é a
construção da nova Basílica de Nossa Senhora Aparecida, empreendimento dos Padres
Redentoristas, que tem suas obras indiciadas em 1946, e foi inaugurada parcialmente em
1967. Seu projeto, de autoria de Benedito Calixto de Jesus Neto, parece indicar o tipo
“ideal” de construção concebida pelo clero brasileiro nessa época pré-conciliar.
A retomada da tradição arquitetônica acontece após o triunfo das formas de Niemeyer e
de sua difusão por todo o Brasil, durante os anos 1950. Nesse período de transformação
do cristianismo, em especial nos países em desenvolvimento do hemisfério sul, novas
igrejas e mosteiros são construídos enquanto as edificações antigas são adaptadas às
modificações litúrgicas introduzidas pelo Concilio Vaticano II (1962-7). Esses edifícios
religiosos apresentam projetos e programas inusitados, notadamente por seu aspecto
formal. São igrejas, capelas e mosteiros onde predominam as formas geométricas e a
utilização de elementos construtivos fabricados em concreto armado. O programa
arquitetônico não obedece mais aos esquemas tradicionais: propõe a reorganização dos
espaços internos e externos, dos fluxos e atividades comunitárias. A iluminação é
concebida para criar efeitos especiais: é indireta, zenital, luz difusa que vem do alto e cria
efeitos nas zonas mais baixas do recinto religioso proporcionado um clima de intimismo.
A implantação dos edifícios religiosos passa a ser tratada em termos alegóricos, ora estão
elevados no terreno, para “simbolizar a Ascensão”, ora enterrado, como lembrança das
comunidades escondidas do cristianismo primitivo, outras vezes simplesmente edificadas
sobre a “terra material”. Tradição e modernidade são as palavras de ordem na grande
maioria dos projetos: novas concepções, novos materiais e novas formas serão os
atributos determinantes da arquitetura religiosa do período.
Em 1955, o beneditino Lambert Beauduin escreveu a respeito das grandes transformações
em curso em todos os domínios, que a despeito das simpatias ou antipatias por parte dos
religiosos fomentavam a elaboração de um “mundo novo”. Assim, escreveu ele, “do
mesmo modo que a humanidade, a Igreja não pode mudar de natureza; mas, viva e
95
conquistadora, deve adaptar-se ao mundo novo, desesperançar-se, renovar-se, sob a
pena de renegar sua história e conhecer um prolongado eclipse”. (
COLOMBÁS, 2001, v.IX
p.11; texto publicado originalmente na revista Irénikon 42(1969) p.390-395
)
Os anos 1960 foram extremamente críticos para vida monástica: após o boom de
vocações nos períodos pós-guerra, se dá o esvaziamento dos noviciados e o abandono da
vida religiosa por parte de muitos monges e monjas. A esses problemas se juntam outros,
de natureza diversa, tais como a inadaptação dos edifícios religiosos, dos trabalhos e das
instituições aos novos propósitos. Desse modo, o aggiornamento monástico nesse
período não foi apenas o cumprimento das diretrizes do Vaticano II, mas sim uma
necessidade peremptória. Deu inicio a uma época de buscas, de investigações, de provas
e ensaios; não se tratava de reformar as instituições, mas de renovar seu conteúdo,
aprofundar o ideal que encarnam. (
Idem, ibdem)
O século XX, em acordo com o estudioso da tradição beneditina Garcia M. Colombás
(
COLOMBÁS, 2001, v.IX, p.9), “contemplado desde o presente, e segundo o ponto de vista
adotado aparece dividido em dois períodos quase iguais por uma linha imprecisa: o
primeiro período, denominado “pax beneditina”, e o segundo “monachatus quaerens”.
A fronteira imprecisa que divide o século XX beneditino em duas metades é formada pela
profunda mudança cultural que ocorreu imediatamente após à segunda guerra mundial, e
ao concílio Vaticano II. Outro aspecto notável do século XX “beneditino” foi a expansão,
em escala mundial, das fundações, que nas primeiras décadas do século eram
predominantemente fundações de tipo missionário, ao passo que na segunda metade
assumiram um caráter simplesmente “monástico”, ou “contemplativo”, como muitos
preferem dizer. Somente então iniciou a falar-se de “inculturação”, de adaptação à
mentalidade e costumes dos países nos quais os beneditinos (e outras denominações) se
estabeleceram.
Por tratar-se de um fenômeno complexo e demasiado recente, o aggiornamento
beneditino continuará sendo ainda por muitos anos um território desconhecido em sua
profundidade e amplitude. O folheto intitulado A vida beneditina, que resultou do
96
confronto de idéias – e de sentimentos – do Congresso de Abades e Priores Conventuais,
realizado em 1966 e 1967, é um excelente registro do que pensava o mundo beneditino
naquele período crítico. Como resultados práticos do aggiornamento em curso – ou
simplesmente iniciado pelas congregações confederadas e mosteiros – possibilitou
assinalar, naquela ocasião, as reformas litúrgicas, a unificação das comunidades, até
então divididas entre clérigos e leigos, a restauração da lectio divina, e a retomada dos
mosteiros simples - ou de vida simples – que se propuseram a uma volta às origens (com
as oportunas adaptações), e ainda a ressurreição do eremitismo entre os cenobitas.
Nesse período, os beneditinos enfrentavam e debatiam inúmeros problemas – questões
que haviam surgido espontaneamente e que a Encíclica “Perfectae Caritatis”, do Concílio
Vaticano II, em parte, havia criado ou ressuscitado com seus benditos apelos de
rejuvenescer a vida religiosa mediante a volta à pureza das fontes e à adaptação aos novos
tempos. Um turbilhão de idéias divergentes, de tensões, de duvidas, de ambigüidades... e
contradições! Esta foi sem dúvida alguma a grande cruz cujo peso tiveram que suportar
os beneditinos. Como todos os demais religiosos e a Igreja católica em
geral. ((
COLOMBÁS, 2001, v.IX, p.466)
Por outro lado, o Concilio Vaticano II reconheceu a possibilidade canônica do
monaquismo. E o Papa Paulo VI, na plenitude apostólica que possuía, declara e constitui
São Bento “Patrono da Europa”. Nesse mesmo dia, 24/10/1964, presidiu a consagração
da nova igreja da Abadia de Montecassino, reconstruída, assim como todo o mosteiro,
reproduzindo de modo o mais fiel possível a abadia destruída pela guerra, em 1944. Mas
o aggiornamento não é apenas assunto de arqueologia: implica também inventar formas
novas, apropriadas as nossas condições de vida. Quais formas? Se é necessário inventá-
las, isso não se sabe. E esta é seguramente a grande dificuldade do “aggiornamento”.
(
idem, ibidem, p.477)
A tendência renovadora deu origem aos assim chamados “mosteiros simples”, que de
acordo com a explicação de D. Giuseppe Turbessi, monge e abade beneditino, autor do
polêmico artigo Pour un monastère simple et actuel. (VS(94):69-83,1966) são aquele que
não tem outro propósito senão “criar um ambiente no qual se possa viver a vida
97
monástica em toda sua pureza; um mosteiro sem apêndices: nem colégios, nem paróquias,
nem missões, nem qualquer apostolado previsto e organizado, quer dizer, sem outros fins
acidentais estranhos à sua natureza”. Por outro lado, um mosteiro atual é “aquele que,
sem abandonar nada de essencial ao ideal monástico, possa adaptar-se ao homem do
nosso tempo, a sua maneira de ser, de pensar, de viver, sem medo de eliminar usos e
costumes considerados tradicionalistas, que foram acumulados ao longo dos séculos e
que atualmente não tem sentido manter: além de inúteis, alteram a tradição autêntica do
monaquismo e lhe tiram a vitalidade”. (
COLOMBÁS, 2001, v.IX, p.500)
No continente americano, essa tendência de mosteiros de vida simples gerou uma série de
iniciativas comunitárias em vários países e, ao longo da segunda metade do século XX,
parecia ser a terra prometida para os mosteiros dessa modalidade. A maior parte dessas
iniciativas redundou em fracasso.
O Brasil possui uma minúscula comunidade de tipo nitidamente pobre e simples: Santa
Maria de Serra Clara, próxima a Itajubá (MG). Fundada em 1957 por um monge
procedente da Abadia de NSra. do Monserrate (RJ), dom Celestino Barros Moraes,
passou por um início muito difícil: falta de recursos econômicos; postulantes ineptos que
não perseveravam; vida extremamente austera; horário absolutamente repleto. Ao final
de quarenta anos não progrediu: segue sendo um priorado simples, dependente do
presidente da Congregação Beneditina Brasileira. (
COLOMBAS, p.500)
Em 2006 o Priorado de Serra Clara foi desativado e os remanescentes foram transferidos
para a periferia de Pouso Alegre (MG).
98
Parte III
Tradição e contradições
A renovação da vida religiosa comporta um contínuo retorno às fontes de toda forma de vida cristã e a
primitiva inspiração dos institutos e, ao mesmo tempo, a adaptação dos próprios institutos às novas
condições da época”. (Decreto Perfectae Caritates, 2º parágrafo)
3.1. A renovação dos mosteiros beneditinos no Brasil
O retorno às fontes de toda forma de vida cristã está na origem do processo de renovação
observado nos mosteiros beneditinos brasileiros construídos a partir da década de 1950.
Na arrojada arquitetura de seus diferentes projetos e autores, esses mosteiros revelam a
inconfundível identidade que desafia o próprio tempo. Também apresentam modificações
arquitetônicas relevantes, resultantes da evolução dos costumes e das novas
interpretações da regra monástica. Trata-se de uma produção marcada pela diversidade e,
por isso, um objeto apropriado para o estudo do efeito das mudanças que as idéias, as
formas e as modas produzem na arquitetura.
No Brasil, foi no eixo Rio/São Paulo, durante os anos 1950, que o movimento de
renovação da arquitetura religiosa assumiu um caráter diferenciado, por iniciativa das
congregações religiosas que promovem a edificação de igrejas e mosteiros “adaptados
aos novos tempos”, num período em que a maioria conservadora dos clérigos ainda
estava satisfeita com a eclética salada de estilos prêt-à-porter existentes no mercado.
É somente a partir desse período que a arquitetura religiosa brasileira assume de fato uma
feição nova e com características próprias. Foi com o amparo e defesa dos dominicanos e
beneditinos, e por meio da atuação de arquitetos estrangeiros que a arquitetura religiosa
adquiriu uma nova conformação. Um marco arquitetônico desse movimento de
renovação é a Igreja de São Bonifácio, de Hans Broos (1966)
31
, que se firmará como um
exímio projetista de edifícios religiosos e industriais nas décadas seguintes. O projeto da
31
O projeto da igreja de São Bonifácio foi publicado na revista Acrópole(344):25-31, outubro 1967.
99
Igreja de São Bonifácio, em Vila Mariana (SP), apesar de sua concepção brilhante e
detalhamento minucioso, gerou uma série de controvérsias entre os integrantes da
Sociedade de São Bonifácio repercutindo inclusive no próprio meio religioso paulistano.
O mediador dessa crise foi o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Agnelo Rossi, que era
favorável ao projeto e lhe deu sua anuência, encerrando a questão. Esse episódio,
segundo nos relatou o próprio arquiteto, possibilitou que ele freqüentasse o “alto clero” e
fosse recomendado à comunidade beneditina para a qual projetou, nos anos 1970, dois
paradigmáticos mosteiros onde associa o ensinamento da tradição aos conceitos da
modernidade.
Desse modo, o processo de renovação arquitetônica que já estava em curso nos mosteiros
beneditinos construídos no exterior a partir da década de 1950 adquire expressão também
no Brasil. Por meio de seus poucos exemplares podemos identificar a progressiva
introdução do ideário da arquitetura moderna brasileira no âmbito da arquitetura
monástica beneditina. O exemplo pioneiro dessa produção é o Mosteiro Nossa Senhora
das Graças (beneditinas), projeto de Francisco Bologna
32
, em Belo Horizonte, Minas
Gerais (1949-99). Posteriormente, com um intervalo de duas décadas, a ele se seguem o
Mosteiro de São Bento de Vinhedo (beneditinos – 1968-90) e a Abadia de Santa Maria
(beneditinas – 1977)
33
, ambos projetos de Hans Broos. E ainda, o projeto da Abadia
Nossa Senhora da Paz, projeto de Leitner, Santos & Broos (beneditinas –1973-2002), em
Itapecerica da Serra.
O Concílio Vaticano II estimulou a diversidade de formas. Porém, advertiu a instituição
monástica a que permaneça fiel a si mesma, e brilhe por sua autenticidade. O pluralismo
tem um limite, que não é possível determinar de um modo estrito e válido para todos.
Cada comunidade, cada congregação deve carregar a responsabilidade de apreciar com
maior exatidão possível o objeto preciso de sua renovação, com “o desejo sincero de
retornar a uma observância fiel aos princípios essenciais da Regra”. (
COLOMBAS, p.476)
Tudo isso revela a grande contradição que reina entre o ideal e a prática da vida
beneditina. Como chegar a um consenso em um mundo tão dividido, tão variado, tão
plural como era o mundo beneditino em meados do século XX?
32
Sobre esta obra de Bolonha, utilizamos como referência a comunicação apresentada no Docomomo5,
intitulada Arquitetura do Sagrado em Francisco Bologna – Mosteiro NSra. das Graças em B.Horizonte, de
Márcia Aparecida da Costa Poppe.
33
O projeto da Abadia de Santa Maria foi publicado na revista Projeto(137):45-48, dez.1990/jan.1991.
100
3.2. Mosteiro N.Sra. das Graças
O Mosteiro N.Sra. das Graças (1949-99), em Belo Horizonte (MG), é a primeira
fundação da Abadia de Santa Maria (SP) e resultou de um pedido de D. Antonio dos
Santos Cabral, arcebispo daquela cidade.
34
D. Cabral se dispôs facilitar a compra de um
terreno e ceder provisoriamente uma casa para o grupo fundador. A Abadessa de Santa
Maria, Me. Rosa apresentou ao Capítulo a proposta de fundação, no dia 24.03.47,
acrescentando duas condições: que o capelão conventual fosse beneditino; e que
pertencesse ao Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro.
Após negociações sobre as condições impostas para a fundação, estabeleceu-se um
acordo acerca do projeto. Foi formada em Belo Horizonte uma comissão – entre as
famílias das monjas – com o propósito de angariar fundos para a construção do futuro
mosteiro. Em 12.11.49, o grupo fundador composto por doze monjas
35
, acompanhado
pelo Arquiabade D. Plácio Staeb, OSB, deu “início ao louvor divino, no priorado
conventual (...) inicialmente instalado em uma propriedade particular da família
Guatemosin”. (
CAMPOS, 1997, pp.45-47)
Convém aqui observar que D. Cabral, como já relatamos anteriormente, foi o grande
opositor à consagração da capela de São Francisco de Assis na Pampulha, de Oscar
Niemeyer, obra pioneira no processo de renovação da arquitetura religiosa brasileira,
considerada pelo arcebispo “moderna demais e fora dos padrões tradicionais”.
Entretanto, foi graças ao apoio de D. Cabral à fundação do Mosteiro N.Sra. das Graças
que tem início o processo de renovação arquitetônica dos mosteiros beneditinos
brasileiros na segunda metade do século XX. E isso se deve ao projeto do arquiteto
Francisco Bologna (1923-2000) que concebeu o novo mosteiro a convite de D. Inácio
34
A idéia da construção de um mosteiro em Belo Horizonte foi sugerida pelo Dr. Balbino da Silva e sua
esposa, D. Maria José, tios da irmã Luzia Ribeiro de Oliveira, monja da Abadia de Santa Maria (SP), e que
tornou-se a primeira abadessa da nova fundação. A escolha da padroeira do mosteiro, Nossa Senhora das
Graças, se deve a D. Antonio dos Santos Cabral. (Fonte: CAMPOS, Ir. Maria Letícia Pereira de. Abadia de
Santa Maria. Cimbra 97. p.45-6. Exemplar xerocado da Biblioteca do Mosteiro da Ressurreição)
35
O grupo fundador era composto pelas seguintes irmãs: Madre Luzia Ribeiro de Oliveira, prioresa; Ir.
Regina Maria Pinheiro Bernardes, sub-prioresa; Ir. Águeda Resende Neves; Ir. Cristina Penna de Andrade;
Ir. Benita Oliveira Ribeiro Enout; Ir. Suzana de Azevedo Silva; Ir. Maria Teixeira de Lima; Ir. Anastásia
Campos Moreira; Ir. Gabriela Ferreira de Brito; Ir. Maria José Gontijo; Ir. Emerenciana Rabello Jardim; Ir.
Paulina de Carvalho Gomes. (idem, ibdem)
101
Accioly, abade do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Uma escolha provavelmente
definida pela convivência e amizade entre a família Accioly e o arquiteto, que havia
recém projetado a residência dos pais de D. Inácio em Petrópolis (RJ), a Casa Accioly
(1948-49).
36
O mosteiro, situado no bairro de Santa Lúcia (atual Vila Paris) em Belo Horizonte, foi
construído em etapas ao longo dos últimos 50 anos. A benção de sua pedra fundamental
foi em 01.07.51, com missa celebrada pelo arquiabade da Congregação. No início das
obras foram construídos os 3 blocos iniciais do conjunto – dois longitudinais e um
transversal – que abrigariam provisoriamente a comunidade monástica. No pavimento
térreo do bloco longitudinal frontal (noroeste) estavam distribuídos os setores públicos de
recepção e acolhida aos visitantes (portaria, parlatórios e hospedaria do mosteiro). No
pavimento térreo do bloco longitudinal dos fundos (sudoeste), mais reservado, os setores
privados de trabalho e de serviços da comunidade (refeitório, cozinha, lavanderia,
sanitários); e ainda, o setor de formação (o local destinado ao noviciado). Conectando
perpendicularmente os dois blocos paralelos, situava-se na transversal o setor
semiprivado, local reservado aos parlatórios. No pavimento superior desses três blocos
iniciais ficavam a clausura propriamente dita, com as celas, sanitários de uso comum, e
os ateliês monásticos. Em 14.09.52, a comunidade pode transferir-se para o novo edifício,
ainda inacabado.
No ano seguinte, em 21.03.53, o mosteiro foi elevado à categoria de Abadia. A benção
abacial foi conferida por D. Cabral em 29.06.53. Como todo início de fundação, a
comunidade do Mosteiro N. Sra. das Graças também conheceu as provações dos
pioneiros, entre elas a falta de recursos crônica, o drama das instalações provisórias ou
inacabadas, e as conseqüentes mudanças de planos e do próprio projeto. Em 1958 é
realizada uma ampliação do bloco longitudinal dos fundos, com a construção do
refeitório e da sala de recreio da comunidade.
36
Este projeto recebeu a medalha de prata no IV Salão Nacional de Arte Moderna, em 1954.
102
Fig. 48 e 49 Mosteiro N. Sra. Das Graças, BH. Fonte: POPPE, 2003, p.8
1. Portaria; 2. Hospedaria; 3. Portaria externa; 4. Parlatórios; 5. Parlatório Grande; 6. Noviciado; 7. Sanitários; 8.
Despensa; 9. Cozinha; 10. Refeitório; 11. Sala da comunidade; 12. Sala de Paramentos; 13. Enfermaria (não construído);
14. Arquivo (não construído); 15. Biblioteca; 16. Capítulo (não construído); 17. Átrio; 18. Torre dos Sinos; 19. Igreja dos
fiéis; 20. Altar; 21. Capela Monástica; 22. Capela do SS.; 23. Sacristia; 24. Ateliês monásticos; 25. Celas; 26. Sala de
Recreio; 27. Capítulo atual.
103
Nessa mesma ocasião, é construído no centro do conjunto um novo bloco transversal para
abrigar a igreja abacial; e ao seu lado a torre dos sinos marcando a entrada dos fiéis. Isso
propiciou o fechamento do primeiro claustro do mosteiro. A torre dos sinos, por
problemas de sobrecarga (nela foram instados cinco sinos ao invés de um, como previsto
inicialmente) apresentou problemas de natureza estrutural e somente viria a ser reforçada
e concluída em 1983.
Em 1990, para celebrar o cinqüentenário da comunidade, as obras do mosteiro são
retomadas. A igreja, até então inacabada, recebe revestimento nas paredes e pisos. Em
1993 é concluído o bloco longitudinal posterior do mosteiro, onde são instaladas a sala de
paramentos e a enfermaria. No bloco longitudinal frontal é construída a “igreja dos fieis”,
um volume que possibilitou o fechamento do segundo claustro. A igreja dos fiéis e o
acabamento dos claustros foram concluídos a tempo para as comemorações dos cinqüenta
anos da fundação do mosteiro, em 1999.
A igreja do mosteiro N.Sra. das Graças apresenta o altar mor posicionado na intersecção
de duas naves em forma de L – uma para a comunidade monástica e outra para os fiéis.
Este esquema tradicional de disposição do coro nas igrejas monásticas femininas será
utilizado posteriormente por Hans Broos em seu projeto para a nova igreja abacial de
Santa Maria, em SP, com um diferencial: as duas naves abrigadas em um único volume.
Em comunicação apresentada no Docomomo5, Márcia Aparecida da Costa Poppe (
POPPE,
2003
) nos relata que Francisco Bologna acompanhou de perto todas as etapas do projeto
do mosteiro N.Sra. das Graças. No projeto inicialmente apresentado, o arquiteto “propõe
um edifício no qual a presença de elementos do vocabulário modernista é mais
contundente. Os volumes com formas puras, o contato com o exterior por meio de
grandes aberturas, a modulação e composição volumétrica adotadas para a fachada do
mosteiro, os tetos embutidos, são alguns dos exemplos de (...) uma série de citações da
linguagem então em voga”. (
POPPE, 2003, p. 12)
Por sugestão da comunidade monástica, a primeira versão do projeto teve que ser
modificada. Era necessário delimitar de maneira mais precisa os limites entre público e
104
privado, acentuar o significado da clausura e destacar a igreja como centro do conjunto.
Isso gerou modificações no posicionamento das celas (da parte frontal para a posterior do
conjunto), o que significou o espelhamento do edifício em relação ao seu eixo transversal
e deu origem a uma 2ª versão para o projeto.
Fig. 50 Mosteiro N.Sra. das Graças: modificações na composição arquitetônica. POPPE, 2003, p.12
Na segunda versão apresentada pelo arquiteto verificamos as várias modificações. É
evidente a ampliação dos volumes da igreja; e também da torre dos sinos, substituída por
outra, mais alta e esbelta, e que domina todo o conjunto. A cobertura originalmente
proposta também é substituída, dando origem a uma cobertura com beirais para dar
proteção à fachada, o que acrescentou, segundo Poppe, mais peso ao conjunto.
Nos duas versões do projeto, Bologna alinha todos os volumes da fachada, fazendo com
que diferentes prismas compartilhem de uma superfície comum. Na primeira versão, a
diferença entre os volumes era marcada pela diversidade de vãos e esquadrias; na
versão construída, o arquiteto uniformiza o tratamento dos planos, agora com um
mínimo de fenestração e pela utilização de revestimento de lito-cerâmica. Com isso
definiu para a fachada noroeste (frontal) um conjunto unitário apesar da diversidade de
volumes, assinalando a horizontalidade do partido.(POPPE, 2003, p.13)
Para a fachada do bloco posterior (sudoeste), volume unitário e regular, o arquiteto
propôs a repetição do mesmo modelo de esquadrias nos dois pavimentos. A necessidade
105
de redução nas aberturas do 2º pavimento (celas) diminuindo o contato entre interior e
exterior, resultou em uma quebra da padronização das esquadrias, provocando uma perda
da unidade da composição inicial. No segundo pavimento “pequenas aberturas
centralizadas em um pano de alvenaria, à moda tradicional; no térreo, amplas
esquadrias permitidas pelo sistema estrutural, duas linguagens de épocas distintas”.
(
POPPE, 2003, p.13)
Fig. 51 Modificações na fachada do Mosteiro N. Sra. Das Graças, BH.
POPPE, 2003, p. 13
Embora tenha sido construído ao longo da segunda metade do século XX, o mosteiro
N.Sra. das Graças ainda apresenta o hibridismo característico dos mosteiros beneditinos
brasileiros. Isso se deve ao fato da obra ficar parada durante anos seguidos por falta de
recursos. E também à modernização dos costumes, que determinou modificações no
projeto original. Porém, em muitos casos, essas modificações resultam de interferências
determinadas pelas sucessivas abadessas, motivo de desagrado do arquiteto pela quebra
de modulação que provocaram. (
POPPE, 2003, p.15)
A obra construída apresenta inúmeras modificações se comparada ao 2º conjunto de
desenhos do arquiteto. Dada sua longevidade, não é difícil compreender todos os ajustes.
Muitos dos problemas foram resolvidos no próprio canteiro de obras. Além disso, muitos
dos ajustes foram decididos pela própria comunidade, e por D. Inácio, que além de
monge era também engenheiro e acompanhou de perto toda a construção”.
(idem, ibdem,
p.3
)
106
3.3. O mosteiro de São Bento de Vinhedo
O mosteiro de N. Sra. do Desterro, em Vinhedo (SP), tem suas origem numa fundação
instalada em Santos, em terras anexas à ermida dessa santa, que foram doadas aos
beneditinos em 1647. A fundação do mosteiro foi iniciativa de Fr. Gregório de
Magalhães, superior da Província Brasileira Beneditina Portuguesa, no ano de 1649. Já
estabelecidos, os monges passam a cuidar também de outra ermida, a de N. Sra de
Montserrate e em 1652 recebem os autos de posse da mesma.
Fig. 52 Mosteiro de Santos. ( Silva Nigra, p. 158)
Em 1890 o mosteiro de Santos perde sua autonomia e passa a depender da Abadia N. Sra.
da Assunção, de São Paulo. Em 1910, em meio ao processo de restauração da
Congregação Beneditina Brasileira, os monges alemães que desde 1900 iniciaram a
retomada e renovação da vida monástica beneditina paulistana, se instalam no mosteiro
de Santos e ali permanecem até 1943. Em 9 de julho desse ano, por meio do acirramento
das restrições impostas pelo governo de Getulio Vargas aos “súditos do eixo” nos anos de
guerra, os monges alemães receberam ordens de se mudarem no prazo de 24 horas. Após
permanecerem cerca de um ano por São Paulo, e depois mais dois anos em Jundiaí,
107
compraram a fazenda Bela Vista, em Vinhedo e ali instalaram a comunidade, adaptando
edifícios da antiga sede.
A construção de mosteiros é geralmente um empreendimento de longo prazo. Isso se
deve à própria complexidade do programa, suas grandes dimensões e aos recursos
financeiros disponíveis para as obras por parte da comunidade religiosa. É necessário
também um conhecimento prévio da atividade contemplativa que nele se desenvolve, o
que requer conhecimentos básicos de liturgia e do universo simbólico no qual está
inserido.
Em 1963, D.Martinho Roth, Prior do Mosteiro de São Bento de Santos, em Vinhedo, e
sua comunidade – um total de apenas quatro monges – decidem pedir apoio à
Arquiabadia de Saint Vicent, em Latrobe, no estado da Pensilvânia. Isso culminou na
afiliação do Mosteiro de Vinhedo à Congregação Beneditina Americano Cassinense e seu
desligamento da Congregação Beneditina do Brasil. Quatro monges daquela Arquiabadia
são enviados em missão, em busca de um fortalecimento da comunidade monástica. Sinal
disso é a decisão de empreender a construção de uma nova sede para o mosteiro.
Fig.53 Esquema de implantação do mosteiro. (fonte: AU)
A cronologia das obras do mosteiro de Vinhedo, com base em levantamento efetuado no
escritório do arquiteto Hans Broos, tem inicio nesse mesmo período. O programa de
construção e os estudos preliminares do projeto foram concebidos em agosto de 1965.
108
Em carta datada de março de 1966, o Arquiabade da Congregação Beneditina Americano
Cassinense Rev. Rembert Weakland, OSB, autoriza Hans Broos a prosseguir suas
pesquisas, embora ainda não autorize a construção do mosteiro. O arquiteto aprofunda
então o estudo do terreno, de sua topografia, orientação, insolação e ventos. Procede
também, com auxilio do Padre José (em agosto de 1966), à pesquisa dos veios de água.
Em 1968 a comunidade delibera em favor do projeto de Hans Broos. Em fevereiro de
1970, Dom Leo P. Rohtranff, prior do mosteiro, escreve carta ao arquiteto referente à
questão de honorários. Em dezembro de 1970, o escritório envia o projeto básico, datado
de 04 de dezembro, com folhas numeradas de 1 a 5, mais memorial descritivo.
Apresentado orçamento, a redação final do contrato da obra ocorre apenas em meados de
1971. Nesta primeira fase da construção é edificado o mosteiro propriamente dito, sem o
andar inferior e a igreja. Em 26 de novembro de 1972, o mosteiro é inaugurado.
Fig. 54 Ala norte do Mosteiro de Vinhedo, onde estão as celas monásticas. (fonte: AU)
A construção da igreja se dará quase uma década depois. Em maio de 1980 são
retomados os contatos entre o arquiteto e a comunidade monástica e feitas as visitas
preliminares ao terreno destinado à construção da igreja. Em novembro desse mesmo ano
o arquiteto apresenta seu anteprojeto. A opinião dos monges gerou algumas modificações
nessa primeira versão. Refeito, foi novamente apresentado, mas aquele não era ainda o
momento propício para a obra.
Dois anos depois (1982), Hans Broos é informado da necessidade da ampliação do
número de celas do mosteiro, motivado pela perspectiva de crescimento da comunidade
109
monástica. Os monges sugerem que sejam adicionadas novas celas no andar inferior do
mosteiro e, segundo depoimento de um deles, isso provoca uma reação negativa no
arquiteto que viu nessa solicitação uma agressão a seu ideal de leveza suspensa, pois
apenas arquiteto vê leveza no concreto! Deixando de lado esse conflito de opiniões, o
fato relevante aqui é que a comunidade não dispunha de verba suficiente para construir
um outro prédio, que estava previsto no orgânico plano inicial de Hans Bross.
Posteriormente, o arquiteto envia um caderno de sugestões para ampliação do mosteiro.
Somente no ano seguinte, em maio de 1983, é que ele conclui e apresenta o anteprojeto
da Igreja, acompanhado de memorial descritivo, além de perspectivas e fotos da maquete.
Do mesmo modo que o projeto inicial, esse anteprojeto para ampliação do mosteiro e
construção da igreja foi enviado aos Estados Unidos para apreciação por parte do
arquiabade da Congregação. Uma vez aprovado, com as restrições apontadas, restava
fazer as correções no projeto original e definir as etapas da construção.
Ficou estabelecido naquela ocasião que as obras seriam iniciadas com a ampliação das
celas para os monges, no subsolo do edifício existente, Numa segunda etapa, procederiam
à construção da igreja. Mesmo a contragosto, o arquiteto acabou cedendo e construindo
no andar inferior, fechando assim o grande vão livre sob o mosteiro, que dava leveza ao
conjunto à medida que o destacava do terreno. As obras de ampliação foram iniciadas em
março de 1985 e se estenderam por um ano. Nesse mesmo tempo ocorre a mudança da
sala de recreio e a ampliação do refeitório monástico.
O mosteiro, formado por alas longitudinais e transversais, possuía a guisa de claustro o
jardim interno coberto situado no pavimento inferior, onde está a sala de estar dos
monges, e para o qual se abria a biblioteca. Esse grande espaço vazio, com pé direito
duplo, conecta os dois blocos longitudinais; em uma de suas laterais está a rampa de
acesso que permite a circulação entre os pavimentos e o acesso ao terreno. A construção
de novas celas (no pavimento inferior da ala norte do mosteiro) e a construção da igreja
(no lado oeste do conjunto existente) possibilitou o fechamento do conjunto das alas, a
criação de um novo pátio jardim e a consumação do “espírito do aglomerado”.
110
Fig.55 Sub solo e pav. Térreo. (fonte: edição sobre imagem publicada na revista AU)
1. Entrada; 2. Pátio Interno; 3. Igreja; 4. Presbitério; 5. Sacristia; 6. Capela do SStmo. ; 7. Sanitários; 8.
Portaria; 9. Loja do mosteiro; 10. Parlatórios; 11. Reuniões; 12. Hospedaria; 13. Administração; 14. Sala de
Recreio; 15. Capítulo; 16. Refeitório; 17. Celas; 18. Jardim Interno; 19. Biblioteca.
111
A implantação do mosteiro na encosta do morro exigiu o maior cuidado na formação
arquitetônica da igreja por representar um marco na paisagem, visível de todos os lados.
O volume da igreja deveria complementar e diferenciar o “aglomerado” dos volumes já
existentes, sem deixar de ser destaque, como convém por sua importância (...) Por outro
lado, as linhas do horizonte e os morros rochosos ao redor deveriam encontrar sua
correspondência na forma do “aglomerado” do mosteiro com a nova igreja. A idéia
principal para a concepção da igreja foi sua ligação com o ultimo pátio ajardinado do
mosteiro, cujo espaço continua pela igreja adentro. Através de parede divisória de vidro
m sua altura total, têm-se plena visão sobre o jardim. (
Projeto (137):29-48)
das. Essa estrutura apresentava muitos
arcenaria,
o mobiliário da igreja. Por fim, a instalação do altar.
e
Em julho de 1986, é iniciada a construção da igreja, sob responsabilidade da Construtora
Lix da Cunha (10-07-86). O processo de construção foi turbulento, em razão de
problemas relacionados com a administração das obras. Em agosto desse mesmo ano, a
obra passa a ser administrada pela Construtora Nogueira Porto, em uma espécie de
terceirização. Em fevereiro de 1987, quando ocorre a rescisão do contrato com a
construtora Lix da Cunha, haviam sido executados os trabalhos de terraplanagem do local
da obra, suas fundações, assim como a estrutura de concreto armado do subsolo. Em
março desse ano, a Construtora Nogueira Porto assume legalmente a execução das obras.
Em julho de 1988, o contrato é rescindido por falhas observadas no processo construtivo.
Até essa data, havia sido concluída a estrutura de concreto armado até a laje da cobertura
da Igreja, com exceção dos sheds e platiban
defeitos e necessitou ser revisada.
A partir dessa data, a Construtora Lavendoschi assume a responsabilidade pelo
prosseguimento da obra. Inicialmente é concluída a concretagem e são feitos os reparos
necessários na estrutura defeituosa. Dando prosseguimento ao processo de revisão da
estrutura, finaliza-se a cobertura, sua impermeabilização (Zenimont), o revestimento da
face oeste da igreja com placas pré-moldadas (estrutura Korieger), instalação das
esquadrias (Arianos). Em seguida, tem início o tratamento das superfícies de concreto,
são feitas as instalações elétricas e hidráulicas, as alvenarias, a colocação do piso, o
tratamento acústico das paredes laterais da nave. Também os trabalhos de m
esquadrias e
112
Em sua eficiente cronologia, o arquiteto faz questão de ressaltar que os serviços e
materiais especiais foram contratados diretamente pelo Mosteiro, contando com a mão de
obra auxiliar da Construtora Lavendoschi. Em outubro de 1990 Hans Broos rescinde o
contrato que mantinha com o Mosteiro e encerra seus serviços pelo motivo de falta de
verbas. Restavam assim por terminar as obras no subsolo da igreja, o paisagismo do
mosteiro e a torre do campanário. O tratamento do concreto e a instalação dos
complementos previstos para o piso térreo são adiados para outra ocasião.
Apesar desses problemas e da obra não ter sido concluída, em 01 de maio de 1991 é feita
a cerimônia de dedicação da Igreja.
37
Fig.56 Exterior da igreja. (fonte: Au(50):99) Fig.57 Exterior da igreja (fonte: Au(50):98)
Em 2003, novas modificações são acrescentadas ao projeto original, entre elas a
introdução de uma torre de sinos na portaria do mosteiro, que não está em harmonia com
a concepção e com o programa de Hans Broos para o conjunto monástico, embora siga os
padrões estéticos vigentes na comunidade. Essa controvertida intervenção é de
responsabilidade do Escritório Labora Arquitetura e Construção, do arquiteto Ubiratan
J.A. Silva, autor de uma série de projetos de mosteiros beneditinos a partir dos anos 1980.
37
Esse breve histórico possibilita a correção de algumas imprecisões que foram publicadas a respeito do
projeto (Au:50, pp.93-100, out-nov. 93): a primeira diz respeito à data do projeto, que é 1968 e não 1971
como consta na matéria. 1985 é quando começa a construção da igreja. Seu anteprojeto é de 1983 e
enfrentou dois anos de intensas discussões. 1990 é a data de encerramento das obras por falta de verba. A
inauguração da igreja se deu em 1991
.
113
Fig. 58 Pórtico de entrada e torre do sino. Foto VA
Também é do escritório Labora o projeto para a nova ampliação (construção prevista para
o ano de 2007) em curso no mosteiro de Vinhedo. Seu autor propôs a construção de uma
nova ala paralela ao bloco sul, que abrigará a loja do mosteiro e a nova hospedaria. Esta
se conectará ao novo refeitório dos hospedes, contíguo á sala de recreio da comunidade.
Devido ao crescimento de seu acervo, a biblioteca do mosteiro foi instalada no salão
multiuso situado no pavimento inferior da igreja, o que é positivo à medida que facilita o
acesso e a utilização pelo público externo. Em seu local original funciona agora a Sala
Capitular, que não estava prevista no projeto original do mosteiro.
O resultado e o teor das modificações efetuadas ao longo do tempo nesse mosteiro nos
levam a supor que ocorra uma aparente contradição entre os anseios da comunidade
monástica e a simplificação funcional proposta por Hans Broos em seu projeto.
114
3.4. Abadia de Santa Maria
O início da década de 1970 foi um período transformador para a comunidade da Abadia
de Santa Maria. Em meio ao acelerado processo de verticalização da região da Avenida
Paulista, inadequado para a vida monástica, e sob todo tipo de pressões, a comunidade
decide pela transferência de sua sede para a Serra da Cantareira. Nesse período ocorre
também a fundação do Mosteiro Nossa Senhora da Paz, em Itapecerica da Serra, sinal de
vitalidade e da fecundidade da vida monástica.
Apesar das inúmeras propostas de compra do terreno da Abadia, a comunidade
compartilhava o propósito de não sair de sua sede. Mas a Diocese de São Paulo tinha
outros planos para a igreja abacial: por meio do cardeal D. Agnelo Rossi anunciou que
pretendia transformá-la em paróquia. Para isso, a comunidade monástica deveria se
adaptar aos horários de funcionamento normal de uma paróquia, com casamentos,
reuniões, missas, exéquias, etc, deixando para segundo plano a celebração do Oficio
Divino. Diante dessa situação, a Abadessa Me. Rosa e a comunidade tiveram que, com
muito espírito de fé, aceitar a idéia da transferência do nosso mosteiro.
38
Inicialmente, D. Tito Marchese, abade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, propôs à
comunidade de Santa Maria a doação de parte das terras da fazenda de propriedade dos
beneditinos, situada em Paratei (SP), para a construção da nova sede da Abadia de Santa
Maria. Esta oferta foi gentilmente recusada pelas monjas, pois o lugar era de difícil
acesso e não contava com serviços básicos como luz elétrica e telefone, tornando-se
inadequado para abrigar monjas idosas e que tinham necessidade de tratamento, de saídas,
etc. A cidade mais próxima da fazenda era Arujá, sem muitos recursos naquela época.
A venda do terreno (um quarteirão inteiro na área da Av. Paulista) teve que ser feita em
etapas, em parte devido ao desmembramento da área onde se encontrava a igreja abacial
requisitada pela Diocese. Trata-se da esquina da Rua São Carlos do Pinhal com a
38
CAMPOS, Ir. Maria Letícia Pereira de. Abadia de Santa Maria. Monografia para CIMBRA 97. Exemplar
xerocopiado, Biblioteca do Mosteiro da Ressurreição.
115
Alameda Campinas.
39
Desse modo, o terreno foi vendido em três partes: a primeira e
segunda compradas em duas ocasiões pela Construtora Hindi S.A. A terceira parte (onde
estava o prédio do mosteiro) foi vendida à Hidroservice S.A., dirigida pelo empresário
Heny Macksoud que ali construiu o hotel Maksoud Plaza.
A demolição de “Santa Maria Antiga” começou no dia 02.02.76. Os trabalhos de
demolição (que duraram cerca de quatro meses) foram feitos pela empresa Diez, e
iniciaram simbolicamente pela retirada das portas do mosteiro. Antes de a comunidade
ter iniciado sua mudança, começou a demolição, justamente pela Igreja, tão disputada! O
processo de mudança estendeu-se até 21.05.76.
40
Durante o período da construção, a
comunidade composta por 43 monjas, muitas delas idosas e debilitadas, alojou-se numa
chácara em São Roque – SP, de propriedade das Irmãs Passionistas, um “exílio de 6
meses e 16 dias”.
Fig. 59. Antiga sede da Abadia de Santa Maria. Fonte:
39
Me. Rosa vendo a impossibilidade, escreveu ao Sr. Cardeal expondo-lhe detalhadamente o assunto e
dizendo-lhe que venderíamos a área toda, pois não podíamos mais esperar, com o risco de termos de parar
a construção, já iniciada e que quando equilibrássemos as finanças, daríamos à Arquidiocese o
correspondente à área da igreja em doação monetária. Isto foi feito no dia 22.11.77, quando nosso
advogado, Dr. Tilelli, foi pessoalmente entregar ao Sr. Cardeal, Dom Paulo Evaristo Arns, a quantia de 1
milhao de cruzeiros em nome da Abadia de Santa Maria em comutação de sua antiga Igreja da rua São
Carlos do Pinhal. Nessa época o antigo Cardeal, D. Agnelo Rossi, fora chamado a Roma e lá ficaria até
nova ordem da Santa Sé.
40
Fonte: Crônica da Mudança, escrita por Me. Maria Teresa, OSB, por ocasião do seu Jubileu de Prata em
31.10.77. In. CAMPOS, 1997, SP.
116
Fig. 60 Acesso da Abadia. Cristiano Mascaro (fonte: AU)
A nova abadia foi instalada numa antiga chácara situada na Av. Cel. Sezefredo Fagundes,
no bairro do Tucuruvi, região da Serra da Cantareira. No início de 1973, a comissão
responsável pela venda da antiga Abadia, compra de terreno, construção e transferência
para a atual sede (Me. Rosa, Me. Prioresa Madalena e Me. Maria Teresa) visitou pela
primeira vez o local, que lhes pareceu apropriado aos propósitos da comunidade. Em
02.02.73 é assinada a minuta de compra e venda da chácara. No dia 06.07.75 foi colocada
a Pedra Fundamental da nova Igreja. O autor do projeto é o arquiteto Hans Broos, “que
soube entender o nosso modo de vida; ele sentia cada ambiente, cada recanto da casa
para ver se correspondia ao nosso espírito beneditino de monjas enclausuradas. Aliás,
ele é um grande admirador de nosso Pai São Bento”. No dia 17.01.75, foi assinado o
contrato com a Construtora Schmidt, responsável pela obra.
A Abadia de Santa Maria foi construída numa plataforma natural situada na cota mais
alta da propriedade. Agrupadas a sua volta, em níveis mais baixos, estão a antiga casa da
chácara junto ao portão de entrada, a casa do caseiro (vigia) e o cemitério monástico,
implantado num bosque a nordeste do terreno.
117
Fig. 61 Implantação da Abadia. (fonte: AU)
O mosteiro é um monobloco, formado por alas longitudinais e transversais, que formam
um pátio interno ajardinado, cortado por uma rampa de ligação. Sua modulação básica foi
determinada pelas dimensões das celas. Com 74,30 metros de comprimento e 55,30
metros de largura, o mosteiro apresenta em sua maior parte dois pavimentos; apenas a ala
norte, onde estão concentradas as celas monásticas, possui três pavimentos, aproveitando
o declive natural do terreno.
Em sua apresentação ao projeto, Hans Broos sobrepõe (como é usual) os conceitos de
clausura e claustro. É correta a afirmação de que “todos os conjuntos e dependências
monásticas estão ligados direta ou indiretamente ao claustro (...) voltado para um pátio
interno ajardinado e que concentra múltiplas funções: área de meditação, procissão,
estar e encontro”; no entanto, o claustro “não é a área mais importante para a vida no
interior do mosteiro. Toda a área de clausura, o que inclui o claustro, é importante para
a vida da comunidade no interior do mosteiro! Por sua ambigüidade – um espaço fechado
que se abre para o cosmos – o claustro simboliza o “domínio sobre a natureza”,
representação da natureza idealizada, que reflete o processo interior dos monges em sua
busca espiritual.
118
Por isso, apesar de seu programa correto, eficiente e rigoroso, a abadia apresenta um foco
de controvérsias: em seu programa promoveu uma modificação deliberada das
características originais do simbolismo do claustro. Ao invés de ser um espaço destinado
à oração e contemplação, ele concentra toda a circulação da comunidade, chegando a
invadir a área privativa das celas, onde se transforma em mero corredor. Na opinião de
religiosos, embora isso facilite o acesso aos vários setores do conjunto, dificulta a
utilização do claustro para o recolhimento e a ritualística necessários à vida conventual.
Fig. 62 Claustro e passarela foto: VA Fig. 63 Circulação nas laterais do claustro foto: VA
Por outro lado, o arquiteto conseguiu conciliar a “aparente contradição entre a vida em
clausura e as atividades sociais e educacionais” desenvolvidas no mosteiro. Por meio de
uma delimitação precisa entre as áreas publicas e privadas, reuniu as áreas de contato da
comunidade com o público (portaria, parlatórios, hospedaria) “junto à igreja e próximas
ao acesso principal do edifício”.
119
Fig. 64 Pavimento térreo da Abadia (fonte: AU)
1. Pátio de acesso; 2. Nave dos leigos; 3. Coro monástico; 4. Altar; 5. Capela do Santíssimo; 6. Sacristia externa; 7.
Sacristia interna; 8. Capítulo; 9. Circulação interna; 10. Celas; 11. Pátio interno; 12. Enfermaria; 13. Instalações técnicas;
14. Área de serviço; 15. Lavanderia; 16. Rouparia; 17. Ateliês; 18. Tipografia.
Fig 65 Pavimento superior da abadia (fonte: AU)
Pavimento superior
1. Rampa de acesso; 2. Portaria; 3. Parlatórios; 4. Sala de Conferências; Circulação interna; 6. Celas; 7. Biblioteca;
8. Refeitório; 9. Cozinha; 10. Administração; 11. Hospedaria das religiosas; 12. Hospedaria dos leigos; 13. Vazio da
igreja; 4. vazio do pátio central
.
120
Fig. 66 Interior da igreja. (Cristiano Mascaro ,AU)
A igreja, ambiente único que expressa a igualdade entre os fiéis, é caracterizada pelo
concreto, utilizado em diferentes modos, seja nas paredes, no piso (de agregado exposto)
ou nas lajes nervuradas. A iluminação natural zenital destaca as diversas texturas
experimentadas.
A necessidade de proteger as monjas (em clausura) levou à criação do coro, com a
introdução da capela do Santíssimo. A capela, com paredes à meia altura, se destaca na
nave central, pois separa o coro das monjas da nave principal. Em suas laterais se
encontra um painel de autoria de Burle Marx. A posição do altar permite ao sacerdote a
ação direta e o contato visual e auditivo em ambas direções – coro e nave – sem esforços
e desvios de atenção.
Figs 67 e 68 Interior da Igreja e capela do Santíssimo.
(Cristiano Mascaro : AU)
Os sacerdotes que ali celebram nos relataram uma outra impressão sobre o espaço da
igreja, que contrasta com os propósitos do arquiteto. Um deles assim se expressou:
121
A igreja de Santa Maria possui uma acústica excelente, embora não aprecie a capela do
Santíssimo (que divide o coro do resto da nave), pois é semelhante a uma entrada de
metrô. A igreja é muito cinza e monótona e penso que deveria ter um revestimento, que
pudesse torná-la mais aconchegante. Além disso, ao celebrar lá no dia de hoje, a nave
estava cheia de baldes recolhendo as goteiras que caiam do teto. Mas esse sentimento de
estranheza não provem de um problema técnico e sim estético.
O conjunto, apesar das opiniões e pressões externas à comunidade, da constante
necessidade de manutenção da cobertura do mosteiro e da igreja, se mantém impecável
ao longo de quase três décadas: todos os seus componentes e equipamentos são originais
e ainda atendem as necessidades da vida em clausura. Entre as poucas transformações
feitas ao projeto original, verificadas ao longo do tempo a nova Abadia, merece destaque
a retirada das grades do presbitério, coro e dos parlatórios. I. Maria Letícia, arquivista da
Abadia, nos relata:
Essa remoção está em acordo com as diretivas do Concilio Ecumênico Vaticano II que
exortava os cristãos para uma volta às fontes. A Ordem Beneditina nasceu no século VI e,
portanto, as formas de clausura não eram as grades. Estas nasceram posteriormente com
São Domingos de Gusmão. Por ocasião dos preparativos para a Benção Abacial de
nossa terceira Abadessa, Me. Maria Teresa Amoroso Lima, que é alta, foi necessário
providenciarmos a retirada das grades do coro e do presbitério, pois não seria possível
ela prostrar-se (como requer o cerimonial de celebração da Benção Abacial) ) sem que
esbarrasse com os pés nas grades. Esse evento, por sua vez, favoreceu também a retirada
das grades dos parlatórios, o que possibilitou um contato mais fraterno com os visitantes
e hospedes que vem a Abadia.
Quanto à colocação de imagens de santos e quadros, estes foram assuntos discutidos já
no inicio da própria construção. As imagens que vieram do antigo mosteiro não ficavam
bem na nova construção. Assim, o próprio arquiteto com as irmãs fizeram uma seleção
das imagens que iam ficar na nova sede. São as que estão aqui até hoje.Por meio das
imagens e decorações, procuramos educar as novas gerações para o gosto pela arte e
pela beleza. Somente assim se pode preservar a construção.
Com respeito a manutenção da obra, é verdade que temos sofrido com a infiltração de
água pela laje. A água esta fazendo seu percurso, sobretudo pela parte elétrica, e
escorrendo pelas paredes. Isto está comprometendo a estética e a parte elétrica. Temos
resolvido com a aplicação de impermeabilizantes, o que é provisório e não totalmente
satisfatório. Fizemos uma mudança no sistema elétrico com a finalidade de modernizar
as instalações e facilitar seu acionamento, pois nesta região da Serra da Cantareira
temos muitas tempestades e queda brusca de energia. Agora as próprias irmãs podem,
através de um simples botão manual, fazer voltar a energia, se a queda foi somente
ocasionada pela desativação do sistema. Quanto ao mobiliário, continuamos com o
122
mesmo da época da mudança. Sempre escolhendo aquilo que é simples e apropriado e
contando para isso com a colaboração do arquiteto.
Além de um relacionamento profissional, Hans Broos mantém uma profunda amizade
com as monjas da comunidade beneditina da Abadia de Santa Maria. Recorda com
carinho as conversas, opiniões e o apoio que a madre abadessa Rosa de Queiroz Ferreira
(falecida em 1984), deu a ele no início desse projeto e durante as obras da Abadia, pelas
quais era a responsável.
Esse relacionamento se manteve ao longo do tempo e impediu que a construção se
descaracterizasse por meio de intervenções inadequadas e acidentais. Unidos na busca do
simples e do apropriado, a comunidade monástica e o arquiteto compartilham a tarefa e o
orgulho de manter um dos patrimônios mais representativos do movimento de arquitetura
moderno no Brasil nos anos 1970.
Fig. 69 Refeitório monástico Foto: VA Fig.70 Sala Capitular (Projeto 121:91)
De família alemã, o engenheiro arquiteto Hans Broos nasceu na Áustria, em 1921. Iniciou
seus estudos de arquitetura na Universidade de Praga, Checoslováquia, concluídos em
1948 na Universidade de Brunswick, na Alemanha do pós-guerra. Mudou-se para o
Brasil em 1954, aos 33 anos. Após um período de adaptação e assimilação em São
Francisco do Sul (SC), ingressou na Universidade Nacional do Rio de Janeiro para
validar sua formação européia, procedimento requisitado aos imigrantes do pós-guerra
para o exercício da atividade. Nos anos 1960, depois de um período em Blumenau, vem
para São Paulo e passa a atuar em escala nacional, no sul, sudeste e nordeste do Brasil. É
123
autor de uma obra que se caracteriza por extremo rigor e invenção. Propondo a harmonia
entre homem e natureza, tradição e inovação, concebeu um número expressivo de
projetos arquitetônicos ao longo da segunda metade do século XX, muitos deles
premiados. Seus projetos para edifícios religiosos mereceram destaque e foram
publicados nas revistas especializadas em arquitetura: a igreja da Comunidade Evangélica
de Itoupava Seca (SC) e a igreja de São Bonifácio (SP), ambos da década de 1960. E os
projetos do Mosteiro de São Bento (Vinhedo, SP) e da Abadia de Santa Maria (SP),
concebidos na década de 1970.
41
Os edifícios religiosos concebidos por Hans Bross, em sua identidade, uniformidade e
repetições, são uma contribuição exemplar no processo de renovação da arquitetura
religiosa brasileira contemporânea. Essas construções – os mosteiros e as igrejas – são
construções representativas de nossa época, que materializam os desafios tecnológicos,
sociais e humanitários de nossa civilização. São obras de arte que sintetizam a maestria
de seu autor.
Cada obra de arte pressupõe a ativação de forças que são: a idéia para sua concepção;
a fé para sua idealização; a capacidade para sua materialização; a estrutura para sua
execução.
A idéia é intensamente ligada ao individuo autor, mesmo que influenciada pelo espírito
da época. A fé e a idéia representam, conjuntamente, os componentes das forças
individuais em ação. A capacidade para materialização, no campo da arquitetura,
compreende a resistência física do autor e a disponibilidade financeira e confiança do
cliente; ambas dependem da fé no empreendimento.
A execução se baseia em uma organização técnico-administrativa abrangendo todos os
participantes, desde os proprietários até responsáveis operários, estrutura essa que no
fundo se apóia na ética dos participantes. Com a ética se define o comportamento das
pessoas em relação à tarefa, à sociabilidade e ao objetivo: exatidão, confiabilidade,
persistência, responsabilidade, valores que se originam do fazer as coisas. A ética é
responsável pela qualidade executiva de uma ação. Como o elemento estrutural, definido
e geral, ela é a propagadora da cultura, enquanto a idéia ou a fé constituem os
elementos espirituais e individuais. Não existe ética somente na idéia, no pensar; ela
nasceu do fazer. (
BROOS, Projeto (121):91)
41
Igreja em Santa Catarina. Acrópole (313):26-8, janeiro 1965; Centro Paroquial em São Paulo. Acrópole
(344):25-31, outubro 1967; Mosteiro de São Bento de Vinhedo. AU (50):98-9, out/nov. 1993; Abadia de
Santa Maria. Projeto (137): 45-48, 1990/91.
124
3.5. Mosteiro Nossa Senhora da Paz (1974)
Fig. 71 Mosteiro N. Sra. Da Paz. Foto: VA
Cada mosteiro autônomo pode fundar novos mosteiros” (
Constituições das Monjas da
Congregação Beneditina do Brasil, aprovadas em 1987 pela SCRIS, parágrafo 159
).
Em 1967, durante o I EMLA – Encontro Monástico Latino Americano – realizado no
Mosteiro de São Geraldo no Morumbi, os monges reunidos discutiram entre outros
assuntos a situação do monaquismo beneditino face às novas diretivas conciliares.
Naquele período, era grande o número de monges imaturos procurando um refúgio de
segurança conta um mundo em contínua evolução; por outro lado, também era alto o
número de dispensas, motivadas pelo descontentamento e confusão quanto à função do
monge na Igreja. Nesse contexto, seria possível proceder a um aggiornamento beneditino,
sabendo que esse processo ocorre de modo autônomo em cada uma das diferentes
congregações?
Era necessário formular uma base para esse processo de renovação: resgatar o conceito
de comunidade baseado no princípio da caridade fraterna; reiterar os votos de
125
virgindade e celibato; recuperar o conceito bíblico do desapego e a pobreza que dele
resulta; submeter-se à autoridade, cultivando a obediência. (
CAMPOS, 1997, p.48)
42
No inicio da década de 1970, a comunidade de Santa Maria contava com 54 monjas,
algumas jovens outras bastante idosas; de um lado, o desejo de pôr, o quanto antes, tudo
em prática; de outro, o desejo de viver as diretivas do Concilio, mas no tempo oportuno:
um dia tudo seria posto em prática. Assim, o aggiornamento foi ocorrendo de modo
suave, paulatino, iniciando pela Liturgia: o altar versus populum, suprimir a hora de
Prima, reduzir as Vigílias, adaptar as cerimônias e usos, extinguir as diferenças entre
monjas de coro e monjas conversas. O vernáculo viria mais tarde. (Idem, ibdem)
Foi no contexto da renovação proposta pelo Concílio Vaticano II que a comunidade de
Santa Maria vivenciou a questão de uma nova fundação. O mosteiro N.Sra. da Paz é sua
quarta fundação:
Quando se fala em fundação, geralmente é porque há um transbordamento de vida
espiritual na comunidade fundadora ou porque cresceu de tal modo o numero de seus
membros, que a comunidade se vê na necessidade de fundar um novo mosteiro, ou ainda
porque determinado bispo ou grupo de leigos de um lugar deseje e arque com a
responsabilidade de um mosteiro nesta cidade. Mas para essa quarta fundação, a
motivação foi a paz; (...)“Mosteiro Nossa Senhora da Paz”. E não há paz sem agonia,
agón. (
CAMPOS, 1997, p.49)
Seguindo essas diretivas, o mosteiro foi construído fora da cidade, em uma propriedade
com mais de 100.000 m2, no bairro Potuverá, em Itapecerica da Serra (SP). Situado num
platô em meio a mata cerrada, é resultado do estudo preliminar realizado pelo escritório
BDSEL Arquitetos, de autoria de João Carlos Bross, Altino Mario dos Santos, Ricardo
Júlio Leitner, Arnaldo Villares de Oliveira e Euclydes Rocco Jr, datado de 19.10.1972.
42
Fonte: CAMPOS, Ir. Maria Letícia Pereira de. Abadia de Santa Maria, pp. 47-50. Cimbra 97. Exemplar
xerocado da Biblioteca do Mosteiro da Ressurreição.
126
Fig.72 Projeto de implantação da Abadia de Nossa Senhora da Paz
O projeto da igreja abacial foi aperfeiçoado e data de 22.03.73. Embora o conjunto tenha
sido construído em etapas, a construção atual não apresenta grandes modificações com
relação ao estudo inicial da BDSEL.
Isso se deve a um fato inusitado: o projeto foi desenvolvido pelos então “jovens
arquitetos” seguindo recomendações estabelecidas pela comunidade, que elaborou o
documento “Nosso Universo: um mosteiro beneditino contemplativo
43
, onde expõem de
forma abrangente aquilo que consideram o carisma e a “identidade” do novo mosteiro.
Esse documento resultou de uma solicitação dos próprios arquitetos, que enfrentavam
pela primeira vez o desafio de projetar uma “Escola de serviço do Senhor”. Vale a pena
reproduzir aqui algumas de suas brilhantes passagens:
O mosteiro-casa abriga uma família monástica. Esta família é constituída por mulheres
– criaturas humanas – ligadas não pela consangüinidade natural, mas por um “sangue
divino”, a graça batismal, visando todas um mesmo objetivo de dupla dimensão: a busca
de Deus, na vida contemplativa beneditina, busca realizada cenobiticamente, isto é,
numa sociedade fraterna; nessa sociedade ideal, onde reina o amor, a obediência, a
43
In. CASTANHEIRA, Ir Mônica OSB. “Um mosteiro em perspectiva: a fundação de N.Sra. da Paz,
Itapecerica da Serra”. Cadernos Beneditinos 9, 1972, p. 55-62)
127
inocência, a liberdade das coisas e da arte de bem usar delas, a superioridade do
espírito, a paz, numa palavra: o Evangelho.
São, portanto, essenciais, ao nosso universo, a verticalidade, isto é, a orientação de todo
o nosso ser para Deus e a horizontalidade, isto é, a vida fraterna plena, uma vida em
comunidade, a chamada vida cenobítica.
Essa nossa vida cenobítica reproduz, de certo modo, a vida familiar: os seus membros
mantêm entre si, laços de uma verdadeira fraternidade e todos se relacionam
verticalmente, num relacionamento filial, com um de seus membros, chamado a ocupar o
lugar de “mãe”, isto é, de foco de amor, de centro de coordenação dos esforços comuns,
de fonte de estímulo e de elemento de direção e autoridade.
São Bento, que programou o gênero de vida de família monástica, estabeleceu dois pólos
em torno do qual gravita a “ação”, a atividade dessa sociedade humano-sobrenatural: a
oração e o trabalho – Ora et Labora.
A igreja abacial é, por isso, o coração do mosteiro. A comunidade ai realiza a sua
função, específica, diante de Deus e dos homens: a da oração. Sua oração brota do
silencio vivificado pelo contato com Deus. Seus gestos brotam de sua interioridade. E o
povo presente na igreja durante as celebrações deverá ser “sensibilizado” para a oração,
para o encontro com Deus, por essa nota pacificante, de interioridade, de comunidade
que reza, como também (e isto cabe ao arquiteto!) pela “interioridade” do espaço
sagrado que o abriga. Simplicidade, harmonia, luminosidade difusa (não ofuscante),
despojamento, recolhimento, em suma: beleza, que é “esplendor da ordem”, deve
impregnar a arquitetura desse lugar sagrado.
Brotando dessa visão sobrenatural, o trabalho manual das monjas enxerta-se na obra
redentora do Cristo e os trabalhos confeccionados no mosteiro, por meio dos quais as
monjas ganham a sua subsistência, são sempre marcados por um toque de “beleza”, de
“acabamento”, de perfeição, sempre desejosos de sugerir uma beleza que transcende, e
que procuram refletir. Através desses trabalhos, intelectuais ou de artesanato, as monjas
deixam transbordar sobre a sociedade dos homens a Beleza que as fascina, a harmonia
de sua vida e a paz que procuram construir.
Além desses trabalhos, as monjas entregam-se também aos mesmos ofícios comuns das
pessoas do mundo, na sua faina diária: cuidam da casa, lavam, costuram, cozinham,
entregam-se à jardinagem, etc... Seu trabalho, porém, tem sempre uma dimensão de
amor que o eleva à “lei fundamental da perfeição humana, portanto, da transformação
do mundo”. Pois como diz ainda o Concílio, “aos que acreditam na caridade, Cristo (...)
admoesta que esta caridade deve ser exercida não só nas ações retumbantes, mas em
especial nas circunstancias ordinárias da vida”.
Entre todas as atividades assumidas pelo mosteiro, há uma que o tem sido, de modo
quase ininterrupto por nossa Ordem, no correr dos séculos, a hospitalidade. Paulo VI
exorta-nos a exercer essa hospitalidade beneditina em nossas hospedarias, que “nós”,
diz ele, “tanto apreciamos como centros incomparáveis de irradiação”. E ainda “Hoje
não é a carência do convívio social que impele o homem ao mosteiro, mas a exuberância.
A excitação, o ambiente tumultuoso e febricitante, a exterioridade, a multidão ameaçam
128
a interioridade do homem: falta-lhe a oração, falta-lhe a paz, falta-lhe ele mesmo. Para
reaver domínio e gozo espiritual, esse homem moderno tem necessidade de se
reencontrar de novo no claustro beneditino”, que o acolherá como hospede, como
visitante ou como candidato à vida monástica. (
CASTANHEIRA, 1952, pp.55-62)
Até que o Mosteiro N. Sra. da Paz se erga, simples e sóbrio, no alto da colina, nossa
comunidade deverá atravessar as necessárias fases de crescimento interior e enfrentar
os problemas inerentes à edificação da Casa de Deus. Que não nos falte o auxílio
fraterno de todos os irmãos e irmãs de São Bento!
O slogan “Antes de construir o mosteiro de pedras, construir a comunidade de pedras
vivas”, atribuído ao P. Domingos Barbé, norteou a comunidade durante a fase pioneira da
nova fundação. Em 1973, a pedra fundamental do mosteiro é abençoada pelo bispo D.
Ernesto de Paula, representando o Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, impedido de
comparecer na última hora.
Na primeira etapa da construção, conforme nos relatou Ir. Maria da Cruz OSB, uma das
fundadoras, foram feitas as estruturas da igreja e da sacristia, assim como a maior parte
do bloco frontal do mosteiro. Ali foram instalados a portaria, os parlatórios e a hospedaria
interna, com três celas e refeitório próprio. Tamm o setor de serviços do mosteiro
(cozinha, copa, refeitório, lavanderia). E os dois blocos destinados às celas, que fecham o
espaço triangular do claustro. Na intersecção do bloco esquerdo das celas com o bloco
frontal (igreja) está localizada a enfermaria; na intersecção do bloco direito, o noviciado.
No vértice do triangulo formado pelos blocos de celas estão os sanitários coletivos. Era
essa a configuração inicial do conjunto quando foi ocupado pela comunidade de NSra. Da
Paz:
O grupo fundador de 9 irmãs partiu de Santa Maria no dia 21.07.74, após a missa
conventual, recebendo nessa ocasião as insígnias da fundação: a cruz, a Regra de São
Bento e o saltério. Foram as irmãs M. Doroteia Rondon Amarante, Prioresa; Ir.
Emerenciana Rabelo Jardim, sub-prioresa; Ir. Paulina de Carvalho Gomes; Ir. Melânia
Silviano Brandão; Ir. Mônica Castanheira; Ir. Maria Beatriz Rondon Amarante; Ir.
Maria da Cruz; Ir. Regina Jardim Paixão; Ir. Silvia da Cunha Andrade. No mesmo dia
21.07.74, depois de M. Dorotéia fechar a clausura, iniciaram o Louvor Divino. (
CAMPOS,
1997, p.50
)
129
Fig. 73 Ante projeto para o mosteiro de autoria da BDSEl.
Ao longo do processo de construção foram feitas modificações na proposta apresentada
pela BDSEL. Além de reformulações na parte interna da igreja e em outros setores do
mosteiro, a sala de artes e artesanato, em formato hexagonal, prevista para o centro do
claustro foi descartada logo de início pela comunidade. Em seu lugar, foi instalado em
1984 o cemitério monástico. Em 1985 é concluída a ala frontal do mosteiro, com a
construção do setor de trabalho, para onde foi remanejada a oficina de artesanato. Em
1990 são finalizadas as obras do refeitório. Em 1996, a ala onde está instalada a
enfermaria e o setor das oficinas passam por uma grande reforma. No ano seguinte foi
inaugurada a biblioteca monástica, construída em volume anexo ao bloco de serviços.
130
Fig 74 Configuração atual do mosteiro
1. Igreja; 2. Sacristia; 3. Portaria e parlatórios; 4. Serviços; 5. Hospedaria; 6. Enfermaria; 7. Claustro
(cemitério monástico); 8. Noviciado; 9. Sanitários; 10. Celas; 11. Terraços (não construídos); 12.
Circulação; 13. Sala de conferencias da comunidade e residência abacial; 14. Biblioteca.
Em 1998 têm início as obras de ampliação da igreja abacial. Isso demandou um
demorado e custoso processo de recuperação das estruturas do edifício, bastante
deterioradas por sua exposição ao tempo. Por sua complexidade, o projeto de ampliação
da igreja contou com a colaboração de diversos profissionais. Entre as propostas
apresentadas encontramos um estudo preliminar do escritório Projeto Paulista,
131
responsável pelo projeto da Catedral do Campo Limpo, da mesma Diocese. Mas as obras
de ampliação e recuperação da igreja do Mosteiro N.Sra. da Paz seguiram o projeto
inicial. A estrutura de concreto da igreja, comprometida pelo processo de infiltração das
águas pluviais, demandou um verdadeiro trabalho de restauração, finalizado apenas em
2000.
Fig. 75 e 76 Proposta do escritório Projeto Paulista para a reforma da igreja.
Fig. 77 Capela antiga foto: VA Fig. 78. Capela atual. Foto: VA
O responsável pelo projeto de renovação e ambientação da igreja abacial é o artista
plástico Cláudio Pastro (1948), especialista em arte sacra.
44
Irmão oblato do mosteiro
Nossa Senhora da Paz, foi ali que lapidou sua vocação, recebendo noções de teologia,
liturgia e estética por intermédio da abadessa Madre Dorotéia Rondon Amarante, sua
44
Cláudio Pastro realizou varia exposições no Brasil e no exterior. Sua produção é em grande parte de
pinturas e afrescos, além de esculturas e objetos litúrgicos. É autor da imagem do “Cristo Evangelizador do
III Milênio”, encomendada pelo Vaticano em 1998 para marcar as comemorações do novo milênio.
Também é autor de alguns livros. O primeiro deles foi lançado em 1993 com o título Arte sacra: o espaço
sagrado hoje, pela editora Loyola. Em 2001 publica pela editora Paulinas Claudio Pastro - Arte Sacra.
132
entusiasta. Na área da arquitetura é autor de inúmeros projetos de “atualização” para
igrejas e capelas, entre os quais se destacam: a antiga Capela do Mosteiro Nossa Senhora
da Paz (1984); Capela do Seminário Diocesano de Manaus (1988); Catedral de Sant’ Ana
de Itapeva (1988); Capela da Comunidade de Taizé de Alagoinhas(1992); Capela da Casa
Provincial das Irmãs de Santo André em São Paulo (1994); Capela da Instituição
Adveniat de Essen, Alemanha (1995); Igreja Paroquial da Imaculada Conceição de
Morungaba (1995); Capela Cristo Rei da fazenda Santa Fé em São Manuel (1998);
Santuário da Vida em São José do Rio Preto (1999-2000); Nova ambientação da Basílica
de Aparecida do Norte (2003-2007).
Fig. 79. vista do claustro a partir das celas. Ao fundo igreja e torre dos sinos. (foto VA)
Em 2002, após o término das obras da igreja abacial foi construída a torre dos sinos, um
projeto da empresa Gerpro Engenharia. As intervenções recentes são de autoria de
Ubiratan José Almeida Silva, do Escritório Labora. Arquiteto formado pela Universidade
Mackenzie em 1981, Ubiratan Silva especializou-se em projetos para a área institucional,
tendo como foco principal de atuação a arquitetura religiosa. É autor de inúmeros
projetos para mosteiros beneditinos, entre eles o Mosteiro da Ressurreição (PR), de 1982;
a capela do Mosteiro da Virgem (RJ), de 1986; a Cela de São José (SP), de 1988; o
Mosteiro da Transfiguração (RS), de 199. Em 1997 projetou o oratório dos alunos do
133
Colégio Santo Américo (SP), obra apresentada nos painéis da IV BIA. Atualmente
realiza obras de ampliação no Mosteiro de São Bento de Vinhedo.
Em 2003, Ubiratan Silva projeta a Casa Nazaré, transferindo o setor de atendimento
social e educacional do mosteiro para um local mais acessível, ao lado do estacionamento.
Em 2004-05, devido ao crescimento da comunidade, são construídas novas celas (agora
com banheiro privativo), além de uma sala de conferências e um setor destinado à
residência da abadessa.
Fig. 80. Refeitório monástico foto: VA
Fig. 81. Claustro do mosteiro foto: VA
134
3.6. Mosteiro da Ressurreição em Ponta Grossa
“A experiência mostra que a vida monástica nunca nasce por geração espontânea –
como, aliás, qualquer gênero de vida. Para haver vida, é preciso haver geração por
parte de outros, que por sua vez também foram gerados. As tentativas de auto-geração
monástica, em geral, estão fadadas ao fracasso. É verdade que uma vida autenticamente
gerada também pode fracassar, adoecer, morrer. Mas para morrer é preciso antes estar
vivo. No caso da auto-geração a vida nem sequer é produzida. Não há propriamente
morte, uma vez que jamais houve nascimento. Só monges geram monges, assim como só
cristãos geram cristãos (...) O mosteiro da Ressurreição não nasceu do nada. É
herdeiro de uma Tradição viva”. (
PENTEADO, 1997, p.1)
Fig. 82 Mosteiro da Ressurreição.
O Diretório Litúrgico da Congregação Beneditina do Brasil assinala a data a fundação do
Mosteiro da Ressurreição: 26 de junho de 1981. Iniciativa de um grupo de jovens
monges, provenientes do Mosteiro de São Bento de São Paulo, é a primeira fundação
beneditina masculina realizada na Congregação Brasileira desde o século XVII. Esses
pioneiros, vindos de um mosteiro situado no centro urbano, conceberam e realizaram o
projeto de uma fundação no campo, voltada fundamentalmente à vida contemplativa,
135
sem atividades externas tais como colégio, paróquia ou outras pastorais e que realçasse
os valores monásticos da oração, trabalho, recolhimento e silencio, sem deixar de
acolher os hospedes e visitantes que procuram o mosteiro para celebrar a Eucaristia e o
Ofício Divino, orientação espiritual e dias de retiro. (
Loci Ubi Deus Quaeritur, Presença
beneditina no mundo inteiro, 2000, p.52. Edição da Abadia de Sankt Ottilien: EOS-Verlag
)
Mas isso não ocorreu sem contratempos: embora contasse com a licença de D. Joaquim
de Arruda Zamith, abade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, a iniciativa de um
grupo de monges de empreender uma fundação fora do centro urbano não obteve o
referendo da comunidade do mosteiro paulistano, ficando temporariamente sob a
jurisdição do Abade Presidente da Congregação Beneditina do Brasil na época, Dom
Basílio Penido. Sob ameaça de fechamento ou exclusão da Congregação, o grupo de dez
fundadores obteve em novembro desse mesmo ano, por meio de documento da Sagrada
Congregação para os Religiosos, uma permissão para fundação ad experimentum, por três
anos.
Entre junho de 1981 e agosto de 1985 a comunidade viveu no santuário de Vila Velha, a
trinta quilômetros de Ponta Grossa, em situação muito precária. À pequena igreja do
santuário, foi acrescentado um mosteiro, construído com madeira pedida de esmola (...)
Faltava praticamente tudo, menos a caridade dos religiosos – particularmente das
religiosas – e de leigos, que auxiliavam a comunidade com doações de alimentos (...)
Nos primeiros anos havia total incerteza quanto ao futuro. Além da pobreza aflitiva, a
situação canônica era apenas provisória.
As histórias desse período – pitorescas, divertidas ou dolorosas, ms plenas de significado
sobrenatural – dariam para encher vários volumes. É difícil exagerar a fragilidade dos
primeiros anos. Paradoxalmente, o corte do cordão umbilical com o mosteiro de São
Paulo teve o benéfico resultado de fortificar a fé e as vontades. A impossibilidade de
voltar atrás decuplicou a coragem para enfrentar as ásperas privações materiais, bem
como todo gênero de dificuldades humanas inerentes à construção de uma comunidade
que toma por guia o Evangelho, inestimável tesouro que, porém, é trazido em vasos de
barro.
(PENTEADO, 1997, p.3)
45
Em agosto de 1983, com recursos provenientes de doações de instituições religiosas
européias e brasileiras, a comunidade adquiriu uma grande área situada a doze
45
Mosteiro da Ressurreição: Síntese Histórica e Projeto Monástico. D. Mateus de Salles Penteado, OSB.
CIMBRA, RJ, 1997. Exposição apresentada como parte de um painel sobre a Congregação Beneditina do
Brasil realizado durante o curso de Historia do Monaquismo no Brasil promovido pela CIMBRA entre 21 e
29 de julho de 1997 no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Texto xerocopiado, cedido pelo autor.
136
quilômetros da cidade de Ponta Grossa e, em 1984, foi iniciada a construção do mosteiro
atual. Também foi regularizada sua situação canônica.
Em 18 de outubro de 1984, um reescrito da Sagrada Congregação para os Religiosos
erigiu canonicamente o Mosteiro da Ressurreição de maneira definitiva, ao final do
período ad experimentum. O mosteiro tornou-se um Priorado Simples, sob a jurisdição
do Abade Presidente, D. Basílio Penido. (...) Em 1987 o mosteiro foi erigido em Priorado
Conventual, e D. Lucas Torrel de Almeida Costa instituído seu Prior, cargo que ocupou
até sua renúncia, em março de 1991 (...) Em 17 de abril desse mesmo ano é eleito novo
prior D. André Martins, quando a história do mosteiro entrou numa nova fase, na qual
ainda vive, de aprofundamento de seu próprio lugar na Igreja. (
idem, ibdem, p.3)
O Mosteiro da Ressurreição foi erigido em Abadia em 21 de agosto de 1997; em 30 de
novembro desse mesmo ano ocorre a benção abacial do primeiro abade, D. André
Martins, OSB.
Passadas duas décadas da ocupação inicial dessa área de 193.700 metros quadrados da
antiga Chácara Maracanã, atualmente situada na periferia de Ponta Grossa, pudemos
verificar “in loco” as várias etapas da constituição espacial do mosteiro. Isso se tornou
possível ao efetuarmos medições nas áreas internas da edificação, procedimento adotado
com o intuito de atualizar as informações dos projetos arquitetônicos da Instituição.
Os documentos existentes informam acerca das sucessivas etapas de construção do
mosteiro, mas faltava uma representação de sua estrutura atual, tarefa que nos foi
designada. Associando as informações dos processos e alvarás com os dados contidos
nas plantas de arquitetura disponíveis, verificamos na arquitetura do mosteiro um
processo “orgânico” de implantação e crescimento, que se reflete em sua configuração
atual.
Desse modo, a partir dos documentos arquitetônicos da construção original, e das
sucessivas ampliações e melhoramentos foi possível traçar sua configuração atual,
reflexo do crescimento e organização da comunidade.
137
Fig. 83 Implantação do Mosteiro. Fonte: Arquivos do Mosteiro.
A propriedade rural onde se encontra o mosteiro não possuía uma sede: contava apenas
com algumas habitações para colonos. A comunidade pioneira, vinda de Vila Velha, se
aloja inicialmente nessas exíguas casas “rurais”. A primeira capela e a torre do sino são
prontamente edificadas. Não encontramos referências ou projetos arquitetônicos para as
construções desse período inicial. Sabemos apenas que estão inseridas num processo
construtivo que está na origem da tradição monástica.
O primeiro projeto de arquitetura para o Mosteiro é de 1983, data também do primeiro
alvará de licença e autorização da edificação. Seus autores são Danilo Franco e Ubiratan
Silva, arquitetos, este último responsável pela obra.
46
Trata-se de uma construção térrea
e compacta, de volumetria quadrada, com aposentos distribuídos em torno de um pátio
central (claustro) que orienta toda a circulação da comunidade. Suas características
básicas, tais como revestimentos em tijolo aparente, cobertura de telha cerâmica sobre
estrutura de madeira, forros em madeira, pisos em lajotas (substituídas posteriormente
por placas de ardósia), esquadrias em ferro, grandes superfícies internas pintadas em cor
branca, definem o caráter vernacular da arquitetura do conjunto, e vão orientar os
sucessivos acréscimos ao bloco inicial. Essa escolha de materiais foi condicionada ao
46
O escritório Labora, de Ubiratan Silva, é responsável por vários projetos de edificações religiosas.
138
preço e à oferta de produtos no mercado de construção local. Tijolo, telhas, pisos
cerâmicos e ardósia são materiais próprios da região, o que barateia seu custo e torna
acessível sua utilização.
Fig. 84 Construção inicial. Vista do claustro. Foto: VA
Situada numa zona de variação climática acentuada, a construção é, de modo geral, fria e
úmida. Isso se deve ao modo como foi implantada, acompanhando a declividade natural
do terreno e ao tipo de revestimento utilizado nos pisos – pedra – colocada diretamente
sobre o solo, sem um espaço intermediário (porão). Isso intensifica a sensação de
umidade nos espaços internos, principalmente em salas próximas aos desníveis do terreno
(arrimos) e locais pouco ensolarados.
A ampliação da capela foi a próxima etapa da construção. Situada em cota mais alta, dista
cerca de 25 metros da clausura e com esta se alinha em paralelo. Não é possível localizar
a data desse projeto no conjunto de plantas arquivadas.
E assim, sucessivamente, o terreno foi sendo ocupado: numa nova ala, perpendicular à
capela, instala-se o refeitório monástico, a copa e a cozinha. Ligando esta ala ao corpo da
clausura original e em paralelo à capela é formado outro eixo, com a construção do bloco
de dois pavimentos que contém no térreo a sala do capítulo, a administração e a
biblioteca e no pavimento inferior o almoxarifado, a fabrica de licores e a padaria do
139
mosteiro. A junção desses blocos isolados, através da intersecção com o eixo das celas (a
nova clausura, com 2 blocos de 220 m2), possibilitou o fechamento da construção e a
definição do claustro maior, estruturado em uma colunata de pedra de talha rústica.
Fig. 85 Mosteiro atual. Vista do Claustro Fig. 86 Laterais do claustro
Fig. 87 Sala do Capítulo Fig. 88 Capela (fotos: VA)
Em 93, são realizados projetos para prover o mosteiro de muros e portões, o que parece
indicar o início das preocupações da comunidade com a manutenção da privacidade e
segurança. Esses muros, assim como as contenções do terreno e detalhes da construção,
são feitos em pedra e dão um aspecto de solidez ao conjunto. A transformação de toda a
área ao redor do Mosteiro em área periférica da cidade de Ponta Grossa é eminente; a
necessidade de proteção é, portanto, um fato consumado.
140
O projeto para o novo Capítulo é de responsabilidade do César Polinski, arquiteto. Trata-
se de um prolongamento natural da capela, e data de janeiro de 1997. É quando o
conjunto se fecha e estrutura definitivamente, adquirindo a sua configuração atual.
Fig. 89 Mosteiro da Ressurreição: pavimentos térreo e superior.
Nesse processo orgânico de expansão e crescimento, em grande parte realizado pela
própria comunidade, a orientação da construção em relação ao sol assim como as
questões de conforto térmico foram muitas vezes desconsideradas. Disso resultou uma
desequilibrada distribuição de luz solar no interior do mosteiro onde temos áreas amplas
e ensolaradas e outras em constante penumbra. Associando isso à grande área de
141
cobertura do conjunto, verificamos que algumas soluções simples, tais como a
iluminação zenital, não foram consideradas no processo de construção e ampliação do
mosteiro. Isso somente começa a ser introduzido na nova Sala Capitular e no novo
postulantado, de construção recente.
Fig. 90 Postulantado. Fonte: Arquivo do Mosteiro da Ressurreição.
A ala do postulantado é uma construção com componentes pré-fabricados, de autoria da
Dinap/Casas Especiais, com sede em Ponta Grossa; construída em novembro de 2000,
distingui-se por ser um bloco diferenciado agregado ao conjunto. Contígua ao edifício
inicial do mosteiro e situada atrás da nova Sala Capitular, ela contrasta com o restante do
conjunto pelo fato de ser construída com componentes de madeira pré-fabricados.
Embora se assemelhe à configuração arquitetônica inicial do mosteiro (o quadrado com
vazio central), não apresenta os materiais tampouco o caráter artesanal que caracterizam
todo o mosteiro. A respeito do aspecto artístico e artesanal, encontramos em todo o
conjunto construído uma grande variedade de pinturas murais, mosaicos e vitrais, com
temática religiosa, projetados e executados pelos artistas da própria comunidade ao longo
desses vinte anos, que enfatizam a vocação artístico-contemplativa da Abadia.
O eremitério está distante do corpo central. É uma construção em dois pavimentos, em
estrutura de concreto e alvenaria, cujo projeto não está datado. Um anexo para lazer
(churrasqueira), aparece em dezembro de 98. Um novo eremitério é construído em
madeira, a meio caminho entre o mosteiro e a área de lazer. Registramos ainda alguns
projetos não executados, tais como o da nova biblioteca e auditório público, datados de
142
1997. São importantes registros das intenções formativas adotadas pela comunidade, que
visam uma maior contribuição e integração ao meio cultural da cidade.
Na área externa do mosteiro, em meio ao bosque que circunda toda sua parte frontal, está
a hospedaria, uma residência térrea com telhado em duas águas, construída de modo
convencional, que possui 4 celas com banheiro individual, sala, refeitório, cozinha e
varanda frontal. No acesso principal do mosteiro estão a portaria, o parlatório e uma
pequena loja de produtos artesanais, instalados em casa remanescente da antiga chácara,
construída em madeira e típica da região. Dispersos pela propriedade, em outras
construções, foram instalados escritórios, alguns ateliês (velas, costura) e depósitos.
Temos ainda a ressaltar que o projeto paisagístico adotado (o bosque, os caminhos e
acessos) na ala exterior do mosteiro transformou o lugar num ponto de atração e
referência para o lazer na região.
Fig. 91 Capela: fachada e corte transversal. Fonte: Arquivo do Mosteiro.
Fig. 92 Estudos para ampliação da Sala das Virgens, que conecta a capela com o mosteiro.
143
3.7. Cela de São José
Fig. 93 Cela de São Jose: vista aérea. Fonte: Arquivo do mosteiro.
A cela de São José em Itapecerica da Serra (SP) é uma casa de formação dependente da
Abadia de São Geraldo, situada no bairro do Morumbi, em São Paulo. Ambas fazem
parte da Congregação Beneditina Húngara, cuja sede é a milenar Arquiabadia de
Panonhalma (996).
Os primeiros imigrantes húngaros chegaram ao Brasil após a 1ª Guerra Mundial. Eram
em sua maioria camponeses e aqui enfrentaram sérias dificuldades para sua adaptação. O
primeiro monge beneditino da Congregação Húngara que chegou a o Brasil foi D.
Arnaldo Szelecz, em 1931. Com 31 anos de idade, esse ex-soldado, recém ordenado
sacerdote, viajava sozinho como missionário. Acolhido pela comunidade do Mosteiro de
São Bento de São Paulo ali permanece por sete anos.
Por meio de sua brilhante atuação em atividades comunitárias propicia o encontro dos
vários grupos de imigrantes húngaros dispersos pela cidade e nos núcleos de
colonização no interior do estado e norte do Paraná. (
Abadia de São Geraldo: meio século de
uma história milenar. SP. 2003. p.14
) Em meados da década de 1930, na cidade de São Paulo,
no bairro de Vila Anastácio – reduto de moradores húngaros, e também italianos,
144
portugueses, lituanos, eslavos – funda uma escola e posteriormente uma igreja (1939).
Ao lado dessa igreja é edificada uma casa para religiosos, Nova Pannonhalma, que
acolhia o grupo de religiosos pioneiros e que atuavam em quatro diferentes vertentes: a
atividade pastoral, a educação, as atividades culturais e as obras sociais. (
idem, p.16)
Em 1951, a comunidade se transfere para a rua Imaculada Conceição, 71, no bairro de
Santa Cecília, onde instala o Mosteiro de São Geraldo e funda o tradicional Colégio
Santo Américo, em prédio pertencente à Pontifícia Universidade Católica. Em 8 de
dezembro de 1953 o mosteiro é elevado à categoria de Priorado e D. Emilio Jordan
nomeado Prior.
A excelência das atividades pedagógicas do Colégio Santo Américo e o rápido
crescimento do número de seus alunos possibilitaram a construção de uma nova sede: em
1963 foi inaugurado o primeiro prédio do atual conjunto do colégio, situado em uma
grande propriedade no bairro do Morumbi. Paulatinamente se dá a transferência do
mosteiro para uma ala anexa ao conjunto do colégio. Em 31 de maio de 1970 é instalada
ali a Paróquia São Bento do Morumbi. Em 1971 é lançada a pedra fundamental da igreja,
consagrada em 28 de maio de 1978 pelo então cardeal-arcebispo D. Paulo Evaristo Arns.
Em 8 de junho de 1989, o mosteiro é elevado à categoria de Abadia e D. Ernesto Linka é
eleito pela comunidade como seu primeiro abade.
Procurando proporcionar um ambiente tranqüilo para cultivar o espírito e a formação
monástica, a Abadia de São Geraldo adquiriu um terreno na zona rural de Itapecerica da
Serra, onde foi construída a Cela de São José, casa de formação projetada pelo arquiteto
Ubiratan José Almeida Silva em 1988 e inaugurada em 6 de agosto de 1992.
Alguns anos antes, em 1985, a comunidade começou uma reorganização e renovação de
sua vida comunitária, que a levou ao projeto de uma casa de formação próxima ao
mosteiro, procurando a retomada das fontes monásticas e a tão desejada volta às origens
como o devido aggiornamento enfatizado pelo Concilio Vaticano II (...) Como herdeira
das iniciativas anteriores, compete à Cela de São José a acolhida e a formação
monástica das novas vocações. Seguindo a tradição buscou-se um entorno que
favorecesse a missão e uma infra-estrutura condizente: circundado pela Mata Atlântica,
um lugar elevado que propicia silêncio, recolhimento e oração; a arquitetura monástica,
fundindo o estilo românico com elementos do colonial brasileiro com seus claustros e
espaços bem definidos; a simplicidade do estilo de vida e o trabalho manual e intelectual;
a celebração da Liturgia das Horas, da Lectio Divina e das Missas Conventuais; o
145
serviço pastoral e social dentro dos muros do mosteiro, seja na Portaria, na Hospedaria,
nos Parlatórios, ou no atendimento de Confissões e Retiros. (
D. Geraldo González y Lima,
OSB. Abadia de São Geraldo, p. 46
)
Fig. 94 Conjunto inicial fig. 95 Conjunto atual (fotos: VA)
Trata-se de um projeto peculiar. Em sua versão inicial, a horizontalidade do conjunto era
acentuada pela torre dos sinos, visível a grande distância. A implantação e disposição das
edificações no terreno obedeceram ao desenho das curvas de nível. A capela monástica
era a construção principal do conjunto, situada em seu centro. Em suas extremidades
estão dispostos dois blocos longitudinais; no bloco frontal, encontra-se a portaria do
mosteiro, sanitário público, a entrada da capela, os parlatórios. Inicialmente, do lado
esquerdo, havia ali também uma loja e capela para hospedes. A hospedaria ficava no
outro extremo do bloco, unida por um extenso e segmentado corredor que franqueava o
acesso dos hospedes a toda ala frontal do mosteiro. Também a ala transversal esquerda,
onde esta incrustada a torre dos sinos servia aos hospedes, dando acesso ao refeitório e a
copa, situados do lado esquerdo do bloco longitudinal posterior. Isso gerava uma intrusão
no setor privado da comunidade, devido à indefinição quanto aos limites da clausura; o
bloco posterior é destinado aos serviços da comunidade. Ali, no centro e na outra
extremidade da capela, há um anexo com dois pavimentos e em forma de V onde se
situam a cozinha, a lavanderia e área de serviço (piso superior); a garagem, almoxarifado
e depósito (piso inferior). Na ala transversal direita, situa-se o refeitório, capítulo, a sala
de estar da comunidade e, no pavimento inferior, a biblioteca do mosteiro. Outro extenso
e segmentado corredor possibilita a integração dessa ala com as celas monásticas,
dispostas na parte posterior do mosteiro, paralelamente às celas para hospedes.
146
Novamente aqui temos um problema de indefinição quanto aos limites da clausura. E,
além disso, é necessário falar aqui do claustro.
Fig. 96 Cela de São Jose: implantação original e ampliação. Fonte: Labora.
No projeto original, o mosteiro possuía dois pequenos claustros, situados nas laterais da
capela. O claustro da esquerda, situado entre a capela e a torre, era destinado ao cemitério
monástico. O claustro da direita, situado entre a capela e a ala transversal onde estão os
espaços de reunião da comunidade. Ambos são visíveis a partir da capela e dos
corredores de circulação (inclusive do corredor destinado aos hospedes), o que
definitivamente não é adequado para vida em clausura. Além disso, a capela esta
praticamente situada ao lado da cozinha do mosteiro, o que tamm implica em inúmeros
problemas. Que foram em parte contornados com a construção da nova igreja e a reforma
e ampliação do mosteiro, que ocorreu em 1995.
147
Fig. 97 e 98 Fachadas da nova igreja Fonte: Labora.
O desmembramento de grandes propriedades próximas ao mosteiro possibilitou a
construção de condomínios fechados na região, assim como a expansão dos loteamentos
populares. O crescimento da comunidade de monges e fiéis favoreceu a construção da
nova igreja, implantada ao lado esquerdo do conjunto original, e da nova hospedaria, no
espaço de transição entre a igreja e o mosteiro. Isso levou a redefinição dos espaços de
clausura, limitando de modo mais preciso a circulação dos hospedes pelo conjunto. Os
corredores não são mais de uso comum, a hospedaria conta com setores próprios de lazer
e serviços, a loja e salão de recepções foram transferidos para o piso inferior da igreja.
Todo o conjunto inicial é agora de uso exclusivo da comunidade, com exceção da antiga
capela, franqueada aos hospedes durante dos ofícios.
Fig. 99 Ampliação da Cela de São José. Fonte: Labora.
148
Alguns problemas não foram resolvidos com essa ampliação. As celas monásticas
implantadas em blocos dispostos na orientação leste-oeste e voltadas para o jardim
interno têm pouca iluminação e nenhuma privacidade, a medida que estão voltadas umas
para as outras. A implantação acompanhando as curvas de nível do terreno produziram
desníveis entre os cinco blocos das celas, o que acarretou a necessidade de alguns
degraus nos corredores de circulação, situação não adequada a uma comunidade onde há
a perspectiva de envelhecimento. O problema da proximidade da área de serviços com a
capela também não foi devidamente solucionado.
Fig. 100 e 101 Corte e fachada dos blocos de celas. Fonte: Labora.
149
Fig. 102 Ampliação da hospedaria e definição da área de clausura do mosteiro. Fonte: Labora
Na nova igreja, o posicionamento da capela do SStmo. também é problemático: situado
entre o altar da igreja e o mosteiro, em meio ao transito diário da comunidade, não
propicia o recolhimento naturalmente desejado para esse local. Também as grandes
aberturas ao lado do altar, voltadas para o leste, ofuscam a visão do desenrolar das
celebrações.
150
Fig. 103 Interior da Igreja Fig. 104 Vista da fachada do conjunto atual.
Além desses problemas, de natureza funcional, há outros, de natureza estética. Apesar da
boa composição, a arquitetura da cela abusa dos efeitos decorativos. Os arcos que
proliferam em todos os ambientes do mosteiro, na fachada, corredores, portas e janelas,
não são propriamente arcos, pois não tem outra função senão aquela decorativa. O
mesmo se pode dizer das pedras que, embora emprestem solidez à base da construção,
nada mais são do que mero revestimento. Ou das empenas com tijolos à vista, apenas
mais um artifício de acabamento.
A Cela de São José correspondeu às expectativas estéticas da maior parte das
comunidades religiosas brasileiras e se tornou, na década de 1990, uma referência para a
construção de outros mosteiros e casas de formação, como por exemplo, o Mosteiro da
Transfiguração, em Santa Rosa (RS), do mesmo autor. Sua arquitetura, que funde o estilo
românico com elementos do colonial brasileiro, sucedeu a modernidade das propostas de
Hans Bross; juntas, revelam a diversidade de soluções concebidas pelos arquitetos aos
apelos de retorno às fontes da tradição monástica. No processo de renovação da
arquitetura beneditina brasileira contemporânea resta ainda a tarefa de inventar formas
novas, apropriadas às atuais condições de vida.
151
IV. Considerações finais
Arquitetura dos mosteiros beneditinos e o 3º Milênio
A excelência e a adequação de um mosteiro nascem da colaboração minuciosa que se
estabelece entre os religiosos, os arquitetos e os construtores. Essa colaboração
manifestará o carisma da comunidade, que é o atributo definidor das diretrizes do
programa arquitetônico do mosteiro. É fundamental, da parte do arquiteto, a compreensão
do que consiste a vida em clausura, linha mestra da concepção arquitetônica. Para isso
será providencial o aprendizado a respeito da vida contemplativa e de seus requisitos
básicos. O estudo da Regra de São Bento e da espiritualidade beneditina são, portanto,
essenciais para orientar a construção de um novo mosteiro para a Ordem. É necessário
informar-se também sobre Liturgia e Arte Sacra, buscando compreender suas
particularidades como, por exemplo, o oratório monástico, espaço onde toda a
comunidade se reúne para os ofícios e celebrações, e que por sua vez difere do espaço da
igreja. É recomendado, caso possível, realizar uma experiência de vida em clausura para
conhecer a complexidade do programa de um mosteiro, e conseguir estabelecer um
equilíbrio entre as diversas partes do conjunto a ser edificado. Por sua vez, será também
fundamental aos religiosos a compreensão que a cópia de soluções antigas, por melhores
que porventura tenham sido, não significa uma solução arquitetônica adequada ao
presente. Novas tecnologias propiciam novas formas e proposições. A todos os
envolvidos na construção de um mosteiro, em especial aos construtores, é recomendada a
paciência e a compreensão, pois como diz o salmista “Se o Senhor não construir a nossa
casa, em vão trabalharão seus construtores.” (Sl. 126, 1)
O estudo da arquitetura desses mosteiros beneditinos torna evidente sua importância no
panorama da renovação da arquitetura religiosa brasileira contemporânea. Nos mosteiros
estudados identificamos projetos bastante diversificados, e adequados ao carisma de cada
uma das comunidades que abrigam. E todos, sem exceção, foram instalados à margem de
núcleos urbanos, em locais altos e privilegiados, áreas enormes com terrenos rodeados de
vegetação, levando-os a se transformarem em marcos da paisagem local. A implantação
152
desses mosteiros se deu sem grandes restrições: à medida que não necessitaram adaptar
seus programas a um ambiente já consolidado, puderam apresentar tal diversidade de
soluções.
Construídos, na maioria das vezes, com falta de recursos, dependendo de doações de
beneméritos e de eventuais ações contributivas, foram se adaptando aos novos tempos,
resultando nas feições híbridas que neles podemos identificar. O tempo da construção dos
mosteiros e as alterações efetuadas pelos sucessivos responsáveis pelas obras não
modificaram o tradicional processo de edificação em blocos, com o fechamento do
claustro se consumando por meio das sucessivas etapas de construção do conjunto. Esse
processo apresenta um paralelo, uma espécie de reflexo do processo interior do monge em
sua busca espiritual, que também se dá paulatinamente com a conversação dos seus
costumes; afinal, o claustro é representação da natureza idealizada, natureza que aos
poucos vai se delineando até sua constituição.
Os mosteiros estudados foram concebidos por arquitetos, que mantiveram um excelente
relacionamento com as comunidades monásticas. Em sua maioria, o projeto desses
mosteiros apresentou mais de uma versão, em razão de comentários e sugestões da
comunidade, o que propiciou muitas alterações às propostas iniciais dos arquitetos. O
longo tempo de construção da maior parte dos exemplos estudados também contribuiu
para estimular alterações e reformulações em seus projetos. Dos seis mosteiros estudados,
quatro deles – N.Sra. das Graças, N.Sra. da Paz, Mosteiro de São Bento de Vinhedo e
Mosteiro da Ressurreição – foram construídos em etapas, ao longo dos anos. Apenas dois
deles – Abadia de Santa Maria e Cela de São José – foram entregues à comunidade
praticamente concluídos. Cabe a ressalva que a Abadia de Santa Maria permanece fiel ao
projeto de Hans Broos há mais de três décadas; enquanto a Cela de São José, por outro
lado, já passou por ampliações e reformas, realizadas por seu próprio autor.
Lugares do sagrado, onde se fundem espiritualidade e cultura, os mosteiros atuam como
indutores do processo de urbanização nos locais onde estão instalados. O Mosteiro N.Sra.
das Graças encontra-se atualmente em meio a um bairro densamente povoado de Belo
153
Horizonte. O mosteiro de São Bento de Vinhedo foi cercado por condomínios de classe
média. A Abadia de Santa Maria, na Serra da Cantareira, encontra-se ilhada em meio ao
processo de expansão da periferia da Zona Norte de São Paulo, cercada por loteamentos
irregulares e em meio à progressiva devastação da mata remanescente.
O Mosteiro N.Sra. da Paz e a Cela de São José, construções vizinhas no bairro Potuverá,
em Itapecerica da Serra (SP), apesar da distância da cidade e da barreira representada pela
rodovia Regis Bittencourt, também experimentam os efeitos de um complexo e
especulativo processo de urbanização. As grandes propriedades vizinhas estão sendo
loteadas, dando origem a bairros carentes de todo tipo de serviço e assistência. Aqui cabe
sublinhar a importância desses mosteiros enquanto centros assistenciais para seu entorno
imediato, atuando em benefícios da melhoria das condições dessa população carente de
serviços públicos essenciais, promovendo a inclusão social e a educação religiosa.
A Abadia da Ressurreição, distante 12 quilômetros da cidade de Ponta Grossa (PR)
experimenta o mesmo fenômeno, do qual parece ser impossível escapar. Neste caso em
particular existe ainda um outro questionamento: ser mosteiro urbano ou ser mosteiro
rural. A Abadia da Ressurreição, foi uma fundação que, pelo menos em sua origem
(1981), se propunha a ser um mosteiro de vida simples, e hoje é abadia (1997) normal da
Congregação do Brasil com brasão e tudo, e uma comunidade numerosa, em sua grande
maioria laica
(COLOMBÁS, p.500). Em 2006, ao completar 25 anos de história, a
comunidade se empenha na transferência para um local mais isolado e distante da cidade.
O abade D. André Martins OSB relata no site do mosteiro o propósito dessa mudança:
Compreendemos que para não sermos obrigados a mudar o ideal que nos trouxe a Ponta
Grossa – e isso num futuro não distante –, é chegado o momento de uma mudança de
local para que possamos continuar a oferecer à Igreja a alternativa de um mosteiro
beneditino situado no campo, um lugar que ofereça maior proteção ao silencio e à paz,
para continuarmos entoando o louvor do Senhor e, compartilhando este ambiente
propício à escuta da Palavra de Deus com todos aqueles que nos visitam e se hospedam
conosco. É por essa razão que nosso mosteiro será transferido para uma nova sede, em
Itaiacoca, distrito de Ponta Grossa.
47
47
Em razão de nosso convívio e amizade com a comunidade da Abadia da Ressurreição, recebemos em
2004 a missão de projetar a nova sede do mosteiro. O projeto encontra-se em sua fase executiva, com a
colaboração da Construtora Nazs, de São Paulo.
154
Quais as contribuições arquitetônicas apresentadas por esses mosteiros?
O Mosteiro Nossa Senhora das Graças, em Belo Horizonte, MG, projeto do arquiteto
Francisco Bologna (1923-2006), apresenta uma estratégia espacial tributária da
arquitetura religiosa da antiga tradição, e pode ser considerado a iniciativa pioneira que
deu origem ao processo de renovação da arquitetura monástica beneditina brasileira na
segunda metade do século XX. Porém, devido ao largo espaço de tempo transcorrido em
sua construção (1949-99) e a inúmeras interferências circunstanciais, seu projeto ainda
apresenta o hibridismo arquitetônico que é característico dos mosteiros beneditinos
brasileiros dos períodos anteriores. Concebido em uma fase pré-conciliar, nele podemos
notar um conflito permanente entre os procedimentos tradicionais e as novas
possibilidades da arte de construir.
Diferentemente, a Abadia de Santa Maria, em São Paulo, projeto de Hans Bross datado
de 1976, foi construída em curto espaço de tempo, pautada pela busca da simplicidade e
da funcionalidade em seus espaços, atributos fundamentais para a boa arquitetura.
Pousado em meio a uma grande área arborizada, esse conjunto monumental, onde
predomina o concreto, caracteriza-se pela unidade, pois agrega todos os componentes do
cenóbio monástico em um volume único (a própria igreja inclusive), no qual predominam
as linhas horizontais. Na igreja, de esquema tradicional, o coro das monjas enclausuradas
é separado da assembléia (disposta em L) pelo altar e pela capela do SS., colocado em
sentido diagonal à nave. Na empena voltada para a “igreja dos fiéis” há um painel
escultórico de Burle Marx. A Abadia de Santa Maria, embora tenha sido construída
rapidamente, é uma obra marcada pelo rigor construtivo e guarda uma relação direta com
o Convento dominicano de Sainte Marie de La Tourette, de Le Corbusier, em Eveux-sur-
l’Arbresle, na França (1953/59), empreendimento pioneiro ao propor “um novo mosteiro,
adaptado aos novos tempos”.
A Abadia Nossa Senhora da Paz (1973-2002), em Itapecerica da Serra, SP, projeto do
escritório BDSEL (que dará origem ao escritório Leitner, Santos & Bross), mesmo
passando por diversas transformações ao longo do tempo de construção, obedece ao
programa básico inicial. Sua implantação é completamente distinta dos exemplos
155
anteriores. Isso se deve à configuração diferenciada de seu claustro – triangular –
resultado da união dos três blocos de celas cujas unidades deslocadas progressivamente
se encontram em um dos vértices. Outra característica deste projeto são os corredores de
circulação internos com diversas aberturas voltadas para o claustro triangular,
possibilitando o contato efetivo da comunidade com o meio ambiente. A capela da
Abadia possui um espaço litúrgico diferenciado, com nave circular e ausência de
separação física entre os locais destinados ao coro e aos fiéis. Em sintonia com os ideais
do aggiornamento, seu projeto apresenta uma alternativa ao esquema tradicional das
igrejas monásticas femininas, geralmente com naves separadas para o coro e para os fiéis,
posicionadas ortogonalmente (em L) e com o altar situado no ponto de intersecção. Na
capela de N.Sra. da Paz, num mesmo espaço, sem grades ou divisões, o coro monástico e
a assembléia dos fiéis são divididos por uma simples e simbólica corda, disposta de tal
modo que possa proporcionar a reunião de todos para as celebrações.
Os mosteiros acima citados são casas de comunidades religiosas femininas, cuja
propagação foi intensificada ao longo do século XX, devido a participação cada vez mais
intensa das mulheres, não apenas no mercado de trabalho, como na própria Igreja. Talvez
mais receptivas às inovações, por que não dizer à moda, essas comunidades femininas
brasileiras trouxeram um sopro de novidade para a arquitetura monástica aqui praticada,
uma espécie de radicalismo inovador que pode ser verificado tanto nos programas
construtivos quanto nos aspectos formais dos mosteiros mencionados.
Com relação aos mosteiros masculinos, a situação é outra. O projeto do Mosteiro de São
Bento de Vinhedo (1968-1990), de Hans Broos, em Vinhedo, São Paulo, é exemplar em
vários sentidos, seja em sua implantação, no uso correto do concreto armado e sua
integração com os materiais aparentes, no uso dos elementos vazados, na busca de
funcionalidade, ou na resolução de problemas relacionados com o conforto ambiental.
Apesar de tudo isso, o projeto é polêmico, se considerarmos a opinião dos monges que
vivem ali. O conjunto, segundo afirmam, parece estar em desacordo com concepção
tradicional de um mosteiro, o que tem motivado uma série de adaptações e acréscimos à
construção original, com resultados notoriamente inadequados e comprometedores.
156
A partir da década de 1980, graças a um incessante processo de revisão e atualização, a
idéia de arquitetura monástica assumiu outros rumos. Passado o período de renovação,
seguiu-se o de incertezas, pois constatamos uma tendência ao “conformismo” nas novas
construções monásticas. Nos projetos dos mosteiros beneditinos mais recentes, seja a
Cela de São Jose, (1987/1992), da Congregação Beneditina Húngara, de autoria de
Ubiratan J.Almeida Silva e ambientação de Cláudio Pastro, em Itapecerica da Serra, SP
ou a Abadia da Ressurreição em Ponta Grossa, PR, projeto original também de autoria de
Ubiratan J. Almeida Silva, com sucessivas transformações efetuadas pela própria
comunidade, observamos o retorno a uma idealização convencional da arquitetura
monástica, de caráter regionalista e vernacular, onde se fundem reminiscências do estilo
românico com elementos do colonial brasileiro, com seus claustros e espaços bem
definidos.
Devido ao intenso processo de urbanização da segunda metade do século XX, a reunião
comunitária se tornou a premissa básica da grande maioria das propostas dos arquitetos
envolvidos na renovação da arquitetura religiosa. Muitos projetos assumiram
características intimistas. Mas essa orientação não foi uma constante da arquitetura
realizada no período. Outros projetos seguem uma tendência oposta ao intimismo: foram
concebidos como arenas grandiosas, para cerimônias e espetáculos sacros ou profanos,
nos parecendo mais salas de uso polivalente do que propriamente locais de culto religioso.
De qualquer modo, essa tendência a “dessacralizar” os espaços religiosos e transformá-los
em espaços de eventos, estádios para shows e celebrações que escapam à escala humana.
Existe ai algo de premonitório: são projetos que anteciparam uma das tendências atuais da
arquitetura religiosa, que é a edificação das igrejas programadas para a acolhida de
multidões.
Ao longo da história os ritos que regulam as celebrações passaram por períodos de
desenvolvimento, atrofia, decadência e reforma, o que implicou em inúmeras variações na
concepção arquitetônica dos edifícios religiosos. Por isso, o projeto de um mosteiro não
pode ser pensado em função de soluções históricas, tampouco justificado por meio de
157
considerações litúrgicas ultrapassadas. Ainda mais na segunda metade do século XX
quando ocorreu uma fase de grande experimentalismo no campo da arquitetura religiosa.
Na diversidade dos exemplos estudados buscamos identificar os vestígios da tradição
construtiva beneditina e sua associação às novas conquistas no campo da arte e da técnica
arquitetônica. Em todos permanece inalterado o pressuposto da adequação da arquitetura
monástica às funções a qual se destina, evitando toda espécie de exibicionismo decorativo
para não desviar a atenção da vida de oração e trabalho ali realizada. O jogo das formas,
portanto, não pode ser explorado por si mesmo, já que o lugar santo, por mais grandioso,
aberto e luminoso que o construam, deve inspirar gravidade e silêncio, como requer o
encontro com o divino.
A renovação da arquitetura religiosa brasileira contemporânea se desenvolveu em meio à
multiplicidade de propósitos, concepções, ações e estratégias. Uma de suas características
básicas é confronto entre intimismo e monumentalidade, atributos onipresentes nos
projetos para edifícios religiosos ao longo da segunda metade do século XX. A vida
contemporânea fez nascer um desejo novo por mosteiros, locais onde as pessoas se
sentem acolhidas, um lugar vivo e silencioso, próprio para o recolhimento em meio a uma
vida estressante, um oratório retirado para endereçar suas preces ao Pai que lá está imerso
em segredo.
(Matheus VI, 6)
Acredito que ainda cabe ao arquiteto encontrar a solução mais adequada para cada lugar e
para cada comunidade, religiosa ou laica. Quando visitamos os edifícios religiosos
contemporâneos e reconhecemos seus autores, é inevitável a lembrança das palavras do
Evangelho: “Na casa de meu Pai, há muitas moradas”. (Jo 14,2)
158
Índice de ilustrações
1 Reconstituição da Abadia de Montecassino (ESCHAPASSE, 1963, p.44)........................27
2 Esquema típico de mosteiro beneditino. (RISEBERO, 1982, p.41)..........................................36
3 O modelo ideal: esquema de St. Gall. (CONANT, 1982, p.58).................................................39
4 Abadia de Cluny. (Cluny, Saône-et-Loire, França) (ESCHAPASSE, 1963, p.)........................41
5 Arquiabadia de São Sebastião, em Salvador, Bahia, 1625. (REIS FILHO, 2000, p.27).............48
6 Arquiabadia de São Sebastião, 1638. (REIS FILHO, 2000, p. 32)..............................................48
7 Arquiabadia de São Sebastião, 1758. (REIS FILHO, 2000, p. 45)..............................................49
8 Arquiabadia de São Sebastião. (LUNA, 1947, s/p)......................................................................50
9 Arquiabadia de São Sebastião: pavimento térreo. (IPAC, 1973, p. 69).......................................50
10 Abadia de São Bento de Olinda (Olinda, PE), 1630. (REIS FILHO, 2000, p. 78)....................52
11 Abadia de São Bento de Olinda. (LUNA, 1947, s/p).................................................................53
12 Abadia de N.Sra. do Monserrate do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro/RJ), 1695. (REIS FILHO,
2000, p.162).....................................................................................................................................56
13 Abadia de N. Sra. do Monserrate, 1775. (REIS FILHO, 2000, p. 184).....................................56
14 Fachada da Abadia de N. Sra. do Monserrate. (Arte no Brasil, 1979, V.I, p.96)......................57
15 Abadia de N. Sra. do Monserrate: vista do conjunto. (LUNA, 1947, s/p).................................58
16 Abadia de N. Sra. do Monserrate: pavimento térreo. (BAZIN, 1956, s/p)................................58
17 Abadia de N. Sra. da Assunção (São Paulo, SP), 1775. (REIS FILHO, 2000, p.189)..............60
18 Abadia de N. Sra. da Assunção, 1787. (REIS FILHO, 2000, p. 192).......................................61
19 Abadia de N. Sra. da Assunção, (Miguel A. B. da Assunção Dutra (1810-1875). Acervo do
Museu Paulista. (Mosteiro de São Bento, 1988, p. 22)...................................................................62
20 Fachada da igreja abacial. (Richard Berndl), 1911. (Mosteiro, 1998, p. 78).............................64
21 Abadia de N. Sra. da Assunção: vista do conjunto. R. C. Anderson, 1921. (Mosteiro de São
Bento, 1998, p. 79)..........................................................................................................................64
22. Interior da igreja abacial. (LUNA, 1947, s/p)...........................................................................65
23 Abadia de N. Sra. da Assunção. (LUNA, 1947, s/p)..................................................................65
24 Antiga sede da Abadia de Santa Maria. (LUNA, 1947, s/p)......................................................66
25 Mosteiro de Vanves. D. Bellot. (Fonte: AAH, 1938, p.14)……………………………….…...76
26 Christus König Kierche / 1928 (Dominikus Bohm) (BOHM, 1962, p. 172)……………...…..78
27 StahlKirche – Colonia 1928 (Otto Bartining) (PICHARD, 1960, p.43)…………………...….78
28 Capela de Romchamp 1952-55, (Le Corbusier) (NORWHICH, 1981, p. 241)........................81
29 Cartuxa de Galluzzo. (AAH, 1938, p. 8)....................................................................................82
159
30 Claustro do mosteiro cisterciense de Thoronet. (AAH, 1938, p.9)............................................82
31 Esquema do Convento de La Tourette. (JEANNERET GRIS, 1961, p. 24)..............................84
32 Convento de La Tourette, vista do conjunto. (JEANNERET GRIS, 1961, p.33)......................84
33 Projeto da Abadia de Vaals, 1922. Böhm e Weber. (BÖHM, 1962, p.91)................................85
34 Vista da Abadia de Vaals, (BÖHM, 1962, p.95 ).......................................................................85
35 Vista aérea da abadia após sua renovação (1956-86). (AA, (325):43, dez.99)).........................85
36 Projeto de renovação de D. Hans van der Laan (1956). (AA, (325):43, dez.99).......................85
36 Acesso da comunidade monástica à igreja de Vaals. (AA, (325):43, dez.99)...........................86
38 Vista do interior do mosteiro. (AA, (325):43, dez.99)...............................................................86
39 Igreja abacial de Vaals. (AA, (325):43, dez.99).........................................................................88
40 Renovação da Abadia de St. John.(
PAPACRHISTOU, 1970, p.35).............................................89
41 Abadia de St. John (JANER, 1962, p.283)…………………………………….…………..…..90
42 Abadia de St. John (JANER, 1962, p.284)................................................................................90
43 Abadia de St. John (
PAPACRHISTOU, 1970, p.229)...................................................................90
44 Abadia de St. John (
PAPACRHISTOU, 1970, p.228)...................................................................90
45 Arquiabadia de Saint Vincent: novo bloco de celas. (
Religious buildings,1979,p.38)..................91
46 Arquiabadia de Saint Vincent: vista aérea. (
Religious buildings,1979,p.68 )...............................91
47 Arquiabadia de Saint Vincent: pavimento tipo. (
Religious buildings,1979,p.38).........................91
48 Mosteiro N. Sra. Das Graças: primeiro pavimento. (POPPE, 2003, p.8)................................103
49 Mosteiro N. Sra. Das Graças: segundo pavimento. (POPPE, 2003, p.8).................................103
50 Modificações na composição arquitetônica do mosteiro. (POPPE, 2003, p.12)......................105
51 Modificações na fachada do Mosteiro N. Sra. Das Graças. (POPPE, 2003, p.13).................106
52 Mosteiro de São Bento de Santos. (Silva Nigra, 1950, p. )......................................................107
53 Mosteiro de São Bento de Vinhedo: implantação (AU(50):98, 1993).....................................108
54 Ala Norte do Mosteiro de São Bento de Vinhedo: celas. (AU(50):99, 1993) .........................109
55 Sub solo e pav. Térreo do Mosteiro de São Bento de Vinhedo. (AU(50):99, 1993)...............111
56 Interior da igreja. (AU(50):98, 1993).......................................................................................113
57 Exterior da igreja. (AU(50):99, 1993)......................................................................................113
58 Pórtico de entrada e torre do sino. Foto; VA............................................................................114
59 Abadia de Santa Maria. (Projeto(137):48, 1990/91)................................................................116
60 Acesso da Abadia de Santa Maria. Cristiano Mascaro (AU(50):95, 1993).............................117
61 Implantação da Abadia de Santa Maria. (Projeto(137):48, 1990/91).......................................118
62 Claustro e passarela. Foto: VA.................................................................................................119
63 Circulação nas laterais do claustro. Foto: VA..........................................................................119
160
64 Pavimento térreo da Abadia de Santa Maria. (AU(50):93-100, 1993)..................... ...............120
65 Pavimento superior da Abadia de Santa Maria. (AU(50):93-100, 1993)....................... .........120
66 Interior da igreja abacial. Cristiano Mascaro (AU(50):93-100, 1993).....................................121
67 Interior da igreja abacial. Cristiano Mascaro (AU(50):95, 1993)............................................121
68 Capela do Santíssimo. Cristiano Mascaro (Projeto(137):47, 1993).........................................121
69 Refeitório monástico. Foto: VA..............................................................................................123
70 Capítulo. Foto Cristiano Mascaro (Projeto(137):46, 1993).....................................................123
71 Mosteiro N.Sra. da Paz (Itapecerica da Serra/SP). Foto: VA..................................................125
72 Projeto de implantação do mosteiro N.Sra. da Paz. (Arquivo do Mosteiro)...........................127
73 Ante projeto para o mosteiro de autoria da BDSEL. (Arquivo do Mosteiro)..........................130
74 Configuração atual do mosteiro................................................................................................131
75 Proposta do escritório Projeto Paulista para a reforma da capela: Fachada. (Arquivo do
Mosteiro).......................................................................................................................................132
76 Proposta do escritório Projeto Paulista para a reforma da capela: Interior da igreja. (Arquivo do
Mosteiro).......................................................................................................................................132
77 Capela antiga foto. Foto: VA...................................................................................................132
78 Capela atual. Foto: VA............................................................................................................132
79 Vista do claustro a partir das celas. Ao fundo igreja e torre dos sinos. Foto: VA...................133
80 Refeitório monástico foto: VA.................................................................................................134
81 Claustro do Mosteiro. foto: VA................................................................................................134
82 Mosteiro da Ressurreição (Ponta Grossa/PR). Vista aérea. (postal)........................................135
83 Implantação do Mosteiro da Ressurreição. (Arquivo do Mosteiro).........................................138
84 Construção inicial do mosteiro. Vista do claustro. Foto: VA...................................................138
85 Mosteiro atual. Vista do Claustro. Foto: VA............................................................................140
86 Laterais do claustro. Foto: VA.................................................................................................140
87 Sala do Capitulo. Foto: VA......................................................................................................140
88 Capela do Mosteiro da Ressurreição. Foto: VA......................................................................140
89 Mosteiro da Ressurreição: pavimentos térreo e superior.........................................................141
90 Área para postulantes do Mosteiro da Ressurreição. (Arquivo do Mosteiro).........................142
91 Capela: fachada e corte transversal. (Arquivo do Mosteiro)...................................................143
92 Estudos para ampliação da Sala das Virgens, que conecta a capela com o mosteiro. (Arquivo
do Mosteiro).................................................................................................................................143
93 Cela de São José (Itapecerica da Serra/SP): vista aérea. (Imagem cedida pelo arquiteto
Ubiratan Silva, escritório Labora)..........................................................................,.....................144
161
94 Cela de São José (construção inicial). Foto VA...............................................,.......................145
95 Cela de São José (construção atual). Foto VA................................................,........................145
96 Cela de São Jose: implantação original e ampliação. (Labora).............................,.................146
97 Fachada da nova igreja (Labora)..............................................................................................147
98 Fachada da nova igreja (Labora)..............................................................................................147
99 Ampliação da Cela de São José. (Labora)................................................................................148
100 Corte transversal do bloco de celas. (Labora)........................................................................149
101 Fachada dos blocos de celas. (Labora)...................................................................................149
102 Ampliação da hospedaria e definição da área de clausura do mosteiro. (Labora).................150
103 Interior da Igreja. Foto: VA....................................................................................................151
104 Vista da fachada do conjunto atual. Foto: VA......................................................................151
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