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trumentista, arranjador. Dificil. Mais realista e objetivo é o
crítico Ary Vasconcellos:“Se você tem 15 volumes para falar
de toda a música popular brasileira, fique certo de que é
pouco. Mas se dispõe do espaço de uma palavra, nem tudo
está perdido; escreva depressa: Pixinguinha”.
To cou desde criança em tudo que era lugar,em teatros e
circo,e na verdade aperturas financeiras não as conheceu por
falta de trabalho. Quando seu pai morreu em 1917 (ano em
que era gravado o samba “Pelo telefone”), Pixinguinha já se
sustentava. Dois anos depois estreiaria no Cine Palais o con-
junto que celebraria uma época da nossa música: Os Oito
Batutas. Lá estava Pixinga, lá estavam Donga, China e
Nelson Alves – negros como ele. Na Companhia Negra de
Revistas foi que conheceu Beti, que tomaria como sua
mulher para toda a vida. Negro: era negro numa sociedade
racista que contestaria sua ida a Paris com seus companhei-
ros em 1922, para representar o Brasil. Imagine, que desafo-
ro! Mas sua genialidade venceria todos esses preconceitos.
Villa-Lobos era um de seus admiradores, e o musicólogo-
compositor Basilio Itiberê ensinaria que o contraponto de
Pixinguinha (e é só ouvir suas gravações com o flautista
Benedito Lacerda) era coisa de mestre. E já que falamos em
Benedito Lacerda, convém lembrar que sua parceria com
Pixinguinha era meramente simbólica. Pixinga precisava de
dinheiro e projeção, que o duo – e mais a parceria que foi
consagrada contratualmente – acabou lhe garantindo.
Único luxo a que se permitia: beber. E bebericava seu
sagrado uisquinho de segunda a sexta no “Gouveia”, na
Tr a v e s s a d o O u vidor – onde existe hoje sua estátua em
bronze. Era o templo onde seus amigos iam adorá-lo, ele Rei
Mago. Lá estavam João da Bahiana e Donga, e também
Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, que o conside-
rava um santo e um gênio e foi lá um dia pedir-lhe a bênção.
Não dá para dizer qual a música mais bonita de
Pixinguinha: se “Carinhoso”,“Ingênuo”,“Sofres porque que-
res”,“Rosa”,“Lamentos”. Porque ele foi um escultor de belas
melodias que, hoje, continuam modernas – com aquele
toque de eternidade que os gênios conferem àquilo que
a verdade veio ao mundo na Cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro em 23 de abril de
1897 (e não em 98, como durante algum tempo
se acreditou), dia em que, aliás, se celebra um Santo
Guerreiro de nome Jorge. Também, já se vê, não era à tôa
que Di Cavalcanti o chamava de “Meu irmão em São Jorge,
meu irmão Pixinguinha!”.
(Posso afirmar,embora alguns afirmem que é delírio, que
sou testemunha de um belo retrato de Pixinga feito por Di.
Estava lá, em seu atelier na rua do Catete, onde o pintor era
meu vizinho).
Quando acharam por bem criar o Dia do Choro, outra
data não poderia ser escolhida: a do nascimento desse
homem que nasceu para enobrecer o gênero, dar-lhe forma-
to e linguagem própria,cheia de melodias ondulantes e ricas
de modulações. Quem na vida já não se pegou assoviando
o “Carinhoso”? Pois é.
Antes de conhecer fisicamente Pixinguinha, eu ouvia
Pixinguinha nas rádios e, sobretudo, o vi, em carne e osso,
uma primeira vez, tocando no carnaval na antiga Galeria
Cruzeiro, vizinha ao Café Nice, na Avenida Rio Branco.
Década de 40.
Depois, pra valer mesmo, foi na década de 50 que o
conheci – e aí o grande acontecimento se deu na casa de
Jacob do Bandolim, em Jacarepaguá. Pixinga já triscado nos
uísques, tocando como gostava seu saxofone perolado, os
dedos que eram feito estalactites de tão longos e bonitos e
transparentes, as unhas alabastradas e a máscara africana
esculpida em estanho ou ônix ou num piche platinado – e
aqueles dedos corriam o corpo do instrumento e dele
extraíam sons absurdamente maravilhosos. Já abandonara a
flauta, por essa época. Problemas de embocadura: a boca
fibrilava, os lábios já não obedeciam ao contato da flauta – e
o sax entrou na sua vida, definitivamente. Mas Beti, sua
mulher, não se conformava. Afinal, tinha o sopro mais boni-
to entre todos os flautistas.
Aliás, essa é uma das grandes dúvidas de seus biográfos:
como enquadrá-lo em sua multiplicidade: compositor, ins-
N