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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Psicologia
Departamento de Teoria Psicanalítica
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica
Curso de Mestrado
Saber e psicose: a instituição como campo do Outro
Andréia da Silva Stenner
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de pós-graduação em Teoria
Psicanalítica da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Teoria Psicanalítica.
Orientadora: Prof ª Ana Cristina Costa de
Figueiredo
Rio de Janeiro
Fevereiro, 2004
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Saber e psicose: a instituição como campo do Outro
Andréia da Silva Stenner
Orientadora: Prof ª Ana Cristina Costa de Figueiredo
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de pós-graduação em Teoria Psicanalítica
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Teoria Psicanalítica.
Aprovada por:
_________________________________________________
Prof ª Orientadora Dr ª Ana Cristina Costa de Figueiredo
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_________________________________________________
Prof ª Dr ªAna Carolina Lo Bianco Clementino
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_________________________________________________
Prof ª Dr ªMaria Tavares Cavalcanti
Universidade Federal do Rio de Janeiro(IPUB)
Rio de Janeiro
Fevereiro, 2004
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STENNER, Andréia da Silva.
Saber e psicose: a instituição como campo do Outro/ Andréia da Silva
Stenner.- Rio de Janeiro: UFRJ/ CFCH,I.P.,Teoria Psicanalítica, 2004.
x,120f.:il.
Orientadora:Profª Ana Cristina Costa de
Figueiredo.Dissertação(mestrado)-UFRJ/ CFCH/ Programa de Pós-
graduação em Teoria Psicanalítica,2004.
Referências Bibliográficas: f.114-120.
1.Psicanálise 2.Psicose 3.psiquiatria 4.instituição
I. FIGUEIREDO, Ana Cristina Costa de. II.UFRJ, CFCH,
Teoria Psicanalítica
III. Título.
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AGRADECIMENTOS
A Ana Cristina Costa de Figueiredo pela orientação cuidadosa e por partilhar de sua
atenção e rigor mesmo em momentos difíceis.
Ao Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica por ter contribuído em meu
percurso teórico.
A Capes, pelo apoio que tornou viável minha pesquisa.
Aos professores e psicanalistas que instigaram meu desejo pela psicanálise.
A minha análise e aos meus pacientes, cujo o exercício da clínica me permitiu avançar.
Ao CAPS CASAVIVA-MG onde pude iniciar meu trabalho com a psicose.
Aos colegas do CAPS Santos Dumont –MG e aos colegas que, ao longo do caminho,
colocaram-se eticamente diante da clínica.
Aos meus amigos, especialmente, Rosa Simões e Andréa Guerra pelo incentivo.
Ao meu amigo, jornalista Cláudio Pífano, por sua revisão do texto.
A minha mãe, cuja ausência deixou como herança a coragem e a persistência.
A minha família, pelo apoio e assistência.
Aos meus sobrinhos Caio, Vitor e Elisa, meus amores.
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Não entender’ era tão vasto que ultrapassava
qualquer entender entender era sempre limitado. Mas
não entender não tinha fronteiras e levava ao infinito,
ao Deus. Não era um não-entender como um simples de
espírito. Era uma benção estranha como a de ter
loucura sem ser doida.Era um desinteresse manso em
relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura de
estupidez.
Mas de vez em quando vinha a inquietação
insuportável: queria entender o bastante para pelo
menos ter mais consciência daquilo que ela não
entendia. Embora no fundo não quisesse compreender.
Sabia que aquilo era impossível e todas as vezes que
pensara que se compreendera era por ter compreendido
errado. Compreender era sempre um erro preferia a
largueza tão ampla e livre e sem erros que era não-
entender. Era ruim, mas pelo menos se sabia que se
estava em plena condição humana.
Clarice Lispector
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RESUMO
Saber e psicose: a instituição como campo do Outro
Andréia da Silva Stenner
Orientadora: Prof ª Ana Cristina Costa de Figueiredo
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de pós-graduação em Teoria
Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Teoria Psicanalítica.
O presente trabalho tem o objetivo de mostrar a relação entre saber, psicose e
instituição a fim de discutir a função da instituição como campo do Outro na psicose, numa
prática feita por muitos.
Primeiramente, interrogaremos a constituição do saber na psiquiatria e na
psicanálise com a intenção de cernir o saber que funda a instituição para tratar a psicose.
Utilizaremos o conceito de elaboração -a durcharbeitung - em Freud e Lacan a fim de
pensar o saber como uma construção do tratamento e que pressupõe a reflexão do lugar do
Outro.
Em seguida, trabalharemos para responder a particularidade da relação do sujeito e
do Outro em seus efeitos na paranóia, na melancolia e na esquizofrenia.
E, finalmente, utilizaremos a noção do tempo lógico de Lacan - “o instante de ver”,
o “tempo de compreender” e o “momento de concluir” para trabalhar a temporalidade na
clínica como campo do Outro, a partir de alguns casos clínicos acompanhados em um
serviço de saúde mental.
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Rio de Janeiro
Fevereiro, 2004
RESUMÉ
Savoir et psychose: la institution comme champ de l´Autre
Andréia da Silva Stenner
Directrice de Thèse: Prof ª Ana Cristina Costa de Figueiredo
Resume du Mémoire de Maîtrise em Théorie Psychanalytique presente à l’Institut de
Psycologie de l’Université Federal de Rio de Janeiro UFRJ, exipour l’obtention du
titre de Maître em Théorie Psychanalitique.
Le présent travail a l’objectif de montrer la relation entre savoir, psychose et
institution afin de discuter la fonction de l´institution comme champ de l´Autre dans la
psychose dans une pratique à plusieurs.
D´abord, on va mettre en question la constitution du savoir dans la psychiatrie et
dans la psychanalyse avec l’intention de cerner le savoir que fonde l`institution pour traiter
la psychose . On va utiliser la conception de l’elaboration - la durcharbeiten - en Freud et
en Lacan afin de penser le savoir en tant que construction du traitement ce que présuppose
la reflexion du lieu de l`Autre.
Ensuite, on va travailler pour répondre à la particularité de la relation du sujet et de
l´Autre dans ses effets sur la paranoïa, la mélancolie et la schizophrénie.
Finalement, on va utiliser la notion du temps logique de Lacan – “l´instant de voir”,
le “temp de comprendre” et le “moment de conclure” pour travailler la temporalité dans la
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clinique dans le champ de l´Autre, à partir de quelques cas cliniques acompagnés dans un
service de santé mental.
Rio de Janeiro
Février,2004
Saber e psicose: a instituição como campo do Outro
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO...........................................................................................................9
II. DA PSIQUIATRIA À PSICANÁLISE: SABER E INSTITUIÇÃO.........................14
2.1 - Breve percurso histórico da psiquiatria...................................................................16
2.2.- Saber e psiquiatria..................................................................................................23
2.3 - Saber e psicanálise.................................................................................................29
2.4- Saber e psicose.........................................................................................................38
III. O DISCURSO DO OUTRO......................................................................................42
3.1- Outro: o antecendente lógico do sujeito...................................................................45
3.2 – Do Outro ao sujeito: a identificação.......................................................................57
3.3- A incidência do Outro na psicose.............................................................................63
3. 4- Os efeitos do Outro na paranóia, esquizofrenia e melancolia.................................73
IV. PARA QUE SERVE A INSTITUIÇÃO NA PSICOSE?..........................................83
4.1 -A instituição e a prática de muitos...........................................................................88
4.2-A função do secretário ou testemunha......................................................................95
4.3-Do caso social para o caso clínico: a construção do caso e os três tempos lógicos da
instituição......................................................................................................................103
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V. CONCLUSÃO.........................................................................................................111
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................114
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I. INTRODUÇÃO
Neste trabalho, reunimos saber, psicose e instituição para pensarmos a
estruturação da psicose no campo do Outro tal como a psicanálise o concebe. Trata-se de
um percurso necessário para tentarmos descobrir a função da instituição na psicose. É
também a busca de uma construção de saber que inclui o sujeito psicótico. Mais ainda, é
uma tentativa de dar uma resposta ética para a segregação historicamente sofrida pela
loucura em nome de um saber que, sob o pretexto de estudá-la, a excluiu e encarcerou.
O que essa dissertação nos traz, a princípio, perpassando pela história da
psiquiatria, é o estatuto do saber na psicose. Saber esse resgatado pela incidência da
psicanálise como episteme fundamental na constituição das instituições de saúde mental.
A psicanálise não é nem uma weltanschauung nem uma filosofia
que pretende dar a chave do universo. Ela é comandada por uma
visada particular que é historicamente definida pela elaboração da
noção de sujeito. Ela coloca esta noção de maneira nova,
reconduzindo o sujeito à sua dependência significante.(LACAN
,1964,p. 78).
As perguntas que trazem os matizes dessa dissertação são o resultado de nossa
experiência de oito anos de trabalho em instituições de saúde mental, nas diversas
modalidades que as novas formas de tratar a loucura oferecem: reuniões, oficinas, passeios,
atendimentos domiciliares, individuais, grupos de família, etc.
Dessa forma, quando trabalhamos em instituição, somos convocados a todo
instante a ter um saber sobre o paciente, um diagnóstico, um prognóstico, um projeto, uma
resposta sobre o que fazer com as demandas que partem, em sua maioria, de outros e que
são sempre de uma urgência para além da própria urgência do sujeito psicótico em questão.
É a clínica da psicose que nos convida a não recuar. Por isso, quando pensamos
em um tratamento dentro de uma instituição onde uma equipe interdisciplinar acompanha e
decide a direção do caso, é necessário nos perguntar qual o saber está em jogo na
instituição.
Cabe aqui esclarecer que existem vários saberes que compartilham do campo da
saúde mental, mas não foram objeto de nosso estudo nem de nossa pesquisa por
encontrarmos na psicanálise e na psiquiatria elementos fundamentais para se pensar uma
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clínica institucional com a psicose. Dessa forma, faz-se necessário elucidarmos o percurso
teórico desenvolvido em nosso trabalho.
Em nosso primeiro capítulo iremos pensar a relação da psiquiatria e da
psicanálise com o saber. A psiquiatria é, como veremos, o saber que funda a instituição
para a loucura. Quanto à psicanálise, é claro que, não podemos afirmar que todos os
serviços possuam psicanalistas ou que nessas instituições de saúde mental se exerça a
psicanálise, mas os efeitos de seu discurso são sentidos pela forma como a clínica, na
reforma psiquiátrica, ressurge para escutar o sujeito psicótico.
Como dissemos anteriormente, não foi objeto de nosso trabalho uma pesquisa
de campo sobre isso. Marcadamente, a experiência que delimita a nossa escrita está restrita
ao trabalho de Minas Gerais que sofre uma grande influência do movimento lacaniano.
Alguns críticos tendem a ser refratários à psicanálise por equivalerem-na aos
saberes que normatizam e disciplinam a subjetividade da loucura, submetendo a loucura à
sua interpretação. São as teorias sociais que tratam a psicose e sua exclusão como uma
questão histórica e política de segregação. Não estaremos analisando esse viés teórico,
contudo, ao cernirmos a incidência da psicanálise na instituição, estaremos respondendo de
forma precisa a essas afirmações. Trata-se de dizer que a psicanálise não reduz o psicótico a
um objeto e, mais ainda, quando introduz o delírio como uma tentativa de cura, sustenta, na
fala do psicótico, um saber que deva ser escutado.
Por isso, nos colocamos diante de uma pergunta fundamental: qual o estatuto
do saber para a psicanálise? Assim, retomaremos o conceito de elaboração -a
durcharbeitung - em Freud e “o tempo de compreender” em Lacan para pensarmos o saber
como uma construção do tratamento e que pressupõe pensar o lugar do Outro. Se o saber
suposto é ao inconsciente e se o inconsciente é o discurso do Outro, de que Outro se trata
na psicose, qual é o saber que está em jogo e mais, se o sujeito advém no lugar do Outro,
que sujeito é esse na psicose?
Essa questão norteanosso segundo capítulo. Assim, tomaremos a noção de
Outro na obra lacaniana abordando suas concepções até O seminário, livro 11(1964),
conforme suas descrições nos esquemas L, R e I e o matema S(A) retirado do Grafo do
Desejo(1960). Caminharemos, tal qual um percurso analítico, do Outro(A) em sua
consistência até sua inconsistência para todo ser falante.
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Acreditamos que esse percurso a flexibilidade e o rigor teórico ao Lacan dos
anos 50 e ao Lacan após a conceituação de objeto a. O que nos possibilita sustentar o
sujeito da psicose não como um deficitário ou simplesmente reduzir a psicose à ausência ou
presença do significante “Nome-do-Pai”. Obviamente, não temos a pretensão teórica de ir
até o último ensino de Lacan. Contudo, a partir do matema de S(A) e do tratamento que
demos às noções e conceitos nesse momento da obra lacaniana conseguimos um marco
teórico-clínico para fundamentar uma prática clínica com psicóticos.
Ao final desse capítulo, a estrutura psicótica foi estabelecida em seus efeitos em
sua relação ao campo do Outro nas formas clínicas da melancolia, esquizofrenia e paranóia.
Obviamente, não pretendemos abarcar toda a conceituação sobre esses tipos clínicos em
Freud e em Lacan. Também o autismo não foi objeto de nosso estudo por não termos casos
de autismo em nossa experiência clínica institucional.
Em nosso último capítulo, lançamos uma pergunta que consideramos o cerne de
nossa dissertação e que nos fez enveredar por todo esse caminho de pesquisa. A pergunta
refere-se sobre a função da instituição para a psicose. Retomaremos um momento
importante de construção conceitual da psicanálise na instituição com a noção de
“Coletivo” de Jean Oury(1976). Esse Coletivo” diferencia-se da coletividade institucional
que tende ao universal. Trabalharemos com os significantes da saúde mental e da
psicanálise para pensar a inclusão do sujeito em uma dimensão particular na
homogeneidade da instituição. A posição do analista na instituição também será abordada
na função, denominada por Lacan(1955-56), de secretário do alienado”, bem como o lugar
que a prática psicanalítica demarca na saúde mental.
E, finalmente, nos deteremos na experiência que tem influenciado nossas
práticas no Brasil, nomeada como pratique à plusieurs . Práticas que surgem como um
modo de tratar a psicose a partir do campo do Outro. Alguns fragmentos de casos clínicos
de uma instituição ilustram a articulação entre o nosso percurso teórico e a clínica.
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) CASAVIVA-MG foi onde tivemos
nosso primeiro contato com a psicose “a céu aberto”. Fazemos a ressalva de esclarecer que
não iremos tomar o caso em toda a sua propriedade, mas tomar seus fragmentos como
significantes que representam a discussão por nós estabelecida nesse trabalho.
Ao apresentarmos os casos clínicos, mais uma vez a psicanálise foi a baliza
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fundamental, ao utilizarmos os três tempos lógicos de Lacan(1945) para dimensionar a
temporalidade na psicose e na instituição. O que tentaremos responder é que a instituição
serve à psicose na medida em que promove uma escansão no curto-circuito do
descarrilhamento estrutural desses sujeitos.
O “instante de ver”, o “tempo de compreender” e o “momento de concluir”
promovem efeitos no campo do sujeito e do Outro. Para a instituição, operam pela via da
construção do caso clínico e para o sujeito, como possibilidade de inscrição em um Outro
menos invasivo e mais acolhedor. Essas intervenções e seus efeitos atuam como “ponto de
basta e retroagem abrindo novos tempos lógicos no cotidiano da instituição, ou seja, na
relação do sujeito com o Outro.
Gostaríamos ainda de esclarecer que além de Oury, mencionamos outros
importantes autores que contribuíram para o desvendamento dos textos, freudianos e
lacanianos, e acrescentaram importantes reflexões acerca do tema.
Alguns autores são frutos do encontro de nossa prática com a teoria.Por
exemplo, os apontamentos da dissertação de Maria Tavares Cavalcanti trouxeram
importantes diretrizes na constituição de uma clínica com a psicose, iniciada no CAPS em
1995.Outros autores se fizeram presentes em nossa prática, pela via da supervisão clínica,
como Eduardo Rocha. E, finalmente, autores, como Charles Melman, que nos foram
apresentados em nossos seminários do mestrado no Programa de Teoria Psicanalítica da
UFRJ, trazendo importante contribuição a respeito do saber, enriquecendo a discussão aqui
elaborada.
Sem dúvida, esses autores e trabalhadores da clínica com a psicose demarcaram
um olhar sobre nossa prática clínica, possibilitando encontrar algumas respostas para a
construção, sempre faltosa, e, por isso, desejante dessa dissertação.
Nesse sentido, lemos, certa vez, que a prática em saúde mental era uma prática
à espera de uma teoria. Ou como nos disse Cavalcanti(1992), uma teoria construída no
cotidiano de uma prática. Como uma psicanalista que trabalha com a saúde mental ficou a
responsabilidade de construir um saber sobre o que testemunhei no trabalho institucional.
Em Televisão, Lacan nos diz que “uma prática não precisa ser esclarecida para
operar”(LACAN,1974,p.20). Contudo, é a partir das construções teóricas que buscamos
avançar nos impasses clínicos com a psicose. O que nos convoca a tentarmos contribuir de
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alguma forma para se fazer pensar o trabalho da psicanálise numa prática feita por muitos.
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II.DA PSIQUIATRIA À PSICANÁLISE: SABER E INSTITUIÇÃO
A construção do conceito da loucura traz, historicamente, a construção de um
campo de saber - a psiquiatria - e a instauração de um modelo institucional de exclusão que
será marcado por uma ruptura entre razão e desrazão e posteriormente uma aliança entre a
assistência e a segurança, entre a alienação e o cuidado.
Com um breve percurso histórico, discutiremos como o saber sobre a loucura
foi constituído, dando origem a uma concepção de tratamento que trouxe o surgimento de
um modelo clínico sob a ótica da patologia mental. E, fundamentalmente, que a
demarcação de um saber sobre a loucura trouxe o surgimento da Psiquiatria. a
Psicanálise, desvendando o psiquismo na descoberta das formações freudianas do
inconsciente, constrói um saber que, posteriormente, também irá intervir no modelo
institucional do tratamento da loucura.
Na chamada Idade Clássica, culos XVII e XVIII, segundo Foucault (1978, p.
78), a intervenção e constituição do campo da loucura fez-se a partir do confinamento, da
exclusão, da observação para tratar e classificar os doentes mentais. No século XX, o
asilamento é posto em questão, bem como as formas criadas em seus muros, e com isso,
uma política ampla propõe a rediscussão do manicômio como única forma de tratamento: é
a chamada Reforma Psiquiátrica.
Da origem da psiquiatria à psiquiatria reformada, da concepção original de
doença mental para a atual noção de saúde mental, do alienado manicomial ao usuário dos
serviços de saúde mental na atualidade, várias concepções e modelos institucionais surgem
com o propósito de dar conta dos fenômenos da loucura.
Em nossa realidade, a Reforma Psiquiátrica Brasileira traz como efeito, dentre
outros, a marca dos dois campos de saberes: Psiquiatria e Psicanálise, a partir dos quais as
intervenções terapêuticas e sociais irão se constituir tendo conseqüências numa clínica que
se propõe a tecer um saber sobre a loucura. Clínica que envolve a Psiquiatria e a Psicanálise
de forma diferente.
Da doença mental pineliana para a saúde mental da Organização Mundial de
Saúde (OMS), o que nos interessa neste recorte é o lugar que a Psicanálise e a Psiquiatria
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ocupam como construção de saber e método de tratamento. Nesse sentido, começarmos por
Pinel é fundamental. Sobre ele, ao desacorrentar os loucos, nos diz Serpa (1996, p. 18) “(...)
como um primeiro momento, uma fundação sobre a qual vai ser erigida a primeira morada -
o asilo - de um novo saber - a psiquiatria”.
Ao inaugurar o asilo, Pinel cria não um espaço de exclusão, como disse
Foucault, mas também institui uma terapêutica. Mais do que isso, ao colocar a possibilidade
de cura, com seu tratamento moral, ele aposta que há algo no louco além de sua própria
loucura, ou seja, um sujeito - na acepção que lhe é própria, ou seja, no restinho de razão. É
na base da noção pineliana que o saber da psiquiatria e o da psicanálise retornam então para
uma demarcação conceitual. E algumas interrogações delimitam essa investigação. De que
forma a clínica psiquiátrica e a clínica psicanalítica partilham um saber sobre a loucura?
Qual o estatuto discursivo da loucura para a psiquiatria e para a psicanálise principalmente
no que tange a sua relação com o saber?É possível falar de uma conjunção entre estes dois
campos de saberes?
Para tentar responder a essas questões percorreremos algumas definições
histórico-conceituais da psiquiatria enquanto um campo de saber, em seu surgimento,
especificamente com Pinel, que como se pôde constatar permite que o louco emerja como
um sujeito em seu “resto de razão”.
Já, num segundo momento, com a reforma psiquiátrica, verificaremos que essa
aposta é refeita pelos psiquiatras “neopinelianos”. Partiremos dos modelos internacionais
para retratar sua influência na reforma brasileira. E, finalmente, introduziremos o estatuto
do saber na psicanálise para tentar apreender qual é o estatuto do saber na psicose.
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2.1- Breve percurso histórico da psiquiatria
Historicamente, a loucura se torna objeto de estudos e práticas no final da
Idade Média. A lei, a religião e a medicina irão tecer sua própria interpretação do louco que
não tem qualquer participação no que lhe acontece. A lei desqualifica-o, a religião afasta-o
de si mesmo e do outro e o condena com a mistificação das figuras demoníacas através da
chamada “possessão”. O que se tem em comum é que o discurso do louco é silenciado.
Desde a medicina hipocrática, passando pela galênica, que
atravessou o período medieval, o renascimento e chegou ao limiar
do século XVIII como um importante paradigma na medicina, um
conhecimento sobre a loucura, suas causas, manifestações e
tratamento, era formulado. Evidentemente, nos termos próprios
daqueles discursos médicos. (SERPA, 1996, p. 18).
Michel Foucault, ao propor a investigação dos discursos (como eles se formam,
porque aparecem e desaparecem) cita como inerente ao discurso, três procedimentos:
exclusão, controle e delimitação. O primeiro é a interdição ou a palavra proibida, ou seja,
não se pode tudo dizer, nem em qualquer lugar, nem por qualquer um. A terceira categoria,
a delimitação, consiste na oposição entre verdadeiro e falso, contida na vontade de verdade.
Interessa-nos, a segunda categoria, o controle, definido como separação ou rejeição. Esse
mecanismo refere-se à segregação da loucura, ou seja, da palavra do louco. “O louco é
aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros”.(FOUCAULT, 1996, p. 10).
Com o advento do discurso da razão, a experiência trágica da loucura agora
equivale a desrazão e passa a ser objeto de estudo e de práticas segregativas, mais
marcadamente pela via da exclusão do que do tratamento. Se na Idade Média, o louco
circulava no social, fazendo parte do cenário e da linguagem é a partir do século XVII,
chamado período da “Grande Internação”, que os loucos, juntamente com os criminosos,
prostitutas, sifilíticos, desocupados, enfim, os “sem-razão” serão excluídos (FOUCAULT,
1975, p. 78).
A sociedade nessa época passa a ser estruturada sob a égide do regime burguês,
semente do capitalismo e que irá propagar a produção, a circulação, a acumulação de
riquezas e, principalmente, a capacidade de trabalho como condição de adaptação e de
18
garantia de estar no social. É somente a partir do final do século XVIII, com Pinel, que o
olhar sobre a loucura começa a se delimitar. Exclusão, controle e delimitação passam a
construir, de fato, um discurso sobre o louco. A loucura inspira cuidados mais específicos e
passa a ser reconhecida como diferença e, na medida em que se opõe à ordem da razão, é
vista como doença.
Com Pinel, o controle social e moral passa a ser o tratamento conferido ao
louco. No século XIX, o esboço de um tratamento e de uma classificação sobre a loucura
começa a se delinear. Nesse momento, nasce uma prática que constrói o saber psiquiátrico.
Para Amarante:
A obra de Pinel - cujos pilares estão representados pela
constituição da primeira nosografia, pela organização do espaço
asilar pela imposição de uma relação terapêutica - representa o
primeiro e mais importante passo histórico para a medicalização
do hospital, transformando-o em instituição médica (e não mais
social e filantrópica), e para a apropriação da loucura pelo discurso
e prática médicas.(AMARANTE, 1995, p. 27).
Por outro lado, é no espaço asilar que segrega de onde surgirão algumas
práticas que vão tentar organizar uma terapêutica assistencial ao chamado doente mental.
Cavalcanti (1996, p. 49), ao reler Pinel, em autores como Foucault e Swain, traz
duas vertentes importantes para pensar a estrutura institucional que cerca a loucura. Trata-
se de uma forma mais complexa do que uma visão ingênua ou maniqueísta que um olhar
superficial possa nos oferecer. Por exemplo, em Foucault, encontramos a exclusão e a
segregação como função primordial de nascimento e de recurso de tratamento da loucura.
Já, em Swain, vemos a possibilidade de intervenção terapêutica que a partir da
intervenção de Pinel foi possível ocorrer.
De um lado, Foucault traz um Pinel acorrentando à loucura, mas Swain traz, em
Pinel, a idéia de cura, o que possibilita pensar que há um sujeito, nesse “pouco de razão” da
loucura.
O fundamental da ruptura pineliana é a revelação de que a loucura
deve ser concebida a partir de sua abertura à possibilidade de uma
tomada terapêutica, deixando de ser um universo fechado sobre si
mesmo e totalmente inacessível. Deixa de fazer sentido a separação
entre loucura curável e incurável, toda loucura merecendo um
19
cuidado terapêutico e uma continuidade de atenção médica,
independentemente do tempo de duração da doença, pois este é
sempre indecidível e individual.(
CAVALCANTI, 1996, p. 49).
Portanto, a herança pineliana descortina um novo horizonte para a psiquiatria
ao se consolidar como um saber e uma prática institucional que produz e reproduz cuidados
e modalidades terapêuticas.
O século XX traz toda uma política de assistência à loucura calcada
basicamente no asilamento. O que a preocupação terapêutica em relação aos loucos revelou
foi, ao mesmo tempo, uma manifestação de intolerância social à loucura.
Por um lado, toda uma estruturação da prática asilar em conjunto com a
constituição de uma teoria e o próprio desenvolvimento da farmacologia e, por outro, a
critica a esse modelo começou a propor uma nova organização psiquiátrica.
O movimento da reforma irá rediscutir inteiramente o funcionamento do
manicômio, bem como, propor outros modelos de intervenção e tratamento da loucura,
agora, denominada doença mental.
Movimentos no interior do hospício como as Comunidades Terapêuticas na
Inglaterra e nos EUA e a Psicoterapia Institucional na França, e, fora do hospício, como a
Psiquiatria Democrática Italiana, a Psiquiatria de Setor Francesa serão a tônica dos embates
técnicos, teóricos e políticos após a Grande Guerra.
É necessário frisar que não se trata
aqui de detalhar historicamente cada modelo, mas tê-los como referência para explicar os
fundamentos dos saberes em questão.
Portanto, temos as reformas restritas ao âmbito do hospício: Comunidades
Terapêuticas e Psicoterapia Institucional; as que propunham abrangê-lo, como a Psiquiatria
de Setor e a Psiquiatria Preventivista . E, por último, aquelas que questionam o asilo como
dispositivo de tratamento: a Antipsiquiatria e a Psiquiatria Democrática Italiana.
Nesse percurso de institucionalização da loucura, a psicanálise terá sua
influencia. As comunidades terapêuticas surgem nessa perspectiva, com a idéia de tratar os
grupos de pacientes como um único organismo psicológico (grupos operativos, de
atividades etc.) onde a “função terapêutica” seria uma tarefa não apenas dos técnicos, mas
dos próprios internos, dos familiares e da comunidade. Uma chamada “terapêutica ativa”
irá cercar a loucura com ênfase na reabilitação pela via do trabalho e de criação de uma
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microssociedade.
A psicanálise também marcará o campo da psiquiatria francesa.A Psicoterapia
Institucional Francesa surge também dentro do asilamento, tendo, como princípio, o resgate
do potencial terapêutico do hospital psiquiátrico, sofrendo forte influência da psicanálise.
Surge, como inovação, por considerar a própria instituição psiquiátrica como uma instância
a ser tratada.
François Tosquelles, Hermann Simon, Gisela Pankow e a psicanálise lacaniana
contribuíram para que Oury pudesse criar as bases de sua teoria aplicada ao tratamento dos
psicóticos na instituição, incluindo vários lugares estruturados para criar possibilidades e
ofertas terapêuticas diversas. Criando, no Hospital, um tecido institucional que pudessse
acolher àqueles que possuíam um defeito no acolhimento e, ao mesmo tempo, interferir no
ambiente iatrogênico do Hospital
.
Assim, muitos dos sintomas que os pacientes institucionalizados
apresentam, tais como a agitação e a deterioração(cronificação)
são, na verdade, conseqüências iatrogências do meio segregativo e
pouco estimulante em que eles se encontram.A primeira coisa a
fazer, e vimos que Esquirol preconizava esta atitude, é tratar o
hospital para que ele se torne, pelo menos potencialmente,
terapêutico. (CAVALCANTI, 1992, P.206).
Fora do manicômio, a psiquiatria preventiva dos EUA e a psiquiatria de setor
francesa elegem o modelo da saúde mental calcado no discurso de que o paciente será
tratado dentro do seu meio social e a passagem pelo hospital será uma etapa transitória.
Ambas, sustentadas na lógica da redução dos custos com internação e na inadequação do
hospital para responder à complexidade das doenças mentais. Enquanto estratégias
políticas, as duas correntes estavam embasadas em pressupostos teóricos que usavam da
abordagem social e também da psicologia e da psicanálise, como saberes principais.
a antipsiquiatria inglesa e a psiquiatria democrática italiana irão propor a
desconstrução dos modelos existentes e a invenção de novos. Fundada na crítica de que
essas experiências terapêuticas não tocam no problema da exclusão e da própria concepção
da loucura, a antipsiquiatria radicaliza ainda mais quando propõe a ruptura com o
saber/poder médico e promove uma política que pretende libertar a loucura, onde o louco é
visto como uma vítima da ordem pública e da alienação social.
Dessa forma, o manicômio se caracterizaria como a metáfora moderna da
21
exclusão na relação com a diferença
.
Os italianos postulavam um processo em que a loucura pudesse ser
redimensionada não para fazer sua apologia, mas para criar
condições que permitissem que esse momento de sofrimento
existencial e social se modificasse(BARROS, 1990, p. 50).
O Pós-guerra se mostrava frutífero em seus questionamentos do tratamento e
da constituição de uma forma nova de saber sobre a doença mental em toda a Europa e
Estados Unidos. o Brasil estava muito mais sob o efeito da prática do início do século,
salvo algumas exceções isoladas. Isso porque, a loucura nasce em nosso país asilada. Os
grandes hospícios são criados a partir da vinda da família real e irão se proliferar e se
consolidar a partir da década de 60, quando esse setor é privatizado pelo governo e percebe-
se que a loucura é lucrativa.
Nessa mesma época, surgem também as comunidades terapêuticas no Brasil que
procuram ser uma resposta ao problema do manicômio, ao tentar resolver o problema da
liberdade dentro do hospício e, onde o psicanalista torna-se um certo modelo identificatório
para os outros membros da comunidade terapêutica. Dessa forma, a psicanálise se faz
presente no Brasil principalmente inspirada em Anna Freud e Melanie Klein.
Tratava-se, nessa época, de “aplicar” os procedimentos
psicanalíticos ao funcionamento da própria instituição, numa
espécie de psicanálise partout, em que o psicanalista seria o ápice
da pirâmide(FIGUEIREDO, 2001, p. 94).
As comunidades terapêuticas tiveram o mérito de introduzir uma escuta clínica
a partir da psicanálise e também de problematizar “(...)a questão da cidadania do doente
mental em um momento em que esse conceito sequer estava em
pauta”(TEIXEIRA,1993,p.269). Contudo,é somente a partir de 1987, com o Movimento
dos Trabalhadores da Saúde Mental, que as idéias da reforma psiquiátrica ganharam
contorno e força no país.
Anteriormente ao processo da reforma, todo o campo do saber psiquiátrico
estava edificado em bases notoriamente conhecidas por suas funções de normativização e
manutenção da ordem social estabelecida. Condição sob a qual se fundou o processo de
exclusão da participação social do louco na vida pública.
22
A introdução das chamadas atividades terapêuticas, principalmente, por uma
tentativa de reforma institucional -comunidades terapêuticas, por exemplo - tinham, como
ponto em comum - independente de sua concepção teórica - a tentativa da recuperação do
doente mental, em sua capacidade de adaptação.
A introdução da reforma para a sociedade mais ampla te a sustentação da
psiquiatria comunitária e irá introduzir as noções de comunidade e saúde mental. O
tratamento continuará atrelado às noções de adaptação ao grupo social numa tentativa de
psiquiatrizar o social.Convivendo com esse modelo preconizado pela Organização Mundial
de Saúde(OMS) e, de certa maneira, respaldado nos princípios da lei do Sistema Único de
Saúde (SUS), os serviços de saúde mental receberão grande e importante influência dos
outros modelos existentes.
A Psiquiatria Democrática Italiana, ao trazer o conceito de território e atenção
psicossocial, inaugurará as referências sócio-culturais que cercam o agora usuário da saúde
mental. E tanto a psiquiatria setorizada quanto à psicoterapia institucional estarão
matizando os diversos modelos de serviços em saúde mental.
Portanto, de uma maneira geral, o nomeado campo da saúde mental no Brasil traz
uma prática de tratamento que, ao manter o paciente na comunidade, tenta fazer deste lugar
um recurso terapêutico, respondendo a um mandato que não seja o de legitimar a exclusão
social.
A Psiquiatria Democrática Italiana, ao ser acolhida no Brasil, retoma, com Baságlia,
essa discussão do ponto que lhe é sine qua non, que se trata de discutir não a instituição que
abriga o louco, mas a própria loucura, pois é ela que está em questão.(ROTELLI, 1990, p.
89).
Não se trata aqui de levar essa questão à supressão da instituição, como fizeram os
italianos. Aliás, o que essa dissertação irá colocar mais adiante é exatamente que um
lugar para a instituição no tratamento da psicose. E o que se pode ressaltar e corroborar
aqui, como princípio do que foi dito por Baságlia, é que qualquer tratamento que se
pretenda ético deve partir do sujeito, deve partir de um questionamento da doença, ou da
loucura para se pensar numa direção seja ela qual for.
As chamadas novas práticas, no Brasil, trazem uma dimensão política e social
que se espelham, no campo teórico, nos paradigmas basaglianos da desisntitucionalização e
23
na influência da psicoterapia institucional francesa. “A psiquiatria e a psicanálise
constituem os saberes de base desse campo, presentes em todas as
vertentes(...)”(TENÓRIO, 2001, p. 53).
A psicanálise reaparece para propor uma clínica institucional que tenta equacionar e
mesmo interrogar as saídas subjetivas aos imperativos da reabilitação psicossocial,
apontando para a escolha sempre particular do sujeito psicótico de estar no social e mesmo,
sua forma singular de cidadania.
O breve percurso acima elucidado serve para delinear o cenário histórico no
qual irá se desenrolar o tratamento da loucura e também nos abre a possibilidade de discutir
o saber na instituição.
24
2.2 -Saber e psiquiatria
Para discutirmos o saber na psiquiatria, que consideramos um tema complexo e
amplo, iremos nos restringir a autores que elencamos como fundamentais. O percurso feito
em relação ao saber psiquiátrico será norteado pelos trabalhos de Paul Bercherie (1989) que
traz os fundamentos da Clínica Psiquiátrica; de Robert Castel (1978) e de outros autores
que discutem o tema com relevância.
Segundo Bercherie pode-se ver três momentos na psiquiatria: a psiquiatria
clínica, do séc XVIII; a psiquiatria clássica, no século XIX; e a psiquiatria moderna, do
final do século XIX.
A chamada psiquiatria clínica surge com Pinel. Para Castel, trata-se de um
método classificatório cuja conseqüência prática é dirigir a atenção para sinais e sintomas e
agrupá-los.(CASTEL, 1978:103). Apesar de atribuir a causa da doença mental ao tipo
físico, Pinel acreditava mais importantes e numerosas as causas de ordem moral.
O alienismo é, efetivamente, a primeira forma de “psiquiatria
social”. É falso pretender que - salvo, talvez, no momento do
organicismo triunfante - a medicina mental tenha posto de lado as
condições históricas e sociais que atuam na gênese da doença
mental. Ao contrário, elas constituem sua preocupação constante.
(CASTEL, 1978, p. 113).
Em oposição ao pinelismo, surge sob a inspiração do modelo darwiniano de
uma evolução das espécies, a teoria da degenerescência, que se tornará hegemônica na
psiquiatria. Portanto, temos de um lado, a posição de Pinel em sua descrença das teses
anatomopatológicas sobre a alienação mental e do outro o movimento inaugurado por
Morel que irá caracterizar, posteriormente, a segunda fase da psiquiatria, a psiquiatria
clássica. “A inteligibilidade da doença não é mais dada pelo grupo a que pertencem seus
sintomas, mas em referência a uma causalidade oculta”.(CASTEL, 1978, p. 259). Nesse
momento, a psiquiatria tenta sua afiliação a um ramo da neurologia ainda nascente,
aproximando-se da doutrina das localizações das doenças nas regiões cerebrais.
Em meados do século XIX, uma grande querela se estabelece entre os que
supunham uma causalidade psicológica para a loucura e os que pretendiam uma causa
25
biológica, cujo representante importante foi Kraepelin.A psiquiatria surge então dentro
desse campo, definido por Castel:
Campo psiquiátrico: código teórico, que permite formular noções
que irão constituir e dar inteligibilidade ao objeto de que pretende
se encarregar à psiquiatria; uma tecnologia de intervenção, um
dispositivo institucional, um corpo de profissionais; um estatuto do
usuário (CASTEL, 1978, p. 12).
Descobrir o substrato anatômico e o agente etiológico das doenças apontava
para um quadro descritivo cuja matriz advinha da própria fenomenologia de Husserl-
concepção da filosofia como uma ciência do homem que deve ser percebida pelo fenômeno
- que pressupunha classificar e descrever as funções, os distúrbios agrupando-os em
grandes quadros nosológicos. O organodinamismo de Henry Ey seguiu esse quadro, mais
tarde elidido pela homogeneização dos diagnósticos, cuja principal finalidade tornou-se a
pesquisa dos medicamentos.
A busca de uma causalidade fez com que a psiquiatria inaugurasse uma tradição
clínica que estruturou seu período clássico, construindo um grande aparato de saber clínico
e teórico de fundamental importância.A psiquiatria clássica, em seu surgimento, foi
fundada através do estudo dos casos, das apresentações de pacientes de Charcot e dos
estudos de Kraepelin, Bleuler e Krafft-Ebing, entre outros. Esses estudos construíram as
bases de uma nosografia que inclusive foi utilizada por Freud em suas formulações.
Segundo Birman (2001), até 1950 e 60, a psicanálise foi a referência da psiquiatria :
De fato, seja como psiquiatria dinâmica, como se passou nos
Estados Unidos, seja como psiquiatria psicanalítica, como ocorreu
na Europa e principalmente na França, até os anos de 1950/60 a
psiquiatria teve tanto seu projeto quanto seu destino atrelado ao da
psicanálise. Foi esse o caso das comunidades terapêuticas anglo-
saxônicas, da psicoterapia institucional francesa, da psiquiatria
comunitária e preventiva norte-americana e sua contrapartida
francesa na psiquiatria de setor, e das práticas terapêuticas com
pequenos grupos iniciada no front sanitário da Segunda Grande
Guerra. (BIRMAN, 2001, p. 21).
Em sua terceira fase, a partir da década de 50, a psicodinâmica, viria
caracterizada pelas correntes fenomenológicas de um lado e pela psicanálise de outro. Ao
mesmo tempo em que as novas descobertas medicamentosas dessa época fizeram uma certa
26
ruptura com a psicanálise e com uma clínica de fenomenologia clássica da psiquiatria. O
marco fundamental dessa virada histórico-conceitual é sem dúvida a descoberta da
clorpromazina e o desenvolvimento de uma psicofarmacologia que iniciaria o que hoje se
denomina como Psiquiatria Biológica ou Remedicalizada.
Para além das implicações políticas que a chamada indústria farmacêutica produziu
ou suas conseqüências éticas, a introdução da psicofarmacologia trouxe remanejamentos
teóricos e epsitemológicos. Podemos perceber que os diagnósticos e a sua conseqüente
direção de tratamento passaram a ser marcados pelo manejo do medicamento e pelos
manuais de classificação. Esses manuais acabam por obedecer a essas “descobertas” dos
“novos sintomas” mentais, desaparecendo a nosografia clássica e subsumindo a própria fala
do paciente como detentora de algum saber dando lugar aos distúrbios dos
neurotransmissores e às tentativas medicamentosas de equilibrá-los.
Essa é sem dúvida uma resposta de origem, ou seja, o nascimento da psiquiatria
viria centrado num desejo, principalmente de se moldar pelos critérios de cientificidade da
própria medicina, reivindicando um reconhecimento de sua prática que com o advento
das chamadas neurociências é que a mesma obteve.O conhecimento da sintaxe neuronal irá,
atualmente, definir a vida mental e responder pelos fenômenos clínicos:
Em uma psiquiatria remedicalizada, biológica, o cânone científico
obedece aos ditames das ciências naturais, dos procedimentos
experimentais, que pretendem isolar relações de causalidade por
meio de características externas- mas não conceituais - dos
eventos, obedecendo a uma regularidade e a uma generalidade
passível de serem formuladas sob a forma de leis, e garantindo
com isso não grande objetividade, como
também poder de
predição e intervenção no curso dos acontecimentos.
(SERPA, 2001, p. 33-34.)
Portanto, essa psiquiatria remedicalizada, sendo concebida como um método que
suplanta a classificação e a fenomenologia da clínica, ao enquadrar a doença do seu
paciente nos manuais, coloca o psiquiatra como um observador bem orientado pelos
manuais. E, restringi a sua participação no tratamento à eliminação do sintoma, pela
redução da clínica à administração de medicamentos.
Por outro lado, historicamente, o advento dos remédios também possibilitou
27
outras formas de intervenção da loucura fora do campo institucional dando origem ao
processo de reforma. Foi a partir do uso da medicação que outras abordagens, fora do
manicômio, foram propostas e se tornaram possíveis
.
Com a possibilidade de um tratamento aberto, é que a reforma psiquiátrica buscará
o predomínio do movimento de uma psiquiatria democrática, que irá opor-se a essa
psiquiatria puramente remedicalizada, situando-a como uma ciência cujo mito de
“neutralidade” e “objetividade” deixam de lado o valor simbólico da loucura e de suas
práticas discursivas.
Como foi dito anteriormente, a reforma i criticar, não o manicômio como
modelo de tratamento, como também, o próprio saber da psiquiatria sobre a loucura, bem
como, as intervenções clínicas que ocorrem no tratamento. O que está em questão, com a
rediscussão da loucura, é a retomada da complexidade do fenômeno, bem como, das suas
ações e cuidados que irão interferir fundamentalmente no saber/fazer da psiquiatria. É
exatamente esse saber que é posto em questão: alienação, doença mental, o isolamento
como forma de tratamento, o tratamento moral. É isso que irá permitir rever e ressituar o
binômio conhecimento e objeto.
No cerne do processo de reforma psiquiátrica existe, portanto, uma
importante e contemporânea discussão sobre as ciências. A
psiquiatria foi fundada em um contexto epistemológico no qual a
realidade era um dado natural, capaz de ser apreendido,
mensurado, descrito e revelado, e a ciência era sinônima de
produção de um saber positivo, neutro e autônomo: a expressão da
verdade! A partir de então a psiquiatria vem contribuindo, tanto no
aspecto conceitual, com a construção de conceitos como
degeneração, cretinismo, idiotia, quanto no aspecto prático, pela
invenção do manicômio, do tratamento moral e das terapias de
choque, para a consolidação de um imaginário social no qual a
diferença é associada à anormalidade.(AMARANTE, 2001, p.
107).
Todas essas formalizações teóricas irão determinar o que a OMS reuniu e
nomeou como o campo da Saúde Mental que se redefine, por um lado, para a psiquiatria
biológica, como medicação para os sintomas elencados no Manual de Classificação
Internacional das Doenças (CID-10), e, para a psiquiatria democrática, como uma prática
de reabilitação psicossocial, numa clínica ampliada e num trabalho de equipe.
28
Sob a égide de uma clínica que vai do olhar à escuta, a psicanálise, em nossos
serviços de saúde mental, é retomada como uma episteme fundamental na direção de
tratamento dos novos usuários das redes de saúde. A psicanálise introduz um diálogo com a
psiquiatria e um engajamento político com a psiquiatria democrática para se constituir
como um campo de saber.
Cavalcanti(1996), em seu texto A psiquiatria e o social traz os três momentos da
psiquiatria que obedeceriam a um ideal democrático de uma cura psíquica do sujeito do que
ele é, enquanto alienação e separação de si mesmo, pela razão.
O primeiro momento refere-se à revolução de Pinel “com sua afirmação de que
sempre um resto de razão no mais alienado dos alienados e que, portanto, há sempre
oportunidade de uma ação continuada, a fim de que alguma aproximação e resgate da razão
se possa dar”(CAVACANTI, 1996,p.53-54). Depois, o segundo momento, é caracterizado
pelo asilamento. Seria o momento político da psiquiatria, aonde a vida institucional vem
para possibilitar o tratamento da loucura. E, por último, o terceiro momento, que se
caracteriza pela impotência do asilo em dar uma resposta à loucura: é o momento
freudiano. Esse momento estabelece um corte na onipotência do saber psiquiátrico e se abre
para insistência em se escutar o sujeito, ou melhor, o que fala nele, o inconsciente como tal.
A psicanálise surge como uma contribuição importante no início do c. XX
com a construção de um saber sobre o inconsciente. O pensamento psicanalítico irá nortear
as estratégias de tratamento num leque que vai de Freud a Lacan, numa aplicação variada
da psicanálise nas instituições, como por exemplo, das comunidades terapêuticas, da
psicoterapia institucional e como diretriz em vários serviços de saúde mental, atualmente,
no Brasil. Minas Gerais constitui um exemplo importante na articulação de uma clínica
institucional lacaniana com as práticas de reabilitação.
Dessa forma, psicanálise e psiquiatria democrática estão em junção ao retomar o
valor da linguagem na loucura e ao trabalharem numa perspectiva de tratamento da loucura
pelo viés da escuta clínica - de uma escuta entre os saberes que operam a partir da fala do
paciente. Contudo, a contribuição psicanalítica não está isenta de embates nos novos
modelos institucionais atuais, que oscilam entre uma convivência harmônica de hegemonia
ou numa exclusão radical, como nos aponta Figueiredo:
29
Nos anos 1980/90, encontramos o deslocamento do modelo das
Comunidades Terapêuticas para o dos Centros de Atenção Diária,
também conhecidos como Centro de Atenção Psicossocial.
Observamos uma enorme resistência à figura do psicanalista como
detentor d’O saber bem, ao modo do Mestre e Senhor da
psicanálise. O discurso da cidadania, da desmedicalização e da
ação social prevalece sobre os excessos interpretativos e
psicologizantes que circulavam em nome da psicanálise. A
politização do tratamento passa a ser o eixo central, e este parece
prescindir da psicanálise, vista agora como parte de uma clínica
obsoleta e resíduo da intervenção médica. A questão parece se
deslocar de um modelo psicologizante para um socializante
.
(FIGUEIREDO, 2001, p. 94).
Nesse sentido, trata-se, para nós, de cernir a psicanálise como um método, um
método de tratamento que visa um saber que pode intervir num trabalho institucional.
Dessa forma, não nos interessa precisar ou pesquisar a sua influencia nos novos modelos
de atenção em saúde mental, mas falarmos da sua incidência como saber que legitima o
saber da clínica.
30
2.3 - Saber e psicanálise
Em sua conferência Psicanálise e psiquiatria, de 1916, Freud fala aos médicos
que escutem seus pacientes para, com isso, diminuírem suas resistências à psicanálise. A
psicanálise opera de um lugar diferenciado da psiquiatria, mas não deixa de ter relação com
ela, como vimos anteriormente. Sua relação com a psiquiatria nos é dada por Freud:
(
...) a psicanálise procura dar à psiquiatria a base psicológica de
que esta carece.Espera descobrir o terreno comum em cuja base se
torne compreensível a conseqüência do distúrbio físico e mental.
Com esse objetivo em vista, a psicanálise deve manter-se livre de
toda hipótese que lhe é estranha, seja de tipo anatômico, químico
ou fisiológico, e deve operar inteiramente com idéias auxiliares
puramente psicológicas.(FREUD, 1916, p. 30).
Evidentemente, uma psiquiatria dominada pelas neurociências não é afeita à
psicanálise. Tanto a psicanálise quanto a psiquiatria reformada - retomando uma tradição
pineliana - apostam que um sujeito na loucura. Obviamente, com uma dimensão muito
particular no que tange à psicanálise.
A noção de sujeito com que trabalham os protagonistas da reforma
não é unívoca e não se refere necessariamente ao sujeito que
advém de uma clínica. Ela pode se referir ao sujeito psicológico,
ao sujeito cidadão, ao sujeito da ação social ou mesmo sujeito do
inconsciente(TENÓRIO, 2001, p. 121).
E, mais do que isso, quando a psicanálise introduz seu método, ela aposta que
há um sujeito que pode advir através de um saber que ele porta.
Portanto, nesse capítulo, iremos abordar o saber que a psicanálise introduz a
partir de seu método aplicado à clínica da neurose, e é a partir dessa mesma clínica, que o
saber surge pela fala do paciente.
Nesse sentido, a hipótese freudiana do inconsciente surge a partir das
investigações clínicas de casos contemplados pela psiquiatria, principalmente pelos estudos
de Charcot e Breuer. O caso da jovem Anna O., tratada por Breuer entre 1880 e 1882
coloca Freud em contato com os sintomas histéricos e com aquilo que a própria paciente
nomeou como a talking cure, a cura pela fala, que rompe com o modelo vigente na época, a
31
hipnose. O método psicanalítico enunciado pela própria Anna,coloca o paciente a falar,
mais ainda, descobre-se que a fala tem efeitos. Em seu texto O tratamento Psíquico(ou
anímico), Freud(1905) está às voltas com o poder da palavra e da presença do analista. A
magia das palavras é restaurada após a descoberta das ciências naturais que a haviam
deixado de lado.
Com o advento da ciência, a medicina deixou aos filósofos o que era do campo
do anímico e foi cuidar do corpo, ou seja, o estudo do anímico pelo físico. Mas, o contrário,
o estudo dos fenômenos anímicos, segundo Freud, foi abandonado por não encontrar um
terreno de cientificidade. Contudo, essa própria prática médica constatou distúrbios e
queixas que não encontravam respaldo nos processos somáticos.
Surge a hipótese do sistema nervoso como um aparato que tentava localizar os
sintomas. Ou seja, num primeiro momento, tudo deveria ser explicado pelo somático,
depois, quando se que isso não é possível, quer dizer, que não equivalência entre as
queixas e o soma surge, num segundo momento, a hipótese do sistema nervoso como uma
fronteira entre o físico e o psíquico, mas não havia, mesmo assim, uma equivalência do
anímico com o soma. É o que afirma Freud: “(...) os sinais da doença não provinham de
outra coisa senão de uma influência modificada da vida anímica sobre seu corpo, devendo-
se, portanto buscar no anímico a causa imediata da perturbação”. (Freud, 1905:273).
O que nesse momento interessava é que o fenômeno anímico estava ali apesar de
sua tentativa de exclusão e produzindo efeitos sobre o corpo, afetando-o. E o tratamento
passava pela vontade do paciente em se curar e pela posição do médico em provocar a cura.
Foi o que Freud denominou “expectativa confiante” ou “angustiante”. Freud compara a
determinação em curar-se às curas milagrosas e místicas, cuja ação da palavra exercia um
grande poder de modificação nos estados anímicos.
Quando entendemos por tratamento psíquico o esforço de provocar
no doente os estados e condições anímicas mais propícias para a
cura, vemos que esse tipo de tratamento médico é, historicamente,
o mais antigo (...). A própria personalidade do médico adquiria
prestígio por derivar diretamente do poder divino, que, em seus
primórdios, a arte curativa estava nas mãos dos
sacerdotes(FREUD, 1905, p. 279).
A palavra aqui ainda é usada para o recurso da sugestão, via hipnose, e só,
32
posteriormente, é que a palavra ganhará um novo sentido no tratamento, vinculado muito
mais a um ganho de saber, na tentativa de tornar conscientes os fenômenos inconscientes
com a criação da regra fundamental: a associação livre. que alguns impedimentos foram
encontrados no processo de hipnotizar os pacientes. O que é marcante nessa época é a
descoberta de Freud da importância da palavra no tratamento e também no processo que
mais tarde ele irá tropeçar: a transferência.
A descoberta do método catártico origem ao processo da associação livre,
que o sintoma resiste ao método da hipnose:
Criticamos o hipnotismo por dissimular as resistências e assim
impedir que o médico possa perceber o jogo das forças psíquicas.
A hipnose não destrói as resistências e desse modo fornece
dados incompletos e sucessos passageiros. (FREUD, 1904 [1903],
p. 5)
É a partir da clínica também, especificamente com o caso Dora (1905 [1901]),
que Freud percebeu que havia algo para além da decifração do inconsciente que se tratava
dos “sentimentos” dirigidos à pessoa do analista - a transferência - e que impediram o
processo. Ou seja, na impossibilidade da evocação da lembrança, o paciente coloca em ato
o que não faz surgir pela via da rememoração:
A resistência acompanha o tratamento passo a passo. Cada
associação isolada, cada ato da pessoa em tratamento tem de levar
em conta a resistência e representa uma conciliação entre as forças
que estão lutando no sentido do restabelecimento e as que se lhe
opõem, já descritas por mim(FREUD, 1912, p. 115).
Freud depara-se com a resistência no inconsciente, no processo associativo e
que surge como um compromisso entre as exigências dessa resistência e as do trabalho de
investigação e é aqui que surge a transferência (FREUD,1912, p.115). Da resistência para a
repetição, o paciente, ao não recordar alguma coisa que esqueceu e recalcou, faz ato, ou
seja, repete naturalmente na experiência da análise. Freud cita, como exemplo, um paciente
que não se recorda der ter sido desafiador e crítico em relação à autoridade paterna, mas
que repete esta atitude com o analista (FREUD, 1912, p. 165).
O método que se esboça irá exigir do paciente um trabalho decorrente dessa
própria resistência, pois se torna impossível uma eficácia na descarga afetiva pela
33
reprodução verbal como cura do trauma que, originalmente, ocasionou o sintoma. Ao
abandonar a ab-reação, Freud se depara com a elaboração, na impossibilidade de se
reproduzir o traumático catárticamente, mas de elaborá-lo através de um trabalho psíquico -
a durcharbeitung - termo que aparece com este sentido em1914, do Recordar, repetir e
elaborar.
Deve-se dar ao paciente tempo para conhecer melhor esta
resistência com a qual acabou de se familiarizar, para elaborá-la,
para superá-la, pela continuação, em desafio a ela, do trabalho
analítico segundo a regra fundamental da análise(FREUD, 1914, p.
170).
Desse modo, a elaboração de um saber do paciente tem a presença do analista e
de seu manejo, e do analisando, que trabalha sob os efeitos da experiência da análise.
Nesse sentido, o saber da psicanálise está entrelaçado com a interpretação do
material recalcado reproduzido na transferência e o seu próprio manejo, e, mais ainda, que
ao tentar “preencher lacunas na memória” (FREUD,1914, p.163) paradoxalmente irá
deparar-se com a impossibilidade do próprio dizer -concebido aqui como uma
impossibilidade de tornar o inconsciente consciente - já que a resistência insiste ao que é da
ordem da decifração.
em 1914, Freud adverte aos analistas de que de nada serve nomear a
resistência sem que o analisando possa elaborar, ou seja, não se trata de um saber a ser
oferecido, mas advindo deste trabalho do analisando.
Em 1937, no trabalho de Análise terminável e interminável, Freud aponta que a
decifração ou a mera comunicação ao paciente não obtém resultado, já que o aumento de
saber não intervém no sintoma. Ele faz a comparação com o esclarecimento sexual das
crianças que não faz com que elas abandonem suas teorias infantis no que ele mesmo
postula: “Após tais esclarecimentos, as crianças sabem algo que não conheciam antes, mas
não fazem uso do novo conhecimento que lhes foi presenteado.” (FREUD, 1937, p. 266) .
Nesse sentido, pensamos o estatuto do trabalho no tratamento psicanalítico como bem nos
aponta Figueiredo:
Tratar em psicanálise é fazer trabalhar, e quem trabalha é o sujeito,
este é o sentido da elaboração, o Durcharbeitung de Freud. Em
34
outras palavras, é o trabalho através do tempo, do analista, do
pensamento, e da ação dentro e fora dos atendimentos.
(FIGUEIREDO, 2000, p. 83)
Trabalho esse que Freud coloca como um tempo para se conhecer melhor a
resistência. (FREUD, 1914, p. 170). Podemos relacionar esse trabalho, a durcharbeitung,
ao “tempo para compreender”- um dos tempos lógicos da experiência analítica formulados
por Lacan(1945). É a ação póstuma do trauma sexual, desenvolvida por Freud (1896) na
Etiologia das neuroses, que Lacan retoma como o a posteriori (LACAN, 1966, p. 839) é
que traz a idéia do tempo lógico, ou seja de que há uma re-elaboração dos acontecimentos.
O tempo, como modulador, aparece em seu estatuto lógico no texto de Lacan (1945)
O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada. A partir de um problema proposto para
devolver a liberdade de três prisioneiros, Lacan propõe os três tempos gicos como
solução que essa experiência testemunhou. O problema é resolvido em três momentos: “o
instante de ver”, como o que se apresenta, “o tempo de compreender”, onde se “objetiva
alguma coisa além dos dados de fato”(LACAN, 1966, p. 205), e o movimento lógico que
decide por concluir. O “tempo de compreender” é um “tempo de demora” que, segundo
Lacan, apresenta-se como a urgência do “momento de concluir”.(LACAN, 1945,p.206).
Nesse “tempo de meditação” um “(...) retorno da intuição que o
objetivou”(LACAN,1945,p.205). Esse retorno é o efeito da própria asserção antecipada
feita pelo sujeito em sua experiência analítica.
Há, portanto, um trabalho que visa o sujeito e o implica na medida em que a
experiência analítica instaura um “instante de ver” para o sujeito. “O tempo de
compreender pode reduzir-se ao instante de olhar, mas esse olhar em seu instante, pode
incluir todo o tempo necessário para o tempo de compreender”(LACAN, Idem).E
necessariamente o sujeito está implicado nesse processo.
Como, por exemplo,Freud,ao perguntar para Dora( FREUD,1905[1901]) sobre qual
é a parte dela no que ela vem lhe queixar, significa dizer para o analisando que o mesmo se
implique em sua fala, como retoma Lacan (1951) em seu texto Intervenção sobre a
transferência. É necessário frisar aqui que Lacan, no início de seu ensino, trabalha com o
conceito de fala plena entre sujeitos- intersubjetividade - que posteriormente será re-
elaborado que a fala do sujeito, portadora da dimensão inconsciente é por si mesma
35
interdita .O sujeito de que se trata é o sujeito suposto ao saber para além do analisando e do
analista e a suposição de saber é ao inconsciente, está é a dimensão da transferência. E é
também o que o analisando traz que é posto a trabalho como sujeito na “experiência
analítica”(LACAN, 1936).
E, para que, de fato, o sujeito possa aparecer, é, justamente, o que estamos
visando nesse percurso sobre a elaboração de saber. O saber do analisando, não se trata da
dimensão da palavra, da história, do sentido, mas da emergência do sujeito, definido como:
“(...) um sujeito não é suposto por outro sujeito e sim por um significante que o representa
para outro significante.”(Lacan, 1967, p.18).E que, ao representá-lo, o significante não dá
conta de sua totalidade, remete-se a outro significante, dividindo o sujeito. É sobre esse
sujeito que se responsabiliza pelo que lhe concerne em sua divisão subjetiva pela via
significante que o saber faz questão.
O sujeito surge como efeito dessa articulação dessa “experiência analítica”, tal
como Lacan (1936) a define, no Para além do princípio de realidade, como fato de
linguagem. Não se trata de uma fala que pressupõe um locutor. O sujeito está para além da
enunciação, trata-se do sujeito do inconsciente, na divisão entre o significante e significado,
que por isso porta sempre uma verdade que não é plena, e que por isso não se trata de tornar
consciente o que é inconsciente. É o que Lacan afirma, posteriormente, em Televisão
(LACAN, 1974, p. 11): “Digo sempre a verdade: não toda, porque dizê-la toda não se
consegue. Dizê-la toda é impossível, materialmente: faltam as palavras .”
Durante o tratamento, há uma elaboração de saber visando o sujeito do inconsciente,
o que marca a entrada ou o início do tratamento também tem relação com o saber. É o que
nos assinala Melman (2002), ao falar da crença de que comungamos de que em algum lugar
existe uma alguém que sabe:
Acontece, e isso é um passo muito importante a considerar, que
nós não deixamos de atribuir um sujeito a esse saber, quer dizer
que nós não pensamos que é um saber anônimo, ou uma escritura,
organizada em um texto indecifrável. Nós não deixamos de
atribuir-lhe um sujeito, quer dizer que esse saber, para nós, se
presta à suposição de que existe um sujeito que tem a mestria dele,
e é esse sujeito que Lacan chamará o sujeito suposto ao saber
suporte da transferência(...) (MELMAN, 2002, p. 3).
36
É com O seminário, livro 11 (1964) que Lacan introduz o sujeito suposto ao saber,
instaurado a partir da transferência, no início do tratamento. A paixão da ignorância,
assinalada em O seminário, livro I (1953-54) abre a dimensão da procura de saber:
Na análise, a partir do momento em que engajamos o sujeito,
implicitamente numa pesquisa da verdade, começamos a constituir
sua ignorância. Somos s que criamos essa situação e, portanto
essa ignorância (...) essa ignorância não é, pois, uma pura e
simples ignorância.(LACAN, 1953-54, p. 194).
O que essa suposição aponta é que, ao seguir a regra fundamental da análise, é
necessário ter uma crença de que esse saber se institui, um Outro que sabe.
Outro aqui
definido como o que não é um semelhante, aquilo que antecede e é exterior ao sujeito
(CHEMAMA, 1995:156).Conceito fundamental que terá seu desdobramento no segundo
capítulo de nossa dissertação
.
Por outro lado, a suposição que instaura a experiência analítica, revela, ao longo do
trabalho, que não existe esse saber na figura do analista. Não existe um sujeito que sabe
(MELMAN, 2002, p. 11) Não existe um significante que represente o sujeito em seu ser.
Nesse sentido, o ganho de saber da elaboração do analisante aponta para o sujeito
que, no momento de concluir, não tem um saber a mais que se acumula em sua experiência
analítica, mas é um saber que se descompleta o tempo todo, trata-se de um furo nesse saber
não sabido, recalcado, que insiste, como diz MELMAN (2002, p. 3) “num restinho de
inconsciente”.
O saber se diferencia de conhecimento e se trata de uma convicção, poderíamos
dizer crença ? O que Freud disse com convencer-se é que um saber inconsciente, um
saber suposto, que advém de suas formações, atos falhos, sonho, sintoma.
É necessário esclarecer o que se denomina por saber. Miller em Psicanálise ou
Psicoterapia (1997, p. 11), quando fala do saber, articula-o a fala antes e após o advento da
psicanálise:
Desde sempre, sabe-se que falar cura, no momento. Sabe-se que ir
mal, estar doente, é talvez uma forma de falar quando não se
sabe falar. Na linguagem de hoje, diz-se ‘somatizar’, o que quer
dizer que o corpo se torna um meio de palavra. Que haja uma
relação entre o mal e a palavra não é uma descoberta de Freud; a
medicina, antes de inserir-se no discurso da ciência, sabia muito
37
bem o valor de alívio da confissão e da palavra de
absolvição.(MILLER, 1997, p. 11).
A pergunta lançada sobre o saber tem relação com as causas, com a ordem das
causalidades materiais, biológicas, químicas ou mesmo, podemos questionar se haveria
uma causalidade psíquica, como nos aponta Miller (1997, p. 11).
Melman assinala, a partir de Lacan, como propriedade mesma do inconsciente, que
esse inconsciente ignora o que lhe causa: o saber da castração. “O saber do inconsciente
não sabe nada da castração” (MELMAN, 2002, p. 11).
Ao analista cabe reproduzir o ato inaugural freudiano que, ao abandonar a
hipnose com sua conseqüente sugestão, deixando de ser o operador de uma verdade a
priori, põe o analisando a trabalho com a tarefa de produzir o saber inconsciente. Isso
acontece, na medida em que, o analista lhe pede que associe, dando-lhe a palavra e
acolhendo os efeitos da transferência sem ocupar o lugar do Outro do saber, mas
permitindo que essa crença exista, não para que o sujeito atinja um conhecimento socrático
de si mesmo, mas que visa a verdade do ser do sujeito.
Freud(1904), em seu texto Sobre a Psicoterapia, é bem claro ao enunciar a
sugestão, tomando emprestado a definição de Da Vinci da pintura e da escultura, como
procedendo per via di porre’ e a análise per via de levare’, ou seja, enquanto a pintura
procede pelo método de por, colocar sobre a tela branca, a escultura retira a massa para
fazer a obra, esculpi-la.
E nesse trabalho, Freud coloca todo rigor que deve se abster como ele próprio
avisa em Observações sobre o amor de transferência (1914), de uma ambição terapêutica
ou um furor sanandi e, ao mesmo tempo, em relação à medicina diz: “Mas acreditar que as
neuroses podem ser vencidas pela administração de remediozinhos inócuos é subestimar
grosseiramente esses distúrbios...”(FREUD,1914, p.188) e continua: “Não; na clínica
médica sempre haverá lugar para o ferrum’ e o ignis’,lado a lado com as medicinas’ e, da
mesma maneira, nunca seremos capazes de passar sem uma psicanálise...” (FREUD, 1914,
p. 188 ).
Abrir mão da ambição terapêutica é abrir mão, em última instância, de um
poder atribuído ao analista através do saber. A psicanálise instaura um saber que não tem
semelhança com o armazenar saberes como prescrição. Trata-se, sobretudo, de sustentar
38
uma falta nesse saber que faz com que aquela curiosidade sexual infantil recalcada,
movimente-se nessa hiância que o analista sustenta com um saber sobre a castração na sua
douta ignorância. Contudo, na psicose o saber nos é trazido de forma diferenciada. Já que
na psicose, como veremos adiante, trata-se de outra relação com o saber.
39
2.4- Saber e psicose
Historicamente, a psiquiatria viu-se num embate em suas hipóteses etiológicas
entre suas vertentes biológicas ou psicogênicas para atribuir um lugar ao louco. E teve,
como resultado, a exclusão deste louco, alienado, em sua experiência, desprovendo sua fala
de qualquer saber sobre o que lhe acontecia. O que a psicanálise pôde fazer, ao se constituir
enquanto um campo epistemológico, foi reconhecer uma produção discursiva e de saber na
loucura cujo delírio, nos remetendo a Freud, seria uma tentativa de cura(1911).
O discurso freudiano, ao inaugurar o inconsciente, revela um saber na neurose,
cujo sintoma tem uma lógica própria e, fundamentalmente, a existência de um saber na
psicose. Em O seminário, livro 3 (1955-1956), Lacan nos diz que, na psicose, as produções
emergem a margem de um saber específico, pois se trata de um saber herdado tradicional
transmitido. Trata-se de um saber que não comunga a ordem neurótica da filiação edipiana.
O que dizemos quando dizemos, por exemplo, que na psicose algo
vem a faltar na relação do sujeito com a realidade, trata-se, com
efeito, da realidade estruturada pela presença de um certo
significante herdado tradicional transmitido(LACAN, 1955-1956,
p. 283).
Mas esse saber é uma produção e ela não é fruto de um erro, como queria
Henry Ey, mas sendo, como diz Lacan a loucura um fenômeno do pensamento, onde
questiona o próprio instrumento vigente de tratamento e a causalidade da loucura:
Para falar em termos concretos, haverá alguma coisa que distinga o
alienado dos outros doentes, a não ser pelo fato de o encerramos
num asilo, enquanto hospitalizamos estes últimos? Ou ainda, será
que a originalidade de nosso objeto é da prática - social- ou da
razão-científica? (LACAN, 1946, p. 155).
Ao erro, atribuído ao delírio, Lacan traz à cena -o que nenhum linista ou
filósofo sustentaria- sua teoria da linguagem como uma reprodução das realidades comuns,
partilhadas, onde diz que “a loucura é vivida no registro do sentido” (LACAN, 1946, p.
166) e, trata-se de uma realidade do sujeito, enquanto fato de linguagem.
Nesse sentido, poderíamos acrescentar ainda que não existe realidade fora do
40
significante no que neurose e psicose estão submetidas. A especificidade do discurso da
psicose encontra-se em sua relação com a significação cujo saber tem um “carácter
indiscutivelmente neológico” (LACAN, 1955-1956, p. 42). Ou seja, trata-se de uma
significação não partilhada num uso inusitado da linguagem cuja “perda da realidade”
freudiana é substituída pela criação de uma nova realidade. É essa linguagem que permite
reconhecer a assinatura do delírio. “O próprio doente sublinha que a palavra tem peso em si
mesma. Antes de ser redutível a uma outra significação, ela significa em si mesma
(...)”(LACAN,1955-1956,p. 43-44).
O campo do significante emerge para a neurose e para psicose, ele é dado
primitivamente e passa a ter efeitos na medida em que o sujeito o faz entrar em sua
história, ou seja, se de saída, uma bateria significante nos é dada, “(...) é preciso ainda que a
ordem do significante, o sujeito a adquira, seja colocado em seu lugar numa relação de
implicação que afeta o seu ser” (LACAN, 1964, p. 216).
Lacan, em Posição do Inconsciente (1960), nos afirma que para todo o sujeito
um “isso fala dele”, ou seja, uma intervenção do significante ainda onde um sujeito
em vias de advir, onde ele é significado, nomeado por essa bateria significante. Contudo, na
psicose, algo entre o “isso fala de mim” e “(...) é ali que ele me apreende” que o sujeito
tropeça, ou mortifica-se. Como Schreber que vê anunciada a notícia de sua morte, o
significado que vem de forma inapreensível.
Não se trata aqui de adentrarmos na especificidade da tessitura do delírio, mas
de, ao trazer o saber da psicose, fazermos desse saber propriedade de um sujeito que nos
interessa na experiência analítica. E, mais ainda, a práxis psicanalítica visa o sujeito, sujeito
responsável na autoria de sua produção, de seu sintoma, de seu delírio, ao contrário de um
sujeito irresponsável, suprimido ou abolido pela classificação da psiquiatria
biológica.Como nos diz Miller, há um sujeito em questão.
Todo o seu esforço, a propósito da psicose, não tem nenhum
sentido, a não ser o de fazer da psicose uma questão de sujeito.
Isso quer dizer que não se trata de avaliar o louco em termos de
déficit, ou de dissociação de funções, e que nada vai mudar com a
determinação molecular da psicose que nos é prometida para o
futuro: o sujeito tem de contentar-se com o que determina. Não
esqueçamos que Freud situa o delírio como uma tentativa de cura.
Não se trata de uma doença: é ao contrário, o testemunho de que o
sujeito emerge da catástrofe pela significação que ele elucubra. É
41
que podemos situar na psicose um momento de “morte do
sujeito”: ponto zero onde a significação se evacua por completo
(MILLER, 1996, p. 164
).
Com Schreber, Freud traz, não o fenômeno da loucura como parte essencial
da realidade psíquica, como também, traz a figura do médico como essencial na construção
do tratamento do paciente sob o mecanismo da transferência, o que veremos
posteriormente, ao abordarmos a construção do caso clínico.
Assim, a aposta de que um sujeito na psicose é intrínseca a uma produção desse
sujeito como efeito de um trabalho clínico. Poderíamos cernir uma diferença
fundamental no que diz respeito à clínica. Para uma determinada clínica psiquiátrica a fala
do paciente é nomeada, descrita e apreendida no manual do CID-10 (Classificação
Internacional das Doenças) e, onde as demandas sociais (familiares, vizinhos, ordem
pública) são, na maior parte das vezes, prioritárias ou únicas na leitura do caso clínico,
entrando como operadores determinantes na condução terapêutica.
Por outro lado, para a psicanálise, é o dizer do paciente e os efeitos de sua fala, os
operadores e indicadores sob os quais todas as outras demandas estão submetidas, enquanto
ali apostamos que um sujeito, em vias de advir. Ou seja, cada vez que um paciente faz
uso da palavra e que possa endereçá-la a uma escuta, uma intervenção surge para fazer daí
advir um sujeito. Sujeito esse que pode se localizar em seu delírio e em sua produção
discursiva.
Quando a psiquiatria se dispõe, em seu diagnóstico, a ir além da remissão do
sintoma ou mesmo do atendimento da demanda social, ela abre a possibilidade de
conjunção e diálogo com o saber psicanalítico. E aí, algum saber clínico pode ser
partilhado. Essa é uma discussão que remete ao último capítulo, onde se articula a
particularidade do saber da psicose na instituição diante do qual a psicanálise não pode
recuar.
Se na loucura um sujeito e sentido, como situamos o saber? Obviamente, o
saber diferencia-se nos tipos clínicos: neurose, psicose e perversão. Na verdade são
respostas que trazem a marca do inconsciente.
Na neurose, o saber não sabido, recalcado; na perversão, o saber desmentido e na
psicose o saber se materializa na certeza, ou seja, que se sabe sobre ele. Eis o grande
42
desafio que a psicose nos impõe por estrutura, do “isso fala nele”, que o assujeita, invade e
mortifica para a localização de um sujeito. Onde podemos acolher os efeitos destes
momentos a partir de uma escuta e de uma clínica com a psicose.
Oferecer uma escuta clínica é pressupor que existe um saber no sujeito, como
vimos anteriormente, que o paciente porta. E mais ainda, por se tratar de uma questão do
sujeito é necessário pensar como a psicanálise pode fazer este sujeito emergir,
fundamentalmente, como ele advém no campo do Outro. É, portanto, a partir do Outro que
poderemos falar do que se passa em relação à psicose.
43
III. O DISCURSO DO OUTRO
Neste capítulo, iremos abordar o campo do Outro e o sujeito como emergindo a
partir das operações de “alienação” e “separação”. Essas operações são trabalhadas, por
Lacan, em O seminário, livro 11 (1964) e no texto A posição do Inconsciente (1960).
Também faremos um percurso pela identificação, em sua vertente freudiana, retomada no O
Seminário, livro 9 (1961-1962). É a partir das conceituações elencadas nesses textos que
poderemos também apresentar a identificação como uma das resultantes dessa operação de
alienação e separação na constituição do sujeito.
Ao enodar sujeito e Outro, estaremos tentando trilhar a situação peculiar do
sujeito na psicose. Trata-se, principalmente, de retomar o campo das psicoses em O
seminário, livro 3 (1955-1956) e em De uma Questão Preliminar a todo tratamento
possível da psicose (1957-1958). Em O seminário, livro 3, Lacan, ao analisar o pensamento
inconsciente de Freud, traz o pensamento articulado em linguagem, numa cadeia que vai do
sujeito ao Outro, ininterruptamente. “Esse monólogo supostamente interior está em perfeita
continuidade com o diálogo exterior, e é bem por esta razão que podemos dizer que o
inconsciente é o discurso do Outro” (LACAN, 1955-1956, p. 128).
Dessa forma, para saber o que se passa nessa relação importante para se pensar o
sujeito, especificamente o sujeito da psicose, irá se tomar como efeitos subjetivos deste
assujeitamento ao Outro, as entidades clínicas da melancolia, esquizofrenia e da paranóia.
Como afirma Lacan, o assujeitamento ao Outro é inevitável ao sujeito e é de onde
ele pode advir: “(...) o sujeito é sujeito por ser assujeitamento ao campo do Outro, o
sujeito provém de seu assujeitamento sincrônico a esse campo do Outro” (LACAN, 1964,
p. 178).
Nesse sentido, o Outro aparece ao longo da obra lacaniana em várias categorias.
No início de seus seminários, de 1954 à 1956, o Outro aparece como o que funda a
existência e o campo do simbólico,aparece como absoluto ou como excluído na psicose,
aparece também desdobrado, na neurose, como primordial e representante da lei. Em
1957-58, o Outro aparece como tesouro dos significantes, o inconsciente, de onde provém o
código da linguagem.E, finalmente, até onde pudemos chegar, em 1960, o Outro aparece
barrado para todo sujeito, e, revela sua inconsistência, nos fazendo pensar qual é o lugar do
44
Outro e, mais ainda, como o sujeito vai surgir no lugar desse Outro que lhe preexiste?
Abordaremos as concepções do Outro até O seminário, livro
11(LACAN,1964), conforme suas descrições nos esquemas L, R e I e o matema S(A)
retirado do Grafo do Desejo(LACAN,1960).Esse percurso faz-se necessário para
verificarmos o engendramento do sujeito no Outro. Não nos cabe aqui fazer uma análise
detalhada dos esquemas, bem como do próprio grafo do desejo que levou cinco anos para
ser construído por Lacan.Trata-se, somente, de precisar o lugar do Outro nesses esquemas.
O esquema L, apresenta a fundação do sujeito a partir do Outro. O R situa o
Outro duplicado pela função do significante “Nome-do-pai” cuja operação delimita o
campo da realidade e, finalmente, o esquema I fala da catástrofe do sujeito psicótico, numa
referência a Schreber(FREUD,1911), ao não conseguir operar essa separação do Outro sem
barra e sua posterior tentativa de cura ou estabilização colocando o Ideal do Eu, no lugar do
Outro(A).
No esquema L, o Outro aparece separado do sujeito pelo muro da linguagem.
O sujeito fala com seus semelhantes no eixo a, a’, mas não sabe o que diz nem o que é. “Ele
se do outro lado, de maneira imperfeita, como vocês sabem, devido ao caráter
fundamentalmente inacabado da Urbild especular” (LACAN, 1954:55,p. 308). O sujeito
fala com seu eu pela via imaginária, ao mesmo tempo em que o S(Es) na dimensão
inefável, do ‘isso fala’ nele traz o inconsciente como o inacessível que porta o
desconhecido e que o sustenta simbolicamente.
Um dos nomes deste Outro é o Outro primordial ou prévio que Lacan irá, relendo o
Édipo, denominá-lo como desejo primordial materno. Ele é nomeado também como a fonte
dos significantes, o tesouro inconsciente, cujo significante fálico, barrando o desejo da mãe,
o introduz como o Outro barrado(A).
O sujeito surge dessa operação de alienação ao desejo materno(DM) e separação
pela falta que se institui no Outro(A). Dessa forma, a identificação a um significante que o
represente é a resultante desta equação lógica.
Na psicose, veremos como o lugar do Outro e do sujeito ganham contornos
particulares, pois não opera a barra que separa sujeito e Outro e seus objetos. É também
essa sobreposição do eixo imaginário e simbólico que não veremos na psicose, pois o
sujeito acredita no seu eu. O Outro, portanto, aparece como excluído de sua função
45
simbólica, mas maciçamente presente e invasor pelos fenômenos da alucinação e do delírio.
E, nesse sentido, esquizofrenia, paranóia e melancolia darão o testemunho do que se passa
nessa relação.
46
3.1- Outro: o antecendente lógico do sujeito
Para pensarmos o campo do Outro, faremos um percurso pelos esquemas de
Lacan. O esquema L é por onde começaremos.Esse esquema aparece em O seminário,
livro 2 (1954-1955) e no seminário sobre A Carta Roubada (1956). É retomado em O
seminário, livro 3 (1955-1956) e em sua última versão simplificada em De uma Questão
Preliminar a todo tratamento possível da psicose (1957- 1958).
No esquema L, o Outro é o que funda a existência do sujeito, lugar da linguagem,
cuja relação confere uma anterioridade lógica fundadora do sujeito. Nesse esquema, o
Outro aparece como Absoluto no eixo do simbólico, como alteridade, condição de
existência do sujeito de onde o sujeito recebe sua determinação significante.Podemos
definir o simbólico, exatamente, como o que demarca as diferenças mínimas da linguagem,
trata-se mesmo da introdução do significante,da “ordem do significante, enquanto ela se
distingue da ordem da significação”(LACAN, 1955-1956,p.216). O imaginário pode ser
pensado pela via do significado, como o registro das equivalências, do semelhante, das
imagens que constituem a relação “entre eus”(LACAN,1960,p.150). O real, nesse
momento, é o que está excluído do simbólico, o que não tem representação possível pela
linguagem, o que escapa a simbolização.
O esquema L é composto de 4 elementos : S(Es), a(outro), a’(eu), e A (Outro).
A relação entre sujeito e Outro se por um desvio no eixo imaginário. Sujeito e Outro
estão separados pelo que Lacan denominou o muro da linguagem.Essa relação é inaugural
para todo sujeito e comporta uma matriz identificatória, como veremos adiante “... o eu é
esse mestre que o sujeito encontra num outro...”(LACAN, 1955-1956, p. 11).
Retomando O seminário, livro 3, teremos de (S a’ a) o eixo imaginário onde o
sujeito se dirige ao eu, recebendo dele uma imagem e o eixo simbólico de (A a s) que funda
e determina o sujeito, distinguindo o outro semelhante do A (Outro) como a quem se dirige
a fala enquanto tal. E para se ter o acesso ao campo do Outro, lugar do inconsciente, uma
barreira se coloca, o muro da linguagem.Trata-se da Outra cena e que por isso seu acesso se
dá pelas formações do inconsciente: ato falho, chiste, etc...
Eis a forma que o esquema L aparece em De uma Questão Preliminar a todo
tratamento possível da psicose(LACAN,1957-1958,p.555):
47
Assim, o Outro simbólico introduz uma distância entre a e a’ e possibilita a
emergência do sujeito que está em S(ES), em sua inefável e estúpida existência, em seus
objetos, a, em seu eu, a’e, em A de onde se coloca a questão de sua existência, ou seja,
retorna sobre o sujeito. O sujeito, portanto, se constitui alienado no Outro, pois se A for
retirado de seu lugar Outro, o eixo imaginário não lhe dará sustentação.
O Esquema L serve de base ao esquema R, que acrescenta o falo Φ como o
significante que irá inscrever-se no Outro, desdobrando-o em Outro da linguagem e Outro
da lei. Eis o esquema R (LACAN, 1957-1958,p.559):
48
ESQUEMA R:
Assim, o esquema R traz o primeiro triângulo(ϕ i m) onde situa-se o Outro
primordial, que desdobra-se no segundo triângulo(M I P), onde o Outro é marcado pela
entrada do significante paterno, promovendo os deslocamentos necessários na constituição
do campo da realidade, balizando as instâncias do eu e ideal do eu, bem como a inscrição
do sujeito como barrado (S)em sua relação com o objeto de desejo que também representa-
se por uma falta. Ou seja, a entrada do pai, enquanto um significante, ao mesmo tempo que
barra o desejo da mãe, interdita o desejo incestuoso do filho. Esse esquema traduz não só o
que se passa no campo do sujeito e do Outro, como também a estruturação da neurose pelos
desdobramentos dos tempos do Édipo.A metáfora do “Nome-do-Pai”, coloca esse nome em
substituição ao lugar simbolizado pela operação de ausência da mãe (LACAN,1955-
1956,p.563). A contribuição essencial do esquema R é que a relação do sujeito com o Outro
passa pela fantasia a partir de uma relação simbólica cuja equação permite enquadrar o
campo da realidade. Em uma nota de rodapé de 1966, Lacan acrescenta uma leitura
topológica do esquema, introduzindo a banda de Moebius que aponta para a circulação do
simbólico ao imaginário passando pelo real. Não nos interessa aqui uma delimitação dessa
estrutura, mas tentar precisar o que se desenrola na constituição
do sujeito em sua
alienação
ao campo do Outro. Nesse momento da articulação teórica de Lacan, o Outro aparece como
o Outro primordial, e como o Outro vinculado ao significante da lei que sustenta o ideal,
dado pelo falo como saída identificatória pela metáfora paterna.
Em O seminário, livro 5 (LACAN,1957-1958), ao retomar o esquema R, o
Outro é situado como a sede do código que intervém no campo do sujeito ratificando a
mensagem que o sujeito recebe sob a forma invertida, como no conhecido exemplo: tu és
minha mulher”, implica em “eu sou teu homem”. “Tudo o que se realiza no S, sujeito,
depende do que se coloca de significantes no A”.(LACAN, 1957-1958, p.163).
Dessa forma é que, ao Outro materno primordial, é introduzido um significante, o
“Nome-do-Pai”, para que o sujeito possa advir. Esse Outro primordial é regido pelo
significante que engendra o sujeito na linguagem.Trata-se, primeiramente, de uma lógica
binária - o fort-da freudiano- a partir da presença e ausência da mãe. Esse jogo simbólico
revela a falta no campo do Outro e instaura a lógica fálica - a mãe não é portadora do falo.
A metáfora paterna é o que resulta dessa operação que introduz o significante “Nome-do-
49
pai”, barrando o desejo caprichoso da mãe. O significante “Nome-do-pai” introduz o Outro
como barrado (A), com a dimensão de lei.
O essencial é que a mãe funde o pai como mediador daquilo que
está para além da lei dela e de seu capricho, ou seja, pura e
simplesmente, a lei como tal. Trata-se do pai, portanto, como
Nome-do-pai, estreitamente ligado à enunciação da lei, como todo
o desenvolvimento da doutrina freudiana no-lo anuncia e promove.
E é nisso que ele é ou não aceito pela criança como aquele que
priva ou não priva a mãe do objeto de seu desejo(LACAN, 1957-
1958, p. 197).
A partir do estabelecimento do Grafo do Desejo em Subversão do Sujeito e
Dialética do desejo (1960), Lacan nos propõe, através do matema S(A), que não no
inconsciente um significante que conta de representar totalmente o sujeito, ou seja, o
significante falta. E falta, porque, podemos exemplifica, dizendo que não há um pai que
possa dar a chave do saber sobre a relação entre os sexos, como nenhuma mãe poderá
ensinar a sua filha sobre a mulher. Eis o S(A) no Grafo do Desejo(LACAN,1960,p.831):
50
Em outras palavras, é essa falta que coloca o Outro como inconsistente, pois
não há um Outro do Outro, diz Lacan (1960). Com isso, não há como se ter acesso ao gozo.
“Aquilo a que é preciso nos ater é que o gozo está vedado a quem fala como tal, ou ainda,
que ele pode ser dito nas entrelinhas por quem quer que seja sujeito da Lei, que a lei
se funda justamente nessa proibição”.(LACAN, 1960, p. 836).Não abarcaremos aqui a
totalidade do percurso sobre o gozo na obra lacaniana. Mas, podemos a ele no remeter
relacionando-o ao Outro enquanto o lugar do recalcamento.E, a partir disso, dizer que
um não saber sobre o gozo no Outro como tal.
Dessa forma, a barra que recai em A, aponta para a impossibilidade de se enunciar
tudo sobre os significantes, o que Lacan irá exemplificar ,mostrando que um gozo que
não passaria pelo significante: o gozo da mulher, cujo saber não recobre, algo que
escapa. Ou seja, não no Outro um saber sobre esse gozo e isso revela a inconsistência
51
desse Outro. Posteriormente, Lacan, ao introduzir a topologia, irá trazer os três registros,
real, simbólico e imaginário para enodar essa relação do Outro e do sujeito a partir de um
real, ou de um saber que funda esse real.
No percurso esboçado, nos deteremos na afirmação sobre o Outro, como nos situa
Lacan em O seminário, livro 4 (1956-1957). Esse Outro, ao revestir-se do Desejo Materno,
está numa relação primordial de assujeitamento ao engendrar o campo do sujeito. Nesse
momento gico, trata-se de um engendramento significante. Ele é inerente, inaugural e
constitutivo pela via da alienação.Como diz Lacan: “O sujeito nasce no que, no campo do
Outro, surge o significante. Mas por este fato mesmo, isto - que antes não era nada senão
sujeito por vir - se coagula em significante.” (LACAN, 1964, p. 187). Esta aí o protótipo da
operação de alienação na constituição do sujeito. Por isso, passaremos a algumas
considerações sobre sujeito e Outro em O seminário, livro 11 (1964) a partir das operações
de alienação e separação, fundamentais para se pensar o sujeito em suas possibilidade de
ancoramento significante.
Lacan aponta o inconsciente como o intérprete desse jogo significante, onde
suas formações, como o sonho, o ato falho, o chiste ou o sintoma demonstra que o
Outro(A) está lá numa temporalidade de abertura e fechamento.
Vocês compreendem igualmente que, se lhes falei do inconsciente
como do que se abre e se fecha, é que sua essência é de marcar
esse tempo pelo qual, por nascer com o significante, o sujeito
nasce dividido. O sujeito é esse surgimento que, justo antes, como
sujeito, não era nada, mas que apenas aparecido, se coagula em
significante.(LACAN, 1964, p. 188).
Essa conceituação liga sujeito e Outro, onde ao definir a alienação, o sujeito
pode se constituir do lugar do Outro, rompendo de vez com a lógica cartesiana, pois não
meios de se definir o sujeito como consciência de si.
O significante produzindo-se no campo do Outro faz surgir o
sujeito de sua significação. Mas ele funciona como
significante reduzindo o sujeito em instância a não ser mais
do que um significante, petrificando-o pelo mesmo
movimento com que o chama a funcionar, a falar, como
sujeito(LACAN, 1964,p.197).
O sujeito surge como efeito do significante, que o determina e o divide em sua
52
estúpida e inefável existência S (ES), ele é então falado a partir do significante. É a partir
desta identificação primeira ao significante que o sujeito pode se representar e se inscrever
no campo do Outro.Isso porque o significante do qual o sujeito depende está no campo do
Outro(LACAN,1964,p.197).
Efeito de linguagem, por nascer dessa fenda original, o sujeito
traduz uma sincronia significante nessa pulsação temporal
primordial que é o fading constitutivo de sua identificação. Esse é
o primeiro movimento.(LACAN, 1960, p.849).
Lacan formulará a alienação a partir da teoria dos conjuntos através da forma da
reunião. Diferente de uma simples soma, a reunião implica em uma união de dois conjuntos
com seus elementos comuns fazendo parte dos dois e ao mesmo tempo sendo perdidos do
conjunto original. A definição lógica da união é um vel. Existe o vel da exclusão, o vel da
união e o que nos importa, o terceiro vel, onde não se tem muita escolha, é a “escolha
forçada”.
Nessa reunião, o conjunto não fica inteiro, uma perda. É assim em relação ao
sujeito que também perde, ele perde parte do seu ser. Ou seja, ao se representar por um
significante o sujeito desaparece, ficando petrificado, o que Lacan nomeia como afânise ou
fading do sujeito.
Produzindo-se o significante no lugar do Outro ainda não
discernido, ele faz surgir ali o sujeito do ser que ainda não possui a
fala, mas ao preço de cristalizá-lo. O que ali havia de pronto para
falar- nos dois sentidos que o imperfeito do francês dá ao il y avait
[havia], o de colocá-lo no instante anterior: estava e não está
mais; porém também no instante posterior: por pouco mais lá
estava por ter podido estar -, o que havia desaparece, por não
ser mais que um significante(LACAN, 1960, p. 854).
Esse significante comum ao sujeito e ao Outro é o que a operação de alienação
engendra como uma escolha forçada.
O vel da alienação se define por uma escolha cujas propriedades
dependem do seguinte: que há, na reunião, um elemento que
comporta que, qualquer que seja a escolha que se opere, por
conseqüência um nem um nem outro. A escolha é apenas a de
53
saber se a gente pretende guardar uma das partes, a outra
desaparecendo em cada caso(LACAN, 1964, p. 200
).
54
No exemplo da “bolsa ou a vida” (LACAN, 1964, p. 201), a escolha forçada se
explicita pelo fato de que a vida implica numa perda, na perda da bolsa. Não saída. Isso
cinde e divide o sujeito condenado (LACAN ,1964, p. 199) pois se ele escolhe a bolsa,
perde as duas e se ele escolhe a vida, é uma vida cortada.Tal como Lacan propõe(LACAN,
1964, p.201):
Parte do ser se perde nessa afânise, desaparece sob o vel , mas ao mesmo tempo
um significante faz apelo ao Outro na busca de um sentido. Ou seja, se por um lado aparece
como afânise, de outro, aparece como sentido, apontando para a verdadeira condição do
sujeito: Não há sujeito sem, em alguma parte, afânise do sujeito, e é nessa alienação, nessa
divisão fundamental que se institui a dialética do sujeito.”(LACAN, 1964, p. 209)
Mais do que ser uma operação que advém do Outro ou de um assujeitamento, a
alienação implica nesta perda de ser, na divisão do sujeito que o designa como causa. É
nisso que Lacan atribui seu fator letal (LACAN, 1964, p. 202). Não é possível escolher o
ser - a bolsa - resta-nos a escolha pela via do campo do sentido:
(...) escolhemos o ser, o sujeito desaparece, ele nos escapa, cai no
não senso-escolhemos o sentido, e o sentido só subsiste decepado
dessa parte de não-senso que é, falando propriamente, o que
constitui na realização do sujeito, o inconsciente. Em outros
termos, é da natureza desse sentido, tal como ele vem a emergir no
campo do Outro, ser, numa grande parte de seu campo, eclipsado
pelo desaparecimento do ser induzido pela função mesma do
significante(LACAN, 1964, p. 200).
Eis o que Lacan propõe(LACAN, 1964,p.200):
55
Lacan denomina esse primeiro significante como o entalhe, dando o exemplo de
quando se marca um animal, ao matá-lo(LACAN, 1964, p. 135). A partir daí se institui um
traço: traço unário que permitirá ao sujeito se incluir numa série significante, possibilitando
que o sujeito possa se contar de um um inaugural .
O traço unário, o próprio sujeito a ele se refere, e de começo ele se
marca como tatuagem, o primeiro dos significantes. Quando esse
significante, esse um, é instituído - a conta é um um. É ao nível,
não do um, mas do um um, ao nível da conta que o sujeito tem que
se situar como tal. Com o que os dois uns, já se distinguem. Assim
se marca a primeira esquize que faz com que o sujeito como tal se
distinga do signo em relação ao qual, de começo, pôde constituir-
se como sujeito(LACAN, 1964, p. 135).
A primeira esquize, ao mesmo tempo em que traz uma inscrição, traz uma falta,
que se inscreve enquanto representação. O representante da representação ou o
Vorstellungrepräsentanz freudiano é o que resulta na afânise, neste primeiro encontro
significante, ali onde surge o sujeito representado para um outro significante. Para ele
aparecer como sentido, é necessário que ele se apresente como desaparecimento em outro
lugar, e aí reside a divisão da qual advém o sujeito.
56
No deslizamento do sentido ou no desfiladeiro dos significantes, o sujeito se
depara com um Outro que não pode representá-lo totalmente, algo se perdeu, o ser, e com
isso o sujeito será simbolizado como barrado:
É a libido, enquanto puro instinto de vida, quer dizer, de vida
imortal, de vida irrepreensível, de vida que não precisa, ela de
nenhum órgão, de vida simplificada e indestrutível. É o que é
justamente subtraído ao ser vivo pelo fato de ele ser submetido ao
ciclo da reprodução sexuada. E é disso aí que são os representantes,
os equivalentes, todas as formas que se podem enumerar do objeto
a. Os objetos a o apenas seus representantes, suas figurações. O
seio - como equívoco, como elemento característico da organização
mamífera, a placenta por exemplo - bem representa essa parte de si
mesmo que o indivíduo perde ao nascer, e que pode servir para
simbolizar o mais profundo objeto perdido. Para todos os outros
objetos, eu poderia evocar a mesma referência(LACAN, 1964, p.
186).
Desse encontro com o campo do Outro, o sujeito traz o traço identificatório que
faz com que o sujeito se diferencie e se constitua como sujeito barrado (S)e a partir também
do que lhe escapa nessa primeira esquize, que escapa como resto, o objeto a .
O objeto a é algo de que o sujeito, para se constituir, se separou
como órgão. Isso vale como símbolo da falta, quer dizer, do falo,
não como tal, mas como fazendo falta. É então preciso que isso
seja um objeto - primeiramente, separável - e depois, tendo alguma
relação com a falta. (LACAN, 1964, p. 101).
O sujeito, representado por um significante para outro significante, é o que
Lacan denominou de significante binário - a vorstellungsrepräsentanz - o recalque
originário, condição para o recalque propriamente dito. Isso que cai - unterdrückt - é o que
se na operação de separação. O sujeito tenta recobrir a percepção da falta no Outro
através da fantasia de seu desaparecimento: pode ele me perder ? É exatamente este ponto
que opera o recalque e que o funda como uma saída frente a esta falta:
Passemos à segunda operação, onde se fecha a causação do sujeito,
para nela constatar a estrutura da borda em sua função de limite,
bem como na torção que motiva a invasão do inconsciente. A essa
operação chamaremos: separação. Nela reconheceremos o que
Freud denomina de Ichspaltung ou fenda do sujeito, e
compreenderemos por que, no texto em que Freud introduz, ele a
fundamenta numa fenda não do sujeito, mas do objeto (fálico,
57
nomeadamente). (LACAN, 1960, p. 856).
Lacan elucida essa falta no exemplo da criança que se pergunta no que o Outro
lhe diz, o que o Outro quer dizer. São esses intervalos de discurso, na interrogação do
desejo do Outro, onde um enigma pode aparecer e operar como disjunção, interseção, ponto
de intervalo. É assim que o sujeito que desliza pela cadeia significante, pela via do sentido,
pode, nesse corte, produzir um ponto de amarração, uma fixidez em nível fantasmático, ou
no instante da fantasia, onde a vertente de objeto e de sujeito barrado estão contempladas.
Por essa via, o sujeito se realiza na perda em que surgiu como
inconsciente, mediante a falta que produz no Outro, de acordo com
o traçado que Freud descobriu como sendo a pulsão mais radical, e
que ele denominou de pulsão de morte. Aqui, um nem à-é
convocado a suprir outro nem à-. O ato de Empédocles,
respondendo a isso, evidencia que se trata de um querer. O vel
retorna como velle. Esse é o fim da operação. (LACAN, 1960, p.
857).
Assim, Lacan em O seminário, livro 11 (1964), retomando a Traumdeutung
freudiana, traz esse Outro a partir da articulação do inconsciente como um desdobramento,
um intervalo entre percepção e consciência, onde o sujeito se constitui, tendo como
resultado dessa operação o objeto a. Lacan traz o fort-da freudiano para falar do objeto a .
Esse carretel não é a mãe reduzida a uma bolinha por não sei que
jogo digno do Jivaros - é alguma coisinha do sujeito que se
destaca embora ainda sendo bem dele, que ele ainda segura.... Se
for verdade que o significante é a primeira marca do sujeito, como
não reconhecer aqui-só pelo fato de esse jogo se acompanhar de
uma das primeiras aparições a surgirem - que o objeto ao qual essa
oposição se aplica em ato, o carretel, é ali que devemos designar o
sujeito. A este objeto daremos ulteriormente seu nome de álgebra
lacaniana o a minúsculo.(LACAN, 1964, p. 63).
Lacan continua introduzindo o sujeito como aparelho lacunar, lacuna que se
inscreve a partir deste objeto perdido, do estatuto deste objeto, com o qual o sujeito poderá
se identificar, o objeto a. Esse engendramento é um engendramento significante.
O significante produzindo-se no campo do Outro faz surgir o
58
sujeito de sua significação. Mas ele só funciona como significante
reduzindo o sujeito em uma instância a não ser mais do que um
significante, petrificando-o pelo mesmo movimento com que o
chama a funcionar, a falar, como sujeito. está propriamente a
pulsação temporal em que se institui o que é a característica da
partida do inconsciente como tal - o fechamento.(LACAN, 1964,
p. 196).
É o que Lacan formula com o conceito de alienação.O sujeito tenta nomear-se
no Outro, encontrar essa parte perdida, identificar-se e, com isso, ele se inscreve na
linguagem como ser de linguagem,como sujeito do significante. É assim que Lacan
reafirma em O seminário, livro 11, que tudo surge da estrutura significante. “Essa estrutura
se funda no que primeiro chamei a função do corte, e que se articula agora, no
desenvolvimento de meu discurso, como função topológica da borda.”(Lacan , 1964, p.
196).
Nesse sentido, Lacan apresenta o significante como binário, porque se desdobra
neste intervalo no qual se faz representar por um outro significante.
É no intervalo entre esses dois significantes que vige o desejo
oferecido ao balizamento do sujeito na experiência do discurso do
Outro, do primeiro Outro com o qual ele tem que lidar, ponhamos,
para ilustrá-lo, a mãe, no caso (LACAN ,1964, p. 207) .
A alienação se coloca como condição sine qua non para o sujeito, uma escolha
forçada que se produz a partir do ser e do sentido pela determinação da cadeia significante.
Se a alienação produz uma identificação, a separação também o faz do lado do sujeito.
“Pela função do objeto a, o sujeito se separa, deixa de estar ligado à vacilação
do ser, ao sentido que constitui o essencial da alienação”. (LACAN, 1964, p. 243). Mas
para que isso ocorra, é necessário um querer, uma ação. O Outro da alienação sem dúvida
alguma não é o mesmo Outro implicado na separação. Na alienação o Outro aparece como
A, tesouro dos significantes, sede do código, absoluto, prévio ao sujeito. na separação o
Outro aparece como faltoso, porque na interseção do sujeito ao campo do Outro, como
vimos anteriormente, há uma falta.
Nesse sentido, pensar o sujeito na psicose é um desafio na medida em que o lugar
do Outro toma uma dimensão muito particular, bem como a possibilidade de identificação a
um significante que o represente. O sujeito advindo no lugar do Outro faz um percurso pela
59
via identificatória e é esse percurso que faremos para elucidar essa relação.
3.2 - Do Outro ao sujeito: a identificação
A alienação está para todos e a separação é uma ação que envolve um querer e
que remete à identificação. Tentamos anteriormente delimitar o campo do Outro para cernir
o campo do sujeito. A noção de identificação freudiana retomada em O seminário, livro 9,
de Lacan(1961-62) nos elucidará sobre o estatuto do nome na constituição do sujeito pela
via do traço unário. Encontraremos elementos fundamentais no surgimento do sujeito para
pensarmos o sujeito da psicose pela via proposta por Lacan a partir desse seminário.
Lacan inicia O seminário, livro 9 (1961-62) sobre a identificação, dizendo que
irá falar da identificação de forma diferente da abordada anteriormente, que ele chamou de
60
mítica. Ele retoma a identificação histérica definida por Freud como diferente de uma
imitação ou mesmo diferente do pensamento de que a identificação seria uma referência
pura e simples a um outro ao qual nos identificamos. Ela é identificação ao significante.
É nessa via que Lacan relê Freud em seu percurso das identificações e aponta a
identificação ao traço, ao einzinger Zug, como o que possibilita a própria cadeia
significante ou a instauração do sujeito do inconsciente, sustentando então ao ponto não
mítico, a identificação inaugural ao traço como a identificação ao ideal do eu.
O que encontramos no limite da experiência cartesiana como tal do
sujeito evanescente, é a necessidade desta garantia do traço de
estrutura o mais simples, do traço único, se ouso dizer,
absolutamente despersonalizado, não somente de todo conteúdo
subjetivo, mas mesmo de toda variação que ultrapasse este único
traço, deste traço que é um por ser o traço único.A fundação do um
que constitui este traço não é em nenhuma parte tomada noutro
lugar senão em sua unicidade: como tal não se pode dizer dele
outra coisa senão que ele é o que tem de comum todo significante
de ser antes de tudo constituído como traço, por ter este traço por
suporte.(LACAN 22/11/61).
Enquanto Freud traz a clínica como pano de fundo para as suas observações, Lacan
traz o exemplo de sua cadela Justine, onde a relação com o outro não a permite, fazer da
linguagem um ponto de identificação que a represente enquanto sujeito. Ele retorna ao fort-
da freudiano para dimensionar essa questão:
(...) que a escansão onde se manifesta esta presença no mundo não
é simplesmente imaginária, isto é, que não é ao outro que nos
referimos aqui, mas a este íntimo de nós mesmos do qual tentamos
fazer o ancoradouro, a raiz, o fundamento do que somos como
sujeitos. Pois, se podemos articular, como fizemos, no plano
imaginário, que minha cadela me reconheça pelo mesmo, não
temos em contrapartida nenhuma indicação sobre o modo como
ela se identifica; de toda maneira que possamos reengajá-la em si
mesma, não sabemos, não temos prova alguma, testemunho algum
do modo sob o qual esta identificação a aproxima. É justamente
aqui que aparece a função, o valor do significante como tal; e é na
própria medida em que é do sujeito que se trata que temos de nos
interrogar sobre a relação desta identificação do sujeito com o que
é uma dimensão diferente de tudo o que é da ordem da aparição e
do desaparecimento; ou seja, o estatuto do significante.(LACAN
6/12/61).
61
Assim, no plano imaginário ou do pequeno outro, a identificação estaria ligada
ao aparecimento e desaparecimento, mas do que se trata, é de uma outra ordem, trata-se
mesmo do significante. O que ele exemplifica no caso Hans(FREUD, 1909)quando o
mesmo elege - frente a uma suspensão radical do desejo da mãe - um significante que
preserva o mínimo de centragem de seu ser e, ao mesmo tempo, o protege de ficar à deriva
no capricho materno. Lacan continua em sua releitura de Freud, apontando os três tipos de
identificação: a regressiva, a identificação ao pai, por incorporação, e a identificação
histérica pela via do desejo.
Ao diferenciar o sujeito do significante, Lacan traz o estatuto do nome próprio
para falar da identificação:
(...) um nome próprio é algo que vale pela função distintiva de seu
material sonoro, com o que ele fazia repetir as próprias
premissas da análise saussureana da linguagem, a saber: que é o
traço distintivo, é o fenômeno como acoplado a um conjunto de
uma certa bateria, por isso unicamente é que ele não é o que os
outros são, que nós o encontrávamos aqui devendo designar como
o que era o traço especial, o uso de uma função sujeito na
linguagem: a de nomear por seu nome próprio.(LACAN 10/01/62).
Ao se re-apropriar da linguagem de Saussure, Lacan caracteriza o significante
como diferença apoiada na função da unidade entendida como função do UM, não no
sentido de unificação, mas de unicidade, ou seja, referindo-se a um traço puramente
distintivo.É exatamente isso que irá constituir o sujeito em sua relação com o Outro - o
inconsciente, tesouro dos significantes - a partir do qual só se pode fazer representar por um
significante, retirado como traço deste Outro.
O que esse traço carrega é, na verdade, algo do objeto: “(...) se for do objeto
que o traço surge, de algo do objeto que o traço retém, justamente, sua unicidade, o
apagamento, a destruição absoluta de todas essas outras emergências(...)”(LACAN
24/01/62). E ao mesmo tempo sua perda, sua falta constitutiva.
Assim, a identificação ao traço, aponta para uma falta, nesta relação inaugural
que constitui o sujeito, como o demonstrou Freud (1895) em seu texto Projeto para uma
psicologia científica. A repetição surge então como repetição significante na tentativa de
restabelecer ou restaurar esse momento mítico, no que ele tem de unicidade, que não se
62
trata de um eu síntese, mas de um eu, que se constitui como des-ser, como faltoso.
Nesse sentido, o trilhamento escolhido nesse capítulo vem nos apontar o eu
como o lugar das identificações onde o sujeito se relaciona a partir de uma falta e busca sua
unidade de ser numa relação que será sempre dissimétrica. Esta identificação se por um
assujeitamento à lei, a uma lei internalizada pela via do ideal do eu. É pela vinculação do
significante ao ideal que se abre ao sujeito à possibilidade de saída, de atravessamento do
narcisismo. A “bela açougueira”, em Interpretação dos Sonhos(FREUD, 1900,p.161) é
privada em seu sonho do que mais gosta, o caviar, identifica-se a sua amiga em seu objeto
predileto, o salmão.Voltemos, pois a Freud.
Em Freud, desde o Projeto(1895), há uma identificação inaugural. Trata-se de
uma relação dissimétrica entre o desamparo inicial, o estado de urgência e o objeto original
que se perdeu, na verdade mítico, onde o que é permanente são os traços, os trilhamentos,
os caminhos, que irão se instaurar e se inscrever no aparato psíquico, criando a memória, e
o próprio inconsciente. Nesse momento, o eu surge a partir de seus investimentos no
mundo externo em busca de satisfação criando uma identidade de memória, trilhamentos,
traços, facilitações. A partir do texto Sobre o narcisismo: uma introdução (1914) o eu
também se torna objeto de investimento, ou seja, o eu é também um objeto.
Freud faz do narcisismo uma forma de investimento pulsional necessária,
tornando-se um dado estrutural do sujeito. Esse texto traz como conseqüência para o eu,
não uma diferenciação progressiva, como a princípio, o Projeto possa insinuar, mas ele é o
resultado de uma exigência em sua constituição, de uma ação, de ação que vem se
acoplar como o novo, o que Freud denominou de uma nova ação psíquica.
Esse texto propõe uma primeira virada que irá culminar com a formulação do
Eu e o Isso (1923) na segunda tópica freudiana: o eu, isso e o supereu. As funções do eu
seriam: operar o recalcamento, sede da resistência, gerir a relação “princípio do prazer e
realidade” e a participação da censura pela via do supereu. Freud define que o supereu não
é simplesmente um resíduo das primeiras escolhas objetais do isso, ele também representa
uma formação reativa enérgica contra essas escolhas que o: “Você deveria ser assim
como seu pai” implica em dizer: você não pode ser como ele, fazer tudo o que ele faz,
certas coisas são prerrogativas dele. Assim é que advém seu caráter repressor. Freud então
considera a partir daí que a libido não está mais no eu e sim acumulada no isso e que o eu
63
apodera-se dela, tentando impor-se ao isso como objeto amoroso. Portanto, o narcisismo do
eu é um narcisismo secundário, efeito da retirada da libido dos objetos como bem
demonstrou os exemplos clínicos de Freud em 1914.
Em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921) a partir da pergunta sobre o
modo como um grupo se forma e sua capacidade de exercer influência na vida das pessoas
Freud encontra a pulsão pela via do ‘amor’ como o que promove laços, laços que se
fornecem pela via da identificação, ou seja, de que a libido retorna ao eu para investir nos
objetos narcisicamente.
No capítulo VII que trata especificamente da identificação, Freud traz as
identificações, como um laço emocional com um objeto, como uma regressão mediante um
traço, e como uma qualidade compartilhada com alguém que não é objeto da pulsão sexual.
Nesse percurso, podemos formular que em Freud a identificação está ligada à
formulação do narcisismo e desdobra-se nas identificações como ele formulará nas suas
entidades clínicas. É importante observar o que se passa na melancolia, esquizofrenia e na
histeria. É interessante, pensar que a formalização do conceito de narcisismo tenha tido sua
origem na percepção de Freud em relação aos mecanismos esquizofrênicos, onde o eu fica
totalmente investido pela megalomania. Sobre a melancolia, Freud no texto Luto e
Melancolia(1917) traz o abandono do investimento objetal, onde não há identificação a um
traço do objeto perdido. “A sombra do objeto caiu sobre o eu” (FREUD, 1917, p.281). A
partir daí, pôde-se pensar a identificação regressiva e também como sendo sempre parcial.
O que a melancolia mostra, ao contrário de um processo de luto normal é que ao invés do
sujeito se identificar parcialmente como objeto perdido, ou seja, com traços, ele torna-se o
próprio objeto em sua radicalidade, diferentemente da neurose, como Freud trouxe no
trabalho com a histeria. Em A Interpretação dos sonhos (1900) ele traz, ao relatar o sonho
da “bela açougueira” (FREUD, 1900, p. 161), o estatuto da identificação histérica. O sonho
de sua paciente, que contrariava aparentemente a sua tese de que o sonho é uma realização
de desejo, acaba adquirindo uma nova interpretação, onde Freud detecta uma identificação
de sua paciente com uma amiga, o que o leva a questionar o sentido desta identificação:
Qual o sentido da identificação histérica? Isso exige uma
explicação um tanto extensa. A identificação é um fator altamente
importante no mecanismo dos sintomas histéricos. Ela permite aos
pacientes expressarem em seus sintomas não apenas suas próprias
64
experiências,como também as de um grande número de outras
pessoas: permite-lhes por assim dizer, sofrer em nome de toda uma
multidão de pessoas e desempenhar sozinhas todos os papéis de
uma peça. Dirão que isso não passa da conhecida imitação
histérica, da capacidade dos histéricos de imitarem quaisquer
sintomas de outras pessoas que possam ter despertado sua atenção-
solidariedade, por assim dizer, intensificada até o ponto da
reprodução. Isso, porém, não faz mais do que indicar-nos a trilha
percorrida pelo processo psíquico da imitação histérica. Essa trilha
é diferente do ato mental que se processa ao longo dela. Este é um
pouco mais complicado do que o quadro comum da imitação
histérica.( FREUD ,1900, p. 163).
E é exatamente por não se tratar de uma imitação é que contrariamente a
qualquer noção psicológica que se possa ter, a psicanálise traz a identificação como
identificação a um traço e como um processo que constitui e instaura o aparato psíquico e o
sujeito, cuja nova ação psíquica necessita de um ideal que, por ser mítico, opera enquanto
um significante Como vimos anteriormente, é assim que Lacan resgata do texto freudiano,
em Dora (FREUD,1905 [1901]), quando ela toma emprestado do pai, sua tosse. A tosse é
vista, por Lacan, como o traço unário,a einziger Zug , ou como Freud denominava: traço
único.
O elemento novo, trazido por Lacan, que se inscreve na identificação freudiana
ainda estaria por vir em O seminário, livro 10(1962-63): é o objeto a. Nessa etapa de sua
elaboração, Lacan ainda não contava com a conceituação do objeto a, mas não se pode
deixar de concluir que a identificação surge a partir de uma operação cujo resto é o objeto a
que aponta para uma falta constitutiva no sujeito e no Outro.
Em O seminário, livro 11(1964), Lacan traz a falta para o campo do sujeito e do
Outro. A falta tem uma dupla inscrição. Por um lado, ela advém pelo fato do sujeito
depender de um significante que está primeiro no Outro. Por outro lado, ela é o que o
sujeito perde em sua entrada na linguagem. O que Lacan dirá de outra forma, com o
matema de S(A), é que não há no campo do Outro nem no campo do sujeito um significante
que conta do ser, da mulher, da morte, portanto uma falta se inscreve para todo ser de
linguagem.
Até agora, podemos precisar o conceito do Outro e o sujeito a partir do que se
desenrola nesta operação onde a identificação é a possibilidade do sujeito se representar a
partir de um significante que não é um significante qualquer.
65
Contudo, como isso se na psicose? Freud ao falar da esquizofrenia e da
melancolia alguns indícios de uma particularidade identificatória. Ao falarmos do Outro
na alienação e na separação, poderíamos pensar em uma identificação na alienação e outra
na separação?
Ao retomarmos o texto Formulações sobre a causalidade psíquica, Lacan propõe
uma fórmula geral da loucura, onde afirma que “..ela sempre se realiza ali como uma estase
do ser, numa identificação ideal que caracteriza esse ponto de um destino particular”.
(LACAN, 1946, p. 173). E ele continua, dizendo que na psicose uma imediatez na
identificação, trata-se de uma identificação sem mediação. Enquanto na neurose uma
falta que, interpretável do Outro, retorna ao sujeito mediado pela fantasia, como perda de
ser, na psicose, ser e ideal estão em conjunção imediata, onde o Outro aparece sem barra,
como atesta os fenômenos da paranóia. E é nesse sentido, que nos interrogamos em como
estabelecer o sujeito na psicose a partir dos efeitos do Outro e de que Outro se trata na
psicose?
3.3- A incidência do Outro na psicose.
Ao recortar a relação da psicose com o Outro iremos elencar O seminário, livro
3 (1955-56) e De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1957)
para se pensar os efeitos ou conseqüências da ausência do significante “Nome-do-Pai” no
lugar do Outro.
Como vimos anteriormente, o campo do Outro e o do sujeito são atravessados
pelas operações de alienação e separação, onde a eleição de um significante que represente
o sujeito para outro significante passa pelos desdobramentos da constituição do eu
imaginário para uma matriz simbólica que faz o sujeito advir. Num primeiro tempo lógico
66
o eu é o outro e lhe está mais próximo, ele é, como diz Lacan, coleção incoerente de
desejos - esse corpo espedaçado cuja constituição é alienada. Na distinção entre o Outro
com A maiúscula, a princípio desconhecido, e o outro, fonte de conhecimento, é que Lacan
irá situar a dialética da psicose.
É no início de seu seminário sobre as psicoses que Lacan retoma o esquema L
que traz a diferença entre a ordem simbólica e imaginária, na distinção entre o sujeito e o eu
(moi) e o campo do Outro.
O eixo do simbólico fornece o reconhecimento ao sujeito atravessando o imaginário
que é a primeira relação do eu constitutiva da alienação. Para a constituição do sujeito, o
acesso ao Outro se pelo eixo imaginário. Nesse sentido, simbólico e imaginário não são
independentes e é exatamente isso que a psicose vem demonstrar. Simbólico e imaginário
ficam completamente desarticulados na psicose. Os fenômenos psicóticos se constituem no
eixo imaginário (a’ a) e o Outro fica excluído. É como se o sujeito ficasse preso à dialética
da alienação, do espelho, onde o eu surge a partir da imagem do semelhante, do seu duplo
especular. O inconsciente, como enunciou Lacan, é o discurso do Outro.
Na psicose, o inconsciente se manifesta desnudado, o inconsciente está a céu
aberto como o próprio Lacan irá elucidar com a alucinação do dedo cortado no caso do
“Homem dos Lobos”( FREUD, 1918[1914]), onde Freud
afirma que o que foi suprimido
retorna no real, ou seja, retorna desencadeado, fora da cadeia. O sujeito psicótico dá
testemunhos de ser habitado e tomado por vozes que o invadem, penetram e, muitas vezes,
o comandam.
Lacan retira do texto A negativa, de Freud (1925), o termo verwerfung, como
um destino diferente.Ao resgatar a verneinung como diferente da verwerfung, esta se coloca
como um não querer saber sobre afirmação (bejahung) inicial no sentido do recalque
manifestando-se como uma recusa.Se o sujeito fala através do seu eu, na psicose ocorre
uma identificação total ao eu, sendo mesmo, o que fala do S, tal qual o fenômeno da
alucinação verbal.
Há, portanto um achatamento do esquema L:
Sa'___________Aa
O que irá redundar numa relação de alienação mortífera com o ‘eu ou o outro’,
67
que o eixo imaginário fica como que achatado sem o vértice do Outro que é excluído
enquanto detentor do significante da lei simbólica. O Outro está ali presente, absoluto, pela
via da alusão e não pela via do reconhecimento, ou seja, ao invés de receber a mensagem
sob a foram invertida o sujeito fala por alusão, fala literalmente por seu eu, constituindo os
fenômenos psicóticos.
Lacan evoca Schreber que ao ser designado para assumir uma função de
autoridade paterna, nomeação de Presidente da Corte de Apelação de Dresden, responde
com um curto-circuito, se, assim podemos nomear, entre (S e A), imperando o delírio e a
alucinação. São esses fenômenos de linguagem que se manifestam em Schreber com um
caráter central através dos ‘raios divinos, a função dos nervos, esses neologismos em seus
escritos, criando o que ele denominou de língua fundamental.
Língua que é portadora de uma verdade, como fala Freud em sua teoria da
libido, com seus desinvestimento e reinvestimento delirantes, pela criação de uma nova
realidade e que “(...) não está escondida, como acontece nas neuroses, mas realmente
explicitada, e quase teorizada” (LACAN, 1995-1956, p. 36).
Freud irá diferenciar neurose e psicose pelo que fazem do encontro com a
realidade. Na psicose, trata-se de um rechaço da realidade exterior onde em certo momento
houve buraco, ruptura, dilaceração, hiância.Já na neurose, fuga parcial da realidade,
incapacidade de enfrentar essa parte da realidade, secretamente conservada.Na psicose, ao
contrário, é realmente a própria realidade que é em primeiro lugar provida de um buraco,
que o mundo fantástico virá em seguida cumular. Enquanto a neurose se refugia na fantasia
para poder “conviver” com a realidade, a psicose a reconstrói pela via do delírio.
Se o Outro está além dessa realidade ele é o Outro diante do qual se faz
reconhecer no sentido de que ele é o que funda a existência por isso é absoluto e de onde
pode retornar a mensagem.Contudo, o que a psicose denuncia pela via do fenômeno
alucinatório é que a mensagem retorna no real e não no simbólico.Ela retorna no pequeno
outro e o sujeito fica aderido ao seu eu.
Na palavra verdadeira, o outro, é aquilo diante do que vocês se fazem
reconhecer.Mas vocês podem se fazer reconhecer por ele porque ele é em
primeiro lugar reconhecido.Ele deve ser reconhecido para que vocês possam
fazer-se reconhecer.Essa dimensão suplementar, a reciprocidade, é necessária
para que possa valer esta fala cujos exemplos típicos lhes dei: Você é meu
mestre ou Você é minha mulher, ou também a palavra mentirosa, que, muito
68
embora sendo o contrário, supõe igualmente o reconhecimento de um outro
absoluto, visado além de tudo o que vocês poderão conhecer, e para quem o
reconhecimento não tem efetivamente de como valer senão porque está além
do conhecido. (LACAN, 1955-1956, p. 62).
Não tendo o reconhecimento do Outro, ele retorna como absoluto, invadindo o
sujeito em sua relação binária, presença-ausência, primordial que o aprisiona na frágil
relação especular. E, por isso, o Outro, estando excluído em sua dimensão simbólica de
reconhecimento, ao sujeito resta, no que lhe concerne, dizer por outro, como fala Schreber
ao se referir a todos os seres como pobres diabos malfeitos ou atamancados às três
pancadas.
várias alteridades possíveis, e veremos como estas se
manifestam em um delírio completo como o de Schreber... A que
Schreber chama a ordem natural do mundo.Há alteridade do Outro
que corresponde ao S, isto é, o Outro com maiúscula, sujeito que
não é conhecido por nós, o Outro que é da natureza do simbólico.O
Outro ao qual nos dirigimos para além do que se vê.No meio, há os
objetos.E depois, no nível de S, alguma coisa que é da
dimensão do imaginário, o eu e o corpo espedaçado ou não, mas
antes espedaçados.(LACAN, 1955-1956, p. 68).
Lacan nomeia a dissolução imaginária como uma característica própria do
discurso delirante, imprimindo seu estilo, na medida em que a identidade imaginária do
outro está em relação com a possibilidade, diz Lacan, de uma fragmentação, de um
despedaçamento, onde o outro é estruturalmente desdobrável, reduzível como manifesta o
delírio.
A psicose o é mais interpretada a partir da economia complexa
de uma dinâmica das pulsões, mas a partir dos procedimentos
empregados pelo eu para se sair bem com diversas exigências, para
se defender contra as pulsões.O eu torna-se não o centro, mas a
causa do distúrbio. (LACAN, 1955-1956, p. 124).
O que se pode atribuir como uma função do eu? Lacan traz o funcionamento do
inconsciente como um discurso, cuja modulação prevê leis de intervalo, suspensão,
escansão, propriamente simbólicas. Não indicio dessa operação em Schreber, pois Deus
está e fala o tempo todo, não para de falar, mesmo não dizendo nada.“Em resumo, poder-
se-ia dizer, o psicótico é um mártir do inconsciente dando ao termo mártir seu sentido, que
69
é o de testemunhar”.(LACAN, 1955-1956, p. 153).
Ao estarmos num jogo de miragens onde um cadáver leproso arrasta outro, a
forma definida pela alienação no imaginário é inaugural, mas não responde por sua
dinâmica, diz Lacan. Fica a questão de como pensar o simbólico em relação à psicose e ao
Outro. Lacan traz a simbolização como algo que não se realizou na psicose. Num tempo
lógico primeiro que diz respeito ao ser do sujeito que se, na neurose foi recalcado, na
psicose diz respeito a uma rejeição.
“Na relação do sujeito com o símbolo, a possibilidade de uma verwerfung
primitiva, ou seja, que alguma coisa não seja simbolizada, que vai se manifestar no
real”.(LACAN, 1955-1956, p. 98). Ao dizer isso, ele introduz a categoria do real definindo-
a como campo diferente do simbólico, onde do que se trata é da simbolização mediada pela
lei.
Se Freud insistiu a tal ponto no complexo de Édipo, que chegou
até a construir uma sociologia de totens e tabus, é patentemente
porque para ele a lei está ali ao origine.Não se trata por
conseqüência de se colocar a questão das origens-a lei está
justamente ali desde o início, desde sempre, e a sexualidade
humana deve se realizar por meio e através dela.Essa lei
fundamental é simplesmente uma lei de simbolização. É o que o
Édipo quer dizer.(LACAN, 1955-1956, p. 100).
A mediação que a lei introduz no campo do outro está ausente na psicose e o
sujeito e o outro sofrem os efeitos de uma proliferação imaginária. É o que testemunha
Schreber que fica literalmente decomposto em uma multidão de seres imaginários, na
relação com o próprio Deus. Aonde uma desagregação em cadeia vem em resposta a uma
exigência da ordem simbólica e o delírio surge naquilo que Lacan chamou “... uma
subtração na trama da tapeçaria”.(LACAN, 1955-1956, p.105). É a partir do narcisismo, de
Freud, que Lacan aborda a relação agressiva entre o eu e o outro no que O estádio do
espelho como formador da função do eu(1949)põe em evidência na própria constituição do
eu.
Se a relação agressiva intervém nesta formação chamada o eu, é o
que ela a constitui, é o que o eu é desde por si mesmo um outro,
que ele se instaura numa dualidade interna ao sujeito.O eu é esse
mestre que o sujeito encontra num outro, e que se instaura em sua
70
função de domínio no cerne de si mesmo.Se em toda relação,
mesmo erótica, com outro, algum eco dessa relação de
exclusão, é ele ou eu, é que, no plano imaginário, o sujeito humano
é assim constituído de forma que o outro está sempre preste a
retomar seu lugar de domínio em relação a ele, que nele um eu
que sempre é em parte estranho a ele, senhor implantando nele
acima do conjunto (...). (LACAN, 1955-56, p. 110).
A imagem funciona como um contorno, uma tentativa de unificação de uma
insuficiência de um não-todo do qual o eu é herdeiro e este estado de tensão que se coloca
na prematuração, no nascimento. E, como afirma Lacan, irá se estabelecer, de forma a
não haver uma destruição no eixo a-a, pela intervenção de um terceiro que se inscreve
pela introdução do Édipo.
O complexo de Édipo quer dizer que a relação imaginária
conflituosa, incestuosa, nela mesmo está destinada ao conflito e a
ruína.Para que o ser humano possa estabelecer a relação mais
natural, aquela do macho com a fêmea, é preciso que intervenha
em terceiro, que seja a imagem de alguma coisa de bem-sucedido,
o modelo de uma harmonia.Não é demais dizer-é preciso aí uma
lei, uma cadeia, uma ordem simbólica, a intervenção da ordem da
palavra, isto é, do pai.Não o pai natural, mas do que se chama o
pai.A ordem que impede a colisão e o rebentar da situação no
conjunto está fundada na existência desse nome do pai. (LACAN,
1955-1956, p. 114).
Acontece que, na psicose, algo do Édipo, diz Lacan, não funcionou
essencialmente, onde a psicose aparece como um buraco, uma falta ao nível do significante.
Suponhamos que essa situação comporte precisamente para o
sujeito a impossibilidade de assumir a realização do significante
pai ao nível simbólico.O que lhe resta? Resta-lhe a imagem a que
se reduz a função paterna.É uma imagem que não se inscreve em
nenhuma dialética triangular, mas cuja função de modelo, de
alienação especular, ainda assim ao sujeito um ponto
enganchamento, e lhe permite apreender-se no plano imaginário.
(LACAN, 1955-1956, p. 238).
Como se manifesta esse fenômeno no nível do significante, ou seja, de que
significante se trata? Ao retomar a verwerfung freudiana, trata-se da rejeição de um
significante primordial.Que Lacan enuncia como um encontro que não se com a imago
paterna, responsável pela instauração das instâncias psíquicas no inconsciente, ou no lugar
do Outro simbólico.
71
Essa problemática se insere entre a imagem do eu e essa imagem
encarecida, cumulada em relação à primeira, a do grande Outro, a
imago paterna, enquanto ela instaura a dupla perspectiva, no
interior do sujeito, do eu e do ideal do eu, para não falar, nessa
circunstância, do superego. Temos a impressão de que é na medida
em que ele não conseguiu ou perdeu esse outro, que ele encontra o
outro puramente imaginário, o outro diminuindo e decaindo com o
qual não pode ter outras relações que não as de frustração esse
outro o nega, literalmente o mata. Esse outro é o que de mais
radical na alienação imaginária.(LACAN, 1955-1956, p. 238).
A alienação radical, na psicose, se faz compensar por uma série de identificações
a personagens ao longo da vida. São as muletas imaginárias que tentam fazer valer uma
virilidade aonde uma certa falta se produz na função do pai.Schreber denuncia isso quando
enuncia o assassinato da alma.
Isso porque se é na relação imaginária com o outro que, no dizer de Lacan,
instaura - se a consciência de si, não é ali que o sujeito se organiza, pois o Outro é o lugar
onde se constitui o eu.Schreber denuncia isso na falta de sustentação simbólica do Outro que
deixa - o cair, tendo como efeito uma verdadeira decomposição. Essa decomposição do
significante diz Lacan: “(...)se produz em torno de um ponto de apelo constituído pela falta, o
desaparecimento, a ausência de um certo significante na medula em que, num momento dado
ele é chamado como tal.”(LACAN,1955- 1956, p. 319).
O “assassinato d’ almas”, a “assunção de nervos”, a “volúpia”e a “beatitude” giram
em torno de um significante fundamental que determina e comanda, que é o significante da
procriação na forma de ser pai. À noção de verwerfung, Lacan adota a foraclusão. A
foraclusão de que se trata é a foraclusão do “Nome-do-pai”.
A função significante do “Nome-do-Pai” advém no Édipo para barrar o Outro
onipotente e absoluto o Outro primordial caprichoso e sem lei. É a partir dessa intervenção
do “Nome-do-Pai” no Outro que a lei é instaurada para o sujeito. O Outro nesse sentido
coincide com o lugar da lei.
Lacan irá apontar esse encontro de Schreber com o significante na ordem de uma
perplexidade concernente ao significante. A crise advém frente a um não sei nada disso
porque o Outro está excluído, enquanto detentor do significante.
Tudo se passa com se o sujeito reagisse a isso com uma tentativa de restituição,
de compensação. Por isso, ele é tanto mais potentemente afirmado, entre ele e o sujeito, no
72
nível do outro com minúscula, do imaginário.
É que se passam todos os fenômenos de entre - eu que constituem
o que é aparente na sintomatologia da psicose do nível do outro
sujeito, daquele que, no delírio, tem a iniciativa, o professor
Fleschsig no caso de Schreber, ou Deus de tal modo capaz de seduzir
que põe em perigo a ordem do mundo, em razão da atração.
(LACAN, 1955-1956, p. 220).
Em De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (Lacan,
1957), Lacan traz o Édipo pela fórmula da Metáfora Paterna. Essa fórmula traz o significante
do Nome-do-Pai” que, ao substituir o Desejo da Mãe, caprichoso (presença-ausência, o fort
- da enigmática ao sujeito) e instituir-se pela via interdição, tem como resultado a inclusão da
lei no Outro, a partir do qual é possível advir o sujeito no registro simbólico.
Nome- do- Pai · Desejo da Mãe Nome- do- Pai (A/falo)
Desejo da Mãe Significado para o sujeito.
A essa questão respondemos com a concepção da cadeia significante,
na medida em que, uma vez inaugurada pela simbolização primordial
(que o jogo do fort! Da!, evidenciado por Freud na origem do
automatismo de repetição, torna manifesta), essa cadeia se
desenvolve segundo ligações lógicas cuja influência sobre o que
por significar, ou seja, o ser doente, se exerce pelos efeitos de
significante descritos por nós como metáfora e metonímia.É num
acidente desse registro e do que nele se realiza, a saber, na foraclusão
do Nome- do- Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora
paterna, que apontamos a falha que confere á psicose sua condição
essencial, com a estrutura que a separa da neurose. (LACAN, 1957,
p. 581).
É a partir dessa operação que o pai surge enquanto um significante no lugar do
Outro como operador gico da cadeia significante, o que Lacan denomina como o ponto de
basta. E é com o advento da Metáfora Paterna que o “Nome-do-Pai” se reduplica como
lugar da lei do significante.
Retomando o esquema R, o Outro aparece desdobrado em Outro primordial,
redobrado em Outro da lei e como instância simbólica do Ideal do Eu.Contudo, o apelo ao
73
“Nome-do-Pai”, na psicose, evidencia-se como uma impossibilidade.
É na medida em que o “Nome-do-Pai” é invocado aonde não pode responder que se
abre, como diz Lacan, uma cascata de remanejamentos dos significantes, de onde advém o
desastre do imaginário. O significante que está em causa é o do pai, que Lacan retoma com a
pergunta sobre “o que é um pai?”Onde é preciso que esse “Um-pai” compareça, sua ausência
ou foraclusão pode ser medida por seus efeitos
A foraclusão do “Nome-do-pai” revela um buraco na estrutura simbólica, onde o
“Nome-do-Pai” aparece zerado (NP0). O sujeito fica sob o efeito da alusão numa tentativa
imaginária de suprir a ausência do simbólico. É o que Lacan constrói com o esquema I, o
esquema da estabilização do delírio de Schreber .Ao NP0, acrescenta-se a carência fálica,
carência de um significante,Φ0.Eis o esquema I (LACAN, 1957,p.578):
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É exatamente na ausência da inscrição do “Nome-do-Pai” que os vértices φ e P
convertem-se em buracos, encurvando as linhas im e MI, transformando, portanto, o plano
projetivo em hiperbólico. A dissolução imaginária é desencadeada pelo buraco no simbólico,
tendo um furo equivalente à ausência da significação fálica.O sujeito psicótico irá reconstruir
o campo da realidade. Fabricando um substituto para o falo e, ao mesmo tempo, colocando o
Ideal como substituto da lei, ou seja, no lugar do Outro. O delírio que se constrói a partir daí
retorna alcançando o nível em que significante e significado se estabilizam na metáfora
delirante que irá restaurar a relação entre o significante e o significado. O significante de
ordem delirante reordena toda a lógica binária, separando sujeito e objeto, trazendo o Ideal
como possibilidade de realização no infinito num movimento assintótico que ao mesmo
tempo protege o sujeito da alienação mortífera e reconstrói sua relação com a realidade a
partir de uma metáfora delirante, como vimos no caso Schreber. O que se pode concluir é
75
que ao se desvelar a foraclusão do “Nome-do-Pai”, desfaz-se a dimensão do Outro simbólico
e o ternário imaginário opera em dissolução, tendo como efeito uma regressão tópica ao
estádio do espelho, no eixo a-a’. Dessa forma, o Outro aparece inicialmente como o
Absoluto sem se fazer barrar pela lei e, no desencadeamento da psicose, incide ao não opera
como mediador, excluído do simbólico, retornando no real, como os fenômenos descritos por
Schreber.O Outro retorna em Flechsig, numa série de pequenos outros, a Deus, o que leva
Schreber a um trabalho de reconstrução e localização desse Outro a partir de uma metáfora (a
mulher de Deus) que o possibilita se constituir enquanto sujeito da psicose.
Mas que sujeito é esse? Na apresentação da tradução francesa das Memórias de
D. P. Schreber, Lacan utiliza a expressão “sujeito de gozo” (LACAN, 1966), para falar da
paranóia. Na psicose, como vimos, o sujeito aparece tomado, invadido por um Outro sem
barra, absoluto, ocupando a posição de objeto deste Outro. O delírio é uma tentativa de cura
ou de resposta a este Outro, podendo situar o sujeito, como no exemplo “mulher de Deus”. A
alucinação, como efeito da foraclusão do significante paterno, no momento do
desencadeamento, retorna como algo impossível de simbolizar, mas o delírio traz uma
reconstrução, que não se faz com um significante qualquer. Esse significante remete à
história do sujeito e pode vir a representá-lo com o estatuto de um nome próprio. Não
podemos deixar de dizer, que o Outro em questão a partir do objeto a _ conforme vínhamos
formulando_ passa a ter uma falha estrutural em torno do qual se organiza. O objeto a, como
aquilo que é irredutível a um significante e que não é um elemento do Outro, coloca para esse
Outro uma destituição de seu lugar de Absoluto, cuja falta está para todos os sujeito, aonde o
significante “Nome-do-pai” vem como uma das formas de estabelecer a mediação do sujeito
e do Outro. Posteriormente, Lacan irá pluralizar “Os nomes-do-pai” que irão amarrar os
registros do real, simbólico e do imaginário. Não se trata aqui de avançarmos nessa direção,
mas de dizer que o nosso Outro está marcado por uma falta que o estrutura. E que, frente a
essa falta, neurose e psicose respondem de maneira diferenciada. No desencadeamento da
psicose, o sujeito ocupa a posição de objeto para um Outro avassalador, não havendo a
extração do objeto a, mas a sua encarnação pelo sujeito psicótico. Desdobrar o Outro em seus
efeitos singulares e nas respostas desencadeadas, nas psicoses, é tentar investigar como o
campo do sujeito e do Outro, operam na esquizofrenia, paranóia e na melancolia. É nesse
sentido que iremos avançar.
76
3. 4- Os efeitos do Outro na paranóia, esquizofrenia e melancolia.
Tanto Freud, quanto Lacan irão diferenciar a paranóia da esquizofrenia e da
melancolia em seus mecanismos e ações, sendo considerados tipos clínicos da psicose.
Freud precisou os mecanismos paranóicos, a recusa melancólica e o auto-erotismo
esquizofrênico. Lacan iniciou seus estudos por uma paranóica. Se a clínica freudiana é uma
clínica basicamente da neurose, a clínica lacaniana iniciou seu percurso no campo da
psicose.Do pessimismo de Freud ao tratamento possível proposto por Lacan, a clínica da
psicose vem sendo construída.
Não se trata aqui de conceituar toda a estruturação desses tipos, mas, ao elencar
alguns mecanismos específicos, poder construir a relação desses sujeitos com o Outro, no
que lhes concerne em sua resposta distinta a esse Outro. Começar pela paranóia é
proposital, na medida em que se trata de uma relação estrutural na constituição do sujeito,
independente de sua estrutura. Não é por acaso que Freud a coloca junto às neuroses
narcísicas e depois a localiza no retorno da libido ao narcisismo, que estrutura o sujeito, e
Lacan a situa no momento de constituição do eu, bem formulado em seu texto O estádio do
espelho como formador da função do eu(1949 ). Lacan, em O seminário, livro 3, diz: “(...)
o eu humano é o outro e que no começo o sujeito está mais próximo da forma do outro do
que no surgimento de sua própria tendência (LACAN, 1955-56, p.50)”. Isso porque, nesse
primeiro momento, existe uma coleção de desejos incoerentes - (...) está o verdadeiro
sentido da expressão corpo espedaçado(LACAN, 1955-56, p.50). Como afirma Miller:
O sujeito é esse do qual isso fala. Tem de surgir de um punhado
primário de significantes, coisa que a psicose paranóica evidencia.
Essa psicose nos conduz, se me é permitido dizer, às origens do
sujeito, à sua causação primordial. Nela, temos um sujeito que não
desiste de sua convicção de que, aqui ou lá, no mundo todo, isso
fala dele. Trata-se de um discurso malévolo que demonstra que
esse sujeito é visado.(...)toda palavra é emitida pelo Outro. Nós é
que nos enganamos com nosso “eu falo”(...)(MILLER,
1996,p.165).
A paranóia também fascina por sua riqueza clínica e sua possibilidade de trabalho
de criação pela via do delírio, no que se diferencia da esquizofrenia que no dizer freudiano
trata a palavra como coisa (FREUD,1915) de onde se deduz a dificuldade do significante se
77
fazer representar, ou ainda da impossibilidade da transferência. Já a melancolia com sua dor
de existir, na queda do objeto sobre o eu, aponta para os limites da própria clínica na
tentativa de operar alguma mediação deste objeto ou mesmo na reconstrução deste eu.
Nesse sentido, esse capítulo se propõe a traçar essas distinções clínicas sob o
enfoque do Outro, o que nos leva a um esforço de buscar, em outros autores, como: Miller,
Soler, etc, para especificar os efeitos do Outro na paranóia, na esquizofrenia e na
melancolia ,a partir das diretrizes dadas por Freud e Lacan.
Primeiramente, em Freud, tem-se como condição de princípio, partir de seu conceito
de defesa cujos mecanismos específicos de cada forma clínica serão diferenciados.
Todos os textos em que Freud aborda a Paranóia - desde seus rascunhos - ele a
denomina como uma defesa. No Rascunho H, ele diz: “As pessoas tornam-se paranóicas
diante de coisas que não conseguem tolerar”. (FREUD, 1895, p. 54). A defesa estaria então
atuando para recusar “(...) uma idéia incompatível com o ego (...)” (FREUD,1895,
p.256).Num primeiro momento, o campo das psicoses não é distinto do das neuroses, e são
consideradas defesas. A paranóia, a histeria e a neurose obsessiva são designadas como as
neuropsicoses de defesa e, ao abordar a origem dos sintomas pela via do traumatismo,
Freud aproxima a paranóia da neurose obsessiva.
Na paranóia e na neurose obsessiva a experiência de gozo que foi vivenciada
com prazer provoca uma lembrança de desprazer, lembrança que vem em forma de
sintoma primário, ocorrendo uma defesa que a repele, mantendo a saúde do aparelho
psíquico e um retorno dessas lembranças, que lutam contra o eu, fazendo novos sintomas -
a doença propriamente dita.
Como se sabe, a idéia de defesa se mantém posteriormente, apesar de já ser vista
como uma distinção clínica.No texto, A perda da realidade na neurose e na psicose, Freud
irá propor que enquanto a neurose não repudia a realidade, mas a ignora, a psicose a
repudia e tenta substituí-la. (FREUD, 1924, p. 207). Ou seja, o mundo exterior não é de
modo algum notado, ou sua percepção não possui qualquer efeito. Pode-se dizer também
que o neurótico, frente a um conflito, a uma “(...) frustração que parece intolerável (...)”
(FREUD,1924, p.168) decide esquecê-lo, por não dar conta de resolver.
Esse esquecimento é a operação do recalque, mecanismo necessário ao
funcionamento do aparelho psíquico do neurótico. Esquecer, recalcar irá possibilitar um
78
certo afastamento da realidade, uma fuga deste desagradável, desta incompatibilidade. Já na
psicose, uma rejeição desta realidade. Isso porque “(...) uma espécie de defesa muito
mais poderosa e bem-sucedida. Nela, o eu rejeita a representação incompatível juntamente
com seu afeto e se comporta como se a representação psíquica lhe tivesse
ocorrido”.(FREUD, 1896, p. 63).
Em Schreber poderemos ilustrar, em termos freudianos, como essa retirada da
libido do mundo externo e conseqüentemente a construção de uma nova ligação com a
realidade podem advir onde a libido será utilizada de modo especial.Ou seja, todo o
processo de remanejamento do gozo pode ser construído neste caso a partir da idéia que
acomete Schreber de como seria bom ser “uma mulher submetida ao coito. A invasão do
gozo manifesta-se no corpo e ele passa a ter fenômenos hipocondríacos. Essa idéia aparece
porque a auto-censura não foi satisfatória.Do sintoma primário “ser mulher no coito”,
Schreber irá transformando seu eu até criar um verdadeiro sistema onde ele se intitulava o
redentor, que por se tornar a mulher de Deus, procriaria o mundo schreberiano, salvando a
humanidade.
Na paranóia, porém, a evidência clínica vai demonstrar que a
libido, após ter sido retirada do objeto, é utilizada de modo
especial (...) Disto pode-se concluir que, na paranóia, a libido
liberada vincula-se ao eu e é utilizada para o engrandecimento
deste. (FREUD, 1911, p. 79).
Freud irá dizer que “(...) o delírio se encontra aplicado como um remendo no
lugar em que originalmente uma fenda apareceu na relação do ego com o mundo externo
(...) uma tentativa de cura ou uma reconstrução”. (FREUD, 1911, p. 191).
Para Freud, Schreber percebeu uma profunda mudança interna no mundo, onde
a libido que abandona sua relação com as pessoas e as coisas do mundo retorna e se
restabelece através da projeção. “A formação delirante, que presumimos ser o produto
patológico, é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de
reconstrução”.(FREUD, 1911, p. 78).
Nesse sentido, Freud coloca o delírio como uma tentativa de cura, onde se pode
estabelecer, mesmo que de forma distorcida, uma nova relação com o mundo. A catástrofe
interna que é projetada no fim do mundo é, pois, reconstruída - por alucinação ou delírio
79
em sua relação com o mundo. E o mundo, “(...) o paranóico constrói-o de novo, não mais
esplêndido, é verdade, mas pelo menos de maneira a poder viver nele mais uma
vez”.(FREUD, 1911, p. 93).
O que Freud refaz quando explica a origem da paranóia é que, essa projeção
não advém do mundo interno, mas que retorna desde fora, ou seja, o aparelho psíquico não
conta desta percepção que suprimida promove um desligamento da libido, e então, a
partir do momento em que o psicótico tenta reconstruir seu mundo através do delírio, esta
libido retorna de fora e se volta para o eu.
Foi incorreto dizer que a percepção suprimida internamente é
projetada para o exterior, a verdade é, pelo contrário, como agora
percebemos, que aquilo que foi internamente abolido retorna desde
fora(FREUD, 1911, p. 78).
Mas, aquilo que foi lembrado e causou desprazer irá no caso da paranóia ficar sem
auto-censura, ou seja, não sofrerá recalque “(...) e o desprazer gerado é atribuído a pessoas
que, de algum modo se relacionam com o paciente, segundo a fórmula psíquica da
projeção”.(FREUD, 1894, p. 274). Não havendo, portanto, crença na recriminação da
experiência de gozo. Opera-se uma descrença, unglauben, em relação ao representante da
lei, foracluído estruturalmente.Assim, o sintoma primário será a desconfiança, ou seja,
suscetibilidade a outras pessoas, porque há uma recusa em crer na auto-censura.
É, pois, pela ausência da crença na auto-censura que o eu vai sendo invadido e
modificado, por isso, a própria realidade vai sendo transformada, a tal ponto que substituída
pelo delírio. O eu e o mundo externo entram em conflito e uma nova construção toma
forma para substituí-la.
Assim, a recriminação vem do Outro sob a forma de injúria, é o que exemplifica a
foraclusão: o que foi abolido retorna no real.Diferentemente, na neurose, a interdição do
gozo inscreve um significante que se articula com o significante do gozo primário e faz
com que a cadeia simbólica opere, correspondendo à fórmula da metáfora paterna. Na
paranóia, o NP (“Nome-do-pai”) está zerado, como vimos anteriormente, e uma
identificação a esse significante do gozo ao qual o sujeito está alienado. Por isso, podemos
afirmar que o paranóico é um indivíduo, ele é Um, na medida em que não se faz deslizar e
representar por uma cadeia significante, como o neurótico.
80
Nesse sentido, no lugar da crença, há uma certeza. Certeza que o sujeito paranóico
atribui ao Outro, marcado por este gozo sem barra. O Outro do paranóico o invade no
momento do desencadeamento da psicose e toda a construção delirante é uma tentativa de
localização deste gozo. Os sentimentos, as idéias, as sensações, enfim os significantes
irrompem do Outro de forma maciça e invadem o eu. E essa certeza delirante e a unicidade
elevada a um ideal, sem lei, que identifica o sujeito paranóico, sem a mediação de um outro
significante. Isso é o que está na base da megalomania.
O fenômeno da megalomania acontece, de um modo geral, em todos os distúrbios
paranóides. Isso porque a libido nestes casos tende a ser retirada do mundo externo e a
regredir para onde estava fixada.(FREUD, 1911, p. 70). Diferentemente da neurose, onde a
libido se retira do mundo externo e recai sobre a fantasia, na paranóia, ela recai sobre o eu,
afetando as percepções e o contato com a realidade. E o mundo, “(...) o paranóico constrói-
o de novo, não mais esplêndido, é verdade, mas pelo menos de maneira a poder viver nele
mais uma vez”(FREUD, 1911, p. 93).
É precisamente que podemos recortar a relação do sujeito com o campo do
Outro, e dos efeitos desse Outro na constituição primordial do sujeito. O que Schreber nos
ensina é que exatamente um significante primeiro pôde ser construído onde - como nos
disse Freud- há uma falha com a realidade. Todo o trabalho de construção do delírio
advém exatamente do que se desenrolou no campo do Outro, invadiu o sujeito, pôde ser
remanejado e adquirir um sentido após o desencadeamento da psicose.
Desse modo, a voz que retorna do real, retorna como uma interpretação que vem do
Outro, é da ordem de uma certeza. O delírio surge como uma tentativa de dar, pela via da
interpretação, um sentido, uma resposta para localizar esse gozo do Outro, que prolifera
pelos outros, na gênese especular, na qual a paranóia está aprisionada.
Quando Freud diz que os paranóicos amam seus delírios como amam a si mesmos é
dessa relação especular que ele fala. uma consistência imaginária que o faz se sentir
inteiro, uno e todos os significantes adquirem sentido próprio e referenciado a sua paranóia.
Enquanto o paranóico é prisioneiro do Outro, do sentido imaginarizado, o esquizofrênico
está à deriva.
Retomemos Freud, nesse ponto, onde ele faz a distinção entre a paranóia e a
esquizofrenia. O mecanismo de retirada da libido que se volta para o eu, também será
81
atribuído à esquizofrenia, por Freud. Mas, na esquizofrenia, uma regressão para além do
narcisismo, ou seja, um completo abandono objetal e um retorno ao auto-erotismo infantil.
“A fixação disposicional deve, portanto, achar-se situada mais atrás do que na paranóia, e
residir em algum lugar no início do curso do desenvolvimento entre o auto-erotismo e o
amor objetal”.(FREUD, 1911, p. 84). Essa diferenciação não era rígida em Freud, pois ele
admitia uma certa combinação entre sintomas paranóicos e esquizofrênicos.
A diferença entre a esquizofrenia e a paranóia é marcada pelo retorno da libido. O
retorno a um estado anterior ao narcisismo, o auto-erotismo faz com que o eu não se
estabeleça narcisicamente. Dessa forma, na esquizofrenia, não a possibilidade de
unidade em torno de um significante que mediatize ou represente o sujeito. uma
dispersão significante, uma dispersão de gozo pelo corpo. É o que Freud denomina (1915)
como a fala do órgão. Aquilo que se refere ao significante- a palavra- não faz função
como representação das coisas. Como nos afirma Colette Soler:
A definição de palavra implica não o fato que ela reenvie a
significação, como também a ocorrência de uma referência
suposta. Tratar a palavra como coisa consiste em tratá-la como se
não houvesse referente.(SOLER, 2001,p.239)
Na falta de uma representação simbólica o significante incide sobre o corpo como
órgão. Lacan , em O seminário, livro 2 (1954-5), também aponta uma diferença entre a
esquizofrenia e a paranóia. Localizando a paranóia como correlata a uma alienação ao eu de
cunho imaginário, correspondendo à passagem do auto-erotismo ao narcisismo, no estádio
do espelho, ou seja, na constituição da imagem do eu pela via do outro. a esquizofrenia
estaria num tempo gico anterior, onde as imagens não conseguem se unificar, portanto,
surgem fragmentadas em torno de um corpo invadido pelas pulsões que o despedaçam.
Na paranóia, podemos supor a existência de um significante S1,
que é tomado em bloco, sem que um S2 possa fazer surgir o
equívoco; o próprio S2, ao contrário, é reinterpretado no mesmo
diapasão. Se, na esquizofrenia, há a dispersão significante por falta
de qualquer amarração, na paranóia a concentricidade ideativa
demonstra a ausência da dialetização do significante que
representa o sujeito (...) (ALBERTI, 2002, p. 77).
Em sua resposta a Jean Hyppolite, Lacan(1954),ao cernir a diferença entre
foraclusão e recalque, traz, na esquizofrenia, uma não inscrição de um vazio no real.
82
É justamente isso que explica, ao que parece, a insistência do
esquizofrênico em reiterar esse passo. Em vão, que, para ele,
todo simbólico é real. E bem diferente, nisso, do paranóico, de
quem mostramos em nossa tese as estruturas imaginárias
preponderantes, isto é, a retro-ação(...) e que depois de uma
organização discursiva longa e penosa conseguem estabelecer,
constituir, esse universo sempre parcial a que se chama um
delírio(LACAN, 1954,p.394).
O significante paterno(NP), ao não se inscrever no simbólico, não esvazia o real de
gozo e não barra o desejo da mãe primordial. E, por estar foracluido no simbólico, é que,
na psicose, aparece no real. A mãe, objeto que inicialmente existe no real, como diz Lacan,
torna-se simbólica, na neurose, por sua ausência, que é simbolizada. Dessa forma, o fort-da
freudiano- aí introduz um vazio no real. Como esclarece Colette Soler:
É a partir daí que Lacan caracteriza a posição do esquizofrênico:
na esquizofrenia, essa operação não acontece.Nesse caso, o
simbólico é real, ou seja, o efeito da linguagem no real não
acontece.Podemos, dessa forma, situar o esquizofrênico na tese de
Lacan sobre a metáfora paterna, e escrevendo-a a partir do
primeiro vazio, o desejo da mãe, que é a simbolização da presença-
ausência”(Soler, 2001, p. 239).
Na neurose, o NP vem para barrar o DM, e na paranóia um enigma que não se
concretiza no DM, pois NP está zerado. Ao enigma, X, do DM, a paranóia responde com o
significante da ordem do delírio.Na esquizofrenia, o DM estaria zerado,ou seja, não se sabe
sobre ele, e portanto, a impossibilidade de uma interpretação significante, ou seja, o
simbólico é real. Se na paranóia um significante que retorna pela via do delírio, no real,
na esquizofrenia o significante é real.
Em O seminário, livro 3, Lacan(1955-1956, p.60) ilustra essa diferença, quando
traz o caso da mulher que alucina “porca”, na resposta que já estava antes da pergunta: Eu
venho do salsicheiro”. Como afirma Lacan: “(...) estamos certos de que os neuróticos se
puseram uma questão. O psicótico não é tão certo. A resposta talvez tenha vindo antes da
questão - é uma hipótese. Ou então a questão se pôs sozinha - não é impensável”.(LACAN,
1955-1956, p.227). No caso, o significante “porca” representa o sujeito para outro
significante e possibilita todo o desencadeamento de uma construção delirante. Na
esquizofrenia, não um significante que vise o sujeito, pois não X para DM, DM está
zerado. uma cadeia rompida entre S1 e S2. Denominamos S1: o fundador do
83
inconsciente, significante primeiro, destacado da cadeia como primeiro traço diferencial e
S2: como a bateria significante, cadeia que designa o Outro no campo do simbólico, ou
seja, o saber. Essa cadeia rompida é o que permite que o significante possa ser dito no real
na esquizofrenia. E, por falta de uma representação significante, há fragmentação,
pulverização.
Na paranóia, o significante no real. Isso quer dizer um significante(S1) separado
do segundo significante(S2). O trabalho do delírio é reconstituir uma cadeia. Se ele escreve
o significante no real, S1, o delírio re-fabrica uma cadeia S2.
Na esquizofrenia, há o significante real que nada representa, não é um referente, não
tem qualquer representação significante.(SOLER,2001p.241).Daí Lacan dizer,
posteriormente, em sua nota em O Aturdito(1973), que o esquizofrênico se diante de
seus órgãos sem o socorro de um discurso estabelecido.
Na esquizofrenia, no momento do desencadeamento, uma multiplicação de S1
sem encadeamento. Esta fragmentação está ao nível do Outro que retorna dispersamente
pelo corpo.O delírio, quando advém, vem numa tentativa de circunscrever este Outro,
localizar o gozo numa unidade que opere no nível do corpo do sujeito e do Outro como
uma tentativa de representação pela via da metáfora delirante - uma paranoização do
sujeito. Ou seja, que esse Outro disperso, que não se endereça ao sujeito, mas opera no
anonimato do corpo, possa ser nomeado, inscrito entre os enxames de significante.
A paranoização, levantada por alguns autores, contudo, é uma aposta. Isso porque,
oferece-se a um sujeito que faz algumas tentativas de delírios muito dispersos e pouco
eficazes na tentativa de uma nomeação.
A passagem da esquizofrenia à paranóia ou, em outros termos, a
estabilização de um delírio, implica a produção de uma suplência
da metáfora paterna, operação que não se realizou, e corresponde a
uma transladação do gozo do corpo para um gozo localizado num
Outro subjetivado, em alteridade em relação ao próprio
sujeito(QUINET, 1997,p.116).
A suplência, nos termos que Lacan a traz em De uma questão preliminar a todo
tratamento possível da psicose (1957), é uma forma de suprir o vazio da foraclusão.
É o que a paranóia realiza após a morte do nome. Ela reconstrói a realidade com um
nome para seu gozo e assim pode mediar sua relação com o Outro, pela via do delírio.
Como todo delírio é uma tentativa de cura, ele também traz em si uma verdade, uma
84
verdade que revela a estrutura. No que a melancolia vem testemunhar com suas afirmações
verdadeiras nos diz Freud (1917[1915]).
Passa-se para a melancolia, outra forma da psicose responder ao Outro avassalador.
O melancólico é aquele que sabe que perdeu alguma coisa. Trata-se de uma perda
pulsional, de uma perda de libido, uma hemorragia diante da foraclusão do “Nome-do-pai”.
O sujeito melancólico se depara com o furo no psiquismo na ausência do significante
fálico, com um furo por onde escoa a libido. É assim que podemos dar sentido à fala de
Freud de que a sombra do objeto recai sobre o eu (FREUD, 1917[1915], p. 254 ). É a
identificação com o vazio, pois o “Nome-do-pai” está ausente (NP0). No
desencadeamento, a melancolia emerge semelhante a um luto pela perda de um objeto, mas
que, na psicose, trata-se de um objeto encarnado em um S1, um significante no nível do
ideal que, na ausência de uma suplência simbólica, retorna sobre o eu. “Quando esse
significante é perdido - ou é perdida a sua sustentação-, ele não pode mais ficar nesse lugar
e a melancolia é desencadeada, pois o sujeito se vê diante do furo do psiquismo”.(QUINET,
2002, p. 134).
Diante da perda, o sujeito melancólico se identifica com esse objeto e não reinveste
em nenhum outro objeto. Freud denomina esse processo de auto, selbst, do melancólico,
onde ao tomar o próprio eu como objeto, o melancólico se acusa de ser o responsável pela
perda (auto-recriminação, auto-acusação).O processo de negação e anulação se na
estrutura do Outro que desaparece nesse momento, onde o sujeito é o objeto, o dejeto, o
resto na ausência de um ideal que simbolicamente o sustente. A perda é a sua perda sem
mediação e o Outro só reaparece para recriminá-lo, acusá-lo por sua miserável existência.
O gozo incide no eu melancólico e a partir do delírio é que o gozo pode se
localizar no Outro. Ele tenta reconstituir esse Outro que vai puni-lo por essa perda: é o
delírio de petitesse. na mania, afirma Freud (1919) em O Eu e o Isso que o objeto
perdido é erigido novamente no eu. E o delírio de grandeza assume sua exuberância onde
Freud diz que um domínio do eu que anteriormente sucumbiu ao processo melancólico.
O sujeito está no centro dos dois delírios como causa de toda ruína ou de todo o bem.
uma tentativa metonímica de amalgamar o ideal. É o que demonstra bem os fenômenos de
fugas de idéia, verborragia, etc. O sujeito desliza de um significante a outro sem amarração,
pois o ideal está imaginarizado sem a entrada do NP. O supereu-herdeiro do Édipo capaz
85
de agenciar a castração, em sua angústia, fazendo a extração do objeto a, encontra-se
vociferando no sujeito desmetaforizado, ou seja, sem barra. Ao sujeito só resta, ficar
identificado ao objeto, ora como resto, ora excluído, circulando da mania à melancolia:
“(...) o sujeito não é mais preenchido por nenhum a, que o deixa algumas vezes sem
nenhuma possibilidade de liberdade, na metonímia infinita e puramente lúdica da cadeia
significante”.(LACAN, 1962-1963, p. 378).
Se na melancolia o sujeito fica como que petrificado sob o domínio do Outro, então
absoluto, na mania ele tenta descompletar esse Outro, cair desse Outro numa tentativa de
barrá-lo.
Quando Freud se questiona porque um homem precisa adoecer para ter acesso à
verdade de suas fraquezas, ele refere-se à verdade da inconsistência do Outro que a
ausência do apelo ao “Nome-do-pai” desvela a céu aberto, com toda a crueldade do
supereu, como nos indicou várias vezes Freud.Na relação do sujeito ao Outro há, na
melancolia, um triunfo do objeto em sua vertente de gozo, permanentemente enlutado.
Durante esse percurso, de-se situar o nascimento do sujeito no Outro e o
efeito do Outro nas tramas significantes que engendram os tipos clínicos na psicose.O que
fica como pergunta é de que forma o analista pode operar, na tentativa de construção de
uma mediação possível do sujeito ao Outro, na instituição. A noção da instituição como
campo lógico do Outro fornece algumas coordenadas para se pensar a direção de
tratamento desses sujeitos. Ao enveredar por esse ponto de discussão, tenta-se cernir alguns
fragmentos clínicos de casos institucionais, cuja intervenção se deu no campo do Outro.
86
IV. PARA QUE SERVE A INSTITUIÇÃO NA PSICOSE ?
Freud (1919[1918]), em seu texto Linhas de progresso da terapia psicanalítica,
demonstra sua expectativa com a atuação do psicanalista na sociedade mais ampla. E ele
nos adverte:
(...) qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo
possa assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais
componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes
continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita
e não tendenciosa (FREUD, 1918, p. 211).
A introdução da psicanálise na dimensão social também é objeto de reflexão,
por Lacan, que designa a prática da psicanálise no âmbito das instituições - como nas
instituições de ensino ou na própria transmissão da psicanálise - por ‘psicanálise em
extensão’, diferente da psicanálise do tratamento de consultório - ‘psicanálise em
intensão’(LACAN, 1967). Mas, ao mesmo tempo, sustentando a intensão articulada à
extensão, evidencia o testemunho que o analista pode dar de seu percurso ao se defrontar
com diferentes discursos e práticas, e, fundamentalmente, saberes. São os saberes da
psiquiatria e da psicanálise que sustentaram e sustentam, como vimos, a base de uma
clínica da loucura. E também construíram, reformaram, desconstruíram e instituíram um
lugar para a loucura. As novas instituições de saúde mental se propuseram, com a formação
de equipes múltiplas, a operar com uma prática intitulada reabilitação psicossocial. Sob este
termo lê-se entre outras definições a idéia de resgatar direitos aos loucos, a cidadania e
possibilitar seu convívio com a sociedade pela via da inclusão social.
Conduziremos essa discussão mantendo a definição de instituição como campo
do Outro, ou seja, que o saber advém do Outro e pensaremos em alguns elementos que
emergem desta relação para fazer emergir um sujeito. Esse sujeito cuja relação com um
Outro prévio(LACAN, 1960,p.807) é da ordem do horror, pois trata-se de um Outro que o
submete, o coloca como objeto de suas armações de gozo sem barra.
Nesse sentido, algumas questões se levantam ao mesmo tempo em que algumas
respostas já podem ser encontradas a partir do percurso feito nos capítulos anteriores da
nossa dissertação. Por exemplo, o saber como advindo do Outro, a particularidade do Outro
87
na psicose e a constituição do sujeito. E agora, retomando o saber que funda a instituição,
poderemos pensar a sua função em relação ao sujeito na psicose.
Nesse sentido, a constituição de redes de saúde mental tem, em sua vertente
institucional - vinculado ao campo da saúde blica -, criado diversas ações e ofertas
assistenciais para o tratamento das psicoses e neurose graves. O que essa vertente nos
coloca como pergunta é: “qual instituição para a psicose?”(ZENONI, 2000). E, em sua
vertente psicanalítica, traz à cena a idéia de rede como rede de significantes, que implica
em tomar o campo do Outro diante do qual o sujeito encontra um lugar que particulariza a
sua relação com a linguagem e conseqüentemente com a cultura e com o campo social. O
Outro é, de fato, a dimensão que introduz a psicanálise no campo da saúde mental...”
(LAURENT, 2000, p.167).
Não se trata, pois, de se perguntar se a possibilidade da psicanálise na
instituição ou se uma oposição ao discurso da psicanálise em uma equipe
multiprofissional, mas como nos diz Zenoni:
A questão não é de saber qual psicanálise praticar na instituição,
mas qual instituição praticar na psicanálise. Então, não é a
psicanálise na instituição, mas a instituição na psicanálise... Em
alguns estados da clínica, não se trata de ir ao consultório do
analista, trata-se de ser protegido (ZENONI, 2000, p. 15).
É necessário, pois, afirmar que a instituição existe porque cumpre uma função
social importante, nós o demonstramos durante todo nosso escrito. Essa função, histórica,
reformulada, criticada e novamente proposta, preexiste ao próprio analista. O caso que
chega para o serviço é, sobretudo, um caso social, que emerge de uma demanda do Outro
Social.
Porque antes de existir para eventualmente tratar do sujeito, a
instituição existe para acolhê-lo, colocá-lo ao abrigo, coloca-lo à
distância, assisti-lo. Antes de ter um objetivo terapêutico, a
instituição é uma necessidade social, é a necessidade de uma
resposta social a fenômenos clínicos, a certos estados da psicose, a
certas passagens ao ato, a alguns estados de depauperamento
físico, que podem levar o sujeito à exclusão social absoluta e até à
morte.(ZENONI, 2000, p.14).
Ao obtermos unanimidade em dizer que uma instituição faz-se necessária para
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certos momentos ou estados clínicos da psicose, é necessário pensar como ela pode operar
na construção do caso clínico, numa prática onde vários saberes se entrecruzam. Qual o
saber em jogo na Reforma Psiquiátrica? E, fundamentalmente, como fazer da psicose uma
questão de sujeito?
Todo o seu esforço, a propósito da psicose, não tem nenhum
sentido, a não ser o de fazer da psicose uma questão de sujeito.
Isso quer dizer que não se trata de avaliar o louco em termos de
déficit, ou de dissociação de funções, e que nada vai mudar com a
determinação molecular da psicose que nos é prometida para o
futuro: o sujeito tem de contentar-se com o que determina. Não
esqueçamos que Freud situa o delírio como uma tentativa de cura.
Não se trata de uma doença: é ao contrário, o testemunho de que o
sujeito emerge da catástrofe pela significação que ele elucubra. É
que podemos situar na psicose um momento de “morte do
sujeito”: ponto zero onde a significação se evacua por completo
.(MILLER, 1996, p. 164).
Outra questão que nos interroga é qual a função do analista junto a essa prática
que reúne tantos outros profissionais? Como situar o sujeito para além do cidadão, para que
ele possa se responsabilizar pela particularidade do seu sintoma e pela particularidade com
que vive e circula no meio social? Iremos tentar responder a estas questões partindo de uma
premissa que consideramos fundamental: a incidência da psicanálise implica na introdução
de um saber particular que se diferencia da lógica do universal da instituição.
Utilizaremos os três tempos lógicos“O tempo lógico e a asserção antecipada
de certeza”(LACAN, 1945) aplicados a alguns fragmentos de casos que foram
acompanhados por nós em uma instituição de saúde mental, o Centro de Atenção
Psicossocial(CAPS) de Juiz de Fora-MG.
Essa é a forma com a qual trabalharemos toda essa última parte da dissertação,
numa tentativa de reproduzir a relação de nascimentogico do sujeito no campo do Outro.
E, dessa forma, pensar a dinâmica institucional como o campo deste Outro em diversos
momentos do psicótico na instituição.
O “instante de ver”, o tempo de compreendere o momento de concluir
possuem uma dimensão temporal que em nossa avaliação incide sobre a temporalidade
própria da psicose. A operação desses tempos faz escansão, funcionando como ponto de
basta no descarrilhamento esquizofrênico ou mediando a certeza delirante da paranóia.
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Nossa hipótese é que essa escansão temporal logiciza a relação com o Outro quando
lançamos mão dessa operação no percurso do psicótico na instituição. Pensamos que essa
operação tem duas faces: a que toca o sujeito e que toca o Outro.Existe uma cadência de
tempo lógico cujo tempo objetivo, ligado ao movimento que vai de um “instante de ver” a
um “momento de concluir”, está carregado de uma tensão temporal subjetiva. Essa tensão
temporal traduz o movimento do sujeito desde sua entrada na instituição.
Primeiramente, ao falarmos da instituição, iremos precisar que o caso clínico
surge a partir do caso social. O caso social delineia-se no momento de entrada do psicótico
na instituição, ou seja, naquilo que se denomina acolhimento. se abre um primeiro
tempo, o instante de ver”, na medida em uma clínica se produz na construção preliminar
do caso. É quando a instituição aparece para o psicótico como uma primeira operação de
escansão lógica no campo do Outro.
Nesse momento, a demanda do Outro social comparece para pedir à instituição
uma intervenção, garantindo a ordem, a norma o estabelecimento da função social. A
família, a polícia e a sociedade demandam em nome do psicótico, reforçando o seu lugar de
objeto do Outro.
Num primeiro tempo que se articula ao segundo, têm-se: o tempo de
compreender”. É o momento em que o caso clínico revela para a instituição a
particularidade da relação do sujeito com o Outro, ao ser apresentado à equipe pela via da
supervisão e da reunião clínica. Do lado do sujeito psicótico é também a possibilidade de
instauração do tratamento possível pela via de um Outro mais acolhedor.
o “momento de concluir é o sujeito da psicose sob o efeito do Outro, na
instituição, construindo um saber ainda que delirante, ou minimamente uma armadura
significante que dê conta de sua relação com o Outro de forma menos invasiva.
Para a instituição, é o momento da construção de um projeto terapêutico como
uma resposta ao corte no “tempo de compreender” e inclui o sujeito. O “momento de
concluir” retroage sobre o instante de ver e uma nova direção ao tratamento que
possibilita a emergência do sujeito
O sujeito advém como efeito no interior do campo do Outro institucional em
três operações lógicas: em sua entrada: no acolhimento , “o instante de ver”, à construção
do caso clínico, “o tempo de compreender” e ao projeto terapêutico, “o momento de
90
concluir”. São esses os operadores lógicos trazidos pela psicanálise que subvertem a
relação de saber na Instituição.
É necessário ainda afirmar que esses momentos gicos são dinâmicos e sofrem
as intervenções da temporalidade própria da instituição e da particularidade da psicose. "A
idéia do texto sobre o tempo lógico é que, contrariamente ao que acontece quando estamos
na lógica clássica, as escansões temporais fazem parte das operações do sujeito.
Poderíamos até chamá-lo de tempo de produção do sujeito”(SOLER, 1987,p.82).
O “instante de ver”, o “tempo de compreender” e o “momento de concluir”
estão perpassando o cotidiano da instituição a cada momento em que surge um significante
novo, estabelecendo uma nova possibilidade de inscrição no campo do Outro.
Poderemos ilustrar com a nossa experiência clínica nos três fragmentos de
casos clínicos apresentados. No primeiro caso, Dono do CAPS” nos apresenta o percurso
do sujeito em sua entrada na instituição pela via de um significante dado por ele e
“compreendido” pela equipe como a via possível de inscrição no campo do Outro,
viabilizando seu tratamento. No segundo caso, Toni vem à instituição para reconstrução de
sua história a partir de dois significantes, “maconha” e “música”, dando testemunho do
apaziguamento diante do Outro a partir desses significantes. E, por último, podemos ver o
lugar da supervisão na intervenção de um caso de difícil manejo na equipe, cujo tempo de
compreender possibilitou um momento de concluir que teve efeitos no sujeito e para a
instituição.
91
4.1 -A instituição e a prática de muitos
A entrada da psicanálise na saúde mental pode se dar pela via do Outro
conforme apontou anteriormente Laurent. A concepção da instituição como um operador no
tratamento da psicose também foi introduzida por Jean Oury entre outros autores. A partir
da noção do “Coletivo”, feita por Jean Oury(1976), é que iremos trabalhar a instituição no
campo da saúde mental. Ao começarmos pela noção de “Coletivo” tentaremos diferenciar
essa noção da definição de coletivo como abrangendo um grupo homogêneo de pessoas
sem distinção, a coletividade. Essa coletividade traduz um “para todos”, um universal que a
instituição de saúde mental agrega em sua constituição. O significante saúde mental
necessariamente reúne outros significantes como, por exemplo: avaliação, controle,
prontuário, produtividade. São significantes que estão para todos e possibilitam uma certa
organização do serviço.
Nesse sentido, a saúde mental nos coloca sob a lógica de uma medida comum
que uniformiza as ações da instituição. Essa medida é necessária e inerente para se cumprir
algumas funções que permitam o próprio funcionamento social. A psicanálise, por sua vez,
instaura o estatuto do inconsciente para além do mental e introduz a particularidade do
sujeito no universal da instituição.Trata-se do desafio de, ao seguir as normas, tomar seus
efeitos na singularidade do caso a caso. Por isso, retomar o Coletivo de Oury é cernir uma
função particular no coletivo institucional e dessa forma, podemos pensar que esse Coletivo
é um modo de nomeação do Outro. O que a prática de muitos vem corroborar é como fazer
operar esse Coletivo a fim de inscrever o sujeito em sua diferença.
Em seu texto: Terapêutica Institucional(1976) Oury propõe uma série de
orientações sobre o funcionamento e a dinâmica institucional que transcenderia a noção de
campo, de campo psiquiátrico, com implantação de espaços, como ateliês, grupos, oficinas,
onde o psicótico deve criar o seu próprio itinerário, criando uma “superfície de vida” que
pudesse recriar, ou tecer significantes neste corpo dissociado. Tudo o que acontece na
instituição passa a ser utilizado com uma função de mediação entre o psicótico e seu
descarrilhamento na tentativa de construção de uma rede significante que poderia fabricar
uma separação entre sujeito e Outro e a criação de um certo objeto, ele diz, objetos de
92
troca.
Trata-se, então, não de criar zonas de encontro, mas pontos de
encontro: pontos significantes que não podem ser totalizados numa
estrutura fechada.... O psicótico segue, assim, uma espécie de
itinerário íntimo que o reformula pouco a pouco como sujeito,
operação que antecede a toada reformulação de funções perdidas e
descarrilhadas. (OURY, 1976, p. 234).
Oury atribui à noção de “Coletivo” a todo esse tecido institucional cuja criação
seria o objetivo da psicoterapia institucional. O “Coletivo” não é o lugar estabelecido, mas
uma função que tem em seu cerne um ato, ato decisório que traz a noção de interpretação,
como trazer à cena a possibilidade de se desenrolar a cena inconsciente que coloca em jogo
o sujeito. Ou seja, no meio sem distinção da instituição que tende a uniformizar suas
práticas, é necessário que algo se destaque pela via da interpretação e que coloque em cena
o sujeito do inconsciente. “O Coletivo é, portanto, uma noção que ultrapassa o campo
psiquiátrico. Trata-se mais precisamente de uma questão de método, presente em qualquer
campo de trabalho” (CAVALCANTI, 1992, p. 197). Não se trata, como bem ressalta
Cavalcanti (1992), de algum membro da equipe encarnar o lugar de quem interpreta. Mas
que a equipe possa, em uma dimensão ética, tomar uma posição desejante de se tratar
psicóticos. Ao aforismo de Lacan(1977,p.12) de não recuarmos diante da psicose deve-se
ter uma aposta que nos interroga a cada dia na instituição. É a nossa ferramenta de
trabalho. Oury interroga a burocracia que atinge os serviços públicos de saúde mental e
divide os profissionais entre os que para quem a instituição importa e os para quem pouco
importa. Como nos esclarece Cavalcanti:
Tomando-se esta máquina abstrata, agenciada por indivíduos para
quem ‘isto importa’(ou seja, indivíduos que, estando em relação
como o seu próprio desejo inconsciente, vão desenvolver nas
constelações, encontros, nos grupos de trabalho, etc..., sistemas
que “produzirão” S1, no sentido de um discurso novo, de uma
transformação no nível da estrutura... Oury aponta que, sem
analisarmos esta relação de dependência ao Estado, todo o nosso
trabalho ficará comprometido, pois haverá sempre um Outro, de
fora, a quem responder, a quem dar satisfações, a quem culpar pelo
que nos aborrecer ou pelo que não der certo, enfim, estaremos
ainda acreditando que haja um Outro do Outro e toda relação com
os pacientes estará comprometida. (CAVALCANTI, 1992, p. 233).
93
A interferência do Estado que nos pede produtividade e resolutividade ou então
nos fornece condições inadequadas de trabalho já nos é bastante conhecida e ela nos
agrega, reúne e nos coloca sob a égide de um Outro, poderíamos dizer, comum.O que nos
levaria a crer que um Outro do Outro para quem devemos trabalhar.Caso a instituição
enverede por esse caminho corre o risco de uma burocratização que deixa a clínica em
suspensão. Como nos alerta Laurent, a saúde mental é um campo aberto, cujo significante
trabalhador de saúde mental pode implicar numa paixão pela eficácia que elide a clínica.
Quando falamos de trabalhadores da saúde mental, ninguém sabe o
que isso quer dizer precisamente. É um campo com classificações
abertas. Inclui médicos assalariados das mais variadas disciplinas,
de ciências e de práticas sociais pouco científicas. Em resumo, é
uma comunidade moderna por excelência. Isso não tem nenhuma
essência, e, aliás, ninguém tem vontade de passar seu tempo
definindo a saúde mental. É uma questão de ordem jurídica que é
deixada a essa ordem de discurso. È uma comunidade heterogênea,
que se funda sobre uma certa pragmática, a de sua eficácia ou
antes, sobre o que resiste à sua eficácia. Donde a paixão, no campo
da saúde mental, pela medida e a definição de uma “medida
comum”(LAURENT,2000,p.165).
Se não há Outro do Outro, o desdobramento de suas funções ou relações que
engendra. Poderíamos dizer que, até por uma questão estrutural, a instituição de saúde
mental encarna o lugar do Outro social, do Outro da lei. A Justiça, a Polícia, enfim a Ordem
Pública se dirigem à saúde mental. Nesse sentido, podemos afirmar que o significante
saúde mental, bem como suas práticas estão muito mais sob a égide desta função social do
Outro. É o que Miller apresenta quando traz uma definição para a função dos trabalhadores
de saúde mental:
Os trabalhadores da saúde mental são aqueles que decidem se
alguém pode circular entre os demais pelas ruas, em seu país, entre
os países, ou se, pelo contrário, não pode sair do hospital
psiquiátrico. E fica por decidir se há de estar amarrado, porque, em
alguns casos a periculosidade é rebelde à medicação.
(MILLER,1999, p. 21).
A partir do que trabalhamos acima, podemos afirmar que a saúde mental opera
em sua função social, na tentativa de cuidar, acolher e reintegrar o paciente à
94
comunidade.Miller compara a saúde mental à polícia e à justiça no sentindo de manter a
ordem pública. É o que nos apontou Oury quando temos que atender a um Outro Social e
não devemos ignorar a interferência deste Outro e seus efeitos na instituição.
Talvez possamos ressignificar a discussão trazida por Oury.Com
ressignificar queremos dizer que a noção de Coletivo nos remete, sem a pretensão de
recobrimento, à noção de Outro. E, ao introduzir a categoria do Outro na instituição, trazer
uma outra dimensão, a dimensão clínica que faz emergir a cena inconsciente no cenário
institucional. Cenário esse que comporta diversas e complexas comunidades reunidas sob o
nome de trabalhadores da saúde mental.
E, sem dúvida, são esses trabalhadores que sustentaram e sustentam uma clínica
possível com a psicose e a psicanálise se deixa fazer uso desse significante, desse nome
para introduzir uma teoria do sujeito responsável por seu sintoma. Esse é o operador clínico
que a psicanálise aponta na direção do tratamento. Trata-se de lidar com um operador que é
o critério de responsabilidade. A saúde mental implica em que se o sujeito é o responsável
ele pode ser punido, ou, ao contrário ele deve ser “curado”.
E, mais ainda ,que cabe à saúde mental decidir sobre essa responsabilidade e
o sujeito aparece muito mais na dimensão do direito ou de sua suspensão. Para a
psicanálise, a noção de responsabilidade é, acima de tudo, uma resposta que se torna um
direito do sujeito enquanto sujeito da enunciação.
(...) a psicanálise é um tratamento que se dirige ao sujeito de
direito como tal, ao sujeito de pleno direito. Isto é, nosso trabalho
se dirige a enfermidades mentais - se querem chamá-las assim -nas
quais um sujeito de pleno direito.(...) Aqueles que se
introduzem no ensino de Lacan podem situar o termo sujeito a
partir dessa dimensão de resposta, de capacidade de resposta. O
sujeito de direito, tomado assim na vertente da resposta, da
capacidade de resposta, é o sujeito da enunciação, como dizemos,
utilizando o termo lingüístico (MILLER, 1999, p. 23)
Poderíamos pensar - por todo o percurso feito no capítulo anterior-que este
sujeito é uma resposta e ele advém não do mental, mas do inconsciente, trata-se de uma
construção. Não sendo da ordem do mental, como nos diz Miller (1999), o inconsciente não
está na relação da mente com o corpo são ou numa harmonia silenciosa do corpo. O
inconsciente que não se cala faz com que o analista não possa prometer saúde mental a seu
95
paciente. Tomemos isso como uma posição de princípio de uma clínica psicanalítica na
saúde mental
. Mas que clínica é essa que toma contorno a partir dos novos serviços de saúde
mental? Como bem esclarece Laurent:
Há, antes de tudo, uma prática feita por muitos, de uma
imanência, de uma presença jamais definível em um ponto e por
todo lado presente do Outro da psicanálise. Elas se tornam uma
espécie de comunidade da vida analisante, uma comunidade de
respeito pelo poder da interpretação e pela presença do Outro. É
uma nova geração de instituições reunidas sob o título da pratique
à plusiers, (...) Não são lugares de vida, como se dizia nos anos 70;
são formas de vida, formas de vida com o Outro.”(LAURENT,
2000,p. 168).
Eduardo Rocha (2003) lembra que esse é um segundo momento da entrada da
psicanálise na psiquiatria, após as Comunidades Terapêuticas. A noção de clínica ampliada
abrange esse novo enfoque, como afirma Eduardo Rocha:
(...) o saber psiquiátrico é suposto ir se substituindo pela
saúde mental, quer dizer, por uma interdisciplinariedade que
estaria mais apta a responder às exigências de um complexo
campo que deve incorporar novas tecnologias e a psicanálise
viria a entrar como um desses saberes
(ROCHA,mimeo,2003).
As novas experiências institucionais de tratamento pressupõem, portanto, que
uma prática se para além do setting analítico. A pratique à plusiers, pode ser traduzida
como prática de muitos ou de vários. Termo introduzido por Antônio Di Ciaccia e
estabelecido por Miller para nomear os trabalhos desenvolvidos por três instituições que
atendem crianças psicóticas e autistas: Antenne 110, Nonette e o Courtil. “A prática de
muitos, não é, portanto, a cura psicanalítica, o consultório do psicanalista instalado na
instituição. É, ao contrário, a abertura da instituição ao cotidiano, à política da psicanálise
na intervenção de muitos”(STEVENS, 1998, p.12).
E é Antônio Di Ciaccia que estabelece na nova instituição a operação com o
Um fundador e os múltiplos ao trabalho. Diferentemente do Um fundador da Igreja e do
Exército que propõe uma identificação vertical ao mestre que coesão, como analisa
Freud, em Psicologia das massas e análise do eu (1921 ), trata-se de sustentar o Um que
falta, o S(A) proposto por Lacan. Sobre o Exército e a Igreja, nos diz Di Ciaccia:
96
Aqui estão dois funcionamentos institucionais em que os muitos
estão unificados verticalmente por identificação ao Um, que é o
mestre, e horizontalmente entre “todos iguais”. Essa coesão interna
comporta diretamente como conseqüência, a rejeição, a recusa, o
afastamento do dissidente, daquele que pensa diferente do chefe,
daquele que o o ama o suficiente: do herético e do apóstata, do
desertor e do traidor. Aos que estão fora do vaso cerrado da
instituição reserva-se um desprezo total. E para aqueles que estão
em uma instituição concorrente, é o ódio, senão a guerra(DI
CIACCIA, 1999,p.61).
Ao Um da Saúde Mental, do bem estar para todos, há que se sustentar o não -
todo, a não totalidade nas ações e práticas quando colocamos o caso a caso como regra, a
exceção como norma e substituímos a segregação pela inclusão em um Outro que falta, e
falta para todos. está precisamente a política da psicanálise na instituição. Trata-se de
operar a partir do limite do saber que S(A) nos coloca e, conseqüentemente, com uma ética
que traga conseqüências para os sujeitos em questão. E tenha como efeito um desejo de
saber do paciente, a partir de sua fala, introduzindo de saída uma escansão lógica na
temporalidade em curto-circuito da psicose e uma possibilidade de mudança de lugar.
É assim que o ato de fundação deriva de uma operação sobre o
saber: o fundador aposta no fato de que uma equipe pode
responder às condições exigidas pelo sujeito psicótico quanto a seu
parceiro. Mas, através dessa aposta, é antes de tudo sobre si
mesmo que ele realiza uma operação quanto ao saber. Ele faz um
ato que implica o fato de se levar em conta que não se sabe de
antemão. Ele se faz bascular do lado da equipe, como entre os
outros que não sabem, posição a partir da qual ele se põe a operar,
a se autorizar. No fundo, ele tem um saber: ele sabe que é preciso
não saber. Esse saber traz conseqüências: é ele que permite a uma
equipe se autorizar a operar a partir do que ela não sabe. Ela tem
que não saber, porque cabe ao sujeito psicótico construir seu
próprio saber(BAIO,1999,p.67).
A entrada do sujeito na instituição, o momento do acolhimento; a discussão do
caso e a proposta de uma direção de tratamento, re-introduzem na dinâmica da psicose os
três tempos lógicos que fazem uma escansão no saber: o “instante de ver”, o “tempo de
compreender” e o “momento de concluir” para aquele que, muitas vezes já concluiu. Leguil
diz que o desencadeamento é um “momento de concluir”(LEGUIL,F. Apud
MILLER,1997,P.153).
Ao deslocar de uma fala sobre o paciente, como nos adverte Eduardo
Rocha(2003), para uma fala do paciente, temos uma função específica da introdução da
97
psicanálise na saúde mental. O que se coloca na entrada desses sujeitos na instituição, o
“instante de ver” do acolhimento.O acolhimento é uma função dada ao Coletivo, por Oury.
Oury, num de seus seminários de Saint-Anne, em janeiro de 1989, dizia que o problema
do psicótico é um ‘defeito no acolhimento’”(CAVALCANTI et al,1992,p.26). A escuta
pode permitir um acolhimento dos significantes trazidos pelo sujeito.Trata-se de um
momento preliminar, cuja demanda social precisa sofrer uma torção para uma demanda
clínica, naquilo que é possível construir do caso a posteriori. É do “tempo de
compreender” ao “momento de concluir” que um saber é construído e uma direção é
tomada.
O percurso do psicótico na instituição, de quais atividades irá participar, e quais
profissionais serão necessários para a intervenção no caso. O técnico de referência pode sair
desse acolhimento sendo aquele que irá agregar saber e funcionar como uma referência
para a equipe, para a familia e para o próprio paciente. Ele é o Um do caso, que se oferece
para acolher, recolher os fragmentos clínicos, os significantes que emerjam da fala do
paciente no limite do seu saber porque opera pela via da falta que o constitui. E com isso
abre à demanda que pode advir do caso e nisso inclui desde a administração da medicação
até a presença de um analista. Mas o que pode fazer um analista para além do consultório
em uma instituição?
98
4.2-A função do secretário ou testemunha
Sabemos que a psicanálise em extensão não existe sem intensão. Mais ainda,
acreditamos que numa prática de muitos não intensão sem extensão. Na instituição, o
analista não trabalha sozinho. É dessa forma que o analista tem uma função precisa,
determinada por Lacan, ao lançar seu mandato de não recuar diante da psicose. Em O
seminário, livro 3, Lacan traz a expressão “secretários do alienado”. Expressão, segundo
ele que anteriormente era utilizada para censurar a impotência dos alienistas, e diz que essa
é a posição de quem pretende o tratamento possível da psicose
Vamos aparentemente nos contentar em passar por secretários do
alienado. Empregam habitualmente essa expressão para censurar a
impotência dos seus alienistas. Pois bem, não nos passaremos
por seus secretários, mas tomaremos ao da letra o que ele nos
conta-o que até aqui foi considerado como a coisa a ser evitada
(LACAN,1955-56,p.235).
O trabalho de secretário implica em privilegiar a fala do sujeito: o trabalho do
delírio, numa tentativa de cura pela produção de um sentido muito particular àquele sujeito.
É exatamente que a função de secretariar aparece no tratamento da psicose. E, se a
direção do tratamento deve operar para buscar o sujeito que está na psicose, isso traz, em
conseqüência, uma pergunta sobre qual configuração do Outro construir na transferência
para acolher o sujeito na psicose e ainda que tipo de Outro pode ser concebido na psicose
na ausência simbólica do “Nome-do-Pai”?
No Seminário III de Lacan há uma indicação que poderíamos
designar de posição de princípio. Ele propõe que os alienistas
sejam secretários do alienado... Trata-se de saber escutar aquilo
que os psicóticos manifestam de sua relação com o significante.
Trata-se de secretariar, constituindo-se o analista como testemunha
da relação do sujeito com o Outro (QUINET,1997, p.131).
Retoma-se a afirmação de Lacan segundo a qual ao psicótico é suficiente o
Outro prévio. O que se vê no achatamento do esquema L é que a foraclusão do Nome-do-
pai desfaz a dimensão do Outro simbólico, o ternário imaginário se dissolve e uma
espécie de colisão entre a e a’, onde o sujeito perde a sua sustentação quartenária.
99
O psicótico coloca o analista na posição de outro, companheiro, testemunha e ao
mesmo tempo, seguindo a rota de colisão, o analista pode ocupar o lugar deste Outro não
barrado, do Outro do delírio, que contém toda a bateria significante de A (Lacan, 1960). E
mais ainda, se, na neurose, uma suposição de saber ao analista, o que Lacan(1953), em
seu texto Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise, comenta ser um erro
subjetivo no início da análise, de que o analista sabe, na psicose, uma certeza de saber.
Essa é a via da inclusão do analista. E a inclusão do analista pressupõe para Lacan, a
transferência como afirma em O seminário, livro 8 (LACAN, 1960-61 ).Para tentar pensar
a posição do analista, na psicose, a transferência será objeto de uma passagem específica
sem abarcar todo a sua abrangência, o que seria, obviamente um outro trabalho de
dissertação.
A partir de O seminário, livro 11 (1964), Lacan apresenta a noção de Sujeito
suposto Saber (SsS).A suposição de saber atribuída ao analista é o pivô, a mola da
transferência. Ao convidar o paciente a falar instaura-se o SsS que se na suposição de
que há um sujeito, sujeito do inconsciente, suposto pelo significante que não coincide com
o par analista-analisando, mas é efeito desta experiência analítica. O saber em jogo é um
saber não sabido, cuja associação livre a dimensão do sujeito como falta, como
esvaziamento da consistência de um ser dividido, e que faz apelo a um Outro que sabe.
Essa operação é construída no algoritmo proposto por Lacan em 1967 :
S---- Sq
s (S1, S2,....Sn)
É quando um significante do sujeito se dirige a um significante qualquer do
analista que uma cadeia de saber se produz sob uma barra a qual o sujeito também está
submetido, porque dividido pelo significante.Ou seja, não um significante que o
represente totalmente, ou conta de seu ser. Dessa operação sempre há um resto, algo que
cai, o objeto a, ou o objeto perdido freudiano. É a perda que inaugura a “falta a ser” e abre
uma fissura de saber, ao mesmo tempo em que introduz o sujeito na linguagem, na busca de
sua verdade, sempre impossível de ser dita toda. Dessa forma, o objeto a atua como causa e
introduz a via significante na experiência analítica.
O objeto a, como consistência lógica, está apto pra encarnar o que
falta ao sujeito. É o semblante de ser que a falta-a-ser subjetiva
100
convoca. É por isso que o objeto a como consistência lógica é
próprio para dar seu lugar ao gozo interdito, ao objeto perdido. Eis
então o que nos permite dar um novo sentido ao que chamamos de
psicose. É para onde Lacan nos conduz. A psicose é essa estrutura
na qual o objeto não está perdido, onde o sujeito o tem à sua
disposição. (MILLER, 1996, p.196)
Nesse sentido, o sujeito psicótico ao portar o objeto, oferece-se na
transferência como objeto do Outro. Enquanto, na neurose, a experiência analítica
enuncia a transferência como suposição de saber desse Outro cujo saber se dirige, na
psicose, o delírio traz um saber fechado , não interpretável, pois trata-se de uma
certeza, de uma certeza de saber.
(...) a transferência quer dizer que se trata de fazer existir o Outro a
fim de poder lhe enviar a carga da consistência lógica do objeto a
. É o que Lacan chamou de sujeito suposto saber. Fazer existir o
Outro para lhe enviar o objeto a faz desse objeto a causa de
desejo...O Outro não existe como real. Dizer que o Outro é o lugar
da verdade é dizer que o Outro é um lugar que tem estatuto de
ficção. Dizer que o Outro é o lugar do saber, é dizer que ele tem
estatuto de suposição. A neurose é fazê-lo existir ao preço, para o
sujeito, de consentir em se apagar diante do
objeto(MILLER,1996,p.196).
Na psicose, o delírio tenta restabelecer a cadeia rompida, numa tentativa de
construir um saber. Trata-se de um significante que não remete a outro, mas é um ponto de
certeza. Não equívoco.”Sou a mulher de Deus”, diz Schreber (FREUD, 1911). O saber
delirante coincide com a verdade que o sujeito porta sem falha, ele interpreta o Outro, seu
parceiro no delírio numa tentativa de defesa, em termos freudianos, ou de localização do
gozo no lugar do Outro (LACAN, 1966), em termos lacanianos.
O delírio é, pois, uma tentativa de afastamento desse ponto de coincidência
entre sujeito e objeto, onde a sua própria morte é anunciada, esse ponto máximo de abolição
e de onde o sujeito testemunha o que lhe acontece. Primeiramente perplexo. Isso que
retorna desde fora, produz um saber que fala dele. O sujeito está numa posição de “(...) um
testemunho(...)verdadeiramente objetivado”(LACAN, 1955-56,p.94).
E, nesse sentido, o psicótico dirige-se ao Outro com uma certeza de saber. Na
inexistência de um Sujeito suposto saber, vigora o Outro certeza de saber com quem ele
tenta se virar e resolver com suas próprias interpretações. Por isso, raramente o psicótico
101
vem por si mesmo procurar interlocutor para suas significações, pois ele já tem interlocutor.
Mas, às vezes, ele precisa de alguém que testemunhe isso com ele, que seja destinatário de
suas descobertas, ou que o ajude a secretariar em suas elaborações, e mesmo tente fazer
operar uma separação, nos momentos de maior invasão, entre sujeito, objeto e Outro . É
assim que o analista surge, inicialmente, na transferência, apesar de na maioria das vezes
ter sido convocado pela ordem pública de alguma forma(família, justiça, etc) para tentar
restabelecer a lei. Mas, trata-se de uma lei que deve advir para barrar o gozo que invade e
situa o psicótico no lugar de puro objeto do Outro sem barra. É assim que o psicótico situa
o analista na transferência,como um Outro absoluto que sabe dele.
Schreber, em suas “Memórias de um doente dos nervos” (SCHREBER, 1995)
endereça sua obra a seu médico Flechsig para “...que o submeta a um exame benévolo”
(SCHREBER, 1995, p.25).
Para Schreber, Flechsig o coloca num lugar de investigação e estudo, o que
coloca seu paciente a mercê de danos, por um desvio das finalidades terapêuticas. Em
resposta, que está antes de qualquer questão, as “almas provadas” (em seu relato, uma parte
dos nervos de Flechsig saiu de seu corpo e, subindo ao céu, transformou-se, o que tem
relação com o assassinato de alma) acusam Flechsig de ser o autor dos danos sofridos por
Schreber. É dessa forma que a transferência se apresenta e Schreber dá seu testemunho:
(...) a princípio, quero crer, apenas com finalidade terapêutica, que
o senhor manteve com meus nervos, mesmo à distância, uma
relação hipnótica, sugestiva ou como quiser denomina-la. Através
dessa relação o senhor, por interesse científico, pode ter
prosseguido durante um tempo a relação comigo até que a coisa se
lhe tornou, por assim dizer, estranha, o que lhe teria dado a
oportunidade de romper a relação(SCHREBER,1995, p.26) .
Na neurose, como já vimos, há uma atribuição ao analista, mas na psicose trata-
se de uma certeza que na paranóia traz uma construção discursiva que inclui o analista
como parceiro do delírio. Este que, no dizer de Freud, é uma tentativa de cura, ou seja, de
retornar a libido objetos e neste sentido deve ser acolhido. O que se coloca como questão é
que tipo de acolhimento se pode ter a essa manifestação do inconsciente que inclui o
analista a céu aberto. Se o fenômeno da transferência, na neurose, se utiliza o recalque
como motor de trabalho, pela via da resistência inerente ao processo analítico, na psicose,
inversamente, há uma invasão maciça de significantes endereçados ao analista que possuem
102
também elementos agressivos e eróticos, mas que estão completamente desvelados.
Flechsig é o destinatário ao qual Schreber faz um pedido, faz um apelo ao seu interesse
científico e compromisso com verdade. E, Schreber, através de uma transferência da ordem
do delírio tenta dar conta do que se passa nessa relação, onde Flechsig aparece ,ora como
perseguidor, aquele que interferiu em seu sistema nervoso, ora como quem sofreu de
influências com ele, ora ele é o homem da ciência.
O que nos interessa precisar nesse percurso é especificamente a relação da
psicose com o saber que pressupõe o analista como Outro Absoluto e o manejo que o
analista faz ao não ocupar este lugar quando se apresenta como o secretário do alienado.
Secretário que testemunha o achatamento do esquema L, que reduz o outro ao Outro. À
posição de testemunha, no momento do desencadeamento, segue-se o secretariar que
consiste em se fazer destinatário na posição de semelhante que acolhe sem interferências ou
julgamentos as construções delirantes, ao mesmo tempo em que esse endereçamento
permite um Outro menos ameaçador e mediatizado, portanto, barrado pelo não saber do
analista, que recoloca a possibilidade do saber como condição do sujeito advir, sem ser no
lugar de objeto do Outro sem barra.
Assim, o sujeito não advém pela interpretação que o divide, como na neurose,
mas a partir da posição do analista que escuta o sujeito na sua tentativa de se representar
pela via delirante numa transferência que é da ordem de uma certeza, certeza de saber que
enlaça sujeito e Outro.
Na paranóia, o analista é chamado a comparecer como parceiro do delírio,
como vimos em Schreber, posição de manejo delicado, já que o paranóico está muito bem
localizado em seu delírio.Trata-se de uma certeza, mas que como afirma Neuza Santos:
“Que essa certeza seja inabalável não quer dizer que ela não se deixe atingir, tocar. É
estável sem ser impermeável”(SOUZA, 1999,p.37). E a manobra está justamente em
esvaziar esse saber todo do Outro afim de que o saber se faça na construção de um
significante metafórico que re-situe o sujeito , permitindo uma distancia deste Outro,
barrando-o . Tanto Freud como Lacan irá reconhecer no delírio uma modalidade de
sustentação e não uma simples patologia a ser subsumida: “(...) a formação delirante, que
presumimos ser o produto patológico é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento,
um processo de reconstrução(...) Reconstrução após a catástrofe “(FREUD, 1911,p.95). E
103
Lacan chega a nomear como uma “solução elegante” (LACAN, 1955-56, p.361) que coloca
em ordem os significantes.
Na esquizofrenia e na melancolia a foraclusão do Nome-do Pai irá acarretar
uma fragilidade no eu e a construção delirante nem sempre leva a uma metáfora. O analista
opera aqui muito mais na posição mesmo do secretário que tenta fazer operar a relação com
um Outro despedaçado, estabelecendo um certo contorno significante mínimo que faça
alguma aposta de sujeito.
Ao analista cabe poder acolher ou recolher os conteúdos delirantes de forma a
não julgar, nem interferir, mas possibilitar a condição de sujeito ancorado em significantes
mínimos que possam fazê-lo circular em sua relação com Outro de forma menos invasiva
ou fragmentada e, em alguns casos, trata-se até de fazer o Outro inconsistir, esvaziá-lo.
Esse acolhimento passa por uma escuta, como nos diz Neuza Santos:
Acolher o paciente implica em aceitar o imprevisto (...) o que o
sujeito psicótico costuma nos pedir? (...) ele nos pede um lugar
para falar o que não p ode falar em outros lugares.(...) e o analista,
quais deveriam ser suas respostas? Em primeiro lugar ele deveria
consentir em ouvir. E ouvir despojado: sem julgar, sem se
inquietar demasiado sem esperar. Nesse ponto fazer como Freud:
ouvir sem esperar e, sobretudo ouvir o que não espera (grifo
nosso)(SOUZA, 1999,p.105).
O acolhimento ao psicótico feito por um analista deve se seguir de um
acolhimento ao caso pela equipe. O psicótico deve ser acolhido também pela instituição. È
isso o que vimos afirmando com a introdução de uma articulação necessária entre
psicanálise em intensão e extensão, na instituição.
A instituição surge, nesse sentido, como um Outro que acolhe e media essa
relação de assujeitamento estrutural, na psicose. A incidência do analista na instituição tem
esse viés, como bem nos mostra Eric Laurent(1999). Trata-se do analista-cidadão que não
se exime de comparecer com sua prática, “(...), ou seja, que os analistas, se são cidadãos
úteis, são avaliadores das práticas de uma civilização no campo da saúde mental, entendido
como campo efetivo das diferenças com respeito às normas.(LAURENT, 1999,p.18)”. Isso
nos interessa na medida em que falamos de um analista que está numa instituição de saúde
mental cuja prática da psicanálise em intensão pressupõe a extensão. E que nem sempre o
analista opera na lógica da instituição, como nos alerta Zenoni:
104
A instituição visa reduzir a pregnância do sintoma, enquanto que o
analista tenta fazer emergir o significante inconsciente. A
instituição quer o bem e a saúde do indivíduo, enquanto o analista
não visa nenhum bem, mas somente a emergência do desejo, que
pode comportar o mal-estar e a angústia. A instituição responde à
demanda, enquanto o analista, por sua escuta radical, visa a raiz
mesma da demanda. A instituição tenta construir a unidade do
sujeito, enquanto o analista visa à divisão do sujeito (ZENONI,
2000, p.14 ).
Fica-nos a interrogação de como o analista pode manejar este lugar para que
não corra o risco de oscilar _ como nos reafirma Zenoni(2000) entre uma atitude de recusa
ou de crítica à instituição, crítica à instituição como lugar de tratamento psicanalítico, ou
então uma inserção, mas contra a orientação da política institucional.
Talvez a clínica em seu retorno a Freud e a Lacan seja o roteiro ético preciso
para se balizar uma posição que surja do lado do sujeito em tratamento.Retoma-se a
posição do secretário do alienado. O secretariar e o testemunho, na contramão da
interpretação, são posições clínicas que cabem ao analista fazer transmitir no tratamento da
psicose, quando se refere ao saber sobre o caso. Trata-se de um saber que advém do
sujeito, cuja presença da psicanálise faz valer enquanto marca significante que o determina
e o nomeia para o Outro.
Ao precisar algumas incidências da psicanálise na saúde mental, Eduardo
Rocha (2003) traz os efeitos deste trabalho de equipe na presença da psicanálise em
extensão:
(...) os efeitos me parecem tributários de um investimento
subjetivo coordenado da equipe na vigência de certas instâncias
simbólicas, na vigência da palavra como tal. E mesmo naqueles
momentos onde falta um lugar de ancoragem à palavra de um
sujeito, como cada casos revela de diferentes maneiras, procura-se
cuidar para que um lugar para o sujeito seja assegurado, mesmo
que ele possa comparecer como um alucinado ou um
delirante. Lugar de alteridade, de um Outro que seja pelo menos
um pouco acolhedor. (ROCHA,2003,mimeo).
À lógica quantitativa dos universais institucionais se articula a gica
qualitativa da saída do um a um. Essa lógica é construída nas discussões clínicas da
equipe, onde um saber é suposto e des-suposto na elaboração do caso. O “tempo de
compreender” está aí, no saber que advém do paciente e não sobre o paciente, tal
105
como se queixou Schreber de seu psiquiatra. E, para o analista,trata-se de uma
transmissão desse saber, numa prática feita por muitos, a fim de fazer do momento
de concluir” uma inclusão do sujeito da psicose.
106
4.3-Do caso social para o caso clínico: a construção do caso e os três tempos lógicos na
instituição.
Vimos ao longo do último capítulo entrelaçando saber, psicose e a psicanálise para se
pensar a instituição de saúde mental. Destacamos dois momentos: o primeiro, estabelecido
por Oury, que introduz a noção de Coletivo e a função terapêutica da instituição, resgatando
o potencial pineliano de aposta no sujeito que há na loucura, vislumbrado pelo viés da
psicanálise. Num segundo momento, vimos nas novas práticas da saúde mental um novo
tipo de prática nomeada como prática de vários ou muitos que eleva a noção de Outro para
se pensar a relação com a instituição.
A função do analista bem como a política da psicanálise, como proposta ética para o
Um e o múltiplo, foi abordada ao se pensar o particular no universal, onde mencionamos a
construção do caso como a saída clínica para a emergência do sujeito. Com isso,
apostamos que a psicanálise é um recurso necessário, imprescindível, nas instituições de
saúde mental. Recorremos a Viganó para dizer que não reabilitação como exclusão da
clínica (VIGANÓ, 1999,p51). Afirmamos ainda que não clínica sem sujeito. E que a
psicanálise que estamos aqui trabalhando não está do lado do UM do Exército ou da Igreja.
Ela está como afirma Laurent:
O que psicanálise acrescenta, a essa interpretação do lugar do pai
morto nas ciências políticas, é que o psicanalista na instituição não
tem que ser situado como a-mais, como não fazendo nada,como
morto, identificado a esse pai morto. Ele é aquele que ali está pra
lembrar que o desejo em jogo supõe não somente adaptar o
regulamento ao caso, mas também de tomar o que, no caso, excede
o regulamento, o que é o ponto delicado, e que é a partir disso que
a ação vai se dirigir
(LAURENT, 1999, p.84).
Exatamente porque o sujeito pode vir a comparecer com sua singularidade,
na medida em que consegue emergir do Outro, desse que afirmamos ser faltoso. “É que
para a psicanálise, trata-se sempre de sujeito e de sujeito responsável, aquele do imperativo
freudiano, que assume sua própria causalidade e que responde por aquilo que o determina”
(SOUZA, 1999, p. 98).
O sujeito não é dado a priori, ele não é uma essência, uma imanência, uma
entidade em-si, mas ele surge a partir do significante. Quando um paciente nos procura na
107
instituição, ou melhor, quando nos procuram pelo paciente, não como garantir que
um sujeito. Na verdade se poderemos dizer um sujeito assujeitado a uma demanda não
formulada por ele. O momento do acolhimento traduz esse tempo. Aí, de saída, um
manejo importante que pode vir a deixar o caso como um caso social subsumido na
proposta: vamos reabilitá-lo, onde as atividades são oferecidas, investidas de qualidade
pedagógico-interpretativa, tamponando qualquer possibilidade do trabalho a partir do
sujeito. Viganó nos adverte que esse primeiro momento deve ser o de um vazio do tempo
clínico. “(...) que não é um vazio de assistência, mas um vazio de saber (...)(VIGANÓ,
1999,p.54)”.
É nesse momento preliminar que a construção do caso irá se dar e, nem sempre, ele
obedece às regras do Outro social. A utilização dos três tempos lógicos de Lacan é aqui
retomada em sua propriedade ao articularmos ao Outro nos variados momentos
institucionais para falarmos do percurso do sujeito psicótico na instituição. Acolhimento,
construção do caso, intervenção clínica e, ou projeto terapêutico toca no campo do sujeito e
do Outro, dialetizando o “instante de ver”, o “tempo de compreender” e o “momento de
concluir”. Iremos ilustrar, com alguns fragmentos de casos clínico, onde ocupamos várias
posições para o sujeito psicótico e lugares diferenciados diante da instituição. Com isso,
objetivamos demonstrar que a construção do caso ao operar com a temporalidade do
“instante de ver” ao “momento de concluir” consegue intervir na posição subjetiva do
psicótico diante do Outro e ter efeitos sob a instituição. E também corroborar nossa
afirmativa anterior que é a articulação necessária da psicanálise em intensão com a
extensão numa prática de muitos.
É exatamente pelos efeitos da intensão na extensão que algum saber pôde circular
incluindo o sujeito da psicose. E, conseqüentemente, esse percurso clínico iresponder no
caso a caso o uso que o psicótico faz da instituição, bem como a resposta que moveu toda
nossa pesquisa, sobre para que serve a instituição na psicose.
Começaremos por dois casos acompanhados por nós durante o período em que
trabalhamos no CAPS CASAVIVA, em Juiz de Fora-MG.
108
CASO 1
O primeiro fragmento de um caso clínico, trata-se de um esquizofrênico paranóide
grave que foi acompanhado por mim, primeiramente, como sua técnica de referência. Essa
é a função dada para o técnico responsável pelo paciente na instituição, por fazer contatos
com a família e levar à equipe esclarecimentos sobre o caso.É, de certa forma a responsável
por construir um projeto para esse sujeito na instituição juntamente com a equipe.
O paciente, chamarei-o de Ivo, um imigrante nordestino, freqüentava o serviço
CAPS quando me interessei pelo caso e me ofereci para acompanhá-lo. A equipe, de um
“instante de ver” a um “momento de concluir tinha estabelecido seu projeto para
freqüência diária no serviço, dada a gravidade do caso. Ivo, extremante delirante, quase
inabordável, vinha de várias internações e tinha pouca aderência às atividades do CAPS ou
de qualquer outra atividade de laço na vida. Quando começo a acompanhar o caso, a mãe
está desesperada porque o filho não se vincula ao projeto proposto pela instituição.Ivo
deveria ir todos os dias ao serviço e passar todo o dia lá. Contudo, ele ia muito pouco ao
CAPS e ficava perambulando pela cidade, junto aos mendigos e na rodoviária chegando
inclusive a pegar um ônibus interestadual. Sua mãe temia pelas saídas de Ivo numa cidade
estranha e fazia um apelo à instituição. Tratava-se de uma situação que envolvia risco real.
Ivo, quando aparecia no CAPS, estava sempre muito delirante, dizia-se “Agente da Cia”,
“Mão Branca”, que era poderoso, e tinha várias outras insígnias e titulações. Tratava a
todos como netinhos, filhinhos e bisnetinhos. Dizia ter mil anos. Seu olhar e jeito
desconfiado eram uma constante no serviço. Certa vez, convidado a participar da Oficina
de Beleza, não deixou que lhe cortassem as unhas enormes, dizendo que eram suas garras e,
portanto, sua proteção. Em uma de muitas abordagens, resolvi insistir em perguntar porque
não vinha ao CAPS conforme o estabelecido. Disse que era “Dono do CAPS”. Era um
significante novo que o localizava diante do Outro sempre ameaçador. O significante
“Dono do CAPS” permitia um certo trânsito no serviço assim como os outros nomes que
ele mesmo lhe atribuía frente a enorme carreira de neologismos que dizia a todo
tempo.Utilizamos desse significante “Dono do CAPS” e lhe comunicamos que um dono
tem que vir cuidar dos seus negócios. E que um dono também tinha um contrato de
trabalho. Ele devia fiscalizar, ver o andamento, etc. Assim é que junto à equipe, fizemos um
contrato assinado por ele. Ele viria três vezes na semana ao CAPS e nos outros dias ficaria
109
em casa tomando conta da mesma - assim ele justificou - porque era o “Agente da CIA”.
Suas saídas diminuíram sensivelmente e ele passou a vir ao CAPS desse lugar. Num
determinado momento, passamos a atendê-lo. Suas falas giravam sempre em torno dos
mesmos significantes. Quando eu comunico minha saída do CAPS, ele pergunta se não
está me pagando bem. Respondo que iria trabalhar em outra cidade e que não seria
possível conciliar, mas que nada tinha a reclamar da Instituição.
A escolha do significante “Dono do CAPS” permitiu a esse sujeito dar
continuidade a seu tratamento e também viabilizou que ele pudesse se nomear de outras
maneiras. Foi a partir de sua fala que um novo instante de ver abriu-se para a instituição
que do “tempo de compreender” ao “momento de concluir permitiu que Ivo pudesse se
endereçar desse lugar à instituição que o sustentou em sua posição subjetiva.
Atualmente, Ivo participa ativamente da Oficina de Música do CAPS. Chega,
pede pra cantar, geralmente, as mesmas músicas com vários neologismos por ele criados.
pouco tempo o coordenador dessa Oficina me disse que Ivo pediu insistentemente para
cantar. E disse: “Essa música tem 7 minutos”. Ele cantou os mesmo neologismos e a
gravação foi depois cronometrada pelo coordenador que verificou que ele cantou por seis
minutos e cinqüenta e nove segundos.
CASO 2
Esse paciente foi atendido por mim durante um curto período de férias de sua
analista.Toni,um paciente psicótico, fazia uso quase diário de maconha. Não tinha qualquer
constrangimento nesse uso, pelo contrário, dizia dos efeitos benéficos que a maconha tinha
sobre suas alucinações, que o fazia relaxar e sentir-se menos angustiado.A maconha tinha
um sentido em sua história com o rock e de ter experimentado drogas pesadas. A música e a
maconha eram os significantes em torno dos quais esse sujeito se estruturava. Eram
praticamente seus únicos laços com o mundo. Sair para conversar e comprar maconha ou
ficar em casa, deitado, ouvindo música. Contudo, o uso da maconha incomodava muito sua
mãe. De vez em quando a mãe aparecia no CAPS para se queixar, reclamar e pedir que eu a
ajudasse a fazer seu filho parar de fumar. Ela lhe repassava pequenas quantidades semanais
de dinheiro e ele gastava quase tudo que era bem pouco, comprando a droga. Muitas
vezes,eu recebia a mãe e Toni e tentava intermediar a negociação sempre tensa que
110
envolvia a permissão ou não do uso da droga. Nesses momentos, Toni dizia que iria parar
por causa da mãe. Minha posição era de não estar a favor ou contra, permanecendo em
silêncio.Mas, posteriormente, sempre o convidava a pensar o usos da maconha em relação
as suas construções significantes, ou seja, o lugar da droga e como substituí-lo se fosse o
caso. Em dado momento, a mãe ameaçou não dar dinheiro algum, mas o dinheiro por
direito o pertencia. Convidei à mãe para mais uma negociação, secretariando a relação do
sujeito com o Outro materno. Negocia-se uma pequena quantidade e é dito à mãe pelo
paciente da necessidade do uso da maconha, no que eu, sem me posicionar, sustento com
meu silêncio sem fazer par com as observações morais e legais da mãe. Em uma consulta
com o psiquiatra que acompanhava o caso, a mãe diz que Toni estava sendo liberado por
mim para usar maconha. Essa fala gerou um mal-estar que produziu trabalho. Ela foi
acolhida e endereçada a um outro lugar. Tratava-se da relação de Toni com o Outro e nesse
sentido teve efeitos na equipe abrindo um novo “instante de versobre o caso. O que
viabilizou podermos discutir o caso apontando para as dificuldades de Toni em se manter
de outra forma que não fosse pelo significante maconha e de um manejo difícil, mas
necessário para não trabalharmos somente para atender a demanda da mãe.
Nos dois fragmentos de casos acima citados existe um ato que é construído
pela equipe a partir do sujeito e, pela analista, seja no silêncio que sustenta a escolha
possível pelo significante maconha, seja na escolha do significante “Dono do CAPS”,um
nome que viabilizou o tratamento. Queremos aqui denominar como ato, o que Viganó
propõe em relação à construção do caso. “(...) a construção é a construção do ato (...)O ato é
um ponto de não retorno; é, pois sempre alguma coisa de eficaz.(...) (VIGANÓ, 1999,
p.56)”. Ele aponta ainda que a construção do caso é o discurso mesmo do psicanalista, que
parte sempre do particular. Ou seja, quando ele privilegia um sujeito que pode advir para
além do Outro Materno, do Outro Social.
O que nos interessa em pensar é que como a operação desses elementos
possibilita a entrada da psicanálise, ou seja, transformar o caso social em caso clínico, as
“demandas” dos que conduzem, a maioria das vezes, o cliente à instituição em uma questão
do sujeito,o significado do Outro em significantes do sujeito, numa questão portanto de
tratamento cuja função terapêutica atravessa a função social.
Qual a relação que esses sujeitos estabelecem com o Outro? Trata-se de um
111
além da questão diagnóstica dos sinais e sintomas que a psiquiatria muito bem sabe
localizar com seu manual. É o que apresentamos quando no caso de Toni houve uma escuta
de que o significante maconha tinha uma função que o aproximava com sua história de
roqueiro, meio drogado . No caso de Ivo foi o significante “Dono do CAPS” que o fez se
vincular ao tratamento num lugar que não o colocasse como objeto do Outro e permitiu que
o mesmo circulasse ora no serviço como o “Dono do CAPS” ora no social como o
“Agente da Cia”. São essas as construções subjetivas possíveis de identificação para esses
sujeitos. Sujeitos que, em sua maioria, estão privados de qualquer palavra ou discurso que
os possa representar. Do “instante de ver” ao “momento de concluir” uma escansão pôde
ser feita.
Não poderíamos deixar aqui de destacar o lugar da supervisão clínica como um
momento essencial de construção do caso. Trazemos um fragmento de um caso clínico
trabalhado muito tempo por Jairo Goldberg. Não se pode deixar de mencionar que esse
psiquiatra é extremamente importante no campo da reforma psiquiátrica e pôde nos brindar
com a elucidação de um caso de difícil manejo para toda a equipe na época. Tratava-se de
um esquizofrênico grave de nome Gil, freqüentador assíduo do serviço, cuja possibilidade
de circular no CAPS dava-se a partir de tentativas de sedução das estagiárias e técnicas e ou
agredindo-as verbal ou até fisicamente, quando supunha que elas o rejeitavam. Ele gostava
de futebol e cantava calangos - tipo de música - e fazia versinhos sempre endereçados de
forma amorosa. Isso gerava um grande temor na equipe, principalmente nas mulheres,
que havia um dado anterior na história de Gil de ter esfaqueado uma mulher. A partir da
discussão do caso, percebemos que as investidas agressivas aconteciam sempre que ele via
uma mulher e mais um. Esse instante de ver produziu um saber a partir da construção do
caso. Concluiu-se que ao invés de uma pergunta, advinha uma certeza delirante: que
falavam dele, gozavam dele. A partir daí começamos a operar de uma posição que não o
colocava como objeto. Evitávamos formar a dupla que montava uma cena para ele real e
quando isso não era possível, dizíamos a ele o que estávamos fazendo e ou falando e o
convidávamos a participar, tornando esse Outro menos invasivo. Certa vez, ele abriu a
porta de uma sala onde estávamos reunidos. Antes que ele começasse com as agressões nós
falamos que se tratava de uma oficina e se ele queria participar. Ele recusou e calmamente
fechou a porta.
112
Viganó coloca a supervisão no “instante de ver, que para nós segue-se de um
tempo de compreender:
A supervisão, como sugere o próprio termo, atua no instante do
olhar, é um tipo de poder da escuta analítica, coloca-se em
contemporaneidade com o ato analítico e, portanto, está do lado
da interpretação. Entretanto, a construção atua a posteriori -
literalmente, a expressão aprés coup significa “depois do
golpe”, quando qualquer jogo foi feito (...)
(VIGANÓ,1999,p.55).
No caso trabalhado em supervisão pudemos manter rigorosamente uma
orientação estratégia que deixou cada técnico livre em sua tática. Mas que pressupôs uma
política de falta em relação ao saber. Havia um saber do “tempo de compreender”, mas não
se sabia o que poderia advir de nossas intervenções. Essa é a destituição do “Um” que
funda a instituição.
(...) o fundador responde com uma posição de destituição: ele se
destitui ao instituir a equipe, para que ela mesma se autorize nessa
destituição permanente quanto ao saber. E, dessa forma, ele realiza
um certo tratamento da transferência: ele não localiza o lugar do
saber (BAIO,1999, p. 68).
É a partir, portanto, da posição de não saber, ou seja, de um Outro que sabe do não
saber que é possível se pensar uma prática de muitos. A construção do caso pressupõe um
saber sempre faltoso. E se há um saber é de que ao Outro falta, tal como expressa o matema
de S(A).Essa prática que se introduz pela via de um não saber nos autoriza a possibilitar o
sujeito psicótico fazer o uso que lhe seja possível de sua condição de ser de linguagem e de
um significante qualquer, um S1 que possa mediar a sua relação com o Outro, mesmo que
de frágil sustentação.
A instituição surge para fazer um corte, uma descontinuidade, uma escansão nessa
relação de assujeitamento ao Outro sem barra da psicose. É uma aposta que, como afirma
Lacan, numa análise, ao “(...) tocar por pouco que seja a relação do homem com o
significante(...) altera-se o curso de sua história modificando-se as amarras do seu ser
(LACAN, 1953,p.250).
Trata-se mais uma vez na instituição de fazer a política de S(A), ou seja, que não há
113
um saber a priori, um saber todo, ou uma verdade sem divisão. A psicanálise é a ferramenta
que instaura o campo do sujeito na instituição ao introduzir o particular nos universais.
Trata-se de um desejo de se fazer parceiro, testemunha do sujeito psicótico cujo efeito é,
sobretudo, ético, afinal, como disse Freud(1911), os psicóticos amam seus delírios como
amam a si mesmos.
Para se extrair dessa afirmativa suas conseqüências, é necessário não recuar diante
do enfrentamento do trabalho em equipe, dos atravessamentos imaginários que o grupo
tende a se ligar nas figuras do “Um” da Igreja ou do Exército que, volta e meia, rodam as
equipes. É saber que existirão aqueles para quem isso pouco importa, mas que a psicanálise
não está aí para convencer ninguém. Ela opera pelo caso e para o caso. Por que se trata de
um sujeito intransitivo, como afirma Lacan:
Com isso, vocês apreenderam como podemos conceber o efeito de
total estranheza do real que se produz nos momentos de ruptura
desse diálogo do delírio que é o único pelo qual o psicótico pode
sustentar em si o que chamaremos de uma certa intransitividade do
sujeito. (LACAN, 1957-58, p.14).
Se de um lado intransitividade, do Outro institucional, que se ter uma
flexibilidade, uma escansão mesma nos tempos que encontram atemporais na psicose.
Introduzir um ato exige uma posição de escuta e de suportar mesmo com a sua
pessoa(LACAN, 1958,p.593) para sustentar os efeitos dessa clínica do sujeito, como fez a
equipe do CAPS, que suportou esse ponto de não-saber, num paciente grave como Gil,
cujas ameaças colocavam em risco a própria equipe.
114
V. CONCLUSÃO
Ao longo da elaboração dessa dissertação procuramos situar o saber da psicanálise
no campo da saúde mental em seus pontos de interlocução e de diferença com o saber da
psiquiatria. O que pudemos constatar é que tanto a psicanálise quanto a clínica da reforma
psiquiátrica fizeram o enfrentamento dos muros que aprisionaram a loucura durante anos. E
pudemos cernir que a psicanálise introduziu uma subversão na gica universal da
instituição ao trabalhar com o caso a caso e possibilitar que um sujeito pudesse advir em
sua relação singular com o Outro.
Pensar o caso a partir da relação do sujeito com o Outro foi para nós o verdadeiro
sentido de uma clínica ampliada em saúde mental. Trata-se de práticas e saberes que não
horizontalizam as relações do sujeito com a equipe, mas são as variadas formas possíveis
de enlaçamento do sujeito psicótico no Outro. Essa clínica é ampliada porque está para
além do diagnóstico psiquiátrico e seu manejo cuida para escutar o sujeito psicótico
viabilizando um lugar possível que o localize diante do Outro sem ser puro objeto do Outro.
que a posição de objeto ele porta por estrutura. A instituição intervem como
mediadora na relação do sujeito com o Outro, operando com uma escansão lógica na
temporalidade da psicose. Essa temporalidade apesar de marcada por momentos
formalizados pela própria instituição como o acolhimento, reuniões, etc é uma
temporalidade que segue a estrutura subjetiva do psicótico.
Nesse sentido, muitos questionamentos m sido levantados sobre o tempo na
instituição: tempo de permanência na instituição, tempo de consulta, tempo de atividade,
contratos terapêuticos, etc. É o tempo atendendo a função social do Outro e nem sempre a
temporalidade do caso clínico é colocada em questão.
O que nossa experiência clínica nos demonstrou foi que muitas vezes as equipes
pouco depreendem do “instante de ver” e acabam acomodando-se com o “isso é sempre
assim” do caso como é trazido, numa aposta pouco decidida. Há também momentos em que
se alarga demais o “tempo de compreender” em reuniões sem que uma incidência no caso
possa ocorrer recuando-se do “momento de concluir”. E quando o ato acontece a equipe
não consegue abrir um novo instante de ver, deixando de acolher os efeitos de seu ato. Ou
seja, não se sustenta o efeito da conclusão. Como afirma Lacan: “Digamos que, no
investimento de capital da empresa comum, o paciente não é o único com dificuldades a
115
entrar com sua quota. Também o analista tem que pagar”(Lacan, 1958, p.593).Acreditamos
que a supervisão se torne um lugar privilegiado para operar nesses impasses inerentes a
uma clínica institucional.Sendo um operador clínico importante para a construção do
projeto terapêutico do paciente. Projeto que não deve ser estanque. Na verdade, o projeto
terapêutico é a sucessividade de tempos gicos com intervenções clínicas numa certeza
antecipada sempre pontual. Ela toca o instante de ver e achata o “tempo de
compreender.
As questões acima levantadas são os efeitos que pude recolher da articulação
necessária entre teoria e clínica. Elas abrem novos “instantes de ver para um “tempo de
compreender” de uma próxima pesquisa que não se esgotam nesse trabalho.
O nosso “momento de concluir retroagiu na interrogação inicial que nos angustiou
e nos colocou a trabalho. No início, questionávamos o tempo clínico na instituição, na
medida em que nos perguntávamos sobre o destino daqueles sujeitos que estavam anos
vinculados ao CAPS. Nosso ante-projeto era interrogar as saídas da instituição.
Preocupava-nos a fala de alguns colegas sobre uma nova cronificação de portas abertas,
sem os muros da loucura. Contudo, a saída nos apontou uma questão anterior. Por que esses
sujeitos estavam na instituição? O que nos remeteu à pergunta que foi o cerne desse
trabalho: qual a função da instituição na psicose?
Como pudemos perceber não se tratava de entrar ou sair da instituição. Isso porque
concluímos que não fora da instituição para psicóticos, neuróticos ou para qualquer
sujeito da linguagem. Nesse sentido, não desisntitucionalização para qualquer humano
que esteja na civilização. Existem sim instituições que favorecem ao aparecimento do
sujeito e outras, como os antigos manicômios, que convidavam o sujeito a prolongar seu
momento de morte subjetiva.
Em outras palavras, não existe sujeito fora do campo do Outro. Existem formas de
engendramento no Outro que incidem em cada sujeito. Resta-nos saber que tipo de Outro
serve ao psicótico num lugar que não seja de puro objeto, dejeto desse Outro. Também
temos que pensar que a instituição como campo do Outro não é garantia de que exista um
Outro bom que de alguma forma compensar o Outro mal do psicótico. Aliás, o Outro na
neurose pode ser tão consistente e danoso quanto para um psicótico.Trata-se sempre de uma
questão de sujeito, de se apostar no sujeito, de se trabalhar para que o sujeito possa advir de
116
forma pontual, possível. É, nesse sentido, que a psicanálise pode vir a contribuir.
O psicanalista certamente dirige o tratamento. O princípio desse
tratamento, o que lhe é soletrado logo de saída, que ele encontra
por toda parte em sua formação, a ponto de ficar por ele
impregnado, é o de que não deve de modo algum dirigir o
paciente(LACAN, 1958, p.592).
Os fragmentos de casos clínicos trazidos tiveram essa visada teórica. Eles trouxeram
ilustrações de momentos do sujeito psicótico com o Outro e as intervenções sempre
pontuais que pudemos realizar no caso a caso.
Passado o “tempo de compreender dessa dissertação podemos afirmar que as
saídas do psicótico da instituição que nos instigavam no início da pesquisa deram lugar para
se pensar essas saídas para além de uma possível neo-cronificação. Essas saídas devem ser
pensadas como saídas clínicas, construídas subjetivamente na estratégia do caso. E também
nos fizeram pensar que, muitas vezes, essas tentativas de inclusão social do psicótico são
frágeis, fugidias, mas que devem possibilitar ao sujeito psicótico um mínimo de sofrimento
na medida em que uma prática de muitos possa intervir nesse Outro sem barra.
Ao empenho dos profissionais da saúde mental temos a dizer que a clínica com
psicóticos porta necessariamente um não saber que nos acompanha no cotidiano cujos
impasses exigem manobras precisas e delicadas. O nosso exemplo brilhantemente estudado
por Freud(1911),o caso Schreber, nos deu o testemunho de todo o seu percurso na
construção de uma localização diante do Outro. E, mesmo após Schreber ter escrito sua
obra e construído sua metáfora delirante, reatando ali seus laços com a realidade, tal como
afirmou Freud, isso não o impediu de fazer um novo desencadeamento delirante e ser
internado.
E, finalmente, podemos dizer que a clínica com a psicose, em uma prática feita por
muitos, nos convoca a todo instante a pagarmos com nossa pessoa, bem como pagar com
nossas palavras. São palavras incompletas por estrutura, mas é nessa incompletude que o
desejo de saber nos instigou a escrever e sustentar os furos dessa escrita.
117
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