
eternidade, lá o homem opera uma obra com Deus.”
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Nessa liberdade, o homem vive, em
todas as suas obras, sempre em busca, sempre em disposição de um começar de novo e novo.
Esse é o caminho da unidade. Caminho cujo caminhar segue em vias de desprendimento de
todas as coisas criadas, o que não quer dizer que estas mesmas coisas sejam aniquiladas, mas
que já não são mais como um isto ou aquilo: são na ação do deixar ser o que já são desde
sempre em Deus, ou seja, no único modo em que podem ser verdadeiramente. Assim, cada
ação que daí (dessa interioridade) se desdobra é sempre uma prece, cada ato é uma dimensão
da vigência desse ser da unidade. Ou como nas palavras de Rilke: “O que no fundo existe é
apenas prece,/e assim as mãos que nos são consagradas/coisa alguma criam que não
implore;/se antes alguma pintava ou ceifava,/já nas circunscrição das ferramentas/era a
devoção que se desdobrava.” É preciso, nesse sentido, dizer que o caminho da unidade e a
interioridade que lhe é própria, não abole o caminho da multiplicidade, ou seja, as relações
exteriores, mas, pelo contrário, é capaz – em sua liberdade – de conduzir essas relações ao
máximo de magnitude que a vida é capaz de lhe dar. Assim, o homem: “(...) deverá aprender
a agir de modo que o interior ecloda para a ação e a ação se reintroduza no seu interior e
destarte se habitue a agir sem apreensão. Pois cumpre dirigir a atenção sobre essa atuação
interior, e agir a partir daí, seja ler, rezar, ou, se for o caso, praticar alguma obra exterior.”
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Nesse sentido, a ética eckhartiana se introduz como um agir sem apreensão, ou
seja, um agir em conformidade ao que já é; um agir a partir de dentro, do interior, ou seja,
sem apego, sem a determinação exterior do isto ou aquilo; o que implica dizer: o que move
essa ética é antes um deixar (lassen), um abandonar-se a si mesmo, que uma ação, no sentido
de determinar valores. Trata-se de um “agir sem porquê”, sem para quê, pois: “A partir desse
fundo íntimo, deves operar todas as suas obras, sem porquê.” Ou seja: sem razões que as
determine de antemão, como estratégias, projetos ou planos. “Um tal espírito é sem porquê;
se tivesse ainda um porquê, a unidade também deveria ter um porquê. Um tal espírito é em
unidade e liberdade.”
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Assim, só isso é necessário, só isso é bom, só isso conduz ao ser que
somos antes de ser, ou seja, antes de nosso emergir no nada.
Pois bem, pensar uma ética, em Eckhart, é remeter-se à sua concepção do criado
como sendo nada. O homem, enquanto criatura, nada tem desse seu ser criado. Se a criatura é
nada em si, e se, por sua vez, todo dever ser é introduzido no âmbito do criatural, nada resta a
fazer pelo exercício ético no referente àquilo que se deve ser. A ética, que desse pensamento
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ECKHART, Mestre. Sermões Alemães..., op. cit., Sermão 39. p.232.
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ECKHART, Mestre. O Livro da Divina Consolação e outros Textos Seletos..., op. cit., Conversações
Espirituais 23. p. 139.
141
ECKHART, Mestre. Traités et Sermons..., op. cit., Sermon 29. p. 328.